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Ensaio de Peter Stilwell. Texto de Luís Cardoso. Quatro cartas inéditas do escritor para Ruben A. PÁGINAS 7 A 10
Miguel Gomes
em As Mil e Uma Noites
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2* destaque jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
› b r e v e e nc o n t ro ‹
“
fado, claro. Sobretudo fadistas e músi-
cos acompanhantes da região. Queremos
proporcionar um espaço, no âmbito do
Gustave Doré, esta produção da companhia de Sines, dirigida
festival, que se assemelhe a uma taberna por Julieta Aurora Santos, tem encenação e dramaturgia de Steve
da Mouraria ou de Alfama. Para passar a
ideia de que o fado, apesar de ter nascido O Crato é uma Johnston. Antes da apresentação no programa algarvio passou,
em Lisboa, é nacional. Ouço cantar o fado festa que se faz em digressão, por várias cidades portuguesas.
com grande paixão do Minho ao Algarve,
de Lisboa ao Crato. todos os anos
numa região
O ecletismo foi sempre uma marca do MANUEL CRUZ E FESTIVAL DE celebrar em particular MIGUEL REAL
festival, assim como a mistura entre o deprimidíssima ANGEL OLSEN VIDEOARTE EM a videoarte portuguesa, E ANTÓNIO
tradicional e o moderno. do país, mas LISBOA das propostas históricas CARLOS CORTEZ
Sem dúvida. Exemplo disso são também Manuel Cruz e Angel Olsen às contemporâneas, no
os três dias que antecedem o festival, que se esforça apresentam-se em dois con- Ernesto de Sousa, cruzamento do vídeo, Por lapso, na nossa
em jeito de 'aquecimento': a 23, temos para manter a certos no Manta, a 4 e 5 de se- um pioneiro que nos da performance e do última edição, n.º 1170,
o habitual concerto da Filarmónica do
Crato; a 24, um tributo a Ramones; e a 25,
cabeça à tona tembro, nos jardins do Centro
Cultural Vila Flor (CCVF),
anos 70, organizou o
primeiro acontecimento
cinema, a par da seleção
de projetos feita a partir
de 5 de agosto, dois
textos não foram assi-
Anselmo Ralph. O Crato é uma festa que da água em Guimarães. O músico de videoarte no nosso da open call Fuso. nados. O de Miguel Real,
se faz todos os anos numa região deprimi- português vai misturar canções país, é o homenageado Serão apresentadas obras integrado no tema sobre
díssima do país, mas que se esforça para dos seus vários projetos e da edição deste ano e artistas da América do o romance históricos,
manter a cabeça à tona da água. inéditas, num espetáculo a que do Fuso, o festival Norte e do Sul, da Europa e o de António Carlos
chamou Estação de Serviço, de videoarte que irá e do Médio Oriente. As Cortez, sobre a reedição
Qual a sua importância para a região? entre o caminho passado e o decorrer de 25 a 30, sessões realizam-se na de dois livros de Nuno
Além de ser um prazer fazê-lo, é também uma ferramenta para futuro enquanto que a cantora, em vários jardins e Travessa da Ermida, a 25, Júdice. Ainda na mesma
mostrar o Crato ao país e para estimular a economia local. Nestes guitarrista e compositora claustros de museus, na Praça do Carvão do edição e também por
dias, a vila transforma-se numa espécie de centro cultural do norte-americana promete em Lisboa, envolvendo Museu da Eletricidade, lapso se escreveu que em
norte do Alentejo. É muito importante: faz subir o ego da popu- conquistar o público com o seu criadores, curadores a 26, no Jardim do 2015 se comemorava aos
lação do Crato e dos concelhos limítrofes; e a economia local só charme discreto e as canções internacionais, Museu do Chiado, a 27, 100 anos da morte de
tem a ganhar pois durante o festival o Crato fica com o quíntuplo do segundo albúm Burn Your colecionadores e no Claustro do Museu Roland Barthes, quando
da população. Há uns anos, estiveram cá os Scorpions e não estava Fire for No Witness, lançado em especialistas nesta Nacional de História na verdade se trata do
previsto passarem cá a noite, mas tiveram que ficar então era pre- 2014 e aclamado pela crítica, linguagem artística. Natural e da Ciência, a nascimento, como o tex-
ciso alojá-los. Não arranjei sítio! Ficaram fora de uma unidade ho- que a projetou decisivamente.A A ‘carta branca’ aos 28, no Jardim do Museu to de Maria Alzira Seixo
teleira porque não havia vagas. Estava tudo esgotado, de Santarém edição deste ano do Festival artistas nacionais foi Nacional de Arte Antiga, bem sublina. Aos visados
a Elvas, passando por Portalegre, Castelo Branco, Évora. Imagine o Manta abre a temporada e o dada desta feita a a 29, e no Claustro do e aos leitores, as nossas
impacto que isto tem na economia da região. Não é só o Crato que programa de comemorações Miguel Palma, numa Museu da Marioneta, desculpas.
beneficia com o festival. Somos todos.J CAROLINA FREITAS L dos dez anos do CCVF. programação que procura a 30.
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
destaque * 3
¶ Toda a filmografia do
realizador francês, Jacques
Moderna, de 1967
(26 e 30 de agosto, 4 e Albano Nogueira,
por exemplo…
Tati, seis longas metragens 10 de setembro, em Lisboa,
e sete curtas, que realizou e 6, 11 e 17 de setembro, no
ou interpretou, em cópias Porto); Trafic - Sim, Sr. Hulot, de
digitais, restauradas, num 1971 (20 de agosto, 2, 5 e 11 de
D
ciclo que arranca já amanhã, setembro, em Lisboa, e 1, 12, 18
quinta-feira, 20, no Espaço e 23 de setembro, no Porto); e
Nimas, em Lisboa, e começa Parade, de 1974, a última longa- urante largos anos o JL não fugiu à regra e nas suas duas ou
a 1 de Setembro, no Teatro metragem (21 e 27 de agosto, 6 e três edições de agosto tinha sempre pelo menos um Tema
Municipal Campo Alegre, 15 de setembro, em Lisboa, e 3, relacionado com verão e férias. Entretanto, mudamos de
no Porto. Promoviddo pelas 8 e 16 de setembro, no Porto). critério. Por várias razões, entre elas a da chamada rentrée
distribuidoras Leopardo e Quanto às curtas numa ocorrer cada vez mais cedo. Expressivo exemplo disto
Medeia Filmes, permite (re) sessão vão passar seis (25 mesmo é a próxima estreia, já a 27, do muito aguardado –
ver a obra de um cineasta e 28 de agosto, 7 e 13 de e aplaudido vários festivais – novo filme de Miguel Gomes, As Mil e uma
fundamental da História setembro, em Lisboa, e Noites. Um filme em três “volumes”, que confirma a qualidade e grande
do Cinema, pela primeira 2, 14 e 19 de setembro, no criatividade do cineasta. Já tive oportunidade de o(s) ver e sublinho a sua
vez na íntegra, no nosso Porto): realizadas por Tati, a poderosa e multifacetada riqueza na abordagem da nossa atualidade, atra-
país, e o clássico Sr. Hulot, a inicial A Escola de Carteiros vés do real e do “irreal quotidiano” (para citar Zé Gomes Ferreira), reco-
personagem que criou e através e Força, Bastia, perdida mendando-o vivamente aos leitores. E, óbvio, não podíamos deixar de lhe
do qual critica e satiriza as durante anos e recuperada dar o devido destaque. Entre outras matérias em destaque, cito a entrevista
mudanças sociais e culturais pela filha, Sophie Tatischeff, com Nélida Piñon e o texto de Inês Pedrosa a seu respeito. E saliento duas.
dos tempos modernos. que assina Especialidade A primeira sobre Ruy Cinatti, no centenário do poeta com uma voz muito
Serão exibidos Há Festa na da Casa, também incluída própria e com uma vida singular, em que Timor teve enorme relevância. O
Aldeia, de 1949, uma comédia no programa; e com a que representaram a sua obra e figura afere-se bem pela alta conta em que
emblemática do universo de interpretação do cineasta, o tinham uma Sophia e um Jorge de Sena, que lhe dedicaram poemas, ou
Tati, (22 e 31 de agosto, 3 e 12 de Procura-se Brutamontes, de um Ruben A., destinatário das cinco cartas inéditas suas que publicamos.
setembro, em Lisboa, e 7, 13 e 22 Charles Barrois, Domingo A segunda exigiria muito mais espaço do que disponho para dizer quem
de setembro, no Porto), numa Animado, de Jacques Berr, e foi Albano Nogueira (AN). Colaborador regular, o mais jovem, da famosa
sessão antecedida da curta As Cuida do teu Gancho Esquerdo, Presença, dirigiu depois, com Miguel Torga, outra revista, Movimento, e
Aulas Noturnas; As Férias do Sr. de René Clement. foi colaborador também de O Diabo, tendo estado preso pela polícia polí-
Hulot, de 1953, filme de ‘estreia’ Ainda no âmbito do ciclo tica da ditadura (ao mesmo tempo que Fernando Lopes-Graça, seu amigo)
do célebre protagonista (23 de estará patentem, no Espaço durante três meses. Crítico, ensaísta, tradutor, autor de um romance,
agosto, 1, 9 e 14 de setembro, Nimas, uma exposição com AN, licenciado em Direito em Coimbra, viria a conseguir mais tarde ser
em Lisboa, e 4, 9 e 20 de cartazes feitos por ilustradores admitido na carreira diplomática. Colocado em vários países (foi ele que
setembro, no Porto); O Meu portugueses para as longas- comprou em Tóquio os raros biombos de Nambam hoje no Museu das
Tio, de 1958, distinguido com metragens do cineasta francês. Janelas Verdes) foi, por exemplo,
“
o Gramde Prémio de Cannes São originais que reintreprem cônsul em Nova Iorque e membro
e o Óscar para melhor filme as imagens de marca de Tati de da primeiro Missão de Portugal no
estrangeiro (24 e 29 de agosto, André Letria, Marta Monteiro, ONU (1955). Só com o 25 de Abril,
8 e 16 de setembro, em Lisboa, Madalena Matoso, Sara-a- porém, foi designado para lugares
e 5, 10, 15 e 21 de setembro, Dias, João Fazenda e Catarina de ‘topo’ na carreira.
no porto); Playtime - Vida
JacquesTati Todos os filmes nas salas
portuguesas Sobral. J
Um texto que dá um Homem de espírito, tão discreto
bom contributo para o como culto e avesso a mundani-
conhecimento de uma dades, foi ‘desaparecendo’ dos
radares, após ter voltado à (boa)
Helena Almeida final dos anos 60 e tem mostrado o seu
trabalho regularmente tanto no país como
das facetas de Salazar, crítica na Colóquio-Letras, a con-
e que vale por si, pela vite de Luís Amaro, cujo livro de
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4 * destaque jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
› breves‹
Lamego, Valada e Crato visuais, o Cinema Reverence
apresenta documentários e
filmes durante os três dias do
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
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Prémio INCM/
Vasco Graça
Moura
O Prémio INCM/Vasco Graça Moura presta homenagem à figura exemplar do cidadão, intelectual e an-
tigo administrador da INCM, responsável pelo pelouro editorial. O galardão, de periodicidade anual, distinguirá
obras inéditas nas áreas onde o autor se destacou, nomeadamente na Poesia, no Ensaio e na Tradução. Em 2015,
na sua edição inaugural, serão admitidos a concurso trabalhos inéditos no domínio da Poesia, apresentados entre
15 de julho e 15 de setembro, avaliados pelo seguinte júri: José Tolentino de Mendonça, Jorge Reis-Sá e Pedro
Mexia. Além do valor pecuniário de 5000 €, o Prémio contempla ainda a edição da obra vencedora numa cole-
ção emblemática da INCM, criada na década de 1980 por Vasco Graça Moura – a coleção Plural. A obra ven-
cedora e possíveis menções honrosas serão anunciadas até 30 de setembro deste ano. O Prémio INCM/Vasco
Graça Moura dá continuidade à missão da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, enquanto editora pública,
de promover e preservar a língua e a cultura portuguesas, valorizando o melhor da produção literária inédita.
hTTPS://www.INCM.PT/PORTAl/VGM_PREMIO.JSP
www.fACEbOOk.COM/PREMIOVGM
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6 * destaque jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
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letras * 7
› R u y C i nat t i , 1 0 0 a no s ‹
06-08-18 21:16 Poucas vezes um território de adoção terá marcado tão indelevelmente uma poética. Português, nascido em Londres,
a 8 de março de 1915, Ruy Cinatti encontraria em Timor um país para a sua poesia, paisagem e cultura, da agricultura
à arquitetura, passando pela antropologia e literatura, que o cativou por inteiro, durante os muitos anos que lá viveu
e trabalhou como funcionário da administração colonial. Mas o poeta nómada tem uma voz do mundo, uma das obras
mais importantes da poesia portuguesa do século XX. O JL evoca-o, no centenário do seu nascimento, com textos de
Peter Stilwell, reitor da Universidade de S. José, em Macau, professor associado da Faculdade de Teologia da Universidade
Católica Portuguesa, de que foi vice-reitor, e responsável pela investigação e publicação do espólio literário e científico de
Cinatti, e do escritor timorense Luís Cardoso. Publica ainda quatro cartas inéditas a Ruben A. e recorda dois poemas e o
início de outro de Sophia de Mello Breyner Andresen
A poesia de um nómada
na Terra!" Está nisto o primeiro
esboço da sua aventura poética.
Não por acaso, escolheu para
epígrafe desta sua primeira obra
os versos de Alain Fournier:
"Derrière chaque paysage, je sens
le/ paysage de mon paradis".
A relação com o pai era
bem menos pacífica. António
A
Peter Stilwell Monteiro Gomes agradece
o livro mas informa-o,
laconicamente, que de imediato
lhe deu como destino a lareira.
Pretendia que o filho seguisse
o avô materno e ingressasse na
Marinha, mas Cinatti, avesso
à disciplina e apaixonado pela
vida ao ar livre, optara por
Agronomia. Mais agastado
estava agora o pai ao vê-lo
desperdiçar tempo de estudo
com longas caminhadas, a
envolver-se no grupo de poetas
A Escola Portuguesa Ruy Cinatti dos Cadernos de Poesia, e a
tentou trazer-me a Timor, em preferir o apelido da mãe nesses
março, para a sessão pública "devaneios literários".
que assinalou o centenário do Mas Cinatti não desiste. Um
nascimento do poeta. Mas não foi ano depois, publica o segundo
possível. Recebi, pouco depois, livro de poemas, Anoitecendo a
um convite do gabinete do Vida Recomeça (1942), e lança a
primeiro-ministro para intervir revista Aventura. No editorial
no II Fórum da Sociedade Civil programático da revista revela
da CPLP, em julho, com uma as raízes católicas do seu
palestra sobre "Ruy Cinatti: para projeto. Há anos que integra a
um desenvolvimento sustentável, Juventude Universitária Católica
integrando a cultura local", a que e acompanha o fermento cultural
se seguiu, no contexto da Feira que atravessa o laicado católico
do Livro, uma conferência no europeu, com repercussões na
Arquivo e Museu da Resistência arte, na literatura e na política.
Timorense sobre a "premência da Ruy Cinatti "Pouco escrevi em Timor. Eu não necessitava porque ela existia ali à mão" O continente é epicentro de uma
reedição" da sua obra poética e conflagração mundial, mas há
científica. quem confie no futuro e sonhe
“
É pelo menos inesperado erguer dos escombros uma nova
que uma antiga colónia, hoje de 1915. O pai, António Vaz seu primeiro livro de poesia, civilização. Essa é a "aventura"
justamente orgulhosa da sua Monteiro Gomes, estava em Nós não somos deste Mundo entrevista por Cinatti. Remetendo
independência, dedique tanto França, na Força Expedicionária, (1941) com um texto em prosa para Peguy, Eliot e Maritain,
afeto a quem foi membro da e a mãe, Hermínia Celeste Cinatti, "À memória de minha Mãe". Numa das passagens propõe-se associar a revista a "um
administração colonial. E o recolhera à casa paterna nos O olhar de Hermínia Celeste, processo de integração espiritual
interesse parece não partir só últimos meses da gravidez. O revisitado numa fotografia,
por Timor realiza (…); uma cidadela fundamentada
de alguns dirigentes. As alunas avô paterno, Demétrio Cinatti, desencadeou uma torrente de pactos de sangue na Amizade. (…) uma obra de
de Educação da Universidade
Nacional de Timor, que nos
capitão-de-mar-e-guerra, fora
comandante da polícia do Porto
emoções difusas: "Há imagens
que se deixam continuamente
com dois liurais humanismo, de humanismo
integral".
serviram de guias, vencida a de Macau e terminava agora nos retratos; há retratos através - rito que explica em Em breve, porém, o
timidez inicial, quiseram logo uma carreira consular no posto dos quais as imagens se sucedem parte a aceitação entusiasmo do poeta depara
saber se era eu, realmente, o autor de cônsul-geral de Portugal, na e transfiguram continuamente". com resistências, que não as
"do livro sobre Ruy Cinatti". capital britânica. Quando procura a "essência" dos que Ruy Cinatti tem familiares. Crescem as suspeitas
Ruy Cinatti Vaz Monteiro A morte da mãe, em Lisboa, seus sentimentos, é levado "para hoje no país das autoridades quanto ao
Gomes, funcionário colonial, dois anos depois, deixou marcas longe, fora dos tempos, fora do rumo da revista e afastam-
silvicultor, antropólogo e poeta, fundas no filho, como era natural. mundo das coisas terrenas", para se, discretamente, os amigos
nasceu em Londres a 8 de março Não por acaso, Cinatti abre o "o meu desejo de amor, a minha que a financiavam. No final da
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8 * letras RUY CINATTI jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt RUY CINATTI
letras * 9
3) os que comentam ou pretendem
intervir nas circunstâncias políti- INÉDITOS compreendo - compreendo - a
razão porque falas do espetáculo
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1o * letras RUY CINATTI jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ENTREVISTA
letras * 11
Q
são pequenas coisas que emenda ou
Maria Leonor Nunes que durante uma década deu aulas corta?
de literatura na Universidade de Não. As pessoas normalmente
Miami, vive numa roda viva de cortam nas revisões, eu acres-
viagens e muitas conferências na cento. No caso de A República
América Latina e um pouco por dos Sonhos, fui acrescentando,
todo o mundo. Confessa-se, de desenvolvendo detalhes que iam
resto, uma Xerazade, sempre a ficando para trás. Porque o livro
contar histórias para viver. Tem também ensina o escritor, diz o
mais romances e contos iniciados, que falta, como precisa viver. Só
narrativas que escreve sempre a li todo o romance quando acabei
partir do “muito que sabe”, diz, a quarta versão... Tinha tudo na
“pelo muito que viveu e que lhe memória e não quis ler os primei-
contaram”. ros originais, porque pensei que
deixaria de ser a escritora para
Quem ouviu o seu célebre discurso JL: Uma das suas personagens de A ser a Nélida pessoa. A tendência
quando, em 1996, tomou posse República dos Sonhos adverte outra é corrigir, controlar a ficção. Não
como presidente da Academia que ela deve sempre desconfiar das o queria fazer, mas manter o lado
Brasileira de Letras - e foi a primei- palavras. Segue esse conselho? explosivo da criação.
ra mulher a presidir a essa secular Nélida Piñon: A ideia é dar outro
instituição - confirmou que ela tem vigor poético às palavras, porque UMA COLHERADA
o dom da oratória. E se dúvidas elas são traiçoeiras, mas também DE HISTÓRIAS
houvesse, ainda recentemente na redimem. A paixão pela palavra A Nélida pessoa tenta controlar a
conferência que deu em março ao está vigorosa em mim, jamais escritora?
assumir a cátedra José Bonifácio, esmoreceu. A desconfiança é no Não. Sou escritora 24 horas por
na Universidade de São Paulo, sob sentido de aperfeiçoá-la, de fazer dia… E estou já condicionada a
o signo do “Imaginário ibero-ame- com que diga muito mais do que uma mirada de escritora quando
ricano”, por certo se dissipariam. diz em primeira instância. ando pela rua. Evidentemente,
“Sou muito discurseira”, confessa não ponho tudo dentro da minha
rindo. Desconfiar é então o trabalho dos narrativa., mas a vida para mim é
Porém, não lhe foi dado apenas escritores? uma produção de arte. E sou uma
o privilégio de falar em público É. Porque se a palavra é bana- grande aprendiz.
com desembaraço e eloquência. O
“
dom de Nélida Piñon é da palavra. Aprende com o que vê?
Inteira, voz e “escritura”. Não será Sei pelo que vejo e pelo que me
pois de estranhar que uma simples contam. Por outro lado, viajo
conversa com a escritora brasileira muito, mas não sou de contar
seja um rico enredo, uma inespe- O sonho era construir o que vi nas viagens. Nada me
rada tessitura de imagens e ideias. uma obra importante, pode desagradar tanto. É como
Parece ter sempre um aforismo na se os saberes e as experiências
ponta da língua, uma prontidão entender o significado que vivo ficassem embutidos em
poética na resposta. Daí que para da literatura na minha mim e com o tempo é que os vou
ela uma entrevista seja uma “obra contando. Dizem que sou uma
de criação”. Com a “naturalidade
vida e descobrir os seus Xerazade.
da experiência e da coragem”, de Nélida Piñon “A paixão pela palavra está vigorosa em mim, jamais esmoreceu” mistérios
“ousar" sempre dizer o que sente e Essa é uma personagem no seu livro
pensa, “sem medir as consequên- As Vozes do Deserto. Porquê?
cias”, adiantava ao JL. Assim foi, na Sempre me seduziu muito. A mi-
longa conversa que deixou correr Nélida Piñon, 77 anos, li- com A Republica dos Sonhos, que lizada, tem que ser explorada nha mãe morreu em 1998, mas uns
naturalmente pelo seu “destino cenciou-se em jornalismo, mas este ano faz 30 anos, editado no noutro sentido. Sempre pensei que anos antes começou a ter proble-
narrativo”, do primeiro ao último nunca quis ser outra coisa a não nosso país pela Temas e Debates, quanto mais trabalhasse a palavra, mas de saúde graves. Fiquei todo
livro, quando passou por Lisboa, ser escritora, uma “aventureira” que veria a sua identidade literária sem a asfixiar, mais me aproxi- o tempo com ela no hospital e um
a caminho de Espanha, onde foi das letras, uma “Simbad” sempre consagrada. O romance é uma me- mava do seu verdadeiro rosto. dia, vendo ali aquela mulher que
receber mais um prémio, o El Ojo a navegar pelos mares do mundo e táfora do Brasil, uma saga que parte Evidentemente, se a trabalhar de amei tanto, tive uma revelação e
Crítico Ibero-americano, a somar da ficção. Estreou-se em 1961, com da emigração espanhola para aquele mais também se torna artificial. pensei que ela tinha sido para mim
ao Jabuti, ao Príncipe das Astúrias, Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, a país e que se confunde com a sua uma Xerazade.
ao Juan Rulfo de Literatura Latino- que se seguiu mais de uma dezena própria história, já que, nascida no Por isso faz tantas versões dos seus
Americana, ao Ibero-Americano de livros, entre os quais Livro das Rio de Janeiro, em 1935, ela é filha e romances? Porquê?
de Narrativa Jorge Isaacs e a muitos Horas, Coração Andarilho, Aprendiz neta de galegos, que demandaram Sim. Quando faço por vezes Hoje eu adoro comer, mas quando
outros. Pena que não tenha ainda de Homero, A força do destino, A doce a terras brasileiras nos anos 20 do seis, sete versões, estou em era pequena fugia de comida,
no seu palmarés o Camões, lamen- paixão de Caetana, O calor das coisas. século passado. busca do que a palavra quer porque tinha um problema de
ta, tão grande é o seu “amor” à O último, A Camisa do Marido, saiu Tomando desde cedo a vida dizer e que eu não sei no saúde. A minha mãe vinha atrás
Língua Portuguesa. há alguns meses no Brasil. Mas seria literária como profissão, Nélida, primeiro instante. de mim com o pratinho, mas eu
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12 * letras ENTREVISTA jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
fechava a boca. Até que um dia ela obra importante, entender o a um partidarismo meu. Dou Porquê? período desenvolvi uma imagina-
teve a ideia de contar uma história significado da literatura na chance aos dois lados. Mas Quando é de grande estatura é um ção extraordinária. E até hoje não
e eu comi. Só continuava na sopa, minha vida, saber se estaria sou feminista e claro que nos género superior. Porque a socie- vivo sem o meu canivete. O mundo
quando ela avançava na narrativa. apta a corresponder ao que meus romances há uma leitura dade está lá dentro. Não se trata de rural é para mim um certo símbolo
De certa maneira introduziu-me a se exige de um criador. E ao intensa do papel da mulher na uma voz individual, mas arquetípi- de felicidade que o mundo urbano
magia da história. mesmo tempo, que a arrogância História. ca. Mesmo quando uma única voz não me dá.
é daninha, que devia tentar fala no romance é sempre coletiva.
Fez primeiro um curso de acercar-me da literatura Nesse seu último livro, A Camisa Essa a sua força. E por isso, po- Porquê?
jornalismo, mas praticamente só com comedimento apesar da do Marido, reúne uma série de de-se ler D. Quixote na China. A É estranho, porque sou uma
fez um estágio, e optou por ser exaltação, tentando sempre contos em que a protagonista grande literatura tem que ter essa mulher urbana, dos grandes
escritora profissional, uma ideia descobrir os seus meandros e é a família. Corresponde dimensão universal, polissémica e centros, mas o meu ideal de
que hoje já é corrente, mas na mistérios. Porque é sempre um ao seu olhar sobre as relações multiplicadora. felicidade é uma casa de pedra
altura não seria comum. enigma. familiares? no campo. Na verdade, gosto
Nesse tempo realmente não era A família como uma grei, uma O que a levou a escrever A do mundo arcaico. Como
hábito. Mas comecei logo a procla- A República dos Sonhos foi de resto nação, um núcleo de todas as República dos Sonhos? costumo dizer, aliás, não se
mar-me escritora. Sempre adorei o romance da sua consagração. É neuroses e benesses. Como Foi como pagar um tributo ao pode ser contemporâneo, sem
dizê-lo e tenho uma espécie de assim que o vê à distância de 30 fugir da família. Ela nos faz, Brasil. É a tentação do romance se ser arcaico. Tenho uma certa
orgulho moral em sê-lo. anos? nos forja. Para o bem e para o totalizante, uma ‘suma teológica’ fidelidade às origens. Vi com o
Fico espantada como fiz esse mal. Mas o livro também tem da minha estética. Pensei desde o tempo como isso me fortalece.
Desde muito cedo que o quis ser? livro há já tanto tempo. Mas outros três pilares: Camões, início que devia precisamente gra- Posso andar por todo o mundo,
Desde menina. Quando teve um papel muito importante sendo o conto A Desdita da vitar em torno do modo como vejo mas sei de onde venho. Talvez por
ficávamos num hotel e o meu na minha carreira, me ajudou Lira, o que o encerra, Carlos V o país. Quis um pouco ir às suas isso muita gente diz que a grande
pai preenchia a ficha pedia muito. É bom que as pessoas e Cervantes. fundações, sendo ao mesmo tempo ´epopeia galega' é A República dos
sempre para ele dizer que eu era uma análise de dentro e de fora. Sonhos. E não foi um galego, mas
escritora… Ainda muito criança, Primeiro, fui tentada a fazê-lo a uma brasileira que a criou.
pegava numas folhinhas de partir de famosos viajantes, depois,
papel e escrevia historiazinhas, percebi que a figura mais interes- FEIJOADA COM HOMERO
depois costurava-as, e sante para se acercar do Brasil, Reconhece a importância
vendia esses livrinhos. Eram com essa visão, era o emigrante, particular de alguma influência na
exemplares únicos que o meu um utópico. sua voz narrativa?
pai comprava… Sou uma apaixonada por Machado
Como? de Assis. Costumo dizer que se
E o que a levava a escrever? Gosto de pensar numa utopia em ele existiu, o Brasil é possível. Mas
O quotidiano era pouco. Os livros termos quotidianos. Cada um tem o importante para um criador é
que ia lendo, pelo contrário, eram o seu sonho. O emigrante não aceitar todas as provocações esté-
fascinantes. Há quem diga que queria apenas ganhar o seu dinhei- ticas. Não pode estar alheio a nada.
a narrativa é muitas vezes mais rinho, sobreviver, mas criar uma Como dizia Terêncio: “Tudo o que é
interessante do que a vida. pátria. Atravessou o Atlântico e humano me diz respeito”.
perdia um pedaço do coração para
Também acha? ganhar outros corações. E trazia Bom, e os clássicos sempre tiveram
Não. Mas sempre quis perseguir condimentos novos, muita cultura, uma influência forte na sua
esse prazer da narrativa. E pensava mesmo sendo um pobre emigran- literatura.
que os autores tinham vivido tudo Rio de Janeiro e o Brasil de Nélida "Não nos podemos privar da história. Contar tezinho galego ou português. Até hoje, tenho paixão por
o que contavam. Então, eu tam- faz parte da sedução do mundo" Homero. E sou doida pelos gregos.
bém queria viver tudo, queria ser UM CANIVETE NA SACOLA
“
Simbad, que eu adorava. A maravi- Levou muito tempo a escrever a Chamou justamente Aprendiz de
lha era para mim a ideia de jamais República...? Homero a um dos seus livros.
dormir uma segunda noite sob o continuem a relê-lo. Mas tenho Dois anos, trabalhando 17, 18 horas E nele digo que adoraria ter
mesmo teto. outros livros que ainda não por dia, sábados e domingos. Uma Homero a comer uma feijoada na
foram ‘lidos’ como A Casa da fúria, uma paixão impressionante. minha casa… São realmente mar-
Andar pelo mundo sem parar para o Paixão, que o vosso Almeida Quando o romance é cas indeléveis da nossa civilização.
poder contar? Faria considerou um dos mais de grande estatura, é Na infância, fez uma longa viagem Mesmo que nunca tenha ouvido
Claro. Sou um destino narrativo. belos poemas eróticos da Língua até à Galiza e viveu lá algum falar de Homero, ele está na sua
Não podia ter sido outra coisa a não Portuguesa. um género superior. tempo. Foi importante para a vida, na fundação da sua novelinha
ser escritora. Porque a sociedade criação desse romance? privada, da maneira como a conta.
Por que acha que não foi ‘lido’? Importantíssimo. À medida que fui A verdade é que quando queremos
E tem viajado muito como sonhava. Quando saiu havia ainda um Brasil
está lá dentro. A voz é escrevendo, lembrava-me de tudo. seduzir alguém, contamos-lhe um
Sim. De mais. Outro dia, até dei muito acanhado e era escrito por sempre coletiva Foi talvez a experiência mais forte episódio que nos aconteceu cinco
comigo a pensar que tinha que ter uma mulher, o que faz a diferença da minha vida. Porque houve uma minutos antes. Não nos podemos
coragem para começar a parar.. na avaliação. Tenho a impressão enorme concentração de sensa- privar da história.
Ando sempre de um lado para de que muitos dos meus textos do ções, de vivências.
o outro e às vezes me dá uma passado vão ser de novo avaliados. Nele volta ao conto: é um formato Em que sentido?
saudade da minha casa e dos meus que exige uma relação diferente de Guarda alguma recordação especial? Como podemos chegar junto de
cachorrinhos. Estavam de alguma maneira à frente escrita? Desfolhar as espigas do milho. alguém e não lhe contar nada?
do seu tempo? E foi bom ter voltado. As Quando aparecia algum verme- Não adianta ser bonito, levar um
Gosta de cães? Sim. Não eram aceites e pessoas gostavam dos meus lho, tínhamos direito a roubar um bocado de queijo... tem que ser
Nunca pensei que iria amar tanto compreendidos, além desse contos. Diria que implicam uma beijo… Não esqueci nada. De algum queijo e um verbo. Contar faz parte
bicho. Eu que sempre fui uma erotismo, também por uma maneira diferente de narrar, modo, foi uma viagem iniciática. da sedução do mundo.
aventureira, em amores e tudo. E certa violência que existe em concentrando o tempo num Nessa altura, o meu pai mandou
de repente, tenho uma paixão por alguns dos meus contos. Por espaço limitado. É difícil por fazer uma sacolinha de couro e É reconhecidamente uma grande
estes dois cachorros. Olho para exemplo, no meu último livro, exemplo alimentar o conto com deu-me um pequeno canivete, contadora de histórias.
eles e sinto uma ternura extraordi- em que há um de uma grande muitas personagens. que era para mim um símbolo de Às vezes, pergunto-me se será
nária. Talvez esse amor por bicho crueldade e de uma mulher, o soberania. Com ele, cortava as fru- por vaidade, para comprovar
se acentue em face da crueldade que não é comum. Já nos seus romances, existe uma tas, os arbustos. Lembro-me que o tanto que vivi… Mas penso
humana a que assistimos. multiplicidade delas. Na República, ia sozinha para o monte e levava a que é sobretudo porque quero
O seu olhar feminista reflete-se no umas 16… sacola com um pouco de queijo e homenagear o outro, contando o
DESCOBRIR O ENIGMA que escreve. Um verdadeiro painel. Aliás, de pão escuro, pois na altura havia que vi, as personagens fascinantes
Em A República dos Sonhos a Sim, não de uma forma o meu primeiro conto também uma grande miséria por causa da que conheci. Também os nossos
certa altura diz-se que um sonho é politizada. É preciso dissolver era polifónico, com seis ou sete Guerra. Ficava horas sozinha lá mortos. Quando falo de um Juan
qualquer coisa que se pode construir essas ideias na narrativa. vozes, só que é difícil controlá- em cima com as vacas da mi- Rulfo, de um Carlos Fuentes, de
como um barco. Como tem levado o As minhas personagens las em tão pouco espaço. Mas nha avó. E não tinha medo, nem um Machado de Assis não me
seu ‘barco’ literário? masculinas também são a minha paixão sempre foi o quando começava a ouvir os uivos interessa apenas as suas obras,
O sonho era construir uma muito fortes, não sucumbem romance. dos lobos. A verdade é que nesse mas os seres maravilhosos que
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ENTREVISTA, CRÍTICA
letras * 13
foram. Por exemplo, Clarice preciso buscar a linguagem
Lispector e tantos outros que certa. Pobre do escritor que
passaram pela minha vida. se equivoque nessa escolha.
Sobretudo há que se escrever
Alguns foram muito marcantes? na língua principal que o
Além de Clarice, Vargas Llosa, ou país está produzindo naquele
Julio Cortázar, uma figura que momento. Se Montaigne
me impressionou muito como ser tivesse escrito em latim,
humano. Tal como uma senhora ninguém o recordaria agora.”
que trabalhou na minha casa 20 ( p. 669). A aliança com
anos, cozinheira, negra, com uma uma língua representa um
enorme elegância moral. Tenho compromisso com a memória
até hoje um retrato dela na minha dos povos que a utilizam.
mesinha. Temos que andar pela Romancista que não domine
vida com os olhos bem abertos, todas as áreas das artes e
mesmo arregalados, para poder ciências do humano, não é
absorver todas as coisas. Sempre nada. Há menos romancistas
me empenhei muito em estudar, do que se pensa, neste
conhecer e desfrutar tudo o que a tempo de especialização e
vida me podia dar. fragmentação aguda.
Breta permanece sempre
Tenho Apetite de Almas é o nome menina porque é escritora. Isso
escolhido para a sua fotobiografia. permite-lhe confiar na palavra
Acha que se ajusta ao seu ‘apetite’ de e ousar as ilusões e desilusões
literatura? que são a matéria fundamental
É aliás uma frase retirada do meu da escrita e do conhecimento.
primeiro livro. Acho que traduz A arte cria uma película de
bem a minha curiosidade pelo candura que nos protege da
mundo. Nélida Piñon O romance é dispositivo de combate anti-totalitário vida e nos ensina a não desistir
dela. Diz o avô Madruga à neta
Como foi a publicação do seu escritora: “Essa graça que
Ousar sonhar
primeiro livro? temos de narrar se deve ao
Facílimo. Havia então um editor de abrandar um deles dentro facto de sermos celtas, Breta.
muito louco, Rocha Dória, que da alma. De outro jeito, eles É a nossa maior herança. Mas,
nem tinha escritório. Uma terminam por matá-lo.” (p. também, o que sobra de um
amiga minha conheceu-o numa 173). O paralelo permanente povo sem o seu imaginário?
biblioteca e disse-lhe: “Quer ter entre a Espanha e o Brasil, Deve ser por isso que o
a sua Clarice Lispector? Procure “países vorazes e movediços” primeiro ato das ditaduras é
esta moça chamada Nélida é a pedra de toque deste proibir a imaginação. Nada
Piñon... romance. Nélida, como Breta asfixia mais do que sermos
Inês Pedrosa que o passado se esclarece – a neta escritora de Madruga, privados de inventar.” ( p.
Já tinha o livro escrito? e o futuro se revela; os seus que partilha com ele e com 79). Na imaginação radica a
Desde os 17 anos. Rachel de textos ensaísticos convocam a autora o relato da história liberdade. Hannah Arendt
Queiroz tinha lido e gostado e me A releitura de A República memórias, descobertas e – assume-se como uma explicou como o totalitarismo
mandou trabalhá-lo. Assim fiz. Na dos Sonhos oferece-nos o esse dom da surpresa próprio voz claramente brasileira e esmaga o indivíduo, retirando-
verdade, eu não conhecia ninguém prazer, não tão frequente do ficcionista – a associação americana, mas arqueóloga das lhe qualquer espaço de ação,
na literatura, não circulava nesse como se pensa, de reviver atrevida, a brincadeira com suas raízes galegas e europeias. anulando-o na massa. O
mundo, mas no do ballet, da ópera, um romance, 30 anos depois os círculos imprevisíveis Essa ligação a dois territórios romance é um dispositivo
da música clássica. da sua publicação inicial, do tempo, a elasticidade da tão distantes permite-lhe o de combate anti-totalitário
encontrando-o sem uma ruga, escrita. entendimento profundo que – e A República dos Sonhos é
O que se iria refletir na sua obra. capaz de entrar em plena A República dos Sonhos advém da conjugação entre um vigoroso e clarividente
Ah, sim. Deu-me um sentido frescura na nova geração. De narra a saga de uma família de intimidade e estranheza, estar exemplo disso. Eulália,
de movimento, o ritmo da frase, resto, faz-me muita confusão emigrantes galegos no Brasil, dentro e fora do tempo, num a mulher apagada que se
afetou muito o meu imaginário e a esta ideia de gerações de de um modo muito original, lugar, não de omnisciência, ilumina quando decide morrer,
minha língua criadora. A música é escritores; a vantagem da a partir dos três dias em que mas de límpida ciência do explica-nos em que consiste
fundamental para mim. escrita é que nos permite a matriarca decide morrer – a particular. O retrato minucioso o ofício de sonhar: “O sonho
conversar além do tempo. grande decisão da sua vida – e do tempo da ditadura militar, e é uma distinção, Madruga.
No entanto, nunca pensou seguir Quando quero perceber porque convoca filhos e netos para a do modo como ele se reflete nos É como saber construir com
uma carreira musical? continuamos repartidos entre despedida. A vida do patriarca comportamentos e destinos perfeição uma gaiola ou um
Não precisava. A minha escritura camponeses e czares vou ter e dos seus descendentes individuais, é particularmente barco, fazendo-os parecer um
tem música. É uma verdadeira com um russo chamado Leão, entretece-se com as rico e pormenorizado. Os palácio mourisco”. Saibamos
partitura.. e quando estou muito cansada vicissitudes do Brasil ao longo ditadores não caem do merecer este palácio.J
recorro a uma inglesa chamada do século XX. Quando Getúlio céu – nem os Madrugas
E tem tido uma verdadeira sinfonia Virginia especialista em matar Vargas chegou ao poder, em desbravadores, sobreviventes à
de prémios ganhos não apenas no Anjos do Lar, que me dá alento novembro de 1930, pondo fome e avessos à resignação.
Brasil, mas também noutros países… para levar os meus propósitos fim à chamada República Nélida Piñon tem um
Pena que nunca ganhei o Camões. até ao fim. E isto só para Velha, o Brasil quis acreditar talento particular para cruzar
Porque sou uma apaixonada pela evocar amigos de cerimónia que poderia transformar-se o pessoal e o político. As
Língua Portuguesa e esse prémio é e não lembrar aqueles com os numa República dos Sonhos. múltiplas personagens deste
um paradigma para todos os escri- quais tive a sorte de partilhar A brutalidade da ditadura, romance, com o seu lastro
tores lusófonos... É o meu feudo, risos e confidências, e que com o seu cortejo de torturas e e as suas vozes singulares,
nela se encerram todos os tesouros, tanta falta me fazem. Quando ignomínias, adiou esse sonho, dão-nos a conhecer as
todas as poéticas. Se me dissessem estou muito desesperada, mas nunca conseguiu matá-lo, forças e fraquezas do
que iria escrever um romance em acaricio-lhes as páginas como talvez porque a omnipresença Brasil e também da Galiza,
inglês e ganharia uma fortuna, se lhes acariciasse os rostos. da morte exalte os impulsos da reconciliando-nos com o
30, 40 milhões, mesmo assim não Os romances inesquecíveis vida. Madruga, o emigrante oceano do tempo ao qual,
abriria mão dela. No meu discurso são longas conversas sobre bem sucedido, avisa o seu enquanto mortais, estamos
de tomada de posse como presi- política, lendas, memórias, contraponto Venâncio, sujeitos. Nós morremos – mas
dente da Academia Brasileira de sentimentos, mágoas e emigrante falhado, mas nunca a República dos Sonhos não. › Nélia Piñon
Letras disse justamente que o meu descobertas. A ficção de Nélida desistente: “Não se pode Nélida Piñon consegue ser A REPÚBLICA
avô me deu a majestade da Língua Piñon pertence a este caudal. conviver intensamente com simultaneamente estilista da DOS SONHOS
Portuguesa de presente. E eu amo Os seus romances são ensaios, dois países mortíferos como língua, historiadora, psicóloga, Temas e Debates, 708 pp,
essa língua. J experiências existenciais em o Brasil e Espanha. Você terá socióloga, filósofa, pintora. “É 22,20 euros
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14 * letras LIVROS jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
Herberto Helder
peso simbólico de Herberto não do Herberto de "As Musas Cegas",
apenas como poeta que negou porventura... "Ó mãe que estás
sempre reedições e se protegeu da afogada / ó filho que estás
mercantilização do que escrevia, queimado / desde as mãos com
de Herberto, o estilo - essa marginais e obscuras -, estes Isto: poemas em redondilha, por
conquista morosa, feita mais de Poemas Canhotos, para além de vezes trabalhando a estratégia
negação que de aceitação fácil serem escritos com a outra mão de do "leixa-prem" medieval,
de uma autosatisfação - não Herberto Helder "A certeza de que a sua Herberto, são também sinistros. fazendo variações rítmicas com
se colocava, nem se poderia poesia não cabe em catalogações fáceis" Entenda-se: seguem um caminho aqueles dois tópicos iniciais: a
continuar colocando, do mesmo contrário ao reto caminho que até "coisa amada nas montanhas"
modo. A ultrapassagem de uma A Faca não Corta o Fogo legitimava e o "amador ao rés das águas".
ideia de estilo ou, se quisermos, uma ideia de poesia herbertiana. Redondilha maior, espécie de
a aceitação de que o poema, o de um estilo "herberto" de fazer Espantar-se-á o leitor com "sôbolos rios", de que fala a voz
canto, já pouco tinham que ver poesia a ideia, cara ao próprio um primeiro sinal que não pode destes textos (o primeiro do livro,
com uma fidelidade a uma voz autor, de que a realidade poética ser desvinculado da leitura do em especial)? De uma cosmogonia
e uma obra, eis o que legitima é uma experimentação constante livro: a fotografia do rosto de criada pelo amador e a cousa
os textos como "canhotos", isto dos mundos de linguagem que Herberto, tirada por Alfredo amada, de uma "boca" que, em
é, excêntricos ao que antes se a linguagem humana oferece. Cunha, em fevereiro de 2015, versos quebrados, entoa uma
produziu. Poemas Canhotos, Estilo, concisão, maturação e que, em março passado, na fala nascida dessa fusão entre › Herberto Helder
assim enunciado, produz sentido verbal, construção imaginística, sequência do falecimento do amador e amada, criadores do POEMAS CANHOTOS
se alargarmos a esse abandono exploração de sonoridades, poeta, foi reproduzida em "pecado dos poemas / espalhados Porto Editora, 56 pp, 16,60 euros
Cegueira
sobre a Coreia do Norte dos Kim, Delisle à capital dinástica dos Kim,
e sobre a Líbia de Kadhafi e a Síria na altura liderada por Kim Jong-Il.
dos Assad, um relato externo e um O relato dos dois meses que passa
(semi)interno, ambos iluminam em Pyongyang, a que acrescenta um
aspetos da gestão de expectativas e enquadramento histórico e alguns
controlo de populações que ressoam factos e números, é simultaneamente
profundamente hoje. Embora pos- previsível e deprimente. Previsível
sam ser narrativas enviesadas, o seu porque sublinha a imagem de ditadu-
Num período de tempo curto interesse é inegável, com destaque ra asfixiante, megalómana e incom-
surgiram vários livros imprescindí- para a preocupante (não) promo- petente para além da sua autossus-
veis, daqueles que se recomendam ção/possibilidade de entendimento tentação que existe no Ocidente.
sem receio a quem orgulhosa- mútuo que atravessa ambos. Deprimente pelo mesmo motivo,
mente declare não gostar de banda A história por detrás de porque os negócios continuam (como
desenhada. Se antes os lançamentos Pyongyang é curiosa, por ser reflexo sempre) e a extensa ajuda humanitá-
eram episódicos (Maus, Palestina, da globalização num país não glo- ria parece apenas servir para ajudar
Persépolis), espera-se que a proxi- balizado. Nos desenhos animados o regime.
midade destas edições signifique tradicionais o grosso do trabalho (os Claro que as principais críticas ao
uma aposta continuada. De todos o desenhos de ligação) é feito fora dos livro focam três pontos: que resulta
destaque maior é para Pyongyang estúdios ocidentais, onde a mão de de uma experiência curta intensa-
(2003) do canadiano Guy Delisle obra seja mais barata. Mas, dadas as mente vigiada, que o autor partiu
(Devir) e O árabe do futuro (2014) diferenças culturais nas representa- com opiniões preestabelecidas (o seu
do francês Riad Sattouf (Teorema). ções de personagens e interpretação livro de viagem foi 1984, de George
Testemunhos na primeira pessoa de expressões, os estúdios têm de Pyongyang Relato de uma estadia de dois meses Orwell), que não evita um tom de
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt LIVROS
letras * 15
esfolamento da figura daquele que Para além da condenação dos OS DIAS DA PROSA
escreve, e daqueles que escrevem: que, sendo poetas, se assemelham
"(entra um jovem sobraçando ao jovem Staline, ("foda-se esta Miguel Real
um maço de poemas cortados em gente esfaimada!"), é ao "jovem
diagonal pelo mito de Rimbaud) autor gangrenado", que a raiva
// [...] / um jovem ávido cheio de desta voz turbilhonante parece
cotovelos / no meio da multidão dirigir-se. Poemas, então, sobre
/ - afastem-se afastem-se que eu o processo poético: os dois
J
em plano glorioso, / mas calma - dentro do "hediondo mundo"
aí, isso não é assim tão raro / mas e trabalhando ainda aquela
ancestralidade das imagens
“
carnais que Herberto não deixou oão Morgado publicou quatro roman- Em primeiro lugar, a descoberta intencional do
de cantar. Um poema, porém, ces e recebeu dois prémios literários: Brasil pela armada de Pedro Álvares Cabral como
ilumina as razões que terá levado Diário dos Infiéis (2010), Diário dos contraponto à sede cobiçosa das especiarias da
Herberto a escolher esta forma Imperfeitos (Prémio Literário Vergílio Índia pelo rei D. Manuel. A Ordem de Cristo teria
Toda a alquimia que de se despedir: é o que conta a Ferreira 2012), adaptado a peça de intentado desviar o projeto do Rei Venturoso da
podemos ler em morte de António Ramos Rosa: "O
António estava deitado na cama /
teatro e representado no Teatro da
Trindade, em Lisboa, e Gama. O Herói
conquista imperial da Índia, assente na riqueza das
especiarias e na projeção imperial e narcisista do
Herberto Helder é contra a parede / e deu meia volta Imperfeito (Prémio Literário António rei, deslocando-o para a evangelização dos índios
agora alvo de torção, sobre si mesmo / [...] / e fechou os Alçada Baptista 2014). do Brasil, designados no romance como “puros”.
olhos / e fechou a boca / e ficou Já este ano, venceu o Prémio Literário Fundação Em segundo lugar, a denegação de Vasco da
ou extorsão. O poema todo fechado / e então morreu Dr. Luís Rainha/Correntes de Escrita, com o conto Gama, personagem heroína dos Descobrimentos
é roubado, assaltado todo / fundo e completo de uma só O Céu do Mar, ainda inédito, e acabou de publi- segundo a história corrente dos manuais de ensino.
vez / [...] / - e ele sou eu" (p.39). As car um longuíssimo romance histórico de grande O descobridor do caminho marítimo para a Índia é
por mão sábia, mas consequências desta homologia, qualidade, Vera Cruz, a história da vida e da viagem considerado, em Vera Cruz, pouco mais do que um
que despreza, ou desta fusão entre Ramos Rosa histórica de Pedro Álvares Cabral, nascido no caste- fidalgo arruaceiro e ambicioso cujo trato violento
e esse alguém que, na primeira lo de Belmonte, cidade onde o autor exerce funções com o samorim de Calecute deitou a perder um
esquece caminhos já pessoa, diz ser o poeta "fundo e profissionais na Câmara Municipal. entendimento pacífico definitivo entre o cristianis-
percorridos completo [...] mais que o mundo Em momento de declínio da moda literária do mo e o hinduísmo.
inteiro", e que compreende as romance histórico, praticado de um modo discri- De realçar, igualmente, a arquitetónica con-
altas esferas a que um autêntico cionário, sem fundamentação objetiva em docu- ceptual e afetiva da personagem Pedro Álvares
poeta ascende em face do mistério mentos coevos, cruzando arbitrariamente costumes Cabral. Esta é trabalhada pelo autor de um modo
vocês não vêem aqueles olhos da morte, em virtude da obra presentes com costumes antigos, substituindo o neorromântico, se assim se pode dizer, destacando
assassinos? / ele era capaz de que deu a esse mundo, isso é que léxico da época por um vocabulário jornalístico de os seus conflitos íntimos, a luta pela passagem de
matar para ter uma chamada ao torna estes poemas, por detrás atualidade, deve ser louvado o trabalho de investi- uma posição marginal na hierarquia social (filho
palco [...] // bom para acabar com da ironia, poemas "canhotos" - gação de João Morgado, muito rigoroso, prolongado secundogénito, sem fortuna própria e com estatuto
isto tudo para sempre / aprontem poemas que "chegam / do meio ao longo de dois anos (cf. “Nota Final”). O autor social inferior ao família da esposa, Isabel de Castro,
aí um Nobel para salvar uma da escuridão / de que ficamos continua, com probidade, a visão de Alexandre sobrinha de Afonso de Albuquerque), cristalizan-
vida / um Nobel está bem mas incertos / se têem autor ou não / Herculano, fundador do romance histórico em do na personagem o sentido, os paradoxos e as
enquanto espera / porque não se poemas ás vezes perto / da nossa Portugal, sobre a confeção rigorosa deste género contradições da História, concedendo-lhe uma
arranja vá lá um Cervantes um própria razão / que nos podem literário: verosimilhança ou similitude na história, liberdade individual e política muito, muito cara aos
Camões / uma coisa dessas? / fazer ver / o dentro da nossa no desenho das personagens e no enredo definidor românticos.
pôrra dêem-lhe tudo: um reinado, morte" (p.42). Canhotos, como da ação, e fidelidade aos documentos da época. Parabéns ao autor pelo notável romance histórico,
uma dinastia inteira, se é tão quem diz, fabricados perto do Assim deve ser entendido o enquadramento es- já em segunda edição em menos de dois meses. J
sôfrego assim" (pp.30-31). outro lado da vida. J tético de Vera Cruz, ao qual acresce (i) a imaginação
portentosa de João Morgado, (ii) um léxico histórico
“
prodigioso, fruto do convívio com os textos, e (iii)
um domínio espantoso do detalhe histórico ao lon-
superioridade moral. A resposta os habitantes para lá dos dois com go dos séculos XV e XVI, seja em Portugal (interior
óbvia é que, se Delisle foi apenas que interage mais (o tradutor e o raiano e Lisboa), seja na Índia (Calecute e Cochim),
autorizado a ver o que lhe deixaram guia) abraçam a realidade construída seja no Norte de África (Ceuta e Tânger), três carac- Na fabulação do romance
da vida da Coreia do Norte (ou seja, o
melhor possível), a realidade só pode
do regime, incluindo efabulações
históricas que seriam hilariantes se
terísticas que agradam sobremaneira ao exigente
leitor de romances históricos.
histórico de qualidade, não
ser pior. Na verdade, se apenas vinte as consequências não fossem trági- Com efeito, na fabulação do romance histó- menos importantes são a
por cento dos casos que relata fossem cas. Um caso de mentiras repetidas rico de qualidade, não menos importantes são a verosimilhança e a fidelidade
verdadeiros já seria preocupante. O até à verdade final, de uma cegueira verosimilhança e a fidelidade que a imaginação.
espanto do autor vai mais no sentido coletiva e seletiva que será caso Rapidamente o leitor se dá conta coexistirem as três que a imaginação. Rapidamente
do quanto a caricatura presumida de estudo quando (e se) se puder em abundância no romance ora publicado, sem que o leitor se dá conta coexistirem
se plasma na realidade limitada que estudar. E da qual ninguém está nenhuma delas suplante as restantes. Dificilmente
vislumbra. A inevitável interrogação completamente livre, por mais livre se pode pedir mais a um romance histórico, ainda as três em abundância neste
é de que modo, e com que extensão, que se julgue. por cima quando, acima de tudo, defende, como é o romance
Do ponto de vista gráfico nota-se caso de Vera Cruz, teses hermenêuticas sobre o sen-
um esforço do autor no sentido de tido da história de Portugal. Como explicita o autor
domar o seu traço caricatural a um na “Nota Final”, trata-se de uma “ficção controla-
registo mais realista; um tom exage- da” (p. 506), concedendo aos factos rigorosamente
rado é exatamente o que Pyongyang comprovados a “emoção” própria da fabulação
não necessita. Embora o desenho de romanesca.
Delisle seja bastante mais limitado do Para além da descrição minuciosa da vida de
que, por exemplo, o de Riad Sattouf, Pedro Álvares Cabral, filho secundogénito, cuja
há consciência que, se o exagero pode valorosa obra ligada à defesa das praças portugue-
ser usado para efeitos dramáticos (o sas no Norte de África e aos Descobrimentos lhe
que sucede nalgumas representa- permitiu usar como apelido o nome do pai (Cabral),
ções simbólicas), tem o perigo óbvio e não o da mãe (Gouveia), como então era hábito,
de poder menorizar o tema. Numa Vera Cruz, fundada num estudo minucioso e rigo-
› Guy Delisle altura em que se tenta perceber que roso, como dissemos, o autor defende duas teses › João Morgado
PYONGYANG diálogos são possíveis (ou úteis) esse é históricas interpretativas da história portuguesa dos VERA CRUZ
Devir, 180 pp, 22 euros um risco que não se pode correr. J séculos XV e XVI. Clube do Autor, 507 pp, 17 euros
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16 * letras ESTANTE jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
A justiça, segundo Rui Cardoso Martins seu talento para reconstituir, na prosa, os
acontecimentos, em empolgantes relatos
semanais que agora surgem recolhidos em
volume, numa seleção de Inês Rodrigues. Dos
700 textos originais foram escolhidos 100
que configuram um extraordinário retrato da
Numa mesma semana, Rui Cardoso Martins histórias dos tribunais portugueses, com sociedade portuguesa recém-entrada na CEE.
foi confrontado com dois comentários com- pessoas reais e crimes verdadeiros, mas havia Ou como escreve Cardoso Martins: “Leitores e
pletamente opostos. Um leitor, entre sorrisos, quem julgasse que eram inventados. Que os mestres que admiro disseram-se que Levante-
disse-lhe: “As coisas que você inventa…”. E réus, acusadores, testemunhas e magistrados se o Réu era um bom retrato da sociedade por-
um procurador da República, na sala de au- seriam personagens de ficção. Mas não eram tuguesa. Se era então acho que ainda é. Apesar
diências do Palácio da Justiça de Lisboa, disse nem podiam. Todas as semanas eu voltava, por dos anos, mantém surpreendente atualidade
de sua justiça: “As suas crónicas são muito ri- assim dizer, ao local do crime: ao tribunal. Só (...) Amizade, amor, sexo, traição, homicídio,
gorosas”. Assim eram as crónicas Levante-se o alterava os nomes para proteger as identidades incesto, pedofilia, maus-tratos, violência do-
Réu que o escritor e jornalista manteve duran- nos casos mais delicados. Não se pode mentir méstica, ciúme, abnegação, racismo, religião,
te anos a fio no jornal Público: fieis e inimagi- em jornalismo. A realidade - a chamada vida - › Rui Cardoso Pires sorte, azar, premeditação...". Toda a “huma-
náveis. “Percebi assim os efeitos contraditórios é que tem muita imaginação”. LEVANTE-SE O RÉU nidade em Portugal” em audiências de portas
de Levante-se o Réu.”, recorda hoje. “Contava À capacidade de ver e ouvir juntou-se o Tinta-da-China, 368 pp, 16,90 euros abertas. J
FICÇÃO e o presente, uma reflexão sobre o litigioso, ele decide deixar tudo e Reilly tem 30 anos e ainda vive na primeiros títulos em
mundo contemporâneo. A abrir, uma rumar até à região de Lower River. casa da mãe. Está revoltado com edição de bolso, na
Jaime Fernandes frase tão forte como a sua precedente:
“Hoje, a mamã ainda está viva.”
Mas as imagens do passado vão ter de
conviver com as ruínas do presente.
o mundo e quer denunciar essa
revolta. Mas como tem de ganhar
coleção Bis. Nas linhas
iniciais percebe-se logo
A Revolução dos dinheiro, não pode ficar sempre a diferença de cada
Cravos é o pano de › Kamel Daoud › Paul Theroux em casa. Ao sair, vê-se no meio da relato. Em Justine lê-se
fundo de Os canhões de MEURSAULT, CONTRA- O OUTRO LADO DO PARAÍSO febre que tanto critica. Esta reedição a abrir: “O mar está
Santarém que floriram INVESTIGAÇÃO Tradução de Antonio Sabler, Quetzal, 376 pp, 18,80 inclui um prefácio de Nuno Markl. novamente agitado
em Lisboa, o romance Tradução de Inês Pedrosa, Teodolito, 136 pp, 12 euros euros hoje, com rajadas de
de estreia de Jaime › John Kennedy Toole vento que despertam
Fernandes, membro da UMA CONSPIRAÇÃO os sentidos. Em pleno
Comissão Democrática
Eleitoral, preso político, documenta- Paul Theroux John Kennedy DE ESTÚPIDOS
Tradução de Maria Filomena Duarte, Relógio
inverno, a primavera
começa a fazer-se
lista e mais recentemente professor de
Geografia. Conta a história de quatro
A par de um ex-
traordinário autor de
Toole d’Água, 400, 18 euros sentir. Toda a manhã
o céu esteve de uma
estudantes universitários que vivem livros de viagens, Paul A Literatura tem des- pureza de pérola”. E em Balthazar:
amores, manifestações e outras lutas
contra o Estado Novo. Um estará en-
Theroux é também um
grande romancista. São
tes casos dramáticos.
Professor universitário, Lawrence “Tonalidades paisagísticas: casta-
nho-bronze, céu abrupto, solo cor
volvido na coluna de Salgueiro Maia
que conseguirá derrubar o regime.
duas linhas paralelas
que se cruzam cons-
John Kennedy Toole
era um apaixonado
Durrell de pérola com sombras nacaradas e
reflexos cor de malva”.
“Este relato fidedigno da Revolução tantemente, sobretudo pela escrita. E pôs mãos O Quarteto de Alexandria é a
do 25 de Abril enriquecido, para uma na geografia, que das viagens salta à obra, tendo escrito obra que mais celebrizou Lawrence › Lawrence Durrell
leitura mais ávida, pelo romance de para a ficção. Em O Outro Lado do dois romances, Uma Durrell, sendo igualmente uma O QUARTETO DE ALEXANDRIA
algumas personagens fictícias, criadas Paraíso, o escritor norte-americano Conspiração de Estúpidos e A Bíblia das mais radicais e estimulantes - JUSTINE
em exemplos de vida realmente vivi- regressa a África (que já esteve na de Néon que, no entanto, nenhum experiências literárias. Constituído Tradução de Daniel Gonçalves, BIS, 256 pp, 7,50 euros
das, assinala também a importância origem de dois livros) e, em parti- editor quis publicar. Consumido pela por quatro volumes, cada um expõe
da cidade de Santarém”, salienta João cular, ao Malawi, onde viveu, depois ideia de ter falhado como escritor, o ponto de vista de cada persona-
› O QUARTETO DE
Luís Madeira Lopes no prefácio. de ter escapado ao alistamento para suicidou-se. Mas a sua mãe nunca gem: Justine, Balthazar, Mountolive ALEXANDRIA - BALTHAZAR
a Guerra do Vietname. É aí que se desistiu. Contactou gente do meio, e Clea. Os acontecimentos são os
› Jaime Fernandes passa O Outro Lado do Paraíso, sendo insistiu e só descansou quando Uma mesmos, apenas (e não é pouco)
Tradução de Daniel Gonçalves, BIS, 256 pp, 7,50 euros
OS CANHÕES DE SANTARÉM que para Ellis Hock, o protagonista, Conspiração de Estúpidos foi publi- muda a forma de olhar as relações e
QUE FLORIRAM EM LISBOA o paraíso é a aldeia onde fora muito cado com enorme sucesso. Recebeu sobretudo a cidade de Alexandria. POESIA
Âncora editora, 208 pp, 16euros feliz durante a missão do Corpo de os prestigiados prémios Pulitzer, Depois de várias edições individuais
Paz (a mesma em que Theroux esteve
integrado). No meio de um divórcio
nos EUA, e o Melhor Romance
Estrangeiro, em França. Ignatius J.
e de uma num único volume, já
na D. Quixote, saem agora os dois Jorge de Sena
Kamel Daoud Com um novo volume
de quase mil páginas,
A história, já se a Guimarães prossegue
sabe, não tem apenas
um lado. Para um Espírito cristão Teresa Dias Furtado no prefácio,
por "sequências de grande fôlego"
o rigoroso trabalho de
publicação das Obras
jornalista, conhecer os (128 pp, 11,50 euros). Os restantes Completas de Jorge
dois lados da questão é são mais antigos: Eu e Tu, do teórico de Sena, coordenado
não só um imperativo judaico Martin Buber (136 pp, 11,50 por Jorge Fazenda
da curiosidade, é um Livros que reúnem grandes clássicos lançamentos são bem ilustrativos da euros), um dos nomes de referência Lourenço, um dos maiores espe-
dever deontológico. da literatura mundial ou textos mais diversidade que esta coleção terá. da viragem do século XIX para o cialistas na obra do poeta. Sai agora
Na sua primeira incursão ficcional, o recentes, todos marcados pelo “es- Um é mais recente: A Pedreira e XX; Os portais do mistério da segun- Poesia 2 que recolhe a poesia esparsa
argelino Kamel Daoud transportou pírito cristão”. Uma coleção, dirigida Outros Poemas, que reúne a poesia da saúde, com a poesia do francês e inédita à data da morte do escritor,
esta ideia para o campo da Literatura por José Tolentino Mendonça, que de Karol Woytila, hoje mais conhe- Charles Peguy (184 pp, 13 euros), a 4 de junho de 1979. Anteriormente
para criar uma ousada e inesperada pretende testemunhar “a vitalida- cido por ter sido o Papa João Paulo II. grande entusiasta do cristianismo divulgados em 40 Anos de Servidão,
segunda versão dos factos ocorri- de, a diversidade e a surpresa” da Versos marcados, como nota Maria social do século XIX; Imitação de Sequências, Visão Perpétua, Post-
dos certo dia numa praia, entre um experiência de Deus. “Cada um destes Cristo, de Tomás de Kempis, monge Scriptum e Dedicácias, a estes poe-
estrangeiro e um árabe. Meursault, volumes é um pequeno grão onde a e escritor alemão do século XIV, mas juntam-se uma dezena de inédi-
contra-investigação é o outro lado do esperança inteira cintila. O resultado cuja obra, em particular este livro, tos e um poema ainda não recolhido
espelho do famoso romance de Albert é não só uma biblioteca indispensá- teve uma enorme influência nos em livro. No total são 895 poemas
Camus, em que o protagonista malta vel, que o passado do Cristianismo círculos cristãos (312 pp, 14 euros); que, como nota Fazenda Lourenço,
alguém, sem saber quem, só por e da cultura legam ao presente, mas e Os Noivos, o celebrado romance percorrem “todo o diário poético de
matar, sem saber porquê. O narra- um tesouro que o nosso presente é do escritor oitocentista italiano Jorge de Sena, desde o primeiro poe-
dor deste livro é o irmão do árabe chamado a reencontrar apaixonada- Alessandro Manzoni (728 pp, 24,99 ma que conservou até ao último que
assassinado. Setenta anos depois, ele mente e a transmitir ao futuro”, lê-se euros), que tanto é um tratado sobre escreveu”. A ordenação cronológica
regressa aos acontecimentos, para na apresentação desta nova iniciativa o cristianismo, como uma reflexão dos poemas pela data de composição,
tentar entender. A Humanidade e o da editora Paulinas. Os cinco primeiro sobre a lei e o estado da justiça. JL explica o especialista, permite uma
destino das nações. Entre o passado leitura paralela entre Poesia 2 e Poesia
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ESTANTE
letras * 17
1, sendo que este recolhe a poesia
publicada em vida. Entre os inéditos,
sete integram o conjunto do livro
› Peter Ackroyd
CHARLIE CHAPLIN
Fernando Dacosta
No rasto de Portugal
Dedicácias. Tradução de Luís Ruivo Domingos, Teodolito, 252
pp, 14 euros
› Jorge de Sena
POESIA 2
Guimarães, 912 pp, 43 euros
Bill Bryson
A incrível e inédita
OUTROS travessia aérea do
oceano Atlântico leva- séculos e séculos pelo mundo inteiro fomos
John Cleese da a cabo por Charles
Lindbergh, em 1927,
nós. E agora voltámos, com esta nova vaga
de emigração. Além disso, gosto muito da
“O humor depende é o pretexto para Bill palavra pagão. Quando ouvia referências
de um ponto de vista Bryson, um dos mais ao paganismo, registava. Como a Natália
invulgar e, por isso, populares escritores Correia a dizer que era uma grande pagã
surpreendente sobre a norte-americanos e um extraor- [risos]. Ou o comentário da Agustina
vida. Trata-se, quase dinário divulgador de viagens, [Bessa-Luís] sobre o Brasil: "Aqui o religioso
sempre, de olhar para histórias e identidades culturais, explode em paganismos de samba".
as coisas com um olhar radiografar o ano em que o século
inaugural, como se as XX se tornou o século da América. Citação essa que serve de epígrafe ao
víssemos pela primeira vez. (...) É Entre histórias de gangsters e capítulo 'Um Carocha no Brasil', em que
entender o familiar como estranho e bizarrias, como a de Alvin Kelly, conta a viagem que fez com a escritora, de
o estranho como familiar. (...) John que ficou sentado em cima de um São Paulo ao Rio de Janeiro, num carocha
Cleese manteve essa capacidade de mastro durante 12 dias, é a afir- amarelo. Reescrever estes 'diários' foi voltar
olhar para a vida social a partir do mação de um país embalado pelo a viver momentos como esse?
lado de fora. Conseguiu ver, como papel decisivo na Primeira Guerra Sem dúvida. Revivi a viagem com a
poucos, todo o ridículo das conven- Mundial. “O que houve em Charles Agustina [Bessa-Luís], uma mulher
ções, da pompa, da hipocrisia, da Lindbergh e no seu voo de 1927 para fascinante e divertidíssima. O Alto Douro,
vaidade”. Eis o que Ricardo Araújo Paris que tanto fascinou o mun- uma região muito marcante para mim,
Pereira diz sobre um dos funda- do?”, questiona-se Bryson. “Para Fernando Dacosta "Sempre me impressionou - e por ligada às memórias da minha infância e
dores dos Monty Python e um dos os americanos, houve a gratificante vezes até me comoveu - o facto de, em qualquer parte juventude. O Corvo, terra inacreditável,
rostos mais conhecidos do humor, da novidade de serem os primeiros em do mundo, encontrar rasto da presença portuguesa" com aquela comunidade, aquela gente
televisão e do cinema dos últimos 50 alguma coisa. É um pouco difícil de extraordinária, que vive sem pressões,
anos. É um depoimento que prefacia a imaginar agora, mas os americanos com um particular sentido de liberdade.
publicação da autobiografia de Cleese na década de 1920 tinham crescido E, claro, África, onde nasci [em Angola]:
em Portugal, que revela a aventura de num mundo em que a maioria das Do Douro da sua infância às histórias que um continente pelo qual sinto uma grande
uma vida, cheia de momentos épicos coisas mais importantes aconte- viveu no Brasil, com Agustina Bessa-Luís, paixão e, ao mesmo tempo, um enorme
e hilariantes, mas também de luta e cia na Europa”. Num verão, tudo e no Atlântico, com Agostinho da Silva, desespero.
sofrimento. mudou. passando por memórias da ilha do Corvo
e de vários países africanos. Sete 'relatos' Para a 'lista' ficar completa, falta referir a
› John Cleese › Bill Bryson de Viagens Pagãs, de Fernando Dacosta, viagem com Agostinho da Silva...
ORA, COMO EU DIZIA… 1927 - AQUELE VERÃO jornalista e escritor, autor de mais de duas Um homem notável, sem dúvida um dos
Tradução de Manuel Santos Marques, Planeta, 440 Tradução de Ana Lourenço e Maria João Lourenço, dezenas de títulos, entre os quais a peça grandes vultos da cultura portuguesa. Mas
pp, 24,40 euros Bertrand, 560 pp, 19,90 euros Um jipe em segunda mão, o romance O completamente doido [risos]. Arranjou
viúvo, e Moçambique, todo o sofrimento do maneira de irmos passear num veleiro em
mundo, Máscaras de Salazar e Os Retornados pleno oceano Atlântico. De repente veio
Peter Ackroyd Traduzir Mudaram Portugal. uma tempestade feroz e, em menos de
nada, tivemos que voltar para trás. Com
Outra grande figura
da televisão e do
em Portugal Jornal de Letras: São vários os destinos
deste livro de viagens. Qual o 'fio' que os
ele as viagens eram sempre imprevisíveis.
Andava sempre a pé. Uma vez, ele queria ir
cinema, com enorme Identificar e estudar une? a uma galeria então combinámos às oito da
projeção mundial, ao a intervenção dos tra- Fernando Dacosta: Muitas delas fiz a manhã à porta da casa dele. A galeria ficava
ponto de ser conside- dutores profissionais convite do Centro Nacional de Cultura, longíssimo, mas lá fomos a pé. Demorámos
rado o homem mais no mercado editorial que promovia viagens ligadas à ideia das horas... Deu-lhe a fome, parámos para
famoso do seu tempo, português é o objetivo raízes de Portugal, dentro e fora do país. almoçar numa tasquinha no Rato; depois
é Charlie Chaplin, de deste livro de Jorge De resto, sempre viajei muito. E sempre me vinham pessoas e ele ficava a falar;
quem Peter Ackroyd nos oferece uma Almeida e Pinho, impressionou - e por vezes até me comoveu passavam gatos, que ele adorava, parava
nova biografia, a acrescentar às mui- professor da Escola - o facto de, em qualquer parte do mundo, novamente; entretanto deu-lhe outra vez a
tas que têm vindo a ser publicadas Superior de Educação do Instituto encontrar rasto da presença portuguesa. fome, na Mourisca, a chegar ao Saldanha.
desde a morte do ator e realizador, Superior de Administração e O meu editor, Marcelo Teixeira, sabendo Resultado: chegámos à galeria de noite e já
em 1977. Esta tem a particularidade Gestão. O trabalho incide sobre as que eu tinha muita coisa escrita sobre tinha fechado. JL CAROLINA FREITAS
de cruzar vida e obra, tentando ver condições socioculturais e políticas viagens, veio, há cerca de um ano, desafiar-
na primeira a origem ou pelo menos que definiram a profissão nos me a reunir algumas dessas histórias em
a explicação da segunda. Da infância últimos 40 anos. No fim, concluiu- livro. Comecei a reler os apontamentos,
pobre ao ensimesmamento da velhi- -se: “Da análise ao desempenho percebi que tinha, de facto, muita coisa por
ce, é uma odisseia sem paralelo, que e papel dos tradutores confirma- publicar, e decidi completar e estruturar
deu origem a alguns dos filmes mais -se a sensação de invisibilidade estes sete relatos.
memoráveis da história do cinema, observada por Lawrence Venutti
como Em Busca do Ouro, Tempos para a realidade anglo-ameri- Além das "raízes portuguesas", falam de
Modernos ou O Grande Ditador. cana. Tantas vezes ignorados ou um "mesmo paganismo identitário", como
Curiosa, é a associação que Ackroyd criticados, as avaliações que sobre escreve na nota introdutória. Em que
faz a certa altura: “Chaplin, tal como eles recaem, quando são efetiva- sentido?
Dickens, era obsessivo, incansável, mente realizadas, não se mostram Já Fernando Pessoa dizia que a nossa
arrasador. Ambos tinham sempre de fiáveis. Assentam normalmente religião não é o catolicismo. É o
controlar o mundo à sua volta (...). em impressões vagas e em critérios sebastianismo/paganismo. Não somos
Ambos eram pessoas muito ricas principalmente orientados para os um povo dado ao monoteísmo; somos
que temiam que lhes tirassem os leitores-alvo previstos”. muito permeáveis e curiosos por todas
seus tesouros. Portanto há uma forte as religiões. Aliás, isto porque somos
afinidade. Pode mesmo sugerir-se › Jorge Almeida e Pinho um povo muito aberto. Ao contrário da › Fernando Dacosta
que Chaplin é o verdadeiro sucessor A TRADUÇÃO PARA EDIÇÃO ideia salazarista, Portugal nunca quis ser VIAGENS PAGÃS
de Dickens”. Universidade do Porto, 306 pp, 17,50 euros "orgulhosamente só". Se há povo que andou Parsifal, 224 pp, 15 euros
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18 * artes jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
Histórias de encantar
MG: Havia apenas um grande
tema chamado Portugal.
de um país desencantado
insólitas?
MJO: O nosso trabalho não foi
definido assim. Fazíamos uma
procura diária, uma lista de
notícias, que apresentávamos, na
sexta-feira, a um comité central,
liderado pelo Miguel. Essa lista era
devolvida na segunda-feira com
temas prioritários.
Depois da primeira exibição na Quinzena dos Realizadores de Cannes, de prémios na Polónia
O realizador desempenhou a
e na Austrália e passagens por festivais na Alemanha, Finlândia, República Checa, Israel, França função de um diretor de jornal.
e Nova Zelândia, As Mil e Uma Noites chega às salas nacionais. É a estreia no circuito comercial MJO: Em termos de escolha
de prioridades, sim. Às
português - houve uma ante-estreia no Curtas de Vila do Conde - da muito aguardada trilogia vezes tínhamos que partir
de Miguel Gomes. A primeira parte, O Inquieto, já no próximo dia 27, a segunda, O Desolado, imediatamente para o sítio, porque
se tinha de fazer a investigação no
a 25 de setembro, e a terceira, O Encantado, a 1 de outubro. Um projeto monumental, que momento. Em termos de trabalho
jornalístico foi um paraíso: com
acompanhou um ano de crise em Portugal, apresentado em primeira mão pelo realizador, autor tempo, espaço e liberdade.
de Aquele Querido Mês de Agosto e Tabu, entre outros filmes. Entrevista e crítica ao filme
Tudo isto conduz à exploração das
zonas de fronteira entre géneros,
habitual nos filmes de MG. É usual
no cinema haver uma repérage e até
uma investigação para a construção
do argumento, mas aqui vai muito
além disso, há documentário e
ficção, às vezes convergem, outras
confundem-se…
MG: Não gosto de pôr as
coisas nesses termos. Existe
no filme uma negociação
constante entre a realidade
e o imaginário. Sendo que
o imaginário é algo que se
liberta do real. Não tem a ver
com coisas que se passaram,
mas com medos e desejos. Um
retrato sobre um momento na
sociedade tem que ter todas
essas dimensões: por um
lado o que teve lugar, existiu,
foi vivido; e por outro o que
alguém receia ou deseja que
apareça. Para mim não havia
que escolher entre as duas. Às
vezes há um preconceito que
As Mil e Uma Noites de Miguel Gomes "Os filmes são processos longos. A ideia de estar em sofrimento o tempo todo é impossível. O prazer é uma coisa importante" em situações de crise o real
tem que ocupar o espaço todo.
q
É uma chantagem inaceitável.
“
Em situações mais extremas
Manuel Halpern país através de histórias inicial- do caso Relvas, poderia também há lugar para a ficção. O
mente baseadas nas recolhas de fazer parte destas Mil e uma Noites. estado de alma não é apenas a
uma equipa de jornalistas formada Este tríptico é a quarta obra de materialização do mundo real.
especialmente para o efeito. Só fôlego de MG, depois de A Cara que Às vezes há um
que MG, seguindo a estrutura do Mereces, Aquele Querido Mês de preconceito que em O filme tem esses dois lados,
clássico, manteve o encantamen- Agosto, Tabu e meia dúzia de cur- poderia ter apenas esse lado
to que Xerazade proporcionou ao tas-metragens multipremiadas. situações de crise o real ficcional, como por exemplo em
rei, misturando o realista com o tem que ocupar o espaço Tráfego, de João Botelho.
onírico, o exótico com o palpável, JL: O filme partiu de uma MG: Para quê renunciar a um lado
Bagdade com Viana do Castelo. investigação jornalística, só depois
todo. É uma chantagem se podemos ter os dois? Desde
Com a descontração da obra escreveram o argumento. Porquê? inaceitável. Em que haja condições para garantir
feita e bem encaminhada pelos Miguel Gomes: Sobre isso queria um trabalho sobre esse mundo
festivais, com estreia marcada dar voz à Maria José Oliveira, uma
situações mais extremas material pode-se partir para
para França e um prémio recente jornalista que foi muito importante há lugar para a ficção. outros mundos. Por exemplo, nos
“Quando não souberes o que fazer
com um filme, pede à produção
na Polónia, encontrámos MG bem
humorado num terraço com vista
para este filme. Eu liguei-lhe para
fazermos um filme juntos, dando-
O estado de alma não é “Magníficos” temos depoimentos
de pessoas que estavam a sofrer
para construir uma baleia”, é o sobre Lisboa. Quando começámos -lhe uma função que normalmente apenas a materialização a crise, através do desemprego.
conselho que Miguel Gomes (MG) a falar de questões metodológicas, não existe no cinema. do mundo real Apesar disso, não há motivo
deixa aos jovens realizadores, em ele chamou para a conversa Maria Maria José Oliveira: Se bem me para renunciar ao imaginário,
tom de brincadeira, revelando um José Oliveira, que liderou a equipa lembro, telefonaste-me em março introduzindo a personagem do
pouco do caos por onde passou de jornalistas que fez uma longa de 2013 falando-me muito por alto sindicalista que tem um projeto
a aventura epopeica das suas Mil investigação para o filme. De resto, no projeto: não havia uma agenda Nunca tinha ouvido falar de nada político um pouco absurdo,
e Uma Noites. Os três volumes a história da jornalista do Público, definida, apenas as coisas que se parecido, nem nunca trabalhara que é conduzir as pessoas para
pretendem fazer um retrato do que acabou por ser a única vítima passavam pelo país naquele ano. em cinema. Depois encontrámo- um banho do dia 1 de janeiro,
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ENTREVISTA
artes * 19
acreditando que assim o próximo vai ter acesso a uma fatia da só tinha aberto a boca uma vez passado mais forte do que com daria uma boa história para o
ano não será tão mau como o realidade. E eu nisso sou muito durante todas as reuniões, pelo que o presente. Espero que a relação site.
anterior. O que me atraiu no filme hitchcockiano: o cinema não é um havia uma desconfiança genera- que o futuro tenha com o filme MG: Os filmes são sempre o
foi a possibilidade de juntar os pedaço de vida, é um pedaço de lizada sobre ele. Isso deu origem não seja o equivalente à daquelas produto da experiência de viver
dois mundos. Para tal foi preciso bolo. ao movimento dos Homens de Pau personagens com os anos 80. Se em determinado tempo. Já fiz
inventar uma ética sempre Feito. daqui a 20 anos olharmos para filmes de que deixei de gostar.
diferente, de forma a que o real Como é que a equipa de jornalistas Tal contrabalança com outras As Mil e Uma Noites e houver uma A primeira curta que fiz acho
não se possa mascarar de ficção e percebeu o que poderia servir de coisas que nos contaram, que relação do género Lionel Richie, uma vergonha, mas foi produto
que a ficção não exista apenas para ingrediente para o bolo? Qual era o eram notas de rodapé nos jornais, as coisas correram mal. do tempo em que eu vivi. Estou
calcinar o real. Que as duas coisas vosso papel? como a história das lágrimas muito contente por ter terminado
apareçam separadas mas unidas MJO: O nosso trabalho foi da juíza. Esse episódio, além de O passado não se desatualiza. este filme, mais um ano teria um
por um movimento. totalmente autónomo. Muitas ser uma compilação de crimes Mas estar a lidar com o presente esgotamento
vezes o comité central só lia os surrealistas que aconteceram no é sempre instável. Não teve
Há tanto de surrealismo na história trabalhos depois de publicados país, parte de uma notícia muito receio, por exemplo, que Mas passa a ideia que se diverte
do galo que foi a tribunal como na no site. Outras coisas foram concreta de uma juíza que foi houvesse uma manifestação muito a fazer cinema. É verdade?
personagem do Manuel Palito em pedidas por eles, mas não incapaz de proferir uma sentença. de GNR ainda maior, que MG: Os filmes são processos
que aparece um banquete cheio de aparecem no filme. Ou porque Era apenas uma breve num jornal. não só subissem as escadas longos. A ideia de estar em
luxúria… foram recolhidas em off, pelo Os jornalistas ligaram à juíza, da Assembleia mas também sofrimento o tempo todo é
MG: Fizemos o exercício de nos pôr impossível. O prazer é uma coisa
“
no lugar do Manuel Palito e ima- importante para o Homem. Não
ginarmos os seus delírios. Alguém sou um romântico que ache que
que tem fome pode imaginar um o sofrimento é o único caminho
banquete, servido a (ou por?) três para produzir uma obra sincera.
mulheres dispostas a tudo, com as Não acredito no cinema
quais ele imagina um flippers de que põe todas as fichas Há muitas vezes um equívoco,
palmadas. O filme quer correr o que cataloga os seus filmes como
risco de se pôr no lugar de alguém. na ideia ingénua e objetos artísticos eruditos, que
desonesta de que o é preciso conhecer filósofos
Também é uma lógica parecida que obscuros para saber sobre o que
o leva a, mais uma vez, usar atores espectador vai ter está a falar. Mas a verdade é que
profissionais e não-profissionais? acesso a uma fatia da me parece que os seus filmes são
MG: Havia outra dimensão acessíveis a todos os públicos,
no filme. Não eram apenas as realidade. Eu nisso sou e até têm uma forte base na
histórias que íamos contar, mas muito hitchcockiano: cultura popular. Concorda?
também a forma e o registo. MG: O Pasolini tinha uma relação
Achámos que havia espaço para
o cinema não é um com a cultura popular, no caso
tudo: atores profissionais, pessoas pedaço de vida, é um dele com um projeto político,
que estava a viver diretamente a protagonizado pelo público. Aquilo
pedaço de bolo
GONÇALO ROSA DA SILVA
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2o * artes ENTREVISTA, FILMES jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
Então como chegou a estas Mil e convivessem umas com as outras. CINEMA noite após noite, conta histórias
Uma Noites? Mas esse é o trabalho de fazer um para encantar a um rei,
MG: Depois do Tabu queria fazer filme. Manuel Halpern despontando a sua curiosidade,
um filme de época, nos anos 80, de forma a que a deixe viver até
numa cidade do México. Era um Porque é que o filme está dividido à noite seguinte. Miguel Gomes
Realismo mágico
cidade mais quente e suja do que percebi que cada filme Ele sabe, tal como Xerazade,
México. Talvez ainda venha poderia ter uma identidade que para encantar o rei (ou o
a fazer esse filme. Mas, própria e ser uma experiência público) não basta a riqueza dos
entretanto, certo dia a minha de cinema por si mesmo, ingredientes das narrativas, é
filha, de cinco anos, pediu-me diferente do volume anterior, necessário variar na forma. E
para lhe comprar uma coisa, quis proporcionar uma viagem são impressionantes as variações
eu disse-lhe que não. Ela por três territórios diferentes. A conseguidas, que se evidenciam
perguntou-me se era por causa riqueza do filme é a diversidade. mais de volume para volume. Há
da crise. O facto de ela conhecer histórias que se desembrulham
essa palavra aos cinco anos Mas aconselha a ver os três filmes em histórias. Algumas são mais
deu-me vontade de filmar o de seguida? longas, outras tão pequenas
país e a sua relação com a crise, MG: A ver pela ordem, e em que se contam em apenas um
mas com o encantamento de tempos próximos, de modo a que o minuto. Histórias de esburacar
quem conta histórias. Tendo eu filme anterior esteja bem presente o coração, que incitam a revolta,
a capacidade de fazer um filme, na memória. Mas como não sou algumas provocam o riso ou
não posso fugir a este momento. o Hitler - e estou muito contente a tristeza; histórias que nos
A culpa foi da minha filha. com isso -, gosto da ideia de que a fazem sonhar, algumas bastante
experiência de cada um possa ser elaboradas, outras que nos
E, para não aborrecer o rei, há diferente e incontrolável. fazem passar, outras ainda sem
uma intenção das histórias terem nenhum significado aparente.
ritmos e durações diferentes, No 3º volume, sobretudo no início, A mais intrincada parte do
com uma grande diversidade? há um lado mais experimental, filme é sem dúvida a última, que
MG: Se houvesse uma lista de que depois contrasta bastante com foi trabalhada em alto contraste.
prioridades, não aborrecer o a história dos “passarinheiros”. Por um lado, temos a fase mais
rei não estaria no topo. É mais Qual a intenção? experimental, numa Bagdade
pela positiva: como encantar MG: Entramos no domínio da à beira-mar plantada, quando
ficção e do mundo inexistente. Xerazade finalmente aparece,
“
Em oposição dois mundos: uma As Mil e Uma Noites Um país à procura de si próprio e em que tudo é possível. Até
Bagdade que nunca existiu, com mesmo alguns exageros. Temos
personagens como o Paddle Man personagens como o Paddle
que tem 200 filhos, o Elvis, o Man, feito para procriar. E ao
Sinto-me atraído bailarino Ladrão. Não existem Logo no início, no seu estilo relevância semelhante. O filme mesmo tempo um barroco
no Livro, nem em Bagdade, são de pôr a nu o seu próprio é simultaneamente a realidade e estético e um experimentalismo
por narrativas de personagens mitológicas. O cinema, Miguel Gomes afirma- a metáfora do real, acreditando, cinematográfico, em que vale
infância, contos que une os dois momentos é a se no olho do furacão e num no fundo, que a realidade é tão tudo, desde imagens sobrepostas
populares, canções. existência de duas comunidades:
uma ficcional e outra real, mas
beco sem saída; e, perante isso,
foge, levando as câmaras atrás
real quanto a fantasia.
Ao colocar a encruzilhada
a ecrãs divididos. O momento
em que Miguel Gomes se deu
Como se vivem essa que partilham uma dimensão de si. É a forma engenhosa do realizador em fuga logo ao luxo de experimentar sem
experiências. Nunca surrealista. Queria acabar o filme de nos levar ao seu encontro. no início, Miguel Gomes preconceitos, afastando-se
mais próximo da ideia de um livro. As Mil e Uma Noites é um transforma esse paradoxo veementemente da realidade.
pensei em filósofos Ela perde o estatuto de narrador filme de paradoxos, entre o numa trama central do filme: Isto entra em contraste com
obscuros antes de fazer quando entra no filme, isso é sagrado e o profano, entre o num retrato multifacetado do o segundo universo que
substituído pelo texto escrito e documentário e a ficção, entre país, o desafio transversal é o preenche o terceiro filme. Um
um filme, embora tenha que a Xerazade aprenda qualquer o drama e a comédia, entre a de saber como é que o próprio enorme capítulo dedicado aos
o maior apreço por eles coisa com o percurso: que a sátira e o protesto. Um filme à filme consegue conciliar esses passarinheiros, numa toada
possibilidade das histórias não é o procura de um realizador. Um dois mundos, não ferindo de mais documental e por vezes
arco narrativo clássico, mas que as realizador à procura de um morte nenhum deles (sobretudo contemplativa, que facilmente
histórias que o mundo pode conter país. Um país à procura de si o primeiro), o que arrasaria a resultaria num filme autónomo.
o rei? E como lhe oferecer o pertencem às pessoas, e cada próprio. Uma obra extensa, de pertinência do filme. Ou seja, Através dos passarinheiros,
máximo de possibilidades de pessoa que se possa mostrar com cerca de seis horas, mas que a grande dificuldade está em homens que sabem decifrar
ter uma relação com o mundo. ela surjam histórias. Nas histórias deixa mais de 900 histórias deixar a mensagem social o canto dos pássaros, Miguel
Mas, claro, também temos de mais simples do quotidiano existe por contar.A base é o retrato de intacta, não deturpando ou Gomes tentou abandonar a
pensar em não aborrecê-lo, essa dimensão narrativa. Portugal durante o período de aligeirando com tonalidades narrativa para chegar à poesia,
sabendo que o rei não é único intervenção da troika. Por isso de fantasia; e ao mesmo tempo aproximando-se do sentido
e não o querendo tornar numa Acaba com o Chico Chapas a andar tem os alicerces profundamente criar um universo paralelo lírico de Pasolini (que também
abstração estatística. Confio estrada fora. E ficam ainda muitas mergulhados na atualidade. onírico e fantasioso, que tem as suas Mil e Uma Noites),
que o espectador tem relações histórias por contar… Ao ponto de, como método não nos dececione enquanto arriscando desequilibrar a
diferentes com personagens e MG: O Chico Chapas não tem a de trabalho, incluir ou tal e que, quando possível, estrutura.
filmes diferentes e que não foi capacidade de contar histórias começar por uma equipa acrescente dimensões ao A dúvida que fica, num
colonizado por uma maneira de como a Xerazade, mas tem de jornalistas que trataram primeiro. Porque o homem filme cheio de referências a um
contar oficial. um talento que nem eu nem a de investigar e desenvolver não é só feito daquilo que período recente (praticamente
Xerazade temos: decifrar o canto grandes e pequenas histórias come, também é feito daquilo atual) da nossa Historia, é como
Como foi esse desenrolar do dos pássaros. Não sei o que vai que se passaram no país ao que sonha. De resto, tudo irá resistir ao tempo. O seu
novelo, com todos os elementos de ser o mundo a seguir, mas poder longo de um ano. Parte dessa facilmente se confunde num valor, seguramente, superará
ligação? percorrer com o Chico Chapas investigação aparece de forma país em que um galo é levado a questão documental. É algo
MG: Numa primeira fase foi os últimos metros do filme é mais ou menos realista, como a tribunal por incomodar a bastante mais elaborado. Das
desmultiplicar e inventar mais entrar num universo novo, que a luta dos trabalhadores do vizinhança ou que um assassino seis horas de filme de Miguel
histórias, personagens, universos, já não fala da capacidade de estaleiro de Viana do Castelo, é transformado em herói pela Gomes emana uma sensação
maneiras de contar; depois houve contar histórias, mas entra no em foco na primeira parte, sua habilidade em ludibriar a de liberdade, de um realizador
um segundo momento em que já domínio da poesia. Não tenho num estilo que se aproxima polícia. dono e senhor do seu próprio
existia uma consciência do que qualquer arrependimento de do documentário. Mas Miguel A obra clássica da literatura cinema, que não se deixa
tinha sido filmado e passou a deixar a última etapa da estafeta Gomes não quis abdicar de popular do Médio Oriente aglutinar por preconceitos éticos
ser harmonizar para que aquele com o Chico Chapas, para que ele nenhum dos mundos, pelo serviu de estrutura para o ou estéticos, mesmo quando
conjunto de histórias fosse o mais carregue esta poesia, para mim, que o real e o onírico surgem filme. Também aqui Xerazade, a matéria prima é sensível e
completo possível, de forma a que incompreensível. JL juntos ou separados, mas com confundida com o realizador, dolorosa. J
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ESPETÁCULOS
artes * 21
TEATRO cénica deste espetáculo.
Em todo o caso, a proposta surge
Helena Simões no âmbito do trabalho final de
Mestrado em Encenação da Escola
Superior de Teatro e Cinema (ESTC)
de Paulo Sousa Costa e contou com
no verão
ESTC, Carlos J. Pessoa que coordenou
o projeto e Armando Nascimento
Rosa como consultor dramatúrgico.
A realização plástica mantém
do espetáculo anterior a assinatura
de Ana Paula Rocha, com uma
cenografia única e minimal, mas Elenco de Don Giovanni Uma abordagem ao mito através de vários textos base
O encenador Paulo Sousa convoca para a sua dramaturgia que serve bem a metáfora do
Costa e a produtora Yellow Star contribuições várias de outros banquete da vida e da morte em Don
Company, há exatamente um ano, dramaturgos que recriaram a figura Giovanni, assim como os figurinos
surpreenderam o público lisboeta do impenitente sedutor, entre eles que ajudam à caracterização das por exemplo, não resultaram › DON GIOVANNI OU O
ao levar o teatro, pela primeira o próprio Tirso de Molina que, em O personagens. suficientemente expressivas para o IMORIGERADO IMORTAL,
vez, ao então recém-requalificado Burlador de Sevilha e o Convidado de E já que se trata de um exercício contraste produtivo com o drama de adaptação Paulo Sousa Costa baseado nos
textos originais O Libertino Punido, ou seja,
Theatro Thalia, na Estrada das Pedra (1630), fixou em teatro pela final de encenação, confirma-se o Dona Ana e o pathos de Dona Elvira. Don Giovanni de Lorenzo da Ponte, O Sedutor
Laranjeiras. Sendo Thalia uma das primeira vez a arquetipia do mito talento do encenador na organização Nem o paroxismo amoroso de Don de Sevilha e o Convidado de Pedra de Tirso
musas do teatro, justamente a que de Don Juan. Mas também Molière concreta do espaço dramático, Otávio por Dona Ana se opôs ao de Molina, Don Juan ou a Festa de Pedra, de
inspirava a comédia, apresentaram e ainda três reescritas do século XX que conduz à sua leitura específica ciúme natural do camponês Maseto Molière, D. João e Julieta de Natália Correia,
Don João e a Máscara de António Patrício,
na altura um clássico francês, a farsa português: António Patrício, Natália da matéria teatral e não-teatral. por Zerlina. Talvez a alegria vital e o Don Giovanni ou o dissoluto absolvido
Casado à Força, de Molière. Desta Correia, José Saramago. A sua assinatura estilística passa júbilo mozartiano não tenham ficado de José Saramago. Encenação Paulo Sousa
vez, e porque a ópera fez parte do Projeto arriscado, pela magni- evidentemente pelo caráter paródico visíveis na tessitura performativa Costa, coordenação Carlos J. Pessoa, consultor
Dramatúrgico Armando Nascimento Rosa,
repertório das épocas de espetáculos tude e profundidade do tema, pela que resulta da versão dramatúrgica deste Don Giovanni, com Ângelo cenografia e Figurinos Ana Paula Rocha,
daquele teatro, em meados do século comparação que evidentemente se e da direção de atores. Neste Rodrigues, no protagonista, de boa direção musical João Pires, desenho de luz
XIX, trazem-nos um peculiar Don estabelece com produções excelentes aspeto, creio ter havido alguma presença e gestualidade a configurar Sérgio Moreira, desenho e operação de som e
Giovanni, assumidamente baseado (e extremamente teatrais) de espe- hesitação quanto à designação o transtorno narcísico. vídeo Pedro Freitas, elenco: Ângelo Rodrigues,
Liliana Santos, António Machado, Júlia Belard,
no libreto que Lorenzo da Ponte táculos daquela ópera mozartiana, de “drama jocoso” da ópera de Certo é que o público, que Tiago Costa, Sérgio Moura-Afonso, Carolina
escreveu para a celebrada ópera de para não mencionar as realizações Mozart e de como interpretá-la. preencheu o auditório, respondeu Puntel, Diogo Filipe e Alis Ubbo Ensemble
Mozart. Mas não, não se trata de um cinematográficas, etc, mas também A comicidade esperada do criado positivamente com risos e aplausos, (Músicos ao vivo). Produção Yellow Star
Company.
espetáculo de ópera, pois não tem porque os melómanos não verão com Leporelo, bem como das cenas em mostrando o seu reconhecimento
nem orquestra nem cantores líricos. bons olhos a utilização da partitu- que Don Giovanni na sua insensata pelo trabalho proposto. Um Teatro Thalia, Estrada das Laranjeiras
É uma versão livre, estruturada ra de uma das maiores óperas de libertinagem se coloca a si e ao espetáculo de verão a ver até 6 de 205, de quarta a domingo às 21h30. Até 6
a partir daquele libreto, mas que sempre para ilustrar a concretização seu criado em posição risível, setembro. J de Setembro.
Estímulo à Melhoria
das Aprendizagens clube da ciência “Os PequenOs einsTeins” cursOs de ciências exPeriMenTais Para
A Fundação Calouste Gulbenkian apoiou, em 2015, sete projetos inovadores Agrupamento de Escolas do Cerco, Porto alunOs dO ensinO secundáriO,
Ampliar este projeto criando um novo 9.º anO e 4.º anO
apresentados por várias escolas do país para desenvolver a criatividade, o
espaço para a divulgação e exploração da Agrupamento de Escolas de Águeda Sul
espírito de iniciativa e as competências dos alunos. Estes apoios deram-se no
ciência, através das novas tecnologias, Apostar no ensino das Ciências
âmbito do Projeto EMA – Estímulo à Melhoria das Aprendizagens, uma Experimentais, com o contributo
alargando a participação a alunos do
iniciativa que a Fundação desenvolve desde 2011, e que já contemplou cerca de de investigadores doutorados das
Concelho do Porto.
trinta projetos que promovem a qualidade educativa, estabelecendo laços entre as Universidades de Coimbra e de Aveiro,
escolas e a comunidade. de redOndO Para O MundO – nascidOs Para através do IEC.
eMPreender cOM as nOvas TecnOlOgias
Agrupamento de Escolas de Redondo inOvar – labOraTóriO de esTíMulO Web
Uso da tecnologia para melhorar das aPrendizagens (leWa)
FUNDAÇÃO
CALOUSTE GULBENKIAN
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22 * artes EXPOSIÇÕES jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
Paula Rito
monocromáticas, de traço as chamas de um inferno
forte, que nos subjugam e desconhecido, de certos povos
ignoram. Efabulações que me ainda milenares, tribos, Últimos dias para ver a exposição
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt DISCOS
artes * 23
CLÁSSICA De Bach (assim como de tas Christoph Rousset e Davitt dedicada ao barroco inglês, está naturalidade. Tudo isto, razões mais
Vivaldi), a seleção cruza obras Moroney, os violinistas Elizabeth também anunciada pela Decca que suficientes para celebrar Billie
Christopher orquestrais e vocais/corais, música Wilcock, John Holloway, Monica para tempos mais próximos: o es- Holiday. Mas há ainda mais uma
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24 * ideias jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
Q
peito, embatucado. Foi evidente que
Albano Nogueira duas da tarde e decorresse continua- não estava à espera que da aparente
mente até às sete) para assinar com insignificância daquele homem nada
o ministro da Alemanha um acordo pesadão uma resposta daquelas tão
sobre matéria de caráter económico. definitiva. Resposta para mais bífida,
Embora se tratasse de assunto que no que explicitava e no que insinua-
não estava, ao nível da repartição a va: perentória porque se escorava na
meu cargo, era eu o funcionário que força dum argumento factual, mas
assegurava o ‘piquete’ nesse dia, isto também sorrateiramente admoni-
é: — na rotação diária coubera-me tória para quem pudesse não ter isso
ficar, às ordens do diretor-geral, até em conta... Esta tão patente parali-
que este desse por findo o seu tra- sação ante uma resposta imprevista
balho do dia. Acompanhei por isso viria eu muitos anos mais tarde a
o conde de Tovar (que pouco depois presenciá-la de novo, nas circuns-
foi ocupar a Legação em Berlim), ao tâncias que mais adiante narrarei.
Quando, em março de 1941, entrei gabinete do ministro, como portador Foi em missão idêntica que, tem-
para o Ministério dos Negócios dos textos a assinar e encarregado pos depois, em julho de 41, acom-
Estrangeiros, era Salazar o ministro de exibir e dar para assinatura dos panhei o chefe da minha repartição,
interino desde novembro de 1936, dois participantes o clausulado do mais tarde ministro plenipoten-
pasta que, interinamente, acumulou acordo, devidamente selado nas ciário, à residência do presidente
com a Presidência do Conselho até pontas das fitas que asseguravam a do Conselho, na Rua da Imprensa,
fevereiro de 1947. Estava-se então no inviolabilidade do acordado. então para se proceder à assina-
segundo ano da II Guerra Mundial e Salazar estava sentado à sua tura dum outro acordo, esse não
não havia ainda decorrido dois anos secretária e falava com o ministro da confidencial, com o Brasil. Assinou
desde que terminara a Guerra Civil Alemanha, barão de H. H., que che- por parte deste o seu embaixador,
em Espanha. A França sucumbira gara acompanhado dum funcionário Araújo Jorge. Salazar não deu à as-
menos de um ano antes, os britâ- dos serviços económicos da sua sinatura nenhum formalismo, antes
“
nicos eram os únicos opositores da o reduziu a um mínimo de tempo,
Alemanha e esta estava a iniciar levantando-se logo após para se
o grande período da sua solução despedir do embaixador. Araújo
vitoriosa. Salazar As relações internacionais do presidente do Conselho Jorge, se acaso surpreendido com
Salazar ia rarissimamente ao tal informalismo e tal pressa, tudo
Palácio das Necessidades, sede do
Salazar estava sentado dissimulou muito elegantemente e
Ministério, que só transferiria os à sua secretária e não se coibiu de deter o presidente
seus serviços para o edifício que
ainda ocupa hoje no inicio dos anos
claro, principalmente como o que
selecionava e concedia as promo-
textos de Notas ou Cartas, vindas da
Presidência do Conselho, e escritos
falava com o ministro do Conselho com o dizer-lhe que
gostava de pronunciar algumas pala-
50. O secretário-geral, embaixador ções. Esses tinham assim, e não por ele mesmo em pequenas folhas da Alemanha, que vras. Salazar, esse, sim, mostrou que
Luís Teixeira de Sampaio, recebe- raro, oportunidade para dizer ao de papel por onde escorria sua letra se mantinha de pé. não estaria à espera disso, e, estando
ra dele uma delegação de poderes presidente do Conselho que “aqui firme, traçada por um aparo grosso já soerguido, disse um seco “Ah!
excecional e ambos estavam, podia fala fulano, senhor presidente” — e e tão espessamente regular que até Estava descontraído e O senhor embaixador quer dizer
dizer-se, em contacto e em sintonia também a prerrogativa irrestrita iniciados tinham grande dificuldade sorridente, enquanto o alguma coisa. Faz favor”, enquanto
permanentes; e só a secção da Cifra de franquear a porta em frente, o em decifrar. Andavam por isso de voltava a sentar-se. O embaixador,
tinha o privilégio frequente de gabinete do secretário-geral, para mão para mão, todos entregues ao barão, esguio e rígido, que estivera sempre de pé lá avançou
contactos telefónicos, de dia ou de lhe dar pronto conhecimento dos esforço coletivo de dar uma ajuda, convencionalmente com as suas palavras, congratulató-
noite, diretamente com ele, sobre telegramas recebidos e lá ficar um no entendimento de que seria rias mas breves, que Salazar ouviu
telegramas recebidos ou a expedir. tempo mais ou menos largo fazendo impensável recorrer ao telefone para mesureiro e risonho, mas a que não respondeu.
A Cifra era, de resto, o serviço mais a corte ao homem só que ele era e, pedir qualquer esclarecimento a dir-se-ia a cópia dos Mas este acordo veio até a dar
ambicionado pelos que, e não eram excelente cavaqueador, a apreciava e quem os redigira. lugar a um incidente burocrático,
poucos, ambicionavam estar perto lhe não era indiferente. Aconteceu que, poucos meses
estereótipos que dos que vale a pena recordar com o sor-
das fontes do poder, entendido este, Assim, à Repartição das Questões depois da minha entrada ao serviço, gentlemen prussianos nos riso que agora provocará — e que na
evidentemente, não apenas como Económicas, onde eu fora coloca- Salazar foi, de facto, ao Ministério, altura revelou as habilidades a que
quem tomava as decisões sobre do, do ministro apenas chegavam, já de noite e para além do tempo de
davam os filmes por vezes é necessário recorrer para
política externa mas também, e, é para datilografia e arquivo, os serviço (embora este se iniciasse às de então não suscitar as iras do poder... É que,
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt INÉDITO
ideias * 25
poucas horas antes, os brasileiros em serviço no estrangeiro des- se mo poderia identificar. Nem ele paradoxalmente (num britânico) disse-me: “Porque é que ele faz esta
haviam pedido uma alteração na de 1944 até 1959, até que, neste nem um seu assistente que esteve muito mais efusivo e entusiasta. pergunta? Pergunte-lhe porque é
redação dum dos artigos, com o que último ano, para permanência em presente foram capazes de locali- A serenidade de Salazar criava que ele a faz.” O jornalista foi ime-
se havia prontamente concordado, serviço na chamada Secretaria de zá-lo, passados assim tantos anos, ao intérprete (experimentei-o então diato na sua resposta cândida: tinha
sem depois se ter dado notícia à Estado, primeiro como adjunto do tanto mais que, em 1959, o jornal e tive ocasião de confirmá-lo mais à sua frente um eminente homem de
repartição para que os textos fossem diretor-geral Económico, a seguir era ainda dirigido por Colyn Coote, tarde) algumas dificuldades. Não Estado que realizara no seu país uma
emendados em conformidade. Tudo como efémero diretor dos Serviços admirador, amigo e correspondente fracionando o que articuladamente obra política de alto significado e co-
foi portanto preparado na versão Económicos Internacionais e depois do presidente do Conselho. Franco ia debitando, não fazendo pausas roada de sucesso. Essa obra tinha um
originária — e levado consequen- como diretor-geral Económico. Em Nogueira, porém, diz no volume V para facilitar uma traducão verbatim, forte cunho pessoal; era por isso que
temente à assinatura nessa versão, outubro 1959 foi-me pedido que da sua biografia (p. 94), que em 19 de nem, em boa verdade, pretendendo perguntava se alguém surgiria com
com as folhas devidamente juntas fosse ao Forte de S. João do Estoril, outubro “recebe(u) o escritor inglês fazê-lo, não raro se dirigia dire- estatura suficiente para a continuar.
sob a garantia da fita verde e ver- servir de intérprete numa entrevista Kenneth Rose”. Seria esse a cuja tamente ao intérprete, cotovelos Era uma resposta séria, respei-
melha que as reunia e estas definiti- a um jornalista inglês. Soube então entrevista assisti como intérprete? apoiados nos braços da cadeira, as tosa, razoável, e Salazar regressou
vamente tornadas inseparáveis pelo ser habitual a ajuda de alguém do Era um homem novo, pouco mãos ao alto a aproximarem-se ao seu tom normal e admitiu que
lacre na última folha, onde as duas Ministério quando o Presidente do mais ou pouco menos de 30 anos, uma da outra como que a insinuar cada um tem o seu método próprio,
partes iriam apor as suas assinaturas. Conselho tinha como interlocutor desenvolto e culto, logo de começo condensação, dizendo: “Veja se lhe pessoal e por isso quem lhe suce-
Regressados, o chefe da repar- alguém de língua inglesa. patenteando o seu entusiasmo polí- dá esta ideia”. E a ideia desenrola- desse haveria de ter o dele. Mas a
tição e eu, às Necessidades, não Foi essa a primeira vez que en- tico pelo Partido Conservador do seu va-se sóbria, articulada, coloquial e estrutura do Estado estava perfei-
tardou muito que este, visivelmente clara, a fascinar o entrevistador, que tamente organizada e impor-se-ia
perturbado pelas consequências no fim, como se fosse eu a merecer só por si. Ao chegar ao fim do que
dum esquecimento seu, irrompesse encómios me disse ao despedir-se: pretendera obter na conversa, o
pela sala da repartição a anunciar em “You have been brilliant”. Mas eu jornalista mostrou que terminara e
pânico que o embaixador acabara reproduzira apenas o mais fielmente propiciou o silêncio. Ousou acres-
de telefonar-lhe, muito agasta- centar, agora por interesse pessoal
“
do, a denunciar que o que lhe fora seu, que se sentiria muito honrado
apresentado para assinar não era se o presidente do Conselho tivesse
o que fora acordado; esperava por a amabilidade de lhe oferecer um
isso que a falta fosse prontamente dos volumes dos Discursos. Salazar
reparada. O problema não era em si O jornalista perguntou o aquiesceu prontamente, mas não
mesmo insuperável; mas já poderia libertou o seu interlocutor porque,
constituir um terrível embaraço, o que poderia esperar-se ele também, desejava fazer umas
ter de confessar-se ao presidente no país depois da sua perguntas.
do Conselho o erro cometido e a Não havia muito tinham-se
concomitante necessidade de pro- saída da cena política. realizado no Reino Unido eleições
ceder a nova assinatura, procurou- Salazar não gostou gerais, em que os conservadores,
-se maneira de remediar as coisas chefiados por Macmillan, obtiveram
de modo a não suscitar o anátema
nada da pergunta e a confirmação da vitória anterior.
beneditino (recorde-se que a resi- mostrou-o. Embalado E ele gostava de saber como se de-
dência do presidente do Conselho senhavam as coisas ali. O jornalista
ficava nas traseiras do Palácio de S.
até então por uma manifestou a sua satisfação por
Bento...). Mas a Providência ajuda conversa que o aquela vitória renovada e fez alusão
sempre os inocentes, o que a terá
premonitoriamente levado a prover
interessara, a intrusão à fraca leadership trabalhista, então
confiada a Hugh Gaitskell. Não
a repartição com um vice-chefe espúria de pergunta tão perdeu a oportunidade para fazer
extremamente habilidoso de mãos, ominosa pareceu tê-lo um pouco de humor acrescentan-
desde logo pronto a reparar uma do que a vitória de Gaitskell só lhe
falta. Felizmente, o artigo a emendar irritado poderia ter dado o prazer por ver
aparecia na segunda página e fora na também um economista na chefia
terceira que Salazar e Araújo Jorge do Governo do seu país.
haviam aposto as suas assinaturas. A impermeabilidade ao Antes de traduzir isto
Não havia senão que substitui-las, humor do entrevistado pareceu-me dever ajudar um
sem, contudo, deixar vestígios de pouco e disse a Salazar que o seu
que o foram — e aí a fita solene que (Salazar) levou o interlocutor aludia indiretamente
as tornava inseparáveis e o lacre que jornalista (do Daily à sua qualidade de professor de
garantia essa inseparabilidade cons- Economia e Finanças, dado ser
tituíam o melindroso problema. Telegraph) a escrever Gaitskell também um economista.
Ora então, o habilidoso vice- no seu artigo que só Salazar não riu nem sorriu e
-chefe, com segura paciência e limitou-se a confessar claramente
inultrapassável destreza e ajuda Albano Nogueira "A serenidade de Salazar criava ao intérprete (experimentei-o
obtivera dele um wry que não sabia. A impermeabilidade
dum estilete afiadíssimo, conseguiu então e tive ocasião de confirmá-lo mais tarde) algumas dificuldades" smile ao humor do entrevistado
levantar os lacres, desligar as fitas, jornalista levou o jornalista a
separar as páginas. Depois, foi só escrever no seu artigo que só
refazer e, emendada a segunda pá- obtivera dele um wry smile.
gina, ligar de novo tudo e relacrar a contrei Salazar na identidade pessoal país e uma efusiva admiração pelo possível o que ouvira - e que nem Quando descíamos a escada
última, ao lado das duas assinaturas do meu nome, já que nas então já estadista que iria entrevistar. sempre tinha o meu acordo. (porque Salazar acompanhava
intocadas, então já não um trabalho longínquas duas vezes em que o vira, Terá durado a conversa uma boa Estabelecera-se assim logo de sempre as suas visitas até à porta de
difícil porque o lacre novo, sobre a era eu o funcionário inominado, hora, que viria a dar lugar a um começo uma ‘simpatia’ entre entre- entrada, aberta sobre o terraço que
mancha que o velho deixara, de todo simples portador de textos solenes relato poucos dias depois no jornal vistador e entrevistado: a sintonia de dava para o mar), teve o cuidado de
a disfarçou… Fui eu próprio à rua que seriam por ele assinados. Logo - e digo ‘relato’ e não ‘entrevista’ ideias era, pelo menos assim parecia, pedir-me que dissesse que os livros
António Maria Cardoso, entregar que cheguei mandou que subisse porque a não redigiu na forma fácil completa, o que descontraiu Salazar seriam enviados essa mesma tarde
ao embaixador o texto ‘autêntico’. para o seu gabinete do 1º andar, e de pergunta-resposta literal ou e o tornou dócil no responder. para o hotel. Já sós, e como era a
O embaixador foi então amável e mal havíamos trocado palavras de aproximadamente transcrita, mas Inopinadamente, contudo, sur- primeira vez que eu lá ia, perguntou-
compreensivo. Arrependido talvez cumprimento de usual trivialidade numa condensação seletiva dos as- giu uma dificuldade: - o jornalista me, familiar e atencioso, na sua voz
de haver suspeitado (incompreen- quando foi anunciado o jornalista, suntos versados. As perguntas feitas perguntou o que poderia esperar-se às vezes modulada em falsete, “Tem
sível), amenizou as suas palavras, britanicamente pontual. foram naturalmente apropriadas e no país depois da sua saída da cena carro?” Tinha, mas era um carrito
dizendo mesmo que dera pelo erro Não sabia, nem ainda hoje por agudas, não o tendo naturalmente política. Salazar não gostou nada da (Opel Rekord) e não um carro o
logo ao assinar mas se calara ‘para vergonha minha o sei, o nome do sido menos as respostas. Sem ter pergunta e mostrou-o. Embalado veículo em que me transportava e
não estragar a festa’. Não perguntou jornalista pois que na altura me foi sido dito nada de excecional ou sen- até então por uma conversa que o era meu. J
nada e disse mais uma vez se que a apenas comunicado que trabalha- sacional, o diálogo decorreu fluente interessara, a intrusão espúria de
sagrada intocabilidade dos acordos va para o Daily Telegraph. Quando e brilhante, Salazar sempre preciso e pergunta tão ominosa pareceu tê-lo *Ortografia atualizada e de acordo com o
ficara garantida. embaixador em Londres, de meados em nada pomposo, mesmo quando irritado. Mais uma vez se voltou nosso livro de estilo (por exemplo: presidente
Passaram-se depois muitos de 1974 a fins de 1976, perguntei teve de embrenhar-se pelo especu- para mim e, sem levantar a voz mas – do Conselho – e ministro em minúsculas,
anos, visto que praticamente estive ainda ao diretor do jornal, Deeds, lativo e ideológico e o entrevistador animando-a com um vigor novo, onde no original está em maiúsculas)
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26 * Ideias ESTANTE jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ESTANTE, CRÓNICA
Ideias * 27
Arendt e o Mal
Em 2013, assinalou-
-se a efeméride dos
A PAIXÃO GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS
50 anos da primeira
edição de Eichmann
em Jerusalém - Um
DAS IDEIAS
relatório sobre a
T
motivou António Marques a escre-
ver o ensaio A Filosofia e o Mal. Nele,
o prof. de Filosofia da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas elefonei a Vera Duarte e, com a estima grande que não pode ser esquecida. Sob o pseudónimo de Osvaldo Alcântara
da Universidade Nova de Lisboa que temos, pudemos recordar o afeto dos di- defende uma identidade humanista e existencial, refletindo sobre a
e diretor do Instituto de Filosofia versos encontros que tivemos ao longo dos anos vida sofrida, o peso da insularidade e o desafio doloroso da partida
dessa instituição parte, justa- com o amigo comum Corsino Fortes, envol- emigrante para a diáspora. Alfredo Margarido fala de «Chiquinho»
mente, daquele livro de Arendt, vendo Germano Almeida, Fátima Bettencourt, como um romance não português, mas do que se trata, talvez mais,
bem como de textos essenciais de Filinto Elísio, Manuel Brito-Semedo e José Carlos é da compreensão de uma identidade diversa e complexa, típica dos
Kant, da restante obra da filósofa e Delgado... Naquele dia, havia na cidade da Praia mundos vários da língua portuguesa. Jorge Barbosa e Manuel Lopes
da correspondência que manteve uma homenagem a Corsino e quis dizer a Vera representam igualmente a afirmação da cabo-verdianidade – en-
com Gershom Scholem, Martin que estaria presente de alma e coração, apesar quanto João Manuel Varela, através de Geuzim Té Didial, recupera o
Heidegger, Karl Jaspers ou Joachim da distância e da ausência física. Sentimos, no íntimo, a intensidade mito da Macaronésia e da fabulosa Micadinaia, num regresso a antes
Fest, para propor uma "dupla tese" serena da morabeza. E nessa lembrança de bons tempos passados, de «Claridade» e de recuperação dos mitos. E não devemos esque-
que contraria a sua «banalidade falámos da língua de várias culturas e de várias línguas, da sensibili- cer, ainda, a revista «Certeza» (1944), mais marcada pela dinâmica
do mal». "Em primeiro lugar, os dade poética, da audácia rítmica do poeta, da Academia, das cautelas social. Deve, aliás, afirmar-se que Corsino Fortes, sem esquecer
crimes que Eichmann cometeu que fomos tendo na salvaguarda da diversidade cultural e linguística a sua originalidade formal e substancial, se situa na convergência
correspondem plenamente ao mal (no caso dos crioulos), da necessidade de um denominador comum entre os claridosos e a «Certeza». Tantas vezes mo recordou. Essa
radical, tal como o encontramos de entendimento, assim como do sucesso alcançado pela candida- pulsão social, nota-se na segunda fase da revista «Claridade» (1947-
pela primeira vez descrito por Kant tura da Cidade Velha a património mundial da UNESCO. E sobretudo 49) e na, com maior intensidade, na terceira (1958-59), – na qual a
e que será tratado com o pormenor recordámos intimamente os três tempos denúncia de uma dominação ancestral
necessário", começa por enunciar. sublimes de «A Cabeça Calva de Deus»: está presente em Ovídio Martins («Não
"Em segundo lugar, e precisamente desde as raízes antigas de injustiça em me aprisionem os gestos»), Terêncio
porque o mal radical é o que torna «Pão & Fonema», passando pela força Anahory («Impermeabilidade»), Osvaldo
interessante o problema do mal na esperançosa de «Árvore & Tambor», até Alcântara («Romanceiro de S. Tomé») e
sua dimensão ética, confirmaremos à busca premente da dignidade huma- Arnaldo França («Testamento para o Dia
como este determina a ação huma- na, presente e futura, de «Pedras de Claro»)…
na num âmbito muito mais geral do Sol & Substância». E ouvimos de novo: Ao lermos os ensaios de Manuel
que se pode suspeitar". «Os homens que nasceram da estrela da Duarte, Baltazar Lopes, Gabriel
manhã / Assim foram / Árvore & tambor Mariano, Arnaldo França e Onésimo
› António Marques pela alvorada / Plantar no lábio da tua Silveira, entendemos uma fecunda ten-
A FILOSOFIA E O MAL porta / África / mais uma espiga mais um são (e mesmo divergência) quanto à ge-
Relógio d'Água, 136 pp, 14 euros livro mais / uma roda / Que do coração nuinidade crioula, bem como na dialéti-
da revolta / A Pátria que nasce / toda a ca Europa / África. O tempo veio, aliás,
“
semente é fraternidade que / sangra». O a revelar que essa complexidade, bem
Os últimos ritmo poético de Corsino era intencional-
mente muito próprio e inovador, ligando
como a conflitualidade (na qual a diás-
pora tem papel relevante) só enriquecem
anos de Salazar a oralidade e o rigor da palavra, a língua
materna e a língua oficial, com o coração
a cultura cabo-verdiana, numa síntese
que lhe dá coerência, desde os primór-
"Um testemunho úni- a bater ao compasso do encontro com o O ritmo poético de Corsino era dios da «Claridade» até ao presente,
co, imparcial e essen- outro. Ana Mafalda Leite tem razão ao passando pelo tempo da independência
cial para compreender falar de um trilogia fundacional e épica da
intencionalmente muito próprio e da influência de Amílcar Cabral. A
os factos e os interesses história do país (…) em que simultanea- e inovador, ligando a oralidade experiência e a sabedoria de Corsino
que em torno de Salazar mente Cabo Verde também de novo nasce Fortes permitia-lhe compreender, como
se movimentaram, en- como terra, como país, como pátria,
e o rigor da palavra, a língua ninguém, a caminhada do povo de Cabo
tre setembro de 1968 e como identidade e como cultura fora e materna e a língua oficial, com o Verde contra todas as adversidades.
julho de 1970". Palavras
do prof. catedrático de Direito Paulo
dentro do poema».
Tivemos oportunidade de falar longa-
coração a bater ao compasso do Carmen Lúcia Secco refere que os câno-
nes literários em Corsino Fortes foram
Otero, no prefácio à 2.ª edição de mente. E houve sempre uma convergência encontro com o outro «definitivamente ultrapassados». E
Salazar - O Fim e a Morte. Vinte anos natural. Falar da cultura cabo-verdiana assim fez uma releitura da «Claridade»,
após a publicação do livro de Eduardo é lembrar a admiração do Padre António negando a proposta de «evasionismo»,
Coelho, médico de Salazar, e do seu Vieira ao pregar na Cidade Velha, Ribeira afirmando «a necessidade de fecundar
filho António Macieira Coelho (em Grande, na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, encon- a esperança na transformação por dentro das ilhas». Por outro
1995, pela Dom Quixote), e no 45.º trando aí clérigos mais letrados e cultos que os do reino. Era o resulta- lado, contrapõe a Ovídio Martins que «já não somos os flagelados
aniversário da morte do ditador, a do das régias autorizações para a escola de Latim e Moral (1555) e para do vento leste, pois o vento tornou-se metáfora anunciadora de
Esfera dos Livros lança uma nova edi- o seminário diocesano (1570), que apenas viria a estabilizar no século mudanças sociais». A literatura de Cabo Verde é muito rica, desde
ção, revista e aumentada, que inclui, XVIII, além do surgimento da rede escolar, primeiro pelo impulso o épico ao irónico, desde o lírico ao trágico… Corsino Fortes culti-
nomeadamente, um comentário de local de Júlio José Dias, Honório Barreto e José da Silva Guardado e vava o ritmo da arte e da vida, a um tempo simples e heroico. Era
Eduardo Coelho relativo ao direito depois por iniciativa oficial, através dos Liceus da Praia e depois do um cidadão experimentado, jurista, político, diplomata, poeta e
à morte e uma reflexão de António Mindelo. E como foi importante o Mindelo, lembrava-o especialmen- sobretudo cultor da sabedoria… E fui reler Manuel Brito-Semedo, a
Macieira Coelho sobre a designada te Corsino. No período 1840-1880, sente-se um romantismo originá- propósito de um encontro nosso (que cito em «Na Senda de Fernão
«presença maçónica no fim da opera- rio, desde José Evaristo de Almeida, autor de «O Escravo» (1856), até Mendes», Gradiva), sobre uma ideia síntese fundamental: «pe-
ção» de Salazar. à poesia de Emília dos Mártires Aguiar e Antónia Gertrudes Pusich. A rante os discursos totalizantes europeísta e africanista provámos
partir de 1870 e até 1930, começa a pesar a influência cultural de uma que uma posição rígida e extremada (…) não é senão uma visão
› Eduardo Coelho e António Macieira identidade plural, na qual o crioulo tem expressão. Essa tendência enviesada de um todo que surgiu como resultado de um processo
Coelho
culminará na criação da revista «Claridade», surgida no Mindelo histórico-político-social que fez a elaboração dessas duas com-
SALAZAR - O FIM E A (1936), tendo como referência Baltasar Lopes (Nhô Baltas) (1907- ponentes, a africana e a europeia, e que levou à integração destas
MORTE 1989). Mestre de tantas gerações, cultor da língua e do pensamento, duas posições que hoje constituem a vivência cabo-verdiana». E
Esfera dos Livros, 304 pp, 18 euros o autor de «Chiquinho» reganha hoje uma importância fundacional Corsino Fortes cultivava esse diálogo. J
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
debate-papo * 29
U
À
m cartaz em Espanha mostrava uma
criança com o slogan ‘maior do que
fortuna de Barcelos chegou a o medo de tomar uma vacina é o
criatividade de António Ramalho. de não ser vacinado’. A pandemia
Da linhagem preciosíssima de Rosa e dos pais que não querem vacinar
Júlia Ramalho, António comparece os filhos alastra-se a todo o mundo
como um dos mais entusiasmantes ocidental, enquanto, ironicamente, os países subde-
artistas da nova vaga barcelense. senvolvidos lutam para que, pelo menos as crianças,
Herdeiro do que poderá ser o mais tenham acesso às vacinas mais primárias, permitin-
rico imaginário da cidade, António do assim uma diminuição da mortalidade infantil.
é, ao mesmo tempo, outra coisa, uma Contradições de um mundo paranoico e assimétrico.
espécie de puro deleite pelo ainda mais bizarro, o ainda mais Partindo do princípio que, regra geral, os pais
desconcertante. querem o melhor para os filhos, de onde virá a ideia
É preciso lembrar que Júlia Ramalho soubera já de recusar qualquer tipo de vacina? Um princípio
acrescentar à obra genial de Rosa figuras agora obrigatórias, básico é que, caso a população em geral possua as di-
como é exemplo a belíssima série dos pecados mortais. O tas vacinas, os poucos outros estão seguros. Ninguém
que acontece com a linhagem Ramalho é que a inteligência se contamina sem um ‘contaminador’. A fragilidade
se mantém para uma criatividade perto do mais endémico desta lógica está na falsa perceção de minoria. Ou
sentimento nortenho, uma mescla do religioso com o seja, esta imensa minoria chegou a níveis alarmantes,
pagão que elogia a terra e o povo simultaneamente aflito e ao ponto da Organização Mundial de Saúde temer
esperançoso. que algumas doenças que se julgavam erradicadas
Tenho conversado muito com artesãos diversos de possam ressurgir no mundo ocidental.
Barcelos e contesto que se gastem com uma folia por Simultaneamente, numa sociedade adepta
imitarem na perfeição as coisas do mundo real. Desde de extremos há uma tendência para confundir a
bicicletas a automóveis, televisões ou sofás, houve um necessidade de respeitar e preservar o ambiente com
tempo em que o artesanato se iludiu com a capacidade uma veemente negação da ciência. Como se toda e
de copiar. O figurado de Barcelos, no entanto, não é isso. Figurado de António Ramalho Uma arte começadora qualquer intervenção do Homem no ambiente fosse
O figurado que importa é mais do domínio do absurdo, negativa, considerando-se que o Homem era mais
carregando o erro feliz antes das sucessivas revoluções científicas e tec-
“
e até o grotesco. Os nológicas. A ciência é a maçã que expulsou o Homem
mestres ensinaram a muitas vezes o diz, que os bonecos mais feios são os mais do seu paraíso macrobiótico. Um ideal neo-hippie
originalidade, não a bonitos para as pessoas que os compram. É modo de dizer com vários graus de envolvimento, que mantém
imitação. Ramalho, que quanto maior a carantona, maior o sentido da sua sempre uma perspetiva enviesada da História.
Côta, Mistério, Baraça, O que acontece com particular artre. Sobretudo porque coincide as mais das vezes com
Ferreira ou Sapateiro, Destacar António Ramalho, hoje com 46 anos, é notar uma ideia romântica de um certo passado, como se
todos inventaram a linhagem Ramalho que a sua arte ainda se caracteriza por ser começadora. o Homem antes da invenção das máquinas ou da pe-
como que um universo é que a inteligência Pressente-se que virá a ser mais, cada vez mais. Pode ser nicilina fosse mais feliz. Não o era. Todos os dados o
paralelo, um que vista hoje numa série de peças de pequena escala em que indicam. As doenças eram devastadoras, a esperança
traduzia mais os medos e se mantém para uma as figuras anteriores parecem juntar-se para que surja média de vida baixíssima, a mortalidade infantil e de
as aspirações populares criatividade perto uma outra sociedade de bichos. Carregados de cobras e parto elevadas. A ciência e a tecnologia salvaram os
do que as evidências do cornos, cobras a fazer de cornos, peitos de mulher e barbas, homens demasiadas vezes para serem desprezadas.
quotidiano.
do mais endémico as imagens de António são muito livres e comportam-se Há espalhadas pelo mundo comunidades de
O leão perfeitíssimo sentimento nortenho, como lebres, saíram à frente como à procura, instigando. novos hippies, naturalistas ou novos homens das ca-
do Mistério não existe Não admira que, nas grandes dimensões, reveja a medusa, vernas. Comungam de ideais bonitos, da procura de
na natureza, só existe na
uma mescla do criação também de Júlia. Inventou uma medusa maior, uma vida alternativa, exilados da lufa-lufa das gran-
arte, e talvez seja a única religioso com o pagão de cobras a cair por todos os lados, numa espécie de des cidades, fartos de smog e do tempo perdido no
hipótese de ele ser, de sensualidade perigosa. trânsito. Alguns instalaram-se em aldeias abandona-
facto, perfeitíssimo. A Eu quero ver o António a tomar conta de todo o imaginário das do interior de Portugal. Diz-se que há quem viva
diaba de três cornos da Ramalho. É indubitável que tem ganas de respeitar o que do subsídio de desemprego ou da reforma do seu país
linhagem Côta é uma coisa da arte e a realidade, com isso, se herda mas há uma quase rebeldia, ou meninice, que não se de origem. A verdade é que não precisam de muito.
espanta. A diaba de três cornos, agarrada ao seu bebé, é uma deixa intimidar. Encontramos em alguns dos seus trabalhos Fazem por viver daquilo que semeiam, num regresso
originalidade que o mundo das evidências não inventou mas pistas para que nasçam outras coisas, como gente de que a a uma agricultura de subsistência, que responde ao
agradece. gente anterior estivesse grávida. alarme ecologista, que todos devemos ouvir, que só
O que se espera de Barcelos é que o figurado pesquise Importa-me, ou agrada-me, que se pense sempre no desacelerando podemos salvar o planeta.
sempre o estranho da imaginação, como pesquise também galo, no diabo e em São João, agrada-me que surjam as Muitos confundem este saudável impulso verde
um certo belo mas nunca descurando uma perspectiva costumeiras cabras ou os bicharocos de assustar nos com a recusa algo radical da ciência, nem se aperce-
de assombro, de inusitado, provocador e surreal. O caminhos escuros, e acredito que o António Ramalho está bendo que tal representa uma medievalização social,
figurado representa o que há e o que não há, mas ficciona, prestes a dar-lhes continuidade, repondo os clássicos e trocando a luz pelas trevas. Só tomam medicamentos
adultera, caricatura, crítica. É sempre um certo exagero, propondo uma nova versão. Como sou ansioso, já tenho pela naturais, não vacinam os filhos, os bebés nascem
não é a normalidade, não quer a normalidade. Aproxima- sala várias das suas peças exuberantes. Desembruxam- sem cuidados diferenciados… Quando a coisa corre
se temente ou abusador. Faz cerimónia ao diabo ou me a casa e a vida. De facto, divertem-me enquanto não bem, a natureza sabe o que faz. E quando corre
humilha-o, pode até humanizá-lo, acarinhá-lo. De algum me escondem o que a vida tem de susto. São honestidades. mal? Esquecem-se que a natureza é a mais cruel das
modo, as pessoas lidam com o artesanato de Barcelos Deve ser por isso que, passando tanto pelo brinquedo, como deusas. Preocupa-se com a subsistência da espécie
como se pudessem venerar e esconjurar a partir do mesmo passou durante muito tempo da sua história, o artesanato mas não com a dos indivíduos. E não há nada mais
ponto de partida. Diabos e santos tornam-se toscos e de Barcelos se tornou um caso adulto e incrivelmente sério. natural do que a morte. Essa é precisamente uma
divertidos, por isso se torna fácil conviver com eles em Gosto até pouco de lhe chamar artesanato. Porque, vejo, das maiores afrontas do Homem à mãe Natureza:
casa, dar-lhes rosto. O tosco, torna-se fundamental peça a peça, esculturas magníficas e muito únicas, capazes a insana busca da eternidade, através da sucessiva
entendê-lo, é muitas vezes a virtude. A dona Júlia Côta de ombrear com os melhores resultados das academias. J invenção de novas formas de adiar o inevitável. JL
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3o * debate-papo jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
Viriato Soromenho-Marques
Uma década na Ásia
PROPRIETÁRIA/EDITORA: Medipress
Sociedade Jornalística e Editorial, Lda. NPC 501 919 023
Rua Calvet de Magalhães, nº 242 - 2770-022 Paço de Arcos
Tel.: 214 544 000 - Fax: 214 435 319 email: ipublishing@impresa.pt
GERÊNCIA: Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão,
Pedro Norton, Paulo de Saldanha, José Freire, Luís Marques, Francisco
Pedro Balsemão, Martim Avillez Figueiredo, Raul Carvalho Neves
COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE PROPRIETÁRIA:
Capital Social €74.748,90; Impresa Publishing, SA - 100%
J
Recordo-me de um artigo de jornal escrito de São José, faz uma interessante reflexão
por Eça de Queirós, logo após a declaração crítica, seguida de debate. O jantar, também
JORNAL do II Império alemão no Palácio de Versalhes, no Clube Militar de Macau, prolonga a
DE LETRAS,
ARTES E em 18 de Janeiro de 1871. Eça alertava para o discussão sobre a crise europeia, mas focada
IDEIAS
facto de que a história da Europa nunca mais em Portugal. Os meus anfitriões são, desta
PUBLISHER: Pedro Camacho seria a mesma. Em 2015 percebemos que o vez, militantes da secção local do Partido
DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos
grande escritor continua a ter toda a razão... Socialista. Um debate rico e sem reservas
Agora imagine-se o fenómeno prussiano mentais.
multiplicado por 30. O resultado chama-se
REDATORES E COLABORADORES PERMANENTES: Maria Leonor Nunes, China. Com a morte de Mao (1976) desapa- 04.06 2015.
Manuel Halpern, Luís Ricardo Duarte, Francisca Cunha Rêgo, Carolina receu o último obstáculo a que a China se
Freitas, Afonso Cruz, Agripina Carriço Vieira, António Carlos Cortez,
Carlos Reis, Daniel Tércio, Eduardo Lourenço, Eduardo Paz Ferreira, transformasse naquilo que é hoje. O país de Entrevista à rádio TDM (jornalista Gilberto
Eugénio Lisboa, Fernando Guimarães, Guilherme d’Oliveira Martins,
Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões, Jacinto Rego
que depende muitíssimo do futuro da história Lopes), que passou no sábado (6 de Junho).
de Almeida, João Ramalho Santos, João Santos, Jorge Listopad, Lídia mundial. Foi dentro dessa nuvem complexa Conferência na Universidade de Macau,
Jorge, Manuela Paraíso, Maria Emília Brederode Santos, Maria João
Fernandes, Maria Alzira Seixo, Maria Augusta Gonçalves, Miguel e múltipla do Império do Meio, em ebulição na Faculdade de Direito, num novo campus,
Real, Ondjaki, Onésimo Teotónio de Almeida, Rocha de Sousa, Tiago permanente, que encontrei esse micromun- já fora do território da RAEM. O tema, desen-
Patrício, Valter Hugo Mãe e Viriato Soromenho-Marques
OUTROS COLABORADORES: Alexandre Pastor, Álvaro Manuel do macaense, onde qualquer português que volvido em inglês, prende-se com as relações
Machado, André Pinto, António Cândido Franco, Boaventura se preze tem de confessar, comovidamente, entre a China e a União Europeia em torno
Sousa Santos, Carlos Vaz Marques, Cláudia Galhós, Cristina Robalo
que está a regressar a casa. das alterações climáticas. Defendo, perante
¶
Cordeiro, Gabriel Leite Mota, Gastão Cruz, Inês Pedrosa, João Abel
Manta, João Caraça, João Medina, José-Augusto França, José Luís
Peixoto, João de Melo, João Ribeiro, Joaquim Francisco Coelho, José
estudantes e professores muito interessados,
Manuel Mendes, José Sasportes, Lauro Moreira, Leonor Xavier, Luísa
01 06 2015 que esse desafio pode ser uma oportunidade
Lobão Moniz, Manuel Alegre, Margarida Fonseca Santos, Maria Viriato Soromenho-Marques, para a paz e a sustentabilidade global. Estão
do Carmo Vieira, Maria Fernanda Abreu, Maria José Rau, Miguel
Carvalho, Marina Tavares Dias, Mário Avelar, Mário Cláudio, Mário
de Carvalho, Mário Soares, Marcello Duarte Mathias, Nuno Júdice,
Estamos na sala do pequeno-almoço do 57 anos, prof. catedrático presentes Rui Martins e Paulo Canelas de
Ricardo Araújo Pereira, Rui Canário, Rui Mário Gonçalves, Silvina Hotel Royal, em Macau. Lá em baixo, na da Faculdade de Letras da Castro (UMAC) e Sales Marques (IEEM).
Pereira e Teolinda Gersão Praça Luís de Camões, deparamos com um
PAGINAÇÃO: Patrícia Pereira
espetáculo de harmonia e serenidade, que Universidade de Lisboa e
05. 06 2015
SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues
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sa) é notável pela qualidade e intensidade. Ao final da tarde. Apresentação do meu sa com a minha colega Ana Cristina Alves,
Hoje tenho duas entrevistas marcadas, aqui livro Portugal na Queda da Europa, no da Universidade de Macau. Terminamos o
no hotel. Com o jornal Ponto Final (recolhida Clube Militar Naval, por convite da Livraria dia no Casino Sands, onde se realiza uma
pelo seu diretor, Marco Carvalho). E, quase Portuguesa de Macau. Tiago Pereira abre a excelente atuação da Companhia Clara
de seguida, com o jornal de língua ingle- breve cerimónia. O Embaixador Carlos Frota, Andermatt, no âmbito do Dia de Portugal.
sa: Macau Daily Times (jornalista Catarina atualmente Professor de Ciência Política e Breve troca de palavras com Sérgio Godinho,
Pinto). Relações Internacionais na Universidade que tem espetáculo marcado para dia 9.
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debate-papo * 31
07 06 2015 CRÓNICA
Sai no DN, em Portugal, um artigo meu Jacinto Rêgo de Almeida
sobre a agonia grega, e o primeiro incumpri-
mento com os credores. Depois do pequeno-
-almoço, uma longa entrevista para o Hoje
Macau que saiu na edição de 12 de Junho).
Converso com o director, Carlos Morais José
e Leonor Sá Machado.
A Homossexualidade
de Serguei Eisenstein: uma ficção
Passeio com José Rocha Diniz e a sua jovem
esposa, Tuul, originária da Mongólia. Rocha
Diniz, proprietário e diretor do Jornal Tribuna
de Macau, é uma figura respeitadíssima na
RAEM. Sempre pronto a ajudar os jovens jor-
H
nalistas que aqui chegam. Em Taipa visitamos
a antiga Câmara Municipal, musealizada.
Passeamos pelas Casas-Museu de Taipa. Um
complexo de cinco moradias amplas, construí- á uma compreensível curiosidade sexual do clássico realizador russo (nascido na Letónia) e a
das em 1921. Em ambos os casos percebe-se que pela vida pessoal de importantes sua descoberta da homossexualidade com um guia turístico
as autoridades chinesas investem seriamente artistas e criadores que com as suas durante as filmagens de “Que viva México” (1931). O filme
na preservação não só da língua portuguesa. obras contribuíram para enriquecer inspira-se numa versão posta a circular pelo cineasta inglês
Mas também da sua memória arquitetónica e a vida de todos nós. que tem como base o fato de não existir uma biografia oficial
cultural. Os turistas, 99% da China Continental, Camões, Fernando Pessoa, de Eisenstein, o que o faz suspeitar de que o comportamento
visitam exposições sobre as regiões de Portugal. Cervantes, Kafka, Proust, Van ou a vida pessoal do realizador teria segredos que
Do Alentejo aos Açores. Almoço no grande Gogh, Conrad, Oscar Wilde, manchariam o prestígio do militante do Exército Vermelho
Casino Venetian, no restaurante “Porto Fino”. Orson Welles, Miguel Ângelo… desde 1918, membro do movimento de arte de vanguarda
Os dados são avassaladores: 4 000 suites. Mais têm sido objeto de investigações a respeito da sua vida russo, teatrólogo e importante cineasta do país que
de 20 000 empregados. O grupo é americano, íntima. Porque Fernando Pessoa não casou com Ofélia as autoridades não gostariam de revelar. Apenas isso,
mas o Casino de Macau é muito maior do que o Queiroz? Casado, teria escrito o que escreveu? Ele foi suspeitas de Peter Greenaway serviram de base a um filme
de Las Vegas. Posamos para uma foto ao lado de simpatizante do Estado Novo como defendeu Alfredo realizado pelo próprio e que o coloca na agenda cultural, da
uma família chinesa, a seu pedido. Margarido ou, ao contrário, foi um (discreto) crítico do controvérsia e do escândalo. Segundo informações sobre
É impossível estar em Macau sem abordar salazarismo? Kafka não casou com Felice para se dedicar a o filme exibido no último festival de cinema de Berlim, é
a questão dos casinos. Há 12 meses que os seus escrever a sua obra? E porque antes de morrer recomendou apresentada uma visão barroca e extravagante que retrata
lucros caem. A agência Bloomberg, dispa- ao seu editor a destruição de todos os originais não o cineasta russo como um bebé grande e histriónico que
ratadamente, comparou Macau à Grécia e à publicados? Há a versão de que Van Gogh teria cortado a se abre para a plenitude homossexual. A interpretação de
Ucrânia, pela queda abrupta do PIB. Mas, como sua orelha para a oferecer a uma prostituta por ocasião da Elmar Back no papel de Eisenstein e a sua sodomização
dizem os economistas regionais na impren- sua pintura “Os girassóis”. tendem ao grotesco, segundo os
sa, Macau não tem desemprego, nem dívida Apenas uma versão pouco críticos.
pública... Também na imprensa, Sonny Lo, conhecida. E o que dizer Com o filme “A greve” (1924),
director do Departamento de Ciências Sociais da austera vida amorosa de Serguei Eisenstein participou
do Instituto de Educação de Hong Kong explica Borges? E a respeito de Proust? ativamente da Revolução de 1917
que o governo da RAEM tem de compreen- E de Luis Buñuel? Há exceções, na Rússia e mostrou que arte e
der que a China tem 3 objetivos: a) combate à como Ernest Hemingway política podiam caminhar juntos.
corrupção, liderada pelo Presidente Xi Jinping; ou Picasso que por várias Foi pioneiro com “O couraçado
b) controlo da fuga de capitais; c) estímulo para razões têm a sua vida privada Potemkin”, uma das obras mais
a diversificação económica de Macau, trans- bastante conhecida. De Serguei importantes da história do
formando-o num centro turístico e cultural de Eisenstein pouco se sabe. cinema, por ele realizada quando
dimensão mundial. Mais um fator a contribuir E os grandes artistas tinha 27 anos, na afirmação do
para a aposta na marca portuguesa como fator que se sujeitaram a realizar cinema como expressão artística,
de diferenciação. Outro tema de atualidade é as suas obras a serviço de criou a “montagem intelectual ou
a proibição, para breve, do fumo nos casinos. grandes interesses políticos, didática” e influenciou gerações
Steve Wynn, um magnata do setor, encolhe os empresariais ou religiosos? de realizadores em todo o mundo.
ombros perante o inevitável. Prefere recordar Por medo? Por ambição? A convite da Paramount ou da
que enquanto em Las Vegas o imposto cobrado Por convicção? A arte MGM, dependendo da versão,
sobre as receitas brutas do jogo é de 8%, em sempre serve a alguém. esteve nos E.U.A. para realizar um
“
Macau ele é de 39%! Os escritores, artistas e filme baseado no livro “A tragédia
realizadores de cinema de americana” de Thedore Dreiser,
8 a 10 de Junho países ocupados pelo nazismo e lá tornou-se amigo de Charles
que procuraram refúgio Chaplin, Douglas Fairbanks e
Tiago Pereira concedeu a si próprio um dia de no continente americano Mary Pickford. Mas afastou-
férias para nos levar a Hong Kong. Tendo-o e muito contribuíram para “A informação selvagem, uma se de Hollywood para realizar
como cicerone experiente visitamos pontos tu- a cultura cinematográfica realidade da época em que vivemos, “Que viva México” a convite da
rísticos centrais, como o Peak. Que impressiona dos E.U.A. (por exemplo) produtora Upton Sinclair. No
pela beleza natural e paisagística. A 9 passamos e os que permaneceram conjugada com a da ficção – que país- latino-americano tornou-
o dia a veranear pela zona de Stanley. Praias e ao serviço do nacional- transforma uma história em realidade se amigo do casal Diego Rivera/
pequenas lojas. Massagens, para retemperar socialismo e serviram de base Frida Kaloh, mas o filme teve as
pernas fatigadas. Viajamos de barco para Tsim à sua eficiente propaganda
- têm o poder de criar verdades que filmagens interrompidas após dez
Sha Tsui. Às 20 podemos usufruir de um espe- são assunto de estudos e provavelmente nunca existiram” dias de trabalhos por problemas
táculo de som e cor, protagonizado por uma pesquisas por esse mundo de ordem financeira. Após a
espécie de confederação estética de grandes fora. A Capela Sistina realização do filme “Outubro”,
edifícios, mesmo na grande avenida em frente. pintada por Miguel Ângelo são bastante conhecidos os seus
Dia 10, dia de Portugal, é a data adequada para constitui uma extraordinária propaganda para o catolicismo conflitos com Stalin, que pretendia a todo o custo governar a
regressar à pátria. Estamos a verificar se não romano, afirmou o cineasta Peter Greenaway, que imaginação dos artistas. Casou em 1934 com Pera Atasheva
nos esquecemos de nada no quarto de hotel, conheci ocasionalmente, no Rio de Janeiro, por ocasião da com quem teve dois filhos, Julia e Mikhail. Morreu em 1948.
que fica bem no centro da cidade, em Wong apresentação de um filme de sua autoria, creio que “O livro Ao realizar uma obra de ficção sobre uma outra possível
Chuk Hang Road, quando lá fora, entre dois de cabeceira”, nos anos noventa do século passado. Tem um ficção, ambas criadas pelo cineasta inglês, as duas tornam-se
prédios de mais de trinta andares, vemos o estilo próprio pelo uso de elementos de arte renascentista e reais.
flutuar de uma rapina. Fotografo. Amplio. barroca na sua obra e realizou importantes filmes como “A A informação selvagem, uma realidade da época em que
Parece ser uma águia imperial asiática (Aquila barriga do arquiteto” (1987) e “O cozinheiro, o ladrão, sua vivemos, conjugada com a da ficção – que transforma uma
heliaca). Talvez não existam mais de vinte mil mulher e o amante” (1989). Era aqui que eu queria chegar. história em realidade - têm o poder de criar verdades que
destas criaturas em todo o planeta. Não poderia Foi anunciado que o próximo “Queer Lisboa”, em provavelmente nunca existiram.
existir mais auspicioso sinal nesta despedida Setembro, será encerrado com o ultimo filme de Greenaway, E isso é muito perigoso. É ignóbil. Serguei Eisenstein
asiática. JL “Eisenstein in Guanajuato”, uma ficção sobre a pulsão merecia descansar em paz.. JL
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32 J jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
PARALAXE
Afonso Cruz
H
á várias teorias tão resistentes ao acaso, aos terrores
sobre a queda naturais, aos acidentes de avião.
do Homem. Tentamos encontrar culpados, encontrar
Uma delas é a motivação, malícia. E faz sentido fazê-lo
soberba. Não é numa sociedade em que são os homens
a mais popular, a criá-la, numa sociedade em que somos
o sexo é sempre nós que ditamos as leis, em que erigimos
mais sedutor. edifícios, recompensas e castigos. Assim,
Mas a explicação devemos encontrar culpados, ainda que
da soberba tem a sua razão de ser. De um sismo seja um acontecimento difícil
repente, ao comer o fruto, conhecemos de enquadrar. Voltaire, referindo-se ao
o caroço, percebemos a semente. E, de terramoto de Lisboa, escandalizou-se
seguida, semeamos. Essa será talvez com o modo como a Natureza, em pleno
a maior mudança de paradigma da Século das Luzes, ainda se portava de um
sociedade. Antes vivíamos a agradecer modo tão bárbaro.
aos deuses, a Deus, à Natureza. Éramos Chuang Tsé tem uma história de um
nómadas e vivíamos do que nos era dado. pescador que, quando a maré faz com que
Dizíamos obrigado aos rios, às abelhas, outros barcos batam no seu, não reclama,
aos ventos. Mas um dia, ao trincar mas fá-lo se esses barcos baterem no seu
uma maçã, percebemos a função das quando conduzidos por outros homens.
sementes. Compreendemos que podemos No fundo, o resultado é o mesmo, mas
fazer nascer da terra a nossa própria num, não conseguimos encontrar
comida, que já não dependemos de responsáveis, enquanto noutro sabemos
fatores externos, de deuses ou Deus, que apontar os culpados e castigá-los. Os
podemos semear, que podemos cultivar nómadas não tinham esta noção de
nós próprios. Essa mudança é radical. castigo: o terramoto e a maçã pendurada
O homem já não precisa de Deus ou da na árvore pertenciam à mesma mãe. Mas
Natureza, já não tem de lhes agradecer. numa sociedade em que se desenvolveu
Agora é dono do mundo, dos peixes, dos muito a noção de livre-arbítrio e de
animais que aprendeu a domesticar (do culpa, há que encontrar motivos que não
mesmo modo que aprendeu a semear). sejam tão irracionais quanto a Natureza.
Domina a Natureza. Não é ela que lhe Por vezes, ficamos confusos no
dá de comer, é ele que faz com que ela que respeita a estas questões. Quando
o alimente, uma massa passiva que ele acontece um sismo, tentamos culpar o
trabalha com o seu suor. O mundo passa planeamento urbano, a falta de sistemas
a ser uma espécie de plasticina que de segurança, etc., mas na política,
moldamos como crianças, segundo a ignoramos os estragos, invocando a
nossa vontade. irracionalidade: os mercados nervosos,
Deixámos de agradecer à terra, as pressões externas… Não há culpado,
os rituais mudaram, tornaram- não há o rosto de alguém responsável.
se castigadores. Antes, a Natureza Nessas alturas, somos como povos
providenciava tudo, aos bons e aos nómadas que não culpam, limitam-se
maus, preguiçosos ou empreendedores, a recolher o que lhes dão, e a agradecer
mas depois, com o trabalho, com a ou a fazer sacrifícios aos deuses. E nós,
agricultura, é o esforço de cada um que acima de tudo, precisamos de coerência.
“
nos garante a comida. Se merecer, recebe, Ou bem que somos apenas recoletores ou
se não merecer, morrerá à fome. O Empírico devem as suas dúvidas ao facto caçadores e vivemos de agradecimentos
castigo e o dever e a justiça surgem como de alguém no Crescente Fértil se ter e rituais propiciatórios, ou somos, pelo
baluartes civilizacionais. O Homem não lembrado de colocar uma semente na menos em algumas questões, senhores
perde a crença no divino, mas Deus passa Deixámos de agradecer terra. do nosso destino e assumimos as nossas
falhas e exigimos que outros assumam as
a ser visto à luz da sociedade: torna-se Os rituais mudam, é claro, mas
uma espécie de juiz, que atua conforme o à terra, os rituais mudaram, mantêm algumas características suas. Adão, depois de comer o fruto e ser
nosso comportamento, age confundindo- tornaram-se castigadores. de outros tempos. A missa é um interrogado por Deus, apontou para Eva.
se com leis seculares, agraciando-nos ou agradecimento e eucaristia significa, E esta para a serpente. E se a serpente
castigando-nos de acordo com a nossa Antes, a Natureza literalmente, obrigado. Há quem tivesse alguém abaixo dela, seria para
atitude moral, dedicação, devoção e providenciava tudo, aos bons agradeça a Deus a comida que tem na onde apontaria.
trabalho. O Homem já não precisa do que mesa antes de a comer, como se ela Comemos uma maçã, já devíamos
a Natureza dá espontaneamente, porque e aos maus, preguiçosos tivesse caído dos céus em vez de ser saber onde está o caroço das coisas. J
cria, ele próprio, sem necessidades ou empreendedores, resultado do trabalho. Apesar destes
ulteriores. Deus verá a sua influência resquícios de uma sociedade nómada,
diminuir cada vez mais devido a esta mas depois, com o trabalho, tudo o resto está intimamente ligado às
mudança de paradigma. com a agricultura, é o esforço mãos de quem faz, à responsabilidade
Semear trigo fez nascer o livre- e à culpa, ao facto de sermos criadores
arbítrio. Ao plantar uma árvore, planta-
de cada um que nos garante e culpados por quase tudo o que nos
se também o ceticismo. Pirro e Sexto a comida acontece. E, por esse motivo, somos
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Nº 220 * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015
Suplemento da edição nº 1171, ano XXXV,
do JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias
com a colaboração do Camões, I.P.
Festlip 2015
Pág. 3
MISTERMAN, ELMANO SANCHO
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2* jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J
Margarida Calafate Ribeiro para que o guas de emancipação». Em primeiro África Austral, 1575», cidade «no como Luandino Vieira mostrou,
português, «uma língua de opressão, lugar porque eram a língua da cultura, sentido romano do termo, capaz de como Chinua Achebe mostrou na
de colonização», se tenha tornado «a língua em que as pessoas eram criar a civitas, a cidadania». Nigéria, que pessoas de pele negra são
«uma língua de emancipação» e seja escolarizadas – as poucas que eram O português desempenhou ainda personagens, podem ser personagens,
hoje em dia idioma oficial de Angola, Pepetela escolarizadas», depois porque era a um papel importante não só nas têm vida para contar. Há um contexto
Cabo Verde e Moçambique, que língua do processo de assimilação – políticas de assimilação – ao fazer o que as identifica. Têm línguas para
declararam a independência há 40 «e nós sabemos bem que uma parte povoamento e misturar pessoas que falar». «A língua portuguesa tinha
anos, a que se soma a Guiné-Bissau, substancial dessa primeira consciên- falavam línguas diferentes – mas na que ser descolonizada da língua do
que proclamara essa independência Exemplifica com a lendária cia nativista vem justamente do grupo própria guerra colonial/guerra de li- colonizador para ser representativa
em 1973 nas matas de Madina do Boé, viagem de Samora Machel, primeiro dos assimilados» – e ainda porque era bertação, porque nos dois campos «as dos outros de Luanda, daqueles que
e Timor-Leste, brevemente indepen- Presidente de Moçambique indepen- a língua da «ordem, que é o direito, e pessoas tinham de se entender entre si se chamavam, nos tempos coloniais,
dente em 1975, e que está a reintrodu- dente, «do Rovuma ao Maputo», isto da religião institucional, pela qual as numa língua». ‘os outros de Luanda’», explica
zir o português, depois de se libertar é, desde a Tanzânia à antiga Lourenço pessoas também querem, de alguma Margarida Calafate Ribeiro. «O que
em 2002 da anexação indonésia. Marques, depois do acordo de paz de forma, serem reconhecidas». é importante de facto nestes projetos
Essa transformação do português Lusaca, pontuada nas suas etapas por De entre estes fatores, a investiga- é que o literário é político. E é nessa
em língua emancipadora, a partir das enormes comícios em que discursou dora do CES sublinha a importância do não-disjunção que se cria a estética
independências - que permitiu o seu em português. Samora Machel «sabia «mecanismo da assimilação», presen- destas literaturas».
«grande salto» naqueles países, «até perfeitamente (…) que ninguém o te nos colonialismos português e fran- «Ora inscrever essa diferen-
em termos do número de falantes» estava a entender, mas politica- cês, mecanismo esse que considera ça no tecido literário (…) torna de
-, resultou de «uma atitude políti- mente aquilo era uma afirmação «extremamente perverso», porque, facto a língua portuguesa língua de
ca inicial de construção da nação» absolutamente necessária para que com ele, «o colonizador acredita que o emancipação», considera Margarida
por parte dos dirigentes africanos, as micro-nações que compunham outro quer ser como nós, e o outro, no Calafate Ribeiro, que acrescenta: «há
afirma a investigadora no Centro de Moçambique se constituíssem como seu processo de lenta alienação, quer um processo funcional das pessoas
Estudos Sociais (CES) da Universidade Estado-nação moçambicano». ser como o colonizador, mas a perver- se entenderem, de produzirem os
Exclusão, inclusão
Aliás, as línguas nacionais não A influência das línguas nacio-
estão excluídas da vida social e nais sente-se assim na literatura es-
cultural. Em Moçambique, refere a crita em português. Quando «lemos
na administração do Estado, por um tecido local que corresponde a explica-se, segundo a investigadora que lingua escrever?”
não ser a língua materna de largos território, língua e etnia». «É um do CES, pelo facto de, quando a ex- A investigadora defende aliás
setores populacionais. colete-de-forças muito comple- -colónias portuguesas ascenderam que há uma «herança dupla»
Para Margarida Calafate Ribeiro, xo e ainda hoje vemos isso», diz a à independência, o debate sobre destas literaturas, resultado da
titular da cátedra «é óbvio» que, investigadora do Centro de Estudos essa questão «já estar feito do ponto «inscrição de outras nações»,
sendo a língua «poder e conheci- Sociais da Universidade de Coimbra, político» (v. texto principal). Luandino Vieira e Alda Espírito Santo que se exprimem também nos
mento», a utilização do português que refere as polémicas que surgem Margarida Calafate Ribeiro, revivalismos culturais bantos.
cria «mecanismos de exclusão». quanto à etnia dos protagonistas que publicou entre várias obras, «uma cultura e uma literatura Essa herança, diz, «é escrita, que é
Mas a escolha de outra língua políticos sempre que há eleições. um livro sobre as literaturas da muito oral». Aliás, relativamente veiculada em português e se torna
nacional também criaria «meca- No entanto, para Margarida Guiné-Bissau em português, com à língua, «uma das grandes armas instrumento de comunicação, e
nismos de exclusão muito comple- Calafate Ribeiro, «se o sistema de Odete Semedo, atual ministra da que o colonizador leva é a escrita», oralidade». Por isso, ler em voz alta
xos», nomeadamente em Angola ensino e o sistema de desenvolvi- Educação daquele país, diz que as considera. «Esse confronto entre as obras de Boaventura Cardoso,
e Moçambique, onde na indepen- mento funcionarem serão criados os autoras tiveram consciência de a escrita e a oralidade dá também, Manuel Rui, Odete Semedo, ou
dência foi feita a opção de escolher mecanismos de inclusão e de acesso haver «outros universos literá- sem exotismos, essa originalidade mesmo Luandino Vieira, «às vezes
o português como língua oficial. a um outro mundo». rios», porque a Guiné-Bissau possui das literaturas africanas». faz mais sentido». A reminiscência
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J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
* 3
pela língua, pela raça, pela religião,
no fundo por aquilo que nós podemos
que a representação de uma cidade
como Luanda é hoje muito diferente Manuela Soeiro homenageada Depois de criar em 2014 o portal
que disponibiliza em linha drama-
dizer que nos identifica, que define a
nossa identidade».
da que foi dada pela literatura colonial
ou até por Luandino Vieira, António no Festlip 2015 turgia dos nove países de língua
portuguesa (www.portaldlip.com),
O facto de alguns de esses autores Cardoso e António Jacinto. «A repre- o Festlip «dá início este ano a um
serem brancos - que sobretudo clan- sentação de Luanda é muito diferente, intercâmbio de produção teatral e
destinamente participaram no movi- porque a população mudou imensa- um concurso internacional de poe-
mento de libertação - não lhes retira mente com a guerra, tornou-se um sia, na tentativa de reforçar ainda
a qualidade de africanos. «Como lugar de refúgio para imensas pessoas. mais os laços entre essas nações
dizem os sul-africanos: born in Africa. É uma cidade africana completamente irmãs», declarou Tânia Pires, idea-
Portanto, são africanos. São africanos sobrelotada, em que, por exemplo, lizadora do festival, que contabiliza
brancos. sintetiza a investigadora. Os essa literatura do musseque implodiu desde a sua primeira edição um
protagonistas dessa literatura, refere, de alguma maneira». «Hoje em dia, público de mais de 250 mil pessoas.
são assim «essencialmente brancos, aquilo que poderia descrever melhor Três outros eventos pontuam
mestiços e alguns negros, no início». a cidade de Luanda, que vai desde um ainda o Festlip na sua ‘vitrine
Uma abordagem que apresenta simi- Pepetela aos novos poetas, é aquela cultural’. São eles a palestra do
litudes com a que o escritor nigeriano mobilidade, aquela gente toda em escritor português Hugo Cruz, que
Chinua Achebe teve no debate sobre trânsito, um trânsito que não anda, lança o livro Arte e Comunidade,
se os autores africanos deviam escre- numa coisa que não funciona, mas sobre a importância dos projetos
ver em inglês ou nas línguas nativas, em que toda a gente mais ou menos se artísticos comunitários, a oficina
nacionais, ao considerar que quando safa e, sobretudo, em que toda a gente teatral O Teatro da língua portugue-
escrevia em inglês, a língua inglesa era mais ou menos encontra, apesar de sa sem a quarta parede, conduzida
africana. tudo, um lugar. Ora isso são mudanças pelo encenador angolano José
muito grandes». Mena Abrantes com a presença
A mudança também esteve «nos dos grupos participantes e aberta
grandes projetos literários, de um a jovens atores e estudantes de
Pepetela, de um Manuel Rui», que MutumbelaGogo OsmeninosdeNinguém teatro, e a palestra e oficina do en-
pretenderam criar, não já a nação, cenador Carlos Pessoa com o tema
mas «um Estado pela cultura». Isso Audiovisual nos palcos.
FOTO LUSA ANTÓNIO SILVA 2015
para os cartesianos, mas que nestas Camões, I.P. e o patrocínio insti- Teatro da Garagem. Finge José Mena Abrantes. O Brasil está
literaturas e nestas expressões cultu- tucional da Embaixada portuguesa representado pelo Teatro Luna
rais não é, porque começa por uma em Brasília, estará representado Lunera, com a peça Aqueles Dois,
coisa: a maioria das pessoas é ge- por Misterman, uma peça do autor criação e encenação da própria
nuinamente bilingue». «Isso é uma irlandês Enda Walsh, apresenta- do Festlip – com atores de Angola, companhia, enquanto Cabo Verde
das coisas que se vê nas literaturas, da pelo encenador e ator Elmano Brasil, Cabo Verde, Moçambique traz o texto Adão e Eva, de Mário
a duplicidade da personagem, que Boaventura Cardoso Sancho (Premio de Melhor Ator e Portugal –, coproduzido pelo Lúcio Sousa, encenado por João
é perfeitamente ocidental, mas que de Teatro 2014 da Sociedade festival e pelo Teatro de Garagem, é Paulo Brito com a companhia
depois tem muitas outras formas de Portuguesa de Autores com este «o início do processo de intercâm- Sikinada, criada em 2005 na
ver e de olhar e de se relacionar». trabalho), e por Finge, um texto de bio e parceira artística, abrindo o Cidade da Praia.
Margarida Calafate Ribeiro faz Carlos J. Pessoa, que é também o mercado de trabalho para os países A Galiza marca presença pela
mesmo o elogio do bilinguismo responsável pela encenação levada participantes, além de permitir segunda vez no Festlip, represen-
africano. «A maioria dos africanos à cena no Rio de Janeiro pelo Teatro a reflexão a respeito da produção tada este ano pelo ator, músico e
(…) são absolutamente bilingues. O da Garagem, que já esteve presente teatral no contexto internacional». encenador Borja Fernández, que
bilinguismo é inerente ao africano. É na edição de 2013 do Festlip. Para celebrar os 450 anos do apresenta a peça Barbazul, sob a
muito comum [os africanos] falarem No âmbito do III Encontro Rio de Jjaneiro, o Festlip promoveu direção de Marta Pazos, dividindo
o inglês (o português, o francês) e Cultural de Língua Portuguesa, pela primeira vez um concurso de o palco, a autoria do texto e a ban-
a língua da cidade, ou a sua língua Carlos J. Pessoa tem também a seu poesia, aberto a todos os países de da sonora com Mónica de Nut.
FOTO LUSA ANTÓNIO SILVA 2013
materna, de origem, dependendo cargo a primeira oficina ‘A Falar língua portuguesa, com temática Música dos países de lín-
de onde as pessoas são. Isto é uma que a Gente se Entende’, cujo sobre a cidade. Durante o festival, gua portuguesa no Festlipshow,
riqueza muito grande, porque uma intuito é «promover a economia os melhores textos serão apresen- oficinas destinadas às crianças e
língua dá-nos outra forma de ver o criativa». A nota de imprensa ex- tados numa exposição audiovisual, uma festa gourmet com sabores de
mundo, é um património único que plica que a oficina, que dará origem interpretados por atores cariocas, Moçambique completam a progra-
levamos para todo o lado». Ungulani Ba Kha Khossa a um espetáculo na próxima edição refere a nota. mação.
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| agenda Cultural |
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| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro
E Nascido na República.
10 h às 18 h
F IGUEIRÓ DOS V INHOS até 27 de setembro E Imagens de um Mundo Flutuante
E Suites Monumentais e Algumas Variações mostra de estampas, livros e
100 Anos do Museu de Évora álbuns da coleção Paul Ugo Thiran.
até 4 de outubro Museu e Centro de Artes Exposição de pintura de José de Guimarães.
av. José malhoa. Tel.: 236 552 195 até 27 de setembro até 23 de agosto
E Curiosidades de D. Frei Manuel do Cenáculo 3ª a D om ., Das 10 h às 12 h 30 E Das 14 h às 18 h
até 31 de dezembro Centro Cultural de Belém
E Os Caminhos do Palacete S. Tiago
Naturalismo em Figueiró Tel.: 253 423 910 Pç. do Império. Tel.: 213 612 400
Fundação Eugénio de Almeida 2 ª a 6 ª , Das 8 h às 20 h ;
Páteo de são miguel. Tel.: 266 748 300 dos Vinhos. Casos e Mistérios 3ª a sáb., das 10h às 24h
s áB ., D om . E F ERIaDos , Das 10 h às 18 h
E O Museu a Haver até 30 de outubro E Desde o Começo Não Há Nada /
E Vis-à-Vis: Nuno Cera (2015)
até 6 de setembro Since the Start There Is Nothing
até 13 de setembro
mostra do artista vimaranense avelino sá.
Torre do Salvador
GUARDA até 29 de agosto
Culturgest
Tel. (info.): 266 769 450 R. arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155
Museu da Guarda
E Reciclar, Reutilizar, Repensar R. General alves Roçadas, 30. Tel.: 271 213 460 LEIRIA E Honey, I Rearranged
até 26 de setembro 3ª a D om ., Das 10 h às 19 h the Collection... by Artist:
E Arte Portuguesa dos m|i|m|o - Museu da Cartazes da Coleção Lempert
FARO Séculos XIX e XX: Retrato, Arte em Movimento (capítulo 1 / 2.ª parte)
Paisagem, Mobiliário e Escultura Lg. de s. Pedro. Tel.: 244 839 675 até 13 de setembro
Teatro das Figuras exposição permanente 2ª a6 ª , Das 10 h às 13 h E Das 14 h
horta das Figuras, E. N. 125. Tel.: 289 888 100 E Museu da Guarda: às 17 h 30; s áB ., Das 14 h às 17 h 30
Fundação Arpad Szènes - Vieira da Silva
T Nilton ao Vivo Coleção de Armaria E 40 Anos – 4 Fotógrafos: Pç. das amoreiras, 58. Tel: 213 880 044
28 de agosto – 21h30 até 31 de dezembro Moçambique em Foco 3ª a Dom .. Das 10 h às 18 h ; ENCERRa 2ª E FERIaDos
até 22 de agosto E A Linha do Espaço
até 20 de setembro
Teatro José Lúcio da Silva
av. heróis de angola. Tel.: 244 834 117 Fundação Calouste Gulbenkian
M Entremuralhas av. de Berna, 45ª. Tel.: 213 880 044
27, 28 e 29 de agosto 2ª, 4ª a D om .., Das 10 h às 18 h
E Próximo Futuro:
LISBOA Casa-Arquivo no Jardim Gulbenkian
até 27 de setermbro
E António Cruz
Museu Nacional de Arte até 19 de outubro
Contemporânea – Museu do Chiado E Olhos nos Olhos:
R. serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148
O Retrato na Coleção do CAM
A Fuso 2015 - Anual de Vídeo até 19 de outubro
Arte Internacional de Lisboa E X de Charrua
27 de agosto até 26 de outubro
E Tensão e Liberdade. Tensión
Arquivo Nacional Torre do Tombo
y Libertad. Tension and Freedom
al. da Universidade. Tel.: 217 811 500
até 26 de outubro
2 ª a 6 ª , Das 9 h 30 às 19 h 30; s áB ., Das 9 h 30 às 12 h 30
E Pena de Morte: da Justiça E Fantin Latour e Manuel
Punitiva à Justiça Corretiva Botelho: Meeting Point
até 26 de outubro
até 19 de setembro
E Cartulários na Europa E Todos os Livros
até 26 de outubro
Medieval: Textos e Contextos
até 19 de setembro
E Próximo Futuro: Arte
em Rede – Lugares-entre-lugares
até 19 de novembro
Biblioteca Nacional de Portugal
Campo Grande, 83. Tel.: 217 982 000
E Orpheu Acabou. Orpheu Continua MUDE - Museu do Design e da Moda
até 21 de agosto R. augusta, 24 . Tel.: 218 88 6 117
3ª a D om ., Das 10 h às 18 h
E Ernesto Vieira (1848-1915): um
E Caleidoscópio.
Precursor da Musicologia Portuguesa
até 27 de agosto
A Alta-Costura de Christian Lacroix
até 30 de agosto
E Jorge Ferreira de Vasconcelos:
E Como se Pronuncia
um Homem do Renascimento
até 28 de agosto
Design em Português?
até 30 de agosto
E Suzanne Daveau: uma Vida
de Investigação Geográfica
até 31 de agosto
Museu de São Roque
Lg., Trindade Coelho. Tel.: 213 235 444
E Os Dois Últimos Grandes Publicistas: 2 ª , Das 14 h às 19 h ; 3 ª a D om ., Das 10 h às 19 h
Sampaio Bruno e França Borges ( sETEmBRo ); 2 ª , Das 14 h às 18 h ; 3 ª a D om ., Das
até 11 de setembro 10 h às 12 h 15 E Das 13 h 30 18 h
E Joaquim Veríssimo Serrão: E De Roma Para Lisboa:
uma Vida ao Serviço da História Um Álbum Para um Rei Magnânimo
até 2 de outubro até 25 de outubro
© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
1427333
| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro
Museu Nacional de Arte E Aqua: Faianças da Coleção do MNAA Palácio Nacional da Ajuda dos 3 aos 6 anos. Marcação prévia.
Contemporânea – Museu do Chiado até 27 de setembro Lg. da Ajuda. Tel.: 213 620264 1 a 30 de setembro
R. Serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148 E Luca Cambiaso E Ricordo di Venezia. Vidros de P Brincando no Mosteiro
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H e o seu Círculo. Desenhos Murano da Casa Real Portuguesa Oficina pedagógica dirigida a crianças
E Eu e os Outros. Coleção Alberto Caetano até 18 de outubro até 20 de novembro dos 3 aos 6 anos. Marcação prévia.
até 30 de agosto 1 a 30 de setembro
E Hotel Globo de Mónica Miranda Museu Nacional de Etnologia Torre de Belém P Explorando o Mosteiro
até 27 de setembro Av. Ilha da Madeira. Tel.: 213 041 160 Tel.: 213 620 034 Jogo de pistas dirigida a crianças
E Sousa Lopes 1879-1944. Efeitos de Luz 3ª, DAS 14 H ÀS 18 H , 4 ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H 30 dos 6 aos 13 anos. Marcação prévia.
até 8 de novembro E O Museu, Muitas Coisas E Com Olhos de Ver 1 a 30 de setembro
E Echoes on the Wall: Oikonomia: exposição permanente até 31 de agosto P Mistérios da Pedra
uma Questão de Confiança E 10 Anos Depois: Objetos de Outros Jogo de pistas dirigida a crianças
até 21 de fevereiro 2016 Lugares. Doação Francisco Capelo dos 6 aos 13 anos. Marcação prévia.
Centro Cultural de Belém
E Narrativa de uma Coleção - Arte até 31 de outubro 1 a 30 de setembro
Pç. do Império. Tel.: 213 612 400
Portuguesa na Coleção da Secretaria E Artes de Pesca: Pescadores, P Aventura no Mosteiro
M Jazz Vista Tejo Somersby: Ana Cláudia
Práticas, Objetos Instáveis Jogo de pistas dirigida a crianças
de Estado da Cultura (1960-1990) R ESTAURANTE E STE O ESTE
MNAC – R UA C APELO até 31 de outubro 27 de agosto – 19h30 dos 6 aos 8 anos. Marcação prévia.
até 12 de junho 2016 1 a 30 de setembro
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| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro
PONTE DE SOR
M Academia de Verão Remix
Ensemble: Remix Ensemble
até 26 de setembro
T Peter Pan
ViLA REAL
29 de agosto – 19h30 encenação e adaptação de Paulo Cintrão.
Teatro de Vila Real
Centrum Sete Sóis Sete Luas M Academia de Verão Remix interpretação de Clemente Samba, Érica
Al. de Grasse3. Tel.: 259 320 000
Av. da Libertade 64-F. Ensemble: Ensemble da Academia Rodrigues, Fábio Ferreira, Gonçalo Lima, Joana
Lobo, entre outros. Pela bYfurcação Teatro. D Bailómondo
E “Era uma vez...” O Pastel Conta 30 de agosto – 19h30 21 de agosto – 22h
exposição de pintura de Sandro Libertino. 6ª, àS 16h (AGoSTo); SáB., àS 16h; Dom., àS 11h e 16h;
M Academia de Verão Remix M Cuca Roseta: Riû
até 19 de setembro até 11 de outubro
Ensemble: Música de Câmara 22 de agosto – 22h
T Macte Animo
31 de agosto – 19h30
Conceção e Coordenação de João Cruz Alves.
PORTiMãO M Orquestra XXi Texto original de João Cruz Alves, Paulo ViSEu
Dinis Sousa - direção musical.
Campos dos Reis. interpretação de José
TEMPO - Teatro Municipal de Portimão horácio Ferreira - clarinete.
henrique Neto, Susana Branco, Filipe Costa,
Lg. 1.º de Dezembro.Tel.: 282 402 470 obras de F. de Lacerda, J. Brahms, P. i. Museu Nacional Grão Vasco
Clara marchana, Filipe Araújo, entre outros.
Tchaikovski. Adro da Sé. Tel.: 232 422 049
T Mário Daniel: Fora do Baralho S áB ., àS 20 h 30 ( ATÉ 26 De SeTemBRo );
3ª, DAS 14 h àS 17 h 30; 4 ª A D om .,
3ª A S áB ., àS 21 h 30 1 de setembro – 21h S áB ., àS 19 h 30 (3 De oUTRo A 12 De DezemBRo )
DAS 10 h àS 12 h 30 e DAS 14 h àS 17 h 30
até 29 de agosto até 26 de setembro,
M Jardins Efémeros:
SãO JOãO 3 de outubro a 12 de dezembro
Moderno & Medieval Camuflado
PORTO DA PESquEiRA
T Os Lusíadas - Viagem infinita
Adaptação de Paulo Campos dos Reis.
exposição coletiva comissariada
por miguel Von hafe Pérez
encenação e dramaturgia de Paulo Campos
Centro Comercial Cidade do Porto dos Reis e Ricardo Soares. interpretação de
até 30 de agosto
Núcleo Museológico do Vinho
R. Gonçalo Sampaio 350. Tel.: 226 0065 85
Ricardo Soares. Pela mUSGo Produção Cultural. M Conshumano: Os Novos
Tel. (info.): 254 310 190
E Photos de um Outro S áB ., D om . e FeRiADoS , àS 17 h Media na Sociedade de Consumo
E O Douro da Casa Alvão
Porto: Porto Íntimo até 27 de dezembro até 20 de dezembro até 31 de agosto
até 2 de setembro M inscrituras: Aquilino
por Pedro Albuquerque
Centro Português de Fotografia SETúBAL OVAR mostra de desenhos a tinta da china sobre papel.
edifício da ex-Cadeia da Relação do Porto. até 13 de setembro
Campo mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310 Fórum Municipal Luísa Todi Galeria de Exposições
3 ª A 6 ª , DAS 10 h à S 12 h 30 e DAS 14 h àS 18 h ; S áB ., Av. Luísa Todi, 65. Tel.: 265 522 127 do Centro de Arte de Ovar
D om . e F eRiADoS , DAS 15 h àS 19 h T Os Acontecimentos R. Arquiteto Januário Godinho. Tel.: 256 509 160
E Bolsa 2014 Estação De David Greig. encenação de 2 ª A 6 ª , DAS 10 h àS 18 h ; S áB ., DAS
imagem | Mora: Presente António Simão. interpretação 10 h àS 13 h 30 e DAS 14 h 30 àS 18 h
até 30 de agosto de Andreia Bento, João Pedro mamede, E Fernando Lanhas - Fragmentos: Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
E Projeto 15 maria Jorge. Produção Artistas Unidos. Algumas Obras na Coleção de Serralves Tel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 832
exposição de fotografia de alunos do 30 de agosto – 22h até 30 de agosto relacoes.publicas@gepac.gov.pt
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