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Johannes Vermeer
Leonardo C. Araujo
June 5, 2017
1 Introdução
Em meio ao florescimento do Barroco na Europa Católica (século XVII) desenvolve-
se nos Paı́ses Baixos, sobretudo nos Paı́ses Baixos do Norte (a porção que hoje
corresponde à Holanda), um estilo sóbrio, realista, comprometido com a de-
scrição de cenas rotineiras, temas da vida diária como homens dedicados ao
seu ofı́cio, mulheres cuidando dos afazeres domésticos, ou até mesmo paisagens.
Nasce então a pintura de genre (ou ’petit genre’) como uma resposta nacional-
ista, glorificadora da cultura holandesa, ao processo de libertação dos Paı́ses
Baixos da dominação Espanhola.
2 História
As dezesete Provı́ncias dos Paı́ses Baixos pertenciam, até a metade do século
XVI, ao empério espanhol, sob reinado do Rei de Espanha e Emperador Sagrado
de Roma, Carlos V. Em 1556, ele abdica em favor de seu filho Phelipe II quem
estava mais interessado no lado espanhol do império.
Durante o século XV, os Paı́ses Baixos se tornaram uma região próspera e
empreendedora (entrepreneurial 1 ) do império dos Habsburg 2 . Carlos V e Phe-
lipe II começaram a cobrar taxas dos holandeses quando precisavam arrecadar
fundos para sustentar as investidas militares, levando a uma difundida visão
(por parte dos holandeses) da Espanha como um explorador no poder. Antes
da guerra de Lepanto (1571), os Habsburgs taxaram os holandeses para finan-
ciar a guerra contra os turcos. Após Lepanto, Phelipe II usou os holandeses
para financiar novas guerras no Atlantico. Muitas vezes os inimigos da cora es-
panhola eram parceiros comerciais dos holandeses. Os comerciantes holandeses
viam-se então ameaçados pelas ações de Phelipe II.
1 deriva das palavras francesas ’entre’ (ie: entrar) e ’prendre’(ie: tomar) - é, usualmente,
entendida como a pessoa, empresa, entidade ou governo que cria novos projetos, oportunidades
e aventuas.
2 Famı́lia real a que pertenceram Carlos V e Phelipe II, foi uma das principais casas de
1
O império de Habsburg impunha um catolicismo que possuı́a cunhos poltı́ticos,
o que fazia crescer a aversão dos holandeses a Phelipe II. Os movimentos calvin-
istas enfatizavam virtudes como a modéstia, a clareza e limpeza, a frugalidade
e o trabalho duro, satisfazendo assim as espectativas dos holandeses que bus-
cavam os seus direitos, liberdade e tolerância religiosa. As idéias protestantes e
calvinistas que circundavam representavam uma ameaça ao empério espanhol,
e cada vez mais os Paı́ses Baixos se tornavam predominantemente calvinistas.
No dia da Assunção da Virgem em 1566 um pequeno incidente do lado de fora
da catedral de Antwerp deu inı́cio a um motim massivo de calvinistas, que en-
vadiram as igrejas para destruir estátuas e imagens de santos católicos, que eles
julgavam como heregias. A disortem continuou, e como reação, Phelipe II en-
viou o duque de Alva (mais conhecido entre os protestantes holandeses como
”duque de ferro”) para reprimir a rebelião.
Em 1568, Gulherme I de Orange (William I of Orange), conhecido como
”Guilherme o silencioso”, stadtholder 3 das provı́cias da Holanda, Zeelandia e
Utrecht, tentou retirar o inpopular Alva das ruas de Bruxelas. No dia 23 de
Maio de 1568 tem-se inı́cio a batalha de Heiligerlee, a que é atribuı́da o inı́cio
da Revolta Holandesa contra os espanhóis, mais conhecida como A Guerra dos
80 Anos.
As provı́ncias reformistas do norte declaram-se indenpendentes em 1579 e
formam a União de Utrecht, que é tida como o inı́cio da Holanda moderna. Mas
apenas em 1648 a Espanha finalmente reconhece a independência dos holan-
deses. A liberdade polı́tica atingida acaba incitando outras áreas através da
abertura a novas idéias culturais e cientı́ficas.
O perı́odo do século XVII é conhecido como Era de Ouro da Holanda, no
qual a Holanda era aclamada mundialmente na área do comércio, da ciência e
das artes. Durante grande parte do século XVII os holandeses, tradiconalmente
bons marinheiros e ”fazedores de mapas” habeis e meticulosos, dominaram o
mercado mundial, uma posição que, até então, era ocupada pelos portugueses
e espanhois, e mais tarde seria perdida para os ingleses após uma longa com-
petição que culminaria em diversas guerras (em sua maioria navais). Em 1602
foi fundada a Companhia das Indias Orientais Holandesa (Verenigde Oostindis-
che Compagnie) que manteria o monopólio no comércio com a Ásia por dois
séculos e iria se tornar a maior companhia comercial do mundo no século XVII.
Em 1609 foi fundado o banco de Amsterdam, um século antes da contra-parte
inglesa.
3 A Pintura Holandesa
O século XVII foi o grande século da pintura holandesa. Dentre os diversos
artistas do perı́odo os que mais se distacaram foram: Rembrandt, Willem Kalf,
Adriaen van Ostade, Gerard Terborch, Albert Cuyp, Jakob van Ruisdael, Jan
Steen, Pieter de Hooch, Jan Vermeer, Willem van de Velde e Meindert Hobbema.
Apesar da qualidade e abundância da arte produzida neste século, houve um
grande declı́nio com a entrada do século XVIII e se extendeu até o século XIX,
3 Stadhouder do holandês significa ’representante’, uma tradução literal do francês ’lieu-
tenant’ ou do Latin ’locum tenans’. O Stadhouder era a pessoa que governava uma área em
nome de um padrão, o dono daquela área. O termo foi utilizado nos Paı́ses Baixos entre os
séculos XV e XVIII.
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sendo revertida com a chegada do gênio impressionista, Vincent van Gogh, no
final do século XIX, e as pinturas abstratas de Piet Mondrian no século XX.
Antes do surgimento da Holanda como uma nação, existia pouca distinção
entra a arte dos Paı́ses Baixos do Norte e o Sul (arte flamenga). Durante a
Idade Média a arte holandesa foi dominada pela influência de seus vizinhos
mais fortes, Alemanha e França. Os artistas do século XV eram apatronados e
recebiam o suporte dos duque de Burgundy, cuja corte residia em Dijon. A arte
era então voltada a motivos religiosos, sendo que vários dos artistas produziam
peças para altares e outras pinturas religiosas no estilo realista.
A Renassença italiana começou a influenciar os Paı́ses Baixos do Norte no
inı́cio do século XVI e se torna evidente nos trabalhos de Jan Mostaert (1475 -
1555/56) e Cornelis Engelbrechtsen (1468 - 1533). Jan van Scorel (1495 - 1562)
foi o primeiro artista a viajar constantemente à Itália e assimilou com sucesso al-
guns elemetos italianos ao seu estilo. Dentre os seus pupilos encontra-se Maerten
van Heemskerck (1498 - 1574), um dos maiores representantes do Manneirimo,
que tornou-se o estilo predominante na Holanda do século XVI. O Manneirismo
copia o estilo das pinturas italianas, enquanto tenta deliberadamente quebrar
com as regras clássicas. Buscava atingir a discordância em oposição à harmonia
e tentava criar novos efeitos nas pinturas. Haarlem e Utrecht tornaram-se os
maiores centros de pintura Manneirista nos Paı́ses Baixos do Norte.
A luta pela independência a exaltação nacionalista contribuirão fortemente
para a natureza da arte holandesa no século XVII. Os temas religiosos, históricos
ou mitológicos não tinham mais apelo algum para os protestantes holandeses.
Buscavam agora temas que exprimissem o orgulho pela nação. Esta auto-
congratulação expressou-se através das paisagens, vistas das cidades, pinturas
navais (a Holanda torna-se a potência naval do século XVII), e pinturas que
glorifiquem a sua cultura burguesa, tais como retratos, pinturas de gênero e na-
turezas mortas. A Holanda não sofria influências extrangeiras, o que significa,
que a arte que se desenvolveu foi original tanto no temas quanto no estilo. A
arte deixo de ser exclusividade dos mecenas, nobres ou religiosos, e passou a
ser artigo da classe média em expansão. Não existiam pois grandes patrões que
ditassem a estética artı́stica. As pinturas eram raramente comissionadas, em
sua grande parte eram vendidas assim como qualquer outra mercadoria.
4 Caracterı́sticas
As pinturas de gênero holandesa do século XVII caracterizam-se pela riqueza em
detalhes, precisão e apuro técnico, numa tentativa de representar tudo aquilo
que o olho humano é capaz de captar, de tal forma a dar à imagem um apecto
semelhante à vida. Em meio a estas mudanças do ponto de vista trazidas pelo
processo de independência, surge a idéia de Kepler 4 de definição da pintura,
4 Johannes Kepler (27 Dez. 1571 – 15 Nov. 1630), atrônomo, matemático e astrólogo
alemão, foi uma figura chave na revolução cientı́fica do século XVII. Kepler é mais conhecido
pelas leis que descrevem os movimentos planetários, é também referenciado como o primeiro
astrofı́sico teórico, embora Carl Sagan refeira a ele como o último astrólogo cientı́sta. Kepler
foi professor da universidade de Graz e astrólogo da corte do general Wallenstein. Foi assistente
de Tycho Brahe, quem coletou os dados, que Kepler levaria 20 anos para desmistificar através
de muitos cálculos, chegando ao seu modelo para o movimento dos planetas, sendo acapaz,
em 1631, de prever com sucesso o percurso de Vênus. Mas o que Kepler buscava, na verdade,
era encontrar razão pitagórica que desse a harmonia às esferas celestiais. Sob a sua visão
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tomando por base a definição do olho, como formativa da imagem retiniana
não-linear. Define o olho humano como um ”produtor mecânico de pinturas”,
desta forma, atrela o processo de pintar ao processo de ver, cria-se uma dialética
entre a natureza e a arte, o que caracteriza a pintura do norte holandês.
Fora das esferas de influência dos grandes centros, desenvolve-se na Holanda
uma pintura que se distancia da exuberância barroca, dos temas nobres e dos
padrões de estética que orientam a arte desenvolvida na Itália, por exemplo.
A busca pela representação do ambiente em que vive o povo holandês é con-
stante. Os artistas se preoculpam em representar, com o máximo de realismo,
a perspectiva, as cores vivas dos objetos e a iluminação (ou falta da mesmo)
nos hambientes. Para tanto o artista faz uso de seu aputo técnico e algumas
vezes de ferramentas, como a câmera obscura que foi utilizada exaustivamente
por Vermeer.
Surge nessa época o questinamento: estava sendo produzido arte, ou uma
mera representação da realidade? O mesmo problema suscintado pela fotografia,
que não se trata de um conflito entre arte e natureza, mas entre os diferentes
modos de produção pictórica. Como o ver, o conhecer e o pintar se interagem
levando à formação de pinturas mentais ou visuais? E.H. Gombrich tentou fun-
damentar a representação pictórica ocidental na natureza da percepção humana.
Mas não exite, provavelmente, nenhum artista que tenha meditado tão contı́nua
e profundamente a cerca destas questões quanto o fez Leonardo da Vinci.
”Quem quer que perca a vista, perde a bela visão do mundo e é como uma
pessoa encerrada viva num túmulo onde possa movimentar-se e viver. Ora, já
notaste que o olho abarca as belezas de todo o mundo? Ele é o senhor da as-
tronomia, faz a cosmografia, aconselha e corrige todas as artes humanas, leva os
homens a diferentes partes do mundo, é o prı́ncipe da matemática, suas ciências
são exatı́ssimas, ele mediu as alturas e as dimensões das estrelas, descobriu os
elementos e suas localizações. Previu acontecimentos futuros pela observação
do curso das estrelas, criou a arquitetura, a perspectiva e a divina pintura.”
(Leonardo da Vinci, Treatise on Painting)
”A mente do pintor deve ser como um espelho que se transforma na cor da
coisa que lhe serve de objeto e é preenchido com tantas lembranças quantas são
as coisas colocadas diante dele. Assim, pintor, sabe que não pode ser bom se
não fores um mestre versátil na representação, por via de tua arte, de todos os
tipos de formas que a natureza produz – que não saberás o que fazer caso não
as vejas nem as representes em tua mente.” (Leonardo da Vinci, Treatise on
Painting)
”O argumento aqui compõem-se de três partes: primeiro, a mente não é
apenas como um espelho mas, colorida pelos objetos que ela reflete, é real-
mente transformada num espelho; segundo, a imagem assim produzida pela
natureza é não-seletiva – cada forma produzida pela natureza é espelhada, e
por isso o homem não tem nenhum privilégio; finalmente, em sua frase conclu-
siva, Leonardo distingue claramente entre a representação espelhada na mente
e a visão do próprio mundo. Nessa concepção de pintura, o espelho é o senhor
ou guia, e Leonardo nesse espı́rito, aconselha o artista a confrontar sua arte com
a natureza espelhada. (...) Nessa visão, uma pintura revela-se a si mesma para
a representação de aparências como a perspectiva atmosférica – o fato percep-
cosmológica, era uma grande coincidência que o número de poliedros perfeitos fosse um a
menos que o número de planetas conhecidos.
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tivo de que os contornos parecem suavizados, as formas arredondadas a certa
distância de nossos olhos – ou o espaço recurvado. Mas, se a pintura toma o
lugar do olho, então o obserador não está em parte alguma. Embora fascinado
pelas aparências, Leonardo teme entregar-se a tais exigências de absorção total
e receia o sacrifı́cio das escolhas humanas racionais que essa noção da pintura
supões.” (Svetlana Alpers, A Arte de Descrever)
5 Johannes Vermeer
Pouco se sabe sobre a vida de Johannes Vermeer. Nenhuma única carta ou an-
otação escrita por Vermeer chegou até os nossos dias. Documentos e fontes im-
pressas falam pouco sobre sua arte. Em ’Beschryvinge der stadt Delft’(Descrição
da cidade de Delft), Dirck van Bleyswijck faz uma rápida menção ao pintor.
Houbraken, a maior fonte de informação sobre os pintores holandeses do século
XVII, restringe-se a citar o nome de Vermeer em meio a numa lista dos pin-
tores da época. Recentemente os historiadores têm tentado deduzir a respeito
de sua vida e estatus como artista através do conhecimento da história social
e artı́stica holandesa do século XVII e através das trinta e cinco pinturas de
Vermeer remanescentes. Grande parte do progresso em criar-se a imagem de
Vermeer deve-se a P.T.A. Swillens (Johannes Vermeer Painter of Delft: 1632-
1675, 1952) e John M. Montias. Interessante notar que não possuı́mos nenhum
conhecimento das feisões de Vermeer, que não foi em momento algum retratado.
No entanto, acredita-se que, em seu quadro ”A alcoviteira”, Vermeer tenha se
auto-retratado na figura do cavalheiro a esquerda segurando um copo. Não ex-
istem obras gráficas de Vermeer que possamos consultar para ajudar a evoluir a
evolução do artista. Até onde sabemos, ele não fez gravuras, e nenhum desenho
pode ser-lhe atribuı́do com certeza.
Johannes Vermeer foi batizado em 31 de Outubro de 1632 numa igreja re-
formista (Nieuwe Kerk) em Delft e foi presumidamente criado como protes-
tante mas presumidamente converteu-se ao catolicismo na ato de casameno.
Seu pai, Reynier Janz Vos (que mudaria o seu sobrenome para Vermeer por
razões não conhecidas), se descrevia como ’caffawercker’ (tecelão) e produzia
Cafa, uma seda utilizada em roupas, curtinas e para cobrir móveis. Especula-se
que a constante representação por Vermeer desse matetial em suas pinturas são
lembranças de sua infância. Antes do nascimento do filho Johannes, Reynier
registrou-se como ’marchand’ (vendendor e avaliador de quadros) na guilda de
São Lucas (uma organização que regulava o comércio de pintores e artesões)
em Delft. Quando adulto, Vermeer também teria limitada atuação como ’marc-
hand’.
Johannes Vermeer foi o segundo filho do casal Reynier e Digna Baltens. As
condições sociais de sua famı́lia seriam hoje descritas como classe-média baixa.
Seus avós eram ’não-letrados’ e assim também era sua mãe. Em 23 de Abril de
1641, Reynier comprou a grande e endividada estalagem ’Mechelen’, localizada
na praça do mercado. A ’Mechelen’ possuı́a seis lareiras, o que nos dá uma idéia
de seu tamanho. Assim como as casas da vizinhança, a frende dava para a praça
do mercado e os fundo para p canal Voldersgracht. Na ocasião do casamento
de Vermeer (1653), o endereço registrado como moradia, tanto sua como de sua
esposa Catharina Bolnes , foi o ’Mechelen’.
A formação artistica de Vermeer é ainda incerta. Como tradição entre os
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pintores holandeses, os jovens artistas tinham que passar por seis anos de apren-
dizado sob a tutela de um mestre que pertencia à guilda de São Lucas. No
entanto, alguns historiadores acreditam que Vermeer teria deixado Delf para
estudar em Amsterdam ou Utrecht. Acredita-se que, por vários anos, Vermeer
tenha tido Leonaert Bramer (de Delft) como seu mestre. O estilo italiano de
Bramer era tão diferente dos trabalhos de Vermeer (tanto os primeiros quanto
os últimos) que parece que seu mestre não causou nenhum influência artistica no
pintar de Vermeer. Em todo caso, alguns documentos remanescentes apontam
Bramer como um amigo da famı́lia de Vermeer.
Catharina e Vermeer tiveram quinze filhos (dos quais onze sobreviveram até
o momento da morte do artista) frutos de uma casamento feliz, ao menos até
o colapso financeito nos últimos anos de vida de Vermeer. Após a sua morte,
Catharina fez um grande esforço para salvar as pinturas de seu marido que os
credores queriam como pagamento das dı́vidas acumuladas nos últimos anos da
vida do artista. Ela provavelmente amava profundamente as pinturas do marido
e acredita-se que tenha servido de modelo para mais de uma delas.
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Figure 1: THE ART OF PAINTING (De Schilderkonst), Vermeer, c.1662–1668
óleo sobre tela, 120x100cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna
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Figure 2: The Muses: Clio, Euterpe and Thalia, Le Sueur, c.1652–1655, óleo
sobre madeira, 130x130cm, Musée du Louvre, Paris
se assim, por tanto, à própria pintura, como arte da imitação do mundo real.
Tomando como presuposto a personificação da Clio na mulher da cena, podemos
identificar outros elementos que fazem referência à história, são eles o mapa e o
lustre. No mapa temos representadas as dezesete provı́ncias dos Paı́ses Baixos
(a imagem de um passado perdido em que todas as provı́ncias formavam um
paı́s) e no lustre temos o emblema da dinastia de Habsburg. Pode-se a partir
desses elementos cria-se a idéias de que Vermeer busca representar a pintura
como sendo arte inspirada na história.
A esplêndida representação do mapa ao fundo traz consigo diversos significa-
dos. A cartografia na época é vista como um ponto intermediário entre a ciência
e a arte, a ciência que fornece a medida e as relações entre os lugares e a arte,
pinturas evocativas visando transmitir a qualidades de um lugar ou a percepção
que o observador tem dele. Esse mapa, ao fundo da cena, foi estudado estudado
por seus significados morais e sua presença foi interpretada como uma imagem
da vaidade humana, uma expressão literal de preocupações mundanas.
De diversas maneiras o artista tenta inserir o espectador na cena da pintura.
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A peça de tabeçaria que aparece pendurada como uma cortina na esquerda da
pintura aparece dobrada em direção ao espectador de forma a tentar trazê-lo
para dentro da composição. Vermeer também manipula a perspectiva, situando
um ponto de fuga em frete à figura da mulher, logo abaixo do seu braço direito,
de forma a direcionar o olhar fixo em direção a ela, assim como o olhar do
artista. Além disso, o artista deixa alguns objetos que compoem a cena fora de
foco, para assim acentuar a idéia de que o espectador está imerso na pintura.
Um questão intrigante na figura é a distância entre as duas pessoas. A local-
ização do pintor é difı́cil de se especificar. O seu pé repousa numa região escura
que fica difı́cil de ser decifrada, enquanto a tela sobre a qual ele pinta não é vista
sob um ângulo que ajude a entender a localização do artista. As habilidades de
Vermeer nos fazem perceber essa tensão não como um problema mal resolvido,
mas como uma questão pictográfica, uma maneira que nos permite chegar à
própria essencia da pintura.
Uma caracterı́stica importante da pintura de Vermeer é a constante com-
petição entre a ilusão de realidade e suas evidências pictoriais, como a marca
deixada pelo pincel, chamando a atenção para a maneira de pintar. O ilusion-
ismo é total em várias áreas da pintura, em outras, tais como o reflexo no lustre,
partes da tapeçaria e cabelo, pedaços de materiais sobre a mesa e o pescoço da
mulher, o artista deixa os traços do pincel, chamando a atenção para a sua
maneira de pintar.
”Vermeer parece quase não se importar com aquilo que está pintando, ou
sequer conhecê-lo. Como os homens chamam a essa fı́mbria de luz? Um nariz?
Um dedo? Que sabemos de sua forma? Para Vermeer nada disso importa, o
mundo conceitual de nomes e conhecimentos é esquecido, não lhe interessa senão
o que é visı́vel, o tom, a fı́mbria de luz.” (Laurence Gowing, Vermeer, 1952)
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References
[1] K. Muizelaar and D. Phillips, Picturing Men and Women in the Dutch
Golden Age. Yale University Press, 1 ed., 2003.
[2] S. Slive, Pintura Holandesa, 1600 - 1800. Yale University Press, 1 ed., 1998.
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