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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e

Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264

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O PROJETO CULTURAL “MÚSICA E SOCIEDADE” COMO RECURSO DIDÁTICO


NO ENSINO DA HISTÓRIA

Antonio Carlos Araújo Ribeiro Júnior42


João Batista Bottentuit Junior43

Resumo
O empreendimento cultural “Música e Sociedade”, desenvolvido pelo músico paulista Rebello
Alvarenga, tem possibilitado o acesso de um grande público – nacional e estrangeiro – a amplo
conteúdo relacionado a aspectos que envolvem o universo musical e suas mais diversas
idiossincrasias. Pode-se ter acesso, nesse sentido, a artigos, reportagens, entrevistas e vídeos que
abordam e discutem questões caras ao conhecimento histórico, sobretudo no que tange à própria
relação entre a música e o campo social. De forma central, o presente artigo visa, portanto,
apresentar o empreendimento cultural “Música e Sociedade” como recurso didático no ensino da
ciência histórica. Assim, entendendo que por meio do conteúdo desenvolvido pelo projeto haja a
possibilidade de um diálogo interdisciplinar entre a música e a história, será feita, em primeiro lugar,
uma breve discussão sobre essa possível relação na educação e, por fim, uma explanação sobre os
possíveis usos do conteúdo do site em sala de aula.
Palavras-chave: Página Música e Sociedade – Website – Ensino – História – Música

Abstract
The cultural enterprise "Music and Society", developed by the São Paulo musician Rebello
Alvarenga, has made possible the access of a large public - national and foreign - to ample content
related to aspects that involve the musical universe and its most diverse idiosyncrasies. In this sense,
one can have access to articles, reports, interviews and videos that address and discuss issues that
are dear to historical knowledge, especially regarding the relationship between music and the social
field itself. Centrally, this article aims to present the cultural enterprise "Music and Society" as
didactic resource in the teaching of historical science. Thus, understanding that through the content
developed by the project there is the possibility of an interdisciplinary dialogue between music and
history, a brief discussion will first be made of this possible relation in education and, finally, an
explanation of the possible uses of site content in the classroom.
Key-words: Site Music and Society – Website – Teaching – History – Music

Introdução

O empreendimento cultural “Música e Sociedade” começou com um perfil na rede social


facebook, no dia 13 de setembro e, como site, no dia 01 de janeiro de 2015. Nesse ínterim, houve um
crescimento bastante significativo no quadro de colaboradores, patrocinadores e público.
Atualmente, o projeto conta com mais de sessenta mil seguidores nas redes sociais, além de realizar
parcerias com instituições acadêmicas e outros empreendimentos culturais de grande relevância
como a UNESP, o Museu da Música da Mariana, a Revista do Choro, o Pátio Cultural, Instituto
Piano Brasileiro e a Banda Sinfônica Paulista.

42 Bolsista vinculado à Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão –

FAPEMA, Mestrando do Programa de Pós-graduação em Cultura e Sociedade (Mestrado Interdisciplinar)


pela Universidade Federal do Maranhão. Graduado em História Licenciatura pela Universidade Estadual do
Maranhão. E-mail: tulhopd@hotmail.com
43 Professor da Universidade Federal do Maranhão. Doutor em Ciências da Educação com área de

especialização em Tecnologia Educativa pela Universidade do Minho. Professor Permanente do Mestrado em


Cultura e Sociedade - PGCULT. E-mail: jbbj@terra.com.br
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Apresentando artigos, reportagens, vídeos, entrevistas e oferecendo cursos e palestras


produzidos pelo proprietário Rebello Alvarenga e pelos demais colaboradores, a página constitui
atualmente um dos sítios mais requisitados da área, apresentando um riquíssimo conteúdo que
abrange as relações entre a música – com o foco na musicologia – e os mais variados aspectos da
sociedade: questões econômicas, políticas e históricas. Dessa forma, com todo esse itinerário o site
vem despontando como um ambiente interessante e dinâmico no qual o conhecimento histórico é
repassado aos seus seguidores.

Além de Rebello Alvarenga, proprietário e idealizador do projeto, atuar como um dos


principais agentes mediadores na página, o Música e Sociedade conta com diversos pesquisadores.
Dentre eles, é possível citar o pesquisador Danilo Ávila, mestre em História e Cultura Social pelo
Programa de Pós-graduação da UNESP/Franca e membro do Grupo de Estudos Culturais da
UNESP (GECU); o músico e violonista Lucas Félix, o primeiro brasileiro a registrar com ajuda do
pesquisador Jorge Mello a obra do espanhol Carlos Garcia, material registrado no CD solo
“Meditácion”; há também o músico e escritor Tonny Araújo (Antonio Carlos Araújo), autor do
livro O lugar do jazz na construção da música popular brasileira: uma análise de discursos na Revista da Música
Popular (1950-1956) (2016), mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Cultura e Sociedade
(mestrado interdisciplinar) pela Universidade Federal do Maranhão e graduado em História pela
Universidade Estadual do Maranhão.

Ainda, Paula Castiglioni, pianista e professora de música. É mestranda em Música pela


UNICAMP, bacharel em Música pelo Instituto de Artes UNESP e graduada em Programa Especial
de Formação Pedagógica em Artes Claretiano Instituto Universitário. Já Mônica Vermes, é
musicóloga e professora na Universidade Federal do Espírito Santo, líder do Núcleo de Estudos
Literários e Musicológicos (NELM), pesquisadora do Núcleo de Musicologia Social do IA-UNESP,
do Grupo de Pesquisa em Música e Mídia e do Grupo de Pesquisa História e Música da UNESP;
Guilherme Granato é mestre em Estética e Filosofia da Arte pela Universidade de Ouro Preto,
bacharel em música com habilitação em guitarra pelo Centro Universitário das Faculdades
Metropolitanas Unidas e licenciatura em Educação Musical pela Universidade Paulista Júlio
Mesquita. Por fim, há a colaboradora Nívea Lins, doutoranda em História e Cultura Social no
programa de Pós-graduação da UNESP/Franca e integrante do Grupo de Estudos Culturais da
UNESP (GECU) e o Grupo de Pesquisa – História e Música pela Pró-Reitoria de Pesquisa de
pesquisa da UNESP.

A proposta do projeto, como se vê, não é apenas democratizar e difundir uma forma de
debater a música por meio dos diversos meandros que a enredam, mas também fazê-lo de uma
maneira que dialogue com as novas demandas tecnológicas e com as novas propostas que estão
alastradas pelo mundo virtual. Não se trata de um empreendimento com vistas à crítica musical ou
para a promoção de gostos pessoais. Trata-se de uma empreitada pelos rumos da rigidez acadêmica,
fruto de intensa pesquisa do proprietário e de seus colaboradores.

Contudo, mesmo com tal rigidez, o conteúdo não envereda para um academicismo fechado
e nem pretende se situar numa zona afastada do grande público. A linguagem da página, ao
contrário de muitas produções acadêmicas, procura se situar de maneira estratégica, erigida em um
patamar que atenda a pesquisadores veteranos e iniciantes, alunos, amadores, aficionados, músicos
profissionais acadêmicos e não acadêmicos etc.

Entendendo que este projeto simboliza um salto inovador nos meios virtuais, este artigo
busca, portanto, dar enfoque ao uso desta tecnologia como ferramenta pedagógica, a fim de
estabelecer conexões entre a História e a Música no ensino superior. Entende-se que por meio das
estratégias utilizadas na página como a inserção de hiperlinks nos textos, imagens históricas,
palestras, discussões e vídeo-aulas sobre temas que envolvem as relações entre a música, a história e
o campo social é possível, não apenas tornar o ensino da História mais atraente e interativo,
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fazendo mediações entre a escuta e a escrita para os alunos, mas também, apresentar a página
virtual como ambiente oportuno para o estudo e para a pesquisa histórica.

História e música no Brasil: educação afinada à pesquisa

Por meio de uma rápida contextualização histórica sobre a relação entre a história, a música
e a pesquisa, é possível perceber que entre o final do século XIX e início do século XX o cenário
acadêmico internacional, sobretudo no campo da sociologia e da musicologia, focou sua atenção ou
às composições eruditas, aos romantismos musicais, biografias dos grandes gênios da música
clássica e às manifestações folclóricas. A própria História enquanto disciplina alçava seus primeiros
passos como ciência e ao passar por correntes positivistas e marxistas – como o historicismo
rankeano e a escola documental-metódica – deixou as questões culturais em segundo plano.
Doravante, antes do surgimento de uma nova História Cultural, a preocupação em analisar a música
popular urbana como um produto da cultura de massas e, mais do que isso, como um fenômeno
imbuído de questões políticas, econômicas e ideológicas foi iniciada por intelectuais da Escola de
Frankfurt na primeira metade do século XX, a saber, os sociólogos Theodore Adorno e Max
Horkheimer.

Nesse sentido, em relação ao terreno da música popular, pode-se dizer que Theodor
Adorno foi um dos primeiros intelectuais a se preocupar em estudar de maneira crítica a música
popular urbana. Isto porque, na academia, a música popular era vista de soslaio, como algo de
pouco ou nenhum valor científico, mas limitado ao mundo das artes. Por isso ainda não havia se
constituído como um objeto de estudos nos cursos de ciências sociais ou humanas da Europa.
Entretanto, o pioneirismo de Theodore Adorno não escapa dos seus julgamentos estéticos e
ideológicos: seus estudos de cunho marxista visavam denunciar essa música de massa como mais
um dos estratagemas de estandardização fomentada pela indústria cultural.

Segundo ele, essa padronização competia não apenas para uma má qualidade proposital da
música, mas também fomentava uma competitividade pautada na repetição de sucessos e na criação
da pseudo-individualização, ou em seus termos, na criação de “traços presumivelmente
individualizados” (ADORNO, 1986, p.123). Em outros termos, o debate não era estabelecido pelos
historiadores. E pior: estava impregnado de preconceitos estéticos em relação à música popular
urbana.

Tamanho era o preconceito na Academia nas Ciências Humanas e Sociais que o historiador
Eric Hobsbawm chegara a publicar nos anos 60 um livro resultante de intensa pesquisa sobre o
jazz, intitulado História Social do Jazz, porém teve de publicar utilizando o pseudônimo “Francis
Newton” por conta da temática pouco apreciada pela Academia britânica.

No Brasil, antes de surgir historiadores preocupados com a análise crítica das produções,
produtores e divulgadores da música brasileira, houve em um primeiro momento um projeto
missionário de busca e tentativa de preservação das manifestações folclóricas empreendido por
Mário de Andrade, Renato Almeida, Câmara Cascudo, Oneyda Alvarenga entre outros intelectuais
preocupados em coletar e analisar o que se dizia ser o traço mais característico da nacionalidade
brasileira: a mais nacional das artes – nos termos de Mário de Andrade – a música popular. Por
meio desses intelectuais a música brasileira passou a ser estudada e fazer parte da agenda
programática de suas ideologias nacionalistas.

Aliás, quando se fala da inserção na educação brasileira do Canto Orfeônico nos anos 30
como disciplina obrigatória, sob os ditames legais do Decreto nº 19.890 de 1931, é preciso se
reportar a esse momento da história do Brasil e, por conseguinte, se remeter às formas de debate –
encabeçadas por intelectuais brasileiros como Heitor Villa-Lobos e Mário de Andrade – sobre a
identidade nacional brasileira: uma identidade construída por meio da arte, sobretudo, da música
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erudita e folclórica44. Como aponta Santuza Cambraia Naves (2010), logo mais, com o movimento
‘Música Viva’, movimento idealizado por Hans-Joachim Koellreuter, a irradiação da educação
musical possibilitaria o acesso de crianças e adultos, ilustrando a propagação dos aparelhos de rádio
no país. É nesse período que um dos baluartes da chamada “brasilidade”, o samba, será
institucionalizado como a música nacional, constituindo umas das ferramentas para a invenção de
uma tradição comum, segundo Hermano Vianna. (2012).

Ainda segundo Santuza Cambraia Naves (2010), com o crescimento desse movimento e
com a adesão de indivíduos cada vez mais afeitos ao ideal socialista, logo se teria em 1946 um novo
manifesto que passaria a reivindicar a utilização da música para denunciar a mazela ou refletir a
realidade social, o que denotava não apenas uma discussão estética sobre a música, mas
principalmente sua posição política e crítica no Brasil.

Entre os anos de 1940 e 1960, Jota Efegê, José Ramos Tinhorão, Ary Vasconcelos,
Augusto de Campos45, entre outros, empreenderam análises críticas do conteúdo musical urbano
brasileiro, bem como investiram em pesquisas documentais e antropológicas para sanar a escassez
de informações acerca da música folclórica, erudita e popular46.

Entretanto, a música (mais precisamente, a História da Música) ainda permanecia como


categoria pertencente à História da Arte, distante do universo de pesquisa dos historiadores
profissionais. Isso justificaria o fato de muitos dos pesquisadores supracitados advirem das áreas do
jornalismo, da crítica musical ou mesmo serem amadores, como indica José Vinci de Moraes (2000).

Assim, a escassez deixada pelo movimento folclórico em relação à música popular urbana,
segundo o autor, não apenas simbolizou o grande preconceito com a canção urbana – fonte rica
para se analisar fenômenos históricos – como ajudou a fomentar o atraso nas análises científicas das
composições populares.

As pesquisas acadêmicas interessadas na relação entre a música brasileira e história tiveram


um crescimento significativo entre os anos de 1970 e 1980, enveredando pela análise semiótica,
antropológica, sociológica ou mesmo do conteúdo lírico das canções por parte dos pesquisadores
da área da Literatura. Assim, intelectuais como José Miguel Wisnik com os ensaios O coro dos
contrários: a música em torno da Semana de 22 (Duas Cidades, 1977); Getúlio da Paixão Cearense (Villa-
Lobos e o Estado Novo) (Brasiliense, 1982); Affonso Romano Sant’Anna com Música popular e moderna
poesia brasileira47 (1976), Há também Roberto Damatta com Carnavais, malandros e heróis: para uma

44Sob este viés ideológico e estético, o método tinha, nesse sentido, “o objetivo de desenvolver o sentimento
nacionalista, patriota e ordeiro apoiado nos pilares da disciplina, do civismo e da educação artística” (FÉLIX;
SANTA, et al, 2014, p.18).
45 Pode-se citar, respectivamente, as obras Ensaio sobre a música brasileira (1928), Figuras e coisas da música popular,

Música popular: um tema em debate (artigos compilados e publicados em 1978 e 1980), Panorama da Música Popular
Brasileira (1964) e Balanço da bossa e outras bossas, publicado em (1968).
46 À luz de Luís Rodolfo Vilhena, percebe-se que em termos da música popular urbana, como o samba, por

exemplo, o termo “popular” não se encaixava na concepção de Mário de Andrade, sendo mais coerente
chamá-la de “popularesca”, de forma pejorativa. Toda música comercial era assim designada. A partir dos
anos 40, Vagalume, Orestes Barbosa e Jota Efegê – considerados os primeiros historiadores da música
popular urbana – irão ir de encontro a essa perspectiva, optando por valorizar o samba e outras
manifestações musicais urbanas.
47 Na página da livraria Saraiva se pode encontrar uma descrição interessante acerca deste livro. Informa-se

que havia na primeira edição pouca preocupação em relação aos aspectos históricos e cujo objetivo era
“fornecer, tanto a alunos e professores, quanto a compositores e letristas, uma introdução à poesia moderna
brasileira e suas relações com a música popular”, e afirma-se que “não era um livro de 'história' no sentido
convencional, mas destinava-se a ser uma introdução pedagógica ao assunto”. Informações que ajudam a
entender parte do panorama dos estudos sobre música popular da época. Para saber mais a respeito da obra
cf. http://www.saraiva.com.br/musica-popular-e-moderna-poesia-brasileira-150072.html.
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sociologia do dilema brasileiro, entre outros, deram um importante passo para que essa abordagem
começasse a ser tratada de forma científica e rigorosa no Brasil.

Em suma, afirmar que essas produções tiveram como encalço a música popular urbana não
significa dizer que antes dos anos 70 não havia estudos sobre a música popular brasileira, mas as
publicações ainda não eram realizadas por historiadores profissionais, bem como não destacavam a
necessidade de se discutir na Academia, além dos aspectos formais, os fatores sociais e históricos
imbuídos no material musical brasileiro.

A música brasileira, portanto, passou a constituir entre 1970 e 1980 uma fonte rica para se
tratar de contextos históricos, tanto por meio das letras das canções como pela análise de capas de
LP’s, de questões harmônicas e estéticas, mas também da própria análise crítica que pode ser
empregada aos sujeitos por trás dessas produções e até mesmo no que diz respeito a uma análise da
literatura historiográfica que se debruçou sobre tal produção musical.

Essa preferência pelas questões literárias da produção musical fica evidente nos livros
didáticos de História e Literatura atuais, bem como no próprio formato vigente de vestibular.
Renato Forin Júnior (2014), por exemplo, destacou a utilização do álbum Tropicália ou panis et circenses
como obra literária no processo seletivo da UFRGS. O uso dessa metodologia de análise literária da
canção, entretanto, também diz respeito ao campo da História, na medida em que é possível
entender que a letra está correlacionada a um contexto de produção específico. Ou seja, o
enunciado não está desacoplado de seu tempo.

Porém, para além das questões poéticas e puramente técnicas de determinado artista e
produção musical, sabe-se que “as práticas musicais devem ser entendidas como práticas artísticas e
culturais, como manifestação de uma determinada sociedade, como um dispositivo agregador e
funcional em seu tempo histórico” (MONTEIRO, 2010, p. 79). Todavia, não se pode afirmar que a
música popular tem sido tratada com o devido rigor metodológico nos cursos de História.

É nesse encalço que, entre os anos de 1990 e 2000, historiadores como Marco Napolitano,
Maria Clara Wassermann, Marcelo Ridenti e José Vinci de Moraes irão enveredar em suas pesquisas
sobre a música popular brasileira. Eles podem ser mencionados como profissionais da área da
História preocupados em utilizar a música popular urbana como objeto de pesquisa e como
ferramenta de ensino.

Segundo Geisa Ferreira Félix, Hélio Renato Santana e Wilson Oliveira “a música tem
possibilidades aplicativas variadas”, reiterando o que foi anteriormente mencionado. E ainda, essas
possibilidades pode-se destacar, por enquanto: “o seu uso na contextualização de letras previamente
selecionadas e relacionadas com conteúdo programático”, também, “a construção de letras em
melodias já existentes, ou seja, elaboração de paródias; música como instrumento de avaliação, na
forma de composição” (FÉLIX; SANTANA; OLIVEIRA JÚNIOR, 2014, p. 18-19).

Em relação a essa tendência para a análise das canções e de suas letras, Rainer Gonçalves
Souza, da Universidade Federal de Goiás, destaca em seu texto “O uso da música no ensino da
História” alguns problemas que essa metodologia de ensino pode acarretar, por exemplo, no que se
refere:

Ao fato do professor encerrar a relação entre o texto da canção e o contexto


histórico da sua produção em um sentido unidirecional. Muitas vezes, perdemos
a possibilidade de aprofundarmos a compreensão de uma letra ao somente
considerá-la um reflexo imediato do momento histórico de sua criação. Mais do
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que refletir uma época, uma canção tem a possibilidade de dialogar, repensar e
constituir uma perspectiva própria de entendimento sobre o seu tempo48.

Dessa forma, se é possível afirmar que as análises historiográficas têm caminhado cada vez
mais para produções que buscam compreender as paisagens sonoras, as formas de representação e a
apropriação de determinados gêneros, os discursos musical e crítico por trás deles, as disputas
simbólicas no âmbito da cultura e, sobretudo, como todos estes fatores podem lançar luz para o
entendimento de problemas e silêncios no interior da própria historiografia, é necessário que esse
formato de ler e escutar criticamente as produções musicais possa ser utilizado em sala de aula.

Sem dúvidas, essa necessidade de reunir maior documentação – relação “escuta” e “escrita”
da História – vem contribuindo para o caráter interdisciplinar da História Cultural. Embora tenha
que lidar com um objeto que fornece fruição e contenha forte carga subjetiva, o trabalho histórico
com a música popular se torna ao mesmo prazeroso e conflitante.

Nesse sentido, o profissional de história passa a ter um leque de possibilidades de trabalho,


mas também a necessidade de aprender novas linguagens – como a literatura, a semiótica, a
etnomusicologia, a musicologia, a história da música e a própria escrita musical – a fim de dar conta
de seu objeto de pesquisa, criando assim uma verdadeira rede de interpretações e sociabilidades.

Entretanto, como essa metodologia rica em documentação e análise crítica poderia ser
utilizada em sala de aula? Como transmitir aos alunos um conteúdo que perpasse a
interdisciplinaridade presente nessas novas formas de ler e ouvir a história? E como fazê-lo tendo em
vista as novas demandas tecnológicas que se apresentam imprescindíveis nas relações sociais e
profissionais do mundo atual?

Música, história e sociedade em sala de aula.

Abordou-se no tópico anterior a relação entre História e Música no Brasil, os avanços


atuais na pesquisa desse campo interdisciplinar em estreito diálogo com a ciência histórica e se
destacou algumas formas já trabalhadas com esta metodologia em sala de aula. No entanto, não se
falou de que forma os novos meios tecnológicos poderiam auxiliar o professor e os alunos a
construir novas pontes saudáveis e debates mais críticos entre a música e a história.

Em se tratando de um material multimídia que se apresenta ao docente o uso da internet se


apresenta como um meio oportuno para fomentar a rede de sociabilidades circunscrita na relação
história e música. Dessa maneira, para além de fomentar uma sensibilização por meio da fruição
musical, apresentando a música e a internet como fonte e instrumento vazios – mas, pelo contrário,
aproveitando-os como meios para um melhor aproveitamento crítico do conteúdo programado.

Isto porque se tem em vista que “confinar a música a uma simples fruição estética, seria
poupá-la dos outros domínios possíveis, como o da funcionalidade política ou ideológica, como o
da representatividade histórica” e, acima de tudo, “como o do dispositivo que atua diretamente
sobre a vontade de quem a ouve” (MONTEIRO, 2010, p. 85).

Dessa forma, o historiador munido dessas novas perspectivas de leitura e escuta crítica
pode e deve demonstrar aos alunos uma linguagem que lhes seja compreensível, que faça parte de
sua vivência e experiência histórica, pois infelizmente, como destacam Vania Maria de Oliveira e
Graciane Trindade, “pode-se perceber que a proposta metodológica até hoje utilizada, tem

48Acessível em: http://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/o-uso-musica-no-ensino-


historia.htm
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acarretado um ensino de memorização de fatos, nomes e datas, provocando uma aprendizagem


mecânica e superficial” (FREITAS; PETERSEN, 2015, p. 32).

Em outros termos, a reflexão sobre o papel das novas tecnologias não apenas leva o
historiador a repensar a função social e o potencial histórico dessas ferramentas, como também, o
levam a repensar seu papel como historiador. Como um sujeito que age e produz certos enunciados
dentro de determinado contexto específico, tomar a atitude de encontrar meios para um melhor
aproveitamento de seu ofício (seja em sala de aula, seja enquanto empreende determinada pesquisa)
leva o profissional de história a criar novas formas de abordagem de conhecimentos.

Sabe-se que a história da historiografia está repleta de escolas e pensadores que buscaram
revolucionar a leitura crítica e a pesquisa da história em determinados contextos e com o avanço
cada vez mais veemente da internet, se faz mais necessário que o historiador de hoje compreenda as
novas linguagens, os novos fenômenos que se manifestam no mundo virtual e, sobretudo, que
enquanto docente este profissional necessita levar aos seus alunos essa linguagem. Como indicam
Vania Maria de Oliveira e Graciane Trindade:

Novas tecnologias, como a internet e tantas outras, trazem para este homem
informações quase instantâneas, que há alguns anos atrás, demorariam dias para
que chegassem até ele. E diante desta nova ótica o educador em história deve
repensar as suas práticas educativas, a sua metodologia, os seus saberes, para que
não corra o risco de se tornar obsoleto e ser considerado como uma mobília
antiga, que muitos guardam apenas como lembrança de alguém, ou de um
tempo passado (FREITAS; PETERSEN, 2015, p. 33-34).

Essas transformações e impactos na área da docência, embora rápidos, não começaram há


pouco tempo. Em uma época na qual a internet começava a se popularizar nas grandes metrópoles,
José Manuel Moran (1997) percebeu que muitas escolas estavam adotando as mídias eletrônicas em
sala de aula, como ferramenta na educação presencial, sendo essas escolas, em suma, localizadas na
cidade de São Paulo.

Assim, baseado em sua pesquisa, dessa vez com o enfoque em suas experiências
profissionais, José Manuel Moran passa a relatar sobre as consequências do uso da internet na
educação presencial do primeiro e segundo grau e percebeu em sua época o empecilho da dispersão
dos alunos:

Ensinar utilizando a Internet exige uma forte dose de atenção do professor.


Diante de tantas possibilidades de busca, a própria navegação se torna mais
sedutora do que o necessário trabalho de interpretação. Os alunos tendem a
dispersar-se diante de tantas conexões possíveis, de endereços dentro de outros
endereços, de imagens e textos que se sucedem ininterruptamente. Tendem a
acumular muitos textos, lugares, ideias, que ficam gravados, impressos,
anotados. Colocam os dados em sequência mais do que em confronto. Copiam
os endereços, os artigos uns ao lado dos outros, sem a devida triagem
(MORAN, 1997, p. 4).

Como se pode observar, frente a essas novas tecnologias, o professor que desejava inserir a
internet como ferramenta didática, e o aluno, geralmente habituado à utilização de grande
quantidade de dados, deparavam-se com a necessidade de estabelecer parâmetros dentro dessa
gama de informações. E pasmem: essa problemática ainda existe nos dias atuais no dia a dia de
algumas instituições escolares e acadêmicas, nas quais o vínculo entre as novas formas de
comunicação e tecnologia são negligenciadas por um padrão educacional tradicional, quando não
tradicional em sua forma, amarrado à preocupação eminentemente conteudística, bancária – nos
termos de Paulo Freire – formatos comuns em diversos cursos das Ciências Humanas e Sociais.
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Nos cursos de História, pelo menos no que diz respeito às Universidades Federal e
Estadual do Maranhão, a preocupação com as leituras de textos e produções escritas, (sendo estas
ferramentas utilizadas para avaliar o raciocínio crítico e o domínio dos conteúdos ministrados em
sala de aula), ainda é baseada, em suma, em textos impressos, o que muitas vezes deixa de lado as
possibilidades de se trabalhar com as possibilidades da internet. Há pouca confiabilidade dos
profissionais de história em relação a informações contidas, por exemplo, no sítio Wikipédia, sendo
este muitas vezes não recomendado para pesquisas acadêmicas. Esse entrave muitas vezes é
reforçado pela carência de formatos que deem suporte ao professor do ensino superior, profissional
preocupado com a qualidade e seriedade das fontes em seu trabalho como historiador.

Entretanto, será que tal agrura também poderia ser sanada se houvesse um ponto de
partida em comum entre professores e alunos? No que diz respeito ao ensino da História utilizando
a música, o entrelaçamento de uma série de informações e análises críticas presentes na página
Música e Sociedade constrói em torno do projeto uma significativa legitimidade. Legitimidade essa
presente no trabalho dos pesquisadores envolvidos no empreendimento cultural. Atuantes na
Academia, os colaboradores do empreendimento Música e Sociedade auxiliam na polifonia
discursiva do projeto: fazem traduções de obras, produzem artigos originais, escrevem relatos de
experiência em eventos e resenhas críticas, oferecem discas de leitura etc. Para tanto, justamente
para que se mantenha a par das novas possibilidades de trabalho crítico com o material musical, a
página desenvolve um discurso interdisciplinar e multissensorial, perceptível em sua estrutura.

Dessa forma, além de o público ter acesso a conteúdos que abrangem diversos períodos
históricos, há a preocupação estética quanto à qualidade dos textos e ao design que se apresentam ao
leitor. Pode-se afirmar que esta experiência se expõe como uma verdadeira mise en scène ao público:
suaa ótica é logo convidada a ambientar-se por meio de imagens históricas no corpo dos textos; a
experiência de pesquisa se torna muito mais dinâmica por intermédio dos hiperlinks, possibilitando
um tour por outros conteúdos da página ou da web, a fim de complementar ou suplementar uma
dada informação. Ademais, para que a paisagem sonora de fato se constitua na pesquisa, há a
preocupação também com a óptica do pesquisador: há links de fonogramas, discos, entrevistas com
profissionais de áreas que envolvem a música etc., o que proporciona o cruzamento entre a leitura e
a escuta.

Ancorados em teóricos sociais como Gilles Lipovetsky e Pierre Bourdieu, o projeto insere
as diversas mídias juntamente aos textos para que a análise científica se perpetue na escuta, mas que
não necessariamente se caia em um cientificismo que nega a sensibilização e a fruição presentes na
produção musical.

Figura 1: vasto conteúdo e interatividade.


Fonte: Imagem do início da página Música e Sociedade.

Através dessa interessante metodologia, o sítio obteve reconhecimento no meio


acadêmico. De acordo com o depoimento do Paulo Castagna, professor e pesquisador do Instituto
de Artes da UNESP há mais de vinte anos, o projeto Música e Sociedade é:
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Uma das mais transformadoras iniciativas sobre o pensamento musical que


surgiram na atualidade. Enfatizando os aspectos sociais da prática e produção
musical no decorrer da história, Música e Sociedade desmistifica conceitos
antiquados e ajuda ouvintes, estudantes e profissionais da área de música a
desenvolverem uma relação mais saudável e realista com a música e com os
artistas da área no século XXI, do que as formas de relação que herdamos dos
séculos anteriores. Divulgado em sistemas modernos (site oficial, Facebook,
Youtube, Twitter, etc.) e com intensa produção semanal de artigos, vídeos,
palestras, o projeto Música e Sociedade é hoje subsídio para leitores e ouvintes
interessados em música de todo tipo e uma forma simples e eficaz de aquisição
de conhecimento útil e de alto poder de impacto sobre assuntos relacionados à
música49.

Nesse sentido, a própria leitura crítica que se faz a figuras renomadas do campo musical,
muitas vezes romantizados por sua genialidade, ou que por outro lado, são tratados apenas em
termos biográficos, silenciando-os como sujeitos dotados de contradições, interesses econômicos e
ideológicos, são postos à mesa também pelo projeto Música e Sociedade. O empreendimento, dessa
forma, entende a música como obra de arte ou como mercadoria da cultura de massa – sobretudo,
enquanto obra de arte, conceito situado mais no século XIX – como um “signo intencional,
habitado e regulado por alguma outra coisa, da qual ela é também sintoma” (BOURDIEU, 1996, p.
15-16).

Em relação às possibilidades de utilização da página em sala de aula, vale em primeiro lugar,


apresentar o sítio aos alunos, discutir o potencial histórico e qualitativo do empreendimento, suas
principais seções – “música de concerto”, “música popular”, “conceitos e teorias”, “dicas de
leitura” e “canal do Youtube” – e a metodologia de trabalho que será empregada para um melhor
aproveitamento dos conteúdos que serão elencados.

Adiante, supondo que a disciplina trabalhada esteja situada na contemporaneidade 50, o foco
da utilização crítica do conteúdo da página será o campo “Música Popular – Música Popular no
século XIX – Música Popular no século XX”, de forma que se possa trabalhar com esse recorte no
cenário internacional e brasileiro.

Após isso, a discussão com os alunos deverá enveredar para o uso da música popular como
objeto de pesquisa, indicando, primeiramente, a marginalização da música popular urbana na área
das Ciências Humanas e Sociais.

Depois de ambientar os alunos para a proposta da disciplina por meio de textos


introdutórios, o debate historiográfico será direcionado questões importantes no ensino da história
contemporânea como o imperialismo norte-americano, a ascensão dos regimes nazistas, fascistas e
da criação da URSS.

Ao passo que se for avançando nesse primeiro itinerário, o segundo momento de debates
historiográficos será trabalhado em relação à história do Brasil, ainda na primeira metade do século
XX. Tudo isso tentando estabelecer vínculos por meio da música e com o suporte dos textos
presentes no projeto Música e Sociedade.

De forma cronológica, portanto, perfazendo um recorte do fim da Primeira Guerra


Mundial, passando pelo crash da bolsa de valores até o fim da Segunda Guerra Mundial, um

49 Disponível em: http://www.musicaesociedade.com.br/quemsomos/


50A título de ilustração um possível nome para a disciplina poderia ser História e música: tensões contemporâneas, o
que já ajudaria os alunos a saberem a proposta a ser trabalhada em sala de aula.
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Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264

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primeiro exemplo de contato textual entre os alunos e a página será, nesse sentido, com os textos
“O curioso caso de Scott Fitzgerald e o espírito da Era do Jazz” e “O impacto do jazz na Alemanha
Nazista: Mefistófeles em perigo” de autoria do historiador, Antonio Carlos.

Figura 1: Jazz, literatura no pós-guerra.


Fonte: Texto “O curioso caso de Scott Fitzgerald e o espírito da Era do Jazz”.

Esses dois primeiros textos apresentam o lugar do jazz no cenário entre-guerras: de que
forma ele foi tratado pelos seus defensores e por aqueles que o renegaram, demonstram como a
literatura da época documentou a “escuta” desse gênero musical, mas, além disso, tentam discutir
fenômenos da História. Em outras palavras, os textos se valem da música para situar as questões e
os problemas históricos.

Por meio do primeiro texto – que fornece pistas do ambiente do primeiro pós-guerra e da
instabilidade econômica que acometeu os Estados Unidos – se discutirá os principais motivos para
a eclosão da Primeira Guerra, as razões para a crise de 1929, a noção de modernidade atrelada à
modernização tecnológica e ao consumo presentes no american way of life e, sobretudo, o lugar na
música popular urbana nessa busca desenfreada pela quebra de valores tradicionais (como a luta das
mulheres pelo sufrágio feminino e pela liberdade sexual), as reivindicações por direitos trabalhistas e
desigualdades sociais. O objetivo será rediscutir a noção de “Era do Jazz”, como não apenas uma
visão da História que muitas vezes silencia as lutas das classes menos favorecidas. Aliás, as questões
políticas, econômicas, culturais e sociais são apresentadas por meio de textos do autor norte-
americano Scott Fitzgerald, criador do termo “Era do Jazz”.

Figura 2: Totalitarismo, música e literatura.


Fonte: Texto “O impacto do jazz na Alemanha nazista: Mefistófeles em perigo”.
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Em seguida, trilhando para a discussão em classe sobre o período de ascensão dos regimes
totalitários, se fará a leitura do texto sobre jazz e nazismo. Nesse texto, os alunos poderão observar
como os regimes totalitários por não se situarem nem a favor das liberdades individuais nem
coletivas, utilizavam da censura e da disciplina mesmo na produção musical para manipular as
massas. Além disso, se verá como autores alemães como Thomas Mann, Herman Hesse e Klaus
Mann representaram esse tenso período histórico em suas literaturas.

As discussões deverão ter suporte em outras leituras e recursos, não apenas baseadas no
conteúdo da página virtual. Como o objetivo é demonstrar pelo viés da história cultural uma análise
acerca do período estudado, seria interessante trabalhar com os alunos, diferentes autores que
estudaram a história contemporânea.

Sendo assim, autores como Eric Hobsbawm com os livros A era dos extremos: o breve século
XX (1994), que fornece um panorama geral dos acontecimentos mais importantes do século XX,
Theodore Adorno com Dialética do Esclarecimento (1947), que trata da indústria cultural e dos regimes
autoritários e A mais alemã das artes (2000) de Pamela Potter que oferece informações acerca das
estratégias dos censores do regime nazista e do papel da música como pedra angular da identidade
nacional alemã. Essas são algumas das obras que ajudariam a compor a bibliografia da disciplina,
dando tonos e solidez ao conhecimento histórico em pauta.

Como a proposta dos textos do empreendimento Música e Sociedade supracitados é


indicar como a literatura e outras artes responderam aos fenômenos históricos de sua época,
também poderá ser interessante trabalhar com produções cinematográficas para ampliar a
visualização dos alunos e demonstrar como é possível identificar elementos discutidos nos textos
lidos e discutidos. Nesse sentido, Tempos Modernos (1936), As vinhas da Ira (1940), Mephisto (1981) e O
escritor (2010) serão algumas das propostas de filmes que abordam o período da Grande Depressão
e do nazismo e serão incluídos no plano de curso.

Adiante, voltando o enfoque da disciplina para o Brasil, será feita a leitura de dos dois
últimos textos do projeto Música e Sociedade. São eles “O papel da música popular no
modernismo nacionalista de Mário de Andrade” e “Música popular e música erudita perante a
indústria fonográfica brasileira”, com o intuito de discutir a cultura brasileira e a formação da
identidade nacional.

Figura 4: os sons da identidade nacional.


Fonte: Texto “O papel da música popular no modernismo de Mário de Andrade”.

Isso se fará identificando a própria noção de “música popular” e “popularesca” em Mário


de Andrade, a ascensão do samba como símbolo nacional e as ideias de freyreanas de democracia
racial e mestiçagem que dão o pano de fundo para pensar as representações das etnias que
compuseram a chamada brasilidade: uma cultura brasileira repleta de misturas, mas que possui uma
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unidade reforçada (ou inventada) pela música popular. Os textos de suporte para os debates
poderiam ser Cultura Brasileira e Identidade Nacional (1994) de Renato Ortiz e o clássico Casa Grande e
Senzala (1933) do sociólogo Gilberto Freyre.

Após a apresentação da página aos alunos como parte da bibliografia selecionada para a
disciplina, do uso dos textos relacionando-os com outros recursos como livros de história, de
sociologia, de literatura e do próprio cinema, o interessante seria que se verificasse de que forma os
alunos processaram e fixaram tantas informações. E mais: se são capazes, como historiadores em
processo de formação, de articular o uso da tecnologia e da música no ensino da História.

Dessa maneira, o interessante seria que os discentes pudessem escolher uma temática
dentro do século XX que os permitissem escrever ensaios ou pequenos artigos que utilizassem em
algum momento referências do mundo da música popular, seja utilizando letras de canções, capas
de discos, ou apresentassem seminários sobre músicas, clipes ou documentários que dialogassem
com os temas discutidos em sala.

Por fim, o ideal seria que no curso dos seminários todos utilizassem o aparelho data show e a
internet de alguma forma para demonstrar outras formas criativas de se trabalhar a história através
da música.

Conclusão

Neste trabalho tentou-se explanar alguns pontos que dizem respeito ao universo do ensino
da música e da história no Brasil: o projeto programático de ensino levado a cabo por Mário de
Andrade de Heitor Villa-Lobos nos anos 30, período no qual vigorava o Estado Novo e, também,
quando se buscava definir a música como fator fundamental para a construção de uma identidade
nacional.

Essa constatação indicaria a importância da música no Brasil e suas relações com questões
relacionadas ao rumo da história do país: os novos modelos de modernização pregados por Getúlio
Vargas, a militância da intelligentsia brasileira em prol da música folclórica, o movimento
modernista, a entrada de novas tecnologias como o gramofone e a vitrola e seu impacto no discurso
desses pensadores e o combate à música popular urbana, indicando o conservadorismo em relação
à modernização via industrialização e tecnologia.

Entre os anos de 1940 e 1960, período de avanço de novas tecnologias, como a


massificação dos aparelhos de rádio e TV, a forte entrada de LP’s no Brasil, os intelectuais
interessados na história da música popular urbana (ao contrário dos folcloristas do começo do
século XX), irão reivindicar que se fizessem pesquisas dedicadas ao universo das músicas populares
urbanas, como o samba, estilo já alçado à qualidade de “música nacional”. Estes intelectuais, porém,
não eram historiadores profissionais, sendo eles muitas vezes vindos da área do jornalismo ou
mesmo da música.

A partir dos anos de 1970 e 1980, a Academia passou a dar mais valor para a pesquisa
sobre música e alguns cursos enveredaram para a análise sociológica e mesmo literária da produção
musical brasileira, delineando assim os primeiros passos de uma escrita histórica sobre a música
popular brasileira no âmbito acadêmico. Finalmente, entre os anos de 1990 e 2000, o campo da
história tem discutido a herança desses trabalhos na memória musical brasileira e se preocupado em
empreender pesquisas sobre outros fenômenos que extrapolam a temática música popular brasileira
em seu país de origem e mesmo enveredando para a análise de outras manifestações musicais
estrangeiras, trazendo ao conhecimento dos brasileiros a história e as histórias discutidas, até então,
conhecidas apenas por estrangeiros.
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Utilizou-se nesse trabalho, portanto, quatro textos do projeto Música e Sociedade como
parte da bibliografia utilizada para o debate em sala de aula. Estes e outros textos presentes na
página poderiam ser, portanto, adicionados à ementa da disciplina ministrada, o que quer dizer que
aqueles que foram aqui apresentados são apenas alguns dos inúmeros textos que podem se alinhar à
proposta das aulas. A metodologia das aulas poderia seguir o exemplo da página e usaria, nesse
sentido, a música como meio para se discutir questões caras à contemporaneidade, não se limitando
assim ao entendimento eminentemente musical.

Referências
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Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1975, pp. 173-99.
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras. 1996.
FREITAS, Vania Maria de Oliveira; PETERSEN, Graciane Trindade. Música e Ensino de História.
Revista Di@logus. Vol. 4, nº4, 2015.
FÉLIX, Geisa Ferreira Ribeiro; SANTANA, Hélio Renato Goés; OLIVEIRA JUNIOR, Wilson. A
música como recurso didático na construção do conhecimento. Cairu em Revista. Jul/Ago. 2014.
Ano 03, n° 04, p. 17-28.
FORIN JUNIOR, Renato. A Música Popular Brasileira na Crítica e na Historiografia Literária.
Revista Brasileira de Estudos da Canção. Natal, n.6, jul-dez. 2014. Disponível em:
www.rbec.ect.ufrn.br.
MONTEIRO, Maurício. Aspectos da Música no Brasil na primeira metade do século XIX. In.:
MORAES, José Geraldo Vinci de; SALIBA, Elias Thomé (orgs.); História e Música no Brasil.
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MORAES, José Vinci de. História e Música: canção popular e conhecimento histórico. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 20, nº 39, p. 203-221. 2000.
MORAN, José Manuel. Como utilizar a internet na educação (relatos de experiências). Ci. Inf. v.
26 n. 2 Brasília Maio/Agosto. 1997.
NAVES, Santuza Cambraia. Canção Popular no Brasil: a canção crítica. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010.
VIANA, Hermano. O mistério do samba. 2. Ed. Rio de Janeiro: Zahar. 2012.
VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro (1947-1964). Rio de
Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1997.
Enviado em 31/08/2017
Avaliado em 15/10/2017

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