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XV Congresso Brasileiro de História

Econômica & 16a Conferência


Internacional de História de Empresas

Osasco, 02 a 04 de outubro de 2023

BRASIL E AMÉRICAS COLONIAIS

A urbanização colonial: Especificidades do processo de formação das vilas


e cidades do Brasil Colonial

Colonial Urbanization: Specificities of the Formation Process of Villages and Cities

in Colonial Brazil

RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar de forma pretérita as especificidades do processo
constitutivo das vilas e cidades brasileiras no período colonial (1530-1822). Este período é
reconhecidamente uma fase histórica de grandes transformações no cenário mundial e de constituição do
território brasileiro. Assim, nos propomos investigar o processo de formação das primeiras cidades
brasileiras, confrontando as disparidades existentes no processo constituição das cidades latino-americanas.
Para dar conta disto, nos apropriaremos das contribuições dos principais estudiosos desta temática, que
referidamente se apresenta tão rica e ao mesmo tempo tão complexa. Dentre os autores traremos as análises
de Sérgio Buarque de Holanda, Aroldo de Azevedo, Robert C. Smith e Paulo F. Santos, que nos indicarão
a morfologia das primeiras áreas urbanas do Brasil, bem como, a diferença entre as formas urbanizadoras
portuguesas e espanholas. E, a observação sobre a formação social destas “novas” cidades, a partir do estudo
de Nestor Goulart.

Palavras-chave: Urbanização. Brasil Colonial. História Urbana.

ABSTRACT: The present study aims to analyze the specificities of the constitutive process of Brazilian
villages and cities in the colonial period (1530-1822). This period is admittedly a historical phase of great
transformations in the world scenario and of the constitution of the Brazilian territory. Thus, we propose to
investigate the formation process of the first Brazilian cities, confronting the existing disparities in the
constitution process of Latin American cities. To account for this, we will use the contributions of the main
scholars of this theme, which is so rich and at the same time so complex. Among the authors we will bring
the analysis of Sérgio Buarque de Holanda, Aroldo de Azevedo, Robert C. Smith and Paulo F. Santos, who
will show us the morphology of the first urban areas in Brazil, as well as the difference between the
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Portuguese and Spanish urbanizing forms. And, the observation about the social formation of these "new"
cities, based on the study of Nestor Goulart.

Keywords: Urbanization. Colonial Brazil. Urban History.

Introdução

O presente estudo investigará o processo formativo das primeiras cidades brasileiras no


período de 1530 a 1822, reconhecidamente, como período colonial brasileiro. Este foi um
momento histórico bastante conturbado marcado por disputas territoriais, políticas,
sociais e econômicas, primordialmente impulsionado pelo desejo europeu de expandir
suas terras e seus mercados. É neste ínterim, que o Brasil, então colônia de Portugal,
conquista grande parte de sua extensão territorial e, estabelece então suas primeiras vilas.

Neste sentido, para uma investigação mais profunda do processo formativo das primeiras
vilas e cidades brasileiras, torna-se fundamental o entendimento das formas de ocupação
que ocorreram no período. Sendo, no entanto, de suma importância o exame das
disparidades das frentes colonizadoras empregadas particularmente na América, bem
como, contrapor ao padrão de ocupação que foi estabelecido para as áreas da América
Espanhola e América Portuguesa. Esse será o esforço da primeira seção, cujo título
apresenta-se como: “Diferentes frentes colonizadoras na América: portugueses X
hispânicos”. A segunda seção “A política urbanizadora e dimensão social do Brasil
colonial” tecerá análise sobre a política urbana empregada na formação das cidades
brasileiras, bem como a conformação social na colônia portuguesa. Elencando os
acontecimentos constitutivos das cidades coloniais brasileiras, que não podem ser
tratados como dados aleatórios, mas sim como episódios que perfazem toda uma estrutura
dinâmica que formam a rede urbana e precisam ser consideradas quando pretende-se
entender este urbano colonial nascente.

Disparidades das frentes colonizadoras na América: portugueses X hispânicos

Corpo do texto Sérgio Buarque (1987), desenvolve dois modelos para indicar as formas
de colonização da América, o do “Semeador” e do “Ladrilhador”. Neste sentido, “o
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semeador” seria designado para definir a ocupação portuguesa e “o ladrilhador” a


ocupação espanhola. Segundo o autor, o semeador seria aquele que ocupa a terra sem
planejamento e sem intenção de permanecer. Por isso, há pouca preocupação em construir
cidades e quando o fazem é de maneira desleixada. Já o ladrilhador tem preocupação em
transplantar o traçado da metrópole aos trópicos e por esta razão, o faz de maneira
cuidadosa. Igualmente, isto reflete o grau de interferência do Estado no empreendimento
colonial. Enquanto nas colônias portuguesas, sente-se menos a participação da Coroa, nas
colônias hispano-americanas, o governo teria estado mais presente.

Para Sérgio Buarque (1987), isto implicava nos fundamentos históricos e sociais onde
podemos identificar a conduta assumida pelos portugueses para o estabelecimento das
primeiras vilas e cidades no processo de colonização do Brasil. Sendo o procedimento de
ocupação da nova colônia fora dos meios urbanos, baseada no grande latifúndio dos
senhores de Engenho e seu patriarcado. Esta estrutura social orientava também toda a
esfera pública da colônia.

(...) pois as pessoas de casas nobres e distintas viviam retiradas em suas


fazendas e engenhos. Esse depoimento serve para atestar como ainda durante
a segunda metade do século XVIII persistia bem nítido o estado de coisas que
caracteriza a nossa vida colonial desde os seus primeiros tempos. A pujança
dos domínios rurais, comparada à mesquinhez urbana, representa fenômeno
que se instalou aqui com os colonos portugueses, desde que se fixaram à terra.
(...) A vida de cidade desenvolveu-se de forma anormal e prematura
(HOLANDA, 1987: 60).

O processo de colonização no continente americano, na visão de Smith (1958),


corresponde ao período de expansão de domínio europeu, primeiramente com a expansão
marítima e comercial em que se destacaram duas nações ibéricas: Espanha e Portugal
(séculos XV e XVI). Somente a partir do século XVII, que outras nações como França,
Inglaterra e Holanda iniciaram este processo de exploração de novas terras.

Smith (1958) descreve que no ano de 1494, o Papa Alexandre VI, estabeleceu a linha
demarcatória entre as regiões de colonização espanhola e portuguesa. Linha esta que
corresponde ao meridiano, situado 270 léguas para além das Ilhas dos Açores. As duas
nações foram as pioneiras no intento colonizador. Ao vislumbrarem o Novo Mundo,
composto de ‘terras vastas e virgens’, encontraram um terreno propício para colocarem
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em prática o ideário urbanístico e utópico do renascimento europeu, que se materializava


nos modelos e planos de cidades ideais quinhentistas.

Estes modelos, eram um reflexo da arquitetura das cidades colonizadoras. E, segundo


Smith (1958), nos dois séculos entre 1500 e 1700 seis nações europeias estabeleceram as
suas colônias nas Américas, mas somente a Espanha fundou povoações segundo uma
planta previamente traçada, regular e sem variações (SMITH, 1958: 15).

Embora com mesma característica de exploração, as colônias espanholas e portuguesas


diferem em seu modo de ocupação e conquista. Isso fica explícito no texto de Smith
(1958), e conforma toda a sua discussão no tocante à produção urbana dessas
colonizações.

A colonização lusitana produziu no Brasil, como em outras partes do mundo,


um tipo de cidade colonial, que repete fundamentalmente a formação
tradicional das portuguesas. Assim, difere profundamente das cidades
coloniais da América Espanhola (SMITH, 1958: 15).

Smith (1958) afirma ainda que ao contrário dos portugueses, que se deparam a princípio
com inóspitos territórios, composto por povos rudimentares e vegetação virgem, os
espanhóis, encontram territórios mais propícios à colonização, localizados nos planaltos
da América Central e Meridional, cujos povos já dominavam práticas avançadas do
cultivo da terra e do escambo. E o território, abrigava os povos indígenas mais ricos e
desenvolvidos da América.

A colonização da América pelos espanhóis, como observam Smith (1958), Santos (1968)
e Dantas (2004), teve como ponto de apoio as minas de ouro e principalmente de prata,
no México e no Peru, onde se encontravam as riquíssimas minas de prata de Potosí (atual
Bolívia) e impôs um conceito de urbano para as novas cidades americanas seguindo um
padrão uniforme: quarteirões idênticos, geralmente, com forma quadrada, definidos por
ruas ortogonais e retilíneas. O centro da cidade é ocupado por grandes edifícios públicos,
tais como: a catedral, o tribunal, o paço municipal e as residências dos espanhóis mais
ricos. Estas edificações repousam sobre uma grande praça regular, obtida com a supressão
de alguns quarteirões.

Deste modo, este conceito urbano, definido para as novas cidades, representou um sistema
prático sem precedentes na experiência imediata da Europa. Implicou não somente a
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consideração cuidadosa do sítio em relação ao terreno e clima, como também a aplicação


de ruas largas e regulares, cruzando-se no formato retangular, para formar um xadrez de
quadras e praças abertas. Resultou esta planta de uma série de ordens régias, juntas em
código oficial pela primeira vez em 1523, na época da conquista do México, e
incorporadas nas chamadas Leyes de Índias, as quais foram rigorosamente seguidas até o
fim do período colonial.

De acordo com Dantas (2004), a instituição da primeira legislação urbanística da idade


moderna, a chamada Lei das Índias data do ano de 1573, por Filipe II. Essa lei, na opinião
de Smith (1968), tornava possível uma associação entre os princípios renascentistas, as
influências do Tratado de Vitrúvio e as realizações concretizadas na América. Na
verdade, a Lei de Filipe II, oficializou, no território americano, a implantação da planta
ortogonal, que na prática já estava sendo realizada.

Santos (1968), indica uma série de regras pertinentes a Lei de Índias, que orientavam o
ordenamento urbano das colônias espanholas. (...) Tratavam da escolha do local para a
povoação, tendo em vista a salubridade, a terra, o clima, os pastos, os animais, etc.,
(SANTOS, 1968: 43). Destacamos, abaixo, as mais relevantes, de acordo com Dantas
2004:

• A planta do estabelecimento a ser fundado deveria sempre ser confeccionada na


metrópole;

• O plano composto por ruas, praças e lotes deveria ser implantado a partir da praça
principal, de onde sairiam as ruas, que se prolongavam até as portas e ruas exteriores;

• A implantação deveria ser feita, deixando espaço vazio aberto suficiente para que
o crescimento da população não fosse estancado e permitindo que o mesmo modelo fosse
seguido;

• A praça principal, denominada de “praça maior” deveria estar sempre localizada


no centro da cidade. E seu comprimento deveria ser maior do que a sua largura, no mínimo
uma vez e meia - os colonos consideravam esta forma, a mais adequada aos festejos com
cavalos e outros. Deste modo a área da praça deveria ser proporcional e adequada ao
número de habitantes, pensando-se sempre no futuro crescimento da cidade. Sendo que
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as ruas que se iniciam na praça não ficariam expostas aos quatro ventos principais (regra
oriunda do Tratado de Vitrúvio);

• A praça e as ruas principais que se originam nela deveriam ser ladeadas com
pórticos, porque estes são convenientes às pessoas que querem passear, dialogar ou
realizar comércio (regra advinda do plano romano de implantação de cidades);

• As ruas deveriam ser largas nas zonas frias e estritas nas regiões quentes. Nas
áreas que necessitam de defesa, as ruas deveriam ser largas para permitir o acesso aos
cavalos;

• Nas pequenas cidades do interior, a igreja não deveria localizar-se no perímetro


da praça, mas deveria estar situada livremente e de forma independente das outras
edificações, para que pudesse ser vista de todas as partes, realçando sua beleza e
importância. Desta forma, a igreja deveria estar situada numa área com topografia
elevada, para que os fiéis tenham que subir bastante para alcançá-la. À igreja cabia a
propriedade dos terrenos disponíveis para construção e situados ao redor da praça
principal, não podendo deste modo, serem cedidos a particulares. Somente a igreja, o
governo, comércio, habitações de mercadores e colonos mais ricos poderiam ocupar o
centro da cidade.

Deste modo, (...) seja qual for a sua origem, a planta na América espanhola foi
efetivamente combinada com o conceito clássico da cidade monumental, preferido pelos
humanistas na Itália (SMITH, 1958:16).

E, neste sentido,

O sistema de urbanização empregado nas colônias espanholas teve talvez a sua


expressão mais nítida, no sentido de obediência a um padrão regular e
universal, (...). Para a doutrinação dos índios estabeleceram os padres suas
reducciones, construídas e mantidas por trabalho comunal. Todas repetiram em
miniatura a fórmula da planta de xadrez (SMITH, 1958: 17).

Já as ações portuguesas de construção das cidades brasileiras preferiram se estabelecer de


maneira bem diferente a seguida pelos espanhóis. Preferiram ocupar seu território
considerando aspectos como: a geografia do terreno, áreas de ocupação primitiva dos
povos originários e as funções que cada centro urbano deveria desempenhar no contexto
colonial e, ainda, preferiram ocupar as áreas costeiras,
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[...] foram utilizados no Brasil colonial, e onde quase a totalidade das


povoações primitivas foi localizada na costa, diretamente à beira-mar,
enquanto os espanhóis, seguiram outra filosofia da defesa, que exige o interior
dos países conquistados. Lá, eliminada a necessidade de muralhas de projeção,
escolheram sítios planos e regulares, para facilitar as comunicações (SMITH,
1958: 18).

Segundo Holanda (1978) a simples averiguação no traçado dos centros urbanos presentes
na América espanhola demonstrava a preocupação em dominar a paisagem no intuito de
submetê-la em favor da melhor acomodação dos seus novos habitantes. Para isso,
empregavam um código de regulamentos urbanísticos para a criação de suas vilas e
cidades, Lei de índias. Já a América portuguesa as cidades cresceram de forma
desordenada e confusa. Com visto acima, nas colônias portuguesas as cidades não eram
prestigiadas, figuravam apenas como pontos litorâneos de comunicação comercial com a
metrópole.

(...) a planta em forma de xadrez pura. Essa planta nunca foi, na realidade,
característica das povoações coloniais no Brasil. Jamais os povoadores
portugueses seguiram um código de regulamentos urbanísticos, como os
castelhanos. As suas cidades cresceram, (...) numa espécie de confusão
pitoresca, que é típica das aglomerações luso-brasileiras, enquanto a ordem e
a claridade são os sinais do urbanismo da América Espanhola (SMITH, 1958:
17).

Para Santos (2001), no entanto, a diferença entre o urbanismo espanhol e o português está
na legislação. Segundo o autor os espanhóis possuíam um código administrativo para
orientar os povoadores, enquanto os portugueses se limitavam às ordenanças do Reino,
que permeavam cuidados mais na forma e menos na fundação das cidades, seguindo um
traçado irregular e medieval.

Portanto, é perceptível que embora de mesmo caráter (exploração) as colonizações


portuguesa e espanhola, no quesito formação de cidades nas novas terras, se divergiram
enquanto os conceitos urbanísticos aplicados. Há autores que argumentam que a ocupação
portuguesa se deu sem planejamento urbano específico, devido a ausência de um código
de leis e de intencionalidades que tecesse o ordenamento das cidades nascentes, como a
Lei de Índias, utilizadas na construção das cidades da América espanhola.

Mas não é preciso ir tão longe na história e na geografia. Em nosso próprio


continente a colonização espanhola caracterizou-se largamente pelo que faltou
à portuguesa: - por uma aplicação insistente em assegurar o predomínio militar,
econômico e político da metrópole sobre as terras conquistadas, mediante a
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criação de grandes núcleos de povoação estáveis e bem ordenados. (...) o


próprio traçado dos centros urbanos na América Espanhola denuncia o esforço
determinado de vencer e retificar a fantasia caprichosa da paisagem agreste: é
um ato definido da vontade humana (HOLANDA, 1987: 62)

Contudo, o que entendemos é que houve sim um esforço de planejamento das novas vilas
e cidades, apenas que estas se preocuparam não no ordenamento geral das cidades
nascentes, mas na sua forma e função (comercial). No entanto, é apenas (...) no plano das
cidades hispano-americanas, (..) que se exprime é a ideia de que o homem pode intervir
arbitrariamente, e com sucesso no curso das coisas e de que a história não somente
‘acontece’, mas também pode ser dirigida e até fabricada (HOLANDA, 1987: 64). A
ocupação portuguesa preocupou-se em maior proporção na exploração comercial,
enquanto os espanhóis procuraram (...) fazer do país ocupado um prolongamento orgânico
do seu (HOLANDA, 1987: 64).

A política urbanizadora e dimensão social do Brasil colonial

Originariamente, o continente americano era habitado por numerosos povos, com


diferentes estágios de desenvolvimento cultural e distribuídos de forma desigual por todo
o território. Na porção sul da América do Sul, localizavam as sociedades indígenas com
menor complexidade cultural e organizacional. Na porção mais ao norte da América do
Sul estavam os povos com alta cultura e com maior complexidade organizacional, tais
como: os Incas (região andina), os Astecas encontravam-se no planalto mexicano e os
Maias, instalados na Guatemala e na península mexicana de Iucatã.

Estas sociedades eram quantitativamente numerosas e rigidamente hierarquizadas. Os


Maias possuíam consciência política, se organizavam em cidades-estados independentes,
enquanto os Astecas e os Incas estavam instituídos em impérios centralizados. Na porção
de terra onde se definiria a geografia do Brasil, existia uma vultuosa soma de povos
indígenas, ainda com desenvolvimento rudimentar em relação às civilizações da América
hispânica.

Na percepção de Moraes (2011), para a Coroa Portuguesa as novas terras, a princípio, não
ofereciam “atrativos imediatos visíveis ao conquistador lusitano” (MORAES, 2011: 56)
e prefigurava uma zona de quase esquecimento no contexto do descobrimento.
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Não havia os estoques metálicos entesourados, como na América hispânica,


também não havia os lucrativos produtos e a animada rede de comércio
encontrada no Índico. As populações com que se defrontaram os portugueses
- independente das polêmicas acerca de sua densidade - eram demasiado rudes
em face mesmo dos reinos africanos com quem eles entabulavam relações. A
vida material existente era pobre, todo atrativo das novas terras repousando na
exuberante natureza e na desconhecida hinterlândia (MORAES, 2011: 56).

Assim se desenhava no espaço, de forma heterogênea e complexa as relações sociais da


Terra de Santa Cruz. Reis Filho (1968), afirma que a dimensão social e colonial do
processo de urbanização brasileiro, prescinde que os acontecimentos constitutivos das
cidades coloniais brasileiras sejam considerados. Segundo o autor, somente a partir deste
ponto torna-se possível entender a dinâmica social da formação urbana colonial.

Reis Filho (1968) defende a existência de uma rede urbana também do Brasil colonial, ou
seja, uma estrutura dinâmica, que está imbricada ao processo social da urbanização.
Reconhecendo, deste modo, o processo de urbanização colonial, também como um
processo de origem social. Sendo esta definição inicial o elemento fundamental para as
análises da conformação social da colônia, bem como, da relação política estabelecida
entre a colônia e a metrópole (Portugal).

Todavia, mesmo que inicialmente o Brasil não tivesse despertado interesse imediato da
Coroa portuguesa, o domínio iminente de suas terras tornava-se essencial, seja na
ampliação de domínios, seja na expansão de comércio e repouso para as naus em rota de
comércio com as Índias.

(...) Nas primeiras décadas do século XVI, algumas expedições exploradoras e


visitas ocasionais para realização do escambo com os indígenas basicamente
para a obtenção do pau-brasil. As primeiras viagens são organizadas
diretamente pela Coroa com o objetivo claro de conhecer as novas terras como
forma pioneira de reivindicar sua soberania. (...) As segundas viagens são
iniciativas de companhias privadas, para as quais o Estado português arrenda
a atividade de escambo do pau-brasil, tornando assim o capital mercantil sócio
de mais este empreendimento (MORAES, 2011: 57-58).

De acordo com Moraes (2011) no quesito: ocupação das novas terras, (...) cabe observar
que o móvel da instalação era especificamente geopolítico, a exploração econômica
aparecendo como um instrumento e uma necessidade deste (MORAES,2011: 59). Para
Portugal tornava-se cada vez mais indispensável a definição de uma atividade de
exploração no Brasil a partir de 1520, em substituição da apropriação de riquezas iniciada
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em 1500, afim de apreender um retorno futuro. Deste modo, (...) a colonização deveria
passar a construir novas estruturas produtivas na colonização das terras brasileiras
(MORAES, 2011: 59).

As atividades econômicas praticadas na colônia conforme afirmação de Reis Filho


(1968), muito pouco, ou quase nada, contribuíam para o desenvolvimento urbano mais
robusto das cidades do Brasil colonial, dado que boa parte dos rendimentos gerados pelas
atividades agrícolas eram destinadas aos incrementos de desenvolvimento dos centros
urbanos nacionais. Sendo que apenas os centros com maior importância pra a metrópole
um ensaio de comércio ou manufatura, que quase não existiam nos centros de menor
importância.

(...) não sendo possível aos centros urbanos desenvolverem formas de


economia complementares da rural, apenas uma parcela muito pequena dos
rendimentos da colônia permaneceu no meio urbano, com um esbôço de
comércio ou manufatura, praticamente inexistente nos centros menores e
apenas presente nos de maior importância (REIS FILHO, 1968: 50).

Na esfera do desenvolvimento econômico, são consideradas todas as formas de


rendimentos existentes na colônia, que poderiam justificar a presença de pessoas nos
povoados, mesmo nos mais insignificantes e humildes. A compreensão de tal fato, fazia
necessário para o entendimento dos componentes que influenciavam na vida e na
economia urbana.

Pode-se dizer que até meados do século XVII as atividades econômicas


urbanas não foram suficientemente produtivas para adquirirem uma dinâmica
própria. Até então apenas o comércio importador e exportador apresentava
alguma vitalidade, mesmo assim concentrado em alguns pontos, mais
especialmente Salvador (REIS FILHO, 1968: 50).

Muito embora existam autores que afirmam, assim como Reis Filho (1968), que não
existiam nos núcleos urbanos brasileiros uma economia urbana própria, pelo menos não
antes do século XVII. Podemos anuir que o que existiam eram atividades econômicas
regulares, de caráter urbano, para atendimento da parcela permanente da população
colonial nos centros urbanos, mesmo naqueles de menor desenvolvimento.

Segundo enfatiza Holanda (1987), as atividades econômicas urbanas eram essencialmente


mercantis com concentração litorânea, cuja população e mercadorias possuíam alcance
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de embarque. Há ainda destaque para as condições destas cidades, em contraposição ao


esplendor do campo prefiguravam um ponto de saída e chegada, entregues a miséria.

Ainda no que tange as relações sociais coloniais, Reis Filho (1968), indica que
inicialmente as atividades econômicas apresentadas no urbano colonial eram o comércio,
os ofícios, o funcionalismo, a mineração e algumas profissões necessárias ao bom
funcionamento comunitário, numa relação direta com os senhorios rurais, como dito na
seção anterior.

Deste dependeriam, de modo mais direto, apenas alguns grupos da população


urbana, constituídos de comerciantes, funcionários civis e militares,
profissionais e oficiais mecânicos, mas mesmo esses procurariam imitar, ao
menos em parte, o comportamento dos proprietários rurais, utilizando, de
modo geral, o trabalho escravo, para fugir à instabilidade do mercado local, em
busca de alguma forma de autoabastecimento (REIS FILHO, 1968: 44).

Para além das práticas econômicas pertinentes ao período, Reis Filho (1968), também vai
relacionar a política de colonização e o processo de urbanização brasileiro. Talvez neste
ponto caiba uma análise da forma tardia de urbanização, dado que o caráter colonizador
impresso em nosso país tenha tipo cunho exclusivo exploratório. Nesta junção, o autor
estabelece a “política urbanizadora”, que segundo ele, deve ser entendida como um
esforço para controlar ou intervir sobre as transformações do processo de urbanização.

Assim, é a política urbanizadora quem vai determinar, a seu modo, o papel que um centro
urbano vai desempenhar no sistema.

(...) A política urbanizadora deve ser entendida aqui como um esforço para
controlar ou influir sobre as transformações que ocorrem num processo de
urbanização. O grau de controle pode variar, assim como o grau de teorização
da política assumida. O objetivo é demonstrar que a política urbanizadora tem
como decorrência direta uma rede, e que ambas determinam os papéis que os
centros urbanos vão desempenhar no sistema (REIS FILHO, 1968: 66 e 67).

Sendo variáveis o grau de controle e o grau de teorização da política assumida. O que o


autor demonstra é que a política urbanizadora tem como decorrência uma rede, e que
política e rede determinam o que cada centro urbano irá fazer dentro do sistema colonial.
No caso brasileiro, em decorrência do regime colonial, Portugal se colocava na origem
das transformações do sistema social, como agente da política de colonização e como
parte importante dessa, da política de urbanização (REIS FILHO, 1968: 66)
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Nesta perspectiva, levando em conta o fato urbano como uma decorrência direta, do
processo de urbanização,

(...) seu estudo deve tomar como ponto de partida a rede urbana, que é o
conjunto nas respostas às solicitações do processo. A significação dos núcleos
ou de suas partes só pode ser compreendida quando referida ao contexto mais
amplo, que é a rede. Ainda que se exponha a política urbanizadora antes de
caracterizar a rede, devido à escolha de uma determinada ordem de exposição,
o conhecimento daquela só se completa com o conhecimento desta, que é,
afinal, a concretização da política urbanizadora (REIS FILHO, 1968: 78).

Destarte, a transformação do modo em que se apresentou a colonização do Brasil, saindo


de um viés puramente ocupacional para a uma ocupação que atendesse os anseios da
expansão comercial e da apropriação de produtos comerciáveis, influiu diretamente no
sistema social e espacial da Colônia. De acordo com Reis Filho (1968) esta mudança pode
ser mensurada pelo índice de urbanização apresentado no período colonial que varia a
cada fase do empreendimento português, como segue:

(...) Nos primeiros dias da urbanização brasileira, quando as populações viviam


protegidas pelos muros, o índice de urbanização era praticamente total. Foram
os -raros- anos em que o fluxo de capitais se fez dos mercados urbanos
europeus para a retaguarda rural.
Com a dispersão, o índice de urbanização desceu aos mais baixos graus. Todos
os homens válidos, com seus capitais disponíveis, tentariam o sucesso na
empresa agrícola comercial, cujos lucros médios alcançavam cerca de 4% ao
mês. Depois de 1650, com aqueda dos preços do açúcar e a centralização,
começa a crescer novamente, atingindo valores elevados na região mineira,
seriam esses os elementos que, além dos fatores dinâmicos externos, viriam
lentamente provocar mudanças no mercado urbano da Colônia (REIS FILHO,
1968: 91 e 92).

O surgimento dos núcleos urbanos, como observa Reis Filho (1968), imprimia ao
território dois movimentos: de crescimento e de retrocesso (estagnação) dependendo da
política urbanizadora aplicada. Segundo ele a propriedade rural do sistema inicial de
ocupação (sesmarias), representava um grande entrave ao desenvolvimento urbano, pois
impediam a expansão e a evolução econômica das vilas e cidades coloniais.

A política urbanizadora que vigorou até meados do século XVII, como parcela de uma
política mais ampla de descentralização, fazendo com que as responsabilidades da
urbanização relativas aos centros menores coubessem, quase inteiramente, aos donatários
e aos próprios colonos, deveria fazer, igualmente, com que coubessem às Câmaras, como
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órgãos locais de administração, a totalidade ou a quase totalidade das tarefas de controle


dos mecanismos do crescimento urbano. Como consequência, os recursos aplicados
nesses centros refletiriam a modéstia das possibilidades e das necessidades do meio,
consistindo, quase sempre, em medidas de alcance e aplicação muito superficiais (REIS
FILHO, 1968: 118).

Considerações Finais

Procuramos destacar aqui as principais formas de colonização da América, bem como as


disparidades em termos da ocupação empregada pelas metrópoles portuguesa e
espanhola. Que embora tivessem as mesmas características em sua gênese se efetivaram
no contorno espacial de formas bem diferentes.

No tocante da urbanização colonial, não podemos analisar como sendo um movimento


dissociado do processo social de formação da colônia. Antes de tudo, ela é resultado das
transformações sociais, políticas e econômicas do período das ampliações de domínios
das nações europeias, Portugal e Espanha, na América. Disto derivou a política
urbanizadora colonial, que se manifestou essencialmente nas bases econômicas da
colonização, com resultante montagem da rede urbana citada por Reis Filho (1968).

Com a definição de uma política de centralização comercial e administrativa nos núcleos


urbanos brasileiros, ocorreu também a transferências de agentes metropolitanos em
substituição dos grandes proprietários rurais, dando início a uma nova conformação
social, composta também por camadas dos comerciantes e dos administradores civis e
militares.

Por fim, o que ora nos induz o presente estudo é que a ocupação do território brasileiro,
mesmo com tantas disparidades, representava, naquele momento de desbravamento não
somente de terras antes desconhecidas, como também, da possibilidade de descobrir
novas possibilidades, sob uma visão paradisíaca de uma terra repleta de inocência,
riquezas escondidas, ou seja, um leque de possibilidades advindas do “novo”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Boletim da FFCL n. 208, Geografia n. 11. São Paulo, 1956.
XV Congresso Brasileiro de História
Econômica & 16a Conferência
Internacional de História de Empresas

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