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A importância da educação no combate à violência doméstica e familiar contra

a mulher

Maria Alice de Campos e Silva


João Bruno Strogulski Búfalo
Guilherme Gabriel da Silva Reis
Resumo
Os direitos femininos são conquistas que ocorreram gradativamente ao longo dos
anos, mas que perdem eficácia frente ao grande número de violação na sociedade
atual. Os crimes contra as mulheres decorrem principalmente de uma violência
estrutural, onde o gênero é responsável por estabelecer os papéis de poder dentro
da sociedade, sempre com a prevalência do masculino. A educação surge, portanto,
como uma ferramenta na mudança desse pensamento que inferioriza e agride
mulheres, de maneira a transformar a dura realidade que esse grupo social sofre. De
início, buscou-se explicar o que é a violência doméstica, como ela se dá e,
principalmente, como a cultura machista é responsável por perpetuar essa prática.
Na sequência, é apresentado a construção do conceito de gênero e como isso
influencia no comportamento social, de maneira que a estruturação de uma
educação que mude esses paradigmas pode alterar essa vivência e transformar o
ambiente doméstico, prevenindo as violências. Para tanto, utilizou-se do método
indutivo, com abordagem qualitativa em uma pesquisa bibliográfica e documental, a
fim de demonstrar quais os pontos em que a adoção de uma educação restauradora
e transformativa pode resultar na prevenção e erradicação quanto aos crimes cuja
vítima é mulher.

Palavras-chave: violência doméstica; educação; mulher.

Abstract
Women's rights are achievements that have occurred gradually over the years, but
which are losing effectiveness in the face of the large number of violations in today's
society. Crimes against women are mainly the result of structural violence, where
gender is responsible for establishing the roles of power within society, always with
the male prevailing. Education therefore emerges as a tool for changing this mindset
that inferiorizes and attacks women, in order to transform the harsh reality that this
social group suffers. To begin with, we tried to explain what domestic violence is, how
it occurs and, above all, how the macho culture is responsible for perpetuating this
practice. Next, we present the construction of the concept of gender and how this
influences social behavior, so that structuring an education that changes these
paradigms can alter this experience and transform the domestic environment,
preventing violence. To this end, the inductive method was used, with a qualitative
approach in a bibliographical and documentary survey, in order to demonstrate the
points at which the adoption of restorative and transformative education can result in
the prevention and eradication of crimes whose victim is a woman.
Keywords: domestic violence; education; women.

Introdução

Ao longo da história, as mulheres foram vítimas de um sistema de submissão

em relação aos homens. Isso se deu ao fato, principalmente, de máximas voltadas

ao conceito de gênero, que legitima a violência feminina e como resultado ocorre os

inúmeros casos de crimes contra a mulher.

Em uma sociedade condicionada à exaltação do masculino e de tudo que a

envolve, é fácil enxergar que a vítima, mulher, não se sente segura frente a um

sistema de justiça que perpetua com as legitimações da violência. O patriarcado

também é o responsável por manter e sustentar a dominação masculina.

Os delitos de gênero como forma de demonstração de poder dos homens

sobre as mulheres, revela a sua inferioridade e fragilidade frente a potência que elas

vêm lutando para conseguir há anos.

A educação surge, portanto, como um instrumento capaz de alterar esse

pensamento machista, por meio de diálogos e debates, ensinando o respeito e

sobretudo prevenindo que esses crimes aconteçam.

Para tanto, adotou-se o método indutivo com abordagem qualitativa em uma

pesquisa bibliográfica e documental. Valendo-se dessas perspectivas metodológicas,

foi possível analisar a formação da premissa ora apresentada, bem como as

mudanças ao longo do tempo contribuíram para as relações e métodos aplicados no

processo penal brasileiro, observando como essas influências aparecem quando o

crime a ser julgado é resultado de discriminação de gênero.

A violência doméstica e familiar contra à mulher no Brasil


A Organização das Nações Unidas (ONU) define a violência contra a mulher

como “qualquer ato de violência que resulte ou possa resultar em danos ou

sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres, inclusive ameaça de tais

atos, coação ou privação arbitrária de liberdade, seja ela em vida pública ou

privada”.

Dessa forma, esses delitos, considerando toda sua construção da estrutura

dos papéis sociais, tem relação diretamente com a privação ou tolhimento aos

direitos inerentes à mulher.

A definição legal, no direito interno, do que seria a violência doméstica e

familiar surge com a promulgação da Lei Maria da Penha (11.340/2006) que

representa um marco legal de extrema importância na luta e combate da

discriminação em razão do gênero.

Segundo Espínola (2018, p. 19), a Lei 11.340/2006 também “(...) é fruto da

procura de Maria da Penha Maia Fernandes por sua emancipação e vínculo com a

impunidade que existiu em seu caso, fruto de uma legislação que de certa forma

privilegiava o agressor.”43 Portanto, a criação dessa lei se deu através de uma longa

e difícil trajetória, que resultou em conquistas frente a um sistema que favorecia a

impunidade do agressor.

Assim, as espécies de violência doméstica e familiar contra a mulher são:

violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. É importante ressaltar que a

violência doméstica e familiar contra a mulher nunca acontece em um contexto

isolado. Dessa forma, é comum que ocorra um ciclo de violência em que o seu

estágio final pode acabar em um feminicídio.

O funcionamento desse ciclo foi detalhado pela psicóloga Lenore Walker

(1979), possuindo três fases: a primeira chamada de tensão, a segunda seria a

explosão e a terceira seria a chamada lua-de-mel, logo o ciclo se inicia do começo.


A fase da tensão é a fase em que há o início das agressões verbais e

psicológicas, através de ameaças, ciúmes exagerados e provocações. Na segunda

fase, as agressões morais se transformam em físicas, lesões corporais. Já a terceira

fase é marcada pela reconciliação, pedido de desculpas, promessas de que os

episódios de violência não ocorrerão mais e por fim, o perdão. Até que haja

novamente a tensão, a explosão e a lua-de-mel.

Esse ciclo é comum porque as perspectivas sociais desses delitos tendem

ainda a culpabilizar a vítima pelas agressões que está sofre. De acordo com Maria

Berenice Dias (2015, p. 24) “(...) ninguém acredita que a violência doméstica sofrida

pela mulher seja exclusivamente de responsabilidade do agressor. A sociedade

ainda cultiva valores que incentivam a violência, o que impõe a necessidade de

tomar consciência de que a culpa é de todos.”

Nesse contexto, é possível retratar que para que haja uma maior efetividade

dessa lei é necessário romper com os paradigmas arcaicos que validam os

preconceitos de gênero, surgindo, nesse cenário a educação como sendo a

esperança para transformação dessa realidade que atinge tantas famílias brasileiras.

A educação como ferramenta de mudança do pensamento cultural machista

A sociedade brasileira foi construída através de uma visão de inferioridade da


mulher.
Os crimes de gênero, como já mencionado, são cometidos, em sua grande
maioria, sem a presença de qualquer testemunha. Os casos de violência doméstica,
em especial, por ocorrerem no seio familiar, as recorrentes violações de direitos das
mulheres são justificadas pelo vínculo matrimonial existente.
De acordo com a Recomendação nº 33 (2015) do Comitê CEDAW da ONU,
acerca do acesso da mulher ao sistema de justiça, esclarece que:

A discriminação contras as mulheres, baseadas em esteriótipos de gênero,


estigmas, normas culturais nocivas e patriarcais e a violência baseada no
gênero, que particularmente afeta as mulheres, têm um impacto adverso
sobre a capacidade das mulheres para obter acesso à justiça em base de
igualdade com homens.

A educação assume contexto amplo quando se leva em conta o caráter pedagógico

de construção de valores de um cidadão. Nesse sentido, ela engloba a escola, a

religião e a família.

A escola é a maior responsável pela criação de bagagem e conhecimento de mundo

que um cidadão pode adquirir. Isso porque o ser humano frequenta o ambiente

escolar desde a infância, de modo que ao longo de seu crescimento, também vai

absorvendo mais os conteúdos transmitidos e consequentemente entendendo o seu

lugar no mundo.

Dessa forma, resta evidenciado que os debates acerca da violência de gênero nas

escolas trará mais visibilidade para o enfrentamento da violência doméstica, aliado

ao fato da possibilidade de construir um pensamento cada vez mais igualitário entre

as crianças, para que crescem adultos inclusivos e não discriminatórios.

A religião representa uma das principais instituições responsáveis pela construção

moral do cidadão ao mesmo tempo que representa uma das maiores reprodutoras

de desigualdades de gênero. Isso se deve ao fato das lições bíblicas que diminuem

e deslegitimam o direito das mulheres, já que segundo Oshiro e Poleti (2002, p. 72):

A opressão das mulheres foi construída socialmente, reforçada e


intensificada por mitos, contos e religião, que perduraram por milênios.
Como forma de justificar a submissão como algo natural, alguns textos
religiosos, dentre eles, a Bíblia, reforçaram a ideia patriarcal de que as
mulheres eram propriedade dos homens. Os símbolos e as doutrinas
cristãs, bem como suas lideranças, reforçam a cultura patriarcal, legitimando
um comportamento de obediência e autoritarismo, que resulta em opressão
e submissão para as mulheres.

Dessa forma, os discursos religiosos, que possuem grande influência, fazem

com o que a sociedade avance na alteração desses padrões discriminatórios tão

ultrapassados quanto a história de mais de 2.500 anos da Igreja.


A família representa a base da sociedade, o pilar formador de cada um dos

cidadãos. A estrutura familiar vai determinar qual a visão de mundo cada pessoa

terá, já que os valores sociais são implantados aos indivíduos, através da família.

À vista disso, a transformação das referências de distinção dos papéis que os

gêneros assumem socialmente, vai passar pela desconstrução dos papéis que

esses sujeitos assumem na família, o que leva a crer que as mudanças significativas

do passado, podem ainda resultar em bons frutos no futuro. Isso dado que

atualmente existem famílias que o sustento provém da mulher, ainda que sejam

poucos os exemplos, esse fato aponta para uma esperança de alteração de

paradigma no futuro.

A língua como fenômeno social, acompanhando a evolução da sociedade

também é capaz de erradicar com o sexismo, através da criação de novas palavras,

ao até mesmo ressignificando muitas delas, bem como promovendo a erradicação

de alguns dialetos e ditados populares como “entre tapas e beijos” ou ainda “em

briga de marido e mulher, não se mete a colher”

Segundo Soraia Mendes (2017), para compreender o papel desempenhado

pela mulher, atualmente, seja como autora, vítima, há a necessidade de discutir a

trajetória patriarcal da sociedade ao longo da história e suas influências nos modelos

de família e Estado como um todo.

Considerações Finais

A construção social do gênero é determinante na ocorrência de crimes contra

as mulheres, uma vez que o pensamento criado socialmente de que o homem é

superior às mulheres, legitima a violência contra elas.


Dessa maneira, evidenciou-se que a formação do conceito de gênero é

oriundo da divisão que a sociedade faz entre os papéis de poder entre homens e

mulheres.

Esse fato é justificado, portanto, pelos séculos de submissão feminina e a não

valorização da mulher, o que implica justamente na legitimação da violência de

gênero como forma de controle e manutenção dessa hierarquia secular conquistada.

A educação assume um papel primordial na mudança de concepções

discriminatórias de gênero, em especial no estímulo ao acesso à informação que

permite a construção da cidadania.

Portanto, a transformação da realidade social que se busca no país passa

pelo debate, conhecimento e ,especialmente, pela visibilidade do tema nos

ambientes escolares e familiares, de maneira a construir um pensamento crítico que

garanta a igualdade, inclusão e dignidade a todos os cidadãos, sobretudo às cidadãs

brasileiras.

Referências

BRASIL. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso
em: 20 out 2022.

DIAS, M. B. Lei Maria da Penha: efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à


violência doméstica de familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2015.

ESPÍNOLA, C. Dos Direitos Humanos das mulheres à efetividade da Lei Maria


da Penha. Curitiba: Appris, 2018.

MENDES, S. da R. Criminologia feminista: novos paradigmas. São Paulo: Saraiva,


2017.

OSHIRO, C.; POLETI, M.. Violência De Gênero E Religião: Uma Análise Da


Influência Do Cristianismo Em Relações Familiares Violentas A Partir De Mulheres
Acolhidas Nas Casas Abrigo Regional Grande Abc E De Homens Autores De
Violência Doméstica. 2017. Disponível em:
http://tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1655/2/CLAUDIA%20POLETI%20OSHI.
Acesso em 06 nov 2023.
WALKER, L. E. The battered Woman. Harper Collins, 1979

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