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ELIS REGINA EM:

O bêbado e a Equilibrista

Kauanny Klein Hippler*

Resumo: Este artigo tem por intuito fazer uma análise geral e específica da música O bêbado e
aequilibrista e da cantora Elis Regina, levando em consideração aspectos históricos e
bibliográficos damúsica e sua intérprete; aspectos musicais como melodia, contraponto,
harmonia, métrica, ritmo, gênero,estilo, estrutura da peça, instrumentação, timbre, técnicas e
de que maneira foram utilizadas. Palavras-chave: Elis Regina. O bêbado e a equilibrista.
Música Popular Brasileira.

INTRODUÇÃO

A obra O Bêbado e a equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, carrega enormepeso


musical e histórico. Foi gravada por uma das vozes mais importantes do Brasil,Elis Regina,
sendo a obra de maior sucesso do disco Essa Mulher e considerada o Hinoda Anistia¹.
Composta em um dos períodos mais violentos da história política do Brasil,a letra desta obra
traz mais de um significado, referindo-se principalmente ao RegimeMilitar.

O FURACÃO PELA ANISTIA

No ano de 1945, 17 de março, nasce a voz que tornar-se-ia a mais importante do Brasil
e marcaria uma nação. Elis Regina Carvalho Costa veio ao mundo no hospital Beneficência
Portuguesa em Porto Alegre.

* Bacharel em Canto pela Universidade de Passo Fundo –UPF.

Seu lar era regado à música. Rádio ligado de dia à noite, intercalado entre música
brasileira e argentina das rádios Nacional do Rio e Belgrano. Com 7 anos de idade Elis esteve a
frente de um microfone pela primeira vez, no Clube do Guri, umprograma infantil transmitido
pela rádio Farroupilha. Não conseguiu cantar. Cinco anosmais tarde volta ao mesmo programa,
canta e encanta a platéia. Tal é o sucesso, queElis torna-se parte integrante do programa,
cantando todos os domingos (dia em que oprograma era transmitido) e sendo secretária do
apresentador Ary Rego.

Em 1959 assina seu primeiro contrato profissional com a rádio Gaúcha. Oanimador de
auditório Maurício Sirotsky, em entrevista a Revista Veja relatou: “Então entrava ela, com ar
infantil, vesguinha, perna torta, caminhando de pés virados para dentro, muito insegura.
Quando começava a cantar, porém, tomava conta do auditório”. Filha de Ercy Carvalho
Costa e Romeu Costa, irmã de Rogério. Teve uma relação turbulenta com a família. Saiu de
Porto Alegre aos 18 anos para tentar a sorteno Rio de Janeiro, e a sorte estava ao seu favor!
Foi contratada pelo produtor Armando Pittigliani da Philips para gravar um disco e depois disso
o trabalho só aumentou.Trabalhava para sustentar o pai no Rio de Janeiro e o restante da
família em Porto Alegre.

A jovem cantora tornou-se Pimentinha (apelido criado por Vinícius de Moraes).


Começou aí seu temperamento agressivo, difícil e intenso. No entanto, ganhava os palcos,
conquistava multidões com sua voz potente e cheia de emoção. Fora apelidada também Elis-
cóptero, por Rita Lee, graças à interpretação que Elis usava no início da carreira (cantava e ao
mesmo tempo girava um dos braços).

Ainda no início de sua carreira conheceu Ronaldo Bôscoli, que na época era dono da
casa de shows Botle’s, localizado no beco das garrafas (uma travessa no Rio de Janeiro com
muitas casas noturnas, fora apelidado assim pois, os moradores atiravam garrafas para
espantar os visitantes). Bôscoli tornou-se empresário de Elis, produzindo o primeiro show dela
na casa. Muitas foram as brigas entre os dois, chegando ao ponto de perderem o contato por
longo tempo, até que anos mais tarde fizessem as pazes para então, tornarem-se marido e
mulher. Um casamento conturbado, em que as discussões eram constantes. Tiveram um filho,
João Marcelo e logo divorciaram-se.

A cantora viveu um breve romance com Nelson Motta. E passado algum tempo,
apaixonou-se pelo pianista César Camargo Mariano, vindo a casar-se com ele em seguida.
César foi de grande importância na vida de Elis, pois, trouxe a calmaria que faltava na artista e
como músico fez arranjos que deram um rumo importante à carreira da pimentinha. Teve com
ele 2 filhos: Pedro e Maria Rita.

Após um segundo divórcio, Elis inicia um relacionamento com seu advogado, Samuel
Mac Dowell de Figueiredo. Programavam casar-se, quando em uma tarde, Elisliga para Cesar e
após um tempo de conversa Elis não responde mais. Mac Dowell vaiaté o apartamento de Elis
e a encontra caída no chão de seu quarto, inconsciente. Levam-na para o hospital, aonde
chega sem vida. Segundo laudo médico, a cantora faleceu por intoxicação provocada pela
mistura de bebida alcoólica e cocaína, isso no ano de 1982.

Teve grandes parceiros musicais, sendo os de maior importância: JairRodrigues, Tom


Jobim, César Camargo Mariano, Chico Buarque, Ivan Lins. Inspirouse em Edith Piaf, Carmem
Miranda, Laurindo Almeida, Peggy Lee, mas principalmenteem Angela Maria. Cantou,
principalmente, Bossa nova e samba. Teve participações emdiversos LPs, sendo 20 ao total,
alguns de festivais de música popular brasileira eoutros de trilhas sonoras. Sua discografia está
dividida em 28 Long Plays, 8 long playspóstumos com gravações inéditas, 20 compactos
simples, 11 compactos duplos, 11coletâneas de destaque, 14 coletâneas lançadas
originalmente em vinil, 2 DVDs e 3caixas especiais (Echeverria, 2007, P. 200). Foi a primeira
pessoa a inscrever a vozcomo instrumento na OMB (Ordem dos músicos do Brasil).

NASCE O HINO

João Bosco, músico e compositor, nascido em berço musical. Aldir Blanc


eracompositor e escritor. Em 1970 unem-se para compor. Essa união se firma e os
doiscompõem uma centena de músicas em conjunto e é nessa união que eles atingem grande
êxito.

A parceria entre João Bosco e Aldir Blanc rendeu um grande sucesso: O bêbado e a
equilibrista, que além de sucesso tornou-se um hino, pois, esta obra possui enorme peso
histórico referente à política e à música popular da época.

Os movimentos contra a ditadura contavam com poucos participantes,quando surge


então, O Bêbado e a equilibrista, interpretada por Elis Regina em umprograma de TV antes
mesmo da gravação da música. Nesse período da história do Brasil, em que não havia
liberdade, a arte era a forma mais completa para expressar aopinião do povo que agora estava
reprimido. Os manifestos que antes contavam com500 pessoas, passaram a ter mais de cinco
mil integrantes.

Essa música surgiu com o desejo de Bosco homenagear Charles Chaplin quehavia
falecido naquele ano de 1977. O compositor criou uma melodia semelhante a damúsica Smile
composta por Chaplin, então, em conjunto com Aldir Blanc criam o“hino da Anistia”, concluída
em 1979.

A letra faz referência inicialmente ao viaduto Paulo de Frontin que desabouem 1971
deixando vários mortos no Rio de Janeiro: “Caía a tarde feito um viaduto/ eum bêbado
trajando luto/ me lembrou Carlitos” referindo-se também aos artistas emgeral que eram
contra o regime militar. “A lua, tal qual a dona de um bordel/ pedia acada estrela fria/ um
brilho de aluguel” faz alusão ao símbolo arredondado da redeGlobo que, apoiou a ditadura, as
estrelas são os generais da época (donos do poder) e obrilho de aluguel eram as vantagens
que a rede Globo e demais meios de comunicaçãotiravam da ditadura. “E nuvens, lá no mata-
borrão do céu/ chupavam manchastorturadas/ que sufoco! Louco”: as nuvens são uma
metáfora aos torturadores querendodizer que eram intocáveis e inalcançáveis, o mata-borrão
do céu é o DOI-CODI², osrebeldes eram as manchas, um erro na escrita que deveriam ser
“apagados” e o sufocoera a tortura sofrida. Os momentos políticos aparecem mais de uma vez
como em“choram Marias e Clarices” e, “ Brasil que sonha... com a volta do irmão do
Henfil”.Maria era a esposa de Manuel Fiel Filho e Clarice, a esposa de Vladimir Herzog, osdois
políticos mortos nos porões do DOI-CODI. Henfil era um cartunista importante daépoca que
muito falava aos amigos João Bosco e Aldir Blanc de seu irmão exilado. Oscompositores
fizeram então uma homenagem citando Henfil e seu irmão que estava fora do Brasil por causa
do regime militar. Uma metáfora bastante utilizada por artistas da época era comparar a
ditadura com a noite enquanto a volta das liberdades políticas era comparada ao amanhecer.
Essa metáfora aparece em: “O bêbado com chapéu-coco/ fazia irreverências mil/ pra noite do
Brasil. Meu Brasil...”

Em depoimento ao livro Furacão Elis, o cartunista Henrique de Sousa Filho, conhecido


popularmente como Henfil relatou: “O César fez um arranjo para aquela música que começa
com aquele acordeom parecendo caixinha de tirar sorte. Olhei para ele, que me devolveu o
olhar como se dissesse: é sua. Aquela introdução é do tipo“prepare seu coração pras coisas
que eu vou contar”. Desmontei. Quando ela colocou avoz, e percebi que ela estava jogando
mais a emoção do que a técnica, aí desbundei.Quando acabou a música, percebi que a anistia
ia sair. Estávamos no começo dacampanha, que mal juntava quinhentas pessoas na rua. Eu
tinha todo cuidado de falardo meu irmão nas cartas da Istoé quando o Aldir Blanc fez a letra
que falava do meuirmão, ele nem sabia o nome dele. Eu imaginava que a ditadura, o governo
iria perceberque por trás daquela música não havia quem pudesse segurar o momento da
anistia”. Segundo Blanc, a música não nasceu ligada ao tema: "Casualmente,
encontreio Henfil e o Chico Mário, que só falavam do mano que estava no exílio. O papo com
oChico e o Henfil me deu um estalo. Cheguei em casa, liguei para o João e sugeri
quecriássemos um personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a condição
dosexilados".

Esta obra também revela a relação de amizade entre os dois compositores,


quepróximos de Henfil, acabaram por se aproximar de Elis. “Em uma certa hora aquelamúsica
cai na mão da Elis Regina e ela se apaixona. Quando ela grava estácompletamente possuída
por aquela música, já não nos pertence” disse João Bosco. A interpretação de Elis
Regina sempre foi abundante em se tratando deemoção, sem deixar de lado muita técnica, o
que a fez a maior cantora do Brasil, nãohavendo uma substituta até hoje. Na música citada
acima, Elis faz uso de umaimpostação com dinâmica suave e forte, de acordo com a
expressividade da letra emelodia, com seu timbre metálico e expressivo, utilizando técnicas
como o apoio(forma de respiração usada pelos cantores, inspirando e levando o ar para a
parteinferior dos pulmões, “apoiando” o ar para que a voz saia na colocação correta). Bem
como fez uso de ressonância tanto de peito quanto de máscara (a ressonância de peito faz
com que o som vibre nos ressonadores/ossos do peito, geralmente para sons graves e; a
ressonância de máscara é usada principalmente para sons médio-agudos, quando levado o
som à vibrar na parte dos olhos e sobrancelhas).

Uma forte marca desta artista foi sua afinação impecável. Elis conseguia cantarsem
perder afinação, apoio e ressonância e ainda transmitir toda sua emoção comointérprete, o
que a fez uma cantora completa. Caetano Veloso quando a viu cantar tevesuas conclusões:
“Fiquei impressionadíssimo com a Elis. Fantástica. Era um músico”. Elis dizia que Gal Costa e
ela eram as únicas que cantavam no Brasil. Gal ementrevista para o livro Furacão Elis disse: “Às
vezes a achava um pouco fria cantando.Quando digo fria, quero dizer muito técnica.
Engraçado, a Elis conseguia chorar ecantar , eu não consigo. Quando começo a chorar, minha
voz treme logo. Comocantora, era o máximo. Ela falava as palavras, em cima das notas, muito
sofisticada naemissão das notas. Eu a admirava demais. Tinha uma musicalidade fantástica.
Ela,como eu, se achava mais um músico na orquestra”.

A vida, personalidade e música de Elis Regina eram aos extremos, muitaemoção ou


muita técnica. Por usar muita “emoção” e esquecer-se da técnica muitasvezes, ingerir bebidas
alcoólicas antes de cantar, ela desenvolveu calo nas pregasvocais. Operou-se e continuou a
fazer sua música, sem perder intensidade, timbre edemais técnicas vocais.

Em 1979, ano do lançamento de O bêbado e a equilibrista, foi promulgada alei da


anistia pelo presidente João Figueiredo. A música foi gravada não só por Elis,mas também,
pelo autor João Bosco, com um arranjo coral que soa como se fosse o povo brasileiro pedindo
perdão a seus conterrâneos. Já o arranjo da gravação de Elis foi

feito com uma mistura entre instrumentos característicos do samba, como o tamborim,e
instrumentos de orquestra, como violinos. A instrumentação também se faz por violão, baixo,
bateria, teclado sintetizador que junto com um acordeom logo no início da peça deram a
impressão de ser de uma caixinha de música, o que também ocorre no final. O tamborim soa
por toda a música marcando a pulsação do samba, o que deu forte característica à música. No
entanto, a dinâmica do início até metade da música ésuave, o que permitiu a intérprete cantar
dando o sentimento de uma mãe, irmã, parente esperando a volta de um ente querido que
estava exilado. Já da metade para o final, a música ganha mais expressividade, tanto na
interpretação de Elis quanto no acompanhamento, tornando a dinâmica da música muito bem
planejada e equilibrada. Com relação à estrutura, de uma forma linear, pode-se constatar que
a peça é composta por uma estrofe A, repetindo-se com algumas variações harmônicas e
melódicas, de acordes, dinâmica e na melodia que é cantada. A peça é basicamente uma única
estrofe, com sua repetição variada. Antecedendo essa estrutura temos uma introdução em
teclado e acordeom, ficando a estrutura da seguinte maneira: INTRO |A | A’| INTRO||. Na
melodia, nota-se que algumas partes se assemelham à música Smile de Charles Chaplin, como
foi proposto pelo compositor, em homenagem ao ator. Harmonia e melodia são diatônicas (a
palavra diatônica significa “concordar com atônica”). Analisando a textura musical, resulta em
intervalos melódicos simples, não contendo grandes saltos melódicos. Nota-se claramente que
a peça está em tonalidade maior, sendo A Maior, com alguns acidentes ocorrentes. Há acordes
maiores e menores, com inversões e com sétima. Não há contraponto, a métrica é regular,
tendo como fórmula de compasso o 2/4.

O gênero que foi utilizado para criação desta peça foi o samba, que deriva de um tipo
de dança de raízes africanas, considerado uma das principais manifestações culturais
populares brasileiras e é considerado do estilo MPB (música popular brasileira). Provavelmente
o gênero tenha sido escolhido propositalmente para realmente deixar uma marca do povo
brasileiro, já que o samba era resultado da sociedade brasileira.

Conclusão

Este artigo pretendeu responder à questões de pesquisa sobre a história damúsica O


bêbado e a equilibrista e da vida de Elis Regina Carvalho Costa. Bem como,analisar a estrutura
da peça, técnicas usadas pela cantora e pelos demais músicos para ainterpretação desta peça.

Passados os anos, O bêbado e a equilibrista continua sendo uma preciosidadeda música


popular de nosso país, mesmo que as novas gerações deixem, cada vez mais,de “escutar nossa
história”, ela continua sendo conhecida e é um marco para a população brasileira. Notas

¹ A lei da anistia foi sancionada em 28 de agosto de 1979 e marcou o fim da ditadura, que
durou de 1964a 1985. Só foi aprovada devido à pressão popular.

² Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna.


Órgãosubordinado ao exército, destinado a combater inimigos internos que supostamente
ameaçariam esegurança nacional.
Referências

ECHEVERRIA, Regina. Furacão Elis. São Paulo: Ediouro, 2007

CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. 2.ed. SãoPaulo:
Companhia das Letras, 1995.

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Elis_Regina>. Acesso em: 28 set. 2012.

<http://musicasdahistoria.blogspot.com.br/2010/03/fascinante-o-bebado-e-
equilibristade.html>. Acesso em: 2 out. 2012.

<http://www.joaobosco.com.br/novo/>. Acesso em: 2 out. 2012.

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Aldir_Blanc>. Acesso em: 5 out. 2012.

<http://passeandopelocotidiano.blogspot.com.br/2009/09/historia-por-tras-da-musica-
obebado-e.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

<http://www.premiodemusica.com.br/noticias/conhe%C3%A7-hist%C3%B3ria-de-o-b
%C3%AAbado-e-equilibrista>. Acesso em: 5 out. 2012.

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