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Rosana de Castro
1. Contexto internacional
Eram tempos de circulação das ideias iluministas que, a partir da segunda metade
do século XIX, foram substituídas pelas ideias positivistas para o progresso orientado
pela racionalidade técnica. Tais ideias iam ao encontro das organizações do
comércio, das produções das manufaturas e das atividades científico-
intelectuais.
Acer (2002 citando Hobsbawm, 1983) alerta que na virada do XIX para o XX, a
Inglaterra era o único país ocidental que já não tinha mais a sua economia baseada na
cultura agrária. Isso por ter tido sucesso na articulação entre a política e a economia
imprescindível ao avanço da industrialização.
O breve cenário internacional, apresentado anteriormente e nas aulas de Teoria e
História do Ensino das Artes Visuais, era o pano de fundo sobre a qual propagou-se
a arte educação via instrutor de desenho e do South Kensington System (SKS).
Ambos originados na Inglaterra e no contexto histórico do século XVIII (final dos
anos 1700 até o início do século XX), quando inexistia o ensino da arte/educação nos
moldes atuais.
A formação dos instrutores de desenho orientava para os seguintes aspectos: (a) rigor
no preparo técnico influenciado pela excelência em desenho inspirada na formação
dos artistas em academias de belas artes; (b) ideia de que a manufatura industrializada
era superior à produção artesanal; (c) imposição do desenho por cópia para viabilizar a
imitação dos padrões europeus de forma e de ornamentos compilados em manuais;
(d) concepção sexista; (e) ideia de controle social sobre os colonizados pela expansão
territorial britânica; (f) hegemonia da arte greco-romana sobre todas as demais
produções em arte e artesanato das colônias britânicas.
A arte educação inaugurada pelos ingleses, nos finais do século XIX, e difundida pelo
South Kensington System, pode ter contribuído com a atuação dos instrutores de
desenho orientada às atitudes coercitivas e controladoras advindas do processo de
colonização, que extrapolavam o objetivo do ensino e da aprendizagem do desenho
para atingir as tradições socioculturais dos povos que estavam sendo colonizados. Os
instrutores de desenho submetiam integrantes desses povos ao controle social e às
tentativas de apagar as tradições do artesanato, da arte e das culturas pela imposição
da hegemonia europeia das belas-artes.
2. O contexto luso-brasileiro de ensino artístico-industrial
Vale ressaltar que, inexistiam prédios públicos para as aulas régias das classes das
primeiras letras (correspondentes aos ensinos primários e secundários ou,
expensas deles. A admissão dos professores ocorria por concursos públicos e os salários
atualmente, aos ensino fundamental e médio). As aulas aconteciam na casa dos
professores e os materiais necessários para realizá-las eram adquiridos àspagos pelo
governo.
Saviani (2011) explica que o Marquês de Pombal foi diplomata na Inglaterra e era
adepto às ideias empiristas e utilitaristas como fundamentos para o desenvolver a
cultura e o reinado português. Porém, ele tinha por meta tornar Portugal
independente dos ingleses no que dizia respeito à produção e à circulação de bens e
produtos. Segundo o Marquês, afirma o Saviani (2011), a Inglaterra tratava o
comércio português como se fosse de sua propriedade.
Vale ainda ressaltar que, a concepção da academia de belas artes e dos liceus na
colônia brasileira sofreu influência da escola francesa de arte. Na mesma época, parte
expressiva do ensino da arte em outros países foi influenciada pela expansão
da formação de artistas e da arte educação originada na Inglaterra. Ainda assim, a
ênfase na formação em desenho articulado com as belas artes, na capacitação de
mão de obra para a indústria no Brasil Imperial, pode ter recebido
indiretamente influências alinhadas com a arte educação difundida pelo South
Kensington System.
A capacitação de mão de obra para indústria, conforme dito anteriormente, foi pauta
da Academia de Belas Artes do Porto (ABAP) e da Academia de Belas Artes de Lisboa
(ABAL) fundadas em 1836. A ABAP, de maneira semelhante à AIBA, no Brasil Colônia,
apresentava problemas para execução dessa função de capacitação. Fernandes e
Ferreira Ó (2007) explicam que “. . . [havia] em torno da Academia de Belas Artes uma
temática que. . . [se relacionava] com a ligação das artes com a aprendizagem de uma
profissão sob a utopia do progresso industrial e as consequentes dificuldades em
operacionalizá-la” (p. 274).
No Brasil Colônia, no ano de 1834, Félix-Émile Taunay assumiu a direção da Academia
Imperial de Belas Artes (AIBA), esse momento é considerado o marco inicial do ensino
superior acadêmico no Brasil. O novo diretor deu início às aulas de modelos vivos,
providenciou os gessos para os estudos de estatuária, bem como a tradução, para a
língua portuguesa, de obras de anatomia. Por essas providências, “Félix-
Émile evidenciou seus objetivos para aperfeiçoamento do ensino de acordo com os
ideais clássicos . . . as atividades do diretor estenderam-se até 1851” (Dias, 2009,
p. 87).
A principal mudança estatutária proposta por Porto Alegre, afirma Squeff (2000), foi a
inserção do ensino do desenho técnico e utilitarista na AIBA,
A adequação do estatuto por Porto Alegre não logrou o êxito em virtude da situação
educacional desfavorável dos alunos ingressos para formação industrial na AIBA. O
Estatuto determinava que “para qualquer alumno (sic) poder ser admittido (sic) nas
aulas de Mathematicas applicadas (sic) . . . [era] indispensavel (sic) . . . ler, escrever e
contar as quatro especies (sic) de números (sic) inteiros” (AIBA, 1855, p. 7). O
problema é que, a obrigatoriedade de ler e de escrever era incompatível com a
realidade social e educacional brasileira à época, marcada pelo analfabetismo (Ferraro,
2002). ).
Em síntese, a tradição do desenho artístico, que era a base do modelo de ensino
acadêmico das belas artes, foi adotada para o ensino do desenho destinado aos projetos
artístico-industriais. Essa adoção tinha por meta proporcionar riqueza de detalhes e
qualidade estética para os produtos manufaturados industrialmente.
Tanto em Portugal quanto no Brasil Imperial, as academias de belas artes acumulavam as
obrigações. Entre as quais: (a) atender as demandas para o desenvolvimento do gosto
estético; (b) promover a formação dos artistas; (c) a promover a capacitação técnica de
artífices e artesãos. Conforme ressaltam Fernandes e Ferreira Ó (2007), as academias ". . .
tinham por finalidade promover a civilização geral dos portugueses, difundir por todas as
classes o gosto pelo Belo, e proporcionar meios de melhoramentos aos Ofícios e
Artes fabris, pela elegância das formas de seus artefactos (sic)" (p. 273).
A capital baiana também dispôs de uma academia de belas artes, inaugurada em 1877.
Silva (2005) explica que a Academia de Belas Artes da Bahia (ABAB) foi concebida e
fundada por iniciativa particular do seu primeiro diretor, o espanhol Miguel Navarro y
Cañizares, com o apoio de intelectuais baianos. Navarro y Cañizares tinha uma consolidada
carreira artística na Europa, chegou até a ex-capital brasileira motivado pela transferência
da Corte portuguesa para o Brasil e fixou residência em 1876.
Os Pareceres de 1882, elaborados por Rui Barbosa, embasaram o sistema de ensino superior da
primeira república. Na redação do documento, há dados comparativos entre a situação da
educação brasileira e de outros países, entre os quais: Áustria, Bélgica, Estados Unidos, França,
Holanda, Inglaterra.
Mormul e Machado (s.d.) demonstram que Barbosa analisou a situação do ensino superior
brasileiro por meio das seguintes instituições: Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito, Escola
Politécnica de Engenharia Civil e Escola Politécnica Nacional de Minas. Junto essas análises, os
autores afirmam que Barbosa propôs a criação do curso superior de Ciências Físicas e Naturais; e
apoiou as criações do Instituto Nacional Agronômico e do Instituto Nacional Meteorológico.
Diante das informações anteriores, as academias de belas artes do Rio de Janeiro e de Salvador
ficaram de fora das análises e proposições dos Pareceres de 1822. Esse fato, talvez se justifique
pela base política liberal de Rui Barbosa. Essa base inviabilizava a admissão, no sistema de ensino
que estava sendo proposto, das instituições pautadas pelo modelo de ensino acadêmico, que era
o fundamento tanto da AIBA quanto da ABAB. Pistas sobre esse posicionamento encontram-se no
discurso de Barbosa proferido no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Nele, o parlamentar
brasileiro expôs ideias sobre esse tema:
aspirante à iniciação nos mistérios [das belas artes] penetrava na tenda do mestre, não para formar
sistematicamente a sua vocação, mas para colher a alma do artista esparsa no sacrático da oficina, a sua
intuição, a sua aspiração, o seu estilo pessoal. O público e o operário eram ignorados pela arte. . .[a]
Exposição Universal. . . fez pela arte entre os ingleses, o que Sócrates fizera pela filosofia, quando a trouxe
dos numes aos homens: ensinou ao povo britânico que a deusa podia habitar o teto de qualquer família
como um palácio veneziano (Barbosa, 1882, p. 240).
Esse posicionamento anticlássico de Rui Barbosa sustentado por sua crítica à relação mestre e
aprendiz, bem como pela noção de obras primas, avizinha-se às que seriam difundidas pelas
vanguardas modernistas no início do século XX. A distinção entre ambos reside em que os liberais
seguiriam consolidando as diferenças socioeconômicas, inclusive, colocando à margem os artistas.
Os artistas, desde as críticas ao academicismo das belas artes, promoveram mudanças de
paradigmas a ponto de fazerem emergir as artes plásticas.
Há ainda outro aspecto importante, segundo Dazzi (2007), o debate travado entre a ala
liberal e a ala acadêmica na Escola de Belas Artes (nova denominação para AIBA
cunhada pelos republicanos), foi revisto recentemente, a pouco mais de
trinta e um anos. Segundo os estudos que promoveram essa revisão, entre os
acadêmicos e os modernistas liberais não ocorreu ruptura (Pereira, 2010, 2012;
Zílio, 1994, 1998). Com base nisso, a autora chama atenção para o fato de
que apesar das contestações dos positivistas e liberais do governo republicano
sobre o ensino acadêmico das belas artes, houve apoio governamental à
manutenção dos moldes clássicos, referendado pela publicação do Decreto nº
983 (Ministério Secretariado de Estado dos Negocios da Instrucção Publica, Correios
e Telegraphos, [MSENIPCT], 1890) "a Academia das Bellas-Artes (sic) . . . [passaria] a
ter a denominação de Escola Nacional de Bellas-Artes (sic) e . . . [seria] destinada ao
ensino da pintura, da esculptura (sic), da architectura (sic) e da gravura" (p. 3533).
acreditamos que a proposta dos professores da Escola era unir modernidade e tradição. Para se
fazer uma escola moderna de arte, em sintonia com as inovações do seu tempo, não era
necessário, na concepção dos nossos artistas, romper com toda arte e todo pensamento
artístico formulado anteriormente. Os artistas envolvidos com a implementação da Reforma na
Escola optaram por manter traços fundamentais que caracterizavam já a Academia Imperial,
remodelando-os por novas concepções que circulavam no meio artístico internacional. É
nesse contexto, de uma modernidade que não é pensada como ruptura com o passado, que
podemos compreender os anos iniciais da Escola Nacional de Belas Artes. (p. 205)
Outro motivo, não mencionado pela autora, e nem pelos outros estudiosos citados, o qual
se destaca a título de contribuição com a análise historiográfica da AIBA,
fundamenta-se no fato de que os mestres formados na tradição clássica mantinham,
desde a renascença, relação direta com a concepção arquitetônica das cidades e
também com os registros pictóricos e escultóricos dos monarcas. As pinturas, os
bustos dos governantes e os projetos arquitetônicos dos prédios públicos eram
demandados, concebidos e produzidos pelos pintores, escultores, gravadores e
arquitetos clássicos.
A extinção da AIBA recomendada pelo Projeto de Reforma no ensino das artes
plásticas, de autoria dos positivistas e liberais, Montenegro Cordeiro, Décio Villares e Aurélio
de Figueiredo; e apresentado ao governo em 1890, poderia implicar a eliminação da
estrutura de artistas clássicos que se ocupava com o registro imagético e arquitetônico das
realizações governamentais, bem como, dos próprios governantes - em bustos e pinturas.
Diante do impasse - por um lado, os republicanos defendiam o ensino do desenho utilitário pela
base científica para indústria e, por outro, o governo necessitava das belas artes para o
registro histórico de suas ações - supõe-se que a conformação entre os dois modelos -
arte moderna e belas artes - tenha sido o conveniente.
em primeiro logar (sic), seria de immensa vantagem que os iniciadores da lei em nosso paiz (sic)
reservassem exclusivamente para os portadores de diplomas da Escola Nacional [de Belas Artes] o
direito ao professorado público das artes plásticas em qualquer grão (sic) de desenvolvimento
[grifo nosso]. A organização insuspeita do próprio ensino de mais apertada disciplina na Escola,
autoriza a instituição dessa exigência, que reforçaria a procura desse ensino, que promoveria assim
mais extenso e regular aproveitamento das aptidões artísticas, além de ser uma justa
consideração para com os victoriosos (sic) do trabalho e da perseverança nas aulas da Escola.
(AIBA,1891, p. 20)
Com base nas análises do Decreto nº 983 (MSENIPCT, 1890) e do Decreto nº 981
(MSENIPCT, 1890), ressalta-se que a solicitação de Bernardelli não logrou êxito. Por
determinação do Decreto nº 981 (MSENIPCT, 1890), o exercício do magistério no
ensino primário - primeiro e segundo grau - era autorizado para os egressos da
Escola Normal. A formação de normalistas exigia estudos de: português, noções de
literatura nacional, elementos da língua latina e francês; geografia e história,
particularmente do Brasil; matemática elementar,
mecânica, astronomia, física, química e biologia; sociologia e moral, noções de agronomia, desenho
[para indústria], música, ginástica, caligrafia, trabalhos manuais (para homens) e trabalho de agulha
(para senhoras). (Decreto nº 981, 1890, para. 44)
No primeiro ano:] . . . história natural . . . , mitologia, desenho linear, desenho figurado (estudo
elementar); . . . [no segundo ano:] . . . física e química (aplicações às artes), geometria descritiva,
trabalhos gráficos, arqueologia e etnografia, desenho figurado; . . . [e, no terceiro ano:] . . . história
das artes, perspectiva e sombras, trabalhos gráficos, desenho elementar de ornatos, elementos da
arquitetura e desenho figurado. (MSENIPCT, 1890, p. 3534)
Com base nos resultados das análises dos documentos e legislações citados, as duas
estruturas curriculares de formação, para artista e para normalista, não se
complementavam: a academia formava o artista enquanto profissional das artes liberais
sem nenhuma complementação pedagógica. Por outro lado, para as salas de aula dos
ensinos primário e secundário, a formação estava pautada pelo desenho utilitário, previsto
entre as disciplinas do currículo normalista. O currículo da Escola Normal oficializava a
relação entre a indústria, arte e a educação endereçada ao desenvolvimento econômico do
Estado. Nesse sentido, enquanto o ensino do desenho utilitário consolidava-se nos
níveis primário e secundário, o ensino clássico das belas artes solidificava-se no ensino
superior das nas academias.
Referências