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CORREIA, Vergílio Dicionário Quem é Quem na Museologia Portuguesa

mesmo ano entrou para o quadro docente da


Faculdade de Letras da Universidade de Coim-
bra, onde lecionou até ao seu falecimento as
disciplinas de Arqueologia e História da Arte.
Em 1929 substituiu António Augusto Gonçalves
CORREIA, Vergílio à frente do Museu Machado de Castro, acumu-
lando, a partir de setembro de 1937, o referido
cargo com a direção do Diário de Coimbra, sendo,
5«JXDbȂb&RLPEUD à época, o jornal de maior tiragem da cidade, e
O nome de Vergílio Correia Pinto da Fonseca onde redigiu, desde 1935, a importante coluna
(Fig. 1) encontra-se associado ao desenvolvi- Arte e Arqueologia, constituindo-se num autêntico
mento das áreas de conhecimento da história diário de um investigador dos estudos históricos
da arte, da arqueologia e da etnografia em Por- conimbricenses (Freitas, 2016, 88-93).
tugal durante a primeira metade do século XX. A sua produção científica foi prolífera, obtendo
Conhece-se pouco da sua infância na Régua, reconhecimento a nível nacional e internacional.
onde nasceu no ano de 1888, passando, já em Além da participação em diferentes publicações
1906, para o contexto académico proporcionado periódicas, destacam-se os estudos de maior
pela Universidade de Coimbra, onde se licenciou fôlego que versaram, entre outros temas, sobre
em Direito, em 1911, ainda que demonstrasse, a arqueologia neolítica e romana, os marcos
desde cedo, pouca apetência pelos meandros arquitetónicos essenciais do país, com desta-
jurídicos. Estes foram logo preteridos pelo inte- que para a especificidade conimbricense, pas-
resse manifestado pelos estudos patrimoniais, sando ainda pelas particularidades artísticas de
como o próprio evidencia: “Em Coimbra, no
ambiente arcaico da cidade, na contemplação
dos seus monumentos no seu Museu do Instituto,
me fiz arqueólogo, com contacto com os costu-
mes do povo, pelos arrabaldes, me fiz etnógrafo”
(Correia, 1946, VIII).
Além da assimilação da vasta literatura cien-
tífica no âmbito da arqueologia portuguesa, a
continuação da formação teórico/prática de Ver-
gílio Correia na referida área decorreu no Museu
Etnológico Português, a partir de 1912, sendo
um dos discípulos de José Leite de Vasconcelos,
o que permitiu participar em diferentes esca-
vações arqueológicas, sobretudo no sul do país
e em Condeixa-a-Velha. Já em 1915 ocorreu a
sua passagem para o Museu Nacional de Arte
Antiga, onde foi nomeado conservador e cujo
cargo se manteve até ao ano de 1921. A relação
conflituosa que deteve com José de Figueiredo,
C
que ultrapassou a mera divergência académi- )Ζ*bɅ9HUJ¯OLR&RUUHLDFRPDVLQV¯JQLDVXQLYHUVLW£ULDV
ca, levou-o à saída da referida instituição. No Fb k0XVHX1DFLRQDO0DFKDGRGH&DVWUR

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âmbito regional (sobretudo beirão), por esforços criticar, em 1942, a posição de João Couto sobre
empreendidos no âmbito da biografia dos princi- o programa de formação de conservadores dos
pais produtores/executantes, entrando ainda por museus do Estado, assente num estágio tria-
temáticas até então inexploradas, como a pintu- nual a realizar no Museu Nacional de Arte Anti-
ra de frescos em Portugal nos séculos XV e XVI ga: “O Museu das Janelas Verdes é diferente de
(Ibidem). qualquer outro Museu e não me parece talhado
Em termos metodológicos, Vergílio Correia pri- para Museu normal […]. Podem os estagiários
mou por uma historiografia onde a corroboração aprenderem, sob a proficiente direcção do Sr. dr.
dos factos através das fontes se afigura funda- João Couto, a organizar as colecções. Mas isso
mental, colocando de lado quaisquer preleções basta? […] Considere-se que cada Museu Regio-
somente estilísticas ou de atribuições de supostas nal tem o seu carácter sendo portanto multifor-
autorias sem quaisquer elementos probatórios, mes no aspecto […]. Como conciliar todas estas
enveredando por uma prática próxima do positi- variedades com regras de conduta cosmopolitas
vismo histórico oitocentista, ainda que se esqui- perfeitamente lógicas em grandes museus, tão
vasse à mera descrição documental (Idem: 90-91; descabidas nos pequenos agregados museográ-
Rosmaninho, 1995, 161-181). O legado da fonte ficos?” (Correia, 1942a, 1).
em detrimento de contemplações sobre estilos e A sua vigência no cargo de diretor do Museu
a formação de juízos críticos levou-o a confrontos Machado de Castro (1929-1944) ficou marcada
inflamados com José de Figueiredo, com o seu pela modificação da missão e alcance da institui-
opositor a definir a observação direta/leitura da ção, substituindo-se o enfoque nas artes indus-
obra como método primaz na historiografia artís- triais, concebido por António Augusto Gonçalves,
tica, secundarizando, deste modo, a importância para assumir, na sua plenitude, as premissas
do documento escrito (Baião, 2015, 196-198). essenciais de um museu regional. Ainda assim, a
No âmbito do desenvolvimento da museologia compreensão da importância das coleções deposi-
portuguesa, o contributo deixado por Vergílio tadas, especialmente as de imaginária gótica e do
Correia foi deveras significativo. Logo em 1930 renascimento coimbrão, levou a que Vergílio Cor-
tentou criar uma consistência teórica à mis- reia projetasse que, num futuro próximo, o ideário
são e organização dos museus regionais, uma regionalista fosse ultrapassado por um estatuto de
vez que a explanação de tal estatuto se encon- abrangência superior, alvitrando inclusivamente
trava ausente nos diversos diplomas até então uma possível nomenclatura de Museu Nacional
outorgados. Como reflexo de uma determinada de Escultura (Correia, 1935, 1-4). O legado do
circunscrição geográfica, o museu regional defi- seu labor enquanto diretor do museu conimbri-
nido por Correia parte de um espólio assente na cense ficará, de igual modo, marcado por uma
tríade de objetos de arte, arqueologia e etnogra- profunda remodelação do complexo arquitetónico
fia, compreendendo, de igual modo, uma orga- que permitiu o “despertar” das pré-existências,
nização expositiva que contemplasse uma “sala com destaque para: o início do desentulhamen-
cívica” (na mesma linha que os museus italia- to do criptopórtico romano da civitas aeminiensis;
nos), onde o discurso, em consonância com o a reconstituição das faces medievas da igreja de
acervo exposto, permitisse o enaltecimento dos São João de Almedina e respetiva integração no
acontecimentos-chave da história local e das
suas personalidades eminentes (Correia, 1930,
discurso expositivo (Fig. 2); a intervenção nas
fachadas exteriores do antigo paço episcopal; C
318-328). A defesa da especificidade inerente as integrações de salvaguarda patrimonial dos
aos museus regionais levou Vergílio Correia a portais de Santo Agostinho e de São Tomás de

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de obras em benefício dos habitantes, e do país


em geral. Esperemos” (Correia, 1936, 1). A sua
morte, ocorrida, de modo repentino, a 3 de junho
de 1944, não permitiu assistir à realização plena
deste seu desejo, concretizada na fundação, em
1962, do Museu Monográfico de Conímbriga.

BIBLIOGRAFIA
BAIÃO, Joana. 2015. Museus, arte e património em Portugal.
José de Figueiredo (1871-1937). Casal de Cambra: Calei-
)Ζ*bɅ0XVHX0DFKDGRGH&DVWURFODXVWURGDLJUHMD
doscópio.
PHGLHYDGH6¥R-R¥RGH$OPHGLQDUHFRQVWLWX¯GRin situ
Fb k0XVHX1DFLRQDO0DFKDGRGH&DVWUR CORREIA, Vergílio. 1930. “Da importância dos museus
regionais”. Biblos, VI: 318-328.
CORREIA, Vergílio. 1935. “Como se faz um museu”. Diário
de Coimbra, 1689, 07-05- 1935: 1-4.
Aquino, originários de outros edifícios da cida- CORREIA, Vergílio. 1936. “Conimbriga. A mais importante
cidade romana do centro de Portugal”. Diário de Coimbra,
de. A experiência de Vergílio Correia enquanto 1902, 25-05-1936: 1.
arqueólogo levou, por um lado, à preservação in CORREIA, Vergílio. 1940 a. “Museus Regionais”. Diário de
situ das estruturas arquitetónicas “levantadas do Coimbra, 3202, 12-02-1940: 1.
CORREIA, Vergílio. 1940 b. “Um museu em Conimbriga”.
chão”, atenuando, por outro, os efeitos perversos Diário de Coimbra, 3190, 29-01-1940: 1.
da máquina estatal das obras públicas – Direção- CORREIA, Vergílio. 1941. Santos Rocha fundador dum
museu. Figueira da Foz.
-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais –,
CORREIA, Vergílio. 1942 a. “Museografia”, Diário de Coim-
conhecida pelo seguidismo de certo modo acríti- bra, 3888, 05-01-1942: 1.
co das premissas violletianas da unidade de estilo CORREIA, Vergílio. 1942 b. “Museologia”. Diário de Coim-
bra, 3895, 12-01-1942: 1-4.
(Freitas, 2016, 206-260).
CORREIA, Vergílio. 1946. Obras. vol. I. Coimbra: Por
Por último, destaque-se a sua importância na ordem da Universidade.
preservação do oppidum de Conimbriga, cujas ruí- FREITAS, Duarte Manuel. 2016. Museu Machado de Castro.
Memorial de um Complexo Arquitetónico Enquanto Espaço
nas conheceu em profundidade desde os tempos Museológico. Casal de Cambra: DGPC/Caleidoscópio.
de juventude, sendo responsável por diferen- ROSMANINHO, Nuno. 1995. “A historiografia artística de
tes campanhas arqueológicas que aumentaram Vergílio Correia”. Revista da Universidade de Aveiro, 12:
161-181.
significativamente o conhecimento histórico do
antigo povoado romano. Já em 1936 Correia dis- [D.M.F.]

correu sobre a necessidade de aproveitamento


da referida estância, propondo o seguinte: “Para '8$57(b0$18(/b)5(Ζ7$6Ʌ'RXWRUDGRHP+LVWµULDQDHVSH
que esta obra se perpetue são indispensáveis a FLDOLGDGHGH0XVHRORJLDH3DWULPµQLR&XOWXUDO3URIHVVRU$X[L
OLDUGD8QLYHUVLGDGH$XWµQRPDGH/LVERDPHPEURLQWHJUDGR
fundação de um museu, anexo às ruínas, projec- QR&HQWURGH+LVWµULDGD6RFLHGDGHHGD&XOWXUD )/8& HQR
to que a direcção dos monumentos acarinha; e &HQWURGHΖQYHVWLJD©¥RHP&L¬QFLDV+LVWµULFDV 8$/ $WXDQDV
£UHDV GD 'LG£WLFD GD +LVWµULD GD 0XVHRORJLD +LVWµULFD H GD
a criação de uma comissão de iniciativa e turis-
+LVWµULDGDV(PSUHVDV&RPDVXDWHVHGHGRXWRUDPHQWRLQWL
mo em Condeixa, a qual se justifica plenamente WXODGD0HPRULDOGHXPFRPSOH[RDUTXLWHWµQLFRHQTXDQWRHVSD©R
quer pela importância turística, cada vez maior, PXVHROµJLFR0XVHX0DFKDGRGH&DVWUR  HQWUHWDQWR

da região, quer pela existência na risonha vila de


um grupo de pessoas activas e dedicadas à sua
SXEOLFDGDQD&ROH©¥R(VWXGRVGH0XVHXV  REWHYHR3U«
PLR 9LFWRU GH 6£ GH +LVWµULD &RQWHPSRU¤QHD   H R SU«
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C
terra, capazes de independentemente de subor- Ȋ0HOKRU(VWXGRGH6REUH0XVHRORJLDȋ  

dinações centralistas, executarem um programa

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