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Frederico Delgado Rosa


Filipe Verde

EXPLORADORES PORTUGUESES
E REIS AFRICANOS
Viagens ao coração de África
no século XIX

Com a participação de
Gustavo Rubim
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A Esfera dos Livros


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© Frederico Delgado Rosa e Filipe Verde, 2013


© A Esfera dos Livros, 2013

1.ª edição: Outubro de 2013

Capa: Compañia

Revisão: Constança Paiva Boléo


Paginação: Júlio de Carvalho – Artes Gráficas
Impressão e acabamento: Publito

Depósito legal n.º 362 060/13


ISBN: 978-989-626-498-7
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Índice

Prólogo ................................................................................................ 9

1.ª PARTE – OS EXPLORADORES E O SEU LABIRINTO: PORTUGAL, ÁFRICA


E OS EUROPEUS NO SÉCULO XIX

1. Os heróis da ciência e a partilha de África ............................... 13


2. Exploradores sem mapa: sertanejos, ambaquistas
e outros..................................................................................... 21
3. Fronteiras da incompreensão ................................................... 27
4. Poder divino, violência e sacrifícios humanos: as realezas
africanas pré-coloniais ............................................................. 39

2.ª PARTE – O CAMINHO DOS TRÊS IMPÉRIOS

5. Do deserto ao desespero: a expedição de José Monteiro


e António Gamito ao muata Cazembe ..................................... 51
6. Esplendor e terror: Rodrigues Graça na corte do Muatiânvua .. 93
7. Reis brancos: David Livingstone e a viagem impossível de
Silva Porto ............................................................................. 133
8. Morte ou glória: Serpa Pinto versus Capelo e Ivens ............... 159
8.1. Traição no Barotze ........................................................... 176
8.2. O sangue da Garanganja .................................................. 216
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8 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

9. Bandeiras esfarrapadas: Henrique de Carvalho e a decadência


do império lunda .................................................................. 233
9.1. O dilema do príncipe Xa Madiamba ................................. 251
9.2. Adeus à mussumba ........................................................... 296

Epílogo ........................................................................................... 319

Notas ............................................................................................. 323

Bibliografia ..................................................................................... 341

Créditos iconográficos .................................................................... 355


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Prólogo

Este é um livro sobre África, a história da exploração de África e


um conjunto de portugueses que no século XIX entraram por esse con-
tinente dentro e nos deixaram testemunhos do que aí encontraram,
descobriram e viveram. São eles António Gamito, Joaquim Rodrigues
Graça, António da Silva Porto, Alexandre de Serpa Pinto, Hermene-
gildo Capelo, Roberto Ivens e Henrique de Carvalho – um grupo sob
todas as perspetivas muito heterogéneo, em que António Gamito era
o mais velho, nascido em 1806, e que viu desaparecer o seu último
membro, Hermenegildo Capelo, em 1917. Alguns ainda hoje perdu-
ram na memória coletiva, outros estão votados a um cada vez maior
esquecimento. A cada uma das mais importantes dessas viagens de ex-
ploração foi reservado um capítulo da segunda parte deste livro que
resulta da colaboração próxima dos seus autores, que de certo modo,
embora na segurança das suas casas, viveram assim também eles, se
não uma aventura, pelo menos um desafio. Em diálogo, procurando
conciliar estilos, gostos e preferências por vezes diferentes, procurámos
nas páginas que se seguem redescobrir e recriar esses testemunhos, fa-
zendo-lhes um comentário que, permanecendo próximo das por
vezes extraordinárias experiências e realidades que relatam, os situasse
ao olhar e sentidos contemporâneos. Este livro dos exploradores, como
lhe poderíamos chamar, é portanto e em certo sentido nosso e deles.
Algures entre a Antropologia, a Literatura de Viagem e a História,
este não é um livro para especialistas, mas para pessoas que, como
nós movidas por uma curiosidade adolescente, folheiam todo o relato
de exploração que encontram e sentem verdadeiro prazer em ler
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alguns deles. Livros de aventura para a curiosidade juvenil, são tam-


bém livros de história e sobre a condição humana para a curiosidade
adulta, sem que deixem de ser, aqui e ali, muito divertidos. Que este
livro seja também todas essas coisas e ajude a manter vivo o interesse
por algumas obras e autores-exploradores que a história vem con-
denando a um imerecido esquecimento.
Têm aqui particular destaque os fascinantes e intensos encontros
que os exploradores tiveram com os soberanos dos tr~Es maiores
impérios centro-sul-africanos desse tempo: a Lunda, o Cazembe e o
Barotze. Noéji, Sekeletu, Lobossi, Xa Madiamba, não são certamente
nomes conhecidos do leitor omum, e na verdade se não fossem os
relatos dos exploradores pouco poderíamos saber hoje sobre a maior
parte deles e sobre o modo como, cada um a seu modo, mas em ter-
mos essencialmente semelhantes, encarnavam o supremo estatuto
que uma sociedade pode conferir a um dos seus membros, o de ser
um rei sagrado. A Atenção dada a estes encontros prende-se com o
facto de neles tantas vezes se jogar o destino daas expedições e de
condensarem de forma dramática aquele que era talvez, entre tantos,
o maior desafio que os exploradores tinham de vencer em África: o
constante mal-entendido com o mundo que os envolvia.
Talvez seja hoje difícil conceber a celebridade que cercou os ex-
ploradores oitocentistas, mas os livros que deixaram relatando as
suas experiências – bem como os relatos que iam enviando de África
e eram publicados pelos jornais –, contribuíram muito, em doses cal-
culadas e adequadas de revelação e ocultação, para a criação do mito
heróico do explorador. É bem ilustrativo a esse respeito Como eu
atravessei África, de Alexandre de Serpa Pinto – How I crossed
Africa na sua edição inglesa original, de 1881 –, o explorador por-
tuguês que mais intensamente encarnou o culto do heroísmo no co-
ração da África negra.
Seja como for, hoje a importância desses homens advém, não da
fama que gozaram em vida, mas dos textos em que relataram as suas
viagens e experiências e que nos oferecem uma janela que nos dá a
ver uma África, e um modo de encontro entre africanos e europeus,
que o tempo há muito fez desaparecer.
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1.ª PARTE

OS EXPLORADORES E O SEU LABIRINTO:


PORTUGAL, ÁFRICA E OS EUROPEUS
NO SÉCULO XIX
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OS HERÓIS DA CIÊNCIA E A PARTILHA
DE ÁFRICA

Em meados de Oitocentos, a zona central dos mapas de África era


um enorme espaço em branco. Cinquenta anos depois estava preen-
chida nos seus traços principais. Em breve, por força de uma súbita
e feroz competição imperial, sobrepor-se-iam às linhas da geografia
as fronteiras políticas das novas colónias europeias.
África permanecera até então misteriosa e inacessível porque tudo,
dir-se-ia, obrigava a que permanecesse assim aos mesmos europeus
que então já haviam chegado aos recessos da Ásia, das Américas e
do Pacífico. Múltiplos fatores haviam contribuído para a sua inaces-
sibilidade à ávida curiosidade geográfica europeia. O clima cruel e o
ambiente pestilento que dizimavam os brancos, as enormes distâncias
e os obstáculos geográficos, as resistências humanas entretecidas na
violência característica de mundos que desde há muito se haviam es-
truturado ativa ou defensivamente perante o omnipresente comércio
de escravos, tudo isso fechara o continente à curiosidade e ao inte-
resse dos europeus – que se limitavam no essencial a entregar e receber
nas costas do continente o que ia e vinha pela mão dos africanos do
seu interior. Havia exceções, evidentemente, mas eram apenas isso,
porque a regra era que o branco que entrava África dentro morresse
num prazo relativamente curto – de malária, de disenteria, de fome,
de sede, assassinado – antes de chegar a algum lugar, no meio de nada.
Foi esse o destino da maioria dos exploradores até meados do
século XIX, e é necessário enumerar exemplos para que a real dimensão
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do desafio que enfrentavam possa ser pressentida. Daniel Houghton


(1740-1791) foi convencido a juntar-se a uma caravana que, sem que
o soubesse, o desviou do caminho para Tombuctu que era o seu ob-
jetivo. No percurso foi roubado e abandonado numa zona desértica,
morrendo de sede, só e debaixo de uma árvore, no que é hoje o Norte
do Mali. Mungo Park (1771-1806) foi atacado nos rápidos de Bussa,
quando descia o Níger de barco, para fugir das flechas e lanças ati-
rou-se à água com os três europeus que o acompanhavam, morrendo
todos afogados. Alexander Laing (1793-1826) alcançou Tombuctu
partindo de Tripoli, mas foi recebido de forma hostil pela população
muçulmana. Decidiu por segurança partir em direção à costa, mas
dois dias depois da partida foi espancado até à morte pelos guias.
Hugh Clapperton (1788-1827), enviado em 1821 para a costa oci-
dental para procurar esclarecer o que acontecera a Park, morreu de
disenteria perto de Sokoto, a capital do império Fulani no Níger; os
dois europeus que o acompanhavam haviam morrido de malária logo
nas primeiras etapas da viagem. Eugène Maizan (1819-1845) morreu
decapitado por um chefe Zaramo a cerca de 100 quilómetros da
costa de Zanzibar de onde partira, amarrado a uma árvore, depois
de lhe cortarem os membros e os genitais.
E foi também a morte que encontrou Francisco José de Lacerda e
Almeida (1753-1799), o primeiro explorador português «moderno»,
quando procurou atravessar o continente, de Moçambique a Angola,
no reinado de D. Maria I. Lacerda e Almeida tinha nascido e vivido
quase toda a sua vida no Brasil, onde trabalhara longos anos na fi-
xação das fronteiras com o Paraguai e a Argentina, e era portanto
um veterano dos sertões sul-americanos .Já experiente geógrafo foi
para Coimbra onde fez um doutoramento em Matemática para então
ser nomeado Governador dos Rios de Sena, na Zambézia, a região
da áfrica Oriental onde a presença portuguesa se estendia mais para
o interior. Tinha por principal missão ensaiar a travessia, numa altura
em que o deficiente cálculo das longitudes estimava a distância entre
as duas costas como muito menor do que é realmente. Lacerda e Al-
meida estava longe de saber quanto os sertões de África eram dife-
rentes dos do Brasil. A sua mulher adoeceu de «febre maligna podre,
ou purpúrea» no trajeto Zambeze acima até Sena, o mais importante
centro Português do interior, vindo a morrer aí. O curto diário da
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sua expedição termina abruptamente antes de chegar àquele que era


o seu primeiro objetivo – a capital do Cazembe, então o grande po-
tentado da região centro-este de África a essas latitudes. O diário é
uma descrição da corrupção política e moral da Zambézia, das mil
dificuldades e conflitos com os carregadores de uma expedição que
avançava impreparada e com meios escassos por regiões há anos em
seca extrema, e dos efeitos cada vez mais dramáticos da doença, pro-
vavelmente malária, que finalmente o matou. Foi um dos outros
membros da expedição, o padre Francisco João Pinto, que assumiu
então o seu comendo no trajeto de regresso a Moçambique. O Ensi-
namento fundamental que dela se tirou foi que era prudente não re-
petir o projeto da travessia.
No entanto, depois da hecatombe, a partir de meados do século,
os exploradores começaram finalmente a vencer os obstáculos e a re-
velar África. A fama de alguns deles – David Livingstone, Richard
Burton, John Speke, Verney Cameron, Henry Stanley, Pierre de
Brazza e alguns portugueses de que este livro se ocupa – tornou-se
maior que as suas vidas, por intensas que estas possam ter sido, e
certamente o foram. A nova geração de exploradores africanos be-
neficiava do conhecimento dos erros cometidos pelos seus anteces-
sores e assim, salvo raras exceções, entraram em África com meios
de defesa suficientes para garantir a segurança das pessoas e dos mui-
tos bens que transportavam para pagar os custos de manter alimen-
tada a expedição e os direitos de passagem por vezes exorbitantes,
exigidos por todo o pequeno, médio e grande chefe e soberano afri-
cano. Beneficiavam também de meios técnicos e humanos por vezes
impressionantes. Stanley transportou um barco desmontável da costa
oriental até ao Lualaba, no centro do continente, Livingstone fez o
mesmo na sua expedição ao Zambeze; e algumas expedições partiam
da costa com trezentos ou quatrocentos carregadores e, até onde
isso era possível, com dezenas de bestas de carga. Por último e tal-
vez mais fundamentalmente, beneficiavam de recentes descobertas
da medicina que, entre outras coisas, havia criado o primeiro profi-
lático da malária, mais mortal das doenças africanas.
Entrar no interior de África era então um desafio e uma experiên-
cia avassaladores, em que a primeira coisa posta em causa era, como
vimos, a vida daqueles que aceitavam o desafio de o fazer. Dor, fome,
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sede, cansaço extremo, eram apenas a face física de um sofrimento e


de um desespero que era também, por isso e por mais do que isso,
mental, subjetivo. A milhares de quilómetros do seu mundo, a passo
incerto por terrenos sem mapas, inevitavelmente doente, no meio de
estranhos com quem o mal-entendido era a regra, tendo de lutar con-
tra toda a sorte de contratempos e contrariedades, por vezes fisica-
mente ameaçado e envolvido em querelas de vida ou morte, o
explorador temia morrer ou, pelo menos, enlouquecer, talvez porque
por vezes via essa loucura nos seus comportamentos e nas suas emo-
ções. Combatia-a pela esperança de um regresso, por doses maciças
de quinino, láudano e, por vezes, álcool, pelo desejo atávico de viver,
de sobreviver, por cada tiro dado num pedaço de carne ensanguen-
tada, por vezes gritando de ódio, ameaçando e matando, por cada
grão de milho e cada charco de água suja que encontrava para se sa-
ciar depois de dias ou semanas de escassez. E porém, no meio disso
tudo, do que exaltou e ergueu os exploradores à condição de heróis,
havia outras coisas.
Havia África e a viagem, a longa viagem, a vastidão do que estava
pela frente, o deslumbre e grandiosidade de algumas paisagens, a
magnificência da fauna, a surpresa da descoberta da beleza dos cor-
pos africanos e do prazer repartido do sexo, o calor confortável das
fogueiras nas noites geladas dos planaltos, o torpor apaziguador do
álcool, do láudano ou simplesmente do cansaço, a extrema solida-
riedade humana que se descobria nos menosprezados negros quando
se enfrentavam dificuldades, o fervilhar festivo noturno dos carrega-
dores que batucavam e cantavam e dançavam e assim esqueciam as
animosidades e atritos do quotidiano e o medo de acompanhar os
brancos por caminhos desconhecidos que cruzavam fronteiras para
além das quais, pensavam, haveria certamente outras formas de fei-
tiço – em que o explorador não acreditava, pois que era promessa
de luz para as trevas africanas.
Para o explorador, a viagem era a vontade de a cumprir, de avan-
çar no trajeto projetado, de passo a passo ir correndo tantas vezes
no fio da navalha o caminho que imprevistos e acidentes frequentes
vezes desviavam, interrompiam ou faziam estagnar durante dias ou
semanas, ou meses. A rotina das caravanas começava antes da aurora
quando o acampamento era levantado e a longa fila de homens, e
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também de mulheres e crianças, que iam nascendo pelo caminho, pe-


gava nas suas cargas e se punha em marcha, uma marcha que termi-
nava com o sol ainda alto, quando todo o grupo se reencontrava e
iniciava as tarefas de fim de dia. Os carregadores construíam o acam-
pamento – defesas contra as feras para os animais; e para os homens
tetos e paredes precárias, mas suficientes para oferecer privacidade
à noite e proteger o corpo da humidade ou da chuva. Os retardatá-
rios iam chegando, recolhia-se lenha e acendiam-se as fogueiras, co-
zinhava-se e comia-se, os exploradores entretanto iam à caça onde
ela existia, faziam medições geográficas, astronómicas e meteoroló-
gicas, recolhiam amostras dos solos, preenchiam as páginas dos seus
diários com desenhos, tabelas e com as observações e impressões da
jornada, da viagem, da vida, no final de um dia irrepetível como são
irrepetíveis todos os dias de uma viagem. E depois, mais do que
tudo, havia ainda uma sensação de conquista solitária, de autossu-
peração, o orgulho de ser o primeiro – o desígnio que faz o explora-
dor –, como se o primeiro olhar não nativo fosse por si só um ato de
apropriação e de conquista, não de uma nação ou raça por outra, mas
do mundo ou de uma sua fatia por um homem e pelo seu sacrifício.
O fim da viagem, tão desejado, tantas vezes visto como impossí-
vel, era o momento singular e íntimo do reencontro do explorador
consigo próprio. No momento em que voltava a ver o oceano, aquele
de onde partira ou o da contracosta, um, dois ou três anos depois de
ter iniciado o caminho em direção ao interior, o explorador era um
homem diferente daquele que partira. Como todo o verdadeiro via-
jante, e por força das experiências-limite da viagem, descobria a sua
própria transformação enquanto ser humano. Quantas vezes não
chegava ao termo da sua expedição destituído de tudo, incerto sobre
a sua identidade, provavelmente sobre a memória e realidade de si e
do mundo tal como os havia conhecido. Um mundo que no entanto,
a cada milha percorrida pelo vapor que o devolvia à Europa, o explo-
rador desconcertantemente reencontrava tal como deixara. Uma vez
chegado, era recebido por multidões e aclamações, homenageado e
condecorado, percorria as capitais da Europa, proferindo conferên-
cias onde discorria perante pares e especialistas sobre os novos lugares
cartografados e finalmente escrevia um livro onde relatava a sua ex-
periência e viagem a um público ávido de as conhecer. O explorador
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era uma figura celebrada de uma sociedade em que espaço e tempo


eram as coordenadas de um processo de conquista, de uma marcha
incremental que inelutavelmente iria apagando as manchas sobrevi-
ventes da humanidade primeva. E África era por excelência – assim
se cria – o lugar onde a humanidade era primeva, um mundo selva-
gem e desconhecido, um lugar de fronteira, numa aceção física, cul-
tural e existencial. Aqueles que a transpunham e a revelavam à
Europa eram heróis. Depois deles e pelos caminhos por eles abertos
chegaria, pensava-se, o comércio, o cristianismo e a civilização.
Assim, pouco a pouco e graças ao sacrifício, coragem e desejo de
fama desses homens, deu-se finalmente resposta aos velhos misté-
rios da geografia africana. Foram eles que deram a conhecer os cur-
sos e nascentes dos grandes rios – Nilo, Níger, Congo, Zambeze –, e
as ligações que faziam a rede hidrográfica que provinha tentacular-
mente das zonas equatoriais e dos planaltos centrais do continente;
que revelaram o traçado e dimensão dos grandes lagos e cadeias
montanhosas; a distribuição, extensão e recursos das grandes zonas
ecológicas, que tendiam a descrever, aguçando apetites coloniais,
como se se tratassem de Eldorados à espera que alguém lhes deitasse
a mão. Foi sem dúvida um empreendimento extraordinário, que
correu paralelo desse outro, com que se havia inevitavelmente de com-
binar, pelo qual a partir dos anos 1870 as grandes e algumas pequenas
nações europeias se concertaram e tomaram posse do «esplêndido
bolo africano», na expressão de Leopoldo II da Bélgica, um singular
e sinistro personagem central da formação dos impérios coloniais eu-
ropeus em África.
Por uma combinação de múltiplos e independentes fatores, os go-
vernos e opiniões públicas de vários países europeus foram então to-
mados por uma febre de apropriação de África, descobrindo assim,
como disse Robert Salisbury, primeiro-ministro inglês de então, que
«la faim vient en mangeant». A vastidão africana tornou-se pequena
e o resultado foi um longo e duro jogo diplomático que teve o seu
ponto culminante na célebre Conferência de Berlim de 1884-1885,
onde Portugal lutou por ver reconhecidos os direitos históricos liga-
dos à antiguidade da sua presença em África. O mapa do continente
foi sendo pintado com diferentes cores dos impérios projetados. Por-
tugal, um parceiro pobre, necessariamente tolerado na «luta por
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África», tinha um mapa cor-de-rosa que unia Angola e Moçambique;


Inglaterra um mapa encarnado que ligava o extremo norte ao ex-
tremo sul, o Cairo ao Cabo; França um mapa azul que se estendia
do Níger e do Congo até ao Mar Vermelho. Inevitavelmente as cores
sobrepunham-se em várias zonas assim sob disputa e os mapas tive-
ram que ir acomodando a força dos poderes em jogo e de outros que
nele apareceram. Os italianos alimentavam sonhos no norte de África
e na Etiópia; os alemães, pela mão resoluta de Bismarck, apropria-
ram-se sem esperar pelo acordo de ninguém dos Camarões, do Togo,
da Namíbia e da Tanzânia; e por último havia ainda o rei dos belgas,
tão diplomaticamente engenhoso quanto maligno nas intenções e
que, sob a face do humanitarismo, ambicionava o controlo comercial
da imensa bacia hidrográfica do Congo por uma associação interna-
cional de fachada por si criada. Nessa luta, inevitavelmente, as
expedições científicas de exploração de África, que então se multi-
plicaram, desempenharam um papel por vezes muito importante,
científico no nome, político no intento. E por isso, nas últimas déca-
das do século XIX toda a África estava a ser cruzada por exploradores
– sobretudo britânicos, alemães, franceses e portugueses.
As grandes explorações do período não percorriam porém, ou
quase nunca percorriam, territórios virgens para os europeus, ou
imunes à sua influência. Gradualmente, desde há mais de três séculos,
África havia tomado lugar na teia que fechara o mundo numa rede
de trocas. O comércio africano – onde desde tempos imemoriais sem-
pre circulou sal, ferro, cobre, gado e escravos – não começava nem
terminava nas zonas costeiras, porque o que os europeus demanda-
vam de África – mais do que tudo escravos, mas também marfim,
cera e, mais tardiamente, borracha –, e o que os africanos recebiam
em troca – tecidos, aguardente, missangas, armas e pólvora –, cada
vez mais provinha e ia para o interior profundo do continente. Das
suas costas, desde o século XVI, grosso modo entre os paralelos 15
Norte e Sul, partiam caminhos que se tornavam uma rede tanto mais
intrincada quanto mais avançava para o interior, cujos trajetos e en-
trepostos variavam continuamente, à luz de circunstâncias locais po-
líticas, militares, climáticas e epidémicas. As redes comerciais do
Atlântico Sul desembocavam nas feitorias e portos da costa do
Luango e de Angola, respetivamente a norte e sul da foz do Congo,
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onde Luanda e Benguela eram apenas os principais portos. As índi-


cas, controladas pelos Árabes e Suaílis, desembocavam na costa de
Zanzibar e, marginalmente, de Moçambique, a sul do Cabo Delgado.
Poucos as percorriam até à sua origem porque as mercadorias eram
sucessivamente trocadas, viajando mais do que os mercadores, e por-
que os poderes locais tinham o poder de estabelecer barreiras e de as
defender zelosamente, garantindo assim uma fatia importante dos
lucros do comércio. E inevitavelmente os caminhos da travessia de
África iam ao encontro de barreiras – no caso dos exploradores aqui
em causa, os impérios da Lunda, do Cazembe, do Barotze, ou de ou-
tros menos impérios, mas não menos ciosos dos interesses comerciais
que qualquer caravana lhes parecia ameaçar – que eram por vezes
obstáculos mais formidáveis ao avanço das caravanas de exploração
do que a geografia ou o clima, porque nesse tempo ainda eram os
africanos que controlavam os caminhos de África.
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EXPLORADORES SEM MAPA:
SERTANEJOS, AMBAQUISTAS E OUTROS

Apesar da imagem solitária do explorador, o sucesso das expedi-


ções dependia em larga medida dos africanos e também do indispen-
sável conhecimento prático detido por aqueles que percorriam desde
há muito os caminhos do comércio do interior do continente. Essa
dependência em que as expedições de exploração se encontravam
face às «culturas de caravana» começava primeiro que tudo pela ne-
cessidade de recrutar carregadores para transportar as toneladas de
bagagem que arrastavam. Cada carregador transportava uma carga
de cerca de 30 quilos, e a bagagem podia chegar às 8 ou 10 toneladas,
pelo que eram necessários 150, 200 ou mais carregadores. Depois
havia a necessidade de cozinheiros, de criados, de homens de con-
fiança que ajudassem à caça e na defesa da expedição, bem como de
guias e intérpretes, que eram os ouvidos e voz do explorador na Babel
africana. Essa dependência manifestava-se muitas vezes e de forma
aguda em muitas das situações-limite que as expedições enfrentavam.
A chegada de Cameron a Benguela – no que foi a primeira travessia
de África por um europeu de leste a oeste – só se tornou possível gra-
ças a dois «portugueses degenerados», aliás negros, que se permitiam
todas as arbitrariedades e violências para capturar escravos1; Livings-
tone foi salvo da morte por mercadores árabes que acompanhou
durante largos meses na sua última expedição em demanda das nas-
centes do Nilo; a segunda expedição de Stanley que o levou de Zan-
zibar à foz do Congo atravessou os territórios hostis da captura de
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22 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

escravos na zona dos grandes lagos, acompanhando também durante


largos meses o famoso negreiro suaíli Tappu Tip e o seu exército; e
as expedições portuguesas, belgas e alemãs que a partir dos anos 70
e 80 do século XIX, em plena febre de apropriação de África, partiam
da costa de Angola, contaram sempre com o apoio vital de sertanejos
e de ambaquistas.
Sertanejo era a designação corrente dos comerciantes – brancos
ou negros, portugueses na sua maioria e muitas vezes degredados ou
descendentes de degredados – que comerciavam com o interior, or-
ganizando expedições que dirigiam ou cujo comando era entregue a
homens da sua confiança, os chamados pombeiros, que eram tradi-
cionalmente responsáveis pela contratação de carregadores e pela sua
disciplina. A maior parte deles eram comerciantes de escravos e mui-
tas das expedições eram na verdade bandos armados que os compra-
vam aos chefes locais ou os capturavam onde conseguiam iludir a
vigilância a fuda das populações. Os ambarquistas, por seu turno,
eram assim chamados pela sua ligação histórica ao outrora flores-
cente entreposto angolano de Ambaca. Estes importantes persona-
gens da história da exploração consideravam-se e eram considerados
pelos outros africanos como «brancos», embora o sentido dessa ex-
pressão fosse dado não pela cor da pele, mas por traços culturais ad-
quiridos e orgulhosamente preservados dos seus por vezes já muito
distantes antepassados portugueses. Eram uma população indepen-
dente dos poderes nativos, cristianizada (mas nem por isso menos
crente na feitiçaria ou na adivinhação), fluente em kimbundo e em
português, as duas línguas francas dos hinterlands de Luanda e Ben-
guela, e muitos deles sabiam ler e escrever – o que era marca da sua
distinção e identidade «brancas», a par do batismo, do uso idiossin-
crático de roupas europeias e, elemento muito significativo, de sapa-
tos. Os ambaquistas eram artesãos multifacetados, empresários do
comércio angolano, secretários e conselheiros dos reis e sobas afri-
canos, funcionários da administração portuguesa, militares de se-
gunda linha e, quando as expedições de exploração europeia se
tornaram aí frequentes nas últimas décadas do século XIX, os tradu-
tores-intérpretes e guias das expedições. Acima de tudo, porventura,
eles eram representantes, ao menos autoproclamados, do Muene
Puto, o nunca visto, mas muito imaginado rei de Portugal.
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EXPLORADORES SEM MAPA 23

A importância dos sertanejos e ambaquistas para as expedições


científicas das últimas décadas do século XIX raramente transparece
nos livros que os exploradores deixaram. A sua marginalização deve-
-se talvez em primeiro lugar ao facto de a sua presença de alguma
forma pôr em causa a primazia que todo o explorador queria para
si, mas também com a sua íntima associação com um mundo que a
Europa queria ver desaparecer – decadente, mestiço e esclavagista.
O mais importante retrato da presença portuguesa em áfrica no pe-
ríodo havia sido feito por Livingstone, então a mais influente voz
sobre o continente, e era imensamente crítico. Depois da primeira
das suas três expedições e da publicação de Missionary Travels and
Researches in South Africa em 1857, Livingstone tornou-se uma ce-
lebridade mundial, uma figura santificada e heroificada que encar-
nava os ideais humanitários que começavam a ter expressão cada vez
maior nas opiniões públicas europeias. Assumiu assim militante-
mente o papel do imperialista que propagava a promessa futura de
desenvolver, cristianizar e civilizar África, e também o papel do feroz
nacionalista para quem isso dependia, contra os interesses de portu-
gueses, que ademais eram católicos, da prevalência da vontade e da
todo-poderosa iniciativa britânicas. Foi a prevalência dessa vontade
que fez aliás abortar sucessivas reivindicações territoriais portuguesas
em nome de direitos de precedência histórica em algumas zonas da
costa e do interior. O atrito entre Portugal e os britânicos emergiu
no século XIX em torno de disputas comerciais e territoriais menores
– na Guiné, na foz do Congo e em Delagoa Bay –, mas o seu motivo
fundamental foi, ao longo de todo o século, a insistente pressão bri-
tânica – e resistência portuguesa – para pôr termo efetivo ao comér-
cio de escravos. E ninguém mais do que Livingstone contribuiu para
acirrar essa pressão.
Apesar do auxílio prático que recebiam dos sertanejos e amba-
quistas, os exploradores tendiam assim a dar uma imagem negativa
daqueles que encarnavam a degeneração da velha colonização por-
tuguesa, uma colonização que não mereceria na verdade tal nome,
por ser feita por populações rácica e culturalmente miscigenadas.
Mesmo quando a efetividade da presença portuguesa era reconhe-
cida, procurava-se muitas vezes dar a ideia de que apenas contribuía
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24 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

para as primeiras etapas da viagem, por exemplo ao longo do rio


Cuanza, sempre dentro das fronteiras dos então relativamente pequenos
territórios de Angola sobre os quais Portugal detinha algum controlo.
Assim, em 1882, o explorador alemão Max Büchner reconhecia que
entrar no continente por essa via era surpreendentemente fácil: «Para
chegar a Malange não é preciso nenhum talento especial. De Luanda
até ao Dondo viaja-se semanalmente em barcos a vapor pelo Cuanza
acima. A partir do Dondo é-se transportado em tipoias e alcança-se
assim, confortavelmente e sem perigo, o objetivo mencionado, para
o que se deve contar com cinco a dez dias, consoante a pressa neces-
sária. Ao longo do caminho, há numerosas aldeias e os géneros ali-
mentícios são sempre oferecidos em quantidade suficiente. A cada 20
ou 30 quilómetros existem postos militares com palhotas para alo-
jamento, nas quais se pode dormir sem preocupações e, em caso de
danos provocados pela fuga de um carregador ou por roubo, os sol-
dados portugueses pretos, que se encontram por todo o lado, fun-
cionam como uma polícia muito eficaz.»2
Em qualquer dos casos, o conhecimento que sertanejos e amba-
quistas tinham de África, dos seus caminhos, das suas línguas, cos-
tumes e regras, não chegava à Europa, porque não deixavam
registos escritos ou porque, se os deixavam, permaneciam ignora-
dos. Além disso, o seu saber meramente prático não tinha aos olhos
da opinião pública europeia, e muito menos das sociedades geográ-
ficas, um valor equiparável ao que de lá traziam os exploradores
dignos desse nome – os únicos que estavam habilitados a dar res-
posta às questões da ciência geográfica contemporânea, em virtude
da sua preparação científica e da parafernália técnica das suas ex-
pedições. Não havia exploradores sem mapas porque se tratava não
apenas de neles inscrever a geografia do continente, mas também de
sistematizar observações zoológicas, botânicas, geológicas, astronó-
micas climatológicas e etnológicas, o que não estava no horizonte
de sertanejos e ambaquistas, que ademais estariam atavicamente li-
gados a África e, como tal, comprometidos com o tráfico humano
que por lá corria e inflamava as consciências europeias – ou mais a
rigor, britânicas – e que seria o principal obstáculo à civilização de
África.
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EXPLORADORES SEM MAPA 25

Em última análise foram portanto os exploradores a resolver os


mistérios da geografia africana, quanto mais não fosse porque era para
eles, como europeus, que esses lugares eram misteriosos. E era em
vão que os portugueses e luso-africanos se ressentiam da ingratidão
europeia e criticavam publicamente os exploradores por se limitarem
a colocar no mapa territórios já por eles bem conhecidos. Numa co-
luna de um jornal de Luanda em 1878, era com a veemência de dois
pontos de exclamação que se invetivavam os «aventureiros e intrusos
estrangeiros que deitam a mão a tudo para alcançar o seu objetivo,
que se gabam perante todo o mundo com um descaramento inacre-
ditável e despertam a admiração de todos, como se tivessem sido os
primeiros a empreender a perigosa viagem às longínquas terras de-
sérticas do interior africano!!»3
Houve exceções à regra, é certo, como por exemplo, em 1873, a
tradução e publicação inglesas – por iniciativa dessa extraordinária
figura que foi o explorador e polígrafo Richard Burton, entre outras
coisas também tradutor de Os Lusíadas para inglês –, de alguns ma-
nuscritos raros produzidos por esses pioneiros, que tanto contri-
buíam para o conhecimento de zonas ainda em branco nos mapas
da época. Foi o caso de dois ambaquistas, Pedro João Batista e
Amaro José, que deixaram um relato da ambiciosa e bem sucedida
travessia de Angola a Moçambique, que durou nove anos!, entre
1802 e 1811. Recebidos na corte de D. João VI, então no Rio de Ja-
neiro, esses homens simbolizam afinal a particularidade da relação
de Portugal com aquelas regiões de África, que, fosse como fosse ava-
liada, era longa e, como tal, tinha raízes profundas.
Quando Portugal, primeiro sob o impulso de Sá da Bandeira e de-
pois com a criação da Sociedade de Geografia de Lisboa em 1875,
procurou fazer valer junto das potências europeias a sua presença
histórica em África, resgatou por assim dizer a experiência sertaneja
como testemunho dessa presença, por inconsequentes que tais argu-
mentos fossem no jogo em que as maiores potências europeias con-
certadamente dividiam o continente. Fosse como fosse, o traçar de
fronteiras nada tinha a ver com o que então já se conhecia do interior
do continente; e pelo menos por rigor histórico e respeito pelos que
sempre arriscadamente o tinham percorrido, havia que dizer, como
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o disse Henrique de Carvalho, o grande explorador e etnógrafo da


Lunda: «Que não corra como novo, o que para nós é antigo»4 – uma
poderosa fórmula que ao tempo resumia uma verdade histórica, uma
estratégia política e o sentimento de uma nação dada a ressentimen-
tos e consumida pela miragem de destinos históricos imperiais.
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3
FRONTEIRAS DA INCOMPREENSÃO

Os livros de exploração são livros de aventura. Neles, página após


página, encontram-se relatos de acontecimentos e episódios dramá-
ticos e perigosos, de momentos de incerteza, risco e sofrimento, como
também, inevitavelmente, de estoicismo, arrojo e superação heroica
de cada uma e todas essas dificuldades – sem os quais, aliás, não ha-
veria sequer relato, por morte prematura do que seria o seu autor.
Foi porventura essa sua dimensão que os tornou tão populares para
os seus leitores contemporâneos e para todos os que ao longo de ge-
rações os foram lendo e assim tomando conhecimento dessas tremen-
das peripécias, dos seus protagonistas e dos seus tão aclamados
feitos.
Mas, não é preciso dizê-lo, os livros de exploração africana são
muito mais do que meros livros de aventura. São um testemunho de
mundos – lugares, pessoas, acontecimentos – descritos inevitavel-
mente da perspetiva do explorador-autor, mas que não são por isso
imaginários ou ficcionais. Como os textos etnográficos, que no sen-
tido estrito do termo à data das explorações do período que este livro
trata ainda não tinham sido inventados, o seu poder e relevância
prende-se com a sua dimensão descritiva e testemunhal, com a sua
dimensão de verdade. Entrar nesses textos é entrar de forma muito
real em África do século XIX, quando esse era ainda, e era de facto,
um continente remoto, misterioso e, em certo sentido, em muitos
sentidos, estranho. Não eram estranhas as montanhas e rios que se
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28 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

descobriam, pois que se tratavam de montanhas e rios, como não


eram estranhos os leões e elefantes que se viam e caçavam, pois que
se tratavam de leões e elefantes; o que era estranho era outra coisa,
outras coisas. Era o que trazia tantas vezes para os títulos e linhas
desses livros a imagem da escuridão e para os seus momentos de con-
fessionalidade mais arrebatados um sentimento infinito de solidão e
repulsa pelo mundo circundante. O explorador traçava as coorde-
nadas dos lugares, mas em certo sentido estava sempre perdido num
labirinto, mergulhado num irrevogável desacordo e mal-entendido
com o mundo humano que o cercava. A fronteira última de África,
aquela que o explorador descobria por nunca conseguir atravessar,
era a da diferença, da estranheza e da incompreensão cultural. E di-
ferentemente dos etnógrafos profissionais que mais tarde lhes segui-
riam os passos, o explorador não possuía à partida nenhum en-
quadramento ideológico relativizador que o guiasse no confronto
com essa diferença, que dessa forma facilmente se absolutizava.
A diferença cultural, de acordo com os cânones do tempo, e embora
havendo exceções significativas, era pensada em termos de diferenças
biológicas, de diferenças de «raça». Se era comum no século XIX a
ideia da unidade do género humano, também o era a ideia segundo
a qual essa unidade não era contraditória com uma profunda desi-
gualdade entre as raças que o compunham, uma desigualdade que
não era meramente física mas também intelectual e, como corolário,
social e «civilizacional». O negro, o preto, o nativo, o africano (as
designações vão variando ao longo dos textos), nunca está longe da
selvajaria na maior parte das descrições. Era essa avaliação que es-
tava por detrás das intenções humanitárias e imperiais – e ao tempo
para muitos uma e outra eram a mesma coisa – que prometiam civi-
lizar África, resgatá-la de uma história e uma geografia ingratas que
haviam fixado os seus nativos – os negros – num estádio primitivo
do processo civilizacional. Terra da escravidão, de doença e de fome,
África era também o lugar de sacrifícios humanos e canibalismo, de
feiticeiros, adivinhos e soberanos despóticos, onde a vida do homem
era, como o havia dito Hobbes descrevendo o estado de Natureza,
«solitária, pobre, sórdida, brutal e curta». Histórica e geografica-
mente separada dos centros da civilização – que havia produzido os
tratados de ética e a eletricidade, a noção de humanidade e de evolução
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FRONTEIRAS DA INCOMPREENSÃO 29

biológica – pulsava no coração de África a pujança da Natureza, e


com ela da violência, da crueldade e da ignorância primitivas.
Essa imagem oitocentista de África foi incessantemente combatida
ao longo do século XX por antropólogos, historiadores e humanitá-
rios de toda a sorte, que para isso não tiveram mais do que trocar o
pessimismo antropológico de Hobbes pelo otimismo de Rousseau e
seguir o lastro deixado pelos movimentos abolicionistas que haviam
lutado ao longo de todo o século XIX pela proibição e erradicação da
escravatura. O que estava afinal por detrás dessa imagem era, como
se veio então a dizer, uma presunção infundada de superioridade cul-
tural, um mero, embora profundo, preconceito etnocêntrico alicer-
çado em utilizações impróprias das teorias do evolucionismo social
e biológico e que em última análise serviam, como a história do con-
tinente foi mostrando, de véu legitimador de interesses de dominação
política e exploração económica. Como disse Lévi-Strauss, um dos
mais autorizados defensores do relativismo cultural, «bárbaro é
aquele que acredita na barbárie».1 E no ambiente desse relativismo
cultural, não foi difícil defender que a África autêntica, aquela que
antecedera o cataclismo do comércio atlântico de escravos que lhe
tinha sido imposto do exterior, era um lugar onde os seres humanos
viviam em simbiose com o mundo a que pertenciam, em comunida-
des integradas e funcionais, com uma vida espiritual rica, usufruindo
da prodigalidade da Natureza e desconhecendo os constrangimentos
e regras artificiais com que a «civilização» havia limitado a liberdade
e gozo dos prazeres sensuais, estéticos e lúdicos vitais.
Encontramos um exemplo eloquente, mas característico de certo
quadro oitocentista de valores, em Capelo e Ivens: «O negro típico,
tem basta carapinha, espessa como a lã, raras vezes barba ou bigode,
é de baixa estatura, tem a fronte deprimida, proeminente o occiput,
bem como as queixadas e arcadas zigomáticas, adiantando-se-lhe do
mesmo modo que nos quadrúpedes glutões, a boca, guarnecida de
largos e grossos lábios. O nariz é achatado, estreito o pescoço, ao
passo que a coluna vertebral extremamente curva para a frente, logo
acima da bacia, parecendo tal conformação prestar-se mais à marcha
sobre os quatro pés! Mais cientificamente acrescentaremos: a capa-
cidade do crânio acha-se reduzida quando comparada com a do eu-
ropeu, sobretudo na região anterior.»2 A caracterização prossegue
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30 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

nos mesmos termos, usando um vocabulário que infunde a ideia de


objetividade e cientificidade, mas soa como profundamente equívoca,
para não dizer alucinada, ao observador contemporâneo. Em páginas
como estas o explorador é o porta-voz dos preconceitos do seu tempo
e ilustra quanto o condicionamento do olhar pode determinar o
modo como este vê e apreende o que vê, e como, portanto é fácil en-
contrar em características selecionadas, típicas ou não típicas dos in-
divíduos, os elementos que confirmavam os preconceitos de que
partia e que assim nunca chegava a pôr em dúvida. Em certo sentido,
essas descrições dizem mais sobre esses preconceitos e sobre o seu
caráter limitador quando se trata de pensar a diferença, do que sobre
os putativos conteúdos dessa diferença.
Henry M. Stanley dá-nos uma outra expressiva ilustração do mal-
-entendido antropológico que continuamente confronta o explorador.
Afirma ele que no negro, «os músculos, os tecidos e as fibras dos seus
corpos e todos os órgãos da visão, audição, olfato ou locomoção
estão tão desenvolvidos como os nossos». Mas imediatamente acres-
centa o que os distingue dos europeus: «Temos gostos e julgamentos
superiores, baseados numa experiência mais ampla, no poder de ex-
pressão, nos princípios morais e na cultura intelectual.» É a partir
dessa posição de superioridade que fala com um negro do Congo
sobre as diferenças que os caracterizam. Observando-o, encontra no
seu rosto «uma máscara horrenda e extravagante, desajeitadamente
talhada nalgum estranho e grosseiro material castanho-escuro». No
seu corpo nu vê uma «camada de barro ocre com estranhas marcas
de picadas, círculos, quadrados e cruzes» e descobre «com surpresa
as muitas rugas vincadas fruto da idade, do clima, dos poucos cui-
dados e da incúria». Os pés, são «monstruosos abortos e as plantas
tão duras como cascos». No cordão que lhe cinge a cintura estão
pendurados «farrapos de pele de macaco e pedaços de osso de gorila,
corno de cabra, conchas, estranhos remates para estranhos apetre-
chos». Em volta do pescoço, «crânios de rato, pele de cobra, dentes
de serpente». Olha em redor «para essas bizarras criaturas seme-
lhantes a homens que me olham fixamente e que têm um cheiro es-
tranho», as palavras que lhe ocorrem são: «feio, ainda mais feio,
feiíssimo». As mulheres mostram a «indecência geral da sua nudez,
os corpos sórdidos, as enormes tetas que pendiam do peito», fazendo-o
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FRONTEIRAS DA INCOMPREENSÃO 31

exclamar «Que horror!» E no entanto o seu interlocutor tem um


«humor astuto e uma disposição amável», e está junto a ele porque
Stanley, dando-lhe na mão 20 caurins*, a moeda local, lhe disse:
«Meu irmão, senta-te junto a mim nesta esteira e sejamos amigos e
convivamos.» O desenlace do encontro é a descoberta por Stanley
do caráter relativo da definição do que é ou não é humano. Pois que
essas pessoas se mostravam interessadas «em saber de onde venho,
para onde vou e qual é a minha atividade», acabando por descobrir
o que depois todos exclamavam: «Wa-a-a-antu! – são homens! Agora
imaginem esta situação! Enquanto nós, homens brancos, discutíamos
com arrogância se os seres que víamos eram humanos, aquelas cria-
turas duvidavam profundamente que nós o fossemos!»3 Todos des-
cobrem assim «que o mundo é bizarro», e em África aos olhos do
europeu tudo o é.
E não faltam nunca evidências disso. Intelectualmente, o explora-
dor deslinda que o negro «não compreende o mundo que o cerca»
ou, o que é dizer o mesmo, o compreende «erroneamente» e de modo
«impossível».4 A bizarria das suas crenças mostra, segundo Serpa
Pinto, que «o cérebro do preto não está à altura de compreender um
certo número de questões, comezinhas entre povos de raças eviden-
temente superiores. As questões abstratas são sublimes e incompreen-
síveis a tão inferiores organizações. Explicar teologia a um preto
equivale a expor as sublimidades do cálculo diferencial a uma assem-
bleia de campónios».5 Isso é assim porque desde logo, como dizem
Capelo e Ivens, não é capaz de apreender e aplicar princípios de na-
tureza lógica, não «compreendendo o axiomático princípio de que o
todo é maior do que qualquer das partes; pela simples razão de haver
raposas que têm o rabo maior que o corpo!»6 Por mais que tentem,
os exploradores não conseguem também extrair cálculos plausíveis
de distância e de duração. Tudo se parece perder numa nebulosa
onde se pode, sem surpresa, caminhar sempre para norte para vir
parar a sul, como explica um guia num dia em que a expedição va-
gueou perdida, e apenas saber que o tempo que demora a cumprir
um dado trajeto é pouco ou muito, sem que se consiga perceber
————————————
*
Concha de um molusco gastrópode (Trivia monacha) então correntemente
usada como moeda em várias zonas de África e do Índico.
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32 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

quanto é o pouco e o muito, que pode ser, talvez, o gasto de uma ou


duas alpargatas.
Essa diferença cognitiva tem a sua expressão mais clara quando se
atenta nas suas línguas, que «são em geral pobres, imperfeitas, com-
plicadas de variadíssimos sinais», a que «faltam muitos termos gené-
ricos» e que – como todas as línguas que não possuem cláusulas de
subordinação – produzem «extensas orações que tanto incomodam».7
É também intrigante para o explorador o modo como os africanos
observam os desenhos que faz. «Parecem ignorar por onde começar,
não fixam nem se orientam, e por mais que se lhes queira pôr o dese-
nho na devida posição, eles o inclinam ou curvam a cabeça, sendo-
-lhes impossível aperceber as imagens.»8 Os exploradores entreveem
assim o filão que veio a ser explorado pela disciplina que tomou para
si o confronto com a diferença cultural – a Antropologia, que cedo
deixou para trás a prevalecente e equívoca identificação oitocentista
entre «raça» e «cultura», mas não sem ir cavando esse mesmo filão
em eternas discussões sobre a existência ou não de correlação entre
formas de socialização, formações culturais e processos cognitivos.
Não se avançava em África a não ser na companhia de africanos.
As caravanas nas primeiras etapas da viagem eram, como vimos, com-
postas por mais de cem pessoas, por vezes muito mais; entre elas es-
tavam os moleques que auxiliavam pessoalmente o explorador, os
parceiros de caça, os guias que se iam contratando, e um grupo sem-
pre limitado de «imediatos» e tradutores de confiança. É em convívio
próximo e prolongado, muito prolongado, com essas pessoas e com
as populações que vai encontrando que o explorador vai tendo
acesso à África humana, tantas vezes incompreensível e exasperante,
tantas vezes tão cruel, tantas vezes tão ingénua, tantas vezes tão in-
diferente e puerilmente inconsciente. Por detrás de tudo isso estava,
não duvidava o explorador, a ignorância, o caráter infinitamente pa-
roquial e erróneo de toda uma visão do mundo, de uma conceção da
realidade e do homem, do poder e alcance da ação e do pensamento.
Essa ignorância expressava-se na omnipresença do sobrenatural, em
imputações causais aberrantes, em nexos de significado que não re-
velavam mais do que o que pode a fantasia humana quando deixada
livre de toda a crítica, mesmo que apenas a do bom senso. Era ela
que estava por detrás de todo o medo, de toda a acusação de feitiça-
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FRONTEIRAS DA INCOMPREENSÃO 33

ria, de todo o ato patético de adivinhação, da inutilidade dos ritos


de chuva, de todos e cada um dos amuletos que se prendiam à cintura
e penduravam ao pescoço, e por fim da forma como o viam a si.
Todos sem exceção acreditavam que o mundo está povoado de enti-
dades maléficas que marcam e tornam perigosos os objetos, os luga-
res e os caminhos, como acreditavam que o mais certo é que todo e
qualquer projeto humano esteja contaminado pela feitiçaria. A feiti-
çaria era a suspeita universal, e o medo um sentimento sempre à es-
preita. Os vizinhos, os familiares, a mulher, os filhos, os estranhos,
todos podem ser feiticeiros, e todo o infortúnio, todo o desapareci-
mento, toda a doença e toda a morte não tem outra causa senão a
feitiçaria. A vida das aldeias oferecia assim frequentes vezes o espe-
táculo em que adivinhos e «cirurgiões» sujeitavam acusados e acusa-
dores a provas que, entre outros ordálios, os levavam por vezes a
morrer envenenados ou a queimar horrivelmente a pele das mãos pela
sua imersão em água a ferver, e que terminavam quase invariavel-
mente na obrigação de pagar compensações ou de alguém ser tornado
escravo ou morto. O explorador utiliza em seu proveito essas crenças,
porque rapidamente descobre que é aos olhos de todos o supremo fei-
ticeiro, que traz consigo e manipula os mais estranhos objetos e que
os arrasta para um projeto que lhes é em última análise incompreen-
sível. As bússolas, os relógios, os espelhos, as caixas de música, os
óculos e telescópios, os fósforos e as lentes que se usavam para atear
fogo, a própria cor branca da sua pele, tudo isso servia para causar
aos nativos uma impressão e temor profundos – e esse temor era na-
turalmente uma garantia de segurança para o explorador, que por
vezes se servia dele em situações hostis, e outras para se tornar um
entertainer que espantava grandes audiências e se divertia a si próprio
com as reações e explicações destas aos seus atos e instrumentos.
Mas a ignorância também estava por detrás de algo mais pertur-
bador para o explorador: da condição de miséria sociológica e moral
que caracterizava as comunidades africanas. Porque o que vigorava
no interior africano era «um código de tiranias (...) tendentes a su-
jeitar não só a vontade, mas ainda os haveres, o interesse e a vida do
fraco à ordem do mais forte». Contrariamente ao modo como eram
«livremente pintados pelos poetas (...), estes filhos das selvas são as
mais infelizes e escravizadas criaturas da Terra, a quem uma infinidade
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34 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

de costumes bárbaros e absurdas leis repressivas apertam em férreo


círculo no viver quotidiano! Em vez de uma completa liberdade pes-
soal, como à primeira vista se poderia presumir, o negro tem superior
a si o régulo, que estuda constantemente o melhor modo de aprovei-
tar-se dele, envolvendo-o num sem-número de preceitos e imposições
que lhe tolhem todo o meio de ação. Mesmo dentro da sua própria
casa o triste não goza prerrogativas sobre os seus, porque o chefe
num momento pode tudo aniquilar, tirando-lhe mulher e filhos. Fora,
no arimo e na terra que a família agricultou, nada possui também,
porque, sendo o torrão de propriedade do régulo, dele dispõe a seu
bel-prazer. Mais longe, se, afastando-se o mísero, após prolongada
fadiga, consegue abater um animal em terra de vizinhos, eis que o
chefe dali, acercando-se lhe exige o melhor produto do seu trabalho,
ficando o remanescente à mercê do outro».9 E, inevitavelmente, era
na figura do escravo e da mulher, que muitas vezes era mulher e es-
crava, e tantas vezes fora antes disso criança e escrava, que essa in-
digência sociológica e moral africana se encarnava de forma mais
dramática. Não surpreendentemente todos os livros sobre a África
desses tempos têm de evocar o que, portanto, não parece poder dei-
xar de ser evocado: que essa era a terra da escravidão e quão dramá-
ticos e cruéis eram os seus custos humanos.
A escravatura – um fenómeno comum à escala da história humana
– desde tempos longínquos caracterizou África mais do que qualquer
outro lugar do mundo, e foi o que a fez entrar de forma significativa,
a partir do século XVI, na rede mundial de trocas. O comércio atlântico
de escravos pode ter subtraído do continente cerca de vinte milhões
dos seus nativos. No século XVII estima-se que chegavam em média
trinta mil negros por ano às Américas, esse número aumentou para
cinquenta mil na primeira metade do século XVIII e para setenta e cinco
mil na segunda. Mesmo depois da proibição que os britânicos pela di-
plomacia e pela força acabaram por conseguir impor, os números con-
tinuaram elevados, calculando-se que entre 1811 e 1860 cerca de dois
milhões de escravos tenham atravessado o Atlântico em direção ao
Brasil e às Caraíbas – numa altura em que o comércio Índico se tor-
nara também pujante. Afinal a atividade continuava a ser lucrativa, e
tanto mais que a proibição e os riscos inerentes inflacionaram os pre-
ços, as sociedades africanas continuavam a enviá-los para a costa, e
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FRONTEIRAS DA INCOMPREENSÃO 35

ninguém se sentia com vontade ou capacidade para tomar o passo que


para Livingstone e os seus seguidores, mais do que as leis e a vigilância
das marinhas, permitiria pôr-lhe termo: a colonização de África.
Ser-se escravo é primeiro que tudo pertencer a outro homem, de
quem se é um bem transacionável, é ser alguém destituído de direitos
que é obrigado à obediência e ao trabalho, por longo, duro, deson-
roso, indesejado ou perigoso que este seja, é ser alguém que sofre
continuamente sentimentos de vergonha, humilhação e desumaniza-
ção, que vive numa condição de morte social, de que estão excluídos
laços familiares passados, presentes ou futuros, uma associação per-
manente a alguma comunidade, o direito à propriedade ou, muitas
vezes, a expectativa sequer de uma sepultura. Ser-se escravo é não
ser-se livre, é estar-se sujeito ao animal cruel, mas senhor, que é outro
ser humano. Se, como Aristóteles dizia, «o boi é o escravo do cam-
ponês pobre», o escravo é o animal daquele que o possui, de um
dono que o compra ou vende, prende com colares e correntes, o
marca com ferros incandescentes, o deixa à fome ou à sede, o usa se-
xualmente, o sacrifica, se apropria dos frutos do seu trabalho e dos
seus filhos, da sua vida, em suma.
Quando Henry Maine, grande autor oitocentista da juridispru-
dência comparada, distinguiu as «sociedades de contrato» e as «so-
ciedades de estatuto», entreviu pela primeira vez o abismo que
separava as conceções modernas – que os exploradores traziam con-
sigo – e não modernas de liberdade e de direitos individuais – que
encontravam em África. A rigor, aí o indivíduo, como o acabavam
por perceber concretamente os exploradores, não era detentor, mas
apenas um dos elementos de uma cadeia de bens e direitos cujo su-
jeito era o grupo a que pertencia. E havia muitas formas de pertencer
ou fazer parte de um grupo, fosse ele doméstico, de parentesco ou
político. Pertencia-se por nascimento, por casamento, por adoção,
mas também porque se foi comprado ou recebido em troca de algum
bem ou como um direito – como parte da compra de uma noiva,
como indemnização a pagar pelo crime de roubar, matar, ser adúltero
ou feiticeiro, como tributo de guerra – como também finalmente
porque se era órfão, ou porque por alguma circunstância se estava
só ou distante do lugar de origem, e porque portanto se era assim
indefeso e carente de algum tipo de proteção. E nesses casos a proteção,
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36 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

que era a própria sobrevivência, era assegurada quando o indiví-


duo em causa era integrado num grupo tornando-se sua propriedade
e, como tal, elemento potencial da sua rede de trocas. Um escravo
era uma reserva de mão de obra para os trabalhos mais intensivos,
como especialista de algum ofício, como guerreiro; e se mulher tam-
bém um produtor de outros seres humanos. Era algo cuja posse con-
feria segurança económica, estatuto e poder. E em África todos
sabiam que em algum momento se podiam tornar tal, se as circuns-
tâncias e infortúnios – grupos de captores, secas, fomes, conflitos fa-
miliares ou linhageiros, guerras ou os interesses do seu próprio grupo
e dos seus poderosos – assim o ditassem.
A lei de África, na visão oitocentista, era apenas um capítulo da
lei natural onde impunemente «os fortes oprimem os fracos, come-
tem extorsões, atacam a propriedade» – a lei que correspondia a um
estádio civilizacional inferior onde a consciência moral seria «em-
brionária», ou menos que isso.10 Como dizia Richard Burton, sempre
enfático no seu escrutínio da moral e caracteres africanos, «a cons-
ciência não existe, o único arrependimento que o indígena pode sentir
é a pena de lhe haver fugido o ensejo de perpetrar um crime. O roubo
distingue um homem; o assassínio sobretudo, se for acompanhado
de incidentes atrozes, faz dele um herói».11 E o negro é assim aquele
que «incompreende rudemente o dever e a dignidade, que faz parên-
tesis de toda a nobilitação humana, que desconhece a sublimidade
da prática do bem».12 É casmurro, desconfiado, cobiçoso e, sobre-
tudo, estúpido», com «disposição para um caráter no geral mau, per-
verso ou vicioso.»13 Era essa «consciência moral embrionária» que
aos olhos do explorador provocava os conflitos humanos permanen-
tes e desgastantes que continuamente o enredavam. Os carregadores
que se recusavam a cumprir ordens e faziam exigências exorbitantes,
o medo e a renitência de avançar por territórios desconhecidos, a
constante tentativa de ludibriar, o roubo frequente das cargas, e so-
bretudo a ameaça das cruas leis e exigências locais tal como eram
acionadas e impostas por todo e qualquer régulo, rei ou imperador.
«Quanta selvajaria e má-fé há nestes monstros, que de homens só
têm a forma!»14 – escrevia-se nos diários em desespero.15 É «casmurro,
desconfiado, cobiçoso, e sobretudo, estúpido», com «disposição
para um caráter no geral mau, perverso ou vicioso».16
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FRONTEIRAS DA INCOMPREENSÃO 37

Juízos extremos, mas correntes nas páginas da literatura de ex-


ploração. São sem dúvida a expressão de uma enorme arrogância,
como são a expressão do caráter tantas vezes extremo das situações
e emoções vividas pelos exploradores no interior de África; mas são
mais do que isso. A desumanidade da escravatura, era a desumani-
dade do mundo onde ela não era apenas possível, como comum; era
a desumanidade de um mundo sem liberdade e sem compaixão, onde
o sofrimento era encarado com uma indiferença extrema, e a vida,
tudo o mostrava, não tinha valor. E era por África dentro que o ex-
plorador avançava, em direção a uma barbárie que era negra e por
vezes também branca, deles e sua, porque comummente humana.
E no entanto, os exploradores, ou alguns deles, percebem o
quanto podem por vezes ser falíveis os seus juízos e quão incompleto
é o conhecimento que chegam a ter dos mundos que atravessam e de
certo modo os recebem. Henrique de Carvalho é neste domínio um
caso singular, porque é aquele em que a sensibilidade cultural que
virá a predominar no século XX se revela de uma forma precoce.
Como diz: «Os povos indígenas, têm os seus hábitos já adquiridos,
os seus laços sociais, e a sua família, as suas paixões e os seus amores,
e as suas necessidades, subordinadas ao meio em que se encontram
e onde nasceram, se educaram ou se aclimataram; e nós, sem os com-
preendermos, sem os estudarmos, ao menos para lhes fazermos jus-
tiça, penetramos nas localidades onde eles habitam e queremos logo
ser compreendidos, imitados e servidos, como se fosse fácil a impo-
sição de outros costumes e de outra religião, na vida mais íntima de
um povo (...). Olvidamos o meio em que nos encontramos, esquece-
mos tudo e tendo-nos a nós sós como modelo, julgamos ter trans-
portado para lá a Europa civilizada, com todas as suas comodidades,
com as suas últimas leis que levaram séculos a alcançar; e as realidades
que vemos levamos à conta de selvajaria, para com desprezo tratar-
mos o negro e chegarmos à triste e errónea conclusão, que queremos
faça eco no mundo civilizado – de que os povos da África são brutos
e como tal só a tiro se podem submeter aos nossos usos e costumes;
ou então, que deles nada se pode fazer, por serem rebeldes ao ensino.»17
Henrique de Carvalho sabe também quanto foram limitadas as
capacidades dos seus predecessores para dar a conhecer esses costu-
mes: «Romão, Rodrigues Graça, e ultimamente Carneiro, Saturnino
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38 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

Machado, António Lopes de Carvalho, Silva Porto e João Baptista,


negociantes sertanejos; Dr. Pogge, Dr. Max Büchner, tenente Wis-
smann, Otto Schütt, Barth, Livingstone, Cameron e outros, o que
nos dizem? Muito pouco!»18 Censura-os também por «em vez de se
limitarem a dar conta dos factos que observam, descrevendo-os na
sua extrema simplicidade, os envolverem em narrações mais ou
menos coloridas, segundo o seu modo de ver»19, e de não entenderem
que para «deduzir o valor intrínseco de um povo, ou apreciar a sua
capacidade produtora e a sua civilização», não basta narrar «acon-
tecimentos mais ou menos ruidosos como as visitas que nos fazem
os potentados, e as cerimónias que se observam».20 E por fim, sabe
que para falar «com pleno conhecimento de causa» da «delicadeza
de significado e cambiante de ideias por vezes tão diversas e quase
sempre tão peculiares ao seu desenvolvimento intelectual e ao seu grau
moral», não basta «uma rápida viagem, e demais com intérpretes que
das línguas modernas só mal conhecem a portuguesa, sendo preciso
viver-se algum tempo entre estes povos, meses e mesmo anos».21
Mas por importantes que o etnocentrismo e as disposições emo-
cionais fossem para conduzir os exploradores aos juízos extremos
que faziam sobre os mundos africanos, é preciso reconhecer que
África encarregava-se de os tornar incontornáveis, porque demasia-
das vezes oferecia o espetáculo monstruoso da barbárie – como os
textos que acompanhamos na segunda parte deste livro tão enfati-
camente mostram.
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4
PODER DIVINO,
VIOLÊNCIA E SACRIFÍCIOS HUMANOS:
AS REALEZAS AFRICANAS PRÉ-COLONIAIS

A faixa do continente atravessada pelas explorações de que este


livro trata é sob todos os pontos de vista – geográfico, climático, lin-
guístico, cultural – imensamente diversa. Do extremo norte até ao
extremo sul, as florestas tropicais tornam-se gradualmente em sava-
nas húmidas e cada vez mais secas que se transformam em extensas
zonas desérticas. Hidrograficamente é dominada pelas bacias do
Congo e do Zambeze que correm em direção ao Atlântico e ao Índico
reunindo a maior parte dos inúmeros rios que partem do vasto pla-
nalto que ocupa toda a região central. A maioria da sua população
era de raiz banta, originária de um movimento e difusão de popula-
ções que praticavam a agricultura e a criação de gado que partiram
em direção a sul e a leste de uma região que grosso modo corres-
ponde atualmente à Nigéria, uma migração que se iniciou, pode-se
presumir, há cerca de trinta séculos, e que foi empurrando para as
zonas desérticas do sul as populações bosquímanas. Desde então a
história dessa imensa região de África foi um contínuo movimento
de migração e combinação e recombinação de genes, de línguas, de
princípios culturais e de organização social, de que foram resultando
à luz de circunstâncias locais e regionais um sem-número de entida-
des políticas e fronteiras étnicas sempre efémeras e fluidas.
Nessa faixa, a maioria das sociedades tinha sistemas políticos de
média escala, organizados a partir de princípios de parentesco linha-
geiros e de relações clientelares em que a integração dos grupos era
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40 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

situacional. Mas havia também pequenos bandos politicamente acé-


falos de caçadores-recoletores que sobreviviam em termos igualitá-
rios e desde tempos imemoriais em limites extremos de subsistência.
E, por fim, impérios, governados por aristocracias e soberanos des-
póticos e que estendiam o seu domínio por enormes áreas. E era de
encontro a esses grandes impérios que as expedições avançavam, por-
que era esse o seu objetivo comercial e diplomático ou porque muito
simplesmente eles se encontravam e eram obstáculos aos seus cami-
nhos projetados.
Desde o século XVII havia decorrido em diferentes regiões da
África um processo de centralização que deu origem a organizações
políticas de vasta escala que em certo sentido merecem o nome de
impérios dado que integraram sob sua influência cultural e domínio
militar e político o que, sempre imperfeitamente, podemos chamar
de etnias ou nações até aí independentes. A norte, desde a Nigéria às
zonas a norte dos grandes lagos, sob um impulso duradouro, cresce-
ram, entre outros, os impérios do Oyo, do Benim e do Buganda, mais
a oeste e próximos da costa atlântica, o Ashante e o Daomé, e a sul,
na zona central do continente, o Luba, que por seu turno foi a matriz
do Lunda e de todo um conjunto de outros cada vez mais nominal-
mente satélites deste, o Bângala (ou Mbangala ou Imbangala), o Ca-
zembe, o Niamuézi (ou Nyamwezi), o Lovale e o Lúi (ou Lozi, ou
Barotze). Estes últimos dominavam regiões onde haviam pontificado
impérios ou pelo menos grandes federações anteriores, como o Mo-
nomotapa, o Zimbabué e o Marave ou Malawi, que tinham entrado
em decadência cumprindo o ciclo da volatilidade das organizações
políticas africanas.
Os impérios que emergiram e atingiram o seu apogeu nos sé-
culos XVIII e XIX foram resultado de forças endógenas do continente,
mas talvez mais fundamentalmente de alterações trazidas pelo con-
tacto com os europeus. Estes não apenas introduziram novas culturas,
entre as quais a mandioca e o milho, que permitiram um incremento
demográfico num continente cronicamente subpovoado, como indi-
retamente ativaram e multiplicaram as redes de trocas com e no in-
terior. Foi esse comércio que possibilitou a escala e perenidade desses
impérios que, no entanto, entraram em decadência tanto mais acele-
rada quanto mais acelerada se foi tornando a dinâmica interna das
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PODER DIVINO, VIOLÊNCIA E SACRIFÍCIOS HUMANOS 41

sociedades africanas sob o cada vez maior impacto da influência eu-


ropeia, que em breve dominaria o continente e desenvolveria políticas
coloniais que os cooptaram ou venceram militarmente – embora por
vezes com enormes dificuldades. Era deles que provinha a maioria
dos escravos que chegavam à costa de África. Um dos motivos, por-
ventura o fundamental, da sua decadência generalizada ao longo do
século XIX foi o progressivo declinar do número de seres humanos
exportados do continente, que os privou de recursos indispensáveis
para manter um statu quo que então já não dispensava um complexo
sistema de dádivas e tributos entre o soberano e os chefes locais que
era alimentado pelo primeiro com os bens que recebia da Europa.
Apesar da sua escala, da sua força política e dos enormes dividen-
dos que tiraram da sua posição de intermediários do comércio de
longa distância, os impérios africanos sempre foram estruturalmente
débeis. Em primeiro lugar eram «agro-impérios» num mundo em que
a agricultura era de subsistência, assente na prática de queimadas e
na sucessiva ocupação de solos que em raros locais eram muito pro-
dutivos, estando ainda sujeita a ciclos climáticos que frequentes vezes
traziam secas prolongadas. Depois, por outro lado, a dificuldade das
comunicações no interior de África tornava distante e precária a re-
lação entre o centro e as periferias, obrigando a sistemas de delegação
de poder que nem sempre garantiam o pagamento dos tributos, fo-
mentavam rivalidades e desejos de independência e obrigavam a um
forte investimento militar. Além disso, os meios técnicos e a forma
de conduzir a guerra faziam com que em África os poderes centrais
nunca tivessem uma superioridade militar decisiva sobre coalizões
de revoltados ou sobre populações vizinhas que iam entrando nos
seus territórios e explorando os mesmos recursos. Os impérios afri-
canos – como tantos impérios na história – viram-se ainda e sempre
enredados no problema primeiro e último de toda a estrutura cen-
tralizada e vertical de poder, o problema da sucessão, que era deixado
ao arbítrio de jogos de corte, de interesses de regiões ou de persona-
gens carismáticos, o que fazia com que a morte do soberano inaugu-
rasse inevitavelmente um período por vezes longo, e em certo sentido
institucionalizado, de anarquia que os fragilizava por vezes em pe-
ríodos já de si delicados. Finalmente, eram caracterizados pela au-
sência de uma cultura e classe letrada, de uma verdadeira dimensão
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42 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

urbana e de mecanismos contra um dos principais fatores potenciais


de instabilidade política, a tendência para a autocracia e para o terror.
Foi esta última característica que desde cedo, praticamente desde
que começaram a ser conhecidos relatos sobre eles, despertou um
fascínio horrorizado por parte dos europeus. Entre os Ashante, no
Daomé, no Benim, de todos esses lugares vinham rumores e descri-
ções de sacrifícios humanos, que se realizavam com uma rotina e di-
mensão aterradoras. Como disse Burton, captando a centralidade da
instituição, «acabar com os sacrifícios humanos no Daomé é acabar
com o Daomé».1 E de facto, era assim. O mesmo Burton procurou
corrigir estimativas anteriores exageradas sobre o número de mortes
envolvidas, mas ainda assim situou-as em cerca de quinhentas em
«anos normais» e mil em «anos excecionais».2 MacKay, um missio-
nário que nos anos 80 do século XIX criou uma missão no Buganda,
descreveu aqueles que são porventura os maiores sacrifícios de que
há conhecimento. O rei, Mtesa, por si descrito como um «monstro»
e um «assassino maníaco» com uma «vaidade e egocentrismo des-
medidos», era desmedido também nos sacrifícios que ordenava, onde
se chegavam em alguns dias a matar duas mil pessoas, capturadas
na noite anterior nas terras circundantes.3 As vítimas – que eram de-
capitadas, queimadas vivas, mortas à paulada, a golpes de barras de
ferro, muitas vezes torturadas e desmembradas, atiradas aos rios e
aos crocodilos ou deixadas às hienas e aos abutres –, eram escravos,
prisioneiros de guerra, criminosos, feiticeiros e às vezes crianças. Os
sacrifícios eram motivados por cerimónias funerárias, rituais de Es-
tado periódicos, a doença ou infortúnio do rei, de um aristocrata ou
de algum seu familiar, ou ainda, meramente, pelo facto de torturar e
matar ser parte da normalidade quotidiana dos soberanos.
Como narra Henrique de Carvalho, um soberano lunda, depois
de mandar matar um dos seus homens de maior confiança e num
acesso momentâneo de consciência ou de cálculo político, «determi-
nou que para o futuro os do seu conselho não consentissem que se
executassem as sentenças de morte imediata que ele ordenasse
quando tivesse bebido antes de ir presidir às audiências».4 Desde
cedo, muçulmanos e missionários cristãos, e depois os poderes colo-
niais, lutaram contra os sacrifícios humanos, mas, como disse a um
missionário Kwaku Dua, um rei Ashante, aboli-los corresponderia
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PODER DIVINO, VIOLÊNCIA E SACRIFÍCIOS HUMANOS 43

Nos grandes impérios africanos os sacrifícios humanos aconteciam com uma


frequência e escala que horrorizava os europeus. As vítimas eram decapitadas,
queimadas vivas, mortas à paulada, a golpes de barras de ferro, muitas vezes
torturadas e desmembradas, atiradas aos rios e aos crocodilos ou deixadas às hienas
e aos abutres. Imagens como estas, provavelmente resultado da imaginação dos
seus desenhadores, contribuíam para a ideia generalizada de que a colonização de
África era um dever humanitário e o único meio de aí fazer chegar a civilização.

«a privar-se dos meios mais eficazes de manter as pessoas em sujei-


ção».5 E nesse círculo vicioso em que sacrifícios requeriam sujeição
que por seu turno requeria sacrifícios, em que medo e violência se
engendravam mutuamente, eles perduraram enquanto perduraram
os impérios africanos, mau grado serem um permanente fator interno
de tensão e revolta – bem como, por vezes, de fugas maciças e revol-
tas de escravos.
Os exploradores que acompanhamos neste livro foram de encon-
tro às capitais e cortes dos principais impérios centro-africanos do
século XIX. António Gamito alcançou o Cazembe, em 1831. Silva
Porto, o europeu que porventura melhor conhecia os caminhos des-
sas regiões de África, que percorreu ao longo de décadas, esteve vá-
rias vezes no Barotze, então sob domínio dos invasores Macocolos,
e em várias zonas do império Lunda, cuja capital foi visitada por
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44 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

Rodrigues Graça e Henrique de Carvalho, respetivamente em 1846


e 1886-1887. Serpa Pinto, na sua travessia de Benguela a Durban,
foi também de encontro ao Barotze, numa altura, 1878, em que este
já havia reconquistado a sua independência. As longas páginas dedi-
cadas aos encontros e negociações com os reis e imperadores africanos
são, como dissemos, uma história dentro da história da exploração
de África que condensam de forma dramática os desafios que os ex-
ploradores tinham de vencer, o abismo cultural que os separava dos
mundos que encontravam, a dificuldade e os mal-entendidos, tantas
vezes perigosos, que caracterizavam as suas relações recíprocas.
Todos estes impérios tinham uma relação de descendência histó-
rica com aquele que era não apenas o mais antigo deles todos mas
também durante muito tempo incontestadamente o mais poderoso –
o Lunda. O império Lunda tinha o seu fulcro na região do curso su-
perior do rio Cassai, um dos rios que a essas latitudes correm para
norte em direção ao Congo, numa zona fértil de savana húmida e
florestas onde a caça é abundante. Em datas impossíveis de precisar,
mas que devem remontar a meados do século XVII, uma liderança
local foi adquirindo importância política e militar, e tanto mais
quanto mais crescia então o comércio com a costa e o seu domínio
sobre as regiões das minas de cobre do Catanga, um metal de que
África era ávida e que se tornou um seu monopólio. Rapidamente o
seu crescimento deu origem a Estados feudatários e impérios satélite.
Entre os seus tributários estava a oeste o reino do Imbangala ou do
Cassanje, a velha fronteira do avanço português para o interior de
Angola, por cuja via se estabeleciam relações comerciais com o Atlân-
tico. A leste, em territórios Bemba, o do Cazembe, relacionado comer-
cialmente com os árabes que dominavam o comércio Índico. A sul o
Ndembu, e o Lovale que as caravanas de Bienos, o grande povo do
comércio angolano, visitavam assiduamente. Mais a sul estavam os
Quiocos (ou Chokwe) que, apesar da sua estrutura política não cen-
tralizada, foram crescendo em poder e influência ao longo do século,
graças às prodigiosas quantidades de marfim que vendiam aos Bie-
nos. E por fim, a sudeste destes, nas planícies alagadiças do curso
alto do Zambeze, e cuja relação com o Lunda era já muito remota,
o Lúi ou Barotze. Apenas este último, por peculiaridades ecológicas
que permitiam a agricultura intensiva e requeriam portanto muita
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PODER DIVINO, VIOLÊNCIA E SACRIFÍCIOS HUMANOS 45

mão de obra, não fazia chegar escravos à Lunda, que ao longo do


século XVIII os exportava em enormes quantidades. Lászle Magyar,
um importante sertanejo e explorador húngaro contemporâneo de
Silva Porto que viveu dezassete anos em Angola, onde morreu, cal-
culou que entre 1750 e 1850 um terço dos escravos enviados de
Luanda e Benguela para as Américas provinha daí.
A estabilidade do império dependia naturalmente da ação de um
conjunto de controlos que estavam a cargo de uma classe adminis-
trativa com poderes militares (os ilolo ou quilolos) que ocupava po-
sições importantes na corte mas que não tinha relações de parentesco
com as linhagens aristocráticas. Os seus membros fiscalizavam os ca-
minhos, acompanhavam e dirigiam as caravanas que entravam nos
territórios do império, cobravam os tributos e, quando necessário,
impunham-nos a chefes recalcitrantes, que mantinham localmente as
atribuições tradicionais das chefaturas africanas. Mas essa estabili-
dade dependia mais do que tudo de um núcleo ideológico cuja origem
remota era um império mais antigo, cujo esplendor entretanto se ex-
tinguira e que estava localizado a norte da Lunda, o império Luba.
Era daí que provinha o núcleo mitológico e ritual legitimador do
imenso, tremendo poder acumulado pelo soberano lunda: o Mua-
tiânvua*. Na sua figura, como descendente direto daqueles que pro-
tagonizavam as gestas de origem Luba, concentrava-se, dir-se-ia,
todo o cosmos, na sua ordem, desordem e incerteza. Porque os so-
beranos africanos são exemplares do nexo simbólico e ritual de que
de forma independente mas múltipla, com maior ou menor grau de
esplendor e densidade, os humanos rodearam o poder imperial e
absoluto. Nos grandes impérios asiáticos, nas sociedades estratifica-
das da Polinésia, em África como em outros lugares e tempos da his-
tória, o soberano era o fulcro de uma representação totalizante do
mundo e era, como tal, divino. Figura da absoluta singularidade, era

————————————
*
Tal como no caso dos etnónimos, adotámos para o título do imperador lunda
uma das transliterações do período colonial, nomeadamente a de Henrique de
Carvalho, por ser uma versão compatível com as sonoridades e o alfabeto da língua
portuguesa, de forma a poupar os leitores à dificuldade de leitura das versões basea-
das na linguística, certamente mais próximas do vernáculo, mas mesmo assim diver-
sas, com predomínio de Mwant Yav, Mwaant Yaav ou Mwant Yaav, entre outras.
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46 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

a absoluta singularidade que caracterizava as múltiplas e minuciosas


regras, interditos e prescrições que o rodeavam, na sua relação com
os outros seres humanos e com o seu próprio corpo – pois que este
era também, em certo sentido, o corpo do império.
O mito fundador da soberania Luba, e por empréstimo e assimi-
lação de todo o universo Lunda, era também o mito de origem da
humanidade e a narração dos passos pelos quais ela se erguera de uma
condição primitiva à sua complexa condição atual. Narrava, numa
das suas inúmeras e sempre recriadas versões, que o primeiro homem
e mulher, que viviam numa gruta subterrânea, haviam tido dois fi-
lhos, um rapaz e uma rapariga, que casaram e, por seu turno, tiveram
dois filhos e duas filhas, que formaram dois casais que deram origem
a uma imensa prole cujos descendentes abandonaram o mundo sub-
terrâneo e povoaram o mundo. No mundo assim povoado, um certo
chefe foi maltratado por quatro dos seus cinco filhos, mas não por
uma filha, Luéji (ou Rwej), a quem por isso entregou o bracelete da
soberania, tornando-a a primeira rainha. Assim aconteceu, e Luéji,
depois da morte do pai e com a ajuda dos seus parentes, governou
por tempos felizes. Um dia, esta vem a conhecer um estrangeiro, um
caçador que à noite levava secretamente o vinho de palma, deixando
no seu lugar pedaços de carne. O seu nome era Chibinda Ilunga (ou
Cibind Yurung), e era um homem belo, um sobrinho do imperador
luba em fuga do caos da decomposição desse império. Luéji apaixo-
nou-se por ele, e apesar de ser um estrangeiro tornou-o seu marido.
Foi através dele que ela e os Lunda conheceram os lugares sagrados
e os rituais e interditos que envolvem o soberano, bem como a di-
mensão cósmica, enquanto vivo e depois de morto, dos seus poderes.
Como Luéji era estéril, Chibinda Ilunga tomou uma segunda mulher
autóctone, com quem teve os filhos que são a raiz das linhagens aris-
tocráticas que, seguindo a regra Luba de descendência patrilinear se
constituíram como um grupo à parte entre os Lunda, dado que entre
estes a regra era, e permaneceu, «plebeia» e matrilinear. Surpreen-
dentemente, um dia, antes de entrar para a casa onde durante os ci-
clos menstruais obrigatoriamente ficava reclusa e sem contactos com
o exterior, Luéji manda entregar o bracelete da soberania a Chibinda
Ilunga, ordenando que a partir de então deveria ser ele o sujeito e re-
cetáculo das homenagens e tributos reais. No entanto, e dada a sua
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PODER DIVINO, VIOLÊNCIA E SACRIFÍCIOS HUMANOS 47

condição de estrangeiro, essa decisão criou uma cisão que levou ao


abandono da capital pelos descontentes, que assim partiram à con-
quista de novos territórios que colocaram sob seu domínio, levando
consigo, condensada nos mitos e nos rituais (e em particular o do ri-
tual funerário dos reis), toda uma conceção da soberania, da organi-
zação do Estado, da corte e do seu cerimonial, que a Mussumba, a
capital do império Lunda, expressava na sua dimensão máxima –
uma Versalhes centro-africana. E eram esses homens, tão poderosos
e tão frágeis, que solenemente recebiam, no requinte das suas cortes,
essas figuras para si imensamente importantes que eram os explora-
dores brancos, os enviados pelo «irmão» Muene Puto, para com eles
discutirem importantes assuntos de Estado – e para se desentenderam
uns com os outros, nesses assuntos e em tudo o resto.
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2.ª PARTE

O CAMINHO DOS TRÊS IMPÉRIOS


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DO DESERTO AO DESESPERO:
A EXPEDIÇÃO DE JOSÉ MONTEIRO
E ANTÓNIO GAMITO AO MUATA CAZEMBE

No dia 26 de junho de 1831, José Monteiro e António Gamito


enviaram duas cartas de jogar – um rei de copas e um rei de espadas
– aos chefes ou mambos das duas povoações mais próximas do
acampamento. Ocorrera uma nova deserção de escravos pela ca-
lada da noite, num total que já ultrapassava cinquenta fugitivos
desde a entrada no território dos Maraves, para lá do Zambeze, a
norte de Tete. Foram incumbidos de as entregar uns quantos sol-
dados, dos vinte que integravam a expedição (e que também eram
negros, à exceção de quatro). Tratava-se de fazer um pedido e uma
promessa aos ditos chefes: deveriam prender todo o indivíduo es-
tranho que não estivesse munido de carta idêntica e entregá-lo aos
muzungos, quer dizer, aos brancos; e a recompensa seria garantida
em bons tecidos, que na verdade eram de má qualidade pelos pa-
drões europeus. As gargalheiras só eram colocadas ao pescoço dos
escravos em situações de castigo e habitualmente nem sequer iam
acorrentados, porquanto se preferia confiar na boa vigilância dos
que por eles respondiam. Um destes muanamambos, como eram
chamados, chegara a alertar que os carregadores andavam agitados,
o que se devia sobretudo ao peso excessivo da «Real Fazenda», o
conjunto dos artigos para oferta e comércio em nome da Coroa
portuguesa.
Desde a morte de Lacerda de Almeida no Cazembe, as autorida-
des administrativas e em particular os sucessivos governadores da
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52 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

província de Rios de Sena* não ousavam uma nova expedição diplo-


mática e comercial a esse grande e famoso potentado. É bem sabido,
aliás, que as estruturas do poder metropolitano eram bastante fracas
na colónia de Moçambique e que o controlo local do poder pertencia
a velhas oligarquias luso-africanas com regras e interesses próprios,
que suplantavam e infiltravam os cargos e as instituições oficiais.
Bem podiam chegar, do Terreiro do Paço, instruções para explorar o
interior e as suas oportunidades de riqueza, mas a perspetiva de se
comprar marfim sem passar por intermediários não era suficiente-
mente apelativa para envolver os agentes locais nas enormes despesas
e riscos de tais viagens, já sem falar da eventual ligação à contracosta
angolana. No final de 1830, contudo, teve lugar um acontecimento
extraordinário, que foi a chegada à vila de Tete de uma embaixada
do Muata Cazembe, solicitando que os portugueses lá fossem levar
armas e pólvora, louça e vidros, missangas e fazendas, com a fiança
de que o imperador tudo haveria de ressarcir, desde logo em dentes
de marfim.
Apesar das resistências oferecidas pelo capital privado, sob a
forma de aviso contra os perigos de uma tal empresa, o governador
Vasconcelos e Cirne (personagem tido na historiografia por «ligeira-
mente doido»1) decidiu aproveitar o regresso da embaixada cazembe
e indigitou para comandantes de uma nova expedição, na senda da
de Lacerda de Almeida três décadas antes, dois oficiais da guarnição
da vila de Sena, o major de Infantaria José Manuel Correia Monteiro
e o capitão de caçadores António Cândido Pedroso Gamito. Durante
toda a viagem e mesmo durante a estadia no Cazembe, entre 1831 e
1832, este último manteve um diário de grande riqueza descritiva,
que constitui um documento ímpar da história de Portugal, de Moçam-
bique e da atual Zâmbia – razão pela qual assume maior protago-
nismo no presente capítulo. É que sem António Gamito (1806-1866)
esta aventura muito provavelmente não teria deixado rasto. Alguns
particulares – a bem dizer concessionários dos famigerados Prazos
da Coroa** – acabaram por disponibilizar cerca de uma centena de
————————————
Que se estendia pelo vale do Zambeze até à vila de Tete.
*

Terras atribuídas pelo Estado, por três gerações, a filhas de oficiais portugueses
**

em Moçambique que casassem com portugueses da metrópole e às suas descendentes,


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82 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

«Se é este o fato que me mandam para fazer a paz, eu por tal insig-
nificância não a faço. Quero fazenda bastante! E quanto ao mirambo
para o geral *, quem o há de levar é o meu enviado, e não o major.
(...) O major é um ladrão, que me não quer dar todo o fato que me
mandou meu irmão. O geral disse ao meu enviado que esta expedição
era do Muata dos muzungos e que trazia tudo quanto eu mandei
pedir. Eu bem vi, quando chegaram, que traziam cem cargas de fa-
zenda, e o major só me deu duas; que a missanga vinha em caixotes,
e só dela me deu uma caixinha; que a missanga vinha a granel e ainda
mal a palpei. Eles hão de saber que não quero destas coisas pouco a
pouco e hão de perceber que não as podem regatear como se fossem
suas. E não quero mais que me apareçam aqui de cadeira! Eles não
são ninguém para se virem sentar na minha presença de cadeiras.
E mesmo o geral é apenas um súbdito de meu irmão, e por conse-
guinte meu também, o mesmo que qualquer um de vocês que se as-
sentam no chão diante de mim. Eles que façam o mesmo.»70
Ao ouvirem o relato desta cena, os dois comandantes decidiram
que se devia ter tudo preparado para entrega, «a fim de salvar as
nossas vidas do poder deste bárbaro», conforme as palavras de
Gamito, a quem coube lavrar um termo explicativo do que se pas-
sava, depois assinado por todos os homens livres da expedição. Não
se tratava de concretizar a doação, mas de se prevenirem para a ne-
cessidade de a fazer em último recurso, não fossem aquelas ameaças
físicas traduzir-se numa investida repentina para tudo confiscar em
troca da própria vida.
O Muata prosseguiu a sua estratégia de coação psicológica e de
exigências pontuais, começando por querer uma espingarda e aquela
«coisa que mexe por si só», entenda-se a bússola. Monteiro mandou
dizer que a primeira se perdera no caminho e que a segunda, não lha
podia dar, «pelo motivo de que ele, sendo rei, nem mesmo a poderia
ver, porque se a visse, havia de morrer infalivelmente, pois que é um
dos nossos feitiços, que foi mandado da Manga** pelo nosso rei,
sendo expressamente trazido por esta expedição para a preservar de
————————————
*
Referia-se aos presentes da despedida, a remeter ao governador de Rios de
Sena.
**
Portugal.
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6
ESPLENDOR E TERROR:
RODRIGUES GRAÇA NA CORTE
DO MUATIÂNVUA

Na alvorada do dia 10 de junho de 1846, algures a cinco léguas


antigas do rio Catuibi, Joaquim Rodrigues Graça viu-se a braços com
um primeiro cadáver, do carregador Francisco Luís, o que represen-
tava uma grande contrariedade para um sertanejo tão experimen-
tado. Tinha-se precavido de suplentes, não na ideia de substituir os
que morressem pelo caminho, mas precisamente para evitar que tal
acontecesse. Seguiam na retaguarda, munidos apenas de paus e redes
para transportarem os que caíssem no mato «com desmaios por
causa da fome, outros por moléstias, que lhes atacam, outros enfra-
quecidos». E se preciso fosse, ele próprio disponibilizava a sua tipoia,
optando por marchar a pé, no capricho de manter o seu cavalo pou-
pado e em perfeito estado para as ocasiões especiais, tais como uma
entrada triunfal. Para a travessia das zonas despovoadas, onde se tor-
nava mais difícil obter alimento, iam reservadas boas quantidades de
carne seca e farinha. E a expedição integrava, a par de vários homens
de sete ofícios, um boticário capaz de intervenções medicinais da fa-
mília das sangrias, apetrechado de «massa cáustica», «macela»,
«quina em pó» e mais recursos de então contra «pontadas, diarreias,
escorbuto, etc.».1 Além disso, o serviço de carretos não era novidade
para os recrutados, oriundos da província de Angola e com hábitos
culturais luso-africanos, incluindo algum uso da língua portuguesa,
pelo menos no emprego inopinado de expressões como «ora agora»,
«oh homem!» ou «pois então».2
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92 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

O próprio Francisco Luís, o carregador que tinha morrido vinha


do Golungo Alto, onde Rodrigues Graça tinha uma abastada pro-
priedade e sede do seu negócio, montado com trabalho escravo, mas
que se vinha adaptando ultimamente às medidas abolicionistas do
marquês de Sá de Bandeira. O célebre decreto de 10 de dezembro de
1836 pretendia erradicar não apenas o tráfico por mar, mas também
por terra, o que implicava a proibição de trazer novos escravos para
Angola, oriundos da Lunda, por exemplo, que era justamente o des-
tino de Rodrigues Graça.* A sua ideia de organizar uma expedição
ao mítico império do Muatiânvua – que foi realmente sua, antes de
ser do governador-geral de Angola – associava-se pois em grande me-
dida ao propósito de contrariar as infrações à nova lei e de ir prepa-
rando o termo definitivo da escravatura, fosse pelas mais recentes
razões civilizacionais, de ideologia humanitária, fosse para conter
circuitos de rivalidade ilícita. O Muatiânvua era afinal um antigo e
mui distante fornecedor de escravos para ocidente, pelo que urgia
convencê-lo, bem como os demais potentados de além-Cuango seus
súbditos, a aprofundar as alternativas de comércio – com destaque
para o marfim e a cera – e finalmente a firmar uma verdadeira
aliança política com Muene Puto.
Salvo raras exceções, não eram os próprios negociantes a ir tão
longe, mas os seus “lugares-tenentes” pombeiros, os seus aviados ou
outros intermediários. Os Bângalas, em particular, eram muito dados
a comerciar além-Cuango com artigos fiados pelas casas portuguesas
da feira de Cassanje ou outras; e diga-se de passagem que não faziam
qualquer tenção de interromper a compra de gente da Lunda, inclu-
sive para abastecimento próprio. É certo que os agentes do comércio
português por lá invocavam Muene Puto, quando não se arvoravam
em seus representantes, mas agora tratava-se de ir um branco à mus-
sumba, o que era muito raro, se não inédito, e literalmente em nome
do rei de Portugal, neste caso da rainha D. Maria II. Rodrigues Graça
tinha desde logo a robustez psicológica necessária para fazer frente
às extorsões de que se queixavam todos quantos iam até lá em negó-
cio. «O pobre negociador espera e desespera», escreveu a propósito.3
————————————
A abolição oficialmente definitiva da escravatura em todo o império português
*

viria a ocorrer entre 1869 e 1878.


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ESPLENDOR E TERROR 93

Como se não bastassem as adversidades no trajeto, o próprio


Muatiânvua tinha hábitos refinados de mau pagador, obrigando as
comitivas a permanências de um a dois anos, findos os quais já o
lucro não compensava a despesa. O comércio além-Cuango estava
em decadência também por esse motivo, com várias casas a desistir
de lá mandar aviados; mas como essas trocas eram afinal do supe-
rior interesse dos Lundas, a expedição estava bem posicionada para
fazer uma espécie de ultimato ao imperador africano.
Tendo em conta a aspiração derradeira de o avassalar e de influen-
ciar as suas práticas, era crucial que a embaixada não fosse confun-
dida com uma qualquer caravana de comércio, pelo que deveria
revestir-se de especial grandeza, sobretudo nos presentes a entregar
à sua pessoa. Em 1843, Rodrigues Graça chegara a contratar perto
de quinhentos carregadores por sua conta; mas como a maior parte
o abandonou enquanto estava ainda no Bié à espera de um prome-
tido reforço oficial, a expedição só voltou a arrancar deste lugar três
anos depois, mais precisamente no dia 4 de maio de 1846, já com
renovado alvará das autoridades e inclusive provisão de armamento
e soldados. Embora a sua missão fosse principalmente política, a pró-
pria magnitude que se lhe queria emprestar dava também azo a fazer
bom negócio na corte lunda, para lá das muitas dádivas previstas
para a família imperial. Com vista justamente a reforçar o capital da
expedição, Rodrigues Graça procurou interessar na mesma uma fi-
gura proeminente dos sertões de Angola, de quem já tinha sido
empregado em jovem. Tratava-se de ninguém menos que D. Ana
Joaquina dos Santos Silva, uma mulher mestiça de ascendência por-
tuguesa que soubera vingar num mundo de homens, nomeadamente
ao enviuvar de um rico comerciante português. A fama desta abas-
tada proprietária impusera-se no sertão oitocentista e já era aliás for-
necedora do Muatiânvua através de aviados bângalas. Não era pois
à toa que a chamavam de Dembo e Alala ou senhora dos matos.
E pouco interessava para o caso que fosse uma inveterada esclava-
gista, já que seria Rodrigues Graça a dirigir o negócio feito em para-
lelo da missão diplomática.
A região das mussumbas, entre os rios Luíza e Calânhi, era pois
o destino sancionado do sertanejo, embora se previsse, pelo menos a
título oficioso, a possibilidade de «passar além do Muatiânvua» e dar
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REIS BRANCOS:
DAVID LIVINGSTONE
E A VIAGEM IMPOSSÍVEL DE SILVA PORTO

«Resultados, se os houver, certamente não compensam os sacrifí-


cios, trabalhos e perigos a que se expõe o negociante.»1 Estas pala-
vras foram proferidas em 1884 pelo explorador Henrique de
Carvalho a propósito de António Silva Porto, quando este já levava
perto trinta e cinco anos de experiência no sertão. Era então o vete-
rano, o exemplo maior, entre os portugueses radicados em África
numa eterna aventura comercial, internando-se continente dentro,
na mira do «dourado manancial de produtos do gentio, para na ve-
lhice descansarem e dele gozarem». Tudo somado, era uma fortuna
que nunca chegava na proporção em que fora sonhada, sobretudo
para quem dava mostras, como ele, de respeitar as leis de abolição
do tráfico negreiro – embora possuísse escravos desde o início da sua
carreira de sertanejo em 1839. Este termo foi usado pelo próprio
Silva Porto numa curta autobiografia que resumia os acontecimentos
anteriores a essa data, já que os posteriores estão em geral contidos
nos impressionantes volumes do diário que foi redigindo a partir da
década seguinte e que intitulou Viagens e apontamentos de um por-
tuense em África. Por certo não há, em todo o século XIX, outro do-
cumento tão importante para entender as opções e os modos, a um
tempo rudes e romanescos, de quem seguia esses caminhos. E torna-
-se mais impressionante quando pensamos que foi escrito por um
homem que tinha apenas as primeiras letras e que aos doze anos in-
completos estava a embarcar no Porto com destino ao Rio de Janeiro,
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para ser caixeiro na Rua de S. José, num armazém de louça perten-


cente a um tal de Gregório José Teixeira.
É certo que Silva Porto conseguiu ao longo do tempo construir no
Bié, em pleno planalto central de Angola, um pequeno empório, mo-
vimentando muitas mercadorias, muita mão de obra e, também,
armas para defesa das suas caravanas em caso de necessidade. A sua
libata de Belmonte, feita de colmo e adobe, tinha o seu quê de impo-
nente à sombra da bandeira azul e branca e adquiriu uma reconhe-
cida importância estratégica.*
Mas talvez a verdadeira riqueza de Silva Porto fosse outra. Ele sabia
que os seus negócios passavam por terras que não eram portuguesas,
obrigando-o a lidar habilmente com poderes, maiores ou mais peque-
nos, que viam nele para todos os efeitos um representante do Muene
Puto; e embora o classificassem naturalmente de branco, pois que
brancos eram os filhos deste celebrado rei do mar (mesmo aqueles,
como os ambaquistas, que o não eram), o mais curioso é que alguns
dos muitos chefes nativos com quem estabeleceu laços de amizade e
comércio vieram a testemunhar que ele não era branco no que diz li-
teralmente respeito à sua tez. «Muito queimada estaria a pele de Silva
Porto da longa vida no sertão»,2 porquanto não tinha de facto ascen-
dência negra (tanto quanto é possível afirmá-lo para qualquer portu-
guês do século XIX sem qualquer genealogia africana conhecida). De
certa forma, esta circunstância anedótica traduz simbolicamente a ma-
neira como o sertanejo construiu relações ímpares com as gentes do
interior. Sem deixar de as influenciar cultural e até politicamente como
português, sempre entendeu que era preciso conhecê-las e respeitá-las,
pondo de lado a veleidade de contrariar as idiossincrasias locais.
E mesmo que no seu íntimo lhe custasse assistir a certas cenas, absti-
nha-se por sentido pragmático de interferir nos despotismos de vida
e morte perpetrados pelos grandes senhores bantos.
Nos seus milhares de páginas manuscritas, ainda hoje inéditas na
maior parte, Silva Porto bem revela que conhecia de muito perto
————————————
Foi só em 1842, quer dizer, três anos depois de se iniciar como sertanejo, que
*

Silva Porto fundou o seu estabelecimento. A ativíssima libata de Belmonte tornou-


-se famosa e viria a transformar-se numa cidade. É hoje Kuito, capital da província
do Bié. Durante o regime colonial e até 1975, foi chamada de Silva Porto.
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REIS BRANCOS 135

essas sociedades, na sua tradição e história recente, nas dominações


e nas misturas étnicas, nas deslocações geográficas do poder centra-
lizado, nos crimes cometidos ou mandados cometer por chefes, reis
ou imperadores, quer na ascensão quer no exercício do seu poder
divino, bem como nos negócios enfim em que estavam há muito en-
volvidos, incluindo o dos escravos. Esse conhecimento era em parte
aprendido com os que o tinham antecedido, mas noutra parte, maior,
era resultante das suas próprias observações e participações. Em
ambos os casos, era a arte e a ciência do sertanejo que assim se cons-
tituíam e exerciam, beneficiadas pelos longos anos de contacto, de
negociação, de troca.
Em 1852, porém, quando estava na força dos 34 anos – e já com
quinze de tirocínio em África –, foi desafiado a empreender uma via-
gem de outro tipo. Dera-se o caso, em abril desse ano, de chegarem
imprevistamente às imediações de Benguela, à frente de uma cara-
vana de quarenta carregadores, dois comerciantes árabes, de seus
nomes Ben-Chombo e Ben-Adballa. O facto causara enorme sur-
presa na comunidade angolana: esses homens vinham de Zanzibar,
tinham atravessado o continente, afastando-se como nunca antes
das suas terras! As autoridades portuguesas, aliás o próprio gover-
nador-geral de Angola, António Sérgio de Sousa, entendeu que era
preciso, não apenas recebê-los com hospitalidade, mas aproveitar a
oportunidade rara de os acompanhar de volta à costa oriental afri-
cana, entenda-se a Moçambique, de onde seguiriam facilmente para
Zanzibar. Dito por outras palavras, era tempo de promover uma ex-
pedição portuguesa de travessia do continente. E para melhor en-
contrar quem se dispusesse a fazê-la, a viagem incluía um prémio
prometido no montante de um conto de réis, além de ser conferido
ao comandante – que tanto se aceitaria «europeu» como «indígena»
– o posto de capitão de passagens. Silva Porto foi o escolhido. Mais
do que isso, foi-lhe lançado um repto, como sendo a pessoa certa
para a missão. O governador de Benguela encarregou-o solenemente
da mesma em 30 de maio de 1852 e a partida ficou marcada para
12 de agosto, depois adiou-se para 15 de setembro devido à pressão
dos seus «negócios particulares» e depois ainda para um dia incerto
do mês de outubro. Na verdade, a expedição só largou do Bié a 20 de
novembro.
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MORTE OU GLÓRIA:
SERPA PINTO VERSUS CAPELO E IVENS

No dia 5 de maio do ano de 1877, Alexandre de Serpa Pinto e


Hermenegildo de Brito Capelo partiram de Lisboa no vapor Zaire
com destino a Luanda. Roberto Ivens só se lhes juntaria mais tarde.
Eram os três membros da Expedição Portuguesa ao interior da África
Austral. Os seus dinamizadores políticos – Andrade Corvo, então
Ministro das Colónias e Estrangeiros, Barros Gomes e o secretário
da Sociedade de Geografia de Lisboa, Luciano Cordeiro –, haviam-
lhes dado instruções muito flexíveis, para não dizer vagas. O objetivo
geral da expedição era penetrar e deixar registo científico de regiões
entre Angola e Moçambique, em particular da sua hidrografia, as re-
lações entre os rios Congo e Cuango, as nascentes do Cuanza e do
Cubango e ainda, se fosse possível, o curso do Zambeze superior e
do Cunene. E não era certamente possível a uma expedição, no
tempo que lhe havia sido atribuído, três anos, e à velocidade de pro-
gressão das caravanas em África, cobrir zonas tão distantes entre si.
Daí talvez o caráter vago das instruções, que deixavam aos três ex-
ploradores uma ampla autonomia de decisão, desde logo sobre o
lugar a partir do qual avançariam para o interior.
As opções eram várias e condicionadoras dos objetivos a cumprir.
A exploração do Congo, no extremo norte de Angola, possibilidade
que tanto Andrade Corvo como os exploradores tinham por priori-
tária, tornaria o Cunene, no extremo sul, inacessível, e reciproca-
mente. O projeto inicial delineado por Capelo e Serpa Pinto consistia
assim em subir o Congo para depois infletir para sul a montante do
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160 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

Cuango; ou em alternativa entrar por Luanda no Cuanza e depois se-


guir para leste até encontrarem o Cuango, cujo curso acompanhariam
até alcançarem o Congo, que desceriam até à foz. Mas como depressa
o descobriram os exploradores, o ponto de partida não era tanto uma
escolha sua como uma primeira imposição das realidades locais – nem
em Luanda, nem em zonas próximas havia carregadores suficientes
para as necessidades da expedição. Nas primeiras semanas após a che-
gada, Serpa Pinto percorreu a costa num vapor da marinha em direção
a Benguela, e depois para norte até ao Congo, procurando angariar,
tarefa que parecia vã, os homens necessários. Foi quando estava no
Congo que lhe chegaram notícias de ninguém menos que o explorador
americano Henry M. Stanley (1841-1904), célebre pela descoberta de
Livingstone no coração de África, quando toda a sociedade ocidental
se questionava o que teria acontecido ao missionário escocês. Agora,
a mesma questão se colocava, precisamente, sobre o próprio Stanley,
de quem desde há muito tempo o mundo não tinha notícias. Pois ele
estava ali mesmo, em Cabinda, acabado de completar a travessia do
continente! Serpa Pinto foi imediatamente ao seu encontro, um en-
contro que mudaria os planos até então traçados.
Um encontro inter pares, mas mais a rigor entre um veterano e
um ainda aspirante a tal. Foi «comovido» que Serpa Pinto apertou a
mão ao «intrépido explorador» – mais intrépido talvez do que podia
supor nesse momento. Stanley havia terminado uma viagem épica,
que tinha durado exatamente mil dias. Partira de Zanzibar em dire-
ção ao lago Tanganika. Daí seguira para o Lualaba, descobrindo
então que desembocava no Congo, o qual depois descera, num con-
tínuo inferno tropical e bélico, até ao ponto em que, já perto da costa
e à beira do colapso, enviara um pedido desesperado de socorro para
Boma, entreposto comercial situado na margem norte da foz do
Congo. Essa carta de Stanley, que ficou histórica, circulava agora
entre a comunidade europeia desta localidade – doze portugueses,
um francês, um holandês e um inglês – como se fosse um troféu. Es-
crita numa aldeia chamada Nsanda e datada de 4 de agosto de 1877,
estava dirigida «a qualquer cavalheiro em Boma que falasse inglês»:

«Cheguei a este lugar vindo de Zanzibar com 115 pessoas, homens, mu-
lheres e crianças. Estamos agora numa situação de morte iminente devido
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MORTE OU GLÓRIA 161

à inanição. Não conseguimos comprar alimentos aos nativos. (...) Os


abastecimentos devem chegar dentro de dois dias, caso contrário viverei
tempos horríveis entre os moribundos. Responsabilizar-me-ei natural-
mente por quaisquer despesas que possais incorrer neste negócio.
Quanto a mim, se tendes convosco pequenos artigos de luxo tais como
chá, café, açúcar e biscoitos, coisas que um homem pode transportar
facilmente, peço-vos no meu próprio interesse que me enviais um pe-
queno abastecimento e o acrescentais à grande dívida de gratidão que
vos é devida pela chegada a tempo dos abastecimentos para os meus
homens. Até lá, peço-vos que creiais em mim. Atenciosamente, H. M.
Stanley, Comandante da expedição anglo-americana para a exploração
de África.»1

O post-scriptum desta missiva era desconcertante na sua humil-


dade, como se fosse possível haver algum europeu – mesmo em
África, ou sobretudo em África – que ignorasse um dos mais famosos
exploradores do seu tempo: «P. S. – Talvez desconheça o meu nome.
Portanto, acrescento que sou a pessoa que descobriu Livingstone em
1871. – H. M. S.» Quando a sua carta chegou a Boma, rapidamente
os europeus lhe fizeram chegar os abastecimentos pedidos e «Ó deu-
ses, três garrafas de cerveja!». Poucos dias depois, quatro desses ho-
mens foram ao encontro de Stanley, que o registou em termos
memoráveis: «Deparei com quatro brancos – sim verdadeiros ho-
mens brancos! Quando observei os seus rostos, corei ao descobrir
que estava espantado com a sua palidez. (...) Parecia ter compreen-
dido subitamente o espanto e a curiosidade dos nativos. O que sus-
pendera o arco vibrante e o gatilho mortal dos canibais? Apenas a
minha palidez sobrenatural e a de Frank.* Da mesma maneira, a visão
dos rostos pálidos dos comerciantes de Boma provocou-me um vago
calafrio involuntário. Após ter contemplado durante tanto tempo ho-
mens pretos retintos, a cor pálida tinha algo de inexplicavelmente si-
nistro (...) e não ousei encará-los de igual para igual.»2
Stanley seguiu então com Serpa Pinto para Luanda e por insistên-
cia deste instalou-se na mesma casa onde estava hospedado com
————————————
*
Um seu companheiro de viagem entretanto morto, como todos os outros bran-
cos que haviam partido de Zanzibar.
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162 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

Capelo. Reproduzimos na presente obra uma fotografia desta rara


tertúlia; e podemos facilmente imaginar o conteúdo das conversas
travadas e o quanto a enorme experiência de Stanley foi atentamente
escutada e aprendida pelos portugueses. Em breve descobririam por
si próprios a dimensão do desafio que tinham pela frente e dos custos
de o vencer, como encontrariam também eles as suas terras de nin-
guém identitárias. Mas o resultado mais imediato do encontro foi a
decisão de entrar no continente pelo Cunene, no extremo sul de An-
gola, e finalmente, sempre por causa da falta de carregadores, por
Benguela, em direção ao planalto do Bié. Depois, logo se veria, tanto
mais que antes de tudo era preciso chegar aí.
Foi em Benguela que tiveram outro importante encontro, com
António da Silva Porto, o veterano sertanejo que, tal como Stanley,
passou longos dias comunicando-lhes o seu saber e experiência
acumulados, lendo-lhes passagens dos seus cadernos de viagem, aju-
dando-os em todos os aspetos práticos que antecediam a partida da
expedição, uma ajuda que se estenderia a lugares bem distantes do
sertão africano. Por mais de uma vez, Serpa Pinto havia de sentir em
lugares remotos do planalto «a proteção que Silva Porto tinha levan-
tado em volta de mim» e que lhe havia aliás prometido mesmo por
escrito:

«Estou velho, mas rijo e forte; se o meu amigo se vir num desses transes,
vulgares no sertão, em que a esperança se perde, sustente-se no ponto
em que estiver e dê tudo ao gentio para me fazer chegar às mãos uma
carta sua. Não hesite em o fazer e tenha esperança; porque, no mais
curto espaço de tempo possível, eu irei ter consigo, e comigo irão todos
os recursos, todos os socorros. Sabe que eu não uso fazer oferecimentos
vãos, quando precisar escreva, e eu irei logo.»3

Silva Porto ensinou-lhes ainda uma máxima absoluta de prudên-


cia: «desconfiar, no sertão de África, de tudo e de todos, até que pro-
vas repetidas e irrefutáveis nos permitam confiar um pouco em alguma
coisa ou alguém!».4 E foi com essa sugestão, pouco prometedora
para quem doravante estaria dependente de tudo e de todos – mas
em alguma medida também da força da sua própria vontade –, que
a Expedição Portuguesa ao interior da África Austral deu finalmente
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BANDEIRAS ESFARRAPADAS:
HENRIQUE DE CARVALHO
E A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO LUNDA

A casa dos irmãos Machado em Malanje estava recheada de mo-


biliário expressamente viajado do Porto ou de Lisboa, além de faian-
ças e outros objetos muito encarecidos nesses trajetos, o que lhe
emprestava uma ilusão de riqueza, apesar do telhado de capim e das
paredes de barro ao modo do sertão angolano. Como Saturnino Ma-
chado partira em dezembro último, de 1883, numa importante mis-
são comercial para lá das fronteiras da província, na direção
nordeste, coube ao seu irmão José Custódio fazer as honras da casa
à chegada do major Henrique Augusto Dias de Carvalho. Tinham
decorrido três meses e doze dias desde a indigitação deste último pelo
ministro da Marinha e do Ultramar para chefiar a «Expedição Por-
tuguesa ao Muatiânvua».* Era secundado por dois homens de sua
escolha, o major farmacêutico Agostinho Sizenando Marques, de São
Tomé e Príncipe, e o tenente de Artilharia (em breve capitão) Manuel
Sertório de Aguiar, chefe do concelho de Massangano. A pressa nos
preparativos e a antecipação da própria data de partida, a 6 de maio
de 1884, tinham resultado em grande medida da notícia veiculada
pela imprensa estrangeira de que uma nova expedição alemã rumara
já a Malanje, donde seguiria possivelmente até às terras do Muatiânvua
————————————
*
O Conselheiro Manuel Pinheiro Chagas desejava uma intensificação do
comércio com a Lunda, acreditando inclusive que isso poderia alimentar o proje-
tado caminho de ferro até Ambaca.
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234 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

para eventual remate das viagens aí realizadas nos anos anteriores


por exploradores da mesma nacionalidade. Henrique de Carvalho
haveria então de contrariar essa ameaça crescente, procurando reno-
var e mais propriamente oficializar – após a desgraçada tentativa de
Joaquim Rodrigues Graça quatro décadas atrás – as relações comer-
ciais e de amizade do reino de Portugal com o mítico império. Pois
agora, sentado à mesa dos Machados, naquele dia 6 de julho de
1884, o chefe da expedição portuguesa encontrava-se face a face com
ninguém menos que o chefe da expedição rival, igualmente convi-
dado para o jantar.
Hermann von Wissmann revelou-se muito afável para com o
recém-chegado, mas não conseguiu convencê-lo que o objetivo ale-
mão era puramente científico. Henrique de Carvalho desconfiou pelo
contrário que o mesmo era «inteiramente comercial», ainda que a
Sociedade de Geografia de Berlim estivesse por detrás de mais esta
alegada travessia da África central.1 Em contrapartida, foi quase des-
concertante a constatação de que afinal o tenente não pretendia via-
jar até à mussumba, a capital do império lunda, tampouco a outras
partes do vasto potentado, mas sim até à região do Lubuco, a norte
do mesmo. Saberiam os alemães algo mais que estivesse a escapar a
Henrique de Carvalho? Certamente, pois não era a primeira vez que
se desviavam para esse destino. O rumo da conversa, durante o jan-
tar, permitiu apurar que tinham sido os próprios irmãos Machado a
sugerir-lhes em finais de 1881, na anterior expedição encabeçada por
Paul Pogge (e de que também já fizera parte o tenente Wissmann), a
não prosseguirem para a mussumba e a descerem o rio Chicapa em
direção ao Muquengue, principal potentado do Lubuco. Se o que eles
intentavam era uma arrojada travessia do continente em nome da
ciência, que problema havia em partilhar com os alemães o conheci-
mento dos proverbiais obstáculos que o Muatiânvua levantava a
quem pretendesse ir mais além do que a sua corte? Para mais, o Lu-
buco era quase desconhecido na Europa até à data.
Um tanto ingenuamente, Custódio Machado não fez por esconder
que, também do ponto de vista comercial, os negociantes do sertão
viam cada vez mais interesse nessa região setentrional, onde se en-
contrava justamente o seu irmão Saturnino à frente de uma enorme
caravana, apostado em trazer boas quantidades de marfim, borracha
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BANDEIRAS ESFARRAPADAS 235

e cera. As vantagens do Lubuco, desbravado aliás pelo decano Silva


Porto na década anterior, eram salientadas em detrimento da sempre
problemática Lunda:
«Como para esta gente o tempo não tem valor, os anos sucedem-
se uns aos outros, sem que o Muatiânvua preste contas do que re-
cebe. E como ele é o dono das suas terras, não havendo por isso a
quem recorrer, o remédio, já se vê, é esperar.»2
Efetivamente, vários sertanejos ainda se aventuraram a ir à região
a título particular, depois da expedição de Rodrigues Graça. Sobre-
tudo no reinado do Muatiânvua Muteba, entre o final dos anos 1850
e o início dos anos 1870, os negociantes eram bem tratados; mas o
seu sucessor Noéji Ambumba, mais conhecido como Xanama, era
péssimo pagador. Forçava as comitivas a prolongar as permanências
para que fizessem o máximo de despesa, e chegou mesmo a seques-
trar uma expedição da casa Machado, que só pôde retirar depois de
satisfeitas as suas caprichosas exigências. Desde então, a maior parte
dos comerciantes já não tinha paciência para suportar as extorsões
dos Lundas, com as suas acusações de upanda * habilmente arquite-
tadas contra os carregadores e pelas quais respondiam os patrões.
E no fim de contas não se encontrava compensação comercial como
a que poderia ter havido noutros tempos, quando o transporte era
assegurado por escravos que já de si eram mercadoria. Ambaquistas
e quejandos revelavam-se porventura mais afoitos e ainda por lá
andavam alguns a invocar Muene Puto nos seus tratos. Custódio
Machado, que já só acreditava no Lubuco, não quis mesmo assim
demover Henrique de Carvalho do objetivo traçado em Lisboa e pro-
curou até incentivá-lo a melhorar pela via diplomática as condições
além-Cuango. Foi ao ponto de lhe dizer que seria bom, caso Portugal
conseguisse firmar enfim um tratado político com o imperador da
Lunda, favorecer o seu poder despótico em toda a região, ultima-
mente ameaçado pelos avanços quiocos.
As dificuldades enumeradas não constituíam surpresa para Hen-
rique de Carvalho, antes justificavam a sua missão, destinada a aca-
bar com tais «vexames e exigências», levantando ao mesmo tempo
o velho prestígio do Muene Puto.3 A fixação de um residente político
————————————
*
Adultério, sobretudo tratando-se das concubinas do imperador.
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236 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

na mussumba do Muatiânvua, à frente de uma «missão civilizadora»,


seria o modo prático de garantir o cumprimento dos convénios que
viessem a ser celebrados. A verdade é que ficou um tanto apreensivo
e perguntaria várias vezes a si próprio, daí para a frente, se não teria
sido preferível ir ao Lubuco, consolidar politicamente os mais recen-
tes esforços dos sertanejos. Em remate desta conversa, um tanto de-
licada face à presença do tenente Wissmann, levantou o copo na
direção do seu anfitrião:
«Os verdadeiros exploradores são homens como você e o seu
irmão. Dianteiros da civilização! Se não fossem os sertanejos portu-
gueses, ninguém ia a lado nenhum.»4
Nada custou ao chefe da expedição alemã participar neste brinde,
já que as duas expedições tomariam de facto destinos contrários.
A bifurcação do trajeto só viria no entanto a dar-se depois de atraves-
sado o Cuango. É que Custódio Machado foi tão generoso para o seu
compatriota como para o oficial estrangeiro, partilhando com ambos
o conhecimento de um caminho «completamente novo», que o seu
irmão e mais um companheiro tinham sido os primeiros europeus a
trilhar. Tratava-se por um lado de evitar um percurso a sul demasiado
oneroso e por outro os entraves à passagem que sempre levantavam
os Bângalas. A norte do jagado do Cassanje, entre os rios Luí e
Luanda, afluentes do Cuango, encontravam-se alguns chefes menores,
já relativamente independentes daquele e entre si. E do outro lado do
rio ficava, nessas paragens, a terra dos Xinjes, um povo «manso como
os cordeiros», segundo o vocabulário dos irmãos Machado:
«Desta nação, tomará o major o trilho que conduz ao Caungula,
um potentado bastante poderoso, já subordinado ao Muatiânvua.
De Caungula, seguirá direito à mussumba, capital da Lunda, e aonde
reside o Muatiânvua.»5
O grande problema do momento era a falta de carregadores. Sa-
turnino Machado tinha levado para o Lubuco nada menos que qui-
nhentos homens, recrutados nos sobados vizinhos. Não era por acaso
que o tenente Wissmann ainda se encontrava em Malanje: andava
há seis meses a tentar completar o número de trezentos. Henrique de
Carvalho não se resignava a ficar ali tanto tempo, mas ao fim de um
mês e meio não conseguiu arranjar senão um décimo dos homens de
que precisava. De Luanda, trouxera como pessoal permanente, isto
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BANDEIRAS ESFARRAPADAS 237

é, disposto a seguir até à mussumba, apenas doze contratados de


várias proveniências (incluindo um antigo escravo lunda), que só por
necessidade pontual serviriam como carregadores, estando destina-
dos a outras tarefas. O governador-geral de Angola acordara em
ceder uma trintena de soldados do batalhão de caçadores nº 3 de
Ambaca, entre os que se dispusessem voluntariamente a uma tal via-
gem, mas que também não contavam para aquele serviço. Tudo
somado, Henrique de Carvalho tomou uma decisão drástica, de con-
sequências imprevistas. O subchefe e o ajudante da expedição toma-
riam a dianteira com o objetivo de criar postos avançados onde as
cargas pudessem ir sendo armazenadas aos poucos, numa lógica de
constante vai-e-vem dos escassos vinte e seis homens contratados até
então para a Lunda, mais quarenta massanganos que, em princípio,
não iriam além do rio Cuango. Tratava-se de uma aposta de elevado
risco, pois partia do pressuposto de que se recrutariam pelo caminho,
em terras que porventura nem teriam esse hábito, os demais carre-
gadores necessários, se não para o destino final, pelo menos para
novas estações, e assim sucessivamente.
No entender do chefe da expedição, a vantagem dessas demoras
em povoações intermédias é que permitiam aprofundar o conheci-
mento dos povos ao longo do percurso e melhor trabalhar as suas
disposições diplomáticas em relação ao Muene Puto. Poderiam ser ver-
dadeiras «estações civilizadoras», assim cria, se pelo menos as mais
importantes, e de construção mais sólida, viessem a ser ocupadas por
representantes políticos, que até poderiam ser sertanejos que as usas-
sem nos seus fins comerciais. A bem dizer, Henrique de Carvalho
tinha um sonho, que era a criação de uma rede de entrepostos por-
tugueses, não apenas até à mussumba do Muatiânvua, mas para além
da mesma. Subjacente à própria expedição, a um nível tácito, mas
mais profundo do que o simples alargamento do comércio de Angola,
estava «a grande ideia nacional de tornar efetiva e de resultados prá-
ticos a expansão dos nossos domínios e a união das duas grandes
províncias luso-africanas por países onde é evidente a influência que
há séculos os portugueses neles exercem.»6
Já o tenente Wissmann seguira viagem, quando Henrique de
Carvalho partiu enfim para nordeste com a última leva de cargas, no
dia 12 de outubro de 1884, em afastamento progressivo daquilo
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Epílogo

A maior parte dos livros dos exploradores portugueses de África estão


esquecidos nas bibliotecas, ninguém os lê a não ser um ou outro investiga-
dor ou curioso de algum tema da história de África. Alguns outros – os de
Serpa Pinto e de Capelo e Ivens – foram sendo reeditados, cada vez mais
dirigidos a jovens leitores, em edições de bolso com capas que destacam a
sua dimensão de aventura. A partir deles, sobretudo destes últimos, fize-
ram-se muitos outros livros, académicos, de propaganda colonial, de lite-
ratura histórica, até de banda desenhada. O nomes dos exploradores mais
famosos ficaram registados na toponímia das cidades e vilas da metrópole,
onde ainda estão, e foram dados a algumas cidades de Angola, onde já não
estão – as cidades coloniais de Silva Porto, Henrique de Carvalho e Serpa
Pinto chamam-se agora Kuito, Saurimo e Menongue, sendo respetivamente
capitais das regiões do Bié, Lunda Sul e Kuando-Kubango.
O tempo dos exploradores depressa chegou ao fim. Revelados os misté-
rios da geografia africana e traçadas as fronteiras das novas colónias euro-
peias, era tempo de outros personagens: militares, empresários, uma nova
geração de missionários e, mais tardiamente, colonos. Nas décadas que an-
tecederam e se seguiram à viragem do século XIX para o XX os primeiros
“pacificaram” o continente graças às metralhadoras Gatling e Maxim, que
deram aos exércitos europeus uma vantagem esmagadora nas muitas guer-
ras que aí tiveram de travar. Mesmo assim, a submissão militar das socie-
dades africanas foi mais difícil do que o mero cálculo da desproporção do
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320 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

poder das armas podia fazer prever. Os militares, muitas vezes figuras trá-
gicas, juntaram-se aos exploradores no panteão dos heróis dos países co-
loniais, mau grado as carnificinas levadas a cabo (Churchill, que como
jovem repórter cobriu a guerra anglo-sudanesa, caracterizou as guerras afri-
canas de oitocentos como «butchery» – carnificina).
Outros importantes agentes da colonização foram alguns empresários
que por sua conta e risco adquiriram um imenso poder e foram assim figu-
ras centrais do processo que conduziu à partilha de África. Depois tiveram
um papel decisivo no delinear das políticas coloniais. Eram quase todos bri-
tânicos e de origens sociais modestas. George Goldie, Frederick Lugard e,
o mais famoso de todos, Cecil Rhodes, moveram mundos e fundos para
consolidar o controle britânico dos “rios do óleo” (Nigéria), dos vastos e
férteis planaltos a Norte e Este dos Grande Lagos (Uganda e Quénia), e das
jazidas de diamantes e ouro do Sul de África. Entre eles estava alguém de
outra estirpe, Leopoldo II, o rei belga, que conseguiu o controlo da enorme
bacia do Congo, uma área maior que toda a Europa Ocidental.
Os missionários, de forma anónima, buscando outros fins e de certo
modo alheios a esses processos, puderam então multiplicar as suas missões,
católicas e protestantes, que eram ilhas de paz na violência que então e sem-
pre grassava em muitas regiões do continente. A par, e muitas vezes cola-
borando com os movimentos humanitários europeus e americanos, foram
a consciência crítica das arbitrariedades e violências perpetradas pela con-
versão da escravatura – porque então finalmente o comércio de escravos
terminou – em formas mais ou menos óbvias de “trabalho forçado” – como
aconteceu generalizadamente em África, mas com particular intensidade e
institucionalização no Congo Belga e nas colónias portuguesas. A maioria
dos líderes que haviam de conduzir as nações africanas à independência
foram educados nas escolas missionárias, quase sempre as únicas a que ti-
nham acesso, em número diminuto, os africanos.
O trabalho nativo sob controlo europeu – uma sintética definição pos-
sível do objetivo económico central do colonialismo em África – foi a força
que construiu vias férreas, grandes portos e minas, plantações de algodão,
cacau, borracha e café. Às vias férreas seguiram-se as rodoviárias. Luanda,
que há muito deixara de ser a única cidade europeia em África, tornou-se
cada vez mais uma entre muitas, num continente cheio de capitais coloniais
ligadas por telégrafo às metrópoles. As cidades africanas cresceram com a
atração das populações rurais, que aí buscavam outros horizontes de vida,
trabalho assalariado e se integravam em comunidades onde as identidades
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EPÍLOGO 321

étnicas já não eram primordiais. Foi nelas que foi crescendo a consciência
da iniquidade de sociedades que conferiam oportunidades, e por vezes tam-
bém direitos, muitos desiguais em função de distinções rácicas e da assun-
ção do carácter inquestionável da superioridade branca e da legitimidade
do seu domínio sobre África e os seus nativos.
Na Europa, por seu turno, o imperialismo começou a ser visto por mui-
tos de forma diferente dos tempos vitorianos. Na frente interna era dema-
siado manifesta a sua associação com o nacionalismo cego das massas e com
um populismo que tinha por trás interesses não apenas económicos e polí-
ticos mas também militares, eclesiásticos e até académicos. Muitos intelec-
tuais antiliberais tornaram-se rapidamente críticos do colonialismo e
forjaram então uma imagem de África prístina e idílica que estaria a ser
violentada pela máquina trituradora da sobre-produção das sociedades in-
dustriais e dos seus excedentes financeiros. Nesse sentido, as colónias eram
um fator de enriquecimento para muito poucos e de empobrecimento para
todos os outros, europeus e africanos. A realidade era mais complexa do
que o modelo e as estatísticas do “imperialismo económico” deixavam en-
trever, mas este no entanto contribuiu para a progressiva perda de legitimi-
dade dos ideais imperiais e para fomentar os movimentos de emancipação
das elites negras que resultavam do próprio colonialismo. Seja como for,
tal modelo não serve para caracterizar o projeto imperial português – se
serve para caracterizar algum –, porque desde logo a sua metrópole estava
longe de ser um país industrial e onde alguma vez houvesse excedentes fi-
nanceiros.
Como resultado da partilha de África, Portugal viu-se na posse de terri-
tórios imensos, embora menores do que aqueles por que havia lutado na
Conferência de Berlim. Não tinha todavia recursos humanos e financeiros
comparáveis aos das restantes potências coloniais europeias e a sua posse
definitiva só ficou assegurada após a 1.ª Guerra Mundial. Portugal criou
em África, independentemente das mudanças de regime, um império co-
mercialmente protecionista, com uma administração diminuta, mas sobre-
tudo ineficaz, quase sempre corrupta e incapaz de cumprir os decretos
enviados de Lisboa por governantes que não tinham a mais pálida ideia do
que era África. Os orçamentos coloniais eram até aos anos 20 consumidos
por despesas militares e sempre dramaticamente deficitários. O trabalho
forçado – que muitas vezes apenas por ficções legais se distinguia da escra-
vatura – perdurou até muito tarde e foi muitas vezes causa de embaraços
diplomáticos e de surtos ocasionais de revolta e violência. As colónias
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322 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

produziram os seus heróis militares, os seus administradores carismáticos,


e até um magnata que obteve o seu capital forjando uma encomenda oficial
de notas à empresa de Londres que as fabricava para o Estado português,
e por fim os seus colonos mais ou menos relutantes, que buscavam uma
carreira de funcionários ou que fugiam da miséria do mundo rural e urbano.
Em Angola, onde desde há muito, em Luanda e no hinterland do Cuanza,
havia uma proto-identidade nacional angolana, a presença portuguesa sem-
pre foi vista como um incómodo político e económico. As elites que remon-
tavam àquela que historicamente fora a primeira sociedade europeia de
África eram afinal muito pouco europeias e prefeririam ter-se tornado parte
do Brasil com quem tinham uma relação muito mais próxima do que com
a remota, desconhecida e por vezes intrometida metrópole, ou, melhor
ainda, ser independentes. Na metrópole, as colónias alimentavam polémicas
que se reacendiam e exaltavam a cada conflito diplomático, ultimato, boi-
cote comercial, derrota ou vitória militar. Os seus prejuízos crónicos – ex-
ceção feita a São Tomé que produzia cacau com a mão-de-obra trazida do
continente, e a Moçambique, que cobrava uma taxa por cada trabalhador
enviado para as minas da África do Sul – faziam muitos questionarem-se
sobre a sanidade do projeto imperial africano. De qualquer forma, em Por-
tugal como nos restantes países, nenhuma opinião pública, e logo nenhum
governo, permitiria que se abrisse mão do que se passara a considerar como
“nosso”, por miserável que fosse o torrão de terreno em causa. Assim, o
império, rapidamente desiludindo as promessas de futuros de abundância,
contra as vozes de alguns que o viam como mais uma causa e razão do sem-
pre sentido declínio e atraso do país, como que movido pela inércia, foi
permanecendo, mas foi sempre um império triste, pobre e complexado. Até
que um dia se extinguiu, de forma condizente com o que sempre fora. É parte
da memória, e portanto parte importante dos portugueses, e também dos
angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos, guineenses e são-tomenses, que
nunca ninguém quis tornar portugueses, nem quiseram alguma vez sê-lo.
Talvez o império português em África tenha acabado antes de ter começado,
quando, no passo em que se extinguiam os grandes impérios centro-africanos,
se desvanecia também o mito do Muene Puto, o todo-poderoso e distante
rei-irmão que um diria viria do mar para criar um mundo de abundância.
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Notas

CAPÍTULO 2 – «EXPLORADORES SEM MAPA»

1
V. L. Cameron, 1877.
2
M. Büchner, 1882, cit. in B. Heintze, 2010, p. 49.
3
cit. in B. Heintze, 2010, p. 49.
4
H. Carvalho, 1890b, p. 727.

CAPÍTULO 3 – «FRONTEIRAS DA INCOMPREENSÃO»

1
C. Lévi-Strauss, [1951].
2
H. Capelo, R. Ivens, [1886], vol. I, pp. 222-223.
3
H. Stanley [1878], vol. II, pp. 73-74.
4
H. Capelo, R. Ivens, [1886], vol. II, p. 234.
5
A. Serpa Pinto, [1881], vol. II, p. 91.
6
H. Capelo, R. Ivens, [1881], vol. II, p. 141.
7
Idem, p. 197.
8
Idem, p. 175.
9
H. Capelo, R. Ivens, [1886], vol. I, p. 295.
10
Idem, vol. II, p. 191.
11
cit in op. cit, vol. II, p. 195.
12
H. Capelo, R. Ivens, [1886], vol. I, pp. 207-208.
13
Idem, p. 82.
14
H. Capelo, R. Ivens, [1881], vol. II, p. 75.
EXPLORADORES 02 PAG_Layout 1 9/13/13 6:40 PM Page 324

324 EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS

15
H. Capelo, R. Ivens, [1886], vol. I, pp. 207-208.
16
Idem, vol. I, p. 82.
17
H. Carvalho, 1890b, pp. 45-46.
18
Idem, p. 385.
19
Idem, p. 6.
20
Idem, p. 4.
21
Idem, p. 384.

CAPÍTULO 4 – «PODER DIVINO, VIOLÊNCIA


E SACRIFÍCIOS HUMANOS»

1
R. Burton,1864, p. 26.
2
Idem, pp. 24-25.
3
V. Pakenham 1991, p. 302.
4
H. Carvalho, 1890b, p. 186.
5
J. Illiffe, 2007, p. 158.

CAPÍTULO 5 – «DO DESERTO AO DESESPERO»

M. Newitt, 1988, p. 17.


1

A. Gamito [1854], vol. I, p. 12.


2

3
Mais exatamente, quem segurava a bússola era um negro, mas como
seu assistente direto.
4
A. Gamito [1854], vol. I, 228.
5
Discurso direto adaptado a partir de A. Gamito, op. cit., vol. I, pp. 229-
-230.
6
Op. cit., vol. I, p. 230.
7
Idem, I, p. 67.
8
Idem, pp. 61, 141.
9
Discurso direto reconstituído a partir de A. Gamito, op. cit, vol. I, p. 34.
10
Citação adaptada a partir de A. Gamito, op. cit., vol. I, p. 34: onde se
lê «os portugueses», no original lê-se «estes».
11
A. Gamito, op. cit., vol. I, 188.
12
Idem, pp. 268-269.
13
Esta leitura, dos autores e não de Gamito, é uma extrapolação a partir
de etnografias do século XX, assumindo como hipótese a longa duração de
certas representações cheva.
14
A. Gamito, op. cit., vol. I, p. 148.
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NOTAS 327

70
Discurso direto adaptado a partir de A. Gamito [1854], vol. I, pp. 349,
350. A segunda parte foi transmitida mais tarde, mas no mesmo dia.
71
Citação adaptada de A. Gamito [1854], vol. I, p. 353.
72
Citação adaptada de A. Gamito [1854], vol. I, p. 353.
73
A. Gamito [1854], vol. I, p. 354.
74
Discurso direto reconstituído a partir de A. Gamito [1854], vol. I,
p. 354.
75
A. Gamito [1854], vol. I, p. 355.
76
Idem, p. 356.
77
Discurso direto reconstituído a partir de A. Gamito [1854], vol. I,
p. 357.
78
A. Gamito [1854], vol. I, p. 12.
79
M. Marwick, 1963, p. 377.
80
A. Gamito [1854], I, pp. 358-360.
81
Idem, p. 385.
82
Idem, p. 371.
83
Idem, p. 383.
84
Idem, p. 383, 384.
85
Idem, p. 398.
86
A. Gamito [1854], vol. II, p. 65.

CAPÍTULO 6 – «ESPLENDOR E TERROR»

1
J. R. Graça [1867], p. 460.
2
Inspirado em Henrique de Carvalho, 1890, p. 134.
3
J. R. Graça [1867], p. 446.
4
Idem, p. 450.
5
Idem, p. 412.
6
Idem, p. 409.
7
Idem, p. 413.
8
Idem
9
Rodrigues Graça escreve «Mane-puto».
10
J. R. Graça [1867], p. 426.
11
Discurso direto reconstituído a partir de J. R. Graça, op. cit., p. 418.
12
J. R. Graça [1867], p. 426. No seu diário, Rodrigues Graça não indica
que esta parte dos diálogos tenha ocorrido fora das audiências, mas era ha-
bitual, no contexto em questão, que um visitante ilustre tivesse oportuni-
dade de conversar mais privadamente com o potentado anfitrião.
13
Idem, p. 418.
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Bibliografia

As explorações europeias em África no século XIX, e suas ramificações te-


máticas, são objeto de vastíssima bibliografia nacional e estrangeira, que
não cabe aqui referenciar de forma exaustiva. Na presente lista bibliográfica
são apenas indicadas as obras citadas no texto e algumas das fontes, livros
e artigos consultados pelos autores e suscetíveis de interessar aos leitores.

1. BIBLIOGRAFIA CITADA

ALMEIDA, Francisco José de Lacerda e


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Hachette, 1881, vol. I, pág. 119 (Biblioteca Nacional de Portugal); págs.
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102 (Biblioteca Nacional de Portugal).

2º caderno de imagens:
pág. 1: CD7, f. 03 (Sociedade de Geografia de Lisboa, Fototeca); pág. 2: A.
de Serpa Pinto, Comment j’ai traversé l’Afrique, Paris, Librairie Hachette,
1881, vol. II, pág. 7 (Biblioteca Nacional de Portugal); pág. 3: idem, pág.
11; Carlota de Serpa Pinto, A Vida breve e ardente de Serpa Pinto, Lisboa,
Agência Geral das Colónias, 1937 (Biblioteca Nacional de Portugal); pág.
4: A. de Serpa Pinto, op. cit., vol. II, pág. 55 (Biblioteca Nacional de Por-
tugal); RES. 1 - EST. 145 - Nº 47 (1) (Sociedade de Geografia de Lisboa,
Biblioteca); pág. 5: A. de Serpa Pinto, op. cit., vol. II, pág. 439 (Biblioteca
Nacional de Portugal); pág. 6: RES. 1 - EST. 145 - Nº 47 (1) (Sociedade de
Geografia de Lisboa, Biblioteca); H. Capelo, R. Ivens, De Angola à contra-
costa, Lisboa, Imprensa Nacional (Biblioteca Nacional de Portugal); R.
Pont-Jest, «L’Expédition du Katanga, d’après les notes de voyage du mar-
quis Christian de Bonchamps», in E. Charton (ed.), Le Tour du Monde,
Paris, Hachette, 1893 (domínio público: http://en.wikipedia.org/wiki); pág.
7: CD7, f. 03 (Sociedade de Geografia de Lisboa, Fototeca); O Occidente,
nº 8, 15.4.1878 (Hemeroteca Municipal de Lisboa); pág. 8: H. Capelo, R.
Ivens, De Angola à contracosta, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, vol. I,
pág. 137 (Biblioteca Nacional de Portugal); H. Capelo, R. Ivens, De Ben-
guela às terras de Iáca, Lisboa, Imprensa Nacional, 1881, pág. 96 (Biblio-
teca Nacional de Portugal); pág. 9: H. de Carvalho, Descrição da Viagem
à mussumba do Muatiânvua, Lisboa, Imprensa Nacional, vol. IV, pág. 158
(Biblioteca Nacional de Portugal); pág. 10: H. de Carvalho, Álbum da Ex-
pedição ao Muatiânvua, estampa inicial, foto nº 1 (Biblioteca Nacional de
Portugal); pág. 11: H. de Carvalho, Descrição da Viagem à mussumba do
Muatiânvua, Lisboa, Imprensa Nacional, vol. I, pág. 42; idem, pág. 56;
idem, vol. IV, pág. 276; pág. 12: idem, vol. II, pág. 503; idem, vol. III, p.
775; pág. 13: H. de Carvalho, Álbum da expedição ao Muatiânvua, es-
tampa 1, foto nº 1 (Biblioteca Nacional de Portugal); H. de Carvalho, Des-
crição da Viagem à mussumba do Muatiânvua, Lisboa, Imprensa Nacional,
vol. I, pág. 438; idem, vol. II, pág. 257; idem, vol. IV, pág. 206; pág 14: H.
EXPLORADORES 02 PAG_Layout 1 9/13/13 6:40 PM Page 357

CRÉDITOS ICONOGRÁFICOS 357

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(Biblioteca Nacional de Portugal); pág. 15: H. de Carvalho, Descrição da
Viagem à mussumba do Muatiânvua, Lisboa, Imprensa Nacional, vol. IV,
pág. 312 (Biblioteca Nacional de Portugal); pág. 16: CD1, f. 117 (Sociedade
de Geografia de Lisboa, Fototeca).

imagens no texto:
pág. 43: O Occidente (coleção de F. Verde); pág. 105: H. de Carvalho, Des-
crição da Viagem à mussumba do Muatiânvua, Lisboa, Imprensa Nacional
(Biblioteca Nacional de Portugal); imagens de abertura e fecho dos capítu-
los: idem.

imagens da capa:
retrato de Roberto Ivens, s.d., Fototeca da Sociedade de Geografia de Lis-
boa, (tratamento digital: A Esfera dos Livros); retrato do príncipe Noéji,
na qualidade de embaixador de seu tio Xa Madiamba, imperador lunda in-
digitado, in H. de Carvalho, Álbum da expedição ao Muatiânvua, [1890],
Biblioteca Nacional de Portugal (tratamento digital: A Esfera dos Livros);
Mapa do Cubango ao Cuanza por A. de Serpa Pinto, 1877, Biblioteca da
Sociedade de Geografia de Lisboa; bússola, binóculos, séc. XIX, A Esfera
dos Livros.

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