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Acadêmica: Patrini Viero Ferreira

Orientadora: Rosani Úrsula Ketzer Umbach


▪ Esta aula tem por objetivo principal analisar como a violência é representada no
livro Estação Carandiru, de Drauzio Varella.

▪ OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
1. Conceituar o fenômeno da violência de acordo com pressupostos teóricos;
2. Buscar compreender os tipos possíveis de violência e as características de cada
um deles;
3. Reconhecer a representação da violência no livro Estação Carandiru, de Drauzio
Varella;
4. Aproximar as definições de violência de trechos selecionados do livro de
Varella.
▪ A metodologia adotada nesta aula é expositiva e inclui duas
perspectivas: teórica e analítica.
1. Em um primeiro momento, serão apresentadas possíveis
definições acerca do fenômeno da violência e suas características.
Para isso, utilizam-se teóricos como Bordieu, Chauí, Arendt e
Michaud.
2. Na segunda etapa, esses conceitos serão mobilizados e
aproximados de trechos selecionados do livro Estação Carandiru,
de Drauzio Varella, com o objetivo de ilustrar a forma como a
violência é representada nesta obra.
▪ Antes de passar à teoria e análise propriamente ditas, é interessante ponderar algumas
questões que demonstram como é complexo o fenômeno da violência:
1. O que é violência? Em que níveis ela se apresenta?
2. A violência é uma característica inerente ao ser humano?
3. Alguns estudiosos consideram a violência um instrumento para atingir determinados
objetivos. Quais as funções que esse fenômeno pode assumir?
4. Existe alguma relação possível entre violência e poder? E entre violência e subversão?
5. Há uma conexão entre violência e instinto?
6. Até que ponto os atos violentos podem ser encarados como uma forma de proteção
pessoal? Em que momento eles ultrapassam esses limites e se tornam nocivos?
7. Por fim, a máxima “violência gera violência” é válida?
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS)

“uso intencional da força física ou do poder real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra
pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade
de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”
(Krug et al., 2002, p. 05).

MARILENA CHAUÍ

“1- tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2)
todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir,
constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma
coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); 4) todo ato de transgressão
contra o que alguém ou uma sociedade define como justo e como um direito” (Chauí, 1998, p.
3).
YVES MICHAUD

“Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de


maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias
pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade
moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais” (Michaud,
1989, p. 20).

HANNAH ARENDT

▪ Relação entre violência e poder


“A violência é por natureza instrumental; como todos os meios, está sempre à
procura de orientação e de justificativas pelo fim que busca” (Arendt, 1985, p. 28)
PIERRE BORDIEU

▪ Violência simbólica.
“violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce
essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do
conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou,
em última instância, do sentimento” (BOURDIEU, 2003, p. 7-8).
▪ Segundo Freud (1980), a agressividade é um impulso nato, essencial à
sobrevivência, à defesa e à adaptação dos seres humanos. Constitui-se, portanto,
como elemento protetor, que possibilita a construção do espaço interior do
indivíduo, diferenciando o EU e o OUTRO. Sendo assim, a agressividade, ao
contrário da violência, se inscreve no processo de desenvolvimento da
subjetividade. A transposição da agressividade para a violência é, ao mesmo
tempo, social e psicossocial e depende de contribuições sociais, do ambiente
cultural, de relações comunitárias e das próprias características do indivíduo.
▪ A violência é um fato humano e social;
▪ Ela é utilizada para os mais diversos fins, principalmente para dominar, subjugar e
provocar danos a outros seres, grupos ou coletividades;
▪ A violência é histórica;
▪ Há formas de violência que persistem no tempo e se estendem à maioria das
sociedades;
▪ O fenômeno da violência abrange todos os segmentos sociais.
VIOLÊNCIA CRIMINAL

VIOLÊNCIA ESTRUTURAL

VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL
VIOLÊNCIA
VIOLÊNCIA INSTERPESSOAL

VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR

VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA

VIOLÊNCIA CULTURAL
TIPOS DE VIOLÊNCIA
A violência criminal é praticada por meio de agressão
grave às pessoas, por atentado à sua vida e aos seus bens
Violência criminal e constitui objeto de prevenção e repressão por parte das
forças de segurança pública: polícia, ministério público e
poder judiciário.
Diz respeito às mais diferentes formas de manutenção
das desigualdades sociais, culturais, de gênero, etárias e
étnicas que produzem a miséria, a fome, e as várias
Violência estrutural formas de submissão e exploração de umas pessoas
pelas outras.

Violência institucional É aquela que se realiza dentro das instituições, sobretudo


por meio de suas regras, normas de funcionamento e
relações burocráticas e políticas, reproduzindo as
estruturas sociais injustas.

Violência auto-infligida Assim são chamados os suicídios, as tentativas de se


matar e as automutilações.
TIPOS DE VIOLÊNCIA
É aquela que acontece entre sujeitos. A violência é,
principalmente, uma forma de relação e de
comunicação. Quando essa interação ocorre com
Violência interpessoal prepotência, intimidação, discriminação, raiva,
vingança e inveja, costuma produzir danos morais,
psicológicos e físicos, inclusive morte.
Na prática, violência doméstica e violência
intrafamiliar se referem ao mesmo problema.
Ambos os termos dizem respeito aos conflitos
Violência intrafamiliar familiares transformados em intolerância, abusos e
opressão. As formas mais comuns dessa violência
são as que submetem a mulher, as crianças e os
idosos ao pai, ao marido e ao provedor.
A violência cultural é aquela que se expressa por
meio de valores, crenças e práticas, de tal modo
repetidos e reproduzidos que se tornam
Violência cultural naturalizados. Se difere em vários tipos, sendo os
mais comuns são a violência de gênero, racial e
contra a pessoa deficiente.
FÍSICA

PSICOLÓGICA

SEXUAL
VIOLÊNCIA
NEGLIGÊNCIA, ABANDONO OU
PRIVAÇÃO DE CUIDADOS

ABUSO ECONÔMICO E
FINANCEIRO
NATUREZA DA VIOLÊNCIA
O termo abuso físico significa o uso da força para produzir
Física lesões, traumas, feridas, dores ou incapacidades em outrem.

A categoria abuso psicológico nomeia agressões verbais ou


Psicológica gestuais com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar a
vítima, restringir-lhe a liberdade ou, ainda, isolá-la do convívio
social.
O abuso sexual diz respeito ao ato ou ao jogo que ocorre nas
relações hétero ou homossexuais e visa estimular a vítima ou
Sexual utilizá-la para obter
excitação sexual nas práticas eróticas, pornográficas e sexuais
impostas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças.

Negligência, abandono ou privação São formas de violência caracterizadas pela ausência, recusa ou
de cuidados a deserção do atendimento necessário a alguém que deveria
receber atenção e cuidados.
Esta forma de violência ocorre, prioritariamente, no ambiente
Abuso econômico e financeiro domiciliar e envolve exploração imprópria ou ilegal ou uso não
consentido de recursos monetários e patrimoniais.
▪ “[...] a história brasileira, transposta em temas literários, comporta uma violência
de múltiplos matizes, tons e semitons, que pode ser encontrada assim desde as
origens, tanto em prosa quanto em poesia: a conquista, a ocupação, a colonização, o
aniquilamento dos índios, a escravidão, as lutas pela independência, a formação
das cidades e dos latifúndios, os processos de industrialização, o imperialismo, as
ditaduras...” (PELEGRINI, 2005, p. 134).

▪ Karl Erik Scholhammer (2000) compartilha da ideia da violência como elemento


fundador da cultura brasileira e afirma, ainda, que este é um tema recorrente
sobretudo na literatura moderna do país. O autor acrescenta que, ao longo das
transformações econômicas e sociais pelas quais o Brasil passou, nasceu uma
literatura comprometida em expressar, através da escrita, uma experiência
complexa que tem como panorama principal a violência.
DrauzioVarella é médico cancerologista, formado pela USP. Nasceu em São Paulo, em 1943. Foi
um dos fundadores do Curso Objetivo, onde lecionou química durante muitos anos. Em 1989,
iniciou um trabalho de pesquisa sobre a prevalência do vírus HIV na população carcerária da
Casa de Detenção do Carandiru. Desse ano, até a desativação do presídio, em setembro de 2002,
trabalhou como médico voluntário. Atualmente, faz o mesmo trabalho na Penitenciária Feminina
de São Paulo.
Estação Carandiru, publicado em 1999 narra o trabalho
voluntário, de prevenção à AIDS, do doutor DrauzioVarella,
realizado em 1989 na casa de detenção de São Paulo no bairro do
Carandiru. Na época de seu trabalho, a casa de detenção
abrigava mais de 7200 presos, tornando-se mais tarde, palco de
inúmeros massacres, o maior deles em outubro de 1992, retratado
pelo autor, em sua obra literária.
Estação Carandiru não se constitui propriamente de uma obra ficcional e não se pretende um
romance;

Fábio Marques Mendes: trata-se de um livro reportagem, memorialismo documentário, que


funde escrita confessional e registro documental da realidade carcerária brasileira;

A experiência pessoal de Varella é contada, quase em forma de um diário, contendo reflexões


sobre os presidiários e suas diferentes formas de vivenciar a perda da liberdade, bem como
sobre o sistema penitenciário brasileiro da época;

Tânia Pellegrini: quem fala aqui é um médico que trabalhou no presídio Carandiru durante mais
de dez anos, alguém da classe média que empresta a confiabilidade de sua voz ao relato dos
que costumam não ser ouvidos.
“Dadas as condições do presídio, é impossível acabar com as agressões, porque no convívio com
ladrões alguns funcionários se embrutecem de tal modo que não enxergam outra alternativa
para impor a ordem. [...] Na prisão, a violência que explode em ciclos, invade a vida dos guardas.
Nos acertos de contas entre a malandragem, quando um grupo decide dar cabo de alguém, os
funcionários têm ordem para não interferir” (VARELLA, 1999, p. 115).

“Da minha parte, posso assegurar que a influência do meio está longe de ser desprezível. Apesar
de médico, diversas vezes tive vontade de bater em alguém na cadeia, não por terem me faltado
ao respeito, fato jamais ocorrido, mas pela revolta diante da perversidade de um preso com o
outro” (VARELLA, 1999, p. 116).

1. Contexto como fator de determinação na modelagem do caráter/atitudes.

2. Influência negativa do meio enquanto instituição exclusiva e violenta.


“Não há brigas de soco na rua Dez, paulada e facada é que acertam diferenças sob o olhar
excitado dos circunstantes. O perdedor, quando sai vivo, desce para a Carceragem [...]. O
adversário melhora a posição no ranking. Outras vezes, o condenado à morte é atraído para lá
e esfaqueado por um grupo de composição variável. Nessas situações, há quem aproveite
para dar um golpe a mais mesmo em alguém que nenhum mal lhe causou. [...] Tantos anos na
cadeia, doutor, e nunca vi ninguém matar alguém sozinho. Chega a juntar vinte, trinta, para
meter a bicuda naquele que vai morrer” (VARELLA, 1999, p. 19-20).

Diferença do comportamento humano: multidão X sozinho.

Coletividade = influência pela massa/grupo.

Em cativeiro, o homem deixa-se guiar pelo instinto de sobrevivência, agindo irracionalmente.


Esse tipo de comportamento remete ao campo do animalesco, como é possível perceber por
termos como “gaiola” e “Ratoeira”, amplamente usados no contexto penitenciário.
“É o pavilhão mais abarrotado da cadeia. Movimento intenso nos corredores. Há
momentos em que não se consegue alojar um preso a mais sequer. Moram ali 1600
homens, o triplo do que o bom senso recomendaria para uma cadeia inteira. Para
tomar conta deles, a detenção escala de oito a dez funcionários durante o dia e cinco
ou seis à noite, às vezes menos” (VARELLA, 1999, p. 27).

Superlotação = perda de direitos e condições básicas para convívio e sobrevivência.

Perda da dignidade = tipo de violência a que os detentos são submetidos.


“Um polícia abriu o guichezinho da porta, enfiou a metralhadora e gritou: Surpresa,
chegou o diabo para carregar vocês para o inferno! Deu duas rajadas para lá e para
cá. Encheu o barraco de fumaça, maior cheirão de pólvora. Só fui perceber que
estava vivo quando senti um quente pingando nas costas. Era sangue, na hora até
pensei que fosse meu. Olhei para os parceiros, tudo esfumaçado, furado de bala,
pondo sangue pela boca. Morreram onze, escapei só eu, com um tiro de raspão no
pescoço, e um companheiro da Cohab de Itaquera, ó, ileso, maior sorte” (VARELLA,
1999, p. 287).

Policiais igualados a bandidos, agem como “justiceiros” e praticam a vingança social.

Utilização do cenário de rebelião como justificativa para um massacre.


“O passado de Nego-Preto era semelhante aos dos outros, a infância nas ruas de
terra da periferia, muitos irmãos e má companhia. Na década de 70, o pai esteve
preso por nove anos na Detenção. [...]. A prisão do Nego-Preto ocorreu [...] após um
assalto na joalheria. (VARELLA, 1999, p. 253)”

“Numa tarde, [...] ele conversava sério com um rapaz novinho. [...]. Era o filho mais
velho que acabava de chegar à Detenção. (VARELLA, 1999, p. 257)”

Violência como círculo vicioso, capaz de determinar o destino de gerações;

Crime como herança.


▪ A violência é um tema presente e constante dentro do relato de Drauzio Varella, o que reforça o
pertencimento de Estação Carandiru à tendência da literatura de cárcere brasileira. Isso porque
essa é também uma das principais temáticas abordadas nessa categoria literária;

▪ Apesar de não possuir essa pretensão, o livro de Varella pode ser encarado como um retrato do
sistema prisional brasileiro;

▪ Em seu relato, o narrador desvela todas as falhas e abusos cometidos dentro do ambiente
carcerário, bem como retrata o cotidiano dos grupos sociais criados dentro desse local.

▪ Por isso mesmo, Estação Carandiru pode ser encarado como um testemunho. Além disso, o livro
possui caráter jornalístico e literário, pela mistura de ficção e verossimilhança que a narrativa
carrega.
ARENDT, Hannah. Da violência. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1985.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
CHAUÍ, Marilena. Ética e violência. Teoria e Debate, ed. 39, out. 1998. Disponível em:
http://www.teoriaedebate.org.br/index.php?q=materias/sociedade/eti-ca-e-violencia&page=0,0.
Acesso em: 03 mar. 2019.
FREUD, S. Por que a guerra? In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980. p. 241-259. v. 22.
KRUG, Etienne et al. (Org.). Relatório mundial sobre violência e saúde. Geneva: Organização Mundial
da Saúde, 2002.
MENDES, Fábio Marques. Realismo e violência na literatura contemporânea: os contos de Famílias
terrivelmente felizes, de Marçal Aquino. 1 ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015.
MICHAUD,Yves. A violência. São Paulo: Ática, 1989.
PELLEGRINI, Tânia. As vozes da violência na cultura brasileira contemporânea. Crítica marxista,
2005. Disponível em: www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/critica21-Apelegirni.pdf. Acesso em:
28 set. 2018.
SCHOLHAMMER, Karl Erik. Os cenários urbanos da violência na literatura brasileira. In: PEREIRA,
Carlos Alberto Messeder (Org.). Linguagens da violência. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 236-259.
VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

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