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BREVEMENTE

A CASA
MAIS LUXUOSA
DE S. PAULO

A-
AKLEAVIA REVISTA DE ACTUALIDADES
EXPEDIENTE DIRECTORES
ASSIONATURAS PUBLICA-SE AS QUINTAS FEIRAS, EM SÃO PAULO SUD MENNUCCI
POB ANNO . 40$000
MAURÍCIO GOULART
P O B SEMESTRE 22$000 REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO
AMÉRICO :R. NETTO
NUMERO AVULSO . $ 0 0 0
Rua Libero Badaró, 28, 3." andar, sala 14
GERENTE CAIXA POSTAL 3 3 2 3 ILLUSTRADOR
AMÉRICO R. NETTO PHONE CENTRAL 1.0.2.4 J. G. VlLLIN

C O L L A B OR A D O R E S :
ALBA DE MELLO (SORCIERE), MARIA JOSÉ FERNANDES, AMADEU AMARAL, VICENTE ANCONA,
RICARDO DE FIGUEIREDO, RAUL BOPP, GUILHERME DE ALMEIDA, SILVEIRA BUENO, FRANCISCO
PATTI, J. RAMOS, RODRIGUES DE ABRBU, RUBENS DO AMARAL, PERCIVAL DE OLIVEIRA, MELLO
AYRES, THALES DE ANDRADE, CORRÊA JÚNIOR, BRENNO PINHEIRO, CLEOMENES CAMPOS, AF-
FONSO SCHMIDT, GALVÃO CERQUINHO, MERCADO JÚNIOR, MARIO L. CASTRO, MARCELLINO RITTER,
THEOPHILO BARBOSA, JOSÉ PAULO DA CÂMARA, LÉO VAZ, ETC.

Temos que agradecer cordial- Possuía a Sociedade a exclusi-


mente á imprensa desta capital vidade do titulo « Arlequim »
e do interior as lisongeiras refe- para todo o Brasil. Quando esse
rencias ao nosso aparecimento, facto veio ao nosso conhecimento,
acolhida expressa em termos que já a nossa revista estava no prelo
nos penhorarám e sensibilizaram. e a retirada do nome > importava
Deixamos de citar nominalmente em despesas não pequenas. Pro-
os nossos collegas que nos sauda- curámos, portanto, obter a cessão
ram e de transcrever-lhes as no- do titulo. Os srs. Pimenta de
tas, pois que são muitas e o espaço Mello _e Agnello de Souza e Silva,
não o é. directores da Sociedade Anonyma
« O Malho >, com uma gentileza
* * * de fidalgos, não tiveram a mini-
ma vacillação em attender ao
Agradecimento especial senti- nosso pedido, pondo-nos imme-
mo-nos na obrigação de o fazer diatamente á vontade nessa des-
á Sociedade Anonyma « O Ma- agradável situação. Não quere-
lho », proprietária das conhecidas mos que o publico ignore esse
revistas < A Illustração Brasilei- gesto de desprendimento com-
ra >, « Eara Todos » e « O Ma- mercial e de solidariedade jorna-
lho », onde pontificam o talento lística, ao mesmo tempo que con-
de Álvaro Moreyra, o creador signamos â Sociedade « O Malho >
do « Theat-o de Brinquedo » .. a expressão de nosso reconheci-
e o lápis mágico de J. Carlos. mento.
ARLEQÜIM

O sombrio Eduardo
DE JACQUES DEVAL
TRADUCÇÂO DE MERCADO JÚNIOR
ROGER LASSERRE — 30 annos
JÉROME BOUDRIOT— 32 annos
EDUARDO DUBREUIL—40 annos
Paris — Casa de Roger

JÉRÔME—Você já se mudou outra vez, Roger? JÉRÔME—Ella está reflectindo . . .


ROGER—Decerto. Era impossível viver naquella ROGER—Por isso, virá.
casa. Elias eram cinco — um verdadeiro dispensario. JÉRÔME—Presumpçoso. Então nunca falhou alguma?
Aqui, ao menos... ROGER—Eu me esqueço dos não. Essa, porém,
JÉRÔME—E quando veio você para cá? virá. Tem medo do marido, mas virá.
ROGER—Ha dez dias. JÉRÔME—E você não o tem?
JÉRÔME—Aposto que trez, no «ainimo, já conhecem ROGER—Nem temor nem piedade. Risco profis-
o novo endereço. sional, ossos do oficio.
ROGER—Não as mesmas. JÉRÔME—Você conhece o sr. Dubreuil?
JÉRÔME—Se você continuar assim, nestes dez annos ROGER—Ella m'o descreveu como um monstro
terão passado pelo seu coração todas as mulheres de desconfiado. Chama-o "o sombrio Eduardo". Mas,
Paris. com os maridos, você bem sabs, pouco me importo.
ROGER—Faço votos. Sou um amante organizado e consciente. Abaixo os
JÉRÔME—Don Juan! maridos enganados! Meu mestre, Don Juan, matou
ROGER—Um penetra! dezoito. Eu espero o décimo nono (Toque de campai-
JÉRÔME—Casanova!
ROGER—Um tratante!
JÉRÔME—Qual outro, então?
ROGER—O coronel Gerard.
JÉRÔME—O caçador de leões?
ROGER—Sim, o matador da grande fera tímida
e temível, crédula e astuciosa. E dizer que toda a mu-
lher é presa fácil... Depende de uma circumstancia,
de uma palavra, ou de um olhar. Descobrir essa circum-
stancia, essa palavra, esse olhar, abalar a alma mais
pura, mais subtil, ousar a luta, forjar a armadilha...
Quem se arrisca nesse jogo, embora nelle perca a alma,
ganha ainda.
JÉRÔME—Quantas mulheres você amou ?
ROGER—Quantos livros você leu?
JÉRÔME—Difficil dizer . . mas . Mais ou menos ?
ROGER—Não sei... \ Duzentas, duzehtas e cin-
coenta... As que pude.
JÉRÔME—E você não *as torna a ver ?
ROGER—Voluntariamente, não. Porque, se a co-
media é sempre outra, o scenario é sempre o mesmo.
JÉRÔME—O Coronel Gerard era mais caridoso
para com os leões : matava-os.
ROGER—Elias não me pedem tanto.
JÉRÔME—Engana-se. Pedem tanto quanto dfio,
e ceio ou tarde..
ROGER—(interrompendo-o). Então, que seja mais
tarde, meu caro. Agora...
JÉRÔME—Você espera alguma? "-
ROGER—A pequenina sra. Dubreuil.1!
(Roger veste um bello palelolde pyjama)
JÉRÔME—A flamula de guerra...
ROGER—O estandarte antes da batalha.
JÉRÔME—Então, evacuemos o campo.
ROGER—Nfio, nfio, fique. Fizeram-me jurar que
cão me encontrariam só.
JÉRÔME—Primeiro encontro ?
ROGER—Aqui em casa, sim. (olhando o relógio)
Cinco e cinco.
ARLEQUIM
nha). Entre para o quarto. Eu o chamarei depois, tranheza do seu procedimento. Inquietou-se, atormen-
mas você ficará comnosco uns minutos, apenas, está tou-se. Assim nascem as paixões. Ainda esta manhã,
ouvindo ? encontrei o borrão de uma carta, o que me decidiu a
(Jérôme sae. Roger abre a vir visitai-o.
porta, e o ar. Dubreuil entra, ti- ROGER—Deixe ver (estende a mão).
midamente. Quarenta annos, mais DUBREUIL—Eu leio. (tira do bolso ttm papel
ou menos. Não è jorte, não é amarrotado). "Roher. Queimei hontem as suas cartas.
elegante, não é interessante). E hoje devolvo o seu presente. O sombrio Eduardo
DUBREUIL—E' o sr. Lasserre, se não me engano. sae de Paris ás seis horas. A's sete irei ahi." Recebeu
ROGER—Perfeitamente, senhor, mas não tenho a a carta?
honra.. - ROGER—Naturalmente.
DUBREUIL—Ora, pois quando se offerece a casa a DUBREUIL— E' como dizia. Nada disto é muito
pessoas pouco conhecidas, a gente se expõe a receber grave. Assim como me vê, amo realmente minha mu-
pessoas que não conhece. lher. E' como uma filha que tivesse.. E ella, da sua
ROGER—Seu nome, por favor. parte, também me ama bastante. .Sim, eu sei, eu sei.
DUBREUIL—Eu sou Eduardo Dubreuil. E', porém, a primeira vez. Garanto-lhe. 0 diário o
ROGER—(Jingindo que não se lembra) Dubreuil.. affirma. Ella me quer muito mais do que ao senhor.
DUBREUIL—Se prefere, "o sombrio Eduardo". Mas succede que, agora, o sr. está mais perto da sua
ROGER—Ah, nesse caso, sua visita.. visão. Olhe aqui: minha mão é bem menor que aquella
DUBREUIL—E' eurprehendente. porta, mas si eu puzer minha mão junto aos olhos, ella
ROGER—Mais do que isso. ha de parecer muito maior. Pôde até esconder a porta.
DUBREUIL—(placidamente) Nesse caso, tenho as- Essa porta sou eu..
sumpto para uma conversa. ROGER—O senhor é poeta?
ROGER—Creio que nella não poderei tomar parte. DUBREUIL—Não. Industrial, puro e simples. Dei-
DUBREUIL—Basta que me escute. xe-me dizer-lhe que para um homem e uma mulher,
ROGER—(movimento de impaciência). que nada têm de extraordinário, poderem supportar-se
DUBREUIL—Como era provável que nunca nos como realmente são, no casamento, por exemplo,
conhecêssemos, descreveram-me ao senhor como um ser isto quer dizer muito... Ha nisto uma certa belleza,
perigoso, impulsivo, sanguinário. "O sombrio Eduardo"... até. . Só isso de dizer as ultimas palavras da noite,
Creio mesmo que lhe falaram da minha habilidade como as primeiras da manhã, palestrar na mesa, parecendo
espadachim. Agora, pcrém, o senhor bem vê que isso não valer nada, ao fim de dez annos, já se tornou o pão
tudo era creanoice de mulher. de cada dia. Cada um de nós se misturou um pouco
ROGER—Senhor.. ao outro. Já nem se sabe mais quando este acaba e
DUBREUIL—Conheço minha esposa. Não sou nem aquelle começa... O garganteado que ella tem.
sanguinário, nem impulsivo, nem perigoso. Um rim ROGER—Sim, lembro-me bem.
deslocado veda-me qualquer esforço physico. A única DUBREUIL—Pois olhe. E' o meu riso. Ella o foi
arma de fogo que possuo, dorme agora na gaveta do pegando pouco a pouco. E outras coisas mais. Le-
criado mudo. Com franqueza, a única sensação que vei oito annos para fazel-a gostar de alcachofras. E
tenho aqui é a de certa timidez. o geito do cabello, meio escanteado nas fontes, ha nelle
ROGER (mostrando discretamente a porta) — Mas, um pouco de mim. E o inglez que lhe ensinei?..
senhor.. Como foi divertido! Creia, precisa deixar-nos quietos..
DUBREUIL — Si permitte... afinal de contas, o ROGER—Mas.
que se passa entre nós não é muito grave. Pelo DUBREUIL Bem vê, nfio quero intimidal-o. De-
diário que minha mulher tem a optima idéa de sejava, apenas, lembrar-lhe uma coisa, muito fácil de
escrever e a péssima de não saber occultal-o, ella e o esquecer. E' que, quando se desencaminha uma mulher,
senhor se encontraram ha um mez... O diário nfio diz não se colhe uma flor: arranca-se uma planta.
onde. ROGER—Emfim..
ROGER—Os diários são tão mal feitos... Digamos DUBREUIL—Emfim.. Sabe que ia partir esta noite.
que foi no Louvre. Uma apresentação de amigos. Diz-me que posso fazel-o?
DUBREUIL—Minha mulher agradou-lhe. E' na- ROGER—Aqui está o horário dos trens. Consulte-o.
tural. E o senhor resolveu cónquistal-a, sem esperar.. DUBREUIL—Muito bem. E mesmo que perdesse
ROGER—Esperar o que? o trem, sempre poderia ir de automóvel. Trata-se de
DUBREUIL—Que ella ficasse viuva, por exemplo. negocio importantíssimo para nós.
ROGER—Podia demorar muito. ROGER—Para nós?
DUBREUIL—Suas cartas são interessantes, e bem DUBREUIL—Sim, nós. Minha mulher e eu. São
freqüentes, a principio. Tanto que, pelo próprio teste- duzentos mil francos que preciso salvar.
temunho do "Diário", minha mulher, que me era fiel,
mas vivia sem distrações, abalou-se cada vez mais com
a sua insistência.
ROGER (apresentando a cigarrara)—Fuma?
DUBREUIL—Obrigado. Provoca-me tosse.
ROGER—Desculpe... (e deita jóra, mackinalmente,
o cigarro que jumo).
DUBREUIL—A seguir, muito habilmente, o sr.
foi espaçando a correspondência. E minha mulher,
até então segura pelos seus princípios, só pensou na es-
ARLEQÜIM
ROGER—Não demore. Parta logo. tentou, sem conseguir... Mas o sr., talvez... Imagine
DUBREUIL—Sem a sua promessa, não. que ha cinco mezes minha mulher teve uma inflamma-
ROGER—Que promessa ? ção no peritonio. Que coisa horrível! Foram quatro
DUBREUIL—A de que não receberá minha mulher. dias e quatro noites que passei sem deixal-a um instan-
ROGER—Porque nfio vae com ella, então? te, mudando compressas geladas, pondo thermometro,
DUBREUIL—Não. Não quero que isto recomece. lutando, lutando, mas debalde... No quinto dia foi
Esta visita deve ser a ultima. Peço-lhe, apenas, que preciso operal-a. Fiquei junto á sala de operações,
responda, com tempo ainda para que eu veja chegar num quarto todo pintado de branco, onde ouvia o tini-
a carta, dizendo qualquer coisa, que acabe com isto. do dos ferros. E gemidos... E gritos... Immovel,
Diga-lhe, por exemplo, que se vae casar. contendo-me desesperado, passei não sei quanto tem-
ROGER—Que horror! po. Tinha no bolso este "sou"... Pois bem. Sem que-
DUBREUIL—Outra desculpa, então. rer, sem notar, quando vi, estava dobrado pelo meio;..
ROGER—Mas isto seria sempre uma burla. Guardei-o, como lembrança. E agora, si puder, des-
DUBREUIL (depois de ter hesitado um pouco). Accei- dobre-o. Depois, engane-me, si quizer...
ta um negocio? (silencio)
ROGER—Acceito. RQGER (estendendo a mão) — Tome a moeda. Le-
DUBREUIL—Muito bem. Aqui está um "sou" ve-a.
ROGER—Como ? DUBREUIL — Obrigado. Agora posso ir.
DUBREUIL—E' este o negocio. Esta moeda está ROGER — Não quero retel-o. (sae Dubreuil) (vae
dobrada sobre si mesma, pelo meio. Si conseguir abril- até a porta e chama): Jérôme!
a com os dedos apenas, eu não lhe pedirei coisa alguma: JEROME — (entrando) : Fui discreto?
nem promessa, nem moderação, nem cavalheirismo, nem ROGER — Não sei... que foi que ouviu ?
nada . . . Engane-me,' si quizer, ou se preferir, tome JÉRÔME — A voz delia, apenas. Que timbre !
minha mulher de vez. E jamais saberá que effeito me ROGER — Ora, "seu" tolo... Sente-se. Tome este
fez isto, si soffri ou não.. papel e escreva : "Minha amiguinha" — Rasgue. Ve-
ROGER (irônico) — E si eu tentasse ? ja outra follha : "Cara amiga". Não. Escreva : "Mi-
DUBREUIL — Faço questão, agora. Mérignac já o nha Senhora",

CALA, PIERROT RECIFE DE CORAL


De Heredla
CANTA ARLEQÜIM
(Variação)
Pierrot tristonho, pallido e dolente, No seio de mar calmo, em mysteriosa aurora
de olheiras roxas e de olhar profundo, diluida no azul da encantada bacia,
Pierrot, sentimental e vagabundo, o Sol banha os coraes... Entrando o abysmo, o dia,
das noitadas de luar de antigamente, na água quieta inflitrado, anima a fauna e a flora.
guarda o teu bandolim... Não vês que o mundo, A extranha criação que o iodo ou o sal colora,
depois de um romantismo decadente, — anemonas e musgo e ouriços, a alga esguia —
pouco a pouco, desperta suavemente, desenha-se, esbatida em purpura sombria,
á luz de um sol mais bello e mais fecundo? no rendilhado chão que o pólypo elabora.
Vae dormir, ó Pierrot, que estás cançado Embaçando e acendendo o esmalte á fulva escama,
das tuas longas vigílias do passado, bordeja um grande peixe, entre a enlaçada rama,
e á serenata langue pSe um fim. lentamente movendo a serpejante espalda...
Vae dormir, 6 Pierrot, que surge a aurora, Súbito, de arrancada, aviva a marcha soma:
que, alegre e clara, vem cantando agora, e na tona cerulea, entorpecida e morna,
a voz triumphante e forte de Arlequim... corisca um tremor de ouro e nacar e esmeralda.
-Yy THEOPHILO BARBOSA
ARLEQÜIM
O T E M P L O
Conto d e Z A M I A T I N , traducçào do E. Barreto

Ivan resolveu construir um templo. commerciante, fas o signal da crui e renta popes e de mil e seiscentos diá-
Mas um templo tâo magnífico que fi- começa a queimar-lhe os calcanhares. conos.
sesse enraivecer todos os demônios, que 0 commerciante não pôde resistir e Apenas se tinha iniciado o officio, o
fizesse celebre em todo o mundo o nome conta onde está o dinheiro. S ão cem mil arcebispo fas um signal a lván para que
de lván. rublos que estão dentro de um bota e se aproxime:
E' claro que edificar um templo não outros cem mil na outra. — De onde sáe este cheiro tão desa-
é o mesmo que construir uma cabana... Ivan ajoelha-se e exclama: gradável ? Vá dizer a essas velhinhas que
E' preciso muito dinheiro. — Louvado seja Deus! Agora, sim, estão na morada do Senhor e não em
Estava anoitecendo quando lván se poderei construir teu templo! suas casas.
escondeu no barranco, debaixo da ponte. E jogou terra sobre a fogueira. 0 fogo Foi lván dar o recado ás velhinhas c
Passou uma hora, passou outra hora... se apagou, mas o commerciante gemeu ellas sahiram do templo.
Um ruido de cascos; uma troika que uns instantes, encolheu as pernas e en- Mas o cheiro não desapparecia. O arce-
roda sobre a ponte... O viajante é um tregou a alma a Deus. bispo fez um signal aos popes e os qua-
commerciante rico. Que se poderia fazer? Era para maior renta popes começaram a mover os in-
lván solta um estridente assobio; gloria do Senhor! censados.
o cavullo se espanta; o cocheiro cae lván sepultou o commerciante e o — Mas, que é isto ? Não adianta nada!
por terra; o commerciante está tremen- cocheiro. Rezou um responso pelo des- E, então, o arcebispo fez o mesmo sig-
do, tintando de medo, encolhido dentro canso de suas almas e encaminhou-se nal aos diáconos. Então, estes moveram
da troika. para a cidade. Tinha de contratar pe- também seus mil e seiscentos incensa-
lván se desfaz do cocheiro e d rige-se dreiros, carpinteiros, pintores, decorado- rios*. Mas, debalde. O cheiro é mais in-
para o commerciante. res. . . E naqueüe mesmo logar onde es- tenso. Já não se pôde respirar. Já se
tavam sepultados o commerciante e o percebe que não cheira a velhinhas, se-
— Venha esse dinheiro! não a cadáveres.
O commerciante jura e perjura: cocheiro, alli edificou lván um templo
mais alto que o de lván Neliky — a an- E é tão forte o cheiro, que é impossível
— Que dinheiro? Não tenho! tiga egreja de Moscou, cujo campanário supportal-o. Todos encaminham-se para
— Vá, não te faças de bobo! S e 6 para attingia as nuvens. — As cruzes também a porta. Os diáconos e os popes desap-
um templo! Quero construir um templo! roçavam as nuvens; as cúpulas estavam parecem, andando de costas... Só o
Venha esse dinheiro!, pintadas de azul com estrellas; os sinos arcebispo permanece no centro da egre-
Torna a jurar e perjurar o com- tangiam muito doce... Oh! que templo! ja e, diante do arcebispo, lván. lván,
merciante : mais morto que vivo.
Espalhou lván por toda parte: O arcebispo lança-lhe um olhar pene-
— Eu mesmo o construirei! — O templo está acabado! Venham to- trante que lhe atravessa o coração, e
— Tu, tu vacs construil-o ? Bem, então dos vel-o. sáe sem dizer uma palavra.
verás.... E acudiu uma multidão immensa. E alli ficou Tván, sozinho no seu tem-
Ivan accende uma fogueira ao pé de O próprio arcebispo acudiu na sua car- plo. Todos fugiram, ninguém pode resis-
uma arvore, pendura em um galho o ruagem dourada, acompanhado de qua- tir ao cheiro dos cadáveres.

BANCO DE SÃO PAULO


CAPITAL . 30.000:0005000
FUNDADO EM 1889 CAPITAL REALISADO. 28.158:1209000 SEDE: RUA DE 8. BENTO N. 53
FUNDO DE RESERVA. 7.500:0009000
Balancete em 31 de Outubro de 1927, comprehendendo as operações das Agendas de Bariry, Batataes, Bica de Pedra, Faxina,
Pindorama, Ribeirão Preto, Santos, S. Carlos, S. João da Bôa Vista, Sorocaba, Taubaté e Vargem Grande

A C T I V O P A S S I V O

Capital a realisar 1.866:8809* 00 Capital . . 80 000:000901)0


Letras descontadas 37 358:9659332 Fundo de reserva . . . 7.500:0009000
Letras e effeitos a receber 21.428:2919861 Deposito em c/ correntes
Empréstimos em contas correntes. . . 56.014:5799777 com juros . . 37.144:7059658
Valores caucionados 30.191:7199093 Depósitos a prazo fixo 19.352:4809700 56.497:1849358
Caução da directoria . 400:00 9"00
Valores depositados 48.579:4079630 88.171:1269723 Títulos em caução e em
Agencias. 12.50^5069628 - deposito. 87.771:1269725
Correspondentes no paiz 585:1159782 Caução da directoria. 40u:<i0<<90 0 88.171:1269725
Correspondentes no estrangeiro 1.945:3679900
Títulos e propriedades do Banco 3.515:452910» Credores por títulos em cobrança. 21.4282919861
Diversas contas 5 472:7919750 Agencias . . . 13.416:6059428
Correspondentes no paiz e no estrangeiro. 1.443:74: 9200
CAIXA :
Lucros e perdas 138:5129*87
Em moeda corrente e em deposito no Banco Juros de integralisação 13:11099*0
do Brasil e outros Bancos 15.9^6:9459900 Diversas contas 5.766:4589396
222.574-8199753 222.374:8199755

S. E. ou O.
São Paulo, 2 de Novembro de 1927.
( o ) A. DINO BUENO — Presidente (o) A- CAPOTO — Gerente
( a ) VICENTE DE PAULA ALMEIDA PBADO — Director-Superintendente (a) C GOULABT — Contador
AKLEAVIA
DIRCCTOftES:
SUD MENNUCCt
MAURÍCIO GOULART
AMÉRICO R. NETTO

P U B L I C A Ç Ã O S E M A N A L E M S Ã O P A U L O
ANNO I 17 DE NOVEMBRO DE 1937 N. 3

R E V I S T A S '
Ora, vão vocês deitar a sua revista!.
Ia dizer que é preciso ter coragem, nesta época, para se abalançar a semelhante
empresa. Anda o mercado das revistas tão atravancado, que já não haverá agudezas
sufficientes para ahi furar, e grangear, não digo loiros, mas os nickeis perversamente
indispensáveis para à mantença do fogo sagrado, jà da redacção, já, e principalmente,
da typographia...
Porque deve haver alguma fada ruim, que systematicamente persegue tudo
que com cara de revista apparece cà por S. Paulo.
Já fizeram vocês uma estatística das publicações illustradas que por ahi têm
surgido nestes vinte annos mais chegados, e que não lograram dar a lume senão aquel-
les dois òu três ou quatro primeiros números, após o que começam a mirrar e acabam
sumindo de vez ? Jâ trataram de investigar as razões de tão singular phenomeno ?
Provavelmente não fizeram nada disso; pretendem apenas lançar a "sua" revista,
e fazem muito bem. Todos nós contrahimos, com as primeiras letras, o sarampo re-
vistifero. Todos nós, quero dizer, todos os que na infância soffreram aquelle malefi-
cente desvio da razão, que impelle um homem, em nossa terra, âs letras. Não ha
rapazola fazedor de versos, medidos, à antiga, ou desabotôados, ã moderna, que
não tenha, em pròjecto, a sua revista.
— "Ah! quando eu fizer a minha revista!. ."
Essa "minha revista" é assim uma espécie de leicenço em estado potencial, que
lateja em todo cérebro juvenil contaminado de literatura. Mais dia, menos dia, là
suppura o freimão, vêm as dores agudas do partejamento, e afinal o carnegão, isto é,
a revista surge fora. E é um allivio, de veras. O rapaz perde uns cobres com a typogra-
phia, e uns enthusiasmos, com a publicidade, mas lava a alma, sacode a mente, e
vae fazer outra coisa, jà completamente restabelecido e lépido. Emquanto não surgir
uma vaccina preventiva da coqueluche, das brotoejas, da catapora e outras pirralhes-
cas florescencias, não surgirá também provavelmente o especifico anti-revistico.
Por isso não maldigo da sua resolução de armarem afinal vocês a sua, nem censu-
ro a cândida certeza com que repetem o obrigatório estribilho:
— Não, a nossa não é uma revista como as outras; a nossa tem que vencer...
Pois, se vocês immaginassem o contrario, a não fariam, e estariam para o resto
da vida com o virus revisteiro esparramado nas veias, com grave damno dos seus me-
tabolismos, que é como hoje se chama, em medicina, à vida.
Façam-na, portanto; façam-na toda garrida e taful, que é um excellente depu-
rativo que estão tomando. E quando cada um de vocês estiver com a sua vesicula para
sempre esvasiada, ha de ver como é bom sentir-se a gente desafogada de tão pre-
mente e dolorida superfetação.
*
E se o " Arlequim" furar e vencer, ao revez do costume ? Então, é que tudo
isto não passa de resaibos de quem lhe não vingou a sua. Muita grave doutrina
pelo mundo vae, que não tem origem mais alta...
LÉO VAZ

m. mulos rauuc »a. r.nu


ARLEQÜIM

HAKAKA
l>E <*UHKIÍ1A
Nascendo • « •

Quinta feira. Dia 10. "Arlequim" — "E o terceiro ha dè supplantar o São trez horas da manhan. Está quasi
está na rua desde ás quatro horas da segundo..." tudo terminado. No escriptorio em que
manhan Chovia sobre a cidade uma trabalhamos ha nuvens cinzentas do
garoa fininha e implicante quando elle As grampadoras trabalham. Dois mo- fumaça. 0 chão está todo pontilhado de
sahiu, rua Vergueiro a fora, dentro de cinhos, muito mais dormindo do que cigarros. De quando em quando, um de
um caminhão muito grande. acordados, abraçam dezenas de exempla- nós esguicha os olhos para o barril de
São Paulo dormia, ainda. Apenas um res de cada vez, levando-os para as cor- chopp, vazio como a' noite.
ou outro noctivago passeava, esperando tadores, que os aparam, em seguida. Quatro horas da manhan. O vendedor
a madrugada, que tardava a chegar. — "Já foi feita a remessa para Piraci- entra pela typographia a dentro, pedindo
caba?" exemplares para fazer a distribuição.
E* o Galvão Cerquinho quem fala. Leva trez mil, contadinhos, divididos
Testa larga, grandes entradas, cachim- em maços de cincoenta.
Éramos um punhado de mocos dentro bo no canto na boca, anda devagar de Instinctivamente, sem dizer palavra,
na typographia. um lado para outro, pedindo pressa, seguimos todos atraz delle.
Olhos encovados nas olheiras, cabello muita pressa. Nfio tira os olhos do reló- "Arlequim" vae para a rua, pela pri-
em desalinho, gestos inquietos e nervosos, gio, cujos ponteiros caminham verti- meira ,vez...
Américo Netto folheava e tornava a ginosamente.
folhear uma revista, pagina atras pagina, — "Todos os números que devem se- Amanhece. Não ha mais estrellas no
detendo-se em cada uma, esmiuçando-as, guir pela Sorocabana já estão empaco- ceo. Uns quartos de hora mais, e o sol,
procurando defeitos, insatisfeito sempre. tados". como um bohemio extravagante e exótico,
— "Está esplendida, Netto", aventura E o Horacio, a physionomia sempre mostrará a sua cara vermelha nos con-
o Mercado, meio com somno, pouco aberta numa alegria bôa, incansável, fins do horizonte.
habituado a noitadas bohemias. continua a dobrar revistas e a empaco- Um pouco mais, ainda, e "Arlequim"
— "O segundo numero sahirá melhor, t a r e a sellar revistas. estará, com certeza, onde sempre elle
muito melhor". Ao seu lado, o Júlio Barreto as vae desejou ficar:— nas mãos de uma mulher
Sud sorri, o nariz grande e ponteagudo separando, conforme os trens em que bonita...
espetado no queixo: devem seguir para_o interior. MAURÍCIO

CANÇÃO que o teu amor já fez, e o poema


mais subtil que o teu gênio creou.
"Eu quero que tu cantes
o cântico mais lindo que
VALERIO VARGAS a vida te ensinou..."
Escuta, meu amor. Murmura-me
Chove, e na vidraça do meu quarto ao ouvido umas phrases banaes, .e ponho-me a cantar...
a chuva balbucia, baixinho, uma can- que quero ouvir de ti: repete que
ção. E brandamente o vento, a sussur- sou linda, que serás sempre meu, só "e te ouvindo cantar eu
rar cantigas, desfolha, no jardim, as ro- meu, meu s ó . . . fique sem saber, se está
sas mais bonitas que tinham os rosaes. cantando o vento, ou se
"Escuta, meu amor. Eu quero que Escuta, meu amor. Eu serei sem- quem canta és tu."
tu cantes o cântico mais lindo que a pre tua. No roseiral da vida, eu que-
vida te ensinou. E te ouvindo can- ro ser a rosa, e o vento serás tu" I .e te procuro ansioso...
tar, em fique sem saber, se está
cantando o vento, ou se quem can- "Eu serei sempre tua. No
Chove, e na vidraça do meu quarto roseiral da vida, eu quero
ta és tú. a chuva balbucia, baixinho, uma canção. ser a rosa e o vento se-
Escuta, meu amor. Eu sei que já E brandamente, o vento,. a sussurrar rás tu t"
sentiste o gosto de outras boccas. cantigas, desfolha no jardim as rosas
Mas isso não me importa, que pa- mais bonitas que tinham os rosaes. .. .e não te encontro mais
ra mim guardaste o carinho melhor Estendo os braços... e não te encontro mais...

8
ARLEQÜIM

Sra. Bebeth Maragliano Cardoso

9
A R L K Q l LM
O BAILE DO HARMONIA
No Trianon. Haile do Harmonia.
KaU.ado, l-».
— \ 111 <"• • — (;i linda, l.ucia R. Dos seus
cabelloB cor de oiro e i!» seu vestido
amanllo, eu poderia dizer, como "Cv-
r.-uio" á "Koxaria", que depois de olhai-
os, uma vez apenas, "Vejo, em tildo
o que vejo, aquella.s manchas loiras". .
— V. você, Lounlis (,'. 7... você de
olhos tão vivos, ile olhar tão claro, que
eu. depois de conversar com você, olhan-
do você nos olhos, quando seu olhar
me deixou, achei tudo escuro, notei
que meus olhos estavam cançados por
terem querido acompanhar os movimen-
tos dos seus. O seu olhar. . os seus
olhos. Nunca vi tanta luz dentro tan-
ta treva Yocé estava de azul, Lourdes,
e você salte que azul quer dizer paixão. . .
— E você, e v o c ê . . . Quantas mais
passaram por mim, numa graça cambian-
te, em ni limos variados, deixando, no
meu olhar, o desespero de não as poder
ver, todas, ao mesmo tempo. Cada nova
graça que vinha, fazia o meu olhar de
Arlequim esquecer a p a s s a d a . . . Depois, .4 jesta inaugural da "Sociedade Jahú"
as que já tinham passado 3 voltavam,
a loucura de sons de jaz-bánd em meu leza do rytmo, a leveza da g r a ç a . . . " do isto: x + y = casamento. E Arlequim
ouvido, o deslumbramento passageiro Arlequim precisava escrever sobre ficou triste. Uma historia tão linda,
e repetido da multiplicidade colorida e elles. Então resolveu chamal-os, a Ela terminava assim. ..
enrantadora de rostos e de vestidos... - X, & elle - Y. Vendo-o seguil-a por Passou um amigo de Arlequim.
Passou, dansando, um par. Ella, loira, toda a parte, Arlequim achou o nome bem — "Diga-me uma cousa. Quem são
de um loiro fosco, toda de branco como posto. No abecedario o Y segue sempre o X. aquelles dois?
uma noiva. X, Y . . . Álgebra... Uma equação E o amigo, na linguagem pittoresca
Na belleza de um contraste, Elle, todo algebrica, do primeiro grau, a duas in- dos salões de hoje. . .
de preto — smoking elegante 3 sóbrio. cógnitas. — "Ella é , dois mil contos,
Que ternura nos olhos e nos gestos Que representara X ? Que represen- 4 automoveiros, etc, etc.
d'Ella, que meiguice no olhar e na pos- tará Y? Elle, um que t e n t a . . . a sorte.
tura d'Elle. . . Arlequim, maníaco por mathematica Então Arlequim resolveu a equação.
Ella toda sorrizos, quasi ruborizada amorosa, esqueceu tudo para só tentar x + y = casamento, x—y = uma grande de-
para com Elle. Elle todo cuidados e resolver, mentalmente, a equação. Nun- sillusão num coraçãozinho feminino de-
galanteies para com Ella. ca se lhe deparara problema assim dif- 18 annos. y—x = "era uma vez, um ca-
Colombina e Pierrot. . . ficil. samento rico para um moço pobre.
Que inveja para Arlequim ! S im, Meia n o i t e . . . M e i a hora. . U m a . . . x = amor, y = interesse.
tis vezes acontece a Arlequim invejar fina e meia. . .Uma e trez quartos. . . E Arlequim que tivera inveja delles 1
Pierrot. Com uma tal Colombina. . S alada. E Arlequim que não fizera a criticai
. . . " e m seu corpo p• rpassa, na bel- Até então, Arlequim so tinha acha- da festa !
ARLEQUIM

N é vo a
Vejo-te, em sonho, coração
exangue
tu, que jorravas sangue
ardente, como as lavas de um v u l c ã o . . .

Vejo-te, agora, numa lage f r i a . . .


inerte, indifferente,
tu, que pulsavas sempre, ininterruptamente.

Onde a tua bondade?


onde as paixões, que te inflammavam tanto?
e a tua incorrigivel fantasia?
onde o teu ideal
immaculado, branco ?

Tudo se foi, como o fumo nos ares,


na systole final
do derradeiro arranco!

Rio, 1927
A' -<íih:d.; d:i ":.-fyi de .<•',:.: Cecília Mario L. de Castro
10
ARLEQUIM

O grupo das lindas tocadoras do chá


de benejicencia, do qual^Yvonnc Daumerie
c a jigura central.

CHÁ BENEFICENTE — Em beneficio da Ha, alli, u m i porção de moças d i nossa sambas e tanguinhos cada um miis
egreja da Immaculada Conceição e mais fina sociedade. EStão vastidas ds provocante do que o outro.
•escola annexa para creanças pobres. azul, com aventaesinhos branco3. S ão A senhorita Mondi Pereira foi, com
Linda iniciativa, principalmente quando todas bonitas, muito Bonitas. A gente certeza, o "ai Jesus!" da festa. Bibelot
á sua frente está um punhado de moças entra, e ellas vêm servir a gente. Per- encantado, tem na cabeça um sol des-
elegantes e bonitas. Sim, porque é guntam o que se deseja tomar. E trazem feito em fios de cabellos loiros, Olhinhos
muito mais agradável a gjnte lazer ca- sorvetes e doces e licores, e os sorvetes pequeninos e rasgados, ellas sabe melhor
rid.de ouvindo uma vozinha linda e e os doces e os licores ficam muito mais do que ninguém tornal-os expressivos,
sentindo dois olhos grmdes e molhados, gostosos servidos por ellas. quando canta. Quando o seu compa-
que nos pedem uma migalhasinha para Ha musica, também. .Violão, cavaqui- nheiro de "duo" pedia: "Volta, eu te
creanças opbres, do que dar nas próprias nho, guitarra, sanfona,: piano. quero, a i n d a . . , ' ella os fechava muito
mãos da miséria, que são feias e são Yvonne Daumerie va;e lá quasi todas e elles ficavam mais pequeninos, ainda. .
tristes. as noites. E, ouvindo ais toadas bonitas
Peccado ? S teccheti o peccou ha muito que ella canta, a gente, sente uma von-
tempo, e muita gente o commette cada tade louca de nunca majs sahir de lá. Lindas as noites no palacete da Con-
dia. E depois, é um peccado gostoso. Que Domingo, o programma esteve mara- solação.
o digam todas as pessoas finas de São vilhoso. PrincipalmentÇ, no salão de E' preciso mesmo que essas festas de
Paulo e que já foram ao chá beneficente, baixo, onde um grupo de rapazes e se- elegância se repitam em S ão Paulo,
que se realiza diariamente no elegante nhoritas, vestidos como; os nossos caipi- cada vez mais freqüentes. Por causa dos
palacete da rua Consolação, esquina da ras, empunhando cavaquinhos e violões, pobres, que precisam de pão. Por nossa
rua S ão Luiz. tocou durante horas a fio uma serie de causa, que precisamos de espirito.

As senhorüos q e
servem o cri b> tuji -ene
da Consol ção.

11
ARLKQriM

d dr.r Rtni Thiollitr ' > casal Chaby Pinheiro r


Ji.siiina, os grandes artista* da sceiui, no
chá dn Casa Allcmã

Xu praia de Copa-
cabana, no fito.
Que pena o mar não
iliegcr ale S. Paulo!

HISTORIA DA CAROCHINHA
de JÚLIO TINTON

— Yovózinha, conte a historia,


aquella historia lnuiita
que você mo prometteu.

Ella contava:
"O gigante Mãoforte"
"A bruxa que morro i afogada na taça'
"A coroa de ferro de Balão-Balim"
Depois
Sempre aquelle mesmo fim
que já não tinha graça:
" E os dois Veste bello modelo de "toüette" a riqueza
foram felizes até a morte." do material — vellúdo — dispensa rpialquer
— Ah. vovózinha, assim fico de mal.
excesso de atamos. /£" a simplicidade requin-
Você mo arranja um fim que é sempre igual
tada ao extremo.
-— Deus me perdoe, vovó.
pelo netinho mau que eu era.
Quem me dera P U N H A E S — De Franz Toussant — O que rebrílha
Ter hoje o mesmo fim na minha historia. sob q sol glorioso das batalhas.
O que traz o assassino impregnado de sangue.
(Do bvro a sahir "Arco-íris' E o teu olhar !
12
ARLEQUIM
O GALLO
Conto do escriptor russo Zamiatin
Trad de E. Barreto

Não ha no mundo sêr mais intelli-


ligente que "Perico". Passa todo o tem-
po meditando. Incha a papada. .. E' que
pensa.
A papada de "Perico" é vermelha.
"Perico" é de raça estrangeira. E a mu-
lher de "Perico" chama-se "Annita"
"Annita" é toda pintada. Casaram-se ha
dois mezes. E quando a herva começou
a despontar, "Annita" ficou choca.
"Annita' deixa de cacarejar. Anda ge-
mendo, queixando-se. Ficou com o corpo
muito cheio. . . E "Perico", sobre um
pé só, medita:
— Eis aqui uns ovos. Um dia, não
longínquo, destes ovos sahirá um tro-
pel de pintainhos de pennugem amarella,
como os grãos de milho.
Tudo isto é muito divertido. A pin-
tada "Annita" continua na sua faina.
Choca em um cesto.
Passa uma semana, passa outra. "An-
nita" está cansada, esgotada. Não come
nem bebe. Não se move do cesto. Não
abandona os ovos. "Perico" perde a pa-
ciência.
— Eh! que tal vae isso?
"Annita" fica toda corada.
— Como vês - responde - Creio que
tudo vae bem. Ainda não lhes cresceu a
p e n n a . . . Temos que esperar outra se-
mana. frescar-te. Na tina ha água fresca. En- cura mettel-os de novo na casca. .. Mas
— Uma semana? Mas isso não acaba quanto isso eu cuidarei dos ovos. já não entram.
nunca! Que desageitadas sois vós, as "Annita" vae beber e "Perico'' se Afasta-se. Dá um salto para trás.
mulheres! põe no cesto. Crac! Um ovo. Crac! Outro Empallidece a sua vermelha papada.
Não ha em todo o mundo sêr mais ovo. Crac! O terceiro. Os pintinhos es- Abre o bico e fica contemplando, absorto,
intelhgente que "Perico". Sempre está tão alli quentinhos, respiram. Respiram as cascas partidas. De uma dellas pende
meditando. Encolhe uma perna e pensa. de verdade. "Perico" regosija-se ao vel-os. uma cabecinha amarella, de pescoço
Por fim, decide: comprido, muito fino. A cabecinha não
— Não ha duvida: as mulheres são — Vamos tirar os pintinhos da casca! respira.
teimosas... Não se deve attendel-as. Tirou muitos; mas os pintinhos são "Perico" bate as azas. Apressa-se em
Com ellas precisamos ser enérgicos. horrendos, estão nuzinhos, viscosos, bandear-se para a outra extremidade do
Aproxima-se de "Annita" e pisca um escorregadiços, com o pescoço pegado ao gallinheiro antes que regresse "Annita"
olho. "Perico" é muito astuto. E ' preciso fundo do ovo. "Perico" começa a des- J á se sabe o que são as mulheres. S e a
muita cautela com elle. pegal-os. . . Os pintinhos ficam com a gente se descuida, são capazes de nos
— Olha, "Annita", vae já beber, re- as entranhas á mostra e "Perico" pro- arrancar os olhos.

Ainda um aspecto do baile do

Trianon, em beneficio da

Maternidade.

13
ARLEQFIM

.1' hora d> chi, na Casa Mappin.


A objectiva curiosa de "Arlequim" jixou,
um momento, o brilho inquietante e mo-
renle de alguns olhos buliçosos.

Alguns senhores que no chá da Mappin


esquecem a seriedade trepidante desta Pau-
licia tão negocista.

-Vo chá da
Mappin essas
patrícias se
absorvem em
longas com-
témplações, es-
quecendo o chá
que ê o pre-
texto universal
para as elegân-
cias vesperti-
nas.

Sa exposição de cajé, uma herdeira de


Mello Palheta veste-se de grão. F,
mesmo, uma beüizinha em grão.

— 14 —
ARLEQÜIM

cr i m e
Eu matei...
Era a criatura mais bella do mundo.
Eu matei friamente, conscientemente
— pouco a pouco e devagar.
Foi nos olhos que primeiro lhe apaguei
os jorros luminosos,
por onde a alma sahia e me chamava. L-ftrSlí

Em sua garganta fiz emmudecer


as notas crystallinas com que ella me envolvia
numa amphora de sons.
Eu matei.
Despetalando, dedo a dedo, >,
os lyrios desiguaes das suas mãos, '.
fui, depois, sabiamente desfibrandõ
as hastes expressivas dos seus braços.
Agora nunca mais
ella andará no seu rythmo elástico de garça,
porque as pernas lhe parti.
A fusão de curvas do seu corpo
reduzi a ângulos e rectas tão desencontradas
que dellas nem me lembro.
Eu matei!
Eu destruí e dispersei, pedaço por pedaço,
o ente magnífico que amei.
E, depois de muito tempo,
exultei desesperado,
porque delle não me restava mais nada.
Nada. E nada.
Era a criatura mais bella do mundo.
Eu matei porque quiz. Eu podia matar.
Era minha e morreu. Só dentro de mim é que vibrava e floria,
porque foi em mim que nasceu,
na festa criadora
da minha imaginação.

Américo R. Netto

15
ARLEQUIM
da estante em cujo cimo imperava minha rica boneca
de cabellos de fogo e olhar profundo.
Nunca a innocente poderia imaginar que sob seus
V pés se desenrolassem seenas de tal sabor amoroso, nunca,
porque minha boneca era intellectual, excellente biblio-
thecaria e muito ciosa da collecção que eu lhe confiara.

E Pois calcule que a ventania de seu santo protector chegou


até aqui, veiu quebrar o socego desta pobre menina de
parcas vestes e basta cabelleira arrepiada. Veiu (indiscre-
to!) mostrar-lhe como, sem o saber nem querer, protegia
N o parzinho feliz de namorados que igualmente residia na
estante. Sempre alheios as altas cogitações scientificas e
philosopbfcas, sempre distrahidoa dos problemas sociaes

T
e políticos, sempre voltados para aeu próprio Eu (egoístas
namorados!) Colombina e Pierrot jamais se constrangeram
de "perturbar o silencio da que vivia s ó . . . "
Mas o vento entrou irreverente, violento, rodopiando,

A assoviando e. sãs! levantou o panno de bocca da es-


tante e apresentou aos olhos serenos daquella virgem de
barro—imagine o que! o escandaloso, o profano beijo do

N sonso Pierrot e da ardilosa Colombina.


A ingênua boneca, tonta de susto, corada, espavori-
da, mais arrepiada que nunca, curiosa como toda mulher
intelligente, quiz ver melhor: abeirou-se da estante, es-

I piou para baixo e . . . 0 resto você já sabe. Voltei-me


apressada ao ruido. Fui encontral-a sob a secretaria, ago-
nizante. Diagnostico: fractura de base, contusões gene-

A ralizadas pelo corpo. Poucos minutos mais e expirava


meu fetiche tão querido! CONSUMMATUM EST!
Com ella morreu também sua affeição por mim,
pelo menos assim o posso julgar. Ha uma Bemana es-
crevi a primeira carta. Até agora porém, nem signal de
resposta. Asseguro-lhe: si me não responder, nunca mais
MEU CARO AMIGO verá uma Unha da minha Remington. Não encontrará,
por acaso, tempo para avisar aos amigos si existe ? E ain-
Sua filha morreu hoje. Sim, aquella linda boneca da^tem a petulância de asseverar que eu é que preciso en-
que você, à guisa de presente, me trouxe no dia de meu trar em áccordo com o Morize para augmentar as horas
annivereario, cuidadosamente embrulhada num pedaço do dia!
de jornal. Lembra-se? Pois a pobresinha, impellida por Adeus, ingrato. Praza aos céos que você me não en-
mão criminosa, projectou-se de grande altura ao solo. E contre, de volta, si é que ainda pretende voltar, no estado
sabe quem foi o assassino ? — O vento, meu caro, este em que se acha hoje a infeliz boneca, filha dilecta de um
malsinado vento de S. João, com a cumplicidade de Pier- tempo que passou e não tornará mais...
rot e Colombina, aquelles intrusos estampados no "reps" Maria José Fernandez

LIVROS... fofice do papel "bouffant". Fizeram-se


flexíveis, próprios para se inuimmr por
nosco no bonde, cúmplices de muito
"flirt" esboçado ao rythmo Z-bemól
Depois que Darwin accelerou o pen- entre a elasticidade das almofadas, tor- que as rodas raspam nos trilhos. Fazem-se
samento do mundo e depois, principal- naram-se artificiosamente simples para companheiros attentos nas longas via-
mente, desse estouro de preconceitos e melhor apparecerem na brandura das gens de trem. E,de quando em quando,
velharias que foi a grande guerra, os luxes veladas. vão ao theatro, para que passe depressa
livros conquistaram um logar novo na Ha poucos annos, ainda, só chegavam o tempo de um intervallo.
vida do homem. até as mesas, para logo voltarem ao en- Querendo guardai-os, criamos para
Na vida do homem commum, notada- fileiramento rígido das prateleiras. Agora elles logares que valem ninhos. São os
mente. Perderam, é certo, o seu pres- desertaram as estantes e misturam-se divans-estantes, as mesas-bibliothecas,
tigio de raridade e afastamento, mas ga- em idyDios com as revistas de moda, os tamboretes-prateleiras, toda uma se-
nharam uma intimidade cada vez maior ouvindo a victrola, o radio, o telephone. rie de moveis recentes, onde ainda pro-
e mais assídua no viver de toda-a-gente. Escapam-se de vez em quando para um curamos reatar a velha tradição dos li-
Deixaram de ser privilegio de artistas e passeio de automóvel. Chegam até o vros em ordem. Elles, porém, revoltam-
literatos, apparecendo nas nossas casas, próprio leito, onde se escondem e ficam, se desordenados, possuídos de uma
nos nossos moveis, espalhando-se por querendo um calor de corpo humano. mobilidade inquieta, querendo passear
toda a parte, ganhando todos os recantos As vezes, mesmo, acham geito de se ani- pela casa, sair á rua, fazer viagem. E náo
do lar. Antigamente isolados em armários nhar indiscretamente num quarto de contentes com isto, são elles mesmos que
de vidro, hirtos e seccos nas suas enca- banhos. Ou acamam-se, então, langui- nos fazem beber, na sua leitura, o fil-
dernações de couro, ou simplesmente damente, num tampo de penteadeira, tro da curiosidade e do descontenta-
entalados nas suas cartonagens tristes, entre vidros de perfume e resquícios mento, instigando-nos a querer, a pro-
os livros vestem agora capas ligeiras e de pó-de-arrox. curar sempre, como o velho Oreílãna,
vistosas. Riem numa porychromia bata- São novos sócios nossos, de todos os encontrar e ver "algo de nuevo"...
clanica, estnfando-se macios na leve instantfH, em todos os logares. Vêm com- Espirito da época. Culpa dos livros...

16
ARLEQÜI^

Palavras que
ella esqueceu
DE C I Ú M E
Sonhei, a noite passada, que me havias trahido : o dia de hoje, todo o presente, sem passado nem futuro.
surprehendi-te a escrever outro nome de mulher, num Estes dois abysmos me atemorisam. Sobretudo o
enyeloppe verde, que trescalava fortemente a Coty. primeiro, apezar de estar distante, ou por isto mesmo.
Quando acordei, jà tarde, encontrei á minha cabe- Só o que está distante é que me mette medo: o passado,
ceira a tua carta, dentro de um enveloppe egual, da mes- a altura das montanhas, o ceu. O presente é quê é a fe-
ma cor e com o mesmo perfume, que é o teu perfume licidade verdadeira. 0 futuro é o instante que o segue.
predilecto. Que importa, depois que te conheço ?
Será que pensas noutra mulher quando me escreves ? O doloroso para mim é o que ficou atraz da minha
sombra, outras sombras que estão talvez dormindo nos
Os poetas. .Onde foste descobrir aquelles cabel- teus olhos, outros beijos, que ainda phosphoreiam, tal-
los loiros, que não possuo? A tua arte é diabólica. Dir- vez, na tua saudade.
se-ia que ha água oxigenada nos teus versos.. .Os meus
cabellos negros não poderiam suggerir-te aquella ima- Toda a mulher quando beija, pela primeira vez,
gem, que naturalmente creaste sem pensar em mim. o seu amado, faz instinctivãmente esta triste pergunta:
Si eu tivesse os cabellos loiros... ainda podias enganar- — Qual o meu numero?
me. Não é a minha, mas a tua cabeça, que está mudada. O numero de uma bocca é o numero dos beijos que
foram dados até chegar a nossa vez. O beijo numero 1
Ha dias em que soffro terrivelmente o teu passado. nunca pertence á mulher que ama.
Comprehendes... Tinha vontade de ser de alguém que
não tivesse um passado, de alguém que fosse apenas CORRÊA JÚNIOR

N S A C I A V E L
Como hei de responder á tua carta? Ora, o que Não penses que., mais uma vez, deixasse eu de ser
me estava reservado! que é isso ? Versos; tantos versos! sacudida por forte abalo ao abrir a tua carta. Culpa
Desconfio sempre da sinceridade de cartas muito literá- tua, culpa dos teus bilhetes, dos gritos vibrantes de re-
rias. Quem diz com palavras dos outros, parece que sente volta de quem sente que a vida falhou.
por conta alheia. Em todo o caso escolhestes bem as Falhou ? Será que nos tempos que correm a vida
com que começas; falhe por questões de amor? Será que a vida falhe
Lua, eu sou a paixão, eu sou a vida.. .Eu te amo! porque se não possua a quem se ama? Será que ainda
— Paira longe no ceu„ desdenhosa rainha.. haja amor absorvente, paixão, loucura do grau da que
Que importa? 0 tempo é vasto e tu, bem-que eu reclamo, pintas ?
Um dia serás minhal". E's um grande sentimental, não pareces deste tem-
po de aeroplanos, automóveis e feministas. Palavra
Bom seria parar aqui. Melhor é que eu me dei- que também não sei a qual pertences.
xasse ficar nas primícias da tua carta, que, hoje, são Donde vieste ? Donde vieste com tanta cousa nova ?
optimas.
Que boa surpresa! Até que me mandavas uma nota Nova? Estou eu também a delirar. Mal que
animadora! Até que te libertavas da analyse, que só pega. Já o Machado de Assis dizia que o nosso erro
exacerba mais e mais a crua desesperança do teu deses- é crer que inventamos, quando continuamos ou simples-
perado amor. mente copiamos.
Desesperança... Desesperado.. Quanta cousa Eu também sei, de ouvir e ler, que o amor é a mais
trágica! Se de outro m'as contassem, eu não lhes daria velha das invenções com roupagens ao gosto moderno.
o mínimo credito. O caso, porém, é comtigo, meu gran- Isso quer dizer que o eterno Cupido renasce em cada
de doido. E's tão pessimista Assim nunca serás feliz. mortal, e cresce e vive e sente atravez dos temperamentos,
A regra da felicidade é — nem muito ao mar, nem muito conforme a moda. A's vezes traz felicidade; também
á terra. algumas vezes estragos!...

17
ARLEQÜIM
Mas eu fiquei animada com a tua pequenina es- cepção, porque, dizes: "é da contingência humana que
perança. Tu me amas e eu te amo. Amamo-no'. Não as duas cousas não andem juntas, senão excepcional-
pensemos noutra coisa. mente". E conclues: "Serás tu a excepção, meu amor?"
Já que estás mais calmo, apega-te à doce esperança. Misericórdia! Parece-me que te comprazes em so-
Esposa-a, amplia-a, modifica-a, para melhor, sempre brepor torturas a torturas. Pois jà não basta o prazer
para melhor. Aperfeiçoa-a quanto puderes, e deixa-te satânico de commentar o desvario desta paixão?
de perfeições absolutamente perfeitas. Teu mal é não Sim, eu sou a excepção. Estás contente ? Tu bem
te contentares com o que pode ser. Só queres a vida sabes como é a minha a nossa paixão.
a teu molde, e não dás com a necessidade de te fazeres Ouve: o nosso amor deve ser um motivo de alegria, o
ao geito delia. Ah! o teu radicalismo... incentivo da gloria, o apoio das nossas nobres ambições.
Erro ? Acerto ? Apiado-me do teu 6offrimento, que também é meu,
Vês? Já 6 a duvida. Já começo a soletrar a tua muito meu. Anseio pela tua calma, anseio pela tua
cartilha. Queira Deus que desse contagio espiritual felicidade. E só terei calma se a tiveres, só serei feliz
o meu desanimo não seja maior que o teu e me não adve- se o fores.
nham peiores conseqüências, o que é assás natural, Reage, meu pobre tonto!
porque sou mulher. Onde o grande sceptico que ria do amor alheio?
Querido, abandona esse anseio pelo excesso de perfei- Ama e crê no meu grande amor. Ama. O amor
ção. Vive a vida naturalmente. Recalca os grandes é vida, é luz, é ventura. Ama com simplicidade. Obe-
vôos da imaginação, recalca a idéa fixa do absolutamente, dece aos mandamentos do amor. Esquece o mais.
do soberanamente bello. Essa exageração é doentia. O Não irrites o espirito nem anseies pela absoluta perfei-
bello como o queres, é delírio. Pára! Pára, pelo amor ção, porque ella é impossível. Segue os impulsos do teu
de Deus. Deixa a mania do apuro exacerbado da bel- coração, que serás forte.
leza, mania que me apavora, que me dá arrepios de fe- Disse Diderot: "il existait un homme naturel;
bre e, por vezes, a sensação de que ensandeci. Vive on a introduit, dedans de cet homme, un homme arti-
para o momento presente. Vive a pensar que "o tem- ficiei et il s'est élévé dans Ia caverne une guerre civile
po é vasto", e que um dia serei tua! Isso sim. qui dure toute Ia vie. TantÓt 1'homme naturel est le
Isso sim. Fecha os olhos. Esquece as torturas, e sonha plus fort, tantôt il est terrassé par 1'homme moral
um sonho bom. e artificiei et, dans Pun et Pautre cas, le triste monstro
As primicias da tua carta deram-me certa alegria, est tiraillé, tenaillé, tourmenté, étendu sur Ia roue,
transmittiram-me confiança na tua cura, prometteram- sans cesse gémissant, sans cesse malheureux".
me treguas. Mas, ai de mim! continuei a leitura e Até eu que não sou de citações, não lhes sei fugir
lá te encontrei ás voltas com o amargor latente, de todo. Mas é que Diderot veio ao pintar. Elle foi
insidioso, insistente. Ainda versos. Transcreves Bouf- um grande espirito, o mais bello, o mais fino espirito do
fleis: seu tempo. Diz-se que o mais delicado prazer dessa
época era ouvil-o conversar. E que são estas cartas
"Ah! si je vous suis cher, soyez plus inhumaine, senão conversas intimas, conversas de coração a coração,
Laissez d mon amour le charme des desirs; da tua alma á minha e da minha à tua ? Nada, portanto,
Pour le jaire durer, jaites durer sa peine! mais a propósito do que nos lembrar-mos do mais ado-
Je ne vous reponde pas qu'il survive aux plaisirs". rável dos conversadores. Medita-lhe as palavras que
Arranjas, porém, um terceiro motivo de soffrimento: te hão de ser proveitosas.
o primeiro poeta joga com a intensidade da paixão, Hoje fico-me por aqui.
o segundo com a duração, e tu, o terceiro, pensas na ex- ALBA DE MELLO

fim de amor...
Nosso amor, meu amor, é preciso acabar. Venho pretos sentiram pela primeira vez os teus, verdes e lin-
dizer-te adeus, um adeus cheio de ternura, de arrepen- dos, peccadoramente lindos, para jamais esquecel-os.
dimento e de saudade. Mas eu detesto, odeio, sou indifferente á belleza
Perdoa-me e crê que te amo, ainda, perdidaménte, desta noite. Eu tão triste, tão feia, e ella tão bonita!
vehementemente, apaixonadamente! Fica com essa Estou chorando, vês ? E' de alegria... O nosso amor
certeza, e não procures saber a causa porque te abandono. vae terminar como amor nenhum terminou até hoje:
Pensei muito, muitíssimo, antes de tomar esta reso- sem tédio, sem* nojo!
lução. Que coragem me foi preciso para abdicar de um
orgulho, de uma felicidade, talvez! Mas é melhor que Elle tentou, ainda, impedir que Maria LUa partisse.
eu parta. Commovido, esticou as mãos tremulas para a frente, num
Lembra-te de que, ás vezes, estando comtigo, tor- gesto inútil, e tartamudeou uma supplica, que jà não
no-me triste, de repente, neurasthenica, a ponto de chorar foi ouvida.
e de fugir de ti ? Nunca pensaste na razão desse procedi- O ceu continuava a carregar uma porção de estrel-
mento? na minha teimosia em querer que fales a cada las...
momento na eternidade do nosso amor? Um vento assoprava brandamente, e as folhas ver-
Pois a explicação do mysterio está encerrada nestas des batiam palmas, no ar.
simples palavras: eu te adoro! Por isso, tive sempre o re- Na rua, um bohemio — bohemio ou moleque ?
ceio de que um dia me desprexasses. Hoje, esse receio — passou cantando:
transformou-se em certeza cruel, em forte convicção de " .. no te quiero más,
que mais tarde, não longe, me abandonará?. ni te puedo ver.. "
Vês ? E' noite. Cheia de estreitas e cheia -e luar como
aquella em que nos conhecemos, em que os meus olhos Luiz Caio
18
ARLEQUIM

ELE«AN<IAf
Marilu' é uma das 7nais antigas conhecidas de "Arlequim"
Vio-o nascer, pouco a pouco, pagina atraz pagina. Animou-o, sem-
A' excepção dos homens, ninguém se lem-
brou de crear nada de novo sob o sol. E
pre. Na quinta-feira passada, quando o teve entre as suas mãos,
sorriu contente e disse : "Que lindo !" depois da mulher, que elle creou sem querer,
Depois, "Arlequim" precisou delia. Bateu-lhe á porta e pediu.
"Arlequim" só pede ás mulheres bonitas. E Marilu' é muito bonita. todos os seus inventos foram ngenuos e tristes:
Ella disse que sim. E agora, todas as semanas, Marilu', que deuses, preconceitos, trabalhos, até mesmo o
é uma das maiores elegantes de São Paulo, escreverá duas paginas
sobre modas, attendendo, ainda, ás consultas que lhe forem dirigi- que não passaria pela cabeça do mais cruel
das nesse sentido. dos demiurgos: o amor.
Marilu' sabe uma porção de coisas interessantes. E é por isso
que eu vou ficar quieto. EUa precisa, para dizer o que sabe, de As mulheres, que tinham inveja dos ho-
duas paginas inteirinhas, sem uma linha de menos. E as terá, sem- mens que crearam os deuses á sua imagem e
pre. Não fosse ella tão bonita e tão intélligente!... — M.
semelhança, crearam, também, qualquer cousa
terrivel á sua imagem e semelhança: e foi,
Nos valles e montanhas, longe dos homens, então, que a moda appareceu no mundo.
andam florindo rosas eguaes ás que floriam na E, agora, á imagem das mulheres que a
infância da terra, eguaes, com certeza, ás que crearam — inconstante e incontentada, com-
florirão no ultimo dia do mundo. pondo pelo prazer de destruir, depois — a moda
A claraboia concava do céo não se que- queimou os seus Ídolos de hontem, substituin-
brou ainda, e o sol é o mesmo sol que deu do-os por outros que não escaparão, também,
bom-dia a Adão, numa alameda do Paraiso, ao destino que espera, irônico, todos os iclolos
muito antes do pae dos homens receber de um femininos.
deus irônico aquelle famoso e irremediável pre- Vejamos, em resumo, o que dizem os gran-
sente da costella. des costureiros sobre os novos modelos.

Diz WORTH....
Com as saias mais compridas, a cintura
quasi retoma o seu verdadeiro logar, transfor-
mando, as^im, a silhueta a que os nossos olhos
se haviam habituado.
Nos tecidos, aconselha Worth, deve domi-
nar o velludo "souple" com pequenos desenhos,
e os tecidos rebordados com fios de ouro.
19
ARLEQUIM
Diz (HERUIT

Cheruit, menos ousado, mantém a saia de


uni cumprimenta moderado. Para a noite,
porém,acoiisfllia-a completamente irregular, com
pintas e apanhados inesperados.
Teeid s favorit.s: muito tulle, rendas e,
principalmente, tulle "ciré". Esses tecidos, af-
firma Cheruit. darão a grande nota na "saison"
Quanta á linha, continua o mestre, o
"smoking pailleté" eu bordad), dominará sem-
pre a lad das saias muito leves e amplas.
Para a n ite, as cores predilectas serão
vivas, berrantes mesmo, em contraste CJÜI as
toilettes de dia, onde o preto continuará a
manter o seu reinado.

Diz DOUCET ..

Confirma Doucet que as saias serão real-


mente mais compridas do que as actuaes, re-
servando-nos, porém, uma encantadora e ines-
perada linha: conservar-se-ão curtas na frente,
emquanto crescerão atraz.
Segundo Doucet, os tecidos serão sumptuo-
sos: ouro, muito ouro, "strass" e pérolas com-
pletarão o encanto dos vestidos brancos, lu-
minosos.

Collares de ouro, crystal, onyx, ou dia-


mantes desthronarão definitivamente os de
pérolas, já decadentes.

Uma flor — rasa, cravo ou papoula —


completará a "toilette", prendendo com encanto
os collares de gaze, tulle ou plumas, que farão
o grande suecess. da estação.
MARILU.

t * \

* Jj
ARLEQUIM

AMÉLIA REY COLAÇO

Ha nomes que mostram almas. Por nas veias, por temperamento e por feliz ou no antigo, em deliciosas "toilettes"
exemplo, ninguém acreditaria que Na- herança de uma dynastia artística, a de Paris ou nas roupagens severas dos
poleão Bonaparte pudesse ser o nome de graça e o ardor da velha Hespanha, a grandes dramas históricos, rindo, sor-
um caixeiro de lojas de modas, com') subtileza delicada da França aristocrá- rindo ou chorando, consegue sempre
não ha possibilidade physica ou chimi tica, o lyrismo medieval da Pátria das empolgar as platéas que embevecidas
ca de haver um heroe chamado Narciso Valkirias, o sangue impetuoso das ter- a escutam e que com ella vibram de ale-
Suspiro. ras da Mourama e a ternura ingênua e gria, de horror ou de tristeza, na mesma
Ha nomes que impõem um destino. emocionante da gente portugueza. empolgante emoção com que a eminente
Júlio Cezar, Nuno Alvares, Victor Hu- E' por isso — pondo de parte o gran- urtista sabe encarar as personagens.,
go, Olavo Bilac, Miguel Ângelo, Guerra de talento que é apanágio da sua illus- com ella soffrendo, rindo e amando como
Junqueira, e quantos outros dizem tan- tre família onde colhemos ao acaso os se um milagre divino da arte lhe permi-
to, por si sós, como as mais esmiuçadas nomes prestigiosos do grande pianista tisse não uma interpretação, mas uma
biographias. Rey Colaço, seu pae, do famoso Jorge substituição de almas.
Colaço, que revive nos mais lindos azu- S. Paulo tem sabido receber a grande
Assim e, também, com Amélia Rey lejos a Historia gloriossa de Portugal, artista portugueza com as honras que lhe
Colaço, a insigne actriz portugueza, que da enternecedora poetiza Branca de eram devidas. E a Artista S enhora, que
nos veiu mostrar a expressão mais mo- Gonta Colaço, do joven e pujante os- tem sabido manter bem alto, na vida
derna e mais interessante do theatro do criptor Thomaz Colaço — 6 por isso do palco, aquella linha de distineção que
hoje em Portugal. talvez, que a insinuante artista, agora nós tanto apreciamos no palco da vida,
Amélia Rey Colaço ! Um lindo e per- em arroubos de meiguice em qualquer já declarou que deixa em S. Paulo uma
feito verso de seis syllabas, seis syllabas comedia gentil de de Flers ou de Gerbidon, boa parte do seu coração, desse amantis-
sonoras, cantantes, risonhas, deliciosas logo nas imprecações tempestuosas de simo coração que lhe permitiu, na scena
de musica, inebriantes de perfume, uma tragédia esmagadora, a seguir na real do mundo, a interpretação do papel
como a mocidade em, flor dessa artis- simples interpretação de uma alma mais sublime para uma mulher: o de
ta encantadora que têm a correr-lhe mística o mansa, no theatro moderno Mãe.

— 21 —
ARLEQUIM

.4' isí/itmii: Elsn (itimts, estrella do Ra-Ta-Plan que,


ri ultima hu-i, inlit utida, ficou no Rio. Ha muito
//'um 'im to is;>- <• /iit ainda v.nha. A' dirita: a
linda (Un i liffivln, it'd>airi finamrnt: abraselriradi
nos n(/nilinis di niisti nacioiril.

22
ARLEQUIM

Na exposição de Cajé

Um grupo de gentis
estudantes

PAGINA DE UM DIÁRIO Ao longe, mãos postas, um pinheiro


— monja solitária — erguia preces ao O lábio do homem não é como a pata
Canção da Ternura Azul. . . do cavallo de Attila, que esterilizava o
Abril. E foi então, que tu me appareceste. . . solo em que batia: é justamente o con-
Paz bucólica de aldeia. E foi, então, que te vi, pela primeira trario.
A manhã, gloriosamente linda, com vez.. .
caricias de luz, enxugava as ultimas
Como estavas linda !
Machado de Assis
lagrimas, que tremeluziam na corolla
das flores. E m teus lábios, floriam rosas ; a noite
Risonho e límpido, o céo era todo baixava sobre teus cabellos; a alma
sorria-te nos o l h o s . . . Eras todo um poe- Ha sempre alguém que surprehende o
uma historia azul de Fadas. . . uma encontro de dois olhares; ha sempre
gigantesca sempre-viva amarella.. um ma de candura; eras todo um madrigal
de a m o r . . . alguém que adivinha de onde se vem a
meigo rebanho de o velhinhas b r a n c a s . . . certas h o r a s . . . Os deuses antigamente
um castello e n c a n t a d o . . . montanhas Sobre tua fronte, em suavíssima pu- arranjavam essas coisas melhor; tinham
revestidas de n e v e . . . a cabeça muito reza, esfolhavam-se camelias e magnolias, uma nuvem que os tornava invisíveis.
alva de um velhinho muito branco, numa chuva lyrial de pétalas brancas. . .
como papá N o é l . . . Em segredo, menos com os lábios Eça de Queiroz
Andorinhas brincavam, em algazarra, que com a alma, murmurei : — "Serás
de redor do campanário. minha..."
As laranjeiras, com elegância, osten-
Sornste. . . Derramarei os meus cantos no teu
tavam túnicas verdes, abotoadas com
Desde então, a felicidade estendeu mudo coração e o meu amor no teu
botões de ouro.
suas azas sobre nossas cabeças. E o amor.
Vestida de perfumes, graciosa e tre-
céo encheu-nos de bençams. E o amor
fega, a brisa fazia cócegas no dorso do
riacho, que sorria nervoso, cascavelean-
buscou morada em nossos corações. .. Rabindranath Tagore
do crystalínamente... Mello Ayres

Outro aspecto da
nossa linda estu-
dantina

— 23
Cine Republica
D I A 2 1

LA BOHÈME
A mais bella e mais humana synthese da vida

A obra immortal que MURGER escreveu, PUCCINI


musicou e a METRO -GOLDWYN-MAYER fumou !

Lílían Gísh
John Gilbert
Renée Adorée
Roy DArcy
Karl Dane

mise-en-scène especial do C í n e Republica


Partitura de Puccini
especialmente adaptada por Fabello.
ARLEQÜIM

O VERÃO DAS RENDAS


Elle me appareceu vestido com o seu fraque verde. nesses tempos de calor;
Elle tem um geito todo seu de me dizer bom dia. Penso que as rendas já estão tramando,^;
Elle nunca me disse, nunca, boa noite ou boa tarde. desde agora, W&?'
Elle não FALA. uma cilada engraçadissima,
Elle não tem vóz. em que serão envolvidos
Elle não fala com ninguém. esses homens extremamente desconfiados,
Mas a mim elle tem contado muitas historias interessantes, e extremamente zelosos
eu tenho comprehendido perfeitamente todas ellas. e extremamente ciumentos;
Elle não me fala senão com uns caprichosos meneios de cabeça, Os seios de neve vão atravessar uma deliciosa phase
rythmicos, com uns gestos muito typicos, de desafogo verdadeiro,
uns acenos muito seus. de ampla liberdade,
Elle é original. acariciados,
Hontem, elle me apppareceu vestido com o seu fraque verde. a quando e quando,
Não sei precisamente por que, pelas pontas peraltas das rendas victoriosas;
mas, Os homens em geral terão
logo que o vi, uma festa permanente para os olhos,
recordei de prompto Oscar Wilde. com a aleluia dos bilros;
Elle é meu amigo, O verão das rendas annunciará
e esse meu amigo, a grande aurora de um paganismo integral, o
que nunca vi senão vestindo um fraque verde, que ahi vem caminhando,
é conhecido também de vocês todos: que ahi vem caminhando não sei a quantos kilometros por hora;
E' o Calangro. Uma loura, encantada outrora nos vèlludos somnolentos,
Alguns o chamam apenas de CALANGO, surdirá fresca e bella,
mas, com a aleluia das rendas;
Calango ou Calangro, Uma morena, em tempos idos occulta na suavidade dos setins
seu parentesco não é dos mais longínquos com o Lagarto, e das sedas,
com a Lagartixa fará ressuscitar envolto em rendas,
e com o Camaleão. m para os beijos do sol,
Calangro é a metamorphose do CAMILBÍO: todo um thesouro immenso de belleza;
o fraque verde, Os fusos, as rocas e os teares,
porém, dentro na sua soledade,
é que é de uso privativo do Calangro, desse amigo que nunca se hão de sentir muito ao longe,
entendeu commigo por meio de palavras, como uma reminiscencia de grandeza extincta,
se não por meio daquelles acenos typicos, que são absolutamente o perfume de carne das creaturas amáveis que,
seus, exclusivamente seus. circumdadas de rendas caríssimas,
Posso garantir a vocês que não é difficil comprehender rolarão de terra a terra,
a alma verde do Calangro de oceano a oceano;
— porque o Calangro tem uma alma, As gazes chorarão definitivamente os seus dias de gloria;
e a cor de sua alma, Os bordados, as franjas, os vèlludos dourados, as abas e as
como a do seu fraque, blusas entrarão,
é verde. soluçando,
Hontem, para os conventos silenciosos.
citando paradoxalmente de Forest, E as rendas brancas, as rendas prateadas, as rendas douradas,
de Rudyard Kipling, as rendas coi de laranja queimada
e envergando o seu fraque verde habitual, e as rendas multicores celebrarão
Calangro me falou do verão das rendas. a aleluia dos bilros,
Advertiu-me que "manobrar os homens é fácil, o verão das rendas.
o diabo é manobrar as mulheres". Morrerão, com a aleluia dos bilros,
Depois disso, os lindos brocados, no enleio das missangas,
elle me contou que e os tulles luzidios, no cicio das túnicas macias
vamos assistir à aleluia dos bilros; e na caricia das pelles enleiantes."
Todas as senhoras elegantes ostentarão lindos vestidos,
todos elles feitos puramente de rendas;
As machinas Ditas todas essas coisas,
— é natural — Calangro desappareceu.
fornecerão a todo o mundo muita renda, Q. C.
para muito vestido,
mas as rendas trabalhadas a mão,
sob a toada harmônica dos bilros,
serão as rendas preferidas,
serão as rendas disputadas por esse . ' .
diabólico exercito ' í ^
de mulheres ricas e elegantes... f
^'"''
Socegando um pouco, 4<
afim de repousar de um longo trabalho de gesticulaçao,
Calangro voltou,
dahi a instantes,
a fazer os seus clássicos movimentos de cabeça,
e eu,
admirando-lhe mais uma vez a correcção do fraque verde,
assim fui traduzindo
o resto da sua reportagem:
"As rendas contarão ineffaveis segredos,
maravilhas recônditas,
a todos os homens enamorados;
Creio até que ellas travarão sérios conflictos com as camisolas,
com as camisetas
e com tudo o mais que lhes pareça supérfluo na mulher,

25
ARLEQUIM
A BEMAVENTURADA
A primeira arbitrariedade que o mundo commetteu ella e depois levantou, em silencio, o braoinho cor de
para cora D. Plácida foi a de leval-a á pia baptismal, rosa, com a mão fechada, numa figa ao mundo.
sem commcntarios nem consultas c ahi apresental-a, No decorrer do tempo, desde que se lhe acoenderam
por intermédio de outrem, julgando-a indigna de se no espirito as luzes do entendimento, D. Plácida se
apresentar por si mesma. Como, porém, a intenção do consolidou nas suas opiniões de brandura e de temor.
mundo era apagar-lhe a nodoa do peccado orignal, D. Supprimiu do seu vocabulário a palavra "não* e ali-
Plaeida nfio oppoz nenhuma resistência e, concordando, sou todas as rugas de sua alma. De creança dócil passou
fechou os olhos. Isto tanto poderia ter sido a conseqüên- à moça submissa e desistiu, em proveito dos outros,
cia do somno indifferente dos neophytos que não sabem do quinhão de vontade que lhe tocou na vida. A na-
de si, como o prenuncio da sua placidez futura, ou da tureza benigna, para lhe garantir a boa* fortuna, lhe
resolução que tomou de acceitar, em silencio, as outras deu a passividade de que nascem as grandes virtudes
arbitrariedades que viriam mais tarde. do silencio e da tolerância.
Disseram que um acto de despotismo jamais poderá
ser acompanhado de branduras e meiguices sinceras , e
assim deve ser porque, quando o padre perguntou pelo
nome da creança, o padrinho respondeu : — Barbara!.
No entanto, D. Plácida era quasi um cherubim, se não D. Plácida achou justificativa para todos os cri*
pela belleza própria, ao menos pela frescura da sua pri- mes ; perdoou aos maus ; explicou as coleras e, como a
meira infância. Era-o no rosado da pelle macia como creança da estampa, sahiu pela existência, a passear
uma pétala, nos olhinhos azues e limpos e nos fiapos pela beira dos abysmos, pisando pedras movediças,
de oiro do seu coquinho pellado. Quando aquelle ignorando perigos — confiada na paz do seu espirito e
nome desabou como uma taipa sobre o cherubim, D. na doçura do seu coração...
Plácida estava mergulhada no ditoso somno que lhe Não viu D. Plácida nenhum phantasma no repouso
dava a vida e lhe gerava uns sonhos subtis de leite e das suas noites e nenhum espinho no caule dos suas
seios turgidos, uns seios que lhe roçavam pelos lábios e flores. Qualquer contracção de bocea — ainda que
lhe contrahiam o cantinho da bocea, num sorriso fu- fosse a da dor — lhe parecia um sorriso. Não conheceu
gaz e somnolento. Quando esse nome cahiu sobre a terror e nem espantos, pois tudo lhe transcorria, impellido
creança rosada, foi como se o gigante papa-leguas met- pela mesma força, vivendo do mesmo enoanto, amparado
tesse o pé no sapatinho da Borralheira, ou a boquinha pelo mesmo amor.. Tudo lhe resplandecia á luz da fé
de D. Plácida se abrisse para roncar como o trovão ! que alumia o mundo e o intimo das almas. Conhecia
Que motivo ponderável teve a egreja antiga para todos os temores, praticava todas as virtudes e quan-
conferir o sacramento do baptismo somente na edade do, com resignação invejável, sentiu passar-lhe a vida,
avançada, e até mesmo em artigo de morte? Talvez recebeu o seu verdadeiro baptismo — perdeu o pesa-
por julgar no seu reservado entendimento que, sendo o do nome que lhe deram, na pia, e ganhou o de D. Pláci-
nome o termo com que se designa uma pessoa, só deve da, que lhe dei...
ser applicado no tempo próprio, depois de ser ella bem Quando D. Plácida consentiu em casamento, pro-
conhecida em todos as suas virtudes e predicados.. metteu a si mesma, na sua singeleza, ouvir dez missas
Mas D. Plácida não protestou contra o nome esmagador para pedir a Deus, em todos ellas que não a desam-
que lhe puzeram porque nasceu convencida de que se parasse ; por isso, ao terminar as suas orações, D. Plá-
deve obediência ao mundo. Por essa mesma razão per- cida rogava invariavelmente, no fervor da sua fé :
maneceu em silencio quando lhe propuzeram todas as — Senhor meu Deus, se não for para minha feli-
questões sobre as verdades da fé ; quando recitou o cidade, dai-me antes uma boa hora de morte !..
Symbolo dos Apóstolos e renunciou ao diabo ! Ora, de manhã, emquanto dizem missa na terra,
Ao receber a água purificadora' da culpa de seus Deus fica tão apoquentado com os peditorios que so-
pães, deixou, com toda a docilidade, que lhe voltassem a bem ao Céo a ponto de, muitas vezes, perder a paciên-
cabeça para o oriente — symbolo da luz — e os pés cia e não attender a ninguém ! Mas a alma da mulher
para o José Dyonisio, sacristão — imagem dos te- confiante ignorava os enfados do altíssimo e, por isso,
nebros. A sua quieta submissão e o sonho feito sorriso, repetiu durante nove dias consecutivos a singela sup-
a bulir com a sua bocea, produziram penosa impressão plica. No dia em que devia assistir ao ultimo offi-
nos circumstantes que almejavam o choro que é o sig- cio da sua promessa, choveu torrencialmente, com tro-
nal da vida ! vões, ventos e enxurradas. Todas as casas se fecha-
D. Plácida calou-se ao segurar a vela que devia ram ; não havia viva alma nas ruas, não obstante, D.
esclarecer a sua razão ; calou-se quando o padre asso- Plácida, escrava de seus deveres, affrontou o aguacei-
prou, por três vezes, o demônio do seu rosto, como se ro e foi ã sua missa ! Chegou toda molhadinha â egreja
fosse um argueiro ; mesmo quando lhe foi prenunciado vasia ; não viu o padre, não viu o sacristão e, se não
que teria de carregar uma cruz por toda a vida e de lhe fosse um cabrito encolhido e encharcado, á porta da
terem escancarado a boquinha e ahi mettido o azinha- egreja — não encontraria creatura por alli! D. Plá-
vrado sal da sapiência. . até mesmo quando lhe cha- cida vagueou pelos altares, depois quedou ã espera,
maram : '"Epheta !" D. Plácida se conservou surda e emquanto passavam as horas e não passava a chuva.
muda, como convém a uma creança obediente que se Temendo não cumprir integralmente a sua promessa,
baptisa. Para não desmentir, porem, á sua condição pois era aquelle o seu ultimo dia de solteira, ajoelhou-se
humana, concedeu um espreguiçamento, e estirando as solitária e humilde ao altar e murmurou, como sempre,
perninhas e estirando os braços, abriu o? olhinhos vi- as suas monótonas orações; ao terminar, repetiu o
vos, fixou-os na vela symbolica que seguravam por peditorio, acerescentando :

26
ARLEQÜIM
— Attende, Senhor meu Deus, á vossa creatura carinhos com o seu perfume de fructa. .Fechava-as
que não vos pedirá mais nada! D. Plácida, no bahuzinho dos lenços aonde ellas espar-
Quando D. Plácida se levantou e se viu sosinha giam o balsamo das suas virtudes, afugentando delles
no centro da nave immensa e magestosa, teve uma gran- as lagrimas e os conservando sempre lisos, sem os amar-
de esperança porque lhe pareceu que Deus ia ouvil-a, rotamentos dos soluços e alheios ás agitações das des-
visto como só havia ella a pedir naquelle instante. Exul- pedidas. .. A malva para D. Plácida, era irmã da sua
tou então como um pretendente* na antecamara deserta alma — simples como a sua virtude, doce e incompa-
dum ministro; aproveitou no que poude, a falta de ravel como o seu amor! Amava-a muito de pouquinho
concurrencia, para teimar com Deus. E Deus ommi- em pouquinho, de folha em folha, de suspiro em sus-
vidente, bem reparou na teimosinha, na chuva que ca- piro, mas a trazia sempre encarcerada no seu potezinho
hia, no padre, no sacristão e na parochia que se deixa- â janella, espiando à furto a luz immensa que andava
ram ficar em casa e não lhe veio tomar a benção!... além, na immensidão dos céos calados!
Achou D. Plácida um pouco pidonha, é certo mas Um dia, sentindo D. Plácida crescer no seu cora-
interessante e tomou nota. Mas tarde, quando lhe ção o amor á doce planta e esquecendo as boas virtudes,
trouxeram, para os despachos, o "Livro das Supplicas", deixou-se arrebatar pela ambição humana. A sua má
na de D. Plácida, exarou, excepcionalmente:— "Como origem, que a água santa não lavara de todo, levou-a,
pede".. Considerando melhor, Deus viu depois que ti- na vertigem dos sonhos loucos, a descer ao jardim,
nha sido precipitado, concedendo um bem que não cavar a terra numa grande extensão, amanhal-a cuida-
costumava conceder com freqüência; Mas era tarde, e dosamente é plantal-a toda de malvas! A ambição
como despacho de Deus não se reforma — D. Plácida creou tão depressa raízes no coração de D. Plácida,
.apanhou, mui caladinha e por falta de concurrentes como as malvas na terra ávida e, dentro em pouco —
num dia de audiência — aquelia ventura que poucos perdida a modéstia, perdido o silencio e com as virtudes
desfructam ! todas intimidadas—D. Plácida mostrava, vaidosa, a meio
mundo, o seu malval enorme, verde e cheiroso. E o seu
O amor, quando é tranquillo dura sempre; enche prazer era agital-o todo, com uma varinha tênue. Fusti-
o seu objecto, transborda e se alastra por tudo quanto gava-lhe as folhas com a superioridade do dominio e se
o cerca. O coração inexhaurivel produz sempre o mes- aprumava impertigada para receber em cheio, no seu
mo amor que toca em todos os seres e em todos as cou- corpo esquecido do recato, o sopro perfumado que vinha
sas e, de parcella em parcella, disperso pelo mundo, da terra; que vinha das malvas, incensar a sua soberba;
se junta finalmente aos pés de Deus, de onde volta ao mas não lhe arrancava o doce suspiro nascido da folha
homem em forma de perdão... D. Plácida, além dos mutilada e solitária, aspirada em recolhimento e acon-
seus e além do próximo, amou tudo quanto viu e tudo chegada ao seio ! Todavia, a maldade do mundo, o
quanto vive. Cultivou a terra, protegeu os bichos, mas ephemero da gloria, a mentira da vaidade, se occul-
teve insomias pelas formigas que lhe comiam as flores. tavam na vida deslumbrante da mesma primavera que
Muitas noites sahiu ao pateo, de vela accesa, a ver dá alento as malvas cândidas e cria as lagartas gulosas
se estava bem fechada a porta do lenheiro, onde dor- de verduras tenras !... D. Plácida viu, numa manhã
mia a gallinha de pintos; e voltava ã casa,socegada e da vida, na mais ampla manifestação das existências,
contente se tinha ouvido, no silencio do rancho escuro o seu canteiro nú, as suas malvas devoradas todas e,
por debaixo do montão negro de lenha, o sonno dos no seio da terra, as raízes desapontadas pela sua
pintos num piriri continuo e somnolento ! inutilidade ! . . . E as lagartas vorazes — coleantes,
E as flores então ? Nasciam verdes e sadias sob verdes e repletas — tinham desapparecido ! Levaram
o carinho de seus dedos ! A boa terra se abria, fofa e comsigo o manto daquella terra, a gloria daquella mu-
humida, para lhe guardar a esperança; e a luz, cahindo lher, para um cantozinho ignorado onde foram se trans-
como uma benção, sobre a sagrada familia da terra, .formar em cores, crear azas e levar assim transfiguradas,
água e semente, resplandecia e se transformava em assim esvoaçantes — borboletas verdes — as malvas de
aroma e cor — o encanto do olhar humano e o en- D. Plácida, a ver a luz e as grandes auras!
levo da alma santa de D. Plácida... Amou, suavemen- Como contraste ou como castigo, a um canto do
te, a liberdade de cada um no direito dá vida — reti- canteiro, ficou um pé de malva, unicõ sobrevivente áquella
rando a pedra que embarga a raiz mas amontoando- hecatombel D. Plácida abaixou-se, examinou-o, veri-
a para a existência dos musgos. Se algum vivente pren- ficando se elle estava, de facto, plantado ainda é, em-
deu no mundo, foi a malva e foi o cravo; prendeu-os quanto esteve alli, soffrendo, alheia ás philosophias,
no pote exíguo para trazel-os & janella; queria-os na muito acabrunhada, na sua decepção, a terra lhe disse
intimidade de seu lar e.como não tinha animo de arran- baixinho: "D. Plácida, leve para o pote a planta que
cal-os ao seu canteiro, encarcerou-os mas lhes deu escapou ã devastação e não se esqueça nunca que malva
trato de mãe... Uma única vez. teve um pássaro, pre- é uma felicidade que não dá muita duma vez, assim como
so e essa, sabe-o D. Plácida quanto lhe custou de a felicidade é malva que só cabe num potinhol..." D.
sobresaltos e remorsos, e quanto lhe bateu o coração, Plácida, sorrindo, transportou a malva sobreviva para
no dia em que, ao levantar-se, viu o canarinho doente o seu peitoril; fez depois as suas penitencias, pedindo
para morrer! O pobrezinho, encorajado no poleiro, perdão a Deus do seu tremendo peccado... Esqueceu
com a cabeça mergulhada nas pennas arripiadas — as penas que teve com as malvas que perdeu, mas no
redondinho como se fosse uma gemma — custou lhe fim do seu breviario, cheio de orações encommendadas,
um par de lagrimas doridas. onde jamais o seu olhar poisara, ficou para sempre,
As folhas da malva foram as predilectas do seu muito bem guardada, muito lisa e livida, a maneira de
coração; amava-as e tinha com ellas colloquios íntimos uma folha, clamando a quem a desvendasse, a palavra
de amores sentimentaes... Aspirava-os com força, "Saudade", escripta por entre as suas nervuras hirtas..
num suspiro melancólico e as guardava no seio, onde
ella» ficavam em doce conchego, retribuindo-lhe os (Concfúe na pg. 31)

27
ARLEQÜIM

A UMA *E
Jack London
Traduzido do inglez por Américo R. Netto
Nunca se viu embarque como este, co, chapéu de palha na mão. E que só excitando-se, calando-se ás vezes, mas
no cães de Honolulu. Das chaminés tem olhos para envolvel-a, absorvendo-a. não deixando do fital-a. E que olhos
do barco de alto bordo rola um fumo Olhasse o senador para ella, porém, e tão abrazadores! Brota delles qualquer
espesso e negro. Nos passadiços com- verria que em vez da mocinha de coisa de terrível, que a moça não sabe,
primem-se mais de mil pessoas. No cães quinze annos, trazida para Hawaii ha não pode enfrentar. E' um pedido, 6
acotovellam-se nada menos de cinco mil. um mez apenas, de Hawaii leva de vol- um chamado, imperioso e instante, que
Pela escada sobem e descem príncipes ta, agora, uma mulher. não ha evitar. Chamado e pedido,
e princesas indígenas, reis de assucar, Hawaii tem clima que sazona de prom- anciado e fremente, como egual não no-
altos funccionarios do Território. Mais pto. E Dorothy Sambrooke se impre- tou ainda em olhos humanos. Ella mesma
além, em longas filas disciplinadas, alin- gnou de toda a sua influencia nas mais crepita inteira, um tanto excitada, um
ham-se os carros e automóveis da aris- favoráveis condições para amadurecer pouco assustada.
tocracia da terra. Toca no molhe a ban- depressa. Fina, pallida, olhos azues um A sereia de bordo rompe num clamor
da real hawaíana, cujos compassos lan- pouco cançados de muito ler e apenas brutal. A multidão coroada de flores
guidos uma orchestra indígena, a bordo, de leve' tentando comprehender a vida chega-se mais ao flanoo do navio. Doro-
retoma e desdobra com o seu instrumen- — assim tinha chegado alli. Agora, thy põe as mãos ambas nos ouvidos
tal de cordas, soluçando sons, emquanto entretanto, os olhos já lhe brilham e emquanto nota, outra vez, o brilho im-
em terra uma mulher bronzeada tange ardem, as faces mostram a sombra de perioso e instante dos olhos de S tephena
agora seu timbre crystallino, bem aci- um sangue mais grosso e no, corpo se Elle agora não a fita nos olhos, mas segue
ma da melodia dos instrumentos, bem accusam, francos,' os contornos das gran- encantado, a cambiante de tons que
acima do murmúrio das despedidas. E' des curvas femininos. Deixou, naquellas o sol tombado lhe põe nos dedos finos.
um cântico límpido, clamando vibrante quatro semanas, os.livros a que tanto Attrahida e fascinada, procura aquella
no grande diapasão do adeus. queria, para ler, directamente, no grande qualquer coisa barbara que ha nos olhos
* livro da vida. Montou a cavallo, subiu do moço, até que elle a fita de cheio,
ao topo dos vulcões, aprendeu a nadar também. Ahi as faces delle escurecem,
Na proa debruçam-se moços vesti- nas ondas dos trópicos. O sol dos mares emquanto tenta dizer qualquer coisas
dos de khaki, dizendo com as faces re- grandes e das ilhas pequenas entrou-lhe Está perturbadissimo e ella sente um
queimadas a historia de três annos de pelo sangue e ella agora vive, vibra pouco, ella também, daquelle tumulto
campanha. O adeus, porém, não é para com luz, cor e calor. Esteve um mes nervoso.
elles. Não é para o capitão, todo aper- inteiro na companhia diraria de um De um lado para outro apressam-se,
tado no seu dolman branco, rebrilhante homem — Stephens Knight, athleta, na- correm os criados de bordo, pedindo aos
de dourados, olhando, superior e dis- dador, Deus bronzeado do mar. visitantes para que deixem o navio.
tante, o tumulto que se move a seus 8 tephens toma-lhe a mão. E ao sen-
pés, abaixo da ponte de commando. * * tir a pressão daquelles dedos que tantas
Nem, também, para aquelle grupo de outras vezes têm agarrado os seus dedos
mulheres de pelle branca, rosto devas- Dorothy não se dá conta, no mo- mas rampas de lava e nas vagas dos
tado pelo clima de sol inclemente. No mento, de tão grande mundaça. Tem, trópicos, ella escuta, com um significa-
convés principal, a meia-nave, está um ainda, a consciência de uma menina e do novo as palavras do canto que se
grupo de senadores americanos — acom- muito a surprehende e perturba a es- modula plangente, na garganta de ouro
missão senatorial de estudos, que duran- tranha conducta de Stephens, nesta da hawaíana:
te um mes comeu e bebeu, atordoou-se hora da separação. Olhou-o sempre como u
de estatísticas e andou de baixo para simples companheiro de brinquedo, mas
cima, cortando as solas dos sapatos nas nota, na verdade, que elle não se despede O oe no ka'u aloha
lavas das encostas, a ver e a medir as como simples companheiro de brin- a loko e nana nei
glorias e os recursos de Hawaii. Para quedo. Fala rápido, quasi sem nexo,
leval-a de regresso aos Estados Unidos
especialmente abicou em Honolulu o
grande transatlântico. E é para trazer- " 1 •••••
lhe adeuses que toda aquella gente alli
se estende.
Os senadores estão cobertos, coroados
de flores. Um delles, Jeremias Sambro-
oke. quasi desapparece, com sua alta ''
estatura e pescoço taurino, sob um mon-
te de ramos e guirlandas. Vêem-se-lhe • ''//'•/• ////'•"/,

• ' : . . - -•

apenas as pernas e a face, massica,


queimada de novo e onde correm lentos /
fios de suor. As flores suporta-as meio '•r*' // ' '

indignado e, ai olha toda aquella gente


é- com apreciativa puramente estatísti-
ca. Não vê, não percebe bellexa alguma,
mas pesa a capacidade de trabalho, as -•• ' •

possibilidades das fabricas, das estra-


das de ferro, das plantações que estão
para além da multidão e que a mul-
tidão representa. Olha recursos e ima-
gina desenvolvimentos, occupado demais
com seu sonho de domínio e de rea-
hsaoões materiaes para dar attençâo
a Giba , que falia ao lado com um rapas
alto, negligentemente vestido de brao-

28
ARLEQÜIM
Elle mesmo lhe ensinou as palavras
°e adeus. Lembra-se tel-as escutado, at-
tenta, emquanto elle as repetia, á som-
bra _ macia da artocarpa, em Waikiki.
Teria sido uma prophecia, aquella ? Lem-
bra-se ter admirado como dizia tão bem,
notara que tinha expressão, muita ex-
pressão. Ri, então, nervosamente, amar-
gamente-I^Com muita expressão I —
quando, de facto, todo o coração del-
le estava no que dizia... Sabe-o ago-
ra, mas é tarde. Porque nfio falou elle ?
Lembra-se, _ então, que as mocinhas da
sua edade não se casam ainda. Mas
as mjcinhas da sua edade se casam —
em Hawaii — é o seu pensamento ins-
tantâneo. Hawaii tinha feito com que
ficasse sazonada, Hawaii onde a carne
é dourada e onde todas as mulheres são
beijadas e atempadas pelo sói.

* *
Debalde olha pela multidão comprimir
da no cães. Onde está elle? Sente que
pagará qualquer preço, fará qualquer sa-
crifício para vel-o ainda. E quasi deseja
que uma doença mortal fira o capitão,
branco, dourado e impassível na ponte
de commando, para que se adie a parti-
da. Pela primeira vez na vida olha seu
pae com olhar critico, descobrindo, num
receio novo, as linhas duras do seu rosto.
Será terrível fazer-lhe frente? E para
que? Stephens não faliou.... Agora é
tarde. Por que, por que não fallou elle,
á'sombra macia da artocarpa, em Wai-
kiki.? *"
j,\ De repente, cahindo-lhe o coração aos
pés, comprehende por que. Que foi aquillo
que ouviu um dia? Sim, foi num chá
com a senhora Stanton, naquella tarde
da recepção das "Missionárias" A scena
lembra-lhe bem viva — o amplo "la-
nai", as derramantes flores dos trópicos
com suas cores espessas, os criados asiá-
ticos pisando sem rumor, o murmúrio
tagarella das moças. E a pergunta da
Stephens mesmo lhe ensinara a musica ** Pouco se dava a moça das estatísticas sra. Hodgkins, querendo noticias de ami-
e as palavras, dizendo-lhe o sentido dei- infindáveis, da eterna mania oratória gas que deixara na ilha: "Que fim le-
las — pelo menos como até ahi acredi- dos outros -membros da commissãb. vou Susie Maydwell" ? E a resposta:
tou. Naquelle instante do ultimo conta- Stephens, egualmente. Era com elle que "Nunca mais a vimos. Casou com Wil-
cto porém, advinha pela primeira vez o se largava para as festas do ar livre, em lie Kupele". E como a sra. Behrends
significado real do verso. Quasi o não Hamakua, horrorisada com Abe Loui- quisesse saber em que o casamento mu-
vê sahir, nem pode distinguil-o mais son, magnata plantador, que só falava dara a vida de Susie Maydwell" : "Hapa
entre a multidão, que se agita no molhe. café e mais café. Cavalgando lentos pelas haole", foi a explicação. "Elle é um mes-
Mergulha num sonho, com que evoca o avanças gigantes, aprendera "Aloha oe 1" tiço". ' .
mes alli vivido. A' luz da grande revela- o canto da saudade e da despedida, Dorothy volta-se para seu pae, que-
ção repassa o que suceedeu. *»-'• cantado em todos os ranchos, aldeias e rendo, uma certeza;:
A' chegada dos senadores, Stephens plantações na hora commovida da se- "Papae...Si Stephens vier aos Esta-
viera com a commissfto de recepção. paração. dos Unidos, poderá visitar-nos?"
Fora elle quem dera a primeira demons- Stephens e ellla tinham estados jun- "Quem?...Stephens?"
tração de aquaplano, largando-se com tos desde o começo. Fora, realmente, "S im. S tephens Knight. O sr. conhece
soa prancha esguia para o mar alto, o seu companheiro de brinquedo. Em- Agora mesmo despediu-se de nós" -
até ser um ponto na vastidão do oceano quanto o pae se apossava das estatís- "Não, minha filha", falou, secco, o
desdobrado. Para voltar, surgindo como ticas da ilha, ella se apossava do moço. senador. "Elle é um mestiço e você sabe
um deus marinho, da festa de espuma Fina e gentil demais para tyrannisal-o, o que isto quer dizer".
das vagas possantes — surgindo im- não lhe foi difficil, porém, dominal-o "Ora, papae...", gemeu Dorothy, va-
ponente, cabeça, hombros e peito, cin- de todo. Menos na canoa ou no aqua- rada de tristeza.
tura, bacia e pernas, até aprumar-se plano, quando elle mandava e ella obe- Stephens não é um mestiço, ella bem
na crista de uma vaga immensa. que decia. o sabe. Apenas uma quarta parte de san-
rolava, rolava, arqueada e tumida. E E alli, naquelle instante, na emoção gue dos trópicos corre-lhe nas veias.
que estourava na praia. E de onde elle envolvente do canto de saudade, já se Mas é quanto basta para fechar-lhe o
nrempía, sorrindo magnífico, chegando- movendo o grande navio, a moça sente, casamento com uma branca. Mundo es-
•s ao grupo pasmado, todo escorrendo sabe, percebe, por fim, que Stephens tranho, este ! Alli está o sábio Cleghorn,
água salgada ainda em bolhas. é para ella muito mais que um compan- que casou com uma princeza queimada,
Fora aquella sua primeira visão de heiro de brinquedo. da linhagem de Kamehameha e que
Stephens. Era o mais moço da commis- Cinco mil vozes cantam: todos apreciam e festejam, até as mais
são. Não tinha vinte annos. Com elle ('Aloha oe • . — exigentes damas das "Missionárias". Mes-
nada de discursos, nem poses decorati- Meu amor vae comtigo até nos ver- mo Stephens. Ninguém teve uma cen-
vas nas recepções. Foi nos vagalhões de mos" sura, sequer, porque elle a ensinou a
Wsikíki, nas correrias do gado bravo E neste primeiro clarão da paixão andar de aquaplano, nem porque a levou,
de grandes chiffres, em Mauna Kea e revelada, já lhe doe a dor da separa- mão a mão, ao topo fumarento de Ka-
Dos rodeios de Haleakala, que tomou o lauea. Elle podia jantar com ella, ao
papai de distrahü-a. S lo. Quando se encontrarão de novo?
usado? lado de seu pae; podia dançar com ella;

29
EXPOSIÇÃO DE
AUTOriOBILIVríO
PROilOV. PEIA

K/S. DE E/TRADA/
DE RODAOEH
ARLEQUIM
A BEMAVENTURADA "moderação" e o conselho que se traduz "cuidado!".
E dizia:
(Conclusão da pagina 27) — Vocês são mal succedidos em amor porque são
descuidados: largam o coração á tôa e qualquer um que
Saudades! Teve-as D. Plácida ? Por certo que sim: passa leva-o, pensando que não tem dono.
teve-as da sua infância, da sua criação que cresceu, Para D. Plácida, as calamidades não guardavam
das suas flores, dos bons amigos ausentes e dos seus proporções: Tudo era egualmente temível, quer ardesse
mortos. E as saudades vinham a D. Plácida por meio uma floresta, ou a lagarta devorasse uma folha. Para
das musicas e dos perfumes; quando, de olhos cerra- que temer as inundações se o sereno também pôde
dos, tomava o cheiro aos cravos, ou cantarolava, de si matar ? . . . A vida se lhe afigurava uma cilada em que
para si, os cantares da sua infância... se cai pelo descuido. Para viver era preciso produzir,
Para aquelles que perdeu na vida, não mandou fazer mas em silencio, imitando Deus que cria os mundos,
sepulturas ricas; entregou-os, confiadamente, á terra, enche-os de vida e de ruído; multiplica-lhe por milhões
porque entendia que levantar mausoléus era ter» a vai- os seres, immutavelmente, no seu infinito silencio...
dade de governar os mortos, quando ella queria ter a Deus que trabalha sem ruído, paciente, vigilante, in-
virtude de ser governada por elles. Inscreveu o nome do cansável, sem gesticulações e de quem jamais se escuta
santo morto na lousa do seu coração e, de tempos em tem- a voz... Deus brandura, amor, perdão. Deus,
pos, no recolhimento ignorado de uma romaria intima — D. Plácida, capaz de trazer o céo k terra!
ungida pelo seu sorriso — ia D. Plácida levar-lhe a *
malva pallida de sua saudade... * *
Foi um exemplo, foi o ensinamento de que se pôde
Não temia Deus porque só teme quem guarda ter na vida aquillo que se deseja — a paz, o amor e a
crimes e ella trazia basculhados os recantos d'alma; veneração. Soube falar aos surdos, deu alento aos tro-
demais, Deus que a protegia, ensinou-lhe a virtude da pegos, coragem aos tímidos e morreu quando menos de-
fé sem olhos e sem mãos; Deus, — inquilino velho via morrer. Mas não morreu de velha, nom de morte
de seu coração — conhecia-lhe todos os compartimentos desastrada; nem de doença, nem matada; morreu pela
e nunca se importunou pelos outros moradores que, necessidade de ser recompensada das suas virtudes...
de boa mente, se lhe subraettiam. D. Plácida compre- morreu para alcançar o reino dos céos e não ficar so-
hendeu e concentrou, num átimo, toda a prolixa ver- sinha aqui no mundo..
dade que os fatuos prepararam e ria-se, no intimo, da *
incapacidade delles — disfarçada em fé — da sua con- * *
fusão reduzida á obediência inconsciente... Não com- E quando deixou a mansão dos seus labores e trans-
prehendia porque se manda abrir Deus para se lhe ver poz o limiar da bemaventurança, D. Plácida quedou
o coração sentido e não se percebe o que anda ã mostra, indecisa e tímida ante a deslumbrante monotonia
na vida, e Elle nos ensinou e nos offereceu como compen- que se mostrava a seus olhos. Viu que a luz dos ares
sação, como delicia. Não os bens do espirito que se que a envolviam se transmudava de tempo a tempo,
destinam ao céo e são provações na terra, mas o que está ora resplandecia em clarões cor de rosa, ora em clarões
na natureza e se consubstancia em nós: — Musica, verdes e suaves que repousavam os olhos cansados
aroma, cor, mel e arminho.. Não entendia D. Plá- de sol. Sentiu, no ar que respirava uma fre3cura de
cida os livros, por isso só lia no breviario d'alma que hervas e a maciez das pétalas; baixou os olhos e viu,
dita, a cada hora, uma oração nova e entende e resolve maravilhada, a mágica phantastica que produzia a terra
os problemas que emaranham a intelligencia. daquelle logar: ora se cobrindo — dalli até onde não ia
Ao lado da sua fé, das suas flores e da sua docili- a vista. — de cravos que desprendiam os clarões rosa-
dade, D. Plácida foi mãe consciente, sem transportes dos; ora se arrelvando de malvas embálsamadas que
desvairados; mãe amor e desprendimento; mãe leite punham nos ares sombras verdes e dansantes!
e vigília; alma crystallisada no perdão, sorriso feito D. Plácida permaneceu indecisa, sem. saber por
tolerância e verdade desabrochando em* exemplos. A onde começar... Como andar por sobre aquelles cra-
sua obediência, a sua calma e o seu silencio, fizeram-na vos, como esmagar aos pés aquellas malvas ? Não vendo
a fonte da vida domestica, de onde jorravam perennes, nenhum caminho pensou em retroceder; volveu, então,
o conforto, a paciência a resignação. Mãe sem auto- os olhos, prescrutou o caminho percorrido e viu escuri-
ridade, frágil, discreta e temerosa que repartia, em- dão que a apavorou. Teve medo do silencio, dos
tanto, com os seus — vigor, confiança e coragem. cravos, das malvas, dos perfumes, dos clarões cambian-
D. Plácida foi, no alphabeto da familia, e na opinião tes e do desconhecido. Senthi-se desfallecer e, quando
das letras que a rodeavam — uma consoante, porém, julgou que a alma que trouxe da terra ia se diluir de
na opinião da vogai máxima, da vogai presumpçosa todo no seu medo, ouviu uma voz muito amiga e muito
que responde pela harmonia dos sons — era também hospitaleira que lhe disse:
doce vogai — fazendo comsigo um diphtongo, na har- — Por aqui; D. Plácida, venha por aqui...
monia do amor e lhe garantindo ainda, na sua cordura, Ao mesmo tempo sentiu uma linda mão tocar a
a primasia do accento... sua e conduzil-a, desusando, por sobre as malvas, por
. . . Para as almas penadas de desillusões; para os sobre os cravos, por entre os mágicos clarões — para
velhos e para os desesperançados; para os corações sen- Infinitos jamais sonhados.
tidos de amor, D. Plácida tinha o balsamo que se chama A. DE QUEIROZ

- 31 —
ARLEQUIM
ser membro da commíssão.. .Mas por- a proa do navio corta as águas de cheio. quanto Jeremias Sambrooke começa a
que ha sangue do* trópicos nas suas A terra fica e ella vae... fital-a, attento e inquieto.
veias, não pode, não deve casar-se com "Olhe Stephens alli...", mostra-lhe "Dorothy I ", adverte, meio severo.
ella! o pae. "Está chamando por nós". Afinal ella parte, brusca, o fio do
Nem este sangue pode ser suspeitado. collar. Num chuveiro de pérolas caem
S6 sabendo, ouvindo contar. E "como Stephens, no cães, olha para cima, as flores nos braços do namorado. Olha-
é bello 1 A lembrança delle surge-lhe no anciado. Vê no rosto delia o que nunca o longamente, desesperadamente, enter-
intimo. E antes que tenha noção disto, viu. E pela alegria que lhe ülumina a rando o rosto, afinal, no largo peito de
está revivendo o encanto de ver-lhe o face, a moça conhece que elle sabe. O Jeremias Sambrooke, que esquece um
corpo magnífico,08 membros esplendidos, ar vibra com o canto — momento suas estatísticas perdilectas pa-
a força macia que tão de leve a punha "Meu amor vae comtigo ra se maravilhar porque as meninas se
no cavallo, que tão firme a levava no até quando nos encontrarmos..." tornam mulheres.
estouro das ondas ou que a amparava, Não precisam dizer mais nada, um A multidão canta e soluça, ainda, e o
carinhosa, pelas ásperas encostas da Casa ao outro. Sabem, sabem agora... Em canto vae se perdendo, saudoso, atte-
do Sol. Ha ainda, alguma coisa mais redor da moça, no convéz, alguns pas- nuado, com toda a languides luminosa
subtil e mysteriosa e tremenda que sen- sageiros tiram as gui ri andas e jogam- de Hawaii. E as palavras caem uma
tiu e que so agora começa a comprehender nas para os amigos da terra. Stephens por uma no coração da moça, morden-
— a radiação do homem que é homem, estende-lhe as mãos, supplicante. Ella do-o como gottas de ácido, pela ironia
masculinamente homem. quer tirar, também, sua guirlanda, mas que encerram :
Toma accordo de si, com um sobresal- as flores se embaraçam no fio de pérolas
to de vergonha, pelos pensamentos que que lhe envolve o collo. "Aloha oe, aloha oe
pensou. Queima-lhe as faces um sangue Luta, nervosamente, anciadamente, e ke onaona no ho ika lipo..."
rápido e quente, mus logo empallidece, procurando desprenderaas flores. O navio . . . um longo abraço,
toda branca, parada, lembrando que nun- ganha impulso, a terra vae fugindo. E' um beijo immenso, até nos encontrar-
ca mais, nunca mais o verá. Agora o momento.. .Rompe em soluços, em- mos. .."

O QUE BRUMMEL NÃO DISSE


Não gosto Não pises, isto é, não calques. Procura deslisar, como
Não gosto, não gosto. Não gosto daquelle teu gesto fugindo pelo chão, alongando o pé numa oblíqua, logo cor-
de levar o copo á bocea, quebrando o pulso no ar e es- rigida por outra oblíqua. E que das duas resulte o movi-
petando para o lado o dedo mínimo meio arqueado. E' mento rasante, flexuoso e mordente de quem toma posse
pretencioso e inutii. do chão onde pisa. Nem deites o queixo para frente, mas
sim puxa-o para traz, como querendo encostal-o ao pes-
Não gosto, também, do geito tão teu de esperares o coço, o que dá uma linha de suggestiva verticalidade &
bonde e virares para dentro os bicos dos pés. A posição nuca, valorisando o corte de cabello que nella tiveres fei-
normal, lógica — elegante, portanto — é teres os bicos to fazer.
dos pés fugindo um pouco para fora, emquanto os polle-
gares se viram um tudo nada para dentro. Evita nos teus cabellos as "praias", isto é'
Coisas simples, estas. Quasi bobas, até. Mas tanta as pennugens, os sombreados indistinetos. Busca, prepara
gente, e tu com esta gente ,as esquece e desattende tão o contraste da pelle e da implantação franca e basta.
facilmente. Que onde a tez acabe, logo comece a cabelleira, como flo-
Cuida mais dos gestos da mão esquerda. Não resta plantada de cheio numa planície limpa. E' o effeito
fase delia um simples acompanhamento da direita. A esta das "massas", o mais difficil, mas também o mais forte e
cabe, sem duvida, definir, affirmar. Mas à esquerda in- simples de todos, porque se affirma de prompto. E é
cumbe o papel de dar a meia-tinta, de fazer a suggestão sempre o ultimo a ser esquecido.
fugidia. A's vezes, mesmo, deve tomar a parte de "canto"
emquanto a outra repousa ou apenas sublinha. Encosta, quanto possível, os cotovellos ao
busto. Conseguirás, então, os mais lindos movimentos de
Outro dia um grande literato dizia, de uma rotação do ante-braço e da mão, ao mesmo tempo que as
grande declamadora, que ella possuía um verdadeiro olhar- ligações do hombro se arredondam numa curva bem cheia
prefacío. Irônica na apparencia, esta expressão significa e macia. Inclina a cabeça um pouco, girando-a um tudo
uma verdade impressionante. E' que a criatura tem tal nada para a direita, e obterás os mais bellos planos de
poder expressivo, que antes de falar, diz pelos olhos o luz nos olhos e na testa.
que sente ou o que quer que sintamos. Faze com que
teus olhos, tuas mios, tua voz antecipem um pouco a af-
fírmaüva verbal Mahitê
CYLINDROS

UM
1UM NOVO MOTOR!
NOVo Menos 20% em consumo de
combustível l
TITULO 15% mais de força!
Mai9 20% de acceleração!
NA Novo mechanismo regular de
mudança de velocidades.
HIS Nova acçao silenciosa da embre-
TORU agem.
Novos systemaa aperfeiçoados de
DE lubrificaçao e arrefecimento.
DODG E Novaa côrea e contorno elegante.
BR Direccfio mais facfl e 24 outras ca-
°THERS racterísticas novas e importante».

EM EXPOSIÇÃO

RUA BARÃO DE ITAPETI N I N G A, 39-41

ANTUNES DOS SANTOS & CIA


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PROOUCTO DA
GENERAL MOTORS
A' medida que se observa o bom os que ainda o nâo experimentaram,
Oldsmoblle outros effeitos novos de pois ninguém poderá dizer que co-
belleza parecem delle surgir. Assim nhece o bom Oldsmobile sem tel-o
não seria de admirar que. por essas guiado uma vez.
Unhas modernas e esse colorido bri-
lhante, conquistasse o bom Oldsmo-
Y Veloz, bello, potente, o bom
blle a admiração de quantos o vêm; Oldsmobile alarga o circulo de seus
porém, é principalmente pelo seu admiradores e vae subindo cada vez
ronccionamento que este cairo ganha mais no conceito universal dos auto-
dia m dia novos enthusiastas entre mobiliatas.

GENERAL^ MOTORS OF BRAZIL, S.A.


CKFVBOLTT PONTUC • 0LDSM0HL5 • OtMLAf BUCK OUUvtC CAM0UÔC3 CMC






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