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SAPONACEO RADIUM

O A S S E I O DO L A R
EXPEDIENTE
AKirAVItt R E V I S T A D E ACTUALIDADES DIRECTORES:
ASSIGNATURAS: Sud Menmicci
Por anno 40$000 Publica-se ás Quintas-feiras, em São Paulo. Maurício Goulart
Por semestre 22$000 Redacçao e Administração Pedroso d*Horía
GERENTE: Rua Libero Badaró 28, - 3.° andar, - sala 14 ILLUSTRÀDOR:
Horacio K. de Andrade J. G. Villin
CAIXA POSTAL 3323
PHONE 2-1024
Corpo de Redacçao:
MERCADO JÚNIOR, AMÉRICO R. NETO, FELIX D E QUEIROZ, D E LIMA NETTO

Collaboradores
ALBA DE MELLO (SORGIERO), MARIA JOSÉ FERNANDES, MARILÚ, MURILLA TORRES, ELSIT PINHEIRO, COLOM-
BINA, DULCE AMARA, AMADEU AMARAL, VICENTE ANCONA, RICARDO CE FIGUEIREDO, A DE QUEIROZ, RAUL
BOPP, GUILHERME DE ALMEIDA, NARBAL FONTES, MURILLO ARAÚJO, REIS JÚNIOR, SILVEIRA BUETO, FRANCISCO
PATTI, J. RAMOS, HONORIO DE SYLOS, EDMUNDO BARRETO, RUBENS DO AMARAL, PERCIVAL DE OLIVEIRA, MELLO
AYRES, AMÉRICO BRUSCGINI, THALES DE ANDRADE, CORRÊA JÚNIOR, BRENNO PÍNHEIRO, CLEOMENES CAMPOS
AFFONSO SCHIMIDT, GALVÃO CERQUINHO, MARIO L. CASTRO, MARCELLINO RITTER, ANTÔNIO CONSTANTINO,
THEOPHILO BARBOSA, JOSÉ PAULO DA CÂMARA. LÉO VAZ, ETC.

COM VISTAS A' POLICIA DE COSTUMES...


SCENA PRIMEIRA SCENA SEGUNDA
Numa mesa, onde se joga o "chemin du fer" Numa mesa de bar elegante

O croupier — Façam jogo, senhores. Na banca, no pon- Elle — (Tem nos olhos todas as tragédias que impressio-
to. Vamos, senhores. Ninguém mais? Feito. nam as mulheres desde as priscas eras do ingênuo
(Para o que está com a caixa) Cartas ao ponto. pae Adão) — Vim trazer-te o meu ultimo baijo..
O ponto (virando sobre a mesa as cartas que recebeu) — sinto-me... desanimado. . . triste... é inútil luctar,
Oito. minha amiga! J á não tenho nem esperanças,
O croupier — O ponto tem oito. (Espiando, logo em se- nem possibilidades... nem n a d a . . .
guida, as cartas do que está com a caixa) Nove na Ella (Com a mais profunda expressão de imbecillidade
banca. Ganhou a banca," senhores. Temos agora amorosa) — Porque ?. meu amor.. eu não
uma banca de um conto duzentos e quarenta oito te basto ? Acaso não sou toda t u a . . .
mil réis. Quem quer fazer o banco? Elle (entre irritado e ancioso)— E ' que não se vive apenas
de amor a dona da pensão, por exemplo..
Elle — Feito.
O croupier — Está feito o banco de um conto duzentos e Ella (interrompendo) — m a s . . . e o conto e duzentos do
quarenta e oito. Quem mais quer jogar? Na meu collar?
banca. No ponto. Ninguém mais? Feito. Elle (theatral) — sou um miserável... um desgraçado..
Ella (desanimada) — você perdeu t u d o ? . , tudo.
Elle (olhando as cartas que recebeu) — Fico.
icular de caricias.
que nos pagamos
CORRIGENDA ria algum dinhei-
pena, de qae njs
le mil reis ? . . .
A capa de hoje de "ARLEQUIM" dà como sendo este o í me espera aqui
nosso numero 20. imbecil) — Até
Ê um lamentável engano que até muito tarde nos passou des*
tro): CLUB Vi-
percebido.
RectificamoUo, agora: este é "ÀRLEQUIM" n. 19.
SAPONACEO RADIUM

O A
EXPEDIENTE
AKlEAVItt R E V I S T A D E ACTUALIDADES DIRECTORES:
ASSIGNATURAS: Sud Mennucci
Por arxno 40$000 Publica-se ás Quintas-feiras, em São Paulo. Maurício Goulart
Por semestre 22$000 Redacção e Administração Pedroso d'Hor!a
GERENTE: Rua Libero Badaró 28, - 3.° andar, - sala 14 ILLUSTRÀDOR:
Horaclo K. de Andrade J. CL VUlin
CAIXA POSTAL 3323
PHONE 2-1024
Corpo de Redacção:
MERCADO JÚNIOR, AMÉRICO R. NETO, FELIX D E QUEIROZ, D E LIMA NETTO

Collaboradores
ALBA DE MELLO (SORGlÉRO), MARIA JOSÉ FERNANDES, MARILÚ, MURILLA TORRES, ELSIT PINHEIRO, COLOM-
BINA, DULCE AMARA, AMADEU AMARAL, VICENTE ANCONA, RICARDO CE FIGUEIREDO, A DE QUEIROZ, RAUL
BOPP, GUILHERME DE ALMEIDA, NARBAL FONTES, MURILLO ARAÚJO, REIS JÚNIOR, SILVEIRA BUETO, FRANCISCO
PATTI, J. RAMOS, HONORIO DE SYLOS, EDMUNDO BARRETO, RUBENS DO AMARAL, PERCIVAL DE OLIVEIRA, MELLO
AYRES, AMÉRICO BRUSCGINI, THALES DE ANDRADE, CORRÊA JÚNIOR, BRENNO PÍNHEIRO, CLEOMENES CAMPOS
AFFONSO SCHIMIDT, GALVÃO CERQUINHO, MARIO L. CASTRO, MARCELLINO RlTTER, ANTÔNIO CONSTANTINO,
THEOPHILO BARBOSA, JOSÉ PAULO DA CÂMARA. LÉO VAZ, ETC.

COM VISTAS A* POLICIA DE COSTUMES...


SCENA PRIMEIRA SCENA SEGUNDA
Numa mesa, onde se joga o "chemin du fer" Numa mesa de bar elegante

O croupier — Façam jogo, senhores. Na banca, no pon- Elle — (Tem nos olhos todas as tragédias que impressio-
to. Vamos, senhores. Ninguém mais? Feito. nam as mulheres desde as priscas eras do ingênuo
(Para o que está com a caixa) Cartas ao ponto. pae Adão) — Vim trazer-te o meu ultimo baijo...
O ponto (virando sobre a mesa as cartas que recebeu) — sinto-me... desanimado... triste. . . é inútil luctar,
Oito. minha amiga! J á não tenho nem esperanças,
nem possibilidades... nem n a d a . . .
O croupier — O ponto tem oito. (Espiando, logo em se-
guida, as cartas do que está com a caixa) Nove na Ella (Com a mais profunda expressão de imbecillidade
banca. Ganhou a banca," senhores. Temos agora amorosa) — Porque ? . . . meu a m o r . . . eu não
uma banca de um conto duzentos e quarenta oito te basto ? Acaso não sou toda t u a . . .
mil réis. Quem quer fazer o banco? , Elle (entre irritado e ancioso)— E ' que não se vive apenas
Elle — Feito. de amor a dona da pensão, por exemplo.
O croupier — Está feito o banco de um conto duzentos e Ella (interrompendo) — m a s . . . e o conto e duzentos do
quarenta e oito. Quem mais quer jogar? Na meu collar?
banca. No ponto. Ninguém mais? Feito. Elle (theatral) — sou um miserável... um desgraçado...
Ella (desanimada) — você perdeu tudo ? . . . tudo.
Elle (olhando as cartas que recebeu) — Fico. Elle (olha o tecto e suspira dolorosamente).
O croupier — O ponto não quer cartas. A banca têm Ha entre os dois uma troca ocular de caricias.
cinco. Cartas a banca. (Sae de dentro da caixa um Ella (bondosa e tola) — Escuta, como é que nos pagamos
quatro) A banca fez nove. O ponto tem cinco, esta conta ?
não pediu cartas. Ganhou a banca. Elle — Eu conheço um rapaz que nos daria algum dinhei-
Elle — De quanto foi o banco? ro por esse anel, mas.. não vale a pena. da qae njs
O croupier — Um conto duzentos e quarenta e oito mil serviriam mais algumas centenas de mil reis ?..
réis. Ella (tirando o anel condemnado)
Elle (Entrega ao croupier a quantia perdida) Elle (embolsando-o, em silencio) — Você me espera aqui
Um parceiro (para um parceiro ao lado) — Burro ! Fi- mesmo, filhota ?
car a cinco.. Ella (persistindo na expressão, amorosa e imbecil) — Até
Elle levanta-se e sae. O jogo continua. ja amor
Pudera ! Ninguém, no mundo, é centro de systema Elle, (na rua, sao chauffeur do taximetro): CLUB Vi-
planetário. CTORIA...
V A R G A S Y H O R T I Z
ARLEQUIM

Roupas de inverno
para homens e meninos

"AU BGN DIABLE"

Sonhos
Agradáveis
Acorturném-se à tornar antes de ae deitarem uriia
OU duas:
PEQUENAS PÍLULAS PE REUTER
que regulam o funccionamento do fígado e do
estômago, e evite-se a enxaqueca, a dyspepsia, recu-
perando-ce, também, as. forças e o appeUte c sobre-
tudo :
Terão um somno rranquillo e confortável, que>*
uma das coisas mais importantes da vida

i Vu.ijj,..m'

;
Desconhecer
;:,
Eu não queria que tu soubesses quem eu sou..
Vê-me sempre como o homem elegante, freqüentador
25, Rua Direifa-antigo 33 dos centros sociaes, onde ostenta a superioridade de sobe-
rano, rindo para todos e despresando a todos, como seres
inferiores que são.
& £ Admira-me pelos meus portes e pelas minhas roupas
Esía casa não faz milagre, finamente acabadas. Admira o meu exterior, a minha ap-
parencia...
Faze de mim um objecto para despertar a inveja de
outras mulheres, apresentando-me a ellas em tua compa-
mas íem convicção de ven- nhia, mostrando-lhes que eu sou teu, só teu. Usa-me como
jóia de alto preço, que mostras a todos com o eterno receio
de que a roubem.
der baraío. Assim me quererás eternamente. Nunca procures sa-
ber quem eu sou, como é minha alma. Porque quando
souberes o que vai por dentro de mim terei o teu des-
m S M L - l SEMPRE SEM COMPROMISSO preso...
. . . porque eu sou o homem que não acredita na mulher,
e nem espera a felicidade que dellas possa vir.

Plínio do Vai Flor


ARLEQUIM

A ÉPOCA DA PENITENCIA Para ser chie é preciso ves-


O século xx tem-se caracterizado, até tir-se com o que ha de
nossos dias, pela vertigem que empolgou
seus filhos esquecidos, de todo, das cousas melhor
da alma.

ám
O materialismo envolvente, a incons-
ciencia dos homens, a futilidade das mu-
lheres, têm razoável e profundamente im-
pressionado a Santa Sé.
Por isso, cada vez, mais, se justificam
as recommendações da Igreja em relação tem os mais bellosfigurinos
á penitencia. e os melhores artigos para
Ao bons catholicos mais que a ninguém
cabem os bons exemplos. homens e meninos para a
Façam uma visita á casa Santa Ephi-
genia, sita a rua Santa Ephigenia numero estação actual
quarenta e cinco a, que offerece aos seus
amigos e freguezes, um lindo sortimento de RUA S BENTO, 31
fitões do S.S. Sacramento, do Coração de
Jesus, e mais Associações catholicas. Telepl\one, 2-4261
Rosários, livros de missa e de piedade,
santinhos, medalhas, imagens, alfayas, pa-
ramentos, artigos variados para presentes,
etc., etc. - M. Silva & Cia.
Carregosa, Rodrigues &
A L T A M I RA
Não sei que pensamento lhe minha existência em troca da da- bido me comprehender, soffres com-
assaltara o cérebro. Estava ner- quelle que se fora. Assim passea- migo. Sabes o que eu vinha pen-
vosa e incerta. Algo lhe havia mos longo tempo, silenciosamente, sando agora : - na proposta de
acontecido e, isso, era fácil de se pisando levemente a branca e casamento que tu me fizeste. Ainda
perceber. Approximei-me. Res- humida areia, que as brancas e hoje na Abbadia do convento, con-
peito sempre o silencio alheio. O humidas ondas traziam á praia tei ao meu confessor tudo que me
sói a pino ,projectava na areia o do mar. tinhas dito, e vou acceitar a tua
esbelto porte de Altamira. Pas- De vez em vez o "klaxonar" proposta.
seava silenciosa e abstracta. Era de um auto ferindo meus ouvidos, Amas-me, bem o sei. Procu-
como se eu não estivesse alli, asse- trazia-me á realidade da vida. Era rarei fazer-me venturosa, sentindo-
melhava-me a uma segunda som- preciso voltar, já havíamos an- te feliz. Entretanto, Raul ire-
bra. O mundo subjectivo em que dado bem muito, no emtanto, fal- mos sempre juntos em vida, rezar
eu sentia ella estar, muito me preo- tava-me a coragem precisa para sobre o túmulo daquelle que foi
cupava. Aquella moça não vivia tiral-a daquelle entorpecimento, da- meu noivo e que era tão teu amigo.
desde que perdera o noivo. A abs- quella falta de energia, em que eu Consentes-me Raul ? Sim, Alta-
tracção a que estavam atirados o a sentia. Altamira, tu não que- mira, consinto e quero !
seu espirito e pensamento, muito res voltar? Já estamos bem lon-
me faziam pensar. Eram festas, ge !, disse-lhe quasi a me sumir a Hoje, passeámos na praia do
bailes e chás que se realisavam com voz na garganta, mas, sufficiente, mar, o sol a pino projectava na
intuito de fazel-a esquecer áquelle para que ella ouvisse. A res- branca areia o esbelto porte de
ue fora a razão de ser de sua exis- posta não se fez esperar, veio acom- Altamira. Duas travessas gaivo-
S »ncia : — Tudo baldado ! E eu
a amava. Amava-a tanto que
panhada de um sorriso. De um
sorriso que nos faz chorar. Raul
tas brincavam no azul do céu,
como a dizer que não éramos só
por ella, daria, de bom grado, a como tu és bom 1 Como tens sa- nós que éramos felizes.

Carlos Ferraz Alvim


ARLEQUIM

O PRIMEIRO CONCURSO DE " A R L E Q U I M "

0 Cupido moderno devia ser representado empunhando uma caneta. Todo namorado, por me-
nos amigo das musas que seja, perpetra por ahi a sua literaturazinha ds occultas. . . Verdade é que nun-
ca se jizcram cartas de amor tão insipidas, como actualmente. Não ha mesmo fugir deste dilemma : ou
o namorado de hoje não ama, ou ama e é incapaz de transmittir o que sente. José Enrique Rodo, o esti-
lista maravilhoso dos " M o t i v o s de Proteo" escreveu certa vez : "Cuantas cartas marchi-
tas e ignoradas merecerian exhumar-se dei arca de Ias relíquias de amor!" Não nos parece tenha
lá muita razão o arguto pensador de "Ariel". Como porém temos a sua palavra na mais alta
conta, abrimos um concurso, para premiar o autor ou autora da mais bella carta de amor que nos jor
enviada.

E' muito possível que eu esteja com cara tas porem, e agora eu posso affirmar :
de pierrot amanhecido, dentro deste nenhuma será como esta - uma verda-
pijama japonez com arabesco e dragões deira carta de amor.
bordados sobre o setim preto. Cara de Luiz
pierrot e alma de pierrot também; e
d'ahi a explicação desse romantismo MEU AMOR
remanescente, cansaço do corpo que se Hoje, fitando o azul das montanhas
alonga pelo espirito, e que ahi fica nesta ao longe, senti uma saudade immenaa
carta. E porisso eu ainda pergunto: dos teus olhos, dessas pupillas côr da
será uma carta de amor? Nem siquer distancia que nos separou.
sei o teu nome; você foi uma silhueta Tornei-me melancólico e tive o des-
gentil que o Carnaval me trouxe; entre- vairado desejo de escrever-te. Apesar
tanto porque será que hoje, nessa pre- de mergulhar no esquecimento, eis-me
guiça enervante e lassa, povoada de mil de novo anciando por noticias, por uma
fragmentos de recordações., ja distantes, de novo anciando por noticias, por uma
de horas que mal acabam de passar, por- carta tua que unicamente attenuará a
que será que dos mil e um sorrisos ten- clausura do meu isolamento.
tadores, só conservei o teu; que de todos Oh! estou tão longe, tão longe!
os olhos lindos, somente os olhos da me- E tu, talvez, nem te recordes mais de
nina de kimono preto me impressiona- mim. No entanto, acredita-me, suppli-
ram? E, que explicará também, essa co-te, desde que parti, hora por hora,
angustia vaga e deliciosa de temer nunca sinto crescer o puro sentimento de ado-
mais te encontrar; esse comprazer-se do ração pela tua alma sublime de mulher
meu espirito em tecer mil conjecturas em prompta para perdoar os maiores cul-
que você estivesse ao meu lado, em que pados.
eu sentisse a pressão macia e carinhosa Dia e noite, na dor ou na alegria,
das Suas mãos morenas ? tenho-te inteira na memória; pois o
Você naturalmente terá como as afastamento nosso e o tempo a correr
Minha linda desconhecida outras, curiosidade de lêr esta pagina de veloz não conseguiram ainda apagar a
"Arlequim" Talvez que não adivinha lembrança saudosa da felicidade e do
que ella é escripta só para você, e que o amor. O meu pensamento louco ima-
Esta pagina de "Arlequim" onde concurso, apenas um meio... Istc se gina a todo instante que me perdoaste
te escrevo, é reservada as cartas de amor. você já estiver esquecida d'aquelle rapaz e tece rendados de esperanças, ergue nos
Estará a minha nessas condicções ? Digo alto, de roupa branca, no corso de 3.° ares gigantescos terreões para o futuro.
que não, mas temo muito que sim... feira na Avenida, a quem você disse : Por isso tortura-me tanto pensar que
Hoje é quarta feira de cinzas; aqui do "tome cuidado que isto pode acabar mal" não me queres como outrora.
meu quarto, neste 5.° andar, que abre Acabará mal ? e que tem isso, minha ami- Oh ! manda-me dizer que ainda me
as janellas sobre a cidade immensa, guinha, se está começando tão deliciosa- amas enviando o "teu perdão. Baeta
toda eriçada de torres e arranha-céos, mente?. .. uma phrase apenas aquellás palavras
olho para as nuvens sombrias e lentas Neste concurso "Arlequim" publi- que envolveram os meus dias de ventura
que se encastellam ameaçadoras, ex- cará cartas muito mais bonitas muito como as notas vibrantes de uma melodia
perando o momento de se desfazerem mais literárias - aliás, eu estou escrevendo sonora de beijos.
em chuva benéfica para lavar a cidade simplesmente Sem essa preoccupação, sem
da modorra preguiçosa do Carnaval. corrigir, sem rebuscar. De todas as car- DARIO
ARLEQUIM

Eleonor Pérsio
recebi hoje a tua carta. Beijei-a e lia- Eu não venho massar-te com uma carta de amor,
com grande ansiedade. Que desillusão ! Dizes-me "que para dizer como todas o fazem, que te amo loucamente.
o nosso amor já morreu, e que, portanto, não pode re- Com estas linhas somente quero saber a causa do
começar. Dizes que já tens alguns cabellos brancos teu silencio, da tua falta de noticias.
e que os meus lábios são como as antenas das borbole- Quando um homem diz amar e deixa de procurar a
tas irrequietas que colhem o pollen de cada corolla que mulher que lhe provoca esse sentimento, ou está louco, ou
se lhes apresenta no caminho" Que palavras de de- de posse de toda a sua razão, porque o amor quando actúa,
sillusão ! Meu amor, o nosso amor ainda não morreu. procura sempre creaturas que estejam entre a razão e a
Houve, apenas, um arrufo escuro como uma nuvem que loucura. Eu, detesto a razão e abomino a loucura ; gosto
toldou o sol. Mas a nuvem passou, e o sol (o nosso sempre da phase entre as duas, na qual justamente o homem
amor) ficou. Ficou sim, que eu bem n'o sinto aqui, deixa de ser homem para se tornar o mais amável dos hu-
aqui dentro, no meu coração, que bate forte quando manos e o menos tyranno delles. Quando não, elles como
a tua imagem apparece na retina da minha alma. Teus tu, os homens, sabem somente contradizer, maltratar e
cabellos brancos ? Envelheceste ? Não, Eleonor. Tu és fazer que detestam as mulheres...
para a mim sempre a mesma menina em botão. Tu não Eu já te disse muito e agora quero que saibas que não
envelheceste, como não envelhece nunca a fonte, que, estou triste com a tua falta ; pelo contrario. Pensa bem
entre musgos e myosotis, conserva, através dos séculos, que a tua ausência para mim representa o meu pensamento
a sua cara de menina. Vem, meu amor. Continuemos no teu e assim sendo, não deixaste e nem deixarás de pen-
a lançar a mesma serpentina colleante da Graça á nuvem sar que existo.
fugidia do Ideal! Vem offerecer-me a corolla dos teus Não te digo phrases loucas, apaixonadíssimas, porque
lábios, para eu continuar a sorver o mais doce pollen hoje as mulheres as economisam, posto que nada repre-
da mais linda rosa que encontrei na minha vida. sentam. Quero-te muito. Já o sabes e ha muito que vens
Teu do coração, o mesmo dizendo. E' o bastante. Escreve.
Eu, sou a mesma.

Sérgio Wania

TINTA ESMALTE
D E
Grande brilho

LACOL e
incomparavel resistência

S: J. A. Sardinha
SUCCESSORES
Rua do Senado, 218 RIO

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ARLEQUIM

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^SOBERANO PAU A CRE ANCAS
^ ÇILVA ARAÚJO &CLfl À
LEAVIA
DlRECTORES:

SUD MENNUCCI
MAURÍCIO GOULART
PEDROSO DTIORTÀ

P U B L I C A Ç Ã O S E M A N A L EM S Ã O P A U L O
ANN0 I 7 de Junho de 1928 N 19

Américo R N et t o
Deixa de apparecer no cabeçalho de "ARLEQUIM" o nome de Américo R. Netto, que
nelle figurou desde a fundação.
Quando "ARLEQUIM" era apenas o sonho de um jornalista bohemio, e de um jornalista
sensato, mais que as difficuldades econômicas, a falta de um technico, que fosse também pessoa de
espirito, capaz de tornar o bonequinho o que hoje elle é, se fazia sentir.
E foi quando o jornalista bohemio o jornalista sensato pensaram em Américo Netto,
collega de ambos. Elle, também, era um sonhador. Elle também vivia pensando em dar a São
Paulo uma revista como São Paulo merecia. Elle já fundara anteriormente o "Sports", a bellissima
e primeira revista, moderna que se fez no Brasil. E movia,
como move, a brilhante 'Boas Estradas"
E Américo Netto acceitou promptamente o convite
para dirigir o "Arlequim" Mas, o "Arlequim" era, então,
apenas uma probabilidade muito linda, que Américo Netto,
ajudou a realizar. Foi elle quem determinou o formato da
nossa revista. Elle quem, pela primeira vez, a paginou. Elle
ainda, quem arrancou das nossas paginas o papel jornal,
substituindo-o por este bouffant fofo e leve que fomos os pri-
meiros a usar.
Não nos surprehende, agora, a retirada de Américo
Netto/ Já estávamos avisados : "Quando o "Arlequim" não
precisar mais de mim, deixo vocês. Tenho a Associação de
Estradas de Rodagem. Trabalho no "Estado" Vou ao Rio
quasi que diariamente. Ando de Secca a Mecca. E, alem
destas coisas todas, soffro do mal dos desastres. " E, as-
sim, Américo Netto será de hoje em deante apenas nosso amigo
querido e collaborador brilhante. Para o seu logar vem Pe-
droso D'Horta.
Pedroso d'Horta entrou para o bonequinho quando
este passava pelo seu período mais difficil. Auxiliou-o. Foi aqui dentro um factor de successo.
E'.muito por cento da nossa victoria. Comnosco passou noites inteiras em claro. Escreveu, dirigiu,
imaginou, dobrou revistas, collou sellos, cantou, comnosco, e "Caminito" de madruga. Nada mais
justo portanto, que elle seja, agora, o substituto de Américo Netto.
ARLEQUIM

MASCARA
»E <0L0Í1KIMA
P R E L Ú D I O
-\z:;s misteriosas de sombras e silencio ; azas solitá- tra de artísticas feituras, quasimodo exaltado, eu me fundo
rias o penumbrosas de minha alma ; remotos poentes de nas linhas doces de teu corpo quente para sentir e ouvir a
ternura p:ira onde PO arroja a vida ; noites fugaces, noites rapsódia infinita da infinita Belleza !
em que me abysmo na oração radiosa do amor !
F es? teus olhos negros e o teu collo moço, neste cre- E as azas misteriosas, na sombra e no silencio, vibram ;
púsculo que ire envolve e me allucina ; silhuetas sonhadoras e as solitárias azas da minha alma se illuminam numa
numa acquarella antiga ; bailadas que cantam a vida ; transfiguração ; e os poentes explodem numa invasão de
revelações de cores e ressurreições de lendas. luzes !
Menina e moça : E no minarette bizarro da phantasia a inspiração es-
E os teus olhos negros e o teu collo branco...
pia ; espia e c r ê a . . .
E abro os olhos da Alma e abro os olhos da Arte. Crêa céos extranhos em que a minha imaginação se
E os teus olhos negros, e o teu collo moço têm pers- eleva.
pectivas de maravilhas longínquas, que eu advinho não E é no teu busto, e são nos teu peitos erectos que a
sei onde, de (lios semi-cerrados, na esperança de uma abelha glorificadora da Arte, como numa extranha flor
posse que ha de vir. exótica, pousa e beija.
Rasgo a gaze que te cobre, estheta do Bello, numa E serás minha.
profanação honesta, como um sol fogoso na diluição de
Serás minha na evocação da saudade, na floração
cirrus e neblinas.
E gozo, na volúpia suprema, immovel, demorada- eterna dos meus poemas : aos teus olhos negros, ao teu
mente, a embriaguez que me vem de Ti. Extranho idola- collo m o ç o . . .

G A S T Ã O D O V A L

R E S I G N A Ç Ã O

Todos nós tivemos, na vida, um minuto feliz. A feli-


cidade existe assim, em doses homeopathicas. As gotas vêm
distanciadas... distanciadas...
A's vezes numa vida humilde cáe apenas um pingo do
conta-gotas Destino. . .
Eu já tive a minha gota de felicidade.
Eu já tive a minha gota de felicidade.
Certo dia, em certo momento, você me sorriu.. E o
seu sorriso naquelle dia, naquelle instante..
Depois nunca mais os seus lábios se entreabríram num
sorriso para mim.. Mas jicou-me a lembrança daquelle
sorriso único na minha vida !
E a recordação delle ainda é um pouco de felicidade...

WALTHER BIRIOII
ARLEQIUM

RECITAL DE POESIA DE MARIA EMILIA FONTES

Meu Santo Antônio das Moca


A' Maria Emílla Fontes

Meu Santo Antônio das moça Só pVella vê quanto doe,


Me proteja Santo Antônio Pra vê o quanto doeu
Que eu tô doido pra casa ! Aquella sova doida
— Aquella diaba do diabo Que sem dó ella me deu !
Mais pió do que o demônio Só mêmo fazendo assim
Tem feito o diabo comigo Nunca mais ella na vida
Mas de mim não qué gosta ! Ha de judia mais de mim !
Tem dó de mim ! me proteja, O Santo conhece a manha :
Q u e e u sou tanto seu amigo. . . — F só fazê tempo q u e n t e !
Dá*só um geitinho meu Santo : Porque muié quando apanha
— Si ella fô comigo á Igreja, (iosta muito mais da gente. . .
Fico maluco da vida F u sei que numa muié
Tão contente, t a n t o ! tanto ! Não se dá nem cuma flô.
Que sou capaz e garanto, — Orei que peccado não é
De fazê num sei o quê ! Si é cum chinella que eu dou.
— Mais o meno tô pensano. — Meu Santo casamenteiro
O que que eu hei de fazê? O meu amô não se acaba
J á sei ! — Primero de tudo Não se acaba e não tem fim !
Prego surra em cima delia, Meu Santinho padroeiro,
Uma surra de chinella ! Dá um geito naquella diaba
K' alli ! Conheceu papudo ! Pra que ella goste de mim !.

D R F E L I X
AKI.I i;un\i

ENLACE ALVARES DE LIMA • CAIO DE ARAÚJO

Realisou-se dia 23 do Maio próximo pas-


sado, na residência da noiva, á rua Oscar Por-
to 28 o enlace matrimonial da Senhorita Evan-
gelina Alvares de Lima, com o Dr, Sotcr Caio
de Araújo. "Arlequim" lá estava, desejando
um milhão de felicidades aos nubentes.

O Dr. Soter Caio de Araújo é um dos


nossos mais capazes e esforçados engenheiros.
Espirito culto, estudioso e affavel foi com^gran-
de prazer que d'eile nos approximamo
Foram seus paranymphos, no acto civil
o Dr. Mario Corrêa, presidente do Estado
de Matto Grosso e Heitor de Lima. Repre-
sentou o Dr. Mario Corrêa o Dr. Paulo Co-
lombo de Queiroz.
Na cerimonia religiosa foram padrinhos
do Dr. Soter Caio de Araújo, o Dr. Romeiro
Iander, director da Estrada de Ferro Central
do Brasil e a Senhorita Irene Alvares de Lima.
A senhorita Evangelina Alvares de Lima

é filha da veneranda Senhora


D. Margarida .1 Alvares de Li-
ma e do saudoso Sr. Joa^
quim Eugeniode Lima.
Nascida de uma família il-
1 ustre no Império e na Repu-
blica, pela intelligencia, educa-
ção e honradez de seus mem-
bros, a Senhorita Evangelina Al-r
vares de Lima é tia do nosso
amigo Sr. Joaquim Eugênio de
Lima Netto, redactor de "Ar-
lequim'".

Paranympharam-iva, no ac-
to civil, o Deputado Eugênio

10
ARLEQUIM

de Lima e Senhora, e o ministro


Rocha Azevedo e Exma. esposa.

No religioso foram seus padri-


nhos o Sr. Joaquim Eugênio de Lima
Júnior e Senhora e a senhorita Mar-
garida Alvares de Lima.

Celebrou a cerimonia Frei Luiz


de Sant'Anna velho amigo da fami-
lia.

Nestas du-
as paginas da-
mos algumas
photographias,
tiradas na oc-
casião, de ami-
gos e parentes
dos consortes.

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11
UM.I.QUM

São Paulo velho que se remoça

Visilanles às obras da
Prefeilura, alravessando
as fundações feitas, pe-
los engenheiros mumci*
pães, na Ladeira do Car>
mo onde serão onslruidos
dois grandes mirantes
que dominarão fcellis.Tr.o
penorama dos teiiros
de além Tamanclualehy

H? r^^>p\^ic; .•",.ja r;i-*^T^; ::a de D5CI3 das obras de íransformação da ladeira do Carmo.
ARLEQUIM

Marina de Padua que abrilhantou, dU


zendo cousas bonitas, o festival do São
Paulo Tennis por nós patricionado.
Em breve teremos novamente a felici*
dadc de ouvil-a num recital de decla*-
mação que rcalisará na nossa cidade.

Você foi embora . .


Passarinho, lá fora, tá cantando,
tá dizendo que a vida é muito boa,
e que tude é bonito como quê ?
Passarinho, lá fora, tá mentindo.
Tá dizendo que tudo é íao bonito,
e não há nada bonito sem você. .

M A U R Í C I O G O U L A R T

VA
\in.i QIIM

Originalidade Funesta
\lrii ruuIJÍ" li rciiii:i- tinlia celebro como pouco? Quando meu automóvel (é verdade, tenho um Ford
lia ilias iiicciiitici-ii a p r e ç a d o , Miaivnto. x>braçando rcs baptisado por P a c k a n b rompeu naquelle l recho da Ave-
|Hitavel pa>ta nida, que vi? Incêndio.' Desastre.' — Não, minha
(>l:í, Jeremias, (|iii' faz*' Kslá, a- mi. com ar 1111- rica, era o povareu a procurar-me. Saltei na esquina, rom-
ni-iciial ' V iva <inenira pi a custo a massa (pie se comprimia á minha espera lá,
Qual r.adn. minha amiga, ('otim ihc, MUI medi- em baixo. Pobres clientes, tão afflictos, tão confiante
eu r operador. nas luzes da minha sciencia !
Mas não creio que chegue á perfeição de operar Depois de muita lueta consegui alcançar o liall da es-
n u plena rua. cada e, subindo alguns degráos, á guisa de tribuna, preveni
.lercinias adoptou a máxima do americano time ix selecto audictorio de que o Dr. X só at tenderia com hora
muni!/ c. para não perder minuto>, foi direito ao f i m : pr< viamente marcada. Ia mandar proceder á venda dos
- Tenho sido feliz na profissão, doentes não me carC.es para o dia seguinte. Aproveitando a opportu-
faltam nidade, avisava que, no primeiro mez, attendendo á influen-
- P u d e r a ' "O Brasil é um vasto hospital" Mas, cia de doentes, trabalharia das oito da manhã ao meio
afinal, (pie tanto opera dia e de uma da tarde ás oito da noite.
Banalidades Meus clientes, embasbacados, olhavam-se como n
Alui ' Jeremias, como lhe brotou na cortex tão um superhomem. Vencera, mais uma vez, a capacidade
genial idéa '.' oratória herdada de meu avô, mestre escola.
-- Qual genial, (piai nada Idéa vulgarissíma. <> — Pelo que vejo você é um predestinado. Heranças
ovo de Coloiuho, comprehende ? pecuniárias, heranças psychicas de incontestável valor.
Kstou tentando. — Estou mesmo convencido de que nessa cousa de
Kstudei meu qm-luiu clann de psychiatria e, preci- circumvolução de Broca sou um Gambetta.
sando de cobres, enveredei pelo caminho dos inventos — P a r a b é n s ! Christo dizia : ''Eu sou quem sou"
absurdos, o mais rendoso nos tempos que"correm. Pen- Nó sosmos, realmente, aquillo que julgamos ser.
sei, repensei, matutei e, quando já estava para desistir, - Como ia contando, tomei o elevador para o quarto
em desespero de causa, deu-me o estalo nos miolos. Eurc- andar. Na sala de espera, moças lindas, perfumadas,
ka ! Cá está a chave do thesouro ! Abre-te Sésamo ! almofadas, catitas, velhos besuntados, matronas obesas,
Viva. seu Jeremias, berrei de mim para mim. V. só não que sei? esperavam-me afflictos, com olhares de quem
imitei o Archimedes porque, em primeiro lugar, estava implora caridade. Repeti-lhes o discurso do rêz do chão e,
Nada disso A humanidade de solemne entrei no consultório. Dei ordem ao porteiro
vestido e, depois
hoje não é mais a daquelles bons tempos dantanho, (piem para vender cartões a cem mil réis a primeira consulta
menos corre usa avião, Contive-me. Cala-te bocea ! e cincoenta as demais e, sobretudo no braço, havana na
Seja prudente. Jeremias, monologuei. "a idéa é tudo, o bocea, sahi mais solemne ainda, atravessando a sala de
resto quasi n a d a " pegam-lhe na dita e Tomei minhas espera para alcançar o elevador. Que alivio quando me
precauções. Construi amurada circumdando-me a capa- vi na rua, menina !
cidade creadora. muro de defesa durante a inconsciencia — - Calculo ! Pobre de você, Jeremias, logo no quarto
do somno e, certo de (pie este mundo é um vasto palco, andar.
vencerá nelle mais facilmente o melhor artista, passei a — Minha amiga, emocionei-me de tal modo que não
cuidar da enseenação. Montei consultório num dos arra- dormi toda a noite. No dia immediato, alvorada. Ma-
nha-eéos da Avenida. Mobiliário niodernissinio, confor- druguei no consultório.
tável ; mesas operatorias e mais apetrechos movidos a Minha primeira cliente, uma bella jovem, tinha pai-
electricidade, processos ultra-modernos de asepeia, armá- xão pelo primo. O latagão não se resolvia a desposal-a.
rios repletos de ferro rectos, curvos e recurvados, virgens Achava-a futil, banal. Mas, realmente, o motivo era
de trabalho, luzidios. e. francamente, senti-me com meia
victoria na mão, meia gloria a cingirme de louros a cabeça.
— K' isso. dahi a luminar, pouco f a l t a . . .
— Arranjei porteiro fardado, bem parecido, enfer-
meira bonita, em impeccavel avental de linho branco, em-
palei a placa na porta e annunciei nos jornaes diários :
" D r . X, recentemente chegado do Velho Mundo, onde se
especializou, opera, pelos processos modernos, banali-
dades e todas as affecções dellas derivadas. Consultas
diárias das ires ás cinco"
Esperançado fui para o consultório, no dia seguinte,
antes de duas horas. Enterrara naquelle luxo o legado
do velho tio Manduca, n.. desto fazendeiro que, a plantar
batatas, juntara aquella meia centena de contos para dei-
xar ao sobrinho, na falta de outro herdeiro.
Valei-me. tio Manduca ! Do contrario lá se irá todo
o vosso rico sobrinho.

14
ARLEQUIM

outro : o pirata queria ver si pegava prima mais rica, em- — O Packard? Está na officina. Onde vou? Bem
bora menos bella. O homem é, antes de estheta, egoísta. mostra que é mulher, curiosa como todas as Evas. Vou
Examinei a romântica. Assegurei-lhe : dentro de três tirar patente da minha invenção, ali no Ministério da Agri-
mezes estará curada desde que siga á risca minhas pres- cultura, ahi está.
cripções. Penso poder dispensar operação. De qual- — Jeremias, você me horroriza você é um tarado,
quer forma, victoria certa e, até o fim do anno, será Mme um criminoso !
Z. Sahiu radiante promettendo-me recompensas princi- — Tarado, eu ? Essa é boa.
pescas caso conquistasse o ideal. Que mais queria eu ? — Você já pensou em como será desgraçada a huma-
Os cem mil réis estavam na gaveta. nidade quando desapparecer da face da terra esse condão
— Sim senhor ! Que falta de consciência. Merca- mysterioso, essa varinha mágica que a faz mover, soffrer,
dejar desse modo com profissão tão nobre ! vibrar, viver emfim, quando desapparecer a banalidade ?
— Espere. Tem mais. Não ha mãos a medir. Você é o assassino da felicidade humana, Jeremias ! Nós
Faço feria nababesca. (Servindo-me dos conhecimentos precisamos tanto de futilidade como de ar para respirar,
psychiatricos e de um pouco de suggestão, vou curando de pão para matar a fome.
gente aos pelotões). Quando o paciente soffre de alguma — Ora, adeus! Você com esse sentimentalismo. .
appendicite. . opera-se. Tenho vários casos positivados, Quer saber? Vá procurar-me. Aqui tem o cartão. Você
o nome a se espalhar aos quatro ventos, a fama, a fortuna está doente, menina.
e a gloria a me entrarem portas a dentro. Olhei-o espantada. Meu pobre amigo apresentava
— Jeremias, o que você descobriu foi a succursal da sérios symptomas de allucinação mental.;; Enlouquecera-o
Revista do Supremo. E agora"onde vae ? Que é feito a estafa. ^ Pudera ! Pretender estirpar a futilidade do
do Ford? mundo.

MARIA JOSÉ FERNANDES

LUGAR COMMUM PEDAÇOS DE VIDA


r

i Percebesfe o que eu disse?


A sala de jantar
O relógio que dava azar Não comprehendo.
O sujeito que vinha tratar de negócios Continuas a fingir que não me queres ouvir.
Já te disse dez vezes : não ouvi nada, não quero saber
O martyrio das incompreensões das tuas conversas.
O tédio Supplico-te que me ouças esta vez, apenas. Depois,
O sonho logo depois, partirei para bem lonje.
E aquelle desejo tão grande de horizontes mais largos Irritante ! Desista !
Pois bem ; vae escutar-me á força. - Agarrando a cabe-
II ça delia, eu a trouxe para perto de mim.
Projecções
Planos Um fogo atroz invadio-me o rosto. Era a minha
Bebedeira de espaço vida ; o meu sangue1 que affluia á bocea e ás faces, para
festejar-lhe o ouvido. N'um segundo, pensei no meu
A tristeza das realisações passado ; nos annos perdidos em que meu coração luetava
O tédio das realidades para conquistal-a. Disse-lhe qualquer cousa e fugi.
As compreensões Quando eu desapparecia por traz do cercado, ella
As liberdades sorrindo fallou :
E esta saudade tão grande dos horizontes estreitos. -Tolo ! Antes me tivesse beijado.
Augusto Frederico Schimidí Braz Gleííe
AUl.l.i»! I\l

A nossa caravana
Mais algun- dias, e partirá de (pie o esperado por todos. !•]' do tratos (Mu vários jornaes. Km con-
São Paulo para o interior a cara- <pie estamos certos. t a d o sempre com os artistas da
vana "Arlequim". São oito mocos I'., agora, cumpre-nos agrade- capital, foram recebidos por Bastos
que levam para o nosso "hinter- cer a vários amigos. Portei Ia o Martins Capistrano,
land" um pedaço grande de sonho No Rio do Janeiro, onde esti- no "Kon Kon", onde Bastos Por-
e uma porção de coisas bonitas. veram para colher material, nos tella, e " V v e s " (pie todo o Brasil
O " T h e a t r o de brinquedo", de Ál- dias 2"). 20. 27 e 2S do mez pas- conhece, lhes entregou para a cara-
varo Morevra ,e um punhado de sado, Maurício Goulart, Pedroso vana dois inéditos, que serão publi-
poesias inéditas do notável artista d'Horta e Joaquim Eugênio de cados nestas paginas, mais tarde.
de " l i n sorriso para t u d o . . . " . Lima Netto, foram alvo das me- No "Para T o d o s " recebeu-os o
Canções brasileiras de Hekel Tava- lhores prova de carirho, quer grande Álvaro Morevra, que os
res e Marcello T u p y n a m b á : "Sapo por parte da imprensa da capital levou, em seguida, para sua resi-
cururú ", "Felicidade", "Mamãe federal, quer por parte dos artis- dência particular, onde viram Rosa
Preta", " C n i c a " , " D i a b i n h a " , "An- tas do Rio de Janeiro. Netto Marina, a filhinha^E encantadora
dorinha". " E u tenho uma raiva de Machado, no "O Globo", Pereira de Álvaro e onde D. Eugenia, a
você"... I'l trabalhos dos litera- da Silva, no "Diário do Rio", illustre companheira do creador
tos brasileiros mais em evidencia : Álvaro Guanabara, no "Paiz",Ar- do " T h e a t r o do Brinquedo", do
Olegario Mariano, Adhchnar Ta- thur Mossena, na " N o i t e " , Mil- qual ella mesma é a alma, os rodeou
vares, Cleomenes Campos, Cor- ton Rodrigues, na " M a n h a n ' ' , Faus- de finezas. Depois, estiveram com
rêa Júnior, Jorge de Lima, C a - to Torrence, na "Agencia Ameri- Hekel Tavares, e visitaram a
siano Ricardo, Canto e Mello, cana", Carvalho e Silva, na "Agen- Academia Brasileira, onde foram
Menotti dei Picchia, Mario de cia Brasileira", todos fizeram as recebidos pelos immortaes Afranio
Castro, Pereira da Silva, Guilher- mais desvanecedoras referencias á Peixoto e Goulart de Andrade,
me de Almeida, Raul Bopp, e iniciativa (pie tomamos, e cumula- que disseram tambemgrandes lou-
tantos outros . . I". (puni irá? ram aquelles nossos companheiros vores á idéa da caravana "Arle-
listes : Maurício Goulart, Pcdroso das mais fidalgas gentilezas, entre- quim". Mas - e o deixamos por
d'Horta, Joaquim Eugênio de Lima vistando-os. publicando-lhes os re- ultimo de propósito - merecem tam-
Netto, Felix de Queiroz, Nicanor
Miranda, Cândido de Arruda Bo-
telho, Elias Alasmar. Cândido Bar-
bosa .
Tudo gente moça. da sociedade
de São Paulo, que todo São Paulo
conhece. Não temos a menor du-
vida sobre o êxito desta caravana,
pelo bonequinho sonhada e* reali-
zada. O interior a cobrirá de mui-
tos applausos. Pelas cartas que
temos recebido é já grande o inte-
resse com que está sendo esperada.
Por enquanto, figuram no pro-
gramma para serem percorridas,
dezesseis cidades. Maurício Gou-
lart e Pedroso d'Horta partiram
na noite de 4 para Rio Preto, de
onde seguiram para C a t a n d u v a .
Araraquara. Mandaram-nos dizer
isto : " N ã o esperávamos a rece-
pção que estamos tendo. E m to-
das as cidades somos tratados cari-
nhosamente. O interior encanta.
J á está determinado que a estréa
da caravana dar-se-á em Rio Preto
na noite de 20 do corrente". E
por esta recepção que estão rece-
bendo aquelles nosso companhei-
ros, que daqui partiram para ulti-
marem os preparativos, é de sup-
por mesmo que a caravana "Arle- Manrickt Goulart, PeUrcso D'borla e De Lima Neilo, Dlreclores e Redaclor de "ARLEQUIM" na redaccao
q u i m " obtenha êxito melhor do do "Diária do Rio". Ve-se ao centro o poela Pereira da Silva.

16
ARLEQUIM

bem o nosso maior agradecimento


o fino poeta Mario de Castro, cu-
jos versos bellissimos os leitores de
"Arlequim" já conhecem, e o sr.
Lauro Fontoura, distincto jornalis-
ta. Estes dois amigos acompanha-
ram passo a passo os emissários
da nossa caravana. E devido a
elles, que serão os fundadores de
"Boneca", uma lindíssima revista
que apparecerá brevemente no Rio
de Janeiro (a noivinha de Arle-
quim, como elles dizem), foi que
os nossos companheiros obtiveram
em grande parte aquella carinhosa
recepção na capital.
Ha ainda, entanto, a quem,
agradecer. E agora sim é que não
encontramos palavras que bas-
tem. E, por isto, lhes citaremos
apenas os nomes :
Alba de Mello e
Maria José Fernandes

As duas brilhantes escripto-


ras que são a vida do "Arlequim"
no Rio de Janeiro. (E está dito
tudo).
A' imprensa de São Paulo de-
vemos também um grande muito
obrigado. "O Estado de São Pau-
lo'', "O Correio Paulistano" o
"Fanfulla", "O Diário Nacional",
"A Folha da Noite", "O Jornal
do Commercio" Victor Vai, o
burila der do "Manto de Arlequim",
no "Diário da Noite", e "O Com-
bate" tem tecido commentarios
0 Hekel, des canções que ioda geníe conhece e admira

quase que diariamente, applau-


dindo sempre o fim a que nos
propuzemos.
Alvcrc Moreyra, burila-
Já está cumprida a nota. E
dor d;ssc Jóia encanta» paramos por isto. Não antes sem
dizer que "Arlequim" será de
dora que é "um sorriso agora até o termino da caravana,
para íudo; e creador principalmente o órgão desta em-
baixada artística. Nem por isto,
dessa coisa linda que entanto, deixará de preoecupar-se
muito com os factos sociaes de
f 3Z n. e faz pensar 0 São Paulo.
Tornar-se-á mais interessante,
Theaíro d: brinquedo... apenas : alem destes, estampará
photographias e commentarios de
tudo quanto for acontecendo, no
interior, aos oito rapazes que cons-
0,0 tituem o brilhante grupo por nós
*õ organisado.
V.
\ I : I . I Ql i.\l

ALGUNS DOS... (
A' Caravana "Arlequim f*

V Mondado é como a Primavera.


( iv no sou próprio gênio. Sonha. Kspera.
Sc faz loucura é porque é nova e ardente i

E ama a Bellezza e a Gloria e porque sente


Que o calor do seu sangue germinal
V.' breve justamente por ser tal.

Sc faz loucura nunca fez maldade


Ou descreu da Virtude c da Verdade Maurício Mi

Ou se humilhou - - ou por qualquer razão.


Negou justiça ás almas de eleição.

A Mocidade ó qu-teno
Cada gesto de air
Que traz á surda -tp
<*•. - • '
Outra volúpia iDfl&dese

De Lima Netto

Felix de Queiroz

Candtf*\
Iv
ARLEQULM

h
DAR A V A N I S T A S
<y

A Mocidade c que não falta á liça

r^ Em nome da Bondade ou da Justiça


E pela Pátria, se preciso fôr,
Dá toda a gloria do seu sangue em flor.

i Por mim, devo dizel-o sem tibieza,


(Goulart Nas horas de alegria ou de tristeza
Intima e só, mas tão calada e forte
Como, talvez, a que precede a morte
Foi da nobre effusão da Juventude
e renova e anima
Que me veio o calor e a fortitude.
lacia e cada rima
v Rio, 25 de Maio de 1928.
insipidez da Vida
A. J. Pereira da Silva
a desconhecida.

Pedroso D*Horia

\JL3,
Arruda Botelho
arboza li!
\K1.I i i l I\l

tr ti7 •

s
O novo l c a a d o Municipal, a cujas obras a actual administração tem dado grande impulso, devendo uma parte estar
concluída ainda este anno, c outra no anno vindouro.

Jornalistas, funecionarios da Prefeitura e outros convidados que tomaram parte na visita ás obras munia
cipaes, pousando para "Arlequim"

Ponte de concreto armado sobre o Tamanduatey, ligando o bairro da Moóca ao do Cambucy.


Kssc c um dos typos de ponte que a Prefeitura está construindo em substituição ás antigas de madeira

2i >
ARLEQUIM

O galante pequeno Antônio, filho do Dr. Miguel Maurício da Rocha, professor da


Escola de Engenharia Civil c de Minas, e de sua esposa D. Maria ( ecilia C arvalho de
Britto Maurício. E sobrinho óo nosso grande amigo, o immortal artista Virgílio Maurício.

21
A K I . l «.jl l \ l

Moralistas
Num i n i n d:i (Cntral. ( a n o cheio. Alguma* fuiv>
glabras, cnin eiioi mes óculos de tartaruga. Viajantes
afundado* na leitura de jornaes.'* Mulheres, muitas mu-
lheres. 1'ina bella, de uns trinta e cinco annos, com duas
filha* nieninas-inoeas. As filhas, também bella*. pare-
cem mu >ãii'.') menos attraheiites que a mãe. i.\s bellezas
meio maduras são talvez as melhores. Os velhos ou bla-
M',S é <|Ue dão preferencia as fruetas verdes, sem cultura).
\o meu lado. um casal de inglezes velhos.
Duas caras de granito. A mulher está de cabellos corta-
dos, bem rentes. O marido tem um modo triste de func-
cionario aposentado. Não sei porque, mas aquelle casal »»
de velhos me inclina a pensamentos crepusculares. Outro
casal, um pouco adeante Volta de uma viagem de nu-
Li
BARBASOL
pcias ao Rio. Elle é um brasileiro, de vinte e poucos an-
nos. Ella tem a mesma edade, mas é japoneza. Sim,
Creme áníisèptico para barba
senhor ! I n i brasileiro casado com uma japoneza ! Vão
quietos, porejando satisfaecão. Xa face de ambos lê-se
Dispensa o pincel.
o bem estar. Entretanto, não trocam uma palavra. Cer-
tamente não se entendem. Será por isso que parecem
A' venda em todas as Perfumarias, Barbeiros,
tão felizes'.'
Pharmacias e Drogarias
l'tna perna, uma linda perna que tem movimentos de
cobra, uma perna que fala, que chama, que é capaz de le- Representante em S. Paulo
var a gente para o inferno, uma perna terminada por um
pé pequeno, nervoso, que é assignatura de um tempera- JOSÉ ALVES PENTEADO
mento hvsterico solicita improvisamente a minha at-
teneão. Olho a dona da perna, que é digna daquelle pri- Rua Florencio de Abreu, 29-A
mor. Ella gostou da minha perturbada admiração, do
meu maravilhado enthusiasmo. que se trahiram no fulgor
dos meus olhos chispantes e sorriu agradecida. Come-
çou um flirt. Ella falava com a perna, eu falava com os muito lógico e natural na mulher, a dona da perna vira o
olhos. Como nos entendíamos bem ' Melhor que o flirt com o camarada irritado. E foi como água na fervura.
brasileiro casado com a japoneza ! Mas um sujeito, pouco O sujeito, perto da sua mulher, começou então a sorrir
distante, sentado com a mulher, que dormia nos com- para a minha deidade, a sorrir mesmo para mim (que
prehcndeu. E. despeitado, não gostou do nosso flirt, que desaforo !). E eu fiquei olhando, e considerando a vir-
cada vez era mais franco. As faulas dos olhos e os colleios tude dos moralistas. .. Ali estava o que elles e r a m . . .
da perna como que offendiam á sua mulher, que estava dor-
O homem banca o moralista quando não pôde ser p i r a t a . . .
mindo. Percebi claramente isto na sua cara de Catão
Um barulho de ferragens, uma confusão de vagões que
amargo. A nossa falta de respeito era grande, caramba !
passam, céleres, machinas chiando, pedaços de cidade
e o sujeito não parecia disposto a tolerá-la por'mais tempo.
entrevistos num clarão. E' S. P a u l o ! S. P a u l o ! .
De repente, porém, não sei porque, se por íastio ou por
malícia, mas obedecendo em todo o caso a um impulso Álvaro Serra

OBJECTOS PARA PRESENTES


JÓIAS E PEDRAS FINAS
Casa Oscar Machado
101 - OUVIDOR - 103
ARLEQUIM

Canção da minha felicidade P R 0 D II C TT0 «C A V A L I E R \99


V
perdida
Uma tarde, t u me deixaste. . .
Esmeralda do Harem
Cahia por sobre a natureza o manto Destròe radicalmente o c a b e l l o supérfluo
arroxeado do soffrimento.
Tentei ainda pronunciar o teu
nome. Mas o éco das minhas palavras
tristes perdeu-se ameu lado, • meu mdupal-
lido lirio de carne.
E t u partiste para o silencio dos már-
mores melancólicos, ficando nos meus
olhos cançados minha flor de outomno
- a névoa duma saudade eterna. . .
Serei um nômade desnorteado de ru-
mo, haurindo no deserto da vida o fogo
do desespero e a tortura do abandono. . .
Nunca mais meus olhos doloridos
hão de sorrir para as alegrias do mundo
Trarei dentro d'alma a côr da Se-
mana Santa. O symbolo da desventura.
Lagrimas a flux. . .
Xo meu coração haverá a côr das
noites sem estrellas. A tortura da treva
que não tem fim. O silencio da infelici-
dade. . .
O meu olhar não saberá distinguir a A' venda em todas as perlumarias
poesia dos poentes á distancia. A curva
maravilhosamente rubra do oceano. As Deposilarios: C O I M B R A , REIS & CIA. LTDA.

112=5.° Rua Uruguaycna, 112=5.° - Telephone Noríe 5289


RIODE JANEIRO

alvoradas vermelhas do astro radioso. Viverá ccmmigo o desespero de tudo


Porque elle será um eterno poente de que termina. Tina arvore que fenece,
sangue em delírio. folhas amareladas esparsas ao vento cre-
puscular da juventude. . .
Fitando o espaço, terei a sensação de Sem brilho hão de tornar-se as es-
ver o colorido de teu antigo olhar refle- meraldas da minha canção de amor que
ctido com maior intensidade. E essa me consolava de ser feliz. . .
côr que t a n t o me desvairava, será agora E o teu rosto pallido - uma- restea
o lenitivo da minha desventura, e eu esguia de luar para sempre ficará nos
serei um ebrio em busca do vinho azul meus olhos húmidos, e será - meu per-
do céu, e eu scre i um naufrago a olhar o fume embriagante a canção da minha
irmamento felicidade perdida. .

LUIZ ERBON

eso
Hy d rarg on Ehr l i e h CO

•-.o

Goilas — Injecções
Única medicação nwcurial em cuja formula está corrigida <I DEPRESSÃO NERVOSA pelo MERCÚRIO
Injecções indolores e de absoluta tolerância e efficacia
V e nde m Mais de 1.000 a (testados medico.1! dentre os quaes V e n d e
dos professores iVliguel Couto, iocha Vaz, Aus-
R. 1IESS X GIA. RIO tregesilo, Abreu Pialho, Henrique Roxo, VA. Ma- 0. MONTEIRO 1L0 s.
Rua 7 Setembro, 6 3 galhães, etc. ele. R. Libero Badaró , 8 7

23
\ H I . I |>1T1M

h
[? r^n r^n

Verdade das verdade-, a idea aseeiiou hoje,


hoje de manh i (inando tomava café e olhava
os cabellos brancos do meu velho errado Antônio,
manhã de sol e de frio. Longe para alem do
Jardim America, uni ar de saúde no eco e na
terra. VAI me puz então a sentir o deserto que é
a minha casa, sem cães, sem gatos sem mulher,
sem creanças. Antônio abria minhas cartas.
"Você não acha, Antônio, que isto aqui está
muito deserto e que faz mais frio nesta casa que

na nossa velha amiga Vevey, na nossa querida


Suissa ?" Antônio concordou. Continuei. "Es-
tamos ficando velhos, os olhos tem saudades de
nosso sangue andejo, adormecido ha quatro an-
nos, está pedindo movimento, terras de longe,
outras phisiotiomias, outros céos. "Vamos em-
bora Antônio. Amanhã sahe um "conte'' ,»> ou um
"c;ip" qualquer de Santos. Vamos com elle"
Antônio concordou. As malas estão promptas,
os passaportes em regra e as passagens compra-
das,
Eu fico olhando o meu amigo mau e já
me surprehendo a ter, par avance saudades delle.
— E quando volta ?
A gente nunca sabe quando volta, minha
amiga. Eu sou uma creatura, sem raizes, sem
amores, sem paixões de pátria. Vou andando
com a vida, com os trens, as estradas, os navios.
Quando estiver cansado de andar, pararei
onde sentir cansaço e descansarei. Um dia a
morte, vira, eu o sei. Xão lhe oporei resistên-
cias. Como um personagem de um escriptor
meu amigo eu "tive da vida tudo o que os meus
braços e minha fortuna alcançaram" Partirei,
pois, sem queixas e com uma vaga crença que
o outro mundo é um mundo divertido também.
— Porque você não confessa que todos os

24
ARLEQUIM

actos de sua vida tendem para o ideal de es-


quecer "alguém" ?
— Não podia confessar uma cousa que não
existe. O seu "alguém" anda dentro de mim, é
minha companheira de vida ou de viagem. "Mora
com os meus mortos bem dentro do meu coração"
e é, talvez, a mais linda cousa que achei neste
mundo. Xão pude ter o amor, o corpo e a al-
ma desse "alguém" Contentei-me com a som-
bra desse amor, desse corpo e dessa alma. Con-
tentei-me sou feliz, acredito que não perdi na
troca. Ha creaturas mais exigentes.
Exgotta o seu copo de wiscky, renova a
dose e conta-me, com sua voz grave, onde mora
sempre uma estranha tonalidade de um velho
ressentimento, lembranças de terras por onde
andou, de creaturas que conheceu, de mulheres
que deram um pouco "de sombra e de sol á
sua alma inquieta de cigana"

Meu amigo mau tem razão, com o inverno


humido e desagradável de São Paulo, só nos resta
fascrmos nossas malas, em busca de lugares mais
aprasiveis. Quer seja a viagem em trens de
luxo ou automóvel, não devemos nos esquecer
de nos munir de malas e valises modernas, que
realisam o máximo do conforto e da commodi-
dade. Xas de Vuitíon encontramos todos estes
predica los.
Nos clichês que illustram esta chronica, en-
contraremos alguns manteaux próprios para via-
gens, práticos e de elegante linha. Devemos, nos
manteaux de viagem procurar sempre a simplici-
dade. De tecido liso, forrados de escosses,
ou vice-versa, são de um effeito sóbrio e chie.
Enfim, cercadas do conTorto, do chie e da
elegância (pie nos proporciona a industria mo-
derna, sentimos redobrados os encantos e o
Um hlaxtm n;i rua, chama. praser das nossas viagens.
— Hora de partir para Santos. O navio
sahe ao amanhecer. Espero embarcar ainda
hoje. Xão gosto de madrugar
Partiu. O seu copo ficou quasi «heio.
O seu cigarro alli está esquecido e acesso fazer
arabescos de fumaça. Voltará algum dia? MARILIT
25
Md.i.ijriM

ELE«AN<IAf
riAsmiriAi
Illustraçõcs de J. G. V1LLIN
DOS P E R F U M E S - U M A S A B I Á C O M P O S I Ç Ã O
- DOIS \ 0 \ OS MODELOS DE T R A J E QUE
"ARLEQUIM" APRESENTA

O inverno está ahi. !' e até de expressões. Ha 1 is-


com elle chega o tempo pró- to, realmente, um reforço da
prio e especial dos perfumes. personalidade
Tratemos delles, pois.
Digamos, antes de mais nada Alas que perfume esco-
que se trata do mais delicado, lher? Para os menos exi-
talvez, de todos os problemas gentes basta correr a lista
da indumentária masculina. dos que já se tornaram clássi-
Cumpre ter rigorosíssimo cri- cos : Rosa Branca (a "Wite
tério no usal-os, tanto em Rose", dos inglezes), Couro
(pialidade como em quanti- da Rússia. Água de Colônia
dade (dos fabricantes Atkinson, E-
Os abusos t/m sido tan- rasmic, Jean-Marie Farina e
tos, que muitos elegantes de outros de alta classe) e outros
grande linha condemnam, o nesse typo, isto c, sempre
emprego de perfumes. E o "seccos", sem dar a impres-
de armeis, também. são de "pesados", de "gros-
Ha meios e modos, en- sos" ou de "doces"
tretanto, para agradar, sem Cheiros essencialmente
ferir, a olfactiva própria e masculinos são o de fumo e
alheia. Escolham-se perfu- o de chá. Combinado qual-
mes seccos e subtis, simples, quer delles com o de sandalo,
também. Nada destas sa- a essência das grandes volu-
bias complicações de ultima pias, pode-se conseguir um
moda. Xem, tão pouco, de verdadeiro "odor sui generis"
variações freqüentes e bru- E' o que fazia, por exemplo,
scas. Adopte-se um só per- um meu amigo que a grippe
fume i ara toda a vida, si levou. Punha nas mãos, ao
possível, como sempre se con- sahir, um pouco de sandalo
serva o mesmo talhe de let- de origem ingleza 'o único
tra. como se mantém, ainda, que não é adulterado e Mue
o mesmo conjuncto de gestos MODELO A cheira "secco";. E logo de-

26
ARLEQUEM

pois as esfregava, longamente Illustramos aqui dois ty-


amorosamente, em fumoMa- pos de paletó-sacco, de estylo
ryland ou Virgínia, para a differente, no corte. Só têm
seguir esfregal-as ainda, em de eguaes as golas, cortadsa
chá verde, de fina marca. com uma certa targueza e
A composição era opti- cujos entalhes são franca-
ma. E pode tornar-se diffe- mente altos.
rente, talvez melhor, si em t"í £ Um delles, o marcado
vez do Maryland ou do Vir- "A", tem as abas cortadas
ginia se usa fumo goyano, em^. curva bastante franca,
deste que se encontra em servindo melhor para os ra-
grossos rolos. pazes de uma certa corpulen-
De qualquer modo con- cia, comquanto nos pareça
vém evitar nos perfumes a que os bolsos, com as "pes-
suggestão do álcool, tão fre- tanas" á mostra e cortados
qüente e desagradável 'nas muito embaixo, não corres-
loções, das quaes a mais tole- pondam ao agrado geral da
rável é o "Bay-Rhum", mes- linha.
mo o que se fabrica em São O outro, marcado " B "
Paulo e cuja qualidade é tem as abas quasi rectas, ape-
bôa. nas levemente arredondadas
nas pontas. O que dá im-
Ha quem use, também, pressão de certa firmeza na
combinando-o com o do fumo figura, impressão sublinhada
o cheiro das folhas de laran- pela posição e pelo typo dos
geira ou do limoeiro. Para bolsos, apenas indicados e
isto, porém, como para todo o postos bastante altos. No-
resto, cumpre ter gosto segu- te-se, neste figurino, o cha-
ríssimo. Alas quem pode, de péu de fita estreita, detalhe
facto, pretender tornar-se ele- a (pie os nossos elegantes não
gante sem uma alta dose de tem dado a devida attenção.
cultura e de bom gosto ? MODELO B

B À L L À D A
dando nós
V E R D E de parasitas pelos troncos. No sacrario
da floresta é tudo verde.

Apenas
Calor tropical. Horas paradas, um pedaço de céu espia num recanto.
de tardes genuinamente brasileiras
Lançando-se no espaço, os leques das palmeiras De repente, como por encanto,
são bandeiras verdes desfraldadas. assustada, prorompendo em gritos,
debanda, num ruflar de penas,
Campos verdes. Grillos verdes a nintiir uma verde legião de periquitos.
na cupola verde, gigantesca,
que se, estende no ar. Oliveira
Uma cortina de cipós,
agreste e pitoresca
fecha o scenario Ribeiro Neío
AKI.EijUM

Marilia E.SCObar P i r e s , a querida declamadora paulista que,


em companhia de suas alumnas e dos poetas Cleomencs Campos,
Júlio César da Silva e Frei Francisco da Simplicidade, declamará,
hoje, no Palacia Teçayndaba, proporcionando, certamente, ao nosso
publico uma deliciosa noite de arte.
••>>;
ARLEQUIM

COELHO NETTO
Coelho Netto, o "Coeline da phrase" ^jmmimi^iiy
como já bem o definiu certo escriptor patrício,
acaba de vencer, significativamente, o concurso
para príncipe dos prosadores nacionaes, ha
pouco instituido por um hebdomadário carioca.
Senhor de uma solida e vastíssima cultura,
e, por isso, mesmo, um dos nossos mais fe-
cundos escriptores, o fino criador de Roman-
ceiro bem merece o honroso titulo que lhe
vem de ser conferido.
Basta a sua extraordinar a e admirável
actividade literária para justificar, cabalmente,
a affirmativa.
Autor de não sei quantas obras, que for-
mam uma importante bagagem, dellas se des-
tacando O Morto, Sertão, Conquista, Inverno
em Jlâr e outras tantas, Coelho Netto é mesmo,
não ha duvida, um dos nossos mais laborio-
sos e brilhantes escriptores.
Alem de estar, amiudadamente, a publicar
livros í e mais livros, o magistral romancista
de Rei Negro ainda escreve, sempre e sempre,
para quase todos os jornaes cariocas, estenden-
do também a sua assombrosa operosidade
pelo estrangeiro em fora.
Neste seu enorme amontoado de obras,
que leva muita gente a julgal-o como ataca-
do de hetnorrhagia literária, cousa até bem
ambicionada por todo mundo; neste seu
enorme amontoado de obras, dizia eu, se nos
depara, com toda vitalidade, o escriptor puro,
bizarro, cuidadoso, que muito se esmera pela
correcção de linguagem, justeza de expressões
e finura de estilo. Sobre elle, referindo-se a
esta parte, já bem o disse o sr. Raul Azevedo:
"Os seus períodos são joeírados com a pai-
xão do artista de raça, do escriptor térso, do
estylista primoroso que sabe empregar a pala-
vra technica, ajustal-a, polindo-a, num traba-
lho paciente de mestre, de burilador da lin-
guagem".''
E' mesmo assim, positivamente, o autor
de Banzo.
Prosador enleiante, duma riqueza de vocabulário das da Academia Brasileira de Letras, á qual tem dado
admirável, amigo inseparável dos adjectivos, o que en- o melhor dos seus esforços.
raivece a muita gente, Coelho Netto, cuja organisação lite- Assim, trabalha incessantemente, irradiando a sua for-
rária é a mais perfeita e complexa possível, esplende midável capacidade mental por toda parte. Já nos tendo
tanto no romance, como no conto, como na chronica, como dado, demasiadamente, o fructo, as mais das vezes saboro-
em qualquer outro domínio da literatura, sabendo bem síssimo, do seu formoso espirito, alcançando a cada dia
pintar, em cambiantes e vivas cores, o ambiente que des- victorias e mais victorias literárias, Coelho Netto não se
creve, e dando ainda vida precisa ás suas personagens. detém e trabalha sem cessar, recusando descançar sobre os
E, sobre dar-lhes vida, joga também com ellas com a mes- loiros dos seus grandes e innumeros triumphos.
ma facilidade com que o menino imposs. "I do irrequieto Deste modo, foi justa e muito justa a sua escolha
Jorge de Lima, que está fazendo revolução literária aqui para príncipe dos prosadores nacionaes, attentando-se
pelo nordeste, quebra os brinquedos estrangeiros. bem nestes seus raros e preciosos méritos.
E daqui, deste recanto do nordeste, lhe envio as
Imaginoso, subtíl, humorista, observador, tudo isso minhas felicitações por mais esta victoria, victoria que
enriquecido pela sua espontaneidade de linguagem, o muito ha de contribuir para a formação dos alicerces da
autor de Sertão também é uma das figuras mais bem defini- sua immortalidade.

A R N O N D E M E L L O
29
ARLEQUIM

Um Pae anli-diluviano
"Mas, quando appareccu o mons-
tro, não tiveste um movimento de fuga.
nâo demonMnute, ao menos, um pouco
de receio?
KuT Dei um pulinho.
— 1'arti o outro hido tio muro?
N M.1'4 de exaugeros. Reconheço
que nflo lograria nunca mais, reproduzir
i) pulinho. Mas affirmo que elle só attin-
giu a distancia estrictamente requerida
pelo meu instineto de conservação.
— Foi por isso mesmo que julguei,
tendo em vista que o muro não era muito
alto.
— Laboraste em erro. Minha digni-
dade ficaria mortalmente ferida pelo ta-
manho do salto que imaginas. Era mis-
ter enfrentar a cólera do inimigo, para
provar á minha amada o que é a intrepi-
dez do um coração verdadeiramente
amante. Sem contar que, se eu me reti-
rasse, elle poderia, furioso como estava,
atirar-me pelas costas e isto complicaria
extraordinariamente a situação delia,
envolvendo o seu nome em um escân-
dalo. Era melhor tentar acalmal-o.
— Tua coragem e o teu sangue-frio
saltam aos olhos. Mas, que disse elle?
— Elle disse: "Até a estas horas
Uma fragancia deliciosa, grande duração e efccel-,
na rua, Julieta!?" Depois, virou-se
para mim : "Que faz ahi, cão? !" lentes propriedades para embeUecer a cutis»
— Foi muito mais delicado para com Tudo isto se acha çonvprehendidç ru>
a Julieta.
— Decerto ! Pois, se não me co-
nhecia I ? Ainda assim, creio, que, se
Sabonete de Reuter
deixou de aborrecel-a mais, foi unica- E ' um anjo da guarda para as crianças; devido a
mente em attenç&o á minha presença.
— Vê-se logo que tinhas absorvido
que lhes conserva sempre a cutis mimosa e deli-
toda a sua attençáo disponível. Que cada, tresca, pertuniruía e em perfeito estado de.
lhe respondeste? suurie.
— Ah I Procurei informal-o da pu-
•»•
reza das minhas intenções. Quia mos-
trar-lhe os meus versos que a demons-
trariam cabalmente. Só se viam ali cha. 0 "nome delia estaria a salvo do — Puxou um rewolver ? !
figuras inspiradas por flores como o lyrio, intromettimehto da imprensa. — Nem sei bem. Por uma interes-
a açucena, a violeta e outras symbolisa- —Taes considerações, em tal circuns- sante coincidência, lembrei-me de que
doras de idéas extremamente castas.. tancia, demonstram a immensidade do teu nesse mesmo instante era imprescindível
— Não me digas que elle não adoçou! amor. a minha presença a muitos kilometros
— Digo-o. Accrescento até que fi- — Pois bem. O projecto e a reali- d'ali. Foi por isso que fiz logo uso de
cou mais enraivecido. Chamou-me no" sação seriam simultâneos, se entre' am- toda a velocidade de que sou capaz,
mes. Ameaçou-me cruelmente e promet- bos não se interpusessem os fados, per- ignorando em conseqüência se elle che-
teu-me tremendos castigos. mittindo que Julieta não resistisse ao gou a tiral-o completamente e, até,
— Mas não cumpriu a promessa... empurrão que lhe deu meu desagradável se aquillo era de facto um rewolver e não
— Não a cumpriu, supponho, devido interlocutor e fosse quedar graciosamente uma espingarda.
ao facto de se ter enroscado a minha em uma moita, a seis passos de distancia. — Emfim, o importante é que está
amada em seu pescoço, impedindo-lhe — Irra! salvo, a despeito de tua bravura.
todos os movimentos. — Fiquei pregado ao solo. Só ha- — Vou explicar-te, agora, porque
— Que scena suave ! via uma esperança. Julieta levantara-se rapei aquelle bigode que, segundo dizias,
— Não poude aprecial-a devidamen- e intercedeu de novo. Conseguiria segu- me fornava inconfundível.
te. Verificando que meu aggressor não rai-o novamente ? Que momento angus — Não é preciso. Comprehendo-se
podia mexer-se, dispuz-me a caminhar tioso! bem que o que desejas actualmente,
em passo algo rápido em direcção á pró- — Afinal, conseguiu ou não ? é estabelecer a teu respeito a maior con-
xima esquina. Parecia provisoriamente — Foi quando ia conseguindo, que fusão possível.
afastado o perigo de ser atirado em mar- elle começou a puxar um rewolver. Fábio de Souza Queiroz
30
Festa de Carnaval. E quantas mulheres de modos másculos
Reco-recos gritando assustados. foram confundidas, graças á mantilha,
M.lle, melindrosa perfeita, deixara com os moços poltrões, e como taes
a ventarola sobre uma cadeira. Fora perseguidas...
dansar. Na volta encontrara no leque, Vieram depois os véos transparentes,
estas linhas escriptas: cobrindo o rosto inteiro...
— Tenho bailando nos meus olhos — Mas que mania será essa de usar
o brilho e a côr dos teus; veo?
a tua fala como si — Ora, o véo embelleza ! As orien-
fosse congelada em meus taes, por exemplo, foram obrigadas a
ouvidos ; a tua alma nos refolhos trazer o rosto e a cabeça envoltos em
de minha alma ; o teu sonho transformado gazes longas, desde que o propheta Ma-
no meu; o teu cheiro impregnado homet se apaixonou pela mulher de um
no meu corpo; a tua vida de seus discípulos, por lhe ter visto os
perpetuamente unida contornos do pescoço... Então o Mes-
á minha vida... século XVIIT, aqui mesmo em S. Paulo,
tre mandou que as mulheres cobrissem
as nossas patrícias, não podendo esconder
M.lle atirou fora o leque, desde- a cara, preservando os homens da ten-
elegantemente parte do rosto nos peque-
nhosamente. tação. A principio, com certeza, elias
ninos loups de velludo negro tão em
O rapaz que a olhava de longe, que relutaram. Mas viram depois que toda
moda nas cortes da Europa pois o uso
não estava fantaziado, mas tinha a pele parece mais branca; os olhos mais
das mascaras era prohibido em nossa
alma de verdadeiro Pierrot, comprehen- humidos e expressivos, as narinas mais
terra, embrulhavam-se em longas capas
deu que Colombina existia. .. E o delicadas, quando encobertos nas meias
de baeta escura e desabavam sobre os
jazz soltou uma gargalhada arlequinal... tinta de uma gaze...
olhos as abas dos grandes chapéus, a
E o véo entrou definitivamente, como
ponto de se tornarem todas iguaes quan-
cúmplice da mulher na tentação dos ho-
do sahiam á rua. Mas os homens é
mens. ..
que eram prejudicados com isso, porque
não podiam ver as faces morenas e lindas
das mulheres paulistas. E o governador
prohibiu o uso dessas capas, mandando,
segundo um chronista, que as mulheres
usassem o rosto descoberto até á nascente
M.me, uma das nossa maiores ele- do colo... Foi àhi que surgiram as
gantes, entra no salão quasi repleto duma mantilhas de rendas, armadas em grandes *2btf~
confeitaria chie. Todos os olhos a acom- pentes de marfim e tartaruga, encrus-
panham quando passa. Chovem as tados de oiro, e prezas ás cabelleiras en-
criticas. caracoladas com rosas e broches, como
— M.me está cada vez mais moça usam as sevilhanas.
Mas a moda fez com que as manti- VAGALÜMES
e mais bonita - observam os homens. E
as mulheres, não sei si pensam, mas di- lhas se alongassem, as rendas engrossas- Os vagalumes, segundo eu cria,
zem : — Que decadência... E' a ve- sem, e as mulheres mais uma vez ficas- eram estrellas vindas lá do céu,
lhice que chega... sem embuçadas. Factos interessantes para de noite, claras como o dia,
Mas todos estão de accordo em que aconteceram então em S. Paulo. 1867. tontas de perfumes,
o véo transparente que lhe ca« da aba Começava o recrutamento para a guerra vagar ao léo.
do pequeno feltro sobre os olhes, lhe vae do Paraguay. Alguns moços que não
ás mil maravilhas : — os homens achan- queriam partir trancaram-se em casa. Dizem que nos campos,
do que os seus olhos claros ficam real- Mas chegaram as novenas do Carmo o "João de Barro", aquelle passarinho
çados ; — as mulheres que o véo lhe es- veio a Semana Santa, e a vontade de se esperto, prende em sua casa os pyrilampos
conde as primeiras rugas. Então, numa divortirem os fez sahir á rua. Não traziam Gosta de ver illumínado o ninho...
roda de senhores mais ou menos respeita-» as roupas communs. Vestindo saias
veia, alguém que se interessa pelas chro- de seda preta servia-lhes de disfarce a Eu não acreditava mas um dia
nicas antigas, conta cousas interessantes mantilha. Os encarregados do recru- eu vi teus verdes olhos, como lumes.
sobre o véo. tamento foram avisados. Sahiram-lhes E hoje eu creio naquillo que não cria ;
— E' velho este habito das mulheres ao encalço mas o disfarce era perfeito. — pois além das casinholas
taparem a face. Em tempos relativa- de barro, eu conheço outras gaiolas
mente não muito remotos, em fins do PEDRO ANTÔNIO onde foi preza uma porção de vagalumes...

31
ARLEQUIM

Os lábios mentem,
os olhos não. APROVEITEM
Manhã d'Outomno, radiosa de sol.
Ha nos ramos flores cntreabertas, e, no ar, vôos de DOS P R E Ç O S D A S
borboletas
Os últimos jasmins embranquecem o perfumam o
terraço do bangalô de venezianas verdes, onde Berenice
costuma estar, todas as manhãs o todas as tardes, a lêr
algum poeta, ou scismando, o olhar perdido na amplidão
azul...
Jóias Finas
O relógio carrilhão da sala de jantar, cantava nove e
tree quartos, quando entrei o portão gradeado do jardim.
A areia branca que forra as aléas, crepitando sob meus
passos, annunciou-me. . .
Esneci ras largas e
Berenice voltou-se para mim, com um sorriso pleno
de seducçôes e accentuar-lhe as convinhas das faces rosadas:
— Já sabia que era você. - fallou. modernos em brilhantes
— Foi o coração quem lh'o disse ?. .
— N ã o . . . foi o crepitar da areia.
— Másinha !. . Porque não mentiu ? Ao menos
para me alegrar?
NA JOALHERU DE CONFIANÇA
— Para q u ê ? . . . Sabia que era inútil; quasi nunca
você crê no que lhe digo.

.. E' mesmo assim : não confio muito no que dizem


os lábios femininos - elles mentem tanto ! . . .
Só o olhar é que não m e n t e . . .
E são tão claros, tão sinceros os olhos de Berenice.
. . olhos esmeraldinos, que me dizem tanta ternura.
CASA BENTO 1 8
Mudo de Castro Serra

* * *
RUA 15 DE NOVEMBRO, 57
REVUE DE LAMERIQUE LATINE
Todos os intellectuaes brasileiros deveriam assignar e Os maiores importadores de jóias
collaborar nessa revista de diffusão da cultura da America
Latina, na França, como fazem os intellectuaes dos demais no Brasil
paizes Sul e Centro-Americanos.
A Revista já conta 7 annos de existência e tem á sua
direcção os escriptores Ernest Martinenche e Charels Lesca
e como collabora dores um grupo de literatos que conhecem Riquíssimo soríimenío
a literatura portugueza e hespanhola, entre os quaes: Ma-
noel Galvisto, Francis de Mirmandol, Jean Cassou, G.
le Gentis, Philleas Lebesgue, Georges Pillement, Robert
de aile em bronze
Ricard, Raymond Rorge, René Richard, Angel Marvand,
Max Daireaux Jean Durian, C.. Fournier, A. Folgairolle,
etc.
Preço da assignatura annual: Praia, Melai praíeado, Galíé,
$2.60
ou sejam 22«000. Marfim, Sévres, Baccaraí e Mármore
32
ARLEQUIM

O SAPO E A COBRA
Carnaval. Terça-feira-gorda. Ale- Tio que me queria muito, rabujento, Os meus deram de perguntar uma
gria. exquisitão, tio isto, tio aquillo, que fez, porção dessas cousas escabrosas, e os
Fui espaírecer um pouco na Avenida. que aconteceu, tudo, tudo expliquei. delia, parece, responderam consentindo,
A pé, naturalmente. Corso e jooting E o meu convite, adeus. Ficaria porque dahi a pouco, junto de uma ar-
animadíssimos. Quantidade enorme de talvez para as calendas gregas. vore, cuja sombra muito escura a lua
gente. Fileiras intermináveis de auto- projectava na calçada, parávamos nós
móveis. Serpentinas. Gritos. Folia. Uma noite afinal, noite agradável, dois.
Passavam, aos magotes, meninas com estreitas, lua, e tudo o mais que cos- E das mãos delia soltaram-se as
meneando o corpo, provocantes. Passa- tuma aformosear céo e terra, sahimos. minhas mãos. E os meus braços que
vam. E e u . . . não, eu resolvera tor- A pé, comprehende-se. O automóvel tremiam, sacrilegos, enlaçaram-lhe a cin-
nar-me impenetrável. ficava para outras e, si possível, melhores turinha delicada e frágil. E uns olhos er-
opportunidades. gueram-se supplices a mim. E uns lá-
Mas, triste destino das nossas reso- Era cedo ainda.
luções. Quanto melhores, tanto menos bios entreabriram-se senzualizadores... e
pratieaveis. — Daríamos uma volta pequena um busto pendeu fremente nos meus hom-
Uns olhos pretos. Uma cabelleíra disse num muchocho que me tirou a bros... Não, não continuo. Se alguém
preta. Um rosto muito branco, um lindo vontade de contesta-la. já provou disto, que recorde. Se não
rosto oval, e uma bocea ! e uns lábios ! . . . Enfiámo-nos pela travessa mais provou, imagine.
Santo Deus, que lábios ! . . . Ella, ella próxima. Arrisquei perguntar-lhe se não
afinal, a que eu julgava apenas existir achava aborrecido aquülode conversar *:.* *
em sonhos, passou por mim. E os meus mos andando. A mim, francamente Um vulto de mulher dirigia-se a nós
olhos não desfitaram as duas pupillas aborrecia. — Mamãe ! disse ella a encolher-se
negras e profundas, que falavam de cari- Delicioso é conversar, parados de medo. Que havemos de fazer ?
cías nunca imaginadas. Incapaz de re- em frente um do outro, as mãos unidas, — Que fazer ? Esperar. E não po-
sistir, fui-me chegando insensivelmente, os olhos fitos nos olhos, as boceas roçan- dia ser de outra forma. Felizmente já
inconscientemente, autômato, fascinado... do-se quasi... eu disse commigo mesmo, conversávamos na mais recatada das
O sapo e a cobra. não me atrevendo a faze-lo em voz alta, maneiras, e quem se approximasse, de
E a cobra era a de sempre, irresistí- ou pelos menos intelligivel. Ou me- modo algum poderia suppôr o que se
vel. E o sapo, o mesmo sapo de todas as lhor, disse-o com os olhos, que, se meus passara.
vezes. lábios não falaram, o meu olhar falou. Descobri-me respeitoso.
Essa, a minha conquista. O meu Falou tudo isso, e ainda mais talvez, na — Minha filha ! Como é isso, você
presente de carnaval. linguagem muda que só elle sabe. conversando com este senhor, assim, de
O nosso olhar ! A linguagem muda noite, longe de casa?
* * * dos olhares! — Não é mamãe. Eu vinha pas-
Muda? Sim, não ha duvida .Eu, sando e, por acaso...
Quarta-feira-de-cinzas. Tristeza. Si- porem, juntaria um outro qualificativo : — Cale-se. O senhor desculpe, mas
lencio. impudica. Não que eu tenha por ella tenho de portar-me deste modo. Esta
Passei á noitinha pela casa delia. especial . sympathia, mas porque real- menina, que não sabe da malícia do
Esperava-me na porta. Conversá-mos. mente é impudica a linguagem muda dos mundo, e possúe um coração de ouro
E o tempo me pareceu tão curto, de ado- olhares. julgando todos por si, não comprehende
rável que foi. Ella, pondo dentro dos Elles fazem o officio de batedores, que outras pessoas, vendo-a numa ocea-
meus as scint.llações dos grandes olhos ne- explorando o caminho. Vão á frente, sião destas, hão de ir por ahi, falando
gros, e offerecendo-me, a rir, uns lábios saber se não ha perigo. Prescrutam, in- cousas e mais cousas da pobrezinha.
que eu não beijei. dagam com uma audácia de desavergo- — Realmente, minha senhora, as
Deixei-a entre alegre e triste, ru- nhados. Após investigarem longamente, más línguas... observei, recuperando
minando um modo de convidal-a para então sim, os lábios sahem da mudez a a calma.
sahir commigo, em passeio de automó- que os obrigara o temor, o respeito, ou — Pois é, ella não comprehende.
vel ou a pé, de accôrdo com o gosto o que quer que fosse. O senhor, distineto rapaz, pelo que vejo,
delia. O meu desejo era de não mais Tudo depende dos olhares que per- ha de dar-me razão por te-los vindo inter-
conversarmos na porta da casa. Sahir- guntam — mudamente, mas perguntam romper. Sou mãe, e preciso zelar pelo
mos os dois sozinhos, bem entendido, — cousas que se não escrevem, não por bom nome de minha filha. Não que a
era o essencial. A espécie de passeio, impossíveis, senão por impróprias de se- prohiba de conversar com rapazes, mas
ella que escolhesse. Também, alguma rem escriptas. vá conversar em casa e não na rua. Te-
cousa eu devia conceder-lhe. São assim, quando fitam os do outro nho mesmo prazer em conhece-lo. Sei
Mas, justamente porque a isso eu sexo, uns despudonorados. que não lhe cabe culpa. E' rapaz.
me resolvera, não achava meios de o Verdade é que não levam a melhor Contudo, para minha filha, para uma
fazer. Todas as vezes, quando conver- toda a vez. Mas isto, apenas em casos menina, isto não fica bem, e, mãe que
sávamos, uma círcumatancia qualquer de "raras e honrosas excepções." sou, não posso consentir em similhante
impedia-me de propor-lhe o convite. Ou
era a mãe que estava para chegar, ou
o primo que por ali andava, ou algum
assumpto que immensamente lhe pren-
dia a attenção, não me atrevendo eu a
interrompe-la, o certo era que eu não
achava geito de fazer-lhe o convite.
Uma das vezes em que parecia estu-
penda a oceasião de arrisca-lo, timida-
mente, porque eu o considerava surto
grande demais para os meus primeiros
arrojos donjuanescos, deu ella de preoc-
cupar-se com o luto que eu trazia no
braço e no chapéu.
— Porque esse fumo ?
E lá tive eu de contar toda a historia
de um tio solteirão que eu ha pouco per-
dera e me instituíra herdeiro universal.

33
ARLEQUIM

cousa E você, menina, se quizer con- Sahi afinal. E apezar do dinheiro — Eu victima? O victima doeu-
v ersar, com elle. convidc-o para appare- que deixara, nâo sahi triste. "Infeliz me. Nunca imaginei que pudesse tor-
cer em nossa rasa, onde será muito no jogo". pensava eu, consolando-me. nar-me aquillo. Victima! Era boa'
Hemvimlo Como com pouco se consola o cora- Tinha eu por a CASO feição de victima?
E desandou por ahi afora. Eu ção humano ! O meu, pelo menos, con- E zanguei-me.
ouvia, npnrte.niilo algumas vezes, que solei-o exclusivamente com essas pala- Accalmando-me, o Arthur me expli-
eu nfio queria fazer-me de desconcertado. vra." cou ser aquelle o modo por que mãe e
Até que, chamando a filha, a mãe Não me arrependera senão, talvez, filha faziam as conquistas dellas, Um
so retirou, convidando-me ainda para momentaneamente, porque dahi a uns dos modos, aliás, e o mais freqüente.
chegar até a rasa dellas. dois ou três dias, estava eu de volta. E serviam-se dos primos e do tio, que nem
Tudo se repetiu de egual maneira. eram tio nem primos, para explorarem as
Desculpei-mo Tinha um compro- victimas no jogo de cartas.
misso para dali a pouco. O mesmo jogo e o mesmo fim. Mas
aquelle provérbio e os olhos delia enchiam- — Não, por favor, não me chame de
— Appareça amanhã. Lá pelas 8 me de coragem, da coragem fatídica, á victima. Basta o que você já disse,
horas da noito Teremos muita satisfac- qual eu, hoje, prefiro o medo c mesmo a falei acabrunhado.
çfto. covardia. Afinal, era esse_ o epilogo da his-
Accedi. Que mais havia eu de fa- Pouco porem se me dava perder o toria.
zer ' dinheiro, contanto que a pequena se A cobra e o sapo.
Despedi-me. rendesse a mim. E porque preoecupar- E que sapo estúpido, meu Deus !
E o ligeiro aperto de mão, e os olhos me com ninharias. A fortuna que meu
negros que me fitavam insistentes, di- tio deixara sobejava para taes loucuras.
liam-me que não faltasse. Voltei outra vezes. Tornei-me assí- — Agora, Arthur, onde é que você
duo freqüentador da casa, onde me reee* vae?
biam na maior alegria, e me tratavam com — Vou telephonar á 'sua pequena,
enorme consideração. convidando-a para sahir commigo.
E sempre jogávamos. E eu per- — Que pequena ?
* * — Essa que explorou você todo esse
dia sempre.
tempo.
— O que? como ó isso?
— E' que eu também já fui victi-
ma. ..
*,V| No dia seguinte, 8 horas da noite, — Não, não diga essa palavra; por
lá estava eu cumprindo o promettido. * * « •
favor.
Queria ver no que dava tudo aquillo. E — Bem, é que eu também cahi. Ex-
depois, a pequena era linda. Valia arris- ploraram-me a grande. Mas, afinal eu
car-me. soube tirar o meu partido. Questão
Receberam-me na sala de visitas. El- de persistência. Vá persistindo, disse-
la sentou-se ao meu lado, no sofá, e a Uma noite dirigia-me para lá, quan" me elle ao despedir-se. Ou, quem sabe
mãe, que se refastelára á nossa frente, do encontrei o Arthur, o meu amig 0 se você vae á casa delia ainda esta noite ?
muito ao contrario do que eu esperava, Arthur. Rapaz alto, elegante, maneiroso — Quem sabe, respondi quasi gri-
captivou-me logo de principio. De tal e dizem que bonito. Não sei. Sei ape- tando, porque o Arthur já estava longe.
maneira se mostrou amável e attenciosa, nas que o Arthur é um grande e irresis-
que eu fui deixando-me ficar, esquecido tivel conquistador. Renato Soares de Toledo
de vez das horas que corriam.
Decidi-me a pedir-lhe conselhos.
E mesmo, já estava achando deli- Ninguém melhor para ouvir-me e escla-
ciosa a minha visita, quando chegaram recer-me.
outras pessoas. Dois primos. E mais
alguém entrava. Um tio. Contei-lhe por alto o meu oceasio-
nal encontro com uma linda pequena
— Oh ! os meus parceiros que afinal cuja mãe. viuva e distinetissima senhora,
vieram ! falou a dona da casa na mais mais tarde eu conheci por intermédio da
indizivel satisfacção. O senhor, diri- própria filha, pequena por quem eu estava
gindo-se a mim, não aprecia também um deveras apaixonado, tanto que já lhe
joguinho de cartas? freqüentava a casa, e com muita assidui-
Ia dizer-lhe que preferia o xadrez. dade.
Por pouco que o não disse.
— Muito, minha senhora. Muitís- O Arthur sorriu quando falei da viu-
simo, respondi com o meu melhor sor- va e distinetissima senhora.
riso Não dei importância.
A pequena, tomando-me das mãos, Pediu-me que continuasse.
explicou-me. Falei do jogo de cartas.
— E' que a mamãe gosta immenso de — O typo da pequena?
jogar. E' um divertimento esplendido Descrevi.
não acha ? Novamente ocearreu-me que — Ah ! fez o Arthur, como que illu-
o xadrez seria melhor, mais elegante, minando-se, já sei, mora em tal rua,
menos ar iscada c numero tanto ?
— Certamente, con ordei. — Justamente, conhece-a?
— Então você também joga? Va- — Espera lá. No jogo você perde
mos todos lá para dentro. sempre, não perde ?
E chegando os lábios quasi no meu — E', fiz eu resignando-me.
ouvido — eu não jogo, disse-me. Gosto — Bem.
apenas de vêr. Vou sentar-me junto E a mim, que cahia de surpreza em
de você, para dar sorte. surpreza, o Arthur disse a minha pró-
E foi justamente o contrario. A pria historia. O passeio. A mãe que
sorte virou de tal maneira, que a mim, nos apanha em flagrante. A reprehen-
e a mim unicamente, o divertimento sahiu são na filha. O convite para visita-las.
bem mais caro, muito mais caro do que O tio. Os primos. Tudo, tudo.
eu pensava. — E o que significa isso, afinal, per-
Mas ella lá estava ao meu lado para guntei assombrado.
encorajar-me. Antes o não fizesse. São — Quasi nada. Apenas, que você
muito perigosas as eoragens que a mu- é a victima mais recent»_daquella^rapa-
lher inspira. riga.

34
ARLEQUIM

riócas... Bolas para a Parahyba ! Viva o café ! Viva o Pales-


AVENIDA PAULISTA tra f... e nessas effusões de uma felicidade inesperada, eu me per-
dia, todo agachado nas dobras macias daquella confortável poltrona.
Um palacete arrogante, todo vestido de mármore e vitraes. Uma forte claridade ferio a penumbra da sala.
Um gramado colorido com flores, dois "Cadillacs", um O Snr. Augusto ? - fallou a respeitável matrona que acabava de
"Packard", um "Lincoln" e uma magestosa grade de ferro entrar pela porta do lado.
enfeixando o "paraiso" Perfeitamente, minha senhora, respondi-lhe levantando-me e
Irene puxou-me pelo braço. N'um tom de voz entre fazendo as mesuras de um genro que aguarda uma forte reprimenda
doce e meigo : Vem Augusto, tu agora podes entrar, - e . . . arras- por se ter casado ás pressas, sem o necessário consentimento da fa-
tou-me para uma sala babylonica, dessas salas onde os raios do mília.
sói não penetram, para que as janellas abertas não dêm, aos de fora, Irene contou-me tudo. De hoje em diante, como marido da
a impressão de decadência, na elevação social do dono da casa. minha governante, o Snr. será muito bemvindo a esta casa.
Ü> Eu, que sempre gostei de perfumes a custo accommodei-me
aquelle cheiro carregado de cousas abafadas, velharias preciosas, No mesmo dia Augusto escrevia á família :
estofados Persas, cortinas grossas e escuras como hábitos monas- "Casei-me com uma filha da Avenida Paulista»
ticos estendidos... rica e bonita. Para obter o consentimento dos pães,
A alta sociedade! y Quando começo a pensar no que daria de fui forçado a abjurar vocês e acceitar rigorosos precei-
minha vida para sentir o contacto daquella gente daquelles moveis tos estipulados pela minha sogra. Por favor façam
de ebano que deram cxplendor ao palácio dos Tzares; sentir o ouro conta que morri. Si alguém se atrever a pedir in-
que os enfeitam, comprados a peso de insignificantes sobras de ju- formações minhas á familia da minha mulher, todos,
ros ; partilhar daquillo tudo. sentado n'uma aristocrática poltrona, como reza o accordo, estarão firmes em attestar que
que também já era minha; sahir dalli para a cidade, no conforto casei-me com a creada, e que não passo de um reles
quente das almofadasincomparaveis de um carro de luxo... O coração chauffeur particular.
batia fortemente de encontro ao peito, como a pedir uma canção Minha bôa mãe que me perdoe. Si ella, que
berrante; uma gargalhada... bem conhece o amor. presenciasse os encantos da
Sentia-me suspenso! Olhava a pequenez do mundo de fora, alta sociedade, e soubesse até a que ponto pôde chegar,
como se estivesse a desprezar uma ponta do cigarro ! O mundo era a sizudez dos paulistas, comprehendería o sacrifício
meu; a Parnabyba que fosse para as brenhas. Dalli em diante a que me impuz".
mandaria chover café, a torto e direito, nos outros nortistas, nos ca- Braz Glelfe

25 DE MAIO
Pouco antes de meia noite. mente fria como a nossa, quem chega a receber as palmas
S. Paulo embuçado na capa da neblina pareceria a que ella recebeu, pode ficar certo de que encantou o audi-
alma dum poeta de 1830, si os claxons dos carros e o barulho tório .
metálico dos bondes, e si a luz dos annuncios que põem — Artista de valor ! A platéa não fez mais que en-
letras fulgurantes pisca-piscando no espaço, nâo viessem dossar as criticas dos jornalistas, que curvar-se mais uma
mostrar a vida que turbilhona na metrópole ainda mesmo vez ainda ao talento é á belleza, como o fizeram os jornaes
á noite. da Prata.
A esplanada do Municipal cheia de automóveis. — Mesmo os estudantes, lá em cima, portaram-se
Toda uma sociedade elegante e culta, num ruge-ruge de bem.
sedas, envolta em amplexos mornos de pelles finas e capas — Claro! Os estudantes sempre foram unanimes
severas, deixa o grande Theatro. Todos estão contentes, em aclamar os verdadeiros artistas, os talentos de escól!
sem excepção. Phrazes soltas passa rn de bocea em Sabem destinguir o trigo e o joio. Entre um milhão de
bocea. Todo mundo é da mesma opinião. jóias de pechisbeque, reconhecem imediatamente as pe-
— Que artista ! dras de valor. Olha ! Ahi vêm elles..
— Isso é que é saber cantar ! E os moços passam, enthusiasmados, numa alegria es-
— Maravilhosa ! fuziante.
— Nunca pensei que ella tivesse esse talento ! — Que colosso. . Julieta Telles de Menezes. Que
— Que voz ! Que pose ! Sabe entrar no palco, sabe voz ! Que elegância ! Lá de cima, a gente ouvindo e
agradecer as palmas ! Que graça !. vendo Julieta cantar, tem a impressão de que ja está no
— A graça feita mulher ! céu.
— E muitas palmas !. Numa platéa natural-

35
ARLEQUIM

flHERAMA
ADOLPHE MENJOU 'W»Àjà't&s

e
RICHARD DIX
BABY, o mal do cinema i a insipidez da vida.
Esse mundo encantado de sonhos e maravilhas no qual se vive a
hora e meia da projecção, é que torna odioso, para as cabecitas moças,
H
o mundo enjadonho de todos os dias.
O cinema dando uma jalsa concepção das cousas é a jonte perigosa
de desUlusões deploráveis. E Você, Baby, anonuma e amável, se me
ajigura intoxicada pelo ópio sublil, da civilisação contemporânea - os
O
bonecos mudos que dansam na tela branca.
Esse horror doentio de personagens cultos, na vida e na tela ou seria
um jructo paradoxal de scepticismo scientijico ou o resultado neces~
sario de um cérebro ancioso que pedio ao cinema a solução de problemas
R
que o cint-ma não pode resolver. Por isso que elle é simplesmente uma
historia de Jadas para a gente Grande.
D
Mesmo comprehendido assim não lhe perdôo as prejerencias. So-
brepor Richard Dix a Adolpho Menjou emprestando a ambos o espirito
7
que o cinema lhes da é algo que me entristece como a profanação de cou-
sas sagradas ' J3
O Jrancez ja não é moço ; na sua alma não canta171 os enthusiasmos
n
em as illusoes da juventude. O cynismo gelado e o sorriso presumçoso
I
de que elle se reveste na boa e na má sorte irritam, as vezes.
EUe não i bonito embora seja sympathico ; e, o que não lhe per- O
doam as moças, Menjou não se apaixona - deseja com sobriedade e
Z
elegância.
O americano é rapaz ; na sua alma inexperiente turbühoam tempes-
íáSÊ
tades.

EUe não comprehende a vida sem taponas, sem rival que as receba,
sem namorada que as recompense. Elle chora, ri, despenteia-se e soj-
jre. Sua alegria, bulhenta e gloriosa me erdimida e aborrece.
Menjou é calmo, seus prazeres pequenos são prazeres seus e não
exigem como os de Richard Diz a mobilisação do exercito e da marinha
Norte-Americana.
Menjou è o jilho da civilisação ; è o homem, que vio o vazio e o jundo
de todas as cousas. Menjou é a cultura, é o resultado desolador do es-
jorço humano desde os tempos obscuros das cavernas primitivas até a
poesia do Sr. Mario de Andrade.
Manjou é a luta ignorada e grandiosa da vacilante inteligência
humana.
Richard Dix, o symholo de um estagio inferior da espécie a que
pertencemos. E' a creança bonita e inconseqüente cheia de enthusia*
inos e juventude, que encanta porque é ella, porque parece sincera.
Mas, não é ,Baby, porque a sinceridade é apenas a continuidade
de crenças e de attitudes. Richard Dix não pode ser sincero ; sua alma
varia com as horas e com os "flirts"
Creia, que Adolpho Menjou apesar de todos os pesares é mais dig-
gno de seu carinho. E é só, Baby.

36
^MÊÉiiimmÈÉmiÉÊikmMÊTTmÊm
TYPOGRAPHIA BANCARIA

ARTES G R A P H I C A S EM GERAL,

PUZZIELLO & LESJAK

BRSST

odas as obras sáo mpressáo de Revistas


compostas em machina e Catálogos é feita
PHONB
de compor da em machina
9 " 1676
«Lanston Monotype cylindro automática
Philadelphia » «Planeta»

•^SrTB^KHÍBHBB

S A O P A U L O

RUA O R I E N T E , 1 3 4
líl 1 C.Mi

M kJ
Economia
Os fabricantes dos Caminhões e Omnibus
Graham Brothers acreditam que a economia nas
despezas de operação, occupa o mesmo grau de
importância que a fidedignidade, força e veloci-
dade de um vehículo.
Cada typo, cada Caminhão, cada Omnibus é
esboçado e construído visando um alvo principal
—a economia, ou seja: reduzidos gastos de
operação, o que implica: maiores lucros para o
proprietário.
O Caminhão Graham Brothers de 2 toneladas,
de 6 cylindros—rápido e potente—já está pro-
vando por si mesmo que é um productor de
lucros para os seus proprietários, por effeito dos
gastos de operação em extremo reduzidos*

CAMINHÕES E AUTO-OMNIBUS
G R A H A M BROTHERS
CONSTRUÍDOS PELA SECÇÂO DE CAMINHÕES DE DODCE BROTHERS, 1WC,
VENDIDOS PELOS AGENTES DODGE BROTHERS NO M U N D O iNTE/R^

iesgeraes: AütUIieS [dOS SaiitOS &


Rua Barão de Iiapeteninga, 59-41 — SÃO PAULO






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