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FICHA-TÉCNICA CRÍTICA DE

INVENTÁRIO
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NÚCLEO DE CASAS DE COLMO EM SANTANA, MADEIRA

Licenciatura em História da Arte - 2° Semestre / 2º Ano

Trabalho de Campo no âmbito de História da Arquitetura Vernacular

Orientado pela Prof.ª Dr.ª Lúcia Rosas

Organizado por:

Inês Delgado

PORTO
2022

BEM PATRIMONIAL

Fotografias Fig.1 – Fotografia tirada da fachada das Casas de Colmo de Santana, 2020. Autor
desconhecido. (Disponível em: <https://madeira.best/product/santana-typical-houses>).

Fig. 2 – Captura de ecrã do Google Earth tirado por mim em março de 2022.
Fig. 3 – Fachada das Casas de Colmo de Santana envolvidas pelo jardim, 17 de março
de 2020. Autor: Marco Livramento. (Disponível em:
<https://www.dnoticias.pt/2020/3/17/64465-santana-encerra-nucleo-de-casas-tipicas>).

Designação “Núcleo de Casas Típicas de Santana”.

Categoria Arquitetura Civil.

Casas inseridas num espaço de preservação rural; Palheiros (também

Tipologia conhecidas como “empena”, “de fio”, ou “palhaças”; Conjunto de


interesse sociocultural de cariz turístico em memória à edificação
vernacular.

Valorização Patrimonial; Parque Temático; Atração Turística;


Função Entretenimento; Lúdico; Pedagógico; Promocional; Exposição e
Divulgação.

Estas casas não são habitáveis. São somente para visita e funcionam
como espaços de comércio local, onde é possível adquirir uma grande
variedade de produtos locais, artesanais e tradicionais, logo podemos
Utilização entrar dentro delas, não funcionam como uma espécie de “museu”, em
que não se pode tocar em nada. Aqui podemos mexer e tocar nos objetos
dentro delas e, por isso, é um espaço bastante dinâmico. Uma destas
casas alberga também o Posto de Turismo de Santana.
Este espaço funciona como um espaço de preservação das Casas Típicas
de Santana. Infelizmente, nenhuma delas mantém no seu interior uma
réplica do mobiliário mais antigo. Existem ainda no concelho várias
casas típicas de colmo habitadas por locais.

O Núcleo de Casas Típicas junto à Câmara Municipal de Santana é um


espaço de preservação, ampliado pelo Município de Santana em memória
do património local. Aqui encontram-se cinco casas “típicas” de Santana,
todas elas adaptadas ao contexto atual, que podem ser visitadas.
As casas típicas de Santana são a maior imagem de marca da Região
Autónoma da Madeira, sendo divulgadas em inúmeros cartazes turísticos
Definição promocionais em todo o mundo, nos quais a Câmara Municipal investiu e
apoiou ao máximo em memória ao património local que aqui existiu (ou
seja, às casas de colmo vernaculares habitáveis), e ainda existe, um
pouco por toda a ilha, no entanto já pouco resta dele no seu estado
autêntico, adaptadas agora ao contexto atual.
O seu aspeto original e que ainda se mantém inalterado em alguns casos
pontuais seria mais ou menos este:
Fig. 4 – Fotografia antiga que mostra o aspeto original das casas de colmo de meio-fio
vernaculares. Ano e autor desconhecidos. (Disponível em:
<http://www.somosmadeira.com/2015/08/casas-de-colmo.html>).

Fig. 5 – Fotografia antiga de uma casa de colmo vernacular de planta redonda, 27 de


julho de 2020. Autor: Rúben Santos. (Disponível em:
<https://www.dnoticias.pt/2020/7/27/68246-o-antes-e-depois-das-casas-de-colmo-na-m
adeira>).

Fig. 6 – Modelo Híbrido. Casa de grandes dimensões vista de frente. Sítio do Pico,
Santana. Ano desconhecido. Autor: António Fernandes. Imagens retiradas do livro
Arquitectura Popular da Madeira, de Victor Mestre.

Fig. 7 – Casa moderna à esquerda (Rochão, Camacha) e casa elementar à direita com
forno exterior (Carvalhal, Canhas). Ano desconhecido. Imagens retiradas do livro
Arquitectura Popular da Madeira, de Victor Mestre.

Fig. 8 – Casa elementar com cobertura de palha. Poiso, Canhas. Ano desconhecido.
Imagens retiradas do livro Arquitectura Popular da Madeira, de Victor Mestre.

A partir destas imagens, claramente de uma cronologia anterior à nossa,


podemos concluir que estas casas eram, sobretudo, as habitações de
pessoas humildes, normalmente agricultores, que não tinham posses para
adquirir materiais considerados mais nobres e que, comparativamente às
edificadas em Santana, essencialmente simples e práticas e não tão
excêntricas, adornadas e coloridas como as deste núcleo turístico, o que
nos leva a pensar houve uma inspiração nos palheiros agrícolas
rudimentares e que estes foram tomados como ponto de partida para este
projeto, mas que houve uma certa reinterpretação mais criativa e rica em
termos cromáticos e qualitativos, claramente para ser um espaço
chamativo e convidativo para os turistas.

O intuito deste projeto foi, sobretudo, mostrar aos visitantes vindos de


fora e fazê-los imaginar, inclusive aos próprios habitantes locais, o aspeto
aproximado de como estas casas, ex-libris e símbolo cultural deste
Fatores destino insular, seriam no passado, procurando ao máximo proteger o
Impulsionadores ambiente numa paisagem humanizada, em conformação com os objetivos
estabelecidos pela UNESCO para as reservas da biosfera - ecossistemas
terrestres e marítimos onde se conjugam políticas de conservação da
biodiversidade com a sua utilização sustentável.
Em suma, o principal objetivo para o começo deste projeto foi o de criar
“um pequeno roteiro com a identidade, a história, a tradição, a cultura, a
doçaria, as flores e o artesanato", explica o presidente da Câmara, Rui
Moisés, à Lusa. Isto pode ser explicado pelo facto de que a construção de
raíz destas habitações têm caído em desuso, muito devido aos materiais
utilizados que são perecíveis. Por isso, segundo o presidente da
autarquia, a aposta visa tornar Santana "um destino turístico agradável e
aprazível que faça as pessoas voltar", garantindo a sua manutenção
regular.
Todos os anos a Câmara Municipal investe na reabilitação das casas de
colmo espalhadas pelo concelho, a fim de objetivo é recuperar todas as
casas típicas de Santana, sobretudo as de cobertura de restolho.
Desde 2014 a Câmara de Santana já investiu à volta de 200 mil euros, na
recuperação de 52 casas de colmo (estatística do ano de 2021, segundo a
RTP Notícias da Madeira)

Endereço: 9230-082 Santana

Concelho, Município e Freguesia: Santana

Rua do Sacristão, Sítio do serrado

Localização Cidade: Santana

Ilha: Madeira

Antigo Distrito: Funchal

Localizado na costa nordeste da ilha a cerca de 35 km do Funchal.


Fig. 9 – Captura de ecrã do Google Maps, março de 2022. Autor: Inês Delgado.
Georreferenciaçã
o

Fig. 10 – Captura de ecrã do Google Earth, março de 2022. Autor: Inês Delgado.

Coordenadas GPS: N 32 48.323' W 016 52.953'


Cartografia

Figs. 11 e 12 – Captura de ecrã do Google Maps, março de 2022. Autor: Inês Delgado.

Orientações A fachada principal das casas encontra-se voltada a sudeste (com vista
para a rua que lhes dá acesso), logo a traseira está voltada a noroeste, a
parede lateral direita a sudoeste e, naturalmente, a esquerda a nordeste.
Este fator pode ser estratégico, pois recomenda-se esta orientação para
áreas que são bastante frias a maior parte do ano. No inverno ilumina-nos
boa parte do dia. O resto do ano, desde o meio-dia até ao pôr do sol.

São quatro os principais acessos para as Casas Tradicionais de Santana.


Acessos
A norte pela ER101 e a sul pela ER103, ER108 e pela VE1.

Cronologia c. 1984; séc. XX.

Não foi divulgado o nome daqueles que contribuíram para as


construções deste conjunto de casas de colmo, todavia sabe-se que foram
Arquiteto / homens aqui residentes e com formação específica para tal, contratados
Construtor / pela própria Câmara Municipal de Santana, logo são homens instruídos e
Autor com um saber erudito neste ramo, o que leva a que estas arquiteturas não
estejam classificadas como vernaculares, embora imitem os métodos e
materiais das mesmas.

Estas casas foram feitas com os mesmos materiais da edificação


vernacular, ou seja, com materiais vindos da própria natureza do local: o
colmo e a madeira. A utilização destes materiais deve-se à sua
abundância e por na época estes serem de fácil aquisição e pouco
dispendiosos, sendo que a agricultura ainda continua a ser nos dias de
hoje uma das atividades fundamentais da economia concelhia. Ainda
Materiais de foram utilizados materiais de reforço da estrutura para que esta seja firme
Construção e e estável como os vimes, as varas, e os blocos revestidos a cimento.
Manuseamento O colmo, seja de trigo, de centeio ou de outra variedade, é um dos
materiais mais antigos utilizados na cobertura de habitações em todo o
mundo, tendo sido a opção preferida da população de Santana, sobretudo
daqueles com fracos recursos económicos e devido à sua grande
versatilidade. Para além do colmo, eram utilizados outros materiais
naturais, como as varas, a madeira e o vime (muito utilizado na
manufatura, sobretudo de cestaria e de móveis, por ser uma
matéria-prima maleável). A utilização deste último na construção dos
palheiros tem um papel crucial, pois servem para amarrar as varas que
comprimem o colmo à estrutura de base, as ripas. Os vimes são assim
utilizados para os “pontos”.
As variedades de trigo ideais para a colmatação devem apresentar caules
de porte alto, linear e robusto, resistentes à acama. A sua precocidade
também é um dos fatores que teve muita influência na seleção.
Atualmente fazem-se sementeiras de trigo das variedades regionais
“branco” e “galhoto”.
Inicialmente a madeira era utilizada para toda a estrutura da casa de
colmo, desde a armação ao frontal. Gradualmente com o avanço das
técnicas-construtivas, os frontais começaram a ser construídos com
materiais mais resistentes como os blocos revestidos a cimento,
mantendo-se a madeira para a armação, tal como foi feito neste projeto,
pois já não se trata de uma arquitetura vernacular executada com os
conhecimentos locais da população comum, mas sim uma arquitetura
erudita, planejada e concebida sob a supervisão de profissionais.

- Construção leve e de rápida execução;


- Ótima ventilação;
- Materiais de construção de fácil aquisição;
- Estes materiais garantem a manutenção de temperaturas amenas,
Benefícios destas
no seu interior, tanto no inverno como no Verão;
Edificações
- O cultivo de cereais, como o trigo e o centeio, para além de
proporcionar sustento à população, através da produção de
farinha, permite o aproveitamento da palha (colmo) para a
cobertura das habitações.

O Núcleo de Casas Típicas de Santana procurou ao máximo obedecer à


edificação vernacular. Neste sentido, a cobertura das casas consistiu em
Técnicas colocar o colmo na vertical começando de baixo para cima, sendo que os
maranhos foram dispostos uns junto aos outros e sobrepostos, para
assegurar o isolamento.
Sobre os feixes foram colocadas as varas uniformes - normalmente de
folhado ou de urze - na horizontal, entre as várias camadas de colmo, que
são amarradas com os vimes, comprimindo a palha para que esta não se
solte. Esta primeira camada tem sensivelmente quinze centímetros de
espessura.
No final da cobertura, na cumeeira, são feitos os “bonecos”, cuja função
é proteger os últimos “pontos” que foram feitos com os vimes, para que
estes não se degradem facilmente. Concluído o processo de cobertura, é
necessário aparar a palha, para que fique com um aspeto mais
homogéneo.
Além disso, o telhado apresenta uma inclinação acentuada1,
aproximadamente de 60 graus, de forma a garantir o eficaz escorrimento
das águas das chuvas, impossibilitando a sua infiltração para o interior,
garantindo, assim, a impermeabilidade do espaço interior.
Por sua vez, o colmo, ou o restolho, é o elemento de destaque. Para o que
se considera uma boa colmatação, devem ser seleccionadas variedades de
trigo que possuam características específicas para a planta, de modo a
obter caules de porte alto, linear e robusto, e que sejam resistentes à
“acama”. Para restolhar/abafar a casa utiliza-se a palha de trigo barbelho
de pragarra por ser o mais duradouro, sendo que para isto são necessários
quatro homens, com experiência, que desempenham tarefas diferentes,
mas encadeadas, e ainda cerca de vinte e quatro a vinte e seis "maranhos"
de palha de trigo e oito dúzias de varas.
Já os vimes são utilizados para os “pontos” e necessitam de um processo
de tratamento específico para que fiquem com a maleabilidade suficiente
para a amarração. São utilizados vimes com cerca de dois metros de
altura e dois centímetros de diâmetro, que deverão ser colocados a secar,
passando pelo fumeiro, depois serão colocados de molho, em água,
durante sensivelmente catorze dias. Sendo um material maleável e de
grande flexibilidade, têm um papel crucial na construção das casas, pois
servem para amarrar as varas, que comprimem o colmo à estrutura de
base, as ripas.

1
Esta forte inclinação é também um fator determinante para garantir a máxima durabilidade do colmo.
Apesar da simplicidade dos materiais, o método construtivo singular, que
segue determinados procedimentos específicos, constitui um ritual
delicado que exige o domínio das técnicas, a mestria e a prática de
homens experientes, desde a preparação dos materiais até à conclusão da
colmatação.

Etapas
construtivas

Fig. 13 – Colheita do Trigo2.

2
De salientar que a colheita do trigo tem que ser feita à mão, pois os colmos devem ser arrancados sem os
quebrar e orientados o mais paralelamente possível.
Fig. 14 – Preparação do Vime.

Fig. 15 – Uso do vime na fixação das varas.


Fig. 16 – Colocação das varas durante a colmatação.

Fig. 17 – Armação em madeira.


Fig. 18 – Preparação da palha para a colmatação.

Fig. 19 – Colocação das primeiras camadas de palha.


Fig. 20 – Camadas finais da colmatação.
Construção erudita das Casas de Colmo de Santana. Ano e autor desconhecidos.
(Imagens disponíveis em:
<https://santanamadeirabiosfera.pt/biosfera/projetos/recuperacao-das-casas-de-colmo>).

Fig. 21 e 22 – Construção não erudita das Casas de Colmo Vernaculares na Madeira.


Ano e autor desconhecidos. Imagens retiradas do livro Arquitectura Popular da
Madeira, de Victor Mestre.
Os materiais utilizados na construção destas casas, como se mantiveram
fiéis à edificação vernacular, embora sejam feitos com mais rigor e com
um conhecimento técnico-construtivo mais aprofundado, continuam a ser
perecíveis e exigem uma manutenção regular. Assim sendo, é necessária
uma substituição parcial do colmo, representada na imagem abaixo) que
se encontra com maior grau de desgaste, sendo que essa substituição tem
sido realizada de 4 em 4 anos, ou de 5 em 5, dependendo da qualidade do
colmo e das temperaturas que se fizeram sentir, tal como assegura a
Câmara Municipal de Santana.
Raramente se procede a uma mudança integral da cobertura, não só por
ser mais dispendiosa, mas também porque se as mudanças parciais forem
eficientemente efetuadas, a camada de colmo interior não se deteriorará.
Ademais, Rui Moisés destaca que existem muitas destas habitações
disseminadas pelos vales e montanhas do concelho, algumas das quais
habitadas, mas cuja manutenção necessita de ser apoiada: "já temos os
terrenos municipais com o cultivo do trigo para depois termos o colmo
Manutenção
para cobrir estas mesmas casas".

Fig. 23 – Substituição do colmo de uma Casa Típica. (Disponível em:


<https://santanamadeirabiosfera.pt/biosfera/projetos/recuperacao-das-casas-de-colmo>).
Não posso afirmar que todas as casas têm a mesma dimensão, porém
seguem à norma um modelo/módulo predefinido, com base nas
condições do terreno, que as faz parecer idênticas visualmente. Desta
forma, as medidas apresentadas são de referência e podem não ser
completamente exatas:
Dimensões a - Largura: 4,64m;
registar - Comprimento: 7m;
- Ângulo: 60º;
- Altura: 4,4m;
- Comprimento do terreno total utilizado de uma ponta à outra:
cerca de 40m (dimensão aproximada medida no Google Earth).

A Ilha da Madeira caracteriza-se por ter um relevo muito acentuado e a


zona costeira é quase inteiramente composta por arribas escarpadas e
alguns depósitos de arribas resultantes do recuo das arribas devido à
abrasão oceânica. Logo, devido à morfologia bastante acidentada foi
necessário um estudo aprofundado da topografia local e,
necessariamente, uma adaptação às suas condições topográficas.
A paisagem madeirense é fortemente marcada pela presença constante
dos tradicionais poios3. “(...) as plataformas em socalcos, em locais cada
vez mais ousados, fixando as terras que garantiam a exploração agrícola
Condicionantes possível. Paredões sabiamente construídos, segundo soluções que vão das
escadas integradas entre muros, ou dos graciosos degraus dependurados
em consola, até à forma delicada de adossar as plataformas suavemente
às linhas de cotas, serpenteando nas encostas numa conhecida manta de
retalhos de diversos tons.”
Com o crescimento da população foi necessário o aumento da produção
agrícola, dando origem ao corte de inúmeras árvores presentes nas
encostas muito acentuadas. O seu desbaste proporcionou a exportação da
madeira para o território continental e a criação de uma fonte de receita,
tanto da matéria prima como das terras de cultivo.

3
Porção plana de terreno numa encosta, sustida por um muro.
Não existe, para já, nenhum decreto lei/regulamento direcionado ao
Afetação
núcleo de casas típicas ou às casas de colmo em geral.

Neste momento o Núcleo de Casas Típicas de Santana/ Casas Típicas de


Santana, não se encontra classificado. Estão mencionadas no PDM de
Santana, para futura classificação de Património Edificado de Interesse
Patrimonial. O Núcleo está integrado na zona de transição da Reserva
Mundial da Biosfera de Santana desde 2011, o que lhe confere uma certa
“proteção”. A decisão foi tomada em Dresden (Alemanha).
O certificado oficial foi formal e solenemente entregue pela UNESCO,
Proteção ao Município de Santana, no Salão Nobre da Câmara Municipal de
Santana.
Fatores que contribuíram para a aprovação da candidatura: Reserva
Natural da Rocha do Navio (1997); Floresta Laurissilva (Património
Mundial da UNESCO (1999); Áreas do Maciço Montanhoso Central
(Rede Natura 2000); Cultura própria, valorização e conservação do seu
património; Valorização dos recursos sociais, culturais, patrimoniais e
históricos

O Núcleo é propriedade da Câmara Municipal de Santana. Cada uma das


casas típicas é depois concessionada a terceiros para exploração, por isso
Propriedade pode ser considerada uma propriedade pública, no entanto vigiada.
Nestas casas funcionam um Posto de Turismo, uma casa de promoção
local, venda de artesanato e de flores.

Promotor Câmara Municipal de Santana

Enquadramento urbano numa área de razoável adensamento

Tipo de populacional, na qual se destacam assentamentos rurais e pequenas


Implantação propriedades que contrastam com edificações mais desenvolvidas, como
parques, igrejas, escolas, como a Escola EB1/PE/C de Santana, entre
outros.
Núcleo de casas sobre um terreno (jardins e campos em volta), integradas
no centro da cidade, sendo um local marcado essencialmente pela
atividade agrícola, extrativista e comercial, com base no turismo.
Estas casas foram construídas de raíz e, por isso, não resultam de uma
ampliação ou restauro de casas de colmo pré-existentes, como acontece
com outros exemplos nesta mesma região.
Tratam-se de casas isentas, ou seja, não são juntas umas às outras, não
partilham a mesma parede. Em vez disso, estão distribuídas no mesmo
espaço, estando interligadas por uma espécie de armação natural,
conseguida através da junção e cruzamento de postes de madeira no seu
estado puro, isto é, sem tratamento de alisamento da forma, aos quais
ainda foram adicionados arbustos trabalhados, e canteiros, percorrendo
grande parte do seu perímetro, como evidencia as imagens abaixo:

Fig. 24 – Casas de Colmo de Santana rodeadas pela armação natural de madeira, 25 de


maio de 2019. Autor desconhecido. (Disponível em:
<https://www.mundoportugues.pt/2019/05/25/santana-um-destino-verdejante-com-as-su
as-tradicionais-casas-triangulares/>).
Fig. 25 – Vista aérea que mostra a armação natural de madeira que delimita o espaço
onde se encontram as Casas de Colmo de Santana. Minuto 5:08. (Disponível em:
<https://bymadeira.com/videos/madeira/casas-tipicas-santana/>).

A Ilha da Madeira oferece uma vegetação particular às pessoas que a


visitam, feita de rochas, vales e montanhas, assim como o mar de cor
azul vivo, simplesmente idílico, sendo que Santana desfruta de um
ângulo visual para nascente e para a Ilha do Porto Santo. Trata-se de uma
implantação na costa marítima, numa baía ampla, e de clima úmido,
favorecendo a vasta e diversa vegetação que se encontra por todo o
território. O núcleo urbano desenvolve-se a partir da linha de água,
crescendo para o interior pela escarpa, condicionada pelas ribeiras.
Na Ilha da Madeira a vegetação exuberante ainda hoje predomina, apesar
Caracterização do de a acção do Homem, ao longo de séculos e em quase todo o perímetro
Território da Ilha, ter alterado a natureza e feito surgir uma paisagem humanizada,
uma paisagem cultural, profundamente identificadora deste "lugar do
mundo”.
Numa geografia tão acidentada, a ocupação e o usufruto do território,
logo após a implantação das capitanias e respectivos direitos de
propriedade ao longo dos séculos, ficaram sujeitos às normas
administrativas dos regimes de morgadio, arrendamento, sesmaria,
meação, entre outras modalidades de posse ou de uso dos campos.
Com o aumento da população e a necessidade de obter maior produção
agrícola, deu-se início à conquista de cotas mais altas, ocupadas por
densa floresta. O seu desbaste permitiu a exportação de ricas madeiras
para o Continente e, naturalmente, para satisfação do crescente consumo
local
A partir desta nova realidade, surgem as plataformas em socalcos, em
locais cada vez mais ousados, fixando as terras que garantiam a
exploração agrícola possível. Paredões sabiamente construídos, segundo
soluções que vão das escadas integradas entre muros, ou dos graciosos
degraus dependurados em consola, até à forma delicada de adossar as
plataformas suavemente às linhas de cota, serpenteando nas encostas
numa conhecida manta de retalhos de diversos tons.

Figs. 26 e 27 – Capturas de ecrã de uma gravação a satélite das Casas de Colmo de


Santana que mostram o espaço envolvente. Minutos 3:49 e 4:38, respetivamente.
(Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=0s9p7WVEr0w&t=1s&ab_channel=Portugalvisto
doCeu>).
Fig. 28 – Planta do rés do chão.

Plantas

Fig. 29 – Planta de cobertura.


Ilustração do Alçado das Casas de Colmo Eruditas de Santana. (Imagens disponíveis
em:
<https://santanamadeirabiosfera.pt/biosfera/projetos/recuperacao-das-casas-de-colmo>).
Fig. 30 – Ilustração da Planta das Casas de Colmo Vernaculares da Madeira.
Imagem retiradas do livro Arquitectura Popular da Madeira, de Victor Mestre.

O Núcleo de Casas Típicas de Santana localiza-se ao lado da Câmara


Municipal de Santana, com vista para o Miradouro Pico da Boneca
(mirante) e para a Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio. A
escolha da sua implantação neste terreno resultou da própria vontade da
Câmara, pois é um local estratégico, perto do centro cultural (zona

Confrontações turística) e onde as mesmas podem ser supervisionadas pelos promotores.


Daqui podemos ainda observar o Parque Temático da Madeira mais ao
longe, também com Casas de Colmo, no qual se insere um pequeno
parque infantil, e a cerca de três minutos a pé encontramos o centro
cívico de Santana com a sua Igreja matriz. Naturalmente, em torno deste
núcleo não faltam restaurantes, cafés, lojas, hotéis e bombas de gasolina,
uma vez que se trata de uma zona altamente turística e visitada.
Fig. 31 – Captura de ecrã do Google Earth que mostra o que existe perto das Casas de
Colmo de Santana, março de 2022. Autor: Inês Delgado.
Figs. 32, 33, 34 e 35 – Capturas de ecrã do Google Maps, que mostram o que existe à
volta das Casas de Colmo de Santana: Visão 360º, março de 2022. Autor: Inês Delgado.

- Três vãos (dois laterais de vidro e de formato mais quadrangular e


um retangular elevada e de maior escala, por cima da porta);
- Porta retangular central;
- Arranjos exteriores com flores;
Componentes da - Portada batente nas janelas de abrir laterais (possivelmente de
Estrutura (Interior alumínio);
e Exterior) - Telhado de duas águas;
- Algumas casas funcionam mesmo como habitação, possuindo
uma cama individual, uma pequena mesa, uma cadeira, um
candeeiro etc.;
- Outras casas funcionam como espaços comerciais e de trabalho,
com utensílios tradicionais e produtos locais, muitos ligados à
indústria têxtil.
Figs. 36, 37, 38, 39 e 40 – Capturas de ecrã que mostram o interior das Casas de Colmo
de Santana, 27 de fevereiro de 2022. (Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=FsvwsLlMWMc&ab_channel=Portugalcool>).

Alçados

Fig. 41 – Alçado Frontal.


Fig. 42 – Alçado Tardoz.

Fig. 43 – Alçado Lado Esquerdo.

Fig. 44 – Alçado Lado Direito.


Ilustrações digitais dos alçados das Casas de Colmo Eruditas de Santana. Ano e autor
desconhecidos. (Imagens disponíveis em:
<https://santanamadeirabiosfera.pt/biosfera/projetos/recuperacao-das-casas-de-colmo>).

Fig. 45 – Ilustração do “Esqueleto” das Casas de Colmo Vernaculares da Madeira com


os seus respetivos elementos estruturais. Autor desconhecido. Imagem retirada do livro
Arquitectura Popular da Madeira, de Victor Mestre.

As casinhas de Santana (como são lá chamadas) são famosas e bastante


atípicas relativamente às restantes habitações do nosso país graças ao seu
formato triangular, cujo perímetro é acompanhado pelo telhado que vai
até ao chão, configurando duas águas.
Embora esta forma geométrica particular e perfeitamente simétrica faça
Descrição Geral e com que as casas não sejam muito grandes, permite por outro lado que a
Análise Formal4 água da chuva seja bem drenada.
Apresentam uma reconhecida qualidade, rigor construtivo, conhecimento
dos materiais, proporção, escala, harmonia, sentido de integração,
funcionalidade e, ainda, conseguem manter fortes laços de identidade
cultural ao lugar e à comunidade, e o gesto de erudição de um arquiteto
sensível a este tipo de valores.

4
Com base na observação.
Outra particularidade que podemos ressaltar é, obviamente, a empena5
(frontispício) da casa de fio que se encontra coberta de colmo desde a
cumeira até ao solo, criando aqui um jogo de texturas entre o áspero do
colmo e a parede frontal externa lisa.
A brancura de cal da fachada, eficaz refletora da luz do sol, contrasta
com o rodapé que exibe um vermelho ocre e com as barras coloridas a
azul claro que emolduram os vãos, claramente a remontar ao mar que
pode apreciar na linha do horizonte.
Estas habitações pitorescas são ainda nobilitadas pelos arranjos exteriores
dos belos jardins que as rodeiam, obra claramente de um arquiteto
paisagista. Podemos ainda ver que se adicionaram flores aos vãos para
ressaltar a beleza da edificação e criar uma certa harmonia com a
natureza envolvente.
O espaço de "jardim" surge quase sempre em miniatura. Vasos, tachos
antigos, alguidares, latas, tudo serve para colocar uma planta com flores
vetustas. Por vezes estas são suspensas por toda a fachada, dispostas nos
vãos, envolvendo o perímetro da cobertura, que termina entre as flores do
solo, conferindo à casa um aspeto de conto de fadas com o colorido do
jardim envolvente.
Tem uma porta na fachada principal que dá diretamente para a sala de
visitas, e outra interior, desta para o corredor de acesso aos quartos que
termina noutro compartimento, a sala de jantar, com acesso fácil à
cozinha, destacada no exterior. Ainda nesta sala se tem acesso, por via de
uma escada de pôr, a um sótão que apenas ocupa uma parte da casa.
Formalmente, é uma casa cuidada e denota uma grande preocupação
construtiva, própria de mestres carpinteiros. A revelação deste extremo
profissionalismo está expressa nos vãos e portadas de correr. A cozinha é
também separada e apresenta um aspeto similar ao da casa redonda. Tem
ainda forno interior e pavimento de madeira e terra.

5
As casas de empena são aquelas em que as traves longitudinais estavam apoiadas diretamente no chão.
Tal como referi anteriormente, estas casas são sujeitas a uma manutenção
regular de quatro em quatro anos, ou de cinco em cinco, por ordem da
Câmara Municipal de Santana, o que faz com que elas estejam em
Estado de
perfeito estado de conservação, praticamente novas esteticamente, uma
Conservação
vez que encontram-se numa área preservada pertencente ao património
Atual
madeirense segundo o decreto da Reserva Mundial da Biosfera de 2011
aprovado pela organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência
e Cultura (UNESCO) .

Estas habitações remontam ao descobrimento da Madeira, que, devido à


abundância de madeira e palha proveniente da plantação dos cereais, que
serve a sua cobertura, são designadas “palheiros”, sendo que se acredita
que estas casas sejam vestígios de construções primitivas e que se
encontravam por toda a ilha.
Por haver, na região, pouca pedra rija e o clima ser frio no inverno
adotou-se esta matéria-prima (colmo e madeira), possibilitando, também,
uma adaptação às estações do ano, frescas no verão e quentes no inverno,
de forma a assegurar o conforto das pessoas que lá entram. Este fator é
importante, pois a Ilha da Madeira possui um clima de influência
marítima, com verões amenos, com uma temperatura média que ronda os
24 °C, e invernos também amenos, com temperaturas geralmente por
Contextualização volta dos 17 °C.
A partir deste contacto directo, desencadeou-se certamente um conjunto
de relações entre o Homem e o meio natural, gerando muitos dos valores
da sociedade rural desde então estabelecida nestas paragens.
A casa é o cerne das atividades rurais de cada família, e a sua estrutura
espacial está inserida num mais amplo e complexo sistema de
necessidades, consoante o tipo de agregado familiar e as actividades
agrícolas desempenhadas.
Os cereais, a madeira, o açúcar, a vinha, o vime, o linho (tardio e em
pequena escala) e a bananeira (igualmente tardia), e ainda o bordado
como "artesanato produtivo', terão sido os mais representativos e terão
contribuído economicamente para a "reinvenção", invenção e inovação
das tipologias atualmente mais representativas e naturalmente também
dos tipos formais, que vêm adquirindo novos valores decorativos,
acabando por se impor na identificação da Arquitetura Madeirense.
Na ilha da Madeira, as casas rurais, “sinal maior das arquitecturas de
tradição”, encontram-se dispersas na paisagem e que, devido ao relevo
acidentado, aparecem frequentemente isoladas. De um modo geral, estas
localizam-se num contexto dominante sobre a paisagem e quando
possível sobre o mar, em sítios desfavoráveis e inseguros. Segundo
afirma o arquiteto Victor Mestre, estas “(...) são uma afirmação
individual na paisagem e representam o esforço do Homem sobre a
Natureza Insular.”.
No contexto rural, é extremamente raro observar duas casas alinhadas,
frente a frente, de modo a configurar um caminho. Na maior parte das
situações, estas estão implantadas de maneira aparentemente espontânea
e viradas para os respetivos terrenos agrícolas.
Conforme afirmam Clara Vieria e Raúl Veríssimo (1989), estas casas
localizavam-se em sítios altos ou construídos no cimo de pequenas
elevações, quer por ostentação e ambição de poder, quer mesmo pela
qualidade do espaço que dela se vislumbra.
A agricultura, sendo “mais do que capital e meio de produção, era
sobretudo meio de subsistência”, foi a principal causa do ordenamento do
território e da própria constituição da casa rural. Até aos finais do século
XIX, foi essencialmente a única fonte de sustento dos madeirenses que,
mais tarde, foi complementada com o surgimento do turismo. Deste
modo, a casa é simultaneamente entendida como um local de descanso e
de trabalho, porque se associa às práticas agrícolas de onde advém o
sustento da família.
Havia dois tipos de casas típicas: as assentes no chão sobre troncos de
madeira chamadas Rasteiras e as chamadas Meio-Fio que eram assentes
sobre paredes de pedra basalto. A forma e a dimensão dos palheiros
variam de concelho para concelho, no entanto, na sua maioria
corresponde a um rectângulo.
Infelizmente, hoje, este tipo de cultura desapareceu e com isso também
desapareceram as casas cobertas a colmo. Por essa razão, as populações
tiveram de adoptar outro tipo de cobertura, como são exemplos o zinco e
a telha. No que diz respeito ao concelho de Santana foi feito o
levantamento de 194 casas tradicionais, das quais 58 casas encontram-se
abandonadas, 126 continuam com o seu uso de origem, servindo para
habitação e 10 casas têm outro tipo de uso, como por exemplo servem de
armazém para apoio à agricultura.
Estas eram compostas por dois pisos, cuja ligação era feita através de
uma escada, nalguns casos amovível: o superior, onde havia um sótão, no
qual se guardavam produtos agrícolas, nomeadamente sementes, e por
um piso térreo, geralmente a área habitacional dos residentes, que se
achava dividida em duas partes, a cozinha e o quarto, separadas por um
frontal. Dependendo do declive do terreno, algumas casas tinham,
também, uma cave, vulgarmente designada de loja. Este compartimento
tanto podia servir de arrecadação, como de quartos de dormir.
A área habitacional servia essencialmente de dormitório, o quarto do
casal e o quarto dos filhos. Por vezes, o quarto dos filhos era dividido
com uma cortina de pano, de forma a separar os rapazes das raparigas. O
acesso ao sótão pode ser feito tanto por dentro (por um alçapão), como
por fora (pela porta do sótão) com o auxílio de uma escada. A cozinha
era uma construção à parte, também com cobertura de colmo, onde para
além de se confecionar a comida, se realizavam também outras tarefas,
como bordar, coser roupa, fiar, e outros trabalhos ligados à agricultura e
às lides domésticas.
Também à parte, existiam os palheiros, construções semelhantes que
serviam para guardar o gado, nomeadamente vacas. Atualmente, de
forma a incentivar a preservação do património local, a autarquia local
utilizou terrenos agrícolas abandonados para fazer plantações de trigo e
centeio. Essas plantações permitem o aproveitamento da palha para a
cobertura das casas de Colmo.
Conforme refere o arquiteto Victor Mestre, as construções tradicionais
madeirenses agrupam-se essencialmente em duas principais tipologias: a
casa elementar, de um e dois pisos, e a casa complexa. Quer isto dizer
que, a casa rural apresenta-se dividida consoante a sua solução
construtiva, ora mais básica ora mais desenvolvida, devido à inovação e
criatividade que incorpora. Contudo, estas tipologias possuiem diversas
variantes espalhadas por toda a ilha, conferindo assim, “(...) o equilíbrio e
ordem à paisagem humanizada.”
A casa elementar é a mais significativa das tipologias, quer pela sua
quantidade ou mesmo pelo seu número de variantes. Esta era constituída
tanto pelas paredes de madeira como pelas alvenarias de pedra, sendo a
cobertura de palha ou de telha cerâmica.
Tipologicamente, esta expressa uma “(...) a solução mais básica de um
compartimento onde se desenvolve a totalidade das relações próprias do
habitar.”. Expressando assim, a mesma elementaridade no que diz
respeito à organização espacial da cozinha. Quando este compartimento
não se encontrava isolado era visto como sendo a casa principal, onde
estabelecia uma relação de maior proximidade para com a zona de
dormir. Por vezes, existia somente um tabique improvisado, a fim de
proporcionar mais conforto e privacidade.
De todas as variantes derivadas da casa elementar é a “Casinha de
Santana”, assim denominada pela sua localização, a mais conhecida.
Aparecendo em praticamente todos os guias turísticos, constitui assim, a
maior imagem de referência do que são as típicas casas madeirenses.
Estas casas são constituídas pelas suas paredes exclusivamente de
madeira e a mais tradicional cobertura em colmo. Deste modo, “(...)
caracterizam-se pela cobertura de três águas que terminam junto ao chão,
no caso das casas de fio, e elevadas nas casas de meio-fio. Ambas
dispõem de uma única fachada/empena, onde se localizam a porta e os
pequenos vãos com os respectivos tapassóis coloridos, que conferem uma
imagem de alegria a esta tipologia.”
A casa elementar térrea evoluiu em vários tipos, sendo o mais recorrente
aquela que tira partido, tanto quanto possível, os desníveis naturais do
próprio terreno. Assim sendo, constata-se que “(...) a habitação torna-se
então o traço marcante da evolução do mundo rural, ao contrário do que
acontece noutras épocas, (...)”. Na sua maioria, as construções
tradicionais da região são compostas por dois pisos de planta retangular.
Estas casas eram autossuficientes, compostas pela casa principal (casa de
lavrador) e, por vezes, por construções anexas (adega, palheiro), por
forma a dar apoio à exploração agrícola, podendo estar ligadas
fisicamente à casa principal ou separadas, formando um “complexo”.
Segundo Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, “a casa popular,
e sobretudo a casa rural, é mesmo concebida não apenas como um
abrigo, mas sobretudo como um verdadeiro instrumento agrícola que é
preciso adaptar às necessidades de exploração da terra, designadamente
no que se refere ao seu dimensionamento e à importância e distribuição
relativa dos alojamentos das pessoas, dos estábulos e das lojas de
arrumação de alfaias e ferramentas de lavoura.”
Relativamente à organização funcional, o piso térreo era destinado tanto
para o apoio à atividade agrícola como para o tratamento dos animais.
Em alguns casos, apresentavam também uma adega, compartimento que
servia de apoio à atividade vinícola. O piso sobradado, que não tinha
qualquer ligação física pelo interior ao piso inferior, possuía todos os
diferentes espaços indispensáveis ao habitar, nomeadamente a cozinha,
sala e quartos. Assim sendo, a única maneira de se aceder a este era
somente pelo exterior através de uma escada em pedra. Salienta-se que, o
espaço da cozinha era, por vezes, localizado num outro volume
complementar à casa principal. Este compartimento assume-se assim,
como o espaço central da casa, local onde se faziam as refeições e servia
também como espaço de convívio. Além de que, trata-se também do
principal espaço de entrada e receção na casa que serve de ligação entre
os espaços de lazer (sala) e os espaços de silêncio (quartos). Em relação
aos restantes compartimentos, nomeadamente os quartos, estes
apresentavam-se com dimensões pequenas, e a sala, que a sua utilização
era pontual.
Segundo Victor Mestre (2002, p. 10), a arquitetura popular madeirense
revela-se um importante legado. Apesar de, por vezes, demonstrar-se
com uma aparência rudimentar, representa fielmente a identidade de um
povo. Deste modo, esta arquitetura evidencia-se pelas soluções
construtivas adotadas, tendo em conta a escassez de meios, a dificuldade
territorial e a falta de recursos económicos.
Assim sendo, conforme refere Ernesto Veiga de Oliveira (2003), a
arquitetura tradicional portuguesa, perante também as condições acima
mencionadas, pode caracterizar-se pelo uso quase restrito dos recursos
disponíveis no local de intervenção. Desta maneira, estes podem
apresentar-se no seu “estado puro”, ou sofrerem ligeiras alterações
associadas ao seu aperfeiçoamento, através da utilização de apenas uma
ferramenta básica elementar. Quer isto dizer que, todas as tipologias,
apesar de espacialmente distintas, apresentam-se “(...) assim em estreita
dependência com os materiais de construção locais.” e
consequentemente, possuem uma íntima relação para com o meio onde
exploram os recursos existentes.
É a partir dos anos 50 e 60 que se dá o abastardamento e/ou o
desaparecimento maciço de muitos exemplares de edifícios valiosos, se
não únicos, rurais e urbanos, surgindo novas casas cuja origem tipológica
ou filiação formal ainda não será fácil caracterizar.
Deste fenómeno terá surgido algo novo que, no nosso entender, não se
enquadra na arquitetura popular tradicional por - principalmente -
representar uma aparente rejeição da tradição em todos os domínios,
respectivamente nos materiais, na escala, na tipologia, nas proporções e
nos métodos construtivos. Os proprietários destas casas pertencem a uma
"nova cultura popular" com forte raiz urbana, industrial e televisiva, do
mesmo modo que quem as pensa e executa não está na linha de
aprendizagem dos mestres construtores. Antes são, na sua maioria,
pessoas com formação técnica, obtida através das escolas industriais, e
detentores de cursos médios de formação, que desenham, mas não
constroem com as "próprias mãos". A tarefa de construir encontra novos
protagonistas, com formação e treino, fruto da industrialização do que se
viria a designar por "construção civil".
Com o desaparecimento dos mestres artesãos encerrou-se um longo ciclo
de cultura arquitetónica popular, de uma cultura coeva de autor.
Tendo presente a realidade madeirense quando nos referimos ao
fenómeno da industrialização, reportamo-nos ao turismo como o grande
motor do "desenvolvimento" moderno. O turismo na Ilha da Madeira
nasceu nos finais do século XIX e destinava-se essencialmente a uma
elite que procurava repouso, a cura para doenças e a aventura em locais
exóticos, como alternativa ao tédio burguês.
No período que sucedeu ao fim da Segunda Guerra Mundial, e com a
democratização e as conquistas sociais que então tiveram lugar,
generalizaram-se as férias, vindo progressivamente a aumentar o número
de turistas na região madeirense. Este importante ciclo económico viria a
revelar-se determinante no tecido social local, alterando costumes e
absorvendo grande parte da mão-de-obra qualificada, ou preparando-a
minimamente para o efeito, tornando-se deste modo num turismo
industrial.
O turismo passou a constituir, a par da emigração para o exterior, a
alternativa da população jovem, que não encontra nos campos o sustento
suficiente, o apelo ou a vocação, talvez por influência dos novos tempos
que impelem para outro modo de vida que não o dos campos, incapazes
de garantirem a satisfação do que sentiam como necessidades. Dá-se
assim o abandono de muitas parcelas de terra mas nem sempre da casa,
exceptuando quando se emigra.
Acresce que a escassez de terrenos disponíveis e acessíveis para a
construção teve como consequência o surgimento de aglomerados
dependurados em veredas ou em penhascos, sem condições de
salubridade adequada, com penosos acessos de pé posto, onde renasce a
saga do homem antigo de tudo carregar às costas.
As ações sobre o património deverão assim ser entendidas como ações
culturais, portadoras do saber ancestral do artesanato genuíno,
reveladoras do conhecimento de ações, teorias e conceitos.

Horários de
Segunda - Domingo: 09:00 - 17:00h.
funcionamento
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Apesar do título “Núcleo de Casas Típicas de Santana” nos pareça


remeter a um vasto conjunto de edificações num mesmo espaço, apenas
vamos encontrar quatro pequenas casas, as quais foram transformadas em
lojas de souvenirs e produtos típicos da madeira. Existem outras
(poucas), espalhadas pela pequena cidade, porém não estão muito
preservadas.
A classificação deste núcleo de casas de colmo enquanto Reserva
Mundial da Biosfera, em 2011, já comunicada à Câmara de Santana, foi
assim comentada ao PÚBLICO pelo presidente da autarquia, Rui Moisés:
"Trata-se de uma importante distinção para o município e para a região,
que, uma vez mais, vê reconhecida mundialmente a riqueza do
património que temos para oferecer". Na opinião do autarca, a ligação
"Santana-Madeira-biosfera" constitui, por si só, um factor promocional

Observações do concelho "enquanto destino predominantemente turístico e com


características e serviços de excelência".
Também o biólogo Domingos Abreu, coordenador da equipa da empresa
municipal Terra Cidade de Santana que organizou a candidatura,
considerou da maior importância a aprovação pelo bureau da UNESCO.
"Além de uma consagração, é um processo novo que se inicia. Esta
reserva permite um modelo de desenvolvimento que tem em
consideração os valores do ambiente, a biodiversidade, os valores
culturais e patrimoniais, e faz com que seja parte da rede mundial de
reservas."
O processo abrange a floresta laurissilva, classificada como Património
Mundial Natural desde 1999, e a fajã da Rocha do Navio, área de reserva
marinha. Conhecida pelas suas típicas casas de colmo e, mais
recentemente, pelo parque temático ali criado, Santana celebrou 176 anos
de elevação a concelho e tem no seu território o Pico Ruivo (1962
metros), a eminência rochosa mais alta do Maciço Montanhoso Central.
Outros atractivos desta zona caracterizada pela paisagem agrícola e
situada no Norte da ilha - a cidade encontra-se a 312 metros de altitude -
são os parques florestais das Queimadas e do Pico das Pedras que integra
o Parque Natural da Madeira como reserva de recreio, ao passo que o das
Queimadas está classificado como zona de repouso e de silêncio, também
estes albergando ilustres exemplares das casas de colmo tão próprias do
município de Santana.
Com a classificação de Santana, em 2011, Portugal passou a ter, na
altura, apenas quatro reservas da biosfera. Antes das ilhas do Corvo e da
Graciosa, nos Açores, cuja candidatura foi aprovada há cerca de um ano,
o país dispunha de uma única zona com tal estatuto - a Reserva Natural
do Paul do Boquilobo que se estende pelos concelhos de Torres Novas e
Golegã.
A vantagem desta especificação é aumentar o interesse e conhecimento
de outros valores que não são propriedade intelectual de eruditos, mas
antes representam o outro lado da cultura paralela que soube caminhar e
resistir às investidas do poder dominante. Julgamos, assim, ser
fundamental a preservação das memórias identificadas como
fundamentais de um modus vivendi coerente que, à beira da extinção,
constitui uma reserva ética e estética desprezada e deliberadamente em
processo irreversível de descaracterização.
O colapso da sociedade agrária a que se assiste desde finais dos anos 50
representa a massificação do homem, o seu empobrecimento intelectual,
o seu desespero em se aproximar da urbanidade e dos seus piores valores.
Este fenómeno, de proporções alarmantes, está patente na
descaracterização física e na desertificação interior do País. As
populações definham, adulteram-se e não resistem às modas, à obtenção
de sinais supérfluos, desenraizados e de conteúdo duvidoso ou, por
vezes, inexistente.
Assim, considero fundamental que se tente preservar em todas as regiões
do País estes valores da Arquitetura Popular, não só no seu aspecto
cenográfico , como nas suas tipologias e modos de construção, em
edifícios e objetos que em tempos complementaram a vida sociocultural
destes lugares.

Este trabalho de reflexão surgiu como síntese do processo projetual que


proporcionou a realização de alguns conceitos e intenções para uma
futura intervenção arquitetónica no âmbito do restauro, reabilitação,
transformação, ampliação, demolição e construção. Neste sentido,
centra-se na requalificação do edificado rural, que tem sido debatida cada
vez mais no que diz respeito ao campo disciplinar da arquitetura. O
interesse em alargar o estudo e reflexão sobre as construções tradicionais
tem como objetivo a sua recuperação e ampliação adequadas às
necessidades atuais, às novas condicionantes e consequentemente às
novas formas de construir.
Com isto, pretendeu-se a compreensão formal do lugar e, por conseguinte
do objeto em estudo, que advém dos conhecimentos teórico-práticos
adquiridos para o Núcleo de Casas de Colmo de Santana.

Nota Crítica: Perante o exposto, a ideia inerente a todo este trabalho é sensibilizar para
Apanhado que o improviso seja concebido especificamente para um lugar preciso,

Analítico tendo em conta a geografia, a topografia e a paisagem do território em


que se insere, tal como a Câmara Municipal de Santana assim o fez.
Deste modo, construir no construído ganha cada vez mais uma entidade
própria, não sendo possível repeti-la em qualquer outro sítio. Quer isto
dizer que, não só se percebe muito bem o lugar onde se está a construir
como também, se acrescenta valor ao que se está a fazer, lidando com
programas e conteúdos que potenciam esse reconhecimento.
Assim sendo, as novas propostas de intervenção devem adaptar-se à
forma rural e consequente, às próprias características topográficas. A
fragmentação do conjunto edificado, articulado por diversos corpos,
respeita o caráter competitivo do assentamento, fracionado com a
sucessiva adição de volumes à habitação. Por sua vez, o jogo de
coberturas, ora planas, ora inclinadas, com uma ou quatro águas, reforça
a sensação de continuidade entre a topografia do território e a arquitetura
que o compõe.
Conclui-se, então, que em termos metodológicos, processos de
composição e ato criativo, a intervenção numa preexistência apresenta-se
com um maior número de condicionantes. Demonstrando que, para
intervenções desta natureza, a capacidade de síntese, experiência e
conhecimento dos materiais e sistemas construtivos são os três principais
fatores para que o resultado final seja o mais equilibrado possível.
Contudo, o fato deste tipo de projetos trabalharem a partir de edifícios
com identidade própria em conjugação com novas estruturas, de
transição, adaptação, sobreposição e diálogo de épocas diferentes, faz
com que este tema seja complexo, mas ao mesmo tempo estimulante na
medida em que o ato criativo está suportado por uma base real,
apresentando-se como potencial fio condutor, um elemento que faz parte
da nova composição. Neste sentido, o existente dá mote ao
desenvolvimento das novas estruturas, fazendo-se um “diálogo”
constante entre o “novo” e o “velho”.
Finalizo, portanto, com a seguinte frase: “Todos os viajantes trazem da
Madeira a recordação de um relevo contrastado como o das altas
montanhas: vales profundos, desaparecendo sob a cobertura de antigas
florestas, picos elevando acima das nuvens a sua orgulhosa silhueta,
precipícios que as estradas e os velhos caminhos são obrigados a
contornar, gargantas sombrias onde se ouve o bramir das torrentes.” -
RIBEIRO, Orlando, A Ilha da Madeira até Meados do Século XX:
Estudo Geográfico. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. Ministério
da Educação: Lisboa, p. 21.
Outras imagens
Figs. 46, 47, 48, 49 e 50 – Preparação das Casas de Colmo de Santana. Ano e autor
desconhecidos. (Imagens disponíveis em:
<https://santanamadeirabiosfera.pt/biosfera/projetos/recuperacao-das-casas-de-colmo>).

Caracterização e História da Freguesia de Santana. (2022).


Disponível via Junta de Freguesia de Santana em:
<https://jfsantana.pt/index.php/freg1/breve-historial>. Acesso 10 Março
Documentação6
2022.
Casas de Colmo. (2011-2021). Disponível via Santana ® Madeira
Biosfera em:

6
* As referências bibliográficas do presente trabalho obedecem à norma APA — American Psychological
Association.
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