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RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar de forma pretérita as especificidades do processo
constitutivo das vilas e cidades brasileiras no período colonial (1530-1822). Este período é
reconhecidamente uma fase histórica de grandes transformações no cenário mundial e de constituição do
território brasileiro. Assim, nos propomos investigar o processo de formação das primeiras cidades
brasileiras, confrontando as disparidades existentes no processo constituição das cidades latino-americanas.
Para dar conta disto, nos apropriaremos das contribuições dos principais estudiosos desta temática, que
referidamente se apresenta tão rica e ao mesmo tempo tão complexa. Dentre os autores traremos as análises
de Sérgio Buarque de Holanda, Aroldo de Azevedo, Robert C. Smith e Paulo F. Santos, que nos indicarão
a morfologia das primeiras áreas urbanas do Brasil, bem como, a diferença entre as formas urbanizadoras
portuguesas e espanholas. E, a observação sobre a formação social destas “novas” cidades, a partir do estudo
de Nestor Goulart.
Introdução
Neste sentido, para uma investigação mais profunda do processo formativo das
primeiras vilas e cidades brasileiras, torna-se fundamental o entendimento das formas de
ocupação que ocorreram no período. Sendo, no entanto, de suma importância o exame
das disparidades das frentes colonizadoras empregadas particularmente na América, bem
como, contrapor ao padrão de ocupação que foi estabelecido para as áreas da América
Espanhola e América Portuguesa. Esse será o esforço da primeira seção, cujo título
apresenta-se como: “Diferentes frentes colonizadoras na América: portugueses X
hispânicos”. A segunda seção “A política urbanizadora e dimensão social do Brasil
colonial” tecerá análise sobre a política urbana empregada na formação das cidades
brasileiras, bem como a conformação social na colônia portuguesa. Elencando os
acontecimentos constitutivos das cidades coloniais brasileiras, que não podem ser
tratados como dados aleatórios, mas sim como episódios que perfazem toda uma estrutura
dinâmica que formam a rede urbana e precisam ser consideradas quando pretende-se
entender este urbano colonial nascente.
Corpo do texto Sérgio Buarque (1987), desenvolve dois modelos para indicar as
formas de colonização da América, o do “Semeador” e do “Ladrilhador”. Neste sentido,
“o semeador” seria designado para definir a ocupação portuguesa e “o ladrilhador” a
ocupação espanhola. Segundo o autor, o semeador seria aquele que ocupa a terra sem
planejamento e sem intenção de permanecer. Por isso, há pouca preocupação em construir
cidades e quando o fazem é de maneira desleixada. Já o ladrilhador tem preocupação em
transplantar o traçado da metrópole aos trópicos e por esta razão, o faz de maneira
cuidadosa. Igualmente, isto reflete o grau de interferência do Estado no empreendimento
colonial. Enquanto nas colônias portuguesas, sente-se menos a participação da Coroa, nas
colônias hispano-americanas, o governo teria estado mais presente.
Para Sérgio Buarque (1987), isto implicava nos fundamentos históricos e sociais
onde podemos identificar a conduta assumida pelos portugueses para o estabelecimento
das primeiras vilas e cidades no processo de colonização do Brasil. Sendo o procedimento
de ocupação da nova colônia fora dos meios urbanos, baseada no grande latifúndio dos
senhores de Engenho e seu patriarcado. Esta estrutura social orientava também toda a
esfera pública da colônia.
Smith (1958) descreve que no ano de 1494, o Papa Alexandre VI, estabeleceu a
linha demarcatória entre as regiões de colonização espanhola e portuguesa. Linha esta
que corresponde ao meridiano, situado 270 léguas para além das Ilhas dos Açores. As
duas nações foram as pioneiras no intento colonizador. Ao vislumbrarem o Novo Mundo,
composto de ‘terras vastas e virgens’, encontraram um terreno propício para colocarem
em prática o ideário urbanístico e utópico do renascimento europeu, que se materializava
nos modelos e planos de cidades ideais quinhentistas.
Smith (1958) afirma ainda que ao contrário dos portugueses, que se deparam a
princípio com inóspitos territórios, composto por povos rudimentares e vegetação virgem,
os espanhóis, encontram territórios mais propícios à colonização, localizados nos
planaltos da América Central e Meridional, cujos povos já dominavam práticas avançadas
do cultivo da terra e do escambo. E o território, abrigava os povos indígenas mais ricos e
desenvolvidos da América.
Deste modo, este conceito urbano, definido para as novas cidades, representou um
sistema prático sem precedentes na experiência imediata da Europa. Implicou não
somente a consideração cuidadosa do sítio em relação ao terreno e clima, como também
a aplicação de ruas largas e regulares, cruzando-se no formato retangular, para formar um
xadrez de quadras e praças abertas. Resultou esta planta de uma série de ordens régias,
juntas em código oficial pela primeira vez em 1523, na época da conquista do México, e
incorporadas nas chamadas Leyes de Índias, as quais foram rigorosamente seguidas até o
fim do período colonial.
Santos (1968), indica uma série de regras pertinentes a Lei de Índias, que
orientavam o ordenamento urbano das colônias espanholas. (...) Tratavam da escolha do
local para a povoação, tendo em vista a salubridade, a terra, o clima, os pastos, os animais,
etc., (SANTOS, 1968: 43). Destacamos, abaixo, as mais relevantes, de acordo com
Dantas 2004:
• O plano composto por ruas, praças e lotes deveria ser implantado a partir da praça
principal, de onde sairiam as ruas, que se prolongavam até as portas e ruas exteriores;
• A implantação deveria ser feita, deixando espaço vazio aberto suficiente para que
o crescimento da população não fosse estancado e permitindo que o mesmo modelo fosse
seguido;
• A praça e as ruas principais que se originam nela deveriam ser ladeadas com
pórticos, porque estes são convenientes às pessoas que querem passear, dialogar ou
realizar comércio (regra advinda do plano romano de implantação de cidades);
• As ruas deveriam ser largas nas zonas frias e estritas nas regiões quentes. Nas
áreas que necessitam de defesa, as ruas deveriam ser largas para permitir o acesso aos
cavalos;
Deste modo, (...) seja qual for a sua origem, a planta na América espanhola foi
efetivamente combinada com o conceito clássico da cidade monumental, preferido pelos
humanistas na Itália (SMITH, 1958:16).
E, neste sentido,
(...) a planta em forma de xadrez pura. Essa planta nunca foi, na realidade,
característica das povoações coloniais no Brasil. Jamais os povoadores
portugueses seguiram um código de regulamentos urbanísticos, como os
castelhanos. As suas cidades cresceram, (...) numa espécie de confusão
pitoresca, que é típica das aglomerações luso-brasileiras, enquanto a ordem e
a claridade são os sinais do urbanismo da América Espanhola (SMITH, 1958:
17).
Contudo, o que entendemos é que houve sim um esforço de planejamento das novas
vilas e cidades, apenas que estas se preocuparam não no ordenamento geral das cidades
nascentes, mas na sua forma e função (comercial). No entanto, é apenas (...) no plano das
cidades hispano-americanas, (..) que se exprime é a ideia de que o homem pode intervir
arbitrariamente, e com sucesso no curso das coisas e de que a história não somente
‘acontece’, mas também pode ser dirigida e até fabricada (HOLANDA, 1987: 64). A
ocupação portuguesa preocupou-se em maior proporção na exploração comercial,
enquanto os espanhóis procuraram (...) fazer do país ocupado um prolongamento orgânico
do seu (HOLANDA, 1987: 64).
Reis Filho (1968) defende a existência de uma rede urbana também do Brasil
colonial, ou seja, uma estrutura dinâmica, que está imbricada ao processo social da
urbanização. Reconhecendo, deste modo, o processo de urbanização colonial, também
como um processo de origem social. Sendo esta definição inicial o elemento fundamental
para as análises da conformação social da colônia, bem como, da relação política
estabelecida entre a colônia e a metrópole (Portugal).
Todavia, mesmo que inicialmente o Brasil não tivesse despertado interesse imediato
da Coroa portuguesa, o domínio iminente de suas terras tornava-se essencial, seja na
ampliação de domínios, seja na expansão de comércio e repouso para as naus em rota de
comércio com as Índias.
De acordo com Moraes (2011) no quesito: ocupação das novas terras, (...) cabe
observar que o móvel da instalação era especificamente geopolítico, a exploração
econômica aparecendo como um instrumento e uma necessidade deste (MORAES,2011:
59). Para Portugal tornava-se cada vez mais indispensável a definição de uma atividade
de exploração no Brasil a partir de 1520, em substituição da apropriação de riquezas
iniciada em 1500, afim de apreender um retorno futuro. Deste modo, (...) a colonização
deveria passar a construir novas estruturas produtivas na colonização das terras brasileiras
(MORAES, 2011: 59).
Muito embora existam autores que afirmam, assim como Reis Filho (1968), que
não existiam nos núcleos urbanos brasileiros uma economia urbana própria, pelo menos
não antes do século XVII. Podemos anuir que o que existiam eram atividades econômicas
regulares, de caráter urbano, para atendimento da parcela permanente da população
colonial nos centros urbanos, mesmo naqueles de menor desenvolvimento.
Ainda no que tange as relações sociais coloniais, Reis Filho (1968), indica que
inicialmente as atividades econômicas apresentadas no urbano colonial eram o comércio,
os ofícios, o funcionalismo, a mineração e algumas profissões necessárias ao bom
funcionamento comunitário, numa relação direta com os senhorios rurais, como dito na
seção anterior.
Para além das práticas econômicas pertinentes ao período, Reis Filho (1968),
também vai relacionar a política de colonização e o processo de urbanização brasileiro.
Talvez neste ponto caiba uma análise da forma tardia de urbanização, dado que o caráter
colonizador impresso em nosso país tenha tipo cunho exclusivo exploratório. Nesta
junção, o autor estabelece a “política urbanizadora”, que segundo ele, deve ser entendida
como um esforço para controlar ou intervir sobre as transformações do processo de
urbanização.
Assim, é a política urbanizadora quem vai determinar, a seu modo, o papel que um
centro urbano vai desempenhar no sistema.
(...) A política urbanizadora deve ser entendida aqui como um esforço para
controlar ou influir sobre as transformações que ocorrem num processo de
urbanização. O grau de controle pode variar, assim como o grau de teorização
da política assumida. O objetivo é demonstrar que a política urbanizadora tem
como decorrência direta uma rede, e que ambas determinam os papéis que os
centros urbanos vão desempenhar no sistema (REIS FILHO, 1968: 66 e 67).
Nesta perspectiva, levando em conta o fato urbano como uma decorrência direta,
do processo de urbanização,
(...) seu estudo deve tomar como ponto de partida a rede urbana, que é o
conjunto nas respostas às solicitações do processo. A significação dos núcleos
ou de suas partes só pode ser compreendida quando referida ao contexto mais
amplo, que é a rede. Ainda que se exponha a política urbanizadora antes de
caracterizar a rede, devido à escolha de uma determinada ordem de exposição,
o conhecimento daquela só se completa com o conhecimento desta, que é,
afinal, a concretização da política urbanizadora (REIS FILHO, 1968: 78).
O surgimento dos núcleos urbanos, como observa Reis Filho (1968), imprimia ao
território dois movimentos: de crescimento e de retrocesso (estagnação) dependendo da
política urbanizadora aplicada. Segundo ele a propriedade rural do sistema inicial de
ocupação (sesmarias), representava um grande entrave ao desenvolvimento urbano, pois
impediam a expansão e a evolução econômica das vilas e cidades coloniais.
A política urbanizadora que vigorou até meados do século XVII, como parcela de
uma política mais ampla de descentralização, fazendo com que as responsabilidades da
urbanização relativas aos centros menores coubessem, quase inteiramente, aos donatários
e aos próprios colonos, deveria fazer, igualmente, com que coubessem às Câmaras, como
órgãos locais de administração, a totalidade ou a quase totalidade das tarefas de controle
dos mecanismos do crescimento urbano. Como consequência, os recursos aplicados
nesses centros refletiriam a modéstia das possibilidades e das necessidades do meio,
consistindo, quase sempre, em medidas de alcance e aplicação muito superficiais (REIS
FILHO, 1968: 118).
Considerações Finais
Por fim, o que ora nos induz o presente estudo é que a ocupação do território
brasileiro, mesmo com tantas disparidades, representava, naquele momento de
desbravamento não somente de terras antes desconhecidas, como também, da
possibilidade de descobrir novas possibilidades, sob uma visão paradisíaca de uma terra
repleta de inocência, riquezas escondidas, ou seja, um leque de possibilidades advindas
do “novo”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Aroldo de. Vilas e Cidades do Brasil Colonial: ensaio de Geografia Urbana Retrospectiva.
Boletim da FFCL n. 208, Geografia n. 11. São Paulo, 1956.
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https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.050/566#:~:text=As%20Leis%20das%20%C3%8Dn
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