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CORREIA, Vergílio Dicionário Quem é Quem na Museologia Portuguesa
âmbito regional (sobretudo beirão), por esforços criticar, em 1942, a posição de João Couto sobre
empreendidos no âmbito da biografia dos princi- o programa de formação de conservadores dos
pais produtores/executantes, entrando ainda por museus do Estado, assente num estágio tria-
temáticas até então inexploradas, como a pintu- nual a realizar no Museu Nacional de Arte Anti-
ra de frescos em Portugal nos séculos XV e XVI ga: “O Museu das Janelas Verdes é diferente de
(Ibidem). qualquer outro Museu e não me parece talhado
Em termos metodológicos, Vergílio Correia pri- para Museu normal […]. Podem os estagiários
mou por uma historiografia onde a corroboração aprenderem, sob a proficiente direcção do Sr. dr.
dos factos através das fontes se afigura funda- João Couto, a organizar as colecções. Mas isso
mental, colocando de lado quaisquer preleções basta? […] Considere-se que cada Museu Regio-
somente estilísticas ou de atribuições de supostas nal tem o seu carácter sendo portanto multifor-
autorias sem quaisquer elementos probatórios, mes no aspecto […]. Como conciliar todas estas
enveredando por uma prática próxima do positi- variedades com regras de conduta cosmopolitas
vismo histórico oitocentista, ainda que se esqui- perfeitamente lógicas em grandes museus, tão
vasse à mera descrição documental (Idem: 90-91; descabidas nos pequenos agregados museográ-
Rosmaninho, 1995, 161-181). O legado da fonte ficos?” (Correia, 1942a, 1).
em detrimento de contemplações sobre estilos e A sua vigência no cargo de diretor do Museu
a formação de juízos críticos levou-o a confrontos Machado de Castro (1929-1944) ficou marcada
inflamados com José de Figueiredo, com o seu pela modificação da missão e alcance da institui-
opositor a definir a observação direta/leitura da ção, substituindo-se o enfoque nas artes indus-
obra como método primaz na historiografia artís- triais, concebido por António Augusto Gonçalves,
tica, secundarizando, deste modo, a importância para assumir, na sua plenitude, as premissas
do documento escrito (Baião, 2015, 196-198). essenciais de um museu regional. Ainda assim, a
No âmbito do desenvolvimento da museologia compreensão da importância das coleções deposi-
portuguesa, o contributo deixado por Vergílio tadas, especialmente as de imaginária gótica e do
Correia foi deveras significativo. Logo em 1930 renascimento coimbrão, levou a que Vergílio Cor-
tentou criar uma consistência teórica à mis- reia projetasse que, num futuro próximo, o ideário
são e organização dos museus regionais, uma regionalista fosse ultrapassado por um estatuto de
vez que a explanação de tal estatuto se encon- abrangência superior, alvitrando inclusivamente
trava ausente nos diversos diplomas até então uma possível nomenclatura de Museu Nacional
outorgados. Como reflexo de uma determinada de Escultura (Correia, 1935, 1-4). O legado do
circunscrição geográfica, o museu regional defi- seu labor enquanto diretor do museu conimbri-
nido por Correia parte de um espólio assente na cense ficará, de igual modo, marcado por uma
tríade de objetos de arte, arqueologia e etnogra- profunda remodelação do complexo arquitetónico
fia, compreendendo, de igual modo, uma orga- que permitiu o “despertar” das pré-existências,
nização expositiva que contemplasse uma “sala com destaque para: o início do desentulhamen-
cívica” (na mesma linha que os museus italia- to do criptopórtico romano da civitas aeminiensis;
nos), onde o discurso, em consonância com o a reconstituição das faces medievas da igreja de
acervo exposto, permitisse o enaltecimento dos São João de Almedina e respetiva integração no
acontecimentos-chave da história local e das
suas personalidades eminentes (Correia, 1930,
discurso expositivo (Fig. 2); a intervenção nas
fachadas exteriores do antigo paço episcopal; C
318-328). A defesa da especificidade inerente as integrações de salvaguarda patrimonial dos
aos museus regionais levou Vergílio Correia a portais de Santo Agostinho e de São Tomás de
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BIBLIOGRAFIA
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Por último, destaque-se a sua importância na ordem da Universidade.
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Memorial de um Complexo Arquitetónico Enquanto Espaço
nas conheceu em profundidade desde os tempos Museológico. Casal de Cambra: DGPC/Caleidoscópio.
de juventude, sendo responsável por diferen- ROSMANINHO, Nuno. 1995. “A historiografia artística de
tes campanhas arqueológicas que aumentaram Vergílio Correia”. Revista da Universidade de Aveiro, 12:
161-181.
significativamente o conhecimento histórico do
antigo povoado romano. Já em 1936 Correia dis- [D.M.F.]
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