Abrir portas onde se erguem muros Director: David Pontes Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • Ano XXXV • n.º 12.

024 • Ano XXXV • n.º 12.397 • Diário • Ed. Lisboa • Assinaturas 808 200 095 • 1,50€
ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Arrendamento
forçado e
congelamentos
de rendas
vão ser revogados
Programa quis mostrar que
Governo dialoga, oposição
critica ausência de diálogo
Salários nas carreiras menos
atractivas do Estado terão bónus
Hugo Soares: “Chega mostrará O ministro dos Assuntos

se é confiável ou não”
Destaque, 2 a 9 e Editorial
Parlamentares, Pedro Duarte,
entregou ontem o Programa
do Governo ao presidente da
Assembleia da República

Acusações de assédio Justiça Parlamento Europeu Monumento nacional Jogos Olímpicos

Boaventura
destituído de
cargo por “falta
de integridade”
Um ano após queixas de assédio, Boa-
ventura de Sousa Santos é afastado
do Tribunal Internacional de Direitos
da Natureza Sociedade, 16/17
Buscas: negócio
imobiliário leva
PJ à Câmara
de Cascais
Autarquia vendeu imóveis a preço de
custo a empresa chinesa com a qual
tinha feito parceria para fabrico de
máscaras anticovid Sociedade, 20
Eurodeputados
confirmam
apoio a Pacto
para Migrações
Documento prevê mudança das
regras para o acolhimento e o repa-
triamento de refugiados que vejam os
seus pedidos rejeitados Mundo, 29
Claustro da Sé
de Lisboa terá
uma torre
prateada
Depois de vencidos vários prazos e de
muita polémica, requaliÆcação entra
na recta Ænal. Reabertura no último
trimestre deste ano Cultura, 34/35
Medalhas
de ouro vão
ser pagas pela
primeira vez
O atletismo é o primeiro a avançar.
Quem receber ouro será pago por
isso, numa medida inédita em 128
anos de Jogos Desporto, 46

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ISNN-0872-1548
2 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Destaque Programa do Governo
Ministro dos Assuntos
Parlamentares
entregou ontem o
Programa do Governo
ao presidente da
Assembleia da
República
Governo deu A
Liliana Borges e Sofia Rodrigues
o abrigo do chapéu do “diá-
logo com todos”, o Governo
PSD/CDS deu um sinal polí-
tico simbólico no seu pro-
sinal político
grama ao incluir 60 propos-
tas de outros partidos. Mais
de metade é do PS, 13 são do Chega e
seis foram feitas pela Iniciativa Libe-
ral. Os restantes partidos têm menos
expressão: há três contributos do
com 60
Bloco de Esquerda e outros tantos do
Livre, dois do PAN e um do PCP.
Entre as medidas do PS integradas
está a redução em 20% da tributação
autónoma de IRC em veículos de
empresas, o “aumento da abrangên-
medidas da
cia” do programa de apoio ao arren-
damento jovem Porta 65, a revisão
“transversal dos prazos judiciais”, a
garantia de dar condições aos proÆs-
sionais das forças de segurança que
se encontrem deslocados, e a abertu-
oposição e
ra, em sede de concertação social, de
um diálogo em matérias de seguran-
ça e saúde, tendo em vista um acordo
para uma estratégia plurianual.
Depois de, no discurso da tomada
de posse, o primeiro-ministro, Luís
priorizou o PS
Montenegro, ter sido exigente com a
responsabilidade do PS como partido
da oposição, o Programa do Governo
ensaiou uma aproximação aos socia-
listas seleccionando outras medidas
na área da economia, como a avalia-
ção do papel do Banco Português de
Fomento, e na defesa nacional, como
Sem que nenhuma força política o a da adopção de um “novo conceito
estratégico”.
antevisse, Governo incluiu seis dezenas Do Chega, foi escolhida uma das
decisões consideradas prioritárias
de medidas de “todos os partidos” — a conclusão da escolha do novo
ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
aeroporto e o início “com a maior
brevidade possível da sua constru-
ção” —, mas também propostas na
área da protecção do contribuinte,
da segurança, como a da expansão
da videovigilância em zonas de diver-
são nocturna e no exterior das esqua-
dras. Quanto à IL, o Governo esco-
lheu como um dos contributos a
criação de uma task-force para elimi-
nar burocracias desnecessárias, uma
bandeira dos liberais.
À esquerda, o executivo acolheu o
reforço dos meios da Rede Nacional
de Bibliotecas, do Bloco, a garantia
da manutenção da participação
maioritária do Estado na agência de
notícias Lusa, do Livre, a promoção
da indústria conserveira (PCP), e o
incentivo à prática de actividades
interdisciplinares dos alunos ao ar
livre (PAN).
Com um horizonte de governação
até ao Ænal da legislatura, em 2028, o
programa do Governo reiterou o
espírito de diálogo, mas contrapôs
que a oposição também tem respon-
sabilidades em nome do “interesse
nacional”, salvaguardando as posi-
ções políticas e ideológicas de cada
um. No brieÆng do Conselho de
Ministros, o ministro da Presidência,
António Leitão Amaro, delimitou o
espaço onde decorrerá o diálogo: o
Parlamento.
Na oposição, a inclusão de propos-
tas dos vários programas — que não
foi comunicada directamente aos
partidos — foi, de forma geral, desva-
lorizada e suscitou críticas à inexis-
tência de qualquer tipo de diálogo.
O BE avançou que também apre-
sentará uma moção de rejeição ao
programa, além daquela que já tinha
sido anunciada pelo PCP. Já a nova
líder parlamentar do PS, Alexandra
Leitão, anunciou que o PS se irá abs-
ter em ambas as iniciativas.
Reavaliações e revogações
Embora tenha insistido em apresen-
tar o seu programa como de “diálo-
go”, uma primeira leitura ao projecto
de Luís Montenegro permite identi-
Æcar não apenas ajustes e recuos em
relação ao programa eleitoral da
Aliança Democrática, mas também
reavaliações e até revogações de polí-
ticas da governação socialista.
Ao mesmo tempo, nas alterações
que são identiÆcadas quando se com-
para o programa eleitoral e o progra-
ma do Governo, há um conjunto de
prioridades que se destaca: a aposta
nos jovens, as respostas para as For-
ças Armadas ou uma maior preocu-
pação com o clima.
Desde logo, o programa do Gover-
no arranca a assinalar a promoção da
pasta da Juventude a ministério. Nas
palavras do executivo, a opção “mos-
tra a centralidade” que se pretende
atribuir aos jovens. Aproveitando
para explicar que o ministério tute-
lado por Margarida Balseiro Lopes irá
trabalhar em “articulação permanen-
te com os diversos ministérios”, o
executivo anuncia que irá criar um
programa nacional de atracção de
jovens portugueses que abandona-
ram o país nos últimos anos.
Porém, a proposta — que à primei-
ra vista se assemelha ao Programa
Regressar — não concretiza quais as
condições de elegibilidade e no que
consistirá a estratégia. Outra das
novidades na frente “jovem” é a apos-
ta numa “abordagem especíÆca com
as ordens proÆssionais e as associa-
ções” para reter jovens no país.
Há ainda a entrada da Agenda do
Trabalho Digno no radar do Governo
de Montenegro. Enquanto o progra-
ma eleitoral não fazia qualquer refe-
rência ao diploma, o programa do
executivo quer avaliar “os resultados
deste primeiro ano de implementa-
ção no terreno”.
Também a Lei de Bases do Clima,
que não merecia qualquer referência
no programa da AD, é referida cinco
vezes. Com os protestos de grupos
climáticos a pintarem a campanha da
AD e a noite eleitoral, o Governo
garante agora estar “fortemente
empenhado na aplicação da Lei de
Bases do Clima”.
À luz da recente discussão sobre
o regresso do serviço militar obriga-
tório, o Governo propõe “estudar
outras formas de recrutamento
voluntário” para as Forças Arma-
das.
De fora do programa Æcou a inten-
ção de avançar para uma revisão
constitucional para reforçar as auto-
nomias regionais, bem como a pro-
moção do debate sobre a redução da
idade para votar aos 16 anos ou a dis-
cussão em torno da redeÆnição dos
círculos eleitorais.
NotíciasFlix
A táctica de Montenegro é uma desgraça,
mas não tem alternativa
O PS irá viabilizar
o Programa do Análise
Governo,
abstendo-se nas
moções de rejeição Ana Sá Lopes
Q
Alexandra Leitão uando Pedro Nuno Santos
Líder parlamentar do PS disse, na noite eleitoral,
“deixemos a táctica de fora”
(numa indirecta a António
[Programa é] muito Costa e a Marcelo Rebelo de
Sousa, mestres da táctica
vago e pouco política), ou não estava a ver o Ælme
ou estava, apenas, a enunciar a frase
ambicioso por puro tacticismo.
A “táctica” é necessária hoje mais
André Ventura
Presidente do Chega do que nunca: a situação política,
neste momento, é um jogo de
xadrez e só tem capacidade de fazer
Este é um programa xeque-mate quem tiver “estudado”
o adversário com maior rigor.
insuficiente para as A apresentação do programa
transformações de deste Governo e o anúncio solene
de que o executivo Montenegro,
que o país precisa bonzinho, incluiu 60 medidas da
oposição no seu programa são um
Mariana Leitão monumento à táctica. O Governo
Líder parlamentar da IL quer Ængir que “dialoga”,
“negoceia”, “concerta” em sede de
Parlamento, mas só tem um
É um programa objectivo em mente. Trata-se de
económico para arranjar o argumentário mínimo
para vir a culpar a oposição, na
concentrar riqueza
em alguns
Mariana Mortágua Finanças públicas
Coordenadora do BE
Executivo garante continuação da redução da dívida
[Programa] pretende
a progressão da Sérgio Aníbal
política de direita que
S
em apresentar metas em
está na origem dos concreto para a evolução da
economia e das Ænanças
problemas públicas, o Governo com-
promete-se ainda assim, no
Paula Santos programa para a legislatura
Líder parlamentar do PCP ontem entregue no Parlamento, a
manter o orçamento equilibrado e
Para um Governo em prosseguir a tendência de redu-
ção da dívida pública. Tal será feito,
que já disse que quer garante, com base “numa economia
com maior produtividade e compe-
dialogar, não fez titividade, geradora de mais cresci-
mento económico”.
esse diálogo Ao contrário do que acontecia no
programa eleitoral da AD, no progra-
Isabel Mendes Lopes
Líder parlamentar do Livre ma do Governo não consta um cená-
rio macroeconómico e orçamental
para os próximos quatro anos que
Quando se fala em deÆna as metas do executivo quer
para o crescimento económico, quer
diálogo, não se pode para o saldo orçamental e a dívida
pública. No programa eleitoral, a AD
fazer um monólogo apostava que, com a economia a
Inês Sousa Real acelerar de um crescimento de 1,6%
Porta-voz do PAN este ano para 3,4% em 2028, o saldo
campanha eleitoral para as
próximas eleições antecipadas, pelo
chumbo do Orçamento para 2025.
Nem sequer há muito de novo
nisto: o Governo prepara o discurso
da vitimização e tenta o que outros
já tentaram antes com sucesso —
obter uma maioria confortável, que
não seja apenas a de dois deputados
a mais do que o PS.
O programa é, evidentemente, o
da AD, com uns retoques, e foi
fechado sem qualquer negociação
com qualquer outro partido. É tudo
legítimo, menos chamar a isto
“diálogo”. Se a vontade de negociar
fosse genuína, autêntica e houvesse
o objectivo de atingir um acordo,
Montenegro falava com os líderes
de outros partidos e discutia
medidas. Não o fez.
A introdução ao programa é um
verdadeiro mimo e basicamente
repete o discurso de posse de Luís
Montenegro. O Governo vai
governar com o seu programa e a
oposição tem a obrigação de o
“deixar trabalhar”.
Vale a pena anotar a leitura que o
Governo faz dos resultados
eleitorais: “Os portugueses
conferiram a este Governo a
legitimidade para governar,
cumprindo o seu programa e
orçamental se iria manter ligeira-
mente positivo, entre 0,1% e 0,2% do
PIB, e a dívida pública cairia dos
98,7% do PIB de 2023 para 80,2% em
2028.
Agora, os números não são apre-
sentados, mas as palavras presentes
no Programa do Governo apontam
para o mesmo. O documento aÆrma
que “o XXIV Governo é o garante da
manutenção de equilíbrio orçamen-
tal e de uma trajectória robusta da
redução da dívida pública”. E acres-
centa que, para isso acontecer, não
bastará aproveitar o excedente de
1,2% do PIB atingido em 2023 pelo
anterior executivo. O Governo, rea-
Ærmando aquilo que foi dito pelo
primeiro-ministro na cerimónia de
tomada de posse, diz que “o exce-
No programa
eleitoral, a AD
dizia que a dívida
pública cairia dos
98,7% do PIB
de 2023 para
80,2% em 2028
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 3
concretizando os seus objectivos.”
Ninguém avisou a AD de que não
tem maioria absoluta. Segue-se:
“Contudo, o resultado eleitoral
constitui uma responsabilidade
para todas as forças
parlamentares.” Montenegro já
tinha ensaiado esta táctica: cabe ao
Governo, que tem mais dois
deputados do que o PS, governar
com o seu programa e cabe ao PS,
ao Chega e a outros aprovarem
obedientemente.
Qual é o problema desta táctica?
É que o Governo, ao falar em
“diálogo” e “negociação”, limita-se
a “épater les bourgeois”. Diálogo não
é meter no programa do Governo 32
medidas do PS, 13 do Chega, seis da
Iniciativa Liberal, três do Bloco de
Esquerda, três do Livre, duas do
PAN e uma do PCP.
O problema da táctica
Montenegro é querer Ængir que faz
o que na realidade não faz. Mas o
maior bico-de-obra é que não há
alternativa para o PSD. Negociar
com o PS e tentar um bloco central
(ou qualquer coisa informal no
mesmo sentido) fará crescer o
Chega nas próximas eleições e
Ventura já começou a ensaiar o
discurso contra “eles” e contra o
“bloco central”. Nem Pedro Nuno
dente orçamental de 2023 não deve
criar falsas ilusões de prosperidade
nem alimentar a ideia de que todos
os problemas podem ser imediata-
mente solucionados”.
E defende que, para manter as
contas equilibradas e a dívida a cair,
“existe uma necessidade urgente de
transformar a economia e o Estado”,
uma vez que as condições que per-
mitiram o excedente recorde em
2023 “são não só difíceis de replicar,
como também altamente indesejá-
veis, pois implicariam manter a car-
ga Æscal em máximos históricos,
prolongar a degradação dos serviços
públicos e perenizar a tendência
negativa do investimento público”.
O que o Governo pretende agora,
diz o programa, é assegurar que o
equilíbrio orçamental se baseia
“numa economia com maior produ-
tividade e competitividade, gerado-
ra de mais crescimento económico”,
o que permite ainda “reduzir a carga
Æscal, sobretudo das famílias e das
empresas, e em simultâneo ter
recursos para fornecer serviços
Santos quer negociar nada de
substancial com o Governo, tirando
os assuntos de que falou na carta e
só até ao Verão. Depois disso,
chumba tudo. Nem o Governo quer
nada com o PS, nem vice-versa.
Nenhum dos dois partidos, PS e
PSD, quer fazer favores ao Chega.
A outra hipótese do Governo era
fazer um acordo com o Chega, que
Ventura — também tacticamente —
tem implorado desde o início.
Negociar com o Chega iria pôr em
causa a estratégia do “não é não”
que Montenegro Æxou e
desacreditá-lo-ia em parte do seu
eleitorado. E se o primeiro-ministro
decidisse mudar de estratégia e
acolher o Chega no regaço, acabaria
por Æcar refém do partido de
Ventura, que, no momento que lhe
fosse mais útil, o derrubaria. E o
risco de, em futuras eleições, o PSD
sair prejudicado face ao PS, por
causa da aliança com a direita
populista radical, é grande.
A situação é tão complexa que o
Governo tem de inventar que
“dialoga” e “negoceia”. Entretanto,
vai sobrevivendo com aquele
mantra que os médicos dizem aos
doentes — “um dia de cada vez”.
Jornalista
públicos de qualidade, digniÆcando
o estatuto e as carreiras dos respec-
tivos prestadores”.
O Programa do Governo não escla-
rece se a meta de um crescimento
de 3,4% até 2028 é para manter e não
será também no Programa de Esta-
bilidade que irá entregar na segun-
da-feira ao Parlamento que essa
informação estará presente.
Na conferência de imprensa reali-
zada no Ænal do Conselho de Minis-
tros, o ministro da presidência,
António Leitão Amaro, revelou que
o Programa de Estabilidade será fei-
to com base num cenário de políti-
cas invariantes, isto é, apresentando
apenas projecções para o que acon-
teceria à economia e às Ænanças
públicas portuguesas caso não fos-
sem tomadas novas medidas.
Não se Æcará, por isso, a saber
para já se o Governo mantém o cená-
rio macroeconómico traçado no
programa eleitoral da AD, quais as
medidas em concreto que pretende
aplicar e qual o seu calendário de
introdução e impacto orçamental.
4 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Destaque Programa do Governo
medidas área a área
Função pública
Salários nas carreiras
menos atractivas
do Estado terão prémios
O Governo quer responder à falta de
atractividade do sector público em
algumas áreas com a criação de pré-
mios salariais que permitam recrutar
e reter trabalhadores com competên-
cias consideradas essenciais. No pro-
grama aprovado ontem, o executivo
assume como prioridade “estratégi-
ca e orçamental” resolver as carên-
cias “mais dramáticas de um conjun-
to de proÆssões essenciais dentro do
Estado”. Nesse sentido, promete
tomar um conjunto de medidas e
uma delas passa por “assegurar o
alinhamento e competitividade do
emprego público com as condições
das posições comparáveis no sector
privado, preservando as protecções
de emprego público”.
E é na sequência desta preocupa-
ção que se abre a porta à criação de
“boniÆcações” nos salários de entra-
da e nos salários dos proÆssionais de
determinada carreira sempre que
haja diÆculdades no “recrutamento
e retenção de trabalhadores com
competências essenciais”.
Actualmente, a Lei do Trabalho em
Funções Públicas (artigo 38.º) já per-
mite que haja negociação do salário
de entrada. Mas a solução prevista no
programa que será discutido hoje no
Parlamento parece ir no sentido da
criação de boniÆcações, sem mexidas
na remuneração-base.
Ainda na perspectiva do Governo
liderado por Luís Montenegro, a polí-
tica de recursos humanos de médio
prazo deve ser deÆnida por serviço,
permitindo prever a “evolução das
competências humanas” cruciais, as
“necessidades de renovação interge-
racional” ou desenvolver modelos de
tutoria e passagem de conhecimento.
Outro dos objectivos é “garantir que
o mérito proÆssional tenha um reÇe-
xo imediato nas progressões de car-
reira e nas condições remuneratórias
dos trabalhadores”, através da
“modernização dos sistemas de
actualização e progressões das carrei-
ras gerais”. Esta formulação deixa
subentendida a intenção de alterar o
Sistema Integrado de Avaliação de
Desempenho da Administração Públi-
ca (SIADAP) que é o instrumento em
que assentam as progressões dos fun-
cionários integrados nas carreiras
gerais (técnicos superiores, assisten-
tes técnicos e assistentes operacio-
nais) e em carreiras equivalente.
O anterior Governo deixou publi-
cado um diploma que facilita o de-
senvolvimento das carreiras a partir
de 2025, ao alargar as quotas de aces-
so às classiÆcações mais elevadas e ao
reduzir o tempo necessário para as
progressões obrigatórias, mas não
Æca claro se ele se manterá ou se have-
rá nova revisão.
Habitação Arrendamento forçado e “congelamentos” de rendas
O
novo Governo está
“determinado” a revogar as
medidas do Mais
Habitação que considera
serem “erradas”, incluindo o
arrendamento forçado de
imóveis devolutos e os
“congelamentos de rendas”. Já
para dar resposta àquilo que
reconhece ser uma “crise da
habitação”, o executivo de Luís
Montenegro vai apostar em
novos incentivos fiscais, na
simplificação de processos,
parcerias público-privadas e
novos modelos de habitação.
Durante a campanha eleitoral,
a AD já tinha prometido que iria
rever as medidas do pacote
legislativo lançado pelo último
Governo de António Costa. A
garantia é agora reafirmada no
programa. “É determinação do
Governo revogar normas como
o arrendamento forçado, os
congelamentos de rendas
(aplicando subsídios aos
arrendatários vulneráveis) e as
medidas penalizadoras do
alojamento local”, pode ler-se
no documento.
O arrendamento forçado, limites aos aumentos de rendas, mais de 65 anos ou deficiência
uma das medidas mais uma medida do Mais Habitação superior a 60%, ficaram
polémicas do Mais Habitação, é que determinou que o valor das definitivamente de fora do Novo
um regime que permitiria aos rendas estabelecidas em novos Regime do Arrendamento Urbano
municípios, de forma contratos de arrendamento só (NRAU), mantendo-se, assim,
“excepcional”, arrendarem pode ser até 2% superior em congelados de forma
forçosamente imóveis relação à renda anterior (quando permanente. Isto não significou,
devolutos há mais de dois anos, esses contratos disserem contudo, que as rendas
abrangendo apenas os respeito a imóveis que já estavam permanecessem totalmente
apartamentos de uso no mercado de arrendamento). congeladas: apesar de se
habitacional e fora dos O outro “congelamento” que manterem restrições ao aumento
territórios do interior do país. poderá estar em causa é o das das rendas relativas a estes
Já os “congelamentos de rendas antigas. Também no contratos, estas passaram a ser
rendas” que o documento âmbito daquele pacote actualizadas anualmente, de
refere poderão dizer respeito a legislativo, os contratos de acordo com a inflação.
mais do que uma medida, não arrendamento anteriores a 1990, Quanto ao alojamento local
sendo claro, para já, quais é que cujos inquilinos tenham um (AL), há pelo menos duas
o Governo pretende revogar. rendimento inferior a cinco medidas que já é certo que irão
Entre elas, poderão estar os salários mínimos ou que tenham ser revogadas: a contribuição
Nesse quadro, assume-se ainda o Governo: a recuperação do tempo de dade ou onde há falta de professo-
compromisso de desenvolver incen- serviço dos professores ao longo da res.Ao longo desta legislatura, a nova
tivos materiais ao desempenho, legislatura à razão de 20% ao ano. equipa ministerial deverá ainda tra-
nomeadamente suplementos remu- Com ela, o executivo liderado por balhar na alteração do modelo de
neratórios ou prémios variáveis. Os Luís Montenegro espera trazer algu- colocação de docentes, “de modo a
prémios de desempenho não são uma ma serenidade às escolas, depois de ter em consideração outros factores,
novidade no Estado, embora durante anos de forte contestação. como a residência e a avaliação”. Para
muitos anos não tenham sido aplica- O novo Governo aposta também atrair mais docentes para a proÆssão,
dos. Raquel Martins no tema do alojamento de professo- propõe um “programa de emergên-
res, que, sobretudo nas regiões da cia”, cujas medidas passam pela revi-
Professores Grande Lisboa e do Algarve, tem
sido um entrave à sua Æxação. Suge-
são do salário em início de carreira
docente e dos restantes índices e esca-
Tempo de serviço é para re que seja criada uma dedução em
sede de IRS das despesas de aloja-
lões, “no sentido de simpliÆcar o sis-
tema remuneratório”, e ainda pela
recuperar “ao longo mento dos docentes que se encon-
trem deslocados a mais de 70km da
adequação da formação inicial de
professores.
da legislatura” sua área de residência e ainda que Em termos curriculares, também
sejam criados incentivos (sem con- se antevêem mudanças. O plano do
Foi uma promessa eleitoral e é agora cretizar quais) para a Æxação de Governo prevê a revisão das Apren-
uma medida inscrita no programa do docentes em zonas de baixa densi- dizagens Essenciais — introduzidas

vão ser revogados
RUI GAUDÊNCIO
extraordinária sobre o AL e a
caducidade de cinco anos das
licenças exigidas para operar
neste sector.
Estas são algumas das medidas
que o novo Governo considera
que entram no leque das políticas
de habitação. A aposta, defende,
deve passar por um “efectivo
estímulo à oferta de habitações
acessíveis, tanto no mercado de
arrendamento como de
aquisição”. E isso passará,
sobretudo, pela criação de
incentivos fiscais e pela
simplificação de procedimentos.
A “flexibilização das limitações
de ocupação dos solos,
densidades urbanísticas e
pelo Governo socialista — e a Çexibili-
zação das cargas lectivas obrigatórias
nos vários níveis de escolaridade do
ensino básico, assim como a inclusão
do ensino do Inglês desde o 1.º ano.
Prevista está ainda a reestruturação
do ensino básico, com a integração
dos 1.º e 2.º ciclos, “de forma a alinhar
com a tendência internacional e
garantir uma maior continuidade nas
abordagens e um desenvolvimento
integral dos alunos”.
A integração da faixa etária dos 0
aos 3 anos no sistema educativo tute-
lado pelo Ministério da Educação,
Ciência e Inovação (MECI) é outra
medida.
No ensino secundário, o executi-
vo quer alargar o número de disci-
plinas que os alunos podem esco-
exigências e requisitos
construtivos, bem como a
possibilidade de aumento dos
perímetros urbanos” são as
primeiras medidas inscritas no
capítulo dedicado ao aumento
da oferta habitacional no
Programa de Governo.
É ainda prometida a injecção
no mercado, de forma “quase
automática”, dos imóveis e
solos públicos devolutos ou
subutilizados, bem como a
criação de um regime
excepcional e temporário de
eliminação ou redução dos
custos tributários com obras de
construção ou reabilitação de
imóveis que se destinem a
habitação, independentemente
da sua localização. As
autarquias serão compensadas
pelas perdas de receita que
resultem da “redução
substancial ou eliminação de
taxas de urbanização,
edificação, utilização e
ocupação”, bem como da
aplicação de IVA à taxa mínima
de 6% nas obras e serviços de
construção e reabilitação.
O Governo pretende ainda
lançar um novo programa de
parcerias público-privadas para
a construção e reabilitação de
habitação “em larga escala”,
assim como promover “novos
conceitos de alojamento”.
Enquanto estas medidas não
chegarem ao terreno ou
produzirem efeitos, o Governo
planeia dar resposta à crise
mantendo e reforçando apoios
directos aos arrendatários e a
quem procura comprar casa –
criando uma garantia pública
para “viabilizar o financiamento
bancário da totalidade do preço
de aquisição por jovens”.
Rafaela Burd Relvas
lher frequentar.
Estas medidas surgem acompanha-
das da intenção de revisão da Lei de
Bases do Sistema Educativo de 1986,
“alinhando-a com os desaÆos do sécu-
lo XXI”, o que terá de ser feito em
estreito diálogo com a Assembleia da
República.
Outra das mudanças expectáveis
para os próximos anos é a realização
de provas de aferição a Português,
Matemática e uma disciplina rotativa
(a cada três anos) nos 4.º e 6.º anos
por serem anos de Ænal de ciclo. Não
há qualquer referência no programa
sobre se deverão ser realizadas em
suporte digital ou em papel.
De resto, o MECI quer “construir,
em diálogo com os directores e pro-
fessores, um novo modelo de autono-
mia e gestão das escolas”. E criar “o
estatuto do director de escola que
inclua um modelo especial de remu-
neração e de avaliação”. Cristiana
Faria Moreira
Ensino superior
Atrair adultos para
as universidades
Também no que toca ao ensino supe-
rior, o programa defende um reforço
da autonomia das instituições públi-
cas. E propõe um posicionamento do
sector em linha com o que têm sido
as intervenções públicas do novo titu-
lar da pasta, Fernando Alexandre: “A
deÆnição da oferta educativa deve
estar atenta às necessidades da socie-
dade e da economia.” No entanto,
além dessa marca do economista que
vai liderar o MECI, a maioria das
medidas previstas tem continuidade
com o que já vinha a ser feito pelo
Governo do PS. Os “objectivos para a
Ciência e Ensino Superior” enuncia-
dos no programa já estavam deÆnidos
pelo anterior Governo e constam de
compromissos com Bruxelas: “3% do
PIB de investimento em Ciência e Ino-
vação” e “uma percentagem acima de
50% de adultos entre os 25-34 anos
com um diploma superior”.
A AD quer também rever o Regime
Jurídico das Instituições de Ensino
Superior, processo que já tinha sido
iniciado na anterior legislatura, e o
modelo de Ænanciamento através de
uma “diversiÆcação das fontes” de
onde provêm as receitas.
O novo Governo propõe, por Æm,
“adequar e reforçar os programas de
bolsas de estudo e apoios Ænanceiros
à real situação socioeconómica dos
estudantes”. Não faz qualquer refe-
rência a mexidas nas propinas do
ensino superior, que diminuíram no
anterior ciclo político. Samuel Silva
Acção Social
Nova prestação vai
agregar abono e taxas
A ideia já vinha de trás e surge clara-
mente enunciada no programa do
novo Governo que, a cumprir-se, vai
criar um novo Suplemento Remune-
rativo Solidário (SRS) para substituir
um conjunto alargado de apoios
sociais. “A multiplicidade de compo-
nentes do regime de segurança social
e dos apoios sociais, e a complexida-
de das suas regras, diÆculta o seu
acesso ao cidadão mais vulnerável, e
a previsibilidade do apoio público
quando esta é mais necessária”,
começa por explicar o programa.
Para o Governo, “as regras de reti-
rada dos apoios sociais ignoram os
riscos inerentes à entrada no merca-
do de trabalho, colocando o trabalha-
dor no dilema de participar no mer-
cado e perder apoios sociais, ou man-
ter-se na inactividade”.
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 5
“Este impacto pernicioso na parti-
cipação no mercado e na valorização
proÆssional tem de ser corrigido com
vista a incentivar o trabalho e a asse-
gurar a justiça social”, prossegue o
Governo, considerando que “quem
participa no mercado de trabalho
deve ser premiado em termos de ren-
dimentos face à situação em que tives-
se Æcado inactivo”.
Actualmente, “quem tenha rendi-
mentos baixos vê-lhe retirados diver-
sos apoios sociais de forma repentina,
caso ultrapasse, por pouco que seja,
determinados níveis de rendimento”,
acrescenta. Isto acontece porque “os
valores de inúmeros apoios sociais
são indexados a escalões de rendi-
mentos, por vezes deÆnidos de forma
ligeiramente diferente” e, na transi-
ção entre escalões, ocorre uma subs-
tancial perda de apoios.
Entre os apoios que são susceptí-
veis de ser retirados neste contexto
estão os abonos de família, a acção
social escolar, a isenção de taxas
moderadoras na saúde, a tarifa social
de electricidade, a tarifa social de gás
e a isenção de pagamento (ou a pas-
sagem para outro escalão) em escolas
em regime de IPSS (pré-escolar).
Porque desta forma se torna “inde-
sejável ser promovido ou procurar
um emprego melhor”, o executivo
governamental aposta na “criação do
novo SRS, que pretende venha a ser
capaz de simpliÆcar “o actual sistema
pulverizado de apoios sociais” e de
garantir que “o aumento do rendi-
mento do trabalho não conduz a uma
perda de rendimento disponível”.
Natália Faria
Polícias
Mais videovigilância
e uso de drones
O Governo pretende rever as regras
para instalar sistemas de videovigilân-
cia em zonas de risco, expandindo a
utilização deste tipo de equipamento,
a par do uso de drones e de bodycams
para reforçar a segurança dos cida-
dãos. Prioridade para valorizar a
remuneração dos polícias e a aposta
na participação das mulheres nas for-
ças de seguranças são algumas das
medidas inscritas no programa do
executivo. O documento defende a
expansão da rede CCTV (circuito
fechado de televisão, em português),
a utilização de drones e de sistemas
de registo de imagem pelas forças de
segurança, referindo que tal deve
garantir “os direitos fundamentais
dos cidadãos”.
Destaca-se o “carácter prioritário”
no “processo de digniÆcação das car-
reiras e de valorização proÆssional e
remuneratória” dos proÆssionais das
forças de segurança, após os polícias
terem mostrado o descontentamento
presente na classe com a organização
de protestos espontâneos que corre-
ram todo o país. Os termos genéricos
em que a promessa é feita são muito
semelhantes ao que estava previsto
no programa eleitoral da AD.
Neste campo fala-se ainda em
“recuperar a atractividade das car-
reiras de segurança” e em “assegu-
rar condições aos proÆssionais das
forças de segurança que se encon-
trem deslocados, nomeadamente
através de apoios ao alojamento e
das suas famílias”. Reorganizar a
distribuição dos proÆssionais das
forças de segurança, apostando no
policiamento de proximidade e
numa análise célere do tratamento
das queixas dos cidadãos, é outra
das apostas. Mariana Oliveira
Migrações
AIMA (ex-SEF) deve
ficar com a emigração
Além da imigração, o Governo quer
também a emigração sob a alçada da
Agência para as Migrações, Integra-
ção e Asilo (AIMA) — que o anterior
governo PS criou, fundindo o Alto
Comissariado para as Migrações com
parte do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras (SEF), desde 29 de Outu-
bro de 2023.
Aliás, nas medidas elencadas — e
que já estavam no programa eleitoral,
como aquela — está mesmo avaliar “a
reestruturação” da AIMA, “de forma
a corrigir falhas legais, operacionais
e de conÇito de competências”. Na
lista de medidas estão, de resto, mis-
turados objectivos para a emigração
e imigração.
No seu programa eleitoral, a AD
classiÆcava o Æm do SEF como desas-
troso, tendo essa referência desapa-
recido. Na parte da segurança, fala-se
apenas em “promover uma rigorosa
avaliação da extinção do SEF”.
Como já anunciara no programa
eleitoral, o Governo quer apertar as
regras de entrada de imigrantes, mas
agora especiÆca que o objectivo é
“ponderar” mexer nas autorizações
de residência para estrangeiros e limi-
tá-las à existência de “contratos de
trabalho previamente celebrados ou
através de um visto de procura de
trabalho” — Æca por esclarecer o que
isso implica na prática.
Referindo que quer adoptar o
princípio de “que somos um país de
portas abertas à imigração, mas não
de portas escancaradas”, o Governo
expressa a intenção de ter objectivos
quantitativos — ou seja, um tecto
para a imigração —, “ponderando a
dimensão da segurança, priorizando
em termos de qualiÆcações e evitan-
do a exploração por redes ilegais e
criminosas”.
Estas são algumas das medidas
para atingir os três grandes objectivos
do Governo nesta matéria: ter “uma
política de imigração regulada e que
assegure que os imigrantes em Portu-
gal tenham os seus direitos funda-
mentais respeitados e promovidos”,
Æxar talento nacional e atrair imigran-
tes proÆssionais qualiÆcados e 
6 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Destaque Programa do Governo
“garantir um controlo efectivo das
fronteiras portuguesas e da fronteira
externa da União Europeia”. O pro-
grama elege também o combate às
redes de tráÆco humano como um
dos seus objectivos. Joana Gorjão
Henriques
Saúde
Objectivo é reformular
a direcção do SNS
Sem surpresas, a reformulação da
Direcção Executiva do Serviço Nacio-
nal de Saúde (DE-SNS) vai avançar e
o modelo de gestão dos grandes hos-
pitais será revisto. O Governo não
avança com grandes detalhes.
Quanto à reformulação da DE-SNS,
a informação é pouco mais do que
uma réplica do que já estava no pro-
grama eleitoral. O Governo quer uma
estrutura “mais simpliÆcada” e “uma
governação menos verticalizada”,
com “articulação entre redes de cui-
dados e modelos de contratualização
e Ænanciamento, infra-estruturas,
recursos humanos e transformação
digital na saúde”.
Outra das mudanças estruturais
implementadas pelo anterior execu-
tivo foi a da generalização das unida-
des locais de saúde (ULS) a todo o
país — um modelo de organização
que integra os centros hospitalares,
os hospitais e os agrupamentos de
centros de saúde de uma área geo-
gráÆca —, que vai agora ser revista.
O Governo compromete-se a avaliar
o seu desempenho e a rever a plani-
Æcação, com particular destaque
para as que integram hospitais uni-
versitários. Ou seja, as cinco maiores
unidades do país.
Uma maior deÆnição de medidas
e datas deverá chegar dentro de dois
meses, quando o Plano de Emergên-
cia do SNS e o seu modelo de imple-
mentação forem conhecidos. “Trata-
se de um plano que será apresentado
em 60 dias, que contempla diversas
medidas para atingir estas metas num
calendário deÆnido, medida a medi-
da, em 2024-2025.” Na mira está a
garantia do cumprimento dos tempos
máximos de resposta para consultas
de especialidade, cirurgias e meios
complementares de diagnóstico e
terapêutica. Além disso, o Governo
“pretende igualmente garantir a res-
posta de urgência em saúde materno-
infantil” e visa dar um médico de
família a todos os portugueses, come-
çando pelas pessoas “mais frágeis”.
Outro compromisso é estabelecer,
até ao Ænal deste ano, um novo pro-
grama de saúde oral e “incrementar”
o orçamento dos programas de pro-
moção da saúde e da saúde preventi-
va, que será feito “com o envolvimen-
to” das autarquias. Com meta até ao
Ænal de 2025, estão as propostas de
assegurar consultas no médico de
família “em tempo útil” e a implemen-
tação do Registo Electrónico de Saú-
de. Ana Maia e Daniela Carmo
Trabalho
“Revisitar” lei laboral
e “retomar” diálogo
O Governo quer “revisitar a Agenda
do Trabalho Digno”, em vigor desde
Maio, na concertação social. E pro-
mete retomar o diálogo com todos os
parceiros, incluindo a Confederação
Empresarial de Portugal (CIP) e a
CGTP, que não assinaram o último
acordo de rendimentos.
Os últimos acordos tripartidos assi-
nados na Comissão Permanente da
Concertação Social, refere o Governo,
“ou foram ultrapassados pelo Gover-
no anterior, ou nem sequer foram
subscritos por alguns parceiros [a
CGTP não assinou nenhum e a CIP
não assinou a revisão do acordo de
competitividade]”. Nesse contexto,
“retomar o diálogo em novos moldes”
é uma “prioridade de urgência”.
O executivo pretende “alargar as
matérias de intervenção da negocia-
ção colectiva sem especiais condicio-
nalismos”, nomeadamente em maté-
rias como a relação jurídica e tipologia
do emprego, mecanismos de mobili-
dade, períodos experimentais, tempo
de trabalho e aspectos relativos à
extinção dos vínculos.
É também meta de Montenegro
incentivar “activamente” o trabalho
e o emprego “em todas as suas for-
mas” e aumentar a produtividade.
Tal como havia prometido durante
a campanha eleitoral, a posta é
aumentar o Salário Mínimo Nacional
(SMN) para 1000 euros em 2028 (em
2024 é de 820 euros brutos mensais).
Ainda neste capítulo, a regra geral
para o aumento do SMN deverá ter
em conta a “inÇação mais os ganhos
de produtividade”. Mas o programa
não explica como é que este princípio
se articula com a promessa dos 1000
euros no Ænal da legislatura. Em cima
da mesa está ainda a criação de uma
comissão técnica independente sobre
o “salário digno” que analise e avalie
o impacto da subida da remuneração
mínima no emprego (que motive des-
vios à regra geral) e que proponha
políticas a médio prazo tendo em vis-
ta a redução da pobreza e a dignidade
no emprego dos trabalhadores com
baixos salários. O executivo prevê,
por Æm, a isenção de contribuições e
impostos de um 15.º mês (prémios de
produtividade por desempenho no
valor de até 6% da remuneração-base
anual) e a diminuição da carga Æscal
sobre as empresas. Raquel Martins
Aeroporto/TAP
Privatização da TAP
e novo aeroporto
Relançar a privatização da TAP e
“decidir rapidamente sobre a cons-
trução do novo aeroporto” de Lisboa
são duas das promessas do programa
do novo Governo AD. No capítulo
Reformas Montenegro quer incentivar poupança complementar
O
executivo de Luís
Montenegro mantém a
intenção de realizar um
estudo ao longo da
legislatura sobre os desafios e
respostas para a Segurança
Social. Mas, inesperadamente,
no programa ontem
apresentado antecipa duas
medidas para o curto prazo:
incentivar os esquemas
complementares de poupança
para a reforma e preparar a
Segurança Social para gerir
fundos de capitalização de
adesão voluntária.
No documento, começa-se
por dizer que a sustentabilidade
do sistema de pensões “tem
sido questionada”, sem revelar
por quem, e que é preciso
evitar debates públicos
baseados em “mistificações” e
promover uma discussão
“esclarecida e serena”, num
contexto de “estabilidade e
previsibilidade das regras,
contribuições e benefícios,
durante a actual legislatura”.
O Governo assume que as
alterações estruturais
demográficas na população independentes, baseado em áreas.
portuguesa (envelhecimento, factos, e dirigido à construção de A primeira aponta para a
prolongamento da esperança soluções que funcionem, diversificação das fontes de
de vida, baixa natalidade, preservem a sustentabilidade financiamento, incentivando a
alongamento do ensino num quadro de equidade poupança a médio e longo prazo
obrigatório e aumento da intergeracional”. através de esquemas
frequência do ensino superior) “Este estudo, com análise e complementares de reforma de
e na economia “colocam sérios eventual proposta de caminhos e base empresarial ou individual.
desafios ao sistema de soluções, deve permitir a sua A segunda visa preparar a
pensões”. Mas, ainda assim, adopção e implementação na Segurança Social pública “para
entende que a legislatura agora legislatura seguinte”, lê-se no gerir fundos de capitalização de
iniciada deve ser dedicada ao programa. adesão voluntária, em
estudo, “com uma análise e Contudo, e sem que o competição com o sector
discussão dos desafios e programa eleitoral o previsse, o privado e mutualista”.
respostas para a Segurança Governo abre a porta a que Sem detalhar o que pretende
Social, que deve ser o mais sejam “ponderadas medidas fazer em concreto, ambas as
amplo possível, participado destinadas a reforçar a medidas constam das propostas
pela sociedade e por sustentabilidade financeira da que a Comissão para a
personalidades e instituições Segurança Social” em duas Sustentabilidade da Segurança
dedicado às Infra-estruturas, cuja decreto-lei de privatização, exigindo em Junho e a venda formalizada em
tutela volta a estar nas mãos do minis- maior transparência e clariÆcação do Novembro, já o segundo Governo de
tro Miguel Pinto Luz, ex-secretário de papel do Estado no futuro da compa- Pedro Passos Coelho havia sido der-
Estado de Pedro Passos Coelho, o pro- nhia. No modelo deÆnido, que susci- rubado no Parlamento.
grama aÆrma que “os sectores da tou dúvidas a Marcelo Rebelo de Sou- A coligação AD compromete-se
aviação e aeroportuário têm sido sa, o anterior Governo propôs-se a ainda a “concluir o processo de esco-
dominados na última década por privatizar “pelo menos 51% do capital lha do Novo Aeroporto de Lisboa e
decisões e indecisões paralisantes: a da TAP” e sustentou como um dos iniciar com a maior brevidade possí-
falta de capacidade do Aeroporto principais critérios de avaliação de vel a sua construção, bem como de
Humberto Delgado e o adiamento da
escolha da melhor opção de expan-
propostas a que o centro nevrálgico
de operações da companhia se man-
outras infra-estruturas indispensá-
veis, nomeadamente a Ferrovia e o
são, bem como o atribulado processo
de nacionalização da TAP, que deixa
tivesse em Lisboa.
O executivo de coligação PSD/CDS
TGV (Alta Velocidade)”. Entre as
opções na mesa, no relatório da
a companhia numa encruzilhada
quanto ao futuro”. Entre as promes-
volta a ser responsável pela venda do
capital da TAP a privados depois de,
Comissão Técnica Independente que
avaliou as potenciais localizações do
sas está a retoma do processo de pri- em 2015, ter decidido alienar uma futuro aeroporto internacional (de
vatização da transportadora, inter- posição de 61% ao consórcio Atlantic que fez parte o actual novo ministro
rompido pela demissão de António Gateway (do português Humberto da Educação, o economista Fernando
Costa num momento em que o Presi- Pedrosa e do norte-americano David Alexandre), as preferidas são Alco-
dente da República já havia vetado o Neeleman). O contrato foi assinado chete e Vendas Novas. Ana Brito

MANUEL ROBERTO
Social deixou ao anterior e ao
actual Governo. Entre as
propostas estão o incentivo a
planos de reforma de nível
empresarial negociados na
contratação colectiva, o reforço
dos apoios fiscais para quem tem
planos individuais de reforma e
uma medida inovadora que prevê
que 1% do IVA das facturas com
contribuinte seja encaminhado
para o regime público de
capitalização (PPR do Estado) ou
para outro instrumento privado.
Com escassa novidade, o
executivo propõe-se cumprir a
promessa de “reforçar
gradualmente” o valor do
Complemento Solidário para
IRC
Baixar o IRC para 15% e
reduzir as tributações
autónomas dos carros
O Governo quer avançar com a desci-
da da taxa geral do imposto sobre os
lucros das empresas dos actuais 21%
para 15%. Montenegro incluiu ainda
uma outra medida que representa
uma aproximação ao PS, que passa
pela redução em 20% das tributações
autónomas sobre viaturas das empre-
sas. Em relação à medida central, a de
baixar a taxa geral do IRC, o Programa
de Governo prevê uma “redução gra-
dual” a um ritmo de “dois pontos
Idosos (CSI), de modo a que,
em 2028, os “reformados em
situações de maior fragilidade”
possam ter um valor de
referência garantido de 820
euros.
Ainda sobre esta prestação
social não contributiva criada
em 2006 para reduzir a pobreza
entre os idosos, o executivo diz
ainda que vai ponderar “o
ajustamento da condição de
recursos de acesso”, deixando
subentendido que os
rendimentos dos filhos
continuarão a ser considerados.
O PS propunha que fosse
retirada a exigência de
apresentação de rendimentos
dos filhos, enquanto o PSD
alegava, pela voz de Joaquim
Miranda Sarmento, agora
ministro das Finanças, que
alterar os critérios de acesso
não seria “uma questão fácil”.
Em linha com o programa
eleitoral, o Ministério do
Trabalho e da Segurança Social,
liderado por Maria do Rosário
Palma Ramalho,
compromete-se a criar uma
conta-corrente que permita aos
cidadãos ter informação sobre
o historial das suas
contribuições para esquemas
públicos de Segurança Social,
os direitos constituídos
relativamente à sua reforma e
as medidas relacionadas com o
mercado de trabalho.
Em cima da mesa está ainda a
convergência dos direitos à
protecção social dos
trabalhadores independentes e
economicamente dependentes
com o regime dos
trabalhadores por conta de
outrem. Raquel Martins com
Alexandra Campos e Natália
Faria
percentuais por ano”, o que significa
fazer o desagravamento em apenas
três anos: primeiro, com a taxa a pas-
sar para 19%, depois para 17% e, por
último, para 15%.
Neste momento, as micro, peque-
nas e médias empresas (PME) já
pagam uma taxa de IRC de 17% (infe-
rior à taxa geral de 21%) sobre os pri-
meiros 50 mil euros da matéria colec-
tável (para as que estão localizadas
num concelho do interior do país, a
taxa reduzida já é de 12,5% até este
patamar). O documento esclarece
que a redução do IRC terá de ser
enquadrada com a transposição, para
o plano nacional, das regras da refor-
ma internacional, celebrada ao nível
da OCDE e do G20, para criar a nível
mundial um patamar mínimo de tri-
butação dos lucros das grandes mul-
tinacionais de pelo menos 15% (aqui,
os 15% referem-se à percentagem
efectiva da tributação relativamente
aos resultados). Neste momento, Por-
tugal está atrasado vários meses na
transposição da directiva europeia.
Além do desagravamento da taxa
geral, o programa do Governo tam-
bém inclui a ideia de eliminar, “de
forma gradual”, a “progressividade
da derrama estadual [que se aplica às
grandes empresas] e da derrama
municipal em sede de IRC”. Como
esta última espécie de sobretaxa é
uma receita dos municípios, o Gover-
no prevê criar uma “compensação
através do Orçamento do Estado”
para que os municípios não sofram
com a perda. Pedro Crisóstomo
IRS
Baixar IRS, mas sem
calendarizar a descida
O Programa de Governo da coligação
PSD/CDS-PP confirma a intenção da
AD de baixar o IRS nesta legislatura
até ao oitavo escalão de rendimento,
mas não calendariza quando o fará.
O documento estratégico sobre as
principais linhas de acção do execu-
tivo de Luís Montenegro para a legis-
latura apenas repete a promessa do
programa eleitoral de reduzir o IRS
até ao oitavo degrau (só o último esca-
lão fica de fora), “através da redução
de taxas marginais entre 0,5 e 3 pon-
tos percentuais face a 2023, com enfo-
que na classe média”. Mas, ao contrá-
rio do caderno com que a AD se apre-
sentou às legislativas, que previa
aplicar esta e outra medida na área do
IRS no horizonte de 2024, 2025 e
2026, isto é, nos três primeiros anos
da legislatura, o programa do Gover-
no nada diz em relação ao prazo de
execução da descida do imposto, com
um impacto estimado pela AD em
2000 milhões de euros. Não se sabe,
por isso, se o Governo pretende avan-
çar com a redução já em 2024, como
a AD prometeu fazer. Para a redução
fiscal avançar, o desagravamento terá
de ser aprovado no Parlamento.
Neste ano, os contribuintes já têm
um alívio fiscal, trazido pela descida
das taxas até ao quinto escalão e uma
actualização do patamar do chamado
“mínimo de existência”, a regra que
permite uma isenção total ou parcial
do imposto para quem ganha menos.
Com a actualização dos limites dos
escalões em 3%, o Governo de Costa
estimava a redução das medidas em
1327 milhões de euros, com o impac-
to a ser maior entre quem ganha men-
salmente entre 1500 euros e 2000
euros brutos. Outra promessa eleito-
ral da AD que aparece confirmada no
Programa de Governo é a ideia de
isentar de contribuições sociais e de
IRS os prémios de desempenho dos
trabalhadores até um determinado
valor (“até ao limite equivalente de
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 7
um vencimento mensal”). Mas tam-
bém em relação a esta medida o docu-
mento não detalha o calendário de
execução, ao contrário do plano elei-
toral, que a incluía no leque de ideias
a implementar já a partir de 2024, a
par da redução do IRS.
Além da redução dos escalões e da
criação de um incentivo à atribuição
de prémios salariais através da isen-
ção fiscal do valor (na totalidade ou
em parte, consoante a dimensão do
salário e do prémio), o Governo quer
também reformular a medida do IRS
Jovem. Tal como previsto na campa-
nha, Montenegro quer reduzir o IRS
dos jovens até aos 35 anos em “dois
terços” face às taxas de 2023, para
que a taxa máxima de IRS seja de 15%,
“com excepção” dos jovens que
tenham um nível salarial mais alto,
“do último escalão de rendimentos”.
Outra medida confirmada no progra-
ma passa por tornar obrigatório, atra-
vés de lei, que todos os anos haja uma
actualização dos limites dos escalões
do IRS e das “tabelas de retenção em
linha com a inflação e o crescimento
da produtividade.” P.C.
Fundos
“Prémio” para gestores
que voltem à escola
No que toca aos fundos europeus, o
Programa de Governo repete quase a
papel químico aquilo que já constava
do programa eleitoral da coligação
AD, apresentado em Fevereiro. Des-
taca-se a vontade em reformar o sis-
tema dos fundos europeus, prome-
tendo-se “aumentar a transparência”
na atribuição de fundos, uma “Æsca-
lização rigorosa” e encontrar uma
solução com a banca comercial e o
Banco de Fomento para “ceder liqui-
dez gratuita” aos beneÆciários de
apoios europeus quando o pagamen-
to esteja atrasado. E até levanta a
hipótese de majorar o apoio a empre-
sas se os gestores frequentarem for-
mação em escolas de negócios.
O Governo propõe “acelerar a exe-
cução da componente 5 do PRR, em
especial a que se refere à transforma-
ção estrutural da economia através
das agendas mobilizadoras para a
inovação empresarial”. Propõe tam-
bém “acelerar a execução da compo-
nente 11 do PRR, relativa à promoção
e apoio Ænanceiro aos projectos plu-
ridimensionais que promovam a neu-
tralidade carbónica”. Nesta lógica de
compromisso de velocidade, o exe-
cutivo nomeia ainda a meta de “ace-
lerar a componente 16 do PRR, focada
na transição digital do tecido empre-
sarial (aceleradoras do comércio digi-
tal e bairros comerciais digitais)”.
Há ainda referência à necessidade
de “acelerar” outras componentes,
como a Cultura ou a Economia do
Mar, mas um parágrafo resume esta
ideia de celeridade, ligando-a a outra
que surge em grande foco: a Æscali-
zação.
O executivo quer ainda a “capaci-
tação dos gestores, em parceria com
as escolas de negócios nacionais”.
Para os ajudar, é preciso que quem
está a gerir saiba aproveitar as ajudas
e para tal é preciso “aumentar a capa-
cidade dos gestores nacionais”. Esta
formação deve passar por “progra-
mas desenhados à medida, com um
pendor prático forte, com partilhas
de casos e modelos de gestão” — aqui-
lo que as escolas já fazem hoje. Mas
“esta medida será de cariz facultati-
vo”, diz o Governo, e “poderá resultar
na majoração dos incentivos relacio-
nados com os fundos”. Uma espécie
de “prémio” às empresas cujos ges-
tores tenham regressado à escola.
Victor Ferreira
Cultura
Rever o preço do livro,
democratizar o acesso
No capítulo das políticas culturais são
poucas as novas medidas concretas
a somar às que já surgiam no manifes-
to eleitoral da AD. Uma delas é a gra-
tuitidade do acesso a museus e monu-
mentos nacionais para jovens até aos
25 anos. Promete-se ainda “corrigir o
Estatuto dos Profissionais da Cultura”
e “revisitar a Lei do Preço Fixo do
Livro, promovendo mecanismos de
apoio a livrarias e editoras indepen-
dentes”, e pondera-se também isen-
tar de tributação os livros em arma-
zém, para evitar o seu abate.
Comparando o programa eleitoral
e o Programa de Governo, as mudan-
ças mais signiÆcativas estão na rasu-
ra de uma retórica conservadora e
identitária simpática ao Chega e, ao
mesmo tempo, na mitigação do tom
de ruptura com o legado socialista.
O documento anterior acusava o PS
de não ter cuidado “do património e
dos museus como elementos essen-
ciais para a preservação (...) da his-
tória e da identidade de Portugal” e
exigia “uma mudança no paradigma
da criação artística”. Tudo isto desa-
pareceu. E se permaneceu o desígnio
de celebrar os 900 anos da Batalha
de São Mamede, agora acrescentam-
se-lhe os 500 anos de Camões (des-
curados pelo executivo anterior) e o
centenário de Carlos Paredes.
A democratização surge agora
como um dos eixos programáticos
mais fortes, apontando o alargamen-
to das actividades culturais “a todos
os segmentos da população”. Já as
intenções de “mapear a totalidade do
território (...) e deÆnir uma estratégia
nacional para apoiar e estimular pro-
jetos de inventariação, criação, cir-
culação e mediação artística”, ou de
“criar um programa nacional de
apoio a estruturas de programação,
residência, incubação e criação inde-
pendentes”parecem ignorar a exis-
tência da Direcção-Geral das Artes,
da Rede de Teatros e Cineteatros ou
da Rede Portuguesa de Arte Contem-
porânea. Luís Miguel Queirós
8 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Destaque Programa do Governo
OE e outras leis
“Chega mostrará
nas negociações
se é confiável ou não”
Hugo Soares Líder parlamentar do PSD garante que vai “falar
com o Chega também para viabilizar o OE” e acusa PS de
“hipocrisia política” ao exigir à AD medidas que não quis aplicar
Hora da Verdade
Helena Pereira
e Susana Madureira Martins
(Renascença) Texto
Rui Gaudêncio Fotografia
H
ugo Soares, líder
parlamentar do PSD, acusa
o PS de Pedro Nuno Santos
de “esquizofrenia política”.
Em entrevista ao PÚBLICO/
Renascença, o social-demo-
crata insiste que o PSD vai querer
negociar com todos os partidos,
embora faça mais pontaria ao PS.
Vai ser um dos pontas-de-lança
das negociações entre a nova
maioria e as oposições. Vai ser o
polícia bom ou o polícia mau?
Mais do que o polícia bom ou o
polícia mau, nós devemos ser os
construtores de pontes de diálogo
com um único objectivo de
encontrar as soluções para os
problemas das vidas das pessoas.
Esta semana foi eleito
presidente do grupo
parlamentar. Já sabe quais são
as primeiras iniciativas que o
grupo parlamentar vai
apresentar?
O grupo parlamentar do PSD
apresentará e dará corpo também
às iniciativas legislativas que devem
concretizar o Programa do
Governo. É evidente que são as
questões ligadas à protecção do
Estado Social, a saúde, a habitação,
que são sectores absolutamente em
crise, todas as questões ligadas à
Æscalidade. Devemos proporcionar
aquilo que os portugueses
merecem e têm efectivamente
direito, seja no acesso à saúde, seja
na qualidade da escola pública, seja
no acesso à habitação, seja até nos
salários dos trabalhadores que
exercem funções públicas. Há
[trabalhadores de] demasiadas
carreiras em protesto porque se
sentem desvalorizados,
desmotivados.
E é possível responder a essas
carreiras de que está a falar? Em
que prazo? Até ao Verão, como
propõe o líder do PS?
Quem ouve o líder do PS, deve-se
perguntar como é que este propõe
que até ao Verão se resolvam várias
necessidades de várias carreiras
quando nos últimos oito anos
esteve num Governo que não as
resolveu. Há aqui uma espécie de
esquizofrenia política. É algo que
raia até alguma hipocrisia política.
Tenho a certeza absoluta que os
portugueses acharão, no mínimo,
estranho. Ora, isto não signiÆca que
nós iniciemos desde já, como já foi
anunciado, as negociações com
vários sectores de actividade da
administração pública.
Então, provavelmente, essa
solução só será vertida no
próximo Orçamento do Estado...
Não estou a dizer que será no
próximo Orçamento do Estado. O
que eu estou a dizer é que, em
primeiro lugar, é preciso fazer essa
negociação. E, em segundo lugar, é
uma matéria que compete ao
Governo decidir como é que a pode
resolver. O PS tem aÆrmado que
está disponível para aprovar um
orçamento rectiÆcativo, mas de
quem é o orçamento que está em
vigor? É do PS. Pedro Nuno Santos
propõe-se, como se nada fosse,
aprovar um rectiÆcativo quando
devia estar a pedir desculpa aos
portugueses porque tinha um mau
Governo, tinha um mau
orçamento.
No dia 29 de Março deu uma
entrevista à CNN em que,
questionado sobre se o bloqueio
no Parlamento empurrava o
PSD para negociações com o PS,
respondeu que a AD devia
dialogar com todos os partidos,
em especial com o PS. A AD
devia dialogar em primeiro
lugar com o PS ou com “todos,
todos”? Em que é que ficamos?
A responsabilidade pela
estabilidade governativa cabe, em
primeira linha, ao Governo. A
responsabilidade maior cabe
sempre ao maior partido da
oposição, que é o PS. O PS deve ser
chamado à razão, à
responsabilidade, para garantir
também a estabilidade política. Não
estamos a pedir ao PS que governe
com o Governo. Mas pede-se ao PS
que tenha um juízo construtivo.
Respondendo à pergunta, é mesmo
com todos, todos, todos. Eu quero,
enquanto líder parlamentar, falar
com todos os grupos parlamentares
para poder resolver a vida das
pessoas. Tanto dialogarei com o
Chega como com o Bloco de
Esquerda, com a Iniciativa Liberal,
com o Partido Socialista, com o
PAN ou com o Livre.
Acha possível, então, convencer
o Chega a votar a favor do
próximo Orçamento de Estado?
Acho possível convencer todos, se
for um bom Orçamento.
A AD quase não fala do Chega.
Não apela mais à colaboração do
Chega porque aconteceu o que
aconteceu com a eleição do
Presidente da Assembleia da
República?
Não, a AD fala com todos.
O Chega é um parceiro
confiável? colocar-se contra. Nós queremos
Nós vamos falar com todos. Chamo usar um Serviço Nacional de Saúde
a atenção para a responsabilidade forte, que seja a base do Sistema
especial do PS ,por ser o maior Nacional de Saúde, mas que tenha a
partido da oposição e pelos deveres complementaridade do sector
históricos que tem do ponto de social para podermos ter
vista da nossa democracia. Não
signiÆca que eu não entenda que o
Há no PS uma rapidamente um programa de
emergência que procure assegurar
PSD, no Parlamento, deva falar com espécie de a medicina familiar a todos os
o Chega também para viabilizar o
Orçamento do Estado e outros esquizofrenia portugueses e que permita
recuperar o tempo de atraso brutal
instrumentos legislativos.
Mas depois do que aconteceu
política nas consultas e nas cirurgias.
Alguém está contra isto?
com a eleição do presidente da O PS não acompanha. O Chega,
AR, o Chega é um partido talvez...
confiável para se negociar? Nós vamos falar O PS vai ter que dizer isso. Vai ter
Creio que o Chega, nas negociações
que nós teremos que fazer, com todos [sobre que dizer que prefere que as
pessoas não tenham médico de
mostrará se é conÆável ou não,
consoante aquilo que forem as
OE]. Chamo a família ou que não tenham uma
cirurgia ou uma consulta a tempo
negociações e as posições que vai
assumir.
atenção para a porque acham que só o Estado é
que pode prestar o cuidado. As
Da forma como se tem responsabilidade mesmas questões que se colocam
comportado agora, ainda não
formulou um juízo? especial do PS, ao PS colocam-se aos outros
partidos.
Estamos a iniciar a legislatura,
ainda não houve uma medida
por ser o maior Há risco de coligações negativas
no Parlamento?
legislativa aprovada. Porque é que
não haveremos de construir
partido da oposição Para isso acontecer, é preciso que
Chega e PS se juntem.
maiorias para resolver os Seria contranatural ou
problemas da vida das pessoas? Nós
queremos recuperar o tempo de Eu não sou dado improvável?
Creio que é altamente
serviço dos professores. É um
compromisso eleitoral. Algum a teorias da contranatural e muito improvável.
Mas eu não digo que não possa
partido no Parlamento está contra?
Eu ainda não ouvi ninguém a
conspiração acontecer, eu já vi de tudo.
A baixa de IRC, de que o PS

discorda, poderá ser feita em lei
autónoma ou no OE?
Vamos voltar quase ao início da
nossa conversa. A diminuição do
IRC é uma proposta do programa
eleitoral da Aliança Democrática e
assumimos os nossos
compromissos porque é assim que
também se recupera o prestígio das
instituições. Há um propósito na
descida do IRC. Em primeiro lugar,
é tornar a nossa economia mais
competitiva, precisamos de captar
investimento estrangeiro para criar
riqueza e pagar melhores salários.
Em 2013/14, Æzemos um acordo
com o PS para descer o IRC e a
receita [Æscal] aumentou porque a
economia cresceu mais. Portanto,
creio que é uma medida essencial.
Então, essa descida pode ser
apresentada em separado?
Não extrapolem das minhas
palavras aquilo que eu não estou a
dizer. Já que estamos a falar do PS,
o PS vai fazer depender do IRC
aprovar ou chumbar um
Orçamento do Estado que pode
terminar ou não o Æm de uma
legislatura?
O PS já veio dizer que é contra a
privatização total da TAP e
avisou que não iria apoiar no
Parlamento uma opção desse
género. Portanto, qual será o
modelo de privatização da TAP
RUI GAUDÊNCIO
que defendem e vão aprová-lo
com quem?
Sobre a TAP, já conheci todas as
posições ao PS. Mas qual é o
interesse de algum investidor
entrar para o capital social da TAP,
se não for para ter uma maioria que
lhe permita gerir e administrar a
empresa? Vamos fazer essa
discussão. Não devemos
dramatizar estas coisas.
Luís Montenegro tem defendido,
ainda como líder da oposição, o
referendo à eutanásia. Essa
ainda é uma possibilidade?
Não consta do programa eleitoral,
não consta do Programa do
Governo, não é uma questão que se
coloque em cima da mesa. Estamos
à espera de uma decisão do
Tribunal Constitucional sobre essa
matéria e depois da decisão do
Tribunal Constitucional o Governo
tomará uma posição.
Mas a questão do referendo à
eutanásia pode ser suscitada,
não pelo grupo parlamentar do
PSD, mas por outro...
Se o PSD vier a ser confrontado
com essa posição, terá uma
posição. Neste momento, não está
confrontado com ela.
Será a posição do líder do PSD
ou haverá liberdade de voto?
O PSD sempre teve liberdade de
voto nessas matérias.
Passos Coelho de volta?
“Não há risco nenhum
de o PSD mudar de liderança”
Como é que viu os elogios de
Pedro Passos Coelho a André
Ventura esta segunda-feira,
felicitando o líder do Chega pelo
bom trabalho que tem vindo a
fazer na Assembleia?
Confesso que nem sequer tinha
conhecimento desses elogios. Se é a
opinião de Pedro Passos Coelho,
acho muito bem que a tenha
exteriorizado. Sem problema
absolutamente nenhum.
Não causa desconforto à
direcção do PSD?
Não causa desconforto
absolutamente nenhum. Não é a
primeira vez que André Ventura se
aproveita de algumas declarações
de Pedro Passos Coelho para dizer:
“Estão a ver? Até Pedro Passos
Coelho concorda connosco.” Faz
parte do jogo político e do jogo
partidário por parte de Ventura.
Mas Passos Coelho deixou o
conselho de que gostaria que o
PSD se entendesse com o Chega...
Ele não disse isso assim. Não falou
em partidos. No fundo, o que Pedro
Passos Coelho quis dizer não é mais
do que aquilo que eu aqui disse: que
estou disponível para, na dialéctica
parlamentar, dialogar com todos os
partidos.
Acha normal que um ex-líder e
ex-primeiro-ministro venha,
uma semana depois da tomada
de posse, falar desta forma do
Chega, no que pode ser visto
como uma tentativa de
pressionar o PSD a aproximar-se
mais do Chega do que olhar só
para o PS e pressionar só o PS?
Quem viu as coisas assim foram os
olhos de quem quis ver assim.
Não acha que isso enfraquece o
actual primeiro-ministro?
Mas enfraquecer o primeiro-
-ministro porquê? Não queiramos
ver coisas onde elas não existem.
Acha que não há o risco de
Passos Coelho querer liderar o
PSD se Montenegro não
conseguir aprovar o seu OE ou
haver algum golpe interno?
Em primeiro lugar, estou
absolutamente convencido que o
Orçamento do Estado será
aprovado em negociação, em
diálogo com todos os partidos que
têm assento parlamentar. Não, não
há risco absolutamente nenhum de
o país mudar de primeiro-ministro
nem o PSD de liderança. Isso não
existe. Isso é outra efabulação. O
PSD terá eleições brevemente
porque acaba o mandato [do actual
presidente] e qualquer candidato se
pode apresentar. Não me parece
que seja razoável, atendendo às
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 9
circunstâncias conhecidas. O
presidente do PSD ganhou todas as
eleições em que participou como
líder do partido.
Como é que interpreta as buscas
na Câmara de Cascais no dia em
que o Governo apresenta o
Programa do Governo?
Essa pergunta deve ser feita ao
Ministério Público e à Polícia
Judiciária. Eu não sou dado a teorias
da conspiração. Respeito muito os
tempos autónomos das
investigações criminais, é assim que
deve ser. Dir-me-á, mas gostaria que
não tivesse sido hoje porque o
Governo estaria a passar melhor as
medidas que quer aprovar para
mudar a vida das pessoas? Ah, claro
que gostaria. Agora, não sou eu que
tenho o poder da investigação
criminal em Portugal.
Há outro inquérito que também
está aberto e que visa o
primeiro-ministro por causa da
sua casa em Espinho. Estão com
alguma ansiedade, à espera que
o Ministério Público tome uma
decisão?
Não, nenhuma ansiedade. Devemos
ter consciência do seguinte: quando
um inquérito é aberto, é sinal que a
Justiça está a funcionar. Muitas
vezes, no curso da investigação, há
até a constituição de arguido. E
depois o Ministério Público decide
ou arquivar ou acusar. Isto é o
funcionamento da Justiça.
Se o primeiro-ministro for
constituído arguido neste caso
que consequências políticas
haveria?
Tem que perguntar ao
primeiro-ministro. Vivemos um
tempo em que nos estamos todos a
deixar condicionar
demasiadamente por aquilo que é o
Vivemos um tempo
em que nos estamos
a deixar condicionar
demasiadamente
por aquilo que
é o normal
funcionamento
das instituições
da Justiça
normal funcionamento das
instituições. É a Justiça a funcionar.
Como é que o grupo parlamentar
do PSD vai votar o projecto de
instalação de comissão de
inquérito parlamentar ao
designado “caso das gémeas
brasileiras” e que envolve o
Presidente da República?
Há uma predisposição do Chega
para apresentar uma comissão de
inquérito. Atendendo àquilo que
foram as audições já realizadas em
sede de Parlamento na anterior
legislatura, face àqueles que foram
os conhecimentos públicos já
prestados por vários intervenientes,
mas sobretudo àquilo que é uma
investigação em curso por parte do
Ministério Público, o PSD será
contra a instalação dessa comissão
de inquérito. Se ela vier a acontecer,
o PSD participará nos trabalhos da
comissão parlamentar de inquérito.
Vai indicar deputados?
É evidente. Nós somos
institucionalistas e respeitamos as
decisões do Parlamento. Esta
nossa posição não signiÆca que
achemos que não há matérias que
devem ser esclarecidas. Parece-me
evidente que há contradições no
que diz respeito a membros do
Governo do PS.
Só vê contradições nos membros
do PS?
Sim, eu não vi mais contradições
absolutamente nenhumas.
Admite que o Presidente da
República seja chamado a
responder por escrito a algumas
questões?
Eu creio que o Presidente da
República foi absolutamente claro.
Se houver questões que devem ser
formuladas ao Presidente da
República, que sejam. É o normal é
o funcionamento das instituições.
Não vejo nisso nenhum drama.
Agora, o meu entendimento é que
não se justiÆca uma comissão
parlamentar de inquérito porque
está a decorrer uma investigação no
Ministério Público. E nós devemos
ter cuidado na banalização do
instrumento do inquérito
parlamentar.
A ideia que há é que o PS não
quer a comissão de inquérito
para proteger membros do
Governo Socialista e o PSD para
proteger o Presidente da
República...
Do meu lado, recuso liminarmente
essa ideia. Em primeiro lugar, o
Presidente da República não precisa
de que ninguém o proteja. É o mais
alto magistrado da nação é um
cidadão à margem dos partidos.
10 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024

Espaço público

Um programa, um Governo, uma minoria

A
os poucos, o Governo vai
Editorial revelando a sua face,
embora ainda falte muito
para saber quando a vai
destapar de vez. Faltam
prazos, falta perceber o ritmo, falta
entender até onde irá em certas
David Pontes políticas que defende e, acima de
tudo, falta perceber com maior
clareza junto de quem pretende
conseguir condições de
governabilidade.
O cenário político inédito justifica
muitas cautelas e poucas certezas e a
apresentação, esta quarta-feira, do
programa do XXIV Governo
Se o PS fosse o escolhido, Constitucional não foge desse roteiro
em que, por um lado, o executivo
o método teria de ser tem de mostrar que avança resoluto,
diferente do de repetir o mas que, por outro, não compromete
mantra papal do ‘todos, demasiado as suas possibilidades
todos, todos’, que no futuras de compromisso.
Como é natural, o programa
fundo signiÄca apresentado é em grande parte um
‘ninguém, ninguém, decalque do programa eleitoral da
ninguém’ Aliança Democrática. Foi com isso
que conquistou um pouco mais de
eleitorado do que o PS e é para o pôr
de pé que é suposto governar. Um
programa razoavelmente centrista,
com uns pozinhos de liberalismo,
nomeadamente na promessa de
baixar impostos, mas que não coloca
em causa o papel central do Estado e
que contém uma série de medidas
que procuram satisfazer o grande
leque de reivindicações que as
diferentes corporações da função
pública querem ver atendidas. Com
os alertas do Conselho das Finanças
Públicas ainda a zunir nos ouvidos,
Luís Montenegro sabe que não pode
ir longe de mais se não quiser
sacriÆcar a herança mais sólida que o
PS deixou, a das “contas certas”.
Como se costuma dizer no futebol,
muito vai depender da
“intensidade”.
Mas a nota principal que o
Governo quis passar na
apresentação do documento foi a da
sua abertura às propostas de outros
partidos, com a ideia de integração
de mais de 60 propostas vindas dos
programas eleitorais de outras
forças políticas. Como é bom de ver,
a maior parte delas não tem grande
substância e o facto de mais de
metade provir do programa do PS
não sustenta a ideia de que ele é o
interlocutor privilegiado, antes
reÇecte o facto de serem os dois
partidos que têm mais proximidade
programática.
Se o PS fosse o escolhido, o método
teria de ser diferente do de repetir o
mantra papal do “todos, todos,
todos”, que no fundo signiÆca
“ninguém, ninguém, ninguém”. Há
Governo, já tem um programa, mas
continua a ser uma minoria no
Parlamento que precisa de mais do
que invocar as “responsabilidades”
da oposição. Para comprometer
alguém com essa responsabilidade,
Luís Montenegro também vai ter de
se comprometer com alguém e ainda
não foi com o programa que o fez.

CARTAS AO DIRECTOR
As forças vivas
Preocupa-me viver num país que se
orgulha do progresso, de que foi
capaz e daquele que deu ao mundo
e que, nos últimos tempos, parece
andar para trás. E não estou a falar
de PIB ou rankings, estou a falar de
direitos fundamentais. Anos a Æo a
lutar pela liberdade e garantias das
pessoas, e em que se conÆa na
vontade e bom senso das pessoas e
que estas sabem aquilo que querem
para si mesmas. Exemplos? A
despenalização da IVG não obriga
ninguém a abortar, mas dá essa
hipótese. O Æm do Serviço Militar
Obrigatório não proíbe ninguém de
ingressar nas Forças Armadas, só
não obriga. Andam a querer fazer
das pessoas estúpidas ao dar
entender o contrário. Não podemos
aceitar e os dados estão com os
progressistas. Os factos não podem
ser maquilhados. Factos são factos.
Passos Coelho quer apanhar a
boleia de um milhão de pessoas que
votaram no Chega e ainda dos que,
dentro do PSD, ainda o idolatram.
Quer aparecer como a grande Ægura
da direita, num tempo em que o
extremismo está em força e já tem
os olhos postos nas presidenciais.
Pedro Perdigão, Lustosa
A bola amarela
e o cancelamento
de Portugal
Tivéssemos algum brio como povo e
não nos falhariam as palavras de
Fernando Pessoa sobre a bandeira
nacional da República: “E o regime
está, na verdade, expresso naquele
ignóbil trapo que, imposto por uma
reduzidíssima minoria de
esfarrapados morais, nos serve de
bandeira nacional — trapo contrário
à heráldica e à estética, porque duas
cores se justapõem sem intervenção
de um metal e porque é a mais feia
coisa que se pode inventar em cor.
Está ali contudo a alma do
republicanismo português — o
encarnado do sangue que
derramaram e Æzeram derramar, o
verde da erva de que, por direito
mental, devem alimentar-se.”
O alcance, o sentido do logótipo
encolhido escapará aos ingénuos. A
nódoa amarela é ideológica – aliás,
religiosa. É por isso que a reversão
causa tanto rasgar de vestes e ranger
de dentes. A índole é candidamente
declarada no manual de aplicação
da identidade visual do governo da
República. O ovo estrelado, a bola
amarela, o pompom (consoante a
interpretação) é mais “inclusivo,
plural e laico”.
Traduzindo, o escudo com as
armas de Portugal, o último vestígio
iconográÆco de um país antigo, é
“fascista”. Sobretudo — deduz-se —
nas suas referências cristãs. A
história, a identidade, a cultura de
Portugal são intrinsecamente
“intolerantes” e “excludentes”.
Devem ser canceladas, abolidas e
substituídas por uma mixórdia mais
“inclusiva” e amarelóide. Só assim
se abrirá alas para algo que ninguém
sabe o que é — como diz Graça
Castanheira, “um mundo nunca
antes praticado” — mas não faz mal,
porque essa nulidade é o Futuro e o
Progresso. O jacobinismo é a
religião da maioria e a bola amarela
a declinação de um dos credos
fundamentais do regime: “E do
passado façamos tábua rasa!”
Acontece que neste gesto anulatório
se encontra a raiz do terror e do to-
talitarismo, como ilustra abundan-
temente a história. A bola amarela
manifesta concisamente a autêntica
ameaça fascista do presente.
Manuel Ribeiro do Vale, Lisboa
Guerra e civilização
Todos queremos um SNS mais
abrangente e desenvolvido, e por
ele lutamos, mas uma guerra
estoira-o num instante, todos
lutamos por uma bom sistema de
ensino, mas uma guerra facilmente
destrói as escolas e a vida das
crianças e jovens que lá estejam
dentro; temos orgulho nas nossas
grandes obras públicas, nos
monumentos, nas estruturas
viárias, mas nada disto resiste a
bombas convencionais ou
nucleares; defrontamo-nos no
presente com o vital problema de
assegurar a preservação ambiental,
mas uma guerra é um factor que
agravará clamorosamente a crise do
ambiente; e alguém duvidará de
que a carência de habitações
acessíveis com uma guerra se
exponenciará, gerando a
degradação das condições de vida?
E se, mesmo constitucionalmente, o
direito à vida humana é inviolável,
será que não é crime admitir a
morte ou a incapacitação
decorrentes de uma guerra?! E se
todos têm direito a constituir
família, como poderá conceber-se
uma guerra que pode matar os
nossos Ælhos, pais, irmãos, cônju-
ges?! Por tudo isto se conclui que a
guerra é a antítese da civilização, é
um regresso à barbárie. Basta ver o
que se passa em Gaza. Porque é que
agora as grandes potências tanto
falam em guerra? Só os produtores
de armamento agradecem.
António Reis, Vila do Conde
O PÚBLICO ERROU
Na edição de ontem, no artigo
intitulado “Filhos de fundadores
da Frelimo disputam liderança”,
escreveu-se que Venâncio
Mondlane é Ælho de Eduardo
Mondlane. No entanto, apesar de
partilharem o mesmo apelido, os
dois não têm relação
de parentesco.

As cartas destinadas a esta secção têm de ser enviadas em exclusivo para o PÚBLICO e não devem exceder as 150 palavras (1000 caracteres). Devem indicar o nome, morada e contacto
telefónico do autor. Por razões de espaço e clareza, o PÚBLICO reserva-se o direito de seleccionar e editar os textos e não prestará informação postal sobre eles cartasdirector@publico.pt

ESCRITO NA PEDRA E já vais com sorte
A integridade
sem o saber é Ainda ontem
fraca e inútil,
enquanto que o
saber sem a
integridade é
A
perigoso e Miguel Esteves Cardoso
terrível Samuel persuasão é fascinante porque é
através dela que o ser humano
Johnson, escritor tenta aniquilar as preciosas
primeiras impressões que todos
recebemos sempre que nos
fazem alguma, ou nos acontece
O NÚMERO qualquer coisa.
750
As primeiras impressões fornecem-nos,
através de uma intuição imediata, os dados de
que precisamos para uma primeira reacção:
uma explicação do que aconteceu e uma
sugestão de como devemos reagir.
A persuasão destina-se a destruir esse
plano de acção, denegrindo-o por ser
intuitivo, e substituí-lo por uma alternativa
que é apresentada como mais útil, mais
Comer mais peixe forrageiro, sensata, e mais civilizada.
como sardinha, anchovas e aren- Por alguma razão, é tão frequente
que, e menos carne vermelha protestarmos: “Não devia ter dado ouvidos ao
pode salvar até 750 mil vidas até Jesuíno! Deveria ter feito o que me apetecia
2050, diz estudo japonês fazer!”
ZOOM FAIXA DE GAZA
Palestinianos rezam junto às ruínas da Mesquita al-Farouk, em Rafah, no meio do conflito entre Israel e Hamas
Parece mal dizê-lo, mas pensar muito numa
coisa produz sempre uma ementa
interminável de incertezas. Longe de afastar
quaisquer dúvidas, atrai todas aquelas que se
encontram na vizinhança.
Aqui, quando alguém acha que foi
injustiçado ou mal servido, a pessoa que o
serviu mal não resiste à piada cruel — até por
conter sempre um pingo de verdade — que é
rematar a injustiça com um sentido “e já vais
com sorte!”
É cruel e cobarde, porque também procura
persuadir, não vá o injustiçado reagir mal (isto
é, instintivamente) e espancar o injustiçador.
“Tomá lá um rebuçado!”, diz o distribuidor
paternalista à criancinha que está pendurada
no muro, a olhar para o jardim dos meninos
ricos, onde decorre uma festa de aniversário.
A criancinha arrisca que também quer uma
(jornalista de dados); Ruben Martins, Inês Rocha (áudio); Joana Bougard (editora
fatia de bolo, mas o adulto interrompe o
trajecto do rebuçado e pergunta: “Queres ou
não queres?”
(subeditor), Ana Sá Lopes, São José Almeida (redactoras principais), Ana Bacelar
A criancinha encolhe os ombros e diz que
sim. “E já vais com sorte!”, remata o pai
alheio, já de costas, a ver se reduz o risco de
levar com uma pedrada. A versão inglesa —
Consider yourself lucky — é mais cruel ainda,
Alexandra Campos, Ana Cristina Pereira, Ana Dias Cordeiro, Ana Henriques, Ana
porque é imperativa, instando o pobre-diabo
a considerar. Isto é, a avaliar o desequilíbrio
universal na distribuição das coisas boas,
nesta vida de miséria e de azar.
MOHAMMED SALEM/REUTERS
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Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 11
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12 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Espaço público
Vinicius e José Afonso no calor de um reencontro europeu
Em Público
o disco, Outro Tempo, José Afonso. Autores? José
O
Nuno Pacheco
que têm em comum o brasileiro
Vinicius de Moraes e o
português José Afonso?
Aparentemente, nada. Mas
como “nada não é nada”
(parafraseando José Mário
Branco na sua Carta a J.C.), houve quem
procurasse e encontrasse vários pontos em
comum entre ambos. A história já foi contada
há uns anos, mas vale a pena lembrá-la aqui,
até porque o projecto musical nascido desse
cruzamento, Estrada Branca, está de volta
para quatro concertos em Portugal, o
primeiro dos quais já ocorreu (dia 10, em
Évora), estando os outros marcados para o
CCB, em Lisboa, já nesta sexta-feira (às 21h), o
Cine-Teatro de Amarante (dia 13, às 21h30) e a
Casa da Música, no Porto (dia 14, às 21h).
Começou por uma coincidência temporal:
em 2013, celebrava-se no Brasil o centenário
de Vinicius (1913-1980) com, entre outros, um
espectáculo em trio com a cantora Mônica
Salmaso, o flautista Teco Cardoso e o pianista
e maestro Nelson Ayres; enquanto em
Portugal se preparava um trabalho sobre a
obra de José Afonso (1929-1987) para voz,
Da esfera armilar à “família natural”
E
Cristina Roldão
ra de esperar que os resultados
das últimas eleições, pelo que
elas mostram de crescimento e
reconÆguração da direita,
Æzessem ressurgir no espaço
público o que de mais
reacionário existe na sociedade portuguesa.
A recente mudança no logótipo do Governo
português, com a reintrodução da esfera
armilar, das quinas e castelos — símbolos de
uma identidade nacional que se quer que
continue a ser construída contra o islão e a
partir da gloriÆcação da expansão colonial
— é disso exemplo, assim como o recente
livro Identidade e Família e a apresentação
do mesmo por Passos. Figuras de peso da
direita conservadora servem-nos um
“rancho” de ideias regressivas que são um
piano e quarteto de cordas, que daria um
Pedro Gil e Emanuel de Andrade. Ora, neste
trabalho, a título de convidados, participaram
Mônica Salmaso e o seu marido, Teco
Cardoso, ela a cantar em Menino do bairro
negro e Canção de embalar e ele como Çautista
em Era um redondo vocábulo.
Foi nessa altura que José Pedro Gil se
interrogou: porque não pôr os dois
cantautores, representando uma parte da
cultura de ambos os países, em confronto?
Entusiasmado, desaÆou Carlos Tê (letrista e
escritor, conhecido parceiro musical de Rui
Veloso), pensando que seria a pessoa indicada
para os ajudar a escolher um repertório. Este
estranhou a ligação proposta e foi Mônica
Salmaso que acabou por convencê-lo, numa
viagem de Tê a São Paulo. Mergulhou, então,
no tema e acabou por Æcar
“impressionadíssimo”, pondo-se a pesquisar
“o que é que aquelas duas entidades andaram
a fazer ao mesmo tempo, em cada um dos
respectivos países”, como disse ao PÚBLICO
em 2019. O resultado foi uma tábua
cronológica cruzando a vida e obra de ambos,
que veio a ser publicada num LP duplo
lançado em 2019, bem como nos programas
dos espectáculos desse ano. O disco foi
gravado ao vivo em Portugal em 2017, nos
concertos de estreia do projecto (Porto, Sintra
e Lisboa), que em 2019 voltou aos palcos
portugueses, de novo em Lisboa (no São Luiz
e ainda na Fábrica Braço de Prata) e Porto
(Casa da Música), mas também no Alentejo
(Castelo do Alandroal).
ataque às conquistas das mulheres e das
pessoas LGBTQIA+, como é o caso, entre
outras: da lei da paridade entre homens e
mulheres; legalização da interrupção
voluntária da gravidez; casamento entre
pessoas do mesmo sexo; adoção por casais
do mesmo sexo; direito à autodeterminação
da identidade de género; introdução da
Educação para a Igualdade de Género no
currículo de Cidadania e Desenvolvimento.
Um dos aspetos a realçar da apresentação
do referido livro é o que ela nos permite
pensar sobre a estratégia do PSD para os
próximos tempos. Se Montenegro diz que
“não é não”, Passos Coelho opta por tornar
público que “há pessoas que se começam a
maçar desse teatro” de separação entre o
PSD e o Chega. Em troca, o seu antigo
querubim sinaliza publicamente haver
espaço no Chega para apoiar a candidatura
presidencial de Passos Coelho. O ex-líder do
PSD retoma ainda o que havia defendido
num comício da AD, em fevereiro,
escolhendo discutir publicamente a
imigração pelo prisma da segurança,
sabendo bem o que isso significa de
criminalização, racismo e a xenofobia. Na
altura, essas declarações obrigaram
Montenegro a vir a público demarcar-se,
Assinado por José Pedro Gil (voz, piano),
Emanuel de Andrade (piano), Mônica
Salmaso (voz, percussões), Teco Cardoso
(Çautas), Nelson Ayres (piano e acordeão) e
Carlos Tê (dramaturgia), o projecto contou (e
conta ainda) com um quarteto de cordas e
cenograÆa do arquitecto Manuel Aires
Mateus. Todas as apresentações que teve,
desde a estreia, foram em Portugal, mas os
seus criadores estudam ainda a possibilidade
de o apresentar no Brasil, bem como nalguns
palcos europeus.
O disco resultante dos concertos mostra,
pelo alinhamento (o espectáculo tem mais
canções do que as registadas no vinil, já
esgotado), como bem comunicam as canções
de ambos. Começa com Chora coração de
Vinicius de Moraes (VM), seguindo-se As
pombas de José Afonso ( JA), Estrada branca
Estrada Branca é um
exemplo de como as
culturas portuguesa e
brasileira podem
conviver em harmonia,
sem que qualquer delas
perca identidade
mas sem pôr em causa o antigo líder do
PSD. Se Montenegro diz que a lei do aborto
“é um assunto que está absolutamente
arrumado”, Passos Coelho presta-se a
legitimar um livro com várias posições
reacionárias a esse respeito. Há uma fratura
interna expressiva ou andam a jogar em
dois tabuleiros?
Para além da preocupante
reconÆguração da direita e das
consequências para as políticas deste
Governo, há uma outra dimensão a
sublinhar. Neste confronto, os sectores
mais progressistas, para poder defender
conquistas anteriores e confrontar de
forma mais imediata a direita, correm o
risco de reduzir o seu horizonte
propositivo, fazendo concessões em frentes
como: a desconstrução da
heteronormatividade, binarismo e
cisgenderidade; questionamento do
modelo casal e casamento como única via
de organização legítima dos afetos e
cuidado; na historização do patriarcado, do
racismo e da interseccionalidade; num
combate ao racismo que passa por criticar a
gloriÆcação do colonialismo na identidade
nacional. Para combater políticas de
austeridade e liberais de destruição do
(VM), Canção de embalar ( JA), Mulher da erva
( JA), Derradeira Primavera (VM), Era um
redondo vocábulo ( JA), Olha Maria (VM), Os
índios da Meia-Praia ( JA), A casa (VM),
Endechas a Bárbara escrava ( JA), Balada do
Outono ( JA), Odeon (VM), Pau de arara (VM),
Que amor não me engana ( JA), Adeus ó serra da
Lapa ( JA), e fecha com Valsinha, de Vinicius e
Chico Buarque. Um excelente exemplo, entre
outros, de como as culturas portuguesa e
brasileira podem conviver em saudável
harmonia, sem que qualquer delas perca
identidade. Melhor ainda, reforçando-a.
P.S.: Por falar em culturas portuguesa e
brasileira, morreu esta semana João Pedro
Graça, professor e tradutor, que foi
impulsionador e primeiro subscritor da
Iniciativa Legislativa de Cidadãos Contra o
Acordo OrtográÆco de 1990 (ILC-AO), que
também subscrevi por imperativo de
consciência e dever de cidadania. Iniciativa
que a Assembleia da República, como foi
oportunamente denunciado, tratou de
silenciar recorrendo a tudo o que tinha à mão.
Apesar disso, João Pedro Graça não desistiu
de lutar publicamente contra essa aberração a
que polidamente chamaram “acordo” e cujo
préstimo tem sido nulo, além de não
contribuir para o futuro da língua portuguesa
no mundo. João Pedro Graça morreu, mas
não morreu a causa a que dedicou parte da
vida e que continuaremos em sua memória. O
“acordo” é que tarda a morrer, alimentado
artiÆcialmente pelo soro da ignorância.
Jornalista. Escreve à quinta-feira
Estado-Providência e da força da classe
trabalhadora é preciso não secundarizar ou
diluir a igualdade de género e étnico-racial
na luta por melhores condições de vida.
Tomadas de posição como aquelas que
constam no referido livro não são “apenas”
uma guerra cultural ou identitária, uma
distração do que é essencial. Elas reforçam
divisões da sociedade portuguesa, entre
identidades de género e formas de Æliação
afetiva legítimas e ilegítimas, entre grupos
étnico-raciais desejáveis e indesejáveis,
entre mulheres responsáveis e
irresponsáveis, e por aí em diante. Esses
“rótulos e categorias” servem para deÆnir
quem pode ser “legitimamente”
superexplorado e servem também para
restringir quem tem acesso a políticas
sociais, direitos e representação nos mais
variados campos. Esses “rótulos e
categorias” criam “bodes expiatórios”
contra quem se direciona a violência da
desilusão e do ressentimento, deixando
incólumes as raízes e os responsáveis por
tanta desigualdade, violência e
empobrecimento.
Professora ESE-IPS
e investigadora CIES-IUL

Pedro Passos Coelho,
a ascensão e queda de um liberal
Memória
futura
Manuel Carvalho
Ao deixar de ser um liberal
reformista para se
transformar num reflexo da
direita videirinha e arcaica,
fez uma viragem radical
P
edro Passos Coelho é o homem da
direita que a esquerda adora
detestar. O rosto da troika e dos
que queriam ir além da sua cura
punitiva aos portugueses
ameaçados pela bancarrota. O
“mal” encarnado. Durante a sua governação,
ou nos três ou quatro que se lhe seguiram, foi
alvo de um desprezo sustentado pela
incompreensão, o dogmatismo ou pela inveja.
A esquerda, incluindo o PS, nunca quis
reconhecer que o programa de ajustamento
imposto pelos credores internacionais não
resultava de uma opção, mas de uma
imposição que um país à beira do precipício
não tinha condições de contestar. Três anos
depois, o país estava abalado, mas ganhara a
batalha e conseguia uma saída limpa sob a sua
batuta. Mas, hoje, onde está esse Pedro Passos
Coelho? Onde está a sua voz reformista, o seu
apego às liberdades individuais? Não está.
Passos transformou-se num prócere do
arcaísmo da direita radical.
O “passismo” não merecia esta evolução.
Nem Passos esta depreciação. Se o Pedro
Passos Coelho original percebeu a
complexidade dos tempos em que assumiu o
poder e respondeu-lhes com coragem e
determinação, o político que lhe sucedeu é
um fantasma movido pelo calculismo, pelo
cinismo, pela reacção. Já não olha para os
Países Baixos ou para a Estónia, mas para um
modelo salazarento da Pátria e da Família. A
livre iniciativa e o mérito sucumbiram à
ideologia castradora dos “portugueses de
bem”. Hoje, Passos Coelho é um homem
azedo que se inspira nas “bandeiras do
Chega”, como André Ventura tratou de
sublinhar esta semana. Caiu nos braços dos
que tanto o execraram e deixou suspensos
muitos dos que, apesar de tudo, lhe
reconheciam uma ética política e sentido de
Estado.
Um “liberal” a sério olha para o Estado
plenipotenciário e interventivo que a
extrema-direita propõe como uma arma do
conservadorismo dogmático, autoritário e
paralisante. Quem acredita na democracia
liberal não pode ser complacente com os
partidos que na Europa ameaçam a sua
existência com ingerências, por exemplo, na
separação dos poderes. Acreditar que a
libertação da sociedade civil do Estado, a
responsabilidade individual ou a apologia do
mérito se podem encaixar numa doutrina
contaminada pelo saudosismo autoritário,
pelo nacionalismo ou por uma mão visível do
Estado, não é apenas uma incoerência: é uma
impossibilidade. A IL ou o actual PSD
perceberam com meridiana clareza essa linha
de separação.
Da mesma forma, um liberal a sério não
pode ter especiais devoções a valores sociais
cristalizados em ideias que a modernidade, a
cultura e a evolução social meteram no
armário. Dizer que as políticas públicas não
protegeram a família, quer dizer o quê? De
que família estamos a falar? Das uniões de
facto, dos casais homossexuais? Certamente
que não. A apologia das famílias que os
autores do livro apresentado por Pedro
Passos Coelho fazem é a clássica família
tradicional, binária, ungida pelo sacramento
divino, tecida para a vida, orientada para a
procriação e para a reprodução dos valores
tradicionais. Um liberal a sério deixa essas
questões de costumes para a esfera das
opções individuais. Passos Coelho quer que
sejam protegidas e incentivadas pela acção do
Estado em nome de uma moral dominante.
É evidente que o liberalismo de Passos
como primeiro-ministro estava longe do
extremismo libertário, principalmente em
matéria de costumes. Ele era um liberal
moderado e prudente, que tinha em
consideração a natureza conservadora da
sociedade portuguesa. Defendia um
voluntarismo transformador, ainda que a
partir de um quadro de referências herdado
do velho mundo rural onde cresceu. O país
tinha de acreditar que as teias da dependência
O ‘passismo’ não
merecia esta evolução.
Nem Pedro Passos
Coelho esta
depreciação
não eram uma condenação, que o trabalho, a
honra, o sacrifício ou a frugalidade deviam ser
usados para que a realização individual
anulasse as amarras do paternalismo estatal e
criasse uma sociedade mais justa. “Sou um
liberal, sou um homem que acredita na
democracia liberal, sou um reformista porque
sou contra o imobilismo, sou solidário
acredito que a sociedade não pode ser uma
selva com a lei do mais forte”, explicava em
2008. Onde está esse Pedro Passos Coelho?
Talvez houvesse nesses anos anteriores à
crise de 2011 uma pequena semente
ideológica tacanha que hoje explica a
aproximação à direita radical. Ir além da
troika, obrigar os cidadãos a partilhar os
custos da TSU (Taxa Social Única) que
desencadeou a maior acção de protesto dos
portugueses desde o 25 de Abril, a
contestação aos discursos “piegas” ou a forma
natural como explicou a emigração dos jovens
revelavam já um esboço de autoritarismo.
Mas, na época, havia também outra forma
legítima de explicar esse radicalismo:
Portugal só teria a perder se resistisse à
terapia de choque imposta pelos credores
externos. O momento exigia coragem e
resistência. Entre as tentativas vãs da Grécia
para contornar as medidas de ajustamento e a
determinação do Governo de Passos em as
cumprir, não pode haver dúvidas: Passos
estava certo.
Foram, de resto, estas heranças, bem
visíveis na vitória da aliança PàF nas
legislativas de 2015, que criaram um mito em
torno de Passos Coelho. No subconsciente de
muitos portugueses, ele funcionava como
uma reserva da nação, uma prova de que o
país sabe lutar e superar momentos difíceis.
Com o discurso em que de forma
demagógica associou a imigração à
segurança, com o seu apoio à falange
conservadora e católica dos moralistas da
família tradicional, e ainda mais com a sua
abertura a diálogos e partilha de poder entre o
Governo e o Chega, Passos Coelho destruiu
essa sua imagem. Ao deixar de ser um liberal
reformista para se transformar num reÇexo
da direita videirinha e arcaica, fez uma
viragem radical. A direita moderada e
democrática de Carlos Moedas ou Paulo
Rangel deixou de se rever no que ele foi e
tende a recusar o que ele é.
O “novo” Passos Coelho será sempre um
objecto mórbido do interesse dos jornalistas.
Ao transformar-se num empecilho de
Montenegro e ao alimentar a facção
ultramontana da AD, que existe, faz prova de
vida e cria uma facção. Mas perderá para
sempre o capital de simpatia da direita
moderada que elegeu a AD por causa do “não
é não”. Se for candidato presidencial, será em
nome de André Ventura ou dos eleitores
zangados. A bandeira liberal caiu e ergueu-se
a de Diogo Pacheco de Amorim e seus pares.
Do centro da política para a periferia do
radicalismo, foi um passo. Há biograÆas
assim.
Jornalista
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 13
Número doze
Fábrica
de criadas
E
Afonso Cruz
ntrando no vão de escadas onde
iria fazer o aborto, vidas
potenciais, mas que não seriam,
Çoresceram na fantasia da Ana,
como por exemplo uma
hipotética Ælha que correria para
ela ao sair da escola, correria para ela pela
eternidade, porque certos reencontros não
têm natureza temporal, são avessos à
transitoriedade, acontecem na alma e sobem
na vertical, perpendiculares à duração da
vida e ao Çuxo, ilusório ou real, do tempo, e a
par dessas perpendicularidades ternas,
também imaginou os desconcertos do
destino, os que este impõe com a sua farda de
autocrata, imaginou a hipotética Ælha a ser
como ela foi, alheada da atenção materna,
mas depressa corrigiu esse futuro triste,
porque a fantasia, ao contrário da realidade,
permite sempre este artifício, está aberta à
edição, à revisão, por isso a Ana concedeu à
hipotética Ælha uma vida feliz, uma vida que
seria a sua transcendência (como Rilke
chamava aos anjos, seres que nos excedem) e
a levasse pela mão a lugares aonde ela jamais
conceberia. Imaginou a hipotética Ælha a
crescer, a estudar, talvez artes, como ela,
talvez ciências, talvez economia, talvez viesse
a ser ministra, ou talvez não se interessasse
por nada disso e optasse por uma vida rústica,
sossegada, adormecer com o canto das
cigarras, ser auto-suÆciente, plantar couves e
aipo e cebolas, andar com as unhas cheias de
terra (número doze), em vez de verniz, ser
mordida por carraças, oferecer o coração das
meloas às galinhas, dormir a sesta, envelhecer
assim, sempre longe da voragem urbana e da
pressão dum quotidiano sem misericórdia
(número doze!). A Ana voltou a imaginar a
corrida eterna do reencontro, a corrida que
nunca deixa de acontecer, como a que vai do
Ænal das aulas ao abraço materno, em que a
sua Ælha diria mamã, porque é a palavra
original, a primeira, e a Ana diria meu amor,
que haveria de ser também a sua frase
deÆnitiva, pois Æca bem como ponto Ænal:
seriam as suas derradeiras palavras, para
acabar em grande, ou, melhor, para continuar
a existir no ser que a excedia. Número doze!!
Sou eu, disse a Ana. Um homem conduziu-a
por um corredor até chegar a uma porta, a
porta que levaria ao apagamento da fantasia.
Fábrica
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de criadas
AFONSO
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14 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Política Novas regras devem aplicar-se já a partir de hoje
AR vai ter “semáforo” com tempo para
discursar e microfone pode desligar-se
Medida proposta por Aguiar-Branco e pelos vice-presidentes do Parlamento pretende afastar a ideia
de que um partido pode ser beneÄciado ou prejudicado com maior ou menor tolerância da Mesa
Maria Lopes
Depois de muitos anos em que alguns
partidos se queixavam de ser alvo de
menor tolerância por parte do pre-
sidente da Assembleia da República
ou de quem o esteja a substituir, o
plenário vai ter uma espécie de
“semáforo” sobre o tempo que resta
para quem está a falar e o orador
poderá mesmo ter o microfone auto-
maticamente desligado se discursar
15 segundos para lá do tempo que lhe
estava destinado.
Estas novas regras deverão ser já
aplicadas hoje, no primeiro dia da
discussão do programa do Governo,
anunciou o secretário da Mesa, o
social-democrata Jorge Paulo Olivei-
ra, no Ænal da reunião da conferência
de líderes. A nova forma de funcio-
nar foi proposta pelo presidente José
Pedro Aguiar-Branco e pelos vice-
presidentes, disse Jorge Paulo Olivei-
ra, que admitiu que não foi aceite
por unanimidade de todos os parti-
dos, mas que não quis especiÆcar
qual o partido que terá levantado
dúvidas.
No ecrã do relógio digital aparece-
rá uma luz amarela 30 segundos
antes de o tempo terminar, que pas-
sará a vermelha quando o tempo se
esgotar. Haverá depois uma tolerân-
cia de 15 segundos, Ændos os quais o
microfone se desligará automatica-
D
mente, descreveu o deputado.
“A medida visa tão-só evitar que
haja qualquer sentimento de que uns
foram mais favorecidos do que
outros, ou de que o presidente (ou
quem o estiver a substituir) tem
maior ou menor Çexibilidade” con-
soante o partido que está a usar da
palavra, defendeu Jorge Paulo Olivei-
ra. “Não há qualquer objectivo de
coarctar a liberdade de expressão
dos deputados”, fez questão de
garantir. E a medida é para todas as
bancadas, seja dos partidos ou do
Governo.
A medida visa apenas evitar o abu-
so de tempo usado pelos oradores e
não o tipo de discurso que é usado,
insistiu o deputado do PSD.
A conferência de líderes fez os pri-
meiros agendamentos depois da
discussão do programa do Governo.
O ministro dos Assuntos Parlamen-
tares prometeu para dia 15 (próxima
segunda-feira) a entrega do Progra-
ma de Estabilidade 2024-28, que será
depois discutido no dia 24 de Abril.
Os partidos poderão apresentar pro-
Após negas do PS e PSD, Chega avança sozinho
com inquérito ao caso das gémeas
epois de ter ouvido Pedro
Nuno Santos na televisão
afirmar que o PS não
apoiará uma comissão
parlamentar de inquérito (CPI)
ao caso das gémeas que envolve
o Presidente da República, e de
ter recebido um telefonema do
líder parlamentar do PSD, Hugo
Soares, a dizer-lhe que o partido
não acompanharia a iniciativa
porque “não acrescentaria à
descoberta da verdade”, o
presidente do Chega decidiu
avançar com o pedido
potestativo, isto é, obrigatório,
missão.
da constituição da comissão.
Subscrito pelos 50 deputados
do Chega, o pedido de e CPI visa
verificar “da legalidadee e da
áveis
conduta dos responsáveis
políticos alegadamente te
ção
envolvidos na prestação
de cuidados de saúde ea
duas crianças tratadass
com o medicamento
Zolgensma”. O Chega a apontou Ventura. M.L.
esgota assim o seu direito
potestativo até Setembro de
2025.
André Ventura diz-se
estupefacto com a decisão do
PSD, sobretudo porque houve
“dirigentes que foram dizendo
que se devia apurar a verdade”.
E diz que informou o presidente
do Parlamento da mudança de
natureza do pedido. O projecto,
que tem de ser discutido em
plenário, deverá ser agendado
na conferência de líderes da
próxima semana, devendo ir ao
plenário na última semana do
mês.
“Lamen muito a decisão de
“Lamento
PS e PSPSD porque é impossível
não su
suspeitar que esta
atitud face aos elementos
atitude,
que têm sido conhecidos,
ma não é do que uma
mais
te
tentativa de proteger
i
identidades ou
personalidades”,
NUNO FERREIRA SANTOS
Deputados começam hoje
a debater o programa
do Governo ontem entregue
no Parlamento
jectos de resolução propondo alte-
rações ou a rejeição, que serão vota-
dos no dia da discussão.
Do calendário de trabalhos do ple-
nário constam ainda declarações
políticas no dia 17; o primeiro debate
de actualidade, a pedido do Bloco
subordinado ao tema “Muitos quiló-
metros para pouco dinheiro – direi-
tos dos trabalhadores das platafor-
mas”, será no dia 18; e no dia 19 serão
discutidos e votados os projectos dos
inquéritos parlamentares do Bloco
e do PAN sobre a reestruturação
accionista do Global Media Group
(sobre a actuação do regulador, no
caso do BE, e o processo de alteração
da propriedade, no caso do PAN).
Na semana seguinte, além da ses-
são comemorativa dos 50 anos do 25
de Abril nesse dia, haverá, no dia 23,
a discussão da proposta do PCP de
criação de uma comissão de inqué-
rito à privatização da ANA e algumas
petições vindas da anterior legislatu-
ra; e no dia 24 será a discussão do
Programa de Estabilidade 2024-28.
Rearrumadas as pastas dos fundos
europeus e administração pública
Na conferência de líderes, cujos
trabalhos se prolongaram até perto
das 13h, provocando o atraso da
entrega do programa do Governo, foi
também discutida a organização das
comissões parlamentares. Mantêm-
se as 14 da anterior legislatura, mas
com algumas pastas realocadas devi-
do à orgânica do novo Governo, que
não é muito diferente da do último
executivo de António Costa.
A distribuição da presidência das
comissões será feita nos próximos
dias pelo grupo de trabalho criado
para o efeito, mas já se sabe que três
das 14 comissões permanentes serão
presididas pelo Chega e as restantes
11 pelo PSD e PS. O PSD deverá come-
çar por escolher a presidência da
Comissão de Orçamento e Finanças
e o PS a de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias. Já
a primeira escolha do Chega deverá
ser a de Transparência e Estatuto dos
Deputados.
Por proposta do PSD, a pasta da
administração pública passa da
Comissão de Administração Pública,
Ordenamento do Território e Poder
Local para a Comissão de Orçamen-
to e Finanças; e a pasta dos fundos
europeus transita da Comissão de
Economia para a 13.ª comissão, ago-
ra renomeada Comissão da Coesão
Territorial e Poder Local.
Na reunião do grupo de trabalho
de terça-feira, Æcou por deÆnir uma
alteração à proposta-base dos servi-
ços da Assembleia da República
sobre as grelhas de tempos dos deba-
tes e se existe um espaço disponível
no piso nobre para o PS, questão que
os serviços Æcaram de avaliar.
Já os lugares no hemiciclo Æcaram
resolvidos. A IL queria ter três luga-
res na segunda Æla e outros três na
terceira Æla, uma reivindicação a que
o PSD acedeu logo na última confe-
rência de líderes. E também o Livre
viu validado o seu pedido de ter dois
lugares na Æla da frente e outros dois
na segunda Æla, sem serem separa-
dos pela coxia.
Entretanto, ontem ultimavam-se
os preparativos para a discussão do
programa do Governo e os novos
deputados de todos os partidos tive-
ram formação, na sala do plenário,
para aprenderem a registar-se no
sistema, trabalhar com o computa-
dor ali instalado e até como proceder
para discursar. com Ana Bacelar
Begonha
 ENTRADA
LIVRE A PALAVRA
AAOS MÚSICOS
NNOS 50 ANOS
DDO 25 DE ABRIL
1 DE ABRIL
17
CASA DA MÚSICA,
C
PORTO
P

O PÚBLICO e a Casa da 10h30 | SESSÃO DE ABERTURA 16h00 | COFFEE BREAK

Música olham para os David Pontes (director do PÚBLICO)
caminhos que a música • António Jorge Pacheco (director artístico
trilhou desde 1974. da Casa da Música)
Será que a música cumpriu
todo o seu potencial?
Como nos 10H45 | KEYNOTE SPEAKER
Quim Albergaria
internacionalizámos
e que música temos
em 2024? 11h15 | ORGULHOSAMENTE MISTURADOS
A nova realidade da música portuguesa
Entrada livre,
Dino D’Santiago • Pedro Coquenão
mediante reserva em
• Marco Castro • Ana Lua Caiano
casadamusica.com
15h00 | SAIR, MAS COMO?
A projecção da música portuguesa
além-fronteiras. Como o fazer?
Qual a experiência de quem o faz?
Fernando Ribeiro • Júlio Resende
• João Barradas • Márcio Laranjeira
16h30 | APRENDER EM LIBERDADE
Como o ensino da música em Portugal
evoluiu nas últimas décadas.
Gabriela Canavilhas • André Neves (Maze)
• Pedro Neves • Nuno Alves
17h30 | MÚSICOS 360.º
O que é um músico em 2024?
Um artista ou também um marketeer
de si próprio, num mundo de TikTok,
Instagram e Spotify? O desafio de viver
da música num país com défice
de oportunidades.
João Soeiro • Ianina Khmelik
• PZ • Vanessa Pires
18h30 | SESSÃO DE ENCERRAMENTO
Raquel Castro

ORGANIZAÇAO: APOIO:
16 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Sociedade Assédio sexual no ensino superior
Um ano depois
das primeiras
acusações,
Boaventura
destituído de
mais um cargo
Tribunal popular para a natureza afasta
sociólogo por “falta de integridade moral
e ética” depois das conclusões da
comissão independente do CES
Joana Amaral Cardoso
Um ano depois das acusações de
assédio sexual e extractivismo inte-
lectual contra três investigadores do
Centro de Estudos Sociais (CES), dos
quais a Ægura mais proeminente é
Boaventura de Sousa Santos, este
académico foi agora destituído do
cargo de juiz no Tribunal Internacio-
nal de Direitos da Natureza (TIDN).
Esta decisão junta-se às de outras
entidades que no último ano se dis-
sociaram do director emérito sus-
penso do CES, mas é a primeira que
é tomada pelas conclusões da comis-
são independente e pela reacção de
Boaventura.
O tribunal “decidiu destituir Boa-
ventura de Sousa Santos do cargo de
juiz” e da respectiva “assembleia de
juízes”, lê-se num comunicado de 27
de Março. “É um intelectual que
todos conhecemos e reconhecemos,
que tem sido muito importante na
nossa formação, intelectual e politi-
camente”, diz a nota, frisando que
não põe em causa “as categorias de
pensamento” do académico, conhe-
cido pelas Epistemologias do Sul,
“mas enfatizar a falta de integridade
moral e ética, como ser humano e
como académico, de Boaventura”.
A comissão independente identi-
Æcou “padrões de conduta de abuso
de poder e assédio” no CES, focadas
num pequeno grupo de pessoas não-
nomeadas, e a direcção do centro
pediu desculpas publicamente. “As
situações reportadas resultaram de
acções individuais, sobre as quais
iremos agir”, disse o CES a 13 de Mar-
ço. Até agora, não são conhecidas
medidas concretas, estando o Minis-
tério Público a analisar o relatório
para apurar se há matéria criminal a
investigar.
No mesmo 13 de Março, Boaventu-
ra de Sousa Santos congratulou-se
em comunicado: “Nada de objectivo
contra mim [está naquelas páginas]”.
E lamentou que a direcção do CES
tenha optado “por não garantir”,
após o pedido público de desculpas
às vítimas, “pôr Æm ao clima de sus-
peição”.
O Tribunal Internacional de Direi-
tos da Natureza é um “tribunal popu-
lar” e que se deÆne também como
“tribunal ético”, criado em 2014 à
imagem do Tribunal Penal Interna-
cional da Haia, mas sem o seu poder
judicial — é um fórum mas também
um capacitador jurídico em torno da
justiça ambiental, social e para os
povos indígenas. O organismo é des-
centralizado e uma das suas audiên-
cias regionais, em Quito, no Equa-
dor, foi presidida por Boaventura de
Sousa Santos em 2014.
O TIDN Ænda a sua declaração com
um comentário à reacção do funda-
dor do CES ao relatório de investiga-
ção, dizendo que ela “reforça esta
decisão, dado que o sociólogo não
assume responsabilidade, apesar das
provas esmagadoras contra ele”.
Primeiras reacções
Uma das notas do TIDN ajuda a con-
textualizar o que sucedeu no último
ano: “Muitos centros académicos
expressaram uma posição crítica
contra Boaventura de Sousa San-
tos.” Em Abril, o Conselho Latino-
Americano de Ciências Sociais, a
maior organização académica na
América Latina e Caraíbas, suspen-
deu todas as actividades programa-
das com Sousa Santos enquanto este
Vítimas pedem
afastamento
O
Colectivo de Vítimas, que
reúne mais de uma
dezena de queixosas
contra más práticas no
CES, considera que as pessoas
directamente envolvidas nas
práticas de assédio
reconhecidas no relatório “não
têm condição de continuar a
integrar o quadro de membros
da instituição”. Pediu a 20 de
Março que a assembleia geral
do CES avalie a saída de
Boaventura de Sousa Santos
do quadro de investigadores
do CES e que sejam abertos
processos disciplinares contra
Bruno Sena Martins e Maria
Paula Meneses, entre outras
medidas. O CES, fundado em
1979 por Boaventura de Sousa
Santos, que deixou de o dirigir
em 2019, um ano depois de as
primeiras acusações terem
sido grafitadas nas paredes da
sede do centro, é agora
liderado por Tiago Santos
Pereira. Foi eleito director em
Junho, sucedendo a António
Sousa Ribeiro em eleições
antecipadas, na sequência das
denúncias de abusos na
instituição.
estiver sob investigação, por “tole-
rância zero” e “repúdio absoluto ao
assédio sexual”.
No mesmo mês, o Núcleo de Alu-
nos de Sociologia do Porto cancelou
a palestra do investigador na Facul-
dade de Letras da Universidade do
Porto. O jornal digital espanhol Públi-
co anunciou também, a 15 de Abril,
que suspendia a coluna de opinião
do sociólogo português. Nos dias
seguintes, acumulavam-se cartas
abertas, de alcance internacional,
desde o manifesto Todas Sabemos,
que reúne académicos e agentes cul-
turais de várias estruturas e institui-
ções, até à Carta pública contra la
violencia sexual y de género en los
entornos académicos ibero-america-
nos, que inclui entre os primeiros
autores importantes investigadores
como o antropólogo colombiano-
americano Arturo Escobar ou a
directora do Instituto de Estudos
Latino-Americanos da Universidade
de Colúmbia (EUA) Vicky Murillo.
Boaventura de Sousa Santos e o
investigador Bruno Sena Martins,
envolvidos nas alegações de assédio
e abuso sexual, Æcaram suspensos
de todos os cargos que ocupavam
no CES a partir de 14 de Março –
decisão que dizem ter sido de sua
iniciativa e não, como foi comuni-
cado inicialmente pelo centro, da
direcção do CES. “[Essa nuance]cau-
sou-me um dano irremediável”,
escreveu Boaventura numa carta
enviada ao CES e aos media semanas
em Maio. “O mais grave de todos”
foi a suspensão da publicação do
seu livro Law and Epistemologies of
the South pela Cambridge University
Press. O livro estava previsto para
edição em Maio. Em Agosto de 2023,
foi publicado. A mesma sorte não
tiveram as autoras do artigo que
desencadeou todo o caso.
As paredes falavam
Catarina Laranjeiro, Lieselotte Viae-
ne e Miye Nadya Tom assinaram The
walls spoke when no one else would
(“As paredes falaram quando mais
ninguém o fez”) no livro Sexual Mis-
conduct in Academia (“Má conduta
sexual na Academia”), editada pela
Routledge a 31 de Março de 2023. Um
“Professor-Estrela”, um “Aprendiz”
e uma “Sentinela” eram os visados,
sendo que Boaventura de Sousa San-
tos, o antropólogo Bruno Sena Mar-
tins e a investigadora coordenadora
do CES Maria Paula Meneses se reco-
nheceram publicamente naquelas
designações, negando as acusações.
Em Setembro, Maria Paula Meneses
admitia ter ameaçado judicialmente
a Routledge pelo teor do artigo.
Primeiro, a venda do livro esteve
suspensa, por estar “sob revisão”.
Depois, foi admitida a excisão do
capítulo do livro, o que levou o con-
selho cientíÆco do Instituto de His-
tória Contemporânea (IHC) da Uni-
versidade Nova de Lisboa a escrever
à editora vincando que esta estava
assim activamente a “participar” nos

PAULO NOVAIS/LUSA
“mecanismos de silenciamento” do
tema do assédio e abuso de poder.
Dezenas de investigadores do CES
criticaram, em comunicado, a deci-
são “inaceitável e condenável” da
Routledge.
Noutra missiva, mais de uma cen-
tena de académicos de vários países,
entre os quais as 23 autoras de Sexual
Misconduct in Academia, subscreve-
ram uma exigência de explicações à
Routledge — entre eles a presidente
do conselho cientíÆco do Instituto de
Ciências Sociais e uma das autoras
do estudo sobre abusos na Igreja em
Portugal Ana Nunes de Almeida, o
historiador Diogo Ramada Curto, o
sociólogo João Pedro George, o juris-
ta e historiador António Araújo ou
Arturo Escobar.
O livro está fora de circulação e
sem compra possível junto da edito-
ra. A Routledge publicou já depois
da edição de Sexual Misconduct in
Academia dois livros editados por
Boaventura de Sousa Santos: From
the Pandemic to Utopia — The Future
Begins Now (Abril de 2023) e Decolo-
nizing Constitutionalism: Beyond
False or Impossible Promises ( Julho
de 2023).
No último ano, publicou um arti-
go de opinião no semanário Expres-
so, sobre as acusações de que era
alvo, e, na véspera da apresentação
das conclusões da comissão inde-
pendente, um no PÚBLICO a pro-
pósito dos resultados das últimas
legislativas.
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 17
Site lançado em Setembro
Projecto Paola vai “abrir
a caixa de Pandora” dos
abusos nas universidades
Ana Isabel Ribeiro
Francisco Valente Gonçalves já
sonhava ser psicólogo em criança.
Sem surpresa, foi a área que esco-
lheu quando foi para a universidade
(já lá vão alguns anos) e quando deci-
diu fazer o mestrado em Psicocrimi-
nologia. Até aqui, recorda ao PÚBLI-
CO, a vida académica corria bem,
mas foi quando ingressou no douto-
ramento no Reino Unido que se aper-
cebeu da “bola de neve” de abusos
de poder e discriminação de que os
colegas eram alvo.
Soube de casos de alunos e inves-
tigadores impedidos pelos professo-
res de utilizarem o dinheiro que
recebiam para os projectos como
entendiam, outros pressionados
pelos supervisores para publicarem
mais estudos que garantiam mais
Ænanciamento às universidades, e
muitos com medo de denunciar estes
abusos porque, aÆrma o psicólogo,
“sabiam que fazê-lo podia prejudi-
car-lhes o futuro”.
Foi a pensar em tudo isto que, em
Janeiro, se juntou ao projecto Paola
(Pandora Box of Whistleblowing in
Academia), observatório europeu
que, em português, quer dizer algo
como a Caixa de Pandora dos Infor-
madores no Contexto Académico. O
site vai ser lançado em Setembro para
O site a lançar em
Setembro vai
receber
denúncias de
estudantes
universitários e
professores
receber as denúncias de estudantes
universitários, de professores, inves-
tigadores ou funcionários das univer-
sidades que estejam ou já foram alvo
de abusos.
“Vai funcionar como canal de reco-
lha de informação sobre comporta-
mentos antiéticos. Os académicos
podem reportar os casos e as univer-
sidades também. Um dos nossos
objectivos é que as instituições aca-
démicas publiquem nos seus relató-
rios de Ænal de ano quantos casos de
comportamentos antiéticos recebe-
ram, o que aconteceu, que medidas
correctivas foram aplicadas e quantos
processos continuam abertos. Quan-
do isso acontecer, estamos a trabalhar
num canal de transparência e de boas
práticas”, explica Gonçalves.
No entanto, salienta o psicólogo,
isto não signiÆca que o Paola vai
investigar uma determinada institui-
ção de ensino superior sempre que
receber uma denúncia sobre ela, uma
vez que não tem poder legal para o
fazer. Em vez disso, as queixas serão
destacadas nos relatórios do projecto,
salvaguardando a identidade dos
informadores ou denunciantes, e
reportadas às respectivas universida-
des, que serão incentivadas a agir
contra os abusadores.
Além de Portugal, o site vai contar
PRIMEIRO
com a participação de especialistas
de vários países, incluindo Itália, Ale-
manha, Bélgica, Países Baixos e Irlan-
da que vão primeiro analisar os abu-
sos que acontecem no meio académi-
co de cada país e perceber que
QUE TUDO:
consequências tiveram na saúde
mental das vítimas, para, depois, tra-
tarem as novas denúncias.
Este observatório europeu é Ænan-
ciado pela Comissão Europeia, atra-
vés do programa Erasmus+, até
Dezembro. No entanto, garante o psi-
P24
cólogo, são várias as organizações
interessadas em continuar com a pla- As histórias mais importantes
taforma, que vai existir “durante o do dia chegam em podcast,
máximo de tempo possível”. numa equipa reforçada:
Amílcar Correia
Assédio e discriminação
e Manuel Carvalho
Até ao Ænal de 2024, a equipa do Pao-
juntam-se a Ruben Martins
la vai centrar-se em expor temas
como assédio, abuso de poder e dis- e Inês Rocha.
criminação, três comportamentos
que, segundo Francisco Gonçalves, De segunda a sexta,
acontecem com grande frequência às 7h, podcast P24.
no meio académico. Em Portugal, O dia começa aqui.
recorda o caso do sociólogo Boaven-
tura de Sousa Santos, da Universida-
de de Coimbra. No Reino Unido, há
casos que nunca chegaram a vir a
público. “Se um bolseiro Æzer uma
denúncia numa universidade e o
caso chegar a alguém com poder, o
estudante vai ser convidado a sair,
ou vai ser alvo de discriminação, gas-
ligthing [distorcer informações da
vítima a favor da pessoa acusada] e
começa a ver a carreira diminuída ao
ponto de ter de escolher entre aguen-
tar pressão ou sair”, destaca o psicó-
logo de 36 anos.
“Os académicos são obrigados a
comportar-se como vítimas de violên-
cia doméstica neste tipo de situações
— são eles que têm de sair em vez de
ser a pessoa que está a perpetuar o
comportamento antiético. E têm
medo de mais represálias”, acrescen-
ta. Como o Paola é um projecto exter-
no a qualquer universidade, as quei- Disponível em publico.pt/podcasts
xas nunca vão chegar aos abusadores. e em todas as plataformas de podcasts
Denunciar é e será sempre gratuito,
tal como o acesso às informações
legais depois de uma queixa.
18 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024

Sociedade

Trocar prisões
por casas
de detenção?
O debate chegou
a Portugal
Evento organizado pela Reshape e pelo
Instituto Miguel Galvão Teles traz
a Portugal peritos de diversos países
para reÅectir sobre o sistema prisional
Ana Cristina Pereira
E se as velhas prisões, com celas
mínimas, grades grossas, guardas
fardados, dessem lugar a casas de
detenção, isto é, a pequenas estru-
turas capazes de garantir um trata-
mento diferenciado a quem está
privado de liberdade e de envolver
a comunidade na sua reinserção?
Há um movimento europeu com um
braço em Portugal a tentar pôr o
assunto na agenda pública.
Hans Claus é o guardião do con-
ceito de casas de detenção. Além de
poeta, escultor, pintor e fotógrafo,
é um criminologista com uma longa
carreira nos serviços prisionais bel-
gas.
Tudo começou em 2011, quando
lhe perguntaram como devia ser a
detenção no século XXI. Dirigia pri-
sões desde 1986. Estava havia 11 anos
à frente da prisão de Oudenaarde,
na região de Flandres. “Era a prisão
mais pequena em que eu tinha esta-
do”, recorda. Tem lotação para 130
reclusos e destina-se a pessoas con-
denadas a penas longas. “Eu tinha
tempo para as conhecer, para con-
versar com elas, para as acompa-
nhar, ver como as suas vidas muda-
vam.”
Levou muito a sério a pergunta
que lhe fora feita. “Sonhei que vivia
com aquelas pessoas que eu conhe-
cia tão bem, que estão presas. Por-
que não normalizar o contexto, usar
casas em vez de prisões? E foi essa
a palavra que Æcou.” Casas. Casas
tas, activistas de direitos humanos,
jornalistas, Ælósofos. Nas muitas
conversas que foi tendo, ouviu per-
guntas pertinentes. Pequena até que
ponto? Que tipo de diferenciação?
Isso não implica um grande aumen-
to dos custos? Que exemplos exis-
tem noutros países? Em vários Esta-
dos-membros da União Europeia
encontrou exemplos que preen-
chiam um ou vários critérios. “No
estudo que Æzemos, vimos que ter
uma casa de detenção não é mais
caro do que ter uma prisão. Numa
prisão perde-se muito dinheiro.
Com o mesmo dinheiro, podemos
fazer mais e melhor.”
A prisão tal como a conhecemos,
explica aquele criminólogo, é uma
invenção do século XIX. Assumindo
que o valor mais importante para o
ser humano era a liberdade indivi- se sabe sobre o humano. Ainda não se cansou de propagar las a falar, a trazer esperança numa
dual, na Europa emergiu a ideia de Hans Claus escreveu um livro inti- que, num lugar assim, é mais fácil mudança de paradigma.”
que a prisão era, por si só, um cas- tulado TheHouses. Towards a sustai- fazer um verdadeiro trabalho de Com efeito, o que começou por
tigo. Não é que antes não existissem nablepenitentiaryapproach, tradu- reinserção social de pessoas que ser um minúsculo movimento local,
masmorras, calaboiços e outros zível por “As Casas. Rumo a uma cometeram crimes – fazê-las obter “De Huizen”, As Casas, na Bélgica
locais de encarceramento de pes- abordagem penitenciária sustentá- conÆança, ganhar responsabilida- cresceu até se tornar um parceiro
soas suspeitas ou condenadas pelos vel”, que co-assina com Kristel de, mudar de atitude. “Sabendo o do Governo federal. O país, que
mais variados tipos de crimes. É que Beyens, Ronny De Meyer, Marjan que sabemos sobre a maior eÆcácia enfrenta um gravíssimo problema
a sua função era reter quem seria Gryson, Liesbeth Naessens. Nessa das casas de detenção, como pode- de sobrelotação, abriu duas casas
sujeito a castigos corporais, a traba- obra publicada em 2017, detalha o mos expandir a ideia?” de transição e duas casas de deten-
lhos forçados ou mesmo a pena de conceito: uma casa com capacidade ção e planeia abrir muitas outras. E
morte. A prisão como pena autóno- para acolher até trinta pessoas, inte- O movimento alargou-se o movimento cruzou as fronteiras
ma não existia. Criou-se toda uma grada na malha urbana, com uma Hans Claus está a dizer tudo isto daquele pequeno reino e deu ori-
arquitectura e um design prisional. equipa técnica multidisciplinar sentado junto a uma mesa redonda, gem a uma rede europeia que se
No século XX, vieram ao de cima os capaz de assegurar um acompanha- num canto de uma sala do Senado chama Rescaled e tem escritórios
efeitos negativos do encarceramen- mento diferenciado. belga, com a luz a entrar pela janela. em seis países, Portugal inclusive.
to na saúde física e mental. “A No plenário, decorre um simpósio “Há seis ou cinco anos, conheci pes-
maneira como olhamos para as pes- sobre prisões de pequena escala, soas da França e dos Países Baixos
soas mudou”, clariÆca Hans Claus. por iniciativa da organização inter- e foi assim que começou.”

de detenção. Levou dois anos a
fechar o conceito, que assenta em
três princípios: pequena escala,
integração na comunidade, trata-
mento diferenciado. Não chegou lá
sozinho. Convocou académicos,
criminólogos, arquitectos, econo-
mistas, magistrados, advogados,
assistentes sociais, técnicos de rein-
serção, mas também políticos, artis-
“Percebemos que o ser humano,
aÆnal, é um ser social.”
Apesar dos avanços das ciências
sociais, em várias partes do mundo,
incluindo a Bélgica, continuam a ser
construídas prisões em grande esca-
la. Hans Claus nota que podem usar
a tecnologia mais moderna, mas é
“uma extensão do design do século
XIX” e, por isso, contrariam o que
49
nacional Rescaled, sob os auspícios
da presidência belga do Conselho
da União Europeia. “Nunca pensei
que seria possível começar a con-
cadeias compõem o parque cretizar este sonho, num tempo que
prisional nacional. consideramos repressivo”, reconhe-
A lotação varia entre 887, ce. “Na Bélgica, vemos as primeiras
no estabelecimento concretizações deste modelo. Na
prisional de Lisboa, e 38, Europa, vemos um movimento que
no de Torres Novas está a juntar as pessoas, a incentivá-
Qualquer mudança de paradig-
ma, salienta Hans Claus, parte da
insatisfação. “Não só na Bélgica, em
todo o lado as pessoas que traba-
lham nas prisões dizem que não
conseguem fazer com os reclusos o
que gostariam.” A Bélgica não é
diferente de muitos outros Estados-
membros da União Europeia. Com-
bina sobrelotação com edifícios em
 Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 19

Sociedade

mau estado, elevado recurso à pri-
são preventiva, taxa de reincidência
que ronda os 60%.
Portugal sem exemplos
Em Portugal, a palavra é dissemina-
da pela Reshape, que faz parte da
Rescaled. Todos os anos, aquela
PAULO PIMENTA
Sistema prisional é discutido
por académicos e especialistas
a partir de hoje, na Fundação
Gulbenkian, em Lisboa
ção inferior a cem, entre essas
sobressaem apenas cinco com lugar
para menos de 50.
“Não somos contrários à privação
de liberdade”, clariÆca Marco Ribei-
ro Henrique, director executivo da
Reshape. “Acreditamos que o cum-
primento de penas deve ser digniÆ#
cado. Achamos que isso deve acon-
tecer colocando em cima da mesa
estes princípios de pequena escala,
integração na comunidade, diferen-
ciação [no tratamento penitenciá-
rio]. Pela Europa fora, há vários
modelos que respeitam estes prin-
cípios.”Portugal segue a tendência
mais global de macroestruturas.
“Compreendemos que é uma ques-
tão de economia de escala, mas
sabemos que isso traz danos na ges-
tão das penas. Uma prisão com 900
pessoas não permite um tratamento
diferenciado.”
O bom exemplo que a Reshape
costuma dar é o do Estabelecimen-
to Prisional de Torres Novas. Embo-
ra tenha uma pequena escala e este-
ja integrado na comunidade, não
deixa de ser uma prisão, com guar-
das e com grades e controlo igual às
outras. Os reclusos estão todos em
regime aberto – uns trabalham den-
tro da pequena prisão e outros fora,
para autarquias ou empresas. Há
casas, mas dentro do perímetro das
prisões. É o caso da unidade resi-
dencial que há no perímetro do
Estabelecimento Prisional das Cal-
das da Rainha que acolhe reclusos
em regime aberto virado para o
exterior.
Quer isto dizer que ainda não há
casas de detenção destinadas a cum-
prir qualquer fase da pena nem
casas de transição destinadas a cum-
prir o Æm da pena. A lei já prevê a
possibilidade de cumprir a última
parte da pena em casa, com vigilân-
cia electrónica, mas não em comu-
nidade, num lugar exterior à prisão,
como acontece na França, nos Paí-
ses Baixos ou na Bélgica. “A ideia do
PrisonInsights é trazer agentes e
experiências práticas, colocar o
tema na agenda nacional”, resume.
Esse não será, como já se viu, o úni-
co tema do encontro desta quinta-
Reinserção
“Casa de saída” ainda
não saiu do papel
Ana Cristina Pereira
Ainda não saiu do papel o plano
anunciado pela Reshape para abrir
uma “casa de saída” para apoiar a
reinserção de pessoas que deixam
a prisão sem habitação própria,
familiares ou amigos que as acolha.
Foi empurrado para o programa de
actividades deste ano.
O anúncio foi feito em 2022 por
Lénia Mestrinho, então directora
não executiva da Reshape, durante
a quarta edição do Prison Insights,
um evento internacional pensado
para discutir o sistema prisional e
formas de o tornar mais eÆciente e
mais humano. “Esta casa vai ser
criada em Braga”, adiantou perante
uma plateia repleta.
Havia ainda que encontrar a casa
e mobilá-la. E era preciso envolver
a comunidade local, escolher os
proÆssionais que lá trabalhariam
com os ex-reclusos. E isso tudo era
suposto acontecer logo, para que
tudo estivesse a funcionar em
2023.
Questionado pelo PÚBLICO, diz o
novo director executivo, Marco
Ribeiro Henriques: “É um projecto
altamente estratégico que ainda não
foi possível de implementar. E não
foi ainda possível porque o processo
é denso e o tema é sensível.”
Não conseguiram encontrar as
sinergias necessárias em Braga.
“Acreditamos que um projecto des-
tes tem de ter envolvimento da
comunidade. Portanto, não basta
encontrar um lugar, é preciso que a
comunidade esteja connosco. Por
comunidade quero dizer a câmara
municipal, as organizações que for-
mam o tecido social.”
Uma casa, fechada sobre si mes-
ma, não serve a missão. “Vamos
receber pessoas que cumpriram
penas privativas de liberdade”,
sublinha. “É muito importante que
se possa fazer uma articulação mui-
to próxima com o mercado de tra-
balho, com a oferta que existe ao
nível da formação, ou seja, com as
respostas na comunidade.”
Com uma verba de 300 mil euros,
procuram não recorrer ao mercado
imobiliário. “Consideramos que isso
poderia desvirtuar o projecto até na
sua duração”, salienta. Quanto
poderá durar se tiverem de arren-
dar uma casa, além de pagar despe-
sas correntes e salários? Procuram
um parceiro capaz de ceder instala-
ções em regime contratual de como-
dato.
Programa foi
anunciado em
2022. Foi
empurrado
para o programa
de actividades
deste ano
Não podiam agir por sua conta,
uma vez que se trata de um proto-
colo com a Direcção Geral de Rein-
serção e Serviços Prisionais, que
Ænancia a iniciativa no âmbito do
Orçamento Participativo. “Foi pre-
ciso todo um processo administra-
tivo de autorização para alterar a
localização do projecto. Estamos à
procura de outras localizações.”
Marco Ribeiro Henriques não
adianta exactamente onde estão a
ser desenvolvidos estes contactos.
“É na zona centro”, limita-se a dizer.
“São lugares onde já temos algum
trabalho, quer com os municípios,
quer com as redes sociais.”
PUBLICIDADE

organização alia-se ao Instituto feira. Trazem os outros projectos e

Miguel Galvão Teles para organizar
o PrisonInsights, um evento que traz
a Portugal peritos de diversas partes
do mundo para reÇectir sobre as
práticas nos sistemas prisionais.
Hoje na Fundação Calouste Gul-
benkian, no município de Lisboa,
juntam-se duas dezenas de oradores
de diversos países. E, como nas edi-
ções anteriores do PrisonInsights,
todas apoiadas pela Rescaled, há
um painel dedicado às estruturas de
pequena dimensão.
É muito variável a dimensão das
49 cadeias que compõem o parque
prisional nacional. A lotação oscila
entre 887, no Estabelecimento Pri-
sional de Lisboa, e 38, no Estabele-
cimento Prisional de Torres Novas.
Há dezassete prisões com uma lota-
outras práticas para ajudar “o siste-
ma a pensar-se e a transformar-se.
Circulação Condicionada | A41
Compreendemos “Queremos que tenha perspectiva.
É importante que esse trabalho seja
que é uma questão feito pelos próprios.” Na A41, de 15 a 27 de abril, das 21h às 07h, realizaremos trabalhos
de economia Há quem se entusiasme com estas de beneficiação do pavimento, que implicarão alguns desvios e
ideias. E quem se assuste com elas. condicionamentos de tráfego nas seguintes vias de acesso:
de escala, mas “As pessoas têm de se acostumar a
Nó Vias afetadas
sabemos que isso uma nova ideia de punição”, torna
Hans Claus, que só há uns deixou a Z.I. Maia/EN14 Saída da A41, sentido Alfena/Trofa
traz danos. direcção da prisão de Oudenaarde. A41
Saída da A41, sentido Alfena/Maia Este
Uma prisão “Ficar numa casa? Isso é um casti- EN107
Entrada na A41, sentido Maia Este/Matosinhos
go?”, ouve questionar. “É a mesma
com 900 pessoas coisa que aconteceu quando se dei- Os condicionamentos e desvios estarão
não permite xou de condenar as pessoas ao tra- devidamente sinalizados nos locais.
balho forçado nas galés e se come-
um tratamento çou a pôr as pessoas nas prisões.
Para mais informações consulte regularmente o site
Ascendi utilizando o código QR ao lado, aceda a
diferenciado Naquela altura, também havia quem www.ascendi.pt ou ligue 229 767 767 (24H).
achasse que isso não era punição
Ascendi Grande Porto, Auto-Estradas do Grande Porto, S.A.
Hans Claus Criminólogo suÆciente. Chama-se civilização.”
20 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Sociedade
Suspeitas de corrupção em negócio
imobiliário motivam buscas em Cascais
Sónia Trigueirão e Ana Henriques
Câmara da qual ministro da
Habitação era “número
dois” está sob suspeita por
ter vendido a empresa três
imóveis a preço de custo
A Polícia Judiciária (PJ) realizou ontem
buscas na Câmara Municipal de Cas-
cais por a autarquia ter vendido três
imóveis (dois armazéns e um terreno)
pelo preço de custo a uma empresa
chinesa — a mesma com a qual a tinha
feito uma parceria para o fabrico de
máscaras anti-covid-19. Segundo uma
nota informativa divulgada pelo
Ministério Público ao Ænal do dia,
poderão estar em causa suspeitas de
corrupção, participação económica
em negócio, prevaricação e abuso de
poder, não havendo ainda arguidos
constituídos.
“Os factos investigados reportam-
-se a suspeitas de benefício indevido
da uma sociedade privada detida por
cidadã estrangeira, por via da aliena-
ção à referida sociedade, a preço de
custo e sem qualquer procedimento
formal de contratação pública, de
património imobiliário e mobiliário
adquirido pelo município e estrutu-
rado como unidade fabril de produ-
ção de máscaras cirúrgicas”, refere o
mesmo comunicado.
Ao que o PÚBLICO apurou, a PJ terá
aproveitado para recolher documen-
tação para um outro inquérito que
envolve o actual ministro das Infra-
-Estruturas, Miguel Pinto Luz. Neste
outro caso está em causa a contrata-
ção, por uma empresa municipal de
Cascais, de uma agência de comuni-
cação, a NextPower, que trabalhou,
em 2019, para a candidatura de
Miguel Pinto Luz ao PSD/Lisboa. A
investigação terá sido motivada por
uma queixa do vereador comunista
Clemente Alves, que referiu que a
empresa municipal Cascais Próxima
tinha celebrado um contrato com a
NextPower no valor de cerca de 75 mil
euros a 27 de Dezembro de 2019, já
depois do início da campanha interna
do PSD e numa altura em que Miguel
Pinto Luz era já assessorado por aque-
la agência.
No tocante à investigação ao negó-
cio das máscaras sanitárias, o que
está em causa é a venda pela autar-
quia dos três imóveis pelo mesmo
preço pelo qual os tinha comprado
a particulares dois anos antes. O Tri-
bunal de Contas, que fez uma audi-
toria para apuramento de responsa-
bilidades Ænanceiras, concluiu que
o negócio não foi transparente, nem
devidamente justiÆcado. E que, à
boleia do pretexto de mandar fabri-
car máscaras para a pandemia, o
município favoreceu a empresa chi-
nesa num negócio imobiliário que
nada tinha a ver com as questões
sanitárias: “Tudo leva a crer que a
motivação real à volta da fábrica fos-
se a aquisição dos bens imobiliários,
sem concorrência e ao preço de cus-
to, tão-só uns meses após a câmara
os ter adquirido para si. E tal é justi-
Æcado pela autarquia pelo facto de a
empresa ter sido sua parceira na
produção de máscaras”.
Tanto quanto se sabe até ao
momento, dada a situação de emer-
gência sanitária, este tribunal não
imputou, ainda assim, responsabili-
dades aos autarcas pelo facto de não
terem seguido as regras da contrata-
ção pública vigentes nesse período.
Os três imóveis terão sido avaliados
em mais de 1,9 milhões, tendo a autar-
quia fechado o negócio com a enpre-
sa chinesa por 1.750.000 euros, isto
é, pelo mesmo montante que havia
despendido na sua aquisição dois
anos antes, ignorando a valorização
entretanto ocorrida.
A Câmara de Cascais garantiu que
está a prestar total colaboração à PJ,
tendo o seu presidente, Carlos Carrei-
ras, em declarações aos jornalistas,
enjeitado qualquer responsabilidade
por parte daquele que foi seu vice-
-presidente até Janeiro último, o novo
ministro das Infra-Estruturas e Habi-
tação, Miguel Pinto Luz. “O único
responsável em todo o processo sou
eu e mais ninguém, nem sequer o ex-
PAULO PIMENTA
Autarquia tinha feito
parceria com empresa
chinesa para produzir
máscaras durante
a covid-19
-vice-presidente Miguel Pinto Luz teve
qualquer participação, nem qualquer
dos senhores vereadores, porque, na
altura, estávamos em conÆnamento.
Eles Æcaram conÆnados. Eu não
podia estar conÆnado e, portanto, o
único responsável sobre esta matéria
sou eu”, aÆrmou Carlos Carreiras,
assegurando, porém, não ter cometi-
do qualquer ilegalidade.
As buscas abrangeram, além do
edifício da autarquia, o Edifício São
José, no chamado Cascais Center e a
empresa municipal que, na altura,
geriu o processo da fabricação das
máscaras.
O negócio entre a câmara liderada
por Carlos Carreiras e a empresa Shi-
ningJoy, detida pela Dimalu-KV
Investments, que se dedica à compra,
venda e exploração de imóveis, e que
está ligada à empresária macaense
Emily Kuo Vong, foi descrito de forma
exaustiva ao longo das 33 páginas de
uma auditoria do Tribunal de Contas
a que o PÚBLICO teve acesso. Emily
Kuo Vong ofereceu 100 mil máscaras
às crianças no concelho de Cascais e
100 ventiladores ao Serviço Nacional
de Saúde durante a pandemia.
Tribunal de Contas avaliou
Segundo o mesmo documento, o pro-
cesso de aquisição a particulares pela
autarquia de dois armazéns e um ter-
reno adjacente com 6.330,50 m2, na
Rua Fernão Lopes, na Pampilheira,
teve início a 4 de Junho de 2020 com
uma proposta subscrita por Carlos
Carreiras destinada à criação de uma
fábrica de máscaras sanitárias para
responder à situação pandémica.
Já em 2021, no dia 28 de Janeiro, a
autarquia celebrou um contrato de
comodato com a empresa municipal
para instalar nos armazéns duas
máquinas para criar a fábrica de más-
caras. Quatro dias depois, a empresa
municipal Cascais Próxima celebrou
um contrato de subcomodato com a
ShiningJoy, para que esta utilizasse as
instalações da fábrica e ali colocasse
mais quatro máquinas para produzir
máscaras.
Nesse mesmo dia, a autarquia for-
malizou com a empresa chinesa a
venda do negócio da produção de
máscaras, que incluía as suas duas
máquinas, por pouco mais de um
milhão, pagos em espécie: oito
milhões de máscaras. Este número foi
pouco tempo depois reduzido para
6,5 milhões de máscaras por terem
surgido avarias nas máquinas que
antes pertenciam à Cascais Próxima.
Aquele montante destinar-se-ia a
compensar a autarquia também pela
requaliÆcação do espaço.
A concretização deÆnitiva deste
negócio estava, porém, e segundo o
Tribunal de Contas, sujeita à venda
dos três imóveis à ShiningJoy por mais
1.750.000 euros. Caso a autarquia não
vendesse os três imóveis à empresa
chinesa até 31 de Janeiro de 2022, a
Cascais Próxima teria de recomprar
a fábrica, mas em dinheiro. Os imó-
veis passaram para a empresa chine-
sa em Maio de 2022, tendo a assem-
bleia municipal aprovado a venda em
Novembro de 2021.
Diz o Tribunal de Contas que a
escolha da empresa chinesa não obe-
deceu a critérios de transparência,
“desconhecendo-se os fundamentos
de facto e de direito que a sustenta-
ram”, atendendo a que “a mesma
não detinha experiência naquela
área de negócio”.
 DIREITOS HUMANOS
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Os Direitos Humanos consagrados na Constituição Portuguesa
numa colecção de 16 cartazes 50x70cm da APCC
A iniciativa da APCC, em parceria com o PÚBLICO,
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nas escolas e na população portuguesa em geral, através de SÁBADO, 13 ABR.
uma série de cartazes da autoria de 16 ilustradores nacionais. COM O PÚBLICO

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22 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Iniciativas
Ponte de Lima,
capital do
jornalismo
escolar
Alunos e professores de escolas de todos
os distritos do continente e da ilha
Terceira juntaram-se durante três dias, na
vila minhota. Uma experiência marcante
Carolina Franco
Assim que se abrem as portas da can-
tina do Centro Educativo das Lagoas,
em Ponte de Lima, um grupo avança.
“Somos da Escola ProÆssional de
Agricultura e Desenvolvimento Rural
de Ponte de Lima, vimos de perto”,
diz a professora. Tatiana Vilar e Leo-
nor Araújo, alunas que a acompa-
nham, estudam Agricultura e Gestão
Equina e é a primeira vez que partici-
pam num evento relacionado com
jornalismo escolar. Desta vez não vie-
ram às Lagoas de Bertiandos numa
visita de estudo, estão aqui para o 3.º
Encontro Nacional de Jovens Jorna-
listas (ENJJ). “É o meu último ano na
escola e acho que vamos aprender
muito amanhã nos workshops”, par-
tilha Tatiana. Depois delas, chegam
mais autocarros que trazem grupos
de todo o país. São cerca de 100 alu-
nos e 40 professores de 36 escolas
para um programa com início no dia
9 e que hoje termina.
É o terceiro ano consecutivo em
que o jornalismo escolar está em fes-
ta. A ideia partiu de alunos então res-
ponsáveis pelo jornal escolar Eça
News, e o sonho tornou-se realidade
com o apoio da Direcção-Geral da
Educação (DGE) e do PÚBLICO na
Escola. Começou em Lisboa, passou
por Mafra e este ano está em Ponte de
Lima. E a cada edição, mais um dia de
evento. Este ano são três, para que
quem vem de mais longe possa estar
presente em pleno. Desta vez há
camaratas no centro educativo e na
Quinta de Pentieiros — no espaço con-
tíguo à área protegida das Lagoas de
Bertiandos, onde se ouvem rãs e se
vai avistando garças-
-reais.
Logo desde o primeiro minuto,
vêem-se coletes cor-de-laranja que
circulam de um lado para o outro.
“Precisam de ajuda?”, “Vou levar-vos
ao albergue”, “A hora do jantar é às
19h30”, dizem. Pertencem ao Comu-
nica, jornal escolar do Agrupamento
de Escolas do Freixo, em Ponte de
Lima. E também são os verdadeiros
anÆtriões. A escola onde estudam foi
a escolhida este ano porque estiveram
na lista de vencedores do Concurso
Nacional de Jornais Escolares 2022-
23, com o 2.º lugar na categoria
Melhor Jornal de Agrupamento.
O programa foi pensado e produzi-
do pelo agrupamento, a Direcção--
Geral da Educação e o PÚBLICO na
Escola, em articulação com a Câmara
Municipal de Ponte de Lima. Para
tornar possível um evento desta
dimensão, a DGE lidera, desde o pri-
meiro encontro, uma complexa logís-
tica. Neste modelo de itinerância do
ENJJ, também as autarquias represen- Momento de descontração
tam uma parceria fundamental. Para entre algumas das participantes
Paulo Sousa, vereador com o pelouro no 3.º Encontro Nacional de
da Educação, aceitar este desaÆo foi Jovens Jornalistas, antes dos
uma forma de valorizar um jornal vários workshops, que
escolar que já foi premiado duas vezes começaram no segundo dia com
e, ao mesmo tempo, de investir na um plano de trabalhos intenso
educação e na promoção desta “vila
tão marcante”. A expectativa é a de
que quem aqui veio pela primeira vez
deseje voltar.
Vários workshops
Antes de um dia inteiramente dedica-
do ao jornalismo, uma caminhada
nocturna pelas Lagoas. Divididos por
grupos, de lanternas acesas, vão
aprendendo a reconhecer a fauna e
Çora locais. “Nós acordámos às qua-
tro da manhã”, conta uma das jorna- manhã. Para alguns, mais cedo ainda. alunos começam por ouvir quem tem
listas do Se Bem nos Lembramos, jor- O plano de trabalhos é intenso, mas mais experiência. No workshop
nal da Escola Secundária Vitorino todos estão entusiasmados. Sabem Redacção TRUE, um grupo aprende
Nemésio (Praia da Vitória, ilha Tercei- que é uma oportunidade como pou- rapidamente a interagir com a plata-
ra). Mas não falta muito para chegar cas: vão ter workshops com vários forma de criação de jornais escolares
o merecido descanso. A energia é jornalistas do PÚBLICO, com quem do PÚBLICO na Escola. Surgem ideias
fundamental para o dia seguinte, mas poderão aprender como fazer mais de conteúdos para um jornal criado
a primeira oportunidade de convívio jornalismo nos jornais escolares. exclusivamente para o encontro: uma
também fazia falta. E no espaço de Depois de uma manhã de partilha de notícia sobre o almoço do dia, outra
poucas horas, surgiram as primeiras experiências de todos os vencedores sobre a recepção das escolas…
amizades. No grupo de Tatiana Vilar Um projecto de literacia do Concurso Nacional de Jornais Na sala da Multimédia, o fotojorna-
e Leonor Araújo já tinham mais um mediática, para ajudar os mais Escolares 2022-23, chega a hora da lista Nelson Garrido partilha alguns
elemento: “O meu nome é Leonor novos a viver o jornalismo escolar prática. Nos workshops de Escrita de trabalhos que seleccionou para mos-
Videira, sou de Murça. Vim sozinha, e a fazerem-se ouvir Notícias, Multimédia, Podcast, Tele- trar. Alguns contam histórias recen-
então elas adoptaram-me.” Veja mais em publico.pt/ jornal e Jornalismo Local, este último tes, como o momento em que activis-
Segundo dia, o galo canta às sete da publico-na-escola promovido pela Alto Minho TV, os tas pelo clima atingiram Luís Monte-

FOTOS: JOSÉ SÉRGIO
negro com tinta verde, mas foi um
trabalho sobre imigração ilegal na
Mauritânia que suscitou mais pergun-
tas. “No caso dos políticos, eles que-
rem ser fotografados, mas aqui a
reacção das pessoas é não deixa-
rem?”, pergunta uma aluna. Nelson
Garrido explica-lhe, e ao restante gru-
po, que se trata de ter sensibilidade,
mas “temos de explicar quem é que
somos”. As pessoas têm de saber que
estão a ser fotografadas. Durante três
horas, todos os workshops iam sendo
invadidos por alunos a entrevistarem-
se uns aos outros.
Na biblioteca, um workshop para
professores transformou-se num ver-
dadeiro encontro entre pares. Todos
queriam aprender uns com os outros.
Queriam saber como se faz, como se
consegue, como é possível para uns,
para que seja para outros. “Ter o
apoio da direcção faz toda a diferen-
ça”, desabafa uma professora. Jorge
Dias, director do AE de Freixo, tem
propriedade para falar sobre esse
papel e defende que “a sala de aula,
por si só, não pode ser o único espaço
onde se trabalha o desenvolvimento
de aprendizagens”. “Enquanto esco-
la temos de permitir que os alunos se
possam expressar em ambientes nã
formais e perceber que terá impacto
no contexto formal.” E nisso, o Comu-
nica tem sido um exemplo.
Curiosidades
Meteorologia
Bom tempo, sempre
um grande aliado
À chegada, na tarde de
terça-feira, comentava-se o sol
esplendoroso que aguardava
os alunos e professores que se
iam concentrando no Centro
Educativo das Lagoas. Mas foi
à noite, no momento da
caminhada nocturna, que se
percebeu a dimensão da
cumplicidade da meteorologia,
ao fim de dias bem chuvosos.
“A lagoa tem muita água.
Ontem não podíamos andar”
por onde seguimos, resumiu,
logo à partida, o guia de um
dos grupos.
Aventura digital
De Fernando Pimenta
ao sarrabulho
“Inteligência, nervos de aço e
rapidez”, assim mesmo, como
apresentação da Aventura
Digital no Rio do Esquecimento,
o programa preparado para a
noite de despedida. Várias
equipas incumbidas de tarefas
jornalísticas e mais do que um
concurso a decorrer em simul-
tâneo. Quinze temas no total:
Fernando Pimenta (canoísta
olímpico), Ponte Medieval,
Feiras Novas, sarrabulho... Está
tudo no site do encontro
(https://aefreixo.pt/comunica/
encontro/), preparado à
minúcia pelo Comunica.
Jornalismo local
Com o microfone da Alto
Minho TV
O que é notícia num jornal
local? E o que se faz quando
não há notícia? Com os
repórteres da Alto Minho TV,
alunos do Minho ao Alentejo
aprenderam as bases do
jornalismo local. De microfone
na mão, gravaram entrevistas e
offs para uma reportagem
conjunta editada ao vivo.
Para a posteridade
Evento com jornal
na plataforma TRUE
O “Jornal do 3.º Encontro
Nacional de Jovens Jornalistas”
(https://true.publico.pt/3-enjj)
foi criado a partir de um dos
workshops. Deu-se, assim, se-
guimento a uma prática inicia-
da em Mafra, no ano anterior,
numa altura em que a platafor-
ma TRUE, disponibilizada em
2023/24, se encontrava em
fase de testes. À terceira edi-
ção, o encontro merece já es-
paço para arquivo do passado
que vai construindo: a secção
chama-se “Em retrospetiva”.
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 23
Escola Básica do Freixo
O Comunica tem como principal
objectivo “dar voz a todos”
experiências ou dão uma pequena alunos que queriam participar no
Reportagem notícia. Começaram também a jornal, mas não se sentiam à
fazer podcasts, como o Freixo vontade à frente dos holofotes. “Se
TeenTalks, onde comentam temas não gostares de dar a cara, dás a
Inês Pinheiro
associados à adolescência e à voz; se não gostas de dar a voz,
Microfones e auscultadores, literacia e segurança online, e uma escreves”, explica. Íris Oliveira, de
computadores, câmaras, luzes e rubrica onde gravam alunos a ler 11 anos, assinala que o Comunica foi
tecidos pendurados pela parede — o poemas e textos. Qualquer um dos um aspecto muito importante para
pequeno estúdio de multimédia da alunos pode participar nestes melhorar não só academicamente
Escola Básica do Freixo, em Ponte podcasts ou enviar notícias escritas, como socialmente. “Mesmo nas
de Lima, é o palco principal do sendo apenas necessário contactar apresentações já estou mais à
jornal escolar Comunica. O anÆtrião o jornal através de e-mail. vontade em falar e expresso-me
da mais recente edição do Encontro José Paiva sublinha que o jornal muito bem.”
Nacional de Jornalistas já tem quase tem, também, como objectivo “dar Já Tomás, de 14 anos, diz que,
3000 artigos publicados e, nos seus voz a toda a gente”, após achar o jornal uma “boa ideia”
quatro anos de existência, já soma independentemente dos seus e começar a escrever e a editar
dois prémios. interesses ou da sua experiência. regularmente, notou que a sua
Quando o jornal foi concretizado, “Temos miúdos com muita escrita melhorou. Está encarregado
em Outubro de 2019, António José diÆculdade em se expor por várias do design gráÆco do jornal e com a
Paiva, professor de Português e razões: não gostam da sua imagem, sua experiência e com o apoio
coordenador do jornal, não tinha têm diÆculdades em falar ou na fornecido pelo coordenador, até já
uma linha editorial. Para este escrita. Por isso, passar daquela começou a dar pequenas aulas de
professor, fazia mais sentido fazer porta para aqui, para um sítio cheio design a alguns colegas.
um jornal “mais diverso”, onde não de holofotes e de luzes, onde são o António José Paiva destaca que o
existissem limitações em relação centro da atenção, é uma barreira mais importante é dar voz a estes
aos formatos e aos temas que intransponível”, aÆrma Paiva. “Eu estudantes. “Eles estão aqui no
poderiam abordar. nunca passaria aquela porta, só meio de 600 alunos e são ‘mais um’.
No entanto, o Comunica obteve, sendo puxado.” Nós gostamos de pegar no ‘mais
inesperadamente, um novo Por esta razão, o professor um’ e fazer dele uma pessoa
objectivo quando, poucos meses desenhou rubricas próprias para os especial. Aquela pessoa a que
após a sua criação, as escolas damos voz, não sabemos se ela é
fecharam sem uma data de previsão O Comunica soma vários aluna de 5 ou se tem muitos amigos;
de retorno às aulas presenciais prémios em quatro anos. Em para nós, é apenas aquela pessoa
devido à pandemia de covid-19. baixo, alguns dos alunos que que se senta aqui e que nós
“Sentimos que havia uma certa fazem este jornal escolar ouvimos.”
desorientação, os miúdos RUI GAUDÊNCIO
sentiam-se baralhados com tudo, e
achámos que o jornal poderia
funcionar como uma forma de
juntar toda a gente, para transmitir
alguma tranquilidade”, comenta o
professor. “Seria um local em que as
pessoas poderiam continuar
unidas”. E funcionou — o professor
recebeu centenas de trabalhos
durante o mês de Abril de 2020,
desde reportagens escritas, em
vídeo ou apenas com áudio, até
trabalhos de música e bandas
desenhadas.
O lema do jornal é que “tudo
pode ser notícia”, e isto veriÆca-se
ao abrir a página principal: vemos NELSON GARRIDO
uma reportagem sobre os tapetes
coloridos de Páscoa montados na
escola, uma receita em vídeo de pão
de linhaça e a meteorologia para a
região do Minho.
Neste momento, o Comunica
realiza um telejornal
semanalmente, dividido em duas
partes, no qual os participantes vão
mudando de acordo com a edição.
A primeira parte remete para
notícias sobre a escola e os seus
eventos, e a segunda, sobre o país e
o mundo. Em vídeo, fazem também
o 1 Minuto, onde os alunos contam
histórias e falam sobre as suas
24 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Local Celebração que reúne amigos e família assinala o Ɗm do jejum
A comunidade
muçulmana celebra Ɗm
do Ramadão com o Eid
al-Fitr (e muito açúcar)
Na casa de Mir Aziz, que já viveu em Lisboa, o mês sagrado
acaba à mesa com família e amigos que vivem no Porto. “Todas
as casas têm a mesma comida, como o bacalhau no Natal”
Reportagem
Ana Isabel Ribeiro Texto
Paulo Pimenta Fotografia
Mir Aziz trocou o Bangladesh por
Portugal em 2010, à procura de
uma vida melhor. Viveu em Lisboa
durante um ano, depois mudou-se
para o Porto, onde abriu lojas de
recordações e mercearias. O
apartamento onde vive com a
mulher e os dois Ælhos Æca num
prédio na Rua da Porta do Sol,
perto da Sé, a escassos passos da
mercearia que à hora do almoço
vai Æcar ao cuidado do funcionário.
“Quando eu voltar, ele vem
almoçar a minha casa”, conta o
homem de 34 anos, enquanto sai
do trabalho para se encontrar com
a família.
O convite não foi feito por acaso.
Ontem, 10 de Abril, a comunidade
muçulmana em Portugal
comemorou o Eid al-Fitr,
celebração que marca o Æm do
jejum do Ramadão. A data varia
consoante o aparecimento da
primeira lua nova do décimo mês e
simboliza o Æm do anterior, que é
considerado sagrado na cultura
islâmica.
“É uma festa doce e hoje só
comemos carne. É diferente
celebrar aqui e no Bangladesh,
porque lá toda a gente sabe o que
é. Todas as casas têm a mesma
comida, como vocês e o bacalhau
no Natal”, explica Aziz. Em casa, a
mulher, Afsana, e a sobrinha Mahi
acabam de pôr a mesa enquanto as
crianças brincam. Na cozinha estão
três grandes panelas ao lume. O
cheiro a caril já se sente na sala e,
enquanto esperam pelos outros
convidados, ouve-se música.
Mahi, de 18 anos, encostada ao
fogão, conta que a tia demorou
três horas a preparar a refeição e
mais algumas da noite anterior
para fazer as sobremesas. Para
almoçar está a contar com 13
pessoas, incluindo os dois irmãos
de Mahi e outros tantos amigos.
Às 13h30, as taças com o arroz
basmati, o frango com caril e a
carne de vaca e de borrego já estão
na mesa, tal como o iogurte que foi
ao forno, o pudim de ovos e leite, e
duas variedades de shemai. “É o
que vocês chamam aletria”, explica
Mir Aziz, antes de começar a
comer.
À excepção do Ælho Anas, de um
ano, que usa um garfo, os pratos
principais são comidos com a
ajuda da mão direita. “Nós
comemos muito rápido, mas
demorem o tempo que quiserem.
Não vão comer isto todos os dias,
só o refrigerante é que encontram
em todos os países”, brinca.
Enquanto come, vai explicando
o que é cada prato e os
ingredientes que foram utilizados.
As coxas de frango têm um travo
picante — não muito, segundo o
comerciante —, por causa do
pimento-verde picante. Os pedaços
de vaca estão numa tigela com
molho e as sobremesas são feitas à
base de ovos, leite e, claro, açúcar.
Muito açúcar.
Para Mir Aziz, que tem
nacionalidade portuguesa, o Eid
al-Fitr não é muito diferente de
algumas festas cristãs. Primeiro
que tudo, é uma celebração
religiosa que começa com uma
oração por volta das 8h30 na
cobertura do metro da Trindade,
no caso do Porto. Em Lisboa,
desde 2011 que o Æm do Ramadão
é comemorado bem cedo e ao ar
livre por milhares de homens
muçulmanos no Martim Moniz,
um protocolo entre a Comunidade
Islâmica do Bangladesh e a
Câmara de Lisboa. As mulheres
rezam em casa ou em espaços
30
É o número aproximado
de dias que o Ramadão dura.
Mas pode variar
reservados da mesquita.
Depois, as celebrações duram
entre dois e três dias, os familiares
juntam-se na mesma casa e os que
vivem longe, como a mãe e a sogra
de Mir Aziz, que estão no
Bangladesh, telefonam aos Ælhos
por videochamada durante a
refeição. “A minha mãe tem 70
anos e não quer vir para cá”,
explica, depois de desligar o
telemóvel.
Um dia que é como
um feriado
No Bangladesh, tal como em todos
os outros países muçulmanos que
festejam o Æm do Ramadão, é
feriado no dia do Eid al-Fitr. “Em
Portugal, é complicado ter mais
pessoas para almoçar porque estão
a trabalhar”, explica Mahi, que
frequenta o 12.º ano numa escola
pública e, como os irmãos, foi
autorizada a faltar às aulas. Está em
Portugal há um ano e juntamente
com o tio é a tradutora da família.
Os pais, que trabalham e vivem na
zona dos Clérigos, só vêm para o
jantar.
Às 14h, meia hora depois do
início do almoço, começam a
chegar mais convidados, desta vez
amigos que também escolheram o
Porto para viver. Como não há
lugares à mesa para toda a gente, o
almoço é feito por turnos. Quando
o primeiro grupo termina, as
mulheres levantam a loiça da
mesa, lavam os pratos e voltam a
colocá-los nos lugares para os três
amigos que estão à espera no sofá.
Mat Akash, de 25 anos, e a
mulher Th Nobobi, de 18, estão a
celebrar pela primeira vez o Eid
al-Fitr juntos. Conheceram-se no
Bangladesh e casaram-se há três
meses no país (numa cerimónia
que se prolongou por quatro dias e
incluiu pratos como os que estão
na mesa da família), por isso, o Æm
do Ramadão deste ano tem um
signiÆcado especial.
Entretanto, Mir Aziz aproveita a
 Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 25

No
Bangladesh,
onde nasceu
Mir Aziz, como
em todos os
países
muçulmanos
que festejam o
fim do
Ramadão, é
feriado no dia
do Eid al-Fitr

restante hora de almoço para
O Ramadão, passar tempo com os dois Ælhos na
segundo o sala. No corredor, alguém bate à
porta para almoçar. Se aparecer
calendário mais alguém entretanto, será
muçulmano, tem servido, garantem.
início na última O que é o Ramadão?
lua nova do oitavo
A palavra “Ramadão” ilustra o acto
mês e acaba na lua de um crente “queimar” os seus
nova seguinte pecados, libertar-se deles, e
corresponde ao nono mês do
calendário islâmico. Para a
comunidade muçulmana é um mês
As celebrações sagrado, de jejum, oração e
do Eid al-Fitr estão abstinência desde o nascer ao pôr
do Sol. É uma forma de
a ser marcadas, autocontrolo profundo, em que os
um pouco por crentes devem provar todos os dias
que são donos dos seus instintos
todo o mundo, mais mundanos, livrando-se de
pelo cenário pecados, falhas e erros.
Durante este mês, há espaço
de destruição para duas refeições por dia — antes
em Gaza e depois do jejum, ou seja, antes de
o nascer do Sol e depois de o Sol se
pôr. O suhoor é uma refeição
idêntica ao pequeno-almoço que
antecede o período de jejum e o
iftar acontece no Ænal de cada dia,
antes da oração da noite e é um
momento de convívio e partilha de
fé. É frequente haver música à
volta da mesa e todos contribuem
para o resultado Ænal. Estão
dispensados do jejum obrigatório
crianças, idosos e doentes e
pessoas grávidas, quem esteja a
amamentar ou a menstruar.
As datas diferem de ano para ano
porque o calendário muçulmano
rege-se pela lua, estando
dependente das suas fases. O
Ramadão tem início na última lua
nova do oitavo mês e termina
aquando da lua nova seguinte (29
ou 30 dias depois). Este ano,
iniciou-se na tarde de dia 10 de
Março e terminou na tarde de
terça-feira, 9 de Abril. Ao longo do
tempo, o Ramadão varia de
estação do ano — por exemplo, em
2030, estima-se que o Ramadão
seja celebrado duas vezes: uma
logo no início do ano e outra já
perto do Ænal.
A passagem de dia 26 para dia 27
é uma das datas mais importantes
do mês: acreditam os muçulmanos
ter sido nessa noite que o seu
profeta Maomé recebeu a primeira
revelação do Corão e há quem
acredite que os pedidos feitos
nessa noite serão concretizados
por Alá.
Por todo o mundo, as
celebrações do Eid al-Fitr estão a
ser marcadas pelo cenário de
destruição em Gaza. Na Palestina, a
comunidade muçulmana uniu-se
para celebrar o Æm do Ramadão
envolta em escombros, em Rafah.
Esta é geralmente uma altura de
abundância, em que famílias se
unem rodeadas de comida,
envergando as melhores roupas,
mas este ano as celebrações são
abafadas pela ofensiva militar
israelita.
Em Istambul, ergueram-se
bandeiras da Palestina e as
palavras de ordem, fora da
Mesquita Hagia Sophia (Santa
SoÆa), eram de apoio ao povo de
Gaza. Na Indonésia, país com a
maior comunidade muçulmana do
mundo, o Presidente do Conselho
de Mesquitas aÆrmou: “Este é o
momento para muçulmanos e
não-muçulmanos mostrarem
solidariedade humanitária, porque
o conÇito em Gaza não é uma
guerra religiosa, é um problema
humanitário”. com Marta Sofia
Ribeiro
26 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Mundo Arizona recupera lei antiaborto de 1864
Fim do direito ao aborto nos EUA pode
virar-se contra Trump em Novembro
Depois de ter nomeado três juízes antiaborto para o Supremo Tribunal, vários estados de maioria
republicana aprovaram leis muito restritivas e contrárias à posição da maioria dos eleitores
Alexandre Martins
A sete meses da próxima eleição pre-
sidencial nos Estados Unidos, e numa
altura em que os índices de aprovação
do Presidente norte-americano, Joe
Biden, se mantêm em mínimos histó-
ricos, a conÆança do Partido Demo-
crata numa vitória em Novembro está
a ser alimentada, com alguma ironia
à mistura, pelo cumprimento de uma
das principais promessas de Donald
Trump: a nomeação para o Supremo
Tribunal dos EUA de três juízes com
um passado de decisões antiaborto.
Foram esses três juízes — Neil Gor-
such, Brett Kavanaugh e Amy Coney
Barrett — que consolidaram uma
maioria ultraconservadora de 6-3 no
Supremo Tribunal, e que, no Verão
de 2022, reverteram uma interpreta-
ção com meio século, segundo a qual
a Constituição norte-americana tinha
nela implícito um direito ao aborto.
Quase dois anos depois da nova
decisão — que, na prática, devolveu a
cada um dos 50 estados o poder para
restringir ou para reforçar o direito
ao aborto nos seus territórios —,
Trump vê-se em diÆculdades para
articular uma posição política que
não o prejudique junto da grande
maioria do eleitorado, e que, ao mes-
mo tempo, não hostilize o poderoso
movimento antiaborto nos EUA.
Na segunda-feira, o ex-Presidente
norte-americano quebrou o silêncio,
para se apresentar junto do movi-
mento antiaborto como “o principal
responsável” pelo Æm do direito ao
aborto nos EUA, e para rejeitar, por
omissão, a principal reivindicação
desse mesmo eleitorado: a aprova-
ção, no Congresso, de uma lei nacio-
nal que proíba e criminalize a prática
em qualquer fase da gravidez.
Segundo Trump, a posição oÆcial
do Partido Republicano, pelo menos
em ano de eleição presidencial, deve
ser a defesa da situação actual, em
que cada estado tem liberdade para
decidir como entender.
Lei de 1864
Na generalidade das sondagens, o
apoio ao direito ao aborto, pelo
menos no primeiro trimestre de gra-
videz, ronda os 70% a nível nacional,
o que torna impopular qualquer com-
promisso de um candidato à Casa
Branca com propostas altamente res-
tritivas, como as que estão já em vigor
em 15 estados norte-americanos,
todos de maioria republicana.
CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH/EPA
Cerca de 70% dos Numa coincidência aproveitada
norte-americanos defendem a por Biden e pelo Partido Democrata
existência do direito ao aborto e para salientar as consequências do
não concordam com as fortes Æm do direito ao aborto a nível nacio-
restrições em vigor em estados nal, o Supremo Tribunal do Arizona
de maioria republicana decidiu, na terça-feira, que não existe
naquele estado um direito ao aborto,
e que os cidadãos e as autoridades
O tema do direito estão obrigados a cumprir uma lei
ao aborto pode que foi aprovada em 1864, quase meio
século antes de o território do Arizo-
beneÄciar Biden na ter sido aceite como um estado de
e os democratas pleno direito nos EUA.
Segundo essa lei, que prevê penas
na eleição de prisão para médicos e outros pro-
presidencial Æssionais de saúde, o aborto é ilegal
REBECCA NOBLE/REUTERS
em qualquer fase da gravidez, incluin-
do em casos de violação e incesto, e
só pode ser equacionado se houver
riscos para a vida das mulheres.
Com esta decisão, anunciada no
Ænal de um processo suscitado pelo
movimento antiaborto, o Arizona vai
tornar-se, a partir de Maio, o 16.º esta-
do onde o aborto é ilegal em quase
todas as circunstâncias e em qualquer
fase da gravidez.
A forma como os dois momentos
se desenrolaram — em rápida suces-
são, entre segunda e terça-feira, e
com grande mediatização no país —
levou o Presidente dos EUA a acusar
os legisladores do Partido Republica-
no de terem uma “agenda extremis-
ta”, e a dizer aos eleitores que Trump
irá promulgar, se vencer a eleição em
Novembro, qualquer lei que proíba o
aborto em todo o país.
As mudanças de posição de Trump
sobre o direito ao aborto, ao longo
dos anos, dão alguma consistência
aos avisos de Biden e do Partido
Democrata.
Em 1999, numa entrevista ao canal
NBC, Trump disse que defendia a
liberdade de escolha, apesar de ser
pessoalmente contra o aborto; em
2011, já se assumia como um opositor
do direito ao aborto; e em 2016,
durante a campanha eleitoral desse
ano, disse mesmo que “tem de haver
algum tipo de punição” para as
mulheres que recorrem ao aborto.
Dinâmica de vitória
As divisões no Partido Republicano,
entre uma ala ultraconservadora que
defende a proibição total do aborto a
nível nacional, e uma série de candi-
datos — incluindo Trump — que vêem
nessa bandeira uma receita para a
derrota em Novembro, estará mesmo
a encorajar o Partido Democrata a
investir mais na campanha presiden-
cial de Biden na Florida.
No início do mês, o Supremo Tri-
bunal daquele estado autorizou a
entrada em vigor, em Maio, de uma
lei que proíbe o aborto a partir das
seis semanas de gravidez; mas, ao
mesmo tempo, os juízes validaram
um referendo, agendado para Novem-
bro, em que os eleitores da Florida
irão dizer se querem incluir na Cons-
tituição local uma protecção do direi-
to ao aborto.
Da mesma forma, o Arizona deverá
também referendar o direito ao abor-
to em Novembro, o que pode contri-
buir, na perspectiva do Partido Demo-
crata, para motivar uma ida às urnas
de eleitores que votaram em Biden
em 2020 e que estariam inclinados a
abster-se este ano.
Em 2020, Biden venceu a eleição
no Arizona por menos de 11 mil votos,
e Trump poderá ter de reverter esse
resultado, em Novembro, para poder
regressar à Casa Branca.
No lado de Biden e do Partido
Democrata, a esperança é que as leis
antiaborto aprovadas pelos republi-
canos em estados como o Arizona e
a Florida, bem como a realização de
referendos que vão dar aos eleitores
a possibilidade de anularem essas
mesmas leis conÆrmem uma dinâmi-
ca de vitória que começou logo após
a decisão do Supremo Tribunal — e
que, ao mesmo tempo, ajudem o par-
tido a neutralizar uma das principais
vantagens de Trump, sobre a segu-
rança na fronteira com o México.
Desde o Verão de 2022, os eleitores
de estados conservadores como o
Kansas, Ohio, Kentucky e Montana
aprovaram em referendo a protecção
do direito ao aborto nas leis desses
territórios; o Partido Democrata obte-
ve resultados acima das expectativas
nas eleições de Novembro de 2022,
incluindo a vitória de uma democra-
ta, Katie Hobbs, na corrida a governa-
dora do Arizona, o que já não aconte-
cia desde 2006.

Biden pede a Israel que “simplesmente
declare um cessar-fogo” em Gaza
Maria João Guimarães
Presidente dos EUA diz que
Benjamin Netanyahu está a
cometer “um erro” em Gaza
e pede uma pausa de seis a
oito semanas na guerra
O Presidente dos Estados Unidos, Joe
Biden, considerou que a abordagem
do primeiro-ministro israelita, Benja-
min Netanyahu, na guerra na Faixa
de Gaza é “um erro” e disse que é pre-
ciso uma trégua temporária para per-
mitir a entrega de provisões alimen-
tares e de saúde.
“O que peço aos israelitas é sim-
plesmente que declarem um cessar-
fogo, que permitam acesso total a
comida e medicamentos durante seis,
oito semanas”, declarou Biden numa
entrevista que foi gravada na semana
passada com a cadeia de televisão
Univison e que foi divulgada anteon-
tem. “Penso que o que ele está a fazer
é um erro”, disse ainda, referindo-se
a Benjamin Netanyahu. “Não concor-
do com a sua abordagem.”
O Presidente classiÆcou ainda
como “revoltante” o ataque em que
morreram sete trabalhadores huma-
nitários da organização World Cen-
tral Kitchen, e declarou que “não há
desculpa” para a falta de comida e
medicamentos para a população da
Faixa de Gaza.
Biden tem criticado publicamente
Israel com cada vez mais acutilância,
e estas declarações são mais uma
subida no tom das críticas. Isso não
tem, no entanto, tido correspondên-
cia com qualquer alteração concreta
prática na política de apoio a Israel,
com uma excepção a ser a abstenção
norte-americana no Conselho de
Segurança permitindo a aprovação
de uma resolução a exigir um cessar-
fogo em Gaza a 25 de Março. Dias
mais tarde, era noticiado o envio de
“milhares de milhões” de dólares em
bombas e caças dos EUA para
Israel.
Biden tem sido muito criticado por
esta posição, e foi revelado pelo bri-
tânico The Independent que houve
oito memorandos de responsáveis
do Departamento de Estado a
expressar opiniões contra a posição
da Administração em relação a Gaza
nos primeiros dois meses de guerra
(durante os primeiros três anos da
guerra do Iraque, lembra o jornal,
houve apenas um).
Do Reino Unido, Rishi Sunak decla-
rou ontem que o país não irá suspen-
der a venda de armas a Israel, já que
“nenhum dos aliados mais próximos
o fez”.
Enquanto isso, continua a existir
um espectro de uma operação sobre
Rafah, de que as autoridades israe-
litas já falam desde o início de Feve-
reiro. O primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu anunciou que já havia
uma data para o início da operação.
Pressão de Joe Biden sobre Benjamin Netanyahu tem aumentado nos últimos meses
Carro onde seguiam atingido por míssil
Ataque de Israel mata filhos e netos do líder do Hamas
Ismail Haniyeh é líder do bureau polí-
tico do Hamas e uma das Æguras-cha-
ve nas negociações para um acordo
que permita um cessar-fogo na Faixa
de Gaza e a libertação dos israelitas
raptados nos ataques 7 de Outubro.
Enquanto estas decorrem, no Cairo,
um ataque da aviação israelita matou
pelo menos seis membros da sua
família — três Ælhos e pelo menos dois
netos — num campo de refugiados no
norte do enclave palestiniano.
“Se eles [Israel] pensam que atacar
os meus Ælhos no auge destas conver-
sações, antes de ser apresentada a
resposta do movimento [Hamas], fará
com que o Hamas mude de posição,
estão a delirar”, aÆrmou Haniyeh, em
declarações à Al-Jazeera. “O sangue
dos meus Ælhos não é mais valioso do
que o sangue dos Ælhos do povo pales-
tiniano... Todos os mártires da Pales-
tina são meus Ælhos”, disse ainda.
Um vídeo divulgado nas redes
sociais, e que o canal pan-árabe diz
No entanto, como aponta o analista
de segurança Yossi Melman na rede
social X, o ministro da Defesa Yoav
Gallant disse ao seu homólogo nor-
te-americano, Lloyd Austin, que não
havia uma data.
Melman considera pouco provável
ter veriÆcado, mostra o momento em
que Haniyeh recebeu a notícia, quan-
do estava no hospital de Doha a visitar
palestinianos feridos que foram reti-
rados de Gaza. Segundo a televisão,
Haniyeh parece repetir uma frase
usada quando alguém morre — “Que
Deus lhes facilite o caminho” — antes
de prosseguir com a visita.
Segundo Haniyeh, que vive exilado
no Qatar, o ataque aconteceu quando
os seus Ælhos visitavam familiares no
campo de refugiados de Shati, cum-
prindo uma tradição da festa do Eid
al-Fitr, que assinala o Æm do Rama-
dão. O jornal israelita Haaretz e a tele-
visão israelita Canal 14 identiÆcam as
Haniyeh diz que o
ataque que ma-
tou três dos seus
filhos não vai in-
fluenciar posição
do Hamas nas
negociações
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 27
que Israel comece esta operação por
estes dias, quando se espera a qual-
quer momento uma retaliação a um
ataque israelita (que Israel não con-
Ærma) a um complexo diplomático
iraniano em Damasco que deixou sete
militares mortos, incluindo um
MIRIAM ALSTER/POOL VIA REUTERS
vítimas como Hazem e a sua Ælha
Amal; Amir, com o seu Ælho Kheled e
a sua Ælha Razan, e Mohammed. Dois
dos netos morreram e o terceiro esta-
rá ferido. De acordo com este canal,
o carro em que circulavam na Cidade
de Gaza foi atingido com um só míssil,
disparado de um avião.
As Forças de Defesa de Israel não
conÆrmaram oÆcialmente o ataque.
“Os três Ælhos de Haniyeh eram ope-
racionais da ala militar do Hamas e
nós estamos determinados a eliminar
todos os operacionais do Hamas”,
disse um responsável ao site de notí-
cias israelita Walla (citado pelo jornal
The Times of Israel).
Líder máximo do movimento isla-
mista, Haniyeh ocupa cargos de rele-
vo no movimento desde o Ænal dos
anos 1980. Como todos os dirigentes
do grupo, viu vários membros da sua
família mortos em ataques israelitas
ao longo dos anos: só nesta guerra, de
acordo com a imprensa palestiniana,
Mundo
importante general da força Al-Quds.
Muitos analistas consideram impro-
vável que Israel abdique de uma ope-
ração em Rafah, onde está uma gran-
de parte da população deslocada da
Faixa de Gaza (mais de um milhão de
pessoas, algumas estimativas falam
em 1,4 milhões, de uma população
total de 2,2 milhões) e, segundo Israel,
quatro batalhões do Hamas.
A pressão internacional tem sido
para assegurar que os civis podem ser
deslocados para um outro lugar, com
um plano apresentado anteriormen-
te indicando uma “zona segura” em
Al-Mawasi a ser considerado insuÆ#
ciente e demasiado pequeno, ainda
assim, algumas pessoas deslocadas
foram para o local. No entanto, tanto
Rafah como Al-Mawasi têm, apesar
de terem sido consideradas zonas
seguras por Israel, sido alvo de ata-
ques aéreos.
Quanto à ajuda em Gaza, as autori-
dades israelitas aÆrmaram na terça-
feira que foram inspeccionados 468
camiões de ajuda humanitária e que
estes entraram no território, descre-
vendo o número como o mais elevado
a entrar no território desde o início
da guerra. Mas as Nações Unidas dis-
seram que o número era mais baixo
e que alguns camiões não iam total-
mente cheios, diz o diário britânico
TheGuardian. com Reuters
tinha perdido um irmão e um sobri-
nho em Outubro; um neto em Novem-
bro e há relatos de que um Ælho já
tivesse sido morto em Fevereiro.
Quando os mortos da violência em
Gaza são já mais de 33 mil (segundo
números das autoridades do Hamas,
considerados credíveis, mas que não
distinguem civis de combatentes) — e
como com muitas pessoas de Gaza —,
Haniyeh já viu morrer dezenas de
membros da sua família alargada nos
últimos seis meses.
“Louvado seja Deus que me hon-
rou com o martírio de três dos meus
Ælhos, juntamente com vários dos
seus Ælhos, para unir-se ao grupo de
mártires da minha família, cujo núme-
ro alcança aproximadamente os 60”,
aÆrmou ainda o dirigente. “Sim, com
o sangue dos mártires, as feridas dos
feridos e a dor, criamos esperança e
criamos liberdade e independência
para o nosso povo, a nossa causa e a
nossa nação.” Sofia Lorena
28 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Mundo
“Reunião de família”: Xi recebe ex-Presidente
de Taiwan e insiste na “reuniƊcação”
António Saraiva Lima
Ma Ying-jeou é o primeiro
antigo governante da ilha
reivindicada pela China
como província chinesa
a visitar Pequim
Ma Ying-jeou, ex-Presidente de
Taiwan (2008-2016) e o último políti-
co do partido nacionalista chinês
Kuomintang (KMT) a ocupar o cargo,
terminou ontem a sua “jornada de
paz” de 11 dias pela República Popular
da China com uma visita ao Presiden-
te do país, Xi Jinping, em Pequim.
Criticada pelo Partido Democrático
Progressista (DPP), no poder desde
2016 — que acusa Ma e o KMT de
serem pró-China e de não valoriza-
rem o facto de o território ser gover-
nado de forma autónoma desde 1949
—, trata-se da primeira visita a Pequim
de um antigo governante da ilha rei-
vindicada pelo Governo chinês como
uma província chinesa. No ano pas-
sado, numa outra visita, que não
incluiu uma paragem na capital, Ma
já se tinha tornado o primeiro antigo
Presidente a deslocar-se até à China.
Referido pelo chefe de Estado chi-
nês e secretário-geral do Partido
Comunista (PCC) como uma “reunião
de família”, o encontro de ontem teve
lugar no Grande Salão do Povo, o
imponente edifício localizado na pra-
Oposição vence legislativas na Coreia do Sul
e deixa o Presidente Yoon em maus lençóis
António Saraiva Lima
O Presidente da Coreia do Sul, o con-
servador Yoon Suk-yeol, sofreu um
duro golpe, depois de o Partido
Democrático (PD, liberal), na oposi-
ção, ter conseguido ampliar a sua
maioria na Assembleia Nacional após
as eleições legislativas realizadas
ontem.
Segundo a agência noticiosa sul-
-coreana Yonhap, com mais de 90%
dos votos contabilizados nos 254 cír-
culos eleitorais do país, o PD estava à
frente em 160, incluindo em vários da
área metropolitana de Seul, enquan-
to o Partido do Poder Popular (PPP,
conservador), de Yoon, só liderava
em 91.
Numa eleição que foi vista por mui-
tos analistas como um verdadeiro
“referendo” a Yoon, eleito há apenas
ça Tiananmen, onde se reúne habi-
tualmente a cúpula política chinesa.
“A interferência externa não pode
travar a tendência histórica da reu-
nião do país e da família”, aÆrmou Xi,
citado pela Reuters, insistindo na
“reuniÆcação” entre dois territórios
“chineses”. “Não há rancor que não
possa ser resolvido, não há problema
que não possa ser discutido e não há
força que nos possa separar.”
“A guerra (...) seria insuportável e
os dois lados do estreito [de Taiwan]
têm a sabedoria de evitar o conÇito”,
disse, por sua vez, Ma, segundo o
South China Morning Post.
Uma vez que nem o Governo chi-
nês nem o Governo taiwanês reco-
nhecem o outro como representante
legítimo do poder político chinês, Xi
tratou o seu convidado como “senhor
Ma” e este referiu-se ao anÆtrião
como “secretário-geral Xi”.
Apesar de já não ter qualquer cargo
oÆcial no partido, Ma Ying-jeou per-
tence ao KMT, o partido nacionalista
que governou a China entre 1928 e
1948. Depois de perder a guerra civil
contra as forças comunistas de Mao
Tsetung — que fundaram a República
Popular da China —, Ma exilou-se em
Taiwan, onde estabeleceu um gover-
no da República da China no exílio.
Tanto o KMT como o PCC dizem
que a China continental e o território
taiwanês (onde vivem mais de 23
milhões de pessoas e onde há eleições
dois anos, a única boa notícia para ele
é a de que toda a oposição, em con-
junto, não deve conseguir eleger dois
terços dos 300 deputados da Assem-
bleia, como chegou a ser sugerido
pelas sondagens à boca das urnas
reveladas pelas principais emissoras
sul-coreanas. Nesse cenário, a oposi-
ção teria deputados suÆcientes para
alterar a Constituição, para ultrapas-
sar vetos presidenciais e, mais rele-
vante, para lançar um processo de
destituição ao chefe de Estado.
O Partido da Reconstrução da
Coreia (PRC, progressista), fundado
há um mês pelo ex-ministro da Justiça
Cho Kuk, está a caminho de eleger até
15 deputados, mas não deve conse-
guir ajudar a oposição a chegar à meta
dos dois terços (200 deputados).
Estas contas incluem tanto os 254
deputados eleitos nos respectivos
Xi e Ma reuniram-se no Grande Salão do Povo, em Pequim
livres, liberdade de expressão e outras
garantidas) fazem parte do mesmo
espaço político-constitucional e, por
isso, ambos defendem a “reuniÆca-
ção” como um “desígnio histórico”,
tendo consagrado a legitimidade do
princípio “uma só China” no chama-
do “Consenso de 1992”.
Na última década, fruto, também,
da governação do DPP, um partido
mais próximo da autonomia, que tem
raízes no movimento independentis-
ta de Taiwan e que defende o statu
quo, o Governo chinês e o PCC têm
insistido no objectivo da “reuniÆca-
ção” a curto-médio prazo e sublinha-
círculos eleitorais, como os 36 depu-
tados escolhidos através do método
de distribuição proporcional dos
votos pelos partidos — o PRC, por
exemplo, só concorreu nesta segunda
votação.
Os resultados Ænais só devem ser
conhecidos hoje de manhã (Ænal da
noite de ontem ou madrugada de hoje
em Portugal continental).
Mesmo não alcançando os dois ter-
ços da Assembleia Nacional, a oposi-
ção sul-coreana terá, ainda assim,
capacidade para continuar a travar a
Legado de Yoon
Suk-yeol está
comprometido.
Não terá maioria
para aprovar
reformas até ao
fim do mandato
XINHUA / JU PENG/EPA
do que a China nunca irá “renunciar
ao uso da força para o alcançar”. Os
exercícios de navios e aviões de guer-
ra chineses em redor da ilha intensi-
Æcaram-se nos últimos dois anos e a
liderança militar e política taiwanesa
acredita que a China pode invadir o
território ainda nesta década.
Enquanto Presidente, Ma foi sem-
pre um acérrimo defensor do diálogo
com Pequim. Esse posicionamento
levou-o a fechar um polémico acordo
comercial com o Governo chinês, em
2013, que esteve na origem do Movi-
mento do Girassol, o nome pelo qual
Æcaram conhecidos os enormes pro-
maior parte das leis e reformas pro-
postas e prometidas por Yoon Suk-
-yeol quando foi eleito Presidente, em
2022.
Não podendo recandidatar-se em
2027 — a Constituição do país asiático
só permite um único mandato presi-
dencial, de cinco anos —, o Presiden-
te arrisca-se seriamente a Æcar mais
três anos sem conseguir implementar
o seu programa e, consequentemen-
te, sem deixar um legado político
digno de nota.
“O PPP fez o seu melhor para fazer
políticas que defendam a vontade do
povo, mas os resultados das projec-
ções são decepcionantes”, admitiu
logo Han Dong-hoon, líder do PPP,
citado pela Yonhap.
Até ao Ænal do mandato, é expec-
tável que Yoon se foque na política
internacional, nomeadamente no
testos estudantis que tiveram lugar no
ano seguinte, em Taipé, que incluí-
ram a ocupação do Parlamento, e que
marcaram toda uma geração de acti-
vistas políticos progressistas e críticos
da aproximação de Taiwan à China.
Antes de Tsai, antes de Lai
Na campanha para a última eleição
presidencial, realizada em Janeiro, na
qual o KMT voltou a defender a neces-
sidade de reabertura dos canais de
comunicação com o outro lado do
estreito, Ma foi uma das Æguras mais
proeminentes do partido nacionalis-
ta a catalogar a votação como uma
escolha entre “guerra ou paz”.
Lai Ching-te, actual vice-presiden-
te, foi, no entanto, o vencedor, e, pela
terceira vez consecutiva, o DPP ele-
geu um Presidente, podendo Æcar no
poder até 2028.
Esta foi a segunda vez que Ma e Xi
se encontram pessoalmente; em
2015, poucos meses antes de Tsai Ing-
wen, actual Presidente, do DPP, ter
vencido as eleições de 2016, os dois
líderes políticos reuniram-se em Sin-
gapura. Desta vez, juntaram-se um
mês antes de Lai, que é descrito pelas
autoridades chinesas como um
“extremista”, um “separatista” e um
“desordeiro”, tomar posse.
A viagem de 11 dias de Ma pela Chi-
na incluiu, para além de Pequim,
paragens em Guangzhou (Cantão),
Zhuhai, Xian e em Zhongshan.
reforço da aliança estratégica com
os Estados Unidos e na continuação
da política de tolerância zero com
as ameaças da vizinha Coreia do
Norte.
De acordo com a Comissão Eleito-
ral Nacional, 67% dos eleitores regis-
tados (quase 29,7 milhões de pes-
soas) participaram nas eleições,
dados que fazem destas legislativas
as mais participadas de sempre na
Coreia do Sul.
Em desaceleração económica e
numa profunda crise demográÆca, a
quarta maior economia da Ásia vive
um período de inÇação e de aumento
signiÆcativo do custo de vida da popu-
lação, que, somado a alguns escânda-
los que envolveram a mulher do Pre-
sidente e alguns antigos membros do
Governo, atira a popularidade de
Yoon para níveis mínimos.

Parlamento Europeu confirma
apoio ao novo Pacto Europeu
para as Migrações e Asilo
Rita Siza, Bruxelas
Eurodeputados validaram
texto final negociado com
Estados-membros.
Aprovação definitiva da
legislação a 29 de Abril
O plenário do Parlamento Europeu
conÆrmou ontem o seu apoio ao acor-
do político fechado com os Estados-
membros, em Dezembro, para um
novo Pacto Europeu para as Migra-
ções e Asilo que revê o funcionamen-
to do sistema de gestão dos Çuxos
migratórios e protecção das fronteiras
da União Europeia, através da mudan-
ça das regras para o acolhimento e
redistribuição de refugiados, e o repa-
triamento dos candidatos à protecção
internacional que vejam os seus pedi-
dos rejeitados.
O pacote legislativo sobre a gestão
das migrações e asilo foi aprovado
com 322 votos a favor, 226 votos con-
tra e 31 abstenções. A aprovação Ænal
no novo pacto pelo Conselho Euro-
peu, para posterior publicação no
Jornal Oficial da União Europeia e
entrada em vigor da nova legislação,
está agendada para 29 de Abril.
Depois disso, está previsto um perío-
do de adaptação: os novos regula-
mentos só começam a ser aplicados
em 2026, e em relação às directivas
que foram revistas, os Estados-mem-
bros dispõem de um prazo de dois
anos para proceder à sua transposi-
ção para a lei nacional.
“As migrações constituem um desa-
Æo europeu, que exigia uma resposta
europeia. Posso dizer com orgulho
que fomos capazes de encontrar uma
solução verdadeiramente europeia.
Esta é uma grande conquista para a
UE. Mas o nosso trabalho não está
terminado. Agora temos de tornar
este novo pacto um sucesso na Euro-
pa”, aÆrmou a presidente da Comis-
são Europeia, Ursula von der Leyen,
numa conferência de imprensa no
Parlamento Europeu, após a votação
no plenário. “Este foi um passo muito
importante, mas foi só o primeiro
passo”, concordou o primeiro-minis-
tro da Bélgica, Alexander De Croo,
que detém a presidência rotativa do
Conselho da UE.
A aprovação da proposta no hemi-
ciclo de Bruxelas é o culminar de um
longo processo político para a revisão
das contestadas regras do chamado
sistema de Dublin para a análise de
pedidos de protecção internacional
e o tratamento de requerentes de asi-
lo que tenham entrado em território
europeu de forma irregular, que por
Von der Leyen, com Metsola e o belga De Croo, após a aprovação
várias vezes esteve em risco de falhar.
Aliás, o desfecho da votação de ontem
esteve em dúvida até ao Æm, com
vários eurodeputados a indicarem
uma mudança de última hora no seu
sentido de voto, semanas depois de
terminadas as negociações políticas
entre os co-legisladores.
Reforma demorou anos
Mas com o prazo da legislatura a che-
gar ao Æm, os eurodeputados sabiam
que não voltariam a ter outra oportu-
nidade para aprovar uma reforma
que demorou mais de três anos a Æcar
fechada. “Este foi um voto democrá-
tico, mesmo se não resultou numa
maioria larga. A diferença foi curta,
mas é sempre assim em matérias que
são politicamente sensíveis, como é
o caso”, reconheceu a presidente do
Esta é uma
grande conquista
para a UE.
Mas o nosso
trabalho não
está terminado.
Agora temos
de tornar este
novo pacto um
sucesso na Europa
Ursula von der Leyen
Presidente da Comissão Europeia
OLIVIER HOSLET/EPA
Parlamento Europeu, Roberta Metso-
la, que desvalorizou o potencial apro-
veitamento político do acordo pelas
forças de extrema-direita durante a
campanha eleitoral para as euro-
peias.
Com dez textos legislativos, o novo
Pacto para as Migrações e Asilo assen-
ta em três pilares para a gestão dos
Çuxos migratórios em direcção à UE.
Há uma vertente externa, que tem a
ver com a cooperação em termos de
segurança e apoio ao desenvolvimen-
to dos países vizinhos que são ponto
de partida ou de trânsito de migrantes
e candidatos a asilo; uma dimensão
relativa ao controlo das fronteiras,
com diferentes procedimentos para
a triagem e para a autorização das
entradas, que incluem a migração
legal; e Ænalmente novos esquemas
(ou instrumentos) Çexíveis para os
Estados-membros acolherem refugia-
dos e responderem às demandas de
asilo — sejam de candidatos à protec-
ção internacional, e de migrantes
económicos que se tentam aproveitar
do sistema para permanecer no ter-
ritório da UE.
Com o novo pacto, os Estados-
membros vão poder optar entre rece-
ber os candidatos à protecção inter-
nacional no seu território, ou então
patrocinar o seu repatriamento, para
um país terceiro, no caso de indeferi-
mento dos pedidos. A principal
mudança face ao sistema anterior tem
a ver com as situações de emergência
e crise: se houver uma pressão incom-
portável que leve o sistema de asilo
ao ponto de ruptura, os Estados-
membros passam a dispor de um
novo mecanismo de solidariedade
obrigatória e permanente para a
redistribuição de refugiados.
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 29
Dor de cabeça do ANC
aumenta na África do Sul
depois de tribunal manter
candidatura de Zuma
António Rodrigues
Obrigado a demitir-se em
2018 por suspeitas de
corrupção, antigo líder do
ANC vai mesmo ser cabeça
de lista de um novo partido
Jacob Zuma vai mesmo poder concor-
rer às eleições de 29 de Maio, depois
de na terça-feira o Tribunal Eleitoral,
em Joanesburgo, ter aceitado o recur-
so do partido uMkhonto weSizwe
(MK), permitindo que o nome do ex-
Presidente sul-africano seja incluído
nos boletins de voto, contrariando a
decisão da Comissão Eleitoral Inde-
pendente, que havia excluído a sua
candidatura por ter sido condenado
a uma pena de 15 meses de prisão, em
2021, ou seja, há menos de cinco anos,
como refere a Constituição.
O MK vai agora enfrentar a campa-
nha eleitoral para as eleições gerais
com o sonho de se tornar na terceira
força política no Parlamento e a ilusão
de poder contribuir para o Æm da
hegemonia pós-apartheid do Con-
gresso Nacional Africano (ANC).
Se tal acontecer, não deixará de ser
irónico que o ANC, desgastado por
três décadas de poder, fragilizado
pela crise económica e tido como
corrupto por considerável parte da
sociedade veja o seu resultado nas
urnas afectado por um dos que mais
contribuíram para essa percepção.
De acordo com a investigação da
Comissão Zondo, durante os seus
nove anos no poder, o então Presi-
dente sul-africano permitiu “a cap-
tura do Estado” por interesses priva-
dos. Os indícios de corrupção eram
tão graves que o partido o obrigou a
abreviar o seu segundo mandato e a
Zuma vai ser candidato pelo
partido MK
Mundo
demitir-se, não sem antes Zuma ter
resistido o mais que pôde ao seu
afastamento.
Agora, a julgar pelas sondagens,
poderá ter a oportunidade de se vin-
gar do movimento político que foi o
seu desde os tempos da luta contra o
apartheid, ao qual se juntou aos 17
anos, pelo qual esteve preso ao lado
de Nelson Mandela e outros líderes
na prisão de Robben Island e pelo
qual viveu exilado em Moçambique.
Se o ANC perder a maioria no Par-
lamento pela primeira vez desde o Æm
do regime de maioria branca no país,
Cyril Ramaphosa (um empresário
abastado igualmente suspeito de cor-
rupção) precisará do apoio de outro
partido para ser reeleito. Na África do
Sul, o Presidente não é escolhido pelo
voto popular, mas pelos 400 deputa-
dos que saem das eleições.
Quem não pode mesmo ser eleito
Presidente é Zuma, mesmo Ægurando
como cabeça de lista do MK e seu can-
didato à cheÆa do Estado e do Gover-
no. A Constituição limita o exercício
da presidência a dois mandatos por
vida. Mas pode, desde o seu assento
de deputado, inÇuenciar quem se
sentará na Mahlamba Ndlopfu, a resi-
dência oÆcial do Presidente.
“A decisão do tribunal exerce pres-
são suplementar sobre o ANC, cujo
eleitorado tem migrado em boa parte
para a abstenção”, explica Jonuel
Gonçalves, investigador do ISCTE/
IUL e habitual comentador de assun-
tos africanos do PÚBLICO. Com Zuma
e o seu MK, esse eleitorado tem agora
“possibilidade de votar numa candi-
datura contra o partido no poder”.
Segundo Jonuel Gonçalves, para o
ANC, o efeito negativo nas urnas do
ex-Presidente e do seu veículo políti-
co criado no ano passado “será parti-
cularmente possível na província do
KwaZulu-Natal, que pode ser a segun-
da não-governada pelo ANC, como já
acontece desde Æm do apartheid no
Cabo Ocidental”.
Uma nova sondagem da Social
Research Foundation, divulgada
ontem, consolida o MK como a tercei-
ra força política, com 14% de inten-
ções de voto, depois de em Fevereiro
ter surgido com 13% na sondagem da
Fundação Brenthurst/SABI Strategy
Group. Ao mesmo tempo, o ANC con-
tinua a descer de inquérito para
inquérito: passando este ano dos
41,4% no estudo do ENCA/Markdata,
para os 39%, no da Brenthurst/SABI,
e agora para os 38%, no da Social
Research. O trabalho de campo desta
sondagem ainda não reÇecte o resul-
tado da decisão judicial que mantém
Zuma como candidato.
30 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024

Economia Política monetária

BCE cada vez com mais

conƊança de que a
inƍação está controlada
Expectativa não é ainda de que da reunião do BCE de hoje saia
uma descida dos juros. Mas os dados recentes devem levar
Christine Lagarde a dar sinais de que o corte será feito em Junho
Sérgio Aníbal
Pela primeira vez desde que os alar-
mes da inÇação voltaram a soar em
Frankfurt no início de 2022, parece
ser consensual entre analistas, políti-
cos e responsáveis do banco central
da zona euro que a escalada dos pre-
ços que a Europa tem sofrido está
agora controlada. E que, Ænalmente,
as taxas de juro podem começar a
descer.
Esse movimento de descida dos
juros tão desejado pelas famílias e
empresas europeias não irá aconte-
cer, com quase absoluta certeza, no
Ænal da reunião do conselho de gover-
nadores do Banco Central Europeu
(BCE) que se realiza hoje. Mas parece
cada vez mais evidente que, depois
da habitual conferência de imprensa
da presidente da instituição, a guerra
contra a inÇação na zona euro entra-
rá deÆnitivamente noutra fase e as
portas Æcarão abertas para que, no
encontro agendado para o dia 6 de
Junho, as taxas de juro, neste momen-
to em máximos, comecem a descer.
Christine Lagarde tem insistido nos
últimos meses que o BCE decide, reu-
nião após reunião, com base nos
dados que vão sendo divulgados. E
aquilo que os dados têm vindo a
apontar é para que as pressões inÇa-
É este tipo de resultados que faz com
que economistas especialistas em
política monetária, como o português
Ricardo Reis, assumam agora um tom
mais optimista em relação à evolução
dos preços. “Claro que depende das
políticas adoptadas no futuro e dos
choques que aí vierem, mas estou
optimista que a inÇação esteja con-
trolada”, aÆrma o professor na Lon-
don School of Economics, assumindo
que “quer o BCE quer a Reserva Fede-
ral têm condições para cortar as taxas
de juro no Verão”, embora “só ligei-
ramente e pausadamente”.
Dentro do BCE, também a maioria
que até aqui considerava perigoso
começar a aliviar o combate à inÇação
demasiado cedo mostra-se agora dis-
posta a ceder, admitindo dar início
em Junho a uma sequência de descida
de taxas de juro.
A mudança de opinião acontece
porque, para além da descida do
valor da taxa de inÇação homóloga,
também se têm vindo a atenuar os
dois principais factores de risco que
eram apresentados como justiÆcação
para não alterar mais rapidamente de
política: a persistência de uma taxa
de inÇação subjacente (a que retira
da análise os bens alimentares e ener-
géticos) elevada e a possibilidade de
os salários subirem muito e provoca-
com aquela que é a expectativa rela-
tivamente a onde estarão os indica-
dores dentro de cerca de seis meses”.
“Se estas taxas de inÇação já estives-
sem perto de 2%, isso signiÆcaria que
o banco central já se tinha atrasado a
cortar as taxas de juro”, aÆrma o eco-
nomista.
Moderação salarial
Depois, em relação aos salários, os
sinais dados nos últimos meses na
Europa são os de que não se conÆr-
ma o receio de que se pudesse criar
uma espiral de salários e preços na
Europa.
Há duas semanas, um estudo publi-
cado por economistas do BCE assina-
lava que, em comparação com as
crises inÇacionistas registadas nos
anos 70 do século passado, agora a
subida do peso dos salários na econo-
mia tem sido bem mais moderada,
algo que se explica, por exemplo, por
haver uma menor prática de indexa-
ção dos salários à inÇação ou pelo
menor grau de sindicalização dos tra-
balhadores.
Os dados publicados recentemen-
te, embora mostrem que a evolução
dos salários tenta compensar a subida
de preços registada nos últimos anos,
conÆrmam que tal está a acontecer
INE confirma subida de 2,3% dos preços em Março
de uma forma moderada e já em

cionistas, sentidas na zona euro desde
o Ænal de 2021, e que se intensiÆca-
ram no arranque de 2022 com o
impacto da guerra na Ucrânia, este-
jam a Æcar controladas.
Na semana passada, Æcou a saber-
se que a taxa de inÇação homóloga na
zona euro voltou a baixar em Março,
de 2,6% para 2,4%, um valor que é o
mais baixo desde Agosto de 2021 e
que surpreendeu os analistas, que
esperavam em média uma descida
mais moderada, para 2,5%.
A taxa de inÇação já está muito
distante dos máximos acima de 10%
que atingiu no Ænal de 2022, aproxi-
ma-se da meta de médio prazo do
BCE (de 2%) e, muito importante,
tem revelado, ao longo dos últimos
meses, uma tendência consistente
de descida, numa altura em que se
temia – como se tem vindo a veriÆcar
nos Estados Unidos da América
(EUA) – vir a assistir à persistência de
pressões inÇacionistas.
rem mais inÇação, através dos cha-
mados efeitos de segunda ordem.
De facto, no que diz respeito à inÇa-
ção subjacente, embora ela continue
acima da inÇação total, Æcou evidente
nos últimos meses que há uma ten-
dência clara de descida. Em Março,
na zona euro, a taxa de inÇação sub-
jacente caiu de 3,3% para 3,1%, tam-
bém abaixo das expectativas dos ana-
listas e mostrando que, cada vez mais,
o ritmo de crescimento da generalida-
de dos preços se aproxima progressi-
vamente dos objectivos do BCE.
Como explica Ricardo Reis, é nor-
mal que a taxa de inÇação subjacente,
assim como a taxa de inÇação nos
serviços, que está em 4%, se mante-
nham ainda a um nível mais alto. “São
indicadores mais ‘pegajosos’, demo-
ram mais a descer, mas estão a descer
e, portanto, vejo razões para acredi-
tar que no Ænal do ano estejam nos
2,5%”, aÆrma, lembrando que “a polí-
tica monetária tem de agir de acordo
abrandamento. Em Fevereiro, Æcou
a saber-se que os aumentos salariais
negociados colectivamente na zona
euro passaram de um crescimento de
4,7% no terceiro trimestre do ano pas-
sado para 4,5% no quarto, mostrando
que estão a acompanhar a descida da
inÇação.
E no inquérito realizado pelo BCE
à capacidade de acesso a Ænancia-
mento das empresas, publicado na
segunda-feira, as respostas dadas
mostram que os responsáveis empre-
sariais antecipam agora um aumento
dos salários nos próximos 12 meses
de 3,8%, em vez dos 4,5% do inquéri-
to anterior.
Na sua última conferência de
imprensa, Lagarde destacou o facto
de, antes da reunião de hoje e antes
do plenário de 6 de Junho, serem
conhecidos dados para a evolução
dos salários que seriam cruciais
para as decisões a tomar pelo banco
central. Os primeiros dados, para já,
A
taxa de inflação homóloga
foi de 2,3% em Março, mais
0,2 pontos percentuais (p.
p.) face ao observado em
Fevereiro, confirmando-se um
regresso às subidas dos preços,
depois da descida verificada no
mês anterior, para 2,1%. “Com
arredondamento a uma casa
decimal, esta taxa coincide com
o valor da estimativa rápida
divulgada a 28 de Março”,
assinalou ontem o Instituto
Nacional de Estatística (INE).
O indicador de inflação
subjacente, que exclui da análise
os produtos alimentares não
transformados e os produtos
energéticos, acelerou para 2,5%,
acima dos 2,1% de Fevereiro, o
que significa que há outros
produtos do cabaz que
influenciaram o crescimento
homólogo da inflação.
Assim, apesar das
contribuições positivas da
electricidade, gás e outros
combustíveis, o INE destaca
ainda os transportes,
restaurantes e hotéis, habitação
e água. “Em sentido contrário,
destacam-se as contribuições
negativas dos acessórios,
equipamento doméstico e
manutenção corrente da
habitação”, assim como do
vestuário e calçado.
Quanto à variação mensal dos
preços, foi de 2%, depois de uma
variação nula entre Janeiro e
Fevereiro (face a Março de 2023
registou-se uma subida de 1,7%).
“A habitual entrada da nova
colecção de vestuário e
calçado” justifica que tenha sido
nesta classe de produtos que
houve maior contributo para a
variação mensal de preços

(aumento de 26,1% face a
Fevereiro).
O índice relativo aos produtos
energéticos aumentou para 4,8%
(4,3% em Fevereiro) face a Março
de 2023, enquanto o índice
referente aos produtos
alimentares não transformados
diminuiu para -0,5% (0,8% no mês
anterior), o que se justifica
parcialmente com o efeito de
base associado ao aumento de
preços registado em Março de
2023 (variação mensal de 1,5%),
adianta o INE.
Em relação aos produtos
energéticos, e comparando com
Fevereiro, “registou-se um
aumento de preços de 0,1%, que
contrasta com a diminuição de
0,4% registada em Março de
2023”.
No caso dos produtos
alimentares e bebidas não
alcoólicas, os preços subiram
0,2% em Março face a Fevereiro,
embora a maioria das categorias
tenha registado “uma
diminuição da respectiva taxa
de variação homóloga”. Entre
eles, o INE destaca os produtos
hortícolas”, cujos preços caíram
6,7% em termos homólogos e
reduziram-se em 2% na
comparação com Fevereiro.
No conjunto, os preços dos
produtos alimentares continuam
a situar-se 27% acima do nível
médio de preços de 2021.
“Refira-se que é expectável um
aumento do impacto do efeito
de base nesta classe que poderá
determinar a aceleração dos
preços em Maio, em
consequência da medida de
isenção do IVA de um conjunto
de bens alimentares essenciais”,
refere o INE. Ana Brito
KAI PFAFFENBACH/REUTERS
Bancos centrais perto de declarar fim
da luta contra a inflação
Taxa de inflação homóloga
Em %
12
10
8 EUA
6
4 Mar.
2 Zona euro
0 -1
2021 2022 2023
Fonte: BCE, Reserva Federal, Eurostat, Departamento do Trabalho dos EUA
foram num sentido que torna mais
provável um corte das taxas de juro
pelo BCE.
Fed a divergir
Há ainda assim duas outras preocu-
pações que têm estado na cabeça dos
responsáveis do BCE e que não se
atenuaram nas últimas semanas.
A primeira tem que ver com o facto
de, nos Estados Unidos, as pressões
inÇacionistas, ao contrário do que
aconteceu na zona euro, estarem a
persistir ao longo de 2024. De acordo
com os dados divulgados pelo Depar-
tamento do Trabalho norte-america-
no, a taxa de inÇação homóloga nos
EUA subiu em Março de 3,2% para
3,5%, um resultado que não só adia o
regresso à desejada tendência de des-
cida, como Æca também acima daqui-
lo que era previsto pelos analistas.
Esta resistência da taxa de inÇação
às taxas de juro altas faz com que a
BCE terá de lidar com o facto de Reserva Federal norte-americana
a Fed poder ter de reavaliar os (Fed), também colocada perante
seus planos de descida de taxas dados bastante fortes do mercado de
de juro ao longo deste ano trabalho, possa ter de reavaliar os seus
planos de descida de taxas de juro ao
longo deste ano. Na última reunião,
os responsáveis da Fed previam a rea-
lização de três cortes até ao Ænal de
2024, em linha com a expectativa dos
mercados, mas a possibilidade de
haver menos cortes, ou mesmo
nenhum, começa a ser colocada.
Para o BCE, isto pode constituir um
problema para os seus próprios pla-
nos de suavização da política mone-
Com certeza que tária. Se os mercados começarem a
o BCE pode cortar perceber que o diferencial entre as
taxas de juro da Fed e do BCE se irá
antes de a Fed alargar signiÆcativamente, isso pode-
começar a cortar, rá conduzir a uma depreciação do
euro face ao dólar, algo que por sua
tem toda a vez contribuiria para uma maior inÇa-
autonomia para ção nos produtos importados (como
o petróleo), o que forçaria o BCE a
agir como for refazer as suas contas.
mais apropriado Ricardo Reis reconhece que “há
um efeito cambial que leva a que o
Ricardo Reis BCE não possa se calhar cortar tanto
Economista as taxas no caso de a Fed não efectuar
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 31
Taxas de juro de referência
dos bancos centrais
Em %
6 Abr.
5,33
5
4 4,0
EUA
3
2 Zona euro
3,5 1
0
2,4
2024 2021 2022 2023 2024
PÚBLICO
qualquer corte”, mas não acredita
que haja o risco de, na zona euro, se
Æcar à espera que os problemas se
resolvam nos EUA para começar a
mudar o rumo da política monetária.
“Com certeza que o BCE pode cortar
antes de a Fed começar a cortar, tem
toda a autonomia para agir como for
mais apropriado”, aÆrma.
A outra preocupação está na ideia,
cada vez mais generalizada, de que,
após um período em que a taxa de
juro real nas economias avançadas se
manteve a níveis muito baixos, o que
se está a assistir agora é a uma subida
deste indicador.
Num estudo publicado pelo Broo-
kings Institution na semana passada,
quatro economistas, um deles o nor-
te-americano Kenneth Rogoè, defen-
dem que fenómenos como o recuo da
globalização ou o agravamento dos
rácios da dívida pública fazem com
que as taxas de juro reais muito bai-
xas tenham Æcado para trás.
O que isto signiÆca, para a política
monetária, é que, para cumprirem as
suas metas de inÇação, os bancos
centrais vão ter de colocar as taxas de
juro mais altas do que antigamente.
Neste caso, BCE e Fed não poderão
pensar em baixar as taxas de juro
para os mesmos níveis em que se
encontravam antes da crise inÇacio-
nista, sendo mais incerto até onde
poderão ir exactamente.
Ricardo Reis concorda que se está
agora perante uma nova realidade no
que diz respeito ao nível das taxas de
juro. “Tenho escrito muito, nos últi-
mos anos, que as taxas de juro reais
estão agora bastante mais altas e que,
por isso, as taxas de juro nominais
dos bancos centrais terão de ser mais
altas do que tinham sido antes para
manterem a inÇação ao nível deseja-
do. Se baixarem demasiado, teremos
uma subida da inÇação. Mas se os
bancos centrais reagirem de forma
correcta, ajustando as suas taxas de
juro a um nível mais alto do que o
Æzeram na última década, vão conse-
guir controlar a inÇação”, aÆrma.
32 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024

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Sábado 11H às 17H

EDITAL EDITAL ANÚNCIO

Considerando que foi apenas notificado Manuel de Medeiros Amaral,
cabeça de casal da herança de (…) e por não ser possível aferir
quais os atuais (totais) herdeiros e o seu paradeiro, de acordo com
o n.º 4 do artigo 11.º, do Código das Expropriações, é publicado o
presente EDITAL a dar conhecimento “da existência de proposta” da
intenção desta Autarquia em adquirir o imóvel sito ao Calhau D’Areia
n.º 6 (também conhecido como Beco de São Pedro n.º 6), freguesia de
Nossa Senhora do Rosário, concelho de Lagoa – Açores (coordenadas
X=625149,46 e Y=4178140,15) com a área de 76,17m2 de terreno, e
inscrito sob o artigo matricial n. º 309 e registado na conservatória do
registo predial de Lagoa sob o número 3646/20121010, para o afetar
ao domínio público, designadamente prolongamento da ciclovia da
cidade de Lagoa, desde o Portinho de São Pedro até à Baia de Santa
Cruz.
Assim, e ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 33.º da Lei
n.º 75/2013 de 12 de setembro, na sua atual redação, venho, por este
meio, e em representação da Câmara Municipal de Lagoa, informar a
todos os eventuais interessados, que existe proposta de aquisição do
referido imóvel cujas condições poderá consultar no Edifício Sede da
Câmara Municipal, sito em Largo D. João III, Santa Cruz, 9560-045,
Lagoa, Açores ou poderá solicitar o seu envio, indicando, para o efeito,
os seus dados de contacto (morada completa ou endereço de email).
Mais se informa que a respectiva proposta foi enviada ao referido
proprietário conhecido.
Por fim, informo que, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 5 e
6, do Código das Expropriações, V. Exas. dispõem do prazo de
30 dias, a contar da última publicação do presente EDITAL nos
respectivos jornais para dizer o que se lhe oferecer sobre a proposta
apresentada, podendo a sua contra-proposta ter como referência o
valor determinado em avaliação elaborada por perito à sua escolha.
Também informo que a recusa ou falta de resposta no prazo acima
referido, confere, de imediato, a esta Câmara Municipal a faculdade
Considerando que a carta/ofício, de tentativa de aquisição por via do
direito privado, endereçado ao proprietário conhecido (Maria de Deus
Franco Costa) veio devolvido, de acordo com o n.º 4 do artigo 11.º,
do Código das Expropriações, é publicado o presente EDITAL a dar
conhecimento “da existência de proposta” da intenção desta Autarquia
em adquirir o imóvel sito à Avenida do Conselheiro Poças Falcão n.º 33,
freguesia de Santa Cruz, concelho de Lagoa – Açores (coordenadas
X=625938,70 e Y=4178782,00) com a área de 705m2 de terreno, e
inscrito sob o artigo matricial n. º 502 e registado na conservatória do
registo predial de Lagoa sob o número 922/19930607, para o afetar ao
domínio público, designadamente edificação-afectação a um parque de
estacionamento, que sirva o parque habitacional circundante e a escola
Básica e Integrada de Lagoa.
Assim, e ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 33.º da
Lei n.º 75/2013 de 12 de setembro, na sua atual redação, venho, por
este meio, e em representação da Câmara Municipal de Lagoa, informar
a todos os eventuais interessados, que existe proposta de aquisição
do referido imóvel cujas condições poderá consultar no Edifício Sede
da Câmara Municipal, sito em Largo D. João III, Santa Cruz, 9560-045,
Lagoa, Açores ou poderá solicitar o seu envio, indicando, para o efeito, os
seus dados de contacto (morada completa ou endereço de email).
Mais se informa que a respectiva proposta foi enviada ao proprietário
conhecido e melhor identificado na Caderneta Predial e Certidão
Permanente do Prédio em questão.
Por fim, informo que, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 5 e 6,
do Código das Expropriações, V. Exas. dispõem do prazo de 30 dias,
a contar da última publicação do presente EDITAL nos respectivos
jornais para dizer o que se lhe oferecer sobre a proposta apresentada,
podendo a sua contra-proposta ter como referência o valor determinado
em avaliação elaborada por perito à sua escolha. Também informo que a
recusa ou falta de resposta no prazo acima referido, confere, de imediato,
a esta Câmara Municipal a faculdade de apresentar requerimento para
Carlos Manuel Ramos dos Santos, Presidente da Câmara Municipal de Sernancelhe,
torna público que:
A Câmara Municipal de Sernancelhe, na reunião ordinária realizada no dia 21 de
março de 2024, deliberou nos termos e para os efeitos previstos no n.º 5 do artigo 10.º
do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, na sua
redação atual, requerer a utilidade pública e a posse administrativa da parcela a seguir
identificada necessária à prossecução da obra “Passadiços do Távora – 2ª fase”
PARCELA N.º 2
Parcela com 2 145 m2 (dois mil cento e quarenta e cinco metros quadrados), a destacar
do prédio rústico sito na Lameira da Corga, confrontado do norte com caminho, do sul
com Barragem, de nascente com Barragem e do poente com Eletricidade de Portugal,
com área de 1,750000 ha, inscrito na matriz da freguesia da União de Freguesias de
Penso e Freixinho sob o artigo 993, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob
o número 344, da freguesia de Freixinho;
Ficando a parcela destacada a confrontar:
Norte com: António Saldanha Gomes Mota
Sul com: Barragem
Nascente com: Caminho
Poente com: Angélica da Fonseca (cabeça de casal da herança) e passadiço.
Nos termos do n.º 2 do artigo 11.º do Código das Expropriações encontra-se patente
nos serviços da Divisão Administrativa e Financeira da Câmara Municipal uma proposta
de aquisição da supra identificada parcela, fundamentada em relatório de avaliação
efetuado por perito da lista oficial do Ministério da Justiça.
Encontra-se ainda para consulta:
- Ficha da identificação da parcela a expropriar e seus proprietários;
- Extrato da planta parcelar com a delimitação da área que se presente expropriar.
Registando-se a impossibilidade de aquisição da parcela por via do direito privado,
conforme se refere no número 5.º do artigo 10.º e no n.º 1 do artigo 11.º do Código das
Expropriações, e por ser verdade, se publica o presente edital e outros de igual teor,
que vão ser afixados nos lugares do estilo do Município de Sernancelhe e da União de
Freguesias de Penso e Freixinho.
Sernancelhe, 03 de fevereiro de 2024
O Presidente da Câmara, Carlos Manuel Ramos dos Santos

CONHEÇA AS NOSSAS COLECÇÕES

de apresentar requerimento para a declaração de utilidade pública,
dando-se, assim, seguimento ao processo de expropriação do prédio.
Paços do concelho de Lagoa – Açores, 10 de abril de 2024.
O Vice Presidente da Câmara Municipal, Frederico Furtado de Sousa
a declaração de utilidade pública, dando-se, assim, seguimento ao
processo de expropriação do prédio.
Paços do concelho de Lagoa – Açores, 10 de abril de 2024.
O Vice Presidente da Câmara Municipal, Frederico Furtado de Sousa
DE HISTÓRIA EM LOJA.PUBLICO.PT
MAIS INFO: 210 111 010

Fundada em 1988 pelo Professor Doutor Carlos Garcia, a Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes
de Alzheimer - Alzheimer Portugal é uma Instituição Particular de Solidariedade Social. É a única organização em
Portugal, de âmbito nacional, constituída há mais de 30 anos especificamente para promover a qualidade de vida das
pessoas com demência e dos seus familiares e cuidadores. Tem cerca de dez mil associados em todo o país.
Oferece Informação sobre a doença, Formação para cuidadores formais e informais, Apoio domiciliário, Apoio Social
e Psicológico e Consultas Médicas da Especialidade.
Como membro da Alzheimer Europe, a Alzheimer Portugal participa ativamente no movimento mundial e europeu
sobre as demências, procurando reunir e divulgar os conhecimentos mais recentes sobre a Doença de Alzheimer,
promovendo o seu estudo, a investigação das suas causas, efeitos, profilaxia e tratamentos.
Contactos:
Sede: Av. de Ceuta Norte, Lote 15, Piso 3 Quinta do Loureiro, 1300-125 Lisboa
Telefones: 213 610 460 - Fax : 21 361 04 69 - E-mail: geral@alzheimerportugal.org
Centro de Dia Prof. Doutor Carlos Garcia: Av. de Ceuta Norte, Lote 1, Loja 1 e 2 Quinta do Loureiro, 1350-410 Lisboa - Telefone: 213 609 300 - E-mail: geral@alzheimerportugal.org
Lar, Centro de Dia e Apoio Domiciliário «Casa do Alecrim», Rua Joaquim Miguel Serra Moura, n.º 256 - Alapraia
2765-029 Estoril - Telefone: 214 525 145 - E-mail: casadoalecrim@alzheimerportugal.org
Horário de Atendimento: Quartas e sextas, entre as 9h e as 13h
Núcleo do Ribatejo da Alzheimer Portugal: R. Dom Gonçalo da Silveira n.º 31 «A, 2080-114 Almeirim
- Telefone: 243 000 087 - E-mail: geral.ribatejo@alzheimerportugal.org
Delegação Norte da Alzheimer Portugal: Centro de Dia «Memória de Mim», Rua do Farol Nascente
n.º 47A R/C, 4455-301 Lavra - Telefone: 229 260 912 | 226 066 863 - E-mail: geral.norte@alzheimerportugal.org
Delegação Centro da Alzheimer Portugal: Centro de Dia do Marquês, Urb. Casal Galego - Rua Raul Testa Fortunato n.º 17, 3100-523 Pombal
- Telefone: 236 219 469 - E-mail: geral.centro@alzheimerportugal.org
Núcleo do Algarve da Alzheimer Portugal: Urbanização do Pimentão, lote 2, Cave, Gabinete 3, Três Bicos, 8500-776 Portimão
- Telemóvel: 965 276 690 - E-mail: geral.algarve@alzheimerportugal.org
Delegação da Madeira da Alzheimer Portugal: Avenida do Colégio Militar, Complexo Habitacional
da Nazaré, Cave do Bloco 21 - Sala E, 9000-135 Funchal, Telefone: 291 772 021 - Fax: 291 772 021 - E-mail: geral.madeira@alzheimerportugal.org
 Público ClassiÄcados • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 33

Unidade Local de Saúde de Braga, E.P.E. Unidade Local de Saúde de Braga, E.P.E.

Constituição da Reserva de Recrutamento Constituição de Reserva de Recrutamento de

da Carreira de Enfermagem Técnicos/as Superiores de Diagnóstico e Terapêutica
de Radiologia/Imagem Médica e Radioterapia
A Unidade Local de Saúde de Braga, E.P.E.
está a recrutar Pessoal de Enfermagem.
As candidaturas decorrem em 10 dias úteis.
A Unidade Local de Saúde de Braga, E.P.E. está
a recrutar Técnicos/as Superiores de Diagnóstico
e Terapêutica de Radiologia/Imagem Médica e
EDITAL
Todas as informações sobre este processo Radioterapia
As candidaturas decorrem em 10 dias úteis.
Reabilitação e Ampliação do Sistema da Pimenta
encontram-se disponíveis em
Todas as informações sobre este processo encontram-
https://recrutamento.hospitaldebraga.pt/
processos-ativos
-se disponíveis em DESPACHO DE DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
Braga, 11 abril de 2024
https://recrutamento.hospitaldebraga.pt/processos-ativos
Braga, 11 abril de 2024
COM CARÁTER DE URGÊNCIA, PARA A REABILITAÇÃO E
AMPLIAÇÃO DO SISTEMA DA PIMENTA
A EPAL - Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A. (EPAL), com sede na Avenida da
Liberdade, 24, 1250-144 Lisboa, vem dar público conhecimento que, por Despacho n.º
Eleição à 2611/2024 do Secretário de Estado do Ambiente, publicado no Diário da República, 2.ª Série,
Assembleia Legislativa
da Região Autónoma REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES n.º 52, de 13 de março, foi declarada de utilidade pública a expropriação de parcelas de
da Madeira 2024 Secretaria Regional das Finanças, Planeamento terreno sitas na união das freguesias de Carregado e Cadafais, concelho de Alenquer, e na
Dando cumprimento à e Administração Pública união das freguesias de Castanheira do Ribatejo e Cachoeiras, concelho de Vila Franca de
Lei Eleitoral o Partido
da Terra – MPT, vem
Direção Regional da Organização, Planeamento Xira, com vista à realização da Empreitada de Reabilitação e Ampliação do Sistema da Pimenta.
e Emprego Público
comunicar que constitui Mais torna público que, em conformidade com os n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do Código das
como seu Mandatário
Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, com posteriores alterações,
Financeiro para as
Oferta de emprego
referidas eleições o Sr.º. ficam por este meio notificados todos os proprietários do Despacho e seus anexos, que dele
Valter Freitas Rodrigues.
(contrato de trabalho em funções públicas fazem parte integrante, que abrange, nomeadamente as seguintes parcelas relativamente às
por tempo indeterminado) quais existem proprietários cujas cartas para notificação deste Despacho foram devolvidas:
Técnico superior (direito)
O aviso da oferta n.º 263/2024 está disponível
em https://bep.azores.gov.pt
loja.publico.pt

Condicionamento de Trânsito
Eixo Norte / Sul (IP7)
Trabalhos de reparação no ramo de entrada da 2ª
Circular no sentido norte/sul
A Infraestruturas de Portugal informa que para dar continuidade aos
trabalhos de reparação no ramo de entrada da 2ª Circular do IP7 Eixo
N/S, no sentido norte/sul, que tiveram início em 5 de fevereiro, é
necessário proceder ao condicionamento do trânsito com supressão de
uma via entre os Km 6,100 e o 6,500 do IP7 Eixo N/S.

O condicionamento do trânsito terá início no dia 15 de abril, com a

duração aproximada de 150 dias e estará devidamente sinalizado no
local.

Agradecemos a compreensão para os eventuais transtornos que o

condicionamento possa provocar, sendo este o necessário para garantir
a boa execução dos trabalhos.

Número de Apoio ao utente: 707 500 501

OFEREÇA
MÚSICA Quaisquer informações sobre a expropriação poderão ser obtidas pelos proprietários/
interessados junto da empresa EPAL, com sede na Avenida da Liberdade, 24, 1250-144
Lisboa e e-mail: geral.epal@adp.pt, podendo o mapa e as plantas referidas no Despacho ser
consultados na sede da sociedade.
Conselho de Administração
A Vice-Presidente
MAIS INFORMAÇÕES: loja.publico.pt | 210 111 010 Luísa Branco
34 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Cultura RequaliƊcação da Sé de Lisboa
Claustro da Sé de Lisboa
reabre no último
trimestre de 2024, com
uma torre prateada
Vencidos vários prazos e depois de muita polémica, o projecto
de requaliÄcação do monumento entra agora na recta Änal. Com
a obra quase concluída, é preciso dar a ler o que ali se encontrou
Lucinda Canelas Texto
Nuno Ferreira Santos Fotografia
Desde o projecto de arquitectura ori-
ginal, apresentado publicamente há
quase dez anos, está prevista uma
escada para resolver o acesso às estru-
turas arqueológicas da Sé de Lisboa
que ali começaram a ser postas a des-
coberto na década de 90. Adalberto
Dias, o arquitecto chamado a conce-
ber a requaliÆcação dos claustros
deste monumento nacional, chegou
a pensar fazê-la envidraçada, mas
acabou por optar por betão armado
pigmentado, de tom ocre, com um
revestimento tradicional, o azulejo,
sem com isso abdicar das proprieda-
des de reÇexão e anulação do vidro.
É por isso que, a um canto do pátio
do claustro, sob o qual estão hoje as
estruturas postas a descoberto nos
últimos 30 anos, há agora uma escada
revestida por cerca de 7000 azulejos
prateados que espelham a envolven-
te. E que vai mudando ao longo do
dia, à mercê da luz, convidando quem
para ela olha a entrar num jogo de
correspondências entre os reÇexos e
o que lhes dá origem. Um artifício
que, ao mesmo tempo, atenua a volu-
metria desta “caixa”, já de si contida
desde os primeiros desenhos, diz o
arquitecto.
“A expressão volumétrica da torre,
apesar de reduzida, era um problema
a resolver porque podia parecer um
corpo estranho naquela pequena pai-
sagem construída. Associar-lhe uma
superfície reÇectora — um revesti-
mento a azulejos curvos, para acen-
tuar a delicadeza da forma elíptica
desta caixa de escadas — faz com que
ela se vá ‘transverter’ consoante a
hora do dia, criando um espelho que,
por um lado, a anula e, por outro, faz
dela um elemento importante do
museu”, explica ao PÚBLICO Adal-
berto Dias.
O arquitecto não estranha que
quem já a viu possa olhar para ela
como “uma peça” e não apenas como
um elemento com uma função utili-
tária: unir o piso do pátio ao claustro
superior, ainda em obras, e aos dois
pisos da cripta (-1 e -2), onde se encon-
tram as estruturas arqueológicas e
onde Æcará instalado o núcleo inter-
pretativo. AÆnal, é preciso não esque-
cer que “a arquitectura tem sempre
uma grande dose de escultura”.
Na base desta “peça” que será o
pivô da distribuição dos visitantes
pelo monumento está ainda o vidro,
dando a ideia de que a torre “levita”
sobre o pátio, diz João Carlos dos San-
tos, presidente do Património Cultu-
ral, o instituto público que herdou
esta requaliÆcação iniciada pela anti-
ga Direcção-Geral do Património Cul-
tural (DGPC), de cuja cisão nasceu.
“Esta torre é notável do ponto de
vista estrutural. Tem um só elemento
central que a liga ao piso superior e
umas paredes de betão armado estrei-
tíssimas, de 12 centímetros, o que é
muito difícil de executar”, acrescen-
ta, chamando a atenção para o facto
de os degraus no interior da torre não
tocarem nas paredes entre o piso zero
(o do pátio) e o do claustro superior,
que o cabido da Sé (núcleo de cóne- ral, mas também do ar, um requisito dições de conforto” para o visitante.
gos por ela responsáveis) vai transfor- para Adalberto Dias. Quando surgi- “Sem essa renovação, mesmo com a
mar numa área de serviços incluindo ram nas redes sociais os primeiros ajuda de ventilação mecânica, a crip-
o arquivo e uma sala em que Æcarão comentários às imagens da torre, ain- ta Æcaria muito húmida, com cheiro
à disposição dos investigadores par- da com informações diminutas sobre a mofo”, explica o arquitecto.
tituras do acervo desta igreja — a mais a sua dimensão ou o seu revestimen- A nave de betão que servirá de gale-
importante da cidade desde que D. to, nalguns casos até incorrectas, ria expositiva à cripta está ainda vazia,
Afonso Henriques conquistou Lisboa “houve quem lhe chamasse chaminé, mas quase todas as estruturas arqueo-
aos muçulmanos em 1147. por maldade, e, ironia das ironias, é lógicas foram já restauradas e conso-
Esta opção de manter a escada uni- mesmo uma chaminé, mas de venti- lidadas. Estão bem visíveis a antiga
da à parede apenas por alguns tubos lação”. É a partir dela que entra para rua romana, a velha cisterna, o espa-
de aço permite a entrada da luz natu- a cripta o ar do exterior, criando “con- ço doméstico que Ana Gomes, a

Sete mil azulejos prateados
envolvem a nova torre que
permitirá o acesso à cripta,
ajudando a ventilá-la
Os achados descobertos nos
últimos 30 anos ficarão no
centro interpretativo
instalado na cripta
arqueóloga responsável pela escava-
ção (com Alexandra Gaspar, entretan-
to reformada), crê tratar-se de uma
cozinha, uma parede com inscrições
(contas?) que poderá ter pertencido
a uma loja e outra em que, com a luz
certa, é possível ver os contornos de
um dragão a cuspir fogo.
Caminha-se sobre passadiços com
guardas de vidro e, ainda sem painéis
informativos, torna-se muito difícil
“ler” o que temos à nossa frente. O
Sem esta torre,
mesmo com
ventilação
mecânica, a cripta
poderia Äcar
muito húmida,
com cheiro a mofo
Adalberto Dias
Arquitecto
que dirão eles sobre os “bancos” islâ-
micos que estão hoje um pouco iso-
lados das restantes estruturas e cuja
ligação ao complexo de uma eventual
mesquita sobre a qual teria sido cons-
truída a Sé (teoria longe de consen-
sual) leva arqueólogos e historiadores
a esgrimirem argumentos?
Uma luz doce
Foi para fazer a cripta que se desmon-
tou parcialmente o claustro resultan-
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 35
te do restauro revivalista conduzido
por Augusto Fuschini no começo do
século XX. A dada altura dos traba-
lhos, o arco da abóbada extrema Æcou
mesmo suspenso, o que preocupou
arquitectos e engenheiros.
“Sem o claustro desmontado não
se podia fazer a cripta nem os arqueó-
logos podiam ter avançado o que
avançaram na área escavada”, expli-
ca o director do Património Cultural,
que também é arquitecto. Mas des-
montá-lo sem que a estrutura cedesse
foi tudo menos fácil, acrescenta o
autor do projecto: “O desaÆo esteve
presente em todas as fases de desen-
volvimento da obra. Houve várias
operações muito sensíveis do ponto
de vista estrutural, do reforço sísmico
à construção da escada só com um
apoio central e degraus afastados da
parede, um desaÆo à estabilidade.”
Vítor Oliveira, engenheiro da Fer-
rovial, responsável pela obra desde a
primeira hora, não podia concordar
mais. “Construir esta escada foi uma
dor de cabeça”, admite. “A caixa não
tem os furos que habitualmente usa-
mos no betão para Æxar interior e
exterior. Foi preciso criar uma espé-
cie de túnel que íamos montando e
desmontando à medida que a torre
ia crescendo.”
A consolidação estrutural do monu-
mento está hoje invisível, à excepção
de um tirante de aço inox no arco
extremo do claustro, posto por reco-
mendação do Laboratório Nacional
de Engenharia Civil. O reforço sísmico
foi feito. As estacas de ferro usadas
para sustentar o chão do claustro ou
do pátio também não se vêem.
O cónego Francisco José Tito Espi-
nheira, membro do cabido da Sé,
atravessa esta praça que no canto
oposto ao da torre tem um cipreste,
lembrando que a árvore evoca a que
caiu na década de 90 e pôs à vista
vestígios da velha cisterna. Assim se
iniciaram três décadas de escava-
ções.
É naquele claustro construído a
mando de D. Dinis que o cónego Tito
gostaria de vir a organizar concertos
com música composta no tempo do
rei-trovador. “O cabido está aqui a
cuidar da Sé desde 1150. É muito bom
voltar a ter uma praça neste monu-
mento que estava há décadas descal-
ço”, diz, acrescentando que a área de
serviços que vai nascer no claustro
superior, onde já moraram bispos,
sacristães e sineiros, é muito impor-
tante para o funcionamento da casa.
“Ao entardecer, isto Æca com uma luz
tão doce…”
No claustro inferior, onde foram
instaladas novos WC, que Adalberto
Dias desenhou até ao mais ínÆmo
detalhe, incluindo os puxadores das
portas, todas as capelas foram restau-
radas e há agora candeeiros suspen-
sos, de globos simples, que contri-
buem para a iluminação cenográÆca
do espaço.
Apesar do desaÆo que representa-
ram a escada ou o projecto de conten-
ção, adaptado à medida que a arqueo-
logia ia fazendo as suas descobertas,
Vítor Oliveira diz que um dos momen-
tos mais difíceis foi a paragem da obra
durante um ano, à espera de altera-
ções no projecto de arquitectura.
Alargar a área a escavar e conservar
as estruturas identiÆcadas, algo que
a arqueologia reclamava e a que a
DGPC inicialmente resistiu, implicou
mudanças no subsolo, mas não no
pátio do claustro. Ao centro está,
como no projecto original, o pequeno
espelho de água que deixa passar luz
natural para a cripta. “É uma espécie
de metáfora das fontes dos jardins do
Antigo Testamento, e a luz é outra,
uma ligação entre o espaço terreno e
o divino”, sublinha Adalberto Dias.
Mais de seis anos
A intervenção que permitirá devolver
à fruição pública parte substancial da
Sé de Lisboa estava orçada em 6,5
milhões de euros, verba que já tradu-
zia um aumento de 70% face ao inves-
timento estimado inicialmente e a
que devem juntar-se agora os 1,8
milhões da requaliÆcação do piso
superior do claustro (pagos na íntegra
pelo cabido) e os 430 mil euros dos
trabalhos de consolidação, conserva-
ção e restauro das estruturas arqueo-
lógicas, assim como os custos do
projecto de museograÆa (cerca de 70
mil euros) e da sua execução (ainda
por apurar).
Em 2015, quando o projecto de
requaliÆcação foi pela primeira vez
apresentado à imprensa, estimava-se
que viesse a custar cinco milhões de
euros e que Æcasse concluído no pra-
zo de ano e meio.
No entanto, a obra só viria a iniciar-
-se em Fevereiro de 2018 e, chegados
a Abril de 2024, leva já mais de seis
anos em curso. Sujeita a diversas
paragens e envolta numa intensa
polémica que opôs um movimento
de cidadãos à DGPC, com acusações,
sempre refutadas, de que a tutela
estava a deixar que o projecto de
arquitectura hipotecasse a fruição do
património arqueológico e a descurar
a estabilidade do próprio monumen-
to, está agora mais próxima do Æm.
A reabertura, há cerca de um ano
anunciada para o Ænal de 2023, tem
agora como horizonte o último tri-
mestre de 2024, mas até lá é preciso
instalar o núcleo museológico e, para
isso, há que restaurar os objectos que
vão ser mostrados — atestam uma
ocupação que vai da Idade do Ferro
ao período medieval — e elaborar os
conteúdos que permitirão ler os ves-
tígios arqueológicos, em particular os
da época islâmica, cuja interpretação
continua a dividir opiniões na comu-
nidade cientíÆca.
“Para compreender esta parte do
monumento, o que aqui aconteceu
na História, vai ser muito importante
o núcleo interpretativo”, acrescenta
Adalberto Dias, colocando o trabalho
que se segue nas mãos de arqueólo-
gos, historiadores, museólogos e
designers. “A arquitectura já fez aqui-
lo que podia fazer na Sé...”
36 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Cultura
Um jogo de presa e predadores,
à laia de Pinter e Tarantino
Gonçalo Frota
Leões, segunda peça da
trilogia de Pau Miró pelos
Artistas Unidos, é uma
história que nunca se conta
na totalidade
Um homem chega com uma camisa
ensanguentada a uma lavandaria que
já fechou as portas aos clientes. É
noite, o negócio de bairro já se
encontra em horário de descanso.
Mas a urgência deste caso é grande
e, portanto, uma lavandaria onde
este aÇito jovem adulto se pode livrar
de vestígios de sangue toma a forma
de um oásis, talvez até mesmo de
uma miragem. Quer que lhe lavem a
camisa, pagando o que for preciso,
e pôr-se rapidamente a caminho de
casa — ainda vive em casa dos pais,
mas já conduz o seu próprio carro
— livre de quaisquer vestígios.
É assim que começa Leões, peça
que Pau Miró estreou em 2009, a
segunda de uma trilogia que come-
ça com Girafas e termina com Búfa-
los. E é a segunda que os Artistas
Unidos, agora numa encenação de
António Simão, apresentam em
poucos meses — estará no Teatro da
Politécnica, Lisboa, entre hoje e 4
de Maio.
As ressonâncias entre os dois pri-
meiros textos fazem-se sentir sem
demora: se em Girafas, localizada
temporalmente no período da dita-
dura franquista, havia um vendedor
empenhado em salvar a vida domés-
tica de uma família remediada com
uma milagrosa máquina de lavar rou-
pa, pois Leões aproxima-se do presen-
Soft Time vence concessão do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova
A empresa Soft Time, que já tinha
ganhado o concurso para o Mosteiro
do Lorvão, em Penacova, venceu o
procedimento público para a trans-
formação do Mosteiro de Santa Clara-
-a-Nova, em Coimbra, num hotel,
informou a Turismo de Portugal.
O concurso foi lançado no âmbito
do Revive, programa de requaliÆca-
ção de património para Æns turísticos,
que visa, no caso do Mosteiro de San-
ta Clara-a-Nova, transformar uma
área ediÆcada de cerca de 13 mil
metros quadrados num hotel de cinco
estrelas, prevendo, para isso, um con-
trato de concessão de 50 anos.
O procedimento público contou
te, coloca a família de idêntico estrato
social, gente nascida no término da
ditadura ou na chegada da democra-
cia, a viver toda do pequeno negócio
de uma lavandaria de bairro.
É um primeiro eco (outros haverá,
como o desaparecimento de um
Ælho), com assinatura de Pau Miró,
que António Simão tratará de reforçar
ao recuperar a canção de Edith Piaf
que, na peça anterior, era banda
sonora para um cabaré onde a liber-
dade era possível, aqui pano de fundo
(em moderna remistura para as pistas
de dança) para um momento bailado
a que Sara (Iris Runa) sujeita David
(Vicente Wallenstein).
Aos poucos, à medida que Pau Miró
nos faz avançar na narrativa, com
informação partilhada a conta-gotas,
vamos percebendo que David chega
com uma história preparada para
justiÆcar o sangue na sua camisa,
perante a suspeição de toda a família,
que não se cansa de lhe repetir que
naquele bairro não se faz perguntas
— mesmo que o vão sempre empur-
rando para respostas, numa armadi-
lha sistemática que vão lançando
sobre o rapaz. E isto porque, além de
Sara, não tardarão a aparecer o pai e
a mãe desta (Pedro Carraca e Andreia
Bento), donos da lavandaria, bem
como um amigo da família, o inspec-
tor da polícia (Pedro Caeiro). Fazendo
jus ao título da peça, todos se com-
portam como se, em pequenos pas-
sos, fossem farejando o sangue de que
David se tenta livrar e o cercassem,
num comportamento de predadores
em que vão rodeando e provocando
a sua presa.
O encenador refere-se, por isso, a
semelhanças com o teatro de Harold
com duas propostas, mas a empresa
que Æcou em primeiro lugar desistiu
do processo, tendo sido posterior-
mente contactada a Soft Time.
“A empresa ordenada em segundo
lugar (...) foi notiÆcada da sucessão
na adjudicação da concessão após a
declaração de caducidade da adjudi-
cação inicial”, explica a Turismo de
Portugal. A Soft Time, constituída em
2019 e detida pelo madeirense Sérgio
Aleixo, “concluiu o processo de habi-
litação, estando agora em curso o
procedimento de assinatura do con-
trato de concessão”.
A mesma empresa unipessoal ven-
ceu em 2021 o concurso para a trans-
Nas entrelinhas do texto há uma luta de classes silenciosa
Pinter e com o cinema de Tarantino
— “o primeiro Ælme de Tarantino,
Cães Danados, é também Pinter”,
defende. Pinter devido a esta gestão
cirúrgica da informação que chega ao
público, devido à tensão que se insta-
la mas se mantém sob um véu perma-
nente, devido ao muito que não é dito
e “àquilo que vamos descobrindo aos
poucos, sem que cheguemos a desco-
brir tudo”, em que “as personagens
falam de si próprias e se explicam
“Se o capitalismo
estava já no
horizonte em
Girafas”, comenta
António Simão,
“aqui estamos
no auge”
formação do Mosteiro do Lorvão
num hotel. Segundo a plataforma do
programa Revive, estava previsto um
investimento na ordem dos sete
milhões de euros, com o início de
exploração apontado para 2024. O
processo esteve porém parado cerca
de um ano à espera de parecer favo-
rável da Direcção Regional de Cultu-
O Mosteiro de
Santa
Clara-a-Nova tem
sido o epicentro
da bienal de arte
contemporânea
de Coimbra
JORGE GONÇALVES
muito”; Tarantino porque, sobretudo
no primeiro confronto entre o inspec-
tor e David, é a cultura popular que
alimenta as trocas entre os dois, citam
rock independente americano, Sonic
Youth e Yo La Tengo, e espanhol, La
Casa Azul e Raül Refree, chegam a
combinar fazer música juntos (o ins-
pector a criar uma falsa intimidade
entre os dois, descansando o outro
para melhor lhe ferrar o dente).
A maldição
Nas entrelinhas do texto de Pau Miró
encontramos: por um lado, pistas
várias de manipulação entre uns e
outros, tentativas de controlar o futu-
ro e encontrar alguma salvação; por
outro, uma subtil alÆnetada no capi-
talismo selvagem, no destino das
cidades europeias gentriÆcadas,
numa luta de classes silenciosa, em
que uns atravessam a fronteira para
o território de outros para, no caso,
ra do Centro, que chegou em 2023.
Segundo o portal do Ministério da
Justiça com as publicações de actos
societários, a Soft Time tinha como
objecto, à data da sua constituição,
áreas tão distintas como a consultoria
em segurança e higiene no trabalho,
o marketing, a intermediação na com-
pra e venda de empresas, a compra e
venda de imóveis, a administração de
condomínios e a importação e expor-
tação de automóveis. Em 2020, a
empresa passou também a incluir
como objecto a exploração de
empreendimentos turísticos, o comér-
cio electrónico e a venda de reboques
e moldes, entre outros ramos.
se abastecerem de droga, e estes, visi-
tados no seu espaço, montam o cerco
para capturar quem os visita mas per-
tence a um outro mundo, mais prote-
gido e de bolsos cheios.
Só que o dinheiro é também, para
esta família, visto como uma maldi-
ção — dias depois de terem ganho a
lotaria, há alguns anos, o Ælho mais
novo desapareceu, a culpa passou a
atormentar a irmã, a mãe passou a
refugiar-se em noites de álcool e bin-
go, o pai preferiu fechar-se a conser-
tar máquinas, todos a viverem no seu
próprio estado de dormência, apatia
e dorida resignação. Quando David
aparece, há-de confessar Sara, che-
gou a pensar que se trataria do
regresso de Max, o miúdo desapare-
cido à sua guarda.
À medida que a apresentação da
trilogia avança, também as peças vão
ganhando novos sentidos em relação
com as restantes. Até porque tam-
bém a cronologia galga décadas, do
período franquista (Girafas) até um
tempo incerto em que Barcelona e a
sociedade contemporânea parecem
dinamitadas (Búfalos). “Se o capita-
lismo estava já no horizonte em Gira-
fas”, comenta António Simão, “aqui
estamos no auge e em Búfalos esta-
remos já sobre os escombros”. Tal-
vez para explicar tudo melhor, o
autor catalão visitará amanhã o Tea-
tro da Politécnica — às 18h00 partici-
pa numa conversa sobre a sua obra
e a dramaturgia catalã; após o espec-
táculo das 21h00 estará disponível
para um encontro com o público.
Mas é provável que as suas palavras
continuem a conter o mesmo desam-
paro e a resistir, na sombra, à sua
total clariÆcação.
A transformação do Mosteiro de
Santa Clara-a-Nova em hotel tem
sido contestada pelo Círculo de
Artes Plásticas de Coimbra, uma das
entidades organizadoras da bienal
de arte contemporânea Anozero,
que tem naquele monumento o seu
epicentro. Apesar de o concurso
prever a possibilidade de Æcarem
reservados 600 metros quadrados
para a bienal, o seu director chegou
a aÆrmar que a saída do mosteiro
poderia ditar o Æm da Anozero.
Segundo a Câmara de Coimbra, o
antigo Hospital Pediátrico da cidade
poderá vir a ser o próximo destino
da bienal. Lusa

O “erro” do agente Nikita
que expôs a última ditadura europeia
João Ruela Ribeiro
Erro 403, peça sobre os
grandes protestos de 2020
na Bielorrússia, tem hoje
a sua estreia na Casa de
Teatro de Sintra
Nikita Korovin chega a casa após um
dia de trabalho extenuante. Senta-se
à mesa enquanto a mulher lhe serve
um prato de sopa. Fala sem parar,
mas o marido quase não responde.
Não signiÆca que esteja em silêncio.
Quem ouvimos é a sua consciência,
a dizer o que não pode ser dito. Por
exemplo, que este homem que acaba
de se sentar à mesa matou outro
homem escassas horas antes.
Tudo se passa algures em Minsk,
capital da Bielorrússia governada
pelo mais antigo ditador da Europa,
Alexander Lukashenko. Vivem-se
tempos turbulentos. No poder há
três décadas, Lukashenko acaba de
ser reeleito para mais um mandato
depois de eleições fraudulentas. A
frustração popular transborda para
as ruas e sucedem-se manifestações
diárias contra o regime.
A resposta é clássica. Lukashenko
dá ordens para os agentes da Almaz,
a unidade especial antiterrorismo da
polícia, travarem os manifestantes a
todo o custo. “Em situações de deses-
tabilização, os erros podem aconte-
cer”, diz, a certa altura, Korovin, em
resposta às perguntas incessantes do
Ælho sobre o civil desarmado que
havia sido abatido pela polícia. Assim
começa um dia na vida de Nikita —
bielorrusso, marido e pai de família,
adepto do Barcelona e agente da
Almaz —, que se poderia resumir à
história de um erro fatal.
Entremos no terreno dos factos.
Na noite de 10 de Agosto de 2020,
Alexander Taraikovsky, de 34 anos,
foi baleado no peito por um agente
da Almaz perto da estação de metro
de Pushkinskaya, em Minsk. Tornou-
-se na primeira vítima mortal desde
que estalaram os maiores protestos
na História recente da Bielorrússia
contra a fraude eleitoral perpetrada
por Lukashenko. A versão inicial das
autoridades era de que Taraikovsky
tinha consigo um engenho que lhe
explodiu nas mãos, matando-o. Mas
depressa começaram a circular
vários vídeos gravados no momento
da sua morte que o mostraram de
mãos erguidas enquanto um homem
disparava na sua direcção. As auto-
ridades viram-se forçadas a lançar
uma investigação formal e responsa-
bilizaram o agente da Almaz, Nikita
Korovin.
A peça Erro 403, do dramaturgo
bielorrusso Nicolai Khalezin, propõe
contar essa história do ponto de vis-
ta do autor do disparo fatal, entre
aquilo que é factual e aquilo que é
fruto da criação artística. “O espec-
táculo começa e é como se fosse
uma respiração única”, diz ao
PÚBLICO a encenadora Susana C.
Gaspar. Foi ela que decidiu adaptar
a peça do Belarus Free Theatre,
companhia fundada em 2005 mas
que há vários anos funciona no exí-
lio, para a exibir na Casa do Teatro
de Sintra. Depois da estreia mundial
em 2021 na Estónia, a montagem da
Companhia de Teatro de Sintra, que
tem a sua récita inaugural esta noite,
é a primeira a não ser feita pelo Bela-
rus Free Theatre.
Um “mero executante”
Susana C. Gaspar rejeita, porém,
que Erro 403 possa encaixar na cate-
goria de teatro documental, prefe-
rindo falar de um “teatro necessa-
riamente político”. “Eu já não estou
só a reviver ou a pensar no que acon-
teceu em 2020, mas estou, através
do corpo daqueles actores, a reviver
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 37
Cultura
FOTOS: NUNO FERREIRA SANTOS
rupção, a delação, o egoísmo, a des-
crença, o cinismo. Tudo é negociá-
vel, desde que tudo Æque na mesma.
“Os tempos mudam e nós mudamos
com eles”, diz o superior hierárquico
de Nikita, contemplando um iminen-
te derrube do regime.
A escolha do ponto de vista do res-
ponsável pela morte de um manifes-
tante pacíÆco afasta-nos da narrativa
heróica. Um David contra Golias a
partir da posição do gigante. “Esta-
mos a falar de natureza humana e
interessa-nos pensar sobre um
homem que disparou sobre um
manifestante pacíÆco desarmado.
Não é um texto construído para jul-
gar este atirador, é um texto para
pensar com ele o que é que o levou
a disparar”, diz Susana C. Gaspar.
Mas não será este homem, “levado
ao limite”, diz a encenadora, por um
sistema autoritário que se serve dos
seus súbditos enquanto estes lhes
são convenientes para depois os des-
cartar, também um David? “Por que
raio nos deram as armas?”, questio-
na Nikita, no momento em que mais
se aproxima de um grito de revolta.
A peça que Erro 403 é um texto imbuído do
a Companhia espírito de resistência que anima
de Teatro de aqueles que, como Khalezin e o seu
Sintra agora Belarus Free Theatre, se habituaram
traz para a lutar arduamente por cada centí-
Portugal foi metro de liberdade sem qualquer
escrita pelo garantia de que a verão realizada no
dramaturgo seu tempo de vida. Não há redenção
bielorrusso na história de Nikita, tal como não
Nicolai há para os bielorrussos.
Khalezin para Os protestos do Verão de 2020
o Belarus Free representaram a maior ameaça ao
Theatre, que domínio de Lukashenko, que se viu
há vários anos sem margem para manter a ambigui-
opera no exíio dade política que lhe permitiu duran-
te décadas orientar o seu regime
entre o Ocidente e a Rússia, confor-
me as conveniências do momento.
Mas a opressão sobre os bielorrussos
mantém-se. Há cerca de 1500 presos
políticos no país, actualmente,
segundo o grupo Viasna, e outros
1900 foram condenados em proces-
sos politicamente motivados. Com a
invasão russa da Ucrânia, a Bielorrús-
a tensão daquele momento”, explica sia passou a ser um aliado indispen-
a encenadora. sável do Kremlin e, com isso, Luka-
A jornada de Nikita a partir do shenko consolidou ainda mais o seu
momento do disparo ocorre em dois controlo.
planos paralelos, entre o que é efec- Durante vários meses, os bielor-
tivamente dito e o que lhe vai assal- russos confrontaram a força do Esta-
tando a mente. Ao mesmo tempo, do autoritário que haviam aprendido
este “mero executante”, como diz a a temer. “Eles foram muito corajosos
encenadora, vai expondo acidental- durante muito tempo”, reconhece a
mente as contradições e os pequenos encenadora, que diz querer acredi-
absurdos que caracterizam um regi- tar na força dos bielorrussos para
me autoritário como é o bielorrusso. alcançarem um futuro diferente.
Com o agente da Almaz seguimos Para já, tudo Æcou em suspenso.
numa viagem pelas engrenagens que Quanto a Nikita Korovin, nada se
movem este Estado — estão lá a cor- sabe acerca do que lhe aconteceu.
38 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024

Poesia Pública Por Andreia C. Faria

A madrugada
(depois de Sophia)
Veio sem mundo por vir.
Veio sem caução depois da noite velha.
Veio antes ou depois do pensamento, a parte animal
que lhe servia. Por dentro das casas
e nas ruas. Para não matar, os militares bebiam
o último litro de sangue das Çores. Para não
matar, para inventar
a madrugada, quer dizer a violência de uma nudez.
Veio a espera dos corpos, quer dizer
a alegria. Veio a manhã solta
como malha na saia de uma rapariga.

Andreia C. Faria nasceu no Porto, em 1984. Publicou Flúor (Textura Edições, 2013), Um Pouco Acima do Lugar Onde Melhor se Escuta o Coração (Edições Artefacto,
2015) e Tão Bela como qualquer Rapaz (Língua Morta, 2017, Prémio SPA Poesia). Em 2019 publicou Alegria para o Fim do Mundo (Porto Editora, Prémio Literário
Fundação Inês de Castro), volume que reúne todos os livros anteriores. Em 2020 publicou o conjunto de prosas Clavicórdio (Língua Morta), em 2022 Canina (Tinta
da China, Prémio PEN Clube) e em 2024 Canto do Aumento (Sr. Teste, com desenhos de Rita Roque).

Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda, com o apoio media do PÚBLICO. Ao longo de 50
dias publicaremos 50 poemas inéditos de 50 autores sobre revolução. Veja mais em publico.pt
 Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 39

Experiências em ratinhos Ciência e Ambiente

Novo composto químico promete

reduzir mortes provocadas pela gripe
A típica gripe, do vírus influenza, mata cerca de 650 mil pessoas todos os anos. Equipa dos EUA quer
minimizar as mortes e as sequelas ao bloquear parte da resposta do sistema imunitário às infecções
NIAID

Tiago Ramalho
Há um composto químico (que pode-
rá vir a ser um futuro medicamento)
em estudo que mostrou uma redução
dos danos nos pulmões e ainda uma
melhoria das taxas de sobrevivência
associadas à infecção pelo vírus da
gripe, o influenza do tipo A. Para já,
esses resultados apenas tiveram
sucesso em ratinhos, mas o fármaco
conseguiu travar a morte das células
pulmonares desencadeadas pelas
infecções graves deste vírus – e, assim,
atenuar sintomas como a diÆculdade
em respirar ou mesmo pneumonia.
A maioria das gripes passa em
menos de duas semanas, mas há
complicações como outras infecções
(nos ouvidos, por exemplo) ou mio-
cardite (uma inÇamação do coração)
que continuam a ser alvo da atenção
dos cientistas. Uma das estratégias
que estão em cima da mesa é o blo-
queio da necroptose, um mecanismo
para eliminar vírus e outros agentes
patogénicos. Este mecanismo é acti-
vado quando uma célula humana é
infectada e contribui para a resposta
imunitária que mata as células infec-
tadas — livrando-nos do vírus, por
exemplo.
No entanto, se esta resposta, a Ilustração do vírus
necroptose, continuar sem qualquer influenza A, que
travão (e houver uma “matança” des- provoca a gripe típica
controlada de células), pode provocar
lesões graves no tecido pulmonar — e
aumentar a inÇamação e a letalidade rança e eÆcácia terão de ser replica- a morte das células infectadas. ambiciosa até. Os resultados na inibi- com a investigação sobre a “doença
da gripe. Ora, a ideia de uma equipa dos em mais estudos pré-clínicos e Ainda assim, a equipa internacio- ção especiÆcamente do RIPK3 dão X”. Apesar de o vírus influenza A não
de cientistas liderada pela Universi- depois em humanos antes de pode- nal, com colaborações de outras uni- pistas aos investigadores de que o ser pandémico, há um século origi-
dade de Tufts (Estados Unidos) tor- rem ser servidos como medicamento. versidades norte-americanas e da UH15-38 pode ser benéÆco para uma nou a epidemia da gripe pneumónica
nou-se óbvia: criar um composto A implicação deste travão também Universidade de Friburgo (Alema- série de outras doenças com impacto que matou entre 50 milhões e 100
capaz de bloquear a necroptose, terá de ser avaliado face aos outros nha), acredita que o UH15-38, cujo inÇamatório, como outros vírus com milhões de vidas em todo o mundo e
mantendo a segurança de quem está sistemas do corpo e a outras doenças, trabalho é precisamente bloquear sintomas respiratórios. continua a temer-se que possa ser
engripado. como o cancro, no qual, neste caso, RIPK3, será esse candidato estável. “Apesar de a pior parte da covid-19 “ajudante” para outro vírus se disse-
E foi isso que os cientistas Æzeram a perda de necroptose tem dado indí- Os testes feitos em ratinhos ajudam já poder estar no passado, há uma minar pelos humanos, ao fragilizar o
através do composto UH15-38, cuja cios de poder ser importante para nesta expectativa. Depois de introdu- hipótese credível de que existirá outra nosso sistema imunitário. Mesmo
tolerância e eÆcácia em ratinhos foi explicar uma menor prevalência de zido o vírus nos animais, os investi- pandemia e precisamos de algo que sem o perigo do século passado, os
demonstrada num artigo publicado tumores malignos nalguns animais. gadores perceberam que a utilização proteja o hospedeiro [neste caso, os casos graves de gripe por influenza A
agora na revista cientíÆca Nature. “Se deste composto farmacológico con- humanos], independentemente de (também há o menos comum influen-
removermos a necroptose, continua- Outros vírus na mira segue reduzir e atrasar a perda de como o hospedeiro é infectado”, diz za do tipo B), provocam até 650 mil
mos a ter restrição da replicação viral, A necroptose é um mecanismo peso decorrente da doença, inclusive Alexei Degterev, reforçando que mais mortes todos anos.
sem causar danos enormes aos pul- desencadeado pela interacção de com uma recuperação total destes do que o modo de transmissão, este Apesar das elevadas expectativas,
mões”, explica em comunicado Alexei duas proteínas, a RIPK3 e a MILKL. ratinhos até três semanas após a composto poderá actuar na resposta o comunicado da Universidade de
Degterev, um dos autores do estudo e Daí que os inibidores de RIPK3 sejam infecção. imunitária — que será similar a múlti- Tufts nota que este não é o único pro-
investigador na Universidade de Tufts. populares neste tipo de estratégias Além disso, os cientistas notaram plos tipos de infecções. “Este trabalho jecto em curso dos investigadores.
“A necroptose não parece ser neces- para o vírus da gripe, apesar de ain- também a redução da inÇamação e reforça a possibilidade de alcançar Mesmo mantendo o interesse no
sária para travar a actividade viral, da não ter sido identiÆcado nenhum da morte de células pulmonares — este objectivo e renova o interesse em potencial do UH15-38, a equipa já
pelo que, se a bloquearmos, consegui- candidato estável que de facto blo- dois problemas associados às gripes perceber como a morte celular molda avançou para outros compostos que
mos proteger o hospedeiro [no caso, queie a via de RIPK3, sem bloquear mais graves. Em ratinhos, o UH15-38 as infecções”, sublinha. poderão ter o mesmo efeito bloquea-
os ratinhos] ao reduzir a inÇamação as outras vias que impedirão o vírus é eÆcaz quando é administrado até A procura de soluções para futuras dor de RIPK3, mas com melhores
dos pulmões”, acrescenta. de se propagar — como, por exem- cinco dias após a infecção. pandemias não é nova e tem sido ala- resultados ainda. Ou seja, uma
Este ainda é um estudo explorató- plo, um outro mecanismo chamado O sucesso deste composto abre vancada, inclusive, pela Organização “segunda geração destes inibidores”,
rio, em ratinhos, e os testes de segu- “apoptose”, que também promove portas a uma outra expectativa — mais Mundial da Saúde — por exemplo, como se lê no comunicado.
40 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024

Guia

ímpar
publico.pt/impar
Um em cada dez portugueses é veggie
Em Portugal, a tendência veggie — que junta as
pessoas que são vegan, vegetarianas e flexitarianas
— caiu ligeiramente, diz o relatório The Green
Revolution. Em 2019, 9% da população assumia uma
alimentação veggie, valor que subiu para 11,9% em
2021, mas decaiu para 10,4% em 2023.

L’Oréal e 70 outras marcas querem

implementar “semáforo” na cosmética
Maior empresa de cosméticos do mundo almeja tornar-se totalmente sustentável até 2030 e para isso está
a apostar na investigação e nas “ciências verdes”. Em 2023, desenvolveu 3400 novas fórmulas
Sofia Neves, em Paris
Conscientes das crescentes expecta-
tivas de transparência e sustentabili-
dade dos consumidores (e não só), a
L’Oréal e 70 empresas do ramo da
beleza “uniram forças” e querem
criar um sistema de pontuação para
os produtos cosméticos. Será uma
espécie de “semáforo”, como o que
já existe na alimentação, que dirá ao
consumidor qual o impacto ambien-
tal de determinado produto utilizan-
do uma linguagem comum a todas as
marcas. Esta iniciativa deverá chegar
à Europa no próximo ano.
“Associamo-nos novamente à nos-
sa concorrência no Consórcio Echo
Beauty Score. Há mais de 70 empre-
sas associadas a esta iniciativa, que
representam mais de 50% do negócio
da cosmética. Estamos todos a traba-
lhar para desenvolver uma metodo-
logia comum que traduza a pegada
de cada produto no seu rótulo. Assim,
podemos falar a mesma língua com
os nossos consumidores e ajudá-los a
fazer escolhas responsáveis”, explica
Ana Kljuic, directora global de ciên-
cias verdes da L’Oréal, ao PÚBLICO,
durante uma visita de imprensa aos
laboratórios do grupo em Paris.
Por exemplo, um champô rotulado
com um ‘’A” terá um impacto ambien-
tal mais reduzido do que uma laca de
cabelo assinalada com um “E”. A
pontuação reÇectirá com precisão a
pegada dos produtos tendo em conta
14 indicadores de impacto no planeta
— como as emissões de gases com
efeito de estufa, a escassez de água, a
acidiÆcação dos oceanos ou as reper-
cussões na biodiversidade — medidos
em todas as fases do ciclo de vida de
um produto.
A L’Oréal, a maior empresa de cos-
méticos do mundo, almeja tornar-se
totalmente sustentável até 2030. É no
laboratório de Aulnay-sous-Bois, um
dos centros de investigação da
L’Oreal, que parte da “magia”, como
lhe chama Ana Kljuic, acontece. Aqui
trabalham dezenas de equipas em
diferentes ciências como a biologia,
a química e a física para criar novas
moléculas e tecnologias para a pele
e o cabelo, mas também compreen-
O percurso de sustentabilidade der o impacto que os produtos
do grupo começou há mais de podem ter no ambiente. A este labo-
três décadas, mas tem metas ratório juntam-se mais 19 centros de
ambiciosas até 2030 investigação espalhados pelo mundo,
num total de 4000 investigadores.
“Temos muita sorte por a empresa
investir muito em investigação, num
total de 1,2 mil milhões de euros no
ano passado. Em 2023, desenvolve-
mos 3400 novas fórmulas, 600
patentes e mais de metade foram
patenteadas por mulheres”, refere a
responsável.
Nos dois laboratórios que o grupo
Em 2023 tem em Paris (um nos arredores,
desenvolvemos outro no centro), há investigadores a
criar novas fórmulas para cosméticos
3400 novas e produtos de higiene com ingredien-
fórmulas, 600 tes verdes (como o açafrão, por exem-
plo), outros a tentar diminuir a quan-
patentes e mais tidade de plástico das embalagens
de metade foram sem sacriÆcar a protecção do produ-
to e equipas a descobrir como elimi-
patenteadas nar as molas de aço dos doseadores
por mulheres do champô, para que a garrafa possa
ser reciclada mais facilmente. Tam-
Ana Kljuic bém estão a ser testadas embalagens
Directora global de Ciências de recarga feitas de papel (e não de
Verdes da L’Oréal plástico), produtos que não precisam
GONZALO FUENTES/REUTERS
de ser passados por água depois de
aplicados. Noutro piso, há uma equi-
pa de biólogos a analisar o impacto
dos ingredientes na vida marinha e
noutros ecossistemas.
“Queremos que as matérias-primas
que utilizamos na produção sejam
95% provenientes de origem biológi-
ca ou de minerais ou de recursos cir-
culares. Estamos agora nos 65%, o
que já é muito, mas ainda temos um
longo caminho a percorrer”, refere
Ana Kljuic, acrescentando que o gru-
po também pretende reduzir drasti-
camente o consumo de água nas
fábricas e garantir que 100% da água
utilizada é reutilizada e reciclada.
Criar um perfume, um batom ou
um produto de cabelo sustentável
envolve mais do que apenas a emba-
lagem que chega às prateleiras — é
preciso pensar se os ingredientes são
sustentáveis desde a altura em que
são extraídos até ao momento em que
são descartados pelo consumidor.
“Sabemos que uma grande parte do
nosso impacto está na fase de utiliza-
ção do produto. Quando um consu-
midor utiliza um champô, 80% do
impacto ocorre na fase de utilização,
devido à água utilizada na lavagem e
no acto de retirar o produto e no CO2
gerado para aquecer a água do banho.
Sabendo isto, também nos compro-
metemos a reduzir em 25% a água
necessária para a utilização do nosso
produto e as respectivas emissões”,
explica ainda Kljuic.
Mais transparência
Numa era em que os consumidores
exigem não só mais transparência,
mas também atitudes “mais verdes”
por parte dos gigantes da beleza, Joel
Tronchon, director de sustentabilida-
de da Europa, refere que um grupo
como a L’Oréal “tem de ser exem-
plar”. E justiÆca: “Temos todas as
organizações não governamentais e
associações de consumidores a olhar
para nós. É por isso que somos muito
cientíÆcos, fundamentamos todas as
aÆrmações, somos obcecados pela
ciência. O problema é traduzir essa
informação de uma forma pedagógi-
ca para os consumidores. As pessoas
não querem ler 30 páginas sobre o
ciclo de vida de um produto, não têm
tempo para o fazer”, diz.
Para tentar chegar ao consumidor,
o grupo tem utilizado campanhas
com Æguras públicas, como os actores
Emma Watson e Austin Butler, nas
redes sociais. Por um lado, a empresa
quer que os consumidores que ainda
não conhecem o conceito de recarga,
que já existe em champôs, perfumes
e batons, o passem a conhecer; por
outro, querem “mudar mentalida-
des” no que toca ao apelo deste tipo
de embalagens. “Estamos a produzir
cada vez mais embalagens com mate-
riais reciclados, mas também quere-
mos apostar nas recargas. Se o con-
sumidor não estiver ciente do impac-
to positivo e ninguém usar o refill, a
nossa medida é um fracasso.”
Tronchon refere ainda que, apesar
deste crescente investimento em
“ingredientes verdes”, a qualidade
não pode Æcar comprometida. “Mes-
mo sendo um produto sustentável, a
qualidade e a segurança devem ser
ainda melhores”, conclui.
O PÚBLICO viajou para Paris
a convite da L’Oréal

Cinema
Lisboa
Cinema City Alvalade
Av. de Roma, 100. T. 214221030
SOS - Salvem a Escola 13h15, 17h25;
A Zona de Interesse M12. 13h15; Anatomia
de Uma Queda M12. 16h45; A Sala de
Professores M12. 19h15; Dune - Duna:
Parte Dois M12. 21h15; A Flor do Buriti M12.
19h20; Retrato de Família com Teatro de
Marionetas 19h45; Evil Does Not Exist
- O Mal Não Está Aqui 19h40; Parece que
Estou a + 15h15; Uma Vida Singular M12.
14h35, 17h30, 21h40; O Hotel Palace
M12. 15h25; Back to Black M12. 21h45;
Lupin III: O Castelo de Cagliostro M12.
13h25; Revolução (Sem) Sangue M12. 15h,
21h45; Vincent Tem de Morrer 17h
Cinema City Campo Pequeno
Centro de Lazer. T. 214221030
O Rapaz e a Garça M12. 19h35; Patos! M6.
13h15 (VP); Dune - Duna: Parte Dois M12.
17h50, 19h50, 21h25; O Panda do Kung
Fu 4 M6. 13h20, 15h25, 17h30, 19h35
(VP); Caça-Fantasmas: O Império do
Gelo M12. 15h35; Godzilla x Kong: O Novo
Império M12. 15h55, 19h10; Os Gigantes de
La Mancha M6. 13h50, 15h50 (VP); Homem
Macaco M12. 22h; O Génio do Mal: O
Início M16. 19h40; Uma Vida Singular M12.
15h15, 17h25; A Minha Fada Traquina M6.
13h40 (VP); O Hotel Palace M12. 13h35,
17h50, 19h55; Back to Black M12. 13h30,
15h20, 19h, 21h30; Os Três Mosqueteiros:
Milady M12. 13h10, 15h25, 17h40,
21h55; Lupin III: O Castelo de
Cagliostro M12. 13h20, 21h40; Revolução
(Sem) Sangue M12. 15h35, 17h35,
22h; Maidaan 21h25
Cinema Ideal
Rua do Loreto, 15/17. T. 210998295
Retrato de Família com Teatro de
Marionetas 17h15, 21h15;
Ryuichi Sakamoto - Opus M12. 15h, 19h15;
Cinemas Nos Alvaláxia
R. Francisco Stromp. T. 16996
Dune - Duna: Parte Dois M12. 13h35, 17h05,
21h05, 23h30; O Panda do Kung Fu 4 13h25,
16h05, 18h25 (VP); Godzilla x Kong Atmos
- 13h20, 16h, 18h30, 21h10; Imaculada M16.
14h10, 16h30, 18h40, 21h; Sleeping Dogs
M12. 13h45, 16h15, 18h45, 21h25; Homem
Macaco M12. 13h40, 16h40, 19h20, 22h;
O Génio do Mal: O Início M16. 13h55, 16h35,
19h15, 21h55; Uma Vida Singular M12.
13h30, 15h50, 18h20, 20h50; Amor em
Sangue M16. 20h55; Back to Black M12.
13h15, 15h55, 18h35, 21h15; Os Três
Mosqueteiros: Milady M12. 13h50, 16h20,
18h50, 21h20; Avó M12. 14h, 16h10,
19h; Lupin III: O Castelo de Cagliostro M12.
19h; Revolução (Sem) Sangue M12. 14h05,
16h25, 18h55, 21h35; Vincent Tem de
Morrer 21h40
Cinemas Nos Amoreiras
C.C. Amoreiras. Av. Engº Duarte Pacheco.
Bob Marley: One Love M12. 18h40; Dune
Duna: Parte Dois M12. 13h20, 16h50,
20h30; O Panda do Kung Fu 4 M6. 14h,
16h30 (VP); Retrato de Família com Teatro
de Marionetas 13h40, 15h50; Godzilla x
Kong: O Novo Império M12. 21h; Uma Vida
Singular M12. 13h50, 16h20, 18h50,
21h30; O Hotel Palace M12. 21h20; Back to
Black M12. 13h10, 15h50, 18h30, 21h10;
Os Três Mosqueteiros: Milady M12.
13h30, 16h10, 19h, 21h40; Revolução
(Sem) Sangue M12. 13h10, 15h30, 18h,
20h40; Vincent Tem de Morrer 18h20
Cinemas Nos Colombo
Av. Lusiada. T. 16996
Dune - Duna 13h10, 16h30, 20h, 23h30;
O Panda do Kung Fu 4 M6. 12h40, 15h,
17h10 (VP); Caça-Fantasmas M12. 13h20,
16h; Godzilla x Kong M12. 14h, 17h, 20h30,
23h10; Imaculada M16. 13h, 15h10, 17h20,
19h40, 22h, 00h10; Sleeping Dogs - A
Teia M12. 18h40, 21h10, 23h50; Homem
Macaco M12. 21h40, 00h20; O Génio do
No Interior do
Casulo Amarelo
Estreias
No Interior do Casulo Amarelo
De Thien An Pham. FRA/SIN/
ESP/Vietname. 2023. 179m.
Quando recebe a notícia da morte
da cunhada, em Saigão
(Vietname), Thien Æca encarregue
de cuidar do sobrinho de apenas
cinco anos, e assume a
responsabilidade de levar o corpo
de volta à aldeia onde foram
criados.
Retrato de Família
com Teatro de Marionetas
De Philippe Garrel. FRA/SUI.
2023. 96m. Drama. M12.
Os irmãos Louis, Martha e Lena
criam espectáculos de marionetas
sob a orientação do pai, o
habilidoso dono da trupe; e da
avó, responsável pela confecção
dos bonecos. Juntos, eles foram
encantando plateias com as suas
histórias. Mas tudo muda quando
o patriarca morre de ataque
cardíaco.
Revolução (Sem) Sangue
De Rui Pedro Sousa. POR. 2024.
103m. Drama, Histórico. M12.
Com realização de Rui Pedro
Sousa, um drama inspirado em
factos reais que tenta reconstruir
as vidas das cinco pessoas que
morreram durante a Revolução
dos Cravos, em Abril de 1974.
Vincent Tem de Morrer
De Stéphan Castang. FRA/BEL.
2023. 115m. Comédia Dramática.
Vincent tinha uma vida
perfeitamente normal até se dar
conta que se tornou vítima de
constantes tentativas de
assassinato. O mais estranho em
tudo isso é que os ataques surgem
de pessoas aleatórias que, sem
razão que o justiÆque, se sentem
compelidas a matá-lo.
Lupin III: O Castelo
de Cagliostro
De Hayao Miyazaki. JAP. 1979.
100m. Animação, Aventura. M12.
Realizada em 1979, esta é a
primeira longa-metragem de
Hayao Miyazaki, o mestre japonês
da animação, e segue as aventuras
do ladrão Arsène Lupin III e de
Jigen Daisuke, seu parceiro no
crime.
O Amor Louco
De Jacques Rivette. FRA. 1967.
250m. Drama. M12.
Uma experiência radical de
Rivette, usando os 16mm e os
35mm para os dois “mundos“ que
Ælma,ligando-os de forma
perfeita.
SOS - Salvem a Escola
De Carine May, Hakim Zouhani.
FRA. 2022. 94m. Comédia. M12.
Numa comunidade suburbana de
Paris, onde a população se debate
com a pobreza, a directora Zahia
e a professora Marion unem
esforços para salvar uma escola
da ameaça da gentriÆcação.
Avó
De Matthew J. Saville. 2021.
94m. Drama. M14.
Ruth é alcoólica e, devido a uma
fractura, está dependente dos
cuidados de outros. Um dia, o
neto é expulso do colégio onde
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 41
Cartaz, críticas, trailers
e passatempos em
cinecartaz.publico.pt
estudava e enviado para sua casa
para lhe fazer companhia. Num
primeiro momento, o
temperamento difícil de ambos
vai criar entraves à convivência.
Até compreenderem que há muita
coisa a ligá-los.
Back to Black
De Sam Taylor-Johnson. GB/
EUA/FRA. 2024. 122m. Drama,
Musical, Biografia. M14.
Com a sua voz única e estilo
musical onde se mistura o soul,
o jazz ou o R B, Winehouse
alcançou fama internacional.
Mas, apesar de seu enorme
talento e reconhecimento dos
fãs, ela debateu-se com graves
problemas com drogas e
álcool.
Os Três Mosqueteiros: Milady
De Martin Bourboulon.
ESP/BEL/ALE/FRA. 2023.
115m. Acção, Aventura. M12.
Seguindo o ponto de vista de
Milady, esta aventura tem como
base o mais célebre romance de
Alexandre Dumas (1802-1870)
que se inspira em personagens
reais e segue factos importantes
ocorridos em França no século
XVII, durante o reinado de Luís
XIII.
Sleeping Dogs - A Teia
De Adam Cooper. EUA/Austrália.
2024. 110m. Thriller. M14.
Russell Crowe dá vida a um
ex-detective de homicídios com
graves problemas de memória,
obrigado a revisitar um caso que
não consegue recordar.
Mal: O Início M16. 18h20, 21h, 24h; Uma
Vida Singular M12. 13h15, 15h50; Back
to Black M12. 13h30, 16h10, 19h,
21h50, 00h30; Lupin III: O Castelo de
Cagliostro M12. 19h20; Revolução (Sem)
Sangue M12. 13h40, 16h20, 18h50, 21h20,
23h40; Dune - Duna: Parte Dois M12. Sala
Imax - 18h10, 21h40; Godzilla x Kong: O
Novo Império M12. Sala Imax - 12h50, 15h30
Cinemas Nos Vasco da Gama
Parque das Nações. T. 16996
Dune - Duna: Parte Dois M12. 17h, 21h10;
O Panda do Kung Fu 4 M6. 13h20, 15h45,
18h15 (VP); Caça-Fantasmas 13h30,
16h10; Godzilla x KongAtmos - 13h10, 16h,
18h45, 21h30, 00h15; Imaculada M16.
21h40, 24h; Os Gigantes de La Mancha M6.
13h50 (VP); O Génio do Mal: O Início M16.
20h45, 23h30; Back to Black M12. Sala
Atmos - 13h25, 16h30, 20h30, 23h20;
Lupin III: O Castelo de Cagliostro M12.
19h; Revolução (Sem) Sangue M12.
14h, 17h30, 21h10, 23h50;
Medeia Nimas
Av. 5 Outubro, 42B. T. 213142223
Os Carabineiros 15h; O Homem do
Oeste M12. 19h; O Prazer 13h; Evil Does
Not Exist - O Mal Não Está Aqui 17h;
No Interior do Casulo Amarelo 21h
UCI Cinemas - El Corte Inglés
Av. Ant. Aug. Aguiar, 31. T. 213801400
Guia
Dias Perfeitos M12. 14h, 19h; A Zona de
Interesse M12. 13h20, 21h55; Pobres
Criaturas M16. 15h55; Anatomia de Uma
Queda M12. 15h40, 18h45; Vidas
Passadas M12. 13h35, 18h55; Os
Excluídos M12. 16h, 21h25; A Sala de
Professores M12. 13h25; Dune - Duna: Parte
Dois M12. 15h50, 21h45; Godzilla x Kong:
O Novo Império M12. 13h30,
21h55; Imaculada M16. 13h35; Ryuichi
Sakamoto - Opus M12. 16h15, 18h35; Evil
Does Not Exist - O Mal Não Está Aqui 14h15,
19h15; Sleeping Dogs - A Teia M12. 14h20,
16h50, 19h25, 22h; Homem Macaco M12.
16h10, 19h10; O Génio do Mal: O Início M16.
13h40; Parece que Estou a + M12. 13h45,
18h40; Uma Vida Singular M12. 13h55,
16h20, 18h50, 21h15; Miller’s Girl - A
Favorita M14. 16h45, 21h35; Anjos na
Terra M12. 14h10; O Hotel Palace M12.
16h55, 19h20, 21h40; Back to Black M12.
13h50, 16h30, 19h10, 21h50; Os Três
Mosqueteiros: Milady M12. 16h35,
21h50; Avó M12. 16h25, 21h20; Lupin III:
O Castelo de Cagliostro M12.
19h20; Revolução (Sem) Sangue M12.
14h05, 16h35, 19h05, 21h35
Almada
Cinemas Nos Almada Fórum
R. Sérgio Malpique 2. T. 16996
Bob Marley: One Love M12. 13h50;
Dune - Duna: Parte Dois M12. 14h, 17h40,
21h10; O Panda do Kung Fu 4 M6. 12h30,
15h10, 17h30, 19h45 (VP/2D), 14h
(VP/3D); Caça-Fantasmas: O Império
do Gelo M12. 13h30, 16h05, 18h45,
21h50; Godzilla x Kong: O Novo
Império M12. Sala Atmos - 12h50, 15h40,
18h20, 21h30; Imaculada M16. 12h55, 15h15,
17h25, 19h35, 22h; Sleeping Dogs
- A Teia M12. 19h10, 21h40; Homem
Macaco M12. 13h15, 16h10, 18h45, 21h35;
O Génio do Mal: O Início M16. 22h20; Uma
Vida Singular M12. 12h40, 15h30, 18h10,
20h50; A Minha Fada Traquina M6. 13h20,
15h35 (VP); O Hotel Palace M12. 13h40,
18h05, 20h20, 22h25; Back to Black M12.
Sala Atmos - 13h, 15h50, 18h30, 21h20;
Os Três Mosqueteiros: Milady M12. 13h10,
15h45, 18h25, 21h15; Avó M12. 16h;
Lupin III: O Castelo de Cagliostro M12.
19h; Revolução (Sem) Sangue M12. 16h15,
18h40, 21h; Godzilla x Kong: O Novo
Império M12. Sala 4DX - 12h20, 14h50,
17h20, 19h50, 22h30
Barreiro
Castello Lopes - Fórum Barreiro
Campo das Cordoarias. T. 212069440
Dune - Duna: Parte Dois M12. 14h15, 17h30,
20h45; Caça-Fantasmas: O Império
do Gelo M12. 12h15, 14h20, 16h45,
19h10; Godzilla x Kong: O Novo
Império M12. 14h20, 16h45, 19h10,
21h35; Homem Macaco M12. 21h35;
Back to Black M12. 14h, 16h30, 19h, 21h30
Cascais
Cinemas Nos CascaiShopping
Estrada Nacional nº. 7 - Alcabideche.
Dune - Duna 12h30, 16h30; O Panda
do Kung Fu 4 M6. 13h, 15h15, 17h30
(VP); Godzilla x Kong: O Novo Império M12.
12h45, 15h30, 18h15, 21h15; Imaculada M16.
20h; Homem Macaco M12. 14h, 16h45;
O Génio do Mal: O Início M16. 22h10;
Uma Vida Singular M12. 20h15; Back to
Black M12. 13h15, 16h, 18h45, 21h30; Os
Três Mosqueteiros: Milady M12. 14h15,
17h, 19h40, 22h15; Lupin III: O Castelo de
Cagliostro M12. 19h30; Revolução (Sem)
Sangue M12. 13h30, 16h15, 19h, 21h45
; Dune - Duna: Parte Dois M12. Sala Imax -
17h15, 20h45; Godzilla x Kong: O Novo
Império M12. Sala Imax - 14h30
42 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024

Guia

Lazer Jogos Jogue também online.

Palavras-cruzadas, Totoloto 18 23 38 42 49 5

bridge e sudoku em
1.º Prémio 9.700.000€
publico.pt/jogos
Esta informação não dispensa a consulta da lista oficial de prémios

MÚSICA Cruzadas 12.397 Paulo Freixinho

palavrascruzadas@publico.pt

The Legendary Tigerman
LISBOA Lux. Dia 11/4, às 22h30.
M/16. 20€
Paulo Furtado, o homem-tigre que
vimos surgir, há mais de 20 anos,
de guitarra em punho e pé no
bombo, enveredou por novos
caminhos, encheu o covil de
sintetizadores modulares e saiu-se
com Zeitgeist, uma reinvenção do
seu espírito rock ‘n’ roll a toda a
prova. É este registo que dá o tom
ao serão. A acompanhar a
“imparável máquina rock e
electrónica” de Tigerman, estão
Filipe Rocha, Cabrita, Mike Ghost
e Sara Badalo.
HORIZONTAIS: 1. António de (...), foi condecorado às escondidas pelo PR. Passado.
2. Naipe das cartas de jogar. A unidade. Antes do meio-dia. 3. Tombar. Pano
tornado impermeável por meio de óleo, verniz ou de outra substância análoga.
4. Joaquim Miranda (...), ministro de Estado e das Finanças. 5. Verão. 6. Pequena
porção de barba sob o lábio inferior. Prefixo que exprime a ideia de privação.
Prefixo (duas vezes). 7. O que mata. Tornar volumoso ou balofo. 8. Encaixe nas
paredes de um portal, para nele se embeberem as peças em que se firmam as
portas. Aqui está. 9. Crómio (s. q.). O vento do sul. 10. Marisa (...), interpreta Amy
Winehouse no filme “Back to Black”. “Duro de cozer, duro de (...)”. 11. Cortar rente.
Planta gramínea.
VERTICAIS: 1. Chinela com sola de pau. Assinalar. 2. Ponta aguçada. Altivez. 3.
Membrana ocular colorida. Textualmente (adv.). Empresa Pública. 4. Engenho de
tirar água. Conjunto das pétalas de uma flor. 5. Eles. Restabelece. Porte. 6.
Organização Mundial de Saúde. Ovário dos peixes. 7. Tocador de aulo ou de flauta.
Vento brando e aprazível. 8. Garoto. Redução de senhor (pop.). 9. Ligo. (...) Higgs,
físico que descobriu (e deu nome) ao famoso bosão de Higgs (1929-2024). 10.
Concedido. Aglomerado de habitações dentro de uma povoação. 11. Elemento de
formação de palavras que exprime a ideia de ombro. Insígnia (bastão) de Baco.

Solução do problema anterior

Ricardo Ribeiro HORIZONTAIS: 1. Gama. Soaram. 2. Alimpa. Zé. 3. Ru. Irite. Pt. 4. Rangel. Vira. 5. Adias. Aedo.
LISBOA Centro Cultural de 6. Av. Bondade. 7. Exílio. 8. Palitam. Ata. 9. Eneias. In. 10. Cosgrave. Vi. 11. AR. Ao. Ambos.
Belém. Dia 11/4, às 21h. M/6. VERTICAIS: 1. Garra. Opaca. 2. Aluada. Or. 3. Mi. Niveles. 4. Amiga. Xinga. 5. Presbítero.
6. Sail. Olaia. 7. Animava. 8. Azevedo. Sem. 9. Ré. Ida. 10. Produtivo. 11. Meta. Anis.
12,50€ a 30€
De voz aÆnada com a liberdade e a
rebeldia, Ricardo Ribeiro tem
João Fanha © Alastair Chisholm 2008
cantado fados novos e antigos, mas Bridge fanhabridge.pt Sudoku www.indigopuzzles.com
também se tem passeado por
diferentes registos, sempre
apoiado na ligação entre a música e Dador: Norte ce se não o fizer: em mão na Problema 12.560 (Fácil)
Dama de ouros, Este joga espada. Solução 12.558
a poesia. Vão da world music às Vul: NS
Que carta joga de Sul? Se jogar o
colaborações com nomes como
Valete, Oeste deixa fazer e, quan-
Rabih Abou-Khalil, Rão Kyao, Rui NORTE
Ƅ 1075 do tentar uma copa, Oeste fará o
Veloso, Carlos do Carmo ou João Ás de copas e mais três vazas a
Ɔ KQ
Paulo Esteves da Silva. Neste ƇAKJ1092 espadas para um cabide. Se, em
concerto, integrado no ciclo Há ƅ 95 vez do Valete de espadas, jogar a
Fado no Cais, as pautas dedicam-se pequena, então Oeste prende
OESTE ESTE
a Terra Que Vale o Céu, disco Ƅ K9863 ƄQ4 com o Rei e devolve outra espada
lançado em Outubro passado e ƆAJ8 Ɔ764 deixando novamente Sul em mão
apresentado como um “regresso às Ƈ 87 ƇQ654 e sem um acesso directo para o
origens” e ao fado tradicional, “que ƅ Q106 ƅ J432 morto. Nada fácil...
conhece como ninguém”. SUL
Ƅ AJ2 Considere o seguinte leilão: Solução 12.559
Ɔ 109532
Ƈ3 Oeste Norte Este Sul
TEATRO ƅ AK87 1Ƈ X passo ?
Oeste Norte Este Sul
Os Demónios Não Gostam de Ar O que abre em Sul com a seguin-
1Ƈ passo 1Ɔ
Fresco te mão?
1Ƅ 2Ƈ passo 3ST ƄAJ9763 ƆK104 Ƈ874 ƅ2
LISBOA São Luiz Teatro Todos passam
Municipal. De 10/4 a 14/4.
Quarta a sábado, às 20h; Resposta: Marque 4Ƅ. Com seis
Leilão: Qualquer forma de bridge.
cartas num rico e um singleton,
domingo, às 17h30. M/14. Problema 12.561 (Difícil)
há que declarar directamente a
12€ a 15€ Carteio: Saída: 6Ƅ. A Dama de
partida a partir de 8 pontos. Se
Albano Jerónimo e Cláudia Lucas Este e o Ás de Sul. As perspectivas
optar por marcar apenas 3Ƅ, o Meteorologia
Chéu dirigem a peça, apresentada são boas. Haverá alguma maneira
que acha que o seu parceiro irá
como “um objecto entre o cinema de assegurar o contrato, assumin-
fazer com uma mão mínima? Não
e o teatro” levado à cena pela do que os ouros não estão pior do A página de
corra o risco de ficar pelo
companhia Teatro Nacional 21. que 4-2? meteorologia não
caminho...
Com texto de Maria Quintans e se publicará até
inspiração no legado (e nos Solução: Depois de ter feito o Ás ao dia 28 de Maio
demónios) de Ingmar Bergman, de espadas, jogue o Ás, Rei e o e é substituída pela
Valete de ouros e balde o Valete
tem como ponto central da iniciativa Poesia
de espadas (para além de um
narrativa a ilha de Fårö (Suécia), Pública, com
pau)!
onde o célebre cineasta sueco se a publicação de 50
A defesa faz a Dama de ouros,
estabeleceu e rodou alguns Ælmes. mas agora ninguém o conseguirá poemas inéditos
No elenco estão Luís Puto, Rita impedir de vir a realizar uma nos 50 anos do 25
Loureiro, Íris Cayatte, Maria espada, cinco ouros, uma copa e de Abril.
Ladeira, Ivo Alexandre e a voz oè dois paus.
de Liv Ullmann, actriz, realizadora Mas porquê baldar o Valete de
e ex-companheira de Bergman. espadas? Vejamos o que aconte-
 Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 43

Guia

CINEMA Televisão Os mais vistos da TV

Terça-feira, 9
RTP1 11,6% DOCUMENTÁRIO
O Tigre e o Dragão
Jornal da Noite
% Aud. Share
SIC 9,9 20,2
RTP2 0,8 Iluminar Caminhos
AMC, 22h10
Filme épico sobre artes marciais
Big Brother - Especial TVI 9,6 18,8 SIC 15,6 RTP2, 22h54
Se é inegável a importância da
TVI
Cacau TVI 9,5 20,4
chinesas com realização de Ang Jornal Nacional TVI 8,9 18,7 17,1 escola na integração das crianças,

Lee, que adiciona à acção uma
componente dramática e
sentimental que lhe confere a aura
de fábula sumptuosa, num mundo
quase onírico onde nem a lei da
gravidade parece pesar. As cenas
de duelo, que parecem bailados,
foram preparadas por Yuen
Woping, o mesmo encenador do
kung-fu virtual de Matrix. Estreado
em 2000, o Ælme arrecadou, entre
muitos outros galardões, quatro
dos dez Óscares para que foi
nomeado.
Entrevista com o Vampiro
Hollywood, 1h35
A partir do romance de Anne Rice,
Neil Jordan Ælma a história de
amor e ódio entre os vampiros
Lestat (Tom Cruise) e Louis (Brad
Pitt). Christian Slater é o jornalista
a quem Louis conta tudo, ao estilo
das entrevistas do programa 60
Minutos, desde a época em que
vivia como um comum mortal na
sua plantação em Nova Orleães.
Kirsten Dunst, na altura com 12
anos, dá vida a uma pequena
vampira, numa perturbante
interpretação que lhe valeu uma
série de prémios. O Ælme foi
nomeado para dois Óscares:
música e direcção artística.
Aqui, em Lisboa: Episódios
da Vida da Cidade
Filmin, streaming
Em 2014, depois de dez anos a
exibir e promover Ælmes, o festival
IndieLisboa decidiu produzir um e
convidou quatro realizadores a
mostrarem Lisboa segundo as suas
abordagens particulares: o
canadiano Denis Côté, a chilena
Dominga Sotomayor Castillo, o
português Gabriel Abrantes e a
francesa Marie Losier. São quatro
visões pessoais que atravessam
géneros e linguagens, da Æcção ao
documentário, passando pelos
universos da fábula ou da comédia
absurda. O resultado pode ser
visto a partir de hoje na Filmin.
SÉRIE
Fallout
Prime Video, streaming
Estreia. Comédia, acção, violência
e Æcção cientíÆca misturam-se na
aguardada e ambiciosa produção
que verte para a televisão o
mundo pós-apocalíptico do
franchise de videojogos Fallout,
pelas mãos de Jonathan Nolan e
Lisa Joy (Westworld). Walter
Goggins, Ella Purnell, Aaron
Moten e Kyle MacLachlan
integram o elenco nuclear.
RTP1
6.00 Bom Dia Portugal 10.00 Praça
da Alegria 12.59 Jornal da Tarde 14.15
Hora da Sorte - Lotaria Popular 14.22
Escrava Mãe 15.05 A Nossa Tarde
17.30 Portugal em Directo 19.06
O Preço Certo 19.59 Telejornal
21.01 Linha da Frente
21.40 Joker
22.40 5 para
aMeia-Noite
23.51 Ao Largo
0.40 Grande Entrevista: Nuno Morais
Sarmento 1.41 Terra 4.0 1.53 Do
Algarve à Lapónia 2.13 Escrava Mãe
SIC
6.00 Edição da Manhã 8.10 Alô
Portugal 9.45 Casa Feliz 12.59
Primeiro Jornal 14.45 Linha Aberta
16.25 Júlia 18.35 Morde & Assopra
19.00 Jornal da Noite
19.50 Futebol:
Benfica x Marselha
(Liga Europa)
elha
22.10 Senhora do Mar
23.20 Papel Principal - A Vingança
0.00 Papel Principal 0.25 Travessia
1.00 Passadeira Vermelha 1.55
Resumo Liga Europa/Liga Conferência
2.10 Todas as Artes 3.00 Volante 3.15
Terra Brava
O Preço certo (R) RTP1 7,8
FONTE: CAEM
RTP2
6.32 Repórter África 7.00 Espaço Zig
Zag 10.42 Inspirando o Futuro -
SingularityU Portugal 11.09 Enzo
Ferrari: O Vermelho e o Preto 12.05
Charité 12.56 Biosfera 13.29 Da Ilha e
de Mim 13.54 Folha de Sala 14.00
Sociedade Civil 15.01 A Fé dos
Homens 15.34 Raízes Sonoras 16.01
Folha de Sala 16.06 Mãe Natureza
16.57 Espaço Zig Zag
20.41 Folha de Sala 20.46 No Mundo
de Oxford Street
21.30 Jornal 2 22.01 Made in Oslo
22.45 Folha de Sala 22.54 Iluminar
Caminhos
0.28 Cinemax 1.35 Sociedade Civil
2.37 Sei Quem És 3.53 Raízes Sonoras
4.20 Folha de Sala 4.27 Nha Terra Nha
Cretcheu 5.29 Origem da Água 5.59
A Fé dos Homens
TVI
6.15 Diário da Manhã 9.55 Dois às 10
12.58 TVI Jornal 14.10 TVI - Em Cima
da Hora 15.40 A Herdeira 16.35
Goucha 17.45 Big Brother
57 JJornal Nacional
19.57
21.45 Big Brother
22.05 Cacau
u Diesel 0.44 Custom Carolina
23.00 Festa É Festa
23.55 Big Brother
2.15 O Beijo do Escorpião 3.30 Deixa
Que Te Leve
Cabo
19,5
38,2
TVCINE TOP
18.25 Querida, Alice 19.55 Cidade
Paraíso 21.30 A Mulher Rei 23.40 5000
Blankets 1.10 Última Noite
STAR MOVIES
17.11 A Noite do Desespero 19.00 O Ano
do Dragão 21.15 Mata-me Outra Vez
22.46 Detenção de Risco 0.46 Ardente
Sedução
HOLLYWOOD
17.00 Tempestade Perfeita 19.15
Decisão Crítica 21.30 King Richard: Para
Além do Jogo 23.55 Ready or Not - O
Ritual 1.35 Entrevista com o Vampiro
AXN
17.42 The Rookie 19.22 Mentes
Criminosas 21.06 Hudson & Rex 22.00
Investigação Criminal 22.54 Salt 0.40
Investigação Criminal
STAR CHANNEL
17.10 Investigação Criminal: Los Angeles
18.49 Magnum P.I. 20.27 Hawai Força
Especial 22.15 The Equalizer 0.00 Thor:
Amor e Trovão
DISNEY CHANNEL
17.15 Miraculous - As Aventuras de
Ladybug 17.40 A Maldição de Molly
McGee 18.30 Vamos Lá, Hailey! 18.55
Monstros: Ao Trabalho! 19.15 Hamster &
Gretel 19.40 Os Green na Cidade
Grande
DISCOVERY
17.29 Mestres do Restauro 18.22
Criaturas Misteriosas com Forrest
Galante 19.14 Aventura à Flor da Pele
21.00 Custom Carolina 22.54 Irmãos
HISTÓRIA
17.18 Grandes Descobertas 18.04
Mistérios no Gelo 20.10 Os Maiores
Mistérios da História 22.15 As Maiores
Descobertas com Dan Snow 0.48
Os Maiores Mistérios da História
ODISSEIA
17.45A China Selvagem 18.32 Mascotes
comas Patas Partidas 19.25 Escola de
Cachorros 21.02 Resgate de Cães:
Segunda Oportunidade 22.31 Cães
Muito Mal-Educados 0.52 Resgate de
Cães: Segunda Oportunidade
como se deve proceder com
aquelas que nunca a
frequentaram? Foi a pensar nelas
que duas mulheres, Marie e
Juliette, criaram La Petite École,
em Bruxelas, em 2016. Foge à
estrutura do sistema de ensino
convencional para propor um
método que privilegia, em
primeiro lugar, a necessidade de
que esses miúdos, muitas vezes
imigrantes e/ou refugiados,
“possam aprender a ser ou voltar
a ser crianças outra vez”. Este
Ælme de Lydie Wisshaupt-Claudel
documenta o projecto e a
dedicação que ele implica.
INFORMAÇÃO
Linha da Frente
RTP1, 21h01
Abandonados e esquecidos. Assim
se dizem os milhares de membros
da PSP e da GNR que têm saído às
ruas e protagonizado as maiores
manifestações de sempre das
forças de segurança. Reivindicam
igualdade de tratamento em
relação aos colegas da Polícia
Judiciária, assim como melhores
condições laborais e salariais. A
reportagem Chamem a polícia, da
jornalista Sandra Claudino (com
imagem de Tiago Passos e edição
de Carlos Valente), esmiúça os
motivos da insatisfação e avalia as
perspectivas de entendimento
entre sindicatos e decisores, no
momento em que o Governo de
Luís Montenegro acaba de ser
empossado e em que Margarida
Blasco acaba de assumir a pasta de
ministra da Administração
Interna.
DESPORTO
Futebol: Benfica x Marselha
SIC, 19h50
Directo. O Estádio da Luz é palco
do embate entre os “encarnados”
e o clube francês, no jogo
referente à primeira mão dos
quartos-de-Ænal da Liga Europa. A
segunda está marcada para dia 18,
no estádio do Marselha, com
proibição de entrada aos adeptos
benÆquistas. Face a essa decisão,
justiÆcada pelo receio de
confrontos violentos, e tendo em
conta o “potencial risco de
insegurança” detectado pelas
autoridades portuguesas, o
BenÆca reagiu com a anulação dos
bilhetes emitidos e adquiridos
pelos adeptos do Marselha para o
jogo desta noite. O árbitro inglês
Michael Oliver dirige a partida.
44 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Desporto “Encarnados” lutam por vaga nas meias-Ɗnais da Liga Europa
Benfica quer reduzir riscos para
viajar em segurança até Marselha
Estádio da Luz sem franceses em noite emotiva que poderá pesar no futuro próximo de Roger Schmidt.
Decisão sobre a presença de adeptos rivais marca primeira mão dos “quartos” da Liga Europa
Augusto Bernardino
O Olympique Marselha volta esta noi-
te (20h, SIC) ao Estádio da Luz para
disputar a primeira mão dos quartos-
de-Ænal da Liga Europa com um Ben-
Æca desarmado nas competições
domésticas e cada vez mais depen-
dente do sucesso na prova da UEFA,
na qual faltam certezas sobre a pre-
sença de adeptos das equipas visitan-
tes nesta eliminatória.
Roger Schmidt, treinador da equipa
“encarnada”, e Jean-Louis Gasset,
técnico do Olympique, defendem um
futebol sem restrições no apoio às
equipas. Aubameyang, referência dos
marselheses — um “perigo” no plano
desportivo que Schmidt conhece bem
—, comunga da mesma opinião, con-
trária à assumida pela polícia francesa
e, em resposta, pela SAD do BenÆca.
Mas, pelo menos até ao início do
jogo, ninguém parece disposto a
desistir da ideia de um espectáculo
aberto, mesmo que Schmidt tenha
ideias bem deÆnidas para bloquear e
anular os perigos do Marselha.
O treinador do BenÆca garante que
a frustração dos recentes embates
com o rival Sporting — na Liga e nas
meias-Ænais da Taça de Portugal — já
foi superada e que os jogadores luta-
rão pela revalidação do título até ao
Æm, sem precisarem de olhar para a
Europa como uma espécie de tábua
de salvação.
“Contra o Sporting não fomos
bem--sucedidos. Estivemos a um
grande nível, mostrámos qualidade
e nada está perdido no campeonato.
Na Liga Europa, temos uma grande
oportunidade. Há muito que o Ben-
Æca não chega a umas meias-Ænais
de uma competição europeia”, lem-
brou, quando passaram já dez anos
desde a última presença das “águias”
numa Ænal da Liga Europa (Sevilha,
2013-14) e 34 na Liga dos Campeões
(AC Milan, 1989-90).
A estratégia do alemão assenta no
colectivo e na capacidade de contro-
lar a posse e a reacção à perda da
bola, o que ajudará a anular indivi-
dualidades como Aubameyang, para
ganhar vantagem em casa e reduzir
os riscos em Marselha.
De resto, cada vez menos imune a
críticas, Schmidt sabe que só o apu-
ramento para as meias-Ænais da Liga
Europa pode reprimir a crescente
Momento do treino de ontem onda de contestação e circunscrever
do Benfica, de preparação situações incómodas como as provo-
para o jogo com o Marselha cadas pelos rumores sobre o eventual
regresso de José Mourinho à Luz, que
RUI MINDERICO/LUSA
levaram a SAD a emitir comunicado
a desmentir a rendição do técnico
alemão. O momento é duplamente
delicado e Schmidt protegeu-se com
Liga Europa
QUARTOS-DE-FINAL (1.ª MÃO)
Benfica-Marselha 20h, SIC
AC Milan-Roma 20h, SPTV
B. Leverkusen-West Ham 20h, SPTV
Liverpool-Atalanta 20h, SPTV
uma resposta seca à questão do futu-
ro: “As vossas histórias não são pro-
blema meu!”, atirou, conÆrmando
apenas o regresso de Sven-Göran
Eriksson ao Estádio da Luz para assis-
tir ao jogo com o Marselha. O treina-
dor sueco será homenageado esta
noite pelo emblema português,
depois de ter revelado sofrer de doen-
ça terminal.
“É uma grande personalidade do
futebol, um treinador de topo a viver
uma situação muito difícil. Espero
que possa desfrutar deste momento”,
declarou Schmidt.
Risco elevado
No que diz respeito ao jogo entre o
vice-líder português e o oitavo clas-
siÆcado da Liga francesa (em crise,
após três derrotas consecutivas),
mais do que os argumentos que as
equipas possam apresentar, do que
as baixas ou dúvidas do Marselha (o
ex-FC Porto Mbemba fará teste deci-
sivo), a discussão centra-se numa
questão acessória que as claques tor-
naram essencial.
Apesar dos esforços de mediação
da UEFA, as forças de segurança fran-
cesas garantem que não haverá adep-
tos do BenÆca no Vélodrome (nem
nas imediações), em Marselha. O clu-
be português reagiu negando o acesso
dos adeptos franceses ao Estádio da
Luz. Situação potencialmente explo-
siva, com a polícia portuguesa a pre-
parar um jogo de risco elevado.
O presidente do Olympique, Pablo
Longoria, critica o BenÆca e assume
que poderá, por solidariedade, não
comparecer ao jogo. Longoria teme
pela segurança dos milhares de adep-
tos franceses, mas o “cadastro” dos
“ultras” portugueses, sobretudo
depois dos episódios de violência de
Milão, San Sebastián e Toulouse, terá
sido determinante para uma proibi-
ção decidida, em nome da segurança
pública, pela Prefecture de la Police
de Bouches-du-Rhône.

Vantagem mínima para Barcelona
e Atlético na Champions
Marco Vaza
Catalães triunfam sobre
o PSG num jogo em que
Vitinha marcou pelos
franceses. Atlético dominou,
mas só venceu por um
Muita história cruzada entre PSG e
Barcelona. A começar nos bancos,
com os ex-colegas de equipa Luiz
Enrique e Xavi Hernández, as trans-
ferências que aconteceram nos últi-
mos anos entre os dois (Neymar,
Messi, Dembélé) e sucessivos encon-
tros entre parisienses e catalães na
última década. Cada um com as suas
“estrelas” e dúvidas sobre o futuro
imediato — quem sucede a Xavi, para
onde vai Mbappé? Outra coisa que
os une: ambos querem ganhar a
Champions. E, ontem, o Barcelona
apresentou-se no Parque dos Prínci-
pes como um candidato de certa
forma inesperado, triunfando por
2-3 sobre os parisienses.
O Barcelona não tem treinador
para a próxima época (a saída de
Xavi é irrevogável), não vai ser cam-
peão esta época e não sabe quanto
dinheiro vai ter (se é que vai ter
algum) para contratar jogadores.
Uma crise que lhe diminuiria, em
teoria, as suas perspectivas em ir
longe na Champions, mas o “Barça”
tem uma história na competição que
o PSG diÆcilmente alguma vez terá e
está disposto a acrescentar mais um
capítulo. Quando tem um jogador
em estado de graça, no caso, Raphi-
nha, tudo Æca mais fácil.
Depois do brilhante Real Madrid-
Manchester City do dia anterior, a
Champions voltou a proporcionar
um grande espectáculo. A equipa de
Luiz Enrique, com os portugueses
Nuno Mendes e Vitinha de início,
pareceu entrar melhor, mas foi o
Barcelona a ter as melhores oportu-
nidades. E, depois de uma saída em
falso de Donarumma que quase deu
golo a Lewandowski não fosse Men-
des a tirar em cima da linha, a forma-
ção catalã, que teve Cancelo no
“onze” a partir da esquerda, teria
marcado antes do minuto 36, quan-
do Raphinha aproveitou da melhor
maneira uma intervenção deÆciente
de Donarumma.
Nada mais aconteceria na primei-
ra parte, mas a segunda arrancou
com uma resposta soberba da forma-
ção parisiense. Aos 48’, foi um ex-
Barcelona, Dembélé, a fazer o empa-
te e, três minutos depois, Vitinha
(grande exibição) concretizou a revi-
O Barcelona foi a Paris vencer
o PSG e colocar-se em
vantagem para estar nas
“meias” da Champions
Calendário
QUARTOS-DE-FINAL
Arsenal-B. Munique
2-2
Real Madrid-Man. City 3-3
PSG-Barcelona 2-3
A. Madrid-B. Dortmund 2-1
O Atlético consentiu um golo que mantém o Dortmund vivo
ravolta, solicitado por Fabian Ruiz
— foi o primeiro golo do internacio-
nal português na Champions, isto se
não contarmos com a UEFA Youth
League, que conquistou com os “dra-
gões” em 2019.
Mas ainda haveria mais uma revi-
ravolta. Aos 62’, uma espectacular
solicitação de Pedri para Raphinha
bisar ao primeiro toque, e, aos 77’,
Christensen, que tinha acabado de
entrar, a cabecear para o fundo das
redes parisienses após canto cobra-
do na esquerda por Gundogan. O
QUALITY SPORT IMAGES/GETTY IMAGES
Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024 • 45
PEDRO SALADO/GETTY IMAGES
golo do dinamarquês garantiu van-
tagem catalã para a segunda mão, no
Estádio Olímpico em Montjuic, na
próxima terça-feira.
Outra vitória mínima
Em Madrid, houve muito Atlético no
confronto com o Borussia Dortmund,
mas a vantagem foi curta para deixar
os “colchoneros” confortáveis para o
jogo da segunda mão na próxima
terça-feira, um curto 2-1 que deixa
tudo em aberto. O que pareceu um
jogo de sentido único durante boa
parte do tempo, acabou com uma
prova de vida na eliminatória para a
formação germânica que, na Bun-
desliga, está fora dos lugares de apu-
ramento para a Champions.
A equipa de Simeone entrou no
jogo praticamente a ganhar. Logo aos
5’, pressão alta sobre a saída do
Dortmund para o ataque e Ñiguez
deixou para Rodrigo de Paul fazer o
1-0 sem grande problema. Aos 32’,
Samuel Lino dobrou a vantagem do
Atlético após um magníÆco passe de
Griezmann — foi o sétimo golo do ex-
Gil Vicente com a camisola do Atlé-
tico. Tudo parecia tranquilo para a
equipa da casa, mas o Dortmund
conseguiu reduzir já perto do Ænal,
por obra de Sebastian Haller, ele que
já não marcava pelo seu clube desde
Agosto do ano passado.
Desporto
Relação confirma
condenação de
Paulo Gonçalves,
no caso E-Toupeira
O Tribunal da Relação de Lisboa con-
Ærmou ontem a condenação do anti-
go assessor jurídico do BenÆca Paulo
Gonçalves, bem como do seu cúmpli-
ce no processo E-Toupeira, o funcio-
nário judicial José Augusto Silva.
Punido por corrupção activa, Pau-
lo Gonçalves foi condenado a dois
anos e seis meses de prisão, com pena
suspensa, enquanto José Augusto Sil-
va foi castigado com cinco anos, igual-
mente com pena suspensa.
O colectivo de juízes desembarga-
dores conÆrmou as decisões de pri-
meira instância e penalizou Paulo
Gonçalves pelo crime de corrupção
activa, nomeadamente as ofertas a
José Silva que tiveram em mente ace-
der a informação privilegiada em
vários processos judiciais nos quais o
BenÆca estava envolvido, entre os
quais o “Football Leaks”, o caso dos
vouchers e o dos emails.
Além de corrupção activa, o antigo
assessor jurídico da SAD “encarnada”
estava acusado de muitos outros cri-
mes, nomeadamente seis de violação
do segredo de justiça, 21 de violação
de segredo por funcionário, nove de
acesso indevido, nove de violação do
dever de sigilo, em co-autoria, dois de
acesso indevido e dois de violação do
dever de sigilo.
Paulo Gonçalves foi o “elemento
O Tribunal da
Relação
confirmou as
condenações a
Paulo Gonçalves
por corrupção
activa
preponderante que desencadeou
toda a sequência de crimes”, recorda
o tribunal, destacando o facto de as
ofertas terem “sempre um mesmo
destinatário” e de as mesmas terem
sido feitas de “forma reiterada”.
“Com os acessos pretendeu-se ter
conhecimento de actos processuais
e do andamento de processos, segu-
ramente que não por mera curiosida-
de, mas para, de algum modo, ter
conhecimento dos factos, utilizar a
informação contra outros clubes
rivais ou em benefício do BenÆca.
Mas de que modo isso seria concreti-
zado, não pode o tribunal fazer aÆr-
mações suportadas em especulação”,
ilustram os juízes, no acórdão.
Quanto a José Silva, foi punido
pelos crimes de corrupção passiva,
seis de violação de segredo de justiça,
nove de acesso indevido, nove de vio-
lação do dever de sigilo, 28 de acesso
ilegítimo e um de peculato. Lusa
46 • Público • Quinta-feira, 11 de Abril de 2024
Desporto
Sinner e
Medvedev com
boas estreias
em Monte Carlo
Pedro Keul
Depois de ganhar três títulos (Open
da Austrália, Roterdão e Miami) nos
três primeiros meses do ano, Jannik
Sinner não acusou a mudança dos
hardcourts para a terra batida e
entrou no Rolex Monte-Carlo Masters
em grande forma, derrotando Sebas-
tian Korda em 76 minutos. O italiano
de 22 anos e actual número dois na
hierarquia tenística mundial anulou
todos os três break-points de que Kor-
da (27.º) dispôs e ganhou 95% dos
pontos em que colocou o primeiro
serviço, para se impor, por 6-1, 6-2.
“Eu e o Sebi temos estilos de jogo
semelhantes, mas eu mexi-me muito
bem nestas condições”, resumiu Sin-
ner, semiÆnalista neste Masters 1000
em 2023, mas que conta com apenas
um título conquistado em terra bati-
da, há dois anos, em Umag.
Daniil Medvedev (4.º) também
esteve em grande plano no primeiro
encontro da época sobre o pó de tijo-
lo e eliminou Gael MonÆls (40.º), por
6-2, 6-4. Hubert Hurkacz, que aparece
no oitavo lugar do ranking, a sua
melhor classiÆcação de sempre,
alcançada no seguimento do triunfo
no Millennium Estoril Open, e Casper
Ruud (10.º) estiveram igualmente
entre os vencedores de ontem e vão
discutir entre si um lugar nos quartos-
-de-Ænal.
Para os “oitavos” seguiram também
Stefanos Tsitsipas (12.º) e Lorenzo
Musetti (24.º) — que terá como próxi-
mo adversário Novak Djokovic. Na
terça-feira, o sérvio de 36 anos preci-
sou de somente 70 minutos para
ultrapassar o russo Roman SaÆullin
(41.º), por 6-1, 6-2.
Pelo caminho Æcou Andrey Rublev
(6.º), que defendia o título e assim vai
perder os mil pontos auferidos pela
conquista deste torneio. O russo foi
derrotado em dois sets (6-4, 6-4), pelo
australiano Alexey Popyrin (46.º).
Na véspera de o torneio se iniciar,
Carlos Alcaraz anunciou a sua ausên-
cia devido a uma lesão no cotovelo
direito, juntando-se a Rafael Nadal,
que também não se sentiu em condi-
ções de voltar à competição, mas já
se treina em Barcelona, para o ATP
500 que tem início a 15 de Abril.
No Jamor, realiza-se o Grupo I da
Zona Europa-África da Billie Jean King
Cup. Com derrotas frente à Letónia,
Turquia e, ontem, Países Baixos, a
selecção feminina terminou o Grupo
B no último lugar. Terá agora de dis-
putar a segunda fase com Bulgária e
Noruega. E só a vitória no grupo
impede a descida de divisão.
O atletismo vai premiar com dinheiro o atleta que conseguir uma medalha de ouro olímpica
Pagar por uma medalha de ouro
olímpica? O atletismo vai avançar
Marco Vaza
Os campeões olímpicos
em Paris 2024 vão receber
46,5 mil euros, numa
medida inédita em 128 anos
de Jogos Olímpicos
Nos Jogos Olímpicos de Estocolmo,
em 1912, Jim Thorpe, norte-america-
no, foi celebrado como o melhor atle-
ta da sua era. Ele ganhara duas meda-
lhas de ouro no atletismo que com-
provavam as suas capacidades
multidisciplinares, no decatlo e no
pentatlo. Sete meses depois, retira-
ram-lhe essas medalhas porque se
descobriu que Thorpe tinha ganho
cinco dólares para jogar basebol
numa liga semiproÆssional e isso, de
acordo com a noção de desportista
amador que estava na génese do
movimento olímpico na altura, não
podia ser. Isso aconteceu há mais de
um século e os atletas olímpicos já
podem ser desportistas proÆssionais,
mas continuavam a não ser pagos por
serem campeões olímpicos. Até
ontem.
A World Athletics, organização que
gere o atletismo internacional, anun-
ciou ontem que vai premiar os cam-
peões olímpicos do atletismo em
Paris 2024 com um prémio de 50 mil
dólares (46,5 mil euros). O organismo
liderado por Sebastian Coe anunciou
que terá um prize money global de 2,4
milhões de dólares (2,2 milhões de
euros) para distribuir pelos vencedo-
res das 48 Ænais olímpicas da moda-
lidade — os vencedores das seis provas
de estafetas terão de dividir o prémio.
Para já, apenas os medalhados com
ouro têm direito a este bónus, mas em
Los Angeles 2028 também os meda-
lhados com prata e bronze estarão
abrangidos.
A World Athletics é a primeira fede-
ração internacional de um desporto
olímpico a premiar os campeões
olímpicos da sua modalidade em 128
anos de Jogos. Nem o próprio Comité
Olímpico Internacional (COI) premeia
os campeões olímpicos com mais do
que a medalha, algo que é assim des-
de os Jogos de Atenas em 1896. Coe
garante que este assunto não foi dis-
cutido com o COI, mas acredita que
o organismo liderado por Thomas
Bach não se irá opor.
“A única coisa que o COI tem reco-
nhecido é o primado das federações
internacionais no que diz respeito a
decidirem sobre o futuro de cada
modalidade. Espero que o COI parti-
lhe deste princípio, dado o seu com-
promisso de que as receitas obtidas
através do movimento olímpico sejam
reencaminhadas para a linha da fren-
te”, referiu Coe, antigo atleta que foi
bicampeão olímpico dos 1500m, em
Moscovo 1980 e Los Angeles 1984.
Para o líder da World Athletics, esta
será mais uma pedrada na aura de
amadorismo que tem envolvido o
olimpismo desde que foi transporta-
do da antiguidade para os tempos
HANNAH MCKAY/REUTERS
modernos. “Quero que os atletas mais
jovens olhem para o nosso desporto
e pensem que é Ænanceiramente viá-
vel para eles”, frisou Coe.
Da parte do COI, e ainda sem se
saber o que pensa Thomas Bach do
assunto, veio um comunicado a subli-
nhar aquilo que Coe disse: “O COI
redistribui 90% daquilo que recebe,
em particular para os comités nacio-
nais e para as federações internacio-
nais. Isto quer dizer que, todos os
dias, o equivalente a 4,2 milhões de
dólares é entregue para ajudar atletas
e organizações internacionais a vários
níveis e no mundo inteiro. Cabe a
cada comité e cada federação deter-
minar como melhor servir os seus
atletas e desenvolver o desporto.”
Entre os atletas, não há ninguém
que seja contra esta decisão da World
Athletics. Karsten Warholm, por
exemplo, dá as boas-vindas a esta
medida. “É uma coisa boa e quero
saudá-los por isto. Mas isso não muda
a minha motivação de ganhar porque
eu não estou nos Jogos pelo dinheiro.
A medalha de ouro vale mais para
mim”, frisou o norueguês, campeão
olímpico dos 400m barreiras.
Em Portugal, o Estado paga por
medalhas olímpicas e não apenas
pelas de ouro. A Portaria n.º
332-A/2018, de 27 de Dezembro, deÆ#
ne um prémio de 50 mil euros para
os vencedores em Ænais de Jogos
Olímpicos e Paralímpicos, 30 mil
euros para o segundo classiÆcado e
20 mil euros para o terceiro.
Breves
Futebol
Brasil vai investigar
alegada manipulação
de resultados
O Senado brasileiro anunciou
ontem que vai investigar o
alegado escândalo de
manipulação dos resultados
no futebol, através da criação
de uma comissão de inquérito,
que terá o ex-futebolista e
senador Romário como
relator. As denúncias
envolvem jogadores,
dirigentes e empresas de
casas de apostas. No pedido
de criação da comissão,
Romário citou um relatório
que identificou 109 partidas
com suspeita de manipulação
realizadas no Brasil em 2023.
A primeira sessão será na
próxima semana e vai
convocar o dono do Botafogo,
o americano John Textor, que
afirma ter provas de
manipulação de resultados no
campeonato do ano passado.
Futebol
Tozé Marreco vai ser
treinador dos gilistas
a seis rondas do fim
Tozé Marreco vai ser o novo
treinador do Gil Vicente. O
clube de Barcelos já acertou
os detalhes com o Tondela
relativamente à transferência,
faltando apenas o acordo
entre os gilistas e o técnico.
Tozé Marreco será o sucessor
de Vítor Campelos. Aos 36
anos, Tozé Marreco vai, assim,
estrear-se na elite do futebol
nacional, isto depois de quase
duas temporadas ao serviço
do Tondela. Antes disso, o
antigo ponta-de-lança havia
treinado a formação da
Académica e também a equipa
principal do Oliveira do
Hospital. Contudo, será Carlos
Cunha a orientar o próximo
jogo do Gil Vicente, diante do
Sporting.
 NOVAMENTE DISPONÍVEL

Do Fundo da Revolução

Maria João Avillez

Os 20 anos pós-25 de Abril à luz do cruzamento plural
e contrastado de testemunhos que fizeram História
e contaram a viragem histórica nacional
que marcou o país.

REEDIÇÃO
FAC-SÍMILE
Entrevistas a
Melo Antuness
José Miguel Júdice
e
Vítor Cunha Rego
o
a
João Bénard da Costa
José Pacheco Pereira
a
Alpoim Calvão
o
Manuel de Lucena
a +12,90€
Vasco Vieira de Almeida
a EM BANCA
José Manuel de Mello
o
o
Isabel do Carmo
Carlos Fabião
o
André Gonçalves Pereira
a
o
Maria de Lurdes Pintasilgo
Adriano Moreira
a
Manuel Monge
e
Mário Soaress

COMPRE AQUI
Foto autora © João Porfírio

“Maria João Avillez sabe ouvir e sabe, sobretudo, estimular os seus convidados. (…)
Do Fundo da Revolução é um bom exemplo deste talento e ficará a fazer parte de
uma coisa que é, infelizmente, rara em Portugal e que é a história oral contemporânea,
contada a partir dos próprios intervenientes.”
Leonardo Ferraz de Carvalho loja.publico.pt
Quinta-feira, 11 de Abril de 2024

BARTOON LUÍS AFONSO

Condecorações clandestinas ou a cobardia das instituições

ALAIN DEJEAN/SYGMA/GETTY IMAGES
condecorar Spínola de forma a que
O respeitinho fosse quase impossível alguém
não é bonito saber (é preciso investigar na página
das Ordens HonoríÆcas Portuguesas
para conseguir obter a informação
sobre as condecorações) pode ser
interpretada como uma forma de o
Presidente evitar uma polémica
condecorar mal é condecorar às
escondidas. É mais grave do que
um erro — é uma cobardia. A
proposta original foi de Vasco
Lourenço, que não é propriamente
um homem de direita, e avançava
com um critério atendível:
reconhecer aqueles que ajudaram

P
João Miguel Tavares
ara que é que serve uma
condecoração? A página
das Ordens HonoríÆcas
Portuguesas explica:
“Distinguir os cidadãos
nacionais que se
notabilizem por méritos pessoais,
por feitos militares ou cívicos, por
actos excepcionais ou por serviços
relevantes prestados ao país.” Ou
seja, há certas pessoas que dão
mostras de uma coragem ou de
uma dedicação à comunidade tão
signiÆcativas que o mais alto
representante da nação — o
Presidente da República — decide
premiar a excelência dos seus actos.
Como é óbvio, a não ser que se
pertença aos serviços secretos,
esse tipo de proeza exige o
reconhecimento público — até
porque é suposto que tais feitos
inspirem outros portugueses.
Marcelo Rebelo de Sousa
abandonou a prática muito chata
de condecorar resmas de gente no
Dia de Portugal, passando a
distribuir condecorações ao longo
de todo o ano. Nada contra. Mas
agora, pelos vistos, inovou de
forma nunca antes vista: passou a
condecorar na clandestinidade.
Ontem, o PÚBLICO noticiou que
o Presidente da República
condecorou todos os membros da
Junta de Salvação Nacional. Os
generais António de Spínola e
Francisco Costa Gomes a 5 de Julho
de 2023; os restantes membros da
Junta, incluindo o então
capitão-de-fragata Rosa Coutinho,
no dia 6. Problema: a Presidência
da República nunca publicitou esse
facto. Escrevem Helena Pereira e
Ana Sá Lopes: “A opção de
pública.”
A expressão “pode ser
interpretada” é manifesta
generosidade das jornalistas. Não
vejo outra interpretação possível.
Em Abril de 2022, quando a
intenção de condecorar Spínola
nos 50 anos do 25 de Abril foi
tornada pública (“Marcelo
condecora todos os membros da
Junta de Salvação Nacional em
2024”, noticiou o PÚBLICO), a
nossa esquerda mais epidérmica
apressou-se a lançar uma carta
aberta subscrita pelo pessoal do
costume: Fernando Rosas,
Francisco Louçã, Boaventura
Pior do que Sousa Santos. Consideravam tal
condecorar mal decisão “uma afronta”, por causa
do papel de Spínola no 11 de Março
é condecorar e na criação do MDLP.
às escondidas. Não vou entrar no
pingue-pongue entre Spínola e
É mais grave do Otelo, comparar o tamanho das
que um erro — suas condecorações ou traçar
diferenças entre o MDLP e as FP-25.
é uma cobardia O meu ponto é outro: quando se
decide condecorar, assume-se a
condecoração. Pior do que
a fazer o 25 de Abril,
independentemente do seu
percurso posterior. É um critério
discutível, mas tem a sua lógica, e
permite condecorar tanto Spínola
como Rosa Coutinho ou Vasco
Gonçalves. Nos tempos
extremados que correm,
parece-me até uma ideia virtuosa,
que poderia ter sido aproveitada
como gesto de reconciliação.
O que certamente não é virtuoso
é Marcelo dizer que sim, que
condecora, mas depois fazê-lo às
escondidas, com receio de que se
levante mais uma polémica
incómoda. Isso não é nada.
Condecorações clandestinas de
militares de Abril? Gente que
ajudou a acabar com a PIDE
homenageada em segredo porque
o Presidente da República tem
medo dos novos polícias do
pensamento? É uma desonra
disfarçada de honra.
Colunista
jmtavares@outlook.com

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