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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

LICENCIATURA EM HISTÓRIA DA ARTE - 1 ° SEMESTRE / 2º ANO

Mesa 2 «A Rua na dinâmica da cidade: funções»


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Nuno Resende (Universidade do Porto/CITCEM) _ Paisagens sonoras da


cidade do Porto: o caso da Rua das Flores. Uma experiência interdisciplinar.

SOB ORIENTAÇÃO DO PROFESSOR MANUEL ROCHA NO ÂMBITO DE


ARQUITETURA DA ÉPOCA MODERNA

TRABALHO REALIZADO POR INÊS DELGADO

PORTO
2021
Trânsito automóvel na rua das Flores; foto de 1963 [Arquivo Municipal do Porto | Porto Desaparecido]
Fonte da Imagem

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Rua das Flores na atualidade, Porto, 2021. Fotógrafo Desconhecido | Fonte da Imagem
RESUMO DO COLÓQUIO SOBRE OS 500 ANOS DA RUA DAS FLORES

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No atual ano de 2021, celebram-se quinhentos anos da abertura da rua das Flores; rua de
ourives, fidalgos e mercadores, tendo sido a principal impulsionadora da expansão da cidade
para além da zona ribeirinha. Ampla e airosa, inicialmente rasgada em terrenos ocupados por
hortas e jardins, a rua das Flores foi rapidamente urbanizada, tornando-se na rua mais
frequentada do Porto e um dos itinerários principais do turismo aqui presentes. Assim sendo,
enquanto uma rua da elite, a rua das Flores é um importante eixo da cidade desde o século
XVI (1521), a qual foi acompanhando a vitalidade comercial e social da cidade.

O autor convidado que optei por analisar foi o professor auxiliar Nuno Resende (Cinfães,
1978) do Departamento de Ciências e Técnicas do Património da FLUP. Neste sentido, a
conferência, no âmbito das Unidades Curriculares de Território e Espaço Urbano e
Metodologia de Projeto e Investigação II do Mestrado em História da Arte, Património e
Cultura Visual da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, do ano letivo 2017/2018 (2º
Semestre), decorreu no dia 11 de Novembro, por volta das 12:15h, cujo título é: “Escutar ao
Porto. Reconstrução das Paisagens Sonoras da Cidade do Porto no século XIX: O Caso da
Rua das Flores”. Em linhas gerais, divide-se nos seguintes tópicos: contextualização do
projeto e justificação do mesmo; objetivos principais; problemáticas e questões levantadas;
metodologias; constituição de equipas de trabalho e, finalmente, a menção das parcerias
existentes no corpo da pesquisa.

Para começar, o professor Nuno Resende faz um agradecimento especial pelo encontro e
presença de todos na Organização, e explica os objetivos fundamentais deste projeto
desenvolvido em 2019, do qual é coordenador, embora não seja realmente seu, que é nada
mais, nada menos, do que: permitir apresentar as perspetivas inter e multidisciplinares sobre
esta rua; mostrar como podemos sair desta tríade da cultura visual, do património e da
história para entrarmos num campo de cultura, não apenas voltada para a visão, mas
multissensorial, de forma a reconhecer a importância de novos elementos de estudo; recolher
ferramentas de investigação, partindo do estudo de fontes documentais e visuais, da sua
sistematização, análise e interpretação, e, até mesmo, revalidar ou revisitar conceitos e noções
de lugar, espaço, paisagem e território; contribuir para a crítica e realização de práticas
metodológicas e para o manuseamento de novas formas de apresentação da memória histórica
e, essencialmente, proceder à reconstituição de sonoridades como expressões de valor
testemunhal, estético - inclusive porque o som faz parte desta vertente -, cultural e económico
para a valorização das comunidades e da sua memória. Deste modo, este trabalho laboratorial
incide sobre o ambiente citadino, neste caso, na nossa tão invicta cidade do Porto, servindo
como laboratório de aprendizagem para um determinado curso e para estas unidades
curriculares, que foram potencializadas pelos alunos, cujas competências adquiridas vão
refletir-se ao longo do mesmo. Por conseguinte, no espaço de apenas um semestre, os
estudantes, organizados em equipas, desenvolveram um método de identificação, registo e
apresentação dos sons da Rua das Flores, através de fontes primárias e secundárias, textuais e
visuais, cuja planificação e execução foi explicada aqui pelo docente.

Em suma, este projeto centra-se na Rua das Flores, estudo de caso adequado às paisagens
sonoras, cada vez mais analisadas, não tanto em Portugal, mas, sobretudo, no mundo
anglo-saxónico, que tem pensado para além dos seus aspetos urbanísticos, materiais e físicos,
ou imagéticos, das fachadas e dos seus elementos estáticos e plásticos, chegando a algo
puramente abstrato e imaterial. É necessário sentir e não apenas ver para podermos chegar a
um domínio mais alargado desta realidade, reforçando a relação multidisciplinar entre
património, cultura visual, estudos fenomenológicos e outros campos de estudo da estética e
da arte, a fim de aplicar novas formas de abordagens de interpretação e educação patrimonial,
sendo este último o mais importante de todos, e, por fim, acrescentar ou propor “valores” e
novas abordagens ao espaço urbano, pensando de um ponto de vista contemporâneo. A
leitura desta artéria começa, portanto, “a partir de hoje para ontem”, como refere o professor
Nuno Resende, isto é, é quase obrigatório refletirmos sobre o que se vê nos dias atuais
comparativamente ao passado; a mudança na forma de a encarar. É crucial reconhecer a
complexidade deste tema e discutir sobre ele para uma compreensão integrada dos usos e
significados dos patrimónios, pois cada rua é um museu de arquitetura, de elementos
artísticos, de sons, ideias, conceitos e imagens.

Ademais, tiveram a ajuda do inventor desta ideia dos «soundscapes», ou “paisagens sonoras”,
termo do canadiano Raymond Schafer, que surgiu dos estudos da Ecologia Acústica e tem
vindo a ser aplicado na diacronia, bem como estender-se a outras áreas científicas e campos
do saber que não apenas a Musicologia, como a História, a História da Arte e a Arqueologia.
O livro da sua autoria, “A Afinação do Mundo”, foi indispensável para compreenderem (o
professor e os alunos), pelo menos metodologicamente, como se podem levantar e classificar
as sonoridades que nos envolvem e, neste caso, os sons que encontramos no tempo, enquanto
historiadores. Posto isto, devemos ponderar na forma como as sonoridades estão ligadas ao
mundo da arte e do património de todos os pontos de vista, desde as práticas e técnicas
artísticas, do fazer ao usar e do usar ao usufruir, dado que cada obra está associada a um ou
mais tipos de sons.

Em seguida, o docente Nuno Resende expõe as questões de partida que lança a cada ano a
uma nova turma, enquanto desafio a ser concluído face ao desenrolar do projeto: Onde? Que
cronologia? Com que propósito? Ao que responde que escolheram o século XIX por ser uma
época marcada pela produção de vastos conjuntos de fontes de registo do tempo e da
memória em diversos suportes, e porque a cidade estava associada a um período de
transformações e de produção de novas sonoridades, nomeadamente da mecanização e da
industrialização, o que permite termos uma ideia mais abrangente sobre este tema.

No que diz respeito aos propósitos deste trabalho, estes são: identificar fontes históricas,
diretas ou indiretas, primárias ou secundárias, capazes de indicar, apresentar ou sugerir sons
para a Rua das Flores, ou sonoridades que documentem e testemunhem práticas e/ou
fenómenos sociais e confiram uma dimensão sensorial à memória histórica e à produção
artística; propor formas de tratamento metodológico, tendo em vista a análise das fontes
reconhecidas, para recortar e sistematizar os elementos factuais que indiciem sons; contribuir
para o desenho ou a criação de ferramentas digitais que auxiliem a audição das sonoridades
na paisagem e no território e, por fim, a compreensão da sua arqueologia na construção do
tecido urbano de hoje.

Ao pesquisarmos mais a fundo acerca da Rua das Flores, podemos chegar à conclusão que é
extremamente literária, pois tem conhecidas referências na literatura e na comunicação social,
sobretudo para o século XIX, não só literatos portugueses, mas de visitantes que estiveram cá
e deixaram-nos algumas descrições da cidade e, também, porque tinham um projeto curioso,
de uma associação do Porto, chamado "Sonoscopia", que já tinha feito o registo das
sonoridades no presente e que poderiam utilizar para fazer um ponto, não só de partida, mas
de comparação.

Relativamente à metodologia de investigação, começaram por organizar equipas segundo


competências e tipologia de fontes a recolher, sendo que foram quatro: literárias (22), visuais
e sonoras (~50), escritas e documentais (+100), e cartografia (~20). Posteriormente,
consultaram arquivos e bibliotecas e foram à rua fisicamente para registarem, a partir de
fotografias e da escrita, as sonoridades atuais. Após isso, procederam à criação de uma
identidade gráfica, designada “Escutar ao Porto”, com a qual pudessem comunicar este
projeto na cidade e atrair espectadores, aproveitando as competências de vários estudantes, e
divulgaram a mesma mal a terminaram. Além disso, contactaram com entidades e outros
investigadores, elaboraram uma base de dados de sons bastante extensa entre 1834-1963, que,
naturalmente, resultou num primeiro esboço da fisionomia sonora da Rua das Flores com 632
entradas com base dos números de polícia, e criaram formas de audição e compreensão das
sonoridades, através de um quadro que permitia, depois, fazer uma busca das várias.

Para rematar, operaram diversos tipos de sonoridades, entre elas humanas (35), naturais/do
ambiente (11), como por exemplo os sinos, sons ligados a ofícios (100) - uma vez que se trata
de uma rua de negócios - e a animais (35), ao qual o professor Nuno Resende lança uma
interrogação retórica final: “Será que se ouviam os mesmos animais no séculos XIX que se
ouvem agora?” É o momento para mergulharmos nesta introspeção.

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