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Foi o responsável maior pela elaboração e concepção da política do desporto em

Angola. Após deixar a pasta ministerial de Educação Física e Desporto, tornou-se


embaixador de Angola em Portugal, servido de 1989 a 1995, desempenhando um papel
importantíssimo como principal diplomata angolano nos Acordos de Bicesse.

A morte do nacionalista Rui Mingas, que em vida se distinguiu por serviços prestados
ao país, ao mais alto nível e com a máxima competência, nas áreas do desporto, da
diplomacia, da música e da academia, sinaliza de modo preocupante o acelerado
desaparecimento físico de personalidades da geração que participou na luta de
libertação nacional, quer na guerrilha, na clandestinidade, quer na frente cultural.

Um olhar para os cenários político, cultural, desportivo, militar e de outros campos da


vida nacional, permite-nos constatar a existência de ilustres figuras que andam na casa
dos oitenta anos ou mais, muitos dos quais combalidos física e mentalmente, mas cheios
de histórias de vida que bem poderiam (deveriam) passar às novas gerações como
exemplos de "como se conquistou a liberdade”, como escreveu o poeta.

Dono de uma voz sem igual, Rui Mingas teve o mérito de casar a melhor poesia de
alguns dos nossos melhores poetas nacionalistas com o seu inigualável talento de
interpretação e composição musical. As suas músicas, explícita ou implicitamente,
apelam imediatamente ao sentir e às coisas da terra, e, mais do que isso,ao sonho de um
país e de um mundo melhor para todos. Tudo isso compõe e ilustra o seu perfil de
indivíduo que sempre esteve preocupado com a educação cívica e patriótica das novas
gerações.

Ter-lhe-ia bastado ser o compositor do Hino Nacional para confortavelmente aspirar a


que o seu nome figurasse no Panteão da Pátria, que se faz cada vez mais necessário.
Mas não. Rui Mingas criou outras canções dignas de figurar nas mais exigentes selectas
musicais: "Os meninos do Huambo”, outra parceria com Manuel Rui, é um hino ao
sonho e à liberdade em qualquer lugar e em qualquer tempo. Mas toda a sua
musicografia, anterior ou posterior à Independência, é um catálogo de como os músicos
devem aproveitar a poesia, infundindo-a o canto para lhe dar mais brilho e melhor e
mais a divulgar. Massificar.

Foi-se o homem, fica a sua obra. No caso de Rui Mingas, para sempre.

Isaquiel Cori

Meu Xará, Rui Mingas, podias-me ter avisado do arco-íris

Sim. Naquele dia em que nos chamaram para tirarmos o poder popular da letra do hino.
Eu fiz outra versão, por sinal mais bonita, pela calma contrastante com o stress, o
sangue fervendo nas nossas veias como rios de amor e liberdade para a independência,
o tiroteio, o avião com os panfletos, as pessoas em minha casa a assistirem. Tu
opuseste-te afirmando que num hino não se mexe e nós não éramos daqueles países que
andam sempre a mudar de hino e de bandeira. E ficou assim.

Andaste pelas cadeias e torturas da polícia política portuguesa, a Pide, eu também, no


Aljube que hoje é Museu. Seu terrorista! Não, sou angolano, eu já tinha a cara desfeita.
O Nosso falecido amigo, o grande Carlos do Carmo era teu vizinho em Lisboa e, pela
janela assistiu à tua prisão.

Tu cantaste os clássicos e pela tua voz chegaram ao povo cantigas dos versos de
Agostinho Neto como "minha mãe tu me ensinaste a esperar”, o "Namoro” do Viriato e
ainda tantos outros. Cantaste poemas meus dos "onze poemas em Novembro” mas o
hino nacional, tocaste um acorde, escrevi um verso, outra frase musical e outro verso e
assim sucessivamente. As pessoas admiradas. Mas era a química do magnetismo que
ainda existe entre nós. Eu gosto mais de escrever em cima da música, o que é raro entre
os poetas. Dessa vez cheguei à tua casa. Estavas só. Eu levava a letra dos meninos. Era
um domingo. O Ruy fez um muzongué que levava peixe frito. Não sei porquê, poetas,
em que eu meu incluo, músicos cantores e ainda artistas plásticos são mestres de
muzongué. Estava bué cuiá. E depois nasceram os "Meninos do Huambo.” E, num
ápice, o Paulo de Carvalho arranjou maneira de pôr Portugal a cantar-nos, ganhámos o
disco de ouro graças à virtude criadora do meu Xará que transformou as minhas
palavras numa comunicação musical de entrar nos ouvidos de toda a gente, nas escolas,
nos clubes populares e até na Festa do Avante. Ia dar aulas de mestrado em Estocolmo,
abria a porta da sala e as alunas começavam a cantar os meninos, idem na Finlândia ou
Itália. E foi até ao Brasil na versão de Martinho da Vila. Rui Mingas no Festival da
Juventude em Cuba a iluminar a noite num tempo em que tinha aparecido a nova trova.
Na fotografia que guardo, proclamação da União de Escritores, está Agostinho Neto,
Luandino, Ole, eu e o meu Xará a cantar. Eras embaixador em Lisboa, pelo telefone
mandaste-me uns acordes e eu escrevi "Meu Amor.” Passou muito tempo. Apareceste
com um cêdê de capa bonita. Foi tocando. Quando chegou "Meu Amor” eu falei,
"maravilha, de quem é isto?” O meu Xará abriu aquela gargalhada larga… é teu, não te
lembras pelo telefone?

Fizemos sempre pelo amor e pela liberdade.

Agora, estou a fingir vida com lágrimas na boca, aqui à beira mar, pensando escrever
uma cantiga para ti, vejo um dongo rumando mar adentro com um vulto segurando um
violão, muito devagar e quando o dongo se perdeu no horizonte, olhei para o meu lado
esquerdo e estava o arco-íris. Nunca ninguém conseguiu tocar no arco-íris. Com tantos
sons fingidos de cores. Foi para lá que o meu irmão Ruy foi. Um dia vou ter contigo
para fazermos cantigas no arco-íris…

Manuel Rui

O guerrilheiro que fez da música a sua arma(*)

Detentor de uma altura considerável (1,85 m), uma aparência bastante jovem para quem
já somou 65 anos e uma voz melodiosa, que o permitiu afirmar-se como músico no
mercado nacional e estrangeiro, Rui Mingas é, certamente, um homem que não passa
despercebido.

Mas, o que mais salta à vista das pessoas que têm a oportunidade de o observar é a
barba, completamente branca, que há muito tempo se tornou parte do seu visual.

Conta que, ao contrário da maior parte dos familiares, somente há quatro anos, começou
a ganhar os primeiros fios de cabelo branco. "A natureza assim ditou”, disse em jeito de
brincadeira.

Homem ligado à literatura, amante incondicional de poesia, musicou poemas de vários


escritores angolanos como Agostinho Neto, António Jacinto, Mário Pinto de Andrade,
Viriato da Cruz, Mário António de Oliveira, Ernesto Lara Filho, Manuel Rui Monteiro e
Filipe Nzau, entre outros.

"Adeus à hora da largada”, "Muimbu Ua Sabalu”, "Minha Terra” e "Monangambé” são


alguns temas aos quais emprestou a sua voz e tornou verdadeiros sucessos. Mas a sua
vida artística não ficou somente marcada por sucessos. O artista chegou a ser preso por
duas vezes em Portugal, terra para onde foi viver aos 18 anos e na qual chegou a exercer
o cargo de embaixador de Angola entre os anos 1989 e 1995.

As prisões

Nos anos 60, ciente do perigo que correria se interpretasse publicamente os temas
interventivos de escritores angolanos como "Monangambé”, de António Jacinto, Rui
Mingas cantava "às escondidas em Portugal”, porque na época o regime fascista era
muito agressivo, como ele mesmo o afirma.

Em 1962, cumpria serviço militar em Aveiro, quando foi preso e mobilizado sob prisão
para a Guiné-Bissau, alegadamente "por motivos de actividade contra a segurança do
Estado”. Permaneceu 16 meses numa cadeia militar na Guiné-Bissau, tendo, ao fim dos
quais, regressado "com as pernas e braços amarrados” à prisão militar de Trafaria, em
Lisboa, para ser julgado.

Por insuficiência de provas, e com a ajuda do Coronel Barão Pinto, 2º comandante do


Batalhão de Infantaria 18 a que estava inserido, assim como de Adérito Figueira, então
comandante da sua companhia e, à data da entrevista, general do exército português,
conseguiu sair ileso.

Depois de liberto, continuou a cantar em actividades, inserido num grupo clandestino


ligado à Casa dos Estudantes do Império. Tratando-se de um movimento anti-colonial,
não demorou a ser preso novamente. Desta feita pela PIDE, em conjunto com outros
elementos como Percy Freudenthal e Álvaro Santos.

Encaminhados para a Prisão de Caxias do Reduto Norte, algum tempo depois de terem
ficado incomunicáveis e sem direito a visita, foram libertados.

Tais memórias, disse-nos, já não o entristeciam. Pelo contrário, afirmou orgulhoso que
quando foi necessário deu o seu contributo pela causa do país e do povo angolano. "Isso
foi, talvez, o aspecto mais marcante da minha vida de jovem, porque nem toda a gente
naquela altura tinha coragem de ligar-se a actividades dessa natureza, pelas implicações
que elas acarretavam”.

Nessa altura, já havia granjeado o respeito e admiração não só dos angolanos residentes
naquele país, como também de alguns democratas portugueses que conviviam com
angolanos, guineenses, cabo-verdianos e moçambicanos.
Um destes era o Dr. Armindo dos Santos Ferreira, um grande amigo do Presidente
Agostinho Neto, que oferecia a sua casa, no tempo do fascismo de Salazar, para a
concentração de todos os elementos de esquerda.

A par disso, disse-nos Rui Mingas, participava em acções de canto livre com Zeca
Afonso e Adriano Correia de Oliveira. Na altura, os cantores portugueses do contra
começaram a receber ameaças. A fase das prisões só terminou quando se casou e
reduziu as actividades clandestinas que desenvolvia, cantando músicas angolanas de
pouca intervenção política.

"De outro modo estava com a minha vida completamente estragada. Não tinha
racionalidade nenhuma continuar numa coisa dessas”.

Mas, em privado continuou a cantar as músicas "proibidas” como "Monangambé” e


"Adeus à hora da largada”.

"Era a forma que eu tinha de manter-me mais ou menos livre”.

O desejo de cantar

Nasce aos 14 anos. Embora tivesse crescido numa família de artistas, a assistir o avô
materno tocar concertina e a avó, reco-reco, foi o tio Liceu Vieira Dias que o
influenciou a apaixonar-se pela música.

"Este, sim, foi a minha grande referência. Eu tinha tendência a imitá-lo”. Gostava e
sentia-se orgulhoso em ver o tio ser idolatrado por muita gente, numa sociedade que
definiu como tendo sido marcadamente racista. "Luanda da minha juventude era uma
sociedade pesada”, disse.

Em todos os poemas que musicou, Rui Mingas deixou evidente os sentimentos que lhe
vêm à alma quando canta, despertando nos apreciadores das suas obras, sentimentos de
patriotismo.

"Não sei explicar. Posso exprimir, pela forma como canto, um sentimento que tenho
dentro de mim, sem que me aperceba, porque interiorizo muito a mensagem que passo”.

Há cerca de trinta anos, deixou de subir em palcos para cantar. Mas, continuou a fazê-lo
em convívios familiares e de amigos, sempre que o convidavam. "Às vezes, os meus
amigos apanham-me no Xavarotti e pedem-me para cantar. Faço-o, com muito prazer”,
disse, na altura.
Dos cinco discos que lançou, destaca-se o último, "Temas Angolanos”, um Long Play
que foi o maior sucesso entre as suas obras discográficas.

Uma das suas apostas é a reedição de tudo quanto gravou há muitos anos. Rui Mingas
revelou-nos a pretensão de incluir nas obras, poesias que musicou sem nunca terem sido
tornadas públicas. "Tem já pessoas a cuidarem dos arranjos finais das músicas, que
serão gravadas brevemente”, disse.

Apesar do sucesso alcançado, afirma nunca ter sido um profissional de música.Conserva


em casa um piano e uma viola, instrumentos que vez ou outra o permitem reunir-se para
cantar em conjunto com a família.

"Não sou um homem de palco como o meu irmão [André Mingas] e as minhas filhas.
Sou capaz de subir ao palco para cantar, mas não é isso que me dá a grande felicidade.
Por isso é que digo que nunca seria um cantor profissional, o meu carácter é diferente”.

Homem de bons princípios, Rui Mingas está casado há 38 anos com a mulher que
conhece há 46. Tem quatro filhos e dois netos.

A música não é a sua única paixão. Desde o ano 1953, o desporto também faz parte do
seu leque de coisas queridas. Esteve filiado ao Clube dos Coqueiros e ao Atlético de
Luanda. Praticou vela e basquetebol, mas foi no atletismo que se destacou, orientado
pelo professor Demósthenes de Almeida, figura que tem como referência no desporto
angolano e de quem, defende, se deveria falar com respeito e reconhecimento.

"Era um homem de grande dimensão, um humanista que não obstante ser um dedicado
treinador do Clube Atlético de Luanda, estava sempre disponível para treinar atletas de
outros clubes, mesmo daqueles onde os negros não tinham lugar”.

Foi com esse homem que o artista se tornou vencedor de várias competições nacionais,
facto que lhe valeu um convite para militar num clube português.

Nunca mais se esquece de uma frase que ouviu daquele a quem considerou igualmente
um grande condutor de homens, aos 18 anos, aquando da sua ida a Portugal, onde foi
recebido pelo então presidente do Benfica, Eng.º Maurício Vieira de Brito.

"Ele disse-me: ‘Rui, não te esqueças de que vais representar a tua terra, tens Angola
atrás de ti’”. Apesar das dificuldades, não decepcionou o treinador.Foi campeão
absoluto de Portugal naquela modalidade.Ruy Mingas prepara-se para fazer a defesa de
tese do seu doutoramento em Ciências da Cultura e do Desporto.
"Sou por prática e por formação um homem do desporto”. Tal é assim que três a quatro
vezes por semana faz ginástica e caminha durante hora e meia.

A sua formação permite-lhe saber de que forma um homem da sua idade pode fazer
actividade física. "Não ando aos pulos e a fazer corridas de velocidade, faço apenas
actividades de manutenção”.

Exerce a função de administrador da Universidade Lusíada de Angola, há quatro anos.


O artista, desportista, empresário e político angolano já ocupou diversos cargos, entre os
quais os de secretário de Estado de Educação Física e Desporto, vice-ministro da
Cultura e director de Educação Física Escolar. Procura manter-se actualizado sobre a
problemática do ensino e considera a sua actividade aliciante, porquanto o permite fazer
o que gosta.

"Dá-me uma felicidade muito grande, porque creio que é uma das formas mais positivas
de se contribuir para a valorização de uma sociedade, a contribuição para o saber”.

Sente-se feliz no projecto, sobretudo por conviver com a juventude e sentir que os
jovens daquela universidade têm uma boa relação consigo. Em determinadas alturas,
disse, aceitou o convite dos alunos e cantou com eles.

Contou que aquando da assinatura do Memorando Complementar ao Protocolo de


Lusaka, tocaram a música "Minha Terra”, letra de Filipe Zau, à qual deu voz.

Lembra-se que na altura desse episódio não se encontrava no país. Quando regressou, os
alunos pediram-lhe para cantar aquela canção. Aceitou com a condição de que todos
eles cantassem, uma vez que, na sua visão, "a paz foi fundamentalmente um bem para
os jovens”.

Perfil

Nome completo: Rui Alberto Vieira Dias Rodrigues Mingas

Filiação: André Rodrigues Mingas e Antónia Dinis do Aniceto Vieira Dias

Data de nascimento:12 de Maio de 1939

Naturalidade: Luanda

Estado civil: Casado


Filhos: 4

Netos: 2

Irmãos: 8

Perfume: Yves Saint Laurent e Carolina Herrera

Comida: Peixe confeccionado nas suas mais variadas formas

Bebida: água e sumos

Actor: Denzel Washington

Cantor: Barry White, Stevie Wonder, Nat King Cole e Ray Charles

Escritor: literatura especializada, Gabriel Garcia Marquez, Manuel Rui


Monteiro, Pepetela e Luandino Vieira

Virtude: Sinceridade

Defeito: Exigente
https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/rui-mingas-12-de-maio-de-1939-4-de-janeiro-de-
2024/

Edna Cauxeiro

(*) Texto publicado a 4/9/2004 no Jornal de Angola

https://informativoangolano.com/curiosidades/saiba-mais-sobre-a-biografia-de-ruy-mingas/

Isaquiel Cori é um escritor e jornalista angolano. No período em que militou nas FAPLA,
entre 1985 e 1991, trabalhou como bibliotecário nas bases navais de Luanda e Lobito. É
editor no Jornal de Angola. Wikipédia
Nascimento: 1967 (idade 57 anos)
Livros: O último recuo: romance, Dias da Nossa Vida: romance

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