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ARTES E
IDEIAS O Diário de Jorge Silva Melo PÁGINA 36
A ‘antecipação’ de cinco
novos romances
Com a rentrée a chegar ao ‘pleno’, o JL revela as ficções de cinco autores de
língua portuguesa que em breve vão chegar às livrarias. Pré-publicações de
quatro delas, entrevista com os autores e crítica
a Da Natureza Dos Deuses, de ALA
PÁGINAS 9 A 14
Mário
Cláudio
António
Lobo
Antunes Rui Zink João Paulo Cuenca Afonso Cruz
Portugal e os refugiados
FOTOS DE: GONÇALO ROSA DA SILVA, JOÃO LIMA
© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:14)
2* destaque jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
› b r e v e e nc o n t ro ‹
Javier Rioyo
Mostra Espanha 15
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
destaque * 3
A
no Museu Coleção Berardo, valeu
a Ângela Ferreira o Prémio Novo
Banco Photo. No valor de 40 s eleições legislativas do próximo domingo são, por uma
mil euros, é o mais importante série de circunstâncias que já aqui assinalei, das mais
prémio atribuído na fotografia, importantes e talvez das mais ‘disputadas’ dos nossos
no contexto dos artistas da 40 anos de regime democrático. Como sempre, o JL não
lusofonia. toma, nem tinha de tomar, posição face às opções em
O júri, constituído pela confronto. Mais, nas suas colunas não ensaia sequer, como
artista e curadora Dana poderia ensaiar - “jornal de ideias” que também é -, qualquer tentativa
Whabira (Londres, Harare), os de análise, comparação ou juízo sobre o pensamento, ou ausência dele,
historiadores de arte Manthia sobre exatamente as “ideias”, ou ausência delas, das forças políticas que
Diawara (Bamako, Nova Iorque), se apresentam a sufrágio. Por várias razões, sendo a principal esta: o espa-
e Salah Hassan (Cartum, ço para tal necessário impediria ocuparmo-nos em simultâneo daqueles
Nova Iorque), distinguiu, por Tendency to Forget Obra de Ângela Ferreira no Museu Coleção Berardo temas que nos são ‘específicos’ - enquanto as eleições e a ‘cobertura’ da
unanimidade a obra da artista campanha estão em todos os media generalistas. Mas há também outros
portuguesa, nascida em Maputo, motivos, como a grande dificuldade/ complexidade em fazer mesmo só
Moçambique, em 1958, que aquela análise e comparação em termos de profundidade e isenção tais
interroga o passado, os fantasmas contemporânea. “Os edifícios (Luanda), que estão patentes na que não pudessem suscitar quaisquer fundamentados reparos.
do tempo colonial e pós-colonial, podem ser lidos como textos mostra do Museu Berardo até 11 Isto não exclui, nunca excluiu, que o nosso jornal - além de fazer o
recorrendo a documentação de políticos, e é isso que procuro de outubro natural apelo ao exercício do direito e cumprimento do dever de vo-
arquivo, em resultado de uma fazer”, afirma e esse é um dos Bruno Zhu foi entretanto o tar - nestas épocas eleitorais aborde, embora de forma sumária, de uma
investigação histórica e artística. princípios do seu trabalho, que vencedor do Prémio Novo Banco maneira ou outra, pelo menos as propostas de partidos e coligações nas
Essa é uma temática recorrente atualmente pode também ser Revelação 2015. Além de uma áreas da Educação e da Cultura. Foi o que fizemos no último nº. quanto à
no percurso de Ângela Ferreira, visto numa exposição na Galeria bolsa de produção no valor de Educação, nele privilegiando as opiniões e os testemunhos de especialis-
que atenta também nas questões Filomena Soares, em Lisboa. 15 mil euros, o artista tem a tas de diversificados quadrantes, incluindo quatro ex-ministros, sobre os
da arquitetura e do urbanismo O projeto de Ângela Ferreira, possibilidade de mostrara sua principais problemas nessa área e
“
moderno, como elementos foi escolhido entre os trabalhos arte, numa exposição individual forma de os superar. E é o que fa-
centrais na sua pesquisa e, finalistas de Ayrson Heráclito no Museu de Serralves, a partir de zemos neste, de modo ainda mais
na compreensão da sociedade (Salvador) e Edson Chagas 20 de Novembro.J sumário, sobre a Cultura, através
de textos também de dois antigos
governantes do setor.
A (re)criação do Na última edição chamei aliás
Arquiteturas CineEco, cinema Ministério da Cultura a atenção para o e deplorável facto
e 1% do Orçamento de o tema Educação ter estado
Film Festival ambiental em Seia completamente ausente, até esse
de Estado para o setor momento, dos debates promovi-
entre as propostas de dos na comunicação social entre
os diversos líderes políticos, em
alguns partidos particular no das televisões entre
Sob a temática da Arquitetura, começa O 21º Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra os dos dois principais partidos. A
amanhã, 1, a terceira edição do Arquiteturas da Estrela decorre na Casa da Cultura de Seia entre 10 e 17 incompreensível falha foi colma-
Film Festival, que este ano vai decorrer sobre de outubro. A edição deste ano do CineEco é inspirada na tada no segundo debate entre eles,
a ideia ''Welcome To The future''. Ao todo Encíclica do Papa Francisco sobre as alterações climáticas e na rádio. Não obstante ter de reconhecer que o que disseram pouco ou
são mais de 60 filmes e algumas iniciativas, o ambiente, e apresenta filmes com preocupações ambien- nada acrescentou, aqui se assinala o facto pelo que ao menos representou
em vários locais da cidade de Lisboa, como tais oriundos de 20 países. Ao longo de uma semana, os 80 de reconhecimento da decisiva importância da Educação para o desen-
o Fórum Lisboa, o Cinema City Alvade e a filmes selecionados integram as várias secções competiti- volvimento e progresso do país.
Cinemateca. vas - Longas e Curtas Internacionais, Longas e Curtas da
99 Dom-ino, um projeto do coletivo Space Lusofonia, Séries e Documentários de Televisão e Panorama Quanto à Cultura, como de hábito não só não entra nos debates como
Caviar, é o filme de estreia desta terceira Regional. não tem sequer qualquer referência na campanha, pelo menos que mere-
edição, que vai passar hoje, 30, às 21h30 no O festival abre com a antestreia do filme A Hora do Lobo, ça uma linha, uma imagem ou um som nos media. E no concernente aos
Fórum Lisboa. Um filme que foi desenvolvido de Jean Jacques-Annaud, que se encontra entre os 15 mais programas, de que pode ler aquelas duas ‘visões’ nas pp. 6/7, apenas três
para fazer parte da exposição Monditalia, na rentáveis do ano na China. A história remonta a 1967, quando brevísssimos chamadas de atenção para a generalizada defesa explíci-
14ª edição da Bienal de Arquitetura de Veneza. um jovem chinês parte para a Mongólia e acaba por se tornar ta, com exceção da coligação atualmente no poder, da a) (re)criação do
A Força do Atrito, de Pedro Ruivo, assim num acérrimo defensor dos direitos dos lobos. A fechar Ministério da Cultura, e, b) atribuição ao setor de 1% do Orçamento do
como Resort de Martin Hrubý, La Corde du a mostra, Os Muros e o Tigre, da cineasta indiana Sushma Estado, com a exceção também do PS, que já em anteriores eleições o
Diable de Sophie Bruneau, Barbicania de Ila Kallam, analisa a relação entre sustentabilidade, inclusão, propôs - mas agora os tempos são outros e com aquela percentagem já
Bêka & Louise Lemoine e Concrete Love – The agricultura e industrialização. longe até dos 0,3%, chegar aos 0,6% talvez já não fosse mau... ; e para, c)
Boehm-Family de Maurizius Staerkle-Drux são Além das exibições, a programação conta com conferên- a defesa, no programa do PS, de que a área ou ‘tutela’ da comunicação so-
alguns dos filmes que constituem o festival. cias, workshops, concertos e exposições. A mostra afirma-se cial deve ficar na pasta da Cultura, coisa que há muitos anos aqui sustento
De salientar, ainda, a Masterclass de Edgar como o único festival de cinema em Portugal dedicado ao impor-se.
Pêra, O (meu) Cinema e a Arquitectura e o ambiente, e propõe uma reflexão sobre temas como a substi- JOSÉ BLANCO Quase em rodapé, apenas umas linhas para sublinhar a
lançamento do livro Cassiano Branco (1897- tuição dos combustíveis fósseis, a biodiversidade, a poluição inteira justeza e justiça da homenagem prestada na Casa Fernando Pessoa
1970) de Paulo Tormento Pinto, a 3 de outubro. do ar e a as consequências das alterações climáticas. Antes a José Blanco. Homenagem, na circunstância, como grande pessoano, que
Também o Workshop Oficina de Crianças do arranque oficial, o CineEco apresenta, pela primeira vez, doou agora à Casa grande parte do seu espólio (a isso voltaremos), mas
- Máquina do Tempo a decorrer no dia 3 de uma sessão especial com filme realizados por estudantes da que se adequa bem a tudo que ele fez pela cultura portuguesa e pelo pa-
outubro e o Workshop História Projetadas no região, no Centro de Interpretação da Serra da Estrela, a 9 de trimónio que deixamos pelo mundo enquanto administrador da Fundação
dia 4 de outubro fazem parte do programa.J outubro.J Gulbenkian.J
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› breves‹
Observatório da Canção de Protesto
TRIO DO DESASSOSSEGO, com
Ricardo Vicente, no piano, Pedro Lopes,
no violino, e Catarina Gonçalves, no
E NA QUEDA RAPOSAR, de Sónia Era uma das figuras de proa entre 2 e 25 de outubro e que De 8 de outubro a 29 de música, arquitetura, desenho,
Baptista, livro da não(edições), lançado a da música antiga em Portugal homenageará o seu diretor novembro acontece a 16º edição experiência, dança e jazz que
1, às 22h00, no espaço da Mala Voadora e da cultura algarvia. Como artístico. O programa inclui da Festa do Cinema Francês, podem ser vistos até dia 4. A
no Porto.
pedagogo, desenvolveu um as atuações de Maria Giovana que vai passar por 18 cidades sessão de abertura exibe o filme
importante trabalho no Fiorentini e I Fiori Musicali de Portugal, como Braga, Master and Tatyana de Gierè
Conservatório Regional do (dia 2, Igreja Nossa Senhora Leiria, Coimbra, Beja, Setúbal Žickyté, da Lituânia. Sobre
OS INTELECTUAIS
Algarve Maria Campina, onde da Conceição, Quarteira), ou Viana do Castelo. Ao todo, música, destaca-se Rhythm of
PORTUGUESES E A QUESTÃO
lecionava flauta de bisel e classe Armonía Concertada (3, Igreja são exibidos mais de 50 filmes. Time de Elias Djemil. Sombras,
DE CASAMANSA (1839-1843), de conjunto e de onde, sob sua de S Lourenço, Almancil), Lisboa é a cidade escolhida para de Luís Alves de Matos, e Kiki
conferência de Daniel Estudante Protásio, orientação, germinaram projetos Ensemble Discantus (10, a sessão de abertura, com o of Montparnasse, de Amelie
a 7, às 17 e 30, na Sociedade de Geografia como o Grupo de Música Antiga Igreja Matriz de Loulé), Trio filme Le dernier loup, de Jean- Harrault, são algumas das curtas
de Lisboa. do Conservatório e o Ensemble de Violas da Gamba do Porto e Jacques Annaud, padrinho da apresentadas.
de Flautas de Loulé, com o Ensemble de Flautas de Loulé edição deste ano. Hippocrate, A norte de Lisboa, na Arruda
ANTÓNIO ZAMBUJO em concerto na qual gravou três CD. Enquanto (17, Igreja de Nossa Senhora de Thomas Lilti; Qui Vive, de dos Vinhos, decorre a segunda
escadaria central do Amoreiras Shopping, programador, teve ação notável da Assunção, Querença), Bart Marianne Tardieu; Lolo, de Julie edição do Curt'Arruda, "o
Lisboa, hoje, 30, às 21. à frente do mais perseverante Coen e Per Flauto (24, Igreja de Delpy; e Mon Roi, de Maïwenn, festival de cinema rural mais
ciclo dedicado em Portugal à São Sebastião, Boliqueime) e são algumas das ante estreias. A urbano de Portugal", sexta-
MASSIMO SPADANO E LUCA música anterior ao classicismo, Thalia Ensemble (25, Igreja da festa apresenta uma retrospetiva feira e sábado, 2 e 3 de outubro.
GUGLIELMI apresentam Boccherini e o Encontro de Música Antiga de Nossa Senhora da Assunção, com oito filmes do realizador A mostra, no Clube Recreativo
Loulé, criado em 1999 e pelo qual Alte). Irão ter lugar também uma Jacques Doillon que vai estar em Desportivo Arrudense, conta
Mozart em Paris, concerto com sonatas
passaram, desde o início, vários masterclass de canto por Maria Lisboa. com duas secções competitivas,
dos dois compositores, sábado, 3, às 21 e
dos nomes mais destacados Cristina Kiehr, um workshop Entretanto, o Festival o Curt'Arruda, para a melhor
30, no Palácio Nacional de Queluz.
de Portugal e do panorama de dança barroca por Catarina Internacional Filmes sobre Arte curta rural, e o Film'Arrud, para
internacional. Francisco Rosado Costa e Silva e uma masterclass começa amanhã, 1, na Galeria a melhor curta sobre a vila. A
LUÍS RODRIGUES inaugura Return morreu na noite de 23 de de flauta solo e consort de Zé dos Bois, em Lisboa. Entre mostra conta ainda com um
Home, exposição de pintura e cerâmica, setembro, a poucos dias do início flautas por Bart Coen. Todos os curtas e longas metragens segmento dedicado a Salomé
na Praça do Peixe, Torres Novas, sábado, da edição deste ano do concertos às 21h30 com entrada são mais de 20 os filmes Lamas, com a exibição de cinco
3, às 16. Encontro, que decorrerá gratuita.. J portugueses e estrangeiros sobre curtas da cineasta. J
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
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Regresso às Grandes
Vidas Portuguesas
Em tempo de regresso à escola, é importante revelar às novas gerações as vidas exemplares
de personagens incontornáveis da História e da cultura portuguesas. O patriotismo de Alfre-
do Keil, a dedicação incansável à educação infantil de Ana de Castro Osório, a coragem de
Aristides de Sousa Mendes e a capacidade de dádiva de Azeredo Perdigão podem ser apre-
ciados em quatro novas edições, com a colaboração de alguns dos melhores escritores e ilus-
tradores contemporâneos de livros para crianças. A coleção Grandes Vidas Portuguesas,
é uma coedição da editora Pato Lógico e da Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
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6 * destaque jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
Coincidências e divergência
que daí decorrem ao nível dos direitos de autor, do
acesso dos cidadãos, da liberdade de expressão.
O BE chama a atenção “para os novos
“
A inexistência, na generalidade dos partidos referências específicas ao papel das indústrias dos recursos que gere. Simplificar, aligeirar e
portugueses, de verdadeiros gabinetes de estudos culturais e criativas, à recuperação do patri- flexibilizar este aparelho parecer-me-ia bem
credíveis, que produzissem reflexão teórica e mónio histórico, às sinergias com o turismo, à mais prioritário.
propostas políticas reconhecidamente assumi- contribuição para a criação de emprego. Todos os Também me parece que nenhum dos pro-
das pelos respetivos dirigentes, e a falta de porta partidos atribuem igual importância à valorização Seria um grande passo gramas analisados foi suficientemente longe e ao
vozes setoriais ou governos sombra da oposição,
enfraquece e relativiza os programas apresen-
do património material e imaterial e, em grande
parte dos casos, as medidas propostas são muito
que o programa do futuro fundo do problema do financiamento da cultura.
Estamos a assistir em todo o mundo ocidental a
tados. Muitas vezes são o pensamento e as ca- semelhantes. Governo pudesse representar mudanças substanciais nesta matéria, que re-
racterísticas e capacidades de cada ministro que O reconhecimento da importância da criação um amplo consenso em sultam, por sua vez, das novas formas de criação
determinam o verdadeiro conteúdo e o sucesso artística e do estatuto dos artistas é comum. O artística e cultural, dos novos meios de comuni-
das respetivas políticas. BE propõe “a criação do Estatuto dos Artistas”, matéria de política cultural, cação e difusão e consumo da cultura, do papel
Vem isto a propósito da leitura das propostas a Coligação “a concretização do Estatuto dos conferindo-lhe estabilidade e que ela assume na sociedade contemporânea e na
eleitorais para a cultura dos principais partidos Artistas” e o PS “a prossecução de políticas que sua relação inevitável, embora às vezes perversa,
com representação parlamentar. Sendo, embora, valorizem e dignifiquem autores e artistas”. eficácia como fator identitário com o mercado.
a cultura, muitas vezes, um território onde se Em matéria de financiamento da cultu- e de coesão nacional Considerar a diversificação das fontes de fi-
evidenciam, com clareza, as clivagens ideológicas ra, CDU e BE defendem expressamente que o nanciamento (administração central, local, inter-
teóricas entre a esquerda e a direita e, portanto, Orçamento de Estado deve destinar, pelo menos, média, fundos comunitários, mecenato empresa-
onde os pontos de partida mais se distanciam, na 1% do PIB à cultura, sendo o PS e a PàF omissos a rial e privado, patrocínios, publicidade), viabilizar
sua concretização, as propostas aproximam-se, este respeito, embora o PS refira “uma consoli- ênfase à intervenção do Estado na proteção e a sua gestão flexível, com a participação dos
se excetuarmos a retórica estatizante e neocor- dação progressiva, ao longo da legislatura, dos recuperação do Património e na melhoria da interessados e não apenas na ótica da oferta, mas
porativa da CDU (coligação do Partido Comunista meios orçamentais”. prestação dos serviços públicos e focando-se, no também da procura, e incentivar fiscalmente, de
com os Verdes), o único que fala de um serviço No entanto, ambas as força políticas promo- que respeita à criação artística, na promoção de forma eficaz, a participação dos cidadãos e das
público de cultura. vem o reforço dos meios afetos à cultura, seja condições que a favoreçam. Os outros partidos, empresas neste esforço, parecem-me algumas
Vejamos alguns exemplos de convergência “pelo alargamento às instituições culturais com com gradações diferentes, apostando na eficácia das prioridades infelizmente não suficientemente
- e há outros. A posição nuclear da cultura no utilidade pública da possibilidade de consig- de uma intervenção mais ativa do Estado, no consideradas nos programas eleitorais.
contexto das políticas públicas é assumida pela nação, pelos contribuintes, de 0,5% da sua apoio direto à criação artística, sem prejuízo da Apreciação final. Se o resultado das eleições
coligação PSD/CDS, Portugal à Frente (PàF): “A contribuição em IRS” (PS), seja “pela revisão da liberdade individual. de 4 de outubro viesse a exigir acordos interpar-
cultura é muito mais que o conjunto de políticas Lei do Mecenato, no âmbito do alargamento das A PàF e a CDU dão uma especial importân- tidários para assegurar um suporte maioritário
culturais de uma tutela ou de um Governo e o possibilidades de financiamento à actividade cia à Língua Portuguesa. A primeira, “pelo seu ao Governo, não seria difícil obtê-los na área da
próprio dispositivo de construção pessoal e social cultural” (PàF). papel identitário e de elo de ligação da diáspora e cultura. Mas mesmo que isso não fosse necessá-
de cada um e de todos numa comunidade”; tal Citei, a título de exemplo, um conjunto de de factor diferenciador no mundo globalizado”, rio por essa razão, seria um grande passo que o
como pelo Partido Socialista (PS): “O PS vê a matérias relevantes para evidenciar a existên- a segunda, também, como “veículo do reforço programa do futuro Governo pudesse represen-
cultura como um pilar essencial da Democracia, cia de uma convergência de pontos de vista em da cooperação com os outros povos e Países de tar um amplo consenso em matéria de política
da identidade nacional, da inovação e do desen- matéria de política cultural entre as principais Língua Oficial Portuguesa”. O PS e, sobretudo, o cultural, conferindo-lhe estabilidade e eficácia e
volvimento sustentável”; e o Bloco de Esquerda forças políticas. BE atribuem uma grande importância ao impacto demonstrando que a cultura pode efectivamente
(BE) considera que “o acesso à cultura é um pilar Claro que também há diferenças, sobretudo das novas tecnologias de informação na criação e ser, também, um fator identitário e de coesão
da Democracia”. nas perspetivas de partida. A PàF, dando mais difusão artística, bem como nos novos problemas nacional.J
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destaque * 7
N
Mário Vieira de Carvalho arquivos e bibliotecas aos incentivos à produção de pólos criativos que reforcem outro dos pontos fortes
conteúdos digitais em língua portuguesa, incluindo a do programa do PS: “Afirmar o ‘interior’ como
articulação com países da CPLP e o aprofundamento centralidade no mercado ibérico” – uma prioridade
um quadro em que a Cultura do “Plano Nacional de Leitura”. que, pela sua importância estratégica, ficará a
bateu no fundo – apenas 0,1% No programa do Partido Socialista (PS), a inclusão cargo de uma unidade de missão na dependência do
do PIB lhe é destinado pelo do setor da cultura no capítulo da “Prioridade à primeiro-ministro.
OE, como se põe em evidência inovação” e sob a epígrafe “Investir na Cultura, Nos seis eixos do programa do PS para a Cultura –
nos programas eleitorais dos democratizar o acesso” já diz muito sobre a vontade (1) caráter transversal, (2) cultura mais participada,
partidos de esquerda – que política de reposicionar a cultura como área de (3) património material e imaterial, (4) valorização
medidas concretas é que as investimento público. Reposicioná-la, não só por económica da cultura e programa de investimento
diferentes forças políticas contraste com os últimos quatro anos de governação para a recuperação do património histórico, (5)
em presença nos oferecem da coligação de direita, mas também corrigindo promoção e dignificação dos criadores, incluindo
para inverter a tendência? Na verdade, numa leitura a tendência, na governação do próprio PS, para a internacionalização, (6) liberdade de expressão
comparativa dos programas, a primeira verificação é privilegiar a Educação e a Ciência, por contraste com e informação dos órgãos de comunicação social
que todos os partidos convergem na necessidade de a Cultura, que não beneficiou de uma continuidade e –, a principal novidade consiste numa abordagem
fazer muito na Cultura ou, pelo menos, fazer mais do uma solidez comparáveis no esforço de investimento transversal que inclui “os canais tradicionais de
que tem sido feito até aqui. público. comunicação e transmissão de conhecimento e
Eis onde reside o mistério dos programas As óbvias sinergias entre os três setores nunca conteúdos – do ensino obrigatório ao serviço público
eleitorais: todos parecem próximos daquilo que foram, por isso, verdadeiramente exploradas. Daí de média – e as novas plataformas digitais”.
é mais consensual, para apagar as diferenças que, por exemplo, o enorme esforço de formação Toda a área da comunicação social passa a ficar sob
verdadeiramente fraturantes que os separam uns dos e investigação nas diferentes artes não tivesse a tutela da Cultura, o que – aproximando o serviço
outros nos seus respetivos modelos de governação. equivalente no reforço e na disseminação de público de informação do serviço público de cultura
Quem ler o programa da coligação PSD/CDS, Portugal estruturas de produção estáveis, capazes de absorver – poderá contribuir para pôr termo, finalmente, à
à Frente (PàF), pasma uma vez, pasma outra vez esquizofrenia a que nos habituámos: a falta
e pasma sempre com a súbita declaração de amor de correspondência entre o que se faz na
ao Estado Social, em contraste com as práticas de cultura e o que os mass media projetam dela.
radicalismo ultraliberal dos últimos quatro anos Saliente-se ainda, entre outras medidas
de governação. De qualquer modo, o que está concretas, a criação do “Cartão + Cultura”,
aqui em apreciação não é o que foi feito, mas o atribuído pelas empresas aos trabalhadores
que se promete. A questão da confiança quanto ao para a frequência de atividades culturais
verdadeiramente expectável é o voto que a decide (uma forma de mecenato indireto) e,
nas urnas. sobretudo, a criação do Arquivo Sonoro
A PàF propõe-se privilegiar as articulações Nacional, projeto agora retomado, após o seu
entre Cultura e, respetivamente, Educação, arranque já ter sido orçamentado (mas não
Economia, Turismo, “territórios de baixa concretizado) em 2008.
densidade” e internacionalização. Quer Recusando a subalternização da
promover a “presença das artes e do património Cultura, o PS promete a reconstituição
no quotidiano de estudantes famílias” bem como do MC e essa é uma medida comum aos
a “ligação entre objetivos curriculares e criação programas da CDU (coligação Partido
e fruição cultural”. Reconhece a importância Comunista - Verdes), do Bloco de Esquerda
da Cultura como “área de elevado potencial (BE) e do Livre/Tempo de Avançar.
competitivo”, “elemento diferenciador de mais Lê-se no programa deste último: “A
valia na economia global atual” e “na criação opção política de eliminar o Ministério
de empregos e de riqueza”. Daí a articulação da Cultura configura o lado visível de
com o Turismo (“Portugal enquanto destino”), uma menorização do papel da Cultura
o território (“dispositivos de instalação de enquanto fator identitário e promotor do
indústrias criativas”) e a internacionalização desenvolvimento e da coesão comunitária”.
(promoção da língua e cultura portuguesas, Manifestação contra a TSU, em Lisboa Pôr termo à esquizofrenia da falta de O Livre é, porém, o único que lembra a
cinema e audiovisual, “captação de produções correspondência entre o que se faz na cultura e o que os mass media projetam dela Convenção da UNESCO para a Proteção e
externas”). Com que recursos financeiros? A Promoção da Diversidade das Expressões
única menção expressa é a “incentivos à criação Culturais, subscrita por quase todos os
“
de capital de risco” e “utilização de fundos países do mundo, incluindo Portugal,
reembolsáveis”. A economia de mercado terá, na qual se consagra o princípio de que os bens e
portanto, a última palavra. serviços culturais não são meras mercadorias e a
Sob a epígrafe “Cultura e coesão social” a PàF consequente necessidade de políticas públicas que
proclama “o papel crucial” da cultura “na criação A reconstituição do Ministério da promovam a criação e circulação da cultura. A
de uma sociedade mais inclusiva e na afirmação do Cultura emerge aí, pois, como uma área privilegiada
princípio da igualdade de oportunidades”. Tem-se em
Cultura é uma medida comum aos de investimento público que tem, além do mais,
vista a integração das minorias étnico-linguísticas, programas do PS, da CDU, do BE e enorme efeito multiplicador em toda a economia.
Estes três últimos partidos quantificam, aliás, a
o acesso das populações à cultura, uma melhor
articulação entre esferas da administração pública,
do Livre/Tempo de Avançar. E os três meta de 1% do PIB para a Cultura no OE. Entre as
setor privado e sociedade civil, a diáspora portuguesa últimos quantificam a meta de 1% medidas propostas por eles, contam-se: dotar de
e a literacia digital. Em matéria de “identidade do PIB para a Cultura no OE leis de bases o setor da cultura e baixar o IVA para os
bens e serviços culturais (Livre); fim da taxa da cópia
e património”, o que sobressai, além da menção
expressa diferenciada aos patrimónios “cristão, privada e consagração do direito à cópia privada (BE);
judaico, islâmico”, “arqueológico” e “à nossa história travar a alienação de bens patrimoniais do Estado
militar”, são três medidas concretas: revisão do e travar a sua entrega a gestões privadas (CDU). De
Conselho Nacional de Cultura e da Lei do Mecenato e sucessivas vagas de jovens altamente qualificados, resto, os respetivos programas convergem largamente
criação de “um ponto de contacto para o investimento candidatos a emprego cultural e artístico, que entre si e com o Programa do PS em matérias como
na cultura”. têm sido forçados à emigração, ao desemprego ou o estatuto sócio-profissional dos artistas, o apoio à
Nas artes, elenca-se o estatuto do artista, os apoios a situações precárias de subemprego. Isto, apesar criação literária e artística, a transversalidade da
plurianuais, a defesa do direito de autor, a revisão dos dos organismos de produção artística do Estado cultura, a articulação com os média, a política da
modelos de gestão de organismos públicos, o apoio ao e da abundância de excelentes infra-estruturas língua, a internacionalização e a democratização do
movimento amador e a regulamentação/certificação (cineteatros e outras) por aproveitar, espalhadas acesso à cultura, incluindo os suportes digitais e a
de formação. Finalmente, liga-se a política de pelo país, e que bem podem vir a constituir-se como TDT. J
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8 * destaque jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
“
faltava-me isto ou aquilo para correr riscos? Depende muito
fazer um artigo e voltava ao meu até uma rede de mercearias [...] do temperamento das pessoas e
ultramodesto quartinho de uma chamada Vale do Rio. A editora o meu era um tanto ou quanto
coisa chamada hotel, mas chamar tinha sido fundada por um grande irrequieto, fui para Angola como sempre com a mesma dimensão.
aquilo hotel dá vontade de rir. Era editor, Figueiredo de Magalhães, A Ulisseia era uma um aventureiro, e ainda bem, Esse quadrado tem 11x11cm e o
uma coisa colonial, um bungalow. e tinha adquirido grande prestígio não escolhi o contrário. Venho retângulo tem 15.5x17.5 e tem o
Quando chegava ao quarto, tinha a pela qualidade dos livros. Com
editora como as de família muito pobre, de gente logotipo das letrinhas que cabe
minha cama cheia de africanos, que a sua saída entrou numa enor- outras, esta (&etc) muito pobre, e portanto nunca todo também dentro de um re-
tinham por eles aprendido a mexer
no meu pick-up de plástico [...] da
me decadência e alguém dessa
empresa soube que havia um
não, esta é uma coisa tive acesso às grandes culturas, ir
ali a Paris ou a Londres embebe-
tângulo. A este conjunto geomé-
trico e numerológico chamo-lhe
Philips. Tinha uma quantidade de rapaz com interesses jornalísticos completamente maluca dar-me de cultura, não. A minha um cânone: é como um soneto,
discos de jazz, gostava muito, tive e literários, cultura literária, de opção foi o trópico. Fui às Europas podem-se fazer 14 versos todos a
até um programa de jazz na rádio, cinema... Qual era a situação em porque vivia numa ditadura e era seguir ou separados, seja como for
e então eu chegava e estava tudo que estava a editora? Os donos já lá que podia ter acesso a filmes, todos têm que ter 14 versos.
a ouvir Duke Ellington, Mahalia não iam dar subsídio de Natal, iam editora, o que tem ligação direta a teatros, a edições, a jornais, e Eu fui amigo pessoal e se
Jackson, em alegre cavaqueira. Eu despedir funcionários... queriam ao público. É preciso também coisas assim que aqui não tinha. quisermos, em parte, discípulo do
entrava, tirava as minhas coisas e que eu fizesse uma proposta. Eu sorte e o que me serviu para o Mas aquele tipo de vida nunca me Almada Negreiros e sem dúvi-
ia-me embora. vinha da África com a convicção relançamento foi a Autobiografia fascinou. da nenhuma que o meu cânone
Essa gente era gente do contrato, de que nunca mais na vida teria do sr. Charles Chaplin, [...] man- em parte devo-o a influência do
o que quer dizer que ciclicamen- patrão, nunca mais iria fazer o que dámos fazer o papel [que devia ser &ETC Almada. À partida o formato dos
te, aos que sobreviviam o Estado não partisse de mim, o que não especial], o Sebastião Rodrigues A verdade é que esta chafarica livros do &etc poderia ser uma li-
obrigava-se a [...] pô-los novamente quisesse, ainda que fosse preciso fez a capa, enviámos a edição não tem nada a ver com a Ulisseia, mitação ou um desafio à criativi-
nas suas terras. Aí era uma festa, pagar a pior das moedas, não me ao sr. Chaplin que nos mandou nada!, nasceu na penúria, na es- dade e à imaginação. Se pegarmos
quando chegava o momento em que importava nada de morrer, eu vi a uma carta carta a dizer que era cassez, de qualquer modo já tem nos livros todos e pusermos ad
podiam ser libertados do contrato morte, estive lá, na guerra... a mais bela edição de todas que nada mais nada menos 42 anos, hoc todos, havemos de ver que
e eram devolvidos às suas aldeias Então faço uma proposta terroris- conhecia. E foi um enorme êxito é um caso por certo único. Como eles têm uma enorme unidade,
pelo Estado, que os enfiava numa ta: subsídio de Natal indispensável; editorial, relançando a Ulisseia. é que uma editora amadora, sem sendo completamente diferentes
camioneta. Então como eu fazia uns completa autonomia e liberdade Logo já, não era tão arrisca- recursos económicos nenhuns, uns dos outros. E se entendermos
bonecos com sticks [...] vieram-me de atuação na escolha de títulos, do fazer Frantz Fanon a dois ou pode concitar tanta gente? O &etc que o cânone é uma limitação,
pedir para eu fazer, em lençol, uma autores, tudo; nenhuma interferên- três mil exemplares. A editora tem 42 anos sem ter mudado nada será a única limitação do &etc.
espécie de bandeiras para eles porem cia do capital no destino do editor. A já estava novamente conhecida, relativamente a como arran- A ênfase dada a cada livro tanto
na camioneta. [...] Fui pintor de proposta foi mandada para o Manuel tinha prestígio cultural, os livros cou, deve ser um caso único na assenta na literatura como no
bandeiras da libertação dos contra- Correia, presidente do conselho da eram bem apresentados, tínha- Europa. Tudo isto atravessado por seu enquadramento visual. Não
tados. administração [...] conversámos e ele mos designers gráficos muito um espírito de enorme liberda- há hierarquia entre o gráfico e
afeiçou-se a mim. A sua preocupação bons e havia uma certa elite a de, extensível a toda a gente que o escritor. A Ulisseia era uma
À FRENTE DA ULISSEIA era que eu não exagerasse e a PIDE saber o que lia. A Ulisseia também colabora no & etc. editora como as outras, esta não,
A Ulisseia acabava por ser per- me prendesse. distribuía os seus próprios livros, Os livros têm todos um deter- esta é uma coisa completamente
tença duma empresa, de produ- O meu papel na Ulisseia foi e tinha nas traseiras do prédio minado formato, um retângulo maluca. Costumo dizer que o &etc
tos agrícolas, desde vinhos [...] retomar o prestígio cultural da “o armazém para a PIDE ver”. que tem dentro um quadrado é uma abstração, não existe! J
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
Letras * 9
› C i nc o novo s ro m a nc e s ‹
Depois do verão, regressa em força a atividade editorial. A rentrée traz muitos e bons livros, em particular de língua
portuguesa. Nesta edição, o JL antecipa e dá destaque a cinco romances que chegam na próxima semana às livrarias,
quatro de autores portugueses, o outro de um brasileiro. Referimo-nos a Mário Cláudio, que nos dá uma autobiografia
romanceada; Afonso Cruz, que aborda, através de uma história dos dias hoje, o tema da memória; Rui Zink, que encerra
agora a sua tetralogia sobre a crise; e António Lobo Antunes, cujo novo livro é lido em primeira mão por Norberto
do Vale Cardoso. Do Brasil, João Paulo Cuenca fala-nos da sua morte real e da sua ressureição literárias. Entrevistas
e pré-publicações nestas páginas
Mário Cláudio
quieta, dinamizada e alegre,
anunciando-lhe a hora da
“sopinha”, e pondo-a a cantar
a
diálogo inter-pessoal, daquele
que os “idosos” se mostrarem
capazes de entreter com os seus
botões.
“
propósito dominante consistiu em Rosa Ramalho na sua olaria em
criar uma área de espessura que que lhe corresponde, o que Hans Christian Andersen, os meados da década de 60, fase
o leitor é convidado a frequentar, permite reabilitar a consoladora Irmãos Grimm, e Charles Perrault, em que a ceramista acabava de
e em que constantemente se noção de um eterno retorno, ou regressam com o seu elenco ser descoberta por uma esquerda
apagam as linhas de fronteira de um renascimento perpétuo. O de personagens maravilhosas, “surrealizante”, e por uma direita
entre confessionalismo e invenção. convívio com os lugares dos nossos Cada velhice revisita e maravilhadas, e as imagens de Feiras do SNI que se esforçava
Alguns referentes iconográficos, primeiros anos, longe de constituir a infância que lhe coloridas recuperam as cores por não perder o comboio.
assumidos como fétiches, ilustram um processo de infantilização, primordiais, o vermelho da cereja, Arquitetei em consequência muito
a preto e branco o volume. equivale portanto a um acréscimo corresponde, o que o azul do cavalo, ou o amarelo da mais sobre estas entidades do que
de sabedoria. As linhas das permite reabilitar a estrela. alguma vez me atreveria a fazer
Na economia do conjunto, a parte eternas histórias do Romanceiro, Mal informadas sobre tais sobre mim próprio, coisa que julgo
da infância parece, como aliás ou dos contos reunidos pelos
consoladora noção de mecanismos, as instituições mostrar-se bastante óbvia.
é muito comum, ter especial mestres-narradores de inscrição um eterno retorno, ou de “administração” da velhice
predominância, com as suas indo-europeia, tornam-se assim apostam nesse mecanismo, E quanto a Tiago Veiga...
histórias e as suas 'leituras'... redivivas, ao libertarem-se do
de um renascimento e mantêm a clientela a seu O caso de Tiago Veiga será muito
Cada velhice revisita a infância efeito apagador de “idade ativa”. perpétuo cargo presumivelmente diferente porque, tratando-se
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1o * letras NOVOS ROMANCES jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
Rui Zink
sesta, o rapaz labuta, partilhando com o escasso punhado de milicianos-juristas
a responsabilidade da proposta de soluções para os desmandos praticados pela O registo é muito próximo do Teatro.
desorientação da soldadesca. Giram sem pausa as ventoinhas de tecto, isto por- Pensou-o como tal?
que tão-só as instâncias superiores auferem de ar condicionado, e erguem-se por Todos os meus livros, quase sem ex-
do terrorista?
ras, sempre que a da véspera não se mostre de caixão à cova, precipitando-o a res- clássicas das partições: lírica, drama,
sonar debaixo das estrelas, e em decúbito dorsal, ao fundo de uma dessas valas, narrativa. As três partes não têm o
destinadas ao escoamento das chuvas. E o rapaz mete-se no jeep, e apeia-se dele, mesmo número de carateres, o mesmo
desistindo de estabelecer diálogo com o condutor peso em quilos? Mas têm exatamente
indígena que afecta não entender seja o que for, e a mesma importância. O título, Osso,
que masca numa obsessão a bolinha de cola que designa conteúdo e forma. Aqui que
lhe enegrece os dentes branquíssimos. Encharcado ninguém nos ouve, acho que encontrei
em suor, e de estômago atulhado do caril de frango, um modo de contar mui adequado ao
obrigatório menu diário da messe, cai de fadiga Com Osso, Rui Zink dá por de contraditórios e de enganos. Um mundo de hoje, e aguardo emocio-
na tarimba do contentor que lhe designam como encerrada a tetralogia que dedi- retrato de uma sociedade em que nem nadamente uma menção honrosa do
casamata, e donde a meio da noite rompe o esparso cou à crise, iniciada com O Destino tudo o que parece é. Ministério da Economia, porque é um
berro de um camarada que não aguenta mais, e que Turístico, A Instalação do Medo e A livro como deve ser: limpo de gorduras
exige o seguinte, Metametamorfose e Outras Fermosas Jornal de Letras: Este livro é um osso excedentárias. O dinheiro e o tempo
«Tirem-me daqui!», Morfoses. Agora, os protagonistas são duro de classificar. Como o define? que não poupei aos contribuintes, ao
ou que descarrega a sua acrimónia contra um terrorista, preso à entrada do país, Diálogo, parábola, farsa? abdicar dos «naquela manhã», «en-
quanto o rodeia, expelindo esta frase com que › Mário Cláudio e um interrogador, que a certa altura Rui Zink: Um romance. Em tom de tretanto», «retorquiu», «inquiriu»,
desabafa a incoercível urgência de privacidade, ASTRONOMIA confundirá as suas fidelidades, aca- farsa. A tetralogia sobre a crise que «murmurou», «pigarreou», «coçou o
«Vai para o mato, malandro!» D. Quixote, 472 pp, 17,90 euros bando igualmente preso. Um romance agora chega ao fim, começou com queixo», «mordeu o lábio», «franziu
em jeito de farsa, como descreve o uma tragédia (O Destino Turístico), o sobrolho». E olhe que tenho alguma
escritor, que atendendo à austeridade seguiram-se-lhe um drama (A pena, porque «franziu o sobrolho» é
que grassa no nosso quotidiano cortou Instalação do Medo) e uma comédia (A uma das minhas expressões favoritas.
de um poeta com quem privei, duplo, ou um irmão gémeo, se bem no livro todas as "gorduras excedentá- Metametamorfose). O epílogo tinha de
terminaria eu por me apegar a ele, que empolgado por uma propensão rias". Uma obra, portanto, em forma ser uma farsa, claro, além do mais 2015 A certa altura lê-se: “Tempos desgra-
mas apenas depois da sua morte. libertária que jamais possuí, mas de diálogo contínuo, que sublinha a também o exigia, e quem sou eu para çados pedem desesperos engraçados”.
Ficaria em mim em suma como um que sempre cobicei. JL arte de Zink para o jogo de palavras, contrariar 2015? No riso está a raiz da reflexão?
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt NOVOS ROMANCES
letras * 11
Flores
casa e te abraçava, confuso pela tua presença breve, Este parece ser o seu romance mais preciso despertar os homens?
delicada, como uma brisa. Se um dia vier a acreditar político, no sentido de incluir, Não acho que esteja a ficar
em Deus, não quero relâmpagos e trovões, quero um refletir e recriar assuntos da mais esquecida, mas acho que
sorriso delicado como aquele que aparecia no teu rosto. atualidade. A crise bateu à porta da uma boa parte dos cidadãos
O mundo, quer-me parecer, é muito mais um sorriso ou sua literatura? mais informados não sente
uma flor a abanar ao vento do que um terramoto, um É uma história que se desenrola qualquer pressão para agir. Não
monumento de pedra ou um grand canyon. E agora, pai, nos dias de hoje e por isso seria desconsidero as indignações
Pai, estou frente ao espelho. tenho de ir buscar a Beatriz aos tempos livres. inevitável comentar a atualidade. momentâneas, mas creio
Relembro-te um momento em que estavas de cócoras Mas encontrar-nos-emos aqui no espelho, ou num Tenho tido essa preocupação em que é possível fazer mais e
ao meu lado e me ajudavas a montar um lego, tenho golo do Sporting, em quatro letras. livros ilustrados como Assim, mas melhor. Repensar o sistema
de te agradecer isso, de te debruçares sobre as minhas Até já. sem ser assim, Capital ou A Cruzada democrático tornando-o mais
brincadeiras, cresci com a tua sombra. Tenho de agrade- (...) das Crianças. Neste caso, achei justo, verdadeiro e, sobretudo,
cer-te o hálito a café pela manhã, quando me acordavas Nós tínhamos uma ameixeira no quintal. O pai pegava mais do que pertinente, senão hierarquizar os valores: ou
para ir para a escola, e, claro, o primeiro after-shave numa ameixa, metia-a toda na boca, dizia que era um dever, apontar episódios, seja, remeter a pecúnia para o
que me deste, depois de rapar o buço incipiente que me assim que a devíamos comer, depois cuspia o caroço, circunstâncias ou situações que seu lugar, que é o de servir e
pautava o lábio superior. Pai, ainda uso a mesma marca, baixava-se e cuspia. Era um gesto de reverência, de julgo, para não usar o calão, serem não o de ser um anelo per se.
não consigo imaginar outra, se a fábrica deixar de pro- totalidade, mas mais do que isso, perpetuava a árvore, de extrema injustiça. Mudar pequenas coisas pode
duzir desisto de fazer a barba. Tenho de te agradecer o pois ao cuspir plantava-se. Era a reprodução da amei- ter um resultado estrondoso.
primeiro jogo do Sporting que vi no estádio de Alvalade, xeira, cuspir fazia nascer uma árvore. E o pai, quando A memória, no entanto, é o grande São flores no cabelo. Mas por
o Manuel Fernandes, o Oliveira, o Damas, mas acima se erguia, com as calças de fazenda a apertarem-lhe os tema. Sem ela, até o pior dos vezes precisamos mesmo de
de tudo o facto de gritares golo como se reclamasses a testículos, de tão puxadas para a barriga, os suspensó- homens se torna inofensivo. O que nos olhar ao espelho, ver um
eternidade, nunca me esquecerei da tua voz a fazê-lo, rios lassos, concluía: é assim que se come uma ameixa. resta ao senhor Ulme, agora que golem e revoltarmo-nos. Se
era a única que eu ouvia no delírio do estádio, era o grito É isso, pai, não é só o fruto que comemos, são as frá- esqueceu quase tudo, sobretudo ficamos zangados com um café
que eu seguiria como se fosse o messias, eu, com sete geis pegadas dos pássaros que nele pousaram, os raios o que de mais pessoal há na sua mal servido, também temos a
anos a correr atrás da revelação, da religião, de sol, o grito dos mochos, o luar mais vida? obrigação de nos enfurecermos
da vida eterna que era uma palavra de quatro furtivo, a chinfrineira das cigarras. Os A memória é o grande tema porque com a permanente injustiça que
letras, como o impronunciável nome de Deus frutos são o resultado de tudo. O caroço também é um grande tema. Ao vemos à nossa volta ou a que
era para o judeus. Dizias golo, pai, mas eu que se cospe é a vida. senhor Ulme resta uma virtude somos submetidos. Se vamos
ouvia a mais alta conquista do ser humano, É isso, pai, é a vida. que é comum a todos os humanos a um restaurante e nos servem
uma espécie de divinização da lama de que É o caroço que temos de encontrar e desde que Pandora abriu a tal comida estragada mandamos
somos feitos. Tremia por dentro, pai, tremia perceber que isso somos nós, prontos a caixa: a esperança. Sabendo que para trás. Se nos servirem uma
com o teu grito eterno, que se projectava do ser cuspidos, esse lugar desprezível é o a vida não acaba bem, tendo realidade estragada devemos
passado mais longínquo, desde o big bang mais importante. consciência de que a morte é uma fazer o mesmo: desculpem, mas
ao fim dos tempos, um grito que percorria Senhor UIme, encontrarei o seu caroço ameaça constante e que, mais tarde eu não quero este croquete.
a história e refazia a vida, montava os ossos e dar-lhe-ei um motivo para ser cuspido ou mais cedo, sairá vencedora,
dos homens num esqueleto, dava-lhes poe- e, desse gesto, farei nascer uma nova essa mesma esperança mantém a Mesmo para um escritor tão
sia, ou alma, se preferires, ressuscitava todos › Afonso Cruz árvore, maior, mais alta, frondosa, etérea, possibilidade de nos mantermos variado, os leitores vão encontrar
os mortos, o teu grito. Quatro letras, como FLORES conclusiva, uma árvore da vida, cabalísti- otimistas e continuarmos a algumas novidades neste livro. A
o nome de Deus. Tenho de agradecer-te, pai, Companhia das Letras, ca, perfeita, um ramo de pão e outro de procurar a felicidade. A nossa e a escrita, como a vida do narrador,
o modo como sorrias quando eu chegava a 272 pp, 17,50 euros alma, um fruto de maresia, outro barro. dos que nos rodeiam. não pode cair na rotina?
Pode cair na rotina, claro. Mas o
A sociedade também está a ficar trabalho de qualquer criador, em
cada vez mais esquecida? O qualquer profissão, é entrar "mais
têm filamentos, raízes, sementes que é algo que me fascina meus livros, Isaac Dresner, e que que fazer diante dos horrores dentro na espessura" e garantir que
e esporos que vem de outros e por todas as implicações que é para mim, mais do que ficção perpetrados pela Humanidade, tudo o que faz é um caminho, uma
partem para novos lugares. Volto convoca. Há uma personagem (e anda tantas vezes a coxear ao que enchem os recortes de jornal descoberta, um passo além dos
ao tema do golem, por exemplo, que deambula por quase todos os meu lado), como um amigo. guardados pelo senhor Ulme? É seus limites.J LUÍS RICARDO DUARTE
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12 * letras NOVOS ROMANCES jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt NOVOS ROMANCES
letras * 13
traz roubos de inquéritos da Que nervo é esse? Janeiro. Também quis retratar uma oportunidades perdidas. Não questões do que em contar uma
polícia, denuncias do ministério Que a grande crise do século cidade em mudança? resultaram em nada para o povo historinha. Só se conta uma
público, notícias de jornal, XXI é a do real. Estamos sempre O lugar onde se deu o roubo da que pagou a festa. história para enganar o leitor e
peças de literatura do início do em perda nesta confusão entre minha identidade é precisamente levá-lo para outros caminhos.
século XX, textos que eu escrevi o que é e não é. Desde o meu o centro da crise de identidade do IDENTIDADE EM MOVIMENTO
anteriormente, coisas que eu primeiro livro que esta fratura me Rio de Janeiro: o bairro boémio Este livro sai ao mesmo tempo que O filme estreia primeiro no Brasil
ouvi na rua. Tem muitos fiapos de atormenta. e histórico da Lapa. O prédio o documentário. Um decorre do e o livro sai primeiro em Portugal.
vozes misturados. Me interessa onde eu ‘morri’ foi ocupado outro? Porquê?
essa polifonia ruidosa, esse Mas houve efetivamente uma durante algum tempo e depois Surgiram os dois ao mesmo Por questões de calendário. Mas
barulho da cidade. Nesse sentido, investigação? virou um condomínio de luxo, tempo. Quando me decidi a é para mim muito simbólico.
é um livro tão selvaticamente Sim, claro. Gosto muito da algo completamente artificial escrever este livro procurei É como se eu estivesse em dois
diverso como o Rio de Janeiro, narrativa clássica dos filmes do naquele quarteirão. O livro um cineasta do Rio de Janeiro, lugares e ao mesmo tempo
uma cidade que pode evocar o Hitchcock. A do homem normal procura levantar essa questão o Filipe Bragança. Falámos em nenhum. Até porque nas
idílio, porque é linda, e ser, ao que tem uma vida razoavelmente também: de como as nossas da história e aos poucos últimas semanas trabalhei na
mesmo tempo, o pior lugar do normal mas que a certa altura se identidades são construídas e desenvolvemos a ideia do filme edição do livro e na finalização
mundo para se viver. depara com um acontecimento destruídas a cada momento no com a Marina Meliande, nossa da longa-metragem num
que o puxa para o subsolo da Rio de Janeiro. É como se a cidade parceira e produtora no projeto. terceiro lugar, nada relacionado
Essa ambiguidade estilística é cidade e da vida. Foi um pouco tivesse virado corpo, já que eu Enquanto trabalhávamos em com um e com outro. Gosto
uma forma de sublinhar as ténues o que aconteceu comigo. E o estou a falar de um outro corpo, conjunto eu ia escrevendo dessa componente de ausência e
fronteiras entre ficção e real? resultado é este livro. o que foi dilacerado, tornado o romance, num processo falta. Se as coisas acontecessem
Curiosamente, essa é a primeira cadáver. Nestes anos, vi uma muito orgânico. Mas não muito sincronizadamente não
ideia com que as pessoas ficam. Além de pessoal, esta é também cidade moribunda, negada e são adaptações. Há muitos seria eu.
Que eu estou a inventar a história, a história de uma grande reescrita muitas vezes, inclusive elementos semelhantes, mas
até porque alguma literatura transformação urbana do Rio de de uma forma brutal e sem a muitas diferenças também. Se as Uma das imagens mais fortes do
brasileira brinca com casos concordância dos habitantes de pessoas tiverem paciência, com o livro, a par do corpo encontrado,
“
policiais. O Rubem Fonseca, todos os dias. filme e o livro vão ficar com uma é a da instalação de Oscar Muñoz,
por exemplo, em O Caso Morel, experiência mais completa. em que um artista pinta a sua
publica um registo de ocorrência À crise pessoal que viveu imagem no chão de uma cidade,
totalmente inventado, talvez correspondeu uma mágoa em O que trouxe o filme ao escritor? mas como o faz com água tem de
por ter experiência na matéria, Gosto da narrativa relação à cidade? Um apoio mais luxuoso para estar sistematicamente a refazê-la
já que foi tira. No meu caso, clássica do Hitchcock. Existe um rancor gigantesco a minha loucura. E uma outra para não se apagar. Escrever é esse
tudo é real, com provas, mas para com o Rio de Janeiro, que perspetiva. Não sei se o livro gesto?
trata-se de um livro de ficção. É A do homem normal só pode surgir de uma relação é tão divertido como poderia Acho que sim. Nós
a mesma ambiguidade da frase que se depara com um apaixonada. Não gosto do que ser… Mas o filme joga também transformamo-nos no que
assinada pelo Brás Cubas. Estou fizeram, nem do que continuam com os géneros narrativos, escrevemos, na medida em que
mexendo com todos os géneros, acontecimento que o a fazer com a cidade. E a minha transformando-se igualmente passa a fazer parte da nossa
do jornalismo à ficção literária, puxa para o subsolo forma de reagir não é branda, num objeto raro. Às vezes, identidade. É uma construção em
provando um ponto ou expondo nem romântica ou esperançosa. pode parecer sem pés nem progresso, em movimento. Talvez
um nervo central na minha
da vida. Foi o que Estes anos pré-olímpicos cabeça, mas isso é porque estou seja o único jeito de criar um
escrita. aconteceu comigo e da copa do mundo foram mais interessado em levantar pouco de sentido para a vida.J
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14 * letras NOVOS ROMANCES jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
Da Natureza do escritor
que a densidade do poder se uma natureza divina:
assemelha à densidade dos “[…] entretido a espalmar a
deuses, que impõem a (sua) rolha na garrafa glorificando o
estabilidade como suposta Altíssimo, a voar às curvetas,
condição para a estabilidade com o seu disfarce de pedinte,
social. A sustentação dos na direcção do mar onde Cristo
novos deuses passará, caminha, relacionada com
precisamente, por apagar, Cristo uma outra questão se foi
alterar ou roubar o passado. formando em mim acerca do
texturas que se entretecem. Lembre-se que George Orwell sem abrigo, seria ele Jesus […]”
Como dizia Marcel Proust (in 1984, Antígona, 2012, p. (p. 335)
(À Procura do Tempo Perdido 213) falava na “alteração do Nesse sentido, o sem abrigo,
II: À Sombra das Raparigas Em passado”, que entendia ser que caminha em direção ao mar,
Flor, Relógio D’Água, 2003, “possível” por um “sistema de parece ter algo da natureza dos
pp. 191 e 225), “o tempo de pensamento” designado “pela deuses, o que vem contrapor-se
que dispomos em cada dia é palavra duplopensar.” Esta aos que se julgam como tal, e
elástico”, sendo a vida “pouco consiste na crença e aceitação que pretendem evitar a todo o
cronológica”. Este conceito em simultânea de duas ideias, custo que o seu poder naufrague.
tudo se conecta com a citação ainda que contraditórias. De Amputado de História, o sem
que usamos em epígrafe, pois facto, as personagens deste abrigo, como uma espécie de
na obra de ALA não devemos novo romance de ALA, mas náufrago ou anjo caído, vive
considerar a existência também, por exemplo, as de a pequenez do seu dia a dia
propriamente dita de um Fado Alexandrino ou de As sobrevivendo, dormindo no
passado, antes de um presente Naus, sentem que algo de umbral da livraria (acesso,
em que tudo “continua a muito precioso e irresgatável porventura inacessível, ao
acontecer”, ou seja, de um lhes foi roubado: o tempo. conhecimento, questionando-se
GONÇALO ROSA DA SILVA
presente que congrega todos A sensação de perda é, pois, aqui o poder dos livros, que saem
os passados, tantos quantas irresgatável e, na sua obra, da cave da livraria para cercar
as versões que deles podemos nunca é colmatada por qualquer a casa do “senhor doutor”),
fazer. ganho, seja ele de que espécie indiferente ao que se passa no seu
António Lobo Antunes “Constante busca do novo sem que este seja Esta vivência pessoal e for. Lobo Antunes vem, assim, país. Ele será um palhaço pobre
um fim em si mesmo” íntima do tempo é estruturante abrindo novos paradigmas, que, que viu transformada a utopia
em suma, se consubstanciam de navegar (a revolução do 25 de
na ideia de que os portugueses Abril) em sua própria distopia,
“
têm sido amputados de um e que considera a democracia
Norberto do Vale Cardoso sensibilidades comprometido passado, o que coloca em causa com indiferença e desesperança,
com a natureza mágica da a passagem da ditadura para a devido ao descrédito para com
palavra. democracia e, em último plano, poder político, que se encontra
[…] a velhice não é roubarem-nos A sedução exercida pela ALA é um cicerone a possibilidade de um futuro. submetido ao económico, cujo
o futuro, é terem-nos roubado o obra de ALA reside, em Na verdade, neste ND, sucessor centro é uma casa “empoleirada”
passado, até a voz dos meus pais parte, na constante busca do que de Caminho Como Uma Casa Em num “alto” (o novo Olimpo).
levaram, porém isto que digo do novo sem que este seja ‘constantemente Chamas (2014), são dois os donos Se nada muda neste país,
continua a acontecer […] um fim em si mesmo, mas de Portugal, e são eles que tudo António Lobo Antunes é
António Lobo Antunes, in Da um processo continuado.
muda’: a natureza decidem pelos portugueses, um cicerone daquilo “que
Natureza Dos Deuses E este livro não é exceção, do romance como que são “os palhaços” desses constantemente muda” (crónica
prosseguindo um trabalho senhores, com especial destaque “Adeus”, in Visão, 18.10.2012):
Baseado no título homónimo quer de reiteração quer de
um caminho para “o senhor doutor”, herdeiro a natureza do romance como
de uma obra de Cícero, De inovação da palavra, da frase percetível para do poder da Banca: um caminho percetível para
Natura Deorum (45 a.C.), o
novo romance de António Lobo
e da narrativa tradicional
para criar um novo romance
resgatar o passado “[…] ele o dono dos
bancos, das companhias, das
resgatar o passado perdido e/ ou
“roubado” e para, através dele,
Antunes (o 26º desde 1979), (vejam-se, a este nível, os perdido e/ ou empresas, das fábricas, ele o imaginar outra natureza para as
é um livro simultaneamente intricados, tais como: “não ‘roubado’ e para, dono de tudo e eu um palhaço coisas e para os sonhos.J
mágico e perturbador. pronta a proteger‑, palram entre tantos palhaços, dúzias
Através dele cruzamo-nos pega e papagaio,‑me, pronta a através dele, imaginar de palhaços à sua volta nos Agradece-se ao autor e à sua editora, na
com o secreto, o misterioso, proteger o meu dinheiro”, De outra natureza para jantares, no escritório, na casa, pessoa de Maria da Piedade Ferreira, a
o indecidível, mas também Natura Deorum - ND -, p. 523). […]” ( p. 217) cedência das provas do livro, às quais se
somos conduzidos aos A reiteração é só aparente, pois as coisas e para os Só a personagem do «sem reportam todas as passagens citadas.
meandros do mundo tenebroso a insistência temática é um sonhos abrigo» parece colocar
do poder. Ora é na língua modo de interpelar o leitor e de algo em causa, o que pode Norberto do Vale Cardoso é
que o poder se inscreve, mas transfigurar o que foi dito. parecer absurdo, sobretudo prof. doutorado em Ciências da
é também através dela - Trata-se de uma se considerarmos que esta Literatura, autor de A Mão-de-Judas:
enquanto lugar onde a servidão transfiguração do mundo nos seus romances, e personagem está destituída de Representações da Guerra Colonial em
e o poder se interpenetram - através do acesso à vem chocar com o tempo todo o tipo de bens materiais e, ALA
que o escritor pode encontrar palavra (sublinhe-se aqui socialmente imposto, pois o ainda, de relações que lhe deem
um modo de liberdade. a importância das chaves tempo é uma construção do acesso ao poder. Mais do que
Efetivamente, a literatura é “misteriosas, secretas”, que, poder e a língua desloca-se no isso: o “sem abrigo” não fala
a capacidade que o escritor no capítulo inicial, abrem a seu exterior. Portanto, ganha nem intervém em quaisquer dos
tem de “conhecer a língua no livraria, em Cascais, e das aqui assentimento cotejar a núcleos narrativos. No entanto,
exterior do poder”, de exercer coisas, inconfessáveis, que se passagem de Proust com a de esta personagem prefigura-se,
sobre a língua um “trabalho passam na cave desse lugar), ALA por um segundo motivo: a ela própria, como o núcleo da
de deslocação”, diz Roland sendo esta compatível com o velhice, condição que faz parte narrativa, pois é em torno dela
Barthes na sua Lição (Ed. 70, modo, quase autónomo, como da natureza humana, consiste, que se adensa o mistério (não
2007, p. 16). É desta capacidade as personagens se movem não no facto de nos roubarem se conhece a sua identidade), o
de “trapacear a língua”, e não dentro da obra, contando o futuro, mas em “terem-nos silêncio (não fala nem dialoga) e
do comprometimento político ou escrevendo a sua versão roubado o passado, até a voz a imutabilidade das coisas (não
nem do conteúdo doutrinal, dos acontecimentos, e, em dos meus pais me levaram, a parece mudar). Errando por
que depende a liberdade simultâneo, movendo (e casa onde nasci desapareceu, todo o lado, é visto de diferentes › António Lobo Antunes
da criação. E António Lobo movendo-se) (n)o tempo nem um objeto me ficou na maneiras sob distintos olhares. DA NATUREZA
Antunes (ALA) é, acima como se este fosse uma teia memória” (ND, p. 465). Para uns não passa disso mesmo, DOS DEUSES
de tudo, um escritor de única, ainda que com distintas Eis-nos no cerne de Da de um simples sem abrigo, D. Quixote, 576 pp., 21,90 euros
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16 * letras LIVROS jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
Oxidação Negra
cina é ativada em Óxido, fazendo talhado pela mais rigorosa oficina.
do poema o «órgão de luzes» em Mas é de uma luz asfixiante, similar
cuja música se entoa a elegia de à «poalha de pó» da infância que
uma fala exausta. Uma fala que lemos na secção «Campo», que
afirma que «ninguém pertence estes poemas se fazem. Se a fala da
a uma casa», nem mesmo a casa poesia falha, que melhor emblema
da linguagem onde se repete um que as cartas de Rimbaud, coloca-
Este é um livro pejado de cená- negra», reação química em que um «Exercício de Morte», a escrita, das em epígrafe na quarta secção,
rios ruinosos, oxidados, não só objeto em combustão fica com um gesto similar ao despir o corpo das para o comprovar? São as cartas
porque o título assim o determina, acabamento negro e mais resistente palavras para nelas redescobrir o um signo e um indício do exílio
mas porque, se tudo nasce para à corrosão, evitando a formação de corpo amado: «Corríamos perigo e por excelência a que todo o fazedor
ser livro, esta reunião de poemas ferrugem. Oxidando o que aconte- não sabíamos/ corrê-lo: cada noite de uma linguagem tensa e intensa
afirma-se como livro a caminho do ceu ao nível das experiências con- era um oceano/ em que nadar cau- acaba por se entregar: «Fizeste
seu fim, do seu fogo, pretendendo, cretas, a energia que da linguagem sava maior dano/ ao ato de viver». bem em ir, arthur rimbaud», dirá
apesar de tudo, fazer renascer a se expande é uma forma de dar ao Este conjunto de 43 poemas Gastão ao interpretar o abandono
vida tensa e intensa de um tempo mundo a energia que esse mundo estrutura-se em função dessa da poesia por parte do poeta das
outro. É, de certo modo, um con- teria de possuir para ser eterno e ter semântica do fogo, dessa po- Illuminations.
junto de poemas que negam a pre- um mínimo de sentido. lissemia do incêndio. As quatro É «morte da linguagem» uma
cária condição do que é efémero. E Singularíssima continuação de secções - «Ensaio Geral», «A condenação «decerto insuportá-
dizemos «de certo modo» porque Fogo, anteriormente publicado, Vida dos Metais», «Campo» e vel», e para Rimbaud a Abissínia
os versos deste livro exigente co- como se o percurso da obra do «Aden» - insinuam o trajeto do «seria o melhor símbolo/ desse
locam como tónica da sua arqui- autor de Repercussão repercutis- fogo existencial: da partilha de um lugar desértico de imagens», jus-
tetura e do seu fazer o outro lado se, de facto, de título para título, quotidiano cheio de «espetros», à tamente o símbolo da falência da
da poesia: discurso que negando o Óxido dá-nos a lição desse «tempo vida dos versos, com a sintomática poesia. GC tece em«O Rochedo»
efémero, sabe que «a morte é de Gastão Cruz intemporal» do mistério da poesia, suspensão mais demarcadamente um dos mais magníficos poemas
todos e virá», como lembra Jorge fala em permanente falha e que autobiográfica em «Campo», até se
de Sena. se encaminha para o «lago escuro chegar ao «lugar nefasto», a Aden,
Em Óxido os acontecimentos, silente de juncais», convocando lugar da escassez da poesia e que
os atos e as imagens, os metais que e esses metais (ouro, ferro...) que GC um dos seus mestres, Camilo o regime citacional das cartas de
suportam o precário fluir humano, são, afinal, mais densos que a luz Pessanha. Daí a dúvida no final do Rimbaud veicula.
são um enigma («Não sei se o ouro que os ilumina. livro: «Existimos?» e a subse- No limite, este é um livro
oxida ou se é o ferro/ que morre A linguagem de toda a obra de quente resposta: «Existimos: ancorado no binómio concerto/
sob a luz quente perdida/ a vida Gastão Cruz (GC), poderíamos os mortos são os nossos/ nomes desconcerto que a quaternidade
dos metais é um enigma/ mais lê-la como obsessiva circulação próprios de vivos». Entre vivos e do volume, de resto, sugere, como
denso do que a luz do nosso dia» do fogo em torno dos corpos que mortos cresce amadurece o fogo se aludindo ao simbólico número
(p.28)) e é como enigma que se incendeia, em torno da dor que que oxidará os passos dados e per- quatro, o das quatro estações do
associam à linguagem da poesia, se pretende oxidar para na sua didos do poeta, o qual tem a lúcida percurso humano, o dos quatro
a única forma de estar vivo entre superfície edificar um monumento consciência de que no «ensaio elementos geradores da quintes- › Gastão Cruz
a luz «quente perdida» dos factos perene. Melhor dito: poderíamos geral» que é a vida todos buscaram sência, da chamada pax profun- ÓXIDO
que marcam a nossa experiência ler em GC o processo da «oxidação «a luz mortal que cresce». da, só possível a quem, como se Assírio & Alvim, 72 pp, 11 euros
Temas científicos
dados é pois ponto de vista narrativo seja por vezes
o objetivo do confuso, o livro tem momentos em
argumen- que o potencial da linguagem é bem
tista Baldi, empregue, como a “visualização”
astrofísico da de teorias usando alegorias gráficas.
Universidade Mas nota-se um esforço para manter
Tor Vergata em o discurso ao nível mais “sério” do
Roma. diálogo entre personagens, com o
Utilizar a banda desenhada para das alterações remete para Logicomix, Cosmicomix estratagema de utilizar interlocutores
abordar temas científicos não é novo, editado também pela Gradiva; embora foca dois pon- neutros.
mas tem tido uma maior atenção esta nova BD não evoque a tradição tos distintos Algo que, a juntar ao estilo gráfico
recente, destacando-se o trabalho de dos “comix”, e tenha um cariz mais que serão funcional, mas não inspirador, de
Jim Ottaviani, e livros como Saison institucional. Mas o subtítulo original familiares mes- Piccioni, faria o livro parecer cansati-
Brune, de Philippe Squarzoni (sobre é mais revelador do ponto de partida. mo para quem vo se o assunto não fosse tão fascinan-
as alterações climáticas) ou a tese em Embora seja sobre “descoberta”, o tica ou de opções político-sociais, é tenha da ciência apenas a imagem ca- te, e se Baldi não tivesse temperado
BD Unflattening, de Nick Sousanis. fulcro é mais nos “homens”. E essa é independente da personalidade ou ricatural da série The Big Bang Theory. questões científicas com as perso-
Em Portugal, e seguindo um excelente uma questão com interesse. opiniões de quem o descobre. Uma Por um lado a elaboração de modelos nalidades (e rivalidades) de alguns
percurso em divulgação científi- O que é mais importante? O co- maioria de cientistas será capaz de teóricos, por outro a obtenção deda- intervenientes, como o snobismo de
ca, a Gradiva tem estado atenta, e nhecimento, ou quem o estabeleceu? nomear mais descobertas que ganha- dos experimentais que validem (ou Hubble, os percursos não-canónicos
Cosmicomix: A descoberta do Big Bang, Ambos, claro. Mas há alguma hierar- ram Prémios Nobel do que os nomes não) esses modelos. Na verdade o livro de Humason ou do cosmologista-pa-
de Amedeo Baldi e Rossano Piccioni é quia? Sim, e por um motivo simples: por detrás delas. Mas que nomes serão tende mais para o segundo aspeto, dre Lemaître, ou o humor alcooli-
a mais recente aposta. um dos cartões de visita cruciais do relevantes? marcado pelo afastamento das galá- zado de Gamow (na escrita de um
Há, logo à partida, a questão do título, discurso científico é que sempre “lá” Neste assunto em particular da xias descrito por Hubble, e sobretudo artigo-chave chega mesmo a cometer
no original italiano Cosmicomic: Gli esteve, à espera de ser descoberto, e origem do Universo quem importa pela medição da radiação de fundo uma fraude de autoria, apenas porque
uomini che scopirono il Big Bang. Uma que, ao contrário da criação artís- conhecer, para além do óbvio, que que resultou do Big Bang por Robert tinha piada).
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt LIVROS
letras * 17
de toda a sua obra: convoca-se a OS DIAS DA PROSA
Canção IX de Camões (ou assim
é figurada a cena da escrita) «na Miguel Real
arábica aspereza» e Rimbaud, em
Aden, escrevendo missivas sobre
o Nada a que a vida se reduz. Dois
tempos de poesia, um oposto
ao outro são postos no palco da
Um dos melhores
escrita: no século XVI Rimbaud foi
Camões, cantando, pois que «nada
extinguia então/ a fala» e no sécu-
“
A linguagem de toda
a obra de Gastão Cruz
romances de 2015
E
poderíamos lê-la como
obsessiva circulação
m O Lago Avesso (2013), Joana Bértholo mostrar o irrazoável pelo irrazoável, o incerto pelo incerto,
do fogo em torno dos (JB) avisara-nos que, numa biografia, mais o incomedido pelo incomedido, fora de toda a harmonia, ou
corpos que incendeia importante do que a realidade concreta da vida evidenciar uma nova harmonia do todo como efeito paradoxal da
é o que, pertencendo-lhe, lhe é aparentemente desarmonia das partes? A vida de quem nunca teve bom senso por
paralelo ou acessório; que a conexão da vida um texto insensato? Eis a essência de Inventário do Pó: narrativa
se lê através da desconexão da narração e o incerta, irrazoável, incomedida, insensata, desarticulada e
lo XIX Camões é de novo Rimbaud sentido lógico por via do absurdo da descrição; desarmónica nas partes e, paradoxalmente, bela e harmónica no
no mesmo «estéril monte» desse que a coesão se enlaça todo.
«rochedo sem água, sem ervas através da incoerência Estruturalmente, a sua forma estética
nem palavras». que a relata. Em Inventário do Pó, a autora vai equivale à seriação dos temas musicais do
Joana
Dirige-se a voz de Gastão Cruz mais longe: a luz lê-se pela sombra, não pelo Bértholo único álbum gravado por René Bertholo: “Um
a todos quantos, lendo poesia ou foco do sol; a existência pelo pó que abandona Argentino Deserto”. Cada capítulo do romance
vivendo a vida sem o hábito de no caminho (título do romance); a mente, corresponde, assim, a um tema musical. O autor
ler poemas, habitam a mesma não pelo efetivamente cumprido e realizado, não estava certo de poder chamar “música” ao
casa, a incompreensível casa da mas pela intensidade fulgurante do desejo. resultado da gravação: “Construiu uma makina
linguagem («Ninguém explica o É uma arte da biografia nunca praticada em que fazia mosika e passados alguns anos chegou
poema: o leitor pensa/ que ele é Portugal, que recusa prestar um sentido mesmo a dar alguns desconcertos” (p. 277).
casa, porém, a nuvem densa/ que único à existência, aposta no fragmento de Cada capítulo assume a forma de um conto que,
o enche é uma bolha impenetrá- vida como síntese concentrada da totalidade direta ou indiretamente, sugere um momento,
vel// Olhar o poema é ver o seu dela, no fio agudo da lâmina para evidenciar a um período, um episódio da vida de René
deserto/ na casa de que a chave é profundidade porque espeta e fere. Bertholo. Em cada capítulo, introduzido por um
a luz húmida [...]»(p.22)). Óxido Deste modo, Inventário do Pó é e não é a texto explicativo e breves textos inspirativos,
é um convite para que entremos biografia romanceada de René Bértholo – é, narra-se uma história diferente.
na casa da poesia como morada porque a ele se refere, como já explicaremos; No primeiro, por exemplo, a infância de
inexplicável, inominável, e nela não é, porque o biografa em modo paralelo, seu tio, Joana identifica o conhecimento com
aprendamos a «beber o vapor de falando dele como se falasse de outrem sensações de cor: “Segunda-feira é sempre
água que humedece/ o deserto da ou, até, de outras coisas, evidenciando encarnada, terça é azul e sexta é violeta. Sábado
“
casa inabitável».J uma proliferação de referências de diversa é bordô. Domingo é preto se chove mas cinza se
proveniência (mas todas ligadas à arte). faz calor. A palavra «azul» é azul mas a palavra
Digamos que o romance consiste num «branco» é bege” (p. 21). O segundo, a história
exímio exercício de imaginação literária, do encontro dos surrealistas na década de 40
O mais importante, porém, é uma espécie de plataforma estética onde Inventário do Pó no Café Gelo, surrealiza um diálogo de Ortega
Cosmicomix não fugir à maneira por imagens, símbolos, textos, sons (sim, sons y Gasset consigo mesmo (é um dos melhores
vezes caótica como o conhecimento imaginados), desenhos, são mobilizados em é um texto fluido, contos do romance). No terceiro, evidencia-se
científico emerge, evitando a narra- torno de um centro chamado – justamente fragmentário, cada o desencontro de René Bertholo com o mundo,
tiva asséptica e linear caraterística de – “René Bertholo”, combinando diferentes e a sua construção de “mecanismos” (p. 60) que
outras obras. O livro celebra também improváveis laços estéticos. trecho um estilhaço criam o “absurdo”, a sua visão do mundo (pp.
intervenientes cujos contributos Inventário do Pó é um texto fluido, de movimento, som, 67 – 68) e a descrição de uma cena “ilógica” no
foram esquecidos ou ultrapassa- fragmentário, cada trecho um estilhaço de deserto (um homem que encontra um velho,
dos, hipóteses erradas, o lidar com movimento, som, imagem, representação, imagem, representação, um velho que encontra um homem, salvam-se
problemas práticos, o ruído que fusão ou reunião de outros textos, um um texto-aventura, um mutuamente e não são senão a mesma pessoa)…
demora a ser identificado enquanto texto-aventura, não completo, no e pelo Joana Bértholo tem uma virtude literária:
sinal. Fazer e discutir Ciência passa qual os diversos protagonistas, sobretudo
texto-cruzamento de não se assume como vanguarda das letras e
(também) por aí.J o leitor, buscam caminhos e soluções, outras artes possui uma escrita clássica e um conhecimento
um texto sem ordem cronológica nem soberanamente informado sobre os temas
coerência lógica porque nada hoje social escolhidos. Porém, sob o seu estilo clássico,
e culturalmente acontece com coerência recheado de palavras abstratas e descrições
lógica. Um texto precário, porque todos somos eruditas, pulsa um efetivo desejo de desconstrução
existencialmente precários, um texto-cruzamento de que finda por subverter escrita, forma e estilo: sem
outras artes, porque a nossa mente é hoje constituída ferir a sintaxe normal, a escrita é subvertida por via
pelo cruzamento de múltiplos impulsos exteriores, de afinidades semânticas novas ou inusitadas entre
eletrónicos, pictóricos, oníricos, personagens- as palavras, espantando o leitor; a forma, por via da
símbolos, pedaços repartidos de existência… criação de novas e singulares estruturas narrativas,
Não se procure nele, pois, uma relação direta entre e o estilo vivem, neste como nos seus restantes
vida e obra, realidade e texto, existência e narrativa. romances, de um equilíbrio entre a descrição realista,
Isso seria, digamos assim, para os historiadores a exploração psicológica, a utilização de símbolos e
oficiais ou os romancistas realistas, que a autora a fusão de tudo em tudo, isto é, de todas as formas
não é nem pretende ser. Para mais, existiu desejo de registo escrito (cf. cap. 6, por exemplo), como se a
› COSMICOMIX: A de experimentar o mundo, mas não fio contínuo Joana Bértholo romance fosse um vasto laboratório de experimentação
DESCOBERTA DO BIG BANG
Argumento de Amedeo Baldi, desenhos
certo e racional na vida do biografado. Então, por INVENTÁRIO de ideias pelo qual, provocando e rompendo as rotinas
de Marcelo Rossano Piccioni. Gradiva, que transfigurar em discurso razoável uma vida DO PÓ do mundo, este se desse a conhecer de um modo mais
152 pp., 14,90 euros totalmente irrazoável? Por que não experimentar Caminho, 292 pp., 17,60 euros explícito, menos velado. J
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18 * letras ESTANTE jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ESTANTE
letras * 19
nascido em 1927 e falecido este
ano, Prémio Nobel da Literatura
em 1999, transporta-nos para o
tematicamente em cinco tomos:
Auto-retrato, Cântico da Terra
e dos Homens, já lançados, e a
João Pedro Marques
Amor em tempos
fim da era humana. Nesse tempo sair Polis, Poesis e Exercícios &
futuro, apenas sobrevivem Linguagens. Como o próprio
as ratazanas, poderoso título sugere, Amor reúne
de escravatura
mamífero capaz de atravessar poemas, versos, canções, odes,
incólume todas as tragédias noturnos e cânticos amorosos,
da humanidade. É através da muitas vezes dirigidos à mulher
sua voz, que confronta a do amada e sempre na certeza de
narrador, que se recordam várias que “cantarei a tua beleza/ até à
histórias, alguns contos infantis, saturação das palavras” ou até
lendas e feitos de homens e que “estas/ palavras comuns/ já
mulheres. Para que não caiam as proferiram/ todos os poetas
no esquecimento, já que apenas e amantes./ Mas/ quem as disse João Pedro Marques, 66 anos, doutorado em
sobram roedores. como eu?”. Sobre o volume, diz História, foi professor do ensino secundário
Nuno Júdice no posfácio: “Com e da Universidade Nova de Lisboa e, ainda,
› Günter Grass este livro, João Melo vem dar à investigador do Instituto de Investigação
A RATAZANA poesia angolana um momento Científica Tropical. Acaba de publicar o seu
Tradução de Carlos Leite, D. Quixote, 456 pp, alto da lírica amorosa, e prova quarto romance, Do Outro Lado do Mar,
19,90 euros - como se dizer isto não fosse depois de ter lançado Dias de Febre, Uma
uma redundância - que o amor Fazenda em África e o Estranho Caso de
continua vivo na poesia de língua Sebastião Moncada. Ao fim de 30 anos de
Raphaël portuguesa”. estudo sobre a escravatura, achou que era
um ''desperdício não escrever um romance
Jerusalmy › João Melo
AMOR
sobre o assunto'', até porque a ideia de o
fazer sempre esteve lá. Assim, com rigor
É muito curioso o Caminho, 120 pp, 14,90 euros histórico, entra numa realidade dura, mas João Pedro Marques "Num romance posso pôr
percurso do escritor que nos marca pela mensagem final, um emoções, num livro de história, não"
Raphaël Jerusalmy. sinal de esperança mesmo nos momentos
Foi membro OUTROS mais difíceis. Uma realidade histórica dura
“
dos serviços cruzada pela amor feliz entre Vasco Lacerda e
de informação
militares israelitas, Oliver Sacks a escrava Sara.
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2o * artes jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
Gaivotas em terra
jetos, depois de terem iniciado o
seu trabalho connosco, os progra-
madores seguem os cenógrafos dos
nossos espetáculos, os designers dos
nossos livros, as companhias que
lançamos”, diz. “É esse o caminho
que queremos continuar, o de tornar
visíveis novos trabalhos e criadores,
que não têm visibilidade porque
O Teatro Praga faz 20 anos e celebra-o com a abertura, a 6 de outubro, do novo espaço, não cabem dentro dos programas
impostos pelos teatros ou porque
o Rua das Gaivotas 6, em Lisboa. Um antigo palácio do séc. XVI, recuperado sustentadamente, ninguém lhes deu o aval. Assim, de
que das ruínas se faz palco de muitos projetos cruzando artes, acolhendo outros coletivos e alguma maneira lançamos ‘modas’,
revelamos tendências”.
criadores, honrando a “ética” da companhia que sempre procurou uma estética do “sublime
contemporâneo”, como diz ao JL o encenador André e. Teodósio. No “limbo”, contra a corrente ABOLIR FRONTEIRAS
A “casa “do Praga não será
e o discurso dominante ou a “oficialização planetária da arte” portanto uma morada fechada.
Antes um espaço aberto não só a
O
diferentes expressões culturais e
Maria Leonor Nunes artísticas, mas também a projetos
comunitários, de envolvimento
social, a exposições, conferências
ou reuniões. São dois andares,
400 metros quadrados de área,
com uma zona privada, reservada
aos ensaios, as residências para o
desenvolvimento dos projetos, e
uma área pública, com uma sala
para a apresentação dos espetá-
culos, onde foi instalada uma teia,
que terá meia centena de lugares,
as cadeiras que o Praga herdou do
Maria Matos, e que carrega desde
Observe-se o riscar das gaivo- o Miguel Bombarda. Haverá ainda
tas no céu, as manobras de um uma outra sala para exposições,
voo solitário, e será possível uma uma biblioteca e um centro de
comparação com o rumo das que documentação, especialmente
agora se avistam no horizonte: centrados no teatro, cinema e per-
gaivotas em terra, mas que não são formance. A biblioteca será curio-
sinal de tempestade no mar, antes samente organizada por cores, à
de festa no teatro e e na cultura. imagem da própria biblioteca de
A Rua das Gaivotas 6, que toma André e. Teodósio. Ou melhor, vai
o nome da rua, do lugar onde se resultar da sua junção à biblioteca
inscreve, a Santos, em Lisboa, o do dramaturgo José Maria Vieira
novo espaço do Teatro Praga, abre Mendes, com grande incidên-
as portas, depois de reabilitado, cia nas artes performativas e de
ao público e a outros projetos e palco, e parte da de Rui Tavares,
artistas. Justamente à semelhança mais política. “São os nossos
das gaivotas, como repara o diretor livros, com as nossas anotações
artístico André e. Teodósio, “fun- e é um espaço aberto durante o
cionando como um grupo de aves, Teatro Praga O espetáculo Tropa Fandanga (em cima), o encenador André e. Teodósio e o novo espaço dia, onde se pode ir ler um livro,
mas agindo isoladamente”. na Rua Gaivotas, em Lisboa consultar a internet ou simples-
A festa de inauguração, que é mente saber como se preenche a
também de aniversário, a 6, de candidatura para a DGArtes”, diz
entrada livre, começa à tarde, com Teodósio. E acrescenta: “O próprio
uma visita guiada e prossegue com turgo e músico. “Ou seja, há cada o coletivo de arquitetas Artéria e a experimentar os seus trabalhos, edifício levou-nos a criar espaços
Meat Market, a apresentação de vez menos espaços e apoios para as avançaram com a sua recuperação partilhar os recursos que recebe- ficcionais e também a repensar
cinco grupos emergentes, e com companhias, ao mesmo tempo que “sustentada”, a rondar um custo de mos, tudo isso faz parte da nossa a nossa atividade. Abolimos as
workshops de cinco minutos de há uma maior ocupação dos teatros, mais de 60 mil euros. forma de estar sustentável, de fronteiras privadas, tudo passa a
duas dezenas de compagnons de muitos dos quais foram reabilitados, uma ética do nosso trabalho, que estar disponível. E nós também. O
route. Porque o Praga nunca quis não existiam ou tinham uma progra- LANÇAR ‘MODAS’ herdamos de Lúcia Sigalho, Mónica próximo passo seria mesmo viver
fazer o caminho “sozinho”, ao mação muito fraca.” Mas o Praga Entretanto, o edifício em re- Calle, ou Cão Solteiro, que também no teatro””.
longo de 20 anos de teatro. sempre acolheu outras estruturas construção, que foi a Escola das nos proporcionaram essas con-
Sem eira, nem beira, quando que quisessem apresentar os seus Gaivotas, e sede de sindicato dos dições no princípio, quando não SAÍDAS DE EMERGÊNCIA
entrou na cena portuguesa, ia a espetáculos nos nossos espaços”. professores, abrigou, enquanto tínhamos nada”. Um passinho curto, por cer-
meio a década de 1990, morou Foram muitos os que o fizeram. E decorriam as obras, o proje- Devolvem assim a ‘generosidade’ to, para os seis elementos fixos,
temporariamente em vários espaços foi precisamente com essa perspe- to Ulisses, do historiador Rui e abrem o seu espaço sobretudo a duas produtoras, Cristina Correia
de Lisboa, do pavilhão do hospital tiva que a companhia, há dois anos, Tavares, Os Filhos de Lumière, espetáculos, projetos de estruturas e Elizabete Fragoso, e quatro
Miguel Bombarda ao Poço do Bispo, se apresentou ao concurso público grupo de curadoria que desen- emergentes e criadores que não têm criadores, Cláudia Jardim, Pedro
passando pelo Teatro Taborda. da Câmara Municipal de Lisboa, para volve workshops de realização de sítio onde apresentar e dinamizar o Penim, José Maria Vieira Mendes e
“Quando começámos, apresentáva- a cedência do Palácio Alarcão, em filmes para crianças, de contex- seu trabalho, independentemente da André e. Teodósio, que atualmente
mos espetáculos em lojas, espaços Santos. Ganharam o espaço, procu- tos carenciados, foi cenário de idade. “Pode ser alguém que tenha integram o Teatro Praga. Ou talvez
devolutos ou salas com rendas muito raram fundos para a sua reabilitação exposições e espetáculos, local de 20 ou 90 anos, o projeto mais banal tudo se pudesse resumir a uma
baixas. Aos poucos, a cidade mudou, (Pedro Penim, ator e encenador, um ensaio: manteve-se ativo. Agora, ou mais elitista, mais experimental troca de preposições. Há muito
o centro está muito ocupado, as dos fundadores, pediu um emprés- o velho palacete vai tornar-se um ou culturalmente engagé”, garante. que vivem para o teatro, passa-
rendas caras, e houve uma explosão timo pessoal, contaram com o apoio novo espaço cultural, no coração “É um sítio disponível para todos”. riam a viver no teatro. “Nos nossos
de comércio, com o qual as estrutu- do programa Bip Zip da CML, além de Lisboa. Para dar continuidade Ao longo do tempo, o Praga tem espetáculos, não há apenas atores,
ras culturais não podem concorrer”, do “insuficiente” financiamento da ao que Teodósio chama a “ética do funcionado, segundo ele, como mas também os nossos amigos,
adianta o encenador, ator, drama- DGArtes, que recebem), convidaram Praga”: “Podemos ajudar outros um trend center. “Há grupos que filhos, animais. O nosso ideal é ter
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ESPETÁCULOS
artes * 21
um palco cada vez maior e cada
vez menos cadeiras na sala. Um dia
entrar no teatro e só haver palco e
que é cultura dominante, outras
que só rompem com ela. O Praga é
uma mistura dessas duas atitudes.
Teatro Maria Matos
A Europa em visita
estarmos todos, criadores e espe- Apostamos em alguns espetáculos
tadores em rede, em comunidade. naquilo a que chamamos o sublime
É esse o jogo que propomos, estar- contemporâneo, utilizando as
mos em continuidade de relação, o estéticas dominantes sobrepos-
que não implica sempre de acordo tas, em vários planos, acabando
ou a fazer a mesma coisa ao mesmo assim por rasgá-las e fazer com
tempo”. que deixem de fazer sentido. Por
Em duas décadas de trabalho o isso, os clássicos acham que somos
Praga afirmou uma identidade forte demasiado contemporâneos, e os Teatro, performance, conversas e outros jogos teatrais para refletir sobre
no teatro português. Primeiro, o contemporâneos consideram que
fito era sobretudo sobreviver, o que somos clássicos de mais. O Praga
a Europa, do passado para o futuro, no Maria Matos, em Lisboa. Um ciclo
nem sempre foi garantido, porque vive portanto num limbo, está, que começa a 2 e decorre até 18, porque, como diz ao JL Mark Deputter,
desde cedo fizeram uma opção mas não está, parece que é, mas
clara. “Lúcia Sigalho dizia que não não é, rasga com o dominante, mas
diretor artístico do teatro, os artistas e o seu trabalho são uma “voz
se pode ser estrela de telenovela também recebe Globos de Ouro”. relevante” na discussão das questões da sociedade contemporânea
e especialista em Beckett, porque Foi com a revista à portuguesa
as coisas exigem tempo e têm um Tropa Fandanga, estreada numa
preço. Sabíamos disso quando co-produção com o Teatro Nacional
escolhemos o que queríamos fazer, D. Maria II, que a companhia ga-
que espaço poderíamos abrir e como nhou o Globo de Ouro para a melhor
nos podíamos distinguir”, recor- peça no ano passado. Na Culturgest,
da Teodósio. “O caminho fez-se e estreou este ano Tear Gas, num ciclo
os nossos interesses definiram-se em que apresentou ainda mais dois
também de algum modo na escolha espetáculos da trilogia I am Europe.
das pessoas que queríamos ter ao Está a preparar agora um novo
espetáculo, numa co-produção com
“
o Teatro S. Luiz e o Theâtre de la
Ville, centrado em Fernando Pessoa
e nos anos que o poeta viveu na
África do Sul. Chamar-se-á Zululuso
Os clássicos acham e tem já programada uma grande
digressão europeia, com estreia
que somos demasiado marcada para março do próximo
contemporâneos, e ano. Ainda em 2015, apresentará
Rosa Mota, de Pedro Penim, no
os contemporâneos Teatro Rivoli, Porto. Haverá tam-
consideram que somos bém algumas reposições, como a
de A Terceira Idade, de 2013, e um
clássicos de mais. O workshop de teatro, Catequese, no
Praga vive portanto novo espaço, para as crianças do
num limbo bairro, dado por Cláudia Jardim e
José Maria Vieira Mendes.
A Rua das Gaivotas 6 também vai
andar ‘fora’ dos habituais “eixos” de
nosso lado. Aqueles que cortam com programação. Ao contrário de outros
nomenclaturas vigentes ou maneiras teatros e centros culturais, não terá
de fazer correntes são fundamentais um “discurso”, uma “lógica”. “Os
para nós”. espetáculos, exposições, confe- Europa em Casa Um projeto do Rimini Protokoll
O mesmo é dizer que o Praga rências, aulas, tudo irá acontecer
cresceu sempre em “estado de crise segundo as propostas que forem
em relação às lógicas e discursos apresentadas, a disponibilidade das
dominantes”. E Teodósio sublinha a salas e naturalmente o sentido de ali Maria Leonor nunes que traçavam uma geografia algumas questões e incertezas”.
importância na criação teatral destas as realizar”, afirma o encenador. europeia atual no fim de Julho e E a atual situação dos refugia-
“saídas de emergência”, do espírito A curadora Susana Pomba vai suspeitava que era “impossível dos, com a constatação de que a
crítico, ainda que seja sempre um continuar o seu ciclo Old Schol, “A crise grega entra na sua fase escrever algo de seguro sobre a “solidariedade é ainda mais fraca
“risco”, na medida em que “ cria iniciado em 2011, com exposições final, o governo Cameron prepara Europa” que iria encontrar no fim em relação a milhares de pessoas
atrito, causa desconforto, destabi- e performances de vários artistas, o referendo sobre a permanên- do Verão. Não se enganou, mas que precisam mesmo dela”, uma
liza, põe tudo em causa””. E tanto obras originais produzidas e apre- cia do Reino Unido na União ainda que consciente disso, não “questão de vida ou morte”, tor-
mais quanto se assiste àquilo que sentadas numa só noite, uma vez por Europeia, os eurocéticos ganham deixou de se surpreender. “Para a nou, em seu entender, ainda mais
chama uma “oficialização planetá- mês. Estão já no calendário Diogo terreno em quase todos os países minha geração, a Europa era uma “urgente” um olhar sério sobre
ria”da arte e do teatro: “É preciso Alvim & Matilde Meireles, a 17 de da União e as tensões tradicionais realidade que fazia parte da nossa a Europa e a sua incapacidade de
criar qualquer coisa que saia dessa outubro, Cláudia Varejão, a 14 de no- entre as economias do centro e vida. E tínhamos a ideia que a in- dar “respostas solidárias”.
rede fechada, que seja uma ruptu- vembro, e João dos Santos Martins, a da periferia crescem de dia para tegração europeia era no sentido Uma interpelação que segundo
ra”. 12 de dezembro. dia”, escrevia Mark Deputter, do progresso, de mais solida- Deputter não pode ignorar o pas-
Até ao fim do ano, vão apresen- num curto texto de apresentação riedade e democracia, apesar de sado para compreender o presen-
FORA DOS EIXOS tar-se nas Gaivotas, Rogério Nuno de Europa Improvável, o ciclo que alguns avanços e recuos”, adianta te: “A ideia de Europa foi criada
O Teatro Praga não está fora Costa, com Terceira Viatm / Kolmas arranca quinta-feira, 2, no Teatro ao JL. “Com a crise financeira e em cima de grandes confrontos
dessa ‘rede’, tem lugar cativo na Tietm. The art of bowing to the East Maria Matos (MM). E acrescenta- económica, surgiram brechas, ideológicos, divisões económicas
programação dos teatros nacionais without mooning the West, a 8 e 9 va: “No meio disto tudo, a Europa dúvidas, alguns países da zona e sociais, diferenças culturais e
e municipais, passado por impor- de outubro; Joana Barrios, com não consegue formular respos- euro começaram a ser vistos religiosas que deram violentos
tantes salas da cena internacional, Me siento guajira, de 22 de outubro tas satisfatórias a nenhum dos como pigs e percebemos que a conflitos. A Europa nasceu mes-
um grande reconhecimento, com a 7 de novembro, também inter- grandes desafios que se colocam: solidariedade não era tão forte mo como uma resposta à maior
presença regular em festivais de pretado por Cláudia Jardim, com a imigração, o fundamentalismo como esperávamos. Isso foi parti- guerra da Humanidade, como um
vários países. Mas estando dentro música de Luís Clara Gomes, A.K.A. islâmico, a política de energia, a cularmente visível com o ‘grexit’ processo de paz, e é preciso não o
dos circuitos de confirmação, está Moullinex e menu de degustação de arquitetura débil da zona Euro, a e a ideia que a Grécia, que fazia esquecer”.
sempre a cair para fora, inscre- Rogério Nuno Costa; Rabbit Hole, defesa, o aquecimento global e o parte do núcleo duro europeu, Para esse olhar retrospetivo,
vendo-se numa certa margem. “A com Cápsula, a 3, 4 e 5 de dezem- desgoverno do hipercapitalismo em termos culturais e políticos, Europa Improvável conta com
nossa própria linguagem criativa bro, e André Murraças, com o solo global”. podia ser dispensável. Por tudo três espetáculos. O galego Pablo
é um engodo”, sublinha Teodósio. Santos e Pecadores, de 14 a 19 de O programador e diretor ar- isso, pensei que seria interessante Fidalgo Lareo vai apresentar, de
“Há estruturas que só fazem aquilo Dezembro. J tístico do MM redigia estas linhas fazer este ciclo para encararmos 7 a 10, em estreia, Haverás de ir
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22 * artes ESPETÁCULOS, EXPOSIÇÕES jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
à Guerra que Começa Hoje e, a 11, recolhida ficará junta num site de futuro”, diz o diretor do MM.
O Estado Salvaxe. Espanha 1939, e constituirá uma base de dados O teatro e as artes performa-
peças que recuperam a memória gigantesca sobre o modo de ser tivas em geral podem, em seu
da Guerra Civil de Espanha e do europeu, onde será possível entender, dar um importante
franquismo, a segunda das quais também ter informação sobre contributo para pensar o futuro
com o testemunho na primei- os vários países e aceder a cada da Europa. E poder-se-á tirar
ra pessoa da avó do artista. A uma das casas visitadas. Em a prova real no ciclo Europa
croata Vlatka Horvat, por seu Lisboa, houve uma surpreen- Improvável. “Os artistas e o seu
lado, traz a palestra-performan- dente adesão, segundo o progra- trabalho podem ser uma voz
ce 15th Extraordinary Congress mador, com muitas pessoas relevante na discussão dessas e
– Lisbon, a 10, no Espaço inscritas para abrir as suas casas de outras questões. Aliás, crio
Alkantara, criada a partir da a este “jogo teatral”, em volta estes ciclos temáticos na progra-
experiência de seis mulheres da de uma mesa e de uma pequena mação do MM, porque acredi-
ex-Jugoslávia, imigrantes que se máquina que dá instruções. “No to que o diálogo, o confronto
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ESPETÁCULOS, FILMES
artes * 23
TEATRO quatro amigos despidos das suas
profissões, marginalizados e ultra-
Helena Simões passados pela voragem do tempo e
da sociedade que se encontram para
jogar póquer, naquela cozinha que é
o seu porto de abrigo.
JORGE GONÇALVES
A 18 de setembro de 1995 estreava Politécnica, não só pelas produções aumentar a aposta a cada nova cena
no Grande Auditório da Fundação próprias, mas também como espaço e a conceder ao espetáculo um ritmo
Gulbenkian, integrado na 9ª edição de acolhimento e de experimenta- de jogo sem fim até à vertigem, o que
dos Encontros Acarte, António, ção. Aliás, como se pode verificar, Pedro Carraca Na peça jogadores de Pau Miró muito contribui para a sua coesão
Um Rapaz de Lisboa, de Jorge Silva a vida teatral em Lisboa é rica em dramatúrgica. Os atores contrace-
Melo, e do numeroso elenco desse espetáculos e em companhias que nam com maestria e cumplicidade
espetáculo nascia os Artistas persistem para além da crise. Nestas e, à medida que se vão adensando
Unidos – AU. Vinte anos passados, semanas, todos as noites se tem Wilde, o Teatro Aberto repôs As poeta do quotidiano, de escrita exata nas tragédias quotidianas das suas
a 18 de setembro, comemorámos podido ver um espetáculo diferente. Raposas, mas também o Teatro da e rigorosa e profundamente teatral a personagens, transmitem o compa-
esse aniversário, na sede dos AU (no Dois deles foram justamente no Tea- Cornucópia com Hamlet e agora, no testemunhar a vitalidade da drama- nheirismo e amizade que os une e os
Teatro da Politécnica) que, depois tro da Politécnica onde assistimos à Tivoli, Plaza Suíte, com Alexandra turgia contemporânea catalã. leva a escolher o risco do jogo como
de muitos lances, lhes foi concedida adaptação teatral de dois clássicos Lencastre e Diogo Infante. E houve e Quanto ao ensaio que vimos, a única forma de sobrevivência.
em 2011. Assisti ao primeiro da literatura americana: Mobby há mais acontecimentos teatrais que verificamos o domínio espacial pela Aposta ganha, um brinde pois,
espetáculo, neste teatrinho ao Dick, de Mellville, e O Som e a Fúria, graças a alta engenharia financeira excelente dupla Rita Lopes Alves para os AU e para os que possam
Príncipe Real, Não se brinca com o de Faulkner, pelo Teatro Mosca. e para nosso prazer continuam a na cenografia e Pedro Domingos na ver o espetáculo e celebrar o jogo da
Amor, de Alfred de Musset, onde Coincidiu também com o início das perseverar. luz; transformaram o pequeno palco vida pelo teatro. Que venham mais
pela primeira vez vi representar temporada no Teatro São Luiz com É neste contexto que surge a numa grande área dividida entre vinte!J
Catarina Wallenstein numa O Baile, de Carla Maciel e Sara Cari- festa dos AU na qual, para além de uma cozinha desgastada pelo tempo
ingénua e cruel Camille e constatar nhas, no Teatro do Bairro, com Lúcia se poder visitar a exposição de Sofia e uma zona de penumbra misterio- OS JOGADORES
a fulgurância de Elmano Sancho, Afogada, uma adaptação dos Contos Areal e dançar as sevilhanas com La sa, símbolo da situação existencial de Pau Miró, Tradução Joana Frazão, Encenação
recém-chegado de Paris, no seu de Sophia, no Teatro Nacional com Argentinita, em homenagem a Lia das quatro personagens sem nome Jorge Silva Melo, Cenografia e Figurinos Rita Lopes
Alves, Luz Pedro Domingos, com Américo Silva,
apaixonado Perdican. nova direção e uma abordagem con- Gama que as cantava na peça inau- que o habitam. São quatro magnífi- António Simão, João Meireles e Pedro Carraca.
Desde então passaram só quatro temporânea dos tragédias gregas, gural, e também a Joana Bárcia e, cas interpretações: de João Meirelles
anos, mas a contribuição dos AU no Teatro Meridional com António claro, a Manuel Wiborg, “um rapaz no professor universitário, Américo Artistas Unidos. Teatro da Politécnica, terça
para a vida teatral portuguesa é e Maria, de A. Lobo Antunes, no de Lisboa”, assistimos ao ensaio de Silva no barbeiro, Pedro Carraca no e quarta às 19h, quinta e sexta às 21h, sábado
inegável e visível, antes e depois da Teatro Maria Matos com um Óscar Jogadores, de Pau Miró (1974), um ator e António Simão no coveiro, às 16h e às 21h. Até 24 de outubro.
CINEMA
Manuel Halpern
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24 * artes MÚSICA jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
JAZZ
Bruno Bènard-Guedes
Out.Fest: os arredorres
no centro da música
Desapressadamente, desde entre 8 e 11 de outubro, que em intrépida teatralidade de Peter
a sua génese em 2004, o Out. comum evidenciam uma "tónica Brötzmann com Jason Adasiewi-
Fest – cujo âmbito se resume de celebração e de um sempre cz (na extensa madrugada que
na assinatura complementar renovado espírito aventureiro". se prevê para a transição de 10 Matana Roberts No Barreiro, dia 8
Festival Internacional de Música São 21 formas de soar livre, para 11). Digna de atenção será
Exploratória do Barreiro - tem afoito, desafiante, vibrante, in- igualmente a frugalidade utópica
vindo a exclamar-se como quiridor, informado, particular, de Vladislav Delay, o sincretismo
uma das mais relevantes e idiossincrásico, entre as quais se metalinguístico dos Z's, a hibri- ção das heterodoxias umbráticas seu encerramento, com o inefável
credíveis anuidades concertistas destacam meia dúzia de cruciais dez ritualista dos Golden Teacher do duo de Helena Espvall com gnoseológico de Laraaji, em duas
portuguesas. Agora que se criadores do panorama jazzístico ou, enfim, o solipsismo herético David Maranha - aqui em formato sessões agendadas para o fim da
cumpre a sua 12ª edição, pode das últimas décadas: as epifanias de Russell Haswell. ampliado com os convidados manhã e para o fim da tarde do
orgulhar-se de reunir aquele holísticas de Akira Sakata no seu Como mandam os tempos, Norberto Lobo e Ricardo Jacinto último dia. Por um longo fim de
que é seguramente o mais diálogo com Giovanni di Dome- como mandam os modos, e -, da virulenta diligência do trio semana, os arredores serão o cen-
sólido cartaz musical do 2015 nico (registado no superlativo sobretudo como manda a tra- de Afonso Simões, Pedro Sousa e tro e o centro será os arredores.
festivaleiro. No programa, a CD "Iruman", publicado no ano dição do festival, há também Miguel Mira, da vocação sinté- Porque as pontes foram feitas para
associação cultural Out.Ra - seu passado pela portuguesa Mbari), muitos portugueses, ilustremen- tica dos Niagara, da especulação se atravessar.J
sustento conceptual - propõe o impressionismo ascético de te encabeçados pela identidade elíptica de Filipe Felizardo ou do
21 concertos, distribuídos por Matana Roberts (ambos os reci- primeva dos Gala Drop e pelo inusitado quimérico de Rabu Ma- › OUT.FEST 2015
diversos espaços daquela cidade tais no dia 8), o espartano devir empirismo mutante dos Caveira, zda & Van Ayres. Mas o momento de 8 a 11 outubro
industrial da margem sul de dos AMM de John Tilbury e Eddie num contexto onde vale a pena mais singular e metafísico deste Barreiro (vários locais)
Lisboa, escalados em quatro dias, Prévost (na noite seguinte) e a também acompanhar a evolu- Out.Fest será provavelmente o www.outfest.pto
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt MÚSICA
artes * 25
e universal
que lhe despertou curiosidade e incluem um programa de rádio e
interesse. Mais ainda quando, a participações na televisão, Uxía é
bordo do grupo Na Lúa, galgou a programador do festival Cantos
terras portuguesas, até Lisboa, da Maré, que tem levado à Galiza
onde o seu disco Ondas do Mar de grandes nomes da música por-
Vigo foi produzido por Júlio Pe- tuguesa e brasileira, entre outros
reira. Era um universo inteiro que Chico César, Dulce Pontes, Filipa
Traz a Galiza na voz e a lusofonia amor não é correspondido: "Sou se abria. Logo ali teve a oportuni- Pais, Manecas Costa, Jon Luz,
no espírito. Uxía comemora 30 otimista por natureza. Canto em dade cantar com Fausto, um dos Sérgio Godinho, António Zambujo
anos de carreira com uma mini galego sem preconceitos. Estou músicos que mais admira. Na sua e, mais recentemente, Rui Veloso,
digressão portuguesa. Depois do muito feliz por ter contribuído longa lista de colaborações, fazem que nunca dantes havia atuada na
concerto de Lisboa, atua amanhã, um bocadinho que seja para que o parte Sérgio Godinho, Vitorino, Galiza. "Sempre que os portugue-
dia 1, no Conservatório de Coimbra, namoro possa vir a ser correspon- Rui Veloso ou João Afonso e até ses vêm à Galiza sentem-se muito
e dia 3, na Casa da Música. dido. Mas que não demore muito, chegou a partilhar o palco com bem acolhidos e ficam com vonta-
Quando lhe perguntamos com porque estamos a ficar velhinhos. Amália Rodrigues. de voltar", garante Uxía.
que músicos portugueses ainda Que Portugal sinta curiosidade em Ainda antes de integrar o A nossa conversa é feita com a
gostaria de vir a atuara fica atra- saber o que se faz naquela terra". Uxía A grande voz da música galega grupo Na Lúa, ganhou o primeiro viola pousada sobre o colo, fican-
palhada. Não pelo embaraço da Juntamente com o norte de premio do Festival de Bergantiños do a certeza que, havendo pre-
escolha. Mas por ter tocado com Portugal, a Galiza é a mátria da e gravou o álbum Foliado de Marzo texto, Uxía explica-se cantando.
todos os nomes mais sonantes. língua portuguesa. Um território (1986). Seguiram-se mais de uma Incansável, femininista, ativista,
Finalmente responde, refugian- pequeno com uma riqueza cultu- primos da Argentina, pedi-lhe dúzia. Entre os quais Estou vivindo pensa já no próximo projeto, que
do-se na nova geração: Samuel ral extraordinária. Uxía revê-se que fizesse um esforço para falar no Ceo (1995), também produzido terá a ver com as suas múltiplas
Úria, Capicua, Gisela João. Uxía é em todas as suas encruzilhadas, castelhano, de modo que a enten- por Júlio Pereira, que lhe propor- facetas e atividades. Profunda-
galega da Corunha até ao Monde- defendendo as letras e a tradi- dessem. Ela respondeu: 'Enten- cionou a primeira grande digres- mente galega e universal, mas não
go. Ou ainda mais além. Música, ção musical, mas indo sempre dam se quiserem entender, eu fiz são europeia. Já em 2011, para necessariamente independentis-
divulgadora, programadora, é mais além. Prefere olhar para a um esforço durante toda a vida'" assinalar os 25 anos de carreira, ta. Como diz: "Um certo grau de
uma incansável base de travessia singularidade da Galiza como algo Uxía Sennle nasceu em San- lançou Meu Canto, um álbum soberania é bom para expandir
entre culturas irmãs. Recorda aberto para o mundo: "Temos duas guiñeda, entre Tui e Vigo, em em que faz uma revisão do seu os nossos interesses. Creio num
as palavras do poeta raiano João chaves: uma para o mundo da lu- 1962, num ambiente musical."A percurso, com a cumplicidade de nacionalismo conectado com o
Verde "Vendo-os assim tão per- sofonia, outra para o universo da música sempre esteve muito músicos brasileiros, entre outros, mundo e com horizontes abertos,
tinho,/ a Galiza mail’ o Minho,/ língua castelhana. Mas é essencial presente na minha vida, o meu Lenine. É esse o reportório que misturando-se com as culturas
são como dois namorados que o preservarmos a nossa cultura, pai tocava contrabaixo". Uxía traz aos concertos desta digressão alheias. É tão desumano este
rio traz separados / quasi desde num historicamente muito hostil. dedicou-se à guitarra e à voz. "In- portuguesa, onde não poderão momento em que os refugiados
o nascimento. //Deixai-os, pois, "Durante a ditadura, batiam na teressa-me tanto a música como faltar alguns temas mais recentes, chegam e as portas fecham-se. A
namorar/ já que os paes para casar mão da minha avó sempre que ela a palavra", explica. Apesar de ser e também canções portugue- cultura galega sempre foi viagei-
/lhes não dão consentimento". falava galego na escola. Já perto da uma beatlomaníaca confessa, sas. "Procurámos fazer um coisa ro". E assim deve continuar a ser".
Contudo, por vezes sente que esse morte, quando nos visitaram uns sempre se dedicou à perscrutação minimalista para que a voz seja J MANUEL HALPERN
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26 * artes DISCOS jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
POP CLÁSSICA
Indie brasileiro
Há um certo
exotismo
Um mundo cheio de histórias obra (literária, de investigação) escrita: “A
Invenção dos sons”, na Caminho, sobre a
música portuguesa contemporânea, “Olga
que sempre Prats - Um piano singular”, na Bizâncio,
caracterizou colaborações para o “New Grove Dictionary
a música of Music and Musicians” ou para o Centro de
popular A música de Sérgio Azevedo tem mui- O Divertimento e “Uma pequena serenata Estudos de Sociologia e Estética Musical, da
brasileira tas faces, mais ou menos complexas, mais diurna”, deste disco, podem ser exemplos Universidade Nova.
que atravessa ou menos elaboradas, mas todas dotadas deste segundo caso. Demonstram esse gosto Quanto à sua discografia, não é exten-
oceanos. O que é muito natural, de uma extraordinária riqueza e de uma pela reinvenção de formas mais “clássicas”, sa, tendo em conta a dimensão da obra – e
pois o seu fator diferenciador fascinante capacidade de sedução. As quatro com apelo ao barroco e ao classicismo (a há falhas gritantes, como os concertos ou a
está ligado à riqueza e variedade obras reunidas neste disco demonstram-no “Pequena serenata diurna” é, logo à partida, Sequenza. Na verdade, em nome próprio, a
das suas raízes, algumas delas claramente. São o Concertino para guitarra e uma outra face possível e bem humorada da discografia não vai muito além do presente
relativamente recentes (mas pequena orquestra, de 2013, “Uma pequena “Pequena serenata noturna”, de Mozart), CD e de outro dedicado à sua fascinante e
nem por siso menos marcantes, serenata diurna” (2010), o Concerto para mas também à expressão de raiz tradicional. generosa produção para crianças.
como a bossa nova). Todavia, dois violinos (2009) e Divertimento (2005). Os concertos, por seu lado – o Concer- As escolhas de diferentes intérpretes, po-
apareceu nos últimos anos, As quatro peças constituem uma amostra tino para guitarra e pequena orquestra e rém, têm permitido acesso a algumas obras
com particular pertinência, mínima da extensa obra de Sérgio Azevedo, o Concerto para dois violinos –, são obras chave do compositor, como a Sonata para
um movimento de rock mas são representativas do seu “idioma” e da mais elaboradas, que multiplicam referên- viola solo, por João Pedro Delgado (CD Sín-
independente pós-tropicalista sua história. cias e exigem maior atenção. O Concertino tese), “On the Edge”, por Nuno Pinto (Miso
que, apesar de não renegar a Todas estas obras já tinham sido apresen- evolui em complexidade, ao longo dos seus Records), “Berliner trio”, pelo Ensemble
língua portuguesa, liberta- tadas ao vivo. Foram escritas para a Orques- três andamentos, até às variações finais, Mediterrain, de Bruno Borralhinho (Classic
se amiúde das correias da tra de Câmara Cascais e Oeiras, dirigida pelo que apelam a uma melodia para alaúde, do Concerts), Sonatina para violino solo, por
tradição, sem por isso perder maestro Nikolay Lalov, à semelhança de século XVII. O Concerto para dois violinos Carlos Damas (Dux), Suite Concertante, pela
originalidade. É o caso notável outras criações do compositor – a orquestra, passa pela sua raiz moderna, por assim dizer Orquestra da Póvoa de Varzim (Numérica),
de Gui Amabis, um músico aliás, é um dos intérpretes privilegiados de – o Concerto para dois violinos de Johann além de “Aspetto”, pelo Galliard Ensemble
com um início de carreira Sérgio Azevedo –, e representam, por isso, Sebastian Bach –, e constrói um fascinante (Deux-Elles), e “Atlas journey”, pelo Nouvel
tardia, que agora edita o seu segundo as notas que acompanham o CD, “puzzle” de referências históricas, que evolui Ensemble Moderne, de Lorraine Vaillancourt
terceiro disco, o mini-LP “música de amizade”, definição que também ao longo dos seus quatro “capítulos”, rein- (Amberola).
Ruivo em Sangue. Com uma se estenderá, certamente, aos solistas, os ventando formas, tradições e, não poucas São também de destacar as gravações
vocalização minimalista, violinistas Pedro Meireles e Otto Pereira e o vezes, as próprias sonoridades dos instru- disponíveis de Concertino de Câmara, “Ri-
arranjos desconcertantes, guitarrista Júlio Guerreiro. mentos. cordo” e “Flow my tears”, a partir de John
experimentando novos sons, Destas obras, porém, nenhuma se Sérgio Azevedo tem, aliás, bem presen- Dowland, em discos do Opus Ensemble, e
Amabis parte livremente para encontrava disponível noutro suporte que te a noção de que é através das histórias o notável trabalho de composição dedicado
fora das convenções. Aqui há não fosse a memória. O facto não é raro, na que a memória do mundo se transmite. É aos mais novos, presente em discos como
tanto do lado insubmisso de música portuguesa – no melhor da música uma abordagem ética, patente em todo o “Mudam-se os tempos”, do Coro de Peque-
Caetano como de Syd Barret, portuguesa – e, quem ouvir este disco, terá seu trabalho e que passa também para a nos Cantores de Esposende, e “Charadas da
encontra-se Tom Zé e Howe dificuldade em perceber a ausência destas bicharada”, sobre lengalengas, trava-línguas
Gelb. Entre várias propostas e de outras peças de um qualquer suporte, populares e textos de António Nobre, Alice
que nos chegam, como as de que permita a audição ou a leitura, ou do Vieira e do próprio Sérgio Azevedo, pelos
Moreno Veloso ou Silva, Amabis repertório regular das maiores salas de coros Voximini e Voximixv, do conservatório
talvez seja aquele que leva mais concerto. regional de Castelo Branco, com a maestrina
longe o seu impulso musical, Sérgio Azevedo estudou com Fernando Armanda Patrício.
com grande temas como Mistas Lopes-Graça, Constança Capdeville e Chris- Mas também neste campo – no belíssimo
Verdades, onde faz uma curiosa topher Bochmann, formou-se na Escola trabalho para crianças – falham importantes
reflexão: "Que contradição Superior de Música de Lisboa, onde ensina edições, como “História de uma gaivota e
pensar que nós possamos ser há mais de 20 anos, e trabalhou (em cursos, do gato que a ensinou a voar”, sobre o texto
individuais sem nenhuma seminários, encontros) com os compositores de Luís Sepúlveda, “Os Gnomos de Gnu”,
restrição alimentar ou social". da contemporaneidade, como Álvaro Sala- sobre Umberto Eco, “Romance do Grande
zar, Jorge Peixinho, Luca Francesconi, Louis Gatão”, a partir de Lídia Jorge, ou “A rainha
› Gui Amabis Andriessen ou Simon Bainbridge. das abelhas”, ópera que recupera contos dos
RUIVO EM SANGUE A sua música traduz o percurso e o que de › Sérgio Azevedo irmãos Grimm.
único e de individual dele resulta. Há uma A aquisição do CD da Orquestra de
CONCERTINO PARA
faceta mais complexa, mais exigente – como Câmara Cascais e Oeiras – e de outros de
GUITARRA, DIVERTIMENTO,
o próprio gosta de destacar –, que passa por Sérgio Azevedo ou de outros compositores
Lisboar obras como os concertos para dois pianos e
UMA PEQUENA SERENATA
DIURNA, CONCERTO PARA –, à falta da sua disponibilização em loja,
É um para clarinete, mas que se revela uma faceta DOIS VIOLINOS pode ser efetuada no sítio da internet
escritor de igualmente comunicativa e mobilizadora, e do Movimento Patrimonial pela Música
Orquestra de Câmara Cascais e Oeiras, dir.
canções outra de adesão aparentemente mais imedia- Nikolay Lalov Portuguesa (mpmp), http://mpmp.pt/.
errático, que ta, mas igualmente elaborada. CD mpm JMARIA AUGUSTA GONÇALVES.
avança pela
diáspora
lusófona,
em busca de Moutinho e Cristiana Águas, dentro e do lado de fora. É onde editora com agora lançam o seu primeiro
sons quentes que alimentam a mas este Lisboando é porta de se melhor nota o trabalho da movimentos disco Burning Hands. Um
sua música. Depois do insular vários destinos, sempre com guitarra, se bem que em diálogo muito delicado álbum de pop-rock
Coladera, no seu terceiro disco, uma candura que parte do com o acordeão de João Frade interessantes independente, com influência
João Pires regressa a casa. instrumental. Aliás, no tema e o violoncelo de Felipe José. no curto folk, dominado pelo som
O título sugestivo Lisboando de abertura não há mesmo voz. Lisboando é um belíssimo disco panorama quente da lap steel guitar, mas
sintetiza bem o seu conteúdo. Prossegue com a variedade de de uma outra Lisboa. da música sem se escusar de introduzir
Uma perspetiva de Lisboa registos, com um tom muitas independente elementos distantes. Dez
inclusiva e andarilha, diferente vezes jazzístico, sem abdicar › João Pires portuguesa. Depois de terem canções simples, fruto do bom
daquela que se encontra no dessa pulsão atlântica que LISBOANDO lançado, entre outros, entendimento entre Nuno
fado, que descobre na cidade o leva a colaborações Aline Uguru um belíssimo álbum de Rancho (voz) e o guitarrista
uma síntese de sons oriundos Frazão e Oino O'Santiago. André Barros ao piano, André Pereira. From Pale to
de diferentes partes do mundo, Lisboando, o tema mais mostram uma síntese da nova Blue é um ótimo cartão de
nunca perdendo, no entanto, afastado (mas também com De Leiria cena leiriense na coletânea apresentação.
um sentido melancólico
característico. O fado também
cheiro a tango), também se
torna o mais emblemático do para o mundo Leiria Calling (alusão aos
Clash). Esse disco está na › Few Fingers
está lá sugerido, quanto mais disco: um retrato da cidade A leiriense Omnichord génese da formação da BURNING HANDS
não seja nas vozes de Pedro simultaneamente do lado de Records tem-se revelado uma banda Few Fingers, que Omnichord Records
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
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28 * ideias jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
a
definindo os judeus, não pela sua
religião, mas pela existência de
Irene Flunser Pimentel ascendentes judeus, afetando mesmo
aqueles que não praticavam a religião
judaica ou que se tivessem con-
vertido a outra religião. Anulavam
ainda os direitos civis dos judeus,
como o direito de voto, afastavam os
que ainda permaneciam na função
pública e proibiam-lhes o exercício
das profissões de notário, médico,
professor e/ou farmacêutico. Depois
das Leis de Nuremberga, a política
anti-semita nazi entrou numa nova
A situação geográfica de Portugal e fase: acelerou-se a “arianização” da
a neutralidade, durante a II Guerra propriedade judaica, aumentaram os
Mundial, o facto do Estado Novo de esforços nazis para obrigar os judeus
Oliveira Salazar, apesar das seme- a saírem da Alemanha.
lhanças com o regime nacional-socia- Até à adoção da «Solução Final»,
lista alemão, se ter diferenciado deste quando a sua política era a expulsão
em aspetos relevantes, nomeadamen- dos judeus dos seus territórios, o re-
te ao afastar-se do racismo biológico gime hitleriano procurou fomentar a
e do anti-semitismo nazis, acabaram “emigração”. O ano de 1938 foi par-
por possibilitar o salvamento através ticularmente doloroso para os ju-
do País de alguns refugiados políticos deus alemães, polacos, austríacos e
e judeus. Mas o regime ditatorial de italianos. Com o chamado Anschluss
Salazar tolerou apenas a sua presen- («anexação») da Áustria no Terceiro
ça desde que o país fosse um abrigo Reich, em 12 de março de 1938,
transitório e fechou as suas fronteiras, juntaram-se, aos judeus e antinazis
tornando muito difícil a entrada dos alemães que já se tinham refugiado
que procuravam refúgio. noutros países europeus, os cerca de
Ontem e hoje, desde o século Porto de Lisboa XEm Agosto de 1941, um grupo de jovens refugiados conseguiu embarcar para os EUA 190 mil judeus austríacos, entre os
XX, apropriadamente apelidado por quais “emigraram” cerca de 50 mil,
Hannah Arendt como o século dos re- entre março e setembro de 1938.
“
fugiados e dos apátridas, colocam-se Com o pogrom da “noite de
perguntas com ressonâncias idênticas, República de Weimar, que agregou o alemão, em Berlim), pretexto para Cristal na Alemanha e Áustria, em
mesmo que a História não se repita: de Exército, os latifundiários e os interes- os nacional-socialistas proibirem o novembro desse ano, os judeus fo-
que fugiam os refugiados? Para onde ses económicos, Adolf Hitler iniciou Partido Comunista Alemão (KPD). ram expulsos de todos os territórios
fugiam e como os aceitaram os países o caminho de transformação do seu Seguiu-se a detenção nos primeiros do Reich. Entre a subida de Hitler ao
europeus e americanos? Qual foi a regime, de uma ditadura «legal», para campos de concentração de 4 mil
Como noutros poder em 1933, quando existia meio
atitude de Portugal? O que se deve ao o totalitarismo. No dia 4 de Fevereiro, oposicionistas de esquerda. Depois países europeus, milhão de judeus na Alemanha, e o
cônsul Aristides de Sousa Mendes? o Decreto Para a Protecção do Povo e da dissolução do Partido Social- início da guerra, em 1 de setembro
Como os receberam os portugueses? do Estado colocou nas mãos de Hitler Democrata Alemão (SPD) e de ou-
a política portuguesa de 1939, quase metade da população
Portugal terra de refúgio? a possibilidade de pôr fim à liberdade tros partidos, o regime tornou-se, de fronteiras tornou-se judaica (230 mil) foi obrigada a sair
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt REFUGIADOS
ideias * 29
2) PARA ONDE FUGIAM E COMO
OS ACEITARAM OS PAÍSES EURO-
PEUS E AMERICANOS
a utilidade da entrada nesse país dos
candidatos a vistos. Por volta de junho
de 1939, o número de candidatos
Andaduras de prófugo
com rumba
Nos EUA, após a sua reeleição, em era cerca de 300 mil, mas apenas
1936, o Presidente Roosevelt permitiu conseguiram chegar a esse país, entre
a entrada no País de cerca de 200 mil março e setembro desse ano, cerca
refugiados judeus, embora, à época, de 85 mil judeus europeus, número
os norte-americanos se opusessem à muito inferior ao dos que procuravam
admissão de mais refugiados, pelo que refúgio. Em início de 1941, o State
as entradas diminuíram posterior- Department decidiu não conceder
mente. De qualquer forma, para gerir vistos dos EUA a refugiados com
a “inundação” de refugiados judeus família nos países ocupados pelos
expulsos dos territórios alemães, o nazis. Essa chamada «cláusula de
Presidente norte-americano convo- refém» visava prevenir que pudesse
cou uma conferência, que se realizou ser vítima de chantagem por parte da
na cidade termal francesa de Évian, Gestapo e praticar espionagem contra
entre 6 e 15 de julho de 1938, com a os EUA. Em resultado de todos esses
participação de diversos países euro- fatores, apenas entraram no país 8150
peus e latino-americanos. Na Suíça, refugiados, durante 1941.
onde viviam em 1930 apenas 19 mil Mas se os EUA limitaram cada vez
judeus, o chefe da polícia helvética, mais as entradas, as colónias britânicas
Rothmund, propôs, em 1938, às auto- tinham as suas “portas” quase fecha-
ridades alemãs a colocação de um «J» das e a maioria dos países da América
do Sul não davam vistos a judeus, Mário de Carvalho E o seu passaporte de estrangeiro emitido pelo estado sueco
como era o caso do Brasil. Se a China
ainda permitia a entrada, admitindo 17
mil judeus, que seguiram para Xangai,
Cuba exigia que cada um pagasse Mário de Carvalho missões que as autoridades entendessem apropriadas
$500, para poder entrar na Ilha. No a corrécios. Desminagens, considerava eu, e coi-
final, apenas a República Dominicana sas assim. Depois da tropa, prisão, tortura do sono,
afirmaria estar pronta a admitir um No meio dos sustos, das apreensões, da tristeza e obstruções profissionais, humilhações várias, entendi
número significativo de cem mil refu- do desalento ressalta a parte gaga que funciona como que já era demais. Não tinha condições para continuar.
giados, juntamente com a Bolívia, que refrigério cómico nos lances deprimentes. Vistas Desandei. Exilei-me. «Migrei», como se diz agora, de
possibilitou a entrada de mais de 20 as coisas com os olhos de hoje, digo eu, porque, no uma forma não inocente.
Irene Pimentel
“
mil imigrantes judeus, no período de momento, a percepção do ridículo estaria distraída por Poupo-vos às circunstâncias dolorosas da minha
quatro anos entre 1938 e 1941. outras percepções. Seja como for os efeitos permane- partida e também aos pormenores das técnicas clan-
ceram, através dos anos, de tal maneira que ainda hoje destinas que me levaram, certa noite, a um incerto en-
3) QUAL FOI A ATITUDE DE não posso ouvir «El porompompero», seja na versão contro, na estrada, para os lados de Leiria. De um carro
PORTUGAL? de Manolo Escobar, seja noutras, sem rilhar os dentes. saíra um sujeito de gravata, elegante casaco de tweed,
Em Portugal, era Como noutros países europeus, a É que passei toda uma noite voando, por estradas de perguntando-me se eu podia indicar-lhe o caminho
melhor ser refugiado política portuguesa de fronteiras Espanha, caminho de França, a uma velocidade doida, para Loures. Respondi qualquer coisa como: «Pois sim,
tornou-se tanto mais restritiva quanto entre luzes de camiões, a ouvir obsessivamente essa mas tem que passar pela Palhavã». Senha e contra-se-
judeu do que refugiado maior era o afluxo de pessoas que rumba. Do outro lado da cassete, a mesma voz, agora nha. Outros sinais coincidiam. Após um breve percurso
político. Entregas de necessitavam de salvar a vida através lamentosa, queixava-se de que lhe tinham roubado o de carro fui apresentado (em termos vagos, claro) a um
de Portugal. A partir de 1933, alguns carro ( donde estará mi carro…). E uma vez, e outra, e passador e começou uma longa e entrecortada viagem
refugiados judeus e (poucos) alemães, judeus e oposi- outra, e outra. até ao extremo-Norte de Portugal. Ainda hoje não sei
políticos à Alemanha tores do regime nacional-socialista, Ao meu lado, o alegre Pepe gincanava o seu bólide de quem me levou.
«emigraram» para Portugal, país dois carburadores e ia tirando e enfiando a cassete, com Em Paris andei de casa em casa, por arrabaldes
não parecem ter onde podiam então entrar e trabalhar, desenvoltura, entre duas mudanças ruidosas. Ele julgava medonhos e cinzentos, Ivry, Vitry, dormitórios, torres
existido e as expulsões o que passou a ser proibido posterior- que eu e o silencioso casal madeirense que se afundava enormes, rusgas constantes, a sirene das ramonas, uma
mente. Em 1936, sobretudo depois no banco de trás estávamos a apreciar aquele festival de sociedade crispada e áspera. Podia ser detido em qual-
para fora do território do início da guerra civil espanhola, o entusiasmo. Pepe era um passador de fronteiras, a vida quer estação de metro, em qualquer esquina. Eu queria
português foram governo português limitou a entrada e corria-lhe bem, tinha automóvel de carburador duplo, ir para Lund, na Suécia, onde tinha família. Mas falta-
estadia no país. Portugal não partici- bem equipado, música à descrição, um feitio eufórico, va-me um passaporte. Conseguir um passaporte falso
pouco numerosas, mas pou na conferência de Évian, em 1938, uma vida pela frente (no caso de se desviar a tempo do foi o cabo dos trabalhos. Muito calcorreei, incomodei e
existiram pois não foi convidado, nas inspiran- camião seguinte), que queríamos nós mais, viajantes demandei. Mas fez-se.
do-se em leis como a suíça e a sueca, clandestinos, timoratos e desconfiados? Riscos? Aquilo Em Lund, fui logo apoiado pela família, mas também
também fechou as suas fronteiras. não havia de ser nada. «Porompompero» para diante. pelas organizações de voluntariado, por elementos da
O governo português enviou, em 28 Estávamos no final de 1973, dias antes eu tinha pequena comunidade portuguesa da cidade e, bem
nos passaportes dos judeus alemães de outubro de 1938, aos seus postos passado a raia portuguesa a salto, por obra e graça de assim, pelos serviços oficiais. A minha situação de
e austríacos, de modo a distinguir os diplomáticos, a circular n.º 10, que um passador lusitano e agora estava ao cuidado do refugiado, perseguido político, era óbvia e mais que pro-
“emigrantes” dos turistas “arianos” passou a obrigar os «emigrantes ju- desenvolto colega do lado de Espanha. Atravessámos a vada. Tive alojamento, uma casa para a minha família,
alemães. deus» a solicitar vistos «de turismo», fronteira francesa de madrugada, já clara, num ápice, bolsa de estudo, aulas de Sueco e, last but not least, um
A Dinamarca e a Holanda permi- com a validade de 30 dias, para entrar e quase não dei por isso. Havia uma ponte, trânsito, passaporte. Tudo funcionava à escala humana num
tiam a entrada de judeus, desde que no país. uns flics. Ninguém interceptou, ninguém pediu papéis. pressuposto de civilizado respeito pelo outro que era
fosse em trânsito, e a Bélgica impunha Iniciada a guerra, em 24 de Seguramente, Pepe sabia que iria ser assim. Ou então, para todos nós um exemplo e um motivo de reflexão.
vistos. Por seu lado, tanto a França, Outubro de 1939, o capitão Agostinho os deuses simpatizaram com aquela exuberância festiva Permaneci na pequena e pacata cidade de Lund
onde já havia cerca de 40 mil refugia- Lourenço, director da Polícia de e piscaram-lhe o olho. Acompanhou-me jovialmente à durante um escasso mês e meio, porque, entretanto,
dos, como a Grã-Bretanha, revelaram Vigilância e Defesa do Estado (PVDE, bilheteira, em Hendaya, e comprou-me o bilhete para rebentou a revolução de Abril, e o meu lugar passou a
relutância em receber mais judeus e depois PIDE), propôs que os vistos Paris. Era o ajuste, mas bem escusava de ser em terceira ser aqui. Apressei-me a regressar. Mas houve tempo
pretendiam escolher a categoria dos fossem recusados aos que não pos- classe e sumapau. E lá marchei eu, pouca terra, pouca suficiente para contrair para com o país e o povo que me
candidatos à entrada nos seus países. suíssem recursos financeiros para a terra, a caminho da gare de Montparnasse. Sem papéis, acolheram uma gratidão que perdurou até hoje.
Na Palestina, então sob manda- estadia em Portugal e não apresentas- sem documentação válida, apenas com umas moradas Como todas as nações, a Suécia terá os seus motivos
to da Grã-Bretanha, foi proibida a sem garantia de embarque e visto de anotadas. Era jovem e estava por tudo. de orgulho. Mas o menor deles não será a demonstração
imigração judaica no maior dos dois entrada num país de destino. Salazar Tinha sido condenado pelo tribunal político de de sensibilidade, atenção, solidariedade, eficiência e
sub-mandatos existentes - a Trans- concordou e o Ministério dos Negócios então, dito Plenário, vergonha da magistratura, a respeito pelo semelhante que, nesses tempos, tanto a
Jordânia – e as colónias britânicas Estrangeiros enviou, em 11 de novem- dois anos de cadeia. Após a concessão da liberdade honrou.
fecharam as suas fonteiras. No Peru, bro de 1939, às suas repartições diplo- condicional soube que regressaria ao serviço militar (a Num momento em que, em certas partes do mundo,
não queriam advogados, enquanto no máticas, a circular n.º 14, segundo a minha prisão tinha-o interrompido, aliás ilegalmen- se soltaram forças monstruosas e em que um horror
Canadá, só queriam refugiados ricos. qual apenas os diplomatas de carreira te), mas desta vez para a Companhia Disciplinar de trágico persegue populações indefesas, eu gostaria que
Por outro lado, para ingressar poderiam doravante conceder vistos, Penamacor, desgraduado em soldado raso. A perspec- o meu país também obtivesse essa palma no exercício
nos EUA, tornou-se necessária a mas sempre após consulta prévia a tiva era de mobilização africana impreterível e para dum digno sentido de humanidade.J
obtenção de um affidavit que provasse esse ministério. Em 14 de junho de
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3o * ideias REFUGIADOS, CRÓNICA jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
1940, quando os alemães entraram em recusar conceder vistos à grande é que um judeu alemão deixava de ser
Paris, os pedidos de vistos portugue- maioria dos refugiados, ou, pelo alemão por ser judeu. A ociosidade
ses passaram a depender directamen- contrário, enveredar pela desobe- forçada atirou a vaga concentrada dos
te da PVDE. diência e arcar com as consequên-
cias. Optou pela segunda alternativa
refugiados, impedidos de trabalhar,
para os espaços públicos onde a sua ECOLOGIA
4) O QUE SE DEVE AO CÔNSUL e decidiu conceder vistos a todos presença introduziu novos hábitos.
ARISTIDES DE SOUSA MENDES? os que os solicitassem, sem praticar VIRIATO SOROMENHO
Até chegarem a Portugal, os fugidos discriminações de caráter religioso, 6) PORTUGAL TERRA DE MARQUES
à guerra e ao nazismo necessita- político ou «rácico». Em nove dias, REFÚGIO?
vam de um visto de entrada na Aristides de Sousa Mendes salvou De um modo geral, os que conse-
«zona livre» francesa, de um visto milhares de seres humanos, amea- guiam entrar em Portugal, mesmo
de trânsito espanhol e de outro, çados pelo regime nacional-socia- sem documentos, acabavam quase
português, do qual dependia a lista alemão. todos por aqui permanecer tempora-
riamente. Apenas – o que era muito
difícil – lhes era exigido que partissem
rapidamente além-Atlântico e ,caso
não o fizessem, não se livravam da de-
tenção pela PVDE e, a partir de 1942,
do envio para a Ericeira ou Caldas
da Rainha, em regime de residência
fixa. Embora todos os refugiados
temessem as rusgas da PVDE, pode-se
dizer que esta tratou, com espe-
cial severidade e dureza, sobretudo
aqueles de quem receava a atividade
política. Em Portugal, era melhor
ser refugiado judeu do que refugiado
Vergonha!
político. Entregas de refugiados judeus
e políticos à Alemanha não parecem
ter existido e as expulsões para fora
do território português foram pouco
numerosas, mas existiram.
H
Em 1940, ocorreu um terrível
episódio. No dia 7 de novembro,
chegou a Vilar Formoso um com- á coisas que nos obrigam a beliscarmo-nos para
boio do Luxemburgo, com cerca termos a certeza de que estão a acontecer. A des-
de 190 «Judeus», entre os quais 29 coberta nos EUA, por parte de testes da Agência
Luxemburgueses e os outros apátri- de Proteção Ambiental, de que a Volkswagen
das ou de diversas nacionalidades, tinha inventado um dispositivo eletrónico
escoltados por elementos da Gestapo. e informático para simular uma eficácia no
Impedidos de entrar em Portugal per- cumprimento da legislação ambiental que realmente não existia,
maneceram durante oito dias em Vilar pertence a essa categoria.
Formoso, antes de serem recambiados Não se trata de um engano menor, mas de uma manipulação
para a França ocupada. A maioria imoral e criminosa em escala global.
desses passageiros foi encarcerada em Estamos a falar de 11 milhões de viaturas (e não sabemos
campos de internamento franceses e, tudo!), alimentadas a diesel, que emitem para a atmosfera até 40
em 1942, cerca de 50 seriam entre- vezes mais poluentes do que os legalmente autorizados pela legis-
gues aos nazis, deportados e assas- lação. Tal é o caso das emissões dos óxidos de azoto (NOx).
sinados no campo de extermínio de Estamos a falar de uma empresa bandeira de um país que se
Acolhimento de refugiados a caminho da América, em 1941 Auschwitz-Birkenau. orgulha do espírito inovador e do pioneirismo ambiental da sua
Saber ao certo quantos refugiados indústria automóvel.
passaram, por Portugal, durante a II Estamos a falar de uma empresa semi-pública (20% do capital
“
Guerra Mundial, é difícil, devido à pertence ao Estado federado
concessão dos anteriores. Por seu 5) COMO OS RECEBERAM OS ausência de fontes sobre as entradas da Baixa Saxónia), respeitada
turno, o visto de trânsito português PORTUGUESES? legais dos refugiados. De qualquer em todo o mundo, com mais
só era obtido depois do refugiado Foram os vistos por si concedidos forma, foi um país de salvamento de meio milhão de trabalha-
já possuir o de entrada num país de que explicam a numerosa quantidade para um número significativo, mas dores em todo o planeta.
destino, um bilhete de passagem de refugiados que ingressaram em minoritário, de refugiados. Um país Este dispositivo ele- Estamos a falar de 11
aérea ou marítima para prosseguir Portugal, em 1940. Ao chegarem a de trânsito e, não, um país de exílio. trónico, que visava apenas milhões de viaturas
viagem, e garantir que tinha lugar Vilar Formoso, os que tinham esses Em suma, embora seja difícil proceder maximizar os lucros à custa
num transporte. Dado que era muito vistos foram logo identificados como a estimativas certas, devido tam- de uma catástrofe ambiental que emitem para
difícil obter vistos portugueses, que pertencendo a um grupo especial e bém à existência de clandestinos, em movimento (no sentido a atmosfera até 40
à época representavam a vida ou a enviados para locais de «residência inclinámo-nos para o número de 60 mais estrito), só poderia ter
morte anunciada, muitos fugitivos fixa», em particular em Caldas da a 80 mil refugiados. A relutância em sido concebido e autorizado vezes mais poluentes
não conseguiram assim atingir as Rainha e Figueira da Foz, pois se sabia aceitar refugiados, comum a todos os ao mais alto nível, com o do que os legalmente
fronteiras portuguesas e outros só que esses documentos não tinham países europeus, antes da guerra, e aos envolvimento das chefias
entraram no país, clandestinamente sido dados segundo as regras oficiais neutrais e aliados, depois de setembro superiores. Não foi por acaso autorizados pela
ou com documentos, concedidos de passagem e estadia no país. Nesses de 1939, não os tornou «aliados» de que Martin Winterkorn, o legislação
contra as ordens de Salazar e da locais eram sujeitos a certas restrições Hitler, mas colocou-os numa zona CEO, se demitiu. Mas o arre-
polícia, como foram os dados pelo como não poderem trabalhar nem «cinzenta», segundo o conceito de pendimento da empresa fica
cônsul em Bordéus, Aristides de deslocar-se para fora, sem a autoriza- Primo Levi. igualzinho à honorabilidade
Sousa Mendes (ASM). ção da PVDE. No caso de Portugal, o país de um ladrão de ourivesarias apanhado em pleno delito. Para pior.
Entre os dias 14 e 17 de junho Ao chegarem a Portugal, os refugiados colaborou consideravelmente com a Mas, no fundo, sou um ingénuo. No cimo das nossas erodidas
de 1940, centenas de milhares de mostraram-se, no entanto, agradavel- Alemanha nazi, fornecendo-lhe pro- democracias habita gente muito pequenina e venal, a quem não
fugitivos, que procuravam escapar mente surpreendidos e gratos com a dutos como o volfrâmio e recetando compraríamos um carro em segunda mão, que apenas pensa em
de França antes que os alemães che- ausência de sentimentos anti-semitas, ouro «alemão» esbulhado aos países ganhar a qualquer custo a eleição seguinte. Como nos podería-
gassem aos Pirinéus, juntaram-se quer da parte das autoridades quer ocupados, mas, quando se tratou mos admirar que aqueles que os têm no bolso, os donos do poder
em Bordéus. O cônsul de Portugal, entre a população. Os portugueses, de da passagem, contra a sua vontade, económico, aqueles que lhes compram as leis e os favores, fossem
ASM, teve então de se confron- forma geral, não percebiam por que é de refugiados pelo país, o governo melhores do que eles?
tar com o dilema colocado pela que aqueles estrangeiros com aspecto salazarista permitiu-a pontualmen- O pior é que, no fim desta sinistra história, serão os traba-
multidão de fugitivos, escolhendo culto e, por vezes próspero, eram te, embora dificultando-a, e a sua lhadores da linha de montagem a pagar, pois, também com as
entre obedecer às ordens de Salazar discriminados no país onde haviam atitude não se pautou pelo antisse- marcas de automóvel, a confiança é muito mais fácil de perder do
e da circular n.º 14, e dessa forma nascido, nem compreendiam porque mitismo.J que reconquistar.J
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ENTREVISTA
IdeIas * 31
Relações identitárias
fortes para suportar a pressão que seduz e intimida. Quando D. Sebastião
Castela sempre exerceu sobre nós. E procura noiva fora da Casa de Áustria
fê-lo no ultramar. é preciso levar em conta que os agen-
tes de Filipe II fizeram tudo para que
Outro projeto improvável dada a isso não acontecesse. Inglaterra está
escala do nosso país. sempre aliada a Portugal porque se
É verdade, mas um projeto que opõem a um bloco onde estão França
funcionou durante cinco séculos, e Espanha.
o que é muito tempo. A expansão
O passado dos dois países da Península Ibérica só pode ser entendido portuguesa foi um dos sustentáculos É uma história em ziguezague?
da independência portuguesa. Fomos Como todas. Há uma reta no sentido
em conjunto, garante o historiador que, com Artur Teodoro de Matos e buscar lá fora o que não tínhamos cá de uma evolução histórica do país,
Roberto Carneiro, coordenou os dois volumes de Portugal e Espanha - dentro, aumentando a capacidade de mas as relações com o outro lado da
resistência. A Guerra da Restauração, fronteira têm muitos altos e baixos.
Amores e Desamores. São sete artigos, de outros tantos especialistas, que por exemplo, é quase integralmente Mas aqui também é preciso distin-
percorrem mais de dez séculos partilhados e definidores de identidades financiada pelo açúcar brasileiro. guir, como tentámos fazer nos dois
volumes, a relação macroscópica, das
O que se ganha com uma única histó- capitais e das cortes, e a micro, do
ria de Portugal e Espanha? convívio das populações.
Luís Ricardo Duarte A visão de conjunto. Neste livro,
tentámos romper com uma História A fronteira divide, mas também une?
que, durante séculos, ignorou o que Sim. Em tempos de paz, há trocas
No primeiro volume, o tratado de se passava em Espanha, o que é um comerciais e travessias, mas mal
Tordesilhas. No segundo, a cimeira erro enorme, pelo condicionalismo começa a guerra cada povo sabe a que
entre Salazar e Franco. No século XV, que essa história teve na nossa. Ao lado pertence. Nesse sentido, um dos
um momento em que a Península estudar os séculos XV e XVI deparo- elementos que permite que Portugal
Ibérica era do tamanho do mundo. No -me muitas vezes com esta necessi- tenha a sua identidade bem vincada
século XX, o mais significativo sinal dade de ver os acontecimentos lado a é a estabilidade das fronteiras. Não há
de um isolamento orgulhoso e só. lado. Por exemplo, só se pode explicar dúvidas sobre o que é e não é portu-
Assim são as duas capas da História corretamente a expedição que D. guês. Comparado com outros casos,
de Portugal e Espanha - Amores e Duarte levou a Tânger, em 1437, em somos um país muito bem resolvido.
Desamores, que o Círculo de Leitores função da pressão diplomática que
acaba de lançar com coordenação Castela estava a exercer para Portugal As relações históricas entre Portugal e
de João Paulo Oliveira e Costa, Artur lhe entregar Ceuta, no âmbito do Espanha continuam fortes?
Teodoro de Matos e Roberto Carneiro. reconhecimento dos seus direitos Acredito que sim. A maior parte das
E assim também é o passado destes sobre a antiga monarquia visigóti- relações externas é feita com Espanha.
dois países: sempre ligado, apesar ca. Os nossos cronistas dizem que a Seguramente que olhamos com mais
de todas as vicissitudes. Quer nos iniciativa do rei deveu-se a vontade atenção as eleições espanholas do que
tempos de paz, quer nos tempos de própria. Do lado de lá da fronteira as finlandesas ou suecas. De certeza
guerra, Portugal e Espanha tiveram encontramos uma explicação menos que entre os primeiros telefonemas
de se confrontar e entender. E quando impressionista e mais lógica. Há mui- que o próximo Presidente da República
viraram as costas foi mais para refor- tos outros exemplos, como o terceiro vai receber estará o do rei espanhol.
çar a identidade interna, do que por casamento de D. Manuel I, que só se A primeira visita oficial do chefe de
desinteresse ou esquecimento. compreendo no contexto das alianças Estado também será a Espanha. E não
É todo este complexo jogo de rela- João Paulo Oliveira e Costa "Portugal é um país com uma forte identidade, e poderes ibéricos. As duas cartas que foi por acaso que os dois países entra-
ções políticas e sociais que estes dois que se cultiva na História" este monarca recebia de Castela por ram no mesmo dia na União Europeia.
volumes abordam, através de sete ar- Apesar das diferenças, há um destino
tigos assinados por alguns dos maiores ibérico no contexto europeu que nos
“
especialistas de cada época: Maria obriga a fazer um caminho a par.
João Branco para a formação do reino Jornal de Letras: “De Espanha, nem É mais propaganda do que realidade?
de Portugal, Bernardo Vasconcelos e bom vento, nem bom casamento”. É sobretudo uma vivência. Ao olhar Daí os amores e desamores do subtí-
Sousa para a primeira dinastia, João Esta ideia dificultou uma melhor para a Península Ibérica percebe- tulo deste livro, típico de quem está
Paulo Oliveira e Costa para o período compreensão das relações históricas -se facilmente que apenas Portugal Portugal construiu obrigado à convivência?
dos descobrimentos, Pedro Cardim entre os dois países? escapou a um poder centrífugo. E o uma identidade por Com todas as fricções inevitáveis entre
para o domínio filipino, Avelino de João Paulo Oliveira e Costa: A frase espaço português corresponde indis- vizinhos.... Mas aprendi recente-
Freitas de Menezes para a restauração reflete a tentativa da memória por- cutivelmente a uma nação. Galegos, resistência, o que mente que a rivalidade ibérica nunca
da independência, Jorge Pedreira para tuguesa de esquecer constantemente estremenhos, andaluzes, leoneses, conduziu a um registo tomou a proporção de outras. Não é
o liberalismo e José Miguel Sardica a Espanha enquanto vizinho. Numa catalães não se confundem com os só Portugal que é um país de brandos
para o século XX. dimensão comunitária, sempre houve portugueses. Somos uma realidade da memória passada costumes, é a Península Ibérica
Em entrevista ao JL, Oliveira um sentido de exclusão de Portugal étnica e nacional forjada pela capaci- sem ter em conta o que toda. Aqui nunca houve massacres
e Costa, professor Catedrático da em relação a Espanha, de não fazer dade de resistir à hegemonia do cen- como, por exemplo, na relação entre
Faculdade de Ciências Sociais e parte do resto. Somos portugueses tro da península, algo que nenhuma se passava do outro a Escócia e a Inglaterra. Aí há casos
Humanas da Universidade Nova de porque temos uma língua e uma outra região ibérica conseguiu. Ver lado da fronteira e de exércitos que mataram todas as
Lisboa, na qual dirige o Centro de história próprias. O resultado desse Espanha como um potencial inimigo crianças, mulheres e homens que
História de Além-Mar, apresenta as sentimento foi uma história que, foi por isso muito natural.
que obviamente nos apareciam pela frente. São guerra
linhas de força deste esforço de sínte- desde pelo menos o século XV, se fez condicionava sanguinárias. Apesar dos amores e
se. Autor da biografia de D. Manuel I, de costas voltadas para o resto da No contexto ibérico, a independên- desamores, não tem sido uma relação
além de vários romances históricos, Península Ibérica, algo muito visível cia de Portugal é qualquer coisa de violenta.
nomeadamente a série Império dos nas crónicas de Gomes Eanes de extraordinário?
Pardais, o investigador defende uma Zurara, Rui de Pina ou Damião de Nunca certo sentido, sim. Portugal é semana é um sinal da atenção que Têm saído muitos livros de História
visão de conjunto para um melhor en- Góis, por exemplo. Portugal construiu fruto da vontade dos portugueses, de dava aos nossos vizinhos, mas os cro- nos últimos anos. A historiografia
tendimento dos acontecimentos. "Não uma identidade por resistência, o que um rei, Afonso Henriques, na primei- nistas nunca falam disso. Num registo portuguesa está de boa saúde?
se pode fazer a história de Portugal conduziu a um registo da memória ra dinastia também dos nobres e, de- de síntese, este livro procura dar um Sem dúvida.Têm aparecido muitos
fingindo que não há do outro lado passada sem ter em conta o que se pois do século XV, do povo. A adesão contributo para que se ultrapasse essa trabalhos de síntese. A História de
uma fronteira que pressiona, atrai, passava do outro lado da fronteira e popular já esteve muito presente na visão historiográfica. Mais uma vez, Portugal de Rui Ramos Bernardo
seduz e intimida", afirma. Depois das que obviamente nos condicionava. O crise de 1383/85. Não há unanimida- ninguém pode conhecer a história de Vasconcelos e Sousa Nuno Gonçalo
crónicas, da propaganda e até do peso ditado popular testemunha a negação de em torno do rei, mas há camadas Portugal sem conhecer a de Espanha. Monteiro, a da Escravatura, a da
dos ditados populares, a História faz- da hispanidade como um todo e o da nobreza e do povo que defendem Inquisição ou a Económica e Social.
-se hoje a partir de documentos e da olhar sempre desconfiando para lá da a causa nacional em oposição à Uma determina a outra? No ano passado também lancei
sua interpretação. À escala ibérica. fronteira. castelhana. Esse sentimento volta a Não determina, mas influencia. Não uma nova História da Expansão e
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32 * Ideias ENTREVISTA, CRÓNICA jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
Soldados, mercadores
Absolutamente. Fez bem à historio-
grafia portuguesa. Mas o momento
chave foi o aparecimento dos mestra-
dos no final da década de 70 e inícios
e missionários…
da de 80. Surgiram monografias de
alta qualidade, baseadas sobretu-
do na investigação documental. E
esses investigadores depois seguiram
para doutoramentos, sendo hoje os
professores universitários. Ao longo
T
deste processo revelaram-se inúmeros
documentos inéditos. Antes, a história
nem sempre era feita por historiadores
e demorámos muito tempo a livrar- odas as viagens são mágicas, mas algumas são-no es- que suplantou largamente o hinduísmo, a zona tinha e tem muito diminuta
-nos de opiniões fundadas exclusiva- pecialmente. Falo de Sião e de Sirião, da Tailândia e de presença muçulmana, o que levou Afonso de Albuquerque a delinear um
mente na interpretação das crónicas. Mianmar, que atrairam os portugueses e onde o Centro plano de aliança após a conquista de Malaca, enviando a Pegu Rui Nunes
E não há pior inimigo do historiador Nacional de Cultura (CNC) realizou mais uma das para acertar a paz e o entendimento com o governo desses povos. O grupo
do que essas visões mais parciais e jornadas do ciclo «Os Portugueses ao Encontro da Sua do CNC ficou instalado no Strand Hotel, um dos míticos hotéis do Império
escritas a posteriori. Só se recorre à História». Fernão Mendes Pinto, sobre Sião, disse haver inglês, onde estiveram Kipling, Maugham e Orwell, a recordar a antiga
crónica quando não se tem mais nada. neste reino «muita pimenta, gengibre, canela, canfora, nostalgia britânica.
pedra-ume, canisfistula, tamarinho e cardamomo em Graças à explicação de Luís Filipe Thomaz compreendem-se bem as três
E encontraremos uma imagem muito muita grande quantidade de maneira que se pode dizer dimensões da presença portuguesa na Ásia – o Império, os mercadores e os
diferente da nossa história? e afirmar com verdade (…) que é este um dos melhores reinos que há em mercenários. A política oficial, a definição estratégica militar e admi-
Acima de tudo, a história ganhou todo o mundo»… O antiquíssimo reino de Sião é um dos marcos fundamen- nistrativa, aliada à ação dos mercadores, sobretudo no litoral, exercendo
seriedade. Tornou-se mais interpre- tais das relações de Portugal com o Oriente. Depois da conquista de Malaca, comércio asiático, permitiram, pela miscigenação, a criação de uma rede
tativa e explicativa. Hoje não se pode em 1511, Afonso de Albuquerque cedo estabeleceu relações com o prestigio- de luso-descendentes ativos, acrescendo as aventuras incertas dos mer-
dizer que Portugal foi para Ceuta por so reino, através de Duarte Fernandes, enviando depois um Embaixador a cenários no continente, com resultados díspares. No caso de Sirião, temos
causa do trigo, quando o trigo estava Ayuthia, António Miranda de Azevedo, que foi recebido pelo próprio rei de um pouco de tudo: o interesse inicial de Albuquerque em ter alianças com
a 500 quilómetros da cidade. Sião, que lhe mostrou um magnífico elefante branco e o presenteou. os gentios budistas teravadas, o intenso comércio estabelecido com Malaca
Sabemos, segundo Martim Afonso de Melo e a aventura mercenária de Brito e Nicote e
É também hoje menos ideológica? e Castro, através de carta ao Rei de Portugal de outros.
Sim. Antes do 25 de Abril era uma 1565, que havia dois mil portugueses a viverem O Forte e a Igreja de Santiago marcam a
historiografia a preto e branco, como no Oriente, na China, Pegu, Bengala, Orissa presença portuguesa. A antiga fortaleza de
quase tudo o que se dizia na época e Sião, e um século depois, encontramos uma Sirião (Thanlyin) é uma recordação. Segundo
por causa da censura. Atualmente, os população portuguesa estabilizada no «ban- as descrições que chegaram até nós tinha
historiadores transportam cada vez del» (Bang Portuguet) de Ayuthia de cerca quatro portas, segundo os pontos cardeais, com
menos para a história a ideologia que de duas mil almas, num termo que tinha sido muros sólidos, torres de observação, guaritas
praticam. Procura-se perceber o que concedido pelo Rei de Sião, onde havia livre e um fosso circundante. A comunidade de
a documentação nos diz e não o que prática religiosa e isenção de alguns tributos portugueses misturados com gente da terra
queremos que ela mostre. mercantis. A comunidade encetou um proces- construiu duas igrejas cristãs e o papiar era a
so de miscigenação com siameses, chineses, língua franca do comércio e da catequese. O
A estratégia parece estar a funcionar, peguanos e japoneses e os luso-descendentes que resta da Igreja que ainda pode ser vista
porque há a convicção de que a histó- exercem funções de intérpretes e de funcioná- é de construção italiana em tijolo, e data de
O grupo do CNC
“
ria vende. Como explica este sucesso? rios administrativos ao serviço do Rei. As co- meados do século XVIII, correspondendo não à
Portugal é um país com uma forte munidades portuguesa e japonesa da Ayuthia iniciativa portuguesa do Padroado do Oriente,
identidade, que se cultiva na História. eram tão próximas que D. Maria Guiomar, uma mas à ação romana da Propaganda Fide (com
Em Portugal, qualquer pessoa sabe luso-japonesa gozou de grande notoriedade, superintendência do Padre Paolo Maria Nerini),
quem foi o primeiro rei. Saberá um ao casar-se com o grego Cristóvão Falcão, que pelos missionários barbanitas. O certo, porém,
francês responder a essa pergun- foi primeiro-ministro de Sião. Todas as viagens são mágicas, é que a igreja de Santiago serviu os luso-des-
ta? Muitos portugueses também O périplo iniciou-se pelo antigo Sirião, mas algumas são-no cendentes e é referida como dos portugueses.
terão uma vaga noção da batalha de por Rangum, a maior cidade de Mianmar, a Camões é lembrado no destino depois de
Aljubarrota e dos Descobrimentos. São ancestral «cidade sem inimigos», fundada a especialmente. Falo de Sião e de Rangum: «Olha o reino Arracão; olha o as-
fatores fortemente identitários, para os partir de uma aldeia de pescadores em torno Sirião, da Tailândia e de Mianmar, sento / De Pegu, que já monstros povoaram»
quais olhamos não com nostalgia, mas do exuberante pagode de Schwedagon. Aí se (Canto X). E Tomé Pires na Suma Oriental
com a certeza de que somos nós. J celebrizou Filipe de Brito e Nicote (c. 1566- que atrairam os portugueses fala-nos do reino que fica entre Bengala e
1613), português que chegou a ser proclamado Pegu. Arracão foi lugar que atraiu os merce-
rei do Pegu ou de Sirião (Thanlyin). Em 1590, nários portugueses. António Bocarro diz que
encontramo-lo na região como comercian- «vendiam por grandes preços recebendo tudo
te de sal na ilha de Sundiva e depois ao serviço do rei de Arracão (hoje em ouro de que muitos ficaram ricos e se vendia de sorte que se pesava de
Rackine, cuja capital é Mrauk-u). Nesse complexo xadrez político, Filipe uma parte arroz e da outra ouro». Data do século XV a elevação da cidade
de Brito com Salvador Ribeiro de Sousa, cavaleiros-mercadores, inter- de Mrauk-U a grande capital do último e poderoso reino de Arracão
vieram vitoriosamente nos conflitos locais e o primeiro aconselhou o rei a unificado. As relações comerciais desenvolveram-se com a Pérsia, Índia,
construir uma casa de Alfândega para aumentar as rendas do comércio no Arábia, Pegu, Portugal e Países Baixos. Aqui se estabeleceu a importante
Pegu. Não foi fácil ao português obter a influência que desejava, tendo con- comunidade de luso-descendentes no Bairro de Daingrih-pet, que vem
seguido, porém, chegar ao seu intento, depois de muitas vicissitudes, ódios descrito com pormenor pelos viajantes do século XVII e XVIII.
e combates, o que lhe permitiu tomar Pegu e ser proclamado Rei, com forte Os reis de Arracão (Rackine) encontravam nessa localidade os melho-
apoio dos naturais, que lhe chamaram Changá, ou seja «Homem Bom»… res artilheiros e marinheiros, cabendo aos mercadores o intenso comércio
› Artur Teodoro de Matos, Pelos serviços prestados, Filipe II concederia armas a Filipe de Brito e do arroz, do algodão, do marfim, dos cauris, dos rubis, das especiarias,
João Paulo Oliveira e Costa Nicote, designando-lhe como solar o próprio forte de Sirião… No entanto, dos cavalos e dos elefantes. A referência portuguesa aqui é Sebastião
e Roberto Carneiro em 1613, os birmaneses tomariam a praça e Filipe de Brito seria morto. Manrique (1590-1669), autor do célebre «Itinerário das Missões da Índia
HISTÓRIA DE PORTUGAL Pegu, zona de rios, era um dos grandes fornecedores de arroz e um Oriental» (1649), monge agostinho português que partiu para Goa e
E ESPANHA - AMORES centro de construção naval em que Malaca se abastecia de juncos de Cochim, donde saiu para Ugulim (Bengala) e para Arracão. E foi aí que
E DESAMORES grande porte para a sua navegação comercial, sendo ainda entreposto recebeu do Rei Sirisudhammaraja terreno para construir o templo cristão
Círculo de Leitores, 600 pp, para a saída do lacre, do almíscar, das pedrarias, bem como de todos os para estabelecer a comunidade portuguesa, com liberdade de culto.
33 euros cada volume produtos da Alta Birmânia e de Sião do norte. Com forte influência budista, Regressaremos ao tema…J
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
debate-papo * 33
TIMES & TEMPOS CADERNO
Onésimo Teotónio Almeida DE SIGNIFICADOS
Tiago Patrício
T
as mulheres cansadas à volta da televisão
à sexta-feira à noite depois do churras-
co e das batatas fritas de pacote e de uma
enho seguido o alvoroço em torno da pro- dicos quem chegou primeiro. Eles não são europeus? Ah! Pois bola de gelado. Eram as crianças deitadas
posta de se reescrever a História dos Açoresé. Há também a possibilidade de terem sido os mediterrânicos. no sofá depois do dia inteiro na praia ou
e decidi tomar a atitude do meu velho Pergunto então: está estabelecido que esses mediterrânicos não a recordar os Olharapos e os repuxos da
professor monsenhor Lourenço que dizia: eram europeus? Exposição Universal e a lutar contra o sono
"Sobre este assunto há os que dizem que Muito já sabe esta gente. Pena não nos poderem revelar os às dez e meia de uma noite de Agosto, a
sim e os que dizem que não. Os que dizem seus dados empíricos, em lugar de apenas os seus saltos lógicos revirar os olhos e dar cotoveladas nas tias
que sim, afirmam; os que dizem que não, (ou ilógicos). Esquecem que a ciência se faz da conjugação de e a fazer queixa dos irmãos. Era o encan-
negam. Eu não digo nem uma coisa nem dados empíricos sólidos com rigorosa argumentação lógica. tamento daquela música com os guizos em
outra, antes pelo contrário." Agora um parênteses: o historiador em causa também se in- suspenso no final e a salivação pela voz do
Isto para deixar claro o terreno quanto a posições de fundo. surge contra o “historicismo patrioteiro”, revelando não saber Eládio Clímaco, pelas raparigas de túnica
Mas vou entretanto lendo aqui e ali e aguardo factos, dados em- que “historicismo” é um termo técnico que não se aplica nada ao vento com os rapazes a levá-las ao colo e
píricos que me levem a aceitar ao contexto em que ele o utiliza. a escorregarem à beira das piscinas ao apito
as propostas alterações da visão Quer dizer: há muito a demons- do Denis Pettiaux, o belga que mandava
recebida, a que está nos livros trar antes de se obter conclusões. É naquilo tudo e dizia attention e prêt!
dos nossos mais respeitados que basta uma falha na argumenta- Era nesses jogos dos remediados em
historiadores. Aguardo, deveras ção para desmoronar o edifício da que se puxava pelas equipas de Águeda,
com mente aberta. hipótese, que disso não passa por Peniche e Vila Franca de Xira e se
A verdade é que por enquanto agora. aprendiam nomes de novos países e de
nada vi de seguro, apenas uma Para terminar, vai um último ilhas mediterrânicas e em que eram todos
mistura de supostas descobertas exemplo. Passei há dias na área tão amigos e combinavam festas com
arqueológicas açorianas com dos maroiços, nas cercanias da cenários de esferovite para aprofundar
possíveis associações a outras, Madalena do Pico. Claro que não os laços e sorriam muito e mostravam os
igualmente pouco sólidas, loca- fui fazer medições, mas quem pre- dentes e a ternura. Era nessas noites de fim
lizadas nos mais variadas pontos tender transformar aqueles montes de século que os concorrentes acabavam
do planeta; tudo muito vaga- de pedra em “pirâmides” (isto é, abraçados ao som daquela música que já
mente interligado, a ponto de uma construção concebida como não comove nem faz tremelicar o lábio
um historiador vir afirmar que o tal) vai ter muito que somar e dimi- inferior nem as bolsas lacrimais. E Portugal
Monte Brasil, na Terceira, é um Pico Maroiço nuir nas contas. A visão tradicional ganhava tantas vezes especialmente
“santuário” e os sítios lá encon- parece intuitivamente mais que porque a Alemanha não entrava nem a
“
trados estão conectados com os óbvia e vai ser necessária muita Inglaterra e só havia a frieza laranja da
maroiços do Pico que, por sua munição para a destronar. Numa Holanda e a parte italiana da Suíça e nem
vez já se sabe serem “pirâmi- ilha coberta de pedras como o Pico, um único país Escandinavo. Era pouco
des”. Dito assim mesmo, sem custa pouco a crer que os locais mais do que uma ocupação de tempos
uma prova, usando-se as regras Tenho seguido o alvoroço em torno da tenham decidido acumulá-las em livres, uma brincadeira de férias juvenil em
de quem faz ficção: tudo vale, pequenos montes libertando assim que se abriam as fronteiras e ninguém se
tudo serve.
proposta de se reescrever a História a terra para a produção de cereais e lembrava do sangue nas colinas de Sarajevo
As ligações são estabelecidas dos Açores. A verdade é que por hortas (ver fotos em anexo). nem do arrebenta 80 que aí vinha.
sem bases empíricas fiáveis e Como então alinhar todos esses Era nesses meses suaves, em que a
descurando-se as regras básicas
enquanto nada vi de seguro, apenas montes com o Monte da Guia, Hungria também queria entrar no jogo e
da lógica. Um exemplo? É uma mistura de supostas descobertas no Faial, segundo notícias que não fazia esperas às equipas portuguesa
simples: o historiador Joaquim
Fernandes publica um artigo
arqueológicas com possíveis associações circulam na comunicação social?
Aguardemos. Venham essas medi-
da Amadora ou de Lamego nem recebia os
Gregos nem os italianos com duas pedras
com o título “Reescrever a a outras,também pouco sólidas ções e as explicações respetivas. E na mão.
história dos Açores” [Jornal de mai-las razões para esse alinha- Era antes do fogo de artifício que as
Notícias, 19-8-2015], quando mento ser feito precisamente com mães levavam as crianças ao colo até à
ao longo do texto só fala de uma o Monte da Guia e não com o da cama e prendiam os lençóis e ficavam
não demonstrada presença humana nos Açores anterior à che- Espalamaca ou com a ponta do Pico. E alinhar para quê? O que muito a olhar para elas e lhes queriam mais
gada dos portugueses. Sendo esse o conteúdo, o título correto é que exatamente faz o Monte da Guia ligado às “pirâmides” do do que à vida e esperavam para as ouvir
deveria ter sido algo como: “Possível acrescentamento de um Pico? respirar e sentir o último solavanco antes
novo primeiro capítulo à história dos Açores”. Abrirei só mais uma caixa de Pandora: seria necessário ex- do sono descansado.
Este é o meu ponto inicial. plicar como é possível um rigor geográfico tão minucioso, visto Era uma lágrima de alegria quando
Agora um segundo: pressupondo-se que fica estabelecida a saber-se que não havia mapas precisos sobre nada no Atlântico a equipa de Torres Vedras ganhava à
chegada de navegadores aos Açores antes dos portugueses, se antes da data por enquanto ainda tida como a da descoberta dos tangente à equipa francesa numa altura
não se conseguir estabelecer nenhuma relação entre esses ale- Açores e Madeira. Os primeiros mapas rigorosos do Atlântico em que todos pareciam mais novos e a
gados pioneiros e os primeiros portugueses lá arribados, então foram feitos precisamente pelos portugueses, ou por italianos conversa ainda não tinha azedado por
não haverá que alterar a história dos Açores hoje conhecida; ao seu serviço - não se conhecem outros anteriores. Além disso, causa da herança de uma tia velha que
apenas teríamos de deixar de referir que os portugueses foram seria inviável na altura um registo cartográfico exato, porque oferecia libras em troca de segredos e
os descobridores dessas ilhas. não era possível medir-se a longitude a não ser com larguís- favores. Terá sido só em 98 em que não
Terceiro ponto: Mas não foram os portugueses? Até se simas margens de erro. Esse problema ficou definitivamente parecíamos um bando de sobrinhos
encontrarem provas acerca da nacionalidade dos supostos resolvido só no século XVIII. enxovalhados a puxar os cabelos aos
navegadores anteriores a 1427, eu não sei nem ninguém saberá Estas são apenas algumas das inúmeras perguntas cujas vizinhos e a reclamar por umas baixelas,
responder a essa pergunta. respostas um observador distante interessado na res azorica uns certificados de aforro da série B ou uma
Um corolário a este ponto: o historiador Joaquim Fernandes quer muito obter e por isso aguarda com grande curiosidade manta de burel prometida pela tia avó que
insurge-se contra o “eurocentrismo” da história dominante e as provas das novas teses. Arrazoados como este que o JN nos guardava notas de vinte escudos debaixo
isso impele-me a interrogá-lo: suponhamos que foram os nór- serviu não ajudam nada.J do colchão de palha. J
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visto invariavelmente ainda que nunca esgotados. De algum modo, o quadro da João Costa (Diretora Coordenadora) mjcosta@impresa.pt, Carlos
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conseguia distinguir é engraçado porque a ser alguém. Claro que sempre foi alguém, e em tantos Coordenadora de Materiais) jmribeiro@impresa.pt
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como se fossem um não fazíamos parte. Nós estivemos em Angola. Somos
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ser coletivo, a mesma outros. No entanto, o quadro agora pendurado na sala
mulher, uma tia dupla. outros. Somos quem completa um ciclo de distância e representa um sonho do
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Pinheiro (Circulação), Helena Matoso (atendimento ao assinante);
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família. Compreendo me devolve a vida depurada, aperfeiçoada. A arte, de
“A Medipress não é responsável pelo conteúdo dos anúncios nem pela
hoje que ele era também qualquer jeito, às vezes devia ser obrigada a regressar a exatidão das características e propriedades dos produtos e/ou bens
um menino querido para essa função, a de melhorar efetivamente a nossa relação anunciados. A respetiva veracidade e conformidade com a realidade, são
da integral e exclusiva responsabilidade dos anunciantes e agências ou
elas, o irmão mais velho que dizem ter sido muito bonito com a existência. empresas publicitárias”.
e que tinha piadas inteligentes para dizer. A minha prima Por algum motivo, este retrato da tia Zeza melhora a
Isabel acha que o meu pai era muito bonito. Eu, que sou minha relação com o meu pai. Entre nós parece ter-se PORTE PAGO
mais do que parecido a ele, tenho uma opinião contrária. sentado a minha tia para que eu, com clareza, entendesse
Ligue já 214 698 801
Vejo que as mulheres ficaram com a beleza toda dos sobre o que se falava quando era menino. Para mim, as
Dias úteis: 9h às 19h | Sábados: 9h às 17h
Lemos. pessoas na França trabalhavam sem direito à beleza. Vá a www.assinejá.pt
Subitamente, a minha tia Zeza começou a pintar. Todos Estariam confinadas à fartura, a uma certa segurança, à Assine o ou apoio.cliente.ip@impresa.pt
se admiraram com a qualidade dos seus quadros, mas saúde, mas teriam perdido o direito à beleza que, por defeito, 1 ano 3 prestações x € 16,99* 30% desconto
2 anos 6 prestações x € 14,56* 40% desconto
ninguém se admirou que tal coisa pudesse acontecer. pertencia ao rosto da minha mãe e às serras de Portugal. O *Prestações mensais sem juros ,TAEG 0%
Dizem dela isso mesmo, que sabe fazer tudo, tem talento que me alegra na família tem que ver com a redenção. Sei
para tudo. Subitamente, a minha tia Zeza pintou o meu hoje que a muito grande família da França está bem e acede
retrato e o meu retrato chegou agora a minha casa. à beleza. Sei até que a partilham. O quadro na minha sala é a
Eu queria que o meu pai soubesse que já distingo a mais generosa partilha. Olho para mim perplexo e alegre.
tia Zeza da tia Fernanda. Adoraria que ele soubesse que Queria muito que o meu pai soubesse. Ele ia adorar
estou pintado assim no parecido que tenho com ele, os saber.J
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J 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
debate-papo * 35
PRETEXTOS
Helder Macedo
O HOMEM
DO LEME
Modernidade MANUEL HALPERN
Q
uando esta crónica for publicada devo inglês são traduzidas de outras línguas. A resultante filtragem
estar em Praga, onde nunca tinha ido. tende a depender mais da traduzibilidade do que da quali-
Para participar num colóquio literário cujo dade, da semelhança mais do que da diferença, do previsível
tema, em forma de pergunta, é "Século XXI mais do que do surpreendente. Nada disso é um critério de
- Que modernidade hoje?". Presentemente modernidade.
dia aceito poucos convites (ou esta vida de A modernidade que foi de um Camões ou de um Pessoa ma-
bordo há-de matar-me, bem avisou o en- nifestou-se na língua em que escreveram e emergiu da cultura
genheiro Campos) mas disse logo que sim que os formou. Quando Camões é traduzido, a sua moder-
ao amabilíssimo Joaquim Coelho Ramos, nidade fica diluida na semelhança com obsoletas equivalên-
diretor do Instituto Camões em Praga, que está a organizá-lo na cias literárias na língua em que está a ser traduzido. Quando
Universidade Carolina com a colabo- Pessoa escreveu em inglês, foi um
ração da Sociedade Checa de Língua poeta imitativamente antiquado e não
Portuguesa. Não só para conhecer Praga
(dizem que das cidades mais belas da
Europa) mas também pelo interesse do
criativamente moderno. Os melhores
escritores não pensam a sua língua,
são pensados por ela. Depois é bom que
Não gosto
tema. sejam traduzidos, desse modo enrique-
U
É claro que não sei qual vai ser a cendo as tradições literárias de outras
modernidade literária que poderá línguas, sabendo-se no entanto que
haver, e se alguém soubesse talvez já uma tradução é o equivalente da cópia ma simples tecla pode criar
não fosse modernidade. Mas acho que de uma pintura. As feições da Mona uma modificação signi-
virá a propósito manifestar o desejo de Lisa estão lá todas, mas falta-lhe o es- ficativa na forma de lidar
que, qualquer que seja, resulte da in- sencial. Falta também que lhe possam virtualmente com o outro.
terpenetração de culturas autónomas acrescentar um bigode iconoclástico. O Facebook prepara-se para
neste globalizado mundo atual. Onde, Tive há um par de anos uma curiosa inserir o botão unlike/não
ao mesmo tempo que as fronteiras conversa com um escritor que muito gosto. Um movimento, com repercussão
económicas entre nações de vários admiro, Tom Stoppard. Escreve em semelhante à Associação contra o pickle no
continentes estão a ser dissipadas, há inglês e é originário da República Checa. Big Mac, há muito que o exigia. Mas nos seus
uma crescente multiplicidade cultural Trocámos algumas palavras de cortesia, estudos de impacto a empresa de Sillicon
dentro de nações que até recentemente e quando ele percebeu que, embora viva Valley não fizera caso. Até agora. Não foi uma
se consideravam culturalmente coesas em Londres há mais de meio século, es- decisão simples. Nada no Facebook será como
a despeito dos seus desnivelamentos crevo em português, perguntou apenas: dantes.
sociais e económicos internos.Também “Como se pode escrever numa língua O Facebook tem uma lógica positiva muito
não deixarei de acentuar a significação Luís de Camões “A modernidade de um Camões que ninguém lê?” Não era uma per- ao estilo americano, de forma a evitar con-
cultural dos trágicos problemas dos ou de um Pessoa manifestou-se na língua em que gunta agressiva. Não estava a ser hostil. flitos. Somos notificado sempre que alguém
refugiados que levaram a contrastan- escreveram e emergiu da cultura que os formou” Indiretamente, a pergunta era dirigida nos pede amizade. Mas ninguém nos avisa se
tes atitudes de esclarecida generosi- a si próprio e não a mim. Porventura a alguém nos desamiga ou bloqueia. Palavrões
“
dade e de obscurantista xenofobia por considerar que ele também teria escrito e imagens que possam ferir a suscetibilidade
parte de alguns estados europeus E numa língua que “ninguém lê” se, (sobretudo nus) são banidos, apesar de os
acho que virá a propósito citar o verso devido à ocupação nazi do seu país de utentes, teoricamente, serem todos maiores
de Camões: “Cada um com o seu con- origem, quando ainda era pequeno, não de idade.
trário num sujeito”. Apenas 3% das obras tivesse sido levado para a Inglaterra, Pela que a introdução de o 'não gosto'
Mas acontece que, por razões onde se tornou num relevante escritor vai interferir arduamente na lógica da rede
políticas e económicas, a língua da literárias publicadas em “inglês honorário”, como alguém o social, concedendo-lhe uma índole mais
globalização é a inglesa, que se tornou inglês são traduzidas de caracterizou. negativista, alargando as portas do conflito
universalmente tão dominante que Há, no entanto, algo de insidiosa- ou do debate de ideias. A intenção revelada
as culturas veiculadas por outras outras línguas. A filtragem mente iconoclástico no modo como o por Mark Zuckerberg é apenas aperfeiçoar
línguas estão a ser marginalizadas. tende a depender mais da “inglês honorário” Tom Stopard (ou, o sistema, colmatando algumas lacunas. Em
Modernidade pressupõe uma tradição para lhe dar o nome original, Tomás termpos literais, não faz sentido perante más
da qual se parte e que se modifica. A traduzibilidade do que da Straussler) se integrou na tradição in- notícias, como a morte de alguém, ter apenas
modernidade de uns não é necessaria- qualidade, da semelhança glesa. Várias das suas peças teatrais são disponível o botão gosto. Mas na semântica
mente a modernidade de outros. E uma releituras desestabilizadoras de obras particular do Facebook esse 'gosto', nesse
modernidade exercida, por exemplo,
do que da diferença, e autores do cânone literário inglês, caso, passou a significar apenas uma nota de
dentro da tradição cultural checa ou do previsível do que do que assim simultaneamente assumiu apoio. Agora recuperar-se-á a literalidade.
portuguesa e manifestada nas línguas e subverteu, manifestando nelas uma E se colocarem um 'não gosto' na sua can-
dessas culturas, nem sempre pode-
surpreendente. Nada disso é tradição anarquista, absurdista e sur- ção preferida, num pensamento profundo ou
rá ser entendida como modernidade um critério de modernidade realista reminiscente do modernismo na fotografia do seu filho? O Facebook entrará
pelas culturas anglófonas tornadas checo do início do século passado. Por numa nova fase, as crispações serão mais
linguisticamente dominantes por cir- exemplo, Shakespeare em Rosencrantz visíveis e o exponencial aumento de 'amigos'
cunstâncias políticas e económicas. and Guidenstern are Dead, Oscar abrandará ou conhecerá tendência inversa.
É certo que, para a literatura, há as traduções. Foi por via Wilde e James Joyce em Travesties, Byron em Arcadia, A. E. Possivelmente, a rede social fechar-se-á mais
de traduções que, por exemplo, o colombiano Gabriel Garcia Housman em The Invention of Love. Até que, depois de litera- em grupos que tendem a estar de acordo. Ou,
Marquez se tornou determinante para a modernidade em riamente se ter anglificado, revisitou a História recente da sua assim espera Zuckerberg, tornar-se-á mais
língua inglesa de, por exemplo, o indiano Salman Rushdie. antiga nação checa em Rock ‘n’ Roll, dinâmica e atiçada (prolongando a sua vida e
E é de saudar que, recentemente, o grande prémio literário Creio, em suma, que sem a modernidade que tinha havido pertinência).
Man Booker tenha decidido alargar as candidaturas a obras no modernismo checo não teria vindo a haver a modernida- Interessante seria alargar o conceito do
em tradução. Mas pode ter também como consequência que de pós-modernista da sua obra inglesa. Mas não sei se este unlike às eleições. Além da cruz no partido
só quando traduzidas para inglês as obras escritas nou- exemplo de integração cultural deve ser motivo de otimismo escolhido poder-se-ia colocar uma seta para
tras língua sejam consideradas culturalmente relevantes. ou de pessimismo para a sobrevivência literária das línguas baixa nos partidos mais odiados. Certamente
Atualmente, apenas 3% das obras literárias publicadas em que “ninguém lê”. J que as eleições seriam mais participativas.J
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36 J jornaldeletras.sapo.pt * 30 de setembro a 13 de outubro de 2015 J
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| Agenda Cultural |
30 de setembro a 13 de outubro 2015
Pedro e Inês
Doze anos após a sua estreia, Companhia Nacional de Bailado volta a interpretar coreografia de Olga Roriz.
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| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro
T História Mergulhada contactos entre a Europa e o Japão. Museu Nacional de Arte Museu Nacional de Arqueologia
De Ana Lúcia Palminha. até 15 de outubro Contemporânea – Museu do Chiado Pç. do Império. Tel.: 213 620 000
3 de outubro – 11h e 16h E Da Inquietude à Transgressão: Eis Bocage… R. serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148 3ª, DAs 14 h às 18 h ; 4 ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
até 31 de dezembro 3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h E Quem nos Escreve Desde a Serra
E Ramalho Ortigão. E Eu e os Outros. até 27 de setembro
GUIMARÃES Um Publicista em Fim de Século Coleção Alberto Caetano E A I Idade do Ferro no Sul
até a 31 de dezembro até 4 de outubro de Portugal: Epigrafia e
Museu de Alberto Sampaio
E Aldo Manuzio: o Inventor do Itálico E Echoes on the Wall: Outro dia Cultura. 35 anos, 1980-2015
R. Alfredo Guimarães. Tel.: 253 423 910
até 31 de dezembro Intervenções artísticas de marco Godinho. até 29 de novembro
3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
E Teixeira de Pascoais: Arte de Ser Português até 18 de outubro
E Catapultas e Máquinas de Cerco
Exposição tripartida entre o museu de Alberto 1 de outubro a 31 de dezembro E Sousa Lopes 1879-1944. Efeitos de Luz Museu Nacional de Arte Antiga
E Imprensa Empresarial até 8 de novembro R. das Janelas Verdes. 213 912 800
sampio, Paço dos Duques e Castelo de Guimarães.
em Portugal: 145 Anos de E Rui Toscano 3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
até 2 de outubro
Jornais de Empresa (1869-2014) até 15 de novembro E Luca Cambiaso e o seu Círculo. Desenhos
6 de outubro a 31 de dezembro E Echoes on the Wall: Oikonomia: até 18 de outubro
LISBOA E Alice no País das Maravilhas uma Questão de Confiança E Obra Convidada:
(1865-2015): 150 anos até 21 de fevereiro 2016 A Sagrada Família com Santa Ana
Fundação de Serralves 9 a 17 de outubro E Narrativa de uma Coleção - Arte até 10 de janeiro 2016
R. D. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 500
Portuguesa na Coleção da Secretaria
A Harry Smith: Cinema Centro Cultural de Belém Museu Nacional de Etnologia
de Estado da Cultura (1960-1990)
10 de outubro a 15 de novembro Pç. do Império. Tel.: 213 612 400 Av. Ilha da madeira. Tel.: 213 041 160
mNAC – R UA C APELo
2 ª A 6 ª , DAs 8 h às 20 h ; s áB ., 3ª, DAs 14 h às 18 h , 4 ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
até 12 de junho 2016
Teatro Municipal de S. Luiz D om . E F ERIADos , DAs 10 h às 18 h E 10 Anos Depois: Objetos de Outros
R. António maria Cardoso, 38. Tel.: 2132 57 650 E Carrilho da Graça: Lisboa Lugares. Doação Francisco Capelo
Museu Coleção Berardo
A A Palavra aos Artistas até 14 de fevereiro 2016 até 31 de outubro
CCB. Pç. Do Império. Tel.: 213 612 878
Por ocasião da exposição Narrativa de uma E Mostra Espanha 2015: 3ª A D om ., DAs 10 h às 19 h E Artes de Pesca: Pescadores,
Coleção - Arte Portuguesa na Coleção da Secre- Guillermo Trapiello: Práticas, Objetos Instáveis
E Novo Banco Photo 2015
taria de Estado da Cultura (1960-1990), La Raya Invisible | Slowtrack até 31 de outubro
até 11 de outubro
o são Luiz Teatro municipal e o museu 8 de outubro a 8 de novembro
Nacional de Arte Contemporânea do Chiado Museu Nacional de
promovem uma mostra dos filmes realizados Museu da Eletricidade
Fundação Arpad Szènes - Vieira da Silva Av. Brasília. Central Tejo. História Natural e da Ciência
pelos Artistas Unidos sobre vários artistas R. da Escola Politécnica, 56/58. Tel.: 213 9121 800
Pç. das Amoreiras, 58. Tel: 213 880 044 3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
cujas obras integram a coleção. 3ª A Dom .. DAs 10 h 18 h ; 2ª 3 ª A 6 ª , DAs 10 h às 17 h ; s áB . E D om ., DAs 11 h às 18 h
6 outubro a 2 de maio
às ENCERRA E FERIADos
E Posto de Trabalho
E Atelier Teresa Magalhães Exposição de fotografia de Valter Vinagre. E Allosaurus:
30 de setembro a 31 de janeiro até 4 de outubro um Dinossáurio, Dois Continentes
Biblioteca Nacional de Portugal até 31 de dezembro
Campo Grande, 83. Tel.: 217 982 000 E Cesariny - Em Casas como Aquela
Fundação Calouste Gulbenkian Exposição de fotografias de Duarte Belo. E A Aventura da Terra:
C Maestro Manuel Ivo Cruz: Duas Av. de Berna, 45ª. Tel.: 213 880 044 Um Planeta em Evolução
até 11 de outubro
Gerações, a Mesma Paixão pela Música 2ª, 4ª A D om ., DAs 10 h às 18 h até 31 de dezembro 2016
1 de outubro – 18h E António Cruz Museu do Oriente
até 19 de outubro Av. Brasília, Doca de Alcântara. Tel.: 213 585 200 Museu Nacional do Azulejo
Culturgest E Olhos nos Olhos: R. madre de Deus, 4. Tel.: 218 100 340
3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h ; 6 ª , DAs 10 h à s 12 h
R. Arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155 3ª A Dom ., DAs 10 h 18 h
O Retrato na Coleção do CAM E So Far, So Close às
C Algumas Ideias Sobre Ideias de Teatro até 19 de outubro E A Arte Interior. Siza
Exposição de Cincy NG.
Com Francisco Frazão. Vieira e o Desenho de Objetos
E X de Charrua até 23 de outubro
5 de outubro – 18h30
até 26 de outubro até 15 de novembro
E Tensão e liberdade. Tensión
Teatro Camões Museu Nacional do Teatro e da Dança
Parque das Nações. Tel.: 218 923 477 y Libertad. Tension and Freedom
até 26 de outubro Estrada do Lumiar, 10. Tel.: 217 567 410
D Pedro e Inês 3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
Coreografia, dramaturgia e seleção musical E Fantin Latour e Manuel
Botelho: Meeting Point E Tempos de Dança. Evocação
de olga Roriz. Interpretação dos Artistas da do Estúdio - Escola de Dança
Companhia Nacional de Bailado. até 26 de outubro
E Lourdes Castro. Todos os Livros Clássica de Anna Mascolo
Ensaio Geral Solidário a favor da
até 26 de outubro até 30 de setembro
APPT21- Associação Portuguesa de Portadores
de Trissomia 21, dia 7 de outubro, pelas 21h. E Próximo Futuro: Arte
8, 9, 10, 15, 16, 17, 22, 23 e 24 de outubro - 21h em Rede – Lugares-entre-lugares Museu Nacional do Traje
11 e 18 de outubro - 16h até 19 de novembro Lg. Júlio Castilho. Tel.: 217 567 620
3ª, DAs 14 h às 18 h ; 4 ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
14 de outubro – 15h (escolas)
E Coleção Anadia | Traje e Acessórios
MUDE - Museu do Design e da Moda
Teatro Municipal de S. Luiz até final de setembro
R. Augusta, 24 . Tel.: 218 88 6 117
R. António maria Cardoso, 38. Tel.: 2132 57 650 3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
D Fica no Singelo E Tap Portugal: Imagem de um Povo Palácio Nacional da Ajuda
Direção e coreografia de Clara Andermatt. até 1 de novembro Lg. da Ajuda. Tel.: 213 620264
6ª E s áB ., 21 h ; D om ., às 17 h 30 E Ricordo di Venezia. Vidros
2 a 4 de outubro de Murano da Casa Real Portuguesa
Museu de Lisboa - Torreão Poente
Terreiro do Paço. Tel.: 217 513 200 até 20 de novembro
Biblioteca Nacional de Portugal 3ª A D om ., DAs 10 h às 20 h E Fotografia Tirée par…
Campo Grande, 83. Tel.: 217 982 000 a Rainha e a Fotografia
E A Luz de Lisboa
E Joaquim Veríssimo Serrão: até 20 de dezembro até 20 de janeiro 2016
uma Vida ao Serviço da História
até 2 de outubro Teatro Nacional D. Maria II
Museu de São Roque
E A Questão do Bom Senso e Bom Gosto Lg., Trindade Coelho. Tel.: 213 235 444 Pç. D. Pedro IV. Tel.: 213 250 800
até 2 de outubro 2ª, DAs 14 h às 18 h ; 3 ª A D om ., 3ª A sáB ., DAs 15 h às 18 h ; 4 ª E Dom .,30 mIN . ANTEs
E Onde os Nossos Livros se Acabam, Ali DAs 10 h às 12 h 15 E DAs 13 h 30 18 h Do INíCIo Dos EsPETáCULos NA s ALA G ARRETT .
Começam os Seus...: O Japão em Fontes E De Roma Para Lisboa: Um E Música no D. Maria II -
Documentais dos Séculos XVI e XVII Álbum Para um Rei Magnânimo a Coleção de Partituras
Exposição que testemunha os primeiros até 25 de outubro até 31 de dezembro
© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:14)
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E Da Coleção - Aquisição Recente: Sequeira, e pelo Coro Lisboa Cantat (coro Museu Municipal
Tacita Dean, Craneway Event Teatro Carlos Alberto Infantil), sob a direção do maestro Jorge Alves. de Vila Franca de Xira
[Acontecimento no Craneway], 2009 R. das Oliveiras, 43. 223 401 900 2 de outubro – 22h R. Serpa Pinto, 65. Tel.: 263 280 350
30 de setembro a 8 novembro T Meio Corpo M Instantâneos E Batalha pelo Conteúdo - Movimento
E Como (…) Coisas que Não Um espetáculo de Ricardo Pais. Pelo Apresentam “Um Dia qualquer” Neo-Realista Português
Existem – uma Exposição a Ensemble - Sociedade de Atores. Versão 3 de outubro – 22h Apresentação do movimento neo-realista
livre de Igual ao Mundo, de Jacinto Lucas M Ricardo Pinto quinteto: português nas suas diversas áreas de
Partir da 31ª Bienal de São Paulo
Pires. Encenação de Ricardo Pais. Inter- Sintra Project – Landscape intervenção disciplinar: literatura, artes
30 de setembro a 8 de novembro
pretação de Emília Silvestre, Jorge Pinto, 9 de outubro – 22h plásticas, música, teatro e cinema.
João Castro, Luís Araújo, Simão do Vale, M Real Companhia exposição permanente
Casa da Música
António Parra e Ricardo Pinto. 11 de outubro – 17h E A Arte no Concelho de Vila
Av. da boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 4ª, àS 19 h ; 5 ª A Sáb ., àS 21 h ; D Om ., àS 16 h
M Bandamóvel Franca de Xira – grandes Obras
até 4 de outubro
Direção artística de António Oliveira. quinta da Regaleira até 25 de outubro
T FIMP no TNSJ:
Direção musical de Paulo Neto. Encenação e Tel.: 219 106 656
Objeto Encontrado Perdido
dramaturgia de Julieta Rodrigues. Interpretação
de António Oliveira, Carlos Adolfo, Gil
Conceito e direção de Igor Gandra,
M Saraus de Ópera Com Jantar
Com Isabel moreira e Angelo martino.
VILA REAL
Carla Veloso. música de michael Nick.
Abrantes, Julieta Rodrigues e Paulo Neto. 6ª E D Om .
Interpretação de Carla Veloso, hernâni Teatro de Vila Real
ESPETáCULO Em DIVERSOS ESPAçOS DA CIDADE DO PORTO 2 de outubro a 15 de novembro – 19h30
miranda, Igor Gandra. Al. de Grasse3. Tel.: 259 320 000
1 de outubro – 10h M Fado Na Regaleira
10 e 11 de outubro – 16h E So Far, So Close
M 6 Releituras de Obras de J. S. Bach Com Isabel moreira.
Orquestra de 100 Flautas, S áb ., àS 18 h Exposição de Cindy Ng.
100 Saxofones e 100 Clarinetes.
Teatro Nacional São João 3 de outubro a 28 de novembro 2 a 30 de outubro
Pç. da batalha. Tel.: 223 401 900 M Jam Swing & Lindy Hop
Pedro Neves - direção musical. T Peter Pan
1 de outubro - 21h T Turandot Encenação e adaptação de Paulo Cintrão. 30 de setembro – 22h30
De Carlo Gozzi. Encenação de João M Ensemble Super Moderne
M Uxia Interpretação de Clemente Samba, Érica
Cardoso. Interpretação de beatriz Rodrigues, Fábio Ferreira, Gonçalo Lima, Joana 2 de outubro – 21h30
2 de outubro – 22h
Frutuoso, bernardo Ribeiro, Daniel
M A Sinfonia da Orquestra Lobo, entre outros. Pela bYfurcação Teatro. M Desidério Lázaro:
barros, Daniela marques, entre outros. 6ª, 16 h ; S áb ., 16 h ; D Om ., 11 h 16 h ;
Pela Orquestra Sinfónica do Porto Casa da música. 4ª, àS 19 h ; 5 ª A Sáb ., 21 h ; DOm ., àS 16 h
àS àS àS E
Subtractive Colors
baldur brönnimann - direção musical. até 11 de outubro 3 de outubro – 21h30
até 11 de outubro
Obras de J. brahms, G. mahler, L. van T Macte Animo M Filipe Teixeira quarteto: Páginas
beethoven, D. Chostakovitch. Conceção e Coordenação de João Cruz Alves. 7 de outubro – 22h30
3 de outubro – 18h Texto Original de João Cruz Alves, Paulo M João Hasselberg: Truth
M Banda Sinfónica Portuguesa SANTIAgO DO CACéM Campos dos Reis. Interpretação de José
Has To Be given In Riddles
Jan Cober - direção musical. henrique Neto, Susana branco, Filipe
8 de outubro – 21h30
Obras de F. mendelssohn, R. Strauss, G. mahler. Museu Municipal Costa, Clara marchana, Filipe Araújo
ou José Redondo, entre outros.
M Alexander Stewart
4 de outubro – 12h Pç. do município. Tel.: 269 827 375
S áb ., 20 h 30; S áb ., 19 h 30 10 de outubro – 21h30
3 ª A D Om ., DAS 10 h àS 12 h E DAS àS àS
M Kari Ikonen Trio e
14 h àS 16 h 30; S áb ., DAS 12 h àS 18 h 3 de outubro a 12 de dezembro
Rodrigo Amado Motion Trio
4 de outubro – 21h
E Dom Frei Manuel do Cenáculo - T Os Lusíadas - Viagem Infinita
Adaptação de Paulo Campos dos Reis.
VISEU
Itinerários por Santiago do Cacém
M Música do Nosso Tempo Encenação e dramaturgia de Paulo
até 26 de maio 2016 Museu Nacional grão Vasco
Johannes Kalitzke - direção musical.
Campos dos Reis e Ricardo Soares.
marisol montalvo – soprano. Adro da Sé. Tel.: 232 422 049
Interpretação de Ricardo Soares.
6 de outubro – 19h30 SãO JOãO DA PESqUEIRA S áb ., D Om . E FERIADOS , àS 17 h
3ª,
DAS
DAS 14 h àS 17 h 30; 4 ª A D Om .,
10 h àS 12 h 30 E DAS 14 h àS 17 h 30
M Márcia até 20 de dezembro
8 de outubro – 21h30 E Entre Deus e os Homens.
Núcleo Museológico do Vinho
M Ciclo Piano EDP: Tel. (info.): 254 310 190
A Arte na Igreja de Viseu
Katia e Marielle Labèque E O Douro da Casa Alvão TOMAR Exposição do Departamento
dos bens Culturais da Diocese de
Obras de m. Ravel e I. Stravinski. até 27 de dezembro
Viseu e museu Nacional Grão Vasco.
9 de outubro – 21h Convento de Cristo
até 18 de fevereiro 2016
M Vetusta Morla Igreja do Castelo Templário. Tel.: 249 313 481
9 de outubro – 23h SINES T ODOS OS DIAS , DAS 9h àS 18 h 30
M Rodrigo Maranhão & António Zambujo E Erosão Teatro Viriato
Centro de Artes de Sines Exposição de Rui horta Pereira, que Lg. mouzinho de Albuquerque. Tel.: 23 2480 110
10 de outubro – 22h
R. Cândido dos Reis. Tel.: 269 860 080 coloca em diálogo objetos obsoletos com 2ª A 6ª, DAS 13 h àS 19 h E Em DIAS DE ESPETáCULO
M Opostos Bem Dispostos
T ODOS OS DIAS , DAS 14 h àS 20 h matérias nobres do Convento de Cristo. E Viseu A…
Texto de Eugénio Roda. Encenação
de Joana Providência. Interpretação E Ignoto até 22 de novembro Não Tropeçar na Cultura
Projeto expositivo de Carlos No e Pedro Exposição de fotografias de José Alfredo.
de Anabela Sousa e Paulo mota.
Valdez Vasconcelos repartido entre o Centro até 19 de dezembro
música original e interpretação de Sofia
Nereida, Tiago Carvalho e Tiago Oliveira. de Artes e o Centro Cultural Emmerico Nunes. TORRES NOVAS T Um Inimigo do Povo
11 de outubro – 10h, 11h30 e 16h até 25 de outubro De henrik Ibsen. Direção de Tónan Quito.
M Myles Sanko | Incognito Teatro Virgínia Versão cénica e interpretação de Filipa matta,
Lg. José Lopes dos Santos. Tel.: 249 839 300 Isabel Abreu, João Pedro Vaz, miguel Loureiro,
11 de outubro – 21h SINTRA T Misterman Pedro Gil e Tónan Quito.
M Prémio Jovens Músicos/
Texto de Enda Walsh. Tradução de Nuno 2 e 3 de outubro – 21h30
Antena 2: Trio Portucale quinta da Regaleira Ventura barbosa. Encenação, interpretação T Meio Corpo
Obras de J. S. bach, W. A. mozart, Nuno da Rocha. Tel.: 219 106 656 e versão cénica de Elmano Sancho. Um espetáculo de Ricardo Pais. Versão livre
13 de outubro – 19h30 D Narrativa Interior 3 de outubro – 21h30 de “Igual ao mundo” de Jacinto Lucas Pires.
Coreografia de Clara marchana. Interpretação Produção Ensemble – Sociedade de Atores.
Casa da Música de ángela Diaz Quintela, Clara marchana, 5ª A Sáb ., àS 21 h 30; D Om ., àS 16 h
Av. da boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 António Torres e Tiago Correia. VILA FRANçA DE XIRA 8 a 10 de outubro
P Babysitting Musical 6ª E S áb ., àS 19 h
Workshop para crianças dos 3 aos 10 anos. até 31 de outubro Museu do NeoRealismo
3 de outubro – 18h R. Alves Redol, 45. Tel.: 263 285 626
P Bebé Waka Centro Cultural Olga Cadaval 3 ª A 6 ª , DAS 10 h à S 19 h ; S áb ., DAS
Workshop de primeiros sons para crianças Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro. Tel.: 219 107 110 15 h àS 22 h ; D Om ., DAS 11 h àS 18 h
dos 0 aos 23 meses (10h30); dos 2 aos M Carmina Burana E Mostra de Escultura do Acervo Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
3 anos (11h45) e dos 4 aos 6 anos (15h). Pela Orquestra de Sopros e Percussão do do Museu do Neorrealismo Tel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 832
4 de outubro CRAm, sob a direção do maestro Francisco até 26 de março 2016 relacoes.publicas@gepac.gov.pt
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