Você está na página 1de 40

Ruy Cinatti, centenário O poeta que amou Timor

Ensaio de Peter Stilwell. Texto de Luís Cardoso. Quatro cartas inéditas do escritor para Ruben A. PÁGINAS 7 A 10

Ana Hatherly e Corsino Fortes


Evocações de Alberto Pimenta
e G. d’Oliveira Martins PÁGINAS 6 E 27

JORNAL Nélida Piñon, o rosto das palavras


DE LETRAS, Entrevista de Mª Leonor Nunes.
ARTES E Crónica de Inês Pedrosa PÁGINAS 11 A 13
IDEIAS
Ano XXXV * Número 1171 * De 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 Diário de Soromenho-Marques
* Portugal (Cont.) €2,80 * Quinzenário * Diretor José Carlos de Vasconcelos PÁGINAS 30 E 31

As Mil e Uma Noites


de Miguel Gomes
“Filmar a crise
como quem
conta histórias”
Estreia-se no próximo dia 27
o 1º dos três “volumes” do novo
filme do mais consagrado jovem
realizador português, que aqui fala
dele(s) e da atualidade. Entrevista
e crítica de Manuel Halpern
PÁGINAS 18 A 20

Miguel Gomes
em As Mil e Uma Noites

Um inédito (póstumo) de Albano Nogueira


António Salazar
CINCO ENCONTROS COM SALAZAR Albano Nogueira

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
2* destaque jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

› b r e v e e nc o n t ro ‹

José Correia da Luz


Há festa no Crato

Mais de 30 grupos de música, nacionais e internacionais, e a já


tradicional Feira de Artesanato e Gastronomia compõem a 31.ª
edição do Festival do Crato, a decorrer de 26 a 29 de agosto na
vila alentejana. O JL falou com José Correia da Luz, presidente da
Câmara Municipal, que promove o certame.

Jornal de Letras: O que podemos esperar este ano do Festival do


Crato?
José Correia da Luz: Um festival renovadíssimo, que tem sabido
tirar partido da experiência acumulada ao longo destes 31 anos
consecutivos. A grande novidade é uma dupla vertente do espaço:
temos o habitual recinto de acesso pago e, pela primeira vez, um
outro, de entrada livre, também com concertos.

O que os distingue a nível de programação?


No primeiro, temos projetos de música, nacionais e internacionais,
mais 'reconhecidos': Carlão, Marcelo D2, Soja, Carminho, Selah
Sue, James Arthur, D.A.M.A, Os Azeitonas A Balada do Velho Marinheiro Em Olhão Grandes marionetas,
que trazem António Zambujo e Luísa andas, formas animadas num espectáculo de teatro de rua,
Sobral, Tom Odell, The Black Mamba,
Linda Martini e Guano Apes. Para o espaço A Balada do Velho Marinheiro, do Teatro do Mar, que promete
gratuito, contíguo, quisemos trazer música animar, a 25, às 22, as Noites de Levante, em
de raíz tradicional. Vamos ter cante de
Viana do Alentejo; flamenco; tango; fan- Olhão, no jardim Patrão Joaquim Lopes, junto
dango, um género com raízes ribatejanas à Ria Formosa. Criado a partir de The Rime of
que tem caído um pouco no esquecimento
e que gostávamos de ajudar a reavivar. E
the Ancient Mariner, do poeta inglês Samuel
Taylor Coleridge e das ilustrações de Paul


fado, claro. Sobretudo fadistas e músi-
cos acompanhantes da região. Queremos
proporcionar um espaço, no âmbito do
Gustave Doré, esta produção da companhia de Sines, dirigida
festival, que se assemelhe a uma taberna por Julieta Aurora Santos, tem encenação e dramaturgia de Steve
da Mouraria ou de Alfama. Para passar a
ideia de que o fado, apesar de ter nascido O Crato é uma Johnston. Antes da apresentação no programa algarvio passou,
em Lisboa, é nacional. Ouço cantar o fado festa que se faz em digressão, por várias cidades portuguesas.
com grande paixão do Minho ao Algarve,
de Lisboa ao Crato. todos os anos
numa região
O ecletismo foi sempre uma marca do MANUEL CRUZ E FESTIVAL DE celebrar em particular MIGUEL REAL
festival, assim como a mistura entre o deprimidíssima ANGEL OLSEN VIDEOARTE EM a videoarte portuguesa, E ANTÓNIO
tradicional e o moderno. do país, mas LISBOA das propostas históricas CARLOS CORTEZ
Sem dúvida. Exemplo disso são também Manuel Cruz e Angel Olsen às contemporâneas, no
os três dias que antecedem o festival, que se esforça apresentam-se em dois con- Ernesto de Sousa, cruzamento do vídeo, Por lapso, na nossa
em jeito de 'aquecimento': a 23, temos para manter a certos no Manta, a 4 e 5 de se- um pioneiro que nos da performance e do última edição, n.º 1170,
o habitual concerto da Filarmónica do
Crato; a 24, um tributo a Ramones; e a 25,
cabeça à tona tembro, nos jardins do Centro
Cultural Vila Flor (CCVF),
anos 70, organizou o
primeiro acontecimento
cinema, a par da seleção
de projetos feita a partir
de 5 de agosto, dois
textos não foram assi-
Anselmo Ralph. O Crato é uma festa que da água em Guimarães. O músico de videoarte no nosso da open call Fuso. nados. O de Miguel Real,
se faz todos os anos numa região deprimi- português vai misturar canções país, é o homenageado Serão apresentadas obras integrado no tema sobre
díssima do país, mas que se esforça para dos seus vários projetos e da edição deste ano e artistas da América do o romance históricos,
manter a cabeça à tona da água. inéditas, num espetáculo a que do Fuso, o festival Norte e do Sul, da Europa e o de António Carlos
chamou Estação de Serviço, de videoarte que irá e do Médio Oriente. As Cortez, sobre a reedição
Qual a sua importância para a região? entre o caminho passado e o decorrer de 25 a 30, sessões realizam-se na de dois livros de Nuno
Além de ser um prazer fazê-lo, é também uma ferramenta para futuro enquanto que a cantora, em vários jardins e Travessa da Ermida, a 25, Júdice. Ainda na mesma
mostrar o Crato ao país e para estimular a economia local. Nestes guitarrista e compositora claustros de museus, na Praça do Carvão do edição e também por
dias, a vila transforma-se numa espécie de centro cultural do norte-americana promete em Lisboa, envolvendo Museu da Eletricidade, lapso se escreveu que em
norte do Alentejo. É muito importante: faz subir o ego da popu- conquistar o público com o seu criadores, curadores a 26, no Jardim do 2015 se comemorava aos
lação do Crato e dos concelhos limítrofes; e a economia local só charme discreto e as canções internacionais, Museu do Chiado, a 27, 100 anos da morte de
tem a ganhar pois durante o festival o Crato fica com o quíntuplo do segundo albúm Burn Your colecionadores e no Claustro do Museu Roland Barthes, quando
da população. Há uns anos, estiveram cá os Scorpions e não estava Fire for No Witness, lançado em especialistas nesta Nacional de História na verdade se trata do
previsto passarem cá a noite, mas tiveram que ficar então era pre- 2014 e aclamado pela crítica, linguagem artística. Natural e da Ciência, a nascimento, como o tex-
ciso alojá-los. Não arranjei sítio! Ficaram fora de uma unidade ho- que a projetou decisivamente.A A ‘carta branca’ aos 28, no Jardim do Museu to de Maria Alzira Seixo
teleira porque não havia vagas. Estava tudo esgotado, de Santarém edição deste ano do Festival artistas nacionais foi Nacional de Arte Antiga, bem sublina. Aos visados
a Elvas, passando por Portalegre, Castelo Branco, Évora. Imagine o Manta abre a temporada e o dada desta feita a a 29, e no Claustro do e aos leitores, as nossas
impacto que isto tem na economia da região. Não é só o Crato que programa de comemorações Miguel Palma, numa Museu da Marioneta, desculpas.
beneficia com o festival. Somos todos.J CAROLINA FREITAS L dos dez anos do CCVF. programação que procura a 30.

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
destaque * 3

Ciclo em Lisboa e Porto EDITORIAL


Tati de corpo inteiro JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS

¶ Toda a filmografia do
realizador francês, Jacques
Moderna, de 1967
(26 e 30 de agosto, 4 e Albano Nogueira,
por exemplo…
Tati, seis longas metragens 10 de setembro, em Lisboa,
e sete curtas, que realizou e 6, 11 e 17 de setembro, no
ou interpretou, em cópias Porto); Trafic - Sim, Sr. Hulot, de
digitais, restauradas, num 1971 (20 de agosto, 2, 5 e 11 de

D
ciclo que arranca já amanhã, setembro, em Lisboa, e 1, 12, 18
quinta-feira, 20, no Espaço e 23 de setembro, no Porto); e
Nimas, em Lisboa, e começa Parade, de 1974, a última longa- urante largos anos o JL não fugiu à regra e nas suas duas ou
a 1 de Setembro, no Teatro metragem (21 e 27 de agosto, 6 e três edições de agosto tinha sempre pelo menos um Tema
Municipal Campo Alegre, 15 de setembro, em Lisboa, e 3, relacionado com verão e férias. Entretanto, mudamos de
no Porto. Promoviddo pelas 8 e 16 de setembro, no Porto). critério. Por várias razões, entre elas a da chamada rentrée
distribuidoras Leopardo e Quanto às curtas numa ocorrer cada vez mais cedo. Expressivo exemplo disto
Medeia Filmes, permite (re) sessão vão passar seis (25 mesmo é a próxima estreia, já a 27, do muito aguardado –
ver a obra de um cineasta e 28 de agosto, 7 e 13 de e aplaudido vários festivais – novo filme de Miguel Gomes, As Mil e uma
fundamental da História setembro, em Lisboa, e Noites. Um filme em três “volumes”, que confirma a qualidade e grande
do Cinema, pela primeira 2, 14 e 19 de setembro, no criatividade do cineasta. Já tive oportunidade de o(s) ver e sublinho a sua
vez na íntegra, no nosso Porto): realizadas por Tati, a poderosa e multifacetada riqueza na abordagem da nossa atualidade, atra-
país, e o clássico Sr. Hulot, a inicial A Escola de Carteiros vés do real e do “irreal quotidiano” (para citar Zé Gomes Ferreira), reco-
personagem que criou e através e Força, Bastia, perdida mendando-o vivamente aos leitores. E, óbvio, não podíamos deixar de lhe
do qual critica e satiriza as durante anos e recuperada dar o devido destaque. Entre outras matérias em destaque, cito a entrevista
mudanças sociais e culturais pela filha, Sophie Tatischeff, com Nélida Piñon e o texto de Inês Pedrosa a seu respeito. E saliento duas.
dos tempos modernos. que assina Especialidade A primeira sobre Ruy Cinatti, no centenário do poeta com uma voz muito
Serão exibidos Há Festa na da Casa, também incluída própria e com uma vida singular, em que Timor teve enorme relevância. O
Aldeia, de 1949, uma comédia no programa; e com a que representaram a sua obra e figura afere-se bem pela alta conta em que
emblemática do universo de interpretação do cineasta, o tinham uma Sophia e um Jorge de Sena, que lhe dedicaram poemas, ou
Tati, (22 e 31 de agosto, 3 e 12 de Procura-se Brutamontes, de um Ruben A., destinatário das cinco cartas inéditas suas que publicamos.
setembro, em Lisboa, e 7, 13 e 22 Charles Barrois, Domingo A segunda exigiria muito mais espaço do que disponho para dizer quem
de setembro, no Porto), numa Animado, de Jacques Berr, e foi Albano Nogueira (AN). Colaborador regular, o mais jovem, da famosa
sessão antecedida da curta As Cuida do teu Gancho Esquerdo, Presença, dirigiu depois, com Miguel Torga, outra revista, Movimento, e
Aulas Noturnas; As Férias do Sr. de René Clement. foi colaborador também de O Diabo, tendo estado preso pela polícia polí-
Hulot, de 1953, filme de ‘estreia’ Ainda no âmbito do ciclo tica da ditadura (ao mesmo tempo que Fernando Lopes-Graça, seu amigo)
do célebre protagonista (23 de estará patentem, no Espaço durante três meses. Crítico, ensaísta, tradutor, autor de um romance,
agosto, 1, 9 e 14 de setembro, Nimas, uma exposição com AN, licenciado em Direito em Coimbra, viria a conseguir mais tarde ser
em Lisboa, e 4, 9 e 20 de cartazes feitos por ilustradores admitido na carreira diplomática. Colocado em vários países (foi ele que
setembro, no Porto); O Meu portugueses para as longas- comprou em Tóquio os raros biombos de Nambam hoje no Museu das
Tio, de 1958, distinguido com metragens do cineasta francês. Janelas Verdes) foi, por exemplo,


o Gramde Prémio de Cannes São originais que reintreprem cônsul em Nova Iorque e membro
e o Óscar para melhor filme as imagens de marca de Tati de da primeiro Missão de Portugal no
estrangeiro (24 e 29 de agosto, André Letria, Marta Monteiro, ONU (1955). Só com o 25 de Abril,
8 e 16 de setembro, em Lisboa, Madalena Matoso, Sara-a- porém, foi designado para lugares
e 5, 10, 15 e 21 de setembro, Dias, João Fazenda e Catarina de ‘topo’ na carreira.
no porto); Playtime - Vida
JacquesTati Todos os filmes nas salas
portuguesas Sobral. J
Um texto que dá um Homem de espírito, tão discreto
bom contributo para o como culto e avesso a mundani-
conhecimento de uma dades, foi ‘desaparecendo’ dos
radares, após ter voltado à (boa)
Helena Almeida final dos anos 60 e tem mostrado o seu
trabalho regularmente tanto no país como
das facetas de Salazar, crítica na Colóquio-Letras, a con-
e que vale por si, pela vite de Luís Amaro, cujo livro de

em Serralves no estrangeiro. A exposição de Serralves,


comissariada por João Ribas, diretor-adjunto elegância de espírito e
poemas prefaciou. Um dia, era ele
já o último sobrevivente da geração
de Serralves e pela curadora Marta Moreira de estilo do seu autor da Presença, soube que morava
de Almeida, será posteriormente apresentada em Coimbra, sozinho e bastante
em Paris, no Jeu de Paume, em Fevereiro do isolado. E fui conversar com ele,
próximo ano, e em Bruxelas, no Wiels Centre para lhe fazer uma entrevista, ou
A minha obra é o meu corpo, o meu corpo é a d’Art Contemporain, no Outono. traçar um perfil, logo se via. Tinha um pouco das duas coisas o texto publi-
minha obra, uma exposição antológica de Helena Pela primeira vez, Serralves irá apresentar cado a 13/11/2002, para o qual remeto quem quiser conhecer melhor essa
Almeida, com inauguração a 16 de outubro, por outro lado uma exposição, Como (…) coisas figura singular, que cultivava o rigor. Com uma vida cheia de histórias e
é um dos acontecimentos do início da nova que não existem?, a partir da Bienal de São Paulo. memórias, que não ‘ostentava’, elas surgiam ao correr da conversa, conta-
temporada do Museu de Serralves. Fundada em 1951, trata-se da segunda mais das com uma cativante simplicidade – recordo, p. e., as dos seus encon-
Meia centena de obras de pintura, desenho, antiga bienal de artes plásticas do mundo, a tros com a Rainha Isabel de Inglaterra. A certa altura disse-lhe que devia
vídeo e fotografia, que marcam um percurso seguir a Veneza, e poder-se-á ver em Serralves escrever as suas memórias. AN respondeu-me, com modéstia, que não se
artístico de quase 50 anos, vão integrar a uma seleção de obras de 28 artistas e coletivos, justificava fazê-lo. Mas que em tempos tinha reduzido a escrito a recorda-
mostra, cujo discurso é construído em torno que participaram na última edição, a 31ª, que ção de alguns episódios que vivera. E deu-me, em dez páginas compactas,
da relação da artista, nascida em 1934, com decorreu entre setembro e dezembro de 2014. escritas à máquina, com emendadas à mão, o texto “Cinco encontros com
o corpo e as questões da comunicação e da Inaugura-se a 1 de outubro. Salazar – Anotações marginais ao estudo duma personalidade fugidia” –
representação. De destacar, a apresentação de Logo em Setembro, a 19 e 20, de destacar a texto que em 2002 referi, mas só agora é pela primeira vez publicado. E
trabalhos iniciais, raramente vistos, e de obras primeira edição de O Museu como performance, que creio dar um bom contributo para o conhecimento de uma das facetas
fulcrais na História da Fotografia, e do modo um novo momento da programação anual de de Salazar: não a do tirano que foi, mas a do político habilidoso, embora
como a artista a trabalha, e no contexto de uma Serralves, que vem sublinhar a atenção dada às fora do tempo, que também não deixou de ser. Além disso, o texto vale
arte feminista. artes performativas e ao seu cruzamento com por si, pela elegância de espírito e de estilo do seu autor. Fiquei de voltar a
Helena Almeida, um dos nomes de as artes visuais e a música, naquele museu. A visitar Albano Nogueira, que vivia numa visível solidão, o que acabou por
referência da arte portuguesa contemporânea, iniciativa é comissariada por Cristina Grande, não acontecer. E só alguns meses após a morte, em 2006, aos 95 anos, ela
começou a expor individualmente no Ricardo Nicolau e Pedro Rocha. J foi conhecida e nestas colunas Eugénio Lisboa e eu o evocamos. J

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
4 * destaque jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

› breves‹
Lamego, Valada e Crato visuais, o Cinema Reverence
apresenta documentários e
filmes durante os três dias do

na rota dos festivais de música


evento. O festival também não
MANUELA DE AZEVEDO lança O esquece as crianças e, por isso,
Pão Que o Diabo Amassou a 31 de os pais podem contar com a
agosto, às 17 e 30, na Casa de Imprensa, ajuda do Reverence Kids, o
que editou a obra juntamente com o espaço onde podem deixar os
Museu Nacional da Imprensa. mais pequenos até às 22.
São 288 quilómetros que
AQUI HÁ POUSIO, a nova peça separam Cartaxo e Lamego,
da Companhia de Teatro Leirena, em Festival do Crato, TRC ZigurFest que é como quem diz, o rock
digressão pelo Luso, no dia 22, às 21 e 45, e Reverence Festival Valada são underground e a música
na alameda do casino. os festivais de música da próxima moderna. O TRC ZigurFest leva
quizena, com ofertas para todos a música actual portuguesa ao
os gostos. Teatro Ribeiro Conceição (TRC)
CASAVERDE, monólogo a partir de
Depois de, no ano passado, e aos palcos Olaria e Castelinho
O Alienista , de Machado de Assis, uma
o Festival do Crato ter lotação durante sábado e domingo, 28
produção de O Bando com encenação de
esgotada durante os quatro dias, e 29. O festival arranca com a
Guilherme Noronha e interpretação de a edição deste ano apresenta actuação de Batsaykhantüül, às
Sara de Castro, no Cena Contemporânea novidades aos festivaleiros 16, no Palco Olaria e, no mesmo
- Festival Internacional de Teatro de que forem até à vila alentejana dia, Tar Feather tocam a sua
Brasília, Brasil, hoje e amanhã, entre os dias 26 e 29 (ver breve música electrónica no Palco
dias 19 e 20. encontro com José Correia da Castelinho (dois palcos onde os
Luz, presidente da Câmara concertos são de entrada livre).
LIVROS COTOVIA com duas reedições municipal do Crato, na p. 2). Mas é o concerto de JP Simões
na coleção de Teatro: As Lágrimas Depois de anunciados os cabeças que promete ser um dos pontos
Amargas de Petra von Kant, de de cartaz - do reggae dos Soja, altos do festival. Além das
Rainer Werner Fassbinder, com tradução passando por James Arthur, Tom músicas novas de Roma, último
Odell, até ao rock dos Guano Carlão Um dos músicos portugueses em destaque no Festival do Crato álbum do artista, o espectáculo
de Yvette K. Centeno, e À Espera de
Apes -, a organização anunciou conta com músicas ainda por
Godot, de Samuel Beckett, com versão
um dia extra, a 25, com Anselmo editar. A JP Simões segue-se a
portuguesa de José Maria Vieira Mendes.
Ralph. Carlão, Carminho e Linda música tradicional de Medeiros /
Martini são alguns dos nomes que prima pelo rock underground Com a organização a Lucas, que fecha a primeira noite
MÃE COM AÇÚCAR, peça do Teatro portugueses que vão passar pelo e que tem as lezírias e o Tejo assumir, este ano, uma aposta do festival. No sábado, cabe aos
do Eléctrico com texto e encenação de Rita Crato, a par dos espectáculos de como pano de fundo. A partir de no psicadelismo, no stoner Big Red Panda e aos Mandíbulas
Cruz e interpretação de Tânia Alves, no cante alentejano, folclore e fado 27, quinta-feira, são 55 bandas e no metal, a representação preencher a tarde na Rua da
Teatro Municipal Lourdes Norberto, de 2 a que vão marcar a tradicional Feira que vão passar pelos palcos portuguesa está a cargo de Olaria. Já na quinta edição, o
10 de setembro, às 21 e 30. de Artesanato e Gastronomia Rio, Reverence e Red Bull. Da Saturnia, Process of Guilt, Los TRC ZigurFest apresenta-se com
(que, no formato deste ano, é de Califórnia chega o stoner rock dos Waves – os três com concerto a distinção da agência Europe
VISITA COMENTADA à exposição de acesso livre). Sleep, que encabeçam o cartaz marcado para 28 - e Fast Eddie for Festivals and Festivals for
homenagem a Luís Dourdil, A Pintura Depois do Alentejo, é no de sexta, 28. Já no sábado, 29, o Nelson, que actua a 29. Mas Europe, que coloca o evento da
antes de tudo, que reúne 40 pinturas e Ribatejo que arranca o Reverence destaque vai para os britânicos Valada do Ribatejo oferece cidade de Lamego ao lado de
desenhos que cobrem 30 três décadas de
Festival. O Parque de Merendas de The Horrors, que trazem na mala mais do que música e, além reconhecidos festivais europeus.
Valada, no concelho do Cartaxo, o último álbum, Luminous, para das demonstrações de artes E promete, por isso, uma “edição
trabalho, dia 20, às 16, na Galeria Municipal
acolhe pelo segundo ano o festival fechar o festival. performativas, plásticas e inesquecível”.J
dos Paços do Concelho de Lisboa.

JOSÉ CID em concerto (primeira parte

A arte sai à rua em Lisboa


de Luiz Caracol) em Cascais, a 23, a partir fluvial de Belém. A capital
das 20 e 30, no âmbito das Festas do Mar também tem destaque nas
que decorrem naquela cidade até dia 24, fitas contemporâneas e, por
com atividades de entrada livre. isso, Aqui em Lisboa, de 2015,
é o resultado do convite feito
FESTA DO POVO de regresso às ruas pelo IndieLisboa a quatro
de Campo Maior, depois das edições de realizadores, com o objectivo
2011 e de 2004, entre os dias 22 e 30 de de mostrarem a sua visão sobre
agosto. O Lisboa na Rua está de o Museu do Chiado, com o a cidade. O resultado pode ser
volta e promete animar os segmento “Noites de Verão”. visto no sábado, 29, às 22, no
fins de tarde e as noites da Esta sexta, 21, as mornas e as Largo Agostinho da Silva.
CASA FERNANDO PESSOA com
capital até ao final do verão. coladeras do cabo-verdiano Além do cinema, o fim-de-
concertos da Escola de Jazz Luís Villas-
A programação apresenta-se Julinho da Concertina enchem semana apresenta concertos
Boas / Hot Clube de Portugal, dias 20, como “de todos e para todos” o Jardim das Esculturas, espaço de música clássica e de fado.
com Afonso Pais e João coelho, e a 27, e está dividida pelos dias da exterior da instituição. Julinho, No segmento “Clássicos
com Mano a Mano Bruno Santos e André semana. Música, cinema e artes em Portugal desde 1973, faz- na Rua”, destaque para os
Santos. visuais em praças, becos, largos se acompanhar por António concertos da Alis Ubbo
e ruelas. Tavares, na voz e nos ferrinhos, Ensemble, este ano dedicados
O CADAVRE-EXQUIS E SEUS Quinta-feira é dia das e por Nirr Paris, na bateria. ao ragtime, o “primeiro
MENTORES, exposição com obras da sonoridades do jazz invadirem Durante o fim-de-semana, género musical genuinamente
coleção da Casa da Liberdade - Mário as ruas de Lisboa. Dos Açores o Lisboa na Rua convida os norte-americano”. A
Cesariny, patente no Convento Corpus chega a Orquestra AngraJazz – Lisboetas a viajar pela história formação desafia o público a
Christi de Gaia, integrada na 1.ª Bienal de que se assume como a principal da cidade, através dos filmes se lançar numa odisseia pela
Arte da cidade, foi prolongada até 11 de
escola de formação de jazz em que foi protagonista. história da música nos dois
do arquipélago – para tocar, Heróis do Mar, de 1949, é a últimos sábados do mês, no
setembro.
amanhã, 20, a partir das 19, longa-metragem de Fernando Jardim de São Bento, a 22,
no Jardim do Arco do Cego. Garcia que conta a vida de e no Parque da Quinta das
MOVIMENTO, oficina e mostra de Uma semana depois, a 27, é a pescadores de bacalhau que Conchas, a 29. O Fado promete
cinema colaborativo dirigida a cineastas, vez da Big Band do Município tiveram de partir para longe. ser outro dos pontos altos da
escritores, músicos e a interessados em da Nazaré percorrer a história António Silva e Isabel de Castro programação, com o Largo
realização cinematográfica, em Lisboa do jazz, também a partir das dão corpo às personagens, e a do Teatro Nacional São Carlos
e em Montemor-o-Novo, de 25 de 19, no Parque da Quinta das projecção está marcada para a receber as vozes de Raquel
agosto a 5 de setembro. Inscrições em Conchas. E se quinta-feira é dia este sábado, 22, no Terreiro Amélia Muge Concerto no Largo do Tavares, sexta, 21, e Amélia
gatoaleatorio.org. de jazz, sexta promete animar das Missas - junto à estação Teatro São Carlos Muge, sexta, 28. J

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt

* 5

Prémio INCM/
Vasco Graça
Moura
O Prémio INCM/Vasco Graça Moura presta homenagem à figura exemplar do cidadão, intelectual e an-

tigo administrador da INCM, responsável pelo pelouro editorial. O galardão, de periodicidade anual, distinguirá

obras inéditas nas áreas onde o autor se destacou, nomeadamente na Poesia, no Ensaio e na Tradução. Em 2015,

na sua edição inaugural, serão admitidos a concurso trabalhos inéditos no domínio da Poesia, apresentados entre

15 de julho e 15 de setembro, avaliados pelo seguinte júri: José Tolentino de Mendonça, Jorge Reis-Sá e Pedro

Mexia. Além do valor pecuniário de 5000 €, o Prémio contempla ainda a edição da obra vencedora numa cole-

ção emblemática da INCM, criada na década de 1980 por Vasco Graça Moura – a coleção Plural. A obra ven-

cedora e possíveis menções honrosas serão anunciadas até 30 de setembro deste ano. O Prémio INCM/Vasco

Graça Moura dá continuidade à missão da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, enquanto editora pública,

de promover e preservar a língua e a cultura portuguesas, valorizando o melhor da produção literária inédita.

hTTPS://www.INCM.PT/PORTAl/VGM_PREMIO.JSP
www.fACEbOOk.COM/PREMIOVGM

Untitled-6 1 13-08-2015 18:45:47

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
6 * destaque jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

Ana Hatherly (1929-2015) correspondência ficcionada


“premonitória”, como recorda
o poeta e ensaísta, num
A Ana sentia o que
estava latente

Uma arte total


breve testemunho, que junto
publicamos.
Nascida no Porto, em 1929,
numa família burguesa, Alberto Pimenta
com origens em Viana do
Castelo, Ana Hatherly, órfã
precocemente, foi criada pela Em 1999, publicámos, a
avó, numa casa e num ambiente Ana e eu, uma breve troca de
Maria Leonor Nunes que não seriam alheios ao seu correspondência ficcionada,
posterior interesse pelo Barroco intitulada Elles, com o duplo
na cultura portuguesa, que “L”, a remeter para uma leitura
"Tenho a cabeça voltada para investigaria a fundo, publicando do “E” inicial aberto.E era en-
longe. O longe não tem direção vários ensaios e revelando tão também o plural da letra
exata e é isso que me define. autoras como soror Maria do “L”: no interior, fala-se de
Estou sempre virada para Céu. passagem dos Alfa, dos Betas,
onde as coisas vão”, afirmava, Licenciou-se em Filologia dos Kapas…
em 2008, numa entrevista Germânica na Faculdade de Este Elles, estava para
ao semanário Sol. E sempre Letras da Universidade de nós na altura por lobby, era o
foi assim, “à frente" do seu Lisboa, estudou cinema na que havia: ainda não se tinha
tempo, vanguardista, rebelde, London Film School e doutorou- transformado neste polvo
inconformista, irónica, uma se em Literaturas Hispânicas gigantesco de mil ventosas a
criadora que experimentou e na Universidade de Berkeley. sugar o mundo, num abraço
cruzou a poesia, as artes visuais, Em Portugal, fez a sua carreira sem fuga: para nós ambos, já
o cinema e a performance, a académica, a partir de 1984, o prenunciava…. Tanto a Ana
ficção e o ensaio. no departamento de Estudos como eu tínhamos algumas
Procurou em cada poema Portugueses, da Faculdade de premonições: eu agora tam-
ou pintura a “descoberta” e Ciências Sociais e Humanas da bém já não as tenho.
alargar a meditação sobre o ato Universidade Nova de Lisboa, A correspondência começa
criador. “Interessa-me tentar de que foi catedrática, co- em Setembro de 1981, inter-
aprofundar o que é o mistério fundou o Instituto de Estudos rompe-se em dezembro do
da criatividade. O que se cria, Portugueses, dirigiu as revistas mesmo ano (a Ana por essa al-
como se cria. Isso está na base do Claro-Escuro, Incidências e Fiar/ tura passou um longo período
que faço”, adiantava numa outra oco. Lecionou ainda na escola nos Estados Unidos), recome-
entrevista ao Diário de Notícias, de artes visuais Ar.Co, em 1975 ça em dezembro de 1995: eu
em 2003. E assim caminhou e 1976, e na Escola Superior de escrevo a 8, a Ana responde a
“só” e “ímpar”, como escreveu Cinema, de 1976 a 1978. 19, e aí diz: “… realmente o que
num poema. Um caminho Nos anos 70 dedicou-se aconteceu, durante estes 14
único na cultura portuguesa particularmente à criação anos que entretanto passa-
contemporânea: Ana Hatherly, de filmes experimentais, ram, é que eu fui submetida
poetisa, escritora, artista nomeadamente de pintura sobre ao processo de esvaziamento
plástica, pioneira da poesia película, Spaghetti Time (1973), que, como eu receava, Eles
experimental, investigadora e e de animação, C.S.S. (1975). tinham preparado para mim,
especialista no barroco, morreu Ana Hatherly Entre literatura e a pintura Apanhada pelo 25 de Abril, numa um intensivo programa que
no passado dia 5. Tinha 86 anos. passagem por Lisboa, quando se traduziu numa frenética
“Na minha oficina herética/ residia em Londres, decidiria actividade, apesar de eu ter
o labirinto contraria o linear/ ficar para viver intensamente completamente perdido a
percorre-me/ como se fosse uma própria escrita, um interesse participou ativamente nesse a Revolução. Perdeu o seu vontade de agir”.
veia/ segura em seus meandros/ que, segundo ela, vinha do movimento, posteriormente na património, desfez-se da casa do Penso que é uma caracteri-
A não necessidade, o que seria?/ seu primordial gosto pela Poesia Visual, sendo uma figura Estoril e deixou-se tomar pela zação modelar do ser humano
que nova desordem criaria?/ que arquitetura. Gostaria de ter sido de referência dessas vanguardas, euforia desses anos, registando e do ambiente que criou,
outras descobertas?/ A fugaz arquiteta, mas acabou por ser nos anos 60 e 70, com, entre por exemplo os grafitis e murais nesta época em que vivemos:
eternidade das ideias-mestras/ “arquiteta da palavra”, dizia na outros, Salette Tavares e Ernesto que enchiam a cidade, hoje “… uma frenética actividade,
incessante refaz os jogos da referida entrevista ao Sol. Melo e Castro, com quem documentos únicos. Realizou apesar de ter completamente
racionalidade/ mas o jogo é um Quis igualmente ser cantora, criou nomeadamente a célebre documentários como Revolução perdido a vontade de agir”.
itinerário e a sedução do rigor/ desejava cantar Bach, e ainda performance Conferência- que apresentaria na Bienal de A Ana intuía, sentia o que
recoloca-nos incessante na teve lições com Fernando Lopes- Objecto, em 1967, com o músico Veneza, em 1976. Um ano depois, estava latente, e não só no
senda do desejo»: o primeiro Graça, e estudou canto, na Jorge Peixinho. em 1977, participou na histórica estilo.J
poema de Itinerários, que Alemanha, mas uma tuberculose Em 1969, começou a publicar Allternativa Zero, exposição
publicou em 2003, constituía, impediu-lhe a carreira. Esteve as suas Tisanas, pequenos organizada por Ernesto de Sousa,
segundo afirmou na mesma num sanatório na Suíça e o poemas aforísticos, reflexões onde apresentou a instalação
entrevista, um “autorretrato”. médico dissuadiu-a de continuar sobre a arte e a vida, que só Poema Dentro, que iniciaria um reconhecimento entre nós, com
E por outras palavras se a cantar, aconselhando-a a fazer daria por concluídas em 2006, ciclo de trabalho marcado pela mais interesse, prémios e teses
pode acentuar alguns traços algo mais “descansado”. “A com as 463 Tisanas. Em 1963, performance e pelas colagens, académicas noutros países,
no seu retrato artístico, do criatividade é como um prego publicou O Mestre, uma novela depois de intervenções marcantes nomeadamente no Brasil. E a
ecletismo à diversidade de num saco, a ponta acaba sempre que, com Os Passos em Volta, como Rutura, em 1975. escritora tinha consciência dessa
linguagens e à versatilidade por sair”, disse-lhe, uma frase de Herberto Helder, e Rumor A sua primeira exposição quase ‘invisibilidade’. Na infância,
das referências, que vão do que sempre a acompanhou, e Branco, de Almeida Faria, abriu tinha sido anos antes, em 1969, marcou-a uma ida ao cinema Rivoli,
barroco aos computadores, deu-lhe uma caneta de tinta novas perspetivas ao romance na Galeria Quadrante, tendo com a avó, para ver O Homem
passando pelo budismo Zen. permanente. E Ana Hatherly português. Entre poesia e posteriormente realizado Invisível. Impressionou-a sobretudo
Particularmente vincado, o começou a escrever. Ainda prosa, publicaria ainda, entre várias mostras individuais e o facto do homem invisível se tornar
gosto pela experimentação, no sanatório, escreveu o seu outros, Anagramátic (1970), O coletivas, tanto no país como visível quando morreu, uma ideia
evidente em todo o seu trabalho primeiro livro de poemas que Escritor, que reúne um conjunto no estrangeiro. Em A Mão de “inversão” que não deixaria de
que, partindo da escrita, publicaria em 1958, Um Ritmo de poemas visuais (1975), Eros Inteligente, publicado em 2009, a acompanhar na sua produção
derivou para a pintura e desta Perdido. Frenético (1968), Anacrusa. 68 juntou duas centenas dos seus artística, como reconhecia na citada
de novo para o deslindar das Por esses anos, começaria sonhos (1983), Rilkeana, prémio trabalhos de desenho, pintura, entrevista ao Sol. Quem sabe se, por
palavras, um movimento a interessar-se pela poesia de Poesia Pen Clube 2001, O colagens e poesia visual. Também esse estranho processo, com a sua
incessante e em várias direções, concreta. A convite de António Pavão Negro, 2003, O Ladrão foi tradutora e os seus livros estão morte, não se tornará mais visível
explorando imagem e escrita, Aragão e de Herberto Helder, Cristalino, Prémio de Ensaio traduzidos em 16 países. a arte total de Ana Hatherly, que
as suas potencialidades visuais. integrou os Cadernos de Poesia da APE 2000, ou Elles (1999), A sua obra multifacetada sempre conjugou a existência e a
Com raiz na “estrutura” da Experimental Portuguesa, e com Alberto Pimenta, uma não teve, porém, o devido criação com futuro e subversão. J

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt

letras * 7
› R u y C i nat t i , 1 0 0 a no s ‹
06-08-18 21:16 Poucas vezes um território de adoção terá marcado tão indelevelmente uma poética. Português, nascido em Londres,
a 8 de março de 1915, Ruy Cinatti encontraria em Timor um país para a sua poesia, paisagem e cultura, da agricultura
à arquitetura, passando pela antropologia e literatura, que o cativou por inteiro, durante os muitos anos que lá viveu
e trabalhou como funcionário da administração colonial. Mas o poeta nómada tem uma voz do mundo, uma das obras
mais importantes da poesia portuguesa do século XX. O JL evoca-o, no centenário do seu nascimento, com textos de
Peter Stilwell, reitor da Universidade de S. José, em Macau, professor associado da Faculdade de Teologia da Universidade
Católica Portuguesa, de que foi vice-reitor, e responsável pela investigação e publicação do espólio literário e científico de
Cinatti, e do escritor timorense Luís Cardoso. Publica ainda quatro cartas inéditas a Ruben A. e recorda dois poemas e o
início de outro de Sophia de Mello Breyner Andresen

Entre a botânica e a literatura


Mãe que eu não conhecera, e
que para sempre seria o alvo
inatingível da minha saudade

A poesia de um nómada
na Terra!" Está nisto o primeiro
esboço da sua aventura poética.
Não por acaso, escolheu para
epígrafe desta sua primeira obra
os versos de Alain Fournier:
"Derrière chaque paysage, je sens
le/ paysage de mon paradis".
A relação com o pai era
bem menos pacífica. António

A
Peter Stilwell Monteiro Gomes agradece
o livro mas informa-o,
laconicamente, que de imediato
lhe deu como destino a lareira.
Pretendia que o filho seguisse
o avô materno e ingressasse na
Marinha, mas Cinatti, avesso
à disciplina e apaixonado pela
vida ao ar livre, optara por
Agronomia. Mais agastado
estava agora o pai ao vê-lo
desperdiçar tempo de estudo
com longas caminhadas, a
envolver-se no grupo de poetas
A Escola Portuguesa Ruy Cinatti dos Cadernos de Poesia, e a
tentou trazer-me a Timor, em preferir o apelido da mãe nesses
março, para a sessão pública "devaneios literários".
que assinalou o centenário do Mas Cinatti não desiste. Um
nascimento do poeta. Mas não foi ano depois, publica o segundo
possível. Recebi, pouco depois, livro de poemas, Anoitecendo a
um convite do gabinete do Vida Recomeça (1942), e lança a
primeiro-ministro para intervir revista Aventura. No editorial
no II Fórum da Sociedade Civil programático da revista revela
da CPLP, em julho, com uma as raízes católicas do seu
palestra sobre "Ruy Cinatti: para projeto. Há anos que integra a
um desenvolvimento sustentável, Juventude Universitária Católica
integrando a cultura local", a que e acompanha o fermento cultural
se seguiu, no contexto da Feira que atravessa o laicado católico
do Livro, uma conferência no europeu, com repercussões na
Arquivo e Museu da Resistência arte, na literatura e na política.
Timorense sobre a "premência da Ruy Cinatti "Pouco escrevi em Timor. Eu não necessitava porque ela existia ali à mão" O continente é epicentro de uma
reedição" da sua obra poética e conflagração mundial, mas há
científica. quem confie no futuro e sonhe


É pelo menos inesperado erguer dos escombros uma nova
que uma antiga colónia, hoje de 1915. O pai, António Vaz seu primeiro livro de poesia, civilização. Essa é a "aventura"
justamente orgulhosa da sua Monteiro Gomes, estava em Nós não somos deste Mundo entrevista por Cinatti. Remetendo
independência, dedique tanto França, na Força Expedicionária, (1941) com um texto em prosa para Peguy, Eliot e Maritain,
afeto a quem foi membro da e a mãe, Hermínia Celeste Cinatti, "À memória de minha Mãe". Numa das passagens propõe-se associar a revista a "um
administração colonial. E o recolhera à casa paterna nos O olhar de Hermínia Celeste, processo de integração espiritual
interesse parece não partir só últimos meses da gravidez. O revisitado numa fotografia,
por Timor realiza (…); uma cidadela fundamentada
de alguns dirigentes. As alunas avô paterno, Demétrio Cinatti, desencadeou uma torrente de pactos de sangue na Amizade. (…) uma obra de
de Educação da Universidade
Nacional de Timor, que nos
capitão-de-mar-e-guerra, fora
comandante da polícia do Porto
emoções difusas: "Há imagens
que se deixam continuamente
com dois liurais humanismo, de humanismo
integral".
serviram de guias, vencida a de Macau e terminava agora nos retratos; há retratos através - rito que explica em Em breve, porém, o
timidez inicial, quiseram logo uma carreira consular no posto dos quais as imagens se sucedem parte a aceitação entusiasmo do poeta depara
saber se era eu, realmente, o autor de cônsul-geral de Portugal, na e transfiguram continuamente". com resistências, que não as
"do livro sobre Ruy Cinatti". capital britânica. Quando procura a "essência" dos que Ruy Cinatti tem familiares. Crescem as suspeitas
Ruy Cinatti Vaz Monteiro A morte da mãe, em Lisboa, seus sentimentos, é levado "para hoje no país das autoridades quanto ao
Gomes, funcionário colonial, dois anos depois, deixou marcas longe, fora dos tempos, fora do rumo da revista e afastam-
silvicultor, antropólogo e poeta, fundas no filho, como era natural. mundo das coisas terrenas", para se, discretamente, os amigos
nasceu em Londres a 8 de março Não por acaso, Cinatti abre o "o meu desejo de amor, a minha que a financiavam. No final da

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
8 * letras RUY CINATTI jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

guerra, encontramos Cinatti,


sem a licenciatura ainda,
Sândalo no Timor Português (1950);
e Reconhecimento preliminar das
assistiu pela qualidade técnica da
filmagem. No imenso
empregado como meteorologista
na companhia de aviação Pan-
American.
formações florestais no Timor
Português (1950).
Completada a formação acadé-
É nessa mesma passagem por
Timor que realiza pactos de san-
gue com dois liurais - rito que ex-
Pacífico
"Cobrira-se o coração de mica, convidaram-no a voltar ao plica em parte a aceitação que Ruy
poeira (…). Uma espécie de luar território para dirigir os serviços Cinatti tem hoje no país. Passou
nebuloso descia pouco a pou- de agricultura. Seguiu-se a sua assim de "malaio", ou estrangei-
co sobre mim (…). E foi quando estada mais longa e mais intensa ro, a membro de duas famílias Luís Cardoso
menos se esperava, (…) que entrou na ilha. A certa altura, colabo- nobres de Timor. O gesto teve um
pela janela um longo assobio rou de perto com especialistas peso cultural e social difícil de
fino, cristalino, como de fio de internacionais e participou em apreciar a partir do Ocidente. Um Cinatti não era marinheiro e
água correndo". Acabava de lhe congressos em Singapura, nas dos liurais introduziu o nome Ruy nem consta que tivesse sido o Cinatti Na pintura de Maluda
chegar o convite para integrar a Filipinas e no Japão. De volta a Cinatti na sua linhagem familiar apelo do mar a levá-lo até a ilha de
comitiva do capitão Óscar Ruas, Lisboa, passa a membro da Junta direta, atribuindo-o a um filho; Timor. Mas foi a leitura das obras
outro quis ser sepultado, anos do navegador solitário francês
mais tarde, no local preciso da Alain Gerbault que fizeram com pela incúria com que os gover-
cerimónia. Na verdade, não fal- que Cinatti, depois de ter concluí- nantes devotam a ilha ao quase
tam testemunhos de quem tenha do o seu curso de Agronomia em abandono. Já o mesmo fizera o seu
encontrado timorenses recém- Lisboa, partisse em busca do lado mestre Hélder Lains e Silva, no
-chegados a Lisboa que pediam oculto e místico das pequenas ilhas seu livro Timor e a Cultura do Café.
orientações para a casa do seu perdidas na imensidão do Pacífico. Assim como fizera Alain Gerbault
parente na Travessa da Palmeira. O Timor que vai encontrar é um relativamente às autoridades
Em 1965, Cinatti celebra os 50 território devastado pela guerra e francesas por causa da política
anos e, quase de imediato, dá-se pelas ocupações, primeiro dos alia- de assimilação na Polinésia. Não
nele uma viragem psicológica dos e depois dos japoneses, que lá se posiciona como um anticolo-
e espiritual marcante. que se permanecem até o fim do conflito, nialista. Bem pelo contrário. É
reflete na sua obra poética. Com apesar da neutralidade portuguesa. um devoto da Pátria. Acha que
a exceção d'O Livro do Nómada Mais de 50 mil timorenses perecem Portugal tem uma missão a cum-
Meu Amigo, há quase 25 anos que durante este período. prir no desenvolvimento dos seus
não publicava poesia a não ser, A sua primeira tarefa é a territórios ultramarinos.
esporadicamente, um ou outro realização do levantamento das No mundo lusófono, o
poema avulso. A viagem a Timor formações florestais timorenses. conhecimento de Timor, passa
em agosto de 66 assinala a mu- Em Portugal, enquanto estudante, obrigatoriamente por Cinatti.
dança. Será a última vez que pisa é através do livro Timor e a Cultura Nas suas obras, Timor tem uma
o território. Mas, curiosamente, do Café, do engenheiro agrónomo relevância que até então nunca lhe
Cinatti "Beleza, beleza... Não há beleza maior que a justiça!" não foi Timor que o marcou desta Hélder Lains e Silva, que adquire fora concedida. Eis um exemplo
vez, mas o México. Persépolis, conhecimento prévio do território. que muitas vezes relaciono com
que visitara em fevereiro de 1965, Também são de uma enorme utili- adaptações de sucesso. Aqui
reacendera nele o seu sonho dos dade os livros de Osório de Castro trata-se de um fenómeno idêntico
recém-nomeado governador de de Investigação do Ultramar e de- anos 40 de uma civilização feita que, não sendo agrónomo, fez um ao da formação de uma pérola.
Timor-Leste. As paisagens, as fende o conceito precursor de que de respeito e amizade entre cultu- exemplar levantamento paisagísti- Um grão de areia que se infiltra no
florestas e sobretudo o povo de um desenvolvimento sustentável ras. co e botânico da ilha. Quando par- meio de um bivalve e que depois se
Timor condicionarão, a partir de em Timor se deve aliar à compe- É verdade que os Estados te para Timor sabe o que o espera. transforma num objeto de grande
agora, o seu futuro. "Repare se tência científica e técnica da rela- Unidos se envolviam na guerra Entranha-se nos mistérios da ilha, valor. Um encontro feliz. Mérito
que eu pouco escrevi enquanto ção harmoniosa com o território do Vietname e Portugal se debatia das suas gentes e das suas línguas. dele e também de quem o acolhe.
em Timor. Eu não necessitava de inscrita na sabedoria milenar dos com guerrilhas em três coló- Sente que a ciência, embora seja No ano em que se comemora os
criar poesia porque ela existia ali timorenses. nias africanas. Mas em Roma o a ferramenta que utiliza para cem anos do seu nascimento,
à mão, oferecendo-se gratuita, O Livro do Nómada Meu Amigo Concílio Vaticano II parecia inau- compreender os mecanismos que prepara-se em Timor um evento
generosa e fácil, fonte de alegria (1958) traduz parte da vivência gurar uma nova era de diálogo. regulamentam a vida, nem sempre sobre os cinco séculos da chegada
ou consoladora de tristezas, força íntima deste período: "É natural Ao passar agora pelo México, na lhe fornece as respostas para todas dos portugueses. Cinatti, sendo
que moderava ímpetos violentos que uma vez ausente de Timor e viagem de volta de Timor, Cinatti as questões. Muitas são as dúvidas português, chegou a Timor antes
ou, pelo contrário, os afervorava, imerso em ambientes menos poé- vibra com a síntese que aí des- que o assolam na interpretação de dos portugueses. Por tê-lo amado,
indefetível." ticos, eu recriasse o que para mim cobre entre as culturas pré-co- factos e de fenómenos. Timor é um compreendido e divulgado,
Irá passar oito anos naquele fora perene poesia, não só por lombianas e a cristã-espanhola. território em que os antepassados quando ainda era um território
longínquo território, repartidos apelo saudoso, como ainda modo Talvez porque sonhava algo de e a ancestralidade têm um peso desconhecido para a maioria dos
por cinco estadas de extensão de- de fazer frente a situações antagó- semelhante para Timor, talvez enorme no quotidiano das pessoas. seus concidadãos. O seu trabalho
sigual: de julho 46 a dezembro 47, nicas e de conhecer mais escla- porque lhe recorda textos de D. Os mitos e os ritos fazem paridade sobre Timor envolve diferentes
será secretário e chefe de gabinete recidamente as razões da minha H. Lawrence lidos na juventude. com a realidade. Realiza pactos de áreas como agronomia, antro-
do governador; de dezembro 51 a existência e do rumo escolhido." Anos depois, conta a Joaquim sangue com autoridades tradicio- pologia, arquitetura, etnologia,
56, secretário da Agricultura; em Em 1958, com Leopoldo de Furtado: "Perdi completamente nais para que estes lhe abram as música, artes e literatura, de tudo
outubro 58, dirigirá um levanta- Almeida e António Sousa Mendes, a cabeça. Ia lá só por causa da portas dos seus enigmas. Aceita um pouco, como um tais, o co-
mento da arquitetura timorense; situa e analisa a arquitetura arqueologia, os Aztecas, os Maias, que precisa de ter mais conhe- lorido pano timorense. Mas a sua
de dezembro 61 a dezembro 62, das casas timorenses. O estudo os Toltecas, mas depois fiquei cimentos para melhor entender poesia é feita de uma linha única,
recolhe dados para o doutoramen- permaneceu anos na gaveta até fascinado com a etnografia atual. quem o recebe. Propõe-se fazer una, inteira e íntegra. Em Cinatti
to, em Oxford, em Antropologia 1987, quando o publicaram como Ia para qualquer sítio numa ca- uma tese de doutoramento de os luliks merecem tanto respeito
Cultural; no verão de 66, passa um homenagem póstuma com o título mioneta de vidros azuis e voltava Antropologia em Oxford que não como o crucifixo que leva no seu
mês na ilha em busca de elemen- Arquitetura Timorense. Informa- numa camioneta de quinta classe chega a concluir. peito e que o acompanha no seu
tos complementares. nos o arq. Manuel Correia Guedes com janelas abertas, perus, patos, Em alguns dos seus escritos e desterro em Lisboa, até ao fim dos
Os primeiros 18 meses em que nada de semelhante alcance paragem em todas as aldeias, poemas nota-se uma certa mágoa seus dias.
Timor repartem-se entre tra- foi editado, até hoje, sobre a ar- limonadas... e eu metido no meio
balhos de secretaria, que o quitetura do Sudeste Asiático. daquela barafunda. Delirava! [...]
desgastam profundamente, e a Na estada de 61-62, Cinatti O México saciou-me. Voltei quan-
alegria de percorrer florestas, realiza um registo cinematográfi- do já não tinha dinheiro." que, ainda na Terra, vivam a sua corredores do poder eram pouco
descampados e montanhas em co das práticas quotidianas, festas A experiência reflete-se, vida com Deus, com os homens e sensíveis aos argumentos da
busca de amostras para a tese de e rituais das populações timo- poderosamente, em Manhã consigo próprios. Continuação da razão. Recorre, talvez por isso, à
licenciatura em Agronomia. De renses, num total de 6 mil metros Imensa, que escreve pouco depois terceira fase do rito de passagem: poesia. Mas publica só alguns dos
regresso a Lisboa, publicará três de filme. Entregues ao Museu em Lisboa mas publicará só em reintegração na Graça, mantida a livros que organiza. Repartem-se,
livros que, apesar de esgotados, de Etnologia, após a morte do 1984. Explicando nesse livro um condição humana." genericamente, por três grupos
são ainda hoje obras de referência poeta, as bobines foram tratadas estranho poema, refere a deter- Os livros sucedem-se a um sem particular sequência interna:
para o conhecimento do terri- e arquivadas pela Cinemateca minada altura: "O desejo imenso ritmo surpreendente. A inter- 1) os que se referem a colónias
tório: Explorações botânicas em Nacional. Uma ou outra mostra do poeta de que os homens ao venção científica em favor de portuguesas; 2) os que refletem o
Timor (1950), Esboço histórico do parcelar surpreendeu quem a elas morrerem entrem no Céu ou Timor revelara-se ineficaz e os quotidiano do poeta, em Lisboa; e

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt RUY CINATTI
letras * 9
3) os que comentam ou pretendem
intervir nas circunstâncias políti- INÉDITOS compreendo - compreendo - a
razão porque falas do espetáculo

Quatro cartas a Ruben A.


cas do tempo. Em síntese: chamado "Opera" em termos
1) Júlio Celso DELGADO tão - vamos lá - tão parecidos
(pseud.), Crónica caboverdeana com os do Torga. O Torga
(1967). Um cancioneiro para Timor ainda viu a Manon - é menos
(publicado por partes na Voz de desculpável - do que tu que
Timor, em 1968). Uma sequên- só viste esse poema sinfónico
cia timorense (1970). Os poemas "Pelléas et Mélisande" obrigado
do Itinerário angolano (1974, o pelo Debussy à forma de ópera.
Itinerário Angolano continua Só pode compreender e apreciar
inédito). Paisagens timorenses "João Gaspar! Não insulte a Minha snr. Thomas Merton. Coisas tão a ópera quem tiver atingido um
com vultos (1974). Timor-amor Mãezinha" eficientes... amadurecimento intelectual e
(1974). Lembranças para S. Tomé e Sobre o Tomás. Sinto-me Gostaria muito de te ver pelo estético (não importa a categoria)
Príncipe - 1972 (1979). algemado, sem possibilidades de Natal. Teria pelo mais um jantar identificado com o estado adulto.
2) Sete septetos (1967). O tédio poder dar-lhe aquela parte de de família. Quando vieres traz- Ou então as crianças. A ópera é
recompensado (1968). Memória mim total que gostaria que ele me de Londres um passatempo um espetáculo absurdo - nisso
descritiva (1971). Conversa de roti- recebesse. Impossibilidade física chamado : "The blessed está o seu encanto. Aceita-se,
na (1973). Manhã imensa (1984). de moradia pacífica e agradável Damosell". não se aceita, mas não se fazem
3) O Ministério (1972). Borda onde nos encontrássemos Estive com o Emiliano. Joguei juízos. Eu não gostava da ópera.
d'alma (1973). Cravo singular num mundo. Sinto-me ligado canasta até às 3 da manhã "mit" Detestava-a. Também pensava
(1974). Import-export (1976). O a a ele - como me sinto ligado a Tixa e a France. Ganhei. como tu. Mas - ainda não chegara
fazer, faz-se (1976). todas as pessoas que trocavam o tempo - nunca pensei nas
Viaja a Angola, em 1971, por essências - e as nossas falas são Poema para uma menina inglesa versões americanas de ópera tão
razões profissionais e encanta-o a de "Olá Tomás!". Só na Berlenga Quando os anos passarem, olha, parecidas com as antologias dos
grandiosidade da paisagem mas, ou em longa viagem de aventura [Brigitte, escritores e poetas - Detestável.
como em Timor, perante a falta de nos poderíamos alicerçar. No A beleza dos campos e das aves, Estilo Reader's Digest.
respeito que deteta pela cultura entanto ele vive e - nas minhas O vôo tão suave, adomercido... O bonito na ópera é ver
local, comenta no seu notável meditações a frente meteorológica sopranos e tenores gordos a
Itinerário Angolano: "Beleza, torna-se oclusa: o tempo é de "Olá E lembra os teus amigos de Lisboa cantarem áreas de homens e
beleza... Não há beleza maior que Tomás" e lembro-me do Cardial Que ao tempo em que as folhas mulheres de esbelta compleição.
a justiça!" 13 de agosto de 1949 Newman sobre os sentimentos vão Está muito mais perto da
No ano seguinte, também por Querido Ruben, metafísicos da amizade e da [caíndo realidade da vida e da condição
razões profissionais, visita S. estima que vai crescendo no No dia dos teus anos já sonharam humana. A besta e o anjo.
Tomé e Príncipe e dedica-lhes, Respondo imediatamente invisível e na não presença. Sol, A volta da eterna primavera. A febre aumentou.
pouco depois, um livro. É tocante pensando já no que vai ser difícil mar, e uma resistência comum R.
a sensibilidade do poema intitu- encontrar um sobrescrito e contra a mentira. A tradução do 3.º verso diz:
lado "Fé": "Capelas. A fé que nin- deitar no correio pois não tenho Onde está o Pedro? Em que The soft slow flight of tranquility
guém tira/ entre quatro paredes. paizinhos queridos que o façam. mundo diferente teima ele em (melhor que o original).
Vela acesa/ por mãos que ainda Compreendo perfeitamente o viver - longe dos seus, da sua Um grande abraço, Ruben!
falam no/ limiar da porta - a vela teu estado, tenho pena, mas verdadeira raça? Quando me Ruy
acesa/ ao fundo trémula/ de tanta lembro-te uma das frases das lembro dele - sinto repulsas
experiência! Quando já tudo/ for Páginas: qualquer coisa como - físicas, intelectuais e religiosas PS: Passaram-se 2 dois. Encontrei
seixo, alívio, mar,/ vestígio nulo, agora a minha versão: eu não sei por um mundo de estruturas um sobrescrito. Estive também
hei de pedir (se é que não excla- atacar nem defender-me - eu só só insatisfeitas em literatura e com o João Gaspar, Barroso, etc.,
mo)/ a fé que vi nos gestos de uma sei andar para a frente e nada, hierarquizadas, estruturadas: numa "república" de uns amigos,
preta/ entrando..." É um momento nem mesmo Londres, se chega fossilizados, crustalizados em sim artistas, não artistas, Vasco
emblemático, a meu ver, em que a realizar. Para a frente com odientos "parece bem, parece Taborda Ferreira, etc.. Conversei
a empatia e a contemplação das as cartas do Rilke e até mesmo mal, cospe e diverte-te com muito com o Gaspar sobre as
relações humanas começam a Londres será uma descoberta máscaras apropriadas". Se o mistificações heteronímicas
emergir nos versos de Cinatti, nascente. vires dá-lhe saudades e a minha de Fernando Pessoa. Quando o
sobrepondo-se às paisagens e aos Encontrei o Henrique Ruas amizade. Se pudesse matava-o João Gaspar se dilui em questões
vultos. que me falou do teu livro. Gostou - para o poder salvar, mas isto de técnica de criação literária,
Em 1975, a tragédia anunciada e disse: a diferença está toda também é literatura: eu não aceito-o. Chego a entender-me.
em Timor é seguida de perto pela no otimismo com que o Ruben posso! Estou cozendo uma gripe e tenho
morte da irmã. Cinatti viverá en- encara a vida - ao contrário Memórias para um lado, de ir a um baile na Embaixada
tão momentos de algum desam- dos outros da mesma têmpera. Paginas para o outro. O livro Inglesa. Que chatice! Estive
Díli, 10 de janeiro de 1952
paro e perturbação psicológica, Concordo. Tomara eu! Meu até hoje ainda não apareceu nas sonhando com uma casa em
que transfigura em luta espiritual. querido Ruben, como me fazes montras. Que aconteceu? Já dei Timor, num sítio chamado Dare, Posso dar-te ainda as Boas Festas?
De cruz ao peito e flor na lapela, falta. Cruzam-se os sentimentos, um dos exemplares ao António nos subúrbios de Díli, mas já a
prega nos bares do Cais do Sodré e enxoto a passarada. Luto contra Quadros. Para propaganda, não 600 metros de altitude, onde Querido Ruben,
distribui os seus poemas em gesto ti para que eliminados os senões falo: leio o livro nos cafés em voz há um bosque de caneleiras. O
de partilha pelas ruas e cafés da antiguidade que tu julgas alta. Já te chamaram gongórico - problema todo está na "pursuit of É na verdade indecente que
de Lisboa. "Mas o que importa moderna, possa estar mais perto puxa! Foi o Orlando Ribeiro. Os hapiness". Eu persigo Timor. não te tenha escrito ainda uma
sublinhar nestes textos - comen- de ti - quero estar junto de ti, mas outros deliraram. Eu queria que tu linha, a ti, que tens sido de uma
ta Manuel de Freitas em Corpo sem literatura - talvez à cowboy descesses e tocasses certos temas Ilha perdida, de mistérios densa; fidelidade e regularidade só
Santo (2014) -, cuja variedade de nos gloriosos tempos do Billly the do Sonho de imaginação. Criação: De noites espetrais aureolada... equiparada pelo Emiliano. Mas
registos vai da sátira política à Kid. Se aqui estivesses estava hoje com as palavras eu construo. Estou já cheio de febre. "Despair hoje, com a tua carta de Natal,
mais tocante adoração divina ou a jantar contigo - sem literatura O querido comprador será - is the price one pays for setting fiquei comovidíssimo e vai daí cá
humana, é que todos eles me pa- - sem a literatura do João Gaspar um tipo que tu não conheces. oneself a nimpossible aim. It is estou... Pois é verdade! Eis-me na
recem obedecer a uma exigência e aquela tropa fandanga que salvo Claro que sim quanto à one is told, the unforgivable sin, ilha do encanto e do desencanto
fundamental: 'Isto é poesia, que o Barroco maravilhoso soube conversa do Conselheiro. Abdica but it is a sin the corrupt or evil (ó mocidade, vais acabar...), feito
diabos, e da verdadeira' ('Partir chocar, ofender Cinattis e Tomás mas é das reticências. As tuas man never practises. He always infeto burocrata como chefe de
Vidros…', 9.6.76)." num abraço de artistas que estão Páginas cronicais têm de vez em has hope. He never reaches uma nova repartição técnica; a
Os últimos anos são condenados pelo tempo. Aquela quando medo de serem sérias. the freesing point of knowing dar despachos e a ir a despachos;
tranquilos. Retoma as viagens tropa fandanga é a Parada se a ela Pode ser uma qualidade, mas absolute failure. Only the man exator de fazenda e fabricante
pelo país, visita amigos no lhe desse para ser "artista". E eu pode também ser um defeito. Tu é of good with arries always de regulamentos; responsável
estrangeiro e por fim até planeia continuo a gostar de todos eles que te deves julgar. Já te chateaste in his heart this capacity for por massa e cargas. Para cúmulo
uma ida ao Peru para subir a (e elas) com pena de não poder de muitas coisas essenciais. damnation" (Graham Greene) ainda, eu que me julgava
Machu Picchu. Mas, em agosto satisfazer a todos. Quando o João Chateia-te mais a ver o que dá O teu livro aparece na invulnerável, sou atirado à cama
de 1986, adoece gravemente, é Gaspar disse injustiças sobre e lê - para descanso do espírito segunda-feira - disse o Pina. com o primeiro ataque de malária,
hospitalizado e acaba por falecer Nossa Senhora de Fátima eu só e sorrisos latinos - um livro Não vou entrar em discussões emagreço, não como nada.
a 12 de outubro.J pude dizer para comigo mesmo: que se chama Elected silence, do - simplesmente afirmo. Não Poesia, nada. Botânica, nada.

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
1o * letras RUY CINATTI jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

E cada vez mais poeta e mais


botânico e este desgraçado que eu
é favorável ao prestígio e as
manifestações esfusiantes. Dou
Três poemas de Sophia
tenho amarfanhado a gritar por pontapés debaixo da mesa. Diz ao
socorro quasi com voz sumida Simões que estou de acordo com Para o Ruy Cinatti porque neste livro
umas vezes, de outras em altos ele nos princípios fundamentais De folha em folha passam gestos seus
gritos! Quando leio as tuas cartas da sua tese. O lirismo, síntese Assim como de folha em folha em arvoredo
fico cheio de saudades dos livros, mais perfeita do pensamento A brisa perde ao sussurrar seus dedos
do teatro, das conversas ideais, poético, é consequentemente
do abandono exato ao sonho, e a forma superior da expressão In dedicatória a Ruy Cinatti da terceira edição de Coral
dos Amigos. De ti, dos "pequenos" poética. A epopeia, o drama, etc.,
do Emiliano e tabela (achei estão já inclusas no lirismo, da
estupendo!), das Kitas, do Tomaz mesma maneira que as grandes Ilha do Príncipe
e de tantos outros abrangidos pela frases dramáticas de Beethoven
minha polaridade. Valem-me, nas modulações simplicíssimas «Suave, doce, Iânguida ilha
no entanto, os poucos passeios na de Mozart. O contrário é que se De transparências súbitas»
ilha que continua de uma beleza não verifica senão para aqueles Ruy Cinatti
ressonante. Mistérios e neblinas que tomam "xaropadas" e as
sobre verdes densos e abismos. Mar confundem com lirismo. O A ilha do príncipe que o Ruy Cinatti amou
de ilhas perdidas e crespúsculos lirismo é a quintessencia da Surgia devagar
loucos. E um sossego que envolve que continues ao deus dará, virilidade poética, na aceção E ele debruçado na amurada do navio
tudo como o manto noturno. sem poiso definido quanto a heróica e santa. O resto tem o A viu emergir dos longes da distância
Volto-me portanto para a Natureza trabalho. Tu já experimentaste seu lugar na hierarquia, mas No lento aproximar
e dela retiro as forças para os o Cunha Leão - Braga Paixão como tudo que procura exprimir Flor que desabrocha à flor do mar
encontros diários. Resolvi propor da Direção Geral do ensino a vida nas suas formas mais Entre alísios vidros e neblinas
ao fornecedor, com o assentimento do Ministério do Ultramar? superficiais, ou de ação, é para Na salgada respiração da vastidão marinha
e o entusiasmo da malta nova São ambos boas pessoas e consumo diário. Os dramas Na transparência súbita
(militares, administrativos e amigos meus, e se tu não te de Shakspeare estão todos nos
padres) a criação de um Centro importas em dar uma volta sonetos. As melhores partes Eu cheguei mais tarde no ronco do avião
de Estudos do Timor Português, pelo Império é muito possível dos Lusíiadas são poesia lírica, Na bruta rapidez
com respetivo Boletim Cultural, que se arranje qualquer coisa. portanto, ultra-dramática. Porém também eu me banhei nas longas ondas
à semelhança do que fez a Guiné. Afinal, o "India" chegou, Fernando Pessoa é grande no Das praias belas como no princípio do mundo
Seria magnífico se conseguisse mas as "Páginas", não. Tem Fernando Pessoa, muito embora E atravessei o verde espesso da floresta
arranjar um artigo do Boscer para paciência, faz um embrulho ao meu estado de degenerescência E respirei o perfume da ocá recém-cortada
o primeiro número. Agora chove e mete-as no correio, por agradem, por mais sugestivos
todas as tardes. Por volta das 4h, via marítima. Não esqueças, - pintura, filosofia, imaginação
as folhas começam a tremer, o senão digo que te esqueces barata, etc - alguns dos esforços Tão grande dor
mar encrespa-se ligeiramente de mim. Por aqui, tudo em de pedreiro do Álvaro de Campos.
e pouco depois desaba o mundo grande sobressalto, mercê de Muitas saudades para a Rosemary, «Tão grande dor para tão pequeno povo»
sob cortinas cerradas. Fica tudo escândalos passionais. O chefe Mãezinha, Pai e Amigos. Palavras de um timorense à RTP
quieto, em crisálida, olhos fitos de Gabinete, que há muito se Um grande abraço do Ruy
no interior da alma. Depois, fazia (de facto) com a mulher Timor fragilíssimo e distante
as nuvens espaçam-se e o céu de um Chefe de Serviços (seu «Sândalo flor búfalo montanha
incendeia-se e as ilhas ficam mais amigo e confidente), jogou a Cantos danças ritos
perto. Os barcos erguem as velas e pancada com um tenente que, E a pureza dos gestos ancestrais»
debandam horizonte fora. Eu saio na melhor das intenções (!), se
do meu quarto e vou dar dois dedos fazia com a mulher dele. Por Em frente ao pasmo atento das crianças
de conversa. "Estou só e sinto o tipo ser um patife da pior Assim contava o poeta Ruy Cinatti
saudade". Que é feito da Rosemary? espécie - maltratava a mulher Sentado no chão
Quando é o dia. E a Mãezinha dos - e a sobredita cuja mulher Naquela noite em que voltara da viagem
mimos! E o Pai a fingir-se zangado. do Chefe de Serviços ser uma
O Tomás já se casou? E o João das desvergonhada, a malta está Timor
críticas? E o barroco!!! toda ao lado da mulher dele Dever que não foi cumprido e que por isso dói (...)
Para finalizar, uma poesia dos - rapariga simplicÍssima - e
povos de leste, em língua daguedá. até simpatiza com o tenente -
rapaz sério, muito homem. O
Hélé quété com quété. governador resolveu demiti-
couracaraca lo. Se não fossem os meus dias... Como não posso, limito- aplicar de vez em quando uns
adalehu pitiniti princÍpios, gozava "isto" a me a inventar situações de puro murros. Fartei-me de rir com
vari viri viri tripla forra, tal e qual como o convívio amistoso. aquela das insónias do Pedro
fazem os cidadãos timorenses. Quero pedir-te o favor de e da Maria. No mesmo dia em
*** É possível que por voltas de me descobrires a morada do que recebi a tua carta, recebi
novembro vá "congressar" e
Díli, 1 de abril de 1954 uma outra dele, anunciando a
Gilberto Freyre no Brasil. Tenho
Uma rapariga saracoteante comprar "mantons" a Manila. É que lhe dizer umas coisas sobre probabilidade. Enfim, sempre
está mesmo pedindo macho possível que arranje por lá uma Caríssimo Ruben a "Aventura e Rotina". Ou ele é merecem respeito e carinho.
A pena do galo branco noiva. "Bon jour Philippine". sábio e bom e as aceita, ou então Já tenho uma casa de
está sempre pronta para o Ideias de regresso a Portugal, Sou mais que desleixado: um merece umas boas punhadas na "palapa" (peciolos de palmeira,
trabalho só me ocorrem por causa dos "pilha", sem vergonha, sem caixa craniana. capim e umas traves de
amigos. O resto não me interessa fé nem lei, abúlico e da vossa Recebi as Páginas, que já madeira), com quintal relvado
Puxa! e guardo recordações pouco amizade, imerecido. andam de mão em mão fazendo e muitas gravuras de Gauguin
Um grande abraço do Ruy favoráveis. Timor poderá não Mas festejemos, no entanto, furor. Pena não poder ler os pelas paredes. Queres cá vir
valer nada, mas sempre é um o dia 8, não o meu que nada volumes que se lhes seguem. passar umas férias?
Díli, 8 de outubro de 1953 ermo de paz e de beleza. O teu vale, e sim o da vossa filha (ou Isto de Timor está quasi a dar E se não fosse a vizinhança,
amigo Ruy, apesar da idade filho). Manda dizer tudo, com o triste pio. Com ou sem pedra talvez adornasse o ambiente
vetusta, anda como nunca na pormenor. E viva a família lascada, as gentes governativas, com umas princesas
Caro Ruben, fase dos 15-20 anos, em matéria Ruben. deputados e quejandos, timorenses, em gestos
de distração e ligeireza de Outra festa, também, para corifeus não valem nada e são gauguinianos, também.
Estou sequinho de todo espírito. As suas relações, muito comemorar a conquista do pão eminentíssimos aldrabões. Perdoa-ma a chochisse desta
em matéria de epístolas, populares, circunscrevem-se em terras do Brasil. Realmente, Segundo dizem as más carta. A malária não permite
mas não posso deixar de te principalmente ao grupo dos a solução não poderia ser línguas, eu ando em estado mais. Muitas saudades para a
agradecer as várias cartas que velhotes - Intendente (55), diretor melhor. Quasi que te invejo. de fosforite aguda. Basta um Mãizinha e o Paizinho.
me tens mandado, tão cheias da Fazenda (65), diretor da Saúde Ai, como eu gostaria de dar pedacito de lixa para que arda Uns grandes parabéns para a
de boa amizade e de espírito (57), juiz (45), e outros variando uma saltada até 'i, nem que em chama viva. Só tenho Rosemary e para ti do
Ruben A. O que lamento é entre os 30 e os 40. O resultado fosse por uns escassos oito pena de não ter força para Ruy J

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ENTREVISTA
letras * 11

Nélida Piñon De A República dos Sonhos também


fez muitas versões?
Sete. Tinha um monte bem alto de

“Sou um destino narrativo”


originais nos meus arquivos. E no
início, eu dedilhava uma maqui-
nazinha vagabunda, depois passei
a escrever numa elétrica, mas
modesta. Só entrei no computador
em 1999. Quando toda a gente já
o estava usando, eu fiquei num
limbo. Até voltei então a escrever
à mão. E adorei. Escrevia, o meu
Contar uma história é uma forma de “sedução" para a escritora brasileira que há meio século secretário passava, imprimia e eu
procura acercar-se do ‘enigma' da literatura. Em A República dos Sonhos, o seu romance mais voltava a trabalhar no que tinha
escrito, mas impresso. Ainda hoje,
emblemático, que este ano faz três décadas, sobre o qual publicamos um texto de Inês Pedrosa, não consigo trabalhar sobre o texto
no ecrã.
afirmou a sua sedutora arte narrativa. Ao JL fala de uma vida literária cheia de livros, prémios,
conferências, a viagem de um coração andarilho por dentro das palavras Mas quando faz versões de um
romance de centenas de páginas

Q
são pequenas coisas que emenda ou
Maria Leonor Nunes que durante uma década deu aulas corta?
de literatura na Universidade de Não. As pessoas normalmente
Miami, vive numa roda viva de cortam nas revisões, eu acres-
viagens e muitas conferências na cento. No caso de A República
América Latina e um pouco por dos Sonhos, fui acrescentando,
todo o mundo. Confessa-se, de desenvolvendo detalhes que iam
resto, uma Xerazade, sempre a ficando para trás. Porque o livro
contar histórias para viver. Tem também ensina o escritor, diz o
mais romances e contos iniciados, que falta, como precisa viver. Só
narrativas que escreve sempre a li todo o romance quando acabei
partir do “muito que sabe”, diz, a quarta versão... Tinha tudo na
“pelo muito que viveu e que lhe memória e não quis ler os primei-
contaram”. ros originais, porque pensei que
deixaria de ser a escritora para
Quem ouviu o seu célebre discurso JL: Uma das suas personagens de A ser a Nélida pessoa. A tendência
quando, em 1996, tomou posse República dos Sonhos adverte outra é corrigir, controlar a ficção. Não
como presidente da Academia que ela deve sempre desconfiar das o queria fazer, mas manter o lado
Brasileira de Letras - e foi a primei- palavras. Segue esse conselho? explosivo da criação.
ra mulher a presidir a essa secular Nélida Piñon: A ideia é dar outro
instituição - confirmou que ela tem vigor poético às palavras, porque UMA COLHERADA
o dom da oratória. E se dúvidas elas são traiçoeiras, mas também DE HISTÓRIAS
houvesse, ainda recentemente na redimem. A paixão pela palavra A Nélida pessoa tenta controlar a
conferência que deu em março ao está vigorosa em mim, jamais escritora?
assumir a cátedra José Bonifácio, esmoreceu. A desconfiança é no Não. Sou escritora 24 horas por
na Universidade de São Paulo, sob sentido de aperfeiçoá-la, de fazer dia… E estou já condicionada a
o signo do “Imaginário ibero-ame- com que diga muito mais do que uma mirada de escritora quando
ricano”, por certo se dissipariam. diz em primeira instância. ando pela rua. Evidentemente,
“Sou muito discurseira”, confessa não ponho tudo dentro da minha
rindo. Desconfiar é então o trabalho dos narrativa., mas a vida para mim é
Porém, não lhe foi dado apenas escritores? uma produção de arte. E sou uma
o privilégio de falar em público É. Porque se a palavra é bana- grande aprendiz.
com desembaraço e eloquência. O


dom de Nélida Piñon é da palavra. Aprende com o que vê?
Inteira, voz e “escritura”. Não será Sei pelo que vejo e pelo que me
pois de estranhar que uma simples contam. Por outro lado, viajo
conversa com a escritora brasileira muito, mas não sou de contar
seja um rico enredo, uma inespe- O sonho era construir o que vi nas viagens. Nada me
rada tessitura de imagens e ideias. uma obra importante, pode desagradar tanto. É como
Parece ter sempre um aforismo na se os saberes e as experiências
ponta da língua, uma prontidão entender o significado que vivo ficassem embutidos em
poética na resposta. Daí que para da literatura na minha mim e com o tempo é que os vou
ela uma entrevista seja uma “obra contando. Dizem que sou uma
de criação”. Com a “naturalidade
vida e descobrir os seus Xerazade.
da experiência e da coragem”, de Nélida Piñon “A paixão pela palavra está vigorosa em mim, jamais esmoreceu” mistérios
“ousar" sempre dizer o que sente e Essa é uma personagem no seu livro
pensa, “sem medir as consequên- As Vozes do Deserto. Porquê?
cias”, adiantava ao JL. Assim foi, na Sempre me seduziu muito. A mi-
longa conversa que deixou correr Nélida Piñon, 77 anos, li- com A Republica dos Sonhos, que lizada, tem que ser explorada nha mãe morreu em 1998, mas uns
naturalmente pelo seu “destino cenciou-se em jornalismo, mas este ano faz 30 anos, editado no noutro sentido. Sempre pensei que anos antes começou a ter proble-
narrativo”, do primeiro ao último nunca quis ser outra coisa a não nosso país pela Temas e Debates, quanto mais trabalhasse a palavra, mas de saúde graves. Fiquei todo
livro, quando passou por Lisboa, ser escritora, uma “aventureira” que veria a sua identidade literária sem a asfixiar, mais me aproxi- o tempo com ela no hospital e um
a caminho de Espanha, onde foi das letras, uma “Simbad” sempre consagrada. O romance é uma me- mava do seu verdadeiro rosto. dia, vendo ali aquela mulher que
receber mais um prémio, o El Ojo a navegar pelos mares do mundo e táfora do Brasil, uma saga que parte Evidentemente, se a trabalhar de amei tanto, tive uma revelação e
Crítico Ibero-americano, a somar da ficção. Estreou-se em 1961, com da emigração espanhola para aquele mais também se torna artificial. pensei que ela tinha sido para mim
ao Jabuti, ao Príncipe das Astúrias, Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, a país e que se confunde com a sua uma Xerazade.
ao Juan Rulfo de Literatura Latino- que se seguiu mais de uma dezena própria história, já que, nascida no Por isso faz tantas versões dos seus
Americana, ao Ibero-Americano de livros, entre os quais Livro das Rio de Janeiro, em 1935, ela é filha e romances? Porquê?
de Narrativa Jorge Isaacs e a muitos Horas, Coração Andarilho, Aprendiz neta de galegos, que demandaram Sim. Quando faço por vezes Hoje eu adoro comer, mas quando
outros. Pena que não tenha ainda de Homero, A força do destino, A doce a terras brasileiras nos anos 20 do seis, sete versões, estou em era pequena fugia de comida,
no seu palmarés o Camões, lamen- paixão de Caetana, O calor das coisas. século passado. busca do que a palavra quer porque tinha um problema de
ta, tão grande é o seu “amor” à O último, A Camisa do Marido, saiu Tomando desde cedo a vida dizer e que eu não sei no saúde. A minha mãe vinha atrás
Língua Portuguesa. há alguns meses no Brasil. Mas seria literária como profissão, Nélida, primeiro instante. de mim com o pratinho, mas eu

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
12 * letras ENTREVISTA jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

fechava a boca. Até que um dia ela obra importante, entender o a um partidarismo meu. Dou Porquê? período desenvolvi uma imagina-
teve a ideia de contar uma história significado da literatura na chance aos dois lados. Mas Quando é de grande estatura é um ção extraordinária. E até hoje não
e eu comi. Só continuava na sopa, minha vida, saber se estaria sou feminista e claro que nos género superior. Porque a socie- vivo sem o meu canivete. O mundo
quando ela avançava na narrativa. apta a corresponder ao que meus romances há uma leitura dade está lá dentro. Não se trata de rural é para mim um certo símbolo
De certa maneira introduziu-me a se exige de um criador. E ao intensa do papel da mulher na uma voz individual, mas arquetípi- de felicidade que o mundo urbano
magia da história. mesmo tempo, que a arrogância História. ca. Mesmo quando uma única voz não me dá.
é daninha, que devia tentar fala no romance é sempre coletiva.
Fez primeiro um curso de acercar-me da literatura Nesse seu último livro, A Camisa Essa a sua força. E por isso, po- Porquê?
jornalismo, mas praticamente só com comedimento apesar da do Marido, reúne uma série de de-se ler D. Quixote na China. A É estranho, porque sou uma
fez um estágio, e optou por ser exaltação, tentando sempre contos em que a protagonista grande literatura tem que ter essa mulher urbana, dos grandes
escritora profissional, uma ideia descobrir os seus meandros e é a família. Corresponde dimensão universal, polissémica e centros, mas o meu ideal de
que hoje já é corrente, mas na mistérios. Porque é sempre um ao seu olhar sobre as relações multiplicadora. felicidade é uma casa de pedra
altura não seria comum. enigma. familiares? no campo. Na verdade, gosto
Nesse tempo realmente não era A família como uma grei, uma O que a levou a escrever A do mundo arcaico. Como
hábito. Mas comecei logo a procla- A República dos Sonhos foi de resto nação, um núcleo de todas as República dos Sonhos? costumo dizer, aliás, não se
mar-me escritora. Sempre adorei o romance da sua consagração. É neuroses e benesses. Como Foi como pagar um tributo ao pode ser contemporâneo, sem
dizê-lo e tenho uma espécie de assim que o vê à distância de 30 fugir da família. Ela nos faz, Brasil. É a tentação do romance se ser arcaico. Tenho uma certa
orgulho moral em sê-lo. anos? nos forja. Para o bem e para o totalizante, uma ‘suma teológica’ fidelidade às origens. Vi com o
Fico espantada como fiz esse mal. Mas o livro também tem da minha estética. Pensei desde o tempo como isso me fortalece.
Desde muito cedo que o quis ser? livro há já tanto tempo. Mas outros três pilares: Camões, início que devia precisamente gra- Posso andar por todo o mundo,
Desde menina. Quando teve um papel muito importante sendo o conto A Desdita da vitar em torno do modo como vejo mas sei de onde venho. Talvez por
ficávamos num hotel e o meu na minha carreira, me ajudou Lira, o que o encerra, Carlos V o país. Quis um pouco ir às suas isso muita gente diz que a grande
pai preenchia a ficha pedia muito. É bom que as pessoas e Cervantes. fundações, sendo ao mesmo tempo ´epopeia galega' é A República dos
sempre para ele dizer que eu era uma análise de dentro e de fora. Sonhos. E não foi um galego, mas
escritora… Ainda muito criança, Primeiro, fui tentada a fazê-lo a uma brasileira que a criou.
pegava numas folhinhas de partir de famosos viajantes, depois,
papel e escrevia historiazinhas, percebi que a figura mais interes- FEIJOADA COM HOMERO
depois costurava-as, e sante para se acercar do Brasil, Reconhece a importância
vendia esses livrinhos. Eram com essa visão, era o emigrante, particular de alguma influência na
exemplares únicos que o meu um utópico. sua voz narrativa?
pai comprava… Sou uma apaixonada por Machado
Como? de Assis. Costumo dizer que se
E o que a levava a escrever? Gosto de pensar numa utopia em ele existiu, o Brasil é possível. Mas
O quotidiano era pouco. Os livros termos quotidianos. Cada um tem o importante para um criador é
que ia lendo, pelo contrário, eram o seu sonho. O emigrante não aceitar todas as provocações esté-
fascinantes. Há quem diga que queria apenas ganhar o seu dinhei- ticas. Não pode estar alheio a nada.
a narrativa é muitas vezes mais rinho, sobreviver, mas criar uma Como dizia Terêncio: “Tudo o que é
interessante do que a vida. pátria. Atravessou o Atlântico e humano me diz respeito”.
perdia um pedaço do coração para
Também acha? ganhar outros corações. E trazia Bom, e os clássicos sempre tiveram
Não. Mas sempre quis perseguir condimentos novos, muita cultura, uma influência forte na sua
esse prazer da narrativa. E pensava mesmo sendo um pobre emigran- literatura.
que os autores tinham vivido tudo Rio de Janeiro e o Brasil de Nélida "Não nos podemos privar da história. Contar tezinho galego ou português. Até hoje, tenho paixão por
o que contavam. Então, eu tam- faz parte da sedução do mundo" Homero. E sou doida pelos gregos.
bém queria viver tudo, queria ser UM CANIVETE NA SACOLA


Simbad, que eu adorava. A maravi- Levou muito tempo a escrever a Chamou justamente Aprendiz de
lha era para mim a ideia de jamais República...? Homero a um dos seus livros.
dormir uma segunda noite sob o continuem a relê-lo. Mas tenho Dois anos, trabalhando 17, 18 horas E nele digo que adoraria ter
mesmo teto. outros livros que ainda não por dia, sábados e domingos. Uma Homero a comer uma feijoada na
foram ‘lidos’ como A Casa da fúria, uma paixão impressionante. minha casa… São realmente mar-
Andar pelo mundo sem parar para o Paixão, que o vosso Almeida Quando o romance é cas indeléveis da nossa civilização.
poder contar? Faria considerou um dos mais de grande estatura, é Na infância, fez uma longa viagem Mesmo que nunca tenha ouvido
Claro. Sou um destino narrativo. belos poemas eróticos da Língua até à Galiza e viveu lá algum falar de Homero, ele está na sua
Não podia ter sido outra coisa a não Portuguesa. um género superior. tempo. Foi importante para a vida, na fundação da sua novelinha
ser escritora. Porque a sociedade criação desse romance? privada, da maneira como a conta.
Por que acha que não foi ‘lido’? Importantíssimo. À medida que fui A verdade é que quando queremos
E tem viajado muito como sonhava. Quando saiu havia ainda um Brasil
está lá dentro. A voz é escrevendo, lembrava-me de tudo. seduzir alguém, contamos-lhe um
Sim. De mais. Outro dia, até dei muito acanhado e era escrito por sempre coletiva Foi talvez a experiência mais forte episódio que nos aconteceu cinco
comigo a pensar que tinha que ter uma mulher, o que faz a diferença da minha vida. Porque houve uma minutos antes. Não nos podemos
coragem para começar a parar.. na avaliação. Tenho a impressão enorme concentração de sensa- privar da história.
Ando sempre de um lado para de que muitos dos meus textos do ções, de vivências.
o outro e às vezes me dá uma passado vão ser de novo avaliados. Nele volta ao conto: é um formato Em que sentido?
saudade da minha casa e dos meus que exige uma relação diferente de Guarda alguma recordação especial? Como podemos chegar junto de
cachorrinhos. Estavam de alguma maneira à frente escrita? Desfolhar as espigas do milho. alguém e não lhe contar nada?
do seu tempo? E foi bom ter voltado. As Quando aparecia algum verme- Não adianta ser bonito, levar um
Gosta de cães? Sim. Não eram aceites e pessoas gostavam dos meus lho, tínhamos direito a roubar um bocado de queijo... tem que ser
Nunca pensei que iria amar tanto compreendidos, além desse contos. Diria que implicam uma beijo… Não esqueci nada. De algum queijo e um verbo. Contar faz parte
bicho. Eu que sempre fui uma erotismo, também por uma maneira diferente de narrar, modo, foi uma viagem iniciática. da sedução do mundo.
aventureira, em amores e tudo. E certa violência que existe em concentrando o tempo num Nessa altura, o meu pai mandou
de repente, tenho uma paixão por alguns dos meus contos. Por espaço limitado. É difícil por fazer uma sacolinha de couro e É reconhecidamente uma grande
estes dois cachorros. Olho para exemplo, no meu último livro, exemplo alimentar o conto com deu-me um pequeno canivete, contadora de histórias.
eles e sinto uma ternura extraordi- em que há um de uma grande muitas personagens. que era para mim um símbolo de Às vezes, pergunto-me se será
nária. Talvez esse amor por bicho crueldade e de uma mulher, o soberania. Com ele, cortava as fru- por vaidade, para comprovar
se acentue em face da crueldade que não é comum. Já nos seus romances, existe uma tas, os arbustos. Lembro-me que o tanto que vivi… Mas penso
humana a que assistimos. multiplicidade delas. Na República, ia sozinha para o monte e levava a que é sobretudo porque quero
O seu olhar feminista reflete-se no umas 16… sacola com um pouco de queijo e homenagear o outro, contando o
DESCOBRIR O ENIGMA que escreve. Um verdadeiro painel. Aliás, de pão escuro, pois na altura havia que vi, as personagens fascinantes
Em A República dos Sonhos a Sim, não de uma forma o meu primeiro conto também uma grande miséria por causa da que conheci. Também os nossos
certa altura diz-se que um sonho é politizada. É preciso dissolver era polifónico, com seis ou sete Guerra. Ficava horas sozinha lá mortos. Quando falo de um Juan
qualquer coisa que se pode construir essas ideias na narrativa. vozes, só que é difícil controlá- em cima com as vacas da mi- Rulfo, de um Carlos Fuentes, de
como um barco. Como tem levado o As minhas personagens las em tão pouco espaço. Mas nha avó. E não tinha medo, nem um Machado de Assis não me
seu ‘barco’ literário? masculinas também são a minha paixão sempre foi o quando começava a ouvir os uivos interessa apenas as suas obras,
O sonho era construir uma muito fortes, não sucumbem romance. dos lobos. A verdade é que nesse mas os seres maravilhosos que

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ENTREVISTA, CRÍTICA
letras * 13
foram. Por exemplo, Clarice preciso buscar a linguagem
Lispector e tantos outros que certa. Pobre do escritor que
passaram pela minha vida. se equivoque nessa escolha.
Sobretudo há que se escrever
Alguns foram muito marcantes? na língua principal que o
Além de Clarice, Vargas Llosa, ou país está produzindo naquele
Julio Cortázar, uma figura que momento. Se Montaigne
me impressionou muito como ser tivesse escrito em latim,
humano. Tal como uma senhora ninguém o recordaria agora.”
que trabalhou na minha casa 20 ( p. 669). A aliança com
anos, cozinheira, negra, com uma uma língua representa um
enorme elegância moral. Tenho compromisso com a memória
até hoje um retrato dela na minha dos povos que a utilizam.
mesinha. Temos que andar pela Romancista que não domine
vida com os olhos bem abertos, todas as áreas das artes e
mesmo arregalados, para poder ciências do humano, não é
absorver todas as coisas. Sempre nada. Há menos romancistas
me empenhei muito em estudar, do que se pensa, neste
conhecer e desfrutar tudo o que a tempo de especialização e
vida me podia dar. fragmentação aguda.
Breta permanece sempre
Tenho Apetite de Almas é o nome menina porque é escritora. Isso
escolhido para a sua fotobiografia. permite-lhe confiar na palavra
Acha que se ajusta ao seu ‘apetite’ de e ousar as ilusões e desilusões
literatura? que são a matéria fundamental
É aliás uma frase retirada do meu da escrita e do conhecimento.
primeiro livro. Acho que traduz A arte cria uma película de
bem a minha curiosidade pelo candura que nos protege da
mundo. Nélida Piñon O romance é dispositivo de combate anti-totalitário vida e nos ensina a não desistir
dela. Diz o avô Madruga à neta
Como foi a publicação do seu escritora: “Essa graça que

Ousar sonhar
primeiro livro? temos de narrar se deve ao
Facílimo. Havia então um editor de abrandar um deles dentro facto de sermos celtas, Breta.
muito louco, Rocha Dória, que da alma. De outro jeito, eles É a nossa maior herança. Mas,
nem tinha escritório. Uma terminam por matá-lo.” (p. também, o que sobra de um
amiga minha conheceu-o numa 173). O paralelo permanente povo sem o seu imaginário?
biblioteca e disse-lhe: “Quer ter entre a Espanha e o Brasil, Deve ser por isso que o
a sua Clarice Lispector? Procure “países vorazes e movediços” primeiro ato das ditaduras é
esta moça chamada Nélida é a pedra de toque deste proibir a imaginação. Nada
Piñon... romance. Nélida, como Breta asfixia mais do que sermos
Inês Pedrosa que o passado se esclarece – a neta escritora de Madruga, privados de inventar.” ( p.
Já tinha o livro escrito? e o futuro se revela; os seus que partilha com ele e com 79). Na imaginação radica a
Desde os 17 anos. Rachel de textos ensaísticos convocam a autora o relato da história liberdade. Hannah Arendt
Queiroz tinha lido e gostado e me A releitura de A República memórias, descobertas e – assume-se como uma explicou como o totalitarismo
mandou trabalhá-lo. Assim fiz. Na dos Sonhos oferece-nos o esse dom da surpresa próprio voz claramente brasileira e esmaga o indivíduo, retirando-
verdade, eu não conhecia ninguém prazer, não tão frequente do ficcionista – a associação americana, mas arqueóloga das lhe qualquer espaço de ação,
na literatura, não circulava nesse como se pensa, de reviver atrevida, a brincadeira com suas raízes galegas e europeias. anulando-o na massa. O
mundo, mas no do ballet, da ópera, um romance, 30 anos depois os círculos imprevisíveis Essa ligação a dois territórios romance é um dispositivo
da música clássica. da sua publicação inicial, do tempo, a elasticidade da tão distantes permite-lhe o de combate anti-totalitário
encontrando-o sem uma ruga, escrita. entendimento profundo que – e A República dos Sonhos é
O que se iria refletir na sua obra. capaz de entrar em plena A República dos Sonhos advém da conjugação entre um vigoroso e clarividente
Ah, sim. Deu-me um sentido frescura na nova geração. De narra a saga de uma família de intimidade e estranheza, estar exemplo disso. Eulália,
de movimento, o ritmo da frase, resto, faz-me muita confusão emigrantes galegos no Brasil, dentro e fora do tempo, num a mulher apagada que se
afetou muito o meu imaginário e a esta ideia de gerações de de um modo muito original, lugar, não de omnisciência, ilumina quando decide morrer,
minha língua criadora. A música é escritores; a vantagem da a partir dos três dias em que mas de límpida ciência do explica-nos em que consiste
fundamental para mim. escrita é que nos permite a matriarca decide morrer – a particular. O retrato minucioso o ofício de sonhar: “O sonho
conversar além do tempo. grande decisão da sua vida – e do tempo da ditadura militar, e é uma distinção, Madruga.
No entanto, nunca pensou seguir Quando quero perceber porque convoca filhos e netos para a do modo como ele se reflete nos É como saber construir com
uma carreira musical? continuamos repartidos entre despedida. A vida do patriarca comportamentos e destinos perfeição uma gaiola ou um
Não precisava. A minha escritura camponeses e czares vou ter e dos seus descendentes individuais, é particularmente barco, fazendo-os parecer um
tem música. É uma verdadeira com um russo chamado Leão, entretece-se com as rico e pormenorizado. Os palácio mourisco”. Saibamos
partitura.. e quando estou muito cansada vicissitudes do Brasil ao longo ditadores não caem do merecer este palácio.J
recorro a uma inglesa chamada do século XX. Quando Getúlio céu – nem os Madrugas
E tem tido uma verdadeira sinfonia Virginia especialista em matar Vargas chegou ao poder, em desbravadores, sobreviventes à
de prémios ganhos não apenas no Anjos do Lar, que me dá alento novembro de 1930, pondo fome e avessos à resignação.
Brasil, mas também noutros países… para levar os meus propósitos fim à chamada República Nélida Piñon tem um
Pena que nunca ganhei o Camões. até ao fim. E isto só para Velha, o Brasil quis acreditar talento particular para cruzar
Porque sou uma apaixonada pela evocar amigos de cerimónia que poderia transformar-se o pessoal e o político. As
Língua Portuguesa e esse prémio é e não lembrar aqueles com os numa República dos Sonhos. múltiplas personagens deste
um paradigma para todos os escri- quais tive a sorte de partilhar A brutalidade da ditadura, romance, com o seu lastro
tores lusófonos... É o meu feudo, risos e confidências, e que com o seu cortejo de torturas e e as suas vozes singulares,
nela se encerram todos os tesouros, tanta falta me fazem. Quando ignomínias, adiou esse sonho, dão-nos a conhecer as
todas as poéticas. Se me dissessem estou muito desesperada, mas nunca conseguiu matá-lo, forças e fraquezas do
que iria escrever um romance em acaricio-lhes as páginas como talvez porque a omnipresença Brasil e também da Galiza,
inglês e ganharia uma fortuna, se lhes acariciasse os rostos. da morte exalte os impulsos da reconciliando-nos com o
30, 40 milhões, mesmo assim não Os romances inesquecíveis vida. Madruga, o emigrante oceano do tempo ao qual,
abriria mão dela. No meu discurso são longas conversas sobre bem sucedido, avisa o seu enquanto mortais, estamos
de tomada de posse como presi- política, lendas, memórias, contraponto Venâncio, sujeitos. Nós morremos – mas
dente da Academia Brasileira de sentimentos, mágoas e emigrante falhado, mas nunca a República dos Sonhos não. › Nélia Piñon
Letras disse justamente que o meu descobertas. A ficção de Nélida desistente: “Não se pode Nélida Piñon consegue ser A REPÚBLICA
avô me deu a majestade da Língua Piñon pertence a este caudal. conviver intensamente com simultaneamente estilista da DOS SONHOS
Portuguesa de presente. E eu amo Os seus romances são ensaios, dois países mortíferos como língua, historiadora, psicóloga, Temas e Debates, 708 pp,
essa língua. J experiências existenciais em o Brasil e Espanha. Você terá socióloga, filósofa, pintora. “É 22,20 euros

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
14 * letras LIVROS jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

PALAVRA DE POESIA diversos meios de comunicação. pelo mundo"; poema nascidos


É o rosto (a "apresentação do dessa "fruta compacta / que o
António Carlos Cortez rosto") que de novo faz entrar no pensamento desata" (p.10). Certos
regime da nossa leitura destes vocativos insertos nesse poema
poemas, o eco simbólico, o de abertura são ainda vestígios

Herberto Helder
peso simbólico de Herberto não do Herberto de "As Musas Cegas",
apenas como poeta que negou porventura... "Ó mãe que estás
sempre reedições e se protegeu da afogada / ó filho que estás
mercantilização do que escrevia, queimado / desde as mãos com

Uma forma de se despedir


mas como autor forte da nossa que escreves / até à boca faminta".
literatura justamente porque, Os poemas trazem consigo,
construindo uma ideia de autor, por meio do monodiálogo, uma
soube desmontar certos lugares- carga dramática que, evidente
comuns que sobre a sua obra e a ao longo de toda a obra do autor,
sua pessoa se foram instalando. se lança agora numa dicção mais
"Poeta obscuro", lhe chamaram. sentenciosa que questionante,
Agora, em jeito de provocação como se quem escreve não tivesse
Quase três meses depois da morte toda a alquimia que podemos continuada, já não estando neste já que perguntar à Musa o que foi
de Herberto Helder, e com data ler em Herberto Helder é agora lado de cá da vida, Herberto a vida: "mas o que é a realidade?
de maio, chegou-nos o último alvo de torção, ou extorsão. O mostra-se, a preto e branco, é - perguntava o mais extremo de
volume de poemas do autor poema é roubado, assaltado por certo, com um olhar severo, mas todos, / o mais amado, / o mais
de Cobra, intitulado, irónica mão sábia, mas que despreza, mostra-se na sua total imagem junto à lírica, / o mais carnal dos
e provocatoriamente, Poemas ou esquece caminhos já de autor. É como se a voz, tornada amigos diurnos, / o mais virtual
Canhotos. O que se pode dizer percorridos. Suspende-se uma imagem, e a imagem uma voz, dos amigos noturnos" (p.13).
deste conjunto final de textos? fala reconhecível e reinventa- fossem uma só coisa: a certeza de A veemência do dizer de
Primeiro que tudo, e à semelhança se Herberto numa dicção, que a sua poesia é transdiscursiva Herberto Helder não deixa de
do que vinha acontecendo desde apetece dizer, mais tradicional e não cabe em catalogações fáceis. ser a lúcida condenação das
Servidões, a sensação de a voz (veja-se o tom oralizante dos O eco de Camões, que não é de estratégias de consagração de
herbertiana se afastar da sua versos), ou mais conservadora agora, repercute-se em diversos que os mais diversos epígonos de
reconhecida dicção torrencial, na escolha dos ritmos e nas momentos destes poemas: um Rimbaud se servem para chegar a
vertiginosa, imaginística. soluções rimáticas. Mas porque dístico inicial ("a amada nas altas um Olimpo que não há. Pelo lado
Em rigor, o que este conjunto é um outro poeta - que provoca montanhas / o amador ao rés das mais "canhoto" e por isso inusual
de textos comprova é que, na a irritação dos que o quiseram águas") serve de abertura ao que destes poemas, assistimos ao
fase final do percurso poético enfeudar em pseudopoéticas se lê depois. E o que se lê depois?
ALFREDO CUNHA

de Herberto, o estilo - essa marginais e obscuras -, estes Isto: poemas em redondilha, por
conquista morosa, feita mais de Poemas Canhotos, para além de vezes trabalhando a estratégia
negação que de aceitação fácil serem escritos com a outra mão de do "leixa-prem" medieval,
de uma autosatisfação - não Herberto Helder "A certeza de que a sua Herberto, são também sinistros. fazendo variações rítmicas com
se colocava, nem se poderia poesia não cabe em catalogações fáceis" Entenda-se: seguem um caminho aqueles dois tópicos iniciais: a
continuar colocando, do mesmo contrário ao reto caminho que até "coisa amada nas montanhas"
modo. A ultrapassagem de uma A Faca não Corta o Fogo legitimava e o "amador ao rés das águas".
ideia de estilo ou, se quisermos, uma ideia de poesia herbertiana. Redondilha maior, espécie de
a aceitação de que o poema, o de um estilo "herberto" de fazer Espantar-se-á o leitor com "sôbolos rios", de que fala a voz
canto, já pouco tinham que ver poesia a ideia, cara ao próprio um primeiro sinal que não pode destes textos (o primeiro do livro,
com uma fidelidade a uma voz autor, de que a realidade poética ser desvinculado da leitura do em especial)? De uma cosmogonia
e uma obra, eis o que legitima é uma experimentação constante livro: a fotografia do rosto de criada pelo amador e a cousa
os textos como "canhotos", isto dos mundos de linguagem que Herberto, tirada por Alfredo amada, de uma "boca" que, em
é, excêntricos ao que antes se a linguagem humana oferece. Cunha, em fevereiro de 2015, versos quebrados, entoa uma
produziu. Poemas Canhotos, Estilo, concisão, maturação e que, em março passado, na fala nascida dessa fusão entre › Herberto Helder
assim enunciado, produz sentido verbal, construção imaginística, sequência do falecimento do amador e amada, criadores do POEMAS CANHOTOS
se alargarmos a esse abandono exploração de sonoridades, poeta, foi reproduzida em "pecado dos poemas / espalhados Porto Editora, 56 pp, 16,60 euros

BANDA DESENHADA enviar representantes para supervi-


sionar o trabalho dos subcontratados.
João Ramalho Santos Depois de ter tido essa missão na
China (relatada no livro Shenzhen, de
2000), os preços ultracompetitivos
da Coreia do Norte levariam Guy

Cegueira
sobre a Coreia do Norte dos Kim, Delisle à capital dinástica dos Kim,
e sobre a Líbia de Kadhafi e a Síria na altura liderada por Kim Jong-Il.
dos Assad, um relato externo e um O relato dos dois meses que passa
(semi)interno, ambos iluminam em Pyongyang, a que acrescenta um
aspetos da gestão de expectativas e enquadramento histórico e alguns
controlo de populações que ressoam factos e números, é simultaneamente
profundamente hoje. Embora pos- previsível e deprimente. Previsível
sam ser narrativas enviesadas, o seu porque sublinha a imagem de ditadu-
Num período de tempo curto interesse é inegável, com destaque ra asfixiante, megalómana e incom-
surgiram vários livros imprescindí- para a preocupante (não) promo- petente para além da sua autossus-
veis, daqueles que se recomendam ção/possibilidade de entendimento tentação que existe no Ocidente.
sem receio a quem orgulhosa- mútuo que atravessa ambos. Deprimente pelo mesmo motivo,
mente declare não gostar de banda A história por detrás de porque os negócios continuam (como
desenhada. Se antes os lançamentos Pyongyang é curiosa, por ser reflexo sempre) e a extensa ajuda humanitá-
eram episódicos (Maus, Palestina, da globalização num país não glo- ria parece apenas servir para ajudar
Persépolis), espera-se que a proxi- balizado. Nos desenhos animados o regime.
midade destas edições signifique tradicionais o grosso do trabalho (os Claro que as principais críticas ao
uma aposta continuada. De todos o desenhos de ligação) é feito fora dos livro focam três pontos: que resulta
destaque maior é para Pyongyang estúdios ocidentais, onde a mão de de uma experiência curta intensa-
(2003) do canadiano Guy Delisle obra seja mais barata. Mas, dadas as mente vigiada, que o autor partiu
(Devir) e O árabe do futuro (2014) diferenças culturais nas representa- com opiniões preestabelecidas (o seu
do francês Riad Sattouf (Teorema). ções de personagens e interpretação livro de viagem foi 1984, de George
Testemunhos na primeira pessoa de expressões, os estúdios têm de Pyongyang Relato de uma estadia de dois meses Orwell), que não evita um tom de

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt LIVROS
letras * 15
esfolamento da figura daquele que Para além da condenação dos OS DIAS DA PROSA
escreve, e daqueles que escrevem: que, sendo poetas, se assemelham
"(entra um jovem sobraçando ao jovem Staline, ("foda-se esta Miguel Real
um maço de poemas cortados em gente esfaimada!"), é ao "jovem
diagonal pelo mito de Rimbaud) autor gangrenado", que a raiva
// [...] / um jovem ávido cheio de desta voz turbilhonante parece
cotovelos / no meio da multidão dirigir-se. Poemas, então, sobre
/ - afastem-se afastem-se que eu o processo poético: os dois

A vida de Álvares Cabral


quero entrar no filme, / eu quero ritmos dos poemas, ou as duas
que me descubram, / eu vim a faces da moeda da poesia. A
correr de noite até aqui, / eu sou face antiga, de metros polidos,
o astro de que grandeza primeira musicais, recuando a Príamo,
[...] // ele quer à força entrar no exigindo a redondilha e a poesia
filme: / logo a primeira imagem que é discurso outro - selvagem

J
em plano glorioso, / mas calma - dentro do "hediondo mundo"
aí, isso não é assim tão raro / mas e trabalhando ainda aquela
ancestralidade das imagens


carnais que Herberto não deixou oão Morgado publicou quatro roman- Em primeiro lugar, a descoberta intencional do
de cantar. Um poema, porém, ces e recebeu dois prémios literários: Brasil pela armada de Pedro Álvares Cabral como
ilumina as razões que terá levado Diário dos Infiéis (2010), Diário dos contraponto à sede cobiçosa das especiarias da
Herberto a escolher esta forma Imperfeitos (Prémio Literário Vergílio Índia pelo rei D. Manuel. A Ordem de Cristo teria
Toda a alquimia que de se despedir: é o que conta a Ferreira 2012), adaptado a peça de intentado desviar o projeto do Rei Venturoso da
podemos ler em morte de António Ramos Rosa: "O
António estava deitado na cama /
teatro e representado no Teatro da
Trindade, em Lisboa, e Gama. O Herói
conquista imperial da Índia, assente na riqueza das
especiarias e na projeção imperial e narcisista do
Herberto Helder é contra a parede / e deu meia volta Imperfeito (Prémio Literário António rei, deslocando-o para a evangelização dos índios
agora alvo de torção, sobre si mesmo / [...] / e fechou os Alçada Baptista 2014). do Brasil, designados no romance como “puros”.
olhos / e fechou a boca / e ficou Já este ano, venceu o Prémio Literário Fundação Em segundo lugar, a denegação de Vasco da
ou extorsão. O poema todo fechado / e então morreu Dr. Luís Rainha/Correntes de Escrita, com o conto Gama, personagem heroína dos Descobrimentos
é roubado, assaltado todo / fundo e completo de uma só O Céu do Mar, ainda inédito, e acabou de publi- segundo a história corrente dos manuais de ensino.
vez / [...] / - e ele sou eu" (p.39). As car um longuíssimo romance histórico de grande O descobridor do caminho marítimo para a Índia é
por mão sábia, mas consequências desta homologia, qualidade, Vera Cruz, a história da vida e da viagem considerado, em Vera Cruz, pouco mais do que um
que despreza, ou desta fusão entre Ramos Rosa histórica de Pedro Álvares Cabral, nascido no caste- fidalgo arruaceiro e ambicioso cujo trato violento
e esse alguém que, na primeira lo de Belmonte, cidade onde o autor exerce funções com o samorim de Calecute deitou a perder um
esquece caminhos já pessoa, diz ser o poeta "fundo e profissionais na Câmara Municipal. entendimento pacífico definitivo entre o cristianis-
percorridos completo [...] mais que o mundo Em momento de declínio da moda literária do mo e o hinduísmo.
inteiro", e que compreende as romance histórico, praticado de um modo discri- De realçar, igualmente, a arquitetónica con-
altas esferas a que um autêntico cionário, sem fundamentação objetiva em docu- ceptual e afetiva da personagem Pedro Álvares
poeta ascende em face do mistério mentos coevos, cruzando arbitrariamente costumes Cabral. Esta é trabalhada pelo autor de um modo
vocês não vêem aqueles olhos da morte, em virtude da obra presentes com costumes antigos, substituindo o neorromântico, se assim se pode dizer, destacando
assassinos? / ele era capaz de que deu a esse mundo, isso é que léxico da época por um vocabulário jornalístico de os seus conflitos íntimos, a luta pela passagem de
matar para ter uma chamada ao torna estes poemas, por detrás atualidade, deve ser louvado o trabalho de investi- uma posição marginal na hierarquia social (filho
palco [...] // bom para acabar com da ironia, poemas "canhotos" - gação de João Morgado, muito rigoroso, prolongado secundogénito, sem fortuna própria e com estatuto
isto tudo para sempre / aprontem poemas que "chegam / do meio ao longo de dois anos (cf. “Nota Final”). O autor social inferior ao família da esposa, Isabel de Castro,
aí um Nobel para salvar uma da escuridão / de que ficamos continua, com probidade, a visão de Alexandre sobrinha de Afonso de Albuquerque), cristalizan-
vida / um Nobel está bem mas incertos / se têem autor ou não / Herculano, fundador do romance histórico em do na personagem o sentido, os paradoxos e as
enquanto espera / porque não se poemas ás vezes perto / da nossa Portugal, sobre a confeção rigorosa deste género contradições da História, concedendo-lhe uma
arranja vá lá um Cervantes um própria razão / que nos podem literário: verosimilhança ou similitude na história, liberdade individual e política muito, muito cara aos
Camões / uma coisa dessas? / fazer ver / o dentro da nossa no desenho das personagens e no enredo definidor românticos.
pôrra dêem-lhe tudo: um reinado, morte" (p.42). Canhotos, como da ação, e fidelidade aos documentos da época. Parabéns ao autor pelo notável romance histórico,
uma dinastia inteira, se é tão quem diz, fabricados perto do Assim deve ser entendido o enquadramento es- já em segunda edição em menos de dois meses. J
sôfrego assim" (pp.30-31). outro lado da vida. J tético de Vera Cruz, ao qual acresce (i) a imaginação
portentosa de João Morgado, (ii) um léxico histórico


prodigioso, fruto do convívio com os textos, e (iii)
um domínio espantoso do detalhe histórico ao lon-
superioridade moral. A resposta os habitantes para lá dos dois com go dos séculos XV e XVI, seja em Portugal (interior
óbvia é que, se Delisle foi apenas que interage mais (o tradutor e o raiano e Lisboa), seja na Índia (Calecute e Cochim),
autorizado a ver o que lhe deixaram guia) abraçam a realidade construída seja no Norte de África (Ceuta e Tânger), três carac- Na fabulação do romance
da vida da Coreia do Norte (ou seja, o
melhor possível), a realidade só pode
do regime, incluindo efabulações
históricas que seriam hilariantes se
terísticas que agradam sobremaneira ao exigente
leitor de romances históricos.
histórico de qualidade, não
ser pior. Na verdade, se apenas vinte as consequências não fossem trági- Com efeito, na fabulação do romance histó- menos importantes são a
por cento dos casos que relata fossem cas. Um caso de mentiras repetidas rico de qualidade, não menos importantes são a verosimilhança e a fidelidade
verdadeiros já seria preocupante. O até à verdade final, de uma cegueira verosimilhança e a fidelidade que a imaginação.
espanto do autor vai mais no sentido coletiva e seletiva que será caso Rapidamente o leitor se dá conta coexistirem as três que a imaginação. Rapidamente
do quanto a caricatura presumida de estudo quando (e se) se puder em abundância no romance ora publicado, sem que o leitor se dá conta coexistirem
se plasma na realidade limitada que estudar. E da qual ninguém está nenhuma delas suplante as restantes. Dificilmente
vislumbra. A inevitável interrogação completamente livre, por mais livre se pode pedir mais a um romance histórico, ainda as três em abundância neste
é de que modo, e com que extensão, que se julgue. por cima quando, acima de tudo, defende, como é o romance
Do ponto de vista gráfico nota-se caso de Vera Cruz, teses hermenêuticas sobre o sen-
um esforço do autor no sentido de tido da história de Portugal. Como explicita o autor
domar o seu traço caricatural a um na “Nota Final”, trata-se de uma “ficção controla-
registo mais realista; um tom exage- da” (p. 506), concedendo aos factos rigorosamente
rado é exatamente o que Pyongyang comprovados a “emoção” própria da fabulação
não necessita. Embora o desenho de romanesca.
Delisle seja bastante mais limitado do Para além da descrição minuciosa da vida de
que, por exemplo, o de Riad Sattouf, Pedro Álvares Cabral, filho secundogénito, cuja
há consciência que, se o exagero pode valorosa obra ligada à defesa das praças portugue-
ser usado para efeitos dramáticos (o sas no Norte de África e aos Descobrimentos lhe
que sucede nalgumas representa- permitiu usar como apelido o nome do pai (Cabral),
ções simbólicas), tem o perigo óbvio e não o da mãe (Gouveia), como então era hábito,
de poder menorizar o tema. Numa Vera Cruz, fundada num estudo minucioso e rigo-
› Guy Delisle altura em que se tenta perceber que roso, como dissemos, o autor defende duas teses › João Morgado
PYONGYANG diálogos são possíveis (ou úteis) esse é históricas interpretativas da história portuguesa dos VERA CRUZ
Devir, 180 pp, 22 euros um risco que não se pode correr. J séculos XV e XVI. Clube do Autor, 507 pp, 17 euros

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
16 * letras ESTANTE jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

A justiça, segundo Rui Cardoso Martins seu talento para reconstituir, na prosa, os
acontecimentos, em empolgantes relatos
semanais que agora surgem recolhidos em
volume, numa seleção de Inês Rodrigues. Dos
700 textos originais foram escolhidos 100
que configuram um extraordinário retrato da
Numa mesma semana, Rui Cardoso Martins histórias dos tribunais portugueses, com sociedade portuguesa recém-entrada na CEE.
foi confrontado com dois comentários com- pessoas reais e crimes verdadeiros, mas havia Ou como escreve Cardoso Martins: “Leitores e
pletamente opostos. Um leitor, entre sorrisos, quem julgasse que eram inventados. Que os mestres que admiro disseram-se que Levante-
disse-lhe: “As coisas que você inventa…”. E réus, acusadores, testemunhas e magistrados se o Réu era um bom retrato da sociedade por-
um procurador da República, na sala de au- seriam personagens de ficção. Mas não eram tuguesa. Se era então acho que ainda é. Apesar
diências do Palácio da Justiça de Lisboa, disse nem podiam. Todas as semanas eu voltava, por dos anos, mantém surpreendente atualidade
de sua justiça: “As suas crónicas são muito ri- assim dizer, ao local do crime: ao tribunal. Só (...) Amizade, amor, sexo, traição, homicídio,
gorosas”. Assim eram as crónicas Levante-se o alterava os nomes para proteger as identidades incesto, pedofilia, maus-tratos, violência do-
Réu que o escritor e jornalista manteve duran- nos casos mais delicados. Não se pode mentir méstica, ciúme, abnegação, racismo, religião,
te anos a fio no jornal Público: fieis e inimagi- em jornalismo. A realidade - a chamada vida - › Rui Cardoso Pires sorte, azar, premeditação...". Toda a “huma-
náveis. “Percebi assim os efeitos contraditórios é que tem muita imaginação”. LEVANTE-SE O RÉU nidade em Portugal” em audiências de portas
de Levante-se o Réu.”, recorda hoje. “Contava À capacidade de ver e ouvir juntou-se o Tinta-da-China, 368 pp, 16,90 euros abertas. J

FICÇÃO e o presente, uma reflexão sobre o litigioso, ele decide deixar tudo e Reilly tem 30 anos e ainda vive na primeiros títulos em
mundo contemporâneo. A abrir, uma rumar até à região de Lower River. casa da mãe. Está revoltado com edição de bolso, na
Jaime Fernandes frase tão forte como a sua precedente:
“Hoje, a mamã ainda está viva.”
Mas as imagens do passado vão ter de
conviver com as ruínas do presente.
o mundo e quer denunciar essa
revolta. Mas como tem de ganhar
coleção Bis. Nas linhas
iniciais percebe-se logo
A Revolução dos dinheiro, não pode ficar sempre a diferença de cada
Cravos é o pano de › Kamel Daoud › Paul Theroux em casa. Ao sair, vê-se no meio da relato. Em Justine lê-se
fundo de Os canhões de MEURSAULT, CONTRA- O OUTRO LADO DO PARAÍSO febre que tanto critica. Esta reedição a abrir: “O mar está
Santarém que floriram INVESTIGAÇÃO Tradução de Antonio Sabler, Quetzal, 376 pp, 18,80 inclui um prefácio de Nuno Markl. novamente agitado
em Lisboa, o romance Tradução de Inês Pedrosa, Teodolito, 136 pp, 12 euros euros hoje, com rajadas de
de estreia de Jaime › John Kennedy Toole vento que despertam
Fernandes, membro da UMA CONSPIRAÇÃO os sentidos. Em pleno
Comissão Democrática
Eleitoral, preso político, documenta- Paul Theroux John Kennedy DE ESTÚPIDOS
Tradução de Maria Filomena Duarte, Relógio
inverno, a primavera
começa a fazer-se
lista e mais recentemente professor de
Geografia. Conta a história de quatro
A par de um ex-
traordinário autor de
Toole d’Água, 400, 18 euros sentir. Toda a manhã
o céu esteve de uma
estudantes universitários que vivem livros de viagens, Paul A Literatura tem des- pureza de pérola”. E em Balthazar:
amores, manifestações e outras lutas
contra o Estado Novo. Um estará en-
Theroux é também um
grande romancista. São
tes casos dramáticos.
Professor universitário, Lawrence “Tonalidades paisagísticas: casta-
nho-bronze, céu abrupto, solo cor
volvido na coluna de Salgueiro Maia
que conseguirá derrubar o regime.
duas linhas paralelas
que se cruzam cons-
John Kennedy Toole
era um apaixonado
Durrell de pérola com sombras nacaradas e
reflexos cor de malva”.
“Este relato fidedigno da Revolução tantemente, sobretudo pela escrita. E pôs mãos O Quarteto de Alexandria é a
do 25 de Abril enriquecido, para uma na geografia, que das viagens salta à obra, tendo escrito obra que mais celebrizou Lawrence › Lawrence Durrell
leitura mais ávida, pelo romance de para a ficção. Em O Outro Lado do dois romances, Uma Durrell, sendo igualmente uma O QUARTETO DE ALEXANDRIA
algumas personagens fictícias, criadas Paraíso, o escritor norte-americano Conspiração de Estúpidos e A Bíblia das mais radicais e estimulantes - JUSTINE
em exemplos de vida realmente vivi- regressa a África (que já esteve na de Néon que, no entanto, nenhum experiências literárias. Constituído Tradução de Daniel Gonçalves, BIS, 256 pp, 7,50 euros
das, assinala também a importância origem de dois livros) e, em parti- editor quis publicar. Consumido pela por quatro volumes, cada um expõe
da cidade de Santarém”, salienta João cular, ao Malawi, onde viveu, depois ideia de ter falhado como escritor, o ponto de vista de cada persona-
› O QUARTETO DE
Luís Madeira Lopes no prefácio. de ter escapado ao alistamento para suicidou-se. Mas a sua mãe nunca gem: Justine, Balthazar, Mountolive ALEXANDRIA - BALTHAZAR
a Guerra do Vietname. É aí que se desistiu. Contactou gente do meio, e Clea. Os acontecimentos são os
› Jaime Fernandes passa O Outro Lado do Paraíso, sendo insistiu e só descansou quando Uma mesmos, apenas (e não é pouco)
Tradução de Daniel Gonçalves, BIS, 256 pp, 7,50 euros

OS CANHÕES DE SANTARÉM que para Ellis Hock, o protagonista, Conspiração de Estúpidos foi publi- muda a forma de olhar as relações e
QUE FLORIRAM EM LISBOA o paraíso é a aldeia onde fora muito cado com enorme sucesso. Recebeu sobretudo a cidade de Alexandria. POESIA
Âncora editora, 208 pp, 16euros feliz durante a missão do Corpo de os prestigiados prémios Pulitzer, Depois de várias edições individuais
Paz (a mesma em que Theroux esteve
integrado). No meio de um divórcio
nos EUA, e o Melhor Romance
Estrangeiro, em França. Ignatius J.
e de uma num único volume, já
na D. Quixote, saem agora os dois Jorge de Sena
Kamel Daoud Com um novo volume
de quase mil páginas,
A história, já se a Guimarães prossegue
sabe, não tem apenas
um lado. Para um Espírito cristão Teresa Dias Furtado no prefácio,
por "sequências de grande fôlego"
o rigoroso trabalho de
publicação das Obras
jornalista, conhecer os (128 pp, 11,50 euros). Os restantes Completas de Jorge
dois lados da questão é são mais antigos: Eu e Tu, do teórico de Sena, coordenado
não só um imperativo judaico Martin Buber (136 pp, 11,50 por Jorge Fazenda
da curiosidade, é um Livros que reúnem grandes clássicos lançamentos são bem ilustrativos da euros), um dos nomes de referência Lourenço, um dos maiores espe-
dever deontológico. da literatura mundial ou textos mais diversidade que esta coleção terá. da viragem do século XIX para o cialistas na obra do poeta. Sai agora
Na sua primeira incursão ficcional, o recentes, todos marcados pelo “es- Um é mais recente: A Pedreira e XX; Os portais do mistério da segun- Poesia 2 que recolhe a poesia esparsa
argelino Kamel Daoud transportou pírito cristão”. Uma coleção, dirigida Outros Poemas, que reúne a poesia da saúde, com a poesia do francês e inédita à data da morte do escritor,
esta ideia para o campo da Literatura por José Tolentino Mendonça, que de Karol Woytila, hoje mais conhe- Charles Peguy (184 pp, 13 euros), a 4 de junho de 1979. Anteriormente
para criar uma ousada e inesperada pretende testemunhar “a vitalida- cido por ter sido o Papa João Paulo II. grande entusiasta do cristianismo divulgados em 40 Anos de Servidão,
segunda versão dos factos ocorri- de, a diversidade e a surpresa” da Versos marcados, como nota Maria social do século XIX; Imitação de Sequências, Visão Perpétua, Post-
dos certo dia numa praia, entre um experiência de Deus. “Cada um destes Cristo, de Tomás de Kempis, monge Scriptum e Dedicácias, a estes poe-
estrangeiro e um árabe. Meursault, volumes é um pequeno grão onde a e escritor alemão do século XIV, mas juntam-se uma dezena de inédi-
contra-investigação é o outro lado do esperança inteira cintila. O resultado cuja obra, em particular este livro, tos e um poema ainda não recolhido
espelho do famoso romance de Albert é não só uma biblioteca indispensá- teve uma enorme influência nos em livro. No total são 895 poemas
Camus, em que o protagonista malta vel, que o passado do Cristianismo círculos cristãos (312 pp, 14 euros); que, como nota Fazenda Lourenço,
alguém, sem saber quem, só por e da cultura legam ao presente, mas e Os Noivos, o celebrado romance percorrem “todo o diário poético de
matar, sem saber porquê. O narra- um tesouro que o nosso presente é do escritor oitocentista italiano Jorge de Sena, desde o primeiro poe-
dor deste livro é o irmão do árabe chamado a reencontrar apaixonada- Alessandro Manzoni (728 pp, 24,99 ma que conservou até ao último que
assassinado. Setenta anos depois, ele mente e a transmitir ao futuro”, lê-se euros), que tanto é um tratado sobre escreveu”. A ordenação cronológica
regressa aos acontecimentos, para na apresentação desta nova iniciativa o cristianismo, como uma reflexão dos poemas pela data de composição,
tentar entender. A Humanidade e o da editora Paulinas. Os cinco primeiro sobre a lei e o estado da justiça. JL explica o especialista, permite uma
destino das nações. Entre o passado leitura paralela entre Poesia 2 e Poesia

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ESTANTE
letras * 17
1, sendo que este recolhe a poesia
publicada em vida. Entre os inéditos,
sete integram o conjunto do livro
› Peter Ackroyd
CHARLIE CHAPLIN
Fernando Dacosta
No rasto de Portugal
Dedicácias. Tradução de Luís Ruivo Domingos, Teodolito, 252
pp, 14 euros
› Jorge de Sena
POESIA 2
Guimarães, 912 pp, 43 euros
Bill Bryson
A incrível e inédita
OUTROS travessia aérea do
oceano Atlântico leva- séculos e séculos pelo mundo inteiro fomos
John Cleese da a cabo por Charles
Lindbergh, em 1927,
nós. E agora voltámos, com esta nova vaga
de emigração. Além disso, gosto muito da
“O humor depende é o pretexto para Bill palavra pagão. Quando ouvia referências
de um ponto de vista Bryson, um dos mais ao paganismo, registava. Como a Natália
invulgar e, por isso, populares escritores Correia a dizer que era uma grande pagã
surpreendente sobre a norte-americanos e um extraor- [risos]. Ou o comentário da Agustina
vida. Trata-se, quase dinário divulgador de viagens, [Bessa-Luís] sobre o Brasil: "Aqui o religioso
sempre, de olhar para histórias e identidades culturais, explode em paganismos de samba".
as coisas com um olhar radiografar o ano em que o século
inaugural, como se as XX se tornou o século da América. Citação essa que serve de epígrafe ao
víssemos pela primeira vez. (...) É Entre histórias de gangsters e capítulo 'Um Carocha no Brasil', em que
entender o familiar como estranho e bizarrias, como a de Alvin Kelly, conta a viagem que fez com a escritora, de
o estranho como familiar. (...) John que ficou sentado em cima de um São Paulo ao Rio de Janeiro, num carocha
Cleese manteve essa capacidade de mastro durante 12 dias, é a afir- amarelo. Reescrever estes 'diários' foi voltar
olhar para a vida social a partir do mação de um país embalado pelo a viver momentos como esse?
lado de fora. Conseguiu ver, como papel decisivo na Primeira Guerra Sem dúvida. Revivi a viagem com a
poucos, todo o ridículo das conven- Mundial. “O que houve em Charles Agustina [Bessa-Luís], uma mulher
ções, da pompa, da hipocrisia, da Lindbergh e no seu voo de 1927 para fascinante e divertidíssima. O Alto Douro,
vaidade”. Eis o que Ricardo Araújo Paris que tanto fascinou o mun- uma região muito marcante para mim,
Pereira diz sobre um dos funda- do?”, questiona-se Bryson. “Para Fernando Dacosta "Sempre me impressionou - e por ligada às memórias da minha infância e
dores dos Monty Python e um dos os americanos, houve a gratificante vezes até me comoveu - o facto de, em qualquer parte juventude. O Corvo, terra inacreditável,
rostos mais conhecidos do humor, da novidade de serem os primeiros em do mundo, encontrar rasto da presença portuguesa" com aquela comunidade, aquela gente
televisão e do cinema dos últimos 50 alguma coisa. É um pouco difícil de extraordinária, que vive sem pressões,
anos. É um depoimento que prefacia a imaginar agora, mas os americanos com um particular sentido de liberdade.
publicação da autobiografia de Cleese na década de 1920 tinham crescido E, claro, África, onde nasci [em Angola]:
em Portugal, que revela a aventura de num mundo em que a maioria das Do Douro da sua infância às histórias que um continente pelo qual sinto uma grande
uma vida, cheia de momentos épicos coisas mais importantes aconte- viveu no Brasil, com Agustina Bessa-Luís, paixão e, ao mesmo tempo, um enorme
e hilariantes, mas também de luta e cia na Europa”. Num verão, tudo e no Atlântico, com Agostinho da Silva, desespero.
sofrimento. mudou. passando por memórias da ilha do Corvo
e de vários países africanos. Sete 'relatos' Para a 'lista' ficar completa, falta referir a
› John Cleese › Bill Bryson de Viagens Pagãs, de Fernando Dacosta, viagem com Agostinho da Silva...
ORA, COMO EU DIZIA… 1927 - AQUELE VERÃO jornalista e escritor, autor de mais de duas Um homem notável, sem dúvida um dos
Tradução de Manuel Santos Marques, Planeta, 440 Tradução de Ana Lourenço e Maria João Lourenço, dezenas de títulos, entre os quais a peça grandes vultos da cultura portuguesa. Mas
pp, 24,40 euros Bertrand, 560 pp, 19,90 euros Um jipe em segunda mão, o romance O completamente doido [risos]. Arranjou
viúvo, e Moçambique, todo o sofrimento do maneira de irmos passear num veleiro em
mundo, Máscaras de Salazar e Os Retornados pleno oceano Atlântico. De repente veio
Peter Ackroyd Traduzir Mudaram Portugal. uma tempestade feroz e, em menos de
nada, tivemos que voltar para trás. Com
Outra grande figura
da televisão e do
em Portugal Jornal de Letras: São vários os destinos
deste livro de viagens. Qual o 'fio' que os
ele as viagens eram sempre imprevisíveis.
Andava sempre a pé. Uma vez, ele queria ir
cinema, com enorme Identificar e estudar une? a uma galeria então combinámos às oito da
projeção mundial, ao a intervenção dos tra- Fernando Dacosta: Muitas delas fiz a manhã à porta da casa dele. A galeria ficava
ponto de ser conside- dutores profissionais convite do Centro Nacional de Cultura, longíssimo, mas lá fomos a pé. Demorámos
rado o homem mais no mercado editorial que promovia viagens ligadas à ideia das horas... Deu-lhe a fome, parámos para
famoso do seu tempo, português é o objetivo raízes de Portugal, dentro e fora do país. almoçar numa tasquinha no Rato; depois
é Charlie Chaplin, de deste livro de Jorge De resto, sempre viajei muito. E sempre me vinham pessoas e ele ficava a falar;
quem Peter Ackroyd nos oferece uma Almeida e Pinho, impressionou - e por vezes até me comoveu passavam gatos, que ele adorava, parava
nova biografia, a acrescentar às mui- professor da Escola - o facto de, em qualquer parte do mundo, novamente; entretanto deu-lhe outra vez a
tas que têm vindo a ser publicadas Superior de Educação do Instituto encontrar rasto da presença portuguesa. fome, na Mourisca, a chegar ao Saldanha.
desde a morte do ator e realizador, Superior de Administração e O meu editor, Marcelo Teixeira, sabendo Resultado: chegámos à galeria de noite e já
em 1977. Esta tem a particularidade Gestão. O trabalho incide sobre as que eu tinha muita coisa escrita sobre tinha fechado. JL CAROLINA FREITAS
de cruzar vida e obra, tentando ver condições socioculturais e políticas viagens, veio, há cerca de um ano, desafiar-
na primeira a origem ou pelo menos que definiram a profissão nos me a reunir algumas dessas histórias em
a explicação da segunda. Da infância últimos 40 anos. No fim, concluiu- livro. Comecei a reler os apontamentos,
pobre ao ensimesmamento da velhi- -se: “Da análise ao desempenho percebi que tinha, de facto, muita coisa por
ce, é uma odisseia sem paralelo, que e papel dos tradutores confirma- publicar, e decidi completar e estruturar
deu origem a alguns dos filmes mais -se a sensação de invisibilidade estes sete relatos.
memoráveis da história do cinema, observada por Lawrence Venutti
como Em Busca do Ouro, Tempos para a realidade anglo-ameri- Além das "raízes portuguesas", falam de
Modernos ou O Grande Ditador. cana. Tantas vezes ignorados ou um "mesmo paganismo identitário", como
Curiosa, é a associação que Ackroyd criticados, as avaliações que sobre escreve na nota introdutória. Em que
faz a certa altura: “Chaplin, tal como eles recaem, quando são efetiva- sentido?
Dickens, era obsessivo, incansável, mente realizadas, não se mostram Já Fernando Pessoa dizia que a nossa
arrasador. Ambos tinham sempre de fiáveis. Assentam normalmente religião não é o catolicismo. É o
controlar o mundo à sua volta (...). em impressões vagas e em critérios sebastianismo/paganismo. Não somos
Ambos eram pessoas muito ricas principalmente orientados para os um povo dado ao monoteísmo; somos
que temiam que lhes tirassem os leitores-alvo previstos”. muito permeáveis e curiosos por todas
seus tesouros. Portanto há uma forte as religiões. Aliás, isto porque somos
afinidade. Pode mesmo sugerir-se › Jorge Almeida e Pinho um povo muito aberto. Ao contrário da › Fernando Dacosta
que Chaplin é o verdadeiro sucessor A TRADUÇÃO PARA EDIÇÃO ideia salazarista, Portugal nunca quis ser VIAGENS PAGÃS
de Dickens”. Universidade do Porto, 306 pp, 17,50 euros "orgulhosamente só". Se há povo que andou Parsifal, 224 pp, 15 euros

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
18 * artes jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

Miguel Gomes nos e fui percebendo melhor a


estrutura, mas não propriamente
os temas.

Histórias de encantar
MG: Havia apenas um grande
tema chamado Portugal.

Passava pelas histórias mais

de um país desencantado
insólitas?
MJO: O nosso trabalho não foi
definido assim. Fazíamos uma
procura diária, uma lista de
notícias, que apresentávamos, na
sexta-feira, a um comité central,
liderado pelo Miguel. Essa lista era
devolvida na segunda-feira com
temas prioritários.
Depois da primeira exibição na Quinzena dos Realizadores de Cannes, de prémios na Polónia
O realizador desempenhou a
e na Austrália e passagens por festivais na Alemanha, Finlândia, República Checa, Israel, França função de um diretor de jornal.
e Nova Zelândia, As Mil e Uma Noites chega às salas nacionais. É a estreia no circuito comercial MJO: Em termos de escolha
de prioridades, sim. Às
português - houve uma ante-estreia no Curtas de Vila do Conde - da muito aguardada trilogia vezes tínhamos que partir
de Miguel Gomes. A primeira parte, O Inquieto, já no próximo dia 27, a segunda, O Desolado, imediatamente para o sítio, porque
se tinha de fazer a investigação no
a 25 de setembro, e a terceira, O Encantado, a 1 de outubro. Um projeto monumental, que momento. Em termos de trabalho
jornalístico foi um paraíso: com
acompanhou um ano de crise em Portugal, apresentado em primeira mão pelo realizador, autor tempo, espaço e liberdade.
de Aquele Querido Mês de Agosto e Tabu, entre outros filmes. Entrevista e crítica ao filme
Tudo isto conduz à exploração das
zonas de fronteira entre géneros,
habitual nos filmes de MG. É usual
no cinema haver uma repérage e até
uma investigação para a construção
do argumento, mas aqui vai muito
além disso, há documentário e
ficção, às vezes convergem, outras
confundem-se…
MG: Não gosto de pôr as
coisas nesses termos. Existe
no filme uma negociação
constante entre a realidade
e o imaginário. Sendo que
o imaginário é algo que se
liberta do real. Não tem a ver
com coisas que se passaram,
mas com medos e desejos. Um
retrato sobre um momento na
sociedade tem que ter todas
essas dimensões: por um
lado o que teve lugar, existiu,
foi vivido; e por outro o que
alguém receia ou deseja que
apareça. Para mim não havia
que escolher entre as duas. Às
vezes há um preconceito que
As Mil e Uma Noites de Miguel Gomes "Os filmes são processos longos. A ideia de estar em sofrimento o tempo todo é impossível. O prazer é uma coisa importante" em situações de crise o real
tem que ocupar o espaço todo.

q
É uma chantagem inaceitável.


Em situações mais extremas
Manuel Halpern país através de histórias inicial- do caso Relvas, poderia também há lugar para a ficção. O
mente baseadas nas recolhas de fazer parte destas Mil e uma Noites. estado de alma não é apenas a
uma equipa de jornalistas formada Este tríptico é a quarta obra de materialização do mundo real.
especialmente para o efeito. Só fôlego de MG, depois de A Cara que Às vezes há um
que MG, seguindo a estrutura do Mereces, Aquele Querido Mês de preconceito que em O filme tem esses dois lados,
clássico, manteve o encantamen- Agosto, Tabu e meia dúzia de cur- poderia ter apenas esse lado
to que Xerazade proporcionou ao tas-metragens multipremiadas. situações de crise o real ficcional, como por exemplo em
rei, misturando o realista com o tem que ocupar o espaço Tráfego, de João Botelho.
onírico, o exótico com o palpável, JL: O filme partiu de uma MG: Para quê renunciar a um lado
Bagdade com Viana do Castelo. investigação jornalística, só depois
todo. É uma chantagem se podemos ter os dois? Desde
Com a descontração da obra escreveram o argumento. Porquê? inaceitável. Em que haja condições para garantir
feita e bem encaminhada pelos Miguel Gomes: Sobre isso queria um trabalho sobre esse mundo
festivais, com estreia marcada dar voz à Maria José Oliveira, uma
situações mais extremas material pode-se partir para
para França e um prémio recente jornalista que foi muito importante há lugar para a ficção. outros mundos. Por exemplo, nos
“Quando não souberes o que fazer
com um filme, pede à produção
na Polónia, encontrámos MG bem
humorado num terraço com vista
para este filme. Eu liguei-lhe para
fazermos um filme juntos, dando-
O estado de alma não é “Magníficos” temos depoimentos
de pessoas que estavam a sofrer
para construir uma baleia”, é o sobre Lisboa. Quando começámos -lhe uma função que normalmente apenas a materialização a crise, através do desemprego.
conselho que Miguel Gomes (MG) a falar de questões metodológicas, não existe no cinema. do mundo real Apesar disso, não há motivo
deixa aos jovens realizadores, em ele chamou para a conversa Maria Maria José Oliveira: Se bem me para renunciar ao imaginário,
tom de brincadeira, revelando um José Oliveira, que liderou a equipa lembro, telefonaste-me em março introduzindo a personagem do
pouco do caos por onde passou de jornalistas que fez uma longa de 2013 falando-me muito por alto sindicalista que tem um projeto
a aventura epopeica das suas Mil investigação para o filme. De resto, no projeto: não havia uma agenda Nunca tinha ouvido falar de nada político um pouco absurdo,
e Uma Noites. Os três volumes a história da jornalista do Público, definida, apenas as coisas que se parecido, nem nunca trabalhara que é conduzir as pessoas para
pretendem fazer um retrato do que acabou por ser a única vítima passavam pelo país naquele ano. em cinema. Depois encontrámo- um banho do dia 1 de janeiro,

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ENTREVISTA
artes * 19
acreditando que assim o próximo vai ter acesso a uma fatia da só tinha aberto a boca uma vez passado mais forte do que com daria uma boa história para o
ano não será tão mau como o realidade. E eu nisso sou muito durante todas as reuniões, pelo que o presente. Espero que a relação site.
anterior. O que me atraiu no filme hitchcockiano: o cinema não é um havia uma desconfiança genera- que o futuro tenha com o filme MG: Os filmes são sempre o
foi a possibilidade de juntar os pedaço de vida, é um pedaço de lizada sobre ele. Isso deu origem não seja o equivalente à daquelas produto da experiência de viver
dois mundos. Para tal foi preciso bolo. ao movimento dos Homens de Pau personagens com os anos 80. Se em determinado tempo. Já fiz
inventar uma ética sempre Feito. daqui a 20 anos olharmos para filmes de que deixei de gostar.
diferente, de forma a que o real Como é que a equipa de jornalistas Tal contrabalança com outras As Mil e Uma Noites e houver uma A primeira curta que fiz acho
não se possa mascarar de ficção e percebeu o que poderia servir de coisas que nos contaram, que relação do género Lionel Richie, uma vergonha, mas foi produto
que a ficção não exista apenas para ingrediente para o bolo? Qual era o eram notas de rodapé nos jornais, as coisas correram mal. do tempo em que eu vivi. Estou
calcinar o real. Que as duas coisas vosso papel? como a história das lágrimas muito contente por ter terminado
apareçam separadas mas unidas MJO: O nosso trabalho foi da juíza. Esse episódio, além de O passado não se desatualiza. este filme, mais um ano teria um
por um movimento. totalmente autónomo. Muitas ser uma compilação de crimes Mas estar a lidar com o presente esgotamento
vezes o comité central só lia os surrealistas que aconteceram no é sempre instável. Não teve
Há tanto de surrealismo na história trabalhos depois de publicados país, parte de uma notícia muito receio, por exemplo, que Mas passa a ideia que se diverte
do galo que foi a tribunal como na no site. Outras coisas foram concreta de uma juíza que foi houvesse uma manifestação muito a fazer cinema. É verdade?
personagem do Manuel Palito em pedidas por eles, mas não incapaz de proferir uma sentença. de GNR ainda maior, que MG: Os filmes são processos
que aparece um banquete cheio de aparecem no filme. Ou porque Era apenas uma breve num jornal. não só subissem as escadas longos. A ideia de estar em
luxúria… foram recolhidas em off, pelo Os jornalistas ligaram à juíza, da Assembleia mas também sofrimento o tempo todo é
MG: Fizemos o exercício de nos pôr impossível. O prazer é uma coisa


no lugar do Manuel Palito e ima- importante para o Homem. Não
ginarmos os seus delírios. Alguém sou um romântico que ache que
que tem fome pode imaginar um o sofrimento é o único caminho
banquete, servido a (ou por?) três para produzir uma obra sincera.
mulheres dispostas a tudo, com as Não acredito no cinema
quais ele imagina um flippers de que põe todas as fichas Há muitas vezes um equívoco,
palmadas. O filme quer correr o que cataloga os seus filmes como
risco de se pôr no lugar de alguém. na ideia ingénua e objetos artísticos eruditos, que
desonesta de que o é preciso conhecer filósofos
Também é uma lógica parecida que obscuros para saber sobre o que
o leva a, mais uma vez, usar atores espectador vai ter está a falar. Mas a verdade é que
profissionais e não-profissionais? acesso a uma fatia da me parece que os seus filmes são
MG: Havia outra dimensão acessíveis a todos os públicos,
no filme. Não eram apenas as realidade. Eu nisso sou e até têm uma forte base na
histórias que íamos contar, mas muito hitchcockiano: cultura popular. Concorda?
também a forma e o registo. MG: O Pasolini tinha uma relação
Achámos que havia espaço para
o cinema não é um com a cultura popular, no caso
tudo: atores profissionais, pessoas pedaço de vida, é um dele com um projeto político,
que estava a viver diretamente a protagonizado pelo público. Aquilo
pedaço de bolo
GONÇALO ROSA DA SILVA

história e não profissionais que foi correndo mal e acabou no


iam desempenhar personagens Saló, que é uma obra desiludida.
diferentes. Tudo isso era
importante como filtro entre a
Existe o complexo Sinto-me atraído por narrativas
de infância, contos populares,
realidade e o seu destinatário. de esquerda que a Miguel Gomes "Gosto da ideia de que a experiência de cada um possa ser diferente canções. Como se vivem essas
Senti a necessidade de inventar partir de situações e incontrolável" experiências. Nunca pensei em
filósofos obscuros antes de fazer
uma realidade cinematográfica
que trouxesse qualquer coisa extra dramáticas não há o um filme, embora tenha o maior
a um mero documento. direito de convocar o apreço por eles.
falaram com ela, perguntaram o entrassem lá dentro? Tal não
No filme há uma exposição da imaginário. Mas para que tinha acontecido. faria com que a cena do filme Lembro-me de que na nossa
própria equipa e de si próprio. perceber melhor este MJO: A informação que ela nos perdesse força? entrevista a propósito de Tabu,
O realizador foge confuso por deu não foi relevante para a cons- MG: A preocupação de estava muito zangado com a falta
não saber responder à questão mundo é preciso ir trução do argumento. dizer, logo de início, que o de apoios ao cinema português.
de como conciliar os dois tipos buscar outros. Tudo o MG: Não, mas a ideia de filme está circunscrito a um Foi essa zanga que o levou a fazer
de cinema. Não é o Miguel que se que houve uma juíza incapaz tempo, assume que estamos este filme?
está a defender, prevenindo-se da que imaginamos é uma de proferir uma sentença por reféns desse tempo. E espero MG: Não, aliás eu tenho a sorte de
possibilidade de mais à frente lhe consequência ou talvez estar comovida deu origem a que o futuro seja mais estar a ser financiado mais pelo
colocarem essa mesma questão? todas as narrativas. Às vezes simpático. estrangeiro.
MG: Não se pode acreditar em
um delírio de viver eram coisas pequenas, que nem
tudo o que se vê no cinema… neste mundo sequer podiam ser publicadas, Se o futuro for mais simpático, o Não quer dizer que não o
Sempre gostei de atirar a porque foram contadas em off, filme sobrevive bem, se for mais incomode a situação.
estrutura dos filmes à cara mas de que nós, no cinema, nos antipático é que não sei… MG: Claro que incomoda. A
do espectador, para partilhar podemos apoderar, dando-lhe MG: Isso é o que eu dizia sobre o nossa lei do cinema mantém a
responsabilidades e fazermos que não podem aparecer, ou outra forma. Lionel Ritchie: poderemos olhar mesma lógica, em que o cinema
uma viagem em conjunto. O porque apenas lhes interessava para este tempo, com alguma é financiado por operadoras
filme quer contar um tempo num alguns detalhes. Mas nós não Essa base de trabalho jornalístico nostalgia, pensando como apesar que beneficiam da existência
país, e simultaneamente escapar tivemos qualquer trabalho na dá um sentido de urgência ao de tudo as coisas ainda eram de audiovisuais em Portugal.
a esse tempo, deslocando-se parte do argumento, da ficção. próprio filme. Como foi trabalhar boas. Isto pode piorar. Não sei se Isso faz com que o cinema possa
noutras áreas. E quer fazê-lo com MG: Era o que faltava! sobre a atualidade? vai haver uma guerra na Europa, existir independentemente do
a cumplicidade do espectador. MJO: Da parte do comité MG: O tempo vai jogar com o como uma vez me disse o Paulo Orçamento de Estado. Mas o ICA
Um dos falhanços do cinema central houve a generosidade de filme. Não sei como as coisas vão Rangel, mas é possível vir a olhar demitiu-se de nomear o júri e foi
europeu é a invenção de um nos mostrar o guião à medida que evoluir nesta Europa imprevisível para As Mil e Uma Noites com a substituído por um órgão onde
modelo de cinema naturalista, ia sendo escrito, talvez mais para e aparentemente disfuncional. nostalgia de um tempo em que os interessados (associações,
que investe quase tudo em tentar testar a nossa reação. Em relação Acho que a experiência de ver ainda havia algum conforto. financiadores, televisões,
convencer o espectador que o aos temas, inicialmente estávamos o filme daqui a dez anos será distribuidores) decidem em
que está a assistir é a realidade. apenas a apalpar terreno, mas a especial. Não sei que tipo de Quando acompanham agora assembleia quem será o júri. É uma
E através dessa observação da partir de certa altura começámos documento será aquele. Será a atualidade e, por exemplo, aberração total. Substituiu-se um
realidade fabricada, com câmara a aperceber-nos daquilo que o o documento do início de uma deparam-se com um ex-primeiro organismo equidistante por um
ao ombro, et.c, está mais próximo comité central poderia apreciar. crise? Na história do Dixie, o ministro preso, não pensam concílio formado pelos próprios
de ter uma apreciação do sistema Há casos insólitos que metíamos casal de suicidas tem uma relação “que pena não ter agarrado esta interessados, que se digladiam
social em que vive. É uma falácia. na lista a ver se pegava. com outro tempo, que passa pela história”? em benefício próprio para decidir
Não acredito nesse cinema. Põe MG: Mas muito mais do que isso. música. Ouvem canções dos MJO: A prisão aconteceu bastante quem recebe apoios. Nem sei se
todas as fichas nessa ideia ingénua Por exemplo, sacaram a informação anos 80, e fica a sensação de que tempo depois. Mas acontece estar isto não será anticonstitucional.
e desonesta de que o espectador de que um dos elementos da troika têm uma relação com um tempo a ler os jornais e pensar que isto Mas, pelo menos. não é sério.

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
2o * artes ENTREVISTA, FILMES jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

Então como chegou a estas Mil e convivessem umas com as outras. CINEMA noite após noite, conta histórias
Uma Noites? Mas esse é o trabalho de fazer um para encantar a um rei,
MG: Depois do Tabu queria fazer filme. Manuel Halpern despontando a sua curiosidade,
um filme de época, nos anos 80, de forma a que a deixe viver até
numa cidade do México. Era um Porque é que o filme está dividido à noite seguinte. Miguel Gomes

As Mil e Uma Noites


filme sobre futebol chamado em três partes? É por motivos segue o mesmo propósito,
Saltillo. Achei que seria possível comerciais de exibição? contando as histórias de um país
filmar o fim da revolução na MG: A partir do momento em que fica para além de Bagdade.

Realismo mágico
cidade mais quente e suja do que percebi que cada filme Ele sabe, tal como Xerazade,
México. Talvez ainda venha poderia ter uma identidade que para encantar o rei (ou o
a fazer esse filme. Mas, própria e ser uma experiência público) não basta a riqueza dos
entretanto, certo dia a minha de cinema por si mesmo, ingredientes das narrativas, é
filha, de cinco anos, pediu-me diferente do volume anterior, necessário variar na forma. E
para lhe comprar uma coisa, quis proporcionar uma viagem são impressionantes as variações
eu disse-lhe que não. Ela por três territórios diferentes. A conseguidas, que se evidenciam
perguntou-me se era por causa riqueza do filme é a diversidade. mais de volume para volume. Há
da crise. O facto de ela conhecer histórias que se desembrulham
essa palavra aos cinco anos Mas aconselha a ver os três filmes em histórias. Algumas são mais
deu-me vontade de filmar o de seguida? longas, outras tão pequenas
país e a sua relação com a crise, MG: A ver pela ordem, e em que se contam em apenas um
mas com o encantamento de tempos próximos, de modo a que o minuto. Histórias de esburacar
quem conta histórias. Tendo eu filme anterior esteja bem presente o coração, que incitam a revolta,
a capacidade de fazer um filme, na memória. Mas como não sou algumas provocam o riso ou
não posso fugir a este momento. o Hitler - e estou muito contente a tristeza; histórias que nos
A culpa foi da minha filha. com isso -, gosto da ideia de que a fazem sonhar, algumas bastante
experiência de cada um possa ser elaboradas, outras que nos
E, para não aborrecer o rei, há diferente e incontrolável. fazem passar, outras ainda sem
uma intenção das histórias terem nenhum significado aparente.
ritmos e durações diferentes, No 3º volume, sobretudo no início, A mais intrincada parte do
com uma grande diversidade? há um lado mais experimental, filme é sem dúvida a última, que
MG: Se houvesse uma lista de que depois contrasta bastante com foi trabalhada em alto contraste.
prioridades, não aborrecer o a história dos “passarinheiros”. Por um lado, temos a fase mais
rei não estaria no topo. É mais Qual a intenção? experimental, numa Bagdade
pela positiva: como encantar MG: Entramos no domínio da à beira-mar plantada, quando
ficção e do mundo inexistente. Xerazade finalmente aparece,


Em oposição dois mundos: uma As Mil e Uma Noites Um país à procura de si próprio e em que tudo é possível. Até
Bagdade que nunca existiu, com mesmo alguns exageros. Temos
personagens como o Paddle Man personagens como o Paddle
que tem 200 filhos, o Elvis, o Man, feito para procriar. E ao
Sinto-me atraído bailarino Ladrão. Não existem Logo no início, no seu estilo relevância semelhante. O filme mesmo tempo um barroco
no Livro, nem em Bagdade, são de pôr a nu o seu próprio é simultaneamente a realidade e estético e um experimentalismo
por narrativas de personagens mitológicas. O cinema, Miguel Gomes afirma- a metáfora do real, acreditando, cinematográfico, em que vale
infância, contos que une os dois momentos é a se no olho do furacão e num no fundo, que a realidade é tão tudo, desde imagens sobrepostas
populares, canções. existência de duas comunidades:
uma ficcional e outra real, mas
beco sem saída; e, perante isso,
foge, levando as câmaras atrás
real quanto a fantasia.
Ao colocar a encruzilhada
a ecrãs divididos. O momento
em que Miguel Gomes se deu
Como se vivem essa que partilham uma dimensão de si. É a forma engenhosa do realizador em fuga logo ao luxo de experimentar sem
experiências. Nunca surrealista. Queria acabar o filme de nos levar ao seu encontro. no início, Miguel Gomes preconceitos, afastando-se
mais próximo da ideia de um livro. As Mil e Uma Noites é um transforma esse paradoxo veementemente da realidade.
pensei em filósofos Ela perde o estatuto de narrador filme de paradoxos, entre o numa trama central do filme: Isto entra em contraste com
obscuros antes de fazer quando entra no filme, isso é sagrado e o profano, entre o num retrato multifacetado do o segundo universo que
substituído pelo texto escrito e documentário e a ficção, entre país, o desafio transversal é o preenche o terceiro filme. Um
um filme, embora tenha que a Xerazade aprenda qualquer o drama e a comédia, entre a de saber como é que o próprio enorme capítulo dedicado aos
o maior apreço por eles coisa com o percurso: que a sátira e o protesto. Um filme à filme consegue conciliar esses passarinheiros, numa toada
possibilidade das histórias não é o procura de um realizador. Um dois mundos, não ferindo de mais documental e por vezes
arco narrativo clássico, mas que as realizador à procura de um morte nenhum deles (sobretudo contemplativa, que facilmente
histórias que o mundo pode conter país. Um país à procura de si o primeiro), o que arrasaria a resultaria num filme autónomo.
o rei? E como lhe oferecer o pertencem às pessoas, e cada próprio. Uma obra extensa, de pertinência do filme. Ou seja, Através dos passarinheiros,
máximo de possibilidades de pessoa que se possa mostrar com cerca de seis horas, mas que a grande dificuldade está em homens que sabem decifrar
ter uma relação com o mundo. ela surjam histórias. Nas histórias deixa mais de 900 histórias deixar a mensagem social o canto dos pássaros, Miguel
Mas, claro, também temos de mais simples do quotidiano existe por contar.A base é o retrato de intacta, não deturpando ou Gomes tentou abandonar a
pensar em não aborrecê-lo, essa dimensão narrativa. Portugal durante o período de aligeirando com tonalidades narrativa para chegar à poesia,
sabendo que o rei não é único intervenção da troika. Por isso de fantasia; e ao mesmo tempo aproximando-se do sentido
e não o querendo tornar numa Acaba com o Chico Chapas a andar tem os alicerces profundamente criar um universo paralelo lírico de Pasolini (que também
abstração estatística. Confio estrada fora. E ficam ainda muitas mergulhados na atualidade. onírico e fantasioso, que tem as suas Mil e Uma Noites),
que o espectador tem relações histórias por contar… Ao ponto de, como método não nos dececione enquanto arriscando desequilibrar a
diferentes com personagens e MG: O Chico Chapas não tem a de trabalho, incluir ou tal e que, quando possível, estrutura.
filmes diferentes e que não foi capacidade de contar histórias começar por uma equipa acrescente dimensões ao A dúvida que fica, num
colonizado por uma maneira de como a Xerazade, mas tem de jornalistas que trataram primeiro. Porque o homem filme cheio de referências a um
contar oficial. um talento que nem eu nem a de investigar e desenvolver não é só feito daquilo que período recente (praticamente
Xerazade temos: decifrar o canto grandes e pequenas histórias come, também é feito daquilo atual) da nossa Historia, é como
Como foi esse desenrolar do dos pássaros. Não sei o que vai que se passaram no país ao que sonha. De resto, tudo irá resistir ao tempo. O seu
novelo, com todos os elementos de ser o mundo a seguir, mas poder longo de um ano. Parte dessa facilmente se confunde num valor, seguramente, superará
ligação? percorrer com o Chico Chapas investigação aparece de forma país em que um galo é levado a questão documental. É algo
MG: Numa primeira fase foi os últimos metros do filme é mais ou menos realista, como a tribunal por incomodar a bastante mais elaborado. Das
desmultiplicar e inventar mais entrar num universo novo, que a luta dos trabalhadores do vizinhança ou que um assassino seis horas de filme de Miguel
histórias, personagens, universos, já não fala da capacidade de estaleiro de Viana do Castelo, é transformado em herói pela Gomes emana uma sensação
maneiras de contar; depois houve contar histórias, mas entra no em foco na primeira parte, sua habilidade em ludibriar a de liberdade, de um realizador
um segundo momento em que já domínio da poesia. Não tenho num estilo que se aproxima polícia. dono e senhor do seu próprio
existia uma consciência do que qualquer arrependimento de do documentário. Mas Miguel A obra clássica da literatura cinema, que não se deixa
tinha sido filmado e passou a deixar a última etapa da estafeta Gomes não quis abdicar de popular do Médio Oriente aglutinar por preconceitos éticos
ser harmonizar para que aquele com o Chico Chapas, para que ele nenhum dos mundos, pelo serviu de estrutura para o ou estéticos, mesmo quando
conjunto de histórias fosse o mais carregue esta poesia, para mim, que o real e o onírico surgem filme. Também aqui Xerazade, a matéria prima é sensível e
completo possível, de forma a que incompreensível. JL juntos ou separados, mas com confundida com o realizador, dolorosa. J

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ESPETÁCULOS
artes * 21
TEATRO cénica deste espetáculo.
Em todo o caso, a proposta surge
Helena Simões no âmbito do trabalho final de
Mestrado em Encenação da Escola
Superior de Teatro e Cinema (ESTC)
de Paulo Sousa Costa e contou com

Don Giovanni a colaboração de dois eminentes


dramaturgos e encenadores
contemporâneos, professores da

no verão
ESTC, Carlos J. Pessoa que coordenou
o projeto e Armando Nascimento
Rosa como consultor dramatúrgico.
A realização plástica mantém
do espetáculo anterior a assinatura
de Ana Paula Rocha, com uma
cenografia única e minimal, mas Elenco de Don Giovanni Uma abordagem ao mito através de vários textos base
O encenador Paulo Sousa convoca para a sua dramaturgia que serve bem a metáfora do
Costa e a produtora Yellow Star contribuições várias de outros banquete da vida e da morte em Don
Company, há exatamente um ano, dramaturgos que recriaram a figura Giovanni, assim como os figurinos
surpreenderam o público lisboeta do impenitente sedutor, entre eles que ajudam à caracterização das por exemplo, não resultaram › DON GIOVANNI OU O
ao levar o teatro, pela primeira o próprio Tirso de Molina que, em O personagens. suficientemente expressivas para o IMORIGERADO IMORTAL,
vez, ao então recém-requalificado Burlador de Sevilha e o Convidado de E já que se trata de um exercício contraste produtivo com o drama de adaptação Paulo Sousa Costa baseado nos
textos originais O Libertino Punido, ou seja,
Theatro Thalia, na Estrada das Pedra (1630), fixou em teatro pela final de encenação, confirma-se o Dona Ana e o pathos de Dona Elvira. Don Giovanni de Lorenzo da Ponte, O Sedutor
Laranjeiras. Sendo Thalia uma das primeira vez a arquetipia do mito talento do encenador na organização Nem o paroxismo amoroso de Don de Sevilha e o Convidado de Pedra de Tirso
musas do teatro, justamente a que de Don Juan. Mas também Molière concreta do espaço dramático, Otávio por Dona Ana se opôs ao de Molina, Don Juan ou a Festa de Pedra, de
inspirava a comédia, apresentaram e ainda três reescritas do século XX que conduz à sua leitura específica ciúme natural do camponês Maseto Molière, D. João e Julieta de Natália Correia,
Don João e a Máscara de António Patrício,
na altura um clássico francês, a farsa português: António Patrício, Natália da matéria teatral e não-teatral. por Zerlina. Talvez a alegria vital e o Don Giovanni ou o dissoluto absolvido
Casado à Força, de Molière. Desta Correia, José Saramago. A sua assinatura estilística passa júbilo mozartiano não tenham ficado de José Saramago. Encenação Paulo Sousa
vez, e porque a ópera fez parte do Projeto arriscado, pela magni- evidentemente pelo caráter paródico visíveis na tessitura performativa Costa, coordenação Carlos J. Pessoa, consultor
Dramatúrgico Armando Nascimento Rosa,
repertório das épocas de espetáculos tude e profundidade do tema, pela que resulta da versão dramatúrgica deste Don Giovanni, com Ângelo cenografia e Figurinos Ana Paula Rocha,
daquele teatro, em meados do século comparação que evidentemente se e da direção de atores. Neste Rodrigues, no protagonista, de boa direção musical João Pires, desenho de luz
XIX, trazem-nos um peculiar Don estabelece com produções excelentes aspeto, creio ter havido alguma presença e gestualidade a configurar Sérgio Moreira, desenho e operação de som e
Giovanni, assumidamente baseado (e extremamente teatrais) de espe- hesitação quanto à designação o transtorno narcísico. vídeo Pedro Freitas, elenco: Ângelo Rodrigues,
Liliana Santos, António Machado, Júlia Belard,
no libreto que Lorenzo da Ponte táculos daquela ópera mozartiana, de “drama jocoso” da ópera de Certo é que o público, que Tiago Costa, Sérgio Moura-Afonso, Carolina
escreveu para a celebrada ópera de para não mencionar as realizações Mozart e de como interpretá-la. preencheu o auditório, respondeu Puntel, Diogo Filipe e Alis Ubbo Ensemble
Mozart. Mas não, não se trata de um cinematográficas, etc, mas também A comicidade esperada do criado positivamente com risos e aplausos, (Músicos ao vivo). Produção Yellow Star
Company.
espetáculo de ópera, pois não tem porque os melómanos não verão com Leporelo, bem como das cenas em mostrando o seu reconhecimento
nem orquestra nem cantores líricos. bons olhos a utilização da partitu- que Don Giovanni na sua insensata pelo trabalho proposto. Um Teatro Thalia, Estrada das Laranjeiras
É uma versão livre, estruturada ra de uma das maiores óperas de libertinagem se coloca a si e ao espetáculo de verão a ver até 6 de 205, de quarta a domingo às 21h30. Até 6
a partir daquele libreto, mas que sempre para ilustrar a concretização seu criado em posição risível, setembro. J de Setembro.

Estímulo à Melhoria
das Aprendizagens clube da ciência “Os PequenOs einsTeins” cursOs de ciências exPeriMenTais Para
A Fundação Calouste Gulbenkian apoiou, em 2015, sete projetos inovadores Agrupamento de Escolas do Cerco, Porto alunOs dO ensinO secundáriO,
Ampliar este projeto criando um novo 9.º anO e 4.º anO
apresentados por várias escolas do país para desenvolver a criatividade, o
espaço para a divulgação e exploração da Agrupamento de Escolas de Águeda Sul
espírito de iniciativa e as competências dos alunos. Estes apoios deram-se no
ciência, através das novas tecnologias, Apostar no ensino das Ciências
âmbito do Projeto EMA – Estímulo à Melhoria das Aprendizagens, uma Experimentais, com o contributo
alargando a participação a alunos do
iniciativa que a Fundação desenvolve desde 2011, e que já contemplou cerca de de investigadores doutorados das
Concelho do Porto.
trinta projetos que promovem a qualidade educativa, estabelecendo laços entre as Universidades de Coimbra e de Aveiro,
escolas e a comunidade. de redOndO Para O MundO – nascidOs Para através do IEC.
eMPreender cOM as nOvas TecnOlOgias
Agrupamento de Escolas de Redondo inOvar – labOraTóriO de esTíMulO Web
Uso da tecnologia para melhorar das aPrendizagens (leWa)

a interatividade e a aprendizagem Agrupamento de Escolas Carlos Gargaté,


independente, implementando práticas Charneca da Caparica
educativas com recurso ao tablet. Desenvolver as competências do século
XXI, através de abordagens inovadoras,
9.º aO 10.º anO – PreParar O sucessO com o apoio de tecnologias e o recurso à
Projetos apoiados em 2015 TejO: uM riO de cOnheciMenTO nO ensinO secundáriO
metodologia de suporte Inquiry based-
Escola Secundária Manuel Cargaleiro, Agrupamento de Escolas de Alvalade, learning.
O Mar, O nOssO ParceirO! Amora Lisboa
Agrupamento de Escolas de Peniche Trabalhar várias disciplinas em torno de Atividades para desenvolver as
Sensibilizar os alunos para os recursos um tema aglutinador – Tejo – promovendo competências pessoais, sociais e
naturais e culturais da sua região, a articulação curricular de várias matérias académicas dos alunos e o trabalho dos
incentivando o trabalho experimental e através de recursos inovadores no professores de modo a facilitar as escolhas
carreiras relacionadas com o mar. domínio das TIC. e a integração no ensino secundário.

FUNDAÇÃO
CALOUSTE GULBENKIAN
Avenida de Berna, 45 A www.gulbenkian.pt
1067-001 Lisboa

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
22 * artes EXPOSIÇÕES jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

OLHARES peso das palavras necessárias: minúsculas. Dir-se-ia que a O barroco de


«Instantes binários, ora
Josefa de Óbidos
sua obra toda começa numa
Rocha de Sousa sofridos, cruéis, enigmáticos, espécie de Antigo Testamento,
ora oníricos. Instantes aproximando-se agora, depois
quotidianos e figuras quase de vencidos os desertos e

Paula Rito
monocromáticas, de traço as chamas de um inferno
forte, que nos subjugam e desconhecido, de certos povos
ignoram. Efabulações que me ainda milenares, tribos, Últimos dias para ver a exposição

A matéria dos dias


seduzem e onde confina o meu aldeias, a essência da vida nos Josefa de Óbidos e a Invenção do
sentir. A viagem é entre a luz rudes instrumentos do viver. Já Barroco Português, no Museu
e a ausência, vive no relevo não escuta o silêncio magoado, Nacional de Arte Antiga (MNAA),
da tela preparada, modelada, olha, olha cada vez mais (como em Lisboa. A mostra, que está
construída como chão de terra nas fotografias a preto e branco patente até ao próximo dia 6 de
e gente. Amarus quotidiano de outros tempos) rostos em setembro, não só dá a conhecer
“mental e físico.” Arquétipos. espanto ou meio adormecidos a obra (quase) completa daquela
Paula Rito é uma pintora superior de um país que Encanto-me. Fico suspensa perante o que resta do seu pintora, como desvela o singular
bem endurecida pelo trabalho conta mais de oito séculos dos olhares — Udyat — e outro tempo. Quem são, caminho da arte portuguesa
das coisas que vê e sente e se fez ao mar, para achar as máscaras. Temo que me após as raízes misturadas na reinterpretação das grandes
no domínio dos passos o outro lado do mundo, descubram. No fim, a Obra já com o chão terroso, estas tendências artísticas do pós-
sobre a terra, recriando mesmo combatendo com um não é a Paula, tem identidade. figuras femininas, as pernas concílio de Trento. Até porque,
essa matéria e as gentes que aparato quase impossível, Mas será sempre uma pequena espantadas de menina que como lembra António Filipe
por lá sobrevivem, tudo na de tripulações e navios, parte do visível que Paula Rito certamente olha além (fora Pimental, diretor do MNAA, "não
memória de um curso remoto misteriosa grandeza para dois tem vindo a acrescentar ao de campo) ou a beleza desta poderá Josefa de Óbidos ser vista
de pintura que cumpriu ou três milhões de habitantes. mundo (segundo um verso de mulher inspirando o fazer à margem do quadro singular em
com zelo e amor, a par de Há restos da terra que ficava, Manuel Gusmão)» primitivo das coisas, desde que decorreu a sua atividade e ao
um belo “exílio” na lonjura, a comida aos primeiros qual, afinal, alcançou responder
professora de educação visual, lanifícios? Paula Rito viajou com eficácia: o quadro que é o de
poetisa através de olhares que para longe e recuou no tempo, um "Barroco nacional", português,
revivem e recriam paisagens mas trouxe tudo o que lhe singular na sua formação e
em volta da Casa Maior. É pertence em alma e corpo: desígnios, feito de treva e luz,
uma das tais artistas de que os materiais, os papéis, que mais e mais se expande; de
tenho falado, mal afloram os colas, pigmentos, fotografias lavor que se associa a arte; de uma
media, mal se reconhecem mirradas, pintadas em sépias, poética devota mas festiva que,
quando nos visitam, mas são ocres cinza, e o disparo da mais que ao realismo material e
parte dos nossos melhores memória visual dela, pintora trágico, aspira ao transporte como
representantes das áreas de antes e depois. As quatro meio e forma de expressão."
criativas das artes plásticas, mulheres alinhadas não Nascida em Sevilha, em 1630,
da escrita, da poesia, da viveram num tempo tão e falecida em Óbidos, em 1684,
instalação vital. Por isso é distante como parece; porque Josefa de Óbidos é um dos grandes
com alguma emoção que têm marrafas e alinham representantes do Barroco portu-
aprecio as últimas séries olhares como se cantassem guês. Da sua cidade natal, Sevilha,
produzidas por Paula Rito, a Deus, bocas fechadas ou trouxe a lição de Francisco de
expostas no Museu Municipal entreabertas, a morte não se Zurbarán, que como poucos soube
Santos Rocha, Figueira da sabe bem onde, o enlace dos aliar a emoção barroca ao fervor
Foz, sob o título a matéria dedos, a prece talvez. religioso que se vivia na Europa de
dos dias, conjunto iniciado Uma outra mulher avança então. O isolamento português,
em 2009 (depois da morte do o braço, a luz antiga cintila e ditado por uma longa guerra pela
pai) e continuado até 2014. O atrás do gesto há outra gente, restauração da independência,
título, explica Paula, reflete enquanto pressentimos as acentuaram esses dois traços, dan-
um pouco a homenagem árvores sinuosas e de troncos do origem a composições de tons
à pessoa perante a qual o redondos: as árvores que fortes e dramatizados. Comissaria-
melhor agradecimento que lhe Paula olhava, escutando a sua da por Joaquim Oliveira Caetano,
podia exprimir era continuar vida imóvel, os fogos bíblicos Anísio Franco e José Alberto Seabra
a pintar, pois ele sempre da mitologia humana. As mãos Carvalho, a exposição reúne 130
incentivou esse trabalho. cinza descem, crispadas sobre obras de várias instituições na-
Esperou um ano para abrir um corpo quase invisível, cionais e estrangeiras, incluindo o
as portas a estas asas de papel o rosto de alguém pende no Museu do Prado, o Museu de Bellas
e alguma soturnidade: não canto superior esquerdo do Artes de Sevilha e o Mosteiro do
porque a vida não lhes fosse campo, olha o impossível, Escorial. O confronto da pintura
de imediato merecida mas deseja e tenta esquecer tudo; com a escultura e as artes deco-
porque, além da morte do mas a outra figura do mesmo rativas de outros autores coevos
pai, havia uma espécie de género fita a distância, casco permite acompanhar a afirmação
doença pesando sobre o país, preto, a perna cruzada, do gosto barroco e a partilha de
eventualmente pouco propícia verdade meio moderna do motivos devedores das naturezas
a um demasiado intimismo, que de mais belo distingue o mortas, género de eleição de Josefa
peso entre “os pesos” da crise. universo feminino. de Óbidos.
De um ponto de vista Pinturas de Paula Rito "Rostos em espanto ou meio adormecidos perante Claro que falta saber da Com uma organização
técnico, Paula esclareceu-me o que resta do seu outro tempo" colagem do papel à tela e das cronológica e temática, a mostra
que continua fiel aos materiais tintas às crateras da folha percorre vários momentos da vida
de sempre, “papel e acrílico assim santificadamente de Josefa, que são contextualizados
sobre tela, embora desta vez amarrotada e integralmente com as obras de outros artistas.
as coisas surjam através de rostos de viúvas de vivos que Isabel viu cenas, memórias, submersa no mundo da sua Assim, tanto se presta atenção à
uma paleta mais contida, esperavam, nas acuais obras fábulas, deuses — o chão e a matéria dividida, entre as produção realizada em Óbidos,
oscilando entre os ocres e os de Paulo Rito. terra das pessoas. Desde que pessoas que restam, em longos como ao trabalho de Baltazar
castanhos escuros, a par de se fixou na terra onde tem dias quase mortais. J Gomes Figueira, seu pai. Numa
um trabalho mais desvendado UM TESTEMUNHO vivido, Paulo Rito também comparação com Espanha coloca-
sobre a figura”. Figuras E UM POETA fez e viu esta marcha, se lado a lado a Natureza-Morta e
que aparecem de diferentes Isabel Quitério, num texto Udyat, o olho de Hórus, › Paula Rito o Bodegón, tentando identificar
modos mas que pertencem para a exposição, começa as árvores e as suas raízes A MATÉRIA DOS DIAS a tipologia que se afirmaria no
todas a um universo de por dizer: «Na obra de Paula entretecendo lembranças espaço nacional. Também há
maiores exílios e porventura leio os dias.» Tudo estará antigas, encantamentos, Museu Municipal de Santos Rocha, núcleos dedicados às composições
assinalando aldeias murchas, dito? Nem a austera visão um silêncio cortado por Figueira da Foz, até 11 de outubro, religiosas, de devoção e de espaços
quase desabitadas, património de Isabel se furta a um certo brisas e batimentos de asas das 10 às 19 horas oníricos. J

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt DISCOS
artes * 23
CLÁSSICA De Bach (assim como de tas Christoph Rousset e Davitt dedicada ao barroco inglês, está naturalidade. Tudo isto, razões mais
Vivaldi), a seleção cruza obras Moroney, os violinistas Elizabeth também anunciada pela Decca que suficientes para celebrar Billie
Christopher orquestrais e vocais/corais, música Wilcock, John Holloway, Monica para tempos mais próximos: o es- Holiday. Mas há ainda mais uma

Hogwood para orquestra e para conjuntos de


câmara. Do total de 20 CD, seis são
Huggett, Andrew Manze, Simon
Standage, os flautistas Nicholas
sencial de Henry Purcell, Thomas
Arne, William Boyce e William
razão, neste caso a que justifica a
edição deste disco: os cem anos
O maestro, dedicados a Carl Philip Emanuel, McGegan e Stephen Preston, os Byrd. Como sempre, a essência da que passam - neste ano de 2015
cravista e Johann Christian e Wilhelm Frie- oboístas Stephen Hammer e Frank música. E da vida, ela mesma. - sobre a data de nascimento da
musicólogo demann Bach, filhos do composi- de Bruine, o clarinetista Antony cantora, a 7 de abril de 1915 (e
britânico tor, alargando a perspetiva sobre o Pay, o fagotista Danny Bond e, › The Bach/Vivaldi/Haydn desaparecida em 1959). A faceta de
/Mozart Recordings
Christopher universo do mestre de Leipzig e os entre outros, os violoncelistas compositora está também presente,
Hogwood foi caminhos por si encetados. Aqui Christophe Coin e o grande Anner THE ACADEMY em temas como Billie’s Blues, Fine
um dos mais estão os “Concertos Brandebur- Bylsma, assim como as sopranos OF ANCIENT MUSIC and mellow e God bless the child.
Judith Nelson e Emma Kirkby, Dir. Christopher Hogwood
importantes gueses” e os concertos para dife- Quanto aos tais intérpretes, entre
91CD/ L’Oiseau Lyre/Decca
intérpretes das rentes instrumentos, com músicos sem esquecer a Academia de o clarinete, saxofone e trompete
últimas décadas, como o violinista Jaap Schröder Música Antiga, orquestra de época MARIA AUGUSTA GONÇALVES vamos encontrando as estrelas
com domínio ou o cravista Christophe Rousset, que Hogwood fundou em Cam- Lester Young, Benny Goodman,
de repertórios as Suites Orquestrais, a Oferenda bridge, em 1973. JAZZ Artie Shaw, Ben Webster ou Buck
que podiam Musical, as “Suites Francesas”, as As caixas dedicadas a Mozart Clayton. É claro que faltam algumas
ir do barroco cantatas profanas (com a soprano e a Joseph Haydn constituem dois (E)Terna Billie coisas (nomeadamente a outra
ao século XX, Emma Kirkby), assim como Sin- dos mais importantes conjuntos A voz e as fase, para a editora Verve) mas
revelando fonias, de Carl Philipp, Aberturas, das sinfonias dos dois composi- insinuações esta é uma antologia e a escolha é
sempre a sua de Johann Christian, e obras para tores. Gravada entre 1978 e 1985, que ela traz. As clara: as gravações compreendem
essência, instrumentos de tecla de Wilhelm a integral Mozart – a primeira em canções, todas o período de 1935 a ’44: foi quando
a essência Friedemann. Tudo com a clareza, instrumentos de época – perma- cinco estrelas, teve mais êxitos, quando a voz
da música. a precisão e o sentido de musicali- nece entre as propostas essenciais temas clássicos, estava mais doce e também quando
Hogwood dade que colocaram sempre as gra- da obra sinfónica do compositor de eternos. O a perspetiva de vida era, apesar
morreu há um vações de Hogwood, na primeira Salzburgo. Além das 41 sinfonias, a autêntico de tudo, mais otimista. Com a sua
ano. E a Decca linha de escolhas. caixa tem ainda, a seu favor, outras desfile de astros que acompanha voz única e quase extra terrestre,
demonstra o Os argumentos repetem-se 27 peças orquestrais e versões a cantora, a tocarem pequenos Eleanora Fagan – assim era o seu
contrário, com para os 20 CD da “caixa Vival- alternativas das sinfonias n.ºs 31, solos entre os versos. O sermos verdadeiro nome - revolucionou o
a edição de di”. Reúne os concertos (“L’Estro 35 e 40. Quanto à grande odis- transportados para outros jazz e a pop e tal como as estrelas,
uma das mais Armonico”, “La Stravaganza”, seia Haydn, suspensa pela editora tempos, outras atmosferas. A mesmo quando morrem, continua
importantes “Il Cimento dell’Armonia e antes de o regente poder concluir estratosferas, mesmo. A voz a brilhar bem forte e a chegar até
e reveladoras dell’Inventione”, os concertos a integral (faltam, por exemplo, novamente, pela forma emotiva nós por muito e muito tempo.
coletâneas do seu percurso: quatro para violoncelo, flauta, clarinete, as chamadas “Sinfonias de Paris” e por vezes torturada, mas sem
caixas com as gravações do maestro oboé, fagote...), sonatas, obras e parte das de Londres), é uma auto miserabilismo. A falta de › Billie Holiday
dedicadas a Bach e a Vivaldi corais sacras (cantatas, Gloria demonstração de excelência, do estrelato que se sente na voz, THE CENTENNIAL
(concertos, sonatas, cantatas, RV589, Motetes). E sempre os génio de Haydn e – por que não? – sem se evidenciar ou pelo menos COLLECTION
música sacra), e a Haydn e Mozart grandes intérpretes que acom- do próprio Hogwood. a forma como se mescla com 2015 Columbia, 60’
(sinfonias), num total de 91 CD. panharam Hogwood: os cravis- Uma quinta caixa, inteiramente os instrumentos, com toda a ANDRÉ PINTO

FILMES

AGOSTO A PREÇOS
DE ÉPOCA BAIXA

IAL
O ESPEC
PREÇ

3,
95€
cada
D VD

Nas bancas

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
24 * ideias jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

INÉDITO Legação e se mantinha de pé. Estava


descontraído e sorridente, enquan-

Cinco encontros com Salazar


to o barão se mantinha na atitude
elegantemente prussiana, que depois
vim a verificar ser a sua trade mark.
Esguio e rígido, convencionalmente

Anotações marginais ao estudo


mesureiro e risonho, dir-se-ia a có-
pia dos estereótipos que dos gentle-
men prussianos nos davam os filmes
de então. Faltava-lhe em monóculo

duma personalidade fugidia


o que prodigalizava em articulação
de flexões deferenciais do torso.
Finda a assinatura, o presidente
do Conselho deixou cair as costas
nas do cadeirão em que se sentava e
desformalizou a cerimónia lançando
aos dois alemães uma pergunta
descontraída, que decerto quis
fazer amável e ‘simpática’: — “Mas
O autor deste texto, que concluiremos na próxima edição, foi colaborador da célebre Presença para que querem os senhores ainda
(o último a morrer, a 20 de agosto de 2006, com 94 anos), diretor, com Miguel Torga, de outra mais armas, agora que dispõem das
fábricas checoslovacas?”. A resposta
revista, Manifesto, ensaísta e crítico, tradutor, autor de um romance – e diplomata, embaixador de veio, rápida, em nada impante pois
Portugal. O JL fez com ele a sua última, e porventura única, grande entrevista/perfil (nº 838, de 13 que quase ciciada, do funcionário
que acompanhava o barão e falava
de novembro de 2002), conduzida por José Carlos de Vasconcelos, que no seu comentário na p. 3 o português sem dificuldade:
desta edição, para o qual remetemos, fala mais da sua figura singular e desse encontro, permitindo “Temos muitos soldados, senhor
presidente”.
enquadrar melhor este seu inédito Salazar, ao que me diziam pouco
repentista, ficou, salvo o devido res-

Q
peito, embatucado. Foi evidente que
Albano Nogueira duas da tarde e decorresse continua- não estava à espera que da aparente
mente até às sete) para assinar com insignificância daquele homem nada
o ministro da Alemanha um acordo pesadão uma resposta daquelas tão
sobre matéria de caráter económico. definitiva. Resposta para mais bífida,
Embora se tratasse de assunto que no que explicitava e no que insinua-
não estava, ao nível da repartição a va: perentória porque se escorava na
meu cargo, era eu o funcionário que força dum argumento factual, mas
assegurava o ‘piquete’ nesse dia, isto também sorrateiramente admoni-
é: — na rotação diária coubera-me tória para quem pudesse não ter isso
ficar, às ordens do diretor-geral, até em conta... Esta tão patente parali-
que este desse por findo o seu tra- sação ante uma resposta imprevista
balho do dia. Acompanhei por isso viria eu muitos anos mais tarde a
o conde de Tovar (que pouco depois presenciá-la de novo, nas circuns-
foi ocupar a Legação em Berlim), ao tâncias que mais adiante narrarei.
Quando, em março de 1941, entrei gabinete do ministro, como portador Foi em missão idêntica que, tem-
para o Ministério dos Negócios dos textos a assinar e encarregado pos depois, em julho de 41, acom-
Estrangeiros, era Salazar o ministro de exibir e dar para assinatura dos panhei o chefe da minha repartição,
interino desde novembro de 1936, dois participantes o clausulado do mais tarde ministro plenipoten-
pasta que, interinamente, acumulou acordo, devidamente selado nas ciário, à residência do presidente
com a Presidência do Conselho até pontas das fitas que asseguravam a do Conselho, na Rua da Imprensa,
fevereiro de 1947. Estava-se então no inviolabilidade do acordado. então para se proceder à assina-
segundo ano da II Guerra Mundial e Salazar estava sentado à sua tura dum outro acordo, esse não
não havia ainda decorrido dois anos secretária e falava com o ministro da confidencial, com o Brasil. Assinou
desde que terminara a Guerra Civil Alemanha, barão de H. H., que che- por parte deste o seu embaixador,
em Espanha. A França sucumbira gara acompanhado dum funcionário Araújo Jorge. Salazar não deu à as-
menos de um ano antes, os britâ- dos serviços económicos da sua sinatura nenhum formalismo, antes


nicos eram os únicos opositores da o reduziu a um mínimo de tempo,
Alemanha e esta estava a iniciar levantando-se logo após para se
o grande período da sua solução despedir do embaixador. Araújo
vitoriosa. Salazar As relações internacionais do presidente do Conselho Jorge, se acaso surpreendido com
Salazar ia rarissimamente ao tal informalismo e tal pressa, tudo
Palácio das Necessidades, sede do
Salazar estava sentado dissimulou muito elegantemente e
Ministério, que só transferiria os à sua secretária e não se coibiu de deter o presidente
seus serviços para o edifício que
ainda ocupa hoje no inicio dos anos
claro, principalmente como o que
selecionava e concedia as promo-
textos de Notas ou Cartas, vindas da
Presidência do Conselho, e escritos
falava com o ministro do Conselho com o dizer-lhe que
gostava de pronunciar algumas pala-
50. O secretário-geral, embaixador ções. Esses tinham assim, e não por ele mesmo em pequenas folhas da Alemanha, que vras. Salazar, esse, sim, mostrou que
Luís Teixeira de Sampaio, recebe- raro, oportunidade para dizer ao de papel por onde escorria sua letra se mantinha de pé. não estaria à espera disso, e, estando
ra dele uma delegação de poderes presidente do Conselho que “aqui firme, traçada por um aparo grosso já soerguido, disse um seco “Ah!
excecional e ambos estavam, podia fala fulano, senhor presidente” — e e tão espessamente regular que até Estava descontraído e O senhor embaixador quer dizer
dizer-se, em contacto e em sintonia também a prerrogativa irrestrita iniciados tinham grande dificuldade sorridente, enquanto o alguma coisa. Faz favor”, enquanto
permanentes; e só a secção da Cifra de franquear a porta em frente, o em decifrar. Andavam por isso de voltava a sentar-se. O embaixador,
tinha o privilégio frequente de gabinete do secretário-geral, para mão para mão, todos entregues ao barão, esguio e rígido, que estivera sempre de pé lá avançou
contactos telefónicos, de dia ou de lhe dar pronto conhecimento dos esforço coletivo de dar uma ajuda, convencionalmente com as suas palavras, congratulató-
noite, diretamente com ele, sobre telegramas recebidos e lá ficar um no entendimento de que seria rias mas breves, que Salazar ouviu
telegramas recebidos ou a expedir. tempo mais ou menos largo fazendo impensável recorrer ao telefone para mesureiro e risonho, mas a que não respondeu.
A Cifra era, de resto, o serviço mais a corte ao homem só que ele era e, pedir qualquer esclarecimento a dir-se-ia a cópia dos Mas este acordo veio até a dar
ambicionado pelos que, e não eram excelente cavaqueador, a apreciava e quem os redigira. lugar a um incidente burocrático,
poucos, ambicionavam estar perto lhe não era indiferente. Aconteceu que, poucos meses
estereótipos que dos que vale a pena recordar com o sor-
das fontes do poder, entendido este, Assim, à Repartição das Questões depois da minha entrada ao serviço, gentlemen prussianos nos riso que agora provocará — e que na
evidentemente, não apenas como Económicas, onde eu fora coloca- Salazar foi, de facto, ao Ministério, altura revelou as habilidades a que
quem tomava as decisões sobre do, do ministro apenas chegavam, já de noite e para além do tempo de
davam os filmes por vezes é necessário recorrer para
política externa mas também, e, é para datilografia e arquivo, os serviço (embora este se iniciasse às de então não suscitar as iras do poder... É que,

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt INÉDITO
ideias * 25
poucas horas antes, os brasileiros em serviço no estrangeiro des- se mo poderia identificar. Nem ele paradoxalmente (num britânico) disse-me: “Porque é que ele faz esta
haviam pedido uma alteração na de 1944 até 1959, até que, neste nem um seu assistente que esteve muito mais efusivo e entusiasta. pergunta? Pergunte-lhe porque é
redação dum dos artigos, com o que último ano, para permanência em presente foram capazes de locali- A serenidade de Salazar criava que ele a faz.” O jornalista foi ime-
se havia prontamente concordado, serviço na chamada Secretaria de zá-lo, passados assim tantos anos, ao intérprete (experimentei-o então diato na sua resposta cândida: tinha
sem depois se ter dado notícia à Estado, primeiro como adjunto do tanto mais que, em 1959, o jornal e tive ocasião de confirmá-lo mais à sua frente um eminente homem de
repartição para que os textos fossem diretor-geral Económico, a seguir era ainda dirigido por Colyn Coote, tarde) algumas dificuldades. Não Estado que realizara no seu país uma
emendados em conformidade. Tudo como efémero diretor dos Serviços admirador, amigo e correspondente fracionando o que articuladamente obra política de alto significado e co-
foi portanto preparado na versão Económicos Internacionais e depois do presidente do Conselho. Franco ia debitando, não fazendo pausas roada de sucesso. Essa obra tinha um
originária — e levado consequen- como diretor-geral Económico. Em Nogueira, porém, diz no volume V para facilitar uma traducão verbatim, forte cunho pessoal; era por isso que
temente à assinatura nessa versão, outubro 1959 foi-me pedido que da sua biografia (p. 94), que em 19 de nem, em boa verdade, pretendendo perguntava se alguém surgiria com
com as folhas devidamente juntas fosse ao Forte de S. João do Estoril, outubro “recebe(u) o escritor inglês fazê-lo, não raro se dirigia dire- estatura suficiente para a continuar.
sob a garantia da fita verde e ver- servir de intérprete numa entrevista Kenneth Rose”. Seria esse a cuja tamente ao intérprete, cotovelos Era uma resposta séria, respei-
melha que as reunia e estas definiti- a um jornalista inglês. Soube então entrevista assisti como intérprete? apoiados nos braços da cadeira, as tosa, razoável, e Salazar regressou
vamente tornadas inseparáveis pelo ser habitual a ajuda de alguém do Era um homem novo, pouco mãos ao alto a aproximarem-se ao seu tom normal e admitiu que
lacre na última folha, onde as duas Ministério quando o Presidente do mais ou pouco menos de 30 anos, uma da outra como que a insinuar cada um tem o seu método próprio,
partes iriam apor as suas assinaturas. Conselho tinha como interlocutor desenvolto e culto, logo de começo condensação, dizendo: “Veja se lhe pessoal e por isso quem lhe suce-
Regressados, o chefe da repar- alguém de língua inglesa. patenteando o seu entusiasmo polí- dá esta ideia”. E a ideia desenrola- desse haveria de ter o dele. Mas a
tição e eu, às Necessidades, não Foi essa a primeira vez que en- tico pelo Partido Conservador do seu va-se sóbria, articulada, coloquial e estrutura do Estado estava perfei-
tardou muito que este, visivelmente clara, a fascinar o entrevistador, que tamente organizada e impor-se-ia
perturbado pelas consequências no fim, como se fosse eu a merecer só por si. Ao chegar ao fim do que
dum esquecimento seu, irrompesse encómios me disse ao despedir-se: pretendera obter na conversa, o
pela sala da repartição a anunciar em “You have been brilliant”. Mas eu jornalista mostrou que terminara e
pânico que o embaixador acabara reproduzira apenas o mais fielmente propiciou o silêncio. Ousou acres-
de telefonar-lhe, muito agasta- centar, agora por interesse pessoal


do, a denunciar que o que lhe fora seu, que se sentiria muito honrado
apresentado para assinar não era se o presidente do Conselho tivesse
o que fora acordado; esperava por a amabilidade de lhe oferecer um
isso que a falta fosse prontamente dos volumes dos Discursos. Salazar
reparada. O problema não era em si O jornalista perguntou o aquiesceu prontamente, mas não
mesmo insuperável; mas já poderia libertou o seu interlocutor porque,
constituir um terrível embaraço, o que poderia esperar-se ele também, desejava fazer umas
ter de confessar-se ao presidente no país depois da sua perguntas.
do Conselho o erro cometido e a Não havia muito tinham-se
concomitante necessidade de pro- saída da cena política. realizado no Reino Unido eleições
ceder a nova assinatura, procurou- Salazar não gostou gerais, em que os conservadores,
-se maneira de remediar as coisas chefiados por Macmillan, obtiveram
de modo a não suscitar o anátema
nada da pergunta e a confirmação da vitória anterior.
beneditino (recorde-se que a resi- mostrou-o. Embalado E ele gostava de saber como se de-
dência do presidente do Conselho senhavam as coisas ali. O jornalista
ficava nas traseiras do Palácio de S.
até então por uma manifestou a sua satisfação por
Bento...). Mas a Providência ajuda conversa que o aquela vitória renovada e fez alusão
sempre os inocentes, o que a terá
premonitoriamente levado a prover
interessara, a intrusão à fraca leadership trabalhista, então
confiada a Hugh Gaitskell. Não
a repartição com um vice-chefe espúria de pergunta tão perdeu a oportunidade para fazer
extremamente habilidoso de mãos, ominosa pareceu tê-lo um pouco de humor acrescentan-
desde logo pronto a reparar uma do que a vitória de Gaitskell só lhe
falta. Felizmente, o artigo a emendar irritado poderia ter dado o prazer por ver
aparecia na segunda página e fora na também um economista na chefia
terceira que Salazar e Araújo Jorge do Governo do seu país.
haviam aposto as suas assinaturas. A impermeabilidade ao Antes de traduzir isto
Não havia senão que substitui-las, humor do entrevistado pareceu-me dever ajudar um
sem, contudo, deixar vestígios de pouco e disse a Salazar que o seu
que o foram — e aí a fita solene que (Salazar) levou o interlocutor aludia indiretamente
as tornava inseparáveis e o lacre que jornalista (do Daily à sua qualidade de professor de
garantia essa inseparabilidade cons- Economia e Finanças, dado ser
tituíam o melindroso problema. Telegraph) a escrever Gaitskell também um economista.
Ora então, o habilidoso vice- no seu artigo que só Salazar não riu nem sorriu e
-chefe, com segura paciência e limitou-se a confessar claramente
inultrapassável destreza e ajuda Albano Nogueira "A serenidade de Salazar criava ao intérprete (experimentei-o
obtivera dele um wry que não sabia. A impermeabilidade
dum estilete afiadíssimo, conseguiu então e tive ocasião de confirmá-lo mais tarde) algumas dificuldades" smile ao humor do entrevistado
levantar os lacres, desligar as fitas, jornalista levou o jornalista a
separar as páginas. Depois, foi só escrever no seu artigo que só
refazer e, emendada a segunda pá- obtivera dele um wry smile.
gina, ligar de novo tudo e relacrar a contrei Salazar na identidade pessoal país e uma efusiva admiração pelo possível o que ouvira - e que nem Quando descíamos a escada
última, ao lado das duas assinaturas do meu nome, já que nas então já estadista que iria entrevistar. sempre tinha o meu acordo. (porque Salazar acompanhava
intocadas, então já não um trabalho longínquas duas vezes em que o vira, Terá durado a conversa uma boa Estabelecera-se assim logo de sempre as suas visitas até à porta de
difícil porque o lacre novo, sobre a era eu o funcionário inominado, hora, que viria a dar lugar a um começo uma ‘simpatia’ entre entre- entrada, aberta sobre o terraço que
mancha que o velho deixara, de todo simples portador de textos solenes relato poucos dias depois no jornal vistador e entrevistado: a sintonia de dava para o mar), teve o cuidado de
a disfarçou… Fui eu próprio à rua que seriam por ele assinados. Logo - e digo ‘relato’ e não ‘entrevista’ ideias era, pelo menos assim parecia, pedir-me que dissesse que os livros
António Maria Cardoso, entregar que cheguei mandou que subisse porque a não redigiu na forma fácil completa, o que descontraiu Salazar seriam enviados essa mesma tarde
ao embaixador o texto ‘autêntico’. para o seu gabinete do 1º andar, e de pergunta-resposta literal ou e o tornou dócil no responder. para o hotel. Já sós, e como era a
O embaixador foi então amável e mal havíamos trocado palavras de aproximadamente transcrita, mas Inopinadamente, contudo, sur- primeira vez que eu lá ia, perguntou-
compreensivo. Arrependido talvez cumprimento de usual trivialidade numa condensação seletiva dos as- giu uma dificuldade: - o jornalista me, familiar e atencioso, na sua voz
de haver suspeitado (incompreen- quando foi anunciado o jornalista, suntos versados. As perguntas feitas perguntou o que poderia esperar-se às vezes modulada em falsete, “Tem
sível), amenizou as suas palavras, britanicamente pontual. foram naturalmente apropriadas e no país depois da sua saída da cena carro?” Tinha, mas era um carrito
dizendo mesmo que dera pelo erro Não sabia, nem ainda hoje por agudas, não o tendo naturalmente política. Salazar não gostou nada da (Opel Rekord) e não um carro o
logo ao assinar mas se calara ‘para vergonha minha o sei, o nome do sido menos as respostas. Sem ter pergunta e mostrou-o. Embalado veículo em que me transportava e
não estragar a festa’. Não perguntou jornalista pois que na altura me foi sido dito nada de excecional ou sen- até então por uma conversa que o era meu. J
nada e disse mais uma vez se que a apenas comunicado que trabalha- sacional, o diálogo decorreu fluente interessara, a intrusão espúria de
sagrada intocabilidade dos acordos va para o Daily Telegraph. Quando e brilhante, Salazar sempre preciso e pergunta tão ominosa pareceu tê-lo *Ortografia atualizada e de acordo com o
ficara garantida. embaixador em Londres, de meados em nada pomposo, mesmo quando irritado. Mais uma vez se voltou nosso livro de estilo (por exemplo: presidente
Passaram-se depois muitos de 1974 a fins de 1976, perguntei teve de embrenhar-se pelo especu- para mim e, sem levantar a voz mas – do Conselho – e ministro em minúsculas,
anos, visto que praticamente estive ainda ao diretor do jornal, Deeds, lativo e ideológico e o entrevistador animando-a com um vigor novo, onde no original está em maiúsculas)

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
26 * Ideias ESTANTE jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

Identificação de um País, de novo


Livro de referência da História um tratado de sociologia. Reduz da vida privada, Património de
de Portugal, Identificação a análise do seu objeto a uma origem portuguesa no mundo),
de um País, de José Mattoso, unidade espacial definida por reconhecido com o Prémio
volta a estar disponível como um território e por um vínculo Alfredo Pimenta, em 1985, e com
obra autónoma. Editado pela político que se prolonga no o Pessoa, em 1987.
primeira vez em 1985, teve tempo. Procura averiguar como Tendo como subtítulo Ensaio
nesse mesmo ano uma 2.ª edição é que a Nação portuguesa surgiu sobre as origens de Portugal.
revista e ampliada. Uma década e como evoluiu durante duzentos 1096-1325, o livro conta cerca
depois, em 1994, saía uma nova anos." "Não pretendo descrever de mil páginas e divide-se em

Pensar a Europa versão sobre a qual escreve


o historiador: "(...) resolvi
o que aconteceu a Portugal, ou
em Portugal, por meio de uma
duas grandes partes - Oposição
e Composição -, além de uma
fazer uma revisão completa narrativa sequencial inscrita introdução e uma conclusão
do seu texto, quer ampliando, no tempo - ou seja, contar a também vastas. "Neste momento
confirmando ou modificando História de Portugal -, mas não sei se deve ser considerado
Margarida Gil dos Reis pontos de vista anteriores, quer explicar como evoluiu a Nação, como demonstração de uma
acrescentando os resultados de como Nação, durante os seus tese de história política ou como
investigações recentes sobre as primeiros tempos", acrescenta repositório de informações acerca
Num tempo em que se questiona a apli- matérias nele abordadas, para as ainda José Mattoso, autor de dos usos e costumes, das pessoas
cação prática do lema da União Europeia, articular e harmonizar com as inúmeros estudos medievais e e instituições, das crenças e dos
a 'unidade na diversidade', parece ser cada minhas hipóteses interpretativas diretor de várias obras coletivas conhecimentos dos habitantes
vez mais importante reconhecer que toda de base, e sem deixar de manter (História de Portugal, História daquele território que, no século
a unidade autêntica vive justamente da di- a sua marca de «ensaio» (por XII, se tornou Portugal", confessa,
versidade. O Parlamento Europeu explicado isso ganhou nesse ano o Prémio ainda no prefácio, José Mattoso.
aos jovens - guia para todos, da autoria da de Ensaio do Pen Club)". Mais E prossegue: "Não sei se é eficaz
jornalista Fernanda Gabriel, é um dos me- tarde, em 1999, essa edição (a o método que adotei de procurar
lhores exemplos de combate contra a apatia 5.ª) integrou, sem qualquer nos vestígios do passado o que de
gerada em torno da problemática europeia. alteração, as Obras completas de alguma maneira ainda é presente,
Correspondente há vários anos da RTP José Mattoso, com a chancela da e que, por isso, nos interpela."
em Estrasburgo, onde acompanha o trabalho Círculo de Leitores, e acabou por Guarda, todavia, uma certeza:
das instituições europeias, Fernanda Gabriel se esgotar. Regressa agora, pela "Creio que dei um sentido aos
condensa neste livro, com uma linguagem mesma editora, reproduzindo o indícios que selecionei acerca
surpreendentemente clara e objetiva, texto (inclusivamente o prefácio) dos primeiros dois séculos da
algumas das principais linhas orientadoras de 1994. nossa Nacionalidade." Tal leva-o a
na descoberta do Parlamento Europeu. O grande historiador, concluir: "Ou seja, pouco importa
Destinada aos jovens e também ao comum especialista em Idade Média e que a obra esteja ou não «datada».
dos cidadãos, esta obra ilumina e clarifica sobretudo nos séculos X a XIII, › José Mattoso A diferença não está na datação,
aspetos importantes relativos à Europa e às acrescentou-lhe, no entanto, IDENTIFICAÇÃO mas no sentido. E o sentido não
suas instituições. um novo prefácio, no qual DE UM PAÍS está nas coisas, mas nos olhos de
No prefácio, diz Mário Soares que esta afirma: "O livro que agora se Temas e Debates, 944 pp, quem o procura." É tempo de (re)
é uma "obra pedagógica", "numa época de publica trata de História; não é 24,40 euros descobri-lo. JL
crise como a que atravessamos". "Espero,
aliás, que tudo possa vir a mudar, porque se
assim não acontecer arriscamo-nos, como
disse o grande político e pensador Helmut ENSAIO/OUTROS História (resalvando outras que são falidos e espiões,
Schmidt, a cair no abismo. Daí a enorme obras de historiadores), mesmo com muitos espiões", escreve
relevância que o atual livro tem", diz Mário
Soares. Luís Reis Torgal as ideias singelas e esquemáticas
(mas às vezes escritas com densidade
na Introdução. No
segundo, o jurista, que
Fernanda Gabriel aborda o início da Uma reflexão sobre a e bastante rigor) que se apresentam se tem interessado por
construção europeia, o funcionamento e História, o seu "sentido" nos manuais pedagógicos de História Literatura e Astrologia,
estrutura do Parlamento Europeu, assim e a sua prática, por ou até com trivialidades que se dizem aborda questões
como o processo de eleição da Comissão quem a ela se dedica há em discursos oportunistas como como 'Qual o mapa
Europeia. Destacam-se ainda os dois últimos largos anos. Falamos de sendo «verdades históricas»". astrológico do Grande
capítulos dedicados ao balanço da legislatura História, que História?, Terramoto de 1755?'
e uma útil cronologia da construção de Luís Reis Torgal, prof. › Luís Reis Torgal 'E em outubro de 1147,
europeia. catedrático jubilado da HISTÓRIA, QUE HISTÓRIA? quando D. Afonso
A uma União Europeia mais alargada Faculdade de Letras da Universidade Temas e Debates, 224 pp, 16,60 euros Henriques conquistou
e influente parece agora contrapor-se a de Coimbra, coordenador de a cidade aos mouros?' e
imagem de uma Europa investigação no Centro de Estudos 'Que importância teve
envelhecida que começa a
sentir-se cada vez menos
Interdisciplinares do Século
XX, autor de numerosos livros, Lisboa Revelada o estudo da Astrologia na vida de
Fernando Pessoa?'. A coleção, que,
protagonista. A obra de sobretudo de História da Época Viver num Ninho de Espiões, de segundo Maria João Martins, "nasce
Fernanda Gabriel, que se Contemporânea. Sobre o presente Maria João Martins, e A Astrologia de uma paixão antiga pela cidade",
tem vindo a transformar título escreve na introdução: "Esta e a Cidade, de Gustavo Duarte, tem já previstos outros dois títulos:
num projeto de divulgação obra não pretende ser um estudo inauguram a nova coleção da Sob o céu de Lisboa - Guia literário da
junto das escolas, é um de teoria da História (...). Pretendo editora Gato do Bosque: 'Lisboa capital e Vaidosa alfacinha - a moda
importante contributo apenas refletir interrogativamente, Revelada'. No primeiro título, a na Lisboa de ontem e de hoje.
para o pensamento sobre na primeira pessoa e como escritora, fundadora da Gato do
a Europa e a sua própria historiador, sobre o sentido da Bosque, e antiga jornalista do JL, › Maria João Martins
diversidade. História, a fim de evitar que se viaja à Lisboa do período da Segunda VIVER NUM NINHO
Fernanda Gabriel › Fernanda Gabriel confunda a História ciência com Guerra Mundial. "Neste «paraíso DE ESPIÕES
é jornalista e tem sido O PARLAMENTO uma mera narrativa de curiosidades, claro e triste», como Saint-Exupéry Gato do Bosque, 84 pp, 12 euros
correspondente em EUROPEU com uma simples obra de divulgação chamou à cidade de Lisboa quando
Estrasburgo de vários EXPLICADO AOS fácil, com um livro de memórias, ele próprio, com a morte na alma, a
órgãos de comunicação JOVENS - GUIA até com a literatura de costumes de visitou, acotovelavam-se refugiados › Gustavo Duarte
social portuguesa e PARA TODOS época ou com algumas biografias a anónimos, 'estrelas' de cinema, A ASTROLOGIA E A CIDADE
estrangeira.J A23 Edições, 58 pp, 10 euros que por vezes se quer dar o valor de realezas sem trono, banqueiros Gato do Bosque, 82 pp, 13 euros

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt ESTANTE, CRÓNICA
Ideias * 27
Arendt e o Mal
Em 2013, assinalou-
-se a efeméride dos
A PAIXÃO GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS
50 anos da primeira
edição de Eichmann
em Jerusalém - Um
DAS IDEIAS
relatório sobre a

Lembrando Corsino Fortes


banalidade do mal,
de Hannah Arendt, e
estreou-se o filme Hannah Arendt,
de Margarethe von Trotta. Foi o
"tipo de impacto" que os dois acon-
tecimentos tiveram no público que

T
motivou António Marques a escre-
ver o ensaio A Filosofia e o Mal. Nele,
o prof. de Filosofia da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas elefonei a Vera Duarte e, com a estima grande que não pode ser esquecida. Sob o pseudónimo de Osvaldo Alcântara
da Universidade Nova de Lisboa que temos, pudemos recordar o afeto dos di- defende uma identidade humanista e existencial, refletindo sobre a
e diretor do Instituto de Filosofia versos encontros que tivemos ao longo dos anos vida sofrida, o peso da insularidade e o desafio doloroso da partida
dessa instituição parte, justa- com o amigo comum Corsino Fortes, envol- emigrante para a diáspora. Alfredo Margarido fala de «Chiquinho»
mente, daquele livro de Arendt, vendo Germano Almeida, Fátima Bettencourt, como um romance não português, mas do que se trata, talvez mais,
bem como de textos essenciais de Filinto Elísio, Manuel Brito-Semedo e José Carlos é da compreensão de uma identidade diversa e complexa, típica dos
Kant, da restante obra da filósofa e Delgado... Naquele dia, havia na cidade da Praia mundos vários da língua portuguesa. Jorge Barbosa e Manuel Lopes
da correspondência que manteve uma homenagem a Corsino e quis dizer a Vera representam igualmente a afirmação da cabo-verdianidade – en-
com Gershom Scholem, Martin que estaria presente de alma e coração, apesar quanto João Manuel Varela, através de Geuzim Té Didial, recupera o
Heidegger, Karl Jaspers ou Joachim da distância e da ausência física. Sentimos, no íntimo, a intensidade mito da Macaronésia e da fabulosa Micadinaia, num regresso a antes
Fest, para propor uma "dupla tese" serena da morabeza. E nessa lembrança de bons tempos passados, de «Claridade» e de recuperação dos mitos. E não devemos esque-
que contraria a sua «banalidade falámos da língua de várias culturas e de várias línguas, da sensibili- cer, ainda, a revista «Certeza» (1944), mais marcada pela dinâmica
do mal». "Em primeiro lugar, os dade poética, da audácia rítmica do poeta, da Academia, das cautelas social. Deve, aliás, afirmar-se que Corsino Fortes, sem esquecer
crimes que Eichmann cometeu que fomos tendo na salvaguarda da diversidade cultural e linguística a sua originalidade formal e substancial, se situa na convergência
correspondem plenamente ao mal (no caso dos crioulos), da necessidade de um denominador comum entre os claridosos e a «Certeza». Tantas vezes mo recordou. Essa
radical, tal como o encontramos de entendimento, assim como do sucesso alcançado pela candida- pulsão social, nota-se na segunda fase da revista «Claridade» (1947-
pela primeira vez descrito por Kant tura da Cidade Velha a património mundial da UNESCO. E sobretudo 49) e na, com maior intensidade, na terceira (1958-59), – na qual a
e que será tratado com o pormenor recordámos intimamente os três tempos denúncia de uma dominação ancestral
necessário", começa por enunciar. sublimes de «A Cabeça Calva de Deus»: está presente em Ovídio Martins («Não
"Em segundo lugar, e precisamente desde as raízes antigas de injustiça em me aprisionem os gestos»), Terêncio
porque o mal radical é o que torna «Pão & Fonema», passando pela força Anahory («Impermeabilidade»), Osvaldo
interessante o problema do mal na esperançosa de «Árvore & Tambor», até Alcântara («Romanceiro de S. Tomé») e
sua dimensão ética, confirmaremos à busca premente da dignidade huma- Arnaldo França («Testamento para o Dia
como este determina a ação huma- na, presente e futura, de «Pedras de Claro»)…
na num âmbito muito mais geral do Sol & Substância». E ouvimos de novo: Ao lermos os ensaios de Manuel
que se pode suspeitar". «Os homens que nasceram da estrela da Duarte, Baltazar Lopes, Gabriel
manhã / Assim foram / Árvore & tambor Mariano, Arnaldo França e Onésimo
› António Marques pela alvorada / Plantar no lábio da tua Silveira, entendemos uma fecunda ten-
A FILOSOFIA E O MAL porta / África / mais uma espiga mais um são (e mesmo divergência) quanto à ge-
Relógio d'Água, 136 pp, 14 euros livro mais / uma roda / Que do coração nuinidade crioula, bem como na dialéti-
da revolta / A Pátria que nasce / toda a ca Europa / África. O tempo veio, aliás,


semente é fraternidade que / sangra». O a revelar que essa complexidade, bem
Os últimos ritmo poético de Corsino era intencional-
mente muito próprio e inovador, ligando
como a conflitualidade (na qual a diás-
pora tem papel relevante) só enriquecem
anos de Salazar a oralidade e o rigor da palavra, a língua
materna e a língua oficial, com o coração
a cultura cabo-verdiana, numa síntese
que lhe dá coerência, desde os primór-
"Um testemunho úni- a bater ao compasso do encontro com o O ritmo poético de Corsino era dios da «Claridade» até ao presente,
co, imparcial e essen- outro. Ana Mafalda Leite tem razão ao passando pelo tempo da independência
cial para compreender falar de um trilogia fundacional e épica da
intencionalmente muito próprio e da influência de Amílcar Cabral. A
os factos e os interesses história do país (…) em que simultanea- e inovador, ligando a oralidade experiência e a sabedoria de Corsino
que em torno de Salazar mente Cabo Verde também de novo nasce Fortes permitia-lhe compreender, como
se movimentaram, en- como terra, como país, como pátria,
e o rigor da palavra, a língua ninguém, a caminhada do povo de Cabo
tre setembro de 1968 e como identidade e como cultura fora e materna e a língua oficial, com o Verde contra todas as adversidades.
julho de 1970". Palavras
do prof. catedrático de Direito Paulo
dentro do poema».
Tivemos oportunidade de falar longa-
coração a bater ao compasso do Carmen Lúcia Secco refere que os câno-
nes literários em Corsino Fortes foram
Otero, no prefácio à 2.ª edição de mente. E houve sempre uma convergência encontro com o outro «definitivamente ultrapassados». E
Salazar - O Fim e a Morte. Vinte anos natural. Falar da cultura cabo-verdiana assim fez uma releitura da «Claridade»,
após a publicação do livro de Eduardo é lembrar a admiração do Padre António negando a proposta de «evasionismo»,
Coelho, médico de Salazar, e do seu Vieira ao pregar na Cidade Velha, Ribeira afirmando «a necessidade de fecundar
filho António Macieira Coelho (em Grande, na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, encon- a esperança na transformação por dentro das ilhas». Por outro
1995, pela Dom Quixote), e no 45.º trando aí clérigos mais letrados e cultos que os do reino. Era o resulta- lado, contrapõe a Ovídio Martins que «já não somos os flagelados
aniversário da morte do ditador, a do das régias autorizações para a escola de Latim e Moral (1555) e para do vento leste, pois o vento tornou-se metáfora anunciadora de
Esfera dos Livros lança uma nova edi- o seminário diocesano (1570), que apenas viria a estabilizar no século mudanças sociais». A literatura de Cabo Verde é muito rica, desde
ção, revista e aumentada, que inclui, XVIII, além do surgimento da rede escolar, primeiro pelo impulso o épico ao irónico, desde o lírico ao trágico… Corsino Fortes culti-
nomeadamente, um comentário de local de Júlio José Dias, Honório Barreto e José da Silva Guardado e vava o ritmo da arte e da vida, a um tempo simples e heroico. Era
Eduardo Coelho relativo ao direito depois por iniciativa oficial, através dos Liceus da Praia e depois do um cidadão experimentado, jurista, político, diplomata, poeta e
à morte e uma reflexão de António Mindelo. E como foi importante o Mindelo, lembrava-o especialmen- sobretudo cultor da sabedoria… E fui reler Manuel Brito-Semedo, a
Macieira Coelho sobre a designada te Corsino. No período 1840-1880, sente-se um romantismo originá- propósito de um encontro nosso (que cito em «Na Senda de Fernão
«presença maçónica no fim da opera- rio, desde José Evaristo de Almeida, autor de «O Escravo» (1856), até Mendes», Gradiva), sobre uma ideia síntese fundamental: «pe-
ção» de Salazar. à poesia de Emília dos Mártires Aguiar e Antónia Gertrudes Pusich. A rante os discursos totalizantes europeísta e africanista provámos
partir de 1870 e até 1930, começa a pesar a influência cultural de uma que uma posição rígida e extremada (…) não é senão uma visão
› Eduardo Coelho e António Macieira identidade plural, na qual o crioulo tem expressão. Essa tendência enviesada de um todo que surgiu como resultado de um processo
Coelho
culminará na criação da revista «Claridade», surgida no Mindelo histórico-político-social que fez a elaboração dessas duas com-
SALAZAR - O FIM E A (1936), tendo como referência Baltasar Lopes (Nhô Baltas) (1907- ponentes, a africana e a europeia, e que levou à integração destas
MORTE 1989). Mestre de tantas gerações, cultor da língua e do pensamento, duas posições que hoje constituem a vivência cabo-verdiana». E
Esfera dos Livros, 304 pp, 18 euros o autor de «Chiquinho» reganha hoje uma importância fundacional Corsino Fortes cultivava esse diálogo. J

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
28 * jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
debate-papo * 29

AUTOBIOGRAFIA VALTER HUGO MÃE O HOMEM


IMAGINÁRIA DO LEME
MANUEL HALPERN

António Ramalho Homens sem luz

U
À
m cartaz em Espanha mostrava uma
criança com o slogan ‘maior do que
fortuna de Barcelos chegou a o medo de tomar uma vacina é o
criatividade de António Ramalho. de não ser vacinado’. A pandemia
Da linhagem preciosíssima de Rosa e dos pais que não querem vacinar
Júlia Ramalho, António comparece os filhos alastra-se a todo o mundo
como um dos mais entusiasmantes ocidental, enquanto, ironicamente, os países subde-
artistas da nova vaga barcelense. senvolvidos lutam para que, pelo menos as crianças,
Herdeiro do que poderá ser o mais tenham acesso às vacinas mais primárias, permitin-
rico imaginário da cidade, António do assim uma diminuição da mortalidade infantil.
é, ao mesmo tempo, outra coisa, uma Contradições de um mundo paranoico e assimétrico.
espécie de puro deleite pelo ainda mais bizarro, o ainda mais Partindo do princípio que, regra geral, os pais
desconcertante. querem o melhor para os filhos, de onde virá a ideia
É preciso lembrar que Júlia Ramalho soubera já de recusar qualquer tipo de vacina? Um princípio
acrescentar à obra genial de Rosa figuras agora obrigatórias, básico é que, caso a população em geral possua as di-
como é exemplo a belíssima série dos pecados mortais. O tas vacinas, os poucos outros estão seguros. Ninguém
que acontece com a linhagem Ramalho é que a inteligência se contamina sem um ‘contaminador’. A fragilidade
se mantém para uma criatividade perto do mais endémico desta lógica está na falsa perceção de minoria. Ou
sentimento nortenho, uma mescla do religioso com o seja, esta imensa minoria chegou a níveis alarmantes,
pagão que elogia a terra e o povo simultaneamente aflito e ao ponto da Organização Mundial de Saúde temer
esperançoso. que algumas doenças que se julgavam erradicadas
Tenho conversado muito com artesãos diversos de possam ressurgir no mundo ocidental.
Barcelos e contesto que se gastem com uma folia por Simultaneamente, numa sociedade adepta
imitarem na perfeição as coisas do mundo real. Desde de extremos há uma tendência para confundir a
bicicletas a automóveis, televisões ou sofás, houve um necessidade de respeitar e preservar o ambiente com
tempo em que o artesanato se iludiu com a capacidade uma veemente negação da ciência. Como se toda e
de copiar. O figurado de Barcelos, no entanto, não é isso. Figurado de António Ramalho Uma arte começadora qualquer intervenção do Homem no ambiente fosse
O figurado que importa é mais do domínio do absurdo, negativa, considerando-se que o Homem era mais
carregando o erro feliz antes das sucessivas revoluções científicas e tec-


e até o grotesco. Os nológicas. A ciência é a maçã que expulsou o Homem
mestres ensinaram a muitas vezes o diz, que os bonecos mais feios são os mais do seu paraíso macrobiótico. Um ideal neo-hippie
originalidade, não a bonitos para as pessoas que os compram. É modo de dizer com vários graus de envolvimento, que mantém
imitação. Ramalho, que quanto maior a carantona, maior o sentido da sua sempre uma perspetiva enviesada da História.
Côta, Mistério, Baraça, O que acontece com particular artre. Sobretudo porque coincide as mais das vezes com
Ferreira ou Sapateiro, Destacar António Ramalho, hoje com 46 anos, é notar uma ideia romântica de um certo passado, como se
todos inventaram a linhagem Ramalho que a sua arte ainda se caracteriza por ser começadora. o Homem antes da invenção das máquinas ou da pe-
como que um universo é que a inteligência Pressente-se que virá a ser mais, cada vez mais. Pode ser nicilina fosse mais feliz. Não o era. Todos os dados o
paralelo, um que vista hoje numa série de peças de pequena escala em que indicam. As doenças eram devastadoras, a esperança
traduzia mais os medos e se mantém para uma as figuras anteriores parecem juntar-se para que surja média de vida baixíssima, a mortalidade infantil e de
as aspirações populares criatividade perto uma outra sociedade de bichos. Carregados de cobras e parto elevadas. A ciência e a tecnologia salvaram os
do que as evidências do cornos, cobras a fazer de cornos, peitos de mulher e barbas, homens demasiadas vezes para serem desprezadas.
quotidiano.
do mais endémico as imagens de António são muito livres e comportam-se Há espalhadas pelo mundo comunidades de
O leão perfeitíssimo sentimento nortenho, como lebres, saíram à frente como à procura, instigando. novos hippies, naturalistas ou novos homens das ca-
do Mistério não existe Não admira que, nas grandes dimensões, reveja a medusa, vernas. Comungam de ideais bonitos, da procura de
na natureza, só existe na
uma mescla do criação também de Júlia. Inventou uma medusa maior, uma vida alternativa, exilados da lufa-lufa das gran-
arte, e talvez seja a única religioso com o pagão de cobras a cair por todos os lados, numa espécie de des cidades, fartos de smog e do tempo perdido no
hipótese de ele ser, de sensualidade perigosa. trânsito. Alguns instalaram-se em aldeias abandona-
facto, perfeitíssimo. A Eu quero ver o António a tomar conta de todo o imaginário das do interior de Portugal. Diz-se que há quem viva
diaba de três cornos da Ramalho. É indubitável que tem ganas de respeitar o que do subsídio de desemprego ou da reforma do seu país
linhagem Côta é uma coisa da arte e a realidade, com isso, se herda mas há uma quase rebeldia, ou meninice, que não se de origem. A verdade é que não precisam de muito.
espanta. A diaba de três cornos, agarrada ao seu bebé, é uma deixa intimidar. Encontramos em alguns dos seus trabalhos Fazem por viver daquilo que semeiam, num regresso
originalidade que o mundo das evidências não inventou mas pistas para que nasçam outras coisas, como gente de que a a uma agricultura de subsistência, que responde ao
agradece. gente anterior estivesse grávida. alarme ecologista, que todos devemos ouvir, que só
O que se espera de Barcelos é que o figurado pesquise Importa-me, ou agrada-me, que se pense sempre no desacelerando podemos salvar o planeta.
sempre o estranho da imaginação, como pesquise também galo, no diabo e em São João, agrada-me que surjam as Muitos confundem este saudável impulso verde
um certo belo mas nunca descurando uma perspectiva costumeiras cabras ou os bicharocos de assustar nos com a recusa algo radical da ciência, nem se aperce-
de assombro, de inusitado, provocador e surreal. O caminhos escuros, e acredito que o António Ramalho está bendo que tal representa uma medievalização social,
figurado representa o que há e o que não há, mas ficciona, prestes a dar-lhes continuidade, repondo os clássicos e trocando a luz pelas trevas. Só tomam medicamentos
adultera, caricatura, crítica. É sempre um certo exagero, propondo uma nova versão. Como sou ansioso, já tenho pela naturais, não vacinam os filhos, os bebés nascem
não é a normalidade, não quer a normalidade. Aproxima- sala várias das suas peças exuberantes. Desembruxam- sem cuidados diferenciados… Quando a coisa corre
se temente ou abusador. Faz cerimónia ao diabo ou me a casa e a vida. De facto, divertem-me enquanto não bem, a natureza sabe o que faz. E quando corre
humilha-o, pode até humanizá-lo, acarinhá-lo. De algum me escondem o que a vida tem de susto. São honestidades. mal? Esquecem-se que a natureza é a mais cruel das
modo, as pessoas lidam com o artesanato de Barcelos Deve ser por isso que, passando tanto pelo brinquedo, como deusas. Preocupa-se com a subsistência da espécie
como se pudessem venerar e esconjurar a partir do mesmo passou durante muito tempo da sua história, o artesanato mas não com a dos indivíduos. E não há nada mais
ponto de partida. Diabos e santos tornam-se toscos e de Barcelos se tornou um caso adulto e incrivelmente sério. natural do que a morte. Essa é precisamente uma
divertidos, por isso se torna fácil conviver com eles em Gosto até pouco de lhe chamar artesanato. Porque, vejo, das maiores afrontas do Homem à mãe Natureza:
casa, dar-lhes rosto. O tosco, torna-se fundamental peça a peça, esculturas magníficas e muito únicas, capazes a insana busca da eternidade, através da sucessiva
entendê-lo, é muitas vezes a virtude. A dona Júlia Côta de ombrear com os melhores resultados das academias. J invenção de novas formas de adiar o inevitável. JL

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
3o * debate-papo jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

Viriato Soromenho-Marques
Uma década na Ásia
PROPRIETÁRIA/EDITORA: Medipress
Sociedade Jornalística e Editorial, Lda. NPC 501 919 023
Rua Calvet de Magalhães, nº 242 - 2770-022 Paço de Arcos
Tel.: 214 544 000 - Fax: 214 435 319 email: ipublishing@impresa.pt
GERÊNCIA: Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão,
Pedro Norton, Paulo de Saldanha, José Freire, Luís Marques, Francisco
Pedro Balsemão, Martim Avillez Figueiredo, Raul Carvalho Neves
COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE PROPRIETÁRIA:
Capital Social €74.748,90; Impresa Publishing, SA - 100%

J
Recordo-me de um artigo de jornal escrito de São José, faz uma interessante reflexão
por Eça de Queirós, logo após a declaração crítica, seguida de debate. O jantar, também
JORNAL do II Império alemão no Palácio de Versalhes, no Clube Militar de Macau, prolonga a
DE LETRAS,
ARTES E em 18 de Janeiro de 1871. Eça alertava para o discussão sobre a crise europeia, mas focada
IDEIAS
facto de que a história da Europa nunca mais em Portugal. Os meus anfitriões são, desta
PUBLISHER: Pedro Camacho seria a mesma. Em 2015 percebemos que o vez, militantes da secção local do Partido
DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos
grande escritor continua a ter toda a razão... Socialista. Um debate rico e sem reservas
Agora imagine-se o fenómeno prussiano mentais.
multiplicado por 30. O resultado chama-se
REDATORES E COLABORADORES PERMANENTES: Maria Leonor Nunes, China. Com a morte de Mao (1976) desapa- 04.06 2015.
Manuel Halpern, Luís Ricardo Duarte, Francisca Cunha Rêgo, Carolina receu o último obstáculo a que a China se
Freitas, Afonso Cruz, Agripina Carriço Vieira, António Carlos Cortez,
Carlos Reis, Daniel Tércio, Eduardo Lourenço, Eduardo Paz Ferreira, transformasse naquilo que é hoje. O país de Entrevista à rádio TDM (jornalista Gilberto
Eugénio Lisboa, Fernando Guimarães, Guilherme d’Oliveira Martins,
Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões, Jacinto Rego
que depende muitíssimo do futuro da história Lopes), que passou no sábado (6 de Junho).
de Almeida, João Ramalho Santos, João Santos, Jorge Listopad, Lídia mundial. Foi dentro dessa nuvem complexa Conferência na Universidade de Macau,
Jorge, Manuela Paraíso, Maria Emília Brederode Santos, Maria João
Fernandes, Maria Alzira Seixo, Maria Augusta Gonçalves, Miguel e múltipla do Império do Meio, em ebulição na Faculdade de Direito, num novo campus,
Real, Ondjaki, Onésimo Teotónio de Almeida, Rocha de Sousa, Tiago permanente, que encontrei esse micromun- já fora do território da RAEM. O tema, desen-
Patrício, Valter Hugo Mãe e Viriato Soromenho-Marques
OUTROS COLABORADORES: Alexandre Pastor, Álvaro Manuel do macaense, onde qualquer português que volvido em inglês, prende-se com as relações
Machado, André Pinto, António Cândido Franco, Boaventura se preze tem de confessar, comovidamente, entre a China e a União Europeia em torno
Sousa Santos, Carlos Vaz Marques, Cláudia Galhós, Cristina Robalo
que está a regressar a casa. das alterações climáticas. Defendo, perante

Cordeiro, Gabriel Leite Mota, Gastão Cruz, Inês Pedrosa, João Abel
Manta, João Caraça, João Medina, José-Augusto França, José Luís
Peixoto, João de Melo, João Ribeiro, Joaquim Francisco Coelho, José
estudantes e professores muito interessados,
Manuel Mendes, José Sasportes, Lauro Moreira, Leonor Xavier, Luísa
01 06 2015 que esse desafio pode ser uma oportunidade
Lobão Moniz, Manuel Alegre, Margarida Fonseca Santos, Maria Viriato Soromenho-Marques, para a paz e a sustentabilidade global. Estão
do Carmo Vieira, Maria Fernanda Abreu, Maria José Rau, Miguel
Carvalho, Marina Tavares Dias, Mário Avelar, Mário Cláudio, Mário
de Carvalho, Mário Soares, Marcello Duarte Mathias, Nuno Júdice,
Estamos na sala do pequeno-almoço do 57 anos, prof. catedrático presentes Rui Martins e Paulo Canelas de
Ricardo Araújo Pereira, Rui Canário, Rui Mário Gonçalves, Silvina Hotel Royal, em Macau. Lá em baixo, na da Faculdade de Letras da Castro (UMAC) e Sales Marques (IEEM).
Pereira e Teolinda Gersão Praça Luís de Camões, deparamos com um
PAGINAÇÃO: Patrícia Pereira
espetáculo de harmonia e serenidade, que Universidade de Lisboa e
05. 06 2015
SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO: Gesco


se repetirá ao longo dos dias. Uma dezena autor de diversos ensaios.
e meia de praticantes de Tai Chi evolui na Visita à Escola Portuguesa de Macau,
REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS: Rua Calvet de Doutorado em Filosofia, tem
Magalhães, nº 242, 2770-022 Paço de Arcos - Tel.: 214 698 000 sombra matinal. São na sua maioria mulheres convidado pelo seu diretor, Manuel Peres
Fax: 214 698 500 - email: jl@impresa.pt. Delegação Norte: Rua
Conselheiro Costa Braga nº 502 - 4450-102 Matosinhos
com mais de cinquenta anos. Daqui a pouco, desempenhado ainda diversos Machado. Uma longa conversa com pro-
- Tel.:22 043 7001 a temperatura e a humidade tornarão qual- cargos ligados defesa do fessores. Visita a salas de aula em ativida-
quer exercício impossível. de, surpreendendo o dinamismo de uma
PUBLICIDADE: Tel.: 214 698 227 - Fax: 214 698 543 (Lisboa)
Não poderia existir receção mais calorosa
ambiente e à ecologia, áreas instituição que representa com dignidade e
Tel.: 220 437 030 - Fax: 228 347 558 (Porto)
Pedro Fernandes (Diretor Comercial) pedrofernandes@sic.pt; Maria e simpática. Ontem, Tiago Pereira e Lurdes da sua crónica regular no JL vigor a nossa língua e cultura. Ao longo dos
João Costa (Diretora Coordenadora) mjcosta@impresa.pt, Carlos
Varão (Diretor), Luís Barata (contacto),Miguel Diniz (contacto);
Carneiro de Sousa foram esperar-nos ao cais. anos e das vicissitudes continua a merecer a
José António Lopes, jalopes@impresa.pt. Delegação Norte: Ângela Foi o Tiago o responsável por esta viagem, confiança dos pais de mais de 500 crianças
Almeida (Diretora Coordenadora) aalmeida@impresa.pt, Miguel
Aroso maroso@impresa.pt (Contatos); Ilda Ribeiro (Assistente e centrada em torno dos temas abordados de muitos países.
Coordenadora de Materiais) jmribeiro@impresa.pt no meu livro Portugal na Queda da Europa Reencontramos um amigo de longa data, Entrevista a João Pedro Marques, da TDM
PUBLICIDADE ONLINE: publicidadeonline@impresa.pt Tel.: 214 698 970
(2014). Estivemos nas Ruínas de S. Paulo e na o arquiteto Francisco Vizeu Pinheiro, que televisão (só foi para o ar em 9 de Junho).
MARKETING: Mónica Balsemão (Diretora), Ana Paula Baltazar
(Gestora de Produto)
Fortaleza do Monte. Hoje tivemos um sim- lecciona na Universidade de São José, e que A imprensa de Macau evoca os 26 anos de
PRODUÇÃO: Raul das Neves (diretor), Manuel Parreira (assessor da pático almoço oferecido pelo Cônsul Geral no Município de Macau teve papel impor- Tien an Man com fotos de uma manifestação
Direção de Produção), Manuel Fernandes (diretor adjunto), Pedro de Portugal em Macau e Hong Kong, o jovem tante na expansão e conservação do nosso pela democracia que teve lugar no Largo
Guilhermino e Carlos Morais (Produtores)
CIRCULAÇÃO E ASSINATURAS: Pedro M. Fernandes (Diretor), José
e dinâmico diplomata Vítor Sereno. Estão património construído, nomeadamente a do Senado. À noite assistimos à atuação de
Pinheiro (Circulação), Helena Matoso (atendimento ao assinante); também presentes os responsáveis pelas calçada portuguesa. duas lendas do jazz, Chick Corea & Herbie
Atendimento ao Ponto de Venda: pontodevenda.ip@impresa.pt Tel.:
707 200 350, 21 469 8801 (todos os dias úteis, das 9h às 19h) - Fax: 214
instituições anfitriãs da minha viagem. José Hancock. Um privilégio, no magnífico
698 501 email: apoio.cliente.ip@impresa.pt Aceda a www.assineja.pt Luís Sales Marques, diretor do Instituto de 03 06 2015 Centro Cultural de Macau.
ENVIO DE PEDIDOS: Medipress - Sociedade Jornalística e Editorial Lda. Estudos Europeus de Macau (IEEM), e uma
Remessa Livre 1120 - 2771-960 Paço de Arcos
IMPRESSÃO: Lisgráfica - Casal de Sta. Leopoldina - 2745 Queluz de Baixo
figura incontornável da história da região Vamos para Sul. Partimos do Largo do 06 06 2015
DISTRIBUIÇÃO: VASP - MLP, Media Logistics Park, Quinta do Grajal -
(hoje, RAEM) nos últimos 25 anos. Também Senado. Passamos pelo BNU (que é o banco
Venda Seca, 2739-511 Agualva-Cacém - Tel.: 214 337 000 presente, o Vice-Reitor da Universidade de emissor da pataca de Macau!). Vemos a es- Passeamos, guiados pela minha amiga
Pontos de Venda: contactcenter@vasp.pt - Tel.: 808 206 545
Fax: 808 206 133 Macau (UMAC), Rui Martins. tátua de Jorge Álvares, o primeiro português Patrícia Neves. Jovem jornalista, investiga-
TIRAGEM: 10 500 exemplares À noite apresento, perante uma sala que aqui chegou em 1513. Paisagem urbana dora e cineasta, que aqui trabalha. Fortaleza
Registo na ERC com o nº 107 766 - Depósito Legal nº 11 745/86 repleta e interessada, a minha primeira ampla. Muitas construções novas. A sede e Farol da Guia. Jardim Lou Lim Loc. Depois
Interdita a reprodução, mesmo parcial, de textos, fotografias ou
ilustrações sob quaisquer meios, e para quaisquer fins, inclusive comerciais
conferência, sobre crise europeia. Num jantar do Governo. Os lagos de Nam Van. Subimos visita a Coloane. Capela de S. Francisco, onde
promovido pelo IEEM no venerando Clube na direção do famoso Templo de Á-Má. os noivos chineses se deixam fotografar,
“A Medipress não é responsável pelo conteúdo dos anúncios nem pela
exatidão das características e propriedades dos produtos e/ou bens Militar Naval, presidido por um militar de Visitamos uma exposição de marionetas, na vestidos a preceito, muito antes da cerimónia
anunciados. A respetiva veracidade e conformidade com a realidade, são Abril, Manuel Geraldes. sede do consulado português. Edifícios que propriamente dita. Aqui está o Monumento
da integral e exclusiva responsabilidade dos anunciantes e agências ou
empresas publicitárias”. lembram o Restelo, mas implantados numa aos Combates de Julho de 1910. Uma refrega
02 06 2015. encosta. Museu Marítimo. Depois infletimos ente fuzileiros portugueses e alegados piratas
PORTE PAGO para o MGM, um dos grandes casinos (haverá chineses. O último ato imperial de uma
Apesar de a comunidade portuguesa ser cerca de 40, que rendem seis vezes mais monarquia agonizante. A China de hoje, im-
Ligue já 214 698 801
pouco numerosa numa população de 566 mil do que os casinos de Las Vegas). Visitamos pávida, limita-se a restaurar e conservar este
Dias úteis: 9h às 19h | Sábados: 9h às 17h

Vá a www.assinejá.pt almas (2013), o papel dos nossos compatrio- um grande projeto de Joana Vasconcelos, património “colonial”, sem revisionismo.
Assine o ou apoio.cliente.ip@impresa.pt tas na comunicação social regional (tanto em Valkyria-Octupus, que atrai peregrinações Descansamos na praia de Cheoc-Van.
1 ano 3 prestações x € 16,99* 30% desconto língua portuguesa, como também em ingle- de turistas e estudantes. De regresso ao Hotel, uma amena conver-
2 anos 6 prestações x € 14,56* 40% desconto
*Prestações mensais sem juros ,TAEG 0%
sa) é notável pela qualidade e intensidade. Ao final da tarde. Apresentação do meu sa com a minha colega Ana Cristina Alves,
Hoje tenho duas entrevistas marcadas, aqui livro Portugal na Queda da Europa, no da Universidade de Macau. Terminamos o
no hotel. Com o jornal Ponto Final (recolhida Clube Militar Naval, por convite da Livraria dia no Casino Sands, onde se realiza uma
pelo seu diretor, Marco Carvalho). E, quase Portuguesa de Macau. Tiago Pereira abre a excelente atuação da Companhia Clara
de seguida, com o jornal de língua ingle- breve cerimónia. O Embaixador Carlos Frota, Andermatt, no âmbito do Dia de Portugal.
sa: Macau Daily Times (jornalista Catarina atualmente Professor de Ciência Política e Breve troca de palavras com Sérgio Godinho,
Pinto). Relações Internacionais na Universidade que tem espetáculo marcado para dia 9.

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
debate-papo * 31
07 06 2015 CRÓNICA
Sai no DN, em Portugal, um artigo meu Jacinto Rêgo de Almeida
sobre a agonia grega, e o primeiro incumpri-
mento com os credores. Depois do pequeno-
-almoço, uma longa entrevista para o Hoje
Macau que saiu na edição de 12 de Junho).
Converso com o director, Carlos Morais José
e Leonor Sá Machado.
A Homossexualidade
de Serguei Eisenstein: uma ficção
Passeio com José Rocha Diniz e a sua jovem
esposa, Tuul, originária da Mongólia. Rocha
Diniz, proprietário e diretor do Jornal Tribuna
de Macau, é uma figura respeitadíssima na
RAEM. Sempre pronto a ajudar os jovens jor-

H
nalistas que aqui chegam. Em Taipa visitamos
a antiga Câmara Municipal, musealizada.
Passeamos pelas Casas-Museu de Taipa. Um
complexo de cinco moradias amplas, construí- á uma compreensível curiosidade sexual do clássico realizador russo (nascido na Letónia) e a
das em 1921. Em ambos os casos percebe-se que pela vida pessoal de importantes sua descoberta da homossexualidade com um guia turístico
as autoridades chinesas investem seriamente artistas e criadores que com as suas durante as filmagens de “Que viva México” (1931). O filme
na preservação não só da língua portuguesa. obras contribuíram para enriquecer inspira-se numa versão posta a circular pelo cineasta inglês
Mas também da sua memória arquitetónica e a vida de todos nós. que tem como base o fato de não existir uma biografia oficial
cultural. Os turistas, 99% da China Continental, Camões, Fernando Pessoa, de Eisenstein, o que o faz suspeitar de que o comportamento
visitam exposições sobre as regiões de Portugal. Cervantes, Kafka, Proust, Van ou a vida pessoal do realizador teria segredos que
Do Alentejo aos Açores. Almoço no grande Gogh, Conrad, Oscar Wilde, manchariam o prestígio do militante do Exército Vermelho
Casino Venetian, no restaurante “Porto Fino”. Orson Welles, Miguel Ângelo… desde 1918, membro do movimento de arte de vanguarda
Os dados são avassaladores: 4 000 suites. Mais têm sido objeto de investigações a respeito da sua vida russo, teatrólogo e importante cineasta do país que
de 20 000 empregados. O grupo é americano, íntima. Porque Fernando Pessoa não casou com Ofélia as autoridades não gostariam de revelar. Apenas isso,
mas o Casino de Macau é muito maior do que o Queiroz? Casado, teria escrito o que escreveu? Ele foi suspeitas de Peter Greenaway serviram de base a um filme
de Las Vegas. Posamos para uma foto ao lado de simpatizante do Estado Novo como defendeu Alfredo realizado pelo próprio e que o coloca na agenda cultural, da
uma família chinesa, a seu pedido. Margarido ou, ao contrário, foi um (discreto) crítico do controvérsia e do escândalo. Segundo informações sobre
É impossível estar em Macau sem abordar salazarismo? Kafka não casou com Felice para se dedicar a o filme exibido no último festival de cinema de Berlim, é
a questão dos casinos. Há 12 meses que os seus escrever a sua obra? E porque antes de morrer recomendou apresentada uma visão barroca e extravagante que retrata
lucros caem. A agência Bloomberg, dispa- ao seu editor a destruição de todos os originais não o cineasta russo como um bebé grande e histriónico que
ratadamente, comparou Macau à Grécia e à publicados? Há a versão de que Van Gogh teria cortado a se abre para a plenitude homossexual. A interpretação de
Ucrânia, pela queda abrupta do PIB. Mas, como sua orelha para a oferecer a uma prostituta por ocasião da Elmar Back no papel de Eisenstein e a sua sodomização
dizem os economistas regionais na impren- sua pintura “Os girassóis”. tendem ao grotesco, segundo os
sa, Macau não tem desemprego, nem dívida Apenas uma versão pouco críticos.
pública... Também na imprensa, Sonny Lo, conhecida. E o que dizer Com o filme “A greve” (1924),
director do Departamento de Ciências Sociais da austera vida amorosa de Serguei Eisenstein participou
do Instituto de Educação de Hong Kong explica Borges? E a respeito de Proust? ativamente da Revolução de 1917
que o governo da RAEM tem de compreen- E de Luis Buñuel? Há exceções, na Rússia e mostrou que arte e
der que a China tem 3 objetivos: a) combate à como Ernest Hemingway política podiam caminhar juntos.
corrupção, liderada pelo Presidente Xi Jinping; ou Picasso que por várias Foi pioneiro com “O couraçado
b) controlo da fuga de capitais; c) estímulo para razões têm a sua vida privada Potemkin”, uma das obras mais
a diversificação económica de Macau, trans- bastante conhecida. De Serguei importantes da história do
formando-o num centro turístico e cultural de Eisenstein pouco se sabe. cinema, por ele realizada quando
dimensão mundial. Mais um fator a contribuir E os grandes artistas tinha 27 anos, na afirmação do
para a aposta na marca portuguesa como fator que se sujeitaram a realizar cinema como expressão artística,
de diferenciação. Outro tema de atualidade é as suas obras a serviço de criou a “montagem intelectual ou
a proibição, para breve, do fumo nos casinos. grandes interesses políticos, didática” e influenciou gerações
Steve Wynn, um magnata do setor, encolhe os empresariais ou religiosos? de realizadores em todo o mundo.
ombros perante o inevitável. Prefere recordar Por medo? Por ambição? A convite da Paramount ou da
que enquanto em Las Vegas o imposto cobrado Por convicção? A arte MGM, dependendo da versão,
sobre as receitas brutas do jogo é de 8%, em sempre serve a alguém. esteve nos E.U.A. para realizar um


Macau ele é de 39%! Os escritores, artistas e filme baseado no livro “A tragédia
realizadores de cinema de americana” de Thedore Dreiser,
8 a 10 de Junho países ocupados pelo nazismo e lá tornou-se amigo de Charles
que procuraram refúgio Chaplin, Douglas Fairbanks e
Tiago Pereira concedeu a si próprio um dia de no continente americano Mary Pickford. Mas afastou-
férias para nos levar a Hong Kong. Tendo-o e muito contribuíram para “A informação selvagem, uma se de Hollywood para realizar
como cicerone experiente visitamos pontos tu- a cultura cinematográfica realidade da época em que vivemos, “Que viva México” a convite da
rísticos centrais, como o Peak. Que impressiona dos E.U.A. (por exemplo) produtora Upton Sinclair. No
pela beleza natural e paisagística. A 9 passamos e os que permaneceram conjugada com a da ficção – que país- latino-americano tornou-
o dia a veranear pela zona de Stanley. Praias e ao serviço do nacional- transforma uma história em realidade se amigo do casal Diego Rivera/
pequenas lojas. Massagens, para retemperar socialismo e serviram de base Frida Kaloh, mas o filme teve as
pernas fatigadas. Viajamos de barco para Tsim à sua eficiente propaganda
- têm o poder de criar verdades que filmagens interrompidas após dez
Sha Tsui. Às 20 podemos usufruir de um espe- são assunto de estudos e provavelmente nunca existiram” dias de trabalhos por problemas
táculo de som e cor, protagonizado por uma pesquisas por esse mundo de ordem financeira. Após a
espécie de confederação estética de grandes fora. A Capela Sistina realização do filme “Outubro”,
edifícios, mesmo na grande avenida em frente. pintada por Miguel Ângelo são bastante conhecidos os seus
Dia 10, dia de Portugal, é a data adequada para constitui uma extraordinária propaganda para o catolicismo conflitos com Stalin, que pretendia a todo o custo governar a
regressar à pátria. Estamos a verificar se não romano, afirmou o cineasta Peter Greenaway, que imaginação dos artistas. Casou em 1934 com Pera Atasheva
nos esquecemos de nada no quarto de hotel, conheci ocasionalmente, no Rio de Janeiro, por ocasião da com quem teve dois filhos, Julia e Mikhail. Morreu em 1948.
que fica bem no centro da cidade, em Wong apresentação de um filme de sua autoria, creio que “O livro Ao realizar uma obra de ficção sobre uma outra possível
Chuk Hang Road, quando lá fora, entre dois de cabeceira”, nos anos noventa do século passado. Tem um ficção, ambas criadas pelo cineasta inglês, as duas tornam-se
prédios de mais de trinta andares, vemos o estilo próprio pelo uso de elementos de arte renascentista e reais.
flutuar de uma rapina. Fotografo. Amplio. barroca na sua obra e realizou importantes filmes como “A A informação selvagem, uma realidade da época em que
Parece ser uma águia imperial asiática (Aquila barriga do arquiteto” (1987) e “O cozinheiro, o ladrão, sua vivemos, conjugada com a da ficção – que transforma uma
heliaca). Talvez não existam mais de vinte mil mulher e o amante” (1989). Era aqui que eu queria chegar. história em realidade - têm o poder de criar verdades que
destas criaturas em todo o planeta. Não poderia Foi anunciado que o próximo “Queer Lisboa”, em provavelmente nunca existiram.
existir mais auspicioso sinal nesta despedida Setembro, será encerrado com o ultimo filme de Greenaway, E isso é muito perigoso. É ignóbil. Serguei Eisenstein
asiática. JL “Eisenstein in Guanajuato”, uma ficção sobre a pulsão merecia descansar em paz.. JL

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
32 J jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

PARALAXE
Afonso Cruz

Comer uma maçã


e apontar para um serpente

H
á várias teorias tão resistentes ao acaso, aos terrores
sobre a queda naturais, aos acidentes de avião.
do Homem. Tentamos encontrar culpados, encontrar
Uma delas é a motivação, malícia. E faz sentido fazê-lo
soberba. Não é numa sociedade em que são os homens
a mais popular, a criá-la, numa sociedade em que somos
o sexo é sempre nós que ditamos as leis, em que erigimos
mais sedutor. edifícios, recompensas e castigos. Assim,
Mas a explicação devemos encontrar culpados, ainda que
da soberba tem a sua razão de ser. De um sismo seja um acontecimento difícil
repente, ao comer o fruto, conhecemos de enquadrar. Voltaire, referindo-se ao
o caroço, percebemos a semente. E, de terramoto de Lisboa, escandalizou-se
seguida, semeamos. Essa será talvez com o modo como a Natureza, em pleno
a maior mudança de paradigma da Século das Luzes, ainda se portava de um
sociedade. Antes vivíamos a agradecer modo tão bárbaro.
aos deuses, a Deus, à Natureza. Éramos Chuang Tsé tem uma história de um
nómadas e vivíamos do que nos era dado. pescador que, quando a maré faz com que
Dizíamos obrigado aos rios, às abelhas, outros barcos batam no seu, não reclama,
aos ventos. Mas um dia, ao trincar mas fá-lo se esses barcos baterem no seu
uma maçã, percebemos a função das quando conduzidos por outros homens.
sementes. Compreendemos que podemos No fundo, o resultado é o mesmo, mas
fazer nascer da terra a nossa própria num, não conseguimos encontrar
comida, que já não dependemos de responsáveis, enquanto noutro sabemos
fatores externos, de deuses ou Deus, que apontar os culpados e castigá-los. Os
podemos semear, que podemos cultivar nómadas não tinham esta noção de
nós próprios. Essa mudança é radical. castigo: o terramoto e a maçã pendurada
O homem já não precisa de Deus ou da na árvore pertenciam à mesma mãe. Mas
Natureza, já não tem de lhes agradecer. numa sociedade em que se desenvolveu
Agora é dono do mundo, dos peixes, dos muito a noção de livre-arbítrio e de
animais que aprendeu a domesticar (do culpa, há que encontrar motivos que não
mesmo modo que aprendeu a semear). sejam tão irracionais quanto a Natureza.
Domina a Natureza. Não é ela que lhe Por vezes, ficamos confusos no
dá de comer, é ele que faz com que ela que respeita a estas questões. Quando
o alimente, uma massa passiva que ele acontece um sismo, tentamos culpar o
trabalha com o seu suor. O mundo passa planeamento urbano, a falta de sistemas
a ser uma espécie de plasticina que de segurança, etc., mas na política,
moldamos como crianças, segundo a ignoramos os estragos, invocando a
nossa vontade. irracionalidade: os mercados nervosos,
Deixámos de agradecer à terra, as pressões externas… Não há culpado,
os rituais mudaram, tornaram- não há o rosto de alguém responsável.
se castigadores. Antes, a Natureza Nessas alturas, somos como povos
providenciava tudo, aos bons e aos nómadas que não culpam, limitam-se
maus, preguiçosos ou empreendedores, a recolher o que lhes dão, e a agradecer
mas depois, com o trabalho, com a ou a fazer sacrifícios aos deuses. E nós,
agricultura, é o esforço de cada um que acima de tudo, precisamos de coerência.


nos garante a comida. Se merecer, recebe, Ou bem que somos apenas recoletores ou
se não merecer, morrerá à fome. O Empírico devem as suas dúvidas ao facto caçadores e vivemos de agradecimentos
castigo e o dever e a justiça surgem como de alguém no Crescente Fértil se ter e rituais propiciatórios, ou somos, pelo
baluartes civilizacionais. O Homem não lembrado de colocar uma semente na menos em algumas questões, senhores
perde a crença no divino, mas Deus passa Deixámos de agradecer terra. do nosso destino e assumimos as nossas
falhas e exigimos que outros assumam as
a ser visto à luz da sociedade: torna-se Os rituais mudam, é claro, mas
uma espécie de juiz, que atua conforme o à terra, os rituais mudaram, mantêm algumas características suas. Adão, depois de comer o fruto e ser
nosso comportamento, age confundindo- tornaram-se castigadores. de outros tempos. A missa é um interrogado por Deus, apontou para Eva.
se com leis seculares, agraciando-nos ou agradecimento e eucaristia significa, E esta para a serpente. E se a serpente
castigando-nos de acordo com a nossa Antes, a Natureza literalmente, obrigado. Há quem tivesse alguém abaixo dela, seria para
atitude moral, dedicação, devoção e providenciava tudo, aos bons agradeça a Deus a comida que tem na onde apontaria.
trabalho. O Homem já não precisa do que mesa antes de a comer, como se ela Comemos uma maçã, já devíamos
a Natureza dá espontaneamente, porque e aos maus, preguiçosos tivesse caído dos céus em vez de ser saber onde está o caroço das coisas. J
cria, ele próprio, sem necessidades ou empreendedores, resultado do trabalho. Apesar destes
ulteriores. Deus verá a sua influência resquícios de uma sociedade nómada,
diminuir cada vez mais devido a esta mas depois, com o trabalho, tudo o resto está intimamente ligado às
mudança de paradigma. com a agricultura, é o esforço mãos de quem faz, à responsabilidade
Semear trigo fez nascer o livre- e à culpa, ao facto de sermos criadores
arbítrio. Ao plantar uma árvore, planta-
de cada um que nos garante e culpados por quase tudo o que nos
se também o ceticismo. Pirro e Sexto a comida acontece. E, por esse motivo, somos

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
Nº 220 * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015
Suplemento da edição nº 1171, ano XXXV,
do JL, Jor­­nal de Le­­tras, Ar­­tes e Ideias
com a colaboração do Camões, I.P.

Língua e literatura nos


40 anos das independências
Pág. 2/3

Festlip 2015
Pág. 3
MISTERMAN, ELMANO SANCHO

Pela memória Vasco Araújo PauloMonteiro


Exposição Condor de João Pina no MALBA no Luanda
na América do Sul Cartoon
Pág.4 Pág.4 Pág.4

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
2* jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

Língua e literatura nos 40 anos ascensão social, à educação e a um


emprego melhor, era precisamente o
A DIFERENÇA CULTURAL
Mas para esta especialista das litera-

das independências africanas


domínio da língua portuguesa. turas africanas de língua portuguesa,
É preciso ainda ter em conta, no processo que desemboca nos
no dizer da investigadora, que, no movimentos de libertação, «tudo
tempo colonial, «o português é uma começa um pouco pela inscrição da
língua essencialmente urbana», facto diferença cultural [ainda em finais do
importante em Angola, «cujos movi- século XIX, princípios do século XX]
mentos políticos [independentistas] que, a prazo, reclama a independência
A adoção do português como língua imperiais que circularam em África» são também eles essencialmente política». «Não é exatamente que não
oficial das antigas colónias africanas - o inglês, o francês e o árabe. «São urbanos», por oposição, por exemplo, era português, mas que era português
portuguesas no momento do seu processos muito semelhantes do ponto a Moçambique, em que parte dos mo- diferente, com a introdução de alguns
acesso à independência, em 1975, vista daquilo a que se chama a ‘apro- vimentos que confluem na FRELIMO vocábulos e até de línguas locais, para
jogou-se antes da independência for- priação’ da língua do colonizador», é eminentemente rural. depois se chegar àquele movimento
mal. A língua do colonizador foi a lín- uma expressão que esta doutorada «É uma grande oposição que emancipador», afirma.
gua escolhida para escrever «grande em Estudos Portugueses pelo King’s explica que, em Angola, mesmo no Dá como exemplo, na literatura
parte dos textos políticos e literários, College, Universidade de Londres, re- tempo colonial, e com a pobríssi- angolana, o caso de Luandino Vieira,
poéticos, jornalísticos que levaram jeita. «A língua não tem proprietário», ma escolarização das populações, o cujas personagens, habitando os
à consciencialização da situação de «é de quem a fala», diz. português se tenha de facto imposto espaços «do outro lado da linha da
subalternização que a colonização Várias outras razões explicam, de uma forma muito mais célere». cidade colonial, têm que falar um
impunha». É esse, em substância, segundo a investigadora, que «as Luanda, sublinha Margarida Calafate português diferenciado». A primeira
o ponto de partida da explicação de línguas de colonização se tornem lín- Ribeiro, «é a cidade mais antiga da prova desta literatura foi «mostrar,
FOTO LUSA / LUÍS FORRA 2001

Margarida Calafate Ribeiro para que o guas de emancipação». Em primeiro África Austral, 1575», cidade «no como Luandino Vieira mostrou,
português, «uma língua de opressão, lugar porque eram a língua da cultura, sentido romano do termo, capaz de como Chinua Achebe mostrou na
de colonização», se tenha tornado «a língua em que as pessoas eram criar a civitas, a cidadania». Nigéria, que pessoas de pele negra são
«uma língua de emancipação» e seja escolarizadas – as poucas que eram O português desempenhou ainda personagens, podem ser personagens,
hoje em dia idioma oficial de Angola, Pepetela escolarizadas», depois porque era a um papel importante não só nas têm vida para contar. Há um contexto
Cabo Verde e Moçambique, que língua do processo de assimilação – políticas de assimilação – ao fazer o que as identifica. Têm línguas para
declararam a independência há 40 «e nós sabemos bem que uma parte povoamento e misturar pessoas que falar». «A língua portuguesa tinha
anos, a que se soma a Guiné-Bissau, substancial dessa primeira consciên- falavam línguas diferentes – mas na que ser descolonizada da língua do
que proclamara essa independência Exemplifica com a lendária cia nativista vem justamente do grupo própria guerra colonial/guerra de li- colonizador para ser representativa
em 1973 nas matas de Madina do Boé, viagem de Samora Machel, primeiro dos assimilados» – e ainda porque era bertação, porque nos dois campos «as dos outros de Luanda, daqueles que
e Timor-Leste, brevemente indepen- Presidente de Moçambique indepen- a língua da «ordem, que é o direito, e pessoas tinham de se entender entre si se chamavam, nos tempos coloniais,
dente em 1975, e que está a reintrodu- dente, «do Rovuma ao Maputo», isto da religião institucional, pela qual as numa língua». ‘os outros de Luanda’», explica
zir o português, depois de se libertar é, desde a Tanzânia à antiga Lourenço pessoas também querem, de alguma Margarida Calafate Ribeiro. «O que
em 2002 da anexação indonésia. Marques, depois do acordo de paz de forma, serem reconhecidas». é importante de facto nestes projetos
Essa transformação do português Lusaca, pontuada nas suas etapas por De entre estes fatores, a investiga- é que o literário é político. E é nessa
em língua emancipadora, a partir das enormes comícios em que discursou dora do CES sublinha a importância do não-disjunção que se cria a estética
independências - que permitiu o seu em português. Samora Machel «sabia «mecanismo da assimilação», presen- destas literaturas».
«grande salto» naqueles países, «até perfeitamente (…) que ninguém o te nos colonialismos português e fran- «Ora inscrever essa diferen-
em termos do número de falantes» estava a entender, mas politica- cês, mecanismo esse que considera ça no tecido literário (…) torna de
-, resultou de «uma atitude políti- mente aquilo era uma afirmação «extremamente perverso», porque, facto a língua portuguesa língua de
ca inicial de construção da nação» absolutamente necessária para que com ele, «o colonizador acredita que o emancipação», considera Margarida
por parte dos dirigentes africanos, as micro-nações que compunham outro quer ser como nós, e o outro, no Calafate Ribeiro, que acrescenta: «há
afirma a investigadora no Centro de Moçambique se constituíssem como seu processo de lenta alienação, quer um processo funcional das pessoas
Estudos Sociais (CES) da Universidade Estado-nação moçambicano». ser como o colonizador, mas a perver- se entenderem, de produzirem os

FOTO LUSA / JOÃO ABREU DE


de Coimbra, docente nos programas sidade é que quem promove a assimi- documentos políticos, mas depois há
de doutoramento daquele centro e O PAPEL DA ASSIMILAÇÃO lação sabe que o colonizado nunca lá também um processo que tem a ver
responsável pela Cátedra Camões, I.P./ Margarida Calafate Ribeiro sublinha chegará». Nas colónias portuguesas, com uma certa apropriação estética
Eduardo Lourenço na Universidade de que o caso do português não é «iné- uma das exigências do estatuto do as- da língua - ‘eu também falo portu-
Bolonha. dito». «Faz parte de todas as línguas similado, que dava acesso a uma certa Manuel Rui guês’ -, que passa por muitas coisas,

Exclusão, inclusão
Aliás, as línguas nacionais não A influência das línguas nacio-
estão excluídas da vida social e nais sente-se assim na literatura es-
cultural. Em Moçambique, refere a crita em português. Quando «lemos

e inscrição investigadora, há estabelecimentos


de ensino em que o início da esco-
larização é feito em duas línguas, o
Ungulani Ba Ka Khosa [escritor
moçambicano], vemos que há ali
quase uma tradução para portu-
português e outra língua nacional, guês, não só em termos do imagi-
precisamente para que a progres- nário, da cosmogonia, mas também
são escolar seja mais célere. Foram da própria língua. O trabalho que
Uma das questões mais debati- «Valorizar o ronga, o changana também produzidos manuais de Luandino Vieira e Mia Couto fazem
das sobre a língua portuguesa nos [línguas do sul de Moçambique] matemática e ciências em línguas em relação à língua portuguesa
países africanos que a têm como ou outra língua nacional criaria nacionais. também tem essa plasticidade». Ou
idioma oficial é a das exclusões que mecanismos de exclusão muito A ausência de uma desenvolvi- pensarmos na interrogação poética
ela pode criar, seja no ensino seja complexos», porque «implica com da literatura em línguas nacionais lançada por Odete Semedo, “Em
FOTO LUSA / ALFREDO CUNHA 1987

na administração do Estado, por um tecido local que corresponde a explica-se, segundo a investigadora que lingua escrever?”
não ser a língua materna de largos território, língua e etnia». «É um do CES, pelo facto de, quando a ex- A investigadora defende aliás
setores populacionais. colete-de-forças muito comple- -colónias portuguesas ascenderam que há uma «herança dupla»
Para Margarida Calafate Ribeiro, xo e ainda hoje vemos isso», diz a à independência, o debate sobre destas literaturas, resultado da
titular da cátedra «é óbvio» que, investigadora do Centro de Estudos essa questão «já estar feito do ponto «inscrição de outras nações»,
sendo a língua «poder e conheci- Sociais da Universidade de Coimbra, político» (v. texto principal). Luandino Vieira e Alda Espírito Santo que se exprimem também nos
mento», a utilização do português que refere as polémicas que surgem Margarida Calafate Ribeiro, revivalismos culturais bantos.
cria «mecanismos de exclusão». quanto à etnia dos protagonistas que publicou entre várias obras, «uma cultura e uma literatura Essa herança, diz, «é escrita, que é
Mas a escolha de outra língua políticos sempre que há eleições. um livro sobre as literaturas da muito oral». Aliás, relativamente veiculada em português e se torna
nacional também criaria «meca- No entanto, para Margarida Guiné-Bissau em português, com à língua, «uma das grandes armas instrumento de comunicação, e
nismos de exclusão muito comple- Calafate Ribeiro, «se o sistema de Odete Semedo, atual ministra da que o colonizador leva é a escrita», oralidade». Por isso, ler em voz alta
xos», nomeadamente em Angola ensino e o sistema de desenvolvi- Educação daquele país, diz que as considera. «Esse confronto entre as obras de Boaventura Cardoso,
e Moçambique, onde na indepen- mento funcionarem serão criados os autoras tiveram consciência de a escrita e a oralidade dá também, Manuel Rui, Odete Semedo, ou
dência foi feita a opção de escolher mecanismos de inclusão e de acesso haver «outros universos literá- sem exotismos, essa originalidade mesmo Luandino Vieira, «às vezes
o português como língua oficial. a um outro mundo». rios», porque a Guiné-Bissau possui das literaturas africanas». faz mais sentido». A reminiscência

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
J 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt

* 3
pela língua, pela raça, pela religião,
no fundo por aquilo que nós podemos
que a representação de uma cidade
como Luanda é hoje muito diferente Manuela Soeiro homenageada Depois de criar em 2014 o portal
que disponibiliza em linha drama-
dizer que nos identifica, que define a
nossa identidade».
da que foi dada pela literatura colonial
ou até por Luandino Vieira, António no Festlip 2015 turgia dos nove países de língua
portuguesa (www.portaldlip.com),
O facto de alguns de esses autores Cardoso e António Jacinto. «A repre- o Festlip «dá início este ano a um
serem brancos - que sobretudo clan- sentação de Luanda é muito diferente, intercâmbio de produção teatral e
destinamente participaram no movi- porque a população mudou imensa- um concurso internacional de poe-
mento de libertação - não lhes retira mente com a guerra, tornou-se um sia, na tentativa de reforçar ainda
a qualidade de africanos. «Como lugar de refúgio para imensas pessoas. mais os laços entre essas nações
dizem os sul-africanos: born in Africa. É uma cidade africana completamente irmãs», declarou Tânia Pires, idea-
Portanto, são africanos. São africanos sobrelotada, em que, por exemplo, lizadora do festival, que contabiliza
brancos. sintetiza a investigadora. Os essa literatura do musseque implodiu desde a sua primeira edição um
protagonistas dessa literatura, refere, de alguma maneira». «Hoje em dia, público de mais de 250 mil pessoas.
são assim «essencialmente brancos, aquilo que poderia descrever melhor Três outros eventos pontuam
mestiços e alguns negros, no início». a cidade de Luanda, que vai desde um ainda o Festlip na sua ‘vitrine
Uma abordagem que apresenta simi- Pepetela aos novos poetas, é aquela cultural’. São eles a palestra do
litudes com a que o escritor nigeriano mobilidade, aquela gente toda em escritor português Hugo Cruz, que
Chinua Achebe teve no debate sobre trânsito, um trânsito que não anda, lança o livro Arte e Comunidade,
se os autores africanos deviam escre- numa coisa que não funciona, mas sobre a importância dos projetos
ver em inglês ou nas línguas nativas, em que toda a gente mais ou menos se artísticos comunitários, a oficina
nacionais, ao considerar que quando safa e, sobretudo, em que toda a gente teatral O Teatro da língua portugue-
escrevia em inglês, a língua inglesa era mais ou menos encontra, apesar de sa sem a quarta parede, conduzida
africana. tudo, um lugar. Ora isso são mudanças pelo encenador angolano José
muito grandes». Mena Abrantes com a presença
A mudança também esteve «nos dos grupos participantes e aberta
grandes projetos literários, de um a jovens atores e estudantes de
Pepetela, de um Manuel Rui», que MutumbelaGogo OsmeninosdeNinguém teatro, e a palestra e oficina do en-
pretenderam criar, não já a nação, cenador Carlos Pessoa com o tema
mas «um Estado pela cultura». Isso Audiovisual nos palcos.
FOTO LUSA ANTÓNIO SILVA 2015

reflete-se na própria biografia dos au- Mas o foco do festival estará


tores, envolvidos em projetos culturais Depois do português João Mota na homenagem aos 40 anos de
de cariz institucional, e na criação em 2014, o Festlip – Festival carreira da atriz e encenadora
de uma historiografia pela literatura. Internacional de Teatro da Língua moçambicana Manuela Soeiro,
A investigadora aponta o projeto do Portuguesa homenageia na sua «um dos grandes nomes do teatro
Mia Couto angolano Pepetela, quando este cria e edição de 2015, que decorre de 26 de Moçambique». Segundo a
revisita mitos fundacionais em Muana de agosto a 6 de setembro no Rio nota do Festlip, Manuela Soeiro,
Puó [1978], fala da história da cidade de Janeiro, a encenadora moçam- fundadora do grupo teatral
de Luanda, da ocupação dos holan- bicana Manuela Soeiro, funda- Mutumbela Gogo, «produziu
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE deses e da resistência em A Gloriosa dora em 1986 do grupo teatral mais de 60 peças, entre inéditas e
Muita coisa mudou entretanto nas lite- Família [1997 e, depois, escreve Yaka Mutumbela Gogo. Manuela Soeiro clássicos de Shakespeare, Ibsen,
raturas de língua portuguesa dos países [1985], grande romance desde os O programa dos 11 dias do Dario Fo, Aristófanes, entre outros,
africanos, que tiveram inicialmente tempos da colonização até à indepen- festival compreende espetáculos, apresentando-se em países como
«um papel importante na formação dência, e Geração da Utopia [1992] em mostra gourmet, oficinas, pales- África do Sul, Alemanha, Suécia,
da consciência nacional e na constru- homenagem à Casa dos Estudantes do tras, um encontro cultural, uma Portugal, França, Espanha, Índia,
ção da nação, e mais tarde do próprio Império e à geração que fez a luta pels exposição audiovisual de poesia em Argentina e Brasil». No Festlip,
Estado,pela cultura». E essa mudança independência. «A literatura africana homenagem aos 450 anos do Rio seu grupo apresenta Os meninos de
decorre, segundo a professora da pós-independência (…) é uma litera- de Janeiro e um novo projeto de ninguém, de Manuela Soeiro, Mia
Universidade de Bolonha, da mudança tura à espera da História». intercâmbio teatral com Portugal, Couto e Henning Mankell, «sobre
do contexto, seguindo o princípio de país que está representado com a persistência do sonho ante a dura
que «os textos refletem contextos». duas peças nas oito produções tea- realidade das crianças vítimas da
Margarida Calafate Ribeiro sublinha trais de seis países – Angola, Brasil, guerra e da miséria nas ruas de
Cabo Verde, Galiza (Espanha), Moçambique».
Moçambique e Portugal – apre- De Angola vêm ao festival as
sentadas pelo Festlip, segundo a companhias Kulonga, com a peça
das oralidades está de alguma nota da assessoria de imprensa dos Filhos da Pátria, escrita e encenada
forma registada no tecido textual. organizadores do festival, a Talu por Afonso Dinis, e os veteranos
E depois, afirma, «há toda uma Produções, da atriz e produtora do Elinga Teatro, com o espetáculo
maneira de estar, (…) uma duplici- brasileira Tânia Pires. As Bondosas, texto do brasileiro
dade [que] é sempre perturbadora Portugal, com o apoio do Ueliton Rocon, com encenação de
FOTO LUSA / CRISTINA FERNANDES 1987

para os cartesianos, mas que nestas Camões, I.P. e o patrocínio insti- Teatro da Garagem. Finge José Mena Abrantes. O Brasil está
literaturas e nestas expressões cultu- tucional da Embaixada portuguesa representado pelo Teatro Luna
rais não é, porque começa por uma em Brasília, estará representado Lunera, com a peça Aqueles Dois,
coisa: a maioria das pessoas é ge- por Misterman, uma peça do autor criação e encenação da própria
nuinamente bilingue». «Isso é uma irlandês Enda Walsh, apresenta- do Festlip – com atores de Angola, companhia, enquanto Cabo Verde
das coisas que se vê nas literaturas, da pelo encenador e ator Elmano Brasil, Cabo Verde, Moçambique traz o texto Adão e Eva, de Mário
a duplicidade da personagem, que Boaventura Cardoso Sancho (Premio de Melhor Ator e Portugal –, coproduzido pelo Lúcio Sousa, encenado por João
é perfeitamente ocidental, mas que de Teatro 2014 da Sociedade festival e pelo Teatro de Garagem, é Paulo Brito com a companhia
depois tem muitas outras formas de Portuguesa de Autores com este «o início do processo de intercâm- Sikinada, criada em 2005 na
ver e de olhar e de se relacionar». trabalho), e por Finge, um texto de bio e parceira artística, abrindo o Cidade da Praia.
Margarida Calafate Ribeiro faz Carlos J. Pessoa, que é também o mercado de trabalho para os países A Galiza marca presença pela
mesmo o elogio do bilinguismo responsável pela encenação levada participantes, além de permitir segunda vez no Festlip, represen-
africano. «A maioria dos africanos à cena no Rio de Janeiro pelo Teatro a reflexão a respeito da produção tada este ano pelo ator, músico e
(…) são absolutamente bilingues. O da Garagem, que já esteve presente teatral no contexto internacional». encenador Borja Fernández, que
bilinguismo é inerente ao africano. É na edição de 2013 do Festlip. Para celebrar os 450 anos do apresenta a peça Barbazul, sob a
muito comum [os africanos] falarem No âmbito do III Encontro Rio de Jjaneiro, o Festlip promoveu direção de Marta Pazos, dividindo
o inglês (o português, o francês) e Cultural de Língua Portuguesa, pela primeira vez um concurso de o palco, a autoria do texto e a ban-
a língua da cidade, ou a sua língua Carlos J. Pessoa tem também a seu poesia, aberto a todos os países de da sonora com Mónica de Nut.
FOTO LUSA ANTÓNIO SILVA 2013

materna, de origem, dependendo cargo a primeira oficina ‘A Falar língua portuguesa, com temática Música dos países de lín-
de onde as pessoas são. Isto é uma que a Gente se Entende’, cujo sobre a cidade. Durante o festival, gua portuguesa no Festlipshow,
riqueza muito grande, porque uma intuito é «promover a economia os melhores textos serão apresen- oficinas destinadas às crianças e
língua dá-nos outra forma de ver o criativa». A nota de imprensa ex- tados numa exposição audiovisual, uma festa gourmet com sabores de
mundo, é um património único que plica que a oficina, que dará origem interpretados por atores cariocas, Moçambique completam a progra-
levamos para todo o lado». Ungulani Ba Kha Khossa a um espetáculo na próxima edição refere a nota. mação.

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
4* jornaldeletras.sapo.pt * 19 de agosto a 1 de setembro de 2015 J

O poder visto por Vasco Araújo


no MALBA de Buenos Aires
A exposição Condor de João Pina trabalho aqui. Depois de em 2014 o
ter mostrado em São Paulo e Rio de

Uma mostra de vídeos do artista


Pela memória Janeiro, a continuação natural, se-
ria encontrar museus nos restantes
países envolvidos no Condor para
plástico Vasco Araújo (Lisboa,
que este possa ser mostrado nestes
1975), realizados entre 2001 e 2014
e selecionados sob o tema ‘relatos países. São todos museus que eu já
do poder’, vai ter lugar de 27 de conhecia, e tanto por convite como
agosto a 6 de setembro no MALBA por proposta minha, acabaram
Vasco Araújo Mulheres d’Apollo. - Museo de Arte Contemporanea por se conseguir montar estas três
Portugal. 2010. 18’24” Latinoamericana de Buenos Aires. exposições até ao final do ano», diz
Segundo uma nota imprensa João Pina.
da exposição Potestad, com curadoria da portuguesa Maria João Machado, os No texto de apresentação do
vídeos refletem «um tema central» na obra de Vasco Araújo, cruzando «re- curador da exposição, o brasileiro
ferências contemporâneas com as grandes narrativas e temáticas da cultura Diógenes Moura escreve que «foi
clássica e refletindo sobre questões políticas universais. depois de fotografar 25 ex-presos
«Vasco Araújo estruturou o seu discurso através de uma forma particular políticos portugueses, em 2005,
de desconstrução e reconstrução dos códigos sociais, o que lhe permite que o fotógrafo João Pina passou a
observar os vínculos do indivíduo com o mundo a partir de novas perspetivas. conhecer e pesquisar a Operação
As relações de poder, a competência do corpo e da voz (inclusive a do própio
Condor, desenvolvida nos 6 países
artista, que pratica canto lírico), a gestualidade, a linguagem e as formas sociais
«sob o regime da ditadura militar
estabelecidas são repensadas através de una poética muito representativa».
A mostra, inaugurada com Duettino (2001) compreende a projeção de de extrema-direita», com a «in-
Hipólito (2003), O Jardim (2005), About Being Different (2007), Mulheres d’Apolo tenção de fazer calar os que pensa-
(2010), Augusta (2008), Impero (2010), O Percurso (2009) e Retrato (2014). vam de ‘outra maneira’». «Foram
Vasco Araújo licenciou-se em Escultura, em 1999, pela Escola de Belas Artes da presos, torturados e assassinados.
Universidade de Lisboa. Em 2000 completou o curso avançado de artes visuais Muitos deles continuam ‘desapa-
da Maumaus, em Lisboa. Desde então, participou em mostras individuais recidos’, suas famílias devastadas
e coletivas em Portugal e no exterior e em diversas residências artísticas. e nós, que aqui estamos, somos
Em 2003 recebeu o Prémio EDP Novos Artistas. Publicado em vários livros e vítimas desses mesmos crimes,
catálogos, o trabalho de Vasco Araújo está representado em coleções públicas porque essa ausência não pertence
e privadas portuguesas e internacionais. apenas aos que estão ‘do lado de
lá’: não podemos continuar a ser
Paulo Monteiro no Luanda Cartoon indiferentes a um passado como
se ele não fizesse parte da nossa
Paulo Monteiro (Vila Nova de Gaia, 1967) realidade e do nosso futuro».
é o autor de BD português em destaque João Pina Condor, 2014 Antigosmilitaresescondemosseusrostosaofotógrafo A lente de João Pina, segundo
na edição de 2015 do Luanda Cartoon, o duranteumasessãodoseujulgamento, durante o qual são acusados pelo Estado o curador, «funcionou como um
tradicional Festival Internacional Banda argentino de crimes contra a Humanidade na última ditadura de 1976 a 1983. olho a observar os efeitos que esse
Desenhada e Animação da capital angolana, Bahia Blanca, Argentina, fevereiro de 2012 longo período da ditadura provo-
este ano entre 12 e 28 de agosto, e que tem
cou em nossa sociedade, em alguns
como palcos a Mediateca da cidade e o
sobreviventes e nos familiares
Centro Cultural Português/Camões, I.P.
O também diretor da Bedeteca de
que convivem todos os dias com
Beja leva ao Luanda Cartoon, segundo É uma verdadeira luta pela «O plano, aplicado durante mais os profundos traumas, (…) que
declarou, «algumas pranchas das bandas memória, aquela que a exposição de 3 anos, resultou nas ‘execu- transformaram a vida de várias
desenhadas do livro O Amor Infinito que do fotógrafo português João Pina ções extrajudiciais’ de pelo menos gerações». E, falando das imagens,
te tenho [na ilustração]», que descreve protagoniza e que agora prossegue 60.000 pessoas, na sua maioria diz que todas elas «funcionam
como características do seu trabalho - (quase que se diria) ‘naturalmente’ jovens de esquerda, inspirados pela como um grito parado no ar».
Paulo Monteiro «um trabalho intimista, ligado à vida do a sua ronda pela América do Sul em revolução cubana», muitos dos João Pina, que publicou o seu
Prancha da história quotidiano e às minhas memórias». mais 3 países. quais ‘desapareceram’. primeiro livro (Por teu livre pensa-
Porque este é o meu ofício
Paulo Monteiro, licenciado em Letras e que Condor, o nome da exposição Depois de ter sido mostrada em mento) em 2007, com as histórias
estudou Pintura e Cenografia para Teatro, transporta consigo «algumas pu- do fotógrafo nascido em Lisboa em 2014 no Brasil, as 74 fotografias de 25 antigos presos políticos
blicações do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja», que tentará 1980 e que passou «a maior parte (que deram origem a um livro) e foi por isso premiado com o
dar a conhecer ao público angolano, esperando trazer de volta «muitas novi- dos últimos 10 anos a trabalhar são agora levadas ao Centro de Leão de Ouro do Cannes Lions
dades» de Luanda para partilhar na instituição de cuja direção faz parte desde na América Latina», evoca, pelas Fotografia, de Montevideu (27 de International Festival of Creativity,
2005, ano em que se começou a «dedicar essencialmente à banda desenhada,
imagens próprias ou recolhidas e agosto a 11 de outubro), ao Museu em 2011, tem diversos galardões
como autor», publicando bandas desenhadas curtas em fanzines e revistas.
tratadas, a operação secreta que, de la Memoria y de los Derechos internacionais e trabalhos pu-
«É uma oportunidade maravilhosa para ficarmos a saber melhor o que se
passa nos nossos dois países, no que concerne a esta arte incrível que é a BD»,
em 1975, no auge da ‘guerra fria’, Humanos, de Santiago do Chile blicados no The New York Times,
diz Paulo Monteiro, que lamenta conhecer relativamente mal a BD angolana. os militares da Argentina, Bolívia, (9 de setembro a 5 de dezembro), The New Yorker, Time Magazine,
Os autores de BD angolanos que conhece são sobretudo aqueles que são Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai, e ao Parque de la Memoria, de Newsweek, Stern, GEO, El Pais
publicados pelo fanzine BDLP – Banda Desenhada de Língua Portuguesa, levaram a cabo, «destinada a Buenos Aires (28 de novembro a Semanal, La Vanguardia Magazine,
«um projeto absolutamente fantástico» -, cujo editor, João Mascarenhas, lhe eliminar os opositores políticos, março de 2016), com o apoio do D Magazine, Io Donna, Days Japan,
apresentou no AmadoraBD os organizadores do Luanda Cartoon, Lindomar usando recursos comuns, trocando Camões, I.P. Expresso e Visão, entre outros
de Sousa e Olímpio de Sousa, que agora o convidaram a participar no informação, presos e técnicas de «As exposições aconteceram órgãos de imprensa. O seu trabalho
festival angolano. «O que salta à vista é a quantidade de autores e de estilos tortura», segundo se lê na nota devido ao foco do trabalho ser foi mostrado em Nova Iorque,
diferenciados que abundam na BD angolana», de apresentação da exposição na precisamente a América do Sul. Tóquio, Rio de Janeiro, São Paulo,
Durante o Luanda Cartoon, que tem na programação uma exposição página na internet de João Pina. Logo, pareceu-me natural expor o Lisboa, Porto e Perpignan.
central de banda desenhada e um ciclo de cinema de animação, Paulo
Monteiro vai ainda ministrar diversas oficinas de trabalho sobre banda
desenhada, o que faz há muitos anos através da Bedeteca de Beja,
normalmente dirigidas aos mais novos.
«A ideia é fazer com que os ‘alunos’ escrevam/desenhem sobre um Camões no Mundo moria y de los Derechos Humanos, de Santiago
acontecimento importante nas suas vidas, sobre um dia especial, ou até Angola do Chile (9 de setembro a 5 de dezembro).
sobre o próprio dia em que frequentam a oficina. Isto para lhes dar a ideia Luanda Cartoon na Mediateca e Centro
de sequência, de acontecimento encadeado (…). Depois é só colocar tudo Cultural Português, até 28 de agosto. Brasil
no papel, com o equilíbrio indispensável entre texto e desenho (dando Festlip - Festival Internacional de Teatro da
Ca­­mões, I.P.
atenção a certas regras básicas: planificação e estudo de personagens; Argentina Língua Portuguesa, de 26 de agosto a 6 de Av. da Liberdade, n.º 270
legibilidade da letra; não repetir com o desenho o que se lê no texto e Potestad - exposição do artista plástico Vasco setembro, no Rio de Janeiro. 1250-149 Lisboa
vice-versa; ritmo de leitura; utilização de planos, etc., etc.). Os temas Araújo no MALBA de Buenos Aires, TEL. 351+213 109 100
serão escolhidos pelos alunos. O importante aqui é a ideia de sequência até 22 de agosto. Japão FAX. 351+213 143 987
que permite, em última análise, fazer uma banda desenhada». Apelo à Paz – Exposição de Arte Contemporâ- www.ins­­titu­­to-ca­­moes.pt
Paulo Monteiro publicou e o seu primeiro livro, O Amor Infinito…, em Uruguai/Chile nea Portugal e Japão, nos 70 anos do fim da jlencarte@camoes.mne.pt
2010, tendo a obra sido editada em 4 línguas, distribuída em 12 países e Condor – exposição do fotógrafo João Pina no II Guerra Mundial e do lançamento das PRE­­SI­­DEN­­TE Ana Paula Laborinho
ganho 4 prémios. Neste momento trabalha no seu segundo livro. Centro de Fotografia de Montevideu (27 de bombas atómicas sobre Nagasaki e Hiroshi-
COORDENAÇÃO Paula Saraiva
agosto a 11 de outubro), e no Museu de la Me- ma. Até 30 de agosto, em Nagasaki.
COLABORAÇÃO Carlos Lobato

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
| agenda Cultural |
19 de agosto a 1 de setembro 2015

Noites de Verão no MNaC


Concertos de música contemporânea no Jardim de Escultura com programação dos Filho Único. até 4 de setembro

aLCobaça bRagaNça CasCaIs


Mosteiro de santa Maria de alcobaça Centro de arte Centro Cultural de Cascais
Tel.: 262 505 120 Contemporânea graça Morais Av. Rei Humberto II de Itália. Tel.: 214 848 900
T ODOS OS DIAS , DAS 11 H ÀS 13 H E DAS 14 H ÀS 18 H 30 R. Abílio Beça, 105. Tel.: 273 302 410 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
E o Céu Desce à Terra 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H 30 E o Triunfo da ortodoxia:
até 31 de agosto E obras da Coleção antónio Cachola arte Russa do Museu grão Vasco
20 orquestras, 30 localidades, 100 concertos até 6 de setembro até 30 de agosto

aLMaDa E banquetes Improváveis


CaLDas Da RaINHa Exposição de pintura de Júlio Quaresma.
até 30 de agosto
Lagos Teatro Municipal Joaquim benite
E Transfigurações e Memórias
Av. Prof. Egas Moniz. Tel.: 212 739 360 Museu José Malhoa Exposição de artes plásticas de Matilde Marçal.
5 ª A S ÁB ., DAS 19 H ÀS 21 H 30; D OM ., DAS Parque D. Carlos I. Tel.: 262 831 984
Praça do Infante até 13 de setembro
15 H ÀS 19 H 30. E M DIAS DE ESPETÁCULO 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 19 H
Comemoração da Conquista A GALERIA ESTÁ ABERTA A PARTIR DAS 19 H
de Ceuta a 21 de agosto de 1415 E Desenhos
E Vitapop Palácio da Cidadela
Mostra de trabalhos de contexto pedagógicos
Pela Orquestra Sinfónica Exposição de pintura de pedro Almeida. 4ª a Dom., das 14h às 20h
da ESAD.cr realizados no âmbito da licenciatura
da Academia de Música de Lagos. até 11 de outubro E Visitas Espetaculares: Pintores
em Artes Plásticas (ano letivo 2014-2015).
Jorge Salgueiro – direção. e arquitetos nos Palcos Portugueses
até 30 de agosto
António Fonseca – ator. até 30 de agosto
João Pedro Cunha – concertino. aVEIRo E Desenho, Pintura,
Programa: Jorge Salgueiro, Escultura e Cerâmica dos
Sinfonia n.º 3 Dos Lusíadas, op. 162. Teatro aveirense séculos XIX e XX em Portugal CoIMbRa
21 de agosto – 21h30 R. de Belém Pará. Tel.: 234 379 800 até 31 de dezembro
Uma Viagem Mediterrânica D XXI Estágio de Dança E Projeto MatrizMalhoa – Museu da Ciência - Laboratorio Chimico.
Pela Orquestra Clássica do Sul, sob Direção artística: Vo’ Arte. Museu.Cidade.arte Lg. Marquês de Pombal. Tel.: 239 85 43 50
a direção de John Avery e a participação 1 a 5 de setembro até 28 de abril 2016 3 ª D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
de Carlos Guilherme (tenor). E Visões. o Interior do olho Humano
Programa: Árias de ópera. Museu de aveiro Monte do Índio até 4 de outubro
22 de agosto – 22h Av. de Santa Joana. Tel.: 234 423 297 M XXIII Festival sete sóis
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 17 H 30 sete Luas: Korrontzi (País basco) Museu Nacional de
VaLPaços E Reservas do Museu de aveiro
até 31 de dezembro
28 de agosto – 21h30 Machado de Castro
Lg. Dr. José Rodrigues. Tel.: 239 853 070
3ª D OM ., 10 H 18 H
CaLDas RaINHa
A DAS ÀS
Praça da República Da E Escrita Íntima: Cartas e Desenhos
Música para Contar Histórias baTaLHa Mostra de correspondência trocada
Pela Orquestra do Norte, Museu José Malhoa entre Arpad Szenes e Vieira da Silva.
sob a direção de José Ferreira Lobo. Mosteiro da batalha Parque D. Carlos I. Tel.: 262 831 984 até 17 de setembro
Programa: Peer Gynt e outras histórias Lg. Infante D. Henrique. Tel.: 244 765 497 P Descobrir o Museu
21 de agosto – 21h30 T ODOS OS DIAS , DAS 9H 18 H através dos Contos Tradicionais
ELVas
ÀS

E Lugares de oração Oficinas pedagógicas destinadas a


VILa NoVa no Mosteiro da batalha
até 4 de outubro
crianças dos 3 aos 5 anos. Marcação prévia.
até 31 de dezembro Praça da República
Foz Côa M XXIII Festival sete sóis sete Luas:
Jesus Helmo Cortés (andaluzia)
Museu do Côa
bRaga 22 de agosto – 22h
Noites de Ópera no Douro
Museu D. Diogo de sousa
Pela Orquestra do Norte,
com direção de José Ferreira Lobo. R. dos Bombeiros Voluntários. Tel.: 253 273 706 EsToRIL
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 17 H 30
Programa a anunciar. Casino Estoril
22 de agosto – 21h30 E No Museu acontece 2014-2015
até setembro Av. Dr. Stanley Ho. Tel.: 214 667 700
T a Noite das Mil Estrelas
VILaMoURa Theatro Circo De Filipe la Féria. Interpretação
Av. da Liberdade, 697. Tel.: 253 203 800 de Alexandra, Gonçalo Salgueiro,
Museu Cerro da Villa 3ª A 6ª, DAS 14 H 30 ÀS 18 H 30 Pedro Bargado, Vanessa, Rui Andrade,
E o Theatro e a Cidade David Ripado, entre outros.
Uma Viagem Mediterrânica
5ª E 6 ª , 21 H 30; S ÁB ., ÀS 17 H E 21 H 30; D OM ., ÀS 17 H
Pela Orquestra Clássica do Sul, sob Exposição de fotografia do legado do Theatro Circo.
até 31 de outubro
a direção de John Avery e a participação até 21 de agosto
de Carlos Guilherme (tenor). M Real Combo Lisbonense
Programa: Árias de ópera. 21 de agosto – 22h ÉVoRa
21 de agosto – 22h M Linda Martini
28 de agosto – 22h Museu de Évora
informações em T Capucha Vermelha Lg. Conde de Vila Flor. Tel.: 266 702 604
www.estacaodasorquestras.pt Encenação e interpretação de Filipa Mesquita. a Nove 5 as de Cinema no Museu
Produção Teatro e Marionetas de Mandrágora. 5ª, ÀS 22 H
19 de agosto – 11h Museu Nacional de Machado de Castro até 27 de agosto

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

Galeria da Casa de Burgos


R. de Burgos, 5. Tel.: 266 769 450
Teatro Lethes
R. de Portugal. Tel.: 289 878 908
GUIMARÃES E “Onde os Nossos Livros
se Acabam, Ali Começam os
E A Possível História das Marionetas - T Nossa Senhora da Açoteia Centro Internacional Seus...”: O Japão em Fontes
Coleção e Investigação de Manuel Costa Dias Texto de Luís Campião. Encenação Documentais dos Séculos XVI e XVII
das Artes José de Guimarães
até 10 de setembro e interpretação de Luís Vicente. até 15 de outubro
6ª E s áB ., às 22 h
Tel. (info.): 253 424700
3ª a D om ., às 10 h às 19 h
Museu de Évora 21 a 29 de agosto
E Demasiado Pouco, Demasiado Tarde Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves
Lg. Conde de Vila Flor. Tel.: 266 702 604 av. 5 de outubro. Tel.: 213 540 823
mostra de trabalhos de Vasco araújo.
3ª a D om ., Das

E Nascido na República.
10 h às 18 h
F IGUEIRÓ DOS V INHOS até 27 de setembro E Imagens de um Mundo Flutuante
E Suites Monumentais e Algumas Variações mostra de estampas, livros e
100 Anos do Museu de Évora álbuns da coleção Paul Ugo Thiran.
até 4 de outubro Museu e Centro de Artes Exposição de pintura de José de Guimarães.
av. José malhoa. Tel.: 236 552 195 até 27 de setembro até 23 de agosto
E Curiosidades de D. Frei Manuel do Cenáculo 3ª a D om ., Das 10 h às 12 h 30 E Das 14 h às 18 h
até 31 de dezembro Centro Cultural de Belém
E Os Caminhos do Palacete S. Tiago
Naturalismo em Figueiró Tel.: 253 423 910 Pç. do Império. Tel.: 213 612 400
Fundação Eugénio de Almeida 2 ª a 6 ª , Das 8 h às 20 h ;
Páteo de são miguel. Tel.: 266 748 300 dos Vinhos. Casos e Mistérios 3ª a sáb., das 10h às 24h
s áB ., D om . E F ERIaDos , Das 10 h às 18 h
E O Museu a Haver até 30 de outubro E Desde o Começo Não Há Nada /
E Vis-à-Vis: Nuno Cera (2015)
até 6 de setembro Since the Start There Is Nothing
até 13 de setembro
mostra do artista vimaranense avelino sá.
Torre do Salvador
GUARDA até 29 de agosto
Culturgest
Tel. (info.): 266 769 450 R. arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155
Museu da Guarda
E Reciclar, Reutilizar, Repensar R. General alves Roçadas, 30. Tel.: 271 213 460 LEIRIA E Honey, I Rearranged
até 26 de setembro 3ª a D om ., Das 10 h às 19 h the Collection... by Artist:
E Arte Portuguesa dos m|i|m|o - Museu da Cartazes da Coleção Lempert
FARO Séculos XIX e XX: Retrato, Arte em Movimento (capítulo 1 / 2.ª parte)
Paisagem, Mobiliário e Escultura Lg. de s. Pedro. Tel.: 244 839 675 até 13 de setembro
Teatro das Figuras exposição permanente 2ª a6 ª , Das 10 h às 13 h E Das 14 h
horta das Figuras, E. N. 125. Tel.: 289 888 100 E Museu da Guarda: às 17 h 30; s áB ., Das 14 h às 17 h 30
Fundação Arpad Szènes - Vieira da Silva
T Nilton ao Vivo Coleção de Armaria E 40 Anos – 4 Fotógrafos: Pç. das amoreiras, 58. Tel: 213 880 044
28 de agosto – 21h30 até 31 de dezembro Moçambique em Foco 3ª a Dom .. Das 10 h às 18 h ; ENCERRa 2ª E FERIaDos
até 22 de agosto E A Linha do Espaço
até 20 de setembro
Teatro José Lúcio da Silva
av. heróis de angola. Tel.: 244 834 117 Fundação Calouste Gulbenkian
M Entremuralhas av. de Berna, 45ª. Tel.: 213 880 044
27, 28 e 29 de agosto 2ª, 4ª a D om .., Das 10 h às 18 h
E Próximo Futuro:
LISBOA Casa-Arquivo no Jardim Gulbenkian
até 27 de setermbro
E António Cruz
Museu Nacional de Arte até 19 de outubro
Contemporânea – Museu do Chiado E Olhos nos Olhos:
R. serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148
O Retrato na Coleção do CAM
A Fuso 2015 - Anual de Vídeo até 19 de outubro
Arte Internacional de Lisboa E X de Charrua
27 de agosto até 26 de outubro
E Tensão e Liberdade. Tensión
Arquivo Nacional Torre do Tombo
y Libertad. Tension and Freedom
al. da Universidade. Tel.: 217 811 500
até 26 de outubro
2 ª a 6 ª , Das 9 h 30 às 19 h 30; s áB ., Das 9 h 30 às 12 h 30
E Pena de Morte: da Justiça E Fantin Latour e Manuel
Punitiva à Justiça Corretiva Botelho: Meeting Point
até 26 de outubro
até 19 de setembro
E Cartulários na Europa E Todos os Livros
até 26 de outubro
Medieval: Textos e Contextos
até 19 de setembro
E Próximo Futuro: Arte
em Rede – Lugares-entre-lugares
até 19 de novembro
Biblioteca Nacional de Portugal
Campo Grande, 83. Tel.:  217 982 000
E Orpheu Acabou. Orpheu Continua MUDE - Museu do Design e da Moda
até 21 de agosto R. augusta, 24 . Tel.: 218 88 6 117
3ª a D om ., Das 10 h às 18 h
E Ernesto Vieira (1848-1915): um
E Caleidoscópio.
Precursor da Musicologia Portuguesa
até 27 de agosto
A Alta-Costura de Christian Lacroix
até 30 de agosto
E Jorge Ferreira de Vasconcelos:
E Como se Pronuncia
um Homem do Renascimento
até 28 de agosto
Design em Português?
até 30 de agosto
E Suzanne Daveau: uma Vida
de Investigação Geográfica
até 31 de agosto
Museu de São Roque
Lg., Trindade Coelho. Tel.: 213 235 444
E Os Dois Últimos Grandes Publicistas: 2 ª , Das 14 h às 19 h ; 3 ª a D om ., Das 10 h às 19 h
Sampaio Bruno e França Borges ( sETEmBRo ); 2 ª , Das 14 h às 18 h ; 3 ª a D om ., Das
até 11 de setembro 10 h às 12 h 15 E Das 13 h 30 18 h
E Joaquim Veríssimo Serrão: E De Roma Para Lisboa:
uma Vida ao Serviço da História Um Álbum Para um Rei Magnânimo
até 2 de outubro até 25 de outubro

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
1427333

| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

Museu Nacional de Arte E Aqua: Faianças da Coleção do MNAA Palácio Nacional da Ajuda dos 3 aos 6 anos. Marcação prévia.
Contemporânea – Museu do Chiado até 27 de setembro Lg. da Ajuda. Tel.: 213 620264 1 a 30 de setembro
R. Serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148 E Luca Cambiaso E Ricordo di Venezia. Vidros de P Brincando no Mosteiro
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H e o seu Círculo. Desenhos Murano da Casa Real Portuguesa Oficina pedagógica dirigida a crianças
E Eu e os Outros. Coleção Alberto Caetano até 18 de outubro até 20 de novembro dos 3 aos 6 anos. Marcação prévia.
até 30 de agosto 1 a 30 de setembro
E Hotel Globo de Mónica Miranda Museu Nacional de Etnologia Torre de Belém P Explorando o Mosteiro
até 27 de setembro Av. Ilha da Madeira. Tel.: 213 041 160 Tel.: 213 620 034 Jogo de pistas dirigida a crianças
E Sousa Lopes 1879-1944. Efeitos de Luz 3ª, DAS 14 H ÀS 18 H , 4 ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H 30 dos 6 aos 13 anos. Marcação prévia.
até 8 de novembro E O Museu, Muitas Coisas E Com Olhos de Ver 1 a 30 de setembro
E Echoes on the Wall: Oikonomia: exposição permanente até 31 de agosto P Mistérios da Pedra
uma Questão de Confiança E 10 Anos Depois: Objetos de Outros Jogo de pistas dirigida a crianças
até 21 de fevereiro 2016 Lugares. Doação Francisco Capelo dos 6 aos 13 anos. Marcação prévia.
Centro Cultural de Belém
E Narrativa de uma Coleção - Arte até 31 de outubro 1 a 30 de setembro
Pç. do Império. Tel.: 213 612 400
Portuguesa na Coleção da Secretaria E Artes de Pesca: Pescadores, P Aventura no Mosteiro
M Jazz Vista Tejo Somersby: Ana Cláudia
Práticas, Objetos Instáveis Jogo de pistas dirigida a crianças
de Estado da Cultura (1960-1990) R ESTAURANTE E STE O ESTE
MNAC – R UA C APELO até 31 de outubro 27 de agosto – 19h30 dos 6 aos 8 anos. Marcação prévia.
até 12 de junho 2016 1 a 30 de setembro

Museu Nacional do Azulejo


Museu Coleção Berardo
R. Madre de Deus, 4. Tel.: 218 100 340
CCB. Pç. Do Império. Tel.: 213 612 878
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 19 H P Pintar um Azulejo!
E O Olhar do Colecionador / Oficina de pintura, mediante marcação prévia.
até final de setembro
The Collector’s Eye
até 13 de setembro P Peddy Paper no Museu
Uma maneira divertida de explorar o Museu
E Your Body is My Body —
e o Convento. Mediante marcação prévia.
O Teu Corpo é o Meu Corpo até final de setembro
até 27 de setembro
E Novo Banco Photo 2015 Museu Nacional do Traje
até 11 de outubro
Lg. Júlio Castilho. Tel.: 217 567 620
P Férias de Verão no Parque
Museu da Eletricidade
Botânico do Monteiro-Mor
Av. Brasília. Central Tejo.
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
Destinado a crianças dos
3 aos 9 anos. Marcação prévia.
E 1915, o Ano do Orpheu
24 de agosto a 11 de setembro
até 20 de setembro
E Novos Artistas Fundação EDP 2015
até 20 de setembro Museu Nacional dos Coches
Pç. Afonso Albuquerque. Tel.: 213 610 850
E Posto de Trabalho
Exposição de fotografia de Valter Vinagre. P Construção de uma
até 20 de setembro Os Acontecimentos, dia 30 de agosto no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal Cadeirinha/Coche
O Serviço Educativo propõe como atividade
Museu do Oriente de verão de 2015, crianças até aos 12 anos
Museu Nacional de M CCB-a-gosto: Ricardo Pinto acompanhadas de familiares, ou pequenos
Av. Brasília, Doca de Alcântara. Tel.: 213 585 200
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H ; 6 ª , DAS 10 H À S 12 H História Natural e da Ciência Trio | DJ Nery | DJ Kwan grupos até 15 pessoas, a participarem nos ateliers
R. da Escola Politécnica, 56/58. Tel.: 213 9121 800 28 de agosto - 17h às 22h de “Construção de uma Cadeirinha/Coche” em
E The Dance Of The Peacock
3 ª A 6 ª , DAS 10 H ÀS 17 H ; S ÁB . E D OM ., DAS 11 H ÀS 18 H M CCB-a-gosto: 3D. Os ateliers são precedidos de uma pequena
até 30 de agosto
E Allosaurus:um Dinossáurio, Modernos | Bispo | EME introdução sobre o tema. Ma rcação prévia.
E Ama-San
Exposição de Fotografias de Cláudia Varejão.
Dois Continentes 29 de agosto - 17h às 22h até 28 de agosto
até 31 de dezembro M Jazz Vista Tejo Somersby: O Martim
até 30 de agosto
E A Aventura da Terra: 27 de agosto – 19h30 Torre de Belém
Museu Nacional de Arqueologia Um Planeta em Evolução Tel.: 213 620 034
Pç. do Império. Tel.: 213 620 000 até 31 de dezembro 2016 Museu Nacional de Arte P Há Piratas na Torre!
3ª, DAS 14 H ÀS 18 H ; 4 ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H Contemporânea – Museu do Chiado Oficina pedagógica dirigida a crianças
E O Tempo Resgatado ao Mar Museu Nacional do Azulejo R. Serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148 dos 3 aos 6 anos. Marcação prévia.
até 2 de agosto R. Madre de Deus, 4. Tel.: 218 100 340 M Noites de Verão no 1 a 30 de setembro
E Arte Copta e do Oriente Cristã 3ª A DOM ., DAS 10 H ÀS 18 H MNAC - Museu do Chiado: P Uma Aventura na Torre
até 6 de setembro E A Arte Interior. Siza Vieira Julinho Da Concertina Jogo de pistas dirigida a crianças
e o Desenho de Objetos 21 de agosto – 19h30 dos 6 aos 8 anos. Marcação prévia.
E Quem nos Escreve Desde a Serra
até 15 de novembro 1 a 30 de setembro
Mostra sobre a escrita do Sudoeste e a Idade do Ferro. M Noites de Verão no
até 27 de setembro P À Descoberta da Torre de Belém
MNAC - Museu do Chiado:
Museu Nacional do Teatro e da Dança Jogo de pistas dirigida a crianças
E A I Idade do Ferro no Sul David Maranha & Helena Espvall
Estrada do Lumiar, 10. Tel.: 217 567 410 dos 6 aos 13 anos. Marcação prévia.
de Portugal: Epigrafia e Cultura 28 de agosto – 19h30
1 a 30 de setembro
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
até 29 de novembro
E Tempos de Dança. Evocação P Enigma da Torre
Culturgest Jogo de pistas dirigida a crianças
Museu Nacional de Arte Antiga do Estúdio - Escola de Dança R. Arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155
Clássica de Anna Mascolo dos 6 aos 13 anos. Marcação prévia.
R. das Janelas Verdes. 213 912 800 P Férias de Verão na Culturgest 1 a 30 de setembro
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H até 30 de setembro Laboratórios de espetáculos em fase criação.
E Josefa de Óbidos e a Destinatários: Dos 6 aos 8 (crianças nascidas
Auditório dos Oceanos
Invenção do Barroco Português Museu Nacional do Traje até 2008) e dos 9 aos 12 anos (crianças
Casino Lisboa. Parque das Nações.
até 6 de setembro Lg. Júlio Castilho. Tel.: 217 567 620 nascidas até 2005). Marcação prévia.
3ª, 14 H 18 H ; 4 ª D OM ., 10 H 18 H
Al. dos Oceanos Lote 1.03.01. Tel.: 218 929 000
E Obra Convidada: DAS ÀS A DAS ÀS até 4 de setembro
E Instalação da Artista T Lar, Doce Lar
Adão e Eva, de Jan Gossaert De Luísa Costa Gomes. Encenação
até 6 de setembro Christina Vilas-Bôas Mosteiro de Jerónimos de António Pires. Interpretação de
E MNAA_Olhares Contemporâneos: até 13 de setembro Praça do Império. Tel.: 213 620 034 Joaquim Monchique, Maria Rueff.
Residência Fundação EDP no MNAA E Coleção Anadia | Traje e Acessórios P Animais do Rei 6ª E S ÁB ., ÀS 21 H 30; D OM ., ÀS 18 H
até 20 de setembro até setembro Oficina pedagógica dirigida a crianças até 23 de agosto

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)
© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)

| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

Museu Dr. Joaquim


Manso - Museu da Nazaré
Departamento de Artes da imagem do eSmAe/iPP.
até 11 de outubro
SiNES TOMAR
R. D. Fuas Roupinho – Sítio. Tel.: 262 562 801 E Fotografia - A imagem em Processo
Centro de Artes de Sines Convento De Cristo
3ª A D om ., DAS 10 h àS 17 h 30 até 27 de setembro
R. Cândido dos Reis. Tel.: 269 860 080 igreja do Castelo Templário. Tel.: 249 313 481
E Nazaré – um Percurso da sua História E Prémio Estação T oDoS oS DiAS , DAS 14 h àS 20 h T oDoS oS DiAS , DAS 9h àS 18 h 30
exposição de longa duração imagem 2015 Viana do Castelo E iGNOTO E Erosão
E Nazaré – Mar, Pesca e Tradição até 27 de setembro
Projeto expositivo de Carlos No e Pedro exposição de Rui horta Pereira, que
exposição de longa duração coloca em diálogo objetos obsoletos com
Valdez Vasconcelos repartido entre o Centro
E O Meu Cachené. Fotografia Culturgest Porto de Artes e o Centro Cultural emmerico Nunes. matérias nobres do Convento de Cristo.
de Gisela e Antti Särkilahti ed. Caixa Geral de Depósitos. Av. dos Alia- até 22 de novembro
até 25 de outubro
até 1 de setembro dos, 104. Tel.: 222 098 116
P Há Verão no Museu E Jef Cornelis: Obras
Atividades pedagógicas para crianças para Televisão (1963-1998) SiNTRA ViLA FRANCA DE XiRA
dos 5 aos 10 anos, sob marcação prévia. até 29 de agosto
até 28 de agosto quinta da Regaleira Museu do NeoRealismo
Fundação de Serralves Tel.: 219 106 656 R. Alves Redol, 45. Tel.: 263 285 626
R. D. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 500 3 ª A 6 ª , DAS 10 h à S 19 h ; S áB ., DAS
PESO DA RéGuA 3 ª A 6 ª , DAS 10 h àS 13 h e DAS 14 h àS 17 h ;
D Narrativa interior
Coreografia de Clara marchana.
15 h àS 22 h ; D om ., DAS 11 h àS 18 h
S áB ., Dom . e FeRiADoS DAS 10 h àS 19 h
interpretação de ángela Diaz Quintela, Clara E Tudo Existe o que se
Museu do Douro E Construções Em Trânsito: marchana, António Torres e Tiago Correia. inventa é a Descrição:
R marquês de Pombal. Tel.: 254 310 190. Projeto Com Escolas 2014-2015 6ª e S áB ., àS 19 h Joaquim Namorado 100 anos
3ª A D om ., DAS 10 h àS 13 h e DAS 14 h 30 àS 18 h até 6 de setembro até 20 de setembro
até 31 de outubro
E Douro Patrimonial E Casa de Serralves: M Saraus de Ópera Com Jantar
até 21 de agosto Museu Municipal de
O Cliente Como Arquiteto Com isabel moreira e Angelo martino.
E O Douro da Casa Alvão até 6 de setembro 6ª e D om . Vila Franca de Xira
até 27 de setembro até 27 de setembro – 20h30 R. Serpa Pinto, 65. Tel.: 263 280 350
E Pode o Museu Ser um Jardim? -
E Douro, Lugar de um Encontro Feliz Obras da Coleção de Serralves M Fado Na Regaleira: isabel Moreira. E A Arte no Concelho de Vila
exposição de fotografias de António Barreto. S áB ., 19 h
até 13 de setembro àS
Franca de Xira – Grandes Obras
até 28 de setembro até 26 de setembro
E Yto Barrada: Salon Marocain até 25 de outubro
até 20 de setembro T Vampíria
PONTA DELGADA E Sob As Nuvens: da Texto de Dionisio Jacob. encenação de Paulo
Cintrão. interpretação de Clemente Samba, ViLA NOVA
Paranoia ao Sublime Digital
Museu Carlos Machado até 20 de setembro
Fábio Ferreira, Flávio Tomé, Joana Lobo, João
Parreira, entre outros. Pela bYfurcação Teatro.
DE FOz CôA
Convento de Sto André. R. João moreira. E um Realismo Cosmopolita: 5ª e 6ª, àS 21 h 30
Tel.: 296 202 930 O Grupo KWY na Coleção de Serralves Museu do Côa
3 ª A 6 ª , DAS 10 h àS 12 h 30 e DAS 14 h àS
até 25 de setembro
até 27 de setembro T Frankenstein R. do museu. Tel.: 279 768 260
17 h 30; S áB . e D om ., DAS 14 h àS 17 h 30
Texto de Fernando Villas Boas. encenação E Douro, Matéria e Espírito
E Natureza em Diálogo Grande síntese temporal e geográfica
Casa da Música de Sérgio moura Afonso. interpretação
até 18 de outubro
Av. da Boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 de Clemente Samba, Érica Rodrigues, Fábio da Região Demarcada do Douro (RDD).
E Canto da Maya exposição permanente
M Academia de Verão Remix Ensemble Ferreira, Gonçalo Lima, entre outros.
até 31 de dezembro
27 a 31 de agosto S áB ., àS 21 h 30

PONTE DE SOR
M Academia de Verão Remix
Ensemble: Remix Ensemble
até 26 de setembro
T Peter Pan
ViLA REAL
29 de agosto – 19h30 encenação e adaptação de Paulo Cintrão.
Teatro de Vila Real
Centrum Sete Sóis Sete Luas M Academia de Verão Remix interpretação de Clemente Samba, Érica
Al. de Grasse3. Tel.: 259 320 000
Av. da Libertade 64-F. Ensemble: Ensemble da Academia Rodrigues, Fábio Ferreira, Gonçalo Lima, Joana
Lobo, entre outros. Pela bYfurcação Teatro. D Bailómondo
E “Era uma vez...” O Pastel Conta 30 de agosto – 19h30 21 de agosto – 22h
exposição de pintura de Sandro Libertino. 6ª, àS 16h (AGoSTo); SáB., àS 16h; Dom., àS 11h e 16h;
M Academia de Verão Remix M Cuca Roseta: Riû
até 19 de setembro até 11 de outubro
Ensemble: Música de Câmara 22 de agosto – 22h
T Macte Animo
31 de agosto – 19h30
Conceção e Coordenação de João Cruz Alves.
PORTiMãO M Orquestra XXi Texto original de João Cruz Alves, Paulo ViSEu
Dinis Sousa - direção musical.
Campos dos Reis. interpretação de José
TEMPO - Teatro Municipal de Portimão horácio Ferreira - clarinete.
henrique Neto, Susana Branco, Filipe Costa,
Lg. 1.º de Dezembro.Tel.: 282 402 470 obras de F. de Lacerda, J. Brahms, P. i. Museu Nacional Grão Vasco
Clara marchana, Filipe Araújo, entre outros.
Tchaikovski. Adro da Sé. Tel.: 232 422 049
T Mário Daniel: Fora do Baralho S áB ., àS 20 h 30 ( ATÉ 26 De SeTemBRo );
3ª, DAS 14 h àS 17 h 30; 4 ª A D om .,
3ª A S áB ., àS 21 h 30 1 de setembro – 21h S áB ., àS 19 h 30 (3 De oUTRo A 12 De DezemBRo )
DAS 10 h àS 12 h 30 e DAS 14 h àS 17 h 30
até 29 de agosto até 26 de setembro,
M Jardins Efémeros:
SãO JOãO 3 de outubro a 12 de dezembro
Moderno & Medieval Camuflado
PORTO DA PESquEiRA
T Os Lusíadas - Viagem infinita
Adaptação de Paulo Campos dos Reis.
exposição coletiva comissariada
por miguel Von hafe Pérez
encenação e dramaturgia de Paulo Campos
Centro Comercial Cidade do Porto dos Reis e Ricardo Soares. interpretação de
até 30 de agosto
Núcleo Museológico do Vinho
R. Gonçalo Sampaio 350. Tel.: 226 0065 85
Ricardo Soares. Pela mUSGo Produção Cultural. M Conshumano: Os Novos
Tel. (info.): 254 310 190
E Photos de um Outro S áB ., D om . e FeRiADoS , àS 17 h Media na Sociedade de Consumo
E O Douro da Casa Alvão
Porto: Porto Íntimo até 27 de dezembro até 20 de dezembro até 31 de agosto
até 2 de setembro M inscrituras: Aquilino
por Pedro Albuquerque
Centro Português de Fotografia SETúBAL OVAR mostra de desenhos a tinta da china sobre papel.
edifício da ex-Cadeia da Relação do Porto. até 13 de setembro
Campo mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310 Fórum Municipal Luísa Todi Galeria de Exposições
3 ª A 6 ª , DAS 10 h à S 12 h 30 e DAS 14 h àS 18 h ; S áB ., Av. Luísa Todi, 65. Tel.: 265 522 127 do Centro de Arte de Ovar
D om . e F eRiADoS , DAS 15 h àS 19 h T Os Acontecimentos R. Arquiteto Januário Godinho. Tel.: 256 509 160
E Bolsa 2014 Estação De David Greig. encenação de 2 ª A 6 ª , DAS 10 h àS 18 h ; S áB ., DAS
imagem | Mora: Presente António Simão. interpretação 10 h àS 13 h 30 e DAS 14 h 30 àS 18 h
até 30 de agosto de Andreia Bento, João Pedro mamede, E Fernando Lanhas - Fragmentos: Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
E Projeto 15 maria Jorge. Produção Artistas Unidos. Algumas Obras na Coleção de Serralves Tel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 832
exposição de fotografia de alunos do 30 de agosto – 22h até 30 de agosto relacoes.publicas@gepac.gov.pt

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.101 (06-08-18 21:16)

Você também pode gostar