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Leonellea Pereira2
Luanda Pereira 3
RESUMO
A violência contra a mulher foi cultural e historicamente legitimada e atualmente é amparada pela Lei
nº 11.340/2006. Os profissionais de saúde que atendem a essa demanda estão despreparados, reflexo
do paradigma positivista; este fato aliado à insuficiência quantitativa da rede de apoio às vítimas de
violência inviabiliza a criação de estratégias de enfrentamento mais eficazes.
ABSTRACT
Violence against women was culturally and historically legitimized and is currently supported by Law
No. 11.340/2006. Health professionals that meet this demand are unprepared, reflecting the positivist
paradigm, this fact together with the lack of quantitative support network for victims of violence
prevents the creation of more effective coping strategies.
INTRODUÇÃO
1
Artigo apresentado no grupo de trabalho – Feminismo, Gênero e Direito: difíceis relações do Seminário
Internacional Desfazendo Gênero, ocorrido de 14 a 16 de agosto de 2013, em Natal – RN, promovido pelo
Núcleo Tirésias da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
2
Mestranda em Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Mulheres e Feminismos - PPGNEIM/UFBA.
Especialista em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-UNIDERP/Rede LFG. Especialista em Políticas
Públicas em Gênero e Raça da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Graduada em Direito pela Universidade
Estadual da Paraíba - UEPB. Advogada (OAB/BA). Presidenta da Comissão da Mulher Advogada da OAB -
Subseção Irecê - Seccional Bahia. Conciliadora dos Juizados Especiais da Comarca de Irecê - BA. Mediadora
Judicial certificada pelo Conselho Nacional de Justiça. Contato: leonellea@hotmail.com
3
Residente em Enfermagem Obstétrica no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira – IMIP.
Especialista em Enfermagem em Ginecologia e Obstetrícia pela AVM Faculdade Integrada/Universidade
Cândido Mendes. Graduada em Enfermagem pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Doula com
formação pelo Grupo de Apoio à Maternidade Ativa/GAMA- SP. Contato: luandapereir@hotmail.com
ou omissão de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima
ser mulher, e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual,
moral, psicológico, social, político, econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode
acontecer tanto em espaços públicos como privados (PIOVESAN, 2003, p. 214).
Na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a
Mulher, a violência contra a mulher é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause
morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública
como na esfera privada”. Nesta convenção, os Estados-partes afirmam no art. 5º que:
Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais, e contará com a total proteção desses direitos
consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os
Estados-partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o
exercício desses direitos.
OBJETIVOS
Considerando a violência contra a mulher como uma das grandes responsáveis por
prejuízos nos mais diversos âmbitos da vida, este estudo objetivou-se em realizar algumas
ponderações sobre este grave problema social e de saúde que apesar de por muito tempo ter
sido naturalizado pela sociedade, atualmente há alguma abertura para discuti-lo nos mais
diversos espaços. Deste modo, nos propusemos a debater sobre suas origens, as estratégias de
enfrentamento que hoje estão disponíveis e quais as principais dificuldades para o seu
enfrentamento com efetividade.
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ser objeto de violência pelo fato de ser mulher, marcada socialmente pelo
signo da subalternidade, é um processo social que deve ser reconhecido
como uma violação de direitos e transformado. Uma mulher violentada
aponta para um problema social que afeta a homens e mulheres, pois denota
o não reconhecimento da alteridade, pressuposto da condição humana.
Transformar a mulher que sofre violência em vítima, tratando-a com
indiferença ou com insensibilidade, é participar desse processo (VILLELA,
et al, 2011).
A violência praticada contra as mulheres, no âmbito doméstico, seja ela física, sexual,
ou psicológica, não se constitui uma demanda imediata para os serviços (BORSOI,
BRANDÃO, CAVALCANTI, 2009). As exceções a esta situação apresentam-se
principalmente quando a violência toma um caráter ainda mais agressivo, e a busca pelo
serviço de saúde é inevitável; os exemplos mais comuns se dão quando a mulher é vítima de
violência física, por exemplo, quando sofre um ferimento por arma de fogo, arma branca e
outras situações de emergências. Portanto, o setor saúde tem se preocupado na maioria das
vezes somente em realizar ações de reparação e reabilitação, pouco intervindo para a
interrupção da situação que provocou tais danos à saúde (MOCHNACZ, 2009), ou mesmo
encaminhá-la para um serviço que possa fazê-lo.
“Embasadas” em preceitos sexistas, muitas vezes as mulheres que aludem estar em
situação de violência sofrem condutas discriminatórias e julgamentos morais pelos
profissionais tanto da saúde, quanto do setor da segurança pública (GOMES, et al, 2009;
VILLELA, et al, 2011). Deste modo observamos o quão importante é a implementação de
ações específicas como os Centros de Referência Multiprofissional e as Delegacias de Defesa
da Mulher, pois nestes espaços a mulher tem melhor condição de ser ouvida, entendida e ter
seu caso analisado visando alguma resolutividade livre de atos discriminatórios.
Tomando como exemplo, mais uma vez, o estado da Bahia, onde há apenas 16
Delegacias de Atendimento à Mulher num quantitativo de 417 municípios, a dificuldade é
tremenda quando se fala em qualidade do serviço oferecido pelas delegacias. Primeiro, o
pequeno número de unidades especializadas faz com que a maioria esmagadora das mulheres
acabe procurando uma delegacia comum, onde não há atendimento multiprofissional nem
ambiente reservado para registro de boletim de ocorrência com privacidade. Quanto aos
Centros de Referência Multiprofissionais, são apenas 19 em todo o estado. Verifica-se que,
em cidades como Irecê, localizada no interior do estado, onde não há Delegacia
Especializada, o trabalho realizado por este equipamento de atendimento às mulheres otimiza
o trabalho da polícia, que percebendo que a vítima está amparada e orientada, não há margem
para qualquer espécie de constrangimento ou violência institucional (PEREIRA, 2013).
Alguns fatores de risco são descritos para a violência doméstica, dentre os principais
estão ser adolescente, uso de álcool e drogas, antecedente de violência sexual e baixo poder
socioeconômico (OSHIKATA, et al, 2011). Assim podemos observar o quanto as situações
de vulnerabilidade social e econômica tendem a exercer uma influência negativa, apesar de
não serem determinantes, sobre a ocorrência da violência.
As principais consequências físicas da violência constituem as lesões corporais,
queimaduras, distúrbios ginecológicos e infecções sexualmente transmissíveis. Os principais
danos psicológicos e comportamentais são a ansiedade, depressão, comportamentos suicidas e
abuso de álcool e drogas (VIEIRA, PADOIN, PAULA, 2010; WAISELFISZ, 2012).
CONCLUSÕES
Para uma efetiva redução de danos no campo da violência doméstica se faz necessário
uma maior articulação entre as diversas instituições que são capazes de realizar alguma
intervenção.
Vimos no decorrer da discussão deste trabalho que muitos estudos indicam que no
espaço privado produzem-se graves violações dos direitos fundamentais das mulheres. Uma
parte significativa da socialização e atuação das mulheres desenvolve-se neste espaço, o qual
permanece fora do alcance efetivo das normas que protegem, por sua vez, os espaços
públicos, o que acaba por garantir a “privacidade” dos homens. A violência contida nas
relações de gênero nem sempre é percebida pela comunidade porque a relação doméstica
favorece que a situação seja mantida em sigilo. A violência doméstica contra a mulher surge,
portanto, como subproduto perverso da violência de gênero (SILVA, 2012).
As feministas indicaram que a violência doméstica, apesar de ocorrer no âmbito
privado, é um problema social geral, e reivindicaram sua politização, considerando-a como
problema público (o privado é político!), revelando, deste modo, “a violência da privacidade”,
que reproduz a subordinação das mulheres, e observando que a retórica da privacidade
permite mascarar a desigualdade e a subordinação (SABADELL, 2005, p. 08).
No campo da saúde as principais deficiências no enfrentamento à violência são
oriundas de uma formação acadêmica pautada no paradigma positivista, que não dá abertura
para um novo pensar e agir em saúde. Cabe às instituições de saúde, que saiam da posição de
conforto frente ao exercício de ações apenas de caráter medicalizador, que ignora aspectos
imprescindíveis ao combate da violência, corroborando com sua naturalização e
invisibilidade. Muitas vezes como agravante da situação o profissional ainda tende a
culpabilizar a mulher pela ocorrência da violência.
Assim, os gestores de saúde devem se preocupar com a atual não habilidade dos
profissionais em manejar o atendimento a mulheres em situações de violência. Uma saída
oportuna para o problema seria a aplicação da educação continuada por meio da realização de
capacitações nesta área do conhecimento, fazendo com que os serviços de saúde possam de
fato ser ambientes de acolhimento e de resolutividade.
Na busca de soluções, devemos levar em consideração que, do ponto de vista
masculino, o patriarcado é visto como poder legítimo de controle baseado em uma série de
valores culturais. O homem é capaz de perceber o caráter antissocial de uma lesão corporal
ocorrida na esfera pública e a desaprova, mas não consegue perceber como estruturalmente
semelhante a violência exercida pelos homens nas relações privadas. Isso vale para o agressor,
mas em larga medida também para os juízes, a polícia e outros operadores jurídicos
(SABADELL, 2005, p. 24). Ou seja, antes de qualquer trabalho de combater a violência já
ocorrida, precisamos trabalhar com a perspectiva de mudança de conceitos sociais sobre os
comportamentos violentos e opressivos contra as mulheres.
Um dos nossos destaques, neste momento, é para a importância e a necessidade do
trabalho de prevenção de novos atos de violência contra a mulher. Quando a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos julgou o Caso Maria da Penha em 2001, fez diversas
recomendações ao Estado Brasileiro em relação à violência doméstica. Dentre elas propôs
incluir, em seus planos pedagógicos, unidades curriculares destinadas à compreensão da
importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do
Pará de 1994, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares (CIDH, 2001). De que forma
o Estado Brasileiro poderia implementar esta recomendação internacional?
O direito como mecanismo de orientação dos indivíduos mediante a ameaça ou efetiva
imposição de sanções apresenta uma dupla limitação estrutural. Primeiro, não pode prevenir a
violência doméstica, a não ser de forma indireta no âmbito da prevenção geral: tendo medo de
eventuais sanções penais, os homens deixariam de agredir as mulheres no âmbito privado. É
uma suposição pouco provável e de difícil comprovação. Em seguida, o direito deve oferecer
respostas diferenciadas segundo a gravidade da violência perpetrada. Seria inconstitucional
responder da mesma forma ao homicídio, à lesão corporal, às injúrias, às pressões
psicológicas e ao desprezo, mesmo se todas estas formas de manifestação da superioridade
masculina acarretassem consequências devastadoras para as mulheres-vítimas.
Essas diferenciações são necessárias no mundo jurídico, mas não correspondem à
realidade do fenômeno da violência contra a mulher. Têm razão as autoras que indicam a
existência de um ciclo contínuo de violência em relação ao qual os abusos apresentam
somente diferenças quantitativas, sendo todos eles manifestações da mesma estrutura, ou seja,
da violência patriarcal como meio de controle e submissão das mulheres. Enquanto for
mantida essa estrutura, o tratamento dos sintomas na forma fragmentária da intervenção
jurídica não permite solucionar o problema (SABADELL, 2005, p. 25).
Vemos, portanto, que a política pública mais eficaz para mudar esta realidade é
introduzir massivamente a educação de gênero. Tal iniciativa requer um rompimento com a
prática do sexismo nas escolas, o que implica preparação de educadores e elaboração
cuidadosa de novos modelos de linguagem aptos a impedir que se estabeleça uma relação
circular entre a linguagem e a educação sexista.
Anna Maria Piussi analisa o papel da educação na formação da cultura patriarcal,
ilustrando a função da linguagem com o seguinte suposto diálogo entre professora e aluna:
A educação não oferece respostas imediatas, mas é a única capaz de produzir soluções
satisfatórias e verdadeiramente duradouras. Então cada um de nós é que deve condenar os
abusos da cultura patriarcal e, unidos, lutarmos por uma realidade onde a equidade de gênero
não seja apenas uma ilusão feminista.
Outro ponto que verificamos dificultar o enfrentamento à violência constitui a
insuficiência quantitativa da rede de serviços voltados a essa demanda. As casas-abrigos estão
superlotadas existem em pequeno número, os Centros de Referência Multidisciplinar por seu
caráter regionalizado e pelo fato de se localizar em uma determinada cidade muitas vezes
desfavorece geograficamente o atendimento de mulheres de outras cidades, e as Delegacias de
Defesa da Mulher ainda são quantitativamente insuficientes e atualmente funcionam apenas
de Segunda a Sexta-feira, deixando as mulheres desassistidas nos fins de semana, que
constituem os períodos de maior ocorrência de violência doméstica.
Por fim, é importante ressaltar a importância da atuação multiprofissional em saúde, e
no campo da defesa dos direitos das mulheres. Só a partir de uma ação contínua e bem
articulada entre todos os atores envolvidos é que será possível superar estes modelos
comportamentais oriundos do patriarcado e geradores desse tão grave problema de Saúde
Pública.
REFERÊNCIAS
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dos médicos das unidades básicas de saúde da cidade de Ribeirão Preto, São Paulo.
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MIRANDA, N.P.M.; PAULA, C.S.; BORDIN, I.A. Violência conjugal física contra a
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MOURA, L.B.A et al. Violências contra mulheres por parceiro íntimo em área urbana
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PEREIRA, Leonellea. A aplicação da Lei Maria da Penha nos municípios baianos de São
Gabriel e Irecê: um olhar jurídico e feminista às mulheres em situação de violência
doméstica e familiar. Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu
TeleVirtual para obtenção do grau de especialista em Ciências Penais na Universidade
Anhanguera-Uniderp – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Orientador: Ms. Leonardo
Henrique da Silva. Irecê – BA, 2013.