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Notas biobibliográficas sobre Joaquim de Vasconcelos (1849-1936)

Carlos Oliveira Silva


Universidade AbERTA (UAb)

Este historiador de arte, professor, arqueólogo, musicólogo crítico de arte e


museólogo, nasceu no Porto a 10 de fevereiro de 1849. Desde cedo recebeu educação
adequada ao seu elevado nível social, inicialmente nos colégios da cidade natal e
posteriormente em Hamburgo, onde em paralelo com o ensino secundário, estendeu os
seus estudos para a esfera intelectual e artística da música e arte. Nesta cidade Alemã,
vivenciando o universo cultural germânico, termina os estudos secundários e artísticos.
Realiza longas viagens por diversos países Europeus, onde contactou com outras
realidades culturais, novas correntes estéticas e manifestações artísticas ligadas às
artes académicas e aos movimentos artísticos do impressionismo da chamada Belle
Époque da década de setenta do séc. XIX, e em paralelo, constatando a particularidade
das escolas de arte industrial e os museus de artes industriais munidos com estruturas
e com vocação pedagógica para o ensino do desenho e modelos destinados à produção
de objetos de arte industrial (Leal, 2013).
Influenciado pelo rigor metodológico germânico da sua formação e pelo estímulo
da investigação, municiado de grande “labor intelectual” (Rodrigues, 2003, p. 46), foca
a sua intelectualidade nas várias linguagens da arte ligadas ao património artístico
nacional. Fluente em Inglês e Alemão, não se conforma com a falta do rigor
metodológico dos seus pares, critica e adjetiva como “tradução miserável”
(Vasconcelos,1929, p.1) as traduções de estudos sobre a arte que vinham a público,
nunca deixando de destacar negativamente a falta de rigor na utilização das fontes, que
no seu entender eram a origem da falta de verdade histórica (Vasconcelos,1929, p.3).
Sempre na “busca de verdades cientificamente demonstráveis” (Rodrigues,
2003, p.44), desdobra-se em múltiplas atividades de investigação, tendo como objetivo
documentar e valorizar o património artístico nacional que se encontrava “entregue à
incúria” (Rodrigues, 2013, p.2). Inicia assim uma profícua atividade cultural e artística, e
conforme refere Leandro, publica em 1870 o seu primeiro livro intitulado os Músicos
Portugueses e em 1873 publica Ensaio Critico sobre o Catálogo de Livraria de Música
de El-Rey Dom João IV, demonstrando assim o seu profundo conhecimento e interesse
pela música. Em 1877 publica Albrecht Dürer e a sua Influência na Península onde
reflete as suas teses sobre a influência dos eixos de comércio dos séc. XV e XVI e o
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respetivo impacto na arte portuguesa. Posteriormente, alarga a abrangência dos seus


interesses artísticos e o âmbito dos seus estudos para as indústrias artísticas,

1
orientando as suas pesquisas, viagens nacionais e internacionais no sentido de
“encontrar a genuína expressão artística, portadora do carácter da alma portuguesa.”
(Rodrigues, 2003, p.47).
Torna pública a sua oposição às medidas da comissão governamental de 1875
para reformar as belas-artes e, sempre com papel muito ativo na publicação de artigos
nos periódicos da época, desde cedo manifesta as suas preocupações em relação às
estratégias do ensino artístico e as suas conexões com a produção industrial. Refletindo
sobre a tradição e a modernidade, teorizou sobre a reforma do ensino artístico nacional
em toda a sua amplitude, desde do ensino secundário até às escolas profissionais de
artes e ofícios, passando pelas Academias de Belas-Artes de Lisboa e Porto, focando a
componente do ensino das artes aplicado às indústrias (Henriques, 2016). Sempre
preocupado, defendeu a organização de um museu central de arte e indústria e a
adoção de medidas para conservação de monumentos. Todas estas teses estão
espelhadas nos 3 volumes da obra A Reforma do Ensino de Belas-Artes, cujo o último
volume data de 1879.
Dedica-se intensamente ao seu estudo intelectual e erudito como investigador,
refletindo sobe o atraso industrial crónico de Portugal à época. Teoriza e torna-se um
grande defensor das artes industriais e dos museus industriais como veículos para
revitalização económica e cultural do país (Leandro, 2018). É o tema das indústrias
artísticas de caracter tradicional e o problema do ensino do desenho aplicado à indústria
que passam a ser o seu foco de interesse a partir de 1885. Esta posição faz com que
seja designado conservador, e posteriormente, diretor do Museu Industrial e Comercial
do Porto. Apesar da sua valiosa contribuição científica e capacidade de trabalho, o
museu não vingou por ausência de valorização e “inépcia nacional” (Rodrigues, 2003,
p.53) do ensino industrial aplicado à produção artística.
Entusiasmado pela procura de um estilo original Português na arte nacional,
recorre às suas valências multifacetadas em diversas áreas do conhecimento,
estendendo a sua atividade ao estudo e valorização de especificidades da produção
artística associada à identidade nacional como “prova da nacionalidade portuguesa”
(Vasconcelos,1929, p.16), que se reflete na produção de “mais de seis dezenas de
livros” (Henriques, 2016), onde se destacam a publicação das obras Arqueologia
Artística, A reforma Geral do Ensino das Belas-Artes e Arte Românica em Portugal,
entre outras, e a sua intervenção nas pesquisas sobre a cerâmica e faianças, onde se
destaca a grande Exposição de Cerâmica no Palácio de Cristal do Porto, organizada
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por Vasconcelos em 1882, com a missão pedagógica de elevar o nível intelectual


nacional e a reconstituição de tradições históricas nacionais, como refere Lúcia Rosas.

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A destacar, tal como esclarece Sandra Leandro, a notável descoberta científica
dos painéis de S. Vicente que se deve a Joaquim de Vasconcelos, que no dia 20 de
julho de 1895 visitou aquele mosteiro acompanhado por Ramalho Ortigão, José Queiroz
e o arcebispo de Mytilene.
Numa linha temporal que perdura até à sua morte em março de 1936, este
pioneiro investigador, sempre defensor do princípio de “Argumentar com factos, e não
com hipóteses” (Vasconcelos, 1929, p. 17), pode ser caracterizado pela produção de
múltiplos estudos de grande rigor científico sobre as várias indústrias Portuguesas,
incluindo artes decorativas artesanais ou artes caseiras, abrangendo a elaboração de
estudos sobre pintura1, ourivesaria e joalharia (1881-84), pintura em têxteis (1900),
metais (1901), arquitetura2, etnografia3, arqueologia, o ensino4, cerâmica, elaboração de
catálogos e guias de museu5.
Fica assim patente pelo o seu legado, tal como José-Augusto França menciona,
“o real fundador da História da Arte em Portugal”.

1
“A pintura portuguesa nos séculos XV e XVI (Segundo ensaio). Grão-Vasco”, 1879.
2
“Da Arquitetura Manuelina. Conferência realizada na Exposição Distrital de Coimbra, Coimbra,
Imprensa da Universidade”, 1885.
3
“Portugal Antigo e Moderno: Dicionário geográfico, estatístico, corográfico, heráldico,
arqueológico, histórico, biográfico e etimológico de todas as cidades, vilas e freguesias de
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Portugal e de grande número de aldeias…,” Volume XII, Lisboa, Livraria Editora de Tavares
Cardoso & Irmão, 1890.
4
“O Ensino da História da Arte nos Liceus e as Excursões Escolares”, Porto, Tipografia de A. J.
da Silva Teixeira, 1908.
5
“Guia do Museu Municipal do Porto”, Porto, Tipografia Central, 1902.

3
Bibliografia
Câmara, Maria Alexandra Gago da (2008). Joaquim de Vasconcelos e o estudo das
Artes Decorativas em Portugal: a cerâmica e o azulejo (1849-1936).

_____ (2008). Joaquim de Vasconcelos e o estudo das Artes Decorativas em


Portugal: a cerâmica e o azulejo (1849-1936). Revista de Artes Decorativas
(N.º 2). Porto: CITAR-Escola de Artes. pp. 217-228.

França, José-Augusto (1990). A arte em Portugal no século XIX. (3ª ed, Vol. II). Venda
Nova: Bertrand Editora.

Leandro, Sandra (1999). Memória de um desencontro: Os Teoremas para o estudo da


história da arte na península e especialmente em Portugal de Joaquim Vasconcelos. In
Teoria e crítica de arte em Portugal (1871-1900). Tese de Mestrado em História de Arte
Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa.

_______ (2008). Joaquim de Vasconcelos (1849-1936): historiador, crítico de


arte e museólogo. Tese de Doutoramento em História da Arte Contemporânea,
Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas,
Lisboa, Portugal.

Rodrigues, Sofia Leal (2013). A génese dos museus de artes industriais e decorativas.
In Revista Vox Musei arte e património. (Vol. 1) Lisboa. pp. 389-402.

Rosmaninho, Nuno (2018). A Deriva Nacional da Artes: Portugal, Séculos XIX-XXI. V.N.
Famalicão: Edição Húmus.

Rosas, Lúcia Maria Cardoso (1997). Joaquim de Vasconcelos e a valorização das


artes industriais. pp. 229-240. In Livro de Atas de Conferência Nacional. Porto:
Universidade do Porto: Faculdade de Letras.

Vasconcelos, Joaquim de (1929). A Pintura Portuguesa: Nos séculos XV e XVI. (2ª


ed.). Coimbra: Imprensa da Universidade.
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