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Abrir portas onde se

eeerguem
rgue
rg u m muros Director: Manuel Carvalho Domingo, 16
6 de Abril de 2023 • Ano XXXIV • n.º 12.03
12.038
03
38 • Diário • Ed. Lisboa • Assinaturas 808 200 095 • 1,90€

Ana Benavente Memória


“Ainda bem que Oposição anuncia
saí do PS porque o fim da ditadura
teria vergonha” sem o saber
P2 Política, 10/11
DANIEL ROCHA

Museu de Arte Antiga


Pintura que estava
nas reservas pode ser
um Georges de La Tour
desconhecido
Destaque, 2 a 4

Inquilinos terão 30 dias para entregar


casas após decisão de despejo
No Novo Regime do Arrendamento despejos e deÆnir que, quando hou- deixar a casa. Hoje, não está previsto directamente aos senhorios as ren- Pagará rendas até 1140 euros por
Urbano entregue no Parlamento, o ver decisão favorável ao senhorio, o qualquer prazo. A proposta prevê das em dívida, nos casos de incum- mês, num montante máximo de
Governo quer alterar as regras dos inquilino passe a ter 30 dias para ainda que o Estado passe a pagar primento por parte dos inquilinos. 6840 euros Economia, 23

Disputa de poder Assédio na academia I Liga


Opinião
Confrontos “O CES não é Benfica perde
deixam Sudão à a excepção, O que faz correr em Chaves e vê
beira de “guerra é a norma. Toda Emmanuel Macron? FC Porto ficar
civil total” a gente sabe” Análise de Teresa de Sousa à visita do
Presidente francês à China Espaço Público, 9
a quatro pontos
Mundo, 20 Sociedade, 15 e Editorial Desporto, 28/29
ISNN-0872-1548
2 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Destaque Descoberta no Museu Nacional de Arte Antiga

Pintura que
estava nas
reservas
do museu
pode ser
um Georges
de La Tour

Atribuição ao pintor francês é complexa


e o museu está a ouvir três especialistas
para Äxar a autoria. Não é certo que
cheguem a consenso: nada é fácil quando
se trata deste artista do século XVII
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 3

DANIEL ROCHA
possível atribuição a Georges de La neste caso com um santo que não está ou uma carta, em particular São Jeró-
Lucinda Canelas
Tour”, lembra ao PÚBLICO Nicolas representado em nenhuma das outras nimo. Jean-Pierre Cuzin conhece-as

A
pomba que vem da esquer- Milovanovic, deixando claro que telas atribuídas ao pintor. muitíssimo bem.
da, como a luz que ilumina hoje duvida que a obra tenha saído Seja ou não um Georges de La Tour, “O S. Gregório descoberto por Nico-
a Ægura, é representada das mãos deste pintor que trabalhou o director de Arte Antiga, por seu las Milovanovic nas reservas do
em voo, embora quase para reis e cardeais e que esteve 300 lado, acredita que não se trata de uma Museu Nacional de Arte Antiga cor-
tudo no seu corpo indique anos esquecido. réplica: “Um trabalho como este não responde a este tipo de pintura, qua-
que estava em repouso “De facto, a maneira como a Ægura pode ser resultado de uma cópia — o se uma fórmula”, escreve o antigo
quando o pintor nela se Æxou. No está construída, a sua pose, a forma desenho é extremamente bom e a director do departamento de pintura
centro da composição está S. Gre- alongada do crânio, as numerosas pintura de uma liberdade de execu- do Louvre, num texto enviado a Joa-
gório, monge que viria a ser Papa, luzes que se destacam no seu hábito ção à primeira, sem falhas”, defende quim Caetano, já depois de visitar o
cabisbaixo, de lunetas na ponta do e a representação da pomba ao lado Joaquim Caetano, para quem a Ægura, MNAA para ver a pintura. “A coloca-
nariz longo e aÆlado. É um homem do santo pareceram-me evocar o esti- a composição, o trabalho dos tecidos ção da Ægura no espaço, as formas
velho, de barba comprida e cabelo lo deste artista, [mas hoje] o que me e os óculos de lentes grossas do santo deÆnidas por uma luz lateral dura são
já escasso, ambos grisalhos. faz duvidar da atribuição a Georges fazem lembrar de imediato La Tour. a marca de La Tour. E a execução, no
Veste um manto luxuoso e nas de La Tour é principalmente a execu- Já o fundo escuro uniforme e o facto belo empastamento e no graÆsmo
mãos tem aberto, provavelmente, o ção”, acrescenta. “O seu toque é de não haver nela “a densidade de virtuosos do rosto, especialmente os
Livro de Ezequiel, atendendo à bio- amplo, Çuido e luminoso, dando um matéria” que há noutras obras do olhos e as rugas da testa, e na mão
graÆa conhecida do protagonista da aspecto muito pictórico às composi- pintor fazem-no duvidar. que segura o livro, é característica do
obra, que muito o estudou e sobre ele ções. No caso do S. Gregório, o restau- “Georges de La Tour continua a pintor na sua primeira fase, mais
escreveu. O santo ocupa praticamen- ro recente da pintura permite-nos ser um artista muito raro”, adverte hábil do que nos Apóstolos de Albi,
te todo o espaço desta tela estreita julgar melhor o toque: parece-me um Nicolas Milovanovic, chamando a mas menos caligráÆco e livre do que
que pode ter pertencido a um conjun- pouco denso e seco de mais, e sobre- atenção para o facto de serem pou- no S. Jerónimo do Prado.”
to, talvez feito para uma sacristia. tudo demasiado linear, para justiÆcar cas as pinturas que lhe são atribuídas Para este historiador de arte que é
Quem será o autor desta pintura? uma atribuição a La Tour.” sem reservas e quase inexistentes os autor de uma importante monograÆa
Quando terá sido feita? O projecto de vestígios das suas obras nas fontes sobre o pintor francês (La Tour, Cita-
investigação e restauro que agora nela Um enigma do século XVII. “É, portanto, muito delle & Mazenod, 2021), a obra “des-
incide, motivado por uma possível Georges de La Tour continua em mui- raro examinar pinturas não publica- coberta” nas reservas de Arte Antiga
atribuição a um dos maiores e ainda tos aspectos a ser um mistério para os das que possam estar próximas do “levanta mil questões”, mas não a da
pouco conhecidos pintores franceses, historiadores de arte, embora a sua seu estilo. É isto que torna o S. Gre- autoria. “Apesar da minha primeira
Georges de La Tour (1593-1652), vai popularidade, em parte devido a esse gório no Museu [Nacional] de Arte reacção negativa ao vê-la ao vivo,
procurar responder a esta e a outras mesmo mistério, seja hoje indiscutí- Antiga de Lisboa ainda mais interes- como uma surpresa, já que em foto-
questões, mesmo que no Ænal venha vel. Parece que para a merecer, no sante: é um enigma.” graÆa não me tinha suscitado dúvi-
a ser impossível Æxar-lhe a autoria. entanto, não bastou a La Tour ser um Georges de la Tour, insiste este das, é um original de Georges de La
“Este trabalho de estudo é muito pintor de grande qualidade e origina- conservador do Louvre, “distingue- Tour”, disse ao PÚBLICO num breve
demorado e é preciso avançar com lidade; foi preciso que nascesse duas email, detalhando a sua opinião no
cuidado para que se chegue a infor- vezes, a primeira em 1593, na Lorena, texto já citado.
mação segura e comparável com a quando este ducado era um território “A pintura é excepcional. Ao ponto
de outras obras já atribuídas a La assolado pela guerra e pela miséria, de, num primeiro olhar, levantar
Tour”, diz Joaquim Caetano, director e a segunda em 1915, quando um bre- dúvidas quanto à sua atribuição. A
do Museu Nacional de Arte Antiga víssimo artigo do historiador de arte riqueza e a variedade dos materiais
(MNAA), a cuja colecção a obra per- Hermann Voss, historiador de arte retratados, desde logo as sumptuosas
tence. “É claro que a possibilidade
de ter sido feita por um dos maiores
alemão que teve um papel importan-
te na espoliação de arte pelos nazis,
Um trabalho como vestes eclesiásticas, as proporções
estreitas da tela, a tábua inferior
pintores franceses é entusiasmante, lhe atribuiu um pequeno conjunto de este não pode ser [espécie de parapeito que aparece na
mas, seja quem for o seu autor, é
uma pintura muitíssimo boa, sem
obras que até então se julgava terem
vários autores. resultado de uma parte inferior da composição], inexis-
tente noutras pinturas conhecidas de
pontos fracos, e certamente france-
sa. Depois de concluído o restauro,
“Há pouco mais de 100 anos, ele
era um perfeito desconhecido para a
cópia — a pintura [é] La Tour, tudo isto levanta questões.
Como a pomba, de um naturalismo
será um óptimo reforço para uma
área não muito forte da nossa colec-
história de arte. Ainda hoje não
conhecemos muitas das suas obras e
de uma liberdade magníÆco e delicado, estudado a par-
tir da vida, que não pode ser compa-
ção de pintura europeia.” não conhecemos muitos dos seus de execução à rada com qualquer peça de La Tour,
Foi numa visita às reservas do
museu criado em 1884, e onde esta
dados biográÆcos. Tudo isto diÆculta
o entendimento da obra”, reconhece primeira, sem falhas excepto o galo do São Pedro de Cleve-
land (1645), mais sumário e menos
pintura de 102 por 67 centímetros se Andrés Úbeda, especialista em pintu- Joaquim Caetano bem conservado.”
encontrava guardada há pelo menos ra francesa e italiana que em 2016 Director do MNAA Além disso, sublinha Cuzin, há que
85 anos — esteve exposta nas galerias, co-comissariou a importante exposi- ter em conta as características mate-
mas já não aparece no catálogo-guia ção que o Museu do Prado dedicou a -se por uma poesia própria, mas riais da obra, que só um exame direc-
publicado em 1938 —, que Nicolas Georges de La Tour. também por uma qualidade de rea- to permite aferir. É na sequência des-
Milovanovic, conservador-chefe do Sabe-se que foi muito célebre em lismo e por um toque extraordina- te exame que o historiador de arte
departamento de pintura do Museu vida, não pela documentação dispo- riamente magistral”, sendo estes os defende que este S. Gregório é muito
do Louvre, em Paris, alertou para as nível, mas porque há muitíssimas principais elementos que permitem diferente de outras obras conhecidas
semelhanças de composição com cópias de obras suas. “Nalguns casos atribuir uma obra ao artista. “Depois do artista, pintadas sobre uma prepa-
Georges de La Tour. Sugeriu então ao essas cópias são de tão boa qualidade há o estudo cientíÆco da obra, o tipo ração espessa. “Aqui, tanto a prepa-
director do MNAA que chamasse a que nos fazem duvidar se estamos de tela, a natureza das camadas de ração como a tinta são Ænas, e o grão
Lisboa, para a analisar com tempo, o perante um original de La Tour, se preparação, os pigmentos usados... da tela é claramente visível em relevo.
antigo director do departamento de perante uma réplica de um dos seus Finalmente, há que ter uma discus- A condição geral [da pintura] é exce-
pintura deste museu francês e um dos discípulos, incluindo o seu Ælho, que são com especialistas reconhecidos, lente, a camada de tinta manteve o
maiores conhecedores da obra do também pintou com ele”, acrescenta e em particular com Jean-Pierre seu empastamento e os seus relevos
artista, Jean-Pierre Cuzin. este historiador de arte que é hoje o Cuzin, que passou muitos anos a mais Ænos. É de facto uma técnica
“Da primeira vez que vi o S. Gregó- director adjunto para a investigação estudá-lo e que recentemente publi- diferente: uma tela grande, irregular-
rio, a pintura estava em reserva e e a conservação do Museu do Prado. cou uma monograÆa sobre ele.” mente tecida, sem qualquer revesti-
precisava de ser restaurada. No Úbeda, que só em Maio se desloca- mento, uma preparação muito Æna
entanto, Æquei imediatamente rá a Lisboa para ver de perto o S. Gre- Mil questões na qual é aplicada uma tinta igual-
impressionado com a sua beleza, a gório, não quer comentar a possível Do início ao Æm da sua carreira, Geor- mente Æna, mas variada.”
precisão da representação e a quali- autoria da pintura do MNAA, nem ges de La Tour parece ter gostado de Como se podem conciliar, então,
dade das cores. Perguntei ao director sequer levantar a hipótese de se tratar pintar Æguras a meio corpo isoladas, estas características técnicas tão dis-
se podia restaurá-la, sugerindo uma de uma cópia de uma obra perdida, saídas das Escrituras, a ler um livro tintas com a atribuição ao céle- 
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Destaque Descoberta no Museu Nacional de Arte Antiga


bre pintor francês? “Não me parece tura consegue dar toda a volumetria das restantes zonas da pintura quan- datação.” Lembrando que a atribui- a ser estudado, mas que ainda é mui-
que o S. Gregório, com o seu total da Ægura trabalhando com tão pouca do exposta aos infravermelhos. ção a um autor pode demorar anos to mal compreendido”, explica.
domínio do pincel, seja uma das pri- matéria, tão pouca tinta”, diz. até que se torne indiscutível, sobretu- Andrés Úbeda concorda, acrescen-
meiras pinturas de La Tour — a hipó- Teresa Serra e Moura já removeu a “Um grande, grande pintor” do em casos como o de La Tour, “um tando que o “estado delicado” de
tese de uma técnica que foi usada no camada de verniz em toda a superfície Nicolas Milovanovic está entre os que artista muito singular”, o conserva- conservação de várias das suas pintu-
início [da sua carreira] e depois aban- da tela e está hoje em condições de aguardam a publicação do estudo dor-chefe do Louvre espera agora que ras pode tornar ainda mais difícil dis-
donada não é sustentável.” dizer que, em limpezas ou restauros cientíÆco da pintura, elogiando desde a obra do MNAA possa ser exposta à sipar dúvidas. O primeiro argumento
Terá a obra resultado de uma nova anteriores, os pigmentos castanhos já o trabalho de restauro do MNAA, apreciação de mais especialistas e na hora de lhe atribuir uma obra, diz,
experiência em viagem, de um traba- foram os que mais sofreram. “As zonas que devolveu a esta “obra-prima” a comparada com outras telas do pintor só pode ser o da qualidade, já que La
lho do artista numa oÆcina que recor- de sombra estão visivelmente mais possibilidade de ser admirada como francês e dos seus contemporâneos. Tour “é um grande, grande pintor”,
resse a técnicas diferentes das suas? desgastadas do que as de luz”, garan- merece. “Esta pintura é, sem dúvida, “As questões de atribuição em tor- mas é preciso levar em conta, tam-
É uma hipótese, apenas isso, já que te, algo comum na pintura antiga em muito importante e fascinante: por no de Georges de La Tour são de facto bém, que “teve uma enorme evolu-
os dados biográÆcos que se conhe- geral, incluindo a de Georges de La um lado, existe naturalmente a sua muito complexas por várias razões: ção artística e até técnica”.
cem de La Tour não permitem, como Tour, acrescenta Joaquim Caetano, qualidade artística muito Æna, o que por um lado, porque os problemas de O primeiro Georges de La Tour — o
lembra Andrés Úbeda, atribuir-lhe de chamando a atenção para a linha pre- levanta imediatamente a questão da datação não foram resolvidos, de que retrata os mendigos, as lutas, a
facto quaisquer viagens pela Europa ta, demasiado uniforme, que acom- atribuição, uma vez que o nome de modo que ainda temos uma visão fome — é um artista que nada tem que
no decurso da sua carreira ou nos panha o debrum do manto do santo, Georges de La Tour não pode ser muito incerta da sua evolução artísti- ver com o Georges de La Tour delica-
seus anos de formação. Sabe-se que e que, segundo a restauradora, tem excluído demasiado depressa. Depois ca entre os anos 1610 e 1650; por do, requintado, das Madalenas e de
esteve em Paris e é só. um reÇexo completamente diferente há a questão do foco artístico e da outro, devido ao seu atelier, que está outras obras Ænais, argumenta o
“Esta técnica excepcional do S. Gre- DANIEL ROCHA
director adjunto do Prado.
gório intriga”, continua Cuzin. “É “É um artista difícil de deÆnir, mas
muito diferente da do Diógenes que A camada cromática extremamente traz sempre originalidade no trata-
publiquei em 2018, pintada num fina fascina Teresa Serra e Moura, mento das luzes, da obscuridade. É
material que se alimenta e joga com quem foi confiada a tarefa de muito original também na técnica
as espessuras, mesmo que o trata- intervir na obra — o seu óleo é muito solto, é extrema-
mento dos detalhes, como as rugas mente delicado na maneira de apli-
da testa e à volta dos olhos, seja muito car a pintura.” Nenhuma destas
semelhante. É impossível datá-lo. características é só por si singular,
Repitamos que a riqueza e variedade sublinha, mas todas combinadas
dos efeitos pictóricos, assim como a resultam numa “personalidade artís-
habilidade gráÆca do traço e o domí- tica fortíssima”.
nio do desenho da mão na sombra Para este especialista em pintura
que suporta o livro, bem indicado no francesa, é preciso estudar muito
espaço, não nos permitem vê-lo como melhor La Tour para melhor com-
uma criação dos primeiros dias.” preender o seu percurso e a sua pin-
A camada cromática extremamen- tura. Desde logo porque há muitas
te Æna é também o que fascina Teresa obras suas que se perderam. O corpo
Serra e Moura, a conservadora res- de pinturas que hoje lhe é atribuído
tauradora de pintura do MNAA a está entre as 40 e as 44, um número
quem foi conÆada a tarefa de intervir muito reduzido para a fama que atin-
na obra, preparando-a para exposi- giu em vida, acrescenta.
ção e para um conjunto de análises “Sou pessimista, não creio que
— fotograÆa de infravermelhos, reco- venham a aparecer muito mais obras,
lha de amostras físicas — essenciais ao embora não seja impossível”, diz
seu estudo aprofundado. Andrés Úbeda, lembrando que o S.
“É incrível como o autor desta pin- Jerónimo de La Tour que hoje perten-
ce às colecções do Prado esteve
durante anos na parede de uma sala
da sede do Instituto Cervantes, em
Da fama ao esquecimento Madrid, sem que ninguém sequer
sonhasse que se tratava de uma obra

O nome de La Tour esteve perdido quase 300 anos do pintor francês.


Seja George de La Tour o autor do
S. Gregório de Arte Antiga ou não,
certo é que as galerias do museu
poderão contar em breve com mais
dedica o Museu do Prado, de Madrid, facto de La Tour ter trabalhado com director do grande museu que pro- uma bela pintura que chegou ao
Lucinda Canelas
o nome de Georges de La Tour apa- um dos artistas que se inspiram em jectou para a cidade austríaca de acervo depois de ter sido comprada

G
eorges de La Tour está lon- rece pela primeira vez num docu- Caravaggio, Jacques Bellange, pode Linz, La Tour viria a ter o seu primei- a um conselheiro de origem italiana,
ge de ter a popularidade de mento em 1616, um ano antes de se justiÆcar os pontos de contacto entre ro grande palco no século XX na Francisco António de Sousa Cam-
outros artistas franceses casar com Diane, a Ælha de Jean Le a obra de ambos. exposição colectiva Les Peintres de la biasso, “um burocrata que ocupava
como Cézanne, Matisse ou Nerf, ourives do então duque da Apesar de ter sido um pintor céle- Réalité, em 1934, no Museu de cargos na Fazenda [o equivalente ao
Monet, nomes que se tor- Lorena. Em 1620 tinha já uma oÆcina bre em vida, com obras disputadas, L’Orangerie, em Paris. Seria, no actual Ministério das Finanças]”, diz
naram familiares para a própria que, pouco depois, reunia o seu nome esteve perdido quase entanto, a monográÆca no Grand Joaquim Caetano.
maioria, mas tem merecido cada uma clientela de prestígio, da corte 300 anos, sem que os investigadores Palais, de 1997, vista por mais de Faz parte de uma lista de 22 obras
vez mais atenção. ducal e, mais tarde, do círculo do rei tenham conseguido até hoje perce- meio milhão de pessoas, a torná-lo saídas da colecção Cambiasso e inte-
Nascido em 1593 em Vic-sur-Seille, de França, Luís XIII, incluindo o pró- ber porquê. mais conhecido do grande público. gradas na do antepassado do MNAA
uma cidade no ducado da Lorena, prio monarca. Redescoberto em plena Primeira Autor de pinturas em que o sagrado em 1872, graças à verba que o rei D.
território que muito lutou pela sua Nada nas fontes do século XVII per- Guerra Mundial por Hermann Voss, e o profano se misturam para compor Fernando II lhe atribuía anualmente
independência, La Tour era neto e mite aÆrmar que tenha feito viagens o homem que Hitler quis ver como cenas de grande intensidade espiri- para aquisições. “São Gregório
Ælho de padeiros. Pouco se sabe sobre pela Europa, embora os historiadores tual, capazes de criar uma sensação Papa”, assim vem referenciada, foi
a sua formação como pintor, estiman- de arte discutam a possibilidade de Georges de La de familiaridade e de proximidade comprada por 144 reis, em moeda da
do-se que tenha começado por volta ter estado em Roma, já que o trata- Tour está hoje em quem as vê, Georges de La Tour época, e viria a receber o n.º 475 no
de 1605, muito perto de casa, com um mento soÆsticado que faz da luz e da representado está hoje representado nalguns dos inventário, sendo identiÆcada numa
escritor e gravador amador, Alphon- sombra parece devedor de Cara- nalguns dos melhores acervos de pintura do mun- primeira fase como uma pintura
melhores acervos
se de Rambervilliers, um homem que vaggio (1571-1610), artista italiano cuja de pintura
do, do madrileno Museu do Prado ao espanhola do século XVII.
era próximo do bispo de Metz. inÇuência se espalhou pela Europa. do mundo Metropolitan de Nova Iorque, passan- Em 1872, o mundo ainda não tinha
Segundo a nota biográÆca que lhe Há, porém, quem defenda que o do pela colecção real britânica. redescoberto Georges de La Tour.
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6 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Espaço público

Relações tóxicas na academia

F
ala-se de “endogamia Universidade de Coimbra era a mais de recrutamento que temos, os
Editorial académia” quando os endogâmica: 78%. Seguia-se a constrangimentos Ænanceiros das
professores e investigadores Universidade de Lisboa: 75%. universidades, tudo isto contribuiu
desenvolvem o essencial da Nalgumas faculdades era mais radical decerto para a situação que temos. Mas
sua carreira na mesma ainda: nas de Direito de Coimbra e que a endogamia é um problema grave
instituição onde Æzeram a sua Lisboa, a taxa era, respectivamente, de ninguém duvida, e não têm faltado
formação inicial, sem ter passado um 100% e 99%. “Isto signiÆca que, nos alertas.
Andreia Sanches período signiÆcativo, algures na sua concursos abertos para posições Nos últimos dias, muito do que se
vida, noutras universidades, académicas nestas faculdades, tem ouvido na sequência das
organizações ou empresas. Formam-se praticamente nunca foi seleccionado denúncias de assédio que envolvem
ali, Æcam ali. E, se não afrontarem os um candidato doutorado fora da Boaventura de Sousa Santos alerta-nos
poderes instalados, progridem. instituição”, nas palavras da DGEEC. para outra camada deste problema,
Nos países do Sul da Europa — Os riscos da endogamia estão independente dos resultados das
Portugal, Espanha e Itália —, há mais reportados em todo o mundo: promove averiguações em curso. Se, ao longo de
“endogamia”. Nos Estados Unidos, ela o pensamento homogéneo e prejudica anos de rumores e de queixas à boca
parece tão mal que várias instituições a capacidade de inovar; reforça as pequena, uma instituição como o
têm regras para evitar a contratação relações hierárquicas e o poder dos Centro de Estudos Sociais, ao qual
dos seus diplomados. “professores de topo”; é inimiga da estão ligadas centenas de
Nos Estados Unidos, De há uns anos a esta parte, a igualdade de oportunidades e prejudica investigadores, foi incapaz de agir, é
a endogamia parece Direcção-Geral de Estatísticas da a produtividade; onde ela reina pode legítimo pensar que será muito pior
tão mal que várias Educação e Ciência (DGEEC) passou a não ser o mérito que determina as noutros locais. O poder das relações
instituições têm regras publicar relatórios sobre o tema. O contratações, mas as amizades e tóxicas em instituições fechadas é
último revelava que 68% dos docentes lealdades construídas durante a tremendo. É preciso abri-las, combater
para evitar de carreira doutorados tinham feito o formação (Estado da Educação, a endogamia. E criar estruturas onde
a contratação dos seus seu doutoramento na mesma Conselho Nacional de Educação). seja mais fácil às eventuais vítimas
diplomados universidade onde leccionavam. A O pequeno país que somos, as regras queixarem-se.

CARTAS AO DIRECTOR
Rodoviárias dita de bandeira, já há muito perdeu verbas do PRR. Vejamos a falta de que são precisas medidas rápidas Construção privada nas maiores
em “férias escolares” o porta-estandarte. qualidade da maioria dos para combater, hoje mesmo, a freguesias da cidade, sem haver
Maria Conceição Mendes, Canidelo deputados. O mesmo podemos situação actual em que muitas uns tão necessários espaços
Aqui na Área Metropolitana do dizer do Governo ou dos putativos famílias se encontram, mas Costa verdes. Ramalde, Paranhos...
Porto, e duma forma concertada Ao que nós chegámos candidatos ao poder. Estará Portugal tem obrigação de pensar, além E, assim, sistematicamente diz
(cartelizada), as rodoviárias privadas novamente destinado ao fracasso? disso, que é, infelizmente, o que mal do Governo, do primeiro-
que integram a Rede Andante Nas vésperas dos 50 anos do 25 de António Barbosa, Porto não tem feito. Tentar tapar o buraco -ministro, dos ministros, é tudo
decidem de per si (e tutti) suprimir Abril, encontramos o país no seu de hoje sem pensar no dia de péssimo. Agora junta o Presidente,
carreiras durante todo o período pior. A classe política está de rastos, Preocupações amanhã nunca deu bom resultado. que, pelos vistos, deveria dissolver a
das férias escolares, cavalgando o seja no Governo ou nas oposições. Manuel M. Gomes, Senhora da Hora Assembleia da República, atirando
argumento de que… estão com Realmente, o Presidente da Quando vejo o Governo do meu o Governo abaixo para formar um
horários de férias escolares. República está num beco sem saída país a anunciar subsídios a Rui Moreira é o brilhante hipotético governo, que, azar dos
É assim aqui no distrito: quem e só pode optar por um mal menor. empresas que paguem 1330 euros azares, poderia ser o mesmo. Por
manda pode e as rodoviárias A TAP veio reforçar o que todos nós mensais a doutorados e licenciados O presidente da Câmara do Porto vezes, não falar não é má ideia...
privadas parecem poder negar o já sabíamos: não temos quem nos que venham a contratar, Æco muito é o brilhante, tem todas as Augusto K. Magalhães, Porto
transporte a milhares de valha. As trapalhadas com a preocupado, triste e envergonhado. capacidades para vir a acumular a
trabalhadores. É alta a desprotecção habitação, os tribunais em situações Que país nos estão a propor? Que Presidência da República com a
dos que pagam o Passe Andante, a
bilhética avulsa diária e têm de
caóticas, a guerra dos professores
com o caos instalado no ensino, os
país quer António Costa que
Portugal seja? Um país medíocre?
cheÆa do Governo. O Presidente
da República, Marcelo Rebelo de
PÚBLICO ERROU
desembolsar, em último recurso, o baixos salários dos trabalhadores Será que é desta forma que Costa Sousa, é mau, o primeiro-ministro, Ao contrário do que escrevemos
dinheiro para chamar um carro de do SNS, que os faz abandonar a quer manter os mais qualiÆcados António Costa, é incapaz, logo, só ontem, na notícia “Nova presidente
aluguer para não terem falta ao carreira pública ou emigrar, a em Portugal? Será que não tem o presidente da Câmara do Porto da comissão da Igreja quer
trabalho. E nem um pio de quem vergonha que o país passou com o noção de que, com tal medida, só tem capacidade para ocupar os prevenção dos abusos sexuais no
devia gerir a rede de transportes no navio da Armada são a ponta do vai fazer prolongar os salários dois lugares. Até pelos exemplos currículo do pré-escolar”, o
distrito e para isso andou a pedir icebergue. A corrupção, o tráÆco de baixos existentes em Portugal para de como é o trânsito no Porto, é Governo já anunciou que vai
votos e acabou sendo eleito. inÇuências e a incompetência são pessoas qualiÆcadas? Será que exemplar para os países mais promover um estudo sobre abusos
O distrito do Porto e a sua Área premiados. O caso de Hugo Mendes desistiu da criação de medidas que desenvolvidos da Europa. Todos sexuais de crianças alargado aos
Metropolitana é toda uma TAP à infelizmente não é caso único do façam Portugal desenvolver-se cumprem, todos respeitam os seus principais espaços de
escala do seu raio geográÆco, mas que é a incompetência da grande economicamente e garantir um lugares de estacionamento sem ser socialização, e que será coordenado
seguramente igual ao desnorte com parte dos políticos. Podemos ver futuro menos sombrio? É evidente, à balda, ninguém passa semáforos por Rosário Farmhouse. Aos leitores
que a “nossa” empresa de aviação, quanta incapacidade de aplicar as e sem qualquer margem de dúvida, vermelhos. Exemplos, exemplares. e aos visados, as nossas desculpas.

As cartas destinadas a esta secção têm de ser enviadas em exclusivo para o PÚBLICO e não devem exceder as 150 palavras (1000 caracteres). Devem indicar o nome, morada e contacto
telefónico do autor. Por razões de espaço e clareza, o PÚBLICO reserva-se o direito de seleccionar e editar os textos e não prestará informação postal sobre eles cartasdirector@publico.pt
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 7

A opinião publicada no jornal respeita


a norma ortográfica escolhida pelos autores

ESCRITO NA PEDRA Trapos praticamente novos


publico.pt
Temos de nos Lisboa Porto
contentar em Ainda ontem
para gáudio dos visados, que a partir dos 21
anos ainda havia quatro aninhos em que
Edifício Diogo Cão,
Doca de Alcântara Norte
Rua Júlio Dinis,
n.º 270 Bloco A 3.º
descobrir, ainda tinham princípios e ideais, mas que, a 1350-352 Lisboa
Tel. 210 111 000
4050-318 Porto
Tel. 226 151 000
abstendo-nos partir daí, o “sistema” já tinha corrompido os
miolos de toda a gente. publico@publico.pt

de explicar Só quando cheguei aos 25 anos é que


percebi o disparate que tinha escrito: ainda
DIRECTOR
Manuel Carvalho
Georges Braque era tão novo! Mas, mesmo assim, já havia Directores adjuntos
Amílcar Correia, Andreia Sanches, David Pontes, Tiago Luz Pedro

U
polícias mais novos do que eu, a tratar-me por
(1882-1963), Miguel Esteves Cardoso
“senhor” e a preparar-me, diplomaticamente, Directora de arte
Sónia Matos
pintor e ma das coisas mais engraçadas
do envelhecimento é a maneira
para o que estava para vir.
Agora, acho graça aos putos com 40 anos
Directora de design de produto digital
Inês Oliveira
escultor como também envelhecem as
nossas deÆnições de quem é
que acham que estão muito doentes porque
Æcam maldispostos quando comem ou
Editoras executivas
Helena Pereira, Sónia Sapage
francês novo e de quem é velho. De bebem, ou dormem pouco.
Editor de fecho
José J. Mateus
repente, toda a gente é nova. Vão fazer análises e descobrem que estão Editor de Opinião Álvaro Vieira Editor P2 Sérgio B. Gomes Online Ana Maria
Isso ainda vá que não vá. O pior são os velhos: Ænos. Na verdade, o que aconteceu é que já Henriques, Mariana Adam, Patrícia Jesus, Ivo Neto, Pedro Esteves, Pedro
os velhos tornam-se muito, muito velhos. não podem fazer as asneiras que faziam Guerreiro (editores), Carolina Amado, Filipa Almeida Mendes, José Volta e
Pinto, Miguel Dantas, Sofia Neves (última hora); Ruben Martins (áudio); Joana
O NÚMERO A razão é muito simples: porque têm de ser quando eram novos. Ou seja, podem, mas Bougard (editora Multimédia), Carlos Alberto Lopes, Carolina Pescada, Joana

57.000
mais velhos do que nós e, sejamos francos, as agora pagam. A única diferença é que o Gonçalves, Teresa Miranda (multimédia); Amanda Ribeiro (editora de redes
sociais), Patrícia Campos, Lucas Freitas; Rui Barros (jornalista de dados) Política
pessoas mais velhas do que nós são cada vez organismo deixou de dar borlas. Leonete Botelho (editora), David Santiago (subeditor), Ana Sá Lopes, São José
mais difíceis de encontrar. Até porque a Para se sentirem bem, não precisam de Almeida (redactoras principais), Ana Bacelar Begonha, Henrique Pinto de
grande maioria está escondida no cemitério e tomar remédios: basta terem juízo. Mesquita, Liliana Borges, Margarida Gomes, Maria Lopes, Marta Moitinho
Oliveira, Nuno Ribeiro, Sofia Rodrigues Mundo António Rodrigues (editor),
não aparece nem por mais uma. Oh afortunada juventude! Paulo Narigão Reis (editor adjunto), Bárbara Reis, Jorge Almeida Fernandes,
Já aqueles que hoje achamos jovens vão-se É também com essa idade que se começam Teresa de Sousa (redactores principais), Rita Siza (correspondente em
Bruxelas), Alexandre Martins, António Saraiva Lima, João Pedro Pincha, João
multiplicando a um ritmo aterrador. Os meus a irritar com as palavras que inevitavelmente Ruela Ribeiro, Maria João Guimarães, Sofia Lorena Sociedade Rita Ferreira,
pais gozavam comigo porque, quando eu ouvem da boca dos médicos: “Isso é normal Pedro Sales Dias (editores), Clara Viana (grande repórter), Alexandra Campos,
tinha 11 anos, pintei um cartaz com as para a sua idade.” Ana Cristina Pereira, Ana Dias Cordeiro, Ana Henriques, Ana Maia, Cristiana
Faria Moreira, Daniela Carmo, Joana Gorjão Henriques, Mariana Oliveira, Natália
descendentes de judeus sefarditas palavras “Nunca conÆes em quem tem mais “Para a minha idade?”, respondem Faria, Patrícia Carvalho, Samuel Silva, Sónia Trigueirão Local Ana Fernandes
obtiveram nacionalidade de 25 anos”. abespinhadamente, “mas eu não sou velho!” (editora), Luciano Alvarez (grande repórter), André Borges Vieira, Camilo
Soldado, Mariana Correia Pinto, Samuel Alemão Economia Pedro Ferreira
portuguesa até ao final de 2021 Obrigavam-me a explicar, noite após noite, Ah não? Só os velhos é que falam assim. Esteves, Isabel Aveiro (editores), Cristina Ferreira, Sérgio Aníbal (grandes
repórteres), Ana Brito, Luís Villalobos, Pedro Crisóstomo, Rafaela Burd Relvas,
Raquel Martins, Rosa Soares, Victor Ferreira Ciência Teresa Firmino (editora),
Teresa Sofia Serafim, Tiago Ramalho Azul Andrea Cunha Freitas (editora),
Claudia Carvalho Silva (subeditora), Aline Flor, Andréia Azevedo Soares, Clara

ZOOM NEPAL Barata, Gabriela Gómez (infografia), Nicolau Ferreira, , Tiago Bernardo Lopes
(multimédia), Rodrigo Julião (webdesign) Tecnologia Karla Pequenino Cultura/
Ípsilon Paula Barreiros, Inês Nadais (editoras), Pedro Rios (editor Ípsilon), Isabel
NAVESH CHITRAKAR/REUTERS Coutinho (subeditora), Nuno Pacheco, Vasco Câmara (redactores principais),
Isabel Salema, Sérgio C. Andrade (grandes repórteres), Daniel Dias, Joana
Amaral Cardoso, Lucinda Canelas, Luís Miguel Queirós, Mariana Duarte, Mário
Lopes Desporto Jorge Miguel Matias, Nuno Sousa (editores), Augusto
Bernardino, David Andrade, Diogo Cardoso Oliveira, Marco Vaza, Paulo Curado
Fugas Sandra Silva Costa, Luís J. Santos (editores), Alexandra Prado Coelho
(grande repórter), Luís Octávio Costa, Mara Gonçalves Guia do Lazer Sílvia
Pereira (coordenadora), Cláudia Alpendre, Sílvia Gap de Sousa Ímpar Bárbara
Wong (editora), Carla B. Ribeiro, Inês Duarte de Freitas P3 Inês Chaíça, Renata
Monteiro (subeditoras), Mariana Durães Terroir Ana Isabel Pereira Newsletters
e Projectos digitais João Pedro Pereira Projectos editoriais João Mestre
Fotografia Miguel Manso, Manuel Roberto (editores), Adriano Miranda, Daniel
Rocha, Nelson Garrido, Nuno Ferreira Santos, Paulo Pimenta, Rui Gaudêncio,
Alexandra Domingos (digitalização), Isabel Amorim Ferreira (documentalista)
Paginação José Souto (editor de fecho), Marco Ferreira (subeditor), Ana
Carvalho, Ana Fidalgo, Joana Lima, José Soares, Nuno Costa, Sandra Silva;
Paulo Lopes, Valter Oliveira (produção) Copy-desks Aurélio Moreira, Florbela
Barreto, Joana Quaresma Gonçalves, João Miranda, Manuela Barreto, Rita
Pimenta Design Digital Alex Santos, Ana Xavier, Daniela Oliveira, Nuno Moura,
Infografia Célia Rodrigues (coordenadora), Cátia Mendonça, Francisco Lopes,
Gabriela Pedro, José Alves Comunicação Editorial Inês Bernardo
(coordenadora), João Mota, Ruben Matos Secretariado Isabel Anselmo,
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Devotos tocam instrumentos musicais tradicionais enquanto celebram o festival de pólvora Sindoor Jatra, para dar as ASSINATURAS Linha azul 808 200 095 (dias úteis das 9h
às 18h) publico.pt/assinaturas • assinaturas@publico.pt
boas-vindas à chegada da Primavera e do Ano Novo nepalês em Thimi, Bhaktapur, no Nepal, ontem
8 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Espaço público

A grande mentira
BORJA SUAREZ/REUTERS
Como é possível que certas pessoas que se
declaram católicas manifestem, por palavras
e obras, o ódio e desprezo por quem tem de
abandonar o próprio país e procurar, de todas
as maneiras, um porto de refúgio? As
situações de imigrantes pobres ou
perseguidos nos seus países de origem
obrigam-nos a recorrer a todos os meios para
Frei Bento Domingues O.P. encontrar um país de acolhimento. Os
traÆcantes de seres humanos fomentam
caminhos de vida ou morte para um destino
Os temas litúrgicos de exploração. Para alguém que se diz
não podem esquecer católico, participar nessas atitudes é uma
declarada mentira.
as condições pessoais A denúncia dessa mentira criminosa
e sociais da sua verdade obriga-nos a nós, portugueses, a não
perdermos a memória da emigração forçada,
ou da sua grande mentira

1.
e em condições horríveis, para fugir à guerra e
à miséria.
Não sou historiador do processo da Conheci muitas dessas situações e
reforma litúrgica desencadeada por lembro-me de os dominicanos, em Marselha,
Pio XII, em 1946, de forma mais ou pedirem aos dominicanos portugueses para
menos clandestina para não ter de enviarem alguém que pudesse ajudar os
enfrentar aqueles que, perante emigrantes até conseguirem defender-se da
qualquer reforma, levantam o muro exploração a que estavam sujeitos e
da repetição do passado: sempre assim foi, encontrarem uma inserção estável e digna.
sempre assim será. Essa tendência ainda não Portugal, e não só, tem obrigação de não
foi completamente vencida, mas é legítimo perder a memória de que muitos portugueses
dizer que, a partir de 1955, tornou-se tiveram de abandonar o país a salto — muitas
irreversível a chamada Reforma da Semana vezes por várias tentativas e de serem,
Santa de Pio XII e continuada por João XXIII frequentemente, abandonados e explorados
(1962). Não foi por acaso que o primeiro pelos próprios passadores — para encontrar
documento aprovado, no Vaticano II, foi o um destino de liberdade.
Sacrosanctum concilium, sobre a Liturgia Li, por essa razão e com muita alegria, a
(4/12/1963). Não sou historiador, mas fui entrevista que a ministra adjunta e dos
testemunha entusiasta desta reforma. sem esquecer as polémicas em torno dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina
Neste momento, a celebração da Vigília Padres operários. Tudo isto era acompanhado Mendes, deu ao PÚBLICO na segunda-feira
Pascal está assumida nas paróquias e nas pelos grandes debates da chamada, (dia 10/04). Vai tutelar a Agência Portuguesa
grandes comunidades cristãs, tornando-se impropriamente, Theologie Nouvelle (a para as Minorias, Migrações e Asilo (APMMA).
habitual o baptismo de adultos convertidos e verdade da teologia é o debate) que Esta criação é o último passo para o Æm do
a renovação das promessas baptismais de
quem foi baptizado em criança. A Quaresma
Os movimentos de encontrou uma grande expressão de
liberdade e criatividade no Concílio Vaticano
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e
recolherá os seus funcionários
não é um fim, ajuda a perceber a verdade da resistência às mudanças II (1962-1965). Esse clima de liberdade passou administrativos. A ministra assume que esta
fé cristã, um contínuo processo de
ressurreição. Mesmo sob o ponto de vista
das propostas do por grandes diÆculdades, depois desse
Concílio, até ao advento do admirável Papa
solução representa o «novo paradigma de
olhar as migrações».
litúrgico, o tempo pascal é um tempo largo. Se Vaticano II ajudam Francisco. Hoje não temos apenas pessoas a chegar a
a Igreja deve estar sempre em processo de
reforma (semper reformanda), implica que
a perceber o que era 2. Dir-se-á que alguns desses movimentos
foram obra de minorias e, por isso, não
saber falar ou a perceber alguma coisa de
português. Nós temos outras culturas, outras
também devia ser esse o estilo de vida dos a situação pré-conciliar tiveram impacto popular. Parece que não há mentalidades. E, para mim, uma boa política
seus membros: «Exorto-vos, irmãos, pela
misericórdia de Deus, a que ofereçais os
das celebrações: movimento que comece por ser de grandes
maiorias, mas sem a ousadia de pessoas e
de migração, numa sociedade democrática e
numa sociedade decente, faz-se com a
vossos corpos como sacrifício vivo, santo, padre de costas para grupos minoritários Æcava-se sempre na compreensão de quem cá chega e com a
agradável a Deus. Seja este o vosso verdadeiro
culto, o espiritual. Não vos acomodeis a este
o povo, recitando um mesma. O grande horizonte da arquitectura
religiosa, assim como do movimento litúrgico,
certeza de que o nosso quadro constitucional
diz que todos são iguais em direitos e deveres.
mundo. Pelo contrário, deixai-vos livro em latim era formar comunidades vivas e não E todos são os que aqui nascem, os que aqui
transformar, adquirindo uma nova puramente estéticas. decidem viver e fazer a sua vida. Penso que o
mentalidade, para poderdes discernir qual é a vencendo o clericalismo, mas isso não basta. Os movimentos de resistência às mudanças papel de Portugal, do ponto de vista da visão
vontade de Deus: o que é bom, o que lhe é As reformas litúrgicas só têm sentido por das propostas do Vaticano II ajudam a mais integradora, no fundo é: nós somos uma
agradável, o que é perfeito» [1]. criarem um clima, um ambiente de mudança perceber o que era a situação pré-conciliar nação de várias identidades e temos de nos
Este domingo foi também chamado o de vida porque a tentação permanente dos das celebrações: padre de costas para o povo, saber entender, tendo sempre por base o
Domingo da Pascoela, da Páscoa pequenina. cristãos é de se acomodarem. recitando um livro em latim. A forma mais respeito pelos direitos humanos.
Tempo houve que a celebração da Eucaristia, Esquece-se que os movimentos de acessível, para as pessoas ocuparem esse Um cristão não pode evitar a interrogação:
deste dia, era a chamada Missa in Albis (Missa renovação da arte religiosa [2] ou arte sacra tempo de escuridão, era rezar o terço. O como posso amar Deus que não vejo e odiar o
de Branco). As pessoas baptizadas na Vigília não estavam desligados dos grandes padre encarregava-se da celebração dos irmão que vejo? [3].
Pascal, para signiÆcar que iniciavam uma vida movimentos de renovação do catolicismo no sacramentos, os Æéis diziam, sem entender, o [1] Rm 12, 1-2.
nova, vestiam-se de branco que mantinham século XX em vários países: Movimento credo mais belo, o Ámen, que signiÆca o [2] Não posso deixar de referir a grande
durante toda a semana. Maria Velho da Costa bíblico, Movimento Patrístico, Movimento empenhamento pessoal com o que acabava obra de João Alves da Cunha, MRAR.
(1938-2020) publicou, em 1988, um dos seus litúrgico servido pelas redescobertas de ser celebrado. Mas, se não entendiam a Movimento de Renovação da Arte Religiosa. Os
grandes livros, Missa in Albis. históricas e pela renovação musical, celebração em latim, o Ámen só podia ser anos de ouro da arquitetura religiosa em
Nunca podemos esquecer que a alteração diferentes Movimentos culturais que uma Æcção convencional. Portugal no século XX, UCP 2015.
das formas litúrgicas não se destina a acompanharam a criação literária, todos os 3. Os temas litúrgicos não podem esquecer [3] 1Jo 4, 20.
construir um belo espectáculo. Tem de Movimentos e tribulações da Acção Católica, as condições pessoais e sociais da sua verdade
procurar envolver os cristãos todos, Movimento social, nas suas várias expressões, ou da sua grande mentira, título desta crónica. Escreve ao domingo
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 9

O que faz correr Emmanuel Macron?


2. Mas, talvez, a mais chocante falta de imediatamente das declarações de Macron China, as palavras de Macron são um
Sem fronteiras oportunidade das declarações de Emmanuel sobre Taiwan e sobre os Estados Unidos. argumento ideal.
Macron é terem ocorrido no exacto momento Antes de partir, também ela, para a China, a 3. Dividir a aliança transatlântica é o
em que a União Europeia precisa, chefe da diplomacia alemã, Annalena instrumento fundamental da estratégia de Xi
absolutamente, dos Estados Unidos para fazer Baerbock, disse que a sua visita pretendia Jinping de domínio mundial. Apostou em
frente à Rússia na Ucrânia. Kiev não teria “sublinhar a comum convicção europeia de Macron e recebeu-o com passadeira vermelha
conseguido resistir como resistiu sem a que uma mudança unilateral do statu quo no e belos jardins Çoridos. Com uma agravante.
América. Uma vitória da Rússia de Putin poria estreito de Taiwan, especialmente uma O Presidente francês convidou Von der Leyen
em causa a própria segurança europeia, escalada militar, será inaceitável”. De visita para o acompanhar. Deixou que Pequim a
Teresa de Sousa
incluindo a da França. aos Países Baixos e ao lado de Mark Rutte, colocasse a um canto, tirando-lhe toda a
O Presidente francês sempre defendeu — Macron esclareceu que a França também é visibilidade. Pouco antes de partir, a
O que levou Macron a seguir não é de agora — a chamada “autonomia pelo statu quo na ilha, que apoia a política de presidente da Comissão tinha feito discurso
por este caminho nesta estratégica” da União Europeia. A ideia, em si
própria, é pacíÆca e legítima. Alguns dos seus
“uma só China” e “a busca de uma resolução
pacíÆca da situação”. Os Estados Unidos
sobre a política europeia para a China
bastante mais duro e bastante mais próximo
altura? A explicação pode discursos sobre o caminho para essa também, convém esclarecer. do de Washington. Foi outro erro crasso de
estar nas dificuldades que autonomia colocam as prioridades europeias “No que respeita a Taiwan, foi bom que Macron deixar-se seduzir pelos holofotes.
onde devem estar — numa agenda que [Macron] precisasse o seu pensamento, Von der Leyen disse nessa mesma
enfrenta em casa

1.
coloque a defesa europeia na “casa das porque os seus comentários no regresso da intervenção que o futuro das relações da
máquinas” e que sirva uma política industrial China deixavam pensar que era indiferente ao União Europeia com a China iriam depender
Emmanuel Macron acredita, capaz de garantir à Europa maior destino da ilha.” As palavras são de Nils do seu comportamento face a Moscovo.
realmente, que uma guerra independência economia. Ninguém discorda, Schmid, porta-voz parlamentar do SPD para Macron partiu para Pequim com o intuito de
desencadeada pela invasão de no essencial, desta visão do futuro europeu. as questões de política externa. Metin convencer o seu homólogo chinês a levar
Taiwan pela China passará ao lado Mas, justamente, para se tentar erguer até ao Hakverdi, outro deputado social-democrata, Putin até à mesa das negociações e a fazer o
da França e da Europa? Passa-lhe nível dos outros dois grandes pólos de poder foi mais directo: “Macron está a fazê-lo outra prometido telefonema ao Presidente
pela cabeça que a China pode, pura — EUA e China — precisa de maior integração vez. Falou de mais em Pequim sem qualquer Zelensky. Recebeu palavras vagas, ou seja,
e simplesmente, anexar Taiwan, causando em torno de uma visão global do seu papel no autorização da União Europeia. É um grave praticamente nada.
um banho de sangue, sem que os Estados mundo, que seja aceite por todos os seus erro para o Ocidente permitir-se qualquer Macron é um voluntarista. Vimo-lo tentar
Unidos reajam? Não entende a real dimensão membros. Ora, a visita de Estado do divisão e, em primeiro lugar, nas suas relações até ao último instante convencer Putin a
do que isso signiÆcaria para a ordem mundial Presidente francês à China não contribuiu com Pequim.” Norbert Röttgen, uma das desistir de invadir a Ucrânia, sentado num
liberal? Não compreende que Pequim para isso. Pelo contrário. Como tantas vezes Æguras cimeiras da CDU, na oposição, foi dos extremos da célebre mesa gigantesca
considera que há hoje uma oportunidade acontece, a França quis falar em nome da ainda mais directo: “É quase irónico que seja com que o Presidente russo recebia os
única para impor a sua ambição mundial, que Europa. Uma grande parte da Europa, precisamente Macron, que faz ainda menos dignitários estrangeiros. Terá acreditado que
resulta da convergência da ascensão incluindo a Alemanha, não se sentiu do que Olaf Sholz pela Ucrânia, a alienar os convencia o seu homólogo chinês a
espectacular da China e daquilo que vê como representada. Macron dividiu, em vez de unir. EUA com as suas declarações na China.” interceder junto de Putin para abreviar a
o inevitável declínio americano e ocidental? OÆcial ou oÆciosamente, muitas capitais Aliás, do ponto de vista de várias capitais guerra. Não é crível que não compreenda que
Xi Jinping já o disse com todas as letras. É essa tiveram o cuidado de se demarcar europeias, a questão mais preocupante Xi Jinping tem dois pesadelos. O menor é uma
ambição comum que está na base da sua dessas declarações está no risco de quebra da derrota da Rússia. O maior é uma Rússia mais
“amizade sem limites” com Vladimir Putin. união transatlântica em torno da Ucrânia, democrática e pró-ocidental.
É difícil acreditar que um dos líderes vital para a Europa. 4. A pergunta seguinte é o que levou Macron
europeus mais experientes e mais preparados Washington veio imediatamente deitar a seguir por este caminho nesta altura. A
não tenha a exacta percepção do que se joga água na fervura, lembrando que a França é explicação pode estar nas diÆculdades que
hoje à escala global. um aliado inestimável dos Estados Unidos e enfrenta em casa, sobretudo com a reforma
O Presidente francês escolheu o pior Não é crível que Macron que os dois países cooperam estreitamente das pensões, que tem levado milhões de
momento possível para dizer, no essencial, não compreenda que em muitas partes do mundo. A preocupação franceses à rua. Desempenhar o papel de De
duas coisas: que a Europa não tem nada que da Administração Biden é outra. Numa altura Gaulle, batendo o pé aos americanos, agrada
ver com o confronto entre a China e os Xi Jinping tem dois em que os republicanos se preparam para sempre aos franceses. O Global Times chinês
Estados Unidos e que os europeus não se pesadelos. O maior é uma fazer do apoio à Ucrânia um tema central da também elogiou o Presidente francês como
devem envolver na questão de Taiwan; que a campanha eleitoral, acusando o Presidente de um digno sucessor do general.
Europa não deve ser “seguidista” ou “vassala” Rússia mais democrática estar a gastar demasiados recursos na Europa A outra explicação pode estar na economia
dos Estados Unidos. e pró-ocidental em vez de os concentrar na contenção da — levou consigo mais de 60 representantes da
Sobre Taiwan, a sua “realpolitik” não lhe GONZALO FUENTES/REUTERS
grande indústria, que assinaram excelentes
serviria de nada. As ondas de choque políticas contratos. Precisa de mais crescimento
e económicas de um conÇito no estreito de económico, para enfrentar a onda de
Taiwan seriam ainda mais devastadoras do mobilização popular contra o custo de vida,
que foram as que a invasão russa da Ucrânia que as duas forças políticas dos extremos — a
provocou. Taiwan é o maior produtor França Insubmissa de Mélenchon e a União
mundial de semicondutores. A China é a Nacional de Le Pen — têm sabido aproveitar.
segunda maior potência mundial. A região da Nada disto justiÆca a sua “deriva” chinesa.
Ásia-PacíÆco é hoje o centro de gravidade da Têm uma preocupação legítima: travar a
economia global. Se Pequim tivesse “luz constituição de um novo “duopólio”
verde” para anexar a pequena ilha Formosa, mundial em que não sobra espaço para mais
como lhe chamaram os portugueses, os ninguém. Ou, dito de outra maneira, em
pequenos e médios países que a rodeiam que os outros se vêem obrigados a tomar
Æcariam numa situação ainda mais partido. Só há uma forma de evitar que isso
insustentável, sujeitos ao diktat de Pequim. aconteça e não é, certamente, estender a
Uma democracia vibrante seria eliminada do mão a Pequim. É transformar a Europa num
mapa, tal como aconteceu, numa muito pólo de poder suÆcientemente forte para se
menor proporção, com Hong Kong. A União tornar imprescindível. O que não quer dizer
Europeia é uma grande economia “equidistante”. A Ucrânia provou que a
exportadora. As perturbações brutais que tentação gaullista da “terceira força” era
esses países da Ásia do Sueste sofreriam uma miragem.
teriam, necessariamente, una enorme
repercussão na Europa. Jornalista. Escreve ao domingo
10 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Política A caminho dos 50 anos do 25 de Abril

Oposição em

Aveiro
anuncia sem o saber
fim da ditadura
Foram 4000 participantes, quase 150 comunicações e teses de críticas
ao regime. O país já não acreditava nas promessas de abertura
de Marcello Caetano. Eram mera cosmética
de honra do congresso, enviado do mavera Marcelista” de 1969 tinham-se bique. Também não se estancara a Cunhal com Mário Soares. “Um foi no
Nuno Ribeiro
exílio no Brasil. Foi um momento sim- esfumado, e a abertura do regime sangria da emigração e o desenvolvi- início de 1973, o outro em Setembro,

H
á 50 anos, entre 4 e 8 de bólico: perante a maioria da oposi- Æcou-se numa operação cosmética. mento económico continuava débil. já depois do congresso de Aveiro”,
Abril de 1973, no Cineteatro ção, as palavras de um exilado foram A repressão continuava e a alteração No lado da oposição, depois de em recorda.
Avenida, em Aveiro, teve lidas pelo advogado aveirense Álvaro da designação da polícia política de 1969 comunistas e militantes de “Foi o aproximar de muitas corren-
lugar o III Congresso da Seiças Neves, da comissão nacional PIDE para DGS [Polícia Internacional outras correntes, socialistas e repu- tes políticas, o Æm da separação entre
Oposição Democrática. De organizadora, perante uma plateia e Defesa do Estado para Direcção-Ge- blicanos terem divergido, apresen- CDE e CEUD, que levou à lista única
republicanos a monárqui- plural de oposicionistas. ral de Segurança], ou a mudança de tando listas próprias às legislativas — da oposição às eleições de 1973”, cor-
cos, com socialistas e esquerdistas, “O Congresso da Oposição Demo- censura para exame prévio, não alte- CDE [Comissão Democrática Eleito- robora Alberto Arons de Carvalho,
de sociais-democratas a comunis- crática de 1973 espelha uma maior raram a estratégia policial e a prática ral] e CEUD [Comissão Eleitoral de que, dez dias depois de participar nos
tas, com católicos e ateus, quase diversiÆcação [do que os anteriores censória do regime. O fundamental Unidade Democrática] —, era tempo trabalhos de Aveiro, rumou aos seus
todos os ramos e personalidades de 1957 e 1969], muitas vezes em ten- permanecia imutável. de concertação. 23 anos para a Alemanha, onde par-
das oposições estiveram presentes. são, da oposição ao Estado Novo, com Também a possibilidade de altera- “O congresso de Aveiro foi uma ticipou na fundação do PS, a 19 de
E sem o saber, anunciaram o Æm da os católicos progressistas e o apareci- ção do regime por dentro, que levou grande jornada de luta antifascista, Abril. “A oposição acabou por não ir
ditadura, que chegaria quase um mento da esquerda radical, o PCP e à “ala liberal” de, entre outros, Fran- estabeleceu a relação entre o PCP e o às urnas porque, [nas sessões de
ano depois, a 25 de Abril de 1974. os socialistas”, sintetiza, ao PÚBLICO, cisco Sá Carneiro, Miller Guerra e PS”, salienta Vítor Dias. Aos 27 anos, esclarecimento] quando se falava de
“Profundamente sensibilizado o politólogo António Costa Pinto. “Há Francisco Pinto Balsemão, se revelou era dirigente da CDE de Lisboa, mem- Guerra Colonial, os microfones eram
convite presidir Congresso saúdo uma grande desafectação popular um logro. As alterações pretendidas bro da comissão nacional do congres- desligados e a polícia interrompia o
companheiros consciente da impor- face ao regime”, anota. “O congresso à Lei de Imprensa, por exemplo, so e coordenador da oitava secção acto, e por não haver condições de
tância deste Congresso para objec- de Aveiro demonstra também, com soçobraram perante os “ultras” do sobre situação e perspectiva política Æscalização das urnas”, lembra.
tivos centrais nossa luta liberdades excepção de José Medeiros Ferreira, regime. A demissão da maioria daque- no plano nacional e internacional. “Em 1973, o PS virou à esquerda,
democráticas povo português inde- a escassa ligação da oposição às cliva- les deputados tornou-se inevitável. “Na altura, ainda não era do PCP, mas com a reunião em Paris de Álvaro
pendência povos colónias declara gens existentes no seio das Forças No centro deste imobilismo estava era como se fosse”, relata o antigo Cunhal e Mário Soares”, analisaJosé
aberta a sessão”. Foram estas as pri- Armadas”, conclui. a questão colonial, a política ultrama- membro do comité central. Pacheco Pereira. “Já se tinham perdi-
meiras palavras da sessão inaugural, Um ano antes da Revolução dos rina defendida por Marcello Caetano, Decisivos para a nova relação entre do as ilusões com a ‘Primavera Mar-
num telegrama de saudação do pro- Cravos, a situação era de descalabro. e a continuidade de uma guerra em socialistas e comunistas foram os celista’ e, então, há a aproximação
fessor Rui Luís Gomes, presidente As promessas da denominada “Pri- três frentes: Guiné, Angola e Moçam- encontros, em Paris, de Álvaro com os socialistas cuja liderança esta-
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 11

FOTOILUSTRAÇÃO
Medeiros Ferreira, exilado na Suíça
e proibido de entrar em Portugal.
Da Necessidade de Um Plano para
Nação era uma reÇexão que o autor
deÆniu ao PÚBLICO, em 2014,
meses antes de morrer, da seguinte
forma: “Era de 80% a percentagem
dedutivo-intelectual, a que se junta-
va a experiência empírica da minha
passagem pela tropa em 1967/68”.
A conclusão era só uma: Medeiros
Ferreira, um ano antes de Abril, pre-
via a revolta militar pela incapacida-
de e imobilismo do regime. “O Jorge
Sampaio foi o único que disse que
ele tinha razão em relação aos mili-
tares, mas que era prematuro falar”,
ressalva Maria Emília.
“O PC esteve contra porque esta-
va em contradição com a tese do
levantamento nacional armado de
Álvaro Cunhal descrita no Rumo à
Vitória e considerava como reminis-
cência do putschismo do republica-
nismo histórico”, analisa Pacheco
Pereira.
Falta aquilatar a inÇuência, do
ponto de vista programático, sobre
o futuro Movimento dos Capitães
em gestação e que, cinco meses
depois, se reunia pela primeira vez.
“No congresso de Aveiro estiveram
presentes dez militares da Marinha,
oito oÆciais e dois aspirantes, entre
os quais o almirante Martins Guer-
reiro e o comandante Simões Teles,
fala-se de que Duran Clemente tam-
bém lá esteve, a título individual”,
avança Vítor Dias, segundo relatos
de uma recente evocação realizada
em Aveiro.
Outro exilado, António Barreto,
enviou uma tese cujo título é escla-
recedor e eloquente: Do Capitalismo
Atrasado ao Desenvolvimento Subal-
terno.
Foram 150 teses/comunicações as
que foram ouvidas pelos cerca de
4000 participantes. O Grupo de
Presos Políticos Actualmente em
Caxias enviou A Repressão Fascista
va no estrangeiro, onde participava cadeira, eram cenas que duravam vius a organizar a minha presença, e a Situação dos Presos Políticos em
em reuniões anticoloniais, como uma pouquíssimo, era muito curto o pugi- vinda de Genebra”, aÆrma. “Fui rece- Caxias. Houve contributos do Grupo
celebrada em Roma”, explica. Este é lato”, relata. “No Parlamento, quando bida com simpatia, atribuíram-me de Camponeses de Alpiarça, dos
um dos temas do próximo volume de encontrei Lino de Carvalho, recordá- uma acompanhante, uma jovem cha- Jovens Operários da Construção
Álvaro Cunhal, Uma Biografia Política, mos tudo aquilo”, diz. Lino de Carva- mada Clara que era Ælha do Mário Civil da Baixa da Banheira, de um
do historiador. lho era deputado do PCP, Pacheco Sacramento”, destaca. Grupo de ProÆssionais de Seguros
O congresso Militares presentes
Pereira do PSD. Para os comunistas,
o ocorrido foi uma provocação.
Maria Emília foi a Aveiro para apre-
sentar a tese do seu marido, José
do Porto e o jornal O Salto defendia
a democracia popular.
de Aveiro foi uma O aparecimento da “esquerda radi- Se os “esquerdistas”, como então Entre os monárquicos, Gonçalo

grande jornada cal”, na formulação de Costa Pinto,


marcou um dos momentos de tensão.
era apelidada a esquerda radical, esti-
veram presentes em Aveiro — incluin-
Ribeiro Telles apresentou O Proble-
ma dos Espaços Verdes Urbanos e
de luta antifascista, “Tinha 24 anos, estava em Aveiro
como um normal congressista, não
do as quase intermináveis declinações
do maoísmo nacional —, nem toda a
Henrique Barrilaro Ruas dissertou
sobre O Problema do Regime. Ques-
estabeleceu representava nenhuma organização,
e havia um painel sobre o movimento
esquerda compareceu. “Houve dois
grupos que não foram: o de Jorge
tão Colonial. Impasse Colonial. Par-
ticipações de origens diversas, com
a relação entre estudantil onde, então, os esquerdis- Sampaio e o de Isabel do Carmo”, objectivos diferentes, mas natural-

o PCP e o PS tas tinham muita força e o PC estava


a perder inÇuência”, recorda Pacheco
revela Vítor Dias. O primeiro origina-
rá o MES [Movimento de Esquerda
mente críticos do estado do país.
Entre os que estiveram a título indi-
Vítor Dias Pereira. Socialista] e, mais tarde, o GIS [Grupo vidual, Vítor Dias recorda, ainda, a
Antigo membro O historiador foi, aliás, protagonis- de Intervenção Socialista], que se jovem arquitecta Helena Roseta.
do comité central do PCP ta de um incidente. “Tinha sido cons- incorporará no PS. O segundo estava No último dia, os participantes
tituída a mesa e, perante a nossa pre- na acção política com as Brigadas Em 2024 assinalam-se os 50 anos juntaram-se numa romagem-mani-
sença, os do PC gritaram palavras de Revolucionárias. da Revolução do Cravos. Uma festação ao túmulo do médico,
ordem radicais e saíram da sala para Maria Emília Brederode dos Santos série especial recorda o caminho escritor neo-realista e militante
não haver votação de moções que não conÆrma e estranha a ausência do que levou ao fim da ditadura comunista Mário Sacramento. A
lhes eram favoráveis. Então, Lino de grupo de Sampaio. “Não estiveram, polícia de choque atacou o desÆle à
Carvalho mandou-me com uma apesar de ter sido o Vítor Wengoro- Veja mais em publico.pt bastonada e largou cães.
Vê aqui o programa

A TECNOLOGIA NO COMBATE
À DESINFORMAÇÃO
A tecnologia multiplicou as probabilidades de disseminação de notícias falsas,
mas oferece igualmente ferramentas para a travar. Neste aparente paradoxo,
o que podem e devem fazer as plataformas, os jornalistas e os cidadãos?
Como está a tecnologia a responder à desinformação?

DÁ OUVIDOS A QUEM SABE


18 ABR 14H30
Manuel Carvalho – Director do PÚBLICO (Moderador)
Ana Rocha de Paiva – Gestora de Programas de Inovação e Desenvolvimento
para os Media em EMEA, na Google
Álvaro Figueira – Director do Mestrado em Data Science da Universidade do Porto
Carlos Alves – Presidente da Associação de Estudantes da FEUP
Dina Margato – Membro do Observatório Ibérico de Média Digitais e Desinformação

Com o apoio de:


Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 13

Política

Quando um governo recria os símbolos


nacionais, pode ser sinal de amor
RODRIGO ANTUNES/LUSA
daquilo que representa a República. Maltez. “O nosso caso é raro na Euro-
Mariana Marques Tiago
É o caso da imagem do Museu da Pre- pa e no mundo. Conseguimos criar
Há pelo menos um ano que sidência, do SNS, do Turismo de Por- uma comunhão nacional” que em
tugal, do Portugal 2030 ou da plata- Espanha, por exemplo, não existe.
o Governo adapta símbolos forma Portugal For Ukraine. O antigo líder do CDS Ribeiro e Cas-
da nação. É um acto que “Acontece apenas por uma preocu- tro garante que não se trata de uma
permite assinalar pação de criatividade ou composição violação da lei. Estaríamos a falar de
mudanças políticas de cenário. Acho que o Governo quer uma ofensa se houvesse um “abuso
dar a ideia de uma assinatura suÆcien- da imagem dos símbolos do país”,
Há pelo menos um ano que a maioria temente perceptível, mas não tão explica. Inclusivamente estas adap-
das conferências de imprensa do Con- carregada”, explica José Ribeiro e tações são frequentes e “ocorrem até
selho de Ministros da equipa de Antó- Castro. O presidente da Sociedade no desporto”. Ofensivo foi, por exem-
nio Costa tem como cenário um fun- Histórica da Independência de Por- plo, o caso de 2013, quando, no Con-
do azul composto pela esfera armilar tugal precisa que o “uso de bandeiras selho Europeu, a bandeira do país foi
e pelo escudo das armas nacionais sucessivas” em eventos e logótipos se exposta com pagodes (um género de
(com cinco quinas — e cinco besantes tornou “comum, até por inÇuência torre asiática) no lugar de castelos.
— e sete castelos). A imagem que se vê dos EUA, na altura dos anos 90”. Nem sempre existiu esta liberdade
é ligeiramente diferente do que se vê “Agora usam-se outras formas de lin- criativa, assinala Miguel Metelo de
na bandeira nacional, mas, contraria- guagem gráÆca e esta é uma delas.” Seixas. Quando Salazar ainda estava
mente a polémicas anteriores (como Cenário com símbolos adaptados é usado em briefings do Governo A opinião é partilhada por Maltez, no poder, a ideia de que “a heráldica
a reprodução não Ædedigna da ban- para quem “o processo de recriar os devia depender do Estado” e das leis
deira), trata-se de uma adaptação dos sidade Nova de Lisboa, estamos peran- Por sua vez, Maltez recorda que foi símbolos permite assinalar uma por si criadas foi “levada ao extremo”.
símbolos da República. Quando se faz te “uma espécie de cimento visual da na sessão de abertura da Assembleia mudança de governo ou geração”. Foi aplicado um género de “heráldica
essa recriação, pode ser por amor e comunidade”, algo que já acontecia Constituinte, em 1911, que tudo acon- totalitária sobre as armas nacionais,
consiste numa forma de liberdade em séculos passados. teceu: aboliu-se a monarquia e apro- Da criatividade à ofensa municipais, das Forças Armadas e até
criativa que permite assinalar a Inclusivamente, “a República tam- varam-se os símbolos nacionais, o ”Não é fácil estabelecer um limite”, a nível corporativo”, elabora. “O Esta-
mudança de governo de um país, bém adaptou símbolos que vinham da hino e a bandeira. “Por causa deles, diz o investigador Metelo de Seixas. do emite as normas sobre quem pode
defendem os especialistas ouvidos Idade Média, como as quinas ou as milhares de pessoas morreram em “A adaptação das armas nacionais, usar o quê e até nomeia uma comis-
pelo PÚBLICO. chagas de Cristo”, completa José Ade- guerras. Os símbolos passaram a ser dos logótipos de municípios ou até de são” para supervisionar o seu uso.
Os símbolos são fundamentais na lino Maltez. O politólogo assegura que objectos de amor. Amam-se e, quando empresas, é uma coisa que, em geral, Hoje, o controlo ainda existe por-
“construção da comunidade política” a readaptação dos símbolos “não é um se amam, podem ser recriados.” não se pretende ofensiva. Mas não há que vigoram normas sobre o uso da
e na criação da identidade do país, desvirtuar dos mesmos. Há aqui um A recriação dos símbolos por parte um limite concreto.” bandeira e dos símbolos nacionais.
argumenta Miguel Metelo de Seixas. direito à criatividade.” Questionado do Governo foi além das conferências “Recriar os símbolos e re-amar a Mas há, em simultâneo, uma “liber-
Para o investigador no Instituto de sobre o porquê e a intenção por detrás de imprensa. Também nos logótipos pátria é um símbolo das gerações e dade plástica bastante dinâmica” que
Estudos Medievais da Faculdade de desta recriação, o Governo não res- de iniciativas e serviços governamen- um processo contínuo de reidentiÆ# “signiÆca que a heráldica está viva e
Ciências Sociais e Humanas da Univer- pondeu às perguntas do PÚBLICO. tais nos deparamos com a adaptação cação”, admite o politólogo Adelino não enclausurada”, admite.

Navio Mondego está operacional e já fez missão na Madeira


JOÃO HOMEM GOUVEIA/LUSA
A ministra da Defesa Nacional aÆr- no”, a governante acrescentou que ções. Tenho acompanhado proxima-
mou ontem que o navio Mondego, da ainda está em curso “um processo de mente os vários passos”, disse, adian-
Marinha portuguesa, que teve uma averiguações” para se perceber “o tando que as questões que surgiram
avaria em Março, já está operacional que é que aconteceu exactamente” foram técnicas.
e fez uma missão na Madeira. com o “problema técnico relativa- Helena Carreiras reaÆrmou ainda
Em declarações aos jornalistas na mente à paragem do navio”. o que antes já tinha referido, que as
base naval do Alfeite, em Almada, O Mondego esteve no centro de situações de insubordinação e de
Setúbal, captadas pela RTP, Helena várias polémicas desde o início de indisciplina “não são admissíveis nas
Carreiras disse que o navio Mondego Março, primeiro quando 13 militares forças armadas porque põem em
“acaba de fazer uma missão” de trei- se recusaram a embarcar para uma causa a coesão e devem ser devida-
no de vários dias às ilhas Selvagens, missão de acompanhamento de um mente tratadas e estão a sê-lo pela
na Madeira, “e regressou ao Funchal navio russo ao largo da Madeira e Marinha”.
sem qualquer incidente”. depois, no Ænal do mês, com uma Hoje, a ministra elogiou os milita-
“Tal como antes, este navio está avaria durante uma missão. res da Marinha considerando que
em condições de cumprir as suas mis- Questionada sobre se deveria ter cumprem as suas missões com brio
sões”, aÆrmou a ministra, que hoje sido accionada a Inspecção-Geral da e sentido de missão e assegurou que
participou na cerimónia de largada Marinha para analisar o caso do navio a Marinha Portuguesa tem capacida-
dos navios Setúbal e Centauro para Mondego, Helena Carreiras respon- de provada pelo conjunto de missões
participar na Iniciativa Mar Aberto e deu que foram accionados os proce- que tem desempenhado.
Missão de Capacitação da Guarda dimentos que nestes casos têm de ser “O facto de haver alguns incidentes
Costeira de São Tomé e Príncipe. accionados e que conÆa “inteiramen- Em Março, 13 militares alegaram situações pontuais têm de ser trata- e avarias não se deve confundir com
Depois de, no Ænal de Março, o te nas entidades da Marinha que são problemas no Mondego e das enquanto tal”. uma visão mais global, que me pare-
Mondego ter abortado uma missão às competentes para resolver”. recusaram embarcar numa “A Marinha tem tratado esses casos ce importante que tenhamos. Há
ilhas Selvagens, devido a uma avaria A ministra da Defesa vincou que missão ao largo da Madeira conforme deve tratar, com os devidos situações pontuais que têm o seu
que a Marinha atribuiu a “erro huma- esta é uma situação pontual e que “as processos disciplinares e de averigua- contexto”, disse.
14 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Sociedade Regime de reparação histórica

Lei dos judeus sefarditas


válida até ao Ɗnal de 2023
Proposta de lei do Governo que Äxa uma data-limite para a vigência do regime de atribuição
da nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas já deu entrada no Parlamento
ENRIC VIVES-RUBIO/ARQUIVO

Marta Moitinho Oliveira


Após sete anos de aplicação e depois
de cerca de 57 mil descendentes de
judeus sefarditas terem, até ao Ænal
de 2021, conseguido a nacionalidade
portuguesa ao abrigo de uma lei de
excepção, o Governo vai acabar com
este regime. Serão avaliados os
requerimentos entregues até ao Ænal
de 2023. Em 2024, o regime já não
estará em vigor.
“Nenhum regime de reparação
histórica deve ser eterno”, lê-se na
proposta de lei do Governo que deu
entrada no Parlamento, depois de
ter sido aprovada no Conselho de
Ministros de 6 de Abril. Naquele dia,
foi conhecida a intenção do executi-
vo de Æxar uma data-limite a este
regime de concessão de nacionalida-
de a descendentes de judeus sefardi-
tas, mas o prazo em concreto não foi
divulgado.
Sabe-se agora, através da proposta
de lei que ainda será discutida pelos
deputados, que a data-limite é este
ano e que em 2024 o regime de
excepção já não estará em vigor.
Na proposta de lei, o executivo
revoga o artigo da Lei da Nacionali-
dade referente ao regime de excep-
ção. No entanto, refere que esta
revogação “produz efeitos a 1 de
Janeiro de 2024” e que a mesma
revogação “não prejudica a aprecia-
ção dos requerimentos de concessão
de nacionalidade portuguesa apre-
sentados” com fundamento naquele Foi a partir de 2017 que se verificou uma corrida à aquisição de nacionalidade portuguesa ao abrigo da lei dos sefarditas
regime de excepção “até 31 de
Dezembro de 2023”. Isto signiÆca cia em Portugal e do conhecimento sem necessidade de visto para a
que poderão existir decisões sobre
atribuição da nacionalidade ao abri-
Em quatro anos pedidos dispararam da língua portuguesa”. “Este regime
visou promover uma reparação his-
generalidade dos países do mun-
do”.
go deste regime no próximo ano, tórica das perseguições sofridas pela Por estes motivos, o Governo con-

S
desde que sejam referentes a proces- egundo números comunidade judaica a partir do rei- sidera que se justiÆca “verter na Lei
sos com requerimentos entrados até avançados pelo executivo, nado de D. Manuel I”, contextualiza da Nacionalidade a exigência de os
ao último dia de 2023. “até ao final de 2021, foram a proposta. descendentes de judeus sefarditas
Na proposta, o Governo faz uma apresentados cerca de 140 O Governo reconhece que tem possuírem uma ligação efectiva e
avaliação do que aconteceu durante mil pedidos de naturalização, havido um aumento do número de actual a Portugal, demonstrando, no
a vigência deste regime, concluindo tendo sido concedida a pedidos de naturalização de familia- momento do pedido, a existência
que “nenhum regime de reparação nacionalidade portuguesa a res dos cidadãos que obtiveram a dessa ligação com o país e com a
histórica deve ser eterno”, o execu- cerca de 57 mil descendentes”. nacionalidade portuguesa ao abrigo comunidade nacional”. Isto enquan-
tivo defende que a lei que criou esta Mas a adesão a este regime daquele regime, com a “quase tota- to a lei estiver em vigor, ou seja, até
excepção na atribuição de naciona- não foi sempre uniforme ao lidade” dos naturalizados a não viver ao Ænal deste ano.
lidade já cumpriu os propósitos para longo do tempo. “A partir de para mais de 50 mil em 2021”, nem a ter ligações a Portugal. Este regime de excepção gerou
que foi criada. 2017, verificou-se um aumento lê-se na exposição de motivos Além disso, o executivo assume polémica depois de conhecido, atra-
O regime que alterou a lei da nacio- exponencial dos pedidos de da proposta de lei. O aumento que “este regime potenciou a proli- vés do PÚBLICO, que a Comunidade
nalidade “veio permitir a aquisição naturalização — tendência do recurso a este regime foi de feração de empresas que recorrem Israelita do Porto obteve vantagens
da nacionalidade portuguesa, por agravada pela revogação, em tal forma que, “no ano de 2021, a publicidade agressiva para aliciar Ænanceiras com processos de atri-
naturalização, aos descendentes de 2019, do regime aprovado em estes pedidos representaram potenciais interessados na naturali- buição da nacionalidade. Soube-se
judeus sefarditas de origem portu- Espanha com idêntico propósito 72% do total de pedidos de zação, anunciando as vantagens ainda que o multimilionário russo
guesa expulsos de Portugal no Ænal —, passando de sensivelmente aquisição da nacionalidade associadas à obtenção de um passa- Roman Abramovich se naturalizou
do século XV, dispensando o cum- sete mil pedidos anuais em 2017, portuguesa por naturalização”. porte de um Estado-membro da português em Abril de 2021 ao abrigo
primento dos requisitos de residên- União Europeia que permite viajar deste regime de excepção.
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 15

Sociedade

Assédio na academia: “O CES


não é a excepção, é a norma”
TIAGO LOPES

Daniela Carmo

Autoras do manifesto de
apoio a denunciantes de
assédio sublinham que
situações são “transversais
a todos os sectores” És estudante de
O artigo que pôs no centro de um
debate sobre assédio moral e sexual
proÆssionais e práticas no Centro de
Estudos Sociais (CES), situado em
doutoramento
Coimbra, foi “a agulha que rebentou
um balão que tem andado a encher
há muito tempo”. É assim que Patrícia
Martins Marcos, uma das autoras do
da ULisboa?
manifesto Todas Sabemos — um docu-
mento de “total solidariedade” com
as autoras da investigação referida —, Manifesto Todas Sabemos conta já com 530 assinaturas
explica os acontecimentos que vie-
ram a público esta semana. E recorda:
“O CES não é a excepção, é a norma.
tempo, motivar a acção, não só ao
nível da denúncia. “Queremos tam-
os casos relativos a alegado assédio
moral e sexual, e descartou criar já
A tua tese pode
Toda a gente sabe disso, quem passa
pelas universidades já viveu ou pre-
senciou” situações dessa natureza.
bém convidar as pessoas a juntar-se
a nós para dar apoio” às denuncian-
tes, reitera a Maria do Carmo Piçarra,
uma estrutura nacional, apesar de a
ver como “benéÆca”.
Perante a declaração, a historiado-
dar-te 5 mil euros.
Em conversa com o PÚBLICO, investigadora de cinema e professora ra de Arte Inês Beleza Barreiros diz
ontem, algumas das redactoras do universitária. Chamam-lhe, aliás, “cír- não estar “segura que assim seja” e
manifesto defendem que, não sendo culo de protecção às autoras”, como pede uma reacção também a Ana
as situações de assédio moral ou refere Inês Beleza Barreiros, historia- Catarina Mendes, “que tem a tutela
sexual exclusivas da academia, mas, dora de Arte. da Igualdade”. “Pedimos que se criem
antes, transversais a todos os secto- De acordo com o grupo, chegaram comissões independentes porque, se
res, deviam existir comissões inde- à morada de email sabemosto- assim não for, passa-se o que se pas-
pendentes para acompanhar casos de
assédio moral ou sexual. E escrevem
das@gmail.com inúmeros testemu-
nhos. O manifesto, divulgado na sex-
sou no CES ou até na Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa,
Inscreve-te já no
no documento: “Os casos denuncia- ta-feira, conta, até ao momento, com que das 50 queixas validadas de 31
dos são apenas a ponta do icebergue.” 530 assinaturas. Entre os relatos rece- docentes umas foram arquivadas e
É por isso que consideram que “há bidos, há “casos de pessoas que outras prescreveram.”
uma naturalização do desculpar des- deram conta de situações [de assédio] Boaventura de Sousa Santos, que
te tipo de comportamentos”, como que viveram e que agora estão a ser nos últimos dias foi acusado de assé-
refere Patrícia Martins Marcos, tam- alvo de julgamento”, elucida Maria do dio e agressão sexual, disse em comu-
bém historiadora. Carmo Piçarra. “As vítimas é que ocu- nicado que vai processar as autoras
“Partimos de uma situação concre- pam o banco dos réus”, sublinha, por do artigo por difamação. O manifesto
ta [motivada pela publicação do arti- sua vez, Inês Beleza Barreiros. Todas Sabemos reage a isso dizendo
go académico The walls spoke when no Os subscritores do documento que tal “não é difamação”, mas “uma
one else would (As paredes falaram interpelam a ministra da Ciência, Tec- crítica a dinâmicas institucionais sis-
quando mais ninguém o fez), em que nologia e Ensino Superior, Elvira For- témicas, comuns dentro e fora da
o seu actual director emérito, Boaven- tunato, a ministra adjunta e dos academia”. Estrutural é também, fri-
tura de Sousa Santos, e o antropólogo
Bruno Sena Martins se consideraram
Assuntos Parlamentares, Ana Catari-
na Mendes, e a Fundação para a Ciên-
sam, o “extractivismo intelectual (a
prática de plagiar ou reproduzir o
Até 17 de Abril
visados] para reÇectir sobre a nossa cia e a Tecnologia (FCT) e pedem que trabalho de outrem sem citar, apre-
realidade. O manifesto pretende dar “se pronunciem e agilizem recursos” sentando-o como seu)” num sistema
continuidade a esse primeiro acto de para “aprofundar o enquadramento académico hierarquizado. Situação
coragem [de Lieselotte Viaene, Cata- legal para este tipo de casos nos esta- essa que justiÆcam com a precarieda-
rina Laranjeiro e Miye Nadya] de belecimentos de ensino e investiga- de laboral em que muitos investiga-
reÇectir sobre um tema difícil”, diz ção superior e que contemplem a dores/as se encontram. “A questão da ULISBOA.PT/INFO/THREE-MINUTE-
THESIS-ULISBOA-3MTR
Ana Cristina Pereira (Kitty Furtado). necessária obrigatoriedade de códi- precariedade é uma situação vivida
Quanto aos organismos indepen- gos e regulações semelhantes”. por muitas de nós. Muitas de nós esta-
dentes a criar, defendem que devem Ontem, a ministra Elvira Fortunato mos há anos precárias na academia e
ser “verdadeiramente independentes disse, em Esposende, que as institui- isso deixa homens e mulheres em
das instituições” em que operam e ções podem autonomamente resolver situação particularmente vulnerável.
capazes de garantir o anonimato de E diÆculta um avanço para quebrar o
possíveis denúncias e subsequentes silenciamento”, remata Ana Balona
processos. “Há aqui qualquer coisa
A ministra Elvira de Oliveira, historiadora de Arte e
que se quebra e, daqui para a frente, Fortunato disse curadora. “O conhecimento é muitas
não vamos voltar atrás nesse silencia- vezes aproveitado em prol de profes- Apoio

mento”, completa Marta Lança, tra-


que as instituições sores/as estrelas e que impedem
balhadora independente cultural e podem resolver depois as progressões nas carreiras”
doutoranda. de quem produz esse conhecimento,
Com a discussão pública que pre-
autonomamente ilustra ainda a investigadora Maria
tendem lançar, esperam, ao mesmo casos de assédio Benedita Basto.
16 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Sociedade

Multiplicam-se os esquemas
para tirar proveito de imigrantes
RUI GAUDÊNCIO
em imigração.
Ana Cristina Pereira
Já denunciou à Ordem dos Advoga-
Aproveitamento pode dos diversas pessoas. “Tem muita
gente na Internet que não é advogada
começar no país de origem e Æca falando de lei de imigração. Não
ou em Portugal. tem conhecimento e Æca na Internet
Evelin pagou 180 euros dando informação desencontrada.
para ter o NIF Conheço pessoas que vendem e-books
sobre como imigrar para Portugal,
Evelin Santos não vai desistir da mani- como tirar o NIF, o NISS, o número de
festação de interesse que apresentou utente do SNS. Essas pessoas vendem
no Serviço de Estrangeiros e Frontei- esses serviços. Estão a praticar pro-
ras (SEF) e pedir um certiÆcado de curadoria ilícita. Isso é crime.”
autorização de residência Comunida- Alguns têm protagonizado autênti-
de de Países de Língua Portuguesa cas burlas. Pela Internet já circula até
(CPLP), como milhares Æzeram no um falso email sobre as novas autori-
último mês. “Vou esperar. Dizem que zações de residência CPLP. O Serviço
isso é só para facturar, que nem todos de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) até
os países estão cientes.” publicou um alerta na sua página na
O receio da jovem de 29 anos vem- rede social Facebook: “Alertamos
lhe da experiência. Já se sentiu alvo para a circulação de falsos emails,
de burlas várias vezes desde que ater- alegadamente gerados pelo Portal
rou no aeroporto internacional de CPLP para efeitos de registo e emissão
Lisboa com a irmã, três anos mais de autorização de residência.”
nova, no Ænal de 2021. Enquanto bra- Evelin e a Brenda estão até hoje
sileiras, bastava-lhes o carimbo no sem saber exactamente qual a verda-
passaporte para permanecerem 90 deira qualiÆcação da mulher que
dias como turistas em Portugal. Para RUI GAUDÊNCIO
cobrou 180 euros a cada uma para
Æcar a viver e a trabalhar, porém, mento no SEF”, torna Larissa Nicolo- requerer o NIF e queria cobrar outros
teriam de se inscrever nas Finanças e si. “A forma como o SEF comunica é 100 para tratar da manifestação de
na Segurança Social, de abrir activi- através de posts no Facebook: diz interesse. “Nem sei se ela é advoga-
dade como trabalhadoras indepen- quantas vagas abriu e para que tipo da”, diz Evelin. “Primeiro, ela aten-
dentes ou de arranjar contrato de de autorização de residência.” Há gru- deu a gente numa sala de um prédio.
trabalho e de ir ao SEF manifestar pos organizados que estão atentos e No outro dia que a gente foi lá, ela
interesse em obter autorização de apanham boa parte delas para vender. estava num salão de beleza. Então
residência. Na sua opinião, “o facto de no site do não sei o que ela é.”
Começando pelas Finanças, preci- SEF nem haver informação de que Todo o dinheiro lhes fazia falta. As
savam de um representante Æscal, que não há vagas é falta de transparência”. suas irmãs vieram de Santos, litoral
podia ser um cidadão português ou E “a falta de transparência põe os imi- de São Paulo, à procura de uma vida
estrangeiro com autorização de resi- grantes numa situação de maior vul- melhor. “Está Æcando muito perigo-
dência. “A gente não conhecia nin- nerabilidade, de maior dependência so.” Venderam as suas coisas e mete-
guém”, recorda. Indicaram-lhe uma de outras pessoas.” “Quando a infor- ram-se num avião. “A gente não veio
pessoa que “ajudava quem estava nes- mação não chega de forma eÆciente, com muito dinheiro. A gente queria
sa situação”. “Ela disse que era advo- há pessoas que se aproveitam.” trabalhar logo.”
gada. Cada uma pagou 180 euros.” Os pedidos de novas autorizações Uma tormenta o primeiro trabalho,
A irmã, Brenda, corrobora a histó- de residência CPLP não escapam a numa lavandaria. “A gente não tinha
ria: “No começo, pensei que estava Os vistos especiais para a chave de acesso às Finanças. Tem estes esquemas. “Muitas pessoas não o número da Segurança Social. A gen-
super em conta, porque não tínha- cidadãos de países da CPLP são acesso a dados pessoais. Se depois têm computador, não têm literacia te não tinha contrato.” “Fiquei três
mos noção dos valores [praticados]; muito recentes, mas já há burlas não fornecer esses dados, a pessoa digital, algumas nem sabem ler”, meses”, conta Evelin. “O dono chegou
depois, vimos que tínhamos sido qua- não sabe onde estão. E tem diÆculda- observa Ana Mansoa, directora exe- a me pagar. O terceiro mês é que não
se assaltadas.” de em pedir nova senha.” cutiva do Centro Padre Alves Correia, pagou. A minha irmã Æcou 45 dias e
Kauan Santana, de 27 anos, e o Também é frequente haver quem entidade responsável por um Centro ele não pagou. Ele pagou-me e eu per-
companheiro, de 37, chegados a Avei- faça negócio com a necessidade de Local de Apoio à Integração de guntei. ‘E a minha irmã?’ E ele falou:
ro com um visto de procura de traba- Várias associações apresentar um atestado de residência Migrantes Lisboa-Estrela. ‘Ai não, já paguei você, é na mesma
casa.’ Eu não podia Æcar num lugar
lho, pagaram 30 euros cada a um
homem que desempenhou o papel
que trabalham ao SEF. “As coisas estão feitas de for-
ma inadequada”, considera Timóteo
Às vezes, o aproveitamento come-
ça ainda no país de origem, sublinha onde ele escolhia quem pagava.”
de representante Æscal. Diz o rapaz com imigrantes Macedo, da Associação Solidariedade Ana Mansoa. Conhece imigrantes que Agora, têm NIF, NISS, número de
que o homem estava perto do balcão
do SEF e que lhe foi indicado pela
relatam esquemas Imigrante. “Não devia ser preciso um
atestado de residência da junta de
pagaram avultadas quantias a outros
já residentes para lhes tratarem dos
utente do SNS e contrato de trabalho.
Brenda trabalha numa cantina e Eve-
própria funcionária. de pessoas freguesia para fazer uma manifesta- documentos e da habitação ainda lin numa sexshop. “Agora, tudo está
É um esquema comum. Ao traba-
lhar para a associação Renovar a Mou-
que pedem ção de interesse [de autorização de
residência]. A pessoa acaba de che-
antes de embarcar. E imigrantes que
Æcaram a pagar uma percentagem do
óptimo”, diz Brenda. “A gente gosta
bastante do país”, torna Evelin. “A
raria, que dirige o Centro Local de quantias avultadas gar, não tem duas testemunhas. As seu salário. segurança é uma das coisas que a gen-
Apoio à Integração de Migrantes Lis-
boa-Mouraria, a jurista brasileira
a imigrantes máÆas aproveitam-se. Vêem as pes-
soas desesperadas e cobram dinheiro Salário por pagar
te mais gosta. A gente veio com o intui-
to de trabalhar e ir para outro país,
Larissa Nicolosi tem conhecido mui- para lhes tratar para assinar um papel.” “Às vezes, as pessoas não sabem mas a gente gostou e Æcou, apesar de
tos imigrantes que pagaram para
obter o NIF. E o problema não é só o
dos documentos O funcionamento do SEF não ajuda.
“As pessoas ligam 400, 500, 600
onde procurar informação correc-
ta”, comenta Bruno Gutman, advo-
o aluguer ser bem caro.” Muitos não
Æcam, voltam a fazer as malas e par-
valor. “O representante Æscal recebe no SEF vezes e não conseguem fazer agenda- gado luso-brasileiro especializado tem para outros países.
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 17

Sociedade

Empresários que denunciaram


falso procurador acabaram
acusados por corrupção
BARBARA RAQUEL MOREIRA

Sónia Trigueirão

Funcionário judicial que se


fazia passar por
procurador terá recebido
50 mil euros de um homem
em prisão domiciliária
Um dos empresários que denuncia-
ram o funcionário do DIAP da Póvoa
de Lanhoso que se fazia passar por
procurador do Tribunal de Braga, e
que terá enganado o dono de uma
oÆcina que pagou 50 mil euros para
se livrar da prisão domiciliária, não
se conforma por ter sido acusado de
corrupção activa no processo.
No requerimento de abertura de
instrução (RAI) a que o PÚBLICO teve
acesso, este empresário da zona de
Braga contesta a acusação do Minis-
tério Público (MP), alegando que se
não fosse a sua denúncia a investiga-
ção jamais teria sido iniciada. O
arguido sublinha ainda o facto de ter
até fornecido as provas ao colocar à
disposição das autoridades o seu
telemóvel.
Cita o Código Penal no artigo que
refere que “será dispensado de pena
o agente que denuncie o crime antes
da instauração do procedimento cri- Quem faz o azul?
minal e que tenha retirado a promes-
sa de vantagem ou solicitado a sua Este é o único jornal em Portugal com uma
restituição ou repúdio ao funcioná- secção inteiramente dedicada à urgência
rio ou ao terceiro antes da prática do da crise climática.
acto ou da omissão contrários aos
deveres do cargo”.
“Não nega a prática dos factos e Uma redacção sintonizada com o nosso tempo,
deles demonstra arrependimento, com o presente e com o futuro da humanidade.
percebendo agora a gravidade da O empresário agora acusado contesta a acusação do MP Andrea Cunha Freitas (editora),
situação em que se envolveu”, lê-se Cláudia Carvalho Silva (subeditora),
no RAI onde o arguido pede que a nho” pedia 50 mil euros para resol- activa agravada na forma tentada
acusação contra si seja arquivada. ver o assunto. O dono da oÆcina por considerar que tinham como Aline Flor, Andréia Azevedo Soares,
Ora o MP teve outro entendimento arranjou o dinheiro, pedindo algum objectivo corromper o falso procu- Clara Barata e Nicolau Ferreira (jornalistas),
dos factos. De acordo com a acusa- a amigos e familiares, e entregou ao rador, que desconheciam ser apenas Tiago Bernardo Lopes (vídeo),
ção, este empresário serviu de inter- empresário. O MP diz que foi este funcionário judicial, para cometer Gabriela Gómez (infografia),
mediário para tentar corromper o empresário que entregou o dinheiro um acto ilícito, tendo mesmo chega-
falso procurador. em mãos ao seu sócio da discoteca. do a entregar 50 mil euros para o Rodrigo Julião (webdesign).
Esta história começa com a ida A promessa estava paga, cabia ago- efeito.
deste empresário a uma oÆcina cujo ra ao “padrinho” cumpri-la. No Já o sócio do empresário e o falso
dono, de quem era amigo, se encon- entanto, o tempo foi passando e tudo procurador acabaram acusados de
trava em prisão domiciliária com servia de desculpa, nomeadamente burla qualiÆcada. O MP deixou cair
pulseira electrónica, na sequência de o facto de os tribunais estarem a no que diz respeito a estes últimos
um processo de roubo. meio gás por causa da covid-19. arguidos o crime de corrupção pas-
Perante os lamentos do dono da O dono da oÆcina, em desespero, siva, porque este crime só se veriÆ#
oÆcina de que nestas condições não insistia com o amigo empresário, que caria se o funcionário judicial exer-
podia trabalhar, o empresário pron- por sua vez pressionava o sócio. Com cesse funções que permitissem de
tiÆcou-se a ajudar. É aqui que entra o tempo a passar, o empresário ten- facto alterar a medida de coacção de
um terceiro homem, seu sócio numa ta perceber por si o que estava a prisão domiciliária com pulseira
discoteca, que supostamente tinha acontecer e é aí que descobre que o electrónica, aplicada ao dono da oÆ# O JORNALISMO QUE FAZ BEM AO PLANETA

um amigo procurador que, segundo “padrinho” não era procurador, mas cina.
contava, já o teria livrado da prisão. sim funcionário judicial, e decide Entende o MP que os quatro argui- OBRIGADO AOS PARCEIROS QUE NOS APOIAM
Segundo o MP, o empresário levou avançar com uma denúncia na Polí- dos devem pagar solidariamente um
o sócio ao encontro do dono da oÆ# cia Judiciária. total de 100 mil euros ao Estado. O
cina que lhe transmitiu que o amigo No Ænal, o MP acusou o dono da início da instrução está marcado
procurador a quem chamava “padri- oÆcina e o empresário de corrupção para o próximo dia 27 de Abril.
18 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Local Terapia da ƍoresta no Palácio de Cristal, no Porto

No meio da cidade
participar. Nadja ganhou interesse
Reportagem pela prática durante a pandemia,
uma fase em que sentiu muita
“desconexão” e um forte impacto

há quem faça um
Renata Mendes Texto
na saúde mental. “Então fugi, fui
Tiago Bernardo Lopes Fotografia
até uma Çoresta”, conta, entre
O Instituto de Ciências Biomédicas risos. “O efeito foi imediato e
Abel Salazar (ICBAS), da percebi o quanto a natureza

“banho de natureza” Universidade do Porto, está a


organizar, com a comunidade
académica, momentos de conexão
inÇuenciava a forma como nos
sentimos.” Pouco tempo depois,
encontrou uma aula sobre banhos

para combater o stress


e reÇexão com a natureza. Para de natureza, que a atraiu por ser
isso, desaÆou alunos, professores e sobre “praticar natureza, mas com
funcionários a largarem o trabalho uma base cientíÆca sólida e
e irem até “ao outro lado da rua”, benefícios provados”.
ao Palácio de Cristal, para um Aminur, Cristina, Irene, Miguel,
Banho de Natureza de 90 minutos e Pedro, Alzira, Sara, Cláudia e Paola
o PÚBLICO acompanhou este juntaram-se a Nadja Imhof, a
“caminho com os sentidos”. orientadora deste “banho” para a
Nos jardins do Palácio do Cristal, no Porto, alunos, professores É assim que Nadja Imhof, guia tal viagem “com os sentidos”.
e funcionários do Instituto de Ciências Biomédicas Abel certiÆcada de “terapia da Çoresta”
descreveu os Banhos de Natureza a
Karine esclarece que “não será uma
caminhada” — o passo é lento e o
Salazar (ICBAS) aceitaram tomar um “banho de natureza” quem aceitou o desaÆo de destino irrelevante. Depois de uma
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 19

breve explicação sobre o que é são cientiÆcamente sustentadas e


“tomar um banho de natureza” e que possam beneÆciar as pessoas”,
dos benefícios que a prática traz, evitando conÆnar “o conhecimento
Nadja pede aos participantes que ao laboratório, ao meio académico”
respondam a um pequeno e que depois, na prática, “não se
questionário sobre o estado de traduz em nada”.
espírito de cada um, que será A investigação na área, segundo
comparado com outro a que Karine Silva, demonstra que os
respondem no Ænal. banhos de natureza têm “efeitos de
Durante uns minutos, o cenário é redução na produção de hormonas
completamente o oposto de ligação de stress, que levam a um aumento
à natureza: quem por lá passou viu de células que reforçam o sistema
um conjunto de cabeças baixas e imunitário, que promovem uma
atentas ao ecrã. Mas, depois das melhoria no estado de humor e que
respostas ao inquérito, Nadja pediu restauram a nossa capacidade de
para desligarem os telemóveis ou o atenção”.
respectivo som. Durante 90 O ICBAS tem um “enquadramento
minutos não existiram telefonemas, estratégico que se deÆne no conceito
nem emails, nem mensagens. A de uma só saúde”, diz Henrique
regra foi quebrada apenas uma vez, Carvalho, director da faculdade, “o
por uma participante, para tirar enquadramento do bem-estar
uma fotograÆa e documentar um agradecimentos e os participantes, humano e animal no meio
momento de troca. cada um pelo seu caminho, ambiente”. Para isso, e como
O caminho é dividido em tarefas, regressaram “ao outro lado da rua”. acredita que as instituições “têm
ou “pequenas missões”, como Mas, antes disso, Pedro Moreira uma responsabilidade de assegurar
descreve Nadja. Após cada missão, falou um pouco do tempo passado o bem-estar e pensar na saúde
o grupo reúne-se e partilha, se A ideia não é ir nos jardins. “Sou um bocado mental” da comunidade, desenvolve
estiver confortável com isso, céptico com este tipo de práticas uma série de projectos neste sentido,
algumas ideias. Tudo começou
com auriculares, não tão convencionais”, confessou. incluindo os Banhos de Natureza,
numa pequena ilha dos jardins: o ou entrar pela “Acredito muito na promoção da uma iniciativa que “é para
grupo apresentou-se e partilhou o saúde mental através de continuar” e que espera que venha a
que sentia e o que esperava desta
natureza de psicoterapia e outras coisas mais crescer e a ter mais adesão.
viagem. Alguns participantes bicicleta. A ideia cientiÆcamente comprovadas”. No A guia e fundadora do Go Wild,
expressam um sentimento de entanto, reconhece que gostou da um projecto que promove
stress, de sobrecarga de trabalho, e
é abrir os sentidos experiência, que o obrigou “a fazer actividades de ligação com a
esperam encontrar nos jardins um Nadja Imhof reÇexões e pensar o contacto com a natureza, diz existirem benefícios
momento de calma e tranquilidade. Orientadora natureza”, que sozinho não faria. “A para a saúde física e mental. “Física
Outros têm um gosto especial pela próxima vez que vier para um porque se mantém o corpo em
natureza e querem sentir-se mais procuraram encontrar o melhor jardim vou estar com um movimento, de maneira suave, mas
ligados a ela. lugar de esconderijo. Entre ramos pensamento diferente. Vou reÇectir em movimento. Mas os benefícios
Depois das apresentações, foram de árvores, num forte de pedra, sobre algumas coisas.” que me interessam mais são a
convidados pela guia a encontrar aninhados entre dois troncos e É esse o objectivo de Nadja, que diminuição da ansiedade, do stress,
uma posição confortável. Uns assim se passaram alguns minutos espera, “a seu tempo, deixar de ter dos níveis de cortisol.” Acrescenta
sentaram-se numa manta, outros de introspecção. Num momento de este trabalho”, porque a ideia “é ainda que a prática pode “ajudar a
em troncos e na berma da “ilha”. nostalgia, Pedro Moreira, estudante capacitar as pessoas para que dormir melhor”.
Nadja começou então a orientar de Medicina de 21 anos de idade, adoptem a prática por si próprias”. A Go Wild organiza também
uma meditação. Começa por pedir confessou pensar em como “as “No início, é normal precisar de um banhos de natureza no Parque da
que olhem com atenção para o que crianças são felizes e vivem guia para relembrar ‘anda devagar’, Cidade do Porto e no Mindelo (Vila
os rodeia e que reparem “nos despreocupadas”. porque até disso nos esquecemos”. do Conde). A participação está
outros seres”, adoptando um “olhar No Ænal, sentados na parte sujeita a inscrição e ao pagamento
suave”. De fundo, além do barulho inferior dos jardins, com vista para Estar na ou com a natureza? de uma doação (o valor é escolhido
das obras e dos aviões, ouvem-se os o rio Douro, Nadja abriu um livro, O Shinrin yoku, que, numa na compra do bilhete).
galos, os pássaros, os pavões e a que tinha levado na mão ao longo tradução literal do japonês, Para Karine Silva, a maioria dos
corrente da água, enquanto a guia de todo o caminho, e leu um poema signiÆca “tomar um banho numa estudos realizados até agora tem-se
pede, em inglês porque ainda não chamado Os Ouvintes Silenciosos, de Çoresta”, é uma prática que focado no tempo que se passa na
Estes “banhos” procuram se sente confortável com Laura Foley. remonta aos anos 80 do século XX natureza, num sentido de “vamos
mitigar os efeitos do stress, ao português, para fecharem os olhos, “Vai até aos bosques no Japão, explica Nadja, e procura perceber qual é a dose certa de
desenvolver uma relação mais sentirem a respiração, pensar em e conta tua história mitigar os efeitos do stress, ao natureza para podermos prescrever
consciente com a natureza “como o espaço à nossa volta às árvores. desenvolver uma relação mais — aquele modelo biomédico, como
recebe e dá de volta a nossa Elas são sábias consciente com a natureza. “A ideia se fosse um medicamento”, explica
respiração”, como cheira a nossa erguidas em fendas de silêncio não é ir para um parque com a bióloga, acrescentando que
própria pele e como o ar toca no entre brancos cristais de pedra auriculares, ou entrar pela natureza “actualmente começa a dar-se mais
nosso corpo. e membros cadentes. de bicicleta. A ideia é abrir os importância à ligação com a
E têm tempo. sentidos.” De forma poética, natureza. Mas é crucial pensar em
Olhar com suavidade Tempo para o balançar das folhas, compara o exercício a “uma como passamos o tempo. “Se
Daqui partimos para outra zona no para o Çutuar descendente, conversa — temos a natureza, formos para a natureza responder a
palácio, mas, durante o percurso, para a poeira. somos natureza, e abrimo-nos emails de trabalho ou ter uma
Nadja pede uma atenção especial Elas têm tempo para se juntarem suÆcientemente para perceber a conversa chata ao telemóvel, no

90
“para o que está em movimento”. e segurar a terra em torno natureza à nossa volta”. fundo, estamos na natureza, mas
Antes de começar a missão dos seus pés. A parceria com o ICBAS surge não estamos com a natureza...”
seguinte, os participantes Faz isto. numa “linha de investigação que se
partilharam algumas palavras — “no É algo que aprendi. centra nos efeitos decorrentes da
silêncio, há tantos barulhos que Como elas se curvarão por ti natureza, incluindo os animais,
Durante 90 minutos não podemos ouvir”. O desaÆo, agora, é de forma tão suave. sobre a saúde e sobretudo a saúde
existiram telefonemas, nem recolher cinco “tesouros” do chão. Vão curvar-se por ti mental”, explica Karine Silva, uma
e-mails, nem mensagens. O último desaÆo foi um apelo à E ouvir.” bióloga que investiga estas práticas
Apenas foram ligados os criança interior e, como em O banho terminou. Trocam-se no ICBAS. Karine sublinha que Saiba mais sobre ambiente em
sentidos à natureza criança, os participantes algumas impressões e procura promover “práticas que publico.pt/azul
20 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Mundo Por trás dos confrontos está a rivalidade de dois generais

Crise entre paramilitares e Exército


empurra Sudão para “guerra civil total”
Várias cidades sudanesas acordaram ao som de disparos e explosões, após semanas de tensões entre
um poderoso grupo paramilitar e o Exército que tem liderado o país desde o golpe que derrubou Bashir
MOHND AWAD/EPA
tais, da União Europeia e da Liga
Sofia Lorena
Árabe, assim como pela voz de vários
Os habitantes de Cartum passaram o ex-dirigentes civis sudaneses. “Como
dia de ontem fechados em casa todos os sudaneses, continuo abri-
enquanto ouviam aviões militares a gado”, escreveu no Twitter o embai-
voar sobre a cidade, depois de terem xador dos Estados Unidos, John
acordado ao som de tiros e explosões, Godfrey. “A escalada de tensões para
relatos idênticos aos que chegavam o confronto directo entre militares é
de outras cidades do Sudão. extremamente perigosa. Apelo aos
Durante a manhã, um poderoso comandantes que parem de lutar
grupo paramilitar anunciou ter toma- imediatamente.”
do o palácio presidencial, a residência Com cerca de 100 mil membros e
do chefe do Exército e o aeroporto diversas bases e destacamentos espa-
internacional. Antes, os comandantes lhados pelo país, segundo estimam
das Forças de Apoio Rápido (RSF, na os especialistas, as RSF têm origem
sigla em inglês) tinham apelado aos nas milícias janjaweed que lutaram na
habitantes para se juntarem a eles região no Darfur, nos anos 2000, e
“para proteger a pátria e as conquis- foram usadas por Bashir para comba-
tas da revolução” que derrubou o ter rebeldes ao lado do Exército.
ditador Omar al-Bashir, em 2019.
Ao longo do dia, foram-se suceden- Desprezo pelo povo
do informações contraditórias, com Para Alan Boswell, do think tank Inter-
o chefe do Exército, general Abdel national Crisis Group, as raízes do
Fattah al-Bourhan, líder de facto do choque actual estão precisamente
país, a dizer que os seus militares con- nos últimos anos de governação do
trolavam tanto o palácio como o aero- antigo ditador. “Preocupado com a
porto. Ao Ænal da tarde, Bourhan possibilidade de que alguma institui-
disse à Al-Jazeera que as RSF ataca- ção de segurança o desaÆasse, permi-
ram a sua residência e o quartel-ge- UMIT BEKTAS/REUTERS
tiu a proliferação de diferentes grupos
neral do Exército pelas 9h. “E foi aí com a chegada de um importante armados dentro do país”, enfraque-
que as coisas Æcaram fora do contro- contingente do Exército que cercou cendo o Exército, explicou Boswell à
lo entre os dois”, descreveu a corres- o [seu] campo de Soba”, a sul de Car- Al-Jazeera.
pondente do canal, Hiba Morgan. tum. Já o Exército aÆrma que foram “Isto é muito sério”, sublinhou, em
Seguiram-se notícias de confrontos as RSF a iniciar os confrontos, atacan- declarações à televisão Sky News Yas-
em vários aeroportos e na televisão do bases “em Cartum e noutras zonas sir Abdullah, chefe de redacção do
estatal. O sindicato dos médicos disse do Sudão”, e disse estar a “cumprir o jornal Al-Sudani. “Sem uma interven-
que pelo menos três pessoas morre- seu dever de proteger a pátria”. ção das lideranças das Forças Arma-
ram e dezenas foram feridas nos con- das para pôr Æm aos confrontos esta-
frontos. As RSF reivindicaram ainda Unidos contra os civis remos a caminhar para uma guerra
o controlo dos aeroportos de Merowe, Depois da revolta que obrigou Bashir civil total”, avisou.
no Norte, e de El-Obeid, capital do a deixar o poder, e após meses de Mariam al-Mahdi, ex-ministra dos
Cordofão do Sul, no Centro. divergências entre militares e oposi- Negócios Estrangeiros, disse à Al-Ja-
O grupo liderado pelo general ção política, com protestos duramen- zeera que se sente “muito triste e
Mohammed Hamdan Daglo divulgou te reprimidos, formou-se um governo furiosa”. “Tenham vergonha, é o que
um vídeo onde apareciam soldados interino para presidir à transição digo aos dois. Esta grande revolução
egípcios a renderem-se aos seus com- democrática, em articulação com as foi-vos conÆada”, aÆrmou. “A erup-
batentes em Merowe. O Exército egíp- autoridades militares. Até que, em ção desta guerra sem sentido demons-
cio aÆrmou depois que está em con- Outubro de 2021, os militares detive- tra como estes dois homens despre-
tacto com as autoridades sudanesas Colunas de fumo vistas em longo dos 1400 quilómetros de fron- ram o primeiro-ministro e vários polí- zam o povo sudanês”, acusou.
para garantir a segurança das suas Cartum, onde houve confrontos teira que partilha com o Sudão. ticos e tomaram conta do Conselho A activista dos direitos humanos
forças, sem explicar o que faziam os em várias zonas. Estes confrontos acontecem depois Soberano (que já integravam). Dallia Mohamed Abdelmoniem, falou
militares egípcios no Sudão. Vários O general Hemetti a ser de semanas de tensões entre o grupo Nessa altura, o general Bourhan e ao canal de informação em Cartum,
observadores recordaram que as tro- recebido por apoiantes, paramilitar e o Exército sudanês. Na o general Daglo uniram-se contra os fechada em casa com a família. “A
pas sudanesas e egípcias têm realiza- numa fotografia de 2019 quinta-feira, o Exército aÆrmou que dirigentes civis. Bourhan é o presi- nossa casa está a tremer. Só vejo colu-
do exercícios militares conjuntos, em as últimas movimentações das RSF no dente do Conselho Soberano e nas de fumo”, descreveu ao início da
resposta a tensões com a Etiópia.
Ao mesmo tempo, vários países
“Como todos terreno tinham acontecido sem coor-
denação com as autoridades e eram
“Hemetti”, como Daglo é conhecido,
o seu vice-presidente. Mas Hemetti
tarde. “Isto é muito assustador. Eles
chegaram a um ponto de não retorno.
anunciavam a suspensão de voos de os sudaneses, ilegais. Acusando o grupo de estar a acabou por denunciar o golpe de Ontem à noite [sexta-feira] foi-nos
e para o Sudão e a transportadora
estatal da Arábia Saudita disse que
continuo mobilizar paramilitares em várias
cidades, incluindo a capital, referiu-
Estado e pôr-se ao lado dos civis. Des-
de então, “é esta disputa que impede
dito que tinha havido um acordo
entre as RSF e o Exército”, aÆrma.
um dos seus aviões esteve debaixo de abrigado”, disse se a “uma viragem perigosa e históri- qualquer saída para a crise” no país, “Acordar com estes sons faz-nos per-
fogo no aeroporto da capital. O Gover-
no do Chade anunciou o encerramen-
o embaixador ca”, cita o jornal Le Monde.
A escalada chegou ontem, com as
resume o jornal Le Monde.
Os pedidos de um cessar-fogo
ceber que não sabemos o que esperar
a seguir. É entre eles, mas nós [os
to de todos os pontos de passagem ao dos Estados Unidos RSF a dizerem-se “surpreendidas urgente chegaram de inúmeras capi- civis] somos apanhados no meio.”
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 21

Mundo

“É preciso que os EUA parem Líder político


japonês
de incentivar a guerra”, diz Lula retirado após
explosão
preciso que se constitua um grupo Questionado se espera uma reac- No dia anterior, Lula da Silva já
Nelson de Sá
de países dispostos a encontrar um ção negativa norte-americana à reac- tinha dito que queria “elevar o pata-
Presidente brasileiro jeito de fazer a paz. Eu conversei tivação da parceria com Pequim em mar da parceria estratégica” com o Foi ouvida uma forte
sobre isso com os europeus, conver- todos os níveis, não só em relação à Governo chinês e, “em conjunto com explosão quando Fumio
também criticou a UE e deu sei sobre isso com os americanos e guerra, Lula disse que “não há a China, equilibrar a geopolítica
a entender que a guerra Kishida se preparava para
conversei sobre isso ontem.” nenhuma razão para isso”. mundial”.
na Ucrânia interessa tanto “Quem é que não está na guerra “Quando eu vou conversar com os “Temos interesses políticos e discursar no porto de
a Putin como a Zelensky que pode ajudar a acabar com essa EUA, não Æco preocupado com o que temos interesses em construir uma Wakayama
guerra?”, questionou. “Só quem não a China vai pensar da minha conver- nova geopolítica, para que possamos
De saída para o aeroporto, no Ænal está a defender a guerra é que pode sa. Estou conversando sobre os inte- mudar a governação mundial, dando Uma explosão perto do porto nipó-
da sua visita a Pequim, ontem, o Pre- criar uma comissão e discutir o Æm resses soberanos do meu país. Quan- mais representatividade às Nações nico de Wakayama, ontem, obrigou
sidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da dessa guerra.” do venho conversar com a China, Unidas”, aÆrmou, citado pela BBC à retirada do primeiro-ministro japo-
Silva, disse aos jornalistas que “é pre- Lula da Silva não se restringiu ape- também não estou preocupado com Brasil. “Ninguém vai proibir que o nês do local, quando este se prepa-
ciso que os Estados Unidos parem de nas aos EUA e disse que “é preciso a o que os EUA estão pensando. Estou Brasil aprimore sua relação com a rava para começar um discurso, com
incentivar a guerra e comecem a União Europeia ter boa vontade, para conversando sobre os interesses China”, acrescentou ainda. as autoridades a fazerem uma deten-
falar em paz”, para se encaminhar voltarmos a ter paz no mundo”. soberanos do Brasil”, assegurou. Sobre o Ambiente, o chefe de Esta- ção.
um acordo entre a Rússia e a Ucrâ- REUTERS
do brasileiro voltou a questionar os Fumio Kishida estava prestes a dis-
nia. EUA e a Europa. cursar num porto da cidade de
“Eu acho que a China tem um “O mundo industrializado tem de Wakayama, a sul de Osaka, quando
papel muito importante, possivel- cumprir com a sua tarefa. Não é só foi ouvida uma forte explosão. Segun-
mente seja o papel mais importante. oferecer dinheiro para os países do os media japoneses, as autoridades
Agora, outro país importante são os pobres, às vezes dinheiro que não detiveram uma pessoa.
Estados Unidos”, defendeu Lula. aparece. Às vezes há muito discurso Vários meios de comunicação
“Ou seja, é preciso que os EUA de dinheiro e pouco aparece. É pre- social locais, incluindo a agência de
parem de incentivar a guerra e come- ciso que todos, dos mais industria- notícias Kyodo, informaram que um
cem a falar em paz, para convencer- lizados aos menos, tenham a preo- objecto semelhante a uma “bomba
mos [Vladimir] Putin e [Volodymyr] cupação com o cuidado do plane- de fumo” tinha sido atirado. Um polí-
Zelensky que a paz interessa a todo ta.” cia sofreu ferimentos ligeiros.
mundo e a guerra só está interessan- Depois da visita à China, o Presi- As Ælmagens televisivas mostraram
do, por enquanto, aos dois”, acres- dente do Brasil partiu ontem para pessoas a correr, depois o som de
centou. Abu Dhabi, capital dos Emirados uma explosão, seguida de fumo bran-
Quanto à discussão com o Presi- Árabes Unidos. com António Saraiva co. Uma pessoa foi detida no local, no
dente chinês sobre a proposta brasi- Lima porto de pesca de Saikazaki, Wakaya-
leira de criar um “clube da paz”, Lula ma, onde Kishida deveria fazer um
aÆrmou: “Ontem [sexta-feira] discu- Exclusivo PÚBLICO/Folha discurso eleitoral, de acordo com a
timos longamente com Xi Jinping. É Presidente do Brasil encontrou-se com Xi Jinping, em Pequim de S. Paulo emissora pública NHK.
“Eu estava em choque. O meu cora-
ção continua a bater”, disse uma
mulher à NHK. Outra pessoa disse à

Protestos na Tunísia depois da morte estação de televisão que o pânico na


multidão começou mesmo antes da
explosão, depois de alguém dizer que
de futebolista que se imolou pelo fogo viu um dispositivo explosivo a ser ati-
rado.
Kishida tinha acabado de provar
peixe no local e estava prestes a diri-
ral, e já na madrugada de ontem. cado na sua página de Facebook, gia, que o Estado policial saiba que a gir-se à multidão, numa iniciativa de
Sofia Lorena
“Com o nosso sangue e a nossa explicou que tinha feito queixa de um pena será executada hoje.” Dias mais apoio a um candidato do seu Partido
Futebolista e pai de quatro alma vamos sacriÆcar-nos por ti, vendedor que lhe pediu o triplo do tarde, Ælmou-se enquanto denuncia- Liberal Democrático (LDP) na próxi-
Nizar”, gritaram as centenas de pes- preço estipulado pelo Governo por va as injustiças que dizia ter sofrido e ma eleição para a câmara baixa do
filhos, de 35 anos, imolou-se soas que se juntaram diante da casa um quilo de bananas — em Março, pegava fogo à sua roupa. Parlamento.
para protestar contra as de Issaoui, à espera dos seus restos foram anunciados preços Æxos para Quando percebeu que ameaçava “É lamentável que tal incidente
acções da polícia tunisina. mortais. O futebolista, pai de quatro as bananas e maçãs, num país que imolar-se, a polícia tentou intervir. tenha ocorrido no meio de uma cam-
Morreu três dias depois Ælhos, começou por ser internado em enfrenta uma grave crise económica, “Ele acendeu o isqueiro logo depois panha eleitoral, que é a base da demo-
Kairouan, mas foi depois transferido social e política, e onde os preços não de a polícia lançar gás lacrimogéneo”, cracia. Isto é uma atrocidade imper-
Nizar Issaoui, futebolista de 35 anos para um hospital especializado em param de aumentar. disse ao Le Monde Bassem Issaoui, doável”, disse Hiroshi Moriyama,
que subiu das divisões inferiores até queimaduras, nos arredores de Mas a sua queixa, na esquadra, primo e membro de uma associação chefe da estratégia eleitoral do LDP,
representar o US Monastir, da prin- Tunes, onde acabou por morrer. valeu-lhe uma acusação de “terroris- de defesa dos consumidores. à NHK.
cipal Liga ProÆssional Tunisina, Foi a morte do jovem vendedor mo”, contou. Na sua mensagem dizia O caso está a gerar consternação O Japão reforçou os dispositivos de
morreu dias depois se ter imolado ambulante Mohamed Bouazizi, que ter decidido autocondenar-se “à mor- nacional, numa altura em que a situa- segurança após o assassínio em Julho
pelo fogo em protesto contra “o se imolara pelo fogo, a desencadear te pelo fogo”: “Não tenho mais ener- ção de pobreza dos tunisinos conti- do antigo primeiro-ministro Shinzo
Estado policial”, na segunda-feira. a revolução que derrubou a ditadura nua a agravar-se. Mas desde Bouazizi, Abe, morto a tiro enquanto falava
Após os protestos de quinta-feira à de Ben Ali, na Tunísia, a primeira das “Não tenho mais muitos tunisinos têm reagido às diÆ# num evento de campanha eleitoral.
noite, quando a sua morte foi anun- revoltas do que Æcou conhecido como energia, que o culdades e ao desespero com o mes- Este incidente acontece quando o
ciada, os habitantes de Haèouz, a Primavera Árabe, em Janeiro de Estado policial mo gesto. Até 2016, quando um pico Japão acolhe as reuniões ministeriais
sua pequena cidade na província de 2011. saiba que a pena de imolações pelo fogo levou as auto- do G7 no Norte e centro do país este
será executada
Kairouan, voltaram a manifestar-se Como Bouazizi, também Issaoui se hoje”, disse Nizar ridades a deixar de comunicar esta- Æm-de-semana, com a cimeira dos
e envolveram--se em confrontos com queixou de ter sofrido uma injustiça antes de se imolar tísticas oÆciais, escreve o Le Monde, chefes de governo a realizar-se em
a polícia na sexta-feira, dia do fune- às mãos da polícia. Num vídeo publi- havia em média cem casos por ano. Hiroshima, em Maio. Lusa
22 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Mundo

“Não me surpreende que Jack Teixeira


tenha tido acesso a documentos secretos”
MARGARET SMALL/REUTERS
número Ænito de pessoas no
Entrevista Exército. Estamos a falar de uma
tarefa muito sensível em que se olha
Miguel Dantas para as ‘nossas’ pessoas e sistemas.
É preciso existir uma causa. Não
Paul Lushenko Coronel estou tão alarmado com o facto de a
actividade online dele [Jack
americano admite que Teixeira] não ter sido monitorizada
o lusodescendente “tenha porque questiono se havia algum
sido questionado sobre o indício para direccionar recursos
avô, que vive em Portugal” nesse sentido.
Se for considerado culpado,
Jack Teixeira é um dos nomes mais quantos anos pode Æcar na
falados em todo o mundo. O prisão?
lusodescendente de 21 anos é o Não queria especular, mas pode ser
principal suspeito da fuga de um período longo. Está claro no
informação que culminou na formulário que assinámos sobre
divulgação de segredos de Estado manusear informação classiÆcada.
norte-americanos na Internet. EspeciÆca as implicações jurídicas e
Integrava a secção de informática punições de uma partilha de
na divisão de serviços de inteligência.
informação na Base Otis da Guarda É, portanto, praticamente
Nacional Aérea, em Cape Cod, e terá impossível que ele não estivesse
roubado documentos com ciente das consequências?
informações classiÆcadas. Paul Diria que sim. Quando recrutamos
Lushenko, tenente-coronel no pessoas nas Forças Armadas, há um
Exército norte-americano e processo longo e deliberado em que
estudante de doutoramento da explicamos a importância de
Universidade de Cornell, analisa o preservar informações sensíveis,
caso em entrevista ao PÚBLICO. temos ainda formações periódicas.
Um jovem de 21 anos acedeu a questionado sobre o avô, que vive inexperiente tenha um acesso Ele [Jack Teixeira] devia ter tido
documentos classiÆcados dos em Portugal. Tudo para garantir tão privilegiado? noção.
Estados Unidos e publicou-os na que não há vulnerabilidades que Eu graduei-me na Academia Militar O que mudaria ou que política
Internet. Quem tem culpa nesta possam levar alguém a partilhar de Westpoint aos 21 anos. Estava em colocaria em prática para evitar
situação? essa informação classiÆcada. combate a liderar soldados que, na um destes acontecimentos no
O Jack Teixeira violou a lei. Assinou Um processo de veriÆcação… maior parte dos casos, eram mais Não estou tão futuro?
um acordo de conÆdencialidade — Sim. E não é uma coisa que se faça velhos do que eu. Acho que não nos Essa é provavelmente a pergunta
como todos fazemos nas forças uma única vez, mas sim uma devemos concentrar na idade, mas
alarmado com para o milhão de dólares. Não
armadas quando nos dão o avaliação contínua. Se nos derem sim na percepção das habilidades e o facto de a queria especular muito sobre o que
privilégio e a conÆança de ter acesso
a informação classiÆcada. Olhando
uma autorização destas no Exército,
somos investigados a cada cinco
especialidade militar que ele tinha.
É o que é tido em conta para
actividade online aconteceu ou não nessa base, mas
digo-lhe que investiria na
só para os precedentes jurídicos, ele anos. Por isso, gostamos de conceder acesso à informação dele [ Jack consciencialização sobre mudanças
é o culpado. acreditar que identiÆcamos classiÆcada. Não conhecendo todos de personalidade e actividades dos
Mas, para esta informação ser potenciais vulnerabilidades de os factos e circunstâncias do seu
Teixeira] não ter colegas. Podemos ver se a pessoa à
recolhida e publicada na incentivos, predisposições, recrutamento, ele estava num sido monitorizada nossa esquerda ou direita está a
Internet sem qualquer chantagem ou conÇitos de interesse trabalho sensível de fazer a coisa certa, que os soldados
conhecimento dos serviços de que levassem alguém a partilhar cibersegurança, que requer o
porque questiono percebam o que está a acontecer ao
informação, não sente que há esta informação. É um processo acesso a informação classiÆcada, se havia algum seu redor.
uma falha institucional? rigoroso, mas, dito isto, acredito devido aos sistemas usados e Os contornos do caso não
É uma pergunta desaÆante e que nunca podemos impedir a operações conduzidas. Não me
indício para parecem demonstrar o
complexa. Infelizmente, sinto que 100% que algo assim possa surpreende que o jovem tenha tido direccionar comportamento de um
não lhe sei responder a isso, mas acontecer. E vimos isso várias vezes, acesso a documentos secretos. denunciante tradicional, com
posso explicar-lhe o que acontece com Edward Snowden, Julian É normal que as actividades
recursos nesse Jack Teixeira a ser acusado de
[nestes casos]. Quando entra no Assange, Bradley Manning e agora digitais das pessoas com acesso sentido traição. É essa a visão do
Exército — neste caso, o jovem com este jovem da Força Aérea. a informação classiÆcada sejam Exército?
integrou forças de cibersegurança O que se segue? monitorizadas?
Jack Teixeira Factualmente, o que ele fez foi
na Força Aérea —, mediante a sua O que está a acontecer agora é uma Estamos a falar de violou a lei. espionagem e traição. Revelou
especialidade, é dado acesso a investigação do Departamento da contra-inteligência, e não lhe segredos nacionais com implicações
vários graus de informação: pode ir Defesa bem como da Força Aérea consigo dizer se é normal que os
Olhando só para em vários ramos, desde a política
de “secreta” até “ultra-secreta”. para determinar os factos e militares tenham a sua actividade os precedentes com parceiros internacionais,
Como é decidido esse acesso? circunstância da divulgação desta digital monitorizada. O que posso diplomacias e planos na Ucrânia. É
Tem por base uma avaliação informação. Neste caso, acho que dizer é que isso poderia acontecer
jurídicos, ele preciso perceber a dimensão do
rigorosa. É um olhar introspectivo vão ser identiÆcadas as se existisse fundamento que é o culpado (...) Departamento da Defesa: apesar de
que olha para o nosso estilo de vida, vulnerabilidades exploradas na sua justiÆcasse uma revisão do estilo de tomarmos medidas para
viagens internacionais, relações área para retirar os documentos [da vida de alguém. Se existisse algum
Factualmente, salvaguardar esta informação,
com variadas pessoas — base]. sinal de alerta, por exemplo, ou o que ele fez coisas como estas podem acontecer.
potencialmente no estrangeiro —, O Jack Teixeira tem 21 anos, é uma denúncia por parte dos colegas Acho que estamos a fazer um bom
mesmo na nossa própria família. É militar há poucos anos. É de ameaça interna. Por outro lado, é
foi espionagem trabalho, com uma abordagem
provável que tenha sido comum que alguém tão preciso perceber que há um e traição pragmática para reduzir o risco.
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 23

Novo Regime do Arrendamento Urbano Economia

Inquilinos terão 30 dias para entregar


casas após decisão de despejo
O Governo quer alterar as regras dos despejos e deÄnir que, quando houver decisão favorável
ao senhorio, o inquilino passe a ter 30 dias para deixar a casa. Hoje, não está previsto qualquer prazo
PATRÍCIA MARTINS
determinar a aprovação do requeri-
Rafaela Burd Relvas
mento de despejo, o inquilino tem de
Os inquilinos que sejam despejados entregar o imóvel no prazo de 30
vão passar a ter um prazo de 30 dias dias, ao mesmo tempo que esta deci-
para deixarem as habitações a partir são judicial vale “como autorização
do momento em que o requerimento de entrada imediata no domicílio”.
de despejo apresentado pelo senho- Actualmente, não há qualquer deÆ#
rio seja aprovado. A novidade consta nição legal para o momento em que
das alterações que o Governo propõe os inquilinos devem deixar as casas,
fazer ao Novo Regime do Arrenda- estando apenas deÆnido que senho-
mento Urbano (NRAU), que prevêem, rio e inquilino acordam um prazo. A
ainda, que a Ægura do despejo passe proposta ressalva, ainda assim, que
a ter um carácter de “urgência”. “as partes podem livremente acordar
De acordo com as regras estabele- prazo diferente” do deÆnido por lei.
cidas no NRAU, a legislação actual- É ainda deÆnido um novo prazo
mente em vigor que regula o arren- para que, uma vez decretado o des-
damento, o procedimento especial de pejo, o inquilino retire os seus bens
despejo é a ferramenta a que os da casa. “O agente de execução ou o
senhorios podem recorrer para fazer notário notiÆca o arrendatário para,
cessar os contratos de arrendamento, no prazo de 15 dias após a tomada da
apresentando, para isso, um requeri- posse do imóvel, remover todos os
mento de despejo junto do Balcão seus bens móveis, sob pena de estes
Nacional do Arrendamento (que será serem considerados abandonados”,
renomeado para Balcão do Arrenda- pode ler-se na proposta de lei. Actual-
tário e do Senhorio ou BAS). mente, este prazo é de 30 dias. Se não
É este procedimento que o Gover- conseguir notiÆcar o inquilino, o
no agora propõe ajustar com várias agente de execução ou o notário pode
alterações, uma pretensão que já aÆxar esta notiÆcação na porta do
tinha sido manifestada aquando da Governo entregou no Parlamento alterações ao Novo Regime do Arrendamento Urbano imóvel, uma possibilidade que não
apresentação do Mais Habitação, está prevista na versão actualmente
pacote legislativo lançado para dar ao procedimento especial de despejo, rendas em dívida, será proferida uma casa torna-se mais automatizada, eli- em vigor da legislação.
resposta à crise habitacional. No mês ao contrário do que acontece hoje. decisão judicial para “entrada imedia- minando-se um passo judicial. Por Æm, a proposta deÆne: “O pro-
passado, quando este pacote foi colo- Apresentado o requerimento de ta no domicílio”. Uma vez apresentada oposição, o cedimento especial de despejo tem
cado em consulta pública, já tinha despejo no BAS, este organismo noti- Esta é uma mudança de detalhe, BAS tem de a notiÆcar ao senhorio, natureza urgente.” O diploma cria
Æcado claro que a intenção do execu- Æca “imediatamente” o inquilino, que mas que terá efeitos práticos: hoje, que terá dez dias para recorrer a um também uma salvaguarda para os
tivo era simpliÆcar o recurso ao des- tem 15 dias para, caso queira, se opor aquilo que é indicado ao inquilino é tribunal. Se assim o Æzer, a audiência inquilinos, passando a prever que,
pejo por parte dos senhorios, criando ao despejo (este prazo não é altera- que, nos casos acima descritos, será de julgamento será realizada no prazo uma vez apresentado um requeri-
algumas protecções para inquilinos. do). Na notiÆcação feita ao inquilino, proferida uma decisão judicial para de 20 dias a contar da distribuição ou mento de despejo, um juiz será cha-
Agora, já terminada a consulta o BAS passará a indicar que, se este “desocupação do locado”, que agora da conclusão dos autos. mado a pronunciar-se, independen-
pública e depois de terem sido entre- não desocupar a casa, não se opuser muda para a tal “entrada imediata no Por Æm, se a oposição do inquilino temente de o inquilino apresentar, ou
gues ao Governo dezenas de contri- dentro do prazo legal ou não pagar as domicílio”. Assim, a desocupação da for rejeitada em tribunal e a sentença não, oposição.
butos sobre as medidas em cima da
mesa, a proposta de lei Ænal já chegou
à Assembleia da República (AR) e será
discutida e votada em breve. É neste Incumprimento
documento — que, no âmbito da dis-
cussão no Parlamento, ainda poderá
vir a ser alterado — que surgem os
Estado paga até 1140 euros/mês a senhorios com rendas em dívida
detalhes das alterações ao procedi-
mento especial de despejo, nomea-
damente quanto aos novos prazos Os senhorios vão passar a contar global de nove vezes o salário míni- O pagamento será transferido para e como limite total o corresponden-
que passarão a vigorar. com uma protecção adicional nos mo (ou seja, 6840 euros em 2023). a conta bancária identiÆcada pelos te a nove vezes a retribuição mínima
São várias as alterações propostas. casos de incumprimento de renda, De acordo com a legislação actual- senhorios no requerimento de des- mensal garantida, ou seja: um máxi-
Desde logo, nos casos de incumpri- através de uma garantia estatal. Ao mente em vigor, os senhorios podem pejo entregue no Balcão Nacional do mo de 1140 euros por mês, até um
mento do pagamento da renda, passa Æm de três meses de falta de paga- apresentar requerimentos de despe- Arrendamento (que será renomeado limite total de 6840 euros.
a ser “admissível o recurso ao proce- mento das rendas, e quando tiver jo ao Æm de três meses de incumpri- para Balcão do Arrendatário e do Já os inquilinos passarão a lidar
dimento especial de despejo quando sido iniciado o processo de cessação mento, por parte do inquilino. Senhorio), no prazo de cinco dias directamente com o Estado, que
se tenha frustrado a comunicação ao do contrato de arrendamento, o Depois de notiÆcados desse requeri- após o Æm do prazo de oposição. assume a Ægura de senhorio. Nos
arrendatário”. Ou seja, mesmo quan- Estado vai assumir o pagamento do mento, os inquilinos têm 15 dias para Mas haverá limites ao valor a rece- casos em que se prove que os inqui-
do o senhorio não for bem-sucedido montante em falta. Com uma ressal- se oporem ao despejo. O que o ber pelos senhorios. Em concreto, o linos são incapazes de pagar a renda
na tentativa de notiÆcar o inquilino va: só pagará rendas que correspon- Governo agora propõe é que o Esta- pagamento da dívida por parte do por falta de meios, serão apoiados
da cessação do contrato de arrenda- dam a até 1,5 vezes o salário mínimo do passe a assumir “o pagamento das Estado terá como valor máximo pelo Estado, mas os termos desse
mento por falta de pagamento de — o que, em 2023, equivale a 1140 rendas que se vençam após o termo mensal o equivalente a 1,5 vezes a apoio ainda estão por deÆnir. Rafae-
renda, poderá, ainda assim, recorrer euros — e num montante máximo do prazo da oposição”. retribuição mínima mensal garantida la Burd Relvas
24 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Economia

“Esperamos conquistar
Portugal apenas
sendo nós próprios”
Luca Napolitano O relançamento da Lancia foi anunciado em
cinco mercados. O CEO da marca explica que a justiÄcação
para acrescentar Portugal é a ligação do país ao emblema
prioridades do nosso plano completar a renovação da rede
Entrevista estratégico para dez anos (...), italiana. Há uma ligeira redução
mas se tivermos dinheiro para da cobertura, por isso vamos
isso e se pensamos que é a seleccionar um número de
Carla B. Ribeiro
ferramenta certa para alavancar concessionários em Itália e vamos
Portugal vai ser um dos mercados a marca, porque não?”. trabalhar com eles. Hoje,
onde a Lancia vai renascer, depois A nova aventura europeia foi ocupamos um canto [nos
de uma ausência de seis anos. anunciada com cinco mercados, concessionários] da Fiat, no
Numa entrevista exclusiva ao Alemanha, Bélgica, Espanha, futuro, não queremos ser um
PÚBLICO, o presidente da marca França e Países Baixos. Agora, canto de ninguém. Assim,
centenária italiana, com um forte um país-surpresa: Portugal. desenvolvemos o nosso showroom
legado no desporto motorizado, Porquê estes mercados? com o nosso próprio vendedor. E
nomeadamente com sete vitórias Escolhemos os mercados de é o que vamos fazer fora de Itália.
no Rali de Portugal, explica que o acordo com três indicadores: Acreditamos Ærmemente no valor
mercado nacional se aÆgurou primeiro, haver apaixonados pela da rede.
atractivo para o arranque por abordagem italiana; depois, a Por outro lado, temos de
duas razões: a ligação apaixonada relevância do mundo digital, compreender que existe um novo
dos portugueses à marca e o porque acreditamos Ærmemente canal cada vez mais importante,
crescimento da electriÆcação que este será um canal de vendas que é o digital. Há muitas pessoas
( Janeiro deste ano foi o melhor importante no futuro próximo; e, que querem ir aos concessionários
mês de sempre para os BEV, com por Æm, tinham de ser mercados apenas uma vez, não duas ou três.
2258 ligeiros de passageiros e 165 onde o segmento B premium tem Assim, pode-se iniciar o processo tempo. Precisamente o oposto. A Não sei. Dentro do nosso plano
ligeiros de mercadorias expressão. Quando combinámos de compra a partir do sofá, no Lancia tem de fazer as coisas estratégico de dez anos,
matriculados). estes três elementos, decidimos café com os amigos, enquanto bem-feitas, com um passo de cada estabelecemos prioridades.
Mas a Lancia que aí vem não lançar na Alemanha, Bélgica, toma uma bebida, e terminar no vez. Somos muito ambiciosos, mas Assim, a prioridade número um
será a mesma que partiu em 2014 Espanha, França e Países Baixos. concessionário, porque talvez ao mesmo tempo humildes. Essa é é a Itália; a prioridade número
e que, desde então, manteve E, agora, Portugal. Quisemos tenha de entregar o carro usado. a razão por termos uma cadência dois é a Alemanha, França,
actividade apenas em Itália com juntar Portugal por duas razões: Os números mostram que o online muito clara de lançamentos: um Espanha, Países Baixos, Bélgica e
um só modelo. O futuro da marca, primeiro, porque o país está muito está a crescer: fechámos 2022 com produto a cada dois anos para nos Portugal; a prioridade número
explica Luca Napolitano, passa orientado para a electriÆcação — é 10% das nossas vendas por esse dar tempo para fazer as coisas três é percorrer os restantes
por se aÆrmar no segmento um mercado onde a electriÆcação canal. Isto é algo que já está a bem-feitas. O mesmo se passa com mercados europeus, o que
premium europeu, através da está a crescer substancialmente, o acontecer, comprei ontem uns os mercados em que queremos poderá acontecer com o segundo
elegância e da credibilidade — que se conÆgura uma sapatos online. E não seria entrar. modelo, em 2026, que é um
desaÆos que não menospreza, oportunidade. E também olhámos inteligente não olhar para isto A ideia é crescer na Europa. E grande SUV, que nos vai fazer
mas que avalia serem realizáveis. para a ligação do país à Lancia, como uma oportunidade, fora da Europa julga haver entrar no segmento com o mais
Para tal, aponta que o trabalho sobretudo através do desporto sobretudo quando a Lancia, fora espaço para uma marca como a rápido crescimento da Europa.
começou já há dois anos e avança motorizado. de Itália, não terá assim tantos Lancia? Em 2028, completamos a gama.
que a aÆrmação da Lancia será Quais são as expectativas no espaços físicos. Ou seja, nos próximos anos, não
feita aos poucos, com ambição, mercado português? Estava a falar do investimento há qualquer referência a
mas humildade: “A Lancia tem de Esperamos conquistar clientes em que tem de ser feito neste mercados fora da Europa.
fazer as coisas bem-feitas.” Portugal apenas sendo nós renascimento. Do que estamos a Qual o papel da Lancia dentro
Nos planos, está ainda a aposta próprios: queremos ser a marca falar? do grupo Stellantis?
nos canais digitais, não dos belos automóveis italianos que Em termos de concessionários, Indo ao ponto em que tudo
considerando que isso retirará alavancam a electriÆcação. Ao estabeleceremos uma rede de 180 começou, quando nasceu a
importância aos espaços físicos mesmo tempo, não precisamos de pontos. É claro que a cobertura Stellantis e conheci pela primeira
dos concessionários. Mas estar presentes em muitos em Itália é de extrema Existe um novo vez Carlos Tavares, foi-me
sublinha: “Os números mostram
que o online está a crescer (...),
concessionários; o que precisamos
é de concessionários apaixonados:
importância, dado o ponto de
partida e a ambição. Fora,
canal cada vez pedido que liderasse o emblema
com uma missão muito clara:
isto é algo que já está a acontecer. vai haver um em Lisboa e outro no seleccionámos, nos cinco outros mais importante tornar a Lancia uma marca
E não seria inteligente não olhar
para isto como uma
Porto.
As vendas online vão acabar por
mercados, 70 cidades para
estarmos presentes.
que é o digital. Há premium, credível e respeitada,
começando por Itália e depois
oportunidade.” substituir os concessionários? E quanto ao resto da Europa? muitas pessoas levando-a para o resto da
Numa conversa em que
descreve os planos da Lancia,
Não, o concessionário não vai
perder importância. Na verdade,
Não é suposto a Lancia fazer tudo
ao mesmo tempo. Não é suposto
que querem ir aos Europa. Essa é a razão pela qual
a Lancia foi incluída no grupo
Napolitano deixa ainda uma será o contrário. Estamos penetrarmos todos os segmentos, concessionários premium. E é esse o nosso papel,
ideia de esperança para quem
anseia ver a marca de volta ao
exactamente no início desta
semana [primeira de Abril] a
satisfazer todos os clientes alvo
nem entrar nos mais de 20
apenas uma vez, melhorar a oferta deste
segmento na Europa,
desporto. “Não está nas iniciar o investimento para mercados europeus ao mesmo não duas ou três trabalhando com a Alfa Romeo e
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 25

Circulação Condicionada | A29

DR
Na A29, de 20 a 30 de abril, no Nó de Esmoriz, Nó do
combinação de “puro” e “radical”. Freixo (A20) e Nó do Hospital, das 21h às 07h, realizaremos
Queríamos olhar para o passado trabalhos de beneficiação do pavimento, que implicarão alguns
como uma inspiração, mas condicionamentos de tráfego nas seguintes vias de acesso:
interpretá-lo de forma
progressiva. Em resumo, Datas: Vias Afetadas:
queremos combinar a elegância, a
pureza, as linhas suaves do Nó de Esmoriz
Flaminia, destes belos carros dos - Saída da A29 para Esmoriz, no sentido de Aveiro
anos 60 que representavam la - Entrada na A29 para Aveiro
dolce vita italiana, à radicalidade, a
ousadia dos músculos do 037
Nó do Freixo (A20)
Stratos Delta.
- Acesso da A20 para A29, Sentido Canelas /
Durante muitos anos, a Lancia De 20 a 30 de abril Espinho
foi uma marca de um só modelo
num único mercado. Mas as
vendas eram expressivas, o que Nó do Hospital
não era alheio ao preço. Agora, - Acesso da A29 para Hospital, sentido Freixo/
que entra num mercado Arcozelo
- Acesso Hospital para A29, sentido Freixo/
premium, há o risco de perder
Arcozelo
mercado em Itália?
O Ypsilon, não obstante o facto de
ter tido um ciclo de vida longo, é Os condicionamentos e desvios estarão
ainda hoje o líder do segmento B devidamente sinalizados nos locais.
em Itália e o carro mais vendido
no país a seguir ao Fiat Panda. O Para mais informações consulte regularmente o
sucesso de vendas pode ser site Ascendi utilizando o código QR ao lado, aceda
apontado ao preço, o que é a www.ascendi.pt ou ligue 229 767 767 (24H).
parcialmente verdade. Mas não Ascendi Costa Prata, Auto Estradas da Costa Prata, S.A.
acredito que vá perder quota de
mercado; quero, aliás, ganhar —
até porque passamos de um carro
para uma gama de três modelos;
passamos de uma motorização
mild-hybrid para grupos
propulsores mais relevantes, quer Universidade Nova de Lisboa
full-hybrid, quer 100% eléctricos.
Ou seja, aumentamos a oferta de Instituto de Tecnologia Química e Biológica
modelos, de mecânicas, ao
mesmo tempo que iremos apoiar
António Xavier (ITQB NOVA)
uma profunda transformação em
termos de redes, de pontos de Aviso (extrato)
a DS e tirar o melhor partido das Por causa da bela história e do venda, de percurso do cliente, de
sinergias do grupo, em termos de belo património, estamos modelo de distribuição, de atitude Ref.ª 005/TRC-TS/GI/2023
plataformas, electriÆcação, e ao profundamente ligados ao nosso e de apoio das vendas digitais. O Instituto de Tecnologia Química e Biológica António
mesmo tempo focarmo-nos no passado, mas também estamos a Portanto, o ecossistema completo Xavier da Universidade Nova de Lisboa (ITQB NOVA)
nosso cliente alvo. olhar para o futuro com ambição. que estamos a desenvolver neste
Fala na importância de ser uma Ou seja, acreditamos que a Lancia
pretende recrutar, em regime de contrato de trabalho
novo ambiente premium vai
marca premium credível. é uma das poucas marcas no permitir-nos crescer. a termo resolutivo certo, um Técnico Superior,
É um enorme desaÆo. Não temos, mercado que pode atrair, de facto, O início de vida da Lancia não Ref.ª 005/TRC-TS/GI/2023, para desempenhar funções de
naturalmente, a credibilidade no um cliente muito peculiar: pessoas será, então, apenas eléctrico Gestor de Inovação na InnOValley - Unidade de Inovação
mercado premium italiano, nem que vivem nas grandes cidades da como chegou a ser falado após a partilhada entre o Instituto de Tecnologia Química e
fora de Itália, de onde temos Europa, nas grandes áreas revelação do Ypsilon? Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa
estado ausentes. Hoje, a Lancia é metropolitanas, que querem dar O nosso cliente-alvo é a pessoa (ITQB NOVA) e a Fundação Calouste Gulbenkian/Instituto
uma marca de um só modelo, um passo em frente, estar na que quer viver com um grande Gulbenkian de Ciência (IGC), no âmbito do Eixo Inovação
presente num único mercado. E dianteira da mudança, pessoas sentido de responsabilidade, por
da Estratégia de Oeiras para Ciência e Tecnologia.
tornarmo-nos credíveis no que vivem com um grande sentido isso não temos receio de arriscar
mercado premium europeu de responsabilidade. Queremos numa arrojada e agressiva Local de trabalho: Instituto de Tecnologia Química e
encerra mais do que um desaÆo. ser a marca de eleição da próxima estratégia de electriÆcação. Biológica António Xavier, Oeiras.
Isso representou um trabalho geração de clientes premium. Acreditamos que a Lancia é uma
intenso nos últimos anos, antes do O design é uma faceta muito marca que fará a transição sem As candidaturas deverão ser formalizadas através de
lançamento do primeiro modelo, importante para a Lancia. Quais problemas. Mas queríamos correio eletrónico para concursos@itqb.unl.pt, contendo
que acontecerá no início de 2024, os aspectos que podem fazer a começar com um novo Ypsilon toda a documentação exigida, num único ficheiro pdf,
para desenvolver o nosso novo diferença? electriÆcado, o que signiÆca um indicando a respetiva referência.
posicionamento. Mas acredito que O design foi muito importante no híbrido e um eléctrico a bateria.
a Lancia, dentro do portefólio nosso passado e será muito Isto porque encaramos a nossa Mais informações disponíveis na página do ITQB NOVA
Stellantis, é aquela que tem o importante no nosso futuro, e esta abordagem com ambição, mas em: http://www.itqb.unl.pt/jobs.
maior desaÆo ao ter de se é a razão pela qual decidimos também com pragmatismo, o que
reposicionar como marca. saltar de cabeça. Jean-Pierre carecia de uma versão híbrida.
Oeiras, 14 de abril de 2023
Que valores quer associar à Ploué, que é chefe de design na Mas, a partir de 2026, apenas O Diretor do ITQB NOVA
marca? Stelantis, propôs tomar conta lançaremos modelos novos Professor Doutor Cláudio M. Soares
Esta é a marca da elegância pessoalmente da Lancia. O que eléctricos, o que signiÆca que o
italiana, com mais de um século aceitámos, com uma condição: segundo modelo já não terá
de uma bonita história, em que que fosse viver para Itália. E ele, mecânica híbrida, e, a partir de
sempre houve inovação um apaixonado pelos automóveis 2028, dependendo do EDIFÍCIO DIOGO CÃO CENTRO COMERCIAL COLOMBO
DOCA DE ALCÂNTARA NORTE, LISBOA AVENIDA DAS ÍNDIAS
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26 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Cultura Artista pop acusado de se apropriar de trabalhos alheios nas suas obras
DR

Roy Lichtenstein criou arte ou copiou-a?


Um documentário ressuscita a polémica
“É roubo”, diz Hy Eisman no documentário Whaam! Blam! Roy Lichtenstein and the Art of Appropriation.
Aos 96 anos, sente que o famoso ícone da Pop Art se apropriou injustamente do seu trabalho
deram que o uso de BD por Lichtens- balho não foi creditado por Roy palavras desenhadas de forma a cau- Donald estão juntos a pescar num
Michael Cavna
tein foi uma apropriação recta. Mas Lichtenstein, alguns dos quais viviam sar um efeito de estrondo e pontos cais, para criar a sua obra Look Mickey.
Hy Eisman senta-se em frente ao seu Hy Eisman, que tem agora 96 anos e com muitas diÆculdades Ænanceiras Ben-Day. À medida que o movimento De acordo com a National Gallery of
estirador, tal como tem feito nas últi- vive em Nova Jersey, considera ao The enquanto os quadros de Lichtenstein da Pop Art recontextualizava objec- Art, onde este quadro está exposto,
mas sete décadas. Recorda ter dese- Washington Post por email: “Eu diria eram vendidos em leilões atingindo tos como as latas de Sopa Campbell’s Look Mickey representa “a primeira
nhadouma vinheta de banda dese- que se trata de roubo.” Este artista valores com oito dígitos. de Andy Warhol, também se voltou vez que Lichtenstein transpôs direc-
nhada numa página que lhe rendeu tem esperança de que quem assista Whaam! Blam! leva tempo a contar para a BD, onde foi buscar material, tamente para uma obra sua uma cena
10 dólares nos anos 1960. Diz que esta ao documentário Whaam! Blam! Roy a história de Roy Lichtenstein, o pin- caso da personagem Dick Tracy. e um estilo de uma fonte da cultura
sua criação inspirou o artista pop Roy Lichtenstein and the Art of Appropria- tor lânguido e relativamente pouco Roy Lichtenstein, conta a lenda, popular, retirada do livro infantil de
Lichtenstein, que se tornou rico e tion note a imparcialidade, já que o conhecido nos anos 1950 e que a par- inspirou-se num livro infantil da Walt 1960 Donald Duck: Lost and Found”.
famoso apropriando-se de bandas Ælme quis mostrar os dois lados da tir do início dos anos 1960 se lançou Disney, em que o Rato Mickey e o Pato Lichtenstein terá criado centenas
desenhadas (BD) de outros sem lhes questão com o objectivo de levar “os no panteão pop ao pintar quadros de de quadros com imagens apropriadas
dar crédito, usando um projector espectadores a decidirem por si pró- grandes dimensões com linhas ousa- de livros de banda desenhada, segun-
para criar os seus quadros de grandes prios” e a “não deixar isso nas mãos das, cores saturadas e elementos All American Men of War #89, do as pessoas citadas neste Ælme. A
dimensões e muito valorizados no dos supostos especialistas”. gráÆcos salpicados de banda dese- original de Russ Heath, e Blam!, totalidade da sua obra é variada e
mercado de arte. “Se te aproprias do Em 2015, o cineasta e fã da Pop Art nhada de aventura e romance, de Roy Lichtenstein, ambos de composta por milhares de peças,
trabalho de alguém e o amplias, qual- James Hussey começou a encontrar- incluindo balões de diálogos de BD, 1962; em baixo, Hy Eisman incluindo esculturas e desenhos. Foi
quer um pode fazê-lo”, diz Eisman, e se com peritos na obra de Roy HUSSEY-COTTON FILMS
atraído por vinhetas de banda dese-
recorda que “trabalhou como um cão Lichtenstein e com curadores, e tam- nhada em obras de arte como Kiss III,
naquela página estúpida”. Baixa o bém com artistas de banda desenha- que pintou em 1962, no mesmo ano
olhar e com a voz um pouco arrastada da cujo trabalho tinha sido utilizado em que realizou a sua primeira expo-
reconhece: “Seria bom ser reconhe- pelo artista norte-americano. Havia sição individual na famosa Galeria
cido por isso.” um sentido de missão em tentar Leo Castelli em Nova Iorque. Para
Esta é uma das cenas do documen- “preencher uma lacuna” na biograÆa criar essas obras, conta-se que cortou
tário que regressa à polémica que tem de Lichtenstein e é isso que guia este páginas de BD e ampliou cuidadosa-
fervido em lume brando pelo menos documentário de James Hussey, dis- mente essas imagens.
desde 1963. Logo no início do Ælme, ponível desde o mês passado através No Ælme, o curador, crítico e pro-
intitulado Whaam! Blam! Roy Lichtens- de streaming em alguns países. fessor Charles Riley II relata que
tein and the Art of Appropriation, sur- No circuito dos festivais, aÆrma quando Leo Castelli descobriu a Pop
ge a questão: “Foi Roy Lichtenstein James Hussey, os espectadores têm-se Art de Roy Lichtenstein aÆrmou: “O
um grande artista?... Um ladrão? Ou identiÆcado com o lado humano do lado artístico disto é que não se trata
ambos???” Ælme que quis mostrar quem são estes apenas de um aumento de uma ima-
Muitos especialistas em arte consi- artistas de banda desenhada cujo tra- gem de banda desenhada ou de uma
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 27

Cultura

declaração política. É arte.” Castelli


percebeu que o que Lichtenstein
“estava a trazer-nos ia ter um valor
Tivemos tudo o que é preciso: Bill Callahan,
permanente na história da arte”,
observa Riley.
uma banda magnífica e canções
O processo é uma questão essencial
porque está no centro do debate: a
Pop Art de Lichtenstein foi transfor- carregamos no peito pela vida fora. ouvimos canções de tempos recentes, marca registada Muscle Shoals — mais
madora? A opinião geral no mundo Crítica de Música Começámos por Reality, literal- como o Cowboy sonhado de um velho à frente, passaríamos também, na
das belas-artes há muito que é aÆrma- mente. Depois de First bird chegou Ælme, ele que só precisa de “whisky, colheita Smog, por Keep some steady
tiva. “Lichtenstein começava por Bill Callahan Everyway, a segunda canção do water, tortillas and beans” e “some friends around, de Rain on Lens.
fazer um esboço a partir de material álbum, guitarra slide atmosférica a loving” quando chega à cidade (é de Bill Callahan, que não precisa de
que incluía banda desenhada, anún- amparar os já célebres versos des- 2020, de Gold Record); como a desse mais que a voz para dar vida às can-
cios ou outro material impresso mmmmn concertantes (“I feel something pungente, humano, demasiado ções, há-de ensaiar leve menear de
encontrado em bens de consumo e Lisboa, Teatro Tivoli BBVA
coming on/ a disease or a song), e, humano, conto feito canção, um anca a meio do concerto, aproveitan-
objectos de uso doméstico”, lê-se no Sexta-feira, 14 de Abril, 21h15
depois de Everyway, ouviu-se Bowe- velho casal a lidar com uma perda do o balanço da banda, há-de repetir
site da National Gallery of Art, que Sala cheia
vil, terceira canção do concerto, ter- irreparável, e o jovem vizinho que, o gesto na despedida, já no encore, em
também explica que o artista plástico ceira canção de Reality, a do escara- inadvertidamente, participa no luto Natural information, a canção para
alterava essa composição com “Æna- Ainda se ouvia nas colunas do Tivoli, velho que trouxe a família do Texas, (The Mackenzies, também de Gold pôr as pessoas a dançar no regresso
lidades narrativas e formais”. em Lisboa, a voz de Carly Simon em cantada com a intensidade do boogie Record); como a do homem em fuga à vida, depois do conÆnamento, que
O próprio Lichtenstein reivindicou Haven’t got time for the pain, “haven’t minimal de Bo Diddley, voz sempre por um mundo hostil, vagueando gravou para Reality — será o melhor
uma particularidade neste seu pro- the need for the pain, not since I’ve serena, batida insistente, sax ende- pelo Sul mítico, cowboys e apostado- rhythm’n’blues para pôr a dançar
cesso, citado pela revista de arte da known you”, cantava ela, e o público moninhado. Um grande arranque. res, o homem de Hit the ground run- tímidos que não sabem dançar, e até
Tate: “Estou nominalmente a copiar, a irromper em aplausos e já não era Reality apresentado. ning, registada em Knock knock, Jim White se bamboleia no banco da
mas na realidade estou a reaÆrmar a Carly Simon que cantava directamen- Ou melhor, este Reality, interpreta- quando Callahan ainda assinava bateria e o saxofone entusiasma-se o
coisa copiada noutros termos. Ao te dos anos 1970, era a esgotada sala do por esta banda — White, Kinsey e Smog, e que ganha em palco balanço suÆciente para desenhar melodias
fazer isso, o original adquire uma tex- lisboeta a acolher os quatro músicos Smith participaram na gravação do pujante, um groove Southern rock de que parecem saídas de clube highlife
tura completamente diferente.” que surgiam em palco, circunspectos, álbum, mas as canções ganham, nes- no Gana. Despedida festiva, digamos,
Actualmente, muitos anos depois indiferentes aos aplausos. Banda em ta formação em quarteto, formas sem excessos e sem euforia, com a
da morte de Roy Lichtenstein em 1997, digressão, ou melhor, banda em início diferentes, parecendo vogar ao sabor Compositor medida certa e justa para com aquilo
os correios dos EUA lançaram uma de digressão a aÆnar guitarras, voca- do momento, avançando até Bill e intérprete de que as canções sugerem, com o
colecção de selos comemorativos do lista a olhar para o baterista, saxofo- Callahan, à Dylan, ou seja, pouco ambiente a que nos transportam.
centenário do seu nascimento; e esse nista à espera do sinal. (Lisboa mar- preocupado em esconder o gesto, se excepção, ofereceu Do início ao Æm, a banda a mos-
lançamento será celebrado no dia 24 cou o início da viagem europeia de virar para trás e dar indicação ao bate- a sua música, o seu trar-se magistral na forma como dava
de Abril numa cerimónia no Whitney Reality, o álbum de 2022 de Bill Calla- rista para encerrar a canção. cor e dimensão a cada canção — o
Museum of American Art. Entretanto, han, que ontem à noite o apresentou Ao longo de hora e meia, público imaginário, ao crescendo até nebulosa pós-rock de
os seus quadros representando ima- no Theatro Circo, em Braga) seguindo atentamente, silenciosa- universo sonoro Planets, a última antes do encore, o
gens de BD alcançaram quantias recor- Com o palco iluminado com uma mente, cada canção antes dos reve- saxofone que, aqui e ali, cobre o som
de em leilões — incluindo uma venda sábia simplicidade, tudo concentrado rentes e entusiásticos aplausos Ænais, criado pela banda de um rumor cru, equivalente sono-
privada no valor de 165 milhões de nos quatro músicos em palco e num MARIA ABRANCHES
ro ao grão de imagem antiga, o bate-
dólares em 2017 para o quadro Mas- discreto sublinhar do ambiente das rista que parece procurar em tempo
terpiece, de 1962. No documentário, o canções, o homem no centro aproxi- real aquilo que a canção pede em
veterano da indústria de leilões David ma do microfone a sua ponderada cada momento do concerto (e encon-
Norman aÆrma que, se se reunissem voz de barítono. “And we’re coming trava sempre).
todas as obras de Roy Lichtenstein, out of dreams/ as we’re coming back to Bill Callahan, hoje uma Ægura maior
atingiriam um valor global de vários dreams”, canta Bill Callahan. da música americana, acrescentando
milhares de milhões de dólares. Era First bird, a primeira canção de o seu tom e o seu verbo a uma vasta
No outro lado da moeda desta his- Reality, álbum de regresso ao mundo linhagem, conta histórias, exorciza
tória está Russ Heath, que morreu em pós-pandemia, álbum para pôr as sentimentos, oferece-nos canções.
2018 com 91 anos de idade. Aos 80 pessoas a dançar, ambicionou ele, e Não precisa de aparato cénico ou
anos de idade, ainda desenhava e dançaremos, sentados nas cadeiras, demonstrações de euforia, não pre-
vivia com diÆculdades económicas de seguindo os passos dos versos e dos cisa de grandes conversas. Concerto
tal maneira que não se podia “dar ao acordes precisos — os do homem que adiantado, partilhou, naquele seu
luxo de apanhar um táxi”, conta canta — enquanto somos transporta- humor lacónico, a história de como,
James Hussey ao telefone. Em dos pela forma como o superlativo na primeira visita a Portugal, duas
Whaam!, vemos Russ Heath, um car- trio a seu lado ilustra as canções, décadas lá atrás, Æcou viciado numa
toonista que está representado no bateria do magníÆco Jim White marca especial de cigarrilhas que,
Eisner Hall of Fame, e que passou os vogando livre, guitarra de Matt Kin- “infelizmente”, descobriu depois
últimos anos da sua vida em Van sey a expandir o clássico slide do também existirem na sua terra. Pouco
Nuys, na Califórnia, ajudado pela blues em máquina sensorial noise, mais diria até ao Ænal. História conta-
Hero Initiative, uma organização que shoegaze, o que seja, saxofone de da, riso cúmplice na assistência, o
apoia escritores de banda desenhada Dustin Laurenzi tão expressivo na verso “the real people went away”, os
e artistas em diÆculdades Ænanceiras precisão soul, escola Stax, a dos aplausos que irrompem ao ser reco-
e a precisar de cuidados médicos. metais como percussão, como no nhecida Drover, de Apocalypse, um
No Ælme, quando Russ Heath mos- abandono jazz ou na criação de man- dos seus álbuns mais celebrados.
tra as semelhanças entre o seu traba- chas sonoras quase subliminares. Reality foi, naturalmente, o centro
lho e os quadros de Lichtenstein, ele Começámos então, como se impu- do concerto, o álbum que ofereceu
diz: “O que há de tão fantástico em nha, por Reality, oitavo álbum da mais música ao alinhamento. Neste
copiar o trabalho de outra pessoa?... carreira de Callahan em nome pró- contexto, com esta banda, esta não
Para mim é algo que não se faz — rou- prio, décimo nono se contarmos foi, porém, mera apresentação de
bar o trabalho de outras pessoas —, desde Sewn to the Sky, quando se nos novo registo discográÆco. Vimos um
não importa em que tipo de negócio apresentou, em 1990, assinando compositor e intérprete de excepção
se esteja. Inventa a tua própria coisa Smog, quando era um experimenta- a oferecer a sua música, o seu imagi-
e corre com essa bola. Não corras com lista da canção em corroído lo-fi e nário, a este universo sonoro que a
a minha.” não o ilustre representante de uma banda constrói com elegante abando-
Americana de vistas tão amplas no. Vimo-lo, ouvimo-lo, sentimo-lo.
Exclusivo PÚBLICO/The quanto o território do seu país, tão Não, não é preciso mais. As canções
Washington Post profunda quanta a imensidão do que são vida suÆciente. Mário Lopes
28 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Desporto Líder da I Liga perdeu seis pontos nos dois últimos jogos

PEDRO SARMENTO COSTA/LUSA

Reacções
Tivemos três
oportunidades parar
marcar. Sabemos que
quando vencemos um
grande temos de ter sorte
e saber sofrer
Vítor Campelos Desp. Chaves

Quando não aproveitas as


oportunidades, o
adversário acredita e hoje
marcou num
contra-ataque no final
Roger Schmidt Benfica

das raras ocasiões em que o interna-


cional português surgiu a oferecer
uma linha de passe, outro de António
O lance do golo do Desp. Chaves Silva, na sequência de um lance em
contra o Benfica e que deu que o BenÆca conseguiu levar a bola
a vitória aos flavienses até à linha de fundo e cruzar para a
área (30’), e um forcing Ænal, já perto
do intervalo, que deixou a defesa do

Benfica perde em Chaves


Desp. Chaves em aperto, foi o melhor
que o BenÆca conseguiu na primeira
parte.
O segundo tempo começa com a
melhor ocasião de golo do jogo até
esse momento, com Neres a desmar-

e soam os alarmes na Luz


car Grimaldo, que cruzou para o cora-
ção da área, onde João Mário rematou
frouxo, vendo Bruno Langa cortar
sobre a linha de golo e Paulo Vítor
parar a recarga. Mas o Desp. Chaves
respondeu de imediato, num lance
individual de Juninho, que, isolado
frente a Vlachodimos, permitiu a
Os “encarnados” somaram mais um jogo sem vencer e terminaram defesa do guarda-redes grego.
O jogo agitava-se. O BenÆca pas-
a jornada com a vantagem na I Liga reduzida a quatro pontos sou a jogar mais rápido, mas o Desp.
Chaves juntou ainda mais as suas
Roger Schmidt fez apenas duas linhas, fazendo com que o espaço
Crónica de jogo alterações em relação ao último Desp. Chaves 1 Positivo/Negativo fosse algo ainda mais difícil de
Abass 90’+5’
“onze” e nenhuma delas foi inespe- encontrar. E como o futebol do Ben-
rada. Com Florentino castigado, o Paulo Vítor Æca continuava a ser quase sempre
Jorge Miguel Matias
treinador alemão colocou Aursners O Benfica poucas vezes pelo meio, apesar da pressão as oca-
Há quem fale em crise, há quem recu- naquela posição central do meio cam- Benfica 0 incomodou siões de golo não surgiam, com as
se essa palavra. Haja ou não, uma po, abrindo-se uma vaga para a entra- verdadeiramente o jogadas a serem interceptadas vezes
coisa é certa. A cada jornada que pas- da de Neres. A outra alteração foi a guarda-redes do Desp. sem conta antes de chegarem a Pau-
sa a vantagem do BenÆca no topo da entrada de Otamendi, já disponível, Chaves, mas, quando o fez, lo Vítor.
classiÆcação em relação ao seu mais Æcando de fora Morato. Paulo Vítor impôs-se. Foi Até ao Ænal, apesar do esforço das
Jogo no Estádio Municipal, em Chaves.
directo perseguidor, FC Porto, vai Apesar das mudanças, o BenÆca decisivo no início do “águias”, nada de perigoso assustou
diminuindo. E aquilo que já foi uma voltou a apresentar-se lento, sem Assistência Não disponível segundo tempo e no fim do Paulo Vítor, com excepção de um
diferença de dez pontos reduziu-se a capacidade para desequilibrar o jogo, com duas defesas canto, já em período de compensa-
Desp. Chaves Paulo Vítor; Nélson
quatro a seis jornadas para o Æm do adversário, com um jogo previsível. Monte a70’, Steven Vitória, Ponck, “salvadoras”. ção, quando Otamendi obrigou o
campeonato, depois da derrota das Mesmo com Neres de início, o futebol Bruno Langa; João Mendes, Guima guarda-redes Çaviense a defesa de
a29’ e João Teixeira (João Pedro, 78’
“águias” por 1-0, ontem, em Chaves. benÆquista teve sempre a tendência a90’+2’); Benny (Euller, 64’ a86’), Rafa recurso. Jogada que os benÆquistas
No terreno de um tranquilo Des- para “afunilar” e sem um Rafa inspi- Juninho (Hector, 64’) e João Correia Uma sombra do jogador protestaram, pedindo penálti sobre
portivo de Chaves, o actual líder do rado que pudesse dar seguimento a (Abass, 71’). Treinador Vítor que já demonstrou ser. Seja o argentino, que Æcou por assinalar.
Campelos.
campeonato voltou a fazer um jogo tabelas curtas ou a oferecer linhas de por uma questão física, seja Mas o pior para o BenÆca estava
pouco convincente. Pior, sofreu um passe pelo meio, Gonçalo Ramos era Benfica Vlachodimos; Gilberto (Musa, por uma questão mental, a para vir. Na resposta a este lance,
88’), António Silva, Otamendi e
golo no período de compensação um alvo fácil para a marcação sempre Grimaldo; Aursnes e Chiquinho; Neres verdade é que Rafa não é o Abass aproveitou uma escorregadela
quando já não teve hipótese de reac- muito eÆcaz do Desp. Chaves. (Gonçalo Guedes, 70’), Rafa e João desequilibrador que fez a de Otamendi para Æcar na cara de
ção. Foi o terceiro jogo consecutivo A bater sucessivamente contra um Mário (João Neves, 80’); Gonçalo diferença em boa parte Vlachodimos, que, desta vez, não foi
Ramos (Tengstedt, 80’). Treinador
das “águias” sem vencer esta época. muro, a consequência deste futebol Roger Schmidt. desta temporada, e a capaz de salvar os benÆquistas. Golo
Uma série negativa que surge no foi uma primeira parte com escassas produção ofensiva do do Desp. Chaves e desalento total
Árbitro João Pinheiro (AF Braga)
pior momento possível para os ben- ocasiões de golo para os “encarna- VAR António Nobre (AF Leiria) Benfica ressente-se. para os “encarnados”, que têm cada
Æquistas. dos”. Um remate de Rafa (18’) numa vez mais a liderança em risco.
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 29

Desporto

MANUEL FERNANDO ARAUJO/EPA

Fc Porto 2 I Liga
Uribe 34’ (g.p.), Namaso 80’
Jornada 28
Famalicão-Vitória SC 2-1
Estoril-Portimonense 0-1
Santa Clara 1 Marítimo-P. Ferreira 3-1
Tagawa 90’+2’ Desp. Chaves-Benfica 1-0
FC Porto-Santa Clara 2-1
Rio Ave-Casa Pia 15h30, SPTV
Sp. Braga-Gil Vicente 18h, SPTV
Jogo no Estádio do Dragão, no Porto. Sporting-Arouca 20h30, SPTV
Vizela-Boavista seg, 20h15, SPTV
Assistência 40.708 espectadores
J V E D M-S P
Equipa Diogo Costa; Manafá (André 1. Benfica 28 23 2 3 68-17 71
Franco, 67’ a89’), Pepe, Marcano a51’,
2. FC Porto 28 21 4 3 60-19 67
Wendell; Uribe e Eustáquio (Evanilson,
57’); Pepê, Otávio (Bernanrdo Folha, 3. Sp. Braga 27 20 2 5 60-24 62
89’) e Galeno (Gonçalo Borges, 89’); 4. Sporting 27 18 3 6 56-26 57
Toni Martínez (Namaso, 67’). Treinador 5. FC Arouca 27 12 8 7 31-32 44
Sérgio Conceição.
6. Vitória SC 28 12 5 11 27-33 41
Santa Clara Gabriel Batista; Sagna 7. Famalicão 28 12 3 13 30-35 39
a41’ (Diogo Calila, 77’), Ygor Nogueira 8. Vizela 27 11 5 11 31-28 38
a33’, Boateng e MT; Costinha a17’ 9. Casa Pia 27 11 5 11 26-31 38
(Gabriel Silva, 88’), Bruno Jordão a20’ 10. Desp. Chaves 28 9 9 10 28-33 36
e Adriano; Ricardinho (Stevanovic,
77’), Matheus Babi (Tagawa, 88’) e 11. Rio Ave 27 9 7 11 27-31 34
Allano a33’ (Andrezinho, 63’). 12. Boavista 27 9 6 12 32-45 33
Treinador Accioly. 13. Gil Vicente 27 8 7 12 26-32 31
14. Portimonense 28 9 3 16 21-35 30
Árbitro Cláudio Pereira (AF Aveiro)
15. Estori 28 7 4 17 23-44 25
VAR Vasco Santos (AF Porto)
16. Marítimo 28 6 4 18 24-51 22
O FC Porto marcou por duas vezes contra o Santa Clara e derrotou o emblema açoriano 17. P. Ferreira 28 4 5 19 21-49 17
18. Santa Clara 28 3 6 19 18-44 15

A missão para o FC Porto


Positivo/Negativo Próxima jornada Vitória SC-Sporting,
Casa Pia-Sp. Braga, Famalicão-Marítimo,
Boavista-Rio Ave, P. Ferreira-FC Porto,
Arouca-Vizela, Portimonense-Gil Vicente,
Santa Clara Benfica-Estoril, Sta. Clara-Desp. Chaves
Para os açorianos foi a
nona derrota consecutiva
no campeonato e quase
um ponto final nas
esperanças de evitar a
despromoção para a
já não parece impossível II Liga
Jornada 28
Oliveirense-Farense 1-2
IILiga, mas o Santa Clara B SAD-Ac. Viseu 1-1
deixou uma boa imagem houve mais regozijo do que lamento muito perto do golo aos 24’ (com uma Trofense-Tondela 1-2
no Estádio do Dragão. Crónica de jogo por parte dos portistas. grande defesa, Gabriel Batista impe-
Leixões-Sp. Covilhã 3-2
Mafra-Torreense 1-0
Sem os castigados Taremi e Grujic, diu que Eustáquio marcasse) e, pou- Moreirense-Benfica B 11h, SPTV
Uribe e o lesionado João Mário, Sérgio Con- co depois da meia hora, o Dragão Feirense-FC Porto B 14h, SPTV
David Andrade Penafiel-Nacional 15h30, SPTV
O médio colombiano foi ceição atacou o duelo com os açoria- respirou de alívio: ingenuamente
Vilafranq.-E. Amadora seg, 20h15, SPTV
dos poucos jogadores do Mesmo sem fazer uma boa nos com Evanilson no banco (o bra- Ygor Nogueira agarrou Martínez e o
FC Porto que manteve o sileiro continua a procurar recuperar espanhol deixou-se cair na área. Na J V E D M-S P
nível habitual durante
exibição, os “dragões” a melhor forma) e apostou em Toni transformação do penálti, Uribe fez 1. Moreirense 27 18 6 3 52-25 60
toda a partida. derrotaram o Santa Clara Martínez como jogador mais adian- o 1-0. 2. Farense 28 15 6 7 46-31 51
e reduziram o atraso que tado, com Otávio sempre em terrenos Meia dúzia de minutos depois, 3. Est. Amadora 27 12 14 1 42-25 50
Segunda parte têm para o líder Benfica próximos do espanhol — Pepê jogou Martínez voltou a cair na área e, após 4. Ac. Viseu 28 13 10 5 45-33 49
do FC Porto na direita e Galeno na esquerda. consultar as imagens, o árbitro voltou 5. Vilafranquense 27 11 8 8 38-29 41
Após uma exibição de Em apenas oito dias, o que parecia Se para o FC Porto as notícias do a assinar grande penalidade. Desta 6. FC Porto B 27 11 7 9 40-32 40
grande nível há uma uma missão impossível deixou de ser dia tinham sido as melhores, para o vez, foi Otávio que assumiu a respon- 7. Feirense 27 9 11 7 32-29 38
semana contra o Benfica, um enredo de um qualquer Ælme de Santa Clara a vitória do Marítimo con- sabilidade, mas o médio não acertou 8. Torreense 28 11 4 13 29-31 37
a forma como Sérgio Hollywood. Após impor-se no clássi- tra o Paços de Ferreira deixava a luz na baliza. 9. Oliveirense 28 8 10 10 37-39 34
Conceição falou na co no Estádio da Luz de forma inequí- ao fundo do túnel ainda mais ténue Sem a tranquilidade de um 2-0, os 10. Leixões 28 9 9 10 31-35 36
habitual roda portista voca, impedindo assim que o BenÆca para os açorianos. A sete pontos do portistas entraram na segunda parte 11. Tondela 28 7 15 6 31-27 36
realizada no final da Æzesse o xeque-mate no campeonato, lugar de play-oè ocupado pelos com passividade a mais, permitindo 12. Mafra 28 8 10 10 36-42 34
partida foi esclarecedora o FC Porto entrou em campo na ron- madeirenses e oito derrotas consecu- que o Santa Clara se aproximasse de 13. Penafiel 27 7 11 9 28-33 32
quanto ao da 28 da I Liga com uma prenda tivas, a formação de Ponta Delgada forma assídua da área de Diogo Cos- 14. Benfica B 27 8 7 12 41-44 31
descontentamento do transmontana — derrota das “águias” entrou no Dragão sem margem de ta. Sentindo que não tinha o jogo sob 15. Nacional 27 7 7 13 28-38 28
técnico pela prestação da em Chaves — e, perante um aÇito San- erro e, no início da partida, ainda controlo, Conceição procurou puxar 16. B SAD 28 7 6 15 34-52 27
sua equipa. Após 45 ta Clara, os “dragões” não rejeitaram deixou sinais de que podia causar a sua equipa para a frente (Evanilson 17. Trofense 28 6 5 17 25-47 23
minutos assim-assim, os o brinde do rival: com uma vitória uma surpresa. no lugar de Eustáquio), mas o FC Por- 18. Sp. Covilhã 28 5 6 17 23-46 21
“dragões” mostraram sem brilhantismo, por 2-1, os portis- Sem as amarras defensivas apre- to continuou na mesma toada lenta Próxima Jornada Nacional-Feirense,
demasiada tas reduziram o atraso para o primei- sentadas há duas jornadas em Alva- e, com o Santa Clara conÆante e a Ac. Viseu-Oliveirense, Torreense-Leixões,
intranquilidade e ro lugar. lade, o Santa Clara conseguiu colocar ameaçar empatar, a partir da hora de Farense-Penafiel, Tondela-Vilafranquense,
pareceram acusar a Quatro pontos de desvantagem o FC Porto longe da sua baliza nos jogo começaram a ouvir-se asso- E. Amadora-B SAD, FC Porto B-Moreirense,
Benfica B-Trofense, Sp. Covilhã-Mafra
responsabilidade de para o BenÆca a apenas seis jornadas primeiros 15 minutos. Porém, na pri- bios.
terem a oportunidade de do Ænal do campeonato seriam, em meira ameaça, os “dragões” acerta- Porém, numa jogada às três tabe-
MELHORES MARCADORES
reduzir para apenas condições normais, uma enorme dor ram na barra (Uribe) e no poste (Mar- las, as esperanças açorianas ruíram. I Liga
quatro pontos a de cabeça para qualquer adepto do tinez). Aos 80’, Namaso fez o 2-0. As dúvidas 17 golos João Mário (Benfica)
desvantagem para o FC Porto. Porém, ontem, no Estádio Mesmo não impondo um ritmo estavam desfeitas, mas um golo aço- e Gonçalo Ramos (Benfica)
Benfica. do Dragão, a partir dos 34 minutos, alto e denotando algum nervosismo, riano nos descontos arrefeceu a festa II Liga
25 golos André Clóvis (AC. Viseu)
quando Uribe inaugurou o marcador, os “azuis e brancos” voltaram a estar voltou ao Dragão.
30 • Público • Domingo, 16 de Abril de 2023

Desporto

Ollie, o goleador que conhece


o poder da saúde mental
CHRIS RADBURN/REUTERS
Tisdale dizia que “ele pensa tanto que
Diogo Cardoso Oliveira
nem consegue controlar a bola”. A
O avançado do Aston Villa, análise dos ex-treinadores levam
Watkins a assumir que o bem-estar
já individualmente mental “é a prioridade número um”
abençoado pela realeza que tem na carreira. E isto, estando
britânica, veio da quinta longe de ser um oásis num desporto
divisão à Premier League cada vez mais consciente da saúde
mental e do trabalho psicológico indi-
Onde está o Ollie? Está bem à vista e vidual, não deixa de ser assinalável
nada camuÇado, num patamar onde, para quem está no topo do futebol — e
há oito anos, ninguém pensou que Watkins, como goleador da Premier
estaria. Ollie Watkins, o grande golea- e internacional pela selecção inglesa,
dor do Aston Villa, marcou dois golos já chegou a esse patamar.
ontem, no triunfo (3-0) frente ao Como jogador-chave do Aston Villa,
Newcastle, e tem, neste momento, 11 Watkins, que diz ter um gosto musical
marcados nos últimos 12 jogos. É um reÆnado, ouvindo Frank Sinatra e
dos jogadores da moda no futebol Whitney Houston, já recebeu bênção
inglês, mas, até há pouco tempo, não real do príncipe William, adepto do
“era suposto” andar por ali. clube. “Estávamos a ter uma reunião,
Como Jamie Vardy, outra estrela a porta abriu-se e ele entrou para
que andou por patamares bastante dizer ‘olá’. Depois, viu o nosso treino
baixos no futebol britânico, Watkins e à saída foi ter comigo e disse: ‘O que
é um jogador que fez parte de uma quer que seja que tens feito ou comi-
equipa dos regionais — na quinta divi- do continua a fazê-lo. É incrível ver-te,
são, que faz parte da chamada non- estás em grande’.”
league, que compreende patamares Antes de receber elogio da realeza,
não proÆssionais. Ollie teve de subir os patamares qua-
Watkins jogava no Exeter, equipa se todos. Da quarta divisão (Exeter)
da League Two (quarta divisão), mas para a quinta (Super Mare), da quinta
acharam que tinha de ser emprestado para a quarta (Exeter), da quarta para
a um patamar inferior — tal como já Ollie Watkins (ao centro) festeja o triunfo do Aston Villa sobre o Newcastle a segunda (Brentford) e da segunda
tinham rejeitado o pequeno Ollie, aos para a primeira (Aston Villa). O único
nove anos, vindo de Torquay, a “Rivie- salto que deu sem ser obrigado a
ra inglesa”. Quando foi emprestado Liga inglesa Liga espanhola Liga italiana “pousar” foi entre a League Two e o
a essa equipa regional, o Weston Championship, “safando-se” de pas-
Super Mare, pensou que o importan- Jornada 31 Jornada 29 Jornada 30 sar pela League One.
te era não voltar lá. Aston Villa - Newcastle 3-0 Rayo Vallecano - Osasuna 2-1 Cremonese - Empoli 1-1
“Honestamente, o empréstimo fez- Southampton - Crystal Palace 0-2 Villarreal - Valladolid 1-2 Spezia - Lazio 0-3 Magia de Emery
Tottenham - Bournemouth 2-3 Athletic Bilbau - Real Sociedad 2-0 Bolonha - Milan 1-1
-me pensar não queria voltar ali, por- Wolverhampton - Brentford 2-0 Betis - Espanyol 3-1 Nápoles - Verona 0-0 No Villa, Watkins tem-se mostrado
tanto teria de trabalhar”, contou à Everton - Fulham 1-3 Cádiz - Real Madrid 0-2 Inter de Milão - Monza 0-1 um jogador diferente do que diz ter
Sky Sports, revelando que, mais tar- Chelsea - Brighton 1-2 Girona - Elche 13h, Eleven2 Lecce - Sampdoria 11h30, SPTV2 sido no passado. Era alguém que Tho-
de, quando foi comprado pelo Man. City - Leicester City 3-1 Getafe - Barcelona 15h15, Eleven2 Torino - Salernitana 14h, SPTV2 mas Frank, treinador no Brentford,
West Ham - Arsenal 14h, Eleven1 Atl. Madrid - Almería 17h30, Eleven2 Sassuolo - Juventus 17h, SPTV2
Brentford, do Championship, o trei- N. Forest - Man. United 16h30, Eleven1 Valência - Sevilha 20h, Eleven1 Roma - Udinese 19h45, SPTV2
alcunhava como “a besta”, mas que
nador que o quis, Dean Smith, o des- Leeds - Liverpool 2.ª f, 20h, Eleven1 C. Vigo - Maiorca 2.ª f, 20h, Eleven2 Fiorentina - Atalanta 2.ª f, 19h45, SPTV3 nem sempre sabia usar o físico que
cobriu... no Super Mare. Um passo tinha.
J V E D M-S P J V E D M-S P J V E D M-S P
para muitos embaraçoso, “chutado” “Eu só era bom com a bola e era
para o quinto escalão, tornou-se um 1. Arsenal 30 23 4 3 72-29 73 1. Barcelona 28 23 3 2 53-9 72 1. Nápoles 29 24 2 3 66-21 74 uma fragilidade da equipa sem ela. Eu
passo decisivo para estar onde está 2. Man. City 30 22 4 4 78-28 70 2. Real Madrid 29 19 5 5 61-24 62 2. Lazio 30 18 7 5 49-20 61 só queria estar na ala e criar coisas em
hoje. 3. Newcastle 30 15 11 4 48-24 56 3. Atl. Madrid 28 17 6 5 45-20 57 3. Roma 29 16 5 8 39-26 53 vez de me envolver”, contou ao First
4. Man. United 29 17 5 7 44-37 56 4. Real Sociedad 29 15 6 8 37-28 51 4. Milan 29 15 7 7 48-36 52 Time Finish sobre a evolução para
Abençoado pela realeza 5. Tottenham 31 16 5 10 57-45 53 5. Betis 29 14 6 9 37-30 48 5. Inter de Milão 29 16 3 10 48-33 51 ponta-de-lança.
Depois, vingou o talento. E o trabalho 6. Aston Villa 31 15 5 11 44-40 50 6. Villarreal 29 14 5 10 38-28 47 6. Atalanta 29 14 6 9 47-34 48 No Villa já chegou a actuar como
mental. Ollie Watkins assume que os 7. Brighton 29 14 7 8 54-37 49 7. Athletic Bilbau 29 12 7 10 40-29 43 7. Juventus 29 18 5 6 47-24 44 “10” e a partir da esquerda várias
golos que tem marcado são, em boa 8. Liverpool 29 12 8 9 50-35 44 8. Rayo Vallecano 29 10 10 9 35-34 40 8. Bolonha 29 12 7 10 38-36 43 vezes, mas Unay Emery, que assumiu
parte, um produto da estabilidade 9. Brentford 31 10 13 8 47-42 43 9. Osasuna 29 10 8 11 25-30 38 9. Fiorentina 29 11 8 10 34-32 41 a equipa depois de Gerrard, tinha um
mental. 10. Fulham 30 12 6 12 42-41 42 10. Celta de Vigo 28 9 9 10 36-39 36 10. Udinese 29 9 12 8 39-36 39 plano diferente.
Ollie é o avançado que, no auge de 11. Chelsea 31 10 9 12 30-33 39 11. Girona 28 9 8 11 42-42 35 11. Torino 29 10 8 11 30-35 38 “Eu às vezes quero sair da área,
conÆança de um hat-trick num 7-2 12. Crystal Palace 31 9 9 13 31-40 36 12. Maiorca 28 9 7 12 25-30 34 12. Sassuolo 29 10 7 12 37-43 37 mas ele diz-me ‘não vás para lá, Æca
aplicado ao Liverpool, disse: “Tenho 13. Wolverhampton 31 9 7 15 26-42 34 13. Sevilha 28 8 8 12 33-44 32 13. Monza 29 9 8 12 34-41 35 ali’. Faz-me rir, mas resulta”, apontou
de pensar naquelas duas oportunida- 14. Bournemouth 31 9 6 16 31-59 33 14. Valladolid 29 9 5 15 25-48 32 14. Empoli 30 7 11 12 25-37 32 ao The Times, sobre o registo goleador
des falhadas. Imaginem que tinha 15. West Ham 29 8 6 15 27-39 30 15. Cádiz 29 7 10 12 23-42 31 15. Salernitana 29 6 11 12 33-49 29 que cresceu exponencialmente com
marcado cinco golos ao Liverpool. 16. Leeds United 30 7 8 15 39-54 29 16. Almería 28 8 6 14 34-48 30 16. Lecce 29 6 9 14 25-35 27 Emery, que o quer na área, como um
Seria inacreditável. Isto sou eu como 17. Everton 31 6 9 16 24-46 27 17. Getafe 28 7 9 12 27-36 30 17. Spezia 30 5 11 14 25-48 26 verdadeiro ponta-de-lança que pode
pessoa.” 18. Notting. Forest 30 6 9 15 24-54 27 18. Valência 28 7 6 15 30-34 27 18. Verona 29 5 7 17 24-43 22 ser alimentado pelos criativos. Resul-
Steven Gerrard dizia que Ollie tinha 19. Leicester City 31 7 4 20 41-55 25 19. Espanyol 29 6 9 14 35-49 27 19. Cremonese 30 3 10 17 27-54 19 tado: dois golos no pré-Emery, 13
a tendência para sobreanalisar e Paul 20. Southampton 31 6 5 20 24-53 23 20. Elche 28 2 7 19 20-57 13 20. Sampdoria 29 3 6 20 18-50 15 desde que o espanhol chegou.
Público • Domingo, 16 de Abril de 2023 • 31

Desporto

Um teenager
ERIC HARTLINE/USA TODAY SPORTS VIA REUTERS

Breves
entre Andrey Basquetebol
Rublev e o título FC Porto vence
em Monte Carlo Sporting em Alvalade
após prolongamento
Foi suada a vitória do FC Porto
sobre o Sporting, ontem, no
Pedro Keul
Pavilhão João Rocha, por
Andrey Rublev vai ter uma segunda 106-110 (98-98) após
oportunidade de triunfar no Rolex prolongamento e na qual
Monte-Carlo Masters, depois de, há Michael Finke (33 pontos, 11
dois anos, perder o derradeiro encon- ressaltos) foi a grande figura
tro com Stefanos Tsitsipas. Ontem, o dos “dragões” em jogo da 8.ª
actual número seis do ranking mun- jornada do Grupo A. O FC
dial venceu o norte-americano Taylor Porto, que somou o sétimo
Fritz e tornou-se o quinto jogador a triunfo consecutivo na prova,
ganhar uma meia-Ænal no Monte-Car- deu assim um importante
lo Country Club depois de ceder o set passo para assegurar a
inicial, imitando Dominik Hrbaty, primeira posição no play-off da
Rafael Nadal, Novak Djokovic e Kei Liga quando restam duas
Nishikori. Mas pela frente vai ter Hol- jornadas para terminar a 2.ª
ger Rune, o primeiro teenager a che- fase. Já o Benfica venceu com
gar à Ænal monegasca desde Rafael facilidade a Oliveirense por
Nadal, em 2006. James Harden é uma das grandes figuras dos Philadelphia no arranque dos play-off da NBA 98-81, com o resultado ao
O dinamarquês de 19 anos realizou intervalo a registar já um 54-32

Três histórias a seguir no arranque


uma exibição fantástica para superar favorável aos “encarnados”.
Jannik Sinner (8.º mundial), pelos Na classificação, lidera o FC
parciais de 1-6, 7-5 e 7-5. O italiano Porto, seguido de Benfica e

dos play-off da NBA


dominou o primeiro set, mas Rune Sporting.
(9.º) aproveitou as primeiras oportu-
nidades de break no segundo set para
entrar na discussão do encontro. E
fechou após duas horas e 46 minutos,
sob vento, chuva e frio.
Rune tem a possibilidade de somar Angeles Clippers e Phoenix Suns. dia, quando já não jogarem, acaba-
Diogo Cardoso Oliveira
um segundo título Masters 1000, ten- Estamos a falar de dois evidentes rão por entrar na galeria do Hall of
do como último adversário Rublev, Uma conferência Oeste candidatos ao título que se vão Fame da NBA.
com quem perdeu, em Janeiro, em encontrar já no início dos play-oè. Mas Harden, já com um prémio de
cinco sets (11/9 no tie-break do quinto
imprevisível, estrelas Em suma: uma vai para casa, a outra MVP no escritório, e Embiid, prová-
set) no Open da Austrália. a jogarem pelo legado, pode, sem surpresa, ser campeã. vel MVP desta temporada, têm
Na primeira meia-Ænal, em que se duelos dignos de finais Este perÆl fatalista faz desta série demónios para exorcizarem por Phi-
registaram 83 erros não forçados, e séries divertidas de ver uma das mais interessantes de ladelphia nesta temporada.
Rublev (6.º) derrotou Taylor Fritz seguir. O “barbas”, que vai procurar nova
(10.º), por 5-7, 6-1 e 6-3. O russo reagiu A Oeste algo de novo. Se a NBA fosse De um lado, a lesão de Paul George equipa no Verão, já conquistou — e
bem à perda do primeiro set, em que um Ælme, esta poderia ser uma boa faz os Clippers suplicarem por um esforçou-se para tal — a fama de MotoGP
serviu a 5-4, e foi o mais consistente
nas partidas seguintes, nas quais con-
adaptação, tendo em conta que a
conferência do lado mais ocidental
Kawhi Leonard a um nível especial
— como ele já mostrou mais do que
“Çop” nos play-oè.
O poste Embiid não tem tido apa-
Miguel Oliveira subiu
cretizou cinco de 14 break-points. dos Estados Unidos tem, possivel- uma vez. gões individuais tão evidentes nos sete posições e foi
No Jamor, Portugal derrotou a
Geórgia, por 2-0, e subiu ao Grupo I
mente, o perÆl mais aberto e impre-
visível dos últimos anos.
Do outro, uma equipa dos Suns
que já tinha um dos melhores bases
play-oè, mas, como líder de uma
equipa que com ele nunca passou
oitavo no sprint
da Billie Jean King Cup, segunda divi- Nos play-oè que começam hoje no da história do jogo, Chris Paul, um das meias-Ænais de conferência, não Miguel Oliveira (Aprilia)
são do ténis mundial. A vitória nacio- melhor campeonato de basquetebol dos melhores jogadores da actuali- pode ignorar o seu quinhão de cul- recuperou sete posições na
nal ficou concretizada por Francisca do mundo, a conferência Oeste ofe- dade, Devin Booker, e um poste pa. corrida sprint do Grande
Jorge, que derrotou Ekaterine Gor- rece, no mínimo, cinco candidatos como DeAndre Ayton capaz de, Prémio das Américas de
godze, por 7-5, 6-3. ao título — e tem para apresentar ain- quando quer, ser dominante. Não Os meninos e os “velhotes” MotoGP, disputada ontem,
da dois bons outsiders. chega? Então juntem-lhes aquele que Uma das séries mais divertidas de terminando na oitava posição
Los Angeles Lakers — os novos é, para muitos, o melhor jogador do ver poderá ser a que opõe Sacramen- de uma prova ganha pelo
Lakers —, Golden State Warriors — os mundo. to Kings e Golden State Warriors. italiano Francesco Bagnaia
velhos Warriors —, Los Angeles A chegada de Kevin Durant aos Os adeptos dos Kings — bem como (Ducati). Oliveira, que partiu
Clippers, Phoenix Suns e Denver Suns torna a equipa do Arizona um os mais românticos adeptos da NBA da 15.ª posição, concluiu as 10
Nuggets são candidatos evidentes ao claro alvo a abater — alguém tem — poderão estar a lamentar que uma voltas ao traçado texano a
título, com Sacramento Kings e talento assim? Provavelmente, não. equipa jovem e divertida como esta, 10,768 segundos do vencedor,
Memphis Grizzlies como equipas que não chegava a esta fase há 16 com o espanhol Alex Rins
capazes de surpresas. A pressão anos, tenha de encontrar já o cam- (Honda) em segundo, a
James Harden: 14 anos de carreira, peão da NBA, de Curry e Thomp- 2,545s, e o compatriota Jorge
É mesmo preciso escolher? uma Ænal, zero títulos. Joel Embiid: son. Martin (Ducati) em terceiro, a
A língua inglesa tem a expressão nove anos de carreira, zero Ænais, Com muitos jogadores estreantes 4,706s. Oliveira beneficiou da
make or break para ilustrar o fatalis- zero títulos. nestas andanças, os Kings, de Nee- queda do espanhol Alex
mo de algo que não tem meio-termo A carreira de duas das grandes mias Queta, enfrentam os “velhotes” Márquez (Ducati) nas voltas
entre o falhanço e o sucesso. E é estrelas da NBA deste século é algo dos Warriors, possivelmente a equi- finais para subir a nono,
uma boa expressão para explicar o bizarra. Marcaram pontos suÆcien- pa mais “batida” em competição. ultrapassando ainda o francês
que vai acontecer no duelo da pri- tes para conquistarem um lugar Seja qual for o desfecho, é provável Johann Zarco (Ducati).
Holger Rune meira ronda dos play-oè entre Los especial na história do jogo e, um que seja divertido de ver.
Domingo, 16 de Abril de 2023

BARTOON LUÍS AFONSO

Se o acusado de assédio fosse Ventura,


em vez de Boaventura, era tudo mais simples
mulher livres que decidiram por vezes uma exploração pecuária. verdade é que Bella Gonçalves — Boaventura de Sousa Santos.
Anacrónica sua livre vontade entrar num O depoimento da deputada também vereadora em Belo O depoimento da activista
apartamento. Ela tinha estadual por Minas Gerais Bella Horizonte — tentou queixar-se argentina mapuche Moira Iván
manifestado interesse. Às vezes Gonçalves, que foi assediada por sem sucesso. “Todos diziam que Millán, que Joana Amaral
as coisas não são espectaculares, Boaventura quando tinha 26 anos eu não era o primeiro caso. Cardoso escreveu aqui, é outro
mas não era possível falar em e ele mais de 70, é totalmente Lamentavam, mas não davam absolutamente chocante. É o tal
abuso, a não ser do ponto de impressionante. “Um dia, ele suporte ou saída.” Bella convite para o apartamento —
vista de uma mulher pediu para marcar uma reunião Gonçalves desistiu no segundo não é como no caso de Aziz

O
profundamente fragilizada. no apartamento dele. Colocou a ano do curso, perdeu a bolsa de Ansari — com justiÆcações
Ana Sá Lopes
Já muita gente escreveu sobre mão na minha perna. Falou que estudos, o cabelo começou-lhe a académicas e tentativa de
movimento as razões por que o MeToo nunca as pessoas próximas dele tinham cair e teve de trabalhar para se violação. O facto de Moira
MeToo tem vários chegou a Portugal, com vantagem e sugeriu que a gente sustentar. Millán ter falado com
problemas, mas é excepções como a Faculdade de aprofundasse a relação.” A Em Portugal, o suposto académicas portuguesas “que
como as Direito de Lisboa e pouco mais. abusador tem sempre uma data lhe terão contado
revoluções: Num país minúsculo, que vive de amigos na academia e fora comportamentos semelhantes
atingem muita em sistema de castas, o risco de dela prontos a rasgar as vestes do sociólogo” é perturbador,
coisa, às vezes os seus melhores, denunciar é inÆnitamente maior sobre a sua inocência, seja no mas conÆrma o padrão de
como aconteceu com o do que nos Estados Unidos da assédio, seja na violência sempre. Não denunciou porque
humorista Aziz Ansari, quando América ou no Reino Unido. doméstica. Estando ou tendo os mapuches são objecto de
depois de um encontro que não
foi grande coisa (e que as
Não é à toa que as pessoas que
deram a cara para testemunhar
A reacção de estado numa posição de poder,
os pergaminhos de uma alegada
“muito racismo”: “Nunca há
justiça para mulheres
mulheres do meu tempo sobre o assédio de que foram Boaventura a inocência disparam. racializadas”, desabafa. Neste
deÆniriam simplesmente por
“eu devia estar doida” para “ir
alvo não são portuguesas. Uma
portuguesa que denuncie assédio
culpar o Se o caso não fosse com
Boaventura, mas com Ventura
caso, nem para as racializadas
nem para as outras, sem
beber uns copos com aquele sexual ou violência doméstica “neoliberalismo” (André), era bastante mais diminuir o cancro do racismo
gajo”) a suposta vítima conclui,
após chegar a casa, que aÆnal
Æca com a carreira destruída — o
caso de Bárbara Guimarães, que
por estragar certos simples para muitos de nós. O
“julgamento” a favor das vítimas
em Portugal e no mundo.
A reacção de Boaventura a
houve qualquer espécie de acusou o ex-marido Manuel modos de vida é seria imediato, e nesse assunto culpar o “neoliberalismo” por
abuso.
O caso foi tão caricato que ia
Maria Carrilho (que foi
condenado), é um exemplo de
das coisas mais não está a ser. Estamos a assistir
a pessoas que passaram uma
estragar certos modos de vida é
das coisas mais penosas que foi
desacreditando completamente como parte da justiça e da penosas que foi vida a defender as mulheres que possível ler na semana que
a luta. Não havia na história de
Ansari dependência hierárquica
academia se juntaram ao
ex-ministro, desvalorizando
possível ler na sofreram assédio e da diÆculdade
que estas sentem em falar, a
passou.

— eram um homem e uma totalmente o crime. Portugal é às semana que passou virem prontamente “absolver” Jornalista

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