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Fundador: Francisco Pinto Balsemão 12 de maio de 2023

2637

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

expresso.pt

24h Sete anos em Marcelo vai ser CRISE POLÍTICA

testemunha Com Costa

do primeiro- de férias,
-ministro número dois
Segurança reforçada
em Fátima
A GNR vai envolver 700
cada 10 podem contra
Carlos Costa
do Governo
foi ignorada

ser de seca
militares na operação de
segurança da Peregrinação PM pediu-lhe Galamba não ligou
Internacional ao Santuário e o Presidente aceitou a Mariana Vieira da
de Fátima até domingo. Com testemunhar no Silva, chefe do Governo
patrulhas apeadas e a cava- processo contra o em funções, antes de
lo, um posto móvel, drones, ex-governador do BdP acionar autoridades P7
equipas cinotécnicas e de ina-
tivação de explosivos e ele-
mentos descaracterizados, a
Quando Carlos Costa acu-
sou o chefe do Governo de
O relato da PSP
GNR vai aproveitar o evento o ter aconselhado a poupar da noite violenta
para “testar e ajustar o dispo- Isabel dos Santos no caso no Ministério P8
sitivo” para a visita do Papa. BPI/BIC, o Presidente da
> Secas severas podem durar 22 meses seguidos República negou qualquer
Seguro Sanches:
CIP apresenta > Projeções apontam subida das temperaturas intenção de favorecimen-
to à empresária angolana. “Tem de haver um
pacote de medidas
A CIP apresentará em breve até 4 graus > Sul do país pode ter 95 dias acima Agora vai dizê-lo ao tribu-
nal. Por escrito e a pedido registo das reuniões
as medidas que compõem o
pacto para o crescimento que
dos 35 graus > Preço da água inquieta Algarve P18 de António Costa. P6 dos deputados” P5
Armindo Monteiro, o novo
presidente da principal con-

YUVAL NOAH
federação empresarial, quer
debater com os sindicatos. Certificados Numa rara entrevista, o filósofo Aleksandr Dugin, cujas teses
O pacote de alterações será
depois entregue ao Governo de Aforro antiocidentais inspiram Putin, defende a invasão da Ucrânia, HARARI
e incluirá propostas sobre
fiscalidade, remunerações e tiram €7,6 mas reconhece que não está a correr como o planeado P26
“INTELIGÊNCIA
relações com o Estado.
mil milhões ARTIFICIAL
Mudança no CCB a depósitos É UMA
O Governo nomeou Rita Na- AMEAÇA À
beiro e Djaimilia Pereira de
Almeida para o Conselho Di- Corrida aos certificados
CIVILIZAÇÃO”
retivo do Centro Cultural de leva a fuga dos bancos R18
Belém, substituindo Pedro onde os juros são dos
Mexia e Celeste Hagatong, mais baixos da Europa E6
que pediram para sair. Ema-
nuel José das Neves, José
Paulo Mateus e Maria Emília A histeria
dos Santos são os restantes
elementos do organismo. O que falta à volta dos
esclarecer Coldplay em
Integram esta edição semanal, além deste
corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA e REVISTA E
sobre casa de Coimbra R20

Montenegro
Erdogan
Oito perguntas e oito
treme nas
respostas sobre o caso
da moradia de Espinho
sondagens
do líder do PSD P11 na Turquia P25

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FOTO KIRILL KUDRYAVTSEV/AFP/GETTY IMAGES

MP quer Metade
perícia das crianças
psiquiátrica vai de carro
a Salgado “ESTAMOS NUM MOMENTO para a escola
DIFÍCIL, MAS PERDER SERIA
Procurador da Relação
tem dúvidas sobre se
O FIM DA RÚSSIA” Só 24% dos alunos dos
6 aos 18 anos vão a pé.
ex-presidente do BES Uso de transportes sobe
deve ir para a prisão P4 a partir do Secundário P24

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Aconteça o que acontecer,
com a Caixa sinto-me em casa. Caixa Geral de Depósitos, S.A.,
registada junto do Banco de Portugal sob o nº 35.
2 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 12 de maio de 2023

João Vieira Duelo A festa de dia 6 correu como planeado, apesar de protestos republicanos
de que resultaram detenções. Depoimentos recolhidos por Pedro Cordeiro
Pereira
Hugo Ken
O trágico voo da TAP Vickers Ritchie

P
or mais que tentemos, há
coisas para as quais é difícil
encontrar uma explicação
racional. A atribuição de
uma indemnização de 500
mil euros a uma ex-admi-
nistradora da TAP exsu-
dou centenas de notícias, a demissão
de um ministro, de um secretário de
Estado, de uma CEO da companhia
Secretário do movimento
chocados com a aprovação de compra
Escritor e biógrafo de Isabel II Trabalhistas pela República
de carros novos para os diretores da
TAP. A inveja é tão grande que nem
interessa que a operação levasse a pou-
panças futuras à empresa.
E poucos serão os que no futuro fi-
carão indignados com a venda da em-
A coroação de Carlos III
presa. Houve um erro inicial, a nacio-
nalização. Erro esse que não dá direito
reforçou a monarquia britânica?
a que se cometam outros. Porque vai

aérea e a criação de uma comissão de
inquérito. Por sua vez, esta já levou a
cenas de violência dentro de um mi-
nistério, ao uso indevido do Serviço
de Informações de Segurança para re-
cuperar um computador, a uma crise
política, a um dos maiores puxões de
orelhas em direto e em horário nobre
que alguma vez um Presidente da Re-
pública deu a um ministro em funções
e ao arrefecimento irreversível das
relações entre Belém e São Bento.
Em jeito de brincadeira, podemos
sempre achar que aqueles 500 mil
euros foram um preço baixo a pagar
para ficarmos a saber como, de forma
amadora e muito pouco eficiente, este
dossiê foi gerido. Mas se meio milhão
de euros, que até deverão ser devolvi-
dos, gerou tudo isto, seria de esperar
que a injeção de 3,2 mil milhões de
euros na TAP tivesse, no mínimo, origi-
nado igual discussão pública. Mas não.
Preferimos mil vezes discutir tricas po-
líticas do que o destino dado a milhares
de milhões de euros dos contribuintes.
Dá-se mais importância a mensagens
trocadas para combinar reuniões se-
cretas do que a um Plano de Reestrutu-
ração de uma empresa nacionalizada
por capricho e que custou mais do que
o programa Famílias Primeiro que
o Governo aprovou para enfrentar a
inflação. Plano esse que continua se-
creto, prova que detestamos justificar
como o dinheiro público é usado. Tudo
o que se passa no Estado é do mais
opaco possível, sem que alguém sinta
ser a Iberia, a Lufthansa ou a Air Fran-
ce/KLM a beneficiarem do dinheiro
dos contribuintes portugueses. Se é
verdade que o negócio da aviação é de
escala, que todos os investidores que
não são do sector acabam por perder
dinheiro — basta ver o que aconteceu
com a trágica história da Alitalia —,
os argumentos que estiveram na base
da nacionalização continuam válidos.
A venda a qualquer dos gigantes pode
Houve um erro inicial, a
nacionalização. Erro esse que não
dá direito a que se cometam
outros. Porque vai ser a Iberia,
a Lufthansa ou a Air France/KLM
a beneficiarem do dinheiro
dos contribuintes portugueses
transformar a TAP numa companhia
ainda mais pequena, que não defende
os interesses nacionais, cujo centro de
decisão vai estar numa outra qualquer
capital europeia. Se houvesse em Por-
tugal investidores com capacidade para
pegar nesta empreitada seria obrigação
do Governo, depois do erro cometido,
encontrar uma solução nacional. Con-
tudo, décadas e décadas de impregna-
ção na política de teorias bacocas da
esquerda anticapital ajudaram a diabo-
lizar o empresário português e nunca
permitiram a criação de uma classe
empresarial forte e com capacidade de
investir no que de melhor temos.
SIM NÃO
Assisti à coroação do plateau do A coroação tem como principal
canal ITN, mesmo ao lado da porta propósito obter mais apoio para a
principal da Abadia de Westminster. monarquia, que não pode existir se
Veem-se coisas que não aparecem na TV, da chegada não tiver o favor da opinião pública. A verdade é que
dos lordes, com seus mantos, às famílias reais estran- a monarquia precisa mais do povo do que o povo pre-
geiras, passando pelos coristas. Até vi que a carruagem cisa da monarquia. Esta tem vindo, nos últimos anos,
do rei, ao chegar, ficou parada algum tempo, já que os a perder popularidade aos poucos. Enquanto existiu
príncipes de Gales se tinham atrasado um pouco. É Isabel II, mesmo os que estamos contra a instituição
natural, já que têm filhos pequenos, que, de resto, se respeitávamos alguém que fazia o que acreditava ser
portaram impecavelmente. O príncipe George, o mais o seu trabalho. É difícil criticar uma nonagenária que
velho, foi pajem do avô, o que é raro, e serviu para for- se dedica à causa pública. Agora a situação é diferente.
talecer a ideia de continuidade dinástica: há reis para Prevíamos que a popularidade da monarquia caísse
lá do nosso horizonte de vida. A princesa Charlotte mais rapidamente após a morte da rainha, mas há
parecia uma adulta disfarçada de criança. E o prín- sempre empatia com uma família enlutada, benefício
cipe Louis, o mais novo, que atrai sempre atenções, da dúvida ao novo rei e, sobretudo, gastos milionários
também esteve lindamente. É claro que se ouviram para promovê-lo.
comentários sobre o príncipe André [acusado de ter Neste caso, gastou-se uma fortuna quer na ce-
abusado sexualmente de meno- rimónia quer, sobretudo, no seu
res] e até houve na comunicação policia mento. Há muita gente
social quem quase desejasse que Não acho mal que se zangada por, num momento de
ele fosse apupado. É inevitável, de discuta a forma inflação e subida do custo de vida
certa forma. de chefia do Estado, — pense-se nos preços da energia
A monarquia é respeitada sobre- —, se fazer tamanha despesa numa
tudo em tempos de crise. Recor- mas não era o festa que a lei nem sequer exige
de-se como a rainha Isabel II agiu momento adequado que se realize. É uma festa para as
durante a pandemia, transmitindo altas camadas da sociedade, o que
mensagens que os políticos não Há muita gente nos parece muito errado.
eram capazes de articular, ou, Houve ataques a quem se ma-
mesmo que o fossem, o povo não zangada por, perante nifestou contra a monarquia du-
queria ouvi-los. o atual custo de vida, rante a coroação e seis pessoas
É certo que há estudos que dão se fazer tamanha foram detidas sem que houvesse
conta de menor entusiasmo pela despesa numa festa qualquer indício de que fossem
monarquia entre os mais jovens, violar a lei. Aliás, até tinham con-
mas desconfio sempre das son- que a lei não exige tactado a polícia para dar conta
dagens. Houve protestos, como dos seus planos, sempre pacíficos.
era de esperar, uma vez que havia muitas câmaras Acabaram por ser libertadas sem acusação formal. Só
pela cidade. É preciso ver que uma coisa é protestar foram presas por serem republicanos. Creio que foi
e outra é perturbar. Quando assisto a uma cerimónia, um tiro pela culatra. Se queriam suprimir a voz dos

sequer necessidade alguma de prestar
contas.
Diabolizaram os investidores pri-
vados da TAP, apesar de terem uma
estratégia clara para a empresa. Fica-
ram indignados por alegados negócios
feitos pelos privados com o intuito de
arranjar financiamento para manter a
companhia. Disseram o pior da gestão
de Antonoaldo Neves, CEO escolhido
por David Neeleman, o mesmo que,
após escorraçado da TAP pelo Gover-
no, foi gerir a Etihad, aquela que agora
é considerada uma das melhores do
mundo.
Mas ninguém quer saber como foi
gasto o dinheiro injetado na TAP.
Se originou investimentos ou se foi
tudo consumido em custos. Ninguém
exige que o serviço prestado seja de
qualidade, que os aviões não se atra-
sem sistematicamente, que estejam
limpos e a funcionar corretamente.
Ninguém quer saber se a manutenção
da TAP, considerada em tempos uma
das melhores do mundo, continua a
ser um polo de excelência. Mas todos,
incluindo a grande generalidade da
opinião pública, ficam extremamente
2
Costa não gosta de reguladores,
supervisores e instituições inde-
pendentes. Não descansou en-
quanto não conseguiu colocar a
mão no Banco de Portugal, no Conselho
de Finanças Públicas ou no Tribunal de
Contas. Agora prepara novo ataque. Já
começaram as críticas à Autoridade
Nacional da Aviação Civil (ANAC), pri-
meiro por Costa, depois por Galamba
e mais recentemente por Ana Paula
Vitorino. A ex-ministra socialista que
lidera a Autoridade de Mobilidade e
dos Transportes defende agora a fu-
são destes dois organismos. E porquê?
Nos próximos anos será decidida a
construção de um novo aeroporto, a
atribuição de licenças de handling e a
privatização da TAP. Para quê deixar
estas decisões de milhões e milhões nas
mãos de autoridades independentes. E,
já agora, reparou que o Ministério das
Infraestruturas foi sempre liderado
por pessoas do aparelho do PS (Pedro
Marques, Pedro Nuno Santos e João
Galamba). Eu não acredito em bruxas,
mas que as há...
jvpereira@expresso.impresa.pt
interessa-me o que se está a passar, não quem se
manifesta. É provável que a minha atitude não seja
representativa do país, até porque admito que sou
algo antiquado. Em 2011, pouco antes do casamento
de William e Catherine, estive num programa em
que alguém prometia ir aproveitar a ocasião para se
manifestar contra a monarquia. Perguntei-lhe se não
preferia apresentar ali mesmo os seus argumentos e
deixar o casal ser feliz no seu dia especial. Não quis.
Mais tarde vi-o ser detido durante os festejos.
Creio que a monarquia saiu muito reforçada não só
pela coroação, mas pelos almoços comunitários que se
seguiram, com muitos milhares de participantes. Não
acho mal que se discuta a forma de chefia do Estado,
mas não era o momento adequado. É melhor apro-
veitar a festa, reparar como acertaram no equilíbrio
entre manter uma tradição com origem medieval e
introduzir apontamentos de diversidade e inovação.
Foi bom o príncipe Harry ter vindo — mostra res-
peito pelo pai — e não ter trazido a mulher, Meghan
Markle. Muito mais consensual, é claro, foi a coroa-
ção da rainha Camilla, por mais que os media gostem
de polémica e que subsistam algumas resistências.
Ela tem feito um bom trabalho. Conheço-a, é calma,
educada, simpática e apoia muito o rei. Foi muito
inteligente Isabel II ter pedido, quando cumpriu 70
anos de reinado, que os britânicos viessem a tratar a
nora por rainha. Assim não há polémica.
republicanos, só conseguiram dar-nos mais projeção.
A maioria dos britânicos não teve qualquer interesse
na coroação, ainda que lhes soubesse bem um feria-
do. Uns nem sequer assistiram à cerimónia, outros
assistiram por ser um espetáculo raro, algo que não
acontece com frequência. Para nós foi uma oportuni-
dade de fazer chegar a mais pessoas os argumentos
que mostram que a monarquia é um resquício de
outros séculos.
Embora não veja políticos a defender a mudança,
talvez por estarem mais preocupados em ganhar
eleições falando de outros temas, acredito que um
Governo trabalhista poderia controlar a quantidade
obscena de dinheiro que se gasta com a família real
ou alterar a legislação que permite que esta atue à
margem da lei. Há também um debate em curso sobre
a história da monarquia e a sua ligação ao tráfico de
escravos, que lhe rendeu uma fortuna. Deviam fazer
muito mais para compensar os povos colonizados,
cujos antepassados foram vítimas dessa calamidade.
As coisas não vão mudar depressa, mas a maioria dos
jovens prefere um chefe de Estado eleito. Para quem
viveu a II Guerra Mundial ou as décadas que se lhe
seguiram, a monarquia representava a grandeza do
Império Britânico. Era uma ilusão, mas uma ilusão
potente. Essa geração vai desaparecendo e os mais
novos veem o que a monarquia é verdadeiramente.
Temos motivos para ser otimistas.

A Semana vitória e a inflexão no

Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
RÚSSIA
Putin aproveitou o desfile militar
no Dia da Vitória (da II Guerra
Mundial) para prosseguir as suas
diatribes e acusar Kiev de
provocar uma catástrofe ao povo
ucraniano, classificando de
criminosa a “ideologia de
supremacia defendida pelos
dirigentes ocidentais”.
TURQUIA
Mais de 64 milhões de eleitores
vão às urnas este domingo para
decidir se o consulado de
Erdogan, no poder há duas
décadas, continua, ou se a
oposição, congregada em
Kiliçdaroglu, consegue uma
caminho do
autoritarismo seguido.
PANDEMIA
É mesmo verdade: a
pandemia acabou ou,
usando os termos da
Organização Mundial da
Saúde (OMS), deixou de ser
uma emergência global. Depois
de quase 7 milhões de mortes e
mais de 765 milhões de infeções
em todo o mundo, a OMS
declarou o fim da expansão
mundial do coronavírus
responsável pela covid-19.
BENFICA
Os encarnados estão perto de
conseguir o 38º título nacional.
Faltam agora três jogos — com o
Portimonense, com o Sporting e
com o Santa Clara —, e o clube
da luz tem quatro pontos de
avanço sobre o FC Porto.
CARLOS III
O sucessor de Isabel II
foi coroado na Abadia
de Westminster, numa
cerimónia que levou
um milhão de pessoas
às ruas de Londres e a
que assistiram pela
televisão 20 milhões. Mas
os desafios do seu reinado,
perante a erosão da monarquia,
são de monta.
BANCO ALIMENTAR
A campanha nacional do Banco
Alimentar contra a Fome (BA),
que decorreu no último fim de
semana, angariou mais de 1719
toneladas de alimentos e teve a
colaboração de 40 mil voluntários.
TRUMP
O tribunal federal de Manhattan
considerou que Donald Trump
abusou sexualmente de Elizabeth
Jean Carroll e condenou-o a
pagar 5 milhões de dólares à
jornalista e escritora. O caso
remonta à primavera de 1996.
Segundo Jean Carroll, Trump
violou-a no provador de uma loja
de artigos de luxo.
INQUÉRITO À TAP
Prosseguem os trabalhos
da mais escaldante das
comissões de
inquérito, esta
semana muito
marcados pelo
incidente envolvendo
deputados e o
presidente da comissão,
o socialista Jorge Seguro
Sanches, à volta do tempo para as
perguntas. Resultado? Demissão
e novo presidente da Comissão
Parlamentar de Inquérito.
COSTA E MARCELO
Depois da semana do grande
choque, eis que a agenda política
junta primeiro-ministro e
Presidente da República em
Espanha, para a entrega do
Prémio Carlos V a António
Guterres, secretário-geral da
ONU.
EUROVISÃO
A portuguesa Mimicat, que
venceu o Festival da
Canção de forma
surpreendente,
conseguiu agora a
qualificação para a
final do concurso da
Eurovisão.
SEGURO
O antigo líder do PS remeteu-se a
um longo silêncio desde que
António Costa está no poder.
Esta semana falou, para dizer que
o país merecia melhor do que
aquilo que tem. Estará o
lançamento de uma candidatura
presidencial a caminho?
Expresso, 12 de maio de 2023
Miguel Sousa Tavares
As coisas importantes
V
amos explicar outra
vez: não há água. E
outra vez ainda:
não há água. Portu-
gal está sob ameaça
iminente de ter de
começar a racionar
a água, já não só para a agricultu-
ra, mas para o próprio consumo
humano. O mais de um milhão
de turistas que todos os Verões
triplicam a população residen-
te do Algarve vão correr o risco,
este ano, de, após servidos os 60
campos de golfe, os laranjais e
olivais intensivos, as estufas de
frutos vermelhos para os peque-
nos-almoços dos alemães e as
cada vez maiores plantações de
abacate (esse fruto exótico que
precisa muito de humidade e que
a Europa não dispensa), abrirem
as torneiras e não verem água
a correr. Talvez aí, finalmente,
percebam do que estamos a falar.
Entretanto não se preocupem,
essa iluminada que ocupa o car-
go de ministra da Agricultura
já terá visto atingido o ponto de
seca necessário para activar os
mecanismos europeus que, não
lhe inventando água, lhe darão di-
nheiro com o qual ela julga, pobre
criatura, resolver, como de cos-
tume, os problemas estruturais
da agricultura portuguesa. É isto
que António Costa não entende, é
isto de que Marcelo não se ocupa.
E enquanto ambos e todos os
partidos, os comentadores e o
“país político” esperam o depoi-
mento do adjunto Pinheiro na
CPI da TAP como quem espera a
revelação das Tábuas de Moisés,
alguma gente tem passado por
lá e dito algumas coisas curiosas,
que mereciam aprofundamen-
to, mas que, como não criavam
o escândalo mediático oportu-
no e adequado, não colheram
atenções: um representante dos
sindicatos ousou dizer que, afi-
nal, David Neeleman tinha “uma
visão estratégica para a TAP” (a
qual a comissão não viu interesse
em aprofundar), e Diogo Lacerda
Machado, diminuído por ser o
“amigo de António Costa”, ousou
dizer que a troca dos A-350 pelos
A-320 Meo fez todo o sentido e
que o “ruinoso negócio da VEM
Brasil”, negociado por Fernando
Pinto, foi o que permitiu à TAP
conquistar a sua posição até hoje
dominante no mercado do Bra-
sil, com um lucro avaliado em
10 mil milhões de euros. Coisas
que mereciam ter sido melhor
esclarecidas até em termos de
futuro da empresa. Mas parece
que é mais importante e mediáti-
co passar 10 dias a discutir se um
“parecer” existe ou não existe, se
é um relatório ou um “parecer”
e a esperar ansiosamente que as
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PARA ARMAZÉNS
INTELIGENTES
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notas de uma reunião do adjunto
Pinheiro (que até podem ser ago-
ra acrescentadas livremente, por
irresistível vingança) deem a uma
eunuca oposição a oportunidade
de se fingir útil e vigilante. Quan-
do não se têm políticas alterna-
tivas sobre a substância daquilo
que verdadeiramente interessa
— no caso, o futuro da TAP —,
gasta-se o tempo e as atenções
a fazer “oposição” de opereta.
A um Governo inerte responde
uma oposição de fachada, dispos-
ta a substabelecer as suas funções
no Presidente. O qual, porém,
e para desgraça nossa, também
adora este jogo de aparências.
Veja-se o caso do aeroporto de
Lisboa, talvez a mais cara e mais
estruturante obra que o país tem
pela frente. À esquerda do PS não
se conhece qualquer ideia sobre o
assunto; à direita, não é coisa que
ocupe o Chega ou a IL. Resta o
Em lugar de andar
a meter-se nos
assuntos do Governo
ou a ameaçar com o
uso dos seus poderes,
o Presidente podia,
com mais proveito
comum, encabeçar
a defesa da terra, da
agricultura, da água,
da paisagem e do
futuro do país, que
depende de tudo isto.
E isto é a soberania
nacional
PSD, que começou por defender a
Portela+Montijo e depois passou
a defender Alcochete, para acabar
a defender mais uma comissão e
mais um ano de espera para estu-
dar um assunto já estudado inten-
samente há 20 anos. E na véspera
da entrada em funcionamento da
comissão, depois de uns senhores
irem falar com Montenegro, este
impôs que se estudasse também a
hipótese Santarém — talvez por-
que fica mais perto de Espinho.
Ora, Santarém, como a Ota e ou-
tras ideias malucas, é um com-
pleto disparate, que só sobrevive
por um intenso blitz mediático
alicerçado em mistificações. San-
tarém ficaria a mais de 90 km de
Lisboa, quando, como o Expresso
aqui contou na semana passada,
a distância média dos aeroportos
europeus às cidades que servem é
de 21 km. Dizem eles para contra-
riar o argumento que haveria um
shuttle que reduziria o tempo até
Lisboa para 40 minutos por com-
boio. Mas não explicam por onde
e a que custo se faria a linha do
shuttle e quantos seriam precisos
para que os passageiros desem-
barcados de um avião tivessem
logo um comboio à espera para os
levar à Gare do Oriente, de onde
apanhariam um táxi para o cen-
tro da cidade: avião após avião.
Também dizem que o aeroporto
em Santarém não custaria um
euro aos contribuintes, porque
seria financiado por privados, que
já teriam garantido mil milhões
para o efeito. Tudo dá vontade
de rir, a começar pelos privados
que nunca apareceram e pelos
mil milhões que não chegariam
nem para as terraplanagens de
uma só pista.
Mas, mais do que tudo, o que é
assustador é que o país se prepare
para embarcar nisto, confiando a
decisão a uma comissão técnica
de “sábios”, sem que antes o po-
der político — Governo, oposição,
Presidente —, tão ocupados com
outros assuntos mais importan-
tes, faça a necessária discussão
política: para que queremos um
novo aeroporto em Lisboa? Di-
zem-nos que, uma vez ultrapassa-
dos os 20 milhões de passageiros/
ano na Portela, Lisboa precisa de
um aeroporto que possa receber
50, 80 ou até 100 milhões/ano.
Quem o diz e quem tem condu-
zido o processo e pressionado a
decisão são os empresários de
hotelaria e turismo, que se quei-
xam de estar a perder milhões
pela impossibilidade de verem
mais aviões a aterrar na Portela.
Mas é o turismo que deve decidir
o objectivo primeiro do futuro
aeroporto de Lisboa e o futuro
da própria cidade? Lisboa quer e
aguenta 50 milhões de turistas?
O desejo premente dos lisboetas,
que já sofrem quanto baste com
o excesso de turismo, é verem a
sua cidade transformada numa
imensa Albufeira à margem do
Tejo, para satisfazer a ambição
das dezenas de novos hotéis pla-
neados?
E, já agora, o futuro e a salva-
ção de Portugal vai continuar a
ser a aposta no turismo de mas-
sas, em Lisboa, no Algarve, na
costa alentejana, e por aí acima?
Com os empresários do turismo
algarvio a reclamarem a simpli-
ficação urgente da imigração de
trabalhadores dos PALOP e da
Ásia, pois que têm 50 mil postos
de trabalho por preencher e que,
pagando o ordenado mínimo e
instalando os trabalhadores onde
nenhum turista quereria passar
uma noite, só mesmo os pobres
entre os pobres aceitam servir.
E, pior: continuando a construir
desenfreadamente, onde já não
resta um metro livre nas praias,
se espera 20 minutos para entrar
de barco numa gruta, não há sítio
para estacionar o carro em lugar
algum, se demora três vezes mais
tempo num supermercado do que
em Lisboa ou Porto e em breve
não haverá água nas torneiras,
porque ela estará a regar os golfes
e os campos de abacateiros e la-
ranjais intensivos. Há 30 anos que
sustento em vão esta discussão,
mas como a estupidez, longe de
cessar, é verdadeiramente infini-
ta, como dizia Einstein, só resta
repetir as mesmas perguntas: é
este o turismo que queremos e
de que precisamos, é esta a nossa
aposta no futuro económico do
país — crescer até rebentar? Nem
ao menos aprendemos nada com
a pandemia?
O mesmo com a agricultura.
Quando oiço um empresário
agrícola (não confundir com
agricultor) reclamar água para
os seus regadios intensivos insta-
lados em terras onde já sabia que
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
não havia água, dá-me vontade de
o exportar daqui para fora, junta-
mente com a sua “agricultura”.
Mas tenho, inversamente, uma
profunda admiração por alguns
pequenos agricultores, que, nas
zonas mais secas do Alentejo, fa-
zem uma agricultura com zero de
desperdício e com inovações no
uso e poupança de água, fruto do
estudo do que se fazia antes com-
binado com a tecnologia de hoje.
A prazo, só temos uma saída, que
é o oposto do que estamos a as-
sistir: não é reclamar água para
a agricultura que se quer fazer,
é fazer a agricultura que se pode
fazer com a água que se tem. Mas
para tal era preciso, mais uma
vez, que o poder político se in-
teressasse pelo assunto e tivesse
a coragem de tomar as decisões
necessárias.
O Presidente da República é o
responsável principal pela defesa
da soberania nacional. O concei-
to é abstrato e talvez demasiado
PRIMEIRO CADERNO 3
vago. Mas não tenho dúvidas
disto: em lugar de andar a gas-
tar a palavra todos os dias, a me-
ter-se nos assuntos do Governo,
a ameaçar com o uso dos seus
poderes ou a distribuir Ordens
da Liberdade por quem nada fez
pela liberdade, podia, com mais
proveito comum, encabeçar a de-
fesa da terra, da agricultura, da
água, da paisagem e do futuro do
país, que depende de tudo isto. E
isto é a soberania nacional.
2
Uma das coisas que mais
me espanta neste país nem
são aqueles que têm, ou fin-
gem ter, falta de memória:
são aqueles que descaradamente
apostam na falta de memória dos
outros. Na semana passada, aqui
na sua coluna, e como quem não
quer a coisa, Francisco Louçã
referiu-se ao “golpe de 2021, que
provocou eleições para a maioria
absoluta” e que, segundo ele, foi
promovido por António Costa,
ajudado por Marcelo. É preci-
so ter lata! O “golpe de 2021”,
para quem ainda se lembra, foi
a aliança entre o BE (certamente
incentivado por Louçã), o PCP
e a direita para chumbarem um
banal Orçamento e paralisarem
o país durante cinco meses, inter-
rompendo um processo de recu-
peração económica no pós-covid.
O desfecho foi a redução do BE a
um terço da sua força parlamen-
tar, o reforço substancial do Che-
ga, o desaparecimento do CDS
e a maioria absoluta do PS. Que
Louçã não tenha aprendido a li-
ção de 2008, quando fez a mesma
coisa com o PEC IV, juntando-se
à direita para derrubar um Go-
verno do PS e trazer a troika e o
Governo Passos Coelho/Portas,
é com ele. Mas que tente passar
a responsabilidade para cima de
quem quis assim atingir, contan-
do com o esquecimento colectivo
para reescrever a história, é ver-
dadeiramente assombroso.
Miguel Sousa Tavares
escreve de acordo com
a antiga ortografia
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
António
Guterres
Secretário-geral
das Nações Unidas
O Prémio entregue esta semana
em Espanha ao secretário-geral da
ONU procura valorizar personalida-
des que contribuem para o avanço
da construção europeia. E premeia
os esforços para alcançar consen-
sos, sem abdicar de valores como a
defesa da Liberdade, da Justiça e da
Paz. Guterres aproveitou para ape-
lar às responsabilidades das lideran-
ças mundiais sublinhando que a paz
nunca deve dar-se por garantida.
Mário
Centeno
Governador do
Banco de Portugal
O governador deixou novo aviso so-
bre os riscos de incumprimento dos
empréstimos por parte das empre-
sas e famílias mais vulneráveis, na
sequência da subida das taxas de ju-
ro e do agravamento do desemprego.
Atento à gestão política, Centeno faz
questão de enviar recados à banca, a
quem pede prudência na execução
de sanções que visem os clientes.
Paulo Macedo
Presidente da CGD
Nos primeiros três meses do ano, os
lucros da CGD praticamente dupli-
caram por comparação com 2022.
Os resultados foram apresentados
esta semana e, além dos dados refe-
rentes aos lucros, confirma-se a dis-
tribuição de 352 milhões de euros de
dividendos ao Estado. A Caixa viu,
ainda assim, o volume dos depósi-
tos cair, por força de opções de pou-
pança ou recurso aos certificados de
aforro. Para breve, Macedo promete
novas medidas para compensar a su-
bida dos juros.
E BAIXOS
Margarida
Tavares
Secretária de Estado
da Promoção da Saúde
Não há quem conteste a necessida-
de de garantir as melhores opções
que assegurem o bem-estar e a saú-
de dos utentes e até possam servir
para desincentivar o consumo do ta-
baco. Mas, ao aprovar o pacote de
medidas antitabaco mais severo de
sempre, o Governo impõe restrições
à venda e ao consumo nunca antes
vistas e deixa pouca margem para as
opções individuais. Proibir em vez
de esclarecer e aconselhar pode não
ser o melhor caminho.
Eurico
Brilhante Dias
Líder Parlamentar do PS
Depois da troca de coordenador
socialista na comissão da TAP, agora
foi a vez do presidente da Comissão,
o socialista Jorge Seguro Sanches,
bater com a porta e obrigar à entrada
em cena de Lacerda Sales, que não
acompanhou os trabalhos desde o
início. Sinais de descoordenação nu-
ma comissão marcada por polémicas
sobre atos de gestão governamental
na empresa pública, suspeitas de fu-
gas de informação atribuídas a depu-
tados e onde a pressão colocada pe-
lo PS sobre a necessidade de conclu-
ir os trabalhos “rapidamente” causa
uma previsível turbulência.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
Justiça Procuradores
ponderam greve
ao sorteio de juízes
Sindicato está contra presença
obrigatória de magistrados
no sorteio. Ministra promete
avaliação independente
A direção de nove membros do Sin-
dicato dos Magistrados do Ministério
Público vai reunir-se na próxima se-
mana com um ponto na agenda: como
reagir contra a entrada em vigor da lei
que obriga ao sorteio de todos os cole-
tivos de juízes nos tribunais superiores
e nos administrativos e fiscais.
“Vamos discutir a realização de
uma Assembleia-Geral extraordiná-
ria para decidir se avançamos ou não
com uma greve ao ato do sorteio”,
revela Adão Carvalho, presidente do
sindicato, que frisa não estar “contra
a lei ou os sorteios”, mas sim “con-
tra a maneira como vai ser posta em
prática”. Em especial, uma medida
em concreto: a obrigatoriedade de
todos os dias, em todos os sorteios e
em todos os tribunais, estarem pre-
O Cartoon de António Duelo à beira-mar plantado!
Marquês Afinal, MP
também pede perícia
psiquiátrica a Salgado
Procurador quer saber
se ex-banqueiro tem
capacidade para perceber
a pena a que foi condenado
e tem dúvidas sobre
se deve ir preso
Durante as alegações que decorreram
no Tribunal da Relação de Lisboa, o
procurador Moreira da Silva argu-
mentou que a pena de seis anos de
prisão efetiva a que Ricardo Salgado
foi condenado na Operação Marquês
é nula porque não foi tido em conta
o facto de o ex-banqueiro ter sido di-
agnosticado com a doença de Alzhei-
mer. O magistrado defendeu que tem
de ser feita uma perícia independente
a realizar no Instituto de Medicina
Legal para confirmar ou não os re-
latórios médicos apresentados pela
defesa e determinar se Salgado tem
sentes um procurador e um juiz para
se certificarem de que tudo decorre
como manda a lei. “Na prática, vão
estar a olhar para o monitor de um
computador sem ter qualquer tipo
de intervenção, é uma inutilidade”,
insiste Adão Carvalho, que já pediu
uma audiência à ministra da Justiça,
mas ainda não teve qualquer respos-
ta. “O que nós sugerimos é que o sor-
teio passe para a esfera dos conselhos
superiores e que a presença dos ma-
gistrados só seja obrigatória quando
o sistema informático falhar. Só aí é
que podem ser levantadas eventuais
suspeitas.”
O sorteio vai realizar-se
mesmo em tribunais
só com um juiz, que
irá sortear-se a si mesmo
capacidade para entender a pena a
que foi condenado.
De acordo com uma fonte judicial,
o procurador até argumentou que a
pena de seis anos a que o ex-banquei-
ro foi condenado deve ser agravada
para dez, mas alegou que o modelo
de execução da pena tem de ser ana-
lisado tendo em conta a confirmação
ou não do diagnóstico de Alzheimer e
a evolução da doença. Isto é, o procu-
rador não pôs em causa a condenação
do ex-banqueiro pelo crime de abuso
de confiança relacionado com o des-
vio de 11 milhões de euros, mas tem
dúvidas sobre se deve cumprir pena
numa prisão.
O procurador sustentou esta posição
durante as alegações finais dos recur-
sos do Ministério Público e da defesa à
condenação de seis anos a que Salgado
foi condenado num dos casos que so-
Num manifesto enviado a Catarina
Sarmento e Castro, a Associação Sin-
dical dos Juízes frisa que “a presença
do juiz no ato da distribuição tem de
ser física” e que, por causa disso, “se
desperdiçarão milhões de euros por
ano em deslocações e horas de traba-
lho perdido”. Em resposta por escrito
endereçada ao Expresso, o Ministério
da Justiça explica que “o pleno desen-
volvimento destes procedimentos por
videoconferência, nomeadamente, a
assinatura da ata por forma digital
(...) ainda exigem desenvolvimentos
tecnológicos muito significativos, que
impediriam a entrada em vigor do
regime legal no curto prazo”.
Se a greve dos procuradores for
mesmo para a frente, “vão ser afeta-
dos todos os processos não urgentes”,
enfatiza Adão Carvalho. “Vamos cum-
prir os serviços mínimos e nada mais.”
Ou seja: casos que não envolvam pre-
sos, violência doméstica ou menores,
serão adiados. Ainda por cima, já está
marcada mais uma greve dos funcio-
nários judiciais (também tem de estar
um no sorteio) que irá prolongar-se
por mais de um mês e meio.
A lei que obriga ao sorteio de todos
os juízes — até agora, só o relator era
sorteado, os adjuntos eram nomea-
dos — esteve mais de um ano para ser
regulamentada e levou, por exemplo,
José Sócrates a recusar os sucessivos
coletivos que foram sorteados/no-
meados para decidirem os recursos
brou da Operação Marquês. Durante
o julgamento, a defesa apresentou um
relatório médico do neurologista Joa-
quim Ferreira e pediu que fosse feita
uma perícia independente. Na altura,
o MP, representado pelo procurador
Vítor Pinto, não se deixou comover:
“O arguido soube referir todos os da-
dos referidos à sua identidade. Onde é
que foi revelada qualquer afetação das
suas capacidades cognitivas, quando,
manifestamente, o arguido está capaz
de entender o sentido de uma pena?”
Segunda perícia em poucos dias
Apesar de ter dado como provado que
Salgado sofre de Alzheimer, o tribu-
nal de primeira instância condenou-o
a uma pena de prisão efetiva e recu-
sou fazer uma perícia independente.
Para o juiz Francisco Henriques, não
ficou provado que Salgado estivesse
“mental ou fisicamente ausente”, e
a degeneração mental decorreu “da
idade”. E foi o arguido que “autolimi-
tava” o direito à defesa, optando por
não prestar declarações.
Agora, será a desembargadora Ma-
ria Leonor Botelho a decidir se será
feita uma perícia psiquiátrica a Ricar-
do Salgado para determinar se está em
condições de cumprir uma eventual
pena de prisão. A decisão será conhe-
cida a 24 de maio. Se a juíza der luz ver-
Expresso, 12 de maio de 2023
da Operação Marquês, provocando
um atraso que levou à paralisação do
processo. Juízes e procuradores ape-
laram a um adiamento da entrada em
vigor da lei, mas a ministra da Justiça
não cedeu e o sistema começou a fun-
cionar na última quinta-feira. Ainda
assim, “reconhecendo o impacto po-
tencial da implementação destas leis
sobre o funcionamento quotidiano
dos tribunais”, o Ministério revela
que “determinou que seja efetua-
da uma avaliação, por uma entidade
independente, da aplicação prática
do regime legalmente estabelecido,
decorridos seis meses da sua total
operacionalização, para identificar
eventuais constrangimentos e opor-
tunidades de melhoria”.
No manifesto, a ASJP chama a
atenção para uma eventual oportu-
nidade: “Nos casos de distribuição
nos tribunais com apenas um juiz,
não tem o mínimo sentido observar
o procedimento previsto na portaria,
mobilizando recursos para colocar
um conjunto de pessoas a olhar para
um terminal informático para assistir
à prática de um ato cujo resultado
está predeterminado.” A ministra não
se comove: “A lei não prevê nenhuma
exceção às regras de distribuição dos
processos, independentemente do
número de juízes afetos a cada juízo
ou tribunal.”
Rui Gustavo
rgustavo@expresso.impresa.pt
de à pretensão da defesa e, também,
do Ministério Público, será a segunda
perícia a ser feita ao ex-banqueiro no
Instituto de Medicina Legal. Há três
semanas, um juiz do Tribunal Cível
de Cascais que está a julgar um caso
que opõe o casal Salgado ao Banco de
Portugal, decidiu (com a concordância
do MP) mandar fazer uma perícia para
aferir se o ex-banqueiro está em condi-
ções de depor no processo.
O juiz Miguel Raposo deu um prazo
de 30 dias ao Instituto Nacional de
Medicina de Lisboa para fazer a perí-
cia, mas a instituição não vai cumprir
o prazo: “A diligência pedida implica
a realização de uma perícia que pela
sua especial complexidade exige a
forma colegial”, respondeu ao juiz.
Ou seja, vai ter de ser reunida uma
equipa com um psiquiatra, um neuro-
logista e um neuropsicólogo que irão
determinar se o ex-banqueiro sofre
de Alzheimer, se isso impossibilita o
seu depoimento e quantificar o nível
de funcionalidade de Salgado, “em
particular o processamento de infor-
mação”. Como esta perícia foi pedida
no âmbito de um processo cível, não é
líquido que possa ser aproveitada no
processo-crime. O que significa que
o ex-banqueiro poderá ter de fazer
duas perícias praticamente seguidas.
Rui Gustavo
rgustavo@expresso.impresa.pt
Expresso, 12 de maio de 2023 PRIMEIRO CADERNO 5

NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO EM NEGAÇÃO

Tabaco Seguro Sanches

garante que
“Estou com imensas
condições para
Quais são
nunca se sentiu
pressionado continuar”

as novas
pelo PS João Galamba
Ministro das Infraestruturas

restrições? PRÉMIO O RECADO

Governo aprovou
novas medidas que
restringem a venda
e o consumo de tabaco.
Algumas entram
em vigor ainda este ano
Onde vai ser
proibido fumar?
Já a partir de outubro deixa
de ser possível fumar ao ar
livre no perímetro de locais de
acesso ao público em geral ou
de uso coletivo, tais como
hospitais e outros
estabelecimentos de saúde,
estabelecimentos de ensino
como escolas e faculdades,
recintos desportivos, estações,
paragens e apeadeiros dos
transportes públicos. Será
também proibido fumar em
“Teria prestado algum
serviço (...), que era dizer
ao PM que tinha ficado
muito grato pela
solidariedade, mas que
entendia que a decisão de
pôr o lugar à disposição
se devia manter”
Francisco Assis
Presidente do CES à RTP sobre João Galamba
PRÉMIO O REGRESSO
“Quando olho para
o país fico perplexo
com o que vejo. Acho
que os portugueses
merecem melhor”
António José Seguro
Ex-secretário-geral do PS
PRÉMIO FISCALIZAÇÃO
Jorge Seguro Sanches Ex-presidente da CPI à TAP REDOBRADA
“Mesmo numa situação

“Inquéritos não em que os grandes

esplanadas que tenham algum
tipo de cobertura, bem como números [da economia]
à porta de cafés, restaurantes
e bares. No caso das praias, são positivos, a vida
do dia a dia ainda

servem para cumprir

são os próprios
concessionários a determinar
se é proibido ou não fumar.
E nas zonas para
fumadores de
locais fechados?
Estabelecimentos como
restaurantes, bares e
discotecas que já têm espaços
de fumo poderão mantê-los
até 2030. De resto, não será
possível criar novas zonas
reservadas a fumadores, à
exceção de aeroportos,
estações ferroviárias e
rodoviárias de passageiros e
gares marítimas e fluviais.
Venda de tabaco vai ser
proibida em que locais?
A partir de 2025 deixa de ser
possível a venda de tabaco
direta ou através de máquinas
de venda automática em
restaurantes, bares, salas e
recintos de espetáculo,
casinos, bingos, salas de jogo,
feiras, exposições e bombas
de gasolina. Também nos
festivais de música vai ser
proibido vender tabaco,
incluindo o aquecido. Se a
proposta do Governo for
aprovada pela Assembleia da
República, os únicos locais
onde será vendido tabaco
serão as tabacarias ou
similares e nos aeroportos.
Quais as novas
restrições para
o tabaco aquecido?
A partir de outubro passa a
ser proibida a venda de
produtos de tabaco aquecido
que contenham aromatizantes
(aditivo que transmite um
odor e ou um sabor). Além
disso, as embalagens vão
passar a apresentar
advertências de saúde
combinadas, incluindo texto e
fotografia, sendo assim
equiparadas ao tabaco
convencional.
ordens de partidos”
Texto Diogo Cavaleiro
e Rita Dinis
Foto Nuno Fox
Jorge Seguro Sanches saiu da presi-
dência da Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) à TAP por sentir que
o seu carácter foi atacado. Insiste na
rapidez dos trabalhos, mas recusa
qualquer pressão do PS. Uma lição
a tirar da CPI: as agendas dos depu-
tados devem ser públicas, para não
haver reuniões secretas.
P A demissão não foi exagerada? De
que ataque de carácter é que foi alvo?
R Um presidente de uma comissão
não pode ser desconsiderado nem ser
posto em causa, quer no que diz res-
peito ao seu carácter quer à sua serie-
dade. Tem de estar numa posição que
lhe permita estar com independên-
cia, independentemente dos partidos
a que pertença. A partir do momento
em que esse laço de confiança foi co-
locado em causa, não tinha condições
de continuar. Se é muito exagerado?
É um grau de avaliação pessoal. Não
é uma decisão política. Aliás, muitas
pessoas disseram que eu não devia
fazer isso.
P No PS?
R Muitas pessoas de vários sectores.
Entendi sair, com a minha consciên-
cia, porque também acho que posso
com isto dar um contributo para que
a vida política seja feita com mais ur-
banidade, com mais civismo. Os por-
tugueses não querem encontrar no
Parlamento um sítio onde se discu-
tam as opiniões pessoais sobre cada
colocaram mais de €3 mil milhões.
Não temos o direito de prolongar
em demasia, criando algum tipo de
incidentes. Nestas circunstâncias, o
papel do presidente não é complicar
os objetivos, é simplificá-los. E essa
foi a minha decisão pessoal.
P Quem quer prolongar em demasia
ou complicar? Está a falar do PSD?
R Não consegui consenso, por exem-
plo, para que a comissão pudesse reu-
nir-se à sexta à tarde ou na segun-
da-feira. Não nos esqueçamos que,
numa CPI, os deputados estão lá não
representando os respetivos partidos,
mas representando-se a si próprios.
Nós ali não estamos para responder
aos diretórios partidários. Nós esta-
mos ali para responder exatamente
no mandato direto com o povo. E eu
senti que isto não estava a conseguir
funcionar desta forma.
P A grelha de tempos utilizada na
CPI, que criou divisão entre PS e a
oposição, não foi uma desculpa para
a demissão? Já tinha ameaçado sair
com a alegada fuga de informação.
R Não, não é uma desculpa. Não
há prova absolutamente nenhuma
que tenha havido uma fuga de infor-
mação. A comissão tem de se focar
no seu trabalho. E isso é algo que
eventualmente terá uma reflexão no
futuro. Os diretórios partidários têm
de perceber que as comissões de in-
quérito não funcionam para cumprir
ordens dos partidos. Os deputados
estão lá para apurar a verdade, para
fazer um relatório e com isso dar um
contributo melhor para o país.
P Sentiu pressão do PS? Em alguma
altura achou que esperavam que res-
pondesse a esse diretório partidário?
R Primeiro, não fui pressionado e,
segundo, acho que toda a gente já
percebeu que não vale a pena pressio-
nar, quer de um lado quer de outro.
A linha vermelha é a falta de consi-
deração e a falta de respeito. Quero
apelar a todos para que este processo
seja feito de acordo com o interesse
nacional.
P Um dos temas da CPI é a reunião
de preparação de uma audição. Estas
reuniões são normais?
R Não, o que eu acho é que acima
de tudo devem ser transparentes,
porque se houver transparência a
normalidade é aferida logo pelos ou-
tros, se não for pelo próprio. Eu sou
deputado membro da Comissão de
Saúde, faço regularmente reuniões
com conselhos de administração dos
hospitais.
P Mas fá-lo antes de uma audição
que seja pedida um dia antes?
R Não, não, não, como é evidente,
isso não faço. Aquilo que melhor
defende os deputados é a transpa-
rência. Não só os deputados, mas
quem esteja na vida política. Acho
que devemos ter na Assembleia da
República um código de ética sobre
a relação entre os deputados, com a
forma como os trabalhos decorrem.
Devemos ter, à semelhança do que
acontece no Parlamento Europeu e
não é tão positiva”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República
PRÉMIO A CONVICÇÃO
“A conjugação destes
fatores [crescimento
económico e baixa da
inflação], cedo ou tarde,
vai verificar-se
também no bolso
dos portugueses”
António Costa Silva
Ministro da Economia
PRÉMIO SUBIR
A FASQUIA
“Portugal tem um
problema de ambição.
Falta o querer crescer,
o querer fazer mais
e melhor”
António Horta Osório
Gestor, ex-presidente do Credit Suisse
PRÉMIO DEFINIR A ESTRATÉGIA
“Não queremos [o PSD]
nada com a extrema-
-direita. Lembram-se
daquela canção
brasileira: ‘Chega Pra Lá’?,
também nada queremos
com este PS. Queremos
ser nós próprios”
Francisco Pinto Balsemão
Fundador do PSD e ex-primeiro-ministro,
no aniversário do partido
PRÉMIO PARA REFLETIR
“Aos 70 anos, as pessoas
passam a ser tratadas
como se fossem
incompetentes”
Eduardo Paz Ferreira
Jurista
PRÉMIO TOME NOTA

O que está na origem

das novas regras?
As alterações à Lei do Tabaco
prendem-se com a
um, mas onde se discuta política. REUNIÕES noutros Parlamentos, um registo de
todas as reuniões dos seus deputados.
“Em vez de balas,
precisamos de arsenais
P Mas quem é que fez esse ataque?
R Senti que havia uma escalada para
PREPARATÓRIAS, P O que propõe? diplomáticos”
E OUTRAS, DEVEM
colocar em causa a minha seriedade, R Acho que há um princípio funda- António Guterres

necessidade de transpor para
a legislação nacional a
diretiva europeia de 29 de
junho de 2022, que equipara o
tabaco aquecido a outros
produtos do tabaco. O
objetivo do Governo é
“contribuir para uma geração
livre de tabaco até 2040”.
Mara Tribuna
mtribuna@expresso.impresa.pt
a minha independência e a minha
imparcialidade. Tinha um objetivo
como presidente da Comissão, que
era, além do apuramento rigoroso
da verdade, que pudesse ser feita de
forma rápida. E porquê? Poderão al-
guns dizer que isso pode convir ao PS
ou ao Governo. Admito que isso seja
verdade, mas a razão não é essa: esta-
mos a fazer uma CPI a uma empresa
que é um dos mais valiosos ativos
que o país tem, onde os portugueses
SER REGISTADAS
mental que falta na Assembleia da Secretário-geral das Nações Unidas
República, que é a transparência.
PRÉMIO A REALIDADE
NUM SITE. FALTA Acho que estas reuniões e outras de-
vem ser registadas num site, como ULTRAPASSA A FICÇÃO
TRANSPARÊNCIA acontece no Parlamento Europeu. “O problema da indústria
de cinema portuguesa
NA ASSEMBLEIA P O ministro João Galamba vai à Co-
missão Parlamentar de Inquérito em é que não há indústria”
DA REPÚBLICA breve. Faz sentido falar com deputa-
dos do PS para preparar a audição?
Joaquim de Almeida
Ator
R É evidente que não. Paula Santos
dcavaleiro@expresso.impresa.pt paulasantos@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO
CRISE POLÍTICA
Tolerância zero Galamba inicia nova fase
na coabitação. PR não será oposição, mas
sempre que divergir do Governo o país saberá
Marcelo:
o desfecho?
Está nas
mãos do
Governo
Ângela Silva
R
esponsabilizar um
Governo que classifi-
cou publicamente de
irresponsável é o pilar
chave da estratégia do
Presidente da Repú-
blica para gerir a crise
política desencadeada
pela não demissão do
ministro das Infraestruturas. Mais si-
sudo, mais silencioso, mais gestual do
que verbal mas sem deixar de sugerir
que lhe interpretem os silêncios, Mar-
celo Rebelo de Sousa ainda não sina-
lizou em Belém quaisquer alterações
ao ritmo, natureza ou prioridades da
sua agenda pública e não é certo que
o venha a fazer. A única certeza entre
os seus mais próximos colaboradores
é que Marcelo deixou de ser aliado
de Costa. Mas daí a concluir-se que se
assumirá chefe da oposição ao Governo
(como Soares fez com Cavaco, com-
plicando a vida a Guterres, que então
liderava a oposição) vai um passo que
todos dizem não se lhe colar à pele.
“Marcelo tem um potencial destru-
tivo brutal e quando o levam a bem,
corre bem, mas quando o levam a mal,
ninguém o pára”, explica quem o co-
nhece de perto há muitos anos. Só que
uma coisa é Marcelo à solta e outra
é Marcelo chefe de Estado. Aqui, a
costela institucionalista, que também
lhe está no ADN, pesa. E o “escorpião”
que muitos já relataram ter encontra-
do na vida surge mais condicionado.
“Não pode ser ele a provocar distúr-
bios”, alerta um interlocutor do Presi-
dente nestes dias. Que acrescenta sal
à conversa: “Talvez nem precise!” Não
precisará, se o desgaste do Governo for
já imparável e se a teoria dos ciclos, se-
gundo a qual quem está no poder mui-
tos anos entra em queda imparável,
se confirmar. E não precisará, se não
forem corrigidas as disfuncionalidades
de uma equipa que o primeiro-minis-
tro montou há um ano com “a prata
da casa” e que o Presidente lamentou
ter arrancado como uma “maioria re-
quentada” e propícia à asneira.
“A margem de manobra do Gover-
no é estreitíssima”, dizem em Belém.
Onde a antecipação possível do que
Marcelo Rebelo de Sousa fará nesta
nova fase da sua relação com o pri-
meiro-ministro dá duas coisas como
certas: isto não vai ser uma guerra
aberta — “o Presidente tem uma di-
mensão institucional a preservar”;
mas a tolerância com as falhas do Exe-
cutivo mirrou — “isto vai ser tolerância
zero”. Para António Costa, o desafio é
musculado mas não é impossível — “se
o Governo passar a governar bem e es-
tancar as ‘galambadas’, as hipóteses de
dissolução da Assembleia diminuem”,
reconhecem. Com uma ressalva iróni-
ca: “Aqui estamos no domínio da fé e
há milhões de pessoas que acreditam
em milagres.”
Num caso ou noutro, consiga a maio-
ria requentada recuperar ou não, e aqui
há dois item importantes — a Comissão
Parlamentar de Inquérito à TAP e as
movimentações em curso num PS cada
vez menos monolítico —, o desfecho
desta crise, concluem fontes próximas
do Presidente, “está mais nas mãos do
Governo”. Marcelo nunca fará o que
os seus antecessores lavraram para a
ata. Nem formará um partido a partir
de Belém, como fez Eanes; nem incen-
diará o país com presidências abertas
de semanas, arrastando séquitos de
governantes, opositores e jornalistas
para destapar sem dó nem piedade o
que de pior corre no país, como fez
Soares; nem demitirá um Governo su-
portado por uma maioria absoluta pou-
co tempo após tê-lo empossado, como
fez Sampaio com Santana Lopes. “Não
podemos ter eleições todos os anos”,
disse o PR por estes dias. O seu sonho
de voltar a usar a ‘bomba atómica’ e
de ver a sua família política cumprir a
alternância no poder — indisfarçável
pelas inúmeras vezes em que admitiu
essa hipótese — nunca seria para já e
nem é líquido que se concretize.
Foi Marcelo quem disse que 2023
“é um ano decisivo” e que o pós-eu-
ropeias de 2024 será a chave para
avaliar o estado de arte no que toca ao
cumprimento da legislatura. A crise
Galamba dificilmente muda isto.
Dissolver ou demolir
Publicamente, e para já, o Presidente
deu sinal de que uma coisa mudou:
as suas divergências com o Governo
não são para disfarçar mas para serem
expostas e explicadas ao país. Fez isso
no comunicado em que disse discor-
dar da manutenção do ministro das
Infraestruturas. Repetiu na mensagem
que dirigiu aos portugueses e onde
classificou a gestão do caso Galamba
como “irresponsável”. E tornou públi-
co que sugeriu alterações ao decreto
sobre a colocação de professores e que
o Governo não as aceitou.
A reação não se fez esperar. Miguel
Prata Roque, ex-secretário de Estado
da presidência do Conselho de Minis-
MARCELO TEM UM
POTENCIAL DESTRUTIVO
BRUTAL E UM ADN
INSTITUCIONAL
A PRESERVAR. O JOGO
NÃO É FÁCIL. MAS
ESTÁ EM MARCHA
tros com António Costa, e o socialista
Ascenso Simões saltaram a acusar o
Presidente de abuso de poder, por não
ter legitimidade constitucional para ser
parte na feitura das leis. Belém vê aqui
nervosismo e recorda o que Cavaco
escreveu no seu livro “Roteiros V”: que
“os contactos regulares PR/Governo”
para obter esclarecimentos sobre os
diplomas submetidos a promulgação
e “introduzir-lhes aperfeiçoamentos,
quer de carácter formal quer de âmbito
mais substancial é uma prática seguida
por todos os PR desde 1976”. Cavaco
fez contas: dos 1741 diplomas que rece-
beu do Governo no primeiro mandato
em Belém, “40% deram lugar a contac-
tos entre a Presidência e o Governo e
daí resultaram 381 alterações”, ou seja,
“22% dos diplomas” foram alterados
por sugestão presidencial.
Esse poder, Marcelo vai continuar a
usar (agora com direito a divulgação)
e a promessa que fez de ser “mais vi-
gilante” e exigente passará inevitavel-
mente por dar mais voz ao que mais
preocupa as pessoas. Não por acaso,
aproveitou a visita ao Banco Alimen-
tar para falar dos juros do crédito à
habitação. Seguramente com o seu
conhecimento, o seu assessor Hélder
Reis deu uma entrevista a dizer que é
preciso “uma reflexão profunda sobre
o sistema fiscal”. E os avisos sobre a
impossibilidade de somarmos quatro
anos perdidos nas escolas são para se-
guir. Há um lado do presidencialismo à
Mário Soares que Marcelo ainda pode
repetir: é que Soares também sonhou
dissolver a Assembleia, mas acabou
por nunca o fazer, optando por ser o
grande demolidor da maioria cava-
quista. Sem uma oposição que lhe dê
garantias e com uma natureza diferen-
te, o atual Presidente (ainda a digerir o
golpe de Costa de que confessou “ter
pena”) sabe que o jogo não é fácil. Mas
a mudança está em marcha.
avsilva@expresso.impresa.pt
Expresso, 12 de maio de 2023
Presidente
testemunha
de Costa
contra Costa
Primeiro-ministro
pediu-lhe e Marcelo
vai depor no processo
que opõe António
Costa ao ex-governador
do Banco de Portugal
Marcelo Rebelo de Sousa acei-
tou ser testemunha no pro-
cesso cível que António Costa
decidiu avançar contra o ex-
-governador do Banco de Por-
tugal, Carlos Costa, e no qual
o primeiro-ministro pede que
este seja condenado “a retra-
tar-se das afirmações” que fez
no livro “O Governador” sobre
alegadas pressões do Governo
relativas a Isabel dos Santos.
Há cerca de dois meses, in-
forma fonte governamental,
o primeiro-ministro pediu ao
Presidente da República um
depoimento sobre os factos
relativos à intervenção do Go-
verno, em 2016, na busca de
uma solução que permitisse
resolver o impasse no BPI. E
o Presidente aceitou testemu-
nhar, em coerência com as de-
clarações públicas que fez em
novembro, quando estalou a
polémica ‘Costa contra Costa’.
Em causa, recorde-se, estão
acusações dirigidas pelo ex-go-
vernador ao chefe do Gover-
no no livro do jornalista Luís
Expresso, 12 de maio de 2023
Rosa, onde Carlos Costa fala
de intromissão política junto
do supervisor bancário e relata
um telefonema em que o pri-
meiro-ministro o terá aconse-
lhado a tratar Isabel dos Santos
com cuidado, por ser “filha do
Presidente de um país amigo”.
Isabel dos Santos era acio-
nista do BPI mas tinha perdi-
do idoneidade junto do BCE,
que exigia a desblindagem dos
estatutos do banco por forma
a abrir a porta à sua saída. E
mal o Governo aprovou legis-
lação nesse sentido, Marcelo
promulgou-a (assumira, aliás,
esse compromisso, como o Ex-
presso escreveu na altura, já
eleito mas ainda antes de to-
mar posse, numa reunião que
teve com o então ministro das
Finanças, Mário Centeno, no
Palácio de Queluz). Em novem-
bro passado, no rescaldo do
lançamento do polémico livro,
Marcelo foi perentório a des-
mentir quaisquer intenções de
beneficiar a empresária ango-
lana: “Em nenhum momento
algum dos intervenientes ja-
mais pensou deixar de aplicar
a lei, que era desfavorável a
Isabel dos Santos.”
A alegada intromissão do
primeiro-ministro em abono
da filha do ex-Presidente de
Angola teria acontecido quan-
do a sua saída de acionista do
BPI foi negociada com uma
possível moeda de troca que
passaria pela sua entrada para
uma posição de gestão no BIC.
Mas também aqui o Presidente
da República tratou, logo na
altura, de se colocar ao lado do
chefe do Governo, relatando
como António Costa e Carlos
Costa, que hoje se digladiam na
praça pública e nos tribunais,
acompanharam uma tentativa
de acordo que evitasse proble-
mas diplomáticos com Luan-
da. Acordo esse que falhou por
oposição do BCE.
“Estávamos todos de acor-
do (Presidente da República,
Governo e Banco de Portugal)
quanto ao que era preciso
fazer”, afirmou Marcelo em
novembro. E, embora reco-
nhecesse que “o acompanha-
mento” e “a intervenção” do
primeiro Governo de Costa no
caso BPI foi “ostensiva”, o Pre-
sidente disse ser “a única ma-
neira de resolver o problema”,
porque “o Banco de Portugal,
por si só, não tinha encontrado
nenhuma solução”.
António Costa reagiu ao ata-
que do ex-governador com a
ameaça de o processar judi-
cialmente, o que concretizou
há 15 dias. A 27 de abril era
apresentada a ação cível contra
Carlos Costa, na qual é pedida
a condenação do ex-regulador
a retratar-se das afirmações
que fez a propósito do BIC e
do Banif.
Fonte ligada ao processo ex-
plica que Marcelo Rebelo de
Sousa não é testemunha nem
abonatória nem de acusação.
“Foi-lhe pedido um depoimen-
to sobre os factos relevantes da
intervenção do Governo”, que
o próprio Presidente acompa-
nhou de perto. Em causa es-
tarão “dois ou três quesitos”
do processo e Marcelo vai
testemunhar por escrito re-
lativamente a matérias sobre
as quais se pronunciou em
público.
Ângela Silva
avsilva@expresso.impresa.pt
EXPRESSO.PT Patrões não
deixam cair Costa: é preciso
“estabilidade” e previsibilidade
Galamba não informou chefe
do Governo em exercício
Costa estava de férias
e nº 2 só soube do alerta
ao SIS a posteriori. Depois
da crise, há ordens para
acalmar: não afrontar
Marcelo e governar
Quando António Costa aterrou
em Lisboa depois de umas férias
em Itália, na noite de 1 de maio,
estava apostado em resolver a
embrulhada em que o Governo
tinha mergulhado. O assunto
não se resolveria por telefone
e João Galamba seria chamado
a São Bento na manhã seguin-
te. Com Costa fora do país há
seis dias, a chefe de Governo
em exercício por aqueles dias
era, formalmente, a ministra
da Presidência, Mariana Vieira
da Silva. Foi ela, de resto, que
presidiu ao Conselho de Minis-
tros no dia 27 de abril, que se de-
bruçou sobre a privatização da
TAP. Ao Expresso, o gabinete da
ministra confirma que não foi
“previamente informada” sobre
os “procedimentos adotados pe-
rante as situações ocorridas no
Ministério das Infraestruturas”.
“Nem tinha de ser.”
Os procedimentos foram,
como se sabe, um alerta dado
pela chefe de gabinete de João
Galamba para o Serviço de In-
formações de Segurança (SIS)
na noite de 26 de abril a propó-
sito do suposto “furto” de um
computador do Estado com
informação classificada, uma
posterior chamada para a PJ
e ainda uma queixa à PSP por
agressões por parte do adjunto
daquele Ministério que acabava
de ser exonerado. Procedimen-
tos e factos de que a ministra
da Presidência diz apenas ter
tido conhecimento a posterio-
ri. “O gabinete do ministro das
Infraestruturas deu o alerta às
autoridades, e as autoridades
agiram em conformidade. (...)
A ministra da Presidência to-
mou conhecimento dos factos
Marcelo, a posteriori, não tendo dado
Costa, qualquer orientação ao SIS ou
Guterres e a qualquer outra entidade”,
Felipe VI de responde o gabinete da nº 2 do
Espanha, Governo ao Expresso.
juntos esta Acontece que a lei orgânica
semana para do Governo é clara. “Salvo indi-
a entrega cação em contrário do primei-
do Prémio ro-ministro, este é substituído,
Carlos V FOTO no exercício das suas funções
PIERRE-PHILIPPE de presidência e de coordena-
MARCOU/AFP/ ção, durante as suas ausências
GETTY IMAGES ou impedimentos, pela/o minis-
tra/o de acordo com a ordem
estabelecida no artigo 2º [Ma-
riana Vieira da Silva].” Segundo
confirmou o Expresso, o Conse-
lho de Ministros de 27 de abril
(dia a seguir às agressões e ao
“furto”) realizou-se já sem An-
tónio Costa, com a nº 2 a presi-
dir, e o tema era, precisamente,
a privatização da TAP. Daí que
a equipa do Ministério das In-
Ninguém ligou a Mariana. Não foi informada, “nem tinha de ser”, responde a número dois
fraestruturas tivesse estado a
trabalhar no gabinete na noite
da véspera — quando se deram
os incidentes “deploráveis” nas
instalações. Por altura do Con-
selho de Ministros, contudo, já
todos os procedimentos de aler-
ta do SIS, da PSP e da PJ tinham
sido adotados — e o caso só seria
tornado público no dia seguin-
te. Era “difícil de gerir” de tão
“insólito” que era, admite-se no
Governo.
Seria João Galamba que, no
sábado seguinte, ainda com o
primeiro-ministro de férias, adi-
antaria mais detalhes sobre a
cadeia de coordenação no Exe-
cutivo no momento de tensão
(ver pág. 8): Galamba não estava
no Ministério no momento das
agressões, ligou ao primeiro-mi-
nistro, que não atendeu porque
“estava a conduzir”, reportou
o facto ao secretário de Estado
Adjunto do primeiro-ministro,
que estava ao lado do secretá-
rio de Estado da Moderniza-
ção Administrativa, que “disse
que devia falar com a ministra
da Justiça”. “Reportei o facto
e disseram-me que o meu ga-
binete devia comunicar estes
factos àquelas duas autoridades,
Vários socialistas
continuam a pedir uma
remodelação, entre
os quais Carlos César
coisa que fizemos”, disse, refe-
rindo-se ao alerta dado ao SIS
e à PJ. Em nenhum momento
da cadeia, João Galamba ou os
restantes membros do Executi-
vo contactados falaram com a
‘primeira-ministra’ em exercí-
cio. Questionado pelo Expresso
sobre se tinha dado conheci-
mento a Mariana Vieira da Sil-
va, o gabinete de João Galamba
remeteu para as respostas que
o Ministério da Presidência iria
enviar ao Expresso.
Ordem para governar
(e não criticar o PR)
Esta não é a primeira vez, de res-
to, que uma crise política acon-
tece com o primeiro-ministro
fora do país e Mariana à frente.
O caso do despacho do novo
aeroporto de Lisboa, assinado
pelo Ministério de Pedro Nuno
Santos, aconteceu quando An-
tónio Costa estava em Madrid, a
representar Portugal na cimeira
da NATO. Também nessa oca-
sião, Pedro Nuno Santos não viu
necessidade de informar a nº 2
do Governo sobre o que estava a
fazer. De lá para cá têm surgido
críticas internas, no Governo e
no PS, a pedir mais peso político
na orgânica do Executivo.
PRIMEIRO CADERNO 7
Depois dos incidentes nas
Infraestruturas, que levaram à
maior crise política do manda-
to, vários são os socialistas que
continuam a pedir uma remo-
delação profunda, sob pena de
o Governo não conseguir levar o
mandato até ao fim. O Expresso
sabe que na cabeça do primeiro-
-ministro não estará a ideia de
remodelações a longo prazo,
mas apenas remodelações mo-
tivadas por necessidades que
surjam no momento. Foi assim
que, na anterior legislatura,
Costa fez mexidas de fundo à
boleia da necessidade de puxar
um ministro (Pedro Marques)
para as listas ao Parlamento
Europeu. E essa é sempre uma
“prerrogativa” que tem.
Carlos César, presidente do
PS, tem sido uma das vozes mais
firmes a pedir esse “refresca-
mento” do Governo — tinha-o
feito no fim de semana da po-
lémica e voltou a fazê-lo esta
semana num evento do PS. O
tema será abordado na reunião
da Comissão Nacional do par-
tido, marcada para 3 de junho.
Nessa altura já terá passado um
mês desde que Marcelo e Costa
chocaram de frente, e parte da
estratégia do Governo é preci-
samente fazer baixar a tempe-
ratura política nas semanas que
se seguem.
“Respeitamos” o Presidente e
“a nossa prioridade é executar
o programa de Governo”, vai-se
repetindo no núcleo duro do
Executivo, onde desde o dia 1
da crise começaram a sair or-
dens para serenar os ânimos
com o Presidente da República
e manter a divergência no plano
da “lealdade institucional”. A
ordem foi notória esta semana,
quando Marcelo promulgou
o diploma da vinculação dos
professores com avisos sérios
ao facto de o Governo não ter
dado ouvidos às suas sugestões.
O que entre comentadores foi
visto como o PR a exceder-se
no seu poder de influência (ao
dar nota pública disso mesmo),
no Governo a ordem foi para
normalizar a atuação. Foi o que
fez o ministro da Educação e
o ministro José Luís Carneiro
quando questionados sobre a
crise: há total “cooperação e
apoio” de Marcelo.
Com a Comissão Parlamen-
tar de Inquérito (CPI) à TAP
a fazer novas baixas e a con-
tinuar a incendiar o debate
político, no Governo pede-se
calma e sangue-frio. Na próxi-
ma semana haverá uma prova
de fogo com as audições do ad-
junto Frederico Pinheiro e do
hiperfragilizado ministro João
Galamba na CPI. O desfecho
é, mais uma vez, imprevisível.
Rita Dinis
rdinis@expresso.impresa.pt
FOTO NUNO BOTELHO
8 PRIMEIRO CADERNO
CRISE POLÍTICA
PSP só foi avisada do portátil depois
de ex-adjunto ter saído do ministério
Há contradições entre o que afirmou o ministro e os dados da PSP sobre a noite de tensão
Hugo Franco
e Vítor Matos
Os agentes da PSP que entraram
nas instalações do Ministério
das Infraestruturas, em Lisboa,
na noite de 26 de abril, só foram
alertados por duas funcionárias
daquele Ministério que Frede-
rico Pinheiro — o ex-adjunto de
João Galamba — tinha levado
um computador portátil de tra-
balho já depois de este ter saído
do edifício. O Expresso apurou
junto de fontes policiais que esta
informação consta no relatório
da PSP sobre a polémica noite
de 26 de abril.
Aqueles agentes chegaram ao
ministério apenas com a infor-
mação de que havia agressões
e uma pessoa impedida de sair
do edifício, garantem as mes-
mas fontes. Segundo apurou o
Expresso, não consta de quem
partiram as queixas. Um segu-
rança relatou-lhes que havia
um homem violento no piso 4.
Procuraram então por várias
divisões, e até na casa de banho,
por vítimas e agressores, mas
só encontraram Frederico Pi-
nheiro. O ex-adjunto relatou-
-lhes que tinha recebido pouco
tempo antes um telefonema do
ministro, dizendo-lhe que estava
despedido. Foi por essa razão,
alegou, que se deslocou ao lo-
cal de trabalho para ir buscar
alguns bens, sem especificar
quais. E que tinha sido impe-
dido de sair do ministério pelo
segurança.
Com base nestas informa-
ções, os polícias desceram com
o ex-adjunto até ao piso zero
e limitaram-se a acompanhá-
-lo à saída, sem nunca se aper-
ceberem que levava consigo o
portátil que continha informa-
ções classificadas sobre a TAP.
Este, segundo fontes da PSP,
nunca mencionou diretamen-
te aos agentes que retirara o
computador do gabinete ou que
tinha brigado com colegas de
trabalho.
A intervenção da PSP esta-
va ainda a meio naquela noite.
SIS Decisões
tomadas em duas
horas e registadas
por escrito
O Governo reportou
um roubo ao SIS, mas
Fiscalização diz que
serviços agiram por não
haver indícios de crime
A decisão de mandar um técni-
co do Serviço de Informações
de Segurança (SIS) ao terreno
recuperar o computador de
Frederico Pinheiro — ex-ad-
junto do ministro João Galam-
ba — foi tomada numa janela
de apenas duas horas, entre o
primeiro contacto e a entrega
do aparelho, na noite de 26 de
abril, e ainda sem o conheci-
mento de tudo o que veio a sa-
ber-se depois, apurou o Expres-
so junto de fontes próximas do
SIS. A chefe de gabinete do
ministro das Infraestruturas,
Eugénia Cabaço, deu o “aler-
João Galamba fez
duras críticas à polícia,
salientando que “a PSP
esteve cá e permitiu
que quem agrediu
e tinha roubado
o computador saísse
das instalações”
ta” à embaixadora Graça Mira
Gomes, secretária-geral dos
Serviços de Informações da Re-
pública Portuguesa (SIRP), que
concertou a ação com o diretor
do SIS, Adélio Neiva da Cruz,
que deu a ordem ao operacio-
nal para abordar o ex-adjunto.
As decisões tomadas pelos
responsáveis dos serviços de in-
formações naquela noite estão
registadas por escrito, segundo
o Expresso apurou. Apesar da
rapidez do processo, as ordens
e ativação de protocolos não
terão sido apenas verbais, e
numa segunda fase, a seguir à
operação, foi produzido um re-
latório, como é habitual nestas
circunstâncias.
Segundo o Conselho de Fis-
calização do SIRP (CFSIRP),
que foi ouvido à porta fechada,
Já sem Frederico Pinheiro no
edifício, os agentes voltaram a
subir ao piso 4. Desta vez en-
contraram várias funcionárias
visivelmente perturbadas, ale-
gando que se tinham escondido
na casa de banho por receio de
serem agredidas por Frederico
Pinheiro. A polícia tentou per-
ceber então por que razão não
tinham respondido minutos
antes, quando estes se tinham
identificado de forma audível
— segundo fontes da PSP, os
agentes não dispunham de in-
formação de que as vítimas de
Frederico Pinheiro se tinham
refugiado nos lavabos. Umas
garantiram não ter ouvido as
vozes dos polícias, enquanto
outras justificaram que preferi-
ram manter-se em silêncio por
no Parlamento, esta terça-fei-
ra, os “dados disponíveis” no
início da intervenção do SIS
“não permitiam concluir” pela
“existência de indícios da prá-
tica de qualquer crime”, como
justificou ao “Público” Mário
Belo Morgado, um dos mem-
bros do CFSIRP. Até ao fecho
desta edição, a sua presidente,
Constança Urbano de Sousa,
não tinha prestado declarações
públicas, além de remeter para
um comunicado do conselho,
da semana anterior.
“Quem esteve mal neste pro-
cesso foi o Governo”, diz ao
Expresso uma fonte ligada às
informações, que pede anoni-
mato. “Custa-me entender que
o gabinete do ministro recorra
ao SIS, o que demonstra um
amadorismo e uma imaturi-
dade muito grandes”, acres-
centa. Segundo várias fontes
contactadas pelo Expresso, o
recurso à Polícia Judiciária em
vez dos serviços secretos, não
ia suscitar dúvidas de legali-
dade nem expor em público
ou fragilizar politicamente um
organismo com a sensibilidade
das informações.
A secretária-geral do SIRP,
Graça Mira Gomes, e o diretor
do SIS, Neiva da Cruz, foram
ouvidos à porta fechada no Par-
temerem ser alvo da fúria do
ex-adjunto de Galamba.
Galamba criticou PSP
Os agentes ouviram nessa al-
tura a assessora de imprensa
Paula Lagarto e a chefe de ga-
binete do ministro, Eugénia
Cabaço. As duas relataram que
Frederico Carvalho lhes tinha
batido e que o motivo desses
murros e empurrões, segundo
as próprias, se devia ao facto
de o ex-adjunto ter levado um
computador de trabalho sem
autorização superior e já de-
pois de ter sido despedido. Só
nessa altura é que, segundo as
mesmas fontes policiais, a PSP
ficou a saber do alegado roubo
do portátil.
lamento já depois de fechada
esta edição do Expresso. Há
dúvidas, perguntas e contradi-
ções que permanecem.
Na noite em que o SIS
atuou, o pressuposto era
o perigo de crime?
Sim, segundo o Governo. Não,
de acordo com o Conselho de
Fiscalização do SIRP. Três dias
depois dos acontecimentos, o
ministro João Galamba ainda
falava na suspeita ou risco de
crimes: “O que o meu gabinete
fez foi denunciar o roubo de
um equipamento do Estado,
que continha um amplo acervo
de documentos classificados.”
Ainda acrescentou que estes
documentos classificados “não
podem ser usados livremente
e estar na propriedade de al-
guém que não é membro do
gabinete” e que “não tinha cre-
denciais para aceder a esses
documentos”.
A justificação do CFSIRP
para a legalidade da operação
do SIS — que não pode desen-
volver ações policiais — baseia-
-se em pressupostos diferentes:
segundo Belo Morgado foi “re-
portada” ao SIS “uma situação
de risco de acesso indevido a
informação suscetível de lesar
os interesses superiores do Es-
agrediu e roubou saísse das
Estas informações de fontes
da PSP são contraditórias com
as declarações de João Galam-
ba na conferência de imprensa
do dia 29. O ministro disse que,
“perante uma agressão”, pedi-
ram ajuda à PSP, mas não há
dados na polícia que permitam
confirmar esta versão: “A po-
lícia foi avisada por causa da
agressão a três pessoas, que
telefonaram à PSP e estavam
trancadas, porque tinham sido
agredidas. Quatro adjuntas mi-
nhas, que estavam fechadas na
casa de banho, ligaram à PSP
porque estavam com medo do
agressor, que estava por per-
to.” Galamba acabou por fazer
duras críticas à polícia, por ter
deixado escapar o infrator: “A
PSP esteve cá e permitiu que
tado”, que “não podia deixar de
agir para avaliar a gravidade da
ameaça”. A entrega voluntária
do computador ao técnico da
‘secreta’ encerrou a operação:
“O SIS não tomou medidas de
polícia ou de investigação cri-
minal e quando iniciou a sua
ação não havia qualquer me-
dida deste tipo para adotar”,
acrescentou o responsável.
Qual era o dilema do SIS
se não atuasse?
Uma vez reportado o risco de
fuga de informação classifica-
da, com valor comercial, como
o Plano de Reestruturação da
TAP — o ministro chegou a
falar em documentos com o
carimbo “Confidencial”, que
é uma classificação baixa —,
o SIS tinha um dilema: atuar
e conter o risco dessa vulne-
rabilidade para o Estado; ou
não atuar e vir a ser respon-
sabilizado se os documentos
caíssem em mãos erradas. Terá
sido esse o mote da atuação,
embora juristas e especialistas
defendam que a operação devia
ter sido realizada pela PJ.
Porque falou António
Costa em roubo?
Na declaração que fez ao país,
a 2 de maio, o primeiro-minis-
Expresso, 12 de maio de 2023
Galamba disse que a
PSP permitiu que quem
instalações do ministério
FOTO JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
quem agrediu e tinha rouba-
do o computador saísse das
instalações.”
O inquérito sobre o caso do
portátil está nas mãos da Po-
lícia Judiciária, depois de Fre-
derico Pinheiro ter entregado
o aparelho ao SIS na mesma
noite. Caberá ao Ministério Pú-
blico decidir se é a Judiciária ou
a PSP a investigar as agressões
no Ministério das Infraestrutu-
ras, uma dúvida que ainda está
por esclarecer. Até ao fecho da
edição, o gabinete da Procura-
doria-Geral da República não
respondeu às perguntas do Ex-
presso. Quanto à PSP, está em
silêncio sobre este assunto por
ordens diretas do seu diretor
nacional, Magina da Silva.
hfranco@expresso.impresa.pt
tro continuou a falar em roubo
e em indícios de crime. Entre
várias formulações, disse :
“Os membros do gabinete que
participaram às autoridades
o roubo de um computador
contendo documentação clas-
sificada não só não cometeram
nenhuma infração como cum-
priram o seu dever.” Mas res-
salvou que nenhum membro do
Governo deu “ordens” a essas
autoridades.
Se não era crime, porque
ligou Galamba à PJ?
O Expresso confirmou que
o SIS sugeriu ao gabinete do
ministro que participasse o
caso às autoridades criminais.
Que interações houve entre o
SIS e o ministério e através de
quem? Porque é que não foi
o SIS a falar à PJ? E porque é
que os serviços fizeram esta
sugestão, se agiram no pres-
suposto de não haver indícios
de crime? O próprio Galamba
havia de telefonar ao diretor
da PJ, mas quando o SIS já es-
tava na posse do computador,
sem dizer que tinha acionado
os serviços de informações. No
dia seguinte, a PJ abordou Fre-
derico Pinheiro e só então os
inspetores souberam da ope-
ração da ‘secreta’. H.F. e V.M.
Expresso, 12 de maio de 2023 PRIMEIRO CADERNO 9
 10 PRIMEIRO CADERNO
PS
FOTO RUI DUARTE SILVA
Foi ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, é governador do BdP, e o posicionamento para o futuro já se nota
Para onde corre Centeno?
O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, tem tido a agenda
cheia, com vários alertas ao Governo. E deixa algumas portas abertas
Diogo Cavaleiro
e Liliana Valente
Mário Centeno não quer ficar
fechado no castelo do Banco de
Portugal (BdP). E, em política,
as movimentações dos atores
notam-se. Nos últimos meses,
em especial em abril, o governa-
dor esteve presente em alguns
eventos, até fora de Lisboa, e
por várias vezes deixou alertas,
críticas subtis e avisos à gover-
nação. O frenesim de Centeno
ainda está a passar ao lado do
radar de muitos socialistas, mas
outros já veem nestas movimen-
tações do ex-ministro um posi-
cionamento para o futuro. Afi-
nal, para onde corre Centeno?
O governador tem defendido
que o seu papel tem de ser de
“proximidade”, encurtando o
espaço entre uma instituição
muitas vezes opaca e distante
como o BdP e os cidadãos. Con-
tudo, essa “proximidade” pode
ter leituras políticas, sobretudo
quando Centeno aproveita o
palco para deixar avisos à go-
vernação, numa tentativa de
influenciar o caminho da políti-
ca pública. Dias 20 e 21 de abril
esteve em Vila Real e Mirande-
la, a 24 de abril foi a Leiria e a
25 de abril visitou Cantanhede,
em iniciativas em escolas ou a
ser recebido como convidado
de honra em comemorações
do Dia da Liberdade. E, além
da atividade regular no BdP,
onde participou por exemplo
esta semana numa conferência
sobre as entidades reguladoras,
já tem agenda para ir até Porti-
mão esta sexta-feira, para dar
uma aula aberta numa escola.
Essa volta a Portugal de Mário
Centeno não tem sido apenas
um passeio. Ao longo das últi-
mas semanas tem feito saber o
que pensa sobre a forma como,
a partir do Terreiro do Paço, as
finanças estão a ser geridas. Em
Vila Real alertou para os perigos
do IVA zero. Disse que a medida
tem “um impacto muito difícil
de avaliar” e que “é uma me-
dida que tem um grande risco
de poder não ser sentida pelos
consumidores finais”.
Não é apenas a medida em si
que o preocupa, mas o tipo de
instrumentos a que o Governo
recorre no combate à inflação:
de crescimento da despesa per-
manente, como o aumento das
pensões, mas também de largo
espectro e não focados nos mais
necessitados, como o IVA zero.
Foi para isso que alertou no fi-
nal de março, dizendo que, para
que as políticas governamentais
não tenham efeito contrário à
política monetária no combate
à inflação, é preciso que sejam
“temporárias, focadas no desa-
fio” e “não gerem contravapor
com a política monetária”. Já
esta semana, seguindo a senda
do Presidente da República de
que os resultados da economia
ainda não chegaram às pessoas,
deixou uma pequena frase no
mesmo sentido na conferência
dos reguladores, onde era para
estar o ministro das Finanças.
Disse Centeno que a economia
“tem-nos surpreendido pela
positiva”, e por isso “temos de
estar à altura dessa surpresa e
ser capazes de atuar”.
Dança das cadeiras
Apesar dos reparos, umas ve-
zes mais sonoros, outras vezes
mais subtis, as movimentações
de Centeno ainda não entra-
ram completamente no radar
do PS. O seu nome já. Para o
quê? “Em tempos falou-se de
Centeno para Belém”, conta ao
Expresso um deputado. Mas
há mais vias abertas, tudo “de-
pende das circunstâncias”. O
perfil de Centeno, mais executi-
vo do que representativo, pode
Em 2022, Mário
Centeno deu 18
entrevistas; este
ano já vai em sete
De Vila Real
a Cantanhede,
de Davos a Praga,
muitas são as viagens
do governador
fazê-lo olhar para outros lados,
como algum cargo europeu,
lembra-se no PS. Já foi presi-
dente do Eurogrupo, conhece
os meandros da Europa, e isso é
passaporte para ser considera-
do nos corredores de Bruxelas.
A dança das cadeiras só abrirá
após as europeias do próximo
ano e, no Banco Central Eu-
ropeu, apenas um ano depois,
com a saída do espanhol Luis
de Guindos da vice-presidên-
cia. Acresce que os destinos de
Centeno — ou o seu calendário,
incluindo um segundo mandato
à frente do BdP — ficarão de-
pendentes do que acontecer a
António Costa, quer cá dentro
quer além-fronteiras. Ser candi-
dato ao PS e depois a primeiro-
-ministro é possibilidade mais
distante, por não ser militante,
mas os socialistas não esque-
cem que ele foi uma estrela na
campanha eleitoral das legisla-
tivas de 2019. O atual mandato
de Centeno termina em 2025 e,
por agora, não é certo se quer
ou não um segundo mandato,
como tem acontecido à genera-
lidade dos governadores. Entre
os próximos, salienta-se que,
seja onde for, o que Centeno
anseia é por mais poder na es-
colha de políticas.
Se ainda é cedo para haver
uma definição do caminho,
certo é que o encurtamento do
calendário está presente na sua
ação, com um aumento da sua
visibilidade. Em 2022, Centeno
deu 18 entrevistas, algumas a
órgãos estrangeiro; este ano
já vai em sete. Esse papel mais
interventivo foi anunciado pelo
próprio quando, no 175º aniver-
sário do BdP, no final de 2021,
prometeu estar mais presente:
“Vamos fazê-lo através de aná-
lise económica e de aconselha-
mento fundamentado para o
desenho de políticas públicas.”
Uma forma de criar um ascen-
dente do supervisor sobre o Go-
verno, que tinha deixado um
ano antes, mas também uma
forma de continuar a influen-
ciar o rumo da governação.
Contudo, isso não tem aconte-
cido. Tal como o Expresso já es-
creveu, a política orçamental de
Medina choca de frente com o
que Centeno e o Banco Central
Europeu defendem que deve ser
nesta altura: medidas contrací-
clicas, que controlem a liquidez
monetária e que não sobrea-
queçam a economia. Que não
sejam, nas palavras de Centeno,
medidas de “contravapor”.
“Essa atividade mais intensa
vem de alguns meses a esta par-
te”, nota um membro do Gover-
no. Contudo, vê esse compor-
tamento como sendo “inerente
à função” e não como tendo
qualquer finalidade política no
curto prazo. “Penso que tem a
ver com a forma como olha o
exercício da função. E a visibi-
lidade que lhe dá”, acrescenta.
Este lado da atuação do BdP
tem sido propalado por Cen-
teno, que ainda esta semana
falou por duas vezes em “pro-
ximidade”. “Entendemos que
o nosso papel deve ser muito
mais amplo. Apostamos numa
relação bidirecional e de par-
tilha. Promover a proximidade
e reforçar a confiança”, disse.
A verdade é que, apesar de
tal estar no ADN de Centeno
desde que tomou posse como
governador, em julho de 2020,
distinguindo-o do perfil do seu
antecessor, Carlos Costa, o seu
protagonismo tem-se acentua-
do este ano. Tudo depois de ter
sido composto o novo Conse-
lho de Administração do BdP,
em que ganhou uma nova vice-
-governadora, Clara Raposo,
no fim de 2022, num conselho
com sete elementos, uma di-
mensão há muito inédita. Com
mais membros a quem delegar
trabalho (algo que já fazia no
Ministério das Finanças com
os seus secretários de Estado),
ficou mais liberto para inter-
venções públicas. Uma dessas
mudanças foi a decisão de fa-
zer transmissão no site do su-
pervisor das projeções para a
economia, para “promover a
proximidade e reforçar a con-
fiança junto dos portugueses”.
Além das viagens de norte a
sul do país, Centeno também
tem ido para fora. Se vai a
Frankfurt por ser a cidade do
BCE, também viaja para onde
se realizam as suas reuniões
(Chipre ou República Checa,
por exemplo), esteve em Davos
(Fórum Económico Mundial)
e foi até Dacar. Mas o seu rali
é outro. Para onde, por agora,
aceitam-se apostas.
lvalente@expresso.impresa.pt
PSD
Liderança de
Montenegro sofre
novos abalos
Há quem o acuse de
“reação pífia” ao caso
Galamba e de “desonrar”
o partido. Cavaco terá
vindo em seu socorro
“O PS rebenta com o país e o
PSD não sai da cepa torta.” O
desabafo é feito ao Expresso
por um social-democrata de-
pois de, nos últimos dias — e
“mais uma vez” —, o seu par-
tido ter chegado “atrasado ao
evento”. O ‘evento’ foi a não
aceitação por António Costa
da demissão do ministro João
Galamba. Pior: ao ser o único
partido da oposição a não rea-
gir de viva voz e ao remeter o
assunto para uma conferência
de imprensa no dia seguinte,
após a reunião de Luís Monte-
negro com o seu núcleo duro,
“criou-se uma expectativa tal,
insuflou-se o balão, anteci-
pou-se um estouro e depois
foi uma mão-cheia de nada”. O
líder assinalou “o momento do
canto do cisne” do Governo,
acusou o primeiro-ministro
de “tentar provocar eleições
antecipadas sem ter coragem
de o dizer” e, quanto ao PSD,
sublinhou que não as pede
mas também não as recusa.
Almoço com líder
da IL foi visto como
“fait-divers para
desviar o foco
do caso Galamba”
Ouve-se cada vez
mais no PSD que
“o líder da oposição
vai cair, só não
se sabe quando”
“Continuamos a desperdiçar
a oportunidade de marcar a
agenda política, fomos a rebo-
que dos outros partidos e tive-
mos uma reação pífia”, avalia
a mesma fonte.
Nessa altura, ainda a semana
passada ia a meio e, logo após
a conferência de imprensa,
Montenegro foi almoçar com o
líder da Iniciativa Liberal (IL),
Rui Rocha. Ficou “uma linha
aberta” de diálogo entre am-
bos — e com o Chega de fora.
Estava dado o sinal de enten-
dimentos à direita nos termos
que o Presidente da República
há muito reclamava. Mas até
nisso o timing não terá sido o
mais adequado. “Foi um ato
positivo, mas chegou na altura
errada, porque veio tirar o foco
do que verdadeiramente inte-
ressava, que era o ataque fe-
roz ao Governo”, sinaliza uma
outra fonte do PSD. “Parecia
que estávamos a fazer um favor
ao Governo, a tentar criar um
fait-divers para desviar o foco
do caso Galamba”, reforça,
sustentando que “mais valia
ter adiado o almoço por uma
semana”.
Dois dias depois, o Expresso
noticiava que o líder do PSD
não tinha declarado ao Tribu-
nal Constitucional o valor de
uma casa em Espinho, o que
motivou uma nota de esclare-
cimento do partido (ver texto
na página seguinte). “Devia ter
sido um comunicado a título
pessoal. É uma vergonha usar
o bom nome do partido para
escamotear eventuais erros de
Luís Montenegro”, comentam
sociais-democratas que não
disfarçam o “incómodo” que
a situação provocou e que acu-
Expresso, 12 de maio de 2023
sam a direção de “instrumen-
talizar” o partido, “desonran-
do-o”. O Expresso pediu uma
explicação à direção do PSD
sobre a autoria da nota, mas
não a obteve.
A notícia caiu como uma
bomba, instalando-se “um
ambiente de funeral”, e logo
na véspera do 49º aniversário
do partido, que seria “um es-
paço político de afirmação e
união”. “A nível interno ficou
a mancha”, relata uma outra
fonte, acrescentando: “O par-
tido devia sair de lá galvani-
zado e com força, mas não:
saiu de lá meio envergonhado,
porque a liderança está posta
em causa.” No sábado, dia de
aniversário, Francisco Pinto
Balsemão — o militante nº 1
— deixou vá rios conselhos a
Montenegro e pediu empenha-
mento não só a “desmascarar
os irritantes casos e casinhos”
do Governo mas também “na
apresentação de propostas
de lei sobre temas essenciais,
como a cada vez mais urgente
reforma do poder judicial ou
as mudanças indispensáveis
na lei eleitoral”.
O único fundador vivo do
PSD é atualmente descrito
por sociais-democratas como
“uma espécie de consciência
crítica, de farol”, que aponta
o rumo “até nas alturas em
que o partido tem mais difi-
culdades em encontrar-se”.
A “mensagem política fortís-
sima” de Balsemão não tinha
como destinatário apenas “o
partido, o aparelho, o laran-
jal”, mas “o país todo”. “Resta
saber se a direção nacional
irá no sentido” apontado pelo
fundador, diz uma fonte, que
se queixa de ver o seu parti-
do a apresentar “propostas
avulsas” em “matérias muito
sectoriais” e sem “uma visão
estruturada de conjunto”. E
sugere uma explicação, as-
sente no que descreve como
“estratégia política”: “O PSD
não quer dar a conhecer as
suas propostas em antecipa-
ção para não as sujeitar já ao
escrutínio da opinião pública.”
Também sobre este ponto a di-
reção não se quis pronunciar,
tal como não esclareceu se o
artigo de Cavaco Silva divul-
gado na terça-feira pela dele-
gação do PSD no Parlamento
Europeu partiu de um convite
da cúpula social-democrata.
A propósito do Dia da Eu-
ropa, o antigo Presidente da
República exortou o Governo
a aproveitar o PRR para asse-
gurar o crescimento do país
em vez de atirar dinheiro “para
cima dos problemas, sem os re-
solver”. Cavaco Silva também
discursará no encerramento do
Encontro Nacional de Autarcas
Social Democratas, no dia 20,
em Lisboa. O seu regresso é
entendido pelos sociais-demo-
cratas ouvidos pelo Expresso
como uma forma de “dar cre-
dibilidade” ao líder.
Face à “desgovernação so-
cialista”, seria normal dizer-se
que “o líder da oposição vai ser
primeiro-ministro um dia, só
não se sabe quando”, mas, se-
gundo uma fonte do PSD, o que
se ouve cada vez mais é que “o
líder da oposição vai cair, só
não se sabe quando”.
Hélder Gomes
hgomes@expresso.impresa.pt
COMO SE PORTOU
A DIREITA NA CRISE?
OUÇA O PODCAST
“COMISSÃO POLÍTICA”
EM EXPRESSO.PT
Expresso, 12 de maio de 2023
INVESTIGAÇÃO
Perguntas
e respostas
sobre o TC
e a casa
de Espinho
Um artigo sobre a moradia do
líder do PSD motivou uma reação
enérgica do partido. Oito questões
Micael Pereira
O que noticiou
o Expresso?
Em 2016, quando era presiden-
te do grupo parlamentar do
PSD, Luís Montenegro come-
çou a construir em Espinho
uma casa de seis pisos com
mais de 800 m2 de área total de
construção. O atual líder do
PSD recusou-se a dizer ao Ex-
presso quanto é que gastou
nessa moradia e nas sucessivas
declarações de rendimentos e
património que entregou, en-
tre 2015 e 2022, ao Tribunal
Constitucional (TC) omitiu o
valor efetivo desse imóvel e de
onde veio o dinheiro para a pa-
gar. A lei obriga os políticos a
darem conta de qualquer acrés-
cimo patrimonial efetivo supe-
rior a 50 vezes o salário míni-
mo nas suas declarações de
rendimentos.
O que disse Montenegro?
Desde fevereiro de 2023, o Ex-
presso perguntou a Luís Mon-
tenegro, por três vezes, qual foi
o custo total da casa. Na segun-
da dessas vezes, o político res-
pondeu: “O custo final foi ob-
viamente o somatório de todas
as despesas. (…) A conclusão é
que esse custo se inscreveu
dentro dos valores de referên-
cia praticados no respetivo
mercado e atendendo aos ma-
teriais escolhidos.” Na terceira
vez, questionado sobre quando
declarou o valor patrimonial do
imóvel ao TC, o líder social-de-
mocrata limitou-se a responder
que “no que concerne às obri-
gações declarativas, foram to-
das cumpridas nos termos da
lei”. Na mesma ocasião, ao ser-
-lhe perguntado de novo quan-
to custou a moradia, revelou
não o custo, mas o número re-
lativo ao valor patrimonial tri-
butário, isto é, fixado pela Au-
t o r i d a d e Tr i b u t á r i a n a
caderneta predial: €575 mil.
Nem esse valor nem uma cópia
dessa caderneta predial foram
entregues ao TC.
Como reagiu Montenegro
quando saiu a notícia?
A reação veio por meio de uma
nota de esclarecimento do
PSD. Nessa nota é dito que “o
presidente do PSD cumpriu
sempre todas as suas obriga-
ções declarativas de natureza
patrimonial, nos termos pre-
vistos na lei. É falso que haja
qualquer omissão de declara-
ção”. E diz ainda: “O bem imó-
vel referido é o primeiro a
constar da declaração entre-
gue no TC, com identificação
da sua tipologia e localização,
descrição matricial e predial.
O formulário não tem nenhum
campo para indicação do valor
patrimonial, que consta da
respetiva caderneta predial
junto da Autoridade Tributá-
ria (aliás, valor esse referido
na notícia).”
O que pede o formulário
da declaração e o que diz
a lei?
A notícia do Expresso não refe-
ria a existência de qualquer
campo no formulário da decla-
ração de rendimentos para in-
dicação do valor patrimonial de
imóveis, referindo-se apenas ao
facto de esse valor estar omisso
e à necessidade de reportar
qualquer alteração patrimonial
superior a 50 vezes o salário
mínimo — e que esta indicação
não foi feita em nenhuma das
declarações entregues entre
2015 e 2022, não tendo Monte-
negro informado o tribunal so-
bre o valor efetivo da nova mo-
radia e de onde veio o dinheiro
para a pagar. O que existe no
formulário, tanto no caso do
património imobiliário como
de outros ativos, é um campo à
esquerda para “bens a declarar
em Portugal” e um campo à
direita para “indicação do facto
que originou a alteração patri-
monial quando de valor supe-
A atual lei diz que “é
disponibilizado para
consulta a identificação
de cada imóvel, pela
sua matriz, localização
e valor patrimonial”
TRANSPARÊNCIA Na declaração de interesses que os políticos
têm de entregar no TC há um campo, à direita no formulário,
para sinalizar um aumento do património imobiliário
rior a 50 vezes o salário míni-
mo”. A existência deste campo,
de resto, também não consta da
notícia. A atual lei, em vigor
desde 2019, diz, no seu artigo
13º, que da declaração de ren-
dimentos e património deve
constar “a descrição dos ele-
mentos do seu ativo patrimo-
nial”. Por outro lado, no seu
artigo 17º, sobre acesso e publi-
cidade, a lei diz que “no que
respeita a dados sobre rendi-
mentos e património, a consul-
ta da declaração garante” (...)
que, “relativamente ao pa-
trimónio imobiliário, é disponi-
bilizado para consulta a identi-
ficação de cada imóvel, pela sua
matriz, localização e valor pa-
trimonial”. Esse valor patrimo-
nial — quer o valor patrimonial
efetivo quer o valor patrimonial
tributário — está ausente na
declaração de rendimentos e
património de 2022 de Luís
Montenegro.
do deixou de ser deputado.
Atualmente a lei diz que é pre-
ciso declarar “a promessa de
vantagem patrimonial, efetiva-
mente contratualizada ou acei-
te durante o exercício de fun-
ções, ou nos três anos após o
seu termo, ainda que implique
concretização futura”. Antes de
2019, no entanto, o que a lei
FOTO RUI DUARTE SILVA
dizia era que “a declaração fi-
nal deve refletir a evolução pa-
trimonial durante o mandato a
que respeita”.
Em quantas declarações
o imóvel é referido?
Entre a compra em 2015 do
imóvel devoluto — que foi de-
pois demolido para dar lugar à
nova moradia — e a atualidade,
Montenegro entregou quatro
declarações de rendimentos e
património ao TC: uma em de-
zembro de 2015, já depois de
ter comprado o imóvel devolu-
to; uma segunda em março de
2017; outra em junho de 2018,
quando cessou funções como
deputado; e a mais recente em
setembro de 2022, depois de
ter assumido em maio do ano
passado o cargo de presidente
do PSD. Houve um intervalo de
quatro anos durante as duas
últimas declarações. Em todas
O que Montenegro elas, o imóvel surge com as re-
podia ter argumentado ferências da matriz e do registo
e não argumentou? predial. Mas em apenas uma
O líder do PSD poderia ter dito das declarações, a de 2018, foi
que uma vez que deixou de ser entregue por Montenegro ao
deputado em 2018 e só voltou a TC uma caderneta predial. Os
ter um cargo político em 2022 dados quer de valor patrimo-
não era obrigado a dar conta de nial tributário (de €137 mil)
um acréscimo patrimonial efe- quer de áreas constantes nessa
tivo, uma vez que a sua nova caderneta referem-se, contudo,
moradia só teve licença de uti- à situação em que se encontra-
lização em 2021. Essa licença va a propriedade quando foi
foi emitida num período em comprada devoluta em 2015
que não estava abrangido pela por ele e não à situação em que
obrigação de sinalizar ao TC se encontrava em junho de
um aumento do seu ativo patri- 2018, quando entregou a sua
monial. Nessa linha de raciocí-
nio, tendo como data de refe-
rência a licença de utilização
em 2021, Montenegro só esta- Quando entregou
ria abrangido pela obrigação de a declaração de final
informar o TC, e explicar de de mandato como
onde veio o dinheiro para a
casa, caso o atual regime do
deputado em 2018,
exercício de funções por titula- os seis pisos da moradia
res de cargos políticos já esti- já estavam de pé
vesse em vigor em 2018, quan-
PRIMEIRO CADERNO 11
FOTO TIAGO MIRANDA
declaração de final de mandato
(que cessou em abril).
Qual era a situação
do imóvel no final
de mandato em 2018?
Segundo o livro da obra que
consta do processo de licencia-
mento da nova moradia, a que
o Expresso teve acesso, o edifí-
cio de seis pisos já estava de pé,
com paredes e escadas já cons-
truídas e montadas, tendo sido
posta a cobertura em maio de
2018, estando a entrar nessa
altura na fase de acabamentos
(o elevador interior seria mon-
tado em novembro desse ano).
Tendo em conta que Montene-
gro não recorreu a nenhum
empréstimo bancário para fi-
nanciar a nova casa, o dinheiro
que investiu até esse momento
na construção diz respeito a
um período em que exerceu
cargos políticos de forma con-
tínua, desde 1998, e parece en-
caixar-se no que dizia a então
lei, de que “a declaração final
deve refletir a evolução patri-
monial durante o mandato a
que respeita”. O imóvel é des-
crito na declaração de junho de
2018, na parte destinada ao
património, como um prédio
urbano e apenas com as refe-
rências da matriz e do registo
predial, levando a crer que a
caderneta predial anexa ao
formulário, com os antigos
300 m2 de área e €137 mil de
valor tributário, traduzia a rea-
lidade.
Porque é que o dinheiro
investido na moradia
é de interesse público?
Por dois motivos: primeiro,
porque diz respeito a um perío-
do em que era líder parlamen-
tar do PSD e acumulava duas
décadas de vida política ativa.
Segundo, porque ao contrário
de uma casa comprada já pron-
ta a habitar, e em que qualquer
cidadão pode obter cópia da
escritura para ficar a saber
quanto é que custou, no caso de
uma moradia construída não
existe essa possibilidade. Só o
próprio pode dizer de quanto
dinheiro estamos a falar.
mrpereira@expresso.impresa.pt
 12 PRIMEIRO CADERNO
JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
Centrais sindicais não prometem
trégua para visita do Papa
Sindicatos cooperam com Igreja e prometem estar vigilantes a direitos
FOTO RICARDO PERNA/ JMJ LISBOA 2023
Isabel Camarinha, da CGTP, e Mário Mourão, da UGT, foram à sede da organização da JMJ mostrar solidariedade
João Diogo Correia
Acordos, sorrisos e apertos de
mão, mas também avisos: a visita
do Papa Francisco a Portugal vai
criar “pressão social” numa altura
em que o país já vive um aumento
da contestação nas ruas. E é preciso
acautelar os direitos dos milhares
que vão trabalhar durante a Jor-
nada Mundial da Juventude (JMJ).
A menos de três meses do even-
to, que se prevê que traga ao país
mais de um milhão de peregrinos,
as centrais sindicais prometem so-
lidariedade. Mas a paz social não se
pode garantir. “É um momento que
pode servir para algumas pessoas
mostrarem insatisfação”, reconhe-
ce uma das fontes sindicais ouvidas
pelo Expresso.
Na última semana, CGTP e UGT
foram ao quartel-general da organi-
zação da JMJ, no Beato, em Lisboa,
para dar um sinal de cooperação e
para ver de perto os preparativos
para o encontro católico, que de-
corre entre 1 e 6 de agosto, e que vai
exigir, antes, durante e depois dessa
semana, trabalho acrescido a pro-
fissionais das mais diversas áreas.
Transportes, com milhares de auto-
carros a circularem dentro e fora da
Área Metropolitana de Lisboa, saúde,
segurança ou a recolha do lixo estão
entre as principais preocupações por
esta altura — aliás, já há médicos,
enfermeiros e agentes das forças de
PARLAMENTO
“Otimismo
ingénuo”,
acusa Livre
Santos Silva admite
recorrer a meios ainda não
utilizados, mas que estão à
sua mão, para travar maus
comportamentos no plenário
Ainda antes do polémico protesto
na sessão de boas-vindas a Lula da
Silva, os incidentes com deputados
do Chega têm sido recorrentes e
levaram o presidente do Parlamen-
to a pedir uma reflexão aos par-
tidos. Na manga, Augusto Santos
Silva levava esta quarta-feira um
documento pedido aos serviços
da Assembleia com uma síntese
das medidas dos parlamentos de
11 países da Europa e do próprio
Parlamento Europeu (PE), onde se
segurança de sobreaviso para a pos-
sibilidade de as férias de verão serem
“condicionadas” pela JMJ.
Isabel Camarinha, secretária-ge-
ral da CGTP, foi a primeira a ir ao
Beato, no dia 3 de maio, uma quar-
ta-feira, acompanhada por outros
representantes da intersindical,
incluindo o dos jovens. Esta quar-
ta-feira, dia 10, foi a vez de Mário
Mourão, seu homólogo da UGT,
com comitiva semelhante, posar
ao lado de D. Américo Aguiar, bis-
po-auxiliar de Lisboa (que foi aos
“É importante que
também o trabalho dos
voluntários não extravase
o aceitável”, alerta fonte
sindical ao Expresso
últimos congressos das duas cen-
trais sindicais), e ouvir da parte da
Igreja Católica agradecimentos aos
trabalhadores e a todas “as pessoas
que servem a comunidade”.
Segundo o Expresso apurou, nem
a questão das férias dos profissi-
onais nem a possibilidade de um
eventual travão nas greves foram
abordadas nas visitas dos sindica-
tos à sede da JMJ. De facto, foram
antes encontros de “cordialidade”,
reforço da ligação entre a Igreja e
os representantes dos trabalhado-
res — Camarinha lembrou mesmo
aplicam sanções mais duras aos de-
putados (multas, corte nos salários,
suspensões). Mas depois do primei-
ro castigo — a exclusão do partido
de André Ventura das comitivas
de Santos Silva ao estrangeiro —,
a ordem é para manter, para já, o
atual quadro regulamentar da As-
sembleia da República (AR).
“Não precisamos de mais regras,
nem precisamos de um quadro san-
cionatório diferente”, defendeu o
PAR, após a conferência de líderes,
apontando para meios não esgota-
dos do regimento, assim como o
código de conduta e o estatuto dos
deputados. Uma avaliação que foi
subscrita por todos os partidos pre-
sentes na reunião, exceto o Chega.
Ao Expresso, Rui Tavares — que
faltou à reunião por estar retido
no Funchal — lamenta, contudo,
a decisão e diz esperar que ainda
seja possível ponderar possíveis
soluções, uma vez que não estão fe-
chadas as alterações ao regimento.
“O Chega não tem nenhuma razão
de queixa, antes pelo contrário.
Os outros grupos parlamentares
é que acabaram por minimizar a
ameaça que comportamentos dos
a “participação histórica dos ca-
tólicos na construção do projeto
sindical” — e de sensibilização de
parte a parte.
Da Fundação JMJ, a mensagem
foi de união à volta de um evento
considerado único no país. Da parte
dos sindicatos houve alertas de que
o momento é difícil, as condições de
vida têm-se degradado e a atenção
além-fronteiras virada para o país
pode ser aproveitada por alguns
agentes sociais para mostrar insa-
tisfação. “Foi pedida compreen-
são ao senhor bispo”, admite uma
das fontes presente nos encontros.
Isso pode significar falta de traba-
lhadores nos dias do evento? “A
Igreja está a preparar-se para sal-
vaguardar que tudo decorre com
normalidade.”
Trabalho voluntário “aceitável”
Os sindicatos querem garantias de
que os direitos dos trabalhadores
estão assegurados, deixando avisos
de que não há períodos de exceção.
E as preocupações estendem-se aos
voluntários.
Por esta altura, a organização da
Jornada recebeu já a inscrição de
20 mil voluntários (a meta são 30
mil) e continua o processo de an-
gariação destes jovens “que são a
força da JMJ Lisboa 2023”, como
frisam os organizadores.
Os sindicatos olham para o mo-
mento como uma oportunidade
deputados do partido têm repre-
sentado. Uma ameaça ao trabalho
parlamentar, ao prestígio da AR e,
a partir daí, ao próprio Estado de
Direito democrático”, afirma.
Para o deputado do Livre, os par-
tidos devem aproveitar a recolha
feita pela divisão de informação
legislativa parlamentar e olhar
ainda para os exemplos de outros
parlamentos — que lidam há mais
tempo com a “extrema-direita” — e
avaliar se algumas medidas podem
ser transpostas ou adaptadas para
Portugal. “Temos problemas hoje
em dia com os quais o Parlamento
nunca teve de se confrontar em 48
anos”, vinca, em linha com uma
observação já feita pelo socialista
Rui Tavares critica
apelo de Santos Silva
para queixas
formais de deputados
Expresso, 12 de maio de 2023
Gente
Equilíbrio emocional Há imensa
capacidade de comentário em Portu-
gal e a mais recente crise política que
o diga. E, depois, há Estrela Serrano.
A antiga assessora de Soares, inves-
tigadora sobre jornalismo, encontra
na vida pessoal do Presidente a razão
para a instabilidade. “A principal
diferença entre Marcelo e anteriores
PR é Marcelo não ter companheira
a seu lado”, escreveu no Twitter. Diz
que Manuela Eanes, Maria Barroso,
Maria José Sampaio e Maria Cavaco
“foram conselheiras em momentos
CARLOS FARINHA/ JMJ LISBOA 2023
difíceis”. E conclui: “Convívio e lazer
em família, afeto, partilha e equi-
líbrio emocional escasseiam com
Marcelo.” Com argumentos destes,
Gente não contra-argumenta.
Família Gente acompanhou as ce-
rimónias de coroação do rei Car-
los III, não por ter inclinações mo-
nárquicas, mas por futilidade. Por
entre vestidos, chapéus, toucados e
mantos, tentámos ver o Presidente
português, mas nem sinal. Fez-se
para os jovens “perceberem a im- luz quando lemos o tweet de Estrela
portância de se unirem e se mani- Serrano: falta uma companheira. As
festarem por melhores condições câmaras estavam focadas em rai-
de vida”, nota um dos presentes nos nhas, princesas, vestidos coloridos e
encontros. Ainda assim, avisa um chapéus a condizer. O único homem
outro representante, “é importante desacompanhado a ter interesse foi
que o trabalho dos voluntários não mesmo o príncipe Harry.
extravase o aceitável”. E quanto a
isso, os sindicatos prometem aten- Anticlímax Há vários dias que o mi-
ção máxima. nistro das Infraestruturas não tinha
A JMJ tem dois tipos de voluntá- agenda pública. Desde que Costa o
rios: os centrais, que têm mais de segurou contra a vontade de Mar-
18 anos e vão colaborar nos eventos celo, o ministro resguardou-se. Esta
principais, como os encontros com quarta-feira, foi encerrar uma confe-
o Papa Francisco ou o Festival da rência sobre telecomunicações e os
Juventude; e os voluntários paro- jornalistas atropelaram-se em busca
quiais, maiores de 16 anos, que aju- de uma declaração. Quando subiu
dam no alojamento e atendimento ao palco, Galamba avisou que a sua
dos peregrinos, que vão ficar espa- intervenção seria “anticlimática”.
lhados pelas dioceses de Lisboa, Gente só não adormeceu porque
Santarém e Setúbal. Todos contri- Gente nunca dorme.
buem com o pagamento de uma
inscrição que inclui, pelo menos, Maus ventos Já se sabe que quem
um kit de voluntário, o seguro e o vai à Madeira não sabe quando volta,
transporte. devido aos ventos. Ora, na terça-fei-
Depois de meses marcados por ra, quando o Conselho de Fiscali-
dúvidas e polémicas com a organi- zação das ‘secretas’ foi ouvido no
zação da JMJ, do valor dos palcos Parlamento, dois deputados fica-
às funções dos envolvidos (Igreja, ram impedidos de saber o que de
Governo e autarquias), a aproxi- tão secreto havia a saber: Fernan-
mação da data tem aumentado o do Negrão, do PSD, e Rui Tavares,
ritmo dos encontros. E ninguém do Livre. Por causa dos ventos, não
quer ficar mal na fotografia. Po- ouviram em direto que para Costa
rém, com “o Governo a não dar tinha havido roubo de um computa-
resposta aos problemas das pesso- dor, mas que para o SIS não houve
as”, como repetem os sindicatos, indícios de crime...
este não é o tempo de promessas
de trégua. Vão trabalhar, malandros A co-
jdcorreia@expresso.impresa.pt missão de inquérito ao SIS deixou
o socialista Seguro Sanches de tal
forma em apuros que acabou a ba-
ter com a porta. A pressa do PS em
fechar ‘a coisa’ é tal que o deputado
sugeriu trabalhos parlamentares à
segunda e à sexta-feira. Nada má
ideia. Mas só acordaram agora? E só
por causa do aperto com as secretas?!
É que Belmiro de Azevedo já há mui-
Pedro Delgado Alves. Tavares ma-
nifesta-se ainda surpreendido com
o apelo para que seja apresentada
tos anos sugeriu que os deputados co-
meçassem a bulir às oito da manhã...
uma “comunicação formal” ao PAR
ou à Comissão da Transparência e
Estatuto dos Deputados, quando Craque sem número
deputados se sentirem vítimas de
ofensas ou comportamentos agres-
sivos por parte de colegas: “Isso
traduz um otimismo de certa forma
ingénuo, que é esperar que haja
queixas individuais. A obrigação de
FOTO D.R.
salvaguardar o prestígio do Parla-
mento é de todos os parlamentares
e não de deputados em particular”,
atira. DEFESA OU MEIO-CAMPO?
O líder parlamentar do PS, Euri- Poderia ser um 12, o primeiro a
co Brilhante Dias, insistiu que será saltar do banco nas substituições.
preciso garantir um “escrutínio Ou será um 6, número tantas
mais efetivo do cumprimento” das vezes usado para os ‘carreadores
regras para travar estes comporta- de piano’ que constroem jogo a
mentos e “não haver mais degrada- meio-campo. Ou será um líbero,
ção das instituições”. aquela antiga posição atrás
Já Ventura acusou Santos Silva de da defesa a destruir jogo? A
querer “adquirir poderes policiais e Federação Portuguesa de Futebol
de censura”, ignorando os poderes preferiu não arriscar e ofereceu a
que o regimento confere ao PAR. camisola a Paulo Raimundo com
Retirar a palavra ou expulsar depu- nome, mas sem número.
tados da sala estão entre eles.
Liliana Coelho
lpcoelho@expresso.impresa.pt
Expresso, 12 de maio de 2023 PRIMEIRO CADERNO 13

altice.pt

Tecnologia
para liderar
o futuro

Altice has no limits

14 PRIMEIRO CADERNO
SO CIEDADE ABUSOS
Ricardo Barroso Psicólogo que fará o acompanhamento dos abusadores sexuais dentro da Igreja
“Os padres deviam ter educação
sexual nos seminários”
Texto Hugo Franco
e Joana Pereira Bastos
Foto Rui Duarte Silva
Especialista no acompanhamento psi-
cológico de agressores sexuais, o in-
vestigador do Centro de Psicologia da
Universidade do Porto integra o Grupo
Vita, criado para dar apoio às vítimas
de abusos na Igreja e também aos pa-
dres suspeitos, no sentido de prevenir
a reincidência. Ricardo Barroso acre-
dita que a cultura de encobrimento
pertence ao passado, já que a Igreja
“aprendeu a lição”. Mas reconhece
que ainda há “resistência por parte de
algumas pessoas” e defende que deve
haver uma ação de sensibilização junto
dos bispos.
P Como vai funcionar o apoio psicoló-
gico aos padres abusadores?
R O apoio às vítimas é a nossa prio-
ridade, mas um dos objetivos é tam-
bém o acompanhamento das pessoas
que praticaram abusos sexuais. Esta
intervenção não pretende substituir
qualquer medida legal ou disciplinar,
o que procuramos é evitar a reinci-
dência através de uma intervenção
psicológica ou psiquiátrica especia-
lizada, que, em alguns casos, levará
anos para permitir que estas pessoas
possam eventualmente ser reintegra-
das na Igreja, com os devidos cuidados.
Nestes casos, o mero apoio espiritual,
o afastamento para outras tarefas ou
até o irradiar da Igreja não é suficiente
para prevenir a reincidência. A ideia é
promover mudanças comportamen-
tais, por exemplo a nível da aceitação
da responsabilidade, da tomada de
consciência e empatia pelas vítimas,
da regulação emocional e de muitos
aspetos da sexualidade.
P Quando vai começar?
R A linha telefónica abrirá no dia 22,
tanto para as vítimas como para os
abusadores. Os atendimentos e con-
sultas arrancarão nos dias ou semanas
seguintes. No caso das pessoas que já
cometeram abusos, o acompanhamen-
to será face a face. Mas vamos também
fazer uma intervenção preventiva, on-
line ou por telefone, dirigida a pessoas
que nunca cometeram abusos mas há
risco de virem a praticá-los. Há imen-
sas pessoas que têm fantasias sexuais
[com menores] e nunca falaram disso
a ninguém porque antecipam uma
repulsa do outro lado.
P Será a Igreja a encaminhar os pa-
dres para acompanhamento ou terão
de ser os próprios a recorrer a vocês?
R Terão de ser os próprios. Mas vamos
sensibilizar a Igreja para abordar os
padres [abusadores] nesse sentido.
Creio que a Igreja tem consciência da
necessidade deste acompanhamento.
P Sendo a pedofilia uma “doença cró-
nica”, qual a eficácia desta interven-
ção?
R A intervenção psicológica não di-
minui automaticamente o risco de
a pessoa voltar a praticar agressões
sexuais. Mas este tipo de intervenção
tem uma boa resposta em indivídu-
os de risco baixo ou médio-alto. Em
alguns casos, é necessário ir acompa-
nhando durante mais anos; noutros,
temos de ser claros, a intervenção
pode não funcionar.
SE SOUBERMOS QUE
COMETERAM UM
CRIME QUE AINDA
NÃO FOI REPORTADO,
DENUNCIAMOS AO MP
P Têm a expectativa de vir a acompa-
nhar os cerca de 100 padres denuncia-
dos à Comissão Independente?
R Não estou à espera de que surja logo
um grande número de pessoas a pedir
este apoio. Creio que isso poderá acon-
tecer com o tempo, com o trabalho de
sensibilização que formos fazendo.
P O perfil dos padres abusadores dife-
re em alguma coisa do perfil genérico
dos abusadores sexuais?
R Creio que haverá diferenças, mas
não há estudos sobre isso. Porém,
há um marcador comum, que tem a
ver com um padrão de sexualidade
desviante. Do ponto de vista psicoló-
gico, a raiz do problema tende a ser
a mesma.
P O acompanhamento será anónimo?
R Não será anónimo, mas será eviden-
temente confidencial. Ainda assim,
é óbvio que se soubermos que come-
teram um crime que ainda não está
reportado, seremos obrigados a denun-
ciar ao Ministério Público. E a pessoa é
avisada disso.
P Não há dever de sigilo?
R Não. Há obrigatoriedade de denun-
ciar. Não estamos dispostos a bran-
quear qualquer abuso que tenham
cometido, por muito arrependidos que
possam estar.
P O facto de darem também apoio
psicológico aos abusadores pode criar
desconfiança nas vítimas, tornando-as
mais relutantes em pedir ajuda?
R Em Portugal, parece-nos que exis-
te compreensão por este plano, que
prevê que os abusadores não sejam
abandonados ao deus-dará, de modo
a prevenir a reincidência, evitando que
haja mais vítimas no futuro.
P Muitos abusadores começaram por
ser abusados em jovens. No caso da
Igreja, algumas destas práticas ocor-
reram nos seminários. Devia haver
uma especial sensibilização para este
assunto na formação dos padres?
R Acho que sim. Nem todas as pessoas
abusadas se transformam em agresso-
res. Isso acontece sobretudo quando
o abusador tem mais ligação emocio-
nal com a vítima ou quando esse abu-
so é continuado no tempo. Pode ter
acontecido nos seminários. Há uma
necessidade de os membros da Igreja
ponderarem as questões em torno da
sexualidade, que é muitas vezes associ-
ada à vergonha e a algo repulsivo.
P Acha que os padres deviam ter edu-
cação sexual nos seminários?
R Exatamente, a nível da prevenção
do risco e da vivência da sexualida-
de. Isto tem de ser normalizado no
discurso da Igreja. A dificuldade em
gerir a questão da sexualidade é um
problema.
P O celibato pode potenciar abusos?
R Não há estudos que digam que o
celibato é a causa. No geral, a grande
maioria dos abusos acontece em meio
familiar, em que não existe celibato.
P Durante décadas houve uma cultu-
ra de encobrimento na Igreja. Acredita
que está definitivamente erradicada?
R Estou convicto de que sim. Creio
que a Igreja aprendeu a lição nos úl-
timos meses. Não há assim tantos pa-
A INTERVENÇÃO
PSICOLÓGICA JUNTO
DOS PADRES
[ABUSADORES]
PODERÁ LEVAR ANOS
Expresso, 12 de maio de 2023
Ricardo Barroso trouxe para
Portugal um projeto
internacional de prevenção da
pedofilia (Troubled Desire), que
dá apoio a pessoas que se
sentem atraídas por menores
íses que tenham feito um processo
semelhante ao nosso, com o trabalho
da Comissão Independente. No Grupo
Vita não temos tido qualquer indicação
da Igreja sobre como devemos ou não
fazer. No momento em que nos con-
testarem, sairemos todos. No geral,
as pessoas estão mais sensibilizadas,
é um caminho que já não volta atrás.
P Mas tem havido declarações preo-
cupantes de alguns bispos que revelam
uma certa desvalorização dos abusos.
R Existe resistência por parte de al-
gumas pessoas e é preocupante. Mas
se daqui a um ano algum responsável
tiver uma postura semelhante, aí tere-
mos um problema. É porque, de fac-
to, nada mudou. Na Igreja, ninguém
estava à espera do impacto do relató-
rio. Antecipavam que ia haver poucos
casos e não estavam conscientes da
gravidade da situação.
P Deveria haver uma maior conscien-
cialização dos bispos?
R Estão previstos processos de forma-
ção e de sensibilização, nomeadamen-
te com escuteiros e com dioceses. E
não haveria problema nenhum em ha-
ver também uma sessão com os bispos.
P Os padres abusadores devem pedir
desculpa às vítimas?
R No processo de responsabilização do
agressor o pedido de desculpa genuíno
é extremamente necessário.
P Trouxe para Portugal um projeto
de prevenção da pedofilia [Troubled
Desire] que dá apoio psicológico a pes-
soas que têm fantasias com menores.
Quantas estão a ser apoiadas?
R Até dezembro foram 26 as que nos
contactaram, mas nem todas se man-
tiveram em intervenção. Há pessoas
com estas fantasias que nunca come-
teram um crime e que não sabiam a
quem recorrer. Agora têm uma plata-
forma online anónima e confidencial.
hfranco@expresso.impresa.pt
Expresso, 12 de maio de 2023 PRIMEIRO CADERNO 15
16 PRIMEIRO CADERNO
SAÚDE
Desigualdade provoca lesões no cérebro e
diminui capacidade cognitiva das mulheres
Ressonâncias magnéticas provam pela primeira vez que a discriminação feminina reduz a ‘massa cinzenta’
Vera Lúcia Arreigoso
Uma sociedade que não trata
homens e mulheres da mesma
maneira cria uma população
feminina com cérebros mais
frágeis. Subalternizar a mulher
provoca danos nas estruturas
cerebrais, a ponto de diminuir
a capacidade cognitiva e de
aumentar o risco de doença
mental. A conclusão consta de
um estudo agora publicado, na
conceituada revista “Procee-
dings of the National Academy
of Science”, com um português
entre os autores.
Quase oito mil ressonân-
cias magnéticas do cérebro
de homens e mulheres de 29
países foram estudadas pelos
investigadores — todos psiquia-
tras e dedicados, sobretudo,
à doença bipolar — e permiti-
FOTO GETTY IMAGES
ram provar pela primeira vez
que a desigualdade de género
inflige uma lesão no cérebro fe-
minino. O dano cerebral é evi-
dente nas mulheres que vivem
em países socialmente pouco
desenvolvidos.
As nações participantes fo-
ram ordenadas por índices lo-
cais de igualdade de género e
de desenvolvimento, de acordo
com a classificação do Banco
Mundial. “Tivemos uma gran-
de dificuldade em encontrar
amostras de países com muitas
desigualdades, mas consegui-
mos imagens da Índia, África
do Sul, Chile, Colômbia, Mé-
xico ou China. Há exceção da
Turquia, não temos países de
matriz muçulmana. O outro
fator muito importante foi con-
trolar as variáveis que pode-
riam trazer viés, como idade,
Produto Interno Bruto do país,
estrato social... Tivemos muito
cuidado para não existir inter-
ferência de outros elementos
que explicassem as alterações
cerebrais além da desigualdade
de género”, garante Tiago Reis
Marques, psiquiatra, investiga-
dor do King’s College em Lon-
dres e um dos autores.
O olhar atento dos investi-
gadores permitiu ver que a
discriminação das mulheres
reduz a espessura cortical — a
‘massa cinzenta’ onde se con-
centram os neurónios — em
COVID-19
Pandemia já não
mete medo mas
ainda ameaça
Circulação do novo
coronavírus deixou de ser
uma emergência sanitária
global. Há cuidados
a manter: o reforço vacinal
Não sendo uma ameaça
para a saúde global,
podemos relaxar
totalmente em relação
à covid-19, reagindo como
perante a gripe ou outros
vírus respiratórios?
Os especialistas do Instituto
Ricardo Jorge (INSA) explicam
que, “apesar da distribuição
Tiago Reis Marques, um dos coautores do estudo, alerta para a formação de uma “cicatriz biológica” no cérebro das mulheres
comparação com o cérebro
masculino. “Homens e mulhe-
res não devem ter diferenças
na espessura cortical, área que
tem uma relação direta com a
função cognitiva. Aliás, onde
há maior paridade de género,
a espessura do córtex é igual e
por vezes até maior nas mulhe-
res”, explica o psiquiatra.
“Onde há maior
paridade de género,
a espessura do córtex
é igual e por vezes até
maior nas mulheres”,
afirma o investigador
Tiago Reis Marques
A análise foi feita em áreas
cerebrais com mais interesse,
tendo sido avaliadas 68 subre-
giões, e foi ainda observado que
os danos “são mais acentuados
em regiões do cérebro associ-
adas à resposta ao stresse, à
resiliência ou a estruturas de
controlo emocional”. Ou seja,
a desigualdade promove um
mundial da covid-19 e do vírus
SARS-CoV-2 continuar, já não
é um evento excecional ou
inesperado, com impactos ex-
traordinários na saúde da po-
pulação e na organização dos
serviços de saúde, passando a
pandemia para uma fase de
transição”. Ainda assim, “tal
como acontece com a gripe, a
diminuição do nível de alerta
não significa relaxar totalmen-
te”, alertam. Após três anos de
pandemia, os peritos subli-
nham que já não se pode lidar
com a gripe, as constipações e
declínio cognitivo e um maior
risco de problemas psíquicos.
“Estas consequências não são
um reflexo pontual no tempo,
vêm de idades muito jovens ao
nível do neurodesenvolvimen-
to, da infância e adolescência
até ao início da idade adulta”,
afirma Tiago Reis Marques.
Lesões ao longo da vida
Nas conclusões publicadas, é
salientado o efeito do estímulo
prolongado no tempo. “Na gene-
ralidade, a associação observada
pode resultar da exposição a um
ambiente adverso e à consequen-
te resposta ao stresse ao longo
da vida. Isto pode significar que
as diferenças entre sexos na es-
pessura cortical teria sido menor
no início do desenvolvimento,
aumentando com a idade. Isto
corrobora as descobertas que
destacam o papel da desigual-
dade de género na maior preva-
lência de depressão entre as ra-
parigas durante a adolescência”,
escrevem os autores.
“Não sabemos se a lesão
é reversível, mas o cérebro é
agora com a covid-19 como no
passado. “Precisamos de ter
mais cuidado, para não trans-
mitirmos as infeções, pois nun-
ca sabemos se a pessoa ao nos-
so lado pode desenvolver uma
forma grave”, diz o presidente
da Associação Nacional dos
Médicos de Saúde Pública,
Gustavo Tato Borges.
Que comportamentos
de proteção devemos
perpetuar?
“Mantêm-se necessárias a vigi-
lância do SARS-CoV-2, tal
como é feita com a gripe, de
forma a identificar o aumento
da incidência, formas mais
graves de infeção ou variantes
mais agressivas, e o uso de me-
didas de prevenção específicas
e dirigidas às pessoas de maior
risco, no caso, a vacinação de
acordo com as orientações das
autoridades de saúde”, elenca
bastante plástico e está em
constante remodelação face à
exposição ambiental. Portanto,
é natural que se adapte caso
exista um novo estímulo”, acre-
dita o investigador. Neste caso,
o tratamento é viver numa soci-
edade sem desigualdade de gé-
nero, com oportunidades iguais
independentemente do sexo.
Autores afirmam que
o estudo acrescenta um
imperativo biológico
aos imperativos moral,
social e ético pela
igualdade de género
As razões para a ‘massa cin-
zenta’ feminina ficar mais fina
com a discriminação são, por
agora, desconhecidas. “Sobre
o porquê só podemos especu-
lar. Provavelmente, porque a
desigualdade de género refle-
te-se em menos oportunida-
des e num stresse aumentado
face ao que sofrem”, admite
o médico português. “Sabía-
a equipa do INSA. É igualmen-
te necessário “manter o uso de
máscara, evitar o contacto físi-
co próximo quando estivermos
doentes, vacinar regularmente
os mais vulneráveis, ventilar
corretamente os espaços inte-
riores e manter os cuidados de
lavagem das mãos de forma
adequada”, acrescenta o médi-
co Gustavo Tato Borges.
Os dados mostram que só
uma ínfima parte dos
mais jovens tomaram a
segunda dose de reforço,
ou quarta dose da vacina.
Há riscos para quem não
fizer a quarta toma?
Os dados do INSA mostram
que a cobertura com a dose de
reforço é inexistente dos cinco
aos 11 anos e é de apenas 1% dos
12 aos 17 anos. A taxa de imu-
nização aumenta apenas entre
os 18 e os 24, com 56%, e, so-
mos já que o cérebro responde
aos estímulos no ambiente,
sejam negativos ou positivos.
Por exemplo, à alimentação,
à exposição a ambientes mais
ricos em criança, ao stresse, às
drogas, à educação, à violên-
cia.” E agora as ressonâncias
magnéticas revelaram o dano
infligido em concreto.
“Este estudo acrescenta o im-
perativo biológico aos impera-
tivos moral, social e ético que já
existia para atuar pela paridade
entre homens e mulheres.” A
intervenção social ganhou mais
um ímpeto, pois a cada dia que
passa há lesões a formarem-se
no cérebro de mulheres discri-
minadas. Tiago Reis Marques
chama-lhe mesmo uma “cica-
triz biológica”.
Os psiquiatras destacam que
a descoberta da existência de
uma consequência neurobioló-
gica negativa para as mulheres
que vivem em ambientes sociais
com desigualdade de género
não pode ser inconsequente.
Os investigadores reclamam
que estas conclusões sejam
consideradas em futuras polí-
bretudo, na faixa etária dos 25
aos 39 anos, com 62%. “São
coberturas baixas. O que a Or-
ganização Mundial da Saúde já
veio dizer é que todos os adul-
tos e todos os doentes crónicos
devem ter, pelo menos, uma
dose vacinal de reforço. Ou
seja, as duas doses iniciais [o
esquema completo] e mais
uma”, explica o especialista em
saúde pública Gustavo Tato
Borges. O médico acrescenta
que, “assim, os jovens que não
tomaram a segunda dose vaci-
nal não estão em maior risco”,
no entanto, “aqueles que não
fizeram uma dose de reforço,
devem fazê-lo, para terem uma
proteção mais significativa e
para que diminuam, ao máxi-
mo, a possibilidade de virem a
desenvolver alguma forma de
doença grave”. O indicado en-
tre os mais jovens e sem crité-
rios de risco são quatro inocu-
Expresso, 12 de maio de 2023
ANÁLISE
7,9
mil ressonâncias
magnéticas do cérebro
de homens e de mulheres,
com uma média de
idades de 24 anos,
foram estudadas por
investigadores e psiquiatras
29
países participaram
no estudo, com 35%
dos envolvidos a viverem
em áreas com baixo
ou médio nível
de desenvolvimento
ticas públicas, principalmente
naquelas onde a desigualdade
de género é mais evidente.
Portugal sem dados
“Estes resultados destacam a
relevância do ambiente ma-
crossocial onde se manifestam
as diferenças sexuais na estru-
tura cerebral. São necessários
estudos futuros para examinar
os mecanismos envolvidos, os
fatores moderadores e o tempo
de desenvolvimento, oferecen-
do novas oportunidades para
políticas informadas pelas neu-
rociências para a promoção da
igualdade de género”, lê-se no
documento.
Tiago Reis Marques revela
que o estudo não contou com
ressonâncias magnéticas do
cérebro de portuguesas. Não
há muitos dados — o exame é
dispendioso, mesmo ao abrigo
do Serviço Nacional de Saúde
—, mas também não faria dife-
rença. “Felizmente, estamos no
patamar dos países com maior
igualdade de género.”
varreigoso@expresso.impresa.pt
lações. Não sendo possível, o
esquema e um reforço.
Quantas pessoas estão
a morrer de covid-19
em Portugal?
A informação mais recente indi-
ca que, na quinzena de 10 a 23 de
abril, foram verificados sete óbi-
tos por covid-19 por milhão de
habitantes. Dito de outra forma,
60 óbitos em 14 dias. Num inter-
valo mais curto, na semana de 17
a 23 de abril, a taxa de mortali-
dade foi de três óbitos por mi-
lhão de habitantes, cerca de 27
mortes. “Estes valores são infe-
riores ao limiar definido interna-
cionalmente — 20 óbitos por
milhão de habitantes —, mas não
deixam de ser números conside-
ráveis. É importante não perder
o foco na doença para conseguir-
mos reduzir ainda mais este in-
dicador”, aconselha o médico
Gustavo Tato Borges. V.L.A.
Expresso, 12 de maio de 2023 PRIMEIRO CADERNO 17

EU TRABALHO
COMO CAVALEIRO DA
DESCARBONIZA AO
NO BNP PARIBAS.
Javier, Analista no Grupo de Trabalho para a Transição de Baixo Carbono (Low-Carbon Transition Group).

Engenheiro de formação, no Grupo de Trabalho para a Transição de Baixo Carbono, eu ajudo as empresas
a acelerar a sua transformação e a desenvolver novas tecnologias para descarbonizarem as suas
operações. O nosso objetivo: ajudar os nossos clientes a acederem a 40 mil milhões de euros até 2023,
para financiamento de energias de baixo carbono. Alcançar este objetivo significará que 80% de todos os
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18 PRIMEIRO CADERNO
O preço
da água
Pelo segundo verão consecutivo,
a seca paira sobre o Algarve.
Empresários da agricultura, golfes
ou hotelaria procuram soluções
para fazer face à falta de água.
O principal problema é o custo
Texto João Mira Godinho Fotos Ricardo Nascimento/stills
A
li, naquela parte, as
laranjeiras secaram no
ano passado. O propri-
etário já as arrancou”,
explica David Tereso
Ferreira, enquanto
aponta para uma zona
sem qualquer árvore,
apenas mato. “Este
ano, foram estas que secaram”, con-
tinua, referindo-se às laranjeiras
mais próximas, “a água não chegava
para todas, foi preciso optar”. David,
35 anos, é o diretor de produção da
empresa da família, a Frutas Tereso,
especializada em citrinos. Entre o
Algarve e o baixo Alentejo, a Frutas
Tereso tem 350 hectares de pomares
próprios, a que junta entre 500 a 600
hectares de parceiros, onde assume
tanto a manutenção como a colheita.
Anualmente comercializa uma média
anual de 20 mil toneladas de frutos.
Este terreno é de um desses par-
ceiros. Fica em Algoz, no concelho
de Silves, uma das zonas do Algarve
mais afetadas pela falta de água no
Sul do país. “Desde janeiro que aqui
não chove nada. São cinco meses”,
diz, numa mistura de alarme com
desalento. “Desde que estou na em-
presa, há 10 anos, que nunca se viu
nada assim.” Para agravar a situa-
ção, com a aplicação das medidas de
contenção devido à seca, há um ano
que a água da Barragem da Bravura
— antes usada também para rega —
serve apenas para consumo humano.
E “já há cerca de cinco anos que estão
proibidos novos furos para captação”,
acrescenta David.
A Frutas Tereso tentou adaptar-se
para o previsível problema e há uma
década que começou a implementar
um plano de eficiência hídrica. À rega
gota a gota, regulada de forma auto-
mática, que permite gerir a quantida-
de de água utilizada, juntou a coloca-
ção de sondas que avaliam a humidade
dos terrenos em profundidade. “95%
das raízes estão até aos 60 centíme-
tros, eu tenho de garantir que existe
água até aí e não preciso mais abaixo”,
explica o diretor de produção.
Soluções adotadas por uma das mai-
ores empresas de citrinos do Algarve,
mas que não estão ao alcance de todos
os produtores. Como exemplo: cada
sonda custa €1500 e a Frutas Tereso
precisou de comprar 30. “Os citrinos
ainda são lucrativos, mas para quem
já tem investimento feito. Começar
de raiz não vale a pena. É um inves-
timento gigante”, garante David, que
reclama medidas como a criação de
canais que liguem o Algarve ao Norte
do país, onde a chuva (e a água) é mais
abundante. “Temos de decidir se a
agricultura [no Algarve] faz sentido
ou não. Se faz, temos de pensar a nível
nacional e não apenas regional.”
A ligação ao Norte de Portugal ain-
da não terá sido equacionada, mas,
em abril, numa revisão ao Plano de
Recuperação e Resiliência (PRR),
a Comissão de Coordenação e De-
senvolvimento Regional do Algarve
(CCDR) e a Associação de Municípios
do Algarve (AMAL) defenderam um
reforço de 21 milhões de euros para
a criação de um adutor que melhore
a ligação da rede de abastecimento
entre o Barlavento (oeste algarvio) e
o Sotavento (este). Obra que permiti-
rá uma mais eficaz transferência de
água das zonas menos afetadas para
aquelas onde a seca é mais severa —
apesar de todos os 16 municípios do
Algarve se encontrarem, atualmente,
em situação de seca, o Barlavento é a
zona onde esta mais se faz sentir.
Com a seca a assumir um carácter
estrutural na região, “o Plano de Efi-
ciência Hídrica do Algarve [incluído
no PRR] tem-se revelado importante
e estratégico”, diz ao Expresso José
Apolinário, presidente da CCDR. Ini-
cialmente, com 200 milhões de inves-
timento atribuídos, prevê a criação de
regadios coletivos para a agricultura,
obras para reduzir as perdas nas redes
de abastecimento de água municipais
(na revisão de abril, CCDR e AMAL
também solicitaram um aumento das
UMA SOLUÇÃO
É PÔR SONDAS
QUE AVALIAM
A HUMIDADE
DOS TERRENOS
EM PROFUNDIDADE.
CADA UMA CUSTA
1500 EUROS
verbas para este objetivo), um novo
ponto de captação de água do rio Gua-
diana na zona do Pomarão (Alcoutim)
e a muito falada central de dessaliniza-
ção de água do mar. Com uma capaci-
dade de produção de 24 hectómetros
cúbicos (o projeto inicial apontava para
8 hectómetros), ficará situada em Al-
bufeira ou Lagos, estando agora em
fase de Estudo de Impacte Ambiental.
“AQUI NÃO HAVIA ÁGUA”
O aproveitamento das águas das
ETAR, em particular para rega dos
campos de golfe, é igualmente um
objetivo do Plano de Eficiência Hídri-
ca do Algarve. Mas há quem já tenha
dado esse passo. “Para nós, não havia
outra opção, aqui não havia água”, ex-
plica Pedro Silveira, diretor do Cam-
po de golfe dos Salgados, na Guia,
Albufeira. O campo foi feito em 1994
e, logo nessa altura, foi estabelecida
uma ligação à ETAR mais próxima
para aproveitamento da água tratada
para a rega. “Na altura, sentimos al-
gum preconceito, hoje todos querem
fazer o mesmo”, recorda.
Depois de uma primeira fase em
que eram obrigados a fazer um trata-
mento terciário à água que recebiam,
em 2008, a construção de uma nova
ETAR, que já o faz, veio simplificar
o processo. “Continuamos a monito-
rizar a qualidade da água, por vezes
temos de fazer algum tratamento,
mas, acima de tudo, não temos qual-
quer falta de água”, continua Pedro
Silveira. “Só gastamos 15 a 20% da
capacidade da ETAR.”
SECA
INVESTIGAÇÃO
A solução parece perfeita, mas tem
exigências que impedem a massifi-
cação desta solução. Para começar,
nem todos os tipos de relva supor-
tam a água depois de tratada numa
ETAR, devido aos químicos utiliza-
dos. As próprias ETAR, principal-
mente as que estão situadas junto à
costa, têm infiltrações de água salga-
da, o que impede o uso para rega. E
depois surgem os custos, quando ain-
da não existem tubagens de ligação
aos campos. “Nós fizemos o projeto
logo a pensar nessa ligação, mas co-
locar as tubagens pode custar vários
milhões”, explica Pedro Silveira. No
Algarve, o campo de São Lourenço,
na Quinta do Lago, também utiliza
água de uma ETAR, mas o dos Sal-
gados é o único que assegura 100%
da rega desta forma.
“Estamos a falar de um milhão de
metros cúbicos por ano de água re-
AS TUBAGENS QUE
LIGAM AS ÁGUAS DA
ETAR AOS CAMPOS
CUSTAM MILHÕES.
E NEM TODOS AS
SUPORTAM, DEVIDO
AOS QUÍMICOS
UTILIZADOS
Expresso, 12 de maio de 2023
sidual utilizada nesses dois campos”,
adianta ao Expresso, João Fernandes,
presidente do Turismo do Algarve.
“A previsão aponta para que, em
2025, passemos a utilizar 8 milhões
de metros cúbicos para rega dos gol-
fes, recorrendo aos subsistemas de
tratamento de água de Vila Real de
Santo António, Vilamoura, Quinta do
Lago, Albufeira Poente e Boavista”,
diz ainda.
Também a dessalinização — e mes-
mo antes da construção da anunciada
central — é já uma solução procurada
por algumas empresas. É o caso do
empreendimento turístico Vila Vita
Parc, próximo de Armação de Pera.
“É verdade que o investimento é mui-
to grande, mas acaba por ser com-
pensatório. No nosso caso, o retorno
foi em quatro anos”, afirma André
Matos, diretor de qualidade do Vila
Vita. Dos 22 hectares do resort, 60%
é composto por áreas verdes, lagos
ou piscinas. E hoje em dia a água que
alimenta tudo isto provém totalmente
da dessalinização.
“É certo que passa a haver um maior
custo de energia com o sistema e a sua
manutenção, mas que será, mesmo
assim, sempre inferior ao custo que
se teria na fatura mensal da água”,
continua André Matos. O Vila Vita
tem uma capacidade de produção
diária de 440 metros cúbicos de água
dessalinizada, que muitas vezes nem
é toda utilizada e fica nos tanques de
reserva.
A seca tem vários custos. E um deles
é o preço a pagar pela água.
sociedade@expresso.impresa.pt
Expresso, 12 de maio de 2023
Governo sem medidas novas
para enfrentar o problema
Autoridades consideram
que situação de seca ainda
não é tão má como no ano
passado e mantêm medidas
anunciadas em 2022
Com 89% do território con-
tinental em situação de seca
meteorológica no final de abril
— e 34% em seca severa ou ex-
trema —, o Governo não avança
com novas medidas além de
dar continuidade a várias das
antes anunciadas. Para já, não
há aldeias ou pessoas a serem
abastecidas por autotanques,
segundo o Ministério do Am-
biente e da Ação Climática.
Em França e Espanha já há
municípios a proibir a rega de
jardins, o enchimento de pisci-
nas particulares ou a lavagem
de carros, mas em Portugal o
ministro Duarte Cordeiro des-
carta “introduzir uma cultura
de proibição quando ela ainda
não é necessária”.
Sem novidade, continuam em
curso as medidas definidas em
2019 e em 2022 para promover
a eficiência hídrica nos sectores
urbano, agrícola e do turismo.
Entre estas constam o reforço
da monitorização dos níveis dos
recursos hídricos superficiais e
subterrâneos, a continuação de
projetos de transferências de
albufeiras com mais água para
outras com menos, como do
Alqueva para as das bacias do
Sado e Guadiana, a promoção
de utilização de águas residuais
tratadas (ApR) para rega de
campos de golfe e de campos
agrícolas ou projetos para re-
duzir as perdas na distribuição
de água urbana ou agrícola.
Mantêm-se as restrições de
captação de água nas albufei-
ras do Barlavento Algarvio, do
Arade, do Mira, do Sado e na
da Aguieira, que se encontram
com disponibilidades inferio-
res a 20% ou a 60% da sua
capacidade. Há uma semana
foi anunciada a suspensão de
autorizações para novas estu-
fas no Sudoeste Alentejano,
sendo que a albufeira de Santa
Clara, por exemplo, há muito
que está abaixo de 40% da sua
capacidade. Já as albufeiras
do Nordeste Transmontano,
apesar de estarem em “pleno
armazenamento”, só têm água
para sete a oito meses.
A Sul continua em curso o
Plano Regional de Eficiência
Hídrica do Algarve, com re-
curso ao PRR, que integra a
projetada dessalinizadora, mas
que não deverá entrar em fun-
cionamento antes de 2026. Já o
uso de águas residuais tratadas
nos campos de golfe algarvios
duplicou de 1 para 2 hm3/ano e
o objetivo é chegar a 8 hm3/ano
em 2025. A nível nacional, esta
reutilização pouco aumentou
desde 2019: de 1,8% para 2%.
E, apesar de alguns sistemas
de regadio terem melhorado a
eficiência, continua a gastar-
-se cada vez mais água. Anual-
mente, entram na Agência Por-
tuguesa do Ambiente 20 mil
pedidos para novas captações
subterrâneas para vários fins.
Em terrenos privados a água
desses furos não é cobrada.
Também continua a não ha-
ver planos de gestão por bacia
hidrográfica que acautelem a
adaptação a cenários de seca
cada vez mais frequentes e in-
tensos. C.T.
Sete em cada
dez anos podem
vir a ser de seca
Projeções científicas
apontam para um futuro
mais quente, com menos
chuva e com multiplicação
e extensão de ondas de
calor e de períodos de seca
Se as secas que nos têm afligi-
do fazem soar alarmes, as pro-
jeções seguintes irão fazê-los
disparar. Temos vivido duas a
três secas severas por década,
mas as projeções dos estudos
complementares ao “Roteiro
Nacional para a Adaptação
2100” indicam que, no final
deste século, podemos vir a ter
seis a sete secas por cada dez
anos no sul no cenário mais
gravoso projetado. Ou seja,
“teremos mais de metade de
uma década em seca, no pe-
ríodo 2071-2100”, adianta ao
Expresso Pedro Matos Soares,
coordenador da equipa da Fa-
culdade de Ciências da Univer-
sidade de Lisboa (FCUL) que
está a trabalhar neste roteiro.
Estas projeções só não se
concretizarão, acrescenta, “se
se cumprirem as promessas fei-
tas no acordo de Paris de 2015”,
que visam cortar as emissões
de gases de efeito de estufa de
modo a que as temperaturas
médias globais não subam mais
de 1,5°C até final do século por
comparação à época pré-indus-
trial. Para tal, segundo o Painel
Intergovernamental para as
Alterações Climáticas (IPCC),
seria necessário cortar 45% das
emissões globais de dióxido de
carbono e de outros gases de
efeito de estufa (GEE) até 2030
e atingir as emissões neutras
em 2050. Porém, estas conti-
nuam a subir e a temperatura
média global já aumentou 1,2°C
desde o século XIX.
22 MESES SEGUIDOS
Além de se multiplicarem, as
secas severas tendem a ser mais
duradouras e, no pior cenário,
podem durar 22 meses segui-
dos, segundo a avaliação da
vulnerabilidade do território
O nível de água
da Barragem
da Bravura está
muitíssimo
português às alterações climá-
ticas feita pela equipa da FCUL.
Atualmente, 89% do territó-
rio continental do país encon-
abaixo do
desejável e o
canal de rega que
tram-se em seca meteorológica
e 34% (Alentejo e Algarve) em
seca severa ou extrema. Para
a transportava esta situação contribuiu a fra-
até aos campos ca ou quase nula precipitação
da empresa desde fevereiro, o que será
Frutas Tereso agravado no final do século, já
está seco. que o cenário de chuva “é mui-
O campo de golfe to preocupante”, atesta Matos
dos Salgados Soares.
usa água tratada Os dados apontam para que-
da ETAR para bras de um quinto na precipita-
regar a relva ção anual no sul do país, proje-
tando-se que chova 30% a 40%
menos no barlavento algarvio
e no oeste alentejano, podendo
baixar até 45% na primavera,
“o que é gritante”, frisa o inves-
tigador. Matos Soares lembra
que “quebras de precipitação
de 35-45% na primavera e no
outono são significativas do
ponto de vista dos recursos hí-
dricos e com efeitos na agricul-
tura e nos incêndios”.
Sobem as temperaturas e as
ondas de calor que aumentam a
ESPANHA Com evapotranspiração e deixam os
as barragens a solos quase sem água. Em abril
menos de 50% último várias zonas do nordes-
da capacidade, o te transmontano, do Vale do
país vizinho tenta Tejo, do Alentejo e do Algarve
paliar os efeitos revelavam ter menos de 1% de
da seca extrema humidade no solo. E, de acordo
e pede apoio a com o Instituto Português do
Lisboa para obter Mar e da Atmosfera (IPMA),
ajuda da UE registaram-se três ondas de
PRIMEIRO CADERNO 19
calor (com temperaturas supe-
riores a 30°C) no passado mês,
para as quais contribuiu a para-
gem de um anticiclone junto à
Península Ibérica, o que insere
abril de 2023 entre os quatro
meses mais quentes e os três
mais secos em quase um século
(desde 1931). A 27 de abril os
termómetros ultrapassaram
máximos históricos em 45%
das estações, tendo chegado a
36,9°C em Mora, 0,9°C acima
do máximo até aqui marcado
em Pinhão, em 1945.
TERMÓMETROS NOS 51°C
E no futuro a situação vai agra-
var-se, podendo os termóme-
tros chegar a 51°C em algumas
estações. Conforme as novas
projeções da equipa da FCUL —
que têm por base modelos físi-
co-matemáticos que cruzam os
cenários atualizados pelo IPCC
e comparam os dados históricos
nacionais —, o aumento de tem-
peratura pode chegar a +3-4°C
a meio do século, ou mesmo a
+6,5°C no nordeste do país en-
tre 2071 e 2100. Matos Soares
frisa, mais uma vez, que estes
aumentos dependem muito dos
cenários de emissões e das me-
didas de mitigação adotadas.
As projeções climáticas tam-
bém apontam para que, no ce-
nário mais gravoso, o número
de dias com temperaturas aci-
ma de 25°C venham a estender-
-se a 190 (seis meses e dez dias)
por ano a sul do Tejo e que se
somem 95 dias com tempera-
turas máximas acima de 35°C
no interior, centro e sul.
Interior, centro
e sul pode vir a viver
três meses por ano
com temperaturas
máximas
acima dos 35°C
As ondas de calor, que atual-
mente duram entre seis e oito
dias, poderão prolongar-se
mais no tempo, estendendo-se
por dez dias a meio do século
ou chegando a 12 dias no final
do século. E em vez de 1-2 ondas
de calor por ano no litoral e 3-4
no interior — como projetado
nos modelos para o início dos
século XXI —, teremos a meio
do século entre 3-5 e 5-7, de-
pendendo da área geográfica,
e 10 a 12 no interior, sobretudo
no sudeste, a partir de 2071.
Mas estas podem durar muito
mais do que isso e estender-se
por 60 dias por ano.
Matos Soares sublinha que
“os impactos das ondas de calor
e as necessidades de adaptação
são drasticamente diferentes se
conseguirmos cumprir os com-
promissos de Paris”. As ondas
de calor de 2022 provocaram
um excesso de mortes de mais
de 15 mil pessoas no total em
Espanha, França, Portugal e
Reino Unido.
O passo seguinte da equipa
que está a trabalhar no “Rotei-
ro Nacional para a Adaptação
2100” é, perante estes cenários,
avaliar o custo-benefício de me-
didas de adaptação como o uso
eficiente de água, a redução de
perdas na rede, o uso de águas
residuais tratadas para rega
e o armazenamento de águas
pluviais para consumo urbano
ou agrícola.
Carla Tomás
ctomas@expresso.impresa.pt
20 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 12 de

VODAFONE SMART WATER READER

DA FONTE À
TORNEIRA,
A GESTÃO

PIK
EE
FR
S
TO
FO
INTELIGENTE DA
ÁGUA É O FUTURO
Porque a água é um bem cada vez mais escasso e as alterações climáticas uma ameaça crescente,
ǒơʉǶʉύƚơύǐɡʉȽĬύȽĬǶʡύơ̹ƓǶơɃʭơύɡʡύʉơƓʽʉʡɡʡύǧǺƚʉǶƓɡʡύɃƌɡύƣύʽȽĬύɡʄƖƌɡΈύƣύʽȽύǶȽʄơʉĬʭǶ̂ɡΆύĬʡύ
ʡơύǒʉĬɃƚơύʄĬʉʭơύƚĬʡύʄơʉƚĬʡύƚơύİǒʽĬύʡơύƚİύĬɃʭơʡύƚơύƓǧơǒĬʉύŰʡύʭɡʉɃơǶʉĬʡύƚɡʡύƓɡɃʡʽȽǶƚɡʉơʡ·ύƣύ
ʄʉơƓǶʡɡύƓɡȽƒĬʭơʉύɡύƚơʡʄơʉƚǺƓǶɡύɃĬύǐɡɃʭơΆύ-ύɡύʇʽơύʄʉɡʄɿơύɡύĖɡƚĬǐɡɃơύÔȽĬʉʭύėĬʭơʉύÄơĬƚơʉ·ύ
ʽȽĬύʡɡȤʽƖƌɡύƚơύǐʽʭʽʉɡύĬȤǶĬƚĬύƚĬʡύơɃʭǶƚĬƚơʡύǒơʡʭɡʉĬʡύʄĬʉĬύĬύǒơʡʭƌɡύǶɃʭơȤǶǒơɃʭơύƚĬύİǒʽĬ

Água é fonte de vida: é por isso que é vital ǶƚơɃʭǶ̹ƓĬʉύĬɃɡȽĬȤǶĬʡύơύʄơʉƚĬʡύƚơύİǒʽĬύ

preservá-la, sobretudo num momento em
que as alterações climáticas vieram
ʭʉĬ̱ơʉύƚơʡĬ̹ɡʡύĬƓʉơʡƓǶƚɡʡύŰύ
gestão dos recursos hídricos. De
acordo o Instituto Português do
Mar e da Atmosfera (IPMA), 2022
foi o ano com a temperatura mais
alta e um dos mais secos desde
que há registo em Portugal,
colocando como nunca o tema da
poupança de água em cima da mesa.
Mas racionalizar os consumos não
basta, é preciso evitar o desperdício, que,
em grande parte, acontece antes de a água
chegar às torneiras dos consumidores. A
situação está longe de ser uma gota no
oceano: segundo a Entidade Reguladora
dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR),
em 2021, a média de perdas nas redes de
abastecimento de água ascendeu a 28,8%,
correspondentes a 237 mil milhões de litros
por ano, valor que se mantém relativamente
constante há mais de uma década.
Combater este problema na fonte é um
dos propósitos do Vodafone Smart Water
Reader, uma solução de telemetria que
permite uma monitorização e gestão
inteligente das redes de abastecimento.
Composta por um “equipamento com
sondas e sensores ligado aos contadores
de água, uma plataforma de gestão e um
sistema de comunicações”, graças a esta
ferramenta inovadora é possível “recolher
informações sobre os consumos de água,
de energia e outros indicadores-chaves
ƓɡȽɡύʄʉơʡʡƌɡ·ύʭơȽʄơʉĬʭʽʉĬύơύ̹ȽύƚơύƓʽʉʡɡ·ύ
praticamente em tempo real e realizar
ações à distância, como ajustar a pressão
ou proceder ao corte ou restabelecimento
de água”, explica Mafalda Alves Dias,
diretora de grandes contas e sector
público da Vodafone Portugal. “Em
Portugal, perdemos, por hora, cerca
de nove piscinas olímpicas de água,
e soluções como o Vodafone Smart
ėĬʭơʉύÄơĬƚơʉύʄơʉȽǶʭơȽύǶƚơɃʭǶ̹ƓĬʉύ
ruturas e agir imediatamente para
colmatar essas perdas”, destaca.
ABRIR CAMINHO ÀS
CIDADES DO FUTURO COM
A NARROWBAND IOT
Fruto da vontade assumida pela Vodafone
de contribuir para transformar a vida
das cidades, ajudando a torná-las mais
ơ̹ƓǶơɃʭơʡύơύʡʽʡʭơɃʭİ̂ơǶʡ·ύɡύĖɡƚĬǐɡɃơύÔȽĬʉʭύ
Water Reader tem no recurso à tecnologia
narrowband IoT outra das suas “grandes
mais-valias”, defende Mafalda Alves Dias.
“Um contador de água tem um tempo médio
de vida de cerca de oito a 10 anos e com
esta tecnologia conseguimos praticamente
duplicar a longevidade dos medidores”,
e maio de 2023
precisa a responsável. Por outro lado,
acrescenta, a tecnologia de transmissão
de dados narrowband IoT permite atingir
um “maior alcance de cobertura de rede,
para assim chegar a locais onde antes
não era possível”, bem como potenciar a
cibersegurança. “A nossa rede tem uma
APN própria [Access Point Name, que
ǶƚơɃʭǶ̹ƓĬύɡύƚǶʡʄɡʡǶʭǶ̂ɡύ^ɡáύʄơʉĬɃʭơύĬύʉơƚơΨύ
e isso garante uma maior segurança das
ɡʄơʉĬƖɿơʡύơύƓɡɃ̹ƚơɃƓǶĬȤǶƚĬƚơύƚɡʡύƚĬƚɡʡύ
do cliente”, aponta Mafalda Alves Dias.
UMA SOLUÇÃO QUE
ACOMPANHA O CICLO
DA ÁGUA
Nascido de uma parceria entre a Vodafone e
a I4Devices, o Vodafone Smart Water Reader
é uma “solução totalmente concebida em
Portugal” e desenvolvida “à medida das
necessidades das entidades gestoras de
água”, sublinha Renato Caldeira, CEO da
I4Devices. “É uma solução versátil que pode
ser utilizada desde a captação de água à
distribuição e entrega para o consumo”,
nota o responsável, que frisa que o Vodafone
Smart Water Reader é capaz de “acompanhar
o ciclo da água completo”. “Com alguns
dos nossos clientes – que são as
entidades gestoras – já estamos
a intervir também na vertente da
pluviosidade, para perceber que
água entra na rede, e no tratamento
ƚơύİǒʽĬʡύʉơʡǶƚʽĬǶʡλ·ύĬ̹ʉȽĬΆύ’ɡύǐʽʭʽʉɡ·ύɡύ
Vodafone Smart Water Reader quer ainda
“entrar no campo do energy harvesting”,
Ĭ̹ʉȽĬύɡύ,ύƚĬύ^͈$ơ̂ǶƓơʡΆύκύɡƒȖơʭǶ̂ɡύƣύ
que a unidade consiga recolher energia
do ambiente, seja através do movimento
da água, da captação de energia solar ou
das diferenças térmicas, para se tornar
Ĭʽʭɡʡʡʽ̹ƓǶơɃʭơύơɃơʉǒơʭǶƓĬȽơɃʭơΆλ
VODAFONE SMART WATER
READER: UM CASO DE
SUCESSO NO TERRENO
Atualmente implementado por sete
entidades gestoras de água por todo o
país, o Vodafone Smart Water Reader está
aprovado no âmbito dos diferentes quadros
de apoio para o fornecimento de contadores,
caudalímetros e sistemas de telemetria.
Na Infralobo, empresa municipal responsável
pelos serviços públicos
de Vale do Lobo, em
Loulé, o Vodafone
Smart Water
Reader tem vindo a
ser equacionado
“num contexto
de transição,
como potencial
alternativa ao
sistema de
que dispomos
PRIMEIRO CADERNO 21
PUBLICIDADE
atualmente”, esclarece Carlos Manso,
presidente do Conselho de Administração
da Infralobo. “Estamos a testar esta solução
ơȽύİʉơĬʡύɡɃƚơύǶƚơɃʭǶ̹ƓİȽɡʡύȽĬǶɡʉơʡύǐĬȤǧĬʡύ
de comunicação dos contadores por falta
de rede e o feedback que temos é muito
positivo. O Vodafone Smart Water Reader
apresenta uma boa cobertura de rede em
todo o parque de contadores e o interface de
utilização é bastante fácil e intuitivo através
da aplicação móvel”, conclui o responsável.
Até ao início de junho, as entidades gestoras
dos serviços de abastecimento de água do
Algarve podem candidatar-se, no âmbito
do Plano de Recuperação e Resiliência,
Ĭɡύ̹ɃĬɃƓǶĬȽơɃʭɡύƚơύǶɃ̂ơʡʭǶȽơɃʭɡʡύʄĬʉĬύ
monitorização e controlo ativo de perdas
de água nas redes de distribuição do
setor urbano, incluindo a compra de
equipamentos.
22 PRIMEIRO CADERNO
Coimbra Até as novas tecnologias chegarem à “cabeceira do doente”,
há um longo trabalho de produção e validação de conhecimento em curso
Juntar médicos
e cientistas para
inovar na Saúde
Texto Marina Almeida
C
Fotos José Fernandes
arlos Santos, presi-
dente do Centro Hos-
pitalar e Universitário
de Coimbra (CHUC),
traça o panorama
geral: “Coimbra está
inserida num cluster,
num ecossistema que
tem enorme potencial.
Tem uma das universidades mais anti-
gas da Europa, com uma escola médica
de referência, tem um centro académi-
co clínico, um consórcio entre o hospital
e a universidade, onde de facto a Facul-
dade de Medicina tem um papel muito
primordial, temos uma ligação à maior
e melhor incubadora de empresas em
Portugal, o Instituto Pedro Nunes, com
ligações a todas as áreas de ciência da
universidade, e depois tem um conjunto
de empresas de base tecnológica e da
indústria farmacêutica que podem an-
corar a produção de conhecimento, a di-
fusão desse conhecimento, a inovação.”
O dirigente destaca a importância da
inovação, apresentando a instituição
que lidera: “Gerimos em 2022 qualquer
coisa como 31 projetos de investiga-
ção, inovação e desenvolvimento, com
um valor total de €5,5 milhões.” Não
hesita em apontar as conquistas e os
desafios. Lembra que tem nos CHUC
as respostas nacionais do Serviço Na-
cional de Saúde (SNS) em duas valên-
cias: transplante hepático pediátrico
e cirurgia de reabilitação sexual, na
unidade reconstrutiva geniturinária e
sexual (URGUS) — que tem registado
um grande aumento da procura nos úl-
timos cinco anos: em 2022, o CHUC fez
78 cirurgias e realizou 1306 consultas.
“Coimbra continua a fazer a diferença
em matéria de inovação e excelência
em cuidados de saúde, mas para ser
honesto diria que tem potencial para
fazer muito mais.” O que falta? “Falta
criar esta energia, pô-la a funcionar em
conjunto.”
Os ultrassons são
o estetoscópio do futuro
Talvez já tenha discutido estas ques-
tões com António Cunha. O diretor
do laboratório de Automática e Siste-
mas do Instituto Pedro Nunes (IPN)
acredita que é essencial os hospitais
participarem ativamente nesta cadeia
de inovação, concedendo aos médicos
um conjunto de horas para trabalhar
nestas áreas. “Se conseguirmos or-
ganizar os hospitais com esta segun-
da camada de trabalho, o desenvol-
vimento de startups que trabalham
nos serviços da área de saúde pode
ter aqui um ganho enorme”, acentua.
Foi uma dessas inovações, ainda a
bater à porta dos hospitais, que nos
levou à instituição criada por iniciati-
va da Universidade de Coimbra (UC)
em 1991, para promover a inovação e
a transferência de tecnologia. Antó-
nio Cunha mostra-nos um dispositivo
(ROSE) que permitirá aos médicos
especialistas fazer ecografias à dis-
tância através de robôs. O dispositivo
pretende dar resposta à falta de acesso
a este tipo de exames. “Com sistema
háptico, o médico especialista, por
exemplo num hospital central, conse-
gue manobrar o segundo sistema que
está numa zona mais remota onde não
existe o especialista. Não é preciso
ter profissionais muito qualificados
com o paciente. É deitar a pessoa,
aplicar o gel e tudo é teleoperado”,
explica. Pode ser feito em qualquer
parte do mundo, desde que a internet
seja robusta. No IPN estão a usar o 5G.
“O que nos motivou foi o que os mé-
dicos nos foram dizendo, que os ul-
trassons, ou seja, a ecografia, vão ser
o estetoscópio do futuro. É uma téc-
nica que terá de ser mais democra-
tizada e massificada”, explica. Para
já, o equipamento, orçado em €100
mil, continua em fase de validação
clínica, atualmente com o CHUC e
com o Hospital da Figueira (numa
fase inicial, com o Hospital da Luz).
“Temos de fazer sempre dois exames à
mesma pessoa. Usamos o nosso equi-
pamento e o ecógrafo convencional.
Temos de ter muitas dezenas deste ato
para conseguir a validação.” António
Cunha está otimista: “Há alguns gru-
pos com interesse. Contamos em se-
tembro fazer a primeira ecografia 5G.”
Até lá, há um caminho para percorrer.
IPO humaniza e investe
Voltemos à vida real. Estamos no Ins-
tituto Português de Oncologia (IPO),
onde Rui Soares se encaminha a passos
largos para a “casa das bonecas”. O
especialista em patologia clínica apre-
senta o novo laboratório de virologia,
que surgiu com a covid-19, e que ago-
ra, passada a pandemia, permite dar
respostas mais rápidas do que antes,
quando as análises eram feitas exter-
namente. Dali seguimos para a radio-
terapia, onde Paula Alves, diretora do
serviço, sublinha a importância de ter
equipamentos eficazes. “Precisão é a
palavra-chave no controlo dos tumores
e das sequelas.” O acelerador linear de
que dispõem (um dos três equipamen-
tos de radioterapia) é o topo de gama,
e a médica luta agora por um quarto
equipamento. Leva-nos até ao bunker
onde se prepara uma paciente para
um tratamento: um corredor verde,
com fotografias de plantas do Jardim
Botânico de Coimbra. Humanizar é,
também, preciso.
Isso mesmo dirá a presidente do
conselho de administração, Margari-
da Ornelas, que se emociona a rela-
tar um casamento que decorreu nos
EM COIMBRA MUDA-SE
DE SEXO, TESTAM-SE
ECOGRAFIAS À
DISTÂNCIA E PÕEM-SE
OS ALGORITMOS A
ESTUDAR O AUTISMO.
A SAÚDE É UMA APOSTA
Expresso, 12 de maio de 2023
cuidados paliativos do IPO, para que
a mãe da noiva, em estado terminal,
pudesse acompanhar esse momento.
Morreria pouco tempo depois. “Im-
porta apostar na humanização, ofere-
cendo cuidados de saúde baseados em
valor, respostas que valorizem a expe-
riência dos doentes, garantindo a sua
participação. O futuro trará inovação,
sofisticação e avanços tecnológicos,
sendo que no IPO de Coimbra assis-
timos atualmente à concretização de
uma grande obra.” Está em constru-
ção um novo edifício que vai permitir
requalificar a cirurgia e a imagiologia,
projeto orçado em €28,4 milhões. No
horizonte de investimentos está tam-
bém a aquisição de um novo acelera-
dor linear, como pedia a responsável
pela radioterapia.
No Polo II da UC é comum cruzar-
mo-nos com robôs. Trabalha-se em
condução autónoma, agricultura de
precisão e em interação entre robôs e
humanos. Estamos aqui para conhe-
cer o projeto Move4ASD, que procura
estudar o autismo, conhecendo me-
lhor as perturbações motoras com o
auxílio da inteligência artificial.
“O autismo é conhecido por ser uma
condição social, uma maneira diferen-
te de estar, de percecionar determina-
das questões sociais. O que queríamos
estudar como hipótese é que no nosso
cérebro temos um mecanismo a que
chamamos ‘neurónios espelhos’, com
que olhamos para o mundo e para os
outros e aprendemos por imitação.
Isto acontece desde a nossa infância.
Quisemos estudar a ativação desse
mecanismo em participantes autistas
comparados com neurotípicos, e se
essa ativação é diferente tendo em
conta determinado tipo de ativida-
des. Acreditamos que os movimentos
repetitivos que os autistas por vezes
têm podem ser resultado de uma má
perceção do que é o ciclo de ação, ou
do comportamento dos pares, e não
apreender da mesma forma”, expli-
ca João Ruivo Paulo, investigador do
Instituto de Sistemas e Robótica do
Departamento de Engenharia Eletro-
técnica e de Computadores da Facul-
dade de Ciências e Tecnologia da UC.
A equipa de que faz parte Miguel
Castelo-Branco, coordenador científi-
co do Centro de Imagem Biomédica e
Investigação Translacional e especia-
lista em autismo, e uma investigadora Cantanhede lidera na investigação
da Universidade de Oxford dedica-se
a estudar esta hipótese. Para já, está
de novos medicamentos
em fase de recolha de informação,
que depois será analisada com re- O Biocant, em Cantanhede, é o colaborativo, o AccelBio, com
curso a algoritmos. “A inteligência único parque em Portugal dedicado direção executiva de Bárbara
artificial serve como uma ferramenta, às biociências e lidera na Gomes, doutorada em Ciências
porque existe a análise mais clássica investigação de novos Biomédicas. O propósito é simples:
das neurociências. Nós não vamos in- medicamentos e tratamentos. Os “Ligar academia e indústria, atrair
fluenciar o algoritmo e criar uma dis-
tinção entre participantes saudáveis
“sistemas biológicos são hoje
imprescindíveis ao avanço da
investidores e gerar novas
empresas”, conta Bárbara Gomes.
e autistas, os algoritmos vão tentar
criar uma distinção entre grupos e
medicina e fundamentais na análise
específica da doença”, conta Joana
O AccelBio concentra-se em três
áreas terapêuticas específicas:
dizer o que é relevante na informação
que os distingue.” Só depois a equipa
Branco, doutorada em Ciências
Biomédicas e diretora-executiva do
oncologia, neurociências e
imunologia. “Áreas que ainda têm
tirará conclusões. João Ruivo Paulo
admite que este trabalho permita,
Biocant. Neste parque de empresas
científicas e startups a investigação
muitas necessidades médicas não
preenchidas e elevada procura por
por exemplo, detetar situações de procura “alavancar negócios de parte de empresas e investidores”,
autismo de forma mais precoce. Mas elevado potencial”, sublinha a explica a diretora. No AccelBio
o futuro que aqui se faz está, ainda, investigadora. Criado em 2005, procuram-se “mecanismos
em construção. reúne 48 empresas de desreguladores de doenças através
malmeida@expresso.impresa.pt biotecnologia e um laboratório de alvos terapêuticos”. A.A.
Expresso, 12 de maio de 2023
ROADSHOW No âmbito dos 50 anos do
Expresso, vamos andar pelos distritos
do continente. Esta semana é dedicada a
Coimbra. Daqui a 15 dias estaremos em Viseu
Conímbriga à procura
de uma nova vida
Novas descobertas
de Conímbriga não
têm espaço para
serem preservadas
A descoberta de novos acha-
dos em Conímbriga, a maior
estação arqueológica do país,
alertaram para a urgência das
obras de ampliação do Museu
Monográfico, que desde 2017
não recebe qualquer interven-
ção e não tem uma área desti-
nada a reservas e proteção das
peças encontradas.
As últimas descobertas
ocorreram durante trabalhos
de preservação da estação
arqueológica e uma das peças
que entusiasmou os arqueó-
Na foto maior, um dos logos “é um pequeno tinteiro
espaços de visita mais do tempo da ocupação roma-
recentes da Universidade na que serviria para molhar
de Coimbra: o Gabinete a pena com que se escrevia”,
de Curiosidades, onde se constata o arqueólogo Virgílio
recriam os espaços que Correia, que adianta que esta
surgiram no século XVI e peça irá acrescentar o espólio
estiveram na génese dos do Museu Monográfico.
atuais museus. Em baixo, E o museu é um problema.
um projeto na área da A construção do Museu Mo-
saúde: o dispositivo nográfico de Conímbriga, em
ROSE que permitirá aos 1962, tornou Conímbriga vi-
médicos especialistas fa- sitável, mas o avanço das es-
zer ecografias à distância cavações fê-lo pequeno para
através de robôs expor os achados e constituir
uma reserva.
Acresce que o Museu “deve
contar a história da ocupação
romana à escala do território”,
defende Vítor Dias, diretor do
espaço. “A conjunção das ne-
cessidades de conservação com
a recolha sistemática de toda a
informação arqueológica per-
tinente, em todas e cada uma
das áreas intervencionadas, é
um fator essencial da susten-
tabilidade a prazo de Coním-
briga, como local de produção
de conhecimento e de fruição
pública”, defende o diretor.
Apesar de ser a principal es-
tação arqueológica de Portu-
gal, tardam as obras no Museu
Monográfico, que serão finan-
ciadas pelo Plano de Recupe-
ração e Resiliência com 5,2
milhões de euros, num projeto
que se estenderá até 2025.
Conímbriga chegou a regis-
tar 200 mil visitantes anuais,
mas desde o princípio do sé-
culo que o número tem vindo a
diminuir. Atualmente são 100
mil os visitantes atuais e “as
obras no Museu podem voltar
a colocar Conímbriga num dos
locais mais visitados do país”,
destaca Vítor Dias. O diretor
lembra que desde 2017 “não
há qualquer intervenção” no
Museu, que deverá ficar “dota-
do de um miradouro, que per-
mita ver o planalto no seu todo
e compreender a história de
dois mil anos de Conímbriga”.
Sem espaço para guardar
as reservas, os achados mais
recentes estão a ser tapados,
que é a melhor forma de pre-
servar os achados”, explica
João Perpétuo, outro dos ar-
queólogos responsável pelas
descobertas.
Nas recentes escavações foi
também encontrada parte de
uma muralha da Idade do Fer-
ro, “prévia à ocupação romana
COM O APOIO:
de Conímbriga, confirmando
aquilo que se supunha exis-
tir, mas que nunca tinha sido
encontrado”, nota Virgílio
Correia.
Sabe-se, através das escava-
ções, que a primeira ocupação
data da “Segunda Idade do Fer-
ro e que se manteve até meados
do século I, coexistente com
os edifícios romanos”, recorda
aquele arqueólogo. Com efeito,
“alguns objetos encontrados
remontam até ao século IX
a.C.”, prossegue Virgílio.
Outra das surpresas foram
“seis enterramentos infantis
encontrados, da altura da ocu-
pação romana e muito raros
em todo o Império”, adian-
ta Virgílio Correia. Em todo
o Império Romano existem
“duas a três dezenas de en-
terramentos infantis identi-
ficados, porque para os ro-
manos uma criança não era
uma pessoa e algumas eram
deitadas para um monte de
entulho, foi uma descoberta
muito rara”, destaca Virgílio
Correia. Como sucedeu nos
jardins de casas de Pompeia
ou nos centros de produção de
cerâmicas no Sul de França”,
contextualiza Virgílio Correia.
Em Conímbriga, “as crian-
ças não estavam misturadas
com entulho, mas terão sido
enterradas com poucos cui-
dados, num covacho aberto
na terra”, acrescenta João
Perpétuo.
Amadeu Araújo
sociedade@expresso.impresa.pt
Uma Coimbra:
década de o fado às
UNESCO mulheres
Universidade
de Coimbra enfrenta
o desafio de harmonizar
escola, turismo
e património
Os finalistas de Direito, tra-
jados a rigor, alinham-se na
imponente escadaria do Paço
das Escolas, epicentro da Uni-
versidade de Coimbra. Têm o
fotógrafo oficial a postos e en-
saiam o atirar das capas pretas
ao ar em simultâneo, gesto
que ficará para a posteridade
na fotografia de fim de curso.
Neste compasso de espera,
chega um grupo de turistas
norte-americanos. Erguem
os telemóveis, mirando os es-
tudantes pelo ecrã, alargando
a equipa de fotógrafos daquele
momento da vida académica.
A vida na universidade mais
antiga do país é feita destes
momentos: os estudantes na
sua vida, os turistas atrás das
vidas deles, a caminho da Bi-
blioteca Joanina ou do Palácio
Real. Em 2022 foram perto
de 313 mil os visitantes que
aqui passaram. A classificação
da Universidade de Coimbra,
Alta e Sofia como Património
No Gabinete
de Curiosidades
recriam-se
os espaços que
estiveram na génese
dos atuais museus
Mundial pela UNESCO há
uma década trouxe mais
visibilidade a este conjunto
histórico-cultural, tendo sido
2017 o ano recorde, com
mais de meio milhão de tu-
ristas. Este ano há a expec-
tativa de se bater este nú-
mero. Em abril visitaram a
UC mais de 32 mil pessoas.
“Somos uma universidade há
700 anos e queremos conti-
nuar a ser. É um desafio muito
grande do ponto vista do pa-
trimónio”, admite o vice-rei-
tor para o Património, Edifi-
cado e Turismo, Alfredo Dias.
Nos espaços da universida-
de fazem-se várias viagens no
tempo: na Capela de São Mi-
guel, no Palácio Real, na Sala
dos Capelos, na belíssima Bi-
blioteca Joanina, imponen-
te catedral de luz e sombra
feita de 60 mil livros (ainda
não estão todos catalogados)
escritos entre 1500 e 1700, a
maior parte em latim (todos
podem ser consultados me-
diante autorização especial).
Um dos espaços de visita mais
recentes da Universidade de
Coimbra é o Gabinete de Cu-
riosidades, onde se recriam
os espaços que surgiram no
século XVI e estiveram na
génese dos atuais museus —
salas cultivadas por nobres,
artistas e comerciantes endi-
nheirados que gostavam de
impressionar as visitas com
objetos bizarros. Ali está
um bezerro com oito patas,
vários frascos com fetos, o
esqueleto de uma vaca. São
milhares de objetos a dispu-
tar o nosso olhar. Represen-
tam cerca de 20% do acervo
do museu da universidade. A
ideia é que o visitante vá des-
cobrindo aquelas estranhas
peças nas vitrinas, fazendo
a sua viagem ao mundo da
curiosidade. M.A.
PRIMEIRO CADERNO 23
Universidade abre
academia à canção
de Coimbra interpretada
por mulheres.
Uma luta antiga
O vice-reitor Delfim Leão,
responsável pela Cultura,
assume-o: quando estudou
na Universidade de Coimbra
era “impensável” o fado ser
interpretado por mulheres.
Sinal dos tempos, revela que a
Universidade de Coimbra vai
abrir o palco do concerto co-
memorativo dos dez anos da
classificação como Patrimó-
nio Mundial da UNESCO a
mulheres intérpretes do fado
de Coimbra.
“No dia 22 de junho, dia
da classificação, vamos ter
um espetáculo no Pátio das
Escolas, queremos que seja
um momento de expressão
de todas as vertentes do fado
de Coimbra, desde o mais tra-
dicional, com uma abertura
assumida a intérpretes femi-
ninos. Este é um sinal muito
forte que queremos dar, de to-
tal disponibilidade desta for-
ma de expressão, a homens e
mulheres de forma igual”, diz
ao Expresso.
Reconhecendo que há uma
nova geração de intérpre-
tes, mas também de estilos
— “desde o mais tradicional
a formas mais arrojadas de
interpretar o fado” —, a Uni-
versidade de Coimbra, insti-
tuição com 733 anos, marca
uma posição forte, dando um
sinal claro a uma academia
em que o fado historicamen-
te foi exclusivo dos homens.
O cartaz do espetáculo “No
Princípio Era o Fado” ainda
não foi divulgado. Entre os
artistas que vão atuar peran-
te duas mil pessoas no Pátio
das Escolas estarão Vânia
Couto e Beatriz Villar, duas
jovens intérpretes. “É um
marco para a cidade”, consi-
dera Vânia, de 38 anos. “Fi-
nalmente vai-se fazer histó-
ria e juntar todas as vozes”,
diz Beatriz, de 25, a preparar
um disco de originais de fado
de Coimbra.
Ao longo das últimas déca-
das, houve mulheres a cantar
o fado de Coimbra, nem sem-
pre bem recebidas. O musicó-
logo Rui Vieira Nery salienta
a importância deste sinal da
academia, que “teve sempre
uma atitude muito discrimi-
natória, muito machista em
relação às mulheres canta-
rem fado”, mesmo depois de
terem acesso à universidade
como os homens. “A universi-
dade o que fez foi oficialmente
acabar com a restrição. É um
ato simbólico importante. É
importante que a instituição
declare que isto não é uma
coutada para machos ibéri-
cos.” Rui Vieira Nery aponta
as exceções, de fadistas que
contaram com a colaboração
da secção de fado da Associa-
ção Académica de Coimbra:
Amália, quando gravou o fil-
me “Capas Negras”, em 1947,
e Maria Teresa de Noronha,
nos anos 50 e 60. “Mas nos
anos 90, a Manuela Bravo
gravou um disco com fados de
Coimbra e houve uma grande
reação de rejeição por parte
da AAC, porque continuavam
a não aceitar a ideia do fado
cantado por vozes femininas
se não fosse expressamente
autorizado pela associação”,
lembrou. M.A.
24 PRIMEIRO CADERNO
MOBILIDADE
Metade das crianças vai todos
os dias de carro para a escola
Só 24% dos alunos dos 6 aos 18 anos vão a pé, mostram os Censos. Ir de autocarro
aumenta no Secundário. “Falta de autonomia agrava-se geração após geração”
Ter monitores em algumas carreiras da Carris é uma das apostas em Lisboa. O projeto chama-se Amarelo e está a ser testado
Texto Raquel Albuquerque
Foto Tiago Miranda
Infografia Carlos Esteves
São 8h10 e a carreira de bairro nú-
mero 29 da Carris arranca como
habitualmente dos Olivais para a
Encarnação, em Lisboa. Lá dentro
seguem alguns passageiros e dois
monitores de colete florescente
vestido onde se lê “Amarelo”. Nas
paragens seguintes, um deles man-
tém-se sempre à porta para rece-
ber as crianças que vão entrando e
ajuda-as a levar a mochila até aos
bancos mais ao fundo do pequeno
autocarro onde se juntam os cole-
gas de escola. De passe ao pescoço,
com idades entre os 5 e os 10 anos,
são todos clientes do Amarelo, o
projeto-piloto que está a ser testado
nos Olivais e em Benfica pela Câ-
mara Municipal de Lisboa (CML) e
pela Carris, com o apoio das juntas,
e que coloca monitores em algumas
carreiras para que os pais se sintam
seguros em deixar os filhos apanha-
rem o autocarro sozinhos.
O objetivo é reduzir a quantidade
de crianças que vão de carro para a
escola, um problema lisboeta que se
estende a uma grande parte do país.
Segundo dados dos Censos 2021 dis-
ponibilizados ao Expresso pelo Ins-
tituto Nacional de Estatística, mais
de metade (52%) dos alunos entre os
6 e os 18 anos vai de carro, 24% vão
a pé, 23% de transportes e menos
de 1% de bicicleta. No caso dos mais
novos, com idades abaixo dos 14,
aumenta a percentagem dos que são
levados pelos pais e que só quando
entram no Secundário, a partir dos
15 anos, começam a ganhar espaço
e a ir mais a pé e de autocarro, ‘es-
capando’ ao carro dos pais.
Apesar de existirem casos em que
não existe uma ligação de trans-
portes rápida e funcional, outras
situações são explicadas pela apre-
ensão que os pais sentem quando
deixam os filhos irem a pé ou de
transportes. “Os pais portugueses
dizem que o receio que sentem não
é pelo trânsito, mas pelo medo de
estranhos. Mas Portugal nem é um
país inseguro. A falta de autonomia
e de independência da mobilidade
das crianças tem vindo a acentuar-
-se de geração em geração”, frisa
Rita Cordovil, professora e inves-
tigadora na Faculdade de Motrici-
dade Humana da Universidade de
Lisboa, referindo as conclusões de
um estudo feito há dez anos sobre
a independência da mobilidade das
crianças portuguesas, do qual foi
coautora. Na altura, os investiga-
dores compararam a realidade das
crianças de 8 e 9 anos com a gera-
ção dos seus pais quando tinham as
mesmas idades e perceberam que
o cenário se inverteu: antigamente,
86% iam a pé para a escola e apenas
9% iam de carro. “No sul da Europa,
as crianças têm essa independência
muito mais tarde do que no norte. É
verdade que são realidades diferen-
tes, até no planeamento do espaço
urbano. Mas, nos países nórdicos,
os pais acham normal e desejável
que os filhos possam ir sozinhos
desde cedo, mesmo que esteja a
nevar ou que a mãe esteja em casa.”
Os mais e os menos
Os dados dos Censos mostram rea-
lidades distintas por todo o país.
Num terço dos municípios, mais
de 52% das crianças vão de carro,
chegando a ultrapassar os 70% na
Batalha, Condeixa-a-Nova e Oli-
veira de Azeméis. O problema es-
tende-se a cidades grandes como
Viseu (67%), Coimbra (66%), Aveiro
(63%), Cascais (63%), Oeiras (56%)
ou Matosinhos (56%). E não é pela
falta de uma rede de transportes,
como poderia ser a justificação em
locais mais despovoados, servidos
por carreiras pouco frequentes.
Já em Terras de Bouro (distrito de
Braga), Alcoutim (Faro), Vieira do
Minho (Braga) e Boticas (Vila Real),
o cenário é o inverso: mais de meta-
de dos alunos vão de autocarro para
a escola. E os melhores exemplos
vêm do Alentejo, como em Gavião,
Monforte ou Alvito — além de Al-
coutim no Algarve — onde três em
cada quatro vão para as aulas de
transportes ou a pé.
Expresso, 12 de maio de 2023
O FUTURO
DO FUTURO
A quinta
submersa
O projeto AWARE quer
demonstrar que é viável
produzir, com águas do
esgoto, peixes e vegetais
para a alimentação humana.
A primeira unidade vai
operar no Sul de Itália
Num dia não muito longínquo
cada município terá uma unidade
de produção de peixes e plantas
bem ao lado do tratamento de
esgotos. No caso de Castellana
Grotte, no Sul de Itália, esse dia
deve chegar em 2024, quando o
projeto europeu AWARE iniciar
testes com uma unidade de pro-
dução de vegetais em aquaponia
e peixes de aquacultura, e o uso
de água dos esgotos.
“Queremos ser os primeiros
a mostrar que peixes e vege-
tais criados com água tratada
que vem dos esgotos têm per-
fis toxicológicos equivalentes
aos peixes e vegetais dos siste-
mas tradicionais de aquaponia
e aquacultura”, explica Fabio
Ugolini, investigador que coor-
dena do AWARE.
A regulação já permite o uso
de água de esgotos, previamente
tratada, na agricultura, mas no
que toca à aquaponia, que subs-
titui terra por água como veículo
de nutrientes para as plantas,
não há regras definidas. Com o
AWARE, 20 entidades de inves-
tigação vão apurar resultados
com o objetivo de ajudar as au-
toridades europeias a definir a
regulação. O projeto conta com
investimento de €5 milhões. De
Portugal, participam a Faculda-
de de Engenharia da Universi-
dade do Porto e a Universidade
Nos dois grandes centros urba- Católica Portuguesa (UCP).
TRANSPORTE USADO PARA nos de Lisboa e do Porto, com as O projeto arranca com a cons-
IR PARA A ESCOLA maiores redes de transportes do trução de uma estufa com substra-
Em % do total, 2021
país, poderia esperar-se uma menor to de água de 10 metros de diâme-
Carro Transp. escolar necessidade de usar o automóvel. tro. Os testes decorrem de 2024 a
A pé Metro ou comboio Mas, ao mesmo tempo, não existe 2026 e vão das análises de água,
Autocarro Moto e bicicleta a proximidade e sensação de se- vegetais e peixes até à recetivida-
gurança das localidades pequenas. de no palato do consumidor. “Va-
100 Embora o uso do carro na ida para mos contribuir para o projeto com
a escola seja menor na Área Me- a avaliação da qualidade da água”,
80 tropolitana de Lisboa (47%) do que explica Célia Manaia, investigado-
na do Porto (56%), o peso continua ra da UCP. Além da qualidade da
60 muito grande, com impacto direto água, o AWARE terá de assegurar
no trânsito e na insegurança que os a viabilidade de novas tecnologias
40 carros criam para todas as crian- de purificação que evitam a acu-
ças à porta das escolas. E não é o mulação de contaminantes em
20 preço dos passes que explica essa vegetais e peixes, ao mesmo tem-
pouca adesão aos transportes: até po que se tornam menos onerosas
0 aos 12 anos são gratuitos. A autar- que as atuais. “Todas as cidades
6-18 6-14 15-18 quia do Porto também oferece o produzem esgotos e águas resi-
ANOS ANOS ANOS
passe aos jovens residentes entre duais e este projeto tem a virtude
os 13 e os 18 anos (foram pedidos 8 de aproveitar essas águas”, acres-
OS 10 CONCELHOS mil em 2022). O mesmo acontece centa Célia Manaia.
ONDE MAIS ALUNOS em Lisboa com o passe Navegante O AWARE contempla uma se-
VÃO DE CARRO... Escola, gratuito para os alunos até gunda unidade de testes, mas não
Em %, entre os 6 e os 18 anos
aos 18 anos que sejam residentes são esperadas grandes safras ou
Batalha 73
ou com 25% de desconto para os pescarias. A primeira unidade
Condeixa-a-Nova 71
não-residentes. deverá criar, em seis meses, 150
Oliveira de Azeméis 71
Ainda assim, em quase todos os peixes, num total de 50 kg. Da
Bragança 69
concelhos da AMP é de automóvel segunda, esperam-se 250 peixes,
Águeda 68
que mais de metade dos alunos se com um total de 100 kg em seis
Oliveira do Bairro 67
desloca — a exceção é só o Porto meses. “Não temos objetivos co-
Mira 67
(47%). Na AML o cenário é ligei- merciais”, sublinha Fabio Ugolini.
Anadia 67
ramente melhor: só em quatro dos No futuro, o conceito haverá de
Santa Maria da Feira 67
18 municípios é que o carro tem evoluir para maiores dimensões e
Viseu 67
mais peso (Cascais, Oeiras, Mafra e mais espécies, mas para já, con-
Palmela) e em Lisboa fica nos 45%. centra esforços e atenções em al-
Barreiro, Moita e Amadora são os faces Icebergue, e peixes de água
melhores exemplos, com 60% a doce da espécie Tilápia. Apesar
... E ONDE VÃO MENOS irem a pé ou de transportes. de separados, peixes e vegetais
Em %
“Há várias iniciativas que dei- vão partilhar a água, que circula
Porto Moniz 21 xam esperança na mudança de por compartimentos e serve de
Gavião 23 hábitos”, diz Rita Cordovil. A Ki- veículo a processos químicos e nu-
Monforte 24 dical Mass, um movimento global trientes relacionados com as fezes
Alvito 25 de crianças que reivindicam mais dos peixes, numa lógica circular.
Alcoutim 25 espaço nas cidades, é um desses “Alguns componentes vão ser pro-
Almodôvar 27 casos e, no passado fim de semana, tegidos por propriedade intelectu-
Ferreira do Alentejo 27 juntou centenas de miúdos de bici- al, mas a ideia é que este sistema
Terras de Bouro 27 cleta em várias cidades portugue- possa ser replicado facilmente por
Tabuaço 27 sas. O Amarelo, em Lisboa, é outro vários municípios na UE”, pro-
Lajes das Flores 27 exemplo e a CML tem a intenção mete Fabio Ugolini. As primeiras
de o implementar no próximo ano sementes estão lançadas.
FONTE: CENSOS/INE letivo. Por cada dez alunos que Hugo Séneca
passem a ir de Amarelo, são me- sociedade@expresso.impresa.pt
nos cinco carros a parar à porta
das escolas.
ralbuquerque@expresso.impresa.pt
 Expresso, 12 de maio de 2023
INTERNACIONAL TURQUIA
Cartaz eleitoral
do Presidente turco
numa rua de Istambul
FOTO BURAK KARA/GETTY IMAGES
Eleições Há quase um quarto de século no poder, Presidente tem
o cargo em risco. Crise económica, sismo e polarização não o ajudam
Desta vez
Erdogan pode
mesmo perder
José Pedro Tavares
H
Correspondente em Ancara
ak, hukuk, adalet”,
“ gritavam dezenas de
milhares de jovens,
quarta-feira, em
frente a um palco
em Rize, cidade na
costa do Mar Negro,
perto da fronteira
com a Geórgia, e
terra natal de Recep Tayyip Erdogan.
“Direitos, lei e justiça”, insistiam, en-
quanto abanavam os braços numa co-
reografia estimulada por um animador
em palco, ao som de música tecno.
Era apenas mais um comício do
candidato da oposição à Presidência
da República, Kemal Kiliçdaroglu,
que os faz às dezenas. A simbologia
do momento resume na perfeição a
essência do que está em causa numa
das eleições mais importantes do ano:
no coração do conservadorismo na
Anatólia, em plena pátria do todo-
-poderoso chefe de Estado turco, uma
Turquia jovem, diversa e moderna
mobiliza-se por um país diferente,
mais justo, mais inclusivo, menos di-
vidido, mais solidário e menos beli-
gerante. Cinco milhões de jovens já
nascidos na era de Erdogan vão votar
pela primeira vez no dia 14.
A ansiedade é palpável nas ruas
deste país, fraturado ao meio pelas
políticas cada vez mais autocratas,
polarizadoras e identitárias de Erdo-
gan. É tema de conversa por todo o
lado, e a vida parece estar suspensa.
“Até para a semana”, despeço-me de
Mehmet Ali, vizinho de longa data,
alevita (minoria xiita do islão), como
Kiliçdaroglu. Ele acena, como é habi-
tual, mas volta-se e diz: “Inshallah…
tudo será diferente. Vamos celebrar
este domingo!”
Homens opostos
Pela primeira vez em duas décadas,
a oposição tem possibilidade real de
derrubar Erdogan, que ganhou as 13
eleições que disputou desde que, em
novembro de 2002, o seu então novo
Partido da Justiça e Desenvolvimento
(AKP, islamita nacionalista) ganhou
as legislativas, tornando-o primeiro-
-ministro. Todas as sondagens (que
não são tão fiáveis na Turquia como
noutros países europeus) sugerem
que Kiliçdaroglu tem ligeira vanta-
gem (46-48% contra 44-46%), e até
hipóteses de vencer logo à primeira
volta. Conveio-lhe a desistência, on-
tem, de Muharrem Ince, seu ex-com-
panheiro de partido, a quem as sonda-
KILIÇDAROGLU, A QUEM
CHAMAM GHANDI
KEMAL, DEVIDO
À PARECENÇA FÍSICA,
CONQUISTA LAICOS
E CRENTES, CURDOS
E NACIONALISTAS, COM
UM DISCURSO BRANDO
“BLOCO DE LESTE” A oposição pode mesmo ganhar as
eleições turcas. Que acontecerá, então? Ouça no podcast a
análise da académica Lívia Franco com o jornalista Martim Silva
gens davam 3-6%; na luta está ainda
o ultradireitista Sinan Ogan (2-3%).
Kiliçdaroglu representa o oposto de
Erdogan, que, à semelhança de líde-
res populistas noutras geografias, se
tornou crescentemente autocrático,
prendendo dissidentes e críticos, pro-
curando silenciar a sociedade civil e
controlar a imprensa livre, dominan-
do todas as instituições do Estado,
incluindo os tribunais, com atitude
antiocidental, nacionalista e neo-oto-
mana. O opositor prometeu regressar
a políticas económicas ortodoxas, a
um sistema parlamentar, revertendo o
presidencialismo de Erdogan, e a res-
peitar a independência dos tribunais.
Oposição unida (para já)
Três fatores principais poderão ex-
plicar por que razão trava Erdogan a
maior batalha política da sua vida. Em
primeiro lugar, a oposição está unida:
sete partidos apoiam Kiliçdaroglu (74
anos), discreto e moderado ex-funcio-
nário público, que presidiu à agência
de segurança social da década de 90,
há 21 anos deputado e há 12 líder do
Partido Republicano do Povo (CHP,
esquerda republicana nacionalista
laica, formação de Ataturk, fundador
da Turquia moderna; obteve 23% nas
últimas legislativas, em 2018). Depois
de meses de incertezas, Kiliçdaroglu
conseguiu reunir o apoio de forças
tão diversas como o partido curdo
HDP (12% nas últimas legislativas), o
IYI (nacionalista, 10%), duas cisões do
AKP chefiadas por ex-governantes, e
um pequeno partido islamita.
Unir a oposição não tem sido tare-
fa fácil, sobretudo para quem vem
do CHP, tradicionalmente anticurdo
e anti-islamita. Mas essa tem sido a
principal virtude de Kiliçdaroglu. Com
discurso brando e inclusivo, o Ghandi
Kemal, como as vezes lhe chamam,
devido às óbvias semelhanças físicas e
à frugalidade da sua vida pessoal, con-
seguiu apelar a todos, laicos e crentes,
curdos e nacionalistas. Nos seus co-
mícios veem-se poucas bandeiras do
CHP. O candidato adotou como sím-
bolo da campanha o coração: “O país
precisa de uma cura, de nos ouvirmos
mais uns aos outros, de tolerância”,
defendeu num comício, esta semana.
Em contraste, o êxito de Erdogan,
tem-se baseado em agressivas políticas
identitárias e na apologia da força, na
retórica agressiva e absolutista: eles
contra nós, Ocidente contra a Turquia,
PRIMEIRO CADERNO 25
laicos contra crentes, curdos contra
patriotas, sunitas contra alevitas.
O segundo fator que favorece Kiliç-
daroglu é a profunda crise económica,
que mergulhou milhões de turcos na
pobreza. “Há meses que tem sido um
sufoco”, disse ao Expresso Yurdagul
Yilmaz, empregada doméstica. “Eu
e o meu marido trabalhamos, mas é
cada vez mais difícil ter comida na
mesa. O dinheiro não dá!” Crente mu-
çulmana, de cabeça coberta, sempre
votou em Erdogan por razões religio-
sas, mas vai mudar. A hiperinflação
crónica (45%, mas 90% há uns meses)
e a desvalorização acentuada da moe-
da (35% no último ano) destruíram o
poder de compra dos turcos. Erdogan
sabe-o, e nos últimos dias tem pro-
metido mundos e fundos: aumento
de 45% para todos os funcionários
públicos, segundo aumento do salário
mínimo nacional (hoje nos €400),
aumento das pensões e um mês de
gás natural gratuito para todos os
consumidores domésticos.
Por fim, há o fator terramoto, grande
incógnita destas eleições. O próprio
Erdogan pediu desculpa pela lenta e
desorganizada resposta das autorida-
des, que terá custado muitas vidas,
mas ninguém sabe que efeito terá nas
mesas de voto o terrível desastre natu-
ral, que matou mais de 50 mil pessoas.
Por um lado, 2 milhões de eleitores
abandonaram a zona do sismo, nor-
malmente dominada pelo AKP, e po-
derão não ter meios de ir votar, apesar
de partidos e sociedade civil estarem
a organizar autocarros gratuitos para
tal. Por outro lado, esses e os demais,
que ficaram sem casa e vivem em cam-
pos temporários na região, poderão
agarrar-se à única promessa que têm,
dada pelo Presidente, de casa nova
construída em tempo recorde.
De uma maneira ou de outra, uma
das eleições mais disputadas de sem-
pre terá consequências profundas
para 80 milhões de turcos, e para o
mundo. “Se Erdogan ganhar outra
vez, vou-me embora de vez”, disse
ao Expresso Okan Peker, finalista do
curso de Medicina. “Não consigo vis-
lumbrar futuro aqui com ele.” A sua
derrota “enviaria uma mensagem de
esperança para o futuro da democra-
cia no mundo inteiro”, defendeu esta
semana a analista política indepen-
dente Gonul Tol. “Significaria que
esta onda de autocracias, um pouco
por todo o lado, poderá ser revertida.”
internacional@expresso.impresa.pt
26 PRIMEIRO CADERNO
GUERRA NA UCRÂNIA
Aleksandr Dugin Filósofo e ideólogo de Vladimir Putin
“Estamos num
momento muito
difícil. Mas não
podemos perder,
seria o fim
da Rússia”
Catarina Maldonado
Vasconcelos
Aleksandr Dugin é, no mínimo, al-
guém que despertou as atenções da
imprensa ocidental após décadas ao
serviço de teorias como o eurasianis-
mo e da predição — há quem prefira
‘preparação’ — da guerra civilizaci-
onal entre a Rússia e o Ocidente. No
máximo, será um homem de grande
influência junto das elites políticas
russas, mais concretamente de Vla-
dimir Putin. É uma proximidade que
Dugin sempre negou. Numa rara en-
trevista que deu ao Expresso, o ina-
cessível filósofo, cientista político e
grande opositor do liberalismo admi-
te, no entanto, que o título de “guru”
e “Rasputine” do Presidente russo
lhe valeu um alvo nas costas. Não tem
dúvidas de que a filha, Darya Dugina,
que morreu em agosto numa explosão
de um carro, pagou com a vida o preço
das ideias antiocidentais.
P A decisão russa de invadir a Ucrânia
foi uma questão de estratégia ou de
sobrevivência?
R Foi por sobrevivência, mas também
foi estratégico. A Ucrânia é o limite da
civilização russa. Em tempos primiti-
vos, aquele foi o berço do nosso povo.
Quando a Ucrânia reivindica a impor-
tância que teve, está correta. Todos
nós, todo o nosso povo, pertencíamos
ao mesmo berço. Mais tarde, parte
da população ucraniana foi integra-
da na Polónia e na Áustria e perdeu
identidade política e ideológica. Mas
conservou a fé cristã ortodoxa. A iden-
tidade artificial — nacionalista, nazi
e ultranacionalista — na Ucrânia foi
aceite pelo Ocidente como única. Essa
foi a grande alavanca para o conflito
interno após 2014. A operação mili-
tar especial foi uma missão atrasada.
Tínhamos de o ter feito em 2014. Por
algum motivo as estratégias unipola-
res envolveram a Rússia num processo
que seria para a paz (acordos de Minsk
II) e que foi a continuação da propa-
ganda nazi dentro da Ucrânia, a cria-
ção da russofobia no regime de Kiev.
A Rússia atacou primeiro, mas foi um
passo defensivo, preventivo. Está a
ser muito mau para ambos os lados.
Não conseguimos atingir os nossos
objetivos tão facilmente como pre-
sumíamos. Desperdiçámos oito anos
desde 2014 e parece-nos agora que
os ucranianos estavam mais prepara-
dos para isto. Não usámos esse tempo
para nos tornarmos mais fortes. Caí-
mos, mais uma vez, na armadilha do
Ocidente. Os liberais russos que se
encontram na Rússia trabalharam to-
dos estes anos a sabotar-nos. Estamos
num momento muito difícil e numa
posição incómoda, porque não con-
seguimos vencer com a facilidade que
queríamos. Mas não podemos perder,
porque isso seria o fim da Rússia. To-
dos aqui entendem o preço real da
guerra. Para nós, tornou-se a “guerra
patriótica”, a “grande guerra de sacri-
fício patriótico”, já não lhe chamamos
“operação militar especial”.
P Se a decisão de invadir a Ucrânia foi
não só uma questão de sobrevivência,
mas também de estratégia, o Ociden-
te nada poderia ter feito para impedi-
-la? Moscovo já tinha o intuito de se
afastar por completo dessa esfera de
influência?
R A Rússia não queria ter de invadir
a Ucrânia, mas não podia tolerar a
agressiva russofobia no nosso territó-
rio tradicionalmente histórico. Fomos
obrigados a lutar. Para o Ocidente,
não se trata de um interesse vital, é
apenas um ato de agressão contra um
polo emergente no sistema multipo-
lar. A Ucrânia é o território onde acon-
tece esta luta entre a visão unipolar e
a multipolaridade.
P Porque se tornou figura mítica para
jornalistas e pensadores ocidentais?
R Identificam nos meus livros e en-
trevistas uma oposição sistémica à
governação ocidental. Estão muito
atentos ao aspeto intelectual do domí-
nio ocidental. Tentam dominar através
do controlo das mentes. Podem vencer
facilmente a forma tradicional de crí-
tica ao liberalismo: a crítica socialis-
ta, comunista, nacionalista. Veem em
mim o iliberalismo que não conhecem
e tentam desconstruí-lo. Em primeiro
lugar, tentam reduzir-me à extrema-
-direita, o que é falso, porque não sou
nada da extrema-direita. Depois, ten-
tam enquadrar-me numa mistura de
extrema-direita e extrema-esquerda,
bolchevismo nacionalista. Não conse-
guem debater. Bernard-Henri Lévy,
SOMOS AMIGOS
E ALIADOS DA CHINA.
EM CONJUNTO,
ESTAMOS A LUTAR
CONTRA O OCIDENTE,
QUE TENTA
ESCRAVIZAR-NOS
Fukuyama, Brzezinski... não consegui-
ram apresentar nada contra mim, não
tinham argumentos novos. Os meus
livros são publicados e traduzidos em
todo o mundo, apesar da proibição de
vendas da Amazon. Há um processo
orgânico que não conseguem parar.
Foi por isso que acabaram por decidir
matar-me. Porque não conseguiam
matar-me intelectual e espiritualmen-
te, mataram a minha filha, tentaram
matar-me. É uma guerra intelectual.
Não era só uma filha, era uma com-
panheira, uma representante, uma
estrela ascendente da “Quarta Teoria
Política”, da multipolaridade. Usaram
terroristas ucranianos para realizar
a ação, mas a operação não foi con-
cebida pelos ucranianos, porque eu
não tive influência na operação militar
especial. No primeiro ano da operação
militar especial não apareci nos media.
Os liberais globalistas têm um alvo
muito concreto e tentam matar e des-
truir aqueles que são verdadeiros opo-
nentes intelectuais e ideológicos. Fui
definido como o filósofo mais perigoso
pela comunicação social ocidental.
P Um Rasputine, cérebro de Putin?
R É totalmente errado. Não tenho
influência sobre Putin, não tenho pro-
ximidade. Nada tenho contra Putin,
só que ele tem o seu próprio cérebro e
é um governante soberano da Rússia.
Mas onde está a sombra da verda-
de aqui? Estou concentrado desde o
início da minha atividade intelectual
na identidade da Rússia a nível geo-
político, cultural, civilizacional, his-
tórico, religioso, místico, metafísico,
ontológico. Sou totalmente devoto
do meu povo, da minha civilização.
Tenho procurado identificar as linhas
de força dessa civilização e algumas
tendências duradouras. Isso deu-me
Expresso, 12 de maio de 2023
potencial para prever muitas coisas
que depois se realizaram, o que cau-
sou no Ocidente a impressão de que
estou, na prática, a comandar tudo na
Rússia. Estou apenas a servir a iden-
tidade, o espírito e a alma da Rússia.
P Putin tentou aprofundar laços con-
sigo após a morte de Darya?
R Bem... não diria isso. Ele está muito
ocupado com outras responsabilida-
des, mas atribuiu a Darya a medalha
mais importante, por heroísmo. Po-
rém, a minha compreensão das linhas
da História russa revelou-se muito
correta. Isso não significa que eu te-
nha influenciado decisões.
P Costuma enaltecer o eurasianismo
e acredita que é mais benéfico para a
Rússia do que uma cooperação estável
e saudável com o Ocidente. Ao ten-
tar escapar do domínio dos Estados
Unidos, a Rússia pode estar a cair nas
mãos da China?
R O eurasianismo é, acima de tudo,
uma afirmação da independência e
soberania da Rússia enquanto civili-
zação. Não apenas como Estado, mas
como civilização. É esse o significado
principal do eurasianismo. Reconhece
a Rússia como um dos polos do mun-
do multipolar, uma das civilizações,
e, para ser independente, deve ser
independente de todos: do Ocidente,
do Oriente, da China ou dos Estados
Unidos. Mas na situação atual temos
um ataque enorme, radical e agres-
sivo do Ocidente globalista, que não
quer reconhecer o direito, nosso e
dos chineses, de sermos multipolares.
Temos alianças estratégicas e mui-
to amigáveis com a China, porque
defendemos a estrutura multipolar
contra a estrutura unipolar. Se, por
exemplo, o Ocidente se concentrasse,
Expresso, 12 de maio de 2023
EXPRESSO.PT Leia no site a outra parte desta entrevista
com Aleksandr Dugin e saiba como o Expresso chegou
à fala com o filósofo que dá sustento ideológico a Putin
como no tempo de Trump, na América
unida primeiro, a América por último,
a América no centro das atenções,
isso dar-nos-ia outras soluções. Se o
Ocidente aceitasse a multipolaridade
e o eurasianismo como civilização, se
o Ocidente não interferisse na nossa
zona de influência, poderíamos imagi-
nar e criar diferentes alianças. Agora,
sob esta pressão do Ocidente, estamos
cada vez mais próximos da China, mas
ainda mantemos total independência.
No território, no armamento, na ideia
da Eurásia russa, do desafio russo
ao domínio ocidental, ainda estamos
à frente da China. A China é muito
mais desenvolvida do ponto de vista
económico e financeiro, mas faltam-
-lhe, por exemplo, recursos naturais,
falta-lhe tudo o que temos. Essa é,
portanto, uma aliança muito equili-
brada, e a China não tem nenhuma
ideologia para nos impor. Somos ami-
gos e aliados, e em conjunto estamos
a lutar contra o Ocidente, que tenta
escravizar-nos. O Ocidente não tem
amigos, tem apenas as suas redes de
A OPERAÇÃO MILITAR
VEIO ATRASADA.
DESPERDIÇÁMOS
OITO ANOS
E OS UCRANIANOS
ESTAVAM MAIS
PREPARADOS
domínio e controlo. E agora a Rússia
e a China são amigas e camaradas na
revolta contra o mundo dominante
global baseado no nacionalismo.
vítima de carro
P Vive-se um ambiente de repressão
na Rússia? É justo caracterizá-lo como
regresso ao estalinismo?
R Nada do género. Estaline é uma fi-
gura muito popular. As pessoas que-
rem ver Estaline em Putin, mas Putin
não é nada parecido com Estaline. Há
alguma limitação de propaganda nazi
e radical, pró-liberal, pró-Ocidente e
pró-ucraniana. Se a Rússia for o bode
expiatório, retratada como agressor,
se os ucranianos forem caracterizados
como vítimas inocentes, ou caso se
defenda que o Ocidente tem todo o
direito a apoiar a Ucrânia e a destru-
ir a Rússia, as pessoas responsáveis
serão punidas. Se, porém, o disserem
num círculo pequeno e restrito, nada
acontece. Se a situação se tornar su-
ficientemente grave, e se a Ucrânia
atacar território russo, como atacou o
Kremlin [refere-se à descoberta de dois
drones que sobrevoaram a residência
presidencial em Moscovo durante a
madrugada e que Kiev negou ter en-
viado para atacar Putin], ou tentar
influenciar e imiscuir-se na sociedade
russa, não é impossível que a repres-
são comece. Não posso excluir essa
possibilidade à medida que o tempo
passa. O mesmo acontece no Ocidente.
Qualquer posição a favor da Rússia ou
de um mundo multipolar é imedia-
tamente castigada. Há uma semana,
marquei presença numa conferência
sobre multipolaridade em que partici-
param centenas de pessoas. Um colega
meu, italiano, foi demitido do cargo
que ocupava há anos apenas dois dias
depois de assistir a essa conferência.
cmvasconcelos@expresso.impresa.pt
Mercenários Que papel e importância tem o Grupo Wagner
na cidade disputada? Putin dá mesmo ouvidos ao seu chefe?
Os ziguezagues
de Prigozhin
em Bakhmut
Ana França
S
e não houvesse
homens do Grupo
Wagner em Bakh-
mut, a cidade teria
regressado há mui-
to para as mãos do
exército ucraniano.
É isto que o chefe desta milícia,
Yevgeny Prigozhin, antigo em-
presário na área alimentar com
ligações próximas do Kremlin,
quer passar para o público. A
realidade é outra coisa qual-
quer, ainda que ninguém saiba
exatamente o quê, nem como
se desenrolam as operações na
cidade que mobiliza, há mais de
nove meses, gigantescos esfor-
ços de ambos os lados.
Quarta-feira, uma brigada do
exército oficial russo abando-
nou o terreno, deixando parte
do flanco na linha de contacto
exposto a potenciais ataques
ucranianos. Kiev aproveitou e,
no mesmo dia, anunciou um
ataque bem-sucedido contra
duas unidades russas. Ainda as-
sim, o porta-voz das operações a
leste, Serhiy Cherevatyi, avisou,
numa intervenção televisiva,
que a situação continua “muito
difícil”, pois “o inimigo, apesar
de todo o ruído que Prighozin
tenta criar, continua a atacar
Bakhmut, e esse ainda é o prin-
cipal objetivo russo” na zona.
Alexandr Abandonar a cidade parece
Dugin durante cenário longínquo para am-
o funeral da bos os exércitos. Capitular em
filha, Darya, Bakhmut não é só perder uma
cidade, é perder a face.
armadilhado A Ucrânia tem muito em jogo.
em agosto de Qualquer retrocesso na cam-
2022 FOTO KIRILL panha militar a leste poderia
KUDRYAVTSEV/AFP/ acentuar, entre os dirigentes
/GETTY IMAGES europeus mais céticos, a ideia
de que não vai conseguir vencer
a guerra. Também a Rússia tem
de se preocupar com a queda de
Bakhmut. A 9 de maio, o mais
importante de todos os feriados
militares, dia em que os russos
celebram a sua importantíssi-
ma vitória sobre o exército nazi
de Adolf Hitler, Putin chegou
à Praça Vermelha sem uma
conquista militar para oferecer
ao povo. Kherson, única capi-
tal de distrito que detinha, foi
recuperada pelos ucranianos
em novembro; os arredores de
Kharkiv, segunda maior cidade
ucraniana, tinham sido recon-
quistados em setembro.
O mercenário que
grita com o Kremlin
Prigozhin não aplica filtros nas
críticas que faz a políticos ou
às altas patentes militares de
Moscovo. Todos parecem me-
recer-lhe pouco mais do que vis-
ceral desprezo, que escorre sem
censura pelas suas redes sociais.
Há cerca de duas semanas,
no Telegram, o chefe do Gru-
po Wagner aconselhou Putin a
dar por concluída a guerra, de
forma a ainda lhe ser possível
alegar algum tipo de êxito. O
texto argumenta que uma guer-
ra prolongada não reúne apoio
entre as elites russas, o “siste-
ma instituído de raízes profun-
das”, como escreve. “Muitos
dos que apoiaram a operação
especial estão com dúvidas, ou
abertamente contra o que se
está a passar no terreno, e têm
urgência em regressar à vida
de conforto que tinham.” Prigo-
zhin vai mais longe e avisa que
a revolta social pode levar à de-
sintegração da Rússia. “O povo
já está à procura de alguém
para culpar por não sermos o
exército mais forte do mundo.”
A 5 de maio, um furioso Pri-
gozhin, com corpos inertes
como cenário de fundo, gravou
um vídeo em que acusava os de-
cisores no Kremlin de deixarem
os seus homens sem munições,
provocando mortes “desneces-
sárias e injustificáveis”. Pouco
depois anunciou que, afinal, o
ministro da Defesa ia enviar
“todas as armas que sejam pre-
cisas para a continuidade da
nossa campanha”.
Passados quatro dias, no fe-
riado, enquanto Putin proferia
um discurso a enaltecer os com-
batentes na Ucrânia, Prigozhin
não só acusou o exército oficial
de cobardia, ao anunciar que os
soldados haviam abandonado
as suas posições em Bakhmut,
como anunciou que o Kremlin
ameaçou todos os homens do
Grupo Wagner de julgamento
por traição e deserção, isto en-
quanto permite que os soldados
regulares fujam das linhas da
frente sem consequências.
Putin “empurra a culpa”
“É possível que Putin queira
abrir uma investigação às gra-
ves alegações que Prigozhin
passa a vida a fazer, porque
têm uma enorme repercussão
nas redes sociais russas. Num
primeiro momento, o Presi-
dente vai ter de culpar alguém
do Ministério da Defesa, para
mostrar que fez algo contra
a incompetência de que fala
Prigozhin, mas daqui a algum
tempo será o próprio líder do
Grupo Wagner a sofrer, por-
que Putin é conhecido por
castigar quem o critica, e à
sua liderança”, diz ao Expres-
so a investigadora Allyson
Edwards, da Universidade de
Bath, no Reino Unido. “O im-
portante, para Putin, é conse-
guir empurrar a culpa pelo que
se passa na Ucrânia, seja para
que lado for”, prossegue a peri-
O GRUPO WAGNER
NÃO CONSEGUIU
SEGURAR BAKHMUT
PARA A RÚSSIA,
O QUE LHE TIRA
CREDIBILIDADE
PRIMEIRO CADERNO 27
ta em comportamento militar
russo contemporâneo, memó-
ria histórica e propaganda.
Se é certo que os mercenários
são mesmo uma força muito
importante em Bakhmut, não é
verdade que a Rússia não tenha
ninguém para tomar o seu lu-
gar se for preciso, ou que todas
as unidades regulares tenham
desaparecido dali, do dia para
a noite. “Prigozhin pode estar a
tentar dizer que Bakhmut está
prestes a cair para conseguir
um considerável carregamento
de armas, ou pode não estar
para cair e a ideia ser provocar
um ataque mal preparado dos
ucranianos”, diz ao Expresso o
professor Craig Nazareth, que
ensina Segurança e Operações
de Informação na Universida-
de do Arizona e foi analista de
informação no exército dos Es-
tados Unidos no Médio Oriente.
O chefe dos mercenários ser-
ve para que Putin possa dizer
que o esforço de guerra está so-
bre os ombros do Grupo Wag-
ner, e que o exército normal
está longe de exaurido. Porém,
Prigozhin não atingiu o objetivo
principal de segurar Bakhmut
para o lado russo, o que, diz
Nazareth, “pode levar à dete-
rioração da sua credibilidade”.
Elites contra Prigozhin?
Já para Frank Cancian, analis-
ta do Centro Internacional de
Estudos Estratégicos (CSIS) e
ex-fuzileiro americano, Prigo-
zhin só adquiriu a importância
que tem porque os seus homens
são realmente importantes no
terreno. “O problema é que a
Rússia não tem tropas tradicio-
nais treinadas a este ponto. As
milícias usam métodos pouco
ortodoxos, recorrem a presidiá-
rios, afastá-las não é opção para
o Kremlin, pelo menos para já”,
diz ao Expresso.
Com ou sem ambições políti-
cas, o chefe do Grupo Wagner
é um íman para os meios de
comunicação e para os bloguis-
tas radicais, defensores de uma
guerra ainda mais sangrenta na
Ucrânia. “Os políticos russos
pouco falam, ou dizem o que
os autorizam a dizer, é tudo um
guião cinzento; Prigozhin é o
contrário, diz coisas capazes
de enervar, entusiasmar, revol-
tar as massas, é sanguinário e
crítico impiedoso dos militares
e dos políticos que, na sua opi-
nião, estão a humilhar a Rússia
com as suas decisões ou falta
delas”, diz o ex-fuzileiro.
A investigadora Tatiana Sta-
novaya, do Centro Carnegie
para a Rússia e a Eurásia, afir-
mou à “Newsweek” que é pre-
cisamente por aí que Prigozhin
há de cair. E, com ele, os seus
soldados, que acabarão por se
retirar de Bakhmut, já que a
sua derrota interessa às elites.
“Estão todos fartos dele. E os
Wagner estão exaustos e mo-
ralmente em baixo, é questão de
tempo até se retirarem.”
afranca@expresso.impresa.pt
28 PRIMEIRO CADERNO
SARS-CoV-2 três anos depois
O
mais estranho é que a
notícia passou pratica-
mente despercebida. No
final da semana passada,
Tedros Ghebreyesus, diretor-ge-
ral da Organização Mundial da
Saúde (OMS), declarou o final
da emergência de saúde pública
para a covid-19.
O SARS-CoV-2, vírus que cau-
sa esta doença, foi identificado
pela primeira vez na cidade de
chinesa de Wuhan no final de
2019 e propagou-se pelo mundo
de forma exponencial, nos me-
ses seguintes. Num curto inter-
valo de tempo, o nosso mundo
parou na primavera de 2020.
Três anos depois, e de acordo
com a OMS, pelo menos 7 mi-
lhões de pessoas morreram de-
vido à covid-19. Em Portugal, se-
gundo os últimos dados oficiais
da Direção-Geral de Saúde, o ví-
rus infetou mais de 5,5 milhões
de pessoas e esteve associado à
morte de quase 27 mil.
A covid-19 produziu efeitos
semelhantes ao de uma guerra.
A sua transição para uma do-
ença endémica deve, pois, ser
aproveitada para iniciarmos
uma reflexão sobre as lições da
pandemia. O silêncio sobre o
assunto nos últimos dias leva-
-me a concluir que não estamos
muito interessados no assun-
to. Estamos convictos de que
a covid-19 desapareceu e não
haverá mais pandemias. Já nos
esquecemos que no início de
2021 chegaram a morrer mais
de 300 pessoas em alguns dias.
Ignorar estes factos é não nos
prepararmos antecipadamente
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com
para o próximo problema grave
de saúde pública.
Existem riscos que não deve-
mos negligenciar. Por isso mes-
mo, é importante ler e discutir
o livro “Lições da Pandemia.
Aprender Com uma Experiência
Limite”, coordenado por Amé-
rico Pereira e Fernando Ilharco
e publicado recentemente pela
Universidade Católica Portugue-
sa. Acresce que o progressivo
envelhecimento da sociedade
portuguesa agravará as dificul-
dades do nosso sistema de saúde.
É importante compreender-
mos também a relação entre a
pandemia e a guerra da Rússia
A relação entre a
pandemia e a guerra
da Rússia contra
a Ucrânia é um
tema que a História
esclarecerá
contra a Ucrânia. Este é um
tema que a História esclarecerá
melhor. Sabemos, todavia, que
o receio da covid-19 levou Vladi-
mir Putin a sair de Moscovo e a
passar longos períodos de tem-
po na sua residência em Sochi,
no Mar Negro. É razoável con-
cluirmos que nesse ambiente de
profundo isolamento pessoal,
sem acesso à internet e rodeado
por um número muito restrito
de conselheiros e amigos, Putin
tenha reforçado as suas ideias
sobre o seu destino histórico e
o da Rússia, a necessidade de
dominar a Ucrânia, e confir-
mado a sua avaliação sobre o
declínio dos Estados Unidos e
países europeus. O seu longo
ensaio sobre a Rússia e a Ucrâ-
nia foi publicado em julho de
2021 e antecipava o impacto da
“operação especial” contra Kyiv
numa ordem internacional que
seria muito mais favorável ao
Kremlin. Aconteceu o oposto.
Serão necessários muitos anos
para compreendermos bem as
consequências da pandemia e
da guerra da Rússia contra a
Ucrânia. Do ponto de vista his-
tórico, talvez não faça sentido
separar os dois factos. Por um
lado, tivemos, em muitos países
europeus e em Washington, si-
nais evidentes de incompetência,
falta de preparação das autori-
dades, dúvidas em relação aos
peritos e movimentos negacio-
nistas sobre a covid-19. Do ou-
tro, tivemos enormes e rápidos
sucessos ao nível da investigação,
desenvolvimento, fabrico de va-
cinas e processo de vacinação na
Europa e nos Estados Unidos e
uma forte reação social no Velho
Continente à invasão da Rússia
da Ucrânia, que surpreendeu os
Governos europeus. A nossa re-
cuperação destes dois aconteci-
mentos está apenas no seu início.
A pedido de Miguel
Monjardino, o Expresso
respeitou a grafia Kyiv
usada pelo autor neste texto
e não a forma Kiev
que o jornal adotou
ESPANHA
Direita ataca eleições
locais a pensar nas
legislativas de dezembro
Com sondagens aziagas, Governo de esquerda puxa
pela boa situação económica para captar o voto jovem
Ángel Luis de la Calle
correspondente em Madrid
Duas fotografias de impacto
mediático indubitável marcam
o começo, hoje, da campanha
para as eleições autonómicas
e municipais que se celebram
em Espanha a 28 de maio: a
do encontro na Casa Branca
entre o Presidente dos Estados
Unidos, Joe Biden, e o primei-
ro-ministro espanhol, Pedro
Sánchez; e a da assinatura com
os parceiros sociais do acordo
longamente negociado para su-
bir os salários dos trabalhado-
res espanhóis até 10% em três
anos. Este “garante a paz social
no país até 2025”, assegura o
chefe da entidade patronal, An-
tonio Garamendi.
São pontos marcados pelo
Executivo de coligação entre
o Partido Socialista Operário
Espanhol (PSOE, centro-es-
querda) e a Unidas Podemos
(UP, esquerda populista), a
motivar um áspero confronto
com a oposição conservadora,
encarnada no Partido Popular
(PP, centro-direita), que aspira
a arrebatar parte do poder aos
socialistas em municípios e re-
giões, no que será o embate das
próximas duas semanas.
Os socialistas e o Governo
agradecem as imagens positi-
vas, já que o panorama não é ri-
sonho. As sondagens registam
um declínio do apoio aos pro-
gressistas, a favor da direita.
Esta interpreta os dados como
anúncio de mudança, que cul-
minará, esperam, nas eleições
legislativas de dezembro.
PP deve precisar do Vox
Embora a esquerda insista em
rejeitar a leitura da votação de
dia 28 como primeira volta das
legislativas, ninguém desdenha
a projeção que os resultados
das municipais e autonómicas
terão no panorama político
geral. O politólogo Juan Ro-
dríguez Teruel recorda prece-
dentes, em conversa com o Ex-
presso: “As eleições municipais
de 1995, 2003 e 2011 tiveram
eco nas legislativas celebradas
nesses anos, mas não foi assim
em 1999 e 2007.”
Segundo estudos publicados
pelos principais diários espa-
nhóis, se as legislativas fossem
hoje, o PP venceria o PSOE
em votos e deputados: 28,4%
dos sufrágios, com 124 assen-
tos para os populares, face a
25,1% e 100 para os socialistas,
segundo trabalho da empresa
40dB para “El País”. A Sigma
Dos elaborou outra sondagem
para o “El Mundo”, publicada a
30 de abril, que atribuía 30,5%
dos votos ao PP, que ficaria
com 137 deputados, e 23,2% ao
PSOE, com 99. Os conservado-
res poderiam chegar à maioria
absoluta, segundo estes dados,
fazendo um pacto de governo
com o Vox (extrema-direita).
Em locais emblemáticos
como Madrid, as projeções
aproximam a presidente da re-
gião, Isabel Díaz Ayuso (PP),
da maioria absoluta que agora
lhe falta. A esquerda está divi-
dida e desmobilizada. Embora
a nova frente Somar, chefiada
pela vice-primeira-ministra Yo-
landa Díaz e destinada a aglu-
tinar formações à esquerda do
Pedro Sánchez com o candidato socialista
à Câmara de Barcelona, Jaume Collboni
PSOE, não concorra às munici-
pais nem às autonómicas (pre-
tende estrear-se nas legislati-
vas), a sua presença mediática
já marca a temperatura de todo
o espectro político, sobretudo
por causa da relutância da UP
a ceder-lhe protagonismo.
Ayuso, figura emergente do
PP e poderosa rival do atual
líder, Alberto Núñez Feijóo
numa hipotética luta pela che-
fia do partido, obtém réditos
inegáveis da posição que tomou
durante a pandemia. Segun-
do a analista Lucía Méndez,
“teve a ousadia de abrir Madrid
quando o mundo se encerrava a
chave e cadeado”.
O PP quer arrebatar o poder
aos socialistas, seja sozinho ou
coligado, em regiões de gran-
de impacto político. Trabalha
com denodo, pois, para vencer
na Comunidade Valenciana,
onde a quebra da UP, que faz
parte do governo regional com
Sánchez socorre-se
de medidas como
o plano da habitação,
subida de salários,
descontos de até
50% nos comboios
e investimentos
multimilionários em
formação profissional
o PSOE e o Compromisso (es-
querda valenciana), favorece as
expectativas de Feijóo. Outro
alvo é a Câmara Municipal de
Sevilha, capital socialista de
uma região governada pelo PP,
sob Juan Manuel Moreno.
O PSOE confia manter comu-
nidades como a Estremadura,
Castela-La Mancha ou Ara-
gão, onde governa, e conquis-
tar municípios importantes,
como Barcelona. Nas regiões
históricas — Galiza, País Basco,
Andaluzia e Catalunha — há
eleições municipais, mas não
autonómicas, já que o seu ca-
lendário é diferente. Tampouco
em Castela e Leão, que as ante-
cipou para 2022.
O PP adota como estratégia
de campanha fazer do 28 de
maio o início da “revogação do
sanchismo”. Atribui ao chefe
de Governo responsabilidade
direta pelo “caos” que deteta
no país. Num discurso catas-
Expresso, 12 de maio de 2023
FOTO JOSEP LAGO/AFP/GETTY IMAGES
trofista, promete anular leis
polémicas do Executivo, como
a do “só sim é sim” (contra
abusos sexuais, alterada após
controvérsia), a que protege os
transexuais, a da eutanásia e
outras, quase todas no âmbito
das liberdades sociais.
Ainda a sombra da ETA
Alguns parceiros legislativos do
Governo, como o EH Bildu (na-
cionalistas bascos, outrora braço
político da ETA), dão munição
às ácidas críticas do PP. Este
partido vai apresentar, no País
Basco e em Navarra, 44 candi-
datos a autarcas que já foram
condenados por pertencerem
ao grupo terrorista. Sete deles
foram mesmo considerados pelo
tribunal autores de assassínios.
Os socialistas exibem há se-
manas o seu chefe, Pedro Sán-
chez, como merecedor de loas
pela situação “invejável” que
Espanha vive. Enumeram ini-
ciativas legislativas do Executi-
vo: subidas do salário mínimo,
inflação controlada, emprego
em níveis recorde, com 20,6
milhões de inscritos na Segu-
rança Social; acordos salariais
entre sindicatos e empresários.
Acresce a indiscutível projeção
internacional do primeiro-mi-
nistro. Presidência rotativa da
União Europeia no segundo
semestre de 2023, reunião com
Biden em Washington, êxito da
cimeira da NATO no verão pas-
sado, em Madrid, e iniciativas
comunitárias para controlar os
preços da energia.
Sánchez e a cúpula do PSOE
elaboraram uma estratégia
dirigida especificamente a
atrair os sectores mais jovens
da sociedade, onde se dete-
ta considerável transferên-
cia de votos para os partidos
conservadores. Os socialistas
apostam em planos como o da
habitação — que vale cerca de
€10 mil milhões — para dispo-
nibilizar 63 mil casas a preços
acessíveis, removendo um dos
principais obstáculos à eman-
cipação dos jovens espanhóis;
oferecem descontos de até
50% em bilhetes de comboio
para percorrer a Europa; in-
vestimentos multimilionários
em formação profissional; e
estímulo ao estudo de robótica
ou programação em estabele-
cimentos de ensino médio.
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 12 de maio de 2023 PRIMEIRO CADERNO 29

CRÉDITO TPA

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30 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA NÁPOLES CAMPEÃO
P
Vicenzo Credendino
ara explicar a época
do Nápoles e dos seus
adeptos podemos di-
zer que este ano os na-
politanos viveram um
longo sábado da aldeia.
“O Sábado da Aldeia”
é o título de um poema
muito famoso em Itá-
lia, escrito por Giacomo Leopardi em
1829, que fala sobre como a sensação
de serenidade e de contentamento
que os homens de uma pequena aldeia
experimentam no sábado reside na
espera do domingo, um dia de descan-
so, enquanto no próprio dia da festa a
felicidade se esvai na mente por causa
da segunda-feira que há de chegar.
Pois bem, visto que desde janeiro os
azzurri hipotecaram a vitória do scu-
detto, os meses seguintes foram os mais
felizes para os adeptos da equipa do
técnico Luciano Spalletti, justamente
pela expectativa da vitória, para uma
festa que já havia começado antes mes-
mo de ser oficial, saborosa na sua inevi-
tabilidade. Todos sabiam que o scudetto
chegaria, era só uma questão de saber
quando seria efetivamente oficial.
E, tal como as personagens da aldeia
se preparam para a festa e encontram
alegria nesses momentos de prepara-
ção, assim os napolitanos têm deco-
rado a cidade durante estes meses,
saboreando cada momento da espera
de uma alegria futura, mas certa.
Assim, quando no passado dia 4 de
maio, às 22h37, Osimhen e os seus
companheiros conquistaram a certeza
aritmética do título, Nápoles já estava
vestida para as melhores ocasiões.
As fachadas dos prédios ficaram
azuis muito antes que chegasse a hora
da limpeza da primavera, os cartazes
dos jogadores enfeitaram as principais
praças e ruas, apesar da chuva típica
Série A Em Nápoles, a conquista do scudetto foi festejada com um sentimento
de “Campeões em Itália”, em vez “de Itália”, por um povo cansado de ser outsider
Uma cidade conquistou
a nação inimiga
do inverno napolitano. Durante toda
a noite, pessoas de todas as idades
encheram as ruas de uma cidade que
teve de interromper o trânsito de au-
tomóveis por algumas horas e só foi
dormir na manhã seguinte. Depois de
ter conquistado o seu último scudetto
em 1990, Nápoles não via a hora de
vestir a sua melhor roupa e mostrar ao
mundo como se pode festejar.
Até porque, nestas paragens, vencer
não é uma coisa do dia a dia. De 1926
NO ESTÁDIO, O NÁPOLES
EXIBE A BANDEIRA
ADVERSÁRIA DE CABEÇA
PARA BAIXO, COMO OS
ROMANOS FAZIAM HÁ
DOIS MIL ANOS
até hoje o saldo não é empolgante: no
quadro de honra do Nápoles há três
scudetti, seis Taças de Itália, uma Taça
da UEFA. Stop.
E se olharmos para o Sul de Itália, a
situação é quase dramática. De facto,
na história do futebol italiano ape-
nas quatro formações do Centro-Sul
venceram o campeonato (Nápoles,
Roma, Lazio e Cagliari), totalizando
oito Scudetti desde 1929 até hoje. Um
dado que, mais do que qualquer outro,
talvez sublinhe a diferença entre o
Norte e o Sul de Itália.
Se acrescentarmos a isso que Nápo-
les é a única grande metrópole italiana
com apenas uma equipa de futebol
(Milão tem o Inter e o Milan, Roma
tem o Lazio e o Roma), também ex-
plicamos porque é que a vitória dos
azzurri na Série A vai além do mero
resultado desportivo.
“Napolitanos” e “partenopei” são
dois adjetivos que descrevem tanto os
habitantes da cidade de Nápoles como
os adeptos do SSC Napoli, os quais,
aliás, muitas vezes se comportam
Expresso, 12 de maio de 2023
como se tivessem uma dupla nacio- interpretação: “Campeões em Itália.”
nalidade, como se Nápoles fosse uma E não “Campeões de Itália”.
nação independente. “Aqui estamos
em Nápoles” é uma frase que se ouve 33 anos depois,
com muita frequência na cidade dita um sucesso diferente
pelos próprios napolitanos, que que-
rem sublinhar, para o bem e para o Nápoles sente ter conquistado uma
mal, a natureza atípica do local onde nação inimiga através do futebol e
nasceram. E que, obviamente, só os exibe a bandeira adversária de ca-
napolitanos podem pronunciar. beça para baixo, como os romanos
A última faixa que apareceu durante faziam há dois mil anos. E, tal como
o último jogo do campeonato em casa esse povo, também os napolitanos têm
dos azzurri é emblemática e explica a
situação melhor do que mil palavras.
Em campo estava a jogar-se o Nápo-
les-Fiorentina, mas as arquibancadas
lotadas não quiseram ficar para trás
e ofereceram um espetáculo de co- OS NAPOLITANOS
reografia antes e durante a partida.
Em determinado momento, na Curva
QUEREM SER
B surgiu um scudetto gigante, mas
exibido de cabeça para baixo, com as
INVEJADOS E UM POUCO
cores às avessas, como um troféu de MAIS ANTIPÁTICOS,
COMO AS EQUIPAS DO
guerra. Como se a mensagem ainda
não fosse suficientemente clara, mais
NORTE, QUE ODEIAM
abaixo foi adicionada uma inscrição
que dissipava qualquer dúvida sobre a
Expresso, 12 de maio de 2023 PRIMEIRO CADERNO 31

I LIGA

De Sven-Göran a
Roger cabe uma
viagem a Portimão
Com quatro pontos e três o germânico assim que ganhou
jornadas em falta, Benfica ao SC Braga, há uma semana.
pode ser campeão já este
domingo, mas depende do E se?
que o FC Porto (não) faça
Do que se escapou Eriksson no
A autoestrada do sul era uma seu tempo e Schmidt não será
miragem, de Lisboa não se capaz de fintar seja qual for o re-
chegava mais longe do que os sultado em Portimão é da equa-

FOTO SILVIA BAZZICALUPO/ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES

arrabaldes de Setúbal e o au-
tocarro do Benfica teve de cal-
correar estradas durante horas
até estacionar em Portimão.
Em 1983, a equipa viajou com
um propósito a movê-la: em
caso de vitória, garantia a con-
quista do título a três jornadas
do fecho do campeonato e um
regresso à capital com festa no
combustível. Na viagem de vol-
ta houve farra por obra de um
golo tardio de Carlos Manuel,
aos 85 minutos, no campo onde
o clube vai revisitar o passado.
Quatro décadas depois, o
Benfica joga amanhã no es-
tádio do Portimonense (18h,
Sport TV1) para se aprochegar
do título, mesmo sem haver hi-
FESTA Há semanas que a cidade de Nápoles se ornamentava com bandei- pótese de o agarrar logo por lá,
ras, pinturas e gravuras de antigos (Maradona, sempre ele) e atuais futebo- com propriedade. De novo na
listas. A 4 de maio garantiu o título em Udine e, três dias depois, festejou-o antepenúltima ronda do cam-
no seu estádio, perante os adeptos. peonato, as similitudes com a
partida de há 40 anos são ób-
vias na matemática dos pontos,
porque de novo irá ao Algarve
com quatro de vantagem so-
bre o 2º lugar do FC Porto, que
apenas joga no domingo. Os
encarnados terão sempre de
FOTO ALESSANDRO GAROFALO/REUTERS
ção de várias possibilidades até
ao FC Porto entrar em campo.
Ganhem os dragões o seu jogo,
na imaginação dos encarnados
continuarão a pairar eventuais
cenários com os dois encontros
que ainda haverá em falta. Sa-
bendo que o mais desejável para
o Benfica, nesse caso, será pelo
menos um ponto levado do dér-
bi em Alvalade para conquistar
o título, outras contas haverá a
fazer se for derrotado.
Pressupondo que o FC Porto
venceria no campo do Famali-
cão, as equipas ficariam então
separadas por um ponto à en-
trada para a derradeira jornada
do campeonato. Aí, os últimos
adversários seriam o Santa
Clara para o Benfica, na Luz,
e o Vitória para o FC Porto, no
Dragão. O resumo do oráculo
das possibilidades seria este:
os jogadores de Roger Schmidt
teriam de vencer os açorianos
de modo a pontapearem para
Em 1983, o Benfica
garantiu o título em

aguardar mais de 24 horas para

Portimão e depois
FOTO LAURA LEZZA/GETTY IMAGES

averiguarem se os dragões ven-

cem o Casa Pia, no Estádio do visitou o Sporting,
Dragão (20h30, Sport TV1). Só calendário que
isso evitará brindes com copos
de champanhe em Lisboa. repete esta época
Caso a incerteza dure mais
uma semana, uma vitória do
Benfica em Portimão facilita a a atmosfera a calculadora;
vida a quem caça o 38º título. caso empatassem e os de Sér-
Se ambos os rivais ganharem, gio Conceição vencessem, o
a margem de quatro pontos campeonato seria revalidado a
subsistirá, seis restarão por norte; depois, há uma hipótese
hoje grandes ambições. Chamar-lhe (a qualificação para a Liga dos Cam- tante que o Nápoles aprendeu depois disputar e outro ‘grande’ será que mais neurónios esturrica-
desforra já não basta. peões, por exemplo) e no alargamento da era maradoniana: é melhor crescer chamado à baila, apesar da ria só de pensar o que teria de
A vingança do povo partenopeo já do seu público. Tudo isso levado avan- devagar, mas de maneira certa, do que impossibilidade de comandar acontecer para cada lado.
tinha chegado com Diego Armando te com um planeamento que fazia as arriscar tudo de uma só vez. a dança: nesse caso, ao clube No total, esse cenário teria o
Maradona, mas a vitória de 2023 tem contas de ano a ano, como no cinema. Nos anos 80, antes da chegada de da Luz bastaria um empate no Benfica a ganhar em Portimão,
um sabor completamente diferente. Sem fazer investimentos faraónicos — Maradona, o presidente Ferlaino com- dérbi de Alvalade da penúltima perder em Alvalade e a seguir
Hoje os napolitanos não querem mais na verdade, ainda hoje o Nápoles não prava em cada janela do mercado o jo- jornada para garantir o título. na Luz enquanto o FC Porto
ser uma surpresa, estão cansados de tem um estádio ou um centro despor- gador mais famoso ou intrigante para E bate-se na tecla da cidade vencia o Casa Pia e o Famali-
ser um outsider. Sabem que este é o tivo de sua propriedade. os adeptos. No entanto, o objetivo algarvia, mas os paralelismos cão, mas empatava os últimos
momento deles, que as imagens dos No entanto, a lentidão deste cres- era aumentar o número de ingressos não se esgotam lá: há 40 anos 90 minutos com o Vitória — o
festejos estão a dar a volta ao mundo, cimento revelou-se uma garantia de vendidos para a temporada, uma vez também havia um dérbi no que deixaria as equipas com os
mas não querem ser apenas uns per- estabilidade: a sociedade comprou e que o resto da equipa era depois com- quintal do Sporting à espera mesmos pontos e precipitaria
sonagens engraçados que fazem rir. A depois vendeu jogadores como Lavez- posto por jogadores de valor médio. do Benfica na jornada seguinte. os adeptos para o artigo 17º do
partir de hoje querem ser invejados. zi, Cavani, Higuaín, mas manteve-se Era uma estratégia de sobrevivência. Recentrando o revivalismo Regulamento das Competições
Querem ser os favoritos e, se neces- sempre no topo graças a um scouting Mesmo depois da despedida de Mara- em Portimão, Roger Schmidt da Liga de Clubes. Descontados
sário, tornar-se até um pouco mais que soube encontrar jovens promes- dona, a política de investimentos foi acercar-se-á de um simbolismo os dois primeiros pontos pelo
antipáticos, mas mais bem-sucedidos. sas para as fazer maturar em sua casa. muitas vezes imprudente, ao ponto que o lugar teve para Sven-Gö- confronto direto estar anulado
Um pouco como as equipas do Norte, A certo ponto tratou-se apenas de de deixar acumular uma série de dí- ran Eriksson, o treinador que (uma vitória para cada lado,
que tanto odeiam. esperar o momento certo para desfe- vidas, que levaram a um progressivo tentará emular. Como o sue- mesmo diferencial de golos),
Porque desta vez não veio um herói rir o golpe decisivo, e a oportunidade enfraquecimento da equipa até ela ser co, também o alemão pode ser seria uma questão de verifi-
do céu para os conduzir na batalha, materializou-se este ano. Apesar da despromovida para a Série B em 1998, campeão nacional à primeira car a diferença goleadora no
como Maradona; desta vez o principal despedida de Koulibaly, Insigne e Mer- o início da crise que culminou com a época no Benfica com o ante- campeonato (o Benfica, com
fator do sucesso foi o trabalho ao lon- tens, o Nápoles conquistou o scudetto falência em 2004. penúltimo apeadeiro dessa rota três jornadas em falta, tem
go do tempo. O D10S do futebol apa- a cinco jogos do fim do campeonato, Hoje, porém, os cofres da sociedade em Portimão — pelo meio, o +10 em relação ao FC Porto),
receu e foi-se embora ao fim de sete com quase 20 pontos de vantagem estão ricos (para a dimensão do clube), italiano Giovanni Trapattoni o número de vitórias ou de go-
anos — este projeto já demonstrou ser sobre o segundo colocado, o Lazio. o balanço não apresenta dívidas es- foi outro técnico a lográ-lo, em los marcados, por esta ordem.
muito mais duradouro. Hoje os novos ídolos dos adeptos são truturais. E depois deste ano é muito 2004/05, mas o Portimonense Sven-Göran Eriksson dispen-
Em 2004, Aurelio De Laurentiis, Kim, Kvaratskhelia e Osimhen, mas provável que o próximo também possa andava pela II Liga. “Estamos sou estas arrelias no seu tempo.
até então produtor cinematográfico, ninguém se afeiçoa demasiado a eles, fechar-se com sinal positivo. O clube numa posição muito boa para Diogo Pombo
nunca envolvido no mundo do futebol, porque sabe que mais cedo ou mais pode contar com importantes parcei- enfrentar a reta final”, resumiu dpombo@expresso.impresa.pt
comprou o clube após a falência (apro- tarde irão embora. ros comerciais, como a Amazon, e está
veitando o baixo custo), atormentado Mas mesmo que isso aconteça, de- a diminuir a distância às equipas rivais
por dívidas e por algumas opções mí- pois deste ano os napolitanos conti- também em termos de merchandi-
opes da última gestão. Já não havia nuarão a sonhar. É a lição mais impor- sing: segundo a ADL, o Nápoles já vale
centro desportivo, tudo teve de ser mais de mil milhões de euros.
reconstruído, até foi preciso comprar Por este motivo, pode dizer-se que a
novas bolas para os treinos. lição foi aprendida, hoje não há razão
Mas De Laurentiis sabia que a ver- para se pensar em fracasso, os napo-
FOTO JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

dadeira riqueza do Nápoles não de-

saparecera. Os seus adeptos ainda lá O CLUBE ESTÁ A litanos podem continuar a desfrutar
do seu “sábado de aldeia”, esperando
estavam, a torcerem pela equipa da
sua cidade-nação, prontos a adquirir
DIMINUIR DISTÂNCIAS: que o domingo chegue daqui a muitos
anos, porventura depois de outros
os bilhetes para as partidas no estádio,
a pagar a assinatura do canal de tele-
EM TERMOS DE scudetti ou mesmo da Liga dos Cam-
peões, como o presidente prometeu
visão. E desde então, de facto, o clube MERCHANDISING, JÁ aos adeptos. Entre outras coisas, o

VALERÁ MAIS DE MIL

iniciou uma estratégia de crescimento túmulo de Leopardi está precisamen-
lento mas constante, baseada na com- te em Nápoles, o que não pode ser

MILHÕES DE EUROS
pra e venda de jogadores, na conquista por acaso. O Benfica será campeão este fim de semana se vencer
de resultados desportivos crescentes tribuna@expresso.impresa.pt o Portimonense e o FC Porto perder com o Casa Pia
32 PRIMEIRO CADERNO
PROJETOS EXPRESSO ENSINO SUPERIOR
Mais de 30 dirigentes de
universidades e politécnicos
portugueses debateram o
ensino superior num encontro
que contou com a ministra da
Ciência e do Ensino Superior,
Elvira Fortunato FOTO D.R.
Encontro Durante três dias, 700 dirigentes de instituições de ensino superior de 14 países estiveram em Valência a debater
o presente e o futuro do ensino superior. O mundo mudou muito nos últimos anos e a universidade não pode ficar para trás
As universidades e a sociedade
Isabel Leiria
C
em Valência (Espanha)
inco anos depois do
encontro que juntou
reitores e presiden-
tes dos politécnicos
em Salamanca, Es-
panha, três dezenas
de representantes de
instituições de ensino
superior portuguesas
voltaram a encontrar-se, desta vez na
cidade de Valência, para debater o
presente e o futuro do ensino superior.
Entre 2018 e 2023 aconteceu uma
pandemia, eclodiu uma guerra na Eu-
ropa e assistem-se a desenvolvimentos
tecnológicos de consequências difíceis
de antecipar. E se o mundo como o
conhecíamos mudou, também a Aca-
demia, mais do que nunca, sente que
tem de adaptar-se. Há desafios no-
vos, mas também problemas antigos
por resolver, apontaram os dirigentes
portugueses, num debate promovido
terça-feira pelo Expresso, em parceria
com o Santander e a rede Universia.
Um dos problemas persistentes
prende-se com o financiamento ou a
falta dele: “Precisávamos de uma in-
jeção no sistema de 80 milhões a 100
milhões de euros, que é nada quando
comparado com as ajudas que já foram
dadas à TAP. No conjunto do Orça-
mento do Estado seria muito pouco;
mas para nós [universidades] faria uma
diferença imensa”, apontou o reitor da
Universidade de Lisboa, Luís Ferreira.
A ministra admite que seria dese-
jável mais e acrescentou até outro
número com que Portugal se compara
mal. Atualmente, o investimento (pú-
blico e privado) em ciência e tecnolo-
gia representa 1,7% do PIB, a meta é
chegar aos 3% em 2030, mas continua
a ser pouco se se pensar que a Coreia
do Sul, por exemplo, lhe dedica 5%,
lembrou Elvira Fortunato.
A este problema junta-se o défice
da participação de doutorados em
empresas. Se na União Europeia 35%
estão no sector empresarial, em Por-
tugal esse valor ainda está aquém dos
10%. “Temos todos de perceber que é
absolutamente decisivo alterar esta
situação”, argumentou Emídio Go-
mes, reitor da Universidade de Trás-
-os-Montes e Alto Douro. “Urgente
e necessário” é também apostar na
interdisciplinaridade e “promover o
diálogo entre pessoas e entidades que
não falam necessariamente a mesma
língua”, pois só assim se poderá dar
resposta a problemas complexos, des-
tacou, por seu turno, Joana Resende,
vice-reitora da Universidade do Porto.
Da parte dos institutos politécnicos
o alerta centrou-se na importância de
manter a presença do ensino superior
em diferentes regiões, não sucumbin-
do à concentração populacional no
litoral do país. Como forma de reter e
atrair população, mas também de pro-
mover o desenvolvimento económico
dessas regiões, defendeu o presidente
do Politécnico de Viseu, José Costa,
rejeitando a ideia de fechar uma ins-
O ENCONTRO
DOS REITORES
Na sequência das conversas
preliminares com reitores
nacionais e internacionais,
o Expresso associou-se ao
Santander para o V Encontro
Internacional de Reitores
Universia, em Valência,
iniciativa que juntou cerca
de 700 líderes universitários
durante os dias 8, 9 e 10
de maio. “Universidade e
Sociedade” foi o tema deste
evento global, que contou com
a ministra do Ensino Superior,
reitores e presidentes dos
politécnicos portugueses.
tituição numa determinada capital de
distrito só porque conta com apenas
dois mil alunos.
A ideia foi apoiada pelo presiden-
te do Politécnico de Portalegre, que
lançou a pergunta à plateia: “Se vos
pedirem para indicar as melhores uni-
versidades dos EUA, não vão referir
nenhuma das grandes [o instituto de
tecnologia Caltech, na Califórnia, tem
pouco mais de dois mil alunos e o MIT
à volta de 11 mil)? O que determina a
qualidade é o que se faz na institui-
ção, e não a quantidade”, argumentou
Luís Loures, reforçando: “O ensino
superior também tem de se adaptar
às necessidades do território.”
Necessidade de mudança
Nos vários painéis de debate, que de-
correram na futurística Cidade das
Artes e das Ciências, desenhada por
Santiago Calatrava e Félix Candela,
e que juntaram dirigentes do ensino
superior de 14 países, foi também do
futuro que se falou: do muito que as
instituições precisam de fazer para
se adaptar em termos de ensino e da
sua organização, das potencialidades
trazidas pelas novas tecnologias, como
a inteligência artificial ou a realida-
de aumentada, e também dos riscos
associados.
“Tenho de admitir que nem mesmo
uma universidade como Oxford está
neste momento preparada para dar
a formação e as competências de
que os alunos irão precisar. Não é só
uma questão técnica, de sabermos
usar ferramentas como a inteligên-
cia artificial, é pensar nas questões
éticas que se levantam e como vamos
trabalhar lado a lado com algo não
humano. As instituições estão a olhar
para isso, mas tudo se mantém como
se estivéssemos no século XX”, lem-
brou Sarah Harper, especialista em
demografia e fundadora do Instituto
para o Envelhecimento da População
naquela prestigiada universidade
britânica.
Para a professora de Oxford, há toda
uma revolução à espera de ser feita,
por exemplo, no campo da interdis-
ciplinaridade: “As universidades têm
mesmo de mudar para este conceito,
em vez de ser cada professor a dar
a sua disciplina. Até agora isto não
passou da conversa.” Mas também ao
nível dos alunos, já que estes passarão
a ser cada vez mais responsáveis pelo
seu processo educativo, de uma forma
quase feita à medida, antecipa.
Outra das transformações em curso e
em debate no V Encontro Internacional
de Reitores prende-se com o facto de a
universidade já não poder ser a institu-
ição por onde se passa num período de
vida, tipicamente aos 20 anos, e aonde
não se volta. “A capacidade do ser hu-
mano de aprender ao longo da vida é
fantástica”, frisou Núria Oliver, vice-
-presidente da ELLIS — European La-
boratory for Learning and Intelligent
Systems, organização sem fins lucra-
tivos para a promoção da inteligência
artificial. E num mundo em acelerada
revolução tecnológica o regresso à for-
mação é cada vez mais essencial.
Até porque, ao contrário de revolu-
ções anteriores no mercado de traba-
lho, a atual, decorrente da automação
e do desenvolvimento da inteligência
artificial, está a ter impacto sobretudo
nas profissões mais qualificadas, da
medicina à advocacia, passando pelas
indústrias criativas, lembrou ainda Nú-
ria Oliver. Ora, são estes os estudantes
que as universidades têm à sua frente
e é preciso que percebam que são eles
que vão ser afetados pelas mudanças.
Cursos curtos e um novo ensino
Oferecer formações curtas, flexíveis,
que garantam a atualização ou mes-
mo reconversão de conhecimentos
de pessoas que já estão no mercado
de trabalho e garantir que durante o
curso são trabalhadas outras compe-
tências são dois pilares fundamentais
do ensino superior dos dias de hoje,
acreditam os especialistas.
Expresso, 12 de maio de 2023
Literacia em software e programa-
ção, capacidade de trabalhar em equi-
pas heterogéneas, de diferentes áreas
e com diferentes culturas, em ambien-
tes simultaneamente online e presen-
cial, conseguir ter uma visão holística
dos problemas e capacidade para ter
acesso e controlar a informação foram
algumas das competências imprescin-
díveis apontadas por Oliver de Weck,
professor do programa Apollo de As-
tronáutica e Sistemas de Engenharia
do MIT, nos Estados Unidos.
Tudo isto lado a lado com a inteli-
gência artificial e os avanços na área
dos modelos de linguagem de grande
dimensão (Large Language Models),
capazes de forma cada vez mais aper-
feiçoada de entender a linguagem hu-
mana e recriá-la em forma de textos,
imagens ou linhas de código, com uma
capacidade de análise quantitativa
e velocidades fora do alcance de um
simples humano.
Os desenvolvimentos suscitam es-
panto mas também receios. E uma das
mensagens mais ouvidas assenta so-
bre a necessidade de regulação deste
‘admirável mundo novo’ da inteligên-
cia artificial. “Se tudo o que lançamos
no mercado tem de ser regulado e
avaliado previamente, como os me-
dicamentos ou os edifícios, como não
haveríamos de fazer isso com coisas
que têm controlo sobre as nossas vi-
das, que são capazes de manipular”,
questionou Núria Oliver.
O V Encontro Internacional de
Reitores terminou com a assinatura
da Declaração de Valência, em que
os dirigentes do ensino superior se
comprometeram a fazer as mudan-
ças necessárias para garantir que a
universidade irá continuar a ser ca-
paz de responder aos desafios sociais,
ambientais e económicos que se co-
locam ao mundo atual. Da parte do
Santander ficou a garantia de investir
mais €400 milhões no apoio a univer-
sidades, empregabilidade e empreen-
dedorismo entre 2023 e 2026.
ileiria@expresso.impresa.pt
Expresso, 12 de maio de 2023
Vidas Perfeitas
Por Carla Quevedo
1947-2023 Rita Lee foi “a rainha do rock brasileiro”, mas a própria achava que era
“cafona” dizer isso de uma mulher rebelde, livre, sincera e nem aí para essas coisas
Rita Lee
S
empre que morre uma
pessoa conhecida de
toda a gente em grande
parte do planeta — pelo
menos naquela parte que fala
a mesma língua — acontecem
dois fenómenos naturais cole-
tivos: algumas pessoas ficam
mais velhas e outras mais sozi-
nhas, tudo num só dia. As ge-
rações mais novas, que nunca
pensaram na velhice e muito
menos na morte, envelhecem.
As gerações contemporâneas
daquela pessoa agora desapa-
recida perdem um dos seus que
não só acompanharam como vi-
ram chegar e ficam com menos
um no seu grupo. Felizmente
para a Humanidade em parti-
cular (aquela que acompanhou
a estrela que regressa ao Céu),
são fenómenos que não aconte-
cem todos os dias, porque são
poucos aqueles que temos em
comum com uma dimensão
desta magnitude.
Segundo uma jornalista da
Globo no Twitter, o velório de
Rita Lee vai realizar-se no Pla-
netário do Parque Ibapuera,
em São Paulo, é a melhor ho-
menagem que lhe poderia ser
feita, uma vez que não era deste
planeta. Era daqui, mas parecia
boa demais para o ser; quase
como se não merecêssemos
aquela alegria, a criatividade,
o jogo constante, a irrequietu-
de. Pôs um nome ao cancro do
pulmão que lhe fora diagnosti-
cado há dois anos. Era o “Jair”
por causa de Bolsonaro. Rir da
morte, do sofrimento, é só para
alguns. Aceitar que o fim está
iminente e ter a distância sufi-
ciente de si mesma para fazer
piadas mostra como Rita Lee
era diferente. Fafá de Belém
disse que “Rita era a luz, a irre-
verência, a brincadeira”. Maria
Bethânia falou da alegria e da
delicadeza que vão fazer falta.
Chico Buarque publicou no Ins-
tagram uma fotografia de Rita
Lee de flor no cabelo laranja,
com um sorriso aberto, lumi-
nosa e uma pose leve em palco.
Não escreveu nada. Gilberto Gil
lamentou no Instagram a morte
de Rita Lee com uma série de
fotografias acompanhadas de
um murmúrio. Escreveu pouco.
Agora é tempo de chorar.
Rita Lee Jones nasceu em
1947, em São Paulo. O pai era
Obituário
Alberto Gomes
da Silva
1930-2023 Gostava de
“descobrir a vida entre
sorrisos”, pelo menos é
assim que a família recorda o
administrador da Couto nas
redes sociais, onde promete
dar continuidade ao seu legado
na empresa e na Fundação
Couto, uma IPSS que apoia
crianças e adolescentes em
Gaia. Na verdade, ele próprio
chegou a pensar vender a
empresa centenária, conhecida
pela pasta dentífrica, onde
sucedeu ao tio Alberto em
1974, mas o casamento com
a gestora Alexandra Matos,
em 2016, ditou a continuidade
Rita Lee Jones
nasceu em 1947,
em São Paulo. O pai
era de ascendência
americana e a mãe
de ascendência
italiana
de ascendência americana e a
mãe de ascendência italiana.
Nenhum tinha o nome Lee que
terá sido adicionado pelo pai,
Charles Fenley Jones, em ho-
menagem ao general Robert
E. Lee. A sua excentricidade
não era menor do que a da mãe
de Rita, Romilda Padula Jones
(“Chesa”, para a família), que
insistiu que a filha devia ter
aulas com Magdalena Taglia-
ferro, considerada das mais re-
levantes pianistas do século XX.
Rita Lee frequentou o Liceu
do negócio e parece ter dado
nova vida a um produto que
ajudou a melhorar a higiene
oral dos portugueses até
perder fôlego na viragem
do século com as regras
comunitárias que forçaram
a marca registada em 1932
como Pasta Medicinal Couto
a deixar cair a referência
“medicinal”. Chegou a
desaparecer do mercado para
voltar algum tempo depois na
bisnaga que Alberto Dionísio
Ribeiro Gomes da Silva queria
manter idêntica à original,
em alumínio, amarela com o
logótipo preto, mesmo que
isso tenha significado perder
clientes interessados em usar a
sua pasta para encher bisnagas
de outras marcas. Aos 85 anos,
tinha novos projetos para
fazer crescer o negócio ao lado
de Alexandra, da loja museu
na Baixa do Porto, a uma
nova fábrica para suportar o
crescimento das vendas.
Dia 7, após vários AVC.
Margarida Cardoso
FOTO D.R.
Francês, onde aprendeu várias
línguas. Durante a adolescên-
cia tocava em festas da escola.
Uma das bandas que formou
chamava-se Teenage Girls, ex-
clusivamente de raparigas, até
que na década de 60 funda os
Mutantes com os irmãos Sérgio
e Arnaldo Dias Batista. Arnaldo
seria seu namorado e depois
marido e depois ex-marido e,
por fim, diria no Twitter que
“Rita Lee trouxe para os Mu-
tantes um lado circense, que en-
volveu humor, roupas e instru-
mentos que ela tocava, como o
Theremin”. ‘Panis et Circenses’
é o título de um tema da auto-
ria de Gilberto Gil e Caetano
Veloso, incluído no álbum de
estreia “Os Mutantes” de 1968
e interpretado por Rita, Sérgio
e Arnaldo. O grupo torna-se
o mais célebre grupo de rock
brasileiro formado em pleno
movimento tropicalista num
momento político no Brasil em
que a ditadura militar exercia o
Arsénio Iglésias
1930-2023 Futebolista e
treinador espanhol, o “Bruxo
de Arteixo”, destacou-se à
frente do Deportivo de La
Coruña, tendo vencido uma
Taça do Rei em 1994-95.
Mas será por um empate
que vai ficar para a história:
em maio de 94 bastaria uma
vitória contra o Valência
para conquistar um inédito
campeonato. O árbitro
marcou um penálti já nos 90
minutos, mas o infalível Djukic
falhou mesmo, dando o título
ao Barcelona de Johan Cruyff.
“Muito que dizer e pouco que
contar”, filosofou no final. Dia
5, de causas não reveladas.
seu poder sem piedade. Gravou
nove álbuns até à sua dissolu-
ção em 1978, mas Rita saiu em
1972. Ou melhor, foi expulsa
do grupo pelo próprio Arnaldo
por razões não confirmadas e
que vão desde Rita ter assinado
a solo nesse ano um álbum que
era de toda a banda até acusa-
ções de “falta de calibre como
instrumentista”.
A carreira a solo ainda não
começa aqui. Antes forma a
banda Tutti-Frutti, grava vários
sucessos, tais como ‘Agora Só
Falta Você’, ‘Esse Tal de Ro-
que Enrow’ e ‘Ovelha Negra’;
conhece Roberto de Carvalho,
um músico carioca que se torna
o seu grande amor e compa-
nheiro até ao fim da vida; en-
gravida, e é presa por posse de
erva. Em 1979, decide formar
uma dupla com o marido e o
que é certo é que a década de
80 é a mais frutuosa e alegre
da sua carreira musical. ‘Lan-
ça Perfume’, ‘Baila Comigo’,
“Banho de Espuma”, ‘Flagra’,
‘Desculpe o Auê’, e tantos ou-
tros sucessos de vários álbuns
fazem parte de um imenso
repertório que grava numa só
década e que marca para sem-
pre a sua carreira, bem como
a memória que temos das suas
canções e da sua interpretação
irreverente.
Nos anos 90 prossegue a
solo na sua carreira e em 2002
muda um pouco a agulha e
aceita fazer parte do painel
fixo do programa “Saia Justa”,
com Fernanda Young, Mônica
Waldvogel e Marisa Orth. O
programa é até hoje (com um
painel diferente) um sucesso de
audiências do canal GNT. Rita
Lee sai em 2004, mas antes
grava o tema ‘Amor e Sexo’.
Em 2012, anuncia a sua retira-
da dos palcos e em 2016 lança
“Rita Lee: uma Autobiografia”.
Este ano será lançado “Rita
Lee: outra Autobiografia”.
Como escolher entre “No es-
curinho do cinema/ Chupando
drops de anis/ Longe de qual-
quer problema/ Perto de um
final feliz” ou “amor é cristão/
Sexo é pagão/ Amor é latifún-
dio/ Sexo é invasão”? Entre os
primeiros versos inocentes e os
seguintes tão sábios passaram
tantos anos. Escolher? Ainda
bem que não temos de escolher.
Por Rui Gustavo
> David Miranda (1985-2023),
jornalista e político brasileiro,
foi deputado e um dos respon-
sáveis pela divulgação dos pro-
gramas secretos americanos
com base em informação reco-
lhida por Edward Snowden, Era
casado com o jornalista Glenn
Greenwald, o outro responsável
pela divulgação do escândalo, e
os dois tinham dois filhos adota-
dos. Ficou órfão aos cinco anos,
mas foi recolhido por uma índia
brasileira, que o criou com os
outros quatro filhos. Dia 9, de
septicemia. > Terrence Har-
diman (1937-2023), ator britâni-
co, entrou em séries televisivas
de primeira água como “The
Crown” ou “Dr Who”, mas será
pelo papel principal em “The
Demon Headmaster', em que
interpretava o papel do terrível
protagonista, que ficará para a
lenda, principalmente no mo-
mento em que tirava os óculos
escuros para fitar as vítimas
indefesas com olhos hipnoti-
zantes. Dia 8, de causas não
reveladas.
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
Reivindicar educação
A falta de visão — política,
técnico-pedagógica e admi-
nistrativa — de muitos dos
nossos ministros da Educação
desembocou, com naturalida-
de, nas manifestações que têm
vindo a acontecer em todo o
país, envolvendo surpreen-
dente número de professores,
demonstrando quão grandes
são as razões de desagrado
dos professores e outros pro-
fissionais da Educação, (a que
se juntam alguns dirigentes
sindicalistas, cumprindo a sua
militância partidária).
Porém, mesmo que, ingenua-
mente, se pense que o minis-
tério satisfará as justas reivin-
dicações — tempo de serviço,
remunerações, critérios de
colocação em escolas, defini-
ção da carreira e da formação
dos docentes —, a Educação
no seu todo social, científico e
profissional continuará aguar-
dando, incompreensivelmente,
uma imperiosa reforma. Há
neste momento por todo o país
pedagogos (nossos) de prestí-
gio internacional, pais, alunos
e boa parte da sociedade, em
geral, que vêm provando com
iniciativas concretas que têm
vontade, disponibilidade e sa-
ber para enfrentarem a desas-
trada “passividade” das auto-
ridades. Para bem da cultura,
da mentalidade, da economia
e do progresso de nós todos,
há que contar com eles, para
tão necessária mudança.
João M. Nascimento Reis, Leiria
Pedido ao PSD
Nos comentários políticos que
se vão fazendo ouve-se, como
já se ouve há algum tempo, que
o PSD não está preparado. E
eu pergunto: e o Governo está?
Do meu ponto de vista, não.
Nem nunca esteve. Este é um
Governo sem visão. Ter um
primeiro-ministro que só fala
bem, e fala, é o que basta?
Apesar do que se ouve e diz,
PSD e PS não são iguais. Podem
ter algumas políticas parecidas,
mas a forma como veem o cami-
nho para as concretizar é bem
diferente. O que peço ao PSD
é que faça o seu caminho. Um
caminho de verdade, de hones-
tidade, de convicções.
Maria Silva, Lousada
Coragem política
António Costa sabe que Mar-
celo Rebelo de Sousa não tem
coragem política para dissol-
ver a Assembleia da República
como fez Jorge Sampaio, em
2004, durante a governação de
Santana Lopes.
A possibilidade de o Chega
chegar ao Governo está a ba-
ralhar as contas políticas. Au-
gusto Santos Silva é a “lebre”
que faz correr António Costa
. Apostar na vitimização ace-
nando com a possibilidade de
uma alternativa à direita com
o Chega vai ser a aposta do
partido da rosa. Marcelo não
é Sampaio e Costa não é San-
tana, como o povo português
não é o francês ou o espanhol
que saem às ruas em protesto.
Enquanto isso, 1,6 milhões de
portugueses estão no limiar da
PRIMEIRO CADERNO 33
pobreza, o número de pessoas
em condição de sem-abrigo
disparou, a precariedade labo-
ral aumentou e o valor médio
das pensões de velhice da Se-
gurança Social ronda os €500
mensais. Portugal nos 49 anos
após o 25 e Abril de 1974.
Ademar Costa, Póvoa de Varzim
Decisão política
No jornal Expresso do dia 5
de maio, na página 6, em tex-
to de Ângela Silva, diz-se que
a recente decisão política do
Presidente da República teria
sido tomada ouvindo “o res-
tritíssimo núcleo” de que eu
faria parte.
Ora, tal, não corresponde à
verdade, porque eu nem faço
parte de nenhum núcleo nem
fui ouvido em momento algum.
Jorge Miranda, Lisboa
A mentalidade
de turismo
A mentalidade de turismo,
onde o turismo é ou deverá ser
o motor de uma economia, é
uma mentalidade de negação
para qualquer país desenvol-
vido. Obviamente o turismo
tem o seu mérito e valor. Con-
tudo, assentar nele o futuro e
bem-estar de uma nação é um
ato de negação — e Portugal já
anda em negação há décadas
sobre este assunto. Esta ques-
tão já deveria estar resolvida.
Na sua globalidade, o turis-
mo promove trabalhos pouco
qualificados e, quando em es-
cala, cria ou potencia vários
problemas ambientais, além
de alterar profundamente o
bem-estar e modo de vida das
comunidades. Especialmente
quando associado a um con-
ceito de turismo competitivo.
O turismo em escala pres-
siona os ecossistemas e o uso
da água, levando à criação
de situação gravosas de so-
bre-exploração de recursos e
sobreutilização da água sus-
tentavelmente disponível. Pas-
samos rapidamente de cidades,
vilas, aldeias e infraestruturas
pressionadas, no período alto,
para vazias no período baixo,
criando áreas bipolares e con-
sequentemente deprimentes
para se viver. Isto já para não
mencionar a descaracterização
completa de comunidades.
E, para fechar o pacote, não
cria nenhuma competência ou
capacidade duradoura em que
uma sociedade possa assentar
o seu futuro e o futuro dos seus
filhos. Ou seja, basta que haja
uma crise e que o orçamento
das famílias para viagens di-
minua para que todo um país
fique em crise. Basta que uma
zona do globo fique em paz ou
na moda para num instante os
turistas desaparecerem para
outro lado. O turismo deveria
ser o complemento de receita
de um país e não a sua recei-
ta. A sua receita deveria ser de
base tecnológica e industrial,
esta sim muito mais persisten-
te, resiliente e, bem feitas as
contas, até mais sustentável
ecologicamente.
Portanto, a mentalidade do
turismo é a mentalidade do
mais fácil, do eterno voltar
aos mesmos problemas, da
sistemática cauda da Europa,
onde perdemos sempre para
todos, por muito piores que
esses todos estivessem há bem
poucos anos. Será que nin-
guém que recebe o seu salário
dos contribuintes, sendo pago
para governar o país, vê isto?
Mesmo depois de 20 anos de
marasmo com crescimento
médio de 0,5% ao ano? O que
será necessário fazer?
Joaquim Pereira, Lisboa
34 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 12 de maio de 2023

Santos Silva volta a usadas pelos burlões depenam as víti-

enganar-se e anuncia
que Vladimir Putin
visitará Portugal
O Presidente da Assembleia da Re-
pública baralhou-se outra vez. De-
pois de ter anunciado e desmentido
a visita de Zelensky aos Santos Po-
pulares de Alcântara, Santos Silva
voltou a meter os pés pelas mãos ao
dizer que Vladimir Putin ia discursar
ao Parlamento e à Festa do Avante!,
que o porta-voz do Kremlin, Dmitri
Peskov, era o novo comentador de
bola da CMTV e que Beyoncé tinha
comprado uma vivenda geminada
em Estarreja. O Grupo Wagner, en-
tretanto, proclamou a conquista da
agenda de Santos Silva. M.B.
Iniciativa Liberal apoia
descriminalização dos
proxenetas que são
pequenos e médios
empresários
O Tribunal Constitucional pondera
descriminalizar o lucro obtido com
a prostituição e conta com o apoio Se não aconteceu, podia ter acontecido
da Iniciativa Liberal, que defende a
liberdade das mulheres venderem o
corpo no mercado livre e unirem-se,
lideradas por um pequeno empre-
sário, para diminuírem os custos de
contexto e alavancarem os lucros,
recorrendo ao benchmarking para
analisar as boas práticas usadas por
empresas do mesmo setor, como os
partidos políticos. Já o PCP e BE de-
FIÉIS SOCIALISTAS
ACENDEM
fendem taxar as mais-valias dos
grandes bordéis e os árbitros exi-
gem IVA zero na “fruta”. V.E.
Cada vez que Guterres
ganha mais um prémio,
VELINHA PELA
estátua dele em Vizela
sobe 15 centímetros
MAIORIA
Nº 71 SÉRIE II O DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES
mas sem apelo nem agravo e vão des-
de a clássica “BPP Bloopers 2.0” ao “Cá
vai disto que é do Banif”, o famigera-
do “O BES está sólido” ou o histórico
“BPN Contribuinte Impalator”. M.B.
Ex-adjunto de Galamba
vai ter programa de
informática e gadgets
na RTP
Frederico Pinheiro, ex-adjunto de
João Galamba, regressou à RTP
onde vai ter um programa sobre
tecnologias, computadores e gad-
gets. É uma área de que sempre
gostou e, diz quem o conhece, que
Frederico é capaz de matar por um
novo computador. O programa ain-
da não tem data para começar, mas
já tem genérico que o INIMIGO PÚ-
BLICO já viu. As imagens mostram
um indivíduo, visivelmente irritado,
a tentar abrir a porta com uma bici-
cleta. Ao fim de vários arremessos
de bicicleta, percebe que basta co-
locar o polegar na fechadura para,
com uma leitura de impressões di-
gitais, abrir a porta automatica-
mente. E termina com o indivíduo
a sair pedalando alegremente. A.P.
Direitos dos Animais:
Constituição vai
determinar que todos
os cães têm direito a
uma casota digna
Os direitos dos animais vão mesmo
constar na Constituição que, abrin-
do caminho ao socialismo, como dita
o famoso preâmbulo, vai consagrar
o direito a habitação digna, nomea-
damente para os gatos que costu-
mam aninhar-se em qualquer caixa
de sapatos, como proletários num
CIMEIRA DA EXTREMA-
-DIREITA EM LISBOA ADIADA
PARA QUANDO HITLER E
MUSSOLINI PUDEREM SER
CONVOCADOS PELO MÉDIUM
DOS IRMÃOS DE ITÁLIA
Bolsonaro ficou sem
passaporte, Salvini tinha uma
sessão de reiki marcada e o
médium que trabalha com os
Irmãos de Itália foi dirigir as
explosões de fogo de artifício do
Festival da Eurovisão, pelo que
André Ventura teve de cancelar
a sardinhada da extrema-
direita que ia organizar em
Lisboa. A ausência do bruxo
foi determinante: é o mestre-
espírita que se diz possuído
pelo mesmo demónio que
desaustinou a miúda Regan
em “O Exorcista” e o único que
sabe convocar Hitler, Mussolini
ou Trump para eventos como as
patuscadas do Chega
e afins. M.B.
“bidonville”. A Constituição vai ainda
prever o direito universal dos ca-
chorros a frequentarem escolas de
comportamento e o acesso “tenden-
cialmente gratuito” aos veterinários
do SNS. Diversos historiadores pe-
dem, porém, cautela, porque foi pre-
cisamente o direito dos animais gos-
tarem mais dos donos do que do rei,
inscrito na Carta Constitucional de
1826, que provocou a guerra civil en-
tre liberais e miguelistas. V.E.
Bancos estão a fazer
tudo para não ganharem
tantos milhões com
juros do crédito
A Associação Portuguesa de Ban-

Houve alarme nas chancelarias, on-

tem à tarde, porque António Guter-
res não recebe nenhum prémio há
três dias. Guterres, como se sabe, ar-
recada prémios internacionais ao
quilo pelo seu trabalho relevante a
ser Guterres. Fenómeno curioso:
cada vez que o secretário-geral da
ONU arrecada outra salva de prata
ou um bloco de vidro com uma ins-
crição, o pedestal da sua estátua em
Vizela cresce mais 15 centímetros,
pelo que se espera que, em breve,
seja mais alta do que as estátuas de
Kim Il-Sung e Kim Jong-Il juntas. M.B.
Impacto da descida do
IVA está a ser estudado
pela física quântica
Uma equipa de físicos teóricos ja-
poneses está em Portugal a estu-
dar o impacto do IVA zero nos pre-
ço s d o s a l i m e n t o s . O s t r ê s
cientistas, especializados em física
quântica, já recolheram amostras
em vários supermercados do país e
estão, neste momento, a processá-
-las num acelerador de partículas
de última geração. Até ao momen-
to, já conseguiram detetar desci-
das de preços em alguns átomos de
batata e em duas moléculas de la-
ranja do Algarve. Esperam ter re-
sultados definitivos até 2030. A.P.
Grupo Wagner
garante que já só
tem capacidade
para recuperar
computadores roubados
O famigerado Grupo Wagner está
desconsolado com a falta de apoio
militar de Moscovo e já avisou Vla-
dimir Putin que pouco mais vale
do que o SIS, conseguindo, quan-
do muito, roubar o computador
do vereador das Obras Públicas da
autarquia de Bakhmut e encerrar
duas telefonistas e uma adminis-
trativa da câmara no WC. Yevgeny
Prigozhin recebeu um SMS de
simpatia de Sérgio Conceição, que
sente a mesma falta de apoio e
gratidão das chefias e ameaça
roubar o computador da SAD do
FC Porto para saber quanto vai ter
para gastar em reforços. V.E.
ABSOLUTA cos (APB) emitiu esta semana um
comunicado para tranquilizar os
portugueses sobre as prestações
do crédito à habitação. Diz a APB
que os bancos estão a fazer tudo
O 13 de maio deste ano pode para não ganharem tanto em juros
registar a maior peregrinação só que, até agora, não tem sido
das últimas décadas. Milhares possível. Porque as taxas Euribor
de boys e girls socialistas não param de subir e porque, por
dirigem-se neste momento à outro lado, não tem conseguido su-
Cova da Iria para pedirem a bir os juros dos depósitos por cau-
Nossa Senhora que volte a sa de um problema de física. Por
operar algo tão paranormal e aquilo que o INIMIGO conseguiu
espampanante como o que fez saber, já foi identificado pela APB
quando interveio na sétima e chama-se lei da gravidade. A.P.
avaliação da Troika: o milagre
de manter o Governo de
Costa até ao final da 24 Kitchen já tem
legislatura. “A 13 de maio / receitas para o PR
A 13 de maio / Na Cova da
grelhar o PM
Iria / Apareceu brilhando /
E aguentou a maioria”,
cantam os fiéis socialistas A utilização de expressões como
que rumam a Fátima, entre “lume brando”, “grelhar” ou “deixar
rezas ao santo da sua devoção, queimar”, para descrever a relação
São Mário, e a Nossa Senhora dos atual entre Presidente e Primeiro-
Aflitos. M.B. -ministro, obrigou a SIC a chamar
o Chef Ljubomir para comentar o
noticiário político. O canal 24 Kit-
chen também estreou novos pro-
Governo declara seca gramas, o “Marcelo Grill” e o “Ar-
raial Costa”, com sugestões de
em 40% do território e marinadas e dicas para o chefe de
em 100% do eixo São Estado grelhar, fumar e tostar o lí-
Bento-Belém der do Governo, que, dizem, acom-
panha bem com batata a murro à
Ministério das Infraestruturas. M.B.
O Ministério das Infraestruturas
tem metido água como se não hou-
vesse amanhã, mas isso não foi su- Equipa de futsal do
ficiente para encher as albufeiras, Benavente que perdeu
regar as hortas e abastecer os bi-
por 60-0 acha que o
dés. O Governo anunciou que 40%
do território está em situação de adversário contou com
seca e que algumas zonas, como o o ‘fator casa’
eixo São Bento-Belém, os relatos
de bola sem imagens na TV ou José A equipa de futsal do Benavente
Miguel Júdice, bateram recordes e perdeu 60-0 com o Mação, que se
entraram para o top das mais se- tornou assim campeão da distrital
cantes das últimas décadas. M.B. de Santarém, mas o treinador der-
rotado acha que o apoio do públi-
co foi fundamental, nomeada-
8% dos portugueses mente dos 500 000 adeptos do
sofreram fraudes Mação que encheram o Estádio
financeiras com as Olímpico local e nunca deixaram
de puxar pela equipa da casa, mes-
técnicas de phishing mo quando o Benavente amea-
conhecidas por BES, çou fazer o 59-1 que poderia
BPP, Banif e BPN ter virado a dinâmica do
jogo. Já o Mação queixa-se
Um estudo da OCDE indica que 8% do VAR, que invalidou -
dos portugueses que usam a Internet para o clube, mal - um
já foram endrominados nas suas fi- golo no último minuto
nanças. As artimanhas de phishing do jogo. V.E.
Expresso, 12 de maio de 2023
PS quer mudar registo
civil para permitir
nomes neutros
como ‘12345’
Para respeitar a identidade de géne-
ro das pessoas não binárias, o Gover-
no vai mudar a lei do registo civil para
permitir nomes neutros, como
“12345”, por coincidência a password
do computador do Ministério das In-
fraestruturas, bem como “teletub-
bie”, um nome que nunca ninguém
percebeu muito bem a que género se
refere. A medida permite ainda a es-
colha de nomes amorfos que identifi-
quem tudo e nada ao mesmo tempo,
como “Marcelo”. As pessoas não biná-
rias podem ainda aceder ao serviço
Empresa na Hora e escolherem no-
mes neutros, constante da lista dispo-
nível, como “Parâmetros Hexagonais”
ou “Constantes Cosmológicas”. V.E.
Chega contente que a
costa esteja a ser
invadida por centenas de
caravelas-portuguesas
em vez de caravelas de
outros países
A costa está a ser invadida por cara-
velas-portuguesas, tendo André
Ventura manifestado incompreen-
são pelos alertas emitidos por sim-
ples seres esponjosos patrióticos
que flutuam no seu país de origem,
protegendo-o, ao alimentarem-se de
espécies estrangeiras como a perca-
13 DE MAIO: O QUE OS FIÉIS VÃO PEDIR A NOSSA SENHORA
Mariana Mortágua:
que Catarina Martins
não leve do gabinete
o retrato a óleo de
2x3 metros do Papa
Francisco (Louçã)
Pinto da Costa, Varandas
e Rui Costa: verbas do PRR
para defesas esquerdos
sul-americanos
-do-Nilo e o salmão da Noruega ou
picando os refugiados ilegais que
tentam dar à costa em Melides para
apanharem bagas em Grândola. De
referir que, segundo Sérgio Sousa
Pinto, o fenómeno não se deve às al-
terações climáticas, mas ao politica-
mente correto. V.E.
GNR fez operação stop
para verificar se carros
do Rally de Portugal têm
inspeção obrigatória
O Rally de Portugal arrancou ontem e
parou de imediato devido a uma ação
de fiscalização conjunta da GNR, Au-
toridade Tributária e Augusto Santos
Silva. A GNR pediu a exibição dos obri-
gatórios triângulo de sinalização, dís-
tico da inspeção periódica e galharde-
te do Paços de Ferreira no retrovisor.
A A.T., já se sabe, estava lá para sacar
dinheiro em coimas. Santos Silva con-
feriu se os pilotos tinham excedido o
tempo para o prólogo. M.B.
Futsal: polémico
resultado de 60-0 não
foi homologado e será
substituído pelo bem
mais aceitável 59-0
Não se confirma que Serguei Lavrov
tenha sido o árbitro do jogo de fut-
sal em que o Mação aviou o Bena-
vente por uns ligeiros 60-0. Diz
quem viu que foi por pouco que não
houve prolongamento e penalties. O
Contribuintes: acordarem e
perceberem que a TAP era só um
pesadelo aterrador e não existe
Costa: um ministro das Infraestruturas
que aguente mais de 15 dias
Gouveia e Melo: uma aplicação
Nuno Melo: oferece tributo de
militar da cantora Mimicat
3 lebres e 4 perdizes que caçou pelo
milagre da ressurreição do CDS
Carlos Moedas: um altar
do Papa abaixo do metro
quadrado em Lisboa
Montenegro: 50% do
instinto político das
votações no Festival
da Eurovisão
RESTITUIÇÃO
DE PATRIMÓNIO:
PORTUGAL
ADMITE RESTITUIR
ANDRÉ VENTURA
A VIKTOR ORBÁN
Lista preliminar de
património que Portugal
pode restituir:
• Galamba pode ser
devolvido à fação
pedronunista do PS
• O CDS regressa ao Museu
de Arte Antiga.
• As referências imortais
do fado, de que Madonna se
esqueceu cá, recolhem ao
Conselho de Estado.
• Costa e Marcelo foram
devolvidos pelo Rei de
Espanha ao Paralelo 38
entre Belém e São Bento.
• O ex-diretor do Museu da
Presidência, condenado a
seis anos de prisão, também
cumprirá pena na Ericeira.
• Cavaco deve ser restituído
à ala do Egipto Antigo do
British Museum. M.B.
Cristina: que a Virgem lhe
apareça num vestido para
poder mostrar roupa de
luxo nas Cristina Talks
Marcelo: nevoeiro no IC19
que leve Passos Coelho de
Massamá ao PSD
árbitro ainda chamou o SIS, mas,
como não havia computadores para
recuperar, a secreta não pôs lá os
pés. O futebólogo Rui Santos consi-
dera que estamos perante um
“miasma superlativo” e saudou a de-
cisão da Associação de Futebol de
Santarém, de não homologar os 60-
0, mas sim o bem mais aceitável 59-
0, com 58-0 ao intervalo. M.B.
Crise na habitação:
noivos dos Casamentos
de Santo António
voltam para casa
dos pais depois
da cerimónia
Já se conhecem os 16 casais que
vão dar o nó nos Casamentos de
Mariana Vieira da Silva:
conseguir sair, “por razões
pessoais e familiares”, da XXIII
bandalheira constitucional
Guterres: uma
estante maior
para guardar os
seus 350 prémios
Putin: dobragem
para russo dos
comentadores do Giro
d’Italia no Eurosport
M.B.
@oinimigo_pronto
PRIMEIRO CADERNO 35
CONTEÚDO PATROCINADO
Santo António e iniciarem uma
nova vida e formarem família em
casa dos pais do noivo, depois de
se terem apaixonado e resolvido
juntar os trapinhos, na primeira
experiência a dois, em casa dos
pais na noiva, sendo que todos os
casais anseiam pelo momento de
terem filhos e educarem-nos em
casa dos avós. A Autoridade Tribu-
tária deu os parabéns aos 32 con-
tribuintes que vão passar a decla-
rar o IRS em conjunto e Carlos
Moedas aconselhou-os a partirem
para a lua de mel pela quinta cir-
cular imaginária de Lisboa. V.E.
Cientistas avisam
que a Inteligência
Artificial pode
suplantar os
humanos
e não precisar
de comer gelados
para tomar decisões
Cada vez mais cientistas avisam
para os perigos da Inteligência
Artificial com a veemência com
que Rui Santos sempre avisou
para os perigos de não existir a
Casa das Transferências, tendo
Geoffrey Hinton, o “padrinho da
AI”, avisado que, em breve, um
chatbot precisará de lamber um
simples chupa-chupa para decidir
os milhões de prós e contras de
dissolver uma Assembleia da Re-
pública e pensar numa playlist
com triliões de letras de diferen-
tes artistas - não apenas o Pedro
Abrunhosa - para citar. Os receios
de Geoffrey Hinton são partilha-
dos por José Magalhães, “o pai da
internet”. V.E.
Equipa oInimigoPúblico
“Se não aconteceu… podia
ter acontecido!” O Inimigo Público
é um suplemento satírico,
sendo todo o seu conteúdo ficcional.
Diretor Luís Pedro Nunes
Redação Alexandre Parreira,
Luís Pedro Nunes, Mário Botequilha,
Vítor Elias Cartoon Nuno Saraiva
Projeto gráfico @oinimigo_pronto
Editor online João Martins
Fotografia Getty Images e arquivo pessoal
O INIMIGO PÚBLICO é um projeto
conjunto Expresso/Produções Fictícias/
Farol de Ideias através de O Estado do Sítio
36 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 12 de maio de 2023

Editorial&Opinião
Editorial A investigação do Expresso Rainha Camila ou o triunfo da mulher mais feia
sobre a casa construída pelo líder do PSD levou
a uma reação inusitada de Luís Montenegro
Diana, a princesa perfeita por pre elegante. Imprensa e públi- legítima podia muito bem passar
quem todos, salvo o marido, se co sempre concordaram com a ser um mero dano colateral
apaixonaram à primeira vista. ele: nunca fez muito sentido que desse grande amor.

A casa de Foi denunciada em prime time

por invasão constante de um
casamento alheio e teve de ou-
a dona de uma cara de cavalo
fosse um risco para o futuro da
monarquia inglesa.
Também é possível que Ca-
mila tenha escapado ao destino
das amantes trágicas porque,

Montenegro
vir vezes sem conta gravações
constrangedoras das suas con-
Eugénia Galvão Teles versas íntimas com Carlos. No
egteles@gmail.com
auge do drama, uma seguidora
Tivesse Camila a beleza frá- exatamente, nunca deveu mui-
gil de Diana e fosse Diana mais to à beleza. O longo martírio
máscula e ossuda, e o público da amante à espera do dia em
tinha pena, mas até compreen- que vai sair da clandestinidade

N
mais fervorosa de santa Diana dia. A história onde uma bruxa é um clássico. Enquanto espera
o último episódio do chegou a atirar-lhe com uma má acabou com o conto de fadas e desespera, cai muitas vezes
reality show “The Real chuva de carcaças no meio de roubando o príncipe à princesa no caminho da autodestruição.
Royals of Windsor”, não um supermercado. A irritação Camila, a desengraçada, parece
Na última edição do Expresso, publicámos uma assistimos só à entrada amainou, mas há sempre al- ter levado a sua vida avante o
investigação dando conta de um conjunto de dúvidas e definitiva nos quadros da em- guém a lembrar que Camila tem Camila, a desengraçada, melhor que podia, mesmo quan-
situações pouco claras em torno da moradia de seis pisos presa de um septuagenário até um currículo de destruidora de parece ter levado a sua vida do era universalmente odiada.
que o líder do PSD, Luís Montenegro, construiu na sua agora a recibos verdes. Quando lares e foi quem usurpou o lugar avante o melhor que podia, E Diana pode ter acabado, no
terra natal, Espinho. O trabalho jornalístico levou meses a Camila Parker-Bowles foi ungi- da “princesa do povo”. mesmo quando era palco e na vida, com o papel da
preparar, incluiu entrevistas, questões colocadas a várias da rainha, tivemos também di- Uma “outra” atípica — ainda universalmente odiada vítima porque, com aquela cara
entidades — e ao próprio líder do PSD por várias vezes — e reito à coroação de uma cabeça hoje, parece ter havido, algures, linda de menina perdida, só po-
a consulta de numerosa documentação ligada ao processo, que já esteve a prémio no reino um erro de casting na escolha dia perder-se pelo caminho.
entre outros passos. da Inglaterra. Cinquenta anos das atrizes principais. Fisica- era bem capaz de ser contada No mesmo dia em que milhões
Depois do trabalho publicado, a reação da liderança do depois da sua entrada em cena mente, Camila é a mulher que como um dos grandes romances de pessoas tiraram um sábado
PSD foi exatamente a que não devia ter sido. Atacando e contra todas as previsões, a se abandona, não aquela com de amor do século XX. Cami- para ver dois cidadãos com car-
este jornal e continuando a deixar sem resposta muitas eterna amante do atual rei Car- quem se foge. É difícil imaginar la seria a plebeia encantadora tão sénior entrarem em West-
das questões que colocámos. Montenegro acusou o los III conseguiu ser rainha no um homem normalmente cons- impedida de casar pelo sistema minster e saírem de lá com um
Expresso de ter uma agenda “política”, classificando ainda lugar da rainha. tituído a arriscar não ser rei por que lhe viu nobreza a menos e toucado esquisito, uma senho-
a notícia como “insidiosa, infundamentada e carregada Para quem tenha acabado de causa dela quando tem em casa a rodagem a mais para dar uma ra de 75 anos ajeitou o cabelo
de erros jurídicos e factuais, embrulhados em apreciações aterrar de outro planeta sem formosura feita gente. O próprio boa rainha. E era muito possí- branco debaixo da coroa e sorriu
insultuosas e intencionalmente maldosas, passíveis de tempo para se pôr a par das pai do atual rei declarou o seu vel que, em vez de ser a parte para si própria. Pareceu-me ver
responsabilização civil e criminal”. peripécias do casal real, a nova espanto perante a insistência do cúmplice num adultério, fosse a o sorriso trocista de alguém que
O Expresso, como qualquer órgão de informação rainha é “a outra mulher”. E não filho em preferir uma criatura verdadeira “princesa do povo”, a nunca se importou lá muito com
credível e independente, está sempre disponível para é uma outra qualquer: foi a cria- desengonçada e mal-amanhada lutar contra tudo e todos. Já uma ter o papel da má e da feia no
analisar eventuais “erros jurídicos e factuais” que tura que deu cabo dos sonhos de a uma nora encantadora e sem- Diana feiosa no papel de mulher meio daquela história toda.
possa cometer. O que não aceita é discutir com Luís
Montenegro, ou seja quem for, acusações de carácter
ou intenções “insidiosas”, porque a sua missão é
simplesmente questionar os poderes públicos. Nada nos
move contra Montenegro. O Expresso, na senda do que
Ninguém ganhou
é o seu trabalho há 50 anos, apenas procura, de forma
independente, séria e isenta, levar a melhor informação da das taxas de juro (problemas que desejasse ficar associado. — o Presidente sucumbiu ao im-
aos seus leitores. E este é um caso de indiscutível importados) começaram a cor- Pareceu-lhe que a sua aliança pulso de lançar um comunicado
interesse público, tratando-se do líder do maior partido roer a base eleitoral do Governo. tácita com Costa podia arrastá-lo que teve por único efeito acen-
da oposição e candidato a primeiro-ministro. A inflação afeta toda a gente, para as profundezas da impopu- tuar a sua impotência.
Como muitas vezes se diz, elogio em causa própria é exceto os muito ricos. As taxas laridade. O pacote da habitação Costa não teme eleições por-
vitupério, e por isso citamos aqui um artigo publicado na de juro deram um salto que se- suscitou as primeiras objeções que não teme perdê-las. Foi isso
concorrência, no “Público”, da autoria de João Miguel meou o pânico nos orçamentos do Presidente e inaugurou o cau- que escapou ao Presidente.
Tavares, precisamente a propósito da investigação do Sérgio Sousa Pinto familiares das classes médias, dal de alusões aos seus “pode- Mesmo que 70% dos portugue-
Expresso: “Não tem mal algum um político ter uma casa política@expresso.impresa.pt
por cá muito endividadas. Só nos res constitucionais” e aos avisos ses não aprovem a permanência
nova com 800 metros quadrados, seis pisos, elevador, finais do ano o efeito conjugado implícitos de que a legislatura de Galamba no Governo, mais

N
oito casas de banho e quatro lugares de garagem, a 100 destes dois fenómenos se abateu poderia não chegar ao fim. ainda não querem eleições ago-
metros do mar. Bom para ele. Aproveite-a bem. O que ada de positivo resultou sobre as carteiras. A recorrente ra. A maioria não está desejosa
tem mal é isto: da crise política que opôs impressão de empobrecimento de ir votar em ninguém.
1) um jornalista perguntar-lhe quanto é que a casa custou o primeiro-ministro ao geral regressou para assombrar Costa não teme eleições A ideia ventilada de destabili-
e ele recusar-se a dizer; Presidente, na semana a classe média, com virulência. porque não teme perdê-las. zar o Governo a partir de Belém
2) um jornalista pedir-lhe detalhes acerca do pagamento passada. O ambiente de con- As trapalhadas da exclusiva Foi isso que escapou também não é boa. Ninguém vê
das obras e ele limitar-se a responder que foram ‘pagas fiança institucional e pessoal responsabilidade do Gover- ao Presidente vantagem nisso e nisso não se vis-
por fundos próprios da família’; degradou-se, quando ainda há no dominaram os noticiários, lumbra qualquer propósito útil.
3) um jornalista estar a escrutinar um candidato a pouco PM e PR se comportavam numa sucessão de casos vividos Costa também sai pior do
primeiro-ministro e ele responder que não compreende como aliados, que mutuamente com latina indignação, tanto Cansado das rebarbativas pre- que estava: amarrou-se de pés
‘o interesse jornalístico em publicar o que quer que seja’, se amparavam, desqualificando os graves como os insignifican- sidenciais, Costa decidiu que era e mãos a um ministro muito
invocando ‘a preservação da reserva pessoal e privada’.” em coro a oposição (o Presiden- tes. A interminável novela da hora de lembrar ao país quem fragilizado e de destino incerto.
te umas oitavas abaixo) sempre TAP, desdobrada em episódios mandava, enxovalhando o Pre- Perdeu definitivamente a cum-
que esta inadvertidamente abria semanais, agravou o mal-estar sidente, cujas opiniões, afinal, plicidade do Presidente. Arris-
a boca, e colaborando na peda- geral. As sondagens refletiram pouco mais contam que as de um ca-se a que o tempo dê razão
gogia das medidas duras que a uma queda do PS, mas pouco qualquer comentador televisivo. ao Presidente. E não susterá os
conjuntura reclamava e o Go- serviram à oposição. Desconsiderado em pleno exer- dardos que lhe continuarão a ser
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A. verno adotava. O Presidente descreu gradual- cício dos seus celebrados pode- arremessados de Belém.
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
O ano de 2022 mudou tudo. A mente da possibilidade de este res — no caso, o poder da palavra Portanto, ninguém ganhou.
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, Paulo de Saldanha, inflação persistente e a escala- Governo produzir um legado a e da magistratura de influência Nós, certamente, também não.
Paulo Miguel Reis, Nuno Conde e Bruno Mateus Padinha
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros,
100% propriedade da Impresa – SGPS, SA, NIPC 502437464
Registo da publicação na ERC: 101.101 ISSN-0870-1970

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Lopes (diretor coordenador) João Paulo Batlle y Font isso, com maiores necessidades Em 2022 estavam regista- blemas com que os enfermeiros
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O
Rodrigues (produtores) O problema é crónico. Tal como ros 81.799 enfermeiros. Mas Temos colegas há 20 e 30 anos
Circulação e Assinaturas s enfermeiros portugue- o desinvestimento acumulado em fevereiro deste ano só na profissão e que hoje ganham
Miguel Pacheco (diretor)
Pedro M. Fernandes (diretor ses estão exaustos. Não ao longo de anos, que não tem trabalhavam no SNS cerca de exatamente o mesmo que os en-
de circulação e produtos
Expresso) João Braz
há outra forma de o di- permitido o reforço dos recur- 50.840 colegas. Por que moti- fermeiros em início de carreira.
(responsável pela circulação)
e Rita Silva (responsável pelo
zer. Os últimos três anos sos humanos face às crescentes vo não contrata o Estado mais Mas não são estes últimos que
serviço de apoio ao cliente) foram extremamente exigen- carências da população. enfermeiros quando Portugal, recebem muito. Os enfermeiros
Serviço de Apoio ao Assinante:
Tel. 214 698 801 (dias úteis, tes. Mais do que o habitual para Já não falamos de uma ameaça de forma sistemática, continua com mais anos de serviço e dife-
das 9h às 19h); e-mail: quem, no dia a dia, já cumpria iminente. Esta está a acontecer. a figurar entre os que índices renciação é que são mal pagos,
apoio.cliente.ip@impresa.pt
horários de trabalho para lá do Só no ano passado deixaram o mais baixos possui na OCDE? pois, por força das diversas alte-
Atendimento Ponto de Venda
pontodevenda.ip@impresa.pt admissível. SNS quase 1800 enfermeiros. A Por que razão continua o Es- rações na carreira ao longo dos
Impressão
Ao longo da última década te- Constituição da República define tado a gastar milhões de euros anos, temos hoje enfermeiros
Lisgráfica Impressão mos denunciado o crescente au- o acesso à Saúde como univer- na contratação de horas extra- em escalões intermédios e que,
e Artes Gráficas, S.A.
Estrada de São Marcos, 27 mento do volume de trabalho, sal e tendencialmente gratuito. ordinárias, contribuindo para por isso, não vão ter o mesmo
2735-521 Agualva-Cacém
sem a contratação de recursos Mas, verdadeiramente, não o um aumento do desgaste a que aumento salarial aquando da
Distribuição
VASP-MLP,
humanos em igual escala. No é. Desde logo porque difere de estão sujeitos os enfermeiros progressão na carreira.
Media Logistics Park SNS continuam a faltar enfer- região para região, como se o já integrados no SNS? A quem É hora de valorizar os en-
Quinta do Grajal, Venda Seca
2735-511 Agualva Cacém meiros. E faltam médicos, téc- código postal fosse determinante interessa manter o atual estado fermeiros portugueses, reco-
Tel. 214 337 000 nicos superiores de diagnóstico, no acesso aos cuidados de Saúde. da situação? nhecer com atos concretos o
Pontos de venda:
contactcenter@vasp.pt assistentes técnicos e operaci- Quem vive fora dos grandes Demos no ano passado um empenho e dedicação que tan-
Tel. 808 206 545
onais. E nada de significativo centros urbanos não tem acesso passo importante ao assinar com tas vezes têm embelezado dis-
A Impresa Publishing não é
responsável pelo conteúdo tem sido feito para inverter esta aos mesmos cuidados de Saú- o Ministério da Saúde o acordo cursos públicos. Não pagamos
dos anúncios nem pela
exatidão das características e tendência. de que quem reside na região que verteu no Despacho n.º 80- contas de supermercado com
propriedades dos produtos e/ou
bens anunciados. A respetiva
O problema está há muito de Lisboa, Porto e Coimbra. E, B/2022. É imperativo, porém, palmas ou louvores. Nem nós,
veracidade e conformidade
com a realidade são da integral
identificado. Temos uma popu- mesmo nestas áreas metropoli- voltar à mesa das negociações e nem ninguém. Da Saúde ou de
e exclusiva responsabilidade lação envelhecida, com mais co- tanas, são conhecidas as dificul- trabalhar em novas soluções que qualquer outro sector. Custa
dos anunciantes e agências
ou empresas publicitárias. morbilidades associadas e, por dades existentes. permitam resolver outros pro- assim tanto perceber isto?
Expresso, 12 de maio de 2023
Alexandra Leitão
alexandrarfleitao@yahoo.com
IA e Admi-
nistração
Pública
A
transição digital da Adminis-
tração Pública é um processo
contínuo que teve já impactos
muito positivos na forma como
os serviços públicos funcionam e inte-
ragem entre si e com os cidadãos e as
empresas. As relações entre estes e a
Administração Pública tornaram-se
mais centradas no utente e na qualida-
de da prestação dos serviços e foram
criados novos canais de relacionamento
com os cidadãos, como as plataformas
digitais, os formulários eletrónicos, os
chatbots, que tornam a interação mais
dinâmica e mais confortável. Além de
facultar mecanismos fáceis e céleres de
acesso dos interessados à informação e
de participação nas decisões adminis-
trativas.
A tecnologia transforma o paradigma
da Administração Pública, permitindo
antecipar, de um modo mais proativo,
as necessidades dos cidadãos, seja no
plano individual, seja no plano coletivo,
e facilitando a adoção de procedimen-
tos e decisões mais céleres e eficientes.
A inteligência artificial corresponde
a um nível superior da Administração
eletrónica, porque associa à recolha e
ao tratamento de informação o poder
computacional para a construção de
modelos abstratos com capacidade pre-
ditora de evoluções futuras (desde que
não se verifiquem situações de rutura).
A utilização da inteligência artificial
permite, assim, avançar
definitivamente no sentido da boa
governação e da boa administração
Além disso, a algoritmização torna os
processos mais ágeis e reduz o nível de
erro. A utilização da inteligência artifi-
cial permite, assim, avançar definitiva-
mente no sentido da boa governação e
da boa administração.
Mas para que a sociedade possa ter
confiança no sistema, sobretudo quan-
do está em causa a atuação da Admi-
nistração Pública enquanto detentora
de poderes de autoridade, é preciso
que esta matéria seja regulamentada
de forma clara e rigorosa, para eliminar
ou reduzir a opacidade do seu funcio-
namento e garantir que a inteligência
artificial não põe em causa os direitos
dos cidadãos. O uso de algoritmos e a
automação das decisões não podem di-
minuir a transparência, a legitimidade
e o controlo democrático da atividade
administrativa. Nem a responsabilida-
de pela sua utilização. E por isso é que
em algumas áreas deve discutir-se a
existência de uma “reserva de humani-
dade” (ou seja, exigência de que os atos
sejam praticados por pessoas, porque
só estas são capazes de sentir empatia)
ou, pelo menos, de uma supervisão hu-
mana sobre as máquinas.
A aplicação da tecnologia e da inteli-
gência artificial à Administração Públi-
ca traduz uma oportunidade única, mas
acarreta também enormes desafios.
Combater a exclusão social que resulta
da falta de literacia digital e que impõe
a necessidade de se manterem outros
canais de acesso aos serviços públicos
para além do digital, nomeadamente
o telefónico e o presencial. Prevenir
os ciberataques, que põem em causa
a confiança e os direitos dos cidadãos
e a continuidade na prestação dos ser-
viços públicos. Mitigar a dependência
dos poderes públicos relativamente ao
sector privado no desenvolvimento das
novas tecnologias. Garantir o controlo
efetivo da automação por parte das
entidades que estão democraticamente
legitimadas.
Aos poderes públicos cabe ultrapassar
estes desafios e aproveitar as oportuni-
dades geradas pela inteligência artificial.
PRIMEIRO CADERNO 37
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Não fechar
H
á dias, Fareed Zakaria, um dos
rostos da CNN, fez uma espécie
de mea culpa: recebeu o autor
de um relatório do Congresso
sobre a resposta à covid e, a meio da
conversa, afirmou que é preciso reco-
nhecer que um dos grandes erros foi o
encerramento das escolas, uma medida
irracional que funcionou apenas como
placebo contra o medo que se instalou,
um medo que transformou um pro-
blema sério e solúvel numa espécie de
apocalipse cinematográfico. O autor
A foto da LONDRES Ao cabo de três dias de festejos, a família real britânica divulgou
as fotos oficiais da coroação de Carlos III. Nesta vemo-lo com os parentes
do relatório concordou com Zakaria e
garantiu que era preciso aprendermos
semana que desempenham funções oficiais. Da esquerda para a direita: Edward,
duque de Kent, Richard, duque de Gloucester (primos direitos de Isabel II),
com os erros. A questão é que poucos
estão interessados em rever e aprender,
este com a mulher, Brigite, a princesa Ana (irmã do rei) e o marido, Timothy, visto que o tema foi hiperpolitizado quer
Carlos III e a rainha Camilla, os príncipes de Gales, William e Catherine, e os pela esquerda quer pela direita. Os dois
Por Pedro Cordeiro duques de Edimburgo, Edward (irmão do rei) e Sophie, ladeando a princesa lados encontraram as suas narrativas e
pcordeiro@expresso.impresa.pt Alexandra, outra prima direita da falecida rainha. FOTO PALÁCIO DE BUCKINGHAM por isso não querem ser incomodados
com factos. Estamos capturados por
dois extremos, ambos negacionistas.
Se muitos à direita negam o vírus e as
vacinas, muitos à esquerda negam que
O FMI atualizou a previsão de crescimento para 2,6% este ano. a máscara pode ser um problema se for
a regra (e não a exceção) e negam ainda
A confirmar-se, será uma performance notável da nossa economia ver o desastre que foi o encerramento
E, no entanto,
de escolas e a mortalidade não covid, os
mortos invisíveis.
Olhe-se só para Portugal. No ano pas-
ela abre-se e cresce
sado tivemos um excesso de mortali-
dade horrível provocado por todos as
outras doenças esquecidas durante o
#ficaremcasa. E 2023 não está famoso:
a mortalidade tem estado sempre nos
quartis mais altos e tem conhecido picos
O
meu artigo da semana passa- dade tal que até os serviços secretos
da gerou várias reações. Por são chamados — são uma verdadeira Se os nossos velhos estão a
um lado, muitos dos oposi- caricatura do nosso país e provam-no morrer como nunca, debaixo
tores do atual Governo gos- à saciedade. Ainda assim, a base da do silêncio de políticos e media,
taram que eu não lhe desse grande economia são as pessoas. E mesmo que se comprometeram
crédito pela atual performance da que tudo estivesse bem nesses do- acriticamente com o
nossa economia; por outro, chama- mínios, a base continuaria a ser uma #ficaremcasa, as nossas crianças
ram a atenção para a importância população pouco qualificada. nunca estiveram tão doentes
das políticas para o crescimento a Luís Aguiar-Conraria Se tiver razão na importância que
longo prazo. Eu concordo, claro, e Professor de Economia da Univ. do Minho dou à educação, há motivos para
lfaguiar@eeg.uminho.pt
já falarei nisso, mas também neste ser razoavelmente otimista para o bem acima disso; e agora vamos entrar
domínio não me parece haja muito que resta da década. Em primeiro, numa época de alta mortalidade, o ve-
a assacar aos Governos. porque se tem operado uma verdadeira mudança es- rão e, antes disso, os feriados e pontes
É um facto que neste século Portugal estagnou. Mas, trutural na nossa economia. Está cada vez mais aberta; de maio e junho. Aliás, isso já aconteceu
como mostrou Fernando Alexandre num artigo no as exportações cresceram muito, representando agora há dias, na semana entre o 25 de abril e
Observador, é um erro pensar em duas décadas homo- mais de metade do PIB, quando, no início do século, eram o 1 de maio. A mortalidade destes dias
géneas. Até 2012, foram anos de divergência: o PIB per menos de 30%. Como é impossível sermos competitivos disparou imediatamente e foi a mais
capita caiu de 84% para 76% da média da União Europeia internacionalmente com empresas ineficientes, especial- alta dos últimos 10 anos; foi muito mais
a 27. A partir de então, e a passo de caracol, recomeçámos mente com uma moeda forte como o euro, alguma coisa alta do que nos anos do alegado fim do
a convergir; em 2023, o nosso rendimento andará na casa tem de estar a mudar. Em segundo, e indo à questão da mundo — 2020 e 2021. Porque é que
dos 79% na média europeia. nossa formação, porque a nossa população jovem tem isto acontece? A minha hipótese é esta:
Claro que podemos perguntar se não é culpa do Go- qualificações que já estão acima da média da União as pessoas estão mais doentes devido à
verno, ou dos Governos, que andemos tão devagar e que Europeia. Por cada ano que passa, há milhares de jovens suspensão da medicina decretada pelo
tantos países nos ultrapassem nesta esta- que saem das universidades e entram no #ficaremcasa, chegam aos hospitais
tística. Tenho dificuldade em culpá-los. A mercado de trabalho e há milhares de num estado mais avançado da doença
razão, como já expliquei algumas vezes, é Se tiver razão na pessoas pouco qualificadas que passam à e, ainda por cima, encontram hospitais
simples: a nossa população ativa é muito importância que reforma e abandonam a população ativa, com poucos médicos durante estes dias,
menos qualificada do que as restantes. É ou seja, a cada ano que passa, as qualifi- porque o centralismo do SNS não con-
muito esquisito pensar que, tendo quali- dou à educação, cações médias da nossa população ativa segue sequer fazer uma escala de férias.
ficações muito inferiores às dos restantes há motivos para aumentam significativamente. Se os nossos velhos estão a morrer
países do mesmo espaço económico, pu- ser razoavelmente Bem sei que temos dificuldade em cá como nunca, debaixo do silêncio de po-
déssemos ter rendimentos superiores. otimista reter os jovens qualificados, com muitos líticos e media, que se comprometeram
Fala-se muito no caso da Roménia, cujo a emigrar. Fica a ideia de que não temos acriticamente com o #ficaremcasa, as
PIB per capita está a ultrapassar o nosso. para o que economia para os reter. Mas, em algum nossas crianças nunca estiveram tão
A verdade é que mais de 80% da sua po- resta da década momento, o aumento das qualificações doentes. As baixas que permitem aos
pulação ativa tem pelo menos o ensino terá de fazer efeito. As previsões do FMI pais cuidar de filhos doentes estão a ba-
secundário; a nossa queda-se pelos 60%. para Portugal apresentadas na terça- ter todos os recordes, porque as crian-
Na Polónia, que também nos ultrapassará um dia destes, -feira, talvez — e é mesmo um tímido talvez, porque é ças nunca estiveram tão doentes como
mais de 90% da população ativa terminou o secundário. irrazoável fazer inferências de longo prazo a partir de neste ano 22/23, o primeiro ano normal
Estou convencido de que a enorme maioria das pessoas dados conjunturais —, sejam disso sintoma. O Governo depois de três anos marcados por con-
não tem a consciência de quão fundo é o fosso educacio- já tinha sido otimista ao prever um crescimento de 1,8% finamentos. Chama-se dívida imunoló-
nal que nos separa da Europa. Também por isso não têm para 2023. Agora, o FMI atualizou a sua previsão para gica: as crianças não foram atualizando
consciência do crime que é não fazermos uma verdadeira 2,6%. A confirmar-se qualquer número próximo disto, o seu sistema imunitário devido ao #fi-
aposta na recuperação das aprendizagens perdidas com especialmente num ano tão difícil, será uma performance caremcasa e agora apanham com tudo
as escolas fechadas nos últimos anos. Iremos pagar esse notável da nossa economia. Regressaremos ao cresci- de uma vez e com cargas mais graves.
desleixo, mas não nesta década, porque, lá está, as polí- mento que tínhamos antes da pandemia. Eu não quero já ligar o #ficaremcasa
ticas demoram muito tempo a ter verdadeiros impactos. Ricardo Reis, no seu artigo da semana passada, mos- ao aumento da taxa de natalidade in-
Não quero atirar a toalha. Há muito que se pode fazer trou-se desgostoso com a falta de ambição que o Governo fantil (subiu de 2,4 para 2,6 em 2022),
para melhorar: um sistema fiscal mais simples (nem revela no Programa de Estabilidade 2023-2027. De facto, mas estou desconfiado. Eu gostava de
sequer falo no nível dos impostos, dado que as limitações as taxas de crescimento de 2% lá inscritas são medíocres. ver, por exemplo, o impacto dos vírus
decorrentes de uma dívida pública tão alta perdurarão); Mas não passam de números numa página de papel. A respiratórios realmente perigosos para
supervisão e regulação mais independentes; processos realidade é independente do que ali está escrito. Com um crianças. O VRS teve picos extremos
institucionais mais transparentes. Podia enumerar inú- Governo comprometido com a descida da dívida pública devido precisamente à máscara e ao
meros de exemplos de falhas nos pontos que referi. Mas os e com o expectável aumento do investimento estrangeiro fecho das creches. E gostava de ver os
acontecimentos dos últimos meses com tudo o que rodeia a e do investimento público, com uma população cada vez números dos problemas cardíacos e dos
TAP — decisões descuidadas de investimentos de milhares mais qualificada, Portugal só terá por onde crescer. Ape- suicídios nesta geração que foi fechada
de milhões de euros, falhas de supervisão, uma falta de lar, como Ricardo Reis faz, a um ímpeto reformista deste em casa sem qualquer fundamentação,
lisura procedimental tão louca que nem com comissões Governo é pedir problemas. É melhor deixá-los quietos repito. Da próxima vez, podemos usar a
parlamentares de inquérito as percebemos e uma opaci- e sem ambição. cabeça em vez da emoção fácil?
38 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 12 de maio de 2023

Opinião

Presidente da Câmara O regresso da barbárie

Municipal de Valongo
Afinar o
N
o início deste ano, a Pac- tirar os tiranos burocráticos, Para as famílias aceitarem o regresso ao passado
kers Sanitation Services, super-reguladores e microge- têm de viver num limiar abaixo dos mínimos de
um dos maiores forne- renciadores das vossas costas, sobrevivência. A fome é um regulador de mercado.

semipresi- cedores de serviços de

saneamento de alimentos dos
EUA, pagou 1,5 milhões de dó-
carteiras e vidas.” Só que esta
libertação do jugo estatal cai
sempre nas costas de alguém.
Como a direita defende por cá, é preciso cortar os
apoios sociais para os pobres. Cá, para obrigar de-
sempregados a aceitarem trabalhar pelo mínimo.

dencialismo lares em multas por empregar

ilegalmente 102 menores, a lim- Daniel Oliveira
parem frigoríficos em turnos danieloliveira.lx@gmail.com
Neste caso, nas costas de cri-
anças negras e hispânicas dos
estados do Sul. E dos filhos
Nos EUA, que vão sempre à frente, para obrigar a
prole dos mais pobres a produzir. Um em cada oito
norte-americanos recebe apoio alimentar do Estado.
noturnos e a usarem produtos de imigrantes, que são o novo Como há menos de 6 milhões de desempregados e
químicos para limpar “serras afi- “exército industrial de reser- 42 milhões só conseguem uma alimentação condig-
adas”. A Packers trabalha para alguns dos principais va”, para me socorrer de uma velha expressão na com estes cupões, a maioria são trabalhadores
José Manuel Ribeiro produtores de carne e aves do país. Três das crianças marxista. A campanha pelo trabalho infantil, pro- para quem o salário não chega nem para comer.

E
ra uma vez um Presidente que
gostava de ser primeiro-ministro.
Em boa verdade, nunca tinha ten-
tado sê-lo, embora, em tempos,
o pudesse ter feito. Achou na altura
que não conseguiria: não quis tentar.
Retirou-se para o comentário político.
Anos depois, quando assumiu as fun-
ções presidenciais, começou por fazer
tudo by the book. Respeitou a maioria
sociológica que desejava a mudança;
enterrou o estilo já de si tumular do
antecessor. No contacto com os cida-
dãos dominou a dimensão emocional
da política, a importância de escutar
desabafos e de os retribuir, não só com
explicações e pedagogia, mas com afe-
tos. Na hora dramática da pandemia, o
Presidente foi um exemplar intérprete
da cooperação institucional.
O seu ímpeto de analista, porém, nun-
ca se desvaneceu. Mas foi a maioria
absoluta que o tornou incandescente.
Um Governo com condições materiais
para se afirmar, mas com dificuldades
em fazê-lo, despertaram nele a tentação
de o orientar, de condicionar o primeiro-
-ministro.
Intensificou o poder sugestivo da pa-
lavra pública, usando-a com cada vez
menos comedimento. Perguntavam-lhe
se estava tudo bem (ou mal) e ele fazia
cenários aos microfones. Sempre que lhe
perguntavam — e perguntavam-lhe sem-
pre — fazia cenários. No tempo recente, o
cenário era o da dissolução. O Presidente
resgatava à história a monarquia cons-
titucional que antecedeu a República:
o rei não governava, mas derrubava e
nomeava Governos quando entendia.
O jogo do Presidente
transformou a dinâmica
FOTO D.R.
sofreram acidentes laborais, uma com queimaduras movida por republicanos, seus financiadores e Uma almofada que mantém os seus filhos impro-
com produtos químicos. No Alabama, uma fábrica de grupos ligados à indústria, não vem do nada. Como dutivos, o que é um desperdício. Os representantes
peças para automóveis ligada à Hyundai foi obrigada cá, o fim da pandemia aqueceu a economia e dimi- republicanos no Iowa aprovaram uma lei limitando
a deixar de empregar jovens de 13 ou 14 anos. Há nuiu o desemprego. Para manter os salários baixos o valor e o alcance do programa. Deixará de incluir
miúdos de 14 anos a trabalhar na construção civil e é preciso manter a imigração ilegal (sem direitos) produtos como manteiga, carne ou outras proteínas
adolescentes com 15 a fazer turnos de 14 horas ou e empregar crianças. necessárias. Não é para poupar. Espera-se que gaste
horários de 12 horas diárias. O número de crianças 17 milhões de dólares nos primeiros três anos, muito
empregadas nos EUA, em violação da lei, aumentou mais do que os 2,2 milhões anuais para administrar
37% só no último ano e 69% desde 2018. A violação da legislação contra o “Suplemento Nutricional”, um programa pago pelo
Em resposta, a governadora do Arkansas, ex-secre- o trabalho infantil aumentou 37% Governo Federal que deixa para os estados apenas
tária de Imprensa de Trump, eliminou a exigência de metade das despesas administrativas. Gastam para
uma autorização especial de trabalho para empregar só no último ano e 69% desde 2018 empobrecer os pobres. Lá, como cá, faz-se o discurso
menores de 16 anos. Em dois anos, dez estados in- nos EUA. Para lidar com a falta da fraude. Mas a percentagem que não chega aos
troduziram ou aprovaram legislação para aumen- de mão de obra pós-pandemia, destinatários ou é alvo de fraude está nos 1,5%, uma
tar o horário de trabalho das crianças, levantando dez estados estão a suavizar a lei. das taxas mais baixas envolvendo dinheiros públicos.
restrições a ocupações perigosas, permitindo que Cortes similares estão a ser aplicados no Kentucky,
trabalhem em locais que servem bebidas alcoólicas Quando desaparece o medo da Kansas e Wisconsin.
e reduzindo o salário mínimo para menores. No revolta, não há imperativo moral Acredita-se que combatemos a miséria com o cres-
Iowa, uma lei recente permite ter jovens de 14 anos que ponha travão à exploração. cimento económico e o desenvolvimento tecnológico.
a trabalhar em câmaras frigoríficas, matadouros ou Ajuda muito, é óbvio. Mas, ao mesmo tempo que
lavandarias industriais.
Tirámos os limites aos mais fortes. tememos pelos empregos que a inteligência artifi-
O discurso para rasgar legislação de proteção Esperemos a barbárie cial roubará, o trabalho infantil regressa a uma das
infantil de 1938 vem da cartilha trumpista: “Vamos economias mais prósperas do mundo, porque uma
criança ainda é mais barata do que uma máquina
para trabalho muito desqualificado. Em 1930, Keynes
previu que, graças à tecnologia e à produtividade,
trabalharíamos 15 horas por semana daí a 100 anos.
Entre 1929 e 2000, o PIB per capita no Ocidente mul-
tiplicou-se entre quatro a seis vezes, mas o número de
horas de trabalho semanal caiu apenas de 47 para 42
para os homens e para 39 para as mulheres.
Não chega produzir para distribuir. Só se distri-
buem recursos quando se distribui poder. Sindicatos,
revoltas, greves, medo de revoluções que tirem tudo
a quem não quiser pagar o salário justo ou pagar
impostos para garantir saúde, escola, férias pagas,
subsídio de desemprego, apoios sociais... Quando
o medo desaparece, não há imperativo moral que
ponha travão à exploração. Não há capitalismo ge-
neroso, há capitalismo temeroso. Dando a ilusão
de vivermos no futuro, a tecnologia é usada para
regressar ao passado, impondo o trabalho à jorna
e quase escravo nas plataformas digitais. Porque o
fim da crueldade humana não nasce da consciência
moral ou do desenvolvimento das máquinas, como

a guerra em todos os tempos nos ensina. Nasce dos

política numa permanente limites ao poder do mais forte. Tirámos os limites ao
ação tática por capitalismo. Esperemos a barbárie.
parte dos atores

Ex-secretário-geral do PCP
O jogo do Presidente transformou a di-

O Chega é um “seguro de vida” para o PS

nâmica política do país numa permanen-
te ação tática por parte de todos os atores,
a começar pelo Governo. Mas a ação do
Presidente não condicionava somente
a iniciativa do Executivo: condicionava
igualmente a ação das alternativas, geran-
do um impasse permanente nos partidos, quer em relação à política do seu Go- “DDT”. Aliás a falsa postura do Chega e que a prioridade das prioridades é o
nas gentes, no país. Não punha em causa
Carlos Carvalhas verno quer ao modo como muitos dos em defesa dos trabalhadores, que se aumento geral dos salários e pensões

O
o funcionamento das instituições, nem
se afastava da letra da lei. Mas corroía o
equilíbrio do sistema constitucional quan-
do divagava sobre as possibilidades de
intervenção que este lhe abria.
Através do poder de dissolução ten-
tava influenciar a ação e a composição
do Governo, o que fazia cada vez menos
sentido num período novo da vida do
sistema em que a centralidade do Parla-
mento se afirmava cada vez mais.
O primeiro-ministro foi lidando com
esta dinâmica. Fazendo compromissos
em conversas a dois. Por vezes cedendo
quando o Presidente se pronunciava em
público sobre coisas que corriam mal.
O pior era quando, antes de falarem,
notícias diziam o que ele queria que o
Governo fizesse.
Até ao dia. O dia em que o primeiro-
-ministro disse, à hora do telejornal,
que o Presidente não condicionava
o Governo. Cada um exercia as suas
competências — e assumia as suas res-
ponsabilidades. O Presidente lamentou
publicamente — e disse que iria vigiar
(ou seja: tentar condicionar) ainda mais.
Depois anunciou semanas de silêncio.
Este silêncio, a manter-se, será bom
para refletir. O equilíbrio semipresi-
dencialista do sistema funcionou quatro
décadas. Mas, antes de completar meio
século, dá sinais de se ter tornado obso-
leto e prejudicial ao salto de desenvolvi-
mento que o país real anseia.
combate verbal ao Chega por
parte do PS tem sido utilizado
por este para se posicionar à
esquerda, compor a sua ima-
gem e procurar fazer esquecer as
suas trapalhadas, a não resposta aos
grandes problemas da população e
a insensibilidade que o seu Governo
tem demonstrado na defesa do inte-
resse público. Nesses momentos de
combate verbal, o PS rejubila, sobe
de tom e procura dar o maior ênfase
ao confronto, na avaliação que faz de
que isso lhe rende juros na opinião
pública, ao mesmo tempo que cria
dificuldades ao PSD. Objetivamente,
dá assim centralidade ao Chega, am-
plifica a sua visibilidade e permite até
a sua vitimização.
Muitos se lembrarão de quando An-
tónio Costa decidiu, na Assembleia
da República, introduzir uma forte
crispação no debate, dirigindo-se ao
líder do Chega e repetindo num tom
de confronto direto: “Você comigo não
passa, tudo nos separa.”
Estava encontrado o mote para o PS
fazer o seu número de esquerda nos
debates e confrontos com o Chega
como, aliás, se tem visto desde aí.
Mas se o PS combate frontalmente
o Chega no plano verbal procurando
o maior ruído mediático, pelas razões
que já avançámos, no plano prático
seus membros encaram o serviço pú-
blico e a maioria absoluta como impu-
nidade absoluta, o PS é um dos gran-
des responsáveis pelo crescimento da
influência social e eleitoral do Chega.
A prática do PS permitiu, por exem-
plo, ao líder do Chega dizer a António
Costa no debate citado: “No seu Go-
verno, oito governantes estão a braços
com a Justiça.”
Numa altura em que, para uma boa
parte da população, se agravam se-
riamente as dificuldades, a maneira
como membros do Governo PS enca-
raram a indemnização milionária de
Alexandra Reis como se fossem “uns
trocos “ foi para muitos a revelação ca-
bal da insensibilidade deste Governo e
mais uma machadada na credibilidade
das instituições e da democracia.
Casos como este, e as trapalhadas
que o Governo PS tem multiplicado,
são um presente para o Chega, são o
terreno fértil para os demagogos e po-
pulistas. No caso do Chega, que repre-
senta o pior que o sistema tem, este
quadro de degradação do Governo até
lhe permite um certo laivo de combate
aos grandes senhores do dinheiro,
como o atesta o seu cartaz profusa-
mente implantado. Neste, entre os
que devem ser varridos, encontra-se,
ao lado de Costa e Medina, Ricardo
Espírito Santo que já não conta. Nun-
ca o Chega o faria quando este era o
sabe ser financiado por grandes em-
presas e inclusive por negociantes de
armamento, ficou claro quando este
se remeteu ao total silêncio aquando
da greve dos enfermeiros no sector
privado, quando tinha tomado posi-
ção sonora na greve dos enfermeiros
no Serviço Nacional de Saúde...
Na verdade, o Chega cresce à som-
bra da política do PS.
Como pode a população com difi-
culdades compreender e aceitar uma
política que não atualiza sequer os salá-
rios, as pensões e as prestações sociais?
Como pode aceitar que socialistas e
amigos do Governo se sentam princi-
pescamente à mesa do Orçamento?
Como pode aceitar ver os seus rendi-
mentos a diminuir mensalmente quan-
do as grandes empresas e bancos anun-
ciam lucros espantosos e dividendos
fabulosos? Se o próprio António Costa
reconhece que os salários não são a
causa da inflação atual, como pode a
população aceitar que o ministro das
Finanças e o governador do Banco
de Portugal, venham depois defender
aumentos inferiores à taxa de inflação.
Isto é defenderem cortes efetivos em
termos reais nos rendimentos.
Será que a CGTP pede a lua e que
Isabel Camarinha está fora da reali-
dade quando neste primeiro de Maio
afirma que a riqueza produzida é sufi-
ciente para garantir dignidade a todos
de modo a repor e melhorar o poder
de compra perdido e garantir o desen-
volvimento do país?
As injustiças têm um preço demo-
crático e a política do Governo PS não
dá saúde à democracia.
Nas últimas eleições, o PS captou
muitos votos de esquerda: votos dos
que não perceberam que o PS foi o
principal responsável pelo fim da dita
‘geringonça’, votos dos que não se
aperceberam da política que aí vinha,
como se viu, e desde logo, no SNS;
votos dos que se deixaram conven-
cer pela propaganda do PS, de que
era o partido que verdadeiramente
podia impedir que o Chega chegasse
ao poder.
Nada mais falso.
Com a maioria absoluta, o PS, ao
mesmo tempo que, em palavras,
combate o Chega, é com a sua políti-
ca o seu maior promotor.
Não haja dúvidas que nas próximas
eleições o PS vai repetir o número e
vai continuar a jogar com o medo e a
afirmar que ele é a barreira ao perigo
do Chega.
Não, não é.
O PS é, com a sua política do bloco
central das negociatas a que regres-
sou em força com a maioria absoluta,
um dos principais promotores do
Chega e este é um seu “seguro de
vida” eleitoral!
Expresso, 12 de maio de 2023
Henrique Monteiro
OS DIAS QUE
ME OCORREM
8 E 9 DE MAIO
Quando o exército alemão se
rendeu, em Reims, França, na
madrugada de 7 de maio, houve
uma tentativa de paz separada,
deixando a União Soviética de
fora. Os aliados opuseram-se
e, finalmente, numa escola da
cidade que era então o comando
das Forças Aliadas. Acordou-se
que a partir das 23 horas do dia
seguinte as armas calar-se-iam
(o facto de serem 11 da noite em
França, levou a que passasse da
meia-noite em Moscovo, pelo
que ali se comemora a data de
9 de maio). Desde então, em
França e na maioria dos países
ocidentais, 8 de maio é o dia
da vitória; os sinos tocam (em
1945 diz-se que nenhuma igreja
ou torre sineira francesa ficou
em silêncio). Na URSS, a vitória
aliada (e Moscovo só se juntara
ao esforço para derrubar Hitler
após ser invadida pelas tropas
alemãs) passou a ser o dia
da vitória da Grande Guerra
Patriótica). Nas reviravoltas
que conhecemos, os russos
consideram que foi o dia da
rendição da Alemanha nazi
perante as forças da União
Soviética. Qualquer dia, Reims
não existiu, e a Grã-Bretanha e
EUA eram aliados de Hitler. A
mentir não há como a escola do
Kremlin.
O MAIOR MENTIROSO
Dão-se alvíssaras a quem
conseguir o número de mentiras
que Vladimir Putin disse no
seu discurso patriótica da
guerra que os russos venceram
sozinhos, como agora acontece
na Ucrânia… meu Deus! O
homem tem uma lata e um
descaramento que ainda não
tinha visto em ninguém, mesmo
contando com Kadhafi e outros
‘patriotas’. Os sucessores
de quem dividiu a Polónia, a
Geórgia, a Roménia e quis fazer
o mesmo na Grécia, surgem
como líderes do único país que
quer a paz. Foi por isso que
invadiu selvática, bárbara e
ilegalmente a Ucrânia.
CONDIÇÕES
O grande Galamba (sigla GG)
surgiu esta semana a dizer
que tem imensas condições
para continuar no Governo. Na
verdade, lembro-me de duas:
António e Costa. Mas talvez se
possa acrescentar a ministra
da Justiça, a ministra da
presidência e mais um ministro
ou outro, além de um deputado
do PS ou outro. São imensas
condições.
SEGURO
“Quando olho para o país, fico
perplexo com o que vejo. Acho
que os portugueses merecem
melhor” — eis uma afirmação
de António José Seguro, o
ex-secretário-geral do PS, que
há uns 10 anos não falava de
política. Fê-lo com todo o acerto,
nem sequer recordando que foi
apeado do PS por alguém que
com quem tinha um acordo.
Não sei se perceberam quem
era, mas jamais referirei que
é o atual primeiro-ministro.
Sobre Seguro, há quem aposte
que ele quer ser candidato à
Presidência, o que seria má
notícia para Santos Silva e
provavelmente uma reedição
das indefinições socialistas
sobre candidatos.
PRESSA
O PS quer que a Comissão de
Inquérito à TAP acabe depressa.
E nem disfarça. Mas os
pesadelos não acabam quando
um homem quer. É lá das
profundas do cérebro que vêm
os tormentos.
FUMO
Não fumo, mas já tenho pena de
quem fuma.
O discurso do Presidente
F
oi há mais de uma sema-
na, mas por vezes con-
vém ganhar distância
temporal e emocional
dos acontecimentos para os
compreender em toda a sua ex-
tensão. Visto de hoje, o discur-
so de Marcelo não foi um ato
de retaliação, ou de chamada
de atenção, ou menos ainda de
vingança. Foram palavras de
profunda desilusão. Até à data
do discurso, confessa o pró-
prio Presidente, ele julgava que
“sobre a responsabilidade po-
lítica e administrativa dos que
mandam”; e a “confiabilidade,
a credibilidade, a autoridade”
do Estado, havia um consen-
so, ou um acordo no essencial;
ainda que com maior ou menor
distância temporal, era “possí-
vel acertar agulhas”
Aconteceu, no entanto, o
caso Galamba, ou como lhe
queiram chamar. E Marce-
lo compreendeu que estava
errado na substância da sua
convicção. Pensava que, de um
lado e do outro, cada qual com
os seus defeitos, estavam dois
homens, ou duas instituições,
que acreditavam na ideia de o
Estado ser, não só uma pessoa
de bem, como um organismo
que serve os cidadãos e no qual
eles confiam e acreditam, aca-
tando a sua autoridade. Um
corpo responsável, política e
administrativamente.
Haveria algumas pequenas
divergências. Por exemplo,
quando Cabrita, depois do
atropelamento mortal de um
trabalhador, pelo carro em
que seguia, recusou assumir
responsabilidades; ou quando
perante os fogos florestais que
mais gente mataram em Portu-
gal, a ministra (que atualmente
vigia o SIS) não sentiu qualquer
necessidade de se demitir. Nes-
tes pontos, com mais ou menos
deferimento, a razão impôs-se,
e ambos acabaram por sair do
Governo. Não tanto por pres-
são do Presidente, porque a opi-
nião pública pressionou muito
mais, mas também por pressão
de Belém. A questão colocava-
-se e há de colocar-se sempre:
a responsabilidade é algo que
apenas existe para os executo-
res de uma determinada ação
(e nesse caso a demissão de Jor-
ge Coelho, depois da queda de
uma ponte, não teria qualquer
sentido)? Ou só existe quando
é subjetivamente sentida por
alguém (o que daria razão a
Jorge Coelho, mas não obri-
garia ninguém no seu lugar, e
nas mesmas circunstâncias, a
fazer o mesmo)? Ou, acima de
tudo, há responsabilidade obje-
tiva, isto é, sendo-se dirigente
de determinado departamento
do Estado, ainda que sem cul-
pa direta ou participação no
caso, é-se, por via das funções
que se ocupa, responsável por
O valor de um
Estado a longo prazo
é o valor dos
indivíduos que
o compõem
John Stuart Mill (1806-1873),
filósofo britânico, expoente da
corrente utilitarista. Liberal, e
defensor do voto das mulheres
como deputado, em 1865. Esta
ideia do Estado como resulta-
do dos seus cidadãos está no
livro ‘Sobre a Liberdade’
atos danosos provocados pelo
seu departamento (o que Jorge
Coelho assumiu na queda da
ponte ao dizer que “a culpa não
morreria solteira”).
Foi sobre estas questões que
Marcelo se debruçou para con-
cluir que, ao contrário do que
pensava, não só não havia con-
senso, como, pelo contrário,
“há uma diferença de fundo”.
É uma diferença enorme, sem
dúvida, ou como Marcelo escre-
PRIMEIRO CADERNO 39
ANTES QUE
ME ESQUEÇA
O SIS
Muito se tem
dito que a
intervenção
do SIS nesta
história de
Galamba e do
seu Ministério
é muito
importante para
entender se há
ou não regular funcionamento
das instituições. Mas o facto
de o SIS ter entrado neste
número, e de a presidente
da Comissão de Fiscalização
(a conhecida Constança
Urbano de Sousa) dizer que
não há ilegalidade porque
não houve roubo e porque o
computador foi entregue na
rua, de livre vontade, é o que
se costuma chamar “conversa
para camelos”. Que não houve
crime, todos sabiam, menos o
primeiro-ministro, que acusou
o adjunto do ministro de ter
roubado; que foi entregue na
rua, também se sabe a razão:
depois de um telefonema
de um agente do SIS que diz
FOTO TIAGO MIRANDA
ser melhor entregar senão
as coisas podem correr pior,
haveria pouca gente a não
entregar. Talvez o Super-
-Homem, o Homem-Aranha e o
Incrível Hulk…, mas nem todos
são super-heróis. Deve ser por
isso, como assinalei aqui na
semana passada, que ninguém
nos diz qual o fundamento para
se envolver as secretas. Fico
veu no discurso “Foi pena”. Até com a minha: o Dr. Frederico
porque, nos casos aqui citados Pinheiro tem o código de
— Eduardo Cabrita, Constança lançamento das nossas armas
Urbano de Sousa e, principal- nucleares; ou o segredo do gás
mente, Jorge Coelho, o único paralisante; ou kryptonite para
que compreendeu a responsa- dar cabo do superministro. Há
bilidade objetiva —, não havia, de ser uma coisa dessas.
de facto, participação direta
nos resultados danosos: os fo- NO PE
gos ou a queda da ponte, po- Refiro-me ao
der-se-iam atribuir ao azar ou Parlamento
a circunstâncias fora da ação Europeu e
dos ministros. Porém, o caso não ao local
de João Galamba é, todo ele, onde políticos
gerado de dentro; foram esco- costumam dar tiros. Marcelo
lhidos por si o adjunto, a chefe Rebelo de Sousa foi recebido
de gabinete que chama o SIS, 4.ª feira no Parlamento
as assessoras, quem manda fe- Europeu e fez um bom
char o ministério. Tudo tem a discurso sobre a Europa. Temo,
sua impressão digital e a sua no entanto, que além dele
marca. E cenas como esta des- próprio e mais um punhado
prestigiam o ministro, o Gover- de europeístas, se descubra
no e o Estado. Mas, se os dois que, também neste aspeto
primeiros são substituíveis, o (e retirando da equação o
Estado é perene e de todos nós, dinheiro que o país recebe de
pago por todos nós, e deve ser Bruxelas), se encontrará (o
respeitado por todos nós, com que é uma pena) divergências
uma autoridade acolhida por profundas entre o PR, o
todos nós. Quem contribui, ain- partido do Governo e mesmo o
da que involuntariamente, para da oposição. Veremos como se
o seu ‘abandalhamento’ deve reagirá ao convite de Roberta
ser afastado. Metsola, a presidente do PE,
Postas as questões desta for- para estar no Conselho de
ma, percebe-se a desilusão do Estado de 16 de junho (será
Presidente, como se entende para não se ‘lavar roupa suja’
a desilusão de tantos com as em frente de estranhos?).
suas palavras. Uns, porque en- Como o apelido de solteira da
tendem que Marcelo devia ter maltesa é Triccas, até pode ser
compreendido há muito tem- que seja o contrário.
po que o seu ex-aluno Costa
não era fiável; outros por não MATREIROS
compreenderem como pode o Há quem se
Presidente ‘meter-se na vida do ache muito
Governo’, como se o chefe do inteligente e
Estado não tivesse de defender, matreiro na
precisamente, o Estado. política, mas
É neste sentido que se devem qualquer um
entender as palavras finais do necessitaria de
discurso do Presidente: “Terei um curso com o
de estar ainda mais atento e maior de todos
interveniente no dia a dia.” Ou eles. Refiro-me
seja, após compreender que a a Henry Kissinger, que fará 100
sua ideia de consenso não era anos no próximo dia 27. O seu
correspondida, pelo contrário, último livro, publicado agora
cavara-se uma diferença de em português (D. Quixote) é
fundo, Marcelo avisa que olha- de 2022, chama-se “Liderança”
rá a ação do Governo com ou- e trata de seis estudos sobre
tros olhos, mais atentos, após estratégia mundial. Muito
“um momento em que a res- apropriado para os nossos
ponsabilidade dos governantes dirigentes, tanto mais que o ex-
não foi assumida como deveria -secretário de Estado sustenta
ter sido com a exoneração do que a forma de estar de um
ministro das Infraestruturas”. líder pode mudar o curso da
O problema está na assunção História. Adenauer, Nixon, De
de responsabilidades, que Cos- Gaulle, Sadate, Lee Kuan Yew
ta impediu. E não é pouco. e Thatcher são os exemplos
hmonteiroexpresso@gmail.com, escolhidos.

Ricardo
Costa
A arte
de bem
dissolver
A
esmagadora maio-
ria das análises
sobre cenários de
dissolução do Par-
lamento centra-se
nas razões que a
podem justificar. Razões obje-
tivas e de opinião que podem
levar a que o Presidente da Re-
pública lance a bomba atómica
constitucional.
Sobre as razões, com mais ou
menos dúvidas, muitos acham
que o Governo já forneceu ar-
gumentos para uma dissolu-
ção. Nessa linha de raciocínio,
João Galamba apenas entregou
de bandeja os ingredientes que
faltavam: duas horas e meia de
caos, que transformaram um
ministério num parque infantil
e acabaram com uma absurda
intervenção do SIS.
No entanto, a história mos-
tra-nos que o que leva um
Presidente a dar esse passo
são dois fatores de natureza
diversa: a) certeza de que o re-
sultado eleitoral é diferente; b)
forte convicção de que as elei-
ções irão trazer uma solução de
governo alternativa.
Em 1979 Eanes avançou para
a dissolução após a demissão de
Mota Pinto, apesar de Mário
Soares ter apresentado uma
solução alternativa. O ciclo de
instabilidade deu lugar a elei-
ções em que a AD conseguiu
uma maioria absoluta.
A alteração do
centro-direita
dificulta de forma
decisiva qualquer
cenário de dissolução
Em 1982, quando Francisco
Pinto Balsemão apresentou a
demissão, o PSD aventou um
Governo alternativo. Eanes
recusou e as eleições deram
origem ao Bloco Central. Quan-
do este Governo colapsou, em
1985, deu-se início ao ciclo go-
vernamental de Cavaco Silva.
Em 1987, quando o PRD dei-
tou abaixo o executivo mino-
ritário de Cavaco Silva, o PS,
liderado por Vítor Constâncio,
tentou uma solução parlamen-
tar alternativa. Soares, já Presi-
dente, avançou para as eleições
que deram origem à primeira
maioria absoluta do PSD.
Em 2001, Guterres demitiu-
-se e Jorge Sampaio dissolveu,
antecipando o regresso do
PSD ao poder, com o Governo
Durão Barroso-Paulo Portas.
Quando dissolveu de novo, em
2005, sabia que Santana Lo-
pes não ganharia as eleições.
José Sócrates conseguiu aí a
sua maioria absoluta.
Sete anos depois, com o
chumbo do PEC IV, Cavaco Sil-
va dissolveu e abriu caminho
para a vitória clara de Pedro
Passos Coelho. Em finais de
2021, Marcelo Rebelo de Sou-
FOTO NUNO FOX
sa aproveitou o chumbo do
OE para dissolver e clarificar
a situação política. O PS teve
maioria absoluta.
Nunca um Presidente da Re-
pública dissolveu sem ter uma
ideia clara do que pode acon-
tecer. Com análises a pecar
por excesso ou defeito, nunca
falharam no ponto intermédio
que sustentou a dissolução. A
alteração do sistema partidário
no centro-direita dificulta se-
riamente a análise de Marcelo
Rebelo de Sousa. Nunca houve
uma dissolução sem uma ideia
clara do que acontece a seguir.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
Economia
O ano do
nascimento da
Autoeuropa E16
Governo queria
manter 50% da TAP
Lacerda Machado
mantém defesa
do negócio da VEM e diz
que a Geocapital não
ganhou um “tostão”
Ouvido pela segunda vez no
Parlamento esta semana, Diogo
Lacerda Machado, o estratego
da reversão da privatização da
TAP feita no Governo de Antó-
nio Costa, que lhe chamou “o
melhor amigo”, foi esta quinta-
-feira à Comissão Parlamentar
de Inquérito dizer que o que
esteve sempre na sua cabeça é
que o Estado ficaria com 50%
da companhia quando David
Neeleman, o acionista norte-
-americano, saísse do capital da
transportadora. “A minha ideia
era que o Estado manteria os
50%”, confessou, dizendo que o
propósito da reconfiguração da
privatização foi sempre esse. E
defendeu que se não fosse a pan-
demia seria esse o caminho final.
O ex-administrador da TAP
explicou aos deputados que
Neeleman, um “genial homem
do mundo da aviação”, tinha
chegado à companhia portu-
guesa em 2015, com o plano
de sair mais tarde através da
colocação da transportadora
em bolsa, mas em 2019, já esta-
Há outro Papa... e o diálogo entre os dois dura há meio século
VATICANO O Papa Francisco recebeu ontem Teodoro II, seu homólogo da igreja copta, de
origem egípcia. As duas denominações cristãs separaram-se no ano 451, após o concílio de
Calcedónia, devido a leituras díspares da natureza simultaneamente humana e divina de Je-
sus. Em 1973, os Papas Paulo VI (católico) e Shenouda III (copta) reataram relações com uma
Declaração Cristológica Conjunta, que também ajudou a aproximar o Vaticano das igrejas
ortodoxas orientais. Os seus sucessores prefaciam agora, a quatro mãos, um livro sobre os 50
anos do reencontro, fixando “a comunhão plena” como meta comum. FOTO VATICAN MEDIA/REUTERS
Vencedor do Sorteio
Expresso/Yamaha
O Expresso entregou, na pas-
sada sexta-feira, uma Yamaha
XSR 125 Legacy e um kit Yama-
ha (conjunto de casaco, calças,
luvas, T-shirt, gola e suporte de
telemóvel) ao vencedor do sor-
Mulheres
Desigualdade
provoca lesões
no cérebro P16
va convencido de que o melhor
seria fazer uma colocação par-
ticular, e o parceiro escolhido,
então com negociações em cur-
so, era a alemã Lufthansa. Na
quarta-feira, Humberto Pedro-
sa, sócio de Neeleman na TAP,
através da Atlantic Gateway,
afirmou que nunca foi discuti-
da a hipótese de a Lufthansa
entrar no capital da TAP.
“O melhor amigo”
de António Costa
foi ouvido pelos
deputados na
Comissão de
Inquérito à TAP
Mantendo o foco na defe-
sa do investimento no Brasil
e na compra da empresa de
manutenção da Varig (VEM)
em 2005, Lacerda Machado,
então advogado da Geocapital
— empresa que entrou no ne-
gócio com a TAP, financiando
a operação com €21 milhões
—, reafirmou que a sociedade
macaense, de que Stlanley Ho
era acionista, saiu do negócio
em 2007 sem ganhar um tos-
teio Expresso/Yamaha. Muitos
parabéns ao leitor Duarte Jales
Moreira Leal Brandão. Até à
edição de 9 de junho, habilite-se
a ganhar um Renault Twingo
E-Tech 100% elétrico.
(
Abusos na Igreja
“Seminários
deviam ter
educação sexual” P14
tão com ele. A Varig tinha ido
à falência e o interesse na VEM
desfez-se. Esclareceu ainda que
a ideia de investir na VEM e na
Varig Log foi de Fernando Pin-
to, o antigo presidente da TAP.
Lacerda Machado tinha de-
fendido na quarta-feira que o
“Brasil foi o melhor investimen-
to que a TAP fez em 50 anos”,
afirmando categoricamente
que “o hub de Lisboa não exis-
tia sem o mercado brasileiro”.
Defendeu então que existe uma
“perspetiva imbecil” sobre o ne-
gócio da manutenção no Brasil.
E sentenciou: “Talvez sem o
Brasil hoje não existisse a TAP.”
Voltou a dizer que decidiu
assessorar graciosamente o
Governo em alguns dossiês,
porque tinha recusado o con-
vite para integrar o primeiro
Governo de António Costa.
“Percebermos depois que tí-
nhamos feito mal”, confessou.
“Cometi o pecado da generosi-
dade”, brincou... Lacerda Ma-
chado saiu da TAP três meses
antes da entrada de Christine
Ourmières-Widener, e nunca
foi próximo de Pedro Nuno
Santos, de quem discordou na
estratégia seguida para afastar
o acionista norte-americano
David Neeleman.
Lucros
da CGD
crescem 96%
O banco público conseguiu
nos primeiros três
meses do ano resultados
de €285 milhões
A CGD obteve lucros de €285
milhões nos primeiros três
meses do ano, um crescimento
de 96% face a igual período de
2022. O negócio em Portugal
contribuiu com €232 milhões
e as operações internacionais
(Angola, Moçambique, Ma-
cau e França, entre outros)
com €53 milhões. Para este
resultado contaram também
as receitas com juros do cré-
dito à habitação decorrentes
da subida das taxas de juros.
O banco público registou uma
rentabilidade de 13,1%.
Últimas
“A Marinha não mente” As
conclusões do processo interno
aberto sobre o caso do navio
“Mondego” vão ser conhecidas
num mês. O chefe do Estado-
-Maior da Armada, Gouveia e
Melo, admite que o caso “fra-
gilizou a imagem da Marinha”,
mas garante que a instituição
“não mente”.
Pinto Luz na SEDES O vice-
-presidente do PSD e da Câ-
mara Municipal de Cascais,
Miguel Pinto Luz, tomou posse
como presidente da nova SE-
DES Lisboa.
Salário médio volta a cair
O crescimento dos salários em
Portugal acelerou no primei-
ro trimestre deste ano, com
a remuneração bruta mensal
média por trabalhador a subir
7,4% em termos homólogos,
indicam os dados do Instituto
Nacional de Estatística. Só que
este incremento ficou aquém
da inflação registada no país no
mesmo período, levando a uma
perda de poder de compra.
Cientistas precários Cien-
tistas manifestam-se na ter-
ça-feira, em Lisboa, contra o
trabalho precário, num pro-
testo que visa exigir “respostas
definitivas” e demonstrar que
“a ciência que o país precisa”
não se faz de bolsas e contratos
a prazo.
Google afasta Brasil do
Bard, concorrente do Cha-
tGPT A Google afastou o Bra-
sil do arranque da plataforma
Bard, concorrente do ChatGPT.
Argentina, Bolívia, Paraguai e
Peru (com os quais o Brasil par-
tilha fronteiras) fazem parte da
lista dos 180 países que vão ter
acesso à plataforma de buscas
na fase inicial.
Explosão no centro de Mi-
lão A explosão de uma carri-
nha com garrafas de oxigénio
(que iriam ser entregues numa
farmácia) provocou um grande
incêndio no centro de Milão,
esta quinta-feira, que atingiu
cinco veículos que estavam es-
tacionados, e na sequência um
prédio e um jardim de infância
foram evacuados. O condutor
da carrinha ficou ferido sem
gravidade.
Reino Unido envia mísseis
para a Ucrânia O Governo
britânico enviou para a Ucrâ-
nia mísseis de cruzeiro Storm
Shadow, com alcance de 250
quilómetros e por isso essen-
ciais para atingir posições rus-
sas em solo ucraniano, na con-
traofensiva que o país invadido
prepara. Fontes conhecedoras
do acordo entre Londres e Kiev
garantiram à CNN Internatio-
nal que estes mísseis não serão
usados para atacar território
russo.
TEMPO E MARÉS
SEXTA SÁBADO
Bragança 19° 6° 21° 5°
Porto 20° 10° 21° 10°
Guarda 17° 6° 20° 6°
Sexta-feira
12 de maio Lisboa 22° 13° 25° 13°
12
de 2023
Évora 26° 11° 26° 11°
Faro 29° 18° 26° 16°
19° 15° 19° 15°
05
P. Delgada
25° 19° 24° 18°
Funchal
MARÉS SEXTA SÁBADO
Alta Baixa Alta Baixa
Porto 9:18 15:17 10:43 16:44
Lisboa 9:30 15:17 10:54 16:41
Faro 8:56 14:41 10:18 16:12
#2637
FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
expresso.pt
Limpo “O que há de bom
numa coisa nova é aquilo que
satisfaz um desejo antigo”,
escreveu Paul Valéry. Vento e
céu azul.