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Departamento de Ciências da Comunicação

Cultura Visual

PERGUNTA UM
DISCUTA A NOÇÃO DE CULTURA VISUAL,
ANALISANDO AS TESES DE MEDEIROS,
MIZOEFF E MARQUARD SMITH.
EXEMPLIFIQUE A PARTIR DO FILME “UN
CHEIN ANDALOU” DE LUÍS BUÑUEL.

Lara Margarida Cortes Eleutério | a21902974


07 de dezembro de 2020
Introdução

O presente trabalho, realizado no âmbito da cadeira de Cultura Visual, resulta da


análise das teses de Madalena Medeiros, Nicholas Mirzoeff e de Marquard Smith sobre a
temática de Cultura Visual. Deste modo, é estabelecido como principal objetivo a
sintetização e análise das mesmas. Realço como prioridade o esclarecimento dos temas
referidos ao longo do presente trabalho, comparando-os e completando-os com o filme
“Un Chien Andalou” de Luís Buñuel.

Cultura Visual

O termo “Cultura Visual” terá sido utilizado pela


primeira vez por Michael Baxandall, na obra Painting
and Experience in Fifteenth-Century Italy, em 1972.
Esta expressão teria sido usada para designar as
competências visuais e cognitivas desenvolvidas por um
grupo social, o que facilitava a apreciação de imagens.
No entanto, os estudos desta área apenas se
consolidaram a partir da década de 1990, nos Estados
Unidos e na Inglaterra, onde surgiram dois programas
pioneiros oriundos da colaboração entre docentes de
diferentes áreas como a História da Arte, a Literatura, e
estudos de Cinema: o programa de Estudos Culturais e Visuais da Universidade de
Rochester e o programa de Estudos Visuais da Universidade da Califórnia, Irvine (UCI).
Foi também nesta altura que se começou a dar aquilo a que W.J.T. Mitchell (2009)
denominou de Pictorial Turn, isto é, o reconhecimento de que as imagens são importantes
para a construção de uma realidade social, e o centramento nestas em vez de na
linguagem.

Cultura Visual é denominada e abordada de diversas maneiras pelos diversos


estudiosos desta área. O professor Nicholas Mirzoeff chama de “Cultura Visual” e afirma
que este é o melhor termo devido ao peso da palavra “cultura” para esta área de estudo.
Marquard Smith prefere a denominação “Estudos da Cultura Visual”, visto que, no seu
ponto de vista, esta expressão define melhor o carácter multidisciplinar da Cultura Visual,
devido à convergência e empréstimo de diferentes disciplinas e metodologias. E o
professor W.J.T. Mitchell (2003) refere ainda o termo “Estudos Visuais”, afirmando que
estes são o campo de estudo, enquanto que a cultura visual é o objeto.

De acordo com Margarida Medeiros, os objetos de estudo dos Estudos Visuais são
todas as imagens provenientes dos meios de comunicação de massa contemporâneos: a
televisão, o vídeo, o cinema, a fotografia, a publicidade, a banda desenhada, entre outros,
destacando a importância da “visualidade” e do “visual” para os mesmos. No entanto, os
objetos não são apenas coisas materiais, mas também englobam maneiras de ser, ver e
experienciar dentro de diferentes formas de subjetividade. Com a globalização e o
surgimento de cada vez mais objetos visuais, como a internet, os programas e canais
televisivos globais, são abertas novas possibilidades e necessidades de estudo.

Deste modo, as partes constituintes da Cultura Visual não estão definidas pelo
meio, mas sim pela interação entre o espectador e o que ele observa, ao que Mirzoeff
chama de acontecimento visual. Para ele, esta área é um estudo crítico, ou até uma tática,
para estudar a genealogia, a definição e as funções da vida quotidiana da pós-modernidade
tendo em conta a perspetiva do consumidor em primeiro lugar, e só depois do produtor.
Levando em consideração, que o estudo do campo visual e da sua cultura é transformado
pelas diversas possibilidades de ação do espectador, por exemplo, o olhar, o fixar o olhar,
e as práticas de observação, que podem ser tão problemáticas quanto as diversas formas
de leitura como a descodificação e a interpretação (Mitchell, 2009).Ou seja, uma imagem
pode ser interpretada de diferenças maneiras, daí esta e a escrita estarem inteiramente
relacionadas. Assim sendo, este é um dos motivos pelos quais a noção de Cultura Visual
está diretamente relacionada ao filme de Luís Buñuel e Salvador Dalí.

“Un Chien Andalou” foi o primeiro filme de Buñuel e corresponde a uma curta-
metragem surrealista. Este surgiu da iniciativa de filmar uma história feita de imagens
originadas em sonhos, ou seja, estas não poderiam ter uma explicação racional, de modo
a que o espectador tivesse uma experiência única e de livres associações, despromovidas
de racionalidade. Para isso, a utilização da escrita só surge em cinco momentos do filme:
“Era uma vez…”, “Oito anos mais tarde”, “Por volta das três da manhã”, “Dezasseis anos
antes” e “Na primavera”, não fazendo qualquer referência à imagem, deixando-a
totalmente aberta à interpretação do visualizador.
A principal característica deste filme, e um
dos motivos para a sua associação com o conceito de
Cultura Visual, é a não linearidade da história. O
facto de, como afirmado anteriormente, cada cena
estar aberta a uma interpretação totalmente livre e
diferente entre espectadores, faz com que o objetivo
pretendido do surrealismo, a relação entre o
inconsciente e a racionalidade, e consequentemente
as diferentes respostas às mesmas questões, neste
caso as cenas do filme, seja cumprido.

É também importante ter em consideração a


simbologia dos diversos pontos fulcrais do filme em questão, onde se denotam certos
ideais, tais como: o uso da violência – corte do olho, os dois acidentes de viação, a
perseguição e abuso da mulher, o homicídio com a arma de fogo –, a repetição das mãos
com formigas, fazendo referência à expressão francesa “fourmis dans les paumes” que
significa “um grande desejo de matar”, e também a sequência em que o homem arrasta
objetos presos com cordas, podendo fazer referência à privação dos desejos mais secretos,
tema este comum no surrealismo. Todos estes exemplos apresentam um constante
conflito ente aquilo que é desejado, no entanto proibido.

A simbologia destas cenas, é aquilo que deixa em aberto as possibilidades de


análise dos diversos cenários existentes na curta-metragem, visto que a Cultura Visual é,
de certa forma, uma construção social, que afirma que os significados não estão investidos
nos objetos, mas sim na forma humana dos processos e práticas quotidianas do olhar, isto
é, a forma como casa um de nós olha e compreende o que vê.

Este filme é considerado um ícone do cinema surrealista, pois representa uma


importante tentativa de separação da lógica e da linearidade narrativa, com um forte apelo
aos sonhos e ao onírico. Sabe-se que esta ideia derivou dos próprios sonhos de Salvador
Dali e de Luís Buñuel, dando origem a uma justaposição de imagens desconexas e
chocantes, alcançando o efeito suposto nos espetadores, a tentativa de encontrar uma
lógica, embora inexistente, para o que viam.
Conclusão

Em suma, a Cultura Visual é um movimento pluridisciplinar e polissémico, visto


que pode ser um campo disciplinar recente, mas também pode fazer referência a tradições
e costumes. Não se trata de um movimento político (como o Feminismo, Estudos de
Género ou Raça), de um movimento académico (como os Estudos Culturais), nem de uma
pesquisa no campo da História das Imagens, mas sim de uma forma de pensar nas imagens
através de diferentes pontos de vista e perceber como estas são produzidas e consumidas
com o objetivo de resistir ou reforçar ligações com contextos políticos, económicos, entre
outros.

Em relação ao filme, apesar de ter sido feito sem qualquer intuito de atribuir um
significado às imagens retratadas, é inevitável associar o que vemos aos conhecimentos
que detemos, tentando obter um significado ou uma simbologia para certo acontecimento.
Este filme pode despertar vários sentimentos nos mais diversos espectadores, desde a
bizarrice ou maluquice aparecentes, até à diversão das imagens confusas e sem nexo, e é
por este motivo que a Cultura Visual não é apenas aquilo que visualizamos, mas a forma
como cada um de nós interpreta essas mesmas coisas.

Bibliografia

Medeiros, M.; Castro, T. (2017) O que é a Cultura Visual? Lisboa: Universidade


Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.

Mirzoeff, N. (1999) An Introduction to Visual Culture. Londres: Routledge.

Smith, M. (2008) Visual Culture Studies. Vilnius: Vinlnius Academy of Arts.

Buñuel, L.; Dalí, S. (1929) Um cão Andaluz.

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