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CrEl bandoneonista, veredas

Nascido em 1933 em Córdoba (Argentina). Caçula de oito irmãos, filho de Cristina Cejas e
Pedro Herrera, um camponês que tocava violão, Rufo Herrera foi aprendendo músicas folclóricas
sozinho, que tirava de ouvido, até ganhar experiência, tocando em festas e programas de rádio.
O pai tocava violão. Todas as noites, ele pegava o instrumento e improvisava algo de
folclore argentino, até que um dia, como era tradição na família, três de seus dez filhos se reuniram
para tocar em uma reunião caseira por conta de algum feriado. Rufo, o caçula, tinha cinco anos. Foi
a primeira vez que ele viu um bandoneon. Era inverno, fazia frio, mas o menino não arredou pé.
“Fiquei ali a noite toda, não conseguiam me levar para dormir. Fiquei com isso na cabeça. Naquele
momento, decidi que esse era meu instrumento”, recorda o compositor.

O primeiro foi na LV3 Radio de Córdoba. O "duende", como batizou o seu instrumento, lhe
apareceu em 1938 e definiu a sua trajetória. Herrera conheceu o instrumento bandoneón aos 5 anos
de idade, mas só aos dez anos pôde começar a tocar, com um modelo Doble A.

Aos 10, já tocava em público. Passeando entre o folclore e a música popular, o argentino
começou sua carreira profissional aos 16, em uma orquestra típica de tango. Dali em diante, a
música passou a ser seu ganha pão e Rufo se mudou (em 1953) para Buenos Aires a convite de uma
orquestra. Foi uma época de muitos shows, turnês e reconhecimento.

Ainda em Córdoba, recebeu orientação do bandoneonista Pedro Garbero. Em 1957, foi para
Buenos Aires, onde realizou estudos de aperfeiçoamento em bandoneón com Marcos Madrigal e
ingressou no Conservatório Nacional, onde estudou violoncelo com o professor Roberto Libón.

No fim dos anos 50, porém, a ditadura militar argentina mirou o tango. O gênero e as
orquestras foram perseguidos, muitos músicos deixaram o país e os trabalhos minguaram.

Mas Rufo Herrera não queria largar a música e saiu pela América Latina a trabalhar.
Venezuela, Peru, Bolívia… Iniciou, em 1961, uma viagem por vários países da América Latina
para realizar pesquisa sobre aspectos estruturais, timbrísticos e estéticos da música dos povos
remanescentes das civilizações originais dos subcontinentes centro e sul americanos até chegar a
São Paulo, em 1963.
Em 1966 é convidado pelo selo Farroupilha, de São Paulo, para gravar o LP "Tangos de
Vanguardia y Milongas Tradicionales".

Dentre outros trabalhos criados no início dos anos 70 com os Grupos Experimentais de
Dança e de Compositores da Bahia, Rufo, dirigiu e compôs a trilha sonora da ópera Onira (13 de
outubro de 1973), com direção coreográfica de Lia Robatto, regência de Jorge Ledezma Bradley e
participação de 14 artistas. Um grupo de cantores chamado Octeto, recitava o poema
cidade/city/cité de Augusto de Campos. A produção ainda contava com um curta-metragem
projetado no cenário, dirigido pelo artista plástico e cineasta baiano Chico Liberato.

Rufo e o dramaturgo João das Neves trabalharam juntos em 1992 na peça Primeiras
Estórias, baseada no livro homônimo de Guimarães Rosa. Rufo e João se conheceram na Bahia na
década de 1970 e sua amizade durou até o falecimento de João das Neves em 2018.

De 1982 a 1985, realizou cursos e organizou grupos de música e teatro pelo interior de
Minas Gerais, principalmente na região do Vale do Jequitinhonha, participando também dos
"Festivais da Cultura Popular".

Sua obra incorpora elementos de diversas matrizes culturais como a música dos povos
ancestrais centro e sul-americanos, a música popular latino-americana e a música erudita clássica e
contemporânea.
Criou e dirige o Quinteto Tempos com o qual já gravou três discos. Também foi co-
fundador e atualmente atua como compositor residente e solista da Orquestra Ouro Preto com a
qual também gravou três discos.
Compositor premiado nacional e internacionalmente, é autor de mais de 200 obras musicais
entre elas 04 cantatas, 05 óperas, 03 balés, diversas obras para formações sinfônicas e camerísticas,
além de trilhas sonoras.
Recebeu Título de Doutor Honoris Causa através da Universidade Federal de Ouro Preto
(Minas Gerais – Brasil) em reconhecimento ao conjunto de sua obra e relevância de sua trajetória.
Também foi o idealizador e criador da companhia de artes-cênicas Grupo Oficcina Multimédia.

Por muito tempo o compositor esteve afastado do Bandoneón, dedicando-se à composição, à


educação e à música de vanguarda. Piazzolla estava em BH para um concerto (em 1986). Em uma
das conversas com Rufo, ele comentou que estava acompanhando os trabalhos do compatriota e, a
certa altura, lançou a pergunta: e o bandoneon? “Aí tive que abaixar a cabeça e falar que tinha
largado. Ele não comentou nada, mas fez uma cara”, conta.

Após essa ocasião, Rufo teve acesso ao livro “Che Bandoneón”, no qual o autor Renato
Modernell questionou Piazzolla se ele via alguém habilitado a continuar o trabalho dele. “Ele
respondeu: ‘os caras que continuaram estudando e que poderiam compor tanto quanto eu largaram o
bandoneon. Tomei a frase como se fosse para mim, aí retomei o bandoneon”.

Foi pintado por Carlos Brecher.

Em 2001, estreou a cantata cênica "Sertão Sertões", sobre texto extraído de Grande Sertão:
Veredas, de Guimarães Rosa, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte.
Foi homenageado pela ALMG. O artista recebeu diversos prêmios, incluindo o CD indicado
ao Prêmio Grammy Latino, intitulado “Latinidade”, com a Orquestra Ouro Preto.

“Cheguei aqui e me associei na hora. Minas e Córdoba têm um espírito parecido. BH é


muito latino-americana. Em espírito, me identifiquei com Minas Gerais”, pontua. “Aqui, a gente
não abandona uma ideia, não joga ela fora. O mineiro tem paciência, segue até o fim. Isso é uma
coisa rara e isso foi me ganhando. Vi que eu era assim também”, completa o compositor.

“Ele tem quatro teclados. Até você se familiarizar com qualquer instrumento demora um
pouco, mas você está olhando para suas mãos, isso ajuda. Com o bandoneon, não… Ele deveria ter
sido feito para um homem de duas cabeças”, diz Rufo.

Nas palavras do próprio Herrera, “venho da música folclórica, popular, e fui para a erudita.
Minha opção pelo conto A Hora e a Vez de Augusto Matraga para uma obra cênico-musical, devo-
a, em primeiro lugar, à minha vivenciada identificação com o universo da literatura rosiana, sua
força poética, que me inspira, e sua filosófica revelação do ser humano em profundidade. O homem
lá, onde João Guimarães Rosa o foi buscar – O Sertão das Gerais – oscila permanentemente entre o
bem e o mal. Ora se apruma, ora cai ao nível da fera, ora paira acima de Deus e do diabo”.

Rufo Herrera lembra que teve Grande Sertão: Veredas como livro de cabeceira por cerca de
10 anos. “Sagarana vinha logo depois. Sua literatura é realista, mas realista fantástica. Tem coisas e
personagens que de fato acontecem no sertão. Quando a Fundação Clóvis Salgado me chamou para
criar Matraga, eu já tinha o texto na ponta da língua e dois objetivos: promover a literatura de João
Guimarães Rosa e trazer a obra para um estilo de composição do século XX. Vivi esses
personagens, quando morei na Bahia. Essa intimidade me levou a tratar dos temas que ele aborda.
Uma das forças da natureza da ópera é a violência de Matraga”.

SOBRE O BANDONEÓN. Rufo falou sobre as origens e características deste instrumento,


criado na Alemanha. Inicialmente, era usado em músicas religiosas, pois só havia transcrições para
liturgia. Com o passar do tempo, os adeptos do bandoneón que não conheciam os métodos alemães
para seu uso inventaram técnicas e o testaram em algumas obras.

Imigrantes europeus levaram o instrumento para a Argentina, onde se popularizou e se


tornou um dos símbolos da música nacional, especialmente no tango. Por meio de músicos como
Alejandro Barletta, Marino Rivero, Astor Piazzola e o próprio Rufo, o bandoneón foi introduzido na
música de concerto e se estendeu para a música clássica e contemporânea.
O bandoneón tem esse nome porque foi inventado no século XIX por um alemão chamado
Heinrich Band. Antes de se transformar, na Argentina, em instrumento profano.
DO SITE DO RUFO. filho de um “payador campesino” (como ele mesmo define) e
acostumado a ouvir as zambas e chacareras improvisadas por seu pai ao violão.
nas propriedades de sua família, em comemoração a Festa da Independência, Rufo ouviu
fascinado, pela primeira vez, o canto do bandoneón. É FÃ DE BORGES.
Pelas mãos de Ernst Louis (1864), o processo de fabricação do bandoneón foi elevado ao
status de arte, oculta nos saberes e fazeres de seu progenitor. O processo, quase alquímico, foi
repassado a seus filhos Ernst Hermann Arnold, Paul e Alfred Arnold. O primeiro seguiu os passos
de manufatura do pai, originando o bandoneón de marca ELA. Os dois últimos detentores do ofício
secreto produziram o emblemático bandoneón Doble A (AA). Raros como um Stradivarius, foram
fabricados até meados do séc. XX.
apresentando, cada um à sua maneira, singular tessitura, potência e capacidade. Os poucos
luthiers que dominam o método de construir o bandoneón, ambicionam que suas criações alcancem
a tão almejada sonoridade do Doble A e do ELA.
O instrumento aporta na Bacia do Prata com as imigrações do final do século XIX. Um
enigma de 2800 peças. Afiná-lo é sacrifício pelo sacrifício. É rito que exige que as linguetas de aço
que o compõe sejam lixadas, pouco a pouco dilaceradas. Talvez por isso, haja apenas 60 mil deles
no mundo, 20 mil na Argentina e, menos ainda, Doble A(s) e ELA(s), estes, em processo de
acelerada extinção.

Lá era um sertão, um pampa. De início, tive um elo grande com a música por meio do meu
pai, Pedro, um violeiro, um músico rural. Ele improvisava no violão, improvisava versos. Era hábito
dele, todas as noites, ao chegar do campo. Sentava e tocava, enquanto minha mãe preparava o
chimarrão. E eu dormia ouvindo o violão dele. Dos meus 8 irmãos nenhum outro saiu músico.
Zenóbio (irmão, quando rufo tinha 8 anos) me disse: “Fiz tudo isso pra você ver que você
não vai conseguir tocar. É grande o instrumento pra você. É difícil”. Peguei o bandoneon e comecei
a procurar, a procurar, e achei uma harmonia. Comecei a buscar uma melodia… e fui. No fim de
semana, já estava tirando uma musiquinha. “Não é que o moleque vai tocar mesmo”, ele admitiu. E
me matriculou numa escola em Córdoba.
Dois danos depois, Zenóbio chegou e disse: “Bem, vou comprar um bandoneon pra você”.
Ele precisou vender uma máquina Remington para dar entrada num bandoneon usado. “Mas nós
vamos fazer um trato: você vai ter que tocar no meu casamento”. Ele se casaria no ano seguinte.
Disse: “Toco!”. E, claro, toquei. No dia do casamento, já tinha umas 10 musiquinhas. (risos)
A partir daquele comentário, começou a se espalhar que uma criança de 10 anos tocava
bandoneon. Em Vila do Rosário, toquei em público pela primeira vez. Isso está ligado à minha
história, porque, anos depois, a primeira orquestra de que participei também foi em Vila do Rosário.

Tia Dolores chegou para o meu pai e disse: “Pedro, você já viu como esse menino tá
tocando? Ele já pode ganhar dinheiro com isso”. Meu pai não queria deixar, mas ela insistiu e fui
tocar na festa de Capela dos Remédios. Foi assim que inaugurei a minha vida profissional, aos 11,
no restaurante da minha tia. Era como um café-concerto do interior.

Toquei os oito dias de festa. Às 10h, já tinha gente lá no restaurante querendo me ouvir. E
tinha que tocar. O movimento maior era à tarde, às 17h, e tocava até as 22h, 23h. Não sei como
aguentava. O público poderia ter descoberto lá a minha veia de compositor: o repertório acabava, e
eu inventava. Inventava muito. Não dizia que a música era minha, mas de autores conhecidos.

Havia um programa de rádio em Córdoba, para crianças talentosas, e fui levado até lá. Tinha
uns 12 anos e aquele programa difundiu o meu nome. Fiquei conhecido. Podia ter ficado só nisso,
mas fazer aquele programa mudou a minha vida.

Nos dias em que participava, minha irmã mais velha me deixava na emissora e ia para o
trabalho. No final do expediente, ela me buscava. Enquanto perambulava pela rádio esperando por
ela, pude ver algumas orquestras que passavam por lá.

Fui estudar com o Pedro Garbero [maestro de orquestra que conheceu na rádio]. Eu tocava
de ouvido, era intuitivo. Mas ali comecei a estudar, a reconhecer como é difícil o instrumento.
Estudava muitas horas e tinha um objetivo claro: entrar para uma orquestra profissional de tango.
Com 15 anos, precisava ganhar a vida. Já fazia isso, mas o que recebia nos festivais dava apenas
para comprar o material de escola, o lanche, o sapato. Eu queria viver da música.

Aos 16, passei a tocar em uma orquestra profissional de tango, onde era preciso saber ler
música, ter técnica, pois os arranjos eram difíceis, havia exigência com sonoridade etc. Nesse
momento, na década de 1940, existia um mercado de trabalho na música popular, que eram os
cafés-concerto. Córdoba era a segunda capital, só no centro havia sete cafés-concertos e duas feiras
populares, que eram lugares para se sentar e ouvir música, ficar em silêncio para apreciar a música.

Com 23 anos, fui contratado pela Argentinidade, em Buenos Aires. Deixei a música popular
para abraçar a erudita. Naquela época, para um jovem bandoneonista do interior ser contratado por
Buenos Aires, era preciso ser o melhor. Lá era a terra do bandoneon. A família já estava preocupada
com essa vida de músico. Não era preconceito, mas preocupação com a saúde, porque a gente
trabalhava de noite e viajava muito.

Estamos falando do final dos anos 1950. Veio a ditadura, que arrasou com tudo na
Argentina: a política, a educação, a cultura… Em meus últimos três anos em Buenos Aires, estudei
violoncelo, que também me fascinava. Enquanto me aperfeiçoava no bandoneon, aprendia
violoncelo. No início da década de 1960, com muitos músicos desempregados, vi-me na seguinte
situação: ou continuava músico e deixava o país, ou ficava na Argentina e abandonava a música.
Em Buenos Aires, Astor Piazzolla passava fome com o seu quinteto. Vendo isso, percebi
que não havia a menor condição de ficar.

Aí, formei um trio com bandoneon, violino, piano e um casal de bailarinos folclóricos.
Saímos para o Chile, Peru, Equador, Venezuela e Bolívia. Ficávamos o tempo que dava… três, seis
meses num país. Não pensava em voltar para a Argentina.

Por fim, fui para São Paulo sem saber nada do Brasil. As únicas referências que tinha do
país eram a revista O Cruzeiro, Villa-Lobos, Luiz Gonzaga e Ary Barroso.

O produtor, o cantor, o compositor e eu viajamos de La Paz para São Paulo. Ficamos na


Estação da Luz. Andei pela Ipiranga e pela Avenida São João para ir à Delegacia de Estrangeiros.
Na Praça da República, tive uma intuição: “Vou ficar é aqui”. E fiquei fascinado: conheci o samba,
o samba de verdade, maravilhoso. Telefone não tinha, a comunicação com a família era por meio de
carta.

Os músicos envolvidos na gravação do disco na Bolívia me trataram muito bem. Eram da


Orquestra Sinfônica de São Paulo. Teria um solo de bandoneon. Quando toquei, eles disseram: este
cara tem que ficar aqui, não pode ir embora. Com uma semana, já tinha trabalho em São Paulo. Em
1964, pintou uma turnê pelo país inteiro. Nove meses viajando com a Orquestra Românticos do
Caribe. E foi na estrada que ouvi a notícia do golpe militar. Cheguei ao Brasil e achei tudo uma
beleza. Não passou um ano e vivi outra vez o pesadelo da ditadura. Mas estava decidido a ficar.

Um produtor fonográfico do Conjunto Farroupilha, me via sempre na gravadora tocando,


compondo. No final, para ver se ele desistia, disse: “Vou gravar, mas com uma condição. Você vai
me deixar gravar o que quiser.” Ele perguntou: “O que você quer gravar?”. Respondi: “Piazzolla”.
“Piazzolla? Quem é Piazzolla?”, quis saber. Peguei o bandoneon e mostrei. Ele ficou muito
entusiasmado, mas viu que aquilo não era comercial.

“Mas isso é tango?”. E olhe que ele era músico! Me pediu uma semana para estudar o caso e depois
me disse que eu poderia gravar Piazzola, mas desde que também gravasse seis tangos tradicionais.

Pediu uma semana e veio com a contraproposta. A verdade é que o disco Tango de vanguarda e a
milonga tradicional, de 1966, com seis músicas de Piazzolla e seis tangos tradicionais, foi um
rebuliço entre os músicos e os intelectuais. Era a a origem e o futuro do tango. Para o público não
rendeu nada (risos). Se você fizer uma pesquisa, talvez eu tenha sido o primeiro bandoneonista a
gravar Piazzolla fora da Argentina. Em 1973, Piazzolla passou a ser um sucesso no Brasil.

Eu pensava a vanguarda, filosoficamente, esteticamente, como um direito que o artista deve ter, ou
antes deve conquistar, de experimentar, arriscar, fracassar ou acertar; assumia isso filosoficamente.
Em 1973 escrevi uma ópera que era um grupo de dez pessoas polivalentes, todos tinham de ser
músicos, cantores, bailarinos, cenógrafos, iluminadores. Preparamos essa ópera, mas ela não tinha
um argumento fixo, uma estrutura fixa, poderia começar de qualquer lugar, a ópera era inacabada,
contando também com a participação do público. Isso nunca havia sido pensado em uma ópera, era
uma coisa absurda, não tinha argumento, não tinha solista, não tinha libreto, tinhas apenas um
material. Mas coisas surpreendentes aconteciam. De repente, projetada na tela, vinha uma mão
grande, enorme, que tentava agarrar o bailarino que dançava no palco; ele se defendia, lutava contra
aquela mão gigante que surgia na tela maior que ele…era uma crítica ao que estava acontecendo na
época, à prisão das pessoas (…) Eis que aparece uma cara, que tava na plateia, e diz: “eu paguei e
entrei no teatro para ver um espetáculo, não para participar”. Eu disse: “bom, você vai ter que
esperar, pois o espetáculo não está pronto, mas vai ficar e, se possível, com sua participação” – “não
eu não participo”, ele disse. Mas aí, em meio ao debate que surgiu, se levantou uma garota e fez um
discurso em nossa defesa: “aqui é assim mesmo, um lugar sagrado, ninguém se atreve a nada…mas
eu não vim aqui para ficar sentada como se estivesse no século XVII, quero entender o que é a
vanguarda, quero participar”. A menina foi aplaudida e nossa proposta saiu vitoriosa. O cara era um
crítico da Folha de São Paulo e foi correndo para a redação; ele queria acabar com a gente. Ele
escreveu dizendo que aquilo era uma mentira, um deboche, que não havia ópera nenhuma, não
havia solista, nem música…Depois dessa crítica, o teatro lotou…Eu tinha levado um saco cheio de
apito e sai distribuindo para as pessoas e sugerindo que cantassem ou tocassem. Fizemos um coral
com aquela massa…ficamos três dias ensaiando e as pessoas foram lá e pagaram ingresso para
ensaiar e discutir…Depois reencontrei esse crítico, em 1975, na Semana de Música da Bahia, em
São Paulo, um evento em que reunimos todo o pessoal da tropicália, Caetano, Gil, Tom Zé, Gal
Costa. Ele veio falar comigo e perguntou se eu tinha uma má lembrança dele. Eu respondi que não,
pois ele havia feito justamente o que eu queria, que era provocar o debate.
Com o pensamento de inserir elementos de raiz à minha música, e depois desse processo de
experimentação, eu chego à obra de Guimarães Rosa. Então, passei pelo processo de aplicar a
experiência no sentido de abrir o processo de composição para outros elementos. Fui incorporando
e observando: “para onde vou?”.
a minha obra Nheegari foi baseada no livro “Maira”, de Darcy Ribeiro. Foi uma literatura
que me interessou, assim como Guimarães Rosa, pois eram materiais que tinham conteúdo e
profundidade suficiente para a construção de uma obra musical.
“É lindo ver esse professor, de olhos fechados, solitário em sua música, cheio de alunos à
volta. De encontro ao seu destino: completando outro círculo de revelação e aprendizado, e abrindo
as comportas do sentimento com as notas do seu bandoneon” Arthur Nestrowisky, na Folha,
crítica ao disco Bandoneón.
DISSERTAÇÃO SOBRE RUFO: Senda Aimára (2011), para flauta e violão, foi escrita pelo
compositor argentino, residente no Brasil, Rufo Herrera, em homenagem ao povo indígena Aimára.
A peça foi inspirada no convívio do compositor com os aimáras no início da década de 1960, na
região de Salta e Jujuy, províncias do noroeste argentino.
decadência das orquestras de tango do país se deve ao fato da perseguição aos símbolos do
peronismo que ocorreu na década de 1950, período de golpe militar.
Deixou a argentina em 1959. o cenário cultural em Buenos Aires definhava, várias
orquestras de tango famosas encerraram suas atividades, os cafés concertos fecharam as portas e os
artistas que residiam na cidade não tinham onde trabalhar.
Desse modo, Rufo conheceu o Chile, Bolívia, Peru, Equador e Venezuela. No início dessa
jornada, se deu o encontro do artista com o povo Aimará, na região argentina de Salta e Jujuy.
FOI UM DOS VENCEDORES EM 1969. O Festival de Música da Guanabara teve uma
relevância significativa para a música de concerto brasileira, a presença efetiva de jovens
compositores que viriam a se tornar referências dentro da composição de vanguarda nacional
marcou essa edição do evento.
“Para toda a minha geração, esse festival foi essencial, pois determinou quem ia ser
compositor no país, abriu o caminho para todos; fui um dos classificados da etapa de São Paulo,
depois fui para a semifinal e para a final; estava um pouco surpreso com a colocação...”.
Em 1979, fechando a décima terceira edição do Festival (DE INVERNO DA UFMG), a
participação do compositor é marcada pela realização de sua ópera Nheengaria (FIG. 9), baseada na
obra Maíra, de Darcy Ribeiro, dedicada a esse autor e escrita especialmente para o Festival.
Em 1995, Rufo compôs a trilha do curta Negócio da China, a qual lhe rendeu o prêmio de
melhor música no Festival de Brasília do mesmo ano.
Rufo informou que, na convivência com os aimáras, ele pôde observar que a música está
presente e entranhada nas atividades cotidianas desse povo que é, quase na sua totalidade, camponês
e vive da agricultura e comércio local.
De acordo com Herrera, os aimáras cotidianamente precisam se deslocar por vários
quilômetros a pé, pois não há estradas nos terrenos que fazem parte de seus territórios e utilizam as
Lhamas - animais que conseguem carregar até 20kg de mercadoria cada - como principal veículo de
transporte de seus produtos.
nesses trajetos, os indígenas vão tocando seus instrumentos musicais, sendo os mais comuns
entre eles o Charango, a Quena ou o Pinkullo, e executando frases melódicas simples que os
motivam a fazer a longa caminhada, tornando-a menos desgastante fisicamente.
Senda Aimára é constituída de três episódios (ou movimentos), cada um com carácter
expressivo distinto, simbolizando diferentes momentos do trajeto. O primeiro, Vidála, é de carácter
fúnebre, representando uma cerimônia de sepultamento que acontece na parte alta da Cordilheira. O
segundo episódio, Chaya, é a representação de uma preparação de festividade dos aimáras, que
partem de suas aldeias nas regiões mais altas e descem rumo ao vale. Esses festejos antecipam a
festividade do momento, que pode estar prevista no calendário das tradições dos aimáras ou ser de
caráter particular, como um casamento, uma festa de aniversário ou o nascimento de uma criança.
Já o terceiro e último episódio, Huayno (Carnavalito), é o momento da festa, em que eles dançam,
tocam e bebem muito a chicha uma espécie de aguardente de milho, até caírem de embriagados.
A peça foi escrita originalmente para violão e flauta.
Partimos da Puna e descemos em direção ao Valle, com os dois pontos extremos unidos pelo
segundo episódio, a Chaya, e identificados pelas situações contrastantes, no primeiro episódio, de
um momento fúnebre, triste e silencioso, e, no terceiro, de euforia com a festa no vale.
Elemento essencial nos ritos sagrados e festivos das comunidades indígenas andinas, o
Canto com Caja pode ser cantado sozinho ou em conjunto, mas sempre acompanhado do
instrumento de percussão, a caja. Em Senda Aimára podemos observar a forte presença dessa
prática.
“Puna, silencio y viento, El Hérke suena a lamento… algún indio há muerto, algún indio há
muerto…” (ali é a Puna de Atacama, o deserto de Atacama uma região muito alta)
“: Vou sair andando, vou indo, vou indo… e, chegando ao México, eu vou parar para
estudar composição. E assim... O fato foi isso mesmo, não é? Só que eu não parei no México; viria
para São Paulo”.
“Fui acompanhado por um trio de músicos e um casal de bailarinos. Era para a gente se
virar, e estávamos preparados para tocar todo tipo de música, da popular até um concerto de Bach”.
“Foi muito bom, mas a gente tinha pouco tempo em cada país, porque às vezes não
conseguíamos visto ou trabalho. Não dava para ficar sem trabalho e cada país tinha uma condição,
às vezes, muito difícil. Quando arrumávamos trabalho, fosse numa emissora de rádio ou em uma
boate ou teatro, a gente começava a fazer contatos, via se tinha universidade, escolas, ou
conservatório para pesquisar sobre a música raiz, música folclórica. Procurávamos saber também
quem e o que se pesquisava, com quem poderíamos conversar sobre esse tema. Era comum, quando
eu perguntava sobre esse assunto, algumas pessoas ficarem ofendidas, saírem xingando, falando
para mim: "O que você vem a querer com essa música”?”
“achando que aquilo não merecia ser estudado, e interessados em saber porque eu estava
querendo saber de uma coisa que para eles não valia nada. Por quê? Porque já eram professores de
música, já tinham estudado fora do país, e voltaram com a cabeça feita de que aquilo que eles
tinham não valia nada”
a música para esse povo [aymara, com quem rufo passou um ano, “você vê que são homens
que vêm do silêncio”] é essencial e isso se materializa e se manifesta no cotidiano de suas vidas.
Percebi algo interessante quando estava lá. Vi que eles não vão a lugar nenhum sem seu
instrumento, não fazem nenhum percurso sem tocar.
Tenho uma suíte que compus para orquestra, em específico, para a Orquestra Ouro Preto. É
uma suíte de danças do norte da Argentina e eu escrevi uns textos assim, uns poemas e trechos
expressos.

Outra dissertação: “saí pelos países da América, com a esperança de que o público “culto”
reconhecesse o meu trabalho, a minha evolução no instrumento e a minha aspiração de elevar a um
patamar digno este instrumento maravilhoso quanto os outros já consagrados pela história da
música. Mas quem é que queria vestir trajes de concerto para ouvir este instrumento de cabaré? Me
pediam para tocar o tango “Garufa”. Assim carreguei a minha decepção por seis países e cheguei ao
Brasil, o sétimo. Uma noite, tocando numa casa noturna na Rua Timbiras, chamada El Grego, tive
de tocar o tango “Garufa” vinte e duas vezes. Guardei o bandoneon como concertista e resolvi me
dedicar à composição, “ao encontro com o destino.”
“Para comemorar os cinqüenta anos da Semana de Arte Moderna, Rufo compõe a ópera
multimeios Antístrofe (1972), para dois coros mistos, septeto instrumental, grupo de dança
contemporânea, tape e filme de desenho cenográfico, estreada no ano de sua composição em
Salvador e reapresentada posteriormente no MASP (Museu de Arte Moderna de São Paulo) em
1973”.
Gênero representativo da cultura rural argentina, o estilo pampiano é formado por elementos
musicais indígenas e dos criollos descendentes de conquistadores espanhóis. O andamento mais
distendido, as repetições de materiais temáticos e uma certa monotonia fazem alusão à geografia e
quietude típica dos pampas.
a milonga foi criada em meados do século XIX, em meio à transferência dos interesses
econômicos do campo para as cidades. Este gênero musical, oriundo dos prostíbulos, cabarés e dos
conventillos (casas de inquilinato) localizados nos subúrbios de Buenos Aires, surgiu da fusão do
ritmo afro-argentino conhecido como candombe2 e o estilo pampiano.
“O estilo pampiano é um tipo de milonga lenta, sempre em cima de uma fórmula que seria
como um modo, como um modo nordestino. Este modo nordestino que usam os repentistas,
violeiros, cantadores. E um deles improvisa versos”
“E eu ali ouvindo, então esta foi minha iniciação. O curioso é que eu vi que gostava de
música. Não me lembro quais foram as que ele tocava... Tenho no ouvido uma música... Essa obra
Vidala, que é em homenagem a ele e que está gravada no CD Tocata Del Alba, eu dediquei a ele, e
o tema era algo que me lembrava dele, das improvisações dele.”
música folclorica: “Não é coisa primitiva. Tem um mistério. Há uma tradição. E três, quatro
mil anos de cultura. E chamamos de primitivo. Então comecei a compreender a nossa cultura
também. Aí fui indo. Em cada país eu conhecia sistematicamente neste incurso. Todo o tempo que
tinha usava para estudar”
“Cheguei a descobrir uma obra prima, Orientai, uma estória escrita no século XIII.
Duzentos anos antes de os espanhóis chegarem aqui. E era uma obra dramática, com estrutura
perfeita, escrita em versos, como se fosse uma obra de Homero. E originalmente escrita em códice
que depois de muito tempo um descendente traduziu para o quíchua arcaico, nem era o quíchua
moderno que esses povos ainda falam. Um quíchua que não se falava mais. É um quíchua dos incas
arcaicos, contemporâneos dos gregos clássicos. Eu tenho essa obra aí se alguém quiser traduzir para
o português será a primeira tradução que existe”.
No périplo latinoamericano: “Éramos músicos capazes de tocar qualquer música. Se era
Bach, tocávamos Bach. Se era folclore, tocávamos folclore. Se era tango tocávamos tango. Então
sobrevivíamos sobrevivendo. Chegávamos no país com a cara e a coragem. Se tinha uma emissora
de rádio íamos lá e dizíamos: Temos um trabalho aqui. Se interessavam, fazíamos um programa.
Depois do programa já aparecia trabalho para tocar em algum lugar. E começávamos assim. E com
isso ficávamos dois, três, quatro cinco meses em um país. Aí passávamos para outro”.
“Viajamos dois meses com eles. Depois ficamos sozinhos de novo e fizemos outro roteiro.
Tocamos em toda a Bolívia. Todos os sindicatos das minas da Bolívia”
violinista Domingos Perego, parte da trupe latina de Rufo. Esse nome você vai encontra na
sala da Orquestra Sinfônica da Bolívia. Por que ele é o fundador da Orquestra Sinfônica da Bolívia.
Ele me disse: Eu vou ficar aqui. E o que você vai fazer aqui? Vou criar uma orquestra sinfônica.
Mas como? Se não tem nenhum violinista neste país. Eu não conheci nenhum violinista, nenhum
conservatório, nenhuma escola. E não é que ele fez. E está lá. Allandia, aquele compositor boliviano
que esteve aqui em Belo Horizonte ele é que me deu a notícia. Sim, a orquestra sinfônica leva o
nome dele.
Clandestino: A revista cruzeiro eu conhecia lia muito. Quando tinha. Era toda a cultura
brasileira que eu tinha. Então foi dessa forma que eu cheguei a São Paulo. Saiu São Paulo. Fui
gravar lá em São Paulo. Levou uns dois meses para gravar os dois discos e aí acabou o contrato.
Quando cheguei a São Paulo, no dia seguinte já tinha decidido ficar. Assim [...] Nem sei por que,
mas é aqui que eu vou ficar. No meu segundo dia me veio isso na cabeça e já comecei a me
comportar como se fosse ficar. Entende? Após uma semana já tinha onde tocar. Já tinha outra
gravadora para gravar e não parei mais. Aí não saio mais de São Paulo de jeito nenhum. Quando
terminou o contrato fiquei lá ilegal, por que não tinha contrato de trabalho ainda, tinha que fazer
documento, tinha que ter o visto permanente para poder ficar Fui tramitando isso sem sair do país.
Até que consegui. Levei dois anos para conseguir.
Acredito que o problema do compositor é conhecer a sua raiz. E conhecer a música que é
dele. A música que está no sangue dele. Que está no DNA dele. Esse é que é o problema. Então,
todos os compositores da história da humanidade são nacionalistas. E ninguém compôs música do
nada. O Mozart compôs música do nada...? Entende? O Bach compôs música do nada... É uma
música que vem do ouvido dele desde que nasceu.
“O público é indispensável pra música”.
Em 1972 eu fui um dos classificados no Festival Mundial na Áustria. Isso coroava a minha
fase de pesquisa da música experimental. Eu experimentei música concreta, música feita com ruído,
música eletrônica. Não havia equipamento ainda, não havia estúdio, mas a gente mexia com as fitas
lá e tentava acompanhar.
Era artesanal e no máximo analógico, quatro pistas, no máximo, fizemos isso lá no MASP,
isso fica registrado pra aquele que se diz precursor da música cênica, que aprenderam muito depois.
Não tem nada de Ópera, isso é outra coisa. Mas eu quero chamar de ópera porque quer dizer obra
total. Ópera é obra total (teatro, musica, literatura, dança).
Mas eles achavam que ópera tinha que ser a ópera romântica de Verdi. Também diziam que
aquilo que era não era tonal não era música. Aí fui a fazer música para teatro no Teatro Opinião no
Rio de Janeiro.
Em 1977 (durou dois meses, depois ele voltava pra ufba, e dali para o sítio), Rufo Herrera
decide se desligar dos grandes centros urbanos e muda-se para o sertão da Bahia, tornando-se
proprietário de uma fazenda no município de Saúde, a qual fazia divisa com a de seu amigo, o
escritor, roteirista e colaborador do Cinema Novo, Álvaro Pérez. “No pé da Serra do Urubu,
cordilheira do Espinhaço, Serra da Carnaíba, onde tem as minas... Não tinha nem estrada na época.
Eu vou visitar esse amigo pra ver se clareio a minha cabeça”.
A década de 70 foi brava. Eu fui muito ativo. Fui vanguarda radical, estávamos no meio de
uma ditadura, de uma repressão, de uma censura. Fiz coisas ousadas, atrevidas mesmo. Não
aquietei. Mas eu estava meio ressabiado. Estava percebendo que tudo aquilo que nós estávamos
trabalhando como resistência cultural, a mídia que já estava crescida, a Globo já estava a mil, estava
faturando em cima.
E eu me adaptei imediatamente. Comecei a trabalhar com cavalo, com gado. Eu entendo.
Era a minha origem. E o pessoal começou a gostar de mim. O vaqueiro começou a ficar assim,
nossa o homem entende.
E eu fui ganhando uma amizade com os vaqueiros. O primeiro ambiente foi com os
vaqueiros. Eu resolvi ficar, eles já estavam olhando uma terra pra eu comprar. Eu tinha uns dólares
que me pagaram no Panamá. E consegui uma terra baratinha ao lado da fazenda do Álvaro,
pequena, 100 hectares, parte mata, serra. Pensei, ah, eu vou ficar aqui. Fiquei. Comecei a trabalhar.
Ah, eu não volto mais. Pra mim já está bom. Foi passando um tempo, chegou julho. Aí o Marco
Antonio Guimarães e Berenice Menegale escrevem pra mim: Rufo, e a Oficina Multimeios? Quem
é que vai dar esse ano no Festival de Inverno? Não, mas eu to aqui (no sertão)... Duas semanas, três
semanas... Pensei, também não posso deixar os outros com problemas. Então eu fui lá. Isso me
criou um compromisso.
Quando eu ia fazer música pro teatro, eu conhecia a peça tanto quanto o diretor. Analisava
mesmo, o que é um personagem, como ele vai se comportar, ou como ele vai se resolver, tudo. Daí,
cenário, tudo, o que significa você pintar uma coisa vermelho ali, que linguagem é essa. E a música
como funciona com esse vermelho aí?
Então ele diz: é preciso ir adiante, voltando atrás. Ele tinha que reconquistar tudo isso
para ir adiante. Essa frase do Darcy Ribeiro, por um personagem criado por ele, claro, me serviu
muito.
Arte, criação artística é um fenômeno coletivo. Eu crio porque algo me estimula. Esse algo é
o semelhante que está lá com a necessidade dele de ouvir uma coisa ou viver uma coisa, que o faz
sobreviver. Que o faz ter vontade de sobreviver. Que lhe dá força de enfrentar o seu destino. Esse é
o problema do ser humano, o destino. Que ele não conhece e tem que enfrentar. E a força da arte é
isso, a beleza. A beleza te faz enfrentar o mundo, a beleza é que te faz enfrentar o destino, por ruim
que seja.
O século XX foi assim, um século extremamente cheio de idéias, algumas fantásticas,
algumas terrivelmente inúteis. Esse filósofo argentino, de tango, Henrique Santos de Secco, ele
disse “século XX, cambalache, problemático e febril” , quem não chora não mama, esse cambalache
você sabe o que é? É Bagunça. Esse século é uma bagunça, houve de tudo. Existem mil coisas. Eu
passei 2 anos pesquisando, fazendo música com ruídos. Com barulho, com ruídos mesmo. Às vezes
saíamos com um gravador e entrávamos numa fábrica, num prédio em construção e gravávamos a
furadeira, o grito do capataz e tudo que era ruído, ficamos lá elaborando aquilo, montando 4 pistas,
um ruído aqui, combinando com outro e então a gente fazia coisas incríveis. Tudo se fez. Mas, de
tudo isso tem que haver um processo. Um processo que vai decantando, fazendo uma espécie de
triagem.
Eu começava a perceber a voz de alguém que estava cantando, uma vaguala por exemplo.
(começa a cantar uma canção ancestral). E seguia esse tom e você tinha andado mais trinta minutos
e ouvindo mais de perto e reconhecendo que era uma voz humana, que era um índio que estava
cantando e tinha passado uma hora, talvez, que você tinha ouvido isso e vinha se repetia
exatamente. E isso cada vez te arrepiava mais. Então ali é que nasce o negócio a que podemos
chamar Minimalismo na música. É na repetição, mas não na repetição vazia. É a repetição cheia. A
repetição que está carregada de sentido de conteúdo, de sentimento, de emoção, de harmônicos, de
freqüências.
Aí eu comecei a olhar pro Minimalismo de outra forma. Aí você diz, claro, como todos
tínhamos Música Atonal e Serial por mais Serial e Serialismo Integral e toda coisa que se atribua a
isso, porque se escreveu muita literatura sobre isso e se ouviu muito pouca música, entende? E daí
se saiu o quê? Sim, saíram obras primas. Mas saiu muita porcaria, muita coisa sem profundidade,
sem conteúdo, sem verdade nenhuma. Só porque tinha todo esse embasamento teórico que a coisa
ia ser verdade? Não, a verdade não está nas palavras não. A verdade está no ato.
Se há uma cabeça que pensou música no século XX, John Cage é essa cabeça,
principalmente. Então o que salva a música no século XX é isso, porque muita gente viveu perdida
e continua perdida.
a minha vivência no tango é grande porque fui com isso dos 14 até os 25 anos, em que saí de
Buenos Aires, talvez 24, eu vivi o tango 24 horas por dia. Vivia muito o tango. Isso ficou muito
fundo na minha formação musical, na minha personalidade musical. Isso não desaparece quando
você estuda harmonia e contraponto, quando você analisa o Romantismo, o Barroco, o Classicismo
ou o Impressionismo ou quando você entra no Atonalismo e Serialismo, no Serialismo Integral. É
conhecimento, mas isso não faz a tua personalidade, isso faz o seu conhecimento.
A personalidade é uma coisa que vem com a natureza da gente. Com a tua origem, com a tua
geografia. Com aquilo que você é realmente. Não com aquilo que os outros fazem de você.
Aquela coisa sentimental, destendida, reflexiva, meditativa, filosófica. Do pampa, da
planície, do infinito, do que é imenso. Nostálgico…
Aquele pampa como se fosse no fim do dia. E o horizonte fica vermelho, sangue.
Pra mim a música tem outra função. Mais uma função psicoterapéutica, perto da boa saúde,
da boa qualidade de vida. Do planeta. Não é só do ser humano. Do planeta. O planeta, por causa dos
harmônicos, os maias acreditavam nisso. São freqüências. Nós somos filhos de freqüências. Então
somos feitos por harmônicos também.
A realidade da música é mais sábia do que eu. E ela só vai se configurar quando se
completar o processo. Eu componho, alguém toca, alguém ouve. Acontece alguma coisa comigo?
Sim. Acontece alguma coisa com quem toca? Sim. Acontece alguma coisa com quem ouve? Sim.
completou! Se acontecer comigo e não acontecer com o que toca, então há um buraco.
Gaucho = sertanejo? Mas o que era o payador eram como os trovadores medievais. Ele
afinava o seu tom no violão, para ele era a Viuela ainda. Um tipo de guitarra espanhola. E fazia
aquela introdução e depois ele improvisava um fato que tinha acontecido. Ele narrava o fato.
(atauhalpa)
viu um concerto de piazzola – ele e mais uns 20 garotos que estudavam bandoneon – no
auditorio da universidade de cordoba, quando tinha uns 14 anos. Nenhum teatro levaria piazolla
(considerado muito sofisticado), só uma universidade o chamaria. “nos fizemos amigos desde aí”.

Perguntas p/ fernando

nome, idade.
Fernando cesar dos santos, fernando santos, 60 anos

Quando ouviu falar de Rufo pela primeira vez? Entre os músicos profissionais de Minas, qual é a
reputação de Rufo?
Foi em 92. convidado pelo clayton, violonista, para integrar o quinteto tempos. Viola e eduardo
tocavam com o rufo na época. Que era um compositor de vanguarda que estava em bh.

Quando o conheceu pessoalmente? Quando tocou com Rufo pela primeira vez? Como foi?
Eu era um dos mais novos do grupo, em termos de tocar musica erudita. Fiquei apreensivo e
nervoso. Rufo era muito exigente. Superar essa exigencia foi muito bom pra minha escola.

Reza a lenda que tocar com alguns músicos geniais (como Charles Mingus) não era tarefa fácil,
pelo nível de exigência e o pavio curto deles. Como é tocar com Rufo?
Senti bastante na época. Sangue portenho, pavio meio curto também. Foi um desafio pra mim. Me
tornei um dos musicos de maior confiança do rufo. E criamos uma amizade. Montei uma escola de
refinamento da minha parte musical.

Como surgiu o Tempos Três? Me conte sobre a ideia do projeto Uma Cronologia do Tango.
É um desdobramento do quinteto. A musica, na pandemia, foi um elemento que nos sustentou
[psiquico]. Rufo embarcou na ideia das gravações durante a pandemia. Fernando tem um estúdio, o
que facilitou tudo.
A partir desse video da pandemia, decidimos fazer a série. Algo mais profissional. Tinhamos
muito medo de contaminar o rufo, aí quando saiu a vacina, gravamos. Rufo topou e pensou na
cronologia. “ele lembra de tudo”.

Quando, onde e como foi a última vez que você e Rufo tocaram juntos? Antes de se apresentarem,
vocês têm algum ritual de preparação?
Fica bem concentrado, mas não tem ritual. A última vez que tocaram foi nesse ano, teatro da
assembleia.

Algumas composições de Rufo vêm acompanhadas de pequenos textos poéticos. É o caso do


Concerto dos Pampas? Se não, você já tocou alguma que vinha com essas indicações? Como
interpretá-las musicalmente?
Kosmos, do rufo. Na primeira vez, a gente deu uma estranhada. A gente tinha que tocar e falar o
texto, entoado, em cima da música. E o rufo explicava o que que era, como devia fazer. Era um
mantra. Foi um trabalho muito interessante, ele sempre trazia as novidades. Tudo o que vem do rufo
eu tomo como um desafio.

Lendo a sua dissertação, fica muito claro como o tango – e seus antecedentes, a milonga e o estilo
pampiano – estão ligados de maneira forte a uma história social e a um território específico. Por
intermédio do Rufo, estes elementos passaram a integrar a música feita em Minas Gerais? Como?
Com certeza, a composição dele é vasta, e tudo o que está na dissertação ele usa no nosso grupo, os
tambores (imitado pelos instrumentos); a própria história social da argentina está contida nos ritmos
e cadências.

Piazzola e diversas vertentes da música folclórica latinoamericana são algumas das referências do
Rufo – mas ele cita também um improvável John Cage. Essas referências se cruzam no Concerto
dos Pampas?
Dinastera, o cage, todos esses compositores, tudo isso influencia ele e está no quinteto. Totalmente
erudito e incomum. Pós-romantismo, o dodecafone.

Hoje se fala muito em pesquisas decoloniais, que valorizem a cultura popular sem o estigma do
“primitivo”. Rufo pode ser considerado um precursor dessa visada?
Concordo plenamente. Algumas coisas que a gente ve como novidade ele já tinha pensado. Ele já
tinha um pensamento mais a frente. Por isso talvez ele não foi muito compreendido por algumas
pessoas. Antes de acontecer ele pensava.

Os pampas e MG tem algo em comum?


Um brasileiro falando sobre o tango em buenos aires… só fui porque confiava muito no que o rufo
me falou. Não tem muito a ver com mg.

Diz-se dos argentinos que, como o bandoneón, eles são nostálgicos e dramáticos. É o caso do Rufo?
Influencia sim. Não tem jeito. Tá no dna dos portenhos. Confirmo a sua premissa.
Quando teve os primeiros ensaios (do matraga) o pessoal estranha um pouco – ate o maestro. O rufo
tá ligado a musica, mas ele poe a musica em função da cena. Ele [está junto, casado] com uma
diretora de teatro.

Youtube / instragram do palacio – matraga.

Gonçalves diz, palácio das artes.

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