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António Lobo Antunes Um novo romance da ‘memória’

Chega às livrarias no dia 18 e a sua leitura é antecipada aqui por Norberto do Vale Cardoso PÁGINAS 9 E 10

Maria Filomena Molder


A arte do
JORNAL
pensamento
A filósofa e ensaísta
DE LETRAS, ‘revela-se’ em longa
ARTES E entrevista sobre a vida
e a sua última obra
IDEIAS PÁGINAS 23 A 25

Ano XXXVI * Número 1201 * De 12 a 25 de outubro de 2016


* Portugal (Cont.) €2,80 * Quinzenário * Diretor José Carlos de Vasconcelos

Mário
de Carvalho
O prazer
na escrita
São contos sobre sexo, os de Ronda
das Mil Belas em Frol, agora saído.
Tema para a conversa com
o escritor e da crítica
de Miguel Real
PÁGINAS 6 A 8

DOCLISBOA
O festival, os filmes, os destaques PÁGINAS 14 A 16

António Guterres: pensamento, palavra e ação


A coluna de Guilherme d’Oliveira Martins
ANTÓNIO BERNARDO

PÁGINA 27

J/Educação * Camões * Agenda Cultural

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2* destaque jornaldeletras.pt * 12 de outubro a 0 de mês de 2016 J

› b r e v e e nc o n t ro ‹

João Botelho
Aprender com Oliveira

O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu, um documentário de João


Botelho, em jeito de homenagem a Manoel de Oliveira, estreia-se em
sala, amanhã, 13, depois de ter passado no IndieLisboa. O JL Falou
com o realizador que, entretanto, está a preparar a adaptação ao
cinema de A Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto

JL: Este é filme é o seu olhar pessoal sobre Manoel de Oliveira?


João Botelho: É uma declaração de amor a Manoel de Oliveira.
Não à sua vida, que é fascinante, mas sim ao seu trabalho. É o
pagamento de uma dívida. Aprendo cinema com ele. Ainda na
Escola de Cinema assisti à rodagem de Um Amor de Perdição. A
Pedro Cabrita Reis Museu da Misericórdia do Porto One Floor
partir daí fui confidente e amigo. Ele não gostava de discípulos, Plan, de Pedro Cabrita Reis, vai estar em exposição, a partir
dizia: "Nunca se copia ninguém, faz-se aquilo em que se acredita".
O filme serve para lutar contra o esquecimento. Fazem-se
de hoje, quarta-feira, 12, no átrio do Museu da Misericórdia
homenagens às pessoas, mas os filmes ficam para a vida. Para a do Porto. É o ato inaugural de um protocolo de parceria entre
minha vida, dos meus netos, trinetos... É uma pequena introdução
à obra monumental dele. E algo muito pessoal.
a Fundação de Serralves e a Santa Casa da Misericórdia
do Porto, que prevê várias iniciativas
É para acentuar esse caráter pessoal que conjuntas, a começar pela apresentação
optou por dar a sua voz ao filme?
Nem gosto da minha voz. Mas acho que regular de obras da Coleção de Serralves.
tinha de ser assim, sincero, para ser pes- A instalação de Cabrita Reis, criada em
soal, meu, sem ser de mais ninguém. Ele
ensinou-me: uma posição de câmara para 2004, integra essa coleção desde 2012. Uma outra, I Dreamt
cada situação. Só que a câmara pode estar Your House was a Line (Dartmouth version), de grandes
no alto, em baixo, mais à esquerda... O
filme não é a história, mas sim o modo de dimensões, como é característica do trabalho do artista
a filmar. (n. 1956), está entretanto patente ao público, no Museu de
Que mais ele lhe ensinou?
Serralves, no âmbito da exposição Conversas.
Tantas cosias... A economia do cinema. Dizia: "Se não tenho
dinheiro para filmar a carruagem, filma apenas a roda. Mas filmo
bem a roda", E dizia-me outras coisas como: "Filme a sua rua e
não a minha, porque a conhece melhor ".

É um filme didático? V CENTENÁRIO COLÓQUIO HUBERT ARTES FESTA DO CINEMA


Sim, vai passar em escolas, para perceberem que o cinema não DO CANCIONEIRO JENNINGS NA PERFORMATIVAS EM FRANCÊS
começou com o Tarantino. E o Oliveira viveu o cinema todo. Essa GERAL BROWN SINTRA
era a grande valia dele. A 17.ª edição da Festa do
Para assinalar os 500 anos O papel de Hubert Jennings na Um conjunto de performan- Cinema Francês prossegue,
Foi um quebra-cabeças escolher os excertos de filmes? do Cancioneiro Geral, de divulgação da obra de Fernando ces multidisciplinares de- em Lisboa, até ao final da se-
Sim, revi muitos filmes. O que gosto mais é de Um Amor de Garcia de Resende, que Pessoa foi o tema do colóquio senvolvidas por instituições mana, ao mesmo tempo que
Perdição, mas gosto muito de muitos outros. Ele fez quase 40 reúne poesia portuguesa e organizado pelo Departamento de intervenção comunitária se iniciam hoje, quarta-feira,
filmes. A sua vertigem cinematográfica começou aos 70 anos. Não castelhana dos séc. XV e XVI, de Estudos Portugueses e marca o arranque, amanhã, 12, em Almada, as suas exten-
poderia falar de todos. Foi mais difícil essa parte do que a curta- a Fundação das Casas de Brasileiros da Un. de Brown. quinta-feira, 13, da 2.ª edição sões, que vão passar por várias
metragem. Fronteira e Alorna organiza Jennings foi diretor do liceu que do Muscarium, o Festival cidades portuguesas. Na
uma mesa redonda e um Pessoa frequentou em Durban de Artes Performativas capital, até 18, várias sessões
Como surgiu essa curta? concerto, no próximo dia (não coincidiram por poucos organizado pela Companhia diárias, entre quatro a seis, no
É uma ideia de história de redenção que o Oliveira me contou em 20. A sessão começa às 19 anos) e quando descobriu a sua Teatro Mosca. O festival, Cinema São Jorge (também
quatro linhas. Na fase final, ele preocupava-se muito em regres- e 30, com Cristina Almeida obra tentou conhecê-lo melhor. que se prolonga até o dia 30, para escolas), Cinemateca
sar à inocência dos primórdios do cinema. E eu quis fazer isso. Ribeiro, Isabel Almeida, Além de revisitar o seu legado, decorre em vários espaços do Portuguesa e Cinema Ideal.
Ele não gostava do cinema dos centros comerciais, com pessoas Luiz Fagundes Duarte e o colóquio assinalou ainda a conselho de Sintra, com mais Destaque para o filme de
a comer e a mexer no telemóvel . Isso irritava-o.Queria voltar à Zulmira Santos a debate- doação do espólio de Jennings, 12 espetáculos, workshops, encerramento, Juste la Fin du
simplicidade, de ver e ouvi r. É um cineasta do tempo e não do rem, com moderação de pelo seu filho, à Brown. debates e exposições. Entre Monde, de de Xavier Dolan,
movimento. Vanda Anastácio, o tema Nelson Vieira, Carlos Pittella, outros espetáculos, refira-se no domingo, 16, às 21 e 30, no
"Memória e atualidade do Onésimo Almeida, Patrício Passa-Porte, de André São Jorge. Em Almada, a festa
O seu filme é um exercício de grande liberdade, pois inclui uma Cancioneiro Geral". Segue-se Ferrari, George Monteiro, Amálio, Novo, de João de decorre, entre os dias 12 e 16,
curta de ficção num documentário... uma recriação musical da Matthew Hart, Jerónimo Brito e Yola Pinto, I can't no Fórum Municipal Romeu
Há uma tendência para catalogar as coisas. Uma grande ficção poesia do cancioneiro, pelo Pizarro, Patricia Figueroa, David breathe, de Elmano Sancho, Correia, com uma seleção de
normalmente é um documentário monumental, e um grande Grupo Coral O Tempo Canta, Mittelman, Filipa de Freitas, e Fahrenheit, pelo próprio 13 filme. Ainda este mês o fes-
documentário é também ficção. Há a ideia de que é preciso mentir conduzido pelo maestro Susan Margaret Brown, Clara Teatro Mosca. O concerto de tival segue para Leiria (de 16 a
e mentir para chegar à verdade. O Manoel de Oliveira dizia-me: Sérgio Peixoto. Leituras ain- Ferreira Alves, María Gómez encerramento está a cargo da 18), Coimbra (19 a 23), Porto
"No cinema é tudo falso. A verdade é o que as pessoas sentem da de Joana Machado, Paulo Lara e Michael Franco foram os dupla Lewis Barfoot e Maria (24 a 30) e Viano do Castelo
perante a falsidade que está no ecrã."J Godinho e Raquel Coelho. conferencistas. Rodríguez Reina. (25 e 26).

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J 12 de outubro a 0 de mês de 2016 * jornaldeletras.pt
destaque * 3

Arte de Portas Abertas em Lisboa EDITORIAL


JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS
¶ Fernanda Fragateiro, Daniel
Malhão, Eurico Gonçalves, João
Fitas, Pedro Paiva, Sara Maia, Inês
Canas, Sara Antunes, Nuno Ferreira,
Rodrigo Bettencourt da Câmara,
Teresa Palma são alguns dos cria-
Guterres na ONU
dores que vão abrir os seus espaços

A
de trabalho ao público, dias 14, 15 e
16, das 15 às 20. É a sétima edição da
Abertura de Ateliers de Artistas, que ntónio Guterres será amanhã, quinta feira, 13, eleito
irá envolver ao todo 60 ateliers e 150 secretário-geral da ONU, de longe o mais simbólico, im-
artistas portugueses e estrangeiros, portante e influente organismo mundial - o que significa
num fim de semana que promete ser ser o alto cargo que vai ocupar, a tal nível, igualmente o
movimentado em Lisboa. mais simbólico, importante e influente. Por isso mesmo
Organizada desde 2010, pela se trata de um lugar disputadíssimo, a partir de uma
Associação Castelo d’If, à seme- espécie de acordo no sentido de ser em princípio escolhido para ele, de
lhança da iniciativa realizada em forma sucessiva, uma figura de uma certa área ou região do globo. Desta
Marselha, França, Overture d’Ate- vez seria da Europa de Leste. E, além disso, nunca havendo a ONU,
liers, pela Château de Servières, desde a sua criação em 1945, tido como nº 1 uma mulher, instalou-se
desde 1999, a AAA pretende ser a ideia, expressa em múltiplas declarações, de preferencialmente isso
um “encontro com a Arte e os seus acontecer nesta eleição para o mandato 2017/2022. Falando-se, sobre-
criadores, espontâneo e acessível!””, tudo, da hipótese de ser uma búlgara.
segundo as palavras de Inês Frias, Não obstante, Portugal apresentou, e muito bem, a candidatura do
presidente da associação promotora. antigo primeiro-ministro - o mais preparado e intelectualmente bri-
“Temos vindo a fazer um trabalho lhante que o nosso país teve -, que nos últimos dez anos foi considerado
de mapeamento artístico da cidade um excelente Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.
de Lisboa, dando a conhecer, num Sendo o ACNUR, neste período, dado o imenso fluxo, a enorme comple-
só fim de semana, locais de estudo, xidade e o extremo dramatismo (da questão) dos refugiados, segura-
pensamento e experimentação, mente a agência da ONU com uma missão mais espinhosa e de maior
que, a maior parte das vezes, estão visibilidade, além daquela cujos bons resultados, parece que impossí-
escondidos dos olhares gerais”, veis, são mais imperiosos.
acrescenta ainda. Para quem conhece Guterres, à partida não restavam dúvidas de que
O público poderá visitar os ate- ele seria o melhor candidato; e seria a personalidade com mais qualidades
liers e desvendar o processo de tra- Pinturas De João Fitas (em cima) e de Lut Caenen e características para ser um ótimo secretário-geral das Nações Unidas.
balho de artistas de várias gerações, Ao contrário da generalidade dos seus oito antecessores, mormente o
dos que estão no início de carreira atual. Porém, se a escolha fosse feita, como as anteriores terão sido, nos
aos já consagrados, descobrindo tar o estabelecimento de percursos a par do contacto entre criadores, corredores ou bastidores, através de negociações ou combinações, se não
por dentro o universo da criação e a feitura de um mapa pessoal colecionadores, curiosos e amantes cambalachos, mais ou menos diplomáticos, decerto o "português" não
em diferentes artes, da pintura à que una os diferentes espaços de das diversas linguagens artísticas, teria hipóteses, sobretudo dada a preferência acima referida.
escultura, do vídeo à performance, interesse, espalhados pela geo- visa ainda a internacionalização, Só que, felizmente, desta vez


passando pela ilustração, gravura grafia da cidade, permitindo um promovendo o intercâmbio, tendo a ONU decidiu dar mais transpa-
ou fotografia. Além das visitas, para melhor acesso aos locais, haverá já levado artistas portugueses rência ao processo, para isso pro-
as quais a organização disponibiliza ainda encontros e manifestações aderentes ao projeto a Marselha, movendo diversas audições dos
uma app, com um guia, para facili- paralelas. A entrada é livre. A AAA, Dublin, Turim, Paris e Oaxaca. J candidatos. Guterres demonstrou
sempre ser o mais sabedor e
A transparência, a com mais visão de conjunto e de
verdade e a justiça futuro, em todos os aspetos e sob

Afonso Cruz, Armando Silva Carvalho venceram na escolha todas


de António Guterres
as perspetivas. Assim, "ga-
nhou-as" todas, foi sempre o mais

e Nuno Júdice premiados


votado. Mas, numa tentativa final
para secretário-geral e batoteira de fazer eleger a "de-
sejada", antes da última audição
da ONU surgiu uma segunda candidata
búlgara, vice-presidente da União
Europeia, com o apoio da srª
Afonso Cruz é o vencedor da edição deste ano do Prémio poema, quer na organicidade da sequência de poemas Merkel e do seu grupo conserva-
Literário Fernando Namora, no valor de 15 mil euros e que constitui o livro. Num diálogo constante com vozes dor, o PPE - mas com os partidos portugueses que o integram, o PSD e
atribuído pela Estoril Sol. O galardão distingue, por una- tutelares da poesia em língua portuguesa, muito em o CDS, a apoiarem inequivocamente Guterres, como se impunha mas se
nimidade, Flores (ed. Companhia das Letras), um romance particular Pessoa, a poesia de Armando Silva Carvalho deve registar (aliás, houve uma autêntica e louvável unanimidade nacio-
que se destaca por "uma assinalável compreensão do caracteriza-se pela permanente ironia, a vigiar um nal nesse apoio, mesmo daqueles que outrora foram muito injustos com
quotidiano e da sua riqueza multifacetada", de par com o lúcido e comovido olhar sobre o tempo, pessoal mas que o antigo primeiro-ministro e líder do PS). A transparência, a verdade e
registo lírico de apreensão do real" e uma enorme "cultura também reconhecemos como nosso." a justiça, porém, venceram, e por unanimidade e aclamação o Conselho
clássica", como salientou o júri constituído por Guilherme Por último, Nuno Júdice recebeu, pelo livro A de Segurança escolheu Guterres, recomendando-o para a votação que
d'Oliveira Martins, José Manuel Mendes, Manuel Frias Convergência dos Ventos, (ed. D. Quixote), o Prémio amanhã, como se disse, o consagrará como secretário-geral.
Martins, Maria Carlos Loureiro, Maria Alzira Seixo, Liberto Literário António Gedeão, instituído pela Federação Em outro local, na VISÃO, referi os extraordinários méritos de
Cruz, Nuno Lima de Carvalho e Dinis de Abreu. Nacional dos Professores (FENPROF) para distinguir António Guterres: a amplitude dos conhecimentos, a capacidade de
Prémio também para Armando Silva Carvalho, neste "trabalhos literários, de poesia e ficção narrativa, em anos raciocínio e argumentação, a fluência e clareza do discurso, a sensi-
caso na primeira edição do Grande Prémio de Poesia alternados, de professores no ativo ou aposentados, de bilidade humana e social, a capacidade de organização, trabalho e até
António Feijó, atribuído pela Associação Portuguesa qualquer grau de educação e ensino, público ou privado, sacrifíco ao serviço das causas em que acredita. Mas, nesta edição,
de Escritores, a Câmara Municipal de Ponte de Lima e e também de docentes deslocados em outros serviços ou com muito mais autoridade sobre elas escreve - em particular sobre a
a Caixa Agrícola, com um valor pecuniário de 10 mil funções." Para os membros do júri, José Manuel Mendes, sua formação cultural e ideológica -, Guilherme d'Oliveira Martins na
euros. A decisão coube ao júri formado por Cândido Paulo Sucena e Teresa Martins Marques, em A Convergência sua coluna (p. 31). Autoridade que lhe advém quer da sua reconhecida
Oliveira Martins, José Manuel Mendes e Rita Patrício, dos Ventos "ressalta a mestria de uma escrita que se renova muita qualificação nestas e noutras matérias, quer do facto de desde
que de A Sombra do Mar (ed. Assírio & Alvim) disse: através de uma meta-poética depurada e de uma diver- há muito conhecer e ser amigo de Guterres, com ele tendo trabalhado
"[Revela um] rigoroso domínio da arquitetura poéti- sidade temática surpreendente nos seus tons disfóricos, mormente como ministro da Educação, das Finanças e de Estado nos
ca, considerada quer ao nível da composição de cada críticos, irónicos ou de maior comprazimento”. J dois governos que chefiou. J

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4 * destaque jornaldeletras.pt * 12 de outubro a 0 de mês de 2016 J

Gabriela Canavilhas
› breves‹ Academia Nacional Superior
de Orquestra e o Conservatório
Metropolitano de Música de Lisboa

O ‘regresso’ como pianista


PRÉMIO de pintura e escultura naïf
(2003-2008), e diretora regional
e autodidata, promovido pela Fundação
da Cultura do Governo dos Açores
Bienal de Arte de Cerveira e a Câmara (2008-2009).
Municipal de Vila Nova de Cerveira, para Ora, se com tudo isto a
artistas do Alto Minho e Galiza, aberto carreira como pianista se
até 4 de novembro. tornou muito difícil, ficou em
'suspenso', com a transição
BIG BANG com nova edição, a 7.ª, no É um regresso há muito para ministra da Cultura, em
CCB, em Lisboa, a 21 e 22, com música esperado, mas que a certa 2009, tornou-se impossível. E
e aventura para um público jovem. altura pareceu nunca mais se impossível se manteve, parece,
Participam no festival artistas portugue- concretizaria, o que ocorrerá quando após deixar o Ministério,
ses, franceses e belgas.
no próximo dia 21, às 21 e 30, com os governos de Passos
no Palácio de Queluz: após um Coelho, passou a ser deputada
longo afastamento das salas e do ativa, quer no Parlamento,
JOSELIA AGUIAR será a curadora
contacto com os melómanos, a quer, por vezes, fora dele, como
da edição de 2017 da Festa Literária
pianista Gabriela Canavilhas volta na campanha presidencial
Internacional de Paraty. Em 15 anos, a a tocar em público, num concerto de António Nóvoa. Gabriela
jornalista brasileira, que prepara uma integrado na temporada musical reconhecia que quase tinha
biografia de Jorge Amado, é a nona res- que como sempre ali decorre. São deixado de tocar, e muito menos
ponsável pela programação. as "Noites de Queluz", e a atual lhe era possível aquele longo e
deputada (pelo PS) e ex-ministra constante trabalho que a uma

GONÇALO ROSA DA SILVA


MARRY POPPINS, a mulher que da Cultura interpretará obras de pianista se exige, quando agora
salvou o mundo, peça de Ricardo Neves João Domingos Bomtempo (1775- surge esta suspresa... Como foi
Neves para o Teatro Elétrico, em cena 1842). O compositor português, possível? Ele responde:
no Auditório do Complexo Paroquial de constitui para ela, a vários títulos, " Houve um simpático convite
Mangualde, a 14, às 21 e 30. uma referência: "Por ser um Gabriela Canavilhas Concerto com obras de J. D. Bomtempo no próximo dia 21, da organização da temporada
homem de causas, um pedagogo, no Palácio de Queluz musical do Palácio de Queluz.
um reformador, um patriota, Que, perante as minhas
EDGAR MARTINS expõe, até 29, na
e o único grande compositor- resistências em aceitar, tiveram a
Galeria Cristina Guerra, em Lisboa, o seu
pianista português de cariz gentileza de insistir até vencerem
último projeto, Silóquios e solilóquios as minhas hesitações iniciais.
verdadeiramente europeu do seu minutos cada - e essa "noite Recorde-se que Gabriela
sobre a morte, a vida e outros interlúdios. tempo", diz ao JL. E acrescenta: de Queluz" tem o título "Um Canavilhas, "açoriana" nascida Com uma data e um compromisso
"Por isso é com gosto e humildade compositor português no tempo em Angola - onde seu pai, marcado, fiquei obrigada a
MAFALDA SANTOS encena A última que irei tocar a sua música, com de Napoleão". Antecipando militar, prestava serviço - tem estudar, a praticar e a cumprir! E
viagem de Lenine, de António Santos, os jovens músicos da Orquestra algumas ideias do que decerto os cursos de Ciências Musicais da foi o que fiz. Nem fui aos Açores
interpretado por André Levy e em cena Concerto Moderno (do Colégio então dirá, e continuando a Universidade Nova de Lisboa, e de no verão, passei as férias a estudar
no Teatro da Trindade, de 13 a 23. Moderno), dirigida por César sublinhar o contributo cultural Piano do Conservatório Nacional, piano em Avis, religiosamente,
Viana". e cívico do artista, Canavilhas do qual desde 1986 é professora, três, quatro horas diárias, escalas,
HAMLET, de William Shakespeare, na Gabriela Canavilhas fala com acrescenta: "Bomtempo foi parte tendo ensinado antes no exercícios básicos, até conseguir
versão de Carlos J. Pessoa, para o Teatro entusiasmo do compositor e do ativa nessas transformações, Conservatório de Castelo Branco pôr os dedos a mexer de novo,
da Garagem, a partir de hoje, quarta-fei-
que representou para si: "A música quer como músico, ao fazer a e na Academia dos Amadores de devidamente. Achei curioso
de Bomtempo foi uma descoberta ponte entre o classicismo e o Música. Com uma assinalável acompanhar o progresso físico da
ra, 12, no Teatro Taborda.
determinante no meu trabalho romantismo musical em Portugal, carreira como intérprete, musculatura dos braços, a força
como pianista, e também uma quer como cidadão. Ou seja: sobretudo de compositores e agilidade dos dedos, após não
MACAU é, por seu turno, a nova reformador do ensino, pedagogo, estudar piano há 13 anos!"
revelação que se consolidou ao portugueses, clássicos e
produção - a 54.ª - do Teatro Meridional, longo dos anos e 'extravasou' o fundador, com Almeida Garrett, contemporâneos, de vários E agora, vai retomar a carreira
com estreia também hoje, quarta-feira, enquadramento musicológico. do Conservatório Nacional de destes em primeiras audições, como pianista, pelo menos dar
12. Com encenação de Natália Luiza e in- De facto, conhecer a sua música e Lisboa." E conclui: "Mais, foi tem sete álbuns gravados e deu mais concertos? A isto Gabriela
terpretação de Romeu Costa, é o quarto vida é mergulharmos na história um verdadeiro ativista político, inúmeros concertos até... Até, a Canavilhas não responde, ou
espetáculo do ciclo Contos em Viagem. sociocultural portuguesa num distinguindo-se como partidário sua formação e o seu empenho, (ainda?) não tem resposta. Mas
tempo de grandes transformações entusiasta do Liberalismo e da inclusive cívico, começarem a reconhece que "recomeçado
EUGÉNIO LISBOA lança o segundo sociais e políticas." Carta Constitucional, sempre desviar a pianista para o campo o trabalho musical, fica-me
volume das suas memórias, Acta Est E não se fica por aqui. Aliás, colocando a sua arte ao serviço da ação musical, cultural e, agora mais fácil abordar o piano
Fabula, que cobre os anos de 1957-1955, a o seu concerto em Queluz, será destas causas. O que teve enorme finalmente, também política. e explorar novos (ou velhos)
19, às 18, no Centro Nacional de Cultura, também um "concerto palestra": alcance, porque depois dele, a Assim, foi diretora artística repertórios, dando continuidade
além de interpretar quatro música e o ensino musical em do Festival MusicAtlântico, ao estudo, sem deixar cristalizar
com apresentação de Liberto Cruz.
composições de Bomtempo, Portugal ficaram um pouco mais presidente da Associação outra vez algo que esteve sempre
falará também dele e sua obra perto dos parâmetros europeus. responsável pela Orquestra subliminar em mim durante todos
JORGE MOLDER, em Paris, na
em duas intervenções de 15 Só por isso merecia ser celebrado." Metropolitana de Lisboa, estes anos". J
Galeria Bernard Bouche, com a mostra
Observations dans le noir, de 15 de outu-
bro a 26 de novembro.

RUI HORTA e Alexandre Castro Henrique Segurado: editou, em 1960. Seguiram-se


dez anos de silêncio, até (re)
maior 'movimento' até à chegada
da FNAC, e depois de duas AZ,

O Avesso do Império
Caldas em conversa sobre arte e aparecer com Ressentimento Dum estas com o grupo Valentim de
ciência, na 2.ª sessão do Salt & Pepper - Ocidental, que logo pelo título Carvalho.
Innovation Conferences, hoje, quarta- se evidenciou. Representado em O lançamento de O Avesso do
-feira, 12, no Centro Cultural de Cascais, numerosas antologias, esteve Império, que tem um desenho de
às 18. depois 41 anos sem publicar, até Rui Sanches, será no próximo
que em 2011 surgiu Almocreve das dia 25, às 19, na Sociedade
Aos 85 anos, Henrique E foi ainda com essa chancela, Palavras - Poesia 1969-1989, a de Geografia de Lisboa, com
~.{ }.~ é o curioso título da exposição
Segurado vai publicar um novo e com o nome Henrique Jorge, que aqui então nos referimos. apresentação de David Ferreira
de Dorota Jurczak, na Culturgest Porto,
livro de poemas, há muito que publicou, em 1953, o seu Durante todo aquele tem- e poemas ditos por Diogo Dória.
de 15 de outubro a 7 de janeiro, com cura-
prometido: O Avesso do Império. primeiro livro, Emigrantes do po, porém, Henrique Segurado O último, e mais curto, poema,
doria de Miguel Wandschneider. Há mais de 60 anos ele foi um Céu. Já como Henrique Segurado (Pavão) não esteve longe dos me- "Post-Scriptum": "Falcoeira sem
dos colaboradores do fascículo deu a lume Asa de Mosca, ao dia e dos livros: pela sua ligação a luva: a mão desfeita./ Já perdemos
NAO D’AMORES, de Gil Vicente, 15, 19 e 20 da Távola Redonda, qual foi atribuído, ex-aequo com O Século e, depois, a O Jornal, de os mastros e os remos./ Nada
pela Companhia e no Teatro de Almada, a revista que tinha como um António Ramos Rosa, o 2º prémio que foi administrador; e porque nos resta agora da colheita/
a partir de 15, com encenação de Ana dos principais nomes o do seu do concurso Fernando Pessoa fundo' e foi proprietário das qua- Mas fizemos do Mar o que
Zamora. amigo David Mourão-Fereira. organizado pela Ática, que o tro livrarias Castil de Lisboa, as de quisemos.".J

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt

* 5

A vida de um
Presidente.
É a biografia de um homem fascinante, boémio,
negociante, melómano, viajante, escritor, diplo-
mata e Presidente da República. Com o rigor de
um historiador e a qualidade narrativa de um
romancista, o biógrafo José Alberto Quaresma
retrata Manuel Teixeira Gomes e também
os grandes momentos da história portuguesa do
início do século xx: o advento e as contradições
da I República, a participação na I Grande Guer-
ra e a ascensão e queda do sidonismo. A obra,
que por vezes nos comove, por vezes nos diverte
e quase sempre nos interpela, é uma edição da
Imprensa Nacional-Casa da Moeda e do
Museu da Presidência da República.

Apresentação no Antigo Picadeiro Real (Museu


Nacional dos Coches), 18 de outubro de 2016
Mais informação em:
www.facebook.com/incm.livros
prelo.incm.pt
www.museu.presidencia.pt

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10-10-2016 12:41

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6* Letras jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

Mário de Carvalho
Essa perspetiva masculina andava
fora dos lençóis literários?
Penso que sim. Nestas matérias
intimas já tínhamos assistido ao

Os corpos em volta
ponto de vista feminino, ao seu en-
tendimento das relações, à forma
como estendem o sexo para outras
regiões e não propriamente esta vi-
são masculina, de um homem que
procura o prazer, aqueles instantes
de felicidade que aparecem nos
interstícios das contrariedades.
Tenho para mim, e julgo que o nar-
rador do meu livro também, que
Em cor, elegância, requinte e expressividade. A sua prosa não tem limites, reinventando-se a a vida é feita de contrariedades,
começam logo de manhã. Estes
cada livro em novas formas de surpreender e cativar o leitor. Depois de tantos romances, novelas momentos em que os corpos se
e histórias curtas, oferece-nos um volume de contos eróticos, Ronda das Mil Belas em Frol. São encontram, em júbilo e esplendor,
são momentos de felicidade raros.
histórias de corpos que se unem, sexos que se juntam, êxtases, orgasmos e fantasias que se São nesgas no meio de um ambien-
cumprem num quarto de casa de família, num hotel ou numa garçonniere. São textos em que a te pesado e cinzento, que oprime e
intimida.
ironia, o humor, o curioso e o caricato também entram dentro dos lençóis, quando os há. O JL
entrevista o escritor, 75 anos, uma das vozes mais singulares da literatura de língua portuguesa, e A esses momentos há que
descontar ainda as frustrações,
destaca o livro, seguramente um dos marcos editoriais deste ano, com a crítica de Miguel Real. Em como lembra o narrador. Não é
tarefa fácil encontrar a felicidade?
próxima edição publicaremos ainda a leitura de António Mega Ferreira É que nem sempre corre tudo
bem. E para os homens é muito
mais provável que assim acon-

D
Luís Ricardo Duarte teça. De resto, há uma diferença
muito grande - e quando falo dela
tenho sempre presente a máxima
francesa "vive la différence" - que é
a forma como a mulher tem prazer,
chega ao orgasmo e o repete, em
intensidades diversas, uns me-
lhores, outros piores, uns assim,
outros plenos, em exaltações e
entusiasmos por vezes assustado-
res na sua descrição. Sexualmente,
é muito diferente do do homem,
que mesmo no auge do prazer se
poderá revelar mais limitado. Eram
Diz-se de espírito borboleteante, estes pontos de vista que queria to-
comandado por uma curiosidade car, através de diversas situações.
sem preconceitos, nem fronteiras.
Anda de assunto em assunto, com Apetece glosar o famoso início
interesse, às vezes recolhendo de Anna Karenina: "Todos os
material, notas, rabiscos que, mais orgasmos masculinos são iguais,
tarde ou mais cedo, acabam por os femininos são cada um à sua
dar em livro. Foi assim que deu à maneira"...
estampa um inesperado manual Nunca tinha pensado nisso, mas a
de escrita criativa, Quem disse o frase adapta-se, de facto.
contrário é porque tem razão. E foi
também com esse espírito que se Há outra glosa possível de aplicar
ANTÓNIO BERNARDO

lançou para Ronda das Mil Belas em ao seu livro: "Todos os coitos
Frol, um volume de contos eróticos felizes são iguais, os infelizes são
que não deixará de surpreender cada um infeliz à sua maneira". O
o leitor, não tanto pela temática, Mário de Carvalho "A ideia da transgressão religiosa ainda está nas nossas mentes, com uma visão negativa das mulheres" narrador tem muitas deceções,
com consideráveis antecedentes mas nenhuma igual à outra.
na literatura portuguesa, mas pela Pois. Para começar, é preciso


escrita exuberante, capaz de des- afastar a ideia segundo a qual
crever o corpo, o sexo e o prazer Jornal de Letras: As primeiras tes, que suscitam seguramente um todas as mulheres são iguais. E
feminino sem repetições e vulga- reações a este livro destacaram sorriso. ainda mais a conceção machista
ridades. A perspetiva masculina do sobretudo o tema, dando pouca que diz que todas as mulheres são
encontro dos corpos foi, de resto, ênfase ao que é igualmente Referia-me mais às reações que A vida é feita de iguais da cintura para baixo. Não
o principal motor destas histórias importante: o humor, a ironia destacavam a ousadia de tocar contrariedades, é de todo verdade. Era até capaz,
se isso não fosse abuso, de falar de
curtas, tal como o afastamento de e a riqueza verbal deste livro. num tema que parece ser tabu na
um certo romantismo "delambido". Surpreendeu-o essa leitura apenas literatura portuguesa. começam logo fisionomia a propósito dos sexos.
Ronda das Mil Belas em Frol é o atenta a estas histórias de cama? A haver ousadia foi talvez ape- de manhã. Estes Houve um crítico que sugeriu que
29.º livro de Mário de Carvalho, Mário de Carvalho: O que me nas no assumir de um ponto de eu seria um idólatra. Não sei bem
que desde que se estreou, em 1981, surpreendeu foi justamente apa- vista assumidamente masculino momentos em que os a que se referia, talvez a este fas-
com Contos da Sétima Esfera, tem recerem comentários de várias e enfrentando uma realidade que corpos se encontram, cínio pelos sexos femininos, suas
publicado, alternadamente, ro- mulheres dizendo que se riram tem de ser encarada. A do desen- particularidades, todas diferentes
mances, novelas, histórias curtas, muito, desabaladamente, com este contro permanente entre homens em júbilo e esplendor, e identificadas. Sendo curioso que
teatro, folhetim, literatura infanto- livro. Se calhar os pontos em que e mulheres. E mesmo quando as são momentos de o perfeito e simétrico não é o mais
-juvenil e ensaios. Apesar do tema, encontraram motivos para rir não coisas correm da melhor forma - e interessante.
nunca foi grande leitor de litera- serão os mesmo que eu escolheria nem sempre isso acontece no livro felicidade raros. São
tura erótica, achando-a por vezes - embora não exclua essa virtu- - há sempre algo que falta, que não nesgas no meio de um Com tudo o que já disse, volto
muito aborrecida. O contrário do de do humor involuntário. Mas se compreende, não se percebe. Os ao início: como partiu para este
que deve ser o encontro entre dois há sem dúvida aspetos que são campos não coincidem. São secan-
ambiente pesado e livro? Por esse humor, por essa
corpos. caricatos, curiosos, incongruen- tes, mas não concêntricos. cinzento diferença, pela curiosidade?

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt MÁRIO DE CARVALHO
letras * 7
A matéria estava a pedi-las. Foi OS DIAS DA PROSA
muito semelhante ao Quem disser o
contrário é porque tem razão. Havia Miguel Real
matéria em bruto acumulada e al-
guma reflexão. Tinha chegado a al-
tura de pegar nela e de a trabalhar.
03-08-18 07:56

Então pega-se nos livros, quadros,


filmes e em outros aspetos da vi-

Excelente, excelente, excelente


vência pessoal e cultura e acaba-se
por se fazer um livro.

Há quem diga que a Literatura


Portuguesa lida mal com o sexo.
Essa ideia, verdadeira ou falsa,

N
também pesou? Quis, de certa
forma, testar essa afirmação?
Não dou muita importância a essas
frases que às vezes nascem em ão é difícil aplicar este título à obra de
qualquer lado e depois circu- Mário de Carvalho (MC), mas dificilmente
lam como verdades absolutas. encontramos outro livro de contos do autor
Se formos ver há uma linha de tão excelente como este Ronda das mil belas
continuidade no tratamento do em frol. Excelente porque faz o milagre de
sexo na Literatura Portuguesa. Não contar histórias sobre sexo cruzando o
vou já falar na poesia trovadoresca, atrevimento da intimidade com o pudor da
nem em Gil Vicente. Mas mesmo linguagem. À alcova romântica que excita,
no século XX há autores que se acresce o recato burguês do melindre –
têm debruçado sobre pormenores sim, adultério sim, mas resguardado, sem o picante lascivo da
bastante íntimos. E que causaram devassidão.
alguma sensação, até escândalo. Excelente porque escreve sobre sexo sem encher o texto de
Estou a pensar num autor, hoje es- impropérios, ausente de um calão doesto próprio dos antigos
quecido, chamado Afonso Ribeiro, bordéis de Alfama e do Intendente. Trata-se de um narrador
que escreveu um livro sobre uma elegante, que, peralvilho, descreve com preciosismos de
prostituta, intitulado Pão da Vida. linguagem um casquilho copulando com uma sécia. Nada
Li há muitos anos, às escondidas. literariamente mais excitante que uma metáfora, dizia nas
O meu pai escondeu-o em cima de suas aulas o padre Manuel Antunes - assim a arte de escrever
uma estante, mas eu fui lá buscá- sobre sexo em MC, com abundantes perífrases que, cruzadas,

ANTÓNIO BERNARDO
-lo. Poderia dar outros exemplos: se destinam, não a um leitor libidinoso, devasso, promíscuo,
Sedução, de José Marmelo e Silva, pornográfico, wikipédico, mas a um leitor médico da alma que
que não é exatamente à volta do observa e pratica com prazer pessoal e curiosidade diderotiana as
sexo mas tem um forte envol- pulsões lascivas do corpo. Mário de Carvalho “Escrever sobre sexo sem encher o texto de
vimento amoroso e um enorme Excelente porque a mulher (o narrador é um homem) não impropérios e calão”
fascínio pela mulher. Isto para não é, nestes contos, um objeto de prazer do homem, como o era


falar das Novas Cartas Portuguesas Amélia para o padre Amaro, não é um objeto de uma paixão
e na antologia erótica e satírica que devastadora, como a de Simão Botelho por Teresa, não é uma
a Natália Correia organizou e que heroína saramaguiana, uma desequilibrada loboantunesiana,
deu origem a muito burburinho. uma ingénua ou interesseira agustiniana, uma voragem de
prazer lúbrico luispacheciano, ou uma vexada ou opressa à
Disse que leu às escondidas o livro Maria Teresa Horta, não. É um ser humano completo, normal, É este, talvez, o grande contributo destes
do Afonso Ribeiro, o que é uma curioso do seu corpo, considerando a monogamia (as casadas) contos para a historiografia do sexo na
expressão muito ouvida em pessoas uma imposição social a que se deve obedecer, sem que deixe
da sua geração. A literatura era de aproveitar-se um momento de distração conjugal e se literatura portuguesa: o de fazer ver que o
uma outra educação sentimental e experimente uma relação carnal com outros homens. corpo da mulher também é sujeito e há muito
sexual? Não é traição. É o que o povo designa por “dar uma facada no
Completamente. Quando li esse matrimónio” sem dissolução deste. Trata-se da mulher, apenas, deixou de ser objeto
livro não tinha idade para o ler. sem adjetivação, sobretudo de ordem moral, nem Virgem Maria
Era natural que não fosse uma obra nem mulher de Sodoma e Gomorra. É este, talvez, o grande con-
de fácil alcance, tal como A vida tributo destes contos para a historiografia do sexo na literatura Evidencia uma escrita clássica, proporcionada
sexual, do Egas Moniz, que tinha portuguesa: o de fazer ver que o corpo da mulher também é sujeito nas partes, única no todo, operando uma
trechos inteiros em latim para não e há muito deixou de ser objeto. Um salto literário pós-Maria
ser lido pelo leitor vulgar. Podia ser Teresa Horta. síntese da história da língua portuguesa
considerado obsceno. É um livro Excelente porque o léxico é ambicioso, mais amplo não
que se funda e menciona outro podia ser, um imenso leque semântico como o autor há
livro muito célebre no tempo dos muito nos habituou – pormenor concreto contrabalançado
meus pais: A tragédia biológica da com erudição abstrata, medievalismos (título dionísio) perto, todo o Camilo de longe, o pudor transmontano de Araújo
mulher! Imagine. O meu livro é o com realismos à século XXI, algum romantismo serôdio (da Correia e Torga, a insinuação de Botto e a aspereza direta de
oposto, a exaltação da mulher no parte de algumas mulheres: velas, flores, quartos Nuno Bragança, o labirinto metafórico de Mário
seu prazer e nas suas escolhas. idealizados…) com posições sexuais explícitas. Trata-se, Cláudio/Tiago Veiga a escrever sobre o corpo, a ironia
em Mário de Carvalho, não já de assumir esta ou aquela de quem não leva o sexo a sério de Vasco Graça Moura
Esse prazer feminino é descrito corrente, mas de assumir uma escrita transtemporal (é apenas mais uma coisa do mundo), a serenidade
com uma linguagem muito rica, ou, talvez dito de um modo mais correcto, de literária de Fernanda Botelho quando descreve um
que nunca recorre a um palavrão. evidenciar uma escrita clássica, proporcionada nas corpo macho a penetrar um corpo fêmea. Não está
Foi essa a sua intenção? partes, única no todo, operando uma síntese da história aqui a raiva explosiva e insurrecta de Maria Isabel
O grande risco era cair na triviali- da língua portuguesa. Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta
dade e na vulgaridade, na bagatela Não é novidade na escrita do autor, os seus últimos nem a lubricidade patológica de Luís Pacheco.
e no lugar comum, o que é muito romances e livros de contos parecem ousar atingir Freud está longe, Masoch está longe, Sade está
fácil. É matéria mais melindrosa, este patamar clássico, mas Ronda das mil belas em frol longe, Bataille está longe. E, quando viramos a última
comparada com outras, cenas de atinge mesmo: fusão de períodos da história da língua, página, constatamos, à V. G. Moura, que o sexo é
guerra, por exemplo. sintaxe ora barroca, ora racionalista, ora romântica, › Mário de Carvalho importante mas talvez não seja o mais importante do
ora realista, fusão entre imagem metafórica e realidade RONDA DAS mundo a não ser quando se é adolescente ou quando
Melindrosa em que sentido? concreta, experiência da ductilidade da língua através MIL BELAS EM na infância se sofreram traumas indeléveis.
Está mais perto de uma vulgarida- de expressões de sintaxe temerária (barroca), frase FROL Conclusão: excelente, excelente, excelente, excelen-
de de café ou de leitaria. O desafio, etérea, vaga, nefelibata, lado a lado com descrição Porto Editora, 102 pp., te, quatro vezes excelente, como tentámos provar. Cabe
como se diz, era encontrar formas pormenorizada. Está aqui tudo – o primeiro Eça de 13,30 euros. ao leitor comprovar. J

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8 * letras MÁRIO DE CARVALHO jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

de aludir, mesmo quando as situa- os homens veem as mulheres.


ções são muito claras. E neste livro
não há muitas dúvidas sobre o que Disse "com alguma surpresa"
se está a passar. Uma das soluções porque estava à espera de pior?
foi a referência indireta. Quando Estava na expectativa que um
se refere que uma senhora, quando certo proselitismo feminista muito
está a atingir o êxtase máximo, diz limitado e muito sectário pudesse
umas palavras, não é preciso escre- atacar-me. Ainda não aconteceu.
vê-las. Basta imaginá-las. Pelo contrário, já recebi reações de
gozo e complacência dessa área.
Mas foi uma prova de fogo à
plasticidade da sua escrita?... No passado já lhe tinha ocorrido
Sim. O livro não foi escrito em escrever um livro com esta
muito tempo, mas cada palavra e temática?
cada frase foram medidas. Devo Livros meus têm sequências que
isso ao leitor, a qualquer leitor. podem ser consideradas ousadas. A
Aqui, com mais cautela ainda. Sala Magenta, por exemplo. A Arte
de Morrer Longe, também. Mas estão
E em relação à forma do livro, por integrados no texto e fazem parte de
que razão optou por contos breves? uma funcionalidade especial.
Quis relatar uma série de diferen-
ças e uma certa variedade. Sei que Em A Sala Magenta, uma das
poderia continuar este livro, não personagens para ser sensual basta
digo indefinidamente, mas podia existir.
fazer mais uns volumes. A varieda- A Maria Alfreda? Completamente.
de de atitudes, de comportamentos Mas aí estamos no domínio da
e de maneiras femininas é de facto paixão, que é outra coisa. Mas não

ANTÓNIO BERNARDO
muito grande. Mas não me vejo a tinha pensado antes num livro
escrever mais livros assim. Neste assim. Só agora.
sentido, ele é muito próximo de
Casos do Beco das Sardinheiras. Mário de Carvalho "O grande risco [deste tema] é cair na trivialidade e na vulgaridade, na bagatela e no lugar comum" E é ou foi leitor de literatura
Quando há 30 anos o estava a es- erótica?
crever a certa altura achei que era Não sou. O Amante de Lady


altura de parar. Poderia continuar Chatterley, de D. H. Lawrence,
com aquelas pequenas histórias. compromisso para a vida. Está porque dei esses títulos aos contos, aborreceu-me profundamente. As
Já tinha engrenado naquela vida. relacionado com o peso das reli- com uma palavra só a remeter para coisas do Philip Roth não me entu-
Aqui, à 17.ª história cheguei à giões do livro nas nossas socie- o conteúdo. O que abre o volume siasmam especialmente. E oferece-
mesma conclusão. Fechar o volume dades, na qual a sexualidade é foi mesmo o primeiro a ser escrito. A sexualidade é ram-me recentemente uma edição
também com um epílogo, em que sempre castigada. Praticamente, Os outros seguiram uma música qualquer coisa de francesa de Justine ou os infortúnios
o ponto de vista do narrador, já só se admite dentro do controlo interior, numa certa noção de da virtude, do Sade, que tinha lido
aflorado nos contos anteriores, é de uma instituição, o matrimó- harmonia. fundamental para a em jovem, em português. Também
posto a claro, como uma homena- nio. O relacionamento amoroso felicidade dos homens não é propriamente um dos meus
gem final ao sexo feminino. O meu fora do casamento é considerado O livro é dedicado aos fariseus guias espirituais.
próximo livro, posso desde já dizer, pecaminoso pelas religiões e isso pudibundos deste país. Além e das mulheres. Pode
não será sobre esta matéria. está entranhado mesmo naqueles de brandos costumes, Portugal ser um terreno de Um bom livro erótico é difícil de
que não são religiosos. No epílogo também vive envergonhado? encontrar?
O conto serviu, assim, a vontade diz-se que as relações amorosas Há por aí muita hipocrisia, muitos descoberta e exaltação Em tempos li aquelas coisas do
de glosar o mote? não são propriamente do campo vícios privados e públicas virtu- que deve ser vivido Henry Miller. E há pouco tempo, já
De condensar e captar a variedade, do nosso quotidiano, das relações des. Muitos fingirão não estar a ler depois de ter escrito este livro, fo-
o ziguezague e a surpresa. Para sociais e de negócios. Quando este livro, quando estão. Também lheei um livro da Anais Nin. Também
esse fim, o texto curto pareceu-me damos a nossa palavra cumpri- poderão estar a lê-lo no metro, não me interessou especialmente.
mais adequado. Aliás, a persona- mos. Quando temos uma dívida mas com uma capa evangélica. às forças misteriosas e cíclicas da Era muito um erotismo delambido,
gem masculina, que nem sequer pagamos. A relação amorosa está Acontece muito e sabemos porquê. natureza. com um sentido pindérico das coisas.
tem nome, não me interessa muito. ao nível da descoberta, do lúdico, É uma reserva pudibunda de sé-
Nem sei quem ele é, se é gerente da aventura. É outra área. Guerra culos e séculos, ainda por cima in- E isso está a mudar? A sua obra é muito variada,
ou não. Só sei que não pode usar é guerra, como se dizia. culcando a inferioridade feminina. Sem comparação. Uma libertação mas nos últimos anos tem
a casa e tem de recorrer à gar- Parece que os doutores da igreja tem vindo a ser assumida. Claro lançado livros que surpreendem
çonnière de um amigo ou a um O epílogo pode ser considerado um e seus oficiantes entendem que que é preciso ter em conta os gos- completamente o leitor. Um
hotel. É apenas alguém que faz 'libelo' contra o romantismo? a mulher não tem direito ao seu tos pessoais. Há mulheres que gos- manual de escrita criativa, agora
acionar as outras personagens, é Contra uma conceção errada. O prazer. Mais ainda: não pode fazer tam de ter muitos homens, outras um livro de contos eróticos. Quer
um gatilho. Faz o seu papel, mas Romantismo foi um movimento as suas escolhas. No meu livro tem que não. Não vamos assumir que fazer o que ainda não fez?
as mulheres é que enformam estes cultural e literário importante, todo o direito e todo o poder. No todas são de uma forma o outra. E Não. Resulta da minha passion
relacionamentos sexuais. muito marcado pela efusão dos livro, como talvez na vida real, o mesmo vale para o sexo mascu- papillon, para usar a expressão
sentimentos. Outra e mais popular quem comanda as relações são as lino. Não é preciso ir à Manchúria do Charles Fourier. O gosto de
Num conto, o clímax tem de ser é a visão que pressupõe certos mulheres. para descobrir homens fiéis. Eles borboleteante, de variar, de saltar
mais rápido? ambientes e lugares comuns, a que existem. As pessoas fazem as suas de coisa em coisa. A diferença que
Não me parece. O facto de um obriga o prazer a estar acom- Para algumas cabeças, êxtases escolhas. O importante é que as há de livro em livro tem a ver com
conto ser rápido não quer dizer que panhado do toque de violinos, femininos só os de Santa Teresa de façam sem constrangimentos, com isso, são exercícios diferentes desta
a ejaculação seja precoce. Eu penso cruzeiros, luares e rouxinóis. Anda Ávila, como diz o narrador. liberdade. minha curiosidade. Vamos lá abor-
que desde que se abram as janelas muito pelas vagas do sentimen- Aí está um caso espantoso de dar esta matéria, depois aquela que
da imaginação e que o leitor faça o talismo. Compreendo, por isso, o farisaísmo. A escultura do Bernini Mas estava à espera que um livro está mesmo a pedir. Nada mais.
seu próprio conto a partir do meu ponto de vista do narrador. Para é o retrato de um orgasmo e no en- com estas características pudesse
há caminho aberto para o prazer se ter prazer numa relação não tanto é apresentado como o êxtase chocar mais do que chocou até Uma última pergunta, que se
alongado. temos necessariamente de passar de uma santa. agora? calhar devia ser a primeira: coitus
pelo crivo de mariachi, cantores Até agora devo-lhe dizer, com al- ergo sum? Coito logo existo?
Algumas destas histórias são casos mexicanos, encontros em jardim. Mas em Portugal recusa-se o gum espanto, não notei que alguém Não poria nesse latim. Mas se
de adultério. É um picante para a Podemos estar em qualquer lado, prazer? tivesse ficado chocado. Tenho notí- me perguntar se a sexualidade é
cena amorosa? desde que os corpos se entendam. Às vezes parece pecado. A ideia da cia de pessoas mais idosas, mais qualquer coisa de fundamental,
No livro há mulheres casadas, transgressão religiosa ainda está velhas que eu, que terão pergunta- eu diria que sim. Para a felicidade
outras não. Num caso ou noutro Teve alguma atenção à organização nas nossas mentes, com a tal visão do por que é que eu me pus a fazer dos homens e das mulheres. Pode
pode suscitar os sentimentos dos contos? negativa das mulheres. Não é o isto. Mas as reações, como disse, ser um terreno de descoberta e
de culpa muito inculcados que Seguiram um certo desenvolvi- feiticeiro que mete medo, mas a foram positivas. Gerou-se até uma exaltação que deve ser vivido e
resultam de se ter tomado um mento que não saberia explicar. Sei bruxa. A suposição da sua ligação certa curiosidade sobre como é que preservado. JL

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt LIVROS
letras * 9

António Lobo Antunes


Os misteriosos matusaléns do escritor
Para Aquela Que Está Sentada No Escuro À Minha Espera, o novo romance do autor, Prémio Camões, cuja obra não cessa de
se ampliar e ganhar projeção internacional, chega às livrarias no próximo dia 18. Aqui se antecipa a sua leitura, por um
dos atuais mais destacados estudiosos dessa obra, doutorado em Ciências da Literatura pela Universidade do Minho com
uma tese sobre a presença nela da Guerra Colonial , autor também do ensaio, acabado de publicar em livro (Ed. Texto),
António Lobo Antunes: As Formas Mudadas

Norberto do Vale Cardoso os ex-maridos e uma coterie – Não se recorda de nada?


de objetos (animados e mortos há tanto tempo
inanimados, mudando e e no entanto aqui, como
O novo romance de António suspendendo-se de forma a deram comigo em Lisboa no
Lobo Antunes, realça um tema meio da noite, como a estatueta apartamento que não conhecem
sobejamente importante na de uma rapariga agarrada a de uma rua que não conhecem
obra deste autor: a memória. um cisne) que, entre a luz e também […]" (p. 263)
Numa linha de continuidade, as sombras da recordação,
este romance retoma aspetos de vai cruzando o mundo do Esse esbatimento torna-se evi-
obras anteriores, em constantes espetáculo com o da memória. dente quando se refere que a pró-
reenvios e alusões que devem A memória é, pois, o pria atriz faleceu antes dos pais (p.
ter em conta o corpus textual compasso que controla o 311), o que coloca o leitor perante a
antuniano, constituído hoje por ritmo do presente, tendo em impossibilidade de toda a narra-
27 romances publicados. conta que a ex-atriz padece tiva memorialística. As fugas da
Alguns aspetos deste livro, de Alzheimer (palavra memória conduzem a deslizamen-
GONÇALO ROSA DA SILVA

Para Aquela Que Está Sentada No não pronunciada, sempre tos da verdade. A referência cen-
Escuro À Minha Espera, passam subentendida), oscilando entre tral poderá ser Pedro Páramo, de
por: a) referências a cantilenas perdas de memória e espantosas Juan Rulfo, que nos revela como
("Pico pico sardanico quem te recordações. Podemos dizer a fronteira entre a vida e a morte
deu tamanho bico", ou "Dança o António Lobo Antunes "Escrita, espetáculo e memória – três motivos interligados que essa situação conduz ao é ténue na literatura. Em Pedro
cão dança o gato dança o feijão e centrais no romance" que William Faulkner diz Páramo, a procura da mãe há de
carrapato", que é título de uma numa passagem de Uma Luz Em traduzir-se num encontro insólito


crónica) e passagens bíblicas (a Agosto: "A memória acredita para, no final, tudo ser colocado
parábola do grão de mostarda, antes de o conhecimento em dúvida. Ora em Para Aquela...
a título de exemplo), bem como de viver da narradora que, aliás, recordar. Acredita por mais é a filha quem procura o pai, par-
intertextualidades (citação de também padece de uma doença). tempo que recorda, por mais tindo da doença, que – não o des-
excertos do poema “A lua de Não obstante todos esses tempo até que o conhecimento curemos – metaforiza o processo
Londres”, de João de Lemos, temas e micronarrativas, é em Numa linha de se interroga (…)" (ed. D. Quixote, da criação romanesca, ligado à
autor do século XIX); e, b) acima torno da memória que gira a continuidade, este 2016, p. 107). Assim, em Lisboa, memória. Daí também a impor-
de tudo, uma profusão de temas temporalidade da narrativa ao cuidado de uma senhora tância da noite ou do escuro, pois
e lateralizações, quase sempre de Para Aquela..., romance
novo romance de idade, sob a supervisão do a entidade feminina procura o seu
presentes nos seus romances, que não é estruturado apenas retoma aspetos de sobrinho do marido já falecido, quarto no escuro da casa, acorda
tais como: em narrativas descontínuas a voz feminina recorda todos de manhã e apercebe-se de que
o suicídio (de que ou emaranhados, mas
obras anteriores, em os que estão mortos, mas, as coisas mudam durante a noite,
encontramos, em Para Aquela…, especialmente numa fruição constantes reenvios ainda assim, vivos dentro desde o olhar do gato (símbolo
três situações); a casa (lugar
matricial, também aqui
da própria memória, feita,
afinal, de descontinuidades,
e alusões que devem dela, como se constata "que
estranha forma de viver têm
heterogéneo da ligação entre o
terreno e o além) ao rosnar do
presente através da casa dos incertezas, interditos, elipses, ter em conta o corpus os mortos" (Para Aquela…, p. galgo (o que lembra a raposa de A
pais da protagonista, em Faro); avanços, recuos, esquecimentos textual antuniano, 74). Ora essa capacidade de a Ordem Natural das Coisas). Não há
alusões onomásticas (a prima e recordações. A protagonista memória acreditar antes de o apenas rememoração, mas uma
da protagonista chama-se e narradora do romance é de constituído hoje por 27 conhecimento recordar, leva construção imagística.
‘Antonina’; o pai da personagem facto alguém que sofre de perdas romances a mulher a pensar que os seus Escrita, espetáculo e memória
principal teria tido uma de memória que a incapacitam pais (mortos há anos) tocam – três motivos interligados e
relação extraconjugal com a para a vida profissional (era à campainha e se regozijam centrais no romance. Ora a
‘filha do Antunes’); a exclusão atriz e principia a esquecer- A memória será, por ela estar prestes fazer 78 atriz foi perdendo as palavras
social (a homossexualidade, se das falas, tendo ‘brancas’ anos. Estabelece-se aqui uma até ficar muda, mesmo que no
o travestismo e a miséria); a quando procura as palavras) afinal, a palavra que ligação entre a memória do seu interior ela não acredite
importância do voar (a entidade e – paulatinamente - para a se deseja longeva, ou que aconteceu e a memória do nessas perdas. Como em Pedro
feminina recorda como a mãe vida pessoal, o que a impede de que se imaginou acontecer, Páramo, o silêncio permite que
lhe dava de comer enquanto viver sem o auxílio de alguém,
seja, a sobrevivência da potencializando-se, na escrita se apaguem de nós os ruídos
ela voava) e da figura paterna aguardando-se, em última literatura à passagem do ficcional, um abalo na fronteira e as vozes dos outros para
(o pai era o único que a tratava análise, o seu falecimento. entre o mundo dos vivos e o dos escutarmos a nossa própria
por "Filhinha" e não pelo nome A memória, como os três
tempo, às brancas que mortos: voz, o que sucede com a
próprio); as menções ao mundo andamentos em que o romance a memória possa ter no entidade feminina que deixa de
do espetáculo (a protagonista
foi atriz; o pai parece-se com
se estrutura (tendo cada um
deles oito capítulos), tem graus
espetáculo da vida "[…] a senhora de idade para a
minha mãe
verbalizar o que, afinal, passa a
falar interiormente. O sobrinho
um ‘Charlot’; um amigo do pai de velocidade e a personagem – Não lhe pergunte seja o do marido e o médico acham
pertence a uma companhia de recorda, a partir da doença que que for que ela para além de não que ela não fala, mas essa (in)
teatro ambulante); e a doença a assola no presente, a infância ora se silencia), um amigo que falar aptidão para usar as palavras
(a irmã chamava-se Corália passada em Faro, a relação entre andara com o pai na tropa e que não se recorda de nada liga-se ao ofício da escrita
e faleceu de difteria, o que os pais (com destaque para o augurava para ela um futuro o meu pai para a senhora de como uma criação inquietante.
intensificou a responsabilidade ‘crucifixo’ que ora se move promissor nas artes dramáticas, idade espantado Não deixa, pois, de ser curioso

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1o * letras LIVROS jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

que, no romance de António PALAVRA DE POESIA


Lobo Antunes seja aquela que
duvida e se esquece das coisas António Carlos Cortez
(a irmã existe e não existe; o
gato morreu com uma injeção

Mário Dionísio
dada pelo veterinário; o galgo
que desaparece e é apenas uma
imagem num avental) quem
se ocupe da escrita do livro (p.

Memória de um poeta (des)conhecido


193).
A escrita/espetáculo/
memória aparece-nos em todo
o seu esplendor quando Lobo
Antunes encontra ligações
entre elementos díspares. A
título de exemplo, a mulher
doente que vai ao cabeleireiro, No ano do centenário do seu nascimento (ler o Tema que lhe dedicou o JL na sua edição 1195, de 20
que se pinta, que se reinventa
para parecer e se sentir sã, é de julho passado), e em vésperas do colóquio, de que damos notícia no Em Destaque, sobre a sua
comparada ao travestismo; os multifacetada obra como poeta, romancista, contista, ensaísta, crítico, para não falar do professor
aplausos do público no teatro
são comparados aos do médico e cidadão, a análise da sua Poesia Completa, editada pela Imprensa Nacional/ Casa da Moeda
e do sobrinho por afinidade
quando ela se lembra de algo
que a doença parecia ter Um dos principais motivos de interesse procura escapar à mera descrição/de-
apagado em definitivo. Isto sem da publicação da Poesia Completa, de núncia com que os neorrealistas foram
esquecermos que ela desejava Mário Dionísio (1916-1993), reside atacados), como não ver as aproxima-
que "as pessoas" aplaudissem no esclarecimento que esta edição ções com a linguagem de Álvaro de
o pai "ao aplaudirem-me" (p. possibilita a quantos têm pensado Campos (motivos como o bar, o café, a
60), e também que, no final do sobre o neorrealismo como movimen- cidade, o Tejo, os trabalhadores, numa
romance, o pai é referido como to poético dos anos 30 e 40 do século poética de dicotomias entre o eu e os
um ‘palhaço’ e um ‘pateta’ na passado. Mário Dionísio, o autor da outros, entre o eu e o mundo), quer
direção de quem ela corre, pois célebre “Ficha 14”, o romancista de mesmo com autores que não julgaría-
deverá ser ele quem a espera Não há Morte nem Princípio, o extraor- mos poder relacionar com o autor de
no escuro. O jogo burlesco dinário crítico de arte, responsável O Riso Dissonante, nomeadamente um
faz parte da mundividência pelas cerca de mil páginas de A Paleta e certo Torga ou mesmo algum Régio?
antuniana, servindo de base o Mundo, isso mesmo procura explicar Na verdade, esta edição como que
para o entendimento do que é a no prefácio (no anti-prefácio, diga-se) obriga o leitor a redefinir ou a rechaçar
memória: de 1966: “[...] o dito neorrealismo não eventuais preconceitos em relação a
"– Há meses que não a via foi um movimento decorrente da II Dionísio. Como escreve Jorge Silva
assim bem disposta a falar do Grande Guerra, a qual, como talvez Melo em agudíssimo prefácio, incisivo
teatro a ainda se lembrem, só começou em e breve, mas indo ao âmago da obra do
falar dos pais dá ideia que setembro de 1939, nem, muito menos, poeta, estamos perante uma persona-
recuperou a memória lembra-se um epigonismo português do que viria lidade literária complexa, porquanto
das traineiras das gaivotas a passar-se em França na década de a sua poesia não é intimista, mas é da

ARQ. VISÃO/INÁCIO LUDGERO


lembra-se de praticamente 40. [...] No meu caso pessoal (e não intimidade; não é exortativa, apesar de
tudo o estafermo, que só nele, decerto) nada teve também a afirmativa, nem – como se generalizou
misteriosos os matusaléns, dão poesia neorrealista com uma hipotética ao falar de neorrealismo – apologética
ideia que a cair e quando menos evolução da presença, de que, mais ou ou tonitruante.
se espera arrebitam" (p. 231) menos por essa altura [...] só conhecia Com razão diz Silva Melo que
Eis que a memória, definida o excelente Sempre e sem fim, de Adolfo Mário Dionísio “Esta edição como que obriga o leitor a redefinir ou a rechaçar a poesia de MD "se colocou desde
como misteriosos matusaléns Casais Monteiro, que algum eco deixou eventuais preconceitos” em relação ao poeta sempre no limiar do poético, duvidan-
(recordando aqui o Livro do nos Poemas, escritos, publicados [...] do, reduzindo vocabulário, evitando


Génesis, onde se afirma que nesses anos de começo, naturalmente lindezas ou agruras. Não é exclama-
Matusalém viveu 969 anos), exaltado e, todavia, tateante, em que tiva, nem expansiva. Foge até roçar a
será, afinal, a palavra que todo o meu entusiasmo ia para a poesia esqueça também o conhecido ensaio pobreza da prosa [...]." (p.8). E, com
se deseja longeva, ou seja, a espanhola que acabara de descobrir de de Mário Sacramento, Há Uma Estética efeito, a poética dionisíaca é feita disso
sobrevivência da literatura à Altolaguirre, de Emilio Prados, sobretu- Neorrealista?, trabalho seminal e onde Para além da atenção tudo – de uma pesquisa rítmica, de
passagem do tempo, às brancas do a de Rafel Alberti, cuja antologia de se postula que o neorrealismo é uma repetições e reiterações, de variações
que a memória possa ter no 1934 me deslumbrara.» (p.19). designação talvez insuficiente para prestada às gentes e versificatórias e imagísticas que, quase
espetáculo da vida. J Creio que é essencial reler Mário esclarecer até o intimismo e alguma coisas que povoam sempre, convocam a realidade, mas não
Dionísio (MD) – e não só, já que de confessionalidade de poemas que não literalizam a realidade vista ou vivida.
poetas neorrealistas, congregados em negaram o lirismo ao mesmo tempo cidades, Dionísio nunca Daí a referência a Rafael Alberti e a
torno do "Novo Cancioneiro", se trata que pensavam também sobre uma se desviou do ‘problema’ Altolaguirre ou Emilio Prado. Diga-se,
– à luz destas suas palavras e do que o época em que fascismo, nazismo e já agora, que Alberti e as fases do seu
mesmo explicitou em inúmeros ensaios comunismo, a par das democracias central da poesia: as lirismo de algum modo encontram em
respeitantes à questão equívoca de sa- liberais, se enfrentavam. palavras com que se pode Dionísio (o de Poemas, de 1936-38 e de
ber se a poesia feita ao abrigo daquelas Talvez por ter havido sempre uma As Solicitações e Emboscadas, de 1945)
publicações (poesia e artigos que já em fidelidade ao lirismo como expressão
interrogar o homem, o uma curiosa similitude, descontando
órgãos como Sol Nascente ou O Diabo das pulsões de um eu angustiado, por tempo, a morte, temática a fase neopopulista do autor espanhol,
deve ser relida, equacionando o que meio de uma linguagem que recuperava que resgatou em Marinero en Terra e em
quer dizer neorrealismo, que significa de Álvaro de Campos, mas também de
sua por excelência El Alba del Alheli (1922-1927) o cancio-
ter-se escrito literatura neorrealista Casais, essa dimensão esfacelada do neiro andaluz e o folclore.
em Portugal...) era devedora ou não sujeito moderno que, não podendo ser É que, como Alberti, também
de influências do romance brasileiro nada, não querendo ser nada, tinha, dirimindo as consequências de Julien Dionísio não ficou imune a certas
nordestino (no que toca à prosa) ou da apesar disso, em si, todos os sonhos do Benda e o problema da traição dos marcas do discurso surrealista (Cal y
necessidade de responder ao magistério mundo, muitos não tenham compreen- intelectuais) em relação à de Coimbra Canto mostra, no espanhol, essa in-
› António Lobo Antunes do presencismo. Eduardo Lourenço, dido que a reação da chamada escola de (Régio e os da presença), mais do que fluência), que pressentimos não apenas
PARA AQUELA QUE de resto, não deixou de colocar sob Lisboa (os neorrealistas e Dionísio em reação era um reposicionamento. na sugestão de uma epígrafe de Tzara
ESTÁ SENTADA NO suspeita a questão da poética neor- particular, dado ser o teórico destacado Lendo os poemas de MD e certas no volume de 1950, mas, em livros
ESCURO À MINHA realista ao escrever sobre Cochofel, e de um grupo literário onde se pensava injunções típicas do seu estilo (a prosa, anteriores, em cujos textos, apesar de
ESPERA muito em particular sobre a dimensão a arte e as suas relações com o meio a construção coloquial do discurso, o não haver a ilogicidade cara aos mais
D. Quixote, 352 pp., 19,99 euros trágica em Carlos de Oliveira. Não se social e a responsabilidade do artista, efeito dramático e de encenação que destacados poetas surrealistas (o livre

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt LIVROS, COLUNA
letras * 11
curso do inconsciente no fazer poético,
a exaltação da chamada "realidade
maravilhosa" de Breton, a escrita auto-

À MARGEM...
mática), ou melhor, a certa necessidade
de também descobrir, a partir do real, EDUARDO LOURENÇO
um novo modo de o dizer. Poemas
como "Ainda é tempo" ou "Meu galope
é em frente", publicado em 1942, como

O regresso de um fantasma
que se deixam penetrar quer por súbitas
associações, quer por imperativas
formas frásicas que reenviam àquela
assunção do individualismo que pautou
a linguagem presencista: "Eu sigo e
seguirei/ como um doido ou um anjo/
obstinado e heroico a caminho de nós/
em palavras e ações/ Por todos os ven-
davais/ e temporais/ e multidões/ [...]/
Direis que não é poesia/ e a mim que me Stefan Zweig (1881-1942), austríaco de origem judaica, foi um dos mais famosos escritores mundiais, dos mais
importa!" (p.118). editados e lidos, nomeadamente em Portugal. Romancista, dramaturgo, poeta, biógrafo, ensaísta, essa fama
Mas o mesmo MD que em tantos
momentos lembra, nas metáforas consolidou-se a partir sobretudo da década de 20 do século passado e prolongou-se muito para
("passos de sombra atravessam culatras
e tambores/ com braçadas de pombas",
lá do seu suicídio no exílio brasileiro. Mesmo entre nós, sobretudo a Relógio d’Água e a Assírio &
"um corpo de alga só imagem/ de lusco- Alvim editaram-no nos últimos anos, como já aconteceu em 2016 com a segunda e a Aletheia.
-fusco e fim de tarde") certo José Gomes
Ferreira, que não por acaso muitos veem
Mas a chancela que tem mais livros seus publicados, desde há muitas décadas, é a Civilização.

N
como um predecessor dos neorrealistas, Este texto, inédito e inacabado, do autor do Labirinto da Saudade, é datável dos anos 70
não deixou de evoluir de uma dicção
mais claramente social ("Direis que não
é poesia/ E a mim que importa/ se eu ão é proibido imaginar
estou aqui apenas para escancarar a que estava nas mãos
porta/ e derrubar os muros?"), onde a dos deuses a possibi-
íntima visão do amor e das dificuldades lidade de termos uma
de viver emparedado se mistura sempre biografia do nosso “in-
com mensagens velada ou explictamen- disciplinador” de al-
te políticas (leia-se "Balada dos Amigos mas pelo mais célebre
Separados"), para esse inclassificável biógrafo da sua época,
livro de 1965, Memória dum Pintor Stefan Zweig. Sem um
Desconhecido, onde o tema da compo- sublime filme de Max Ophüls o seu nome talvez
sição da pintura é um modo de pensar a não dissesse grande coisa à jovem geração. Para
composição do poema. a minha, o autor da Confusão de Sentimentos e
De facto, para além da atenção Amok dizia de mais. Para a geração crítica que
prestada às gentes e coisas que povoam então, como é de norma, separava sem com-
cidades (operários, prostitutas, en- placências os vivos dos mortos, o pobre Stefan
gomadeiras, camiões, automóveis...), Zweig, puro produto da Viena misteriosa dos
Mário Dionísio nunca se desviou, apesar começos do século, tinha o pecado sem remis-
da dispersão (poesia, pintura, ensaísmo, são de ser lido por toda a gente. A celebridade
ensino, crítica) do problema central tornara-o, entre nós, um autor maldito.
da poesia: as palavras com que se pode É estranho este poder repressivo dos beaux
interrogar o homem, o tempo, a morte, esprits de uma época, a sua capacidade de dar
temática sua por excelência. E talvez má consciência até aqueles leitores lúcidos que Stefan Zweig "Tinha o pecado sem remissão de ser lido por toda a gente. A celebridade tornara-o,
por isso, num livro como Le Feu qui Dort neles encontram o sabor sem nome da litera- entre nós, um autor maldito"
(1967) esta poesia da reiteração, dos tura que entusiasma e encanta sem excessivo


trabalhos e dos dias, das ambições frus- artifício. Nem a sua morte, tragédia individual
tradas só podia trazer a marca do exílio. perdida na mais vasta da II Guerra Mundial, lhe
Escrito em francês, o poeta constrói aí, conferiu aquela aura que é costume reservar cuja vaga de fundo só agora repousa ou se
como o Nemésio de La Voyelle Promise apenas aos autores confidenciais, àqueles que extenua em caoticidade assumida e euforica-
(1935), qualquer coisa de imprevisto, distinguem quem em pequena companhia os Stefan Zweig pertenceu a um mente glosada.
de dramático, tal como tinha sido o seu devora em comum. É curioso que uma geração que descobriu e
livro de estreia onde o assunto primor- Decerto Stefan Zweig não é um “revolu-
mundo que nasceu fatigado e exaltou, entre nós, um autor como Dostoiewski
dial não estava nessa "casa deserta/ cionário” da escrita, um Joyce ou um Proust, se sentia condenado à morte. (via Gide), que teve, como nenhuma outra
sozinha, sozinha», mas na repetição mas também o não eram os que há 50 anos o antes dela, a paixão da verdade psicológica
de um vocábulo, na fixação de imagens desdenhavam e hoje ficariam perplexos dian-
Ele explorou, como vizinho profunda dos seres humanos, não tenha visto
que não podem ser lidas hoje segundo te de uma aceitação e de uma re-descoberta e correligionário de Freud em Stefan Zweig uma espécie de Dostoiewski
aquela fácil (mas esgotada ideia) de que
o neorrealismo foi a descrição/denún-
que lhes pareceria um contrassenso. Zweig
pertenceu a um mundo que nasceu fatigado
que era, na mesma capital polido ou um Proust apressado na exploração
de recessos similares. Tudo se passa como se
cia. E, por isso, como Alberti, é o exílio e se sentia condenado à morte. Ele explorou, crepuscular e visionária, essa para essa geração, mestra e educadora da mi-
o ponto de fuga para que esta poesia como vizinho e correligionário de Freud que fadiga e essa morte anunciada nha, Freud tivesse sido menos uma referência
aponta, e que o poema XCI de Terceira era, na mesma capital crepuscular e visioná- que um ecrã e, mesmo, um espelho suspeito.
Idade (1982) resume: "Concha quase ria, essa fadiga e essa morte anunciada nela nela de que será cronista ultra- O que não admira pois só bem recentemente o
fechada/ mergulhando/ no silêncio e no de que será cronista ultra-sensível e vítima sensível e vítima propiciatória passeio no inconsciente se tornou familiar aos
mar/ de que nasceu" (p.571).J propiciatória. Quando se suicida no Brasil, em nossos escritores.
Petrópolis, em 1940, o seu mundo fora des- É verdade que Stefan Zweig pertencia a uma
truído até à raíz e a própria história humana Era de uma raça com tradições raça com tradições entre nós, a dos “gran-
parecia sem futuro. des europeus”, a da gente preocupada com
Todos os grandes autores da primeira entre nós, a dos ‘grandes o destino europeu em processo suicidário, à
metade do século adivinharam esse apocalip- europeus’, a da gente preocu- raça dos “humanistas” da tradição romântica,
› Mário Dionísio se, mas poucos descreveram tão bem, como
pada com o destino europeu Romain Rolland, Thomas Mann, humanisno
POESIA Stefan Zweig, não apenas os mal-estares dos conscientemente voluntarista, vivido como
COMPLETA diversos alunos Törless da época como o mal- em processo suicidário, a raça defesa contra uma barbárie de que, todos eles,
-estar da alma europeia, no momento exato paradoxalmente, conheciam a ‘indesraizável’
Imprensa Nacional/
em que na esfera privada crescia um crepús-
dos ‘humanistas’ da tradição presença no coração dos homens e da humani-
Casa da Moeda, 592
pp., 30 euros culo sentimental e uma confusão de valores romântica dade inteira.J

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12 * letras ESTANTE jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

As cartas de amor de Ovídio ridade em Roma. "Não é somente o desejo de


vingança da mulher traída que está em causa,
porque, nalguns casos, nem traição houve; o
que está em causa é a certeza de que aquela
mulher que assim fala pretende ser, pelo me-
nos, tão senhora de si e da sua trama como se-
Traduzir toda a poesia latina de amor do século Entre toda a produção literária do grande riam os homens do seu tempo, a começar por
de Augusto é um projeto ambicioso, mas Carlos poeta romano, Heróidas ocupa um lugar sin- aquele a quem se dirige. Dona de amar e de ser
Ascenso André não tem fraquejado na determi- gular, já que, situando-se no plano dos mitos amada, dona de decidir sobre o quem, o quê,
nação. Mesmo as novas longitudes profissionais, (como Metamorfoses), tem uma forma única e o quando", escreve, sobre a impressão geral
que o levaram da Universidade de Coimbra para para a época: a carta. Vinte e uma no total, 18 das cartas, Carlos Ascenso André. "Outras são,
o Instituto Politécnico de Macau, onde é res- de mulheres, três de homens, cada uma (ou apenas, queixumes; poucas, em boa verdade.
ponsável pela divulgação da Língua Portuguesa um) dirigindo-se ao seu (sua) amado(a). Com E há, ainda, cartas que são indignação, outras
na China, não se revelaram um obstáculo. Em uma outra particularidade: são deuses e figuras que são apelo, outras que são aceitação, outras
2015, deu-nos os Poemas de Tibulo, fragmentos mitológicas falando entre si. que são lamento. Prevalece, no entanto, na
de um amor exacerbado. Este ano, regressa com Da primeira fase criativa de Ovídio (antes maioria, o eu que escreve, na sua identidade
Heróidas, de Ovídio, de quem já tinha traduzido do seu exílio para lá das fronteiras do império › Ovídio própria de mulher. E isso é bem ao arrepio
Arte de Amar, Amores e Remédios Contra o Amor, romano, de onde escreverá outras epístolas), HERÓIDES da hierarquia social do seu tempo, se tempo
volumes, como este, publicados na Cotovia, na estas Heróidas foram escritas numa altura em Tradução de Carlos Ascenso tiveram, e do tempo do poeta que assim as faz
coleção de autores Clássicos. que o poeta gozava de uma enorme popula- André, Cotovia, 200 pp, 25 euros reviver". J

FICÇÃO de Madrid, com o atrativo sonho, forma-os e ensina-os para aí que Tod vai trabalhar vários outros países
adicional de o escritor a entender melhor o mundo como médico assistente a escritora basca
Maria Gabriela também integrar o elenco, no
papel do duque de Ugolino.
real, a vida quotidiana, com
as suas misérias e grandezas".
do seu tio. Mas tudo lhe
parecerá muito estranho. As
Dolores Redondo.
Neste desfecho, que
Llansol Os contos da Peste é uma
homenagem ao Decameron, › Mário Vargas Llosa
pessoas ficam mais jovens,
os dias andam para trás e as
se segue a O Guardião
Invisível e Legado
Publicado a célebre e emblemática OS CONTOS DA PESTE conversas começam pelo fim. nos Ossos, a morte
inicialmente em obra de Boccaccio que o D. Quixote, 208 pp, 17,90 euros "Qualquer coisa não está a de Rosario não é
1990, Um beijo Prémio Nobel da Literatura funcionar bem: este corpo em suficiente para descansar Amaia,
dado mais tarde, em 2010 leu pela primeira que eu estou não quer aceitar inspectora da Polícia Foral.
de Maria Gabriela
Llansol, tem nova
vez na juventude. Ao correr
das releituras foi notando Martin Amis ordens desta minha vontade",
apercebe-se o narrador. "Olha
Conseguiu encontrar o filho, em
segurança, mas sente que nem
edição, na Assírio a dimensão teatral da obra Finalista do em teu redor, digo eu. Mas o tudo está resolvido. E um novo
& Alvim, integrada (sobretudo no início) e Booker Prize, em pescoço dele ignora-me. Os assassinato vem dar-lhe razão. O
no relançamento de toda a sua sedimentando a vontade de 1991, A Seta do olhos dele têm a sua própria verdadeiro mistério por de trás da
obra e na publicação de vasto a transpor para o palco. "A Tempo é um dos agenda. Será sério? Estaremos tragédia do vale de Baztán ainda
material inédito. O volume é avidez de gozo e prazer dos grandes romances bem? (...) Porque estou eu a está por descobrir.
agora acrescido de um cuidado dez jovens encerrados em de Martin Amis. entrar em casa caminhando às
gráfico (marcado pelas fotos de Villa Palmieri nasce como Para quem leu arrecuas?" › Dolores Redondo
Duarte Belo) e de um posfácio um antídoto do horror que recentemente OFERENDA À TEMPESTADE
assinado por João Barrento, neles provoca o espetáculo da A Zona de Interesse, de 2014, › Martin Amis Tradução de Ana Maria Pinto da Silva, Planeta,
grande amigo da escritora e peste que converteu as ruas será ainda mais interessante A SETA DO TEMPO 488 pp, 20,95 euros
responsável pelo seu espólio, de Florença num quotidiano (re)descobrir esta incursão Tradução de Jorge Pereirinha Pires, Quetzal,
à guarda do Espaço Llansol. de apocalipse", lembra, na pela Alemanha nazi e pela 208 pp, 16,60 euros
"Estamos hoje em condições de introdução, Vargas Llosa. barbaridade do século XX. POESIA
ler melhor Um beijo dado mais "As histórias de Boccaccio É, no entanto, a forma do
tarde, à luz de livros posteriores
como O Senhor de Herbais e
transportam os leitores
(e os que os ouvem) a um
romance que mais cativa.
A Seta do Tempo tem como Dolores Gonçalo Salvado
O Jogo da Liberdade da Alma.
É-nos ainda mais fácil perceber
mundo de fantasia, mas esse
mundo tem umas raízes bem
protagonista Tod T. Friendly,
personagem inspirada em
Redondo Com o título
Cântico dos Cânticos
como aquilo que poderia mergulhadas na realidade Mengele, o médico responsável Com Oferenda à Tempestade sai - em volume
parecer uma história familiar é do vivido. Por isso, além pelas mais atrozes experiências encerra-se a trilogia do Baztán, editado com o apoio
uma não-história-de-família, de os fazer partilhar um científicas em Auschwitz. É que celebrizou em Espanha e em da Câmara de Castelo
um não-romance (de fundo Branco, no contexto
autobiográfico)", sugere João da inauguração da
Barrento. Um livro em que os Casa da Memória
desígnios da escrita de Maria
Gabriela Llansol surgem com
toda a sua força: o apagamento
Três romances que precisam de ser resolvidos. Lisa
Hilton é uma jornalista inglesa, crítica
de arte e locutora de rádio. Como seu
da Presença Judaica naquela
cidade - um longo poema,
'dividido' em muitos poemas,
do eu e o escrever não sobre, nome assinou várias biografias e ro- de Gonçalo Salvado (GS), por
mas com os livros e a vida. mances históricos. Pelo nome de L. S. sua vez parte do seu livro Duplo
Em várias coleções, a Editorial › L. S. Hilton Hilton lançou-se no thriller psicológi- Esplendor. Em prefácio, Maria
› Maria Gabriela Llansol Presença tem editado inúmeros ro- MAESTRA co. Maestra conta a história de Judith João Fernandes escreve que
UM BEIJO DADO MAIS mances, de autores, temas e públi- Tradução de Jorge Freire, Rashleigh, que durante o dia trabalha "no esplendor intraduzível das
TARDE cos muito diversos. A série Grandes Presença, 312 pp, 16,90 euros numa prestigiada leiloeira londrina suas metáforas, GS preserva
Assírio & Alvim, 160 pp, 14,40 euros Narrativas aproxima-se dos 650 tí- e à noite torna-se acompanhante de na moderna poesia portuguesa
tulos. Entre as últimas publicações › Fredrik Backman luxo. Os dois ofícios, porém, nem a grande tradição do amor, na
conta-se Um Homem Chamado UM HOMEM sempre se revelam compatíveis. A esteira cintilante do Cântico
Vargas Llosa Ove, de Fredrik Backman, blogger
e colunista sueco que neste livro
CHAMADO OVE
Tradução de Alberto
fatura da ascensão social à margem da
lei mais cedo ou mais tarde terá de ser
dos Cânticos, motivo condutor
da sua obra". O volume tem a
A par de teve a sua estreia na ficção. Ove é Gomes, Presença, 312 pp, paga. O mesmo registo tem O que ela originalidade de ser bilingue, em
romances, um homem rabugento, caracte- 16,90 euros deixou, a estreia literária do jornalista português e hebraico (tradução
novelas e rística que piorou com a idade e inglês T. R. Richmond. Quando o de Francisco A. B. Costa Reis), e
contos, Mario com a morte da mulher. Certo dia › T.R. Richmond corpo de Alice Salmon é encontrado, tem capa e numerosos desenhos/
Vargas Llosa decide suicidar-se, mas o mundo O QUE ELA um dos seus professores inicia uma ilustrações do conhecido escultor
tem escrito com parece conspirar contra ele. Novos DEIXOU investigação que passará pela leitura João Cutileiro.
regularidade vizinhos, um amigo prestes a do seu diário e da sua atividade nas
para teatro. A ser internado, um gato vadio,
Tradução de Maria
Eduarda Colares, Presença, redes sociais. JL › Gonçalo Salvado
sua décima peça estreou-se pequenos e grandes contratempos 312 pp, 17,90 euros CÂNTICO DOS CÂNTICOS
em 2015, no Teatro Español RJV Editores, 116 pp.,

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt ESTANTE
letras * 13
Casimiro › Casimiro de Brito
houve qualquer pretensão
de cobrir todo o campo da
problema histórico: para os
povos da Antiguidade, esta
seguramente por
todos os leitores de
de Brito APOTEOSE
DAS PEQUENAS COISAS
'contemporaneidade' para chegar
ao momento atual. Pelo contrário,
cor conta pouco; para os
Romanos, é até desagradável
todos os séculos
do dramaturgo
Nas "Obras de Lua de Marfim, 256 pp., 16 euros as perspetivas de síntese e as e depreciativa: é a cor dos inglês, preparou
Casimiro de Brito", análises dos vários capítulos Bárbaros. Ora, nos nossos dias, um volume com
o seu quarto livro mais não pretendem do que ser o azul é de longe a cor preferida algumas das
nelas integrado: OUTROS uma reflexão sobre os caminhos de todos os Europeus, bem à suas máximas
Apoteose das da literatura portuguesa entre a frente do verde e do vermelho. mais famosas e exemplares.
pequenas coisas.
São 1938 curtos Literatura Revolução de Abril e a viragem do
século."
Houve, assim, ao longo dos
séculos, uma completa inversão
"O rigor e a graça das suas
palavras nascem de uma fé em
textos - versos,
prosas poéticas, pensamentos,
portuguesa › João Barrento
dos valores. O livro insiste
nessa inversão", diz Pastoureau.
sentimentos estruturais como a
amizade, o amor ou a compaixão
reflexões, anotações, Um quarto de A CHAMA E AS CINZAS Os quatro capítulos do livro (no sentido etimológico de
designadamente diarísticas século de literatura Bertrand, 208 pp, 14,40 euros cobrem das origens ao século partilha da paixão alheia).
- do autor, com uma vasta portuguesa revista XII (uma cor discreta), séculos As questões do poder e da
obra, que foi um dos cinco por João Barrento, XII-XIV (uma cor nova), vingança, da ambição e da
da Poesia 61, e ao longo do
tempo, além do que publicou,
com enfoque dado
a cinco grandes Azul séculos XV e XVII (uma cor
moral) e séculos XVIII e XX (a
hipocrisia, da guerra e da morte,
são sem dúvida centrais nas
teve intensa atividade poética áreas: Literatura Depois do preto, cor preferida)". Em Portugal, suas peças - mas encontramo-
e cultural, nomeadamente e sociedade, as Azul - História a Orfeu Negro já publicou o las sempre contrastadas por
através do Pen Clube. Os textos hipóteses de Abril; Leituras da de uma cor. O volume Preto. Em França o um pensamento forte sobre a
são numerados, do primeiro História, facto e ficção no romance; historiador francês historiador já tem também o possibilidade de uma existência
("Uma cidade. Um grão/de A nova desordem narrativa, Michel Pastoureau, volume Verde. comandada pelos impulsos
areia. Fragmentos/ da Via a escrita feminina; A arte do grande especialista opostos da solidariedade e da
Láctea") ao último: "Só, o sol". pouco, caminhos do conto; e A em simbologia, › Michel Pastoureau coragem, da paz e da felicidade",
E parece ser a seu propósito poesia, um rio de muitos braços. prossegue os acrescenta a escritora. Com
AZUL - HISTÓRIA
que o autor confessa, no 592: O volume é o resultado de uma seus estudos cromáticos, edição bilingue (inglês e
DE UMA COR
"Já nem o chamado poema, série de conferências que o dedicando-se a uma tonalidade português), este livro reúne
Tradução de Anabela Carvalho Caldeira e José
os fragmentos do poema, me ensaísta e professor universitário que considera omnipresente Alfaro, Orfeu Negro, 270 pp, 15 euros dezenas de falas retiradas das
interessam - parecem lagos (entretanto jubilado) fez em nos nossos dias. Dos jeans peças de Shakespeare, com
polidos. Só os fragmentos Frankfurt, no âmbito da Feira aos uniformes, da celebração divisão temática.
com algo de inacabado, estes,
assim..." Exemplo diferente:
do Livro, quando Portugal foi
o país homenageado. Escrito
do céu e do mar aos blues
da música. Nem sempre, Shakespeare › Inês Pedrosa (org.)
"Toda a gente nos quer originalmente em alemão, no entanto, o azul foi tão "Há poderosas e saborosas AS LIÇÕES DE VIDA
transformar, melhor, resumir, teve primeira publicação, na presente. E é justamente o seu lições de vida nas belas frases DE WILLIAM
numa só pessoa - e cada Alemanha, em 1999, com nova trajeto histórico que aqui se de Shakespeare", garante SHAKESPEARE
um de nós é uma multidão versão agora, revista e pensada reconstitui. "A história do azul Inês Pedrosa, que a partir Tradução de Inês Pedrosa, D. Quixote, 192 pp,
desorientada". para o público português. "Não põe de facto um verdadeiro desta convicção, subscrita 11 euros

Escolas e outras Crianças,


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14 * artes jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

DocLisboa
essa predominância de um olhar
feminino, com filmes de Cláudia Rita
Oliveira, Ida Gil, Joana Linda, Patrícia
Pinnheiro de Sousa e Luciana Fina.

Deslocações, memórias
Entre os homens, o grande destaque
vai para Edgar Pêra, o maior herói
independente do cinema português
está de volta ao documentário com
O Espectador Espantado, filme que
faz parte de uma longa investigação

e documentos falsos
sobre a reação do público no cinema.

COMPETIÇÃO INTERNACIONAL
Dezoito filmes de 13 países, incluin-
do seis estreias mundiais e cinco
internacionais. Dentro dos filmes
selecionados para a competição in-
ternacional descobrem-se várias ten-
dências. Uma delas são as histórias
de famílias. É o caso de 96 and 6 to go,
Dezenas de documentários, recentes e antigos, dos mais variados países, com diferentes propostas em que o americano de origem ni-
estéticas, ajudam-nos a compreender o mundo em que vivemos. O DocLisboa decorre de 20 a 30 pónica Kimi Tekesue, filma o seu avô,
filho de imigrantes japoneses que se
de outubro, na Culturgest, no São Jorge, na Cinemateca Portuguesa, na Fundação Gulbenkian e radicaram no Hawai em 1910; ou Sol
Negro, da colombiana Laura Hertas
em outros espaços de Lisboa. Com a ajuda da sua diretora, Cíntia Gil, o JL percorre a programação Millán, sobre um dramático reencon-
e destaca dez filmes a não perder tro de irmãs. A questão das desloca-
ções ganha novamente espaço, com

n
filmes como Calábria, de Pierre-
Manuel Halpern François Sauter, em que um imigran-
te português e um imigrante sérvio
na Suíça, atravessam a Itália com
um cadáver que deve ser enterrado
na Calábria. Ou Vangelo, de Pippo
Delbono, numa leitura dos campos
de refugiados à luz do Evangelho se-
gundo São Mateus. A Itália, de resto,
está em destaque com quatro filmes
inscritos. Correspondências, de Rita
Azevedo Gomes, é o único represen-
tante português, e é feito a partir da
troca de cartas entre Sophia de Mello
Breyner e Jorge de Sena.
"Nota-se uma tendência para des-
locações, realizadores que filmam WATKINS, CUBA E RISCOS
fora do sítio onde vivem", diz, ao O grande homenageado do festival
JL, Cíntia Gil que, juntamente com é o britânico Peter Watkins, de 81
Davide Oberto, dirige o DocLisboa. anos, que é sem dúvida um dos mais
Claro que, num panorama tão criativos documentaristas mun-
vasto como o do Doc é sempre difícil diais, pioneiro dos chamados falsos
deslindar apenas uma tendência, documentários. Chegou a ganhar um
pois são mais as exceções do que as Oscar por The War Game (1965), mas
regras. As largas dezenas de filmes o seu percurso vale como um todo,
que o festival apresenta são mostra sempre com grande irreverência e
de isso mesmo: apesar de haver acutilância. Trabalhou para a BBC,
um gosto pelo cinema alternativo mas acabou por se tornar um dos
e também uma predileção para um mais acérrimos críticos do modelo
certo cinema de intervenção política televisivo de documentário. Muitos
e social há uma grande heterogenia dos seus filmes revelam um ativismo
nas propostas. "Uma das coisas que fervoroso. Pelo Doc passam obras
nos perguntámos foi se é possível como La Commune, uma recria-
fazer comédia em documentário. ção da Comuna de Paris de 1871;
Chegámos à conclusão que sim". E Edvard Much, sobre o famoso pintor
no festival há vários exemplos de norueguês; ou Punishment Park, à
filmes carregados de humor que Oleg and the Rare Arts, de Andrés Duque (em cima), Paris 15/16 (à esq.ª) e Ama-San, de Cláudia Varejão (à dt.ª) volta da Guerra do Vietname. Em
contrastam com a gravidade de Lisboa vai estar presente o seu filho
outros que expressam o peso das Patrick Watkins e Luke Fowler, na


tragédias do mundo. qualidade de programador. Fowler
Uma das novidades deste ano é a os filmes, sempre diferentes, com que tem feito um notável percur- é de resto um dos realizadores em
ausência de Augusto M. Seabra, que capacidade de surpreender, testando so em festivais no estrangeiro. Um destaque, na secção Riscos, onde vão
interrompe a sua tarefa de progra- muitas vezes os limites do género e filme sobre o trabalho das mulheres passar três dos seus filmes. Também
mador, mas ainda assim marca pre- de inequívoca qualidade. Olhares que mergulhadoras numa vila piscatória é o responsáel pelo pequenos ciclo
sença no festival com um filme da valem não só pelo objeto olhado, mas no Japão. O mesmo acontece com Em jeito de dedicado a Peter Hutton, com cinco
sua autoria sobre Manoel de Oliveira. sobretudo pela forma como se olha. A Cidade Onde Envelheço, de Marília homenagem, o longas metragens.
Outra novidade é a criação da secção Exemplo de diversidade é a Rocha, que acompanha a viagem de Outra retrospetiva do Doc 2016
"Da Terra à Lua", em homenagem competição portuguesa, prato forte Teresa, uma jovem portuguesa, ao DocLisboa vai passar é Documentário e Vanguarda em
a Júlio Verne, que concentra filmes do festival, que este ano conta com Brasil, país onde pretende passar a o último filme de Cuba, com o título Por Um Cinema
dos nomes mais sonantes e apetecí- várias surpresas. "Novamente há des- viver. Impossível, que reúne alguns exem-
veis para o grande público. Nomes locações e também realizadores que "Uma das características da
Abbas Kiarostami, a plos de filmes do período do início
estes que outrora estavam dispersos já não vivem em Portugal, fruto da Competição Portuguesa é que, este curta metragem Take da revolução, que aceitam o desafio
por várias secções. crise", afirma Cíntia Gil. E, de facto, ano, há mais mulheres do que ho- estético e ético de filmar a vida das
De resto, como sempre como encontramos logo essa tendência mens", comenta Cíntia, com orgulho
Me Home, sobre uma pessoas de um ponto de vista mais
dantes, o que realmente conta são em Ama-San, de Cláudia Varejão, feminista. Sem dúvida que se verifica viagem a Itália próximo. Dividido em 12 sessões,

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt DOCLISBOA
artes * 15

No sentido dos ponteiros do relógio Lo and behold, Reveries of the Connected World, de Werner Herzog; Austerlitz, de Sergei Loznitsa; Ta'ang, de Wang Bing; Rocco, de Thierry Demaizière, Alban Teurlai; Janun, de
Paul Thomas Andersen


tanto se encontram grandes cineasta iraniano, o documentário Take me próprio cinema. O grande desta- programa divide-se em três grandes
de Cuba, como García Espinosa e Home, uma curta que regista uma que é Bowie, Man wit a Hundred temas: Falemos de Furos, a pro-
Santiago Álvarez, como estrangeiros viagem ao sul de Itália. E, para com- A literatura e as artes faces or The Phantom of Hérouville, pósito da exploração de petróleo
que se interessaram pelo país, como pletar a sessão, será exibido o filme sobre o desaparecido músico inglês, no Algarve; No Pasarán, sobre os
Chris Marker ou Agnès Varda. 76 Minutes e 165 seconds with Abbas portuguesas vão estar um dos maiores ícones artísticos fluxos migratórios e o crescimen-
A secção Riscos é, como sempre, Kiarostami, de Seifollah Samadian, em destaque com dos nossos tempos. O alemão Iain to da extrema direita na Europa; e
onde se encontram algumas das onde conhecemos de forma mais Dthley faz um filme com o suges- #Foratemer, sobre o movimento
propostas mais ousadas do festival. íntima o realizador, através de uma filmes sobre Álvaro tivo título Having a Cigarette with contra o 'golpe' no Brasil, com des-
Este ano incorpora a secção "Filmes conversa com um dos seus amigos Siza, Sophia, Jorge de Álvaro Siza, uma conversa sobre a taque para o grupo Mídia Ninja - um
de Correspondência", com uma dúzia mais chegados. obra do grande arquiteto português. dos seus elementos estará presente
de filmes, recentes e antigos, que Alguns dos mais esperados fil- Sena, Cruzeiro Seixas, Paul Thomas Anderson estreia em no festival.
refletem sobre a tradição epistolar mes do DocLisboa, as grandes es- Manoel de Oliveira, Portugal Janun, sobre o projeto Não menos importante é a secção
aplicada ao cinema, dando sem- treias internacionais, estão na nova musical de Jonny Greenwood (dos Verdes Anos, que acaba por ser um
pre predominância ao autor. Fora secção "Da Terra à Lua". Inclui, por
José Álvaro Morais e Radiohead), com músicos indianos. importante mecanismo de revelação
deste programa, os Riscos albergam exemplo, Ta'ang, do chinês Wang António de Macedo Em The Art of Life, uma viagem de jovens cineasta portugueses e
obras recomendáveis como Funeral Bing, sobre a minoria birmanesa íntima ao mundo de David Lynch. estrangeiros. Do DocLisboa também
(on the art of dying), o derradeiro que se encontra 'entalada' entre Em In The Steps of Trisha Brown, faz parte um conjunto vasto de incia-
filme de Boris Lehman; Incident a fronteira com a China e uma Marie-Hélène Rebois revisita a tivas paralelas. A realizador Luciana
Reports e We Make Couples, de Mike guerra civil. Informe General sobre enganados e maltratados. Mark grande coreógrafa americana. E o Fina apresenta uma instalação que
Hoolboom; Silêncios do Olhar, de José unas Cuestiones de Interés para una Cousins revisita Hiroshima, com português Bruno Ferreira, acompa- estará patente na Gulbenkian. Estão
Nascimento sobre a vida e obra de Proyección Pública, partes I e II, de imagens de arquivo e a música nha os Mineiros de Aljustrel, em O marcadas mastterclasses com Avi
José Álvaro Morais; ou How I Fell in Pere Portabela, acompanha a his- dos Mogwai. Michael Palm, por Dia em que a Música morreu. Mograbi e Michael Canan. Mesas
Love with Evu Ras, de André Gil Mata. tória democrática de Espanha. O seu lado, faz uma reflexão sobre as Repete-se a secção Cinema de redondas sobre o Documentário de
primeiro filme data de 1976 e abor- consequências do fim da película Urgência, dedicada a pequenos Vanguarda em Cuba e a retrospetiva
KIAROSTAMI, HERZOG E C.ª da questões ligadas à transição para analógica, em Cinema Futures. E filmes, muitas vezes feitos para a de Peter Watkins. E uma conversa
Um dos maiores cineastas dos a democracia; o segundo, estreado Catarina Alves Costa, em Pedra e Internet, que não são selecionados com Jung Sung-Il a propósito do seu
últimos anos faleceu este ano e o agora, fala da atual a crise cultural, Cal, sobre a arquitetura no Algarve. necessariamente pela sua qualidade documentário sobre o trabalho de
DoclIsboa não poderia ficar indife- económica e financeira.O Israelita Uma das secções mais populares cinematográfica, mas pela perti- Wang Bing, em que nos são revelados
rente. À ultima da hora, o festival Avi Mograbi, em Between Fences, é o Heart Beat, com uma vasta pro- nência dos assuntos tratados. Na os métodos de trabalho de um dos
concertou uma sessão especial, que acompanha refugiados africanos gramação na fronteira do cinema programação do Doc estes filmes são mais proeminentes documentaristas
inclui a derradeira obra do realizador que tentam entrar em Israel e são e outras artes, ou olhares sobre o sobretudo pretexto para debates. O da atualidade.

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16 * artes DOCLISBOA jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

Dez filmes alguns visitantes comovem-se,


outros tiram selfies, alguns saem

a não perder cabisbaixos, quase todos com pressa,


outros sorrindo, talvez de alívio.
Auscwitz é mais um belo exemplo da
crueza, objetividade e sensibilidade
OLEG AND THE RARE ARTS, poética de Loznitsa, sem dúvida
DE ANDRÉS DUQUE um dos grandes nomes do cinema
"É um filme que faz com que nos contemporâneo. Ironicamente, usa
apeteça ver mais cinema", diz, ao como título do filme a estação de
JL, Cíntia Gil, uma das diretoras do comboios de Paris, de onde partiram
DocLisboa. E, assim sendo, é uma algumas das vítimas do campo de
ótima forma de abrir o festival, concentração... e também alguns
convencendo o público a reincidir. O destes turistas.
documentário centra-se na figura de Culturgest, dia 27, às 21 e 15; São
Oleg Nikolaevitch Karavaychuk um Jorge, dia 29, Às 16 e 30
virtuoso e excêntrico pianista russo,
o único autorizado a tocar no piano ROCCO, DE THIERRY
do Czar Nicolau II, em pleno museu DEMAIZIÈRE, ALBAN TEURLAI
Hermitage, em São Petersburgo. A secção Heartbeat visa explorar
Oleg tem uma história de vida pecu- a relação entre o cinema docu-
liar, tendo-se mantido sempre mais mental e outras artes, mas por
identificado com o estilo palaciano força da produção acaba por se
anterior à revolução, foi proibido centrar maioritariamente na
de tocar pelo regime soviético e só música. Este Rocco aparece assim
após a queda do regime lhes forma como uma ousada carta fora do
repostos os privilégios. O filme vale baralho. Rocco Sigfreddi é um dos
pela figura, ao mesmo tempo emo- Da esq.ª para a dt.ª e de cima para baixo The War Game, de Peter Watkins, Cruzeiro Seixas – As Cartas do Rei Artur, de Cláudia Rita mais famosos atores pornográfi-
cionante e cómica, e pelos motivos Oliveira, O Espectador Espantado, de Edgar Pêra; e Nos Interstícios da Realidade ou o Cinema de António de Macedo, de João Monteiro cos da indústria italiana. O filme
de rara beleza visual e sonoro, com acompanha Rocco na rodagem do
enquadramentos que fazem trans- uma secção chamada Riscos, que seu derradeiro filme. Mas o que
bordar as emoções. interessante talvez sejam a pers- de luta do poeta e artista plástico é um dos elementos definidores da faz, na verdade, mais do que dar
Culturgest, dia 20, às 21 e 30 petiva futurista, em que Herzog terá sido o reconhecimento pelos identidade do festival. Este ano, M. a conhecer o homem que está por
indaga até onde pode ir a inteligên- seus pares e, sobretudo, por Mário. Seabara interrompe o seu auxílio detrás do falo, é revelar um pouco
THE WAR GAME, PETER cia artificial e se autopropõe para O filme que conta sobretudo com a como programador, para abrir ele dos bastidores do cinema porno-
WATKINS viajar até Marte. Lo and Behold é presença e a voz de Cruzeiro Seixas próprio a secção riscos, com um gráfico, desde as relações humanas
O realizador homenageado do uma inquietante e desconcertante consegue um ótimo rítmico, com filme assinado em parceira com e profissionais entre atores, à sua
DocLisboa é uma das figuras mais reflexão sobre a evolução tecnológica boas soluções cinematográficas José Nascimento. O filme, datado de vida privada, passando necessaria-
subversiva do cinema britânico, num mundo em constante devir. para expandir as idieas do texto. 1981, tem como partida uma con- mente pelas ligações com a produ-
aliando um experimentalismo for- Culturgest, dia 22, às 19 Artur Cruzeiro Seixas, 95 anos, es- versa que, em parte, foi utilizada ção e a realização. Um fascinante
mal, sendo dos primeiros a explorar tará presente na sessão que marca na obra testamentária de Oliveria, documentário sobre um universo
a ideia de falso documentário, a um PARIS 15/16, DE TERESA a estreia mundial deste documen- Memórias e Confissões. É uma re- particular cheio de códigos e
ativismo político de grande mor- VILLAVERDE tário. flexão sobre o seu cinema, onde são preceitos.
dacidade. The War Game, de 1965, A próxima longa-metragem de São Jorge, dia 23, às 18 e 45; apresentados vários projetos de um Culturgest, dia 27, às 21.30; São
valeu-lhe um Oscar em Hollywood. Teresa Villaverde chama-se Colo e Culturgest, dia 24, às 15.30 cineasta, na altura, com 73 anos, Jorge, dia 29, às 22
Começou por ser uma encomenda ainda não tem data de estreia em mas que, como se sabe, ainda tinha
da BBC, mas rapidamente a televisão Portugal. Mas entretanto, enquanto 300 MILES, DE ORWA AL uma longa carreira pela frente. Esta NOS INTERSTÍCIOS DA
estatal se desligou da produção. Em preparava esse filme, a realizado- MOKDAD obra coincide com o ciclo dedica- REALIDADE OU O CINEMA DE
plena Guerra Fria, Watkins imagina ra portuguesa morava em Paris, e Tal como o impressionante Água do a Oliveira pelo Cinema Ideal, ANTÓNIO DE MACEDO, DE
que a III Guerra Mundial começou, passava todos os dias pela esplanada Prateada, de Wiam Bedirxan e que tem como ponto alto a estreia JOÃO MONTEIRO
não se sabe por culpa de quem. Em Le Petit Cambodge, onde decorreu Ossama Mohammed, o realizador comercial de O Cinema, Manoel de Se não valesse por mais nada, o
Inglaterra, o primeiro míssil cai em parte dos terrível atentado terrorista de 300 Miles, encontra-se longe do Oliveira e Eu, de João Botelho. filme de João Monteiro valeria por
Kent, nos arredores de Londres. A de 13 de novembro. A realizadora foi sangrento conflito da sua terra natal. Culturgest, dia 24, às 19.00 incluir a derradeira entrevista de
partir daí, Watkins faz um docu- filmando o local diariamente, desde Em Água Prateada, Mohammed Fernando Lopes. Nos Interstícios da
mentário (falso) sobre a devastação, os primeiros dias após o massacre, servia-se de imagens do youtube e Realidade ou o Cinema de António de
a miséria, o horror, a cavalgada até à recolha das flores depositadas da correspondência videofilmada AUSTERLITZ, DE SERGEI Macedo conta, em certa medida,
trágica para o fim. O filme de menos à sua frente para homenagear as com a curda Wiam Bedirxan para LOZNITSA uma história alternativa do cinema
de uma hora, mas que expõe toda a vítimas. Um emocionante trabalho fazer um autorretrato da Síria. Aqui, Não, este não é mais um filme sobre português que passa, em grande
cruel subversão do realizador e não sobre o luto e a memória. Orwa Al Mokdad parte em busca das Auscwitz, se bem que o tema seja parte, pelos filmes que não foram
deixa ninguém indiferente. Culturgest, dia 23, às 17; São Jorge, raízes últimas do conflito (indo dar inesgotável e sempre pertinente, feitos. António de Macedo foi um
Cinemateca, dia 20, às 21 e 30; dia dia 27, às 14 inevitavelmente ao estado de Israel) no sentido de evitar o apagamento vanguardista do cinema portu-
2, às 15 à distância, servindo-se das imagens ou apaziguamento da memória. No guês de 70. O seu filme Domingo
CRUZEIRO SEIXAS – AS CARTAS do seu irmão, líder de uma das mi- filme de Lozniotsa acrescenta-se à Tarde, juntamente com Verdes
LO AND BEHOLD, REVERIES OF DO REI ARTUR, DE CLÁUDIA lícias de resistência em combate ao uma camada ao tema, de alguma Anos, de Paulo Rocha, fundou
THE CONNECTED WORLD, DE RITA OLIVEIRA regime de Assad que, com o tempo, forma, passa a ser a própria memória o movimento cinema novo em
WERNER HERZOG Em 2004, Miguel Gonçalves passa a combater igualmente o e a nossa relação com ela através do Portugal. Mas, ao contrário dos
Cada novo filme de Werner Herzog Mendes realizou um impressionan- Daesh. Capta assim as imagens mais turismo. Usando uma forma e uma seus contemporâneos, quis a sorte
é um acontecimento extraordinário. te e impressivo documentário so- terríveis, só possíveis por quem está sensibilidade semelhante a outros ou o destino que a sua carreira
Desta vez, o realizador alemão abor- bre Mário de Cesariny Vasconcelos realmente no campo de batalha. Um documentário seus, como A Praça fosse curta e incompreendida. Na
da algo tão complexo e dissiminado intitulado Autografia. Agora o filme de guerra com um inequívoco (sobre as manifestações em Kiev), ou verdade, a curta longevidade do
como a Internet. Admiravelmente, realizador, entretanto emigrado realismo que nos deixa de respiração até O Milagre de Santo António (sobre cinema de António de Macedo é
apesar da vastidão do sinal, Herzog no Brasil, produz Cruzeiro Seixas - cortada. uma romaria em Portugal), mos- um dos grandes mistérios da his-
tenta cercar o tema, abordando- As Cartas do Rei Artur, de Cláudia Culturgest, dia 23, s 21 e 30 tra-nos o turismo massificado no tória do cinema em Portugal. Este
-o dos mais diversos pontos de Rita Oliveira, filme que de alguma campo de concentração na Polónia, filme ajuda a desvendá-la. Inclui
vista, recolhendo depoimentos que forma completa ou complementa MANOEL DE OLIVEIRA: 50 sem a necessidade de introduzir depoimentos de António Cunha
indicam caminhos opostos, sempre com outra perspetiva o anterior. ANOS DE CARREIRA, DE JOSÉ qualquer palavra, basta-lhe ofere- Teles, Seixas Santos, António
com o acutilante sentido de humor. Sobretudo porque, partindo das NASCIMENTO, AUGUSTO M. cer-nos os seu olhar. E esse é cinema Pedro Vasconcelos, assim como
Tanto abraça a perspetiva histórica, cartas que Cruzeiro Seixas trocou SEABRA em estado puro. O que ele observa, de cineastas de outras gerações,
visitando o computador inaugural com Cesariny, transparece a ideia Augusto M. Seabra é uma das sem julgamento moral, é uma massa que o reconhecem como referên-
da World Wild Web, como expõe os de uma forte obsessão e uma posi- principais figuras da história do disforme que invade um espaço, cia, os casos de Edgar Pêra e João
argumentos dos céticos: desde os ção de subalternidade. Por vezes, DocLisboa, não enquanto au- entre o constrangimento e o espírito Salaviza.
perigos das radiação, a uma espécie dá a ideia de que a admiração por tor, mas enquanto programador, de parque temático. Guias turísticos Culturgest, dia 29 de outubro,
de seita/cruzada antivirtual. Mais Cesariny quase o ofuscou e a gran- tendo mesmo criado e recriado exibem teorias sobre o sucedido, às 21 JL

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt ENTREVISTA
artes * 17

João Pedro Rodrigues


tanto o John Ford que há um peso muito personagem. Aqui não, as coisas vão
grande da famílias e da tradição. acontecendo no processo de transfor-
mação da personagem. Tem a ver com

Valha-nos Santo António


A opção de fazer um filme de exteriores a vontade de ultrapassar a morte. Dá-se
foi complicada em termos de rodagem? a ideia desde início que a personagem
Em quase tudo até é mais fácil. Nos sofre de um problema de saúde e precisa
filmes de interiores têm que se arranjar de medicação. Só que quando ele volta a
casas, etc… Ali nem era preciso polícia, encontrar os comprimidos que perdeu,
pois ninguém mais passava por ali. O deita-os fora, como se estivesse para
que complicou, em termos logísticos, além disso.
é que alguns décors eram de difícil
Venceu o prémio de realização do Festival de Locarno, na Suíça, com O acesso, e os carros não chegavam lá. Uma leitura possível é que é a ausência
Mas queria que houvesse um lado de dos comprimidos que permite que
Ornitólogo, que agora estreia nas salas portuguesas - e em novembro será inacessibilidade, que não aparecesse encontre aquelas personagens fora da
homenageado em Paris, no Centro Georges Pompidou. Neste seu novo uma única casa, nem sinal de presença realidade…Como se a medicação preve-
humana. No final há uma casa abando- nisse o delírio...
filme, João Pedro Rodrigues, 50 anos, inspira-se na história de Santo nada, só que não tem teto, pois não há Para mim aquilo é tudo real. Como um
António e reflete-a no seu universo, entre o onírico e o hedonístico, o possibilidade de abrigo. filme de aventuras… Embora talvez
haja uma materialização de fantasmas
espírito e a carne, o western e a peregrinação interior, mergulhado numa Convoca também o folclore regional, pessoais.
natureza selvagem, sem perder de vista o contexto homossexual que é uma com os caretos de Miranda, e o próprio
mirandês, que tão raramente aparece Ele transforma-se em si, no João Pedro
das marcas do seu cinema no cinema… Rodrigues, que interpreta o papel do
Interessou-me por ser uma coisa única. António convertido… Não costuma
É uma língua que resistiu à ditadura e aparecer no seus filmes. Porque o fez
Quando era criança, João Pedro tem um lado qualquer primitivo. As agora?
Rodrigues queria ser ornitólogo, mas pessoas que fazem aquelas cerimónias Talvez por ter chegado aos 50 anos, e
acabou por se tornar realizador d. O falam mirandês. Além disso, m dos o questionamento da morte se tenha
cinema, no entanto, permite-lhe agora milagres do Santo António era que tornada ainda mais premente... E o
de forma ficcional experimentar esse entendia todas as línguas. É por isso que cinema é, de certa maneira, uma forma
destino alternativo, misturando-o com também se fala em latim. de eternidade. E sendo tudo tão pessoal,
o fascínio que tem por Santo António. pareceu-me honesto expor-me. As
Talvez por isso admita que este é um dos Apesar do contexto ser diferente, está cenas do final fizemos duas versões: co-
mais pessoais dos seus filmes, dando aqui a sua marca, percebe-se que se migo e com ator. Depois tomei a decisão
mesmo a face à personagem nas cenas trata do mesmo realizador. de fazer assim na montagem. Também
finais, em que interpreta o papel do ho- Eu tenho a obsessão de não me repetir, sou eu a fazer a voz, mesmo quando
mem convertido em santo. Este contex- mas sei que não consigo fazer coisas aparece o Paul Hamy. Deu muito traba-
to místico e espiritual não impede que, muito diferentes. Espero que se note lho a fazer a dobragem.
de forma algo desconcertante, convo- que é um filme meu. Ando sempre à
que figuras exóticas e míticas, talvez procura disso: apropriar-me de coisas e Como escolheu o ator?
espíritos da floresta, como os caretos de trazê-las para o meu universo. À partida queria um ator mais próximo
Miranda, e explore o erotismo fetichista da minha idade. Mas não encontrava
gay. O Ornitólogo, com paisagens des- Há uma parte contextual presente: a ninguém em Portugal com as carac-
lumbrantes, filmado como um western, temática gay por uma lado, e as duas terísticas. Comecei por tentar um ator
numa relação íntima com a natureza, chinesas que remetem para os seus americano, mas foi muito complicado
tem a marca de João Pedro Rodrigues, filmes feitos no oriente com João Rui e o tempo era curto. Como o filme era
um realizador multipremiado, que se Guerra da Mata coproduzido por França fazia sentido
destacou por filmes como O Fantasma Sim, as chinesas vêm diretamente dos um ator francês, só que eu não gosto
ou Morrer Como Homem. João Pedro filmes asiáticos que fiz com o João Rui. dos atores franceses em geral, porque
Rodrigues, que inaugura em novembro . Quando estava a escrever o filme fiz o falam demasiado. Mas o Paul é meio
uma exposição no Georges Pompidou, João Pedro Rodrigues (em cima), frame de O Ornitólogo (em baixo) caminho de Santiago (do lado francês), francês, meio americano e, talvez por
em Paris, já garantiu a estreia do filme para saber quem eram as pessoas que isso, tem uma representação mais física.
em França e nos Estados Unidos. faziam aquilo. Estranhamente havia Conheci-o e achei que ele podia fazer
mesmo chineses e coreanos. o papel. Tem qualquer daqueles heróis
JL: Este é o seu segundo à volta de santo sofrendo transformações ao longo dos imprevisibilidade do encontro.. do western, dos atores duros como as
António. O que tanto o fascina na figura tempos. A lenda de Santo António Ele sabe o que está à procura… Essas duas personagens são uma mistu- pedras da paisagem.
e na lenda ? foi transformada no Estado Novo, ra de várias coisas…
A curta metragem tem a ver com o dando-lhe um lado mais conservador. Sim, de umas cegonhas, que são aves São um pouco perversas… Parecem No final há uma referência musical do
bairro de bairro de Alvalade, onde Interessou-me fazer uma aproximação típicas daquela zona [Miranda do inocentes mas depois revelam-se. Variações…
moro, que tem uma estátua de Santo maior àquela figura do passado, com Douro]… Também é isso que me interessa: A canção faz todo o sentido, pois fala de
António na praça. À parte disso, in- o voto de pobreza, próxima do ideal Interessou-me filmar no lugar mais sel- personagens que mudam. O filme é solidão. Quando encontramos alguém
teressa-me repensar mitos da cultura franciscano. vagem de Portugal. Há séculos que não construído através dessa ideia de du- estamos sempre sozinhos. Acho que a
popular. Diz-se que o Santo António é muda e não é frequente passarem por plos. As duas chinesas, o Fernando que canção fala disso: de tentar encontrar
o santo mais popular do mundo, mais Todo o filme tem uma grande compo- ali pessoas, o que lhes dá uma qualidade se transforma em António. Jesus e Tomé alguém mas de ficarmos irremediavel-
ainda do que São Francisco. nente de natureza, o que também se intemporal. Como o filme trata de uma que são o mesmo ator… Os evangelhos mente sós. Também é uma canção que
enquadra com a vida do santo. viagem no espaço, mas também no apócrifos dizem que Tomé seria irmão vivi. No Morrer como Homem há várias
Como é que isso se mede? Os franciscanos viviam do que lhes tempo isso era importante. gêmeos de Jesus… canções do Variações cantadas pelas
Não sei, é o que se diz. Mas os santos davam e do que cultivavam, muito pró- personagens.
franciscanos são sem dúvidas os mais ximos da natureza. E há muitas histórias Um território quase virgem? É religioso?
populares. E os dois santos coinci- de São Francisco falar com as aves, ou Havia a ideia de western. Nos westerns Não, mas cheguei à religião através da Agora vai ter uma exposição e home-
diram... Foi por ter convivido com Santo António com os peixes. Esta his- a paisagem é tão importante como as observação da pintura. Interessa-me nagem em Paris, no Centro Georges
franciscanos em Coimbra que Santo tória também tem a ver comigo, porque personagens. E há muitas vezes uma perceber como os pintores represen- Pompidou. De que se trata?
António decidiu seguir a vida monás- eu queria ser ornitólogo quando era estrutura de narrativa com um conjunto tavam determinada história através de Uma retrospetiva de todos os filmes,
tica, mudando o nome de Fernando miúdo. Havia uma espécie de princípio de provas que a personagem tem que um só momento. O cinema também é entre 25 de novembro e 2 de janei-
para António. Depois foi pregar para que o filme não teria interiores, também ultrapassar para alcançar determinado isso: encontrar os momentos únicos que ro, que passa pela ante-estreia de O
África. O barco onde ia naufragou e ele com a ideia de ser um personagem objetivo. No fundo como acontece, para concentram toda uma história. Além Ornitólogo, uma instalação e uma cur-
foi parar ao sul de Itália, onde conheceu sem abrigo... Ele procura regressar a dar um exemplo recente, no Renascido. disso muita da pintura religiosa tem ta metragem autobiográfica. Interessa-
São Francisco. uma espécie de civilização de onde terá motivos eróticos. me fazer filmes e não objetos para
vindo, mas ao mesmo tempo há uma E o formato Scope, mais alongado, galerias de arte. E não tenho qualquer
Há a História e as histórias à volta do vontade de se perder. também se deve a isso? Pega em algum fetichismo presente no produção artística fora do cinema. Por
santo... Sim, também tem a ver com os wes- Fantasma, mas coloca-o no contexto, isso fiz exposições à volta dos meus
Interessa-me trabalhar os mitos próxi- Na observação da natureza há um terns, com os filmes Anthony Mann. de forma casual... filmes. Criando novos objetos partindo
mos da cultura portuguesa, que foram tempo diferente, ligado à espera, a São aqueles westerns mais rudes, não No Fantasma, esse era o motor da da mesma matéria. J

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18 * artes MÚSICA / ENTREVISTA jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

Vasco Mendonça
Uma ópera a partir de Bosch e da culpa
Teve a sua anterior ópera de câmara, La Casa Tomada, (re)encenada, a semana passada, em Nova Iorque, e a terceira, Bosh
Beach, estreou em setembro na Bélgica, em Bruges, esteve por estes dias em cena em Frankfurt e a 20 e 21 próximos estará
em Lisboa, integrada na Temporada Gulbenkian. Aos 39 anos é dos mais destacados compositores portugueses, com
crescente projeção internacional, e aqui nos fala da sua música, em particular desta sua última obra

Manuela Paraíso dos outros ao mesmo tempo que


fazem aquelas ações inconcebíveis.
Aí torna-se mais ambíguo e mais
Quase três anos depois da estreia rico. Cada um de nós, se vir um
absoluta de La Casa Tomada, a sua refugiado a chegar a uma praia
primeira ópera resultar duma co- onde estamos a beber cocktails,
produção europeia e a ter circulação sentir-se-á culpado e irá oferecer
internacional (foi apresentada, entre auxílio. Mas até que ponto é que
7 e 9 deste mês, no National Sawdust nós, inconscientemente ou de forma
de Nova Iorque), o compositor Vasco adormecida, não temos também
Mendonça vê chegar a Lisboa a sua alguma responsabilidade? Somos ao
última incursão no género: Bosch mesmo tempo culpados e inocentes.
Beach, estreada em setembro no E para mim essa ambiguidade é mais
Concertgebouw, de Bruges, e em cena interessante, porque nos obriga a
esta semana em Frankurt, vai estar pensar sobre essas questões e sobre a
no Teatro Maria Matos nos próximos nossa conduta.
dias 20 e 21, às 21h30, inserido na
Temporada Gulbenkian de Música. Nas suas notas de programa,
A obra resultou duma encomenda da refere que estabeleceu dois planos
Fundação Bosch 500, para assinalar musicais para distinguir a ligeireza
os cinco séculos da morte do famoso das personagens do ambiente de
pintor Hieronymus Bosch, cuja horror que as rodeia. E como tratou
exposição no Museu do Prado, que musicalmente esse lado ambíguo?
encerrou a 25 de setembro, foi ali a É difícil explicar. A questão é que, no
mais vistada de sempre, por mais de Vasco Mendonça “Espero que as pessoas que gostarem do meu trabalho tenham curiosidade de conhecer mais do que se libreto, fui confrontado não com uma
meio milhão de pessoas. faz no nosso país narrativa mas com uma situação,
Vasco Mendonça, 39 anos, com e depois uma série de episódios,


o curso de Composição da Escola em alguns dos quais há uma certa
Superior de Música de Lisboa, e, tomada de consciência da situação,
depois, MMusic em Composição Mortais". Na discussão que tive Beckett é uma influência constante que rapidamente é engolida por mais
em Amsterdão, sob a orientação de com o libretista, a ideia era refletir no meu trabalho, sobretudo com alienação, como uma fuga para a
Klaas de Vries, foi jovem composi- sobre a culpa, individual, coletiva, teatro. Somos ao mesmo frente. Nesse sentido, o que quis fazer
tor residente da Casa da Música do a expiação, as questões éticas. E em termos formais (porque seria
Porto (de onde é natural), ganhou o fazer uma transposição dessa ideia O cenário é inspirado por tempo culpados e contraproducente tentar estabelecer
Prémio Lopes Graça de Composição interessa-me como ponto de partida Lampedusa? inocentes. E para mim um caudal narrativo numa situação
em 2004. Tem música orquestral, de - mas, como qualquer peça que Quando começámos a debruçar-nos episódica) foi amplificar essa ideia
câmara, coral e solística, já tocada faço, deve transcender isso, deve sobre esta criação, alguém mostrou essa ambiguidade é formal de episódios, quase como
em diversos países europeus e agora traduzir as minhas preocupações uma fotografia de Lampedusa. mais interessante, uma number opera, e sublinhar
também, como se assinalou, em NY. artísticas e pessoais, que são Acho arriscado circunscrever um essa estrutura não orgânica de
Esta sua terceira ópera (a primeira alimentadas por essa ideia inicial: é espetáculo a uma questão tópica, porque nos obriga a desenvolvimento narrativo. Alguns
foi Jerusalém, com libreto de Gonçalo uma peça inspirada numa questão porque ele poderá ser analisado à luz pensar sobre essas dos episódios têm uma componente
M. Tavares), produzida pelo organis- suscitada pela moral, pela ética dela. É uma questão tão importante de expiação, sobretudo associada
mo belga LOD Muziektheater, tem subjacente ao quadro, sobretudo para as nossas vidas que poderemos
questões e sobre a ao contratenor, a qual serve para
libreto do escritor Dimitri Verhulst naquela época, uma altura em que tender a analisar o espetáculo nossa conduta nos revermos na forma ambígua
e encenação do artista visual Kris todas estas representações eram somente de forma ética, como um como lidamos com estas situações.
Verdonck. Na estreia lisboeta, vai alegorias, códigos de conduta. E espelho da nossa própria relação com Musicalmente, há três personagens
ser interpretada pela Orquestra interessa-me mais nesse sentido isso – que é uma das intenções, mas tratadas de forma diversa, uma
Gulbenkian, dirigida por Etienne abstrato. A imagem para mim deve servir também para pensarmos O que a nível dramatúrgico seria mulher e dois homens. Um deles
Siebens, pela soprano Marion Tassou, recorrente é a relação entre este sobre questões mais abrangentes. redutor? tem uma componente assertiva,
o contratenor Rodrigo Ferreira e o universo castigador, de culpa, Trata-se de uma alegoria. A questão Sim, o assunto estaria arrumado, e egocêntrica e vive numa espécie de
barítono Damien Pass. Sobre o palco, medieval, e o da ausência moral de pode ser aquela ou podem ser 50 isso não é tão rico como tentarmos redoma confortável de ignorância e
três turistas veraneiam numa praia Samuel Beckett, especialmente em mil pontos de confluência de horror ver com mais atenção aqueles seres alienação. O outro homem por vezes
mediterrânica onde dão à costa cor- Endgame. que existem hoje. O que mais me e que tipo de empatia podemos criar duvida, o que o torna mais frágil,
pos de refugiados. Paraíso e inferno interessava – e é aqui que reside com eles. Porque se os catalogarmos estranho e ambíguo – porque toma
revisitados numa visão contempo- Das suas notas de programa alguma divergência entre mim e o imediatamente como monstros, parte nessas ações mas por outro lado
rânea, que parte do enquadramento depreendi que essa peça de Beckett libretista relativamente ao cenário e torna-se tranquilo. Nenhum de nós, serve de voz moral que acaba por ser
geral para focar o pormenor: a culpa. terá sido para si quase tão influente à história – é que temos por um lado público, criadores, se considera esmagada pela próxima atividade no
na criação desta ópera como o estes banhistas vorazes e por outro monstro, porque somos capazes de resort.
Jornal de Letras: Qual foi o conceito quadro de Bosch. um cenário de horror e sofrimento empatia, ficamos impressionados
de partida para a criação desta Sim, na medida em que, como que os rodeia. O risco dum cenário com o sofrimento humano. Quanto Na sua ópera anterior, baseada
ópera? está escrito, cria uma espécie de deste tipo é que facilmente como mais nos identificarmos com aquelas num conto de Cortázar, o espaço
A questão da culpa, representada cenário muitíssimo parecido com público podemos identificar aqueles personagens, mais percebemos que era fechado; aqui é uma praia,
no quadro de Bosh "Os Sete Pecados o estabelecido pelo libretista. O banhistas como monstros… são capazes de sentir o sofrimento mas também claustrofóbica. Tanto

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt MÚSICA / ENTREVISTA
artes * 19
numa situação como noutra poderia temos. Por outro lado, como são
ter focado mais o aspeto social e poucos instrumentos, é possível
político dos temas, mas optou por se fazer uma escrita quase pontilhística,
concentrar nas personagens – e, em filigrânica, e todas essas decisões são
Bosch Beach, na criação da empatia. importantíssimas. O didgeridoo é uma
É uma observação interessante. forma de enriquecer o vocabulário
Acabei de rever La casa tomada, que orquestral e não é a única: uso pela
se estreou em Nova Iorque numa primeira vez o clarinete contrabaixo,
nova produção e encenação e tem o flautista toca slidewhistle, o
uma nova perspetiva da ópera. contrabaixista toca baixo elétrico e
Sim, apesar da carga política que guitarra elétrica, o percussionista
este tema pode ter, no limite com toca melódica. Com estas pequenas
o que temos de nos deparar são as alterações e mantendo o número fixo
nossas escolhas na intimidade, a de músicos, a paleta é muito maior.
qual é o meu território de eleição.
Interessam-me as escolhas E para os músicos do ensemble talvez
íntimas, pessoais, num contexto seja revigorante trabalhar com uma
de intimidade familiar como na instrumentação não ortodoxa...
Casa, ou a intimidade moral no Até agora o trabalho foi com o
sentido das nossas escolhas e Asko|Schoenberg Ensemble, que é
forma de relacionamento com o como guiar um Ferrari, eles fazem
outro diferente de nós. Tudo isso o que quisermos. Quando leem
são os núcleos a partir dos quais se na partitura que têm de pousar o
constroem as correntes políticas e instrumento e raspar um seixo, o que
sociais – e sabemos bem os perigos me perguntam é qual a inclinação
que corremos a esse nível. No do seixo. O contrabaixista teve
limite, o que mais me interessa duas aulas de guitarra elétrica, por
são as decisões pessoais perante a sua iniciativa. Trabalhar com este
responsabilidade individual e a culpa ensemble é maravilhoso, porque são
íntima. Nesse sentido há, de facto, instrumentistas de topo mundial e
uma ligação, uma linha condutora têm uma abertura e uma experiência
entre as duas óperas, apesar da que tornam tudo fácil. Em Lisboa
será com a Orquestra Gulbenkian


e eu estou entusiasmadíssimo,
porque conheço bastantes dos
instrumentistas que vão tocar, já
trabalhei com alguns, são fantásticos.
Em Lisboa será com a ORQUESTRA SINFÓNICA METROPOLITANA
Orquestra Gulbenkian. Está com um calendário muito

Conheço bastantes
preenchido e a sua carreira e
reputação internacional estão a NECESSIDADE E ESPERANÇA
BRUCKNER
dos instrumentistas, já progredir invulgarmente para um
compositor português. Tem sido
trabalhei com alguns, surpreendido por isso?
são fantásticos Claro que a carreira é importante e
fico muito satisfeito por quererem
fazer a minha música. Esta nova DOM. 23 OUTUBRO - 17H00 GRANDE AUDITÓRIO DO CENTRO CULTURAL DE BELÉM
O didgeridoo é uma produção de La Casa Tomada foi uma
surpresa muito agradável porque
forma de enriquecer o são raríssimos os casos duma ópera
Anton Bruckner Sinfonia N.º 5, WAB 105

vocabulário orquestral e contemporânea ter uma segunda


produção. Por isso acho fantástico BILHETES À VENDA Preçário: 5€ a 20€
não é a única que uma equipa de artistas esteja Na Ticketline e bilheteira do CCB todos os dias - 11h00 > 20h00
disposta a criar sobre o meu trabalho.
As coisas têm corrido bem mas o que
é importante é o trabalho, que as
diferença entre elas, no conteúdo,
no caráter, na abordagem.
pessoas o ouçam e conheçam, pelo
que a maior vantagem duma carreira INTEGRAL DAS SINFONIAS
É curioso que, entre a instrumen-
tação, tenha escolhido um didgeridoo.
internacional é que permite maior
exposição a diferentes ensembles e
músicos, permite criar situações cada
DE BEETHOVEN
Isso já vem da ópera anterior. O que vez mais interessante e estimulantes.
é interessante neste tipo de pequeno Com a sua diversidade, que me
ORQUESTRA METROPOLITANA DE LISBOA | MAESTRO PEDRO AMARAL
ensemble, de 13, 14 instrumentos, é enriquece também. Mas tenho CENTRO CULTURAL OLGA CADAVAL, SINTRA
que, se formos um pouco além do set consciência de que é invulgar em
up habitual (um instrumento de cada Portugal. Espero que as pessoas que QUI. 13 OUT. - 21H00 SÁB. 15 OUT. - 18H00
naipe), com algumas modificações gostarem do meu trabalho tenham Sinfonia N.º 1, Op. 21 Sinfonia N.º 6, Op. 68, Pastoral
ocasionais nessa instrumentação, curiosidade de conhecer mais do que
Sinfonia N.º 2, Op. 36 Sinfonia N.º 7, Op. 92
o leque tímbrico e de perceção se faz no nosso país.
Sinfonia N.º 3, Eroica
da própria capacidade e força do
ensemble muda radicalmente. Um Já está a pensar numa quarta ópera?
SEX. 14 OUT. - 21H00 DOM. 16 OUT. - 18H00
exemplo: tal como na Casa, em vez Isso nunca está fora da mesa. É um
de ter quatro madeiras diferentes género que me interessa muito. Estou Sinfonia N.º 4, Op. 60 Sinfonia N.º 8, Op. 93
(o habitual num ensemble tipo interessado em mudar agora a escala. Sinfonia N.º 5, Op. 67 Sinfonia N.º 9, Op. 125, Coral *
sinfonieta: flauta, oboé, clarinete e * COM O CORO VOCES CAELESTES

fagote), não uso palhetas duplas e Ou seja, que a próxima não seja uma
BILHETES À VENDA - Preçário: 10€ a 15€ Na Ticketline e locais habituais
dobro os clarinetes. O mesmo com ópera de câmara? No Centro Cultural Olga Cadaval, de terça-feira a sábado: 13h00 >18h00
No dia e local do concerto, uma hora antes do início
os metais: em vez de ter trompa, Sim, isso seria o mais interessante.
trompete e trombone, tenho dois Tenho tido alguns contactos nesse
www.metropolitana.pt M/6*
trompetes e trombone. Com estas sentido. Uma produção de uma full
pequenas alterações e as dobragens, opera é diferente pela logística, mas facebook.com/metropolitanalx | +351 213 617 320
Trav. da Galé 36, Junqueira - 1349-028 Lisboa
é possível criar um som orquestral acharia muito interessante e espero * Não é permitida a entrada a menores de 3 anos. DL n.º 23/2014

na perceção psicológica que dele ter notícias para lhe dar em breve.J

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20 * jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt ESPETÁCULOS
artes * 21
DANÇA do som e oferece uma experiência
única a cada um dos espectado-
Sofia Soromenho res. A coreografia não ilustra em
momento algum as sonoridades
propostas. O som é o veículo que

Dança Certa /
transporta o espectador para um
determinado ambiente ou imagem
e que em simultâneo o leva a
assistir a algo que não corres-

Tempo Incerto
ponde àquilo que vê. Esta abor-
dagem confere a este espetáculo
uma riqueza pela multiplicidade
de leituras possíveis que não se
esgotam, pois sempre que se vê,
descobre-se permanentemente
qualquer coisa que não se viu
A Companhia Nacional de causam o equívoco ou a ilusão da antes. A dança transmite aquilo

BRUNO SIMÃO
Bailado estreia amanhã, dia 13 cor. E que cor é esta? O branco que que tem a transmitir através do
de outubro, Quinze Bailarinos e povoa o espaço – o grupo – o ama- olhar pessoal de cada espectador –
Tempo Incerto, no Teatro Camões, relo que destaca o singular, que Quinze Bailarinos e Tempo Incerto Peça de João Penalva e Rui Lopes Graça é uma viagem pessoal totalmente
em Lisboa. Uma peça assinada por nada tem de singular e ao mesmo pela Companhia Nacional de Bailado aberta.
João Penalva e Rui Lopes Graça e o tempo existe na sua singularidade O cenário concebido para este
som por David Cunningham. particular. O diferente é igual aos espetáculo é coerente: um palco
Para alguém que espera en- outros. a viagem que cabe ao expecta- aos sons. Sons estes que também, vazio e ao fundo atravessando o
contrar respostas nesta peça, que Conduzir o olhar, mas ao mes- dor realizar. Uma coisa é certa, apesar de parecerem abstratos, chão em linha reta vários focos de
se desengane – este espetáculo mo tempo subverter esse olhar. o prazer de dançar e a beleza da são identificáveis, (sons da noite, luz, que perspetivam um espaço
coloca-nos infinitas questões que Esta peça coloca o espectador dança estão tão à flor da pele que é do vento, da chuva, trovões, virado do avesso, uma cortina
podem ou não ter resposta. Um perante a pergunta: o que é um impossível não sentir. explosões, corvos, sinos, pássaros refletora que funciona como um
paradoxo constante entre aquilo bailarino(a)? Ao observarmos o A proposta é clara: uma narra- e tantos outros) e que escuta- espelho que reflete toda a sala
que se vê, que se ouve e que se todo temos a ilusão do conjunto tiva manipulada a partir do som mos sem podermos deixar de ser incluindo a plateia. É neste espaço
sente. como qualquer coisa uniforme e e não a partir da dança. Isto pode transportados para diversas situa- sem fim que os bailarinos dançam
O olhar que observa corpos uníssona, mas de facto estamos parecer simples, mas é exatamen- ções ou memórias que carregamos e cujas imagens são multiplicadas
despidos que se movem a velo- persistentemente a ser confronta- te aqui que reside a complexidade connosco, e que essas sim, são indefinidamente que desafiam
cidade extrema e em movimen- dos com o individual. desta peça. Desde o início que se pessoais e subjetivas. a perceção de espaço e que mais
tos de um virtuosismo técnico A expressividade única que sobrepõem duas dimensões, a da O processo de criação desta uma vez colocam o espectador
extenuante, não param, não cada um destes quinze intérpretes dança e a do som. Ambas fluem ao peça foi desenvolvido a partir de num terreno ambíguo, estamos
desaceleram ou desaceleram, para oferece generosamente ao público, seu tempo certo e incerto porque uma estrutura trabalhada por dentro ou fora de cena?
logo a seguir acelerar. O bailari- ainda que em tom duvidoso do a dança embora aparentemente secções, definidas em função do Quinze Bailarinos e Tempo
no individual e o conjunto que se privado exposto ao olhar alheio, abstrata pertence ao concreto; às tempo, desprovidas de sentimen- Incerto está em cena no Teatro
confundem e ao mesmo tempo se é algo que pertence ao indizível, imagens, à forma, ao movimento, tos, ou de comunicar objetiva- Camões até ao dia 23 de outubro.
destacam pela sua singularidade é uma conexão pessoal que abre que acontecem diante dos nossos mente alguma história ao público. Mais informações: http://www.
inerente e que simultaneamente inúmeras leituras e enriquece olhos, mas que não correspondem A narrativa é construída a partir cnb.pt/gca/?id=1264

TEATRO a entoação ou a expressão e gesto


na forma de responder à mesma
Helena Simões questão. E assim, à medida que
entramos na condição fragmentária
desta história de amor, ela torna-se
cada vez mais interessante e sur-

Universo Teatro preendentemente teatral. Parabéns,


portanto, a Vera San Payo de Lemos
que urdiu uma dramaturgia fina e
subtil tornando claro e poético este
exercício de prática teatral.
João Lourenço, o encenador
Está na Sala Vermelha do Teatro voltura e elegância integra, na sua que organizou o espetáculo com
Aberto, só até ao fim do mês, o estrutura dramática e nos diálogos saber e inventividade, criou com
espetáculo Constelações (2012), de das personagens, a referida reflexão António Casimiro, cenógrafo, um
Nick Payne (1984), o jovem drama- temática. Rodrigo e Mariana são dois dispositivo cénico em três platafor-
turgo e argumentista britânico, a jovens que se encontram por acaso mas circulares, mas não ao mesmo
convocar-nos para o universo do numa festa de uma amiga comum e nível, a sinalizar o tempo circular Constelações de Nick Payne No Teatro Aberto com encenação de João Lourenço
teatro. Assim dito, parece um pleo- que se vão tornar inseparáveis par- e espiralado, que nos guiam pelo
nasmo, mas nesta peça de temática tilhando harmonias, inseguranças, labirinto de permutações das cenas,
esotérica, metafísica, existencial, medos, ultrapassando incompreen- para onde saltam os atores quando
sobre universos plurais e paralelos, sões, infidelidades, a doença e a aterram naquela cena/universo. Em mente abstrata e profunda, extensa cumprir a sua missão com “clareza
de facto, o verdadeiro universo é o morte. Tudo isto numa vida? Talvez tons de prata e azul o espetáculo e intensa, universal e quotidiana. A de objetivos infalível”, participando
teatro. Pois se a teoria em que se ba- sim, ou talvez não. Depende da conduz-nos também pela música sua técnica espanta pela precisão, assertivamente, sem escolha, no
seia a peça, de certo modo, valida a teoria. E é neste ponto que o teatro das esferas, que por vezes descem, compromisso com a personagem, jogo global.
existência de vários universos, onde se torna mestre da experiência de polifacetadas e a refletirem a luz em não descurando nenhum gesto, Um espetáculo veemente que nos
a cada momento existimos coinci- vida. Deste modo, nada melhor que cada uma delas, tal como as nossas movimento ou expressão, de facto dá a ver a vida como ela é. J
dentemente, para além do espaço e um palco para experimentar várias existências múltiplas. construindo várias personagens
do tempo, representando a mesma situações, uma vez que a resposta Aos atores (bem vestidos por dadas a ver na totalidade apenas em › CONSTELAÇÕES
(porque nossa) mas também outra a dar a cada solicitação depende da Dino Alves) está também atribuída pouco minutos. Um deleite para o de Nick Payne, Versão João Lourenço e Vera San
personagem, é sempre de teatro que nossa escolha, do nosso livre-arbí- a grande fatia deste espetáculo e a espectador. A um desempenho tão Payo de Lemos, Dramaturgia Vera San Payo de
Lemos, Encenação João Lourenço, Cenário António
se trata, no seu sentido mais nobre trio. sua direção eficaz e segura é bem admirável seria difícil dar contrace- Casimiro e João Lourenço, Figurinos Dino Alves,
de experimentação. Payne coloca as personagens testemunhada pelo desempenho na, mas Pedro Laginha em Rodrigo, Luz Alberto Carvalho, João Lourenço e Marcos
Constelações é, assim, um es- em estado de ensaio ou repetição, absolutamente excecional de Joana o apicultor artesanal, terreno e Verdades, Dança a Par João Fanha e Raquel Santos,
petáculo que se constitui como um fazendo-as representar a mesma Brandão, a Cosmologista Mariana, terno, esteve à altura, embora não com Joana Brandão e Pedro Laginha.
exercício teatral extraordinário, de cena reiteradamente, por vezes que estuda as leis do universo, e que tenha integrado na sua interpretação
dificuldade de execução máxima apenas com uma pequena alteração coloca na sua interpretação a postu- a metáfora da colmeia: a unicidade Teatro Aberto, quarta a sábado às 21h30,
para os atores, e que com desen- de palavras, ou nem isso, mudando ra de uma mundivisão simultanea- da vida das abelhas permite-lhes domingo às 16h. Até 30 de outubro.

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22 * artes DISCOS jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

CLÁSSICA JAZZ

Reunião Confrontos e metamorfoses processo foi ainda mais acentuado, embora o

de amigos confronto tenha sido menos "violento".

O violoncelo Tem mostrado um particular interesse em ma-


de Jean- turar a sua individualidade criativa desenvol-
Guihen vendo cenários coletivos em ciclos ou períodos
Queyras, uma Sensivelmente tudo na confluente prática mais ou menos regulares e duradouros. É assim
lira grega, artística do saxofonista (e fotógrafo) português que deseja continuar a crescer musicalmente?
percussões Rodrigo Amado tem inerente a si uma acurada Essa visão cíclica de evolução de diferentes
persas (zarb preleção narrativa, assente num ideário de re- projetos é uma parte fulcral do meu trabalho.
e daf) e a flexão e de ação, do momento e do movimento, Estou permanentemente à procura de oportu-
complexidade rítmica dos Balcãs do dever e do devir, incontinente continuum nidades para regressar ao registo de formações
são os ingredientes de “Thrace ético e estético de exceção. Seguramente não com as quais já trabalhei. Penso que esse é um
– Sunday Morning Sessions”, por acaso, é esse “movimento” (perpétuo) que enorme desafio e obriga-nos ao confronto com
disco que testemunha as sessões nomeia a sua mais arraigada irmandade criati- as nossas próprias limitações e a encontrar
de improvisação do violoncelista va: o Motion Trio. Sucedendo aos quatro assom- formas de as superar. Uma das formações que
francês com os seus amigos, e brosos registos por si publicados no último par gostaria de registar novamente num futuro
que explora, num repertório de anos (os viscerais The freedom principle” e próximo é o trio com o Kessler e o Nilssen-Love.
diverso, que vai do jazz e da Live in Lisbon, dois prementes exercícios desse Sinto uma enorme curiosidade de descobrir em
música ocidental às tradições trio com o ilustríssimo precetor Peter Evans, a que ponto estaremos agora, passados oito anos
melódicas do Irão, da Turquia homónima estreia do expressionista Wire Quar- desde o nosso último encontro. De resto, espero
e da Grécia, uma identidade tet e o avassalador This is our language, com continuar a trabalhar com o Motion Trio du-
comum, que remonta à antiga os exímios Joe McPhee, Kent Kessler e Chris rante muitos mais anos. Serão também editados
Trácia, dos séculos III e II a.C., Corsano), faz editar na próxima semana o longa em breve o novo álbum de Wire Quartet e um

GEERT VANDEPOELE
no sudeste europeu. duração Desire & freedom, cabal testemunho da duo com o baterista Chris Corsano. No fundo,
“Thrace” reúne Jean-Guihen eloquente maturidade deste projeto, revelando tratam-se de novas perspetivas sobre a mesma
Queyras, ex-solista do Ensemble o mais íntegro Rodrigo Amado, o mais integral matéria.
Intercontemporain de Pierre Gabriel Ferrandini e o mais integrado Miguel
Boulez e um dos mais destacados Mira. Uma dinâmica discursiva sucintamente Depois do disco de estreia, o Motion Trio publi-
intérpretes das duas últimas traduzida pelo músico na conversa que se segue. co e mesmo pessoal. Esse tem sido aliás um cou dois álbuns (um em estúdio e outro ao vivo)
décadas, aos percussionistas fator constante no meu percurso, o encontro com Jeb Bishop, repetindo a fórmula com Peter
de origem iraniana Bijan JL: Há já mais de dez anos que toca e grava com com grandes músicos, bem melhores e mais Evans. E agora regressa com um longa duração
e Keyvan Chemirani, do músicos americanos e europeus de inegável experientes do que eu, e a forma como esses sem convidados… Sente que, pela singularidade
Chemirani Ensemble, seus prestígio, publicando em algumas das mais encontros deixam marcas indeléveis de cresci- da sua formação, este é um trio particularmente
amigos de infância, e conta com relevantes editoras de jazz mundiais. Mas os mento e evolução. No caso do quarteto com o versátil e aberto a esse tipo de mutações?
a cumplicidade do guitarrista quatro álbuns que editou em 2014 e 2015 fun- Joe McPhee, Kent Kessler e Chris Corsano, esse O Motion Trio tornou-se nos últimos anos a
grego Sokratis Sinopoulos, cionaram, de certa forma, como a confirmação peça chave da minha atividade musical. O
intérprete de lira, líder do definitiva da notável reputação que atualmente trabalho intenso que temos desenvolvido, com
quarteto com o seu próprio goza junto da crítica e do público mais atento base numa prática quase diária e uma per-
nome, também conhecido pelo a nível internacional. Sente que estes foram manente reflexão musical conjunta, tem sido
trabalho com a compositora e discos fulcrais para a afirmação global do seu determinante na minha evolução. Curioso é que
pianista Eleni Karaindrou ou o trabalho? esse trabalho seja intuitivamente orientado para
saxofonista Charles Lloyd. Rodrigo Amado: Para mim é bem clara uma uma cada vez maior flexibilidade e adaptabi-
O disco, apresentado no evolução acentuada em termos de consistência lidade do trio. Cada nova colaboração provoca
início do mês no Grande e profundidade musical a acontecer a partir da nele uma verdadeira metamorfose, tornando
Auditório da Fundação edição de The freedom principle e Live in Lisbon, imprevisíveis os resultados. Por outro lado,
Calouste Gulbenkian, abre por ter superado o confronto musical com Peter torna-se também fundamental uma avalia-
com “Khamse”, de Frank Evans, que é um dos mais desafiantes impro- › Rodrigo Amado Motion ção periódica do estado do trio na sua forma
Leriche, que enquadra visadores mundiais. Esse confronto significou Trio original, até para saber do impacto de anteriores
desde logo todo o projeto, um enorme risco e, simultaneamente, um fator DESIRE & FREEDOM colaborações. Foi o que fizemos em Desire &
e conta com composições de crescimento exponencial, a nível artísti- Not Two / import. Flur, 2016 Freedom. J BRUNO BÉNARD-GUEDES
de Sinopoulos e dos irmãos
Chemirani, resgata peças de
origem tradicional e combina
obras do compositor persa POP Cidade da Praia a Nova Iorque. Em e o músico, Também de Cabo Verde,
Mohammad-Rezā Lotfi, do alguns, essa índole subversiva, hoje com 45 chega-nos um EP acústico de
alemão contemporâneo Jorg PT DJ de quem procura a fusão original, anos, é uma das Dino Santiago, jovem cantor que
Widmann (uma homenagem São 23 temas expressa-se de forma mais clara, grandes vozes reivindica para a música cabo
a Boulez) e a exemplar inéditos de outros colam mais o discurso masculinas verdiana a voz melódica e íntima
“Sacher variation”, do outros tantos ao hip-hop. Não obstante a da Ilha de São dos crooners e um som mais
polaco Witold Lutoslawski DJ e produtores coletânea é uma viagem coerente Vicente. E jazzístico. Busca um caminho
(dedicada ao maestro Paul que revelam de devaneios rítmicos, que tanto neste álbum, no novo som de Cabo Verde, de
Sacher), em torno da qual o fascinante apelam à dança tribal, quanto reeditado em uma tradição que não se quer
tudo pode estruturar-se. universo de refletem uma índole exploratória crowdfounding, estática nem impermeável a
O alinhamento culmina uma eletrónica de quem não se contenta em junta-se a influências exteriores, trilhando
numa dança tradicional, no contemporânea portuguesa, que repetir fórmulas e formatos. Uma alguns dos caminhos por onde passou
compasso alternado 7/8, como resiste para além das ondas de magnífica jornada rítmica, cheia melhores Wadu, ou Oswaldo Pantera, mas
celebração de todo o percurso. maiores impulsos de outrora e de rabiscos. músicos do procurando voz próprias. Não é
O resultado traduz sobretudo não se fecha em hermetismos arquipélago, como o grande pois de estranhar, que no final
a cumplicidade entre os elitistas e , acima de tudo, › Vários Paulino Vieira (que aqui toca meia deste unplugged cante What a
músicos, demonstra o seu procura ou vangloria-se da sua MAMBOS LEVIS D'OUTRO dúzia de instrumentos), Armando Wonderfull World, o standard
virtuosismo e elogia a liberdade identidade. Tal como nas sub- MUNDO Tito ou o saxofonista Nandinho. celebrizado por Louis Armstrong.
da improvisação. ramificações dos Buraka Som Príncipe O reportório, à base de mornas,
Sistema, há aqui obviamente uma passa por temas tradicionais e › Alcides
› Jean-Guihen Queyras, afirmação (sub)urbana, que não outros especialmente compostos ALCIDES
Bijan e Keyvan Chemirani,
Sokratis Sinopoulos vira costas necessariamente a Cabo Verde para o disco, com destaque, Ed. Autor
THRACE – SUNDAY MORNING ritmos rurais, em que se assume É um disco maior da música mais uma vez, para as músicas e
o cosmopolitismo evidente das cabo-verdiana que agora é arranjos de Paulino, que ajudam a › Dino Santiago
SESSIONS
CD Harmonia Mundi/Latitudes
cidades, caracterizado por uma reeditado, após uma edição brilhar a doce voz de Alcides, em EP UNPLUGGED
panóplia de influências e de demasiado discreta, em 1997. temas como Nho Manel Pur Nol ou Ed. Autor
MARIA AUGUSTA GONÇALVES raízes, de São Paulo a Luanda, da Alcides, assim se chama o disco Nha Piedade. MANUEL HALPERN

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt

ideias * 23
Maria Filomena Molder
acreditado que a dança queria evitar
a queda.
Sim, a queda era uma falha, um
desacerto e ali era um movimento

A arte do pensamento
desejado, sem dúvida controlado por
uma técnica extraordinária. O coração
da arte é a técnica. No caso, saber
como fazer do corpo um instrumento.
Para cair, por exemplo.

E poder-se-á dizer que o seu pensa-


mento ‘dança’?
Talvez o que eu faço seja um substituto
dessa impossibilidade. O pensamento
tem tendência a aguentar-se no ar,
Arte e Filosofia num livro que junta textos sobre vários artistas, escritos nos últimos 17 anos: sem ter em conta a força da gravidade.
Esse é um dos seus perigos (risos).
Rebuçados Venezianos, uma edição Relógio d’Água, a chegar às livrarias, é uma obra em que mais Hermann Broch tinha uns oito anos
uma vez a filósofa e ensaísta, profª catedrática da Universidade Nova de Lisboa, afirma o seu dom quando, como sucede com outras
crianças, lhe aconteceu aquilo a que
de “contar”, matriz de um pensamento que dança entre o corpo e a linguagem chamou “cair em si”, perceber que um
dia ia morrer. Recorda na sua autobio-

é
grafia que estava a brincar num bos-
Maria Leonor Nunes que, perto de Viena, e percebeu que
estava sozinho no mundo. Descobriu a
solidão da vida humana e que a morte
é um acontecimento solitário. O pen-
samento é uma tentativa de superação,
uma espécie de protecção contra a
morte. Move-se numa área em que
ninguém pode viver. Esse é um risco.

Qual?
Um afastamento tal da vida que não se
possa mais voltar a ela. O pensamento
conhece a solidão absoluta. Todo o
É alguém que olha o mundo com toda esforço da nossa vida é na verdade
a atenção. Em rigor, ouve. Porque não dar-lhe forma, desde o fazer pão a
é dos que se limitam a andar com a abrir uma cova para enterrar alguém,
cabeça entre as orelhas. O seu ouvido a escrever um livro, a inventar um
é o grande perscrutador da vida, que axioma. Tudo isso são efeitos da inci-
para ela é “combate e leveza”, “luz e dência da solidão imensa e irreparável
sombra”. Um ouvido absolutamente do pensamento sobre o respirar, o
apurado, aplicado tanto à leitura da correr do sangue nas nossas veias, o
realidade como à musicalidade da andar. Enfim, passa por aí a matriz da
escrita, corda sensível da sua arte do infância, da dança no meu pensa-
ensaio que prefere “contar a explicar”. mento.
E ela é uma contadora de histórias,
filmes, pinturas, esculturas, arqui- DIANTE DO ABISMO
LUÍS BARRA

teturas. É o que se pode aferir em Acabou por encontrar um sapati-


Rebuçados Venezianos, que acaba de nho que lhe assenta como uma luva
lançar, edição Relógio d’Água, com Maria Filomena Molder “O pensamento pede lentidão. Temos que afastar algum tempo as exigências finalísticas da vida, na Filosofia. O que a fez seguir esse
um conjunto de textos sobre vários desde a sobrevivência pura e dura até ao divertimento. É preciso fazer uma suspensão para se se desenvolver”. rumo?
artistas. É que não sabia o que era a Filosofia.


Maria Filomena Molder (MFM), Adorava Literatura, História. Era uma
66 anos, foi professora catedrática de irlandesa de uma história d’O Cavaleiro não consigo lembrar-me do nome criança sôfrega pela leitura. E ima-
Estética no departamento de Filosofia Andante, que comecei a ler, ainda sem dessa heroína. Se calhar, nem quero. ginava que ia ver qualquer coisa que
da Universidade Nova de Lisboa, saber ler, tinha uns quatro anos. Todas ainda não tinha visto.
tendo-se aposentado no fim de 2013. as semanas, o carteiro trazia mais É melhor ficar um enigma? O sistema capitalista
Publicou, entre outros, O Pensamento um número, que depois o meu pai Um enigma fechado (sorriso). Goethe E viu?
Morfológico de Goethe, A Imperfeição mandou encadernar do primeiro ao dizia que o passado não é uma coisa ao é muito criativo. As Não tenho a certeza (sorriso). Por
da Filosofia, As Nuvens e o Vaso último, nuns volumes guardados num nosso dispor, como alguns pensam. coisas que se inventam exemplo, aprendi que o pensamento
Sagrado. Na sua obra tem expressado armário, de que se perdeu a chave. Sobretudo os maus historiadores, às se destaca da vida. E há uma exigência
a singularidade do seu pensamento. vezes quando parecem bons (riso) para ter mais lucros… que se tem que fazer nessa separa-
E o pensamento não ignora a solidão O que tinha de ‘dançável’ essa heroí- e que crêem que o passado vem ter Não vejo como sair ção: tentar não a caluniar. Que a vida
humana e a angústia contemporânea, na? com eles para ser apanhado como mereça ser vivida é qualquer coisa que
sendo, como nos diz, uma “protecção Era de origem nobre, tentava defender uma borboleta na rede. Na verdade, é dele, a não ser abrindo temos que aprender. E se a filosofia
contra a morte”. o seu povo dos ataques que vinham do um movimento que fazemos, quando brechas não ajudar a isso está a prestar um
mar, de piratas. O desenho era a preto olhamos para trás, porque qualquer mau serviço. Os grandes filósofos
Jornal de Letras: Num dos textos de e branco e lembro-me que ela corria, coisa, que está na nossa vida, nos ajudam a dar uma resposta, quase
Rebuçados Venezianos, sobre uma saltando por penhascos, entrando em chamou. Vive, caminha connosco e os todos com a mesma tendência, que é
exposição de Tomás Cunha Ferreira, grutas. Tinha uns sapatinhos como nossos gestos e desejos são a sua resso- que um dia uma das minhas irmãs, a aceitar a complexidade, a contradição
num um acento mais biográfico, imaginamos que as fadas também têm, nância. Isso a que chamamos passado mais velha, me ofereceu uns sapatos que a vida é.
recorda um espetáculo, em meados com umas fitinhas que atavam no tor- tem que ver com milhões de mortos e de bailarina. E não me serviram. Foi
dos anos 60, quando era adolescente, nozelo, semelhantes aos que usam as com ruínas, coisas perdidas. um enorme desgosto. Mas sempre vi A Literatura também a acompanha
de Merce Cunningham, no Tivoli, e diz bailarinas clássicas. Sempre associei a muita dança. E esse primeiro encontro sempre?
que o coreógrafo foi um dos responsá- sua coragem àqueles sapatinhos muito CORPO E PENSAMENTO com Merce Cunningham foi realmente Sem dúvida. Mas a Literatura, em
veis pelo facto de a dança ‘atravessar’ delicados e leves, que a tornavam uma Retomemos a dança: quis ser baila- um dos grandes choques da minha particular a poesia, não condena a
quase tudo o que faz. No princípio, era lutadora natural contra a gravidade. rina? vida. vida. Essa é uma superioridade em
a dança? Isso falava-me da vida. Ainda comecei a aprender, mas fiquei relação à Filosofia. A aceitação da
Maria Filomena Molder: Desde criança doente e não pude continuar. De qual- Lembra nesse texto de Rebuçados vida passa por um instrumento que
que tinha uma verdadeira paixão pela Em que sentido? quer forma, já tinha começado tarde. como se surpreendeu com os bailari- não é o conceito. O filósofo torna
dança. Acho que vinha de uma heroína A vida como combate e leveza. Mas Era tão grande a minha exaltação nos que caíam, quando sempre tinha tudo mais complicado, põe obs-

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24 * ideias ENTREVISTA jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

Rebuçados, artistas e filósofos táculos à frente dos pés para cair. era mais por dificuldade com a vida, experimentou a leveza, ela pode voltar
O poeta mergulha. Talvez tenha não por amor. Simplesmente, procuro a ser experimentada. Aí está de novo
sido Hermann Broch quem melhor os alimentos que são resultado de a dança. Zaratrustra é um dançarino.
definiu essa diferença. É que ambos menos sofrimento. Mas da mesma maneira, o terrível
De uma viagem a Veneza, a pintora artistas? estão diante do abismo. O filósofo também pode voltar. O que se passa na
Luísa Correia Pereira trouxe uns Quase todos por encomenda. E perscruta-o, o poeta lança-se nele. SEGURANÇA Síria e noutros países, o que se passou
rebuçados de vidro de Murano que quando os artistas me pedem é um Na linguagem e na vida, ao mesmo E ESPONTANEIDADE nos campos de concentração, só nos
deu de presente a Maria Filomena grande desafio. Mas gosto de estar tempo, retornando sempre, para pôr Como foi a sua infância? faz pensar: tudo pode retornar. E o que
Molder. Jorge Molder havia de em perigo…Geralmente, conhe- os pés na terra. A partir de certa altura, muito solitá- devemos é evitá-lo. A começar pelos
fotografá-los numa das imagens da ço-os ou eles sabem que aprecio as ria. Antes, fui uma Maria-rapaz, gos- pensamentos feitos, petrificados, de
sua série The Secret Agent. E a artista suas obras, porque já fui às exposi- ABOBORAR E LEVEDAR tava de subir às árvores, correr, saltar. que estamos cheios à nossa volta. Não
pintou-os numa das suas telas. ções. Não escrevo sobre artistas que O “estranho” sempre a atraiu. Porquê? Fui uma criança, como quase todas as quero transmitir uma ideia de pessi-
Vem daí a explicação do nome, não conheço. Às vezes, corresponde Escrevi-o a propósito da minha daquela época, muito feliz por poder mismo total, mas tendo para isso.
Rebuçados Venezianos, em homena- mesmo a uma coisa que queria adolescência. Em geral, o adolescente brincar, ensaiar, hesitar, descobrir, o
gem à pintora. fazer. Por outro lado, tenho uma está espontaneamente preparado para que inclui medo, defesa, ataque, fuga, Em relação ao tempo que vivemos?
De Rui Sanches a João Queiroz, certa indisciplina, porque não saltar para fora do que lhe ensina- luta, todas as coisas que fazem parte da Sim. Mas tenho alguma esperança,
passando por Manuel Vilarinho, consigo cumprir prazos. E no caso ram, para criticar, recusar. Mais tarde nossa vida. porque vejo muitos jovens, e posso
Ângelo de Sousa, Louise Bourgeois, de obras para catálogos tenho que os compreendi que realmente gostava do observá-lo também na minha família,
Eduardo Souto Moura, Jorge cumprir. É uma luta. A urgência faz que não percebia. O estranho atraía- Hoje isso não acontece? que estão muito atentos, são críticos.
Queiroz, Maria Filomena Molder dançar. Portanto, fico por um lado -me. Pessoas que não compreendia, Não. A desconfiança que temos em Também algumas associações, ainda
junta neste livro, uma edição relógio muito grata, por outro quase em obras quase ilegíveis, em cuja leitura relação à espontaneidade é aterrori- que por vezes tomem uma forma
d’Água, textos sobre artistas escritos estado de terror. Além disso, não sei persistia. zante. Porque esse é o nosso tesouro. muito dogmática. Fernando Gil, numa
entre 2000 e 2016, ao longo de 400 nunca o que vou fazer. das entrevistas que compõem o livro
páginas. Rebuçados Venezianos dão Acentos, fala da grande falta de atenção
uma continuidade a um outro vo- Não? ao que está a acontecer, à terra, à água,
lume de textos, Matérias Sensíveis, Escrevo sempre à mão, em papéis aos animais.
publicado em 1999. E atravessa-o dispersos, depois junto-os, às
uma questão fulcral na sua obra: a vezes, passo-os a limpo, porque Uma consciência ecológica?
relação entre a Arte e a Filosofia. gosto de copiar. Passo-os depois Temos visto algum pequeno progres-
a computador e mal imprimo, so por parte dos responsáveis, em
JL: Que Rebuçados Venezianos são começo a alterar e a reescrever. É reuniões mundiais, em decisões que
estes? um processo que podia não ter fim. se tomam. Mas é uma gota contra um
Maria Filomena Molder: São uma E isso significava que o abandona- oceano negro que avança. O sistema
homenagem a Luísa Correia Pereira. ria. Por isso, é bom ter prazo. Caso capitalista é realmente muito criativo.
Ela trouxe-nos os rebuçados de contrário, deixava tudo inacabado. As coisas que se inventam para se ter
Murano e fez uma tela em que apa- A minha tendência natural é deixar mais lucros. Não vejo como sair dele, a
recem, rodeados daqueles seres em cair, largar e recomeçar. Por isso, não ser abrindo brechas.
que a sua pintura era fértil. Escrevi os meus textos têm todos um lado
o texto que ela não chegou a ler, inacabado. Um inacabamento BONDADE DA CRIAÇÃO
porque infelizmente morreu antes acabado. E como se abrem?
de estar pronto e da exposição se Do ponto de vista individual, tomando
realizar. Era uma artista excecional, Por vezes, parece haver decisões que interrompam essa cadeia,
que foi mais ou menos ignorada pela recorrências, um fio condutor Maria Filomena Molder “Que a vida mereça ser vivida é qualquer coisa que temos mesmo que tenha um impacto ínfimo.
crítica, mas não pelos artistas seus que passa de uns para os outros? que aprender. E se a filosofia não ajudar a isso está a prestar um mau serviço” Mas também transmitindo as preocu-
contemporâneos. É esse reconheci- Continuidades. Mas não imagi- pações a outros, procurando formar
mento que os grandes artistas, es- nava que as houvesse. Fiz muitas comunidades, criar instituições, cons-
critores, poetas têm sempre dos seus revisões deste livro, como é meu Aconteceu-lhe muitas vezes? Li no Público que cada vez se dão mais tituir formas de pressão. Há petições
pares. Isso mostra que a arte forma hábito, e o meu editor tem muita Sim. Acho que é um sinal de que vale medicamentos às crianças por causa que nos chegam todos os dias.
comunidades, embora na nossa paciência, e há sempre coisas a pena. Se me distraio a ler, abandono de uma constipação, da atenção, ou
época praticamente não existam. que altero. Até já na tipografia. E logo o livro. Há pessoas que dizem que para estarem quietas. Convertem-se Costuma assiná-las?
foi quando reli e reli que percebi não entendem um livro, um quadro, assim as crianças numa espécie de Às vezes, sem grande convicção.
Acha que não existe hoje uma co- que havia essas ligações, apesar que saem de um filme a dizer que é robôs, que serão perigosos e incapazes. Porque me interrogo sempre até que
munidade artística? de os textos serem sobre artistas um absurdo. Mas isso, como dizia ponto os responsáveis vão ser sensí-
Onde é que ela está? Vejo apenas muito diferentes. Aquilo que vejo Homero, pode ser uma palavra alada E porque é que isso acontece? veis, a não ser que os lucros se man-
pessoas a trabalhar isoladamente, em determinadas obras per- que mais ninguém encontra ou então Por segurança, por parte dos pais, da tenham. Mas poderá inventar-se uma
mercado, galerias, os chamados mite relações entre si, às vezes ficar a aboborar, a levedar, expressões sociedade. Todas as opções de segu- forma de não os diminuir, e evitando
curadores, todo o género de esco- inesperadas. E há autores que de que gosto muito. rança significam que as pessoas estão por exemplo a destruição em massa
larizações. A vida contemporânea não era suposto serem ‘chama- cheias de angústia. das abelhas. Fazem-se coisas terríveis
da arte impede a constituição dessa dos’ para obras tão diversas. Porquê? às abelhas, nem é preciso pensar na
comunidade. Quem fala da ausência Provavelmente, há pontos de São palavras que têm a ver com o Essa é uma obsessão do nosso tempo? Monsanto ou na Bayer. Aí está uma
dessa comunidade é Giorgio Colli, contacto que recuperei. De resto, alimento, com o fazer do pão… É. E a angústia pode devorar de tal coisa que gostava de estudar.
um dos meus amores, embora há um texto que fui eu que quis modo o ser humano que nem a segu-
tardio. Fui uma leitora precoce de escrever sobre a Louise Bourgeois, Alguma vez fez pão? rança ajuda … (risos) Pode tomar tais As abelhas?
Nietzsche, mas seria através de Colli um grande encontro que tive na Sim. E devo dizer que uma das melho- proporções que se torna uma espécie Sim. A abelha é um animal da minha
que o iria redescobrir. O atalho foi, vida. Conheci-a pessoalmente e res iguarias para mim é um bom pão de homicida das forças da vida. Na infância. Vivíamos no Restelo e tínha-
no entanto, María Zambrano... estive uma tarde inteira a conver- com manteiga, mesmo só pão. Desde verdade, estar vivo é um perigo. Negá- mos uma horta e um jardim, que era
sar com ela sobre a sua obra. criança. Mas então gostava de coisas lo é ser alheio ao coração da vida. Claro um enxame de luzes e movimentos.
O que a levou a juntar estes textos esquisitas, de roer côdeas duras, até que temos de nos proteger dos perigos, Eram joaninhas, abelhas, gafanhotos,
em Rebuçados Venezianos? Porque quis escrever sobre ela? de comer velas… (risos) A minha avó conhecendo-os. E há alguns que não libelinhas, lagartixas, que sempre
Já tinha publicado um conjunto Porque queria perceber o que separa paterna fazia maravilhosos pães doces. precisamos de conhecer. adorei. E toda a espécie de flores. Acho
noutro livro sobre arte e artistas, um filósofo de um artista. E acho Provavelmente vem dela esse gosto. que os animais deixaram de habitar
que incluía textos sobre Ana Vieira, que o percebi em parte, a partir de O alimento é fundamental na nossa Por exemplo? a cidade. Já a seguir ao 25 de Abril,
Helena Almeida, Rui Chafes e um texto de Benjamin. vida e a falta de respeito por ele é um Aqueles que as crianças que estão no ainda me lembro de ver uma vende-
também sobre questões da arte, no- princípio de carência, significa falta de meio de uma guerra conhecem. Por dora de fruta com um cavalo e uma
meadamente sobre o texto de Walter Essa não é uma questão que atra- respeito por si próprio e pelo que nos é exemplo, em Alepo, na Síria. Elas não carroça, que fazia o seu caminho, na
Benjamin Mancha e o sinal, uma vessa todos os textos de Rebuçados? dado na terra, dos frutos aos animais. precisam de conhecer aqueles perigos zona do Liceu Maria Amália, onde dei
matriz excecional sobre a diferença Claro. Em todos os textos que Comer animais mal tratados aflige-me para viver. Eles vão condená-las, ma- aulas durante cinco anos. Sabemos de
entre a pintura e o desenho. A certa escrevo sobre arte e artistas está cada vez mais. tá-las. No entanto, a vida inclui-os. resto que há muitas espécies que estão
altura, percebi que tinha escrito so- explicito, implícito, mais ou menos mesmo a desaparecer. S. Tomás dizia
bre muitos artistas, depois de 2000, desenvolvido, esse tema da sepa- É vegetariana? Como é possível pensar hoje o mundo? que entre haver dois anjos e um anjo e
e pensei juntá-los noutro volume. ração e das afinidades entre Arte e Não, apesar de haver algumas pessoas Nietzsche pensou maravilhosamente uma pedra é melhor que haja um anjo
Textos escritos a convite dos Filosofia. que admiro muito que o foram. Por o eterno retorno, esse anseio sublime e uma pedra. Pelo princípio da bonda-
exemplo, Kafka. No seu caso acho que no sentido que se alguém alguma vez de da criação, que tem que ver com a

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt ENTREVISTA
ideias * 25
diferença. Só que ela está a arruinar-se faço. É uma força, não fica tudo muito
claramente. Depois, aparecem os mu- acabadinho, depois tenho que fazer
seus, onde põem o cavalo, o burro. E os um esforço para pontos de ligação,
homens estão cada vez mais sozinhos. sustentáveis, aprofundáveis. Além
disso, gosto muito de contar filmes.
Virtualmente mais ligados.
Através de meios tecnológicos pode-se Histórias?
simular. É curioso que a simulação Também. É que tenho uma tendência
pareça ter erradicado o valor moral, no mimética muito forte. Quando era
sentido em que se faz de conta que não pequena, fazia muitos exercícios para
há nenhuma diferença em relação à desenhar uma caravela que os meus
realidade. Isso implica muito embuste, pais tinham lá em casa. Fiz vezes sem
uma espécie de sonambulismo ge- conta esse desenho para ser o mais
neralizado. Falo disto com a sensação preciso possível.
estranha de não saber como o resolver.
Essa consciência muito aguda também Mas gosta de desenhar?
cria uma enorme inquietação. Mas Não. Gostava de conseguir que a
apagar, calar isso é que não. O pior é caravela aparecesse no papel, tal como
não pensar. gostaria de poder desenhar agora tudo
o que está aqui à minha volta. Esse mi-
Diz-se por vezes que vivemos numa metismo propaga-se quando vejo ou
época em que há pouco pensamento. ouço alguma coisa que me toca muito
Concorda? e quero descrever aos outros. É por isso
O pensamento pede lentidão, aquilo que conto. Porque quero que o que vi
a que os latinos chamavam ócio. Está e ouvi se prolongue. Por isso, adorava
tudo dito, não é? Ou seja, temos que contar os filmes, na adolescência e nas
afastar algum tempo as exigências minhas aulas.
finalísticas da vida, desde a sobrevi- Maria Filomena Molder “Todas as opções de segurança significam que as pessoas estão cheias de angústia. E ela pode devorar
vência pura e dura até ao divertimento. de tal modo o ser humano que nem a segurança ajuda “ Algum em especial?


É preciso fazer uma suspensão para A Árvore da Vida, de Terrence Malick,
o pensamento se desenvolver. Mas talvez o filme dele que mais me afetou.
todos os dias recebemos mensagens no É o fim da privacidade? Porquê?
computador para fazermos as coisas É o fim da vida humana. Porque a vida É entrar num fosso sem luz. Ou ir des- Os seus textos cruzam filósofos,
mais depressa. O que gostaria é de que
não falassem comigo tão depressa.
é feita de luz e de muita sombra.
Sempre adorei a cascando a cebola, camada a camada e
ficar sem nada. Não estou interessada
poetas, numa escrita que trabalha
apuradamente?
A transparência parece ser uma ideia precisão. Todas as em penetrar nos segredos da subjetivi- Sobretudo, o esforço da compreensão
LUZ E SOMBRAS forte dos tempos que correm. Não filosofias que admiro dade. E todos os meus autores, que fui é muito forte, portanto o conceito tem
Não tem Facebook, não usa as chama- acha que é necessária? descobrindo a pouco e pouco, também uma grande preponderância. Mas a
das redes sociais? É uma ilusão. A vida humana é tão gostam da exatidão e não. Pode-se, por exemplo, querer musicalidade não os abandona, por
Não. Sou incapaz. Não quero ter opaca. Por que é a transparência o não há ninguém mais encontrar em Santo Agostinho uma causa do meu ouvido. Quando estou a
amigos... maior valor? (risos) Ninguém é trans- teoria do sujeito, lendo as Confissões, olhar uma coisa, na verdade o ouvido
parente. Isso só na ficção científica. exato do que os poetas mas descobrimos que a nossa vida é também entra.
Mas nessas redes sociais, as pessoas sempre dois. No caso, ele e Deus. Mas
manifestam as suas opiniões, trocam Não tem telemóvel. Porquê? também uma comunidade que fala. O que a levou em particular ao domí-
pontos de vista. Já houve situações de perigo em que Isso para mim é importante, aquilo nio da Estética, a interessar-se pelas
Só que fica tudo no limbo. É outro efei- pedi para me emprestarem um e a Como? que sai pela boca. artes?
to da angústia que vivemos, preenche minha família disse-me com razão: Por exemplo, Etty Hillesum, a judia São fontes de inspiração. A pin-
anseios, muitas solidões ou o desejo de “Vês como precisas?” Mas não consigo holandesa que foi para o campo de Em que sentido? tura, a escultura, a fotografia, o
não querer ficar para trás. Ou simples- ter telemóvel e não se trata de uma Westerbork, onde escreveu diários É pela boca que falamos, suspiramos, cinema, a arte do espaço habitado,
mente de ter alguém que nos ouça. E ideologia. e cartas, depois para Auschwitz. amamos, alimentamo-nos… enfim, e a música, a poesia, o romance, o
por outro lado, obriga-se toda a gente a Descobri-a por acaso, numa pela boca morre o peixe (risos). Dou ensaio. Adoro ler ensaio. E há uma
ouvir o que dizemos. A tecnologia, em Então? viagem a Veneza, numa escala, muita importância a tudo o que tem arte do ensaio maravilhosa mesmo
todas as suas facetas, é uma instância Os meus olhos não são famosos e em Roma, na livraria do aeropor- a ver com o nosso corpo, incluindo a em alguns filósofos, como é o caso
muito absorvente, a que temos de dar sou muito sensível de ouvido, desde to. Fiquei tão impressionada que fisiologia. Nietzsche é nesse sentido daquele que não se considerava a si
muita atenção. E de vez em quando criança. Amo ouvir. Por isso, não depois li tudo o que escreveu, du- o rei dos filósofos, mas todos os que próprio como tal, Montaigne. Tem
entrar em pausa, como quem faz uma consigo falar muito tempo ao telefone rante muitos anos. Agora não quero admiro e com quem aprendi tanta uma musicalidade tão particular, o
dieta, para libertar as forças do corpo e o telemóvel tem um efeito de que não voltar a lê-la. Walter Benjamim já coisa entraram nas profundezas das seu ato é raconter, está a contar e
que ficam demasiado domesticadas. gosto nada. É quente. Sou incapaz de nem me lembro como o encontrei. relações entre o corpo, a linguagem não a explicar, mas da maneira mais
tapar os meus ouvidos. Wittgenstein foi porque queria e o nosso espírito. É isso que me precisa. Sempre gostei da precisão.
Acha que a internet opera essa ‘do- muito ler o Tractatus. Sempre achei interessa. A vida humana é muito Todas as filosofias que admiro gos-
mesticação’? Gosta de estar de ouvidos bem abertos uma obra muito enigmática, sem breve. Agora, para mim, muito mais tam da exatidão e não há ninguém
Totalmente. “Sou obrigado a consi- ao mundo? ter coragem para ‘meter o dente’. do que já foi. Por isso, temos que nos mais exato do que os poetas.
derar como a maior desgraça da nossa Sempre. Gosto de ouvir, os ruídos, Agora não largo Wittgenstein, que- deixar arrastar e depois sermos fiéis
época, uma época que não deixa ama- música. ro estar sempre a lê-lo. a alguns autores. Muitas vezes, leio É essa arte do ensaio que persegue?
durecer nada, o consumir o momento os mesmos livros por causa disso. Sim, contar em vez de explicar.
seguinte o momento que está a passar, Que música prefere? Sentiu outras vezes que não tinha Porque nos esquecemos, não perce- Quando estou a ver uma pintura,
o desperdiçar o dia-a-dia e assim Gosto de todo o género. Algumas coragem para abordar uma obra de bemos e julgamos que sim… E então uma escultura, um filme, vêm-
viver sempre ao Deus dará, sem nada músicas ouço repetidamente, quer de arte, de filosofia? temos que voltar. -me coisas à cabeça, ressonâncias
ter diante de si para seguir”, escrevia rock, quer de jazz ou clássica. Houve autores que tive de ler, musicais, relações com problemas
Goethe. E acrescentava: “… Deste quando era estudante da faculda- OUVIR E CONTAR conceptuais que me interessam,
modo, tudo o que cada um empreen- Por exemplo? de, e até quando mais tarde orien- Continua a voltar muito a Hannah pequenos acidentes que me aconte-
de, imagina, até mesmo o que tenciona Philip Catherine, que toca guitarra. tei os meus alunos que fizeram Arendt? cem, como o do aranhiço no texto
fazer, tudo isso é arrastado para o Ou Miles Davis. Adoro trompete. teses, mas em que não quero ‘me- Adorei a Hannah Arendt, quando a sobre a exposição do João Queiroz.
domínio público. A ninguém é per- Wittgenstein tocava trompete (risos). ter o dente’. É o caso de Husserl, descobri, em casa da Menez, que era Não imagino nada, conto. Como
mitido ter as suas alegrias ou sofrer as E o meu pai tocava clarinete, o timbre um autor que acho absolutamente uma grande admiradora dela. Depois num outro texto sobre Ana Vieira,
suas dores, a não ser como passatempo mais doce. admirável, sob vários aspetos, li The Life of the Mind. Na faculdade, com quem tinha uma relação muito
dos outros”. É extraordinário. Parece não só o filosófico, mas também o ela entrou logo nas minhas aulas. É profunda, sem sequer nos darmos
uma descrição da nossa vida. Podemos METER O DENTE existencial, sobre quem escreve- impossível que uma coisa que estou muito, em que descrevi um sonho
subscrever tudo o que Goethe diz neste Tudo na sua vida parece ligado por ram pessoas que admiro imenso a ler não entre logo no que faço. Isso que tinha tido. Essas descrições
texto do início do séc. XIX. A sensação afinidades. como Fernando Gil. O Tratado da mesmo acontece quando vejo um exactas podem juntar-se subita-
de que tudo pode ser sabido, a vida, o São os acasos da vida. Na verdade, Evidência em grande parte tem a filme que me toca muito, como se mente com um pequeno verso ou
que se passa em casa de uma pessoa, e sempre encontrei os autores que amo sua fonte de inspiração nele. Mas estabelecesse uma ligação magnética uma ideia que encontrei num autor.
que isso é um direito. por acaso. não é de todo a minha. entre o que vi, o que ando a ler e o que É assim que vou escrevendo.J

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26 * ideias ENTREVISTA jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

Irene Flunser Pimentel


novembro, que ficou parado na frontei-
ra de Vilar Formoso.

Os refugiados fora do ‘paraíso’


E em péssimas condições, já que as
pessoas nem sequer puderam sair do
comboio. A população portuguesa
procurou ajudar esses refugiados?
Os testemunhos que conseguimos
referem-se a essa solidariedade. Até há
um filme, sem som, de um americano
que documenta a entrada de refugia-
É uma história dramática e muito significativa sobre os refugiados judeus em Portugal, ou que dos, não neste comboio, e veem-se
pretendiam vir para Portugal, fugidos ao nazismo – e que neste caso foram proibidos de entrar e alguns que chegavam de carro, com
um ar próspero, alguns com casacos
acabaram no campo de concentração. O livro intitula-se O Comboio do Luxemburgo, e o JL ouviu de pele, em contraste com a população
miserável de Vilar Formoso, com as
uma das suas autoras (a outra é Margarida de Magalhães Ramalho), bem conhecida investigadora mulheres com lenço, descalças, mas a
e especialista em história contemporânea do nosso país, Prémio Pessoa em 2007 trazerem-lhes o que tinham: sopa.

Uma das razões que apontam para es-


Maria Leonor Nunes A de um dos recambiados que aca- ses refugiados terem sido recambiados
baram em Auschwitz, uma mulher é o facto de muitos não terem visto.
que esteve nesse campo e sobreviveu. Exatamente. Porque não tinham
Em novembro de 1940, um com- Encontramos excertos do seu depoi- conseguido vistos para os EUA e,
boio com refugiados judeus, vindos mento nas entrevistas que foram feitas muitos deles a conselho dos próprios
do Luxemburgo, entretanto ocupado para o filme de Spielberg e são terríveis. nazis, compraram vistos para Cuba,
por Hitler, foi impedido de entrar em Foi um dos testemunhos que mais me em Antuérpia. Só que foram conside-
Portugal. Depois de dez dias de incer- marcou. Por outro lado, estivemos com rados fraudulentos pelas autoridades
teza, na fronteira de Vilar Formoso, im- uma sobrevivente, já com 93 anos, que portuguesas. E como Salazar queria
possibilitados de sair do comboio, onde vive no Luxemburgo. Ela disse-nos que o país fosse sobretudo de trânsito e
permaneceram sem quaisquer condi- que tinha tido muita sorte, porque já que tinham que passar por aqui que
ções, ajudados apenas pela população tinha conseguido arranjar vistos já em fosse rapidamente, percebeu que essas
local, os quase 300 passageiros foram França, quando o comboio voltou para pessoas iriam instalar-se cá por algum
recambiados para França. Meia centena lá, e acabou por conseguir chegar aos tempo. Mas houve outras razões.
acabaria por ser deportada para a Estados Unidos.
morte no o campo de concentração de Por exemplo?
Auschwitz. É um episódio “dramático” Só começou a investigar em 2013? O facto de o comboio vir acompanhado
JOÃO RIBEIRO

que Irene Flunser Pimentel e Margarida Há alguns anos, um historiador alemão de elementos uniformizados das SS. Ao
de Magalhães Ramalho agora resgatam descreveu-o em algumas linhas, num contrário dos comboios anteriores em
ao “esquecimento”, em O Comboio do Irene Pimentel “Era muito difícil os refugiados entrarem em Portugal, como aliás, livro sobre refugiados alemães em que tinham ficado na parte espanho-
Luxemburgo, uma edição Esfera dos nos outros países europeus, fossem eles democráticos ou ditaduras” Portugal, Espanha e na América Latina. la, porque sabiam que Portugal era
Livros. Um livro que vem pôr em causa Fiquei sempre com curiosidade e no neutro, enquanto a Espanha era não
a imagem “difusa” de um Portugal meu livro dos judeus já falava desse beligerante, pelo que a Gestapo podia
“paraíso” para os que fugiam ao nazis- refugiados. Melhor, as duas Grandes entrar em Portugal. Só que nesse caso, comboio. Tive vontade de o investigar andar uniformizada pela rua, os SS que
mo e à II Guerra Mundial, como subli- Guerras, embora a segunda o tivesse correu mal, o que fez com que dos cerca e fazer um livro, mas o processo foi de- acompanhavam esse terceiro comboio
nha ao JL a historiadora e investigadora potenciado em termos de números. A de 300 judeus do Luxemburgo que morando. Entretanto, apercebi-me de provocaram a polícia de fronteiras
do Instituto de História Contemporânea verdade é que o próprio regime salaza- vinham nesse comboio que não con- que no Museu de Vilar Formoso tinham portuguesa, pisando território de
da Universidade Nova de Lisboa. E que rista deixou cair a questão no esqueci- seguiu entrar em Portugal, tendo sido entrevistado a tal sobrevivente desse neutralidade fardados. Houve tiros e
tem no presente um significado mais mento. Primeiro, logo a seguir ao final recambiado para França, pelo menos comboio, a Margarida Ramalho estava inclusivamente chegaram a ser presos.
agudo, perante a atual vaga de refugia- da guerra, tentou ‘’pôr a render’ o facto 50 acabassem por ser deportados para a trabalhar lá e convidei-a a participar Isso ainda veio trazer mais luz sobre
dos que chegam à Europa, também a de alguns refugiados terem passado Auschwitz, onde foram assassinados no na feitura do livro. E realmente só há esse comboio quando interessava
fugir da guerra e da fome. Hoje como por Portugal, muitos dos quais com Holocausto. Outros foram para campos três anos iniciámos a investigação. o máximo de discrição, como tudo
há décadas, são muitas as portas que vistos dados pelo cônsul Aristides Sousa de internamento, alguns conseguiram naquele período exigia. Por outro lado,
se fecham, os países que lhes vedam Mendes, contra as ordens oficiais. fugir, arranjar vistos e escaparam. Em O Comboio do Luxemburgo faz tam- como trazia muitos judeus que não
as fronteiras. Talvez a História não dê Como os Aliados ganharam a guerra, bém uma contextualização histórica. eram de nacionalidade luxemburguesa,
“lições”, acrescenta Irene Pimentel, Salazar queria manter o regime e havia De alguns perdeu-se o rasto? Tratamos de três países: polacos, alemães, apátridas, o governo
mas se não se atentar no passado, tudo que conseguir as boas graças …. E Sim. Mesmo o número de refugiados Luxemburgo, Alemanha e Portugal. no exílio do Luxemburgo, que esteve
poderá ser ainda “pior”. Por tudo isso, dá-me ideia que a imagem que existe é que vinham no comboio não é certo, O Luxemburgo foi ocupado pelos temporariamente em Lisboa, procurou
não se pode “ignorar” este comboio. ainda um pouco difusa, como se o país tendo pequenas variações, por isso nazis em maio de 1940 e como a co- zelar sobretudo pelos ‘seus’ judeus.
tivesse sido um paraíso para os refugia- falamos no livro de cerca de 300. Uma munidade judaica – cerca de três mil
JL: O que traz de novo sobre Portugal e dos que fugiam da guerra. mulher morreu de ataque cardíaco e pessoas- era pequena, as autoridades Este livro remete inevitavelmente para
os refugiados da II Guerra Mundial? ficou enterrada em Portugal, ou- nazis tinham a ideia de fazer aí um o que se passa hoje com os refugiados
Irene F. Pimentel: Tem havido bastan- Em que sentido? tros tentaram fugir do comboio em primeiro país livre de judeus. Nessa na Europa. Houve essa intenção?
tes estudos sobre os refugiados na II Há a ideia que apesar de se viver numa andamento, em Espanha. Imagine-se altura, de 1938 a 1941, a política nazi É evidente que de alguma maneira
Guerra, embora seja um tema bastante ditadura, os refugiados foram muito o trauma que devem ter sentido essas era de expulsão dos judeus, removê- este caso remete-nos para a atuali-
tardio. Começou, aliás, a ser inves- bem recebidos pelos portugueses e sal- pessoas que estavam a um passo de -los dos territórios ocupados, depois dade, com a vaga de refugiados a que
tigado no estrangeiro e só depois em varam-se. Só que as coisas não foram serem salvas, entrando num país de os ter retirado do espaço público. assistimos. Quando me perguntam se
Portugal, como muitas vezes acontece. assim tão simples. neutral, e que tiveram que voltar para Ao perceberem-no, os outros países a História dá lições, sinceramente não
trás. Por isso não se pode ignorar que fecharam as suas fronteiras, como sei. Porque infelizmente continuam
Porquê? É isso que O Comboio do Luxemburgo aquele comboio aconteceu. No livro, Portugal. Nesse contexto, os próprios a acontecer desgraças, barbaridades,
Tem que ver com o facto de termos vem mostrar? quisemos também dar nomes àquelas nazis organizaram transportes de genocídios. Mas tenho a certeza de que
vivido em ditadura e da historiografia Sim. Mostramos que era muito difícil pessoas. Não sabemos todas as suas judeus do Luxemburgo rumo aos seria ainda pior se não conhecêssemos
exigir o seu tempo. Estudaram-se pri- os refugiados entrarem em Portugal, histórias, mas tentamos reconstituir Estados Unidos. Para isso, tinham o passado. J
meiro as instituições do Estado Novo e como aliás, nos outros países europeus, os seus destinos. Quando os números que atravessar França ocupada, e a
aspetos que são muito importantes mas fossem eles democráticos ou ditaduras. são elevados, como hoje, dizemos um Península Ibérica.
parecem mais laterais, foram por vezes milhão de refugiados e tendemos a
esquecidos. É o caso. O episódio que serve de base ao livro é esquecer que cada um deles tem um Foram três os comboios que chegaram
nesse sentido elucidativo. nome, uma idade, uma profissão. Mas é então à fronteira portuguesa. › Irene Pimentel
Mesmo sendo o século XX o “século É muito dramático e e vem pôr um preciso ter sempre presente que não se Um primeiro, em agosto, que entrou O COMBOIO
dos refugiados”, como dizia a filósofa pouco em causa essa imagem paradi- trata de números, mas de pessoas. em Portugal; um segundo em outubro, DO
Hannah Arendt, citada no livro. síaca, embora sem a destruir, porque que já encontrou algumas dificuldades, LUXEMBURGO
E foi sem dúvida a II Guerra que veio houve evidentemente muitas pessoas Alguma das histórias dessas pessoas a mas depois de algumas negociações, A Esfera dos Livros,
transformar o séc. XX no século dos que se salvaram porque conseguiram tocou especialmente? também conseguiu; e este terceiro, em 416pp., 21,90 euros

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt CRÓNICA
ideias * 27

A PAIXÃO GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS


DAS IDEIAS

António Guterres
Pensamento, palavra e ação…

Q
uando em julho de 1996 Michael E quais as marcas que desejou evidenciar na política
Walzer, um dos mais importantes pública? Uma nova cultura democrática, assente na partici-
pensadores políticos contemporâneos, pação de todos e no diálogo; a Educação como a prioridade
visitou Portugal para falar da cida- das prioridades, na ação do Estado e na vida em sociedade;
dania numa sociedade em mudança, a pobreza como uma preocupação central na sociedade
encontrou-se com António Guterres, portuguesa – não a escondendo, mas tornando-a uma causa
então primeiro-ministro, e falaram de toda a sociedade. Na linha dos nossos melhores, como
longamente – sobre os efeitos do fim Garrett, Herculano ou Antero, tratar-se-ia de ultrapassar o
da guerra fria, sobre as oportunida- atraso estrutural que nos separa do centro da Europa, através
des e as ameaças numa sociedade desigual e injusta, sobre do desenvolvimento humano, da formação, da ciência, da
a pobreza, sobre as economias de casino e sobre a necessi- cultura… “Tomando sempre como referência fundamental as
dade de novas políticas sociais. No final da conversa, em S. pessoas e a sua realização”, importa garantir que “os portu-
Bento, o filósofo norte-americano de Princeton ficou deveras gueses possam triunfar na vida e que Portugal possa triunfar
surpreendido. Não esperava ter com um governante, direta- no mundo” (novembro de 1995).
mente e sem intermediários, uma conversa tão aprofundada Cada um destes pontos constitui uma marca de longo
sobre os seus temas de eleição, a igualdade de oportuni- prazo, que mantém atualidade, sobretudo num momento em
dades, a correção das desigualdades, a justiça complexa, a que há quem pense erroneamente que o pensamento político
justiça como equidade de Rawls (com os desenvolvimentos pode ser substituído por dizer o que as pessoas querem ou-
mais recentes) ou o pensamento de Habermas… E, longe da vir. Esse é o caminho do populismo que tem tido resultados
teoria, Walzer quis saber o que era o rendimento mínimo, desastrosos… Depois de dez anos como Alto-Comissário dos
que dava os primeiros passos e com que ele concordava, ou António Guterres Refugiados, António Guterres reforçou a marca do militante
como se concretizava a prioridade dada à educação – com social. E o seu programa agora põe a tónica no humanis-


ênfase no pré-escolar ou na escola a tempo completo… Nessa mo, no respeito e na salvaguarda dos direitos humanos e da
noite, a jantar no restaurante Via Graça, tendo Lisboa a nos- dignidade. Daí a necessidade de potenciar o papel da ONU na
sos pés, o filósofo voltou ao tema – tinha ficado impressiona- hora de prevenir as crises, o que obriga a uma profunda al-
do e com uma grande admiração por Guterres, e considera-
va-o um dos políticos e governantes mais bem preparados de
Um homem de ação, um político do teração cultural. “As causas das guerras estão cada vez mais
ligadas à pobreza, à desigualdade, à violação dos direitos
todos quantos conhecera, acrescentando que muito poucos terreno, um militante social pôde humanos e à degradação das condições ambientais”. Daí que
se disporiam a ouvir e a ter uma conversa com um filósofo
político, com recusa dos temas de circunstância.
construir uma estratégia coerente. os governos devam coordenar estratégias e visões e mobili-
zar a diplomacia para afrontar os desafios coletivos – deven-
Lembrei-me deste episódio, quando, ao longo da can- Há uma grande clareza – da recusa do o secretário-geral das Nações Unidas ser um facilitador e
didatura a secretário-geral das Nações Unidas, António da idolatria do mercado à prioridade nunca alguém que quer dar lições…
Guterres demonstrou, de novo, uma capacidade extraordi- No livro, António Guterres fala ainda de três perfis de
nária na defesa do seu pensamento na preparação e argu- ao combate à pobreza. O fundo coragem – Salgado Zenha, Mário Soares e Olof Palme. Poderia
mentação e na estratégia de não descurar nenhum dos atores cristão associa-se à tradição socialista também falar de João XXIII… São figuras que marcaram a sua
relevantes para a decisão. À semelhança do que tinha acon- vida política. De Salgado Zenha nota a referência moral do
tecido com o pensador americano, também agora muitos dos democrática estoico, do iluminista e humanista cristão (mais na tradição
que presenciaram as suas prestações ficaram certos das qua- luterana), que um dia lhe disse: “Muitos dos que estarão à tua
lidades intelectuais, de experiência, de determinação e de volta não pretendem valorizar-te para serem melhores do que
entrega ao trabalho do antigo primeiro-ministro português. O seu programa põe a tónica no tu, mas querem apenas que tu nunca tenhas condições que te
Se dúvidas houvesse, a estabilidade das votações e a clareza humanismo, no respeito e na permitam parecer melhor do que eles”. Quanto a Mário Soares,
das mesmas atestam bem do reconhecimento das qualidades lembra que “levou por todo o mundo o nome de Portugal e os
do candidato. Associaram-se, assim, as excecionais quali-
salvaguarda dos direitos humanos e ideais dos portugueses, bateu-se pelos direitos humanos, agitou
dades pessoais à ação de uma diplomacia, a portuguesa, de da dignidade. Daí a necessidade de o universo da ciência, investiu razão e coração para trazer a
elevadíssima qualidade, que pôde ligar um programa eficaz a cultura ao primeiro plano dos hábitos de todos os cidadãos”.
uma mobilização dos votos e dos equilíbrios necessários em
potenciar o papel da ONU, o que obriga De Olof Palme recorda a afirmação significativa do governante
todos os continentes e em todas as famílias de Estados. a uma profunda alteração cultural sueco: “a minha adesão ao socialismo democrático não pode
Quem ler o livro de António Guterres A Pensar em Portugal ser vista como a reação de um menino-bem contra o seu meio
(Presença, 1999) pode aperceber-se de como um homem social. Cheguei ao socialismo através de um processo gradual
essencialmente de ação, um político do terreno, um militante com base em leituras e longas reflexões pessoais”.
social pôde construir uma estratégia coerente, que contrasta gia: “Mesmo aos mais egoístas eu lembro que (a pobreza) está Ao ler atentamente a invocação de Palme, sentimos um
com as cedências de curto prazo e de mera oportunidade, que em grande parte na origem do crime, do tráfico de droga, da impulso pessoal e autobiográfico, de quem valoriza a dimen-
têm posto em xeque a política do centro-esquerda e do socialis- intranquilidade nas ruas, de que todos nós e as nossas famílias são internacional e as causas da paz e do desenvolvimento
mo democrático. No campo ideológico há uma grande clareza – podemos ser vítimas” (outubro de 1994). E sobre a economia e – e de quem, como agora fica demonstrado, de novo, assume
que vai da recusa da idolatria do mercado à prioridade dada ao a riqueza ao serviço das pessoas disse: Não podemos permitir com nitidez a “alegria da causa pública”, ou seja, the joy of
combate à pobreza e às desigualdades injustas. O fundo cristão uma modernização conduzida sob o signo da tecnocracia. A politics. E essa paixão liga-se à emancipação das pessoas. Por
associa-se à tradição socialista democrática. Registemos alguns modernização da nossa economia, o aumento da sua competi- isso, como nas antigas experiências do CASU, da Curraleira
pontos fortes desse pensamento. tividade terão de ser compatíveis com o respeito da dignidade ou das inundações de 1967, foi ensinar Matemática na Quinta
Antes do mais, a invocação da célebre afirmação de John F. humana, em todas as circunstâncias, com a valorização e o do Mocho quando deixou de ser primeiro-ministro, nunca
Kennedy: “Se uma sociedade livre não pode ajudar os muitos reconhecimento dos direitos de quem trabalha e com um forte esquecendo, afinal, o velho conselho de Tag Erlander: “Num
que são pobres, não pode apoiar os poucos que são ricos”. E sentido de solidariedade para com aqueles que correm o risco político o pensamento, a palavra e a ação devem sempre
ouvimos ainda a afirmação contra o populismo e a demago- de ir ficando para trás” (novembro de 1995). constituir um todo coerente”.J

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28 * Ideias CRÓNICA, LIVROS jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

ECOLOGIA VIRIATO SOROMENHO MARQUES

A herança viva de Ulrich Beck

D
esaparecido pre- da tradição filosófica germânica saída, aberta pelo pensamento e
cocemente em 1 parece sobreviver, apenas, nas confirmada pela ação.
de janeiro de 2015, aulas de História da Filosofia e de Nas páginas do livro o leitor
Ulrich Beck rece- Hermenêutica das universidades é convidado a efetuar uma visi-
be agora, através por esse mundo fora, o autor deste ta, esclarecida e discretamente
de um jovem ensaio surpreende na obra do guiada, por um dos mais profun-
autor português, Bruno Rego, a professor de Munique as qualida- dos e inteligentes diagnósticos
homenagem de que certamente des matriciais do Século de Ouro da nossa modernidade, a mes-
gostaria. Uma análise crítica e da filosofia de língua alemã. Em ma que Beck designava como
prospetiva do seu legado teórico. Beck reerguem-se, perante os “Segunda Modernidade”, ou como
Mostrando como ele continua desafios ciclópicos da nossa era, “Modernização Reflexiva”. Da
vivo, ajudando-nos a iluminar as a exigência crítica de Kant, a evi- Sociedade de Risco, às múltiplas
muitas sombras do mundo con- dência hegeliana de que só pode faces da Globalização, incluindo a Ulrich Beck
temporâneo. existir conhecimento do parti-
Não conheço, ainda, nem cular se nunca desistirmos do


na língua portuguesa, nem em primado da totalidade, a coragem
qualquer outra língua europeia, exemplar de Nietzsche, afirman- crise ambiental e climática planetá-
um estudo tão amplo e ao mesmo do dever ser a verdade encarada, ria, passando pelo apogeu e desmo-
tempo tão amigável para os leitores olhos nos olhos, mesmo que tal ronamento da “Europa Alemã”, não
– cujo único requisito necessá- implique um penoso sofrimento. esquecendo os horizontes do cos-
rio é o da curiosidade intelectual Mas, ainda no filão da sua cul- O leitor é convidado mopolitismo, nem a esperança nas
em estado puro – sobre a obra tura materna, Beck vai incorporar a efetuar uma cidades poderem vir a destacar-se
profunda, generosa e vibrante de na matriz da sua visão do mundo, como novos atores políticos globais.
um dos maiores pensadores do uma qualidade que Max Weber visita guiada por Através de todas estas vibrantes e
nosso tempo. Por outro lado, seria identificava apenas nos políti-
› Bruno Rego,
um dos mais arriscadas paisagens, Bruno Rego
mesmo necessário uma preparação cos por vocação, e que se traduz traça-nos o verdadeiro mapa con-
e um olhar filosóficos como o de na exclamação dennoch! (“ainda O CAOS GLOBAL DA profundos e ceptual desenhado por uma mente
Bruno Rego para captar o espírito assim!”): ser capaz, debaixo do ne- MODERNIDADE. O inteligentes brilhante que sempre se recusou a
construtivo que mobiliza o método voeiro mais espesso, quando todos SÉCULO XXI SEGUNDO aceitar estar o mundo contemporâ-
de pensamento de Ulrich Beck. os caminhos parecem bloqueados, ULRICH BECK diagnósticos da neo a caminhar, inevitavelmente,
Numa altura em que o melhor de vislumbrar uma hipótese de Esfera do 128 pp., 12,90 euros nossa modernidade para uma trágica entropia. J

Os jesuítas em de Portugal, parcela essa que


pertence a todos nós, a toda a
de Raquel Vaz-Pinto e Bernardo
Pires de Lima, ambos, desig- › Raquel Vaz-Pinto e Bernardo
nos EUA. É a formidável história
da descoberta desse diário - com
Portugal humanidade.” nadamente, investigadores do
Instituto Português de Relações
Pires de Lima
ADMINISTRAÇÃO CLINTON
cerca de 400 páginas, escrito
entre 1934 e 1944 - e a revelação
Todos sabem › Maria de Deus Beites Mansos Internacionais da Universidade Tinta da China, 142 pp, 14,90 euros do essencial do seu sinistro con-
da grande HISTÓRIA DA COMPANHIA Nova de Lisboa e o segundo co- teúdo o que nos dá este O Diário
importância dos DE JESUS EM PORTUGAL mentador destes temas em vários do Diabo - Alfred Rosenberg e os
jesuítas no nosso
país ao longo
Parsifal, 272 pp., 18 euros media, dá-nos o essencial das
ideias, do percurso e da persona- O Diário segredos roubados do Terceiro
Reich. Os seus autores são Robert
dos séculos, em lidade da mulher que foi a “pri-
do ‘cérebro’ K. Wittman, que trabalhou no
particular na
época da expansão Sobre Hillary meira-dama” dos EUA, nos dez
anos de mandato de seu marido, do nazismo
FBI, especialista em crimes
contra o património cultural,
portuguesa (e falando deles
logo ocorre o nome maior do
Clinton Bill Clinton, que continua a ser
uma figura marcante, e secretária Alfred Rosenberg
e David Kinney, jornalista já
distinguido com um Prémio
Padre António Vieira). Profª A menos de um de Estado de Barack Obama. foi talvez o primeiro Pulitzer. E o livro, além do mais,
da Universidade de Évora, mês das eleições Os autores salientam a o principal teórico contribui, através do que consta
e colaboradora de centros presidenciais nos determinação e o talento do nazismo, ou na- daquele diário, para conhecer
investigação em Portugal e no EUA, em que o can- políticos de Hillary, os grandes cional-socialismo, melhor certos aspetos da con-
Brasil, Maria de Deus Beites didato republicano, desafios que a esperam, caso seja em particular no quista do poder pelos nazis, das
Mansos dá-nos agora esta David Trump, é uma eleita, a valorização que faz, no seu livro, de 1930, O barbaridades que cometeram, e
História da Companhia de Jesus figura absoluta- plano externo, da importância do Mito do Século XX. dos planos que Hitler tinha para
em Portugal. Trata-se, segundo mente assustadora, eixo Ásia-Pacifico, etc. E, entre Ministro de Hitler, responsável depois da invasão da Rússia,
Joseph Abraham Levi, da parecendo mesmo impossível as questões que coloca estão ou ligado a crimes hediondos, na perspetiva de que ela teria
George Washington University, como chega a candidato e com estas: poderá Hillary priorizar a deportações e extermínios em sucesso.
citado na contra-capa, de “um possibilidade de vencer, ape- Ásia ou continuarão os EUA mais massa (e por isso condena-
trbalho monumental em que sar de todas as barbaridades “presos aos dilemas da segurança do à morte pelo Tribunal de › Robert K. Wittman e David Kinney,
investigação rigorosa, prosa que pensa ou não pensa, mas no Médio Oriente?”; e que papel Nuremberga), uma espécie de O DIÁRIO DO DIABO
feliz e exegesa, heurística e diz, um livro sobre a candidata poderá, ou mesmo quererá, diário, notas e cadernos pessoais - ALFRED ROSENBERG
hermenêutica impecáveis democrata: Hillary Clinton, a desempenhar na Europa?; e “que que mostram o seu tenebroso E OS SEGREDOS ROUBADOS
das fontes se unem para primeira mulher que o é e que impacto poderá ter a chegada de 'pensamento' e o que deveria ser DO TERCEIRO REICH
finalmente apresentar uma provavelmente será Presidente uma mulher à Casa Branca nas a "solução final", tinha despare- Temas e Debates/ Círculo de Leitores,
parcela do legado histórico dos EUA. Administração Clinton, relações internacionais?”. cido e só foi encontrado em 2013 512 pp., 22 euros

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
debate-papo * 29
PRO MEMORIA
Eugénio Lisboa

Nos 80 anos d’As Encruzilhadas de Deus


On peut juger de la beauté d’un livre, aplaudem, sem reservas, o estardalhaço retórico das odes
à la vigueur des coups de poing qu’il do engenheiro naval…)
vous a donnés et à la longueur de temps Portanto, ao acusar-se de “retórica” a poesia de Régio

D
qu’on met ensuite à en revenir. está-se simplesmente a perpetrar ou um contra-senso
Gustave Flaubert ou um pleonasmo. Seria ridículo pedir, para a cólera de
Aquiles, na Ilíada, ou para a batalha de Aljubarrota, nos
istribuído no mercado livreiro, Lusíadas, a retórica contida e gongorizante, que mais se
em Fevereiro de 1936, embora adapta à lírica dos mais belos sonetos camonianos: a fúria
com a indicação de ser a data de do guerreiro grego e o tinir de espadas do combate com
edição de 1935, As Encruzilhadas o castelhano antes convocam uma retórica mais turbu-
de Deus foi o terceiro livro de lenta, isto é, com mais “barulho e fúria”. O que se pode
poesia a ser publicado por José é acusar “certa” poesia de uma desproporção inaceitável
Régio. Incluindo no seu corpus o entre o excesso dos meios retóricos (a técnica, a forma) e
longo poema em oitavas, “Sarça a escassez do conteúdo, o que não é, nem por sombras, o
Ardente”, As Encruzilhadas de caso da poesia de Régio, em que a abundância, a intensida-
Deus é um dos mais altos livros de poesia do escritor de de e a densidade do conteúdo são patentes – e representam
Vila do Conde e um dos grandes livros da poesia portu- José Régio e representarão, por muito tempo, para o leitor sensível e
guesa de todos os tempos. Saudado, enfaticamente, por inteligente, os tais coups de poing de que falava Flaubert.
espíritos tão díspares como Rodrigues Lapa, Agostinho da No citado artigo sobre Junqueiro, Régio alude, com


Silva e, of all people, Álvaro Cunhal, o livro, que levou bons lucidez, a este perigo do desequilíbrio entre “retórica”
dez anos de gestação, logo se impôs, nas palavras do sage e “conteúdo”: “De certo”, observa o autor de A Chaga do
Agostinho da Silva, pela “vigorosa audácia, o alto fogo Lado, “se poderá sustentar ser este o princípio de todo o
interno, a nitidez e a sobriedade da linguagem, a amplidão academicismo, no significado desvalorativo que também
das imagens, a contida paixão que anima todo o livro, o O brilho orquestral de alguma poesia este termo acabou por tomar: excesso de preocupação téc-
equilibrado senso crítico que acompanha a força criadora nica; substituição do fim pelo meio; esquecimento da coisa
do poeta [e que nos] dão direito a colocá-lo no plano dos de Régio (não toda) tem apoquentado a exprimir pelo cuidado e pormenorização da expressão".
clássicos, sem receio de que o futuro o julgue de outro sobremaneira os depenados e os rarefeitos "Sem dúvida”, conclui Régio, “no sentido depreciativo
modo.” tão vulgarmente assumido pelos dois termos, há, ou pode
Hélas!, o “futuro” imediato e a crítica, ainda em vida
cultores de uma poesia mais descascada haver, íntimas relações entre os dois termos.”
do poeta, julgá-lo-iam, com alguma frequência, “de outro (...) Com As Encruzilhadas de Deus Por fim, resume, deixando, muito à sua maneira, não
modo”. Já agora, de passagem, e uma vez que Luiz Pacheco um acervo de respostas, mas, antes, uma colheita de
se tornou numa espécie de “coqueluche” da gente mais
entregou-nos, como quem se desobriga, perguntas: ”Não irá sendo tempo de atendermos aos vários
nova, que hoje pontifica na nossa praça literária, aqui um dos mais altos testemunhos líricos da significados do termo [retórica]? às íntimas, perpétuas
deixo, para exemplo e proveito, o testemunho do autor
de Crítica de Circunstância: “José Régio, de longe uma
língua portuguesa relações entre retórica e expressão literária? à importância
das modas ou particularidades epocais sobre a aceitação
das grandes figuras da nossa literatura contemporânea, desta ou aquela retórica?” A pergunta pode, pois, ser:
grande poeta, grande romancista, grande crítico, grande haverá menos retórica em Pessanha e Eugénio de Andrade
dramaturgo […] ainda à espera do crítico novo que estude imensidão acolhedora – cabem lá, repito, os vocalmente do que em Régio e Junqueiro? A resposta é, lisinhamente:
a sua obra.” Talvez isto ajude a dissolver algum tanto o mais circunspectos e de menos penugem, mas também os não, há apenas duas retóricas diferentes e seria pura estul-
renitente preconceito e uma espécie de desconfiança, que mais decibelicamente discursivos ou indiscretamente elo- tícia pretender que uma é melhor do que a outra.
têm estado na origem de bicadas envenenadas endereçadas quentes… ou de grande plumagem. Resumindo: se lugares As Encruzilhadas de Deus, editado, como disse, em
ao bardo, bem como – e sobretudo – de feias e sensacionais há muitos, variedades poéticas também não escasseiam. 1935 e distribuído em 1936, foi inicialmente congeminado
“omissões”. Pretender estabelecer normas rígidas e redutoras, em como uns Novos Poemas de Deus e do Diabo, tendo o poeta,
As Encruzilhadas de Deus apresenta-se, ostensivamente, matéria tão vasta, tão diversa e tão fluida é o mesmo que depois, em 1932, pensado ainda numa segunda estrutura
como um “Poema”, mas é, na realidade, constituído por querer tapar o sol com uma peneira. e com um segundo título: Poema Integral. Só à terceira vez
quatro “livros”, num total de 31 poemas: oito no primei- A palavra “retórica” tornou-se, para alguns bizan- se fixou no título e na obra tal como agora a conhecemos.
ro, 11 no segundo, 11 no terceiro e um – 38 esplendorosas tinos exegetas da poesia, um estranho tabu. Resultado Houve, até hoje, oito edições deste livro: 1ª edição, com
oitavas – no quarto (“Sarça Ardente”). Obra de toada lisinho, como é de regra, de pura ignorância. Foi mesmo capa e sete gravuras de Júlio, 1935/1936; 2ª edição, 1946;
dramática e eloquente, apaixonada e vibrante, em registo José Régio, com a inteligência crítica que sempre se lhe 3ª edição, s/d, [1956]; 4ª edição, com desenhos de Manuel
de música sinfónica de orquestração ruidosa, ela antecede, reconheceu, quem, a propósito da poesia de Junqueiro, Ribeiro de Pavia e capa de João da Câmara Leme, 1960; 5ª
de nove anos, a publicação de Mas Deus É Grande, que se demoliu o estranho tabu: “Nenhum significado depre- edição, «Obras Completas», 1966; 6ª edição, na mesma sé-
aproxima, esta, mais de uma contida e austera música de ciativo”, observou Régio, num artigo – “Junqueiro e rie, 1970; 7ª edição, na mesma série. 1981; 8ª edição, «Obra
câmara. a retórica” – publicado em O Comércio do Porto, de 23 Completa», Poesia – I, 2001.
Tem sido, talvez, este aspeto de música de grande de agosto de 1955, “ [nenhum significado depreciativo] Disse-o já – Biblos, vol. 2, p. 275 – e transcrevo-o, para
formato wagneriano que tanto tem atormentado alguns implica em si o termo retórica. Retóricos são todos os não andar a fabricar paráfrases mais ou menos disfarça-
críticos linfaticamente apavorados com tanta “retórica” literatos, pois é de sua arte sê-lo. Grandes retóricos são das, que As Encruzilhadas de Deus “retomam, aprofundam
exuberante. O brilho orquestral de alguma poesia de Régio todos os grandes poetas: Camões ou Bocage, por exemplo, e dramatizam , com maior ênfase, temas anteriores (…)
(não toda) tem apoquentado sobremaneira os depenados Teixeira de Pascoaes ou Fernando Pessoa.” E acrescenta- dos seus livros: auto-análise e desespero, eu e os outros,
e os rarefeitos cultores de uma poesia mais descascada… va, judiciosamente: “O que sucede é variarem muito as o céu e o inferno, a tentação da morte e do absoluto, "o
“depurada”, gostam estas vestais de dizer. Ora cada uma suas formas de retórica. E, ao passo que em certos poetas fértil desespero", a confissão e a máscara, cansaço de viver
destas espécies de poesia, como parece ser óbvio, é intei- assume a retórica uma tonalidade oratória ou declamató- e heroísmo de viver, lucidez e emoção, necessidade de
ramente legítima, na sua diferença em relação à outra. A ria, noutros se manifesta sob formas antes gongorizantes. amor e impossibilidade de amor, amizade e traição, (…)
poesia dita “depurada” e de música de raros decibéis não E exemplifica: "Num mesmo poeta, como, por exemplo, verdade, mentira e ironia, etc.” Falando frequentemen-
tem nem mais nem menos direito de cidade do que os poe- Fernando Pessoa – se nos evidenciam, por vezes, as duas te, com musical majestade, de coisas muito grandes e de
mas sumptuariamente sinfónicos do poeta de Biografia. Há modalidades retóricas: pois a retórica das Odes de Ricardo coisas muito pequenas, como dizia Chesterton que fazem
nos céus, dizem, várias moradas, para os vários que a ele Reis é gongorizante e a das Odes de Álvaro de Campos todos os grandes poetas, Régio, ao publicar, há 80 anos, As
ascendem; o mesmo acontece no variado céu da poesia, em declamatória.” (Seja dito, de passagem, que tenho alguma Encruzilhadas de Deus, entregou-nos, como quem se de-
cujas diferentes moradas se acomodam tanto os pletóricos dificuldade em compreender como os mesmos que rejei- sobriga, um dos mais altos testemunhos líricos da língua
como os mais esganiçados: há lugar para todos, naquela tam a sumptuosidade declamatória dos versos de Régio, portuguesa.J

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JORNAL

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izemos o nome de Cesariny em
todas as conversas. Podemos falar
do tempo, que é muito mas falta,
falamos da idade, que é muita REDATORES E COLABORADORES PERMANENTES: Maria Leonor Nunes,

mas falta, de ficarmos sós, não Manuel Halpern, Luís Ricardo Duarte, Francisca Cunha Rêgo, Carolina
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haver ninguém, sobretudo haver Carlos Reis, Daniel Tércio, Eduardo Lourenço, Eduardo Paz Ferreira,
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abandono, já não ser razoável Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões, Jacinto Rego
esperar nada, a música para coisa de Almeida, João Ramalho Santos, João Santos, Jorge Listopad, Lídia
Jorge, Manuela Paraíso, Maria Emília Brederode Santos, Maria João
absoluta, a Antena 2 ligada o dia Fernandes, Maria Alzira Seixo, Maria Augusta Gonçalves, Miguel
inteiro, a vida inteira, até que tenhamos a impressão de Real, Ondjaki, Onésimo Teotónio de Almeida, Rocha de Sousa, Tiago
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sermos apenas ouvintes. Ninguém, senão quem ouve. OUTROS COLABORADORES: Alexandre Pastor, Álvaro Manuel
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Nem a arte serve para salvação alguma, porque afinal não Sousa Santos, Carlos Vaz Marques, Cláudia Galhós, Cristina Robalo
cura a cegueira nem a falha das mãos. Umas tremuras, o Cordeiro, Gabriel Leite Mota, Gastão Cruz, Inês Pedrosa, João Abel
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corpo como se ficasse inexato. O corpo envelhece a perder Peixoto, João de Melo, João Ribeiro, Joaquim Francisco Coelho, José
detalhes. A arte pormenoriza, sem ajuda. A arte é sem Manuel Mendes, José Sasportes, Lauro Moreira, Leonor Xavier, Luísa
Lobão Moniz, Manuel Alegre, Margarida Fonseca Santos, Maria
ajuda. É tão querida quanto a saudade de algo que se perdeu.
GONÇALO ROSA DA SILVA

do Carmo Vieira, Maria Fernanda Abreu, Maria José Rau, Miguel


Vamos todos perder a arte. Há sempre uma tragédia entre Carvalho, Marina Tavares Dias, Mário Avelar, Mário Cláudio, Mário
de Carvalho, Mário Soares, Marcello Duarte Mathias, Nuno Júdice,
o autor e a obra. Há sempre uma inevitável e crescente Ricardo Araújo Pereira, Rui Canário, Rui Mário Gonçalves, Silvina

JOÃO BAFO
Pereira e Teolinda Gersão
tragédia entre o autor e a obra. O mestre Cruzeiro Seixas
PAGINAÇÃO: Patrícia Pereira
sorri, ainda assim, discutindo a profunda ofensa da vida.
SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues
Pondera apenas no desamparo, mas sorri. O seu sorriso é Mário Cesariny (à esqª) e Cruzeiro Seixas ‘É subitamente insuportável
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO: Gesco
uma densidade do mistério e as suas palavras são o fim de ouvirmos falar da morte de Cesariny pela boca de CS. Porque a sua
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toda a piedade. morte aconteceu-nos a todos’ Magalhães, nº 242, 2770-022 Paço de Arcos - Tel.: 214 698 000
Fax: 214 698 500 - email: jl@impresa.pt. Delegação Norte: Rua
No filme de Cláudia Rita Oliveira, As Cartas do Rei Conselheiro Costa Braga nº 502 - 4450-102 Matosinhos
Artur, Cruzeiro Seixas - Tel.:22 043 7001

exclama algo como: já PUBLICIDADE: Tel.: 214 698 227 - Fax: 214 698 543 (Lisboa)
morreu o meu amor. Quem No filme, é opção da realizadora deixar de mão as Tel.: 220 437 030 - Fax: 228 347 558 (Porto)
não se diminui no mesmo referências imediatas de quem é o génio público, são Pedro Fernandes (Diretor Comercial) pedrofernandes@sic.pt; Miguel
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instante não amou nunca. como que escondidas as obras, apagam-se muito os Paulo Luz (Diretor Comercial Digital) jpluz@sic.impresa.pt; Maria João
E há um sorriso. Ficamos ambientes. Não se escuta a Antena 2, a contínua Antena 2 Costa (Diretora Coordenadora) mjcosta@impresa.pt, Maria João Jorge
(Diretora) mjjorge@impresa.pt; Miguel Diniz (contacto) mdiniz@impresa.
quase destruídos por da vida absolutamente toda. Talvez fique subentendida a pt; José António Lopes, jalopes@impresa.pt. Delegação Norte: Ângela
ele, porque nos custam poesia. Há um recurso ao infinito diário a que o mestre foi Almeida (Diretora Coordenadora) aalmeida@impresa.pt; Ilda Ribeiro
(Assistente e Coordenadora de Materiais) immribeiro@impresa.pt
todos os amores falhados. sempre fiel. Frequentamos a intimidade que lhe permitiu PUBLICIDADE ONLINE: publicidadeonline@impresa.pt Tel.: 214 698 970
Experimentámos os e pressentimos os poemas. Como se o melhor de Cesariny MARKETING: Mónica Balsemão (Diretora), Ana Paula Baltazar
amores falhados e nunca encontrasse uma dimensão menos conhecida mas também (Coordenadora de Marcas), João Filipe Lopes (Gestor de Marca),
Carla Martins ( Coordenadora de Comunicação e Relações Externas)
haveremos de os entender exímia de Cruzeiro Seixas, a da palavra. Ambos homens PRODUÇÃO: Raul das Neves (diretor), Manuel Parreira (Assessor
por inteiro. É subitamente de palavra, ambos explorando a imagem. Ampliando da Direção de Produção), Vasco Fernandez (Diretor Adjunto), João
Paulo Batlle Y Font e Carlos Morais (Produtores)
insuportável ouvirmos Imagem do filme As cartas do Rei Artur sentidos.
CIRCULAÇÃO E ASSINATURAS: Pedro M. Fernandes (Diretor), José Pinheiro


falar da morte de O diário de Cruzeiro Seixas é uma obra magna. Os muitos (Coordenador de Circulação), Helena Matoso ( Coordenadora de
Cesariny pela boca de volumes acumulam-se. Lembro-me deles tão arrumados na Assinaturas); Serviço Apoio ao Assinante Tel.: 21 469 8801 (todos os
dias úteis, das 9h às 19h) - Fax: 214 698 501 Aceda a www.assineja.pt
Cruzeiro Seixas. Porque casa da Rua da Rosa, em Lisboa. Lembro-me quando tomava ENVIO DE PEDIDOS: Medipress - Sociedade Jornalística e Editorial Lda.
a morte de Cesariny um volume ao calhar e lia um excerto, como se tratando de Remessa Livre 1120 - 2771-960 Paço de Arcos
aconteceu-nos a todos um oráculo para o passado. De algo modo, era talvez mais
O que Cláudia Rita
IMPRESSÃO: Lisgráfica - Casal de Sta. Leopoldina - 2745 Queluz de Baixo

mas, sobretudo, porque importante descobrir de novo o passado do que adivinhar DISTRIBUIÇÃO: VASP - MLP, Media Logistics Park, Quinta do Grajal -

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Há uma impotência Uma maravilha como a cada momento seguia tocando, e os dias corriam anunciados. A respetiva veracidade e conformidade com a realidade, são
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debate-papo * 31
PARALAXE
Afonso Cruz
O HOMEM
DO LEME
Flores MANUEL HALPERN

Lisa III

D H
os girassóis do Van Gogh à submer-
são de Ofélia, da Primavera à tumba, á momentos na vida em que
estão sempre presentes, como seres um tipo se arrepende da
inevitáveis: as flores servem para fisicalidade da existência.
nos despedirmos eternamente e para A realidade virtual é muito
nos amarmos eternamente, estão mais segura e higiénica.
presentes nos funerais e nos roman- Os vírus tratam-se com o
ces com o mesmo à vontade. Lançam reset do disco rígido, a melhor vacina é fazer
o seu aroma como soldados. As flores um backup, só para não perder a identida-
expõem-se, exibem-se, são a mais evidente forma de ero- de. Desde que encontrara aquelas cartas,
tismo da natureza, que, com sexos coloridos ou dramáticos, Eduardo era Lisa Paris, alter-ego de Susana,
preenchem os campos, as montanhas, a primavera toda. As mas a realidade estava ali para o desmen-
flores alastram-se pelos ares e não se confinam às suas raízes, tir. A realidade só atrapalha. Ao partir para
são um erotismo que voa como os pássaros, que cavalga os o encontro, ainda lhe passou pela cabeça
insetos, armadilha aranhas, apropria-se dos animais, faz-nos enfiar uma cabeleira loira - que dispara-
cúmplices da sua libido. Todos e tudo, desde o vento à fome, te, não há photoshop para o tête-à-tête e a
servem como ferramentas para a sua multiplicação. Quando maquilhagem não faz metade do que se lhe
comemos um fruto e cuspimos o seu caroço estamos na cama pede, sobretudo quando o objetivo é tornar
com as flores, somos a dilatação do seu sexo e da sua reprodu- um homem barbudo numa mulher boni-
ção. ta. Os perfis falsos são apenas possíveis no
A beleza disto é que é uma conquista sem violência, é uma facebook.
sedução, uma persuasão. Com o néctar, o aroma, o açúcar, Duma, óleo sobre tela ‘A arte da Duma que, em corpos femininos, Eduardo esperou por Jorge no sítio com-
as flores triunfam. Sem pernas, asas, dentes afiados, garras, mostra a força imensa dessa luta, que é feita de cores e beleza’ binado, como se fosse Lisa. Sentou-se na
sem fazer explodir países, as flores conquistam o globo com esplanada do centro comercial, pediu um café


a beleza, com a exaltação do desejo. O seu apelo é tão forte e uma cerveja, e ficou à espera, para ver o
que as oferecemos para começar vidas, nos nascimentos, em que acontecia. Reconheceu Jorge pelo seu ar
momentos românticos, ou para acabar vidas, nos funerais, hesitante, era bastante diferente das imagens
mas também estão presentes nos aniversários, nos pedidos de que punha no facebook e daquelas outras que
desculpa, em alturas especiais ou de rotina, nas curas e recu- tinha em casa, ao lado de Susana. Olhou para
perações, nas vitórias e nas derrotas. Não são especificamente
As flores alastram-se pelos ares e não se a esquerda e para a direita e acabou por se
femininas como nos querem fazer crer: são hermafroditas, confinam às suas raízes, são um erotismo sentar duas mesas à frente da sua. Tirou do
masculinas, e, claro, também femininas. Anulam o lugar bolso uma máquina de fumar e permaneceu
comum dos papéis sexuais.
que voa como os pássaros. Todos e tudo, hirto, desencontrado das costas da cadeira.
Mas, olhando de outra forma, encontramos nas flores ou- desde o vento à fome, servem como Quando o empregado de mesa apareceu, viu-
tras características menos evidentes. Bataille sublinha a con-
tradição entre o efémero e o nascimento da terra, do estrume,
ferramentas para a sua multiplicação -se forçado a pedir qualquer coisa, uma água
das pedras. Agitado, consultava o telemóvel
que tentará colorir o céu e o facto de serem órgãos sexuais e olhava em volta, em busca de um sinal de
emoldurados em belas pétalas e perfume: "A maior parte das Lisa. Mal olhava para ele, não o via enquanto
flores só tem um desenvolvimento medíocre e mal se distin- Lisa, mas ele via-o enquanto Jorge. O seu
gue da folhagem. Algumas chegam mesmo a ser desagradá- que fervilham sob a superfície da terra, tão repugnantes e desfasamento físico sempre lhe trazia alguma
veis, senão hediondas. Por outro lado, as flores mais belas nuas como vermes. De facto, as raízes representam a perfeita vantagem. Chegou a pensar em levantar-se,
são desfeadas no seu centro pela mancha peluda dos órgãos contrapartida das partes visíveis da planta. Mas enquanto em ir ter com ele, mas sabia que, embora cada
sexuados. Por isso mesmo o interior de uma rosa de forma estas se elevam com nobreza, aquelas espojam-se ignóbeis e vez se sentisse mais Lisa, tal não seria possí-
nenhuma corresponde à sua beleza exterior; se arrancarmos pegajosas no interior da terra, tão apaixonadas pela podri- vel, que só virtualmente poderiam coexistir.
até à última as pétalas da corola, mais não sobra do que um dão como as folhas pela luz. Aliás, há razão para notar que o Ao fim de 45 minutos sentado na inóspita
tufo com aspecto sórdido. Outras flores, é verdade, apresen- indiscutido valor moral do termo baixo é solidário com esta esplanada interior de um centro comercial
tam estames muito desenvolvidos e de inegável elegância interpretação sistemática do sentido das raízes: na ordem dos aglutinado, Jorge levantou-se e, de cabeça a
mas, se uma vez mais recorrermos ao senso comum, veri- movimentos, o mal é necessariamente representado por um medir os passos, foi-se embora. Eduardo ficou
ficaremos que se trata de uma elegância diabólica: acontece movimento de cima para baixo." desiludido, pensou que ele esperaria mais
isto com certas orquídeas gordas, plantas tão duvidosas que Poderíamos ir mais longe, afirmando que as flores são um tempo. As mensagens do facebook davam a
somos tentados a atribuir-lhes as mais equívocas perversões engano, um isco, um engodo, uma espécie de mentira que se ofe- entender que esperaria por Lisa a vida inteira.
humanas. Mais ainda do que a sujidade dos órgãos, a fragili- rece em vez das raízes maculadas pelo chão, que não se exibem, Eduardo ainda permaneceu ali sentado, medi-
dade da corola trai a flor: longe de dar resposta às exigências limitam-se, na sua forma mais autêntica, a ser. A ignomínia de tabundo, assombrado com o acesso de realida-
das ideias humanas, também ela é o sinal do seu fracasso. que Bataille fala é a verdade na sua forma mais crua e despojada. de, talvez esperando que, por algum milagre, a
Com efeito, depois de um muito breve tempo de esplendor a Mas ninguém gostaria de oferecer a verdade, mas sim uma de- verdadeira Lisa, a Lisa de carne e osso, apare-
maravilhosa corola apodrece impudicamente ao sol transfor- coração, uma máscara. O que pensariam de uma pessoa que, em cesse naquela esplanada de centro comercial e
mando-se numa gritante ignomínia para a planta. Extraída vez de oferecer flores, presenteasse um ramo de raízes? se sentasse no lugar vago da sua mesa. Depois
ao cheiro do estrume, apesar de ter parecido que lhe fugia Todas estas contradições, inerentes às flores, combinam também ele partiu. Vagarosamente. Disposto a
num impulso de angélica e lírica pureza, que a flor recorre de na perfeição com a arte da Duma que, em corpos femininos, recuperar a sua existência virtual, a única que
repente ao seu primitivo esterco: mesmo a mais ideal é rapi- mostra a força imensa dessa luta, dessa nova guerra que fun- realmente lhe interessava.
damente reduzida a um farrapo de estrumeira aérea. Porque ciona com a sedução em vez de bombas, que é feita de cores Quando chegou a casa tinha várias men-
as flores não envelhecem com honestidade..." e beleza. Cada flor serve um propósito, tem uma farda que sagens de Jorge no chat, com tons diferen-
E diz ainda: "Perdidas neste amplo movimento do solo em corresponde a um princípio subjacente, e luta por isso até ao tes, umas mais negras, outros alaranjadas.
direção ao céu, as próprias flores são reduzidas a um papel seu Outono. São a única maneira de ser verdadeiros solda- Respondeu-lhe: "Eu estava lá, tu é que não
episódico, a uma diversão, aliás, aparentemente incompreen- dos, dos que não matam, mas conquistam com uma eficácia me reconheceste. Vi-te a fumar uma má-
dida: ao quebrarem a monotonia, só podem contribuir para que nenhuma bala sonhou. Como uma revolução de cravos e quina, tem cuidado, há quem diga que isso
a fatídica sedução que o impulso geral, de baixo para cima, a certeza de que em cada um de nós se perpetua no dever de faz pior do que os cigarros. Acho que ainda
produz. E para destruir a impressão favorável nada menos se- sucumbir à beleza. E repugnar a boca das armas que não não não estamos preparados para enfrentar a
ria necessário do que a visão fantástica e impossível das raízes disparam flores. J realidade".JL

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27/3/1959 estar com os Torgas que mal havía-


mos visto; segunda, ver Conímbriga
[...] Coimbra tem duas estações: A de dia. [...]
e B; salta-se na A e baldeia-se para Mal chegamos a Coimbra fomos
outro trem, do tipo desses que se ao Largo da Portagem, falar com o
vêem muito no cinema, em que cada Dr. Adolpho Rocha, para saber se nos
compartimento se abre para fora, no receberiam mesmo (eu lhe telefona-

Cleonice Berardinelli
qual se anda no máximo por 5 minu- ra na véspera e ele me dissera que,
tos e chega-se à B. [...] em princípio, estava combinado,
Fomos para Figueira da Foz [...] É mas precisava falar com Andrée).

Diário de Viagem
uma praia a 45 km. de Coimbra. De Subimos a escada; a salinha de
caminho, passamos por Montemor- espera, limpa e arranjada, estava
o-Velho, terra de Jorge de Montemor vazia. Bati à porta do consultório e
e de Afonso Duarte. Lá no alto, surgiu-nos o otorrino Adolpho Rocha
numa localização semelhante ao de com seu avental branco metido por
Sesimbra, o castelo de Montemor. cima do paletó, da frente para trás,
Semelhante ao outro – todos os com mangas franzidas nos punhos
castelos se parecem – tem uma linda e a cabeça de Miguel Torga surgindo
vista sobre os campos do Mondego. e chegamos à Universidade. Subimos absolutamente ao natural. É o Grupo em cima; parecia mais um forte cam-
São belas as muralhas em degraus, uma escada e entramos no recinto Mirandês, de Duas Igrejas, aldeia do pônio a quem se tivesse posto uma
a descer rocha abaixo. O castelo limitado pelos edifícios que contêm Norte de Portugal, onde se fala um camisa de força do que um médico
está bem conservado, com árvores a biblioteca, a capela, a Sala dos dialeto gracioso – o mirandês. Quem em seu uniforme...
e relva, a igreja a ele pertencente Capelos e mais outras coisas que não os ensaia e dirige é um padrezinho, Abriu-nos um largo sorriso,
ainda em bom estado. Foi no recinto sei. É uma coisa imponente e de belo rústico e simples como eles. disse-nos que nos esperavam para
das suas muralhas que prestaram estilo. [...] (...) Dançam às vezes juntos o almoço e mandou-nos depressa
homenagem aos filhos ilustres do Deixamos a parte tradicional, homens e mulheres, em movimentos a Conímbriga, para não chegarmos
lugar – Fernão Mendes Pinto e Jorge cheia da presença de Garrett, Antero, simples, batendo as mãos, virando- tarde. (...)

GUILHERME GONÇALVES/ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS


de Montemor –, pondo uma lápide Eça, e fomos visitar o prédio novo da -se para um lado e outro e dando-se Chegamos à casa da rua Fernando
com versos do último grande poeta Faculdade de Letras. Descendo mais encontrões no meio da cena, não de Pessoa, 2, à 1:15h., com ¼ de hora de
que dali saiu: Afonso Duarte. Tirei um um pouco, fomos ao Museu Machado frente, mas de costas... Enquanto atraso. Abriu-se a porta e saiu toda
retrato ao lado da inscrição. de Castro. (...) De tudo que aí vimos, isso, os restantes cantam ao som de a família a receber-nos: o pai, a mãe
De Montemor à Figueira passa- o que mais profundamente me tocou instrumentos rudimentares, entre os – de avental estampado -, a filha.
-se pelo caminho que leva à Ereira, foi o Cristo Negro. É um Cristo cru- quais sobressai a gaita de foles. Vocês não sabem o que é a Clarinha!
vilarejo onde morava Afonso Duarte cificado de madeira que a pátina do Mais bonita, pela movimenta- Nada tirou de pai, fisicamente; é uma
e onde morreu. É uma estradinha es- tempo escureceu e tornou acinzen- ção e pelo estalido dos paulitos, é a holandesinha loira, duas cerejas nas
treita e entre água das enchentes do tado. Grande, maior que um homem, dança dos homens, os pauliteiros. bochechinhas e uns imensos olhos
rio; em determinada fase do ano, não tem terrível expressão de dor na boca Vão fazendo evoluções e batendo os azuis!
dá passagem. [A amiga] D. Lourdes entreaberta, deixando ver os dentes, paus no compasso exato da música, Almoçou conosco, sentada em sua
não quis arriscar o carro, e tive pena na descaída da cabeça e no afrouxa- cruzando as mãos acima e abaixo, em cadeirinha alta, comendo com muito
de não ver mais de perto o cemitério
que se avistava de longe e onde o
mento de todo o corpo pendente da
cruz. Olha-se de um lado, do outro, ¶ rodas, aos pares, aos quatro, numa
variedade bem grande de combina-
jeitinho. Depois do almoço foi dormir
e assim não pudemos conversar com
Poeta está. sempre a mesma dor... Como anunciamos na ções. Houve ainda pequenos sketches ela. Como toda criança ficou acanha-
(...) Dª Lourdes pisou no acele- [...] Tomamos um táxi e fomos em versos falados e cantados, com da e quase não falou. Tive pena, pois
rador, para chegarmos a Conímbriga [...] à casa do Torga, a quem eu tinha última edição, com capa letras por vezes maliciosas, mas ditos [a amiga] Rosita me disse que ela é
ainda com dia. (...). Conimbriga é a de entregar uns papéis da Faculdade. e Tema dedicados aos 100 com absoluta simplicidade. Foi um extraordinária.
antiga cidade romana, da qual restam Ele mora na parte nova, numa casa espetáculo único na nossa experiên-
anos da profª Cleonice
ruínas belíssimas e cuja extensão de dois andares bastante bonita, cia de Portugal. (Mesmo dia – De Burgos
ainda se ignora, pois agora é que com jardim à frente (onde a Andrée Berardinelli, publicamos A 5ª feira foi ultra-cheia. Da
a San Sebastian)
se está procedendo a escavações cultiva tulipas maravilhosas). Era a hoje mais alguns primeira sessão [do Congresso de
sistemáticas. (...) Uma infinidade de Travessa da Mãozinha, agora é a Rua Filologia] só assisti às duas primeiras Eu estava sem fome [...] Fui, de en-
coisas que não pudemos ver, pois Fernando Pessoa... O Torga não esta-
fragmentos do seu comunicações, porque queríamos ir trada, explicando a Andrée [...] que
a noite caíra, um vento gelado nos va. [...] Andrée, simpática e simples inédito Diário de Viagem, ao Palácio da Ajuda. [...] O palácio foi nos desculpasse se não fizéssemos
trespassava. A chuva, porém, cessara como mais se possa ser, lamentou escrito na sua primeira construído depois do terremoto, no honra a seus quitutes. E eram bons,
e no céu quase limpo, surgindo acima que lá tivéssemos ido à última hora. fim do século XVIII, e é riquíssimo. e muitos. Comi um pouco de cada
das ruínas e entre os ciprestes que as Convidámo-la a vir conosco, e ela vinda a Portugal, em (...) Há mesmo uma saleta, presente e bebi um vinho branco espumante
rodeiam, uma lua redonda e brilhan- não se fez rogar. Passamos pelo con- 1959. Naquela edição, de não sei que rei alemão, toda em verdadeiramente delicioso da adega
te como uma moeda de prata. Os ro- sultório, a ver se o Dr. Adolpho Rocha para que remetemos os porcelana de Saxe. Vocês dirão: “que já célebre do Torga. Depois do almoço
mânticos sabiam bem porque faziam lá estava. Ainda não. Fomos passear. beleza!” Pois não é beleza nenhu- fomos para cima, para o escritório
poesia com estes três elementos: a [...] Já era hora de voltar. Andrée leitores, a profª Gilda ma, é um bric-à-brac de peças que que tem um cantinho aconchegado
poesia brota deles, natural e pura. não se conformava que não víssemos Santos ‘apresenta’ e sozinhas, ou em pequeno número, com um divan e poltronas, livros
o Torga. Passamos novamen- seriam bonitas, lindas algumas, mas na parede e um pequeno tapete de
te pelo consultório e ele desceu.
comenta este diário que se amontoam num conjunto Arraiolos no chão. Ali conversamos
29/3
Gentilíssimo, talvez não seja adjetivo pesado, desgracioso, antipático; até até às 3:20h., quando resolvi descon-
[...] Passemos à 3ª feira, em Coimbra. que convenha a ele, pois a sua cor- os braços das cadeiras, os pés das fiar que o Torga devia ter horário no
[...] O dia não prenunciava nada de dialidade é feita mais de franqueza mesas, os espaldares, os susportes consultório. Disse-lhe e ele confir-
bom. Saímos. Fomos primeiro ver a e à vontade do que de amabilidade, das estantes, são de Saxe. E, sobre um mou. Preparamo-nos para sair.
Igreja da Stª Cruz de Coimbra. À en- mas foi encantador. Chamou-me movelzinho de prateleiras apoiadas Antes de continuar, porém, quero
trada, enfiei o pé todo (calçado com traidora, porque só aparecera à de sociedade, mas tão inteligente, em Saxe, com pés de Saxe, meda- voltar à nossa conversa que foi antes
um sapato novo, marron, de sola última hora, quando deveria ter ido tão brilhante, tão diferente, que vale lhões de Saxe, há uma centena de uma discussão animada, embora
crepe, que o marido me comprara jantar com eles, em vez de andar a pena vê-lo e ouvi-lo. Tive pena estatuetas de Saxe... amigável, sobre Fernando Pessoa.
= 240 esc.!!!) numa poça d’água. A com sub-literatos (isso era com ao ver chegar o trem. Despedia-me Bonita é a sala dos embaixadores: Apesar de grande admirador do
igreja é muito bonita, mas, como a o Campos Figueiredo). Meteu-se deles e ainda ele insistia em que redonda, chão e paredes de mármore Poeta, o Torga (e Andrée com ele) lhe
vimos muito à pressa, não me ficou no carro conosco e fomos para a voltássemos para comer com eles e preto, branco e rosa, portas entre faz restrições quanto à naturalidade
nenhuma impressão especial. De lá estação. Um atraso muito simpático conversar... colunas, quase vazia, alta e severa, é ou espontaneidade da inspiração e eu
passamos por um antigo jardim dos proporcionou-nos uma meia hora de uma nota de elegância no conjunto e [a amiga e ex-aluna] Luizinha de-
monges e começamos a subir, rumo palestra, em que ele traçou dois ro- 9/4 – Na estrada do edifício. fendíamos o ponto de vista contrário.
à Universidade. (...) Passamos pela teiros malucos para a nossa viagem Foi um debate aceso. J
casa em que morou Eça e chegamos ao Norte (um deles, dormindo numa
Escorial-Madrid
11/4 – Na estrada
à torre de Anto. Fica num canto dum pousada e ouvindo os lobos uivar em [...] Voltando à Faculdade, assistimos
larguinho: uma construção pequena, torno) e contou piadas não muito a uma das coisas mais curiosas que
Madrid-Burgos
quadrangular, que deve ter uma vista protocolares, daquelas que desa- aqui vimos: a exibição de danças [...] A decisão de voltar a Coimbra no
lindíssima sobre a cidade.. gradam ao Dr. A.B. Na verdade, ele e cantos populares, por um grupo último dia da estada em Portugal foi
[...] À 1ª estiagem, saímos à toda é meio primitivo, não é um homem realmente do povo, sem retoque, causada por duas razões: primeira,

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Nº 235 * 12 a 25 de outubro de 2016
Suplemento da edição nº 1201, ano XXXVI,
do JL, Jor­­nal de Le­­tras, Ar­­tes e Ideias
com a colaboração do Camões, I.P.

Conferência
Os 30 anos de
Português na UE
Língua portuguesa
enfrenta o desafio
das tecnologias
Pág. 2/3
JORGE MOLDER. SÉRIE: DOIS DELES. 2014. TIRAGEM DIGITAL PIGMENTADA SOBRE PAPEL ARCHES 640 G/M2. DIMENSÃO TOTAL (CM) 152 X 102

InMemoriam New York Cátedra Cinco décadas da Exposição de


de Maria Isabel Portuguese Short de Estudos obra de Helena Ângela Ferreira
Barreno Film Festival Portugueses Almeida no Nord-pas-
Um festival inaugurada em em Bruxelas de-Calais
‘chaves na mão’ novembro em Goa
Pág.4 Pág.2/3 Pág.4 Pág.3 Pág.3

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2* jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

Conferência Os 30 anos de Português na UE no dia-a-dia sem as tecnologias da


linguagem.

Língua portuguesa enfrenta o desafio das tecnologias A este propósito, Ana Paula
Laborinho disse que uma das medidas
mais importantes para a afirmação
internacional da língua portuguesa
é a aposta maciça nas tecnologias da
língua. A Presidente do Camões, I.P.
O língua portuguesa enfrenta o acontecer com o advento do mundo manifestou a esperança de que as
desafio de acompanhar os desenvol- digital. Aquelas línguas que forem tecnologias da língua ajudem a que cada
vimentos tecnológicos da era digital, preparadas tecnologicamente irão pro- um possa falar na sua língua e o seu
afirmou António Branco, professor e jetar-se e capitalizar as potencialidades interlocutor o possa entender na sua
investigador na Universidade de Lisboa, que a era digital está a trazer e aquelas própria língua. «É uma condição sem a
no Departamento de Informática da que – por circunstâncias históricas, qual o português não será uma grande
Faculdade de Ciências, onde dirige económicas, o que for… – não estiverem língua internacional», sublinhou.
o NLX-Grupo de Fala e Linguagem naquelas condições arriscam o desapa-
Natural, laboratório que trabalha no recimento». LÍNGUA E IDENTIDADE
processamento computacional da António Branco disse haver «uma A mesa-redonda iniciou-se precisa-
língua portuguesa. ilusão de que tudo está a correr bem mente pela questão da utilização do
António Branco falava numa me- com a língua portuguesa», do ponto português em organizações, reuniões e
sa-redonda em Lisboa, na Fundação de vista do seu enquadramento e visitas internacionais de representantes
Oriente, moderada pelo diretor adjunto preparação tecnológica, por causa das de Portugal, tendo Frutuoso de Melo
do semanário Expresso Nicolau Santos, notícias que dizem que o português está dito não ter dúvidas de que qualquer
organizada no Dia Europeu das Línguas, nas primeiras posições do facebook, do declaração institucional internacional
a 26 de setembro, no âmbito da con- twitter, etc. O investigador diz que isso ou outra por representantes oficiais
ferência sobre os 30 anos da língua Mesa-redonda da conferência 30 anos de Português na UE espelha apenas a dimensão demográfica portugueses deve ser feita em portu-
portuguesa na União Europeia, pro- dos falantes de português no mundo guês, mesmo que para isso seja preciso
movida pela Comissão Europeia (CE), que têm poder económico para ter luz «encontrar soluções adaptadas às
Parlamento Europeu (PE) e Camões, I.P. nistas, nos serviços de tradução e inter- língua comum e qual». elétrica em casa, comprar um compu- circunstâncias». No entanto, consi-
Além de António Branco, os parti- pretação da CE e do PE, dos 30 anos do Afirmando ter vivido uma época de tador pessoal ou um tablet e aceder à derou que nas intervenções interna-
cipantes foram Ana Paula Laborinho, português na União Europeia. grandes transformações tecnológicas, internet de banda larga. cionais, há que ter em conta não só a
Presidente do Camões, I.P., Célio Os intervenientes na mesa-redonda a última das quais foi a emergência do «Mas falar com um robô, falar a cortesia como, sobretudo, a «eficácia da
Conceição, Diretor do Departamento de partiram do comentário às respostas mundo digital, «algo da magnitude da alguém através de um mecanismo mensagem», evocando a sua experiên-
Artes e Humanidades da Universidade dadas num inquérito de rua – filmado chegada do Homem à Lua», António de tradução automática, exige […] cia na CE.
do Algarve e Presidente do Conselho junto de um público maioritariamente Branco disse que «as línguas sofrem preparação tecnológica da língua, e A este respeito, a Presidente do
Europeu para as Línguas, Fernando da cidade universitária de Lisboa – a choques tecnológicos», referindo isso faz-se com muito investimento na Camões, I.P., Ana Paula Laborinho,
Frutuoso de Melo, antigo alto funcio- três conjuntos de questões sobre temas nesses choques a invenção da escrita, ciência e tecnologia das línguas». As defendendo que a utilização da própria
nário da Comissão Europeia e atual relativos à língua portuguesa e ao mul- da imprensa mecânica e das telecomu- diferenças gramaticais e de natureza língua melhora «a capacidade de fazer
Chefe da Casa Civil do Presidente da tilinguismo. nicações. das línguas levam a que quando se passar a mensagem», afirmou ser
República, e José Ribeiro e Castro, anti- Entre os temas estavam ques- «Todos estes choques tecnológicos desenvolve a tradução automática do «cada vez mais importante que mesmo
go eurodeputado. tões sobre se a língua contribui para trazem novas oportunidades para a inglês para o francês, não se consegue em reuniões internacionais possamos
A conferência contou na abertura definir uma identidade cultural, se os utilização das línguas e novos desafios», imediatamente transpor essa tecnologia falar a nossa língua».
com intervenções de Rytis Martikonis, representantes portugueses se devem afirmou o investigador da Universidade para traduzir do inglês para o português Relativamente ao tema da língua
responsável da Direção-Geral de exprimir no estrangeiro em português, de Lisboa, autor do livro branco A ou do português para o swahili ou o e da identidade cultural, cuja rela-
Tradução da CE, Florika Fink-Hooijer, de que forma as tecnologias da língua Língua Portuguesa na Era Digital. Mas chinês, alertou. ção íntima alguns dos inquiridos nos
Diretora-Geral do Serviço Central de podem contribuir para o multilinguis- acontece, no dizer de António Branco, Para evitar que a língua da Europa filmes exibidos defenderam, Ana Paula
Interpretação de Conferências da CE, mo, se os tradutores-intérpretes podem que «algumas línguas historicamente (ou do mundo) seja a tradução [como Laborinho afirmou que a relação país/
e Valter Mavriˇc, chefe interino da vir a ser substituídos por máquinas, melhor colocadas aproveitam esse disse Umberto Eco], ou que exista língua/identidade é complexa. Se há
Direção-Geral de Tradução do PE, a que e sobre a importância de falar outras choque para se projetar e outras sofrem apenas uma única língua, é preciso uma quase coincidência em Portugal
se seguiram depoimentos de protago- línguas e da eventual «adoção de uma a extinção». Segundo ele, «é o que irá apostar na tradução e esta é «inviável» entre nação e língua, «tal não acon-

New York Portuguese Short Film Festival Sobre a seleção das pelícu-
las Ana Miranda explica que,
país». «Há locais em que é mais
a comunidade portuguesa que

Um festival ‘chaves na mão’ anualmente, «o festival abre um


concurso em que realizadores
vem conhecer o cinema português
contemporâneo e há outros países
portugueses, em qualquer parte do em que são mais os nacionais desse
mundo, podem submeter as suas país».
curtas-metragens». De segui- Em geral, as salas que o AI aluga
da, um júri de Portugal, Estados nunca têm mais de 150 lugares.
Trinta e uma cidades em 16 ainda passar na Guiné-Bissau e no Unidos e Brasil «faz a seleção das «Nalguns locais esgota, noutros
países. Passados cinco anos é esta a Quénia», afirma a diretora do AI, curtas que durante um ano viajam não, mas normalmente grande
‘pegada’ do ‘New York Portuguese instituição apoiada anualmente pelo mundo». «Nesta seleção há parte do público que veio no pri-
Short Film Festival’ (NYPSFF), pelo Camões, I.P. com uma verba um pouco de tudo, todos os anos, meiro dia volta no segundo, o que é
uma iniciativa que já vai na sua VI de 12 mil euros. há curtas mais alternativas e outras um bom indicador». As estreias do
edição e que nasceu «com a inten- A especificidade do festival de autor. Os critérios em que o júri festival têm sempre mais afluência.
ção de mostrar o cinema português reside na sua «sustentabilidade se baseia são a criatividade, a exe- Para a organização do festival,
contemporâneo nos EUA, mas e abrangência», segundo Ana cução técnica, o guião e a origina- o AI procura parceiros nos países,
[que] depressa se internacionali- Miranda. «Todos os anos acrescen- lidade da história». tentando sempre «estabelecer
zou para outros países», segundo tamos mais países e mais cida- A edição original do festival é de contacto com a embaixada ou con-
Ana Miranda, a diretora do Arte des, mantendo sempre os países dois dias. No entanto, em alguns paí- sulado nesse pais ou cidade para
Institute (AI), entidade promotora anteriores», algo que, para além ses, é «condensado num dia com 2 dar conhecimento». No entanto,
do festival. do festival decorrer «simultanea- para que possam fazer a divulgação sessões». O número de filmes, adian- acrescenta, «há muitos consula-
Depois dos Estados Unidos, mente em Nova Iorque e Lisboa, no e apresentar os filmes. Sempre que ta, depende da duração das curtas dos que nos contactam a pedir o
Portugal, França, Reino Unido, início de cada edição», a diretora possível tentamos estar presentes selecionadas, mas ronda em média festival».
Brasil, Senegal, Guiné Equatorial, do AI diz não ser feito por mais para apresentar o festival, pelo 1hora e 15 minutos em cada dia ou Ana Miranda adianta que o
Tailândia, Austrália e Republica «nenhum festival português». menos na primeira vez que ele é sessão. «Já tivemos 21 filmes e tam- festival tem contado apenas com
Checa, onde já ocorreu este Mas há uma outra característica feito nesse local». «É um modelo bém já tivemos só 10. Apresentamos fundos americanos da cidade de
ano, o festival vai ainda acon- – uma espécie de festival ‘chaves que tem sido aprimorado e simpli- os filmes em todos os formatos Nova Iorque. Este ano teve apoio do
tecer, até ao final de 2016, na na mão’ – que torna o NYPSFF ficado ao longo destes anos e é uma consoante o que nos é pedido no país: Instituto do Cinema e do Audiovisual
China, Moçambique, África do bastante atrativo para os parceiros fórmula de sucesso», diz, conside- DCP, DVD ou vídeo file». (ICA). Em alguns países conta com
Sul, Angola, Polónia, Roménia, locais. Diz a diretora do AI: «por rando que «este é mesmo, para já, Os públicos, no dizer de Ana patrocinadores locais e com o apoio
Alemanha e Canadá. «Contamos norma mandamos tudo pronto, o modelo mais simples». Miranda, «variam de país para do Camões, I.P.

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt

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Atlas da Língua Portuguesa pode desincentivar o conhecimento
em língua portuguesa». Considerou
O português não é apenas um
recurso dos portugueses como língua de
Interpretação
de conferência
ser preciso não esquecer que os países identidade, mas também uma «língua
de língua oficial portuguesa «têm de comunidade», que compreende Camões, I.P. e CE
O Atlas da Língua Portuguesa, sa, que foi avaliado por um estudo
uma produção [científica] em língua
portuguesa e, para já, o português
cidadãos de outros países e a tornam
uma língua da globalização, defen-
assinam carta
que alarga à CPLP o estudo de 2011 encomendado pelo Camões I.P. ao é a sua língua de escolarização e de deu Ribeiro e Castro. «É uma língua de intenções
encomendado pelo Camões, I.P sobre ISCTE, publicado em 2011. «Porque conhecimento». da Europa para falar com o resto do
o Potencial Económico da Língua o que não tem expressão no PIB não Esses países precisam de contribu- mundo» e, com o Brexit, represen- O mestrado de Interpretação
Portuguesa, e que tinha como âmbito existe», disse Ribeiro e Castro, defen- tos para essa produção de conheci- ta a segunda língua global da União de Con-ferência da Universidade
Portugal, vai ser publicado ainda este dendo a importância daquele tipo de mento, através da criação de bases de Europeia, presente nos cinco continen- Pedagógica de Moçambique (UPM),
ano, dando uma «visão global» dos avaliação. dados científicas e de redes de ciência tes, acrescentou. criado em 2009 na sequência de
países de língua portuguesa, mas Ana Paula Laborinho indicou em língua portuguesa, acrescentou Ana Paula Laborinho contrariaria a um protocolo com o Camões I.P. e a
apresentando também exemplos que o novo trabalho apresenta uma Ana Paula Laborinho, que destacou interpretação de José Ribeiro e Castro Faculdade de Letras da Universidade
como a China e os EUA. «visão global», de todos os países de o trabalho do Ministério da Ciência sobre a «incompetência» dos governos de Lisboa, poderá vir a receber o apoio
A revelação foi feita pela língua portuguesa, «mostrando qual e Ensino Superior na produção de na defesa da língua portuguesa na União da Direção-Geral da Interpretação da
Presidente do Camões, I.P., Ana Paula a dimensão económica, hoje em dia, ciência em português, essencial para Europeia, dizendo que tem havido cada Comissão Europeia (CE). Uma carta de
Laborinho, ao comentar declarações da língua portuguesa», incluindo a uma língua global. O atlas é elaborado vez mais a consciência da importân- intenções nesse sentido foi assinada,
do antigo eurodeputado português sua «dimensão na ciência». pelo mesmo grupo de investigação cia da língua portuguesa e referiu a a 26 de setembro, Dia Europeu das
José Ribeiro e Castro, que falou – na A Presidente do Camões, I.P. do ISCTE, dirigido pelo professor Luís Resolução de Conselho de Ministros de Línguas, entre DG de Interpretação da
mesa-redonda da conferência sobre afirmou nada ter contra a produção Reto, que foi responsável pelo estudo 2008, bem como outros documentos CE e o Camões, I.P., nos termos daque-
os ‘30 anos do Português na UE’ – do de conhecimento em Portugal em original sobre o Potencial Económico estratégicos, que constituem um acervo las duas entidades se comprometem a
valor económico da língua portugue- inglês, mas defendeu que «não se da Língua Portuguesa. «absolutamente extraordinário em «definir um quadro geral de coope-
termos de visão e medidas para uma ração», «com vista à consolidação do
política de língua, e revelam a cons- MICUP (Mestrado em Interpretação
de Conferência da Universidade
tece em outros países», tendo dado o porque os seus resultados escolares não mostram isso», declarou. «Nunca ciência da importância da sua dimensão
Pedagógica)e ao lançamento erealiza-
exemplo de vários países europeus e serão melhores. Daí que a política do teremos bons tradutores e intérpretes se internacional» e da língua como «ativo
ção da 3ª edição» do ciclo de formação
também dos países que têm o português Camões, I.P. seja de integração do por- não tivermos pessoas com muito bons estratégico» nacional.
que decorrerá entre 2016 e 2018.
como língua oficial, nomeadamente tuguês nos sistemas curriculares, «para conhecimentos da língua portuguesa Considerou ainda que, não sendo o
O documento elenca a contribui-
africanos, onde, disse, «as identidades que o português não apareça como uma e das outras línguas». Segundo ele, há português pertença de Portugal, há ne-
ção de cada uma das partes relativa-
são híbridas» devido à contribuição de espécie de gueto». dados que mostram que a competên- cessidade de uma «articulação política
mente ao MICUP (português, inglês e
diversas línguas. «Nós somos as línguas A formação foi o tópico principal da cia na primeira língua na Europa tem constante» com os outros países que
francês), que já conta com o apoio do
que falamos e é essa diversidade e ri- intervenção de Célio Conceição, sendo decrescido. falam o idioma. Destacou aqui o papel Banco Africano de Desenvolvimento.
queza que importa destacar», concluiu. seu parecer que é a medida essencial José Ribeiro e Castro criticou a falta da CPLP, que tem uma «política de Aquele mestrado, assim como o de
Ana Paula Laborinho declarou assim para a promoção do português. Quando de sentido do valor da língua portu- língua» sob a forma de recomendações tradução, também da UPM, foi criado
que o Camões, I.P, a quem a cabe o ensi- se fala em multilinguismo esquece-se guesa e dos interesses do país por parte (os planos de ação de Brasília e Lisboa), para fazer face às necessidades das
no e a promoção da língua portuguesa que ele é apenas institucional, disse. da classe política portuguesa. Ao nível e do Instituto Internacional de Língua organizações internacionais, nomea-
no estrangeiro, considera necessário «Para a vivência em sociedade da político, Portugal tem sido incapaz Portuguesa. E sublinhou que a língua da- mente da SADC (Comunidade para
«dar espaço às várias línguas», pois diversidade linguística, o primeiro de definir uma estratégia de afirma- portuguesa já é língua de documentação o Desenvolvimento da África Austral) e
quanto mais as pessoas se puderem aspeto é a formação». O Presidente ção internacional da língua como um e trabalho na UNESCO e que há muitas da CEDEAO (Comunidade Económica
expressar na sua língua «melhor será o do Conselho Europeu para as Línguas grande recurso estratégico do país e organizações internacionais em África dos Estados da África Ocidental).
exercício da cidadania». pronunciou-se também contra o referiu o regime de marcas e patentes da onde o português é língua oficial. A UPM é a única universidade de
Acrescentou ainda que o Camões, «deslumbramento do inglês», que cria Europa, considerando que a redução a O Camões, I.P. está assim a trabalhar língua portuguesa que faz parte do
I.P., que tem programas para ensinar a ilusão de que tudo se resolve se ele três línguas diminui o português como para a formação de mais traduto- PAMCIT, um consórcio de mestrados
português junto das comunidades e dos for falado, considerando que, mais do língua técnica. res e intérpretes e acabou de assinar pan- africano de interpretação e tradu-
seus filhos, e estas crianças, que estão que um língua franca, «é um código de Frutuoso de Melo explicaria que es- com a Comissão Europeia um acordo ção, que criou centros de formação
a ser socializadas nesses países e estão comunicação que se tem reduzido». sas decisões resultavam muitas vezes do sobre o único mestrado de português pós universitária, na sequência da
a ter aí a sua escolarização, «precisam Rejeitou a ideia muito comum de facto de serem tomadas num quadro de como «língua ativa», em África, na assinatura da declaração de Gigiri, em
também de dominar muito bem as que os portugueses «são excelentes «grande negociação», em que se obtém Universidade Pedagógica em Maputo, 2009, em Nairobi.
outras línguas», a par do português, em línguas». «Os dados disponíveis satisfação num dossiê e se cede noutro. que é apoiado pelo Instituto.

e «aproximar as segunda e terceiras


gerações» do seu país de origem, o AI
está também, segundo Ana Miranda, a
Helena Almeida em Bruxelas em ultrapassar os limites do
espaço pictórico e narrativo que
sempre desempenhou um papel
tentar recuperar a herança portugue- fundamental na obra da artista.
O que é o sa no bairro nova-iorquino do Soho
com o documentário Portugueses do
Como Helena Almeida afirma: ‘A
minha pintura é o meu corpo, a
Arte Institute? Soho, que este ano integra o New York São cinco décadas da obra minha obra é o meu corpo’».
Portuguese Short Film Festival. da artista plástica portuguesa A exposição é acompanhada
Desde 2011, o AI tem apresentado, Helena Almeida que poderão por um catálogo em português,
no dizer da sua diretora, « no mínimo ser vistas até 11 de dezembro, inglês e francês, em que é
O Arte Institute (AI) apresenta-se um evento artístico ou cultural por em Bruxelas, no Museu de Arte explorado «o processo de
como uma organização «indepen- mês. Alguns desses eventos são Contemporânea – Wiels, numa trabalho da artista e o lugar
dente, sem fins lucrativos, com base outdoors para que consigamos chegar mostra com o apoio do Camões, da sua obra no contexto
em Nova Iorque», que «promove a aos nova-iorquinos e a todas as co- I.P., em parceria com a Fundação da arte portuguesa e das
cultura contemporânea portuguesa munidades de Nova Iorque». Serralves e o museu belga. práticas artísticas feministas e
no mundo, através dos eventos que A organização tem ainda tentado Corpus, a exposição dedicada performativas dos anos 1970 e
produz nas áreas do cinema, música, «ser a porta para alguns artista da à obra de Helena Almeida das décadas subsequentes», em
TONY DA SILVA/DR

literatura, artes plásticas, performan- CPLP que juntamos com artistas (Lisboa, 1934), «examina o seu ensaios inéditos de Peggy Phelan
ce, teatro e dança», diz a diretora da portugueses para criarem novos pro- trabalho de pintura, fotografia, (professora da Universidade
associação, Ana Miranda. jetos» e divulgar a cultura lusófona. vídeo e desenho», salientando Stanford), Connie Buttler
Com o intuito de impulsionar a Nos Estados Unidos, para além «a importância do corpo – que (curadora-chefe do Hammer
língua portuguesa nas suas atividades de Nova Iorque, o AI levou a sua pro- regista, ocupa e define o espaço Museum da Universidade de
e eventos, o AI tem também desen- gramnação a New Jersey, Califórnia, – e o seu encontro performativo mostradas obras raramente Los Angeles) e de Bernardo
volvido ações que envolvem escolas Boston, Fall River, Rhode Island, com o mundo nas obras realizadas exibidas ao longo da sua Pinto de Almeida (crítico de
de língua portuguesa nos Estados Providence e New Bedford, aqui em pela artista de meados dos anos carreira artística. «Por meio arte e professor catedrático
Unidos, caso do projeto Um pequeno parceria com o Consulado português. 1960 até à atualidade», segundo da sua pintura abstrata inicial, nas Belas Artes do Porto) e
país do outro lado do oceano. Em Washington, o AI participou em uma nota de imprensa. Helena Almeida introduz as numa entrevista com a artista
Para além deste novo objetivo de 2015 «com um forte programa no Além das pinturas preocupações centrais que conduzida pelos curadores da
«fazer a ponte entre as comunida- Festival Iberian Suite no Kennedy “habitadas” e das séries definem a sua prática artística exposição, João Ribas e Marta
des e o Portugal contemporâneo» Center». fotográficas pelas quais Helena numa diversidade de disciplinas, Moreira de Almeida, do Museu
Almeida é mais conhecida, são nomeadamente o interesse de Serralves.

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4* jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

In Memoriam de Maria Isabel Barreno Cátedra de Estudos Portugueses Espaço, Memória da Universidade do
Porto, e Vice-presidente do IMEHA
A escritora e investigadora Maria
em Goa inaugurada em novembro (International Maritime Economic
History Association), visitará Goa,
Isabel Barreno (1939-2016) foi
Conselheira para os assuntos de Ensino
onde realizará seminários e confe-
do Português, junto da Embaixada de rências sobre a História da Expansão
Portugal em Paris, entre 1997 e 2003. Ultramarina e a participação da
(…) Maria Isabel Barreno cuidou A cerimónia de inauguração da mulher na sociedade dos países marí-
atenta e dedicadamente do ensino Cátedra de Estudos Portugueses na timos europeus.
da Língua e Cultura Portuguesa Universidade de Goa (UdG), que Outros professores e investi-
para os alunos lusodescendentes, tem como patrono o historiador gadores serão, nos próximos três
deu particular atenção a atividades Cunha Rivara, deverá decorrer em anos, convidados a participarem
culturais, nomeadamente concursos novembro, segundo o responsável do no Programa de Investigação e

UNIVERSIDADE DE GOA FOTO FREDERICK NORONHA CC


de fotografia e exposições, que Centro de Língua Portuguesa (CLP) Professores Visitantes da Cátedra
eram, à sua maneira, uma forma de do Camões, I.P em Pangim, Delfim Cunha Rivara, indica ainda o leitor do
FOTO LUSA/ANTÓNIO COTRIM 1992

acarinhar, partilhar e promover a Correia da Silva. Camões, I.P.


cultura portuguesa. A inauguração marca o início do Para além das conferências,
No desempenho da sua missão,
programa de atividades da Cátedra seminários e cursos, o programa da
Maria Isabel Barreno ficará para
Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, Cátedra Cunha Rivara prevê a edição
sempre associada à integração da
Língua Portuguesa como língua viva que terá em Hugo Cardoso, docente e e publicação de textos científicos,
estrangeira, no sistema de ensino investigador do Centro de Linguística ensaios e comunicações realizados no
oficial francês. da Universidade de Lisboa, o primeiro âmbito das atividades anuais.
Conseguiu junto das autoridades francesas que os cursos ELCO dos professores visitantes a colaborar O Departamento de Português e
[ensino de línguas e culturas de origem], na altura acessíveis apenas às com o Departamento de Português e de Estudos Lusófonos da UdG, que
crianças de origem portuguesa ou de países lusófonos, fossem abertos a de Estudos Lusófonos da UdG em pro- português falado em Goa, Hugo para além do leitor do Camões I.P,
qualquer criança que neles se quisesse inscrever, independentemente da jetos de investigação e no apoio a alu- Cardoso orientará ainda em Pangim conta com dois professores assistentes
sua origem. Devemos-lhe a introdução, nas escolas primárias, do ensino nos e docentes, refere também Delfim um curso opcional sobre o contacto do quadro, oferece, no presente ano
do português como LVE, língua viva estrangeira. Em 2001, 2.500 alunos, Correia de Silva, leitor do Camões, I.P. linguístico, em particular aquele que de 2016/17, diversos cursos e progra-
em 32 escolas primárias, tiveram Português como LVE. Este número naquela universidade e membro da envolve o português, e a formação de mas: cursos livres de Língua e Cultura
subiria para 4.600, no ano seguinte. comissão organizadora da Cátedra. línguas crioulas, intitulado Language Portuguesas, nos níveis A1, A2, B1 e
Quando iniciou a sua missão, apenas existia a Secção Internacional A comissão, estabelecida em contact in South Asia And the role of B2; cursos opcionais a cerca de duas
Portuguesa do Liceu Internacional de Saint Germain-en-Laye. Fez as Junho de 2016, foi constituída pela Portuguese. centenas de alunos dos diversos
diligências necessárias para que, em colaboração com diretora desta
decana da Faculdade de Línguas Delfim Correia da Silva adianta departamentos; o Mestrado (Master
secção internacional portuguesa, fosse aberto um polo da secção
e Literatura, Kiran Budkuley, por que Janeiro/fevereiro de 2017 será o of Arts) em Cultura e Literatura
internacional portuguesa de Saint Germain-en-Laye num collège e numa
escola primária de Le Pecq. O seu empenho por este tipo de ensino Isabel Santa Rita Vas e pelo leitor do momento da segunda visita. Susana Portuguesa a 14 alunos e o M.Phil
levou-a a lutar pela criação de outras secções e, quando terminou a sua Camões, I.P. Das reuniões da comis- Sardo, etnomusicóloga e professora (Master of Philosophy) a dois alunos.
missão, já estavam a funcionar as secções internacionais portuguesas do são resultou a elaboração de um plano associada na Universidade de Aveiro A ideia de estabelecer uma Cátedra
collège-lycée Montaigne e do collège-lycée Balzac, em Paris, assim como a de atividades para o ano académico trabalhará na UdG. A autora do para os estudos portugueses na UdG
do collège-lycée international de Grenoble. 2016/17 e a proposta de gestão do livro Guerras de Jasmim e Mogarim: surgiu no encontro realizado no CLP
Adelaide Cristóvão, Coordenadora do Ensino Português - Camões, I.P. fundo atribuído anualmente à Cátedra Música, Identidade e Emoções em Goa de Pangim, em fevereiro de 2015,
em França pelo Camões, I.P., no montante de 10 (Texto, 2011) galardoada, em 2012, quando da visita a Goa da Presidente
mil euros. com o Prémio Cultura da Sociedade do Camões, I.P., Ana Paula Laborinho.
O programa da Cátedra Cunha de Geografia de Lisboa, e coordena- Reconhecendo a obra realizada
Rivara (VRPP – Visiting Research dora da coleção ‘Viagem dos Sons’ por Joaquim Heliodoro da Cunha
Professor Programme) visa a promo- (Tradisom 1998), entre outras publi- Rivara no estudo da presença por-
ção de estudos linguísticos, culturais cações discográficas e artigos, desen- tuguesa na Índia e na valorização e
e literários indo-portugueses, criando volverá um projeto de investigação defesa da língua concanim, o leitor do
as condições necessárias para o e docência sobre Música e Lusofonia, Camões, I.P., sugeriu a homenagem
desenvolvimento de projetos de in- um tema em que tem trabalhado ao historiador português através da
vestigação ao nível da pós-graduação, recentemente, designadamente junto criação de uma cátedra de estudos
explica o leitor do Camões, I.P. da CPLP, e sobre a Lusosonia, uma comparativos indo-portugueses.
No seguimento das reuniões da conceção muito particular sobre a O Protocolo de Entendimento
comissão organizadora foram esta- expressão do português em espaços (Memoradum of Agreement), cujo
belecidos os primeiros contactos com lusófonos, realizada mais pelos sons texto define as condições de fun-
os professores visitantes, definidas as e musicalidades do que pelos aspetos cionamento da Cátedra, objetivos e
ações e projetos a desenvolver e tra- linguísticos. áreas de investigação, foi assinado a
çada uma calendarização provisória. Já no final do 2º semestre do ano 7 de abril 2016, pelo Registrar (reitor
Para além da definição de linhas académico 2016/17, Amélia Polónia, administrativo), Vijayendra P.Kamat,
de investigação na área dos estu- professora associada da Faculdade de e pelo Cônsul-Geral de Portugal em
dos linguísticos, e em particular Letras e investigadora do Centro de Goa, Rui Baceira, em representação
no estudo das especificidades do Investigação Transdisciplinar Cultura, da Presidente do Camões, I.P.

Exposição de Ângela Ferreira


no Nord-pas-de-Calais Festival de cinema português
em Sófia pelo terceiro ano consecutivo
Na continuidade do trabalho realizado sobre as minas de
diamantes na África do Sul e no Congo, a artista plástica portuguesa
Ângela Ferreira, Prémio Novo Banco Photo de 2015, desenvolveu, a
convite do Centre Régional de la Photographie Nord-pas-de-Calais, O cinema português voltou a estar de um laboratório de cinema (que
um projeto relacionado com a história da exploração e extinção das presente na Bulgária no final de entretanto continua) e a exibição de
minas e dos investimentos culturais, factos que atingiram zonas setembro, com a 3ª edição do festival películas portuguesas em semanas
industriais da Région Nord-pas-de-Calais. que lhe é dedicado desde 2014 na culturais fora da capital.
Até 20 de novembro, a exposição monográfica de Ângela Ferreira Cinemateca búlgara, em coopera- Na edição de 2016, estiveram Ca­­mões, I.P.
apresenta, naquele centro regional de fotografia, em Duchy-les- ção com o leitor do Camões, I.P. em em destaque o filme de Ivo Ferreira Av. da Liberdade, n.º 270
Mines, esculturas inspiradas nas estruturas das minas de aço ainda Sófia, Francisco Nazareth, e com o Cartas da Guerra («até por se saber 1250-149 Lisboa
visíveis na paisagem do Nord-pas-de-Calais, combinadas com apoio da Embaixada de Portugal na que é um filme muito recente [2016] TEL. 351+213 109 100
documentos fotográficos e recordações sonoras resultantes de um
Bulgária. e também candidato português ao FAX. 351+213 143 987
estudo em torno das fanfarras de mineiros de Douchy-les- Mines.
Segundo o responsável do Óscar para o melhor filme estran- www.ins­­titu­­to-ca­­moes.pt
Camões, I.P em Sófia, a presença geiro»), Embargo (2010), de António jlencarte@camoes.mne.pt
do cinema português na Bulgária Ferreira, e A Balada da Praia dos Cães PRE­­SI­­DEN­­TE Ana Paula Laborinho
começou ainda antes do ‘Festival de (1986), de José Fonseca e Costa, ho- COORDENAÇÃO Vera Sousa
Cinema Português’, com a realização menageado este ano no festival. COLABORAÇÃO Carlos Lobato

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J educação
Nº 1201 * Ano XXXVI * 12 a 25 de outubro de 2016 * Diretor José Carlos de Vasconcelos

O Estado da Educação em Portugal


O Conselho Nacional da Educação (CNE) publicou agora o seu relatório sobre o estado do setor no nosso país, relativo ao
ano de 2015, mas que analisa a evolução da educação nos últimos dez anos. Trata-se de um importante documento aqui
analisado e comentado por uma especialista, professora do 2º Ciclo do Ensino Básico, que foi assessora do CNE, gestora
do Sistema de Incentivos à Qualidade da Educação, no Instituto de Inovação Educacional, e coordenadora nacional do
Programa Boa Esperança, autora ou coautora de textos e livros (organização) sobre estas matérias. E publicamos ainda os
"destaques", do próprio CNE, de cada uma das partes principais do relatório


É bastante satisfatória
a preparação dos que
nunca reprovaram, ao
nível do Japão e bem
acima da média da
OCDE. Alcançamos
progressos
assinaláveis, pois em
2003 Portugal estava
abaixo desta média.
O grande problema
residirá, então, nos
alunos que em algum
momento reprovam

vém lembrar que esta avaliação


incide sobre os alunos de 15
anos, qualquer que seja o ano
de escolaridade que frequentam
ALBERTO FRIAS

à data da realização dos testes

O
internacionais ou a modalidade
de ensino em que se encontram
(regular, vocacional ou profissio-
Filomena Matos de políticas concordantes com “insularidade e endogamia” das com potencial valor explicativo da nal). Em Portugal, um aluno de
desafios crescentes, para a me- instituições de ensino superior, variação de resultados. 15 anos sem repetências deveria
lhoria da eficiência do sistema e ora se detêm no projeto AQeduto, frequentar o 10º ano de escolari-
das escolas e para a mobilização desenvolvido pelo Conselho, que A EVOLUÇÃO POSITIVA DOS dade. Porém, uma boa parte dos
da sociedade no sentido de novas nos seus próprios termos procura RESULTADOS DOS ALUNOS avaliados ainda não o tinham
ambições e mais elevados padrões explicar a evolução positiva ve- O relatório agora publicado ana- alcançado por terem reprovado
de exigência. rificada em Portugal ao longo de lisa a evolução da educação em um ou mais anos ao longo do seu
O relatório do Estado da doze anos de avaliação interna- dez anos, de 2005-06 a 2014-15, percurso escolar: pouco mais
Educação tem mantido uma es- cional. mas no que se refere a avaliações de metade frequentava o ensino
trutura bipartida potencialmente A preocupação com as apren- internacionais recorre a dados de secundário (58,8%), sendo que
dialógica entre dados quanti- dizagens dos alunos e os fatores 2003 e 2012, coincidentes com os 38% se encontrava no 3º ciclo e
tativos de referência e dados de que concorrem para as facilitar ou ciclos do Programa Internacional os restantes se distribuíam pelo
O Conselho Nacional de Educação investigação. A primeira privile- dificultar tem sido, mais ou menos de Avaliação dos Alunos (PISA) 2º e inclusivamente pelo 1º.
acaba de disponibilizar o mais gia a informação extensiva sobre a explicitamente, o leitmotiv dos que definem a Matemática como É certo que o PISA não avalia
recente relatório do Estado da educação de infância e os ensinos relatórios do Estado da Educação. domínio principal. o grau o conhecimento dos
Educação, que passa em revista básico, secundário e superior No entanto, ao abordar a temática Como já foi amplamente conteúdos programáticos de
as várias dimensões do setor nos nas suas múltiplas dimensões. em capítulo introdutório que a divulgado, em 2012 Portugal cada país participante; ava-
últimos dez anos e que se tornou A segunda dedica-se, por sua analisa à luz das características alcançou uma pontuação que lia a literacia relativa à Língua
uma publicação de referência vez, a uma leitura compreensiva dos ambientes escolares e das pela primeira vez nos colocou na Materna, Matemática e Ciências,
desde a sua criação em 2010. É de matérias específicas que, no atitudes dos alunos perante a média da OCDE, a par de países no sentido da capacidade de
uma fonte credível e compreen- caso vertente, ora se relacionam escola, a edição de 2015 convida como a França, o Reino Unido mobilizar saberes para responder
siva de informação, um bom com questões de “diferenciação”, a uma leitura transversal da obra ou a Noruega. Mas, para melhor a situações da vida quotidiana.
alicerce para o desenvolvimento “hierarquização”, relevância ou ao encontro de outros elementos compreender o resultado, con- Assim sendo, o ano de frequência

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2 * educação jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

poderia não ser determinante de escolaridade mais baixa a Filomena Matos socioeconómica sobre os resulta- Performing Students, reduzir o
para a obtenção de bons resulta- média atingida: 462 para os do 9º dos de aprendizagem. Segundo o número dos que não atingem um
dos. Mas será que todos os alunos ano, 396 para os do 8º e 358 para PISA, a maior parte dos sistemas nível minimamente satisfatório,
estão igualmente preparados, os do 7º. tem um desempenho semelhante “não só é um objetivo com valor
supondo que passaram o mesmo Resta-nos esperar que o próximo antes e depois de isolado o fator em si mesmo, como também é
número de anos na escola? ciclo do PISA possa refletir os socioeconómico, mas Portugal um modo eficaz de melhorar o
Salvaguarda-se o facto de 6% ganhos de eficiência do sistema é uma das exceções: se isolado desempenho global da educação
das crianças de seis anos que na redução das taxas de retenção: este fator, teria um desempe- -- e a equidade, dado que os low
deveriam ingressar na educação em 2014-15, ano da aplicação dos nho acima da média da OCDE, performers advêm desproporcio-
básica (dados de 2014-15) ficarem respetivos testes, já pudemos fazendo parte dos 3 únicos países nadamente de famílias socioeco-
retidas na pré-escolar, por falta contar com 60,4% de alunos de que nestas condições subiria nomicamente desfavorecidas”.
de vagas decorrente de sucessivos 15 anos no ensino secundário. mais de 10 posições no ranking Acresce que os indivíduos de
cortes na rede pública. Persistem, no entanto, os níveis dos participantes. Entre nós, a condição socioeconomicamente
Posto isto, uma análise mais elevados dos que experimen- variação de desempenho atribuí- mais carenciada tendem a ser
detalhada aos resultados obti- taram pelo menos um ano de da ao estatuto socioeconómico os mais sobrecarregados com
dos pelos alunos portugueses retenção a partir do início da é sempre superior à média: em outros fatores de risco de fraco
permite concluir que é bastante escolaridade básica: aproxima- termos globais (20% - OCDE desempenho, como a pertença a


satisfatória a preparação dos que damente um quarto dos alunos 15%), no interior da escola (9% - famílias de imigrantes, o facto de
nunca reprovaram: os alunos que do Continente e Madeira e 37% OCDE 5%) ou entre escolas (44% falarem uma língua diferente da
frequentavam o 10º ano atingi- nos Açores. Nos cursos de dupla - OCDE 28%). Ainda no interior veiculada na escola, a mono-
ram uma média de 536 pontos, certificação e no ensino secun- da escola, quando se associa parentalidade, o baixo nível de
ao nível do Japão e bem acima da dário a situação obviamente com o tipo de curso frequenta- escolaridade dos pais, sobretudo
média da OCDE (504). E quanto agrava-se.
Portugal disponibiliza do, os dois fatores em conjunto das mães, e a sua situação profis-
mais elevado o ano de escolarida- De entre os fatores identifica- um conjunto considerá- explicam entre 20% e 38% das sional, a ausência de frequência
de, melhor o resultado: os do 11º dos como de maior risco para o diferenças de desempenho. da educação de infância por mais
ano, embora em percentagem re- fraco desempenho, a repetência
vel de apoios que, apesar Se o analisarmos à luz da do que um ano, ou a repetência.
sidual, conseguiram uma média é o que mais penaliza os alunos de generosos segundo escala de proficiência em cada
de 621 pontos. Verifica-se tam-
bém que alcançamos progressos
de 15 anos. Tendo também em
conta o abandono não qualifica-
padrões internacionais, domínio avaliado (níveis de 1 a
6), verificamos que também é
A DESVANTAGEM
SOCIOECONÓMICA INTERAGE
assinaláveis, porquanto em 2003, do, o presidente do CNE, David ora se revelam exíguos elevada a proporção de jovens COM O AMBIENTE DE
no mesmo conjunto de países, Justino, afirma a este propósito, em função das necessi- que não atingem mais do que APRENDIZAGEM
Portugal se posicionara num citando a edição de 2014, que o nível 1 dessa escala. É neste O perfil socioeconómico de
patamar bastante mais modesto, “o sistema de ensino português dades, ora dispersos por contexto que ganha sentido o uma escola é também um bom
abaixo da média da OCDE. [denuncia] uma assinalável diferentes estruturas de conceito de low performer, o alu- preditor de desempenho em
O grande problema residirá, capacidade para destruir capital no que se encontra mais em risco Portugal. Tendo por base o
então, nos alunos que reprovam humano potencial”. difícil coordenação, ora de abandonar o sistema sem qua- ESCS - um Indicador do Estatuto
em algum momento da sua vida burocratizados e pré- lificações mínimas de referência, Socioeconómico e Cultural
escolar: os 38% que ficaram no 3º ATRASOS E DESEMPENHOS com consequências de longo (ESCS) -, as escolas que nes-
ciclo, já que os que se encontra- COM MARCA DE -formatados, em pre- prazo, tanto para os próprios, te indicador atingem um nível
vam no 1º ou 2º ciclos não foram DESVANTAGEM juízo da sua eficácia quanto para a sociedade em superior à média têm maior
abrangidos pelo programa. Como SOCIOECONÓMICA geral. A crer no recém-publica- probabilidade de obter bons
seria de esperar, em sentido in- Nem todos os países sofrem a
Filomena Matos do relatório da OCDE sobre este resultados e níveis inferiores de
verso, quanto mais baixo o nível mesma influência da condição (Professora) tipo de alunos, intitulado Low “falta de respeito” e “indiscipli-

Destaques do relatório do CNE o ensino básico completo e aumento da que


detém o ensino secundário ou pós-secundário
absoluto corresponde a um decréscimo de 5
388 alunos.
(+58,5%) e o ensino superior (+66,8%). • Apesar de um significativo aumento (+50%)
• A taxa de atividade mantém-se quase cons- relativamente a 2013/2014, o número de
REDES DE ESTABELECIMENTOS um aumento dos cursos nas áreas das tante desde 2006, enquanto a taxa de emprego adultos a frequentar o ensino secundário em
• Diminuição do número de Ciências, em relação ao ano letivo anterior. volta a crescer a partir de 2013 (+3,3 pp). 2014/2015 corresponde a cerca de metade do
estabelecimentos dos ensinos básico e • O acréscimo na taxa de atividade e na taxa valor observado em 2005/2006.
secundário na rede pública e na rede privada, POPULAÇÃO, ESCOLARIZAÇÃO, OFERTA de emprego é tanto maior quanto mais elevado • Aumento do número de crianças (+7 267)
entre 2006 e 2015. DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO é o nível de escolaridade. apoiadas no âmbito da Intervenção Precoce na
• A maioria dos estabelecimentos públicos de • Decréscimo acentuado da população resi- • Embora nos últimos dez anos, os jovens Infância (IPI), entre 2012 e 2015.
ensino básico e secundário encontra-se nas dente nos últimos cinco anos. entre os 18 e os 24 anos que não estudam nem • Mais crianças com NEE nas escolas regulares
regiões Norte e Centro. • Mantém-se a tendência de envelhecimento da trabalham (NEET) tenham aumentado 3,3 pp, e menos nas escolas especiais em todos os níveis
• Em 2015, a rede pública dos ensinos população, com a proporção dos jovens a revelar- verifica-se uma diminuição da proporção de de educação e ensino, nos últimos três anos.
básico e secundário da Região Autónoma -se inferior em 6,3 pp relativamente à dos idosos. jovens NEET entre os 15 e os 34 anos desde • Diminuição significativa do número
dos Açores (RAA) era constituída por 177 • Apesar do aumento de nascimentos em 2013, o que coloca Portugal em posição mais de técnicos afetos à educação especial no
estabelecimentos e a da Região Autónoma da 2015 em relação a 2014, o saldo natural é favorável relativamente à média UE28. Continente, nos últimos quatro anos.
Madeira (RAM) por 136 estabelecimentos. negativo desde 2009 e o saldo migrató- • Entre 2006 e 2015, o ensino público não su- • Rácio de um psicólogo para 1 270 alunos no
• Em 2015, a rede de ensino superior estava rio desde 2011, perspetivando-se para os perior perdeu 73 572 alunos (-5,1%) e o ensino ensino público (Continente), para 1 385 na
distribuída por 40 instituições de ensino próximos cinco anos uma redução anual privado contabilizou mais 18 912 alunos (6%). região Norte e para 1 487 no Algarve.
público e 91 instituições de ensino privado. do afluxo de novos alunos no 1º CEB, cerca • Diminuição em 2014/2015, relativamente ao • Na avaliação externa no ensino básico, as
A maior percentagem de estabelecimentos de duas vezes maior à dos últimos dez ano anterior, do número de alunos em todos UO TEIP apresentam valores inferiores da
(67%) encontra-se nas regiões Norte e Área anos, que não será contrariada antes de os níveis de educação e ensino destinados a taxa de sucesso quer em Português, quer em
Metropolitana de Lisboa. 2021/2022. jovens. O 2º ciclo do ensino básico regista a Matemática, em todos os anos de escolaridade,
• Diminuição dos Cursos de Especialização • Cerca de 45% da população entre os 0 maior quebra com menos 12 179 alunos (-5%). quando comparada a nível nacional. As meno-
Tecnológica (CET) na rede de ensino superior e os 24 anos está concentrada nas Áreas • A taxa de pré-escolarização na Área res diferenças verificam-se no 4º ano de esco-
na sequência da criação, em 2014, do ciclo Metropolitanas de Lisboa e Porto. Metropolitana de Lisboa (78,8%) regista o laridade com -6,3 pp em Português e -9,0 pp
de estudos constituído pelos Cursos Técnicos • A taxa de abandono precoce da educação valor mais baixo do país com um desvio de em Matemática e as maiores observam-se no 6º
Superiores Profissionais (CTeSP). e formação (13,7%) mantém a tendência menos 9,7 pp relativamente à média nacional. ano com -8,4 pp e -11,8 pp, respetivamente.
• Aumento da oferta formativa de Cursos decrescente. Em 2015, esta taxa estava a 6,4 pp • Pela primeira vez em dez anos, o ensino • Nas taxas de conclusão do ensino básico das
Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP) na nos homens e a 1,0 pp nas mulheres das metas secundário regista uma quebra na frequência UO TEIP, assinala-se o aumento de 23,4 pp re-
estrutura de politécnicos. EF2020 (10%). dos cursos orientados para jovens (-2 458 alu- gistado nos CEF em 2014/2015, relativamente
• As áreas das Tecnologias e de Direito, • Diminuição da população ativa em 5,5%, nos em 2014/2015 do que no ano anterior). ao ano anterior, e a consistência do cresci-
Ciências Sociais e Serviços são as áreas de nos últimos dez anos. • Em 2014/2015 o peso percentual dos alunos mento no ensino regular desde 2012/2013.
maior oferta de cursos de formação inicial • Redução de cerca de um terço da popula- a frequentar vias profissionalizantes, no ensi- • Aumento das taxas de conclusão no ensino
graduada, tendo-se registado, em 2015/2016, ção ativa sem nível de escolaridade ou com no secundário, diminuiu 1%, o que em valor secundário das UO TEIP, em 2014/2015, em

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
educação * 3


na”, na perspetiva dos diretores. transições administrativas, mas
Além disso, também têm maior antes na superação, tão pronta
probabilidade de reunir alunos quanto possível, das dificuldades
que se sentem mais felizes, o
Mais ambição e de aprendizagem de cada indi-
que, por sua vez, se relaciona, crédito ao poder víduo. Não será propriamente a
em Portugal – que não em outros
países como a Finlândia –, com
transformador da falta de meios que impede a con-
secução deste objetivo. Portugal
a obtenção de melhores resul- escola, sabendo disponibiliza um conjunto
tados de aprendizagem. Pela que é superável a considerável de apoios - medi-
conjugação de múltiplos fatores, das de equidade nos termos do
são também as que têm maior correlação positiva Estado da Educação 2015 – que,
absentismo, sendo que entre entre o estatuto apesar de generosos segundo
nós a percentagem de alunos padrões internacionais, ora se
que chegam tarde às aulas oscila socioeconómico e revelam exíguos em função das
entre os 50% e os 60%. cultural dos alunos necessidades (como é o caso da
A contrario sensu e citan- orientação escolar e profissional
do o estudo levado a cabo pelo e das escolas e o seu com um rácio de 1270 alunos
Conselho Nacional de Educação, desempenho por psicólogo), ora dispersos por
“o caso das escolas inseridas em diferentes estruturas de difícil
meios socioeconómicos mais coordenação ao nível da escola
É preciso que a

LUÍS BARRA
desfavorecidos e com resultados (veja-se o elenco de medidas
baixos é o mais preocupante, na tratadas no mesmo relatório), ora
medida em que há um aumento
escola possa excessivamente burocratizados e
acentuado de alunos que tam- desenhar os seus pré-formatados a nível nacio-
bém não se sentem integrados”,
sendo que metade destas escolas
próprios apoios socioeconómico e cultural dos
alunos e das escolas e o seu de-
Menos repetências e me-
nos segregação. Os ganhos em
nal, em prejuízo da sua eficácia,
pelo menos a de alcance mais
albergam mais de 15% dos que em função de sempenho. É prova disso o caso equidade são compensados imediato.
se dizem infelizes, precisamente
aquelas em que terá aumentado a
necessidades dos chamados alunos resilientes
(aqueles que obtêm resultados
por ganhos de desempenho.
Os sistemas em que as escolas
Uma aposta na prevenção e na
intervenção ao primeiro sinal de
percentagem dos que se sentem específicas, gerir que os colocam no quartil supe- acolhem os alunos com base em dificuldade apresenta vantagens
excluídos entre 2003 e 2012. Não os seus recursos rior dos mais proficientes, não critérios académicos tendem a ter comparativas, em detrimento
é por acaso que “Portugal apre- obstante ocuparem o quartil desempenhos inferiores, quando de medidas compensatórias que
senta em 2013-14 uma das mais de acordo com inferior do estatuto socioeco- considerado o PIB per capita. Se a prazo as anteriores tornariam
elevadas percentagens de alunos parâmetros nacionais nómico), em que Portugal assi- é verdade que global e isolada- dispensáveis. É preciso para isso
que referiram ter sido vítimas de nala uma percentagem de 7%, mente possam ter melhor desem- que a escola possa desenhar os
bullying na escola”. menos restritivos e ligeiramente acima da média penho, também é verdade que os seus próprios apoios em função
angariar os meios da OCDE (6,5%). E é também o sistemas com maior proporção de de necessidades específicas, gerir
CAMINHOS MAIS caso das escolas inseridas em escolas seletivas não alcançam livremente os seus recursos de
PROMISSORES complementares meios carenciados, cujos alunos um desempenho global melhor. acordo com parâmetros nacio-
Mais ambição e crédito ao concretos para obtiveram resultados acima da Mais autonomia para uma nais menos restritivos e anga-
poder transformador da escola, média e cuja proporção passou intervenção mais oportuna, riar os meios complementares
sabendo que é superável a cor-
cada momento e de 19% em 2003 para 34% em considerando que a redução da concretos para cada momento e
relação positiva entre o estatuto circunstância 2013. repetência se não baseará em circunstância.J

todas as modalidades, distinguindo-se com as pré-escolar e os ensinos básico e secundário AVALIAÇÃO E RESULTADOS pouco relevante para a reprovação dos alunos.
maiores taxas os cursos vocacionais (62,1%) e registaram menos 24,3% no ensino público Redução da taxa de retenção e desistência do • Aumento do número de diplomados no ensino
os científicohumanísticos (61,3%). e menos 5,9% no privado. O ensino superior ensino básico regular e dos cursos científico- superior de 23,2%, entre 2006 e 2014, em todos
• Diminuição do número de alunos inscritos no apresenta uma redução de 13,6% dos docentes -humanísticos do ensino secundário em todos os graus e diplomas, essencialmente devido ao
ensino superior. Em 2014/2015 registou-se (menos 30% no ensino privado e menos 6,6% os anos de escolaridade, em 2015. aumento em cerca de 87% dos diplomados em
menos 4,8% de inscritos face a 2005/2006 e no ensino público), embora o ensino universi- • Aumento da taxa de conclusão do ensino instituições de ensino universitário público.
menos 11,8% do que em 2010/2011 (ano em tário público mostre um ligeiro aumento entre básico regular e dos cursos científico-huma- • As áreas “Ciências Sociais, Comércio
que se assinalou o maior número de alunos 2006 e 2015. nístico, dos cursos profissionais e dos cursos e Direito”, “Engenharia, Indústrias
inscritos na década). • Envelhecimento acentuado dos docen- tecnológicos do ensino secundário. Transformadoras e Construção” e “Saúde e
• Em 2015, o maior número de estudantes tes em todos os níveis de educação e ensi- • Em 2015, a maioria das escolas apresenta Proteção Social” foram as que apresentaram
no ensino superior estava inscrito nas áreas no. Em 2014/2015, os docentes com 50 e resultados médios de classificação interna e uma maior proporção de diplomados, enquan-
de “Ciências Sociais, Comércio e Direito”, mais anos de idade representavam 43,2% externa que as colocam dentro de um intervalo to a menor se registou na área “Agricultura”.
“Engenharia, Indústrias Transformadoras e no ensino público e 18,4% no privado, na padrão de variabilidade, em todos os ciclos e • Os diplomados em programas de mobilidade
Construção” e “Saúde e Proteção Social”. educação pré-escolar e nos ensinos básico níveis de ensino. As escolas que se encontram internacional (de grau ou de crédito) represen-
• Aumento do número de alunos inscritos em e secundário, e 39,4% no ensino superior. fora deste intervalo, distribuem-se de forma taram 10,1% do total de diplomados no ensino
mestrados, mestrados integrados e doutora- Em contrapartida, os que tinham menos semelhante no ensino básico, enquanto no superior, em 2013/2014.
mentos entre 2006 e 2015. de 30 anos totalizavam apenas 0,4% no ensino secundário há uma tendência de sobre- • Diminuição do abandono de estudantes em
• 8,3% dos inscritos no ensino superior estava ensino público e 7,3% no ensino privado, valorização da classificação interna. licenciaturas e em mestrados integrados da
em programas de mobilidade internacional em na educação pré-escolar e nos ensinos • No que diz respeito à natureza dos estabeleci- rede pública.
2014/2015. básico e secundário, e 3,7% no ensino mentos, proporcionalmente, a sobrevalorização
• Aumento de cerca de 2,1% do número de superior. da classificação interna é maior nas escolas FINANCIAMENTO
alunos apoiados em 2015 face ao ano anterior. • Aumento do número de docentes da privadas do que nas públicas, em todos os ciclos • Mantém-se a tendência de decréscimo do
Apesar disso, a evolução do número de bolsei- educação pré-escolar e dos ensinos básico e e níveis de ensino. A subvalorização nas escolas valor das despesas do Estado em Educação.
ros do ensino superior registou um decréscimo secundário com doutoramento/mestrado e privadas só é maior nos 2º e 3º CEB, sendo, nas • Acréscimo da despesa no ensino particular e
de 7,8%, desde 2005. de doutorados no ensino superior, 150% no escolas públicas, maior no 1º CEB e no ensino cooperativo não superior, em 2015, resultante
• Em 2014, o maior número de bolsas de dou- politécnico e 33% no universitário, entre 2006 secundário. do impacto dos contratos de patrocínio cuja
toramento concedidas pela FCT foi para as áreas e 2015. • No ensino básico a grande maioria dos despesa passou a ser inteiramente assumida
das “Ciências da Engenharia e Tecnologias” • Corpo docente maioritariamente feminino alunos internos não teve as suas classificações pelo Orçamento do ME.
e das “Ciências Sociais” e as de pós-doutora- na educação pré-escolar e nos ensinos básico e internas finais alteradas na sequência dos • Decréscimo da despesa do Orçamento de
mento para as áreas de “Ciências da Engenharia secundário, diminuindo gradualmente a per- resultados obtidos nas provas finais. Estado com a Ação Social Escolar, em 2015, no
e Tecnologias” e de “Ciências Naturais”. centagem de mulheres à medida que se pro- • No ensino secundário, o impacto das classi- ensino público não superior.
gride no nível de ensino. No ensino superior, o ficações de exame no cálculo da classificação •Decréscimo das receitas e da despesa total no
DOCENTES corpo docente é maioritariamente masculino, final de cada disciplina apresenta variações ensino superior em 2015.
Diminuição global do número de docentes em com exceção do ensino politécnico privado, mais ou menos significativas consoante a dis- • Acréscimo no montante pago a título de propi-
Portugal entre 2006 e 2015. A educação onde as mulheres se encontram em maioria. ciplina analisada. No entanto, esse impacto é nas pelos estudantes do ensino superior em 2015.

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4 * educação jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

Os 20 anos da Rede de Bibliotecas Escolares República e com a apresentação


do livro Biblioteca à noite, de
Alberto Manguel, por Guilherme

Uma história com futuro


d’Oliveira Martins e Gonçalo
M. Tavares, com a presença do
autor. Manguel fala, no livro, do
mistério das bibliotecas, o que faz
todo o sentido num Fórum como
este.
As duas conferências seguirão
uma linha mais reflexiva e
inspiradora, espelhando algumas
A Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) foi criada há duas décadas, pelo primeiro governo chefiado por das grandes preocupações da
Rede de Bibliotecas Escolares:
António Guterres, sendo ministro da Educação Eduardo Marçal Grilo e secretário de Estado Guilherme Que cenários futuros para as
d´Oliveira Martins, que depois lhe sucedeu. Hoje há 2426 bibliotecas escolares, que realizam um bibliotecas escolares? Que
papel lhes cabe numa sociedade
trabalho fundamental e unânimemente reconhecido. Para assinalar a efeméride realiza-se na global e multimediática, onde
sexta-feira, 14, na Fundação Calouste Gulbenkian, durante todo o dia, um Fórum com numerosos as aprendizagens informais
ganharam tanto ou mais relevo
e qualificados participantes, desde o Presidente da República a Ernest Manguel e Ismail Serageldin que as aprendizagens escolares?
(diretor da Biblioteca de Alexandria), desde destacados especialistas a seis alunos de entre 10 a 18 Em que lugar colocar o digital
e a tecnologia? Que estatuto
anos. Pedimos à sua atual coordenadora, Manuela Silva, um breve balanço da ação da RBE ao longo do reservar para o livro? Como
podem as bibliotecas escolares ser
tempo - e, sobretudo, uma ‘antecipação’ noticiosa daquele Fórum. É o que aqui se faz, em texto para focos de leitura e leitura crítica
o JL/Educação, mas da responsabilidade do gabinete da RBE. A propósito do tema escreve também da informação e dos media? De
difusão da arte e da cultura?
Fernando Pinto do Amaral, o prof., escritor e ensaísta comissário do Plano Nacional de Leitura De que modo podem contribuir
para colocar no centro da vida
escolar, da nossa vida quotidiana,
esta reflexão conjunta fosse os valores da liberdade e da
possível. Os participantes foram diferença, da responsabilidade e
convidados a integrar três painéis: do compromisso?
"Lançar a Rede - os fundadores Para o painel "Lançar a
da RBE: a experiência ganha voz Rede - Os fundadores da RBE:
para (também) falar do futuro";" a experiência ganha voz para
A rede em construção - Atores (também) falar do futuro" foram
do dia-a-dia: relatos e olhares de convidados Eduardo Marçal Grilo,
quem transforma o presente"; "O Guilherme d´Oliveira Martins,
futuro aqui - Alunos e criadores: Isabel Alçada e Teresa Calçada.
a palavra aos construtores do Este painel terá como moderadora
futuro". Passado, presente e futuro Bárbara Wong.
que se cruzam e fortalecem a As bases para a criação da
construção desta rede. Rede de Bibliotecas Escolares


foram lançadas em 1996, com
a constituição de um grupo de
trabalho criado por despacho
conjunto do Ministérios da
Educação e da Cultura. Esse
Celebrar o percurso grupo de trabalho, constituído
feito, mas também, e por Isabel Alçada (coordenação),
Cristina Barroso, José António
sobretudo, a refletir, Calixto, Teresa Calçada e Teresa
a pensar em como Gaspar, elaborou o Relatório
"Lançar a Rede de Bibliotecas
podemos responder às Escolares", que deu origem ao
exigências dos tempos Programa Rede de Bibliotecas
Escolares. Foi o texto fundador.
que vivemos Definiu princípios gerais e
objetivos, apresentou linhas de
orientação técnica e funcional,
abriu portas.
Em 2016, a Rede de Bibliotecas municipais, fundações, celebrar o percurso feito, mas Para além destes três A grande novidade foi esta
Escolares comemora 20 anos universidades, associações e também, e sobretudo, a refletir, painéis, foram convidados dois convivência entre o Ministério
de existência. Vinte anos outras instituições da sociedade a pensar em como podemos conferencistas internacionais da Cultura e o Ministério da
que permitiram atingir 2426 civil. responder às exigências dos que irão proporcionar momentos Educação, tão óbvia e tão salutar
bibliotecas escolares. Lançar Outubro, mês das bibliotecas tempos que vivemos.” O Fórum de reflexão sobre o papel e a para as escolas e para os alunos.
um sem número de iniciativas escolares, é o mês que se escolheu 20 anos da RBE foi pensado nesta função das bibliotecas e dos Desde o início, o poder político
em prol da leitura, da inclusão e para assinalar o 20.º aniversário linha. Celebrar um percurso bibliotecários no futuro. O assumiu-se como um facilitador
das literacias exigidas por uma deste percurso, construído, difícil e exigente mas de sucesso programa terá início com uma e um apoiante da construção
sociedade onde a informação e a sobretudo, através de um e perspetivar o futuro de modo a conferência de Ismail Serageldin, desta rede. Eduardo Marçal
tecnologia imperam e a incerteza grande trabalho em rede e em que continuemos a dar respostas diretor da mítica Biblioteca Grilo e Guilherme d´Oliveira
se tornou uma constante. Vinte equipa. A Fundação Calouste às necessidades dos alunos e das de Alexandria, intitulada Martins foram os ministros
anos em que se encontraram Gulbenkian colabora com a Rede escolas. Por isso, o lema escolhido Libraries for Tomorrow, que será da Educação durante estes
parceiros, públicos e privados, de Bibliotecas Escolares nesta para esta comemoração foi "20 comentada por Lídia Jorge, e, primeiros anos da RBE. Foi,
que se tornaram aliados firmes e efeméride acolhendo nas suas anos RBE - uma história com da parte da tarde, realizar-se-á então, constituído um gabinete
indispensáveis deste Programa. instalações, a 14 de outubro de futuro". a conferência "Una defensa del coordenador e foi nomeada como
Em que se obteve a confiança e 2016, o Fórum 20 anos RBE. Concentrar a reflexão sobre oficio bibliotecário", por Daniel coordenadora nacional Teresa
a estima de muitos professores, Nas palavras da coordenadora o passado, o presente e o futuro Innerarity, professor e filósofo, Calçada, que esteve à frente da
alunos, funcionários, diretores de nacional da Rede de Bibliotecas num só dia não é tarefa fácil. comentada por Joaquim Azevedo. Rede de Bibliotecas Escolares
escolas e de centros de formação, Escolares, Manuela Silva, “2016 O programa deste Fórum foi O programa contará, ainda, com durante 16 anos. O seu papel foi
de autarquias, bibliotecas é o ano que dedicamos para estruturado de modo a que uma intervenção do Presidente da fundamental para o êxito deste

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
educação * 5
Leitura, liberdade e cidadania

Fernando Pinto do Amaral Sabendo que a criação


de hábitos de leitura e a sua
difusão por um número
Comemoram-se em 2016 os cada vez maior de crianças,
30 anos da criação da Rede de jovens e adultos contribui
Leitura Pública (1986), os 20 decisivamente para o seu
anos da Rede de Bibliotecas enriquecimento cultural,
Escolares (1996) e os 10 anos saúdo a realização da
do Plano Nacional de Leitura conferência dos 20 anos da
(2006). Pessoas como Teresa Rede de Bibliotecas Escolares,
Patrício Gouveia, Maria José esperando que possa
Moura, Teresa Calçada ou contribuir para aprofundar
Isabel Alçada, entre outras, as questões relacionadas
desempenharam um papel com a promoção da leitura,
decisivo para a promoção valorizando a liberdade e a
do livro e da leitura, que ao cidadania e outros valores
longo das últimas décadas imprescindíveis à coesão
se tornou um desígnio social e cultural de uma
nacional, sobretudo graças ao sociedade livre e aberta como
esforço conjugado de quem a nossa.
está no terreno, incluindo Tais valores incluem, por
professores, educadores, exemplo, a solidariedade,
bibliotecários, autarcas, a tolerância, o respeito
pelo outro ou a noção da


dignidade humana – valores
que não se compram nem
se vendem, situando-se
para lá da lógica mercantil aconteceu, e é um facto que o alunos com idades compreendidas
Um papel decisivo e economicista que, melhor trabalho de colaboração entre as entre os 10 e os 18 anos: Raquel
para a promoção do ou pior, rege o mundo
contemporâneo. Só se não
bibliotecas escolares e bibliotecas
públicas se tem revelado
Chaves (6º ano, EB Castro Daire);
Gonçalo Félix (7º ano, EB Mário
livro e da leitura, que esquecer a importância fundamental na manutenção, Beirão, Beja); José Gonçalo Dinis
ao longo das últimas de valores como esses crescimento e consolidação da (12º ano, ES Filipa de Vilhena,
Porto); João Couraceiro (12º ano,
poderá a Escola ser capaz Rede de Bibliotecas Escolares.
décadas se tornou de formar futuros cidadãos Mas, nesta construção, há ES Clara de Resende, Porto);


um desígnio nacional livres, estimulando-lhes o outros intervenientes igualmente Mariana Carvalho (1º ano de
sentido crítico, a capacidade importantes. Os professores Ciências da Comunicação, ex-
de reflexão e, acima de bibliotecários, presentes em aluna da ES Leal da Câmara,
tudo, a curiosidade – uma todos os agrupamentos de Sintra); Carolina Rainho (1º ano
animadores culturais, curiosidade que nos torna escolas e escolas não agrupadas, de Belas Artes, ex-aluna da ES
encarregados de educação, humanos e sem a qual
Os professores asseguram serviços de biblioteca Solano de Abreu, Abrantes). Serão
etc., que promovem diferentes nunca teria havido Arte, bibliotecários a mais de 1 milhão de crianças moderados por Ricardo Araújo
iniciativas e as adaptam às
realidades de cada município,
Ciência ou Cultura ao
longo dos séculos que nos
asseguram serviços de e jovens em todo o país. Sem
eles as bibliotecas escolares
Pereira. São frequentadores
assíduos de bibliotecas,
de cada escola, de cada precederam e a cuja herança biblioteca a mais de 1 seriam espaços sem vida, sem participam nas atividades que
biblioteca. tentamos ser fiéis. milhão de crianças e dinâmicas. Muito importante as bibliotecas das suas escolas
para a consolidação da Rede promovem, estão conscientes da
jovens em todo o país. de Bibliotecas Escolares foi sua importância. O que têm estes
Sem eles as bibliotecas precisamente a criação da figura jovens a dizer sobre o futuro das
programa. A sua capacidade de aquisição autónoma do saber. Os do professor bibliotecário, bibliotecas escolares? Que pistas
liderança, energia e entusiasmo recursos são variados e já não escolares seriam institucionalizada numa irão dar que ajudem a mudar para
contagiante ajudaram a que se limitam apenas aos livros em espaços sem vida, sem portaria em 2009. Para além melhorar?
muitos acreditassem neste projeto formato papel. dos professores bibliotecários a As bibliotecas escolares
e o levassem para a frente. Do painel "A rede em dinâmicas RBE tem, ainda, no terreno, para preocupam-se, fundamental-
Instalaram-se, desde então, construção - Atores do dia-a- apoiar, coordenar e dar formação, mente, com as aprendizagens,
mais de 2000 bibliotecas dia: relatos e olhares de quem coordenadores interconcelhios com as múltiplas literacias que
escolares que trouxeram às transforma o presente" farão
A colaboração entre as que constituem o elo de ligação têm de desenvolver nos alu-
escolas novas e diferenciadas parte: Aida Alves, diretora bibliotecas escolares entre o gabinete coordenador, nos, com as novas tecnologias
dinâmicas relativamente ao da Biblioteca Municipal Lúcio os professores bibliotecários, e a necessidade imperiosa de se
trabalho que se realiza nas salas Craveiro da Silva; Isabel
e as bibliotecas as bibliotecas municipais e os tentarem manter atualizadas.
de aula. As bibliotecas escolares Mendinhos, membro do públicas tem-se restantes parceiros. Terão, também, de se preparar
As diferentes parcerias que se
tornaram-se espaços (não só
físicos como também digitais)
gabinete RBE; Mª João Valente
Rosa, diretora da Pordata;
revelado fundamental foram criando com entidades do
para, com a tecnologia mas para
além da tecnologia, formarem
onde professores bibliotecários, Raquel Ramos, coordenadora na manutenção, Ministério da Educação, como cidadãos mais competentes, mais
assistentes operacionais,
professores e voluntários
interconcelhia da RBE; Rui
Mateus, professor bibliotecário
crescimento e o Plano Nacional de Leitura,
e muitas outras, públicas e
críticos e reflexivos, ensinando
competências essenciais para ler,
desenvolvem competências nos do Agrupamento de Escolas José consolidação da RBE privadas, deram origem a projetos interpretar, lidar com a informa-
alunos ao nível das literacias Sanches e S. Vicente da Beira. que transformaram o quotidiano ção e construir conhecimento de
da leitura, da informação Será moderador João Couvaneiro. das escolas e reforçaram os laços forma autónoma.
e dos media. As bibliotecas A Rede de Bibliotecas Escolares desta rede. Os atores do dia-a- São muitos os desafios que se
humanizaram-se. Tornaram- começou com um grupo de O relatório que dá origem ao dia são quem transforma este colocam às bibliotecas escolares
se espaços de comunicação, trabalho, uma coordenadora Programa RBE recomendava presente da Rede de Bibliotecas e muito se espera delas. Assim
criação e colaboração, onde se nacional e um gabinete “para rentabilizar e coordenar Escolares, quem lhe dá vida. foi no passado e assim será, no
desenvolvem projetos, concursos, coordenador, mas continuou os recursos biblioteconómicos O painel "O futuro aqui – futuro. J
oficinas, exposições, debates, sempre a crescer. A criação dos a nível nacional (…) a criação alunos e criadores: a palavra
clubes de leitura. No fundo, Serviços de Apoio às Bibliotecas nas bibliotecas municipais de aos construtores do futuro" será (Programa completo do Fórum
espaços de conhecimento o onde Escolares nas Bibliotecas Serviços de Apoio às Bibliotecas aquele que mais expectativa irá disponível em: http://www.
os alunos são orientados para a Municipais foi o passo seguinte. Escolares” (SABE)”. E assim criar. Deste painel farão parte seis rbe20anos.pt/programa)

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6 * educação jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

› a b e rt u r a d o a no e s c o l a r - I nq u é r i t o ‹

Constransgimentos e prioridades
Na última edição do JL/Educação lançamos um inquérito sobre a abertura do ano letivo e as expectativas dos professores
a seu respeito, ao qual responderam, em textos de sua autoria, oa presidentes ou secretários-gerais de várias suas
organizacões: Paula Figueiras Carqueja (ANP), Mário Nogueira (FENPROF), Filinto Lima (ANDAEP) e César Israel Paulo
(ANCP). Agora, a perspetiva da Federação Nacional da Educação (FNE), também pelo seu presidente

João Dias da Silva a) a revisão do regime de tempo parcial, a partir dos


aposentação, assumindo a 55 anos de idade, mantendo a
especificidade do desgaste contagem do tempo integral
A abertura deste novo ano le- profissional que a atividade para efeitos de aposentação;
tivo, na educação pré-escolar e docente encerra; - definição das condições de
nos ensinos básico e secundário, apoio a disponibilizar pelas
fica assinalada pela manutenção b) a determinação de aumentos escolas em termos de material
de um conjunto de constran- salariais na Administração essencial ao exercício da ativi-
gimentos que, à semelhança Pública, a vigorarem a partir de dade profissional.
de anos anteriores, marcam 1 de janeiro de 2017, pelo menos
negativamente o início de mais ao nível da inflação verificada d) a valorização e dignificação
um ano escolar. Destacamos no presente ano, em simultâneo dos técnicos que estão a traba-
como fortemente penaliza- e coordenadamente com a lhar nas atividades de enrique-
dor o facto de se manter uma valorização do salário mínimo cimento curricular;
data tardia (30 de agosto) para nacional, que não poderá ser
serem conhecidos os resultados inferior a 565€, e) a definição das categorias
dos concursos de professores, e conteúdos funcionais das
afetando milhares de docentes c) a revisão do regime de trabalho carreiras de trabalhadores não
e consequentemente milhares dos docentes dos ensinos básico e docentes;
de alunos, que ficam privados secundário, nas seguintes áreas:
de uma preparação atempada do - número de alunos/turmas/ f) a revisão do regime de
trabalho que irão desenvolver níveis/ anos de escolaridade por concursos de docentes dos
ao longo do ano. docente; ensinos básico e secundário,


Assinalamos igualmente eliminando a injusta “nor-
como negativo a continuação de ma-travão” e as distorções de
um elevado nível de precarieda- que define as orientações para posicionamento que nele ainda
de entre os docentes, expressa a determinação do seu número, se identificam, e acabando em
nos 7 mil professores que foram que deve estar atribuído a cada definitivo com a precariedade
contratados, e muito particu- escola/agrupamento de escolas. É tempo de efetivas que tem marcado a atividade
larmente pelos quase 30 mil que A FNE reitera ainda a sua firme mudanças na docente desde há demasiado
ficaram sem colocação, e ainda oposição a que as necessida- tempo, e ainda redimensio-
pelos mais de 1 500 dos quadros des permanentes das escolas consideração da nando os Quadros de Zona
identificados sem componente em termos de TNT continue a qualidade do exercício Pedagógica;
letiva atribuída, o que mais não ser assegurada pelo recurso a
significa do que desperdício na trabalhadores desempregados profissional (dos g) o estabelecimento de novas
gestão de recursos altamente através da figura do Contrato João Dias da Silva professores), na regras de determinação
qualificados e imprescindíveis Emprego Inserção, ou ainda dos quadros das escolas/
para um efetivo crescimento do pela utilização das chamadas correta definição das agrupamentos de escolas,
nível de escolarização/qualifi- “horas para limpeza”, pagas, sua competências, permitindo a formação de
cação da nossa população. para cúmulo, a um valor ridí- função de um bom exercício bolsas de apoio à promoção do
Esta ano as colocações foram culo. profissional e do respeito pelos na valorização sucesso escolar, de resposta a
objeto de um problema acres- Para além destas questões, limites de tempo de trabalho remuneratória a que necessidades de substituição
cido pela forma e pelo tempo não se pode esquecer que, ao que deve ser observado, são e de desenvolvimento de
em que decorreram as feitas longo dos últimos anos, todos fatores muito perturbadores
têm direito projetos no domínio da
em regime de mobilidade por os trabalhadores – e neste caso do normal funcionamento das qualidade da educação;
doença, da qual resultaram pre- concreto os trabalhadores da escolas.
juízos significativos, quer por educação – sofreram uma sig- Os profissionais da educação - composição das compo- h) um Orçamento de Estado
desrespeito pela posição relativa nificativa redução do valor das entendem que é tempo de mudar nentes letiva e não letiva e as que envolva as despesas que
entre candidatos, quer pelos suas remunerações, - o conge- esta situação e que devem sentir, suas corretas caracterização são inerentes a um sistema
seus efeitos na organização das lamento de qualquer perspetiva como resultado de decisões e dimensões, determinando educativo de qualidade, o que
escolas. de desenvolvimento das carrei- políticas, efetivas mudanças na claramente os limites da sua supõe o seu sucessivo cresci-
As nossas preocupações ras, a ausência de qualquer tipo consideração da qualidade do duração normal, bem como mento, até atingir 6% do PIB.
estendem-se à insuficiência de de valorização ou de estímulo exercício profissional, na correta as compensações quando
assistentes operacionais para ao desempenho profissional e ao definição das competências que extraordinariamente ultrapas- i) a definição do regime de des-
garantirem um adequado acom- investimento em acréscimos de lhes estão atribuídas, na valoriza- sados; congelamento das carreiras,
panhamento e enquadramento formação. ção remuneratória a que têm di- - respeito pela componente a ocorrer a partir de janeiro
dos alunos nas nossas escolas. A degradação das condições reito, sem esquecer a correção dos individual de trabalho; de 2017, com recuperação do
Em relação aos Trabalhadores de exercício profissional e uma desequilíbrios salariais ocorridos - consideração do desgaste tempo de serviço congelado e
Não Docentes (TND), a FNE pressão sistemática em relação a nos últimos anos. profissional em termos de a anulação das distorções que
denuncia a insuficiente dotação práticas de medição de todas as redução da componente letiva permanecem em resultado
das escolas em termos destes componentes da ação profissio- Neste contexto, a FNE elencou um para todos os ciclos de ensino; das condições definidas para a
trabalhadores, sendo essencial nal, o que se traduz em horários conjunto de prioridades para ação - estabelecimento de moda- transição para o mais recente
a revisão do regime de rácios de trabalho inaceitáveis em sindical imediata: lidades de trabalho letivo a regime.J

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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
educação * 7
INQUIETAÇÕES de uma segunda versão, que foi
submetida a consulta pública.
PEDAGÓGICAS Participaram nessa consulta
alguns cidadãos, mas sobretudo
de profissionais de educação de
infância e professores do ensino

Orientações Curriculares
superior, que enviaram a sua
opinião individual ou coletiva
e, ainda, diversas associações
profissionais e outras instituições.

para a Educação Pré-Escolar


A partir de todos esses contributos
o texto foi ainda melhorado,
produzindo-se a versão final,
que foi publicada pela DGE e se
encontra disponível online - uma
forma de publicação, que permite
remeter para outros documentos
que completam ou fundamentam
Um processo participado o texto.
Neste processo, em que a
equipa responsável trabalhou
cooperativamente, tomando
Isabel Lopes da Silva de avaliação de implementação em conjunto todas as decisões,
das OCEPE de 1997, em que o mais o texto inicial foi inteiramente
recente, encomendado pela DGE reformulado, tendo sido integrados
As Orientações Curriculares e realizado pela Universidade do todos os contributos considerados
para a Educação Pré-Escolar Porto em colaboração com o ISPA relevantes para melhorar o rigor do
(OCEPE), como primeira proposta (2014) mostrava, confirmando seu conteúdo e torná-lo mais útil
curricular nacional para este nível alguns dos resultados anteriores, para os/as educadores/as, que não
do sistema educativo, tinham sido que o texto era conhecido e bem comprometessem a sua articulação
publicadas em 1997. Tornava- aceite pelos/as educadores/as, e coerência internas fundamentais
se, assim, premente proceder à embora fossem apontadas algumas numa proposta curricular para a
sua revisão e atualização, tendo dificuldades de operacionalização monodocência.
LUÍS BARRA

em conta as mudanças sociais e na prática, a equipa decidiu tomar Procurou-se facilitar a


a evolução dos conhecimentos, como ponto de partida do seu consulta por parte dos/as
entretanto ocorridas. O convite trabalho a versão existente e, ainda, educadores/as modificando a
As novas Orientações Curriculares de Educação (DGE) (http://www.dge. da Direção Geral de Educação utilizar a metodologia anterior de estrutura, através de introdução
para a Educação Pré-Escolar (OCEPE) mec.pt/orientacoes-curriculares-para (DGE) para realizar esse trabalho elaboração, através de um processo de esquemas, resumos e questões
foram recentemente homologadas, -educacao-pre-escolar) estando pre- foi uma oportunidade e um amplamente participado. de reflexão. A atualização do
através do despacho n.º 9180/2016 - vista, para breve, a publicação em livro. desafio pessoal, uma vez que Assim, uma primeira versão do conteúdo passou pela explicitação
Diário da República n.º 137/2016, série II Seguindo os princípios e fundamen- tinha coordenado a elaboração texto, que teve a colaboração de de fundamentos, que sublinham
de 2016-07-19. A primeira versão (des- tos da versão anterior o documento foi das anteriores. Foram-no de igual especialistas de educação artística o papel da criança como sujeito e
pacho nº 5220/97) tinha sido publicada atualizado e contextualizado, contem- modo para as minhas colegas de e de matemática, foi debatida por agente do processo educativo. A
em 1997, aquando da implementação do plando os mais recentes estudos nacio- equipa, em que Manuela Rosa grupos de educadores/as em ações intencionalidade do/a educador/a
Plano de Expansão e Desenvolvimento nais e internacionais sobre a maté- também estivera envolvida de formação, realizadas em vários permite-lhe construir e gerir o
da Educação Pré-Escolar do XIII Gover- ria, incluindo a avaliação feita sobre nesse processo, Liliana Marques locais do país, que envolveram currículo e organizar o ambiente
no Constitucional. O presente docu- a implementação da versão de 1997. participara na sua implementação, cerca de 200 profissionais. educativo, de modo a que, a partir
mento visa, na continuidade da versão Sobre o tema, de grande pertinência e Lourdes Mata, para além da Esta versão foi ainda enviada a do que a criança já sabe e das
de 1997, contribuir para a qualidade da e atualidade, escrevem Isabel Lopes produção de um texto de apoio, professores do ensino superior suas iniciativas, possa encorajar
ação pedagógica na educação pré-esco- da Silva, que coordenou os grupos de tinha colaborado na redação de responsáveis pela formação de e ampliar o seu pensamento,
lar, tornando-se referência para a cons- trabalho que elaboraram a 1ª e 2ª versão um parecer pedido pela DGE, em educadores e outros investigadores. compreensão e desejo de
trução e gestão do currículo neste nível deste documento, e Luís Ribeiro, presi- 2006, já com vista sobre a uma A análise do conjunto de críticas e aprender em diferentes áreas
educativo. Encontra-se disponível para dente da Associação dos Profissionais de possível revisão. sugestões recolhidas deu origem à de conteúdo, num processo de
consulta na Página da Direção-Geral Educação de Infância (APEI). Conhecendo os diversos estudos reformulação do texto e à produção construção articulada do saber. J

Medidas positivas, ‘desocultação’ do currículo Artística, como ocorria nas OCEPE de


1997. Na minha opinião esta alteração, de
uma parceria com a Direção-Geral de
Educação para uma mais ampla divul-
grande significado e atualidade, constitui gação e discussão das OCEPE, através da
um fundamento do desenvolvimento e realização de 13 conferências e encontros
Luís Ribeiro progressiva complexidade do que se ao serem este elencadas um conjunto aprendizagem das crianças e vem dar regionais, de forma descentralizada
aprende, numa perspetiva de formação de “aprendizagens a promover”, que destaque à importância que a atividade por todo o país, contribuiu de forma
ao longo da vida, situa o currículo da todas as crianças deverão ter adquiridas física tem no combate à obesidade importante para que este documento
Passados quase 20 anos desde a educação pré-escolar como parte de um quando concluem a educação pré-esco- infantil e na promoção de estilos de de referência para a prática pedagógica
publicação das primeiras OCEPE, currículo mais vasto, mais holístico, em lar e transitam para o 1º ciclo. vida saudáveis, ao ser articulado com os dos educadores de infância e outros
homologadas em 1997, a revisão total consonância com as recomenda- Do meu ponto de vista, esta “visi- projetos de educação para a saúde. profissionais da área, pudesse chegar
deste documento orientador da prática ções que a OCDE para sugeriu para o sis- bilidade” dada ao que se aprende é uma Importa, também, dar o devido a um público mais alargado e de forma
pedagógica, de ampla aceitação pelos tema educativo português e respeitando das medidas que mais impacto pode ter destaque à forma muito participada mais esclarecida.
profissionais, vem introduzir um o paradigma que presidiu à criação dos na igualdade de oportunidades pois ga- como estas OCEPE foram construídas, Fica um desafio para o futuro, uma
update que, duma forma geral, reflete agrupamentos de escolas, a construção rante, ainda que conceptualmente e em procurando “dar voz” a diferentes alteração da Lei de Bases do Sistema
o “estado da arte” da investigação em de percursos escolares articulados e abstrato, que todas as crianças tenham sensibilidades e reunindo contributos da Educativo que permita a construção dum
educação de infância e vem relançar a sequenciais. as mesmas oportunidades de sucesso investigação e da prática pedagógica, na currículo que inclua as crianças dos 0
discussão sobre o currículo neste nível Outra característica destas novas no 1º ciclo do ensino básico. A escola construção de um documento que todos aos 6 anos e que considere uma unidade
de educação, numa altura em que tanto OCEPE a destacar, é a maior estrutu- reprodutora das desigualdades sociais elejam como uma referência para a sua e sequência em toda a pedagogia para a
se discute a qualidade nos primeiros ração do currículo, em que as áreas de e económicas, que atinge maioritaria- ação educativa. infância.J
anos de vida das crianças. conteúdo (organização das disciplinas mente as crianças de estratos socioe- Neste mesmo sentido, a forma como
Um dos aspetos mais interessantes em grandes áreas de conhecimento) se conómicos desfavorecidos (as que são as OCEPE estão, neste preciso momento, links das inquietações pedagógicas
nas novas OCEPE é a forma como se desdobram em domínios que, por sua objeto de insucesso escolar), continua, a ser divulgadas é outro dos paradigmas
pedagogicasinquietacoes@gmail.com
estruturaram as aprendizagens, sendo vez, se segmentam em componentes, infelizmente, a ser um paradigma da de como a administração educativa e as
inquietacoespedagogicasii.blogspot.pt
agora bastante mais clara a articulação no fundo uma maior explicitação do que escola portuguesa. instituições privadas podem, desde que
entre o que se aprende na educação se considera importante que as crianças A autonomização da Educação Física o elejam como prioridade, trabalhar em www.facebook.com/InquietacoesPedagogicas
pré-escolar e no 1º ciclo. Este conceito aprendam. Esta “desocultação” do como um domínio é outra das alterações, parceria. A Associação dos Profissionais www.youtube.com/user/inquietPedagogicas
de continuum curricular, em que há uma currículo é particularmente evidente deixando de estar integrada na Educação de Educação de Infância, ao promover

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8 * educação jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J

A flexibilização curricular
Em texto para o JL o autor, secretário de Estado da Educação - catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, de que foi diretor - salienta que o “Ministério tem vindo a promover uma reflexão alargada
sobre o currículo desenvolvido hoje nas escolas, através de vários instrumentos”. E dessa reflexão “surgem aspetos
consensuais que enquadram uma necessidade de atuação e uma metodologia de trabalho” - que aqui apresenta

João Costa que a construção de projetos


curriculares adaptados aos
contextos e para os quais
O foco da atuação do Governo os professores contribuam
é a promoção do sucesso escolar, ativamente são preditores
garantindo aprendizagens mais de sucesso, mas as matrizes
significativas e efetivas para curriculares em vigor coartam
todos os alunos. Não é possível essa possibilidade.
perspetivar sucesso com um Tendo em conta estes
currículo indutor de insucesso. pressupostos, o Ministério
O Ministério da Educação tem da Educação, assente numa
vindo a promover uma reflexão discussão já em curso que se
alargada sobre o currículo quer ampla e profícua, está
desenvolvido hoje nas escolas, a desenvolver as seguintes
através de vários instrumentos iniciativas:
de que destacamos a auscultação
aos professores através de um A. Produção de um perfil de
inquérito nacional, a análise competências para os 12 anos
documental de vários pareceres de escolaridade, em grupo de
até hoje ignorados, a organização trabalho coordenado pelo prof.
de uma conferência com as Guilheme d’Oliveira Martins.
Associações de Professores,
a constituição de uma rede B. Definição do currículo
de escolas para discussão, essencial das várias áreas
o contacto com sociedades disciplinares para identificação
científicas e um trabalho de dos conhecimentos,
auscultação a estudantes e competências, atitudes e valores

LUÍS BARRA
famílias. Um dos próximos que contribuem para esse perfil.
passos deste trabalho de João Costa “O foco da atuação do Governo é a promoção do sucesso escolar, garantindo aprendizagens mais significativas e
auscultação será a conferência efetivas para todos os alunos” C. Indução de flexibilização
a organizar a 4 de novembro, da gestão curricular, dando a


"A Voz dos Alunos", em que os cada escola e a cada Conselho
estudantes serão convidados a de Turma a possibilidade de
contribuir com o seu olhar sobre consensual que a carga horária alargamento da escolaridade gestão de tempos curriculares,
as aprendizagens de que têm dos alunos já é bastante extensa. obrigatória a 12 anos e a criação de disciplinas de cariz
beneficiado. Devido à sua extensão, revogação do Currículo transdisciplinar, criação de
Desta reflexão, surgem c) Devido à sua extensão, os Nacional do Ensino Básico pelo momentos de projeto, criação de
alguns aspetos consensuais programas não possibilitam os programas não último Governo, não existe metodologias ativas no ensino.
que enquadram uma que se desenvolvam três possibilitam que se a resposta a uma pergunta
necessidade de atuação e uma aspetos críticos: diferenciação simples: qual é o perfil de D. Articulação com as estratégias
metodologia de trabalho que pedagógica nas aulas, atendendo
desenvolvam três aspetos competências que todos os de inclusão de formação para a
aqui apresento. a ritmos e necessidades críticos: diferenciação alunos devem atingir no final cidadania de forma efetiva no
específicas contextualmente da escolaridade? De que forma currículo e com a produção de
determinadas; integração
pedagógica nas aulas, essas competências contribuem um currículo que permita que
integração curricular
1 PROBLEMAS DO ATUAL
CURRÍCULO
curricular, relacionando
os conteúdos de diferentes
disciplinas; desenvolvimento
e desenvolvimento de
para uma cidadania ativa e
para uma disponibilidade e
capacidade para investir na sua
os alunos com necessidades
educativas especiais estejam
verdadeiramente incluídos,
a) Há uma perceção social de de competências mais elevadas, competências elevadas formação ao longo da vida? articulando a sua presença
que os programas têm sofrido como o pensamento crítico, a na sala de aula com a dos seus
alterações constantes. Se pesquisa e análise de informação colegas.
Hoje o currículo não
isso é verdade para algumas
disciplinas, não é factual para
a generalidade. Os programas
e a criatividade, o trabalho
colaborativo ou competências
comunicativas.
valoriza a capacidade 3 A FLEXIBILIZAÇÃO DA
GESTÃO CURRICULAR E. Promoção de reflexão
sobre a articulação entre a
são, para a maior parte das áreas instalada nas escolas Hoje, os professores são avaliação externa, na sua
disciplinares, os mesmos há 25 d) A extensão dos programas para o desenvolvimento uns meros executores de complementaridade com
anos. Em alguns casos a falta de inviabiliza uma promoção um currículo definido a avaliação interna, e a
atualidade é gritante. efetiva de competências de de disciplinas, para centralmente. O currículo planificação e desenvolvimento
cidadania. a criação de projetos não valoriza a capacidade de um currículo por
b) Os programas são demasiado instalada nas escolas para competências.
extensos, por terem sido de natureza inter o desenvolvimento de
construídos numa lógica de
empilhamento, isto é, por cada
avanço no conhecimento,
2 A AUSÊNCIA DE
UM PERFIL DE
COMPETÊNCIAS
e transdisciplinar,
para o trabalho sobre
disciplinas, para a criação
de projetos de natureza
inter e transdisciplinar,
F. Participação ativa nas
discussões que estão hoje em
curso no plano internacional
introduziu-se um capítulo, dimensões territoriais, para o trabalho sobre sobre este assunto,
apesar de o tempo disponível Os debates sobre o currículo dimensões territoriais, designadamente através da
para lecionar ser o mesmo e são, geralmente, apaixonados
para o desenvolvimento para o desenvolvimento de integração do projeto Education
apesar de ser relativamente e intensos, mas hoje, com o de projetos artísticos projetos artísticos. Sabemos 2030, da OCDE.

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| Agenda Cultural |
12 a 25 de outubro 2016

Quinze Bailarinos e Tempo Incerto


Companhia Nacional de Bailado interpreta coreografia de Rui Lopes Graça, num regresso de João Penalva à dança

ALmAdA E Lisboa/Pequim/Lisboa
Exposição de fotografia de Pepe brix.
CAsCAIs Teatro Académico de gil Vicente
Pç. da república. Tel.: 239 855 630
até 16 de outubro E Isabel maria dos:
Teatro municipal Joaquim Benite Casa das Histórias Paula Rego
Av. Prof. Egas Moniz. Tel.: 212 739 360 E Artes de Guerra sem mar Av. da república, 300. Tel.: 214 826 970 Código(s) Humano(s)
até novembro até 23 de outubro
T O Feio T oDoS oS DIAS , DAS 10 h àS 18 h
De Marius von Mayenburg. Encenação de E Paula Rego: Old meets New d O Que Fazer daqui Para Trás
Toni Cafiero. Interpretação de André Pardal, BRAGA até 30 de outubro De João Fiadeiro. Performers e cocriação
de Adaline Anobile, Carolina Campos, Márcia
João Farraia, João Tempera e Maria João Falcão. E duplo Vê
4ª S áb ., 21 h 30; D oM ., 16 h lança, Iván haidar e Daniel Pizamiglio.
A àS àS
Theatro Circo Exposição de pintura de Mattia Denisse.
até 16 de outubro até 13 de novembro 14 de outubro – 21h30
Av. da liberdade, 697. Tel.: 253 203 800
E Título descritivo m Hiromi
Instalação de Andrea brandão.
5 ª A S áb ., DAS 19 h àS 21 h 30; D oM ., DAS
13 de outubro – 21h30 Centro Cultural de Cascais
Av. rei humberto II de Itália. Tel.: 214 848 900
C O N d E I X A - A -V E L H A
15 h àS 19 h 30. E M DIAS DE ESPETáCulo
T Top Genius
Com Vasco Palmeirim e Nuno Markl. 3ª A D oM ., DAS 10 h àS 18 h
A gAlErIA ESTá AbErTA A PArTIr DAS 19 h museu monográfico de Conimbriga
14 de outubro – 21h30 E Kadeiras Conimbriga. Tel.: 239 941 177
15 de outubro a 30 de dezembro
m sarau de Encerramento da até 16 de outubro 2ª D oM ., 10 h 19 h
T Nao d’amores A DAS àS

Comemoração dos 35 Anos da CTB E Hansi stael: Pintura E O Instituto de Arqueologia:


De gil Vicente. Encenação de Ana Zamora.
4ª A S áb ., àS 21 h ; D oM ., àS 16 h Com Jorge Palma. modernidade e Tradição Fragmentos da sua Coleção
21 de outubro – 21h30 até 20 de novembro outubro
15 de outubro a 13 de novembro
T Pastéis de Nata Para Bach m XXI Trovas
Dramaturgia de Teresa gafeira e Pedro Proença. 22 de outubro – 21h
COImBRA EsPINHO
Encenação de Duarte guimarães.
22 de outubro – 16h
23 de outubro – 11h
BRAGANçA Convento são Francisco Auditório de Espinho
Av. da guarda Inglesa 3. Tel.: 239 857 190 r. 34, 884. Tel.: 227 341 145
Centro de Arte m Encontros Internacionais de Jazz m Edmar Castañeda Trio
ANGRA dO HEROísmO Contemporânea Graça morais 19 a 23 de outubro 20 de outubro – 21h30
r. Abílio beça, 105. Tel.: 273 302 410 T Barba Azul
museu de Angra do Heroísmo 3ª A D oM ., DAS 10 h àS 18 h 30 museu Nacional machado de Castro Encenação e texto de rui Queiroz de Matos.
ladeira de São Francisco. Tel.: 295 240 800 E sebastião salgado: Terra lg. Dr. José rodrigues. Tel.: 239 853 070 23 de outubro – 11h30
E Lugar Fictício | Terra Prometida até 16 de outubro 3ª, DAS 14 h àS 18 h ; 4 ª A D oM ., DAS 10 h àS 18 h
Exposição de pintura de Eduardo Carqueijeiro. E Graça morais: Ao Encontro de sophia E desenhar o Tempo
até 16 de outubro até 29 de janeiro 2017 até 31 de outubro ÉVORA
Biblioteca Pública de Évora
lg. Conde de Vila Flor. Tel.: 266 769 330
E 500 Anos do Cancioneiro Geral
até 22 de outubro

Fundação Eugénio de Almeida


Páteo de São Miguel. Tel.: 266 748 300
3ª A D oM ., DAS 10 h àS 13 h E DAS 14 h àS 18 h
E Habitar Portugal 12-14
até 30 de outubro
E Vantagens e desvantagens
da História para a Vida
até 8 de janeiro 2017

museu de Évora
lg. Conde de Vila Flor. Tel.: 266 702 604
3ª A D oM ., DAS 9 h 30 áS 17 h 30 ( INVErNo )
E Legado Francisco Barahona Fernandes
até dezembro 2017

FARO
Igreja do Carmo
m FImCA 16: Capriccio
obras de r. Strauss, W. A. Mozart e Korngold.
14 de outubro – 21h30

Teatro das Figuras


horta das Figuras, E. N. 125. Tel.: 289 888 100
m FImCA 16: Entre marés
obras de beethoven, Takemitsu e Schumann.
13 de outubro – 21h30

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - centro.lusitania@gmail.com - 172.17.21.102 (03-08-18 07:56)
| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

M Hiromi’s Trio Project T Mostra de Teatro de Amadores Biblioteca da Ajuda T Os Improváveis: Improkids
14 de outubro – 21h30 20 a 22 de outubro Lg. da Ajuda. Tel.: 213 638 592 15 de outubro – 16h
M FIMCA 16: (S)otto Voce C Da Real Barraca ao Paço da Ajuda: M Recital de Piano por
Obras de Joly Braga Santos, Centro Int. das Artes José de Guimarães A Música em Torno da Família Real João Bettencourt da Câmara
J. Berkhemer e Mendelssohn. Av. Conde Margaride, 175. Tel.: 253 424 715 27 de outubro 16 de outubro – 17h
15 de outubro – 21h30 E Caminhos de Floresta: M Big Bang LX 2016
M FIMCA 16: Dumky Sobre Arte, Técnica e Natureza Biblioteca Nacional de Portugal 21 e 22 de outubro
Programa: Dvorak - Trio com piano " até 31 de dezembro Campo Grande, 83. Tel.:  217 982 000 M Orquestra Sinfónica Metropolitana
Dumky". Narração d'”A história do menino E Objetos Estranhos: E As Mil e uma Entradas do Labirinto: Pedro Amaral - direção musical.
que gostava das coisas que estavam bem longe”. Ensaio de Proto-Escultura no Tricentenário da Morte de Leibniz Programa: A. Bruckner, Sinfonia N.º  5, WAB 105.
16 de outubro – 10h30 23 de outubro – 17h
até 31 de dezembro até 30 de dezembro
M FIMCA 16: A Morte Saiu E Labirinto e Eco: Coleção E Delfim Santos
das Suas Intermitências, Apareceu Permanente e Outras Obras até 30 de dezembro Culturgest
em Cima de um Palco e Voltou até 31 de dezembro E Potter150 / Dahl100: R. Arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155
a Morrer num Título Longo: Traduções Portuguesas M Trojnik
no Dia Seguinte Ninguém Morreu 12 de outubro – 21h30
Obras de F. Schubert e P. Braga Falcão. ÍLHAVO até 20 de outubro
E Da Feliz Lusitânia à A 14º Doclisboa 2016
16 de outubro – 18h30 20 a 30 de outubro
Museu Marítimo de Ílhavo Felix Belém: 400 anos da
M Os Dilemas Dietéticos
Av. Dr. Rocha Madahíl. Tel.: 234 329 990 Fundação de Belém do Pará
de Uma Matrioska dMeio Fund. Arpad Szènes - Vieira da Silva
3ª A S áB ., DAS 10 H àS 18 H ; D OM ., DAS 14 H àS 18 H 12 de outubro a 16 de janeiro 2017
Texto Original de Mário João Alves. Encenação Pç. das Amoreiras, 58. Tel: 213 880 044
E St John’s, Porto de Abrigo - C Potter 150 / Dahl 100 3ª A DOM .. DAS 10 H 18 H ; 2ª
de António Durães. Interpretação de Teresa àS ENCERRA E FERIADOS
A Frota Branca de Paul A. Soik 14 de outubro
Nunes, Job Tomé, Crispim Luz, Susana Lima, E Arte Vudu. Coleção
Brenda Vidal Hermida. até 23 de outubro C CT7 – Comissão Técnica Treger – Saint Silvestre
21 de outubro – 21h30 de Normalização em até 22 de janeiro 2017
Documentação e Informação
LAMEGO Por Rosa Galvão (BNP). Fundação Calouste Gulbenkian
FUNCHAL 17 de outubro – 14h30 Av. de Berna, 45ª. Tel.: 213 880 044
Museu de Lamego E Vergílio Ferreira 2ª, 4ª A D OM ., DAS 10 H àS 18 H
Museu Henrique e Francisco Franco Lg. de Camões. Tel.: 254 600 230 18 de outubro a 14 de janeiro 2017 E Eu Não Evoluo, Viajo
R. João de Deus, 13. Tel.: 291 211 090 E Faces: Retrato e C Tardes com Delfim Santos Exposição retrospetiva do pintor José Escada.
2ª A6 ª , DAS 9 H àS 12 H 30 E DAS 14 H Identidade nas Doações e 21 de outubro – 15h30 até 31 de outubro
àS 17 H 30; S áB ., DAS 9 H àS 12 H 30 Legados do Museu de Lamego E Obra
E Objetos Partilhados I: Pinturas até 31 de março 2017 Centro Cultural de Belém até 11 de dezembro
Francas # sobre o retrato, em Osculum Pç. do Império. Tel.: 213 612 400 E Linhas do Tempo:
Exposição de artes plásticas de Diogo Goes.
até 21 de outubro LEÇA DA PALMEIRA 3ª A D OM ., DAS 10 H
E Fernando Guerra / FG+SG.
àS 18 H
As Coleções Gulbenkian.
Caminhos Contemporâneos
Raio X de uma Prática Fotográfica até 2 de janeiro 2017
Museu da Quinta de Santiago
GONDOMAR R. de Vila Franca, 134. 229 392 410
até 29 de outubro E Portugal em Flagrante: Operação 1
3ª AD OM ., DAS 10 H M Sara Gazarek até 8 de janeiro 2017
13 H E DAS 15 H àS 18 H 12 de outubro – 21h
Lugar do Desenho - Fundação Júlio Resende àS E António Ole. Luanda, Los Angeles, Lisboa
R. Pintor Júlio Resende, 346. Tel.: 224 649 061 E Aurélia, Mulher Artista T Os Improváveis: Improfado até 9 de janeiro 2017
3 ªA 6 ª , DAS 14 H 30 àS 18 H 30; até 30 de outubro 14 e 15 de outubro – 21h E A Forma Chã
S áB . E D OM ., DAS 14 H 30 àS 17 H 30 até 9 janeiro 2017
E Resende anos 50
até 9 de outubro LEIRIA M Orquestra Gulbenkian
Fabien Gabel – maestro.
E Resende Convida... Alina Ibragimova – violino.
a Relembrar o Alentejo Museu da Imagem
Obras de D. Chostakovitch e P. I. Tchaikovsky.
até janeiro 2017 em Movimento
13 de outubro – 21h
Lg. de S. Pedro.
Tel.: 244 839 675
14 de outubro – 19h
GUARDA TODOS OS DIAS, DAS 9H30 àS 17H30 M Solistas da Orquestra Gulbenkian
Obras de W. A. Mozart.
E 1ª Bienal de
Artes e Literatura 14 de outubro – 21h30
Teatro Municipal da Guarda
R. Batalha Reis, 12. Tel.: 271 205 240 até 29 de outubro M L. Subramaniam
18 de outubro – 21h
E Os Jogos Tradicionais
M Bosch Beach
na Azulejaria Portuguesa
3ª A 6 ª ., DAS 16 H àS 19 H E DAS 21 H àS 23 H ;
LISBOA Pela Orquestra Gulbenkian, sob a
6ª E S áB ., DAS 16 H àS 19 H E DAS 21 H àS 24 H direção do maestro Etienne Siebens.
até 14 de outubro Arquivo Nacional 20 de outubro – 21h30
M Palankalama Torre do Tombo 21 de outubro – 19h
13 de outubro – 22h Al. da Universidade.
M Rogério Cardoso Pires Tel.: 217 811 500 Igreja de S. Roque
2 ª A 6 ª , DAS 9 H 30 àS 19 H 30; Lg. Trindade Coelho. Tel.. 213 235 444
14 de outubro – 22h
S áB ., DAS 9 H 30 àS 12 H 30
M Fandango M Orquestra Gulbenkian
E Oh! A República!... o 5 Jan Wierzba – maestro.
21 de outubro – 21h30
de Outubro, de Viva Voz Patrycja Gabrel – soprano.
T O Homúnculo
até 5 de novembro Manuel Rebelo – baixo.
De Natália Correia.
22 de outubro – 21h30 E Um Lente Entre Obras de Vivaldi, Mozart, Barber e Dvorák.
os Condes… Um 21 de outubro – 21h
Conde Entre os Lentes.
GUIMARÃES até 14 de dezembro Maria Matos Teatro Municipal
Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Tel.: 218 438 800
Centro Cultural Vila Flor Atelier-Museu Júlio Pomar M Joana Sá
Av. D. Afonso Henriques, 701. Tel.: 253 424700 R. do Vale, 7. Tel.: 215 880 793 13 e 14 de outubro – 22h
E Contextile 2016: Bienal de 3ª A D OM ., DAS 10 H àS 18 H D Le Cargo
Arte Têxtil Contemporânea E A Arquitetura dos Artistas Coreografia e interpretação de Faustin Linyekula.
até 15 de outubro até 16 de outubro 15 de outubro – 15h

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| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

M Bosch Beach Museu Nacional de Arte


20 e 21 de outubro – 21h30 Contemporânea - Museu do Chiado
r. serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148
MAAT - Museu de Arte, 3ª a D om ., Das 10 h às 18 h
Arquitetura e Tecnologia E Narrativa de uma Coleção - Arte
av. Brasília, Central Tejo Portuguesa na Coleção da Secretaria
ToDos os Dias , Das 12 h às 20 h . E nCErra de Estado da Cultura (1960-1990)
às 3 ª , 25 DE DEzEmBro , 1 DE janEiro E 1 DE maio até 16 de outubro
E Artists’ Film International 2016 E Atlantis
até 16 de outubro instalação interativa e pinturas de andré sier.
E Segunda Natureza até 4 de dezembro
até 16 de outubro E O Gosto Parisiense no Museu
E Edgar Martins. Silóquios Nacional de Arte Contemporânea
e Solilóquios Sobre a Morte, até 6 abril 2017
a Vida e Outros Interlúdios E Vanguardas e Neovanguardas
até 16 de outubro na Arte Portuguesa 1910 – 2011
E Circuito Central Elétrica até 17 de junho 2017
até 31 de dezembro E A Imagem Paradoxal
obra fotográfica em estereoscopia de Francisco
Museu Coleção Berardo afonso Chaves, cujo espólio pertence maioritari-
CCB. Pç. Do império. Tel.: 213 612 878 amente ao museu Carlos machado e à família.
3ª a D om ., Das 10 h às 19 h 13 de outubro a 26 de fevereiro 2017
Nós Matámos o Cão Tinhoso
E Novo Banco Photo 2016
até 2 de outubro Museu Nacional de Etnologia
E A Conversa Inacabada: av. ilha da madeira. Tel.: 213 041 160 Teatro Aberto Teatro Ibérico
3ª, Das 14 h às 18 h , 4 ª a D om ., Das 10 h às 18 h Pç. de Espanha. Tel.: 213 880 079 r. de Xabregas 54. Tel.: 218 682 531
Codificação/Descodificação
até 31 de dezembro E Inquéritos ao Território. T Constelações T Nós Matámos o Cão Tinhoso
Paisagem e Povoamento De nick Payne. Versão de joão Lourenço Direção e encenação de joão Garcia
Museu da Marioneta até 17 de outubro e Vera san Payo de Lemos. Encenação miguel. interpretação e cocriação
r. da Esperança 146. Tel.: 213 942 810 E Arquitetura Timorense de joão Lourenço. interpretação de sara ribeiro e Frederico Barata.
3ª a D om ., Das 10 h às 13 h E Das 14 h às 18 h até 19 de fevereiro 2017 de joana Brandão e Pedro Laginha. 12, 13, 14 e 15 de outubro – 21h30
E Contos Por Um Fio C Inquéritos ao Território. Olhares 4ª a s áB ., às 21 h 30; D om ., às 16 h
Exposição de marionetas de olga neves. Sobre Portugal (1942-1990) até 30 de outubro Teatro Municipal de São Luiz
até 30 de outubro 14 de outubro – 10h r. antónio maria Cardoso, 38. Tel.: 2132 57 650
Teatro Camões T O Que É Que o Pai
Museu da Música Museu Nacional do Azulejo Parque das nações. Tel.: 218 923 470 Não Te Contou da Guerra?
Estação do metropolitano alto dos moinhos. r. madre de Deus, 4. Tel.: 218 100 340 D Quinze Bailarinos e Tempo Incerto Criação de amarelo silvestre. Encenação
r. joão de Freitas Branco. Tel.: 217 710 990 3ª a Dom ., Das 10 h às 18 h Direção de joão Penalva. Coreografia de rogério de Carvalho. interpretação e
M Um Músico, Um Mecenas 2016 E Cerâmicas de Hein Semke. de rui Lopes Graça. interpretação por Cocriação: rafaela santos, sónia Barbosa;
22 de outubro – 18h Doação Teresa Balté artistas da Companhia nacional de Bailado. interpretação: nuno nunes.
até 30 de outubro 13, 14 e 21 de outubro – 21h 13 a 15 de outubro – 21h
Museu de Lisboa 15 e 22 de outubro – 18h30 T Commedia.Paradiso
Campo Grande 245. Tel.: 217 513 200 16 e 23 de outubro – 16h Direção artística de Luís Castro e Vel z.
Museu Nacional do 20 de outubro – 15h (escolas) 4ª 2ª, 20 h
E Vista de Lisboa do Castelo a às

de Weilburg - A Cidade ao Teatro e da Dança 13 a 29 de outubro


Estrada do Lumiar, 10. Tel.: 217 567 410 Teatro da Politécnica T No Dia Em Que os Cães Se
Tempo de Filipe III de Espanha
3ª a D om ., Das 10 h às 18 h r. da Escola Politécnica, 58. Tel.: 213 916 750 Revoltaram
até 11 de dezembro
T Os Sete Cabritinhos T O Rio Texto de Ceren Ercan; Encenação
Espetáculo de teatro infantil pela De jez Butterworth. Tradução de joana de mark Levitas; interpretação: zuhal
Museu de Lisboa – Torreão Poente
Companhia Palco de Chocolate. Frazão. Encenação de jorge silva melo. Gencer Erkaya, Kanbolat Görkem
Pç. do Comércio, 1. Tel.: 217 513 200
16 de outubro – 10h30 interpretação de rúben Gomes, inês arslan, Elif Ürse, sercan Gülbahar.
3ª a D om ., Das 10 h às 20 h .
Pereira, Vânia rodrigues e maria jorge. 6ª E s áB ., às 21 h ; D om ., às 17 h 30
E Uma História de Duas 3ª 4ª, 19 h ; 5 ª 6ª, 21 h ; s áB ., 16 h 21 h
E às E às às E 14 a 16 de outubro
Cidades – Lisboa e Edimburgo até 22 de outubro
até 22 de dezembro Museu Nacional dos Coches M Concerto Moderno
av. da Índia, 136. Tel:210 732 319 Pela Escola de música do Colégio moderno.
3ª a D om ., Das 10 h às 18 h . Teatro da Trindade 15 de novembro – 18h30
Museu do Oriente r. nova da Trindade, 9. Tel.: 213 423 200
av. Brasília, Doca de alcântara. E 300 Anos da Embaixada de D A Festa (da Insignificância)
D. João V ao Papa Clemente XI 1716-2016 T As Mentiras que Coreografia e direção de Paulo ribeiro.
Tel.: 213 585 200
3ª a D om ., Das 10 h às 18 h ; 6 ª , Das 10 h às 12 h até 15 de janeiro 2017 os Homens Contam interpretação de ana jezabel, Filipa
a partir de Luís Fernando Veríssimo. Peraltinha, Teresa alves da silva,
E Chinaware E …Não Apenas Lugares de Felicidade
Dramaturgia de marcelo rubens Paiva. rosana ribeiro, são Castro, entre outros.
até 27 de novembro até 13 de novembro
adaptação de margem narrativa. Encenação 21 e 22 de outubro – 21h
E Bela Silva: Desorient Express de margem narrativa. interpretação de
até 31 de dezembro Palácio Nacional da Ajuda
almeno Gonçalves, antónio melo, Teatro Nacional D. Maria II
Lg. da ajuda. Tel.: 213 620264
Fernando Ferrão, joaquim nicolau. Pç. D. Pedro iV. Tel.: 213 250 800
Museu Nacional de Arqueologia M Orquestra Sinfónica Juvenil de Zurique 4ª a s áB ., às 21 h 30; D om ., às 16 h 30
Pç. do império. Tel.: 213 620 000 14 de outubro – 16h
E Teatro em Cartaz - A Coleção
até 23 de outubro (exceto dia 19) do D. Maria II, 1853 – 2015
3ª, Das 14 h às 18 h ; 4 ª a D om ., Das 10 h às 18 h C Ricami Romani in Portogallo T Huis Clos - No Exit 4ª a Dom., 30 min. anTEs Do inÍCio Dos EsPETáCuLos
E Religiões da Lusitânia. all'Epoca di João V e Tessuti Tradução e Encenação de rui neto. Da saLa GarrETT Para PorTaDorEs DE BiLhETE
Loquuntur Saxa Serici dell'Epoca di João V interpretação de Lia Carvalho, até 29 de julho 2017
até 30 de dezembro Por magda Tassinari e Por Gian Luca Bovenzi são josé Correia e miguel raposo. T A Beleza, Pequena Conferência
25 de outubro – 18h 5ª a s áB ., às 21 h 45; D om ., às 17 h
a partir de jean-Luc nancy.
Museu Nacional de Arte Antiga 16 de setembro a 9 de outubro um trabalho de maria Duarte, Gonçalo
r. das janelas Verdes. 213 912 800 Picadeiro Real T A Última Viagem de Lénine Ferreira de almeida e joão rodrigues .
3ª a D om ., Das 10 h às 18 h Pç. afonso de albuquerque. Tel.: 213 610 850 De antónio santos. Encenação de mafalda s áB ., 16 h 30 (F amÍLias - a ParTir Dos
E Estêvão Gonçalves Neto: 3ª a D om ., Das 10 h às 18 h santos. interpretação de andré Levy. 12 anos ); 4 ª a 6 ª , às 11 h 30 (E sCoLas -
O Último Iluminador E Há Fogo! Há Fogo! Acudam! Acudam! 4ª a s áB ., às 21 h 45; D om ., às 17 h E nsino B ásiCo E s ECunDário )
até 16 de outubro até final de abril 2017 13 a 23 de outubro 13 a 29 de outubro

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A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

T A Visita Escocesa E 1915 - O Despertar do Algarve E Liam Gillick: Campanha António Pedro Lopes, Bernardo de Almeida e
Criação de Inês Barahona e Miguel Fragata. até 30 de novembro até 8 de janeiro 2017 Raquel André. Interpretação de Raquel André.
15 de outubro – 11h E Conversas: Arte Portuguesa 14 de outubro – 21h30
T Uma Menina Está Perdida Recente na Coleção de Serralves 15 de outubro – 19h
no Seu Século À Procura do Pai PORTO até 22 de janeiro 2017 T Kitsune
A partir do texto de Gonçalo M. Tavares. E Joan Miró: Materialidade e Metamorfose Pelo Teatro de Marionetas do Porto.
Encenação de Marco Paiva. Interpretação Casa da Música até 28 de janeiro 2017 20 de outubro – 21h30
de Ana Rosa Mendes, Andreia Farinha, Av. da Boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 T A Convenção dos Ventríloquos
E Haegue Yang: Parque de
António Coutinho, Carlos Jorge, M Chucho Valdez & Joe Lovano Quintet Conceção e direção de Gisèle Vienne.
Vento Opaco em Seis Dobras
Carolina Sousa Mendes, entre outros. 13 de outubro – 21h 22 de outubro – 21h30
até 4 junho 2017
5ª A S áB ., àS 21 h ; D oM ., àS 16 h M Alexandre Dahmen Trio M Pita: Understage
E Michael Krebber: The Living Wedge
20 a 23 de outubro 13 de outubro – 22h 22 de outubro – 23h30
15 de outubro – a 15 de janeiro 2017
M Sara Gazarek
E Everything is About to Happen
Teatro Nacional de São Carlos 14 de outubro – 21h30
R. Serpa Pinto, 9. Tel.: 213 253 000 M OCP – Operador de Cabine Polivalente
(Porto): Livros e Edições de Artista TABUAÇO
5 de outubro a 12 de fevereiro 2017
M Carmen 14 de outubro – 22h
De Georges Bizet (1838-1875). M Moncef Genoud / Selma Uamusse MIDU - Museu do Imaginário Duriense
Libreto de henri Meilhac e Ludovic halévy. 15 de outubro – 21h R. Macedo Pinto 57.
Encenação de Calixto Bieito. Interpretação
Mosteiro São Bento da Vitória E Douro, Lugar de um Encontro Feliz
M Aline Frazão: Insular R. São Bento da Vitória. Tel.: 223 401 900
de Katarina Bradic, Lukhanyo Moyake, 15 de outubro – 21h30 Exposição de fotografias de António Barreto.
Nicholas Brownlee, Sarah-Jane Brandon, D Pulling Strings até 2 de novembro
M Um Corpo Estranho Criação de Eva Meyer-Keller. Interpretação
Tiago Matos, Carlos Guilherme, entre outros. 15 de outubro – 22h de Sheena McGrandles, Eva Meyer-Keller.
Com o Coro do Teatro Nacional de
São Carlos, o Coro Juvenil de Lisboa
M Banda Sinfónica Portuguesa 15 de outubro – 21h e 23h TOMAR
Francisco Ferreira - direção musical. T Cabaret Berlinn
e a orquestra Sinfónica Portuguesa. Pedro Burmester – piano. De Peter Waschinsky. Convento de Cristo
12 e 14 de outubro – 2 0h obras de P. Wilby. E. Dohnányi e o. Waespi. 19 e 21 de outubro -21h Tel.: 249 315 089
16 de outubro – 12h E A Botica do Real
Teatro Politeama M Peter Murphy
R. das Portas de Sto. Antão, 109. Tel.: 213 405 700 Convento de Thomar
16 de outubro – 21h
T As Árvores Morrem de Pé Museu Nacional de Soares dos Reis até 3 de julho 2017
M Konstrukt | Angles 8 R. de Dom Manuel II 44. Tel.: 223 393 770
Encenação de Filipe la Féria. 17 de outubro – 21h
Interpretação de Manuela Maria, Ruy
de Carvalho, Eunice Munoz, João D`ávila,
M Quarteto de Cordas de Matosinhos
E My Own Private Phosphenes –
Patrimónios Imaginados
VILA DO BISPO
obras de haydn, F. Lapa e D. Chostakovitch.
Maria João Abreu e Carlos Paulo. até 31 de outubro
18 de outubro – 19h30 Centro de Interpretação
4ª A S áB ., àS 21 h 30; S áB . E D oM ., àS 17 h
M Maria João & Guinga / Dino Saluzzi Estrada Nacional 268.Antigo Mercado
Palácio da Bolsa
18 de outubro – 21h Municipal. Tel.: 282 630 600
Teatro Tivoli BBVA R. de Ferreira Borges. Tel.: 223 399 000
2ª A 6ª, DAS 9h àS 15 h 30
Av. da Liberdade, 182ª. Tel:: 213 151 050 M Alessandro Penezzi / Sumrrá M Solistas da Orquestra
19 de outubro – 21h E As Origens Pré-históricas
M Aline Frazão: Insular Sinfónica do Porto Casa da Música
M Fátima Serro do Reino dos Algarves
14 de outubro - 21h30 obras de Klughardt, humoreske, J. B. Foerster.
20 de outubro – 22h até 28 de outubro
M Fados de Coimbra em Lisboa 20 de outubro – 21h30
19 de outubro - 21h30 M Marcos Tavares DJ Set
T Salvador Martinha: Tipo Anti-Herói 21 de outubro – 22h
M Êxtase Sinfónico
Teatro Campo Alegre VISEU
20, 21 e 22 de outubro – 21h30 R. das Estrelas. Tel.: 226 063 000
Pela orquestra Sinfónica do Porto Casa da T À Procura de Lem Museu Nacional Grão Vasco
Música, sob a direção musical de Peter Rundel e De Regina Guimarães. Encenação de Igor Gandra.
Teatro Villaret Adro da Sé. Tel.: 232 422 049
a participação de Teodoro Anzellotti (acordeão). 14 de outubro – 10h30 e 15h (escolas)
Av. Fontes Pereira de Melo, 30ª. Tel.: 213 538 586 3ª, DAS 14 h àS 17 h 30; 4 ª A D oM .,
obras de A. Schnittke, G. Aperghis, A. Scriabin. 15 de outubro – 15h e 17h 10 h àS 12 h 30 E DAS 14 h àS 17 h 30
T Commedia à la Carte: Circus DAS
22 de outubro – 18h T Assim Não Vais Longe D Revisitar
5 ªA D oM ., àS 21 h 30
até 27 de novembro M We Find You Conceção e interpretação de Gustavo Sumpta. Criação e interpretação de Leonor Barata.
22 de outubro – 22h 20 e 21 de outubro – 19h 15 de outubro
M Valsas de Amor M Grão Vasco com Música
NAZARÉ Pelo Coro Casa da Música, sob a direção Teatro Carlos Alberto Recital de órgão, fagote e oboé para público
musical de Paul hillier e a participação R. das oliveiras, 43. 223 401 900 escolar. Pelo Conservatório de Música Dr.
Museu Dr. Joaquim de Lígia Madeira & Luís Duarte (piano). T Bácoro Azeredo Perdigão.
Manso - Museu da Nazaré 23 de outubro – 18h Texto de Ricardo Alves e Sandra Neves. 19 de outubro – 10h
R. D. Fuas Roupinho – Sítio. Tel.: 262 562 801 M Desidério Lázaro Encenação de Ricardo Alves. Interpretação
3ª A D oM ., DAS 10 h àS 17 h 30 25 de outubro – 19h30 de Ivo Bastos, Nuno Preto, Rui oliveira. Teatro Viriato
E Cores da Nazaré. A Pintura 4ª, àS 19 h ; 5 ª A S áB ., àS 21 h ; D oM ., àS 16 h Lg. Mouzinho de Albuquerque. Tel.: 23 2480 110
de Ana Maria Botelho Centro Português de Fotografia até 16 de outubro 2ª A 6ª, DAS 13 h àS 19 h E EM DIAS DE ESPETáCuLo
até 6 de novembro Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310 T O Bem, o Mal e o Assim-Assim T As Criadas
3 ª A 6 ª , DAS 10 h à S 12 h 30 E DAS 14 h àS De Gonçalo M. Tavares. Encenação de João Luiz. De Jean Genet. Encenação de Simão
18 h ; S áB ., D oM . E F ERIADoS , DAS 15 h àS 19 h 4ª, àS 19 h ; 5 ª A S áB ., àS 21 h ; D oM ., àS 16 h
PESO DA RÉGUA E Only You 21 a 30 de outubro
do Vale. Interpretação de Cristina
Carvalhal, Joana Africano e Teresa Arcanjo.
Exposição de fotografia de Leonardo Kossoy. 15 de outubro – 21h30
Museu do Douro até 30 de outubro Teatro Nacional São João D Os Serrenhos do Caldeirão,
R. Marquês de Pombal. Tel.: 254 310 190 Pç. da Batalha. Tel.: 223 401 900
T oDoS oS DIAS , DAS 10 h 18 h
Exercícios em Antropologia Ficcional
àS
Culturgest Porto T Últimos Dias da Humanidade De Vera Mantero. Produção o Rumo do Fumo.
E VIII Bienal Internacional de Gravura Av. dos Aliados, 104. Tel.: 222 098 116 De Karl Kraus. Encenação de Nuno
22 de outubro – 21h30
do Douro: Homenagem a Júlio Pomar 2ª A S áB ., DAS 12 h 30 àS 18 h 30 Carinhas, Nuno M Cardoso.
até 31 de outubro E Dorota Jurczak: ~.{ }.~ 4 ª , àS 19 h ; 5 ª A S áB ., àS 21 h ; D oM ., àS
15 de outubro a 7 de janeiro 2017 16 h . 19 DE NoVEMBRo , DAS 15 h àS 23 h
27 de outubro às 19 de novembro
PORTIMÃO Fundação de Serralves
R. D. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 500 Teatro Rivoli GABINETE DE ESTRATÉGIA,
Museu de Portimão 3 ª A 6 ª , DAS 10 h àS 13 h E DAS 14 h àS 17 h ; Pç. D. João I.. Tel.: 223 392 200 PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO CULTURAIS
R. D. Carlos I. Tel.: 282 405 230 S áB ., DoM . E FERIADoS DAS 10 h àS 19 h T O Segredo de Simónides - Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
E Todos Nós Somos Peixes E Projetos Contemporâneos: Rachel Rose Coleção de Colecionadores Tel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 832
até 27 de novembro até 13 de novembro Direção de Raquel André. Cocriação de relacoes.publicas@gepac.gov.pt

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