Você está na página 1de 4

Luisa Fernanda Gomez – Thyago Thomazoni

Análise de filme Hotel Ruanda


Diretor: Terry George.

Em Abril deste ano completaram-se 23 anos do genocídio na Ruanda, país


localizado na região dos Grandes Lagos da África centro-oriental. O violento
massacre iniciou em 1994, depois que o presidente ruandês Juvénal Habyarimana foi
morto num atentado, numa tentativa de exterminar a população de origem tutsi da
Ruanda.
A morte do presidente, de origem hutu, fez com que as lideranças da mesma
etnia acusassem os tutsis pelo assassinato e convocaram a população a iniciar os
ataques, provocando assim uma das maiores matanças entre etnias na historia do país
que deixou mais de 800 mil mortos em 100 dias.
Neste cenário de guerra, o filme que é baseado em fatos reais, conta a história
do Paul Rusesabagina, interpretado pelo ator norte americano Don Cheadle, que é o
gerente do hotel Milles Collines. Ele e sua família junto com seus vizinhos buscam se
proteger das milícias hutus e com o aumento das rebeliões vão para o hotel que parece
ser o lugar mais seguro da capital por ser de propriedade belga.
A divisão entre hutus e tutsis originou-se na época da colonização, quando os
belgas dividiram as pessoas de acordo com as suas características físicas sendo
identificadas como hutus ou tutsis nos seus documentos de identidade.
Paul que era de origem hutu e sua família e amigos de origem contrária,
ficaram hospedados no hotel durante a guerra. Sendo este um dos locais mais seguros
para várias pessoas de origem tutsi, que foram até o local em busca de abrigo. A
guerra era tão violenta que nem a ONU (com apoio das tropas canadenses) conseguiu
intervir. Sem apoio das potências mundiais, a organização auxiliou na paz por um
período bem restrito.
Durante o filme se faz muito evidente o sentimento de abandono por parte da
população que percebe que nenhuma organização internacional é capaz de intervir na
suspensão do genocídio. Os exércitos internacionais (principalmente os antigos
colonizadores belgas) foram convocados apenas para resgatar os turistas estrangeiros
que estavam no local. Paul sem nenhum tipo de ajuda utiliza seus contatos para
manipular o exército e proteger a todo mundo no hotel. Embora tenha conseguido
proteção, os hutus perceberam que dentro do hotel hospedavam-se pessoas de origem
tutsi iniciando os ataques ao prédio.
Analisando este acontecimento a partir de uma perspectiva teórica, é
necessário revisar as definições de paz e violência. Segundo Johan Galtung, a paz
pode ser dividida em duas, sendo estas: uma paz positiva e uma paz negativa. De
acordo com o autor, a paz negativa é aquela que representa a total ausência de guerra.
Embora não exista conflito neste tipo de paz, ainda existe a predisposição de
apresentar tanto ameaças de guerra, quanto violência estrutural na sociedade.
Por outro lado, segundo Galtung, a paz positiva representa, junto com
trabalhos educativos, a cooperação entre a sociedade. Ela implica não somente a
prevenção da guerra, mas também a construção de uma sociedade melhor. Diante
deste quadro é possível afirmar que um dos principais fatores para alcançar a paz é a
educação.
Existem três tipos de violência: a violência direta, a violência estrutural e a
violência cultural. A violência direta refere a um evento ou acontecimento. Um
homicídio ou um assalto, por exemplo, podem ser relacionados com este tipo de
violência. Segundo a Organização Mundial da Saúde a violência direta é definida
como:

Uso intencional da força física ou poder, ameaçado ou efetivo, contra a si


mesmo, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resulte em ou
tenha uma alta probabilidade de resultar em ferimentos, morte, dano
psicológico, deformações ou privação. (Krug et al., 2002, p. 5)

Se analisada esta definição e comparada com o filme, é possível afirmar que


durante a guerra de Ruanda houve violência direta ao ter se tratado de um massacre
com mais de 800 mil mortes (fonte: ONU – Organização das Nações Unidas).
Diferente da violência direta, na violência estrutural não existe um sujeito
agressor ou uma ação de violência concretizada. Nas palavras de Johan Galtung a
violência estrutural e a direta podem ser explicadas da seguinte maneira.

Nós nos referiremos ao tipo de violência onde há um agente que comete a


violência como violência pessoal ou direta, e a violência onde não há tal ator
como violência estrutural ou indireta. Em ambos os casos indivíduos podem
ser mortos ou mutilados, atingidos ou machucados em ambos os sentidos
dessas palavras, e manipulados por meios de estratégias de cenoura e
porrete. Mas enquanto no primeiro caso essas consequências podem ter sua
origem traçada de volta até pessoas e agentes concretos, no segundo caso
isso não é mais significativo. Talvez não haja nenhuma pessoa que
diretamente cause dano a outra na estrutura. A violência é embutida na
estrutura e aparece como desigualdade de poder e consequentemente como
chances desiguais de vida. (Galtung, 1969, p. 171)

Diante do dito descrito acima é possível identificar a presença da violência


estrutural nos acontecimentos tanto do filme quanto da historia do genocídio em
Ruanda da vida real já que em ambos os casos houve evidencia de desigualdade de
poder entres as duas etnias em conflito.
No caso da violência cultural, ela surge no cotidiano e serve para justificar e
legitimar qualquer outro tipo violência. De acordo com Galtung:

Por ‘violência cultural’ nós queremos dizer aqueles aspectos da cultura, a


esfera simbólica da nossa existência – exemplificada pela religião e a
ideologia, a linguagem e a arte, a ciência empírica e formal (lógica,
matemática) – que pode ser utilizada para justificar ou legitimar a violência
direta ou estrutural. (…) A violência cultural faz com que a violência direta
e estrutural apareça, ou mesmo seja sentida como, correta – ou ao menos
não errada. Assim como a ciência política trata de dois problemas – o uso do
poder e a legitimação do uso do poder – os estudos da violência são sobre
dois problemas: o uso da violência e a legitimação desse uso. (Galtung,
1990, p. 291).

Se observada esta definição e comparada como os acontecimentos em analise,


é possível constatar que durante o genocídio em Ruanda houve a parecença da
violência cultural no memento em que todas as mortes foram justificadas em razão à
diferença ideológica de cada etnia.
É importante destacar que os colonizadores belgas, predominantemente
católicos, converteram a população local para esta crença. Desde a guerra em 1994,
houve mudanças significativas na demografia religiosa do país com muitas
conversões para religiões cristãs evangélicas e para o islamismo.
A guerra se encerrou, porém, as diferentes etnias continuam “obrigadas” a
dividir o mesmo território. Isto deve-se pelo fato da demarcação imposta por
superpotências européias no início do século XV até a metade do século XX. Durante
a colonização, a população de Ruanda viu se instalar o preconceito na mente do seu
próprio povo, que vivia pacificamente antes do domínio europeu.
Até os dias atuais, o massacre deixa um profundo legado no país. Segundo o
autor Gérard Prunier (1999), Ruanda segue enfrentando problemas étnicos e
religiosos, ao mesmo tempo que sofre com dificuldades econômicas e corrupção,
gerando extrema pobreza entre a população. O autor principal do filme, Paul
Rusesabagina, atualmente afirma que, se não forem tomadas medidas mais drásticas
contra o tribalismo em Ruanda, o genocídio poderá ocorrer novamente, agora pelas
mãos dos tutsis, atuais governantes do país desde o fim da matança.

Galtung, J. (1969). Violence, peace, and peace research. Journal of


peace research, 6(3), 167-191.
Galtung, J. (1990). Cultural violence. Journal of peace research,
27(3), 291-305.
Krug, Etienne G., ed. (2002). World Report on Violence and Health.
Vol. 1. World Health Organization.

Você também pode gostar