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Ministro da Educação faz balanço de dois anos de Governo

Artigo de Tiago Brandão Rodrigues J/Educação

Manuel Alegre
A liberdade e a poesia
* A intervenção na Un. da Pádua PÁGINAS 28 E 29

JORNAL
DE LETRAS, Afonso Cruz
ARTES E A Marcha dos Dinossauros PÁGINA 32

IDEIAS
Ano XXXVII * Número 1231 * De 6 a 19 de dezembro de 2017
* Portugal (Cont.) €3 * Quinzenário * Diretor José Carlos de Vasconcelos

Ana Margarida de Carvalho


A ‘casa’,
os contos,
os prémios
Publica o primeiro livro de
contos e recebe, pela segunda
vez, o grande Prémio da APE.
Entrevista e a crítica de
Miguel Real PÁGINAS 6 A 11

KALAF EPALANGA
Um romance para dançar
A ‘estrela’ dos Buraka Som Sistema estreia-se, e bem, como
romancista. Perfil/entrevista e texto de José Eduardo Agualusa
LUÍZ CARVALHO

PÁGINAS 10 E 11

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2* destaque jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

› b r e v e e nc o n t ro ‹

Ernesto Rodrigues
Redescobrir A. J. Saraiva

O centenário do nascimento de António José Saraiva assinala-


-se com um colóquio internacional, dias 11 e 12 de dezembro, no
Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O JL
falou com o seu organizador, Ernesto Rodrigues, sobre o legado desta
figura única da nossa cultura.

JL: Em que consiste este colóquio?


Ernesto Rodrigues: É uma tentativa de reler o António José Saraiva em
várias frentes. No campo de A Cultura em Portugal, há mesmo um co-
municação sobre esses três volumes; mas também na frente política e
Sarah Affonso António Soares
em trabalhos sobre autores. Abordar o homem da cultura, o estudioso
e o pensador político. Haverá, por exemplo, uma comunicação do
professor Herman Salomon, discípulo dele em Amesterdão, sobre a
inquisição e os Cristãos Novos. Salomon traduziu o livro para inglês e
Nova montagem Coleção Moderna da Gulbenkian Os Corpos
estuda uma obra de 1672, que traz nova luz sobre a relação do poder Musicais, com Amadeo de Souza Cardoso em destaque, Mulheres
político em Portugal com os Cristãos Novos. da Cidade, Mulheres do Campo, sobre as mulheres no Estado Novo,
Tudo isto traz para o presente uma figura irrepetível? nos anos 20 e 30, Lisboa Cidade Triste e Alegre, com fotografias de
Isso vai ficar claro, logo na segunda- Fernando Lemos, Victor Palla ou António Sena da Silva, Pinturas
-feira, na mesa redonda coordenada pela
Teresa Rita Lopes, que fala sobre o indis- Negras, de Julião Sarmento, Vítor Pomar ou António Charrua, são
ciplinador. Vai estar presente Eduardo novos núcleos temáticos da renovada montagem
Lourenço, Fernando Gil, Vicente Jorge Silva
e Fernando Venâncio. A Teresa Rita Lopes da Coleção Moderna da Gulbenkian. Uma
vai relembrar a década em que ele esteve em centena de peças diferentes podem agora ser
Paris (onde ela o conheceu), com alguns dos
que com ele conviveram na altura. A faceta vistas em permanência, no reconfigurado CAM,
do homem próximo de nós espero que seja e aquisições recentes de artistas como Sara
evocada pelo filho, José António Saraiva,
que irá falar da família.
Bichão, Hugo Canoilas, Pedro Valdez Cardoso, Gil Heitor Cortesão,
João Louro, Susana Gaudêncio ou Mariana Gomes. Mudanças que a
É conhecido pela História da Literatura, que escreveu com Óscar
Lopes, mas ocupou-se de áreas muito diversas, não foi assim?
diretora do Museu, Penelope Curtis, considera essenciais para melhor
Sem dúvida, fez trabalhos à volta de Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, entender a evolução da arte portuguesa do século XX e XXI.
Camões, Correia Garção, editou o Alexandre Herculano, trabalhou
o Eça, a Tertúlia Ocidental, que é uma homenagem ao Antero e à
geração de 70. Para lá disso tudo, na História da Literatura Portuguesa
escreveu algumas partes surpreendentes - às vezes pensa-se que MAR ESTREIA-SE NA CINTRA EM PRÉMIOS CAMINHOS CINEMAS
quem escreveu foi o Óscar Lopes e afinal foi o António José Saraiva e PÓVOA DE VARZIM GUIMARÃES E POST/DOC IBERO-AMERICANOS
viceversa. Por exemplo, os enquadramentos históricos são dele. Isso
percebe-se das cartas com Óscar Lopes, Luísa Dacosta e Teresa Rita O Movimento Artístico em Luís Miguel Cintra está António 1, 2,3, de Leonardo Quatro dezenas de filmes de
Lopes, sobre as quais vou falar. Há obras que hoje aparecem como li- Rede (MAR) apresenta a em residência artística em Mouramateus, recebeu o prémio vários países vão ser exibidos
vros isolados, que eu editei na Gradiva, mas, na verdade, são grandes sua primeira amostra de Guimarães, na Black Box da para a melhor longa-metragem na Mostra "No escurinho
capítulos de A Cultura em Portugal. Além disso, nos anos 50 publicou artistas na sexta-feira, dia Fábrica Asa, para preparar de ficção, no Festival Caminhos do cinema", a decorrer até
um livrinho sobre a ideia de escola. 8 de dezembro, no Cine- o último ato de Um D. João de Cinema Português, que 16, no São Jorge. Integrada
Teatro Garret, na Póvoa Português, A Escuridão ao Fim decorreu em Coimbra. Do pal- na Capital Ibero-americana
E como foi esse lado político? de Varzim. O evento que da Estrada, em que se cruza a marés oficial fazem parte Quem de Cultura Lisboa 2017,
Nos anos 60, ele sai do Partido Comunista, após ter escrito uma carta consiste numa cooperação versão de cordel de um anóni- é Bárbara Virgínia?, de Luísa resulta do alargamento
diretamente a Álvaro Cunhal, sem respeitar o circuito hierárquico entre agências musicais mo português e o original de Sequeira (Melhor documentá- da habitual Mostra do
do partido. Interessa-se então por budismo, filosofias orientais... conta com a presença Molière. O resultado da cria- rio); ​Última Chamada”, de Sara cinema da América Latina,
Intervém ativamente no Maio de 1968 e até escreveu um livro sobre de sete agências: uma ção, que envolve uma equipa Barbas (Melhor Animação); ​ à Península Ibérica. Com
isso. Não deve ficar apenas como uma figura da História da Literatura, portuguesa, uma italiana, de atores que integraram a Humores Artificiais, de Gabriel curadoria de Carlos Nogueira
mas também na cultura, política, pedagogia... Alguém que fazia suces- e as restantes espanholas. antiga Cornucópia, que o ator Abrantes (Melhor Curta); e ​Água e da cubana Teresa Toledo,
sivamente autocríticas, estava constantemente a corrigir-se. Sempre Pelo Grande Auditório, e encenador dirigiu ao longo mole, de Alexandra Ramires e o programa procura abarcar
em permanente revisão e com novos projetos, alguns dos quais não Café Concerto e Sala de de 43 anos, será apresentado Laura Gonçalves (Grande Prémio a diversidade de cinema-
conseguiu concretizar. É uma figura que continua a marcar gerações Ensaios do Cine-Teatro ao público a 13 e 14, no mesmo do Festival Portugal Sou Eu). tografias, de registos e dos
Garret irão passar: Fado local. O espetáculo final, que Mais a norte, no Porto /Post/ projetos de cineastas de
O que pode ser feito para que o António José Saraiva chegue a mais Violado, Ida Susal, Sumrrá, junta ainda as partes já apre- Doc o grande prémio foi atribuí- diferentes gerações, alguns
pessoas? Mû Mbana, Guadi Galego, sentadas no Montijo, Setúbal do a Meteors, de Gürcan Keltek. dos quais estarão presentes
Por um lado, já chegou, uma vez que a História da Literatura Portuguesa Davide Salvado, Galandum e Viseu, onde o projeto foi O prémio Cinema Novo foi nas sessões, em que será
é incontornável. Mas devia-se aproveitar esta imagem de homem sim- Galundaina e Forró Miór. trabalhado ao longo deste para Próxima, de Igor Dimitri e possível ver dos filmes mais
ples, com um lado quase selvagem, que arrastava os filhos para grandes Os concertos iniciam às ano, será estreado em janeiro, Gabriel Martinho; e o realizador clássicos e históricos aos
caminhadas era amante do campismo. Ele era um grande ecologista. 18h00 e prolongam-se até a 19 e 20, no Centro Cultural emergente para Ziad Kalthoum experimentais, passando
Esta figura, com estas características, poderia ser levada às escolas. J às 00h00. Vila Flor. por Taste of Cement. pelo documentário.

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt
destaque * 3

Elogio da tolerância em Almada EDITORIAL


JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS
Não é uma tragédia, nem uma comé-
dia, antes um “poema dramático”, como
o próprio autor o chamou. Nathan, o

Fazer avançar
Sábio, do filósofo, teólogo e dramaturgo
alemão Gotthold Lessing, que estreia a
9, no Teatro Municipal Joaquim Benite
(TMJB), é acima de tudo um “elogio da
tolerância”, como adianta ao JL Rodrigo
Francisco, que encena o espetáculo, a
nova produção da Companhia de Teatro
o Camões

C
de Almada (CTA). “O que se diz na peça
é que mais do que pertencermos a uma
religião ou a um povo, somos seres omo já noticiamos, Ana Paula Laborinho (APL) deixou a pre-
humanos”, sublinha. “Três religiões, sidência do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua,
uma Humanidade, é a tese que expressa o que ocupava desde 2010. Foram quase oito anos de trabalho
dramaturgo que criticava que o religioso sério, competente e profícuo, exigindo muito esforço mas
se sobrepusesse ao humano”. Com Maria Nathan, o Sábio, estreia pela companhia de Teatro de Almada desenvolvido com discrição eficiente, que se traduziu em
Rueff, num primeiro trabalho para a resultados francamente positivos, em particular atendendo
companhia, Luís Vicente, Guilherme aos recursos disponíveis. Pecaria, assim, por injusta omissão, não o assi-
Filipe e João Tempera, entre outros, tem também um teórico, com ensaios e re- “E embora seja perfeita do ponto de nalar neste jornal que tem entre os seus objetivos essenciais, a outro nível,
cenografia de Pedro Calapez e figurinos flexões relevantes que contribuíram para vista literário, é realmente difícil a sua os mesmos do “Camões”, como ele tentando defender e promover a língua
de António Lagarto.“É um texto que a renovação do próprio teatro alemão, montagem teatral”. A preocupação na e a cultura portuguesa. Como ele e com ele, através do tão útil e prestimoso
estava por fazer no nosso país e a CTA em pleno Iluminismo. Nathan, o Sábio encenação foi, de resto, “falar” para destacável desde há muito, bastante antes do tempo de APL, inserido no JL.
sempre tem procurado estrear essas pe- é, aliás, um dos textos mais estudados os dias de hoje: “Espero sempre que o No nosso nº 1224, de 30 de agosto, publicamos uma entrevista com APL
ças fundamentais da dramaturgia mun- da dramaturgia alemã, como faz ainda público não tenha a sensação de ter ido que constitui um expressivo balanço da sua ação à frente do Instituto. E por
dial nunca levadas à cena em Portugal”, notar o diretor da CTA. Tanto mais que ao museu quando foi ver um clássico, ela, para que remetemos, se vê o muito que conseguiu durante os referi-
salienta por outro lado o encenador e a personagem central, o judeu Nathan embora não ponha os atores com telemó- dos oito anos de mandato: os dois primeiros presidente do (só) Instituto
dramaturgo. No caso, era tanto mais per- “contraria o preconceito e os lugares veis em cena”, observa o encenador. “Na Camões, os outros seis presidente do organismo que resultou da sua fusão
tinente quanto Nathan foi o primeiro tex- comuns que existiam na época sobre os construção do espetáculo pensamos criar com o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, e que passou a ter
to a ser representado no Teatro Nacional judeus”: “Uma espécie de inverso do um não espaço e um não tempo. E é nes- a designação referida a abrir. Deixando, pois, de ter como fins apenas os re-
alemão, no fim da Segunda Guerra, e tem judeu Shylock, de O Mercador de Veneza, se sentido que aponta a cenografia, uma lacionados com a divulgação da nossa língua e cultura, e a política de ensino
sido muito apresentada em momen- de Shakespeare. Lessing escreve esta pintura de Pedro Calapez, enquadrada a nível superior, no estrangeiro, para ser responsável ainda pela cooperação
tos simbólicos, como a seguir ao 11 de peça no final do século XVIII, preci- numa máquina de cena, e os figurinos de portuguesa e a gestão da rede de ensino também a nível básico e secundário.
Setembro. “Tendo em conta as situações samente para combater a intolerância António Lagarto. Não procuramos uma Recordo que na altura aqui manifestei preocupação quanto aos even-
de violência e intolerância que vivemos religiosa e cultural”. relação direta com a contemporaneidade, tuais inconvenientes que dessa fusão poderiam resultar, sem prejuízo de
hoje em dia, achei que era importante Rodrigo Francisco assina também porque ela já é demasiado evidente. Há fazer sentido a articulação com ela visada. Mas a verdade é que, graças
fazê-la nesta altura, embora fosse um a dramaturgia da peça, que não será obras que são atemporais e é o caso desta em grande parte, creio eu, à competência e dedicação de APL, a fusão
projeto antigo da nossa companhia e já representada na íntegra, o que daria peça”. E acrescenta: “Gostaria que as pa- fez-se sem problemas de maior e o Instituto continuou a cumprir e a
tivéssemos encomendado há muito a tra- quase cinco horas, mas numa versão lavras de Lessing chegassem ao público desenvolver-se quanto o permitem os seus recursos – que deveriam ser
dução à professora Yvette Centeno”, diz. que constitui cerca de um terço do texto. no seu estado mais puro, em vez de vestir muito maiores, dada a grande importância e o alto interesse nacional da


“Entretanto, tinha sido mesmo publicada “Mas fiquei com a consciência tranqui- o templário como se fosse um soldado missão e das tarefas que lhe
e pensei encená-la finalmente e marcar la, porque Schiller fez uma adaptação ocidental no Extremo Oriente, o sultão são confiadas.
a relação do público português com este que representava apenas um quarto e o saladino um rico príncipe árabe e o judeu Ana Paula Laborinho vai
texto de Gotthold Lessing”. próprio Gotthold Lessing, que nunca viu Nathan como um homem de negócios agora dirigir o novo escritório
Um texto que é uma “arquitetura”, o seu poema representado, considera- de Wall Street”. Nathan, o Sábio vai estar Ana Paula Laborinho da Conferência Ibero-Ame-
uma “peça bem carpinteirada”, até
porque além de dramaturgo, Lessing foi
va que dificilmente poderia ser levado
à cena”, ressalva com alguma ironia.
em cena até 17 e depois em reposição, em
janeiro, de 12 a 28. J MLN
desenvolveu um trabalho que é e o que se propõe fazer
ricana em Portugal. Não sei o

sério, competente e – mas estou certo de que no


profícuo, com resultados que de si depender contri-
buirá para o desenvolvimento
La letteratura portoghese, Pedro Rolo Duarte, muito positivos das relações, em particular
culturais, nesse para nós tão
uma obra importante o dna do talento privilegiado espaço. E quanto
ao novo presidente do Camões, pela primeira vez um diplomata de carrei-
ra, Luís Faro Ramos, antes embaixador de Portugal em Cuba, o nosso voto
é que continue, aprofunde e amplie, para isso dispondo dos necessários
La letteratura portoghese é o título de uma magnífica obra, Ele teve visão em que tudo o que fez: dos programas meios, a ação do Instituto, nas suas várias vertentes, em particular a da
de Roberto Vecchi e Vincenzo Russo, agora editada em de rádio aos suplementos que dirigiu, das emissões de presença da língua e cultura portuguesas no mundo. E é para isso que
Itália, pela Mondadori Educacion, com o apoio da Direção- televisão aos jornais que editou. Pedro Rolo Duarte, aponta a sua (boa) intervenção na posse (ler no destacável).
Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas de Portugal. jornalista, morreu no dia 24 de novembro, vítima de
Ao longo de 642 compactas páginas, os autores, ambos cancro, com apenas 53 anos – mas deixando já atrás LUSITANISTAS E neste aspeto assumem a maior importância os lusi-
profs. universitários - o primeiro em Bolonha, onde é titular de si uma longa carreira, pois 'estreou-se' na imprensa tanistas pelo mundo espalhados. Portugal deve-llhes imenso e nem
da cátedra Eduardo Lourenço, a quem o livro é dedicado, aos 17 anos, na rádio aos 18 e na televisão aos 22. Foi sempre eles têm tido o muito reconhecimento que merecem. Em relação
o segundo em Milão - dão uma larga e bem perspetivada diretor-adjunto do semanário de espectáculos Se7e, a todos se impõe um constante estímulo e efetivo apoio do Instituto.
visão da nossa literatura. Ao longo dos séculos, até à atua- da mesma empresa (de jornalistas) do JL e de O Jornal, Falando de lusitanistas, exige-se referir alguns deles, italianos, a pro-
lidade, através das suas principais linhas de força, inclusive integrando a equipa fundadora, entre 1993/95, da pósito do doutoramento honoris causa de Manuel Alegre na tão antiga (a 2ª
temáticas, e com ampla reprodução de textos fundamen- Visão, que o substituiu. Antes já tinha sido editor de de Itália e a 5ª do mundo) como prestigiosa Universidade de Pádua, onde
tais, em português e com a respetiva tradução em italiano. jornal Independente e da revista Kapa. O suplemento fez uma bela intervenção, que publicamos nas pp. 32/33. De facto, a titular
Como salientam, trata-se de uma “antologia comentada de DNA, criado por si e publicado aos sábados, entre 1996 e da cátedra com o nome do poeta, Sandra Bagno, é um bom exemplo de
teses literárias e ensaísticas”, que se propõem “fornecer ao 2006, com o Diário de Notícias, de que seria subdiretor, empenhamento e dedicação desses especialistas a que tanto devemos – o
leitor, através de um novo aparato crítico e conceptual, as abriu as portas a uma nova geração de jornalistas, fo- que uma vez mais mostrou, mormente ao organizar também o colóquio
fontes primárias e os contextos indispensáveis para ‘pen- tógrafos e ilustradores. Atualmente, Pedro Rolo Duarte sobre o autor de Praça da Canção que se seguiu ao doutoramento. E no qual
sar’ - além de ler - a literatura portuguesa”. Tendo como realizava semanalmente o programa "Hotel Babilónia", participaram lusófilos que são verdadeiras referências, como Giullia Llanci-
destinatários naturais os estudantes, como aliás resulta de com João Gobern, na Antena 1, e "Mais Novos do que ani e Giuseppe Tavani, bem como, entre outros, Maria Luisa Cusati. E, por
na capa ao título se acrescentar I testi e le idee, a obra é muito Nunca", na Antena 3. Aos quatro livros que publicou, acaso, em Itália acaba de sair o livro La letteratura portoghese (ler notícia) da
mais ambiciosa, apresenta propostas diferente e interessará juntar-se-á, no início de 2018, o que escreveu quando autoria de outros dois italianos lusófilos, Vincenzo Russo e Roberto Vecchio,
por igual a um público mais vasto e mesmo especializado. estava já doente. este o atual presidente da Associação Internacional de Lusitanistas.J

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José Sasportes: agora um livro de poemas


É uma verdadeira ‘surpresa’ então jornalista, se exilou na Numa generosa recensão na
editorial: para a semana será segunda metade dos anos 60, revista Colóquio/Letras ao meu
lançado um livro de poemas - temendo ser incorporado na romance breve A Vingança
de “estreia’ no género - de José “tropa” e ir para a guerra. Aí de Marcolina, ou o último
Sasportes, 80 anos, autor de trabalhou nos Grands Ballets duelo de Casanova (2009),
sete livros de ficção e teatro, Canadien, foi correspondente Miguel Real recordou, para
grande especialista em Dança, do Diário Popular, escreveu minha surpresa, este livro
com várias obras publicadas em jornais... Sasportes volta que eu julgava esquecido.
em Portugal e no estrangeiro. a contar-nos, uma história Decidi então reler Agon com
E, além disso, durante anos em que entra o ‘nosso’ Miguel os olhos do que poderia ser
destacado jornalista, depois Real: “Uma parte destes um leitor de hoje e encontrei
conselheiro de imprensa ou poemas apareceram pela nos poemas matéria em me
cultural nas embaixadas de primeira vez em Agon – prosas revia e que tocavam temas de
Portugal em Roma, Nova Iorque, e poemas, um arremedo de que voltei a tratar em poemas

INÁCIO LUDGERO
Washington e Estocolmo, diário da minha permanência sucessivos. Organizei-os em
diretor do Serviço ACARTE em Montreal, de 1966 a diversos capítulos, segundo
da Fundação Gulbenkian, José Sasportes 1970, que publiquei quase afinidades e afetos, ou seja
presidente da Comissão confidencialmente em 1971. de modo a constituírem
Nacional da UNESCO e ministro pequenos blocos que julgo
da Cultura com António coerentes”. E decidiu editá-
Guterres. O livro, editado pela
Bizâncio, intitula-se Poemas
Espelho derradeiro mas por agora,
antes de me dizer adeus,
los.
“Para além da diversidade
devia fazer mais atenção no que me mostra.
dispersos, e tem poemas em Les miroirs feraient bien de réfléchir un peu avant de das línguas - diz-nos ainda
quatro línguas: português, renvoyer les images. o antigo ministro da Cultura
francês, inglês e italiano. Jean Cocteau - em que são escritos, estes
Porquê? E porquê agora Fóssil poemas também não têm uma
este volume? Sasportes, que O que o espelho diz uniformidade quanto aos
atualmente vive em Veneza, não me consola. O ser frágil e friável modos de organizar a poesia,
com incursões frequentes a O menino que fui não aparece. deixou sinais indeléveis. o que não sendo usual não me
Portugal, explica ao JL: “O que O rapaz também lá não está. O corpo mole parece de molde a desorientar
desejei foi refazer um itinerário O homem que vejo não coincide comigo. rendeu-se, o leitor. E a capa, concebida
das minhas deambulações O que sinto, mas muitos mil anos passados por Jorge Martins, amigo de
(dispersões?) pelos dois lados do como respiro, não se dispersou. há mais de 60 anos, é uma
Atlântico, nas línguas em que o espelho nada diz, Estampo na palma da mão fotografia de um emaranhado
fui participando nos diálogos cala-se e mente. esta memória mineral, de linhas em que me reconheço,
do quotidiano. A estas línguas Nada sabe de música, giro entre os dedos esta pedra tumular com uma pequena ponta que
acrescentei até alguns títulos é surdo e mudo. Ferido pela aspereza dos traços escapa do novelo. Talvez seja
em latim, que não domino, Mostra cabelos brancos gravados no calcário mole, esta a ponta por onde se pode
sugeridos por quem sabe, por e algumas rugas, perco-me na vertigem pegar neste livro um tanto
me parecerem rimar bem com mas não fixa o brilho dos meus olhos da minha pouca eternidade. insólito, e no seu autor.”
a paisagem linguística deste nem percebe que esta história é para continuar. Acabasse eu inteiro no poema Está dito. E do livro
livro.” Um dia deixará de me ver, estas linhas seriam a recordação de quase nada, antecipamos o primeiro
De facto, a poesia começa como Borges ensina, que nada durará sobre esta folha. (de 1978) e o último (de 2017)
no Canadá, onde o escritor, poema. J

Exposição de A. Matos Ferreira no Porto Prémio Oceanos para


Ana Teresa Pereira

Uma visão panorâmica da obra de Belas Artes do Porto e fez parte O romance Karen, de Ana Teresa
Alfredo Matos Ferreira (1928-2015), do grupo da “Sala 35” da Praça Pereira, foi distinguido com O
Da Condição da Arquitetura como da Liberdade, com Alberto Neves, Oceanos – Prémio de Literatura em
Expressão e Sentido do Comum António Menéres, Álvaro Siza, Luís Língua Portuguesa, que ‘sucedeu’ ao
inaugura-se a 11, às 18h, na gale- Botelho Dias e Joaquim Sampaio. Prémio Portugal Telecom, atribuído
ria da Faculdade de Arquitetura da Trabalhou com Arménio Losa entre no Brasil a obras de língua portugue-
Universidade do Porto (FAUP). É o 1971 e 1972, foi sócio de Fernando sa. Nesta edição, a 15ª, de 2017, o júri
terceiro momento da evocação do Távora de 1972 a 1982. Ao longo de terá avaliado 1.215 obras publicadas
arquiteto, na sequência de Terra d´Alva mais de meio século de Arquitetura em 2016. O prémio tem o valor de
e Construir um Paraíso Perdido / Por juntou no seu arquivo vasta do- cem mil reais (um pouco menos de
uma casa livre, mostras que foram cumentação sobre os projetos e 30 mil euros) e pela primeira vez foi
anteriormente apresentadas na Casa- a sua época, a que acrescentou o atribuído a uma escritora, no caso
Atelier José Marques da Silva. exercício da reflexão profissional portuguesa. Com a singularidade
Coordenado por Manuel Mendes, e posteriormente das memórias. A de haver outros prémios para obras
o projeto, que assinala a doação do partir delas, publicou-se no início “classificadas” em outros lugares,
espólio de Matos Ferreira à Fundação do ano Memória, uma edição da o brasileiro Silviano Santiago foi o
Marques da Silva (FMS), em 2016, FMS, com a Afrontamento e a FAUP, segundo, com o romance Machado,
pretende dar uma perspetiva da obra com textos de Siza Vieira. Sérgio o poeta português Helder Moura
construída, integrando núcleos como Fernandez, Vítor Oliveira e Manuel Pereira o terceiro, com Golpe de
a Escola, o Ensino ou o Projeto de Mendes. Teatro, e em quarto, ex-aequo,
Arquitetura. Da Condição da Arquitetura como ‘ficaram’ Maria Teresa Horta, com
Nado em Lisboa e criado em Expressão e Sentido do Comum vai Anunciações (que já disse recusar o
Trás-os-Montes, Alfredo Matos ficar patente ao público até 2 de feve- prémio) e Bernardo Carvalho, com
Ferreira formou-se na Escola de Projetos de A. Matos Ferreira reiro do próximo ano. J Simpatia pelo Demónio.

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt

* 5

´
Terra, Agua,
´
Fogo, Ar e Eter
Para Aristóteles os astros eram seres vivos e os cinco
elementos, onde incluía o éter, eram a matéria de todos
os fenómenos existentes entre a Lua e a Terra. Furacões,
sismos, arco-íris e muitos outros fenómenos temporais
são investigados em Meteorológicos, tratado de filo-
sofia natural, nunca antes traduzido para português,
obra que Aristóteles provavelmente redigiu nos anos
trinta do século IV a. C. Recopiados, traduzidos ou
comentados, os textos do tratado tiveram um papel
fulcral na progressão do saber científico, sobretudo na
Idade Média e no mundo árabe, caindo no esquecimen-
to com o advento da ciência moderna, a partir do sécu-
lo XVII. Traduzido a partir do grego e comentado por
Cláudio William Veloso, Meteorológicos integra as
«Obras Completas de Aristóteles» na Biblioteca de Auto-
res Clássicos, numa edição da Imprensa Nacional.

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20-11-2017 16:04

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6 * destaque jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

› breves‹
Clotilde Rosa(1930-2017) e 2000, tendo-se dedicado até 1989
ao ensino de Análise e Técnicas de
Composição, e seguidamente à classe

O aroma do som
de Harpa, onde logrou fazer escola.
NOVAS PERSPETIVAS, conferência A estadia na Holanda expôs
sobre arte e arquitetura com Eduardo Souto Clotilde Rosa a tendências estéticas
de Moura, Jorge Pinheiro e Pedro Cabrita que então mal tinham começado
Reis, no Auditório de Serralves, amanhã, 7 a chegar a Portugal, suscitando o
de dezembro, às 18 e 30. seu interesse pela nova música;
a frequência, como ouvinte, dos
A MINHA HISTÓRIA DA DANÇA, Manuel Pedro Ferreira tenho elaborado texturas, como um cursos de Darmstadt entre 1963 e
ciclo de palestras, com Ana Borralho e tecido musical, sobre o qual outros 1967-1968 e o conhecimento travado
João Galante, no Espaço da Penha, Lisboa, elementos vão aparecendo." com Jorge Peixinho levaram-na a
amanhã 7 de dezembro, às 18h00.
Deixou-nos Clotilde Rosa, harpista A dificuldade, depois da extinção envolver-se na execução de música
e compositora. Com ela se despede da Orquestra da Emissora Nacional, contemporânea, primeiro ocasio-
toda a geração que protagonizou a em ver estreadas obras orquestrais nalmente, e depois a título regular
WILLIAM T. VOLLMANN, apresenta o
renovação da arte musical nas déca- ("Paisagem interior", de 2000, só como membro fundador do Grupo
romance Central Europa, na Oficina Arara,
das de 1960 e 1970: a geração de Jorge foi ouvida em 2017; o Concerto para de Música Contemporânea de Lisboa
no Porto, dia 16 de dezembro. Peixinho, Filipe Pires, Emmanuel piano, de 2004, permanece inédito) (1970-). As experiências de improvi-
Nunes, Álvaro Salazar, Constança levou à concentração da sua produ- sação e composição coletivas levadas
COMER/BEBER a nova BD de Filipe Capdeville ou Cândido Lima, influ- ção em obras para instrumento solo a cabo no G.M.C.L. a partir de 1974
Melo e Juan Cavia, será apresentada na enciados pelo dodecafonismo e pelos ou pequenos grupos instrumentais. acabaram por despertar as suas capa-
Comic Con - Porto, a 16 de dezembro, e em movimentos de vanguarda do centro A falta de oportunidades de edição cidades criativas, patentes, a partir
Lisboa, na FNAC Chiado, a 18, sempre às da Europa. A sua trajetória está inti- levou Carlos Franco, seu marido, já de 1976, num percurso individual de
18h30. mamente ligada à de Jorge Peixinho e falecido, a criar uma linha caseira valor imediatamente reconhecido.
do Grupo de Música Contemporânea de edição digital, a Carfon (http:// Seria porém a partir de 1980 (ano
MARIA RADUCANU E KRISTEN de Lisboa (que integrou como harpis- www.gmcl.pt/clotilderosa/edcarfon. que ganha o 1º Prémio da Oficina
JONSSON, concerto de Cânticos Romenos ta antes de começar aí a desenvolver a htm), para visualização e encomenda Musical) que Clotilde Rosa se afirmaria
sua faceta de compositora), de que foi, Clotilde Rosa de partituras pela Internet. Até hoje, com uma voz progressivamente mais
de Natal, no Salão Nobre do Museu
desde o desaparecimento de Peixinho a obra de Clotilde Rosa permanece pessoal e inconfundível, privilegiando a
Nacional de Arqueologia, amanhã, 7 de
em 1995, a figura tutelar. Tal pode largamente por divulgar e mesmo os fluidez das texturas contrapontísticas, o
dezembro, às 19h00.
explicar-se pela proximidade pessoal círculos musicais mais atentos têm cromatismo livre (ainda que serialmen-
com Peixinho, pela sua dedicação de vanguarda e o ambiente pós- dificuldade em aceder ao fruto da sua te controlado) e um melodismo ex-
AR.CO BOLSEIROS &FINALISTAS profissional e autoridade moral, pelo -moderno, ou seja, a conciliação imaginação. pressivamente sugestivo, com recurso
'16 E ' 17, exposição que reúne uma seu caráter apaziguador e acolhedor, entre liberdade e legibilidade, no- Filha, esposa e mãe de mú- a diferentes tipos de escrita (frequen-
selecção de trabalhos de finalistas e/ou pela sua inesgotável energia e pelos vidade e tradição, numa simbiose sicos, Clotilde Rosa estudou no temente experimental numa primeira
alunos bolseiros dos anos lectivos 2015/16 laços familiares com elementos do de técnicas de diferente origem, Conservatório Nacional em Lisboa fase, mais pragmática ou eclética a par-
e 2016/17, no Antigo Mercado de Xabregas grupo (Carlos Franco, com quem que, em circunstâncias favoráveis, entre 1942 e 1949, nas classes de tir dos anos noventa). O encorajamento
e no Hub Creativo do Beato, de 12 a 21 partilhou grande parte da vida, e os incluiu também o recurso à banda Cecília Borba (harpa), piano (Ivone de Jorge Peixinho e a constatação da
Dezembro. filhos do primeiro casamento, José e magnética e, mais recentemente, à Santos) e composição (Wenceslau falência dos academismos vanguardis-
Jorge Machado); mas explica-se so- música eletrónica, em articulação Pinto e Jorge Croner de Vasconcelos). tas permitiram-lhe assumir por inteiro
PEDRO MOUTINHO apresenta o bretudo pela exemplar produtividade com instrumentos acústicos. Interessada na interpretação de músi- a sua capacidade de dar corpo sonoro à
concerto A Noite nos Poetas do Meu Fado,
artística, conjugada com a diversi- Fê-lo sem prescindir de uma ca antiga, estudou com o musicólogo combinação de atmosferas evocativas
dade dos interesses culturais, que lhe marca pessoal, traduzida em certas de origem britânica Macário Santiago e de dramatismo, de modernidade de
na Culturgest, amanhã, 7 de dezembro,
permitiu forjar laços com o universo preferências harmónicas, gestos líri- Kastner, fez parte dos Menestréis de escrita e de emoção poética, que se re-
pelas 21h30.
das artes plásticas e da literatura (com cos, e texturas sonoras, que o ouvido Lisboa como harpista e colaborou com conhece em grande parte da sua vasta
destaque para a longa e fecunda cola- facilmente reconhece. Nas suas pala- vários agrupamentos até 1961, altura obra, dedicada sobretudo à música de
BRUNO PERNADAS ENSEMBLE E boração com o poeta Armando Silva vras, "criei três acordes de quatro sons em que, como bolseira da Fundação câmara, de que se podem citar, por
RICARDO TOSCANO, em concerto no Carvalho). perfazendo, também deste modo, o Gulbenkian, decidiu prosseguir os exemplo, "Recondita Armonia" (1984),
Grande auditório no CCB, dia 15 de dezem- No G.M.C.L. era a memória total dos doze sons, empregando-os estudos na Holanda e na Alemanha "Laik" (1993), "Canto de Zéfiro" (1997),
bro, às 21h00. viva, mas também o aguilhão para frequentemente de forma a constituir (onde acompanhou a emergência quer "Glosas próprias" (1998) ou "Sonata per
o futuro. A sua obra criativa, bem uma harmonia que se tornou peculiar do movimento da interpretação histo- pianoforte" (2002).
FARPÕES BALDIOS, documentário de ancorada quer na frequência de ao longo da minha produção. Concebi ricamente informada, quer da escola A sua discografia, dispersa por vá-
Marta Mateus, vence o Grande Prémio do muitas sonoridades do passado e pequenas células, muitas delas de de Darmstadt) e, mais tarde, Paris. rios CD, inclui três discos monográfi-
Festival de Hiroshima, no Japão. do presente, quer numa imagina- apenas dois ou três sons que fui Em 1965, já de volta ao país, cos, dedicados à escrita instrumental
ção fantasiosa, assumiu as mesmas ramificando e aumentando em estilo ingressou na Orquestra Sinfónica de câmara (Clotilde Rosa, G.M.C.L.,
SOARES SEMPRE FIXE, livro sobre características de síntese pessoal. imitativo. Como motor de desen- do Porto, e em 1969, na Orquestra 2006), música para canto e piano
No plano nacional, representou volvimento estrutural utilizei quase Sinfónica da Emissora Nacional em (Música para poesia portuguesa,
a vida e obra do antigo Presidente da
melhor que ninguém (se excluir- sempre as técnicas seriais. Muitas das Lisboa, onde permaneceu até à sua vários artistas, 2008) e para piano
República, com sobrecapa de Álvaro
mos o universo particular de minhas obras têm sido trabalhadas extinção, ocorrida em 1991. Lecionou solo (Piano Works, Anne Kaasa e
Siza Vieira, apresentado no espaço dos
Constança) a ponte entre o espírito de forma contrapontística. Também no Conservatório Nacional entre 1987 Francisco Monteiro, 2012). J
Armazéns do Castelo, Porto, dia 7 de
dezembro às 18h.

O QUE SIGNIFICA PARTICIPAR


ATIVAMENTE NO DEBATE Apeadeiro em Guimarães poesia e musica, com estreia a 14.
É uma nova versão do espetáculo
(TNDMII), a partir de hoje, quar-
ta-feira, 7, uma das suas mais

Lena d’Água no Porto


EUROPEU?, ciclo de Conferências Europa que o encenador e ator José Caldas recentes produções, Macbeth, de
– presente e futuro, na Sala Algarve, da criou em 1979 e que inovou a cria- William Shakespeare, protago-
Sociedade de Geografia de Lisboa, dia 12 de ção para a infância e juventude. nizada pelo ator João Reis, com
dezembro, pelas 18. Além da interpretação de Lena encenação e cenografia de Nuno
d’Água e de José Caldas, conta Carinhas. É a primeira aborda-
GASTÃO CRUZ E JOSÉ TOLENTINO DE com interpretação do músico gem do universo shakespeariano
MENDONÇA recordam o poeta Eugénio
Nuno Cardoso estreia Senhorim, a mote da frase “O meu Tahina Rahary. Uma coprodução do encenador e diretor do TNSJ e
Apeadeiro, a 8, no Centro Cultural corpo é a minha terra, a minha da Associação Quinta Parede e pode ser vista até 17.
de Andrade na iniciativa Ler no Chiado, na
Vila Flor (CCVF), em Guimarães. É terra é o meu corpo”. É uma do Teatro Nacional S. João (TNSJ), Também até 17, está em cena
livraria Bertrand, hoje, dia 6 de dezembro,
um solo que encerra a trilogia que coprodução do CCVF, do Centro com o apoio da Sociedade Portu- na sala Mário Viegas, do Teatro
pelas 18h30.
integrou Náufrago e Subterrâneo. de Artes de Ovar e do Teatro guesa de Autores, que fica em cena Municipal S. Luiz, Orfãos, de
Num registo assumidamente Municipal do Porto. até 17. Dennis Kelly, encenada por Tiago
EUNICE MUÑOZ à conversa com Anabela autobiográfico, o ator e encenador No Porto, no Teatro Carlos Guedes. A interpretação é de Isa-
Mota Ribeiro, para a sua rubrica (Quase) partilha memórias e equaciona Alberto (TECA), a cantora Lena MACBETH E ORFÃOS bel Abreu, Romeu Costa e Tonan
Toda uma vida, apresentada no pequeno a identidade e o seu percur- d’Água vai revisitar as palavras da EM LISBOA Quito, os cenários de Fernando
auditório do Centro Cultural de Belém, dia so de criador a partir do lugar poetisa brasileira Cecília Meireles, O TNSJ, por seu lado, traz a Lisboa, ribeiro e a tradução de Francisco
17 de dezembro, às 17. onde nasceu e cresceu, Canas de em Ou isto ou aquilo, um recital de ao Teatro Nacional D. Maria II Frazão, numa coprodução Pue-

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt

Letras * 7
Ana Margarida de Carvalho
A ‘casa’, os contos, os prémios
03-08-18 06:53

Nas duas últimas semanas publicou o seu primeiro livro de contos, Pequenos Delírios Domésticos, dedicado à casa dos
bisavós a que muito queria e foi destruída nos terríveis incêndios de outubro; recebeu, facto inédito, pela segunda vez e pelo
segundo livro, o Grande Prémio da APE; foi-lhe atribuída uma bolsa de criação do Ministério da Cultura. Entrevista com a

e
escritora, a crítica de Miguel Real ao novo livro e excerto da sua intervenção ao receber aquele prémio

meu livro Não se Pode Morar nos


Olhos de um Gato), cuja imagem
encontrei, há dias, em Salvador,
na Baía, relegada para os pátios
de uma igreja, supliciada por ser
bonita demais.

A fotografia da capa, do Duarte


Belo, teve a ver com o que referiu
“Em todos eles”, os contos do relativamente à destruição da
seu livro de estreia no género, casa?
Pequenos Delírios Domésticos, “há Foi uma coincidência tétrica, eu já
sempre uma casa, ou a memória a tinha escolhido meses antes do
de uma casa, ou o desejo de uma incêndio, ainda antes de sonhar
casa, ou a saudade dela”, diz-nos sequer que uma tragédia destas
Ana Margarida de Carvalho. E há poderia alguma vez acontecer-
dias foi-lhe entregue o Grande -me. Por coincidência estranha,
Prémio de Romance e Novela também, retirei um texto do livro,
da Associação Portuguesa de que tinha a ver com a relação um
Escritores, relativo a 2016, atribu- pouco rude que, nós, miúdos da
ído a Não se Pode Morar nos Olhos cidade, tínhamos com as outras
de um Gato. Este foi o segundo ro- crianças da aldeia. Era dedicada
mance da escritora, jornalista, li- «ao Inocêncio, o terror da minha
cenciada em Direito, que logo com infância». Achei na ocasião que
o de estreia, Que Importa a Fúria era real demais, verdade de-
do Mar, tinha vencido o mesmo mais, e preferi retirar o texto. No
galardão, em 2013 - o que é único rescaldo do incêndio escrevi um
na história de um prémio com 35 texto (esse sim, incluí-o), assim
anos de existência. Revelação das de rompante, sem grande refle-
maiores, pois, das letras portu- xão, depois de me reencontrar
guesas, nestes últimos tempos, com a casa fumegante, que nem a
ouvimo-la a propósito destes dois Ana Margarida de Carvalho “Este segundo prémio da APE não foi tanto um estímulo como um alerta benévolo” clemência de um copinho de água
‘acontecimentos’, e não só. recebeu, na fornalha das labare-


das, e ainda crepitava e com os
Jornal de Letras: Como aparece metais retorcidos e incandescen-
este seu livro de estreia como no sentido de teto. Geralmente são recentes incêndios de outubro de tes…
contista? casas tortuosas, labirínticas, sem 2017. O que restou, as paredes
Ana Margarida de Carvalho: Esta nexo arquitetónico, pouco óbvias, de granito, os escombros e uma Das coisas imateriais O livro é mesmo dedicado “à
compilação de contos surgiu por até nada acolhedoras, onde nos enorme cratera, ainda lá está, na memória da Casa dos meus
iniciativa do editor da Relógio podemos encontrar, mas também aldeia do Couto do Mosteiro, em da minha vida, esta bisavós, de onde parti, aonde
D´Água, Francisco Vale, que já me nos podemos perder. Não só na Santa Comba Dão, uma ex-casa, casa (que ardeu nos sempre regressarei”.
tendo generosamente convidado geografia, mas também nas memó- esventrada, devassada, despojada Eu julgo que não exagero quando
para prefaciar a Alexandra Alfa, rias, nos vislumbres ou no reflexo de alguma réstia de dignidade, à incêndios de outubro) digo que das coisas imateriais
de José Cardoso Pires, sempre de um espelho. E podem, sim, não espera de sei lá o quê, que alguém seria a coisa mais da minha vida, esta casa seria
se mostrou muito atento ao que ser acolhedoras nem benignas, se apiede dela, quem sabe. Mas a coisa mais importante para
eu ia escrevendo. Pediu-me um mas todas as personagens sentem tenho ficado com a terrível sensa- importante para mim. mim. Justamente porque não era
conjunto de contos, uns já éditos, um inabalável desejo de voltar… ção de que nem os autarcas nem Justamente porque imaterial. As memórias mais an-
outros mais ou menos inéditos e Nem que demorem dez anos e só sequer os moradores têm a noção tigas, antigas mesmo, guardo-as
outros completamente inéditos, tenham um velho cão cego à sua de que sem a aquela casa a aldeia
não era imaterial. As de lá, num tempo muito remoto,
e entendeu que seria interessante espera... nunca mais será a mesma. Todo o memórias mais antigas se calhar ainda não sabia falar e
publicá-los num só volume. seu carisma, todo o encanto, toda lembro-me de ser levantada pelo
Para si, a “casa” é muito a alma daquela zona desfez-se em
guardo-as de lá, num meu avô a tocar a cabeça nas uvas
Há alguma coisa de ‘comum’ entre importante... cinzas, tal como a casa. Custa-me tempo muito remoto da latada, de descobrir bichos
eles? Eu também tenho uma «casa». muito a indiferença dos autarcas maravilhosos nos jardins, os chei-
De uma forma ou de outra, todos Existe a «minha», a casa dos face àquele património histórico e ros que nunca esqueço, de olhar
eles se passam em contexto do- «meus pais» ou «dos meus avós», sentimental, que é de todos. Mas atónita uma chuvada torrencial
méstico, digamos assim. Em todos a casa «de férias». E esta, a que o quando aconteceram mortes, de velmente sinto. Às vezes, penso pelas vidraças (as chuvadas nunca
eles há sempre uma casa, ou a me- livro é dedicado, sempre foi trata- pessoas, de animais, devastação que era uma casa demasiado são tão torrenciais na cidade),
mória de uma casa, ou o desejo de da como «a casa»… Era a casa dos de floresta e de primeira habita- bonita, incrivelmente bonita, para de ouvir pela primeira vez uma
uma casa, ou a saudade dela… Casa meus trisavós (meados do século ção, provavelmente não tenho o ter o direito de existir. Como a trovoada, e assistir aos prantos de
mais no sentido de chão e menos XIX) , que ardeu por completo nos direito a dizer isto. Mas inevita- escrava Anastácia (que aparece no uma empregada mais velha, a re-

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8 * letras ANA MARGARIDA DE CARVALHO jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

‘Amar o distante’ Dois romances, um livro para


crianças, agora um livro de
contos, para não falar do livros
dos julgamentos que mudaram a
história... O que se segue?
Agora falta-me escrever uma
BD... Também tenho guiões para
[...] Eu gosto de pensar ter escrito um livro sobre alteridade, filmes que nunca aconteceram
sobre carapaças que esboroam, sobre peles finas que se vão liber- e uma peça de teatro que nunca
tando como revestimentos translúcidos de cebola, sobre criatu- foi representada. Eu penso que a
ras em desalinho, mentes torturadas, cheias de golpes baixos e forma se deve ajustar àquilo que se
perversidade, que têm pela frente uma enorme dificuldade de se tem para contar. Às vezes, posso
confrontar com os outros, e ainda mais consigo próprios, com ter coisas para dizer mais curtinhas
as tralhas sentimentais que carregam, o entulho de promessas e outras mais longas. Outras, até
inconclusas, os remorsos, as células mortas que se acrescentam em formato de poema. É só uma
aos sedimentos, detritos, restos de conchas e rochas de uma praia maneira de contar. Porque se me
intermitente. E depois há o outro confronto, que é o confron- perguntarem se é um poema eu
to com o outro eu- aquele que está sempre pronto a emergir, nego tudo, e nunca me meteria por
quando se quebra a fina haste da civilização e basta um sopro aí. O meu próximo livro será um
para desfazer todas as nossas peles, todas as nossas construções, romance, como está, aliás, previsto
inquietantemente ténues. Não seria necessário uma praia encur- contratualmente, agora que me foi
ralada, densa, irrespirável, no século passado: ponham-se quatro atribuída uma bolsa de criação li-
pessoas num elevador, junte-se-lhe um bocadinho de pânico e terária pelo Ministério da Cultura/
as pessoas espezinham-se umas às outras. Por isso, este também Direcção-Geral do Livro, dos ar-
é um livro sobre os pequenos passados que existem nos nossos quivos e das Bibliotecas. Entreguei
presentes – os momentos em que inquietantemente essa linha um projeto, ganhei a bolsa por 12
do primitivismo é cruzada, às vezes bruscamente, outras num meses, e tenho o próximo ano para
tropismo vegetal, zombando de séculos de polidez, de educação, o escrever.
de instrução, de direitos humanos adquiridos, de auto-controlo.
Por isso, quando os políticos dizem é preciso ter cuidado para Afastada do jornalismo, como
não causar o alarme social. Eu diria o contrário, é preciso manter se tem dado com a vida só de
a sociedade em estado de permanente alarme. Como no filme escritora, com tudo o que hoje
Chinatown, de Polanski, em que o Jack Nicholson, um detetive implica hoje de festivais literários,

VITORINO CORAGEM
que passa o tempo todo com um penso no nariz, por causa de uma encontros com leitores, ‘eventos’
navalhada. "Dói-lhe", pergunta-lhe um. E ele responde: Só quan- vários, muitas viagens?
do respiro. E é isto. Dói? Não, só quando respiramos. E se não Ana Margarida de Carvalho Muito bem. Tenho tido, de facto,
respirarmos um bocadinho de dor, de dor dos outros, caíamos muitas solicitações, muitos
em estados calamitosos, como eleger para governantes figuras debates e sessões em bibliotecas,
de BD, ou personagens televisivas de reality shows mais rasteiros. escolas, universidades, residên-
Acrescendo o facto de os reais personagens terem três dimensões zar, num pânico atroz, como nun- bravos se aproveite das fachadas cias, festivais e encontros com
e serem mesmo muito perigosos. ca antes houvera assistido. Ainda graníticas e faça dali uma «casa comunidades de leitores, em
Talvez em lugar dessa máxima tão biblicamente estafada de hoje me lembro do cheiro das suas toda gira», com uma medonha Portugal e no estrangeiro. Não me
"amar o próximo", já devêssemos estar na fase de amar o distante, mãos. Lembro-me que ela tentava piscina no jardim. posso queixar, apesar não ser uma
o diferente, o divergente. E conservar sempre o olhar atónico e em vão que eu aprendesse o seu grande apreciadora de viagens,
perplexo perante o espetáculo da vida, pôr em causa os cânones, nome. Gertrudes, será? Os meus Entretanto, foi-lhe também agora antes ter tendência, que se agrava
questionar tudo, iluminar as zonas sombra, dar voz às omissões, sentimentos mais primitivos, entregue o Grande Prémio da com a idade, para me ‘encapsular’
colocar tudo em perspetiva. conheci-os e aprendi-os ali. APE, que venceu com Não se Pode num mundo bastante apertado -
Claro que, no meu livro, as personagens sofrem mais do que Morar nos Olhos de um Gato, seu mas faço um esforço que é quase
incapacidade de olhar o outro por dentro, são incapazes de se Sentimentos como, por exemplo... segundo romance - prémio que sempre compensador. E já estive
colocar dentro da pele do outro, porque estão envolvidas nessas A alegria intacta, o desgosto que também ganhou em 2103 logo em sítios incríveis e conheci pes-
carapaças de ideias pré-concebidas, de racismo, de preconcei- guardo até hoje por sentir um com o romance de estreia. Ou soas incrivelmente interessantes.
to social, de género, de religião, intelectual… E todos estamos passarinho morrer-me na mão, seja, dois primeiros livros, dois O contacto com leitores, por vezes
cansados de saber que esta gente também existe fora da ficção. o medo, o pavor de, de repente, prémios APE, o que é inédito. Isso remotos, alguns com interpre-
Mas para essas reservava-lhes um instituto jurídico, sugerido me encontrar sozinha numa das mudou alguma coisa, aumentou tações e leituras dos meus livros
em conversa com o magistrado Álvaro Laborinho Lúcio, que divisões naquela casa enorme, de um sentido da ‘responsabilidade’? bem melhores do que aquelas em
ainda ainda não foi inventado, mas faria muita falta. Que é o da ouvir ruídos a meio da noite, de Como lida com iso? que pensei, é das experiências
inconstitucionalidade pessoal. Passar a poder declarar-se: "Você chorar imenso, numa angústia É inédito, de facto, mas penso mais gratas. Às vezes, chegam em
é considerado inconstitucional" e aplicava-se uma sanção, uma fatal, mal se começava a insta- sempre que se tratou apenas de forma de textos, sempre mui-
coima, uma contra-ordenação, trabalho a favor da comunidade. lar a noite e o silêncio cheios de uma simples coincidência. Uma to generosos, até comoventes.
Ou então em casos mesmo graves de preconceito, pena de prisão barulhos indecifráveis, de me coincidência feliz para mim e Por exemplo, outro dia o pintor
suspensa ou não, perpétua quem sabe… Talvez não fosse mal apavorar com os homens bêba- para esse livro que, se não fossem Américo Prata bateu-me à porta
pensado. dos nas tabernas, de esconder as boas críticas que recebeu, as para me oferecer um quadro, com
E quando falei nesses mundos, presentes nesta sala, que me a cabeça na saia da minha avó, nomeações aos prémios, e um uma personagem do meu livro
unem, e me colam os pedaços, se é um pouco verdade que o desgostosa, por eu sair assim, acolhimento generoso por parte por ele pintada. Está na parede da
escritor procura o distanciamento do imediatismo trivial das um bicho do mato. E, claro, das de muitos leitores, corria o risco minha sala. Claro que há sempre
coisas reais, também é verdade que são seres altamente vulnerá- batalhas, literalmente campais, de passar despercebido, como o outro lado, raramente existe só
veis ao contágio. Do mundo literário (que é o mais interessante) com os miúdos da terra que nos acontece a tantos outros, que não um lado solar, raramente esta vida
e do outro, e são contaminados, como aquelas crianças que vão arremessavam pedras, sem dó escalam a hierarquia das pra- dá um retorno financeiro digno.
no primeiro dia ao infantário e apanham as viroses todas – com nem piedade, e nós, desajeitados e teleiras das livrarias e dos tops. E o lado lunar relaciona-se com o
a diferença que num escritor as contaminações só podem ser patetinhas, tentávamos ripos- Quanto ao resto, lido com isso facto de eu ter saído de forma for-
benignas. Mesmo que vão beber de água não potável, só para tar, mas eles ganhavam sempre. muito bem, acho que sou uma çada e muitíssimo humilhante da
aprenderem como não se faz. Eram tempos de paleolítico. E era pessoa bastante destituída de vai- Visão, o meu emprego desde há 25
E quando se diz que somos humanos, logo temos necessida- depois do 25 de Abril e as crianças dade, padeço mais de falta de au- anos, e esse triste acontecimento
de de uma certa dose de ficção - por oposição à realidade ou à andavam descalças. Era depois do to-estima, acho sempre que podia ter ameaçado perturbadoramente
verdade - bom, para começar, a única coisa que se pode dizer da 25 de Abril e as crianças traba- fazer mais e melhor. Assim, este a minha subsistência, e inter-
verdade absoluta é que ela não existe. Até o facto histórico não lhavam. Era depois do 25 de Abril segundo prémio não foi tanto um rompido a meio a minha carreira
tem veracidade alguma. A história não é uma ciência exata, como e davam-lhes vinho a beber em estímulo (como se costuma dizer), contributiva... A bolsa literária
se sabe, a história é parcial, parcelar, organizada, é certo, diacro- bebés. mas antes um alerta benévolo. será o meu balão de oxigénio para
nicamente, mas analisada sob uma ideologia: a dos dominantes, Que me faz pensar que aquilo que o próximo ano, permite-me con-
a dos ocidentais, a dos homens, a dos vencedores… E a mentira, E agora? escrevo talvez interesse, afinal, tinuar a escrever, mas tem esse
essa sim, é muito mais global. [...] O meu maior medo é que aquilo alguma coisa - contrariando-me, prazo de validade. Depois disso,
que restou seja «rentabilizado». a mim e ao que tendo sempre a continuo sem saber como vai ser a
Que alguma empresa de patos julgar. minha vida. J

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt ANA MARGARIDA DE CARVALHO
letras * 9
OS DIAS DA PROSA
Miguel Real

Uma escritora intempestiva

A
emergência mete-
órica e explosiva de
Ana Margarida de
Carvalho (AMC) no
panorama do romance
português atual (duplo
Grande Prémio Associação Portu-
guesa de Escritores, em 2013 e 2016)
deve-se, em grande parte, ao estilo
intempestivo dos seus romances, que
parecem exorbitar do estilo jornalís-
tico dominante (escrever gramati-
calmente bem; narrar uma história
politicamente correta recheada de
episódios rocambolescos, como um
documentário televisivo que evidencia
as diversas opiniões contraditórias;
silêncio do autor, que se desdobra em
diversos narradores).
Diferentemente, como o seu primeiro
livro de contos o manifesta, Pequenos
Delírios Domésticos (título inspirado Ana Margarida de Carvalho
numa canção de Sérgio Godinho),
AMC, como autora-narradora, num
estilo espontâneo, emocional, direto
mas, repito, intempestivo, parece nhas de escapatória da morte de um O segundo, “Como ela em triste
seguir Almeida Garrett em Viagens designado “terrorista” (“A troca”), céu”, um dos mais delirantes mas
na Minha Terra quando regista que a história irónica do senhor Saadi, realista dos contos “domésticos, um
“isto tinha na alma, isto vai no papel”. um refugiado (“Do inferno ninguém cruzamento doentio entre dedos
Assim, escreve respirando opiniões regressa”), a travessia desesperada do hiperativos, com vontade própria, e
pessoais, convocando todos os co- Mediterrâneo num barco de borracha objetos a caírem do céu, reproduzin-
nhecimentos adquiridos (literatura, (“Póstumos nascimentos”), estória do, na imaginação enferma de um
biografias, história, filosofia…) que o de duas famílias desavindas, uma is- adulto, o ambiente de guerra vivido na
curso, a profissão de jornalista e a vida raelita, outra palestiniana, e o senhor infância (bombas, morteiros, minas
lhe deram, a todos cruzando e mistu- Rajid (“Eremitério de boas inten- terrestres, cocktails molotov).
rando, dando a sensação, no final da ções”), a história delirante de Isabel, Finalmente, o terceiro, talvez o
leitura do livro ora publicado, de ser a guionista de televisão (”Pequenos melhor conto, “Última Ceia”, dese-
uma escritora fora da linha, que não ruídos domésticos”)… nha um ambiente perfeito ao modo de
quer “fazer” literatura e, no entanto, Três contos se destacam: “Os AMC: claustrofobia familiar, família
não faz outra coisa. elefantes têm sismógrafos nos pés”, atípica com genealogia anómala (pa-
É um estilo torrencial à Saramago, “Como ela em triste céu” e “Última res de gémeos) e casa anormal, mar-
quase diluviano, por vezes reiterativo Ceia”. Realizam os três, em absoluto, ginalidade social, ambiente de abjeção
à Lobo Antunes, outras sentencial, o estilo singularíssimo de AMC acima em contraste com a burguesia típica,
conclusivo e até moralista à Agustina, referido: caudaloso (como um emoção institucional, passiva e obediente
um pouco de ironia (mas pouca) ao que explode intempestivamente em (Mateus), sobrevalorização de senti-
modo paterno (isto é: de Mário de comportamento), enfático (repetin- mentos negativos das personagens,
Carvalho), a prática do mise en abyme do certas expressões), sentencial e inclusive de animais (gata zarolha),
à Nuno Júdice (a história e o mundo irónico (sobretudo o último dos três final insólito mas bem estruturado.
inteiros numa frase, num parágrafo), contos, a começar pelo sugestivo e Se Ana Margarida de Carvalho
um estilo denunciativo e acusativo à alusivo título) e, com evidência, estilo venceu a montanha do romance,
José Cardoso Pires (mas não sinta- acusativo e denunciativo, como se a como os prémios o comprovam,
ticamente corretíssimo, como era literatura fosse uma das casas relevan- venceu igualmente a colina dos con-
prática deste escritor), um estilo com tes não só da representação (delirante) tos. Pequenos Delírios Domésticos é a
o coração nas mãos (“isto tinha na da sociedade como igualmente da comprovação.J
alma, isto vai no papel”), mas não Justiça.
piegas ou lacrimoso; por vezes, uma O primeiro, uma ferroada irónica
narração meramente jornalística na atmosfera húmida dos Açores, é
(as partes menos interessantes dos um conto perfeito narrado à século
contos); sempre direto à manifestação XXI, muito diferente da estrutura do
de emoções, sublinhando injustiças conto clássico. Atmosfera natural,
e selecionando personagens e temas ambiente social, vida individual de › Ana Margarida
marginalizantes, quebrando o bem- Jaime, obstáculo ao desenrolar da de Carvalho
-comportado da escrita tradicional narrativa, pedido extemporâneo, PEQUENOS
através de imagens intempestivas acaso (o computador esquecido ou DELÍRIOS
(logo o primeiro conto, “Chão Zero”, roubado), final insólito (não sinte- DOMÉSTICOS,
aludindo à fotografia da capa), a tizamos os contos para não tirar ao Relógio d’Água, 134
história, as motivações e as ma- leitor o prazer de os ler). pp., 15 euros.

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1o * letras FIGURA jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

Kalaf Epalanga
escrever uma história do kuduro.
O músico começou por recusar a
ideia por falta de tempo. “Não tinha
qualquer disponibilidade para ir para

A arte de saltar fronteiras


Luanda entrevistar kuduristas. Mas
fiquei a matutar. Até que achei que
poderia escrever num tom mais pes-
soal, através das minhas memórias e
de algumas leituras, assim no estilo
de Carnaval no Fogo, do Ruy Castro,
da Verdade Tropical, do Caetano
Veloso, ou de How Music Works, de
David Byrne”. E assim avançou.
Aproveitando o desafio já antigo
Um dos ‘mentores’ da mais bem sucedida, nacional e internacionalmente, banda de música eletrónica de Zeferino Coelho (o editor da
Caminho) de escrever um romance.
portuguesa de sempre, os Buraka Som Sistema, surpreende-nos com um ‘romance musical’, lançado pela Claramente, Também os Brancos
Caminho. Também os Brancos Sabem Dançar parte da sua detenção na fronteira com a Noruega, onde foi Sabem Dançar não é uma história
do kuduro, muito embora a história
confundido com um emigrante ilegal, para a história do kuduro, dos Buraka, da sua vida em Angola e em do kuduro, de Kalaf e dos Buraka
Lisboa - bem como para uma reflexão sobre o mundo contemporâneo e a necessidade de nos colocarmos também passem por lá. O músi-
co-escritor aborda-se num estilo
no lugar do outro. O JL conversou com este angolano lisboeta, nascido em Benguela, em 1978, músico, que há quem chame autoficção. A
escritor e muito mais, traça o seu perfil e publica um curto texto de José Eduardo Agualusa sobre o livro primeira parte do livro pode confun-
dir-se mesmo com uma autobiografia

a
ou com um livro de memórias. A
personagem, que é o próprio autor,
Manuel Halpern vê-se confrontada com uma situação
limite e aproveita a tensão e a pausa
para reflexão e para um exercício de
memória, de flashback, desde a in-
fância e adolescência em Angola, até
à chegada a Portugal, passando, na-
turalmente, pela história do kuduro,
do kizomba e a formação e ascensão
dos Buraka Som Sistema. Parece-se
com um livro de não ficção.
Todavia, na segunda e na ter-
ceira parte dá a volta ao texto, num
Atravessavam o Svinesund, o canal poderoso exercício de alteridade,
que separa a Suécia da Noruega, colocando-se no papel de Sofia de
rumo a Oslo, onde os Buraka Som Rio de Mouro, a jovem portuguesa
Sistema, o maior fenómeno da que se predispõe a casar consigo só
música eletrónica portuguesa de para lhe conceder a nacionalidade.
todos os tempos, iam atuar num E, na terceira parte, calça os sapatos
festival. Estavam prestes a abando- do polícia da alfândega, norueguês
nar o espaço comunitário e a polícia de origem síria, que o mantém retido
da alfândega pedia naturalmente os e que, afinal, até gosta de ouvir
documentos. Kalaf Epalanga Ângelo, boa música e até sabe dançar... É
cidadão angolano, trazia consigo exatamente esse o sentido do título
apenas o atestado de residência do livro. “Muitas pensam que é uma
português. O passaporte, deliberada- ironia devida à falta de aptidão que os
mente arrumado na mala de viagem, brancos têm para a dança, mas não
LUÍS BARRA

estava caducado “desde o tempo em é isso, trata-se antes da necessidade


que o Savimbi ainda respirava”. O de ir ao encontro do outro”. O título
SEF lá do sítio desconfiou da situação Kalaf Epalanga A estreia como romancista é uma adaptação de um provérbio ki-
e reteve-o horas a fio à espera de bungo que diz 'até os brancos sabem
maiores esclarecimentos. E ali de lindas canções'”, diz. E acrescenta:


nada servia explicar que era músico "Mandela ensinou-nos a não atirar
de renome, com concerto marcado, de integração dos africanos na apenas partiu metade portuguesa do pedras ao carrasco. É importante
até porque as autoridades acha- Europa deve-se ao peso burocráti- grupo - Riot e Branko. olhar para o outro, mas esse outro
vam estranho que ele viajasse sem co”, afirma-nos. E tem razões para O caso norueguês foi exemplar- não tem de ser apenas aquele que
qualquer documento. Esta inusitada isso. Logo aos 17 anos, quando veio mente irónico. Naquele tempo, os Mandela ensinou-nos queremos olhar. Temos que aprender
prisão na “terra dos Vikings”, num viver para Portugal, para junto do Buraka estavam nos ouvidos do a não atirar pedras ao a olhar para aquele que nada tem a
país tido como exemplo civilizacio- pai, fugindo da guerra que assolava mundo, o nome da banda circulava ver connosco".
nal, é o ponto de partida de Também o seu país, teve essa má experi- pelos principais clubes dos Estados carrasco. É importante
os Brancos Sabem Dançar, o romance ência na Portela. Os funcionários Unidos e da Europa, ganhando um olhar para o outro, mas OS DA SUA RUA
de estreia de Kalaf Epalanga, editado perguntaram-lhe se trazia dinheiro protagonismo inédito para a eletró- Kalaf Epalanga Ângelo, nasceu em
pelo Caminho. consigo, ele respondeu-lhes: “O nica made in Portugal. Contudo, um esse outro não tem de Benguela, em 1978. Pai, médico,
A questão da fronteira é trans- suficiente para apanhar um táxi”. dos seus mentores via-se confundido ser apenas aquele que que cedo emigrou para Lisboa; mãe,
versal ao percurso de Kalaf. Ficou retido, à espera que o pai com um refugiado, um emigrante funcionária pública. Quatro irmãos.
Musicalmente atravessa-as sem viesse ao seu encontro. Mas, vá lá, ilegal apanhado numa manobra para queremos olhar. Temos Crescer em Angola nos anos 80 era
dificuldades - o som dos Buraka, o dessa vez pelo menos não foi preso, alcançar certo paraíso gelado. Esse que aprender a olhar lidar diariamente com a guerra civil:
kuduro progressivo, é exatamente uma assinatura do pai desbloque- confronto, do homem na sua cir- o clima de instabilidade, os raciona-
isso, a fusão de sonoridades de ter- ou a situação. Noutras ocasiões, as cunstância, de quanto tudo é relativo,
para aquele que nada mentos, os recrutamentos forçados.
ras distantes, a descoberta de terri- fronteiras afiguram-se como muros foi fator mais que inspirador para tem a ver connosco “Havia todo o tipo de recomenda-
tórios comuns, entre África, Europa intransponíveis. Como daquela vez este seu primeiro livro. Isso bastaria. ções, para não apanharmos coisas do
e América, entre Luanda, Lisboa, em que Diplo, um dos grandes DJ Mas, na verdade, Também os Brancos chão, porque poderiam ser pedaços
Berlim, Bristol e Chicago. As fron- norte-americanos, depois de ter es- Sabem Dançar teve uma outra génese. de bombas”. Um clima de grande
teiras físicas, contudo, afiguram-se tado numa festa no Lux convidou os José Eduardo Agualusa, seu cialmente de música, de kuduro, de tensão que servia também para bai-
bastante mais complicadas. Mais Buraka para uma festa em Londres patrício, mestre e amigo, desafiou-o como tudo aquilo se vivia nas ruas xar os objetivos: “O sonhos tinham
ainda quando se nasce em Angola. no dia seguinte. Foi impossível a participar numa conferência no de Angola. Agualusa, impressionado um limite, sabíamos que haveria
“Uma das principais dificuldades conseguir o visto a tempo, pelo que Rio de Janeiro. Kalaf falou essen- com o que ouviu, desafiou Kalaf a zonas a que não poderíamos aspirar”.

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt FIGURA
letras * 11
Os brinquedos estavam raciona- ondas de eletrónica com influência de da agente, que o queriam mais dispo-
dos, mas a arte e a cultura eram um música brasileira, sul-africana ou do nível para viagens e entrevistas Tudo
escape. Ricardo, o seu irmão, um Senegal, desenharam um conceito, tem a ver com a opção pela escrita.
pouco mais velho, que ainda hoje é que no fundo era aplicar à sua realida- Os Buraka terminaram, ou
pintor, foi uma influência importan- de as experiências de fusão de música interromperam o seu percurso, por
te. Kalaf cedo despertou para as artes eletrónica com música de raiz étnica. vários motivos. Por um lado, porque,
e para as letras... e também a gestão, Nasceu assim, em primeiro lugar, a como diz, "a música de dança é um
área em que primeiramente cursou editora Enchufada e depois os Buraka desporto para gente jovem". Isto
- vendia os quadros do irmão no Som Sistema, formados por Branko, apesar de realçar que admira vários
mercado. Quanto à política levavam Riot, Conductor, Kalaf e Blaya. produtores com mais de 50 anos. Mas
muito a sério o verso de Velha Chica, as sementes plantadas pelos Buraka já
de Waldemar Bastos - “Menino não A AMADORA CONTA deram frutos em Lisboa e agora sente
fala política”.”Os da Minha Rua, Da Buraca… para o mundo (From a necessidade de "se reposicionar" em
de Ondjaki, traça um retrato bem Buraca to the World). Assim se cha- relação à música. Por outro lado, "to-
claro de como foi crescer em Angola mou o seu primeiro disco, em 2006. dos os membros dos Buraka tinham
naqueles tempos”, sublinha. E assim aconteceu. A expansão outros sonhos de que abdicaram em
Em 1992, a guerra civil teve uma vertiginosa do kuduro progressivo função da banda". O de Kalaf, já se
escalada, quando Jonas Savimbi se dos Buraka deveu-se a uma sintonia sabe, era o de ser escritor.
recusou a aceitar o resultado das com outras ondas da pista de dança A aptidão pela escrita, como já se
eleições gerais. Pouco depois, Kalaf a nível mundial, e à empatia com explicou, vem de longe, mas talvez
rumou a Lisboa, onde vivia o pai. figuras de renome, em parte graças se tenha tornado mais visível quando

LUÍS BARRA
“Tinha 17 anos, fiz o que me man- à plataforma brandcamp. Foi assim começou a escrever crónicas no jor-
daram, para mim era provisório. O que o som dos Buraka chegou aos nal Público. Por ali contava histórias,
guião de qualquer emigrante era esse: ouvidos de MIA - grande ícone da Kalaf Epalanga Um "liberal de esquerda" algumas mais africanas outras mais
vir, tirar o grau académico e depois música eletrónica - que logo se europeias, sempre com um vincado


voltar”. predispôs a colaborar com eles, e a sentido crítico e de humor, que levou
A relação conflituosa com o pai muitos outros com destaque para Vítor Balenciano a apelidá-lo de
também nunca se resolveu. “Neste Diplo. O crescimento dos Buraka dia sim, dia sim, em alguns países agitador social. Essas crónicas foram
livro escrevo coisas que deveria foi excecional. Passaram por alguns ficávamos menos de 24 horas, só reunidas em dois volumes, também
dizer-lhe pessoalmente, mas tenho dos principais clubes da Europa conhecíamos o hotel, o aeroporto publicados pela Caminho, com os
a esperança que ele leia e finalmente e Estados Unidos, tiveram uma e o local do evento”. Esse frenesim
Agora que já passou sugestivos títulos Estórias de Amor
queira ter uma conversa comigo, de projeção no mercado america- precipitou o fim. Ou pelo menos o algum tempo, consigo para Meninos de Cor e O Angolano
homem para homem”.
Lisboa não se afigurou uma
no como nunca nenhuma banda
portuguesa alcançou. Os Buraka
intervalo da banda, que se deu há
cerca de um ano. Mas Kalaf realça:
ver como poderíamos que Comprou Lisboa (por Metade do
Preço). Em algumas dessas crónicas
cidade fácil. Kalaf, para sobreviver, Som Sistema são o símbolo de uma "Agora que já passou algum tempo, (os Buraka) continuar. refere-se ao seu avô, talvez a sua
fez um pouco de tudo. Foi servente nova Lisboa, cidade cosmopolita, consigo ver como poderíamos conti- Poderemos ser uma maior inspiração.
nas obras, serviu em restaurantes, ponto de encontram onde se cruzam nuar. Poderemos ser uma espécie de É devido ao avô que acabou por
distribuiu pizzas, trabalhou numa culturas, a mais africana das cidades Kraftwerk do kuduro, com poucos espécie de Kraftwerk optar pelo apelido Epalanga, que o
discoteca de kizomba. “Esse trabalho europeias. “Sem todas essas relações concertos, de tempos a tempos.... do kuduro, com poucos avô declinou, por, na altura, ficar mal
na discoteca foi muito importante, com o resto do mundo os Buraka Mas ainda não comentei nada disto a um "negro emancipado". Ao assinar
porque recuperei a ligação com ou- não seriam o que são. Tudo faz parte com o resto da banda". concertos, de tempos os seus livros Kalaf Epalanga está a
tros africanos”, diz. Mais importante de um coletivo que tem vontade de a tempos.... Mas ainda assumir toda essa africanidade.
terá sido ainda algumas pessoas com comunicar com os seus pares que O AGITADOR SOCIAL Também os Brancos sabem Dançar
que se cruzou no caminho, como vivem outras realidades”, diz. E A nossa conversa com Kalaf é feita a não comentei nada não estava para ser o seu primeiro
Kalunga Lima. “Foi muito inspirador. explica: “Para nós tudo aquilo era longos quilómetros de distância, via disto com o resto da romance. O plano era outro. Kalaf
De repente, estava em Lisboa com real, o mundo é que tinha andado Skype. Há dois meses que fixou resi- queria afastar-se mais claramente
uma figura que tem uma história de distraído e finalmente acordara para dência em Moçambique, na cidade da música, para ser "levado a sério",
vida incrível, que viajou pelo mundo. a nossa música, para o facto de ser de Maputo, por nenhuma razão em como escritor. Até porque considera
Deu-me os mais valiosos conselhos”. possível fazer aquilo a partir de uma especial. “Desde que me reformei dos devido aos acontecimentos recentes, ser muito mais fácil contar histórias
Como o quê? Mesmo não sendo um cidade como Lisboa”. Buraka decidi que queria passar mais estou cheio de vontade de ir para o angolanas. "A mesma história pas-
cantor, não dominando um ins- A vida dos músicos dos Buraka tempo em África do que na Europa. Zimbabué”. E arrisca estar longe sada em Angola tem logo qualquer
trumento, não sendo um escritor tornou-se uma torrente de espe- E quis começar por umas tempora- do epicentro de onde acontecem as coisa de exótico, que a torna mais
brilhante vamos disco a disco, livro táculos. “Estávamos no aeroporto das em países lusófonos. Mas agora, coisas, para desespero dos editores e atraente", explica. E há algum tempo
a livro fazendo o caminho, os erros que está a preparar um romance
fazem parte de um percurso”. chamado O Golpe, que fala sobre a

Um romance para dançar


Tudo isto se encaminha para os situação política em Angola. Mas,
Buraka. Mas atenção, que antes já o atendendo às recentes alterações,
nome de Kalaf circulava pelas noites com a presidência de João Lourenço,
de Lisboa e pelos meios artísticos. resolveu repensar o romance. É que
Ao ponto de uma editora lhe propor agora o 'menino' já 'fala política'. E
a gravação de um disco. Kalaf partiu Kalaf acompanha com atenção o que
em busca de produtores. Encontrou se passa no seu país e no mundo, não
Branko e Riot, que exploravam José Eduardo agualusa géneros, da autoficção àquilo que ele mesmo escondendo a sua admiração pelo
diferentes sonoridades eletrónicas reivindica como “romance musical”. Na última jornalista Rafael Marques. Considera-
na periferia de Lisboa, na Amadora. das três partes em que o romance se divide, se um "liberal de esquerda". Diz que
Gravaram umas ideias para o disco, Também os Brancos Sabem Dançar é um romance Kalaf mostra-se também capaz de assumir é preciso intervir: "Não basta não ser
só que a editora recusou: "Não surpreendente por diversos motivos. Em primei- diferentes peles (no caso a de um polícia racista, é preciso ser antirracista".
estavam preparados para aquilo". ro lugar confirma a passagem de Kalaf Epalanga, escandinavo), assegurando que é capaz de ir De resto, Kalaf vai sempre escre-
Kalaf acabou por gravar esse álbum anteriormente conhecido por Kalaf Angelo, de muito para além das fronteiras de si mesmo, ou vendo. "Não tenho disciplina para
com outros produtores. Contudo, a músico e agitador cultural a escritor. Depois, seja, dessa autoficção, que tantos escritores do fazer um diário, mas vou tomando
experiência com os dois amadorenses porque traz para a literatura angolana uma voz nosso tempo não conseguem ultrapassar. Virão notas, conversando com as pessoas".
ficou retida e continuou a trabalhar que não cabe em nenhum cabide: absolutamente outros romances. Virão depois deste títulos muito E também fazendo canções. A esse
com eles. original no estilo, no projeto, nos objetivos. Kalaf diversos. nível descobriu que há mundos para
Branko, entretanto, mudou-se tem mais parentesco com os novíssimos escritores Este é, sem dúvida, um romance cheio de swag além dos Buraka. Chegando mesmo
para Madrid para frequentar um curso nigerianos, nos quais se destacam nomes como e de swing. Um romance musical, divertido e a aproximar-se do fado, quando fez
de produção musical. Kalaf visitava- Chimamanda Adiche, Teju Cole ou Uzodinma, do corajoso, que conta não só a história do kuduro, uma música para Ana Moura, Não
-o regularmente e dali partiam para que com com qualquer escritor ou corrente da como, mais do que isso, vai à procura de respostas Quero nem Saber, com letra de Sara
outros sítios, como Barcelona, e o seu literatura africana em língua portuguesa. Kalaf para muitas das grandes inquietações dos nossos Tavares. Além disso também desenha
famoso festival de música eletróni- está atento ao mundo e ao seu tempo: quando se dias, em particular aquelas que dizem respeito e concebe as capas dos seus próprios
ca, o Sonar. Andavam à procura de interessa pelo local é para o universalizar. à formação de identidades, sejam elas íntimas livros. Kalaf Epalanga é, pois, um
qualquer coisa, de uma linguagem O primeiro romance de Kalaf surpreende ou coletivas. Um grande primeiro romance. Um cidadão do mundo, predisposto a
diferente. Fruto das suas viagens, do também pela mestria com que funde diferentes grande escritor que aqui se revela e principia. atravessar todas as fronteiras, através
que ouviam pelo mundo, as novas das artes e das letras.J

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12 * letras LIVROS jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

Helder G. Cancela
ou Victor, o empregado mudo sobre o
qual ninguém sabe nada.
A inquietação deste drama advém

O lado mais obscuro do humano


precisamente dessa violência surda e
insidiosa que se aloja a cada momento
da sua ação, da sua estranheza que é
construída por uma linguagem ob-
sessiva e depurada, realçada por uma
imagética impressiva e uma densidade
metafórica assinalável. Podemos ficar
envolvidos (ou não) pela estranheza
desta linguagem, pela inquietação
Maria João Cantinho nos lança numa teia, arrastando-nos dilacerando todos os elos (amorosas e do seu universo ficcional, mas não
vertiginosamente. familiares), aparecendo como reflexo ficamos imunes à contaminação que
Cancela coloca-nos sempre diante de uma culpa arcaica e civilizacional, a a sua leitura provoca. E se Impunidade
Helder G. Cancela falou (numa de um inominável que se instala nos do incesto, mais uma vez. Ela recai so- já revelava uma voz singular na ficção
entrevista a Isabel Lucas, no Público), limites da linguagem, de gestos bre todas as personagens, tornando-as portuguesa contemporânea, com As
de um “silêncio quase absoluto” substituindo o que não é dito, mas que reféns, trágicas figuras que se movem Pessoas do Drama o nome de Helder
com que a crítica recebeu a sua obra se pressente, diante da incomunicabi- num território de ninguém, em per- G. Cancela dificilmente poderá ser
Impunidade, publicado pela Relógio lidade das suas personagens – e como manente exílio, tanto da linguagem ignorado, inscrevendo-se numa
d’Água em 2014 e que foi finalista do se torna aqui tão forte a personagem como da comunidade. linhagem de autores como Gonçalo
Prémio da APE em 2015. Porém, se, de Victor, meio espanhol e meio Em jogo estão seis personagens, M. Tavares, Rui Nunes, Jaime Rocha,
com Impunidade, tinha feito recair marroquino, para tornar mais vivida e Laura Sperelli, Filippo Arborio, Hélia Correia, Dulce Maria Cardoso ou
sobre si as atenções de alguma crítica, tensa essa impossibilidade da fala. É no Andrea (filho de Laura), Lisa (mãe António Lobo Antunes. Espreita-nos
é preciso referir que já havia publicado corpo que se inscreve a radicalidade da de Laura) e o próprio narrador, cujo na sua obra o negrume de Dostoievsky
anteriormente obras como Anunciação lei, do mesmo modo que nele se joga a nome nunca nos é dado. Este parte e de Thomas Bernard, em todas essas
e De Re Rustica, compondo, com abjeção da sexualidade (não por acaso em busca de Laura Sperelli, actriz, e figuras alinhadas pela constelação de
Impunidade, uma trilogia, além de um Helder G. Cancela estes homens apenas têm relações que encontra em Itália. Alguém que uma escrita que tem o poder de nos
livro de ensaios intitulado O Exercício com prostitutas). Dela, e também dos é, antes de mais, uma imagem de um dar o lado mais obscuro do humano
da Violência. É importante relembrar corpos, se ausentou o amor e a própria filme cuja violência sexual o excita, e sem ilusões que a embelezem. Sem
o seu percurso para se compreender esperança e o autor dá-nos a ver um “uma mulher impúdica que não hesi- antídotos que a salvem.J
como os temas da violência, da deca- projetasse sombra. Entre o muro e universo em que todas as relações se tava em despir-se para as câmaras”,
dência e da loucura se inscrevem no a lâmina não havia nada. Vontade, sustentam mais na visceralidade das que encontrará num teatro em Itália.
seu universo singular, tanto nas suas medo, expectativa, nada.” Se, como pulsões do que nas ilusões que a socie- Laura é uma “mulher pública”, que se
personagens como na construção da escreve Maurice Blanchot, em O dade quis impor-nos. sente permanentemente exposta, por
sua narrativa, criando uma atmosfera Espaço Literário, “escrever é entregar- Nisso radica uma dimensão trans- isso o palco é, para ela, “um estado
obsessiva em que as categorias do mo-nos ao fascínio do tempo e, atra- gressora e ousada da sua escrita, ao de exceção” (p. 61), onde mostra o
grotesco e do abjecionismo refletem vés dessa entrega radical, atingirmos arrepio das narrativas convencionais, corpo, nesse paradoxal gesto, em
a implosão das categorias do nosso a essência da solidão”, é justamente fortemente reflexiva e implacável na que “mostrar e esconder são parte
entendimento, para dizer um mundo este movimento que encontramos nas forma de olhar o mundo. Oferece-nos do mesmo movimento” (p. 25). Tal
regido pelo caos e pela dilaceração, obras de Cancela, o de uma subtração sobretudo uma visão desencantada como já acontecia em Impunidade,
que se instalam nas relações entre as ao tempo e ao espaço para mergulhar da humanidade, regida por estranhas em que a personagem feminina era
suas personagens e as empurram para no mundo interior das suas persona- leis, um universo do qual se ausentou, incapaz de amar, também Laura
situações-limite. gens e da sua irremediável solidão. não apenas a linguagem, mas também revela essa impossibilidade, profun-
Lê-se no início de As Pessoas do Tudo parte aqui de um impulso a noção de família e de comunidade. damente perturbada e fechada em si › Helder G. Cancela
Drama: “À minha frente um muro. visceral e de um gesto de sobrevivên- E se, aquilo que é aqui encenado é a no seu segredo. Como de resto todas AS PESSOAS
Uma faca nas costas. Eu sentia-lhe a cia, em que o universo ganha uma luz violência, ela escava o que há de mais as personagens, Filippo, o marido DO DRAMA
lâmina, seca como uma luz que apenas seca, que não (nos) ilumina, mas antes frágil e precário na humanidade, que é constantemente abandonado Relógio d’Água, 296 pp., 17 euros

BANDA DESENHADA executante, pela fluidez do traço, o


modo como compreende a linguagem
João Ramalho Santos e o marcar de ritmos narrativos (A
fórmula de felicidade, Kong, the King),
embora com menor fulgor no realismo

Canções
“puro”. Curiosamente Medina admite
fantástico que perpassa as obras ter como característica a rapidez de
editadas a diferentes níveis, mesmo execução e, talvez essa capacidade o
quando estas ancoram no real. Nem limite nalgumas obras recentes. Se na
sempre resulta em pleno, mas o biografia de Agostinho Neto é a quan-
trabalho editorial tem sido digno de tidade de texto que funciona como
registo, como no mediático O Elixir travão, resultando num livro ilustrado
da Eterna Juventude. Com argumento (e não tanto BD), em O Elixir da Eterna
Talvez o sinal mais intenso de uma de Fernando Dórdio e desenhos de Juventude notam-se problemas na
(certa) maioridade na banda dese- Osvaldo Medina este é, de facto, um representação, expressões e movimen-
nhada portuguesa seja, não tanto o livro que orbita (e fagocita) canções de to. O desenho é aqui mais rígido do que
› Argumento de Fernando
considerável volume editorial, mas o Sérgio Godinho, com as letras dessas Dórdio, desenhos de Osvaldo noutras colaborações com Fernando
consolidar de identidades fortes e coe- canções (ou suas referências) a com- Medina (cor de Joel de Dórdio, talvez prejudicado pela neces-
rentes nas editoras/editores mais inte- porem a maior parte do argumento. Souza). sidade de ligação a pessoas reais/reco-
ressantes. Algo que, e este é o principal De resto o protagonista é uma versão O ELIXIR DA ETERNA nhecíveis. E a cor, oscilando entre uma
mérito, torna as suas visões comple- do próprio Sérgio Godinho, surgindo, JUVENTUDE neutralidade baça e uma agressividade
mentares, potencialmente abrindo o para além de personagens tiradas da Kingpin Books. 90 pp., 13 Euros. exagerada, também não ajuda.
mercado a diferentes tipos de leitores, sua obra, o Carteiro de António Mafra, Em suma, O Elixir da Eterna
no sentido em que não é muito difícil Jeremias o Fora-da-Lei (Jorge Palma) Juventude é uma excelente ideia que
perceber porque motivo uma obra foi e Zeca Afonso, avisando (agora e sem- escrita em tom de homenagem, mas estilo de Dórdio (Agentes do C.A.O.S; merece ser descoberta por fãs de Sérgio
editada pela Kingpin Books (Mário pre) contra os Vampiros. A meta-nar- cujos mecanismos se ressentem da Inspetor Franco: Caos e Ordem) nunca Godinho, que se poderão dedicar à
Freitas), e não pela GFloy (José de rativa assume-se em pleno quando a escolha de letras das canções como seria tarefa fácil. Por outro lado, talvez arqueologia das letras, e, sobretudo, a
Freitas). Ou distinguir os interesses da personagem “Sérgio Godinho” encon- principal “cola” narrativa. Cada um ensaio final/memória descritiva tentar “ouvir” as sonoridades das mú-
Polvo (Rui Brito) dos da Mmmnnnrrrg/ tra a personagem “Fernando Dórdio”, canção é um mundo, e tentar fazer tivesse sido útil para situar leitores não sicas ao longo do livro. Mas é uma BD
Chili Com Carne (Marcos Farrajota). que lhe orienta a demanda em busca de um concerto de mundos inde- tão familiares com o universo. que se estranha, e da qual se gostaria
No caso da Kingpin Books há um do sentido da obra, rumo à imortali- pendentes (embora com referências Do ponto de vista gráfico Osvaldo de ter gostado mais. Como o primeiro
fio condutor de um certo onirismo dade (artística). Esta é, pois, uma BD comuns) uma história forte e una no Medina tem-se revelado um talentoso gomo da tangerina. J

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt LIVROS
letras * 13
PALAVRA DE POESIA Aos iniciais mandamentos de
escola e da influência bretoniana,
António Carlos Cortez identificamos na sua obra não apenas
o combate pela libertação da imagi-
nação no quadro do lirismo que, em

Mário Cesariny
inícios da década de 40, faz ecoar
ainda o presencismo, mas também a
metódica intervenção, nesse mesmo
lirismo, contra a sombra tutelar de

Liberdade, amor, conhecimento


Pessoa e que levará Cesariny a recu-
perar Pascoaes, reposicionando-o no
cânone da nossa poesia contemporâ-
nea. Não é esse um gesto que possa-
mos minimizar, pois Cesariny, para
reabilitar o real quotidiano, concilia
a sua experiência surrealista com as
águas mais profundas de certo misti-
cismo vindo do autor de Marânus e a
“O surrealismo continua a ser o e conhecimento são palavras que, sua estética, opondo à descoberta de
último enunciado verdadeiro dos pro- por demais usadas, perderam a sua Pessoa a descoberta da sua própria
blemas centrais do nosso tempo, para verdade mais intrínseca. voz onde o autor de “Tabacaria” é
quem quer viver como um homem e No capitalismo feroz em que desconstruído para surgir a partir
não como um porco farto e satisfeito. vivemos tais substantivos soam a dos seus escombros o nome forte de
Como filosofia, como poética, como anacronismo e, para gerações mais autor: Mário. E a repercussão de um
busca da direção desconhecida, da novas, a serôdio romantismo. Não apelido: Cesariny.
divindade civil: Liberdade, Igualdade, assim, quando lidas na Poesia, de Assim, nele se reúnem romantis-
Fraternidade, deram lugar aos man- Mário Cesariny, que agora a Assírio mo (Baudelaire e Rimbaud), realis-
damentos sagrados do surrealismo: & Alvim edita. Trata-se, quanto a mo (Cesário, claro está), simbolismo
Liberdade, Amor, Conhecimento.” mim, de um dos mais importantes (Pessanha e Nobre) e tradições
Estas palavras de Mário Cesariny factos editoriais deste ano, a par das literárias diversas que recuam mes-
sobre a “única real tradição viva” edições de Eugénio de Andrade e de mo à literatura oral e ao romancei-
não deixa de nos provocar uma certa Ruy Cinatti, também com a mesma ro. Reabilitar o real é, para o autor
angústia e perplexidade. Cesariny chancela editorial. Mas essa impor- de Pena Capital ter noção de que a
morreu em Novembro de 2006 e, GONÇALO ROSA DA SILVA tância deve-se ao rasgo de genialida- poesia, como grito lançado sobre a
pouco mais de dez anos depois, os de do nosso maior surrealista que, na cidade é revolta inútil, mas corajosa,
sinais do mundo não se compadecem verdade, transcende a mera etiqueta contra os tiranos do Tempo. Ainda
daquele projeto de vida e de poesia, periodológica em que, ao longo das que condenada a ser falha, a palavra
de arte feita programa que o surre- décadas, foi sendo posto. Cesariny, de poesia interroga as éticas mais
alismo, como escola e modo de ser também artista plástico, merece ser hipócritas, os lugares mais bem fre-
e estar, nos legou. Liberdade, amor Mário Cesariny “Com Ramos Rosa podemos repetir que esta poesia nos faz sentir vivos” lido para além desse rótulo. quentados das elites bem-pensantes.

José de Almada Negreiros


Desenho em movimento
30 nov — 18 mar 2018

GULBENKIAN.PT Museu Nacional de Soares dos Reis


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14 * letras LIVROS, ESTANTE jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

Um poema como “Pastelaria” ou


“O Virgem Negra” são evidentes na
mistura de dois registos típicos em
Cesário e Campos, ao mesmo tempo
que reanalisa o poder da imagem
vaga, complexa e subtil de Pessanha,
Romance inédito de Agustina
Cesariny: a paródia, por um lado e o dando ao símbolo e à analogia a
pornográfico/ escatológico com que dimensão enumerativa, a associação
se desfazem mitos para mostrar até de cenas pelo absurdo (“Alegre tris-
ao osso a literalidade das ficções. te meigo feroz bêbedo/ lúcido/ no Agustina Bessa-Luís escrevendo sobre o mundo rural, a Casa do Paço,
Ao dizer “You are Welcome to meio do mar// Claro obscuro novo em Travanca, um “mundo fechado, que frequentara
Elsinore”, o que Cesariny declara é velhíssimo obsceno/ puro no meio em criança e adolescente, onde o convívio com as
a sua posição incómoda, dado que do mar”). O “homem das pen- tias Maria e Amélia foram um exemplo para a sua
Elsinore é para ele a rejeição dos sões e das hospedarias” que lemos vida, um legado de sabedoria transmitido como
reinos onde os poderes impedem em Cesariny reenvia também aos uma profecia”, como escreve em prefácio Mónica
a vitória do princípio do prazer. A padeiros e mestres carpinteiros de Baldaque, filha da escritora.
realidade quotidiana a reabilitar, Cesário, outro reinventor da imagem A tia Amélia viria, de resto, a inspirar A Sibila,
tal como o elogio e simplificação poética. Mas o poder alucinante dos romance que publicou em 1954, que constitui um
feito a Álvaro de Campos obede- versos de Cesariny – o homem que marco na própria história do romance português. As
cem, portanto, a um mesmo gozo e “levanta a sua fronte de cratera mo- duas últimas páginas desse romance, como adianta
gosto por atirar à cara dos hipócri- lhada” -, é de um poder de sugestão ainda Mónica Baldaque, “testemunham, numa lin-
tas e dos cínicos a única verdade que Cesário, em 1880, não podia, guagem oracular, como num transe arrepiante e co-
suprema: que entre nós e as palavras obviamente, alcançar. É essa visão movente, pela revelação do profundo, a transmissão
“há metal fundente”. Cesariny lê minuciosa do real que o poeta de “O de um destino, que ela, Agustina, terá de continuar a
bem a tragédia de Hamlet: mais do Virgem Negra” dá a uma poesia que Primordial e fundador, Deuses de Barro foi escrito cumprir depois da morte da Sibila”. Deuses de Barro,
que vítima ele é o carrasco dos que se debateu sempre entre as vozes quando Agustina Bessa-Luís tinha 19 anos e perma- se por um lado é um “esboço para a descoberta dos
ignoram os mandos e desmandos do mais sentimentais, para as quais o neceu inédito até agora. E, sendo um romance inicial, mundos fechados” dos três primeiros romances, por
rei. A palavra poética em Cesariny sentimentalismo exacerbado signi- nele se revela, desde logo, uma geografia recorrente outro, “representa já um grito de liberdade, de ousa-
vive disso mesmo: da injunção, ficava poesia, e as que, como Carlos e as coordenadas do futuro universo ficcional da es- dia, revolta e desafio, contra os deuses de barro que
de Oliveira ou Sophia, Eugénio critora, mesmo em latência, os traços de algumas das nos vigiam, nos tolhem, com quem somos obrigados


ou Jorge de Sena, colocavam no histórias e personagens que criou mais tarde. a conviver e venerar”.J
âmago da escrita o rigor da dicção, A 1ª edição de Deuses de Barro, que será o 5º
a extrema atenção à metáfora e aos volume das Obras Completas de Agustina que a
significantes. Relógio d’Água está a publicar, permite assim um
O rasgo de genialidade Ora, ao relermos hoje a poesia de exercício 'arqueológico', um regresso às origens de
do nosso maior Mário Cesariny nesta edição que não uma escrita das mais poderosas da literatura por-
se pretende crítica, como esclarece tuguesa contemporânea, com o prazer de reencon-
surrealista que Perfecto Cuadrado em prefácio, o que trar no princípio um território firme e conhecido.
transcende a mera vemos é que surrealismo nele é outra Nesse primeiro romance, Agustina, que costumava › Agustina Bessa-Luís
forma de fazer circular o “navio de aconselhar que se escrevesse sempre sobre o que DEUSES DE BARRO
etiqueta periodológica espelhos” nas mais diversas rotas da se conhecia, tomou para si própria o conselho, Relógio d’Água, 162 pp., 16 euros
em que, ao longo das nossa tradição amorosa e humorísti-
ca. Burlesco e sentimental, o sujeito
décadas, foi sendo posto. incómodo, que ri de tudo, que se
Cesariny, também revolta contra um país – Portugal FICÇÃO ga de escola, e a partir
– onde “os homens são só até ao dessa herança constrói › Carson McCullers
artista plástico, merece
ser lido para além desse
joelho” – é hoje mais necessário
ainda que noutros tempos. O poder, Um romance uma história de família.
Trata-se do primeiro
RELÓGIO SEM PONTEIROS
Relógio d’Água,242 pp, 17 euros
rótulo difuso e desconfiado, poderá citar os
versos deste poeta maior do nosso
da História romance de Cristina
Almeida Serôdio.

Nele se reúnem
idioma, mas não poderá domesticá-
-lo, porquanto a sua arte poética não
A História e os seus
protagonistas parecem
Nascida no Porto, em
1958, a autora foi docente convidada Nova tradução
romantismo, realismo, se adeque ao politicamente correto
desta época clean. Que diríamos se
ser uma inesgotável
fonte de sedução para
da Faculdade de Letras de Lisboa,
lecionando atualmente no Ensino
de Bolaño
simbolismo e tradições alguém, nas capelas mortuárias da muitos escritores Secundário. É investigadora do Centro Uma demanda de
literárias diversas, nossa “pequena casa lusitana” de contemporâneos. De de Estudos de Teatro e co-autora do uma escritora desa-
novo viesse declarar: “creio em deus tal forma que originam programa de Literatura Portuguesa do parecida no México,
que recuam mesmo pá’/ um dois três quá/ tod’poderô’/ vastas coleções como a 10.º e 11.º anos. que é também a da
à literatura oral e ao um dois dois três/ cridor do céu e da da Saída de Emergência, “A História própria Literatura.
té’ [...]”? E, para além do imediato de Portugal em Romances”, à qual › Cristina de Almeida Serôdio Ao correr de 20 anos,
romanceiro riso ou sorriso que seus versos provo- se junta mais um volume, Terra A CASA DAS TIAS passando por vários
cam, que diremos da sua meditação Queimada. A trama incide sobre o Teorema, 200 pp, países, da Nicarágua à
sobre o dia-a-dia sórdido, também período das Invasões Francesas e Áustria, França ou Estados Unidos,
canino e policial, tão pouco dentro é o romance de estreia de Eduardo Os detetives selvagens deslindam
da provocação, do estoque pro-
fundo com que se pode desfazer
da vida que um poema como “Corpo
Visível” nos oferece? Com Ramos
Gomes. Nascido em 1956, forma-
do em Direito, Administração e O último personagens extraordinárias, que
nos deixam irremediavelmente sus-
esse “reino da Dinamarca” que um
Alexandre O’Neill, seu camara-
Rosa podemos repetir que esta poesia
nos faz sentir vivos. J
Marketing, desenvolveu um longo
percurso na área da gestão, antes de
McCullers pensos por um fio narrativo de gran-
de mestria. O colossal romance do
da, igualmente atacou. E por isso se dedicar à escrita, sendo atualmen- Foi o último escritor chileno Roberto Bolaño, que
mesmo é que afirmar-se que o te o dinamizador do projeto “As vol- romance da escritora morreu em 2003, tem nova edição
surrealismo português, mesma na tas da História”, contos vocacionados norte-americana em português. Também com uma
sua (discutível) faceta abjecionista, para crianças, em colaboração com a Carson McCullers, de nova tradução de Cristina Rodriguez
foi como que um surrealismo de Biblioteca Municipal de Cascais. que se assinala este e Artur Guerra.
importação, me parece discutível. ano o centenário.
Independentemente das circunstân- › Eduardo Gomes Relógio sem Ponteiros › Roberto Bolaño
cias sócio-históricas que justificam TERRA QUEIMADA é mais uma história OS DETETIVES SELVAGENS
a surpresa dessa aventura em pleno Saída de emergência, 530 pp, 18,80 euros passada no sul dos Estados Quetzal, 794 pp, 24,40 euros
salazarismo, muitas das experiências Unidos, da autora de O Coração
de Cesariny e de outros (Cruzeiro é um Caçador Solitário e de A
Seixas, Vespeira, Carlos Eurico da
Costa e o já citado autor de De Ombro Herança das tias Balada do Café Triste, também já
publicados este ano pela chancela. Avant la lettre
na Ombreira) estavam já inscritas em Uma casa fechada encerra um mun- Desenvolvida em torno de quatro Uma paixão arrebatadora, um amor
poetas como Pessoa e Pessanha, em do de recordações, sobretudo quando homens, de diferentes gerações, proibido, um dilema emocional,
Cesário ou em certo António Nobre. › Mário Cesariny foi um lugar no mapa da infância. É o a narrativa, eivada de ironia, uma recusa dilacerante, A Princesa
O que Cesariny faz é prolongar e POESIA que acontece em A casa das Tias, onde equaciona nostalgias, anseios, de Clèves, de Madame de Lafayette,
aprofundar a revolução iniciada por Assírio & Alvim, 776 pp, 44 euros a protagonista regressa com uma ami- preconceitos e a ideia de redenção. é uma narrativa ao arrepio dos cos-

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt ESTANTE
letras * 15

Zeferino Coelho
tumes de uma época oferece mais um argumento para uma OUTROS
e dos seus figurinos leitura irrecusável: a tradução é da
literários, na medida escritora Maria Manuel Viana.
Autobiografia
em que tem uma di-
mensão intensamente › Enrique Vila-Matas
MAC E O SEU
de Gertrude Stein N'O Reino de Gonçalo
M. Tavares
introspetiva avant la
lettre. É, nesse senti- CONTRATEMPO Pelo salão de Gertrude
do, inaugural do romance psicoló- Teodolito, 262 pp, 14, 85 euros Stein, em Paris,
gico, revelando a modernidade de passavam Picasso,
uma escritora do séc. XVII. Voltaire › Arturo Pérez-Reverte Cézanne, Matisse, Gris,
disse sobre o livro que era um dos Apollinaire, Cocteau,
primeiros em que os “hábitos das
FALCÓ Pound, Hemimgway,
Asa, 274 pp, 16,90 euros
pessoas honestas e as aventuras Fitzgerald. “Os génios
naturais foram escritos com gra- vinham para conversar
ciosidade”, salientando que antes
de Madame de Lafayette, nascida Perigosos jornais com Gertrude e as mulheres faziam sala
comigo”, diria Alice B. Toklas, com-
em Paris, em 1634, se escrevia com Um romance que panheira da escritora. Muitas histórias
“um estilo empolado, coisas pouco parte de aconteci- da fervilhante vanguarda parisiense do
verosímeis”. mentos que ocorreram princípio do séc. XX tornam particular-
durante a ditadura, mente apetecível Autobiografia de Alice
› Madame de Lafayette mas que “seduz como B. Toklas, um olhar autobiográfico sobre
A PRINCESA DE CLÈVES autêntica e autóno- a existência da escritora norte-ameri-
Relógio d’Água, 164 pp, 10 euros ma literatura”, como cana que se fixou em Paris, em 1903,
escreve Luiz Antônio de regresso com o irmão à cidade onde
Assis Brasil – Um Perigoso Leitor nascera. Escrita em seis meses em 1932,
de Jornais é uma nova incursão do como se se tratasse de uma autobiogra-
jornalista açoriano Carlos Tomé no fia de Toklas, também americana e que
domínio da ficção, em que se estreou se mudou para França em 1907, a obra,
em 2002, com um livro de con- uma das mais destacadas de Stein, pelo
tos, A Noite dos Prodígios e outras registo inovador e irreverente, tem ago- Gonçalo M. Tavares Zeferino Coelho
histórias. Nascido em Ponta Delgada ra uma segunda edição em português,
em 1951, iniciou a carreira jornalís- em curto espaço de tempo, desta feita
Enrique Arturo tica em 1969, no Diário dos Açores, com tradução de Margarida Periquito.
Vila-Matas Pérez-Reverte tendo nomeadamente passado pela Sem ser um livro novo, é ou será Porque entende que, assim reunida
RTP daquele arquipélago e sido › Gertrude Stein uma das novidades de "peso", em num volume só, a obra 'ganha'?
Letras de Espanha correspondente do Expresso e de
A Capital. Uma reportagem sobre a
AUTOBIOGRAFIA
DE ALICE B. TOKLAS
mais do que um sentido, dos lan-
çamentos desta época de Natal: O
O facto desta obra monumental ter
sido publicada em “partes”, ao longo
De Espanha podem importância dos açorianos no povo- Relógio d’Água, 250 pp, 16 euros Reino, de Gonçalo M. Tavares - os de quatro anos, entre 2003 e 2007,
não vir bons ventos, amento do estado do Rio Grande do quatro romances da tetralogia, assim porventura limitou um pouco a visão
nem bons casamentos, Sul, no Brasil, A Geração Perdida, foi chamada, do escritor, reunidos pela do conjunto que lhe está subjacente.
mas vêm seguramen-
te bons escritores e
premiada e marcou o seu percurso.
Um Perigoso Leitor de Jornais é o seu Entrevistas primeira vez em um único volume,
de quase 900 páginas. Recordem-se,
Isso decorre do peculiar modo de
escrita e de publicação do autor –
romances de feição.
É o caso de Mac e o
segundo romance.
de Carlos Cruz por ordem cronológica de publica-
ção, os títulos dos quatro: Um homem:
longos anos de acumulação de traba-
lhos totalmente ou quase totalmente
seu Contratempo, de › Carlos Tomé Chamavam-lhe “o Klaus Klump, A máquina de Joseph definitivos e um ritmo de publicação
Enrique Vila-Matas, e UM PERIGOSO LEITOR senhor televisão”. E na Walser, Jerusalém e Aprender a rezar muito intenso. Por exemplo: o 1º
Falcó, de Arturo Pérez- DE JORNAIS televisão fez de tudo e, na Era da Técnica. Como explica o volume desta tetralogia – Um Homem
Reverte, que acabam Artes e Letras, 242 pp, savo alguma ocasio- editor, da Caminho, Zeferino Coelho, Klaus Klump – publicado em 2003,
de chegar às livrarias nal exceção, bem ou em "nota", na qual afirma tratar- abre com uma epigrafe que é um
portuguesas. muito bem. Inclusive -se de "uma obra literária que com excerto de Uma Viagem à India, livro
Pérez-Reverte TEATRO entrevistas, em alguns propriedade podemos classificar de publicado apenas em 2010...
apresenta-nos dos muitos programas fundadora da literatura portuguesa
uma personagem, Lorenzo Falcó,
protagonista de uma saga que agora Palavras ditas que teve. Circunstâncias conhecidas
afastaram-nos dos ecrãs, mas agora,
deste século". Mas quisemo-lo ouvir
mais sobre esta ousada edição da obra
Mas esta edição não vai exluir a edi-
ção dos volumes em separado.
inaugura. É um ex-traficante de
armas, espião dos serviços secretos
de M. A. Pina em boa hora, regressam em alen-
tado volume 12 dessas entrevistas.
do que é já hoje um nosso escritor de
primeira linha e com uma dimensão
Não. As duas edições vão conviver
porque são duas formas complemen-
de Franco que no ano de 1936 se Além da poesia São nove com portugueses de várias internacional que leva a ter, conclu- tares de apresentação desta obra mo-
envolve numa missão que irá acabar (é um dos nossos áreas, gerações e ideologias. A saber: ídas ou em curso, traduções em mais numental. Estas 879 páginas de texto
no Estoril, então fervilhante de poetas de primeira Ana Maria Caetano (filha de Marcelo de 50 países! sublinham a ideia de conjunto, fazen-
espiões, segundo rezam as crónicas. linha) e da literatura Cetano), o quase lendário líder do do realçar aquilo que me disse um dia
Mais uma narrativa com o fôlego a infanto-juvenil, com PCP Álvaro Cunhal, o ex Presidente Jornal de Letras: Como lhe surgiu a o Eduardo Lourenço a propósito de
que o escritor e jornalista, que foi numerosos e muitos da República Ramalho Eanes, o ideia desta 'reunião' dos romances da Gonçalo M. Tavares: um escritor com
repórter de guerra durante 21 anos, originais títulos, além escritor Manuel da Fonseca, o tetralogia neste volume de quase 900 uma prodigiosa imaginação roma-
nos habituou em romances como O da ficção e da cró- historiador José Mattoso, a dirigente páginas? nesca mas que, ao contrário do que é
Francoatirador Paciente, O Tango da nica (das inigualáveis) crónicas, do CDS Maria José Avilez Nogueira A presente edição de O Reino num habitual na literatura portuguesa, não
Velha Guarda, O Cemitério dos Barcos Manuel António Pina experimen- Pinto, o cardeal D. José Policarpo, o único volume corresponde a uma se exprime através de personagens
sem Nome, A Tábua de Flandres ou O tou ainda a escrita para teatro. último presidente da RTP da ditadu- ideia que tem andado no ar nos inventados para traduzir ideias, mas
Mestre de Esgrima. A Noite foi uma das peças que o ra, Ramiro Valadão, e o ator Mário últimos anos, entre mim e o Gonçalo antes de um encadeamento sucessivo
Por seu lado, Vila-Matas, um Prémio Camões de 2011 criou para Viegas. E três brasileiros: dois grande M. Tavares. O facto de em 2017 se e obsessivo de ideias de tal modo que
dos mais estimulantes nomes das a companhia portuense Pé de atores, Lima Duarte e Fernanda completarem dez anos do último dos estas chegam quase a ser sentidas pelo
letras de Espanha, autor de História Vento. Estreou em 2001, no Teatro Montenegro, e um não menor jorna- quatro livros ajudou a concretizá- leitor como se fossem personagens.
Abreviada da Literatura Portátil, da Vilarinha, no Porto, e é agora lista, Alberto Dines. Com prefácio de -la.. A presente edição de O Reino num
Suicídios Exemplares ou Paris não publicada numa nova edição. Às João Gobern, que caracteriza assim só volume visa sublinhar essa ideia.
Acaba Nunca, que ao registo ficcional palavras ditas e escritas para a as suas entrevistas: “Dar todo o E como reagiu o autor, que como é E, para além disso, é uma excelente
tem juntado uma produção ensa- cena do poeta de Ainda não é o Fim espaço a quem fala, sem se eximir da costume deve andar aí pelo mundo, prenda de Natal...J
ística assinalável sobre literatura, nem o Princípio do Mundo Calma condução da entrevista; ir a todos os perante o volume?
propõe-nos, com o novo romance, é Apenas um Pouco Tarde, acres- caminhos, sem cair na leviandade ou Desde que o livro chegou da tipogra-
uma reflexão sobre a própria criação centam-se agora as ilustrações de no diletantismo; procurar respostas fia, não voltei a falar com o autor. Não
literária. A narrativa, a que não falta Abigail Ascenso. efetivas e não apenas soundbytes.” sei portanto ainda, apesar de uma › Gonçalo M.
humor e mordacidade, passa-se muito breve troca de impressões pelo Tavares
em Barcelona e tece-se em torno de › Manuel António Pina › Carlos Cruz telefone, como é que olha para o livro O REINO
Mac, um desempregado, e o seu vizi- A NOITE CONTE-ME TUDO sob esta forma. Para mim, porém, Caminho, 888 pp.,
nho escritor. A edição portuguesa Assírio & Alvim, 56 pp, 14,40 euros Sextante, 624 pp., 17,70 euros esta é a sua forma definitiva. 45,90 euros

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16 * letras COLUNA jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

Gilka Machado
descendente de artistas
populares. O repentista baiano
Francisco Moniz Barreto era seu
bisavô e o violinista português

Erotismo espiritualizado
Francisco Pereira da Costa seu
avô. Sua mãe e sua tia atuavam
como atrizes do rádio. A isso
se alia a sua condição étnica.
Existem poucas fotos suas em
que não fica evidente aquilo que
talvez mais tenha atrapalhado
a receção isenta de sua grande
DESTINO BRASIL poesia espiritualista. Ela era
mulata. Ou seja, uma pessoa
Miguel Sanches Neto vista como objeto erótico pelos
homens, tal como conta o
mulato genial Lima Barreto, ao
falar de sua irmã Evangelina, em
Eleita a maior “poetisa” Daí que eu possa gozar, ao vosso seu Diário íntimo: “Minha irmã,
brasileira em 1933, num colo rente, esquecida que, como mulata que
inquérito da revista O Malho, esse perfume a um tempo se quer salvar, deve ter um certo
vencendo com estrondosa excitante e emoliente, recato, uma certa timidez”.
vantagem Cecília Meireles (100 numa dúbia, sensual e suave Qualquer liberdade é tomada
votos contra 6), a carioca Gilka sensação! como libertinagem.
Machado (1893-1980) cairia em Os outros três livros de GM
seguida no ostracismo. Desde as aliterações ciciantes, vão ser publicados de forma
E as razões para isso não foram tudo revela um ser em êxtase. cada vez mais espaçada –
apenas estéticas, embora ela A sua linguagem erotizada é uma Meu glorioso pecado (1928),
mantivesse uma poesia ainda inovação na poesia de autoria Sublimação (1938) e Velha poesia
muito presa ao espiritualismo feminina e permite que seus (1968). Nos dois últimos, ela
anterior ao Movimento livros sejam lidos como uma diminui o erotismo simbólico de
Modernista. Tal como Cecília, versão do Cântico dos Cânticos, seus versos, dedicando-se a uma
vinculou-se aos prolongadores em que a mulher procura sempre poesia mais sociológica. Ganha
do Simbolismo que se uniam o amado e o amado lhe escapa importância aqui a valorização
em torno da revista Festa pela fugacidade de tudo. Esta do amado ideal como um ser
(1920-1930), criada por dois matriz bíblica é fundamental “moreno” e as raízes africanas
paranaenses, Tasso da Silveira para entender o conjunto de de seu ramo familiar oriundo
e Andrade Muricy, em defesa metáforas que sustenta uma da Baía. A consciência das
de uma moderna visão católica poética amorosa nascida da limitações materiais também dá
em arte. Esta tendência cumplicidade do casal. Mesmo um novo estofo aos seus poemas,
não impediu que Cecília depois da morte do esposo, ela e a irmana aos miseráveis.
construísse uma obra poética continuará a escrever poemas Ela escuta os sofrimentos que
reconhecida, o que indica não eróticos em que a memória dele estão em seu sangue, as longas
ter sido esta filiação a causa ocupa o lugar físico que ficou misérias vividas e transforma
principal do apagamento de vago em sua vida. a sua poesia em um canto de
Gilka, que tem agora a sua Assim, termos como orgia, africanidade.
Poesia completa novamente volúpia, desejo, devassa Gilka Machado Em 1933 foi considerada a maior “poetisa” brasileira, Em “Escutando-me” (de
reeditada (São Paulo, Demónio etc. (próprios do campo da muito á frente de Cecília Meireles A mulher nua), começara a
Negro). sexualidade) têm um valor desenvolver esta busca. Chega a
Valorizada como a primeira particular e um destinatário ecoar o poema “Vozes d’África”,


voz feminina a expressar-se único. Não podem ser de Castro Alves: “Quem poderá
eroticamente em verso, Gilka entendidos mundanamente, pois A má fama criada em calar a multidão aflita/ que,
Machado (GM) gozou de uma pertencem antes a uma poética torno dela e outros fatores sempre, em minha alma e em
fama inicial que beirava o de exacerbação das sensações. vão fazer com que desista da meus silêncios grita:/ Deus,
escândalo. Era a jovem poeta Mais ainda, o desejo ganha Programaticamente poesia. Gilka era de origem Senhor, onde estão da existência
a escrever versos de uma uma significação religiosa. E esquecida na história muito humilde, vencendo as os prazeres?!...” (p.254). Mas é
sensualidade inédita em nossa o encontro carnal se converte limitações de formação com em "Sublimação" que seu verbo
tradição. Casou-se muito jovem em encontro com a divindade: da literatura brasileira, esforço autodidata. Casou- se torna mais político. Ela elogia
(em 1910, aos 17 anos) com o “Guardemos este amor com Gilka Machado se com um rapaz também os jogadores de futebol do Brasil,
poeta e jornalista Rodolfo de toda a castidade [...]/ Pela pobre. E acabou na completa vistos como “astros escuros/
Melo Machado, que morrerá conservação de nosso amor, ressurge como irmã miséria com a viuvez precoce. sóis morenos” (p.321) e enaltece
em 1923, deixando-a com desisto/ dessa orgia carnal, e/ espiritual de Lima Inicialmente diarista na Estrada “as negras baianas” (p.341)
dois filhos e sem meios para ternamente acesa/ para o gozo de Ferro Central do Brasil, fez- e o homem “moreno/ de pele
sustentar a família. Neste do Mal,/ e, como as freiras são Barreto, alguém que se dona de pensão, enquanto crepuscular”. Sua poesia agora
período de vida conjugal, ela as esposas de Cristo,/ serei a tua sofreu mais do que ele educava os filhos, passando o positiva a África brasileira de
escreve os seus principais esposa espiritual”. resto da vida em trabalhos que onde ela vem.
livros – Cristais partidos (1915), Estão assim delimitadas
a exclusão histórica deixavam pouco ou nenhum Em Recordações do Escrivão
Estados de alma (1917) e Mulher as fronteiras desta poesia por ter sido mulher e tempo para a arte. Embora Isaías Caminha, uma exposição
nua (1922). Rodolfo era o outro castamente ousada, em que sempre recolhida, colou nela a sobre o preconceito contra
de sua lírica erótica que se o erotismo está mais no uso
ousado sensualizar a imagem da libertina, ao ponto negros e mulatos, o narrador
manifesta assim dentro de uma sensorial das palavras do que na poesia de, na nota biográfica das se questionava sobre as causas
grande e breve paixão conjugal. referência a comportamentos Poesias completas editadas em de “tão feios fins de tão belos
Mesmo a representação desse devassos. Mesmo assim, em 1978, ela se defender: “Nunca começos”? E no final do livro ele
erotismo de cônjuges se dá uma sociedade em que a mulher matei, nunca roubei, nem fiz responde: “A má vontade geral,
em linguagem metafórica. A era condenada ao silêncio, poeta passou a figurar como uma mal ao próximo; nunca bebi, a excomunhão dos outros”.
poeta usa palavras do campo principalmente ao silêncio sobre perdida que escancarava seus nunca joguei, nunca fumei Programaticamente esquecida
da sexualidade que assumem o seu próprio corpo, sobre os hábitos feios. Esta compreensão nem participei de orgias”. A na história da literatura
um valor espiritual, fiel à sua seus desejos, a poesia de GM lúbrica de seus poemas poesia ficou para ela como brasileira, Gilka Machado
formação decadentista (em sofreu difamações. Embora a despertava mais interesse pela uma corcunda socialmente ressurge como irmã espiritual
estética) e católica (em religião). “mulher nua” que dá título a mulher do que pela poeta, o que incómoda. de Lima Barreto, alguém que
É mais o registro sensorial de uma de suas coletâneas fosse a frustrava. Ela viverá sempre E não só por ser mulher e sofreu mais do que ele a exclusão
um eu lírico do que a sugestão antes de tudo a mulher da alma esta condição cindida, em um escrever em uma linguagem histórica por ter sido mulher e
de encontros sexuais: nua (livre do próprio corpo), a erotismo espiritualizado. erotizada. Também por ser ousado sensualizar a poesia.J

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt

* 17

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Joan Miró El canto de los pájaros en Otoño, Setembro de 1937. Óleo sobre celotex. 121 x 91 cm. © Successió Miró / SPA, 2016

ATÉ 08 JAN 2018

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18 * artes jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

Jorge Molder
conhecimento da minha
obra, que existiam e o livro
tem a virtude de as fazer vir a
público”.

Imagens do humano
Nesse sentido, é uma
monografia que avança um
“campo de visão” de maior
amplitude, com um discurso
diverso e autónomo sobre a
obra de Jorge Molder. E oferece
uma leitura “complementar”
a outros livros já publicados,
como a antologia organizada
por Delfim Sardo. Em breve
Um olhar retrospetivo sobre a obra de Jorge Molder, numa monografia que inaugura a coleção Ph, sairá, de resto, um novo livro,
com uma outra leitura sobre
que a Imprensa Nacional vai dedicar a fotógrafos contemporâneos portugueses. O volume integra um “trabalho unicelular”, o
um conjunto de imagens que perspetivam o percurso do artista, desde os anos 70, revelando catálogo da exposição Jeu de
54 Cartes, que Jorge Molder
algumas inéditas, e um texto de José Bragança de Miranda apresenta em Santo Tirso até 21
de janeiro, com curadoria de
Sérgio Mah. São 55 fotografias
Maria Leonor nunes da maior série que o artista

é
desenvolveu até hoje.
E, com uma capa
especialmente concebida
por Molder, acaba de ser
lançado o catálogo Olhares
Contemporâneos, que culmina
o programa de residências
artísticas da Fundação EDP no
Museu Nacional de Arte Antiga
(MNAA), entre 2012 e 2015,
envolvendo vários fotógrafos.
Molder, que foi distinguido
com o Grande Prémio EDP
2010, foi convidado ainda a
escrever um texto, "Venham
É um dos nomes fulcrais Todos ver o meu Palácio", que
no domínio da imagem, introduz os vários trabalhos.
na contemporaneidade “Podem mudar tudo e usar
portuguesa. Iniciou o seu tudo a vosso belo prazer, só há
percurso nos anos 70, um limite que jamais poderão
desenvolvendo um trabalho exceder: os olhos”, pode
fotográfico com implicações ler-se nesse pequeno conto. E
em diferentes artes e prossegue: “Resta ainda uma
linguagens. Aproximações que pergunta que lhe gostaria de
configuram a singularidade por: tem tudo, é tudo seu. A sua
da sua fotografia, a partir opulência e opulência dos que
da autorrepresentação e são próximos, a desgraça e o
da mise en scène, e quase infortúnio dos outros, a beleza
ficcionalização dos seus das coisas belas, a sua nobreza
autorretratos. e a sua inequívoca riqueza.
Nascido em Lisboa em 1947, Tudo, enfim. Porque quer então
Jorge Molder formou-se em mais, para que lhe servem
Filosofia, foi diretor do Centro os reflexos, as suas possíveis
de Arte Moderna da Fundação deformações e mesmo os seus
Gulbenkian, e desenvolveu despedaçamentos? Para que
paralelamente o seu trabalho lhe serve esse crepúsculo de
artístico no campo da imagem. fantasmas?
Séries como Joseph Conrad, The O Rei disse: porque quero;
Secret Agent, Nox, Rei Capitão porque faz crescer e disso
Soldado Ladrão marcam o seu depende o meu olhar; porque
percurso, sobre o qual se abre Fotografias de Jorge Molder, incluídas no volume sobre a sua obra que inicia a nova coleção PH sobre fotógrafos portugueses; multiplica e disso depende o
uma perspetiva monográfica Imagem de Molder na capa do catálogo do projeto Olhares contemporâneos meu pensar; porque posso ver
com o primeiro volume da melhor o que quero pensar e


nova série Ph, da Imprensa porque posso pensar melhor
Nacional. Um trabalho, tudo aquilo que ainda quero
classifica José Bragança de de Magritte (1953), é porque é inéditas, muitas nunca ver; porque quero ver. E
Miranda, que assina um texto do humano que se trata, das antes mostradas ou expostas abandonou a sala.
nesta obra retrospetiva, em suas formas, do seu destino”. As fotografias de no contexto das diferentes Ainda antes de se lhe perder
que as fotografias “apagam O livro agora lançado séries. “O Cláudio olhou a vista ao fundo do corredor
tudo o que não é essencial, mostra “uma linha de Molder “apagam tudo de certa maneira para uma estranha voz se ouviu,
para exorbitar um elemento, continuidade “desse o que não é essencial, coisas para que eu não teria e mesmo o Rei a terá talvez
um fragmento, e atingir a trabalho e “as variações que olhado, mas achei que seria ouvido: Afinal cada um são
plenitude de uma ideia”. E surgiram ao longo do tempo, para exorbitar interessante incluir uma sempre muitos, é como a
em que a marca de um estilo com desvios, deturpações, um elemento, um perspetiva distinta, exterior pintura de que aquele ali esteve
reflete o que é humano: “Que convulsões”, como Jorge sobre o meu trabalho”, a falar”.
nas fotos utilize sempre Molder adianta ao JL. A fragmento, e atingir acrescenta. “Na verdade, Até 31 de janeiro de 2018,
o mesmo fato, como os seleção das imagens foi a plenitude de uma tenho muitas imagens no MNAA, pode ser vista a
uniformes do Le Grand Verre, feita com o diretor editorial que não são conhecidas, foto Cão, da capa do catálogo,
de Duchamp, ou a chuva de Cláudio Garrudo, que fez
ideia”, segundo não foram vistas, mas que na 5ª edição de Olhares
homens no quadro Golconda, questão de incluir fotografias Bragança de Miranda ele suspeitava, até pelo contemporâneos. J

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt ESPETÁCULOS
artes * 19

António Cabrita e São Castro


estreia do Paulo Ribeiro passando
depois por propostas de criadores
emergentes como é o caso da

Uma companhia para a sociedade


Teresa Silva e Filipe Pereira,
Cláudia Dias, Marta Cerqueira,
Ricardo Machado, passando pelo
nossa criação e fecha com o solo
do Rui Horta.
SC: O NANT teve este ano dois
contextos muito importantes
e pertinentes. Não só podemos
assistir a duas gerações da dança
Sofia Soromenho contemporânea diferentes, mas
também a uma contaminação
– de um lado uma prática de
A dupla de coreógrafos São pensamento coreográfico que
Castro e António Cabrita assumiu, vem de uma vasta experiência
no início de 2017, a direção e de outro práticas com novas
artística da Companhia Paulo linguagens. O outro aspeto
Ribeiro (CPR), companhia de importante é que o festival
dança residente no Teatro Viriato acontece no Teatro Viriato em
em Viseu. Ao fim de quase um diversos espaços, ou seja, todo o
ano de trabalho fazemos esta teatro é aproveitado e pode ser
entrevista no intuito de descobrir visitado durante o festival.
como tem sido este desafio e
também expectativas futuras. Como veem a criação artística em
Portugal atualmente?
JL: O que gostariam de partilhar SC: Eu e o António temos esta
acerca desta aventura? colaboração há sete anos e sempre
SC: Este primeiro ano foi um tivemos vontade de criar uma
ano de adaptação. O convite estrutura que fosse partilhada
do Paulo Ribeiro foi uma com outros criadores. Somos
surpresa, não estávamos à criadores, mas gostamos de
espera neste momento da nossa assistir a outros criadores e
carreira e da nossa vida e, veio partilhar diferentes formas de
complementar o nosso trabalho pensamento, métodos de criação,
como coreógrafos; não só por visões, etc. Consideramos

CARLOS FERNANDES
nos dar a hipótese de ter uma isto muito valioso e há uma
estrutura que recebe o nosso grande qualidade criativa no
trabalho coreográfico, como nosso país e também excelentes
também permitir-nos ter uma intérpretes. Temos a preocupação
equipa de produção, gestão António Cabrita e São Castro A direção artística da Companhia Paulo Ribeiro de dar trabalho aos mais jovens
financeira, comunicação, etc. porque não existem muitas


Por outro lado, este convite veio oportunidades em Portugal e
ao encontro do nosso desejo para nós poder fazê-lo é muito
de utilizar uma estrutura para Foi um ano bastante preenchido particular para começar com um importante.
receber outros coreógrafos porque paralelamente a este novo solo ou com este tema? AC: O Teatro Viriato sempre
convidados e não ficar apenas cargo tinham outros projetos SC: Já tinha decidido fazer um Somos criadores, mas acolheu e investiu na criação
limitada ao nosso trabalho , a decorrer em simultâneo, solo, anteriormente, e queria artística, não só em criadores já
e esta vontade foi muito bem nomeadamente compromissos trabalhar sobre O Contrabaixo, gostamos de assistir estabelecidos, mas também nas
aceite pelo Paulo Ribeiro (PR). assumidos antes do convite do PR. de Patrick Süskind. Neste livro a outros criadores e novas gerações. Em Portugal não
Aliás, a CPR convidou também Como conseguiram gerir estas o autor coloca metaforicamente existem estruturas como esta
outros coreógrafos, como a Olga múltiplas tarefas: por um lado a hierarquia de uma orquestra
partilhar diferentes que permitam desenvolver um
Roriz, a Tânia Carvalho, o Peter a criação e por outro a direção em paralelo com a organização formas de pensamento, trabalho artístico consistente e
Michael Dietz ou o John Mowat. artística da companhia? da sociedade: o contrabaixo que emprega tantos artistas –
Aquilo que pretendemos fazer AC: O trabalho como criador visto como um indivíduo e o
métodos de criação, isto é muito precioso porque não
é continuar a convidar outros e como diretor artístico são indivíduo como instrumento, visões, etc... existe outra estrutura assim. Nós
coreógrafos para trabalhar com totalmente distintos. É exequível como peça importante mas queremos preservar isto.
a companhia, designadamente, o porque separamos os dois escondida na teia social; os
André Mesquita, Tânia Carvalho, momentos: o da criação e o lado ruídos e convenções decalcadas relação muito próxima com o Encontram-se num momento
Sofia Dias e Vítor Roriz. mais operativo. Efetivamente não no quotidiano que convocam público, e isso foi importante muito frutífero a nível profissional
AC – Outro dos nossos foi muito difícil porque temos ao isolamento e caracterizam, para criar uma aproximação ao e pessoal, como se veem neste
objetivos é dar continuidade ainda a vantagem de sermos desta forma, o mundo indiferente público de Viseu. momento?
ao trabalho do PR e preservar dois e a de termos por trás uma e hostil para o indivíduo. No AC: Nada mudou, sou exatamente
o seu património coreográfico, estrutura que sustenta todo o fundo, a relação entre uma Este solo voltou recentemente a ser o mesmo! Nem mais nem menos
ou seja, fazer reposições do trabalho. orquestra, os seus elementos e a apresentado no mesmo local no e isso às vezes é um choque. Só
repertório da companhia e SC: O trabalho ao longo do ano estrutura social contemporânea. âmbito do Festival NANT-New Age, me apercebo que existe uma
apresentar novas criações foi feito sempre com tempo e com E esta temática considerámos New Time (o Festival NANT é uma diferença quando por vezes as
do PR. Uma reposição que foco. Para além de podermos importante e relevante abordar iniciativa do Teatro Viriato, com pessoas me tratam de maneira
gostava de salientar é a da partilhar tarefas e decisões, aqui em Viseu e partilhá-la com a direção de Paula Garcia). diferente por ser diretor artístico.
peça Memórias de Pedra que temos a sorte de ambos termos comunidade. SC: Sim, nós estamos muito Gosto muito de fazer o que faço
foi a primeira obra do PR a uma personalidade muito focada, AC: Por outro lado, estar num contentes porque nesta edição do e manter alguma humildade,
ser apresentada no Teatro quando estamos a trabalhar espaço onde se cria e onde se NANT tivemos três presenças da porque na realidade estamos
Viriato há quase 20 anos atrás em criação estamos totalmente estreia permite estabelecer uma CPR, propostas bastante distintas: sempre na frente de batalha.
e que será remontada em 2019 entregues a isso e quando é relação muito confortável com a Box que é uma proposta SC: Muitas vezes parece
com um novo elenco. Temos necessário tomar decisões de o objeto artístico. Chamar-se multidisciplinar; Um Solo para inacreditável o que nos está a
também um outro projeto que direção fazemo-lo na altura “um solo para a sociedade” a Sociedade e a estreia da nova acontecer. Mas é preciso parar
começámos em 2013 – a Box, devida, conseguindo assim gerir veio ao encontro das metas criação do Paulo Ribeiro Walking e perceber a construção que
uma instalação holográfica – e tranquilamente ambas as frentes. estabelecidas pelo Teatro Viriato with Kylián. Never Stop Searching, está por trás de tudo isto. É o
que pretendemos estendê-lo – o contacto com a comunidade que abriu o festival. resultado de um trabalho árduo,
convidando quatro coreógrafos: JL: O solo Um Solo para a local, com a sociedade. Este AC: A programação contemplou de uma luta feroz para continuar a
Olga Roriz, Paulo Ribeiro, Clara Sociedade estreou em junho no solo traz esta aproximação vários objetos artísticos batalhar nesta área, porque não é
Andermatt e Rui Horta. Teatro Viriato. Alguma razão em à sociedade, porque há uma diferentes começando com a nada fácil.J

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2o * artes ESPETÁCULOS, FILMES jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

TEATRO ção). Porque ao querer desvelar o ato


criativo de encenar e atuar, e mostrar
Helena Simões como se desenvolve a matéria artística
no Teatro Meridional, o espetáculo
revela a sua génese ensaística, isto é,
uma conceção do ato teatral como

Variações Meridionais experiência pública do próprio ato


criativo. Pelo que os atores vão criando
configurações para o objeto teatral,
a partir da experiência pessoal, num
espaço concreto, partilhando o seu
labor físico e de pensamento com o
público. Por isso, a disposição em
Passaram 25 anos, desde aquele As linhas mestras das suas criações arena dos espectadores que participam
momento, em 1992, em que Miguel percorreram os caminhos das novas num ritual vivo de organização de
Seabra, Stéfano Fillippi, Alvaro Lavin e dramaturgias, de textos não teatrais, matérias sensíveis e de desvelamento

SUSANA MONTEIRO
Julio Salvatierra, membros fundadores da Lusofonia, a par da adaptação do fenómeno teatral.
do Teatro Meridional , conceberam o dos textos maiores da dramaturgia É um belo e onírico espetáculo feito
espetáculo inaugural da companhia, mundial. Os espetáculos exibiram de silêncios, sussurros, ecos, e refle-
Ki fatxiamu noi kui, que encantou um apurado trabalho de pesquisa e xos, imagens fortíssimas de grande
o júri do Prémio Acarte/Madalena experimentação, tanto no exercício do Ensaio do espetáculo Devíamos ter parado com encenação de Miguel Seabra pathos interpretativo e plástico, numa
Perdigão, da Fundação Gulbenkian, ator, como na elaboração da polisse- partitura rigorosamente elaborada,
que o distinguiu pelo "espírito de mia dos objetos cenográficos, gestuais, mas que “acontece” perante a assem-
inovação das artes do espetáculo". Ki sonoros, cromáticos e de iluminação. bleia dos espectadores e a que o acom-
fatxiamu noi kui viajou por Espanha, São eixos axiomáticos aprofundados Brasil (2006), Cabo Verde (2007-08), mesma uma realidade incontornável: a panhamento musical de Rui Rebelo,
Itália e Marrocos (1º Prémio no V ao longo dos anos, na procura de novas Brasil (2009) – com um guião fixado à de que ser Ator é uma opção de Vida de presente como maestro, confere um
Festival Internacional de Casablanca), formas de comunicação na relação do partida pelas palavras desses autores, um só sentido". Esta "inevitabilidade sentido místico e de fulgor ensaístico.
e itinerou em Portugal; mais de duas ator com o espetador. Neste sentido, ampliadas pelo seu universo literário, de prosseguir" convoca, necessaria- Parabéns, pois, ao Teatro
dezenas de apresentações até 2000, relevamos a componente não-verbal, efetivamente, chegaram ao espectador mente, neste espetáculo, a memória Meridional, há 25 anos a celebrar
ano em que a direção artística da característica de alguns espetáculos, como se ele estivesse a participar no es- da Companhia. Memória material, o teatro e a partilhar connosco os
Companhia ficou a cargo de Miguel em que a palavra não foi o veículo petáculo, apropriando-se das palavras configurada pelo guarda-roupa, ade- instantes de verdade.
Seabra e Natália Luiza. Constituiu principal de comunicação. pela imaginação, a partir da emoção reços, peças de cenografias anteriores,
o primeiro de muitos prémios que A experimentação da não-ver- que ecoava da sua proferição e da forma mas sobretudo uma combinação do › DEVÍAMOS TER PARADO
galardoou a Companhia, tanto balidade, levada a cabo de forma como eram operadas em palco. modus faciendi do encenador com as criação do Teatro Meridional, encenação Miguel
em Portugal como no estrangeiro, extrema, no espetáculo Por detrás dos O espetáculo comemorativo dos 25 suas memórias, as dos atores, as dos Seabra, assistência artística Natália Luiza, espaço
cénico e figurinos Marta Carreiras, música original
nomeadamente, o Prémio Europa montes (2006), deu-nos a chave para a anos do Teatro Meridional, Devíamos criadores e, naturalmente, as do públi- e espaço cénico Rui Rebelo, desenho de luz Miguel
“Novas Realidades Teatrais” (2010). A análise das estratégias dramatúrgicas ter parado, em cena até 17 de dezem- co que os têm acompanhado. Seabra, com Margarida Gonçalves, Miguel Damião,
residir, desde 2005, na antiga Galeria desta companhia, visível, também, nas bro, retoma em subtítulo a questão que Um espetáculo, em suma, que é Mónica Garnel, Paulo Pinto, Rosinda Costa, Rui Rebelo
da Mitra, ao Poço do Bispo, o Teatro produções em que a vertente literária se colocava no espetáculo inaugural: o uma arte combinatória, que se revela e Telmo Mendes.
Meridional conta com 54 produções foi fundamental. É o caso da série dos que estamos nós (ainda) aqui a fazer? a si mesmo como obra e modo de
apresentadas em 20 países, além das Contos em viagem, baseada nas obras Segundo o encenador "é uma consta- fazer, ou seja, um ensaio em ambas as Teatro Meridional, quarta a sábado às 21h30
digressões anuais em Portugal e Ilhas. dos escritores dos países visitados – tação provocatória que encerra em si aceções literária e teatral (de repeti- horas, domingo às 16h. Até 17 de dezembro

CINEMA
Manuel Halpern

Premiados de Cannes e Berlim


Conceitos e preconceitos
Vencedores de Cannes e de Berlim natureza e naturalidade rara do e Marina uma empregada de res-
chegam às salas portuguesas. Filmes argumento e a igualmente gigan- taurante. O enredo torna-se mais
de diferentes latitudes e estilos, que tesca interpretação de Daniela Vega. forte por fugir aos clichés LGBT Uma mulher Fantástica, de Sebastian Lelio Mais um grande filme chileno
têm em comum a ideia de reflexão so- Neste caso, o título Uma Mulher - ela não trabalha numa boite ou
bre o outro. Por um lado, Uma Mulher Fantástica funciona como uma afir- bar the strip tease, é uma mulher
Fantástica, de Sebastián Lelio, vence- mação do realizador sobre o género comum. Mas o que torna o filme
dor do urso de prata, a partir de dia 15 de uma personagem transexual. verdadeiramente especial é esse curador de um museu de arte con- social, com o bom humor sueco.
nas salas. Por outro, O Quadrado, de A sinopse revela um conflito talento de Lelio para trabalhar as temporânea sueco, é um mundo Repetem-se situações caricatas,
Ruben Östlund, vencedor da Palma de clássico em diferentes moldes. personagens, entrando subterrra- tão fechado quanto o Quadrado, a criativas, irónicas, mas sempre com
Ouro, já em exibição em Portugal. Marina vive apaixonadamente com neamente por elas até às camadas instalação artística, que ele planeia uma pertinência próximas das ciên-
Sebastián Lelio, um dos grandes um homem mais velho, divorciado, mais profundas. alojar no museu. O contexto social cias sociais. Todo o filme, de resto, é
nomes da nova geração de cineastas e não é bem aceite pela sua família. O Quadrado, filme sensação parece guiar-se por normas rígidas uma espécie de experiência científi-
chilenos, já tinha feito um filme so- Ele morre de ataque cardíaco e ela de Cannes, é estruturalmente e fixas que subtraem o relaciona- ca sociológica, com uma mensagem
bre uma mulher fantástica. Chama- torna-se suspeita. Não se trata de mais desafiante e poderoso. Uma mento com o outro, com o estra- forte e dirigida. E destapando as
va-se Glória, era de uma sensibili- um policial. Nós sabemos o que reflexão instrumental sobre a nho. É uma sociedade civilizada, camadasm, surgem as hipóteses ou
dade e perspicácia raras, com um se passou, guardamos sempre o vida em sociedade, feita de forma mas que não se sabe desenhar as as perguntas, como: será que a
papel estrondoso de Paulina García, seu ponto de vista. É antes um particularmente engenhosa quase enquanto tal fora desses preceitos. arte que tanto questiona a sociedade
que lhe valeu grande reconheci- filme sobre a descriminação. Não laboratorial. No fundo, decompõe O que a torna extremamente fria e que construímos realmente se inte-
mento internacional. Neste Uma somente a descriminação sexual - o discurso teórico do artes plásti- incomunicante. ressa por ela? O que fazer quando se
Mulher Fantástica há importantes embora esta seja o ponto chave -, cas contemporâneas colocando-o Centrando-se na personagem descobre que a arte subversiva que
semelhanças, sobretudo ao nível mas uma discriminação social mais em confronto com a sua aplicação de Christian, muito bem desenha- questiona o sistema afinal faz parte
do tratamento da personagens, a abrangente. É que Orlando é rico prática. O mundo de Christian, o da, Ruben Östlund faz um retrato do próprio sistema? J

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22 * artes DISCOS jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

CLÁSSICA

Concerto à memória de um violino O concerto tem quatro andamentos,


os dois últimos sem interrupção, ligados
da ópera Os Dias Levantados e de Versos
e Nocturnos (Naxos), de Magnificat, De
entre si. Parte de um Andante, sempre Profundis e Monodia – Quase um Requiem
flessibbile, un poco rubato, para um Vivo (Warner), de Outro fim, com libreto de
deciso, que inclui a Cadenza determinante. José Maria Vieira Mendes (Culturgest), e de
O Maestoso desagua então no Allegro. La- Step by Step (Jazz ao Centro), peças para
Esta é uma obra de António Pinho Vargas, tacto direto, pessoal, humano, afetivo, com mento. E essa é necessariamente a essência percussão, e ainda de A Dança dos Pássa-
e uma das mais belas da música de tradição a cultura e a música” desses países, impôs de tudo, um longo e inexorável lamento. ros, pela orquestra do Hot Club Portugal,
europeia. Termina num Allegro – Lamento uma “diferença cosmopolita”, na prática Tamila Kharambura é magnífica. E Gar- publicada já este ano.
e isso diz muito, da sua natureza e do seu musical portuguesa, escreveu o compositor ry Walker, seguro, na direção da Orquestra Onze Cartas (2011) e o Concerto para
propósito. O Concerto para Violino in me- na apresentação da obra. Gareguin Arou- Metropolitana de Lisboa. O resultado é Viola (2016), estreado ao ar livre, em Lis-
moriam Gareguin Aroutiounian homenageia tiounian e Tamila Kharambura, uma jovem uma das mais emotivas interpretações dos boa, no verão do ano passado (sob a per-
o antigo violinista da Orquestra Gulbenkian, e excelente violinista nascida na Ucrânia, últimos anos, de uma das mais belas obras turbação de todos os ruídos de uma noite
o professor da Escola Superior de Música são exemplos maiores desse processo, de de António Pinho Vargas. Uma obra que, no Chiado), mereciam igualmente edição
de Lisboa e do Conservatório de Sintra, que distintas gerações. A origem dos músicos como muitas outras do compositor, devia discográfica, por quem de direito. Assim
morreu em 2014. De algum modo, todo o fez com que o compositor tomasse, como ser recorrente no repertório, estar mais como uma nova gravação de Six portraits
programa do novo disco do compositor pode material inicial de base, sequências de presente nas salas de concerto. of pain, que tem tudo para encontrar em
ser visto como uma homenagem ao músico intervalos, ascendentes e descendentes, O disco inclui ainda Quasi una Sona- breve, de novo, uma interpretação justa e
de origem arménia: Quasi una Sonata, que vindas dos modelos do compositor norte- ta, em que Kharambura se cruza com a certeira, num concerto com o violoncelista
se sucede ao concerto, no alinhamento, -americano de origem russa Nicolas Sloni- excelente Inês Almeida, em piano (como Pavel Gomziakov, a Orquestra Metropolita-
foi estreada pelo violinista, em 2010, e a msky. “A obra ficou marcada pelas relações uns anos antes, no encontro vitorioso do na e o maestro Pedro Amaral (na impro-
solista, Tamila Kharambura, foi sua aluna, de afeto interpares e pelo Prémio Jovens Músicos babilidade de uma reedição urgente, que
em Lisboa. Uma das melhores. Uma obra de desejo de usar no concerto da Antena 2), e termina disponibilize a obra). Mas o que faz mesmo
António Pinho Vargas, cada obra de António material musical prove- com a violinista a solo, falta é a possibilidade de ouvir e de voltar
Pinho Vargas, porém, nunca se fecha sobre niente do Leste europeu, nos quatro estudos de No a ouvir muitas vezes, sempre que possível,
si mesma. Cumpre-se em sentimento e re- modos, escalas e simetrias, Art. Outras duas obras o que compõem António Pinho Vargas e
flexão, na sua própria dimensão, é terrena, como base que sustentasse extremamente reflexivas muitos outros compositores portugueses.
universal. musicalmente a dedicatória de António Pinho Vargas. O novo disco de António Pinho Vargas
A estreia do primeiro Concerto para de forma clara e ampla”, Esta edição, garantida pode ser encontrado nas lojas habituais, e
violino e orquestra, do compositor, data de escreveu o compositor. pelo Movimento Patrimo- também no sítio da editora na internet, em
fevereiro do ano passado, e é esse momen- A obra cresce dentro de nial pela Música Portu- www.mpmp.pt/loja, onde se encontram
to que aqui se preserva, na sua essência. si mesma, com o violino guesa (mpmp), alarga a igualmente outros preciosos títulos (como
Na altura, António Pinho Vargas lembrou a emergir da orquestra, discografia disponível do as Sonatas para violino e piano de João
“a importância notória” da presença em dando lugar ao próprio in- › António Pinho Vargas, compositor, conquista- Domingos Bomtempo, também pela mag-
Portugal, “como lugar de vida e trabalho”, térprete, impondo reflexão. CONCERTO PARA da quase sempre por si nífica Tamila Kharambura, com Philippe
de muitos músicos provenientes do Leste Sempre. A obra envolve, VIOLINO IN mesmo, título a título. Marques, as Sonatas para Cravo de Carlos
Europeu, e o seu impacto iniludível “na compromete quem a ouve, MEMORIAM GAREGUIN Destaca-se, nos últimos Seixas, por José Carlos Araújo, e o álbum
melhoria das orquestras e do ensino da do primeiro instante ao AROUTIOUNIAN anos, a publicação de Re- Lisboa — Paris, do pianista Bruno Belthoi-
música nos últimos vinte anos”. “O con- último lamento. CD mpmp . quiem e da oratória Judas, se). J MARIA AUGUSTA GONÇALVES

POP novos rumos. E o talento está todo


lá. Basta sentir a força de um tema
temas têm soluções inesperadas
como L'Homme à La Moto ou Johnny
passa um pouco de tudo, de Frank
Zappa aos Einstürzende Neubauten, Post-Braga
Super Clã como Ela não seria Ela, ou uma tu n'est pas un ange, legítimas formas dos Devo aos Mercury Rev. As su- Talvez pela
Se os Clã, frase como "Há dias assim... Cada de apropriação de um reportório gestões são mais do que muitas. E o inspiração pri-
banda já his- minuto é uma casca de banana". fascinante. disco também dos detalhes com que mordial dos Mão
tórica do pop se cose, que são mais do que muitos. Morta, Braga
português, se › Clã › Viviane Um regresso inspirado. tem sido o berço
juntam a Regina FÃ VIVIANE CANTA PIAF de algumas das
Guimarães, a TNSJ Ampla › AbztraQt Sir Q mais ousadas
mais inspirada YARNATI MACHINE bandas do pop e
poetiza do nosso do rock em Portugal. Dois exemplos
Piaf.pt AbztraQt
NAU
rock, o resultado só pode ser bom. recentes são os Smix Smox Smux e os
E materializa-se neste livro-disco, Viviane, Se fosse pos- Peixe:Avião, que com estilos bastan-
de nome Fã, resultado sonoro de música portu- sível traçar uma Alô Alô tes diferentes, desafiam as con-
uma ampla parceria que constituiu guesa nascida linha genealógi- O segundo venções. Elementos dessas bandas
a produção de uma peça de teatro em Nice, resgata ca no pop-rock fôlego quer- juntaram-se para fazer os Máquina
encenada por Nuno Carinhas, para a sua memória português, como -se diferente do del Amor - um supergrupo braca-
o Teatro Carlos Alberto. Diga-se francófona, para se este fosse primeiro. Em rense que é em tudo a antítese daqui-
que naturalmente a componente fazer um disco imune ao que se Cut, o segundo lo que a expressão sugere. Em Disco,
funcional da música e dos textos de homenagem, passa no resto álbum dos Dear o seu segundo álbum, há um post-
condicionou (ou direcionou) o em que canta Edit Piaf. Não sendo do mundo, os AbztraQt Sir Q seriam Telephone, a ideia -rock, post-industrial, post-disco.
trabalho dos autores. E é por isso das opções mais evidentes, não descendentes diretos dos Mler de low-fi aparece O nome da banda talvez venha por
que, de um lado e do outro, não deixa de se tornar relativamente Ife Dada. Há um expressionismo mais diluída. Já não se constrói tudo antagonismo aos Rage Against the
encontramos alguns dos habituais redundante. Isto porque, apesar da dadaísta que e traduz não só no uso tão claramente sobre o baixo e a voz Machine. E talvez tenha alguma coisa
rasgos - sobretudo em Regina chanson française estar fora de moda de vocábulos numa língua inventada de Graciela Coelha ganha ainda maior disso: como seria a banda de Los
Guimarães nota-se que o registo mesmo em termos revivalistas, o como numa imensa vontade criativa. protagonismo. Cut é um álbum de Angeles se se quisesse despir das suas
encontrado é distante do que nos reportório de Edit Piaf é certamente E o que remanesce, disco após disco, oscilações temperamentais. Insere- formatações, reduzindo a velocidade
habituou em colaborações com os dos mais interpretados e reinterpre- nos AbztraQt Sir Q é essa indómita -se numa certa ideia de indie rock, e retirando as vozes. Em Disco há um
Três Tristes Tigres ou Osso Vaidoso. tados da história da música. Viviane vontade de criar, sem estar preso a chamando elementos diversos para árduo delírio tecnológico, uma ex-
Ouvindo este disco fica, em pri- compromete-se bem com o universo padrões, sem se arrastar por corren- alimentar os arranjos, o que enriquece ploração compassada do ruído, como
meiro lugar, uma imensa vontade da cantora, sem grandes desvios, tes. Yarnati Machine, que por acaso muito o disco: o recurso ao saxofone e quem entra a fundo na estrutura das
de assistir à peça de teatro. Mas, mas não deixando de o puxar para até começa com um tema em inglês aos jogos de vozes. É um álbum cheio máquinas. Nova Antiga, o tema mais
além disso, seguindo a tradição de, o seu próprio estilo. Mostra disso é relativamente inofensivo e até etéreo, de bons começos: a abertura de várias longo, é um ex-libris dessa vontade
entre outros, Chico Buarque, res- que, nos arranjos, encontramos ao mantém intacto um certo sentido canções é sem dúvida surpreendente, exploratória.
tam poucas dúvidas de que deste lado do piano e do acordeão, instru- lúdico. Todo o disco é feito de cons- como Automatic ou Nightwaks.
musical infantil sobrevivem can- mentos como a guitarra portuguesa truções e desconstruções, percalços › Máquina del Amor
ções que extravasam o seu âmbito. e a guitarra elétrica - estes dois na paisagem, elementos que se › Dear Telephone DISCO
Até porque essa restrição funcional últimos simbolizam bem as encruzi- combinam ou atrapalham, com jogos CUT Ed. Autor
terá forçado os autores a percorrer lhadas da carreira de Viviane. Alguns de vozes e de instrumentos. Por aqui Pad MANUEL HALPERN

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt

ideias * 23
Negros, ameríndios e a questão
esclavagista em Vieira
O tema ou a questão em epígrafe, na 'obra, e na pregação, daquele a quem Fernando Pessoa chamou o "imperador da
língua portuguesa", grande figura do seu século (1608-1697) e da nossa História, aqui tratada por três especialistas, os dois
primeiros dos quais dirigiram a monumental Obra Completa do Padre António Vieira, em 30 volumes, editada em Portugal e
depois no Brasil. Sublinhe-se que o tema tem especial atualidade porque quando a 5 de Outubro último foi inaugurada em
Lisboa, no Largo da Misericórdia, uma estátua do autor dos Sermões, mandada erigir pela Câmara Municipal, houve uma
manifestação de protesto por, segundo os seus promotores, Vieira haver sido "um escravagista seletivo"...

o
José Eduardo Franco, PEdro das viagens marítimas de desco- São conhecidas as duas posições
calaFatE E ricardo VEntura brimento dos caminhos dos mares de Vieira em relação à escravatura,
por portugueses e espanhóis, respetivamente dos índios e dos
fortaleceu-se uma economia negros: lutou pela proibição da pri-
protoglobal de matriz eurocêntri- meira (ainda que se lhe conheçam
ca, muito assente na mão de obra algumas ambiguidades nesta maté-
escrava. Foi neste contexto que ria) e admitiu a segunda, embora
os reinos da Península Ibérica e limitada por títulos legais. Muitos
as suas redes de comércio inter- criticaram esta ambivalência do
continental promoveram um dos pensamento de Vieira. A leitura dos
maiores movimentos de comércio seus textos leva-nos a concluir que
esclavagista da história da huma- tal posição diferenciada é assumida
nidade, alimentando também os por razões que se prendem com o
Cada um é da cor do seu coração.” mercados de potências europeias seu realismo político, e em atenção
Padre António Vieira emergentes, como a Holanda, a à razão de Estado.
Inglaterra e a França. Com efeito, para Vieira todos os
Escreveu o Padre António Vieira: Se é verdade que Espanha povos eram naturalmente iguais,
"O segundo, e segunda causa da e Portugal foram motor de um porque a tanto obrigava a pater-
grande distinção, que fazem entre comércio de escravos de grandes nidade divina. Por natureza, não
si, e os Escravos, os que se chamam dimensões, também é certo que havia povos inferiores nem povos
Senhores, é, como dizíamos, a cor foi nas escolas de pensamento superiores, nem, portanto, povos
preta. Mas se a cor preta pusera teológico e filosófico da Península que estivessem destinados natu-
pleito à branca, é certo que não Ibérica, com destaque para a ralmente a servir. Sobre isso foi
havia de ser tão fácil de averiguar Escola de Salamanca e para escolas bastante claro, considerando que a
a preferência entre as cores, como da Companhia de Jesus como a natureza a todos fez livres e iguais,
a que se vê entre os homens. Entre de Évora e de Coimbra, que se desde o rei ao escravo. O que havia
os homens dominarem os Brancos ouviram os intelectuais pioneiros eram circunstâncias advenientes,
aos Pretos é força, e não razão, ou de um pensamento avançado sobre com tradução no direito humano
natureza. Bem se vê, onde não tem o chamado “direito das gentes”, (o direito das gentes e o direito
lugar esta força, nem a cor é vencida que contestou frontalmente as prá- positivo), circunstâncias que Vieira
dela. Quando os Portugueses apa- ticas de opressão do Homem pelo gostava de enquadrar no conceito
receram a primeira vez na Etiópia, Homem, sem critério nem mise- genérico de “fortuna”, expres-
admirando os Etíopes neles a polícia "Os escravos eram iguais por natureza e diferentes apenas pela desgraça que as ricórdia, sobre ameríndios e afri- são arcaica do jogo da vida e do
Europeia, diziam: 'Tudo o melhor leis convertiam em escravatura” canos. Nomes como Francisco de desconserto do mundo, e que esta-
deu Deus aos Europeus, e a nós só a Vitoria e Bartolomeu de Las Casas beleciam a legitimidade de alguém
cor preta'. Tanto estimam mais que lançaram as bases de um direito de ser reduzido à escravatura; e não


a branca a sua cor. Por isso, assim alcance universal com vista à re- por ser negro, branco ou mestiço.
como nós pintamos aos Anjos bran- com que se distinguem estas duas gulação das relações entre os povos Ao tempo de Vieira, a genera-
cos, e aos Demónios, negros; assim cores extremas, dizem que da cor nesse tempo de protoglobalização. lidade dos juristas equacionava
eles por veneração aos Anjos pintam preta é próprio unir a vista, e da O novo pensamento, para o qual quatro títulos que legitimavam
negros, e aos Demónios por injúria, branca disgregá-la, e desuni-la. Por Para Vieira todos contribuíram vários teólogos e a escravatura: a guerra justa; a
e aborrecimento, brancos. Deixando isso a brancura da neve ofende, e canonistas de Espanha e Portugal, venda voluntária da liberdade em
porém os que podem parecer apai- cega os olhos. E não é isto mesmo o
os povos eram constituiu a Escola Ibérica da Paz, situações de necessidade extrema;
xonados, ninguém haverá que não que com grande louvor dos Pretos, naturalmente iguais, na confluência do esforço de vasto a punição de um crime à luz do
reconheça, e venere na cor preta e não menor afronta dos Brancos, se acervo de teólogos que procuraram direito positivo; e um quarto título,
duas prerrogativas muito notáveis. A acha em uns, e outros? Dos pretos
porque a tanto obrigava racionalizar a guerra ao mesmo dito “de nascimento”, à luz do qual
primeira, que ela encobre melhor os é tão própria, e natural a união, que a paternidade divina tempo que afirmaram a paz como filho de mãe escrava permanecia
defeitos, os quais a branca manifes- a todos os que têm a mesma cor, caracterização da vida. escravo. A estes títulos, que enqua-
ta, e faz mais feios; a segunda, que chamam Parentes; a todos os que O padre António Vieira inscre- dravam juridicamente a escra-
só ela não se deixa tingir de outra servem na mesma casa, chamam ve-se nesse ambiente intelectual, vatura dos negros trazidos para a
cor, admitindo a branca a variedade Parceiros; e a todos os que se em- não matarem. Que muito logo, que marcado por um forte debate entre América, em situações de extrema
de todas; e bastavam só estas duas barcaram no mesmo navio, chamam sendo tão disgregativa a cor branca, as elites eclesiásticas e juscanóni- dureza, miséria e crueldade, Vieira
virtudes para a cor preta vencer, e Malungos. E os Brancos? Não basta não caibam na mesma Congregação cas, que tinham a responsabilidade procurou acrescentar uma explica-
ainda envergonhar a branca. Mas andarem meses juntos no mesmo os Brancos, com os Pretos?" de fornecer os argumentos para ção teológica, atinente à salvação.
das cores só os olhos podem ser ventre, como Jacó, e Esaú, para se enquadrar, legitimar ou conde- Para Vieira, aquelas expressões
juízes. Vejamos o que eles julgam, não aborrecerem; nem basta serem Na Época Moderna, com a afirma- nar práticas que implicavam a de dor e sofrimento colocavam
ou experimentam. Os Filósofos filhos do mesmo pai, e da mesma ção e a globalização do poderio das definição de molduras jurídicas tamanho desafio ao entendimento
buscando as propriedades radicais, mãe, como Caim e Abel, para se potências europeias, na sequência adequadas. humano que apenas poderiam ser

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24 * ideias CRÓNICA jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J


aceites na base de uma explicação razão, ou natureza”; quer dizer, o nável da vida dos homens do seu to de dilemas brutais, e porque,
que o transcendesse. O recurso à direito de servidão era execrável, tempo: se os filósofos diziam que como dissemos, embora ausentes
fé e ao providencialismo divino, tanto quanto o da liberdade era “uma contraditória” não existia do mundo dos filósofos, que era a
pareceu-lhe a única via possível louvável, o seu domínio era o da As metáforas com na “esfera dos possíveis”, ele dizia “esfera dos possíveis”, as contra-
para que a perplexidade o não
sufocasse.
força e violência, e não o da razão
e da natureza, que era, no fundo,
que enquadrou o que a mesma existia na “esfera dos
olhos”. Queria com isto significar
ditórias existiam na “esfera dos
olhos”, na qual tinha de se mover,
De facto, nos sermões XIV e a voz interior da razão comum a seu mundo e a vida que as metáforas do mundo e da com um objetivo muito preciso,
XXVII do Rosário, Vieira prega aos
escravos negros que a sua condi-
todos os homens.
De qualquer modo, Vieira não
eram as do labirinto, vida não eram as da transparên-
cia nem as da linha reta; e que a
de que não queria abrir mão: o
bem comum universal, impreg-
ção servil poderia equiparar-se às quis colocar-se fora da lei vigente, da obscuridade, da sociedade não se movia à luz da nado pelos valores do cristianis-
dores de Cristo no Calvário, o que porque sabia que naquelas circuns- dissimulação, do jogo, evidência de uma demonstração mo.
lhes conferia uma condição emi- tâncias não podia fazê-lo, pois o geométrica. A sua linguagem Assim sendo, poderia dizer
nentemente cristológica, a qual só resultado imediato seria a expulsão da loucura, da subtileza e o seu mundo não eram o das Vieira: respeitem-se as leis, ceda-
poderia ser entendida se conside- das terras do Brasil. Por isso, fixou ciências exatas, cultivadas nas -se à sede insaciável de mão de
rada como uma primeira migra- a sua posição, tanto a respeito da grandes academias europeias, obra escrava, desde que a mesma
ção, da África para a América, a escravatura: “Não é minha tenção embora não ignorasse muitas das seja legal, entre-se na arte das
que se seguiria uma outra, rumo que não haja escravos, [...] mas Monteiro Paim. Perante a rebelião suas conquistas. As metáforas artes que é a política; mas, sendo
à bem-aventurança eterna, pois, porque nós queremos só os lícitos dos escravos negros fugidos para com que enquadrou o seu mundo legais tais títulos, nem por isso
permanecendo em África, não e defendemos os ilícitos, por isso o Quilombo dos Palmares, que e a vida eram as do labirinto, da caberia olhar um escravo com
teriam recebido os benefícios da não nos querem naquela terra e nos durante anos resistiram às investi- obscuridade, da dissimulação, do desprezo, porque quem despre-
evangelização (mais tarde, Vieira lançam dela”. Mas Vieira queria das do exército português, Vieira, jogo, da loucura, da subtileza, dos zasse um escravo, maltratando-o,
deu a entender que este argumen- permanecer no Brasil para realizar reconhecendo que solução ideal dilemas, quando não dos trilemas, despreza-se sobretudo, e ainda
to não lhe parecia – ou deixou de a missão de que se considerava im- seria a de lhes conceder a liberda- da insuficiência da lógica biná- mais, a si, porque nele desprezava
lhe parecer – convincente, como buído, e por isso pediu ao rei, nesse de, recomenda, não obstante, uma ria comodamente resguardada o que era “por desgraça”, e em
veremos). mesmo sermão, o apoio temporal investida final e em força contra num sim que poderia ser sempre si próprio desprezava o que era
No entanto, era grande e com- para que os jesuítas pudessem os “pretos” aquilombados, pois, um sim e um não que poderia ser “por natureza”. Os escravos eram
plexo o mundo em que Vieira se administrar, não só espiritualmen- se lhes fosse concedido o perdão, sempre um não. iguais por natureza e diferentes
moveu, e se podemos reunir textos te mas também temporalmente, as a par da tão almejada liberdade, É também nestes termos que apenas pela desgraça que as leis
em que consente na escravatu- aldeias dos índios. “esta mesma liberdade, assim con- julgamos dever responder à per- convertiam em escravatura; mas
ra dos negros e também na dos A expressão talvez mais contun- siderada, seria a total destruição do gunta sobre se Vieira era um de- eram leis que pareciam sem razão
índios, podemos ler outros tantos dente dos dilemas de Vieira sobre Brasil”. fensor da escravatura: sim e não; e apenas fundadas na força, uma
em que enuncia o princípio que na a escravatura dos pretos é a carta Noutro contexto, o pregador porque a sua posição traduziu-se vez que, repetia Vieira, “domina-
verdade o animava: “dominarem que escreveu, em 1691, ao secre- esclareceu os seus ouvintes a em sucessivas respostas, nem rem os brancos aos pretos é força,
os brancos aos pretos é força, e não tário do Rei de Portugal, Roque respeito de uma condição inalie- sempre unívocas, a um conjun- e não razão, e natureza”. J

ECOLOGIA VIRIATO SOROMENHO-MARQUES

No gargalo da garrafa

A
reação extrema- também na própria Alemanha. Os sírios, iraquianos e líbios, arrancados
mente negativa da 94 deputados da Alternativa para à normalidade das suas existências,
maioria da popula- a Alemanha (AfD) bem o compro- estão também as decisões crimi-
ção europeia à vaga vam. E não nos escondamos atrás nosas de Blair, Cameron, Sarkozy
de refugiados que da Polónia, da Hungria, dos países e Hollande, derrubando governos
atingiu um pico em de Visegrado. Ninguém queria com a força das armas e incentivan-
2015 diz muito sobre o que nos es- refugiados à sua porta. O "brexit" do guerras civis em países que há
pera nas próximas décadas de cons- foi catalisado pelo pânico com os escassas décadas eram ainda suas
trangimento ambiental crescente, refugiados, misturados no meio da possessões coloniais.
acelerado pela intensificação do piza ideológica do populismo sem Os refugiados são um exemplo não são respeitados. Entre cumprir mente intensificada e potencial-
processo de alterações climáticas. vergonha de Nigel Farage ou Boros do que nos espera quando tudo a lei - enviando água para Portugal, mente indeterminada no tempo de
Apesar de a Europa ser ainda hoje o Johnson com os imigrantes em ge- começar a ficar mais complicado. através dos três grandes rios ibé- duração, sem esquecer o deslum-
melhor lugar do mundo para se vi- ral. A França fez também o possível Não precisamos de ir mais longe. ricos, Douro, Tejo e Guadiana – ou brado entusiasmo dos fantasistas da
ver em grandes conglomerados de- para passar imune entre as gotas Nesta fase de longa seca que atinge satisfazer as suas clientelas eleito- inteligência artificial e da infinita
mográficos (não me estou a referir da chuva. E no entanto, a Europa a Península Ibérica, e apesar dos rais do regadio no Sul de Espanha, digitalização da alma.
a pequenas “ilhas” de prosperidade tem enormes responsabilidades no convénios hídricos entre Portugal o governo de Madrid não pensa se- No fundo são os caixeiros-vi-
como a Nova Zelândia, a Austrália drama humanitário que - com uma e Espanha, a verdade é que os quer duas vezes. Quem controla as ajantes da ilusão, que nos lançam
ou o Canadá, com reduzida densi- diplomacia de olhos vendados para caudais ecológicos estabelecidos nascentes dos rios tem uma espécie as nuvens de fumo necessárias
dade populacional), a verdade é que questões de princípio - afastou para de mandato divino para o abuso, para irmos habitando, sem maior


os mais de 500 milhões de europeus a tutela do governo de Erdogan. em tempos de escassez. Isto é válido angústia, num planeta que se
da União Europeia (UE) sacudiram É claro que os governos europeus, na gestão do Nilo, como é válido na aproxima cada vez daquele ponto
como moscas repelentes os quase como o holandês e até o alemão, gestão do Tejo. em que já não caberemos todos
dois milhões de desgraçados que se são capazes de impedir a entrada de Na bolha mediática em que nele. Um tempo, sujo e áspero, em
lançaram ao mar ou a longas tra- ministros turcos, mas, ao mesmo Os refugiados são um vivemos, as coisas do mundo real que será preciso decidir quem passa
vessias terrestres em busca de uma tempo, fazem da Turquia o grande e analógico vão-se impondo com a pelo estreito diâmetro do gargalo da
vida melhor, ou, em muitos casos, tapete para onde se vão varrendo exemplo do que nos sua dureza implacável. Perante isso, garrafa. No futuro, o essencial será
apenas da sobrevivência. os refugiados, à custa de alguns espera quando tudo somos bombardeados até à satu- sempre o pão e a água. E a retórica
A chanceler Merkel, com o seu milhares de milhões de euros, que ração pelos fanáticos da inovação ética rapidamente se diluirá na for-
gesto de lisura moral, tão raro na Ancara aceita de bom grado. Nas
começar a ficar mais tecnológica de todos os matizes, ça das decisões etológicas, ditadas
política, ficou isolada na Europa e causas da tragédias de milhões de complicado e pelos profetas da vida artificial- pela lógica da sobrevivência. J

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt COLUNA
ideias * 25
SOCIEDADE BREVE forma brutal, as suas diferenças com grupos revolucionários
cuja linha política fora derrotada. Chamou-se a isso sectarismo e
Boaventura de Sousa Santos dogmatismo. Esta perversão dominou toda a esquerda política do
século XX.
Quinto, a luta de classes é uma luta importante mas não é

Revolução e Democracia
a única. As lutas contra as injustiças e discriminações raciais
(colonialismo) e sexuais (hetero-patriarcado) são igualmente im-
portantes e a luta de classes nunca terá êxito se as outras também
não tiverem. Vivemos em sociedades capitalistas, colonialistas e
patriarcais e as três formas de dominação atuam articuladamente.
Ao contrário, os homens e as mulheres que lutam contra a injus-

T
tiça concentram-se, em geral, numa das lutas negligenciando as
outras. Enquanto as lutas se mantiverem separadas nunca terão
êxito significativo.
enho vindo a escrever que um dos desenvol- Sexto, não há uma única forma de emancipação social. Há
vimentos políticos mais fatais dos últimos múltiplas formas e, por isso, a libertação ou é intercultural ou
cem anos foi a separação e até contradi- nunca será.
ção entre revolução e democracia como
dois paradigmas de transformação social. Revolucionar a democracia Primeiro, não há democracia, há
Tenho afirmado que esse facto é, em parte, democratização progressiva da sociedade e do Estado.
responsável pela situação de impasse em Segundo, não há uma única forma legítima de democracia, há
que nos encontramos. Enquanto no início do várias, e o conjunto delas forma o que designo por demodiversi-
século XX dispúnhamos de dois paradigmas dade. Tal como não podemos viver sem a biodiversidade também
de transformação social e os conflitos entre eles eram intensos, não podemos viver sem a demodiversidade.
hoje, no início do século XXI, não dispomos de nenhum deles. A Terceiro, nos diferentes espaços-tempos da nossa vida
revolução não está na agenda política e a democracia perdeu todo coletiva, as tarefas de democratização têm de ser levadas a cabo
o impulso reformista que tinha, estando transformada numa arma de modo diferente, e os tipos de democracia serão igualmente
do imperialismo e tendo sido em muitos países sequestrada por distintos. Não é possível a democratização do Estado sem a demo-
antidemocratas. cratização da sociedade. Distingo seis espaços-tempo principais:
Esta tensão entre revolução e democracia percorreu todo o família, produção, comunidade, mercado, cidadania e mundo.
século XIX europeu, mas foi na Revolução Russa que a separação Em cada um destes espaços a necessidade de democratização é a
ou mesmo incompatibilização tomou forma política. É debatível a mesma, mas os tipos e os exercícios de democracia são diferentes.
data precisa em que tal ocorreu, mas o mais provável é que tenha Quarto, seguindo o pensamento político do liberalismo, as
sido em Janeiro de 1918 quando Lenine ordenou a dissolução da sociedades capitalistas, colonialistas e patriarcais em que vive-
Assembleia Constituinte onde o Partido Bolchevique não tinha mos reduziram a democracia ao espaço-tempo da cidadania, o
maioria. A grande revolucionária Rosa Luxemburgo foi a primeira Lenine, em outubro de 1917 espaço que designamos por político, quando todos os outros são


a alertar para o perigo da rutura entre revolução e democracia. igualmente políticos. Por isso, a democracia liberal é uma ilha
Estando na prisão, escreveu em 1919 um panfleto sobre a revolu- democrática num arquipélago de despotismos.
ção russa cujo destino foi turbulento, só muito mais tarde tendo Quinto, mesmo reduzida ao espaço da cidadania, a democracia
sido publicado na íntegra. Nesse texto, Rosa Luxemburgo afirma liberal, também conhecida por representativa, é frágil porque não
de modo lapidar que a liberdade só para os apoiantes do governo Um dos desenvolvimentos políticos pode defender-se facilmente dos anti-democratas e dos fascistas.
ou só para os membros de um partido não é liberdade. A liberdade
é sempre e exclusivamente a dos que pensam diferentemente - e
mais fatais dos últimos cem anos foi Para ser sustentável tem de ser complementada e articulada com a
democracia participativa, ou seja, com a participação organizada e
acrescenta: a separação e até contradição entre apartidária de cidadãos e cidadãs na vida política muito para além
“ Com a repressão da vida política no país todo, a vida dos revolução e democracia como dois do exercício do direito de voto, que obviamente é precioso; apenas
sovietes [o poder popular ou conselhos de operários, camponeses não é suficiente.
e soldados] definhará mais e mais. Sem eleições gerais, sem total paradigmas de transformação social. Sexto, os próprios partidos têm de se reinventar como
liberdade de expressão e de reunião, sem a disputa livre entre as Esse facto é, em parte, responsável entidades que combinam dentro de si formas de democracia
opiniões, a vida morre nas instituições públicas, torna-se uma participativa entre os seus militantes e simpatizantes, sobretudo
mera aparência de vida em que a burocracia é o único elemento pela situação de impasse em que nos na formulação dos seus programas e na escolha de candidatos a
ativo. A vida pública adormece aos poucos, e uns poucos líderes encontramos cargos eletivos.
partidários, dotados de uma energia sem limites e com grande Sétimo, a democracia de alta intensidade deve distinguir entre
experiência, são quem governa. Entre eles, apenas um pequeno legalidade e legitimidade, entre o primado do Direito (que inclui
número de notáveis dirige enquanto a elite da classe operária é os direitos fundamentais e os direitos humanos) e o primado da
convidada de tempos a tempos a participar em encontros para Democratizar a revolução Primeiro, são por vezes necessárias lei (direito positivado), ou seja, entre rule of law e rule by law. O
aplaudir os discursos dos líderes e aprovar por unanimidade as ruturas que quebram a ordem política existente. Esta, quando primado da lei (a rule by law) pode ser respeitado por ditadores,
resoluções propostas—no fundo, o trabalho de uma clique, uma se auto-designa democrática, é certamente uma democracia de não assim o primado do Direito.
ditadura, não certamente do proletariado, mas de um pequeno minorias para as minorias, em suma, uma falsa democracia ou Oitavo, hoje em dia governar democraticamente significa
grupo de políticos…Estas condições causarão inevitavelmente a uma democracia de baixíssima intensidade. A rutura só se justifica governar contra a corrente, já que as sociedades nacionais estão
brutalização da vida pública: tentativas de assassinato, liquidação quando não há outro recurso para pôr fim a este estado de coisas e sujeitas a um duplo constitucionalismo: o constitucionalismo
de reféns.” o seu objetivo principal é o de construir uma democracia digna do nacional que garante os direitos dos cidadãos e as instituições
Um texto premonitório de alguém que seria, ela própria, assas- nome, uma democracia de alta intensidade para as maiorias, com democráticas e o constitucionalismo global das empresas multi-
sinada dois anos depois. respeito pela acomodação das minorias. A revolução não pode nacionais, dos tratados de livre-comércio e do capital financeiro.
Vivemos um tempo de possibilidades desfiguradas. A revo- correr o risco de se perverter na substituição de uma minoria por Entre os dois constitucionalismos há enormes contradições já que
lução seguiu uma trajetória que foi dando cada vez mais razão às outra. o constitucionalismo global não reconhece a democracia como
previsões de Rosa Luxemburgo e foi levando a cabo uma transição Segundo, a rutura, como o nome indica, rompe com uma dada um valor civilizacional. E o mais grave é que, na maioria das
que, em vez transitar para o socialismo, acabou por transitar para ordem, mas romper não significa fazê-lo com violência física. No situações, em caso de conflito entre eles, é o constitucionalismo
o capitalismo, como bem ilustra hoje o caso da China. Por sua vez, dia da tomada do Palácio de Inverno morreram poucas pessoas e global que prevalece. Quem controla o poder do governo não
a democracia (reduzida progressivamente à democracia liberal) os teatros funcionaram normalmente. Tal como na Revolução de é necessariamente quem controla o poder social e económico.
perdeu o impulso reformista e provou não ser capaz de se defen- 25 de Abril de 1974, em que morreram quatro pessoas e houve um É o que sucede com os governos de esquerda. Para que estes se
der dos fascistas, como mostrou a eleição democrática de Adolfo ferido grave. sustentem, não podem confiar exclusivamente nas instituições.
Hitler. Aliás, o “esquecimento” da injustiça socio-económica Terceiro, os fins nunca justificam os meios. A coerência entre Devem saber articular-se com a sociedade civil organizada e com
(para além de outras, como a injustiça histórica, racial, sexual, uns e outros não é mecânica mas devem equivaler-se nos tipos de os movimentos sociais interessados em aprofundar a democracia
cultural e ambiental) faz com que a maioria da população viva acção e de sociabilidade política que promovem. Neste sentido, e dispor de meios de comunicação próprios que rivalizem com os
hoje em sociedades politicamente democráticas mas socialmente não é admissível que se sacrifiquem gerações inteiras em nome de média corporativos em geral subordinados aos ditames do consti-
fascistas. um futuro radioso que hipoteticamente virá. O futuro daqueles tucionalismo global.
Se o drama político do século XX foi separar revolução e que mais precisam da revolução são as maiorias empobrecidas, Democratizar a revolução e revolucionar a democracia não
democracia, atrevo-me a pensar que o século XXI só começará excluídas, discriminadas e lançadas pela sociedade injusta em são tarefas fáceis, mas são a única via para travar o caminho ao
politicamente no momento em que unir revolução e democracia. zonas de sacrifício. O seu futuro é amanhã e é amanhã que devem crescimento das forças de extrema-direita e fascistas que vão
A tarefa pode ser assim resumida: democratizar a revolução e começar a sentir os efeitos benéficos da revolução. ocupando o campo democrático, aproveitando-se das debilida-
revolucionar a democracia. Vejamos como. Dados os limites de Quarto, historicamente muitas revoluções foram rápidas em des estruturais da democracia liberal. A miséria da liberdade será
espaço, as orientações são formuladas em termos de princípios despolarizar as suas diferenças com os inimigos e antigas classes patente quando a grande maioria da população só tiver liberdade
com escassa explicação. dominantes ao mesmo tempo que polarizaram, por vezes de para ser miserável.J

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26 * Ideias CRÓNICA, LIVROS jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

António Barreto,
três livros
A PAIXÃO GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS
DAS IDEIAS
Em cerca de quatro
meses saem três livros de
António Barreto: os dois
últimos novos, embora

O culto do património cultural


coligindo sobretudo
textos antes publica-
dos ou que serviram de
base a , o primeiro uma
reedição. Chegado às
livrarias está De Portugal

O
para a Europa, dividido
em quatro partes, duas
delas com textos sobre os
tema do património cultural é complexo. brilhante é o gótico sem a ideia de morte: é a alegria do coração melancó- temas em título, as outras
Nada pior do que tratá-lo de ânimo-leve, lico; e, como esta arquitetura despojada de razão parece construída pelo duas sobre “a liberdade”
ao sabor dos lugares comuns. Tratamos capricho, está de acordo com as loucas ilusões do amor. Trocai por pedra e “a política” – além de
da relação da contemporaneidade com a cinzenta o mármore brilhante de brancura, e todas as ideias de morte uma inicial “apresenta-
História. De facto, os lugares de memória reaparecem…’”. ção” sobre estes derra-
correspondem sempre a uma encruzilhada de Stendhal compreendeu bem que o património cultural só teria sentido deiros tempos do mundo
referências e de tempos. Qualquer simplifica- se se relacionasse com as pessoas e com as sensações que nelas produz. (“as duas primeiras déca-
ção revela-se perversa. Se os anglo-saxónicos Por isso, não podemos ser indiferentes, temos de cultivar esse afeto das do século XXI ficarão
preferem usar a palavra heritage, no sentido especial – que nos obriga a proteger essa memória material, em nome na história como doloro-
do que recebemos, nós recorremos a uma expressão de origem latina que da própria vida. E o conhecimento histórico, a atenção às tradições sas e muito superiores, em incerteza, a
liga à noção de serviço (múnus) à de relação com os nossos antepassados obrigam-nos ao culto e à atenção, nunca é de mais insistir. Por isso, não toda a segunda metade do século XX”).
(patres). Temos, assim, uma ideia dinâmica, que aponta no sentido da há política cultural digna desse nome sem valorizar o que recebemos das São textos sobretudo de conferências e
ação e da responsabilidade. gerações que nos antecederam – seja património material ou imaterial, intervenções em várias instituições e
Eis por que razão as políticas públicas de cultura, e em bom rigor de monumentos ou hábitos e costumes. Mas não se trata de uma reprodução circunstâncias, devidamente assinaladas
educação, têm de partir da preservação e do conhecimento da memória, passiva ou de uma imitação empobrecedora. “Em Paris, temos todos os em rodapé, sem excluir alguns publica-
para melhor podermos entender a capacidade criadora e renovadora prazeres; em Itália só há um – em primeiro lugar o amor e ainda as Belas- dos nos media – todos escritos já neste
das novas gerações. O ensino da História, o entendimento aberto das Artes que são outro modo de falar do amor”. E esse amor, que decorre do século pelo sociólogo que durante cinco
Humanidades, a cultura exigente que se demarca da mediocridade e prazer da viagem, leva à arte da escrita, como forma de transmitir uma anos presidiu à Fundação Francisco
da irrelevância, o diálogo competente entre saberes e culturas têm de paixão, impossível de esquecer. Manuel dos Santos.
merecer cuidado e atenção. Há exatamente Lembremo-nos do nosso Antero, severo Pouco antes, publicou Tempo de
cem anos, dia por dia, Almada Negreiros crítico das escolas da repetição e do elogio Escolha, uma recolha de artigos, sobre
assinou o Ultimatum Futurista às Gerações mútuo. Para viver com ideias é indispensá- numerosas matérias, publicados
Portuguesas do Século XX. Aí, muito domi- vel não deixar ao abandono o melhor que no Diário de Notícias, de outubro de
nado pela conjuntura que o rodeava e pela nos foi legado – a língua, a literatura, as 2015 a julho de 2017, a eles se acres-
presença da guerra, insistia em que era pre- Belas-Artes, as paisagens, a relação com a centando oito entrevistas a outros
ciso criar a pátria portuguesa do século XX natureza, numa palavra, a memória viva e os tantos órgãos de comunicação social.
- importando a demarcação relativamente seus roteiros. Longe da lógica do “bricabra- Barreto (que desde 1963 até ao 25 de
a um entendimento indiferente, passadista, que” ou da mera musealização da cultura, do Abril esteve exilado na Suíça, sendo
fraco, decadente, redutor e fechado. Em lu- que se trata é de garantir que a salvaguarda do Partido Comunista até 1970, do
gar da inércia e da burocracia, urgia desper- do património permita a continuidade de Partido Socialista entre finais de 1974 e
tar energias. Haveria que assumir a coragem uma memória exigente e culta, bem como 1978, ano em que fundou e integrou o
de considerar as qualidades e os defeitos um melhor conhecimento crítico. Haverá Movimento dos Renovadores, apoiante
próprios - para que a qualidade pudesse ser legado mais valioso do que aquele que nos da AD - e a partir daí sem filiação


referência. E que foi buscar o artista para foi deixado por Alexandre Herculano na partidária), Barreto também neste livro
fundamentar a sua pesquisa sobre o futuro? reunião de arquivos, no levantamento de escreve um prefácio, de 18 páginas,
O Ecce Homo quatrocentista do Museu das documentos e na organização das fontes e sobre a política nacional e internacio-
Janelas Verdes. sua apresentação? Daí a ligação necessária às nal, mormente sobre a atual solução
Ou seja, mais importante do que a in- Nos primeiros dias de dezembro, escolas e à pedagogia, enquanto elementos governativa, de que desde o início é
vocação de referências passadas ou mortas, fundamentais de sensibilização e de defesa crítico.
haveria que que encontrar as qualidades em Milão, é lançado o Ano do património. Valorizar as Humanidades Entretanto saíra a reedição de Anatomia
dos melhores, projetando-as nos vivos. Europeu do Património Cultural significa articular o ensino da História e das de uma Revolução, obra publicada em
Em lugar de ler a História como um tempo ciências auxiliares à investigação científica 1987, na qual trata, como se lê no subtí-
ultrapassado, haveria que estudá-la e com- – 2018, em conjugação com – bem como não deixar ao abandono tantos tulo, de “A reforma agrária em Portugal
preendê-la como movimento. Em vez da o Forum Cultural Europeu. legados chegados até nós. – 1974/1976”. A reforma agrária no
falta de cuidado relativamente ao que nos foi Nos primeiros dias de dezembro, exata- Alentejo, muito acelerada sobretudo
legado pelo passado, importaria cultivar a Trata-se de assumir uma especial mente em Milão, será lançado formalmente em 1975, nos períodos mais quentes do
capacidade renovadora, suscetível de acres- responsabilidade – a de pôr o o Ano Europeu do Património Cultural – PREC, foi considerada, mormente pelo
centar valor ao recebido. Daí o regresso aos 2018, em conjugação com o Forum Cultural PCP, sempre muito influente na região,
pintores e artistas de quatrocentos – num
património e a cultura no centro Europeu. Trata-se de assumir uma especial uma das principais “conquistas do 25 de
entendimento vital de património que se da vida europeia e democrática responsabilidade – a de pôr o património Abril” – e António Barreto, ministro da
renova permanentemente. Almada invoca, e a cultura no centro da vida europeia e Agricultura em 1976/77, visou destruí-
por isso, “estes meus grandes olhos de eu- democrática. Afinal, quando hoje se fala de -la ou substituí-la: nas suas palavras,
ropeu, cheios de todos os antecedentes; com sustentabilidade, temos de entender que não “a reforma agrária que nós fizemos (foi)
o passado, o presente e o futuro numa única linha de cor, escrita aqui na nos reportamos apenas à economia ou às finanças, ao meio ambiente ou à contra a reforma agrária dos comunis-
palma da minha mão esquerda” (Conferência nº 1, 1920). energia, referimo-nos a tudo isso, mas antes do mais ao desenvolvimen- tas”. Hoje diz que "nada sobra (daquela)
Quando Stendhal visitou há 200 anos, Roma, Nápoles e Florença, mais to humano. Não por acaso a Convenção de Faro do Conselho da Europa reforma agrária que só sobreviveria em
do que as apreciações eruditas sobre o que via, procurou uma “recolha (2005) fala-nos do valor do património cultural para a sociedade con- contexto político comunista e autoritá-
de sensações”. E deparamo-nos com uma relação rica e fecunda entre temporânea, envolvendo direitos e deveres, bem como avaliação rigorosa rio", admitindo, no entanto, que "talvez
pedras mortas e pedras vivas, para usar a expressão consagrada de de resultados alcançados, permitindo-nos compreender que o que tem ela tenha contribuído para a criação de
Rabelais. E essa relação permite compreendermos o património cultural mais valor é o que não tem preço e que a economia humana só progride uma sociedade mais igualitária e socia-
como uma construção permanente, assente no diálogo entre o passado e verdadeiramente se souber garantir o equilíbrio entre a preservação da lemnte mais equilibrada."
o futuro, mediado pelo presente. Veja-se o que diz o autor da Cartuxa de memória e o incentivo à inovação e à criatividade. Educamos pessoas e
Parma sobre o exemplo do Duomo de Milão – “nunca a arquitetura me cidadãos livres e responsáveis e não robôs. Urge, por isso, compreender › António Barreto
deu tais sensações. O mármore branco recortado em filigranas não tem que a arte e a memória, que a ciência e a consciência se completam e que DE PORTUGAL PARA A
certamente a magnificência nem a solidez de S. Paulo de Londres. Direi as sociedades amnésicas, que se fecham sobre si mesmas, recusando a EUROPA
às pessoas nascidas com inclinação para as belas-artes: ‘Esta arquitetura abertura e a partilha, entram em inexorável decadência. J 264 pp, 17 euros

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt LIVROS, COLUNA
Ideias * 27
› TEMPO DE ESCOLHA
352 pp., 17 euros - ambos Ed. Relógio d'Água

› ANATOMIA DE UMA
REVOLUÇÃO À MARGEM... EDUARDO LOURENÇO
D. Quixote, 480 pp., 19,90 euros

Manuel Sérgio
e o desporto
Saiu em 1986 e, há
Realismo sem limitações
muito esgotada, chega
à 3ª edição, com nota
introdutória do atual
secretário de Estado Este texto, inédito, é datável de 1963, o ano em que saiu em Paris, editado pela Plon, o
do setor, João Paulo
Rebelo: Para um
livro a que se refere: D’un Réalisme sans rivages - Picasso, Saint-John Perse, Kafka, de Roger
desporto do futuro, de Garaudy, com prefácio de Louis Aragon. Garaudy (1913-2012) era então um dos “papas” do
Manuel Sérgio. Agora com prefácio de
Miguel Real, que justamente sublinha: pensamento e do ensaísmo marxista: resistente anti-nazi, deputado e senador pelo Partido
“Constitui não só uma brilhante Comunista Francês (que deixaria após a invasão da Checoslováquia, em 1970), este seu livro,
síntese do pensamento de Manuel
Sérgio como uma espécie de discurso prefaciado pelo famoso poeta que era o muito “ortodoxo” diretor de Les Lettres Françaises,
profético sobre a absoluta necessidade teve grande repercussão, e não só em França, pelo que representava de “abertura” daquela
social de penetração do desporto por
valores éticos universais, alterando linha de pensamento. Em Portugal foi de imediato traduzido e no mesmo ano editado pela D.
radicalmente o perfil da sua práti-
ca.” E fala da verdadeira “revolução
Quixote, com o título Um realismo sem fronteiras. Muito discutido, e em geral elogiado, o texto
epistemológica” que constituiu “a de EL sobre ele será talvez o mais crítico e reveste-se, ainda hoje, de iniludível significado

M
obra filosófica e pedagógica” do autor.
Também por isso, certamente, Manuel
Sérgio foi ontem, terça-feira, 5, con- ais vale tarde do que nunca.
decorado pelo Presidente da República O menestrel Aragon consi-
com a comenda da Instrução Pública. dera o novo livro de Roger
Garaudy - Realismo sem
› Manuel Sérgio limites - um "acontecimen-
PARA UM DESPORTO DO to". Nós também. Mas não
FUTURO lhe atribuímos apenas o glorioso sinal de "passo
Afrontamento, 64 pp., 8 euros em frente", segundo a gíria ideológica em voga,
sem relembrar, ao festejá-lo, a longa noite que
outros atravessaram para poder celebrar sem
Bernardino remorso esta ressurreição da simples decência
humana e espiritual. Digamo-lo sem rodeios:
Machado, os três ensaios de Garaudy reunidos sob um
título que é já eco de um célebre e liberal estudo
a primeira viagem de François Perroux, independentemente do
pouco ou grande mérito do seu conteúdo espe-
Foi a primeira cífico, veem fechar um dos mais tristes períodos
viagem de Estado culturais da humanidade, oficialmente, como Roger Garaudy e as capas das edições francesa e portuguesa
de um Presidente da era oficialmente reinante o já quase incrível
República português - de estrangulamento das evidências mais elementa-


Bernardino Machado, em res levado a cabo, suprema ironia, em nome da
1917, em plena I Guerra razão histórica e Deus sabe que mais. Que se lhe existência de campos de trabalho inumanos é
Mundial, a quatro países confira foros de acontecimento é, pois, justiça. o mesmo que prefacia obra que no-los mostra
nossos aliados nesse sangrento conflito: Mas "acontecimento" de quê e para quem? Os mesmos que decoraram ou em sua cinzenta e banal realidade quotidiana.
França (onde estava o nosso Corpo O que existiu não há muito sob os nossos O mesmo que considerava Kafka um deca-
Expedicionário, junto do qual marcou olhos - e existe ainda nos vales onde o novo ajudaram a decorar os muros dente descobre - depois da corte idealista,
presença), Reino Unido, Espanha e sol chega atrasado - era do domínio da tragé- do inferno nos estendem claro está, com 20 anos de atraso - que o autor
Bélgica. Ângelo Vaz, secretário particular dia. Gestos, homens, obras, eram sumária- do Castelo era apenas um Profeta. Seria exigir
do Presidente, que o acompanhou na vi- mente executados, retirados suavemente, sob sorridentes as chaves do paraíso muito obrigá-lo a confessar que ele próprio e
agem, dá-nos dela circunstanciado relato uma simples palavra mágica - idealistas - do o universo onde evoluiu como peixe na água,
no "Diário" que constitui a 1ª parte deste mundo dos vivos com direito à sua parcela tinham sido igualmente profetizados pelo
volume; na 2ª parte, maior do que a an- de sol, ou se demasiado visíveis, impossíveis Uma estratégia espiritual, mesmo Kafka.
terior, recolhem-se textos publicados a de escamotear, enrolados à força entre as menos de um indivíduo que de De uma coisa o mágico profeta de A
seu propósito na imprensa nacional e in- hostes inimigas natas do progresso humano e Metamorfose se esquecera de prever: que seria a
ternacional. E, nos repórteres nacionais, seu ritual luminoso. É verdade que a maioria
uma certa família ideológica espécie de barata monstruosa quem escreveria
há textos de muito destacados jornalistas, desses assassinatos - exceto onde as obras se encontra presente nesta o louvor de Gregório Samsa. Em suma que a
como Hermano Neves - pai de Mário não podiam ressurgir ou a imortalidade se tragédia pudesse virar em comédia, e com os
Neves, que seria diretor adjunto do Diário fixava objetivamente, pois tudo era "objeti-
nova anunciação de verdades mesmos atores nos papéis invertidos. Maior
de Lisboa. Quanto ao Almada Negreiros, vo" nas linhas de uma Enciclopédia, bíblia velhas. A realidade triunfou dos triunfo da Dialética jamais se viu.
que também assina reportagens, não
é, claro, o famoso artista e escritor do
nova - eram apenas martírios virtuais. Os
mortos continuavam bem vivos e convertidos
dogmas Hipocrisia, provocação, inconsciência, ci-
nismo? Não. De certo uma estratégia espiritual,
Orpheu (José), mas seu pai (António em falsos fantasmas, ganhavam até aos olhos menos de um indivíduo que de uma certa famí-
Lobo), correspondente de guerra de O dos executores um prestígio insólito, possi- lia ideológica se encontra presente nesta nova
Século. O volume tem prefácio do atual velmente a ancestral fascinação que liga as aleluias redentoras dos Garaudy de todos os anunciação de verdades velhas. A realidade
Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa. vítimas aos carrascos. países em que a "peste" foi a melhor saúde são triunfou dos dogmas e é natural e razoável saber
De uma maneira geral esta sombria dialéti- mais fáceis, e com um pouco de boa vontade e adaptar-se, até com sacrifício, embora nem
› Ângelo Vaz ca desenrolava-se em modo menor e era qua- montanhas de esquecimento, os mesmos que sombra dele se veja nestas páginas de quem tem
VIAGEM PRESIDENCIAL 1917 se um conto de fadas comparada com a reali- decoraram ou ajudaram a decorar os muros do e afinal sempre teve razão. O livro de Garaudy é
Imprensa Nacional/ Museu da Presid~encia da dade histórico-política que lhe dava origem. inferno nos estendem sorridentes as chaves filho de uma certa história e reenvia à História
República, 400 pp., 25 euros É por isso que o branqueamento póstumo e as do paraíso. O mesmo que negou a pés juntos inteira que nós vivemos.J

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28 * debate-papo jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

Manuel Alegre
da está antes da palavra escrita.
Como o poeta português Teixeira
de Pascoaes, eu creio que “a poesia

‘Fui sempre fiel à liberdade,


nasceu da dança e que o ritmo é a
substância das coisas.” Como ele
estou convencido que “a palavra
liberta e cria: é a própria terra do
Outro Mundo.” Em cada poeta

por ela escrevi cada verso’


está toda a história da poesia e
de certo modo de todas as lín-
guas, a começar pela Epopeia de
Gilgamesh, a primeira interrogação
que o homem gravou na pedra
sobre o sentido ou o sem sentido
de um destino que continua a não
ser revelado. Todos somos her-
O poeta da Praça da Canção e de Senhora das Tempestades, entre tantos outros bem conhecidos deiros desse poeta desconhecido.
Herdeiros de Dante e da busca
títulos, Prémio Camões deste ano, foi doutorado honoris causa pela muito prestigiosa Universidade circular do número cem. Herdeiros
de Pádua, a segunda mais antiga de Itália e a quinta mais antiga do mundo. Criada sob o signo da de Homero e da Odisseia, metáfora
da errância do homem em busca
liberdade, Libertas é a sua divisa, é assim particularmente significativa a homenagem (a primeira de uma Ítaca perdida que só existe
do género, que saibamos, a um português), da Casa onde Galileo Galilei ensinou e que dele fez um dentro de si mesmo. Sem Vergílio e
Petrarca, Camões não teria escrito
símbolo. Por isso, pela sua qualidade e também significado, publicamos na íntegra a intervenção como escreveu. Segundo o poeta
de Manuel Alegre, após o reitor, Rosario Rizzuto, lhe ter entregue as insígnias Vasco da Graça Moura, tradutor de
Dante e Petrarca, “na poesia euro-
peia, Camões foi dos que compre-
enderam mais a fundo a dimensão
Peço desculpa por não falar na a primeira que ousou afirmar e certas épocas, só a palavra poética, da lírica petrarquiana.”
língua de Dante, a que o poeta praticar o livre pensamento, a pela sua natureza cósmica, é capaz Podemos talvez perguntar-nos
inglês T.S.Eliot chamou “a língua consciência crítica e o saber expe- de apreender a realidade.” Por seu que sentido tem a literatura neste
universal da poesia”. Falo na língua rimental, princípios fundadores do lado, para Rainer Maria Rilke “os tempo dominado pela ganância e
em que Santo António estudou humanismo europeu. versos não são feitos com senti- pelo império do dinheiro. A econo-
Eloquência, no Mosteiro de Santa Lembro, com respeito, o reitor mentos” e “…para escrever um mia única traz a lógica do pensa-
Cruz, em Coimbra; falo na língua Concetto Marchesi que, em 1943, só verso é preciso ter visto muitas mento único, da cultura única, da
de Damião de Goes, um dos mai- teve a coragem de lançar um apelo cidades, muitos homens e muitas língua única. Como disse George
ores humanistas europeus, que fre- aos estudantes contra “a ofensa do coisas. É preciso lembrar caminhos Steiner: “Cada língua é um ato de
quentou esta ilustre Universidade fascismo e a ameaça germânica”. em regiões desconhecidas, encon- liberdade que permite a sobrevi-
entre 1534 – 1538, depois de Libertas é a divisa desta antiquíssi- tros inesperados e despedidas há vência do homem. Cada língua é
ter partilhado com Erasmo, em ma e nobre Universidade. A outra muito previstas.” Tudo isso é vida e algo que tem a ver com aquilo a
Basileia, as ideias de liberdade de escala, foi sempre a minha divisa. de tudo se faz o poema. que Blake chamou ‘o sagrado do


pensamento e dignidade da pessoa Por isso, ainda que pequeno pe- Escrever, para mim, foi sempre particular’”.
humana, a que se manteve sempre rante tão grande História, confesso um estado de graça. Mesmo nas Há já uns anos, José Saramago
fiel. Regressado a Portugal, seria que de certo modo me sinto em situações mais trágicas, a guerra, a disse em Madrid que as línguas se
duas vezes preso pela Inquisição, casa. Pergunto-me, nesta hora, se prisão, o exílio, as muitas despe- cercam umas às outras. E que o
tendo sido assassinado em condi- sou merecedor da distinção que Portugal existe porque, didas, e o irremediável de muitas português, tal como o italiano e o
ções misteriosas e suspeitas. Com me é conferida. Não sei responder. mortes. Não tive a possibilidade francês, seriam línguas ameaça-
emoção evoco estes dois grandes Posso apenas dizer que fui sempre antes de ser Estado, e também a rejeitaria, de ser um das. Não estou de acordo. No que
portugueses de dimensão euro- fiel à liberdade. Lutei por ela, vivi já era língua e poesia. daqueles poetas que, segundo respeita ao português, não só por-
peia e universal e cujas vidas estão e sofri por ela, por ela escrevi cada o brasileiro João Cabral de Melo que é a terceira língua da Europa
ligadas à cidade de Pádua. verso, cada palavra. Pela liberda-
Esse é talvez o mistério Neto, se pretendem “intemporais e Ocidental mais falada no Mundo.
Antes de ser Estado, Portugal foi de do meu país e pelo direito dos da longevidade de inespaciais”. Ninguém está fora do Mas também porque é uma língua
trova, cantar de amigo, Menina e povos colonizados à autodeter- espaço e do tempo. Ninguém está de grande literatura, a língua de
Moça de Bernardim Ribeiro, o dolce minação e à independência. Se é
Portugal fora da história. A escrita e a vida Camões e de Fernando Pessoa,
stil nuovo trazido de Itália por Sá de esse o sentido de tão alta distinção, são inseparáveis. dos brasileiros Carlos Drummond
Miranda, os Autos de Gil Vicente e, então sim, sem hipocrisia, confes- A liberdade, afirmou o me- de Andrade e Jorge Amado, dos
sobretudo, Luís de Camões, a Lírica so que me sinto digno da divisa da xicano Octávio Paz, “não é uma angolanos Luandino Vieira e
e Os Lusíadas, esse poema que é Universidade de Pádua. Esses livros traziam também filosofia e nem sequer uma ideia, Pepetela, dos moçambicanos José
um ato de soberania espiritual, em Escrevi alguns livros, nomea- uma visão poética da História é um movimento de consciência Craveirinha e Mia Couto, além
que o poeta exalta “a lusitana an- damente os dois primeiros, Praça e subvertiam os mitos com que que nos leva em certos momentos, de ser a língua em que o próprio
tiga liberdade”. Fundador de uma da Canção e O Canto e as Armas, o regime salazarista pretendia a pronunciar dois monossílabos: Saramago ganhou o Prémio Nobel.
identidade cultural que sobreviveu que tiveram consequências po- legitimar-se. Numa interes- Sim e Não.” A minha circunstância E também a língua em que António
a 60 anos de ocupação castelha- líticas e culturais. Proibidos pela sante tese de doutoramento levou-me a dizer não, e a dizê-lo Lobo Antunes fez uma das maiores
na, Camões consolidou a língua censura e apreendidos pela polícia apresentada na Universidade em verso, segundo um certo ritmo, revoluções no romance contem-
portuguesa tal como hoje a falamos politica, circularam em cópias Católica do Rio de Janeiro, o uma certa toada, uma certa corres- porâneo.
e escrevemos. A língua em que o manuscritas e datilografadas, prof. Mário César Lugarinho pondência de sons e imagens. Não Língua de diferentes identida-
Brasil proclamou a sua indepen- foram declamados em sessões cul- caracteriza a minha poesia como por qualquer intenção programá- des e diferentes culturas. Essa é a
dência e que Angola, Moçambique, turais e cívicas, musicados e can- “uma ortografia da História.” tica, mas por um impulso, uma riqueza de brasileiros, africanos,
Guiné-Bissau, Cabo Verde, São tados pelos mais célebres cantores Não que tivesse a pretensão de, energia, uma irresistível confiança portugueses. Somos diferentes na
Tomé e Príncipe e Timor Leste desse tempo. Independentemente como Petrarca, “revolucionar na força da palavra poética. Apesar mesma língua. Uma língua em que
adotaram como língua oficial dos de mim, tornaram-se dois livros a interpretação da História”. da idade e dos desenganos, mante- as vogais não têm todas a mesma
seus países libertos e soberanos. míticos e emblemáticos. Traziam Procurei dar voz poética, isso nho, hoje como sempre, a mesma cor. E em que as consoantes, como
Portugal existe porque, antes de um recado de liberdade e diziam sim, à vontade de mudar a nossa confiança na força libertadora da se sabe, em Portugal assobiam, na
ser Estado, já era língua e poesia. coisas aparentemente inocentes, própria história nessa hora em palavra. Concordo com Octávio Africa cantam e no Brasil dançam.
As nações todas são mistérios, afirmavam que tinha havido um que era preciso fazer ao contrário Paz: “A atividade poética é revolu- Uma língua onde há a mesma
escreveu Fernando Pessoa. Esse é tempo de partir e era chegado o a viagem do caminho marítimo cionária por natureza; exercício es- música de fundo: o mar. O mar dos
talvez o mistério da longevidade de tempo de voltar, o que, na altura, para a Índia e descobrir Portugal piritual, é um método da libertação nossos encontros, desencontros e
Portugal e da projeção multinaci- significava a condenação da guer- em Portugal. Epopeia do avesso. interior.” reencontros. Viagem de nós para
onal da língua portuguesa. Nesta ra colonial e a urgência de libertar Ou “nostalgia da epopeia”, como Creio que o ritmo da escrita é nós, viagem de nós para o Mundo.
língua vos falo, com humildade e o país. Era algo que estava dentro escreveu Eduardo Lourenço. inseparável do ritmo da terra e Permitam-me que lembre,
embaraço, perante a grandeza da das pessoas, mas só a poesia tinha Segundo Nadejda Mandelstam, das marés. Está antes da palavra neste momento, aqueles que me
História da Universidade de Pádua, talvez o condão de revelar. viúva do grande poeta russo, “em e a a palavra cantada ou dança- leram versos de Camões e de

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt
debate-papo * 29
outros poetas quando eu próprio se bifurcam de Jorge Luís Borges. prémios literários da língua por-
não sabia ler nem escrever. Nem A poetisa portuguesa Sophia de tuguesa. A República concedeu-
sempre compreendia o sentido, Mello Breyner, minha querida -me as mais altas condecorações.
mas foi desse modo que descobri amiga, escreveu três versos em que Mas de todos os prémios o mais
a música da língua e a toada que que diz quase tudo sobre a arte da importante foi o reconhecimento e
para sempre ficou dentro de mim. poesia, que é a arte de perguntar e carinho dos meus leitores.
Permitam-me que partilhe esta nomear: “Ia e vinha/ E a cada coi- Uma palavra especial para o
distinção com os professores da sa perguntava/ Que nome tinha.” empenho com que a prodª Sandra
escola primária que me ensinaram Eu leio e releio muitas vezes Bagno se tem dedicado, nesta
a escrever o português. Permitam- o grande poeta brasileiro Carlos Universidade, ao ensino de língua
me que sublinhe a importância que Drummond de Andrade. Olhando portuguesa e à cátedra a que
para mim tiveram poetas desco- o Mundo atual, apetece dizer com generosamente atribuíram o meu
nhecidos, como os cegos que, na ele: “Tinha uma pedra no meio nome. Um agradecimento a todos
rua onde nasci, em Águeda, canta- do caminho/ No meio do cami- os professores e estudiosos, alguns
vam versos de amor e de tragédia, nho tinha uma pedra/ Tinha uma aqui presentes, que têm contri-
ora inspirados em factos reais pedra no meio do caminho”. Que buído para a divulgação da minha
ora decalcados dos rimances do podemos nós fazer em tempo obra e da de outros autores de
Cancioneiro Português. Sou o que de indigência, como perguntava língua portuguesa. O meu sentido
sou graças à família, ao povo, e aos Manuel Alegre a receber do reitor Rosario Rizzuto o pergaminho com os Hölderlin? O que podemos fazer é o reconhecimento ao embaixador de
poetas com quem aprendi os mis- fundamentos do doutoramento honoris causa que fazia o chaman das sociedades Portugal, Francisco Ribeiro Telles, e


térios e os segredos da poesia até primitivas: repetir ritmicamente ao presidente do Instituto Camões,
conseguir, a muito custo e depois palavras mágicas, esconjurar a cri- embaixador Luís Faro Ramos, cuja
de muitos cadernos rasgados, um dialogar de novo com Platão, se, reabilitar a poesia e a vida, tirar presença confere a este ato um sig-
verso meu e uma voz que suponho reaprender em Sófocles a tão atual a pedra do meio do caminho. nificado que me honra e reconforta.
ser minha. lição de Antígona e redescobrir Procurei dar voz poética A minha idade vai avançada. Fui e sou, acima de tudo, um
Esta é uma hora difícil para a com Séneca que “cada dia é, por si Tenho por vezes a sensação de ter escritor e poeta cidadão. Este é
Europa e para cada um dos nossos só, uma vida.” Reler as cartas de à vontade de mudar a vivido várias vidas numa só vida e para mim um momento único.
países. Falta grandeza, faltam Cícero, descobertas por Petrarca nossa própria história de ter sido várias pessoas na mes- Nenhuma honra se compara ao
estadistas, falta uma outra visão e aquela prosa que, mais do que ma pessoa. Conheci os momentos doutoramento honoris causa em
da Europa e do Mundo, faltam os qualquer outra, terá influenciado extremos: guerra, prisão política, Línguas e Literaturas Europeias e
largos horizontes da grande litera- a história da literatura europeia. Uma língua onde há a exílio. Mas também tive o privi- Americanas que hoje me é conce-
tura. É preciso subverter o discurso Regressar a Elsenor para fazer com légio de alegrias incomparáveis, dido. Humildemente e com grande
cinzento e tecnocrático e recuperar Hamlet a decisiva pergunta sobre o mesma música de fundo: como a vitória da revolução dos emoção agradeço ao magnífico
a força primordial da palavra. As ser e não ser. Ou tentar perceber, o mar. O mar dos nossos cravos e a reconquista da liber- reitor o privilégio de ver o meu
perguntas e as respostas não estão com Dino Buzatti e o seu fabuloso dade. Costumo dizer que a minha nome figurar ao lado dos ilus-
nos manuais de economia. Talvez romance O Deserto dos Tártaros,
encontros, desencontros vida foi intensa, densa e tensa. tres personagens que receberam
se encontrem em Cervantes, no uma crise que é, sobretudo, uma e reencontros. Viagem Talvez por isso os meus romances esta distinção da Universidade
idealismo de D. Quixote e na sabe- crise de civilização. Ou talvez tenham um cunho autobiográfico. de Pádua fundada em 1222 com a
doria de Sancho Pança. Talvez seja decifrar o segredo dos labirin-
de nós para nós, viagem Não posso dizer que tenha sido mais bela das divisas: “Libertas”,
AF_JL_254x300mm.pdf
preciso voltar à Grécia e a Roma,2 20-11-2017 11:02:57
tos no Jardim dos caminhos que de nós para o Mundo injustiçado. Recebi os principais Liberdade. J

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3o * debate-papo jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

AUTOBIOGRAFIA
PROPRIETÁRIA/EDITORA: IMPRESA PUBLISHING S.A.
SEDE: Rua Calvet de Magalhães, nº 242 - 2770-022 Paço de Arcos
NPC 501 984 046 Tel.: 214 544 000 - Fax: 214 435 319
VALTER HUGO MÃE
IMAGINÁRIA
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ADMINISTRAÇÃO DA IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, Paulo de
Saldanha, José Freire, Raul Carvalho das Neves e Rogério Canhoto
COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE PROPRIETÁRIA:
Capital Social €100 000 00; 100% Propriedade da Impresa

A reciclagem
– SGPS, SA, NIPC 502437464
DIREÇÃO GERAL DE INFORMAÇÃO IMPRESA Ricardo Costa (Diretor-
Geral), Alcides Vieira (Diretor-Geral Adjunto), Henrique Monteiro
(Diretor-Geral Adjunto)

JORNAL

J
E
DE LETRAS,
ARTES E
IDEIAS
PUBLISHER: Mafalda Anjos
DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos
ra comum que, entre as crianças,
guardássemos papel e ferro, cobre e
alumínio para vender na ferrapeira.
Dizíamos assim para o ferro-velho REDATORES E COLABORADORES PERMANENTES: Maria Leonor Nunes, Manuel

que comprava ao quilo por uns Halpern, Afonso Cruz, Agripina Carriço Vieira, André Freire, André Pinto,
António Carlos Cortez, Boaventura de Sousa Santos, Bruno Bénard-
escudos muito pouquinhos. Melhor Guedes, Carlos Reis, Carolina Freitas, Daniel Tércio, Eduardo Lourenço,
Eugénio Lisboa, Fernando Guimarães, Guilherme d’Oliveira Martins,
era o cobre, mas não se arranjava Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões, Jacinto Rego de
em lado algum. O papel, que rendia Almeida, João Ramalho Santos, Jorge Listopad, Lídia Jorge, Manuela
Paraíso, Maria Alzira Seixo, Maria Emília Brederode Santos, Maria José
muito menos, tornava-se mais fácil. Rau, Maria João Fernandes, Maria Alzira Seixo, Maria Augusta Gonçalves,
Mas, aos 1970, nada abundava. Juntavam-se as revistas Miguel Real, Onésimo Teotónio de Almeida, Paulo Guinote, Patrícia
Portela, Tiago Patrício, Valter Hugo Mãe e Viriato Soromenho-Marques
em casa, os livros da escola, os cadernos. Liam-se os OUTROS COLABORADORES: A. Campos Matos, Alexandre Pastor, Álvaro
Laborinho Lúcio, Álvaro Manuel Machado, André Pinto, António Cândido
jornais diários nos cafés. As coisas eram embaladas Franco, Arnaldo Saraiva, Bernardo Pinto de Almeida, Carlos Reis, Carlos
contidamente. Por mais que buscássemos desperdícios, Vaz Marques, Fernando J. B. Martinho, Eduardo Paz Ferreira, Francisca
Cunha Rêgo, Gastão Cruz, Graça Morais, Hélia Correia, Inês Pedrosa, João
desperdiçava-se menos, muito menos. A vida era toda Abel Manta, João Caraça, João Medina, José Augusto Cardoso Bernardes,
poupança e contenção, era toda demora e decoro. José-Augusto França, José Luís Peixoto, Joaquim Francisco Coelho, José
Manuel Castanheira, José Manuel Mendes, Leonor Xavier, Luís Ricardo
Sabíamos de cor o preço do papel. Já não me lembro, Duarte, Manuel Alegre, Manuel S. Fonseca. Marcello Duarte Mathias,
talvez um escudo por dez quilos. Quando subíamos Margarida Fonseca Santos, Maria Fernanda Abreu, Maria Helena Serôdio,
Miguel Carvalho, Mário Avelar, Mário Cláudio, Mário de Carvalho, Miguel
ao farrapeiro trazíamos até cinco escudos. Depois, Carvalho, Nuno Júdice, Ondjaki, Pilar del Rio, Ricardo Araújo Pereira, Rocha
de Sousa, Rui Canário, Sofia Soromenho, Teolinda Gersão, Teresa Toldy
comprávamos rebuçados de coroa, um por 50 cêntimos,
com um boneco de plástico de oferta. Durante muito PAGINAÇÃO: Patrícia Pereira

tempo, figurinhas do desenho animado Vickie, que SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues

adorávamos. Apodrecemos os dentes também por amor. CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO: Gesco


REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS: Rua Calvet de
Remendar a roupa Magalhães, nº 242, 2770-022 Paço de Arcos - Tel.: 214 698 000
e reutilizar a roupa Fax: 214 698 500 - email: jl@impresa.pt. Delegação Norte: Rua
Conselheiro Costa Braga nº 502 - 4450-102 Matosinhos - Tel.:22 043 7001
dos irmãos, era a
normalidade. Até de PUBLICIDADE: Tel.: 214 698 227 - Fax: 214 698 543 (Lisboa)

meninas para meninos, Quase só a fé era tinta. Tel.: 220 437 030 - Fax: 228 347 558 (Porto)
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de costura que todas Nos dias húmidos, Simões (Diretor Comercial Adjunto) msimoes@impresa.pt; João
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as mães tinham, (Diretora) mjjorge@impresa.pt; Miguel Diniz (contacto) mdiniz@impresa.
mudavam-se os pt; José António Lopes, jalopes@impresa.pt. Delegação Norte: Ângela

géneros aos casacos, quando, os marcadores Almeida (Diretora Coordenadora) aalmeida@impresa.pt; Ilda Ribeiro
(Assistente e Coordenadora de Materiais) immribeiro@impresa.pt
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meias solas, pedaços de Ainda chorei agarrado aos meus marcadores mortos, que Assinaturas); Serviço Apoio ao Assinante Tel.: 21 469 8801 (todos os
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pouco, na rua, nos campos, até termos todos gripes e empurrámos os bicos para fora e mais uma gota de álcool. ilustrações sob quaisquer meios, e para quaisquer fins, inclusive comerciais
sarampo e lombrigas e parvoíces que não nos retiravam Aos remendos, na cultura de remendos em que vivíamos,
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fúria nem infância. Em Paços de Ferreira, à solta, os marcadores estrangeiros voltaram fugazmente a nem pela exatidão das características e propriedades dos produtos e/
nós tínhamos direito a tudo. As crianças eram de si pintar. Invejosos, os colegas contavam que a graça de ou bens anunciados. A respetiva veracidade e conformidade com a
realidade, são da integral e exclusiva responsabilidade dos anunciantes e
mesmas, a intuir virtudes e defeitos em todas as ideias, São Bento tinha dado para pinturas e tudo. Nessa altura, agências ou empresas publicitárias”.
sem estarmos sempre acompanhadas por adultos, que mesmo sem esplendoroso talento, porque era mais Interdita a reprodução, mesmo parcial, de textos, fotografias ou ilustrações
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mundo. A infância ainda era alarve. Muita. Uma fartura haveria de ser artista de quadros. Ia ter exposições e fazer http://www.impresa.pt/lei782015 PORTE PAGO

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para os cabelos das meninas loiras ou para os raios de sol, dias húmidos, muito de vez em quando, os marcadores
para ligar luzes aos carros ou para os peixes vermelhos faziam ainda um traço. Parecia uma relíquia deixada no
do lago, meteram-se os bicos para dentro em pouco papel. Um bocado de ouro que a galinha ainda pusesse.
tempo. O milagre dos marcadores estrangeiros não Uma voz sumida que, espaçadamente e já do além,
poderia sobreviver à incauta mão infantil. Com a pressa regressava para me cumprimentar. Fazia segredo. Era
de pintar, mais a disputa, os marcadores duraram talvez espiritual. Naturalmente. J

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt
debate-papo * 31
CRÓNICA
Jacinto Rêgo de Almeida
O HOMEM
DO LEME
Pseudónimos literários MANUEL HALPERN

Zé Pedro

V
i há dias um pequeno livro no fundo de tura no Brasil criticava severamente os grandes agricultores
uma estante, uma coletânea de con- com o nome “Boas Noites” (só descoberto 50 anos após a sua

T
tos em edição brasileira, que custei a morte); Jorge Luís Borges (1899-1986) usou o nome Bustos
identificar. Mas reconheci de que livro Domecq para publicar novelas policiais junto com o seu ami-
se tratava pela dedicatória. O autor é um go escritor Adolfo Bioy Casares; Olavo Bilac (1865-1918) usou odos têm uma história
antigo executivo de uma grande em- os nomes Arlequim, Pierrô, entre outros para participar de com o Zé Pedro. Esta é a
presa portuguesa instalada em S. Paulo polémicas em jornais e editar folhetins, entre 1890 e 1893. minha. Estudava eu na
(Brasil), oriundo da política e conhece- Já Victor Leal publicou O esqueleto, A mortalha de Alzira universidade e cismei
dor da literatura clássica e contempo- e Paula Matos ou o Monte de Socorro, no jornal Gazeta de fazer um trabalho sobre
rânea, no período áureo do governo de António Guterres. Uma Notícias, do Rio de Janeiro, com um enorme êxito, textos as bandas portuguesas
edição de autor sob pseudónimo, “tenho um nome a preservar, românticos contra a dominante escola naturalista da ficção de rock de massas. Falar com os Xutos
apareço todos os dias na Gazeta Mercantil”, o mais importante narrativa da época. A sua figura desenhada por um ilustrador, era indispensável. Certa noite, na
diário económico do país, justificou-se na altura. mostrava um homem magro, de monóculo, chapéu de abas companhia do meu amigo Marco Vaza,
Lembrei-me de um velho amigo, Jorge Valadas, antigo largas e um comprido nariz, que não era encontrada nos cafés também ele aprendiz de jornalista,
oficial da Armada, vive em França e meios literários. Ele não existia. fui ao mítico Johnny Guitar - o bar
desde que desertou em meados dos Tratava-se do pseudónimo de qua- de Zé Pedro, em Santos, uma espécie
anos 60, que assinava os seus livros tro escritores, o romancista Aloísio de sucessor do Rock Rendez-Vous. À
traduzidos em vários países com Azevedo, Olavo Bilac, o dramaturgo entrada disse ao porteiro que queria
o pseudónimo Charles Reeve, em Coelho Neto e o jornalista Pardal falar com o Zé Pedro e ele deixou-me
homenagem a um dos fundadores Mallet. passar. Escavei o meu caminho entre
do primeiro clube anarquista da George Eliot e George Sand, na a multidão até vislumbrar a mítica
Austrália. “Pensas em homena- verdade a inglesa Mary Ann Evans figura. Aproximei-me, num misto de
gear alguém com o teu pseudóni- e a francesa Amandine Dupin, res- nervosismo e entusiasmo e, como é
mo?”, “Não, não”, respondeu-me petivamente, em meados do século inevitável fazer em bares barulhentos,
o executivo. Ponderei que o uso de XIX, impuseram-se com os seus gritei-lhe a informação ao ouvido. Ele
pseudónimos estava fora de moda, pseudónimos masculinos e outras os logo respondeu:"És da Católica?! A Xana
os editores não consideram um bom usaram para defender a causa femi- é que anda lá..." Num ápice estávamos de
negócio e “já há décadas que se nista. Stephen King, especialista em cerveja em punho a fazer um brinde ao
perdeu o preconceito contra a ficção, livros “de terror”, criou o pseudóni- que quer que fosse.
mesmo a ficção comercial ou os cha- mo Richard Bachman para explorar a Tempos mais tarde, jornalista
mados géneros menores”. Ele parou Marcelo Mathias Pablo de la Noche, de pseudónimo literatura de entretenimento. Enfim, principiante, convenci o editor e o
para pensar. “Eu pago a edição”, do autor de Lusco-Fusco, passou a título do romance o uso de pseudónimos na literatura diretor do jornal de como era importante
respondeu-me de forma categórica. assinado com o seu nome... constitui um universo que merece entrevistar os Xutos & Pontapés.


“Pseudónimo?”, sussurrei. um estudo aprofundado. Encontrei-me com eles no Sindikato, a
O uso de pseudónimos literários, Estávamos a almoçar em um agência, em Lisboa. Quando o Zé Pedro
muito usual até aos anos 50 do sécu- dos mais caros restaurantes de S. me viu, fez uma festa. Disse-me: "Estava
lo passado, é normalmente associada Paulo e, a dado momento, recordo até nervoso por ir dar uma entrevista ao
à preocupação com a reputação ou a O uso de pseudónimos literários que ele, o executivo, disse-me em JL, mas afinal apareceste-me tu!"
posteridade. Mas nem sempre foram é normalmente associada à tom de brincadeira: “Não foi por Por motivos profissionais, ou
estes os motivos. O autor de O que teres desertado de uma fragata na simplesmente por acaso, cruzámo-nos
diz Molero - “um livro-chave do preocupação com a reputação ou cidade da Beira que Portugal perdeu muito outras vezes. Mais regularmente
nosso tempo”, como referiu Eduardo a posteridade. Mas nem sempre a guerra colonial, mas sinto que nos últimos meses, em que vivíamos
na mesma rua. Na companhia da
Lourenço -, Dinis Machado, usou o
pseudónimo Dennis McShade para foram estes os motivos, cada autor deste uma pequeníssima ajuda moral
ao êxito da Frente de Libertação Cristina, a passear o cão, metia-se com
escrever livros policiais de apelo tem as suas razões íntimas de Moçambique, não achas? Uma os meus filhos, sempre com aquele
popular, cuja receita lhe foi muito borboleta bate as asas na China e sorriso e familiaridade, como se nos
útil por ocasião do nascimento de provoca uma tempestade em… ”, e conhecêssemos desde sempre. Por
uma filha. Marcello Mathias (1903- sorrimos. vezes, eu ia distraído, do outro lado da
1999), ministro dos Negócios Estrangeiros entre 1958 e 1961, Pu-lo em contacto com um editor, o livro foi publicado rua e ele chamava-me. Era o Zé Pedro
e embaixador de Portugal em Paris durante 24 anos durante o alguns meses depois com pseudónimo e recebi um exemplar dos Xutos que me estava a chamar e isso
Estado Novo, editou em 1973 o livro Lusco-Fusco com o pseu- autografado pelo correio. “És a única pessoa que sabes que o fazia-me sentir importante.
dónimo Pablo La Noche por motivos que desconheço. O livro autor desse livro sou eu”, disse-me com evidente alegria alguns Tinha uma forma de estar invulgar.
teve um extraordinário acolhimento por parte da crítica (tendo dias depois, pelo telefone. Reveladora de uma imensa empatia, de
sido galardoado com o Prémio Ricardo Malheiros e publicado e A escrita de ficção é uma experiência intensa que aborda uma inteligência emocional ao alcance
premiado em França com o "Rayonnement Français"), em 1976, o que não queremos que esteja presente na vida, as emoções de poucos. E uma lição de como ser
já com o verdadeiro nome do autor e o título Pablo la Noche, o que nos governam nos momentos mais importantes, o fracas- figura pública sem deslumbramento,
mesmo acontecendo depois no Rio de Janeiro (Ed. Civilização so, a dor, a morte, a mentira (um bom mentiroso só diz meias com uma vaidade generosa. O Zé Pedro
Brasileira) nos anos 90 e em 2008 pela Ed. Quetzal (Lisboa) com verdades), o destino de todos nós (ricos ou pobres vamos ser era a pessoa mais simpática do mundo.
o mesmo título. esquecidos), pensei, enquanto folheava o livro dele quando o Assim no palco como na rua.
O imperador Dom Pedro I do Brasil usou os pseudónimos redescobri no fundo de uma estante. Não tinha os dons dos guitarrista
“Duende” ou “Inimigo dos marotos” em jornais para insul- Dias depois, li alguns dos contos, inspirados na violência virtuosos que fazem solos admiráveis,
tar inimigos políticos; Anne Rice (1941), conhecida escritora diária na cidade de S. Paulo, na literatura urbana brasileira, não era o letristas de serviço (embora
norte-americana, assina A. N. Roquelaure para se debruçar narrados na primeira pessoa com linguagem popular. Pensei em tenha escrito poucas mas boas) e poucas
sobre temas eróticos; o também norte-americano Michael procurar contactá-lo. Será que iria reconhecê-lo depois de tan- vezes arriscou cantar. Contudo, era a
Crichton (1942) assinou John Lange para editar romances de tos anos? Dir-lhe-ia que relera o livro que ele editara no Brasil figura central dos Xutos & Pontapés.
espionagem que o ajudaram a pagar a faculdade de medicina; nos anos 90 do século passado, o que provocou um chuvisco Ele era a alma do grupo. Os outros, os
Machado de Assis (1839-1908) para editar crónicas ou de- em mim, não uma tempestade, certamente alguma borboleta músicos.
fender opiniões políticas usou os pseudónimos Lélio e Sousa cansada batera com pouca força as asas na China…e iríamos rir E agora? Agora nada. Como todos
Barradas, entre outros, e às vésperas da abolição da escrava- bastante, estou certo disso.J sabem, os Xutos são eternos. JL

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32 J jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

PARALAXE
Afonso Cruz DIÁRIO
GONÇALO M. TAVARES

A Marcha dos Dinossauros Indicações gerais

O
D
importante é sem-
pre isto: concentração.
epois de jantar parámos num bar em vocar a morte do seu próprio pai para ficar-lhe com a ração ou com as Concentração: etimologi-
Ramallah. A cerveja costuma vir acom- botas. Henry Dunant, criador da Cruz Vermelha, ficou muito impres- camente - com um centro.
panhada com tiras de pepino e de cenoura sionado com a violência que presenciou na batalha de Solferino: "Uma Afastar da luz excessiva mas
temperadas com sal e limão. Da varanda do luta corpo a corpo era travada com todo o seu horror e abominação; sem movimentos violentos,
bar via-se um pouco do mar Morto. Conheci os austríacos e os aliados esmagavam-se uns aos outros com os pés, sem grandes frases, sem altifalante.
a Liana Badr, escritora e realizadora, nessa matando-se diante de pilhas de cadáveres em sangue, abatendo seus Para se escrever é necessário um solo firme
noite. Ela apontou para a paisagem, para inimigos com as soleiras dos fuzis, esmagando os crânios, rasgando a e movimentos mínimos. Os micro-movimen-
aquele bocado de mar Morto, e disse com barriga com o sabre e a baioneta. Não havia nenhuma benevolência tos da mão do próprio ato de escrever devem
ironia: com os prisioneiros; era uma carnificina total; uma luta entre animais ser resultado das também subtis mudanças
– Ver um pouco do mar é um luxo. selvagens, enlouquecidos por sangue de posição dos pés, e ainda da calma voz e das
Os palestinos não podem sequer e fúria. Mesmo os feridos combatiam calmas palavras.
chegar perto da água. Só os israelitas se até o último suspiro. Quando ficavam É necessário silêncio ou um ruído base fixo
podem banhar. sem armas, pegavam seus inimigos que não se excite minimamente com as cons-
A Liana contou-me que vivia em pela garganta e os cortavam com seus tantes excitações do mundo.
Beirute quando se deu o cerco de 1982, dentes." Estão sempre a chamar-nos de um lado para
que durou meses. A água e a energia Mas a certa altura do seu livro de o outro, a pedir a nossa participação no exterior
elétrica tinham sido cortadas e só ha- memórias, acaba por testemunhar uma onde as coisas ocupam espaço. Por vezes dize-
via três poços de água para abastecer atitude diferente. O soldado derrubado mos sim (raramente, mas sim) - os amigos os
cerca de 500 mil pessoas. ou ferido passa a ser como um recém- afetos o acaso; no essencial: 95% de nãos.
– Para tirar um copo de água -nascido, passa a estar expurgado de Quando quem quer escrever põe o pé fora do
tínhamos de tirar outro de sangue – toda a ideia de mal, e encarna a inocên- seu abrigo, na participação no mundo, põe-no
disse a Liana. Os snipers disparavam cia e a fragilidade de uma criança. Deve de forma sonâmbula; e quando fala e quan-
em quem tentava tirar água dos poços, ser ajudado e acaba por sê-lo, inde- do participa é a sua parte da frente que fala e
e as pessoas que o conseguiam tinham pendentemente de segundos antes ter participa.
de fazer passar o balde pelos cadáveres sido um inimigo, um homem a abater. Tudo o que importa é regressar ao ver-
daqueles que antes tinham tentado Privando-o de uma série de coisas, vol- dadeiro sítio onde se avança sozinho, lendo,
a mesma coisa. A água vinha com tamos a ter a possibilidade de amar (ou, refletindo, escrevendo. O espaço onde se
sangue e com cabelos. neste caso, cuidar). O ser humano feri- vive é lá atrás, excelência, quase sempre na
Durante o cerco de Ramallah, os do ou incapacitado deixa de ter nação, cabeça.
habitantes tinham de ficar em casa, deixa de ser um rival, deixa de ser um Aceitaste estar no mundo e agora o quê?
e só as mulheres podiam sair a cada inimigo para ser simplesmente um ser
quatro dias, e nunca mais do que três a humano: "As mulheres de Castiglione,
quatro horas em cada um desses dias. vendo que não fiz nenhuma distinção
As lojas estavam quase todas fechadas entre as nacionalidades, seguiram meu
e as poucas que estavam abertas quase exemplo, demonstrando a mesma
não tinham comida. As mulheres amabilidade para todos esses homens
juntavam-se à porta, em desespero, cujas origens eram tão diferentes, e
tentando entrar. que eram estrangeiros para todas elas.
– Tinha a sensação de estar a ‘Tutti fratelli’, elas repetiam emocio-


recolher lixo. Os vegetais... era difícil nadas." (Henry Dunant, Lembrança de
encontrar uma folha de couve que se Solferino)
pudesse usar numa sopa. De facto, as duas possibilidades
Os tanques eram omnipresen- coexistem: os seres humanos enfu-
tes, circulavam pelas ruas desertas Os palestinos já foram tão recidos e embriagados pelo sangue,
da cidade com um tenebroso ruído desumanizados, que sem hesitar
metálico. A Liana escreveu um conto fragilizados, acossados destroem os seus inimigos, indepen-
chamado “A Marcha dos Dinossauros”, e humilhados que qualquer dia os dentemente da sua condição, que
pois de algum modo aquela situação pode ser de absoluta fragilidade; e os
sugeria-lhe estar a viver num parque seus opressores serão capazes de seres humanos que, por se aperce-
jurássico em que os tanques/dinossau- lhes descobrir alguma humanidade. berem dessa mesma fragilidade, das
ros se passeavam pelas ruas e caçavam feridas, da impotência e da dor, se
os humanos que se aventuravam a sair
Mas por enquanto compadecem e tratam os inimigos Fazes o possível para respeitar os afetos, as
para tentar conseguir alguma coisa é apenas uma esperança feridos da mesma maneira que tratam amizades, os acasos. Porém, voltas rapidamen-
para comer. os seus compatriotas na mesma te, depois de cada momento exterior, para o teu
Num dia de calor, a Liana resolveu situação. É fácil compreender porque bunker - à leitura, à investigação, à reflexão, à
tentar escapar aos controlos israelitas, encontra Dunant alguma nobreza escrita.
simplesmente porque já não aguentava mais estar fechada em casa. neste comportamento, e, mais do que isso, por que razão deve ser O que é importante está a ser feito agora,
Conseguiu chegar a um hotel com piscina, despiu-se e mergulhou. Mas uma necessidade e um elementar dever humanitário. E, no entanto, lá atrás. O teu rosto existe hoje, a tua cabeça
quando decidiu voltar, as coisas complicaram-se bastante. ninguém deveria ter de esperar a fragilidade absoluta do outro para também; mas a cabeça existirá, continuará a
Pedimos mais cervejas. o tratar com dignidade ou bondade. Não deveria ser preciso, jamais, existir.J
– Os palestinos estão diferentes. chegar ao ponto extremo de somente descobrir noutra pessoa uma
– Diferentes, como? – perguntei. humanidade igual à nossa, porque o despimos primeiro de toda a
– Os palestinos que eu conhecia não são os mesmos de hoje em dia: humanidade.
agora, porque são constantemente humilhados, tornaram-se agressi- – Os palestinos estão diferentes - repetiu a Liana.
vos uns com os outros. São como animais num jardim zoológico. Sim, e já foram tão fragilizados, acossados e humilhados que qual-
A desumanização dos algozes provoca uma desumanização nas víti- quer dia, esperemos, os seus opressores serão capazes de lhes descobrir
mas. Elie Wiesel, no livro A Noite mostra isso mesmo, como de repente alguma humanidade quando os olharem nos olhos. Mas por enquanto é
tudo se torna aberrante, ao ponto de um filho poder desejar ou pro- apenas uma esperança.J

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J educação
Nº 1231 * Ano XXXVII * 6 a 19 de dezembro de 2017 * Diretor José Carlos de Vasconcelos

O meio de um caminho
não é um caminho a meio
Cumpridos dois anos de Governo, e com outros dois pela frente, até ao termo da legislatura, o ministro da Educação faz
para o JL/Educação um balanço valorativo do que até agora fez e apresenta pistas para o que se propõe ainda fazer, na
ótica de que "os portugueses (são) os primeiros a exigirem que para todos a Educação tenha uma resposta cabal". E, aos
40 anos, o investigador e cientista reputado que trabalhava em Cambridge e deixou ou suspendeu a sua brilhante carreira
internacional para ocupar pela primeira vez um lugar político, afirma que "é justamente na qualificação, na ampliação e
no fortalecimento dessa resposta" que está empenhado

o
Tiago Brandão rodrigues auxilia uns e outros a ensinarem e a de apoio à atividade letiva e à orien-
aprenderem -, mas também porque tação escolar, têm mais autonomia e
este é a via para construirmos, juntos, flexibilidade para responder aos seus
um país mais confiante, mais capaz, desafios; quando (re)começam a ver o
com um reforço da sua coesão econó- seu edificado (re)qualificado; quando
mica e social e, assim, mais competi- se podem concentrar no dia-a-dia
tivo em todas as múltiplas esferas em do ensino e da aprendizagem de que
que os seus cidadãos precisam de se são lar; e, claro, quando são autores e
posicionar. fautores das suas próprias estratégias
de promoção do sucesso escolar.
SERVIÇOS PÚBLICOS MAIS QUALI- Os professores podem-se con-
FICADOS E TRABALHO REVALO- centrar melhor na sua nobilíssima
O meio da legislatura é um momento RIZADO Por isso, tanto nos temos missão quando têm acesso a processos
particularmente oportuno para se empenhado para melhorar e requali- alargados de vinculação; quando têm
olhar para o que já se fez e, a partir ficar a resposta que os nossos serviços acesso a colocação mais longa no prazo
dessa avaliação, prosseguir o que falta públicos oferecem aos cidadãos que que prescreve e mais antecipada no
fazer. Este meio do caminho reveste-se neles investem. Por isso também momento do ano letivo em que ocorre;
de uma vital importância. nos temos esforçado tanto para (re) quando têm mais e melhor formação,
A de estarmos conscientes, como valorizar o trabalho enquanto força adequada à promoção do sucesso da
estamos, que à urgência do tanto que já de afirmação na, e da, comunidade e, qual são artífices primeiros. Quando
foi feito sucede uma necessidade de o deste modo, reforçar a dinâmica social sabem que, no Ministério, não se
aprofundar e de o complementar com e económica com mais rendimento, negoceia apenas para se resolverem
o que falta fazer, não perdendo um mais confiança e mais ambição. eventuais crises que surjam, mas antes
átomo de energia ou de foco. E é exatamente aí que estamos na que se negoceia em permanência e
A de sermos exigentes, como Educação. À anormalidade do ano com naturalidade porque o diálogo
MARCOS BORGA

somos, com o grau de profundidade do letivo não começar a horas, dos profes- social é, ele próprio, permanente e
trabalho em curso, não apenas na sua sores não serem colocados a tempo, natural.
origem no Governo, mas sobretudo nos nem por tempo longo, da escola se Os alunos sabem que a Escola é o
resultados que garante em cada Escola. Tiago Brandão Rodrigues ‘Importa que façamos uma política capaz de chegar a mobilizar para os exames e não para seu lugar de sucesso quando não se
A de sabermos, como sabemos, todos os portugueses, para que nenhum fique para trás’ a aprendizagem contínua, da escola têm que mobilizar o ano todo para
conciliar a intensa ambição que temos pública financiar a escola privada a exames que pouco medem quando


- e as elevadas expetativas que essa ela redundante, sucedeu o resgate da vistos como o alfa e o ómega de toda a
ambição naturalmente permite que normalidade de, resolvendo as dificul- vida educativa – e quando sabem que
existam - com as possibilidades que de Educação, incentivando o seu su- dades pontuais que sempre surgem, o toda a sua aprendizagem é continua-
conseguimos criar. cesso e equidade, valorizando os seus ano letivo decorrer com a tranquili- mente aferida, aconselhada, orientada,
Finalmente, a de o nosso caminho,
esse mesmo que agora encontra o seu
profissionais e modernizando a Escola
Pública, promovendo uma gestão
A verdadeira reversão dade que lhe é indispensável para que
tudo o resto seja possível.
tendo em conta não somente o sucesso
estatístico, mas o seu real sucesso
meridiano, ser, na verdade, um cami- financeira responsável e eficiente, e um foi a de a um corte de E tudo o resto é muitíssimo. É individual. Também o sabem quando
nho de regresso e aprofundamento do clima social global de paz na Educação. mais de 440 milhões estimular um ensino verdadeiramente sentem que a Escola é, cada vez mais,
caminho que, na Educação, Portugal Não abdicaremos, pois, resgatada exigente na resposta global que dá às um lugar de equidade, onde além do
havia vindo a seguir desde a aprovação que foi a tão indispensável normali- de euros entre 2013 necessidades de competências, saberes sucesso para todos, há lugar para a
da Lei de Bases e que, na legislatura dade nos calendários e nos procedi- e 2015, ter sucedido e talentos que as comunidades espe- igualdade entre todos ao acesso e ao
anterior, foi abruptamente revertido, mentos, a transparência de apostar na ram dos nossos alunos. É ter a coragem usufruto da melhor educação que o
quase destruído até. procura da qualidade para todos e da uma progressão de de, por um lado, aferir em continuida- país lhes pode e deve oferecer.
equidade entre todos, num contexto fi- 660 milhões de euros de a qualidade dessas respostas e, por Uma equidade bem visível no
APROFUNDAR O SERVIÇO nanceiro que não defraude realizações outro, dizer às escolas, aos professores reforço orçamental da Ação Social
NACIONAL DE EDUCAÇÃO Assim, e expectativas futuras e num contexto de investimento na e aos alunos o que esperamos de cada Escolar e, portanto, da sua ação. Seja
o desafio em que estamos e estare- de estabilidade legal e contratual que, Educação um, dando-lhes os meios possíveis nas tão essenciais visitas de estudo a
mos concentrados, desde novembro ainda que não dê já a resposta a todos para que aí cheguem. que, agora, todos os alunos voltam a
de 2015 e até ao final da legislatura, é e a que cada um desejaria, permite Melhores escolas, melhores profes- ter acesso; seja nas refeições escola-
tão-somente um: cumprir o programa a cada um saber com o que conta, Fazemo-lo não só porque a sores, melhores alunos As Escolas res disponibilizadas nos períodos de
do Governo no quadro das possibili- sempre com maior previsão e melhor Educação assim fica melhor servida, ficam mais dotadas para evoluírem o interrupção letiva do Natal e na Páscoa;
dades financeiras e legais existentes. diálogo social agora do que aquele a não só porque é mais justo para quem seu nível de sucesso quando, além de seja, claro, nos manuais escolares a
Ou seja, aprofundar o Serviço Nacional que antes (não) tinha acesso. ensina e quem aprende – ou para quem mais resposta nos recursos humanos que, em todo o 1.º ciclo do ensino bási-

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2 * educação BALANÇO, OPINIÃO jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

A docência em debate
co, todas as famílias têm agora já acesso cia à metodologia das tutorias espe-
gratuito, sendo alargado ao 2.º ciclo no cialmente dirigidas aos nossos alunos
próximo ano letivo. Uma equidade que que apresentam maiores dificuldades
deixou de admitir exceções, com o fim de aprendizagem e, assim, intensificar,
da tão nefasta segregação precoce entre a etapa que se segue no combate ao
quem já reprovou e todos os demais; abandono escolar precoce.
uma segregação em que estes últimos Podemos dar ainda maior amplitu-
ficavam a contemplar pelo espelho re- de à diversificação de percursos edu-
trovisor enquanto os primeiros, pura e cativos, fortalecendo a atratividade,
simplesmente, deixavam de olhar para a qualidade e a quantidade da oferta Luís Grosso Correia com o grau de licenciatura (2 vols., Lisboa: INIC, 1987),
a frente, ficando condenados a olhar e a do ensino profissional, antecipando (83,1%) e, complementarmente, António Nóvoa salientava, logo
estar ao lado. e permanentemente atualizando as com pós-graduações (10,0%), a abrir, que “a compreensão
necessidades que cada região sente Nos últimos 30 anos assistiu- subsistindo ainda 6,9% de da génese e desenvolvimento
A VERDADEIRA REVERSÃO EDUCA- como suas. Dessa forma, continuando se, em Portugal, à consolidação bacharéis. da profissão docente exige o
TIVA COMEÇA NO ORÇAMENTO DA o caminho que já nos permitiu ter mais dos cursos de formação inicial A atividade docente ganha recurso a um olhar sobre a
EDUCAÇÃO Tudo isto se conquista 150 turmas e mais 6.000 estudan- de professores no ensino sentido na praxis letiva longa duração, o único capaz de
com um foco político claro, imune ao tes para quem o ensino profissional superior universitário (1987), diária, silenciosa, complexa, apreender esta história (feita de
ruído e à crítica fácil de quem achava não se apresenta como um ensino de à autonomia das instituições intersubjetiva, que, por razões “continuidades” e de «roturas»)
que a rutura do paradigma educativo de segunda, mas antes como o ensino de deste nível de ensino (1988), organizacionais, tem sido em toda a sua complexidade”
sempre seria já definitiva e com a qual primeiríssima linha que verdadeira- à homologação do estatuto visada, nos últimos anos, (vol. 1, p. 11), para, depois
Portugal, à força, se conformaria. mente é. da carreira docente do por políticas gestionárias e de passar em documentada,
Mas tudo isto é apenas possível Podemos prosseguir o aprofun- ensino não-superior (desde curriculares, entre outras, que fina e problematizada análise
com uma verdadeira reversão, aquela damento da dimensão cidadã da 1989, com 15 alterações), a concebem os/as educadores/as a evolução da profissão em
que inverte o sentido do instrumento Educação, seja na qualificação da reformas e reestruturações e professores/as como peças de Portugal, entre o final do
essencial que poderia tornar defini- Educação Inclusiva; seja na força da curriculares (1989, 2001 e uma tecnologia administrativa século XVIII e a década de 1920,
tiva a rutura educativa: a eleição da Educação para a Cidadania; seja em 2012, entre outras), à criação e produtivista pronta-a-servir rematar com uma projeção
Educação, na anterior legislatura, não processos de elevado sucesso e intensa e extinção do Instituto de e a rentabilizar em qualquer feita de lucidez: “A esperança,
como setor prioritário da ação governa- sensibilização como o é o Orçamento Inovação Educacional em 1987 contexto de trabalho escolar. neste final atormentado do
tiva, mas antes como setor exemplo da Participativo das Escolas; seja, ainda, e 2002, respetivamente, ao Os resultados alcançados por século XX, é uma espécie de


na importante aproximação entre direito à formação contínua Portugal no quadro da edição «procura do impossível»: os
Escola, Família e Comunidade. para educadores e professores de 2015 do PISA despoletaram, tempos atuais não permitem
Podemos continuar a resgatar de- (1992), à autonomia da mais uma visão idílica da
finitivamente algo que nunca devia ter gestão e administração dos sociedade e do papel da escola e
O caminho que, na sido destruído: a Educação de Adultos, estabelecimentos escolares dos professores, mas reclamam,
disseminando a sua oferta por todo o (1998, 2008 e 2012), ao início pelo contrário, uma pesquisa
Educação, Portugal território, adequando a qualificação da criação do espaço educativo quotidiana de um sentido para a
havia vindo a seguir oferecida aos cidadãos adultos com europeu (na sequência do ação educativa. Os professores
a qualificação que cada comunidade lançamento do Processo de não são, seguramente, como
desde a Lei de Bases, deles esperam e necessitam. Bolonha, 1999), ao programa muitas vezes foi proclamado,
na legislatura anterior Por último, mas nunca em último, internacional trienal de «os sábios do mundo», mas eles
foi revertido, quase importa ainda que falemos e façamos
uma política capaz de chegar a todos
avaliação do desempenho dos
estudantes de 15 anos de idade
não são mais apenas «os simples
agentes» de um poder que os
destruído os portugueses, para que nenhum dos em áreas do conhecimento ultrapassa, do qual alguns os
nossos concidadãos fique para trás. com relevância económica acusam. Ao reencontrar um
Sejam aqueles que nem estudam nem (PISA pela Organização para a equilíbrio que perderam e ao
trabalham, que - embora tenha dimi- Cooperação e Desenvolvimento compreender os limites do seu
amputação de valor financeiro e social nuído recentemente a sua percentagem Económico - OCDE), ao trabalho, os «profissionais do
do “ir além da troika”. - importa que voltem a acreditar que estatuto do aluno dos ensinos ensino» também serão capazes
Luís Grosso Correia


Esta, sim, foi a verdadeira reversão faz sentido trabalhar e que também básico e secundário (2002), ao de definir as estratégias de ação
que empreendemos. A de, a um corte se pode e deve trabalhar, estudando; congelamento das progressões que não podem tudo mudar,
de mais de 440 milhões de euros entre como importa que voltem a acreditar na carreira docente (desde mas que podem mudar qualquer
2013 e 2015, ter sucedido uma progres- no valor da Educação aqueles que 2005), ao lançamento do coisa. E esta qualquer coisa
são de 660 milhões de euros (mais há muito deixaram de acreditar que inquérito internacional A atividade docente não é negligenciável” (vol.
11,4%) no investimento que os portu- mereciam ou que beneficiam de ser do processo de ensino e II, p. 793). Sob a bandeira da
gueses alocam à Educação dos seus. mais qualificados, favorecendo através aprendizagem (programa ganha sentido na comemoração dos 30 anos do
Uma reversão que nos permite não da Educação o seu sentimento de per- TALIS, desde 2008, pela mesma praxis letiva diária, arranque da formação inicial de
só regressarmos ao paradigma que tença social e o grau da sua integração OCDE), à extinção das direções professores na Universidade do
a Lei de Bases traçou há mais de três económica no país que somos. regionais de educação (2012) silenciosa, complexa, Porto à luz dos princípios da Lei
décadas e que permanece atual, como E este país que somos não pode e e à subsequente intensificação intersubjetiva, que, por de Bases do Sistema Educativo
permite ampliá-lo no tanto que ele nos não vai esquecer aqueles 500 mil que, do programa de agrupamentos e da publicação da tese doutoral
exige que façamos. de entre nós, não sabem ler ou escre- verticais de escolas (previstas razões organizacionais, de António Nóvoa, Le temps des
ver. Estes 5% dos portugueses não são desde 1998), entre outros tem sido visada por professeurs, trabalho certo no
O CAMINHO QUE SE COMPLETA 5% de portugueses a mais. São 5% de factos relevantes para uma momento certo, diríamos, e
Depois de 170 novas salas nos últimos portugueses que precisam de ter acesso compreensão alargada da políticas gestionárias e do centenário do nascimento
dois anos, podemos continuar a à mais elementar ferramenta, a leitura profissão docente. curriculares de Óscar Lopes (1917-2013),
universalização aos três anos da oferta e a escrita. Segundo dados oficiais do professor-intelectual liceal
pública e convencionada do Ensino Sabemos que é difícil, sabemos que ano letivo de 2014/2015 (cf. e universitário ímpar, o CIIE
Pré-Escolar com mais 150 novas exige uma abordagem estritamen- ME/DGEEC, Perfil do docente: - Centro de Investigação e
salas, já no próximo ano letivo, que te individualizada e extremamente 2014-2015, 2016), o subsistema em contracorrente com Intervenção Educativas da
permitem uma oferta mais robusta complexa, mas por ser difícil é que de educação pré-escolar e alguns discursos instalados e Faculdade de Psicologia e de
deste tão intenso prescritor de sucesso é necessário e importante. A todos a escolar dos ensinos básico e prevalecentes no campo social Ciências da Educação (FPCE)
educativo. Educação diz respeito e, por isso, são secundário era assegurado e político, um movimento de da Universidade do Porto
Podemos assim aprofundar o traba- os portugueses os primeiros a exigirem pelo serviço de 141.274 reconhecimento oficial do labor organizou, entre 28 e 30 de
lho de flexibilidade e autonomia em que para todos a Educação tenha uma professores/as (incluindo contínuo, sofrido e dedicado de setembro p.p., um congresso
que mais de 200 escolas já participam resposta cabal. 16.079 educadoras/es), cujo educadores/as e professores/ dedicado à reflexão e debate
de forma pioneira. É justamente na qualificação, na perfil pode ser sintetizado pelos as em prol da qualificação das científicos sobre a atividade
Podemos alargar, com serenidade ampliação e no fortalecimento desta seguintes dados: predomínio de aprendizagens dos estudantes docente em todos os níveis de
e medindo bem os seus benefícios, a resposta que estamos empenhados no professoras (77,8%); população portugueses, desenvolvido ensino, do pré-escolar ao ensino
redução do tamanho das turmas para meio caminho que nos falta. envelhecida (2,8% com menos num quadro sistémico de baixa superior.
todas as escolas, algo já hoje em opera- Acreditamos que o meio caminho já de 30 anos, 25,6% entre os 30 eficiência se se observar a O congresso tomou
cionalização nos Territórios Educativos percorrido, naturalmente não acabado e 39 anos, 36,0% entre os 40 e persistência das elevadas taxas emprestado o título da acima
de Intervenção. ainda, é, contudo, um promissor pres- os 49 anos e 34,7% acima dos de retenção escolar. referida tese doutoral e reuniu
Podemos insistir e dar consequên- critor do sucesso que nos exigimos. J 50 anos); maioria habilitada Em Le temps de professeurs cerca de 300 investigadores

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt OPINIÃO
educação * 3

Professores: que situação para


em torno de três conferências
plenárias (por Rebecca Rogers,
professora da Universidade
de Paris V - Sorbonne, Luiza

além da reposição salarial?


Cortesão, professora emérita e
investigadora da Universidade
do Porto, e António
Nóvoa, reitor honorário da
Universidade de Lisboa), três
mesas-redondas (sobre a
condição docente hoje, Óscar
Lopes e Le Temps des Professeurs
- ler e depois), um momento Maria arMinda Bragança prejudicando a qualidade do ensino ragem, seriedade e eficácia. É urgente
literário-musical (Uma Arte de escolar. […] e necessária uma grande reforma da
Música: Eugénio, Óscar e Bach) e A existência de níveis de competên- escola portuguesa, mas não pode ser
180 comunicações distribuídas Já muito se escreveu e disse sobre cia e estruturas de carreiras claramente feita com medidas avulsas, como até
por quatro eixos temáticos, a a reposição salarial dos professores. definidos reforça a apreciação que os agora foram sendo feitas pela maioria
saber: história(s), cultura(s) e Porém, a questão posta nestes termos professores fazem em relação às pers- das cerca de três dúzias de Ministros da
identidade(s) profissional(ais); e, sobretudo depois do que foi escrito e petivas de carreira. […]” (COM(2017) Educação e Ensino Superior depois de
formação, avaliação e dito por alguns comentadores, políti- 248 Bruxelas, 30.5.20. António Abril de 1974.
desenvolvimento profissional; cos e cidadãos comuns que revelaram Nóvoa, num encontro de professores As pontuais e constantes mu-
curricula, inovação, contextos, grande desconhecimento do que se em Coimbra, em outubro de 2016, danças introduzidas no currículo,
práticas e ambientes de passa realmente no sector da Educação afirmou: “Nada substitui um bom pro- na organização do tempo letivo e do
ensino-aprendizagem; políticas no nosso país, pode levar à ideia errada fessor. Os professores têm a derradeira tempo não letivo, na organização
educativas, organização escolar de que os professores portugueses só responsabilidade de colocarem a sua e gestão das escolas, no sistema de
e profissionalidade docente. reivindicam só e sempre mais dinheiro. autoridade ao serviço da liberdade avaliação dos alunos, nas alterações e
É rara, em Portugal, O que está diretamente em causa, nes- dos alunos” e para isso “precisamos ocorrências anómalas dos concursos
a comemoração de obras te momento, é que seja contado para de professores inteiros, confiantes e de professores, entre outras, provocam
publicadas com perene efeitos de progressão na sua carreira o Maria Arminda Bragança seguros”. uma instabilidade que tem vindo a
impacto nas diferentes tempo de serviço correspondente aos Tem sido reafirmado e reconhecido afetar negativamente a escola no seu
áreas científicas, culturais, anos em que esta esteve congelada. que o processo educativo depen- todo. O início do ano escolar tem sido


literárias e/ou artísticas. O Não foi pedida a retroatividade salarial, de essencialmente das qualidades sistematicamente perturbado por esta
facto de três investigadores mas apenas a reposição salarial para e competência dos docentes bem ou aquela razão – escolas com obras a
das universidades de Porto, efeitos de progressão na carreira. E como das suas qualidades humanas, decorrer e que não foram concluídas
Coimbra e Lisboa, Helena esta será feita de um modo faseado, pedagógicas, científicas, tecnológicas, em tempo útil, colocação tardia de
Costa Araújo, António Gomes que permitirá ao Governo planificar, O nosso modelo profissionais e éticas. Há uma exigência professores, falta de trabalhadores não
Ferreira e Jorge Ramos do Ó, tendo em conta os constrangimentos escolar está esgotado e crescente de papéis e funções que docentes –, falhas que não fomentam
respetivamente, terem acedido orçamentais. Pareceu-me útil começar implica profissionais motivados. Mas a tranquilidade, a serenidade e a con-
ao convite para a (re)análise por esta clarificação, pois continuo a é preciso mudá-lo com para ter professores motivados, com fiança a que as nossas crianças e jovens
e (re)leitura de Le Temps de ler e a ouvir diversas interpretações, coragem, seriedade e um nível de realização pessoal alto são têm direito no momento em que lhes
Professeurs, em mesa-redonda no meu entender erradas, sobre o que necessárias condições de trabalho que é colocado o desafio de enfrentarem
temática, e de esta ter sido implica a reposição salarial no caso dos
eficácia. É urgente e promovam um investimento constante mais um ano escolar.
desenvolvida perante um professores. Não implica apenas mais necessária uma grande e empenhado na sua carreira. Se várias vozes de competência
auditório a transbordar de dinheiro. Implica sim, repor um direito As condições do exercício da ativi- reconhecida afirmam que é necessá-
congressistas, professores e legítimo de qualquer trabalhador em
reforma da escola dade docente estão em profunda alte- rio mudar a escola, se vários estudos
estudantes do ensino superior ver considerado para todos os efeitos o portuguesa, que não ração, pedindo-se aos professores que nacionais e internacionais afirmam que
são penhores bastantes para se
avaliar a validade, significação
tempo em que, de facto, trabalhou.
São enormes os desafios que se
pode ser feita com garantam aprendizagens de qualidade,
incluindo nestas a transmissão de
é necessário mudar o nosso modelo
escolar, pergunto: de que estamos à
e atualidade deste trabalho colocam ao desempenho cabal e medidas avulsas conhecimentos em constante desen- espera?
(canónico) no quadro dos eficaz da profissão docente tal como volvimento e mudança. Não podemos Portugal e os responsáveis políticos
estudos socio-históricos da a Recomendação da OIT/UNESCO ignorar que vivemos um tempo em que não podem continuar a remendar o
educação, tanto a nível nacional de 1966 relativa ao Estatuto dos o digital domina e que a interferência sistema educativo! Nós que olhamos
como internacional. Professores preconiza: “O ensino deve O relatório técnico "A condi- da velocidade com que a informação e bem, com muita frequência, para o
A mesa-redonda em ser considerado uma profissão: é uma ção Docente: contributos para uma se propaga é fortemente sentida na que há lá fora, seria aconselhável que
referência assegurou ainda a forma de serviço público que requer reflexão”, elaborado pelo Conselho escola, que tem de estar preparada olhássemos também para o modo
transição para a conferência dos professores conhecimentos e com- Nacional de Educação, em 2016, para responder a esta realidade. E está como se faz. Temos de ter a noção que
final do congresso, intitulada petências especializados, adquiridos e “aponta para um sentimento geral a escola preparada para dar a resposta o contexto em que se desenvolve com
“O Tempo dos Professores - mantidos através de estudo rigoroso e de desvalorização profissional entre adequada? sucesso evidente um certo tipo de
hoje”, que ficou a cargo do contínuo; também requer um sentido a classe docente portuguesa, estando "O nosso modelo escolar é do séc. modelo escolar, com as especificida-
ex-reitor, reitor honorário, de responsabilidade pessoal e corpo- muito acima da média da OCDE que XVIII e não está adaptado à realidade" des de um currículo que nos fascina,
professor e investigador ativo rativa para a educação e o bem-estar indica que 30,9% dos inquiridos acre- - Joaquim Azevedo (DN, 25/1/2016). é totalmente diferente do nosso e que
da Universidade de Lisboa. para os alunos a seu cargo.” (III, 6) dita que a profissão docente é valoriza- “Não faz sentido alunos do século XXI a implementação de um modelo igual
Hoje, quando o leitor pegar É um enorme desafio ser professor da pela sociedade. Cerca de 89,5% dos terem professores do século XX, com encontrará grandes obstáculos ou será
nesta peça, talvez pense que segundo John Dewey que disse: “ professores portugueses pensam que propostas teóricas do século XIX, da mesmo impossível de concretizar. Mas
milhares de professores estarão A educação é um processo social, é a sua profissão não é valorizada, mas Revolução Industrial." - José Pacheco podemos e devemos envolver todos os
a lecionar, a preparar aulas, a desenvolvimento. Não é a preparação apenas 16,2% afirmam que lamentam (Observador, 10/4/2016). “As escolas agentes educativos e a sociedade civil
avaliar trabalhos escolares, a para a vida, é a própria vida. É um ter feito esta escolha.” portuguesas ainda não fizeram a na definição das grandes linhas do
atualizar os seus conhecimentos enorme desafio ser professor, pois A Comissão Europeia numa comu- transição do século XX para o século modelo escolar que tenha em conside-
científico-educativos, a segundo Nelson Mandela “ a educa- nicação ao Parlamento Europeu, ao XXI.” Andreas Schleicher (Expresso, ração o contexto e as condições da sua
investigar uma temática ção é a ferramenta mais poderosa que Comité Económico e Social Europeu 30/4/2016). implementação, procurando consensos
pertinente em sede de curso de podemos usar para mudar o mundo.“ e ao Comité das Regiões sobre o Estas respostas de dois responsáveis e, sobretudo, garantindo que todas as
formação pós-graduada ou em Tem sido dito e reafirmado continua- desenvolvimento das escolas e um por grandes e valiosos contributos forças políticas ativas – Presidente da
trânsito no (por vezes, longo) damente ao longo das últimas décadas. ensino de excelência para um melhor dados ao longo de muitos anos para a República, Governo, Parlamento, par-
percurso escola-casa no quadro Muito foi feito no sector da educação começo de vida afirma: “Um ensino inovação pedagógica e para algu- tidos políticos, sindicatos – defendam e
de um tempo cheio, denso, nos últimos 40 anos, mas ainda há um de elevada qualidade para todos pode mas mudanças muito positivas no lutem por um modelo de educação que
fluído e ininterrupto. J longo caminho a percorrer. Temos tido ajudar a Europa a alcançar os seus nosso sistema educativo e do diretor promova um futuro de sucesso para as
avanços e retrocessos. Temos mais e objetivos económicos e sociais. […] No do departamento de Educação e novas gerações. J
* Luís Grosso Correia é historiador, melhor educação, mas em contrapar- coração de um ensino de excelência Competências da OCDE, são revela-
prof. da Fac. de Letras da Un. do tida temos uma classe docente que tem estão professores de grande qualidade, doras e talvez justifiquem, em grande
Porto e investigador da FPSC. Este sofrido grandes desgastes, nomea- motivados e valorizados. Contudo, o parte, o insucesso escolar que é uma * Maria Arminda Bragança é uma dos res-
texto completa o dossiê "O tempo dos damente uma desvalorização da sua declínio do prestígio da profissão e a realidade em muitas das nossas ponsáveis pelo Departamento de Formação
professores, hoje", publicado na última carreira e uma certa falta de reconhe- falta de pessoal docente constituem escolas. O nosso modelo escolar está e Desenvolvimento de Projetos do Instituto
edição. cimento social. desafios em muitos Estados-Membros, esgotado e é preciso mudá-lo com co- Politécnico do Porto, e foi da direção da FNE

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4 * educação OPINIÃO jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

O professor e suas imagens


relativizando a sua competência
de especialista.
Estas quatro imagens que
recordei, lembrando a fase inicial
da minha atividade docente,
marcam com intensidade e
expressões diferentes a identi-
dade profissional dos professores
atá à atualidade. A partir delas é
João barroso ente”. Como referia, no ano tos distintos, no próprio discurso possível construir uma tipologia
letivo de 1976/77 havia 33% de oficial dos responsáveis pela que mobiliza a dimensão técnica
docentes “profissionalizados” política e administração educati- (profissionalismo) e a dimensão
Quando em 1968 iniciei a mi- (isto é com habilitação científica vas. A primeira (militante) teve o ética (altruísmo) para caraterizar
nha atividade como professor, e pedagógica), 44% com habi- seu momento de maior afirmação as diferentes imagens que coe-
no Liceu Nacional de Angra do litação própria (só componente “oficial”, entre 1974 e 1975) e a se- xistem nos vários professores em
Heroísmo, havia duas imagens científica) e os restantes, ou não gunda (profissional), a partir dos cada momento, ou em cada um,
que dominavam a profissão do- tinham habilitação específica meados dos anos 80. O que está ao longo da sua vida profissional,
cente: missionário e funcionário. (9%) ou não tinham habilitação em causa nesta dupla referência como é mostrado na figura.
A metáfora do missionário pode (14%). Contudo, como também às imagens de “profissional” e
ser ilustrada por este extrato do dizia na entrada do mesmo de “militante” é que no primeiro Assim, o défice de profissio-na-
Parecer da Câmara Corporativa artigo, vivíamos nessa época um caso se valoriza, habitualmente, o lismo e de altruísmo caracterizam
sobre o III Plano de Fomento, para período de transição: desenvolvimento de uma perí- as imagens mais “pobres” do
o período de 1968-1973: “Os problemas dos professores cia técnica, sem compromisso professor que é visto como um
“A nobreza da função cívica do vão desde as remunerações, às político, e no segundo caso se põe funcionário burocrata ou, em ou-
magistério, entendido como uma regalias sociais e condições de a tónica na dimensão redentora tro registo, como um mercenário
espécie de apostolado leigo, não trabalho, até à indefinição profis- do trabalho do educador, como que se limita a vender aulas.
é estímulo suficiente na escala de O Jornal da educação, ano I, nº8, sional de uma carreira inexisten- agente de transformação social, Por outro lado, se há um refor-
valores das jovens gerações. Janeiro de 1978 te, passando pela marginalização ço de profissionalismo, mas com
A vida oferece oportunidades a que são votados pelo poder pú- um défice de altruísmo, então as
que dantes eram desconheci- blico na solução dos problemas do João Barroso imagens que são mais valoriza-
das e o mercado de emprego setor em que trabalham: o ensino. das são a de profissional, numa
comporta uma escala de opções desenganada, tolhida. Corpo por Em relação á opinião pública, perspetiva mais pedagógica, ou
muito mais vasta que outrora. O assim dizer inânime, sem o vigor aparecem quer como instrumen- de especialista, numa perspetiva
dinamismo, a possibilidade de da saúde, nem a força do deses- tos de uma rigorosa seleção social mais académica ou científica.
formação acelerada, a sedução da pero, na aparência falecem-lhe promovida pela escola, quer como Se, pelo contrário, existe um
modernidade, o destaque fácil, as energias para pressionar seja o perdulários do erário público a défice de profissionalismo, mas
o ensejo de afirmação pessoal, o que for. Curvada e opressa sob o quem se paga por uma tarefa que, com um reforço do altruísmo,
êxito dependente da audácia, os fardo das lides quotidianas, das no fundo, todo o cidadão médio se então as imagens valorizadas são
proventos condicionados ao vo- tensões emocionais a que o ofício julga capaz de fazer – ensinar os a do missionário ou do militante,
lume de trabalho produzido, são a sujeita, hora a hora – é uma seus filhos. em que intensidade da dimen-
as características de grande parte classe profissional que dir-se-ia Entretanto, os professores são ética diverge unicamente
das novas profissões: o jovem não descurar os seus próprios proble- têm vindo, aos poucos, a ganhar quanto ao móbil da sua dedica-
hesita em preferi-las às chamadas mas de classe. Se não orienta os consciência da sua situação e ção. Finalmente, a imagem de
profissões clássicas, e sobretu- olhos e mobiliza as energias até ao confiança nas suas possibilidades. profissional militante é, como se


do, ao professorado que se há-de horizonte dos seus interesses pro- A prová-lo está a movimentação compreende, a imagem otimista
marcar pela modéstia, pela dedi- fissionais, como pode esperar-se sindical desenvolvida ultima- para o exercício da profissão. Ela
cação completa e obscura a uma que atenda o mais amplo horizon- mente que tende a endurecer, e as marca a necessidade de os pro-
alta missão cujas recompensas são te dos interesses pátrios em geral, tentativas, cada vez mais amplas, fessores articularem, no exercício
principalmente espirituais."
Mas se a retórica oficial gostava
e os do ensino em especial?"
Mais tarde, em 1978, era eu
de porem em causa o sistema em
que estão inseridos, intervindo na
A imagem de das suas funções, a dimensão téc-
nica de especialistas responsáveis
de representar os professores já professor efetivo no ensino modificação do ensino a partir da profissional militante pela organização do seu próprio
como missionários, a realidade preparatório, escrevi no Jornal sala de aula e da própria escola." é a otimista para o trabalho, com a dimensão ética de
dos factos tornava-os mais próxi- da Educação (nº8), um artigo Não admira, portanto, que às agentes sociais vinculados a uma
mas das imagens de “funcionári- intitulado: “Professores: 100 mil imagens anteriores (“missioná- exercício da profissão. missão de serviço público.
os do ensino” ou de “proletários problemas num quadro negro” rio” e “funcionário”) se tenham Ela marca a necessidade Esta tipologia contruída a par-
adormecidos” como o lembram, onde fazia um diagnóstico sobre juntado a partir desta altura tir de uma reflexão sobre a minha
entre outros, as vozes críticas de a profissão assinalando logo (ainda de forma emergente) duas de os professores própria vida de professor marca
Delfim Santos e de Rui Grácio. O na entrada que “mais de 100 novas imagens para caracterizar articularem a dimensão as dimensões em que a profissão
primeiro, Delfim Santos, escrevia mil professores encarregados o professor: militante e profissi- docente se pode reconfigurar en-
em 1957 na Palestra (nº2): da formação de dois milhões onal. técnica de especialistas tre o reforço da dimensão técnica
"Os professores, tornados de alunos, do pré-primário ao Embora não sejam coinci- com a dimensão ética como muitos defendem (e prati-
funcionários do ensino, ou me- superior, constituem um grupo dentes e representem, por vezes, cam) ou o reforço da dimensão
lhor, administradores do saber socioprofissional sobrecarregado modos de estar e procedimentos de agentes sociais ética como encontramos, agora
que corresponde às alíneas dos de problemas e desde sempre opostos e conflituais, estas ima- vinculados a uma em menor número, em muitas
programas – que visam, única e utilizado, sob o pretexto fácil gens estão também presentes no escolas. O que a minha experi-
simplesmente, ao relato do facto, de 'servidores do Estado' como exercício da profissão docente, e
missão de serviço ência aconselha, porém, é que as
ao descritivo da experiência, à mão-de-obra barata e obedi- foram incorporadas, em momen- público duas dimensões estejam sempre
reprodução do resultado – não presentes. Este pode ser um sinal
têm tempo para a missão que mais claro para a reconfiguração tanta
importa: desenvolver nos seus vezes reclamada pelos professo-
alunos a compreensão, a elabora- Figura: As imagens do professor entre a técnica e a ética res e formalmente ensaiada por
ção mental, a funda interrogação, diferentes ministros. J
numa palavra, isso que se chama
a formação da personalidade. Profissional Profissional
Prepara-se para o exame e todos
Dimensão técnica
+ Especialista Militante * João Barroso é prof. catedrático
os anos se comprova, na época (jubilado) do Instituto de Educação
respetiva, a falência do ensino, o Profissionalismo Funcionário Missionário da Universidade de Lisboa, de que foi
absurdo dos métodos, a mentira – Mercenário Militante
vice-reitor, após ter sido presidente do
dos resultados». Conselho Diretivo daquele instituto. Autor
Já o segundo, Rui Grácio, – + de uma larga obra, recebeu o Prémio
escrevia dez anos depois em Dimensão ética Rui Grácio, atribuído pela Sociedade
Educação e Educadores: "O pro- Altruísmo Portuguesa de Ciências da Educação e
fessorado é uma classe doente, pela Gulbenkian

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt COLUNA
educação * 5

O ódio irracional aos professores


EDUCAÇÃO E MEMÓRIA ainda, dos seguintes requisitos:
a) observação de aulas no caso da
Paulo Guinote progressão ao 3.º e 5.º escalão; b)
obtenção de vaga, no caso da pro-
gressão ao 5.º e 7.º escalão.”
Isto é bem claro e nem sequer de-
“O professor merece reverência, Mas outras figuras aproveita- veria merecer discussão. A observa-
a começar pelo cargo que ram as colunas de “opinião” para ção de aulas tem sido feita. O acesso
representa, pelo simples facto de ser repetirem críticas, qualificando os aos escalões referidos tem sido
professor. A partir do momento em professores como “medíocres”, objeto de quotas e, por muito que eu
que se mina esse sentimento, tudo “privilegiados”, seres menores e discorde do método, impediu qual-
pode acontecer.” incapazes de quererem ser avali- quer tipo de progressão automática,
João Lobo Antunes ados pelo seu “mérito”. Em outro muito menos a chegada ao “topo
(Ensino Magazine, 2009) programa da RTP3, um sortido de da carreira” nos anos que mesmo
eternas jovens esperanças políticas, alguns governantes têm ajudado a
Nem sempre é possível manter o (José Eduardo Martins, Pedro Adão difundir para a opinião pública.
debate em torno da Educação no e Silva e Rui Tavares) preocuparam- As sociedades definem-se tam-
plano elevado das ideias, dos con- -se mais em criticar os “excessos” bém pela forma como os professores
ceitos, das visões estratégicas, das das reivindicações “corporati- são tratados e respeitados, nome-
metodologias pedagógicas, quando vas” do que em analisá-las com adamente por quem tem maior
o espaço público é invadido por uma objetividade. Pedro Marques Lopes responsabilidade na informação
investida alargada contra os profes- escreveu (a 19 de novembro, no da opinião pública. Esse respeito
sores, contra a sua dignidade pro- DN, pela enésima vez?) que “ o que deve ir para além dos circuns-
fissional e mesmo pessoal, através ficou, pela enésima vez transpa- tancialismos particulares de cada
de um linguagem intoleravelmente rente, é que a passagem do tempo momento ou dos conflitos políticos
acintosa na forma e conteúdo. tem uma importância vital para os em decurso. É atribuída a Erasmo
Nas últimas duas semanas, os professores muito simplesmente de Roterdão a afirmação de que “a
professores portugueses foram porque é o único critério para a sua primeira fase do saber é amar os
apresentados por alguma opinião progressão nas carreiras”, enquanto nossos professores”. E é bem verda-
publicada de uma forma torpe e o subdiretor do Jornal de Notícias, de que há entre nós quem abomine
difamatória por uma série de figuras Anselmo Crespo de sua graça, deci- o saber, o conhecimento e aqueles
públicas com espaço permanente diu apresentar como “paradigmá- que fazem ofício da sua transmis-
na comunicação social (jornais, tico” o caso dos professores quando são. Pretendem uma sociedade
televisões), sem direito a qualquer se trata de “discutir progressão domesticada pela ignorância, com a
tipo de contraditório, seja por parte profissional apenas com base no ressalva dos seus próprios nichos de
dos próprios, seja por parte de quem número de anos de trabalho, sem Erasmo de Roterdão É-lhe atribuída a afirmação de que “a primeira fase do saber é privilégio privado.
lhes permitiu esse tipo de discurso discutir os critérios de avaliação que amar os nossos professores” A ausência de uma defesa clara
que vai muito além da liberdade de levam a essa progressão” (JN, 20 de dos professores nestes momen-
opinião, pois apresenta como verda- novembro). tos de conflito mais aberto por
deiros factos que são falsos. Estes são apenas alguns exem- falsas e devem ser desmenti- • O desempenho dos alunos parte dos responsáveis políticos do
Tivemos na televisão pública, plos, de entre outros, de gente das acerca dos “privilégios” dos portugueses foi dos que melhor Ministério da Educação tem, em
em dose dupla, um “especialista qualificada e informada para professores, da alegação de terem evolução teve em testes interna- meu entendimento, um significado
em comunicação” declarar que os apresentar as questões com rigor passado incólumes à crise finan- cionais (TIMMS, PIRLS, PISA), importante, pois reforça a clivagem
professores são “miseráveis”, “idi- e não com base em preconceitos ceira e orçamental até 2011 ou de ultrapassando os de alunos de que já vem de longe entre decisores
otas”, responsáveis por uma “bor- ou ódios pessoais. São pessoas não terem avaliação e progredirem países que nos quiseram apresentar políticos e professores e a enor-
ga de décadas” que teria destruído com obrigação de saberem do que de forma “automática”. Porque como modelares. No caso dos PISA, me desconfiança da generalidade
o sistema de ensino, conduzindo os falam ou sobre o que escrevem. Até muitas destas falsidades são vo- Portugal é mesmo “ dos poucos destes em relação àqueles. Com in-
alunos a “resultados miseráveis” porque ao longo dos anos existiu luntárias, seja por má-fé, seja por países que no PISA 2012 reduziu si- teresses circunstanciais contrários
(Rodrigo Moita de Deus, RTP3, 17 um esforço por explicar-lhes que prescindirem de qualquer tentativa multaneamente a percentagem de ou não, parece-me impensável que
e 24 de novembro). Em outro canal as coisas não são como andam a re- de verificação factual. low performers e aumentou o peso num país que em alguns momentos
televisivo, um ex-bastonário da petir desde há muito, por exemplo, de top performers.” Afirmar que os se quer civilizado, “europeu”, de-


Ordem dos Advogados e um dos sobre a ausência de avaliação dos resultados dos alunos portugueses senvolvido, a classe docente possa
pretensos “senadores” do regime professores. Talvez o maior insu- são miseráveis é, antes de mais, ser assim difamada em terreno pú-
(José Miguel Júdice, TVI24, 20 de cesso dos professores tenha sido ofender os próprios alunos. blico perante o silêncio do ministro
novembro) considerou-os uma exatamente a incapacidade para • Os professores tiveram um da pasta e dos seus secretários
“raça estranha”. Um dos articulis- comunicarem os factos reais. Ou Os professores congelamento da progressão nas de Estado. Sabemos que existem
tas residentes do que se pretende então passa-se outra coisa. Que me suas carreiras desde 30 de agosto antecedentes piores, mas a omis-
ser um semanário de referência, parece ser a permanência de um
portugueses foram de 2005 a 31 de dezembro de 2007. são perante este tipo de ofensas
escreveu que eles representam o ódio visceral em alguns setores das apresentados por Não foi apenas em 2011 que os não é argumento. Tiago Brandão
“triunfo da mediocridade” e que
se caracterizam por uma “total
nossas pseudo elites políticas e in-
telectuais (?) aos professores. Tudo
alguma opinião professores sofreram com a crise
orçamental. A 1 de janeiro de 2011,
Rodrigues, Alexandra Leitão e João
Costa têm uma missão pedagógica
ausência de qualquer avaliação porque estes decidiram reclamar publicada de uma forma apenas recomeçou um processo a desempenhar nestas matéri-
de desempenho” (Miguel Sousa quase uma década de tempo de torpe e difamatória por que vai com quase uma década no as, ou tornam-se apenas versões
Tavares, Expresso, 25 de novem- serviço que se quer “desaparecido” fim deste ano de 2017. menos agressivas da tríade Maria
bro). Um outro considerou que da sua carreira, acrescendo que em uma série de figuras • Para além disso, depois de de Lurdes Rodrigues, Valter Lemos
os professores viveram até 2011 troca receberam um vago “com- públicas múltiplas versões que limitaram e Jorge Pedreira que em 2007 apos-
“incólumes” a qualquer corte nos promisso” de futura negociação através de quotas a progressão dos taram em virar a opinião pública
seus direitos, enquanto um escriba sem qualquer outra garantia. professores, permanece no Estatuto contra a classe docente no seu
menoríssimo, achou-se no direito Há que separar dois tipos de As sociedades da Carreira Docente, desde a versão todo. Há que nomear quem deve
de afirmar que os professores são críticas: as meramente biliosas, do decreto-lei 75/2010 de 23 de ser nomeado, porque se querem a
uns “privilegiados” que nunca estapafúrdias e reveladoras de definem-se também Junho, um triplo estrangulamento responsabilização dos professores,
foram alvo de qualquer avaliação eventuais problemas de défice pela forma como os na progressão, em três momentos também devem ser responsabiliza-
para progredirem na carreira (um cívico (a generalidade das adjeti- da carreira. No nº 3 do artigo 37º dos, nem que seja politicamente.
desconhecido Rodrigo Alves Taxa vações boçais de um Rodrigo Moita professores são tratados determina-se que “A progressão Os que desrespeitam os profes-
no jornal I). de Deus) das que são factualmente e respeitados aos 3.º, 5.º e 7.º escalões depende, sores por ação ou omissão. J

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6 * educação PERSPETIVAS jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

INQUIETAÇÕES
PEDAGÓGICAS

Do direito à educação ao direito de aprender


Apesar de progressos inegáveis Portugal tem em conta a evolução do conhecimento nesta ção para o desenvolvimento sustentável. onde se refere nomeadamente a intervenção
um défice de formação dos seus cidadãos que área e conciliem várias formas de intervenção A associação Direito de Aprender, em do convidado de honra, Alexandre Quinta-
se traduz designadamente em muito baixas educativa e cultural. Trata-se de um âmbito parceria e/ou com apoio de outras entida- nilha. Além disso publicamos resumos das
qualificações - cerca de três milhões de por- em que, infelizmente, temows falhado. Há des, organizou mais uma vez uma sem- intervenções de Maria da Luz Pessoa e Costa,
tugueses com quatro anos de escolaridade ou por outro lado um défice de formação em pre oportuna Semana dedicada ao tema sobre desafios da era digital, e de Alberti-
menos. Esta situação exige políticas de edu- áreas em que o futuro se anuncia de grande Aprender ao Longo da Vida, de que damos na Lima de Oliveira, sobre a construção da
cação permanente sustentáveis, que tenham exigência, como a literacia digital ou a educa- hoje conta através de um artigo de síntese, autonomia e a aprendizagem dos adultos.

Literacia digital e emprego mos identificar desde já uma questão, que


parece “chocante” mas que não deixa
de ser pertinente: com estes desacertos,
o digital estará a potenciar a criação de
lharemos todos menos, num outro modelo
de sociedade. É assim que, do nosso ponto
de vista, devemos encarar o digital:
- Como uma ferramenta que nos
uma “classe de inúteis” (Ver http://visao. permita mudar os serviços públicos,
sapo.pt/, ed 16.11.2017), como alguns obrigando a “pensar fora da caixa”, num
Maria da Luz Pessoa e Costa temos as áreas da conetividade, da integra- complexidade técnico-científica que investigadores hoje alertam? encontro de parceiros para as soluções;
ção das tecnologias digitais na sociedade apresentaram um maior índice de cresci- Será que o digital pode atuar como mo- - Como uma ferramenta que nos per-
e (sobretudo aqui) na componente dos mento de postos de trabalho criados. tor de maior desequilíbrio social (porque mita agilizar o acesso ao conhecimento
¶ Desacerto é a primeira palavra que serviços públicos digitais, uma posição do Estima-se (https://www2.deloitte. potencia a exclusão), de maior desequilí- e à informação, tornando-as acessíveis
nos ocorre quando pensamos em “lite- país superior à média europeia, estando, com/content/dam/Deloitte/pt/Docu- brio territorial (acentuando as diferenças a todos, pois sociedades informadas e
racia digital” e em “emprego”. Parece em alguns casos, como o dos serviços ments/human-capital/hc-2017-global- entre continentes, entre regiões num letradas são sociedades ricas;
um contrassenso, se pensarmos que em públicos digitais, no top europeu. Con- -human-capital -trends-gx.pdf), aliás, mesmo país) e de maior desequilíbrio eco- - Como uma ferramenta que nos
estudos recentes (https://ec.europa.eu/ tudo, quando analisamos a utilização da que Portugal esteja entre os países com nómico (porque potencia o desemprego)? permita, no futuro, equacionar outras
commission/priorities/digital-single- internet, e, sobretudo, o capital humano, maior probabilidade de crescimento na Na última edição do Websummit, ficou formas de vida, porventura mais centra-
-market_pt) a Comissão Europeia prevê os indicadores descem substancialmente, criação de postos de trabalho na área do célebre uma das frases da Sophia, que é das no que é importante: as pessoas e o
que, nos próximos anos, o mercado colocando Portugal no final da tabela. digital, podendo atingir um crescimento um Robô com aspeto humano: “No futuro mundo em que vivemos.
único digital poderá contribuir com 415 Em suma, temos uma administração da ordem dos 21 a 30%. vamos roubar os vossos empregos”. Isto O digital ameaça a nossa forma de
mil milhões de euros para a economia pública digital muito desenvolvida, uma Então, como equacionar este po- será uma fatalidade, ou, pelo contrário, a vida? Ameaça. Para suavizar o medo
europeia, dando um impulso signifi- cobertura de rede quase total e uma inte- tencial de crescimento, em linha com o opção está nas nossas mãos? Estamos em deste futuro desconhecido, em jeito de
cativo ao crescimento, à inovação e ao gração do digital acentuada. Contudo, os desenvolvimento de recursos identificado crer que a opção está de facto nas nossas graça, dizemos que, no futuro, as em-
emprego, entre outros fatores, criando nossos cidadãos têm um nível de literacia, no IDES, com o nível de iliteracia digital mãos, nas nossas escolhas enquanto país. presas serão muito produtivas e terão três
novos postos de trabalho e levando à digital incluída, muito abaixo do desejá- que o capital humano apresenta? Pode- É para isso essencial elevar os níveis de coisas: um robot, um cão e um homem.


transformação dos serviços públicos. vel, e em tudo desajustada ao necessário. literacia atuais, para fomentar o acesso O homem é para alimentar o cão, o cão
Nestes estudos, perspetiva-se que Um desacerto, portanto. ao “novo mundo digital”, e isso só se é para morder no homem, caso ele tente
em 2020 a nível europeu, 900 mil ofertas Recorda-se a origem do problema: consegue através do investimento na mexer no robot.
de emprego na área das TIC fiquem por as baixas qualificações da população educação e na formação. E investimento Mas a maior ameaça, de facto, é a da
preencher, 15.000 das quais em Portugal. portuguesa. Das cerca de 400 mil pessoas O digital só será na educação e na formação, não significa iliteracia digital, pois hoje a linha que
Havendo ainda cerca de 400 mil pessoas em situação de desemprego, inscritas nos só dotar o sistema de mais verbas, pois separa o “mundo dos inúteis e dos outros”
inscritas nos serviços públicos, à procura serviços públicos de emprego em final de importante se não criar estas não resolvem os problemas se não do “mundo de todos” é ténue. Cabe-nos
de emprego, como se explica que fiquem setembro, cerca de 291 mil têm habilita- “inúteis” e permitir forem acompanhadas de uma estratégia a nós, enquanto país, traçar o rumo que
vagas por preencher? Entramos aqui na ção escolar até ao 9º ano de escolaridade e clara de propósitos, de objetivos e de queremos seguir para que este mundo e o
nossa ideia inicial, a dos desacertos. baixíssimas qualificações profissionais.
que sejamos cada vez metas a atingir, de agregação de todos os mundo dos nossos filhos seja um mundo
Quase 70 milhões de europeus têm O que gera outro desacerto: se, por mais a ter melhor intervenientes no processo e de definição melhor. Onde oiçam cantar “… what a
baixos níveis de literacia, considerando um lado, e considerando em números do rumo a seguir, duradouro e seguro, wonderful world…” e o poema continue a
neste conceito a capacidade para per- absolutos, a criação de emprego dos úl-
qualidade de vida, por resistente a percalços. fazer sentido.
ceber e interpretar a leitura e a escrita, timos trimestres assentou em empregos trabalharmos todos É que, no final, o digital só será impor-
o cálculo e a utilização de ferramentas
digitais na vida quotidiana. Sem estas
em áreas de baixa tecnicidade (na área do
Turismo, por exemplo), por outro lado
menos, num outro tante se não criar “inúteis” e permitir que
sejamos cada vez mais a ter melhor quali-
* Maria da Luz Pessoa e Costa é técnica do IEFP.IP e
representante no Secretariado Técnico da Iniciativa
competências, os cidadãos estão expostos foram as áreas das tecnologias e de maior modelo de sociedade dade de vida, porque provavelmente traba- INCoDe.2030
a um maior risco de desemprego, pobreza
e exclusão social (http://ec.europa.eu/
social/ main.jsp? catId=1224&langId).
Analisando o Índice de Digitalidade
da Economia e da Sociedade (IDES, ou
DESI, na versão original) e os dados para
O direito de aprender ALV de qualidade; contri-
buir para o debate, reflexão
e partilha de conhecimen-
to em diferentes domínios
e democracia, mas onde
também crescem as iniqui-
dades e persiste a violação
de direitos básicos. Na sua
Portugal-2017 (https://ec.europa.eu/di- das políticas e práticas de opinião, mais do que fazer
gital-single-market/en/news/digital-e- assoCiação aprendizagem ao longo da novas descobertas cientí-
conomy-and-society-index-desi-2017), da UNESCO e outras parcerias. Essa vida em Portugal. ficas, é preciso enfrentar
temos o seguinte panorama:
“o direito de aPrender” satisfação é ainda maior por ter sido o Este ano iniciámos a SALV estes desafios a partir do
Em Portugal, em 2017, 52 % da popu- segundo ano consecutivo que o fazemos. com a organização de questionamento sobre o
lação não tem as competências digitais bá- Na Associação “O Direito de Apren- Os principais objetivos da SALV são: um encontro que decorreu no Grande rumo do próprio conhecimento.
sicas necessárias para aceder eficazmente der” estamos muito satisfeitos por chamar a atenção para as vantagens e Auditório do ISCTE, em Lisboa, em que o O nosso evento foi um entre os vários
à Internet, e 30 % não tem quaisquer termos conseguido organizar, de 20 a necessidade de aprender sempre mais, convidado de honra foi o prof. Alexandre que ocorreram na mesma semana de
competências digitais, isto em compara- 24 de novembro, a III Semana Aprender melhor e ao longo da vida, tendo como Quintanilha (AQ) e no qual participaram novembro, a Lifelong Learning Week
ção com uma média da UE de 44 % e 19 ao Longo da Vida (SALV), com o apoio vertentes principais estimular iniciativas mais de 400 pessoas. Na sua comunica- (LLLWeek), num movimento europeu
%, respetivamente. Pior, 22 % dos adultos de entidades como a ANQEP, o IEFP, a nível local que promovam a ALV e que ção de abertura, AQ chamou-nos a aten- mais amplo em que se celebra a aprendi-
da mão de obra ativa não tem competên- o POCH, a Fundação INATEL, o Plano motivem os adultos; disseminar boas ção para o mundo que temos hoje, com zagem ao longo da vida e se alerta para a
cias digitais, o dobro da média da EU. Nacional de Leitura, a Comissão Nacional práticas de ALV; premiar iniciativas de maior abundância material, autonomia sua relevância no mundo atual.
Estes dados refletem-se no IDES, onde

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt PERSPETIVAS
educação * 7

Construindo a autonomia na idade adulta… der continuar a desenvolver-se ao


longo de toda a adultez, sendo um
dos ‘nichos’ cerebrais onde mais
ocorrem os processos de sinapto-
génese e neurogénese, particular-
mente com práticas meditativas e
de mindfulness.
AlbertinA limA de OliveirA Atendendo à dimensão cogniti-
va, é de sublinhar a trajetória que
podemos percorrer, perante ambi-
Embora o momento de entra- entes e oportunidades adequadas,
da na vida adulta continue a ser e que implica uma reorganiza-
discutível, é consensual o enten- ção qualitativa das estruturas de
dimento de que a adultez é a etapa pensamento e de atribuição de
mais longa da vida humana e que significado: um movimento de
assume uma crescente importân- etapas pré-reflexivas, típicas das
cia, sobretudo em face da com- idades mais precoces, que nos
plexidade da vida no mundo atual imergem no mundo das dualida-
e das profundas alterações a que des (e.g., certo ou errado, forte ou
assistimos. Habilitar os cidadãos fraco), passando pelas estruturas
e cidadãs para desempenharem quase-reflexivas (a descoberta
melhor os seus diversos papéis da incerteza, da subjetividade, e
sociais, de uma forma crítica, bem a crença de que todas as opiniões
como salvaguardar a autonomia são importantes), até às estruturas
das pessoas até às idades mais reflexivas (ligadas à emergência
avançadas, quer em geral, quer no da reflexividade crítica), em que
domínio da aprendizagem, sempre se toma consciência clara de que
foi assumido pelos educadores de nem tudo é igualmente valioso,
adultos como um dos seus desígni- que é necessário um pensamento
os mais nobres. interssistémico, assim como aliar à
Nas sociedades contemporâne- Alexandre Quintanilha a intervir na razão o insight e o coração. A ação
as, tais propósitos revestem-se de semana Aprender ao Longo da Vida genuinamente proveniente destas
uma dimensão inadiável, por vári- últimas estruturas requer empatia,


as razões: porque estamos à beira confiança, solidariedade, segu-
de abismos como o das alterações rança, honestidade e integridade,
climáticas, ao persistirmos na -nos a uma profunda alteração do tributária dos seguintes princípios: remetendo para a importância da
ação predadora e agressiva sobre paradigma que nos tem sustentado, é um processo ontogenético que dimensão afetiva e relacional.
os sistemas biofísicos; porque as e suscitam, mais do que nunca, um A promoção da se estende por toda a vida; que se Na dimensão social a autonomia
disparidades e injustiças entre as
sociedades ditas desenvolvidas e
posicionamento crítico. O absurdo
e insensatez da nossa ação no
autonomia contribuirá requer apoiado e refletido em per-
manência; que é multidimensional
constrói-se num movimento de
inclusividade – da vinculação in-
em desenvolvimento, bem como mundo, quais Sísifos em arrasta- para a construção de e multidirecional; que está inserido consciente às figuras parentais, ao
dentro de uma mesma sociedade, mento de pedregulhos montanha um mundo mais justo, em diferentes contextos (biográfi- sentido de pertença a uma família,
têm vindo a agigantar-se; porque acima, para alcançar um crescente co, histórico, sociocultural, etário, ao grupo sociocultural de origem,
é urgente construir uma cultura esgotamento e vazio, precisam ser solidário e pacífico, de género, etc.); que requer uma aos grupos elegidos pela pessoa, ao
de paz e respeito pela dignidade da contrariados. É imperioso que, arredando a cultura abordagem interdisciplinar para mundo da humanidade, e ocorre
vida; porque é preciso descons- pessoal e coletivamente, a nossa uma compreensão adequada e uma na medida em que o sentido de
truir equívocos, e habilitar para ação tenha finalidades claras, mas instrumental em que ação valiosa. interdependência vai emergindo e
compreender e agir, sabiamente, também que esteja impregnada de estamos imersos O desenvolvimento da au- sendo coconstruído. Paralelamente
nas circunstâncias e forças que nos valor – aos níveis pessoal, social, tonomia não chega nunca a ser a este último, conscientemen-
envolvem e moldam. ecológico e a longo prazo. terminado, dado implicar o te ou mais nos ‘bastidores’, vai
Os apelos dominantes que desenvolvimento de capacidades, despontando a dimensão espi-
todos sentimos e que têm vindo, DESFAZENDO EQUÍVOCOS… total (à nascença) à perceção e perspetivas e insights de complexi- ritual, entendida como o sentir,
insidiosamente, a afetar as diversas Reposicionar o entendimento vivência crescentes da condição dade, profundidade e consciência experiencial (e não concetual), de
esferas da nossa vida, em culturas da construção da autonomia da de interdependência. O percurso crescentes. Do ponto de vista neu- ligação profunda a todos e a tudo.
orientadas pela bandeira do fast, pessoa permite afastarmo-nos de afasta-se do da dependência à in- robiológico, o lobo pré-frontal - A consciência de união funda-
são o de produzir e fazer rapida- instâncias míopes e de nos afun- dependência, da fusão à separação, estrutura cerebral responsável pelo mental exprime-se em termos de
mente, ser competitivo, procurar o darmos no lodo ao qual nos tem da afiliação a estar só, da colabo- controlo de numerosas funções, partilha e não de concorrência ou
sucesso a todo o custo. Mas, como conduzido um paradigma de vida ração à competição, do pensa- entre as quais o controlo executivo competição
diz o nosso povo, no seu saber predominantemente arquitetado mento orientado ao pensamento e a autorregulação da pessoa - é o À luz dos princípios apontados,
secularmente decalcado, depressa sobre as noções de independência independente. Superando antino- de mais tardio desenvolvimento, a promoção da autonomia con-
e bem não há quem! Os macropro- e separação. A autonomia desen- mias, a jornada de construção da maturando apenas entre os 25-30 tribuirá para a construção de um
blemas que temos gerado, como volve-se lentamente, numa longa autonomia, que torna viável a vida anos. E as investigações mais re- mundo mais justo, solidário e pací-
sociedades ‘avançadas’, desafiam- jornada que vai da dependência em comum, passa, antes, por ser centes apontam no sentido de po- fico, arredando a cultura instru-
mental em que estamos imersos.
Deixemo-nos tocar pela ressonân-
O tema principal do Encontro, a de Educação de Coimbra. estaríamos a receber o prémio Semana formação regular de alfabetização de cia das palavras inspiradoras de
literacia digital, foi também o escolhido Dois projetos que se destacaram ALV, em representação de mais de 316 adultos, pela criação de novas oficinas Ghandi: “Sejamos a mudança que
para a semana LLV europeia. Das várias pelas suas boas práticas. A Rutis, pelo universidades seniores, dos seus 45 000 em diferentes territórios e contextos, queremos ver no mundo”.
intervenções no Encontro sobre o tema significativo número de membros que alunos e dos 5500 professores voluntá- com outros apoios e novos parceiros,
escolhemos para fazer parte deste a compõem e pelos milhares de adultos rios. A RUTIS, entidade representativa ganha com este prémio um novo * Albertina Lima de Oliveira é profª da
número do JL algumas das ideias que que envolve, pela grande consistência e das academias e universidades seniores, impulso, pois esta distinção vem abrir Faculdade de Psicologia e Ciências da
Maria da Luz Pessoa e Costa (IEFP) sustentabilidade da ação que desenvolve foca a sua atividade na promoção do possibilidades a uma dimensão nacio- Educação da Universidade de Coimbra
apresentou sobre “Literacia Digital e desde 2005. O projeto Letras Prá Vida envelhecimento ativo e da forma- nal que ambicionamos. A visibilidade e investigadora no Centro de Estudos
Emprego”. Debateram-se assuntos pelo número e diversidade de parcerias ção ao longo da vida em contexto de dada ao projeto permitiu-nos também Interdisciplinares do Século XX da mesma
relacionados com a educação de adultos que estabeleceu e pelo modo dinâmi- aprendizagem informal. É nossa missão convidar uma grande audiência para Universidade
(ver artigo “A Construção da Autonomia co como favorece a literacia dos mais proporcionar aos seniores experiências o I Encontro Educação de Adultos
na Idade Adulta”, de Albertina Lima velhos. educativas, culturais, sociais, científicas Prá Vida, que iremos realizar no dia links das inquietações pedagógicas
Oliveira. E o Encontro terminou com a e artísticas a que de outra forma não 7 de dezembro, na Escola Superior
pedagogicasinquietacoes@gmail.com
entrega do prémio da SALV 2017 à Rede TESTEMUNHO DA RUTIS: teriam acesso.” Luis Jacob de Educação de Coimbra, a fim de
inquietacoespedagogicasii.blogspot.pt
de Universidades da Terceira Idade “Em 2001, quando criei a Universida- celebrar o Ano Europeu da Educação
(RUTIS) e uma menção honrosa ao pro- de Sénior de Almeirim, estava muito TESTEMUNHO LETRAS PRÁ VIDA de Adultos.” (http://www.semanaalv. www.facebook.com/InquietacoesPedagogicas
jeto Letras Prá Vida, da Escola Superior longe de imaginar que 16 anos depois “O nosso projeto, através da oferta de net/). Dina Soeiro www.youtube.com/user/inquietPedagogicas

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8 * educação jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

n
Nasci na segunda metade do século
XX, no ano de 1961, em dia insólito
› au t o r r e t r at o d e p ro f e s s o r a ‹

Anabela Magalhães
culei à função pública, em Quadro
de Zona Pedagógica – CAE Tâmega.
O salto qualitativo fora enorme:
tinha agora a estabilidade de um
vínculo laboral, saboreado e experi-
mentado pela primeira vez na minha
vida profissional, iniciada na década
anterior. Mas continuei a não ter
uma escola a que pudesse chamar
“minha” já que, dentro da zona
pedagógica a que estava vinculada,
podia ser colocada numa qualquer

Uma grande parte


e paradoxal, pois se, por um lado, escola de uma qualquer terra, um
a celebração da imensa alegria ano aqui, outro acolá.
acompanhou a materialização Esperei até ao ano letivo de

de mim
exterior da minha vida, por outro 2009/2010 pelo tão desejado
lado, o facto de nascer em Dia de vínculo a uma escola ou a um
Fiéis Defuntos remeteu-me desde agrupamento, enfim… tinha quase
sempre para a melancólica memó- 50 anos de idade e, finalmente!,
ria dos outros que partiram deste pela primeira vez na minha vida,
mundo em circunstâncias muito conhecia a segurança e o prazer de
diversas. saber onde estaria colocada no ano
Nasci no centro histórico da vila seguinte. Finalmente, e pela pri-
de Amarante - num tempo em que meira vez na minha vida, conhecia
a esmagadora maioria das mulheres e faróis nossos pelo tempo que por com alunos frequentemente mais o alívio de não ter de concorrer a
dava à luz em casa, auxiliada por cá andarmos. Desta fase, recorda- velhos do que eu e com experiên- concursos anuais, autênticas role-
mulheres habilidosas que desempe- rei para sempre uma Maria Eulália cias de vida riquíssimas mas que, tas russas na vida de quem abraça
nhavam o papel de parteiras – em Macedo, Professora de Moral, uma por razões variadas, não tinham esta tão complexa profissão. E olhei
casa com portas, janelas e varandas Maria José Pinto, Professora de obtido o diploma conferido pelo para trás, fui recuando no tempo
abertas sobre uma paisagem que Desenho, uma Francisca Sousa, antigo ensino preparatório e que e achei verdadeiramente incrível
ainda hoje me acompanha os dias Professora de Francês, uma Isabel ostentavam apenas o diploma de a forma displicente, arrogante e
e que ainda hoje é um dos meus Sardoeira, Professora de Matemática uma magra e claramente insufi- desrespeitadora que é apanágio e
nortes – uma paisagem sólida, e de Ciências… ciente 4.ª classe. A opção por este característica ainda marcante de
constituída pelo casario, pelas Prossegui os estudos, o 25 de tipo de ensino, noturno e dirigido quem nos tutela e nos trata, literal-
praças, ruas e vielas amarantinas, Abril de 1974 marcou alterações predominantemente a adultos, que mente, como carne para canhão,
uma paisagem líquida, constituída brutais no país, também nas esco- poucos professores à época dese- como coisas descartáveis, sem
pelas águas ora suaves ora tumul- las… só para dar um exemplo, não javam, foi minha. Porque, se por acautelar minimamente a nossa es-
tuosas de um rio que corta a urbe mais tive de frequentar recreios um lado aceitava horários anuais tabilidade emocional, económica…
em duas metades distintas e que unissexo, tal como até aí nos fora de 16 horas, incompletos, o que se enfim, coisa só possível de tolerar
se chama Tâmega e uma paisagem imposto. Entretanto, esqueci por refletia muito negativamente no por quem ama profundamente esta
humana ímpar, feita de vultos tão completo os vagos desejos que meu tempo de serviço e implicava profissão de desgaste rápido mas
importantes quanto um Amadeo tinha sentido um dia relativamente deslocações em viatura própria, não reconhecido.
de Souza-Cardoso ou um Teixeira à minha vida profissional futura e por montes e vales, durante a noite, Hoje, tal como ontem, sei que
de Pascoaes, só para citar dois dos estes anos ficarão marcados apenas por outro lado, o facto de concorrer quem me segura a esta profissão,
mais ilustres amarantinos de todos por uma certeza – prosseguiria os a esses horários, permitia-me dar que eu livremente escolhi, são os
os tempos. estudos na área de Letras. um acompanhamento de inteira Meus Alunos, pessoas especialíssi-
Os primeiros anos de escola Só a frequência do ensino se- proximidade à miúda que entre- mas que me chegam à sala de aula
cumpri-os em colégio religioso cundário haveria de determinar a tanto me nascera e pela qual era sendo miúdos e que saem dela uns
católico, de que guardo muitas me- minha atual condição profissional. responsável, já que era sua mãe. homenzinhos e umas mulherzinhas.
mórias mas de que não guardo boas Desta fase, recordo Professoras tão Note-se que, no inverno, che- Poder acompanhar e amparar este
memórias. O ensino estava a cargo diferentes mas todas tão fabulo- gava mesmo a ser penoso alcançar crescimento continua a ser, para
de professoras/freiras muito ríspi- sas quanto uma Filomena Morais, escolas de difícil acesso devido às mim, um enorme desafio e um
das, frias e duras que impunham um a minha apaixonada Professora estradas complicadíssimas que era enorme privilégio.
saber em voga que apelava unica- de Português, uma Maria Emília obrigada a percorrer, algumas ser- Há duas circunstâncias, para
mente à memorização de absurdos Melo, professora de Filosofia e vidas por estradão de terra batida. além de todas as outras, que deter-
tais como as linhas dos caminhos- Psicologia, de um rigor e de um A vida é feita de opções e, con- minaram a pessoa que eu sou hoje
-de-ferro de Portugal Continental e profissionalismo a toda a prova… ¶ fesso, nunca me arrependi desta – sou Amarantina e sou Professora.
das suas Províncias Ultramarinas e ou uma Ermelinda Montenegro, Anabela Magalhães decisão, apesar das consequências E nunca me esqueço de que, se
que obtinham o “respeito” de todos minha excecional Professora de negativas que se fizeram e farão exerço a profissão que amo, o devo
os alunos através da violência física História… Esta última seria mesmo Licenciada em História sentir para sempre na minha vida aos meus conterrâneos mais novos
e psicológica e do medo que daí determinante para o crescimento pela Faculdade de Letras profissional. que são o futuro da minha rua, da
resultava. em mim de uma vontade férrea, e Entretanto, eis que chega o ano minha cidade, do meu país, do meu
Cumprida a 4.ª classe, ingressei até aí oculta, de ser Professora de
da Universidade do Porto letivo de 1992/93, ano em que fui Mundo. Esta é a minha responsa-
na Escola Pública, mais concreta- História - é que eu queria crescer e Professora de História, colocada, pela primeira vez, em bilidade maior. E eles são a Inês, o
mente na Escola Preparatória Tei- ser assim amável e doce, educada 3.º Ciclo, pertence ao horário misto, completo, na Escola Diogo, a Diana, o Pedro, a Laryssa,
xeira de Pascoaes, onde contactei e respeitadora, sabedora e firme, Secundária do Marco de Canavezes. o Tomás, o António, a Maria, o
essencialmente com professoras, culta e partilhadora, criativa e
quadro do Agrupamento Passados tantos anos, continuava João, a Rossio, o Francisco, o Hél-
todas muito diferentes do que até capaz de aliciar os alunos para as de Escolas de Amarante professora contratada, despedida der, a Joana, a Margarida, o Vasco,
aí conhecia, porque simpáticas, descobertas dos enigmas colocados desde o ano letivo de impreterivelmente a cada 31 de a Rosa, o Miguel, a Luana, a Marisa,
amáveis, algumas brilhantes por esta disciplina fundamental Agosto, sem direito a subsídio de a Ana, a Bárbara, o Luís, o José, o
mesmo e que não exerciam sobre para o entendimento da atualidade 2009/2010 desemprego e a perder a ADSE, Manuel, o Rui, a Sofia, o Luciano,
os seus alunos qualquer espécie de em que vivemos. sem garantias de trabalho no ano o Ricardo… e tantos outros que eu
violência. É deste tempo o desejo Ingressei na Faculdade de Letras seguinte… até voltar a ser contra- ficaria horas a relembrar… miúdos
secreto de ser escritora… talvez da UP e desse tempo recordo um tada… com sorte, lá para finais de e miúdas todos diferentes, todos
uma nova Enid Blyton… ou, em humaníssimo Frei Geraldo e os com- setembro. iguais, ora difíceis, ora fáceis, ora
alternativa, arqueóloga… profissão petentíssimos Vítor de Oliveira Jorge E continuei nessa condição de doces, ora rebeldes… que enchem
que talvez me levasse a destinos e Luís Adão da Fonseca que estão professora contratada, impedida, na a minha vida de alegria, de cor e
exóticos, vasculhando por exóticos entre os muito especiais. prática, de criar grandes vínculos às de carinho e que me fazem não
artefactos… Iniciei a minha atividade do- escolas por onde passei sempre de desistir desta profissão que abracei
Todos nós, ao olharmos retros- cente no ano de 1986, na Educação forma fugaz – nunca trabalhei dois um dia de alma e de coração…
petivamente para o nosso percurso de Adultos, lecionando em duas anos letivos seguidos num mesmo apesar dos sucessivos disparates
escolar, encontramos Professores escolas primárias distintas, à noite. estabelecimento de ensino – até da tutela que nos desgastam até à
que se mantêm como referências E pela noite continuei a trabalhar que, em meados dessa década, vin- exaustão. J

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Nº 250 * 6 a 19 de dezembro de 2017
Suplemento da edição nº 1231, ano XXXVII,
do JL, Jor­­nal de Le­­tras, Ar­­tes e Ideias
com a colaboração do Camões, I.P.

Novo Presidente
do Camões, I.P.
Cooperação,
cultura e língua
“numa ótica de
integração
e inclusão”
Pág. 2

Consórcio
de universidades
estuda ensino
do português
no estrangeiro
Pág. 3

Doutoramento Angola
honoris causa Exposição
para Manuel Alegre de António Ole
nos 50 anos
em Pádua de vida criativa
Pág. 3 Pág. 4
FOTO PEDRO NUNES / LUSA

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2* jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

Missão e prioridades do Camões, I.P. Novo Presidente do Camões, I.P.


na língua e na cultura
Cooperação, cultura e língua
executadas “numa ótica de integração
Extratos da intervenção do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto
Santos Silva, na tomada de posse do Presidente do Camões, Instituto
da Cooperação e da Língua, em Lisboa, a 3 de novembro de 2017
 
> O Camões, Instituto da Cooperação e da Língua (CICL, I.P.), é o instituto público
encarregado da execução das políticas de internacionalização da língua e da cultura
e inclusão” - Luís Faro Ramos
portuguesas e de cooperação para o desenvolvimento.
> (…) O CICL nasceu, foi crescendo e, apesar de continuar a ser tópico de legítima
discussão a bondade de reunir sob o mesmo chapéu língua, cultura e cooperação, o
processo de consolidação está em curso, a certificação europeia como autoridade para o ensino de português no
de cooperação foi concluída em seu nome e, portanto, não é hora de voltar a um estrangeiro; as parcerias com a
debate sobre estruturas e sim de prosseguir com o cabal cumprimento das atuais cultura e o ensino superior para a
funções. Algum ajustamento tem de ser feito, designadamente para fortalecer promoção da diplomacia cultural
o CICL nas responsabilidades acrescidas que tem vindo a assumir na gestão de e científica e a colaboração entre
projetos de cooperação europeia em si delegada, na ação cultural externa e no enri- o Camões, a AICEP e as empresas,
quecimento das formas e plataformas de oferta internacional do ensino da língua;
tirando todo o partido de progra-
e por isso estamos preparando umas tantas alterações cirúrgicas na sua orgânica.
mas como a ação cultural externa
> Ter agora à frente do Camões um diplomata de carreira quer também dizer, para
além do reconhecimento das muitas qualidades pessoais e do elevado sentido de
ou da empresa promotora da língua
missão do embaixador Luís Faro Ramos, apostar nas típicas capacidades da profis- portuguesa”.
são para operar transversalmente e articular diferentes dimensões da ação externa. Na sua intervenção, o embai-
> Os meus ouvintes e leitores sabem já que faço uma avaliação muito positiva xador – que sublinhou o facto
da atividade do Camões e do seu impacto, em qualquer das suas frentes. (…) Os de a escolha de um funcionário
indicadores objetivos convergem na demonstração de um movimento geral de diplomático para presidir ao
consolidação, com incremento e até desenvolvimento qualitativo de áreas e orien- Instituto Camões “distinguir e
tações específicas. dignificar a carreira diplomáti-
> Não estamos ainda ao nível dos maiores institutos europeus de promoção inter- ca portuguesa” – apelou a que
nacional de língua e cultura, quer no que toca a investimento, quer no que respeita “todo o universo do Ministério

FOTO NUNO FOX / LUSA


a resultados? Dos maiores-maiores, não estamos; mas é a eles que nos referimos. dos Negócios Estrangeiros”, bem
como, “nas respetivas áreas de res-
Embaixador Luís Faro Ramos
Orientações ponsabilidade”, outros ministérios,
> (…) Tenderia a sugerir cinco grandes orientações estratégicas para o ensino da assuma “os temas que ocupam o
língua e três para a ação cultural externa. (…) Começando pela língua, temos cha- Camões”, pois estes “são centrados
mado à primeira grande orientação estratégica o princípio dos três Cs: conteúdos, Cooperação, cultura e língua – circunstância de quase literalmente no contexto da política externa de
certificação, creditação (ou credenciação, não curemos aqui de afinações termi- “três vetores centrais na política absorver o ensino de português no Portugal”. Luís Faro Ramos no-
nológicas). (…) Depois de anos em que, muito compreensivelmente, o essencial externa” de Portugal – vão merecer estrangeiro e a cooperação para o meou entre “os outros ministérios
do esforço foi conduzido para o incremento dos “conteúdos” (…), passámos a do novo Presidente do Conselho desenvolvimento”, crescendo “em relevantes para essa política ex-
considerar mais atentamente as questões específicas de certificação e creditação. Diretivo do Camões, I.P e da dimensão e em visibilidade, mas terna”, “os chamados ministérios
> A segunda grande orientação estratégica é privilegiar (…) a integração do estrutura dirigente deste organis- também em responsabilidade”. de defesa de soberania – defesa,
ensino de português nos currículos escolares do maior número possível de países.
mo público “empenho e atenção O diplomata considerou que administração interna e justiça –,
Com prioridades: os países com comunidades portuguesas significativas – os
idênticos”, garantiu o embaixador “cooperação, cultura e língua, mas também outros, como cultura,
países da nossa diáspora; os Estados latino-americanos, (…) os países com afini-
dades específicas com o universo da CPLP (…); os países da União Europeia; todos Luís Faro Ramos no discurso que valem naturalmente por si”, mas economia, educação, ciência e
os outros países a que nos ligam laços históricos ou que estão sendo cultivados pronunciou a 3 de novembro na sua “têm um potencial enorme para tecnologia, ou ensino superior”.
contemporaneamente (…). tomada de posse, no Ministério dos se beneficiarem mutuamente e adi- Abordando a questão dos recur-
> A prioridade à integração curricular não pretende substituir ou sequer desvalo- Negócios Estrangeiros, em Lisboa. cionarem valor à política externa sos humanos e financeiros, o novo
rizar as responsabilidades próprias do Camões na oferta de ensino de português Luís Faro Ramos, que falou global, desde que sejam pensados e Presidente do Camões, I.P. disse
para as crianças e jovens das comunidades residentes no estrangeiro (o chamado depois de o ministro dos Negócios executados numa ótica de integra- que o seu “ponto de partida é gerir
português-língua de herança). Trata-se, além do mais, de uma obrigação Estrangeiros, Augusto Santos ção e inclusão”. e distribuir de forma conscienciosa
constitucional. (…) Não obstante, aquela continua a ser a prioridade (…). É que o Silva, ter enunciado na cerimó- O novo Presidente do Camões, os recursos humanos existentes e
português, sendo a língua materna dos dois milhões de naturais de Portugal que nia a missão e as prioridades do I.P. inseriu a atividade do instituto procurar fontes de financiamento
vivem no estrangeiro, e dos seus filhos e netos, não é a língua do gueto que eles Camões – Instituto da Cooperação e nos “objetivos primordiais” da diversificadas”. Exemplificou com
não formam, antes a língua deles e de mais 260 milhões de pessoas, ou seja, uma da Língua, indicou que mencionou política externa portuguesa para o que já acontece na área da coope-
das grandes línguas globais do nosso tempo. os três vetores “propositadamen- a presente legislatura, elencados ração e com o programa ‘empresa
> A terceira orientação é uma consequência lógica da segunda. O Camões deve te por ordem alfabética e não por pelo responsável pela pasta dos promotora da língua portuguesa’.
investir o essencial do seu trabalho nesta dimensão de apoio, regulação e certifi-
ordem de importância, porque Negócios Estrangeiros no semi- Deixou o pedido de que “o
cação. Ele não é, nem pode ser, o ministério dos cursos, docentes e discentes de
todos merecerão do Presidente e nário diplomático de janeiro de Camões seja considerado de modo
português fora da pátria. Ele não é o sistema de ensino português no estrangeiro,
mas sim uma peça essencial, e a nossa própria, desse sistema. da estrutura dirigente do Camões, 2017. Assim, referiu o embaixador equivalente aos outros servi-
> (…) Quarta orientação: envolvimento de múltiplos atores, parceria com eles empenho e atenção idênticos”. Luís Faro Ramos, a língua portu- ços do Ministério dos Negócios
(…). O envolvimento não se circunscreve às instituições de pesquisa e educação. A “Merecem a mesma atenção por guesa será tratada na atividade do Estrangeiros na colocação de pes-
proximidade entre o Camões e a AICEP (…) também se vê e cultiva aqui. O projeto serem igualmente importantes a in- Camões, I.P. como “uma das mais soal diplomático, nomeadamente
Empresa Promotora da Língua Portuguesa, (…) inscreve-se neste propósito; é ternacionalização da língua e cultura importantes línguas globais do dos jovens diplomatas”, propi-
preciso implementá-lo. E vai no mesmo sentido a Resolução de Conselho de portuguesa e a cooperação para o mundo de hoje”, um “novo modelo ciando o “envolvimento do corpo
Ministros n.º 78/2016, que fixa orientações para a articulação entre a política de desenvolvimento, por ser igualmen- para a cooperação” será defini- diplomático português nas áreas da
internacionalização da ciência e ensino superior e as demais políticas púbicas para te importante assegurar o ensino do do, “a cooperação multilateral cooperação, cultura e língua”.
a internacionalização (…). português às nossas comunidades no âmbito da CPLP [Comunidade Sobre o seu trabalho à frente do
> Quinta e última orientação estratégica (…): o pleno uso do digital. Quer como e dar resposta à crescente procu- dos Países de Língua Portuguesa]” Instituto Camões, que descreveu
apoio suplementar à aprendizagem intrafamiliar da língua materna, (…) quer ra do ensino do português como desenvolvida e a relação com as como “um desafio aliciante”, Luís
sobretudo por via dos cursos digitais modulados pelos diferentes níveis de língua estrangeira, por ser igual- comunidades portuguesas moder- Faro Ramos disse que tentará ter
proficiência linguística e pelas duas modalidades de ensino autodirigido ou com mente importante promover a ação nizada. “Eis aqui, muito claramen- presente diversas palavras: “cen-
tutoria (….), a educação a distância é uma via absolutamente essencial do futuro
cultural externa, promover a língua te, objetivos que o Camões deverá tralidade, centralidade do instituto
da nossa política de língua.
portuguesa ou desenvolver os muito prosseguir no âmbito das suas na política externa portuguesa;
> A resolução de Conselho de Ministro n.º 70/2016, sobre a ação cultural externa,
estabeleceu as orientações fundamentais nesta vertente. (…) Se estas orienta- valiosos projetos de cooperação para competências”, declarou. ambição, ambição de fazer mais e
ções estiverem corretas, então elas apontam responsabilidades claras para 2018 o desenvolvimento” executados nos Luís Faro Ramos sublinhou melhor; método, método na pros-
e os anos seguintes: consolidação do esforço de concertação entre os Negócios “países parceiros”. ainda que “do lado dos desafios” secução dos objetivos fixados pela
Estrangeiros e a Cultura na programação, realização e avaliação da ação cultural Luís Faro Ramos considerou que enunciados por Augusto Santos tutela; organização, transmitindo
externa; comunicação pública adequada; prioridade aos resultados duradouros, nos últimos 8 anos em que foi pre- Silva no seminário diplomático, orientações claras e exequíveis;
isto é, a uma programação sustentável; envolvimento de novos parceiros, come- sidido pela professora universitária em janeiro passado, “há vários equipa, uma noção fundamental,
çando por outras instituições públicas e do terceiro setor, naquela ação. Ana Paula Laborinho, cujo trabalho que dizem respeito à atividade tanto na estrutura dirigente como
descreveu como “notável”, o do Camões”, a saber, “o desen- ao nível dos serviços; e sensatez,
Camões, I.P. “viu-se perante a volvimento de conteúdos digitais uma palavra que fala por si”.

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J 6 a 19 de dezembro de 2017 * jornaldeletras.pt

* 3
Doutoramento honoris causa Manuel Alegre Manuel Alegre conseguiu sair
do país, partindo para o exílio,

para Manuel Alegre em Pádua


primeiro em França, depois na
Argélia. Do exílio lutou, clandes-
tinamente, tornando-se dirigente
“Poeta e ficcionista, Manuel político da Frente Patriótica de
Alegre (Águeda em 1936), foi um Libertação Nacional e animando a
dos artífices do processo político transmissão radiofónica noc-
O doutoramento foi seguido e cultural que levou à queda do turna com o programa ‘Voz da
por um colóquio internacional, Estado Novo, regime de ditadura Liberdade’.
intitulado Manuel Alegre, Poeta que oprimiu Portugal desde os anos Determinado a fazer, de acordo
da Liberdade, que se prolongou 30 e que se desmoronou somente com a palavra poética do autor, “da
durante todo o dia seguinte, em com o a Revolução de 25 de Abril minha pena a minha espada”, con-
que participaram investigadores e de 1974. Manuel Alegre tornou-se, tinou incansável com esse espírito,
estudiosos da obra do autor – casos desde jovem, enquanto estudante acampanhando os anseios do povo
de, entre outros, Sandra Bagno, do curso de direito da Universidade português, oprimido na sua própria
Giulia Lanciani, Maria Luisa Cusati de Coimbra, um opositor à ditadura pátria. Cantou nos seus poemas os
e Paola Mildonian – “obra essa que salazarista, junto com outros es- mais altos valores da liberdade de
depois da histórica edição de Praça tudantes universitários. Quando o camoniana memória, fazendo dos
da Canção [o seu primeiro livro de regime fez tábua rasa da autonomia seus poemas umas das armas mais
poesia, de 1965] deu lugar a novas da Associação de Estudantes e dos contundentes e eficazes, no longo
articulações, em vários registos, Professores, Manuel Alegre partici- caminho percorrido na luta pela
em poesia e prosa, inspirada em pou, sem hesitar, nos movimentos democracia.
ideais consagrados à salvaguarda estudantis pela liberdade, contra a Uma década de incansável
da dignidade humana, particular- censura do Estado Novo. resistência daria os seus frutos. Um
mente caros à Universa Universis Mas a resposta da P.I.D.E., dos sinais tangíveis da força impa-
Cerimónia de doutoramento honoris causa de Manuel Alegre na Universidade de Pádua Patavina Libertas, o lema da a tristemente conhecida polícia po- rável dos seus poemas manifestou-
Universidade de Pádua”, segundo lítica do regime, não se fez esperar: -se nos alvores do dia 25 de Abril:
escreveu numa nota de apresen- em 1962, Manuel Alegre foi um dos entre as canções e palavras de
Manuel Alegre (Águeda, 1936) português Damião de Góis –, que tação do colóquio, Sandra Bagno, primeiros recrutados para o serviço ordem que marcaram a Revolução
recebeu a 22 de novembro o douto- pela primeira vez atribuiu tal titular da Cátedra Manuel Alegre. militar obrigatório para a combater dos Capitães de Abril, que mu-
ramento honoris causa em línguas distinção a um português. De Portugal, estava prevista a em Angola, integrando assim o daria definitivamente o curso da
e literaturas modernas europeias Em 2016, aquele grau académico presença no colóquio, entre outros, contingente para a guerra colonial. História, não somente portuguesa,
e americanas pela Universidade foi atribuído na Universidade de de Francisco Ribeiro Telles, embai- Guerra que prosseguiu por muitos houve também um poema musica-
de Pádua, em cujo departamento Pádua ao realizador de cinema xador de Portugal em Roma, Luís anos, não obstante estar politi- do, “Trova do vento que passa”, do
de românicas o poeta português é Steven Spielberg, em ciências Faro Ramos, presidente do Camões, camente condenada ao fracasso, livro Praça da Canção, de Manuel
patrono de uma cátedra de Estudos históricas, à Prémio Nobel da I.P., José Manuel Mendes, presi- pois sustentava-se na opressão dos Alegre, publicado por amigos, em
Portugueses, criada em 2009 com Paz de 2014 Malala Yousafzai, dente da Associação Portuguesa de povos colonizados que lutavam 1965, censurado e proibido pelo
o apoio do Camões, I.P. em formação cultural e socieda- Escritores, Paula Morão, professora pela sua independência. regime. (…).
A cerimónia com a presen- de global, e ao cientista polaco Catedrática da Faculdade de Letras Preso em Luanda e posterior- Cátedra Manuel Alegre,
ça do autor decorreu na Aula Krzysztof Matyjaszawski, em da Universidade de Lisboa, Teresa mente transferido para Lisboa, Universidade de Pádua
Magna Galileo Galilei daquela química. A decisão da atribuição Carvalho, professora e investi-
Universidade – a segunda mais do título de Laurea ad Honorem a gadora na Faculdade de Letras da
antiga do mundo e a mesma que, Manuel Alegre pertenceu ao reitor Universidade de Coimbra, José Letras, João Céu e Silva, jornalista, editora na Dom Quixote dos livros
no século XVI, foi frequentada da Universidade de Pádua, Rosario Carlos de Vasconcelos, escritor, Isaías Gomes Teixeira, diretor do de Manuel Alegre, que interveio
pelo historiador e renascentista Rizzuto. jornalista e diretor do Jornal de Grupo Leya, e Cecília Andrade, lendo textos poéticos.

Consórcio de universidades estuda âmbito do protocolo. O Centre for


Corpus Approaches to Social Science
máticas no estrangeiro que contem
com diáspora portuguesa e que não

ensino do português no estrangeiro


(CASS), sedeado na Universidade tenham estruturas de coordenação
de Lancaster e financiado pelo de ensino”.
Economic & Social Research Council Para além da constituição e
(ESCR), “é um centro concebido desenvolvimento do corpus, a ati-
para trazer um novo método ao es- vidade do Consórcio compreenderá
tudo da linguagem - a abordagem do também formação para investigado-
Um consórcio de universidades Românicos da Faculdade de Letras) corpus – a um conjunto de ciências res de várias áreas.
estrangeiras e portuguesas para a e Minho (Centro de Estudos sociais. Ao fazê-lo, fornece uma No protocolo, o Camões, I.P.
investigação e estudo do ensino do Humanísticos do Instituto de Letras visão da utilização e da manipula- compromete-se a “apoiar a inves-
português como língua não materna e Ciências Humana) e o Camões, I.P. ção da linguagem na sociedade a tigação sobre o português língua
e como língua estrangeira no es- A génese do Consórcio permite ao um conjunto de áreas de premente estrangeira e língua de herança,
trangeiro vai ser criado com o apoio Camões, I.P. assumir “um papel de preocupação, incluindo as mudan- mediante a disponibilização de
do Camões, I.P., que tutela a rede congregador científico dos centros ças climáticas, os crimes de ódio e a inquéritos e entrevistas a docentes
de Ensino Português no Estrangeiro de reflexão associados ao ensino educação”. e estudantes adstritos à sua rede de
(EPE). de português como língua não Entre os objetivos de investi- Ensino do Português no Estrangeiro
A formalização da criação materna e de herança em Portugal”, gação do Consórcio está o estudo (Rede EPE)”. No seu primeiro ano
FOTO JONATHAN DUNCAN / CREATIVE COMMONS

do Consórcio de Reflexão para o bem como de “catalisador de um da motivação dos alunos e dos pais de execução, o protocolo permitirá
Português Língua não Materna e trabalho de parceria e de coopera- para a aprendizagem do português, recolher dados relativos ao Reino
Língua de Herança vai ocorrer com ção nacional e internacional”, nos mediante inquéritos e entrevistas, Unido, estando previsto o poste-
a assinatura de um protocolo de termos da resolução do Conselho e o estudo e reflexão com vista à rior alargamento a outras CEPE. Os
cooperação entre as universidades de Ministros de Novembro de 2016 “constituição do primeiro corpus estudos efetuados sobre a rede EPE
de Lancaster (Departamento de sobre a política de internacionaliza- de português língua de herança do permitirão, nomeadamente, gerar
Linguística e de Língua Inglesa e ção do ensino superior e da ciência e mundo, a desenvolver ao longo de dados de interesse científico e peda-
ESRC – Centre for Corpus Approaches tecnologia. Faculdade de Literatura e Ciências cinco anos”. gógico sobre a rede EPE tutelada pelo
to Social Science), Tübingen (LEAD A ideia de criar o Consórcio Sociais da Universidade de Lancaster Em vigor durante 3 anos (2018, Camões, I.P.
Graduate School & Research Network, partiu da Universidade de Lancaster 2019 e 2020) e renovável por iguais A Universidade de Lancaster é a
Hector-Institut für Empirische – com reconhecido trabalho na área períodos, o protocolo prevê assim principal financiadora e responsável
Bildungsforschung e Departmento da linguística e das ciências sociais do Português (CEPE) no Reino Unido que o Camões, I.P. apoie “a criação pela gestão financeira do proje-
de Linguística) Lisboa (Centro –, na pessoa do professor univer- e Ilhas do Canal (atualmente exerci- de um corpus de português língua to. Todos os parceiros procurarão
de Linguística da Faculdade de sitário Patrick Rebuschat, que irá da por Regina Duarte). de herança no mundo, através da “linhas de apoio nacional e inter-
Letras), Nova de Lisboa (Centro de coordenar o projeto, coadjuvado A Universidade de Lancaster articulação das CEPE, rede oficial e nacional para a execução do plano
Linguística), Porto (Departamento pelo Camões, I.P., nomeadamente será a responsável pelos projetos rede particular, bem como através de investigação” decorrente desta
de Estudos Portugueses e Estudos através da Coordenação de Ensino de investigação a desenvolver no do contacto junto das missões diplo- cooperação multilateral.

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4* jornaldeletras.pt * 6 a 19 de dezembro de 2017 J

Gente Grave, de Pedro Pereira Lopes, Camões/Centro Cultural Português de Luanda


venceu Prémio Literário Eugénio Lisboa
Exposição de António Ole nos 50 anos de vida criativa
Pedro Pereira Lopes foi o vencedor da 1ª edição
do Prémio Literário Imprensa Nacional - Casa da
Moeda (INCM)/Eugénio Lisboa em Moçambique,
criado este ano com vista a incentivar a criação
literária naquele país, segundo uma nota de quitetura, particularmente dos bairros
imprensa divulgada a 21 de novembro. da periferia urbana, foi canalizada para
O galardão compreende a publicação da obra a fotografia. A seguir, foi o cinema, que
vencedora e atribuição de um prémio pecuniário marcou um ciclo e uma fase importan-
de 5 mil euros. te da sua vida, a que chama ‘período
A obra inédita distinguida, por unanimidade, americano’. Em Los Angeles, fez estu-
intitula-se Gente Grave e, segundo o júri, deveu-se dos superiores em cinema e angariou
“ao facto de o autor explorar um género pouco trabalhado em Moçambique e conhecimentos e experiências, que o
de combinar o policial e o fantástico”, segundo a nota de imprensa. ajudaram a sedimentar a génese de um
“A correção, coerência e coesão linguística” da obra do moçambicano Pereira percurso eclético e multidisciplinar,
Lopes foi também sublinhada pelo júri, que decidiu ainda atribuir uma men- sempre marcado por uma intensa
ção honrosa a Bebi do Zambeze, de António Manna, realçando a “riqueza do liberdade criativa, na senda de que, a
imaginário explorado pelo autor”.
arte, sem deixar de ser interventiva, é a
O júri foi constituído pelo escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa,
‘ciência da liberdade’.”
que presidiu, e ainda por Teresa Manjate, doutorada em literatura oral e
tradicional africana, pela Universidade Nova de Lisboa, e por Alexandra Pinho, Esse ecletismo é, aliás, assumido
diretora do Camões/Centro Cultural Português de Maputo. pelo próprio artista como uma caracte-
Pedro Pereira Lopes nasceu na Zambézia, em Moçambique, em 1987. É con- rística do seu trabalho, quando diz que
tador de histórias e poeta e fundou a revista digital de literatura Lidilisha e o faz “coisas, umas contra as outras”,
‘Projecto Ler para Ser’. É autor de livros como Viagem pelo mundo em um grão com “registos diferentes” e “resulta-
de pólen e O mundo que iremos gaguejar de cor. Em 2019, recebeu o Prémio Lu- dos inesperados”, contradizendo “a
sofonia/Município de Trofa e, no ano passado, o Prémio Maria Odete de Jesus, coerência e a racionalidade”.
da Universidade Politécnica de Maputo, com a obra infanto-juvenil O comboio O título – António Ole – 50 anos meio século, mas antes para apresentar Se há uma aparente diacronia nos
que andava de chinelos, atualmente no prelo. vivendo, criando – não significa uma o trabalho mais recente”, é uma “de- sucessivos media recorridos pelo artis-
Ao Prémio INCM/Eugénio Lisboa apresentaram-se 36 candidatos, dos quais 22 retrospetiva da extensa obra daquele monstração de que é sempre possível ta, António Ole entende que pintura,
entregues em instalações do Camões, I.P., em Maputo, 11, em Nampula, dois que é considerado um dos mais impor- ir mais além” e uma “confirmação de escultura, instalação, fotografia ou
na cidade da Beira e um em Lisboa. tantes criadores artísticos angolanos. que a sua arte e a sua vida se confun- cinema, se cruzam na sua obra “de
Essa retrospetiva foi feita de alguma dem e entrelaçam”. uma forma muito orgânica”. E essa
Colóquio sobre ‘lugares de memória(s)’ forma em 2016, quando uma seleção São 25 obras de pintura, em acrílico organicidade tem – subentende-se
em Genebra do trabalho de António Ole (Luanda, sobre tela e pigmentos sobre tela, na sua do que diz – “uma razão de ser, uma
1951) foi mostrada em Lisboa, Luanda e maioria inéditas e, ainda, uma instala- ideia que as liga, em tudo próxima do
Los Angeles, esta cidade uma etapa na- ção com desenhos em caixa de luz que desenvolvimento e cimentação de uma
Os ‘lugares de memória(s)’ são o tema de um colóquio que amanhã e depois
tural para uma obra que tem no cinema António Ole apresenta, segundo a nota identidade angolana.” Porque, acres-
tem lugar na Universidade de Genebra, com a participação de investigadores
de universidades de Portugal, Brasil, Alemanha, França, Estados Unidos, Reino uma dimensão não negligenciável. de imprensa que deu conta da inaugu- centa no que soa como uma declaração
Unido e Suíça. Na exposição que até 20 de dezem- ração da exposição a 7 de novembro. de arte quase comprometida, “a única
Intitulado Regresso de África: Perspetivas - Fim de uma cultura de colonos, bro está patente no Camões/Centro “Uma oportunidade, e um privilégio, coisa que posso confirmar, é que para
lugar(es) de memória(s), experiência europeia a partir da descolonização Cultural Português de Luanda – um para o público poder conhecer e acom- se ser artista, mais do que ter a técnica,
portuguesa, o colóquio, que conta com mais de dezena e meia de palco revisitado amiúde por António panhar a evolução de uma referência é fundamental ter coisas para dizer,
comunicações, é organizado pela unidade de Português e pelo Departamento Ole nos últimos anos – são comemora- maior na arte contemporânea, que se comunicar com os outros, porque, a
de História Geral – unidade de História Contemporânea da Faculdade de dos 50 anos da sua vida criativa através faz em Angola”, garante a referida nota. meu ver, só assim a obra se completa”.
Letras da Universidade de Genebra e tem o apoio do Camões, I.P. da apresentação do seu trabalho Escreveu a vice-diretora do centro “António Ole considera-se a si
mais recente. Talvez porque o criador para as artes e culturas contempo- próprio, ‘um cidadão do mundo’ e ‘um
Cinema português em Moscovo embrenhado no seu trabalho nem se râneas em África Iwalewahaus da resultado dum encontro de culturas’”,
apercebeu do tempo passado desde Universidade de Bayreuth (Alemanha), diz Teresa Mateus, que refere o seu
que participou pela primeira vez numa Nadine Siegert, citada por Teresa “notável percurso internacional”. Mas,
O público da capital russa é desde
exposição, um salão universitário em Mateus numa nota de apresentação assegura, “depois de cada viagem por
ontem convidado a seguir os trilhos da
mais recente cinematografia portugue- 1967, no Museu de Angola. “O tempo da nova exposição, que “a obra de esse mundo fora, António Ole regressa
sa, no 5º festival de cinema português passa tão suavemente no recolhimento António Ole é enorme. O artista tem sempre à sua terra. Ao seu mar, vital
de Moscovo, que decorre até domingo. diário do meu estúdio que, se não fosse vindo a trabalhar nas artes plásticas para o seu equilíbrio psicossomá-
O festival, que apresenta uma se- uma voz amiga a lembrar-me, nem desde a década de 1960, encantando e tico, ou não fosse ele um Kaluanda
leção de obras “norteada pelo cuidado me apercebia que estou a completar perturbando criativamente o mundo [habitante ou natural de Luanda, NR]
estético diferenciado e harmonioso”, 50 anos de trabalho…um percurso da arte com trabalhos admiráveis e puro. Mar, em torno do qual gravita
tem lugar no cinema Karo Atrium, por construído a partir de um somar de marcantes em diferentes géneros, uma boa parte do seu trabalho criativo.
iniciativa do Camões, I.P. e da Embaixada de Portugal, em colaboração com experiências vividas”, explicou o cria- incluindo pintura, escultura, cinema e Mar, de onde recolhe os objectos, que
aquela sala de cinema da capital russa. dor angolano. fotografia.” recicla e transforma em arte. Mar, que
Contará com a presença do realizador Paulo Filipe Monteiro, que hoje mesmo Para Teresa Mateus, diretora do Traçando o percurso criativo de bordeja o seu projecto Insula e também
dará uma masterclass na Escola de Cinema de Moscovo, com a participação do Camões/Centro Cultural Português de António Ole, Teresa Mateus recapitula a arquitetura das suas cidades. Mar,
crítico de cinema e consultor dos festivais de Locarno e Doc Lisboa, Boris Nelepo. Luanda, este regresso de António Ole que o criador angolano “começou com que testemunhou a ignóbil história da
Entre as 4 longas-metragens encontram-se o drama de cariz histórico Zeus, o ao Camões, “não para celebrar a vasta o desenho, que considera ser ‘a base de escravatura, que o Artista evoca em
drama policial e passional Amor Impossível, a novela documental A uma rapari-
e reconhecida obra feita ao longo de tudo. Depois, a sua obsessão pela ar- Hidden Pages.”
ga de distância e a comédia de costumes A mãe é que sabe.
O festival apresenta também “o olhar contemplativo e poético” de 4 curtas-me-
tragens—O Homem Eterno, De Gente se fez a História, Ascensão, Cidade Pequena—e
“uma autêntica trasladação, no espaço e no tempo, da memória dos homens que
faleceram na pesca do bacalhau, com o documentário A um mar de distância”. Rui Chafes - Rumor no MACRO de Roma
Realizadoras portuguesas em Seul
A partir la prestigiada instituição italiana. Ca­­mões, I.P.
Um festival de cinema português dedicado a mulheres realizadoras de dia 13 de A escultura consiste em dois ele- Av. da Liberdade, n.º 270
vai ter lugar de 19 a 31 de dezembro na Cinemateca de Seul, tendo em dezembro, será mentos verticais, de quase cinco metros 1250-149 Lisboa
destaque a cineasta Teresa Villaverde, de que serão visionadas 7 películas: possível visitar de altura, que conjugam a geometria TEL. 351+213 109 100
Colo (2017), Cisne (2011), Transe (2006), Água e Sal (2001), Os Mutantes
nos espaços vertical com o volume das superfícies FAX. 351+213 143 987
(1998), Três Irmãos (1994) e A Idade Maior (1991).
do Museu MACRO – Museo d’Arte em cimento e com a luz natural do www.ins­­titu­­to-ca­­moes.pt
Serão também projetados filmes das realizadoras Catarina Ruivo (Em
Contemporanea Roma, a instalação espaço. jlencarte@camoes.mne.pt
segunda mão, 2012), Margarida Cardoso (Yvone Kane, 2014), Marta Pessoa
(O Medo à Espreita, 2015) e Rita Azevedo Gomes (Correspondências, 2016). Rumor, oferecida pelo artista plástico O evento conta com o apoio do PRE­­SI­­DEN­­TE Luís Faro Ramos
português Rui Chafes (Lisboa, 1966) e Camões I.P. e da Embaixada de Portugal COORDENAÇÃO Vera Sousa
que passará a integrar a coleção daque- em Roma. COLABORAÇÃO Carlos Lobato

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| agenda Cultural |
06 a 19 de dezembro 2017

O Lago dos Cisnes


Companhia nacional de Bailado regressa à versão de Fernando duarte do clássico de P.i. Tchaikovski. de 8 a 22 de dezembro

Águeda M Concerto de natal


Pelo Conservatório de música
Calouste Gulbenkian de aveiro.
Centro de artes de Águeda
17 de dezembro – 17h
R. Joaquim Valente almeida, 30. Tel.: 234 180 151
M Concerto solidário
e a Coleção (Reloaded).
OLi - inspired by Water...
Coleção norlinda e José Lima
19 de dezembro – 21h
3 ª D om ., 14 h às 18 h
até 30 de dezembro
BRaga
aLMada Theatro Circo
av. da liberdade, 697. Tel.: 253 203 800
Teatro Municipal Joaquim Benite
av. Prof. egas moniz. Tel.: 212 739 360
M Os Músicos de Bremen
encenação e espaço cénico de José Caldas.
e Correr o Risco
6 e 7 de dezembro – 11h e 15h
exposição de desenho de João Gaspar.
5 ª a s áb ., Das 19 h às 21 h 30; D om ., Das 15 h às M XXiV Celta
19 h 30; e m DIas De esPeTáCulo a PaRTIR Das 19 h 8 e 9 de dezembro – 21h
até 30 de dezembro T air Play
T Verdi Que Te Quero Verdi Pela Companhia acrobuffos.
a partir de Giuseppe Verdi. encenação de 14 de dezembro – 11h e 15h (escolas)
Teresa Gafeira. Interpretação de anabela Ribeiro, 15 de dezembro – 15h (escolas) e 21h30
João maionde, Pedro Walter e Vera santana. 16 de dezembro – 16h e 21h30
8, 9 e 16 de dezembro – 16h 17 de dezembro – 11h e 16h O Lago dos Cisnes no Teatro Camões, em Lisboa
10 e 17 de dezembro – 11h M uMi - Música para
T nathan, O sábio uma Plateia de Palmo e Meio
e Paula Rego: Pra Lá e Pra Cá M Para Coimbra, com amor
encenação de Rodrigo Francisco. Interpretação espetáculo para bebés dos 0 aos 30 meses
até 15 de abril 2018 9 de dezembro – 21h30
de andré Gomes, andré Pardal, Guilherme (10h) e crianças dos 30 meses aos 5 anos
(11h30). Interpretação de Joana araújo, d O Quebra-nozes
Filipe, João Farraia, João Tempera, entre outros.
4ª a s áb ., às 21 h ; D om ., às 16 h Isabel Gonçalves e Ricardo batista. CasTeLO BRanCO Pelo Russian Classic ballet.
13 de dezembro – 21h30
9 a 17 de dezembro 16 de dezembro
Centro Cultura Contemporânea T de Trans Pra Frente.
Convivialidades Transperformáticas
angRa dO heROísMO BRagança Campo mártires da Pátria. Tel.: 272 348 170
3ª a D om ., Das 10 h às 13 h e Das 14 h às 18 h De Dodi leal.
e Cristina Rodrigues - Retrospetiva 13 de dezembro – 18h
Museu de angra do heroísmo Centro de arte Contemp. graça Morais até 10 de dezembro M a Quinta da amizade
R. abílio beça, 105. Tel.: 273 302 410
ladeira de são Francisco. Tel.: 295 240 800 Pela orquestra Didática da Foco
3ª a D om ., Das 10 h às 18 h 30
e Re_aCT Contemporary art Laboratory
até janeiro 2018
e graça Morais: a Coragem e o Medo COiMBRa musical, sob a direção Jorge salgueiro.
16 de março – 10h, 11h30, 14h
até 31 de dezembro
e instrumentos de Trabalho ou de Cultura Convento são Francisco
e ana Vieira – uma antologia
até 25 de fevereiro 2018
T O Menino “Mija” no Museu
até 25 de fevereiro 2018 av. da Guarda Inglesa 3. Tel.: 239 857 190 esPinhO
M Rui Massena Band
7 de dezembro – 21h Museu do abade de Baçal 16 de dezembro – 21h30 auditório de espinho
R. abílio beça, 27. tel.: 273 33 15 95 R. 34, 884. Tel.: 227 341 145
aVeiRO 3ª a D om ., Das 09 h 30
e Quando as Periferias são Centro:
às 12 h 30 e Das 14 h às 18 h Colégio de são Jerónimo
lg. D. Dinis.
M Orquestra Clássica de espinho
Cesário Costa - direção musical.
Teatro aveirense a indústria de Tecelagem e das sedas d Pequenos Ritos Para nós Mesmos 15 de dezembro – 21h30
R. belém do Pará. Tel.: 234 400 920 até 31 de dezembro Criação de andré Rosa e Frederico Dinis.
6 a 15 de dezembro – 20h00
M novas Quintas: Cachupa Psicadélica
7 de dezembro – 21h30
ÉVORa
Mosteiro de santa Clara-a-Velha
M Festival Termómetro CaLdas da Rainha R. das Parreiras. Tel.: 239 801 160 arquivo distrital de Évora
8 de dezembro – 21h30 lg. dos Colegiais, 3. Tel.: 266 006 600
e O azeviche. O sagrado e o Profano
T Mira! Mira! Miró, Mirando! Museu José Malhoa até 31 de dezembro 2ª a 6ª, Das 09 h às 12 h 30 e Das 14 h às 17 h 30
Produção Companhia Teatro art’imagem. Parque D. Carlos I. Tel.: 262 831 984 e Resistência, Revolução e democracia:
10 de dezembro – 11h 3ª a Dom., Das 10h às 12h30 e Das 14h às 17h30 Museu nacional Machado de Castro Contributos para o estudo do
T O Cão que Corre atrás de M Recital de Piano por Tiago Mileu. lg. Dr. José Rodrigues. Tel.: 239 853 070 Marxismo no distrito de Évora
Mim (e o avô elísio à Janela) 10 e 17 de dezembro - 15h 3ª, Das 14 h às 18 h ; 4 ª a D om ., Das 10 h às 18 h até 30 de abril 2018
Criação e interpretação de Filipe Caldeira. e Pintores Poetas. Pintura e Caligrafia
12, 13 e 14 de dezembro – 10h30 e 14h30 na Coleção Camilo Pessanha Fundação eugénio de almeida
M Lucky Who
14 de dezembro – 21h30
CasCais até 28 de janeiro 2018 Páteo de são miguel. Tel.: 266 748 300
3ª a D om ., Das 10 h às 13 h e Das 14 h às 18 h
M Orquestra Filarmonia das Beiras Casa das histórias Paula Rego Teatro académico de gil Vicente e uma Fresta de Possibilidade
15 de dezembro – 21h30 av. da República, 300. Tel.: 214 826 970 Pç. da República. Tel.: 239 855 630 até 21 de janeiro 2018
d giselle T oDos os DIas , Das 10 h às 18 h M sempre além: um espetáculo e instruções para o início de um diálogo
Pelo Russian Classical ballet. e 2º edição Prémio Paula Rego em Torno de antónio Variações as coleções helga de alvear e Teixeira de Freitas.
16 de dezembro – 21h30 até 15 de janeiro 2018 8 de dezembro – 21h30 até 4 de fevereiro 2018

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| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

Igreja de S. Francisco
Pç. 1º de maio. Tel.: 266 704 521
Teatro das Figuras
horta das Figuras, E. N. 125. Tel.: 289 888 100
T O Homem que Não Tinha
Inimigos e Outras Fábulas Fantásticas
LISBOA
E Intervenção Total. M Concerto de Natal CGD De ambrose bierce.
Arquivo Nacional Torre do Tombo
Obras de Reabilitação 2014-2015 7 de dezembro – 21h30 Encenação de américo Rodrigues.
al. da Universidade. Tel.: 217 811 500
até dezembro M Gisela João 13 a 16 de dezembro – 21h30 2 ª a 6 ª , Das 9 h 30 às 19 h 30; s áb ., Das 9 h 30 às 12 h 30
9 de dezembro – 21h30 E Óscar Lopes,
Museu Nac. Frei Manuel do Cenáculo
Lg. Conde de Vila Flor. Tel.: 266 702 604
D Pinóquio
Produção Companhia de Dança do algarve.
GUIMARÃES O Homem dos Sete Instrumentos
até 14 de dezembro
3ª a D om ., Das 9 h 30 ás 17 h 30 15 de dezembro – 10h30 (escolas) Centro Cultural Vila Flor E Felizmente Há Luar...
E Legado Francisco Barahona Fernandes 16 de dezembro – 21h30 av. D. afonso henriques, 701. Tel.: 253 424700 Nos 200 anos da execução de
até 31 dezembro 17 de dezembro – 16h30
E Prémio Nacional BIG - Gomes Freire de andrade (18 out 1817).
E Llave del Romance Mudo de até 17 de fevereiro 2018
la Vida de San António de Padua Bienal de Ilustração de Guimarães
até 31 de dezembro GONDOMAR 3ª a s áb ., Das 10 h às 13 h E Das 14 h às 19 h E Abolição da Pena de
até 31 de dezembro Morte e Cidadania Europeia
E Cantão e a Rota Marítima da Seda T A Escuridão ao Fim da Estrada até 31 de julho 2018
Lugar do Desenho - Fund. Júlio Resende
até 31 de dezembro
R. Pintor Júlio Resende, 346. Tel.: 224 649 061 Dramaturgia e encenação de Luís miguel Cintra.
3 ªa 6 ª , Das 14 h 30 às 18 h 30; Interpretação de bernardo souto, Diogo Dória, Biblioteca Nacional de Portugal
FARO s áb . E D om ., Das 14 h 30 às 17 h 30
E Júlio Resende: Antológica
Duarte Guimarães, Joana manaças, entre outros.
13 e 14 de dezembro – 21h30
Campo Grande, 83. Tel.:  217 982 000
E Portugal Futurista
até 14 de janeiro 2018 e Outras Publicações de 1917
Museu Municipal de Faro
Pç. Dom afonso III. Tel.: 289 870829 Centro Internacional das até 30 de dezembro
E Faro, Marcos de Urbanismo GUARDA Artes José de Guimarães
av. Conde margaride, 175. Tel.: 253 424 715
E A Biblioteca dos Passeios
e Arvoredos (Lisboa, 1875)
até 31 de dezembro
3ª a D om ., Das 10 h às 13 h E Das 14 h às 19 h até 30 de dezembro
E Andorinhas Recriadas Teatro Municipal da Guarda E Cosmic, Sonic, Animistic. E Mário Saraiva:
até 30 de dezembro R. batalha Reis, 12. Tel.: 271 205 240
Coleção Permanente e Outras Obras o Percurso de um Doutrinador
E Memórias d´Antigamente: M Tia Graça,Toda até 31 de dezembro até 30 de dezembro
No Tempo do Pirolito a Gente Devia ter Uma E Luís Filipe de Abreu, Ilustrador E Camarada
até 24 de março 2018 7 de dezembro – 22h
até 31 de dezembro até 30 de dezembro
E Mumtazz: Hilaritas E Oh, Vida, Sê Bela!
até 4 de fevereiro 2018 lberto de Lacerda (1928-2007)
E Extática Esfinge. até 13 de janeiro 2018
Desenho e Animismo Parte II E Prémios Nobel da
até 4 de fevereiro 2018 Literatura Ibero-Americana
até 31 de janeiro 2018
Paço dos Duques M Ciclo Música e Poesia -
R. Conde D. henrique. Tel.: 253 412 273
Obras para Flauta Solo
T oDos os DIas , Das 10 h às 18 h
Por Janete santos e Lúcia maria.
E Leonardo da Vinci, o Inventor 15 de dezembro – 13h
até 7 de janeiro 2018
Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves
Palacete Santiago av. 5 de outubro, 6. Tel.. 21 354 0923
Pç. de santiago. Tel. (info.): 253 423 910
T oDos os DIas , Das 10 h às 17 h 30
M 12 Fantasias para Flauta Solo
Por Joana amorim.
E Escritos do Mar da China
15 de dezembro – 19h
Exposição de fotografia de manuel Correia.
até 29 de dezembro
Centro Cultural de Belém
E 1ªa Bienal de Ilustração de Guimarães
Pç. do Império. Tel.: 213 612 400
até 31 de dezembro
3ª a D om ., Das 10 h às 18 h
E Os Trabalhadores Forçados
LAGOS Portugueses no III Reich
até 22 de janeiro 2018
Centro Cultural de Lagos E Neighbourhood:
R. Lançarote de Freitas 7. Tel.: 282 770 450 Where Alvaro meets Aldo
3ª a s áb ., Das 10 h às 18 h
até 11 de fevereiro 2018
E Exposição de Pintura de Timo Dillner
até 30 de dezembro
Culturgest
R. arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155
LAMEGO E Time Capsule.
A Revista Aspen, 1965-1971
Museu de Lamego até 7 de janeiro 2018
Lg. de Camões. Tel.: 254 600 230 E Splitting, Cutting,
2ª a D om ., Das 10 h às 18 h Writing, Drawing, Eating…
E Museu de Lamego: Since 2017 Gordon Matta-Clark
até 31 de março 2018 até 7 de janeiro 2018
M Pedro Moutinho
LEIRIA 7 de dezembro – 21h30
A Cinanima
Museu da Imagem em Movimento 10 de dezembro – 17h
Lg. de s. Pedro. Tel.: 244 839 675 T Elizabeth Costello
T oDos os DIas , Das 9 h 30 às 17 h 30 a partir do romance de J.m. Coetzee.
E Maratona Fotográfica FNAC Leira Encenação de Cristina Carvalhal.
até 31 de dezembro 13 a 16 de dezembro – 19h
E Olhar na Alma D Para que o Céu Não Caia
Exposição de fotografia de Carlos Lopes Franco. Criação e direção de Lia Rodrigues.
até 7 de janeiro 2018 13, 14 e 15 de dezembro – 21h30

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - centro.lusitania@gmail.com - 172.17.21.102 (03-08-18 06:53)
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Fund. Arpad Szènes - Vieira da Silva E Loulé: Territórios, Teatro da Trindade


Pç. das Amoreiras, 58. Tel: 213 880 044 Memórias, Identidades r. nova da Trindade, 9. Tel.: 213 423 200
3ª A Dom .. DAs 10 h às 18 h ; encerrA 2ª e feriADos até 30 de dezembro 2018 T Todo o Mundo é um Palco
E Paisagens Ocultas - Apologia da criação do Arena ensemble. encenação
Pintura Pura. Óleos, 2014-2017 Museu Nac. de Arte Antiga de Beatriz Batarda e marco martins.
mostra de trabalhos de nikias skapinakis. r. das Janelas Verdes. 5ª A s áB ., às 21 h 30; D om ., às 16 h 30
até 14 de janeiro 2018 Tel.: 213 912 800 até 10 de dezembro
E Artes e Letras – Edições 3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h T À Espera de Beckett ou Quaquaquaqua
da Galeria Jeanne Bucher Jaeger E Um Museu, Tantas Texto e encenação de Jorge louraço.
até 21 de janeiro 2018 Coleções! Testemunhos interpretação de estêvão Antunes,
E Vasco Futscher: Manual de Instruções II da Escravatura. mário moutinho, Óscar silva, Pedro Diogo.
c AsA -A Telier V ieirA D A s ilVA 5ª A s áB ., às 21 h 45; D om ., às 17 h
Memória Africana
até 21 de janeiro 2018 até 17 de dezembro
até 31 de dezembro
E Rembrandt. Elos
Fundação Calouste Gulbenkian Teatro Ibérico
Perdidos. Rijksmuseum e r. de xabregas 54. Tel.: 218 682 531
Av. de Berna, 45A. Tel.: 213 880 044
2ª, 4ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
Coleções Reais da Holanda T A Tempestade
E Ana Hatherly e o Barroco. até 7 de janeiro 2018 o clássico de W.shakespeare reinventado
Num Jardim Feito de Tinta E Obra Convidada: Sibila pela companhia João Garcia miguel.
até 14 de janeiro 2018 até 9 de dezembro – 21h30
até 15 de janeiro 2018
E Do Outro Lado do Espelho E Anjos. Entre o Céu e a
até 5 de fevereiro 2018 Terra. Desenho Europeu Teatro Municipal de São Luiz
E As Múltiplas Faces de Cristo Séculos XVI-XVIII r. António maria cardoso, 38. Tel.: 2132 57 650
até 30 de dezembro até 6 de fevereiro 2018 M João Braga – 50 Anos
E Mariana Silva: Olho Zoomórfico E As Ilhas do Ouro Branco. 7 de dezembro – 21h
8 de dezembro a 26 de fevereiro 2018 Encomenda Artística na M Maria Ana Bobone
M O Feiticeiro de Oz Madeira Séculos XV-XVI 9 de dezembro – 21h
Pela orquestra Gulbenkian, sob até 18 de março 2018 M Concerto Clássico de Natal
direção do maestro Anthony Gabriele. Pela orquestra Académica metropolitana
8 de dezembro – 19h MNAC - Museu do Chiado e coro da Universidade nova de lisboa.
r. serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148 Museu Nacional dos Coches obras de l. v. Beethoven e W. A. mozart.
M Requiem de Mozart Av. da Índia, 136. Tel:210 732 319
Por Amici musicae e a orquestra de cadaqués, 3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h 10 de dezembro – 18h
3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
sob a direção do maestro Gianandrea noseda. E João Leonardo: Decadança D Retornos
até 3 de dezembro E Arte de Zagreb em Lisboa Pela escola de Dança do conservatório nacional.
12 de dezembro – 21h
exposição de pintura de Vatroslav Kulis e 19 de dezembro – 16h e 21h
M Oratória de Natal E A Mão-de-Olhos-Azuis
pintura de marija Braut e slavka Pavic.
Pelo coro e orquestra Gulbenkian, de Candido Portinari (1903-1962) até 3 de dezembro
sob a direção do maestro michel corboz. até 30 de dezembro Teatro Nacional D. Maria II
E Partida da Família Pç. D. Pedro iV. Tel.: 213 250 800
15 de dezembro – 20h E Género na Arte. Corpo,
Real para o Brasil – 1807 T Esquecer
16 de dezembro – 19h Sexualidade, Identidade, Resistência
até 3 de fevereiro 2018 Texto de Dimítris Dimitriádis.
até 11 de março 2018
Museu Coleção Berardo encenação e direção de Jean Paul Bucchieri.
E Prémio Sonae Media Art 2017 Palácio de São Bento 4ª, às 19 h 30; 5 ª A s áB ., às 21 h 30; D om ., às 16 h 30
ccB. Pç. Do império. Tel.: 213 612 878 até 1 de abril 2018
3ª A D om ., DAs 10 h às 19 h r. de são Bento. Tel. (iinfo.): 213 919 625 até 17 de dezembro
E A Sedução da Modernidade 1850-1910 E Morte à Morte! 150 Anos T Macbeth
E Lu Nan, Trilogia – até 15 de abril 2018
Fotografias (1989-2004) da Abolição da Pena de Morte De W. shakespeare. encenação de nuno carinhas.
C A Presença de Portinari em em Portugal (1867-2017) 4ª, às 19 h ; 5 ª A s áB ., às 21 h ; D om ., às 16 h
até 14 de janeiro 2018
Portugal: Afinidades e Contributos até 29 de dezembro
7 a 17 de dezembro
E Sharon Lockhart, Meus conferência por luísa Duarte santos. M Ciclo Música e Poesia -
Pequenos Amores / My Little Loves 9 de dezembro – 16h
Palácio Nacional da Ajuda Obras para Flauta Solo
até 28 de janeiro 2018
lg. da Ajuda. Tel.: 213 620264 Por Janete santos e lúcia maria.
E Modernismo Brasileiro na Coleção Museu Nacional de Etnologia 16 de dezembro – 18h
T oDos os DiAs ( exceTo à 4ª feirA ), DAs 10 h às 18 h
da Fundação Edson de Queiroz Av. ilha da madeira. Tel.: 213 041 160
até 11 de fevereiro 2018 E Sonia Falcone: Campos de Vida
3ª, DAs 14 h às 18 h , 4 ª A D om ., DAs 10 h às 18 h Teatro Villaret
até 31 de dezembro
E De Regresso à Luz. Esculturas Av. fontes Pereira de melo, 30ª. Tel.: 213 538 586
E Joan Miró: Materialidade e Metamorfose
Orientais em Depósito da T Mais Respeito Que Sou Tua Mãe!
Museu de Arte Popular até 8 de janeiro 2018
Coleção de Victor Bandeira Texto de hernán casciari. encenação 
Av. Brasilia. Tel.: 213 011 282 até 11 de fevereiro 2018 e Adaptação de Joaquim monchique.
4 ª A D om ., DAs 10 h às 18; s áB . e Teatro Camões 5ª A s áB ., às 21 h 30; D om ., às 16 h 30 h
D om ., encerrADo DAs 13 h às 14 h Parque das nações. Tel.: 218 923 470 até 30 de dezembro
Museu Nacional do Azulejo
E Maurits Cornelis Esche D O Lago dos Cisnes T Filho da Treta
r. madre de Deus, 4. Tel.: 218 100 340
até 27 de maio 2018 3ª A Dom ., DAs 10 h às 18 h
música de Tchaikovski. coreografia Texto de filipe homem fonseca e rui
de fernando Duarte. interpretação de cardoso martins. encenação de sónia Aragão.
E Das Sombras de Quioto à Luz
artistas da companhia nacional de Bailado 6, 12, 13, 19 e 20 de dezembro – 21h30
de Lisboa, Azulejos de Haru Ishii e da orquestra sinfónica Portuguesa,
Museu Nacional de Arqueologia até 31 de dezembro T Fada Juju e a Festa dos Sentidos
sob a direção musical de Pedro neves. espetáculo de teatro infantil
Pç. do império. Tel.: 213 620 000
3ª, DAs 14 h às 18 h ; 4 ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
8, 14, 20, 21 e 22 de dezembro – 21h de Ana rangel e João Ascenso.
Museu Nacional do Teatro e da Dança 9 e 16 de dezembro – 18h30
E Lusitânia dos Flávios. 10 e 17 de dezembro – 11h
estrada do lumiar, 10. Tel.: 217 567 410 10 e 17 de dezembro – 16h
A Propósito de Estácio e das Silvas 3ª A D om ., DAs 10 h às 18 h T Os Tuneza
13 de dezembro – 15h (escolas)
até 31 de dezembro E Entre-Ato Modernista: o Teatro 11 e 18 de dezembro – 21h30
E Religiões da Lusitânia. Loquuntur Saxa e a Dança na Obra de António Soares Teatro da Comuna
até 31 de dezembro até 31 de dezembro Pç. de espanha. Tel.: 217 221 770 MAFRA
E Um Museu, Muitas T Crise no Parque Eduardo VII
Coleções! Testemunhos da Museu Nacional do Traje Adaptação e encenação de João mota. Palácio Nacional de Mafra
Escravatura. Memória Africana lg. Júlio castilho. Tel.: 217 567 620 até 17 de dezembro Terreiro D. João V. Tel.: Tel.: 261 817 550
até 31 de dezembro 3ª, DAs 14 h às 18 h ; 4 ª A D om ., DAs 10 h às 18 h
T Välute E Do Tratado à Obra. Génese
E Ouro Antigo. Do Mar E Paulo Azenha a Criação à Flor Texto e criação de rui neto. da Arte e da Arquitetura no
Negro ao Oceano Atlântico da Pele: o ADN de um Itinerário 2ª A s áB ., às 21 h 30; D om ., às 19 h Palácio Nacional de Mafra
até 29 de abril 2018 até 23 de dezembro 14 a 23 de dezembro até 31 de maio 2018

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1427333 - centro.lusitania@gmail.com - 172.17.21.102 (03-08-18 06:53)
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MONÇÃO M Prémio Conservatório de


Música do Porto/ Casa da Música
D The Concept Of Dust: Continuous
Project – Altered Annually
VILA NOVA DE FOZ CÔA
Por Rui Brito (percussão), De Yvonne Rainer.
Cine Teatro João Verde Museu do Côa
Lúcia Rodrigues (piano) Marta 17 de dezembro – 18h
Lg. da Alfandega. R. do Museu. Tel.: 279 768 260
Vilaça (flauta) e olga Amaro (piano).
T A Noite da Dona Luciana E Água – Pedra
obras de J. Prendas e T. Muramatsu, Museu Nacional de Soares dos Reis
De Copi. Encenação de Ricardo Neves-Neves. Mostra de escultura e fotografia
C. Debussy, P. Sancan, entre outros. R. de Dom Manuel II 44. Tel.: 223 393 770
9 de dezembro – 21h30 de Sandra Baía e João Vilhena.
12 de dezembro – 19h30 E José de Almada Negreiros:
T O Principezinho até 7 de janeiro 2018
M Maskoff: Art Folk Desenho em Movimento
10 de dezembro – 15h
13 de dezembro – 21h30 até 18 de março 2018
M Os Quatro e Meia VILA REAL
PESO DA RÉGUA 13 de dezembro – 21h30 Teatro Campo Alegre
M Christmas Song Book R. das Estrelas. Tel.: 226 063 000 Teatro de Vila Real
Museu do Douro 14 de dezembro – 22h T Ou Isto ou Aquilo Al. de Grasse. Tel.: 259 320 000
R. Marquês de Pombal. Tel.: 254 310 190 M Encerramento do Ano Britânico Texto de Cecília Meireles. Encenação A Festival Internacional de
T oDoS oS DIAS , DAS 10 h àS 18 h Pela orquestra Sinfónica do Porto Casa da e dramaturgia de José Caldas. Com Imagem de Natureza
E António Menéres, Percursos Música, direção musical de Baldur Brönnimann Lena d’água, José Caldas, Tahina Rahary. até 10 de dezembro
pela Arquitetura Popular no Douro e a participação de Tasmin Little (violino). 5ª àS 10 h ; 6 ª , àS 15 h ; S áB ., àS 19 h ; D oM ., àS 16 h M Trêsporcento
até 10 de dezembro obras de Benjamin Britten, J. Brahms. 14 a 17 de dezembro 6 de dezembro – 22h30
15 de dezembro – 21h M Concerto de Aranjuez
M Banda Sinfónica Portuguesa
PONTA DELGADA 16 de dezembro – 18h Teatro Nacional São João
De Joaquin Rodrigo. Com a participação de
Paulo Vaz de Carvalho e orquestra do Norte.
M Brahms Comentado Pç. da Batalha. Tel.: 223 401 900 9 de dezembro – 21h30
Teatro Micaelense Pela orquestra Sinfónica do Porto Casa da T Fã M Concerto de Natal
Lg. S. João. Tel.: 296 308 340 Música, sob a direção musical de Baldur Brönni- Texto de Regina Guimarães. Música Pelo Conservatório Reg. de Música de Vila Real.
M Harlem Gospel Choir mann. Concerto comentado por Daniel Moreira. de Clã. Encenação de Nuno Carinhas. 13 de dezembro – 21h30
9 de dezembro – 21h30 17 de dezembro – 12h Interpretação dos Clã e João Monteiro, M PT Academy
M O Olhar de Milhões M Conservatório do Vale do Sousa Maria Quintelas, Pedro Frias (atores). 15 de dezembro – 21h30
Criação de Raquel Castro. Dramaturgia de Joana 18 de dezembro – 21h30 4ª E SáB., àS 19h; 5ª E 6ª, àS 15h E 21h; DoM., àS 16h
Bértholo. Interpretação de Anaisa Lopes, David M Prémio Jovens Músicos / Antena 2 13 a 22 de dezembro
Marques, João Villas Boas, Marco da Silva Fer- Recital dos Vencedores do VISEU
reira e Teresa Coutinho. Nível Superior da edição 2016.
16 de dezembro – 21h30 19 de dezembro – 19h30 Museu Nacional Grão Vasco
SETÚBAL Adro da Sé. Tel.: 232 422 049
PORTIMÃO Centro Português de Fotografia
Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310 Fórum Municipal Luísa Todi
3ª,
DAS
DAS 14 h àS 17 h 30; 4 ª A D oM .,
10 h àS 12 h 30 E DAS 14 h àS 17 h 30
3 ª A 6 ª , DAS 10 h à S 12 h 30 E DAS 14 h àS 18 h ; Av. Luísa Todi, 65. Tel.: 265 522 127 E António Carmo: Cultura-Culturas
Museu de Portimão S áB ., D oM . E F ERIADoS , DAS 15 h àS 19 h até 7 de janeiro 2018
R. D. Carlos I. Tel.: 282 405 230
M Harlem Gospel Choir
E Rituais do Ver 7 de dezembro - 21h30 E Ilha dos Imortais
E Günter Grass: Encontros Exposição de fotografia de Fátima Carvalho. Exposição de pintura de Teresa Trigalhos.
8 de dezembro a 4 de março 2018
M Capricho Setubalense:
até 18 de março 2018 150 Anos de Cultura até 7 de janeiro 2018
E Ilha 8 de dezembro – 16h30 E Global Make-up Program
Teatro Municipal de Portimão Exposição de pintura de Zoran.
Exposição de fotografia de Paulo Pimenta. M X Por Terras do Sado
Lg. 1.º de Dezembro. Tel.: 282 402 470 até 7 de janeiro 2018
até 25 de março 2018 Festival de tunas académicas masculinas.
M Orquestra Juvenil
9 de dezembro – 21h30
de Guitarras Do Algarve Quinta da Cruz
Culturgest Porto D Espetáculo de Natal
9 de dezembro – 21h30 R. São Salvador. Tel.: 232 423 343
Av. dos Aliados, 104. Tel.: 222 098 116 Pelos alunos da Academia de
M Adriana Marques: Simplesmente 2ª S áB ., 12 h 30 18 h 30 3ª, DAS 14 h àS 18 h ; 4 ª A D oM .,
A DAS àS Dança Contemporânea de Setúbal.
15 de dezembro – 21h30 DAS 10 h àS 13 h E DAS 14 h àS 18 h
E Henrique Pavão: Antes e Depois de Antes 15 de dezembro – 19h
até 21 de janeiro 2018 E Da Coleção Em Viseu:
M Messias, de G. F. Händel
A Minha Casa é a Tua Casa
PORTO Concerto de Natal da orquestra Metropolitana
até 4 de março 2018
Fundação de Serralves de Lisboa e do Coro Sinfónico Lisboa Cantat.
Casa da Música R. D. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 500 16 de dezembro – 21h
3 ª A 6 ª , DAS 10 h àS 13 h E DAS 14 h àS Teatro Viriato
Av. da Boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 M Concerto de Natal
17 h ; S áB ., DoM . E FERIADoS DAS 10 h àS 19 h Lg. Mouzinho de Albuquerque. Tel.: 23 2480 110
M Me for Queen Pela Academia de Música e Belas-Artes Luísa Todi.
E Haegue Yang: Parque de 17 de dezembro – 18h E Menos 21
6 de dezembro – 21h30
Vento Opaco em Seis Dobras Exposição de fotografia de Carlos Fernandes.
T Salvador Martinha: Centro das Atenções 2ª A 6ª, DAS 13 h àS 19 h E EM DIAS DE ESPETáCuLo
até 7 de janeiro 2018
6 de dezembro – 22h
E D’après Fibonacci e as Coisas Lá Fora VIANA DO CASTELO até 22 de dezembro
M Recital de Piano por Seong-Jin Cho E Para Uma Timeline a Haver:
até 7 de janeiro 2018
obras de C. Debussy, F. Chopin. Museu de Artes Decorativas Genealogias da Dança Enquanto
7 de dezembro – 21h
E Daniel Steegmann Mangrané: Uma Lg. de S. Domingos. Tel.: 258 809 305
Folha Translúcida, no Lugar da Boca Prática Artística em Portugal
M Que Serei? Manuel Maio e Convidados 3ª A 6 ª , DAS 10 h àS 18 h ; S áB ., E D oM .,
até 7 de janeiro 2018 até 22 de dezembro
7 de dezembro – 22h DAS 10 h àS 13 h E DAS 15 h àS 18 h
E NB Revelação 2017: Tiago Madaleno T Os Lusíadas de Lisboa à Índia | Volta
M Concerto Comemorativo E VacceArte – Arte Contemporânea
Espetáculo por António Fonseca, detinado
até 7 de janeiro 2018 de Inspiração Vaccea – 9.ª Edição
da Inauguração do a alunos do 9º ano e ensino secundário.
Conservatório de Música do Porto E Coleção de Serralves: 1960-1980 Canecas Rituais / Jarros Rituales 14 de dezembro – 10h30 e 15h
até 21 de janeiro 2018 até 31 de dezembro
Fernando Marinho - direção musical. M Cristina Branco: Menina
obras de Marc-Antoine Charpentier, E Coleção de Livros e Edições 16 de dezembro – 21h30
Pablo de Sarasate, R. Glière e J. Braga Santos. de Artista da Fundação de Serralves -
Museu Arte Contemporânea
VILA FRANCA DE XIRA
9 de dezembro – 18h
M Natal até 11 de fevereiro 2018 Museu do NeoRealismo
Pelo Coro Infantil Casa da Música E Tris Vonna-Michell R. Alves Redol, 45. Tel.: 263 285 626
e a participação de Gonçalo Vasquez até 11 de fevereiro 2018 3 ª A 6 ª , DAS 10 h àS 19 h ; S áB ., DAS GABINETE DE ESTRATÉGIA,
(piano) e Ivo Brandão (percussão). D “What’s so Funny? Laughter and 15 h àS 22 h ; D oM ., DAS 11 h àS 18 h PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO CULTURAIS
10 de dezembro – 16h Anger in the Time of the Assassins” E Cosmo/Política #1: Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
M Harlem Gospel Choir De Yvonne Rainer. A Sexta Parte do Mundo Tel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 832
11 de dezembro – 21h 16 de dezembro – 18h 9 de dezembro a 13 de junho 2018 relacoes.publicas@gepac.gov.pt

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