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António Arnaut A procura da ‘palavra solar’

Texto de António Pedro Pita PÁGINAS 9 E 10

Música: o ‘arranque’
dos Festivais de Verão PÁGINAS 16 E 17

JORNAL Marta Wengorovius


DE LETRAS, Um modo de estar na arte PÁGINA 19

ARTES E
IDEIAS Clara Andermatt
Ano XXXVIII * Número 1245 * De 20 de junho a 3 de julho de 2018
* Portugal (Cont.) €3 * Quinzenário * Diretor José Carlos de Vasconcelos
Dança, um projeto diferente PÁGINA 21

Antonio MuÑoz Molina

O escritor
em Lisboa
Um dos mais importantes escritores de
língua castelhana, autor de dois romances
que ‘passam’ pela capital portuguesa,
escolheu-a agora para viver (sendo de novo
aqui editado) – e o JL acompanhou-o três
dias. Reportagem e entrevista
de Luís Ricardo Duarte
PÁGINAS 6 A 9

Helder de Sousa Os resultados das provas de aferição

José Jorge Teixeira Quem é e quais são os projetos


do ‘melhor professor do ano’ J/Educação
NUNO CORREIA

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.102 (20-06-18 07:27)
2* destaque jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

› b r e v e e nc o n t ro ‹

Manuela Júdice
A "incrível" literatura
portuguesa em Guadalajara
Quarenta e dois escritores, três mil livros na livraria, muitos debates
e encontros, de par com um programa de espetáculos variado e uma
rica oferta de formação. Eis a representação de Portugal na Feira do
Livro de Guadalajara, onde será convidado de honra. De 24 de no-
vembro a 2 de dezembro, a comissária portuguesa, Manuela Júdice,
secretária-geral da Casa da América Latina em Lisboa, quer mostrar
o que de melhor há em Portugal: a sua cultura. Entrevista a propósito
do programa apresentado na passada segunda-feira, dia 18, e a que o
JL regressará em próxima edição.

Jornal de Letras: Que importância atribui à participação de


Portugal, como convidado de honra, na Feira do Livro Guadalajara?
Manuela Júdice: Muito grande. Vi o que foi possível fazer, há cinco
anos, em Bogotá, em cuja feira do livro Portugal também foi o país
convidado. Em Guadalajara podemos potenciar o bom trabalho que
então se fez, já que a feira, a segunda maior do mundo, conjuga as
Projetos de Julião Sarmento em Guimarães Projetos inéditos
componentes de grande público e pro- de Julião Sarmento, nunca vistos ou realizados, ao correr de
fissional. Temos condições para alcançar
resultados ainda melhores.
todo o seu percurso, reúnem-se numa exposição que permite
reconstituir uma perspetiva de grande amplitude sobre a obra
O que une todo o programa? do artista. A mostra, com curadoria de
A literatura, o livro, o texto escrito. Todas
as manifestações artísticas têm esse ponto Filipa Oliveira e Nuno Faria, inaugura-se a
de partida. As exposições são disso um bom 29, no Centro Internacional das Artes José
exemplo, com mostras de Almada Negreiros
(e os seus painéis), Ana Hatherly (e o Barroco) de Guimarães, tal como uma antológica de
e de lenços dos namorados (com frases de Pedro A. H. Paixão, desenhos, vídeo e um
Pedro Tamen, Herberto Helder e José Luís Peixoto), numa iniciativa que
homenageia o movimento mexicano “Bordando Por La Paz". Também o projeto sonoro, e Lábios de Flamingo, uma releitura da História
ciclo de cinema só inclui adaptações de obras literárias. de arte, em conjunto com o serviço de Educação e Mediação
O programa literário é o mais extenso e central. Também o que
Cultural, que completam o segundo ciclo expositivo do CIAJG,
exige mais escolhas. Como o montou? este ano. Ficam até outubro.
Houve algumas indicações do comissariado geral da feira. Mais
romance do que poesia, autores de policiais, tema em foco em 2018,
e cronistas, pois elevar a crónica a género literário é uma das apostas
deste ano. No programa infantil, poucos autores, já que o público terá CONCERTOS S. JOÃO TEATRO DO VESTIDO JOHN DOS PASSOS SHORT STORY
menos facilidade com a língua. Dentro destes critérios propostos fiz NO MARIA MATOS NO D. MARIA II NA S. DE GEOGRAFIA EM LISBOA
uma seleção com nomes consagrados, já traduzidos, menos conheci-
dos ou que merecem tradução. Dou-lhe o exemplo de Ana Margarida Os músicos Joana Sá & Luís O Teatro do Vestido apresenta A John dos Passos Society, que Teolinda Gersão, Lídia Jorge,
de Carvalho, cujos dois romances foram distinguidos com o Prémio José Martins apresentam-se Filhos do Retorno, dirigido por preserva e divulga o legado do Hélia Correia, Maria Teresa
APE mas que ainda não foi traduzida para língua espanhola. no Teatro Maria Matos, em Joana Craveiro, a partir de 21 grande escritor de ascendên- Horta, Luísa Costa Gomes,
Lisboa, a 24, em em dose até 1 de julho, na sala estúdio cia portuguesa (os seus avós Gonçalo M. Tavares, Mário
Equilíbrio é a palavra de ordem? dupla, com dois concertos, do Teatro Nacional D. Maria nasceram na Ponta do Sol, de Carvalho, Jacinto Lucas
De géneros, gerações, visibilidade e acessibilidade em espanhol. Claro que um às 18, outro às 22. Os II (TNDMII). O espetáculo na Madeira), realiza a sua 3.ª Pires, Onésimo Almeida, Rui
para as sessões com o público vão estar mais os autores com livros à venda músicos vão interpretar reflete sobre o modo como as conferência bianual em Lisboa. Zink e, entre os estrangeiros,
no México ou em lançamento, enquanto os não traduzidos vão ser canali- uma obra, criada a partir gerações que não viveram a Entre hoje, quarta-feira, 20, Robert Olen Butler, Clark
zados para as sessões em que os profissionais também estejam presentes. do imaginário das noites de guerra colonial e a desco- e sexta, 22, na Sociedade Blaise, Ge Liang, Katherine Vaz,
S. João, numa encomenda lonização se confrontam Portuguesa de Geografia, Darrell Kastin, Minoli Salgado
Será uma oportunidade para diálogos entre as culturas portuguesa daquele Teatro Municipal com essas memórias. Uma têm lugar duas dezenas de são alguns dos mais de cem
e mexicana? para encerrar a temporada perspectiva complementar conferências sobre o pioneiro escritores que participam no
Sim. E temos muito por onde pegar. Pelo Barroco, tão importante de música. São acompa- de Retornos, Exílios e Alguns do modernismo, com enfoque 15.º Congresso Internacional do
para os dois países; pelos murais de Almada Negreiros e José Orozco; nhados por um leque muito que Ficaram, que a companhia em vários aspetos da sua Conto em Inglês, que decorre na
ou pelo extraordinário trabalho de divulgação da poesia portuguesa variado de músicos: Carlos apresentou, no Palácio Sinel obra, do teatro à presença nos Faculdade de Letras de Lisboa,
feito por Octavio Paz (essencialmente à volta de Fernando Pessoa) e Guerreiro (realejo, sanfona, de Cordes, no início do mês, curriculos escolares, passando entre 26 e 30. A organização é
de Marco Antonio Campos (com poetas contemporâneos). sopros e percussões), Pedro integrado no pequeno ciclo do pelo seu romance mais emble- da Society for the Study of the
Carneiro (percussão), seu trabalho, no TNDMII. A 24, mático: Manhattan Transfer, Short Story, a cumprir 30 anos
O que fará, no fim, um bom balanço? Eduardo Raon (harpa e será lançada a obra com co- publicado em Portugal pela de existência, e do Centro de
No ano passado, quando foi assinado o convénio entre Portugal e eletrónica). E ainda pelo ordenação de Tânia Guerreiro Presença. O programa inclui Estudos Anglísticos. Palestras,
México para esta feira, eu dizia que no fim queria que os mexicanos poeta Nuno Moura e por e José Alberto Ferreira, Teatro ainda a projeção do filme painéis temáticos e sessões de
dissessem: "Que increible es Portugal". A vontade mantém-se. Porque um grupo de crianças de 10 do vestido: um dicionário, com Robles Duelo ao Sol, com leitura com especialistas em
somos mesmo incríveis. Levaremos o que de melhor há em Portugal: a anos (contrabaixo, alaúde, entradas de 21 personalidades argumento de John dos Passos, conto e grandes autores do
sua cultura. Nesse campo, somos dos melhores do mundo. J LRD sopro e vento do deserto). de diferentes áreas. no dia 21, às 19, na Cinemateca. género.

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt
destaque * 3

Celebrar José Saramago, EDITORIAL


20 anos depois do Nobel JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS

De 8 de outubro próximo - dia


em que passam 20 anos so-
bre o anúncio da atribuição do
Ano da Morte de Ricardo Reis, que
preside à organização.
Integrado na iniciativa foi
O apoio às artes
Prémio Nobel da Literatura a lançado um concurso de textos de

C
José Saramago - a 10 vai decor- estudantes do Ensino Secundário
rer em Coimbra um Congresso sobre estes dois romances E,
Internacional para assinalar a como atividade paralela, no omo todos estarão recordados houve uma verdadeira "tem-
data. Intitula-se, exatamente, encerramento do congresso, a pestade nas Artes", como aqui lhe chamei, ao serem conhe-
“José Saramago: 20 anos com o 10, será representada a adapta- cidos os resultados do concurso da Direção Geral para os
Prémio Nobel”, e é uma iniciativa ção dramatúrgica do segundo, respetivos apoios, concurso que obedeceu a novas regras,
conjunta do Centro de Literatura da autoria de Filomena Oliveira e ou a um novo modelo, criado pelo decreto-lei 103/2017,
Portuguesa e da Câmara Miguel Real. de 24 de agosto. E os protestos, incluindo manifestações de
Municipal da cidade, com os "A celebração de uma efe- rua, atingiram proporções assinaláveis. Assim, o próprio primeiro-mi-
apoios da reitoria e da Faculdade méride", sublinha-nos ainda nistro, António Costa, a quem os legitimamente descontentes artistas e
de Letras da Universidade, da Carlos Reis, ensaísta, ex diretor trabalhadores do setor com insistência e veemência se dirigiram (até por-
Fundação José Saramago e da da Biblioteca Nacional e ex reitor que ninguém mais do que ele, pelo que representava, dissera e prometera,
Porto Editora. As inscrições, da Universidade Aberta, "não tinha criado as otimistas expectativas que se viram goradas), o próprio
INÁCIO LUDGERO

e propostas de comunicações, garante, só por si, a consagração primeiro-ministro, dizia, com o seu talento político veio pôr água na
podem ainda ser feitas, até final de de um escritor. Muitos outros fervura, apaziguar a situação, anunciar um reforço imediato de verbas e
julho, para congressosaramago@ fatores intervêm nessa consagra- abertura ao diálogo, etc. O ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes,
José Saramago
gmail.com. ção, a começar pela capacidade da por sua vez, admitiu igualmente rever aquele modelo e criar um grupo de
"Numa obra com a riqueza e sua obra para transcender o seu trabalho para apresentar propostas nesse sentido.
com a complexidade da de José tempo. Mas a celebração estimula Foi o que agora aconteceu. E esse grupo, com primeira reunião pre-
Saramago, não é difícil identifi- dimensões de polemista e de releituras, favorece abordagens visto para ontem, 19, é de facto muito alargado, incluindo representantes
car temas de reflexão para aquela doutrinador literário, do cro- inovadoras e convida a desco- de sindicatos, de muitas associações do setor e da de municípios, mais
que se propõe ser a mais alargada nista e do jornalista - e ainda da brir facetas pouco exploradas de outros tantos membros de várias proveniências, de gestores ou ex-ges-
reunião científica alguma vez fortuna crítica de quem continua uma produção literária. É o que tores e programadores culturais até à reitora da Universidade Católica.
empreendida em torno da obra a ser objeto de estudos de variado esperamos aconteça quando se O grupo deve apresentar as suas propostas até 28 de setembro e julgo
do escritor. Assim, o congresso alcance e dimensão, com destaque cumprem duas décadas sobre a não ser ousado dizer que para "trabalhar" um grupo tão numeroso pode
tratará, designadamente, das re- para incontáveis trabalhos aca- atribuição do Nobel a Saramago e não ser o melhor, nem ousado supor que terá debates bastante vivos e
presentações da História, da per- démicos, sobretudo em Portugal quando passaram já oito anos so- nele não será fácil chegar a consensos. Mas parece-me politicamente
sonagem saramaguiana, da sua e no Brasil", disse ao JL Carlos bre o desaparecimento de um dos compreensível e muito conveniente para o ministério tal diversidade e
figuração e sobrevida, da alegoria Reis, prof. catadrático daquela mais lidos, aclamados e estudados quantidade de membros.
como representação de sentidos, faculdade e especialista da obra do escritores de toda a nossa história O que tenho por mais provável, para não dizer natural e recomendá-
da sua poesia e do seu teatro, das autor de Memorial do Convento e O literária."J vel, é que o documento final, além das propostas aprovadas pela maioria
dos integrantes do grupo, venha a incluir propostas que não obtiveram


vencimento, mas devem ser objeto
de ponderação por aqueles a que
Literatura-mundo Abraão Vicente, também ele poeta e artista plástico,
que fará o 'pronunciamento' da morna como candi-
em última análise caberá decidir.
Sendo que, entretanto, pelo
em Cabo Verde data a Património Imaterial da Humanidade junto à
UNESCO. J
Parece compreensível menos numa coisa todos estarão
e muito conveniente de acordo: a imprescindibilidade
de aumentar a fatia do Orçamento
para o ministério do Estado para a Cultura, visando
a diversidade e caminhar de facto, e não de paleio,
Um tributo a Germano Almeida e Arménio Vieira,
os dois prémios Camões cabo-verdianos, é um Homenagem a Yvette quantidade de
para o almejado um por cento...

dos momentos altos do II Festival de Literatura-


do-Mundo do Sal, que decorre naquela ilha de
Cabo Verde, de 21 a 24 de junho. Os dois escritores
Centeno em Almada membros da comissão
agora nomeada
ALBERTO DINES Têm sido tão
funestas e numerosas, nas últimas
semanas, as perdas de personalida-
estarão numa mesa, juntamente com Júlio Lopes e des destacadas nas diversas áreas
Joaquim Arena. O festival que celebra a literatura de interesse do JL, que tal, aliado
em toda a sua diversidade, em rumos alternati- Bigre, pela companhia francesa Le Fils du Grand ás nossas limitações de meios e
vos aos cânones dominantes anglo-saxónicos e Réseau, o espetáculo de honra, eleito o ano passado pelo de espaço, nem tem permitido assinalá-las todas. Sequer quando se trata
francófonos, dedica a edição deste ano ao argen- público, abre, a 4 de julho, o Festival de Teatro de Almada de figuras do universo da língua portuguesa, a quem em tempo oportuno
tino Jorge Luís Borges e ao poeta cabo-verdiano (FTA), que irá decorrer até 18, em 10 teatros de Almada demos a devida atenção - e, permita-se-me a nota pessoal, alguns meus
Corsino Fortes. Do festival - organizado pela Rosa e Lisboa. Ao todo serão apresentadas 24 produções, nove velhos amigos e camaradas de ofício. Foi, é, este o caso do jornalista,
de Porcelana e com curadoria de José Luís Peixoto - de criadores portugueses e 15 de companhias estrangei- escritor e professor brasileiro, que durante alguns anos viveu e trabalhou
faz parte um ciclo de conferências onde se debate e ras. Além do teatro, haverá 11 concertos de entrada livre em Portugal, Alberto Dines. Dines, reconhecidamente um nome cimeiro
explica o conceito de literatura-mundo, criado por e, como sempre, quatro espetáculos de rua. da história da imprensa brasileira na segunda metade do século XX, mas
Goethe no início do século XIX, mas que tem ganho A poetisa, dramaturga, tradutora e professora Yvette que manteve bem viva a sua intervenção, nomeadamente como presidente
especial pertinência nas últimas décadas. Entre K. Centeno, que tem traduzido muitas das peças da do Observatório de Imprensa, até há cerca de dois anos a doença de tal o
outros, participam Simão Valente, Carlos Brito- Companhia de Teatro de Almada (CTA), é a figura home- impedir, morreu no passado dia 22 de maio, aos 86 anos, em S. Paulo.
Semedo, Simone Capute Gomes e Selma Caetano. nageada desta edição, a 35ª, do festival, cujo cartaz foi Repito, trata(va)-se de um grande jornalista, um ícone dos media
Em várias mesas, estarão escritores de diferentes criado por Paulo Brighenti, artista cuja obra pode já ser brasileiros, combatente, sempre, pela sua liberdade, dignidade e qualida-
partes do mundo, incluindo o tailandês Prabda vista, numa exposição na Casa da Cerca. É nesse espaço de, pela sua decência, inclusive nos seus programas televisivos semanais.
Yoon, o argentino Mempo Giardinelli, os brasileiros que, de 9 a 12, a coreógrafa Olga Roriz irá estar a transmi- E, além de tudo o resto, um brilhante biógrafo de Stefan Zweig - o seu
Julian Fuks e Marco Lucchesi, os portugueses Isabel tir a sua arte, n’O Sentido dos Mestres, um programa que Morte no paraíso, a tragédia de Stefan Zweig, foi aliás adaptado para o
Lucas e Manuel Halpern, além de mais de uma noutras edições contou com Luís Miguel Cintra e Peter cinema em 2002; um autor que entre os seus mais de 15 livros tem o ad-
dezena de autores cabo-verdianos. O festival conta Stein. E num dos encontros do FTA, o crítico e ensaísta mirável Vínculos do fogo – António José da Silva, o Judeu, e outras histórias
também com a presença do Presidente da República António Guerreiro irá coordenar um seminário, que irá da Inquisição em Portugal e no Brasil, a que o JL dedicou, antecipando-o,
de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, poeta e refletir em torno do tema Sob o signo da catástrofe, a a manchete da capa da seu nº 536, de 13/10/1992, com uma longa entre-
romancista; assim como do ministro da Cultura, ecologia e a política do nosso tempo. J vista que lhe fiz e a crítica à obra por E. M. Melo e Castro.J

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4 * destaque jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

› breves‹
Diogo Infante programação será um
espetáculo-homenagem a
um dos mitos vivos do teatro

Novo espírito no Trindade


CICLO "COMPOSITORES EXILADOS", português, Carmen Dolores,
na Biblioteca Nacional, com a Orquestra escrito a partir da sua biografia,
Metropolitana de Lisboa a interpretar Fernando com encenação minha e
Lopes-Graça e Kurt Weill Sinfonia, sexta-feira, interpretação de Natália Luiza,
dia 22, às 21 horas. escolhida pela própria Carmen.
E haverá uma exposição-
ANTÓNIO PEDRO VASCONCELOS está instalação em vários espaços do
presente, hoje, 20, às 18 e 30, na Cinemateca Um espetáculo, Carmen, e uma teatro. Essa é uma coprodução
Portuguesa. Um encontro com os espetadores exposição de homenagem à atriz com o Teatro Meridional. Decidi
no âmbito da retrospetiva integral da obra do Carmen Dolores, já a 11 de julho, fazê-lo porque ao estudar a
cineasta de Perdido por Cem, O Lugar do Morto e marcam o arranque do novo ciclo história do Trindade percebi
Oxalá, entre outros filmes.
do Teatro da Trindade, em Lisboa, que tinha um papel importante
sob a direção artística de Diogo na vida da Carmen, desde logo
Infante. porque foi onde ela se estreou
FRANCISCO CAMACHO apresenta O Rei no
O ator e encenador, que já como atriz em Electra, e depois
Exílio Remake, a 29, no Teatro Nacional D. Maria
dirigiu o Teatro Maria Matos e foi exibido o seu primeiro filme,
II, Lisboa. Uma apresentação única num regresso o Teatro Nacional D. Maria II, Amor de Perdição.
27 anos depois ao palco onde estreou o solo, colheu os ensinamentos dessas
inspirado no último rei de Portugal, D. Manuel II, experiências, como adianta ao E na rentrée?
decisivo na sua afirmação como coreógrafo. JL, para criar o “novo espírito” A abertura, a 12 de setembro,
do Trindade. Aposta num dia será com A Pior Comédia do
O NOVO MUNDO, nova criação de Os do espectador, à quarta-feira, Mundo, a partir de Michael
Possessos, estreia a 27, no grande auditório da com descontos “atrativos”, e em Frayn, coproduzida com a força
Culturgest, Lisboa. Fica até 30. mais coproduções. Ao todo serão de produção, com encenação de
11, quatro na Sala Grande, que Fernando Gomes e José Pedro
RAUL BRANDÃO, UM TRIBUTO, um passará a chamar-se justamente Gomes como protagonista.
Carmen Dolores, e sete na Sala Destacaria, por outro lado, em
ciclo dedicado ao escritor na Academia das
Estúdio. São as linhas de força da novembro, uma coprodução

LUÍS BARRA
Ciências de Lisboa, até 10 de julho. Iniciativa
programação para a temporada com o São Carlos e a Temporada
da Associação Portuguesa de Escritores, com
2018/19 que desenhou, sempre Diogo Infante d’Arcos, uma adaptação do
coordenação de Luís Machado, integra mesas- com uma “lógica transversal, conto tradicional O Macaco do
-redondas, palestras e, a 3, na Cinemateca, eclética, intergeracional”, diz, Rabo Cortado, que vai chamar-
exibição de filmes criados a partir da adaptação com a vontade de “merecer a se A Canção do Bandido, com
das suas obras. confiança do público”. mais interventivo na produção. meia centena de lugares, é direção musical de Nuno Corte
Com uma linha comum: fazer vocacionada para criações mais Real, libreto de Pedro Mexia e
FAUSTO BORDALO DIAS em concerto, Jornal de Letras: Que novidades espetáculos de teatro e de longa contemporâneas. De resto, não encenação de Ricardo Neves-
a 30, às 21e 30, no Teatro Virginia, em Torres vai trazer a nova temporada do duração. tanto como um teatro nacional Neves. Ainda na Sala Grande,
Novas. Uma revisitação da trilogia sobre a Trindade, a primeira que pensou ou municipal, mas entendo que iremos estrear em fevereiro
diáspora portuguesa do músico e compositor, enquanto diretor artístico? Porquê? o Trindade tem também um uma produção própria, Zoom,
numa digressão pelos discos Por este Rio Acima, Diogo Infante: Há uma mudança Essa é a melhor forma de renta- serviço social e público a cumprir. que vou encenar e que terá no
Crónicas da Terra Ardente e Em Busca das
de paradigma, na medida em bilizar os recursos e fidelizar os Aliás, o repto que me foi lançado elenco Sandra Faleiro, João Reis,
que este projeto artístico passa públicos. Na Sala Estúdio, vão pelo Inatel foi o de potenciar ao Sara Matos e Virgílio Castelo.
Montanhas Azuis.
pelo Trindade ser o produtor da estar em média de cinco a seis máximo uma sala fantástica e com E a encerrar a temporada, um
generalidade dos espetáculos que semanas, na grande oito a dez ou uma localização privilegiada. E clássico de todos os tempos,
MARTINE SYMS apresenta Lessons I-CLXXX vão estar em cena. Até agora, mesmo mais. é isso que estou empenhado em Romeu e Julieta, uma produção
nos Projetos Contemporâneos, no Museu de havia sobretudo acolhimentos. fazer. com A Comuna, encenado
Serralves. Uma obra em curso, constituída por Foi a forma que encontrei também E haverá lógicas diferenciadas nas pelo mestre João Mota e uma
vídeos de 30 segundos, que evidencia a natureza para maximizar os recursos duas salas? Que espetáculos destaca na aposta em dois talentos da nova
do trabalho da artista de Los Angeles. Até 30 de técnicos e financeiros do próprio A sua própria natureza condiciona temporada? geração, José Condessa e Bárbara
Setembro. teatro, assumindo um papel os espetáculos. A Estúdio, com A primeira marca da minha Branco.J MARIA LEONOR NUNES

Mais exposições na Gulbenkian


Um percurso que mergulha na me- balhou a partir de uma pesquisa feita
mória da fundação, pontua a biografia nas coleções Gulbenkian que cruzou
do fundador, do exílio à mudança da com as artes tradicionais de Caxemira,
casa e das obras de arte para outro e com o trabalho do azulejo, execu-
país, passando pela identidade e tado na fábrica Bordalo Pinheiro, nas
pelo gosto pela ciência, inaugura-se Caldas da Rainha. Usando os azulejos
hoje, 20, precisamente dia Calouste no revestimento das suas instalações/
Gulbenkian. ecrãs, especialmente concebidas para
A narrativa é construída pelo cine- o local, o artista pretende refletir
asta Joaquim Sapinho, convidado a fa- sobre o cruzamento de culturas e
zer a curadoria da exposição, um olhar vivências, em Terceira Fábrica: de
também sobre as coleções Gulbenkian Caxemira a Lisboa, via Caldas. David
e o mundo de culturas e civilizações Maranha criou uma instalação sonora
que acolhem. Uma intervenção que que acompanha a exposição, com plexos mecanismos de transmissão Ana Cachola e Daniela Agostinho são
começa na entrada do museu e que curadoria de João Carvalho Dias, que da memória, a partir de testemunhos as curadoras deste projeto, integrado
se desdobra num itinerário na grande irá ocupar a galeria do piso inferior do sobre o 25 de Abril, de várias gera- no 4Cs: From Conflict to Conviviality
nave central, da coleção moderna. É Museu Calouste Gulbenkian- Coleção ções, que a artista recolheu em exer- through Creativity and Culture,um
uma das três novas exposições que a do Fundador. cícios performativos, no seu trabalho programa de cooperação coorde-
Gulbenkian apresenta a abrir o verão. No Espaço projeto, inaugurará, a com o Teatro do Oprimido, durante nado pela Universidade Católica e
A 22, inaugura-se uma mostra do 29, 13 Shots, da holandesa Aimée Zito Obras da exposição de Praneet Soi uma residência artística em Lisboa, cofinanciado pelo programa Europa
artista indiano Praneet Soi, que tra- Lema. É uma reflexão sobre os com- (em cima) e de Joaquim Sapinho no espaço Gaivotas, 6. Luísa Santos, Criativa.J

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt

* 5

TA
Traduzida e publicada
em catorze línguas, a
obra poética de Pedro
Tamen, iniciada em
1956 com Poema para
Todos os Dias, é agora
completamente reunida
nas mais de mil páginas

MEN
desta edição de
Retábulo das Matérias.

Retábulo das Matérias


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6* letras jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

Antonio Muñoz Molina


A lenta arqueologia do imediato
Em Lisboa encontrou, ainda na década de 80, seguros caminhos para a sua ficção e, em 2013, a inspiração para Como a
Sombra que Passa, romance finalista do Man Booker International Prize 2018 e que, pela mão da Ponto de Fuga, marca o seu
regresso às livrarias portuguesas, após edições há muito esgotadas. E em Lisboa acaba o escritor de comprar casa, decidindo
passar aqui os seis meses que antes passava em Nova Iorque. O JL acompanhou-o durante três dias, percorrendo os lugares
daquela narrativa que cruza a vida do assassino de Martin Luther King, que em 1968 esteve na capital portuguesa,
e memórias do próprio autor, um dos mais destacados de língua castelhana, membro da Real Academia Espanhola
e já distinguido, entre outros, com os Prémio Príncipe das Astúrias

A
Luís RicaRdo duaRte Sombra que Passa. Muitos acasos
e fios já estavam cosidos, mas a
compra daquele bloco azul, de
antiga tradição lisboeta, simboliza-
va o mundo de possibilidades que a
história continha.
Em homenagem a esse mo-
mento, entra e compra outro.
"Um caderno como este é uma
reivindicação", afirma. "O digital
tem muitas qualidades, mas um
enorme problema. Prescinde do
caráter físico da experiência. Não
observamos só com os olhos e o
cérebro, mas com o corpo todo.
Abre a mão e um pedaço de um Não se entende um quadro a partir
azulejo, azul e branco, um pouco de uma reprodução. Temos de nos
gasto de tão batido pela água, apa- medir fisicamente com ele. A inte-
rece. Antonio Muñoz Molina sorri, ligência humana está muito ligada
com aquele sorriso que, aos 62 ao movimento e aos sentidos. Se
anos, se tornou ainda mais rasgado alguém disser que um caderno é,
e contagiante. "Que preciosidade", hoje em dia, um objeto anacrónico
diz, num castelhano que se quer é porque não percebe que, com
aproximar do português. "Como a sua resistência, ele pertence ao
JOSÉ CARLOS CARVALHO

terá chegado até aqui, ao Cais das futuro".


Colunas?", questiona-se. Talvez Até ao fim do passeio levará, en-
noutra vida venha a ser arqueólo- tão, o caderno na mão, como uma
go, escavador de mundos perdidos. arma de captação do real. Viramos
Como romancista, resta-lhe respi- a esquina e entramos na Rua dos
gar fragmentos do real, memórias Fanqueiros, em cujo número 81
de outros tempos, como este que Antonio Muñoz Molina "Para cada romance tem de haver uma epifania, o momento em que vês o livro todo" iniciou a escrita do livro, num
apanhou ali na areia, lembrança apartamento alugado a uma amiga
de uma opulência artística que, da mulher, a também escritora


em Portugal, escondia a falta de Elvira Lindo. Seguimos em frente e
recursos. "Isso é o mais interessan- vro, da roupa ou da carteira a marca Booker International Prize, que chegamos à Praça da Figueira, onde
te", diz-nos nesta caminhada pela de uma vivência. Recentemente abri distingue as melhores traduções desemboca a Rua João das Regras.
Baixa Pombalina, em Lisboa, onde um catálogo de uma exposição e lá publicadas no Reino Unido. Dele No número 4 fica o Hotel Portugal,
decorre grande parte de Como dentro estava um bilhete a lembrar- há documentos, arquivos e páginas O digital tem muitas onde James Earl Ray se hospedou
a Sombra que Passa, o romance -me que no dia 5 de Junho de 2005, na internet com inúmeros detalhes durante os 10 dias que passou em
que acaba de lançar em Portugal às 11h27, estava a entrar no Museu sobre a sua vida – viagens, livros qualidades, mas um Lisboa. "Para cada romance tem
com a chancela da Ponto de Fuga, de História Natural de Nova Iorque. que leu, padrões de comportamen- enorme problema. de haver uma epifania, o momento
dia 22 nas livrarias. Como a talha Tocar nesse momento, ainda que to na prisão, entrevistas, até duas em que vês o livro todo", sugere o
dourada, os azulejos revestiam as de forma tão fugaz, é uma sensação autobiografias, com relatos muito
Prescinde do caráter escritor espanhol. Em 2013, teve-a
igrejas barrocas, em sonhos des- incrível". Um tempo suspenso numa contraditórios. Mas o que fazia esse físico da experiência. aqui, diante do hotel então fechado
medidos que procuravam rivalizar época em que a velocidade deixa homem "tão americano", como o para obras, que simbolizava a
com o que então se fazia lá fora. tudo por ver. "As coisas são frágeis, descreve, "profundamente racista",
Observamos com o eterna luta entre passado e futuro,
"Materiais pobres para uma arte desaparecem num instante", afirma. em Lisboa, em 1968, nessa mesma corpo todo memória e esquecimento.
bela", enfatiza o escritor espanhol. "O que era omnipresente facilmente Lisboa que é tão importante para
A lasca que agora mete ao bolso se torna invisível". a vida e para a obra de Antonio UM HOMEM NA CIDADE
vai para a sua coleção de azulejos, Em James Earl Ray, o homem Muñoz Molina? Entre as certezas e Gosta de cidades, no geral e no
uma paixão antiga. Poderá até es- que matou Martin Luther King, as dúvidas, o real e a imaginação, arcadas para a luz da praça que concreto. Un andar solitario entre
quecer-se dela dentro do casaco e só a 4 de Abril de 1968, às 18h04, surgiu um livro que percorre, em primeiro lhe sugeriu um romance. la gente, o seu livro mais recente,
a reencontrar meses depois. É a esse interessou-lhe precisamente essa parte, as veias de uma baixa pom- Mais à frente, na Rua da Conceição, lançado em fevereiro passado em
esquecimento recordado que recor- mistura de abundância de factos balina hoje em profunda mutação. com tanta reabilitação urbana, Espanha e ainda sem tradução por-
re para satisfazer uma certa melan- e de desconhecimento total. É um Do Cais das Colunas segui- agita-se com a possibilidade de a tuguesa, é uma homenagem a essas
colia face ao passado. "Fascina-me a dos protagonistas do seu romance, mos para as arcadas do Terreiro Papelaria Vidal ter fechado. Foi aí grandes construções humanas.
arqueologia do imediato", confessa. lançado inicialmente em Espanha do Paço. Foi a imagem de um que comprou, em 2013, o caderno Inclassificável no seu género, capta
"Poder encontrar dentro de um li- em 2014 e finalista este ano do Man criminoso a sair da sombra destas onde começou a escrever Como a em pequenos ou grandes parágra-

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt ANTONIO MUÑOZ MOLINA
letras * 7
fos o murmúrio de uma grande mia, mais popular do que nouvelle,
urbe, com todos os seus habitantes e a Literatura, nomeadamente
e sobretudo com todos os seus Fernando Pessoa e Eça de Queirós.
sinais feitos de palavras – jornais, Entre a primeira viagem e
cartazes, avisos, histórias. "É uma a fixação de residência, voltou
paixão", garante. "Quando chego muitas vezes, nomeadamente em
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não quero ver isto ou aquilo, um 2013, quando começou a escrever


museu ou um monumento, mas o Como a Sombra que Passa. Veio
seu tecido, a sua respiração, a cida- visitar o tal filho que, em 1987,
de em si. Quase tudo o que escrevo tinha apenas um mês e que aqui
nasce deste desejo". estudava. Vê-lo, com 26 anos, a
Gosta do anonimato, também, falar tão bem português – "tem
que só uma nova cidade lhe propor- jeito para línguas" – fez com que
ciona. Em Madrid sente-se muitas passado e presente se fundissem.
vezes o "observado". É um dos mais "Um momento muito especial",
destacados escritores espanhóis das assegura. "O mesmo filho de que
últimas décadas, já distinguido com me afastei, durante uns dias,
os principais prémios do seu país,


incluindo o Príncipe das Astúrias,
que recebeu em 2013. E, no El País,
mantém há décadas uma coluna
semanal no suplemento Babelia. "O
anonimato é a liberdade do cami- A literatura é
nhante", afirma, para logo citar de
memória Baudelaire em O Spleen importante quando

JOSÉ CARLOS CARVALHO


de Paris: "O caminhante da cidade tem relação com a vida,
é um príncipe que viaja incógnito.
Nele reina a sensação de que tudo
quando diz das coisas
lhe pertence". que nos importam,
Para se perceber como este gos-
to pelas cidades é antigo basta lem-
quando está misturada
brar que o seu primeiro livro, uma Imaginação segundo Molina "É a levedura do real, o que dá vida, cria ordem e intensidade ao relato" com a experiência
recolha de textos publicados no
jornal Ideal, de Granada, se chama
precisamente El Robinson Urbano.
O título é, por si só, um programa se vê, por antecipação, na internet. clara de que aquilo, naquele mo- de agora ter decidido trocar Nova quando tinha apenas um mês
literário. O escritor até consegue Antes uma viagem deste géne- mento, era muito importante para Iorque, onde costumava passar mostrava-me agora a cidade que
precisar o momento em que este ro afigurava-se uma descoberta mim". Aproveitou ao máximo os metade do ano (aí deu aulas e tanta importância tem para mim.
deslumbre com a cidade se tornou total", lembra. poucos dias que passou na cidade dirigiu o Instituto Cervantes), por Pensei: o que parecia mal, acabou
consciente. Em Granada, com 25 Na altura também tinha uma e regressou com o desfecho do que Lisboa. Acaba de comprar uma bem, nada se perdeu".
anos, vivia o Verão inicial da sua nova vida a acrescentar à sua, a viria a ser O Inverno em Lisboa, o casa à Infante Santo, vizinha da de Além do improvável interesse
idade adulta. Tinha, pela primeira do seu segundo filho do primeiro livro que o consagrou internacio- José Eduardo Agualusa, e de se ins- pela figura de James Earl Ray, outro
vez, "uma casa, um trabalho e um casamento, nascido há apenas nalmente, com várias traduções talar. Aqui encontra uma estranha homem à procura de um sentido
ordenado". Passava as manhãs na um mês. E, no entanto, seguiu nos anos seguintes. "Permitiu-me familiaridade que o seduz. "Lisboa em Lisboa, o romance Como a
Câmara Municipal, num traba- viagem. "Foi uma decisão muito viver só da escrita, uma revolução não é uma cidade oligárquica. Sombra que Passa ganhou força
lho burocrático, e atravessava forte porque não era uma obriga- na minha remediada existência", Quem dá o tom é a gente comum. nessa harmonia que encontrou
as tardes a ouvir música (com o ção profissional, que toda a gente garante. Em Paris e Londres vê-se logo junto do filho. E de uma outra cer-
primeiro ordenado comprou um compreenderia, mas uma demanda A relação com a cidade mante- o poder do dinheiro", descreve. teza: a de que só os livros e filmes
leitor de cassetes) e a ler: policiais, íntima", explica. "Tive a noção ve-se ao correr dos anos, ao ponto Também lhe interessa a gastrono- têm um final. "A visão do escritor
Baudelairre, Thomas De Quincey, separado da realidade é muito
também Rulfo e Cortázar, que enganosa. Para mim, a literatura

Coincidência visual
imitava em contos de sua lavra. é importante quando tem relação
Num desses dias de Agosto, cheio com a vida, quando diz das coisas
de literatura na cabeça, desem- que nos importam, quando está
bocou na Praça Bib-Rambla como misturada com a experiência".
se tivesse acabado de chegar "a
uma cidade portuária, exótica, REAL IMAGINADO
desconhecida, a um deslumbrante Há sempre riscos na escrita de um romance. O O livro nasce então de uma coincidência? Antonio Muñoz Molina nasceu
souk de uma qualquer capital da de Antonio Muñoz Molina, em Como a Sombra que Que deve ser analisada com muito cuidado. Não em 1956, em Úbeda, cidade da
Rota da Seda", como descreve no Passa, foi o de se confundir com uma das persona- somos, na verdade, o mesmo. É uma coincidência Andaluzia espanhola. A sua famí-
final de Un andar solitario entre la gens mais funestas do século XX: James Earl Ray, visual. Somos pessoas que chegam à cidade e que lia, pais e avós, vivia do campo, e
gente. "Surpreendeu-me a beleza que assassinou Martin Luther King, líder histórico caminham solitariamente. Há um sentimento esse dia-a-dia duro, de arados e
mil vezes vista. Não a monumen- dos direitos humanos nos EUA. de fuga e clandestinidade comum a muitas obras colheitas, marcou a sua infância.
tal, que não a tem, mas a beleza de minhas. Mais ainda as histórias da Guerra
tudo, dos estilos tão diferente e das Jornal de Letras: O que o levou a fazer do assassino de Civil que, passados duas décadas,
suas combinações, das pessoas que Martin Luther King personagem do seu romance? A escolha deste assassino para personagem ainda se ouviam. "Diante uma
passavam e do que resistia à pas- Antonio Muñoz Molina: A curiosidade, o desejo também não é óbvia porque há muita informação tragédia há dois tipos de pessoas,
sagem do tempo. Descobri aí que de saber. Martin Luther King é um dos poucos e sobre ele. Nunca se sentiu perdido? as que falam e as que não falam",
tudo é memorável", diz-nos. "O verdadeiros heróis do século XX. Tenho uma enorme Sim, muitas vezes. Mas tem desde logo algo muito afirma. "Felizmente, na minha
coração da minha escrita também admiração por ele, mas isso não foi suficiente para o estimulante, que é a chegada e a partida. Em Lisboa família falava-se, o que era muito
está neste sentimento". converter em protagonista de um romance. apenas esteve 10 dias, antes de voltar a Londres. estimulante para uma criança".
Na sua constelação de cidades, É um marco. Tempo e espaço limitados. Claro que Não havia empenhamento ideoló-
Lisboa ocupa um lugar especial. "É O que viu então em James Earl Ray? teria escrito um livro muito diferente caso não gico nos familiares que estiveram
um dos fios condutores da minha A experiência humana, que é sempre apaixonante. tivesse acesso a tanta informação. Aliás, o primeiro na guerra. "Os camponeses são
vida", destaca. A ligação iniciou-se Neste caso, a de quem se sente perdido, que é uma rascunho deste romance, feito numa etapa muito as primeiras vítimas", diz. Do
a 1 de janeiro de 1987, numa das sensação universal. Não vou dizer que a minha inicial, era completamente diferente. Seguia o conflito sobrava apenas a memó-
decisões mais importantes que já vida foi como a sua, mas reconheço em mim, ou caminho de uma narração neutra, no ponto de ria de um tempo de violência e
teve de tomar. Estava a meio de em alguns momentos da minha vida, o mesmo vista de Earl Ray e baseada exclusivamente na escassez. Às vezes, ia espreitar,
um romance sem desenlace à vista. desamparo. E o medo: de ter cometido um crime, minha imaginação. Com a informação atualmente ao armário, o uniforme azul com
Um amigo falou-lhe de Lisboa e de ter feito qualquer coisa de consequência maior, disponível corres o perigo de te embebedares em botões dourados do avô. E o gosto
a vontade de a conhecer, para aí de que alguém nos venha pedir contas, como documentos. Mas o romance também procede da pela arqueologia do imediato pode
situar o final da história que tinha em O Processo, de Kafka. sensação quase alucinante do detalhe.J ter começado aí, neste pretérito
entre mãos, impôs-se. "Hoje tudo presente.

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8 * letras ANTONIO MUÑOZ MOLINA jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

NUNO CORREIA
Um passeio por Lisboa, onde agora vive metade do ano No Cais das Coluna, nas arcadas do Terreiro do Paço, com um caderno da Papelaria Vidal e a caminho da Ponte 25 de Abril

Para um camponês, ingressar alerta, mentires sobre a tua vida imaginação é muito limitada", diz, filho, que o levou a este livro. Este Outro duelo ibérico. Mas a Molina
na faculdade não deixou de ser toda?", questiona-se ao pensar em sem evitar a provocação. Como a é, por isso, um romance sobre a pode aplicar-se a história que se
um momento "estranho". Era um James Earl Ray. "Não há desloca- Sombra que Passa confirmou essa escrita de um romance, com uma conta sobre Jorge Luis Borges. Na
mundo completamente oposto mento maior". convicção. A páginas tantas quis estrutura aberta. A surpresa é outra primeira vez que o escritor ar-
ao seu. "Quando eu era menino, Mas muitos romances antece- descrever o encontro de James Earl das traves mestras da sua obra. "O gentino foi ver um jogo de futebol
em minha casa não havia casa de deram Como a Sombra que Passa. Ray com uma prostituta. Pôs a efa- romance é a arte da liberdade de voltou para casa ao intervalo: não
banho ou telefone e agora trabalho Estabelecido em Granada, lançou- bulação a trabalhar, mas mais tar- espírito, da vontade de usar uma sabia que havia segunda parte. "Eu
com o computador. Eu nasci no -se com mais afinco à tentação de deparou-se com uma entrevista forma e de a rebentar. Nesse senti- sou como ele, não gosto de futebol.
mundo do arado romano e agora literária. Em 1986 surgia Beatus que Vladimiro Nunes, o seu atual do, sou discípulo dos grandes mo- Não havia outra data e não me faz
vivo com a informática. Nascemos Ille, uma recriação da sua cidade editor português, então jornalista, dernistas, de James Joyce, Virgínia diferença". A quem está presente
num mundo, vivemos noutro e natal, a que se seguiram, entre ou- fizera a essa mulher. "Nunca podia Woolf ou William Faulkner". também não, embora um pequeno
para sabermos quem somos temos tros e a par de recolhas de textos de ter imaginado que o encontro entre telemóvel, na última fila, garanta a
de recordar. Eu considero-me um imprensa e dispersos, O Inverno em os dois tivesse sido como ela o DUELO IBÉRICO transmissão aos corações dividi-
camponês, pelo menos em boa Lisboa (1987), O Cavaleiro Polaco descreve", afirma. "O real é sempre É altura de entrar em campo. dos.
parte, porque o mundo em que se (1991), Os Mistérios de Madrid mais surpreendente. A imaginação Depois de dois dias de entrevistas Ouve-se um clamor. Podia
nasce é muito importante", afir- (1992), Plenilúnio (1997) ou O Vento apenas é a levedura, o que dá vida, e gravações de materiais promoci- ser do golo do Cristiano Ronaldo,
mava, em 1998, em entrevista ao da Lua (2006), todos publicados cria ordem e intensidade ao relato". onais de Como a Sombra que Passa, logo aos quatro minutos, mas dele
JL (n.º 737, de 30/12). Hoje, reforça em Portugal mas há muito esgo- Cruzando registos, Como a organizados pela sua editora, chega ninguém dá conta. Deve-se, pelo
a ideia de "não-pertença", que tados. Sombra que Passa conjuga três ex- a hora do lançamento, marcado contrário, a uma coincidência que
acabou por o conduzir ao assassino Numa obra tão variada, Molina periências lisboetas. A de Earl Ray, para as 19 de sexta-feira passada, a todos deixa incrédulos. À volta
de Martin Luther King. "Como será reconhece algumas obsessões. A em 1968; a sua, de 1987, durante a hora do primeiro jogo de Portugal de Earl Ray criaram-se muitas
viver sem nunca poderes dizer o Guerra Civil, a amizade e sobretu- escrita de O Inverno de Lisboa; e a no Mundial de Futebol da Rússia, teorias da conspiração, algumas
teu nome, estares constantemente do a força do real e do realismo. "A do encontro, em 2013, com o seu precisamente contra Espanha. postas a circular pelo próprio.
Uma diz que ele terá agido ao ser-
viço de um tal de Raul. E quem era
esse Raul? Um emigrante portu-
Pré-publicação guês nos EUA, que antes traba-
lhara na Fábrica de Braço de Prata

Como a sombra que passa onde decorre o... lançamento. O


que era simbólico – apresentar
cultura onde antes se fazia armas,
o lema deste espaço lisboeta –
transforma-se em mais um acaso
Um romance é um estado de espírito, um interior cálido onde nos brasa que tem de continuar a brilhar sob a cinza fria muito depois de as literário. Muñoz Molina sorri.
refugiamos enquanto escrevemos, uma espécie de casulo que se vai chamas se terem apagado, um tição aceso e secreto que precisamos de Também só o soube agora, por
tecendo fio a fio a partir do interior, onde nos encerramos e a partir carregar connosco, como um nómada primitivo, enquanto executamos Bárbara Reis, jornalista do Público
do qual vemos o mundo exterior como uma ténue claridade do outro tudo o que não seja o próprio ato de escrever ou de nos nutrirmos dos que tem investigado a ligação
lado da sua concavidade translúcida. Um romance é uma confissão alimentos necessários para o nosso romance; enquanto comparecemos portuguesa do assassino de Luther
e um esconderijo. O romance e o peculiar estado de espírito no qual no escritório e aí passamos sete horas, enquanto tomamos café com os King. O lançamento, como o jogo,
precisamos de submergir para escrevê-lo alimentam-se mutuamen- colegas de trabalho, enquanto ajudamos a fazer as refeições e a pôr a promete.
te; um comprimento de onda especial, semelhante a uma música que mesa, enquanto levamos os nossos filhos à escola ou lhes preparamos o Quando a sessão começa já
ouvimos ao longe e que tentamos precisar ao escrever. lanche ou verificamos a temperatura da água da banheira, enquanto fa- a partida está empatada, mas
O estado de espírito nasce com o romance e extingue-se com ele. lamos ao telefone e lemos o jornal e viajamos de carro para ver a família ninguém dá por isso. O elogio de
É uma casa que sentimos como nossa, mas na qual não tornaremos a ou terminamos distraidamente uma tarefa. Molina ao trabalho dos tradutores
viver, uma música que deixará de existir quando os instrumentos se Quantos mais dias passam, quantos mais obstáculos se acumu- – "brilham pela sua ausência" –
silenciarem. Ficará o livro, é claro, o romance impresso, tal como uma lam, a impedirem com as suas complicações sucessivas o regresso ao parece um comentário ao desem-
gravação, mas o que está terminado começa de imediato a tornar-se romance, mais cresce o receio de perdê-lo e de, quando conseguirmos penho da equipa lusa, abalada pelo
alheio, e ficará durante algum tempo um vazio doloroso, quase uma por fim sentar-nos a sós no escritório, a brasa se ter extinguido,se tento espanhol. Mas não. Acontece
sensação de fraude, uma desolação causada por uma intempérie. ter dissipado no ar o estado de espírito, a casa que fora tão protetora, que é através dos tradutores, não
A cada dia de trabalho, encoraja-nos a expectativa do final, a sua como se dissipam de supetão, por causa de um erro trivial, os tesouros dos jogadores, que o escritor chega
prometedora iminência. Sentamo-nos a escrever, dia após dia, queren- ou os palácios num conto de fadas, como se desvanece um sonho ao de novo aos seus livros. Nas línguas
do que se reavive o fogo da invenção, que a alma chegue ao calor bran- despertarmos. Há um arrependimento por todas as páginas que não se que domina consegue lê-los outra
co, como diz Emily Dickinson. Dia após dia tememos que esse transe escreveram, uma contabilidade negativa das palavras que teriam exis- vez, sem a tentação de os emen-
não se produza, que as tarefas e as distrações quotidianas e a pressa e a tido no papel ao final de uma determinada tarde se, em vez de termos dar. Mas na Rússia há emenda:
simples e mesquinha preguiça e o habitual desânimo e o veneno da in- levado o nosso filho ao pediatra ou termos ido a um evento público, Portugal segue para o intervalo
segurança tenham gorado o estado de espírito. Porque o romance é uma tivéssemos ficado a trabalhar. J a ganhar dois a um. Remate de
Ronaldo, frango do guarda-redes.

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt ANTÓNIO ARNAUT
letras * 9

António Arnaut: a procura


Erros todos cometem, incluindo os
melhores e os criminosos, como
Earl Ray na sua fuga desesperada
por Lisboa.

da “palavra solar”
No intervalo do futebol, o jogo
da literatura assume outra dimen-
são. Adensam-se as teorias da
conspiração. Molina, no entanto,
não é um entusiasta dessa visão dos
acontecimentos. "Foi uma decisão
repentina", afirma. E o assassino
não teve ajuda na fuga?, pergunta-
-se. O paralelo com a defesa cada
vez mais recuada de Portugal, já na A sua dimensão ética, cívica e política, a que nomeadamente o facto de ter sido, enquanto ministro
segunda parte, é inevitável. "Ele,
como qualquer preso americano da da pasta, o criador do Serviço Nacional de Saúde deu indiscutível reconhecimento nacional, quase
altura, sabia que era fácil tirar um sempre fez esquecer a sua vasta obra escrita - aliás não ‘conforme’ com os gostos e tendências
passaporte no Canadá", esclarece
o escritor. E sofrer um terceiro dominantes, pelo menos na opinião publicada, o que também para tal ocultamento muito
golo espanhol parece provir da
mesma facilidade. "Também sabia
contribuiu. É sobre essa obra, de uma figura exemplar da cidadania e da democracia portuguesas,
que Portugal era o caminho para a desaparecida no passado dia 21 de maio, aos 82 anos, que aqui escreve, como tínhamos já
África do Sul, via Angola, onde po-
deria ser recebido como um herói
anunciado, o ensaísta e crítico, doutorado em Filosofia Contemporânes, prof. catedrático da
pelo regime do Apartheid", acres- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que foi designadamente, até este ano, diretor
centa, num comentário que traz à
memória outro Mundial de Futebol científico do Museu do Neorrealismo
e outro Portugal- Espanha, jogado,
em 2010, naquele país austral.
"Quem ficou a ver o futebol António Pedro Pita entregar o voto já dobrado e a ver-
perdeu", comenta-se, tal o entu- dade é que na Cumieira não houve
siasmo que Como a Sombra que chapelada e ganhámos”.
Passa, apresentado num ambiente Não é excessivo falar de «obra Mas é já fora da fé católica,
informal, suscita. As roldanas da literária» quando nos referimos ao perdida em Nambuamgongo (como
História do Século XX encolhem- legado de António Arnaut (AA). É lembrou na mesma entrevista), que
-se para caber na livraria desta certo que a duração e a intensida- aprofunda a militância cívico-políti-
fábrica de cultura. "Para os gran- de do percurso político colocaram ca, marca presença em sessões evo-
des acontecimentos procuramos um pouco na sombra a poesia, a cativas da instauração da República
sempre grandes causas. ficção e a reflexão doutrinária do ou da movimentação abortada de 31
O que surpreende, neste caso, é autor de Um Homem que Partiu de janeiro e participa nas atividades
ter estado à beira de não aconte- do seu Regresso. Mas AA não foi da CDE, em Coimbra, em 1969.
cer. Anoitece muito rapidamente um “escritor bissexto” (para O romance Rio de Sombras
em Memphis. Podia não haver usar expressão brasileira), não constitui a reconstrução ficcional
condições para um tiro certeiro", escreveu ao sabor do momento e desse período. Publicado em 2007, é
afirma em jeito de conclusão. das circunstâncias, por solicitação uma obra amadurecida longamente,
"A vida é sempre frágil. exterior imediata ou como pausa já sinalizada em 1988, nas obras “a
Tudo pode perder-se". ou intervalo de preocupações publicar” referidas em A Viagem (aí
LUCÍLIA MONTEIRO
A plateia aplaude o fim da políticas ou jurídico-profissionais intitulada Como um Rio de Sombras).
sessão. Mas o escritor mantém-se absorventes. É um romance ambicioso, em que
sentado. Tem mais um compromis- É certo que, logo nos inícios de um “eu” puxa a narrativa para o
so: assinar uma centena de livros 1959 (com recentes 23 anos, pois lado da autobiografia e um narrador
para uma livraria. Bebe um gole nascera em 28 de janeiro de 1936), se intromete, em momentos chave,
da cerveja que lhe servem e... golo encontramos a sua assinatura, ainda António Arnaut Poesia, ficção e reflexão de par com a militância cívica e política para recolocar distância na tonali-
de Portugal. Hat-trick de Ronaldo. como António Duarte Arnaut, em dade afetiva com que as coisas são
Três a três. A esperança renasce, no dois documentos, “As relações entre contadas. É, do mesmo passo, o ro-
futebol e na literatura. "Não há vida a Igreja e o Estado e a liberdade dos mance de uma coragem sobressalta-
sem epifanias", lembra o escritor. católicos” e “Carta a Salazar sobre os A POLÍTICA COMO dois documentos referidos punham da mas tranquila. Grande fresco das
A viver parte do ano em Lisboa, as serviços de repressão do regime”. Já PRÁTICA MORAL inevitavelmente o problema das tensões vividas ao longo de cerca de
suas, a partir de agora, vão surgir em 1954, todavia, saído há pouco da É no âmbito de um catolicismo que concretizações histórico-sociais 20 anos contados a partir de 1968 e
assim, entre Portugal e Espanha. adolescência, estreara-se literari- se interroga e, ao interrogar-se, de uma determinada experiência especialmente focadas na sociedade
Outro duelo ibérico. J amente com Versos da Mocidade, coloca o problema da dimensão da transcendência. O primeiro coimbrã e em particular nas grandes
editado com a chancela da Coimbra política da mensagem evangélica, subscritor de ambos era o padre Abel e pequenas históricas dos encontros
Editora. que acontece a entrada na cena Varzim e à sua assinatura seguiam- e desencontros políticos, volve-se,
A relação entre a literatura e a política de AA. Sob a forma implícita -se as de, entre outros, António para o que agora nos interessa, na
política (nos seus sentidos mais de “manifesto” (um documento que Alçada Baptista, Francisco Sousa ficção da maturação política de uma
gerais) está, pois, no início do per- se quer ação discursiva eficaz), os Tavares, João Bénard da Costa, consciência inquieta (a da sua perso-


curso intelectual de Arnaut. Num Manuel Serra e Sophia de Mello nagem central), polarizada primeiro
duplo sentido: como “começo”, Breyner Andersen. Orlando de pela presumida eficácia política
que esse percurso desenvolverá em Carvalho, professor de Arnaut (na do Partido Comunista e depois em
direções múltiplas, e como “ori- Fac. de Direito de Coimbra) e figura trânsito, mais do que para outra
gem”, que, na aceção de Agamben, É no âmbito de um de referência de todo o seu percurso, organização política, para uma outra
se mantém permanentemente ativa também assina. mundividência.
em toda a duração do originado. catolicismo que É, pois, como católico que se Deste ponto de vista, é (sublinho)
Deste ponto de vista, é um proble- se interroga e, ao envolve na candidatura presidencial a reconstrução ficcional do conflito
ma a esclarecer e não propriamente de Humberto Delgado, em 1958 entre dois focos de irradiação, o
um facto a registar a conjugação interrogar-se, coloca o e contribui para a sua vitória na marxismo (e suas versões marxis-
entre o longo silêncio público do problema da dimensão freguesia natal de Cumieira, como ta-leninistas) e a maçonaria, e do
escritor, aparentemente silenciado recordará a Rodrigues da Silva, nas modo como esse conflito foi vivido
› Antonio Muñoz Molina pela intensidade da participação
política da mensagem páginas deste JL: “Os envelopes com na subjetividade da consciência
COMO A SOMBRA cívica e política e a sua imergência, evangélica, que os votos eram de cores diferentes, de Afonso Mendonça. Não é um
nas circunstâncias de aposentação mas eu arranjei una quase iguais aos simples conflito entre duas esco-
QUE PASSA
daquilo a que vulgarmente se cha-
acontece a sua entrada do Tomaz, andei de casa em casa a lhas políticas: é um conflito entre
Tradução de Eugénia Antunes,
Ponto de Fuga, 432 pp, 21,90 euros ma “política ativa”. na cena política explicar às pessoas como deveriam duas tradições, duas práticas e dois

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1o * letras ANTÓNIO ARNAUT jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

horizontes – e esta descoberta o entre o real possível e o ficcionali- chama excede a matéria que a A segunda etapa da odisseia
desliga (o “liberta”, p. 245) do PCP zado, roçando por vezes o alucina- alimenta, tal qual a eternidade, consiste em trazer o exemplo
e o encaminha para a Maçonaria tório e mesmo o fantasmático”. que não cabe na cinza acumulada de Jesus Cristo para os limites
e, mas suponho que num plano A observação é tanto mais de todos os séculos” (Recolha da condição humana e apontar
abaixo, para a concretização possível certeira quanto seja possível Poética, p. 328). A concentração – o seu sofrimento excruciante
da transcendência maçónica, em desdobrá-la até chegarmos à melhor: o apogeu – de todos estes (o que sofre a crucificação)
organizações que querem herdar noção de que a literatura, muito aspetos lê-se em Um Homem que como o preço do anúncio da
mas atualizar a tradição republicana, especialmente a poesia, é onde o Partiu do Seu Regresso e outros “religião natural/ que só tem por
como a Ação Socialista Portuguesa e incomunicável, o mistério, o indi- poemas (2017), publicado um ano mandamento/ amai-vos uns aos
o Partido Socialista. zível – em suma: a transcendência após Era um Rio e Chorava. outros” (p. 41). O Sol, a luz – é
Nesta dimensão histórico- – acede à palavra, ao discurso. Um Homem que partiu do seu a mesma coisa – tem agora um
-política, e sem querer forçar regresso e outros poemas pode corpo, o corpo de Cristo. Mas
qualquer tipo de reconhecimento A POIESIS COMO ler-se – deve ler-se, a meu ver – AA adota o ponto de vista dos
autobiográfico (onde encontramos ALQUIMIA SAGRADA como a odisseia de uma finitude livres pensadores: Jesus Cristo
personalidades que são as perso- A iniciação na literatura moderna que se examina (ou de um homem não é deus feito homem mas o
nagens de si próprias: Fernando acontece no interior da obra de consciente da sua finitude) e vai homem que foi capaz de mais
Vale, Paulo Quintela, Joaquim Miguel Torga. Quando compra e descobrindo que essa rememo- se aproximar do divino – é o

LUCÍLIA MONTEIRO
Namorado, Orlando de Carvalho, lê Bichos, recordou mais tarde, só ração ativa equivale a preencher próprio nome da experiência
entre outros), o romance pode conhecia os fragmentos de Amor as condições da “eternidade”. O humana no seu limite mas, por
ser lido como elemento de um de Perdição e de A Velhice do Padre livro joga-se, integralmente, nas isso mesmo, o anúncio de que é
díptico cívico-político, ou antes: Eterno que constavam da Seleta relações entre estes três elemen- possível habitar esse limite.
António Arnaut
moral, de que o outro elemen- liceal: “Foi, verdadeiramente, a tos: uma aguda consciência da Então, esta segunda etapa da


to é o conjunto de obras como minha iniciação literária” (Estudos morte (ou uma consciência da finitude transcendendo-se pelo
A Mesma Causa (2015), O Étimo Torguianos, p. 7). Leia-se “inicia- morte que se vai agudizando, por sofrimento encontra a primeira,
Perdido (2012) e Rosto e Memória. ção” em sentido forte: não só um várias razões, de que são rele- em que a finitude se transcende
Exercícios de Cidadania (2011). “início” mas um “batismo”, uma vantes a idade e a doença); uma pela consciência racional que
É impossível, no espaço razo- entrada num outro mundo, uma espécie de autobiografia íntima conduz a existência. Onde se
ável de um artigo, dar conta do conversão de olhar, uma “ilumi-
Rio de Sombras é um a que também pode chamar- encontram? No reconhecimento
modo como AA elabora por sua nação”. romance ambicioso, -se exame de consciência, uma de que a História, a História dos
conta a longa e rica tradição a Embora em várias oportunida- rememoração existencial que homens e dos povos, a História
que quis pertencer. Por razões de des Arnaut dê conta de conhecer
o romance de uma responda à pergunta “que sentido das longas noites sem fim e das
aparente rapidez diria que o ponto bem outros ambientes literários, coragem sobressaltada é que isto fez?”, sendo “isto”, madrugadas que chegam com os
central e o verdadeiro núcleo
disseminante (e ao mesmo tempo
é porventura da profundidade da
conceção de literatura que faz a
mas tranquila. Grande justamente, a vida que se está a
viver e a examinar; a resposta,
seus deslumbramentos inespera-
dos, essa História não é contradi-
atrativo) da sua mundividência, singularidade de Torga que ele se fresco das tensões jamais antecipável, à pergunta tória com o milagre.
que o religa a Antero e a Sérgio, é apropria para lhe dar configuração vividas cerca de 20 “que ficará de mim?”, pergunta Chamemos milagre ao
a noção forte de que socialismo só própria. À obra de Torga regressa, que só fazer-se dentro da suspei- inesperado que acontece fora da
é referência política na estrita me- por isso, insistente e aprofundada- anos a partir de 1968 ta, que é um voto, de que alguma rede percetível das determinações
dida em que é uma noção moral. mente: aos seus Estudos Torguianos coisa fique e na expetativa de que concretas. O Pássaro azul é o livro
Escreve em Rosto e Memória: “O (1997) deveremos acrescentar "O o legado, pelo modo e dimensões da apresentação polifónica da
Socialismo é a liberdade na justiça, médico Adolfo Rocha e o escritor Num processo que vai em que foi ganhando forma, aca- imanência do milagre à História.
a igualdade na fraternidade. Mais Miguel Torga” (Rosto e Memória, p. tomando progressiva be por aproximar-se do próprio Os poemas provocados por e
do que uma ideologia é uma ética. 83-95) e, de certo modo, a poesia de ser do mundo, movimentando-se dirigidos a um Natal secularizado
É uma aspiração milenar radicada Canto de Job (Homenagem a Miguel consciência de si pelas determinações da sua pró- (esse, que é quando um homem
no mais fundo da consciência dos Torga) (1996). próprio, Arnaut pria natureza. Nessas condições, quiser) desenham um espaço de
homens justos de todos os tempos” Em vários momentos desses ser eterno não é não morrer. É na regresso a “onde a noite se fez
(p.13). A ideia percorre toda a sua ensaios, sublinha uma noção-
escreve no rasto de forma deste triângulo que o livro luz” (p. 89), cruzado pelo voo do
reflexão e constitui também um -chave: “A obra literária tem um Deus, no resto de deus se organiza. pássaro azul que conduz sempre
eixo estruturante da resolução do conteúdo profético e alquímico, A obra tem uma zona cen- “ao tempo primordial” e de lá
conflito, em Rio de Sombras. isto é, poético” (p. 39). A lite- tral: a descoberta (a revelação) nos traz à vulgaridade das nossas
Em maior rigor, no entanto, tal ratura, em particular a poesia, Levar a existência da existência como sentido. A vidas. Mas, se a viagem não foi vã,
fórmula levanta mais problemas do
que resolve. Porque nos obriga ao
é a oportunidade ao alcance do
homem para estabelecer uma re-
humana ao limite em existência é um devir organiza-
do por uma finalidade cada vez
não exatamente ao mesmo lugar
de onde partimos. Aí, é possível
aprofundamento de o que suporta lação com a transcendência; “há que a sua singularidade mais conscientemente visada (e escrever com a certeza de que
essa “aspiração milenar”. O tra-
balho obriga à releitura demorada
uma comunicação dos homens de
espírito tão misteriosa e sagrada
coincida com a teleologicamente ordenada) e a
cuja coerência a memória abre as
nunca se escreve “o último poema/
porque a vida nele continua”.
e atenta da volumosa produção de como a dos Santos” e “só a arte totalidade do Ser portas. Esta é a primeira grande Por isso, o reaparecimento de
Arnaut no âmbito, digamos, en- realiza a verdadeira comunhão etapa da odisseia: a existência é Arnaut-escritor não foi o Vale
saístico, sem descurar a densidade do homem consigo mesmo, vale uma viagem progressiva (como de Lobos do ativista, por muito
dos seus títulos. Quando sublinha dizer, com os outros” (p. 91). se tivesse graus), é uma subida, dolorosas e dececionantes que
que o seu combate (mas também a Por isso, num processo que vai do silêncio e a perplexidade da uma ascensão (que é uma ascese) tenham sido as razões políticas.
luta dos homens e mulheres pro- tomando progressiva consciência palavra”. a uma finalidade pressentida e que O espaço político, exaltantes
gressistas) é a procura constante, de si próprio, em particular nos Os poemas de Pátria, Memória organiza retroativamente todo o que sejam as suas finalidades, é
obstinada do “étimo perdido”, textos poéticos, António Arnaut Antiga (1986), Miniaturais / Outros percurso. A esta finalidade pode inevitavelmente percorrido por
quer dizer: do “sol” presente na escreve no rasto de Deus, no resto Sinais (1987), Canto de Job (1996), chamar-se luz – “façam que não dinâmicas funcionais estranhas
“solidariedade”, AA não se limita de deus. Nobre Arquitetura (1997), Por Este morra/ a luz que acena ao longe/ (ou, se quisermos ser amáveis, não
a socializar a noção iniciática A organização da Recolha Caminho (2000), O Pássaro Azul por dentro do silêncio e da noite” coincidentes) à lógica artística de
de que a realidade imediata está Poética (1954-2004) é, deste (1998) e Do Litoral do Teu Corpo (p. 39) – ou Sol, “o mesmo Sol de constituição do comum.
trespassada de ritualidade: afirma pondo de vista, muito significati- (2003) tornam-se expressões outras terras/ que faz meus irmãos Recordemos o pressuposto:
sobretudo que há um elemento va. Arnaut não se limita a juntar parciais, fragmentos conexos, todos os homens” (O Pássaro Azul, “só a arte realiza a verdadeira
incomunicável em toda a comuni- os livros ou a coligir os poemas; destinados a pontuar o itinerário p. 100). comunhão do homem consi-
cação e que o centro da evidência repensa toda a produção poética, do poeta na sua perseguição Mas é possível chegar lá, a esse go mesmo, vale dizer, com os
é da ordem do mistério, a que se não para selecioná-la mas, acima do “pássaro azul”. No universo sentimento de nós como entidade outros”. Homóloga da experiên-
acede por uma singular transfigu- de tudo, para que a atual orde- poético de AA, “pássaro azul” cósmica, a essa revelação de um cia maçónica (no sentido exato
ração. nação dê um sentido ao que só é um nome da transcendência: sentido da existência ou, mais pro- de ser um e o mesmo “logos”), a
Nas páginas da revista Colóquio/ poeticamente pôde ir sendo dito. “Não digas que o pássaro azul fundamente, da existência como experiência poética foi abrindo
Letras, em recensão consagrada ao A ideia é reforçada no prefácio: é uma simples parábola, uma Sentido, seguindo uma outra via, a António Arnaut a evidência de
livro de contos A Viagem (1988), a “Só a poesia é capaz de exprimir imagem poética. A poesia é a via do sofrimento, do sofrimento que só aí (e em nenhum outro
segunda obra de ficção, publicada as verdades profundas da vida, também a forma de dizer o como limite da experiência hu- discurso, exceto em circunstân-
três anos após Rude Tempo Rude outrora reserva sagrada dos indizível, de tocar a verdade que mana. Porque é disso que se trata: cias excecionais) a palavra é solar:
Gente, Álvaro Salema sublinhava, deuses. A poesia é justamente esse se sente, mas não se exprime, levar a existência humana ao limite “a palavra-solar/ que ilumina o
entre outras qualidades, “o equi- veio de fogo que alimenta a alma como um fogo que desenha na em que a sua singularidade coinci- uni-verso/ único verso” (Por este
líbrio difícil mas bem conseguido e que circula entre a eloquência noite o perfil do infinito. Toda a da com a totalidade do Ser. caminho, p. 49).J

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt LIVROS
letras * 11
OS DIAS DA PROSA Anunciado o seu universo temático através
dos pequenos contos de Casa do Fim (1992),
Miguel Real JRD, com Breviário das Más Inclinações (1994),
afirma-se como um escritor de grande qua-
lidade e põe Vilarinho dos Loivos no mapa da
literatura portuguesa. Relógio do Cárcere (1997)
confirma a alta qualidade literária da história
misteriosa da vida de José Risso em Breviário

José Riço Direitinho


das Más Inclinações.
É verdade que os contos de Um Sorriso
Inesperado (2005) pareciam ter dado este
universo por esgotado. Não só nada acrescen-

Um suicídio literário?
tam à exploração do seu universo temático
como parecem uma repetição do seu léxico e
da estrutura formal dos contos. Não por acaso,
a “Casa do Fim” é aqui citada, como se de um
regresso à origem se tratasse (importante refe-

J
rir que não lemos Histórias com Cidades).
O escuro que te ilumina, ora publicado,
constitui uma viragem radical na temática
osé Riço Direitinho (JRD) tinha o expressionista, do qual lhe provinha fortíssi- e no estilo de JRD, substituindo o universo
seu lugar assegurado na história ma qualidade. rural acima apontado pela exploração de um

LUÍS BARRA
da literatura portuguesa. Ao lon- A diferença estética dos seus contos e universo sexual noturno, boémio e margi-
go da década de 1990, publicou romances era profundamente original: fazia nal. No estilo, substitui igualmente o anterior José Riço Direitinho
um conjunto de narrativas que cruzar a narrativa característica de Camilo império do parêntesis, abundantemente usado,
o estatuía como continuador e com o expressionismo de Raul Brandão. De pelo império da sinalética do dois pontos. Do
atualizador de uma vertente do Camilo, guardava a decadência das antigas mesmo modo, o expressionismo brandoniano
romance português que privi- famílias ilustres habitando casarões e solares, é substituído por um lirismo decadentista de Aliás, sem a envolvência estilística daque-
legiava o universo da represen- os tiques pérfidos e intriguistas das partilhas, o natureza pós-moderna, de que fazem parte le lirismo decadentista, que, de certo modo,
tação rural, sobretudo do Norte e da Beira amoralismo das combinatas e dos casamentos, integrante as inúmeras citações de autores espiritualiza a descrição realista dos encontros
Alta. Digamos ser o último elo de uma cadeia a rispidez sem decoro das relações de negócios, portugueses e estrangeiros, como se o narrador sexuais, O escuro que te ilumina arriscar-se-ia
literária que, partindo de Camilo Castelo a ausência de polidez dos arrivistas e videiri- necessitasse de autenticar com selo intelectual a passar do estatuto de literatura erótica, que,
Branco, prosseguia com Domingos Monteiro, nhos e o afundamento ético de um Portugal elevado o que seria incapaz de dizer por si. sem moralismos, o é, para literatura porno-
Tomás de Figueiredo, João de Araújo Correia, que de geração em geração ia sugando os seus Como elemento de continuidade temática e es- gráfica.
Aquilino Ribeiro, Miguel Torga e Agustina melhores na passagem do Absolutismo para tilística, o privilégio atribuído pelo autor, nesta Se compulsarmos a já clássica antologia
Bessa-Luís. A par da de Mário Cláudio e dos o Liberalismo; Raul Brandão inspirara-lhe a como nas anteriores narrativas, às sensações de António Mega Ferreira (com João Paulo
romances de Vasco Graça Moura sobre o Porto descrição dos preconceitos, das superstições, provenientes dos “cheiros”, nos anteriores Cotrim) O Erotismo na Ficção Portuguesa do
e o Douro, a obra de JRD estatuía-se como a vibração do instinto no homem, a vida das contos e romances aos cheiros naturais de Século XX (2005), constatamos com facilidade
uma espécie de atualização desta vertente da personagens em torno de uma existência insig- plantas e flores, em O escuro que te ilumina aos que a exploração da prática de uma sexua-
literatura portuguesa, com um acrescento nificante, ainda que absolutizada cheiros de perfumes. lidade marginal (não assim classificada por de-

26 maio — 28 junho

Assinaturas
18/19 gustavo dudamel © dr

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12 * letras LIVROS jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

sígnio moral, mas apenas por ser minoritária, PRO MEMORIA


por estar à “margem”) já foi abundantemente
desenvolvida por Manuel da Silva Ramos e por Eugénio Lisboa
Miguel Esteves Cardoso (este sobretudo em O
Amor é Fodido, 1994). Já neste século, podería-

A. Campos Matos:
mos acrescentar alguns romances de Fernando
Esteves Pinto (Sexo entre Mentiras, 2005,
Brutal, 2011), e de Joaquim Almeida Lima
(Ensaio sobre a Angústia, 2012), este na descri-

os 90 anos do queirosianista
ção de práticas homossexuais. O escuro que te
ilumina não é, assim, um romance absoluta-
mente virgem na literatura portuguesa recen-
te, o que nele é absolutamente novo reside, por
um lado, na veracidade e na força descritivas
com que narra relações sexuais minoritárias,

N
e, por outro, no lirismo decadentista que as
envolve. Por este último motivo, repetimos,
não é um romance pornográfico, ainda que
com ele se possa confundir, já que este busca ascido em
evidenciar apenas – e apenas – o prazer do 1928, na Póvoa
corpo, sem mais, reduzindo o homem a uma de Varzim,
carnalidade sensitiva e à excitação provinda de Alfredo
paixões meramente sexuais. Campos Matos
Em 1898, Abel Botelho, inserido no projeto (ACM) viria a
naturalista da descrição de uma “Patologia licenciar-se em
Social”, publicou o romance O Barão de Lavos, Arquitetura,
primeiro romance pedófilo português, texto pela Escola
que lhe retirou a admiração dos seus pares, Superior de Belas Artes do Porto, sendo
condenando-o à insignificância literária, ainda a sua primeira obra o estúdio da casa do
que, como republicano, tivesse sido nomeado pai, naquela cidade. Publica, em 1959,
embaixador na Argentina, onde morreu. Por Algumas Considerações sobre Problemas
seu lado, a descrição do ato de cunnilingus de da Arquitetura Contemporânea. Autor
Basílio a Luísa feita por Eça em O Primo Basílio de vários projetos que revelam um
chocou os seus amigos, que, em 1878, não es- profundo conhecimento das grandes
tavam culturalmente preparados para a leitura linhas de inovação da arquitetura con-
de cenas sexualmente marginais. Desde 1880, temporânea, vai, em 1960, para Lisboa,
Eça lutará contra essa impressão negativa que onde trabalhará, até se reformar, na

LUÍS BARRA
deixara nas páginas de O Crime do Padre Amaro Direcção-Geral da Urbanização, ocu-
e de O Primo Basílio. A pergunta a fazer é se pação que, segundo Siza Vieira, “além
hoje o leitor habitual de romances (a classe de ter proporcionado ao projetista uma
média socialmente instalada) se encontra cul- formação complementar abriu-lhe no- Alfredo Campos Matos “Obras essenciais a uma leitura melhor e mais esclarecedora de Eça”
tural e comportamentalmente preparado para vas oportunidades e permitiu-lhe viajar
aceitar como “normal” a descrição das cenas repetidamente e visitar, por exemplo,
sexuais narradas em O escuro que te ilumina e, as chamadas new towns, da Finlândia à
à semelhança do acontecido a Abel Botelho, se Inglaterra”. O futuro grande queirosia- qualidades, penso eu, que porventu- de João Gaspar Simões, de 1945, a de
não projetará o nome do autor e a totalidade nista não foi, portanto, um mero turista ra o terão atraído para outra das suas ACM é, fora de qualquer dúvida, a mais
da sua obra para uma certa insignificância superficial, no campo da arquitetura, grandes “fixações”: António Sérgio, importante que, entre nós, se publicou,
literária, ou, se se quiser, para o estatuto de pelo contrário, foi um arquiteto em- a quem dedicou atenção minuciosa e, corrigindo, com bom acervo de provas,
um autor de culto para um leitor marginal, penhado, profundamente atualizado e além de uma Bibliografia publicada alguns erros flagrantes da obra de
frequentador noturno de lugares socialmente atuante. na Revista de História das Ideias, da Simões. Sobre as outras biografias que
esconsos. Mas, muito cedo, a leitura do ro- Faculdade de Letras, de Coimbra (1983), entre nós se têm publicado, dedica-
Por natural expectativa de continuidade mance A Relíquia, de Eça de Queirós, um interessante e útil Diálogo com das ao autor de O Primo Basílio, será
literária, de JRD aguardava-se um roman- o deslumbraria e o chamaria para António Sérgio, também em 1983, com também proveitoso – e mansamente
ce que, à semelhança de Breviário das Más essa “segunda profissão” de estudioso uma 2ª edição aumentada, em 1989. Por capitoso – ler o seu livro de 7 Biografias
Inclinações ou Relógio do Cárcere, espelhasse queirosiano, que nunca mais aban- outro lado, ACM chama, com grande de Eça de Queirós (2008), com uma
o fim de um Portugal rural, caciqueiro, claus- donou. Biógrafo, analista, divulgador eloquência, a atenção dos leitores para o edição francesa do mesmo ano.
trofóbico, paroquial, um romance em que de imagens e de correspondência, ensaio de António Sérgio, “Notas sobre É curioso verificar-se como ACM
este universo representacional conflituasse ensaísta arguto, caçador de minúcias a imaginação, a fantasia e o problema está sempre a voltar a pontos da bio-
com o Portugal democrático e europeu do mais ou menos despercebidas do leitor psicológico-moral na obra novelística grafia, para os retomar, os acrescentar,
século XXI, confirmando e valorizando o seu desatento, ACM, como bom e obsti- de Queiroz”, nestes termos: “Desde os aprofundar ou melhor esclarecer.
lugar na literatura portuguesa. Porém, José nado biógrafo, quis conhecer tudo. já afirmo que nada li de tão belo, tão É como se a biografia nunca estivesse
Riço Direitinho preferiu trocar um univer- Dizia Lord Francis-Williams que “nem inteligente e de tão original, dentre os definitivamente terminada e houvesse
so temático em que atingira uma qualidade todos os segredos do coração humano milhares de páginas que me foi dado ler sempre que a melhorar e tornar mais
estética invejável, ombreando com Agustina são conhecidos dos biógrafos oficiais.” dos comentadores do autor do Padre rica e mais clara. Um simples olhar
e Mário Cláudio, por um outro, onde reinará Campos Matos, até porque não é um Amaro.” para a sua bibliografia nos elucida a
majestática mas solitariamente porque rara- “biógrafo oficial”, quis conhecer todos Do seu vasto labor é difícil selecionar este respeito. O próprio Campos Matos,
mente frequentado. os segredos da alma do criador de Os as obras fundamentais, tantas são elas: numa passagem do seu artigo “Algumas
Tendo consciência da imensa subjetividade Maias – e nisso, esforçadamente, se tem desde o primeiro livro – Imagens do notas acerca de Eça de Queirós – Uma
da nossa conclusão, não podemos deixar de empenhado. Trabalhador infatigável, Portugal Queirosiano (1975) - , passan- Biografia”, do seu último livro 94
registar ter sido esta alteração de universo amante da claridade e da simplicidade do pelo monumental e preciosamente Reflexões sobre Eça de Queiroz e Outros
temático um verdadeiro suicídio literário.J (que se conquista à custa de muito tra- útil Dicionário de Eça de Queirós, de Escritos, observa: “Uma biografia é
balho), tem dedicado ao opus queiro- 1988, com uma 3ª edição em 2015, pela um género difícil, sempre em aberto e
siano um inquirir lúcido e apaixonado, imprescindível Correspondência Emília exige do autor um conhecimento tanto
que acabou por frutificar numa vasta e de Castro – Eça de Queiroz (1995), que, quanto possível integral do biografado e
sedutora bibliografia. para sempre, demoliu a lenda do “mari- da sua obra.” Apesar de uma bibliogra-
Numa carta a Alberto d’Oliveira, Eça age de raison”, pela coletânea Sobre Eça fia vasta e exaustiva, dedicada ao mago
louvava, no bom estilo, as qualidades de Queirós (2002), pela Fotobiografia, de A Cidade e as Serras, ACM considera
de “precisão, limpidez e ritmo que são de 2007, pela edição, em dois volu- todo o seu labor “em aberto”, estando
qualidades da razão e das melhores”. mes, da Correspondência (2008), até sempre pronto para mais um artigo, um
› José Riço Direitinho Foram estas qualidades que, desde chegarmos, por fim, à excelente Eça de folheto, um livrinho esclarecedor. Até
O ESCURO muito cedo, seduziram o biógrafo ACM, Queirós – Uma Biografia, de 2009, com porque considera Eça, curiosamente,
QUE TE ILUMINA ao deparar-se com as obras do grande uma 3ª edição em 2017 e uma edição um autor “difícil”, na medida em que
Quetzal, 142 pp., 15,50 euros romancista. E foram também estas brasileira em 2014. Depois da biografia a limpidez e simplicidade do seu estilo

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt LIVROS, COLUNA
letras * 13

Luiz Ruffato
podem induzir no leitor uma in- bol se faz o grande tema do livro,
voluntária desatenção a riquezas também por ter uma presença no
escondidas mas essenciais. imaginário do operariado brasi-
A ação de promover a obra e leiro, grupo social mais recorrente

A volta do contista
a personalidade do autor de A nos livros de Ruffato.
Capital não se circunscreveu ao Alguns textos da coletânea deri-
ato de escrever e publicar obras vam para a crónica, o que é sempre
essenciais a uma leitura melhor e um risco da escrita recolhida de
mais esclarecedora dos livros do publicações na imprensa. Podem
Mestre. ACM desempenhou tarefas ser incluídas nesta categoria:
importantes, como por exemplo: “¡Gua!” e “O expositor”, em que a
foi membro do Conselho Cultural nota de registo se sobrepõe à lin-
da Fundação Eça de Queirós; fez o
inventário do Património da Casa
DESTINO BRASIL guagem e ao enredo. Mas há tam-
bém contrapontos, textos em que
de Tormes; o Instituto Camões Miguel Sanches Neto os experimentos formais crescem,
chamou-o a colaborar nas celebra- tornando-se o centro da narrativa,
ções por ocasião do Centenário da como “Kate (Irineia)”. Quando
morte do escritor. Produziu então se conciliam estes dois polos, um
uma exposição itinerante inti- Existem os romancistas que investimento de linguagem que
tulada "Eça de Queirós – Marcos escrevem contos e os contistas que funcione como narração, surgem
Biográficos e Literários" (1845- escrevem romances. A maneira os pontos altos do livro, como o
1900), com o respetivo catálogo, de escrever própria de um género conto que lhe dá título ou “Minha
tendo também escrito o guião se manifesta no outro, em deslo- vida”, “As vantagens da morte” e
do vídeo/filme Eça de Queirós, camentos que inovam as artes de “O dia em que encontrei meu pai”,
Realidade e Ficção. narrar. Há ainda aqueles autores momentos em que a nota memo-
De entre as obras por ultima- que, mesmo praticando dois ou rialística estabelece uma empatia
mente publicadas, ACM salientaria, mais géneros, conseguem uma desolada com o que é narrado. “Eu
como de sua particular preferên- alteridade formal, dando ao leitor era, eu sou, um corpo encharcado
cia, o Diário Íntimo de Carlos da a sensação de serem personali- de lembranças” (p. 79), diz um dos
Maia, que congeminou atribuir dades literárias distintas em cada narradores.
ao protagonista de Os Maias e que modalidade. Há também outra forma de
teria sido supostamente redigido Estreando na prosa com duas vínculo. Com o objetivo de eleger
após os acontecimentos relata- coletâneas bem recebidas criti- o tipo de leitor desta matéria vária,
dos no romance de Eça. “… pus camente, Histórias de remorsos e LR dedica cada conto a um escritor
nesta obra”, observa, “tudo o que rancores (1998) e Os sobreviventes amigo, sugerindo que o conto está
'tinha no saco', do que resul- (2000), Luiz Ruffato (LR) não mais dirigido a estes companheiros
tou uma enorme quantidade de seguiu na carreira de contista, de viagem do que ao leitor comum.
informação não despicienda, onde embora esta seja a sua vocação Enquanto o romance se faz aberto
convoquei nomes como Tolstoi, primeira. E se fez romancista com a um público maior, o conto é uma
Balzac, Romain Rolland, Charcot, Eles eram muitos cavalos (2001), troca de senhas entre produto-
Flaubert, Maupassant, Proust, uma narrativa longa obtida pela res. Assim, o texto vem com o
Martin du Gard, Ruskin, Stefan justaposição nervosa de episó- Luiz Ruffato ‘Um contista que escreve romances’ seu destinatário ideal, a reforçar
Zweig, Axel Munthe, Freud e vários dios em torno da vida urbana na as relações diretas com episódios
outros autores nacionais.” grande metrópole brasileira. Este históricos e pessoas.
Obra substancial, ACM “deu- livro é um conjunto de contos e Crianças recordadas, jovens
-lhe” realmente tudo quanto tinha de crónicas em funcionamento com um volume de contos avulsos, para o prazer, em um clima de transgressores, gente pobre,
a oferecer, atribuindo a autoria de romance, o que permitiu que a acumulados em seu currículo de liberação dos sentidos, é narrada adultos frustrados, trabalhadores,
disso ao personagem de Eça. estrutura fragmentada fosse uma publicações a partir de 2004 – A por um jovem chapado, que não a legião convocada por LR é uma
Justifica assim o feito: “Ao cabo de “descrição” pela linguagem da cidade dorme (Companhia das percebe bem o que está vivendo. escolha ética de trabalhar com os
quase 90 anos de vida, a memória cidade de São Paulo, que só pode Letras, 2018). São relatos de mo- A própria questão da alegria era subalternos, enquanto a lingua-
vai-se enchendo e enriquecendo ser percebida nesta velocidade e mentos diferentes, ligados a estes uma bandeira da geração dos anos gem é a da rutura estética, uma
de múltiplas leituras, viagens, multiplicidade de registos. momentos, que não fazem parte de 60/70, época implícita nesta ficção fronteira entre o realismo poé-
histórias, filmes, acontecimentos A partir deste livro, o autor um conjunto pensado para figurar cifrada. O conto (datado de 2016) tico, com diálogos e descrições,
vividos, por mim e por outros, que se especializou em escrever se como algo maior, interligado. As estaria dentro do calendário de e a linguagem de invenção. No
nos acodem ao pensamento, já valendo de tal procedimento, e peças não repercutem umas nas comemoração dos 30 anos do fim todo, no entanto, temos um livro
depurados pelo tempo, que desejo reorganizou seus contos de estreia outras, nem como linguagem nem da ditadura (1964-1985), tendo que reforça o caráter político das
transmitir como experiência de em estruturas maiores, apresen- mesmo quando o tema é próximo. portanto uma função histórica por escolhas do escritor, que conta
vida. Pude convocar com perti- tadas como romances. Ruffato é Estes contos pertencem a uma repercutir uma efeméride. suas histórias a partir de trajetó-
nência Eça pois continuo a viver um contista que escreve roman- rotina de escritor, convidado para Este contexto hippie é tratado rias periféricas, para as quais ele
dentro dele, como costumo dizer, ce. Mais do que isso, um autor publicar ficção breve em jornais e de forma mais realista em “Água concede um instrumento de ex-
lendo-o e lendo tudo o que sobre que monta romances a partir revistas ou a participar de anto- parada”, em que a viagem pelo pressão vanguardista. Luiz Ruffato
ele se publica.” O Diário Íntimo do entrelaçamento de histórias logias. Poderíamos dizer que são interior do Brasil se dá no plano é um experimentalista politizado,
seria, pois, uma súmula de vida que podem ser compreendidas pautados pelas demandas de um geográfico e se interrompe por correspondendo a um perfil de
que Alfredo Campos Matos trans- de maneira autónoma. Este é um sistema literário em que o conto uma acomodação do narrador, que intelectual brasileiro que voltou
feriu, generosamente, de si para o recurso típico das vanguardas encontra mais público em reuniões acaba vivendo em Ilhéus (Bahia), ao centro do campo do poder
protagonista do grande romance de do começo do século XX, usado temáticas. lugar em que nunca desejou morar. literário.
Eça. Nele nos propõe, entre muitas mesmo em um dos livros maiores Tirando “Alegria”, a maior Esta suspensão do movimento é Se seus romances revelam
outras coisas, aquilo que é a última da ficção brasileira – Grande ser- narrativa do volume, que se alonga simbólica, mostrando o fim dos uma força centrípeta, que solda
(?) palavra sobre alguns temas tão: veredas (1956), de Guimarães em uma estrutura de novela, os sonhos e o início da vida rotineira trajetórias e linguagens diferen-
queirosianos, alguns frequente- Rosa, o que localiza esteticamente demais contos são muito breves e em uma cidade que não foi de sua tes, o volume de contos aposta
mente tratados anteriormente e a ficção de LR em uma tradição de alguns tendem para o circunstan- eleição. na força centrífuga, criando,
aqui retomados para um “state- rutura. cial. Neste, há um investimento de Nesta ótica de que os contos pela dispersão, um amplo painel
ment” final (final?) Neste ficcionista, o proce- linguagem, um clima tenso-oníri- remetem a episódios do calen- de linguagem. O contista, dessa
Pensar-se que toda a profunda dimento chega ao ponto de ele co, que revela uma viagem lisérgica dário recente do Brasil, podemos forma, demite o romancista, para
e fecunda atividade desenvolvida justapor também obras que são a pelo interior da personagem e ver também a força da Copa do se colocar no lugar axial da autoria.
por está terminada é desconhecer a justaposição de narrativas, como é do próprio país, em que a reali- Mundo de 2014 por trás de algu- O contista quer ser lido como con-
massa de que é feito este estudioso o caso do tríptico Inferno provi- dade apenas se insinua, embora mas narrativas. Naquela altura, tista, na mudança de frequência
arguto e incansável. Com ele, está sório, reunião dos romances de possamos identificar referências o autor publicou contos novos das narrativas. A cidade dorme nos
tudo sempre “em aberto”, para histórias O mundo inimigo, Vista à ditadura militar brasileira, com relacionados ao mundo do futebol reconcilia com os dois primeiros
mais alguma incursão, para mais parcial da noite e Um céu de adobe. seus desregrados e seus brutos ou republicou textos nesta linha livros do autor e nos faz lembrar
alguma sugestão, para mais alguma O trabalho com a montagem é uma oficiais da ordem. A história, que já divulgados antes, respondendo que o bom romancista precisa ser
tentativa de acrescentar, melhorar, das marcas do autor, que agora re- coloca em conflito o mundo das à solicitação de matéria ficcional um bom contista, mesmo que não
esclarecer.J torna à gramática da história curta famílias e as comunidades voltadas sobre este esporte. Assim, o fute- publique contos.J

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14 * letras ESTANTE jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

Rimbaud, Obra Completa, bilingue na poesia Dois nomes, pois, com provas dadas para
a difícil 'tarefa' de nos dar as versões
portuguesas de Baudelaire. Aevisão de
texto é de Ana Cristina Câmara, Anabela
Prates Carvalho e Joana Nunes.
No prefácio, Francisco Vale fala da
É um lançamento a merecer especial interesse". Entre os poemas, alguns obra mas também da vida, inseparáveis,
destaque: está a chegar ás livrarias Obra são traduzidos pela primeira vez em do poeta de Uma temporada no Inferno,
Completa, de Arthur Rimbaud (1854- português. considerando que a sua última década de
1891), em edição bilingue, francês/ As traduções são de Miguel Serras existência "ilumina com luz retrospetiva
português, na parte dos poemas. Quem Pereira (69 anos, poeta e crítico, autor a poesia que de outro modo não seria a
a tal se abalança é a Relógio d'Água, a de vários livros, e durante largos anos mesma, tal como não seria a mesma a
editora de Francisco Vale, ele próprio um com assídua colaboração na imprensa, imagem que hoje temos de Rimbaud se ele
conhecedor e entusiasta da obra do poeta designadamente aqui no JL - mas desde tivesse envelhecido nos salões literários de
das Iluminações, de tal forma que é o autor há bastante tempo dela mais afastado, Paris." Como se sabe morreu com apenas
do prefácio, de 22 páginas, do volume dedicando-se primordialmente à tradução) com 27 anos e segundo o prefaciador a
que ultrapassa as 750. Além de ter todos e de João Moita (34 anos, também poeta e › Arthur Rimbaud poesia que ele "escreveu parece existir
os poemas, em verso e prosa - exceto os um dos mais conceituados tradutores das OBRA COMPLETA suspensa num tempo de incorruptível
em latim, e os "exercícios escolares" -, o últimas gerações), estando identificado o juventude". Na próxima edição
Tradução de Miguel Serras Pereira e
livro inclui ainda toda a correspondência, que é tradução de um e o que é de outro, João Moita, Relógio d’Água, 768 pp., publicaremos, sobre esta Obra Completa, a
menos "algumas cartas comerciais sem sendo a da maioria das cartas de ambos. 34 euros coluna de António Carlos Cortez. J

FICÇÃO reposicionamento pessoas de carne final do século XIX". Assim e a voz que desafia/ fazer da
editorial, assente e osso, comuns, se apresenta As Pequenas estrada desfeita/ uma espécie de
Afonso Cruz em duas grandes
coleção. A primeira
apanhadas no meio
de um conflito que
Histórias, porto final de
um projecto do Centro de
contrário// uma nova poesia".
Ou como se diz no poema que
Novo volume, é dedicada à ficção frequentemente Estudos Comparatistas da dá título ao conjunto: "chego
o sétimo, da contemporânea, lhes é alheio. Universidade de Lisboa sedento// na solidão// as feridas
Enciclopédia da com um olhar Nesta dimensão, dedicado aos diálogos falam// trago pouco/ quase
Estória Universal, sobre a atualidade é muitas vezes a ibéricos e ibero-americanos. nada/ arrasto ruídos/ para
que Afonso Cruz e os romances literatura que nos oferece os Percorre esta antologia a anunciar a minha vez// chego
tem vindo a que marcaram melhores relatos, como este vontade de colocar, lado por dentro. sem fala. / devagar,
publicar em tomos os últimos anos, de Angelika Schrobsdorff, que a lado, a diversidade e indago: // há gente em casa?".
anuais, em jeito com nomes que já tem tido enorme visibilidade na originalidade do conto
de conta corrente literária que faziam parte do Alemanha, país onde abundam hispânico, mostrando assim › Ondjaki
tudo abarca. A diversidade é, seu catálogo, como volumes biográficos sobre as muitas possibilidades da HÁ GENTE EM CASA
aliás, um dos traços mais fortes Rubem Fonseca e a II Guerra Mundial. O que história curta. Textos (alguns Caminho, 72 pp, 11,90 euros
deste singular projeto editorial, Eduardo Mendoza, e outros que mais se destaca em Tu não és inéditos em Portugal) de
feito de aforismos, citações, transitam da chancela Porto como as outras mães é, claro, a Miguel de Unamuno, Horacio
contos, pequenos ensaios,
divagações, pensamentos e
Editora, como Carlos Fuentes e
John Banville. A segunda coleção
extraordinária vida e espírito
livre da mãe da escritora,
Quiroga, Alejo Carpentier,
Adolfo Bioys Casares e José Luís Filipe
todas as liberdades poéticas.
Biblioteca de Brasov, subtítulo
chama-se Biblioteca dos Tesouros,
com clássicos intemporais da
Else Krischner, nada e criada
na burguesia alemã mas que
Donoso, entre outros.
Cristóvão
deste novo lançamento, inclui literatura mundial, em edições desde ceco escapou às regras › Vários autores Livreiro,
seis dezenas de entradas, de cuidadas, com capa dura, novas sociais que, nos loucos anos AS PEQUENAS HISTÓRIAS editor, dirigente
A a Z, algumas assinadas por e boas traduções e ilustrações 20, procuravam impor-lhe. Tradução de vários autores, associativo e
personagens enciclopédicas retiradas das primeiras edições. Casou várias vezes, pensou Cavalo de Ferro, 240 pp, 15,98 euros jornalista, Luís
já conhecidas dos leitores do Os dois primeiros volumes são Os pela sua cabeça e sofreu na Filipe Cristóvão
escritor, dos pensamentos de Três Mosqueteiros, de Alexandre pela uma dupla perseguição: a não publicava um
Malgorzata Zajac à teologia Dumas, com a inesquecível dos costumes e a do terror nazi POESIA livro de poesia
mística de Miroslav Bursa. Há solidariedade entre d’Artagnan, contra os judeus. Mas Tu não és desde 2009.
também diálogos com a pintura
renascentista e provas da real
Athos, Porthos e Aramis, e A
Ilha do Tesouro, de Robert Louis
como as outras mães também se
destaca pela sua composição, Ondjaki Estreou-se com Registo de
Nascimento, a que se seguiu
e incontestável existência de Stevenson, com as mil e uma que cruza, em vários planos, o Hoje mais Pequena antologia para o
unicórnios. Eis dois exemplos aventuras à volta dos segredos (e destino de diversas personagens. conhecido pelos corpo ou E como ficou chato
dos fragmentos do espanto riquezas) do capitão Flint. Obras romances e ser moderno. Este Famosas
de Zajac: "Todos perdemos para todas as gerações. › Angelika Schrobsdorff contos, áreas últimas palavras, título que
uma primeira vez e todos TU NÃO ÉS COMO distinguidas não deixa de brincar com este
reencontramos o caminho › Robert Setevenson AS OUTRAS MÃES com importantes longo silêncio e ironizar o que
perdendo-nos uma segunda A ILHA DO TESOURO Tradução de Helena Topa, prémios, como poderá (ou não) estar para vir,
vez". E "sempre que se abre um Tradução de António Mega Ferreira, Alfaguara, 568 pp, 24,50 euros o APE (Os da reúne 33 poemas, divididos
livro, o mundo deixa de ser Sextante, 288 pp, 16,60 euros minha rua) e José por três áreas: Fala de Artesão,
verdade para passar a ser uma Saramago (Os transparentes), Fronteira e Casas Funerárias.
hipótese". › Alexandre Dumas
OS TRÊS MOSQUETEIROS
Conto hispânico Ondjaki, na verdade, revelou-
se literariamente pela poesia,
Poemas mais longos no
início, mais breves no fim;
› Afonso Cruz "As dezassete a que agora regressa com Há versos sempre moldados pela
Tradução de Artur Lopes Cardoso,
ENCICLOPÉDIA Sextante, 776 pp, 18,80 euros pequenas gente em casa, o seu quinto evocação da natureza e do
DA ESTÓRIA UNIVERSAL histórias reunidas volume de versos. Quatro canto, da solidão e dos que
– BIBLIOTECA DE BRASOV neste volume áreas – Pássaros, Pessoas, No partiram. Eis um exemplo,
Alfaguara, 120 pp, 15,90 euros
Angelika são mais ou
menos breves,
sul e Na primeira margem
– agrupam esta dezena
Dedicatória: "Fiz-me poeta
contra um/ "não vais entender
Schrobsdorff mais ou menos de poemas, alguns muito nada"/ que vinte anos depois/
Clássicos Depois da grande História
exemplares.
Une-as a circunstância
longos, desdobrado em vários
momentos. A casa que se
entendi ser um/ pedido de
socorro.// Deixo legível/ a
na Sextante coletiva, centrada nos grandes
momentos e figuras principais,
de terem sido escritas
em língua espanhola, em
convoca no título tanto é a
do "eu" do poeta, quanto a da
minha assinatura/ no tratado
de paz".
Depois de quatro meses sem são os episódios vividos por Espanha e nos países da família, do país e da língua
publicação, a Sextante, editora pessoas comuns que mais no América Latina, e serem em que se escreve. A casa da › Luís Filipe Cristóvão
fundada há dez anos por João revelam a "verdade" sobre o manifestações da vitalidade identidade, afinal, onde se FAMOSAS ÚLTIMAS
Rodrigues, apresenta-se de passado. E dizemos "verdade" e do prestígio aí alcançados procura "encher as mãos de PALAVRAS
novo aos leitores com um novo porque é uma História vivida por pela narrativa breve desde o futuro" e "entre os dentes/ Gato Bravo, 78 pp

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt ESTANTE
letras * 15
OUTROS
Reedições portuguesas pp, 16,60 euros), de Carlos
Vale Ferraz, pseudónimo
autobiografia. Diante da morte,
a vida, sugere O'Farrell com este
Jerónimo literário de Carlos de Matos
Gomes, que foi oficial
livro, ganha mais sentido.

Pizarro do exército português,


com missões em Angola,
› Maggie O'Farrell
ESTOU VIVA,
A par de um Muitas reedições portuguesas Moçambique e Guiné e ESTOU VIVA, ESTOU VIVA
aturado trabalho de a chegar às livrarias, em inúmeros estudos sobre o Tradução de, Elsinore, 256 pp, 17,69 euros
edição da poesia e edições integradas em obras conflito.
prosa, éditas e iné- completas ou na recuperação Na Guerra & Paz, duas
ditas, de Fernando
Pessoa e seus
de clássicos. De Aquilino
Ribeiro a Bertrand republica
propostas de releitura:
Obras do Diabinho da Mão Futebol
heterónimos (em O Malhadinhas, com prefácio Furada (136 pp, 11,90 euros), A propósito do
Portugal e no Brasil, de Maria Alzira Seixo (248 de António José da Silva Mundial de Futebol
sempre na Tinta-da-China), pp, 16,60 euros), que destaca (O Judeu), um clássicos em curso na Rússia,
Jerónimo Pizarro tem publicado a singularidade desta do século XVIII escritor um livro que recorda
vários estudos sobre os inúmeros novela picaresca, modelo por quem foi perseguido e as anteriores
aspetos e desafios do legado pes- paradigmático na Literatura morto, em auto-de-fé, pela participações
soano. Ler Pessoa é a síntese de Portuguesa. Na Cavalo de Ferro Inquisição. E o mais romance de Portugal na
duas décadas de intenso convívio sai A Lã e a Neve (360 pp, 17,69 de Manuel M. Rodrigues, grande competição
com uma das expressões maiores euros), que, a par de A Selva, é nome discreto da segunda desportiva. Jornalista e escritor,
da língua portuguesa, com três um dos mais famosos romance Na Porto Editora, uma metade do século XIX que Afonso de Melo escreveu uma
ensaios sobre a pluralidade, uni- de Ferreira de Castro, com uma nova edição do que já é conheceu enorme sucesso, crónica para cada um dos 26 jogos
dade e interpretação em Pessoa, expressiva descrição da dura considerado o importante sobretudo póstumo, com A disputados em fases finais, desde o
seguidos de outros cinco sobre vida na Serra da Estrela na romance sobre a Guerra Rosa do Adro (224pp, 13,90 Portugal (3) - Hungria (1), de 1966,
os núcleos principais do poeta: primeira metade do século XX. Colonial, Nó Cego (384 euros). J do mundial de Eusébio, ao Portugal
heteronimismo, Alberto Caeiro, (2) - Gana (1), da desilusão
Álvaro de Campos, Ricardo Reis e brasileira de 2014. Textos ainda,
Livro do Desassossego. "Acredito para cada 'copa', de Manuel Alegre
que Pessoa foi múltiplo", afir- nosso destino é certo, reúnem 17 encontros com a morte, (Inglaterra 1966), João Rebocho
ma o ensaísta e professor da › Jerónimo Pizarro nunca o imaginamos demasiados momentos em que Pais (México 1986), João Ricardo
Universidade dos Andes, "mas LER PESSOA tão perto. Maggie tudo podia ter corrido mal. Apesar Pedro (Coreia do Sul / Japão 2002),
também que nós – os críticos, Tinta-da-China, 176 pp, 13,90 euros O'Farrell, pelo con- do dramatismo, a sua prosa não cai João de Melo (Alemanha 2006),
os seus leitores – o continuamos trário, habituou-se a em exageros. Num estilo contido Pepetela (África do Sul 2010) e Luis
a multiplicar e a desdobrar de conviver com a tra- e limpo, com tensão e suspense, Fernando Veríssimo (Brasil 2014).
forma exponencial; e que, cada
dia, a sua autêntica e definiti- Maggie O'Farrell gédia. Doenças (suas
e dos filhos), acidentes, acasos,
a escritor irlandesa transporta o
leitor para episódios decisivos do › Afonso de Melo
va multiplicidade é esta, ante a "Isto de estar vivo ainda um dia decisões erradas – a sua vida já seu percurso biográfico, maternal MEMÓRIAS
qual a outra, a verdadeira, se vai acaba mal", dizia, com humor, teve de tudo, como relata em Estou e literário, o que faz deste volu- DA NAÇÃO VALENTE
tornando pequena". Manuel da Fonseca. Mas se o Viva, Estou Viva, Estou Viva. Nele se me uma inesperada e surpreende Oficina do Livro, 216 pp, 14,90 euros

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16 * artes jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

Festivais de Música de Verão


Durante mais de dois meses, pelo país fora, orquestras e solistas estarão em salas de várias espécies e dimensões, ou ao ar
livre, ao encontro das pessoas, captando públicos mais amplos do que os que habitualmente frequentam os concerto. Em
alguns pontos do interior, constituem uma oferta cultural rara e fazem a música brotar entre os perfumes dos jardins, os
interiores das igrejas e os blocos de pedra dos castelos. Estão a chegar, repetindo a tradição cimentada a cada novo ano, e
trazem sons festivos, em dias e noites inesquecíveis. Começamos por destacar os que se iniciam até 4 de julho e na próxima
edição continuaremos com os que se seguem

p
Manuela Paraíso com a orquestra de guitarras
Guitarrafonia, o Coro Voz Nua e
o guitarrista Pedro Rodrigues, o
qual intervém também no festival
de Amarante, dando um recital,
a 7 de julho, no Centro Cultural
de Amarante, em que irá estre-
ar obras de jovens compositores
portugueses. A programação deste
evento inclui ainda concertos dos
conceituados Marco Tamayo e
Gabriel Bianco e dos laureados João
Robim e Joaquim Simões – o qual
foi o primeiro português a vencer o
PORTO E NORTE Festival Internacional de Guitarra
É em modo festivo que a Invicta Clássica "Andrés Segovia".
recebe o mês de junho e o prolonga
com a habitual oferta abrangen- CENTRO
te e inclusiva do Verão na Casa, Em Alcobaça, o Cistermúsica
o festival que a Casa da Música regressa entre 1 e 30 de julho
realiza, até 11 de setembro, dentro propondo uma oferta em que se
e fora das suas portas. Exemplos destaca a música portuguesa de
são os concertos da Orquestra diversas épocas, com uma obra do
Energia Fundação EDP, integrada alcobacense Daniel Bernardes em
por crianças e jovens de várias homenagem a Olivier Messiaen,
comunidades (1 de julho, Sala a estreia duma peça de Tiago
Suggia); da Orquestra Sinfónica Derriça encomendada pelo Grupo
do Porto CdM e da Orquestra Vocal Olisipo, que irá interpre-
Barroca CdM com entrada livre em tar também o Requiem de Frei
vários espaços da cidade. Uma das Manuel Cardoso, um dos mais
propostas mais aliciantes, a 30 de consagrados polifonistas portu-
junho, na Sala Suggia, é o concer- gueses, e uma produção da ópera
to em que à Orquestra Sinfónica Ensamble Gilles Binchois Concerto no Mosteiro de Alcobaça Guerras de Alecrim e Mangerona,
se contrapõe o Hornroh Modern de António Teixeira com libreto
Alphorn Quartet, dando a ouvir de António José da Silva (o Judeu),
uma obra do compositor austríaco pelos Músicos do Tejo e pelas SA
contemporâneo Georg Friedrich Na programação deste evento estão de julho, entre o jazz e a clássica, interpretado por Pedro Burmester Marionetas com um elenco de.
Haas, para quatro trompas alpinas também vários recitais de piano com um programa de charneira em piano, José Pereira em violino, Outra ópera, A Floresta, de Eurico
e orquestra. Destaques também pelos artistas convidados e pelos no encerramento, na praça da Marco Pereira em violoncelo e Carrapatoso, sobre libreto de Isabel
para o concerto sinfónico com o jovens pianistas participantes. edilidade, com entrada livre, em Márcio Pereira em clarinete. Alçada e Ana Maria Magalhães
vencedor do Prémio Suggia 2017, o Até 14 de Julho, o Festival que Mário Laginha interpreta o No final de junho, têm lugar a partir do conto homónimo de
violoncelista alemão Jonas Palm, Internacional de Música de Gaia seu Concerto para piano e or- dois eventos dedicados ao mes- Sophia de Mello Breyner, des-
a 6 de julho, e, no dia seguinte, oferece uma programação em que questra e a Rhapsody in Blue, de mo instrumento: o 6º Festival taca-se na programação para
a maratona de violoncelos que sobressai a música antiga, com George Gershwin, com a Orquestra Guitarras Mágicas, em Couto de um público mais jovem, subin-
homenageia Guilhermina Suggia; recitais pelo Quarteto de Alaúdes Clássica de Espinho. Outros pontos Esteves (Sever do Vouga), que do à cena a 30 de junho na zona
e para o Concerto de Laureados do de Milão, pelos agrupamentos altos são os concertos de música acontece entre 27 deste mês e 1 de envolvente do Mosteiro de Santa
Festival e Concurso de Acordeão romenos Coro Madrigal e Coro barroca (com o agrupamento La julho, e o IV Festival/Concurso Maria de Alcobaça, pela Orquestra
Folefest, a 17 de julho, em que vão Infantil Cantus Mundi, pelo duo Voce Strumentale, dirigido pelo Internacional de Guitarra de e Coro da Academia de Música de
ser estreadas duas obras de Daniel sevilhano Clarines de Batalla e o violinista Dmitry Sinkovsky, o Amarante, de 30 de junho a 8 de Alcobaça. Outros pontos altos da
Schvetz e Paulo Jorge Ferreira. projeto "A emancipação da música ensemble Il Pomo d’Oro com o julho. Em ambos, a programação programação de 30 concertos são a
Outro evento que intersecta a instrumental", por Pedro Couto violoncelista Edgar Moreau e o re- para o público oferece master- Missa de Notre Dame, de Machaut,
programação do Verão na Casa é o Soares (flautas de bisel), Rui Paiva cital do alaudista Edin Karamazov classes e concertos. No primeiro, pelo Ensemble Gilles Binchois,
Porto Pianofest, que além dos reci- (órgão positivo) e Hugo Sanches com transcrições de obras de Bach) um recital de guitarra portuguesa A Sagração da Primavera, de
tais com os professores e os laurea- (alaúde e teorba), mas também re- mas também os programas com pelo virtuoso Miguel Amaral, dia Stravinsky, tocada pela Orquestra
dos realiza, na Sala Suggia, a 30 de pertório clássico e romântico num obras canónicas, como a Noite 28, na Casa da Ponte, e as actua- Filarmónica Portuguesa e dançada
julho, um espectáculo de abertura, recital do pianista libanês Abdel Transfigurada, de Schönberg, pelo ções da russa Irina Kulikova (dia pelo Quorum Ballet, a Noite Non
comemorativo do centenário do Rahman El Bacha e nos concertos Ensemble de Cordas da Orquestra 29) e da jovem e premiada Andrea Stop no Mosteiro com a apresen-
coreógrafo Jerome Robbins, com pela Filarmonia de Gaia e pela Sinfónica de Castilla y León, Gonzalez Caballero (dia 30), além tação da mini-ópera Domitila, do
o Ensemble Stars of American Orquestra de Câmara da Galiza, música sinfónica e concertante de dum concerto de encerramen- brasileiro João Guilherme Ripper,
Ballet a dançar música de Chopin, com o soprano Elisabete Matos. Beethoven pela Real Filharmonía to, com participantes no Curso o prestigiado Quarteto Casals a in-
Schubert, Arvo Pärt ou Phillip Mais diversificada é a oferta do de Galicia, dirigida pelo pianis- de Verão, e um concerto a 27 de terpretar Beethoven e o centenário
Glass, pelo pianista Nuno Marques Festival Internacional de Música ta Lars Vogt piano, e o Quarteto junho, no Centro das Artes do da morte de Debussy e de António
e pelo violinista Emanuel Salvador. de Espinho, de 22 de junho a 21 para o fim do tempo, de Messiaen, Espectáculo de Sever do Vouga, Fragoso em recitais pelo pianista

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt FESTIVAIS
artes * 17
russo Alexander Ghindin e pelo
Trio Pangea.

LISBOA E SUL
O Verão começa de forma intensa
na capital, onde vários eventos
servem programações diversifica-
das. De 22 a 25 de junho, o Festival
Coros de Verão volta a concentrar
formações corais de vários países
(Portugal, Espanha, Polónia,
Lituânia, EUA e Singapura), que
se apresentam em competição e
em concertos no CCB, todos com
entrada gratuita (nalguns casos
condicionada aos lugares disponí-
veis), no Mosteiro dos Jerónimos
e noutros espaços de Belém. O
concerto inaugural inclui pela
primeira vez um coro participati-
vo, com 200 elementos, que com
a Orquestra Filarmonia das Beiras
e cantores solistas irão fazer a 9.ª
Sinfonia de Beethoven, no Grande
Auditório do CCB. A 23, no mesmo
espaço, têm lugar três sessões da
Competição Internacional de Coros
e a 24, ao longo do dia, há diversas
atuações ao ar livre de grupos co-
rais. O concerto de encerramento
culminará com a atuação conjunta
dos coros participantes.
Uma semana depois, a 1 de
Julho, arranca o Festival Estoril
Lisboa, que este ano assina-
la várias efemérides - como os
150 anos de Vianna da Motta, os
centenários da morte de Debussy
e de António Fragoso, do nasci-
mento de Leonard Bernstein (no
concerto final, a 28 de julho, com
o quarteto de pianos e percussão
Face à Face a apresentar o pro-
grama Happy Birthday Lennie, que
inclui as Danças Sinfónicas de West
Side Story) e do fim da I Guerra
Mundial, em vários concertos,
dois dos quais trazem a estreia
absoluta de obras encomendadas
pelo Festival aos compositores João
Madureira e Eurico Carrapatoso

JOSÉ FRADE
(Requiem pela Aurora de Amanhã,
pela Orquestra Metropolitana de
Lisboa e o coro Voces Caelestes,
a 20 de julho, no Claustro do Hornroh Modern Alphorn Quartet (em cima), Dmitry Sinkovsky (à esqª) e o festival Coros de Verão, no Mosteiro dos Jerónimos
Mosteiro dos Jerónimos, e Te Deum
em louvor da paz, a 25 de julho, na
Igreja de São Roque, pelo Grupo no início de julho, sob a égide de Percorre toda a Primavera qual percorre várias gerações de Kiss, em piano, e Péter Szücs, em
Vocal Olisipo). Couperin, nos 350 anos do seu no Baixo Alentejo e desembo- compositores húngaros dos séculos clarinete.
A programação inclui também nascimento, realiza o 1.º Concurso ca sempre no início do Verão: o XX e XXI, como Bartók, Kurtág e Ainda em junho, entre 22 e
a estreia nacional da ópera Les Internacional de Cravo de Oeiras, Terras Sem Sombra termina este Eötvös, por um quarteto de jovens 24, o Festival Internacional de
enfants du Levant, da compositora com dois recitais, nos dias 5 e 8, ano com um concerto a 30 de e reputados intérpretes daquele Percussão do Alentejo Central con-
francesa Isabelle Aboulker, e respetivamente por Elisabeth Joyé junho, na Igreja Matriz de Santiago país: o soprano Andrea Brassói- voca as atenções em Reguengos de
do filme-concerto Uma sinfonia e Frédérick Haas. Maior (em Santiago do Cacém), o Jőrös, o violinista Máté Soós, Péter Monsaraz, oferecendo a possibili-
em imagens, com a Orquestra dade de se assistir a masterclasses
Gulbenkian a interpretar a e a concertos por professores e
Sinfonia Fantástica, de Berlioz, ALGUNS DESTAQUES alunos, como o de encerramento,
em sincronia com uma longa- no Parque de Feiras e Exposições,
JUNHO nº 9. Entrada gratuita mediante le- para quatro trompas alpinas e orques-
metragem montada à música, vantamento de ingresso na bilheteira. tra. Anton Bruckner, Sinfonia nº 1. com os percussionistas Paulo
› 20 , 22h, Auditório de Espinho:
com planos de obras de Murnau, Edin Karamazov, alaúde. JS Bach, Amendoeira, Rui Quintas,
Pabst e Fritz Lang, para além dum Suite para violoncelo solo BWV 1010, › 22 21h30, Igreja de Oliveira do JULHO Vasco Ramalho e a banda da
recital de órgão na Sé Patriarcal, Ciaccona da Partita para violino solo Douro: Pedro Couto Soares (flautas › 1, 18h, Mosteiro de Alcobaça - Nave Sociedade Filarmónica Harmonia
com Karol Mossakowski a BWV 1004, Suite para violoncelo solo de bisel), Rui Paiva (órgão positivo) Central: Ensemble Gilles Binchois. Reguenguense, mas também de
improvisar sobre a projeção da BWV 1007. e Hugo Sanches (alaúde e teorba). Guillaume de Machaut, Messe de No- Sérgio Almeida com alunos do
obra-prima de Carl Dreyer A Obras de Francesco da Milano, GB tre Dame. Entrada livre (levantamen- workshop de percussão africa-
Paixão de Joana d’Arc. Destacam- › 22, 21h, Grande Auditório do CCB, Fontana, Bernardo Storace e outros. to do bilhete na data e no local). na (dia 22, no Parque da cidade e
se também os concertos pela Lisboa: Isabel Alcobia (soprano), exterior da Biblioteca Municipal) e
Orquestra Estatal de Atenas, pelo Rafaella Veiga (alto), Pedro Rodrigues › 30 Jun, 18h, Casa da Música, Sala › 4, 21h30, Sé Patriarcal, Lisboa: o de Theodor Milkov (23, na Igreja
Sonor Ensemble, pelo pianista (tenor), Nuno Dias (baixo). Coro Parti- Suggia, Porto: Hornroh Modern Al- Projeção do filme A Paixão de Joana Matriz). Estão também agendadas
Alexander Ghindin e um Festival cipativo do Festival Coros de Verão, phorn Quartet, Orquestra Sinfónica do d’Arc, de Carl Dreyer, com música sessões de sensibilização musical
Jovem, com talentos em início de Orquestra Filarmonia das Beiras, dir. Porto CdM, dir. Stefan Blunier. Georg improvisada ao órgão por Karol Mos- para pais e filhos e de musicote-
carreira. Em Oeiras, o West Coast Paulo Lourenço. Beethoven, Sinfonia Friedrich Haas, Concerto grosso nº 1, sakowski. Entrada Livre rapia para pessoas portadoras de
Early Music Festival, que decorre deficiência.J

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18 * artes ESPETÁCULOS jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

Bando de Pássaros sível e imperfeita, essa temática tão


presente no que se passa todos os
dias”, faz notar. “E quisemos que o
com idades e experiências muito
diferentes”, que todas as noites, de
4ª a sábado, até 15 de julho, vão dar

A diferença em drive-in
processo de criação fosse desde logo vida à peça, cujo formato prima
um encontro com o diferente”. desde logo pela diferença. É que
Daí a diversidade e a quantidade se trata de um drive-in, em que os
de atores, músicos, artistas e outros espectadores assistem ao desenrolar
intervenientes envolvidos. Ao todo, dos acontecimentos dentro dos pró-
meia centena, 30 em cada sessão. “O prios carros, sintonizando os seus
processo cruza muita gente diferente rádios, e seguindo as notícias de um
É um espetáculo sobre a diferença e e de diversas nacionalidades numa “fenómeno” que caiu dos céus de
completamente diferente, à maneira vontade que a colaboração entre Palmela: um homem que tem asas
de O Bando. Pássaros, em Vale Barris, todos desse origem a um espetáculo e aterrou num território inóspito,
Palmela, é um “objeto singular”, verdadeiramente singular”. quase desértico.
como diz ao JL João Neca, que assina Além de uma cenógrafa e É para lá que os espectadores se
a encenação com Miguel Jesus. figurinista e de uma atriz, com vão dirigir. “Toda a gente acor-
“Queríamos falar sobre a diferença, uma participação em vídeo, de re ao local para ver esse homem
aliada às dificuldades de voo e de uma companhia italiana, com sede diferente de todos, como nós
cruzamento entre as diferentes em Milão, e de um desenhador de acorremos diariamente aos media
culturas, religiões e ideias”, explica. vídeo de uma companhia inglesa, ou a notícias virais, clickbaits ou
“Pensámos nos pássaros como de York, ao abrigo do intercâmbio mesmo fakenews, que também
metáfora da possibilidade de cruzar dentro da plataforma teatral euro- vamos desse modo alimentando
os céus sem barreiras ou fronteiras peia, Pássaros conta com um grupo como espectadores”, sublinha João
dentro da Europa”. de seis saxofones, em colaboração Neca. “Estamos perigosamente a
Tanto mais que o espetáculo com o Festival Internacional de construir uma sociedade muito

JULIANA PINHO
se integra num projeto europeu, Saxofone de Palmela, dirigido por egoísta e individualizante e temos
o Platform Shift, que reúne 11 João Pedro Silva, com os alunos das cada vez menos capacidade de estar
companhias de nove países, em que oficinas de formação de O Bando, com os que pensam diferente. Mas
o Bando participa há vários anos. em Palmela e no Instituto Superior é com esses que podemos almejar
Interessou à companhia, dirigida Pássaros, por O Bando Um encontro com o ‘diferente’ Técnico, em Lisboa, e com o Grupo a aprender alguma coisa, a dar um
por João Brites, pôr em cena o Ou- de Teatro dos Barris, que há uns salto em frente, imbuindo-nos de
tro, “falar de como podemos lidar anos se emancipou dessas oficinas. outro espírito. Esperamos que esta
com aquele que é diferente de nós, Todos trabalharam, ao longo deste experiência, muito leve e alegórica,
que tem outra cor de pele, outra a nossa visão do Outro”. “Acreditamos que um espetáculo ano, os conceitos do espetáculo, nos ajude a pensar sobre tudo isso”.
orientação sexual ou outra maneira Foi esse o “impulso que levou à que acontece em 2018, de uma numa aprendizagem dos pássaros. Esse é o mote de Pássaros. Basta
de pensar”, como adianta ainda o criação” de Pássaros e como sempre forma metafórica deve inscrever-se Também contam com a voz de ligar a ignição e muito pode acon-
ator e encenador. Mas também a em O Bando não foi alheio ao que na contemporaneidade e neste caso Fernando Alves, jornalista e cronis- tecer de inesperado a caminho da
forma como "os media condicionam acontece nos dias que correm: abordamos, de uma forma imprevi- ta da TSF. Uma “amálgama de gente diferença. J MLN

João Lagarto
Um monólogo torrencial
Um livro numa única frase, foi que se sucederam e que foram de presente na sua escrita cheia de
esta ideia que viu numa crítica à uma grande violência. Por isso, realidade, de figuras que conheceu,
tradução americana do romance do ele tem uma certa descrença nas mais do que de ideias”.
checo Bohumil Hrabal que primeiro ideologias”. Uma panóplia de histórias em
chamou a atenção de João Lagarto, Não é, contudo, “amargo”: que se pode descortinar um tema
63 anos. É que era um livro curto, “Prefere uma gargalhada a uma comum. “Ele dirige-se constante-
mas ainda assim de uma centena de bandeira e é um pouco reacioná- mente às senhoras, de tal forma que,

JOSÉ SÉRGIO
páginas. Numa só frase? Curioso, rio”: “A certa altura ele diz, por a certa altura, pensei mesmo fazer o
procurou saber mais e percebeu exemplo, que noutros tempos espetáculo apenas para mulheres”,
que afinal era o discurso de uma só havia mais mendigos, mas mais observa o ator e encenador, para
personagem. Um longo monólogo, classe”. É esse o tom do seu desfiar rematar, irónico: “Mas se calhar João Lagarto Uma personagem com ‘descrença nas ideologias’
como outros romances do escritor. de memórias, em grande parte era anticonstitucional”. Numa apre-
E quando o leu, decidiu logo levar à referenciadas a Praga, referências sentação em Alverca, porém, deixou
cena Lições de Dança para Pessoas locais que foram retiradas na versão as primeiras filas reservadas a
de uma Certa Idade. Um espetáculo dramatúrgica”. Embora a expe- mulheres e o resultado foi “engra- salas grandes também tem sido os textos, a traduzi-los, encená-
em que assina a dramaturgia, a riência não seja semelhante à que çado”: “A personagem está sempre bom, mas melhor com a proximi- -los e interpretá-los. Isto apesar
encenação e a interpretação, e que tivemos em Portugal, até porque a dar dicas, sobre por exemplo como dade das pessoas, que é o que vou de, a certa altura, ser uma grande
apresenta, até 15 de julho, na Sala nos libertamos dos reis mais cedo, os homens devem dar flores às ter no Trindade”. solidão”.
Estúdio do Teatro da Trindade, em e tivemos, apesar de tudo, um sé- mulheres, e vi-as ali à minha frente, João Lagarto tem feito muitos Já tem na calha um outro
Lisboa. culo mais pacífico, há alusões a um divertidíssimas todas juntas”. monólogos ao longo da sua carreira, monólogo a partir de Artaud, mas
Lições de Dança para Pessoas antigamente, a um tempo anterior, Antes da carreira no Trindade, e como foi o caso de Começar a queria a seguir ter condições de
de uma Certa Idade tem um pano que podemos transpor para o nosso de uma passagem recente pelo Tea- Acabar, de Samuel Beckett. Mais produção para fazer espetáculos
de fundo histórico que também país”, adianta Lagarto. tro de Almada, em modo café-con- ainda nos últimos tempos. Por gosto com mais atores. Vai em breve
interessou ao encenador e ator. O torrencial narrador a que dá certo, João Lagarto já apresentou e também por razões prosaicas. encenar um, a partir de um dos
“A personagem, um contador de corpo foi sapateiro, trabalhou em o seu monólogo em vários pontos “Com as condições financeiras capítulos de Ulisses, de James
histórias, tendo nascido ainda no cervejarias, num talho e numa do país, nos últimos dois anos. que existem hoje para fazer teatro, Joyce, com os alunos do curso de
antigo regime, passou pela primeira série de outros ofícios. Um pouco à “Em Freixo de Espada-à-Cinta, até um espetáculo com mais de dois teatro da Universidade de Évora.
guerra, depois pela segunda, e vive semelhança do próprio escritor, já tivemos que ir comprar lâmpadas, ou três atores é complicado. Como Agrada-lhe, de resto, trabalhar
todo o vórtice histórico que acon- que Hrabal, antes de poder viver da porque não havia projetores, nem quero fazer teatro, o monólogo é textos não dramáticos. Transpor
teceu às pessoas daquela zona da escrita, foi figurante no teatro, tra- tomadas, corremos a cortina e fiz o uma saída”, salienta. “Mas também um romance para a cena é tam-
Europa”, adianta. “E é interessante balhou em fábricas, nos comboios e monólogo à frente do palco e fun- gosto de ter o controlo sobre todo bém, diz, uma maneira de “ser
a forma como ele fala desses tempos noutras profissões. “Isso está muito cionou muito bem”, recorda. “Em o espetáculo. De ser eu a escolher escritor clandestinamente”.J MLN

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt EXPOSIÇÕES
artes * 19

Marta Wengorovius
Também se inscreve no projeto a
Escola Nómada, que Marta Wen-
gorovius imaginou. Numa recente

Um modo de estar na arte


mostra na Appleton Square apresen-
tou os desenhos do que poderia ser a
sua escola, a partir do modo como os
mosteiros e conventos têm resolvido
a questão do “um e do muitos”, com
a demarcação dos claustros e das
celas. “Imagino a escola quase como
se fosse uma escultura, porque é
Há quem diga que é perigoso aproximar-se dela, porque há sempre o risco de cair dentro apenas um espaço pedagógico, onde
não há nada, faz-se das pessoas que
de uma obra, tão indissociável é a sua arte do espaço que habita e das relações que estabelece lá passam”, diz. “Posso não poder
com os espectadores e a sociedade. A artista, 55 anos, ’chama‘ agora a ‘cair’ dentro da exposição construir uma escola, mas uma
maquete consigo. E desenhei o que
Um, Dois e Muitos, no Picadeiro Real, do Museu de História Natural, em Lisboa. É o culminar queria que fosse, com uma ideia
de uma década de trabalho e resume um modo de estar na vida, tão fulcral que quase o podia forte: é o espaço que nos ensina”.
Uma escultura habitável, com
“patentear”, como diz ao JL sítios para comer, dormir ou fazer
teatro. Entre ficção e utopia, a Escola
Nómada “vai existindo”, com as suas
Maria Leonor nunes aulas debaixo das árvores, na Serra da
Arrábida, geografia da particular es-
tima da artista que já lá realizou, por
Não se trata de uma expressão exemplo, O Caminho de Nietzsche.
aritmética ou de qualquer tentativa de Também porque queria que a diretora
contabilidade. É um “modo de olhar da sua escola fosse uma montanha.
o mundo”, uma “forma de perceber Será a Escola Nómada que, de resto,
a vida”: Um, Dois e Muitos, nome da irá encerrar em 2019, o ciclo Um,
atual exposição de Marta Wengorovius, Dois e Muitos. “Fiz um estudo sobre
encerra uma perspetiva sobre a diferentes tipos de escola, muitas
própria existência. “Tudo na vida é entretanto postas de lado. A escola
um movimento de acentuação, mais aberta, a ideia de estudar toda a vida,
focado em mim, nos dois ou numa mas também a escola de Platão ou a
comunidade. E é nessa dança que se dá Bauhaus”, sublinha. “E andei a respi-
a própria vida”, adianta ao JL. gar de todas as experiências artísticas e
Um, Dois e Muitos, uma “cha- pedagógicas para a minha utopia, por
ve hermenêutica” do trabalho da exemplo de uma aprendizagem feita
artista, segundo o curador Paulo Pires também com o corpo, para todos”.
do Vale, “permite compreender três Uma das aulas debaixo das
regimes distintos de relação entre os árvores que já realizou foi dada pela
elementos constituintes do mundo, o filósofa Claire Nancy, sobre o papel
nosso horizonte de possibilidades: o das mulheres na tragédia grega. “Es-
indivíduo, o par e a comunidade, nas tivemos oito horas a ouvi-la, naquele
suas múltiplas declinações, da célula silêncio. E interessa-me também
ao cosmos”, como escreve a pro- saber, se reduzíssemos o ruído, que
pósito da exposição, que reúne um atenção teríamos. A aprendizagem
conjunto de obras realizadas desde está demasiado focada na ideia de fi-
2012, a propiciar os ensaios no tapete. Um, dois e muitos, uma exposição para “estar e participar”, um espaço de experiência e interação com os visitantes car quieto a olhar em frente e a ouvir.
São mapas, partituras ou instruções Mas não tem que ser assim, porque


de uso que propõem, ainda de acordo podemos ouvir com todo o corpo e o
com as palavras do curador, “uma importante é estarmos disponíveis”.
ativação do espectador, também de- mundividência. “Sempre ouvi o meu pinturas, fotografias, cartas. E pro- Sob as árvores da Arrábida, have-
clinado enquanto um, dois e muitos”. pai falar sobre a guerra, uma coisa curei depois situações em que nos rá mais lições. “Todos temos sempre
Essa interação é mesmo “deter- de muitos e de adormecer a pensar São propostas de podemos juntar, mesmo insólitas, alguma coisa que gostaríamos de
minante para a obra”, que “existe”, como nos podíamos preparar para como o livro de batismos de escra- discutir com alguém ou com muitas
quando torna o espectador capaz ela. E lembro-me também de haver exercício para vos e uma fotografia de mulheres pessoas”, faz notar a artista. E esse é
“de sentir, de pensar, de agir”. “São reuniões clandestinas em minha casa descobrir a capacidade acusadas de bruxaria, que mostro na o princípio para escolher os ‘mestres’
propostas de exercício, tanto materi- e de, só com seis ou sete anos, ir a exposição”. que poderão dar tais aulas. “Sou a fa-
ais quanto espirituais, para desco- manifestações proibidas”, salienta.
de concentração, vor da discussão, como falava Joseph
brir a capacidade de concentração, “Eram muitos, tal como depois no 25 o conhecimento CABANA DE LEITURA, Beuys, porque andamos todos um
o conhecimento da natureza e as de Abril, tinha na altura 11 anos, e no ESCOLA NÓMADA pouco amorfos”, acrescenta.
potencialidades do corpo”. primeiro 1.º de Maio, que nunca irei
da natureza e as A presente exposição resulta dessa Pelo tapete da exposição no
Uma obra que está em “obra” esquecer, uma coisa sensorial, a pre- potencialidades do corpo pesquisa, feita nos Açores, que é Picadeiro Real, passou, entretanto,
e que decorre de uma investigação sença da alegria da terra no corpo”. aliás objeto da tese de doutoramento entre outros, Maria Emília Brederode
sobre as questões da atenção, da Recorda igualmente os grandes que está a fazer na Universidade de dos Santos para um dos ensaios, a
orientação e do mapeamento que a passeios que dava, acompanhada Coimbra, dos objetos encontrados propósito dos desenhos da Escola
artista tem trabalhado nos últimos de um caderno. “Ficava a dese- percebeu que eram feitos segun- que pontuam o mapa da própria Nómada. E lá irá ainda estar, a 24,
anos. Um longo ciclo num percur- nhar, num moinho ou noutro sítio do a atenção dada a determinadas mostra. Mas o projeto inclui também Maria João Mayer Branco, que fará
so, iniciado na década de 1980, no qualquer. Era o tempo do um, que coisas, consoante se estudassem, por a biblioteca Um, Dois e Muitos, uma uma visita guiada ao universo de
domínio da pintura e do desenho, senti desde muito cedo”, diz. “E exemplo, as árvores ou os pássaros. Cabana de leitura, que anda de jardim Um, Dois e Muitos, em que “estar” e
convocando também o movimento, tive, ao longo da vida, situações que Imaginou então como se poderiam em jardim, de terra em terra. “É “participar” é essencial. “Às vezes,
os objetos, a instalação. me levaram a ter uma sensibilidade a fazer mapas do um, do dois e de uma utopia pensar que as pessoas entro lá e está alguém no tapete, uma
Mas Um, Dois e Muitos, como gos- essa ideia do um, dois e muitos”. muitos. “Pedi ajuda a biólogos da poderão estar sozinhas nesse espaço pessoa a ver um filme, outra a fazer o
ta de sublinhar Marta Wengorovius, Seria, contudo, nos Açores que universidade e a diretores de museus e ler um conjunto de livros com uma inquérito visual, outra a desenhar”,
é também uma “herança dos pais”. É o projeto se tornaria imperativo. para fazer um caminho pela ilha em linguagem comum”, adianta ainda adianta a artista. “Era esse espaço
que Marta é filha de Vitor Wengoro- “Olhei a ilha e pensei que aquele que pudesse ter encontros singulares a artista. “Apenas lá pode estar um que queria criar, um espaço de ex-
vius, já falecido, advogado, oposi- território podia ser um laboratório, que me fizessem sentir que eu pró- de cada vez, mas com um tempo periência, o espírito da minha Escola
tor ao Estado Novo, dos chamados porque tinha uma fronteira natural, pria era singular”, acrescenta. “Fui de leitura só para si”. A Cabana de Nómada”. Para experimentar até 1
católicos progressistas, e desde muito importante para poder pensar um percebendo, por outro lado, que o Leitura, que está em maquete na de julho, no Picadeiro Real do Museu
pequena que teve acesso a essa rela- tema tão largo”, afirma. Foi também dois é visto sobretudo na perspetiva exposição, vai estar de seguida no de História Natural, na Rua da Escola
ção numérica que se tornaria a sua a olhar os mapas de S. Miguel que do casal, mas que também existe em Centro Cultural de Cascais. Politécnica, em Lisboa.J

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20 * jornaldeletras.sapo.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt ESPETÁCULOS
artes * 21

Clara Andermatt
sejam eles diferentes próteses ou
muletas. Estas próteses são bastante
complexas e permitem amplitudes

Uma conferência performance


de movimento extremas. A nível
da tecnologia implicada podes
transformar o corpo, no sentido da
transformação em si, ou no sentido
de ganhar outras possibilidades
que por exemplo na ausência de
um membro podes conseguir.
Estamos ambas neste processo
A coreógrafa e bailarina estreia na sexta- feira e no sábado, 22 e 23, no Negócio ZDB, em Lisboa, de descoberta das possibilidades
desta biomecânica do corpo que
um projeto de investigação artística desenvolvido em conjunto com Mickaella Dantas. O JL ouviu-a é diferente do normal e portanto
vamos encontrando outras formas e
outras possibilidades – o modo como
Sofia Soromenho a Mickaella tem que mover o corpo e
adaptar-se a todo o tipo de próteses,
não só ao nível do movimento da
A Educação da Desordem – dança, mas também no quotidiano,
projeto em mutação assim se porque a biomecânica deste corpo é
chama o projeto e investigação diferente.
das coreógrafas Clara Andermatt,
55 anos, e a brasileira Mickaella E para si? Que possibilidades se
Dantas. Uma ideia que surge de uma abriram?
vontade de fazer e que se constrói Este processo vem já de há muito
numa lógica de mutação contínua. tempo. O meu primeiro contacto
Conforme diz Andermatt, trata-se com a deficiência, com corpos
de uma conferência-performance diferentes, maneiras de sentir, de
em que as conversas são parte estar e de ver o mundo, que foge
integrante do espetáculo. É a partir a um padrão, foi com o Grupo
dessas conversas que o projeto Dançando com a Diferença,
se vai transformando, crescendo dirigido por Henrique Amoedo. O
e amadurecendo, integrando as difícil é compreender onde estão os
questões que são levantadas nessa limites, até onde podemos ir, como
partilha com o público. comunicar, encontrar um equilíbrio
entre: até onde podes ir, até onde

ALÍPIO PADILHA
Jornal de Letras: Sei que este invades, onde constróis e crias e
projeto está intimamente onde pode ser violento. Foi aqui que
relacionado com a imagem. aprendi bastante e descobri novas
Clara Andermatt: Sim, inicialmente possibilidades.
era para ser apenas um trabalho em Na realidade como diz André
Clara Andermatt e Mickaella Dantas
fotografia. Já tinha trabalhado com Lepecki acerca do meu trabalho
O corpo como eixo da investigação
a Mickaella anteriormente e o facto “o meu percurso é marcado pela
de ela ter um corpo “diferente” viagem” e portanto esta curiosi-
(teve de amputar uma perna) permite dade de descobrir coisas novas é
inúmeras possibilidades. Desta E que outros criadores inerente ao meu trabalho. O meu
vez, propus um projeto fotográfico convidaram? percurso como bailarina também
no qual o corpo particular da Convidámos também a Patrícia foi assim, nessa busca constante e
Mickaella pudesse ser explorado Portela para construir um na descoberta de novos horizon-
através da imagem: a ideia de “perna texto relacionado com as tes. Portanto a minha curiosidade
ao contrário”. Sem saber muito fotografias, e ela acabou por em querer conhecer diferentes
bem para onde isto nos levaria o ser um elemento importante culturas, diferentes formas de
propósito inicial era fotografar a no processo criativo, estar e pensar vem desde sempre.
Mickaella em diferentes ambientes e nomeadamente nas conversas E depois vem com trabalhar com
contextos. Convidámos o fotógrafo acerca da pesquisa, porque na corpos diferentes: com deficiência,
Yves Callewaert, que é da área realidade a maioria do texto é de sem deficiência, com altamente
da publicidade, e começámos a minha autoria. O Vítor Rua e o treinados, com corpos que não são
trabalhar a fotografia através de um Jonas Runa ajudaram na escolha treinados, com pessoas idosas, com
Clara Andermatt
corpo em movimento – na tentativa musical e colaboraram na crianças. Porque ao trabalhar com
da descoberta do corpo de uma criação artística. E, de repente, estes corpos tão diferentes recebo
outra maneira. Uma questão que tínhamos imenso material: o imenso – estimulam a minha criati-
surgiu foi: como abranger com um movimento, as imagens em A Educação da Desordem – que atrapalha, deixa-nos numa espécie vidade e fazem-me descobrir novas
objeto artístico muitas pessoas? A fotografia, os textos, a música e desordem é esta? de corda-bamba – mas esse formas de mover e pensar.
publicidade é um meio que envolve então foi assim que surgiu esta A educação da desordem em desequilíbrio é simultaneamente
massas e questionámos como é que a conferência-performance, com relação à ordem que formulamos muito estimulante porque E como é trabalhar com a
arte pode comunicar com as massas. música, fotografia e texto. dentro de nós. Uma ordem que possibilita novas organizações, Mickaella?
Como é que podes criar este objeto e precisamos de organizar na novas possibilidades, novos Muito interessante, porque ela
por exemplo educar a sensibilidade ...que vai estrear no Negócio ZDB... nossa cabeça para seguir uma pensamentos, novas perspetivas. está sempre muito disponível.
artística, chegando ao grande É também uma estreia sua neste série de padrões. Esta ordem É com base no corpo e através do É mesmo fascinante perceber o
público, sem perder a qualidade local? ou organização que acaba por corpo que criamos a desordem. potencial do seu corpo. Testar
artística? Ainda não encontrámos Sim, vai estrear na ZDB limitar muitos aspetos em relação O formato são estes dois corpos a o limite. Com o meu corpo
um meio ou uma forma de conseguir oficialmente, e é a primeira vez à imaginação, à perceção daquilo descobrirem novas possibilidades posso testar possibilidades de
comunicar as imagens que que vou ao Negócio. Achei que que é diferente, à maneira como de explorar o corpo. limite que conheço, no corpo
produzimos e também como é que pela natureza deste projeto se lidamos com a diferença, à forma dela vamos testando esse limite
a imagem pode ser conjugada com encaixaria na perfeição neste como percecionamos o outro… O corpo é o eixo central desta respeitando a exaustão. Ela tem
este objeto artístico. Por exemplo, espaço, porque é um trabalho e o corpo da Mickaella, sendo investigação e é não só um corpo uma consciência do corpo e um
ser uma exposição fotográfica experimental e também porque diferente do “comum”, serve como biológico, mas também tecnológico, profissionalismo a trabalhar
isoladamente; ou apresentar em oferece as condições ideais para uma espécie de metáfora para há uma biomecânica diferente o seu corpo que faz com que
diferentes contextos: num foyer de ter proximidade com o público. questionar outras possibilidades envolvida no movimento do corpo. possamos criar muitas coisas - e
um teatro, numa galeria de arte. Queremos que seja próximo para que não colocamos à partida, Podes falar um pouco sobre isto? portanto este é mais um passo
Ainda há muitas possibilidades em permitir um diálogo aberto e pois precisamos de uma certa O corpo da Mickaella funciona nesta descoberta de diferentes
aberto. informal. ordem. Porque a desordem através de auxiliares de marcha, possibilidades. J

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22 * artes ESPETÁCULOS, FILMES jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

TEATRO ben Garcia a oferecer um Pessoa


liberto do figurino habitual, ao
Helena Simões construir uma personagem coesa
que consolidou na sua histeria fe-
bril e fantasmática. Ricardo Reis,

Saramago revisitado
de Adérito Lopes, sempre no seu
fato branco tropical, surge no tom
do heterónimo emancipado, infiel
ao criador, mantendo o perfil de
esteta clássico, culto, sofisticado,
contemplativo e pouco dado a
revoluções. Grande desempenho
também de Sónia Barradas na
Em boa hora A Barraca repõe doce Lídia, criada de hotel e irmã

LUÍS ROCHA
o espetáculo de Helder Mateus Lisboa, terá vários encontros com de revolucionário, a transfigurar
da Costa, 1936, O Ano da Morte o fantasma do seu criador defunto, o real e a fazer jus ao atributo que
de Ricardo Reis, com base no que sonhou que estava vivo e que Saramago conferia às persona-
monumental romance de José acaba por levá-lo consigo para a 1936, O Ano da Morte de Ricardo Reis Um espetáculo de Hélder Mateus da Costa gens femininas: o poder da sua
Saramago (1922-2010), no ano eternidade, nos quais o confronto baseado no romance de José Saramago O Ano da Morte de Ricardo Reis presença. Muito justo e delicado
em que se comemoram os 20 anos entre o criador e a criatura assu- o trabalho de Carolina Parreira
sobre o seu Nobel da Literatura. mem rasgos de genialidade. na frágil e romântica Marcenda,
Como refere o programa do Hélder Mateus da Costa concebe bem como o de Samuel Mora, em
espetáculo, em excelente orga- um texto para palco onde, a par sempenha papel narrativo que age exterior do hotel, fora do palco, Salvador, o gerente de hotel que
nização e seleção de conteúdos dos diálogos entre as personagens sobre o espectador e sobre o texto. bem sinalizado pelo som que os controla e delata os hóspedes.
de Maria do Céu Guerra, no seu que fixou e que ajudam a definir Deste modo, no espaço da repre- sapatos fazem ao pisar a gravilha. Uma excelente oportunidade
romance O Ano da Morte de Ri- a relação ambígua e complexa de sentação, para além dos elementos Por vezes, a imagem funciona para revisitar Saramago que em
cardo Reis (1984) José Saramago Fernando Pessoa/Ricardo Reis, cénicos que indiciam o quarto de também como enquadramento cena autografa o seu romance, a
prossegue a senda de Pessoa (que surge Portugal em plena consoli- Reis e sala de jantar do hotel, fica direto da representação, a acres- refletir sobre Portugal: “Aqui, onde
concedeu biografia e pensamento dação dos pilares do Estado Novo. livre o espaço central, para que centar significado ao movimento o mar se acabou e a terra espe-
aos heterónimos), ao prolongar Este estabelecimento de uma rela- o ecrã no fundo da cena receba dos atores, como na excelente ra”.J
a vida de Ricardo Reis e depois ção direta e profunda com a génese as imagens que nos permitem alusão à jangada de pedra vogan-
concebendo-lhe a morte; de facto, do romance, na adaptação ao tea- seguir o contexto político de uma do no mar alto e tempestuoso ou 1936 – 0 ANO DA MORTE
sobre o heterónimo Ricardo Reis tro, constituiu um ponto de partida fábula que se passa em Lisboa em a da passarola de Bartolomeu de DE RICARDO REIS
apenas se sabia que tinha ficado no fundamental para a passagem ao 1936, no contexto de uma Europa Gusmão, onde voam Pessoa, Reis baseado na obra de José Saramago, Espetáculo
Brasil onde se exilara em 1919. Com palco. É uma dramaturgia clara e a caminho da II Guerra Mundial e e Saramago, como síntese exata de Hélder Mateus da Costa, Cenografia e Figuri-
nos A Barraca, Iluminação e Vídeo Paulo Vargas,
a habitual imaginação e ironia, eficaz, assumidamente brechtiana, aonde chegam os ecos da Guerra desta adaptação, que resulta num Sonoplastia Ricardo Santos, com Adérito Lopes,
Saramago fá-lo viajar para Lisboa, em que a iluminação, a sonoplastia Civil Espanhola. É um conjunto espetáculo dinâmico e informado Carolina Parreira, João Maria Pinto, Ruben
a bordo do Highland Brigade, e a imagem adquirem a função de importante de imagens que refe- a homenagear Saramago. Garcia, Samuel Moura, Sérgio Moras e Sónia
onde desembarca no dia seguinte à separador de cenas, como fatores renciam o ambiente exterior da As prestações hábeis e compe- Barradas.
morte de Pessoa, 30 de novembro dessa operação. cidade, o rio, o interior do hotel, tentes dos atores contribuem para A Barraca - Teatro Cinearte, de quinta a
de 1935, para se instalar no Hotel Neste sentido, a imagem é um a poesia de Pessoa, o quotidiano o êxito do evento. É surpreenden- sábado às 21h30 e domingo às 17h. Até 29
Bragança, na Rua do Alecrim. Em elemento determinante pois de- pelas páginas de jornais. O espaço te a interpretação virtuosa de Ru- de julho.

CINEMA
Manuel Halpern

Spell Reel
Guiné, uma História de cinema
O trabalho sobre os arquivos Bissau. Observamos excertos como Flora Gomes e Sana na
cinematográficos tornou-se das próprias películas, mas N’hada. Chega-se mesmo a falar
tão frequente que quase se também o trabalho de os da passagem de Chris Marker
pode falar de um subgénero do descobrir e desvendar. Não é pelo território, com o objetivo de
cinema documental, com direito fácil, pois o estado de degradação fundar um cinema. Spell Reel Cinema sobre cinema na primeira longa metragem de Filipa César
inclusive a secções autónomas em é avançado. No final, fala- Nada disto é inocente ou
alguns festivais da especialidade. se em cerca de 100 horas inócuo. Estes fragmentos
Mas a forma como Filipa César os recuperadas. O que é um espólio são o retrato histórico da
utiliza é deveras surpreendente e notável. E ao explorá-lo está- independência. E também olhar guineense, servindo de evidente. Apesar de se tratar
original, criando uma linguagem se a mexer com a identidade flechas apontadas ao passado veículo para o autorretrato do de um documentário, o filme
própria, visual e identitária. Spell e génese do país e alguns dos colonial. E assim Filipa, ao traçar país. Mas aqui não se trata apenas é de um experimentalismo
Reel, a primeira longa metragem seus mais profundos traumas. a história destas imagens, vai daquilo que fez, mas também da formal surpreendente, com telas
de Filipa César, que agora se Há imagens da guerrilha, no mais fundo e conta as histórias forma como o fez. que se abrem como se fossem
estreia em sala, no Cinema mato, durante a guerra colonial, que estão por trás da História. Nascida em Portugal , mas inserts, jogos cromáticos entre a
Ideal, é um elogio ao cinema, um de discursos iluminados de E não se inibe de reproduzir radicada em Berlim, Filipa César atualidade o arquivo, entre a cor
tratado de história colonial e um Amílcar Cabral, de momentos e tomar parte do discurso é, acima de tudo, uma artista e o preto-e-branco. Funcionária
objeto estético desafiante. chave da independência, como anticolonialista. É portanto plástica. É através das artes que também enquanto vídeo-
À partida este é um filme o início da cunhagem de moeda. um filme politicamente ativo se tem dão a mostrar com um instalação. Como se o imaginário
sobre os próprios arquivos, As imagens são, na medida do e concreto. Não lhe interessa notável percurso internacional. artístico de Filipa lhe abrisse
o trabalho de pesquisa, possível, comentadas por quem apenas a memória, mas também No cinema, quer nas curtas, horizontes formais na tela do
catalogação, restauração e as protagonizou, por vezes o a pós-memória. Na medida do quer na longa, não despe a pele cinema. Spell Reel é cinema sobre
exibição de filmes da Guiné- homem por trás da câmara, possível, Filipa quis tomar o da artista. Há uma continuidade cinema.J

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24 * artes DISCOS jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

JAZZ CLÁSSICA

André Rosinha
Pórtico é o
primeiro disco de
André Rosinha,
O catálogo de Messiaen primeira vez “Catalogue d’Oiseaux”. Aos 60,
a obra que descreve como “um grande hino à
natureza”, sai-lhe com clareza e precisão, com
atenção cuidada aos pássaros e aos seus par-
um dos mais ceiros. O seu alcance dinâmico é perfeito, a sua
requisitados – do clareza, fascinante, impossível imaginar uma
jazz à pop - dos “Catalogue d’Oiseaux” é uma das obras maiores rítmico”, “pelos perfumes e cores da paisagem” abordagem com maior lealdade e precisão. Cada
nossos jovens de Olivier Messiaen, e Pierre-Laurent Ai- em redor de cada espécie, cada ave, escreveu o álbum do pianista é em si mesmo um aconteci-
contrabaixistas, mard o seu devido intérprete. É pelo menos o compositor. Não se espere, portanto, “apenas” mento, e este não é exceção.
que aqui se estreia na composição e que demonstra a gravação da obra, no disco um “catálogo dos pássaros”, ou apenas um Pierre-Laurent Aimard não só estudou
direção. Sem se abalançar por grandes de estreia do pianista numa nova editora, a registo daquele sobre o qual recai a atenção. com Loriod, como venceu o Prémio Messiaen
aventuras, Rosinha dispensa-se quase independente Pentatone, depois dos anos São também os outros pássaros que com ele aos 16 anos, e fez parte do núcleo fundador
sempre o protagonismo, reservando- passados na Deutsche Grammophon. “Catalo- convivem, são também rãs, sapos ou gafanhotos do Ensemble Intercontemporain, de Pierre
-se o papel do fiel da música, distri- gue d'Oiseaux” remonta ao início dos anos de e, acima de tudo, as cores da paisagem através Boulez, aos 19. É um dos mais importantes
buindo tarefas, construindo pontes 1950, quando Messiaen iniciou a catalogação dos sons, a que o compositor era tão sensível. É intérpretes do repertório contemporâneo, seja
em torno do eixo contrabaixo-vibra- sistemática, metódica, do canto dos pássa- o mundo inteiro que se revela, nos seus sons, no Ligeti, Carter ou Lachenmann, e Messiaen, em
fone, acrescentando ora o acordeão ros franceses, organizando-o por regiões, no que de vida contém. São, sobretudo, duas horas particular. Mas também de Bach (“A Arte da
ora o saxofone de Albert Cirera. Al- seu próprio mapa, dando origem a 13 peças, e meia de música, que tomam como eixo “La Fuga” e “O Cravo Bem Temperado”), Mozart,
guns dos momentos mais altos do dis- para piano solo, repartidas por sete livros – 13 Rousserolle effarvatte”, que compõe o quarto Beethoven (os Concertos, com Nikolaus Har-
co têm como atores a dupla Eduardo diferentes sequências da natureza em sete livros livro, estabelecendo o ciclo de um dia, a partir noncourt), Schumann, Mendelssohn, Liszt,
Cardinho – João Barradas (vibrafone –, concluídas nos anos de 1956 a 1958, com as do qual os outros emergem. Debussy, Ravel, Ives... “Catalogue d’Oiseaux”
– acordeão), uma fórmula já testada quais culmina a notável trilogia iniciada com Messiaen definiu assim uma multiplicida- é mais uma belíssima escala no seu percurso,
com resultados no Home de Barradas, “Réveil des oiseaux”, a que se seguiu “Oiseaux de de “poemas em música”, dedicados à sua e um ponto de honra numa discografia já de si
e alguma densidade é acrescentada exotiques” (para piano e orquestra). companheira Yvonne Loriod, e por ela interpre- exigente, tendo em conta Yvonne Loriod (Era-
pelas peles da bateria de Bruno Pedro- O processo, porém, revelar-se-ia bem mais tados e gravados pela primeira vez. Pianista de to/Warner), Roger Muraro (Accord), Anatol
so ,em Marron ou Canção para uma complexo do que a descrição extraordinária técnica, Loriod Ugorski (Deutsche Grammophon) ou Hakon
Nuvem. Música elegante e eficiente na deixa perceber. “Catalogue teve Pierre-Laurent Aimard por Austbo (Naxos).
aparente simplicidade, com bastante d’Oiseaux” está longe de ser um discípulo, no Conservatório de A edição de Aimard tem ainda a seu favor
espaço para os improvisadores, Pórti- guia do simples canto dos pássa- Paris. O universo do compositor o DVD, com toda a obra em “imagens”, uma
co é um disco despretensioso e fresco, ros, um catálogo, como o nome estava perto e a compreensão da entrevista ao pianista e uma abordagem do
uma feliz primeira obra. indica. É antes um universo que sua obra era inevitável. "Mes- universo de Messiaen, entre a “música do ines-
se abre, uma multiplicação de siaen expressou tudo o que tinha perado” e a “atitude científica” de um com-
› André Rosinha imagens, cores, uma descrição para expressar", no “Catalogue positor que nunca deixou de ter a natureza – e
PÓRTICO tão completa, através de música, d’Oiseaux”, diz Pierre-Laurent os pássaros – no horizonte, e a que regressou,
Robalomusic quanto parecia impossível, à Aimard, no documentário em em obras como “Sept Haïkaï”, inspirados nas
partida, conceber. “Tentei re- DVD, que acompanha esta espécies japonesas, "La Fauvette des jardins" ou
produzir exatamente o canto de edição. “O compositor “dá “La Fauvette passerinette”, vinda dos Alpes. Os
Progressive um pássaro típico de uma região, › Pierre-Laurent Aimard substância ao silêncio (...) faz- textos de Aimard e de Nigel Simeone, e as ano-
OLIVIER MESSIAEN,
Weiss rodeado pelo seu habitat, os seus
companheiros, em diferentes CATALOGUE
-nos viver a experiência de um
novo tempo”, garante.
tações de Olivier Messiaen compõem verdadei-
ros e fascinantes guias de audição. O catálogo de
Starebaby horas do dia e da noite”, no con- D’OISEAUX Diz a lenda que Aimard teria Messiaen tem o tamanho do mundo e, por fim,
surge como um texto do “material harmónico e 3SACD + DVD 12 anos quando abordou pela está completo.J MARIA AUGUSTA GONÇALVES
objeto estranho
na discografia de
Dan Weiss. Se nos
primeiros discos um disco de Jazz e talvez eu não deves- ma é que, muitas vezes, essa a ideia de temas fora do
denunciava a in- se estar a falar dele. Mas o Dan Weiss é risco ou inovação descamba num mau cânone, como Ro- Adrenalina
fluência das percussões indianas, e nos um baterista estratosférico, negro por gosto festivaleiro, lembrando o pior da xanne, dos Police, Os portugue-
anos seguintes se afirmava um dos mais vezes (metal), um bom compositor música ligeira ou da chamada música God Only Knows, ses Parkinsons
portentosos bateristas de Jazz, Stareba- também, este é um quinteto demolidor, romântica. Quando isso acontece, dos Beach Boys, continuam
by é um disco de rock duro. Embora as e eu gosto do disco. perde-se tudo: ficamos sem o fado e ou Dumb, dos eufóricos,
referências apresentadas para este disco não ganhamos nada. Neste novo álbum, Nirvana. Talvez alinhados com
sejam o heavy metal, eu creio que com › Dan Weiss que a fadista intitulou simplesmente tenha sido a ousadia juntamente com o melhor do
mais propriedade se deveria referir o STAREBABY Mariza, há uma mistura entre esses dois a sedução da sua voz, que a levou, dois punk britânico
progressive rock e em especial a música PI Records mundos, sendo grande parte da primei- anos depois, a gravar com os britânicos contemporâ-
dos King Crimson, Weiss integrou, de ra parte do disco pura e simplesmente These New Puritans. Sete anos volvidos neo, de bandas com The Idles, que
LEONEL SANTOS
facto, no passado, uma banda de metal, insuportável. Quem tiver persistência e e Elisa finalmente lança um segundo tocaram neste Primavera Sound.
e outros membros da banda integraram coragem para arrepiar caminho, pode álbum, de temas originais, e produção O trio, sediado em Londres, acaba
projetos semelhantes; mas eu diria POP encontrar lá para o meio alguns temas de Luísa Sobral. Quase todas as canções de lançar um álbum eletrizante,
que a linha estética predominante do mais conseguidos, como Mentira, são compostas pela própria Elisa, algu- chamado The Shape o Nothing to
disco é mesmo o progressive rock, que Mariza Por Tanto te Amar (bela composição mas em parceira com Luísa. Apesar de Come. Alinhado com o punk do
a própria "influência" de Badalamenti Transversal ao de Diogo Clemente), Nosso Tempo (de incluir apenas uma versão (If you could final dos anos 70 e início dos 80,
até confirma. Não estou a diminuir a percurso de Mari- Ângelo Freire), Verde Limão (de Alindo read my mind, de Gordon Lightfoot), as algures entre os Clash e os Ramo-
música de Weiss; bem pelo contrário: za está uma certa Carvalho), Oi Nha Mãe (de Custódio composições inserem-se com toda a nes, constroem canções melódicas,
os King Crimson fazem parte da his- ideia de toque e Castelo), Fado Errado (cm a participação naturalidade num reportório jazzístico, com um fundo elétrico de natureza
tória da música da segunda metade do foge, como se o de Maria da Fé) ou Fado Refúgio (Helder sem grandes sobressaltos, mas uma catártica, mas sem que o barulho
século XX. Convenhamos: Dan Weiss fado fosse a casa Moutinho/ Acácio Gomes). No final, qualidade melódica e interpretativa anule a linha melódica simples e
é um espírito inquieto, e na sua música dos pais, onde uma pequena loucura, uma versão de inegável. A esse nível, há uma grande orelhuda. Tudo isto torna este novo
cruza-se desde sempre fórmulas e gé- sempre se volta, Trigueirinha, com as vozes de Carolina surpresa exatamente a meio do disco - reportório muito sedutor, sobre-
neros, numa fusão instável e muito pe- mas também de onde sempre se foge. O Deslandes, Jorge Palma, Mafalda Veiga, Elisa canta, em português, Vai não Vai, tudo ao vivo, onde os Parkissons
culiar que rodeia classificações. Mas em pé dentro e fora do fado tem acontecido Marisa Lis, Ricardo Ribeiro e Tim. mais uma bela canção de Pedro Silva normalmente se revelam animais
Starebaby é a eletricidade e a energia ora em estilo de fusão (mais ou menos Martins, que se aplica aqui ao universo de palco. Temas como See no Evil,
que falam mais alto: bateria, guitarra, suave) ou em alternância - misturan- › Mariza de Elisa, mas que também serviria, com Numb e Do You Know devem ser
baixo elétrico, teclados e eletrónicas, e do no mesmo disco fados e não fados. MARIZA diferentes arranjos, outra cantora. No ouvidos bem alto.
até as ambiências espaciais dos Crim- Essa ideia de desafio e de multicultu- Warner final, canta novamente em português,
son foram convocadas. E não deixa de ralidade talvez seja, por si só, um dos desta vez Pontinho, uma balada bem ao › Parkinsons
ser curioso que ele tenha encontrado elementos mais pertinentes da música jeito de Luísa Sobral. THE SHAPE
cinco instrumentistas capazes de o de Mariza, com resultados minima- Elisa original › Elisa Rodrigues
OF NOTHING TO COME
secundar. E que músicos: Craig Taborn, mente interessantes em álbuns como Em 2011, Elisa Rodrigues revelou-se Rastilho
Matt Mitchell, Ben Monder e Trevor Terra e Transparente (o tal produzido num surpreendente primeiro disco, AS BLUE AS RED
Dunn! Starebaby não é definitivamente por Jaques Morelenbaum). O proble- onde trazia para o universo jazzístico Universal MANUEL HALPERN

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt

ideias * 25
O universalismo dos portugueses
Um tema sempre interessante, que tem voltado bastante á ordem do dia a propósito (ou tratado De Deo uno et trino (1599),
como introdução a uma discussão
despropósito) do futuro Museu - das Descobertas, dos Descobrimentos, da Expansão, da Viagem, ou sobre o modo de viver dos homens
como quer que se venha a chamar -, num texto do especialista, historiador, prof. catedrático da Un. no estado de inocência, isto é, se não
tivesse havido pecado original (cf. l.
Nova de Lisboa, que ensinou em conhecidas universidades de vários países e presidiu à CNCDP V, “De statu quem habuissent in hoc
mundo viatores, se primi parentes não

a
peccassent”).
António MAnuel HespAnHA Mesmo nesta pristina ordem
perfeita, Suarez imaginava que ha-
veria desigualdade de estados, assim
como do governo político. Estas
desigualdades não poderiam derivar
de alguma imperfeição intrínseca,
pois os homens ainda seriam todos
totalmente perfeitos. Derivava antes
“da circunstância dos elementos, da
influência dos céus, da diversidade
dos alimentos e dos humores”. A or-
dem, e a desigualdade que ela com-
porta, seriam, assim, compatíveis
com a plenitude e a perfeição, não
A imagem corrente da expansão por- significando um menor valimento de
tuguesa insiste na particular abertura uns em relação aos outros. O mesmo
ao outro, na ausência de racismo e no tipo de raciocínio já ocorria em S.
“filotropicalismo” luso. Desde a obra Tomás de Aquino, quando ele discute
de Charles R. Boxer, Race relations in a compatibilidade entre a perfeição
the Portuguese Colonial Empire, 1415- e unidade da Igreja e a existência
1825, de 1963, que este imaginário é de diferentes estados no seu seio (S.
contestado pela investigação histó- Tomás, Summa theol., IIa.IIae, q. 183,
rica. O livro - que saíu num período a. 2). Como aí se explica, a diferen-
em que o regime salazarista usava a ciação dos estados correspondia à
tese da integração racial nas colónias única forma de traduzir, no plano
como um dos principais argumentos das coisas naturais, a imensa perfei-
para se recusar cumprir as determi- ção de Deus: “nas coisas da natureza,
nações da ONU relativas à descolo- a perfeição, que em Deus se encontra
nização - foi proibido em Portugal de forma simples e uniforme, na uni-
e ferozmente atacado, apesar dos versalidade das criaturas não pode
créditos historiográficos de Boxer, da encontrar se a não ser pela diferença
sua moderação política e, sobretudo, e multiplicidade “.
da copiosa fundamentação fornecida
na obra. Para a cultura pública, o PERFEITOS, MAS NÃO IGUAIS


livro contrariava um habitus bastante Esta compatibilização entre, por
enraizado de pensar a relação dos com base numa leitura dos clássicos autores. No âmbito delas, tornava-se um lado, a unidade e dignidade
portugueses com “o trópico” que, portugueses e espanhóis da Segunda legítima a guerra, a escravização, a do género humano e, por outro, a
embora reforçado pela obra de Escolástica, nomeadamente das teses tutela política e a expropriação dos diferenciação política, é fundamental
Gilberto Freyre, tinha raízes em idei- de Francisco de Vitória – segui- naturais. Os autores variavam um A discriminação entre para entender algo que, isso sim, tem
as presentes nas apologias da gesta das por vários teólogos, jesuítas e pouco sobre este ponto – havendo-os os homens também que ser explicado - a evidente falta
imperial portuguesa, numa certa dominicanos sobretudo – acerca da mais restritivos e mais permissivos de impacto da antropologia teológica
leitura de discursos, de teólogos e de unidade do género humano e, em *. Mas era comumente admitido que podia ser justificada acerca do homem sobre a prática dos
missionários, que destacavam a fra- consequência, da ilegitimidade de esta liberdade original das nações in- nos termos da mesma principados cristãos. Normalmente,
ternidade inerente à mensagem cristã escravizar os nativos não europeus, dígenas podia ser tolhida por “guerra esta questão é resolvida pela contra-
disseminada pelos portugueses. de destruir as suas comunidades e justa”, motivada pela barbárie ex- teologia que defendia posição entre a teoria e os “interesses
A partir de 1974, com a liberali- de tomar as suas propriedades. Isto trema dos indígenas, pela ofensa por um abstrato princípio práticos”. A verdade é que também
zação política, o tema do “humanis- justificaria reivindicar para estes au- estes de direitos de inocentes, pela estes “interesses práticos”, para
mo” e “fraternalismo” da expansão tores um papel fundador das teorias sua proibição da missionação (“co- da unidade do género terem um impacto efetivo e susten-
portuguesa pôde ser discutido de contemporâneas sobre a igualdade municação da fé”) ou do comércio. humano tado, tinham que ser teoricamente
forma mais aberta. A tese da ausência racial, quando não creditá-los com a A definição precisa de tudo isto era justificados. Sobretudo numa cultura
de preconceito racial era muito difícil descoberta dos “direitos humanos”. muito arbitrária, havendo teólogos em que isto se discutia e em que a
de sustentar no meio de especialistas, Que estas teses fossem defendidas (por exemplo, o famoso professor de A sujeição dos indígenas falta de base teológica comprometia
sobrevivendo apenas aquilo a que Ch. e tenham tido eco no plano doutrinal Évora, Luís de Molina) que entendi- a credibilidade e, logo, a viabilidade
R. Boxer chamou clap-trap - con- da época não é nada para admirar. am que certas causas de guerra justa
era, antes que um abuso, das instituições. E o facto é que a
versa fiada e absurda (Ch. R. Boxer, Havia toda uma tradição teológica na verdade permitiam toda a espécie um direito e um dever, discriminação entre os homens tam-
“S. R. Welch and his History of the neste sentido - de resto abundante- de abusos. bém podia ser justificada nos termos
Portuguese in Africa, 1495-1806”, mente referida pelos teólogos ibéricos Para mais, independentemente
semelhante aos que o pai da mesma teologia que defendia um
em Journal of African History, 1, 1960, quinhentistas - baseada na dignidade destas restrições, é muito problemá- tinha quanto à direção e abstrato princípio da unidade do
pp. 55 s.). Na verdade, as fontes por-
tuguesas e estrangeiras testemunham
divina da criação humana, na comum
filiação humana em Adão, no caráter
tico que a doutrina universalista da
dignidade humana tivesse, na mente
educação dos filhos género humano.
Esta justificação da discriminação
exatamente o contrário. universal da Redenção e, quanto à dos autores, um âmbito universal, arrancava de considerações como
tolerância religiosa, no caráter íntimo abrangendo, por exemplo, tanto as de Suarez ou mesmo de S. Tomás,
A “UNIDADE DO GÉNERO e pessoal da relação religiosa. índios como africanos. Na verdade, deveres diferentes, adequados ao acima citadas. Mas concretizava-se
HUMANO” E OS POVOS Porém, mesmo no plano da teo- era comum a estes autores a distin- seu estado. Um dos príncipes da em várias áreas teóricas da teologia
“NOVAMENTE DESCOBERTOS” ria, este universalismo tinha muitas ção entre vários graus de perfeição Escola, Francisco Suarez (1548-1617), da Segunda Escolástica. Uma delas
Ultimamente, a questão foi reaberta, limitações, logo indicadas pelos humana, cada qual com direitos e tinha tratado este tema no seu curto era a sua conceção de família, como

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26 * ideias ENSAIO, CRÓNICA jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

um corpo orgânico sujeito natural-


mente à direção do paterfamílias,
com a consequente incapacitação das
pessoas sujeitas ao poder doméstico A PAIXÃO GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS
– mulher, filhos, criados, escra-
vos – para deter ou exercer direitos DAS IDEIAS
pessoais. Como o modelo político da
família era usado, por analogia, para

Resistência e emancipação
a avaliação de outras instituições, ele
serviu como metáfora para a incapa-
citação de pessoas que se julgavam
carecidas de governo por outrem. Era
o caso dos povos indígenas, frequen-
temente assimilados a indígenas e

E
“encomendados” ao governo de uma
pessoa capaz – pai de família, enco-
mendero, “capitão das aldeias”, cura
de almas, “pai dos cristãos”. Neste m Estuário, Lídia Jorge volta, de algum modo, concha, enclausuramo-nos e a memória, em lugar de se tornar um
último caso dos indígenas catecú- a O Dia dos Prodígios, não para repetir o tema, modo de nos abrirmos aos outros, torna-se lugar de ressentimento.
menos, a necessidade de proteção e mas para retomar um certo sentido bíblico ou Estuário poderia, segundo Lídia, ter-se chamado “Casa dos Sonhos
de direção tinha duas fontes – a sua até litúrgico na consideração do tempo. Se o Trocados”. A crise geral, de facto, deve-se a uma inversão de valores
imbecilidade (fraqueza) natural, mas primeiro romance, justamente celebrado, nasceu e de sonhos… “A partir do que escrevemos tentamos iluminar. Cada
também a debilidade da sua fé. No da urgência libertadora, e se Os Memoráveis pro- frase é uma sombra da sombra de um sonho. Esse sonho é a realida-
plano da linguagem, esta incapaci- curam uma reflexão feita a partir da relatividade de” (JL, 23.5.18).
dade e dependência exprimiu-se até dos acontecimentos, das pessoas e das coisas, Edmundo Galeano andou pelo mundo, esteve numa missão
há pouco, pelo uso de diminutivos Estuário parte da crise portuguesa e procura humanitária do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
(os “pretinhos”). reencontrar “o caráter estoico e a honradez antiga” – perante a inca- Refugiados (ACNUR) no campo de Dadaab e regressou à casa paterna
Outra justificação teórica pro- pacidade de uma resposta que permita uma “sobrevivência digna”. sem parte da mão direita. A grande casa de cinco pisos do Largo do
vinha da teoria da “rusticidade”, E o que é aqui o homem moderno? Alguém que não sendo capaz de Corpo Santo é uma metáfora da vida e do mundo e a mão direita
desenvolvida pelos mesmos teólogos salvar o mundo, procura a ficção como modo de tentar consegui-lo. desfigurada de Edmundo torna-se motivo da defesa da invenção lite-
e juristas, com raiz, entre outros, Edmundo Galeano são várias figuras a falar ao mesmo tempo – e o rária perante a realidade nua e crua. Manuel Galeano, o pai, repre-
em Aristóteles. Alguns homens, tema central não é outro senão o da resistência. senta um tempo ligado ao mar que passou, mas faz da honradez a sua
devido às condições de isolamento E é bom que se diga que Lídia Jorge regressa, com coerência e marca indelével, até às últimas consequências. A espera do Estado
em que viviam – nas florestas, nos determinação, a um tema que é seu e a que tem voltado persisten- é desesperante, mas não é essa a salvação que se pode esperar. A
vales apertados, nas zonas remotas, temente, em diversos registos e tons. Diz a resistência, afinal, manifesta-se contra esse
nos campos afastados da civilidade autora: “O livro é sobre a grande crise que Estado burocrático, distante, insensível. Há
(urbanidade) - eram incapazes de estamos a viver – mais do que sobre a crise a frieza de Amadeu Lima, mas também o
entenderem as coisas mais sub- que passámos” (DN, 26.5.2018). De facto, é encontro entre ele e Charlote. São as duas
tis e civis, sendo brutos ou rudes. ilusório pensar-se que a crise circunstancial faces da moeda – quem representa o poder
Precisavam, por isso, de direção ou, está definitivamente passada. Há elementos de decisão e quem desesperadamente pede
pelo menos, deviam ter um estatuto duradouros que exigem reflexão e preven- uma solução. “O que tinha ficado, isso sim,
político e jurídico menos exigen- ção. E, ao longo de todo o romance, notamos era um relâmpago que unia pessoas. Entre
te, mas também menos generosos um apelo constante a que nos mantenha- eles acontecia um relâmpago”… Esta era a
quanto aos direitos. mos atentos e firmes, e mais do que isso, face oculta de uma relação cheia de inter-
Ao lermos os textos da época, que estejamos ativos. De facto, há muitos DIANA TINOCO
rogações. A ficção da literatura torna-se um
mesmo os fortemente críticos em elementos dissuasores que impedem que as modo de afirmação substancial da resistên-
relação ao comportamento dos por- vozes cidadãs cheguem onde devem chegar cia e da emancipação. Mais do que na culpa,
tugueses, notamos que a censura da para ser ouvidas. A comunicação de que importaria pôr a tónica na determinação em
discriminação dos indígenas quase muito se fala, torna-se tantas vezes uma ilu- Lídia Jorge ‘Desocultar o que está escondido’ ir em frente. A literatura fixa a imagem que
nunca aparece, mesmo quando é são. É este o problema da democracia hoje, fica.


fustigada a luxúria, a violência, a tão mergulhada em crises e perplexidades, Se é verdade que “Ode Marítima” de
cupidez, etc.. É que estava suben- porque faltam instituições mediadoras, que Álvaro de Campos marca este romance –
tendido que a sujeição dos indígenas impeçam a tirania do número, do imediato entre o drama do mar e a defesa da casa –,
era, antes que um abuso, um direito e da indiferença. E nos desencontros com a Ilíada torna-se referência natural de um
e um dever, semelhante aos que o pai o Estado a que aqui assistimos é da falta de Lídia Jorge regressa a O Dia modelo literário revelador da humanidade de
tinha quanto à direção e educação mediação que, essencialmente, se trata. sempre. O funeral de Heitor, o herói amado
dos filhos. O que encontramos no romance é uma dos Prodígios, não para pelos deuses, é lembrado – “como se o des-
É isto, segundo cremos, o que família que vive enclausurada. E presenci- repetir o tema mas para tino dos homens fosse um eterno combate,
explica o debilíssimo impacto prático amos um diálogo entre os grandes dramas havendo um outro valor a defender” – para
de uma teoria universalista que globais, os processos históricos, e o que está retomar um certo sentido além do “compromisso dos contendores
promovesse relações inter-étnicas próximo – o que vive ao nosso lado, sem cuja bíblico ou até litúrgico na de adiarem por uns dias a nova batalha”. E
equilibradas. Além de eventualmente compreensão não podemos entender quem Heitor é sempre um símbolo especial. Apesar
conflituar com interesses políticos, somos e onde estamos. Afinal, só se pode
consideração do tempo de derrotado por Aquiles, depois de vencer
económicos e religiosos, ela estava perceber o significado da tragédia dos outros Pátroclo, deixa-nos a ideia de que é essencial
minada, desde dentro, por outros quando esta deixa de ser abstrata – quando o resistir. Com esta matéria-prima far-se-ia o
setores da mesma antropologia medo deixa de ser difuso e passa a ser possível e próximo. Ao sentir a caminho de salvação da humanidade, não feita de abstrações, mas de
teológica e filosófica da Segunda compaixão pelo próximo compreende-se que se pode escrever sobre gestos e compromissos concretos.
Escolástica, que a desvitalizavam. o longínquo, sem que seja através de um mero conjunto de vagos lu- E aqui começa o romance de Edmundo Galeano, denominado
Os indígenas (como as mulheres, as gares comuns. A distância desempenha, pois, um papel fundamen- 2030, no qual vamos encontrar temas de ameaça e perdição, mas
crianças e os rústicos) talvez tives- tal – os grandes problemas globais deixam na penumbra os dramas também de salvação. Do que se trata é de um processo de aproxima-
sem alma, mas era uma alma imbecil concretos que estão perto. E como em O Dia dos Prodígios também ções sucessivas – a Terra gerida por quem tivesse a bomba nuclear
(fraca) e necessitada de direção firme há a presença da magia, em breves apontamentos. Por exemplo, um ou o maior número de armas potentes e mortíferas; a ocorrência do
por parte dos europeus. A teoria tem casal atira ao mar uma mensagem dentro de uma garrafa à espera de Apocalipse e o subsequente Inverno Nuclear; e por fim a salvação dos
que ser lida, mas tem que ser lida uma boa notícia. que passavam por perto… “Salvavam-se os que conhecia, aqueles
toda, para que as coisas se entendam Só os escritores podem perder o pudor para falarem sobre o que que surpreendera em plena batalha pela via diária, esse humilde
bem.J cada um procura esconder. Lídia Jorge tem-no repetido e assu- plano”… E que é o estuário? O encontro do rio e do mar, da água
me como romancista o dever de não deixar por mãos alheias essa doce e da água salgada. A vida faz-se de contradições e comple-
* Sobre este e alguns outros aspetos tratados determinação. Urge desocultar o que está escondido. Resistência e mentaridades. Este romance permite-nos lidar com uma realidade
neste texto ver o livro - António Manuel emancipação, eis o que aqui encontramos ao longo de toda a obra. multifacetada e inesgotável. Uma metáfora forte: o estuário surge,
Hespanha, Como os juristas viam o mundo. Charlote encontra a sua força revelando a sua pele e o seu corpo, para a escritora, como uma paragem antes do esquecimento… E,
1550-1750 (CreateSpace Independent tornando a vulnerabilidade um modo de afrontar o medo, prota- não por acaso, Lídia Jorge usa como paráfrase do romance o que diz
Publishing Platform; ed. portuguesa 2015, 730 gonizando uma história de amor. E que é o medo senão uma recusa Saint-John Perse: “Eleva-se em nós um canto/ que não conheceu
páginas) de sermos nós perante os outros? Fechamo-nos dentro de uma nascente/ e não terá foz em estuário”…J

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt OPINIÃO
ideias * 27

O PS, a política de alianças


a “terceira via”, voltar a preocu-
par-se com “os de baixo” e usar o
Estado como um instrumento do
desenvolvimento.

e a orientação ideológica Augusto Santos Silva (ASS),


pelo contrário, acredita que
não é desejável nenhuma
inflexão ideológica, que o PS
deve sobretudo “prosseguir o
seu caminho”, “radicalmente
centrista, moderado e europe-
HETERODOXIAS POLÍTICAS ísta”, não enjeitando a “terceira
via” e apoiando o sindicalismo
André Freire de compromisso (leia-se UGT),
e não tanto o sindicalismo de
protesto (leia CGTP). Para este
dirigente, a crise dos socialistas
No contexto do último Congresso “terceira via” a Portugal, ou na Europa tem mais a ver com as
do PS, vários dirigentes socia- seja, com António Guterres e dificuldades de demarcação face
listas discutiram a política de José Sócrates (ver A New Era in ao pensamento único austeritá-
alianças do PS e a sua orientação Democratic Portugal? The 2009 rio e face ao discurso populista
ideológica. Este assunto reveste- European, Legislative and Local que cavalgou as dificuldades dos
-se da maior importância, seja Elections, in South European “perdedores da globalização”.
porque é crucial para definir o Society and Politics, Vol. 15, Nº Mais, tal crise tem mais a ver
posicionamento ideológico dos 4). Pelo contrário, o período do com o declínio numérico dos
partidos, seja para se perceber “austeritarismo”, 2011-2015, bastiões tradicionais dos socia-
se a aliança de esquerdas será ou é marcado por uma ligeira listas (os trabalhadores indus-
não reeditada após 2019. Impõe- inflexão do PS para a esquerda, triais, nomeadamente) do que
se uma reflexão sobre as potenci- movimento que se acentuou com com uma menor atenção desta
ais virtudes e limitações de cada a maioria de esquerdas. Quer di- família aos “de baixo”.
uma das opções. zer, em Portugal, como noutros É obvio que se o PS tiver
Num estudo coordenado países, foram os socialistas que, Congresso do PS “Indiferenciação ideológica entre PS e PSD favorecem o maioria absoluta não precisará
por Wolfgang Merkel, Social sobretudo nos tempos da “ter- populismo” dos partidos à sua esquer-
Democracy in Power, 2008, os ceira via”, se afastaram da sua da para governar, nem estes
autores demonstraram que, nos matriz ideológica tradicional, estarão disponíveis para apoiar
tempos de hegemonia neoliberal e as alianças à esquerda (como o PS apenas para este branquear
(desde os anos 1980), os socia- a “geringonça”) representam outros) reconhece claramente e Pedro Nuno Santos (Público, o seu centrismo aos olhos dos
listas que menos se “neolibe- um certo retorno a essa matriz que a aliança com a esquerda 17/5 e 19/5; 15/2 e 4/5, respetiva- eleitores mais à esquerda. Tal
ralizaram” foram os que mais devido, precisamente, ao forte radical foi benéfica para a ação mente). solução é, pois, pouco credível:
alianças fizeram com os partidos incentivo dado por essa política governativa do PS, e deve ser Pedro Nuno Santos (PNS) veja-se o que se passou com
à sua esquerda (França, Suécia, de alianças. mantida (Público, 4/5 e 25/5). disse fundamentalmente quatro Hollande e os Verdes france-
Dinamarca), e/ou que maiores Passemos agora às opções em Em segundo lugar, há a ques- coisas: ses. Quanto ao resto, claro que
conexões tinham com os sindica- debate no Congresso do PS em tão de como responder ao repto a aposta centrista de ASS dará
tos (Suécia e a Dinamarca). Pelo matéria de política de alianças. “Que fazer?” no próximo ciclo 1) Que a crise dos socialistas mais autonomia estratégica ao
contrário; a maior “neoliberali- Em primeiro lugar, é preciso eleitoral em matéria de posici- na Europa deveu-se em boa PS, mas terá como efeito colate-
zação” ocorreu entre os que mais dizer que todos os dirigentes so- onamento ideológico do PS e da medida aos efeitos da Grande ral tornar mais difícil uma ali-
alianças fizeram com a direita cialistas que intervieram nesta sua política de alianças. Neste Recessão, mas que eles também ança com a esquerda radical e
(Alemanha, Holanda) ou entre discussão reconheceram que domínio, alguns, que parecem contribuíram para a mesma como mais provável, em caso de
os que corriam menores riscos o “governo de esquerdas” tem conviver mal com o sistema de ao embarcarem, através da maioria relativa do PS, termos
da entrada de novos competido- funcionado muito bem: devido à representação proporcional que “terceira via”, na criação do o PSD como partido de supor-
res à sua esquerda, por proteção recuperação de rendimentos dos nos rege, defendem que o PS contexto que lhe subjaz (desre- te no Parlamento. Mais, nem
do sistema eleitoral, em caso de assalariados e pensionistas, pelo devia bater-se por uma maio- gulação, introdução de lógicas a indiferenciação ideológica
inflexão para o centro (Reino cumprimento das promessas ria absoluta (Ascenso Simões, de privatização nos serviços entre o PS e o PSD são bons para
Unido). Mais, como demons- eleitorais, pela recuperação eco- Expresso, 25/5; Manuel Alegre públicos, apoio a qualquer cres- a democracia, pois favorecem o
trou José Maria Maraval, em Las nómica e disciplina orçamental, no Congresso). E, nesse caso, cimento económico mesmo que populismo, nem muito menos
Promesas Políticas, 2014, naquele pelo cumprimento das regras o PS devia depois (generosa e de base especulativa e finan- a colusão governativa entre as
período foram os socialistas que europeias. Todavia, os contes- desinteressadamente, presume- ceira, e, portanto, contempori- forças que deviam protagonizar
se moveram para o “centro do tatários desta solução, como -se…) incorporar contributos zação com a bolha financeira e alternativas de governo, pela
centro”, não foi a direita que Francisco Assis, fazem questão desses partidos (situados à sua imobiliária, etc.); mesma razão.
se moveu para o centro (antes de sublinhar (num misto de mi- esquerda) na sua governação, Pelo contrário, uma certa
pelo contrário). Este período de opia e de deselegância política) de 2019 em diante. Porém, neste 2) Que os socialistas passaram inflexão do PS para a esquerda
hegemonia do neoliberalismo que a “geringonça” funcionou domínio o grande debate situou- a centrar as suas atenções nos diminuiria a sua flexibilidade
é também a época do após II bem porque os partidos da -se entre Augusto Santos Silva chamados “vencedores da globa- estratégica, mas aumentaria
Guerra Mundial, mais marcada esquerda radical tiveram uma lização” (classes médias e grupos as probabilidades de alian-


pelo crescimento das desigualda- influência negligenciável na mais educados e com maior ça à esquerda, de combate ao
des socioeconómicas. aliança (Público, 26/5). capacidade de beneficiarem da populismo e de maior atenção
Vários estudos têm de- Outros, mais sofisticados, globalização) descurando os seus (renovada) dos socialistas às
monstrado que o PS sempre foi mas também não sendo propri- bastiões tradicionais, na base da pessoas da base da escala social,
um partido muito centrista, amente entusiastas da aliança, O PS sempre foi escala social, assim alimentando logo aumentaria as probabili-
seja segundo as perceções dos como Augusto Santos Silva, fa- um partido muito o populismo; dades de sucesso no combate às
eleitores, seja de acordo com a zem questão de sublinhar que os desigualdades. As intervenções
avaliação de especialistas, seja principais méritos deste governo centrista, segundo 3) Que os socialistas deviam do líder do PS parecem ir mais
analisando o conteúdo dos seus (a disciplina orçamental, o cum- as perceções dos reorientar-se ideologicamente de no sentido de A. S. Silva, do que
programas eleitorais. Mais, por primento das regras europeias, modo a dar maior relevo ao papel de P. N. Santos, seja pela ideia de
um lado, tal enviesamento para o compromisso com a zona euro, eleitores, de acordo do Estado (nos serviços públicos, que o PS continua onde sempre
o centro do espectro esquerda- o combate às desigualdades, com a avaliação em sectores estratégicos, etc.) esteve, seja pela ideia do “par-
-direita (por parte do PS) é dos o gradualismo e a moderação, como motor do desenvolvimento tido charneira” e pela ausência
mais pronunciados no seio da etc.) são “marca genéticas do de especialistas e socioeconómico; de referência aos parceiros da
família socialista europeia; e, PS” (Público, 17/5). Apenas a analisando o conteúdo maioria. Quer dizer, tudo está
por outro lado, tal inflexão para chamada ala esquerda do parti- 4) Que as alianças devem ser fei- em aberto e dependerá em larga
o “centro do centro” agravou- do (Pedro Nuno Santos, Duarte
dos seus programas tas preferencialmente à esquerda medida da distribuição dos
-se nos tempos de chegada da Cordeiro, João Galamba, entre eleitorais e, para tanto, o PS deve enjeitar votos.J

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28 * Ideias CRÓNICA, LIVROS jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

Chomsky e o
sonho americano
ECOLOGIA VIRIATO SOROMENHO MARQUES Quase a chegar
aos 90 anos, Noam
Chomsky conti-
nua a trabalhar e a
editar. Mas o famoso

O que pensamos sobre sustentabilidade linguista e filósofo


norte-americano,
conhecido e tradu-
zido um pouco em todo o mundo,
tem-se distinguido também,

A
desde há muitos anos, pela suas
posições e publicações de inter-
cabou de ser literacia financeira da fase mais venção política, altamente crítico
publicado em aguda pela qual passaram. do capitalismo e do caminho em
livro o resultado Esperemos que esse ensinamento geral seguido pelo seu próprio
de mais um não seja perdido. O consumismo país, os EUA – como é natural,
grande inquérito induzido dos anos 90 e início dos com Trump, mais do que nun-
realizado pelo anos 2000 diz-nos muito sobre ca… Este seu último livro, como
OBSERVA – Observatório de a armadilha da dívida em que vãrios dos seus livros anteriores
Ambiente, Território e Sociedade. a construção europeia acabou editados entre ós pela chancela
Este Observatório está integrado por se traduzir. Há uma noção de Francisco Espadinha, Requiem
no Instituto de Ciências Sociais de fragilidade que atravessa os para o sonho americano contém
da Universidade de Lisboa, e diferentes capítulos, que me o que chama “os 10 princípios
publicou o seu primeiro trabalho parece muito importante. da concentração da riqueza e do
neste domínio da sociologia Ninguém mudará as suas poder." Em síntese da editora a
ambiental há já 20 anos: Os práticas, nomeadamente na esfera obra mostra que o sonho ameri-
Portugueses e o Ambiente. Este do consumo, se não for atingido cano se desvaneceu. "O que antes
novo livro, Sustentabilidade. pela perceção da fragilidade era possível - começar do nada e
Primeiro Grande Inquérito em própria e do terreno que pisamos. ascender na escala social graças
Portugal, de quatro autores, BRUNO RASCÃO Os três sujeitos principais ao trabalho, ao mérito, ao em-
sob a coordenação de Luísa que este inquérito identifica penho, quaisquer que fossem as
Schmidt, não sendo embora um são essencialmente: a) jovens origens - já não o é hoje. Porque
ensaio teórico sobre a ideia de escolarizados; b) mulheres; c) as desigualdades nunca foram
sustentabilidade, não dispensa grupos sociais desfavorecidos. tão profundas e as oportunidades
uma meditação crítica, mesmo Imagem de um congresso Infanto-juvenil sobre sustentabilidade A preocupação pela nunca foram tão restritas."
que estenográfica, sobre esse sustentabilidade está presente
importante conceito, sobretudo mesmo entre os portugueses › Noam Chomsky
numa época em que ele está a que habitam em condições de REQUIEM PARA O SONHO
passar por uma combinação uma ENDS (Estratégia Nacional de tecnológico a liderança desloca- maior escassez e dificuldade. AMERICANO
de silêncio teórico, abandono Desenvolvimento Sustentável), há se aceleradamente para a China Importa recordar a realidade Presença, 168 pp, 14,90 euros
prático e potencial renovação quase uma década que o assunto e para outros países asiáticos, social portuguesa. As famílias
política. Nessa medida, os saiu da agenda política. Estamos como a Coreia do Sul e a própria continuam a ter um rendimento
autores partem, corretamente,
de uma ideia dinâmica de
num país, como escrevi na
crónica da edição anterior do JL,
Índia. O índice de Gini diminui
à escala global, mas aumenta em
inferior ao período anterior à
crise, e em 2016 ainda acusámos Ziguezagues
sustentabilidade, articulada em
quatro dimensões interativas e
onde o governo considera normal
embarcar na exploração offshore
todo o ocidente. Os EUA e Trump
e a Rússia de Putin estão unidos
18,3% dos portugueses em risco
de pobreza (que sobem para
políticos
mutuamente interdependentes de hidrocarbonetos. Na UE, em pelo mesmo nível de desigualdade 45,2% antes de transferências Ziguezagues na
(ambiental, social, económica e 2017, tivemos um aumento das social. A crise europeia declarada sociais). política se chama
de governança). emissões de gases com efeito de a partir de 2010-11 não é Apesar de todas as este novo livro do
estufa (contrariando um ciclo apenas de austeridade, é uma dificuldades, há em Portugal jornalista Pedro
ESCREVER CONTRA de 26 consecutivos de redução). crise de modelo económico gente disposta a alinhar no Prostes da Fonseca.
A CORRENTE Na Alemanha tivemos um dos e social mais vasta. É uma esforço de mudança em direção à E, embora o próprio
Investigar cientificamente como a maiores casos de fraude industrial crise de insustentabilidade de sustentabilidade. Há gente para a título não suscite
sociedade portuguesa representa e ambiental na indústria um Ocidente em decadência sustentabilidade. O que falta, nos muitas dúvidas, na
a sustentabilidade e os seus valo- automóvel, que não seria possível (a crise da eurozona é uma sítios onde a política se elabora, é capa ainda se escreve: “Como
res, nas circunstâncias contem- sem cumplicidade ou profundo crise epistémica: de falta liderança, estratégia e vontade. J os políticos portugueses foram
porâneas, é um ato de resiliência desleixo governamental ao mais de inteligência e de escasso mudando o discurso desde a
académica. Muito embora este alto nível. conhecimento). revolução de Abril”. O autor
livro seja uma empresa académica Há uma crise profunda da reproduz e comenta afirmação
comprometida com a melhoria liderança ocidental, também na AS PRINCIPAIS LIÇÕES ou declarações mais ou menos
e o aperfeiçoamento de políti- capacidade de manter e renovar Nesta obra é patente uma grelha contraditórias, pelo menos
cas públicas concretas voltadas a agenda ambiental. No plano de leitura e de ordenação das aparentemente, ao longo dos


para a sustentabilidade, o apoio respostas muito enriquecedora. anos, de Mário Soares, Álvaro
financeiro mais substantivo para O seu campo de análise estende- Cunhal, Ramalho Eanes, Cavaco
a realização deste projeto foi pro- -se por seis capítulos que incluem Silva, Marcelo Rebelo de Sousa,
veniente do investimento de uma os valores associados às esferas António Guterres, Durão Barroso,
empresa ("Missão Continente", da Há em Portugal do consumo, da alimentação, da Pacheco Pereira, Francisco Louçã,
Sonae), na esfera da sua responsa- saúde, da experiência da crise José Sócrates, Paulo Portas, Zita
bilidade social. Não admira que a gente disposta a económica mais aguda nos últi- Seabra, entre outros – e também
componente de “governança” seja alinhar no esforço de mos anos, da participação cívica, de comentadores habituais (além
a menos conhecida pelo públi- assim como das visões de futuro. de políticos) como António
co inquirido, quando se trata de mudança em direção à Há uma linha de continuidade
› Luísa Schmidt, Mónica
Truninger, João Guerra, Barreto, Vasco Pulido Valente,
identificar as diferentes dimen- sustentabilidade. O que com inquéritos anteriores. Nem Pedro Prista Pacheco Pereira e José Miguel
sões da sustentabilidade, pois em tudo se perde ou é esquecido. SUSTENTABILIDADE. Júdice. Prefácio de Ferreira
Portugal, na Europa, no Ocidente,
falta, nos sítios onde a Há pois alguma alfabetização Fernandes.
PRIMEIRO GRANDE
estamos a assistir a um recuo das política se elabora, é ambiental que tem dado frutos INQUÉRITO EM
políticas de sustentabilidade. ao longo das últimas décadas. PORTUGAL › Pedro Prostes da Fonseca
Em Portugal, depois de várias
liderança, estratégia e Parece que os portugueses ZIGUEZAGUES NA POLÍTICA
Imprensa de Ciências Sociais, 178 pp.,
tentativas falhadas para lançar vontade retiveram alguma noção de 15 euros Desassossego, 224 pp., 16,6o euros

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt LIVROS, COLUNA
Ideias * 29
Comentários e
opiniões de Victor
Cunha Rego À MARGEM... EDUARDO LOURENÇO
Não terá havido muitos
jornalistas, e em Portugal
não sabemos se houve
algum, a ver uma parte
substancial dos seus textos
de opinião e comentários,
Do Tempo como Tonel das Danaides
publicados ao longo de 42
anos, reunidos num volu-
me de mais de 850 páginas. Mas é o caso
de Victor Cunha Rego (VCR) e deste Na “A mais radical tentativa para incluir o tempo no movimento da verdade, na história do Ser
prática a teoria é outra, com escritos seus
de 1957 a 1999, organizados por Vasco
como devir - que é também a da nossa existência como História - devemo-la a Hegel”, sublinha
Rosa e André Cunha Rego. O livro está o pensador e ensaísta neste seu texto inédito, inacabado, datável da década de 90. Um texto em
dividido em três partes: 1) Liberdade -
que está presente um dos seus filósofos de eleição, Heidegger, mas também... Eça de Queirós

N
textos de 1957 - do Diário Ilustrado, onde
começou - até, nas décadas de 60 e 70,
do Portugal Democrático, do Estadão e da
Folha de S. Paulo (de ambos foi edito- ão é decerto um acaso que a obra mais origi-
rialista), entre outros jornais, no Brasil, nal do nosso século na ordem da reflexão me-
onde esteve exilado; "A Hora H", textos tafísica - mesmo se concebida como expressa
do pós 25 de Abril, de 1975 a 1991, saídos glosa do "fim da metafísica" - se intitule Ser
no Diário de Notícias (DN), n'A Tarde e e Tempo.* O tempo como objeto de reflexão
no Semanário; e "Os dias de Amanhã", filosófica não precisou de Heidegger para ser
seleção das crónicas publicadas tam- pensado. De Heráclito a Bergson, passando
bém no DN, de segunda a sexta feira, por Santo Agostinho e Kant que o exclui da
entre 1992 e 1999. O volume tem ainda ordem do "conceito", o tempo esteve sempre
vários prefácios: um geral sobre "VCR, presente no horizonte da filosofia. A história do pensamento ocidental
jornalista", de José Cutileiro - em que pode ser evocada como da tentativa reiterada de contornar o enigma
fala, designadamente, de um "percurso do tempo, mais do que a de o resolver. Heidegger descreveu essa
metafísico", preocupações morais e história como sendo a da progressiva ocultação do Ser em proveito da
propósitos didáticos, "amizades e amores obsessão de circunscrever e conhecer as múltiplas manifestações dos
intensos"; um, da 1ª parte, de Octavio "entes" que no seu conjunto são e definem o que chamamos "mundo".
Frias Filho; dois, na 2ª parte, de Manuel A mesma história pode ser descrita como a da ocultação da
Lucena e José Miguel Júdice - sendo o da essência do tempo como temporalidade. Por isso uma consideração
3ª parte do próprio VCR, pois os textos atentada existência na luz dessa ocultação do ser sem a qual a me-
aí reunidos já tinham tido uma edição tafísica clássica não tinha objeto se acompanha obrigatoriamente de
anterior, com a chancela da Contexto. um re-pensamento da, à primeira vista, impensável temporalidade.
Recorde-se que VCR, opositor á dita- Ou só pensável para ser, no mesmo movimento, suprimida. A mais
dura, como se disse foi exilado político radical tentativa para incluir o tempo no movimento da verdade, na
no Brasil (e dois anos na Jugoslávia, história do Ser como devir - que é também a da nossa existência como
depois de passar por Argel) durante o História - devemo-la a Hegel. Mas a História, o devir, que deviam ser
salazarismo, regressando a Portugal a manifestação de uma temporabilidade, enfim, levada a sério, não
após o 25 de Abril. Foi então colaborador fazem mais do que desenrolar no "tempo" a lógica, em si, imanente e
muito próximo de Mário Soares, seu transcendente à temporabilidade que é a do Espírito, um Deus que se
chefe de gabinete e secretário de Estado move para usar de uma metáfora que não sendo a de Hegel foi assim
de um dos seus governos - Soares que o vivida e trivializada na cultura mais significativa do seu século.
nomearia embaixador em Madrid e de Eça de Queirós foi apenas um ficcionista, um artista de uma época
que mais tarde se afastaria, como do PS, que, precisamente através de Hegel, nesse capítulo sintonizado com os
tomando sucessivamente posições mais seus condiscípulos românticos, concebeu a arte como uma manifes-
conservadoras e dirigindo jornais situa- tação do Absoluto. Não o Absoluto, em si, que pertence à ordem do
dos à direita, como o citado Semanário. conceito, do pensamento que se pensa e pensando-se pensa a realida-
No seu prefácio, Otavio Frias Filho, di- de na sua forma adequada, mas o Absoluto na ordem da sensibilidade, Les Danaides Pintura de John William Waterhouse
retor da Folha, um dos principais orgãos melhor seria dizer, na ordem do mito. Mesmo o mais desmistificador
de informação do Brasil, escreve a certa dos artistas é, queira-se ou não, um mitólogo. E já veremos que sem
passo que Soares foi "substituído no altar esta capacidade, por assim dizer, inata da mitologização, o mais
do seu entusiasmo por Sá Carneiro". decidido realista, como Eça de Queirós se desejou num certo momen- mas como autorretrato da Humanidade, revelação do seu segredo e
E acrescenta: "Nas duas décadas que to, não teria sido nem o artista nem o criador da primeira mitologia profecia do seu próprio futuro, quer dizer, uma História com sentido.
se seguiram à Revolução Portugal propriamente ficcional da literatura portuguesa. Por isso o sentido da História descobre uma outra dimensão tempo-
mudou muito e Cunha Rego também. O O caráter imediatamente satírico, caricatural da sua visão da ral, um outro tempo humano aberto dos dois lados como o tonel das
socialista que desembarcou do Brasil no sociedade portuguesa enquanto sociedade no presente e, por assim Danaides, inimaginável e nessa medida vertiginoso. O que o século
começo de 1974, tornou-se social-de- dizer, sem tempo interior ou ideal, precisamente por total ausên- XVIII ressentiu em relação ao espaço, a vertigem de uma solidão side-
mocrata e depois conservador - à sua cia de interioridade, podia induzir - como induziu muitos leitores e ral, o século XIX o ressentiu ao tempo.
maneira, é claro, sempre desconcertante críticos - a ver na sua obra uma versão apenas mais refinada de um Antes de encontrar uma resposta positiva a esta vertigem, ou
e inusitado, mas conservador, e até costumbrismo peninsular travestido em "crónica da vida provinciana", servindo-se dela como estímulo da imaginação através de Júlio Verne
católico nos últimos anos de vida." primeiro, depois em "balzaquianas cenas da vida portuguesa" sem o - viagens num espaço que é espaço-tempo de nova estrutura -, o ima-
O volume, cuja edição tem o patrocí- menor sopro dramático ou épico. Em suma, uma obra sem transcen- ginário do século darwinista ficcionaliza, em termos de mera fantasia,
nio da empresa Randstad, tem, a fechar, dência alguma - a não ser a da forma - desvinculada do contexto e da mas de recorte mítico, a aventura humana como viagem nesse tempo
qutro índices: dos títulos, onomástico, mitologia cultural específica do século XIX que é, ao mesmo tempo, da Evolução, diverso do de uma Criação num tempo zero e próximo de
de países, de instituições e analítico. de uma releitura do passado e de uma ampliação fantástica desse pas- todas as criaturas hierárquicas e esteticamente perfeitas no seu género,
Na contracapa, uma frase de VCR: "O sado que deixa de ser o de Voltaire, de [Johan Gottfried von] Herder mesmo depois da Queda - viagem que da matéria inconsciente por gra-
Poder sempre foi um obstáculo natural à e até de Hegel , - grosso modo o da cronologia bíblica - para ser o de dações sucessivas abre caminho até ao Homem, destituído do seu carác-
informação. Mas a apatia é um inimigo [Jean François] Champollion e sobretudo de [Charles] Darwin, o de ter excecional mas resumo do universo como consciente de si mesmo.
mais recente e mais preocupante." uma Origem imaginada num passado longínquo mas apto a servir de Sob a sua forma idealista ou naturalista esta visão do destino da
caução ao novo conceito de Evolução cientificamente documentado e Humanidade como odisseia da consciência imanente à Natureza e que
› Victor Cunha Rego não mera elocubração da fantasia. dela se liberta....J
NA PRÁTICA A TEORIA É OUTRA O mesmo século que inventa a História não apenas como discurso
D. Quixote, 860 pp., 34,90 euros e conhecimento do passado digno de ser rememorado por exemplar * Martin Heidegger, Sein und Zeit, 1927

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3o * debate-papo jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

AUTOBIOGRAFIA VALTER HUGO MÃE


IMAGINÁRIA
PROPRIETÁRIA/EDITORA: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
SEDE: Rua Rodrigo Reinel, 9, 1.º - Esq. 1400-319 Lisboa.
NIPC: 514674520.
GERÊNCIA DA TRUST IN NEWS: Luís Delgado,
Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.

Manuel Rosa
COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE
PROPRIETÁRIA: 10.000,00 euros
PRINCIPAL ACIONISTA: Luís Delgado (100%)
PUBLISHER: Mafalda Anjos

JORNAL
DE LETRAS,
ARTES E
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DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos

REDATORES E COLABORADORES PERMANENTES: Maria Leonor Nunes, Manuel


Halpern, Luís Ricardo Duarte, Afonso Cruz, Agripina Carriço Vieira, André
Freire, André Pinto, António Carlos Cortez, António Mega Ferreira,
Boaventura de Sousa Santos, Bruno Bénard-Guedes, Daniel Tércio,
Eduardo Lourenço, Eugénio Lisboa, Fernando Guimarães, Guilherme
d’Oliveira Martins, Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões,
Jacinto Rego de Almeida, João Ramalho Santos, Lídia Jorge, Manuela
Paraíso, Maria Alzira Seixo, Maria Emília Brederode Santos, Maria
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Almeida, Paulo Guinote, Patrícia Portela, Tiago Patrício, Valter Hugo Mãe
e Viriato Soromenho-Marques
OUTROS COLABORADORES: A. Campos Matos, Álvaro Laborinho Lúcio,
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visa a internet que a Sociedade Nacional como se a obra fosse já o resto da obra, o cúmulo do tempo e da Telf. Porto – 22 099 0052

de Belas-Artes abre às dez da manhã, mas sua vicissitude para espanto e angústia.
PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E ASSINATURAS: Vasco Fernandez (Diretor),
não avisa que as exposições na grande Tudo quanto vemos nos leva à revisão da arte, problematizando o Nuno Carvalho, Nuno Gonçalves, Pedro Guilhermino e Paulo Duarte
sala se visitam apenas a partir do meio- conhecimento do autor, criando conflito entre autoria e documento. (Produtores). Helena Matoso (Coordenadora de assinaturas).
SERVIÇO DE APOIO AO ASSINANTE. Tel.: 21 870 50 50 (Dias úteis das
-dia. Há muito que queria ver as peças de Se vemos claramente repensada uma loba de Roma, também é certo 9h às 19h)
Manuel Rosa, esse editor importante que que os vasos gigantes evocam os recipientes tumulares para onde IMPRESSÃO: Lisgráfica – Casal de Sta. Leopoldina – 2745 Queluz de
nos habituou à qualidade e discrição, e ali vários povos da antiguidade escorriam as vísceras dos cadáveres a Baixo. Distribuição: VASP MLP, Media Logistics Park, Quinta do
Grajal. Venda Seca, 2739-511 Agualva-Cacém Tel.: 214 337 000.
fiquei, especado na porta de vidros, que mumificar. A escala bastante aumentada como que torna tremenda Pontos de Venda: contactcenter@vasp.pt – Tel.: 808 206 545,
estava aberta, a ver a senhora da limpe- a morte a que se referem, um tremendismo que deifica, sacraliza, Fax: 808 206 133
Registo na ERC com o nº 112 348
za a passar um pano no chão, e à espera que o funcionaríssimo transforma a morte do homem em algo maior do que ele mesmo, Depósito Legal nº 127961/98 – ISSN nº 0872-3540
porteiro se apiedasse de mim e me deixasse passar. Expliquei que claramente um enigma maior do que tudo quanto evidentemente se A Trust in News não é responsável pelo conteúdo dos anúncios
vivo longe de Lisboa, ando sem tempo, guardei meia hora para comprova existir. nem pela exatidão das características e propriedade dos produtos
e/ou bens anunciados.
aquela visita, não teria como voltar. Ficou implacável, desim- São as mais impressionantes, as esculturas vasos que simulam A respetiva veracidade e conformidade com a realidade, são da integral
portado com a clientela como um porteiro de uma discoteca de os torsos dos homens. Sem cabeças, sem braços, são quase peles e exclusiva responsabilidade dos anunciantes e agências ou empresas
publicitárias. Interdita a reprodução, mesmo parcial de textos,
sucesso. Admitiu que esticasse o pescoço. Pude estar quase dois largadas, vestes que alguém deixou por metamorfose ou transcen- fotografias ou ilustrações sob qualquer meios, e para quaisquer fins,
inclusive comerciais.
centímetros dentro da sala. dência. Ficam verticais ao encontro do observador. Como se nos
Vi, atirando os olhos porta adentro, a exposição de Manuel aguardassem. São um coletivo de pessoas ausentes que, ainda assim,
Rosa com um sentimento sôfrego, querendo mover objetos à nos aguarda. PORTE PAGO

força do olhar. São de boa escala, mas presumimos sempre de- O que me fascina na escultura de Manuel Rosa tem que ver com
talhes, queremos auscultar matérias, rugosidades ou maciez que uma disforia frontal que não deixa de elogiar a vida como percurso
a lonjura retira. Foi o primeiro que procurei avaliar na minha ritual. Tudo quanto faz sugere essa ritualidade, uma quase importân-
visita proibida, como tantas peças eram insinuações de corpos e cia espiritual, como a sacralizar a experiência e a memória humanas. Ligue já 21 870 5050
Assine o
como lhes haveria de ser a pele, entre o francamente áspero e a Há uma vulnerabilidade mas também uma resignação perante a Dias úteis: 9h às 19h

alusão ao suave nas formas mais harmónicas. inevitabilidade do efémero. E o efémero, tão biblicamente, mais não
Há um primitivismo na atenção de Manuel Rosa. Uma falsa é do que uma intromissão na perenidade do pó, na perenidade da
arqueologia que parece lidar com o início de uma linguagem. terra. Por isso se torna tão significativo que esculpa o barro, essa terra
Alguns objetos estão como estudos da forma elementar, os erguida cujo radical engendra o desaparecimento. A humanidade, e
seios, o gesto que estuda o côncavo e o convexo de um engenho a arte como sua dimensão, são sobre a contingência de passar. Em
para navegar ou de um prato, a casa, a lâmina na parede que es- certo sentido, criar é sempre uma inscrição arqueológica. A mais
tuda a sombra e a fantasia através da sombra, a presença do que urgente criação é, por natureza, modo de terminar um gesto, uma
não está. O barro. O corpo incompleto, sem braços, abreviado, ideia, deitá-la também à morte. Exibir aos demais o seu cadáver.J

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt
debate-papo * 31

Adelaide Freitas (1949-2018) O HOMEM


A menina do sorriso e da noite DO LEME
MANUEL HALPERN

João de Melo
Ponto morto

E
A morte estava escrita na doença que a acometeu em u disse que era para virar à
plena maturidade: os pequenos lapsos de memória, as esquerda, palhaço!" Quando
palavras que subitamente deixavam de existir e lhe eram Eduardo ouviu o GPS dirigir-se-
devolvidas pelos alunos de Literatura Norte-Americana da -lhe naqueles termos bruscos
Universidade dos Açores. Realizara as provas académicas e malcriados, deu um salto no
que viriam a projetá-la para a carreira docente no banco e deixou o motor ir abaixo.
ensino superior: licenciatura e P.H.D. pela Southeastern Durante mais de cinco anos, desde que com-
Massachusetts University, mestrado pela City University prara o Smart, o GPS - ou a GPS, já que tinha
of New York e doutoramento pela dos Açores com a tese uma voz feminina - aguentara pacientemente
Moby-Dick. A Ilha e o Mar – metáfora do caráter do povo todos os seus desvios, deliberados ou por
americano (1991). Vieram dois livros de poemas: De engano. Como se nada fosse, com a mesma voz
Emigração Tecido (1991) e Viagem ao Centro do Mundo terna e mecanizada, tratava logo de 'recalcu-
(1994), e veio um labor de textos ensaísticos por ocasião Adelaide Freitas lar a rota' e descobrir o caminho mais rápido
de eventos e congressos (coligidos por Vamberto Freitas, a partir das novas coordenadas. Ele nem lhe
seu marido, no volume Nas Duas Margens: da Literatura dava o devido valor e, às vezes, desobedecia-
Norte-Americana e Açoriana, 2008), mais dois livros de -lhe novamente, trocando a esquerda com a
ensaio (um deles exclusivamente sobre mim), um álbum de profundas e definitivas perdas familiares. Ela que até tinha direita, a terceira com a quarta saída.
parceria com Homem Cardoso sobre o nosso Nordeste, E no em nós a imagem de uma privilegiada na sua redoma, na Depois daquele estranho incidente, Eduardo
princípio era a Ilha (1995) e o romance Sorriso por Dentro da casa grande da vovó! Pela vida fora, esse mesmo sorriso recuperou o fôlego e voltou a ligar o motor.
Noite (2004). foi-me sendo dado na medida das nossas possibilidades: eu Manteve-se na rota e a GPS, naquela tarde, não
Bastaria a abordagem desta ficção autobiográfica perdido e achado na minha nova dimensão continental, ela manifestou qualquer sinal anómalo. Contudo,
para sabermos o essencial do que se perdeu na pessoa levada pelos bons ventos da América, de onde regressaria na semana seguinte, Eduardo foi reparando que
de Adelaide Freitas: uma vida pesada de mais para uma de vez em 1978. a máquina estava diferente, um pouco mais
alma tão leve, tão bela, tão solta no seu mundo de lutas Foi em 1983, no lançamento em Ponta Delgada do meu temperamental, com uma certa irritabilidade
ganhas e promessas interrompidas. É um livro pungente, livro O Meu Mundo Não é Deste Reino, que reapareceu à na voz. Dispunha-se mesmo a fazer pequenas
como todos os que se escrevam sobre a infância daquele minha frente, de surpresa e com um exemplar na mão. vinganças. Um dia, em vez de ir para o ginásio,
tempo na Achadinha natal, dela e minha, em contacto “Não te lembras de mim? Sou a Adelaide!” Sim, a menina levou-o a um beco sem saída, o que o obrigou
com a adversidade quotidiana e na ausência dos afetos sorridente da Achadinha, a leitora entusiasta que me a perder quase quinze minutos em manobras
que mais estruturam a personalidade humana. Aí se profetizou um futuro literário, a mestra que me leu com para voltar para trás. Numa outra vez foi por
enumeram as dores e perdas dessa mesma educação conhecimento de causa e sensibilidade, e fez com que pouco que não entrou fora de mão na autoes-
sentimental, feita a expensas próprias, desde tenra idade Gregory Rabassa lesse e traduzisse esse meu romance trada. Também teve algumas atitudes simpá-
(entregue, ainda bebé, à avó materna, estando os pais na América. A literatura fez-nos viajantes de vários ticas, embora algo controladoras e moralistas,
emigrados na América), até ao regresso, anos depois, destinos. Os dela levaram-na à descoberta do amor e da como aquele dia, em que ele se dirigia ao
dessas estranhas figuras parentais que talvez nunca felicidade com Vamberto Freitas, seu bordão de luz, cuja encontro com um cliente e ela desviou-o para
a recompensassem da ausência nem lhe devolvessem história de regresso e amparo acabou tristemente a 6 de casa dos avós, que não visitava há meses.
a idade de um colo de mãe materno e a mão quente e junho de 2018 num luto que em parte também é meu: um Levou o carro à oficina, claro, aquilo só poderia
segura da paternidade. na solidão insular, outro no deserto de a ter perdido com ser um problema eletrónico. Na marca, contudo,
Longe andava eu, seu conterrâneo e companheiro da o coração. J ninguém descobriu qualquer avaria. E Eduardo
mesma infância infeliz, de imaginar que a menina que me também não quis entrar em pormenores, não
sorria através dos vidros de uma janela fechada, ao passar fossem eles pensarem que tinha enlouquecido.
na rua dela, estava afinal cativa para sempre das suas Lisboa,13.6.2018 Contentou-se com uma atualização do software.
Quando pegou novamente no carro, resolveu
testá-la. No caminho para Cascais, ela indicou-
-lhe a A5, como trajeto lógico, mas ele, provo-
CADERNO o verniz, a madeira… sim, por que não uma capa de madeira cativamente, desviou-se para a Marginal. Era
para fazer jus à dureza do conteúdo? um desvio grande e sem sentido. Ela passou-se.
DE SIGNIFICADOS Depois falam-nos da tradição daquela casa editorial como Chamou-o de porco machista. Disse-lhe que o
Tiago Patrício se falassem de uma casa mortuária, convidam-nos para uma único motivo pelo qual ele desobedecia às suas
visita, mostram-nos exemplos de trabalhos recentes, de ordens era a sua voz feminina. Que era um reles
clientes satisfeitos, explicam-nos a função de cada máquina, preconceituoso, retrógrado, fascista. Que era

Velórios as que cortam, cosem, colam, maquilham. Depois desta


conversa apertamos as mãos quase satisfeitos por conhecer
de perto o processo e passamos à fase seguinte. É preciso
por estas e por outras que a sua mulher o tinha
deixado, que ninguém aguentava uma arro-
gância assim. Eduardo ficou deveras assustado
encomendar flores para decorar a sala da apresentação, e emocionalmente frágil. Aquela GPS era dura,
bebidas, salgados e também fruta, claro, é preciso agradar mas tinha razão. Ele era um falhado, desde
Acaba-se um livro e é como se nos morresse alguém. a todos. Falta escolher a personalidade mais adequada, nem que Mónica saíra de casa que vivia em piloto
Falamos nele no passado, ficamos tristes a olhar para as demasiado superficial, nem aborrecida, é preciso confirmar automático.
páginas de alto a baixo, levamos a mão ao queixo como se a disponibilidade para o discurso abonatório, como um Durante o resto da viagem não ousou de-
não houvesse mais nada a fazer. Nem sequer uma revisão dos sacerdote que encomenda a alma aos leitores: leiam-no, sobedecer-lhe. Nem mesmo quando, perto da
momentos importantes. tomem-no como um amigo, vós que sois tudo o que lhe Boca do Inferno, ela ordenou: "Vire à esquerda".
Seguirmos o protocolo e telefonamos para a gráfica à resta. E o livro-defunto ali, sobre a toalha de linho, a ser Foram dar a um penhasco. Ela disse: "Agora sai e
espera de um orçamento, pedimos a um designer conhecido chorado por um grupo devoto, que aguarda por um exemplar salta". Eduardo hesitou. Deixou o carro em pon-
que nos arranje uma capa digna e quando nos pedem as autografado, como quem guarda recordações de um falecido. to morto e saiu. Olhou para a esquerda e para
medidas, o número de páginas e outros requisitos, voltamos a Por vezes há música e os filhos dos autores tocam rabeca ou a direita. Ninguém nas redondezas, apenas os
pensar em serviços fúnebres e em cangalheiros especialistas ferrinhos e alguém esboça um trecho de uma área pungente pássaros, o mar e o vento. Colocou-se na parte
que nos mostram os vários estilos, os da moda, os clássicos, os à medida que o livro cai no esquecimento e a sala se esvazia de trás do veículo e empurrou-o com todas
exclusivos. Escolhe-se a capa como quem escolhe o esquife, para dar lugar a outro velório, quem sabe, seguido de as suas forças em direção ao abismo. Ninguém
o forro mais adequado, o material mais interessante, a cor, cremação. J haveria de descobrir que tinha sido ele. J

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32 J jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

A questão do gato morto DIÁRIO


GONÇALO M. TAVARES

PARALAXE
Afonso Cruz Os verbos

N
e os dias
o final da II Guerra Mundial, um ex-

1
-combatente, Seymour Glass (conta J. D.
Salinger) é convidado para jantar com a
família – muito burguesa – da sua noiva, O dia transformar-se em
Muriel. Os pais desta, preocupados com linguagem. O Resto, o que
as excentricidades do jovem, fazem- sobra do dia, ser transformado
-lhe a pergunta clássica sobre a carreira em texto. Como se o dia
que gostaria de seguir depois da guerra. fosse uma coisa física, um
Para grande desconforto dos presen- sujeito que, ao sair da nossa
tes, ele responde que não tem outra ambição além de ser um casa à meia-noite, deixasse atrás, por
gato morto. Naturalmente, os pais de Muriel tomam a resposta intermédio de uma testemunha, traços
como mais uma prova da loucura de Seymour, sem perceber pretos em folha branca. O diário.
que aquela maravilhosa personagem (sem dúvida, um novo

2
príncipe Mishkin), um poeta por excelência, se referia a uma
antiga parábola zen. 'Qual é o objecto mais valioso do mun- Leio Lógica do Sentido de Gilles
do?', perguntam a um mestre zen. 'Um gato morto – responde Deleuze onde se relembra
ele – pois ninguém lhe poderá dar um preço'. A poesia é o gato Carroll, em Silvia e Bruno. Dois
morto no mundo de consumismo, hedonista e mediático, em belos livros.
que vivemos. Não se pode imaginar uma presença mais ausente, O leitor de Carroll deveria adivinhar
uma grandeza mais humilde, um terror mais doce. Ninguém lhe se as estrofes da canção do jardineiro
pode pôr um preço e, contudo, não existe nada mais valioso. Só tinham sido construídas a partir dos
a encontramos nas livrarias se temos a paciência de chegar às acontecimentos “ou os acontecimentos
últimas filas das prateleiras.” (Cărtărescu, Mircea. El ojo castaño a partir das estrofes”.
de nuestro amor) A princípio surgiram os
Mas a poesia é muito mais do que livros abandonados em acontecimentos? Ou a princípio era
estantes recônditas, é um verdadeiro sentido. Mais à frente, o verbo? Os acontecimentos surgem
Cărtărescu desenvolve essa mesma ideia: “No entanto, humi- porque antes existiu o seu relato? O
lhada e dissolvida no tecido social, quase desaparecida como Torcionismo lógico do senhor Carroll.
profissão e como arte, a poesia continua a ser omnipresente e

3
ubíqua como o ar que nos envolve. Pois antes de ser uma fórmu- Ilustração de Afonso Cruz
la e técnica literária, a poesia é um modo de vida é uma maneira O poder, o grande poder do
de olhar o mundo.” imperador, é, no fundo, um


Num outro caso em que o protagonista também é um gato, pouco isso. A possibilidade
o de Schrodinger – que não está vivo nem morto, antes pelo de antecipar os factos, os
contrário – só definimos o seu estado depois de aberta a caixa acontecimentos, por via da linguagem.
onde se encontra. De certa maneira, a poesia é como abrir essa Dar uma ordem, impor um facto pela
caixa: ao repararmos no mundo, ele ganha realidade. Podemos Aquilo que provoca versos, adquire força é escrever o diário verbal antes
estar imersos em ruído sem nos apercebermos do barulho, do
mesmo modo que podemos atravessar um rua sem reparar que
realidade. Além dos tradicionais cinco do dia material e orgânico em questão
existir. E daí o extraordinário que é
havia um malabarista, uma fonte renascentista, um pedinte, sentidos, o mundo exige mais um sentido, ainda hoje esse anúncio de um enorme
dois músicos, uma sé românica, duas de gótico flamejante, um que nos permite perceber o que nos rodeia: poder sedutor: a princípio era o Verbo.
circo de pulgas, etc., ou, pelo contrário, testemunhar todas O verbo inicial que não faz apenas com
estas coisas. chamamo-lo sentido poético que surjam ações em cima (ao lado, de
A rua pode ser um espaço que não está vivo nem morto, baixo) de um dia; um verbo inicial que
mas cuja vida ou morte, amor ou ódio, depende de um olhar. faz ainda nascer aquilo – as coisas, as
A realidade é iluminada pela atenção. Há um cobertor abstra- pessoas, os animais, a natureza - que
to à nossa volta que se torna palpável se o observarmos, se o que o Bem e demais virtudes fazem o prodígio da ressurreição, vai agir.
sentirmos ou se ele nos forçar a que o testemunhemos. A beleza, mas também a dor e o vício: Walter Zieglgänsberger diz que, no

4
o medo, o terror, o inesperado, a harmonia, são maneiras de a nosso cérebro, “o corpo é reproduzido como num mapa. E se o
realidade engordar, de surgirem figuras do seu espaço abstrato, nosso joelho repetidamente nos dói, há cada vez mais células Pensar, pois, num diário que
revelarem-se objetos e entidades nomeáveis que por milagre nervosas a receber essa informação ao longo do tempo. Então, seja escrito antes de o dia
saem do caos e ganham carne. É como se alguma coisa nos to- o mapa do corpo altera-se: a parte que dói vai aumentando de acontecer. Um diário que exige
casse fisicamente, nos beijasse, nos magoasse, nos ferisse. Sem tamanho e ocupando cada vez mais espaço.” (Klein, Stefan. We certos acontecimentos sobre o
qualquer emoção ou sentimento, o mundo é fugaz e volúvel, é Are All Stardust). solo e debaixo do já, afinal, previsível,
frágil e friável. Não nos lembramos da rotina, dos atos banais, E Cărtărescu concorda, pois a “poesia não é somente o texto ou obediente, sol.
porque ela não nos perturbou absolutamente nada, não houve que não chega ao final da parte direita da página. Está de facto Meticuloso e que não falhe. Escrever
interferência que suscitasse ações ou reações ou, posteriormen- em todo o lado, no ADN das nossas células e nas fórmulas mate- um diário de véspera.
te, recordações. máticas, nas mulheres bonitas e nos homens bonitos, na forma
Mas aquilo que provoca versos, adquire realidade. O sorriso das nuvens do Verão, como também no cadáver putrefacto des-
do gato de Cheshire perdura, enquanto que o seu corpo se dis- crito por Baudelaire, no poema 'Une Charogne.'” É o sussurrar
solve, retorna ao mundo abstrato das coisas indiferentes. Além da primavera ao ouvido da flor, como disse E. E. Cummings,
dos tradicionais cinco sentidos, o mundo que vivenciamos exige que a faz desabrochar, mas o mundo também ganha realidade
mais um sentido, que é na verdade um potenciador e motor dos com o cheiro de carniça e com gritos de dor.
outros. É um sentido porque nos permite perceber o mundo Porém, se a poesia abre a caixa para encontrar um gato mor-
que nos rodeia, destruindo a banalidade, a massa indiferen- to ou um gato vivo, para se deparar com a realidade, também
ciada que é o barro de tudo: chamamo-lo sentido poético. Não tem o espantoso poder de fechar essa mesma caixa e fazer com
importa se com a poesia revelamos o horror ou o belo ou o tédio que a realidade se torne de novo ambígua, ambivalente, contra-
ou a vastidão do cosmos ou as nervuras de uma folha seca, mas ditória, abstrata. É como respirar. A poesia inspira realidade e
sim se realizamos a taumaturgia de acordar o mundo. É verdade expira onirismo.J

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José Jorge Teixeira Aprendizagens essenciais
Os projetos inovadores em Português, Matemática e História
do ‘melhor professor do ano’ Textos dos presidentes das associações de professores destas disciplinas
Inquietações pedagógicas p. 6 e 7

J educação
p. 3 e 4

Nº 1245 * Ano XXXVIII * 20 de junho a 3 de julho de 2018 * Diretor José Carlos de Vasconcelos

Helder Dinis de Sousa


Provas de aferição: para saber
melhor o que os alunos não sabem
Tanto é avaliado o Português e a Matemática, como a Expressão Artística e a Educação Física. No ano letivo de 2016-2017, entrou em
vigor o novo modelo de provas de aferição, em que se pretende avaliar qualitativamente os alunos do Ensino Básico em 22 diferentes
disciplinas. Agora saiu o relatório com os resultados, que aponta várias lacunas na aprendizagem. O JL/Educação falou com Helder
Dinis de Sousa, presidente do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), responsável pela preparação e avaliação das provas

a “
Manuel Halpern

Os alunos conseguem
realizar com alguma
qualidade tarefas que
estão ligadas à repetição
daquilo que aprenderam,
à memorização, mas
falta-lhes a capacidade
A qualidade em vez da quantifi-
cação, defende Helder Dinis de de pensar sobre aquilo
Sousa. Licenciado em Geografia pela que lhes é perguntado ou
Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, professor do ensino secundário refazer
e coautor de programas das disciplinas
de História, Geografia e Introdução ao
Desenvolvimento Económico Social, variadas A secção mais numerosa é,
colaborou no projeto "Análise e apreci- sem dúvida, a das provas, basta pensar
ação de enunciados de provas globais", que há mais de 120 a serem realizadas
em 1994, foi um dos responsáveis pelos anualmente.
LUÍS BARRA

exames do ensino secundário, entre


1988 e 1993, pertenceu ao Conselho As provas de aferição, em concreto,
Nacional da Educação, e desde 2010 têm o intuito recolher dados úteis
preside ao Instituto de Avaliação Helder Dinis de Sousa “Começa-se a sentir uma grande vontade de fazer coisas diferentes. Sente-se que há uma dinâmica” de análise, mas sem ser de forma
Educativa (IAVE), que substituiu o quantitativa. Quais são os cuidados
Gabinete de Avaliação Educacional específicos a elaborar estas provas?
(GAVE), no qual dirigiu o serviço de Gostaria primeiro de lembrar que há
exames. o Português e a Matemática; por outro, até dos próprios alunos e suas famílias. dos professores para a avaliação das um histórico de realização de provas de
O IAVE é um instituto público com esta avaliação não resulta numa nota, O presidente do Instituto afirma-se provas. Tem ainda a relevante função aferição desde o ano 2000. Houve um
autonomia, embora sob a tutela do mas antes de um relatório no qual se otimista e diz que tem recebido ecos de gerir os estudos internacionais, hiato, em que as provas do 4.º e do 9.º
Ministério da Educação, com funções discriminam as competências dos positivos das escolas, mas admite que como o PISA, O TIMMS, o PEARS e ano, só de Português e de Matemática,
de "planeamento, coordenação, elabo- alunos em matérias específicas (que só com o tempo a aplicação prática dos participámos, pela primeira vez, do converteram-se em provas finais. Este
ração, validação, aplicação e controlo tanto podem resolver um problema relatórios se poderá tornar mais eficaz. ECLS, na área da computação e novas novo modelo de 2016 é muito diferente
de instrumentos de avaliação externa de frações como dar uma cambalhota tecnologias e, num futuro próximo, no dos anteriores. Tem como objetivo
das aprendizagens" - e Helder de para a frente). JL/Educação: Qual é o trabalho do ICCS, um estudo de avaliação ligado a avaliar todas as disciplinas do currículo
Sousa é um convicto defensor do novo Desta forma, o modelo permite IAVE? questões de cidadania. e foi pensado para gerar um tipo de
modelo de provas de aferição, que não fazer um diagnóstico cirúrgico das Helder Dinis de Sousa: Tem três informação mais preocupado com o
só se distingue dos exames nacionais lacunas de cada aluno, de cada turma, grandes vetores de atividade. O mais Para isso é necessário uma equipa aluno em concreto. Não está centrado
(do tempo de Nuno Crato), como das de cada escola ou da generalidade do conhecido é a produção de provas de multidisciplinar? numa nota.
outras provas (existentes no governo país. E assim torna mais fácil a atuação avaliação externa: os exames, as provas São precisas várias equipas. Cada um
anterior). Há duas diferenças essenci- e maximização dos recursos, de pro- finais do 9.º ano e as provas de aferição. destes segmentos está organizado Porquê?
ais: por um lado, não se avalia apenas fessores, diretores de agrupamentos e Outra componente é a preparação com chefias intermédias e equipas A nota é um elemento que nos diz

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2 * educação ENTREVISTA jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

muito pouco sobre as capacidade dos repetição daquilo que aprenderam, à Quanto tempo precisarão para saber
alunos, de forma concreta. Esta infor- memorização, mas falta-lhes a capaci- da utilidade prática das provas de
mação tem uma relevância maior para dade de pensar sobre aquilo que lhes é aferição?
as escolas, permitindo-lhe um retrato perguntado ou refazer. Têm dificulda- Não posso falar de um tempo. Isto é
mais fino do aluno, para que se possa de em relacionar aspetos de diferentes um processo de mudança de atitude,
‘arrumar’ o que ele já domina e traba- conteúdos, justificar determinado que a nível social tem sempre alguma
lhar sobre as fragilidades. O modelo an- tipo de questões, analisar situações e delonga, mas quanto mais se fala e
terior, que tinha letras de A a E ou o das produzir conhecimentos. Depois há vamos às escolas, mais a informação
provas finais não permitiam este tipo coisas mais finas, como o domínio das vai passando. Começa-se a sentir uma
de informação. Aqui, em vez de querer frações, na Matemática, ou a nível da grande vontade de fazer coisas diferen-
quantificar, entra-se numa lógica de escrita, no Português - são capazes tes. E alguma delas já estão a ser feitas
qualificação. É como quando vamos ao de construir um plano sobre o que e a obter resultados. Sente-se que há
médico. Não queremos uma avaliação vão escrever, mas não têm disciplina uma dinâmica.
da nossa saúde de zero e cem, mas sim suficiente para o aplicar..
saber o que está bem e, principalmente, Não tem que haver uma intervenção
o que não está bem. E, quando algo não E com certeza também nas outras muito forte no primeiro ciclo, já que é
está bem, o médico não se limita a re- disciplinas... o ponto de partida para tudo?
ceitar uma panóplia de medicamentos Há agora um leque de 22 disciplinas Sem dúvida, o ideal seria começar por
que cubra tudo, foca-se apenas naquilo que nunca tínhamos avaliado ao nível aí. Mas tem que se atuar em todos os
que é necessário melhorar. Acontece do Ensino Básico. Vivemos todos ciclos. Por exemplo, porque é que na

LUÍS BARRA
muitas vezes nas escolas que, quando o estes anos presos à Matemática e ao geografia os alunos têm dificuldades
aluno tem dificuldades a determinadas Português e agora estamos a olhar com os mapas? Não se compreende.
disciplinas, é convidado a ter apoio a para outras dimensões importantes. É Nós já reportamos isto há dez anos e a
toda a disciplina, quando muitas vezes muito relevante que os alunos saibam Helder Dinis de Sousa "A escola não está a atenuar o fosso social e, como tal, não situação não se alterou.
só necessita de determinada parte. Em Ciências. É fundamental o conheci- garante a equidade"
termos práticos, isto também significa Aliás, uma das conclusões das provas


uma poupança de recursos. que mais se falou foi a incapacidade
consciência dos seus conhecimentos, Há também uma avaliação implícita de localizar Portugal no mapa - na
O objetivo é descobrir e despistar as como aprende e como transmite o das direções das escolas. Isso cria verdade no enunciado tratava-se
lacunas? que aprende. A informação vai para as algum desconforto? apenas da localização relativa…
Temos de despistar tão cedo quanto Quando vamos ao famílias e para cada professor. Depois Desde que nascemos até à morte esta- Pois, não estamos assim tão mal, tra-
possível as lacunas. Se não o fizemos, é possível agregar isto em dados por mos sujeitos a ser avaliados. Embora tava-se de, através da rosa dos ventos,
estas terão repercussões mais tarde.
médico, não queremos turma, por escola, além do referencial não seja formalizado, implicita- localizar o país.
Uma das características mais negativas uma avaliação da nacional. Por exemplo, se diferen- mente há também aqui um processo
do nosso sistema é o número exagerado tes turmas da mesmo escola têm de avaliação ou autoavaliação das Outro caso que se falou foi na
de retenções. E uma outra parte signi-
nossa saúde de zero e resultados diferentes, a explicação só próprias escolas, para perceber o que educação física, a incapacidade de dar
ficativa apenas com os conhecimentos cem, mas sim saber pode estar na própria escola. Também não está a resultar e então agir. Há cambalhotas ou saltar à corda. Mas não
razoáveis. Não nos deve satisfazer
enquanto sociedade atingir apenas os
o que está bem e, há uma forte capacitação das famílias.
Temos em Portugal um tecido social
muito o discurso que os problemas
estão no tecido socioeconómico, nas
será isso um sinal dos tempos? Ou seja,
talvez alguns alunos não saibam saltar
50% ou os 9,5 valores, porque isso faz principalmente, o que muito heterogéneo, mas há pais que famílias, na indisciplina dos alunos; à corda, mas consigam equilibrar-se
de nós meios aprendentes: que sabemos não está. Na Educação é têm habilitações académicas para em tudo menos na escola. Eu não me num skate...
uma coisa e não outras, perdendo as- acompanharem os seus filhos em casa, revejo nisso. A conjuntura socioeco- Nós podemos concordar ou discordar
petos importantes. As provas são feitas a mesma coisa ajudando a suprimir as dificuldades nómica é o que é, mas não pode servir da competência, mas o facto é que faz
nos anos intermédios dos ciclos, para encontradas. de desculpa para recorrentemente parte do currículo, pelo que deveria ser
que ainda haja tempo para colmatar as justificar os insucessos. A escola trabalhada nas aulas. A avaliação ex-
lacunas de cada aluno. A nota é um elemento E em que medida poderá ser útil ao não está a atenuar o fosso social e, terna obriga os professores a olharem
que nos diz muito próprio Ministério? como tal, não garante a equidade. As para o currículo com outra atenção. Os
Em termos práticos, como se constrói Dá-nos um retrato geral do país. E escolas têm ferramentas para tratar alunos não podem ser, passo a expres-
a prova? pouco sobre as assim permite fazer um desenho de destes problemas. É muito difícil pedir são, coxos, numa determinada área.
Do ponto de vista da abrangência, não capacidade dos alunos, programas, da formação de profes- a crianças que passem 30 e tal horas Pois isso é que lhes vai permitir mais à
há diferenças significativas em relação sores, das aulas de apoio ou mesmo por semana, passivamente, a receber frente ter opções de escolha.
aos exames: a ideia é que avalie as
de forma concreta de alterações curriculares o. Quando informação, quando são por natureza
aprendizagens que foram significativas uma área não está a funcionar pode seres ativos. Têm de lhes ser propor- Como o caso paradigmático da
no período que a avaliação diz respeito. haver várias razões. Uma delas é o cionadas situações para aprender que Matemática, em que alguns alunos
A vantagem de não ter propriamente mento das línguas estrangeiras e das próprio currículo que poderá não estar não se limitem à simples transmissão vão para humanidades, só para fugir
um resultado é a possibilidade de fazer Ciências Sociais. E, um dado novo, que adequado àquela faixa etária. de conhecimentos. à disciplina? Em Matemática, os
o foco num conjunto de perguntas é estar a avaliar as áreas das expressões resultados são sucessivamente maus e
que avalie de forma tão válida quanto (artísticas e motoras), que muitas vezes Já têm feedback? Isso não tem também que ver com a nada parece melhorar: como resolver
possível aprendizagens significativas. são secundarizadas no ensino. Tem sido muito positivo os ecos que formação de professores e de diretores este problema ?
Podemos enfatizar um determinado nos têm chegado das escolas. Mas o de escolas? A Matemática está cada vez mais cen-
domínio, sabendo que, normalmente, Essa opção de avaliar as áreas artísticas trabalho tem que continuar a ser feito. Não há momento nenhum na forma- trada em processos que são uma me-
há por ali mais falhas no sistema. é internacionalmente inovadora? Vai-se passando de escola a escola, ção de professores em que se diga que canização do pensamento matemático.
Não é pioneira. Mas também não é de diretor a diretor, envolvendo os que as aulas têm que ser somente a Os alunos estão treinados para resolver
Não adianta perguntar o que todos já muito vulgar nos países europeus, diversos órgãos. Contudo, ainda não simples transmissão de conhecimen- expressões algébricas e problemas de
sabem… pelo que há muita atenção ao exemplo há uma melhoria do sistema enquanto tos. Mais de 80 % da classificação dos forma mecanicista sem desenvolver
Nós não vamos colocar a pergunta português. um todo e isso merece reflexão. Temos alunos resulta dos testes. Isso é uma um pensamento lógico. Deve-se pen-
quanto é dois mais dois, porque torna- professores cada vez mais qualifica- proporção desmesurada. Não há nada sar na aplicabilidade da matemática a
-se irrelevante. Queremos chamar Tudo isso permite uma observação a dos e alunos com um potencial para escrito que aponte nesse sentido. A situações do dia-a-dia, ligando-a à re-
atenção para as falhas. Por exemplo, vários níveis? Tanto se podem tirar progredir, mas para já não se consegue escola continua a reproduzir modelos alidade. A maneira como a matemática
seria interessante fazer uma prova para conclusões nacionais, como ao nível fazer a diferença. antigos, da minha infância, de meus tem sido ensinada cria uma divisão dos
avaliar apenas a componente experi- de uma escola, de uma turma ou até de pais e avós. alunos, desde muito cedo, entre aque-
mental das ciências, porque sabemos um aluno?... Porque será? les que não gostam daquele processo,
que é uma área sensível e pouco Sim, permite até que o aluno saiba das A avaliação está muito centrada na Em termos práticos, as escolas têm ao porque não percebem e os outros. A
trabalhada. suas competências nos vários subdo- questão dos testes e não procura seu dispor mecanismos, como ofertas lógica que está por trás da matemá-
mínios de cada disciplina. Através da outras soluções, que os obriguem a de apoio, para combater as lacunas... tica é essencial para compreender o
Saiu agora o relatório das provas de prova de Português consegue saber-se, trabalhar em grupo. Os estudos mos- Tem que ser racionado e distribuído, mundo. Também aqui sou defensor
aferição do ensino básico 2016-2017. por exemplo, se na escrita de um texto tram que com verdadeiros trabalhos porque o número de horas nunca é de trabalhos de grupo. Muitas vezes,
Devemos estar preocupados com os é fiel ao tema, domina a ortografia, tem de grupo alcançam-se resultados suficiente. Se uma escola perceber os alunos são incapazes de resolver
resultados? problemas morfossintáticos na cons- muito positivos. As escolas têm que que tem um grupo de alunos com exercícios sozinhos, mas em grupo já
As principais conclusões não são po- trução das frases, tem um vocabulário perceber que há áreas da aprendiza- dificuldades na escrita, pode criar uma o conseguem fazer. Estas dinâmicas
sitivas. Em geral, pode-se dizer que os limitado. Isto é um nível que interessa gem que não estão a ser consolidadas, oficina de escrita e talvez ao fim de de grupo são muito importantes, aliás,
alunos conseguem realizar com alguma ao próprio aluno - é muito importante, o que as obriga a fazer as coisas de dois três meses fique com o problema hoje em dia são raras as profissões em
qualidade tarefas que estão ligadas à ao longo da vida, a metacognição, ter forma diferente. resolvido. que não se trabalha em equipa.J

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt GLOBAL TEACHER PRIZE PORTUGAL
educação * 3

José Jorge Teixeira ta velocidade, porque são muitos. Não


sou apenas professor, mas também

Um professor motivador
encarregado de educação, porque
tenho um filho no 10.º ano, e aluno
fui toda a vida. Por isso, consigo ter
uma visão tripla, mas procuro sempre
que me vejam como uma pessoa mais
velha que está ali para os ajudar a des-
cobrir coisas e não apenas para lhes
impingir matéria.

Fala-se muitas vezes de programas


Há uma dúzia de anos que leciona Física e Química em Chaves e foi agora distinguido com o demasiado vastos, de pouco tempo
deixado para a descoberta, para a
prémio de melhor professor do ano, o Global Teacher Prize Portugal. Um reconhecimento do experiência, para a imaginação.
“trabalho duro, mas compensador”, como diz ao JL, que tem feito com os alunos, no Clube do Imaginação têm os professores para
poderem dar tantos conteúdos nas
Ensino Experimental das Ciências, que criou e dinamiza. Uma inspiração já com muitos projetos aulas. E podemos ter muitas estraté-
premiados. E aos 49 anos quer sobretudo ser um “inspirador e motivador”, porque a motivação, gias, mas é de facto difícil imaginar
coisas novas no ensino formal. Uma
garante, é a chave da aprendizagem - "feita com motivação fica para o resto da vida", sublinha vez, fiz um estudo das palavras que
mais aparecem no nosso ensino.

Quais são?
Testes, programa e sucesso. Os alunos
estão sempre a perguntar se isto ou
aquilo sai no teste. Os professores
andam atrapalhadíssimos com o
programa, que é uma camisa-de-for-
ças. E o Ministério, as reuniões dos
conselhos, querem sucesso. Eu quero
também que se use a palavra imagi-
nação. Por isso, fiz o clube.

O que o levou a criá-lo?


Há 12 anos, começámos a imple-
mentar um programa de Física e
Química que tinha uma componente
experimental bastante forte, só que
tínhamos aulas de apenas 90 minu-
tos, o que era curto para desenvolver
essas atividades experimentais. Aliás,
José Jorge Teixeira a receber o Global Teacher Prize Portugal; Alunos do clube a trabalhar no projeto Regar com a humidade o ministério acabou por alterar essa
duração para 135 minutos. Senti que
os alunos tinham dificuldades com
Maria Leonor nunes extensão à Universidade de Trás-os- colegas apresentassem os projetos que sempre a preocupação de também essa vertente experimental, mas que
Montes e Alto Douro. fazem nesse sentido, muitos se calhar lhes dar outro tipo de formação para queriam pôr as suas ideias em ação e
Um dos trabalhos que desenvolveu melhores do que o meu. Convido-os a sociedade. Fundamental, para mim, lembrei-me de criar um clube, com
Três palavras dominam hoje a este ano com os alunos, a criação de desde já a concorrerem ao Global é o porquê das coisas e o para quê carácter facultativo, em que pudes-
escola: teste, programa e sucesso. um instrumento para determinar a Teacher Prize do próximo ano e a tor- estudá-las. sem fazer os trabalhos práticos das
Verificou-o pelo que repetidamen- aceleração da gravidade, acaba de ga- narem a missão do júri muito difícil. aulas e também desenvolver as suas
te lhe chega aos ouvidos. Mas sabe nhar uma menção honrosa do prémio Em que sentido? ideias e participar noutros projetos.
que são palavras que não chegam Atlas do Saber. Outro, sobre incêndios A sua aposta para a aprendizagem das Se apenas se estuda para o exame,
para fazer um bom ensino. É preciso e sobre a seca, foi escolhido para uma ciências passa mais pela criatividade pouco tempo depois esquece-se tudo. Como foi a adesão dos alunos?
somar-lhes imaginação, criatividade, mostra nacional dos cem melhores e pela descoberta dos alunos do que Mas a aprendizagem feita com moti- Bastante grande. Também lá comple-
motivação. projetos do Prémio Ciência na Escola pelo debitar de matéria? vação fica para o resto da vida. mentamos as aulas e esclarecem-se
Foi essa convicção de professor, da Fundação Ilídio Pinho. Distinções Nas aulas, também tenho que debitar dúvidas, melhorando os trabalhos
“por gosto, com muitos anos no que reforçam o seu orgulho no traba- matéria, porque temos um exame Comunicação e entusiasmo práticos, em vez de termos o chama-
ativo e no terreno, a lecionar Física e lho que, além do horário de 22 horas, para preparar. O ensino formal é E o que é fundamental para si para o do apoio que as escolas dão e que, na
Química, em Chaves, que há 12 anos com investimento pessoal e por vezes nesse sentido muito importante. bom ensino? verdade, é mais do mesmo.
levou José Jorge Teixeira a pensar que até do próprio bolso, desenvolve com Até porque os pais também espe- Antes de tudo, a comunicação. Temos
uma forma de dar outra palavra, ex- os alunos. E ele próprio é, assevera, ram resultados e o futuro dos filhos que saber comunicar com os alunos, Resultados, melhorias e prémios
periência, à aprendizagem, era crian- um eterno aluno, sempre a aprender. depende dos exames. O sistema é perceber quais os seus interesses e A Física e a Química estão no rol das
do o Clube do Ensino Experimental mesmo assim e tenho que jogar com conseguir entusiasmá-los. Uma vez, disciplinas ‘negras’ para os alunos.
das Ciências. Um projeto que lhe JL/Educação: Que significado teve ele. Por isso, ao mesmo tempo que um aluno até me disse que só de me Até já lhe chamaram o ‘patinho feio’
valeu agora o Global Teacher Prize para si ser eleito o melhor professor dou formação aos alunos para que se ouvir falar, com tanto entusiasmo, da educação, porque é sempre a
Portugal, a 1ª edição de um prémio de Portugal? preparem bem para o exame, tenho ficava com mais atenção. disciplina com os piores resultados.


nacional, no valor de 30 mil euros, José Jorge Teixeira: É o reconheci- Mas o que posso dizer é que na minha
ficando automaticamente candidato mento de muitos anos de trabalho De onde vem esse entusiasmo? escola, depois do clube, os resultados
ao prémio mundial, a atribuir em duro com os alunos. E que tem sido Primeiro, é preciso gostar de ser dispararam.
2019. E o eleito melhor professor do muito compensador. Porque eles es- professor, sentir e vibrar com o que se
ano pretende usar o dinheiro, que tão motivadíssimos e entusiasmados. ensina. Depois, saber comunicá-lo. No caso dos alunos que participavam
acaba de receber, para “replicar” o Dou formação no clube?
seu clube por outras escolas. Qual é o segredo? para os alunos se A informalidade também ajuda? Sim, houve um ano em que os alunos
José Jorge Teixeira, 49 anos, dá au- Chamo-lhe motivação. Sem moti- No clube, sim. Está de porta aberta, que participaram no clube tiveram em
las na Escola Secundária Júlio Martins, vação não é possível haver aprendi- prepararem bem para os alunos entram e saem quando média mais cinco valores no exame
em Chaves, mas iniciou o seu Clube zagem. o exame, mas também querem. E quando ficam, trabalham nacional, em relação aos que não par-
de Ciências na Fernão de Magalhães, nas experiências. Essa é a regra e ticipavam, dentro da mesma turma.
da mesma cidade transmontana, E como se consegue motivar os para a sociedade. aí sou um pouco mais informal. Às Foi extraordinário. Mas era uma cons-
onde lecionou até ao ano passado. E se alunos? Fundamental é o vezes, até dizem que pareço o Luís de tante a diferença de um, dois valores.
mudou de escola, o projeto manteve- Mais do que o professor do ano, con- Matos. Nas aulas, tem de haver mais E este ano, na Júlio Martins, verifiquei
-se e ampliou-se. Este ano, abarcou sidero-me um professor motivador
porquê das coisas e o formalidade, até porque os conteúdos que os alunos do clube tiveram em
do pré-escolar ao secundário, com e inspirador. E gostava que outros para quê estudá-las têm de ser ministrados com uma cer- média mais 1,4 valores de melhoria,

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4 * educação GLOBAL TEACHER PRIZE PORTUGAL jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

Professor secundário por vocação tones. Houve uma apresentação pú-


blica, com os bombeiros e a proteção Miúdos a Votos
Graúdos
civil, ligando o trabalho à sociedade.

Quando via brinquedos, E como reagem as crianças a essa


tentava replicá-los. Gostava aprendizagem pela experiência?

a aprender mais!
de construir mecanismos, Até eu fico de boca aberta. É fantásti-
engenhos. O pai, funcionário co como aprendem tanto em tão pou-
público, vaticinava então que o co tempo, mas sempre mexendo nas
rapaz havia de ser engenheiro. coisas e não através da parte teórica.
Seguiu, na realidade,
engenharia, curso que tirou Como foi trabalhada a questão da
na Universidade de Coimbra. seca?
Mas não o seduziu o trabalho O grande desafio foi construir uma
no ramo empresarial e acabou uma loucura. Mas pensei que o série de instrumentos que permitis- Mais de 59 mil alunos entre o 1.º e o 9.º ano
por seguir a carreira académica tempo o diria”. sem manter viva uma planta sem a
na Universidade de Trás-os- E disse: Aí está, José Jorge regar durante o seu ciclo de vida.
elegeram, através de uma votação nacional que
Montes e Alto Douro. Ao fim Teixeira é o global Teacher Prize decorreu nas escolas, os seus livros preferidos
de dois anos, porém, decidiu Portugal. Mas ele afere o acerto Como o resolveram?
mudar de ensino e de rumo. da sua opção pelos alunos que Regámos a planta no início e depois
Queria ser professor do secun- tem mundo fora, por exem- consegue-se retirar água da chuva, do
dário. E de Física e Química. plo, um que recentemente foi orvalho e da humidade do ar para a ir
Voltou a Coimbra para fazer convidado a trabalhar na Google. alimentando.
outra licenciatura, e depois fez “Acho que influencio mais as suas
um mestrado na Universidade vidas como professor do secun- Construíram os aparelhos para o
do Minho. dário do que se fosse professor conseguirem?
Voltou a ter convites de universitário”, diz. “Isso é muito Construímos. O protótipo está feito e
universidades, mas persistiu na confortante”. E acrescenta com funciona: um conjunto de caixas que
escolha, tanto mais que, nado e alguma ironia: “O professor é na recolhem, armazenam e fazem uma
criado em Chaves, lá tinha a sua realidade um bicho muito estra- rega gota a gota. E temos uma espécie
vida organizada. “Investi no nho, porque apesar de muitas de desumidificador, com um painel
ensino secundário”, salienta. vezes o tratarem mal, basta uma fotovoltaico, já conseguimos 200
“Houve quem dissesse que iria palavra, um sorriso de um aluno mililitros de água, o que serviu para
ser desaproveitado, que era e desfaz-se todo...”. regar uma série de plantas num dia.
1º CICLO 2º CICLO 3º CICLO
Nº votos: 22 005 Nº votos: 16 039 Nº votos: 16 423
Investimento pessoal
É um projeto em que investe muito? 1º Tubarão na Banheira, 1º Harry Potter e a Pedra 1º A Culpa é das Estrelas,
no 1º período. E no 2º subiu para 3,6. dades ilustrativas, de que os alunos Claro. Apesar de o meu horário ser de David Machado 7,9% Filosofal 13,8% de John Green 10,9%
É que os alunos vão desenvolvendo gostam muito, desenvolvemos um também de 22 horas, ter prejuízo de
2º O Bando das 2º Avozinha Gangster, 2ºAvozinha Gangster,
competências, integrando-se na projecto em que medimos a radioativi- tempo e até monetário, porque, mui- Cavernas, de Nuno de David Walliams 11,1% de David Walliams 9,4%
metodologia, tendo outras formas de dade da escola e dois, originais, sobre tas vezes, sou eu próprio que tenho de Caravela 7,8%
pensamento e potenciando as suas os incêndios e a seca. A questão dos pagar determinados materiais... 3º A Fada Oriana, 3º O Rapaz do Pijama
capacidades. Fomos fazendo projetos, incêndios foi trabalhada com um guião 3º O Principezinho, de Sophia M.B. Andresen às Riscas, de John Boyne
de Antoine Saint 5,8% 9,2%
participando em concursos, no início de atividades, que fizemos para os pro- Porquê?
Exupèry 7,8%
também nas Olimpíadas e ganhamos fessores do agrupamento, do pré-es- Porque o nosso sistema é muito
várias medalhas. Agora, pegamos nas colar e do 1º ciclo, mais de metade dos complicado. É preciso pedir três
atividades dos alunos e desenvolve- alunos do ensino público do concelho. orçamentos para comprar qualquer
mos pequenos projetos - este ano do coisa e às vezes não funciona. Mas o Maria José Vitorino tivo, nem sempre coincidente
pré-escolar ao ensino superior. Atividades experimentais? resultado do clube compensa o esfor- com as obras que os adultos mais
Tudo experimental, para perceber, ço. Com o dinheiro do prémio, quero valorizam, mesmo descontando a
Uma colaboração com a Universidade por exemplo, o que é preciso para mesmo tentar criar em várias escolas Precisamos de dois intervalos influência de professores e famílias
de Trás-os-Montes e Alto Douro? haver fogo, como se apaga… Fizemos um projeto semelhante. Já o repliquei para definir uma tendência, ensina no processo - de saudável pendor
Sim: um projeto de determinação da também um calendário, com pinturas em duas escolas em Vila Real, num a Matemática e a sabedoria popular lúdico, voluntário, e não sujeito a
aceleração da gravidade com instru- de Nadir Afonso, e que cruzámos com trabalho comum, com a minha escola (não há duas sem três...). Miúdos a provas de exame ou aferição. Por
mentos de custo inferior a cinco euros, desenhos de crianças. Com o dinheiro da altura, a Fernão de Magalhães. Votos, ideia generosa que chega às isso, percorrer as listas resultantes
no âmbito do concurso Atlas do Saber que fizermos, vamos reflorestar uma Participámos num projeto da Ciência escolas pela mão da VISÃO Júnior das propostas mobilizadoras no
Física 2018. Construímos dois instru- zona da região com árvores autóc- Viva e durante três anos publicámos e da Rede de Bibliotecas Escolares, Miúdos a Votos é tarefa recomen-


mentos e a universidade pegou num vários artigos, fizemos comunicações. está quase lá – na terceira edição, dada a educadores e criadores,
deles e está a desenvolver atividades prometida para 2019, veremos se se promotores e mediadores.
com os seus alunos de biomédicas. De que forma poderá replicar o confirmarão os sinais das primeiras, Nos títulos e autores mais vota-
projeto? todos muito positivos, e os desafios dos, ou com menos expressão nos
O clube tem atualmente muitos A ideia é divulgar este trabalho, que se colocam aos “graúdos” que votos, podemos entrever os rostos,
alunos?
Se apenas se estuda mas também o dos outros projetos cuidam de leitura, escrita, educação desejos e temores de novas gerações
O ideal é trabalhar com 15, mas às para o exame, finalistas do prémio, do pré-escolar e cidadania do nosso futuro comum. de leitores – e de eleitores! E nos títu-
vezes são muito mais. E o que sai de
lá é bastante significativo. Outro dos
pouco tempo depois ao ensino especial, em várias áreas e
que são uma mais-valia para o ensino
Muitas e muito doutas palavras
se têm escrito sobre a escolha dos
los e géneros ausentes, silêncios que
nos interpelam, não apenas quanto
nossos projetos foi escolhido e está esquece-se tudo. Mas em geral. Porque a sociedade deve va- títulos a promover na oferta dispo- às diferenças entre gerações, mas
entre os cem melhores do país, para a aprendizagem feita lorizar a educação e os professores. E nível para os mais jovens leitores, também quanto aos efeitos benignos
uma mostra nacional da Fundação há professores a trabalhar em projetos ou potenciais leitores. Em Portugal e perversos da voragem mediática e
Ilídio Pinho. com motivação fica fantásticos mas que, para não serem existe mesmo, desde 2004, um da explosão da informação. Produto
para o resto da vida criticados, nem sequer os mostram... Plano Nacional de Leitura PNL, com inesperado da proposta da VISÃO
Quando funciona o clube? listas de obras recomendadas. Ora Júnior? Sem dúvida... Como muitas
É preciso que eu tenha horário livre e Disse que continuava a ser aluno: sucede que na proposta dos Miúdos surpresas, trata-se de um recurso
também os alunos e que o laboratório Procuro sempre que tem necessidade de estar sempre a a Votos a escolha é feita por alunos fértil, para aprofundar e melhorar os
esteja disponível. Este ano, funciona aprender? das escolas, crianças e jovens, que modos de fazer leitores e de promo-
sexta-feira à tarde. E os alunos, em me vejam como uma Se não não for assim não consigo desconhecem os critérios dos júris ver a leitura, a educação e a literacia,
vez de irem passear mais cedo para o pessoa mais velha que trabalhar com os alunos. Muitas do PNL, e se empenham na conquis- sem as quais toda a cidadania terá
fim de semana, vêm ter comigo para vezes, quando partimos para um novo ta de cúmplices para as suas leituras, sempre vistas curtas e fraco alcance
trabalharmos.
está ali para os ajudar projeto, sei tanto como eles. Temos defendendo os livros que preferiram, para melhorar a vida, pela literatura
a descobrir coisas e uma ideia, vamos testá-la, depois e procurando que outros os apreciem e muito para além dela.
CONSTRUIR E APRENDER outra e outra. E andamos o ano todo da mesma forma.
Sempre em vários projetos?
não apenas para lhes nesta brincadeira. Motivação para Desenham assim, sem querer, *Professora bibliotecária e curadora do Folio
Este ano, além das chamadas ativi- impingir matéria continuar nunca falta...J uma espécie de cânone alterna- Educa

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt COLUNA
educação * 5

As falácias nos ataques aos professores


EDUCAÇÃO E MEMÓRIA
Paulo Guinote

No momento da publicação desta Em meados de 2010, após anos


crónica deve estar em decurso uma de conflito com os governos de José
greve às reuniões de avaliação por Sócrates “um estudo realizado em
parte dos professores do Ensino 19 países revela que os portugue-
Básico e Secundário. Contra a sua ses confiam pouco nos políticos,
realização e regressando a um dis- advogados, banqueiros, gestores de
curso que se esperava abandonado grandes empresas e juízes, e deposi-
há anos, assistimos a uma inves- tam mais credibilidade nos bom-
tida de parte da classe política no beiros, professores e carteiros. De
sentido de desacreditar a justiça ou acordo com o documento citado pela
“equidade” das reivindicações de Lusa, entre as profissões em análise,
um grupo profissional que tem, pelo os bombeiros continuam a ser os
menos, formalmente um estatuto mais confiáveis, com 93 %, seguidos
de carreira que foi essa mesma a curta distância pelos professores e
classe política a legislar contra a carteiros”3.
vontade expressa dos professores. Para não me alongar, passe-

MARCOS BORGA
Como em outros momentos essa mos para 2016, quando um novo
investida tem sido feita com base estudo de opinião confirmava que
em dados truncados, repetição de “a credibilidade das chamadas
falsos lugares-comuns e falácias que profissões incontroversas, como


deveriam estar ausentes do combate bombeiros (a liderar o ranking das
político, por intenso que seja. Há de- profissões mais confiáveis com
clarações que são de tal forma falsas 90%), enfermeiros e professores um chavão sem qualquer correspon- Repito-me: nunca deixem que a
que não merecem especial contes- (89%) e médicos (88%) permanece dência com a realidade, que chegou realidade substitua a vossa criati-
tação (como as do atual presidente
da Câmara Municipal de Lisboa que
globalmente estável desde 2014, com
estas profissões a ocupar o topo do
Antes de andarmos mesmo a sustentar a “paz sindical”
de 2016 e 2017. Portanto, antes de
vidade e imaginação para a ficção
narrativa.
em comentário televisivo acusou os ranking de confiança”4. Já em 2018, a dizer que os andarmos a dizer que os professores Por fim: a melhor forma de des-
professores de reclamarem quase quando se começavam a avolumar professores “progridem “progridem automaticamente”, truir uma discussão racional sobre
dez anos de “retroativos”, algo que novas ameaças de conflito, a situação definam-me o que entendem por seja o que for é começar a hiperbo-
nunca chegou sequer a ser consi- é similar, constatando-se que “são automaticamente”, “progressão” porque podemos estar lizar as acusações e a adjetivar sem
derado), mas há outras que, devido os professores e os polícias em quem definam-me o a falar de coisas muito diferentes. Ou nexo aqueles que se querem com-
à aparência de algum rigor e por se os portugueses depositam maior melhor… uns falam do que parece bater. Sim, eu também gosto das
multiplicarem, exigem que se faça confiança. Interrogados sobre o grau que entendem por que lhes dizem que devem espa- minhas adjetivações, mas a maioria
um esforço por demonstrar o seu de confiança que têm na capacidade “progressão” porque lhar por aí, mesmo quando é gente delas tem uma base factual.
aspeto falacioso. da escola em ensinar coisas úteis aos informada, deputada, publicada e Algo muito diferente são as acu-
alunos, 61,1% dos inquiridos respon- podemos estar a falar de opinada, e os outros falam do que é sações de “cobardia” (Observador,
FALÁCIA 1 deram ter um grau médio e 20,8% coisas muito diferentes realidade. Aqui não há abordagens 11 de junho de 2018) por parte de al-
“A OPINIÃO PÚBLICA JÁ NÃO um grau elevado de confiança. No holísticas ou truques estatísticos que guém que, como Alexandre Homem
SUPORTA OU APOIA AS REI- trabalho dos polícias no combate consigam ultrapassar os factos. Cristo, escreve regularmente sobre
VINDICAÇÕES/QUEIXAS DOS crime, 54,3% disse ter um grau de a avaliação de professores, mas
PROFESSORES”. confiança médio, e 29,3% grande”5. Então vamos lá verificar os factos. FALÁCIA 3 que eu nunca vi ser avaliado no seu
Vamos a factos, tendo sempre em Claro que há sempre explicações Há dez anos eu estava no último ano “POIS, VOCÊS SÓ FAZEM ISTO trajeto de “investigação”. Outra
conta que esta é a linha de argumen- criativas do género que pretendem do 4º escalão da “nova” estrutura da COM OS GOVERNOS DO PS, coisa ainda é um político–comen-
tação que teve origem no famoso desvalorizar um conjunto de estudos carreira, no índice 218. Em maio de POIS COM A DIREITA E O CRATO tador, afirmar em prime-time que a
“perdi os professores, mas ganhei com resultados consistentes ao lon- 2018 cheguei ao 6º escalão (10 anos FORAM ESPEZINHADOS E NADA reivindicação dos professores que-
a opinião pública” e que é retoma- go do tempo, mas são quase sempre para passar pelo 5º escalão que tem FIZERAM”. rerem que o seu tempo de serviço
da pelos senhores presidentes da argumentos que se podem classificar apenas dois nos dados que mandam A sério… isto é escrito com alguma seja contabilizado é “imoral”.
Confap e alguma opinião publicada. entre o Achismo e a 5ª Dimensão para as comparações da OCDE), ín- frequência por alguns operacionais A melhor forma de destruir qual-
Lamento repetir o essencial de textos Argumentativa. dice 245. Se compararem os recibos partidários nas redes sociais e em quer tipo de diálogo, de tornar o ambi-
escritos no passado, mas a cartilhas desses dois momentos, não sei se comentários nos sites de jornais, ente absolutamente tóxico é enveredar
truncadas e manipuladas, deve res- FALÁCIA 2 haverá razão para invejar a minha sendo que até há umas semanas era por este tipo de linguagem despropo-
ponder-se com a repetição de factos “OS PROFESSORES PROGRIDEM colossal “progressão”. usado também como argumento sitada, agressiva no pior dos sentidos,
objetivos. AUTOMATICAMENTE, SEM DE- Nominalmente, o meu salá- por alguns sindicalistas quando imperdoável na forma como se fazem
Em 2008, quando se avolumava MONSTRAÇÃO DE MÉRITO, SEM rio aumentou 12,1%, mas passei a muito pressionados por estarem a análises de caráter a partir de posições
a contestação a Maria de Lurdes AVALIAÇÃO.” receber efetivamente menos 2% do deixar o tempo passar sem agirem. particulares de enorme fragilidade.
Rodrigues/José Sócrates, em estudo Pode sempre acrescentar-se que que uma década e dois escalões atrás Vamos mais uma vez aos factos: o Sim,já percebemos que ninguém quer
do insuspeito Fórum Económico também dizem que ganhamos muito. (mais a inflação que andou perto dos XIX Governo Constitucional de Passos resolver verdadeiramente o problema
Mundial afirmava-se que “professo- Mas eu vou ficar logo pelo início que é 10% para este período). Já os meus Coelho tomou posse a 20 de junho de dos professores, uns porque os de-
res são a profissão em que portugue- o conceito de “progressão”. Os profes- descontos para o IRS/CGA/ADSE 2011. A Fenprof e outros sindicatos testam, outros porque os desprezam,
ses mais confiam”1. Em outra notícia sores “progridem” mesmo, em termos (aquilo que certos “privados” acham marcaram greve às avaliações a partir outros ainda porque precisam do clima
especificava-se que “os professores reais? Progridem exatamente em quê? ser os únicos a pagar) aumentaram de 7 de junho de 2013, menos de dois de conflito para justificarem a sua
merecem a confiança de 42% dos Porque eu posso sempre dizer que um mais de 49%. E nem falemos dos in- anos depois. O atual Governo (XXI própria relevância.J
portugueses, muito acima dos 24% esquilo passou a ser um elefante, sem diretos, a começar pelos combustí- Constitucional) tomou posse a 26 de
que confiam nos líderes militares e que ele deixe de ser um esquilo. veis. “Progressão”, assim no sentido novembro de 2015 e a o S.TO.P convo- 1 http://www.tvi24.iol.pt/confianca/portugal/
da polícia, dos 20% que dão a sua Não vale a pena estarmos com tradicional de algo que melhora… cou greve equivalente a partir de dia 4 professores-sao-a-profissao-em-que-portu-
confiança aos jornalistas e dos 18% rodeios: o que aflige na “progressão” parece que só os descontos. de junho de 2018 e a Fenprof e outros gueses-mais-confiam. 2 ttps://www.jornalde-
que acreditam nos líderes religio- dos professores são os rios de di- A “reversão” dos cortes é uma sindicatos a partir de 18 de junho de negocios.pt/economia/detalhe/professores_sao_
sos”2. nheiro que passam a ganhar com ela. mentira. A “reposição dos salários” 2018, mais de dois anos e meio depois. profissao_em_que_portugueses_mais_

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6 * educação PERSPETIVAS jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

INQUIETAÇÕES a criança. A escolha de textos


pelo professor é importante para
PEDAGÓGICAS garantir a sua adequação aos
diferentes contextos educativos
e ao perfil específico dos alunos.

Aprendizagens essenciais
Seria desejável que este princípio
acompanhasse todo o ensino
básico e secundário. Em vez
da uniformidade de leituras
imposta, alunos e professores
escolheriam os textos de um
referencial restrito de obras de
grande qualidade histórico-
literária.
O essencial do ensino da
O “Perfil dos Alunos à saída da de imprevisibilidade e de mudanças A reflexão sobre esta relevante matéria é gramática é o trabalho de
Escolaridade Obrigatória” afirma que “… aceleradas.” aqui abordada por Filomena Viegas e Luís Filipe análise que o aluno faz do
a escola, enquanto ambiente propício à Para responder a esta reconfiguração da Redes (APP), Rosário Andorinha (ANPROPORT), material linguístico e não a
aprendizagem e ao desenvolvimento de escola o Ministério da Educação solicitou às Lurdes Figueiral (APM) e Miguel Ramos (APH). mera identificação de funções
competências, onde os alunos adquirem Associações de Professores que definissem Acreditamos que se trata de um passo decisivo e classificação de casos. Assim,
as múltiplas literacias que precisam de um quadro de Aprendizagens Essenciais que para que os alunos saiam da situação, quase antes de classificar, importa testar,
mobilizar, tem que se ir reconfigurando seria objeto de Consulta Pública e cujo prazo exclusiva, de recetores de ensinamentos, para daí se extraírem conclusões.
para responder às exigências destes tempos terminou a 7 de junho. passando a atores das suas aprendizagens. A observação e experimentação
levam, por exemplo, o aluno a
descobrir os grupos que podem

O ensino do Português integrar uma frase, se um certo


grupo é exigido na frase ou se é

Um modo de inquietação
livremente acrescentado, antes de
identificarem as respetivas funções
sintáticas.
Quanto à oralidade, à leitura
e à escrita, interessa que o jovem
domine diversas práticas textuais
Filomena Viegas (AE), essas posições estiveram essenciais à sua vida de cidadão,
e luísFilipe Redes necessariamente presentes, à luz não descurando em nenhum
das quais propomos um olhar momento a necessária cultura
sobre as AE, enquanto etapa no histórica e literária.
A APP - Associação de devir do ensino do português. As AE consagram, ainda que
Professores de Português - tem As situações de de modo desigual, algumas destas
participado na discussão das aprendizagem serão tanto preocupações. Cremos que importa


questões do ensino do português continuar a trabalhar na área do
a partir de uma atitude aberta, cânone literário, eventualmente
sobretudo enquanto lugar partindo do trabalho feito no
de inquietação pedagógica. programa em vigor, no sentido de
Assim, os elementos da direção Importa continuar expandir as listas de obras, criando
da APP formaram opiniões mais alternativas aos professores
fortes sobre questões axiais a trabalhar na área e tratando com mais justiça
como: a transversalidade como do cânone literário, os grandes escritores da nossa
metodologia na aprendizagem, literatura.J
a cultura literária, o lugar e o tratando com mais mais significativas, quanto entre o Português e as outras
modo do ensino da gramática, a justiça os grandes mais relações conseguirmos disciplinas.
didática da oralidade, da leitura estabelecer entre os diferentes A aprendizagem da leitura
e da escrita. Na participação
escritores da nossa domínios e competências faz-se incluindo textos, literária
*Filomena Viegas é presidente e Luís Filipe
Redes vice-presidente da Associação de
nas Aprendizagens Essenciais literatura da disciplina de Português e e afetivamente significativos para Professores de Português (APP)

Conhecimento estruturante conhecimento da língua e


da literatura como fator de
realização, de comunicação, de
4. A interseção de diversas áreas
em que o ensino do português
se desenvolve – produção
mobilizar conscientemente
regras linguísticas apropriadas
a cada discurso e intervir
fruição estética, de educação e receção de textos (orais, com propriedade em qualquer
literária, de resolução de escritos, multimodais), educação discussão de ideias, ler e
RosáRio andoRinha Aprendizagens Essenciais de problemas e de pensamento literária; escrever o mundo em que
Português em várias escolas. crítico e criativo; vivemos.


5. A valorização da leitura O equilíbrio entre os vários
A sociedade reconhece a Na verdade, o trabalho realizado literária de clássicos do domínios (Oralidade, Leitura
centralidade do ensino do contribui para a estabilização de património português e de e Escrita, Educação Literária,
Português, as expectativas e questões cruciais, a saber: literaturas de língua portuguesa; Gramática) não deixa que se
as exigências em relação às imponha o preconceito de culpar
competências específicas de 1. O desenho de um currículo da O equilíbrio entre Trata-se de, neste momento, um domínio do insucesso didático
ensino nesta área curricular. disciplina de Português como um os vários domínios enunciar as aprendizagens do outro, etc. Nas aprendizagens
O ensino do Português em projeto estruturado e articulado essenciais, ou seja, o essenciais os descritores não
aspetos como: a nomenclatura desde o 1.º ano até ao 12.º ano do (Oralidade, conhecimento estruturante, entram em conflito entre si e
científica a usar na designação ensino secundário; Leitura e Escrita, aquele que é essencial para essa a marca fundamental do
de conteúdos, o cânone literário uma diversidade de ações no desenho curricular à luz de um
escolar, as metodologias 2. A anualização como ferramenta Educação Literária, mundo: ler na íntegra uma perfil de aluno do século XXI,
de ensino, os materiais útil na gestão do programa, que Gramática) impede obra literária, compreender numa atitude de cidadania e
didáticos, a formação dos permite conciliar os materiais uma decisão jurídica, um desenvolvimento. J
professores, as variáveis que didáticos com as planificações
o preconceito de poema épico ou um ensaio
determinam os resultados de internas das escolas; culpar um domínio filosófico, interpretar um
provas de avaliação externa discurso político, inferir a
são matérias que nos ocupam 3. O entendimento geral do
do insucesso didático intencionalidade comunicativa
*Rosário Andorinha é presidente da
Associação Nacional de Professores de
na implementação das ensino do Português como do outro de um texto argumentativo, Português (ANPROPORT)

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt PERSPETIVAS
educação * 7

O ensino da Matemática modo a favorecer a articulação entre


as várias etapas e áreas curriculares, a
flexibilidade curricular e a diferenci-
ação pedagógica. Por forma a que esta
articulação, flexibilidade e diferenci-
Lurdes FigueiraL do século passado. Ao longo destes ação efetivamente se concretizem e
anos, no que se refere a questões de propiciem a adequação aos contextos
desenvolvimento ou de mudança onde se desenvolvem os projetos de
Enquanto presidente da Associação curricular em particular, a APM tem escola e de turma, entendemos que as
de Professores de Matemática (APM) promovido regularmente diversas AE devem ser definidas, não por ano,
tenho o gosto e a oportunidade, não realizações próprias e participado em mas por ciclo de escolaridade.
só de seguir e participar nas análises iniciativas de outras organizações em Chamamos a atenção, no entanto,
e estudos dos diversos grupos que diferentes momentos e circunstâncias que enquanto estiverem em vigor os
constituem a associação e as enti- e de modos variados. atuais programas (Matemática para
dades com que a APM colabora em Assim, pela sua responsabilidade o Ensino Básico, Matemática A e, por
tantas iniciativas, como sobretudo histórica e atual com os professores de diferente ordem de razões, Mate-
de contactar, por todo o país, com Matemática e, através deles, com to- mática B), subsistem problemas de
muitas realidades escolares e muitos dos os alunos, pela riqueza de conhe- incompatibilidade entre normativos
professores de todos os graus de cimento e experiência que lhe advém que se deveriam constituir como
ensino. Nessa qualidade fui acompa- do muito trabalho e estudos dos seus matriz concetual de referência. Urge
nhando, desde 2012, o grande desa- associados e atendendo aos problemas pois corrigir esta situação através da
lento dos professores e os obstáculos que os atuais programas têm vindo a alteração urgente destes programas.
que enfrentam quando tentam, com provocar na relação dos alunos com a Defendemos e procuramos
os atuais programas de Matemática Matemática e na sua aprendizagem, a orientar-nos para um ensino da
para o Ensino Básico (2013) e com o APM entendeu colaborar na iniciativa apresentado — recorrendo a profes- favorecem a consecução desses ob- Matemática de excelência para todas
programa de Matemática A (2014), do Ministério da Educação para esta- sores com larga experiência de ensino jetivos”, como consta nas respetivas as crianças e todos os jovens. Uma
manter os alunos motivados, com belecer as Aprendizagens Essenciais nos diversos ciclos de escolaridade, introduções. excelência que requer, antes de mais,
níveis de aprendizagem significati- (AE) — ainda que com críticas subs- e a especialistas na área da didática Incidindo sobre os principais te- equidade; que requer exigência e
vos, com autoconfiança e gosto pelo tanciais a vários aspetos ao processo e do currículo da disciplina e no seu mas e tópicos matemáticos trabalha- expectativas elevadas em relação aos
estudo da disciplina. em curso que tem reiteradamente domínio de docência. dos no nosso sistema de ensino, as AE alunos; que requer adaptação às suas


A APM deve, em grande parte, a Entendemos que as AE de Mate- são estruturantes, contextualizadas e idades e adequação aos desafios da
sua constituição à vontade e determi- mática a que chegámos, e apesar das transferíveis; valorizam aprendiza- sociedade fortemente técnica e tec-
nação dos professores de Matemática dificuldades inerentes ao facto de gens com compreensão e o desenvol- nológica onde eles já nasceram; que
em refletir sobre o ensino desta disci- terem subjacentes e como referência vimento de capacidades de exigência requer o desenvolvimento daquelas
plina e intervir no sentido da sua me- programas desadequados, consti- cognitiva elevada — em particular, capacidades cognitivas mais com-
lhoria. Durante os já mais de 30 anos As AE são estruturantes, tuem, em cada ciclo de ensino e para resolução de problemas, raciocínio e plexas que permitirá a formação de
da sua vida, a APM foi talvez a voz contextualizadas e cada tema matemático, “um todo comunicação; valorizam o desen- mulheres e homens socialmente ati-
coletiva mais significativa e que mais integrado e articulado de conteúdos, volvimento de atitudes positivas vos e pessoalmente realizados, com
professores de Matemática convocou, transferíveis; valorizam objetivos e práticas de aprendizagem, face à Matemática - Autoconfiança, o saber e o poder de compreender, de
constituindo-se para eles como lugar aprendizagens com interrelacionados e indissociáveis: persistência, autonomia e interesse, analisar, de intervir, de questionar,
de referência e de pertença e como os objetivos concretizam as apren- nomeadamente, favorecem aborda- de criticar, de propor, de mudar e se
pioneira no permitir-lhes contactos compreensão e o dizagens essenciais relativas a cada gens que têm em conta a experiência, adaptar às vertiginosas mudanças
com as grandes questões da didática desenvolvimento de conteúdo incidindo sobre conhe- a prática e a intuição dos alunos, que o tempo arrasta consigo. J
específica e da investigação nesta área cimentos, capacidades e atitudes a componentes fundamentais para
que marcou a comunidade internaci-
capacidades de exigência adquirir e a desenvolver, e as práticas uma aprendizagem com significado; *Lurdes Figueiral é presidente da Associação
onal a partir de meados dos anos 80 cognitiva elevada estabelecem condições que apoiam e são tendencialmente globalizantes de de Professores de Matemática

O ensino das disciplinas de História consideração o Perfil dos Alunos à


Saída da Escolaridade Obrigatória.
Em reuniões posteriores a tutela
nos documentos finais. No decorrer
do período de consulta pública sur-
giram várias opiniões nos meios de
estabeleceu que os documentos comunicação social que referiam
finais produzidos pelas associações a falta deste ou daquele conteúdo
MigueL Monteiro de Barros disponível para participar neste Seriam as associações a definir o que deveriam obedecer a um limite de nos documentos das AE quando
processo, por considerar os pro- privilegiar, assim como a metodo- uma página por disciplina/ano de comparados com o programa. Estas
gramas extensos relativamente à logia de trabalho a seguir. A posição escolaridade, imposição com a qual opiniões partem de um pressu-
O processo de definição das carga horária disponibilizada para da APH foi a de que utilizaria os a APH não esteve de acordo, por posto errado – o de que as AE foram
Aprendizagens Essenciais (AE) de as disciplinas de História, resul- programas como documento base considerar que não se estavam a ter definidas para se substituírem aos
História e Geografia de Portugal tando num ensino ainda muito de trabalho para definição das AE, em linha de conta as especificidades programas, constituindo uma es-
(HGP) e das várias disciplinas de marcado por uma ditadura de continuando aqueles a servir, no de cada disciplina. pécie de versão ligeira daqueles. Tal
História que compõem o currículo lecionação de conteúdos, em que futuro, como documentos com- Em junho de 2017 a tutela não é o caso – as AE estabelecem,
– História do terceiro ciclo, His- o espaço disponível para o aluno plementares ao processo de ensino convidou uma equipa externa de tal como a sua designação indica, o
tória A, B e da Cultura e das Artes construir o seu próprio conheci- aprendizagem. Ter-se-ia ainda em especialistas em currículo para conjunto de conhecimentos, capa-


do ensino secundário - teve início mento e desenvolver a sua capaci- participar no processo, o que trouxe cidades e atitudes que se considera
a 10 de outubro de 2016, ocasião dade crítica é escasso. Ora, a área duas grandes mais-valias: a unifor- ser essencial que os alunos adqui-
em que a tutela se reuniu com as disciplinar da História, nomeada- mização dos documentos produzi- ram ao longo do processo de ensino
várias associações de professores mente através da análise de fontes dos pelas diversas associações e o aprendizagem, mas não esgotam
solicitando a sua colaboração num com opiniões distintas é, sem abandono da ideia de uma página de forma alguma o que pode ser
processo de emagrecimento dos dúvida, a que se encontra mais bem A área disciplinar da por ano e disciplina. A partir desse lecionado e apreendido. J
programas disciplinares. Este posicionada para desenvolver essa História é a que se momento o processo de definição
emagrecimento justificava-se, e capacidade crítica, absolutamente das AE tornou-se mais coerente, já
justifica-se, pelo facto de a exten- necessária num mundo cada vez encontra mais bem que passou a existir uma aferição * Miguel Monteiro de Barros é presidente da
são dos programas ser apontada, mais digitalizado e caraterizado posicionada para globalizante do trabalho efetuado Associação de Professores de História
pelos docentes, como um dos por um excesso de informação (e de pelas diversas associações.
principais obstáculos para que desinformação).
desenvolver uma Entretanto foram colocados
se possa implementar um ensino A tutela pediu às associações que capacidade crítica, online, para consulta pública, os links das inquietações pedagógicas
mais construtivista, mais centra- efetuassem cortes de cerca de 25% documentos das AE de HGP e de
do nos alunos e nos seus interesses nos conteúdos programáticos de
necessária num mundo História do 3º ciclo. Essas versões
pedagogicasinquietacoes@gmail.com

e, como tal, mais inclusivo e de cada disciplina, assegurando que caracterizado por um são, como tal, provisórias. Após inquietacoespedagogicasii.blogspot.pt
www.facebook.com/InquietacoesPedagogicas
maior qualidade.
A Associação de Professores
nenhum dos documentos curri-
culares em vigor – programas e
excesso de informação análise dos contributos que foram
sendo recebidos se decidirá da www.youtube.com/user/inquietPedagogicas
de História (APH) mostrou-se metas curriculares – seria revogado. e desinformação pertinência da sua incorporação

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8 * educação jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

d
Desde muito pequena que sonhava
andar na escola e no liceu, mal ima-
ginando qual o caminho que a mi-
› au t o r r e t r at o d e p ro f e s s o r a ‹

Isabel Mendinhos
Fui designada para coordenar na
escola esse projeto a que chamámos
“Escola 2001”. O desenho do mesmo
envolveu um trabalho de equipa de
representantes de várias entidades:
a escola, os arquitetos da Direção
Regional, a Rede de Bibliotecas Esco-
lares, o Projeto Minerva e o Centro de
Formação NovaFoco. O novo edifício
foi inaugurado com pompa em cir-
cunstância em 11 de setembro de 2001.
Se não tivesse sido o ataque às Torres

Da sala de aula
nha vida profissional me reservava. Gémeas, teria aparecido em todos os
No final dos anos 50 entrei para um telejornais.
colégio nas Avenidas Novas, em Lis- No meu percurso, esse projeto
boa, do qual saí dois anos mais tarde marcou um ponto de viragem, com

à biblioteca
para outro externato, também no o início da minha ligação à Rede de
bairro. Um ensino tradicional, muito Bibliotecas Escolares (RBE). Comecei
exigente, em que, custasse o que por fazer formação juntamente com
custasse, nenhuma aluna deveria a equipa de professores que traba-
manchar o prestígio do colégio. Para lhariam na biblioteca, enquanto, ao
mim, foi um rigor afável que me mesmo tempo, fazia a candidatura
preparou sem traumas para o que à RBE. Foram tempos de intensa
vinha a seguir: sete anos no Liceu D. aprendizagem que permitiram que a
Filipa de Lencastre. Anos 60, com por contraste com a estreiteza de construir escolas à pressa, muitas biblioteca se enquadrasse em todos os
a “primavera” marcelista a abrir horizontes que se sentia em Letras, delas provisórias. princípios e valores da Rede. Come-
uma estreita nesga nos meus últimos naquele tempo. Com as honrosas Aquilo por que nos tínhamos ba- çámos desde logo a envolver alunos
anos liceais, em que comecei a ter exceções de alguns professores que tido antes do 25 de Abril veio cair-nos monitores e a procurar formas de
um vislumbre do regime em que aliavam a qualidade científica e didá- no colo. Era altura de fazer tudo para trabalhar com os professores nas áreas
vivíamos. Ainda assim, houve algu- tica ao exemplo que davam enquanto que todos tivessem as mesmas opor- da leitura e da literacia da informação.
mas professoras que me marcaram cidadãos e de quem muito me orgulho tunidades. E foi para isso que sempre Para os alunos daquela escola foi a
pela sua competência e desses anos de ter sido aluna: Lindley Cintra, orientei a minha atividade docente, melhor coisa que podia ter acontecido
guardo muito boas recordações. Joaquim Manuel Magalhães, David com mais sucesso umas vezes, outras e a sua adesão foi imediata. Com mais
No final do 5º ano, tínhamos de Mourão-Ferreira. com menos, mas sempre com essa lentidão foram-se captando vontades
tomar decisões quanto ao futuro. Eu Nos dois últimos anos do curso, finalidade a dar sentido à opção colaborativas entre os professores.
não sabia o que queria ser em adulta. como aluna voluntária, não tinha que profissional que fiz. Trabalhei quatro Pertenci ao primeiro grupo de sete
Sabia apenas que preferia Letras a assistir a todas as aulas. Inscrevi-me anos no Feijó. Quando cheguei, a coordenadores de biblioteca a tempo
Ciências e que gostava muito de lín- em Psicologia no ISPA, o que foi uma escola estava muito destruída e sem inteiro, uma experiência que a RBE
guas e de ler. As línguas estrangeiras experiência muito estimulante que me meios, mas cheia de gente idealista, realizou para verificar se se justificava
sempre me fascinaram, estimulada pôs à prova e que, por contingências voluntariosa e com iniciativa. Alguém propor à tutela a criação do cargo de
talvez pela determinação de aprender várias, vim a interromper. Também imagina, hoje em dia, uma escola a professor bibliotecário. A experiência
francês depressa, para compreender por essa altura, começou o meu per- funcionar dois períodos letivos sem alargou-se nos anos seguintes a mais
as conversas que a minha mãe tinha curso no ensino. Não por ter tomado uma folha de papel? coordenadores e o cargo foi criado em
com uma amiga, quando o assunto uma opção profissional, nem por Depois, para poder efetivar-me, 2009. Entretanto, resolvi enriquecer
não era adequado para eu ouvir. influência familiar. Na família tinha tive de ir um pouco mais longe. Dois a minha formação com um mestrado
Os meus pais achavam que uma apenas uma tia e madrinha, excecio- anos em Palmela, onde orientei a na área das Bibliotecas Escolares, na
boa aprendizagem das línguas era nal professora primária por vocação, profissionalização em exercício. Mais Universidade Aberta.
importante para a minha formação a cujos calcanhares nunca tive a velei- dois anos em Azeitão e outro em Vale Em 2009 comecei a coordenar as
e deram-me a oportunidade de as dade de poder chegar. O que me mo- de Milhaços. As recordações desses bibliotecas do concelho de Sintra,
aprender com professoras particu- tivou na altura foi poder fazer face a ¶ tempos são marcadas pelo contexto sendo ainda professora bibliotecá-
lares da nacionalidade, começando parte das minhas despesas, aliviando Fazer tudo para que em que se procurava estabilizar ria, mas um ano mais tarde passei a
dois antes de as ter como disciplinas os meus pais. Fui então professora o sistema educativo e dotá-lo de dedicar-me em exclusividade a essa
no liceu. Foi assim que, lá para os no ensino noturno, primeiro num todos os alunos tenham recursos humanos competentes. coordenação, integrando também uma
finais da 3.ª classe, a minha mãe e a tal externato e depois, durante dois anos, as mesmas e melhores Convivi nesses anos com excelentes equipa formada pelo Gabinete RBE
amiga começaram a perceber, apesar na Escola Comercial Ferreira Borges. profissionais e formadores. Em 1988 para a elaboração de um referencial
dos meus esforços para disfarçar, que Lecionava português e inglês a alunos
oportunidades tem sido fiquei colocada no quadro da escola nas áreas nucleares do trabalho que as
o teor daquelas conversas já não era que procuravam completar o 5.º ano o lema de vida de Isabel (hoje agrupamento de Queluz-Belas) bibliotecas realizam com os alunos:
assim tão secreto… do curso comercial e que eram todos, Mendinhos, 65 anos. ao qual ainda pertenço. as literacias da leitura, dos media e da
No final do 5.º ano, escolhi então sem exceção, mais velhos ou muito A permanência prolongada na informação. Nos últimos quatro anos,
a opção que me permitiria aprender mais velhos do que eu. Outra vivência
Atualmente membro mesma escola permitiu-me um deixei a coordenação de Sintra para
mais uma língua, o alemão. Em 1969, marcante e inesquecível, embora nem da equipa do Gabinete envolvimento na gestão pedagógica e integrar a equipa do Gabinete da RBE.
entrei na Faculdade de Letras para tudo fosse bom. Aos 20 anos, ter todas da Rede de Bibliotecas abraçar, com mais continuidade, pro- Estas funções têm-me permitido ter
estudar Filologia Germânica. Fora as noites ocupadas, sábados incluídos, jetos de apoio a alunos com dificulda- um retrato do país através das biblio-
da Faculdade, continuavam os meus era duro! Escolares, foi professora des e de atividades extracurriculares tecas. Um retrato otimista, ainda que
estudos de francês, inglês, alemão e Quando, finalmente, chegou o no ensino noturno, como o jornal escolar. Passados dez consciente do muito que há sempre
italiano. A entrada na universidade 25 de Abril, estava eu no meu último trabalhou em escolas anos, os pavilhões provisórios em que para fazer. Acredito que as bibliotecas
e os anos que se lhe seguiram foram ano da Faculdade, no 2.º do ISPA e no a escola funcionava foram substitu- escolares são do melhor que existe na
marcados por muita turbulência 3.º de ensino. A todos estes contextos da margem Sul a ídos por um edifício novo, com um escola pública em Portugal.
académica. Como muitos, abri os a revolução chegou, e a mim, como seguir ao 25 de Abril projeto único, adaptado ao terreno Trabalhar na RBE, em todos os âm-
olhos, saí da minha zona de conforto a tantos de nós, fez viver em pouco em que iria ser implantado. O arqui- bitos, mais restritos ou mais alargados,
e comecei a posicionar-me contra o tempo tudo o que tinha desejado e
e coordenou o projeto teto responsável pelo projeto tinha tem sido a melhor forma de cumprir
regime. Foram experiências inesque- aquilo que nem sequer tinha sonhado. “Escola 2001” uma visão abrangente do que devia o que me levou a ser professora: fazer
cíveis: as RGA, as fugas à polícia, a O ensino foi interrompido durante no agrupamento ser uma escola e propôs ao então tudo para que todos os alunos tenham
revolta a crescer. três anos, por não ter conseguido um conselho executivo que pensasse num as mesmas e as melhores oportuni-
No final do 3.º ano da faculdade, e horário diurno. Em 1978, cansada da de Queluz-Belas projeto pedagógico capaz de sustentar dades. Acreditar que o que fazemos
por indicação do prof. Hans Sche- aridez do trabalho num banco que já a proposta que queria apresentar à tem esse sentido, encarar o trabalho
mann, foi-me concedida uma bolsa não existe, optei definitivamente pelo tutela, no sentido de se aproveitar como uma espécie de missão, abraçar
de estudo para um curso de férias ensino. Concorri a estágio, o estágio os financiamentos europeus então projetos que entusiasmam os alunos e
numa universidade alemã. Ainda por clássico, no 2.º ciclo. Depois estive co- existentes para apetrechar a escola os levam a desenvolver competências
sua indicação, a escolha foi Freiburg. locada em várias escolas da margem com uma biblioteca e com uma rede de que vão precisar pela vida fora,
Hoje penso que foi a forma mais eficaz sul. A escola pública tinha aberto os informática que permitisse que cada faz que quem, como eu, trabalha nas
que ele encontrou de me mostrar seus portões de par em par, o ensino sala tivesse um computador ligado à bibliotecas e para elas tenha uma dose
como uma universidade deveria ser, estava a massificar-se, foi preciso Internet e um projetor. extra de energia e motivação.J

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Nº 257 * 20 de junho a 3 de julho de 2018
Suplemento da edição nº 1245, ano XXXVII,
do JL, Jor­­nal de Le­­tras, Ar­­tes e Ideias
com a colaboração do Camões, I.P.

Mês de
Portugal
nos EUA Pág. 4

Residências artísticas
Acordar
e pensar
em Lisboa
Pág. 2/3
PEDRO BURMESTER E MÁRIO LAGINHA NO CONCERTO INSERIDO NO ‘MÊS DE PORTUGAL NOS EUA’. FOTO VASCO PRAZERES/EMBAIXADA DE PORTUGAL

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2* jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

Residência de Jorge Dias tem muito a ver com os meus pais,


com as cidades em que eu andei”.
residentes puderam mostrar o tra-
balho que estavam a desenvolver

Acordar e pensar em Lisboa Há um triângulo, “que tem a ver


com Moçambique, Brasil e Portugal,
país onde eu nasci, país onde eu me
e o artista plástico moçambicano
dispôs de um espaço. “Foi nele que
eu tive o meu contacto com autores
formei, país que tem essa relação de que vivem aqui em Portugal, em
afeto e também de paternidade”. Lisboa”, diz.
“Foi este programa que amarrou toda Jorge Dias tem o seu projeto
Veio atraído pela possibilidade Português (CCP) de Maputo e a e instituições, “o que de alguma essa minha candidatura”, diz. criativo – em que sobressaem os
de refletir sobre o seu trabalho, Câmara Municipal de Lisboa. forma é prestigiante e bastante raro Apesar deste foco nos contac- objetos característicos da sua obra,
mas também pela possibilidade de Criado em 2015, o programa para os autores moçambicanos”. tos e na cidade e não tendo vindo como os casulos –, que come-
estabelecer contactos a diversos destina-se “a artistas visuais e/ São essas possibilidades, “com as coisas formatadas para çou a desenvolver em 2000, no
níveis. Sobre esta sua passagem por ou fotógrafos, de nacionalidade classificadas por Jorge Dias como produzir um trabalho”, Jorge Dias Rio de Janeiro, passando depois
Lisboa, a 5ª, depois de um inter- moçambicana ou residentes em “um lado bastante positivo”, que produziu “dois casulos no ateliê do por Maputo e por Schwerin, na
regno de sete anos, está a produzir Moçambique há mais de dez anos, levam o também antigo curador programa de ‘portas abertas’”, que Alemanha, etapas por ele referidas.
um relatório, que, quando foi en- que já tenham currículo na área e (2007-2010) e diretor-adjunto do decorreu em maio no complexo No entanto, no seu dizer, a resi-
trevistado, mesmo no termo da sua pretendam desenvolver um projeto Museu Nacional de Arte de Maputo dos Coruchéus, onde os artistas dência foi “enriquecedora” sobre-
estadia, já ia nas 50 páginas, das coerente, consistente com o seu a diferenciar o programa CCP/CML tudo porque lhe deu a oportunidade
quais espera “extrair pelo menos percurso artístico, pertinente na de residências que têm surgido em de visitar museus e galerias, de
10 a 12 textos, que vão falar sobre proposta de relação com a cidade de Moçambique, “muito voltadas para “perceber como funciona de perto
os artistas moçambicanos que Lisboa e com reconhecido interesse o trabalho de produção de ateliê”. esta dinamização, os fluxos, as po-
estão aqui, do meu olhar sobre a no âmbito da arte contemporânea”. líticas”. Conversou com as pessoas
cidade, sobre os museus e sobre as Já o interesse dos artistas mo- O QUE AMARROU envolvidas, tanto os artistas como
pessoas, e um pouco sobre tudo…” çambicanos em participarem nesta A CANDIDATURA os galeristas. Nalguns museus, teve
Jorge Dias (Maputo, 1982) é residência – “bastante concor- Antes de apresentar a proposta “o privilégio de conversar, de ter
um dos mais conhecidos artistas rida desde a 3ª edição” – deve- vencedora ao concurso para a um acompanhamento direto dos
plásticos moçambicanos con- -se, segundo este antigo diretor e residência, Jorge Dias conversou serviços educativos ou dos diretores
temporâneos. Mas o seu percurso docente da Escola de Artes Visuais “bastante” com outros artistas que dos museus”. “Na verdade eu preci-
conta também com incursões sig- de Maputo, ao “trabalho feito estiveram em Lisboa no âmbito do so de ter essas experiências todas.
nificativas na escrita sobre arte, na pelo Instituto de Camões [Centro programa e “o retorno foi sempre Faz três referências: a Faculdade
docência, na curadoria e na direção Cultural Português/CCP] em muito positivo” em relação à expe- de Belas Artes, o Museu Bordalo
de instituições ligadas às artes. Maputo, que é notável”. O CCP, riência em Lisboa, uma cidade que, Pinheiro e o Museu Nacional de
É atualmente diretor do Centro acrescenta ele, “tem estado a de- sublinha, tem sido “cada vez mais Arte Antiga (MNAA). Na visita à
Cultural Brasil-Moçambique, em senvolver bastante (...) tudo o que central no contexto da arte con- primeira instituição, que classi-
Maputo. Esteve em Lisboa, em tem a ver com a arte contemporâ- temporânea na Europa e no mun- ficou como um momento “enri-
maio, no âmbito da 4ª edição do nea, a fotografia e a arquitetura”, do”, não só pelas exposições como quecedor”, registou o interesse da
programa anual de residências ar- um trabalho que permite aos cria- pelas pessoas que ali circulam. escola em estabelecer um protoco-
tísticas, resultante de um protocolo dores moçambicanos estabelecer Mas veio também como conse- lo com Moçambique e já a pôs em
entre o Camões/Centro Cultural contactos e ligações com pessoas quência da sua própria história, “que Jorge Dias contacto com o ISArC (Instituto

Alemanha e leitura. No final, foram entregues


prémios aos três primeiros classifi-

3.ª Edição das Lusitaníadas cados em cada área de talento.


As Lusitaníadas têm por obje-
tivos incentivar a frequência dos
cursos EPE, o empenho e o estudo
dos alunos; promover a língua e
a cultura portuguesas e valorizar
o trabalho em contexto de sala de
aula; promover a cidadania e espí-
rito de grupo e divulgar os cursos
existentes junto das comunidades/
localidades e aprofundar a relação
de amizade e de cooperação entre
alunos e professores das diferen-
tes cidades envolvidas, indica Rui
Vicente Azevedo, coordenador da
rede EPE na Alemanha.
Fazem parte de um conjunto de
atividades propostas pelos 35 pro-
fessores do ensino básico e secun-
dário e pelos 11 docentes colocados
FOTO PAULO SOUSA

em universidades alemãs, que


integram a rede EPE na Alemanha.
À medida que o projeto se vai
consolidando, tem-se vindo a
registar uma maior adesão, quer do
Dezenas de alunos dos cursos de e o Consulado-Geral de Portugal público presente quer dos jovens
língua portuguesa de 12 localidades em Hamburgo participantes e suas famílias. A
do norte da Alemanha participa- Acompanhados pelos profes- própria comunidade portugue-
ram, em maio último, na 3ª edição sores, familiares e membros da sa tem revelado maior interesse
das Lusitaníadas, uma jornada de comunidade portuguesa, os jovens pelo evento, em consequência do
atividades desportivas e recreativas participaram num programa que crescimento do projeto que se tem
que decorreu na escola Kippenberg incluiu um torneio de futebol de 5 refletido no aumento de apoios e
Gymnasium, em Bremen. com equipas mistas, um almoço patrocínios, acrescenta Rui Vicente
A jornada foi organizada pela convívio de confraternização e um Azevedo, que salientou “o empe-
rede de Ensino Português no concurso de talentos. nho e o entusiasmo dos professo-
‘Camões dá que falar’
Estrangeiro (EPE), em colaboração Os jovens, todos alunos dos res organizadores do evento” e a Língua e Ciência foi o tema da 5ª edição, a 23 de maio
com a comunidade portugue- cursos EPE, mostraram as suas disponibilidade evidenciada pelos último, das conversas mensais promovidas no seu auditório
sa local, as comissões de pais, a capacidades artísticas em dese- membros da comunidade portu- pelo Camões, I.P., de que foi conferencista a Presidente
Embaixada de Portugal em Berlim nho, canto, dança, música, teatro guesa local e pelo diretor da escola. da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza

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J 20 de junho a 3 de julho de 2018 * jornaldeletras.pt

* 3
que um museu pode reafirmar-se” o privilégio, e eu digo privilégio cano”. Grande parte dos membros
e tornar-se mais aberto, “tendo mesmo – porque a gente só fala com MUVARTE “estão hoje vinculados a
uma coleção, uma exposição de eles muito rapidamente – de me instituições universitárias ou então
um outro período mais antigo”. A sentar com eles” e abordar o papel ao próprio Estado”, diz.
experiência deste museu “vai ser do artista moçambicano fora do seu Agora a questão é outra: “muita
muito boa naquilo que tem a ver país e “ver quais são os desafios que coisa passou e não foi registada. As
com o nosso Museu Nacional de eles encontram”. Esteve, assim, coisas esquecem-se muito rápi-
Arte de Maputo”, onde um dia – com Suse Bila, Frank Taluma, Piri do. É agora preciso organizar todo
promete Jorge Dias – vai voltar. e “mais dois artistas que estão no este produto, escrever sobre isto”,
Para já vai colocar estas ques- Porto”. Foi “desconstruindo alguns sublinha, acrescentando: “este é o
tões ao atual diretor do Museu preconceitos” e “ideias pré-con- grande desafio”. “Há uma produ-
Nacional de Arte de Maputo e ver cebidas” que tinha em relação ao ção, há programas, há políticas, há
se há possibilidade de cooperar envolvimento desses artistas com a tudo, mas está a faltar escrever sobre
com Portugal e a cidade de Lisboa. cidade e com as políticas existentes isso, registar: onde está, quem são,
“No fundo, tinha dois grandes em Portugal. E também esteve com onde é que estão, o que é que estão a
objetivos que eram exatamente “amigos portugueses, artistas que fazer”, sintetiza Jorge Dias. Dá como
esses: era o meu trabalho, olhar também trabalham com a arte con- exemplo, o Camões/CCP de Maputo,
para mim como ator, porque infe- temporânea moçambicana”. que tem feito “um trabalho notável”,
lizmente tenho períodos longos em Nesta linha inquiridora sobre o inclusive publicando alguns livros.
que não consigo refletir, estar vol- que está a acontecer, este teoriza- “Precisamos de outras instituições
tado para aquilo que eu faço, por dor moçambicano da arte contem- que façam o mesmo”.
causa de uma série de atividades porânea preocupa-se agora com Seja como for, Jorge Dias não
em que estou envolvido; por outro “a falta de uma crítica, ou de uma abdica de dar continuidade à sua
lado, tenho interesse naturalmen- análise crítica, sobre trabalhos, produção escrita. Tem em projeto
Exposição do artista plástico moçambicano Jorge Dias te em estabelecer pontes com as sobre o que está sendo feito hoje”. apresentar como ‘produto’ da resi-
no Centro Cultural Português de Maputo em 2017 instituições daqui”, sintetiza. Para trás ficou o MUVART, que dência em Lisboa um pequeno livro
“perdeu força” a partir de 2006, sobre as questões que ocuparam
DEPOIS DO MUVART quando já tinham sido alcança- durante o mês de maio de 2018 em
Superior de Artes e Cultura) de fazer”. “Ficou muita coisa por ser Um dos fundadores do MUVART, dos os seus objetivos – por um Lisboa. Espera que seja lançado em
Maputo, porque, diz, a residência feita”, mas “houve uma abertura movimento de artistas plásticos que lado, “pôr cada vez mais artistas Maputo e em Lisboa.
“também tem esse lado de nego- enorme desta instituição e muito trouxe, no início deste século, uma a produzir, a trabalhar, a pensar Foram 33 dias em que, diz,
ciação, que eu acho extremamente interesse da minha parte em levar pequena revolução à posição da arte mais sobre os seus trabalhos, longe pôde “acordar, pensar no trabalho
importante, uma vez que também para Moçambique algumas coisas”. contemporânea em Moçambique, daquelas molduras estabelecidas do artístico, pensar em toda a dimensão
estou envolvido com instituições Sobre o MNAA, as palavras de subtraindo-a à ameaça folclo- que é entendido como a arte mo- da cultura, partindo de mim, em re-
em Moçambique”. Jorge Dias são elogiosas, conside- rista, Jorge Dias veio também à çambicana” e, por outro, promover lação com as pessoas, com a cidade,
Na segunda, deu conta que “o rando que o museu é “fantástico” e procura de um grupo de artistas a circulação, dentro e fora de por- com situações, com Moçambique”.
trabalho do artista deste museu tem conseguiu “superar-se e responder moçambicanos que trabalham em tas, da arte contemporânea, através Ao regressar a Moçambique já olha
muitos pontos de ligação com al- àquilo que são os desafios atuais”. Lisboa, fora de Lisboa e no Porto, da “mudança de políticas e das de maneira diferente Lisboa, diz.
gumas coisas que eu tenho tentado Ali, foi-lhe possível “ver como é “que o interessam bastante”. “Tive instituições do estado moçambi- “Ainda bem”, garante.

Alemanha Residências artísticas com “retorno positivo”


Seminário sobre ensino do
português na Freie Universität É “muito positivo” o retorno recebido pelos artistas plásticos
moçambicanos que têm participado no programa de residências
por este programa de residências em Lisboa. O objetivo é “dar
de alguma forma continuidade às residências, para elas não se
em Lisboa, iniciado em 2015 graças a um protocolo celebrado esgotem em si próprias”.
entre a Direção de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa (CML)
e o Camões/Centro Cultural Português de Maputo. EVOLUÇÃO
Cerca de 60 professores universitários de Português Língua Estrangeira (PLE) da Quem o afirma é o diretor daquele departamento municipal, Depois do protocolo assinado diretamente entre a CML e o
Alemanha e da Suíça participaram em maio num seminário na Freie Universität (FU) de Manuel Veiga, gestor e consultor cultural, que elenca a interna- Camões/CCP de Maputo, dirigido por Alexandra Pinho, o municí-
Berlim com o objetivo de apresentar e discutir problemas didáticos do ensino do PLE cionalização da cidade de Lisboa no campo cultural e o fomento pio estabeleceu “um protocolo mais amplo de colaboração com
nas universidades alemãs e celebrar o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP. de projetos artísticos e culturais, bem como da troca de experiên- Instituto Camões [Camões, I.P], e não já com o Centro Cultural
cias entre criadores de língua portuguesa, entre os objetivos do Português de Maputo, com um âmbito mais genérico, uma vez
O seminário foi organizado pelo Centro de Línguas da FU e pela Coordenação do
programa de residências. que não se cinge a Maputo e não se cinge às Artes Visuais e à
Ensino Português no Estrangeiro junto da Embaixada de Portugal em Berlim, contan-
Manuel Veiga, que aponta ainda como objetivo da parte do fotografia”. “A nossa ideia foi alargá-lo a outros centros culturais
do também com o apoio do Camões, I.P.
município a dinamização das residências artísticas que a CML ou outros ramos do Camões no mundo, se assim ambos o dese-
As boas vindas e a introdução ao tema estiveram a cargo do Vice-Presidente para os
tem na cidade – as 4 residências da Boavista, na rua das Gaivotas jássemos, (…) e a outras áreas artísticas”.
Assuntos Internacionais da FU, Klaus Mühlhahn, tendo falado depois o embaixador de
– constata também um “acréscimo de candidaturas”, o que para Foi assim que surgiram, já no ano passado, as residências
Portugal na Alemanha, João Mira Gomes, o embaixador do Brasil, Mário Vilalva, assim
ele indicia “ser sintomático do sucesso que o programa também de dança, neste caso com o CCP da Cidade da Praia, em Cabo
como o Presidente do Camões, I.P., Luís Faro Ramos, que se referiram à geopolítica da estará a ter junto da comunidade artística em Maputo”. Verde. “Tivemos já duas residências, com a diferença de serem
língua portuguesa e à importância do seu valor económico e do seu caráter transcon- A 4ª edição daquele programa de residências dedicadas às bidirecionais. Ou seja, nós enviámos uma artista portuguesa que
tinental. artes visuais e à fotografia teve lugar em maio deste ano, com a esteve na Cidade da Praia, a Sara Anjo, e depois veio uma artista
A diretora do Centro de Línguas da FU, Ruth Tobias, abordou a posição dos estadia em Lisboa do artista plástico, professor, curador e autor cabo-verdiana para cá, a Sara Estrela. Há aqui esta diferença. No
estudos de língua portuguesa no seu departamento, o aumento do número de alunos moçambicano Jorge Dias (v. texto principal). Antes dele estive- fundo evoluímos...”, refere Manuel Veiga.
interessados e a importância da investigação na didática do PLE. A apresentação dos ram em Lisboa os artistas plásticos moçambicanos Félix Mula A Câmara de Lisboa está aliás aberta a residências noutras
trabalhos de investigação esteve a cargo de professores da FU, professores convidados (2015) e Eurídice Kala (2016) e o fotógrafo Mário Macilau (2017). áreas. “Se acharmos interessante fazer uma residência artística
especialistas da matéria em universidades alemãs, e de dois professores visitantes de No decurso das residências, a câmara lisboeta, além de numa área ligada à literatura, pois poderia ser por aí”. A literatura
universidades portuguesas – Isabel Oliveira Duarte e Paulo Feytor Pinto. disponibilizar o espaço onde os artistas ficam alojados, procura é uma das áreas em que a Direção Municipal de Cultura pensa
apoiá-los a diversos níveis, quer através de um acompanhamento poder vir a desenvolver.
especializado quer facilitando o acesso dos criadores a outras Além dos dois programas de residência a CML tem outros.
instituições culturais na cidade de Lisboa. Manuel Veiga dá o Manuel Veiga destaca o programa de intercâmbio com Budapes-
exemplo de Jorge Dias, que “teve a possibilidade de ir à AR.CO te, também na área das artes plásticas, que já decorre desde
Lisboa, que é uma feira de arte contemporânea. 1998. É um programa bidirecional. “Enviamos dois artistas por-
“Acho que tem corrido bastante bem, tentando ir sempre ao tugueses, que têm uma estadia de um mês em Budapeste, e vêm
encontro das expectativas profissionais e pessoais também. No também dois artistas húngaros para Lisboa onde ficam um mês”.
fundo, acolhê-los o melhor possível”. O diretor municipal de cultura de Lisboa refere que “vão exis-
Uma das preocupações do responsável cultural municipal é tir muito brevemente outros espaços físicos residência”. Quatro
Embaixador de Moçambique, Embaixadora de Cabo Verde, Embaixador do Brasil, que “as residências se prolonguem de alguma forma no trabalho antigas casas de função no Parque Florestal de Monsanto estão
Vice-Presidente da Freie Universität (FU), Embaixador de Portugal, professora dos artistas, na própria relação com a cidade”. E, de facto, em neste momento a ser transformadas para receber artistas. “Vão
Isabel Oliveira Duarte, Presidente do Camões I.P., professor Paulo Feytor Pinto e Maputo têm sido feitas exposições com os artistas que passaram ser novos equipamentos que vamos ter nesta área”, sublinha.
diretora do Centro de Línguas da FU

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4* jornaldeletras.pt * 20 de junho a 3 de julho de 2018 J

Cineastas portugueses Mês de Portugal nos EUA a renda e soprar na flor (to take off the lace
nos Rencontres Paris/Berlim and blow the flower), que pertence a um
Muita arte, música e cinema conjunto de 20 pinturas e uma projeção
holográfica apresentadas no pavilhão de
Obras de quatro cineastas Portugal na Bienal de Veneza, em 1997,
portugueses integram a programação dedicadas ao libertino e memorialista
berlinense da edição deste ano dos italiano Giacomo Casanova; ou ainda
Rencontres Internationales Paris/Berlim a exposição de arte contemporânea
2018, que está a decorrer na capital portuguesa Second Nature – no Kreeger
alemã até 24 de junho.
Museum, de Washington DC, até 31 de
Os Rencontres oferecem
julho –, que compreende 38 trabalhos da
habitualmente um espaço para
coleção da EDP no MAAT, com curadoria
descobrir e refletir sobre o cinema
e arte contemporâneos, através de da historiadora de arte Luísa Especial e
atividades de networking, exibições, do diretor do MAAT, Pedro Gadanho.
exposições e performances. A arte não se esgota aqui: em
Os quatro cineastas que integram Arte, muita arte portuguesa pode ser ministro dos Negócios Estrangeiros, Hayward, na Califórnia, a Sumn Gallery
o programa são Pedro Costa, Mónica ainda apreciada pelo público norte- Augusto Santos Silva, em que participam apresenta até 30 de junho a exposição
M. Nunes, vencedora do prémio Golden -americano no ‘Mês de Portugal’ nos luso-americanos eleitos para os con- Life to Art, a Portuguese American story in
Dove - International Competition Short Estados Unidos que decorre até 30 de gressos federal e estaduais, e estruturas Art, em Providence, Rhode Island, até 30
Documentary, no DOK Leipzig 2017, que junho (e, no caso de alguns eventos locais, e membros destacados da comu- de junho na Sol Koffler Gallery – Rhode
irá apresentar The Ashes Remain Warm, incluídos na programação, ainda depois nidade luso-americana e das estruturas Island School of Design (RISD), a expo-
Carlos Pereira, com Ghost Stories e dessa data), numa organização da representativas – oficiais e associativas sição How Do We Pronounce Design in
Salomé Lamas que apresenta Ubi Sunt. Embaixada de Portugal em Washington, – da comunidade. Portuguese? 2000-2018, e em Richmond,
Os três últimos estarão em Berlim a com o apoio de diversas entidades, entre É amplo o espectro geográfzico na Virgínia, no Museum of Fine Arts, a
acompanhar a apresentação dos seus
Os filmes de Mónica M. Nunes, trabalhos. as quais o Camões, I.P. do Mês de Portugal que abrange em exposição Contemporary Art from Portugal.
Carlos Pereira e Salomé Lamas Se a política e a economia também 60 cidades, além do distrito federal, A programação inclui ainda dois
Para além dos quatro cineastas,
(de cima para baixo) também estarão presentes Emília
estão presentes na programação, as artes Washington DC, os estados norte- momentos dedicados a Aristides Souza
Tavares, curadora do MNAC - Museu plásticas dominam o ‘Mês de Portugal, -americanos da Califórnia, Colorado, Mendes, com uma exposição dedicada
Nacional de Arte Contemporânea do que terá também na música, já a 23 de Connecticut, Massachusetts, Flórida, ao diplomata português – que com a sua
Chiado, e Miguel Valverde, diretor do Indielisboa. junho, um momento particular com um Nova Jérsia, Nova Iorque, Pensilvânia, ação salvou milhares de judeus durante
Os Rencontres contam com o apoio do Camões/Centro Cultural concerto no Rumsey Playfield do Central Rhode Island, Texas e Virgínia. a II Guerra Mundial em França – no
Português em Berlim. Park de Nova Iorque por Marisa, Noiserv Mas o destaque da programação vai New Bedford Whaling Museum, New
e Renato Diz, organizado em parceria mesmo para a mostra de pinturas de Bedford, Massachusetts, e a exibição
Isabela Figueiredo vencedora de Bolsa com a produtora SummerStage da City
Parks Foundation pelo Arte Institute,
Maria Helena Vieira da Silva, bem como
uma tapeçaria de Portalegre, a partir das
do filme Disobedience – The Sousa
Mendes Story, no Avalon Theater, em
de Residência Literária em Berlim uma organização que será igualmente coleções do próprio museu e do Museu Washington DC.
responsável a 22 de junho, em New Gulbenkian, em Lisboa, que está a Na música, para além do centro em
Isabela Figueiredo é a vencedora da 3ª Bedford, pela edição deste ano do NY decorrer até 30 de junho na galeria Rose Central Park, Nova Iorque, o grupo
edição da Bolsa de Residência Literária Portuguese Short Film Festival. Benté Lee do National Museum of Women Danças Ocultas toca a 25 de junho
promovida pela Embaixada de Portugal O concerto coroa o dia em que terá in the Arts, em Washington DC. no Millennium Kennedy Center, em
na Alemanha/ Camões Berlim. lugar a Inaugural Portuguese-American Outras mostras de arte incluem a Washington DC, onde já se pôde ouvir
A residência tem lugar no próximo National Conference, em Washington, exibição no Phillips Collection Museum, Áurea a 3 de junho, Pedro Burmester
mês de outubro, durante o qual a com a presença do secretário-geral das também até dia 30 e em Washington e Mário Laginha a 4 e Camané e
autora estará na Alemanha, estando Nações Unidas, António Guterres, e do DC, da pintura de Julião Sarmento Tirar Nathalie Pires a 13.
programadas leituras públicas e
encontros profissionais com editores
alemães na Feira do Livro de Frankfurt
entre 10 e 14 de outubro. Luxemburgo A nota indica ainda que «o tra-
balho de Pedro Vaz tem como tema
Esta Residência literária surgiu como parte de programa plurianual da
Embaixada de Portugal/Camões Berlim de divulgação internacional de
autores portugueses, composto por uma série de iniciativas entre as quais
Exposição de Pedro Vaz central a criação de paisagem», o que
torna pertinente as expedições que
realiza para o trabalho de pesquisa,
se destacam a representação nacional na Feira do Livro de Leipzig, onde
Portugal será País Convidado em 2021, a visita de editores alemães à Feira do apesar de, hoje em dia, se poder estar
Livro de Lisboa e um programa de leituras na Feira do Livro de Frankfurt. Phoenix, e Superstition Wilderness, na ‘presente’ e observar os locais de
A autora de obras como Caderno de Memórias Coloniais e A Galeria Enrique Guerrero, Cidade do forma remota.
Gorda integrou a delegação de autores que este ano compuseram a México. Pedro Vaz, que vive e trabalha em
representação nacional na Feira do Livro de Leipzig, tendo os direitos Nas Superstition Mountains, a Lisboa, graduou-se em 2006 em Artes
do Caderno de Memórias Coloniais sido adquiridos nesse contexto para paisagem «aparenta ter sido formada Plásticas - Pintura, pela Faculdade de
publicação na Alemanha pela Weidle Verlag. para cenário de eventos ficcionados e Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Na primeira edição, em 2016, a Bolsa foi atribuída à autora Patrícia não reais», lê-se numa nota de im- Apresentou exposições na Cidade
Portela e, no ano seguinte, ao escritor Rui Cardoso Martins. prensa da exposição. «Uma visita per- do México, Phoenix, Porto, Torre di
mite provar que é real. Uma coisa ser Mostro (Itália), São Paulo, Lisboa e está
Grada Kilomba na Bienal verídica torna-a ainda mais fantástica, presente na exposição Second Nature:
e aqui é esse o caso. A luminosidade é Portuguese Contemporary Art from
de Arte de Berlim seca e ocre. Os catos que pontuam a the EDP Foundation Collection, no
paisagem parecem ter propriedades The Kreeger Museum, em Washington
A edição de 2018 da Bienal de Arte anímicas, (…). A sobrevivência huma- D.C.
Contemporânea de Berlim conta no A exposição Superstition Wilderness, na é uma concessão a prazo, devido
GRADA_KILOMBA©2016. FOTO LEO KOAKO CREATIVE

programa oficial com a presença de do artista plástico português Pedro às temperaturas elevadas e secura
Grada Kilomba, artista interdisciplinar Vaz (Maputo, 1977), em mostra no extrema; neste ambiente, estes seres
portuguesa, cuja obra aborda questões Camões/Centro Cultural Português do vegetais imóveis, por vezes antropo-
em torno dos temas da memória, da Luxemburgo até 4 de julho, apresen- mórficos, iludem ser habitantes ani-
raça, do género e da descolonização. ta, pela primeira vez na Europa, um mados, e de facto são-no, em forma
Kilomba reside em Berlim e o seu conjunto de trabalhos desenvolvidos vegetal e com um tempo mais lento
trabalho tem vindo a ser exibido em
em 2017, com base numa expedição às que o humano, mas na genealogia Ca­­mões, I.P.
diversos contextos internacionais, como a
Superstition Mountains, no deserto do direta das histórias fantásticas». Av. da Liberdade, n.º 270
Documenta 14, em Kassel, a 32ª Bienal de
São Paulo, a Art Basel, o museu Bozar em Bruxelas, e o Maxim Gorki Theater, Arizona, Phoenix, EUA. A nota cita Javier Ramirez Limón, 1250-149 Lisboa
entre outros. O Projeto Superstition Wilderness que refere aquela carga fantástica nas TEL. 351+213 109 100

Em 2017 apresentou pela primeira vez o seu trabalho em Portugal, com partiu da residência Onloaded, pinturas de Pedro Vaz, ao dizer que «es- FAX. 351+213 143 987

exposições individuais na Galeria Avenida da Índia, no MAAT – Museu de desenvolvida no Phoenix Institute of tas imagens-manto, flutuantes pela sua www.ins­­titu­­to-ca­­moes.pt
Arquitetura, Arte e Tecnologia, e com reflexões e conversas no Teatro Maria Contemporary Art, Phoenix, EUA, pálida luminosidade, ocre e dourada, jlencarte@camoes.mne.pt
Matos e no HANGAR. 10ª edição da Bienal de Arte Contemporânea de Berlim em fevereiro e março de 2017. Deu sugerem uma proximidade táctil ao ele- PRE­­SI­­DEN­­TE Luís Faro Ramos
decorre este ano até 9 de setembro, sob o lema este We don’t need another hero. anteriormente origem à exposição mento topográfico e, em consequência, COORDENAÇÃO Vera Sousa
Peralta to Boulder Kanyon, no PHICA, à sua dimensão mítica e lendária». COLABORAÇÃO Carlos Lobato

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20 de junho a 3 de julho 2018

Filhos do Retorno
Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II acolhe, de 21 de junho a 1 de julho, criação de Joana Craveiro

ÁguEDA E Tecnologia do Cuidar


até 15 de setembro
Ricardo Aibéo, Rafael Fonseca, Mário
Sousa, Nuno Casanovas, entre outros.
Museu da Cerâmica
R. Dr. Ilídio Amado. Tel.: 262 840 280
E Tudo, no Mundo, 20 de junho – 21h30 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 19 H
Centro de Artes de Águeda
Existe para Acabar em Livro T vanessa vai à Luta E Ecos de uma Paisagem
R. Joaquim V. Almeida, 30. Tel.: 234 180 151
Instalação de Dionísio Souto Abreu. Texto de Luísa Costa Gomes. Exposição antológica de Armando Correia.
E Subway Life Encenação de António Pires. até 26 de agosto
até 14 de outubro
Exposição de desenhos de António Jorge Gonçalves. 21 de junho - 21h30
até 31 de dezembro
AvEIRO M Ana bacalhau: Nome Próprio
22 de junho – 21h30
CASCAIS
ALMADA Teatro Aveirense
T António e beatrix Casa das Histórias Paula Rego
De Abel Neves. Encenação de Rui Madeira. Av. da República, 300. Tel.: 214 826 970
R. Belém do Pará. Tel.: 234 400 920
Casa da Cerca Interpretação de Nora Covali, Rogério Boane. T ODOS OS DIAS , DAS 10 H ÀS 18 H
R. da Cerca. Tel.: 212 724 950
M Duquesa 26, 27 e 28 de junho – 21h30
21 de junho – 21h30 E Paula Rego: Contos
3ª A D OM , DAS 10 H ÀS 18 H ; E NCERRA AOS FERIADOS M Orquestra Fi-bra Tradicionais e Contos de Fadas
E Ana Hatherly. D um (unimal) 30 de junho – 21h30
Solo de Cristina Planas Leitão. até 30 de setembro
O Prodígio da Experiência
24 de junho – 19h
até 9 de setembro
E Acervo da Casa da Cerca T O Deus da Carnificina bRAgANçA Centro Cultural de Cascais
29 de junho – 21h30 Av. Rei Humberto II de Itália. Tel.: 214 848 900
até 9 de setembro 3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 18 H
Museu do Abade de baçal
E Materiais do Desenho E Paramentos Litúrgicos.
até 9 de janeiro 2019 bATALHA R. Abílio Beça, 27. tel.: 273 33 15 95
3ª A D OM ., DAS 09 H 30 ÀS 12 H 30 E DAS 14 H ÀS 18 H Coleção Duarte Pinto Coelho
E Douro, Lugar de um Encontro Feliz até 6 de janeiro 2019
Mosteiro da batalha
A LvERCA DO R IbATEJO Lg. Infante D. Henrique. Tel.: 244 765 497
até 30 de junho E OitoxOito 
até 9 de dezembro
2ª A 6ª, DAS 9H ÀS 18 H E Memórias do Salto:
Museu Municipal – Núcleo de Alverca E gente de batalha Emigração Clandestina no
Pç. João Mantas, n.º 4 Exposição de fotografia de António Barreto. Estado Novo em Trás-os-Montes CHAvES
E Alverca Cista do Ar a partir de 24 de junho até 30 de junho
até 31 de agosto Museu de Arte
bRAgA CALDAS DA RAINHA Contemporânea Nadir Afonso
ANgRA DO HEROíSMO Av. 5 de Outubro, 10. Tel.: 276 340 501
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 13 H E DAS 14 H ÀS 19 H
Theatro Circo Museu Leopoldo de Almeida
R. Dr. Ilídio Amado. Tel.: 262 840 540
E Mesa dos Sonhos: Duas
Museu de Angra do Heroísmo Av. da Liberdade, 697. Tel.: 253 203 800
E José Aurélio: O Homem Coleções de Arte Contemporânea
Ladeira de São Francisco. Tel.: 295 240 800 T Colónia Penal
até 14 de outubro
E Tesouros da Casa Forte: Scrimshaw Texto de Jean Genet. Encenação de António Pensa Porque tem Mãos
até 17 de julho Pires. Interpretção de Cassiano Carneiro, até 18 de setembro
COIMbRA
Convento São Francisco
Av. da Guarda Inglesa 3. Tel.: 239 857 190
T ODOS OS DIAS , DAS 15 H ÀS 20 H
E Prémio Estação
Imagem 2018 Coimbra
até 10 de julho
M LEKEu - O génio Esquecido
Interpretação de Bruno Monteiro
(violino), Miguel Rocha (violoncelo)
e João Paulo Santos (piano).
23 de junho – 21h30
M Sérgio godinho: Nação valente
28 de junho – 21h30

Mosteiro de Santa Clara-a-velha


R. das Parreiras. Tel.: 239 801 160
E Navegar em Ruínas
até 31 de dezembro
E Azulejaria Mudéjar do Mosteiro de
Santa Clara-a-velha - Inclusão pela Cor
até 31 de dezembro

Museu Nacional Machado de Castro


Lg. Dr. José Rodrigues. Tel.: 239 853 070
3ª A D OM ., DAS 10 H ÀS 17 H 30
E Claude Laprade e o
barroco Europeu em Coimbra
até 30 de setembro

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A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

Teatro Académico de Gil Vicente M Ensemble de Cordas da Orquestra M Cícero Museu de Alberto Sampaio (extensão)
Pç. da República. Tel.: 239 855 630 Sinfónica de Castilla y león 22 de junho – 21h30 Pç. De S. Tiago. Tel. (info.): 253 423 910
D Triste in English from Spanish Lucas Macías Navarro - oboé e direção musical. M let´s Celebrate E Guimarães. Património. registos.
Conceção, direção artística, Obras de E. Grieg, J.S. Bach, A. Schönberg. 23 de junho – 16h e 21h até julho
escrita, interpretação de Sónia Batista. 30 de junho – 22h M Orquestra Conservatório
21 de junho – 21h30 M Orquestra Clássica de Espinho reg. do algarve Maria Campina Paço dos Duques
D Olympia Concertopara famílias sob a direção musical 27 de junho – 21h30 R. Conde D. Henrique. Tel.: 253 412 273
Texto de Jean Dubuffet. Conceção de Pedro Neves e a narração de Mário Alves. M A Volta ao Mundo em 10 Meses T ODOS OS DIAS , DAS 10 H àS 18 H
e interpretação de Vera Mantero. Obras de Prokofiev e Mozart/Haydn/Angerer. 29 de junho – 17h30 E Monges e Guerreiros
22 de junho – 18h30 1 de julho – 11h30 até janeiro 2019
M Adriana Calcanhotto: Teatro lethes
A Mulher do Pau Brasil
24 de junho – 21h30 ÉVOrA R. de Portugal, 58. Tel.: 289 878 908
M Festa da Música 
lEiriA
igreja do Salvador Alliance Française de l’algarve Museu da imagem em Movimento
ElVAS Tel. (info.): 266 769 450 21 de junho – 21h30
T Fiz das Pernas Coração
Lg. de S. Pedro . Tel.: 244 839 675
E Alentejo… Castelos na Planície T ODOS OS DIAS , DAS 9 H 30 àS 17 H 30
Direção de Elisabete Martins, Luís E Nós e os Outros
Museu de Arte Contemporânea de Elvas Exposição de pintura de António José Ervedeiro.
Manhita  Produção ATA / APATRIS 21. até 30 de dezembro
3ª, das 14h às 18h; 4ª a Dom., das 11h às 18h até 22 de setembro
23 de junho – 21h30
E A Sedução de uma
Virgula Bem Colocada
FArO liSBOA
até 4 de novembro FuNChAl
Teatro das Figuras Arquivo Nacional Torre do Tombo
ESPiNhO Horta das Figuras, E. N. 125. Tel.: 289 888 100
Teatro Municipal Baltazar Dias
Av. Arriaga. Tel.: 291 220 416
Al. da Universidade. Tel.: 217 811 500
2 ª A 6 ª , DAS 9 H 30 àS 19 H 30; S áB ., DAS 9 H 30 àS 12 H 30
T Manuel Marques & Eduardo Madeira
T Montanha-russa E Entre a Cruz e o Crescente:
Auditório de Espinho 16 de junho – 21h30
De Inês Barahona e Miguel Fragata/Formiga o resgate de Cativos
R. 34, 884. Tel.: 227 341 145 T 40 e Então? Atómica. Encenação de Miguel Fragata. até 7 de julho
M la Voce Strumentale Direção de Sónia Aragão. Interpretação de Anabela Almeida, Bernardo
Dmitry Sinkovsky - violino e direção musical. Interpretação de Ana Brito e Cunha, E Abolição da Pena de
Lobo Faria, Carla Galvão, Miguel Fragata Morte e Cidadania Europeia
Programa: A. Vivaldi, As quatro estações. Fernanda Serrano e Maria Henrique. e Hélder Gonçalves, entre outros.
22 de junho – 22h 21 de junho – 21h30 até 31 de julho
30 de junho e 1 de julho
Biblioteca Nacional de Portugal
GONDOMAr Campo Grande, 83. Tel.:  217 982 000
E Maio de 68:
lugar do Desenho - Testemunho na Primeira Pessoa
Fundação Júlio resende até 30 de junho
R. Pintor Júlio Resende, 346. Tel.: 224 649 061 E Maria José Marinho: 90 Anos
3 ªA 6 ª , DAS 14 H 30 àS 18 H 30; até 16 de julho
S áB . E D OM ., DAS 14 H 30 àS 17 H 30 E A. Campos Matos: 90 Anos
E resende. linha do Tempo até 31 de agosto
até 14 de outubro E Vitorino Magalhães Godinho
(1918-2011). A Pensar e a
GuArDA Querer Agir, uma Vida Exemplar
até 31 de agosto
Teatro Municipal da Guarda E Padre Manuel Antunes (1918-1985):
R. Batalha Reis, 12. Tel.: 271 205 240 um Pedagogo da Democracia
T Voltas & reviravoltas & Contravoltas até 31 de agosto
Encenação de Américo Rodrigues. E 200 Anos de liberalismo
Interpretação de Adelino Ribeiro, em Portugal. O Sinédrio:
Daniel Monteiro, Fábio Santos, Conspiração Maçónica
Jaime Sá, Falco Vieira, entre outros. até 7 de setembro
20 de junho - 21h30 E A Três Vinténs. 100 Anos de
M Slow is Possible Fascículos de Aventuras em Portugal
29 de junho – 22h
até 14 de setembro
M Elas e o Jazz
E Vianna da Motta (1868-1948)
Com Joana Machado,
até 14 de setembro
Mariana Norton e Marta Hugon.
30 de junho – 21h30 C Vitorino Magalhães Godinho
Conferência de Joaquim Romero Magalhães.
20 de junho – 18h
GuiMArãES M Música na Biblioteca i -
Orquestra Metropolitana de lisboa
Casa da Memória de Guimarães Direção musical de Amaury du Closel
Av. Conde Margaride, 536. Tel.: 253 424 716 e participação de Nuno Abreu.
3ª A D OM ., DAS 10 H àS 13 H E DAS 14 H àS 19 H Obras de F. Lopes-Graça e Kurt Weill.
E Memento. A Batalha Perdida, 22 de junho – 21h
la lys, 9 de abril de 1918 E As 1001 Noites em Portugal
até 24 de junho Visa-se redescobrir e valorizar a presença
E Pergunta ao Tempo e o legado, em Portugal, deste grande clássico
até 30 de setembro da literatura mundial e do fascínio orientalista.
25 de junho a 29 de setembro
Centro Cultural Vila Flor M Música na Biblioteca ii:
Av. D. Afonso Henriques, 701. Tel.: 253 424 700 Orquestra Metropolitana de lisboa
E Non-Fiction Direção do maestro Reinaldo Guerreiro.
Exposição de fotografia de André Príncipe. Obras de Carlos Marecos e J. Brahms.
até 28 de julho 29 de junho – 21h

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - f.toriello@lingue.uniba.it - 172.17.21.102 (20-06-18 07:27)
1427333

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A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

Centro Cultural de Belém E Eco-Visionários: Arte e


Pç. do Império. Tel.: 213 612 400 Arquitetura após o Antropoceno
3ª a D om ., DaS 10 h àS 18 h até 8 de outubro
E No Fundo Portugal é Mar
até 31 de julho Museu Coleção Berardo
M Música de Câmara CCB. Pç. Do Império. Tel.: 213 612 878
Por Lia Yeranosyan (violino) 3ª a D om ., DaS 10 h àS 19 h
e olga Vasilyeva (piano). E João Miguel Barros: Photo-Metragens
obras de G. Fauré, o. messiaen e m. Ravel. até 26 de agosto
21 de junho – 19h E Linha, Forma e Cor:
M Festival Coros de Verão Obras da Coleção Berardo
22 a 25 de junho até 16 de setembro
C 2084 Imagine: Graça Castanheira
com José Pedro Serra Museu de Arte Popular
25 de junho – 21h av. Brasilia. Tel.: 213 011 282
M Canções da Terra e do Mar - 4ª a D om ., DaS 10 h àS 18; S áB . E D om .,
Concerto no Jardim ENCERRaDo DaS 13 h àS 14 h
Por Rita maria e Filipe Raposo. E Maurits Cornelis Escher
30 de junho – 17h até 16 de setembro
C (Quase) Toda Uma Vida E Agricultura Lusitana 2015-18.
anabela mota Ribeiro conversa Craft+Design+Identidade
com artur Cruzeiro Seixas. até 30 de dezembro
1 de julho – 17h Filhos do Retorno
Museu do Oriente
Cinemateca Portuguesa av. Brasília, Doca de alcântara. Tel.: 213 585 200
R. Barata Salgueiro, 39. Tel.: 213 596 200 3ª a D om ., DaS 10 h àS 18 h ; 6 ª , DaS 10 h àS 12 h Museu Nacional do Teatro e da Dança de João mota. Interpretação
E A Ópera Chinesa Estrada do Lumiar, 10. Tel.: 217 567 410 de Carlos Paulo, Carlos Vieira de
E A Canção de Lisboa & Gado Bravo
até 31 de dezembro 3ª a D om ., DaS 10 h àS 18 h almeida, Elsa Galvão, hugo Franco.
2ª a 6ª, DaS 14 h àS 19 h 30
até 31 de julho E Luz Negra - Fotografia 4ª a S áB ., àS 21 h 30; D om ., àS 16 h
e Teatro em Itália (1946-2018) até 24 de junho
Museu Nacional de Arqueologia
Culturgest Pç. do Império. Tel.: 213 620 000 até 10 de setembro
R. arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155 3ª, DaS 14 h àS 18 h ; 4 ª a D om ., DaS 10 h àS 18 h Teatro da Politécnica
Museu Nacional do Traje R. da Escola Politécnica, 58. Tel.: 213 916 750
E Michael Biberstein E Religiões da Lusitânia.
até 9 de setembro Loquuntur Saxa. Lg. Júlio Castilho. Tel.: 217 567 620 T Dave Queda-Livre
3ª, DaS 14 h àS 18 h ; 4 ª a D om ., DaS 10 h àS 18 h De Tiago Lima. Direção de Tiago Lima.
T O Novo Mundo até 30 de dezembro
M Marco Rodrigues Interpretação de ana Rita monteiro,
Um espetáculo d’os Possessos. De Daniel E Loulé: Territórios,
24 de junho – 21h30 Beatriz Batarda, Bruno ambrósio, Carolina
Gamito marques, João Pedro mamede, Leonor Memórias, Identidades Passos Sousa, David Esteves, entre outros.
Buescu, miguel Ponte, Nuno Gonçalo Rodrigues até 30 de dezembro
Museu Nacional dos Coches 22 de junho - 21h
e Tiago Lima. Interpretação de andré Pardal, E Um Museu, Tantas Coleções!
Catarina Rôlo Salgueiro, David Esteves, av. da Índia, 136. Tel:210 732 319 T Prosopopeia
Testemunhos da Escravatura. 3ª a D om ., DaS 10 h àS 18 h De Pedro Batista. Encenação de Pedro
Eduardo Breda, Filipa matta, entre outros. Memória Africana E Partida da Família Batista. Interpretação de ana Valente, Elena
27 a 30 de junho – 21h30 até 30 de julho Rudakova, Francisco Sousa e mário Coelho.
Real para o Brasil – 1807
5ª E 6ª, àS 21 h 00; S áB . àS 16 h 00 E àS 21 h 00
Chiado 8 até 23 de junho
Museu Nacional de Arte Antiga E Reis e Rainhas de Portugal
28 a 30 de junho
Lg. do Chiado, 8. Tel.: 213 401 676
R. das Janelas Verdes. 213 912 800
2ª a 6ª, DaS 12 h àS 20 h Exposição de pintura de Norberto Nunes.
E Coleção António Cachola:
3ª a D om ., DaS 10 h àS 18 h
até 30 de setembro Teatro da Trindade
E Obra Convidada: Retrato R. Nova da Trindade, 9. Tel.: 213 423 200
10 Anos / 10 Artistas / 10 Comissões
de Anne Catherine Le Palácio Nacional da Ajuda T Lições de Dança para
até 29 de junho
Preudhomme, Condessa de Verdun Lg. da ajuda. Tel.: 213 620264 Pessoas de uma Certa Idade
De Élisabeth Louise Vigée Le Brun, T oDoS oS DIaS ( ExCETo à 4ª FEIRa ), DaS 10 h 18 h a partir de Bohumil hrabal. Tradução, e
Fundação Arpad Szènes - Vieira da Silva àS
pertencente à Coleção Novo Banco. P Educação, Arte e Património – EAP ncenação e interpretação de João Lagarto.
Pç. das amoreiras, 58. Tel: 213 880 044
até 16 de setembro até dezembro 4 ª S áB ., àS 21 h 45; D om ., àS 17 h
3ª a Dom .. DaS 10 h àS 18 h ; ENCERRa 2ª E FERIaDoS
E Explícita Arte Proibida? até 15 de julho
E Pedro Proença: Antologia de Artistas C Lisboa, Património e Casa Antigas.
até 28 de outubro
até 9 de setembro Palacete Mendonça: Ecletismo,
Teatro Nacional D. Maria II
E O Outro Casal. Internacionalismo e Progresso Pç. D. Pedro IV. Tel.: 213 250 800
Helena Almeida e Artur Rosa Por Júlia Zurbach Varela (Uni. de Évora).
MNAC- Museu do Chiado E Amélia
até 9 de setembro 21 de junho – 21h30
R. Serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148 até 30 de setembro
3ª a D om ., DaS 10 h àS 18 h T Filhos do Retorno
Fundação Calouste Gulbenkian Roca Lisboa Gallery
E Arte Portuguesa. Razões e Emoções Texto, direção e cocriação de Joana Craveiro.
av. de Berna, 45ª. Tel.: 213 880 044 Pç. dos Restauradores, 46.
até 31 de março 2019 Cocriação e interpretação de Cláudia
2ª, 4ª a D om ., DaS 10 h àS 18 h 2ª a 6ª, DaS 10 h àS 19 h ; S áB ., DaS 10 h àS 17 h
E Nikolai Nekh. andrade, Daniel moutinho, Lavínia moreira,
E Pós-Pop. Fora do Lugar-Comum. E Paulo Parra Design Essencial
Calcanhar de Aquiles, 2018 marina albuquerque e Rafael Rodrigues.
Desvios da «Pop» em Portugal até 22 de setembro 4ª, àS 19 h 30; 5 ª a S áB ., àS 21 h 30; D om ., àS 16 h 30
22 de junho a 9 de setembro
e Inglaterra, 1965-1975 21 de junho a 1 de julho
até 10 de setembro E José Pedro Cortes. Teatro Aberto D O Rei no Exílio – Remake
Um Realismo Necessário Pç. de Espanha. Tel.: 213 880 079 Textos de D. manuel II, antónio Cabral
Maria Matos Teatro Municipal 28 de junho a 28 de outubro T Pela Água e Francisco Camacho. Coreografia de
av. Frei miguel Contreiras, 52. Tel.: 218 438 800 Encenação e dramaturgia de Tiago Francisco Camacho. Interpretação de
M Gabriel Ferrandini Torres da Silva. Interpretação de Fernando Fernanda Lapa e Francisco Camacho.
20 de junho – 22h Museu Nacional de Etnologia Luís, miguel Nunes e Teresa Sobral. 29 de junho – 21h
av. Ilha da madeira. Tel.: 213 041 160 4ª a S áB ., àS 21 h 30; D om ., àS 16 h
MAAT - Museu de Arte, 3ª, DaS 14 h àS 18 h , 4 ª a D om ., DaS 10 h àS 18 h até 22 de julho Teatro Villaret
Arquitetura e Tecnologia E Estudos do Labirinto av. Fontes Pereira de melo, 30ª. Tel.: 213 538 586
av. Brasília, Central Tejo Exposição repartida pelo museu Nacional de Teatro da Comuna T Mais Respeito Que Sou Tua Mãe
4ª a 2ª, DaS 11 h àS 19 h Etnologia, Jardim Botânico Tropical, museu de Pç. de Espanha. Tel.: 217 221 770 Encenação e interpretação de Joaquim monchique.
E Tomás Saraceno marinha e Planetário Calouste Gulbenkian. T O Hóspede 5ª a S áB ., 21 h 30; D om ., àS 18 h
até 27 de agosto até 16 de setembro De Joe orton. adaptação e encenação até 26 de agosto

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a audiovisual » C colóquios / conferências » d dança » e exposições » m música » md multidisciplinares » nC novo circo » P pedagogia » t teatro

mafra Palestra pré-concerto por Rui Pedro Alves, às 20h15.


obras de G. F. haas e A. bruckner.
Palácio da bolsa
R. de Ferreira borges. Tel.: 223 399 000~
interpretação de carla bolito, Pedro
caeiro, elisabete Pinto e Tiago matias. Uma
30 de junho – 18h e da Coleção de serralves no produção Artistas Unidos. coprodução Teatro
Palácio nacional de mafra do Noroeste/centro dramático de Viana.
m ludere Palácio da bolsa: Katharina Grosse
Terreiro d. João V. Tel.: Tel.: 261 817 550 21 de junho – 21h30
30 de junho – 22h até 14 de abril
e do tratado à obra. Génese
m orquestra energia fundação edP
da arte e da arquitetura
no Palácio nacional de mafra
direção musical de José eduardo Gomes.
1 de julho – 18h
teatro Carlos alberto
R. das oliveiras, 43. 223 401 900
vila franCa de Xira
até 17 de novembro m academia de música de Costa Cabral t lulu museu do neorrealismo
t memorial do Convento direção musical de Luís carvalhoso. A partir de Espírito da Terra/Earth-Spirit R. Alves Redol, 45. Tel.: 263 285 626
de José saramago. obras de F. J. halferty, J. caponegro, (1903) e A Caixa de Pandora/Pandora’s Box 3 ª A 6 ª , dAs 10 h às 19 h ; s áb ., dAs
1 º s ábAdo de cAdA mês , às 18 h
P. Lavender, m. sweeney, entre outros. (1904) de Frank Wedekind. Tradução de 15 h às 22 h ; d om ., dAs 11 h às 18 h
até dezembro 2 de julho – 21h30 Aires Graça. encenação de Nuno m cardoso. e miúdos: a vida às mãos Cheias.
m música de Câmara interpretação de Afonso santos, António a infância do neorrealismo Português
matosinhos Por marina Pacheco (soprano), horácio Afonso Parra, catarina Gomes, daniela até 30 de setembro
Ferreira (clarinete) e Pedro costa (piano). cruz, João cardoso, entre outros.
e Cosmo/Política #2:
Casa da arquitetura - obras de R. V. Williams, G. mahler, 4ª e s áb ., às 19 h ; 5 ª e 6ª, às 21 h ; d om ., às 16 h
s. carvalho, e. bozza, entre outros. 20, 21, 22 e 27 a 30 de junho Conflito e unidade
Centro Português de arquitetura até 11 de novembro
3 de julho – 19h30
Av. menéres, 456. Tel.: 222 404 663 e entre o mato e a roça
3 ª A 6 ª , dAs 10 h às 19 h ; s áb ., teatro nacional são João
Pç. da batalha. Tel.: 223 401 900 exposição de fotografia de emiliano dantas.
d om . e F eRiAdos , dAs 10 h às 20 h até 28 de outubro
e os universalistas – 50 anos Casa das artes t mendoza
R. Ruben A, 210. Tel.: 226 006 152 Adaptação de Macbeth de William shakespeare.
de arquitetura Portuguesa
até 19 de agosto
2 ª A 6 ª , dAs 10 h às 12 h 15 e dAs 14 h 30
18 h 30; d om ., dAs 14 h 30 às 18 h 30
às de Antonio Zúñiga, Juan carrillo. encenação v ila n ova de f oZ C ôa
de Juan carrillo. interpretação de marco
e evangelização de um deus Parido Vidal, mónica del carmen, erandeni
Porto exposição de Pintura de José A. Nunes. durán, Leonardo Zamudio, entre outros. museu do Côa
R. do museu. Tel.: 279 768 260
23 de junho a 30 de julho 20 de junho – 21h
Casa allen e incisão no tempo
obras do Acervo do Atelier-museu
R. António cardoso, 175. Tel.: 226 000 454
e o Porto – fragmentos da vida musical Centro Português de fotografia
s. m amede de i nfesta Júlio Pomar no museu do coa.
até 5 de agosto
até 15 de julho campo mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310 Casa-museu abel salazar
3 ª A 6 ª , dAs 10 h à s 12 h 30 e dAs 14 h às 18 h ;
R. dr. Abel salazar, 488. Tel.: 229 039 827
Casa da música s áb ., d om . e F eRiAdos , dAs 15 h às 19 h
2ª A 6ª, dAs 9 h 30 às 13 h e dAs 14 h 30 às 18 h vila real
Av. da boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200´ e sequestros de luz
e layers / on-site instalattion
m academia musical exposição coletiva de fotografia. teatro de vila real
de Tom stanley.
dos amigos das Crianças até 24 de junho Al. de Grasse. Tel.: 259 320 000
até 30 de agosto
20 de junho – 19h30 e morte à morte! 150 anos da m best Youth
m academia de música abolição da Pena de morte em Portugal 27 de junho – 19h
valentim de Carvalho até 24 de junho setúbal m sopa de Pedra
20 de junho – 21h30 e diez miradas al abandono 30 de junho – 22h
m trio noa coletiva que oferece um percurso fotográfico, fórum municipal luísa todi
através de 32 imagens, que convidam à reflexão Av. Luísa Todi, 65. Tel.: 265 522 127
21 de junho – 22h
m arrábida sinfónica sobre transformação, ruína e abandono. m enraiz’arte viseu
até 1 de julho 23 de junho – 16h30
Pela orquestra sinfónica do Porto casa da
música, sob a direção musical de otto Tausk. e bloody landscapes m norwalk Youth simphony museu nacional Grão vasco
até 8 de julho direção de Jonathan Yates. Adro da sé. Tel.: 232 422 049
obras de m. Ravel, m. de Falla e Z. Kodály.
22 de junho – 22h 26 de junho – 21h30 e desenhar o tempo:
m bastião fundação de serralves d dança Contemporânea o desenho do relógio
22 de junho – 22h R. d. João de castro, 210. Tel.: 226 156 500 Pela Acad. de dança contemporânea de setúbal. exposição de Zizi Ramires.
3 ª A 6 ª , dAs 10 h às 13 h e dAs 14 h às 17 h ; até 9 de setembro
m Concerto de são João 30 de junho – 16h
s áb ., dom . e FeRiAdos dAs 10 h às 19 h
Pela banda sinfónica Portuguesa,
e Coleção de serralves: teatro viriato
sob a direção musical de Francisco Ferreira.
23 de junho – 22h
novas linhas, imagens, objetos tondela Lg. mouzinho de Albuquerque. Tel.: 23 2480 110
até 24 de junho e teatro da academia - 25 anos
m rodrigo affreixo dj set
23 de junho – 22h
e Work in Progress associação e recreativa de tondela exposição de fotografias do Teatro da Academia.
até 29 de julho R. dr. Ricardo mota 79. Tel.: 232 814 400 até 12 de julho
m Coro infantil Casa da música
Raquel couto - direção musical.
e Zero em Comportamento: e Ceramistas em diálogo e menos 21
duarte cardoso e Gonçalo Vasquez – piano. obras da Coleção de serralves Com o movimento maio 68 exposição de fotografias de carlos Fernandes.
24 de junho – 18h até 9 de setembro até 24 de junho até 20 de julho
m notas em nós e a Coleção sonnabend: meio século e Para uma timeline a haver
de arte europeia e americana. Part ii Genealogias da dança enquanto
concerto final de ano letivo do
conservatório de música de Paredes. até 23 de setembro
tomar Prática artística em Portugal
25 de junho – 19h30 e Projetos Contemporâneos: exposição de Ana bigotte
Convento de Cristo Vieira e João dos santos martins.
m buna espinho martine syms - lessons i- ClXXX Tel.: 249 315 089
26 de junho – 19h30 até 30 de setembro até 20 de julho
e no rasto da devoção, d apresentações lugar Presente
m Curso de música silva monteiro e anish Kapoor
escultura em Pedra no Convento 24 a 28 de junho
27 de junho – 21h30 21 de junho a 6 de janeiro 2019
de Cristo - séculos Xiv a Xvi
m isabel rato Quarteto e e depois, a história - Go hasegawa,
até 27 de julho
28 de junho – 22h Kersten Geers, david van severen
m blue Crime 28 de junho a 15 de outubro
29 de junho – 22h viana do Castelo
m 4 trompas alpinas mosteiro são bento da vitória Gabinete de estratéGia,
R. de são bento da Vitória. Tel.: 223 401 900 teatro municipal sá de miranda Planeamento e avaliação Culturais
e uma orquestra?
Pela orquestra sinfónica do Porto casa d PaP balleteatro. R. de sá de miranda. Tel.: 258 809 382 Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
da música e hornroh modern Alphorn as escolas de teatro no tnsJ t nada de mim  Tel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 832
Quartet. direção musical de stefan blunier. 27 e 28 de junho – 21h de Arne Lygre. encenação de Pedro Jordão. relacoes.publicas@gepac.gov.pt

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