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Instituto de Artes - Departamento de Artes Visuais

Disciplina: História e Teoria do Ensino das Artes Visuais


Período: 2020/2º - Turmas A - Profa: Rosana de Castro

Contexto histórico - Arte na escola do século XIX/XX

Rosana de Castro

1. Contexto internacional

O mundo ocidental do final do século XIX avançava sob os projetos da industrialização


em diferentes países. O cenário da produção e da subsistência pela agricultura
estava mudando. Na vida campesina, a movimentação geográfica de pessoas
era quase nenhuma, não sendo incomum nascer e morrer em uma mesma
localidade. Arce (2002) explica que a essa quase imobilidade somava-se a pouquíssima
circulação das informações. Aspecto que contribuía para que somente os fatos locais
chegassem ao conhecimento da população. Sendo assim, quase não havia acesso
ao que acontecia no país, bem como em outros países. Segundo a autora, todos
esses aspectos influenciaram diretamente a concepção da educação daquela época.

Eram tempos de circulação das ideias iluministas que, a partir da segunda metade
do século XIX, foram substituídas pelas ideias positivistas para o progresso orientado
pela racionalidade técnica. Tais ideias iam ao encontro das organizações do
comércio, das produções das manufaturas e das atividades científico-
intelectuais.

Acer (2002 citando Hobsbawm, 1983) alerta que na virada do XIX para o XX, a
Inglaterra era o único país ocidental que já não tinha mais a sua economia baseada na
cultura agrária. Isso por ter tido sucesso na articulação entre a política e a economia
imprescindível ao avanço da industrialização.
O breve cenário internacional, apresentado anteriormente e nas aulas de Teoria e
História do Ensino das Artes Visuais, era o pano de fundo sobre a qual propagou-se
a arte educação via instrutor de desenho e do South Kensington System (SKS).
Ambos originados na Inglaterra e no contexto histórico do século XVIII (final dos
anos 1700 até o início do século XX), quando inexistia o ensino da arte/educação nos
moldes atuais.

Em síntese, vale lembrar que o instrutor de desenho associado ao controle social e


ocupado em atender às necessidades econômicas da cultura inglesa, se impôs como
dominante no cenário internacional da industrialização. O Instrutor de Desenho
tratava os alunos como futuros trabalhadores e como pessoas que careciam
de um comportamento à moda inglesa. A arte educação colonizadora contribuiu
com o estabelecimento do imperialismo cultural imposto às colônias. E elas
testemunharam o desprezo pelas suas artes tradicionais porque inferiores na escala da
hierarquia estética cujo topo era ocupado pelo eurocentrismo artístico-cultural.

A formação dos instrutores de desenho orientava para os seguintes aspectos: (a) rigor
no preparo técnico influenciado pela excelência em desenho inspirada na formação
dos artistas em academias de belas artes; (b) ideia de que a manufatura industrializada
era superior à produção artesanal; (c) imposição do desenho por cópia para viabilizar a
imitação dos padrões europeus de forma e de ornamentos compilados em manuais;
(d) concepção sexista; (e) ideia de controle social sobre os colonizados pela expansão
territorial britânica; (f) hegemonia da arte greco-romana sobre todas as demais
produções em arte e artesanato das colônias britânicas.

A arte educação inaugurada pelos ingleses, nos finais do século XIX, e difundida pelo
South Kensington System, pode ter contribuído com a atuação dos instrutores de
desenho orientada às atitudes coercitivas e controladoras advindas do processo de
colonização, que extrapolavam o objetivo do ensino e da aprendizagem do desenho
para atingir as tradições socioculturais dos povos que estavam sendo colonizados. Os
instrutores de desenho submetiam integrantes desses povos ao controle social e às
tentativas de apagar as tradições do artesanato, da arte e das culturas pela imposição
da hegemonia europeia das belas-artes.
2. O contexto luso-brasileiro de ensino artístico-industrial

A capacitação de mão de obra para o desenvolvimento econômico e industrial foi,


com o passar dos séculos, tornando-se premente na Europa, atingindo o seu auge na
Inglaterra e na França dos finais do século XVIII e início do XIX. Nesses países, o ensino
do desenho utilitarista e a relação entre a arte e os ofícios eram difundidos enquanto
bases fundamentais para a industrialização.

Não há relatos do South Kensington System como sistema educacional aplicado no


Brasil nos mesmos moldes dos países africanos ou na Índia, por exemplo. O que se
pode dizer é que, no reinado de Dom João VI, a ideia de articular a formação em belas
artes com a formação para a indústria chegou aos gabinetes oficiais. Antes de
seguir por essa pista da historicidade da formação de mão-de-obra para a indústria,
será contextualizado brevemente o ensino no Brasil Colônia.

Os inacianos, integrantes das Missões Jesuíticas, permaneceram na colônia brasileira


desde 1549 até as suas expulsões pela reforma estabelecida pelo Marquês de
Pombal em 1759. Pombal foi convocado pelo rei Dom José I para promover o
restabelecimento político e econômico, em 1755, após o terremoto em Lisboa que
destruiu a capital e desestabilizou a economia do reinado português.

O Marquês de Pombal apostou em uma ampla reforma educacional sob as


prerrogativas de reerguer Lisboa e transformar Portugal em uma metrópole
industrializada, suas proposições abrangeram também as colônias (Seco & Amaral,
s.d.). Para tanto, substituiu os colégios jesuíticos e criou as escolas públicas
estatais e secularizadas no modelo das aulas régias. Nesses modelo, instituiu as
classes de primeiras letras para ofertar o ensino da leitura, escrita, aritmética, do
catecismo e dos preceitos da civilidade. Bem como, as classes de humanidades
ocupadas com os ensinos de latim, grego, hebraico e da retórica (Boto, 2010). Explica-
se também que as classes de humanidades eram dedicadas aos estudos superiores,
realizados em universidades portuguesas, por exemplo, na Universidade de Coimbra
(Cardoso, 2007).

Vale ressaltar que, inexistiam prédios públicos para as aulas régias das classes das
primeiras letras (correspondentes aos ensinos primários e secundários ou,
expensas deles. A admissão dos professores ocorria por concursos públicos e os salários
atualmente, aos ensino fundamental e médio). As aulas aconteciam na casa dos
professores e os materiais necessários para realizá-las eram adquiridos àspagos pelo
governo.

Esse modelo de escola estatal restabeleceu o controle da Coroa Portuguesa sobre o


ensino, que havia sido cedido aos jesuítas. Junto a isso, ao contrário do que
pretendiam os liberais em outros países europeus, a reforma pombalina desconsiderou
a formação de cidadãos livres. Aqui, o Marquês estabeleceu o objetivo de capacitar
mão de obra da colônia brasileira para explorar os recursos naturais e minerais
A expectativa da Coroa Portuguesa era a exploração dos recursos naturais e minerais,
visando transformá-los em capital direcionado à reerguer a economia arrasada pelo
terremoto e pelo incêndio em Lisboa (Boto, 2010; Alves, 1993). As proposições de
Pombal estavam em curso na mesma época em que a Revolução Industrial já
tinha atingindo o seu auge na Inglaterra.

Saviani (2011) explica que o Marquês de Pombal foi diplomata na Inglaterra e era
adepto às ideias empiristas e utilitaristas como fundamentos para o desenvolver a
cultura e o reinado português. Porém, ele tinha por meta tornar Portugal
independente dos ingleses no que dizia respeito à produção e à circulação de bens e
produtos. Segundo o Marquês, afirma o Saviani (2011), a Inglaterra tratava o
comércio português como se fosse de sua propriedade.

Em 1777, período em que a indústria na Inglaterra seguia em pleno desenvolvimento,


Dom José I, rei de Portugal, faleceu. Subiu ao trono a sua filha Maria I, que demitiu,
julgou e condenou o Marquês de Pombal à pena de desterro, encarcerando-o em
prisão distante da Corte (Saviani, 2011). Entretanto, pouco foi modificado no curso
da reforma educacional idealizada por Pombal, tanto em Portugal quanto no
Brasil Colônia. No que diz respeito ao ensino do desenho, na Corte, mais
especificamente na cidade do Porto, D. Maria I institui, em 1780, as aulas régias de
Debuxo (rascunho) e Desenho (Ferreira, 2007, p. 28).
Enquanto isso, no Brasil Colônia, as ideias iluministas seguiam sendo consolidadas.
Azeredo Coutinho, bispo nomeado para atuar no Seminário de Olinda inaugurado em
1800; e um dos colaboradores para a consolidação.

O Seminário de Olinda passou a promover formação que juntou aos estudos


eclesiásticos os estudos das ciências naturais (Saviani, 2011, p. 112). A proposta de
Coutinho era contribuir com o fortalecimento econômico da corte por intermédio de
achados tais como: potenciais minas, plantas com princípios medicinais, entre outros
elementos da natureza. E também com a transformação dessa matéria-prima por meio
de uma pretensa industrialização portuguesa na colônia brasileira e em Portugal.
Entretanto, o Seminário contribui, de fato, para ser um centro de debates políticos que
abrigou os primórdios de movimentos emancipatórios na colônia brasileira (Saviani,
2011 p. 113).

Em síntese, as influências das ideias iluministas e positivistas da Reforma Pombalina


reverberaram na instrução pública da colônia brasileira entre os anos de 1759 a 1834.
Dentre as características básicas citadas por Saviani (2011) para esse período,
destacam-se a submissão dos professores aos exames de admissão pela
Diretoria-Geral da Corte Portuguesa que, depois de extinta, passou o controle à
Real Mesa Censória. Essa última exigia dos professores relatórios sobre as
atividades docentes e sobre o desempenho dos estudantes. Evidencia-se, ainda,
aos aspectos da estatização e da secularização, que extirpou as influências dos
jesuítas da organização do ensino no Brasil. Neste formato da Reforma
Pombalina, a Coroa mantinha o ensino na colônia sob o rígido controle
para que dele não resultassem movimentos emancipatórios (Saviani, 2011),
o quê, de fato, já estava acontecendo no Seminário de Olinda.

Neste cenário pedagógico, ocorreu a chegada da família real, em 1808. Os movimentos


para a formação de mão de obra semelhante ao South Kensington System poderiam
ocorrer em 1816, quando D. João VI já ocupava o cargo de rei.
Dias (2006) explica que o conde da Barca, ministro da corte de Dom João VI, e o
naturalista alemão Alexander von Humboldt, diretor do Instituto de Artes da França,
motivados pelo êxito dos projetos que relacionavam a indústria com a arte em colônias
da América espanhola, convenceram o marquês de Marialva, ministro das Relações
Exteriores de Portugal em Paris, para, em parceria com o conde da Barca, conceberem
um projeto artístico-industrial à ser implementado no Brasil Império. Por indicação de
Humbold, Joachim Le Breton, professor da Escola Real de Desenho de Paris, assumiu a
missão de instituir, na sede da corte portuguesa no Rio de Janeiro, uma escola de artes
e ofícios.

Le Breton traçou o projeto pedagógico da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios


fundamentado nas escolas de ofício francesas do século XVII e XVIII e das academias de
belas artes europeias, atendendo ao convite do governo português (Dias, 2006).

O projeto de Lebreton quase se tornou realidade com a chegada da Missão Francesa


ao Brasil, em 1816, sob a anuência de Dom João VI. Porém, a concepção e a fundação
Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios não logrou êxito (Dias, 2006). Inúmeras
articulações políticas, em destaque aquelas promovidas pelo Conde da Barca e o
Cavaleiro de Brito, acabaram por levar Dom João VI à opção de mudar o projeto de
inauguração da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Por decreto, em 1820, Dom
João VI, determinou a criação da Academia Real de Belas Artes, em substituição à
Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios; e nomeou Nicolas-Antoine Taunay com diretor,
descartando Le Breton da função (Dias, 2009).

Passadas algumas décadas, em uma estratégia do governo luso para a formação de


mão de obra para a indústria, a Academia Imperial de Belas Artes (antiga Academia
Real de Belas Artes) foi “incumbida de promover o progresso das Artes no Brasil, de
combater os erros introduzidos em matéria de gosto, de dar a todos os artefatos da
indústria nacional a conveniente perfeição e, em fim, auxiliar o Governo em projeto de
industrialização” (Ministério de Negócios do Império [MNI], 1855, p.3).
O objetivo era capacitar os artesãos na Academia Imperial de Belas Artes. Porém,
a obrigatoriedade dos conhecimentos elementares de matemática, leitura e escrita,
para a admissão na academia, eram incompatíveis com o nível de escolaridade
de parte relevante dos artesãos e dos operários. Eles ficaram impedidos
de ingressar na capacitação (Ferraro, 2002). Diante desse problema, outras
instituições ocuparam-se com a formação dos artesãos e operários para a indústria
no Brasil. O Liceu de Arte e Ofícios do Rio de Janeiro, fundado, em 1856,
para formar operários e artesãos em desenho geométrico, industrial,
decorativo e arquitetônico. E, o Liceu de Artes e Ofícios fundado na cidade de
Salvador, em 1872, para ofertar o ensino do desenho direcionado à
capacitação de mão de obra para a manufatura industrial (Dias,
2009; Silva, 2005).

Vale ainda ressaltar que, a concepção da academia de belas artes e dos liceus na
colônia brasileira sofreu influência da escola francesa de arte. Na mesma época, parte
expressiva do ensino da arte em outros países foi influenciada pela expansão
da formação de artistas e da arte educação originada na Inglaterra. Ainda assim, a
ênfase na formação em desenho articulado com as belas artes, na capacitação de
mão de obra para a indústria no Brasil Imperial, pode ter recebido
indiretamente influências alinhadas com a arte educação difundida pelo South
Kensington System.

3. Ideias complementares sobre as belas artes na colônia e na corte

A capacitação de mão de obra para indústria, conforme dito anteriormente, foi pauta
da Academia de Belas Artes do Porto (ABAP) e da Academia de Belas Artes de Lisboa
(ABAL) fundadas em 1836. A ABAP, de maneira semelhante à AIBA, no Brasil Colônia,
apresentava problemas para execução dessa função de capacitação. Fernandes e
Ferreira Ó (2007) explicam que “. . . [havia] em torno da Academia de Belas Artes uma
temática que. . . [se relacionava] com a ligação das artes com a aprendizagem de uma
profissão sob a utopia do progresso industrial e as consequentes dificuldades em
operacionalizá-la” (p. 274).
No Brasil Colônia, no ano de 1834, Félix-Émile Taunay assumiu a direção da Academia
Imperial de Belas Artes (AIBA), esse momento é considerado o marco inicial do ensino
superior acadêmico no Brasil. O novo diretor deu início às aulas de modelos vivos,
providenciou os gessos para os estudos de estatuária, bem como a tradução, para a
língua portuguesa, de obras de anatomia. Por essas providências, “Félix-
Émile evidenciou seus objetivos para aperfeiçoamento do ensino de acordo com os
ideais clássicos . . . as atividades do diretor estenderam-se até 1851” (Dias, 2009,
p. 87).

Em 1855, o Brasil Império voltou a projetar meios para promover os avanços


econômicos pautados pela industrialização. Dom Pedro II demandou por reformas
educacionais que contemplassem a capacitação de mão de obra para alavancar os
seus projetos. No mesmo ano, Araújo de Porto Alegre, diretor da Academia Imperial de
Belas Artes (AIBA), providenciou adequar o estatuto da AIBA à Reforma Couto-Ferraz
de 1854. A adequação visava atender às exigências dos projetos imperiais de
modernidade econômica visando o desenvolvimento industrial (Squeff, 2000).

A principal mudança estatutária proposta por Porto Alegre, afirma Squeff (2000), foi a
inserção do ensino do desenho técnico e utilitarista na AIBA,

a Academia de Bellas (sic) Artes no desempenho do fim de sua instituição, e no intuito de


promover o progresso das Artes no Brasil, de combater os erros introduzidos em matéria de
gosto, de dar a todos os artefatos da indústria nacional a conveniente perfeição e, em fim,
auxiliar o Governo em tão importante objeto (sic), empregará na proporção dos recursos que
lhe tiver meio:. . . 6º - aplicação (sic) das matérias que formam o plano de seu ensino à
indústria nacional. (Estatuto AIBA, 1855, p.3) .

A adequação do estatuto por Porto Alegre não logrou o êxito em virtude da situação
educacional desfavorável dos alunos ingressos para formação industrial na AIBA. O
Estatuto determinava que “para qualquer alumno (sic) poder ser admittido (sic) nas
aulas de Mathematicas applicadas (sic) . . . [era] indispensavel (sic) . . . ler, escrever e
contar as quatro especies (sic) de números (sic) inteiros” (AIBA, 1855, p. 7). O
problema é que, a obrigatoriedade de ler e de escrever era incompatível com a
realidade social e educacional brasileira à época, marcada pelo analfabetismo (Ferraro,
2002). ).
Em síntese, a tradição do desenho artístico, que era a base do modelo de ensino
acadêmico das belas artes, foi adotada para o ensino do desenho destinado aos projetos
artístico-industriais. Essa adoção tinha por meta proporcionar riqueza de detalhes e
qualidade estética para os produtos manufaturados industrialmente.
Tanto em Portugal quanto no Brasil Imperial, as academias de belas artes acumulavam as
obrigações. Entre as quais: (a) atender as demandas para o desenvolvimento do gosto
estético; (b) promover a formação dos artistas; (c) a promover a capacitação técnica de
artífices e artesãos. Conforme ressaltam Fernandes e Ferreira Ó (2007), as academias ". . .
tinham por finalidade promover a civilização geral dos portugueses, difundir por todas as
classes o gosto pelo Belo, e proporcionar meios de melhoramentos aos Ofícios e
Artes fabris, pela elegância das formas de seus artefactos (sic)" (p. 273).

Nesse delineamento histórico, também é relevante destacar que outras instituições se


ocuparam com o ensino de desenho no Brasil. No Rio de Janeiro, a Academia Imperial
Militar, fundada em 1810, ofertava aulas de desenho técnico à arquitetura e engenharia.
Em Salvador, as aulas públicas de desenho e o Liceu de Artes e Ofícios, fundado em 1872,
ensinavam o desenho utilitário.

A capital baiana também dispôs de uma academia de belas artes, inaugurada em 1877.
Silva (2005) explica que a Academia de Belas Artes da Bahia (ABAB) foi concebida e
fundada por iniciativa particular do seu primeiro diretor, o espanhol Miguel Navarro y
Cañizares, com o apoio de intelectuais baianos. Navarro y Cañizares tinha uma consolidada
carreira artística na Europa, chegou até a ex-capital brasileira motivado pela transferência
da Corte portuguesa para o Brasil e fixou residência em 1876.

À exceção da ABAB, em Salvador, e da AIBA, no Rio de Janeiro, não existiram outras


instituições de ensino superior em artes antes do início do século XX, em virtude do
modelo de escola estatal centralizada na sede da Corte portuguesa no Brasil, fixada na
cidade do Rio de Janeiro. A primeira sistematização da educação que modificou essa
situação ocorreu no primeiro governo republicano, com a publicação do Decreto n.º 7.247
(Ministério e Secretariado de Estado dos Negocios do Imperio [MSENI], 1879). Esse decreto
abrangeu a revisão de todos os níveis de escolaridade em território nacional.
4. As raízes do ensino da arte/educação na república

Os Pareceres de 1882, elaborados por Rui Barbosa, embasaram o sistema de ensino superior da
primeira república. Na redação do documento, há dados comparativos entre a situação da
educação brasileira e de outros países, entre os quais: Áustria, Bélgica, Estados Unidos, França,
Holanda, Inglaterra.

Mormul e Machado (s.d.) demonstram que Barbosa analisou a situação do ensino superior
brasileiro por meio das seguintes instituições: Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito, Escola
Politécnica de Engenharia Civil e Escola Politécnica Nacional de Minas. Junto essas análises, os
autores afirmam que Barbosa propôs a criação do curso superior de Ciências Físicas e Naturais; e
apoiou as criações do Instituto Nacional Agronômico e do Instituto Nacional Meteorológico.

Diante das informações anteriores, as academias de belas artes do Rio de Janeiro e de Salvador
ficaram de fora das análises e proposições dos Pareceres de 1822. Esse fato, talvez se justifique
pela base política liberal de Rui Barbosa. Essa base inviabilizava a admissão, no sistema de ensino
que estava sendo proposto, das instituições pautadas pelo modelo de ensino acadêmico, que era
o fundamento tanto da AIBA quanto da ABAB. Pistas sobre esse posicionamento encontram-se no
discurso de Barbosa proferido no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Nele, o parlamentar
brasileiro expôs ideias sobre esse tema:
aspirante à iniciação nos mistérios [das belas artes] penetrava na tenda do mestre, não para formar
sistematicamente a sua vocação, mas para colher a alma do artista esparsa no sacrático da oficina, a sua
intuição, a sua aspiração, o seu estilo pessoal. O público e o operário eram ignorados pela arte. . .[a]
Exposição Universal. . . fez pela arte entre os ingleses, o que Sócrates fizera pela filosofia, quando a trouxe
dos numes aos homens: ensinou ao povo britânico que a deusa podia habitar o teto de qualquer família
como um palácio veneziano (Barbosa, 1882, p. 240).

Esse posicionamento anticlássico de Rui Barbosa sustentado por sua crítica à relação mestre e
aprendiz, bem como pela noção de obras primas, avizinha-se às que seriam difundidas pelas
vanguardas modernistas no início do século XX. A distinção entre ambos reside em que os liberais
seguiriam consolidando as diferenças socioeconômicas, inclusive, colocando à margem os artistas.
Os artistas, desde as críticas ao academicismo das belas artes, promoveram mudanças de
paradigmas a ponto de fazerem emergir as artes plásticas.
Há ainda outro aspecto importante, segundo Dazzi (2007), o debate travado entre a ala
liberal e a ala acadêmica na Escola de Belas Artes (nova denominação para AIBA
cunhada pelos republicanos), foi revisto recentemente, a pouco mais de
trinta e um anos. Segundo os estudos que promoveram essa revisão, entre os
acadêmicos e os modernistas liberais não ocorreu ruptura (Pereira, 2010, 2012;
Zílio, 1994, 1998). Com base nisso, a autora chama atenção para o fato de
que apesar das contestações dos positivistas e liberais do governo republicano
sobre o ensino acadêmico das belas artes, houve apoio governamental à
manutenção dos moldes clássicos, referendado pela publicação do Decreto nº
983 (Ministério Secretariado de Estado dos Negocios da Instrucção Publica, Correios
e Telegraphos, [MSENIPCT], 1890) "a Academia das Bellas-Artes (sic) . . . [passaria] a
ter a denominação de Escola Nacional de Bellas-Artes (sic) e . . . [seria] destinada ao
ensino da pintura, da esculptura (sic), da architectura (sic) e da gravura" (p. 3533).

A mudança de nomenclatura de Academia Imperial para Escola referendou a adoção do


modelo de ensino superior francês adotado pelos republicanos, mas não modificou modelo
de estudo clássico da pintura, escultura e gravura. Com base nisso, Dazzi (2007)
afirma que a reforma do ensino da EBA, articulada pelos artistas Rodolfo
Bernardelli e Rodolpho Amoedo, em virtude da mudança do sistema monárquico para
republicano, em 1890, optou pela manutenção dos dois modelos,

acreditamos que a proposta dos professores da Escola era unir modernidade e tradição. Para se
fazer uma escola moderna de arte, em sintonia com as inovações do seu tempo, não era
necessário, na concepção dos nossos artistas, romper com toda arte e todo pensamento
artístico formulado anteriormente. Os artistas envolvidos com a implementação da Reforma na
Escola optaram por manter traços fundamentais que caracterizavam já a Academia Imperial,
remodelando-os por novas concepções que circulavam no meio artístico internacional. É
nesse contexto, de uma modernidade que não é pensada como ruptura com o passado, que
podemos compreender os anos iniciais da Escola Nacional de Belas Artes. (p. 205)

Outro motivo, não mencionado pela autora, e nem pelos outros estudiosos citados, o qual
se destaca a título de contribuição com a análise historiográfica da AIBA,
fundamenta-se no fato de que os mestres formados na tradição clássica mantinham,
desde a renascença, relação direta com a concepção arquitetônica das cidades e
também com os registros pictóricos e escultóricos dos monarcas. As pinturas, os
bustos dos governantes e os projetos arquitetônicos dos prédios públicos eram
demandados, concebidos e produzidos pelos pintores, escultores, gravadores e
arquitetos clássicos.
A extinção da AIBA recomendada pelo Projeto de Reforma no ensino das artes
plásticas, de autoria dos positivistas e liberais, Montenegro Cordeiro, Décio Villares e Aurélio
de Figueiredo; e apresentado ao governo em 1890, poderia implicar a eliminação da
estrutura de artistas clássicos que se ocupava com o registro imagético e arquitetônico das
realizações governamentais, bem como, dos próprios governantes - em bustos e pinturas.
Diante do impasse - por um lado, os republicanos defendiam o ensino do desenho utilitário pela
base científica para indústria e, por outro, o governo necessitava das belas artes para o
registro histórico de suas ações - supõe-se que a conformação entre os dois modelos -
arte moderna e belas artes - tenha sido o conveniente.

Rodolfo Bernardelli, diretor da Escola Nacional de Belas Artes, visando aproveitar o


momento favorável, investiu junto à corte na tentativa de ampliar a atuação
profissional dos artistas, pleiteou em seu relatório analítico institucional,

em primeiro logar (sic), seria de immensa vantagem que os iniciadores da lei em nosso paiz (sic)
reservassem exclusivamente para os portadores de diplomas da Escola Nacional [de Belas Artes] o
direito ao professorado público das artes plásticas em qualquer grão (sic) de desenvolvimento
[grifo nosso]. A organização insuspeita do próprio ensino de mais apertada disciplina na Escola,
autoriza a instituição dessa exigência, que reforçaria a procura desse ensino, que promoveria assim
mais extenso e regular aproveitamento das aptidões artísticas, além de ser uma justa
consideração para com os victoriosos (sic) do trabalho e da perseverança nas aulas da Escola.
(AIBA,1891, p. 20)

Com base nas análises do Decreto nº 983 (MSENIPCT, 1890) e do Decreto nº 981
(MSENIPCT, 1890), ressalta-se que a solicitação de Bernardelli não logrou êxito. Por
determinação do Decreto nº 981 (MSENIPCT, 1890), o exercício do magistério no
ensino primário - primeiro e segundo grau - era autorizado para os egressos da
Escola Normal. A formação de normalistas exigia estudos de: português, noções de
literatura nacional, elementos da língua latina e francês; geografia e história,
particularmente do Brasil; matemática elementar,

mecânica, astronomia, física, química e biologia; sociologia e moral, noções de agronomia, desenho
[para indústria], música, ginástica, caligrafia, trabalhos manuais (para homens) e trabalho de agulha
(para senhoras). (Decreto nº 981, 1890, para. 44)

Junto a essa formação básica, era exigida a frequencia no Pedagogium - estabelecimento de


ensino destinado a oferecer instrução profissional para o uso de métodos e materiais
pedagógicos. No âmbito do Pedagogium eram realizadas: (a) exposições no museu pedagógico;
(b) conferências e cursos científicos; (c) atividades de gabinetes e laboratórios de ciências, física
e história natural; (d) instituição de classes de desenho para indústria e oficina de trabalhos
manuais; (e) publicação da revista de pedagogia.
A formação na AIBA, por outro lado, era endereçada ao artista em pintura, escultura e
gravura, junto a isso, exigia a frequência em um curso geral, cujos estudos eram divididos
em três anos,

No primeiro ano:] . . . história natural . . . , mitologia, desenho linear, desenho figurado (estudo
elementar); . . . [no segundo ano:] . . . física e química (aplicações às artes), geometria descritiva,
trabalhos gráficos, arqueologia e etnografia, desenho figurado; . . . [e, no terceiro ano:] . . . história
das artes, perspectiva e sombras, trabalhos gráficos, desenho elementar de ornatos, elementos da
arquitetura e desenho figurado. (MSENIPCT, 1890, p. 3534)

Com base nos resultados das análises dos documentos e legislações citados, as duas
estruturas curriculares de formação, para artista e para normalista, não se
complementavam: a academia formava o artista enquanto profissional das artes liberais
sem nenhuma complementação pedagógica. Por outro lado, para as salas de aula dos
ensinos primário e secundário, a formação estava pautada pelo desenho utilitário, previsto
entre as disciplinas do currículo normalista. O currículo da Escola Normal oficializava a
relação entre a indústria, arte e a educação endereçada ao desenvolvimento econômico do
Estado. Nesse sentido, enquanto o ensino do desenho utilitário consolidava-se nos
níveis primário e secundário, o ensino clássico das belas artes solidificava-se no ensino
superior das nas academias.
Referências

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