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brir portas onde se erguem muros Director: M

Manuel Carvalho Domingo, 28 de Maio de 2023 • Ano XXXIV
V•n
n.º
. 12.080 • Diário • Ed
.º Ed. Lisboa • Assinaturas 808 200 095 • 1,90€

Mário Dionísio Cri

Cristina Talks
Diário de “um paíss A gguru pop
em farrapos” e o seu séquito de
no pós-25 de Abril lev
levantados do chão
P2 P2
NUNO FERREIRA SANTOS

Campeões da I Liga
Quatro anos depois,
chegou o 38.º do
Benfica, o primeiro
de Rui Costa
Destaque, 2 a 7

Concursos especiais abrem ensino

superior público a mais 21 mil alunos
O ensino superior público tem lugar, curso nacional de acesso, divulgadas rior (MCTES) adiciona agora mais res de 23 anos, e mais 4000 vagas em de 23 mil estudantes, distribuídos
no próximo ano lectivo, para mais de há quase dois meses, o Ministério da quase 17 mil vagas em concursos regimes especiais de acesso. Já no pelas diferentes vias de ingresso.
75 mil estudantes. Às vagas do con- Ciência, Tecnologia e Ensino Supe- especiais, como o destinado a maio- ensino privado há espaço para mais Sociedade, 18 e Editorial

Cinema PSD Convenção do BE Eleições regionais

Anatomie d’Une Um ano de Catarina Espanha vai
Chute vence Montenegro, Martins diz a votos e a
a Palma de Ouro um dilema adeus com direita pode ser
de Cannes e zero programa ataque ao PS a vencedora
Cultura, 26 Política, 14/15 Política, 12/13 Mundo, 20/21
ISNN-0872-1548
2 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023
Destaque Está encontrado o campeão nacional de futebol de 2022-23
Benfica valida época de ref
Com uma nova Nuno Sousa
equipa técnica,
C
epticismo que se transfor-
mou em entusiasmo, entu-
um futebol siasmo que se transformou
em preocupação, preocu-
atractivo durante pação que se transformou
boa parte da época em expectativa, e, final-
mente, expectativa que redundou
e a aÄrmação de em celebração. Resumidamente, foi
esta viagem por substantivos diver-
algumas pérolas sos que o Benfica empreendeu em
da academia, as 2022-23, época de reformatação de
um projecto desportivo que passou
“águias” voltaram por uma aposta numa equipa técnica
desconhecedora do futebol portu-
a conquistar guês e pelo aproveitamento do talen-
to made in Seixal. Feitas as contas, os
o campeonato, “encarnados” têm agora o 38.º título
quatro anos depois nacional no palmarés para argumen-
tarem que a bússola estava afinada.
Um campeonato é, por definição,
uma prova de longa distância, com
altos e baixos, com momentos de
confiança e de dúvida. O Benfica,
como qualquer outro campeão, pas-
sou por essa montanha-russa. Come-
çou a época a todo o gás, com uma
pré-temporada promissora a que se
seguiu um ciclo de 13 vitórias conse-
cutivas em jogos oficiais, entre Liga
portuguesa e qualificação para a
Champions. O primeiro a travar a
marcha “encarnada” seria o Vitória
SC, com um 0-0 imposto em Guima-
rães, à 8.ª jornada, num jogo em que
os lances de perigo rarearam. Mas
tratou-se de uma travagem que não
foi sequer suficiente para forçar afi-
nações substanciais.
Os empates com o PSG na Liga dos
Campeões atestaram a competência
defensiva da equipa, reforçada por
um triunfo motivador no Estádio do
Dragão (0-1), que catapultou as
“águias” para mais uma série de
nove triunfos distribuídos por quatro
frentes. Nada mau para uma equipa
que vendera duas das mais caras
aquisições dos últimos anos (Darwin
Núñez e Everton), que mudara de
treinador e, acima de tudo, de para-
digma na forma de abordar o jogo.
Em menos de dois meses, o Benfica
descaracterizado de 2020-21 e 2021-
-22 transformara-se numa equipa de
futebol vertical, forte reacção à per-
da e ataques rápidos.
Enzo: e depois do adeus
Com um plantel mais reduzido, por
vontade própria, do que aqueles que
geria Jorge Jesus, Roger Schmidt des-
de cedo deÆniu um “onze-base” e foi
com ele até ao Æm — naturalmente,
com operações episódicas de cosmé-
MIGUEL A. LOPES/LUSA
A festa do 38.º título do Benfica
tica quando as circunstâncias o exi-
giam. Até Janeiro, viu a equipa alicer- viveu-se em muitas das ruas do
çar-se na segurança oferecida pelo país e no Estádio da Luz
reforço dos reforços, Enzo Fernán-
dez, e teve o mérito de não entrar em
pânico quando o BenÆca fechou
negócio com o Chelsea por inusita-
dos 121 milhões de euros. Deixou de
13
haver Enzo, passou a haver Chiqui-
nho. Não era a mesma coisa, mas
parecia funcionar.
Pelo meio, meteu-se o Mundial do
Qatar. E depois dele uma queda
estrondosa no Minho, primeiro com
a eliminação da Taça da Liga às mãos
do Moreirense (o 1-1 não chegou para Número de jornadas
seguir em frente), posteriormente consecutivas sem conhecer
com um contundente 3-0 em Braga, o sabor da derrota. Após
naquela que seria a primeira derrota o primeiro desaire, seguiram-se
averbada na Liga.
A paragem para o Campeonato do
mais 12 jogos sem perder
Mundo tinha feito mossa e a equipa
91%
demorou um pouco a reagir, reto-
mando a dinâmica anterior já na
segunda quinzena de Janeiro. E com
ela chegaram mais 10 triunfos de
uma assentada no campeonato, no
que parecia ter sido a machadada
final, a oito jornadas do epílogo. Percentagem de jogos em que
O título estava à vista e o Benfica o Benfica fez pelo menos um
recebia o FC Porto, no clássico da golo. Apenas em três partidas
27.ª ronda, com 10 pontos de vanta- não conseguiu marcar (Vitória
gem. Começou o jogo a ganhar, o que SC, Sp. Braga e Desp. Chaves)
 Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 3

formulação com 38.º título NUNO FERREIRA SANTOS

Presidente desde Outubro de 2021

Rui Costa: o bicampeonato,
29 anos depois
tivo (tinha acabado a carreira poucos campeão. Era preciso mudar o para-
Marco Vaza
meses antes), e também escolheu digma. Depois de 14 anos com treina-

significa que teve virtualmente 13
pontos a mais, mas acabou derrota-
do (1-2) e saiu do Estádio da Luz com
uma margem de segurança mais cur-
ta. Mais do que a perda dos três pon-
tos, o efeito anímico da derrota foi
claro e o pior período da época bateu
à porta, num momento capital.
Seguiu-se uma derrota com o Inter
Milão, nos quartos-de-final da Cham-
pions, e um desaire inesperado em
Chaves, para o campeonato (1-0).
Roger Schmidt lamentou o “ruído
criado à volta da equipa”, mas enal-
teceu a mentalidade dos jogadores e
enfatizou o percurso autoritário que
as “águias” haviam trilhado até
então. A curiosidade residia em
saber que tipo de resposta daria o
Benfica na hora H, e ela chegou em
crescendo: 1-0 ao Estoril, 0-2 em Bar-
celos, 1-0 ao Sp. Braga (com uma das
melhores exibições da época) e uma
goleada em Portimão (1-5), numa
R
ui Costa foi escolhido de uma
multidão. Entre 500 miúdos
que apareceram num treino
de captação algures em 1981,
Eusébio da Silva Ferreira
nem deixou que aquele rapa-
zito estivesse sequer dez minutos
num relvado secundário do antigo
Estádio da Luz. Foi falar com o pai de
Rui Costa para lhe dizer que o queria
lá no dia seguinte. Eusébio sabia que
tinha escolhido um craque, só não
sabia que estava a escolher um presi-
dente. Rui Costa não ganhou muitos
títulos como jogador dos “encarna-
dos” — apenas dois, um campeonato
e uma taça em cinco épocas. Em
menos de dois anos como presidente,
já vai a meio caminho.
Vinte e nove anos depois de ter sido
campeão com o “10” nas costas, Rui
Costa voltou aos títulos. Pode dizer-se
que, nos anos em que foi administra-
dor da SAD e vice-presidente, tam-
bém ganhou coisas, mas haverá sem-
pre a dúvida sobre qual seria o seu
verdadeiro papel nas sucessivas direc-
ções de Luís Filipe Vieira — o ex-pre-
sidente dos “encarnados” era alguém
que gostava de ter a última palavra na
gestão do futebol. Mas este é, sem
dúvida, um título de Rui Costa e das
suas escolhas.
Na verdade, Rui Manuel César Cos-
ta, sócio n.º 6034 do Sport Lisboa e
BenÆca, já era o presidente em exer-
jogadores com currículo internacio-
nal que faziam sonhar os benÆquistas,
sobretudo um, Pablo Aimar — uma
curiosidade, o primeiro jogador que
contratou foi Rúben Amorim.
Tirando os tempos em que era o
“maestro” em campo, esta foi a pri-
meira vez que mandou no futebol
benÆquista. A aposta em Quique não
resultou e a importância de Rui Costa
foi baixando. De “delÆm” a potencial
sucessor de Vieira, Rui Costa foi per-
dendo importância na estrutura, mas
manteve-se Æel ao presidente que se
deixava guiar pelos “feelings”. Quan-
do Vieira caiu, Rui Costa chegou-se à
frente, evocando sempre o seu
inquestionável benÆquismo, mas a
fazer equilibrismo entre as partes da
herança de Vieira que devia abraçar
e as que devia rejeitar.
A sua primeira escolha, nos últimos
dias de 2021, foi a de um interino (Nél-
son Veríssimo) que o próprio Rui Cos-
ta, na altura, dizia poder ser mais que
isso. Não foi. E voltamos à tal escolha
que não podia falhar, porque o Ben-
Æca já estava há três épocas sem ser
Este é, sem dúvida,
um título de
Rui Costa e das
dores portugueses que conheciam o
futebol português, o BenÆca voltou a
ter um treinador estrangeiro que não
conhecia o futebol português.
O presidente foi atraído pela pro-
messa de “jogo ofensivo” de Roger
Schmidt, um treinador a quem faltava
currículo, e reforçou essa aposta a
meio da época, quando o BenÆca
voava na Liga portuguesa e na Cham-
pions, dando-lhe mais dois anos e
antecipando uma eventual cobiça
internacional pelo técnico alemão.
Não foi só na escolha de Schmidt
que Rui Costa acertou. Houve contra-
tações certeiras (Enzo acima de todas,
uma descoberta que rendeu muito,
em campo e nas Ænanças do clube,
mas também Neres, Aursnes e Bah),
outras nem tanto (ainda estamos por
saber o que valem Tengstedt e Schjel-
derup, e os empréstimos de Guedes
e Draxler não resultaram), mas houve
uma redescoberta da fábrica de cra-
ques do Seixal (Ramos, Silva e Neves)
que inspirou a reconquista do título,
ou a redescoberta de jogadores como
João Mário e Rafa Silva.
Tudo somado, valeu a Rui Costa o
seu segundo título no BenÆca, 29
anos depois do campeonato de 1993-
-94. No Ænal dessa época, saiu para
Itália, onde permaneceu 10 anos, divi-
didos entre Fiorentina e AC Milan
(pelo qual foi campeão europeu).
Depois, voltou à Luz porque… não

Espremida ao máximo
De repente, em três penadas, a equi-
pa que avançava a todo o vapor rumo
ao título, que subira montes e vales,
que saltara sobre crateras em
momentos de aperto na temporada,
via-se arrastada para areias movedi-
ças. Falou-se em perda de influência
de jogadores nucleares (David Neres,
João Mário), falou-se em desgaste
físico acumulado (por parca rotação
dos atletas), falou-se em pouca pro-
fundidade do plantel (que assistiu à
afirmação plena da academia, na
pele de António Silva, Gonçalo
Ramos e João Neves). E, com o FC
Porto a quatro pontos, a margem de
erro passara a ser quase nula.
Pela primeira vez encostado à
parede pela exigência dos adeptos,
viagem de regresso à voragem ofen-
siva do início da temporada.
Em Alvalade, uma primeira parte
desastrosa impediu a equipa de apro-
veitar um novo match-point, depois
de o FC Porto ter cumprido a missão
diante do Casa Pia, primeiro, e do
Famalicão, depois. O empate no
derby (2-2) permitiu ao Sporting
repelir a festa alheia, o que se tradu-
ziu num mero empurrão de uma
semana para o lado contrário da
Segunda Circular.
O último título do Benfica, em
2019, já acontecera precisamente na
última ronda, no Estádio da Luz e
diante do Santa Clara. Alguns dos
jogadores já sabiam ao que iam. E,
com a maré vermelha que emoldu-
rou as bancadas da Luz, a lei das
probabilidades imperou.
cício em 2021-22, mas o futebol do
BenÆca dessa época não foi escolha
suas escolhas podia ser de outra maneira.
MIGUEL A. LOPES/LUSA
sua, Jorge Jesus incluído. Só com a
época em andamento, em Outubro
de 2021, é que foi eleito, com mais de
84% dos votos, e, cerca de dois meses
depois, deu essa época como perdi-
da, ao despedir Jesus na véspera de
um “clássico” no Dragão (que o Ben-
Æca perdeu). E foi aqui que Rui Costa
começou a pensar na época seguinte,
ao mesmo tempo que lidava com as
sombras do vieirismo, uma era da
qual ele próprio fez parte.
Era claro que a decisão sobre o trei-
nador seria o acto de gestão mais
importante nos primeiros tempos da
sua presidência — e já não seria a pri-
meira vez que escolhia um técnico.
Em 2008, Quique Flores foi a sua
escolha como novato director despor- Rui Costa viu a aposta do início da época compensado com o título
4 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023
Destaque Está encontrado o campeão nacional de futebol de 2022-23
As figuras do título
Enzo Fernández
Sim, só jogou 29 jogos. Sim, só
jogou até Janeiro. Sim, foi
embora (num negócio
milionário) sem poder participar
na fase decisiva da temporada.
Mas o jogador argentino foi a
peça central da forma como o
Benfica construiu uma
vantagem que acabou por ser
decisiva na fase em que
quebrou de rendimento. Sem
Enzo, a equipa jogou pior. Sem
Enzo, a equipa perdeu mais.
Sem Enzo, o treinador teve de
“inventar” soluções —
Chiquinho, João Neves,
Aursnes, João Mário e até Paulo
Bernardo passaram pela
posição 8. E se o que fica do
título do Benfica é o nível de
jogo altíssimo visto até
Dezembro, então Enzo
Fernández é uma das grandes
figuras desta conquista.
Aursnes
Quando foi contratado, o
internacional norueguês
chegou à Luz como um
médio-defensivo para jogar na
posição 6. Talvez pudesse ser
opção também a 8, em caso
de necessidade. Certo? Não
inteiramente. Roger Schmidt
utilizou Aursnes como
ala-esquerdo, como segundo
avançado, como ala-direito e
até lateral-direito. Como 6
jogou pouco e como 8 foi
ainda mais raro. Em suma:
Aursnes jogou em seis das
11 posições do campo e é
difícil dizer que não cumpriu
em todas elas. Tornou-se o
jogador do ataque que
permitia à equipa defender
mais alto e, com bola, mostrou
predicados inesperados.
Custou 13 milhões de euros,
mas terá havido melhor
reforço na Liga portuguesa?
Grimaldo
O lateral-esquerdo fez,
possivelmente, a melhor
temporada pelo Benfica. Mesmo
com Ristic a dar boas indicações
nos poucos minutos que somou,
o espanhol foi a primeira, a
segunda e a terceira opções para
a posição. Foi ele e sempre ele a
merecer a confiança de Roger
Schmidt. E fez por isso. Foram
oito golos e 14 assistências, mas,
acima disso, uma influência
tremenda no futebol ofensivo de
uma equipa que jogou quase
sempre sem um ala-esquerdo de
corredor e, portanto, necessitada
de um lateral capaz de oferecer
algo diferenciado. Por dentro, por
fora, em cruzamento, em passe,
em remate ou em bolas paradas,
Grimaldo fez tudo. E o título, que
assinala a despedida de Lisboa
depois de confirmada a mudança
para Leverkusen, é muito dele.
João Mário
Aos 30 anos, João Mário foi
alguém que nunca tinha sido.
Nunca tinha sido propriamente
um finalizador, mas afinal
mostrou que é. Nunca tinha
mostrado especial “faro” para
as zonas certas de finalização,
mas afinal tem. Nunca tinha
sido intenso sem bola, mas
afinal consegue ser. Roger
Schmidt construiu um plano
colectivo perfeito para as
características do
internacional português, que,
mesmo com alguns golos de
penálti (sete em 10 no
campeonato), teve um impacto
considerável no capítulo da
finalização, com 23 golos
marcados (17 na Liga, a que
juntou seis assistências). Quem
diria que o elogio a João Mário
no final de uma temporada
passaria mais pelos golos do
que pela qualidade de passe?
Gonçalo Ramos
Não é o avançado mais
participativo no jogo e não foi
propriamente a ele que o
Benfica recorreu quando não
sabia a quem dar a bola. Mas
não era para isso que Roger
Schmidt o queria. Nesta
temporada, Gonçalo Ramos
tornou-se um ponta-de-lança,
mais do que um avançado —
saiu menos da área, embora
tivesse sido incansável a
garantir os equilíbrios sem bola,
e “cheirou” mais o golo, com
presença constante nas zonas
de finalização. E mostrou clara
apetência para finalizar. Foram
27 golos marcados (19 dos
quais na Liga), alguns de belo
efeito e muitos deles em
momentos que ajudaram a
desbloquear jogos – e esses
golos não valem o mesmo do
que os outros.
António Silva
É difícil dizer que algum jogador
dos 11 mais utilizados tenha tido
uma temporada fraca. Bah,
Otamendi, Florentino, Neres
e Vlachodimos foram
importantes, mas António Silva
tem um patamar só dele.
O jovem central começou a
época na equipa B e, apesar de
um erro aos 7’ do primeiro jogo
na I Liga, no Bessa, mostrou
personalidade para arrancar
um desempenho de alto nível
nessa partida. E nas seguintes
– mesmo com avançados de
topo mundial pela frente.
Foi tendo algumas falhas,
sobretudo quando analisava o
momento de jogar em
antecipação, mas, em geral, fez
uma temporada tremenda, com
qualidade no jogo aéreo, no
desarme, na velocidade, no
controlo do espaço e na
construção. D.C.O.
Formação no Seixal
O ingrediente
que tem feito
a diferença nas
últimas conquistas
Jorge Miguel Matias
António Silva, Gonçalo
Ramos e João Neves.
Os “meninos” que se
afirmaram na equipa
de Roger Schmidt
H
á um ingrediente que tem
estado sempre presente nas
receitas que deram os últi-
mos títulos de campeão
nacional ao BenÆca — em
todos eles houve jogadores
oriundos da formação benÆquista
que, em determinado momento,
foram cruciais para garantir a con-
quista do troféu. Senão, vejamos.
Na temporada de 2015-16, corria a
10.ª jornada e estava o Benfica no
quarto lugar da tabela, a sete pontos
de distância do líder Sporting, quan-
do Rui Vitória decidiu apostar num
médio que se vinha destacando na
equipa B. Renato Sanches jogou os
seus primeiros 90 minutos na equipa
principal dos “encarnados” contra o
Sp. Braga, na jornada 11, e… nunca
mais saiu. O jovem médio, então com
18 anos, foi decisivo para a recupera-
ção pontual dos benÆquistas e a con-
quista do título. Mas não foi só ele.
Logo no arranque desse campeo-
nato, Gonçalo Guedes, 19 anos, foi
uma aposta recorrente de Rui Vitória
e inÇuente no “onze” titular do técni-
co. Uma aposta que se foi desvane-
cendo à medida que a temporada foi
avançando, mas que foi decisiva na
época seguinte. Naquele que seria o
36.º título de campeão nacional das
“águias”, Gonçalo Guedes destacou-
-se. Ao ponto de, a meio da tempora-
da, ter sido contratado pelo PSG a
troco de 30 milhões de euros.
No seguinte título benÆquista, con-
quistado em 2018/19, voltou a haver
inÇuência da “academia”. Se Rúben
Dias já tinha garantido o seu espaço
no eixo da defesa “encarnada” na
temporada anterior, houve outros
que se revelaram nesta época, que
começou com Rui Vitória como téc-
nico e terminou com Bruno Lage.
E foi precisamente este último
quem acreditou numa promessa do
Seixal e, com essa crença, transfor-
mou uma temporada que parecia
encaminhada para o falhanço no 37.º
título de campeão nacional. João Félix
entrou na equipa pela mão de Bruno
Lage e revolucionou a forma de jogar
ogar
dos “encarnados”. O resto é uma a his-
tória de milhões.
Mas não foi apenas este jovem m de
18 anos a brilhar na conquista do 37.º.
Antes, um outro já tinha merecido do a
nuou
conÆança de Rui Vitória e continuou
a merecer a de Bruno Lage — Gedsondson
foi dos mais utilizados do plantel.l.
mia”
Quatro anos depois, a “academia”
benÆquista volta a deixar a sua marca
na conquista de mais um campeona- ona-
to. António Silva, 19 anos, com m 30
jogos na Liga portuguesa; Gonçalo çalo
Ramos, 21 anos, 30 jogos e 19 golos
marcados — o segundo melhor mar-
cador da competição; João Neves, es, 18
anos, 17 jogos na I Liga nacional. Três
nomes que actuam em diferentes ntes
midt
sectores da equipa de Roger Schmidt
e que tiveram uma inÇuência decisiva
isiva
no 38.º título.
een-
Se o defesa-central tem surpreen-
dido todos pelo seu grau de maturi-turi-
dade, o avançado teve um início o de
temporada fulgurante, mostrando do a
sua qualidade no número de golos
que já assinou e que em muito contri-
ntri-
buíram para que o BenÆca seja eja o
melhor ataque do campeonato.. Por
Æm, João Neves. O médio foi o último
tiim
mo
a conseguir segurar um lugarr no
ental
“onze” titular, mas foi instrumental
para a melhoria exibicional na equipa
uipa
na parte Ænal da temporada.
Exemplos que comprovam algu-
mas das distinções que a formação ação
benÆquista tem recebido nos anos
mais recentes: já esta época, o Obser-
bser-
vatório do Futebol (CIES) fez um
rans-
ranking que estima o valor de trans-
ferência de jogadores que tenham ham
jogado pelo menos três anos num
determinado clube entre os 15 e os 21
anos em mais de 50 campeonatos atos
diferentes. E os jovens formados os no
BenÆca têm um valor estimado o de
venda de 670 milhões de euross — o
mais elevado.
da, a
E já antes, no início da década,
plataforma Football Talent Scout qua-
liÆcara o BenÆca Campus como mo a
melhor academia de formação o da
década entre 2010 e 2020 — foi consi-
onsi-
derado um universo que contemplou plou
jogadores nascidos em ou depois is de
1990, que tenham entrado no clube lube
até aos 17 anos, que tenham represen-
esen-
tado o mesmo emblema durante e três
épocas antes de completarem m 20
anos e que se tenham estreado o no
futebol proÆssional.

Schmidt acentua tendência
Treinadores estrangeiros
campeões pelo Benfica
reforçam maioria
Nuno Sousa
A O
afirmação categórica do
treinador português a que
se tem assistido nas últimas
décadas tem ajudado a
mudar o paradigma que
marcou os primórdios do
futebol nacional. Ao contrário do que
aconteceu durante largos períodos
do século passado, os técnicos “made
in” Portugal têm vindo a tomar conta
dos títulos e a consolidar a posição no
mercado. O sucesso de Roger Schmidt
em 2022-23 é, nesse sentido, uma
excepção à regra do novo milénio e,
ao mesmo tempo, a prova de que a
competência não tem passaporte.
O impacto que Schmidt teve no
João Neves é um BenÆca na presente temporada che-
dos rostos da g
gou a ser comparado ao efeito Sven-
formação do -Goran Eriksson, que em Julho de
Benfica que 1982 chegou a Lisboa para impor uma
integra a equipa nova ordem no futebol português
campeã nacional (dois títulos consecutivos) e voar alto
da época de na Europa. Salvaguardadas as dife-
2022/23 renças, é inegável que o treinador
alemão representou uma ruptura
com o passado recente, com um fute-
bol que, durante meses, entusiasmou
b Na balança dos campeonatos, o
os adeptos e insinuou conquistas. O
reconhecimento chegou agora, na
forma do 38.º campeonato da histó-
ria das “águias”.
Dezoito anos depois, o BenÆca vol-
ta a aclamar um treinador estrangei-
ro. Antes de Schmidt, tinha sido o
italiano Giovanni Trapattoni a levar
os “encarnados” ao título, em 2004-
-05, numa época bem menos exube-
rante do que a actual e num contexto
Ænanceiro mais cinzento. Pelo meio,
celebraram Jorge Jesus, Rui Vitória e
Bruno Lage, até que Rui Costa res-
pondeu ao fracasso rotundo em que
se transformou a segunda vida de
JJesus na Luz com uma contratação
fora de portas. E deu-se bem.
Roger Schmidt celebra a conquista do título de campeão
Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 5
A conquista de Roger Schmidt
acentua o domínio expressivo dos
técnicos estrangeiros no palmarés do
clube. Com o alemão, são agora 15 os
treinadores nascidos fora de Portugal
a ostentarem o título nacional, numa
linhagem inaugurada pelo húngaro
Lippo Hertzka, que se sagrou cam-
peão em 1936-37. Seguiram-se Janos
Biri, Ted Smith, Otto Glória, Bela
Guttmann, Fernando Riera, Lajos
Czeizler, vários deles com mais de
um campeonato, mas também Elek
Schwartz, Jimmy Hagan, Milorad
Pavic, John Mortimore, Lajos Baroti
e, lá está, Sven-Goran Eriksson.
No outro prato da balança, o dos
técnicos portugueses, contam-se
apenas cinco campeões, juntando-se
a Jorge Jesus, Rui Vitória e Bruno Lage
o incontornável Toni, referência den-
tro e fora do relvado na Luz (a partir
do banco, sagrou-se campeão em
1988-89 e em 1993-94), e o “bombei-
ro” de serviço Mário Wilson, que,
embora tenha assumido o comando
da equipa em diferentes momentos
(todos eles delicados), só em 1975-76
envergou a faixa.
desequilíbrio também é grande, com
28 títulos nas mãos de treinadores
estrangeiros e 10 com cunho portu-
guês. Dessa dezena, sete foram con-
quistados já no presente século, mas
essa não é uma tendência exclusiva
do BenÆca. Rúben Amorim, no Spor-
ting, e uma mão-cheia de protagonis-
tas no FC Porto (Sérgio Conceição,
Vítor Pereira, André Villas-Boas,
Jesualdo Ferreira e José Mourinho)
corporizam a aÆrmação plena do
técnico português, sendo necessário
recuar até 2006 para encontrar o
último vencedor da Liga nascido nou-
tras paragens — foi o neerlandês Co
Adriaanse, pelos “dragões”, mas nem
chegou a iniciar a época seguinte.
ZED JAMESON/MB MEDIA/GETTY IMAGES
Ranking
O quinto clube
com mais
títulos a nível
europeu
Nuno Sousa
número 38 aproxima o Ben-
Æca das quatro dezenas de
títulos nacionais e coloca os
“encarnados” num lugar de
destaque adicional a nível
europeu. Na jurisdição da
UEFA, só quatro clubes se sagraram
campeões mais vezes do que as
“águias”, mas a verdade é que qual-
quer um deles será muito difícil de
alcançar.
Esta hierarquia é liderada pelo
“modesto” — para os padrões do
futebol de elite europeu, claro está
— LinÆeld, crónico campeão da Irlan-
da do Norte, território no qual se
impôs já por 56 vezes, 14 das quais
no presente século.
E é pelo Norte do continente que
continuamos para completar o
pódio, concretamente na Liga esco-
cesa, na qual a grandeza e rivalidade
histórica entre Rangers e Celtic trans-
formam tudo o resto em paisagem.
O Celtic chegou, já nesta época, ao
53.º título (e fez uma recuperação
tremenda na última década), mas
ainda Æca a dois dos 55 do Rangers.
De resto, é preciso recuar a 1984-85
para encontrar um campeão fora
desta lógica, o Aberdeen.
Números desta grandeza têm tam-
bém de ser lidos à luz do contexto e
da competitividade interna. Nem a
Irlanda do Norte nem a Escócia, con-
venhamos, entram no lote dos cam-
peonatos mais interessantes da Euro-
pa, podendo dizer-se o mesmo em
relação à Grécia, onde o Olympiacos
é rei e senhor, com 47 campeonatos
conquistados, bem mais do dobro do
seu perseguidor directo, o Panathi-
naikos (20).
Depois deste quarteto, surge o
BenÆca, campeão em 38 ocasiões
numa Liga que, actualmente, é enca-
rada como a sexta ou sétima mais
competitiva da UEFA (atrás de Ingla-
terra, Espanha, Alemanha, Itália,
França e Países Baixos, concorrente
com o qual Portugal tem trocado
regularmente de posição).
Com mais oito campeonatos do
que o FC Porto e mais 19 do que o
Sporting, o BenÆca está ligeiramente
à frente do Ajax (36) e da Juventus
(36), e um pouco mais afastado de
Real Madrid (35) e Bayern Munique
(33). A uma distância já demasiado
vincada estão o Manchester United,
com 20 títulos em Inglaterra, e o
Paris Saint-Germain, que está próxi-
mo do 11.º título em França, mas
oÆcialmente ainda está empatado a
10 com Marselha e Saint-Étienne.
6 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023

Destaque Está encontrado o campeão nacional de futebol de 2022-23

Os festejos começaram cedo em Lisboa
I Liga
A noite vai durar “enquanto o Benfica quiser”, Jornada 34
Rio Ave-Famalicão 2-2

porque “quatro anos de espera é demasiado tempo” Vizela-Sporting

Gil Vicente-Casa Pia
Estoril-Marítimo
1-2
1-0
3-1
Desp. Chaves-Boavista 1-4
Portimonense-Arouca 0-2
FC Porto-Vitória SC 3-0
Reportagem Benfica-Santa Clara
Sp. Braga-P. Ferreira
3-0
3-0

J V E D M-S P
Samuel Santos Texto
1. Benfica 34 28 3 3 82-20 87
Nuno Ferreira Santos Fotografia
2. FC Porto 34 27 4 3 73-22 85
Ainda o jogo não tinha 3. Sp. Braga 34 25 3 6 75-30 78
4. Sporting 34 23 5 6 71-32 74
começado e já havia
5. Arouca 34 15 9 10 36-37 54
adeptos eufóricos 6. Vitória 34 16 5 13 34-39 53
no Marquês de Pombal 7. Desp. Chaves 34 12 10 12 35-40 46
8. Famalicão 34 13 5 16 39-47 44

C
entenas de adeptos do
BenÆca pintaram, desde
o princípio da tarde de
ontem, as imediações da
Praça Marquês de
Pombal, em Lisboa. Junto
à rotunda, muitos benÆquistas,
conÆantes na conquista do 38.º
campeonato, procuravam a
sombra e um lugar privilegiado
com vista para o palco, a montar
após o Ænal da partida no Estádio
da Luz. Enquanto as últimas
pessoas deixavam a Feira do
Livro, encerrada
excepcionalmente às 17h, os
pequenos Ângelo e Rosário,
trajados a rigor, observavam,
acompanhados pelos pais, as
bandeiras que já esvoaçavam
junto à rotunda, ao ritmo das
buzinas e cânticos dos adeptos.
Ao PÚBLICO, o pai, lisboeta,
Cláudio Teixeira, ainda sem saber
se veria o jogo, começou por
garantir que a festa é segura para
os Ælhos, face “à organização das
forças policiais”.
Sobre os alicerces da época do
BenÆca, Cláudio lembrou a
derrota na recepção ao FC Porto,
“face às semanas de menor
rotação”, elegeu o norueguês
Aursnes como “o melhor” do
plantel, pela versatilidade e
enriquecimento da transição para
o ataque, e falou ainda do técnico
Roger Schmidt.
“Foi capaz de blindar a equipa
da inÇuência externa, pela
postura e capacidade de
comunicar. Outros treinadores,
como Jorge Jesus, expunham as
situações do balneário, o que
inÇuenciava o foco da equipa.”
Enquanto descíamos a rua,
cruzámos caminhos com Mónica
Lopes. Natural do Seixal, de listas
devidamente pintadas na cara,
garantiu que faltava ao BenÆca,
“há vários anos, um treinador
educado, um senhor”. Na
promessa de que a noite vai durar
“enquanto o BenÆca quiser,
porque quatro anos de espera é
demasiado tempo”, Mónica disse
ainda que Roger Schmidt está
9. Boavista 34 12 8 14 43-54 44
10. Casa Pia 34 11 8 15 31-40 41
11. Vizela 34 11 7 16 34-38 40
12. Rio Ave 34 10 10 14 36-43 40
13. Gil Vicente 34 10 7 17 32-41 37
14. Estoril 34 10 5 19 33-49 35
15. Portimonense 34 10 4 20 25-48 34
16. Marítimo 34 7 5 22 32-63 26
17. P. Ferreira 34 6 5 23 26-62 23
18. Santa Clara 34 5 7 22 26-58 22
Reacções
Dos mais pequenos aos mais graúdos, houve espaço para todos festejarem o 38.º título do Benfica
A equipa esforçou-se
acima dos antecessores, uma vez
que, além da postura, “percebe
muito toda a época
mais de bola”. E seguiu caminho, e mereceu ser campeã.
engolida pela coluna fervorosa.
Se o ambiente antes das 18h era
Estamos felizes pelos
de festa, quando Gonçalo Ramos, adeptos, sabemos que
ao sétimo minuto de jogo, abriu o estão felizes após quatro
marcador, a euforia tomou conta
das ruas em redor da praça do
anos sem títulos.
Marquês. Além de gritos dispersos Começámos a ser
dos milhares aglomerados junto
aos pontos de acesso ao Marquês,
campeões no Verão
também se ouviram alguns passado. Foi muito duro,
petardos, para desespero de
turistas estrangeiros, que, sem
estou muito feliz
perceber muito bem o que se Roger Schmidt
passava, procuravam regressar Treinador do Benfica
aos alojamentos ou aos carros, no
O Marquês de Pombal começou a receber adeptos ainda pela tarde
interior do perímetro de
segurança.
Tínhamos uma
Mas foi nos minutos que responsabilidade enorme
antecederam o apito Ænal no por não ganhar um troféu
Estádio da Luz que o Marquês de
Pombal voltou, aos poucos, a há muitos anos. Obrigado
vestir-se de vermelho. Buzinas, pela enorme alegria que
saltos, abraços, foguetes e
petardos... E quando o troféu foi
deram a todos os
erguido aos céus da Luz a festa do benfiquistas, pelo vosso
Marquês soltou-se de vez. trabalho e sacrifício, ao
Enquanto os adeptos voltavam
a procurar o melhor lugar para, staff, pois sem eles não
durante a madrugada, conseguiriam, obrigado por
acompanhar o desÆle dos
campeões nacionais, o palco acreditarem. Obrigado em
começou a ser montado. nome de todo o povo
Esperados, pelo menos, meio
milhão de adeptos no epicentro
benfiquista. Somos
da festa popular, onde os campeões nacionais, gente
jogadores chegariam, certamente, Rui Costa
depois da meia-noite, e onde Presidente do Benfica
Otamendi levanta o troféu de campeão nacional de futebol, na Luz teriam à sua espera uma multidão.

Benfica derrotou o Santa Clara
Tudo perfeito para que a festa fosse perfeita
Crónica de jogo
Jorge Miguel Matias
O
Estádio da Luz estava “à
pinha”. O ambiente que se
respirava nas bancadas era
de euforia. E bastaram sete
minutos para que a festa
começasse. Um golo cedo foi
um início de jogo perfeito para o Ben-
Æca — que nem precisava de vencer o
Santa Clara para celebrar o 38.º título
de campeão (desde que o FC Porto
não derrotasse o Vitória por 11 ou
mais golos de diferença). Mas após
90’ em que o triunfo nunca esteve em
causa, soou o apito Ænal, o BenÆca
venceu por 3-0 e a festa foi perfeita na
Luz.
O BenÆca fez o que tinha de fazer.
Frente ao último classiÆcado da I Liga,
já despromovido ao escalão secundá-
rios, os benÆquistas começaram o
jogo com intensidade e chegaram
muito cedo ao golo, que lhes deu ain-
da mais tranquilidade — um cruza-
mento de Bah foi bem cabeceado por
Gonçalo Ramos, logo aos 7’.
Seguiram-se vários minutos de
alguma apatia. Ao BenÆca não lhe
interessava acelerar o jogo. Pelo con-
trário, os “encarnados” queriam era
que o tempo fosse passando. Mas com
o FC Porto a jogar em superioridade
numérica e a vencer no seu estádio o
Vitória de Guimarães, a conquista do
título pelas “águias” poderia sofrer
algum tipo de sobressalto, apesar da
vantagem de um golo. Por isso, nada
melhor do que marcar o segundo
antes do descanso para que os benÆ#
quistas chegassem ao intervalo com
a sensação de que o título já não lhes
fugiria. E como o dia estava a ser per-
feito... foi isso mesmo que aconteceu.
Um contra-ataque protagonizado por
João Mário e Rafa permitiu a este últi-
mo fazer o 2-0, com a bola ainda a
ressaltar num adversário e a trair o
guarda-redes.
A festa soltou-se por completo na
Luz e não mais parou. A segunda par-
Rafa celebra o segundo golo do Benfica contra o Santa Clara
te foi o início do que seria uma longa
noite de festejos, embora ainda hou-
vesse tempo para um momento mais
sentimental. Um penálti cometido
por Adriano proporcionou a Grimal-
do a hipótese de se despedir da Luz
com um golo. O espanhol não desper-
Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 7
PAULO CUNHA/EPA
diçou e fez o 3-0 Ænal antes de mos-
trar lágrimas no rosto e de beijar o
símbolo do clube. O dia era de festa,
propício para que se Æzessem as
pazes entre um jogador que está de
saída e os adeptos, que, nos últimos
tempos, até o vinham criticando.
Benfica 3
Gonçalo Ramos 7’,
Rafa 28’,
Grimaldo 60 (g.p.)’
Santa Clara 0
Jogo no Estádio da Luz, em Lisboa.
Assistência 64.012 espectadores
Benfica Vlachodimos (Samuel Soares,
88’); Bah (Gilberto, 73’), Otamendi,
Morato e Grimaldo a61’; Aursnes,
Florentino (Chiquinho, 73’), João Neves
e João Mário; Rafa (Neres, 68’) e
Gonçalo Ramos (Musa, 68’). Treinador
Roger Schmidt.
Santa Clara Gabriel Batista; Pierre
Sagna (Calila, 73’), Nogueira, Ítalo
(Paulo Henrique, 83’) e MT; Jordão
(Rildo, 83’) e Adriano a90’+3’;
Andrezinho (Allano, 74’), Bruno
Almeida (Misao, 46’) e Ricardinho;
Matheus Babi. Treinador Accioly.
Árbitro Rui Costa (AF Porto)
VAR Tiago Martins (AF Lisboa)
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8 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023

Espaço público

Os “estudantes maduros” do ensino superior

E
m 2021, Portugal juntou-se
Editorial ao grupo dos que
alcançaram a meta traçada
pela União Europeia (UE) de
ter, até 2030, um mínimo de
45% dos seus jovens entre os 25 e os
34 anos a diplomarem-se no ensino
Andreia Sanches superior. E está hoje, neste indicador,
acima da média da UE (47,5% contra
41,2%). Há 430 mil pessoas a estudar,
no sector público e privado, em
diferentes tipos de cursos, o que
representa um recorde.
Mas se alargarmos a análise a outras
faixas etárias, incluindo trabalhadores
e empresários no activo, a fotografia
já não sai tão bem: apenas 31,5% dos
portugueses entre os 25 e os 64 anos
A elevadíssima taxa de têm um diploma, contra uma média
abandono que existe europeia de 35%. E menos de 10% dos
nesta população mais alunos que entram no ensino superior
velha não pode deixar em Portugal têm mais de 25 anos.
Também abaixo da média.
de interpelar No dia em que são conhecidas as
instituições de ensino e vagas para os concursos especiais de
ministério acesso, como o destinado aos maiores
de 23 anos, é essencial questionar que
ofertas existem para que quem não
tem o típico perÆl do candidato ao
superior (jovem, acabado de sair do
secundário, sem uma carreira) possa
estudar, melhorar as suas habilitações
académicas e ser bem-sucedido.
O Relatório sobre o acesso ao ensino
superior feito há dois anos por uma
equipa coordenada por Fontainhas
Fernandes deixa-nos alguns
indicadores interessantes sobre esta
população de “estudantes maduros”,
como lhe chamam: nos últimos
quatro anos cerca de 50 mil homens
(sobretudo) e mulheres ingressaram
numa universidade ou politécnico.
Mas, em média, cerca de 25% já não
estão inscritos no ano seguinte. É uma
taxa de abandono que representa
mais do dobro da registada para a
população estudantil em geral.
Há hoje em Portugal uma série de
vias de acesso alternativas ao
concurso geral de acesso, a pensar em
públicos adultos, com diferentes
situações habilitacionais, que
permitem uma avaliação diferenciada
das suas capacidades para frequentar
um curso superior. São abertas
milhares de vagas, todos os anos, para
estes perÆs.
Mas muitos destes alunos
queixam-se de barreiras várias, desde
a pressão Ænanceira à diÆculdade em
conciliar horários ou à falta de
Çexibilidade para construir percursos
curriculares que joguem com os seus
interesses.
O baixo número de ingressos e a
elevadíssima taxa de abandono nesta
população não podem deixar de
interpelar instituições de ensino e
Ministério do Ensino Superior. É
essencial atrair mais destes públicos
diferenciados ao ensino superior e
garantir que eles se realizam com as
ofertas disponíveis. Sob pena de
haver uma faixa importante da
população que não se consegue
qualiÆcar, apesar de estar motivada
para isso.

CARTAS AO DIRECTOR
Malabarismo económico
Há largas semanas, numa entrevista
a uma estação televisiva, no Jornal
da Noite, o responsável pela pasta
das Finanças deste Governo
respondeu ao jornalista que o
questionou sobre o estado da
economia, e a melhoria da vida dos
portugueses, que só pode tomar
decisões quando tem a certeza de
que posteriormente não terá de dar
um passo atrás, num discurso
bonito, mas pouco convincente.
Mais recentemente, o Presidente
da República chamou a atenção
para o facto de os números da
economia não se estarem a reÇectir
na vida dos portugueses, o que é o
reconhecimento implícito de que,
em termos de redução dos números
da pobreza, os nossos governantes
poderiam já ter feito mais.
Há uns dias, um comissário
europeu de visita a Lisboa aÆrmou
que em Portugal existe margem
para aumentar salários, numa
alusão também aos números
positivos da economia, cuja
margem pode ser Æctícia, se
atendermos a que esses números
poderão ser o resultado da
inexistência da execução
orçamental, que escondem
cativações e consequente falta de
investimento, o que por sua vez
transmite ao país a ideia de contas
certas, quando as mesmas resultam
numa justiça, educação e saúde
incertas.
Américo Lourenço, Sines
Discutam o país,
por favor
Embora aqui ou ali possam ter
alguma razão relativa, não
concordo com algumas das atitudes
quer do Presidente da República
quer de António Costa, para já não
falar dos ateadores de fogueiras
sempre atentos e dispostos a causar
o caos. O que é necessário é que os
políticos discutam o futuro do país
real, considerando factores como a
seca previsível e a construção da
denominada auto-estrada da água,
o povoamento do interior, a
renovação do SNS, a falta de
professores e de outros
proÆssionais, já existente e que se
agravará a curtíssimo prazo, e
tantos outros como a
dessalinização. Não podemos
continuar a adiar o futuro por medo
de olhar as coisas de frente. É
preciso estudar, analisar e resolver
os problemas. Não podemos
continuar a ter casos como o
aeroporto de Lisboa em que,
passados 50 anos, nada está
decidido. Portugal não pode
continuar a ser um país adiado e,
neste caso, o PS tem uma grande
responsabilidade actual e com a
maioria absoluta que possui tem de
demonstrar que, para além das
“cenas tristes” que tem feito,
também é capaz de projectar
Portugal para um futuro tranquilo e
menos dependente do turismo.
Portugal não pode continuar a
deixar fugir os mais capazes porque
não lhes consegue oferecer uma
vida com futuro.
Manuel Morato Gomes,
Senhora da Hora
A TAP da nossa
perplexidade
A carta/abaixo-assinado que saiu
terça-feira no PÚBLICO sobre a
TAP ilustra como o debate
nacional sobre estratégias e
prioridades está deÆciente. Todos
os que dizem mal dos 3200
milhões injectados para salvar a
TAP na verdade devem ter andado
distraídos a acreditar nos
argumentos expostos nessa carta.
A começar porque os privados não
tinham capacidade Ænanceira para
ter tomado a TAP privatizada na
25.ª hora do Governo nado-morto
de Passos Coelho. E por aí fora,
nomeadamente os lucros para a
nossa economia que a TAP
proporciona todos os dias. O certo
é que, no espaço mediático, este
ponto de vista é secado pelo
barulho dos comentadores
anti-TAP e que seguem os ditos
soundbites e de certas manchetes
dos jornais. Não há Democracia
sem debate de mínima qualidade.
A CPI da TAP ilustra o problema:
primeiro, não foi feita à porta
fechada como seria útil, para
saírem as conclusões robustas,
mas embrenharam-se num
degradante interrogatório de tipo
policial “do antigamente”, com
alguns deputados a revelar baixos
instintos de quase prepotência
verbal em vez da elevação que lhes
é devida. Depois, porque salta
à vista que o desvio do debate
sobre os acontecimentos
deploráveis no ministério está
“aumentado” para que os dois
partidos novos tenham tempo
de antena para facturar, pois a
evidência insoÆsmável,
acredito, é que, se houve erros
do Governo, não houve dolo e não
se justiÆca a sobredramatização a
não ser para protagonismo dos
partidos.
Assim, a perplexidade sobre
todo este ruído continua a
prejudicar a análise
tendencialmente certeira da
melhor saída para a TAP. De novo,
os deputados não mostram apetite
para debater os pontos de
substância, como se viu na
irrelevância ou banalização que
consagraram aos depoimentos de
Miguel Frasquilho e Lacerda
Machado, pessoas capazes de
deslindar o novelo intrigante do
contributo da TAP para a
economia nacional.
José Elias de Freitas, Lisboa

As cartas destinadas a esta secção têm de ser enviadas em exclusivo para o PÚBLICO e não devem exceder as 150 palavras (1000 caracteres). Devem indicar o nome, morada e contacto
telefónico do autor. Por razões de espaço e clareza, o PÚBLICO reserva-se o direito de seleccionar e editar os textos e não prestará informação postal sobre eles cartasdirector@publico.pt

ESCRITO NA PEDRA Quem conta um conto
Todas as coisas
do mundo Ainda ontem
conduzem a
um encontro
ou a um livro.
Jorge Luis
S
Borges, escritor Miguel Esteves Cardoso
argentino, abe porque é que a nova moeda de 5
euros tem um dinossauro? É uma
1899 - 1986 homenagem às criaturas como eu
que roncam: “É pá, isso é um conto
de réis!”
Lembra-se das notas de conto? Se
não se lembrar, não se atire já para um poço.
Eu vou explicar, para que a moeda de 5 euros
O NÚMERO lhe pese mais um agradável bocadinho no
140
bolso. Se é que consente que uma moeda lhe
estrague a linha das calças.
A Dona Maria era os anos 60 em Portugal.
Era com uma destas que se comprava o Sgt.
Pepper’s dos Beatles e ainda se Æcava com
dinheiro para jantar como um lorde, ir ao Van
Gogo e pernoitar num hotel do Guincho.
Os anciões gostam de Ængir que, nesses
tempos, tudo era muito certinho e bem
Morreram em Israel mais de 140 contado, que um escudo era um escudo e que
palestinianos e pelo menos 19 cem escudos era uma fortuna. Cem escudos
israelitas e estrangeiros este ano eram 50 cêntimos em dinheiro de hoje.
ZOOM HAIA, PAÍSES BAIXOS
Agentes da polícia dos Países Baixos retiram activistas climáticos do bloqueio organizado pelo movimento Extinction
Rebellion, que fechou a estrada A12, em Haia. O movimento opõe-se ao uso dos combustíveis fósseis
Mas havia um erro terrível que só agora,
graças à moeda de 5 euros, se pode começar a
esquecer.
O mal deve-se ao facto de o escudo ser uma
moeda muito efémera. Os portugueses, que
não gostam nada de alterações passageiras,
continuaram a falar em reis.
100 mil reis eram cem escudos. O truque, já
Amílcar Correia, Andreia Sanches, David Pontes, Tiago Luz Pedro
se viu, é juntar “mil reis” ao número de
escudos. 1 euro são 200 escudos e logo 200
mil reis. 50 escudos são 50 mil reis e 500
escudos são 500 mil reis.
Já está a ver o problema? É que 1000
escudos não são um conto de reis. São um
milhão de reis.
Aquilo que ocultaram é que, antes da tolice
dos escudos, um conto era um milhar de reis.
Dois contos de reis eram dois mil reis, ou seja,
2 míseros escudos ou 1 ainda mais mísero
cêntimo de euro.
sociais), Patrícia Campos, Lucas Freitas; Rui Barros (jornalista de dados) Política
É espectacular que, no mundo dos escudos,
o povo tenha chamado “um conto de reis”,
que correspondia apenas a mil reis (1 escudo),
a um milhão de reis (1000 escudos).
É uma redução muito mais violenta do que
aquela que tornou 200 mil reis (200 escudos)
num só euro.
Do ponto de vista psicanalítico, a culpa
Faria Moreira, Daniela Carmo, Joana Gorjão Henriques, Mariana Oliveira, Natália
desta mentira, deste roubo semântico,
emerge depois para amaldiçoar o euro e Ængir
amor ao desamado escudo.
(multimédia), Rodrigo Julião (webdesign) Tecnologia Karla Pequenino Cultura/
SEM VAN DER WAL/EPA
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Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 9
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10 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023
Espaço público
Sonhos do universalismo cristão
Frei Bento Domingues O.P.
O mito da Torre de Babel
não vem apenas na Bíblia.
Tem paralelos sumério
e assírio, greco-romano
e outras tradições antigas
1.
Podemos chamar “etiologias
míticas” às narrativas que tentam
explicar a origem de certas crenças,
costumes, rituais, memórias,
acontecimentos e monumentos que
escapam à evidência racional. A
Torre de Babel, de que fala a Bíblia (Génesis 11,
1-9), situa-se nesse universo mítico. As
diÆculdades que a multiplicidade das línguas
nos causa seria um castigo divino.
O melhor é começar por ler essa célebre
narrativa: “Em toda a Terra, havia somente
uma língua e empregavam-se as mesmas
palavras. Emigrando do Oriente, os homens
encontraram uma planície na terra de
Chinear e nela se fixaram. Disseram uns para
os outros: ‘Vamos fazer tijolos e cozamo-los
ao fogo.’ Utilizaram o tijolo em vez da pedra e
o betume serviu-lhes de argamassa. Depois
disseram: ‘Vamos construir uma cidade e
uma torre, cujo cimo atinja os céus. Assim,
havemos de nos tornar famosos e evitamos
que nos dispersemos por toda a superfície da
Terra.’”
Ficamos com a ideia de que Deus Æcou
assustado com esta ousadia dos seres
humanos que ambicionavam transformar-se
em seus rivais.
“O Senhor reagiu: ‘Eles constituem apenas
um povo e falam uma única língua. Se
principiaram desta maneira, coisa nenhuma
os impedirá, de futuro, de realizarem todos os
seus projectos. Vamos, pois, descer e
confundir de tal modo a sua linguagem que
não consigam compreender-se uns aos
outros.’
“E o Senhor dispersou-os dali por toda a
superfície da Terra e suspenderam a
construção da cidade. Por isso, foi-lhe dado o
nome de Babel, visto ter sido lá que o Senhor
confundiu a linguagem de todos os habitantes
da Terra e foi também dali que o Senhor os
dispersou.”
Este mito etiológico não vem apenas na
Bíblia. Esta recebe-o da cultura ambiente.
Tem paralelos sumério e assírio,
greco-romano e outras tradições antigas [1].
Está colado à experiência humana muito
dolorosa de querer comunicar com outros
seres humanos e não conseguir por causa de
línguas diferentes.
Vendo bem, o que parece assustar a Deus é
a destruição da diversidade humana: não
aceita uma só língua para todos os povos. É
[Este mito] está colado
à experiência humana
muito dolorosa
de querer comunicar
com outros seres
humanos e não
conseguir por causa
de línguas diferentes
uma apologia da diversidade e do apreço por
todas as diferenças culturais. A tendência
para a uniformidade é imperialista,
totalitária, elimina a diferença em favor do
mais forte, do mais poderoso.
Já me referi, várias vezes, a um texto
exemplar de J. P. Audet, um grande exegeta,
no qual sustenta que, na Bíblia, não existe o
equivalente do mito de Prometeu tal como
este vem apresentado em Hesíodo e Ésquilo.
Nesse mito, os deuses escondem aos seres
humanos o segredo da vida feliz. Aquilo que
os seres humanos precisam para fazer a sua
vida, por sua conta e risco, o fogo (ciências e
técnicas), tem de ser arrancado aos deuses
contra a sua vontade, como o fez Prometeu.
DR
Deuses e seres humanos são rivais. A felicidade
dos deuses é a desgraça dos seres humanos e
a felicidade dos seres humanos é uma
usurpação aos deuses. Nada disto na Bíblia.
Aí, a terra é dada ao homem e à mulher para
que a dominem e façam dela a sua morada.
A pastorícia, a agricultura, a música, as
técnicas, os negócios, as ciências e a
sabedoria não são roubos a Deus. São
acontecimentos normalíssimos, embora não
assim o trabalho escravizante, fruto de um ser
humano que se desorienta e desorienta a vida
toda, que se perde do seu irmão e perde o seu
irmão [2].
2. Estamos a celebrar a festa cristã do
Pentecostes. Conheci muito bem uma leitura
que contrapunha radicalmente o mito de
Babel ao Pentecostes cristão. Era só este o
defensor da diversidade. Na leitura que acabei
de fazer, este contraste Æca muito atenuado.
O Pentecostes cristão inscreve-se numa
tradição judaica, numa festa agrícola, na qual,
é celebrada a entrega dos Dez Mandamentos
no Monte Sinai (a Lei), 50 dias depois do
Êxodo.
Para S. Lucas, os Actos dos Apóstolos são a
primeira história da Igreja. É o próprio Lucas
que o conta.
“No meu primeiro livro, ó TeóÆlo, narrei as
obras e os ensinamentos de Jesus, desde o
princípio até ao dia em que, depois de ter
dado, pelo Espírito Santo, as suas instruções
aos Apóstolos que escolhera, foi arrebatado
ao Céu [3].”
“Quando chegou o dia do Pentecostes,
encontravam-se todos reunidos no mesmo
lugar. De repente, ressoou, vindo do céu, um
som comparável ao de forte rajada de vento,
que encheu toda a casa onde eles se
encontravam. Viram então aparecer umas
línguas, à maneira de fogo, que se iam
dividindo, e poisou uma sobre cada um deles.
“Ficaram todos cheios do Espírito Santo e
começaram a falar outras línguas, conforme o
Espírito lhes inspirava que se exprimissem.
Ora, residiam em Jerusalém judeus piedosos
provenientes de todas as nações que há
debaixo do céu. Ao ouvir aquele ruído, a
multidão reuniu-se e Æcou estupefacta, pois
cada um os ouvia falar na sua própria língua.
Atónitos e maravilhados, diziam: ‘Mas esses
que estão a falar não são todos galileus? Que
se passa então, para que cada um de nós os
oiça falar na nossa língua materna? (…)
Ouvimo-los anunciar, nas nossas línguas, as
maravilhas de Deus!’
“Estavam todos assombrados e, sem saber
o que pensar, diziam uns aos outros: ‘Que
signiÆca isto?’ Outros, por sua vez, diziam,
troçando: ‘Estão cheios de vinho doce.’
“De pé, com os Onze, Pedro ergueu a voz e
dirigiu-lhes então estas palavras: ‘Homens da
Judeia e todos vós que residis em Jerusalém,
Æcai sabendo isto e prestai atenção às minhas
palavras. Não, estes homens não estão
embriagados como imaginais, pois apenas
vamos na terceira hora do dia. Mas tudo isto é
a realização do que disse o profeta Joel: Nos
últimos dias, diz o Senhor, derramarei o meu
Espírito sobre toda a criatura. Os vossos filhos e
as vossas filhas hão-de profetizar; os vossos
jovens terão visões e os vossos velhos terão
sonhos. [4]’”
Sem a subversão da festa judaica do
Pentecostes – da Lei do Sinai – não haveria a
festa aberta a todos os povos de todas as
línguas e culturas. É o anúncio da única
globalização desejável, a do Espírito que tudo
fecunda, sem nada apagar.
3. O Evangelho de S. João, ao terminar,
adverte: “Jesus realizou muitos outros sinais
na presença dos discípulos que não estão
escritos neste livro. Mas estas coisas foram
escritas para que acrediteis que Jesus é o
Cristo, o Ælho de Deus e, para que,
acreditando, tenhais vida em nome dele.”
Este Evangelho concentrou tudo no dia de
Páscoa: “Ao entardecer no mesmo dia,
primeiro da semana, e estando as portas
trancadas onde estavam os discípulos devido
ao medo dos judeus, veio Jesus e pôs-se de pé
no meio deles e diz-lhes: Paz para vós. E,
dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
Então os discípulos alegraram-se ao verem o
Senhor. Jesus falou-lhes de novo: Paz para vós.
Tal como o Pai me enviou, eu envio-vos a vós. E,
dizendo isto, soprou e diz-lhes: Recebei o
Espírito Santo.”
O seu Pentecostes deve tornar-se a missão
da Igreja entre todos os povos, de todos os
tempos. É o sonho do universalismo cristão!
[1] Cf. Wikipédia
[2] Cf. J. P. Audet, La revanche de Promété ou
le drama de la religion et de la culture, Rev.
Biblique, 73 (1964) 5-29
[3] Act 1, 1-2
[4] Act 2, 1-17
Escreve ao domingo

O que fazer com a vaga populista
Sem fronteiras
Teresa de Sousa
Como é que a União Europeia
vai lidar com esta tendência
cada vez mais forte, que
ameaça directamente
os seus fundamentos?
1.
O diário espanhol El País publicava
ontem um artigo descrevendo a
recente ofensiva de Giorgia Meloni
para tentar controlar a agenda
mediática e cultural de Itália, com
particular incidência na televisão
pública. Escreve o correspondente do jornal,
Daniel Verdú, que estas medidas, “em linha
com o seu desconforto nas conferências de
imprensa e a tensa relação que mantém com
os jornalistas, procuram construir uma
direita dura e hegemónica fora das margens
em que ela e o seu partido cresceram”. O seu
projecto de médio prazo é tirar da periferia
cultural essa direita, principalmente romana
e de origens pós-fascistas. Escolheu um
ministro adequado a este objectivo —
Gennaro Sangiuliano, jornalista, que veio da
RAI para o gabinete de Meloni — e que se
entreteve recentemente a teorizar sobre
Dante enquanto “fundador do pensamento
de direita”. O controlo da televisão pública é,
no entanto, a pedra-de-toque desta
estratégia. Sucedem-se as demissões e as
substituições.
Na entrevista que concedeu ao PÚBLICO, o
politólogo Giuliano da Empoli alertava para o
facto de haver duas Meloni, a que se
apresenta em Bruxelas, nas sedes da União
Europeia e da NATO, e a que dirige a política
interna italiana. A primeira apresenta-se
como uma líder amiga das duas instituições,
pró-europeia e pró-ocidental, ao contrário da
maioria dos dirigentes populistas e de
extrema-direita europeus. A segunda
prossegue uma agenda política destinada a
consolidar a sua ideologia e o seu programa
político. Os dois caminhos são compatíveis a
médio prazo? Qual é o risco para a União
Europeia do crescimento da influência
populista e nacionalista sobre os
Estados-membros, incluindo através do
respectivo controlo dos governos nacionais?
A questão é cada vez mais incontornável.
2. E isso leva-nos até Budapeste, onde o
primeiro-ministro Viktor Orbán já deixou de
se preocupar com o que se pensa sobre ele e
sobre o seu Governo, em Bruxelas ou na
maioria das capitais europeias. É contra a
integração europeia – recentemente teve o
arrojo de dizer que, tal como a União
Europeia, Hitler também queria uniÆcar a
Europa. Já consolidou o seu poder sobre a
imprensa, sobre os tribunais e, cada vez
mais, sobre todas as instituições em que
assenta uma democracia liberal. Não esconde
a sua ÆlosoÆa política, defendendo que é “o
povo” que decide quem governa, ponto Ænal
parágrafo, independentemente de quem tem
como função controlar o Governo e o seu
respeito pela lei. Olha para a Europa com o
mesmo olhar de Vladimir Putin: um conjunto
de sociedades decadentes e permissivas que
perderam as suas raízes cristãs, cada vez mais
ameaçadas pela imigração islâmica. É um
cultor, como parte da extrema-direita
italiana, da “teoria da substituição étnica” —
segundo a qual há uma “conspiração” para
substituir progressivamente a população
branca e cristã da Europa por imigrantes não
europeus. Nos Estados Unidos, esta é a teoria
preferida dos supremacistas brancos, que
hoje alimenta boa parte do Partido
Republicano, como é, de forma mais ou
menos explícita, o pensamento da
extrema-direita francesa, mesmo que Marine
Le Pen tenha assumido agora uma postura
mais institucional, que a obriga a alguma
moderação no discurso, deixando para
outros (como Eric Zemmour) a linguagem
mais ofensiva. Le Pen quer o poder e sabe
que nunca esteve tão perto de o conseguir.
Tal como Meloni, faz as concessões
necessárias.
Orbán entrou numa fase nova do seu
comportamento europeu. Até recentemente,
seguia o mesmo caminho de uma relativa
duplicidade prosseguido por Meloni desde
que chegou ao poder. No Conselho Europeu e
nas instituições da União evitava
transformar-se num obstáculo. O dinheiro de
Bruxelas ajudava, naturalmente, a manter
um comportamento razoável, apesar do
braço-de-ferro que trava com a Comissão
sobre o cumprimento das regras do Estado de
direito a que têm de obedecer todos os
países-membros. Com a invasão russa da
Ucrânia, que se tornou central na agenda
política europeia, o primeiro-ministro
húngaro deixou de ter qualquer pudor na
defesa das suas posições pró-Putin, ao ponto
de já não hesitar em bloquear algumas das
decisões europeias para penalizar a Rússia.
Sonha com a vitória de Donald Trump nas
eleições de 2024 — é o novo herói do Partido
Republicano. Numa palavra, deixou cair a
máscara, certamente porque três sucessivas
vitórias eleitorais e uma guerra onde se joga o
futuro da própria União Europeia o terão
levado a concluir que o tempo e o vento
jogam a seu favor.
3. Numa entrevista recente a um órgão de
comunicação social da Estónia, o
historiador britânico Timothy Garton Ash
dizia o seguinte: “O facto de Viktor Orbán
ter sido capaz de demolir a democracia
liberal — e, temos de ser claros, a Hungria já
não é uma democracia; é um regime
autoritário —, mantendo o seu estatuto
pleno de membro da União Europeia, é
profundamente chocante.” Uma das
consequências mais graves desta realidade,
diz ainda o historiador de Oxford que
dedicou os últimos trinta anos a estudar a
parte central e oriental da Europa libertada
do jugo soviético em 1989, é que “nos tira a
credibilidade”. “Quando percorremos o
mundo pregando a democracia, a liberdade,
o império da lei e os direitos humanos, seria
conveniente praticarmos o que dizemos.”
Garton Ash reconhece que os Estados
Unidos sofrem ainda mais profundamente
deste problema. “Creio que hoje há poucas
O jogo que Meloni joga
em Bruxelas e em Roma
é o mesmo que o
Governo de Varsóvia faz
desde o primeiro dia da
invasão russa da Ucrânia
GUGLIELMO MANGIAPANE/REUTERS
Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 11
pessoas no mundo que acreditam que os
Estados Unidos continuam a ser um modelo
de democracia, a cidade no topo da colina.”
4. A Hungria não é caso único, embora seja
um caso extremo. O jogo que Meloni joga em
Bruxelas e em Roma é o mesmo que o
Governo de Varsóvia faz desde o primeiro
dia da invasão russa da Ucrânia. O Governo
polaco, dominado por um partido também
ele nacionalista e conservador, nunca
escondeu o seu antagonismo a Bruxelas. A
violação das regras do Estado de direito,
com o progressivo controlo da comunicação
social e dos tribunais, seguiu um caminho
idêntico ao de Budapeste, tal como as
tentativas de revisão da História,
nomeadamente em torno da questão judaica
e do Holocausto. O facto de estar na linha da
frente do apoio à Ucrânia distingue-a da
Hungria de Orbán, mas não da sua agenda
interna.
Os dois países comungam a mesma
política anti-imigrantes que caracteriza
quase todos os partidos populistas e
extremistas europeus, incluindo os Irmãos
de Itália de Meloni e a Liga de Salvini. Orbán
continuará a boicotar qualquer revisão da
política de imigração europeia que implique,
por exemplo, uma distribuição mais
equitativa dos que procuram na Europa o
seu futuro. Varsóvia tem recebido a maioria
dos refugiados ucranianos. Na Polónia,
talvez ainda seja possível uma alternância
pacíÆca do poder. Na Hungria, isso começa a
parecer cada vez mais impossível.
5. A questão que se põe é saber como é que
a União Europeia vai lidar com esta
tendência cada vez mais forte, que ameaça
directamente os seus fundamentos. Os
tratados prevêem a suspensão de um país
que viole as regras da democracia, do Estado
de direito e do respeito pelas minorias. Para
tomar uma tal decisão, é preciso
unanimidade menos um, o que diÆcilmente,
nas actuais circunstâncias, seria viável. Há a
penalização dos fundos, que a Comissão tem
utilizado até agora com algum sucesso na
Polónia, mas ainda não na Hungria.
O risco maior do populismo é a
banalização da sua linguagem e das suas
ideias, tornando-as aceitáveis por uma
maioria. O segundo grande risco é quando
os partidos democráticos caem na tentação
de falar em nome do “povo”, com o
objectivo de retirar legitimidade às elites
políticas, incluindo aos governos
democraticamente eleitos. Todos os
populismos falam em nome do “povo”,
mobilizando a sua raiva, os seus
ressentimentos, as suas queixas contra as
elites, que “descolaram” dos seus interesses
e sentimentos. Os democratas falam de
portugueses, franceses ou espanhóis, na sua
imensa diversidade. Nas democracias, não
há “povo”. Há eleitores e há indivíduos com
os seus interesses colectivos e individuais.
Parece um pormenor? É o essencial. O
populismo e os extremismos, como diz
Giuliano da Empoli na mesma entrevista,
começam com a linguagem.
Jornalista. Escreve ao domingo
12 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023
Política Convenção do Bloco de Esquerda
BE entre as críticas
ao PS “padrasto do
populismo” e os apelos
à união da esquerda
No último discurso, Catarina Martins justiÄcou a “geringonça” e o
seu Äm e disse ver o Bloco a crescer nas ruas. Mariana Mortágua,
a senhora que se segue, promete um partido “intransigente”
Ana Bacelar Begonha
O BE arrancou ontem a convenção
nacional em que Catarina Martins vai
deixar a liderança do partido ao Æm
de quase 12 anos. Antes da comemo-
ração que se prevê para hoje, altura
em que Mariana Mortágua será eleita
coordenadora, o primeiro dia foi de
emoção perante a despedida da líder
cessante, que, ao longo do dia, rece-
beu agradecimentos e elogios dos
militantes que encheram o Pavilhão
do Casal Vistoso, em Lisboa. Mas foi
nas críticas à maioria absoluta do PS
— contra a qual os bloquistas se que-
rem aÆrmar e que acusam de degra-
dar o país e promover a extrema-di-
reita —, bem como nas promessas de
um BE “forte” e “capaz de mobilizar”,
que o debate se centrou.
Embora tenha feito o último discur-
so enquanto líder, Catarina Martins
continua de olhos postos no futuro e
garante que a sua saída da coordena-
ção não é “uma despedida”. Vai con-
tinuar a “caminhar aqui, como sem-
pre”, como, aliás, prova o facto de
continuar a integrar a mesa nacional
e a comissão política. Não deixou,
ainda assim, de fazer um balanço da
década à frente do partido, em que
recordou as voltas dadas ao país e as
conquistas políticas: a revelação de
“escândalos Ænanceiros”, “o respeito
na lei por todas as famílias”, o “direi-
to a um salário” dos trabalhadores
das plataformas e em especial a lei
que despenaliza a morte medicamen-
te assistida, ou “lei João Semedo”.
“Poucas coisas me orgulham mais
que a ver promulgada”, aÆrmou,
arrancando uma salva de palmas.
Catarina Martins também se atirou
à maioria absoluta do PS, que critica
por se ter tornado no “padrasto de
todo o populismo”. Acusou o PS de
“arrogância”, de degradar “a vida
pública”, de estar “enredado nos seus
próprios erros” e “guerras internas”,
de promover um “modelo de econo-
mia e de injustiça social” ou de “con-
taminar todo o debate democrático”.
Para Catarina Martins, é o PS que con-
tribui para “estender a passadeira ao
regresso dos piores fantasmas do pas-
sado”, isto é, para o crescimento da
extrema-direita.
“A maioria absoluta do PS é tudo o
que se podia esperar de uma maioria
absoluta”, disse. O PS “achou que
chegara o seu momento cavaquista”,
ao “provocar uma crise política” para
ter “maioria absoluta” e, “agora, não
sabe o que fazer com a sua vitória”,
observou.
O discurso serviu também para
justiÆcar a “geringonça” e o seu Æm:
o Bloco não se arrepende de ter feito,
em 2015, um acordo com o PS para
“salvar o país da direita”, tal como
não se arrepende da “coerência” de
ter votado contra o Orçamento do
Estado (OE) para 2022, que não res-
pondia à “saúde” e aos “direitos labo-
rais”, depois de o PS ter recusado
“qualquer acordo à esquerda”.
E Æcou ainda deÆnida a posição
actual dos bloquistas face a entendi-
mentos com os socialistas: “Fizemos
o que tínhamos de fazer” e “faremos
o mesmo sempre que nos disserem
para escolher entre uma conveniên-
cia partidária e o cuidado que a demo-
cracia deve ao SNS ou ao direito de
quem trabalha”, avisou.
A ainda coordenadora admite que
Não foi nenhuma
oposição que criou
os problemas
que os ministros
inventam. São
auto-inÅigidos
e a arrogância
ampliÄca-os
Catarina Martins
Porta-voz do BE
a derrota eleitoral das legislativas de
2022 — em grande parte motivada
pelo chumbo do OE — “deixou feri-
das”, mas considera que é essa “coe-
rência” do BE que também permite o
“crescimento que já sentimos na rua
e que até as sondagens já reconhe-
cem”. Foi com optimismo que projec-
tou os próximos tempos do BE, garan-
tindo que o partido tem “força para
o que está por vir” junto das “grandes
mobilizações unitárias”. “Queremos
toda a força da esquerda junta”, aÆr-
mou.
Na sua curta intervenção, a bloquis-
ta agradeceu aos fundadores, Fran-
cisco Louçã, Fernando Rosas e Luís
Fazenda, aos já falecidos João Semedo
e Miguel Portas, às camaradas como
Mariana Mortágua e Marisa Matias,
ou ao líder parlamentar Pedro Filipe
Soares. O discurso foi recebido com
aplausos pelos militantes, que Cata-
rina Martins cumprimentou no Ænal, Catarina Martins passa o testemunho a Mariana Mortágua e as duas conta
visivelmente emocionada.
Mortágua vs. Soares
Também Mariana Mortágua, na
apresentação da sua moção, dispa-
rou contra a maioria absoluta de
“prepotência e conluio com os pode-
res mais opacos do país”, cuja
“sucessão de irresponsabilidades” se
dedicou a listar: a “crise política para
bloquear um orçamento” (o de
2022), o “festival de facilidades” às
elites económicas, a “resposta à
inÇação” e “tratar como estúpidas as
pessoas que estão a ser empobreci-
das”.
Alinhou, assim, pela ideia de que
“a política do centro”, em que inclui
o PS de António Costa, é o “vírus mais
perigoso”, porque fomenta a “necro-
política”, isto é, a “política da extre- resposta. Defendendo que “não esta- Pedro Soares, fez o debate para den-
ma-direita”. “Face à extrema-direita mos condenados à degradação e ao tro, pedindo “diálogo”, “pluralida-
que vem conquistando posições por vexame que a maioria absoluta impõe de”, “lições tiradas e responsabilida-
toda a Europa, a política do centro a Portugal”, garantiu que a esquerda des assumidas” perante as derrotas
são palavras vazias que alimentam pode “recuperar forças” e “unir von- eleitorais passadas que, para o ex-de-
ressentimento e medo”, declarou, tades sociais” e que será “intransigen- putado, se devem aos “anos de troca”
considerando que é “do ataque à te”. “O dever da esquerda é ser unitá- do “programa” dos bloquistas “pela
soberania democrática que se alimen- ria e combativa, é falar claro e mobi- procura de acordos com o PS”.
ta o vírus da direita”. lizar o povo”, aÆrmou. O representante da moção E defen-
Mortágua quis mostrar que tem Já o porta-voz dos críticos internos, deu, por isso, que se deÆnam “linhas

am com Marisa Matias. Convenção do Bloco decorreu morna em Lisboa
inultrapassáveis” perante o PS e que
o BE se assuma como uma “esquerda
polarizadora”, em vez de “Æcar por
declarações de princípio de largo
espectro”, para combater a actual
“crise social”.
Pedro Soares criticou ainda a posi-
ção do BE sobre a guerra da Ucrânia
(um ponto em que os opositores inter-
nos se têm tentado diferenciar), que
diz ser igual à do Governo e da NATO.
Assim como censurou o grupo parla-
mentar por ter acompanhado a dele-
gação da Assembleia da República
que foi este mês a Kiev e convidou o
Presidente do Parlamento ucraniano,
que apelidou de “neonazi”, a vir a
Portugal.
ntos que dividi-
Este foi um dos pontos
ram repetidamente as duas moções,
numa convenção em que, de resto,
obre a necessi-
o consenso foi geral sobre
dade de aÆrmar o BE como alter-
nativa de esquerda, através
avés da
mobilização social nas
ruas, combatendo o
neoliberalismo, a
maioria absoluta e a
extrema-direita.
Mesa nacional quase não muda
A
lista de candidatos da
moção A à mesa nacional é
de continuidade e mantém
praticamente os mesmos
nomes. Destacam-se Mariana
Mortágua, Pedro Filipe Soares,
Marisa Matias, Jorge Costa,
Joana Mortágua, Fabian
Figueiredo, Catarina Martins,
José Soeiro, Isabel Pires, Adriano
Campos, Leonor Rosas, Moisés
Ferreira, José Gusmão, Luís
Monteiro, Mariana Aiveca, Luís
Fazenda, M Maria Manuel
Migu Cardina,
Rola, Miguel
Me
Marco Mendonça, Nelson
Jo Manuel
Peralta, José
C
Pureza, Cecília Honório
Tia Gillot.
ou Tiago
N
Nota-se,
c
contudo, a saída
de Beatriz
Gomes Dias,
vereadora da
FOTOGRAFIAS: MATILDE FIESCHI
Câmara Municipal de Lisboa e
ex-deputada.
Já a lista E é encabeçada pelo
candidato a coordenador do BE
Pedro Soares. Mantêm-se como
candidatos a membros da Mesa
Nacional Adelino Granja, Carlos
Matias, Mário Tomé, Rui Cortes e
António Soares Luz.
Quanto à alteração de
estatutos, a comissão política
vai poder propor os primeiros
candidatos do partido nas listas
a eleições legislativas e
regionais e, se existir mais do
que uma proposta, serão
votadas em alternativa pela
mesa nacional.
A paridade de género nas
listas para os órgãos internos
passa de um terço para 40/60 e
passa a ficar escrito que “é
respeitada a autodeterminação
e identidade de género”. Lusa
Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 13
Fundadores atiram ao PS
Rosas: “Mariana, somos
a tua infantaria”
Mariana Marques Tiago
Quando Francisco Louçã iniciou o
seu discurso, fez-se silêncio na con-
venção nacional do Bloco de Esquer-
da. “Um ano depois [de o PS ganhar
as eleições], a maioria absoluta é um
fantasma”, começou por dizer, ques-
tionando depois directamente o par-
tido e os socialistas: “O que Æzeram
com a vitória e onde está a estabilida-
de em Portugal?”
Apontando a falta de estabilidade
no sector da saúde, a inexistência de
habitação e a inÇação elevada que
continua a afectar o país, Louçã ata-
cou o Governo socialista ainda com
mais força: “Palavra dada não foi
palavra cumprida” e isso “enfraque-
ce a República”. “O desastre da maio-
ria absoluta está a corroer a conÆan-
ça democrática. E o perigo vem de
dentro.”
As intervenções dos três fundado-
res Luís Fazenda, Francisco Louçã e
Fernando Rosas foram alguns dos
momentos altos da tarde e focaram-se
na situação económica em que o país
se encontra e no Governo de António
Costa. Mas houve ainda espaço para
deixar uma palavra de apoio à próxi-
ma líder, Mariana Mortágua, e abor-
dar um dos temas mais “quentes” do
dia: a Ucrânia.
O último a tomar a palavra foi Fer-
nando Rosas, que continuou a crítica
ao Governo: “São os efeitos da maio-
ria absoluta do PS que alimentam a
extrema-direita.”
O discurso baseou-se em três ques-
tões: “Existe um perigo real da extre-
ma-direita em Portugal? Sim”, disse.
Isto porque há uma “manipulação
do medo e da raiva” com origem no
aumento do desemprego e da preca-
riedade, na queda dos salários e no
colapso do SNS. Estamos perante
“uma crise social fruto da rendição
da maioria absoluta do PS”, acres-
centou.
E questionou então: “É possível
combater o perigo da extrema-direita
aceitando a governação do PS?” Não,
porque é a actual maioria absoluta
que a alimenta, respondeu. Então, “o
que fazer?”, questionou: lutar contra
“o modelo de sociedade que o capi-
talismo neoliberal procura impor”,
lutando por uma vida digna e habita-
ção e pela salvaguarda do SNS e da
escola pública.
Para terminar, Rosas quis agrade-
cer a Catarina Martins pelo que fez
enquanto líder do partido e aconse-
lhou-a a guardar “o fôlego, porque a
luta continua”. O fundador aprovei-
tou ainda para expressar o seu apoio
a Mariana Mortágua, que será hoje
eleita líder do BE: quero “desejar-te
lucidez e sorte. Sabes que podes con-
tar connosco, somos a tua infanta-
ria”.
Já Luís Fazenda decidiu abordar a
situação económica que o país atra-
vessa. “A dívida portuguesa tenderá
a crescer e a estrangular o investi-
mento público”, que actualmente já
“está baixíssimo”. “O estrangula-
mento do investimento público tem
de terminar. Transição energética,
educação, estado social… Tudo isto
requer investimento”, alertou o blo-
quista.
No Ænal, Fazenda criticou os
apoiantes da moção da oposição.
“Não se pode dizer que queremos
Putin fora” e depois dizer, em entre-
vista, que parte da Ucrânia pode tor-
nar-se parte da Rússia. O bloquista
falava da entrevista que Mário Tomé
deu ao Observador, na qual mencio-
nou que, na revolução russa, os bol-
cheviques aceitaram que a Alemanha
Æcasse com parte do território para
alcançar a paz. “Se os ucranianos
decidirem partilhar o território, essa
decisão é dos ucranianos. Ou a
esquerda respeita a autodetermina-
ção dos povos, ou os fascistas avan-
çam”, concluiu Fazenda.
14 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023
Política
Um ano de
Montenegro,
um dilema e
zero programa
Com novo líder, PSD subiu nas
sondagens, mas não apressou programa,
nem descartou completamente o Chega
Henrique Pinto de Mesquita
Um ano passou desde 28 de Maio de
2022: noite em que Luís Montenegro
foi eleito líder do PSD. Em termos de
políticas concretas, deste ano desta-
ca-se o programa de emergência
social, a proposta de revisão consti-
tucional, o programa de atracção de
imigrantes e o programa “Novo Cami-
nho” para combater a crise da habi-
tação. Mas são propostas avulsas, já
que o programa eleitoral do PSD está
“deliberadamente” a “zero”, embora
se admita que, em caso de “emergên-
cia”, poderá Æcar pronto “em 15 dias”.
Em termos políticos, Montenegro
ainda não disse, ipsis verbis, que afas-
ta o Chega para possíveis soluções
governativas — apenas sugeriu. E nas
sondagens, apesar da subida, está
taco a taco com o PS.
Apesar de habitualmente criticado
por não oferecer alternativas às polí-
ticas do actual Governo, o PSD tem
apresentado no Parlamento concre-
tizações legislativas dos programas
avulsos que vai anunciando.
O primeiro, logo em Agosto — cerca
de um mês depois de tomar posse —,
tratou-se do “programa de emergên-
cia social”, que procurava apoiar as
famílias e as empresas no combate à
inÇação. Convertido em projecto de
resolução — ou seja, numa recomen-
dação ao Governo —, este programa
propunha, entre outras coisas, que o
Estado atribuísse um vale alimentar
de 40 euros por mês a todos os pen-
sionistas e reformados que auferis-
sem até 1108 euros mensais e a todos
os cidadãos em vida activa com ren-
dimentos até ao terceiro escalão do
IRS. Além disso, defendia a redução
temporária da taxa de IVA para 6%
nos combustíveis, gás e electricidade.
Foi rejeitado em Setembro.
Em Outubro, o Chega apresentou
um projecto de revisão constitucional
ao qual o PSD, em Novembro, respon-
deu com outro e levou a que os
demais partidos também o Æzessem.
O projecto do PSD, mais abrangente
do que o do PS, propunha, entre
outras, alterações ao sistema político
(como a defesa de mandato único do
Presidente da República ou a redução
de deputados para 215) e o reforço da
autonomia regional.
Neste momento, a discussão em
torno da nova letra da Constituição
decorre em comissão parlamentar,
havendo dois principais temas em
que PSD e PS convergem: o acesso a
metadados por parte das “secretas”
e a privação da liberdade para doen-
tes graves em caso de emergência
sanitária. Mas esta convergência não
equivale a acordo: esta semana, na
Madeira, Montenegro aÆrmou que,
se o PS quiser “mudar apenas duas
coisas” na Constituição, “não haverá
adesão do PSD”.
Em Novembro, Montenegro aÆrmou
que a atracção de imigrantes era uma
“grande prioridade” e desaÆou o PS
para um “pacto nacional”. Ficou sem
resposta e, em Janeiro, o PSD avança- Luís Montenegro uniu o partido e subiu nas sondagens, apresentou propostas avulsas e correu o país
va com uma acção legislativa, levando
a debate um projecto de lei que visava entre outras propostas do PSD, a considerar todos os atributos”, aÆrma
um programa nacional de atracção, aprovação da Çexibilização dos licen- Pedro Duarte, fazendo notar que nes-
acolhimento e integração de imigran- ciamentos e as medidas Æscais de te momento o CEN está a “ouvir a
tes, bem como a Agência Portuguesa incentivo ao arrendamento. sociedade civil portuguesa”.
para as Migrações e Asilo (APMA), Também o Movimento Acreditar,
extinguindo o Alto Comissariado para Estamos Programa a “zero” plataforma de discussão com a socie-
as Migrações. Em Janeiro, a proposta Para já, o PSD escreveu “zero” por dade civil do PSD, liderada por Pedro
acabaria chumbada, apesar da con-
preparados para, cento do seu programa eleitoral. Uma Reis, tem auscultado a população à
vergência quanto à APMA, entretanto se for necessário, decisão deliberada — explica ao boleia do “Sentir Portugal” (périplo
criada pelos socialistas. PÚBLICO Pedro Duarte, coordenador que Montenegro tem feito pelo país).
Desde a sua eleição que Montene-
em 15 dias activar do conselho estratégico nacional Os dados e ideias recolhidos servirão
gro vem defendendo uma política um programa de (CEN) e por isso responsável por dese- para complementar o programa elei-
migratória que possa travar o declínio nhar o programa eleitoral do partido toral e soÆsticar a estratégia do parti-
demográÆco, atrair talento e respon-
emergência — e que de nenhum modo descalça os do. Na experiência de Pedro Reis,
der a necessidades de mão-de-obra. Pedro Duarte sociais-democratas. “Estamos prepa- Montenegro preocupa-se fundamen-
Em Fevereiro, após defender “Æscali- Coordenador do CEN rados para, se for necessário, em 15 talmente em “identiÆcar os bloquea-
zação” e “planeamento” da imigração dias activar um programa de emer- dores de crescimento sustentável e
na sequência do incêndio na Mouraria gência”, revela, após rejeitar que esta tudo o que toque na vida das pes-
que vitimou dois indianos, Montene- rando eliminar “burocracias e obstá- crise política tenha acelerado o pro- soas”, considerou ao PÚBLICO.
gro foi acusado de xenofobia. Dois culos desnecessários” —, a redução cesso de escrita. Apesar de não ter
meses depois, num jantar com empre- da carga Æscal — aumentando as sido ainda escrita uma vírgula do pro- Chega ou não Chega?
sários, o líder do PSD reiterou a impor- deduções em sede de IRS relativas ao grama eleitoral, o seu responsável Ao longo deste ano, outra discussão
tância dos imigrantes para alavancar pagamento de rendas e de juros dos informa que a preparação deste está muito badalada na São Caetano à
a economia portuguesa. créditos à habitação — e que as autar- já numa fase avançada. Lapa foi sobre coligações: deverá ou
Uma quarta área que mereceu par- quias pudessem transformar imóveis “A base está muito avançada, diria não o PSD aceitar o apoio do Chega?
ticular atenção do PSD foi a da habi- devolutos do Estado em projectos aí nos 80%, mas ainda não escreve- Em Abril, em entrevista à CNN/TVI,
tação. Entre outras coisas, o PSD habitacionais. Em Março, responden- mos o programa eleitoral por causa Montenegro rejeitou coligações e até
propôs a agilização dos processos de do ao repto do Presidente da Repú- de uma lógica de abertura. Queremos apoio parlamentar de “xenófobos”,
licenciamento e construção — procu- blica, a abstenção do PS viabilizou, ter o programa eleitoral aberto para “oportunistas”, populistas” e “ima-

turos”, mas nunca utilizou a palavra
“Chega”. Não obstante, este último
partido considerou que a mensagem
era para si e descreveu-a como “uma
tremenda irresponsabilidade” por
parte de Montenegro. Confrontado
pelo PÚBLICO sobre se Montenegro
se referia ao Chega, Hugo Soares,
secretário-geral do PSD, deu uma res-
posta idêntica à do líder: “Há um par-
tido que enÆou o barrete.” Se por um
lado é claro se referem ao Chega, por
outro não é, porque não o concreti-
zam.
Há uma semana, Cavaco Silva, ex-
Presidente da República, além de
insuÇar a liderança de Montenegro,
deixou-lhe também um conselho: não
fazer coligações pré-eleitorais. Ao
PÚBLICO Hugo Soares garante que o
tema das coligações não foi “sequer
abordado na CPN”. “Não há sequer
previsão de eleições, pelo que é
extemporâneo discutir acordos pré-
eleitorais”, concretizou. Na sua opi-
nião, a mensagem de Cavaco não traz
“novidade” e tem o mesmo conteúdo
do “discurso de Luís Montenegro”.
“Se há alguma coisa que se destaca é
PAULO PIMENTA
é a consonância com o presidente do
partido”, concluiu.
Outro indicador da liderança é o
facto do PSD ter subido nas sonda-
gens. Na última antes da sua eleição,
realizada pela Intercampus em Maio
de 2022, o PSD tinha 21,1% face a
39,4% do PS. Um ano depois, a mes-
ma empresa dá 25,5% ao PSD e 25,7%
ao PS. Desde o início do ano que as
empresas de sondagens têm colocado
o PSD e o PS taco a taco, embora os
socialistas surjam à frente.
Para Hugo Soares, esta subida deve-
se a uma “dinâmica interna muito
forte” que reacendeu “a chama do
partido”. A seu ver, além de mostrar
“unidade em torno da liderança”, a
subida “aÆrma o PSD como alternati-
va”. “Um ano depois de o PSD ter
perdido para um PS com maioria
absoluta, hoje todos os estudos de
opinião ou dão empate técnico ou [o
PSD] à frente. Inverteu-se uma grande
tendência”, diz ao PÚBLICO. Ainda
assim, aos seus olhos, “não é suÆcien-
te”. “Queremos aÆrmar o PSD como
alternativa de esperança e conÆança
para os portugueses”, terminou.
União em torno do líder
Com a ala “rioísta” em silêncio,
Montenegro conseguiu pacificar o PSD
Margarida Gomes
Com a eleição de Luís Montenegro
para a liderança dos sociais-democra-
tas há um ano, desapareceu o burbu-
rinho que marcou os dois mandatos
do seu antecessor, Rui Rio, e o PSD
mergulhou numa onda de paciÆcação
interna, sem frentes de contestação,
um contexto que permite à direcção
do partido preparar-se para o comba-
te das europeias, a 9 de Junho de
2024, e autárquicas, um ano depois.
Não há tradição de um líder do PSD
na oposição ter o apoio de todas as
estruturas (concelhias e distritais),
“um cenário que não surpreenderia
se Luís Montenegro estivesse no
poder”, evidencia fonte do partido,
observando que, sem oposição inter-
na, o “sucesso” ou o “insucesso” que
o partido tiver nas europeias e nas
autárquicas são da “exclusiva respon-
sabilidade” da direcção .
Três líderes de estruturas do PSD
com quem o PÚBLICO falou fazem
um balanço positivo dos primeiros
quase 11 meses de presidência de
Montenegro e destacam a relação de
proximidade que tem vindo a ser cul-
tivada com as concelhias e as distri-
tais. E não resistem a fazer compara-
ções com a liderança de Rui Rio.
“Há uma proximidade muito gran-
de do líder com as bases e, simulta-
neamente, das bases com o líder, e
essa proximidade e empenho ajudam
a reactivar a alma do PSD, que quase
se perdeu”, aÆrma Paulo Ribeiro,
líder da distrital de Setúbal.
“Há uma diferença abissal entre o
actual líder e o seu antecessor. Rui Rio
não gostava de estar com as bases”,
aÆrma Paulo Ribeiro, vincando que
“esta proximidade está a dar os seus
frutos porque as pessoas sentem que
Luís Montenegro é um líder próximo,
atento e empenhado”.
Também o presidente da concelhia
do PSD-Porto, que liderou a distrital
durante vários mandatos, elogia Mon-
tenegro por estar próximo das estru-
turas e ser um líder presente. “Ao
longo do ano, percorreu o país, no
âmbito do Sentir Portugal — uma pro-
messa que assumiu no encerramento
do 40.º Congresso do PSD, o que, do
ponto de vista daquilo que é a máqui-
na partidária, é visto com bons
olhos.” Na opinião de Alberto Macha-
do, “estes contactos com as empre-
sas, com os comerciantes de rua,
ajudam a consolidar não só a imagem
do líder junto dos portugueses como
uma pessoa próxima, mas também o
ajuda a perceber as diÆculdades de
cada região e, a partir daí, extrapolar
políticas que possam ser apresenta-
das no futuro”.
Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 15
Política
gia de oposição seguida pelo líder. Há
um ano, na apresentação da sua can-
didatura assumiu que a sua oposição
ao Governo será “corajosa”, “impla-
cável” e “pronta a governar”. Dias
depois Cavaco Silva deu respaldo à
candidatura do social-democrata e,
em entrevista à CNN Portugal, decla-
rou: “Tenho a ideia de que Luís Mon-
tenegro tem muito claro na sua cabe-
ça como é preciso fazer oposição,
neste momento, para dar um futuro
melhor ao nosso país.”
Por estes dias, Cavaco voltou à car-
ga e a dar respaldo a Montenegro.
Arrasou o Governo, que disse ser
“incompetente e mentiroso, desarti-
culado e desnorteado, sem rumo nem
estratégia”, para depois se focar em
O silêncio de Rui Rio contribui Luís Montenegro, dizendo que é
para a pacificação do partido “alternativa sólida”. E aproveitou
para alÆnetar o Presidente da Repú-
Já Paulo Leitão, da distrital de blica: “O PSD tem vindo a apresentar
Coimbra, não teme que as escolhas alternativas e a defender causas que
para as listas das europeias e das permitem inverter o declínio político
autárquicas perturbem a relação e social em que o país se encontra. É
entre a direcção e as estruturas parti- totalmente falsa a aÆrmação de que
dárias, desde que “haja mérito nas o PSD não tem apresentado políticas
escolhas” e as “pessoas percebam alternativas ao poder socialista.”
porque é que foram tomadas as deci- No partido todos concordam que é
sões”. “De um líder não se espera que visível que o PSD está a funcionar
agrade a todos”, frisa, sustentando para dentro, junto das estruturas,
que “as lideranças têm de fazer porque o partido está unido, mas há
opções que geram sempre contenta- quem considere que, “se calhar, essa
mento e descontentamento”. evidência não está a funcionar tão
Com a ala “rioísta” em silêncio, o bem para fora e isso deve-se ao facto
PSD está paciÆcado, porém, a nível de a oposição ser apenas de contes-
da bancada parlamentar, há algum tação e não de apresentação de pro-
descontentamento quanto à estraté- postas alternativas”.
Circulação Condicionada | A29
Na A29, de 1 a 24 de junho, das 21h às 07h, realizaremos
trabalhos de beneficiação do pavimento, que implicarão alguns
condicionamentos de tráfego nas seguintes vias de acesso:
Nós Vias afetadas
Acesso da A1(IC2) para A29, sentido Arrábida/
IC2
Arcozelo
A20(Freixo) Acesso da A20 para A29, Sentido Grijo/Arcozelo
Os condicionamentos e desvios estarão
devidamente sinalizados nos locais.
Para mais informações consulte regularmente o
site Ascendi utilizando o código QR ao lado, aceda
a www.ascendi.pt ou ligue 229 767 767 (24H).
Ascendi Costa Prata, Auto-Estradas da Costa Prata, S.A.
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A cirurgia na primeira linha
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vęijĿńì·Ċǫ Não obstante ser um cancro de evolução
rápida – sobretudo o tipo mais frequente,
o carcinoma seroso de alto grau – é também

C
erca de 560 mulheres, em Portugal,
são diagnosticadas todos os anos com
cancro do ovário, um diagnóstico
que, na maioria das vezes, ocorre em fases
tardias desta que é a neoplasia ginecológica
a propósito, que o facto de os ovários estarem
muito próximos do aparelho urinário e do
aparelho gastrointestinal faz com que os sin-
tomas possam ser interpretados como sendo,
por exemplo, infecções urinárias. “São muito
uma doença que geralmente responde me-
lhor a quimioterapia. A cirurgia surge como
principal opção de tratamento ao dispor das
equipas clínicas.
Uma opção que – enfatiza a especialista – deve
com a maior letalidade – mais de 400 mortes
E?ť
M ser sempre tomada em contexto de equipa
anuais, no país.
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ÕęÙđÒ·
ķöĊÙđÏöęķ·
Em mais de 75% dos casos, o cancro do ovário
é diagnosticado em estadios mais avançados.
É a médica oncologista Cristiana Marques
que traça este quadro, explicando os moti-
ŧĩʝŧ v?ťʝť?ťťť 
disso, é uma doença pouco comum, pelo que
nem sempre é a primeira a ser considerada
no diagnóstico médico. Deixa, por isso, uma
mensagem: “Sempre que estes sintomas per-
sistem, tem de haver uma avaliação porme-
norizada, mais aprofundada, para excluir
esta entidade.” Isto porque um diagnóstico
tardio vai impactar o prognóstico: “Quanto
multidisciplinar, envolvendo o ginecologista,
o cirurgião, o oncologista, o radiologista e ao
anátomo-patologista. É esta a recomendação
das guidelines internacionais e – assegura
Cristiana Marques – está provado que a ci-
rurgia é a abordagem com maior impacto no
prognóstico. O tratamento é individualizado
à doente e à doença. Após o diagnóstico, é fei-
vos para o diagnóstico tardio: “Ao contrário
ť- to o estadiamento, com recurso a métodos de
do que acontece, por exemplo, no cancro da
mama, em que há um nódulo, que a própria
EʝŧE
ťŧ ŧ ʝŧťťť 
sia, maior o sucesso do tratamento”, resume. imagiologia, de modo a perceber a dimensão
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ť ťīŧ M ťŧ  ť ‡ťťʝť Mťĩ

mulher consegue detectar, o ovário está es- de ser uma doença agressiva, que cresce rapida- ser operada ab initio: “Fazer a cirurgia logo de
condido na cavidade pélvica e, muitas vezes, > .ʝŧť  
E ť E
    início é, muitas vezes, a primeira abordagem,
quando surgem os sintomas já o tumor se uma consulta ginecológica recente em que sendo que, para isso, tem de haver potencial
disseminou para o peritoneu, que é a mem- Ĥ  M ʝŧťť
Eť

E ť
ť‡Ĥ ? ? - de o tumor ser completamente removido.
brana que reveste a cavidade abdominal.” manas ou meses depois, a doença já ter pro- Quando assim não acontece, o que habitual-
Assim se explica que este cancro seja descrito gredido. Daí que – esclarece Cristiana Mar- mente aconselhamos é começar por quimio-
NP-PT-NRP-OGM-230011 | 05/2023

como uma doença silenciosa. Quase sempre ques – não se recomende uma avaliação uma terapia neoadjuvante, de modo a diminuir
é em contexto de urgência que as mulheres vez por ano, como no rastreio de outras pa- o volume do tumor, para cirurgia posterior”,
são investigadas, com quadros que envolvem, tologias oncológicas: vários estudos mostra- explica a médica oncologista. À cirurgia se-
por exemplo, distensão abdominal persistente ou ť
EĤ ʝŧťťŧ ťŧ‡Ĥ  gue-se geralmente um período de tratamento
sintomas do foro urinário. A especialista nota, e no diagnóstico da doença. de quimioterapia.

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ìÙķĿÌę
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ÕęÙđÒ·
Nos últimos anos o paradigma da gestão desta
doença tem vindo a alterar-se com o desenvol-
vimento de novas opções terapêuticas. O aces-
so às mesmas, por vezes, continua a apresen-
tar enormes discrepâncias a nível europeu.
Os doentes portugueses, por exemplo, têm de
esperar 713 dias para ter acesso à mais recente
inovação oncológica, enquanto na Alemanha,
o mesmo doente apenas espera 102 dias (dados
do Wait Indicator, 2022).
Esta situação, no caso do cancro do ovário pode
ser particularmente preocupante, na opinião
de Cristiana Marques: “O que queremos evitar
é que haja uma recaída, porque, quando isso
acontece, já estamos a falar, muitas vezes, de
um contexto paliativo”, descreve a médica on-
cologista, defendendo que, sendo as recidivas
comuns, “faz muito sentido utilizar todas as
estratégias para as evitar”. Os medicamentos
de manutenção permitem-no e, mesmo quan-
do não o conseguem, prolongam o período em
que a doente está livre de quimioterapia, em-
purrando a recaída no tempo. Além disso, “na
primeira linha, há até um grupo de doentes
CONTEÚDO
COMERCIAL
carnes brancas e o peixe, e excluindo os produ-
tos processados, as carnes vermelhas, o tabaco

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XŒW$y_}
e as bebidas alcoólicas.
O exercício físico assume um papel primor-
dial, inclusive em contexto de doença, na me- 560
dida em que contribui para minimizar os efei- São os novos casos que surgem,
tos secundários dos tratamentos, bem como por ano, em Portugal; 1
ajudar a superar todas as etapas da jornada
das doentes.
A estes cuidados juntam-se outros, como cum-
40ƀ
É este o número de mortes,
prir o calendário de vacinação, nomeadamen- anuais, em Portugal; 1
te do HPV (Vírus do Papiloma Humano, rela-
cionado com o cancro do colo do útero), mas 10 em 100 mil
também os rastreios existentes, nomeada-
mente do cancro da mama.
mulheres Estima-se que seja esta a
incidência da doença na
E “estar sempre atenta ao corpo”, a sinais como Europa; 2
distensão abdominal persistente; perda de ape-
tite; perda de peso; cansaço extremo; enfarta-
mento precoce; urgência urinária; e alterações
žŻ
·đęķ
O diagnóstico acontece,
do trânsito intestinal (diarreia ou obstipação). em média, nesta idade; 3
“É preferível procurar ajuda médica, em vez de
W·öķ
ÕÙ
75%
ignorar. A pessoa tem medo do que vai encon-
trar, mas, quanto mais tarde, pior é. Além de É a percentagem de casos
que há cada vez melhores resultados, os trata- diagnosticados em estadio
mentos são cada vez mais bem tolerados.” avançado; 4
E ťʝŧťŧEť >v
Cristiana Marques explica que o cancro do
ovário possui uma forte componente heredi-
ŷť? ŧ  ť Eť‡Ĥ  Mŧť ť ʝŧťy
em cerca de 15 a 20% dos casos. É uma muta-
ção que predispõe para o aumento de várias
neoplasias, nomeadamente a do ovário: com-
parativamente à população em geral, a muta-
ção BRCA1 corresponde a um risco de 36 a 53%
de desenvolver cancro do ovário, enquanto
a BRCA2 está associada a um risco de 11 a 25%.
O enorme impacto da inovação farmacológi-
ca é evidenciado pela forma como esta trans-
formou o prognóstico na área da oncologia
na qual, apenas entre 1980 e 2008, a esperan-
ça média de vida aumentou em mais de três
anos, sendo que os tratamentos inovadores
foram responsáveis por 83% deste aumento,
de acordo com o relatório do The Boston Con-
sulting Group, ”Um Novo Modelo de Acesso
à Inovação em Saúde Baseado em Resultados”.
Paralelamente, a especialista Cristiana Mar-
ques advoga a importância de um diagnóstico
mais precoce. Desta forma, reverter-se-iam
outros números: os que apontam para uma
taxa de 20% de cura, aos cinco anos, quando
a neoplasia é diagnosticada nos estadios mais
avançados (e aqueles em que o diagnóstico
é mais frequente), versus os cerca de 80% nos
estadios mais precoces.
ķ
ijÙÏęĐÙđÕ·ÒĮÙķ
Õ·
ÙķİÙÏö·ĊöķĿ·
Perante uma patologia que avança silencio-
sa, mas rapidamente, Cristiana Marques su-
blinha a importância de adoptar um estilo de
vida saudável. Este cuidado com a saúde deve
incluir uma alimentação que respeite a roda
dos alimentos, privilegiando os legumes, as
Para mais informações consulte o seu médico.
1ų
É a neoplasia
ginecológica
mais letal. 5
ƀų É o lugar que o cancro do
ovário ocupa entre as neoplasias
mais frequentes nas mulheres, na
Europa; 6
5ª
Causa de morte por
doença oncológica
nas mulheres; 7
ƀſ%
É a taxa de sobrevivência a
cinco anos quando a doença
é diagnosticada no estadio I; 8
14%
5ęđĿÙķ
Õęķ
Õ·Õęķ
Õ·
öđëęìij·Ű·ǭ
Desce para estes valores
1) Portugal Factsheet, GLOBOCAN, 2020, disponível em https://gco.iarc.fr/
today/data/factsheets populations/620-portugal-fact-sheets.pdf
a taxa de sobrevivência
2) Europe Factsheet, GLOBOCAN, 2020, disponível em https://gco.iarc.fr/today/ a cinco anos quando
data/factsheets/populations/908-europe-fact-sheets.pdf o diagnóstico ocorre
3) Ovarian Cancer Research Alliance [disponível em https://ocrahope.org/get-
the-facts/statistics/, acedido em maio 2023]
4) Doubeni CA et al. Am Fam Physician. 2016 Jun 1;93(11):937-44
55% no estadio IV; 8
5) Estimated number of deaths in 2020, Portugal, females, all ages (excl. NMSC),
É a previsão de aumento da
GLOBOCAN incidência mundial do cancro
6) Estimated age-standardized incidence rates (World) in 2020, Europe, females,
all ages (excl. NMSC), GLOBOCAN
do ovário até 2035; 9
7) Estimated number of deaths in 2020, Europe, females, all ages (excl. NMSC),
GLOBOCAN.
8) Gaitskell K et al. Cancer Epidemiol. 2022 Feb;76:102074
9) The World Ovarian Cancer Coalition Atlas. Global trends in incidence,
mortality and survival. [disponível em https://worldovariancancercoalition.org/
67%
wp-content/uploads/2018/10/THE-WORLD-OVARIAN-CANCER-COALITION- Estima-se que a mortalidade
ATLAS-2018.pdf, acedido em maio 2023]
em todo o mundo por cancro
do ovário suba nesta dimensão. 9
18 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023

Sociedade Estas vagas juntam-se às 54 mil divulgadas em Abril

Concursos especiais abrem ensino

superior público a mais 21 mil alunos
As instituições privadas têm vagas para mais de 23 mil estudantes no próximo ano lectivo.
Governo antecipa divulgação da oferta em cerca de três meses face aos prazos habituais
Samuel Silva
O ensino superior público tem lugar,
no próximo ano lectivo, para mais
de 75 mil estudantes. Às vagas do
concurso nacional de acesso, que já
tinham sido divulgadas há quase
dois meses, o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior
(MCTES) adiciona agora mais quase
17 mil vagas em concursos especiais,
como o destinado a maiores de 23
anos, e mais 4000 vagas em regimes
especiais de acesso. Já no ensino
privado há espaço para mais de 23
mil estudantes, distribuídos pelas
diferentes vias de ingresso.
A Æxação de vagas de concursos
especiais acontece com uma ante-
cedência de cerca de três meses face
aos prazos habituais. Tal como a
divulgação dos lugares do concurso
nacional de acesso, também o calen-
dário das vias alternativas de ingres-
so foi antecipado pelo Governo,
para garantir “que todos os candi-
datos possam conhecer antecipada-
mente os ciclos de estudo e vagas
disponíveis em todo o sistema de
ensino superior”, informa o MCTES,
em comunicado.
É a primeira vez que a tutela dá
tanta ênfase a estas vias de acesso
alternativas, o que é explicado pelo
ministério com a “necessidade de
estimular a diversiÆcação e a dife-
renciação do acesso” ao sector. “A
diversiÆcação das vias de ingresso
revela-se um factor essencial para o
desenvolvimento do ensino supe-
rior já que o contexto demográÆco
vai fazer reduzir de forma relevante
As vagas agora anunciadas de mudança de curso.
juntam-se às 54.733 Universidades e politécnicos des-
divulgadas no início de Abril tinam ainda 1006 vagas para diplo-
mados das vias proÆssionalizantes,
a chamada “via verde” de acesso ao
ensino superior, lançada em 2020
mas que tem demorado a arrancar.
O número total de vagas para esta
Quase 7000 estrangeiros vão poder estudar em Portugal no próximo ano
MARIA ABRANCHES
via Æxado este ano é, aliás, inferior
ao total de alunos inscritos (1560)
no ano passado. Nas restantes vias,
o número de lugares está em linha
com o veriÆcado nos últimos anos.
Da lista divulgada hoje pelo minis-
tério fazem ainda parte 298 vagas
para ingresso em Medicina por
licenciados. Todas as faculdades
públicas têm, desde há décadas, um
concurso especial destinado a titu-
lares de cursos como Bioquímica,
Farmácia ou Dentária. Normalmen-
te, estes lugares não são todos utili-
zados. O Governo decidiu, este ano,
obrigar as faculdades a destinar as
vagas sobrantes ao concurso nacio-
nal de acesso. “Entendemos que
essa capacidade de formação já
existia nas faculdades e fazia sentido
não desperdiçar essas vagas”, expli-
cou, em Abril, ao PÚBLICO o secre-
tário de Estado do Ensino Superior,
Pedro Teixeira.
Países africanos
Ainda no ensino público, são Æxadas
4030 vagas para ingresso por via de
regimes especiais, principal via de
ingresso para estudantes nacionais
dos países africanos de língua oÆcial
portuguesa e de Timor--Leste e de
praticantes desportivos de alto ren-
dimento, entre outras situações
especíÆcas.
Já no ensino privado, é disponibi-
lizado um total de 23.206 vagas. A
grande maioria (17.592) destina-se
ao regime geral de acesso, o equiva-
lente do sector privado ao concurso
nacional do ensino público, com a
diferença de que as candidaturas
são, neste caso, feitas em concursos
institucionais.
É a primeira vez que estas infor-
mações são disponibilizadas pelo
MCTES, motivo pelo qual o PÚBLI-
CO passa a disponibilizar uma pági-
na pesquisável com a informação
das instituições particulares seme-

o universo de candidatos ao ensino
superior com o perÆl tradicional”,
acrescenta ainda o comunicado,
divulgado hoje.
As vagas agora anunciadas jun-
tam-se às 54.733 divulgadas no iní-
cio de Abril — das quais 54.036 no
concurso nacional de acesso e 697
destinadas aos concursos locais rea-
lizados directamente nas institui-
ções de ensino superior para ingres-
so em cursos de Música, Teatro,
Cinema e Dança.
De acordo com o MCTES, as insti-
tuições públicas vão disponibilizar
16.913 vagas em concursos espe-
ciais, das quais 5840 para estudan-
tes internacionais. Este total inclui
ainda os lugares (4374) para candi-
datos maiores de 23 anos, 2718 para
titulares de cursos superiores e pós-
-secundários e 2677 para situações
Q
uase 7000 estudantes
estrangeiros vão poder
estudar em Portugal no
próximo ano lectivo, ao
abrigo do estatuto do estudante
internacional. A grande maioria
destes lugares foi aberta pelas
universidades e politécnicos
públicos. Os números são
divulgados hoje pelo Ministério
da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior (MCTES), fazendo parte
do conjunto de concursos
especiais e regimes alternativos
de ingresso no sector.
Para o próximo ano lectivo, são
fixadas 6861 vagas para
estudantes internacionais, de
acordo com o MCTES, 85% das
quais em instituições de ensino
superior públicas. Nas
universidades e politécnicos
privados há 1021 lugares para
estes alunos, que fazem todo o
seu curso superior em território
nacional. O Estatuto do
Estudante Internacional foi
introduzido em 2014 como forma
de facilitar a captação de alunos
estrangeiros por parte das
instituições de ensino superior. À
parte de uma ligeira quebra
motivada pela pandemia de
covid-19 no ano de 2021, o
número de inscritos ao abrigo
deste concurso especial não tem
parado de crescer. No ano
passado, matricularam-se 4568
estudantes no ensino público ao
abrigo deste regime, de acordo
com os dados mais recentes
divulgados pelo MCTES.
A captação de alunos
estrangeiros tornou-se uma
importante fonte de receita para
as instituições de ensino superior
nacional. O último balanço, de
2021, mostra que as propinas dos
estudantes internacionais
representam cerca de 20
milhões de euros anuais para as
instituições de ensino superior
públicas – cerca de 5% das suas
receitas próprias anuais.
Estes estudantes pagam um
valor acima daquele que é
cobrado aos alunos nacionais,
uma vez que são considerados
os custos totais da formação. O
preço varia entre os 1500 euros,
propina cobrada pela maioria
dos institutos politécnicos, e os
mais de 7000 euros anuais.
lhante ao que já acontecia com as
universidades e politécnicos públi-
cos.
Além dos lugares do regime geral,
as instituições privadas Æxam mais
5564 vagas em concursos especiais:
1713 para candidatos maiores de 23
anos, 1021 para estudantes interna-
cionais, 1200 para titulares de cur-
sos superiores e pós-secundários,
bem como 796 para situações de
mudança de curso e 834 para diplo-
mados de vias proÆssionalizantes.
A candidatura a todos os concur-
sos especiais é realizada directa-
mente junto de cada instituição de
ensino superior, excepto a candida-
tura ao concurso especial para titu-
lares de cursos proÆssionais, que é
apresentada através do sistema onli-
ne, no site da Direcção-Geral do
Ensino Superior.
 Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 19

Sociedade

Portugal ajuda a criar plataforma europeia

de leilões electrónicos judiciais
Sónia Trigueirão
Inicialmente a plataforma
vai integrar sistemas
de informação nacionais
de leilões judiciais
de sete Estados-membros
Portugal está a ajudar a criar uma
plataforma europeia e multilingue de
leilões electrónicos judiciais. A plata-
forma, que terá o nome Leila, será
inicialmente integrada com os siste-
mas de informação nacionais de lei-
lões judiciais de sete Estados-mem-
bros: Itália, Portugal, Letónia, Croá-
cia, França, Lituânia e República
Checa.
O projecto está a ser gerido pelo
Ministério da Justiça italiano e Portu-
gal está representado pela Ordem dos
Solicitadores e dos Agentes de Execu-
ção (OSAE). Paulo Teixeira, bastoná-
rio da OSAE, explicou ao PÚBLICO
que a Leila vai integrar o e-leilões, a
plataforma desenvolvida pela OSAE
que se dedica, em Portugal, à venda
online dos bens executados pelos tri-
bunais resultantes de dívidas ou pro-
cessos de insolvência, bem como de
artigos móveis ou imóveis apreendi-
dos, recuperados ou declarados per-
didos em processos-crime.
Já Duarte Pinto, presidente do Con-
selho ProÆssional do Colégio dos
Agentes de Execução da OSAE, que
realçou o facto de a plataforma por-
tuguesa estar a servir de exemplo
para a Leila, sublinhou que o projec-
to europeu terá como objectivos per-
mitir aumentar a competitividade e
eÆcácia dos leilões judiciais, obter
mais utilizadores e participantes, con-
seguir uma conclusão mais rápida do
processo de venda e contribuir para
a redução do crédito malparado.
No fundo, segundo Duarte Pinto, a
Leila vai permitir que os seus utiliza-
dores tenham acesso aos leilões que
estão a decorrer nos Estados-mem-
bros que a integram e, por isso, à
informação sobre os bens que estão
a ser vendidos e aos regulamentos
dos respectivos leilões.
Actualmente, para acederem aos
leilões os utilizadores têm de se ins-
crever nas plataformas de cada país,
que nem sempre disponibilizam a
informação em todos os idiomas.
Itália, Portugal,
Letónia, Croácia,
França, Lituânia e
República Checa
são os países
envolvidos
na plataforma
A par deste projecto, Portugal está
a desenvolver um outro, mas com a
vizinha Espanha. Paulo Teixeira expli-
ca que se trata de “uma espécie de
projecto ibérico”, dada a proximida-
de dos dois mercados.
“Estamos a tentar desenvolver
mecanismos para que pessoas em
ambos os países possam licitar nos
leilões dos dois países. Ou seja, por
exemplo, quem estiver registado no
e-leilões vai ter acesso à plataforma
de leilões judiciais espanhola e vice-
versa”, explicou o bastonário da
OSAE, que faz um balanço positivo
dos sete anos da existência da plata-
forma de leilões portuguesa.
“Destaco o contributo que o e-lei-
lões tem dado para o reforço da
transparência, a segurança que a
plataforma garante a todos os seus
utilizadores e, claro, o valor mais
justo que tem sido alcançado na ven-
da dos bens”, aÆrmou.
Paulo Teixeira sublinhou que,
“muitas vezes, os executados, além
de conseguirem pagar as suas dívi-
das, ainda recebem um valor adicio-
nal resultante da venda do bem”.
Desde que foi criado, em Maio de
2016, e até ao Ænal de 2022, o e-lei-
lões já registou vendas superiores a
3127 milhões de euros, de 36.713
bens. Ao longo dos sete anos de exis-
tência do e-leilões, os imóveis e os
veículos são os bens que mais se ven-
deram.
Os bens penhorados que vão a lei-
lão atingem os preços mais variados.
Por exemplo, entre os bens mais
caros de sempre vendidos através da
plataforma está um hotel que foi
arrematado por mais de 44 milhões
de euros. Na lista também estão dois
aviões, arrematados por 26 milhões
e 21 milhões de euros, seguidos de
um terreno para construção que foi
vendido por mais de 20 milhões de
euros. Já o bem mais barato alguma
vez vendido no e-leilões foi arrema-
tado por 0,01 euros. Eram umas
acções não cotadas.
No corrente ano foram vendidos
no e-leilões, até ao dia 20 de Abril,
1281 bens, no valor total de
111.018.562,1 euros.

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INTELIGÊNCIA 29 maio 17:00

ARTIFICIAL:
QUE HUMANIDADE?
OR ADORES DA CONFERÊNCIA

António Feijó
Arlindo Oliveira
Isabel Trancoso
Miguel Portela
Paulo Dimas
Modelos de linguagem: Sofia Ranchordás
tecnologias, aplicações e desafios Miguel Poiares Maduro

GULBENKIAN.PT Entrada livre

20 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023
Mundo Eleições regionais em Espanha
Pedro Sánchez, presidente do Governo socialista espanhol, em campanha eleitoral
Espanha vai
Ruben Martins, em Badajoz
Espanha tem hoje uma intensa jorna-
da eleitoral com, na prática, mais de
a votos com 11500 eleições distintas. No essencial,
elegem-se os autarcas dos mais de
oito mil concelhos e uma dúzia de
parlamentos regionais (todos menos
perspectiva a Galiza, o País Basco, a Catalunha,
Castela e Leão e a Andaluzia), soman-
do ainda os enclaves em África de
de crescimento
Ceuta e Melilla.
A proximidade face às legislativas
da segunda metade deste ano serve
também de barómetro para aferir a
da direita
popularidade do Governo dos socia-
listas do PSOE, em coligação à esquer-
da com o Podemos, e para avaliar a
capacidade da oposição para inclinar
o tabuleiro político para a direita.
Não é por isso estranho que o dis-
curso político se tenha centrado nos
grandes temas nacionais, deixando
para segundo plano os problemas
locais. A campanha variou entre os
que, pouco interessados ou nada
Eleições regionais são o barómetro de um favorecidos pela realidade nacional,
ciclo que deverá culminar numa viragem quiseram passar a necessidade de se
debater uma agenda local, e os que
à direita. Campanha marcada pela foram fazendo bandeira dos temas
nacionais que alimentam paixões e
tentativa de compra de votos tertúlias inÆnitas na rádio e televisão,
reduzindo a notas de rodapé os temas
em que os eleitos têm verdadeiramen-
te competências.
Nos últimos dias falou-se muito da
ETA, inclusive fora do País Basco. Não
por algum eventual regresso da grupo
terrorista, mas pelo “erro” admitido
que pôs 44 antigos “etarras” nas lis-
tas, sete deles já condenados pela
morte de pessoas. Esta postura per-
mitiu à direita apontar o dedo aos
socialistas por continuar disponível
para fazer acordos com os separatis-
tas bascos do Bildu. Feita a admissão
de culpa, chegou a promessa de que
estes candidatos, a serem eleitos, não
tomariam posse, já que a admissão
do erro não chegou a tempo de se
alterar as listas.
É nos acordos que Pedro Sánchez
tem feito ao longo dos últimos anos
com partidos independentistas e tam-
bém com o Podemos, parceiro de
coligação, que surgem as maiores
roturas: barões regionais do PSOE
mostraram-se publicamente contra o
alargado espectro de opções nego-
ciais que Sánchez utiliza para se man-
ter no poder, em parte por temerem
que a postura do presidente do Gover-
no de Espanha acabe por afectar o
seu eleitorado.
ENRIC FONTCUBERTA/EPA
A principal voz crítica está no pre-
sidente de Castela-La Mancha, comu-
nidade onde os socialistas governam,
mas que podem perder hoje. Emilia-
no García-Page garantiu que vai levan-
tar sempre a voz “contra acordos com
separatistas e terroristas”.
Compra de votos
Depois, a polémica passou para os
vários casos de tentativa de compra
de votos. Os relatos começaram em
Melilla, enclave espanhol no Norte de
África. Foram dez os detidos ligados
à Coligação por Melilla, de centro-es-
querda, e próxima da comunidade
muçulmana, envolvendo suspeitas de
fraude no voto por correspondência
que ali atingiu um valor anormal de
pedidos, com votos alegadamente
comprados por 150 euros cada.
Graças à polémica, haverá um
reforço policial para assegurar a con-
Æança da população face ao sistema,
com um polícia para cada 83 votantes
na cidade autónoma de Melilla.
No território peninsular foram
conhecidas mais de uma dezena de
denúncias. Em Albudeite, na provín-
cia de Múrcia, a própria candidata
socialista a presidente da câmara foi
detida e em Mojácar, Almería, foram

detidas sete pessoas que compravam
votos por um valor entre os 100 e os
200 euros. As detenções puseram os
socialistas do PSOE no centro do fura-
cão político. Também foram denun-
ciados casos de autarcas PP e do
Zamora Sí que, alegadamente, Æze-
ram o mesmo com recurso ao voto
por correspondência, mas a inexis-
tência de detenções nestes casos colo-
cou todo o foco nos casos associados
ao PSOE.
O facto de não ser necessário apre-
sentar um cartão de cidadão aquando
da entrega do boletim de voto no pos-
to de correios tem sido a razão apon-
tada para questionar a legitimidade
deste sistema de votação.
No plano nacional, o líder dos
socialistas, Pedro Sánchez, tem o
mesmo problema que António Costa:
os números da economia até são bons
e há medidas sociais que trazem
importantes poupanças às famílias de
menores rendimentos; mas isso bas-
tará para fazer frente a um desgaste
da imagem de um primeiro-ministro
ferido pelas cedências que teve de
fazer à sua esquerda e pelos casos que
Sánchez tem
o mesmo
problema que
Costa: os números
da economia são
bons, mas há um
desgaste da
imagem do
presidente do
Governo espanhol
afectam a sua governação? É um pro-
blema ibérico cuja avaliação será fei-
ta hoje.
Sánchez apressou-se com a apre-
sentação de medidas sociais nos últi-
mos meses: seja a aprovação de uma
lei da habitação ou os descontos de
90% para os jovens viajarem de com-
boio e autocarro a metade do preço
no Verão e ainda um corte pela meta-
de no valor dos passes do InterRail.
A nível nacional, a vantagem de
pouco mais de 2% dada pelo instituto
público CIS não chega para acalmar
os socialistas, que têm surgido sem-
pre atrás da direita nas restantes son-
dagens. Espanha mede a força dos
blocos da esquerda e direita num qua-
dro de redeÆnição provocada pela
implosão dos dois partidos que, na
década passada, surgiram com a pro-
messa de acabar com o bipartidismo:
Podemos e Cidadãos.
Fazendo fé nas sondagens, o Cida-
dãos, partido liberal, terá uma mar-
cha fúnebre eleitoral que o porá à
margem de qualquer relevância —
depois de anos em que foi essencial
para permitir ao PP chegar à lideran-
ça de governos regionais e autarquias.
A liderança de Inés Arrimadas não
consegue passar a mensagem e a
atenção mediática praticamente
desapareceu depois de anos em que
o enfrentamento contra o indepen-
dentismo catalão foi alimentando
eleitoralmente o partido. Uma boa
parte desse eleitorado migra directa-
mente para o centro-direita do Parti-
do Popular, que deverá crescer em
praticamente todas as comunidades
autónomas, muito à custa do desapa-
recimento dos liberais. Onde não
conseguir conquistar a maioria abso-
luta o PP deverá Æcar dependente das
exigências da extrema-direita.
Apesar da vontade do líder, Alberto
Núñez Feijóo, de copiar a “solução
portuguesa” em que o candidato do
partido mais votado governa mesmo
que não tenha maioria para o fazer,
Espanha continua a eleger os autarcas
com base nas maiorias que se formam
entre os vereadores eleitos.
Já o Podemos deverá prolongar a
sua longa erosão eleitoral, com um
vazio de uma liderança carismática
depois da era Pablo Iglesias e encur-
ralado na sua própria indeÆnição
sobre o que fazer no futuro: juntar-se
à plataforma Sumar da segunda vice-
presidenta do Governo de Espanha,
Yolanda Díaz, ou concorrer por sua
conta e risco a umas eleições, frag-
mentando o voto à esquerda.
Várias eleições
Em Madrid, o PP deverá ser o mais
votado na câmara municipal, mas o
actual presidente, José Luis Martínez-
Almeida, deverá Æcar dependente do
Vox para se manter à frente da autar-
quia. Na capital a esquerda ainda ali-
menta a esperança de formar uma
maioria, algo que está completamen-
te descartado a nível regional face à
popularidade de Isabel Díaz Ayuso na
Comunidade de Madrid: a grande
incógnita é se a candidata do PP vai
hoje conseguir ou não a maioria abso-
luta.
Em Barcelona a corrida está mais
aberta e o resultado será uma tripla
do totobola: ou ganha a actual presi-
dente, Ada Colau, do Barcelona em
Comum (associado ao Podemos), ou
os socialistas conseguem ser os mais
votados, elegendo o antigo número
dois de Colau, ainda que com neces-
sidade de um pacto para governar, ou
vence o candidato do Junts per Cata-
lunya (independentista de centro-di-
reita), o antigo presidente da câmara
Xavier Trias.
Em Sevilha — que é a maior das
cidades governada pelo PSOE — há a
possibilidade de a maioria se formar
desta vez à direita numa eleição ainda
bastante aberta. Já em Vigo não have-
rá surpresas: supermaioria para Abel
Caballero, o autarca mais votado de
Espanha e que todos os anos prome-
te pôr a cidade galega a competir com
as luzes de Natal de Nova Iorque.
A nível autonómico a principal
incógnita está na Comunidade Valen-
ciana, uma vez que são poucos os
votos que vão deÆnir se a esquerda
vai conseguir manter ou perder a
maioria na região.
Votação ao lado da fronteira
“Debate nacional crispado”
não afecta o tradicional
bipartidismo na Extremadura
Reportagem
Ruben Martins, em Badajoz
Texto Adriano Miranda Fotografia
Estremadura deverá
continuar feudo da
esquerda. “Sentimento de
abandono está longe de ser
factor determinante”
A Estremadura é a única das
comunidades transfronteiriças
com Portugal que vai hoje a votos
para eleger um novo parlamento
regional. O oliventino Guillermo
Fernández Vara, do PSOE, deverá
ser reeleito, mas os sinais de
descontentamento com os
socialistas são mais visíveis. As
similitudes com o Alentejo são
por demais evidentes, numa
região onde só a fronteira e a
língua podem separar aquilo que
até politicamente tem
semelhanças.
A esquerda tem nestas terras
terreno fértil para a sua
mensagem, mas a sensação de
esquecimento institucional é
grande. Em declarações ao
PÚBLICO, o professor de Direito
Constitucional da Universidade da
Estremadura Gabriel Moreno
González diz que isto se deve “a
causas históricas muito enraizadas
e à natureza da Estremadura como
região transfronteiriça e
semiperiférica”.
Fruto da pouca inÇuência
política da região, os problemas
de sempre continuam com o
passar dos anos. Por exemplo, o
comboio de alta velocidade
prometido para ligar Lisboa a
Madrid, passando por Badajoz,
está atrasado há mais de uma
década. Com a crise, as obras
pararam por completo e a
electriÆcação só este ano chega à
Estremadura, mas ainda falta fazer
a linha até Madrid. Para Lisboa as
perspectivas são ligeiramente
melhores: em cerca de um ano,
Badajoz estará a duas horas de
comboio da capital.
Mas o esquecimento
institucional vai mais além de uma
rápida viagem de comboio. Ainda
assim, e apesar das reivindicações,
Gabriel Moreno não acredita “que
este sentimento de abandono seja
um factor determinante nestas
eleições”, porque “o bipartidismo
está muito enraizado na região”.
Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 21
O académico defende que se
pense nestas eleições “sempre a
nível local e regional e não a nível
nacional”, porque “a maioria dos
eleitores pensa em candidatos
concretos, em vez dos debates,
muitas vezes absurdos e
crispados, que se passam a nível
nacional”. Essa inÇuência do
debate nacional está “mais
centrada em zonas como Madrid,
onde a campanha se confunde
com a própria confrontação com o
Governo de Espanha”.
Com um contexto de
fragmentação em milhares de
pequenos municípios, muitos
deles com populações inferiores a
uma centena de habitantes,
Gabriel Moreno pede para que em
Espanha se pense numa “política
de agregação de municípios” que
permita dotar as autarquias de
mais competências, “melhorando
o seu governo democrático e
A maioria dos
eleitores pensa em
candidatos
concretos, em vez
dos debates,
absurdos e
crispados, a nível
nacional”
Gabriel Moreno González
Professor universitário
Fruto da pouca influência política da região, os problemas continuam
orçamento disponível” para fazer
face às necessidades da
população.
Um dos melhores exemplos
dessa vontade agregadora foi o
que se passou com a agregação
dos municípios estremenhos de
Don Benito e de Villanueva de la
Serena que, juntos, serão a
terceira cidade da Estremadura,
depois de Badajoz e de Cáceres.
Badajoz é também o espelho
dos problemas do Cidadãos. O
actual presidente da câmara foi
eleito pelas listas dos liberais,
chegando à presidência a meio do
mandato num acordo com o PP.
Mas Ignacio Gragera largou o
partido, quando as divisões
internas começaram a aumentar e
o partido desabou nas sondagens,
depois de anos em que o Cidadãos
chegou a ambicionar ser a
formação mais votada à direita.
Recebido de braços abertos pelo
Partido Popular, que o escolheu
como candidato à autarquia,
Gragera deverá ser o mais votado
na maior cidade da Estremadura,
mas a maioria não pode ser
conseguida graças à reconciliação
com o antigo partido: o Cidadãos
não deverá conseguir eleger
vereadores e o PP Æcará
dependente da vontade do Vox,
de extrema-direita, que,
entretanto, exigiu entrar no
executivo municipal da cidade.
Mas na véspera das eleições de
hoje a política tinha perdido
espaço para o futebol nas
conversas: em Badajoz, o clube da
terra jogava a última tentativa de
se manter na terceira divisão de
Espanha. Falhou, ao perder 3-1
frente ao Córdoba.
22 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023
Mundo
A Turquia deverá continuar a ser de Erdogan
mas é cada vez menos um país para sírios
Sofia Lorena
Derrotada, a oposição
apostou no tudo ou nada
e lançou-se numa
desenfreada retórica
anti-refugiados
Antes da primeira volta das presi-
denciais turcas de 14 de Maio, mais
do que em qualquer eleição desde a
chegada de Recep Tayyip Erdogan e
do seu AKP ao poder, há 20 anos, a
oposição acreditou mesmo estar à
beira de derrubar o “neo-sultão”. Só
isso explica o caos das reacções à
derrota, com inúmeras alegações de
fraude não sustentadas, e as recrimi-
nações que se seguiram, com eleito-
res a responsabilizarem as vítimas do
sismo de 6 de Fevereiro (por votarem
no Presidente e no seu partido con-
servador-islamista) ou os sírios aos
quais Erdogan teria concedido a
nacionalidade para garantir votos
— 200 mil, num universo de 64
milhões de eleitores.
Quando se apresentou como a
grande esperança dos turcos para um
futuro pós-Erdogan, o Presidente de
poder quase absoluto, Kemal Kiliçda-
roglu mostrou-se como sempre: um
anti-Erdogan que não arrebata mul-
tidões nem promete impossíveis, mas
fala de estabilidade e de unidade. Um
estadista, numa Turquia habituada a
homens fortes, com uma estratégia
que alguns analistas descreveram
como “populismo invertido”, assente
em propostas para enfrentar as pro-
fundas crises económica e monetária
e na urgência de regresso a um país
“normal” e ao Estado de direito que
Erdogan estilhaçou. Não resultou:
contados os votos da primeira volta,
o Presidente voltou a vencer, com
49,5%; Kiliçdaroglu obteve 44,96%.
A retórica anti-refugiados foi a gran-
de constante das últimas semanas,
marcando o discurso de Kiliçdaroglu
e dos seus aliados. “Assim que for elei-
to vou mandar todos os refugiados
para casa, ponto Ænal”, garantiram o
líder do CHP (Partido Republicano do
Povo, centro-esquerda, kemalista) e
os membros da coligação que o apoia,
como o Bom Partido (Iyi), da extre-
ma-direita nacionalista.
“Os sírios vão-se embora! Decida!”,
lê-se num cartaz espalhado pelas
principais cidades da Turquia, ao lado
do rosto do rival de Erdogan.
“Uma síria que vive aqui há sete
anos disse-me: ‘Os meus Ælhos lêem
estes cartazes, é impossível escondê-
los.’ Ela diz que o seu Ælho é alvo de
bullying na escola”, descreveu no
Twitter Emily Wither, jornalista bri-
tânica a viver na Turquia. Basta uma
leitura por alguns dos 3700 comentá-
rios ao seu tweet para perceber por-
quê. “Sim, não queremos assassinos,
criminosos de guerra e violadores. A
guerra acabou e eles deviam voltar
para o seu país”, escreveu uma jovem
turca. “A Turquia não é um caixote do
lixo onde possam pôr todos os crimi-
nosos do Médio Oriente.”
Sismo e desespero
A atmosfera anti-sírios não é nova,
começou há anos e teve um pico ter-
rível logo a seguir ao sismo que matou
mais de 50 mil pessoas e afectou
milhões em 11 províncias. Muitos tur-
cos canalizaram o seu desespero ata-
cando refugiados que acusaram de
estar a pilhar casas ou expulsando
sírios dos campos improvisados que
receberam os que Æcaram sem casa.
Com excepção de Istambul, é nas pro-
víncias mais atingidas pelo sismo,
junto à fronteira com a Síria, que se
concentram a maioria dos sírios.
Há vários anos que a Turquia é o
país do mundo com mais refugiados:
segundo a ONU, são 3,9 milhões,
incluindo mais de 3,5 milhões de
sírios (os responsáveis pelo inquérito
“Barómetro Sírio” acreditam que,
entre sírios, iranianos, iraquianos,
afegãos e paquistaneses, podem ser
seis a sete milhões). As sondagens
mostram que 85% dos turcos querem
que os sírios voltem para casa. E
dados do “Barómetro Sírio” indicam
que 28,5% vêem os sírios como o prin-
cipal problema da Turquia.
YVES HERMAN/REUTERS
“Se me tivessem perguntado há um
ano como é que esta campanha se ia
desenrolar, teria dito que seria um
concurso para ver quem é conseguia
bater com mais força nos sírios”,
escreve no Twitter James Ryan, direc-
tor de investigação no Programa do
Médio Oriente do think tank Foreign
Policy Research Institute, e especia-
lista em História da Turquia. “O facto
de esse assunto ter estado quase
ausente na primeira volta foi uma
surpresa e resultou do facto de o HDP
não ter apresentado o seu próprio
candidato.”
Ou seja, a questão síria só não mar-
cou mais a primeira volta por causa
do espaço ocupado pela questão cur-
da. Aproveitando o apoio à candida-
tura de Kiliçdaroglu por parte de um
O discurso
do medo foi
exacerbado pelos
dirigentes que
decidiram apoiar
os candidatos
depois da primeira
volta eleitoral
Kiliçdaroglu (em cima)
assumiu-se como candidato
anti-Erdogan. Mas o Presidente
turco (em baixo) é favorito
MURAD SEZER/REUTERS
dos líderes do HDP (Partido Demo-
crático do Povo, o principal partido
pró-curdo), Selahattin Demirtas, pre-
so desde 2016, Erdogan passou a cam-
panha a acusar os rivais de “terroris-
mo”. Uma acusação que levou mais
longe na última semana, usando,
num comício, um vídeo manipulado
que provaria que o rival se sentou a
negociar com o PKK (Partido dos Tra-
balhadores do Curdistão), o grupo
armado que Ancara, Washington e
Bruxelas consideram terrorista.
Ultranacionalistas
O discurso do medo — sírios, por um
lado, curdos, por outro — só foi exa-
cerbado pelos dirigentes que decidi-
ram apoiar os candidatos depois da
primeira volta. Sinan Ogan, ex-mem-
bro do MHP (partido de extrema-di-
reita que integra a coligação de Erdo-
gan) que obteve uns inesperados
5,17% (à frente de uma aliança de
pequenos partidos ultranacionalistas
e kemalistas), apelou ao voto no Pre-
sidente. Mas alguns membros da sua
aliança recusaram essa posição, pelo
que o campo de Kiliçdaroglu conti-
nuou a cortejar estes eleitores.
Por outro lado, Umit Ozgad, líder
do Partido da Vitória, anti-imigração,
que recolheu 1,2 milhões de votos nas
legislativas, decidiu apoiar o candida-
to da oposição. Kiliçdaroglu, congra-
tulou-se Ozgad, concordou em expul-
sar “13 milhões de migrantes” (um
número bem acima do máximo pos-
sível) no período de um ano.
Para agradar a Ogan, Erdogan tam-
bém endureceu o tom face aos refu-
giados, anunciando ter “um plano
para devolver [à Síria] mais um
milhão de sírios”, depois de já ter
repatriado 450 mil. Em simultâneo,
Kiliçdaroglu, apoiado por Ozgad e
convencido de poder atrair votos de
Ogan, levava ao limite os seus ataques
aos sírios.
Como não lhe chegou ser o anti-Er-
dogan, Kiliçdaroglu tornou-se popu-
lista e mostrou que também sabe
gritar. É pouco provável que isso seja
suÆciente — recuperar de uma des-
vantagem de 2,5 milhões implicaria
conseguir boa parte dos 2,8 milhões
de Ogan e, ao mesmo tempo, conven-
cer alguns dos oito milhões de eleito-
res que não votaram a fazê-lo. O pro-
blema é que entre os turcos fartos de
Erdogan — e são muitos — que vota-
ram na primeira volta muitos deixa-
ram de acreditar e podem nem sair
de casa este domingo.
Com grande probabilidade, a partir
de amanhã a Turquia continuará a ser
de Erdogan, mas é cada vez menos
um país para sírios. Dessa responsa-
bilidade Kiliçdaroglu já não se livra.

Boris Johnson tenta puxar Donald
Trump para o lado pró-Ucrânia
Alexandre Martins
Antigo chefe do Governo
britânico reuniu-se
com o ex-Presidente
norte-americano durante
uma visita aos EUA
O ex-primeiro-ministro britânico
Boris Johnson, um dos maiores
apoiantes da Ucrânia na guerra con-
tra a invasão russa, reuniu-se com
Donald Trump durante uma visita
aos Estados Unidos, na última sema-
na, para tentar convencer o ex-Pre-
sidente norte-americano a abando-
nar a sua posição de aparente neu-
tralidade em relação ao conÇito.
O encontro, que não estava na
agenda oÆcial de Johnson e que,
segundo os media norte-americanos
e britânicos, terá acontecido na noi-
te de quinta-feira, serviu para “dis-
cutir a situação na Ucrânia e a impor-
tância vital de uma vitória ucrania-
na”, disse um porta-voz do
ex-primeiro-ministro britânico cita-
do pelo The Guardian.
Johnson, que foi forçado a demitir-
se da cheÆa do Governo do Reino
Unido em Julho de 2022, após uma
série de escândalos pessoais e políti-
cos, liderou o apoio europeu ao
esforço de guerra da Ucrânia desde
o primeiro momento.
Por outro lado, Trump tem critica-
do o forte apoio Ænanceiro do Presi-
dente dos EUA, Joe Biden, e de uma
maioria no Congresso norte-ameri-
cano ao Exército da Ucrânia e ao
Presidente do país, Volodymyr
Zelensky.
No último ano, os EUA destinaram
mais de 46 mil milhões de dólares (43
mil milhões de euros) do seu Orça-
mento ao envio de armas e outro tipo
de equipamento para a Ucrânia, e o
Reino Unido contribuiu com mais de
sete mil milhões de dólares (6,5 mil
milhões de euros). Em valores abso-
lutos, os EUA e o Reino Unido lide-
ram a lista dos países que têm apoia-
do a Ucrânia Ænanceiramente.
No entanto, o ex-Presidente dos
EUA e candidato à eleição presiden-
cial de 2024 já disse, em várias oca-
siões, que considera excessivo o
apoio dado pela Casa Branca à Ucrâ-
nia.
No início de Maio, numa entrevis-
ta concedida ao político britânico
Nigel Farage, ex-líder do Partido do
Brexit (renomeado Reform UK),
Trump disse que seria capaz de “pôr
Æm à guerra [na Ucrânia] em 24
horas”; e, poucos dias depois, duran-
te uma sessão de campanha em
directo no canal CNN, recusou-se a
dizer se deseja que a Ucrânia derrote
a Rússia.
Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 23
Trump nunca escondeu o seu apreço por Johnson
“Eu quero que eles parem de mor-
rer, russos e ucranianos”, disse
Trump. “E vou conseguir fazer isso
em 24 horas.”
China e Taiwan
O encontro de Johnson e Trump deu-
se durante uma viagem do ex-primei-
ro-ministro britânico aos Estados
Unidos, onde participou numa con-
ferência sobre inovação, em Las
Vegas — e pela qual recebeu uma
quantia não especiÆcada, mas que
Kiev anuncia
contra-ofensiva
O
comandante das Forças
Armadas ucranianas, o
general Valery Zaluzhny,
indicou ontem que a
Ucrânia está pronta a lançar
uma contra-ofensiva para
recuperar territórios
conquistados pela Rússia. Num
comunicado partilhado nas
redes sociais, acompanhado
por um vídeo de exaltação
patriótica, o general deixou
uma mensagem curta e
directa: “Chegou a hora de
recuperar o que é nosso.”
Desde o início da invasão
russa, a Ucrânia perdeu o
controlo total de vastas regiões
no Leste e no Sudeste do país,
além da perda da Crimeia, em
2014. Não há nenhuma
informação concreta sobre os
moldes em que essa
contra-ofensiva será lançada;
sabe-se apenas que o Exército
ucraniano tem recebido
armamento e carros de
combate sofisticados e que
centenas de soldados estão a
receber formação dos EUA.
Guerra na Ucrânia
REUTERS
estará nas centenas de milhares de
dólares, segundo os media norte-
americanos e britânicos.
Em paralelo, Johnson foi convida-
do por um grupo de pressão pró-u-
craniano para se encontrar com
políticos do Partido Republicano fora
do círculo de Washington D.C. e das
decisões no Congresso dos EUA.
“Queríamos levar os argumentos
a favor do apoio à Ucrânia para fora
de Washington, onde vivemos todos
numa bolha”, disse ao site Politico
Alina Polyakova, directora do insti-
tuto Center for European Policy
Analysis, com sede na capital dos
EUA. “O nosso objectivo é esclarecer
as dúvidas que existem em sítios
como o Texas, no coração do
país.”
Em Dallas, no Texas, o ex-primei-
ro-ministro britânico conversou com
um grupo de congressistas republi-
canos, no início da semana. “Peço-
vos que se mantenham ao lado da
Ucrânia”, disse Johnson, segundo o
relato do Politico. “Vai compensar a
longo prazo.”
Confrontado com acusações de
corrupção no Governo ucraniano —
que servem de argumento central à
oposição de muitos republicanos da
direita radical ao apoio Ænanceiro
que tem sido dado à Ucrânia —,
Johnson disse que o investimento
será recompensado no futuro em
termos de segurança global.
“Uma vitória de Putin seria terrível
nas suas ramiÆcações para o Sudeste
Asiático, para o mar do Sul da China,
para todas as áreas de potencial con-
Çito entre as grandes potências nas
próximas décadas”, disse Johnson.
“Do ponto de vista de Pequim, eles
estão a olhar para a guerra e estão a
pensar que a reacção da Ucrânia
aumentou dramaticamente a ambi-
guidade estratégica e os riscos de
uma eventual investida contra
Taiwan.”
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1 A 30 JUNHO 2023
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ANO DE 2024
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ritárias: Antropologia, Arquitetura, Artes Plásticas, Conser-
vação e Restauro, Design, Fotografia, História, História da
Arte e Museologia.
Poderão concorrer:
r
Cidadãos asiáticos que pretendam realizar cursos,
estágios ou visitas de estudo em Portugal;
r
Cidadãos portugueses que pretendam realizar cursos,
estágios ou visitas de estudo em países asiáticos.
Será dada prioridade às candidaturas cujos projetos possam dar
origem à realização de atividades no Museu do Oriente.
Informações e candidaturas em www.foriente.pt | bolsas@foriente.pt
T: 213 585 200
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das 21h às 07h, realizaremos trabalhos de beneficiação do pavimento,
que implicarão alguns cortes de tráfego nas seguintes vias de acesso:
Datas: Acessos afetados:
Nó da EN2 (A25/IP5): Via de saída da A25 para o IP5, no
31 de maio a 1 de sentido Aveiro – Guarda.
junho Nó de Faíl: Via de saída da A25 para o IP3 Coimbra, Tondela
e para a A24 V. Real, sentido Guarda – Aveiro.
Nó da EN2 (A25/IP5): Via de saída da A25 para o IP5, no
sentido Aveiro – Guarda.
1 a 2 de junho
Nó de Faíl: Via de saída da A25 para o IP3 Coimbra, Tondela,
no sentido Guarda – Aveiro.
Nó da EN2 (A25/IP5): Via de saída da A25 para o IP5, no
sentido Aveiro – Guarda.
2 a 3 de junho
Nó de Faíl: Via de saída da A25 para a A24 V. Real, no sentido
Guarda – Aveiro.
Nó da EN2 (A25/IP5): Via de entrada na A25, no sentido
5 a 6 de junho
Aveiro – Guarda.
Nó da EN2 (A25/IP5): Via de entrada na A25, no sentido
6 a 7 de junho
Aveiro – Guarda.
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7 a 8 de junho
Guarda – Aveiro.
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24 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023
Economia
“Se os gestores fossem movidos por valores,
não teríamos a crise que enfrentamos hoje”
Entrevista
Rafaela Burd Relvas
Mohan Mohan Antigo
gestor e responsável pelo
lançamento da Procter
& Gamble em Portugal,
na década de 90
Mohan Mohan aterrou em Portugal
em 1989 e foi responsável pelo
lançamento da Procter & Gamble
(P&G), empresa na qual trabalhou
durante quase três décadas e para
a qual contratou os actuais gestores
de algumas das maiores empresas
portuguesas. O presidente da TAP,
Luís Rodrigues, o presidente da
Vodafone Portugal, Luís Lopes,
Paula Panarra e SoÆa Tenreiro,
ambas antigas directoras-gerais da
Microsoft, são alguns dos nomes
que, nos seus primeiros empregos,
passaram pelas suas mãos.
Hoje, o antigo gestor dedica-se a
fazer voluntariado em
universidades, onde aconselha
jovens sobre rumos de carreira, e a
viajar. Acredita que as crises no
sector Ænanceiro (passadas ou
actuais) acontecem, sobretudo,
por práticas de má gestão. E aos
novos gestores não tem dúvidas
sobre o que dizer: “Sempre que
Æzerem alguma coisa, perguntem a
vocês próprios: ‘A minha avó vai
Æcar feliz quando lhe contar que foi
isto que Æz, ou vai Æcar
envergonhada?’”
Qual a sua relação com
Portugal?
Nasci e fui criado na Índia e, em
1968, consegui uma bolsa para ir
estudar para os Estados Unidos.
Três anos depois, consegui um
emprego na P&G, onde comecei a
minha carreira, em Genebra. Em
1989, foi-me pedido que viesse para
Portugal. Vim para o Porto, onde
comprámos uma pequena empresa
chamada Neo Blanc, e, mais tarde,
começámos operações em Lisboa.
Cinco anos depois, tínhamos
construído uma organização cheia
de jovens portugueses e alguns
expatriados. Senti-me muito
sortudo de ter sido enviado para
Portugal.
Porquê?
Um líder não pode ser líder sem
seguidores. Aqui, tinha uma
audiência que estava desejosa de
aprender, eram espíritos livres.
Depois disso, fui para o Reino
Unido e reformei-me em 2000.
Agora, todo o meu tempo vai para
voluntariado em escolas de Gestão,
para aconselhar jovens sobre que
escolhas de carreira devem fazer.
O que encontrou quando esteve
cá, no que diz respeito à forma
como as empresas faziam
negócio?
A primeira coisa em que reparei foi
que Portugal ainda não estava
totalmente desenvolvido, não
havia recursos suÆcientes e, por
isso, não havia auto-estradas, não
havia grandes edifícios, não havia
dinheiro. Isto, até 1990, quando a
CEE [Comunidade Económica
Europeia] decidiu canalizar mais
dinheiro para Portugal. A segunda
coisa em que reparei é que havia
aqui negócios muito bem
estabelecidos, como a Unilever ou
a Colgate, mas o negócio não era
competitivo. Eram empresas
simpáticas, estavam a fazer o seu
negócio sem preocupações. Decidi
que isto não era forma de fazer
negócio e foi assim que começámos
a recrutar. Eu e os meus colegas
íamos a todas as faculdades,
fazíamos apresentações,
explicávamos o que estávamos a
fazer e perguntávamos porque não
se juntavam a nós. Várias das
pessoas que passaram por estas
experiências são hoje gestores de
grandes empresas em Portugal.
O que diria a essas pessoas hoje,
numa altura em que está
iminente uma potencial nova
crise?
O meu conselho para gestores de
empresas é muito simples. Sempre
que Æzerem alguma coisa,
perguntem a vocês próprios: “A
minha avó vai Æcar feliz quando lhe
contar que foi isto que Æz, ou vai
Æcar envergonhada?” Se pensar
que a sua avó vai Æcar zangada
consigo, não o faça.
Há alguns anos, em entrevista,
disse que a crise de 2008 nunca
teria acontecido, se os gestores
tivessem valores fortes.
Acredita que os valores dos
gestores constituem a parte
mais importante para se evitar
fenómenos como o de 2008,
mais do que a regulação e
supervisão?
Absolutamente. Se tivermos
bons valores e bons produtos,
porque é que havemos de criar algo
como a crise bancária de 2008? Se
os líderes políticos e os gestores,
tanto no Ocidente como no
Oriente, fossem movidos por
valores e princípios, não teríamos a
crise que estamos a enfrentar hoje.
Como vê a actual crise do sector
bancário regional nos EUA? É,
novamente, o resultado de uma
falta de valores?
DeÆnitivamente, sim. As falências
do Silicon Valley Bank e do First
Republic devem-se inteiramente ao
facto de as pessoas terem
esquecido os valores.
Esqueceram-se dos seus princípios.
E como é que se resolve isso?
Quando contratamos pessoas para
qualquer empresa, o primeiro
trabalho tem de ser treiná-las para
que acreditem no propósito da
MATILDE FIESCHI
mas a melhor forma de acabar com
más práticas de gestão é mudar os
comportamentos e incutir valores.
E, para isso, temos de começar na
base. As pessoas do sector
Ænanceiro estão a envolver-se em
actividades questionáveis e,
quando perdem, não podem
culpar a regulação, têm de culpar
as pessoas que criaram esses
resultados.
Esse trabalho de mudança de
cultura e de educação está,
realmente, a ser feito pelas
empresas? Ou Æca só no papel?
Algumas empresas estão, muito
genuinamente, a tentar mudar os
seus valores. Por exemplo, há 15
anos, ninguém falava do ambiente,
mas, hoje, várias empresas
estabelecem nas suas estratégias de
médio e longo prazo que a
protecção do ambiente e a
sustentabilidade são
co-responsabilidades suas.
Acredito que há empresas que
estão a actuar de forma muito
responsável, muito ética, sem se
tornarem escravas do lucro.
Ninguém está a dizer que não
devemos ter lucros, claro que
devemos.
Não é isso que entidades como
O meu conselho sindicatos ou organizações de
luta contra a desigualdade estão
para gestores de a dizer. O que questionam é
empresas é muito como é que as empresas podem
continuar a fazer lucros de
simples. Sempre milhares de milhões, quando as
que Äzerem pessoas que estão a servir têm
cada vez menos dinheiro
alguma coisa, disponível.
perguntem a vocês Claro. Veja-se, por exemplo, a Shell
ou a BP, a alcançarem lucros de
próprios: “A minha milhares de milhões nesta altura de
avó vai Äcar feliz guerra, em que os preços do
petróleo estão a aumentar, em que
quando lhe contar os consumidores têm de desligar o
que foi isto que Äz, aquecimento para não pagar tanto
pela energia. Se eu estivesse na
ou vai Äcar administração destas empresas,
envergonhada?” estaria a fazer algo completamente
diferente.
O que estaria a fazer?
Estaria a distribuir os lucros
empresa e nos seus valores. Isso inteiramente pelos clientes.
não pode ser feito com uma De que forma?
injecção. É por isso que se deve Reduzindo os preços. É simples.
trazer pessoas jovens e treiná-las Como chegamos a um ponto em
para que cresçam com estes que isso é feito?
valores, para que, quando se Tem de existir, pelo menos, um ou
tornarem líderes e tiverem de dois directores dentro destas
tomar decisões, tomem as decisões administrações que lutem contra
certas. este sistema. Haverá, neste
Educação, valores e cultura momento, um louco que está a
própria são mais importantes discutir com o conselho de
do que regulação e supervisão? administração a dizer que é preciso
A regulação só funciona até certo baixar os preços ou fazer outra
ponto. Precisamos de regulação, coisa.
 Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 25

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pelo que irão existir constrangimentos, por meio de implementação
Cinema e Audiovisual
de cortes de via e/ou basculamentos de tráfego.
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Os trabalhos ocorrerão durante quatro meses.
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da Nazaré, Cave do Bloco 21 - Sala E, 9000-135 Funchal, Telefone: 291 772 021 - Fax: 291 772 021 - E-mail: geral.madeira@alzheimerportugal.org

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26 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023
Cultura 76.ª edição do Festival de Cannes
Anatomie d’Une Chute recebe
a Palma de Ouro de Cannes
O júri era presidido pelo realizador sueco Ruben Ostlund, já duas vezes premiado com a Palma de Ouro.
De novo um Älme francês e de novo uma cineasta, dois anos após Titane, de Julia Ducournau
Vasco Câmara, em Cannes
O júri da competição do Festival de
Cannes, presidido pelo realizador
sueco Ruben Ostlund, que liderou
uma equipa de oito jurados, Julia
Ducournau, Atiq Rahimi, Damian
Szifron, Rungano Nyoni, Maryam
Touzani (realizadores), Paul Dano,
Denis Ménochet, Brie Larson (acto-
res), atribuiu ontem à noite o palma-
rés da 76.ª edição do Festival de Can-
nes. O vencedor é Anatomie d’une
Chute, de Justine Trier, uma Palma de
Ouro francesa dois anos depois de
Titane, de Julia Ducournau, e de novo
premiando uma cineasta. Prolonga-se
dessa forma a narrativa feminina de
2022 em que Veneza distinguiu All the
Beauty and the Bloodshed, de Laura
Poitras, e de 2021, ano em que, depois
de Ducournau triunfar na Croisette,
O Acontecimento, de Audrey Diwan,
venceu no Lido de Veneza.
No palco do Palais des Festivals,
Justine Triet, 44 anos, que realiza
com Anatomie d’une Chute a sua quar-
ta longa-metragem de Æcção, coroou
a sua alegria sendo veementemente
política e zangada contra a adminis-
tração Macron, que enfrentou uma
“contestação histórica e poderosa” e
cujas políticas ameaçam, segundo
ela, a cultura como excepção em
França.
Foi um prémio que se começou a
delinear-se ao longo da cerimónia,
quando alguns dos títulos mais aplau-
didos pelo público e pela imprensa,
os que eram considerados favoritos,
foram sendo postos fora da corrida.
Isto é, foram Æcando com os seus pró-
prios galardões e, como tal, impedi-
dos pelos estatutos de acumularem
uma Palma de Ouro. Aconteceu assim
com The Zone of Interest, de Jonathan
Glazer, o Grand Prix, penúltimo pré-
mio da noite, mantendo-se por isso
quase até ao Æm o suspense: é um
“Ælme sobre o Holocausto”, aqui Æl-
mado a partir do perfeito jardim da
casa do comandante do campo de
concentração de Auschwitz, Rudolph
Hoss (jardim esse que foi também a
última coisa que ele viu quando foi
enforcado no terreno do campo em
1947). Traz o raro Glazer, cinco longas
metragens em 23 anos (mas muitos
videoclips para Radiohead, Massive
Attack ou Nick Cave), para o statu quo
do cinema, ele que costuma ser olha-
do de viés. Este Ælme, frio, concep-
tual, inclementemente inumano, é
divisivo.
Do grupo dos títulos misantropos
desta competição, o que sempre se
achou que seria do agrado de Ostlund
(aquela ideia Æxa, e errada, de que o
presidente do júri decide do gosto da
sua equipa), Les Herbes Sèches, inves-
tigação demorada, dostoievskiana,
tão sedutora quando exasperante, da
“alma” humana, foi “arrumado” com
o prémio de interpretação feminina.
Nuri Bilge Ceylan, o realizador, não
se pode queixar, porque é um dos
mais premiados de Cannes: tem uma
Palma de Ouro nas mãos (Winter
Sleep, em 2014), e vários outros pré-
mios, Prémio do Júri, Grand Prix,
prémio do Melhor Realizador.
O melhor de todo o concurso, Per-
fect Days, de Wim Wenders, acabou
distinguido pelo seu actor, Koji
Yakusho, que há anos o festival viu na
Enguia de Imamura: justíssimo, jus-
DR
ERIC GAILLARD/REUTERS
Justine Trier no momento em
que recebeu a Palma de Ouro e
uma imagem do seu filme,
Anatomie d’une Chute. Em baixo,
Koji Yakusho, vencedor da
melhor interpretação masculina,
num filme de Wim Wenders
GONZALO FUENTES/REUTERS
Palmarés
Palma de Ouro — Anatomie
d'Une Chute, de Justine Triet
Grand Prix — The Zone of
Interest, de Jonathan Glazer
Prémio do Júri — Fallen Leaves,
de Aki Kaurismaki
Melhor Interpretação
Masculina — Koji Yakusho, por
Perfect Days, de Wim Wenders
Melhor Interpretação Feminina
— Merve Dizdar, por Les Herbes
Sèches, de Nuri Bilge Ceylan
Prémio de Realização — Tran
Anh Hung, por La Passion de
Doudin Bouffant
Melhor Argumento — Yuji
Sakamoto, por Monster, de
Hirokazu Kore-eda
O júri da Câmara de Ouro,
atribuído às primeiras obras,
distinguiu (”nasceu um
cineasta”, segundo os jurados),
L'Arbre aux Papillons d'Or, do
vietnamita Thien An Phan.
tíssimo, o Ælme é uma câmara de Æl-
mar ligada a um corpo, o de um poeta
limpador das casas de banho públicas
de Tóquio, mas o Ælme teria merecido
a Palma. Trata-se do regresso emocio-
nante de um senhor que todos julgá-
vamos “arrumado”, Wenders. De
Wang Bing e do seu Youth (Spring),
outro dos grandes (em todos os senti-
dos) Ælmes do festival, nem sequer
consta um prémio de consolação.
O Ælme de Wenders foi um dos que
escaparam a um núcleo frio, misan-
tropo, que escalpelizou o ser humano
nesta competição. O outro foi Fallen
Leaves, de Aki Kaurismaki, que se Æcou
por um (apesar de tudo, muito impor-
tante) Prémio do Júri. Pela reacção da
sala de imprensa, que vaiou ligeira-
mente o anúncio, estava aqui, nesta
tragicomédia chaplinesca, também
uma Palma esperada. Não interessa,
o que está feito está feito: o Ænlandês,
que não veio à cerimónia, mandou
dizer “merci and twist and shout”.
Ainda houve o crowd pleaser e um
título que foi um sucesso de vendas
para os vários mercados, onde pro-
mete arrasar: La Passion de Doudin
Bouffant, de Tran Anh Hung (melhor
realizador). É uma dança entre Benoît
Magimel e Juliette Binoche, ele ele-
gantemente tentando chegar a ela. É
um Ælme sobre o prazer da comida,
porque Juliette é a cozinheira do chef.
Mas é principalmente um Ælme sobre
a parceria, sobre a empatia, sobre os
actores. A quem o realizador, obvia-
mente, agradeceu. Era um Ælme
demasiado redondo, dizemos nós,
para as ambições deste júri.
Sobra Anatomie d’Une Chute — que
tem, salvemos já isto, uma extraordi-
nária presença de Sandra Huller, a
actriz alemã de Toni Erdman. Sandra,
aliás, estava também, nesta competi-
ção, em The Zone of Interest, como
mulher de Rudolph Hoss e apaixona-
do pelas Çores do seu jardim. No Ælme
vencedor de Cannes 2023, ela inter-
preta uma mulher suspeita de ter
assassinado o marido. Argumento
trabalhado por Triet e o seu compa-
nheiro, Arthur Harari, é menos um
Ælme de tribunal, passando-se quase
todo nesse cenário, do que um drama
conjugal misturado com o thriller
psicológico. Não escapa, por isso, ao
“quem matou?”. Uma pena não lhe
ter escapado a Palma.
Não faz mal. Sem ressentimentos.
Acabou a 76.ª edição do festival de
Cannes. Vamos seguir Aki Kauris-
maki: twist and shout.

ARCOlisboa: há muito mais mercado
do que se imagina nesta feira bonita
Luísa Soares de Oliveira
Disse-se em tempos que o
mais importante na ARCO
não era o que lá se passava,
mas o que acontecia depois.
A regra continua em vigor
Na quarta-feira, a directora da galeria
britânica Greengrassi desolava-se
por não ter conseguido desalfande-
gar a tempo as obras destinadas ao
seu project room, um trabalho do
artista Simon Ling, como noticiámos
já. Na altura, ainda não sabia o que
ia acontecer ao cubículo branco que
tinha pago, e que já contrastava nes-
se dia com a cor e a exuberância dos
stands vizinhos. Mas uma mão amiga
tratou do assunto: a artista Ana Jotta
desenhou na parede uma imagem de
um pudim a ser gulosamente ataca-
do por formigas, assinou-a e dedi-
cou-a à galeria. Não é a primeira vez
que Ana Jotta tem um gesto generoso
desta ordem, e que ao mesmo tempo
nos recorda que estamos ali a ver
arte, e não apenas a comprá-la ou
vendê-la. A galeria Greengrassi Æcou,
aÆnal, muito bem servida.
Fomos falando com os galeristas e
artistas que estavam ontem no espaço
da feira. Esta abrira as suas portas
havia pouco, e a aÇuência de público
ainda era curta. Os galeristas com
quem falámos mostram-se modera-
damente satisfeitos. Contam-nos qua-
se sistematicamente que há muito
interesse pelas peças e por certos
artistas, mas que as compras tardam
em efectuar-se. Já se disse em tempos
que o mais importante na ARCO não
era o que lá se passava, mas o que
acontecia a seguir. Esta parece ser
uma regra que continua em vigor.
Ainda na secção dos project rooms,
salientamos também, para além dos
que já referimos anteriormente —
Túlio Pinto, na Nosco, com as suas
interessantes esculturas de vidro e
aço corten, e Mané Pacheco, da Bal-
cony, também com escultura mas de
pele, osso, metal e couro —, a insta-
lação onírica da argentina Ana López
na W Galería (um cenário de con-
chas, corais, anémonas, percebes e
outros seres marinhos em cerâmica
e cimento) e as pinturas abstractas
de Fod na espanhola T20 — telas
cruas que recebem formas geomé-
tricas pintadas de cor saturada, remi-
niscentes da pintura hard edge dos
anos 50 e 60.
Muito perto, na secção Opening,
que recebe galerias estreantes (ou
quase) na feira, a Foco, de Lisboa,
mostrava surpreendentes escultu-
ras também em cerâmica de Fran-
Para além dos project room há 51 galerias presentes
cisco Trêpa, e, quase ao lado, a
Encounter, de Londres, obras de
boa qualidade de Kemar Keanu
Winter e de James Collins. O direc-
tor, Alenxander Caspari, um jovem
de 30 anos, fundou esta galeria em
2014 em Londres, e abriu recente-
mente um espaço em Lisboa onde,
como nos diz, “há muito mais mer-
cado do que se imagina”.
Paula Rego e Helena Almeida
Seguimos daqui para o programa
geral, com as suas 51 galerias numa
disposição em corredor que facilita
a visita. Fernando Pradilla, da galeria
madrilena do mesmo nome, é um
habitué de todas as edições da ARCO;
entre outros, trabalha regularmente
com Pedro Calapez (que não trouxe
este ano, mas que tem boas pinturas
na portuense Fernando Santos e na
lisboeta Miguel Nabinho). Vai-nos
dizendo que gosta muito de vir à
ARCOlisboa, não tanto pelas vendas,
que nunca são muitas, mas porque
é uma feira bonita e de um tamanho
As galerias
portuguesas
exibem um nível
qualitativo
superior. Na 3+1,
chamava a atenção
Carlos Noronha
Feio com um
tapete de Arraiolos
com motivos
bélicos
Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 27
Cultura
NUNO FERREIRA SANTOS
va a atenção por uma peça de chão que se estreia na feira. Julie Taylor, a
de Carlos Noronha Feio: um tapete directora, apresenta obras de três
de Arraiolos desenhado com motivos mulheres artistas africanas: Hedwig
bélicos. As fotograÆas de Tito Mou- Barry, Ann Gollifer e Tuli Mekondjo;
raz, que estiveram em exposição no destacamos esta última, natural da
espaço do Rato até há umas sema- Namíbia, que realiza minuciosos tra-
nas, também sobressaíam, por boas balhos têxteis que tratam questões
razões. A Pedro Cera, como é hábito, identitárias. Também nos confessa
trazia, entre outras coisas, duas notá- que é difícil entrar no mercado por-
veis pinturas de Gil Heitor Cortesão, tuguês, mas mantém-se convicta de
e a Quadrado Azul, também como é que a longa viagem a uma feira em
habitual, uma chamativa peça de Lisboa vale a pena.
Rigo23. A Carlos Carvalho, boa pin- A feira completa-se com espaços
tura de Maria Condado; a Lehmann dedicados às editoras de livros de
+ Silva, uma destacada selecção de arte (ou de artista) e com a exposição
fotograÆa e desenho de Ramiro Guer- das aquisições feitas pela Câmara
reiro. E a Kubik, além de peças de Municipal de Lisboa no ano passado,
Pedro Tudela e de Pedro Vaz, trazia no Torreão Nascente. As compras
duas surpresas: escultura em cimen- deste ano — feitas pela autarquia,
to colorido de Manoela Medeiros, e mas também pela EDP, que se saiba
tapeçarias de Flávia Vieira. até agora — deverão ser anunciadas
Do grupo África em Foco, parámos amanhã, dia de encerramento da
na galeria sul-africana Guns & Rain, ARCOlisboa.
agradável: “uma feira-boutique,
mesmo”.
Este ano trouxe peças do Ateliê
Sandra e Albano: fotograÆas reduzi-
das à sua estrutura formal e cromá-
tica essencial, completadas por
desenhos minuciosos e delicados
como teias de aranha. As imagens,
essas, foram tiradas no Jardim Botâ-
nico do Rio de Janeiro; e por acasos
da distribuição dos stands Æcam
mesmo ao lado de duas belas pintu-
ras de jardins de Rui Pedro Jorge,
que estão na 111. JÚLIA DA CONCEIÇÃO
Esta última galeria é a primeira
que visitamos que apresenta obras BARBOSA FERREIRA AMARO
de grande prestígio, e provavelmen-
te de preço a condizer: neste caso, APÚLIA, 21-05-1973 — BRAGA, 27-05-2023
peças de Paula Rego. Podemos
acrescentar a este núcleo uma obra Professora de Inglês, na Escola João de Meira, Guimarães, dedicou
de grande formato de Helena Almei- a sua vida à Escola Pública, nunca deixando nenhum aluno para trás.
da na Francisco Fino, um Miró e um Leitora imparável, escritora por cumprir, teria merecido mais futuro,
Tàpies de boa qualidade na Mayo- e teríamos ganho todos: com a sua capacidade de trabalho,
ral, de Barcelona, um Torres-García de mobilização, e de entusiasmo, e com a sua gargalhada sonora,
na Leandro Navarro, e sobretudo as perante um desenho animado revisto mil vezes, ou uma travessura
esculturas e o desenho de Chillida de um gato acolhido no colo, numa rara síntese entre “pensar
na basca Carrerasmugica. Noutro as coisas pensadas” e rir-se, comover-se, e consolar-se com
registo mais contemporâneo, a Cris- as coisas simples, como um pudim abade de Priscos.
tina Guerra traz um belo desenho Será também a nossa Júlia, doravante,
de Julião Sarmento de grandes “fonte inesgotável de inspiração”.
dimensões. A família agradece ao Hospital de Braga, em especial,
Vimos três grandes esculturas de ao Serviço de Oncologia, todos os cuidados prestados, e o carinho
António Bolota na Vera Cortês, que com que foi tratada e acompanhada.
tinha acabado de ganhar o Prémio
Millenium para o melhor stand da As cerimónias fúnebres decorrerão no Tanatório de Braga, hoje, às 16h.
Serviços a cargo da Funerária de Martim.
feira. Tem de facto um espaço amplo
e com uma excelente área, com uma
parede quase totalmente azul por via
Aurora Amaro, Mãe
Pedro Vieira, companheiro
da montagem de uma série de dese-
nhos de Susanne Themlitz, que con-
trasta eÆcazmente com as esculturas
Helena Amaro, irmã
Catarina Amaro, irmã
de Bolota. Laura Amaro Maia, sobrinha
Em geral, as galerias portuguesas
apresentam um nível qualitativo
Pedro Maia, companheiro
superior. A 3+1, por exemplo, chama-
28 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023
Cultura
Chico Buarque: é hora de “remediar
o estrago”, “depois de tanta demência”
Crítica de música
Que tal um samba?
mmmnn
Chico Buarque com Mônica Salmaso,
acompanhados de Luiz Claudio
Ramos (guitarra), Bia Paes Leme
(teclados), Chico Batera (percussão),
João Rebouças (piano), Jorge Hélder
(baixo), Jurim Moreira (bateria)
e Marcelo Bernardes (sopros)
No seu primeiro concerto em solo
português em cinco anos, Chico Buar-
que fez uma dedicatória a Vinícius
Júnior (futebolista do Real Madrid que
foi recentemente alvo de ataques
racistas durante uma partida), home-
nageou cantoras falecidas (desde Gal
Costa à irmã Miúcha, a quem um
emocionado Chico dedicou Mani-
nha), revisitou anos e anos de um dos
repertórios mais celebrados da músi-
ca popular brasileira e apresentou a
sua canção mais recente, um samba
“para espantar o tempo feio”.
Esta sexta-feira, numa Super Bock
Arena, praticamente lotada, no Porto,
o cantor não falou muito com o públi-
co, e tampouco fez referências direc-
tas a Jair Bolsonaro mas as canções
falaram por si. É hora de “remediar o
estrago”, disseram elas. “Depois de
tanta derrota, tanta demência.”
Depois de “uma dor Ælha da puta”.
Citámos, em ambos os parágrafos
anteriores, versos de Que tal um sam-
ba?, música que Chico Buarque edi-
tou em Junho do ano passado e que
dá nome à digressão que agora pro-
porciona este seu regresso aos palcos
portugueses.
A tour começou em Setembro, na
Paraíba, e desde então o seu alinha-
mento sofreu transformações, assim
como o Brasil mudou — saiu Bolsona-
ro da presidência, reentrou Lula da
Silva, de quem Chico é amigo de lon-
ga data. É “sintomático” que, por
exemplo, a música Desalento tenha
sido posta de parte, escrevia o site de
notícias G1 nos primeiros dias deste
ano, a propósito de um dos concertos
no Rio de Janeiro. Chico Buarque
“esqueceu o desalento e (...) soprou
a boa brisa que embala o Brasil neste
início de 2023”.
Referência a Bom tempo, canção
que já integrava o alinhamento, quan-
do a digressão começou e que conti-
nua a ser apresentada. “Um marinhei-
ro me contou/ que a boa brisa lhe
soprou/ que vem aí bom tempo”, can-
tava Chico em 1968. Na Super Bock
Arena, como nas restantes salas de
espectáculos que já receberam esta
Chico Buarque encheu o Rosa Mota com 32 canções
tour, estes versos saíram da boca de
Mônica Salmaso, experiente cantora
a quem tem cabido a responsabilida-
de de fazer o início do espectáculo
(não se trata de um concerto de aber-
tura, ela canta mesmo temas do can-
cioneiro de Chico) e, já depois da
entrada em cena do cantor e compo-
sitor, de o acompanhar em vários
outros momentos do concerto.
Como tem sido habitual, Mônica
começou a actuação com uma versão
ternurenta, ao estilo “caixinha de
música”, de Todos juntos, música para
miúdos (integrou a banda sonora da
peça de teatro infantil Os Saltimban-
cos, musicada por Chico na segunda
metade dos anos 1970) que também
pode dizer muito a graúdos sobre
resistência e a união que a faz. Canta-
ria, logo a seguir, Mar e lua, sobre
duas mulheres que “amavam o amor
proibido”. Estávamos em 1980 quan-
do esta canção saiu; a ditadura militar
brasileira só cairia cinco anos
depois.
A cantora de 52 anos (é quase 30
mais nova do que Chico Buarque, que
está a apenas algumas semanas de
celebrar o seu 79.º aniversário) man-
teve-se como a única voz do concerto
até ao Ænal da sexta música. Foi aí
que, encontrávamo-nos nós no Brasil
colorido, complexo, cheio de sota-
ques e cheio também de artistas bri-
lhantes de Paratodos, que entrou
Chico. Ele que, após uma efusiva ron-
da de aplausos, começaria logo a
meter o dedo na ferida (não foi, por-
tanto, um concerto feito só de “boa
brisa”).
Fez-se ao tema O velho Francisco,
que, apesar das suas melodias solares,
toca no fantasma maior do Brasil: o da
escravatura. Dessa canção, de 1987,
passaria para a bem menos solar
FOTOS: JOSÉ SÉRGIO
Sinhá, composta em 2011 com João
Bosco, grande parceiro criativo do
falecido letrista Aldir Blanc. Ainda não
mudámos de assunto: a canção conta
a história de um escravo que tenta
convencer o seu pouco misericordio-
so senhor de que não Ætou a sua
mulher com olhos de cobiça (“sinhá”
é uma maneira informal de dizer
“senhora”). Nos últimos versos, cai a
perspectiva do escravo. “E assim vai
se encerrar/ o conto de um cantor/ com
voz do pelourinho/ e ares de senhor.”
Sinhá. Tema violento e brilhante,
que nesta sexta-feira Chico Buarque
dedicou “ao nosso querido Vini
Júnior”.
A sedução da encantatória bossa
Sem fantasia, uma das várias músicas
em que Chico e Mônica trocaram ver-
sos, devolveria o concerto a um ter-
ritório mais ligeiro, que na verdade
foi aquele em que passámos a maior
parte da noite. No único momento
da actuação em que disse à bem-
comportadinha plateia algo mais do
que “boa noite” ou “obrigado”, Chico
falou, mais ou menos directamente,
de política , mas mesmo assim o tom
escolhido foi de alguma brincadeira.
Estávamos em Bancarrota blues, can-
ção que tem como sujeito alguém
que precisa desesperadamente de
fazer algum dinheiro (“Eu posso ven-
der”, está sempre a repetir), quando
Chico, sentado a tocar violão (foi
assim que passou grande parte do
tempo, ele que revelou alguma diÆ#
culdade em se levantar, quando foi
preciso), apresentou a banda.
Depois, disse que por vezes há
momentos nos seus concertos em
que se esquece daquilo que tem de
tocar no violão, ou até das suas letras.
Piada: pensou em pôr um teleponto,
para poder ler e cantar ao mesmo
tempo. “Mas aí iam dizer que o sujei-
to não é o compositor.”
Chico estava a fazer referência a um
caso recente mediático e insólito. No
ano passado, Eduardo Bolsonaro,
Ælho de Jair, fez uma publicação nas
redes sociais em que usou um excer-
to de Roda viva, tema escrito por Chi-
co Buarque e apresentado pelo pró-
prio. O músico entrou com uma acção
judicial para pedir que a canção fosse
retirada do post, mas uma juíza inde-
feriu o pedido, sustentando que fal-
tava um documento comprovativo de
que a música é mesmo de Chico.
O cantor, uma vez feita a piada do
teleponto, disse estar em circulação
um “boato” segundo o qual compra
as suas músicas. Podem chamá-lo
tudo e mais alguma coisa, referiria
depois. “Esquerda caviar”? Não o
incomoda. “Agora, dizerem que eu
compro as minhas músicas... Isso eu
não vou admitir”, disse num tom de
voz calmo, perante uma plateia que
respondeu com muitos aplausos.
“Mas posso vender”, cantaria de
seguida, regressando a Bancarrota
blues e provocando risadas.
Clássicos como Construção, Coti-
diano, ou Apesar de você Æcaram de
fora, o que não espanta, dado que
tem sido assim nesta digressão. Ouvi-
mos canções como Imagina, Choro
bandido, Sob medida, Mil perdões
(tema em que Chico prestou o tal tri-
buto a Gal Costa, através de uma pro-
jecção que mostrou ao público uma
imagem da célebre cantora, falecida
em Novembro passado — Gal gravou
Mil perdões, escrita pelo amigo Chico,
em 1983), Samba do grande amor,
Futuros amantes ou Assentamento.
Ouvimos também Que tal um samba?,
claro. Que tal poder criar um Ælho
“com a pele escura” num “bom
lugar”, “numa cidade legal”? Foi uma
das perguntas deixadas no ar, num
tema a que Chico adicionou um pou-
quinho de Samba da bênção (Vinicius
de Moraes) e Samba da minha terra
(Dorival Caymmi). Mesmo antes,
havíamos escutado uma outra fusão:
As caravanas, grande tema de 2017,
com Deus lhe pague, grande tema de
1971.
No primeiro de dois encores, músi-
ca que não poderia ter faltado: Tanto
mar, esse tema que Chico escreveu
nos anos 1970 para saudar o nosso 25
de Abril, “pá”. No encore derradeiro,
João e Maria. Era a 32.ª canção. O
público pôs-se em pé, primeiro para
fazer parte da cantoria e depois para
ovacionar a banda uma última vez.

Portistas venceram no último
últim
mo jogo
jogo da
Apesar do triunfo sobre
o Vitória, o ambiente entre
os jogadores portistas
foi de desilusão
A 27.ª vitória do FC Porto
foi a mais amarga
Os “dragões” cumpriram a sua obrigação e venceram o V. Guimarães, mas falharam
o objectivo de revalidar o título. Com a derrota, os minhotos caíram para o 6.º lugar
Crónica de jogo
David Andrade
A época termina com nove vitórias
consecutivas, mas com um nó aper-
tado na garganta para os portistas. No
último capítulo da I Liga 2022-23, o
FC Porto cumpriu a sua missão e, com
um triunfo no Estádio do Dragão fren-
te ao V. Guimarães — golos de Taremi,
Otávio e Evanilson —, empurrou a
responsabilidade para a concorrên-
cia. Porém, de Lisboa não chegaram
boas notícias para Sérgio Conceição
e companhia. Com a vitória do BenÆ#
ca frente ao Santa Clara, os “azuis e
brancos” terminaram o campeonato
no 2.º lugar, enquanto os vitorianos,
que jogaram desde o segundo minuto
em inferioridade numérica, perde-
ram o 5.º lugar para o Arouca.
Concluindo uma época em que foi
líder nas três primeiras jornadas, mas
em que chegou a estar sob a ameaça
de abandonar o Estádio da Luz com
d I Liga mas de nada lhes valeu Desporto
13 pontos de desvantagem para o pri-
meiro classiÆcado, o FC Porto iniciou
o último duelo da I Liga ainda com a
crença num feito extraordinário do
“lanterna vermelha” da prova.
Porém, bastaram meia dúzia de minu-
tos para que qualquer ilusão de ree-
dição do título desaparecesse das
bancadas do Dragão.
Com os principais trunfos disponí-
veis em campo — Evanilson e Uribe
regressaram ao “onze” —, o FC Porto
Æcou com a sua tarefa muito simpliÆ#
cada devido a uma imprudência de
Tomás Handel. Ainda sem ter sequer
tocado na bola, o jovem médio da
formação do V. Guimarães atingiu
com a sola da chuteira a perna de Uri-
be, vendo de imediato o vermelho
directo. Com minuto e meio de jogo,
Moreno via qualquer estratégia que
tivesse planeado ir por água abaixo.
Para piorar ainda mais o cenário
para os vimaranenses, logo após o
recomeço da partida, Pepê desenhou
na esquerda uma grande jogada e
Taremi só teve de colocar a sua assi-
FC Porto 3
Taremi 8’, Otávio 32’ e
Evanilson 39’
V. Guimarães 0
Jogo no Estádio do Dragão, no Porto.
Assistência 42.417 espectadores
FC Porto Diogo Costa, Pepê, Pepe
(Veron, 63’), Marcano, Wendell
(Namaso, 82’), Otávio a72’ (André
Franco, 73’), Eustáquio, Uribe a87’,
Galeno (Rodrigo Conceição, 63’),
Evanilson (Toni Martínez, 63’) e Taremi.
Treinador Sérgio Conceição.
V. Guimarães Bruno Varela, André
Amaro, Bamba, Tounkara a62’, Tomás
Händel a2’, Dani Silva a40’ (Matheus,
58’ a89’), Miguel Maga, Afonso Freitas
a44’ (Hélder Sá, 46’ a72’), Jota Silva
(Zé Carlos, 22’), André Silva (Anderson,
75’) e Michael Johnston (Tiago Silva,
22’ a71’). Treinador Moreno.
Árbitro Artur Soares Dias (AF Porto)
VAR Fábio Melo (AF Porto)
Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 29
VINCENT WEST/REUTERS
Positivo/Negativo
Pepê
Enquanto houve esperança
no Dragão, Pepê foi o
principal dinamizador do
ataque portista e merecia
o golo que lhe foi anulado
por 10 centímetros.
Tomás Handel
É um dos bons valores do
V. Guimarães, mas o jovem
médio cometeu um erro
grave que condicionou
todo o jogo dos vitorianos.
Segunda parte
Com a vantagem
benfiquista ao intervalo,
a segunda parte no Estádio
do Dragão perdeu
qualidade e tornou-se
enfadonha.
Reacções
“Há pouco a dizer do jogo,
que não teve história.
Não dependíamos de nós.
Continuo a achar que
somos a melhor equipa
[do campeonato].”
Sérgio Conceição
FC Porto
“Jogar aqui, por si só, é
difícil, com expulsão muito
mais. Temos de crescer.”
Varela
V. Guimarães
natura no primeiro golo. Porém, os
festejos “azuis e brancos” eram acom-
panhados por um sorriso tímido: no
Estádio da Luz, Gonçalo Ramos já
tinha colocado o BenÆca a vencer.
Com o V. Guimarães à procura de
se reorganizar, o FC Porto não baixou
o ritmo. Aos 10’, Evanilson esteve per-
to de marcar; aos 12’, 10 centímetros
inviabilizaram um golo de Pepê. Com
a sua equipa claramente desarticula-
da, Moreno viu-se forçado a fazer
uma dupla alteração (entraram Zé
Carlos e Tiago Silva), reorganizando
a sua equipa num 5x3x1. Os resulta-
dos foram nulos.
Com o claro objectivo de vencer
pelo máximo de golos possível, o FC
Porto continuou a colocar os minho-
tos sob pressão constante e, repetin-
do o que se tinha passado no primei-
ro golo, os “dragões” marcaram qua-
se em simultâneo com o BenÆca: com
qualidade, aos 32’ Otávio fez o 2-0.
Embora com a equipa portista a
mostrar-se competente e a exibir-se
a um nível superior às últimas jorna-
das, a vantagem benÆquista colocava
gelo nas bancadas do Dragão e, aos
39’, o 3-0 de Evanilson já mereceu
festejos tímidos.
Com o FC Porto resignado quanto
ao título, o V. Guimarães Æcava com
o seu quinto lugar preso por arames
e a segunda parte começou com más
notícias para os vimaranenses: com
dois golos de rajada em Portimão, o
Arouca passava a ser virtualmente o
quinto classiÆcado.
Assim, ao contrário do que tinha
acontecido nos primeiros 45 minutos,
a segunda parte tornou-se enfadonha
e desinteressante. Sem que os vitoria-
nos mostrassem capacidade de reac-
ção, Sérgio Conceição começou a
pensar na Ænal da Taça de Portugal,
no próximo Æm-de-semana: Pepe,
Evanilson e Galeno saíram aos 63’.
Depois, foi esperar que o relógio
avançasse e, sem boas notícias de Lis-
boa ou de Portimão, o campeonato
terminou de forma amarga para FC
Porto e V. Guimarães.
30 • Público • Domingo, 28 de Maio de 2023

Desporto

Borussia Dortmund ouviu Famalicão

conquista Taça
o ruidoso som do nada de Portugal
feminina
MAREEN MEYER/EPA
troféu ir para onde tem ido sem-
Diogo Cardoso Oliveira
pre. As famalicenses
O Bayern Munique Individualmente, este jogo trouxe derrotaram o Sp. Braga
detalhes relevantes. Um deles, nega-
conquistou a Liga alemã, no jogo decisivo,
tivo, vai para Haller. O avançado da
depois de ultrapassar Costa do MarÆm tem vivido num disputado no Estádio
o Dortmund na última mundo sombrio, tendo ultrapassado Nacional
jornada. Tudo foi dramático um linfoma. Regressou e Æca, agora,
ligado ao pesadelo da equipa, com O Famalicão conquistou ontem a
Dada a impossibilidade de estarmos um penálti falhado e uma grande Taça de Portugal feminina de futebol
no Signal Iduna Park, em Dortmund, oportunidade desperdiçada. pela primeira vez, após vencer na
deixemos a descrição a cargo de Por outro lado, no Bayern, há final, disputada no Estádio Nacional,
quem lá esteve. “Quando o apito alguém especial que continua a ser no Jamor, o Sp. Braga, por 2-0. Na
Ænal soou, numa tarde ventosa de especial. Kingsley Coman nunca sou- segunda presença consecutiva na
início de Verão, um ruído estranho be o que é acabar um campeonato a partida decisiva da prova, os golos
e desconhecido tomou conta do chorar. Ri sempre e leva 11 títulos em de Sissi e Letícia Almeida, ainda na
enorme Westfalenstadion: o som de 11 temporadas. Ontem, foi ele quem primeira parte, garantiram às fama-
nada”, descreveu o jornalista marcou primeiro e começou a tentar licenses sucederem ao Sporting na
Jonathan Liew, do Guardian. garantir que seria mais um ano de conquista do troféu.
Ontem, foi o Bayern Munique que sorriso. Depois de ter afastado da compe-
ganhou a Liga alemã, mas também Mais tarde, entrou ao serviço Jamal tição o AD Pastéis, o Cadima, o
foi o Borussia Dortmund que a per- Musiala. O jovem craque do Bayern Damaiense e o Benfica, o Famalicão
deu. Talvez tenha sido, sobretudo, o também teve um sábado memorável, adiantou-se no marcador logo aos 10
Borussia que a perdeu. Colocou-se a já que Æcará para sempre como o minutos: a avançada brasileira Sissi
si próprio no meio do silêncio e das jogador que entrou aos 85’ e, aos 89’, conseguiu progredir vários metros
lágrimas de quem não ganhava há 11 marcou o golo que entregou o título e, contando com o apoio da compa-
anos e, agora, chegará pelo menos A desilusão dos adeptos do ram assistir ao 2-2 marcado por Sule, ao clube. triota Mylena Freitas, ultrapassou
aos 12. Borussia Dortmund, que viram que deixou o Dortmund a um só golo Tudo foi dramático nesta tarde de várias adversárias bracarenses, mar-
O Dortmund só precisava de ven- o título fugir-lhes na última do título — que nunca chegou. E isto Bundesliga e quem seja imune a uma cando o primeiro golo no Jamor.
cer o Mainz, nono classiÆcado, sem jornada, num jogo em sua casa prova que a equipa de Munique vida de paixão pelo amarelo do A vantagem deu mais confiança à
que interessasse o que quer que o ganhou, mas foi, sobretudo, a equipa Borussia saberá reconhecer que foi equipa comandada por Marco Ramos
Bayern Æzesse no seu jogo. Os báva- de Dortmund que perdeu e deixou o divertido de ver. e, aos 27 minutos, um contra-ataque
ros Æzeram a sua parte, vencendo o das famalicenses foi conduzido com
Colónia por 2-1, mas o Dortmund não qualidade por Mylena Freitas, com
fez e empatou a dois frente ao Liga italiana Liga francesa Liga alemã a jovem internacional sub-19 portu-
Mainz. guesa Letícia Almeida a finalizar e a
Numa tarde que Æcará marcada na Jornada 37 Jornada 37 Jornada 34 fazer o 2-0.
mente dos adeptos, sobretudo dos Sampdoria - Sassuolo 2-2 Lens - Ajaccio 3-0 Wolfsburgo - Hertha Berlim 1-2 Na segunda parte, o rumo do jogo
81.365 mil que viram ao vivo, viveu- Salernitana -Udinese 3-2 Estrasburgo - PSG 1-1 RB Leipzig - Schalke 04 4-2 mudou, com o Sp. Braga a assumir o
Spezia - Torino 0-4 Rennes - Mónaco 2-0 União Berlim - Werder Bremen 1-0
se um pesadelo no Signal Iduna, e o Fiorentina - Roma 2-1 Toulouse - Auxerre 1-1 Borussia M’gladbach - Augsburgo 2-0 domínio da partida e a rematar mais,
muro amarelo, bancada icónica da Inter de Milão - Atalanta 3-2 Marselha - Brest 1-2 Estugarda - Hoffenheim 1-1 mas o Famalicão conseguiu gerir o
claque do Borussia, ruiu aos pou- Verona - Empoli 11h30, SPTV2 Lyon - Stade de Reims 3-0 Bochum - B. Leverkusen 3-0 jogo e aguentar a pressão das braca-
cos. Bolonha - Nápoles 14h, SPTV2 Clermont - Lorient 2-0 E. Frankfurt - Friburgo 2-1 renses, tornando-se no 10.º clube a
Monza - Lecce 14h Lille - Nantes 2-1 Borussia Dortmund - Mainz 2-2
Ruiu um bocadinho quando Haller Lazio - Cremonese 17h, SPTV2 Montpellier - Nice 2-3 Colónia - Bayern Munique 1-2
erguer a Taça de Portugal, em 19 edi-
falhou um penálti aos 19’. Ruiu mais Juventus - Milan 19h45, SPTV2 Angers - Troyes 2-1 ções da prova.
um pouco quando o mesmo Haller No final, Marco Ramos, treinador
J V E D M-S P J V E D M-S P J V E D M-S P
falhou de baliza aberta. Caiu-lhe do Famalicão, mostrou-se muito
mais um pedaço quando Reyna tam- 1. Nápoles 36 27 5 4 73-26 86 1. PSG 36 27 3 6 86-36 84 1. Bayern Munique 34 21 8 5 92-38 71 satisfeito pelo “objectivo cumprido”:
bém falhou. Ou quando vários outros 2. Inter de Milão 37 22 3 12 70-42 69 2. Lens 36 23 9 4 62-28 78 2. B. Dortmund 34 22 5 7 83-44 71 “Queríamos muito levar esta Taça
jogadores desperdiçaram lances de 3. Lazio 36 20 8 8 55-28 68 3. Marseille 36 22 7 7 66-37 73 3. RB Leipzig 34 20 6 8 64-41 66 para Famalicão, trabalhámos muito
golo. Segundo a OPTA, este foi o jogo 4. Milan 36 18 10 8 60-42 64 4. Mónaco 36 19 8 9 69-54 65 4. União Berlim 34 18 8 8 51-38 62 para isso. O Sp. Braga foi um digno
em que uma equipa que não venceu 5. Atalanta 37 18 7 12 61-46 61 5. Lille 36 18 9 9 62-42 63 5. Friburgo 34 17 8 9 51-44 59 vencido, deu tudo e valorizou a nos-
a partida teve um valor mais alto de 6. Roma 37 17 9 11 48-37 60 6. Rennes 36 19 5 12 65-38 62 6. B. Leverkusen 34 14 8 12 57-49 50 sa vitória.”
golos esperados — foram mais de 7. Juventus 36 21 6 9 55-32 59 7. Lyon 36 17 8 11 61-44 59 7. Eint. Frankfurt 34 13 11 10 58-52 50 Já Regina Pereira, capitã das fama-
quatro, mas marcaram apenas 8. Torino 37 14 11 12 42-40 53 8. Clermont 36 15 8 13 40-47 53 8. Wolfsburgo 34 13 10 11 57-48 49 licenses, disse tratar-se de “um dia
dois. 9. Fiorentina 37 14 11 12 50-42 53 9. Nice 36 13 13 10 42-34 52 9. Mainz 34 12 10 12 54-55 46 inesquecível”. “Estávamos com bom
O Dortmund dominou, com mais 10. Monza 36 14 10 12 46-46 52 10. Lorient 36 14 10 12 50-50 52 10. B. M´gladbach 34 11 10 13 52-55 43 feeling, sentíamos que os nossos
de 70% de posse de bola, e fez 29 11. Bolonha 36 13 11 12 48-45 50 11. Stade de Reims 36 12 15 9 44-39 51 11. Colónia 34 10 12 12 49-54 42 adeptos acreditavam que íamos ven-
remates, mas mesmo assim deixou 12. Udinese 37 11 13 13 47-47 46 12. Montpellier 36 14 5 17 60-58 47 12. Hoffenheim 34 10 6 18 48-57 36 cer desta vez. O percurso no futebol
que o muro amarelo caísse. 13. Sassuolo 37 12 9 16 46-58 45 13. Toulouse 36 12 8 16 48-55 44 13. Werder Bremen 34 10 6 18 51-64 36 é muito curto, há que aproveitar
Uma imagem que Æcou da tarde de 14. Empoli 36 10 12 14 36-46 42 14. Brest 36 10 11 15 41-51 41 14. Bochum 34 10 5 19 40-72 35 estes momentos. Já tentámos no ano
ontem foi a que mostrava os jogado- 15. Salernitana 37 9 15 13 48-60 42 15. Estrasburgo 36 9 12 15 49-56 39 15. Augsburgo 34 9 7 18 42-63 34 passado, não deu, mas desta vez
res do Bayern numa “rodinha”, com 16. Lecce 36 7 12 17 30-43 33 16. Auxerre 36 8 10 18 33-59 34 16. Estugarda 34 7 12 15 45-57 33 ganhámos mesmo a Taça. Tenho
um telemóvel ao centro, a verem o 17. Spezia 37 6 13 18 30-60 31 17. Nantes 36 6 15 15 35-53 33 17. Schalke 04 34 7 10 17 35-71 31 muito respeito pelo Sp. Braga, já lá
que restava do 1-2 entre Dortmund e 18. Verona 36 7 9 20 29-55 30 18. Troyes 36 4 11 21 43-78 23 18. Hertha Berlim 34 7 8 19 42-69 29 joguei, mas hoje só um podia ganhar
Mainz, esperando que tudo se man- 19. Cremonese 36 4 12 20 32-66 24 19. Ajaccio 36 6 5 25 22-71 23 e estou feliz que tenha sorrido para
tivesse dessa forma. E ainda pude- 20. Sampdoria 37 3 10 24 24-69 19 20. Angers 36 3 6 27 31-79 15 o nosso lado.” PÚBLICO

Noah inspira novo campeão de Roland-Garros
Pedro Keul
Novak Djokovic e Iga
Swiatek são favoritos para
vencer o torneio francês,
mas pela margem mínima
A 122.ª edição do Torneio de Roland-
-Garros será marcada por uma efe-
méride: o 40.º aniversário da vitória
de Yannick Noah. Um triunfo de um
tenista francês na prova de singulares
masculinos que encerrava um jejum
de 37 anos e muitos ainda recordam,
pois também nunca houve mais
nenhum jogador da casa a erguer a
Taça dos Mosqueteiros ou qualquer
outro troféu do Grand Slam. Mas foi
também o ponto alto de um sonho de
um menino que, aos 11 anos, deixou
a família em África.
Noah nasceu em Yaoundé, capital
dos Camarões, e foi descoberto pelo
antigo campeão Arthur Ashe, de visi-
ta ao país. Com a ajuda da Federação
Internacional de Ténis, o jovem radi-
ca-se em França, sozinho e determi-
nado a tornar-se tenista proÆssional.
Uma decisão bastante difícil para a
então criança e que Æcou resumida
nas lágrimas e no emotivo abraço
Nem a bicicleta “tirou” a camisola rosa a Primoz
Roglic num Giro em que João Almeida será terceiro
José Volta e Pinto
A bicicleta não ajudou. Quando Pri-
moz Roglic ( Jumbo) pedalava já nos
quilómetros Ænais da 20.ª e penúlti-
ma etapa da Volta a Itália, uma “cro-
no-escalada” com 18,6km e que o
antigo ciclista espanhol Alberto Con-
tador descreveu como “a mais dura
na história das grandes voltas”, a
corrente da sua “máquina” saltou,
obrigando o ciclista esloveno a parar,
sair da bicicleta e perder vários
segundos. Mas nem isso o impediu
de ser o mais rápido no Ænal, vencen-
do a tirada e arrebatando a liderança
da classiÆcação geral, roubando a
camisola rosa ao britânico Geraint
Thomas (INEOS). João Almeida (UAE)
foi terceiro e será terceiro na geral
caso tudo decorra sem sobressaltos
na última etapa da prova, que será
de consagração para Roglic.
Thomas partia para o contra-reló-
gio sinuoso entre Tarvisio e Monte
Lussari com 26 segundos de vanta-
gem em relação a Roglic, uma dife-
Yannick Noah foi o primeiro e único francês a vencer Roland-Garros
dado ao pai, Zacharie, que irrompeu
pelo court após a conclusão da Ænal
de Roland-Garros ganha a Mats
Wilander.
Curiosamente, os dois tinham-se
defrontado no Jamor semanas antes,
na Ænal do Open de Portugal, do
então designado Grand Prix — o pri-
meiro grande torneio de ténis que
teve lugar no nosso país. Wilander,
que no ano anterior conquistara o
primeiro de três títulos em Roland-
Primoz Roglic
rença que se revelou insuÆciente
perante a exibição demolidora do
ciclista esloveno.
O tricampeão da Volta a Espanha
(2019, 2020 e 2021) concluiu o per-
curso em 44m23s, 40 segundos mais
rápido que Thomas.
DR
Garros, venceu por 2-6, 7-6 (7/2) e 6-4,
depois de salvar dois match-points.
Ainda antes do major francês, Noah
cumpriu aquilo que ameaçava e der-
rotou o rival sueco em terra batida,
em Hamburgo.
A vitória sobre Ivan Lendl (n.º 3 do
ranking) nos quartos-de-Ænal conÆr-
mou o bom momento de forma. Res-
tava saber se Noah conseguia manter
o mesmo nível elevado por mais tem-
po, mas as dúvidas foram-se desfa-
A vitória folgada de Roglic permi-
tiu-lhe passar para o topo da classiÆ#
cação, com 14 segundos de vantagem
para o vencedor da Volta a França de
2018 e segundo classiÆcado no Tour
do ano passado.
João Almeida, que terminou a 42
segundos de Roglic, garantiu o pódio
no Giro, o melhor resultado portu-
guês na história da prova italiana.
“Estava a sentir-me bem. A primei-
ra parte não foi fantástica, no plano.
Estava algo nervoso, mas quando
comecei a subir Æquei melhor. Segui
o meu esforço, Æz a minha subida”,
analisou o português.
O ciclista de 24 anos é o primeiro
corredor nacional a Æcar entre os
três primeiros de uma “grande volta”
desde que Joaquim Agostinho con-
seguiu um segundo lugar na Vuelta
de 1974 e dois terceiros lugares no
Tour, em 1978 e 1979.
Almeida é ainda o primeiro portu-
guês a vencer a classiÆcação da
Juventude de qualquer uma das três
principais provas do calendário
Público • Domingo, 28 de Maio de 2023 • 31
zendo ao longo das duas horas e meia
da Ænal, concluída com os parciais de
6-2, 7-5 e 7-6 (7/3).
Do lado masculino, somente Henri
Leconte (Roland-Garros), Cédric Pio-
line (US Open e Wimbledon), Arnaud
Clément e Jo-Wilfred Tsonga (ambos
na Austrália) estiveram presentes em
Ænais do Grand Slam, mas sem suces-
so. Já no sector feminino, Noah teve
mais impacto.
Inspirou Amélie Mauresmo, que
começou a jogar ténis aos quatro
anos depois de assistir pela televisão
à vitória de Noah.
Mauresmo chegou ao topo do
ranking mundial e venceu dois majors
(Austrália e Wimbledon) e é, actual-
mente, directora do torneio de
Roland-Garros.
O sábado dedicado às crianças, na
véspera do início do torneio, é dora-
vante denominado como o Dia Yan-
nick Noah. O ponto alto foi o concer-
to dado em pleno court Philippe
Chatrier, com Wilander na guitarra.
Embora nenhum outro jogador
francês se tenha imposto em Roland-
-Garros, nunca faltou aos adeptos
franceses por quem puxar. A França
conta actualmente com 11 jogadores
no top 100 masculino, sendo o
Classificações
GERAL
1. Geraint Thomas (Ineos) 82h40m36s
2. Primoz Roglic (Jumbo) a 14s
3. João Almeida (UAE) a 1m15s
20.ª ETAPA (18,6KM)
1. Primoz Roglic (Jumbo) 44m23s
2. Geraint Thomas (Ineos) a 40s
3. João Almeida (UAE) a 42s
internacional de ciclismo, numa edi-
ção do Giro em que também garantiu
a primeira vitória de etapa nestas
corridas, com o triunfo na 16.ª eta-
pa.
No Ænal, João Almeida deu os para-
béns a Roglic, virtual vencedor da
prova: “Eles [os rivais] foram mais
fortes. Viram o Primoz [Roglic] hoje
[ontem], que com um problema
mecânico ganhou por muita mar-
gem. Foi o mais forte, parabéns a ele,
merece ganhar”, declarou o portu-
guês. com Lusa
Desporto
melhor Ugo Humbert (39.º). No qua-
dro de singulares estão 19 france-
ses.
Outro facto marcante para a pre-
sente edição do torneio francês do
Grand Slam: será a primeira sem
Roger Federer ou Rafael Nadal desde
1998.
O único representante do Big 3 é
Novak Djokovic, que, graças à sua
experiência e ao seu palmarés — 22
títulos do Grand Slam —, encima a
lista de favoritos. Mas o sérvio, aos 36
anos, já não tem o mesmo ascenden-
te sobre os mais directos rivais: Carlos
Alcaraz, possível adversário nas
meias-Ænais, Daniil Medvedev, que já
o derrotou numa Ænal do Grand
Slam, Casper Ruud, Stefanos Tsitsi-
pas, Holger Rune, Andrey Rublev e
Jannik Sinner. Um vencedor fora des-
ta lista será uma enorme surpresa.
Na prova feminina, a lista de can-
didatas é mais pequena. A número 1
mundial, Iga Swiatek, procura um
terceiro título em Paris, mas ainda
não se sabe se terá recuperado total-
mente da lesão contraída há semana
e meia em Roma. As principais rivais
são as jogadoras que lhe sucedem no
ranking: Aryna Sabalenka e Elena
Rybakina.
Famalicão
goleou Benfica
e é campeão
de juniores
O Famalicão conquistou ontem, pela
primeira vez na sua história, o título
nacional de sub-19, ao golear o Ben-
Æca por 5-1, na 14.ª e derradeira jor-
nada da fase de apuramento de cam-
peão.
Na Academia FC Famalicão, Dudu
(11’), Gustavo Barros, com um bis (15’
e 48’), Rodrigo Malheiros (90’) e Leo-
nardo Oliveira (90+5’) marcaram para
a equipa minhota, enquanto José
Sampaio reduziu para os “encarna-
dos” (19’), que, desta forma, termina-
ram no quarto lugar.
No outro encontro por onde passa-
va a decisão do título, o FC Porto
levou a melhor sobre o Estoril (1-0,
com golo de Joel Carvalho), mas aca-
bou na segunda posição da tabela,
uma vez que necessitava de que os
famalicenses não triunfassem para se
sagrar campeão pela 30.ª vez.
O Famalicão sucede ao BenÆca,
que tinha arrebatado o título na últi-
ma época.
Domingo, 28 de Maio de 2023
BARTOON LUÍS AFONSO
Nem Marcelo dissolve, nem a gente almoça
Anacrónica
H
Ana Sá Lopes
á muito boas razões
para interromper a
legislatura
(“episódios”, diria
o Presidente
Sampaio), mas
nenhuma para continuar a falar
dela todos os dias sem que haja
uma consequência clara.
Esta sexta-feira, Marcelo voltou
a interromper o tal silêncio a que
se tinha votado (mas que só deve
ter durado uma semana) para
dizer numa conferência uma frase
batida e não, não foi a de que hoje
era o primeiro dia do resto da
nossa vida.
No momento em que vivemos,
quando o Presidente da República
diz “quando o poder entra em
descolagem em relação ao povo,
não é o povo que muda, é o poder
que muda”, só há uma unívoca
leitura. Marcelo vai mostrar que,
quando falou tantas vezes em
dissolução do Parlamento, não
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estava a brincar com as palavras
nem com o Governo, nem com o
país.
A decisão de António Costa de
manter João Galamba no Governo
— contra aquela que seria a
vontade do Presidente da
República e até do PS ou pelo
menos do seu eleitorado depois da
trapalhada do computador do
adjunto — foi um desaÆo ao
Presidente da República, que o
amparou em quase todos os
momentos e que é profundamente
insuportável.
O regime semipresidencialista é
complexo mas tem funcionado em
Portugal: o que diz a Constituição é
que o primeiro-ministro propõe ao
Presidente da República os
ministros e o chefe de Estado
nomeia os ditos (há precedentes de
recusas presidenciais) e dá posse.
À cabeça, a Constituição quis aqui
salvaguardar uma necessidade de
consenso que foi absurdamente
quebrado.
Esta terá sido a mais acabada
expressão de maioria absoluta
equivalente a poder absoluto em
que António Costa na campanha
jurou jamais cair, apresentando
curiosamente Marcelo como a
melhor garantia para tomar conta
dele.
Vamos lá recordar o latim que
foi a “basezinha” de Costa para, a
22 de Janeiro de 2022, nos garantir
que a sua maioria absoluta seria
diferente. “Muitas pessoas têm
receio das maiorias. Houve más
experiências. Mas o poder desta
legislatura vai ser exercido sob o
mandato do actual Presidente.
Quem acredita que com um
Presidente da República como
Marcelo Rebelo de Sousa uma
maioria do PS poderia passar da
linha?”, disse, acrescentado ser
Marcelo “um constitucionalista”.
Lida à luz dos acontecimentos
RUI GAUDÊNCIO
recentes, em que António Costa
mandou à fava o conselho do
Presidente para aceitar a demissão
de Galamba e decidiu colar-se à
versão do ministro das
Infra-Estruturas, jurando a pés
juntos que houve roubo e o SIS
agiu dentro da lei (segundo vários
especialistas, um contra-senso), a
frase é um delírio.
Se ainda juntarmos que, esta
semana, Costa se recusou a
responder à Assembleia da
República sobre se o seu
secretário de Estado adjunto o
publico.pt/assinaturas
informou de que tinha
aconselhado Galamba a reportar
ao SIS, a frase de campanha em
que Marcelo é alcandorado a
vigilante da maioria absoluta é
absolutamente cómica.
A reunião recém-marcada do
Conselho de Estado e os
encontros com os partidos depois
de acabar a comissão de
inquérito à TAP deram esta
semana o sinal de que o
Presidente pode mesmo estar a
pensar dissolver a Assembleia da
República.
É perfeitamente compreensível
que o faça: cada dia que passa
a votação no Chega corre
o risco de aumentar perante
as cenas a que assistimos.
Ao não dissolver, Marcelo acaba
por colar o seu legado
presidencial ao legado
de António Costa.
Agora, se o Presidente está só a
brincar com o fogo mas sem
arriscar queimar-se, por favor,
pare. A ameaça contínua da
dissolução paralisa as instituições
e um governo e uma Assembleia
da República a funcionarem sem
saber como será o dia seguinte
comprometem o regular
funcionamento das ditas.
Jornalista
ASSINE JÁ