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Chega às livrarias no dia 18 e a sua leitura é antecipada aqui por Norberto do Vale Cardoso PÁGINAS 9 E 10
Mário
de Carvalho
O prazer
na escrita
São contos sobre sexo, os de Ronda
das Mil Belas em Frol, agora saído.
Tema para a conversa com
o escritor e da crítica
de Miguel Real
PÁGINAS 6 A 8
DOCLISBOA
O festival, os filmes, os destaques PÁGINAS 14 A 16
PÁGINA 27
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2* destaque jornaldeletras.pt * 12 de outubro a 0 de mês de 2016 J
› b r e v e e nc o n t ro ‹
João Botelho
Aprender com Oliveira
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J 12 de outubro a 0 de mês de 2016 * jornaldeletras.pt
destaque * 3
A
de trabalho ao público, dias 14, 15 e
16, das 15 às 20. É a sétima edição da
Abertura de Ateliers de Artistas, que ntónio Guterres será amanhã, quinta feira, 13, eleito
irá envolver ao todo 60 ateliers e 150 secretário-geral da ONU, de longe o mais simbólico, im-
artistas portugueses e estrangeiros, portante e influente organismo mundial - o que significa
num fim de semana que promete ser ser o alto cargo que vai ocupar, a tal nível, igualmente o
movimentado em Lisboa. mais simbólico, importante e influente. Por isso mesmo
Organizada desde 2010, pela se trata de um lugar disputadíssimo, a partir de uma
Associação Castelo d’If, à seme- espécie de acordo no sentido de ser em princípio escolhido para ele, de
lhança da iniciativa realizada em forma sucessiva, uma figura de uma certa área ou região do globo. Desta
Marselha, França, Overture d’Ate- vez seria da Europa de Leste. E, além disso, nunca havendo a ONU,
liers, pela Château de Servières, desde a sua criação em 1945, tido como nº 1 uma mulher, instalou-se
desde 1999, a AAA pretende ser a ideia, expressa em múltiplas declarações, de preferencialmente isso
um “encontro com a Arte e os seus acontecer nesta eleição para o mandato 2017/2022. Falando-se, sobre-
criadores, espontâneo e acessível!””, tudo, da hipótese de ser uma búlgara.
segundo as palavras de Inês Frias, Não obstante, Portugal apresentou, e muito bem, a candidatura do
presidente da associação promotora. antigo primeiro-ministro - o mais preparado e intelectualmente bri-
“Temos vindo a fazer um trabalho lhante que o nosso país teve -, que nos últimos dez anos foi considerado
de mapeamento artístico da cidade um excelente Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.
de Lisboa, dando a conhecer, num Sendo o ACNUR, neste período, dado o imenso fluxo, a enorme comple-
só fim de semana, locais de estudo, xidade e o extremo dramatismo (da questão) dos refugiados, segura-
pensamento e experimentação, mente a agência da ONU com uma missão mais espinhosa e de maior
que, a maior parte das vezes, estão visibilidade, além daquela cujos bons resultados, parece que impossí-
escondidos dos olhares gerais”, veis, são mais imperiosos.
acrescenta ainda. Para quem conhece Guterres, à partida não restavam dúvidas de que
O público poderá visitar os ate- ele seria o melhor candidato; e seria a personalidade com mais qualidades
liers e desvendar o processo de tra- Pinturas De João Fitas (em cima) e de Lut Caenen e características para ser um ótimo secretário-geral das Nações Unidas.
balho de artistas de várias gerações, Ao contrário da generalidade dos seus oito antecessores, mormente o
dos que estão no início de carreira atual. Porém, se a escolha fosse feita, como as anteriores terão sido, nos
aos já consagrados, descobrindo tar o estabelecimento de percursos a par do contacto entre criadores, corredores ou bastidores, através de negociações ou combinações, se não
por dentro o universo da criação e a feitura de um mapa pessoal colecionadores, curiosos e amantes cambalachos, mais ou menos diplomáticos, decerto o "português" não
em diferentes artes, da pintura à que una os diferentes espaços de das diversas linguagens artísticas, teria hipóteses, sobretudo dada a preferência acima referida.
escultura, do vídeo à performance, interesse, espalhados pela geo- visa ainda a internacionalização, Só que, felizmente, desta vez
“
passando pela ilustração, gravura grafia da cidade, permitindo um promovendo o intercâmbio, tendo a ONU decidiu dar mais transpa-
ou fotografia. Além das visitas, para melhor acesso aos locais, haverá já levado artistas portugueses rência ao processo, para isso pro-
as quais a organização disponibiliza ainda encontros e manifestações aderentes ao projeto a Marselha, movendo diversas audições dos
uma app, com um guia, para facili- paralelas. A entrada é livre. A AAA, Dublin, Turim, Paris e Oaxaca. J candidatos. Guterres demonstrou
sempre ser o mais sabedor e
A transparência, a com mais visão de conjunto e de
verdade e a justiça futuro, em todos os aspetos e sob
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4 * destaque jornaldeletras.pt * 12 de outubro a 0 de mês de 2016 J
Gabriela Canavilhas
› breves‹ Academia Nacional Superior
de Orquestra e o Conservatório
Metropolitano de Música de Lisboa
O Avesso do Império
Caldas em conversa sobre arte e aparecer com Ressentimento Dum estas com o grupo Valentim de
ciência, na 2.ª sessão do Salt & Pepper - Ocidental, que logo pelo título Carvalho.
Innovation Conferences, hoje, quarta- se evidenciou. Representado em O lançamento de O Avesso do
-feira, 12, no Centro Cultural de Cascais, numerosas antologias, esteve Império, que tem um desenho de
às 18. depois 41 anos sem publicar, até Rui Sanches, será no próximo
que em 2011 surgiu Almocreve das dia 25, às 19, na Sociedade
Aos 85 anos, Henrique E foi ainda com essa chancela, Palavras - Poesia 1969-1989, a de Geografia de Lisboa, com
~.{ }.~ é o curioso título da exposição
Segurado vai publicar um novo e com o nome Henrique Jorge, que aqui então nos referimos. apresentação de David Ferreira
de Dorota Jurczak, na Culturgest Porto,
livro de poemas, há muito que publicou, em 1953, o seu Durante todo aquele tem- e poemas ditos por Diogo Dória.
de 15 de outubro a 7 de janeiro, com cura-
prometido: O Avesso do Império. primeiro livro, Emigrantes do po, porém, Henrique Segurado O último, e mais curto, poema,
doria de Miguel Wandschneider. Há mais de 60 anos ele foi um Céu. Já como Henrique Segurado (Pavão) não esteve longe dos me- "Post-Scriptum": "Falcoeira sem
dos colaboradores do fascículo deu a lume Asa de Mosca, ao dia e dos livros: pela sua ligação a luva: a mão desfeita./ Já perdemos
NAO D’AMORES, de Gil Vicente, 15, 19 e 20 da Távola Redonda, qual foi atribuído, ex-aequo com O Século e, depois, a O Jornal, de os mastros e os remos./ Nada
pela Companhia e no Teatro de Almada, a revista que tinha como um António Ramos Rosa, o 2º prémio que foi administrador; e porque nos resta agora da colheita/
a partir de 15, com encenação de Ana dos principais nomes o do seu do concurso Fernando Pessoa fundo' e foi proprietário das qua- Mas fizemos do Mar o que
Zamora. amigo David Mourão-Fereira. organizado pela Ática, que o tro livrarias Castil de Lisboa, as de quisemos.".J
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
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A vida de um
Presidente.
É a biografia de um homem fascinante, boémio,
negociante, melómano, viajante, escritor, diplo-
mata e Presidente da República. Com o rigor de
um historiador e a qualidade narrativa de um
romancista, o biógrafo José Alberto Quaresma
retrata Manuel Teixeira Gomes e também
os grandes momentos da história portuguesa do
início do século xx: o advento e as contradições
da I República, a participação na I Grande Guer-
ra e a ascensão e queda do sidonismo. A obra,
que por vezes nos comove, por vezes nos diverte
e quase sempre nos interpela, é uma edição da
Imprensa Nacional-Casa da Moeda e do
Museu da Presidência da República.
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6* Letras jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
Mário de Carvalho
Essa perspetiva masculina andava
fora dos lençóis literários?
Penso que sim. Nestas matérias
intimas já tínhamos assistido ao
Os corpos em volta
ponto de vista feminino, ao seu en-
tendimento das relações, à forma
como estendem o sexo para outras
regiões e não propriamente esta vi-
são masculina, de um homem que
procura o prazer, aqueles instantes
de felicidade que aparecem nos
interstícios das contrariedades.
Tenho para mim, e julgo que o nar-
rador do meu livro também, que
Em cor, elegância, requinte e expressividade. A sua prosa não tem limites, reinventando-se a a vida é feita de contrariedades,
começam logo de manhã. Estes
cada livro em novas formas de surpreender e cativar o leitor. Depois de tantos romances, novelas momentos em que os corpos se
e histórias curtas, oferece-nos um volume de contos eróticos, Ronda das Mil Belas em Frol. São encontram, em júbilo e esplendor,
são momentos de felicidade raros.
histórias de corpos que se unem, sexos que se juntam, êxtases, orgasmos e fantasias que se São nesgas no meio de um ambien-
cumprem num quarto de casa de família, num hotel ou numa garçonniere. São textos em que a te pesado e cinzento, que oprime e
intimida.
ironia, o humor, o curioso e o caricato também entram dentro dos lençóis, quando os há. O JL
entrevista o escritor, 75 anos, uma das vozes mais singulares da literatura de língua portuguesa, e A esses momentos há que
descontar ainda as frustrações,
destaca o livro, seguramente um dos marcos editoriais deste ano, com a crítica de Miguel Real. Em como lembra o narrador. Não é
tarefa fácil encontrar a felicidade?
próxima edição publicaremos ainda a leitura de António Mega Ferreira É que nem sempre corre tudo
bem. E para os homens é muito
mais provável que assim acon-
D
Luís Ricardo Duarte teça. De resto, há uma diferença
muito grande - e quando falo dela
tenho sempre presente a máxima
francesa "vive la différence" - que é
a forma como a mulher tem prazer,
chega ao orgasmo e o repete, em
intensidades diversas, uns me-
lhores, outros piores, uns assim,
outros plenos, em exaltações e
entusiasmos por vezes assustado-
res na sua descrição. Sexualmente,
é muito diferente do do homem,
que mesmo no auge do prazer se
poderá revelar mais limitado. Eram
Diz-se de espírito borboleteante, estes pontos de vista que queria to-
comandado por uma curiosidade car, através de diversas situações.
sem preconceitos, nem fronteiras.
Anda de assunto em assunto, com Apetece glosar o famoso início
interesse, às vezes recolhendo de Anna Karenina: "Todos os
material, notas, rabiscos que, mais orgasmos masculinos são iguais,
tarde ou mais cedo, acabam por os femininos são cada um à sua
dar em livro. Foi assim que deu à maneira"...
estampa um inesperado manual Nunca tinha pensado nisso, mas a
de escrita criativa, Quem disse o frase adapta-se, de facto.
contrário é porque tem razão. E foi
também com esse espírito que se Há outra glosa possível de aplicar
ANTÓNIO BERNARDO
lançou para Ronda das Mil Belas em ao seu livro: "Todos os coitos
Frol, um volume de contos eróticos felizes são iguais, os infelizes são
que não deixará de surpreender cada um infeliz à sua maneira". O
o leitor, não tanto pela temática, Mário de Carvalho "A ideia da transgressão religiosa ainda está nas nossas mentes, com uma visão negativa das mulheres" narrador tem muitas deceções,
com consideráveis antecedentes mas nenhuma igual à outra.
na literatura portuguesa, mas pela Pois. Para começar, é preciso
“
escrita exuberante, capaz de des- afastar a ideia segundo a qual
crever o corpo, o sexo e o prazer Jornal de Letras: As primeiras tes, que suscitam seguramente um todas as mulheres são iguais. E
feminino sem repetições e vulga- reações a este livro destacaram sorriso. ainda mais a conceção machista
ridades. A perspetiva masculina do sobretudo o tema, dando pouca que diz que todas as mulheres são
encontro dos corpos foi, de resto, ênfase ao que é igualmente Referia-me mais às reações que A vida é feita de iguais da cintura para baixo. Não
o principal motor destas histórias importante: o humor, a ironia destacavam a ousadia de tocar contrariedades, é de todo verdade. Era até capaz,
se isso não fosse abuso, de falar de
curtas, tal como o afastamento de e a riqueza verbal deste livro. num tema que parece ser tabu na
um certo romantismo "delambido". Surpreendeu-o essa leitura apenas literatura portuguesa. começam logo fisionomia a propósito dos sexos.
Ronda das Mil Belas em Frol é o atenta a estas histórias de cama? A haver ousadia foi talvez ape- de manhã. Estes Houve um crítico que sugeriu que
29.º livro de Mário de Carvalho, Mário de Carvalho: O que me nas no assumir de um ponto de eu seria um idólatra. Não sei bem
que desde que se estreou, em 1981, surpreendeu foi justamente apa- vista assumidamente masculino momentos em que os a que se referia, talvez a este fas-
com Contos da Sétima Esfera, tem recerem comentários de várias e enfrentando uma realidade que corpos se encontram, cínio pelos sexos femininos, suas
publicado, alternadamente, ro- mulheres dizendo que se riram tem de ser encarada. A do desen- particularidades, todas diferentes
mances, novelas, histórias curtas, muito, desabaladamente, com este contro permanente entre homens em júbilo e esplendor, e identificadas. Sendo curioso que
teatro, folhetim, literatura infanto- livro. Se calhar os pontos em que e mulheres. E mesmo quando as são momentos de o perfeito e simétrico não é o mais
-juvenil e ensaios. Apesar do tema, encontraram motivos para rir não coisas correm da melhor forma - e interessante.
nunca foi grande leitor de litera- serão os mesmo que eu escolheria nem sempre isso acontece no livro felicidade raros. São
tura erótica, achando-a por vezes - embora não exclua essa virtu- - há sempre algo que falta, que não nesgas no meio de um Com tudo o que já disse, volto
muito aborrecida. O contrário do de do humor involuntário. Mas se compreende, não se percebe. Os ao início: como partiu para este
que deve ser o encontro entre dois há sem dúvida aspetos que são campos não coincidem. São secan-
ambiente pesado e livro? Por esse humor, por essa
corpos. caricatos, curiosos, incongruen- tes, mas não concêntricos. cinzento diferença, pela curiosidade?
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt MÁRIO DE CARVALHO
letras * 7
A matéria estava a pedi-las. Foi OS DIAS DA PROSA
muito semelhante ao Quem disser o
contrário é porque tem razão. Havia Miguel Real
matéria em bruto acumulada e al-
guma reflexão. Tinha chegado a al-
tura de pegar nela e de a trabalhar.
03-08-18 07:56
N
também pesou? Quis, de certa
forma, testar essa afirmação?
Não dou muita importância a essas
frases que às vezes nascem em ão é difícil aplicar este título à obra de
qualquer lado e depois circu- Mário de Carvalho (MC), mas dificilmente
lam como verdades absolutas. encontramos outro livro de contos do autor
Se formos ver há uma linha de tão excelente como este Ronda das mil belas
continuidade no tratamento do em frol. Excelente porque faz o milagre de
sexo na Literatura Portuguesa. Não contar histórias sobre sexo cruzando o
vou já falar na poesia trovadoresca, atrevimento da intimidade com o pudor da
nem em Gil Vicente. Mas mesmo linguagem. À alcova romântica que excita,
no século XX há autores que se acresce o recato burguês do melindre –
têm debruçado sobre pormenores sim, adultério sim, mas resguardado, sem o picante lascivo da
bastante íntimos. E que causaram devassidão.
alguma sensação, até escândalo. Excelente porque escreve sobre sexo sem encher o texto de
Estou a pensar num autor, hoje es- impropérios, ausente de um calão doesto próprio dos antigos
quecido, chamado Afonso Ribeiro, bordéis de Alfama e do Intendente. Trata-se de um narrador
que escreveu um livro sobre uma elegante, que, peralvilho, descreve com preciosismos de
prostituta, intitulado Pão da Vida. linguagem um casquilho copulando com uma sécia. Nada
Li há muitos anos, às escondidas. literariamente mais excitante que uma metáfora, dizia nas
O meu pai escondeu-o em cima de suas aulas o padre Manuel Antunes - assim a arte de escrever
uma estante, mas eu fui lá buscá- sobre sexo em MC, com abundantes perífrases que, cruzadas,
ANTÓNIO BERNARDO
-lo. Poderia dar outros exemplos: se destinam, não a um leitor libidinoso, devasso, promíscuo,
Sedução, de José Marmelo e Silva, pornográfico, wikipédico, mas a um leitor médico da alma que
que não é exatamente à volta do observa e pratica com prazer pessoal e curiosidade diderotiana as
sexo mas tem um forte envol- pulsões lascivas do corpo. Mário de Carvalho “Escrever sobre sexo sem encher o texto de
vimento amoroso e um enorme Excelente porque a mulher (o narrador é um homem) não impropérios e calão”
fascínio pela mulher. Isto para não é, nestes contos, um objeto de prazer do homem, como o era
“
falar das Novas Cartas Portuguesas Amélia para o padre Amaro, não é um objeto de uma paixão
e na antologia erótica e satírica que devastadora, como a de Simão Botelho por Teresa, não é uma
a Natália Correia organizou e que heroína saramaguiana, uma desequilibrada loboantunesiana,
deu origem a muito burburinho. uma ingénua ou interesseira agustiniana, uma voragem de
prazer lúbrico luispacheciano, ou uma vexada ou opressa à
Disse que leu às escondidas o livro Maria Teresa Horta, não. É um ser humano completo, normal, É este, talvez, o grande contributo destes
do Afonso Ribeiro, o que é uma curioso do seu corpo, considerando a monogamia (as casadas) contos para a historiografia do sexo na
expressão muito ouvida em pessoas uma imposição social a que se deve obedecer, sem que deixe
da sua geração. A literatura era de aproveitar-se um momento de distração conjugal e se literatura portuguesa: o de fazer ver que o
uma outra educação sentimental e experimente uma relação carnal com outros homens. corpo da mulher também é sujeito e há muito
sexual? Não é traição. É o que o povo designa por “dar uma facada no
Completamente. Quando li esse matrimónio” sem dissolução deste. Trata-se da mulher, apenas, deixou de ser objeto
livro não tinha idade para o ler. sem adjetivação, sobretudo de ordem moral, nem Virgem Maria
Era natural que não fosse uma obra nem mulher de Sodoma e Gomorra. É este, talvez, o grande con-
de fácil alcance, tal como A vida tributo destes contos para a historiografia do sexo na literatura Evidencia uma escrita clássica, proporcionada
sexual, do Egas Moniz, que tinha portuguesa: o de fazer ver que o corpo da mulher também é sujeito nas partes, única no todo, operando uma
trechos inteiros em latim para não e há muito deixou de ser objeto. Um salto literário pós-Maria
ser lido pelo leitor vulgar. Podia ser Teresa Horta. síntese da história da língua portuguesa
considerado obsceno. É um livro Excelente porque o léxico é ambicioso, mais amplo não
que se funda e menciona outro podia ser, um imenso leque semântico como o autor há
livro muito célebre no tempo dos muito nos habituou – pormenor concreto contrabalançado
meus pais: A tragédia biológica da com erudição abstrata, medievalismos (título dionísio) perto, todo o Camilo de longe, o pudor transmontano de Araújo
mulher! Imagine. O meu livro é o com realismos à século XXI, algum romantismo serôdio (da Correia e Torga, a insinuação de Botto e a aspereza direta de
oposto, a exaltação da mulher no parte de algumas mulheres: velas, flores, quartos Nuno Bragança, o labirinto metafórico de Mário
seu prazer e nas suas escolhas. idealizados…) com posições sexuais explícitas. Trata-se, Cláudio/Tiago Veiga a escrever sobre o corpo, a ironia
em Mário de Carvalho, não já de assumir esta ou aquela de quem não leva o sexo a sério de Vasco Graça Moura
Esse prazer feminino é descrito corrente, mas de assumir uma escrita transtemporal (é apenas mais uma coisa do mundo), a serenidade
com uma linguagem muito rica, ou, talvez dito de um modo mais correcto, de literária de Fernanda Botelho quando descreve um
que nunca recorre a um palavrão. evidenciar uma escrita clássica, proporcionada nas corpo macho a penetrar um corpo fêmea. Não está
Foi essa a sua intenção? partes, única no todo, operando uma síntese da história aqui a raiva explosiva e insurrecta de Maria Isabel
O grande risco era cair na triviali- da língua portuguesa. Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta
dade e na vulgaridade, na bagatela Não é novidade na escrita do autor, os seus últimos nem a lubricidade patológica de Luís Pacheco.
e no lugar comum, o que é muito romances e livros de contos parecem ousar atingir Freud está longe, Masoch está longe, Sade está
fácil. É matéria mais melindrosa, este patamar clássico, mas Ronda das mil belas em frol longe, Bataille está longe. E, quando viramos a última
comparada com outras, cenas de atinge mesmo: fusão de períodos da história da língua, página, constatamos, à V. G. Moura, que o sexo é
guerra, por exemplo. sintaxe ora barroca, ora racionalista, ora romântica, › Mário de Carvalho importante mas talvez não seja o mais importante do
ora realista, fusão entre imagem metafórica e realidade RONDA DAS mundo a não ser quando se é adolescente ou quando
Melindrosa em que sentido? concreta, experiência da ductilidade da língua através MIL BELAS EM na infância se sofreram traumas indeléveis.
Está mais perto de uma vulgarida- de expressões de sintaxe temerária (barroca), frase FROL Conclusão: excelente, excelente, excelente, excelen-
de de café ou de leitaria. O desafio, etérea, vaga, nefelibata, lado a lado com descrição Porto Editora, 102 pp., te, quatro vezes excelente, como tentámos provar. Cabe
como se diz, era encontrar formas pormenorizada. Está aqui tudo – o primeiro Eça de 13,30 euros. ao leitor comprovar. J
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8 * letras MÁRIO DE CARVALHO jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
ANTÓNIO BERNARDO
muito grande. Mas não me vejo a tinha pensado antes num livro
escrever mais livros assim. Neste assim. Só agora.
sentido, ele é muito próximo de
Casos do Beco das Sardinheiras. Mário de Carvalho "O grande risco [deste tema] é cair na trivialidade e na vulgaridade, na bagatela e no lugar comum" E é ou foi leitor de literatura
Quando há 30 anos o estava a es- erótica?
crever a certa altura achei que era Não sou. O Amante de Lady
“
altura de parar. Poderia continuar Chatterley, de D. H. Lawrence,
com aquelas pequenas histórias. compromisso para a vida. Está porque dei esses títulos aos contos, aborreceu-me profundamente. As
Já tinha engrenado naquela vida. relacionado com o peso das reli- com uma palavra só a remeter para coisas do Philip Roth não me entu-
Aqui, à 17.ª história cheguei à giões do livro nas nossas socie- o conteúdo. O que abre o volume siasmam especialmente. E oferece-
mesma conclusão. Fechar o volume dades, na qual a sexualidade é foi mesmo o primeiro a ser escrito. A sexualidade é ram-me recentemente uma edição
também com um epílogo, em que sempre castigada. Praticamente, Os outros seguiram uma música qualquer coisa de francesa de Justine ou os infortúnios
o ponto de vista do narrador, já só se admite dentro do controlo interior, numa certa noção de da virtude, do Sade, que tinha lido
aflorado nos contos anteriores, é de uma instituição, o matrimó- harmonia. fundamental para a em jovem, em português. Também
posto a claro, como uma homena- nio. O relacionamento amoroso felicidade dos homens não é propriamente um dos meus
gem final ao sexo feminino. O meu fora do casamento é considerado O livro é dedicado aos fariseus guias espirituais.
próximo livro, posso desde já dizer, pecaminoso pelas religiões e isso pudibundos deste país. Além e das mulheres. Pode
não será sobre esta matéria. está entranhado mesmo naqueles de brandos costumes, Portugal ser um terreno de Um bom livro erótico é difícil de
que não são religiosos. No epílogo também vive envergonhado? encontrar?
O conto serviu, assim, a vontade diz-se que as relações amorosas Há por aí muita hipocrisia, muitos descoberta e exaltação Em tempos li aquelas coisas do
de glosar o mote? não são propriamente do campo vícios privados e públicas virtu- que deve ser vivido Henry Miller. E há pouco tempo, já
De condensar e captar a variedade, do nosso quotidiano, das relações des. Muitos fingirão não estar a ler depois de ter escrito este livro, fo-
o ziguezague e a surpresa. Para sociais e de negócios. Quando este livro, quando estão. Também lheei um livro da Anais Nin. Também
esse fim, o texto curto pareceu-me damos a nossa palavra cumpri- poderão estar a lê-lo no metro, não me interessou especialmente.
mais adequado. Aliás, a persona- mos. Quando temos uma dívida mas com uma capa evangélica. às forças misteriosas e cíclicas da Era muito um erotismo delambido,
gem masculina, que nem sequer pagamos. A relação amorosa está Acontece muito e sabemos porquê. natureza. com um sentido pindérico das coisas.
tem nome, não me interessa muito. ao nível da descoberta, do lúdico, É uma reserva pudibunda de sé-
Nem sei quem ele é, se é gerente da aventura. É outra área. Guerra culos e séculos, ainda por cima in- E isso está a mudar? A sua obra é muito variada,
ou não. Só sei que não pode usar é guerra, como se dizia. culcando a inferioridade feminina. Sem comparação. Uma libertação mas nos últimos anos tem
a casa e tem de recorrer à gar- Parece que os doutores da igreja tem vindo a ser assumida. Claro lançado livros que surpreendem
çonnière de um amigo ou a um O epílogo pode ser considerado um e seus oficiantes entendem que que é preciso ter em conta os gos- completamente o leitor. Um
hotel. É apenas alguém que faz 'libelo' contra o romantismo? a mulher não tem direito ao seu tos pessoais. Há mulheres que gos- manual de escrita criativa, agora
acionar as outras personagens, é Contra uma conceção errada. O prazer. Mais ainda: não pode fazer tam de ter muitos homens, outras um livro de contos eróticos. Quer
um gatilho. Faz o seu papel, mas Romantismo foi um movimento as suas escolhas. No meu livro tem que não. Não vamos assumir que fazer o que ainda não fez?
as mulheres é que enformam estes cultural e literário importante, todo o direito e todo o poder. No todas são de uma forma o outra. E Não. Resulta da minha passion
relacionamentos sexuais. muito marcado pela efusão dos livro, como talvez na vida real, o mesmo vale para o sexo mascu- papillon, para usar a expressão
sentimentos. Outra e mais popular quem comanda as relações são as lino. Não é preciso ir à Manchúria do Charles Fourier. O gosto de
Num conto, o clímax tem de ser é a visão que pressupõe certos mulheres. para descobrir homens fiéis. Eles borboleteante, de variar, de saltar
mais rápido? ambientes e lugares comuns, a que existem. As pessoas fazem as suas de coisa em coisa. A diferença que
Não me parece. O facto de um obriga o prazer a estar acom- Para algumas cabeças, êxtases escolhas. O importante é que as há de livro em livro tem a ver com
conto ser rápido não quer dizer que panhado do toque de violinos, femininos só os de Santa Teresa de façam sem constrangimentos, com isso, são exercícios diferentes desta
a ejaculação seja precoce. Eu penso cruzeiros, luares e rouxinóis. Anda Ávila, como diz o narrador. liberdade. minha curiosidade. Vamos lá abor-
que desde que se abram as janelas muito pelas vagas do sentimen- Aí está um caso espantoso de dar esta matéria, depois aquela que
da imaginação e que o leitor faça o talismo. Compreendo, por isso, o farisaísmo. A escultura do Bernini Mas estava à espera que um livro está mesmo a pedir. Nada mais.
seu próprio conto a partir do meu ponto de vista do narrador. Para é o retrato de um orgasmo e no en- com estas características pudesse
há caminho aberto para o prazer se ter prazer numa relação não tanto é apresentado como o êxtase chocar mais do que chocou até Uma última pergunta, que se
alongado. temos necessariamente de passar de uma santa. agora? calhar devia ser a primeira: coitus
pelo crivo de mariachi, cantores Até agora devo-lhe dizer, com al- ergo sum? Coito logo existo?
Algumas destas histórias são casos mexicanos, encontros em jardim. Mas em Portugal recusa-se o gum espanto, não notei que alguém Não poria nesse latim. Mas se
de adultério. É um picante para a Podemos estar em qualquer lado, prazer? tivesse ficado chocado. Tenho notí- me perguntar se a sexualidade é
cena amorosa? desde que os corpos se entendam. Às vezes parece pecado. A ideia da cia de pessoas mais idosas, mais qualquer coisa de fundamental,
No livro há mulheres casadas, transgressão religiosa ainda está velhas que eu, que terão pergunta- eu diria que sim. Para a felicidade
outras não. Num caso ou noutro Teve alguma atenção à organização nas nossas mentes, com a tal visão do por que é que eu me pus a fazer dos homens e das mulheres. Pode
pode suscitar os sentimentos dos contos? negativa das mulheres. Não é o isto. Mas as reações, como disse, ser um terreno de descoberta e
de culpa muito inculcados que Seguiram um certo desenvolvi- feiticeiro que mete medo, mas a foram positivas. Gerou-se até uma exaltação que deve ser vivido e
resultam de se ter tomado um mento que não saberia explicar. Sei bruxa. A suposição da sua ligação certa curiosidade sobre como é que preservado. JL
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt LIVROS
letras * 9
Para Aquela Que Está Sentada No não pronunciada, sempre tos da verdade. A referência cen-
Escuro À Minha Espera, passam subentendida), oscilando entre tral poderá ser Pedro Páramo, de
por: a) referências a cantilenas perdas de memória e espantosas Juan Rulfo, que nos revela como
("Pico pico sardanico quem te recordações. Podemos dizer a fronteira entre a vida e a morte
deu tamanho bico", ou "Dança o António Lobo Antunes "Escrita, espetáculo e memória – três motivos interligados que essa situação conduz ao é ténue na literatura. Em Pedro
cão dança o gato dança o feijão e centrais no romance" que William Faulkner diz Páramo, a procura da mãe há de
carrapato", que é título de uma numa passagem de Uma Luz Em traduzir-se num encontro insólito
“
crónica) e passagens bíblicas (a Agosto: "A memória acredita para, no final, tudo ser colocado
parábola do grão de mostarda, antes de o conhecimento em dúvida. Ora em Para Aquela...
a título de exemplo), bem como de viver da narradora que, aliás, recordar. Acredita por mais é a filha quem procura o pai, par-
intertextualidades (citação de também padece de uma doença). tempo que recorda, por mais tindo da doença, que – não o des-
excertos do poema “A lua de Não obstante todos esses tempo até que o conhecimento curemos – metaforiza o processo
Londres”, de João de Lemos, temas e micronarrativas, é em Numa linha de se interroga (…)" (ed. D. Quixote, da criação romanesca, ligado à
autor do século XIX); e, b) acima torno da memória que gira a continuidade, este 2016, p. 107). Assim, em Lisboa, memória. Daí também a impor-
de tudo, uma profusão de temas temporalidade da narrativa ao cuidado de uma senhora tância da noite ou do escuro, pois
e lateralizações, quase sempre de Para Aquela..., romance
novo romance de idade, sob a supervisão do a entidade feminina procura o seu
presentes nos seus romances, que não é estruturado apenas retoma aspetos de sobrinho do marido já falecido, quarto no escuro da casa, acorda
tais como: em narrativas descontínuas a voz feminina recorda todos de manhã e apercebe-se de que
o suicídio (de que ou emaranhados, mas
obras anteriores, em os que estão mortos, mas, as coisas mudam durante a noite,
encontramos, em Para Aquela…, especialmente numa fruição constantes reenvios ainda assim, vivos dentro desde o olhar do gato (símbolo
três situações); a casa (lugar
matricial, também aqui
da própria memória, feita,
afinal, de descontinuidades,
e alusões que devem dela, como se constata "que
estranha forma de viver têm
heterogéneo da ligação entre o
terreno e o além) ao rosnar do
presente através da casa dos incertezas, interditos, elipses, ter em conta o corpus os mortos" (Para Aquela…, p. galgo (o que lembra a raposa de A
pais da protagonista, em Faro); avanços, recuos, esquecimentos textual antuniano, 74). Ora essa capacidade de a Ordem Natural das Coisas). Não há
alusões onomásticas (a prima e recordações. A protagonista memória acreditar antes de o apenas rememoração, mas uma
da protagonista chama-se e narradora do romance é de constituído hoje por 27 conhecimento recordar, leva construção imagística.
‘Antonina’; o pai da personagem facto alguém que sofre de perdas romances a mulher a pensar que os seus Escrita, espetáculo e memória
principal teria tido uma de memória que a incapacitam pais (mortos há anos) tocam – três motivos interligados e
relação extraconjugal com a para a vida profissional (era à campainha e se regozijam centrais no romance. Ora a
‘filha do Antunes’); a exclusão atriz e principia a esquecer- A memória será, por ela estar prestes fazer 78 atriz foi perdendo as palavras
social (a homossexualidade, se das falas, tendo ‘brancas’ anos. Estabelece-se aqui uma até ficar muda, mesmo que no
o travestismo e a miséria); a quando procura as palavras) afinal, a palavra que ligação entre a memória do seu interior ela não acredite
importância do voar (a entidade e – paulatinamente - para a se deseja longeva, ou que aconteceu e a memória do nessas perdas. Como em Pedro
feminina recorda como a mãe vida pessoal, o que a impede de que se imaginou acontecer, Páramo, o silêncio permite que
lhe dava de comer enquanto viver sem o auxílio de alguém,
seja, a sobrevivência da potencializando-se, na escrita se apaguem de nós os ruídos
ela voava) e da figura paterna aguardando-se, em última literatura à passagem do ficcional, um abalo na fronteira e as vozes dos outros para
(o pai era o único que a tratava análise, o seu falecimento. entre o mundo dos vivos e o dos escutarmos a nossa própria
por "Filhinha" e não pelo nome A memória, como os três
tempo, às brancas que mortos: voz, o que sucede com a
próprio); as menções ao mundo andamentos em que o romance a memória possa ter no entidade feminina que deixa de
do espetáculo (a protagonista
foi atriz; o pai parece-se com
se estrutura (tendo cada um
deles oito capítulos), tem graus
espetáculo da vida "[…] a senhora de idade para a
minha mãe
verbalizar o que, afinal, passa a
falar interiormente. O sobrinho
um ‘Charlot’; um amigo do pai de velocidade e a personagem – Não lhe pergunte seja o do marido e o médico acham
pertence a uma companhia de recorda, a partir da doença que que for que ela para além de não que ela não fala, mas essa (in)
teatro ambulante); e a doença a assola no presente, a infância ora se silencia), um amigo que falar aptidão para usar as palavras
(a irmã chamava-se Corália passada em Faro, a relação entre andara com o pai na tropa e que não se recorda de nada liga-se ao ofício da escrita
e faleceu de difteria, o que os pais (com destaque para o augurava para ela um futuro o meu pai para a senhora de como uma criação inquietante.
intensificou a responsabilidade ‘crucifixo’ que ora se move promissor nas artes dramáticas, idade espantado Não deixa, pois, de ser curioso
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1o * letras LIVROS jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
Mário Dionísio
dada pelo veterinário; o galgo
que desaparece e é apenas uma
imagem num avental) quem
se ocupe da escrita do livro (p.
“
Génesis, onde se afirma que nesses anos de começo, naturalmente lindezas ou agruras. Não é exclama-
Matusalém viveu 969 anos), exaltado e, todavia, tateante, em que tiva, nem expansiva. Foge até roçar a
será, afinal, a palavra que todo o meu entusiasmo ia para a poesia esqueça também o conhecido ensaio pobreza da prosa [...]." (p.8). E, com
se deseja longeva, ou seja, a espanhola que acabara de descobrir de de Mário Sacramento, Há Uma Estética efeito, a poética dionisíaca é feita disso
sobrevivência da literatura à Altolaguirre, de Emilio Prados, sobretu- Neorrealista?, trabalho seminal e onde Para além da atenção tudo – de uma pesquisa rítmica, de
passagem do tempo, às brancas do a de Rafel Alberti, cuja antologia de se postula que o neorrealismo é uma repetições e reiterações, de variações
que a memória possa ter no 1934 me deslumbrara.» (p.19). designação talvez insuficiente para prestada às gentes e versificatórias e imagísticas que, quase
espetáculo da vida. J Creio que é essencial reler Mário esclarecer até o intimismo e alguma coisas que povoam sempre, convocam a realidade, mas não
Dionísio (MD) – e não só, já que de confessionalidade de poemas que não literalizam a realidade vista ou vivida.
poetas neorrealistas, congregados em negaram o lirismo ao mesmo tempo cidades, Dionísio nunca Daí a referência a Rafael Alberti e a
torno do "Novo Cancioneiro", se trata que pensavam também sobre uma se desviou do ‘problema’ Altolaguirre ou Emilio Prado. Diga-se,
– à luz destas suas palavras e do que o época em que fascismo, nazismo e já agora, que Alberti e as fases do seu
mesmo explicitou em inúmeros ensaios comunismo, a par das democracias central da poesia: as lirismo de algum modo encontram em
respeitantes à questão equívoca de sa- liberais, se enfrentavam. palavras com que se pode Dionísio (o de Poemas, de 1936-38 e de
ber se a poesia feita ao abrigo daquelas Talvez por ter havido sempre uma As Solicitações e Emboscadas, de 1945)
publicações (poesia e artigos que já em fidelidade ao lirismo como expressão
interrogar o homem, o uma curiosa similitude, descontando
órgãos como Sol Nascente ou O Diabo das pulsões de um eu angustiado, por tempo, a morte, temática a fase neopopulista do autor espanhol,
deve ser relida, equacionando o que meio de uma linguagem que recuperava que resgatou em Marinero en Terra e em
quer dizer neorrealismo, que significa de Álvaro de Campos, mas também de
sua por excelência El Alba del Alheli (1922-1927) o cancio-
ter-se escrito literatura neorrealista Casais, essa dimensão esfacelada do neiro andaluz e o folclore.
em Portugal...) era devedora ou não sujeito moderno que, não podendo ser É que, como Alberti, também
de influências do romance brasileiro nada, não querendo ser nada, tinha, dirimindo as consequências de Julien Dionísio não ficou imune a certas
nordestino (no que toca à prosa) ou da apesar disso, em si, todos os sonhos do Benda e o problema da traição dos marcas do discurso surrealista (Cal y
necessidade de responder ao magistério mundo, muitos não tenham compreen- intelectuais) em relação à de Coimbra Canto mostra, no espanhol, essa in-
› António Lobo Antunes do presencismo. Eduardo Lourenço, dido que a reação da chamada escola de (Régio e os da presença), mais do que fluência), que pressentimos não apenas
PARA AQUELA QUE de resto, não deixou de colocar sob Lisboa (os neorrealistas e Dionísio em reação era um reposicionamento. na sugestão de uma epígrafe de Tzara
ESTÁ SENTADA NO suspeita a questão da poética neor- particular, dado ser o teórico destacado Lendo os poemas de MD e certas no volume de 1950, mas, em livros
ESCURO À MINHA realista ao escrever sobre Cochofel, e de um grupo literário onde se pensava injunções típicas do seu estilo (a prosa, anteriores, em cujos textos, apesar de
ESPERA muito em particular sobre a dimensão a arte e as suas relações com o meio a construção coloquial do discurso, o não haver a ilogicidade cara aos mais
D. Quixote, 352 pp., 19,99 euros trágica em Carlos de Oliveira. Não se social e a responsabilidade do artista, efeito dramático e de encenação que destacados poetas surrealistas (o livre
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt LIVROS, COLUNA
letras * 11
curso do inconsciente no fazer poético,
a exaltação da chamada "realidade
maravilhosa" de Breton, a escrita auto-
À MARGEM...
mática), ou melhor, a certa necessidade
de também descobrir, a partir do real, EDUARDO LOURENÇO
um novo modo de o dizer. Poemas
como "Ainda é tempo" ou "Meu galope
é em frente", publicado em 1942, como
O regresso de um fantasma
que se deixam penetrar quer por súbitas
associações, quer por imperativas
formas frásicas que reenviam àquela
assunção do individualismo que pautou
a linguagem presencista: "Eu sigo e
seguirei/ como um doido ou um anjo/
obstinado e heroico a caminho de nós/
em palavras e ações/ Por todos os ven-
davais/ e temporais/ e multidões/ [...]/
Direis que não é poesia/ e a mim que me Stefan Zweig (1881-1942), austríaco de origem judaica, foi um dos mais famosos escritores mundiais, dos mais
importa!" (p.118). editados e lidos, nomeadamente em Portugal. Romancista, dramaturgo, poeta, biógrafo, ensaísta, essa fama
Mas o mesmo MD que em tantos
momentos lembra, nas metáforas consolidou-se a partir sobretudo da década de 20 do século passado e prolongou-se muito para
("passos de sombra atravessam culatras
e tambores/ com braçadas de pombas",
lá do seu suicídio no exílio brasileiro. Mesmo entre nós, sobretudo a Relógio d’Água e a Assírio &
"um corpo de alga só imagem/ de lusco- Alvim editaram-no nos últimos anos, como já aconteceu em 2016 com a segunda e a Aletheia.
-fusco e fim de tarde") certo José Gomes
Ferreira, que não por acaso muitos veem
Mas a chancela que tem mais livros seus publicados, desde há muitas décadas, é a Civilização.
N
como um predecessor dos neorrealistas, Este texto, inédito e inacabado, do autor do Labirinto da Saudade, é datável dos anos 70
não deixou de evoluir de uma dicção
mais claramente social ("Direis que não
é poesia/ E a mim que importa/ se eu ão é proibido imaginar
estou aqui apenas para escancarar a que estava nas mãos
porta/ e derrubar os muros?"), onde a dos deuses a possibi-
íntima visão do amor e das dificuldades lidade de termos uma
de viver emparedado se mistura sempre biografia do nosso “in-
com mensagens velada ou explictamen- disciplinador” de al-
te políticas (leia-se "Balada dos Amigos mas pelo mais célebre
Separados"), para esse inclassificável biógrafo da sua época,
livro de 1965, Memória dum Pintor Stefan Zweig. Sem um
Desconhecido, onde o tema da compo- sublime filme de Max Ophüls o seu nome talvez
sição da pintura é um modo de pensar a não dissesse grande coisa à jovem geração. Para
composição do poema. a minha, o autor da Confusão de Sentimentos e
De facto, para além da atenção Amok dizia de mais. Para a geração crítica que
prestada às gentes e coisas que povoam então, como é de norma, separava sem com-
cidades (operários, prostitutas, en- placências os vivos dos mortos, o pobre Stefan
gomadeiras, camiões, automóveis...), Zweig, puro produto da Viena misteriosa dos
Mário Dionísio nunca se desviou, apesar começos do século, tinha o pecado sem remis-
da dispersão (poesia, pintura, ensaísmo, são de ser lido por toda a gente. A celebridade
ensino, crítica) do problema central tornara-o, entre nós, um autor maldito.
da poesia: as palavras com que se pode É estranho este poder repressivo dos beaux
interrogar o homem, o tempo, a morte, esprits de uma época, a sua capacidade de dar
temática sua por excelência. E talvez má consciência até aqueles leitores lúcidos que Stefan Zweig "Tinha o pecado sem remissão de ser lido por toda a gente. A celebridade tornara-o,
por isso, num livro como Le Feu qui Dort neles encontram o sabor sem nome da litera- entre nós, um autor maldito"
(1967) esta poesia da reiteração, dos tura que entusiasma e encanta sem excessivo
“
trabalhos e dos dias, das ambições frus- artifício. Nem a sua morte, tragédia individual
tradas só podia trazer a marca do exílio. perdida na mais vasta da II Guerra Mundial, lhe
Escrito em francês, o poeta constrói aí, conferiu aquela aura que é costume reservar cuja vaga de fundo só agora repousa ou se
como o Nemésio de La Voyelle Promise apenas aos autores confidenciais, àqueles que extenua em caoticidade assumida e euforica-
(1935), qualquer coisa de imprevisto, distinguem quem em pequena companhia os Stefan Zweig pertenceu a um mente glosada.
de dramático, tal como tinha sido o seu devora em comum. É curioso que uma geração que descobriu e
livro de estreia onde o assunto primor- Decerto Stefan Zweig não é um “revolu-
mundo que nasceu fatigado e exaltou, entre nós, um autor como Dostoiewski
dial não estava nessa "casa deserta/ cionário” da escrita, um Joyce ou um Proust, se sentia condenado à morte. (via Gide), que teve, como nenhuma outra
sozinha, sozinha», mas na repetição mas também o não eram os que há 50 anos o antes dela, a paixão da verdade psicológica
de um vocábulo, na fixação de imagens desdenhavam e hoje ficariam perplexos dian-
Ele explorou, como vizinho profunda dos seres humanos, não tenha visto
que não podem ser lidas hoje segundo te de uma aceitação e de uma re-descoberta e correligionário de Freud em Stefan Zweig uma espécie de Dostoiewski
aquela fácil (mas esgotada ideia) de que
o neorrealismo foi a descrição/denún-
que lhes pareceria um contrassenso. Zweig
pertenceu a um mundo que nasceu fatigado
que era, na mesma capital polido ou um Proust apressado na exploração
de recessos similares. Tudo se passa como se
cia. E, por isso, como Alberti, é o exílio e se sentia condenado à morte. Ele explorou, crepuscular e visionária, essa para essa geração, mestra e educadora da mi-
o ponto de fuga para que esta poesia como vizinho e correligionário de Freud que fadiga e essa morte anunciada nha, Freud tivesse sido menos uma referência
aponta, e que o poema XCI de Terceira era, na mesma capital crepuscular e visioná- que um ecrã e, mesmo, um espelho suspeito.
Idade (1982) resume: "Concha quase ria, essa fadiga e essa morte anunciada nela nela de que será cronista ultra- O que não admira pois só bem recentemente o
fechada/ mergulhando/ no silêncio e no de que será cronista ultra-sensível e vítima sensível e vítima propiciatória passeio no inconsciente se tornou familiar aos
mar/ de que nasceu" (p.571).J propiciatória. Quando se suicida no Brasil, em nossos escritores.
Petrópolis, em 1940, o seu mundo fora des- É verdade que Stefan Zweig pertencia a uma
truído até à raíz e a própria história humana Era de uma raça com tradições raça com tradições entre nós, a dos “gran-
parecia sem futuro. des europeus”, a da gente preocupada com
Todos os grandes autores da primeira entre nós, a dos ‘grandes o destino europeu em processo suicidário, à
metade do século adivinharam esse apocalip- europeus’, a da gente preocu- raça dos “humanistas” da tradição romântica,
› Mário Dionísio se, mas poucos descreveram tão bem, como
pada com o destino europeu Romain Rolland, Thomas Mann, humanisno
POESIA Stefan Zweig, não apenas os mal-estares dos conscientemente voluntarista, vivido como
COMPLETA diversos alunos Törless da época como o mal- em processo suicidário, a raça defesa contra uma barbárie de que, todos eles,
-estar da alma europeia, no momento exato paradoxalmente, conheciam a ‘indesraizável’
Imprensa Nacional/
em que na esfera privada crescia um crepús-
dos ‘humanistas’ da tradição presença no coração dos homens e da humani-
Casa da Moeda, 592
pp., 30 euros culo sentimental e uma confusão de valores romântica dade inteira.J
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12 * letras ESTANTE jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
FICÇÃO de Madrid, com o atrativo sonho, forma-os e ensina-os para aí que Tod vai trabalhar vários outros países
adicional de o escritor a entender melhor o mundo como médico assistente a escritora basca
Maria Gabriela também integrar o elenco, no
papel do duque de Ugolino.
real, a vida quotidiana, com
as suas misérias e grandezas".
do seu tio. Mas tudo lhe
parecerá muito estranho. As
Dolores Redondo.
Neste desfecho, que
Llansol Os contos da Peste é uma
homenagem ao Decameron, › Mário Vargas Llosa
pessoas ficam mais jovens,
os dias andam para trás e as
se segue a O Guardião
Invisível e Legado
Publicado a célebre e emblemática OS CONTOS DA PESTE conversas começam pelo fim. nos Ossos, a morte
inicialmente em obra de Boccaccio que o D. Quixote, 208 pp, 17,90 euros "Qualquer coisa não está a de Rosario não é
1990, Um beijo Prémio Nobel da Literatura funcionar bem: este corpo em suficiente para descansar Amaia,
dado mais tarde, em 2010 leu pela primeira que eu estou não quer aceitar inspectora da Polícia Foral.
de Maria Gabriela
Llansol, tem nova
vez na juventude. Ao correr
das releituras foi notando Martin Amis ordens desta minha vontade",
apercebe-se o narrador. "Olha
Conseguiu encontrar o filho, em
segurança, mas sente que nem
edição, na Assírio a dimensão teatral da obra Finalista do em teu redor, digo eu. Mas o tudo está resolvido. E um novo
& Alvim, integrada (sobretudo no início) e Booker Prize, em pescoço dele ignora-me. Os assassinato vem dar-lhe razão. O
no relançamento de toda a sua sedimentando a vontade de 1991, A Seta do olhos dele têm a sua própria verdadeiro mistério por de trás da
obra e na publicação de vasto a transpor para o palco. "A Tempo é um dos agenda. Será sério? Estaremos tragédia do vale de Baztán ainda
material inédito. O volume é avidez de gozo e prazer dos grandes romances bem? (...) Porque estou eu a está por descobrir.
agora acrescido de um cuidado dez jovens encerrados em de Martin Amis. entrar em casa caminhando às
gráfico (marcado pelas fotos de Villa Palmieri nasce como Para quem leu arrecuas?" › Dolores Redondo
Duarte Belo) e de um posfácio um antídoto do horror que recentemente OFERENDA À TEMPESTADE
assinado por João Barrento, neles provoca o espetáculo da A Zona de Interesse, de 2014, › Martin Amis Tradução de Ana Maria Pinto da Silva, Planeta,
grande amigo da escritora e peste que converteu as ruas será ainda mais interessante A SETA DO TEMPO 488 pp, 20,95 euros
responsável pelo seu espólio, de Florença num quotidiano (re)descobrir esta incursão Tradução de Jorge Pereirinha Pires, Quetzal,
à guarda do Espaço Llansol. de apocalipse", lembra, na pela Alemanha nazi e pela 208 pp, 16,60 euros
"Estamos hoje em condições de introdução, Vargas Llosa. barbaridade do século XX. POESIA
ler melhor Um beijo dado mais "As histórias de Boccaccio É, no entanto, a forma do
tarde, à luz de livros posteriores
como O Senhor de Herbais e
transportam os leitores
(e os que os ouvem) a um
romance que mais cativa.
A Seta do Tempo tem como Dolores Gonçalo Salvado
O Jogo da Liberdade da Alma.
É-nos ainda mais fácil perceber
mundo de fantasia, mas esse
mundo tem umas raízes bem
protagonista Tod T. Friendly,
personagem inspirada em
Redondo Com o título
Cântico dos Cânticos
como aquilo que poderia mergulhadas na realidade Mengele, o médico responsável Com Oferenda à Tempestade sai - em volume
parecer uma história familiar é do vivido. Por isso, além pelas mais atrozes experiências encerra-se a trilogia do Baztán, editado com o apoio
uma não-história-de-família, de os fazer partilhar um científicas em Auschwitz. É que celebrizou em Espanha e em da Câmara de Castelo
um não-romance (de fundo Branco, no contexto
autobiográfico)", sugere João da inauguração da
Barrento. Um livro em que os Casa da Memória
desígnios da escrita de Maria
Gabriela Llansol surgem com
toda a sua força: o apagamento
Três romances que precisam de ser resolvidos. Lisa
Hilton é uma jornalista inglesa, crítica
de arte e locutora de rádio. Como seu
da Presença Judaica naquela
cidade - um longo poema,
'dividido' em muitos poemas,
do eu e o escrever não sobre, nome assinou várias biografias e ro- de Gonçalo Salvado (GS), por
mas com os livros e a vida. mances históricos. Pelo nome de L. S. sua vez parte do seu livro Duplo
Em várias coleções, a Editorial › L. S. Hilton Hilton lançou-se no thriller psicológi- Esplendor. Em prefácio, Maria
› Maria Gabriela Llansol Presença tem editado inúmeros ro- MAESTRA co. Maestra conta a história de Judith João Fernandes escreve que
UM BEIJO DADO MAIS mances, de autores, temas e públi- Tradução de Jorge Freire, Rashleigh, que durante o dia trabalha "no esplendor intraduzível das
TARDE cos muito diversos. A série Grandes Presença, 312 pp, 16,90 euros numa prestigiada leiloeira londrina suas metáforas, GS preserva
Assírio & Alvim, 160 pp, 14,40 euros Narrativas aproxima-se dos 650 tí- e à noite torna-se acompanhante de na moderna poesia portuguesa
tulos. Entre as últimas publicações › Fredrik Backman luxo. Os dois ofícios, porém, nem a grande tradição do amor, na
conta-se Um Homem Chamado UM HOMEM sempre se revelam compatíveis. A esteira cintilante do Cântico
Vargas Llosa Ove, de Fredrik Backman, blogger
e colunista sueco que neste livro
CHAMADO OVE
Tradução de Alberto
fatura da ascensão social à margem da
lei mais cedo ou mais tarde terá de ser
dos Cânticos, motivo condutor
da sua obra". O volume tem a
A par de teve a sua estreia na ficção. Ove é Gomes, Presença, 312 pp, paga. O mesmo registo tem O que ela originalidade de ser bilingue, em
romances, um homem rabugento, caracte- 16,90 euros deixou, a estreia literária do jornalista português e hebraico (tradução
novelas e rística que piorou com a idade e inglês T. R. Richmond. Quando o de Francisco A. B. Costa Reis), e
contos, Mario com a morte da mulher. Certo dia › T.R. Richmond corpo de Alice Salmon é encontrado, tem capa e numerosos desenhos/
Vargas Llosa decide suicidar-se, mas o mundo O QUE ELA um dos seus professores inicia uma ilustrações do conhecido escultor
tem escrito com parece conspirar contra ele. Novos DEIXOU investigação que passará pela leitura João Cutileiro.
regularidade vizinhos, um amigo prestes a do seu diário e da sua atividade nas
para teatro. A ser internado, um gato vadio,
Tradução de Maria
Eduarda Colares, Presença, redes sociais. JL › Gonçalo Salvado
sua décima peça estreou-se pequenos e grandes contratempos 312 pp, 17,90 euros CÂNTICO DOS CÂNTICOS
em 2015, no Teatro Español RJV Editores, 116 pp.,
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt ESTANTE
letras * 13
Casimiro › Casimiro de Brito
houve qualquer pretensão
de cobrir todo o campo da
problema histórico: para os
povos da Antiguidade, esta
seguramente por
todos os leitores de
de Brito APOTEOSE
DAS PEQUENAS COISAS
'contemporaneidade' para chegar
ao momento atual. Pelo contrário,
cor conta pouco; para os
Romanos, é até desagradável
todos os séculos
do dramaturgo
Nas "Obras de Lua de Marfim, 256 pp., 16 euros as perspetivas de síntese e as e depreciativa: é a cor dos inglês, preparou
Casimiro de Brito", análises dos vários capítulos Bárbaros. Ora, nos nossos dias, um volume com
o seu quarto livro mais não pretendem do que ser o azul é de longe a cor preferida algumas das
nelas integrado: OUTROS uma reflexão sobre os caminhos de todos os Europeus, bem à suas máximas
Apoteose das da literatura portuguesa entre a frente do verde e do vermelho. mais famosas e exemplares.
pequenas coisas.
São 1938 curtos Literatura Revolução de Abril e a viragem do
século."
Houve, assim, ao longo dos
séculos, uma completa inversão
"O rigor e a graça das suas
palavras nascem de uma fé em
textos - versos,
prosas poéticas, pensamentos,
portuguesa › João Barrento
dos valores. O livro insiste
nessa inversão", diz Pastoureau.
sentimentos estruturais como a
amizade, o amor ou a compaixão
reflexões, anotações, Um quarto de A CHAMA E AS CINZAS Os quatro capítulos do livro (no sentido etimológico de
designadamente diarísticas século de literatura Bertrand, 208 pp, 14,40 euros cobrem das origens ao século partilha da paixão alheia).
- do autor, com uma vasta portuguesa revista XII (uma cor discreta), séculos As questões do poder e da
obra, que foi um dos cinco por João Barrento, XII-XIV (uma cor nova), vingança, da ambição e da
da Poesia 61, e ao longo do
tempo, além do que publicou,
com enfoque dado
a cinco grandes Azul séculos XV e XVII (uma cor
moral) e séculos XVIII e XX (a
hipocrisia, da guerra e da morte,
são sem dúvida centrais nas
teve intensa atividade poética áreas: Literatura Depois do preto, cor preferida)". Em Portugal, suas peças - mas encontramo-
e cultural, nomeadamente e sociedade, as Azul - História a Orfeu Negro já publicou o las sempre contrastadas por
através do Pen Clube. Os textos hipóteses de Abril; Leituras da de uma cor. O volume Preto. Em França o um pensamento forte sobre a
são numerados, do primeiro História, facto e ficção no romance; historiador francês historiador já tem também o possibilidade de uma existência
("Uma cidade. Um grão/de A nova desordem narrativa, Michel Pastoureau, volume Verde. comandada pelos impulsos
areia. Fragmentos/ da Via a escrita feminina; A arte do grande especialista opostos da solidariedade e da
Láctea") ao último: "Só, o sol". pouco, caminhos do conto; e A em simbologia, › Michel Pastoureau coragem, da paz e da felicidade",
E parece ser a seu propósito poesia, um rio de muitos braços. prossegue os acrescenta a escritora. Com
AZUL - HISTÓRIA
que o autor confessa, no 592: O volume é o resultado de uma seus estudos cromáticos, edição bilingue (inglês e
DE UMA COR
"Já nem o chamado poema, série de conferências que o dedicando-se a uma tonalidade português), este livro reúne
Tradução de Anabela Carvalho Caldeira e José
os fragmentos do poema, me ensaísta e professor universitário que considera omnipresente Alfaro, Orfeu Negro, 270 pp, 15 euros dezenas de falas retiradas das
interessam - parecem lagos (entretanto jubilado) fez em nos nossos dias. Dos jeans peças de Shakespeare, com
polidos. Só os fragmentos Frankfurt, no âmbito da Feira aos uniformes, da celebração divisão temática.
com algo de inacabado, estes,
assim..." Exemplo diferente:
do Livro, quando Portugal foi
o país homenageado. Escrito
do céu e do mar aos blues
da música. Nem sempre, Shakespeare › Inês Pedrosa (org.)
"Toda a gente nos quer originalmente em alemão, no entanto, o azul foi tão "Há poderosas e saborosas AS LIÇÕES DE VIDA
transformar, melhor, resumir, teve primeira publicação, na presente. E é justamente o seu lições de vida nas belas frases DE WILLIAM
numa só pessoa - e cada Alemanha, em 1999, com nova trajeto histórico que aqui se de Shakespeare", garante SHAKESPEARE
um de nós é uma multidão versão agora, revista e pensada reconstitui. "A história do azul Inês Pedrosa, que a partir Tradução de Inês Pedrosa, D. Quixote, 192 pp,
desorientada". para o público português. "Não põe de facto um verdadeiro desta convicção, subscrita 11 euros
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14 * artes jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
DocLisboa
essa predominância de um olhar
feminino, com filmes de Cláudia Rita
Oliveira, Ida Gil, Joana Linda, Patrícia
Pinnheiro de Sousa e Luciana Fina.
Deslocações, memórias
Entre os homens, o grande destaque
vai para Edgar Pêra, o maior herói
independente do cinema português
está de volta ao documentário com
O Espectador Espantado, filme que
faz parte de uma longa investigação
e documentos falsos
sobre a reação do público no cinema.
COMPETIÇÃO INTERNACIONAL
Dezoito filmes de 13 países, incluin-
do seis estreias mundiais e cinco
internacionais. Dentro dos filmes
selecionados para a competição in-
ternacional descobrem-se várias ten-
dências. Uma delas são as histórias
de famílias. É o caso de 96 and 6 to go,
Dezenas de documentários, recentes e antigos, dos mais variados países, com diferentes propostas em que o americano de origem ni-
estéticas, ajudam-nos a compreender o mundo em que vivemos. O DocLisboa decorre de 20 a 30 pónica Kimi Tekesue, filma o seu avô,
filho de imigrantes japoneses que se
de outubro, na Culturgest, no São Jorge, na Cinemateca Portuguesa, na Fundação Gulbenkian e radicaram no Hawai em 1910; ou Sol
Negro, da colombiana Laura Hertas
em outros espaços de Lisboa. Com a ajuda da sua diretora, Cíntia Gil, o JL percorre a programação Millán, sobre um dramático reencon-
e destaca dez filmes a não perder tro de irmãs. A questão das desloca-
ções ganha novamente espaço, com
n
filmes como Calábria, de Pierre-
Manuel Halpern François Sauter, em que um imigran-
te português e um imigrante sérvio
na Suíça, atravessam a Itália com
um cadáver que deve ser enterrado
na Calábria. Ou Vangelo, de Pippo
Delbono, numa leitura dos campos
de refugiados à luz do Evangelho se-
gundo São Mateus. A Itália, de resto,
está em destaque com quatro filmes
inscritos. Correspondências, de Rita
Azevedo Gomes, é o único represen-
tante português, e é feito a partir da
troca de cartas entre Sophia de Mello
Breyner e Jorge de Sena.
"Nota-se uma tendência para des-
locações, realizadores que filmam WATKINS, CUBA E RISCOS
fora do sítio onde vivem", diz, ao O grande homenageado do festival
JL, Cíntia Gil que, juntamente com é o britânico Peter Watkins, de 81
Davide Oberto, dirige o DocLisboa. anos, que é sem dúvida um dos mais
Claro que, num panorama tão criativos documentaristas mun-
vasto como o do Doc é sempre difícil diais, pioneiro dos chamados falsos
deslindar apenas uma tendência, documentários. Chegou a ganhar um
pois são mais as exceções do que as Oscar por The War Game (1965), mas
regras. As largas dezenas de filmes o seu percurso vale como um todo,
que o festival apresenta são mostra sempre com grande irreverência e
de isso mesmo: apesar de haver acutilância. Trabalhou para a BBC,
um gosto pelo cinema alternativo mas acabou por se tornar um dos
e também uma predileção para um mais acérrimos críticos do modelo
certo cinema de intervenção política televisivo de documentário. Muitos
e social há uma grande heterogenia dos seus filmes revelam um ativismo
nas propostas. "Uma das coisas que fervoroso. Pelo Doc passam obras
nos perguntámos foi se é possível como La Commune, uma recria-
fazer comédia em documentário. ção da Comuna de Paris de 1871;
Chegámos à conclusão que sim". E Edvard Much, sobre o famoso pintor
no festival há vários exemplos de norueguês; ou Punishment Park, à
filmes carregados de humor que Oleg and the Rare Arts, de Andrés Duque (em cima), Paris 15/16 (à esq.ª) e Ama-San, de Cláudia Varejão (à dt.ª) volta da Guerra do Vietname. Em
contrastam com a gravidade de Lisboa vai estar presente o seu filho
outros que expressam o peso das Patrick Watkins e Luke Fowler, na
“
tragédias do mundo. qualidade de programador. Fowler
Uma das novidades deste ano é a os filmes, sempre diferentes, com que tem feito um notável percur- é de resto um dos realizadores em
ausência de Augusto M. Seabra, que capacidade de surpreender, testando so em festivais no estrangeiro. Um destaque, na secção Riscos, onde vão
interrompe a sua tarefa de progra- muitas vezes os limites do género e filme sobre o trabalho das mulheres passar três dos seus filmes. Também
mador, mas ainda assim marca pre- de inequívoca qualidade. Olhares que mergulhadoras numa vila piscatória é o responsáel pelo pequenos ciclo
sença no festival com um filme da valem não só pelo objeto olhado, mas no Japão. O mesmo acontece com Em jeito de dedicado a Peter Hutton, com cinco
sua autoria sobre Manoel de Oliveira. sobretudo pela forma como se olha. A Cidade Onde Envelheço, de Marília homenagem, o longas metragens.
Outra novidade é a criação da secção Exemplo de diversidade é a Rocha, que acompanha a viagem de Outra retrospetiva do Doc 2016
"Da Terra à Lua", em homenagem competição portuguesa, prato forte Teresa, uma jovem portuguesa, ao DocLisboa vai passar é Documentário e Vanguarda em
a Júlio Verne, que concentra filmes do festival, que este ano conta com Brasil, país onde pretende passar a o último filme de Cuba, com o título Por Um Cinema
dos nomes mais sonantes e apetecí- várias surpresas. "Novamente há des- viver. Impossível, que reúne alguns exem-
veis para o grande público. Nomes locações e também realizadores que "Uma das características da
Abbas Kiarostami, a plos de filmes do período do início
estes que outrora estavam dispersos já não vivem em Portugal, fruto da Competição Portuguesa é que, este curta metragem Take da revolução, que aceitam o desafio
por várias secções. crise", afirma Cíntia Gil. E, de facto, ano, há mais mulheres do que ho- estético e ético de filmar a vida das
De resto, como sempre como encontramos logo essa tendência mens", comenta Cíntia, com orgulho
Me Home, sobre uma pessoas de um ponto de vista mais
dantes, o que realmente conta são em Ama-San, de Cláudia Varejão, feminista. Sem dúvida que se verifica viagem a Itália próximo. Dividido em 12 sessões,
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt DOCLISBOA
artes * 15
No sentido dos ponteiros do relógio Lo and behold, Reveries of the Connected World, de Werner Herzog; Austerlitz, de Sergei Loznitsa; Ta'ang, de Wang Bing; Rocco, de Thierry Demaizière, Alban Teurlai; Janun, de
Paul Thomas Andersen
“
tanto se encontram grandes cineasta iraniano, o documentário Take me próprio cinema. O grande desta- programa divide-se em três grandes
de Cuba, como García Espinosa e Home, uma curta que regista uma que é Bowie, Man wit a Hundred temas: Falemos de Furos, a pro-
Santiago Álvarez, como estrangeiros viagem ao sul de Itália. E, para com- A literatura e as artes faces or The Phantom of Hérouville, pósito da exploração de petróleo
que se interessaram pelo país, como pletar a sessão, será exibido o filme sobre o desaparecido músico inglês, no Algarve; No Pasarán, sobre os
Chris Marker ou Agnès Varda. 76 Minutes e 165 seconds with Abbas portuguesas vão estar um dos maiores ícones artísticos fluxos migratórios e o crescimen-
A secção Riscos é, como sempre, Kiarostami, de Seifollah Samadian, em destaque com dos nossos tempos. O alemão Iain to da extrema direita na Europa; e
onde se encontram algumas das onde conhecemos de forma mais Dthley faz um filme com o suges- #Foratemer, sobre o movimento
propostas mais ousadas do festival. íntima o realizador, através de uma filmes sobre Álvaro tivo título Having a Cigarette with contra o 'golpe' no Brasil, com des-
Este ano incorpora a secção "Filmes conversa com um dos seus amigos Siza, Sophia, Jorge de Álvaro Siza, uma conversa sobre a taque para o grupo Mídia Ninja - um
de Correspondência", com uma dúzia mais chegados. obra do grande arquiteto português. dos seus elementos estará presente
de filmes, recentes e antigos, que Alguns dos mais esperados fil- Sena, Cruzeiro Seixas, Paul Thomas Anderson estreia em no festival.
refletem sobre a tradição epistolar mes do DocLisboa, as grandes es- Manoel de Oliveira, Portugal Janun, sobre o projeto Não menos importante é a secção
aplicada ao cinema, dando sem- treias internacionais, estão na nova musical de Jonny Greenwood (dos Verdes Anos, que acaba por ser um
pre predominância ao autor. Fora secção "Da Terra à Lua". Inclui, por
José Álvaro Morais e Radiohead), com músicos indianos. importante mecanismo de revelação
deste programa, os Riscos albergam exemplo, Ta'ang, do chinês Wang António de Macedo Em The Art of Life, uma viagem de jovens cineasta portugueses e
obras recomendáveis como Funeral Bing, sobre a minoria birmanesa íntima ao mundo de David Lynch. estrangeiros. Do DocLisboa também
(on the art of dying), o derradeiro que se encontra 'entalada' entre Em In The Steps of Trisha Brown, faz parte um conjunto vasto de incia-
filme de Boris Lehman; Incident a fronteira com a China e uma Marie-Hélène Rebois revisita a tivas paralelas. A realizador Luciana
Reports e We Make Couples, de Mike guerra civil. Informe General sobre enganados e maltratados. Mark grande coreógrafa americana. E o Fina apresenta uma instalação que
Hoolboom; Silêncios do Olhar, de José unas Cuestiones de Interés para una Cousins revisita Hiroshima, com português Bruno Ferreira, acompa- estará patente na Gulbenkian. Estão
Nascimento sobre a vida e obra de Proyección Pública, partes I e II, de imagens de arquivo e a música nha os Mineiros de Aljustrel, em O marcadas mastterclasses com Avi
José Álvaro Morais; ou How I Fell in Pere Portabela, acompanha a his- dos Mogwai. Michael Palm, por Dia em que a Música morreu. Mograbi e Michael Canan. Mesas
Love with Evu Ras, de André Gil Mata. tória democrática de Espanha. O seu lado, faz uma reflexão sobre as Repete-se a secção Cinema de redondas sobre o Documentário de
primeiro filme data de 1976 e abor- consequências do fim da película Urgência, dedicada a pequenos Vanguarda em Cuba e a retrospetiva
KIAROSTAMI, HERZOG E C.ª da questões ligadas à transição para analógica, em Cinema Futures. E filmes, muitas vezes feitos para a de Peter Watkins. E uma conversa
Um dos maiores cineastas dos a democracia; o segundo, estreado Catarina Alves Costa, em Pedra e Internet, que não são selecionados com Jung Sung-Il a propósito do seu
últimos anos faleceu este ano e o agora, fala da atual a crise cultural, Cal, sobre a arquitetura no Algarve. necessariamente pela sua qualidade documentário sobre o trabalho de
DoclIsboa não poderia ficar indife- económica e financeira.O Israelita Uma das secções mais populares cinematográfica, mas pela perti- Wang Bing, em que nos são revelados
rente. À ultima da hora, o festival Avi Mograbi, em Between Fences, é o Heart Beat, com uma vasta pro- nência dos assuntos tratados. Na os métodos de trabalho de um dos
concertou uma sessão especial, que acompanha refugiados africanos gramação na fronteira do cinema programação do Doc estes filmes são mais proeminentes documentaristas
inclui a derradeira obra do realizador que tentam entrar em Israel e são e outras artes, ou olhares sobre o sobretudo pretexto para debates. O da atualidade.
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16 * artes DOCLISBOA jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt ENTREVISTA
artes * 17
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18 * artes MÚSICA / ENTREVISTA jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
Vasco Mendonça
Uma ópera a partir de Bosch e da culpa
Teve a sua anterior ópera de câmara, La Casa Tomada, (re)encenada, a semana passada, em Nova Iorque, e a terceira, Bosh
Beach, estreou em setembro na Bélgica, em Bruges, esteve por estes dias em cena em Frankfurt e a 20 e 21 próximos estará
em Lisboa, integrada na Temporada Gulbenkian. Aos 39 anos é dos mais destacados compositores portugueses, com
crescente projeção internacional, e aqui nos fala da sua música, em particular desta sua última obra
“
o curso de Composição da Escola em alguns dos quais há uma certa
Superior de Música de Lisboa, e, tomada de consciência da situação,
depois, MMusic em Composição Mortais". Na discussão que tive Beckett é uma influência constante que rapidamente é engolida por mais
em Amsterdão, sob a orientação de com o libretista, a ideia era refletir no meu trabalho, sobretudo com alienação, como uma fuga para a
Klaas de Vries, foi jovem composi- sobre a culpa, individual, coletiva, teatro. Somos ao mesmo frente. Nesse sentido, o que quis fazer
tor residente da Casa da Música do a expiação, as questões éticas. E em termos formais (porque seria
Porto (de onde é natural), ganhou o fazer uma transposição dessa ideia O cenário é inspirado por tempo culpados e contraproducente tentar estabelecer
Prémio Lopes Graça de Composição interessa-me como ponto de partida Lampedusa? inocentes. E para mim um caudal narrativo numa situação
em 2004. Tem música orquestral, de - mas, como qualquer peça que Quando começámos a debruçar-nos episódica) foi amplificar essa ideia
câmara, coral e solística, já tocada faço, deve transcender isso, deve sobre esta criação, alguém mostrou essa ambiguidade é formal de episódios, quase como
em diversos países europeus e agora traduzir as minhas preocupações uma fotografia de Lampedusa. mais interessante, uma number opera, e sublinhar
também, como se assinalou, em NY. artísticas e pessoais, que são Acho arriscado circunscrever um essa estrutura não orgânica de
Esta sua terceira ópera (a primeira alimentadas por essa ideia inicial: é espetáculo a uma questão tópica, porque nos obriga a desenvolvimento narrativo. Alguns
foi Jerusalém, com libreto de Gonçalo uma peça inspirada numa questão porque ele poderá ser analisado à luz pensar sobre essas dos episódios têm uma componente
M. Tavares), produzida pelo organis- suscitada pela moral, pela ética dela. É uma questão tão importante de expiação, sobretudo associada
mo belga LOD Muziektheater, tem subjacente ao quadro, sobretudo para as nossas vidas que poderemos
questões e sobre a ao contratenor, a qual serve para
libreto do escritor Dimitri Verhulst naquela época, uma altura em que tender a analisar o espetáculo nossa conduta nos revermos na forma ambígua
e encenação do artista visual Kris todas estas representações eram somente de forma ética, como um como lidamos com estas situações.
Verdonck. Na estreia lisboeta, vai alegorias, códigos de conduta. E espelho da nossa própria relação com Musicalmente, há três personagens
ser interpretada pela Orquestra interessa-me mais nesse sentido isso – que é uma das intenções, mas tratadas de forma diversa, uma
Gulbenkian, dirigida por Etienne abstrato. A imagem para mim deve servir também para pensarmos O que a nível dramatúrgico seria mulher e dois homens. Um deles
Siebens, pela soprano Marion Tassou, recorrente é a relação entre este sobre questões mais abrangentes. redutor? tem uma componente assertiva,
o contratenor Rodrigo Ferreira e o universo castigador, de culpa, Trata-se de uma alegoria. A questão Sim, o assunto estaria arrumado, e egocêntrica e vive numa espécie de
barítono Damien Pass. Sobre o palco, medieval, e o da ausência moral de pode ser aquela ou podem ser 50 isso não é tão rico como tentarmos redoma confortável de ignorância e
três turistas veraneiam numa praia Samuel Beckett, especialmente em mil pontos de confluência de horror ver com mais atenção aqueles seres alienação. O outro homem por vezes
mediterrânica onde dão à costa cor- Endgame. que existem hoje. O que mais me e que tipo de empatia podemos criar duvida, o que o torna mais frágil,
pos de refugiados. Paraíso e inferno interessava – e é aqui que reside com eles. Porque se os catalogarmos estranho e ambíguo – porque toma
revisitados numa visão contempo- Das suas notas de programa alguma divergência entre mim e o imediatamente como monstros, parte nessas ações mas por outro lado
rânea, que parte do enquadramento depreendi que essa peça de Beckett libretista relativamente ao cenário e torna-se tranquilo. Nenhum de nós, serve de voz moral que acaba por ser
geral para focar o pormenor: a culpa. terá sido para si quase tão influente à história – é que temos por um lado público, criadores, se considera esmagada pela próxima atividade no
na criação desta ópera como o estes banhistas vorazes e por outro monstro, porque somos capazes de resort.
Jornal de Letras: Qual foi o conceito quadro de Bosch. um cenário de horror e sofrimento empatia, ficamos impressionados
de partida para a criação desta Sim, na medida em que, como que os rodeia. O risco dum cenário com o sofrimento humano. Quanto Na sua ópera anterior, baseada
ópera? está escrito, cria uma espécie de deste tipo é que facilmente como mais nos identificarmos com aquelas num conto de Cortázar, o espaço
A questão da culpa, representada cenário muitíssimo parecido com público podemos identificar aqueles personagens, mais percebemos que era fechado; aqui é uma praia,
no quadro de Bosh "Os Sete Pecados o estabelecido pelo libretista. O banhistas como monstros… são capazes de sentir o sofrimento mas também claustrofóbica. Tanto
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt MÚSICA / ENTREVISTA
artes * 19
numa situação como noutra poderia temos. Por outro lado, como são
ter focado mais o aspeto social e poucos instrumentos, é possível
político dos temas, mas optou por se fazer uma escrita quase pontilhística,
concentrar nas personagens – e, em filigrânica, e todas essas decisões são
Bosch Beach, na criação da empatia. importantíssimas. O didgeridoo é uma
É uma observação interessante. forma de enriquecer o vocabulário
Acabei de rever La casa tomada, que orquestral e não é a única: uso pela
se estreou em Nova Iorque numa primeira vez o clarinete contrabaixo,
nova produção e encenação e tem o flautista toca slidewhistle, o
uma nova perspetiva da ópera. contrabaixista toca baixo elétrico e
Sim, apesar da carga política que guitarra elétrica, o percussionista
este tema pode ter, no limite com toca melódica. Com estas pequenas
o que temos de nos deparar são as alterações e mantendo o número fixo
nossas escolhas na intimidade, a de músicos, a paleta é muito maior.
qual é o meu território de eleição.
Interessam-me as escolhas E para os músicos do ensemble talvez
íntimas, pessoais, num contexto seja revigorante trabalhar com uma
de intimidade familiar como na instrumentação não ortodoxa...
Casa, ou a intimidade moral no Até agora o trabalho foi com o
sentido das nossas escolhas e Asko|Schoenberg Ensemble, que é
forma de relacionamento com o como guiar um Ferrari, eles fazem
outro diferente de nós. Tudo isso o que quisermos. Quando leem
são os núcleos a partir dos quais se na partitura que têm de pousar o
constroem as correntes políticas e instrumento e raspar um seixo, o que
sociais – e sabemos bem os perigos me perguntam é qual a inclinação
que corremos a esse nível. No do seixo. O contrabaixista teve
limite, o que mais me interessa duas aulas de guitarra elétrica, por
são as decisões pessoais perante a sua iniciativa. Trabalhar com este
responsabilidade individual e a culpa ensemble é maravilhoso, porque são
íntima. Nesse sentido há, de facto, instrumentistas de topo mundial e
uma ligação, uma linha condutora têm uma abertura e uma experiência
entre as duas óperas, apesar da que tornam tudo fácil. Em Lisboa
será com a Orquestra Gulbenkian
“
e eu estou entusiasmadíssimo,
porque conheço bastantes dos
instrumentistas que vão tocar, já
trabalhei com alguns, são fantásticos.
Em Lisboa será com a ORQUESTRA SINFÓNICA METROPOLITANA
Orquestra Gulbenkian. Está com um calendário muito
Conheço bastantes
preenchido e a sua carreira e
reputação internacional estão a NECESSIDADE E ESPERANÇA
BRUCKNER
dos instrumentistas, já progredir invulgarmente para um
compositor português. Tem sido
trabalhei com alguns, surpreendido por isso?
são fantásticos Claro que a carreira é importante e
fico muito satisfeito por quererem
fazer a minha música. Esta nova DOM. 23 OUTUBRO - 17H00 GRANDE AUDITÓRIO DO CENTRO CULTURAL DE BELÉM
O didgeridoo é uma produção de La Casa Tomada foi uma
surpresa muito agradável porque
forma de enriquecer o são raríssimos os casos duma ópera
Anton Bruckner Sinfonia N.º 5, WAB 105
fagote), não uso palhetas duplas e Ou seja, que a próxima não seja uma
BILHETES À VENDA - Preçário: 10€ a 15€ Na Ticketline e locais habituais
dobro os clarinetes. O mesmo com ópera de câmara? No Centro Cultural Olga Cadaval, de terça-feira a sábado: 13h00 >18h00
No dia e local do concerto, uma hora antes do início
os metais: em vez de ter trompa, Sim, isso seria o mais interessante.
trompete e trombone, tenho dois Tenho tido alguns contactos nesse
www.metropolitana.pt M/6*
trompetes e trombone. Com estas sentido. Uma produção de uma full
pequenas alterações e as dobragens, opera é diferente pela logística, mas facebook.com/metropolitanalx | +351 213 617 320
Trav. da Galé 36, Junqueira - 1349-028 Lisboa
é possível criar um som orquestral acharia muito interessante e espero * Não é permitida a entrada a menores de 3 anos. DL n.º 23/2014
na perceção psicológica que dele ter notícias para lhe dar em breve.J
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20 * jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt ESPETÁCULOS
artes * 21
DANÇA do som e oferece uma experiência
única a cada um dos espectado-
Sofia Soromenho res. A coreografia não ilustra em
momento algum as sonoridades
propostas. O som é o veículo que
Dança Certa /
transporta o espectador para um
determinado ambiente ou imagem
e que em simultâneo o leva a
assistir a algo que não corres-
Tempo Incerto
ponde àquilo que vê. Esta abor-
dagem confere a este espetáculo
uma riqueza pela multiplicidade
de leituras possíveis que não se
esgotam, pois sempre que se vê,
descobre-se permanentemente
qualquer coisa que não se viu
A Companhia Nacional de causam o equívoco ou a ilusão da antes. A dança transmite aquilo
BRUNO SIMÃO
Bailado estreia amanhã, dia 13 cor. E que cor é esta? O branco que que tem a transmitir através do
de outubro, Quinze Bailarinos e povoa o espaço – o grupo – o ama- olhar pessoal de cada espectador –
Tempo Incerto, no Teatro Camões, relo que destaca o singular, que Quinze Bailarinos e Tempo Incerto Peça de João Penalva e Rui Lopes Graça é uma viagem pessoal totalmente
em Lisboa. Uma peça assinada por nada tem de singular e ao mesmo pela Companhia Nacional de Bailado aberta.
João Penalva e Rui Lopes Graça e o tempo existe na sua singularidade O cenário concebido para este
som por David Cunningham. particular. O diferente é igual aos espetáculo é coerente: um palco
Para alguém que espera en- outros. a viagem que cabe ao expecta- aos sons. Sons estes que também, vazio e ao fundo atravessando o
contrar respostas nesta peça, que Conduzir o olhar, mas ao mes- dor realizar. Uma coisa é certa, apesar de parecerem abstratos, chão em linha reta vários focos de
se desengane – este espetáculo mo tempo subverter esse olhar. o prazer de dançar e a beleza da são identificáveis, (sons da noite, luz, que perspetivam um espaço
coloca-nos infinitas questões que Esta peça coloca o espectador dança estão tão à flor da pele que é do vento, da chuva, trovões, virado do avesso, uma cortina
podem ou não ter resposta. Um perante a pergunta: o que é um impossível não sentir. explosões, corvos, sinos, pássaros refletora que funciona como um
paradoxo constante entre aquilo bailarino(a)? Ao observarmos o A proposta é clara: uma narra- e tantos outros) e que escuta- espelho que reflete toda a sala
que se vê, que se ouve e que se todo temos a ilusão do conjunto tiva manipulada a partir do som mos sem podermos deixar de ser incluindo a plateia. É neste espaço
sente. como qualquer coisa uniforme e e não a partir da dança. Isto pode transportados para diversas situa- sem fim que os bailarinos dançam
O olhar que observa corpos uníssona, mas de facto estamos parecer simples, mas é exatamen- ções ou memórias que carregamos e cujas imagens são multiplicadas
despidos que se movem a velo- persistentemente a ser confronta- te aqui que reside a complexidade connosco, e que essas sim, são indefinidamente que desafiam
cidade extrema e em movimen- dos com o individual. desta peça. Desde o início que se pessoais e subjetivas. a perceção de espaço e que mais
tos de um virtuosismo técnico A expressividade única que sobrepõem duas dimensões, a da O processo de criação desta uma vez colocam o espectador
extenuante, não param, não cada um destes quinze intérpretes dança e a do som. Ambas fluem ao peça foi desenvolvido a partir de num terreno ambíguo, estamos
desaceleram ou desaceleram, para oferece generosamente ao público, seu tempo certo e incerto porque uma estrutura trabalhada por dentro ou fora de cena?
logo a seguir acelerar. O bailari- ainda que em tom duvidoso do a dança embora aparentemente secções, definidas em função do Quinze Bailarinos e Tempo
no individual e o conjunto que se privado exposto ao olhar alheio, abstrata pertence ao concreto; às tempo, desprovidas de sentimen- Incerto está em cena no Teatro
confundem e ao mesmo tempo se é algo que pertence ao indizível, imagens, à forma, ao movimento, tos, ou de comunicar objetiva- Camões até ao dia 23 de outubro.
destacam pela sua singularidade é uma conexão pessoal que abre que acontecem diante dos nossos mente alguma história ao público. Mais informações: http://www.
inerente e que simultaneamente inúmeras leituras e enriquece olhos, mas que não correspondem A narrativa é construída a partir cnb.pt/gca/?id=1264
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22 * artes DISCOS jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
CLÁSSICA JAZZ
GEERT VANDEPOELE
no sudeste europeu. duração Desire & freedom, cabal testemunho da duo com o baterista Chris Corsano. No fundo,
“Thrace” reúne Jean-Guihen eloquente maturidade deste projeto, revelando tratam-se de novas perspetivas sobre a mesma
Queyras, ex-solista do Ensemble o mais íntegro Rodrigo Amado, o mais integral matéria.
Intercontemporain de Pierre Gabriel Ferrandini e o mais integrado Miguel
Boulez e um dos mais destacados Mira. Uma dinâmica discursiva sucintamente Depois do disco de estreia, o Motion Trio publi-
intérpretes das duas últimas traduzida pelo músico na conversa que se segue. co e mesmo pessoal. Esse tem sido aliás um cou dois álbuns (um em estúdio e outro ao vivo)
décadas, aos percussionistas fator constante no meu percurso, o encontro com Jeb Bishop, repetindo a fórmula com Peter
de origem iraniana Bijan JL: Há já mais de dez anos que toca e grava com com grandes músicos, bem melhores e mais Evans. E agora regressa com um longa duração
e Keyvan Chemirani, do músicos americanos e europeus de inegável experientes do que eu, e a forma como esses sem convidados… Sente que, pela singularidade
Chemirani Ensemble, seus prestígio, publicando em algumas das mais encontros deixam marcas indeléveis de cresci- da sua formação, este é um trio particularmente
amigos de infância, e conta com relevantes editoras de jazz mundiais. Mas os mento e evolução. No caso do quarteto com o versátil e aberto a esse tipo de mutações?
a cumplicidade do guitarrista quatro álbuns que editou em 2014 e 2015 fun- Joe McPhee, Kent Kessler e Chris Corsano, esse O Motion Trio tornou-se nos últimos anos a
grego Sokratis Sinopoulos, cionaram, de certa forma, como a confirmação peça chave da minha atividade musical. O
intérprete de lira, líder do definitiva da notável reputação que atualmente trabalho intenso que temos desenvolvido, com
quarteto com o seu próprio goza junto da crítica e do público mais atento base numa prática quase diária e uma per-
nome, também conhecido pelo a nível internacional. Sente que estes foram manente reflexão musical conjunta, tem sido
trabalho com a compositora e discos fulcrais para a afirmação global do seu determinante na minha evolução. Curioso é que
pianista Eleni Karaindrou ou o trabalho? esse trabalho seja intuitivamente orientado para
saxofonista Charles Lloyd. Rodrigo Amado: Para mim é bem clara uma uma cada vez maior flexibilidade e adaptabi-
O disco, apresentado no evolução acentuada em termos de consistência lidade do trio. Cada nova colaboração provoca
início do mês no Grande e profundidade musical a acontecer a partir da nele uma verdadeira metamorfose, tornando
Auditório da Fundação edição de The freedom principle e Live in Lisbon, imprevisíveis os resultados. Por outro lado,
Calouste Gulbenkian, abre por ter superado o confronto musical com Peter torna-se também fundamental uma avalia-
com “Khamse”, de Frank Evans, que é um dos mais desafiantes impro- › Rodrigo Amado Motion ção periódica do estado do trio na sua forma
Leriche, que enquadra visadores mundiais. Esse confronto significou Trio original, até para saber do impacto de anteriores
desde logo todo o projeto, um enorme risco e, simultaneamente, um fator DESIRE & FREEDOM colaborações. Foi o que fizemos em Desire &
e conta com composições de crescimento exponencial, a nível artísti- Not Two / import. Flur, 2016 Freedom. J BRUNO BÉNARD-GUEDES
de Sinopoulos e dos irmãos
Chemirani, resgata peças de
origem tradicional e combina
obras do compositor persa POP Cidade da Praia a Nova Iorque. Em e o músico, Também de Cabo Verde,
Mohammad-Rezā Lotfi, do alguns, essa índole subversiva, hoje com 45 chega-nos um EP acústico de
alemão contemporâneo Jorg PT DJ de quem procura a fusão original, anos, é uma das Dino Santiago, jovem cantor que
Widmann (uma homenagem São 23 temas expressa-se de forma mais clara, grandes vozes reivindica para a música cabo
a Boulez) e a exemplar inéditos de outros colam mais o discurso masculinas verdiana a voz melódica e íntima
“Sacher variation”, do outros tantos ao hip-hop. Não obstante a da Ilha de São dos crooners e um som mais
polaco Witold Lutoslawski DJ e produtores coletânea é uma viagem coerente Vicente. E jazzístico. Busca um caminho
(dedicada ao maestro Paul que revelam de devaneios rítmicos, que tanto neste álbum, no novo som de Cabo Verde, de
Sacher), em torno da qual o fascinante apelam à dança tribal, quanto reeditado em uma tradição que não se quer
tudo pode estruturar-se. universo de refletem uma índole exploratória crowdfounding, estática nem impermeável a
O alinhamento culmina uma eletrónica de quem não se contenta em junta-se a influências exteriores, trilhando
numa dança tradicional, no contemporânea portuguesa, que repetir fórmulas e formatos. Uma alguns dos caminhos por onde passou
compasso alternado 7/8, como resiste para além das ondas de magnífica jornada rítmica, cheia melhores Wadu, ou Oswaldo Pantera, mas
celebração de todo o percurso. maiores impulsos de outrora e de rabiscos. músicos do procurando voz próprias. Não é
O resultado traduz sobretudo não se fecha em hermetismos arquipélago, como o grande pois de estranhar, que no final
a cumplicidade entre os elitistas e , acima de tudo, › Vários Paulino Vieira (que aqui toca meia deste unplugged cante What a
músicos, demonstra o seu procura ou vangloria-se da sua MAMBOS LEVIS D'OUTRO dúzia de instrumentos), Armando Wonderfull World, o standard
virtuosismo e elogia a liberdade identidade. Tal como nas sub- MUNDO Tito ou o saxofonista Nandinho. celebrizado por Louis Armstrong.
da improvisação. ramificações dos Buraka Som Príncipe O reportório, à base de mornas,
Sistema, há aqui obviamente uma passa por temas tradicionais e › Alcides
› Jean-Guihen Queyras, afirmação (sub)urbana, que não outros especialmente compostos ALCIDES
Bijan e Keyvan Chemirani,
Sokratis Sinopoulos vira costas necessariamente a Cabo Verde para o disco, com destaque, Ed. Autor
THRACE – SUNDAY MORNING ritmos rurais, em que se assume É um disco maior da música mais uma vez, para as músicas e
o cosmopolitismo evidente das cabo-verdiana que agora é arranjos de Paulino, que ajudam a › Dino Santiago
SESSIONS
CD Harmonia Mundi/Latitudes
cidades, caracterizado por uma reeditado, após uma edição brilhar a doce voz de Alcides, em EP UNPLUGGED
panóplia de influências e de demasiado discreta, em 1997. temas como Nho Manel Pur Nol ou Ed. Autor
MARIA AUGUSTA GONÇALVES raízes, de São Paulo a Luanda, da Alcides, assim se chama o disco Nha Piedade. MANUEL HALPERN
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
ideias * 23
Maria Filomena Molder
acreditado que a dança queria evitar
a queda.
Sim, a queda era uma falha, um
desacerto e ali era um movimento
A arte do pensamento
desejado, sem dúvida controlado por
uma técnica extraordinária. O coração
da arte é a técnica. No caso, saber
como fazer do corpo um instrumento.
Para cair, por exemplo.
é
grafia que estava a brincar num bos-
Maria Leonor Nunes que, perto de Viena, e percebeu que
estava sozinho no mundo. Descobriu a
solidão da vida humana e que a morte
é um acontecimento solitário. O pen-
samento é uma tentativa de superação,
uma espécie de protecção contra a
morte. Move-se numa área em que
ninguém pode viver. Esse é um risco.
Qual?
Um afastamento tal da vida que não se
possa mais voltar a ela. O pensamento
conhece a solidão absoluta. Todo o
É alguém que olha o mundo com toda esforço da nossa vida é na verdade
a atenção. Em rigor, ouve. Porque não dar-lhe forma, desde o fazer pão a
é dos que se limitam a andar com a abrir uma cova para enterrar alguém,
cabeça entre as orelhas. O seu ouvido a escrever um livro, a inventar um
é o grande perscrutador da vida, que axioma. Tudo isso são efeitos da inci-
para ela é “combate e leveza”, “luz e dência da solidão imensa e irreparável
sombra”. Um ouvido absolutamente do pensamento sobre o respirar, o
apurado, aplicado tanto à leitura da correr do sangue nas nossas veias, o
realidade como à musicalidade da andar. Enfim, passa por aí a matriz da
escrita, corda sensível da sua arte do infância, da dança no meu pensa-
ensaio que prefere “contar a explicar”. mento.
E ela é uma contadora de histórias,
filmes, pinturas, esculturas, arqui- DIANTE DO ABISMO
LUÍS BARRA
“
Maria Filomena Molder (MFM), Adorava Literatura, História. Era uma
66 anos, foi professora catedrática de irlandesa de uma história d’O Cavaleiro não consigo lembrar-me do nome criança sôfrega pela leitura. E ima-
Estética no departamento de Filosofia Andante, que comecei a ler, ainda sem dessa heroína. Se calhar, nem quero. ginava que ia ver qualquer coisa que
da Universidade Nova de Lisboa, saber ler, tinha uns quatro anos. Todas ainda não tinha visto.
tendo-se aposentado no fim de 2013. as semanas, o carteiro trazia mais É melhor ficar um enigma? O sistema capitalista
Publicou, entre outros, O Pensamento um número, que depois o meu pai Um enigma fechado (sorriso). Goethe E viu?
Morfológico de Goethe, A Imperfeição mandou encadernar do primeiro ao dizia que o passado não é uma coisa ao é muito criativo. As Não tenho a certeza (sorriso). Por
da Filosofia, As Nuvens e o Vaso último, nuns volumes guardados num nosso dispor, como alguns pensam. coisas que se inventam exemplo, aprendi que o pensamento
Sagrado. Na sua obra tem expressado armário, de que se perdeu a chave. Sobretudo os maus historiadores, às se destaca da vida. E há uma exigência
a singularidade do seu pensamento. vezes quando parecem bons (riso) para ter mais lucros… que se tem que fazer nessa separa-
E o pensamento não ignora a solidão O que tinha de ‘dançável’ essa heroí- e que crêem que o passado vem ter Não vejo como sair ção: tentar não a caluniar. Que a vida
humana e a angústia contemporânea, na? com eles para ser apanhado como mereça ser vivida é qualquer coisa que
sendo, como nos diz, uma “protecção Era de origem nobre, tentava defender uma borboleta na rede. Na verdade, é dele, a não ser abrindo temos que aprender. E se a filosofia
contra a morte”. o seu povo dos ataques que vinham do um movimento que fazemos, quando brechas não ajudar a isso está a prestar um
mar, de piratas. O desenho era a preto olhamos para trás, porque qualquer mau serviço. Os grandes filósofos
Jornal de Letras: Num dos textos de e branco e lembro-me que ela corria, coisa, que está na nossa vida, nos ajudam a dar uma resposta, quase
Rebuçados Venezianos, sobre uma saltando por penhascos, entrando em chamou. Vive, caminha connosco e os todos com a mesma tendência, que é
exposição de Tomás Cunha Ferreira, grutas. Tinha uns sapatinhos como nossos gestos e desejos são a sua resso- que um dia uma das minhas irmãs, a aceitar a complexidade, a contradição
num um acento mais biográfico, imaginamos que as fadas também têm, nância. Isso a que chamamos passado mais velha, me ofereceu uns sapatos que a vida é.
recorda um espetáculo, em meados com umas fitinhas que atavam no tor- tem que ver com milhões de mortos e de bailarina. E não me serviram. Foi
dos anos 60, quando era adolescente, nozelo, semelhantes aos que usam as com ruínas, coisas perdidas. um enorme desgosto. Mas sempre vi A Literatura também a acompanha
de Merce Cunningham, no Tivoli, e diz bailarinas clássicas. Sempre associei a muita dança. E esse primeiro encontro sempre?
que o coreógrafo foi um dos responsá- sua coragem àqueles sapatinhos muito CORPO E PENSAMENTO com Merce Cunningham foi realmente Sem dúvida. Mas a Literatura, em
veis pelo facto de a dança ‘atravessar’ delicados e leves, que a tornavam uma Retomemos a dança: quis ser baila- um dos grandes choques da minha particular a poesia, não condena a
quase tudo o que faz. No princípio, era lutadora natural contra a gravidade. rina? vida. vida. Essa é uma superioridade em
a dança? Isso falava-me da vida. Ainda comecei a aprender, mas fiquei relação à Filosofia. A aceitação da
Maria Filomena Molder: Desde criança doente e não pude continuar. De qual- Lembra nesse texto de Rebuçados vida passa por um instrumento que
que tinha uma verdadeira paixão pela Em que sentido? quer forma, já tinha começado tarde. como se surpreendeu com os bailari- não é o conceito. O filósofo torna
dança. Acho que vinha de uma heroína A vida como combate e leveza. Mas Era tão grande a minha exaltação nos que caíam, quando sempre tinha tudo mais complicado, põe obs-
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24 * ideias ENTREVISTA jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
Rebuçados, artistas e filósofos táculos à frente dos pés para cair. era mais por dificuldade com a vida, experimentou a leveza, ela pode voltar
O poeta mergulha. Talvez tenha não por amor. Simplesmente, procuro a ser experimentada. Aí está de novo
sido Hermann Broch quem melhor os alimentos que são resultado de a dança. Zaratrustra é um dançarino.
definiu essa diferença. É que ambos menos sofrimento. Mas da mesma maneira, o terrível
De uma viagem a Veneza, a pintora artistas? estão diante do abismo. O filósofo também pode voltar. O que se passa na
Luísa Correia Pereira trouxe uns Quase todos por encomenda. E perscruta-o, o poeta lança-se nele. SEGURANÇA Síria e noutros países, o que se passou
rebuçados de vidro de Murano que quando os artistas me pedem é um Na linguagem e na vida, ao mesmo E ESPONTANEIDADE nos campos de concentração, só nos
deu de presente a Maria Filomena grande desafio. Mas gosto de estar tempo, retornando sempre, para pôr Como foi a sua infância? faz pensar: tudo pode retornar. E o que
Molder. Jorge Molder havia de em perigo…Geralmente, conhe- os pés na terra. A partir de certa altura, muito solitá- devemos é evitá-lo. A começar pelos
fotografá-los numa das imagens da ço-os ou eles sabem que aprecio as ria. Antes, fui uma Maria-rapaz, gos- pensamentos feitos, petrificados, de
sua série The Secret Agent. E a artista suas obras, porque já fui às exposi- ABOBORAR E LEVEDAR tava de subir às árvores, correr, saltar. que estamos cheios à nossa volta. Não
pintou-os numa das suas telas. ções. Não escrevo sobre artistas que O “estranho” sempre a atraiu. Porquê? Fui uma criança, como quase todas as quero transmitir uma ideia de pessi-
Vem daí a explicação do nome, não conheço. Às vezes, corresponde Escrevi-o a propósito da minha daquela época, muito feliz por poder mismo total, mas tendo para isso.
Rebuçados Venezianos, em homena- mesmo a uma coisa que queria adolescência. Em geral, o adolescente brincar, ensaiar, hesitar, descobrir, o
gem à pintora. fazer. Por outro lado, tenho uma está espontaneamente preparado para que inclui medo, defesa, ataque, fuga, Em relação ao tempo que vivemos?
De Rui Sanches a João Queiroz, certa indisciplina, porque não saltar para fora do que lhe ensina- luta, todas as coisas que fazem parte da Sim. Mas tenho alguma esperança,
passando por Manuel Vilarinho, consigo cumprir prazos. E no caso ram, para criticar, recusar. Mais tarde nossa vida. porque vejo muitos jovens, e posso
Ângelo de Sousa, Louise Bourgeois, de obras para catálogos tenho que os compreendi que realmente gostava do observá-lo também na minha família,
Eduardo Souto Moura, Jorge cumprir. É uma luta. A urgência faz que não percebia. O estranho atraía- Hoje isso não acontece? que estão muito atentos, são críticos.
Queiroz, Maria Filomena Molder dançar. Portanto, fico por um lado -me. Pessoas que não compreendia, Não. A desconfiança que temos em Também algumas associações, ainda
junta neste livro, uma edição relógio muito grata, por outro quase em obras quase ilegíveis, em cuja leitura relação à espontaneidade é aterrori- que por vezes tomem uma forma
d’Água, textos sobre artistas escritos estado de terror. Além disso, não sei persistia. zante. Porque esse é o nosso tesouro. muito dogmática. Fernando Gil, numa
entre 2000 e 2016, ao longo de 400 nunca o que vou fazer. das entrevistas que compõem o livro
páginas. Rebuçados Venezianos dão Acentos, fala da grande falta de atenção
uma continuidade a um outro vo- Não? ao que está a acontecer, à terra, à água,
lume de textos, Matérias Sensíveis, Escrevo sempre à mão, em papéis aos animais.
publicado em 1999. E atravessa-o dispersos, depois junto-os, às
uma questão fulcral na sua obra: a vezes, passo-os a limpo, porque Uma consciência ecológica?
relação entre a Arte e a Filosofia. gosto de copiar. Passo-os depois Temos visto algum pequeno progres-
a computador e mal imprimo, so por parte dos responsáveis, em
JL: Que Rebuçados Venezianos são começo a alterar e a reescrever. É reuniões mundiais, em decisões que
estes? um processo que podia não ter fim. se tomam. Mas é uma gota contra um
Maria Filomena Molder: São uma E isso significava que o abandona- oceano negro que avança. O sistema
homenagem a Luísa Correia Pereira. ria. Por isso, é bom ter prazo. Caso capitalista é realmente muito criativo.
Ela trouxe-nos os rebuçados de contrário, deixava tudo inacabado. As coisas que se inventam para se ter
Murano e fez uma tela em que apa- A minha tendência natural é deixar mais lucros. Não vejo como sair dele, a
recem, rodeados daqueles seres em cair, largar e recomeçar. Por isso, não ser abrindo brechas.
que a sua pintura era fértil. Escrevi os meus textos têm todos um lado
o texto que ela não chegou a ler, inacabado. Um inacabamento BONDADE DA CRIAÇÃO
porque infelizmente morreu antes acabado. E como se abrem?
de estar pronto e da exposição se Do ponto de vista individual, tomando
realizar. Era uma artista excecional, Por vezes, parece haver decisões que interrompam essa cadeia,
que foi mais ou menos ignorada pela recorrências, um fio condutor Maria Filomena Molder “Que a vida mereça ser vivida é qualquer coisa que temos mesmo que tenha um impacto ínfimo.
crítica, mas não pelos artistas seus que passa de uns para os outros? que aprender. E se a filosofia não ajudar a isso está a prestar um mau serviço” Mas também transmitindo as preocu-
contemporâneos. É esse reconheci- Continuidades. Mas não imagi- pações a outros, procurando formar
mento que os grandes artistas, es- nava que as houvesse. Fiz muitas comunidades, criar instituições, cons-
critores, poetas têm sempre dos seus revisões deste livro, como é meu Aconteceu-lhe muitas vezes? Li no Público que cada vez se dão mais tituir formas de pressão. Há petições
pares. Isso mostra que a arte forma hábito, e o meu editor tem muita Sim. Acho que é um sinal de que vale medicamentos às crianças por causa que nos chegam todos os dias.
comunidades, embora na nossa paciência, e há sempre coisas a pena. Se me distraio a ler, abandono de uma constipação, da atenção, ou
época praticamente não existam. que altero. Até já na tipografia. E logo o livro. Há pessoas que dizem que para estarem quietas. Convertem-se Costuma assiná-las?
foi quando reli e reli que percebi não entendem um livro, um quadro, assim as crianças numa espécie de Às vezes, sem grande convicção.
Acha que não existe hoje uma co- que havia essas ligações, apesar que saem de um filme a dizer que é robôs, que serão perigosos e incapazes. Porque me interrogo sempre até que
munidade artística? de os textos serem sobre artistas um absurdo. Mas isso, como dizia ponto os responsáveis vão ser sensí-
Onde é que ela está? Vejo apenas muito diferentes. Aquilo que vejo Homero, pode ser uma palavra alada E porque é que isso acontece? veis, a não ser que os lucros se man-
pessoas a trabalhar isoladamente, em determinadas obras per- que mais ninguém encontra ou então Por segurança, por parte dos pais, da tenham. Mas poderá inventar-se uma
mercado, galerias, os chamados mite relações entre si, às vezes ficar a aboborar, a levedar, expressões sociedade. Todas as opções de segu- forma de não os diminuir, e evitando
curadores, todo o género de esco- inesperadas. E há autores que de que gosto muito. rança significam que as pessoas estão por exemplo a destruição em massa
larizações. A vida contemporânea não era suposto serem ‘chama- cheias de angústia. das abelhas. Fazem-se coisas terríveis
da arte impede a constituição dessa dos’ para obras tão diversas. Porquê? às abelhas, nem é preciso pensar na
comunidade. Quem fala da ausência Provavelmente, há pontos de São palavras que têm a ver com o Essa é uma obsessão do nosso tempo? Monsanto ou na Bayer. Aí está uma
dessa comunidade é Giorgio Colli, contacto que recuperei. De resto, alimento, com o fazer do pão… É. E a angústia pode devorar de tal coisa que gostava de estudar.
um dos meus amores, embora há um texto que fui eu que quis modo o ser humano que nem a segu-
tardio. Fui uma leitora precoce de escrever sobre a Louise Bourgeois, Alguma vez fez pão? rança ajuda … (risos) Pode tomar tais As abelhas?
Nietzsche, mas seria através de Colli um grande encontro que tive na Sim. E devo dizer que uma das melho- proporções que se torna uma espécie Sim. A abelha é um animal da minha
que o iria redescobrir. O atalho foi, vida. Conheci-a pessoalmente e res iguarias para mim é um bom pão de homicida das forças da vida. Na infância. Vivíamos no Restelo e tínha-
no entanto, María Zambrano... estive uma tarde inteira a conver- com manteiga, mesmo só pão. Desde verdade, estar vivo é um perigo. Negá- mos uma horta e um jardim, que era
sar com ela sobre a sua obra. criança. Mas então gostava de coisas lo é ser alheio ao coração da vida. Claro um enxame de luzes e movimentos.
O que a levou a juntar estes textos esquisitas, de roer côdeas duras, até que temos de nos proteger dos perigos, Eram joaninhas, abelhas, gafanhotos,
em Rebuçados Venezianos? Porque quis escrever sobre ela? de comer velas… (risos) A minha avó conhecendo-os. E há alguns que não libelinhas, lagartixas, que sempre
Já tinha publicado um conjunto Porque queria perceber o que separa paterna fazia maravilhosos pães doces. precisamos de conhecer. adorei. E toda a espécie de flores. Acho
noutro livro sobre arte e artistas, um filósofo de um artista. E acho Provavelmente vem dela esse gosto. que os animais deixaram de habitar
que incluía textos sobre Ana Vieira, que o percebi em parte, a partir de O alimento é fundamental na nossa Por exemplo? a cidade. Já a seguir ao 25 de Abril,
Helena Almeida, Rui Chafes e um texto de Benjamin. vida e a falta de respeito por ele é um Aqueles que as crianças que estão no ainda me lembro de ver uma vende-
também sobre questões da arte, no- princípio de carência, significa falta de meio de uma guerra conhecem. Por dora de fruta com um cavalo e uma
meadamente sobre o texto de Walter Essa não é uma questão que atra- respeito por si próprio e pelo que nos é exemplo, em Alepo, na Síria. Elas não carroça, que fazia o seu caminho, na
Benjamin Mancha e o sinal, uma vessa todos os textos de Rebuçados? dado na terra, dos frutos aos animais. precisam de conhecer aqueles perigos zona do Liceu Maria Amália, onde dei
matriz excecional sobre a diferença Claro. Em todos os textos que Comer animais mal tratados aflige-me para viver. Eles vão condená-las, ma- aulas durante cinco anos. Sabemos de
entre a pintura e o desenho. A certa escrevo sobre arte e artistas está cada vez mais. tá-las. No entanto, a vida inclui-os. resto que há muitas espécies que estão
altura, percebi que tinha escrito so- explicito, implícito, mais ou menos mesmo a desaparecer. S. Tomás dizia
bre muitos artistas, depois de 2000, desenvolvido, esse tema da sepa- É vegetariana? Como é possível pensar hoje o mundo? que entre haver dois anjos e um anjo e
e pensei juntá-los noutro volume. ração e das afinidades entre Arte e Não, apesar de haver algumas pessoas Nietzsche pensou maravilhosamente uma pedra é melhor que haja um anjo
Textos escritos a convite dos Filosofia. que admiro muito que o foram. Por o eterno retorno, esse anseio sublime e uma pedra. Pelo princípio da bonda-
exemplo, Kafka. No seu caso acho que no sentido que se alguém alguma vez de da criação, que tem que ver com a
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt ENTREVISTA
ideias * 25
diferença. Só que ela está a arruinar-se faço. É uma força, não fica tudo muito
claramente. Depois, aparecem os mu- acabadinho, depois tenho que fazer
seus, onde põem o cavalo, o burro. E os um esforço para pontos de ligação,
homens estão cada vez mais sozinhos. sustentáveis, aprofundáveis. Além
disso, gosto muito de contar filmes.
Virtualmente mais ligados.
Através de meios tecnológicos pode-se Histórias?
simular. É curioso que a simulação Também. É que tenho uma tendência
pareça ter erradicado o valor moral, no mimética muito forte. Quando era
sentido em que se faz de conta que não pequena, fazia muitos exercícios para
há nenhuma diferença em relação à desenhar uma caravela que os meus
realidade. Isso implica muito embuste, pais tinham lá em casa. Fiz vezes sem
uma espécie de sonambulismo ge- conta esse desenho para ser o mais
neralizado. Falo disto com a sensação preciso possível.
estranha de não saber como o resolver.
Essa consciência muito aguda também Mas gosta de desenhar?
cria uma enorme inquietação. Mas Não. Gostava de conseguir que a
apagar, calar isso é que não. O pior é caravela aparecesse no papel, tal como
não pensar. gostaria de poder desenhar agora tudo
o que está aqui à minha volta. Esse mi-
Diz-se por vezes que vivemos numa metismo propaga-se quando vejo ou
época em que há pouco pensamento. ouço alguma coisa que me toca muito
Concorda? e quero descrever aos outros. É por isso
O pensamento pede lentidão, aquilo que conto. Porque quero que o que vi
a que os latinos chamavam ócio. Está e ouvi se prolongue. Por isso, adorava
tudo dito, não é? Ou seja, temos que contar os filmes, na adolescência e nas
afastar algum tempo as exigências minhas aulas.
finalísticas da vida, desde a sobrevi- Maria Filomena Molder “Todas as opções de segurança significam que as pessoas estão cheias de angústia. E ela pode devorar
vência pura e dura até ao divertimento. de tal modo o ser humano que nem a segurança ajuda “ Algum em especial?
“
É preciso fazer uma suspensão para A Árvore da Vida, de Terrence Malick,
o pensamento se desenvolver. Mas talvez o filme dele que mais me afetou.
todos os dias recebemos mensagens no É o fim da privacidade? Porquê?
computador para fazermos as coisas É o fim da vida humana. Porque a vida É entrar num fosso sem luz. Ou ir des- Os seus textos cruzam filósofos,
mais depressa. O que gostaria é de que
não falassem comigo tão depressa.
é feita de luz e de muita sombra.
Sempre adorei a cascando a cebola, camada a camada e
ficar sem nada. Não estou interessada
poetas, numa escrita que trabalha
apuradamente?
A transparência parece ser uma ideia precisão. Todas as em penetrar nos segredos da subjetivi- Sobretudo, o esforço da compreensão
LUZ E SOMBRAS forte dos tempos que correm. Não filosofias que admiro dade. E todos os meus autores, que fui é muito forte, portanto o conceito tem
Não tem Facebook, não usa as chama- acha que é necessária? descobrindo a pouco e pouco, também uma grande preponderância. Mas a
das redes sociais? É uma ilusão. A vida humana é tão gostam da exatidão e não. Pode-se, por exemplo, querer musicalidade não os abandona, por
Não. Sou incapaz. Não quero ter opaca. Por que é a transparência o não há ninguém mais encontrar em Santo Agostinho uma causa do meu ouvido. Quando estou a
amigos... maior valor? (risos) Ninguém é trans- teoria do sujeito, lendo as Confissões, olhar uma coisa, na verdade o ouvido
parente. Isso só na ficção científica. exato do que os poetas mas descobrimos que a nossa vida é também entra.
Mas nessas redes sociais, as pessoas sempre dois. No caso, ele e Deus. Mas
manifestam as suas opiniões, trocam Não tem telemóvel. Porquê? também uma comunidade que fala. O que a levou em particular ao domí-
pontos de vista. Já houve situações de perigo em que Isso para mim é importante, aquilo nio da Estética, a interessar-se pelas
Só que fica tudo no limbo. É outro efei- pedi para me emprestarem um e a Como? que sai pela boca. artes?
to da angústia que vivemos, preenche minha família disse-me com razão: Por exemplo, Etty Hillesum, a judia São fontes de inspiração. A pin-
anseios, muitas solidões ou o desejo de “Vês como precisas?” Mas não consigo holandesa que foi para o campo de Em que sentido? tura, a escultura, a fotografia, o
não querer ficar para trás. Ou simples- ter telemóvel e não se trata de uma Westerbork, onde escreveu diários É pela boca que falamos, suspiramos, cinema, a arte do espaço habitado,
mente de ter alguém que nos ouça. E ideologia. e cartas, depois para Auschwitz. amamos, alimentamo-nos… enfim, e a música, a poesia, o romance, o
por outro lado, obriga-se toda a gente a Descobri-a por acaso, numa pela boca morre o peixe (risos). Dou ensaio. Adoro ler ensaio. E há uma
ouvir o que dizemos. A tecnologia, em Então? viagem a Veneza, numa escala, muita importância a tudo o que tem arte do ensaio maravilhosa mesmo
todas as suas facetas, é uma instância Os meus olhos não são famosos e em Roma, na livraria do aeropor- a ver com o nosso corpo, incluindo a em alguns filósofos, como é o caso
muito absorvente, a que temos de dar sou muito sensível de ouvido, desde to. Fiquei tão impressionada que fisiologia. Nietzsche é nesse sentido daquele que não se considerava a si
muita atenção. E de vez em quando criança. Amo ouvir. Por isso, não depois li tudo o que escreveu, du- o rei dos filósofos, mas todos os que próprio como tal, Montaigne. Tem
entrar em pausa, como quem faz uma consigo falar muito tempo ao telefone rante muitos anos. Agora não quero admiro e com quem aprendi tanta uma musicalidade tão particular, o
dieta, para libertar as forças do corpo e o telemóvel tem um efeito de que não voltar a lê-la. Walter Benjamim já coisa entraram nas profundezas das seu ato é raconter, está a contar e
que ficam demasiado domesticadas. gosto nada. É quente. Sou incapaz de nem me lembro como o encontrei. relações entre o corpo, a linguagem não a explicar, mas da maneira mais
tapar os meus ouvidos. Wittgenstein foi porque queria e o nosso espírito. É isso que me precisa. Sempre gostei da precisão.
Acha que a internet opera essa ‘do- muito ler o Tractatus. Sempre achei interessa. A vida humana é muito Todas as filosofias que admiro gos-
mesticação’? Gosta de estar de ouvidos bem abertos uma obra muito enigmática, sem breve. Agora, para mim, muito mais tam da exatidão e não há ninguém
Totalmente. “Sou obrigado a consi- ao mundo? ter coragem para ‘meter o dente’. do que já foi. Por isso, temos que nos mais exato do que os poetas.
derar como a maior desgraça da nossa Sempre. Gosto de ouvir, os ruídos, Agora não largo Wittgenstein, que- deixar arrastar e depois sermos fiéis
época, uma época que não deixa ama- música. ro estar sempre a lê-lo. a alguns autores. Muitas vezes, leio É essa arte do ensaio que persegue?
durecer nada, o consumir o momento os mesmos livros por causa disso. Sim, contar em vez de explicar.
seguinte o momento que está a passar, Que música prefere? Sentiu outras vezes que não tinha Porque nos esquecemos, não perce- Quando estou a ver uma pintura,
o desperdiçar o dia-a-dia e assim Gosto de todo o género. Algumas coragem para abordar uma obra de bemos e julgamos que sim… E então uma escultura, um filme, vêm-
viver sempre ao Deus dará, sem nada músicas ouço repetidamente, quer de arte, de filosofia? temos que voltar. -me coisas à cabeça, ressonâncias
ter diante de si para seguir”, escrevia rock, quer de jazz ou clássica. Houve autores que tive de ler, musicais, relações com problemas
Goethe. E acrescentava: “… Deste quando era estudante da faculda- OUVIR E CONTAR conceptuais que me interessam,
modo, tudo o que cada um empreen- Por exemplo? de, e até quando mais tarde orien- Continua a voltar muito a Hannah pequenos acidentes que me aconte-
de, imagina, até mesmo o que tenciona Philip Catherine, que toca guitarra. tei os meus alunos que fizeram Arendt? cem, como o do aranhiço no texto
fazer, tudo isso é arrastado para o Ou Miles Davis. Adoro trompete. teses, mas em que não quero ‘me- Adorei a Hannah Arendt, quando a sobre a exposição do João Queiroz.
domínio público. A ninguém é per- Wittgenstein tocava trompete (risos). ter o dente’. É o caso de Husserl, descobri, em casa da Menez, que era Não imagino nada, conto. Como
mitido ter as suas alegrias ou sofrer as E o meu pai tocava clarinete, o timbre um autor que acho absolutamente uma grande admiradora dela. Depois num outro texto sobre Ana Vieira,
suas dores, a não ser como passatempo mais doce. admirável, sob vários aspetos, li The Life of the Mind. Na faculdade, com quem tinha uma relação muito
dos outros”. É extraordinário. Parece não só o filosófico, mas também o ela entrou logo nas minhas aulas. É profunda, sem sequer nos darmos
uma descrição da nossa vida. Podemos METER O DENTE existencial, sobre quem escreve- impossível que uma coisa que estou muito, em que descrevi um sonho
subscrever tudo o que Goethe diz neste Tudo na sua vida parece ligado por ram pessoas que admiro imenso a ler não entre logo no que faço. Isso que tinha tido. Essas descrições
texto do início do séc. XIX. A sensação afinidades. como Fernando Gil. O Tratado da mesmo acontece quando vejo um exactas podem juntar-se subita-
de que tudo pode ser sabido, a vida, o São os acasos da vida. Na verdade, Evidência em grande parte tem a filme que me toca muito, como se mente com um pequeno verso ou
que se passa em casa de uma pessoa, e sempre encontrei os autores que amo sua fonte de inspiração nele. Mas estabelecesse uma ligação magnética uma ideia que encontrei num autor.
que isso é um direito. por acaso. não é de todo a minha. entre o que vi, o que ando a ler e o que É assim que vou escrevendo.J
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26 * ideias ENTREVISTA jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
que Irene Flunser Pimentel e Margarida Há alguns anos, um historiador alemão de elementos uniformizados das SS. Ao
de Magalhães Ramalho agora resgatam descreveu-o em algumas linhas, num contrário dos comboios anteriores em
ao “esquecimento”, em O Comboio do Irene Pimentel “Era muito difícil os refugiados entrarem em Portugal, como aliás, livro sobre refugiados alemães em que tinham ficado na parte espanho-
Luxemburgo, uma edição Esfera dos nos outros países europeus, fossem eles democráticos ou ditaduras” Portugal, Espanha e na América Latina. la, porque sabiam que Portugal era
Livros. Um livro que vem pôr em causa Fiquei sempre com curiosidade e no neutro, enquanto a Espanha era não
a imagem “difusa” de um Portugal meu livro dos judeus já falava desse beligerante, pelo que a Gestapo podia
“paraíso” para os que fugiam ao nazis- refugiados. Melhor, as duas Grandes entrar em Portugal. Só que nesse caso, comboio. Tive vontade de o investigar andar uniformizada pela rua, os SS que
mo e à II Guerra Mundial, como subli- Guerras, embora a segunda o tivesse correu mal, o que fez com que dos cerca e fazer um livro, mas o processo foi de- acompanhavam esse terceiro comboio
nha ao JL a historiadora e investigadora potenciado em termos de números. A de 300 judeus do Luxemburgo que morando. Entretanto, apercebi-me de provocaram a polícia de fronteiras
do Instituto de História Contemporânea verdade é que o próprio regime salaza- vinham nesse comboio que não con- que no Museu de Vilar Formoso tinham portuguesa, pisando território de
da Universidade Nova de Lisboa. E que rista deixou cair a questão no esqueci- seguiu entrar em Portugal, tendo sido entrevistado a tal sobrevivente desse neutralidade fardados. Houve tiros e
tem no presente um significado mais mento. Primeiro, logo a seguir ao final recambiado para França, pelo menos comboio, a Margarida Ramalho estava inclusivamente chegaram a ser presos.
agudo, perante a atual vaga de refugia- da guerra, tentou ‘’pôr a render’ o facto 50 acabassem por ser deportados para a trabalhar lá e convidei-a a participar Isso ainda veio trazer mais luz sobre
dos que chegam à Europa, também a de alguns refugiados terem passado Auschwitz, onde foram assassinados no na feitura do livro. E realmente só há esse comboio quando interessava
fugir da guerra e da fome. Hoje como por Portugal, muitos dos quais com Holocausto. Outros foram para campos três anos iniciámos a investigação. o máximo de discrição, como tudo
há décadas, são muitas as portas que vistos dados pelo cônsul Aristides Sousa de internamento, alguns conseguiram naquele período exigia. Por outro lado,
se fecham, os países que lhes vedam Mendes, contra as ordens oficiais. fugir, arranjar vistos e escaparam. Em O Comboio do Luxemburgo faz tam- como trazia muitos judeus que não
as fronteiras. Talvez a História não dê Como os Aliados ganharam a guerra, bém uma contextualização histórica. eram de nacionalidade luxemburguesa,
“lições”, acrescenta Irene Pimentel, Salazar queria manter o regime e havia De alguns perdeu-se o rasto? Tratamos de três países: polacos, alemães, apátridas, o governo
mas se não se atentar no passado, tudo que conseguir as boas graças …. E Sim. Mesmo o número de refugiados Luxemburgo, Alemanha e Portugal. no exílio do Luxemburgo, que esteve
poderá ser ainda “pior”. Por tudo isso, dá-me ideia que a imagem que existe é que vinham no comboio não é certo, O Luxemburgo foi ocupado pelos temporariamente em Lisboa, procurou
não se pode “ignorar” este comboio. ainda um pouco difusa, como se o país tendo pequenas variações, por isso nazis em maio de 1940 e como a co- zelar sobretudo pelos ‘seus’ judeus.
tivesse sido um paraíso para os refugia- falamos no livro de cerca de 300. Uma munidade judaica – cerca de três mil
JL: O que traz de novo sobre Portugal e dos que fugiam da guerra. mulher morreu de ataque cardíaco e pessoas- era pequena, as autoridades Este livro remete inevitavelmente para
os refugiados da II Guerra Mundial? ficou enterrada em Portugal, ou- nazis tinham a ideia de fazer aí um o que se passa hoje com os refugiados
Irene F. Pimentel: Tem havido bastan- Em que sentido? tros tentaram fugir do comboio em primeiro país livre de judeus. Nessa na Europa. Houve essa intenção?
tes estudos sobre os refugiados na II Há a ideia que apesar de se viver numa andamento, em Espanha. Imagine-se altura, de 1938 a 1941, a política nazi É evidente que de alguma maneira
Guerra, embora seja um tema bastante ditadura, os refugiados foram muito o trauma que devem ter sentido essas era de expulsão dos judeus, removê- este caso remete-nos para a atuali-
tardio. Começou, aliás, a ser inves- bem recebidos pelos portugueses e sal- pessoas que estavam a um passo de -los dos territórios ocupados, depois dade, com a vaga de refugiados a que
tigado no estrangeiro e só depois em varam-se. Só que as coisas não foram serem salvas, entrando num país de os ter retirado do espaço público. assistimos. Quando me perguntam se
Portugal, como muitas vezes acontece. assim tão simples. neutral, e que tiveram que voltar para Ao perceberem-no, os outros países a História dá lições, sinceramente não
trás. Por isso não se pode ignorar que fecharam as suas fronteiras, como sei. Porque infelizmente continuam
Porquê? É isso que O Comboio do Luxemburgo aquele comboio aconteceu. No livro, Portugal. Nesse contexto, os próprios a acontecer desgraças, barbaridades,
Tem que ver com o facto de termos vem mostrar? quisemos também dar nomes àquelas nazis organizaram transportes de genocídios. Mas tenho a certeza de que
vivido em ditadura e da historiografia Sim. Mostramos que era muito difícil pessoas. Não sabemos todas as suas judeus do Luxemburgo rumo aos seria ainda pior se não conhecêssemos
exigir o seu tempo. Estudaram-se pri- os refugiados entrarem em Portugal, histórias, mas tentamos reconstituir Estados Unidos. Para isso, tinham o passado. J
meiro as instituições do Estado Novo e como aliás, nos outros países europeus, os seus destinos. Quando os números que atravessar França ocupada, e a
aspetos que são muito importantes mas fossem eles democráticos ou ditaduras. são elevados, como hoje, dizemos um Península Ibérica.
parecem mais laterais, foram por vezes milhão de refugiados e tendemos a
esquecidos. É o caso. O episódio que serve de base ao livro é esquecer que cada um deles tem um Foram três os comboios que chegaram
nesse sentido elucidativo. nome, uma idade, uma profissão. Mas é então à fronteira portuguesa. › Irene Pimentel
Mesmo sendo o século XX o “século É muito dramático e e vem pôr um preciso ter sempre presente que não se Um primeiro, em agosto, que entrou O COMBOIO
dos refugiados”, como dizia a filósofa pouco em causa essa imagem paradi- trata de números, mas de pessoas. em Portugal; um segundo em outubro, DO
Hannah Arendt, citada no livro. síaca, embora sem a destruir, porque que já encontrou algumas dificuldades, LUXEMBURGO
E foi sem dúvida a II Guerra que veio houve evidentemente muitas pessoas Alguma das histórias dessas pessoas a mas depois de algumas negociações, A Esfera dos Livros,
transformar o séc. XX no século dos que se salvaram porque conseguiram tocou especialmente? também conseguiu; e este terceiro, em 416pp., 21,90 euros
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt CRÓNICA
ideias * 27
António Guterres
Pensamento, palavra e ação…
Q
uando em julho de 1996 Michael E quais as marcas que desejou evidenciar na política
Walzer, um dos mais importantes pública? Uma nova cultura democrática, assente na partici-
pensadores políticos contemporâneos, pação de todos e no diálogo; a Educação como a prioridade
visitou Portugal para falar da cida- das prioridades, na ação do Estado e na vida em sociedade;
dania numa sociedade em mudança, a pobreza como uma preocupação central na sociedade
encontrou-se com António Guterres, portuguesa – não a escondendo, mas tornando-a uma causa
então primeiro-ministro, e falaram de toda a sociedade. Na linha dos nossos melhores, como
longamente – sobre os efeitos do fim Garrett, Herculano ou Antero, tratar-se-ia de ultrapassar o
da guerra fria, sobre as oportunida- atraso estrutural que nos separa do centro da Europa, através
des e as ameaças numa sociedade desigual e injusta, sobre do desenvolvimento humano, da formação, da ciência, da
a pobreza, sobre as economias de casino e sobre a necessi- cultura… “Tomando sempre como referência fundamental as
dade de novas políticas sociais. No final da conversa, em S. pessoas e a sua realização”, importa garantir que “os portu-
Bento, o filósofo norte-americano de Princeton ficou deveras gueses possam triunfar na vida e que Portugal possa triunfar
surpreendido. Não esperava ter com um governante, direta- no mundo” (novembro de 1995).
mente e sem intermediários, uma conversa tão aprofundada Cada um destes pontos constitui uma marca de longo
sobre os seus temas de eleição, a igualdade de oportuni- prazo, que mantém atualidade, sobretudo num momento em
dades, a correção das desigualdades, a justiça complexa, a que há quem pense erroneamente que o pensamento político
justiça como equidade de Rawls (com os desenvolvimentos pode ser substituído por dizer o que as pessoas querem ou-
mais recentes) ou o pensamento de Habermas… E, longe da vir. Esse é o caminho do populismo que tem tido resultados
teoria, Walzer quis saber o que era o rendimento mínimo, desastrosos… Depois de dez anos como Alto-Comissário dos
que dava os primeiros passos e com que ele concordava, ou António Guterres Refugiados, António Guterres reforçou a marca do militante
como se concretizava a prioridade dada à educação – com social. E o seu programa agora põe a tónica no humanis-
“
ênfase no pré-escolar ou na escola a tempo completo… Nessa mo, no respeito e na salvaguarda dos direitos humanos e da
noite, a jantar no restaurante Via Graça, tendo Lisboa a nos- dignidade. Daí a necessidade de potenciar o papel da ONU na
sos pés, o filósofo voltou ao tema – tinha ficado impressiona- hora de prevenir as crises, o que obriga a uma profunda al-
do e com uma grande admiração por Guterres, e considera-
va-o um dos políticos e governantes mais bem preparados de
Um homem de ação, um político do teração cultural. “As causas das guerras estão cada vez mais
ligadas à pobreza, à desigualdade, à violação dos direitos
todos quantos conhecera, acrescentando que muito poucos terreno, um militante social pôde humanos e à degradação das condições ambientais”. Daí que
se disporiam a ouvir e a ter uma conversa com um filósofo
político, com recusa dos temas de circunstância.
construir uma estratégia coerente. os governos devam coordenar estratégias e visões e mobili-
zar a diplomacia para afrontar os desafios coletivos – deven-
Lembrei-me deste episódio, quando, ao longo da can- Há uma grande clareza – da recusa do o secretário-geral das Nações Unidas ser um facilitador e
didatura a secretário-geral das Nações Unidas, António da idolatria do mercado à prioridade nunca alguém que quer dar lições…
Guterres demonstrou, de novo, uma capacidade extraordi- No livro, António Guterres fala ainda de três perfis de
nária na defesa do seu pensamento na preparação e argu- ao combate à pobreza. O fundo coragem – Salgado Zenha, Mário Soares e Olof Palme. Poderia
mentação e na estratégia de não descurar nenhum dos atores cristão associa-se à tradição socialista também falar de João XXIII… São figuras que marcaram a sua
relevantes para a decisão. À semelhança do que tinha acon- vida política. De Salgado Zenha nota a referência moral do
tecido com o pensador americano, também agora muitos dos democrática estoico, do iluminista e humanista cristão (mais na tradição
que presenciaram as suas prestações ficaram certos das qua- luterana), que um dia lhe disse: “Muitos dos que estarão à tua
lidades intelectuais, de experiência, de determinação e de volta não pretendem valorizar-te para serem melhores do que
entrega ao trabalho do antigo primeiro-ministro português. O seu programa põe a tónica no tu, mas querem apenas que tu nunca tenhas condições que te
Se dúvidas houvesse, a estabilidade das votações e a clareza humanismo, no respeito e na permitam parecer melhor do que eles”. Quanto a Mário Soares,
das mesmas atestam bem do reconhecimento das qualidades lembra que “levou por todo o mundo o nome de Portugal e os
do candidato. Associaram-se, assim, as excecionais quali-
salvaguarda dos direitos humanos e ideais dos portugueses, bateu-se pelos direitos humanos, agitou
dades pessoais à ação de uma diplomacia, a portuguesa, de da dignidade. Daí a necessidade de o universo da ciência, investiu razão e coração para trazer a
elevadíssima qualidade, que pôde ligar um programa eficaz a cultura ao primeiro plano dos hábitos de todos os cidadãos”.
uma mobilização dos votos e dos equilíbrios necessários em
potenciar o papel da ONU, o que obriga De Olof Palme recorda a afirmação significativa do governante
todos os continentes e em todas as famílias de Estados. a uma profunda alteração cultural sueco: “a minha adesão ao socialismo democrático não pode
Quem ler o livro de António Guterres A Pensar em Portugal ser vista como a reação de um menino-bem contra o seu meio
(Presença, 1999) pode aperceber-se de como um homem social. Cheguei ao socialismo através de um processo gradual
essencialmente de ação, um político do terreno, um militante com base em leituras e longas reflexões pessoais”.
social pôde construir uma estratégia coerente, que contrasta gia: “Mesmo aos mais egoístas eu lembro que (a pobreza) está Ao ler atentamente a invocação de Palme, sentimos um
com as cedências de curto prazo e de mera oportunidade, que em grande parte na origem do crime, do tráfico de droga, da impulso pessoal e autobiográfico, de quem valoriza a dimen-
têm posto em xeque a política do centro-esquerda e do socialis- intranquilidade nas ruas, de que todos nós e as nossas famílias são internacional e as causas da paz e do desenvolvimento
mo democrático. No campo ideológico há uma grande clareza – podemos ser vítimas” (outubro de 1994). E sobre a economia e – e de quem, como agora fica demonstrado, de novo, assume
que vai da recusa da idolatria do mercado à prioridade dada ao a riqueza ao serviço das pessoas disse: Não podemos permitir com nitidez a “alegria da causa pública”, ou seja, the joy of
combate à pobreza e às desigualdades injustas. O fundo cristão uma modernização conduzida sob o signo da tecnocracia. A politics. E essa paixão liga-se à emancipação das pessoas. Por
associa-se à tradição socialista democrática. Registemos alguns modernização da nossa economia, o aumento da sua competi- isso, como nas antigas experiências do CASU, da Curraleira
pontos fortes desse pensamento. tividade terão de ser compatíveis com o respeito da dignidade ou das inundações de 1967, foi ensinar Matemática na Quinta
Antes do mais, a invocação da célebre afirmação de John F. humana, em todas as circunstâncias, com a valorização e o do Mocho quando deixou de ser primeiro-ministro, nunca
Kennedy: “Se uma sociedade livre não pode ajudar os muitos reconhecimento dos direitos de quem trabalha e com um forte esquecendo, afinal, o velho conselho de Tag Erlander: “Num
que são pobres, não pode apoiar os poucos que são ricos”. E sentido de solidariedade para com aqueles que correm o risco político o pensamento, a palavra e a ação devem sempre
ouvimos ainda a afirmação contra o populismo e a demago- de ir ficando para trás” (novembro de 1995). constituir um todo coerente”.J
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28 * Ideias CRÓNICA, LIVROS jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
D
esaparecido pre- da tradição filosófica germânica saída, aberta pelo pensamento e
cocemente em 1 parece sobreviver, apenas, nas confirmada pela ação.
de janeiro de 2015, aulas de História da Filosofia e de Nas páginas do livro o leitor
Ulrich Beck rece- Hermenêutica das universidades é convidado a efetuar uma visi-
be agora, através por esse mundo fora, o autor deste ta, esclarecida e discretamente
de um jovem ensaio surpreende na obra do guiada, por um dos mais profun-
autor português, Bruno Rego, a professor de Munique as qualida- dos e inteligentes diagnósticos
homenagem de que certamente des matriciais do Século de Ouro da nossa modernidade, a mes-
gostaria. Uma análise crítica e da filosofia de língua alemã. Em ma que Beck designava como
prospetiva do seu legado teórico. Beck reerguem-se, perante os “Segunda Modernidade”, ou como
Mostrando como ele continua desafios ciclópicos da nossa era, “Modernização Reflexiva”. Da
vivo, ajudando-nos a iluminar as a exigência crítica de Kant, a evi- Sociedade de Risco, às múltiplas
muitas sombras do mundo con- dência hegeliana de que só pode faces da Globalização, incluindo a Ulrich Beck
temporâneo. existir conhecimento do parti-
Não conheço, ainda, nem cular se nunca desistirmos do
“
na língua portuguesa, nem em primado da totalidade, a coragem
qualquer outra língua europeia, exemplar de Nietzsche, afirman- crise ambiental e climática planetá-
um estudo tão amplo e ao mesmo do dever ser a verdade encarada, ria, passando pelo apogeu e desmo-
tempo tão amigável para os leitores olhos nos olhos, mesmo que tal ronamento da “Europa Alemã”, não
– cujo único requisito necessá- implique um penoso sofrimento. esquecendo os horizontes do cos-
rio é o da curiosidade intelectual Mas, ainda no filão da sua cul- O leitor é convidado mopolitismo, nem a esperança nas
em estado puro – sobre a obra tura materna, Beck vai incorporar a efetuar uma cidades poderem vir a destacar-se
profunda, generosa e vibrante de na matriz da sua visão do mundo, como novos atores políticos globais.
um dos maiores pensadores do uma qualidade que Max Weber visita guiada por Através de todas estas vibrantes e
nosso tempo. Por outro lado, seria identificava apenas nos políti-
› Bruno Rego,
um dos mais arriscadas paisagens, Bruno Rego
mesmo necessário uma preparação cos por vocação, e que se traduz traça-nos o verdadeiro mapa con-
e um olhar filosóficos como o de na exclamação dennoch! (“ainda O CAOS GLOBAL DA profundos e ceptual desenhado por uma mente
Bruno Rego para captar o espírito assim!”): ser capaz, debaixo do ne- MODERNIDADE. O inteligentes brilhante que sempre se recusou a
construtivo que mobiliza o método voeiro mais espesso, quando todos SÉCULO XXI SEGUNDO aceitar estar o mundo contemporâ-
de pensamento de Ulrich Beck. os caminhos parecem bloqueados, ULRICH BECK diagnósticos da neo a caminhar, inevitavelmente,
Numa altura em que o melhor de vislumbrar uma hipótese de Esfera do 128 pp., 12,90 euros nossa modernidade para uma trágica entropia. J
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
debate-papo * 29
PRO MEMORIA
Eugénio Lisboa
D
qu’on met ensuite à en revenir. está-se simplesmente a perpetrar ou um contra-senso
Gustave Flaubert ou um pleonasmo. Seria ridículo pedir, para a cólera de
Aquiles, na Ilíada, ou para a batalha de Aljubarrota, nos
istribuído no mercado livreiro, Lusíadas, a retórica contida e gongorizante, que mais se
em Fevereiro de 1936, embora adapta à lírica dos mais belos sonetos camonianos: a fúria
com a indicação de ser a data de do guerreiro grego e o tinir de espadas do combate com
edição de 1935, As Encruzilhadas o castelhano antes convocam uma retórica mais turbu-
de Deus foi o terceiro livro de lenta, isto é, com mais “barulho e fúria”. O que se pode
poesia a ser publicado por José é acusar “certa” poesia de uma desproporção inaceitável
Régio. Incluindo no seu corpus o entre o excesso dos meios retóricos (a técnica, a forma) e
longo poema em oitavas, “Sarça a escassez do conteúdo, o que não é, nem por sombras, o
Ardente”, As Encruzilhadas de caso da poesia de Régio, em que a abundância, a intensida-
Deus é um dos mais altos livros de poesia do escritor de de e a densidade do conteúdo são patentes – e representam
Vila do Conde e um dos grandes livros da poesia portu- José Régio e representarão, por muito tempo, para o leitor sensível e
guesa de todos os tempos. Saudado, enfaticamente, por inteligente, os tais coups de poing de que falava Flaubert.
espíritos tão díspares como Rodrigues Lapa, Agostinho da No citado artigo sobre Junqueiro, Régio alude, com
“
Silva e, of all people, Álvaro Cunhal, o livro, que levou bons lucidez, a este perigo do desequilíbrio entre “retórica”
dez anos de gestação, logo se impôs, nas palavras do sage e “conteúdo”: “De certo”, observa o autor de A Chaga do
Agostinho da Silva, pela “vigorosa audácia, o alto fogo Lado, “se poderá sustentar ser este o princípio de todo o
interno, a nitidez e a sobriedade da linguagem, a amplidão academicismo, no significado desvalorativo que também
das imagens, a contida paixão que anima todo o livro, o O brilho orquestral de alguma poesia este termo acabou por tomar: excesso de preocupação téc-
equilibrado senso crítico que acompanha a força criadora nica; substituição do fim pelo meio; esquecimento da coisa
do poeta [e que nos] dão direito a colocá-lo no plano dos de Régio (não toda) tem apoquentado a exprimir pelo cuidado e pormenorização da expressão".
clássicos, sem receio de que o futuro o julgue de outro sobremaneira os depenados e os rarefeitos "Sem dúvida”, conclui Régio, “no sentido depreciativo
modo.” tão vulgarmente assumido pelos dois termos, há, ou pode
Hélas!, o “futuro” imediato e a crítica, ainda em vida
cultores de uma poesia mais descascada haver, íntimas relações entre os dois termos.”
do poeta, julgá-lo-iam, com alguma frequência, “de outro (...) Com As Encruzilhadas de Deus Por fim, resume, deixando, muito à sua maneira, não
modo”. Já agora, de passagem, e uma vez que Luiz Pacheco um acervo de respostas, mas, antes, uma colheita de
se tornou numa espécie de “coqueluche” da gente mais
entregou-nos, como quem se desobriga, perguntas: ”Não irá sendo tempo de atendermos aos vários
nova, que hoje pontifica na nossa praça literária, aqui um dos mais altos testemunhos líricos da significados do termo [retórica]? às íntimas, perpétuas
deixo, para exemplo e proveito, o testemunho do autor
de Crítica de Circunstância: “José Régio, de longe uma
língua portuguesa relações entre retórica e expressão literária? à importância
das modas ou particularidades epocais sobre a aceitação
das grandes figuras da nossa literatura contemporânea, desta ou aquela retórica?” A pergunta pode, pois, ser:
grande poeta, grande romancista, grande crítico, grande haverá menos retórica em Pessanha e Eugénio de Andrade
dramaturgo […] ainda à espera do crítico novo que estude imensidão acolhedora – cabem lá, repito, os vocalmente do que em Régio e Junqueiro? A resposta é, lisinhamente:
a sua obra.” Talvez isto ajude a dissolver algum tanto o mais circunspectos e de menos penugem, mas também os não, há apenas duas retóricas diferentes e seria pura estul-
renitente preconceito e uma espécie de desconfiança, que mais decibelicamente discursivos ou indiscretamente elo- tícia pretender que uma é melhor do que a outra.
têm estado na origem de bicadas envenenadas endereçadas quentes… ou de grande plumagem. Resumindo: se lugares As Encruzilhadas de Deus, editado, como disse, em
ao bardo, bem como – e sobretudo – de feias e sensacionais há muitos, variedades poéticas também não escasseiam. 1935 e distribuído em 1936, foi inicialmente congeminado
“omissões”. Pretender estabelecer normas rígidas e redutoras, em como uns Novos Poemas de Deus e do Diabo, tendo o poeta,
As Encruzilhadas de Deus apresenta-se, ostensivamente, matéria tão vasta, tão diversa e tão fluida é o mesmo que depois, em 1932, pensado ainda numa segunda estrutura
como um “Poema”, mas é, na realidade, constituído por querer tapar o sol com uma peneira. e com um segundo título: Poema Integral. Só à terceira vez
quatro “livros”, num total de 31 poemas: oito no primei- A palavra “retórica” tornou-se, para alguns bizan- se fixou no título e na obra tal como agora a conhecemos.
ro, 11 no segundo, 11 no terceiro e um – 38 esplendorosas tinos exegetas da poesia, um estranho tabu. Resultado Houve, até hoje, oito edições deste livro: 1ª edição, com
oitavas – no quarto (“Sarça Ardente”). Obra de toada lisinho, como é de regra, de pura ignorância. Foi mesmo capa e sete gravuras de Júlio, 1935/1936; 2ª edição, 1946;
dramática e eloquente, apaixonada e vibrante, em registo José Régio, com a inteligência crítica que sempre se lhe 3ª edição, s/d, [1956]; 4ª edição, com desenhos de Manuel
de música sinfónica de orquestração ruidosa, ela antecede, reconheceu, quem, a propósito da poesia de Junqueiro, Ribeiro de Pavia e capa de João da Câmara Leme, 1960; 5ª
de nove anos, a publicação de Mas Deus É Grande, que se demoliu o estranho tabu: “Nenhum significado depre- edição, «Obras Completas», 1966; 6ª edição, na mesma sé-
aproxima, esta, mais de uma contida e austera música de ciativo”, observou Régio, num artigo – “Junqueiro e rie, 1970; 7ª edição, na mesma série. 1981; 8ª edição, «Obra
câmara. a retórica” – publicado em O Comércio do Porto, de 23 Completa», Poesia – I, 2001.
Tem sido, talvez, este aspeto de música de grande de agosto de 1955, “ [nenhum significado depreciativo] Disse-o já – Biblos, vol. 2, p. 275 – e transcrevo-o, para
formato wagneriano que tanto tem atormentado alguns implica em si o termo retórica. Retóricos são todos os não andar a fabricar paráfrases mais ou menos disfarça-
críticos linfaticamente apavorados com tanta “retórica” literatos, pois é de sua arte sê-lo. Grandes retóricos são das, que As Encruzilhadas de Deus “retomam, aprofundam
exuberante. O brilho orquestral de alguma poesia de Régio todos os grandes poetas: Camões ou Bocage, por exemplo, e dramatizam , com maior ênfase, temas anteriores (…)
(não toda) tem apoquentado sobremaneira os depenados Teixeira de Pascoaes ou Fernando Pessoa.” E acrescenta- dos seus livros: auto-análise e desespero, eu e os outros,
e os rarefeitos cultores de uma poesia mais descascada… va, judiciosamente: “O que sucede é variarem muito as o céu e o inferno, a tentação da morte e do absoluto, "o
“depurada”, gostam estas vestais de dizer. Ora cada uma suas formas de retórica. E, ao passo que em certos poetas fértil desespero", a confissão e a máscara, cansaço de viver
destas espécies de poesia, como parece ser óbvio, é intei- assume a retórica uma tonalidade oratória ou declamató- e heroísmo de viver, lucidez e emoção, necessidade de
ramente legítima, na sua diferença em relação à outra. A ria, noutros se manifesta sob formas antes gongorizantes. amor e impossibilidade de amor, amizade e traição, (…)
poesia dita “depurada” e de música de raros decibéis não E exemplifica: "Num mesmo poeta, como, por exemplo, verdade, mentira e ironia, etc.” Falando frequentemen-
tem nem mais nem menos direito de cidade do que os poe- Fernando Pessoa – se nos evidenciam, por vezes, as duas te, com musical majestade, de coisas muito grandes e de
mas sumptuariamente sinfónicos do poeta de Biografia. Há modalidades retóricas: pois a retórica das Odes de Ricardo coisas muito pequenas, como dizia Chesterton que fazem
nos céus, dizem, várias moradas, para os vários que a ele Reis é gongorizante e a das Odes de Álvaro de Campos todos os grandes poetas, Régio, ao publicar, há 80 anos, As
ascendem; o mesmo acontece no variado céu da poesia, em declamatória.” (Seja dito, de passagem, que tenho alguma Encruzilhadas de Deus, entregou-nos, como quem se de-
cujas diferentes moradas se acomodam tanto os pletóricos dificuldade em compreender como os mesmos que rejei- sobriga, um dos mais altos testemunhos líricos da língua
como os mais esganiçados: há lugar para todos, naquela tam a sumptuosidade declamatória dos versos de Régio, portuguesa.J
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JORNAL
J
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DE LETRAS,
ARTES E
IDEIAS
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izemos o nome de Cesariny em
todas as conversas. Podemos falar
do tempo, que é muito mas falta,
falamos da idade, que é muita REDATORES E COLABORADORES PERMANENTES: Maria Leonor Nunes,
mas falta, de ficarmos sós, não Manuel Halpern, Luís Ricardo Duarte, Francisca Cunha Rêgo, Carolina
Freitas, Afonso Cruz, Agripina Carriço Vieira, António Carlos Cortez,
haver ninguém, sobretudo haver Carlos Reis, Daniel Tércio, Eduardo Lourenço, Eduardo Paz Ferreira,
Eugénio Lisboa, Fernando Guimarães, Guilherme d’Oliveira Martins,
abandono, já não ser razoável Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões, Jacinto Rego
esperar nada, a música para coisa de Almeida, João Ramalho Santos, João Santos, Jorge Listopad, Lídia
Jorge, Manuela Paraíso, Maria Emília Brederode Santos, Maria João
absoluta, a Antena 2 ligada o dia Fernandes, Maria Alzira Seixo, Maria Augusta Gonçalves, Miguel
inteiro, a vida inteira, até que tenhamos a impressão de Real, Ondjaki, Onésimo Teotónio de Almeida, Rocha de Sousa, Tiago
Patrício, Valter Hugo Mãe e Viriato Soromenho-Marques
sermos apenas ouvintes. Ninguém, senão quem ouve. OUTROS COLABORADORES: Alexandre Pastor, Álvaro Manuel
Machado, André Pinto, António Cândido Franco, Boaventura
Nem a arte serve para salvação alguma, porque afinal não Sousa Santos, Carlos Vaz Marques, Cláudia Galhós, Cristina Robalo
cura a cegueira nem a falha das mãos. Umas tremuras, o Cordeiro, Gabriel Leite Mota, Gastão Cruz, Inês Pedrosa, João Abel
Manta, João Caraça, João Medina, José-Augusto França, José Luís
corpo como se ficasse inexato. O corpo envelhece a perder Peixoto, João de Melo, João Ribeiro, Joaquim Francisco Coelho, José
detalhes. A arte pormenoriza, sem ajuda. A arte é sem Manuel Mendes, José Sasportes, Lauro Moreira, Leonor Xavier, Luísa
Lobão Moniz, Manuel Alegre, Margarida Fonseca Santos, Maria
ajuda. É tão querida quanto a saudade de algo que se perdeu.
GONÇALO ROSA DA SILVA
JOÃO BAFO
Pereira e Teolinda Gersão
tragédia entre o autor e a obra. O mestre Cruzeiro Seixas
PAGINAÇÃO: Patrícia Pereira
sorri, ainda assim, discutindo a profunda ofensa da vida.
SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues
Pondera apenas no desamparo, mas sorri. O seu sorriso é Mário Cesariny (à esqª) e Cruzeiro Seixas ‘É subitamente insuportável
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO: Gesco
uma densidade do mistério e as suas palavras são o fim de ouvirmos falar da morte de Cesariny pela boca de CS. Porque a sua
REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS: Rua Calvet de
toda a piedade. morte aconteceu-nos a todos’ Magalhães, nº 242, 2770-022 Paço de Arcos - Tel.: 214 698 000
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morreu o meu amor. Quem No filme, é opção da realizadora deixar de mão as Tel.: 220 437 030 - Fax: 228 347 558 (Porto)
não se diminui no mesmo referências imediatas de quem é o génio público, são Pedro Fernandes (Diretor Comercial) pedrofernandes@sic.pt; Miguel
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instante não amou nunca. como que escondidas as obras, apagam-se muito os Paulo Luz (Diretor Comercial Digital) jpluz@sic.impresa.pt; Maria João
E há um sorriso. Ficamos ambientes. Não se escuta a Antena 2, a contínua Antena 2 Costa (Diretora Coordenadora) mjcosta@impresa.pt, Maria João Jorge
(Diretora) mjjorge@impresa.pt; Miguel Diniz (contacto) mdiniz@impresa.
quase destruídos por da vida absolutamente toda. Talvez fique subentendida a pt; José António Lopes, jalopes@impresa.pt. Delegação Norte: Ângela
ele, porque nos custam poesia. Há um recurso ao infinito diário a que o mestre foi Almeida (Diretora Coordenadora) aalmeida@impresa.pt; Ilda Ribeiro
(Assistente e Coordenadora de Materiais) immribeiro@impresa.pt
todos os amores falhados. sempre fiel. Frequentamos a intimidade que lhe permitiu PUBLICIDADE ONLINE: publicidadeonline@impresa.pt Tel.: 214 698 970
Experimentámos os e pressentimos os poemas. Como se o melhor de Cesariny MARKETING: Mónica Balsemão (Diretora), Ana Paula Baltazar
amores falhados e nunca encontrasse uma dimensão menos conhecida mas também (Coordenadora de Marcas), João Filipe Lopes (Gestor de Marca),
Carla Martins ( Coordenadora de Comunicação e Relações Externas)
haveremos de os entender exímia de Cruzeiro Seixas, a da palavra. Ambos homens PRODUÇÃO: Raul das Neves (diretor), Manuel Parreira (Assessor
por inteiro. É subitamente de palavra, ambos explorando a imagem. Ampliando da Direção de Produção), Vasco Fernandez (Diretor Adjunto), João
Paulo Batlle Y Font e Carlos Morais (Produtores)
insuportável ouvirmos Imagem do filme As cartas do Rei Artur sentidos.
CIRCULAÇÃO E ASSINATURAS: Pedro M. Fernandes (Diretor), José Pinheiro
“
falar da morte de O diário de Cruzeiro Seixas é uma obra magna. Os muitos (Coordenador de Circulação), Helena Matoso ( Coordenadora de
Cesariny pela boca de volumes acumulam-se. Lembro-me deles tão arrumados na Assinaturas); Serviço Apoio ao Assinante Tel.: 21 469 8801 (todos os
dias úteis, das 9h às 19h) - Fax: 214 698 501 Aceda a www.assineja.pt
Cruzeiro Seixas. Porque casa da Rua da Rosa, em Lisboa. Lembro-me quando tomava ENVIO DE PEDIDOS: Medipress - Sociedade Jornalística e Editorial Lda.
a morte de Cesariny um volume ao calhar e lia um excerto, como se tratando de Remessa Livre 1120 - 2771-960 Paço de Arcos
aconteceu-nos a todos um oráculo para o passado. De algo modo, era talvez mais
O que Cláudia Rita
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mas, sobretudo, porque importante descobrir de novo o passado do que adivinhar DISTRIBUIÇÃO: VASP - MLP, Media Logistics Park, Quinta do Grajal -
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
debate-papo * 31
PARALAXE
Afonso Cruz
O HOMEM
DO LEME
Flores MANUEL HALPERN
Lisa III
D H
os girassóis do Van Gogh à submer-
são de Ofélia, da Primavera à tumba, á momentos na vida em que
estão sempre presentes, como seres um tipo se arrepende da
inevitáveis: as flores servem para fisicalidade da existência.
nos despedirmos eternamente e para A realidade virtual é muito
nos amarmos eternamente, estão mais segura e higiénica.
presentes nos funerais e nos roman- Os vírus tratam-se com o
ces com o mesmo à vontade. Lançam reset do disco rígido, a melhor vacina é fazer
o seu aroma como soldados. As flores um backup, só para não perder a identida-
expõem-se, exibem-se, são a mais evidente forma de ero- de. Desde que encontrara aquelas cartas,
tismo da natureza, que, com sexos coloridos ou dramáticos, Eduardo era Lisa Paris, alter-ego de Susana,
preenchem os campos, as montanhas, a primavera toda. As mas a realidade estava ali para o desmen-
flores alastram-se pelos ares e não se confinam às suas raízes, tir. A realidade só atrapalha. Ao partir para
são um erotismo que voa como os pássaros, que cavalga os o encontro, ainda lhe passou pela cabeça
insetos, armadilha aranhas, apropria-se dos animais, faz-nos enfiar uma cabeleira loira - que dispara-
cúmplices da sua libido. Todos e tudo, desde o vento à fome, te, não há photoshop para o tête-à-tête e a
servem como ferramentas para a sua multiplicação. Quando maquilhagem não faz metade do que se lhe
comemos um fruto e cuspimos o seu caroço estamos na cama pede, sobretudo quando o objetivo é tornar
com as flores, somos a dilatação do seu sexo e da sua reprodu- um homem barbudo numa mulher boni-
ção. ta. Os perfis falsos são apenas possíveis no
A beleza disto é que é uma conquista sem violência, é uma facebook.
sedução, uma persuasão. Com o néctar, o aroma, o açúcar, Duma, óleo sobre tela ‘A arte da Duma que, em corpos femininos, Eduardo esperou por Jorge no sítio com-
as flores triunfam. Sem pernas, asas, dentes afiados, garras, mostra a força imensa dessa luta, que é feita de cores e beleza’ binado, como se fosse Lisa. Sentou-se na
sem fazer explodir países, as flores conquistam o globo com esplanada do centro comercial, pediu um café
“
a beleza, com a exaltação do desejo. O seu apelo é tão forte e uma cerveja, e ficou à espera, para ver o
que as oferecemos para começar vidas, nos nascimentos, em que acontecia. Reconheceu Jorge pelo seu ar
momentos românticos, ou para acabar vidas, nos funerais, hesitante, era bastante diferente das imagens
mas também estão presentes nos aniversários, nos pedidos de que punha no facebook e daquelas outras que
desculpa, em alturas especiais ou de rotina, nas curas e recu- tinha em casa, ao lado de Susana. Olhou para
perações, nas vitórias e nas derrotas. Não são especificamente
As flores alastram-se pelos ares e não se a esquerda e para a direita e acabou por se
femininas como nos querem fazer crer: são hermafroditas, confinam às suas raízes, são um erotismo sentar duas mesas à frente da sua. Tirou do
masculinas, e, claro, também femininas. Anulam o lugar bolso uma máquina de fumar e permaneceu
comum dos papéis sexuais.
que voa como os pássaros. Todos e tudo, hirto, desencontrado das costas da cadeira.
Mas, olhando de outra forma, encontramos nas flores ou- desde o vento à fome, servem como Quando o empregado de mesa apareceu, viu-
tras características menos evidentes. Bataille sublinha a con-
tradição entre o efémero e o nascimento da terra, do estrume,
ferramentas para a sua multiplicação -se forçado a pedir qualquer coisa, uma água
das pedras. Agitado, consultava o telemóvel
que tentará colorir o céu e o facto de serem órgãos sexuais e olhava em volta, em busca de um sinal de
emoldurados em belas pétalas e perfume: "A maior parte das Lisa. Mal olhava para ele, não o via enquanto
flores só tem um desenvolvimento medíocre e mal se distin- Lisa, mas ele via-o enquanto Jorge. O seu
gue da folhagem. Algumas chegam mesmo a ser desagradá- que fervilham sob a superfície da terra, tão repugnantes e desfasamento físico sempre lhe trazia alguma
veis, senão hediondas. Por outro lado, as flores mais belas nuas como vermes. De facto, as raízes representam a perfeita vantagem. Chegou a pensar em levantar-se,
são desfeadas no seu centro pela mancha peluda dos órgãos contrapartida das partes visíveis da planta. Mas enquanto em ir ter com ele, mas sabia que, embora cada
sexuados. Por isso mesmo o interior de uma rosa de forma estas se elevam com nobreza, aquelas espojam-se ignóbeis e vez se sentisse mais Lisa, tal não seria possí-
nenhuma corresponde à sua beleza exterior; se arrancarmos pegajosas no interior da terra, tão apaixonadas pela podri- vel, que só virtualmente poderiam coexistir.
até à última as pétalas da corola, mais não sobra do que um dão como as folhas pela luz. Aliás, há razão para notar que o Ao fim de 45 minutos sentado na inóspita
tufo com aspecto sórdido. Outras flores, é verdade, apresen- indiscutido valor moral do termo baixo é solidário com esta esplanada interior de um centro comercial
tam estames muito desenvolvidos e de inegável elegância interpretação sistemática do sentido das raízes: na ordem dos aglutinado, Jorge levantou-se e, de cabeça a
mas, se uma vez mais recorrermos ao senso comum, veri- movimentos, o mal é necessariamente representado por um medir os passos, foi-se embora. Eduardo ficou
ficaremos que se trata de uma elegância diabólica: acontece movimento de cima para baixo." desiludido, pensou que ele esperaria mais
isto com certas orquídeas gordas, plantas tão duvidosas que Poderíamos ir mais longe, afirmando que as flores são um tempo. As mensagens do facebook davam a
somos tentados a atribuir-lhes as mais equívocas perversões engano, um isco, um engodo, uma espécie de mentira que se ofe- entender que esperaria por Lisa a vida inteira.
humanas. Mais ainda do que a sujidade dos órgãos, a fragili- rece em vez das raízes maculadas pelo chão, que não se exibem, Eduardo ainda permaneceu ali sentado, medi-
dade da corola trai a flor: longe de dar resposta às exigências limitam-se, na sua forma mais autêntica, a ser. A ignomínia de tabundo, assombrado com o acesso de realida-
das ideias humanas, também ela é o sinal do seu fracasso. que Bataille fala é a verdade na sua forma mais crua e despojada. de, talvez esperando que, por algum milagre, a
Com efeito, depois de um muito breve tempo de esplendor a Mas ninguém gostaria de oferecer a verdade, mas sim uma de- verdadeira Lisa, a Lisa de carne e osso, apare-
maravilhosa corola apodrece impudicamente ao sol transfor- coração, uma máscara. O que pensariam de uma pessoa que, em cesse naquela esplanada de centro comercial e
mando-se numa gritante ignomínia para a planta. Extraída vez de oferecer flores, presenteasse um ramo de raízes? se sentasse no lugar vago da sua mesa. Depois
ao cheiro do estrume, apesar de ter parecido que lhe fugia Todas estas contradições, inerentes às flores, combinam também ele partiu. Vagarosamente. Disposto a
num impulso de angélica e lírica pureza, que a flor recorre de na perfeição com a arte da Duma que, em corpos femininos, recuperar a sua existência virtual, a única que
repente ao seu primitivo esterco: mesmo a mais ideal é rapi- mostra a força imensa dessa luta, dessa nova guerra que fun- realmente lhe interessava.
damente reduzida a um farrapo de estrumeira aérea. Porque ciona com a sedução em vez de bombas, que é feita de cores Quando chegou a casa tinha várias men-
as flores não envelhecem com honestidade..." e beleza. Cada flor serve um propósito, tem uma farda que sagens de Jorge no chat, com tons diferen-
E diz ainda: "Perdidas neste amplo movimento do solo em corresponde a um princípio subjacente, e luta por isso até ao tes, umas mais negras, outros alaranjadas.
direção ao céu, as próprias flores são reduzidas a um papel seu Outono. São a única maneira de ser verdadeiros solda- Respondeu-lhe: "Eu estava lá, tu é que não
episódico, a uma diversão, aliás, aparentemente incompreen- dos, dos que não matam, mas conquistam com uma eficácia me reconheceste. Vi-te a fumar uma má-
dida: ao quebrarem a monotonia, só podem contribuir para que nenhuma bala sonhou. Como uma revolução de cravos e quina, tem cuidado, há quem diga que isso
a fatídica sedução que o impulso geral, de baixo para cima, a certeza de que em cada um de nós se perpetua no dever de faz pior do que os cigarros. Acho que ainda
produz. E para destruir a impressão favorável nada menos se- sucumbir à beleza. E repugnar a boca das armas que não não não estamos preparados para enfrentar a
ria necessário do que a visão fantástica e impossível das raízes disparam flores. J realidade".JL
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32 J jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
Cleonice Berardinelli
qual se anda no máximo por 5 minu- ra na véspera e ele me dissera que,
tos e chega-se à B. [...] em princípio, estava combinado,
Fomos para Figueira da Foz [...] É mas precisava falar com Andrée).
Diário de Viagem
uma praia a 45 km. de Coimbra. De Subimos a escada; a salinha de
caminho, passamos por Montemor- espera, limpa e arranjada, estava
o-Velho, terra de Jorge de Montemor vazia. Bati à porta do consultório e
e de Afonso Duarte. Lá no alto, surgiu-nos o otorrino Adolpho Rocha
numa localização semelhante ao de com seu avental branco metido por
Sesimbra, o castelo de Montemor. cima do paletó, da frente para trás,
Semelhante ao outro – todos os com mangas franzidas nos punhos
castelos se parecem – tem uma linda e a cabeça de Miguel Torga surgindo
vista sobre os campos do Mondego. e chegamos à Universidade. Subimos absolutamente ao natural. É o Grupo em cima; parecia mais um forte cam-
São belas as muralhas em degraus, uma escada e entramos no recinto Mirandês, de Duas Igrejas, aldeia do pônio a quem se tivesse posto uma
a descer rocha abaixo. O castelo limitado pelos edifícios que contêm Norte de Portugal, onde se fala um camisa de força do que um médico
está bem conservado, com árvores a biblioteca, a capela, a Sala dos dialeto gracioso – o mirandês. Quem em seu uniforme...
e relva, a igreja a ele pertencente Capelos e mais outras coisas que não os ensaia e dirige é um padrezinho, Abriu-nos um largo sorriso,
ainda em bom estado. Foi no recinto sei. É uma coisa imponente e de belo rústico e simples como eles. disse-nos que nos esperavam para
das suas muralhas que prestaram estilo. [...] (...) Dançam às vezes juntos o almoço e mandou-nos depressa
homenagem aos filhos ilustres do Deixamos a parte tradicional, homens e mulheres, em movimentos a Conímbriga, para não chegarmos
lugar – Fernão Mendes Pinto e Jorge cheia da presença de Garrett, Antero, simples, batendo as mãos, virando- tarde. (...)
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Nº 235 * 12 a 25 de outubro de 2016
Suplemento da edição nº 1201, ano XXXVI,
do JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias
com a colaboração do Camões, I.P.
Conferência
Os 30 anos de
Português na UE
Língua portuguesa
enfrenta o desafio
das tecnologias
Pág. 2/3
JORGE MOLDER. SÉRIE: DOIS DELES. 2014. TIRAGEM DIGITAL PIGMENTADA SOBRE PAPEL ARCHES 640 G/M2. DIMENSÃO TOTAL (CM) 152 X 102
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2* jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
Língua portuguesa enfrenta o desafio das tecnologias A este propósito, Ana Paula
Laborinho disse que uma das medidas
mais importantes para a afirmação
internacional da língua portuguesa
é a aposta maciça nas tecnologias da
língua. A Presidente do Camões, I.P.
O língua portuguesa enfrenta o acontecer com o advento do mundo manifestou a esperança de que as
desafio de acompanhar os desenvol- digital. Aquelas línguas que forem tecnologias da língua ajudem a que cada
vimentos tecnológicos da era digital, preparadas tecnologicamente irão pro- um possa falar na sua língua e o seu
afirmou António Branco, professor e jetar-se e capitalizar as potencialidades interlocutor o possa entender na sua
investigador na Universidade de Lisboa, que a era digital está a trazer e aquelas própria língua. «É uma condição sem a
no Departamento de Informática da que – por circunstâncias históricas, qual o português não será uma grande
Faculdade de Ciências, onde dirige económicas, o que for… – não estiverem língua internacional», sublinhou.
o NLX-Grupo de Fala e Linguagem naquelas condições arriscam o desapa-
Natural, laboratório que trabalha no recimento». LÍNGUA E IDENTIDADE
processamento computacional da António Branco disse haver «uma A mesa-redonda iniciou-se precisa-
língua portuguesa. ilusão de que tudo está a correr bem mente pela questão da utilização do
António Branco falava numa me- com a língua portuguesa», do ponto português em organizações, reuniões e
sa-redonda em Lisboa, na Fundação de vista do seu enquadramento e visitas internacionais de representantes
Oriente, moderada pelo diretor adjunto preparação tecnológica, por causa das de Portugal, tendo Frutuoso de Melo
do semanário Expresso Nicolau Santos, notícias que dizem que o português está dito não ter dúvidas de que qualquer
organizada no Dia Europeu das Línguas, nas primeiras posições do facebook, do declaração institucional internacional
a 26 de setembro, no âmbito da con- twitter, etc. O investigador diz que isso ou outra por representantes oficiais
ferência sobre os 30 anos da língua Mesa-redonda da conferência 30 anos de Português na UE espelha apenas a dimensão demográfica portugueses deve ser feita em portu-
portuguesa na União Europeia, pro- dos falantes de português no mundo guês, mesmo que para isso seja preciso
movida pela Comissão Europeia (CE), que têm poder económico para ter luz «encontrar soluções adaptadas às
Parlamento Europeu (PE) e Camões, I.P. nistas, nos serviços de tradução e inter- língua comum e qual». elétrica em casa, comprar um compu- circunstâncias». No entanto, consi-
Além de António Branco, os parti- pretação da CE e do PE, dos 30 anos do Afirmando ter vivido uma época de tador pessoal ou um tablet e aceder à derou que nas intervenções interna-
cipantes foram Ana Paula Laborinho, português na União Europeia. grandes transformações tecnológicas, internet de banda larga. cionais, há que ter em conta não só a
Presidente do Camões, I.P., Célio Os intervenientes na mesa-redonda a última das quais foi a emergência do «Mas falar com um robô, falar a cortesia como, sobretudo, a «eficácia da
Conceição, Diretor do Departamento de partiram do comentário às respostas mundo digital, «algo da magnitude da alguém através de um mecanismo mensagem», evocando a sua experiên-
Artes e Humanidades da Universidade dadas num inquérito de rua – filmado chegada do Homem à Lua», António de tradução automática, exige […] cia na CE.
do Algarve e Presidente do Conselho junto de um público maioritariamente Branco disse que «as línguas sofrem preparação tecnológica da língua, e A este respeito, a Presidente do
Europeu para as Línguas, Fernando da cidade universitária de Lisboa – a choques tecnológicos», referindo isso faz-se com muito investimento na Camões, I.P., Ana Paula Laborinho,
Frutuoso de Melo, antigo alto funcio- três conjuntos de questões sobre temas nesses choques a invenção da escrita, ciência e tecnologia das línguas». As defendendo que a utilização da própria
nário da Comissão Europeia e atual relativos à língua portuguesa e ao mul- da imprensa mecânica e das telecomu- diferenças gramaticais e de natureza língua melhora «a capacidade de fazer
Chefe da Casa Civil do Presidente da tilinguismo. nicações. das línguas levam a que quando se passar a mensagem», afirmou ser
República, e José Ribeiro e Castro, anti- Entre os temas estavam ques- «Todos estes choques tecnológicos desenvolve a tradução automática do «cada vez mais importante que mesmo
go eurodeputado. tões sobre se a língua contribui para trazem novas oportunidades para a inglês para o francês, não se consegue em reuniões internacionais possamos
A conferência contou na abertura definir uma identidade cultural, se os utilização das línguas e novos desafios», imediatamente transpor essa tecnologia falar a nossa língua».
com intervenções de Rytis Martikonis, representantes portugueses se devem afirmou o investigador da Universidade para traduzir do inglês para o português Relativamente ao tema da língua
responsável da Direção-Geral de exprimir no estrangeiro em português, de Lisboa, autor do livro branco A ou do português para o swahili ou o e da identidade cultural, cuja rela-
Tradução da CE, Florika Fink-Hooijer, de que forma as tecnologias da língua Língua Portuguesa na Era Digital. Mas chinês, alertou. ção íntima alguns dos inquiridos nos
Diretora-Geral do Serviço Central de podem contribuir para o multilinguis- acontece, no dizer de António Branco, Para evitar que a língua da Europa filmes exibidos defenderam, Ana Paula
Interpretação de Conferências da CE, mo, se os tradutores-intérpretes podem que «algumas línguas historicamente (ou do mundo) seja a tradução [como Laborinho afirmou que a relação país/
e Valter Mavriˇc, chefe interino da vir a ser substituídos por máquinas, melhor colocadas aproveitam esse disse Umberto Eco], ou que exista língua/identidade é complexa. Se há
Direção-Geral de Tradução do PE, a que e sobre a importância de falar outras choque para se projetar e outras sofrem apenas uma única língua, é preciso uma quase coincidência em Portugal
se seguiram depoimentos de protago- línguas e da eventual «adoção de uma a extinção». Segundo ele, «é o que irá apostar na tradução e esta é «inviável» entre nação e língua, «tal não acon-
New York Portuguese Short Film Festival Sobre a seleção das pelícu-
las Ana Miranda explica que,
país». «Há locais em que é mais
a comunidade portuguesa que
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
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Atlas da Língua Portuguesa pode desincentivar o conhecimento
em língua portuguesa». Considerou
O português não é apenas um
recurso dos portugueses como língua de
Interpretação
de conferência
ser preciso não esquecer que os países identidade, mas também uma «língua
de língua oficial portuguesa «têm de comunidade», que compreende Camões, I.P. e CE
O Atlas da Língua Portuguesa, sa, que foi avaliado por um estudo
uma produção [científica] em língua
portuguesa e, para já, o português
cidadãos de outros países e a tornam
uma língua da globalização, defen-
assinam carta
que alarga à CPLP o estudo de 2011 encomendado pelo Camões I.P. ao é a sua língua de escolarização e de deu Ribeiro e Castro. «É uma língua de intenções
encomendado pelo Camões, I.P sobre ISCTE, publicado em 2011. «Porque conhecimento». da Europa para falar com o resto do
o Potencial Económico da Língua o que não tem expressão no PIB não Esses países precisam de contribu- mundo» e, com o Brexit, represen- O mestrado de Interpretação
Portuguesa, e que tinha como âmbito existe», disse Ribeiro e Castro, defen- tos para essa produção de conheci- ta a segunda língua global da União de Con-ferência da Universidade
Portugal, vai ser publicado ainda este dendo a importância daquele tipo de mento, através da criação de bases de Europeia, presente nos cinco continen- Pedagógica de Moçambique (UPM),
ano, dando uma «visão global» dos avaliação. dados científicas e de redes de ciência tes, acrescentou. criado em 2009 na sequência de
países de língua portuguesa, mas Ana Paula Laborinho indicou em língua portuguesa, acrescentou Ana Paula Laborinho contrariaria a um protocolo com o Camões I.P. e a
apresentando também exemplos que o novo trabalho apresenta uma Ana Paula Laborinho, que destacou interpretação de José Ribeiro e Castro Faculdade de Letras da Universidade
como a China e os EUA. «visão global», de todos os países de o trabalho do Ministério da Ciência sobre a «incompetência» dos governos de Lisboa, poderá vir a receber o apoio
A revelação foi feita pela língua portuguesa, «mostrando qual e Ensino Superior na produção de na defesa da língua portuguesa na União da Direção-Geral da Interpretação da
Presidente do Camões, I.P., Ana Paula a dimensão económica, hoje em dia, ciência em português, essencial para Europeia, dizendo que tem havido cada Comissão Europeia (CE). Uma carta de
Laborinho, ao comentar declarações da língua portuguesa», incluindo a uma língua global. O atlas é elaborado vez mais a consciência da importân- intenções nesse sentido foi assinada,
do antigo eurodeputado português sua «dimensão na ciência». pelo mesmo grupo de investigação cia da língua portuguesa e referiu a a 26 de setembro, Dia Europeu das
José Ribeiro e Castro, que falou – na A Presidente do Camões, I.P. do ISCTE, dirigido pelo professor Luís Resolução de Conselho de Ministros de Línguas, entre DG de Interpretação da
mesa-redonda da conferência sobre afirmou nada ter contra a produção Reto, que foi responsável pelo estudo 2008, bem como outros documentos CE e o Camões, I.P., nos termos daque-
os ‘30 anos do Português na UE’ – do de conhecimento em Portugal em original sobre o Potencial Económico estratégicos, que constituem um acervo las duas entidades se comprometem a
valor económico da língua portugue- inglês, mas defendeu que «não se da Língua Portuguesa. «absolutamente extraordinário em «definir um quadro geral de coope-
termos de visão e medidas para uma ração», «com vista à consolidação do
política de língua, e revelam a cons- MICUP (Mestrado em Interpretação
de Conferência da Universidade
tece em outros países», tendo dado o porque os seus resultados escolares não mostram isso», declarou. «Nunca ciência da importância da sua dimensão
Pedagógica)e ao lançamento erealiza-
exemplo de vários países europeus e serão melhores. Daí que a política do teremos bons tradutores e intérpretes se internacional» e da língua como «ativo
ção da 3ª edição» do ciclo de formação
também dos países que têm o português Camões, I.P. seja de integração do por- não tivermos pessoas com muito bons estratégico» nacional.
que decorrerá entre 2016 e 2018.
como língua oficial, nomeadamente tuguês nos sistemas curriculares, «para conhecimentos da língua portuguesa Considerou ainda que, não sendo o
O documento elenca a contribui-
africanos, onde, disse, «as identidades que o português não apareça como uma e das outras línguas». Segundo ele, há português pertença de Portugal, há ne-
ção de cada uma das partes relativa-
são híbridas» devido à contribuição de espécie de gueto». dados que mostram que a competên- cessidade de uma «articulação política
mente ao MICUP (português, inglês e
diversas línguas. «Nós somos as línguas A formação foi o tópico principal da cia na primeira língua na Europa tem constante» com os outros países que
francês), que já conta com o apoio do
que falamos e é essa diversidade e ri- intervenção de Célio Conceição, sendo decrescido. falam o idioma. Destacou aqui o papel Banco Africano de Desenvolvimento.
queza que importa destacar», concluiu. seu parecer que é a medida essencial José Ribeiro e Castro criticou a falta da CPLP, que tem uma «política de Aquele mestrado, assim como o de
Ana Paula Laborinho declarou assim para a promoção do português. Quando de sentido do valor da língua portu- língua» sob a forma de recomendações tradução, também da UPM, foi criado
que o Camões, I.P, a quem a cabe o ensi- se fala em multilinguismo esquece-se guesa e dos interesses do país por parte (os planos de ação de Brasília e Lisboa), para fazer face às necessidades das
no e a promoção da língua portuguesa que ele é apenas institucional, disse. da classe política portuguesa. Ao nível e do Instituto Internacional de Língua organizações internacionais, nomea-
no estrangeiro, considera necessário «Para a vivência em sociedade da político, Portugal tem sido incapaz Portuguesa. E sublinhou que a língua da- mente da SADC (Comunidade para
«dar espaço às várias línguas», pois diversidade linguística, o primeiro de definir uma estratégia de afirma- portuguesa já é língua de documentação o Desenvolvimento da África Austral) e
quanto mais as pessoas se puderem aspeto é a formação». O Presidente ção internacional da língua como um e trabalho na UNESCO e que há muitas da CEDEAO (Comunidade Económica
expressar na sua língua «melhor será o do Conselho Europeu para as Línguas grande recurso estratégico do país e organizações internacionais em África dos Estados da África Ocidental).
exercício da cidadania». pronunciou-se também contra o referiu o regime de marcas e patentes da onde o português é língua oficial. A UPM é a única universidade de
Acrescentou ainda que o Camões, «deslumbramento do inglês», que cria Europa, considerando que a redução a O Camões, I.P. está assim a trabalhar língua portuguesa que faz parte do
I.P., que tem programas para ensinar a ilusão de que tudo se resolve se ele três línguas diminui o português como para a formação de mais traduto- PAMCIT, um consórcio de mestrados
português junto das comunidades e dos for falado, considerando que, mais do língua técnica. res e intérpretes e acabou de assinar pan- africano de interpretação e tradu-
seus filhos, e estas crianças, que estão que um língua franca, «é um código de Frutuoso de Melo explicaria que es- com a Comissão Europeia um acordo ção, que criou centros de formação
a ser socializadas nesses países e estão comunicação que se tem reduzido». sas decisões resultavam muitas vezes do sobre o único mestrado de português pós universitária, na sequência da
a ter aí a sua escolarização, «precisam Rejeitou a ideia muito comum de facto de serem tomadas num quadro de como «língua ativa», em África, na assinatura da declaração de Gigiri, em
também de dominar muito bem as que os portugueses «são excelentes «grande negociação», em que se obtém Universidade Pedagógica em Maputo, 2009, em Nairobi.
outras línguas», a par do português, em línguas». «Os dados disponíveis satisfação num dossiê e se cede noutro. que é apoiado pelo Instituto.
literatura, artes plásticas, performan- CPLP que juntamos com artistas (Lisboa, 1934), «examina o seu ensaios inéditos de Peggy Phelan
ce, teatro e dança», diz a diretora da portugueses para criarem novos pro- trabalho de pintura, fotografia, (professora da Universidade
associação, Ana Miranda. jetos» e divulgar a cultura lusófona. vídeo e desenho», salientando Stanford), Connie Buttler
Com o intuito de impulsionar a Nos Estados Unidos, para além «a importância do corpo – que (curadora-chefe do Hammer
língua portuguesa nas suas atividades de Nova Iorque, o AI levou a sua pro- regista, ocupa e define o espaço Museum da Universidade de
e eventos, o AI tem também desen- gramnação a New Jersey, Califórnia, – e o seu encontro performativo mostradas obras raramente Los Angeles) e de Bernardo
volvido ações que envolvem escolas Boston, Fall River, Rhode Island, com o mundo nas obras realizadas exibidas ao longo da sua Pinto de Almeida (crítico de
de língua portuguesa nos Estados Providence e New Bedford, aqui em pela artista de meados dos anos carreira artística. «Por meio arte e professor catedrático
Unidos, caso do projeto Um pequeno parceria com o Consulado português. 1960 até à atualidade», segundo da sua pintura abstrata inicial, nas Belas Artes do Porto) e
país do outro lado do oceano. Em Washington, o AI participou em uma nota de imprensa. Helena Almeida introduz as numa entrevista com a artista
Para além deste novo objetivo de 2015 «com um forte programa no Além das pinturas preocupações centrais que conduzida pelos curadores da
«fazer a ponte entre as comunida- Festival Iberian Suite no Kennedy “habitadas” e das séries definem a sua prática artística exposição, João Ribas e Marta
des e o Portugal contemporâneo» Center». fotográficas pelas quais Helena numa diversidade de disciplinas, Moreira de Almeida, do Museu
Almeida é mais conhecida, são nomeadamente o interesse de Serralves.
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4* jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
In Memoriam de Maria Isabel Barreno Cátedra de Estudos Portugueses Espaço, Memória da Universidade do
Porto, e Vice-presidente do IMEHA
A escritora e investigadora Maria
em Goa inaugurada em novembro (International Maritime Economic
History Association), visitará Goa,
Isabel Barreno (1939-2016) foi
Conselheira para os assuntos de Ensino
onde realizará seminários e confe-
do Português, junto da Embaixada de rências sobre a História da Expansão
Portugal em Paris, entre 1997 e 2003. Ultramarina e a participação da
(…) Maria Isabel Barreno cuidou A cerimónia de inauguração da mulher na sociedade dos países marí-
atenta e dedicadamente do ensino Cátedra de Estudos Portugueses na timos europeus.
da Língua e Cultura Portuguesa Universidade de Goa (UdG), que Outros professores e investi-
para os alunos lusodescendentes, tem como patrono o historiador gadores serão, nos próximos três
deu particular atenção a atividades Cunha Rivara, deverá decorrer em anos, convidados a participarem
culturais, nomeadamente concursos novembro, segundo o responsável do no Programa de Investigação e
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J educação
Nº 1201 * Ano XXXVI * 12 a 25 de outubro de 2016 * Diretor José Carlos de Vasconcelos
“
É bastante satisfatória
a preparação dos que
nunca reprovaram, ao
nível do Japão e bem
acima da média da
OCDE. Alcançamos
progressos
assinaláveis, pois em
2003 Portugal estava
abaixo desta média.
O grande problema
residirá, então, nos
alunos que em algum
momento reprovam
O
internacionais ou a modalidade
de ensino em que se encontram
(regular, vocacional ou profissio-
Filomena Matos de políticas concordantes com “insularidade e endogamia” das com potencial valor explicativo da nal). Em Portugal, um aluno de
desafios crescentes, para a me- instituições de ensino superior, variação de resultados. 15 anos sem repetências deveria
lhoria da eficiência do sistema e ora se detêm no projeto AQeduto, frequentar o 10º ano de escolari-
das escolas e para a mobilização desenvolvido pelo Conselho, que A EVOLUÇÃO POSITIVA DOS dade. Porém, uma boa parte dos
da sociedade no sentido de novas nos seus próprios termos procura RESULTADOS DOS ALUNOS avaliados ainda não o tinham
ambições e mais elevados padrões explicar a evolução positiva ve- O relatório agora publicado ana- alcançado por terem reprovado
de exigência. rificada em Portugal ao longo de lisa a evolução da educação em um ou mais anos ao longo do seu
O relatório do Estado da doze anos de avaliação interna- dez anos, de 2005-06 a 2014-15, percurso escolar: pouco mais
Educação tem mantido uma es- cional. mas no que se refere a avaliações de metade frequentava o ensino
trutura bipartida potencialmente A preocupação com as apren- internacionais recorre a dados de secundário (58,8%), sendo que
dialógica entre dados quanti- dizagens dos alunos e os fatores 2003 e 2012, coincidentes com os 38% se encontrava no 3º ciclo e
tativos de referência e dados de que concorrem para as facilitar ou ciclos do Programa Internacional os restantes se distribuíam pelo
O Conselho Nacional de Educação investigação. A primeira privile- dificultar tem sido, mais ou menos de Avaliação dos Alunos (PISA) 2º e inclusivamente pelo 1º.
acaba de disponibilizar o mais gia a informação extensiva sobre a explicitamente, o leitmotiv dos que definem a Matemática como É certo que o PISA não avalia
recente relatório do Estado da educação de infância e os ensinos relatórios do Estado da Educação. domínio principal. o grau o conhecimento dos
Educação, que passa em revista básico, secundário e superior No entanto, ao abordar a temática Como já foi amplamente conteúdos programáticos de
as várias dimensões do setor nos nas suas múltiplas dimensões. em capítulo introdutório que a divulgado, em 2012 Portugal cada país participante; ava-
últimos dez anos e que se tornou A segunda dedica-se, por sua analisa à luz das características alcançou uma pontuação que lia a literacia relativa à Língua
uma publicação de referência vez, a uma leitura compreensiva dos ambientes escolares e das pela primeira vez nos colocou na Materna, Matemática e Ciências,
desde a sua criação em 2010. É de matérias específicas que, no atitudes dos alunos perante a média da OCDE, a par de países no sentido da capacidade de
uma fonte credível e compreen- caso vertente, ora se relacionam escola, a edição de 2015 convida como a França, o Reino Unido mobilizar saberes para responder
siva de informação, um bom com questões de “diferenciação”, a uma leitura transversal da obra ou a Noruega. Mas, para melhor a situações da vida quotidiana.
alicerce para o desenvolvimento “hierarquização”, relevância ou ao encontro de outros elementos compreender o resultado, con- Assim sendo, o ano de frequência
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2 * educação jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
poderia não ser determinante de escolaridade mais baixa a Filomena Matos socioeconómica sobre os resulta- Performing Students, reduzir o
para a obtenção de bons resulta- média atingida: 462 para os do 9º dos de aprendizagem. Segundo o número dos que não atingem um
dos. Mas será que todos os alunos ano, 396 para os do 8º e 358 para PISA, a maior parte dos sistemas nível minimamente satisfatório,
estão igualmente preparados, os do 7º. tem um desempenho semelhante “não só é um objetivo com valor
supondo que passaram o mesmo Resta-nos esperar que o próximo antes e depois de isolado o fator em si mesmo, como também é
número de anos na escola? ciclo do PISA possa refletir os socioeconómico, mas Portugal um modo eficaz de melhorar o
Salvaguarda-se o facto de 6% ganhos de eficiência do sistema é uma das exceções: se isolado desempenho global da educação
das crianças de seis anos que na redução das taxas de retenção: este fator, teria um desempe- -- e a equidade, dado que os low
deveriam ingressar na educação em 2014-15, ano da aplicação dos nho acima da média da OCDE, performers advêm desproporcio-
básica (dados de 2014-15) ficarem respetivos testes, já pudemos fazendo parte dos 3 únicos países nadamente de famílias socioeco-
retidas na pré-escolar, por falta contar com 60,4% de alunos de que nestas condições subiria nomicamente desfavorecidas”.
de vagas decorrente de sucessivos 15 anos no ensino secundário. mais de 10 posições no ranking Acresce que os indivíduos de
cortes na rede pública. Persistem, no entanto, os níveis dos participantes. Entre nós, a condição socioeconomicamente
Posto isto, uma análise mais elevados dos que experimen- variação de desempenho atribuí- mais carenciada tendem a ser
detalhada aos resultados obti- taram pelo menos um ano de da ao estatuto socioeconómico os mais sobrecarregados com
dos pelos alunos portugueses retenção a partir do início da é sempre superior à média: em outros fatores de risco de fraco
permite concluir que é bastante escolaridade básica: aproxima- termos globais (20% - OCDE desempenho, como a pertença a
“
satisfatória a preparação dos que damente um quarto dos alunos 15%), no interior da escola (9% - famílias de imigrantes, o facto de
nunca reprovaram: os alunos que do Continente e Madeira e 37% OCDE 5%) ou entre escolas (44% falarem uma língua diferente da
frequentavam o 10º ano atingi- nos Açores. Nos cursos de dupla - OCDE 28%). Ainda no interior veiculada na escola, a mono-
ram uma média de 536 pontos, certificação e no ensino secun- da escola, quando se associa parentalidade, o baixo nível de
ao nível do Japão e bem acima da dário a situação obviamente com o tipo de curso frequenta- escolaridade dos pais, sobretudo
média da OCDE (504). E quanto agrava-se.
Portugal disponibiliza do, os dois fatores em conjunto das mães, e a sua situação profis-
mais elevado o ano de escolarida- De entre os fatores identifica- um conjunto considerá- explicam entre 20% e 38% das sional, a ausência de frequência
de, melhor o resultado: os do 11º dos como de maior risco para o diferenças de desempenho. da educação de infância por mais
ano, embora em percentagem re- fraco desempenho, a repetência
vel de apoios que, apesar Se o analisarmos à luz da do que um ano, ou a repetência.
sidual, conseguiram uma média é o que mais penaliza os alunos de generosos segundo escala de proficiência em cada
de 621 pontos. Verifica-se tam-
bém que alcançamos progressos
de 15 anos. Tendo também em
conta o abandono não qualifica-
padrões internacionais, domínio avaliado (níveis de 1 a
6), verificamos que também é
A DESVANTAGEM
SOCIOECONÓMICA INTERAGE
assinaláveis, porquanto em 2003, do, o presidente do CNE, David ora se revelam exíguos elevada a proporção de jovens COM O AMBIENTE DE
no mesmo conjunto de países, Justino, afirma a este propósito, em função das necessi- que não atingem mais do que APRENDIZAGEM
Portugal se posicionara num citando a edição de 2014, que o nível 1 dessa escala. É neste O perfil socioeconómico de
patamar bastante mais modesto, “o sistema de ensino português dades, ora dispersos por contexto que ganha sentido o uma escola é também um bom
abaixo da média da OCDE. [denuncia] uma assinalável diferentes estruturas de conceito de low performer, o alu- preditor de desempenho em
O grande problema residirá, capacidade para destruir capital no que se encontra mais em risco Portugal. Tendo por base o
então, nos alunos que reprovam humano potencial”. difícil coordenação, ora de abandonar o sistema sem qua- ESCS - um Indicador do Estatuto
em algum momento da sua vida burocratizados e pré- lificações mínimas de referência, Socioeconómico e Cultural
escolar: os 38% que ficaram no 3º ATRASOS E DESEMPENHOS com consequências de longo (ESCS) -, as escolas que nes-
ciclo, já que os que se encontra- COM MARCA DE -formatados, em pre- prazo, tanto para os próprios, te indicador atingem um nível
vam no 1º ou 2º ciclos não foram DESVANTAGEM juízo da sua eficácia quanto para a sociedade em superior à média têm maior
abrangidos pelo programa. Como SOCIOECONÓMICA geral. A crer no recém-publica- probabilidade de obter bons
seria de esperar, em sentido in- Nem todos os países sofrem a
Filomena Matos do relatório da OCDE sobre este resultados e níveis inferiores de
verso, quanto mais baixo o nível mesma influência da condição (Professora) tipo de alunos, intitulado Low “falta de respeito” e “indiscipli-
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
educação * 3
“
na”, na perspetiva dos diretores. transições administrativas, mas
Além disso, também têm maior antes na superação, tão pronta
probabilidade de reunir alunos quanto possível, das dificuldades
que se sentem mais felizes, o
Mais ambição e de aprendizagem de cada indi-
que, por sua vez, se relaciona, crédito ao poder víduo. Não será propriamente a
em Portugal – que não em outros
países como a Finlândia –, com
transformador da falta de meios que impede a con-
secução deste objetivo. Portugal
a obtenção de melhores resul- escola, sabendo disponibiliza um conjunto
tados de aprendizagem. Pela que é superável a considerável de apoios - medi-
conjugação de múltiplos fatores, das de equidade nos termos do
são também as que têm maior correlação positiva Estado da Educação 2015 – que,
absentismo, sendo que entre entre o estatuto apesar de generosos segundo
nós a percentagem de alunos padrões internacionais, ora se
que chegam tarde às aulas oscila socioeconómico e revelam exíguos em função das
entre os 50% e os 60%. cultural dos alunos necessidades (como é o caso da
A contrario sensu e citan- orientação escolar e profissional
do o estudo levado a cabo pelo e das escolas e o seu com um rácio de 1270 alunos
Conselho Nacional de Educação, desempenho por psicólogo), ora dispersos por
“o caso das escolas inseridas em diferentes estruturas de difícil
meios socioeconómicos mais coordenação ao nível da escola
É preciso que a
LUÍS BARRA
desfavorecidos e com resultados (veja-se o elenco de medidas
baixos é o mais preocupante, na tratadas no mesmo relatório), ora
medida em que há um aumento
escola possa excessivamente burocratizados e
acentuado de alunos que tam- desenhar os seus pré-formatados a nível nacio-
bém não se sentem integrados”,
sendo que metade destas escolas
próprios apoios socioeconómico e cultural dos
alunos e das escolas e o seu de-
Menos repetências e me-
nos segregação. Os ganhos em
nal, em prejuízo da sua eficácia,
pelo menos a de alcance mais
albergam mais de 15% dos que em função de sempenho. É prova disso o caso equidade são compensados imediato.
se dizem infelizes, precisamente
aquelas em que terá aumentado a
necessidades dos chamados alunos resilientes
(aqueles que obtêm resultados
por ganhos de desempenho.
Os sistemas em que as escolas
Uma aposta na prevenção e na
intervenção ao primeiro sinal de
percentagem dos que se sentem específicas, gerir que os colocam no quartil supe- acolhem os alunos com base em dificuldade apresenta vantagens
excluídos entre 2003 e 2012. Não os seus recursos rior dos mais proficientes, não critérios académicos tendem a ter comparativas, em detrimento
é por acaso que “Portugal apre- obstante ocuparem o quartil desempenhos inferiores, quando de medidas compensatórias que
senta em 2013-14 uma das mais de acordo com inferior do estatuto socioeco- considerado o PIB per capita. Se a prazo as anteriores tornariam
elevadas percentagens de alunos parâmetros nacionais nómico), em que Portugal assi- é verdade que global e isolada- dispensáveis. É preciso para isso
que referiram ter sido vítimas de nala uma percentagem de 7%, mente possam ter melhor desem- que a escola possa desenhar os
bullying na escola”. menos restritivos e ligeiramente acima da média penho, também é verdade que os seus próprios apoios em função
angariar os meios da OCDE (6,5%). E é também o sistemas com maior proporção de de necessidades específicas, gerir
CAMINHOS MAIS caso das escolas inseridas em escolas seletivas não alcançam livremente os seus recursos de
PROMISSORES complementares meios carenciados, cujos alunos um desempenho global melhor. acordo com parâmetros nacio-
Mais ambição e crédito ao concretos para obtiveram resultados acima da Mais autonomia para uma nais menos restritivos e anga-
poder transformador da escola, média e cuja proporção passou intervenção mais oportuna, riar os meios complementares
sabendo que é superável a cor-
cada momento e de 19% em 2003 para 34% em considerando que a redução da concretos para cada momento e
relação positiva entre o estatuto circunstância 2013. repetência se não baseará em circunstância.J
todas as modalidades, distinguindo-se com as pré-escolar e os ensinos básico e secundário AVALIAÇÃO E RESULTADOS pouco relevante para a reprovação dos alunos.
maiores taxas os cursos vocacionais (62,1%) e registaram menos 24,3% no ensino público Redução da taxa de retenção e desistência do • Aumento do número de diplomados no ensino
os científicohumanísticos (61,3%). e menos 5,9% no privado. O ensino superior ensino básico regular e dos cursos científico- superior de 23,2%, entre 2006 e 2014, em todos
• Diminuição do número de alunos inscritos no apresenta uma redução de 13,6% dos docentes -humanísticos do ensino secundário em todos os graus e diplomas, essencialmente devido ao
ensino superior. Em 2014/2015 registou-se (menos 30% no ensino privado e menos 6,6% os anos de escolaridade, em 2015. aumento em cerca de 87% dos diplomados em
menos 4,8% de inscritos face a 2005/2006 e no ensino público), embora o ensino universi- • Aumento da taxa de conclusão do ensino instituições de ensino universitário público.
menos 11,8% do que em 2010/2011 (ano em tário público mostre um ligeiro aumento entre básico regular e dos cursos científico-huma- • As áreas “Ciências Sociais, Comércio
que se assinalou o maior número de alunos 2006 e 2015. nístico, dos cursos profissionais e dos cursos e Direito”, “Engenharia, Indústrias
inscritos na década). • Envelhecimento acentuado dos docen- tecnológicos do ensino secundário. Transformadoras e Construção” e “Saúde e
• Em 2015, o maior número de estudantes tes em todos os níveis de educação e ensi- • Em 2015, a maioria das escolas apresenta Proteção Social” foram as que apresentaram
no ensino superior estava inscrito nas áreas no. Em 2014/2015, os docentes com 50 e resultados médios de classificação interna e uma maior proporção de diplomados, enquan-
de “Ciências Sociais, Comércio e Direito”, mais anos de idade representavam 43,2% externa que as colocam dentro de um intervalo to a menor se registou na área “Agricultura”.
“Engenharia, Indústrias Transformadoras e no ensino público e 18,4% no privado, na padrão de variabilidade, em todos os ciclos e • Os diplomados em programas de mobilidade
Construção” e “Saúde e Proteção Social”. educação pré-escolar e nos ensinos básico níveis de ensino. As escolas que se encontram internacional (de grau ou de crédito) represen-
• Aumento do número de alunos inscritos em e secundário, e 39,4% no ensino superior. fora deste intervalo, distribuem-se de forma taram 10,1% do total de diplomados no ensino
mestrados, mestrados integrados e doutora- Em contrapartida, os que tinham menos semelhante no ensino básico, enquanto no superior, em 2013/2014.
mentos entre 2006 e 2015. de 30 anos totalizavam apenas 0,4% no ensino secundário há uma tendência de sobre- • Diminuição do abandono de estudantes em
• 8,3% dos inscritos no ensino superior estava ensino público e 7,3% no ensino privado, valorização da classificação interna. licenciaturas e em mestrados integrados da
em programas de mobilidade internacional em na educação pré-escolar e nos ensinos • No que diz respeito à natureza dos estabeleci- rede pública.
2014/2015. básico e secundário, e 3,7% no ensino mentos, proporcionalmente, a sobrevalorização
• Aumento de cerca de 2,1% do número de superior. da classificação interna é maior nas escolas FINANCIAMENTO
alunos apoiados em 2015 face ao ano anterior. • Aumento do número de docentes da privadas do que nas públicas, em todos os ciclos • Mantém-se a tendência de decréscimo do
Apesar disso, a evolução do número de bolsei- educação pré-escolar e dos ensinos básico e e níveis de ensino. A subvalorização nas escolas valor das despesas do Estado em Educação.
ros do ensino superior registou um decréscimo secundário com doutoramento/mestrado e privadas só é maior nos 2º e 3º CEB, sendo, nas • Acréscimo da despesa no ensino particular e
de 7,8%, desde 2005. de doutorados no ensino superior, 150% no escolas públicas, maior no 1º CEB e no ensino cooperativo não superior, em 2015, resultante
• Em 2014, o maior número de bolsas de dou- politécnico e 33% no universitário, entre 2006 secundário. do impacto dos contratos de patrocínio cuja
toramento concedidas pela FCT foi para as áreas e 2015. • No ensino básico a grande maioria dos despesa passou a ser inteiramente assumida
das “Ciências da Engenharia e Tecnologias” • Corpo docente maioritariamente feminino alunos internos não teve as suas classificações pelo Orçamento do ME.
e das “Ciências Sociais” e as de pós-doutora- na educação pré-escolar e nos ensinos básico e internas finais alteradas na sequência dos • Decréscimo da despesa do Orçamento de
mento para as áreas de “Ciências da Engenharia secundário, diminuindo gradualmente a per- resultados obtidos nas provas finais. Estado com a Ação Social Escolar, em 2015, no
e Tecnologias” e de “Ciências Naturais”. centagem de mulheres à medida que se pro- • No ensino secundário, o impacto das classi- ensino público não superior.
gride no nível de ensino. No ensino superior, o ficações de exame no cálculo da classificação •Decréscimo das receitas e da despesa total no
DOCENTES corpo docente é maioritariamente masculino, final de cada disciplina apresenta variações ensino superior em 2015.
Diminuição global do número de docentes em com exceção do ensino politécnico privado, mais ou menos significativas consoante a dis- • Acréscimo no montante pago a título de propi-
Portugal entre 2006 e 2015. A educação onde as mulheres se encontram em maioria. ciplina analisada. No entanto, esse impacto é nas pelos estudantes do ensino superior em 2015.
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4 * educação jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
“
foram lançadas em 1996, com
a constituição de um grupo de
trabalho criado por despacho
conjunto do Ministérios da
Educação e da Cultura. Esse
Celebrar o percurso grupo de trabalho, constituído
feito, mas também, e por Isabel Alçada (coordenação),
Cristina Barroso, José António
sobretudo, a refletir, Calixto, Teresa Calçada e Teresa
a pensar em como Gaspar, elaborou o Relatório
"Lançar a Rede de Bibliotecas
podemos responder às Escolares", que deu origem ao
exigências dos tempos Programa Rede de Bibliotecas
Escolares. Foi o texto fundador.
que vivemos Definiu princípios gerais e
objetivos, apresentou linhas de
orientação técnica e funcional,
abriu portas.
Em 2016, a Rede de Bibliotecas municipais, fundações, celebrar o percurso feito, mas Para além destes três A grande novidade foi esta
Escolares comemora 20 anos universidades, associações e também, e sobretudo, a refletir, painéis, foram convidados dois convivência entre o Ministério
de existência. Vinte anos outras instituições da sociedade a pensar em como podemos conferencistas internacionais da Cultura e o Ministério da
que permitiram atingir 2426 civil. responder às exigências dos que irão proporcionar momentos Educação, tão óbvia e tão salutar
bibliotecas escolares. Lançar Outubro, mês das bibliotecas tempos que vivemos.” O Fórum de reflexão sobre o papel e a para as escolas e para os alunos.
um sem número de iniciativas escolares, é o mês que se escolheu 20 anos da RBE foi pensado nesta função das bibliotecas e dos Desde o início, o poder político
em prol da leitura, da inclusão e para assinalar o 20.º aniversário linha. Celebrar um percurso bibliotecários no futuro. O assumiu-se como um facilitador
das literacias exigidas por uma deste percurso, construído, difícil e exigente mas de sucesso programa terá início com uma e um apoiante da construção
sociedade onde a informação e a sobretudo, através de um e perspetivar o futuro de modo a conferência de Ismail Serageldin, desta rede. Eduardo Marçal
tecnologia imperam e a incerteza grande trabalho em rede e em que continuemos a dar respostas diretor da mítica Biblioteca Grilo e Guilherme d´Oliveira
se tornou uma constante. Vinte equipa. A Fundação Calouste às necessidades dos alunos e das de Alexandria, intitulada Martins foram os ministros
anos em que se encontraram Gulbenkian colabora com a Rede escolas. Por isso, o lema escolhido Libraries for Tomorrow, que será da Educação durante estes
parceiros, públicos e privados, de Bibliotecas Escolares nesta para esta comemoração foi "20 comentada por Lídia Jorge, e, primeiros anos da RBE. Foi,
que se tornaram aliados firmes e efeméride acolhendo nas suas anos RBE - uma história com da parte da tarde, realizar-se-á então, constituído um gabinete
indispensáveis deste Programa. instalações, a 14 de outubro de futuro". a conferência "Una defensa del coordenador e foi nomeada como
Em que se obteve a confiança e 2016, o Fórum 20 anos RBE. Concentrar a reflexão sobre oficio bibliotecário", por Daniel coordenadora nacional Teresa
a estima de muitos professores, Nas palavras da coordenadora o passado, o presente e o futuro Innerarity, professor e filósofo, Calçada, que esteve à frente da
alunos, funcionários, diretores de nacional da Rede de Bibliotecas num só dia não é tarefa fácil. comentada por Joaquim Azevedo. Rede de Bibliotecas Escolares
escolas e de centros de formação, Escolares, Manuela Silva, “2016 O programa deste Fórum foi O programa contará, ainda, com durante 16 anos. O seu papel foi
de autarquias, bibliotecas é o ano que dedicamos para estruturado de modo a que uma intervenção do Presidente da fundamental para o êxito deste
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
educação * 5
Leitura, liberdade e cidadania
“
dignidade humana – valores
que não se compram nem
se vendem, situando-se
para lá da lógica mercantil aconteceu, e é um facto que o alunos com idades compreendidas
Um papel decisivo e economicista que, melhor trabalho de colaboração entre as entre os 10 e os 18 anos: Raquel
para a promoção do ou pior, rege o mundo
contemporâneo. Só se não
bibliotecas escolares e bibliotecas
públicas se tem revelado
Chaves (6º ano, EB Castro Daire);
Gonçalo Félix (7º ano, EB Mário
livro e da leitura, que esquecer a importância fundamental na manutenção, Beirão, Beja); José Gonçalo Dinis
ao longo das últimas de valores como esses crescimento e consolidação da (12º ano, ES Filipa de Vilhena,
Porto); João Couraceiro (12º ano,
poderá a Escola ser capaz Rede de Bibliotecas Escolares.
décadas se tornou de formar futuros cidadãos Mas, nesta construção, há ES Clara de Resende, Porto);
“
um desígnio nacional livres, estimulando-lhes o outros intervenientes igualmente Mariana Carvalho (1º ano de
sentido crítico, a capacidade importantes. Os professores Ciências da Comunicação, ex-
de reflexão e, acima de bibliotecários, presentes em aluna da ES Leal da Câmara,
tudo, a curiosidade – uma todos os agrupamentos de Sintra); Carolina Rainho (1º ano
animadores culturais, curiosidade que nos torna escolas e escolas não agrupadas, de Belas Artes, ex-aluna da ES
encarregados de educação, humanos e sem a qual
Os professores asseguram serviços de biblioteca Solano de Abreu, Abrantes). Serão
etc., que promovem diferentes nunca teria havido Arte, bibliotecários a mais de 1 milhão de crianças moderados por Ricardo Araújo
iniciativas e as adaptam às
realidades de cada município,
Ciência ou Cultura ao
longo dos séculos que nos
asseguram serviços de e jovens em todo o país. Sem
eles as bibliotecas escolares
Pereira. São frequentadores
assíduos de bibliotecas,
de cada escola, de cada precederam e a cuja herança biblioteca a mais de 1 seriam espaços sem vida, sem participam nas atividades que
biblioteca. tentamos ser fiéis. milhão de crianças e dinâmicas. Muito importante as bibliotecas das suas escolas
para a consolidação da Rede promovem, estão conscientes da
jovens em todo o país. de Bibliotecas Escolares foi sua importância. O que têm estes
Sem eles as bibliotecas precisamente a criação da figura jovens a dizer sobre o futuro das
programa. A sua capacidade de aquisição autónoma do saber. Os do professor bibliotecário, bibliotecas escolares? Que pistas
liderança, energia e entusiasmo recursos são variados e já não escolares seriam institucionalizada numa irão dar que ajudem a mudar para
contagiante ajudaram a que se limitam apenas aos livros em espaços sem vida, sem portaria em 2009. Para além melhorar?
muitos acreditassem neste projeto formato papel. dos professores bibliotecários a As bibliotecas escolares
e o levassem para a frente. Do painel "A rede em dinâmicas RBE tem, ainda, no terreno, para preocupam-se, fundamental-
Instalaram-se, desde então, construção - Atores do dia-a- apoiar, coordenar e dar formação, mente, com as aprendizagens,
mais de 2000 bibliotecas dia: relatos e olhares de quem coordenadores interconcelhios com as múltiplas literacias que
escolares que trouxeram às transforma o presente" farão
A colaboração entre as que constituem o elo de ligação têm de desenvolver nos alu-
escolas novas e diferenciadas parte: Aida Alves, diretora bibliotecas escolares entre o gabinete coordenador, nos, com as novas tecnologias
dinâmicas relativamente ao da Biblioteca Municipal Lúcio os professores bibliotecários, e a necessidade imperiosa de se
trabalho que se realiza nas salas Craveiro da Silva; Isabel
e as bibliotecas as bibliotecas municipais e os tentarem manter atualizadas.
de aula. As bibliotecas escolares Mendinhos, membro do públicas tem-se restantes parceiros. Terão, também, de se preparar
As diferentes parcerias que se
tornaram-se espaços (não só
físicos como também digitais)
gabinete RBE; Mª João Valente
Rosa, diretora da Pordata;
revelado fundamental foram criando com entidades do
para, com a tecnologia mas para
além da tecnologia, formarem
onde professores bibliotecários, Raquel Ramos, coordenadora na manutenção, Ministério da Educação, como cidadãos mais competentes, mais
assistentes operacionais,
professores e voluntários
interconcelhia da RBE; Rui
Mateus, professor bibliotecário
crescimento e o Plano Nacional de Leitura,
e muitas outras, públicas e
críticos e reflexivos, ensinando
competências essenciais para ler,
desenvolvem competências nos do Agrupamento de Escolas José consolidação da RBE privadas, deram origem a projetos interpretar, lidar com a informa-
alunos ao nível das literacias Sanches e S. Vicente da Beira. que transformaram o quotidiano ção e construir conhecimento de
da leitura, da informação Será moderador João Couvaneiro. das escolas e reforçaram os laços forma autónoma.
e dos media. As bibliotecas A Rede de Bibliotecas Escolares desta rede. Os atores do dia-a- São muitos os desafios que se
humanizaram-se. Tornaram- começou com um grupo de O relatório que dá origem ao dia são quem transforma este colocam às bibliotecas escolares
se espaços de comunicação, trabalho, uma coordenadora Programa RBE recomendava presente da Rede de Bibliotecas e muito se espera delas. Assim
criação e colaboração, onde se nacional e um gabinete “para rentabilizar e coordenar Escolares, quem lhe dá vida. foi no passado e assim será, no
desenvolvem projetos, concursos, coordenador, mas continuou os recursos biblioteconómicos O painel "O futuro aqui – futuro. J
oficinas, exposições, debates, sempre a crescer. A criação dos a nível nacional (…) a criação alunos e criadores: a palavra
clubes de leitura. No fundo, Serviços de Apoio às Bibliotecas nas bibliotecas municipais de aos construtores do futuro" será (Programa completo do Fórum
espaços de conhecimento o onde Escolares nas Bibliotecas Serviços de Apoio às Bibliotecas aquele que mais expectativa irá disponível em: http://www.
os alunos são orientados para a Municipais foi o passo seguinte. Escolares” (SABE)”. E assim criar. Deste painel farão parte seis rbe20anos.pt/programa)
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6 * educação jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
› a b e rt u r a d o a no e s c o l a r - I nq u é r i t o ‹
Constransgimentos e prioridades
Na última edição do JL/Educação lançamos um inquérito sobre a abertura do ano letivo e as expectativas dos professores
a seu respeito, ao qual responderam, em textos de sua autoria, oa presidentes ou secretários-gerais de várias suas
organizacões: Paula Figueiras Carqueja (ANP), Mário Nogueira (FENPROF), Filinto Lima (ANDAEP) e César Israel Paulo
(ANCP). Agora, a perspetiva da Federação Nacional da Educação (FNE), também pelo seu presidente
“
Assinalamos igualmente eliminando a injusta “nor-
como negativo a continuação de ma-travão” e as distorções de
um elevado nível de precarieda- que define as orientações para posicionamento que nele ainda
de entre os docentes, expressa a determinação do seu número, se identificam, e acabando em
nos 7 mil professores que foram que deve estar atribuído a cada definitivo com a precariedade
contratados, e muito particu- escola/agrupamento de escolas. É tempo de efetivas que tem marcado a atividade
larmente pelos quase 30 mil que A FNE reitera ainda a sua firme mudanças na docente desde há demasiado
ficaram sem colocação, e ainda oposição a que as necessida- tempo, e ainda redimensio-
pelos mais de 1 500 dos quadros des permanentes das escolas consideração da nando os Quadros de Zona
identificados sem componente em termos de TNT continue a qualidade do exercício Pedagógica;
letiva atribuída, o que mais não ser assegurada pelo recurso a
significa do que desperdício na trabalhadores desempregados profissional (dos g) o estabelecimento de novas
gestão de recursos altamente através da figura do Contrato João Dias da Silva professores), na regras de determinação
qualificados e imprescindíveis Emprego Inserção, ou ainda dos quadros das escolas/
para um efetivo crescimento do pela utilização das chamadas correta definição das agrupamentos de escolas,
nível de escolarização/qualifi- “horas para limpeza”, pagas, sua competências, permitindo a formação de
cação da nossa população. para cúmulo, a um valor ridí- função de um bom exercício bolsas de apoio à promoção do
Esta ano as colocações foram culo. profissional e do respeito pelos na valorização sucesso escolar, de resposta a
objeto de um problema acres- Para além destas questões, limites de tempo de trabalho remuneratória a que necessidades de substituição
cido pela forma e pelo tempo não se pode esquecer que, ao que deve ser observado, são e de desenvolvimento de
em que decorreram as feitas longo dos últimos anos, todos fatores muito perturbadores
têm direito projetos no domínio da
em regime de mobilidade por os trabalhadores – e neste caso do normal funcionamento das qualidade da educação;
doença, da qual resultaram pre- concreto os trabalhadores da escolas.
juízos significativos, quer por educação – sofreram uma sig- Os profissionais da educação - composição das compo- h) um Orçamento de Estado
desrespeito pela posição relativa nificativa redução do valor das entendem que é tempo de mudar nentes letiva e não letiva e as que envolva as despesas que
entre candidatos, quer pelos suas remunerações, - o conge- esta situação e que devem sentir, suas corretas caracterização são inerentes a um sistema
seus efeitos na organização das lamento de qualquer perspetiva como resultado de decisões e dimensões, determinando educativo de qualidade, o que
escolas. de desenvolvimento das carrei- políticas, efetivas mudanças na claramente os limites da sua supõe o seu sucessivo cresci-
As nossas preocupações ras, a ausência de qualquer tipo consideração da qualidade do duração normal, bem como mento, até atingir 6% do PIB.
estendem-se à insuficiência de de valorização ou de estímulo exercício profissional, na correta as compensações quando
assistentes operacionais para ao desempenho profissional e ao definição das competências que extraordinariamente ultrapas- i) a definição do regime de des-
garantirem um adequado acom- investimento em acréscimos de lhes estão atribuídas, na valoriza- sados; congelamento das carreiras,
panhamento e enquadramento formação. ção remuneratória a que têm di- - respeito pela componente a ocorrer a partir de janeiro
dos alunos nas nossas escolas. A degradação das condições reito, sem esquecer a correção dos individual de trabalho; de 2017, com recuperação do
Em relação aos Trabalhadores de exercício profissional e uma desequilíbrios salariais ocorridos - consideração do desgaste tempo de serviço congelado e
Não Docentes (TND), a FNE pressão sistemática em relação a nos últimos anos. profissional em termos de a anulação das distorções que
denuncia a insuficiente dotação práticas de medição de todas as redução da componente letiva permanecem em resultado
das escolas em termos destes componentes da ação profissio- Neste contexto, a FNE elencou um para todos os ciclos de ensino; das condições definidas para a
trabalhadores, sendo essencial nal, o que se traduz em horários conjunto de prioridades para ação - estabelecimento de moda- transição para o mais recente
a revisão do regime de rácios de trabalho inaceitáveis em sindical imediata: lidades de trabalho letivo a regime.J
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J 12 a 25 de outubro de 2016 * jornaldeletras.pt
educação * 7
INQUIETAÇÕES de uma segunda versão, que foi
submetida a consulta pública.
PEDAGÓGICAS Participaram nessa consulta
alguns cidadãos, mas sobretudo
de profissionais de educação de
infância e professores do ensino
Orientações Curriculares
superior, que enviaram a sua
opinião individual ou coletiva
e, ainda, diversas associações
profissionais e outras instituições.
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8 * educação jornaldeletras.pt * 12 a 25 de outubro de 2016 J
A flexibilização curricular
Em texto para o JL o autor, secretário de Estado da Educação - catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, de que foi diretor - salienta que o “Ministério tem vindo a promover uma reflexão alargada
sobre o currículo desenvolvido hoje nas escolas, através de vários instrumentos”. E dessa reflexão “surgem aspetos
consensuais que enquadram uma necessidade de atuação e uma metodologia de trabalho” - que aqui apresenta
LUÍS BARRA
famílias. Um dos próximos que contribuem para esse perfil.
passos deste trabalho de João Costa “O foco da atuação do Governo é a promoção do sucesso escolar, garantindo aprendizagens mais significativas e
auscultação será a conferência efetivas para todos os alunos” C. Indução de flexibilização
a organizar a 4 de novembro, da gestão curricular, dando a
“
"A Voz dos Alunos", em que os cada escola e a cada Conselho
estudantes serão convidados a de Turma a possibilidade de
contribuir com o seu olhar sobre consensual que a carga horária alargamento da escolaridade gestão de tempos curriculares,
as aprendizagens de que têm dos alunos já é bastante extensa. obrigatória a 12 anos e a criação de disciplinas de cariz
beneficiado. Devido à sua extensão, revogação do Currículo transdisciplinar, criação de
Desta reflexão, surgem c) Devido à sua extensão, os Nacional do Ensino Básico pelo momentos de projeto, criação de
alguns aspetos consensuais programas não possibilitam os programas não último Governo, não existe metodologias ativas no ensino.
que enquadram uma que se desenvolvam três possibilitam que se a resposta a uma pergunta
necessidade de atuação e uma aspetos críticos: diferenciação simples: qual é o perfil de D. Articulação com as estratégias
metodologia de trabalho que pedagógica nas aulas, atendendo
desenvolvam três aspetos competências que todos os de inclusão de formação para a
aqui apresento. a ritmos e necessidades críticos: diferenciação alunos devem atingir no final cidadania de forma efetiva no
específicas contextualmente da escolaridade? De que forma currículo e com a produção de
determinadas; integração
pedagógica nas aulas, essas competências contribuem um currículo que permita que
integração curricular
1 PROBLEMAS DO ATUAL
CURRÍCULO
curricular, relacionando
os conteúdos de diferentes
disciplinas; desenvolvimento
e desenvolvimento de
para uma cidadania ativa e
para uma disponibilidade e
capacidade para investir na sua
os alunos com necessidades
educativas especiais estejam
verdadeiramente incluídos,
a) Há uma perceção social de de competências mais elevadas, competências elevadas formação ao longo da vida? articulando a sua presença
que os programas têm sofrido como o pensamento crítico, a na sala de aula com a dos seus
alterações constantes. Se pesquisa e análise de informação colegas.
Hoje o currículo não
isso é verdade para algumas
disciplinas, não é factual para
a generalidade. Os programas
e a criatividade, o trabalho
colaborativo ou competências
comunicativas.
valoriza a capacidade 3 A FLEXIBILIZAÇÃO DA
GESTÃO CURRICULAR E. Promoção de reflexão
sobre a articulação entre a
são, para a maior parte das áreas instalada nas escolas Hoje, os professores são avaliação externa, na sua
disciplinares, os mesmos há 25 d) A extensão dos programas para o desenvolvimento uns meros executores de complementaridade com
anos. Em alguns casos a falta de inviabiliza uma promoção um currículo definido a avaliação interna, e a
atualidade é gritante. efetiva de competências de de disciplinas, para centralmente. O currículo planificação e desenvolvimento
cidadania. a criação de projetos não valoriza a capacidade de um currículo por
b) Os programas são demasiado instalada nas escolas para competências.
extensos, por terem sido de natureza inter o desenvolvimento de
construídos numa lógica de
empilhamento, isto é, por cada
avanço no conhecimento,
2 A AUSÊNCIA DE
UM PERFIL DE
COMPETÊNCIAS
e transdisciplinar,
para o trabalho sobre
disciplinas, para a criação
de projetos de natureza
inter e transdisciplinar,
F. Participação ativa nas
discussões que estão hoje em
curso no plano internacional
introduziu-se um capítulo, dimensões territoriais, para o trabalho sobre sobre este assunto,
apesar de o tempo disponível Os debates sobre o currículo dimensões territoriais, designadamente através da
para lecionar ser o mesmo e são, geralmente, apaixonados
para o desenvolvimento para o desenvolvimento de integração do projeto Education
apesar de ser relativamente e intensos, mas hoje, com o de projetos artísticos projetos artísticos. Sabemos 2030, da OCDE.
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| Agenda Cultural |
12 a 25 de outubro 2016
ALmAdA E Lisboa/Pequim/Lisboa
Exposição de fotografia de Pepe brix.
CAsCAIs Teatro Académico de gil Vicente
Pç. da república. Tel.: 239 855 630
até 16 de outubro E Isabel maria dos:
Teatro municipal Joaquim Benite Casa das Histórias Paula Rego
Av. Prof. Egas Moniz. Tel.: 212 739 360 E Artes de Guerra sem mar Av. da república, 300. Tel.: 214 826 970 Código(s) Humano(s)
até novembro até 23 de outubro
T O Feio T oDoS oS DIAS , DAS 10 h àS 18 h
De Marius von Mayenburg. Encenação de E Paula Rego: Old meets New d O Que Fazer daqui Para Trás
Toni Cafiero. Interpretação de André Pardal, BRAGA até 30 de outubro De João Fiadeiro. Performers e cocriação
de Adaline Anobile, Carolina Campos, Márcia
João Farraia, João Tempera e Maria João Falcão. E duplo Vê
4ª S áb ., 21 h 30; D oM ., 16 h lança, Iván haidar e Daniel Pizamiglio.
A àS àS
Theatro Circo Exposição de pintura de Mattia Denisse.
até 16 de outubro até 13 de novembro 14 de outubro – 21h30
Av. da liberdade, 697. Tel.: 253 203 800
E Título descritivo m Hiromi
Instalação de Andrea brandão.
5 ª A S áb ., DAS 19 h àS 21 h 30; D oM ., DAS
13 de outubro – 21h30 Centro Cultural de Cascais
Av. rei humberto II de Itália. Tel.: 214 848 900
C O N d E I X A - A -V E L H A
15 h àS 19 h 30. E M DIAS DE ESPETáCulo
T Top Genius
Com Vasco Palmeirim e Nuno Markl. 3ª A D oM ., DAS 10 h àS 18 h
A gAlErIA ESTá AbErTA A PArTIr DAS 19 h museu monográfico de Conimbriga
14 de outubro – 21h30 E Kadeiras Conimbriga. Tel.: 239 941 177
15 de outubro a 30 de dezembro
m sarau de Encerramento da até 16 de outubro 2ª D oM ., 10 h 19 h
T Nao d’amores A DAS àS
museu de Évora
lg. Conde de Vila Flor. Tel.: 266 702 604
3ª A D oM ., DAS 9 h 30 áS 17 h 30 ( INVErNo )
E Legado Francisco Barahona Fernandes
até dezembro 2017
FARO
Igreja do Carmo
m FImCA 16: Capriccio
obras de r. Strauss, W. A. Mozart e Korngold.
14 de outubro – 21h30
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| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro
M Hiromi’s Trio Project T Mostra de Teatro de Amadores Biblioteca da Ajuda T Os Improváveis: Improkids
14 de outubro – 21h30 20 a 22 de outubro Lg. da Ajuda. Tel.: 213 638 592 15 de outubro – 16h
M FIMCA 16: (S)otto Voce C Da Real Barraca ao Paço da Ajuda: M Recital de Piano por
Obras de Joly Braga Santos, Centro Int. das Artes José de Guimarães A Música em Torno da Família Real João Bettencourt da Câmara
J. Berkhemer e Mendelssohn. Av. Conde Margaride, 175. Tel.: 253 424 715 27 de outubro 16 de outubro – 17h
15 de outubro – 21h30 E Caminhos de Floresta: M Big Bang LX 2016
M FIMCA 16: Dumky Sobre Arte, Técnica e Natureza Biblioteca Nacional de Portugal 21 e 22 de outubro
Programa: Dvorak - Trio com piano " até 31 de dezembro Campo Grande, 83. Tel.: 217 982 000 M Orquestra Sinfónica Metropolitana
Dumky". Narração d'”A história do menino E Objetos Estranhos: E As Mil e uma Entradas do Labirinto: Pedro Amaral - direção musical.
que gostava das coisas que estavam bem longe”. Ensaio de Proto-Escultura no Tricentenário da Morte de Leibniz Programa: A. Bruckner, Sinfonia N.º 5, WAB 105.
16 de outubro – 10h30 23 de outubro – 17h
até 31 de dezembro até 30 de dezembro
M FIMCA 16: A Morte Saiu E Labirinto e Eco: Coleção E Delfim Santos
das Suas Intermitências, Apareceu Permanente e Outras Obras até 30 de dezembro Culturgest
em Cima de um Palco e Voltou até 31 de dezembro E Potter150 / Dahl100: R. Arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155
a Morrer num Título Longo: Traduções Portuguesas M Trojnik
no Dia Seguinte Ninguém Morreu 12 de outubro – 21h30
Obras de F. Schubert e P. Braga Falcão. ÍLHAVO até 20 de outubro
E Da Feliz Lusitânia à A 14º Doclisboa 2016
16 de outubro – 18h30 20 a 30 de outubro
Museu Marítimo de Ílhavo Felix Belém: 400 anos da
M Os Dilemas Dietéticos
Av. Dr. Rocha Madahíl. Tel.: 234 329 990 Fundação de Belém do Pará
de Uma Matrioska dMeio Fund. Arpad Szènes - Vieira da Silva
3ª A S áB ., DAS 10 H àS 18 H ; D OM ., DAS 14 H àS 18 H 12 de outubro a 16 de janeiro 2017
Texto Original de Mário João Alves. Encenação Pç. das Amoreiras, 58. Tel: 213 880 044
E St John’s, Porto de Abrigo - C Potter 150 / Dahl 100 3ª A DOM .. DAS 10 H 18 H ; 2ª
de António Durães. Interpretação de Teresa àS ENCERRA E FERIADOS
A Frota Branca de Paul A. Soik 14 de outubro
Nunes, Job Tomé, Crispim Luz, Susana Lima, E Arte Vudu. Coleção
Brenda Vidal Hermida. até 23 de outubro C CT7 – Comissão Técnica Treger – Saint Silvestre
21 de outubro – 21h30 de Normalização em até 22 de janeiro 2017
Documentação e Informação
LAMEGO Por Rosa Galvão (BNP). Fundação Calouste Gulbenkian
FUNCHAL 17 de outubro – 14h30 Av. de Berna, 45ª. Tel.: 213 880 044
Museu de Lamego E Vergílio Ferreira 2ª, 4ª A D OM ., DAS 10 H àS 18 H
Museu Henrique e Francisco Franco Lg. de Camões. Tel.: 254 600 230 18 de outubro a 14 de janeiro 2017 E Eu Não Evoluo, Viajo
R. João de Deus, 13. Tel.: 291 211 090 E Faces: Retrato e C Tardes com Delfim Santos Exposição retrospetiva do pintor José Escada.
2ª A6 ª , DAS 9 H àS 12 H 30 E DAS 14 H Identidade nas Doações e 21 de outubro – 15h30 até 31 de outubro
àS 17 H 30; S áB ., DAS 9 H àS 12 H 30 Legados do Museu de Lamego E Obra
E Objetos Partilhados I: Pinturas até 31 de março 2017 Centro Cultural de Belém até 11 de dezembro
Francas # sobre o retrato, em Osculum Pç. do Império. Tel.: 213 612 400 E Linhas do Tempo:
Exposição de artes plásticas de Diogo Goes.
até 21 de outubro LEÇA DA PALMEIRA 3ª A D OM ., DAS 10 H
E Fernando Guerra / FG+SG.
àS 18 H
As Coleções Gulbenkian.
Caminhos Contemporâneos
Raio X de uma Prática Fotográfica até 2 de janeiro 2017
Museu da Quinta de Santiago
GONDOMAR R. de Vila Franca, 134. 229 392 410
até 29 de outubro E Portugal em Flagrante: Operação 1
3ª AD OM ., DAS 10 H M Sara Gazarek até 8 de janeiro 2017
13 H E DAS 15 H àS 18 H 12 de outubro – 21h
Lugar do Desenho - Fundação Júlio Resende àS E António Ole. Luanda, Los Angeles, Lisboa
R. Pintor Júlio Resende, 346. Tel.: 224 649 061 E Aurélia, Mulher Artista T Os Improváveis: Improfado até 9 de janeiro 2017
3 ªA 6 ª , DAS 14 H 30 àS 18 H 30; até 30 de outubro 14 e 15 de outubro – 21h E A Forma Chã
S áB . E D OM ., DAS 14 H 30 àS 17 H 30 até 9 janeiro 2017
E Resende anos 50
até 9 de outubro LEIRIA M Orquestra Gulbenkian
Fabien Gabel – maestro.
E Resende Convida... Alina Ibragimova – violino.
a Relembrar o Alentejo Museu da Imagem
Obras de D. Chostakovitch e P. I. Tchaikovsky.
até janeiro 2017 em Movimento
13 de outubro – 21h
Lg. de S. Pedro.
Tel.: 244 839 675
14 de outubro – 19h
GUARDA TODOS OS DIAS, DAS 9H30 àS 17H30 M Solistas da Orquestra Gulbenkian
Obras de W. A. Mozart.
E 1ª Bienal de
Artes e Literatura 14 de outubro – 21h30
Teatro Municipal da Guarda
R. Batalha Reis, 12. Tel.: 271 205 240 até 29 de outubro M L. Subramaniam
18 de outubro – 21h
E Os Jogos Tradicionais
M Bosch Beach
na Azulejaria Portuguesa
3ª A 6 ª ., DAS 16 H àS 19 H E DAS 21 H àS 23 H ;
LISBOA Pela Orquestra Gulbenkian, sob a
6ª E S áB ., DAS 16 H àS 19 H E DAS 21 H àS 24 H direção do maestro Etienne Siebens.
até 14 de outubro Arquivo Nacional 20 de outubro – 21h30
M Palankalama Torre do Tombo 21 de outubro – 19h
13 de outubro – 22h Al. da Universidade.
M Rogério Cardoso Pires Tel.: 217 811 500 Igreja de S. Roque
2 ª A 6 ª , DAS 9 H 30 àS 19 H 30; Lg. Trindade Coelho. Tel.. 213 235 444
14 de outubro – 22h
S áB ., DAS 9 H 30 àS 12 H 30
M Fandango M Orquestra Gulbenkian
E Oh! A República!... o 5 Jan Wierzba – maestro.
21 de outubro – 21h30
de Outubro, de Viva Voz Patrycja Gabrel – soprano.
T O Homúnculo
até 5 de novembro Manuel Rebelo – baixo.
De Natália Correia.
22 de outubro – 21h30 E Um Lente Entre Obras de Vivaldi, Mozart, Barber e Dvorák.
os Condes… Um 21 de outubro – 21h
Conde Entre os Lentes.
GUIMARÃES até 14 de dezembro Maria Matos Teatro Municipal
Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Tel.: 218 438 800
Centro Cultural Vila Flor Atelier-Museu Júlio Pomar M Joana Sá
Av. D. Afonso Henriques, 701. Tel.: 253 424700 R. do Vale, 7. Tel.: 215 880 793 13 e 14 de outubro – 22h
E Contextile 2016: Bienal de 3ª A D OM ., DAS 10 H àS 18 H D Le Cargo
Arte Têxtil Contemporânea E A Arquitetura dos Artistas Coreografia e interpretação de Faustin Linyekula.
até 15 de outubro até 16 de outubro 15 de outubro – 15h
© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - centro.lusitania@gmail.com - 172.17.21.102 (03-08-18 07:56)
1427333
| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro
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T A Visita Escocesa E 1915 - O Despertar do Algarve E Liam Gillick: Campanha António Pedro Lopes, Bernardo de Almeida e
Criação de Inês Barahona e Miguel Fragata. até 30 de novembro até 8 de janeiro 2017 Raquel André. Interpretação de Raquel André.
15 de outubro – 11h E Conversas: Arte Portuguesa 14 de outubro – 21h30
T Uma Menina Está Perdida Recente na Coleção de Serralves 15 de outubro – 19h
no Seu Século À Procura do Pai PORTO até 22 de janeiro 2017 T Kitsune
A partir do texto de Gonçalo M. Tavares. E Joan Miró: Materialidade e Metamorfose Pelo Teatro de Marionetas do Porto.
Encenação de Marco Paiva. Interpretação Casa da Música até 28 de janeiro 2017 20 de outubro – 21h30
de Ana Rosa Mendes, Andreia Farinha, Av. da Boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 T A Convenção dos Ventríloquos
E Haegue Yang: Parque de
António Coutinho, Carlos Jorge, M Chucho Valdez & Joe Lovano Quintet Conceção e direção de Gisèle Vienne.
Vento Opaco em Seis Dobras
Carolina Sousa Mendes, entre outros. 13 de outubro – 21h 22 de outubro – 21h30
até 4 junho 2017
5ª A S áB ., àS 21 h ; D oM ., àS 16 h M Alexandre Dahmen Trio M Pita: Understage
E Michael Krebber: The Living Wedge
20 a 23 de outubro 13 de outubro – 22h 22 de outubro – 23h30
15 de outubro – a 15 de janeiro 2017
M Sara Gazarek
E Everything is About to Happen
Teatro Nacional de São Carlos 14 de outubro – 21h30
R. Serpa Pinto, 9. Tel.: 213 253 000 M OCP – Operador de Cabine Polivalente
(Porto): Livros e Edições de Artista TABUAÇO
5 de outubro a 12 de fevereiro 2017
M Carmen 14 de outubro – 22h
De Georges Bizet (1838-1875). M Moncef Genoud / Selma Uamusse MIDU - Museu do Imaginário Duriense
Libreto de henri Meilhac e Ludovic halévy. 15 de outubro – 21h R. Macedo Pinto 57.
Encenação de Calixto Bieito. Interpretação
Mosteiro São Bento da Vitória E Douro, Lugar de um Encontro Feliz
M Aline Frazão: Insular R. São Bento da Vitória. Tel.: 223 401 900
de Katarina Bradic, Lukhanyo Moyake, 15 de outubro – 21h30 Exposição de fotografias de António Barreto.
Nicholas Brownlee, Sarah-Jane Brandon, D Pulling Strings até 2 de novembro
M Um Corpo Estranho Criação de Eva Meyer-Keller. Interpretação
Tiago Matos, Carlos Guilherme, entre outros. 15 de outubro – 22h de Sheena McGrandles, Eva Meyer-Keller.
Com o Coro do Teatro Nacional de
São Carlos, o Coro Juvenil de Lisboa
M Banda Sinfónica Portuguesa 15 de outubro – 21h e 23h TOMAR
Francisco Ferreira - direção musical. T Cabaret Berlinn
e a orquestra Sinfónica Portuguesa. Pedro Burmester – piano. De Peter Waschinsky. Convento de Cristo
12 e 14 de outubro – 2 0h obras de P. Wilby. E. Dohnányi e o. Waespi. 19 e 21 de outubro -21h Tel.: 249 315 089
16 de outubro – 12h E A Botica do Real
Teatro Politeama M Peter Murphy
R. das Portas de Sto. Antão, 109. Tel.: 213 405 700 Convento de Thomar
16 de outubro – 21h
T As Árvores Morrem de Pé Museu Nacional de Soares dos Reis até 3 de julho 2017
M Konstrukt | Angles 8 R. de Dom Manuel II 44. Tel.: 223 393 770
Encenação de Filipe la Féria. 17 de outubro – 21h
Interpretação de Manuela Maria, Ruy
de Carvalho, Eunice Munoz, João D`ávila,
M Quarteto de Cordas de Matosinhos
E My Own Private Phosphenes –
Patrimónios Imaginados
VILA DO BISPO
obras de haydn, F. Lapa e D. Chostakovitch.
Maria João Abreu e Carlos Paulo. até 31 de outubro
18 de outubro – 19h30 Centro de Interpretação
4ª A S áB ., àS 21 h 30; S áB . E D oM ., àS 17 h
M Maria João & Guinga / Dino Saluzzi Estrada Nacional 268.Antigo Mercado
Palácio da Bolsa
18 de outubro – 21h Municipal. Tel.: 282 630 600
Teatro Tivoli BBVA R. de Ferreira Borges. Tel.: 223 399 000
2ª A 6ª, DAS 9h àS 15 h 30
Av. da Liberdade, 182ª. Tel:: 213 151 050 M Alessandro Penezzi / Sumrrá M Solistas da Orquestra
19 de outubro – 21h E As Origens Pré-históricas
M Aline Frazão: Insular Sinfónica do Porto Casa da Música
M Fátima Serro do Reino dos Algarves
14 de outubro - 21h30 obras de Klughardt, humoreske, J. B. Foerster.
20 de outubro – 22h até 28 de outubro
M Fados de Coimbra em Lisboa 20 de outubro – 21h30
19 de outubro - 21h30 M Marcos Tavares DJ Set
T Salvador Martinha: Tipo Anti-Herói 21 de outubro – 22h
M Êxtase Sinfónico
Teatro Campo Alegre VISEU
20, 21 e 22 de outubro – 21h30 R. das Estrelas. Tel.: 226 063 000
Pela orquestra Sinfónica do Porto Casa da T À Procura de Lem Museu Nacional Grão Vasco
Música, sob a direção musical de Peter Rundel e De Regina Guimarães. Encenação de Igor Gandra.
Teatro Villaret Adro da Sé. Tel.: 232 422 049
a participação de Teodoro Anzellotti (acordeão). 14 de outubro – 10h30 e 15h (escolas)
Av. Fontes Pereira de Melo, 30ª. Tel.: 213 538 586 3ª, DAS 14 h àS 17 h 30; 4 ª A D oM .,
obras de A. Schnittke, G. Aperghis, A. Scriabin. 15 de outubro – 15h e 17h 10 h àS 12 h 30 E DAS 14 h àS 17 h 30
T Commedia à la Carte: Circus DAS
22 de outubro – 18h T Assim Não Vais Longe D Revisitar
5 ªA D oM ., àS 21 h 30
até 27 de novembro M We Find You Conceção e interpretação de Gustavo Sumpta. Criação e interpretação de Leonor Barata.
22 de outubro – 22h 20 e 21 de outubro – 19h 15 de outubro
M Valsas de Amor M Grão Vasco com Música
NAZARÉ Pelo Coro Casa da Música, sob a direção Teatro Carlos Alberto Recital de órgão, fagote e oboé para público
musical de Paul hillier e a participação R. das oliveiras, 43. 223 401 900 escolar. Pelo Conservatório de Música Dr.
Museu Dr. Joaquim de Lígia Madeira & Luís Duarte (piano). T Bácoro Azeredo Perdigão.
Manso - Museu da Nazaré 23 de outubro – 18h Texto de Ricardo Alves e Sandra Neves. 19 de outubro – 10h
R. D. Fuas Roupinho – Sítio. Tel.: 262 562 801 M Desidério Lázaro Encenação de Ricardo Alves. Interpretação
3ª A D oM ., DAS 10 h àS 17 h 30 25 de outubro – 19h30 de Ivo Bastos, Nuno Preto, Rui oliveira. Teatro Viriato
E Cores da Nazaré. A Pintura 4ª, àS 19 h ; 5 ª A S áB ., àS 21 h ; D oM ., àS 16 h Lg. Mouzinho de Albuquerque. Tel.: 23 2480 110
de Ana Maria Botelho Centro Português de Fotografia até 16 de outubro 2ª A 6ª, DAS 13 h àS 19 h E EM DIAS DE ESPETáCuLo
até 6 de novembro Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310 T O Bem, o Mal e o Assim-Assim T As Criadas
3 ª A 6 ª , DAS 10 h à S 12 h 30 E DAS 14 h àS De Gonçalo M. Tavares. Encenação de João Luiz. De Jean Genet. Encenação de Simão
18 h ; S áB ., D oM . E F ERIADoS , DAS 15 h àS 19 h 4ª, àS 19 h ; 5 ª A S áB ., àS 21 h ; D oM ., àS 16 h
PESO DA RÉGUA E Only You 21 a 30 de outubro
do Vale. Interpretação de Cristina
Carvalhal, Joana Africano e Teresa Arcanjo.
Exposição de fotografia de Leonardo Kossoy. 15 de outubro – 21h30
Museu do Douro até 30 de outubro Teatro Nacional São João D Os Serrenhos do Caldeirão,
R. Marquês de Pombal. Tel.: 254 310 190 Pç. da Batalha. Tel.: 223 401 900
T oDoS oS DIAS , DAS 10 h 18 h
Exercícios em Antropologia Ficcional
àS
Culturgest Porto T Últimos Dias da Humanidade De Vera Mantero. Produção o Rumo do Fumo.
E VIII Bienal Internacional de Gravura Av. dos Aliados, 104. Tel.: 222 098 116 De Karl Kraus. Encenação de Nuno
22 de outubro – 21h30
do Douro: Homenagem a Júlio Pomar 2ª A S áB ., DAS 12 h 30 àS 18 h 30 Carinhas, Nuno M Cardoso.
até 31 de outubro E Dorota Jurczak: ~.{ }.~ 4 ª , àS 19 h ; 5 ª A S áB ., àS 21 h ; D oM ., àS
15 de outubro a 7 de janeiro 2017 16 h . 19 DE NoVEMBRo , DAS 15 h àS 23 h
27 de outubro às 19 de novembro
PORTIMÃO Fundação de Serralves
R. D. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 500 Teatro Rivoli GABINETE DE ESTRATÉGIA,
Museu de Portimão 3 ª A 6 ª , DAS 10 h àS 13 h E DAS 14 h àS 17 h ; Pç. D. João I.. Tel.: 223 392 200 PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO CULTURAIS
R. D. Carlos I. Tel.: 282 405 230 S áB ., DoM . E FERIADoS DAS 10 h àS 19 h T O Segredo de Simónides - Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
E Todos Nós Somos Peixes E Projetos Contemporâneos: Rachel Rose Coleção de Colecionadores Tel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 832
até 27 de novembro até 13 de novembro Direção de Raquel André. Cocriação de relacoes.publicas@gepac.gov.pt
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