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VIOLÊNCIA CULTURAL

No caso da violência cultural ela não necessariamente precisa aparecer como


causadora direta ou indireta da violência, mas
como legitimadora ou justificadora de uma violência. Sendo um elemento que
pode estar embutido na própria linguagem, a violência cultural seria uma
espécie de invariância, no sentido de que as mudanças nesse plano podem ser
extremamente lentas e difíceis de se enxergar (embora fiquem claras após
algumas décadas, basta passarmos o olho nas propagandas de 50 anos atrás).
Nas palavras de Galtung (Sociólogo Norueguês, e o principal fundador da
disciplina de Estudos sobre Paz e Conflitos )
Por ‘violência cultural’ nós queremos dizer aqueles aspectos da cultura, a
esfera simbólica da nossa existência – exemplificada pela religião e a
ideologia, a linguagem e a arte, a ciência empírica e formal (lógica,
matemática) – que pode ser utilizada para justificar ou legitimar a violência
direta ou estrutural. (…) A violência cultural faz com que a violência direta e
estrutural apareça, ou mesmo seja sentida como, correta – ou ao menos não
errada. Assim como a ciência política trata de dois problemas – o uso do
poder e a legitimação do uso do poder – os estudos da violência são sobre
dois problemas: o uso da violência e a legitimação desse uso.(Galtung, 1990,
p. 291) A violência direta provavelmente será sempre a mais fácil de
identificar, enquanto a violência estrutural e a cultural precisarão de algum
esforço extra para olhar para a sociedade e a história onde a ação violenta está
inserida. Um exemplo de como esses três tipos de violência podem interagir é
dado pelo próprio Galtung:
Africanos são capturados, forçados através do Atlântico a trabalhar como
escravos; milhões são mortos no processo – na África, à bordo dos navios,
nas Américas. Essa violência direta em massa perpetrada por séculos
infiltra-se e se sedimenta como violência estrutural massiva, com os brancos
como mestres favorecidos no topo e os negros como escravos oprimidos,
produzindo e reproduzindo violência cultural massiva com ideias racistas por
toda parte. Depois de um tempo, a violência direta é esquecida, a escravidão
é esquecida, e apenas dois rótulos aparecem, suficientemente limpos para os
livros-texto do ensino superior: “discriminação” por violência estrutural
massiva e “preconceito” por violência cultural massiva. A higienização da
linguagem: em si mesma violência cultural. (Galtung, 1990, p. 295)

VIOLÊNCIA
ESTRUTURAL
A violência estrutural refere-se a qualquer cenário em que uma estrutura
social perpetua a desigualdade, causando sofrimento evitável. Ao estudar a
violência estrutural, examinamos as maneiras pelas quais as estruturas sociais
podem ter um impacto desproporcionalmente negativo em determinados
grupos e comunidades.

O conceito de violência estrutural nos dá uma maneira de considerar como e


de que forma esses impactos negativos ocorrem. Assim como o que pode ser
feito para reduzir tais danos. O termo violência estrutural foi cunhado pelo
sociólogo norueguês Johan Gultang. Em seu artigo de 1969, “Violence, Peace
and Peace Research”, Gultang argumentou que a violência estrutural
explicava o poder negativo das instituições sociais e dos sistemas de
organização social entre as comunidades marginalizadas.

É importante distinguir o conceito de violência de Gultang do termo como é


tradicionalmente definido. Gultang definiu a violência estrutural como a causa
básica das diferenças entre a realidade potencial das pessoas e suas
circunstâncias reais. Por exemplo, a expectativa de vida potencial na
população em geral pode ser significativamente maior do que a expectativa de
vida real dos membros de grupos desfavorecidos. Isso ocorre devido a fatores
como racismo, desigualdade econômica ou sexismo. Neste exemplo, a
discrepância entre o potencial e a expectativa de vida real resulta da violência
estrutural. A violência estrutural permite análises mais sutis das forças sociais,
culturais, políticas, econômicas e históricas que moldam a desigualdade e o
sofrimento. Cria uma oportunidade para considerar seriamente o papel de
diferentes tipos de marginalização. Exemplo são o sexismo, racismo,
preconceito de idade, homofobia e/ou pobreza. Essa forma de violência ajuda
a explicar as forças múltiplas e muitas vezes interseccionadas. Elas criam e
perpetuam a desigualdade em múltiplos níveis. Tanto para indivíduos como
para comunidades.

Ela também destaca as raízes históricas da desigualdade moderna. As


desigualdades e sofrimentos do nosso tempo muitas vezes se desdobram em
uma história mais ampla de marginalização. Esse arcabouço fornece um
contexto crítico para a compreensão do presente em termos de sua relação
com o passado. Por exemplo, a marginalização nos países pós-coloniais
muitas vezes se conecta intimamente com suas histórias coloniais. Assim
como a desigualdade no Brasil deve ser considerada em relação a histórias
complexas de escravidão, imigração e política.

VIOLÊNCIA DIRETA
Violência Direta

A violência direta trata de um acontecimento ou evento, como um assalto a mão armada, um


homicídio, um estupro consumado, um genocídio. A definição rigorosa do fenômeno é dada
pela Organização Mundial da Saúde e é a que baliza tanto as estatísticas mundiais de violência
da ONU quanto as principais formas de se pensar o combate à violência. Segundo a OMS, a
violência (direta) consiste em:

Uso intencional da força física ou poder, ameaçado ou efetivo, contra a si mesmo, outra pessoa
ou contra um grupo ou comunidade, que resulte em ou tenha uma alta probabilidade de
resultar em ferimentos, morte, dano psicológico, deformações ou privação. (Krug et al., 2002,
p. 5)

Diversas palavras dessa definição são mais complexas do que aparentam à primeira vista.
Primeiro, nessa definição a violência direta precisa ser intencional, mas não necessariamente
precisa ser efetivada fisicamente. A intimidação e a ameaça constituem assim uma forma de
violência direta segunda a definição da OMS, e a origem dessas atividades é identificada como
a assimetria de poder. A OMS identifica ainda quatro tipos diferentes de dano que a vítima da
violência pode sofrer: físico, sexual, psicológico ou de privação/negligência.

Vamos imaginar por exemplo o caso de uma pessoa trancar outra em um cárcere privado. Essa
ação é caracterizada como violência (direta), mesmo se não houver dano físico. Por que? Pois
ao limitar o movimento dela está instaurando uma assimetria de poder com alta probabilidade
de resultar em ferimentos, morte, dano psicológico, deformações ou privação. A vítima pode
ser agredida, sofrer abuso sexual, ser torturada psicologicamente ou ainda ser negada de
alimento e bebida. No limite, o agressor só precisa ser negligente com o fornecimento desses
alimentos e a vítima morrerá em um prazo curto de tempo sem que ele precise agredi-la
fisicamente.

Outro ponto fundamental para caracterizar esse tipo de violência é a intencionalidade. Na


violência direta o agente discernível tem a intenção de praticar um ato violento. É diferente
portanto de casos onde há violência mas não houve intenção violenta, como em diversos casos
de acidentes de trânsito ou outros tipos de acidentes.

As formas de medir a violência direta são as que mais estamos acostumados. Estatísticas de
número de homicídios, estupros, sequestros, roubos, estão entre as mais usualmente citadas.
Para um detalhamento das estatísticas que temos sobre casos de estupro no Brasil,
recomendo ler este outro texto que fiz sobre o assunto.

As formas de combate à violência direta são também das mais variadas, mas no âmbito das
políticas de Estado elas tendem a ser voltadas para mecanismos de punição de agressores, seja
com o intuito de vingança da sociedade (como o problema foi pensado ao longo da maior parte
da história humana, com resultados no mínimo duvidosos), seja para dissuadir novos
agressores pelo medo da punição, ou para os institucionalizarem em prisões ou hospícios com
o objetivo de os excluírem do convívio social, com ou sem a intenção de os reeducarem para a
vida em sociedade.

VIOLÊNCIA INDIRETA
violência indireta
É um tipo de violência em que não há apenas um ator identificável que cause essa forma de
violência. Não há um único responsável concreto que possa ser responsabilizado pelas
consequências, mesmo que o resultado final gere mortes ou sofrimento físico e psicológico.
O que acontece é que, nesse caso, a violência se apresenta por meio da constituição e da
estrutura do sistema socioeconômico. A disposição desigual desse poder na sociedade gera
uma má distribuição no compartilhamento de recursos, perpetua a pobreza, a fome e dificulta
o desenvolvimento. A má distribuição de poder também causa grande discrepância nas
oportunidades de vida.
O que acontece é que o sistema econômico algumas vezes falha na promoção da inclusão de
indivíduos na estrutura social. Muitas pessoas, principalmente aquelas que têm menos de 2
dólares por dia para a sobrevivência, não possuem acesso à educação, saúde e alimentação
básica, sistema de transporte e integração com mercados de consumo. A violência promovida
contra esses indivíduos é a fome, a miséria e a falta de acesso a recursos. Ela é estática e
constante, muito mais sutil e enraizada na sociedade. Isso faz com que, muitas vezes, ela seja
vista com normalidade ou como parte natural do sistema.

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