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retrato

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Marcado Com: doadores, História da Arte, História da Madeira, pintores madeirenses, pintura,
retrato, retrato insular

A história da arte do retrato na ilha da Madeira tem um início auspicioso com o Ciclo do Açúcar,
que propiciou, em finais do séc. XV e no séc. XVI, contactos com a Flandres, o maior centro europeu
artístico da primeira metade do séc. XVI. Foi a relação comercial com as suas capitais financeiras,
primeiro Bruges e, a partir do início de Quinhentos, Antuérpia, que assegurou a disseminação da
arte flamenga na Ilha, suportada por uma rede organizada de mestres e oficinas, pela venda de
produtos de luxo e pelas primeiras feiras de arte – os panden. A mestria dos escultores e pintores
flamengos impressionou, sem dúvida, os compradores; uma produção que decerto seria bem
conhecida de todos quanto estavam envolvidos no trato do açúcar, quer pelas idas ao norte da
Europa, quer através de gravuras e desenhos que circulavam junto dos entrepostos comerciais na
Madeira. Na resultante circulação de obras de arte, destacaram-se as abastadas famílias madeirenses
que, secundando as encomendas régias ao mercado flamengo, comissariaram pinturas e retábulos a
gosto, evidências votivas de uma sociedade enriquecida que assim perpetuava a sua memória.

Neste período da história do retrato insular, o género assume, grosso modo, a vertente do retrato
integrado de doador, gosto generalizado a todo o território nacional e onde a imagem do(s)
doador(es), a(s) pessoa(s) que encomendava(m) a obra, se associava(m), através da paleta do pintor,
à invocação iconográfica, em painéis que assumiam um papel determinante no vivenciamento da
ordem social.

A existência de diversas obras flamengas deste cariz nas coleções regionais atesta-nos a sua
relevância no contexto madeirense, tal como se observa no Tríptico da Descida da Cruz (ZAGALLO,
1943, 26; PITA, 1955, 46-57; CLODE e PEREIRA, 1997, 44-49).

Nos volantes da pintura, tomando parte no desenrolar da cena principal, representaram-se os


doadores, apresentados por S. Bernardino de Sena e Santiago Maior, ajoelhados em atitude piedosa,
numa composição difundida por toda a Europa.
Este último aspeto parece dominar no Tríptico de Santiago Menor e São Filipe, do Museu de Arte
Sacra do Funchal, onde foi figurada toda uma família, em igual pose votiva, numa demonstração
evidente do poder e privilégio de quem encomendou a obra.

Encontramos a mesma evidência no domínio da escultura, nas representações de Francisco Homem


de Gouveia e de sua mulher Isabel Afonso, que se fazem retratar nos volantes laterais de uma
estrutura retabular esculpida, de origem flamenga, tomando parte na Adoração dos Reis Magos
(Capela dos Reis Magos, Estreito da Calheta), um esquema filiado em modelos altamente
comercializados e que marcavam presença na rede comercial dos panden. Ou ainda na lápide
funerária em bronze gravado de origem igualmente flamenga, que representa Pedro de Brito Oliveira
Pestana e sua mulher, na Sé Catedral do Funchal, obras que consubstanciam que a representação dos
indivíduos na centúria de Quinhentos não era presidida pela estética da verosimilhança dos
retratados, mas pela iconografia a eles associada.

Uma outra variante do mesmo esquema surge, em meados de Quinhentos, no mais tardio e
português São Brás (Fig. 2), onde santo e doadores figuram lado a lado, num único painel, pela mão
do mestre de Abrantes, revelando-nos que o modelo retratístico de doador integrado se prolongou e
permaneceu na vontade dos encomendantes regionais à semelhança do que na corte, com algumas
cambiantes, os retratos do Piedoso D. João III (1521-1557) e da rainha D. Catarina d’Áustria
evidenciavam – o prenúncio da estagnação da retratística nacional, onde a teorização humanista de
Francisco de Holanda (1517-1585) pouco havia penetrado, muito longe do metódico realismo da arte
do norte da Europa, onde o retrato se autonomizou e se assumiu o género.

Fig. 1 – São Brás e doadores, atribuído ao Mestre de Abrantes (c.1550-60)

Pintura a óleo sobre madeira

Igreja do Arco da Calheta

Na Madeira, esta época de estagnação coincidiu com o declínio do comércio sacarino, que se
prolongou ao longo do séc. XVII. O mesmo sucederia aliás no restante panorama nacional, onde o
peso da união ibérica sob o jugo filipino (1580-1640) se fazia sentir. Na realidade, o domínio
espanhol nas artes havia começado muito antes, através do esquema ibérico predominantemente
tenebrista divulgado, sobretudo, a partir de Madrid e Sevilha, e que se revelava nos retratos de
Cristóvão de Figueiredo, na primeira metade do séc. XVI. Um domínio que não sofreu alterações com
a independência de Espanha (1640) e o surgimento da nova Casa Real de Bragança. A retratística
oficial portuguesa, protagonizada pelo pintor régio José de Avelar Rebelo (at. 1635-1657), não deixou
de olhar para a galeria da vizinha corte espanhola de Filipe IV quando tentou recriar o retrato áulico
para o recente monarca D. João IV (1640-1656). O retrato nacional mostrava-se incapaz de traçar um
novo caminho, num país onde serão os pintores retabulares a colmatar as necessidades de
representação das classes emergentes.

No plano insular, onde a retratística havia dependido, quase exclusivamente, da capacidade


económica de importação de obras, mais ainda se sentiu o abandono do género, salvo raras exceções,
como nos revela o desaparecido Retrato do Cónego Henrique Calaça de Viveiros, fundador do
convento da Encarnação no Funchal, em 1650, cuja representação se filia no esquema tenebrista
peninsular, ainda que de contornos hieráticos, revelador da tentativa de adoção, por parte de um
artista regional, da já em si débil estética retratística de Avelar.

O mesmo Avelar com quem trabalhou em Lisboa Martim Conrado (at. 1646-1653), “insigne pintor
estrangeiro” (RODRIGUES, 2000) com vasta obra no plano insular, que manteve relações
privilegiadas com algumas das principais famílias residentes na Madeira, que se materializaram em
diversas encomendas, entre as quais pontuais pinturas retabulares onde figuram doadores, vestígios
de uma procura ainda de olhos fixos em fórmulas ultrapassadas, que Conrado tenta enquadrar na
senda de Avelar Rebelo.

Este estado geral de estagnação criativa em que o país se encontrava apenas se alterou quando a
luxuosa corte do Magnânimo, D. João V (1706-1750), sustentada pelas minas brasileiras, se
estabeleceu na primeira metade do séc. XVIII e se assistiu a uma renovação da imagética portuguesa.
A nova política cultural joanina abarcou o ensino, com a criação, em Roma, da Academia Portuguesa
das Artes, da qual obteve o seu melhor resultado no mais célebre pintor joanino, Francisco Vieira,
dito Lusitano (1699-1783), e também a encomenda e permanência em Portugal de pintores
estrangeiros como Domenico Duprà (1689-1770) ou Pierre-Antoine Quillard (1700-1733), ambos
pintores régios, que recriaram a nova estética do retrato áulico nacional.

À semelhança do que se passou no território continental, o séc. XVIII trouxe igualmente para a
Madeira grandes transformações. Com a reconversão para a produção vinícola, que acompanhou os
reinados de D. João V e D. José (1750-1777), assistiu-se na Ilha a um novo despontar económico.
Estabeleceu-se uma nova classe burguesa, coincidente com a crescente influência da comunidade
britânica que aqui aportou, atraída pelos proventos económicos do trato do vinho. A chegada destes
estrangeiros, com os seus cosmopolitas hábitos sociais e culturais, foi sentida como uma inflexão na
direção da contemporaneidade há algum tempo ausente, e foi determinante na evolução dos gostos
da emergente elite madeirense. O retrato, arte particularmente valorizada pela próspera sociedade
britânica, foi uma das vertentes em que a influência inglesa se repercutiu na sociedade insular – um
retrato cosmopolita, de cariz profano, pleno de verosimilhança e que se tornou resposta aos desejos
das novas classes que procuravam afirmar-se.

No entanto, tal como nos séculos anteriores, esta procura permaneceu maioritariamente extrínseca
aos artistas regionais, e revelou-se na capacidade económica de importação e encomenda de pinturas
fora da Madeira, com o recurso a pintores ingleses e ao mercado estabelecido no continente. A
política de internacionalização artística joanina encontrou, ainda que de forma enviesada,
equivalente na Ilha, com destaque para o elevado número de retratos da escola inglesa, onde se
contam pinturas de antepassados trazidos pelos seus familiares para a Madeira, e de membros da
comunidade britânica, ou de madeirenses com ela relacionados, que regularmente se deslocavam a
Inglaterra e que aí se faziam retratar.

Foi igualmente durante esta centúria, fruto destes desenvolvimentos nacionais e internacionais, que
foram, provavelmente, constituídas três das mais relevantes galerias de retrato insulares que atestam
as duas grandes vertentes que o género assumiu em Portugal.

Por um lado, o retrato de corte, realizado por artistas nacionais e estrangeiros consagrados e de
inevitável qualidade superior. Neste grupo destacam-se as galerias de retratos das famílias Câmara e
Torre Bela, maioritariamente constituídas nos sécs. XVIII e XIX, e onde constavam os notáveis
retratos dos viscondes de Torre Bela, do 1.º conde de Carvalhal e das filhas do 2.º em título,
alguns exemplares mais recuados, como o retrato de Helena Gonçalves da Câmara, e onde marcaram
presença as escolas francesa e inglesa, e artistas como o italiano Domenico Pellegrini (1759-1840)
(Fig. 5), ou o mais tardio François Riss (1804-1886).

A outra vertente do retrato surgiu nas galerias de produção regional, que refletem o conformismo
estético a que o resto do país ainda se encontrava votado, afastado da corte e dos seus mestres. Deste
núcleo, fortemente representado em conventos e paços episcopais, destaca-se a galeria dos bispos do
Funchal, do cabido da sé catedral, inicialmente constituída no séc. XVIII, no contexto das obras de
beneficiação. Através da fileira de rostos que presidiram à Diocese ao longo dos seus 500 anos,
vislumbramos o sentido da sua encomenda – uma galeria de retratos institucional, onde prevaleceu o
sentido da hierarquia social vigente, revelada nos reconhecíveis pincéis de Nicolau Ferreira Duarte
(1731-?) (Fig. 6), ou dos mais recentes Alberto Sousa (1880-1961) e Max Römer (1878-1960), entre
outros.

Fig. 2 – Retrato do Bispo D. José da Costa Torres, atribuído Nicolau Ferreira (1788)

Pintura a óleo sobre tela

Cabido da Sé Catedral do Funchal

Foi, aliás, ao pintor Nicolau Ferreira que recorreu o bispo do Funchal, D. José da Costa Torres
(1787-1796), quando pretendeu realizar o seu retrato para o cabido, conforme atesta o seu registo de
pagamento no livro de receita e despesa da sé, no ano de 1789. Uma demanda que demonstra como a
oficina de Nicolau Ferreira, que liderava a produção regional com a oficina mais prolífica a laborar
no último quartel de Setecentos no Funchal, ainda que de carácter provincial e vocação
maioritariamente religiosa, colmatava a ausência de retratistas.

Foi entre estas duas realidades, a das produções regionais, ainda de cariz retabular, e a da
importação de obras, que se situou o retrato insular no final do séc. XVIII. Contudo, a crescente
valorização da arte do retrato e a individualização do retratista, que marcou o evoluir do género nos
principais centros artísticos nacionais, no final de Setecentos e início da centúria seguinte,
revelaram-se determinantes para o desenrolar da sua história na Ilha, que teve o seu segundo
momento de viragem no início do séc. XIX, com a chegada do pintor Joaquim Leonardo da
Rocha (c. 1808).

Leonardo da Rocha (1756-1825), filho do pintor Joaquim Manuel da Rocha, frequentou a Aula
Pública de Desenho de Lisboa, onde o seu pai era professor. Protegido pelos marqueses de Alorna,
viajou para a China, conseguiu um casamento conveniente e, com a primeira Invasão Francesa à
porta, abandonou Lisboa e estabeleceu-se no Funchal, aos 52 anos. Tomando proveito da sua
permanência na Ilha, o então governador Pedro Fagundes Bacelar de Antas e Meneses desenvolveu
esforços no sentido de instituir a primeira Aula de Desenho e Pintura do Funchal, cuja regência foi
atribuída ao pintor Rocha em carta régia de 17 de julho de 1809, e que integrava um plano mais
abrangente de criação de um ensino artístico organizado, levado a cabo durante o reinado de D.
Maria I (1777-1816). (Ensino das artes visuais)

Até à sua morte no Funchal, em 1825, Leonardo da Rocha rentabilizou a sua vocação de retratista e
respondeu à crescente procura da classe burguesa, a mesma que por todo o país fomentava a
proliferação do género e alimentava a elevação social e económica dos seus executantes. No seu
registo artístico, de qualidade irregular, destacam-se as reproduções do retrato do 1.º conde de
Carvalhal e dos retratos do rei D. João VI, com clara influência de Domingos Sequeira (Fig. 7), o
retrato do brigadeiro Frederico Lecor (Fig. 8) e do governador Florêncio José Correia de Melo, bem
como uma diversidade de ilustres madeirenses.

Apesar da redação, por iniciativa do governador, de um conjunto de Instruções que regiam o


funcionamento da Aula, pouco se conhece sobre os desígnios do seu funcionamento e os alunos que a
frequentaram. Conhecidos são apenas os nomes de dois dos seus discípulos, João José do
Nascimento e Filipe Cardoso, que após a morte do pintor se candidataram ao lugar de regente da
cadeira, embora sem sucesso, sinal da sintomática falta de formação dos candidatos. Dos dois, João
José do Nascimento, nascido em 1784 em Machico, foi o que adquiriu maior relevância na produção
regional. Nascimento, que havia iniciado os estudos em Lisboa com Eleutério Marques de Barros,
antes de os concluir no Funchal com Rocha, ocupou informalmente o lugar do seu professor,
pintando retratos e chegando mesmo a realizar exposições.

Dele parecem ser alguns dos retratos que se encontram no palácio de São Lourenço, a última das
galerias de retrato insulares que aqui destacamos. Figurando os governadores e dois dos capitães-
donatários do Funchal, este núcleo revela o teor das galerias institucionais criadas cem anos antes
com retratos de corpo inteiro, alguns deles reproduzidos certamente a partir de originais mais
recuados, como é o caso do mais recente, um retrato do governador José Silvestre Ribeiro, pintado
pelo alemão Max Römer, em 1939, a partir de uma gravura do séc. XIX de António Joaquim de
Santa Bárbara. Ainda no palácio, encontra-se a galeria de retratos áulicos datados do séc.
XVIII provenientes do depósito do palácio nacional da Ajuda em 1939, e que constitui, no domínio
das coleções públicas regionais, um raro exemplo da dimensão do retrato de aparato realizado nos
grandes centros artísticos.

Sintomático da popularidade atingida por João José do Nascimento, parecem ser os dois retratos que
pintou, em janeiro de 1817, da princesa Maria Leopoldina d’Áustria, de passagem pela Ilha a
caminho do Brasil, e do futuro D. Pedro IV (Fig. 8). Os retratos, que variam entre si por pequenos
apontamentos e inscrições, revelam-nos o cariz regional do pintor, sendo notório o seu
distanciamento da restante produção consentânea nacional, ainda que, curiosamente, pela Madeira
tenham passado alguns dos retratistas nacionais de maior renome do séc. XIX.

Do lote destes artistas, são conhecidas as estadias de Miguel Ângelo Lupi, algures entre 1851-53, do
visconde de Meneses, depois de 1860, e igualmente documentada está a passagem de Tomás da
Anunciação (c. 1865), que aqui retrata o 2.º conde de Carvalhal numa cena de piquenique com a
baía do Funchal em plano de fundo (Fig. 3). Parece ser, aliás, o 2.º conde, António Leandro da
Câmara Leme do Carvalhal Esmeraldo de Atouguia de Sá Machado (1831-1888), figura determinante
no domínio das artes oitocentistas na Madeira, que congrega a vinda destes destacados artistas à
Ilha.

Fig. 3 – Piquenique (representação da família e do 2.º conde de Carvalhal), Tomás José da


Anunciação (c. 1865)

Pintura a óleo sobre tela

Museu Quinta das Cruzes (MQC 1508)

Outros artistas passaram pela Madeira, como o arquiteto, cenógrafo e pintor italiano Luigi Manini
(1848-1936), que foi inicialmente para Portugal em 1879, para trabalhar no real teatro de São Carlos,
e que esteve na Madeira provavelmente entre 1886-87 para, conjuntamente com Eugénio de
Nascimento Cotrim, trabalhar na decoração do então teatro D. Maria Pia, inaugurado em 1887, onde
deixou também algumas das suas pontuais incursões na pintura.

Por outro lado, a fama de estância terapêutica de que a Ilha gozou ao longo da centúria fez com que
também artistas em busca de uma almejada cura para a tísica aí se recolhessem. Por estas razões
menos salutares, aportaram Francisco Vieira Portuense (1765-1805), que na transição dos sécs.
XVIII/XIX havia ganhado fama nas cortes europeias com os seus retratos, e Francisco Metrass,
pintor incompreendido e de produção ímpar no restante panorama da retratística portuguesa.
Ambos viriam a falecer no Funchal, respetivamente em 1805 e 1861. Também alguns pintores
estrangeiros procuraram a cura na Ilha, como o destacado pintor russo Karl Brulloff, artista
determinante na história da retratística russa, e o primeiro a alcançar destacado reconhecimento
internacional com as suas recriações históricas e retratos da aristocracia russa e italiana. Brulloff,
que residiu na Madeira nos anos de 1849-51, veio a falecer no ano seguinte em Itália.

Da súmula das estadias destes pintores resultaram alguns esparsos trabalhos, sem que, no entanto, a
produção regional deles tenha retirado grandes consequências, fruto da ausência de um ensino
artístico que cimentasse os proveitos que o contacto com estes artistas poderiam trazer.

Apenas no final do século, o ciclo começa a ser quebrado com a abertura da escola de desenho
industrial Josefa d’Óbidos, mais tarde designada escola industrial e comercial António Augusto de
Aguiar. Criada em 1889, esta escola marcou o retorno do ensino artístico à Madeira; e foi sobretudo
por congregar, quer como alunos quer como professores, alguns dos nomes determinantes da cena
artística regional, que esta instituição assumiu um papel relevante. Nela lecionaram alguns dos
pintores e escultores que marcaram a Ilha no final da centúria, como Hans Nowack, Manuel de la
Cuadra, Adolfo Rodrigues, ou, no séc. XX, Alfredo Miguéis, Henrique e Francisco Franco (bem como
anteriormente o seu pai), Abel Manta, entre outros.

Adolfo Rodrigues, um dos professores citados, será um dos pintores que inicia a tendência académica
na pintura regional no último quartel do século. Adolfo de Sousa Rodrigues (1866-1908) foi
provavelmente um dos primeiros pintores madeirenses a formar-se na Academia de Belas Artes, em
Lisboa, onde fez o curso geral de desenho, e, mais tarde, o curso de pintura histórica. Em 1896, vai
estudar para Paris, onde tem por professores Jean-Paul Laurens (1838-1821) e Jean-Joseph
Benjamin Constant (1845-1902); de um e de outro recebe influências detetáveis nas suas pinturas, de
um indubitável academismo, mas com um distinto domínio do desenho, e de inigualável qualidade
no restante panorama regional.

Com diversas participações nas exposições do Grémio Artístico, em Lisboa, e na Sociedade Nacional
de Belas Artes, Adolfo Rodrigues obteve algum reconhecimento ao distinguir-se com a 3.ª medalha
na Exposição Universal de Paris, em 1900. Infelizmente, a sua curta vida e a sua constante
permanência no continente, farão dele um pintor que pouco marcou as gerações insulares vindouras.
Esparso parece ter sido também o legado do retratista Manuel de la Cuadra (1835-1903), pintor
sevilhano que surge referenciado como docente na referida escola industrial em 1897. Para trás,
ficaria a sua passagem por Lisboa, onde expõe por diversas vezes na sociedade promotora de belas
artes com diversos retratos, e uma estadia de sete anos na escola de desenho industrial Gonçalo
Velho Cabral, em Ponta Delgada.
Até à sua morte, no Funchal em 1903, de la Cuadra pinta diversos retratos, que se definem por um
excessivo academismo, ainda que pontuado por laivos de modernidade. Na viragem do século,
destaca-se ainda o mais prolífico Manuel Anastácio (Bello) da Silva (1868-1938), que com de la
Cuadra partilha a passagem pelos Açores. Aluno fundador da escola industrial, desenhador a crayon
de características académicas, Bello, como assina os seus desenhos, revela um claro domínio do
carvão nos seus retratos, que abarcam um leque alargado de personalidades madeirenses atualmente
compilados em coleções públicas e privadas.

Ainda durante esta centúria, destaca-se a pintura de miniaturas, retratos de dimensões reduzidas que
se haviam tornado símbolo de afetos e sentimentos, e que nesta época ganharam novo impulso e se
autonomizaram da pintura de cavalete. O elevado número destas pequenas peças que integram o
espólio das coleções regionais consubstancia o grau da sua difusão. Maioritariamente de manufatura
estrangeira, onde claramente a influência britânica de novo tomou a dianteira, neste núcleo também
se inclui alguma produção francesa e alemã, e ainda a nacional, presente em alguns dos modelos.

Simultaneamente, pela mão de Vicente Gomes da Silva (1827-1906), a fotografia penetrou na


realidade insular, e resultou na que foi a relação mais estreita e profícua dos madeirenses com o
retrato, através das câmaras de João Francisco Camacho (1833-1898), Joaquim Augusto de Sousa
(1853-1905), ou Vicente Júnior (1857-1933), que incessantemente captaram figuras, ilustres ou não,
numa espécie de revivalismo romântico que caracteriza este primeiro estádio da fotografia, e que
permitiu o que até então não estava acessível a muitos – alargar “consideravelmente o número dos
que têm acesso a antepassados com rosto […]” (SANTA CLARA, 1992, 106).

O advento, por meados do séc. XIX, da fotografia e do daguerreótipo determinou uma das viragens
mais significativas na história do retrato; não podendo competir em termos de dispêndio e
fiabilidade na obtenção da verosimilhança, o retrato evoluiu para longe da realidade fotográfica e
entrou no domínio da criação do artista, onde a obra se tornou, ainda mais, uma arte interpretativa e
resultou, no dealbar do séc. XX, no movimento modernista que veio abalar o estabelecido panorama
artístico nacional, ainda preso ao naturalismo oitocentista. No âmago deste movimento, destaca-se
um madeirense – Francisco Franco, o mais conhecido escultor português das décs. de 20 a 60.

Nascido no Funchal, Francisco Franco de Sousa (1885-1955) frequentou o curso de escultura nas
Belas Artes, em Lisboa, entre 1902 e 1909. Nesse mesmo ano, segue com bolsa do Legado Visconde
de Valmor para Paris, onde contacta com outros artistas que estão na génese do movimento
modernista em Portugal. (Francisco Franco).

Com o início da Primeira Guerra Mundial, regressou à Madeira e realizou por encomenda as suas
primeiras obras, que se destacaram no praticamente inexistente panorama da escultura pública
regional, revelando a marca que a obra de Rodin havia imprimido no jovem artista durante a sua
estadia em França. Regressará a Paris em 1921, e é durante esta segunda estadia que, afastando-se da
influência rodinesca da década anterior, abre as portas ao modernismo na escultura portuguesa, com
a produção de obras como as cabeças da Polaca e do pintor Manuel Jardim. Estas e outras peças
estarão expostas, em 1923, na exposição dos Cinco Independentes, uma mostra realizada na
Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, que marcou a afirmação modernista em Portugal.

No entanto, foi a sua estátua de João Gonçalves Zarco, exposta pela primeira vez em Lisboa em 1928,
e inaugurada no Funchal em 1930, que carimbou uma nova etapa da escultura portuguesa e o fim da
sua atividade na Madeira. Era uma “estatuária histórica em que o retrato se reduz ao símbolo”
(FRANÇA, 1981, 100), inspirada na estética dos painéis de São Vicente, em sintonia com os desígnios
da ideologia nacionalista do Estado Novo, que será fortemente apoiada pelo Secretariado de
Propaganda Nacional, entidade que conduziu a cena cultural portuguesa na promoção dos valores
ideológicos do regime, que equivaliam à modernidade vista por António Ferro, diretor do
Secretariado. Para trás ficou o vanguardismo que pontuou os trabalhos de Franco na déc. de 20,
perdido no hieratismo de reis e heróis nacionais que o escultor trabalhou ao longo das seguintes
quatro décadas.

De menos fama gozará o seu irmão Henrique Franco (1883-1961), que, tal como Francisco,
deixou a Madeira para estudar na Academia de Belas Artes, onde completou o curso de pintura
histórica em 1911, tendo como professores Columbano Bordalo Pinheiro e Carlos Reis, que
permaneceram influentes na sua pintura. Mais contido, Henrique realizou ensaios ténues na
modernidade, que resultaram do seu contacto com esta corrente nas suas estadias em Paris, para
onde seguiu como bolseiro inicialmente em 1911 e onde regressa na déc. de 20, e que revelam uma
reflexão sobre o movimento que transparece na estética de alguns dos seus retratos deste período
com que participa na referida exposição dos Cinco Independentes, obras como os retratos de Blouse
Rose, A Blusa Azul ou Galinha Preta, e onde a influência de Manet e Cézanne se cruzam com
personagens insulares, numa combinação interessante de quotidianos opostos. Mais vocacionado
para o ensino, ganhou o concurso de professor de pintura nas Belas Artes em 1934, e vira-se depois
para a pintura de frescos, de índole decorativa e temática religiosa, sem que o espírito
experimentalista que caracterizou o período inicial da sua obra se tenha desenvolvido plenamente.

Juntamente com os irmãos Franco, um outro madeirense seguiu o percurso de bolseiro em Paris –
Alfredo Vital Miguéis (1883-1943), (Alfredo Miguéis), o menos conhecido dos três que tomaram
parte no movimento modernista. Tal como Henrique Franco, cursou pintura histórica na Academia
de Belas Artes, e permaneceu em Paris como bolseiro por três anos, no entanto, e apesar de também
integrar o núcleo dos independentes, Miguéis nunca abandonou a raiz que adquirira com o seu
mestre Columbano (Fig. 13). Expôs na Sociedade de Belas Artes entre 1910 e 1917, permanecendo nas
franjas do movimento artístico. Apostou no ensino, integrando o quadro da escola industrial do
Funchal, onde lecionou durante 26 anos. Fomentador do museu municipal do Funchal em 1929,
onde expôs grande parte do seu trabalho, que foi consumido num incêndio em 1947, foi talvez este
fator, a par do seu papel menos relevante na cena artística modernista, que o tornou um pintor não
tão reconhecido quanto os seus colegas de Paris, ainda que a sua índole se revele pontualmente em
alguns dos seus quadros remanescentes. Nomeadamente na galeria de retratos reais que pintou a
demanda da Câmara Municipal do Funchal em 1940, e que ilustram que Miguéis, que ali se dedicou à
pintura de retratos e paisagens, nunca se distanciou do génio columbanesco que esteve sempre
presente nas suas pinturas.

São estes três artistas, Francisco e Henrique Franco, e Alfredo Miguéis que revitalizam o meio
cultural madeirense, nomeadamente no domínio da retratística, na déc. de 20, despertado que estava
pela geração do Cenáculo, de que os três modernistas farão parte, ainda que posteriormente tenham
formado no seio do anterior o grupo de artistas independentes, onde para além deles tomaram parte
João Cabral do Nascimento e o pintor Abel Manta, docente no ensino técnico no Funchal em
1924-26. Foi este grupo, sob o patrocínio do banqueiro Henrique Vieira de Castro, grande entusiasta
dos irmãos Franco, que realizou em 1922 a I Exposição de Pintura e Escultura Moderna no Funchal,
onde é dado a conhecer ao público da Madeira o prenúncio do movimento dos cinco independentes
que será apresentado um ano depois em Lisboa.

Porém, esta renovação cultural ficou-se pelas tentativas pontuais de modernização; numa sociedade
conservadora e mais vocacionada para o paisagismo da era romântica, pouco espaço haveria para a
inovação das gerações que se seguiram. Este mesmo constrangimento enfrentou-o Max Römer,
aguarelista e grafista alemão, quando aqui chegou em 1922. Ao longo das quase quatro décadas da
sua permanência na Ilha, Römer correspondeu ao padrão generalizado dos seus encomendantes com
um traço naturalista que imperou nas suas incursões no retrato, e que revelam algumas das suas
fragilidades no domínio da pintura (Fig. 4). Mais vocacionado para a representação gráfica, Römer
teve, no entanto, um papel importante no ensino com a formação de índole privada que
proporcionou a alguns alunos, e que teve influência determinante, no âmbito da retratística regional,
nas obras de António Gouveia (1910-1992) ou de João Pedro Ferraz (1928-2012?).

Fig. 4 – Retrato do Governador José Silvestre Ribeiro, Max Römer (1939)

Pintura a óleo sobre tela

Palácio de São Lourenço (R96.15/PSL)

A definitiva viragem no plano artístico insular deu-se na segunda metade do século. A criação, em
1956, dos cursos de pintura e escultura na renomeada Academia de Música e Belas Artes da Madeira,
possibilitou o ensino de uma nova geração de artistas madeirenses, de teor contemporâneo, cujos
frutos surgiriam na década seguinte com a realização, em 1966 e 1967, de duas exposições de arte
moderna portuguesa. (Ensino das artes visuais)
Fora da Madeira, cimentaram-se as carreiras daquelas que foram as pintoras madeirenses com maior
projeção internacional nos últimos 50 anos da centúria – Lourdes de Castro (n. 1930) e Martha
Telles (1930-2001). Impulsionadas pelo reconhecimento internacional da pintora Vieira da Silva
(1908-1992), sobretudo na déc. de 60, ganharam relevância no plano da retratística regional que,
pela primeira vez na sua história, saiu fora das suas fronteiras e se revelou no contorno das sombras
projetadas de Lourdes de Castro, nas “memórias” de Martha Telles, ou ainda na menos conhecida,
mas igualmente interessante, retratística plena de “realismo idealista” (LEÓNIDAS, 1994, 5) de
Maria Gabriela Leónidas.

Foi pelas mãos desta nova geração de artistas, residentes e a viver no estrangeiro, na continuidade da
primeira geração de artistas madeirenses que abraçaram o modernismo em Paris, que a Ilha de novo
se enquadrou no movimento consentâneo nacional e internacional, muito longe do caráter insular e
subsidiário da produção nacional, que percorreu toda a história do retrato na Madeira.

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Ana Kol Rodrigues

(atualizado a 16.08.2016)

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