Você está na página 1de 244

1 ÍNDICE

A Turma

Pedro Leonardo Borges de Rezende


Diplomatas Brasileiros Pedro Mahin Araújo Trindade
Ricardo Nocera Pires
Andressa Gonçalves Rangel
Sofia Hauschild
Bruno Santiago Portugal
Taísa Passoni Marçal
Camile Viana Leal
Tatiana de Andrade Nunes Parra
Ciro de Carvalho Becker Leite
Victor de Ávila Siqueira
Daniel Boeira Lodetti
Emanuel Montenegro Batista Lins
Essi Rafael Mongenot Leal Diplomatas Intercambistas
Felipe Jacques Berger
Fernando Simões dos Santos Daniela Tápia Méndez (Chile)
Gersínio dos Anjos Neto Domingas Guterres da Silva Oliveira
Guilherme Oliveira Agustini (Timor-Leste)
Humberto Mayese Correa
Ihor Torshyn (Ucrânia)
Joan Frederick Baudet Ferreira Franca
Joaquín Coniglio (Argentina)
João Paulo de Sousa Vieira
Lenivaldo Pereira Arafã (Guiné-Bissau)
Laís Solano Pereira
Leonardo dos Santos Avakian Lucas Ariel Retamozo González (Paraguai)
Mânlio Souza Morelli Salvador Eduardo Chaúque (Moçambique)
Morgana Lino Costa de Souza Yukiko Aoki (Japão)
2 ÍNDICE
Sobre o Guia
Desde 2013, a turma de aprovados no Concurso
de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) lança
uma coletânea de suas melhores e não tão melhores
respostas nas fases discursivas, com o objetivo
de oferecer aos candidatos subsídios para sua
preparação.
O Guia do Jacaré Esmerado dá continuidade a
essa tradição, sabendo, contudo, renovar-se.

3 ÍNDICE
Índice
Introdução............................................................................................................................................................9

Perfil dos Aprovados........................................................................................................................................11

A Banca Examinadora......................................................................................................................................15

Língua Portuguesa...........................................................................................................................................17
Redação....................................................................................................................................................17
Relatório de Notas 18
Padrão de Resposta 18
João Paulo de Sousa Vieira 19
Pedro Mahin Araújo Trindade: 20
Gersínio dos Anjos Neto 21
Essi Rafael Mongenot Leal 22
Fernando Simões dos Santos 23
Menor Nota 25
Resumo...............................................................................................................................................................27
Relatório de Notas 28
Padrão de Respostas 29
Andressa Gonçalves Rangel Rodrigues 30
Essi Rafael Mongenot Leal 31
Mânlio Souza Morelli 31
Morgana Lino Costa de Souza 32
Emanuel Montenegro Batista Lins 34
Menor Nota 35
Exercício...........................................................................................................................................36
Relatório de Notas 37
Padrão de Respostas 37
Joan Frederick Baudet Ferreira França 38
Victor de Ávila Siqueira 38
Felipe Jacques Berger 38
Gersínio dos Anjos Neto 39
Pedro Leonardo Borges de Rezende 39
Menor Nota – Leonardo dos Santos Avakian 40

Língua Inglesa..................................................................................................................................................41
Composition...........................................................................................................................................41
Relatório de Notas 42
Padrão de Resposta 42
Daniel Boeira Lodetti 45
Ricardo Nocera Pires 46
Anônimo 46
Menor nota 47
Translation.........................................................................................................................................49
Relatório de Notas 49
Padrão de resposta 50
Felipe Jacques Berger 50

4 ÍNDICE
Mânlio Souza Morelli 51
Pedro Mahin Araújo Trindade 51
Menor Nota 52
Version.....................................................................................................................................................52
Relatório de notas 53
Padrão de Resposta 53
Felipe Jacques Berger 54
Ciro de Carvalho Becker Leite 54
Guilherme Oliveira Agustini 55
Menor Nota 55
Summary.................................................................................................................................................56
Relatório de notas 58
Padrão de Resposta 58
Ciro de Carvalho Becker Leite 59
Anônimo 59
Andressa Gonçalves Rangel 60
Menor Nota 60

História do Brasil..............................................................................................................................................62
Questão 01...............................................................................................................................................62
Relatório de Notas 63
Padrão de Respostas 63
Andressa Gonçalves Rangel Rodrigues 65
Bruno Santiago Portugal 66
Camile Viana Leal 68
Menor nota 70
Questão 02..............................................................................................................................................73
Relatório de Notas 73
Padrão de Respostas 74
Pedro Leonardo Borges De Rezende 75
Gersínio Dos Anjos Neto 76
Joan Frederick Baudet Ferreira Franca 78
Menor nota 79
Questão 03..............................................................................................................................................81
Relatório de Notas 81
Padrão de Respostas 82
Pedro Leonardo Borges de Rezende 83
Camile Viana Leal 87
Guilherme Oliveira Agustini 88
Menor Nota 90
Questão 04..............................................................................................................................................90
Relatório de Notas 91
Padrão de Respostas 91
Guilherme Oliveira Agustini 93
Tatiana de Andrade Nunes Parra 94
Taísa Passoni Marçal 95
Menor Nota 97

Geografia............................................................................................................................................................99
Questão 01...............................................................................................................................................99
Relatório de Notas 100

5 ÍNDICE
Padrão de Respostas 100
Emanuel Montenegro Batista Lins 102
Leonardo dos Santos Avakian 103
Victor de Ávila Siqueira 105
Menor nota 106
Questão 02..............................................................................................................................................107
Relatório de Notas 108
Padrão de Respostas 108
Ciro de Carvalho Becker Leite 110
João Paulo de Sousa Vieira 111
Pedro Leonardo Borges de Rezende 112
Menor nota 114
Questão 03.............................................................................................................................................115
Relatório de Notas 116
Padrão de Respostas 116
Ciro de Carvalho Becker Leite 118
Taísa Passoni Marçal 119
Pedro Mahin Araújo Trindade 120
Menor nota 120
Questão 04.............................................................................................................................................121
Relatório de Notas 121
Padrão de Respostas 122
Daniel Boeira Lodetti 124
Ciro de Carvalho Becker Leite 124
Ricardo Nocera Pires 125
Menor nota 126

Política Internacional....................................................................................................................................128
Questão 01..............................................................................................................................................128
Relatório de notas 129
Padrão de Respostas 129
Ricardo Nocera Pires 131
Pedro Leonardo Borges de Rezende 133
Morgana Lino Costa de Souza 135
Menor nota 136
Questão 02.............................................................................................................................................138
Relatório de notas 139
Padrão de Respostas 139
Camile Viana Leal 141
Anônimo 142
Ricardo Nocera Pires 144
Menor nota 145
Questão 03.............................................................................................................................................147
Relatório de notas 147
Padrão de Respostas 148
Morgana Lino Costa de Souza 150
Taísa Passoni Marçal 151
Fernando Simões dos Santos 152
Menor Nota 153
Questão 04.............................................................................................................................................154
Relatório de notas 154

6 ÍNDICE
Padrão de Respostas 155
Leonardo dos Santos Avakian 156
Humberto Mayese Correa 157
Anônimo 158
Menor nota 160

Economia.........................................................................................................................................................161
Questão 01.............................................................................................................................................161
Relatório de notas 162
Padrão de Respostas 162
Anônimo 165
Tatiana de Andrade Nunes Parra 166
Essi Rafael Mongenot Leal 167
Menor nota 168
Questão 02.............................................................................................................................................170
Relatório de notas 170
Padrão de Respostas 170
Leonardo dos Santos Avakian 171
Felipe Jacques Berger 172
Bruno Santiago Portugal 173
Menor nota 174
Questão 03.............................................................................................................................................175
Relatório de notas 176
Padrão de Respostas 176
Leonardo dos Santos Avakian 177
Mânlio Souza Morelli 178
Taísa Passoni Marçal 179
Menor nota 180
Questão 04............................................................................................................................................181
Relatório de notas 181
Padrão de Respostas 181
Daniel Boeira Lodetti 183
João Paulo de Sousa Vieira 184
Pedro Leonardo Borges de Rezende 185
Menor nota 186

Direito................................................................................................................................................................188
Questão 01.............................................................................................................................................188
Relatório de Notas 189
Padrão de Resposta 189
Humberto Mayese Correa 192
Sofia Hauschild 193
Victor de Ávila Siqueira 194
Menor Nota 195
Questão 02.............................................................................................................................................196
Relatório de Notas 197
Padrão de Resposta 197
Ciro de Carvalho Becker Leite 201
Humberto Mayese Correa 202
Daniel Boeira Lodetti 204
Menor Nota 205

7 ÍNDICE
Questão 03.............................................................................................................................................206
Relatório de Notas 206
Padrão de Resposta 207
Andressa Gonçalves Rangel 209
Humberto Mayese Correa 209
Leonardo dos Santos Avakian 211
Menor Nota 212
Questão 04............................................................................................................................................213
Relatório de Notas 213
Padrão de Resposta 214
Anônimo 216
Joan Frederick Baudet Ferreira Franca 216
Victor de Ávila Assis Siqueira 217
Menor Nota 218

Língua Espanhola..........................................................................................................................................220
Resumen...............................................................................................................................................220
Relatório de Notas 222
Padrão de Resposta 222
Sofia Hauschild 223
Mânlio Souza Morelli 224
Ricardo Nocera Pires 225
Versión..................................................................................................................................................226
Relatório de Notas 226
Padrão de Resposta 227
Sofia Hauschild 228
Leonardo dos Santos Avakian 228
Victor de Ávila Siqueira 229

Língua Francesa..............................................................................................................................................231
Resumé..................................................................................................................................................231
Relatório de Notas 233
Padrão de Resposta 233
Ricardo Nocera Pires 234
Camile Viana Leal 234
Joan Frederick Baudet Ferreira Franca 235
Version...................................................................................................................................................236
Relatório de Notas 237
Padrão de Resposta 237
Bruno Santiago Portugal 239
Sofia Hauschild 240
Joan Frederick Baudet Ferreira França 241

Um aviso aos navegantes (Passei! E agora?)..........................................................................................243

8 ÍNDICE
Introdução Essa versatilidade permitiu que
nós, jacarés esmerados, transitássemos
com desenvoltura por todas as fases e por
Nas águas do Rio Branco e às margens
todas as disciplinas cobradas. Essa casca
do Rio das Pequenas Pedras Rosadas1, surgiu
um novo bicho: o Jacaré Esmerado. Jacaré é permitiu que nós resistíssemos, mesmo
nome em tupi, yakaré ou jaeça-karé, “aquele quando fracassos indicavam que talvez
que olha de lado”, sempre desconfiado de não devêssemos continuar.  Somente sendo
algo. Pois bem, qual é o CACDista que tem muito resistentes, muito resilientes, é que
certeza de muita coisa? Outra avis rara da conseguimos aguentar essa árdua travessia,
fauna do Itamaraty escreveu certa vez: “Eu que começou em junho de 2020 e que só se
quase que nada não sei. Mas desconfio de concluiu em outubro de 2021. Dezessete
muita coisa”. Esse bem que poderia ser o lema longos meses2. Um ano inteiro sem concurso
de todo aspirante a terceiro-secretário e, com – a primeira vez que isso ocorreu desde 1946.
certeza, o é para nós, Jacarés Esmerados.  Todo esse tempo foi muito sofrido para nós;
Jacaré também pode significar “aquele não obstante, foi também momento de real
com a cabeça diferente”, ya-acanga-aré.
superação. Criamos essa nossa casca para
Acreditamos que ninguém vá discordar
aguentar tamanhas dificuldades e agora,
que, para fazer o CACD, o bicho precisa
finalmente, podemos dizer que somos parte
ter uma cabeça, no mínimo, incomum –
da fauna do Itamaraty.
bichos exóticos, poderiam dizer alguns.
Sejam diferentes, sejam desconfiados, os Hoje, parece que todo o esforço valeu
jacarés que aqui estão são, definitivamente, a pena, mas isso não apaga o caminho cheio
esmerados, e nós sabemos bem que, para de dúvidas, de crises, de noites em claro, de
chegar aqui, é preciso haver muito esmero questionamentos se isso era mesmo para
na escrita em prova de concurso público – o nós, se um dia seríamos mesmo diplomatas.
mesmo esmero que esperamos na correção Um caminho que, muitas vezes, foi trilhado
das nossas provas. com base num sonho, numa vontade ou
Jacarés, por óbvio, são répteis, mas mesmo na certeza de que não valia mais a
algo diferentes dos demais da sua classe, pena voltar atrás, pois tanto já havia sido
na medida em que se adaptaram. Primeiro, feito, pois tudo aquilo não poderia ser em
desenvolveram a respiração pulmonar para vão. Um caminho com perdas também, é
galgar a terra. Desenvolveram também uma
claro; afinal, ninguém passa incólume pela
pele coberta por placas, para se proteger de
pandemia (ou pelo CACD). No entanto, se
quaisquer dificuldades que a vida lhes impõe.
estamos aqui hoje, é porque soubemos, de
Por fim, são répteis próprios das terras
uma forma ou de outra, superar todas essas
americanas e largamente encontrados em
terras brasílicas. adversidades e insistir um pouco mais. 

1. Segundo Navarro, é incerta a língua de origem e 2. A verdade é que essa espera é mais comum a
o significado da palavra Itamarati. São muitas as certos mamíferos, como a marmota, que desenvolveu
etimologias sugeridas: “rio das pedras pequenas”, mecanismos naturais para lidar com os longos
pela junção de itá (pedra), mirim (pequeno) e ty (rio); isolamentos, podendo hibernar por vários meses nos
“ pedras rosadas”, pela junção de itá (pedra) e maráty invernos mais rigorosos – como esse longo inverno
(cor-de-rosa); “corrente por entre pedras soltas”, de que não parecia ter fim.
ita-marã-ty; pedra branca, de itá-moroti; “madeira
duríssima e alva”, de itamará ou ytamirá + ti ou -tim, rio
dos cristais, itá’mberá’ty ou y + ita vera (pedra clara,
cristal) + tĩ ou t’y: rio), etc.

9 ÍNDICE
Assim chegamos aqui, nós, os vinte
e cinco jacarés esmerados. Jacarés, pois
estamos finalmente imunes aos perigos do
CACD. Esmerados, pois, apesar de alguns
pensarem o contrário, estamos aqui após
muito esmero. Somos muito diferentes entre
nós, mas todos tínhamos essa vontade que
nos movia. Como outras turmas disseram
antes de nós, os 25 aprovados no CACD
2020-2021 mostram que não existe um
único caminho, que não há apenas uma
resposta correta – ou, melhor, como o guia
irá mostrar, às vezes há três, quatro ou cinco
respostas igualmente excelentes. 
Com essas respostas, desejamos guiar
vocês, bichos vindouros, até esse habitat
sui generis no qual vivemos agora. Mesmo
quando não mais estivermos aqui, talvez já
instalados perto do espelho d’água, entre
vitórias-régias, arcos e meteoros, desejamos
que nossos erros e acertos sirvam para algo
– assim como as esperanças, capivaras,
canários e toda a fauna rio-branquina nos
ajudaram a chegar até onde estamos.
Espero que vocês não achem que aqui
faltou esmero de nossa parte.

10 ÍNDICE
Perfil dos Aprovados
🎓 Curso de Graduação 💪 Trabalhou durante a preparação?

⏰ O tempo voa…

🎓 Universidade onde se formou O tempo de estudo de todos os


aprovados somado foi de:

124 anos e 4 meses. 

Por aprovado, a média de anos de


estudo foi de aproximadamente 5 anos.

🎂 De repente 30

Oficialmente a média de idade dos


aprovados é de 29,6 anos. Na prática, metade
da turma tinha 29, 30 ou 31 anos no momento
da aprovação, o que nos leva a arredondar
esse número para cima.A mediana das idades
📌 Estado de Origem é exatamente 30.

Trintamos.
 

11 ÍNDICE
✨ Botando a culpa no signo... 🙇 O que você quer ser
quando você crescer?
A turma mais pisciana da história do
Rio Branco? Falta uma série histórica que De nossos aprovados, apenas 2
possa confirmar essa tese. De todo modo, sonhavam em ser diplomatas desde criança.
são 4 os peixinhos nesse rio de jacaré. São Entre os demais, surpreende a imensa
também 4 virginianos e 4 aquarianos, gama de sonhos frustrados.Fosse diferente,
equilibrando no primeiro pelotão água, terra teríamos neste grupo pelo menos 2 escritores
e ar, com muito esmero. e 1 escritora, 2 paleontólogos, 1 arqueólogo, 
Representam os signos de fogo: 3 2 médicos, 2 astronautas, 1 ator e 1 atriz, 1
arianos, 2 sagitarianos e 2 leoninos.1 taurino cineasta, 1 crítica gastronômica, 1 juíza, 1
soma-se aos virginianos na representação trader, 1 arquiteto, 1 bailarina, 1 piloto de
dos signos de terra.
avião, 1 promotor de justiça e 1 secretária
No fim das contas, são os signos de ar
(que realizou seu sonho de certa forma,
que dominam: além dos 4 aquarianos, temos
tornando-se terceira-secretária).
3 geminianos e 2 librianos. 
Uma de nossas crianças não sabia o
que ser quando crescesse, enquanto outra
sonhava apenas em ser pai.
📖 É ela: a História do Brasil!

Quando perguntados sobre que matéria


mais gostavam de estudar, os aprovados não 👔 Mas e antes?
pensaram duas vezes: história do Brasil foi
escolhida por 14 pessoas.  Antes de se tornarem diplomatas, os
Entre as disciplinas mais difíceis, duas esmerados riobranquinos se aventuraram
se destacaram: política internacional, citada por outros caminhos.
por 10 aprovados e economia, votada por 9. Entre as profissões pregressas,
encontramos desde advogado a agente
penitenciário, passando pelos onipresentes
servidores públicos, os professores de
línguas e os economistas. Mas teve também
ongueiro, analista audiovisual, engenheiro,
assistente administrativo e assessor de
magistrado.

🎒 Onde estudaram?

A cidade que mais fez parte da


preparação dos aprovados para o CACD
2020/2021 foi Brasília, onde estudaram 9
aprovados.
Na sequência, aparecem Rio e São
Paulo, mencionadas 3 vezes cada uma.
Aracaju, Salvador, Fortaleza, Campo
Grande, Curitiba, Florianópolis, Porto
Alegre e Belo Horizonte foram as capitais
nas quais pelo menos um dos aprovados
realizou seus estudos.
12 ÍNDICE
Do interior, temos as mineiras Juiz Pausa para respirar
de Fora e Viçosa; as paulistas São José dos
Campos e Campinas; e as catarinenses CACDista também merece descanso,
Joinville e Lages.  não é mesmo? Nos momentos de pausa,
fundamentais para a saúde do corpo e da
mente, os aprovados aproveitaram para
se dedicar a seus passatempos favoritos.
Assistir filmes ou séries foi o mais comum
deles, favorito para 7 entre nós. Caminhadas
e corridas fizeram parte da rotina de outros
5. Teve quem jogou tênis, fez crochê ou
bordado, foi à praia, jogou videogame, cuidou
do jardim… 

Aqui seguem as dicas de filmes, séries


e música dos aprovados desse ano:

🎥 Séries

• Twin Peaks
• Mad Men
• RuPaul’s Drag Race
• This is Us
• Dark
• The Americans
• The good place
• I may destroy you
• The Crown
• Seinfeld
• The Twilight Zone
• That 70s Show
• The Leftovers
• The Up Series
• Brooklyn 99
• Peaky Blinders
• One day at a time
• Game of Thrones
• The Office
• Bojack Horseman
• Breaking Bad
• West World.

A grande favorita é Mad Men, citada 4


vezes. The good place apareceu 2 vezes.

13 ÍNDICE
🎥 Filmes 🎵 Música!

• A Chegada • Radiohead
• Bacurau • Chico Buarque
• Cidadão Kane • Gal Costa
• Edifício Master • Bach
• Forrest Gump • Dazaranha
• Amor Além da Vida • Red Hot Chilli Peppers
• Gladiador • Taylor Swift
• Matrix • Jorge Drexler
• Monte Python e o Cálice Sagrado • Arcade Fire
• Na natureza selvagem • Paulinho da Viola
• Playtime • Maria Bethânia
• Pulp Fiction • Caetano Veloso
• Senhor Estagiário • Kanye West
• Silêncio dos Inocentes • Jack Johnson
• Star Wars • The Strokes
• Titanic • David Bowie
• Tá dando onda! • Lenine
• Tudo sobre minha mãe • Grupo Ácaba
• Eminem
Mencionado 4 vezes, Forrest Gump • Cher
parece ter marcado os corações de nossos • The Beatles.
jovens diplomatas. RUN, FORREST, RUN!
Ouvidos atentos: o brasileiro Chico
Buarque e o uruguaio Jorge Drexler foram
escolhidos duas vezes.
📖 Livros
• Guerra e Paz
• Ensaios
⚽ No país do futebol...
• I am Malala
• O gene egoísta
… onze de nossos aprovados não
• Evangelho segundo Jesus Cristo
torcem pra time algum. No entanto, entre
• Cartas de um Sedutor
os fãs do esporte observa-se uma grande
• Capitães de Areia
concentração de flamenguistas, são 4 deles.
• Bíblia
Há também 2 botafoguenses, enquanto os
• Incidente em Antares
demais times contam com apenas um fiel
• Os demônios
torcedor na turma: Atlético Mineiro, Avaí,
• O leopardo
Internacional, Palmeiras, Sport, São Paulo,
• A dama do cachorrinho
Vasco da Gama e Vitória. 
• Grande Sertão: Veredas
• 1984
• Sidarta
• Os irmãos Karamázov
• Os miseráveis
• O senhor dos anéis.

Aqui os russos roubaram a cena, com


Dostoiévski e Tolstói sendo lembrados duas
vezes cada.

14 ÍNDICE
A Banca Examinadora

1ª fase do CACD 2020 2ª fase do CACD 2020

Direito Língua Inglesa


• Avram Stanley Blum
• Andre Pires Gontijo
• Marco Antônio Nakata
• Daiane Moura de Aguiar
• Norma Diana Hamilton
• Leandro Vieira Silva
• Ofal Ribeiro Fialho
• Leonardo de Camargo Subtil

“Corretores adicionais”
Economia
• Bruno dos Santos Costa
• Andrea Felippe Cabello
• Guilherme Lucas Rodrigues
• Daniel Klug Nogueira
Monteiro
• Felipe Hees
• Karine Neumann Gonçalves
• Luiz Henrique Leão Pereira
Geografia
• Rodrigo dos Santos Camilo
• Adriano Botelho
• Edilene Américo Silva
• Fernando Luiz Araujo Sobrinho
Língua Portuguesa
• Luis Pinto Costa
• Alessandro Warley Candeas
História do Brasil
• Simone Silveira de Alcântara
• Bruno Miranda Zétola
• Stefania Caetano Martins de
• Deusdedith Alves Rocha Júnior
Rezende Zandomênico
• Marcelo Balaban
• Paulo Thiago Pires Soares
“Corretores adicionais”
• Débora de Almeida Arruda
História Mundial
• Eufrázia de Souza Rosa
• Eduardo José Antunes Netto
• Gisela Carneiro de Magalhães
Carreira
Ferreira
• Luiz César de Sá Júnior
• Maria Sonia Vieira Lira

 
Língua Inglesa
• Avram Stanley Blum
• Leonardo Cleaver de Athayde
• Marco Antônio Nakata
• Ofal Ribeiro Fialho

Língua Portuguesa
• Alessandro Warley Candeas
• Stefania Caetano Martins de
Rezende Zandomênico

Política Internacional
• Giovanni Hideki Chinaglia Okado
• Melina Espeschit Maia
• Tânia Maria Pechir Gomes Manzur

15 ÍNDICE
3ª fase do CACD 2020 “Corretores adicionais”
• Linda Gabriela Reis Noleto
Direito • Paula Sarri de Araújo Farias
• Andre Pires Gontijo  
• Daiane Moura de Aguiar Língua Francesa
• Leandro Vieira Silva • Claudine Marie Geanne Franchon
• Leonardo de Camargo Subtil • Josely Bogo Machado Soncella
• Sophie Céline Sylvie Guérin
Economia Mateus
• Andrea Felippe Cabello
• Daniel Klug Nogueira “Corretores adicionais”
• Luciana Acioly da Silva • Francisca Javiera Gallardo
Conejera
“Corretores adicionais”
• Carlos Henrique Angrisani Santana Política Internacional
• Daniela Prado Damasceno Ferreira • Carlo Patti
Reinecken • Giovanni Hideki Chinaglia Okado
• Flavio Lyrio Carneiro • Haroldo Ramanzini Junior
• Lorena de Oliveira Fonseca • Tânia Maria Pechir Gomes Manzur

Geografia “Corretores adicionais”
• Adriano Botelho • Geisa Cunha Franco
• Carla Gualdani • Leticia de Abreu Pinheiro
• Edilene Américo Silva • Matheus Hoffman Pfrimer
• Fernando Luiz Araujo Sobrinho • Pedro Araújo Pietrafesa

“Corretores adicionais”
• Ercilia Torres Steinke

História do Brasil
• Bruno Miranda Zétola
• Deusdedith Alves Rocha Júnior
• Luiz César de Sá Júnior
• Marcelo Balaban
• Paulo Thiago Pires Soares

“Corretores adicionais”
• André Ricardo Heráclico do Rêgo
• Renata Silva Fernades

Língua Espanhola
• Dulce Maria Cassilha Andrigueto
• Maria Luisa Ortiz Alvarez
• Sabrina Lima de Souza Cerqueira

16 ÍNDICE
Língua Portuguesa
Redação
Leia, com atenção, os textos a seguir.

“A máxima segundo a qual o


perturbador da paz está sempre errado é
a que deve guiar as Nações Unidas. Quem
quer que procure interromper a paz, semear
discórdia entre nações, ou promover uma
guerra de nervos, será doravante subjugado
pela inabalável determinação de todos os
que têm sofrido as amarguras da guerra
e que resolveram nunca mais admitir que
semelhante catástrofe ocorra.”

(Embaixador Luiz Martins de Souza Dantas,


I Sessão Ordinária da Assembleia Geral da ONU
Parte I. Londres, 10 de janeiro de 1946. In: FUNAG.
A Palavra do Brasil nas Nações Unidas, 1946-
1995. Brasília: FUNAG, 1995, p. 27).

“Se considerado à luz do princípio da


igualdade de todos os Estados perante a lei,
o Artigo 27 (da Carta da ONU) foi um preço
muito alto pago por pequenos e médios
países pela obtenção da Carta (...) O Brasil,
embora seja em tese contrário ao veto,
aceitou-o dentro de espírito construtivo, em
nome da obtenção de resultados práticos.
Pensamos que, enquanto todos os Estados
são iguais perante a lei em termos teóricos,
17 ÍNDICE
suas responsabilidades concernentes Padrão de Respostas
à preservação da paz são diretamente
proporcionais aos seus meios de ação e, por Com base nas referências oferecidas,
conseguinte, variam muito. Por esta razão, o (a) candidato(a) deverá: (i) demonstrar
decidimos que era necessário confiar nas conhecer o contexto recente das relações
grandes potências.” exteriores no Brasil, considerando, de
preferência, aspectos acerca da atuação
(Embaixador Pedro Leão Velloso, I Sessão do Brasil no Conselho de Segurança da
Ordinária da Assembleia Geral da ONU –
Organização das Nações Unidas ou da
Parte II, – com adaptações. Idem, p. 31).
atuação do Brasil em missões de paz; e (ii)
elaborar um texto dissertativo que analise de
Considerando o contexto recente forma crítica pelo menos um dos seguintes
das relações exteriores no Brasil, analise elementos:
sucintamente a atualidade, ou não, dos
argumentos contidos nos trechos dos 1) “o perturbador da paz está sempre
discursos apresentados. Discuta brevemente, errado”: uma sugestão de crítica ao
com ilustrações, um ou mais dos seguintes argumento se dá na sua generalização, visto
elementos: “o perturbador da paz está que, por exemplo, este pode ser aplicado à luta
sempre errado”; “preço muito alto pago de povos em busca de sua independência, no
por pequenos e médios países”; “o Brasil âmbito dos movimentos de descolonização;
foi contrário ao veto, mas aceitou-o dentro
de espírito construtivo para obtenção de 2) “preço alto pago por pequenos e
resultados práticos”; “é necessário confiar médios países”: uma sugestão de crítica
nas grandes potências”. ao argumento se pauta no fato de que, às
vezes, as agendas de desenvolvimento dos
pequenos e médios países se subordinam
Extensão de texto: de 65 a 70 linhas.
às necessidades estratégicas das grandes
[valor: 60,00 pontos]
potências;

3) “o Brasil foi contrário ao veto, mas


aceitou-o dentro de espírito construtivo
Relatório de Notas
para obtenção de resultados práticos”: uma
Maior Nota: 59,5 sugestão de crítica ao argumento se dá no
Nota Média: 58,028 pragmatismo e no espírito de consenso e
Menor Nota: 56,4 construtivismo contido na afirmação e, por
Desvio-padrão: 0,7971 outro lado, de que cabe ao Brasil opor-se a
alguns elementos da agenda global definida
pelas grandes potências, inclusive, por via da
mobilização de países em desenvolvimento e
outros que compartilhem as mesmas visões;

4) “confiar nas grandes potências”:


uma sugestão de crítica ao argumento se dá
na suposta necessidade de sempre confiar
nas grandes potências, considerando que
o Brasil, por suas dimensões e interesses
próprios, pode e deve ter agendas próprias.
Exemplos históricos serão bem avaliados.

18 ÍNDICE
Referências mais recentemente, do PROSUL. No plano
Embaixador Luiz Martins de Souza Dantas, multilateral, o país também se esforça na
I Sessão Ordinária da Assembleia Geral da ONU – Parte defesa da construção e conservação da paz,
I. Londres, 10 de janeiro de 1946. In: FUNAG. A Palavra o que se materializa na frequente presença
do Brasil nas Nações Unidas, 1946-1995. Brasília: FU- brasileira em missões de manutenção da paz
NAG, 1995, p. 27.
multidisciplinares no âmbito da ONU.
Embaixador Pedro Leão Velloso,
Pedro Leão Velloso pondera em seu
I Sessão Ordinária da Assembleia Geral da ONU –
discurso que, apesar de o veto no Conselho
Parte II – com adaptações. Idem, p. 31.
de Segurança da ONU representar um ônus
para países de menor poder relativo, o
Brasil aceitou sua existência de maneira
Nota - 59,50
pragmática, visando a consecução de
João Paulo de Sousa Vieira
objetivos para além de tal contradição. Isso
Pontuação: 1A – 10; 1B – 10; não significa que o Brasil aceite passivamente
1C – 19,5; NE – 0; TL - 70. a desigualdade de poder que permeia o
sistema internacional. A participação
Por ocasião de seus discursos na I Sessão brasileira em coalizões de geometria variável
Ordinária da Assembleia Geral da ONU, os como o BRICS, o IBAS e o G20 Comercial
embaixadores Souza Dantas e Pedro Leão revela o compromisso do país com a
Velloso elucidaram princípios demasiado construção de uma ordem internacional
caros à tradição diplomática brasileira, quais mais justa e materialmente igualitária na
sejam a defesa da paz e o realismo político, atualidade. Ademais, o Brasil de no seio do
no que tange à balança de poder nas relações G4 a ampliação do Conselho de Segurança,
internacionais. A atualidade dos argumentos o que, na prática, levaria a uma diluição da
dos embaixadores pode ser observada concentração de poder em torno das cinco
hodiernamente nas relações exteriores do grandes potências atualmente desfrutam
Brasil, quando se analisam a defesa brasileira do poder de veto. Ao aliar-se a países que
da solução pacífica de controvérsias, a também buscam aumentar seu poder
atuação diplomática brasileira em coalizões relativo do sistema internacional, o Brasil
de geometria variável e a busca por sustenta uma política externa pragmática e
cooperação com as grandes potências. responsável.
A afirmação por Souza Dantas de que Embora seja crítico à existência
o perturbador da paz está sempre errado de condomínios de poder nas relações
traz em si um princípio histórico da política internacionais, o Brasil reconhece ser
externa brasileira, o qual foi consagrado no necessário confiar nas grandes potências,
artigo quarto da Constituição Federal de 1988: como afirmou Velloso em 1946. Tal
a solução pacífica de controvérsias. Ao tornar confiança materializa-se na cooperação
a defesa da paz matéria constitucional, brasileira com os países hegemônicos.
o Brasil reforçou seu compromisso com Além de ter como maiores parceiros
a não-agressão, elevando-o ao patamar comerciais a China e os Estados Unidos, o
mais alto da legislação nacional. Nos anos Brasil é membro assíduo do Conselho de
que se seguiram a 1988, o Brasil buscou Segurança na categoria de não-permanente,
consolidar tal princípio nos âmbitos e o que ilustra adequadamente que o Brasil
regional e multilateral. Potência regional, o vê na cooperação um instrumento para a
Brasil é considerado fundamental para toda realização dos objetivos de política externa
iniciativa que vise a manutenção de relações do país, entre os quais podemos listar a busca
amistosas entre os países da América do Sul. pelo desenvolvimento e a cooperação para a
Nesse sentido, os mecanismos de integração paz. Ao buscar a construção de consensos
regional nos quais o Brasil se engajou que envolvam as grandes potências, o
preconizam a defesa da paz e dos direitos Brasil mostra-se realista e ciente de que a
humanos, como é o caso do MERCOSUL e, desigualdade de poder não pode ser superada
19 ÍNDICE
de modo leviano e voluntarista. importante fratura do projeto inaugurado
A atualidade dos discursos de Souza em 1945. Trata-se da mais poderosa nação
Dantas e Pedro Leão Velloso demonstra a do mundo, sobre a qual foi depositada
solidez dos objetivos de política externa grande confiança na condução dos assuntos
perseguidos pelo serviço diplomático globais, que, não obstante, não resistiu à
brasileiro, nomeadamente a defesa da paz e a tentação de acionar seu poder militar contra
busca pela igualdade material entre as nações. o Afeganistão, país assolado por sucessivas
Na retórica e na prática, o país busca atuar crises econômicas e humanitárias,
no sistema internacional de maneira crítica, incapaz de fazer frente ao avanço das
pragmática e orientada para a consecução de forças americanas. Em seu ímpeto, os EUA
resultados. desconsideraram a Carta das Nações Unidas,
que proíbe o emprego da forca nas relações
internacionais, salvo se autorizado pelo
Nota - 59,00 CSNU. Na ocasião, o Brasil posicionou-se
Pedro Mahin Araújo Trindade contrariamente ao uso da força, ressaltando
a necessidade de observância estrita das
Pontuação: 1A – 10; 1B – 10; 1C – 19; deliberações do CSNU, que não recomendou
NE – 0; TL – 69; PTL – 0. o uso da força contra o Afeganistão.
A confiança nas grandes potências
O mundo emergiu da Segunda Guerra foi abalada, ainda, pela emergência da crise
Mundial imbuído do espírito de construção de de 2008 em seu sistema financeiro. Entre
um novo projeto de governança global e de as décadas de 1980 e 1990, os países menos
promoção da paz, dos direitos humanos e da desenvolvidos, na América Latina, no sudeste
cooperação entre as nações para o progresso asiático e no leste europeu, foram acometidos
da humanidade. Constituída em 1945, a por sucessivas crises financeiras. Nesse
Organização das Nações Unidas é o principal contexto, as grandes potências, por meio
produto desse momento histórico e político. de organismos como o Fundo Monetário
O discurso de Luiz Martins de Souza Dantas Internacional, ofereceram ajuda às nações
e de Pedro Leão Velloso são um reflexo da fé mais afetadas pelas crises. Condicionaram-
depositada pelas nações naqueles princípios. na, porém, a ajustes substanciais em suas
Para o primeiro, os países assumiam, ali, o economias. Tais ajustes, com o propósito
compromisso com a proscrição da guerra; de promover o reequilíbrio econômico-
para o segundo, a primazia da China, financeiro desses países, tinham forte
Estados Unidos da América, França, Reino caráter recessivo, afetando negativamente
Unido e Rússia no Conselho de Segurança as condições de vida de populações já
da ONU era um preço necessário e razoável vulneráveis. Em 2008, a crise disseminou-
a ser pago pelas demais nações em nome do se a partir das economias centrais e a sua
compromisso maior com a paz. Entretanto, superação contou com o importante auxílio
as expectativas construídas em torno daquele de países como o Brasil, a China, a Índia
projeto foram, em certa medida, frustradas e a Rússia. Como contrapartida por sua
nos últimos setenta e cinco anos. Isso tem intervenção, esses países reivindicaram
suscitado questionamentos quanto à sua uma melhor distribuição de poder no âmbito
pertinência na realidade multipolar do século dos organismos do sistema financeiro
XXI e à necessidade de sua reformulação, internacional. Tal reivindicação é um indício
para acolher novos atores de relevo na das mudanças nas relações de poder que
sociedade internacional. conduziram à atual configuração dos órgãos
A postura unilateral dos EUA, após da ONU.
o ataque terrorista às Torres Gêmeas, em A recente crise sanitária decorrente da
11 de setembro de 2001, promovendo a pandemia do coronavírus demandaria uma
guerra contra o terror em detrimento das atuação concertada das grandes potências,
deliberações do CSNU, representa uma detentoras da capacidade de produzir
20 ÍNDICE
imunizantes em larga escala. Dependia de tal Nota - 58,70
atuação coordenada a distribuição de vacinas Gersínio dos Anjos Neto
para países de menor desenvolvimento
relativo. Observa-se, entretanto, uma grande Pontuação: 1A – 10; 1B – 10; 1C – 19;
concentração na distribuição de vacinas NE – 1; TL - 69
nos próprios países centrais, sobretudo
nos EUA e na Europa, enquanto o sul global Os trechos dos discursos dos discursos
ainda padece dos graves efeitos econômicos dos Embaixadores Luiz Martins de Souza
e sociais da pandemia. Isso amplia o risco Dantas e Pedro Leão Velloso, muito embora
de surgimento de novas variantes do
transcrevam falas proferidas no ano de 1946,
coronavírus, contra as quais as vacinas
são dotados de profunda atualidade. Naquele
utilizadas nos EUA e na Europa poderão não
ano, após um terrível período de conflito
ser eficazes, favorecendo o recrudescimento
generalizado, ocorreu a I Sessão Ordinária
da pandemia. São países como China e Rússia
da Assembleia Geral da ONU. Os líderes das
que mais têm distribuído doses de vacinas
nações vencedoras estabeleceram como
entre nações menos favorecidas da América
objetivo fundamental do pós-guerra a criação
Latina, da África e da Ásia. Isso confirma,
de uma Organização destinada a servir como
por um lado, a desconfiança contra as
palco de diálogo e concertação, capaz de
grandes potências, que vêm descumprindo
seu compromisso de promover uma melhor evitar a deflagração de uma nova catástrofe
distribuição dos imunizantes; por outro, mundial. Atualmente, 75 anos após a
reforça as mudanças na distribuição do poder constituição das Nações Unidas, o mundo
global, em marcha desde a última década do mais uma vez presencia um momento de
século XX. acirramento de tensões, o que exige especial
Portanto, o ideal que, em 1945, atenção às lições deixadas por aqueles que
animou as nações do mundo a constituírem vivenciaram períodos semelhantes.
um novo projeto de paz, cooperação e
desenvolvimento tem sofrido fraturas As palavras fortes de Souza Dantas,
recorrentes. Algumas dessas fraturas são ao se referir aos “perturbadores da paz”,
provocadas por potências que, como disse refletem o sentimento de firmeza necessário
o embaixador Leão Velloso, assumiram para conter movimentos de intolerância
maiores responsabilidades na concretização como o nazismo. Nesse sentido, a defesa do
daquele projeto. A resolução dos países direito à liberdade de expressão não pode
de abdicar definitivamente da guerra na servir como argumento para justificar a
condução de suas relações internacionais tolerância à propagação de discursos de
mostra-se abalada por aqueles que deveriam ódio. Na década de 1930, apesar da crescente
assegurá-la. Ao mesmo tempo, percebe- discórdia entre as nações, os governantes
se a emergência de novos atores, dotados das principais potências mundiais não
de novos valores e princípios, ávidos por agiram com a dureza necessária para conter
maiores participação e responsabilidades no o processo acumulativo de tensão que levou
processo de tomada de decisão acerca dos à eclosão da Segunda Guerra Mundial. Por
assuntos internacionais. A institucionalidade isso, é fundamental que os líderes atuais
concebida em 1945, retratada nos discursos analisem com cuidado as palavras daqueles
dos embaixadores Souza Dantas e Leão
que vivenciaram o momento, para que a
Velloso, precisará reformular-se para poder
humanidade não cometa os mesmos erros
acolhê-los e, assim, poder prosperar no
que as gerações anteriores. O surgimento
século XXI.
e o fortalecimento de grupos neonazistas,
neofascistas e supremacistas brancos devem
servir como inequívocos sinais de alerta para
a tomada de decisões voltadas ao controle da
disseminação dessas ideias.
21 ÍNDICE
Por outro lado, é necessário fundamental para dar novos passos voltados
compreender que o panorama global à criação de uma comunidade internacional
do início do século XXI é diferente do mais justa, igualitária e pacífica. Nesse
observado no período da criação da ONU. sentido, as palavras de Souza Dantas e Leão
É preciso que seja feita uma avaliação Velloso continuam atuais e determinantes,
cautelosa para que seja possível realizar as não somente para a política externa
atualizações necessárias, em decorrência brasileira, mas para a humanidade como um
das alterações nas credenciais de poder dos todo.
diferentes países. Em seu discurso, Leão
Velloso aponta para a criação do Conselho
de Segurança das Nações Unidas (CSNU), Nota- 58,50 
argumentando quanto à necessidade de Essi Rafael Mongenot Leal
obtenção de resultados práticos, o que levou
ao que ele define como “um preço muito Pontuação: 1A – 10; 1B – 10; 1C
alto pago por pequenos e médios países”. – 18,50; NE – 0; TL – 68; PTL – 0
Naquele momento, entendeu-se primordial
a constituição de um mecanismo formado O Brasil, recentemente, foi eleito,
pelas principais potências e voltado ao debate pela 11ª vez, para ocupar uma cadeira do
das questões mais sensíveis, sobretudo as Conselho de Segurança da Organização das
ligadas à segurança internacional. O Brasil, Nações Unidas (ONU), no biênio 2022-2023.
consistente defensor da igualdade jurídica A eleição brasileira confirma a relevância
entre as nações, mas motivado pelo espírito internacional do país, que também fez
do pragmatismo, aceitou a previsão legal do parte, como membro não-permanente,
que ficou conhecido como “poder de veto”, da primeira configuração do Conselho de
em decorrência de um cálculo realista sobre Segurança, nos anos 1946-1947. No contexto
as necessidades do momento. subsequente à Segunda Guerra Mundial,
conflito que ocasionou a morte de milhões
Entretanto, no contexto das relações de combatentes e civis, o Brasil, conforme
exteriores recentes do país, a diplomacia atesta o discurso do Embaixador Luiz Martins
brasileira tem ressaltado a importância da de Souza Dantas, apoiou o novo sistema
realização de discussões quanto à reforma internacional que estava se configurando, a
do sistema internacional. Não se pode partir do princípio da defesa da paz. Contudo,
imaginar que as relações internacionais tal sistema, segundo o Embaixador Pedro
permaneceriam estanques ao longo de sete Leão Velloso, não fazia jus ao princípio da
décadas, muito menos que o próprio conceito igualdade jurídica dos Estados, uma vez que
de “grandes potências” permaneceria o Conselho de Segurança foi estabelecido
imutável. Dessa forma, o Brasil defende a sob uma lógica de desigualdade, na qual as
reformulação do CSNU, com a intenção de grandes potências usufruíam do direito de
torná-lo uma instância que melhor reflita o veto. De lá para cá, o sistema internacional
equilíbrio de poder do cenário mundial atual. alterou-se profundamente, mas não a
Um exemplo dessa atuação é a aproximação arquitetura institucional do Conselho de
ao Japão, à Alemanha e à Índia na formação Segurança. Embora o Brasil continue sendo
do G4, grupo que defende a ampliação um defensor exemplar da paz internacional,
dos assentos permanentes e rotativos do o país não pode mais apoiar a permanência
Conselho. de uma estrutura de governança global que
Em conclusão, a máxima histórica reflete o mundo de 75 anos atrás.
que afirma que um povo que não conhece a No ano de 1945, a guerra, finalmente,
sua história está fadado a repeti-la pode ser foi proscrita como meio legítimo de ação
ampliada para uma escala global. Encarar estatal. A Carta de São Francisco, que deu
com a devida atenção os exemplos e as origem ao arcabouço institucional onusiano,
lições deixadas pelos líderes anteriores é enumerava uma série de princípios
22 ÍNDICE
restringindo o uso da força, dentre os Desse modo, não mais se deve “confiar
quais destacavam-se a defesa da paz e a nas grandes potências”. A inoperância do
solução pacífica de controvérsias. O Brasil, Conselho de Segurança é, também, um
cuja tradição pacifista já estava assentada indicativo da sua falta de legitimidade.
há décadas, demonstrada, por exemplo, A ordem internacional contemporânea,
na Constituição de 1891, que proibia a bastante diversa daquela do pós-Segunda
guerra de conquista, foi um entusiasta Guerra Mundial, é composta por quase 200
apoiador da nova ordem internacional. países, um número mais de quatro vezes
O discurso do Embaixador Souza Dantas superior àquele dos primórdios da ONU.
estava em perfeita sintonia com a tradição Mesmo se o cálculo realista fosse mantido,
conciliadora brasileira, contrária à promoção ainda assim o Conselho de Segurança deveria
de “discórdias entre nações”. Nas últimas ser reformado, visto que as correlações
décadas, o país não alterou sua posição. Ao de poder mudaram. Não à toa, desde os
contrário, aprofundou-se na defesa da paz, anos 1990, o Brasil vem intensificando sua
princípio constitucional desde a promulgação posição em prol da reforma do Conselho de
da Constituição de 1988. O Brasil participa Segurança. No início dos anos 2000, o Brasil,
ativamente de operações de paz sob a égide juntamente com Alemanha, Japão e Índia,
da ONU, e, atualmente, integra missões, por formou o G-4, grupo que pleiteia a abertura de
exemplo, no Congo, no Sudão do Sul e no mais vagas permanentes e não-permanentes
Saara Ocidental. Além disso, o país apoiou na composição do principal órgão da ONU,
a criação do Comitê de Consolidação da ainda hoje responsável pela manutenção da
Paz, no âmbito do Conselho de Segurança, paz e segurança internacionais.
em consonância com o conceito de “paz Portanto, não é pertinente ao Brasil
positiva”, desenvolvido por John Galtung. manter as mesmas posições que assumiu
O espírito construtivo do Brasil, na década de 1940. A dinamicidade da
entretanto, nem sempre logrou sucesso. ordem internacional exige que a diplomacia
Ferrenho defensor do princípio da igualdade brasileira recalcule, sempre que necessário,
jurídica dos Estados, posição expressa na II sua posição frente aos principais desafios
Conferência da Haia, em 1907, e, novamente, securitários globais. Uma nação de dimensões
durante as negociações para a criação da continentais, influente no seu entorno
ONU, em 1945, o país teve de contentar-se regional, tradicional defensora da solução
com soluções pouco igualitárias. As palavras pacífica de controvérsias, não pode ficar
do Embaixador Leão Velloso denotam uma sujeita aos caprichos das grandes potências,
postura pragmática, calcada no cálculo em um contexto de multipolaridade.
realista das correlações de poder. Ainda que Ademais, as últimas três décadas foram
fosse contrário ao arcabouço institucional caracterizadas pela promoção da democracia
do Conselho de Segurança, baseado em a nível global. Um Conselho de Segurança
privilégios concedidos às grandes potências mais diverso, além de mais legítimo, seria,
vencedoras da Segunda Guerra Mundial, o também, mais democrático.
Brasil decidiu apoiá-lo. Na prática, contudo,
a atuação do Conselho de Segurança revelou-
se pouco efetiva. Durante o período da Guerra Nota - 58,40
Fria, os vetos, ora dos Estados Unidos, ora Fernando Simões dos Santos:  
da União Soviética, impediam uma ação
internacional mais enfática em prol da Pontuação: 1A – 10; 1B – 10; 1C – 19;
defesa da paz. Após um período de maior NE – 2; TL - 70.
convergência entre as grandes potências,
no início da década de 1990, o Conselho de Na “I Sessão Ordinária da Assembleia
Segurança pouco pôde fazer em conjunturas Geral da ONU-Parte I”, o embaixador Luiz
de crise mais recentes, como nos conflitos Martins de Souza Dantas argumenta que
ocorridos na Síria. o eixo norteador das Nações Unidas deve
23 ÍNDICE
ser o repúdio a qualquer um que perturba a isso, as grandes potências são, em muitos
paz. De forma complementar, o embaixador casos, os próprios perturbadores da Paz.
Pedro Leão Velloso, na segunda parte da Exemplo disso foi o caso das Ilhas Marshall,
mesma sessão, afirma que a concordância em que a Corte Internacional de Justiça da
do Brasil em relação ao poder de veto das ONU, infelizmente, não pôde contribuir
grandes potências se fundamentou numa de forma mais contundente para a causa
lógica construtiva, cujo horizonte consistia do desarmamento total. O Brasil, contudo,
na obtenção de resultados práticos. À luz do junto a outros países igualmente amantes
contexto recente das relações exteriores do da paz, foi protagonista na “Iniciativa
Brasil, esses dois argumentos permanecem Humanitária”, a qual fundamentou o
atuais. É preciso, contudo, qualificar o desarmamento nuclear em termos morais
segundo, pois os resultados práticos esperados e humanitários e resultou na aprovação
pelo Brasil não se confirmaram. Ao contrário, a do TPAN. Esse tratado bane, de maneira
atual configuração do Conselho de Segurança completa, as armas nucleares, contribuindo,
das nações Unidas carece de legitimidade e de dessa forma, com um espírito construtivo
capacidade para oferecer soluções adequadas para obtenção de resultados práticos.
aos complexos desafios da reforma das É no que diz respeito à prevenção de
nações Unidas, do desarmamento nuclear e conflitos que se pode constatar os efeitos
da prevenção de conflitos. mais danosos do poder de veto, no curto
Na contemporaneidade, a dificuldade prazo, e a atualidade dos argumentos
em se alcançar uma reforma compreensiva dos embaixadores. De fato, a sociedade
das Nações Unidas e, em particular do CSNU, internacional contemporânea carece
evidencia uma primeira falta de resultados de medidas eficazes para os problemas
práticos do poder de veto. De fato, apesar do complexos e urgentes dos conflitos
amadurecimento de diferentes projetos de internacionais. O caso da Líbia, em 2011,
reforma, que incluem aqueles apoiados pelo ilustra essa realidade. A Resolução 1973 do
Brasil, nenhum deles foi, até o momento, CSNU, a qual estabelecia uma área de exclusão
aceito e posto em prática. Isso ocorre, em aérea foi oferecida como solução para o
primeiro lugar, porque cada um dos membros sofrimento do povo daquele país. O Brasil,
do chamado P5 (Estados Unidos, Reino de maneira acertada e em consonância com
Unido, China, França e Rússia) apresenta os argumentos dos embaixadores Souza
desconfianças em relação a determinados Dantas e Velloso, absteve-se na votação, pois
países que poderiam vir a fazer parte de entendeu que a aquela não era uma medida
um CSNU renovado. A China, por exemplo, de adequada para se alcançar soluções de
mantém desavenças históricas com a Índia e paz duradouras. Em vez de contribuir para a
com o Japão, dois países que, junto ao Brasil, prevenção e o de tensionamento de conflitos,
integram o G-4, grupo de países que almeja a medida acirrava-os. Em contraste, o Brasil
uma reforma ambiciosa e democrática das entende que a prevenção de conflitos deve
Nações Unidas. Em segundo lugar, porque os ser vista de forma holística, de modo a
membros do P5 defendem uma abordagem incorporar as dimensões sociais, econômicas
gradual e cautelosa para a reforma. Essa e humanitárias dos conflitos, sejam internos
cautela, porém, transformou-se em inação, ou internacionais. Essa perspectiva, contudo,
o que vem aumentando o “preço muito alto só poderá ser integralmente adotada por
pago por pequenos e médios países”, como meio de um CSNU renovado.
argumentou Velloso, em 1946. Se os argumentos dos embaixadores
No campo do desarmamento nuclear, Souza Dantas e Velloso permanecem
a confiança dada às grandes potências não tem, pertinentes no atual contexto das relações
na atualidade, gerado resultados práticos. Ao exteriores do Brasil, a confiança conferida
contrário, o poder de veto do P5 tem permitido pelo Brasil às grandes potências, em
que “perturbadores da paz”, conforme Souza 1946, foi perdida. Diante das necessidades
Dantas, permaneçam impunes. Mais que complexas e urgentes atuais da comunidade
24 ÍNDICE
internacional, sobretudo dos “pequenos Essa nova realidade só foi possível graças a
e médios países”, conforme Velloso, as uma reestruturação da lógica das relações
grandes potências não apenas entregaram internacionais. Estas eram pautadas, antes
poucos resultados práticos, como também de 1945, pelo jus ad bellum, ou direito à
dificultaram reformas que permitam que guerra. A Carta da ONU, contudo, ocasionou
outros países, como o Brasil, entreguem uma mudança de paradigma. Essa nova
soluções adequadas. As consequências de organização internacional impôs, ao elencar
longo prazo dessa inação vão, contudo, muito como seu principal objetivo a manutenção
além do campo da segurança internacional, da paz, uma mudança de paradigma.
tendo também custos econômicos, sociais e Consolidou-se o jus contra bellum - direito
humanitários. contra a guerra. Deixou de existir, portanto, a
ideia de guerra justa; segundo a nova ordem,
que segue em vigor, o perturbador da paz está
Menor Nota –  56,40  sempre errado, como ressaltou Souza Dantas
Anônimo em 1946. Era necessário, contudo, um meio
para efetivar essa nova realidade jurídica. O
Pontuação: 1A: 10; 1B: 10; 1C: 18,50; CSNU foi o órgão criado para cumprir essa
NE: 7; TL: 69; PTL: 0 função e contou com apoio brasileiro.
O CSNU tem o poder, resguardado
Durante a I Sessão Ordinária da no capítulo VI da Carta da ONU, de emitir
Assembleia Geral da ONU (AGNU), em 1946, resoluções vinculantes diante de ameaças
os embaixadores Luiz Martins de Souza à paz. Desde a reforma da década de 1960,
Dantas e Pedro Leão Velloso exaltaram, em este é composto por quinze membros, dos
seus pronunciamentos, dois princípios que quais cinco são permanentes e detêm a
seguem pautando a atuação diplomática prerrogativa do veto. Essa configuração
brasileira - o pacifismo e a igualdade entre viola, como ressalta Leão Velloso, o ideal
as nações. Ambos esses princípios estão da igualdade entre os Estados. A diplomacia
presentes, também, no segundo artigo da brasileira, contudo, não se opôs ao
Carta da ONU. O instituto do veto no âmbito instituto do veto, pois reconheceu que essa
do Conselho de Segurança da ONU (CSNU), concessão era necessária para proteger a paz
prerrogativa reservada aos seus membros mundial. O veto garantiu que as principais
permanentes, representa , portanto, uma potências entre os Aliados  assumissem as
opção pragmática que busca garantir a responsabilidades referentes à manutenção
paz, ainda que para isso seja necessário da paz. O bom funcionamento desse sistema
relativizar o ideal da igualdade, conforme é ilustrado pela I Guerra do Golfo, quando,
ressalta Leão Velloso. Evidenciam-se, em 1991,  o Iraque, liderado por Hussein,
destarte,  três elementos estruturantes da invadiu o Kuwait. A resposta da comunidade
diplomacia pátria que permanecem válidos internacional foi célere, O CSNU condenou
- a manutenção da paz, a defesa da igualdade o ataque, e as grandes potências enviaram
entre os Estados e o equilíbrio entre o tropas que permitiram a desocupação do
idealismo e o pragmatismo. Kuwait. Nem sempre, porém, o CSNU é
A ordem internacional  criada após efetivo. O veto garante a participação das
a II Guerra Mundial, que tem a ONU no seu potências, mas permite que estas resguardem
centro, foi capaz de evitar, até o momento, seus interesses, como demonstra a utilização
um conflito em escala mundial entre do veto por parte da Rússia, no contexto do
grandes potências. As falhas da comunidade conflito da Síria, iniciado em 2011. Ademais,
internacional desde então, como a inércia há outras formas de contribuir para a paz
durante o genocídio de Ruanda, na década além do mero poder militar, fato que justifica
de 1990, devem ser criticadas e corrigidas, o pleito brasileiro por uma reforma do
mas não minimizam a conquista que esse órgão. Se, em 1945, a composição desigual
longo período de relativa paz representa. do CSNU justificava-se para efetivar uma
25 ÍNDICE
nova realidade jurídica de jus contra bellum,
hoje, com esse conceito consolidado, o CSNU
Resumo
tornar-se-ia mais funcional ampliando seu
grau de representatividade e de legitimidade. Leia, com atenção, o texto a seguir.
É possível, hoje, conjugar as
necessidades reais da manutenção da Na história do constitucionalismo
paz ao ideal de um CSNU representativo. brasileiro, somente com a Constituição
A diplomacia brasileira demonstrou, no Federal de 1988 (CF/88), é que o País passou
decorrer das últimas décadas, que o soft a figurar no rol das nações detentoras de
power é, também, instrumento efetivo na uma língua oficial constitucionalizada.
defesa da paz, como em 2010, quando, junto Antes disso, é possível encontrar referências
à Turquia, propôs uma possível solução sobre línguas na Constituição de 1934,
para a questão nuclear iraniana. No mesmo por meio da expressão “idioma pátrio”,
sentido, cunhou, em 2011, o conceito de e, nas Constituições de 1946 e 1967, por
responsabilidade ao proteger, por ocasião da meio da expressão “língua nacional”. Em
discussão sobre a intervenção na Líbia. Uma nenhuma dessas constituições, no entanto,
reforma do CSNU, adicionando seis novos há referência explícita sobre ser a língua
assentos permanentes e quatro rotativos, portuguesa o idioma pátrio (1934) ou mesmo
como propõe o G4, grupo formado, em a língua nacional (1946/67). No entanto,
2004, por Brasil, Alemanha, Índia e Japão, o próprio fato de termos essas mesmas
minimizaria o alto preço pago por pequenos constituições redigidas e publicadas na
e médios países descrito por Leão Velloso. língua portuguesa nos autoriza, com certo
Mais importante, esses ganhos em termos de grau de segurança, a afirmar que, nesses
igualdade não representariam uma perda de documentos, as expressões referiam-se
efetividade do órgão. O Brasil é exemplo de diretamente ao português.
como um país “sem excedentes de poder”, Diante da inovação apresentada pela
conforme a famosa frase do ex-chanceler CF/88, a “Constituição Cidadã”, cumpre-
Saraiva Guerreiro, é capaz de contribuir, por nos agora nos debruçar e discutir as
meio de sua legitimidade enquanto defensor possibilidades e os limites jurídicos acerca
da paz e da igualdade, para garantir os da condição de idioma oficial que foi dada à
princípios da Carta da ONU. língua portuguesa no Brasil. Isso significa,
Confiar nas grandes potências entre outras questões, buscar responder,
era necessário em 1945. A comunidade de forma mais imediata, às seguintes
internacional tinha a difícil missão de perguntas: o que significa para um Estado
transformar um paradigma de direito à ter um idioma oficial? O que significa, para
guerra, em um direito contra a guerra. Esse uma língua, ser alçada à condição de idioma
objetivo foi alcançado. A nova realidade oficial?
internacional permite, destarte, avançar  o Sob um viés lato sensu, é possível
ideal da igualdade jurídica entre as nações afirmar que, nos Estados modernos, os
sem que isto enfraqueça a defesa da paz. Pelo
idiomas oficiais possuem duas funções
contrário, a experiência diplomática brasileira
prototípicas: uma função interna, por meio
é exemplo do caráter complementar entre
da qual visa a ser instrumento linguístico
os princípios do pacifismo e da igualdade.
do processamento da burocracia estatal
Uma reforma do CSNU, tornando-o mais
nas mais distintas esferas – judicial,
representativo e democrático, reuniria
educacional, legislativa etc. –, e uma
pragmatismo e idealismo. Hoje, um CSNU
função externa, diretamente vinculada à
mais justo, é, também, um CNU mais efetivo.
soberania do Estado, que diz respeito à(s)
língua(s) com a(s) qual(is) uma determinada
nação se comunicará com outras nações,
igualmente soberanas, na esfera das relações
internacionais.
26 ÍNDICE
Pode também a língua oficial, ainda que nos estrategicamente no ambiente da
acessoriamente, no âmbito internacional, lusofonia, para contrapor à questão do
situar um Estado no âmbito das grandes idioma oficial na Constituição da República
fonias mundiais, a exemplo da Comunidade Federativa do
dos Países de Língua Portuguesa – CPLP, da Brasil de 1988 a questão do idioma
qual o Brasil faz parte desde 1996. oficial presente na sua irmã mais velha e que
lhe serviu de inspiração, a Constituição da
Diante da apresentação das duas República Portuguesa de 1976.
grandes funções exercidas pelas línguas De forma direta e imediata, é
oficiais, nos Estados nacionais, inclusive possível constatar a nítida diferença no
no Brasil, podemos claramente chegar a que diz respeito à forma como a língua
algumas conclusões: oficial é apresentada em ambas as cartas
constitucionais. Enquanto, na lei brasileira,
a) A condição de língua/idioma a matéria é abordada de forma vinculada aos
oficial é uma construção político-jurídica direitos da nacionalidade, na carta lusitana a
que visa à instrumentalização linguística temática é normatizada no art. 11 (Símbolos
dos Estados nacionais, nos âmbitos interno nacionais e língua oficial) e complementada
e externo. As normas constitucionais que nos arts. 7 (Relações internacionais) e 9
regulam a escolha e a implementação de (Tarefas fundamentais do Estado).
uma ou mais línguas oficiais em um país não Percebe-se, de forma clara, que a
estão, desse modo, diretamente vinculadas questão do idioma oficial no Brasil é temática
aos direitos dos indivíduos de utilizar suas pantanosa e que repousa sob o manto de
próprias línguas, mas ao poder do Estado de uma tentativa retórica de construção de
determinar com qual(is) língua(s) vai operar uma nacionalidade brasileira em torno de
a sua burocracia e se relacionar, no âmbito uma suposta língua comum, do hino, das
internacional, com outros Estados. armas e do selo nacionais. Tal estratégia, de
fato, não é algo incomum nas constituições
b) Um idioma oficial, de natureza ocidentais promulgadas após a Segunda
constitucional, possui, necessariamente, Guerra Mundial. O que chama bastante a
uma função vinculada à organização do atenção, no caso brasileiro, é a total ausência
Estado e uma função atrelada às relações de vinculação explícita do seu idioma oficial
internacionais entre Estados.  às questões de natureza da política externa
e da gestão linguística da administração
Realizadas essas ponderações interna do Estado.
preliminares acerca das funções estatais A imprecisão do constituinte
prototípicas de um idioma oficial, brasileiro, tanto no processo de vinculação
normalmente instituído por norma da matéria “idioma oficial” à temática da
constitucional, resta-nos proceder a uma nacionalidade quanto na falta de definições
análise, ainda que sucinta, da norma que constitucionais explícitas e claras acerca dos
institui o português como idioma oficial objetivos internos e externos dessa língua,
do Brasil, para verificarmos se a norma tem sido um severo obstáculo na elaboração
insculpida no art. 13 da CF/88 teria, de fato, o de políticas linguísticas de promoção e
condão de cumprir os objetivos para os quais valorização da diversidade linguística no
foi projetada. nosso País.
Na CF/88, a questão do idioma oficial Um simples questionamento atual
é apresentada no Título II (Dos Direitos e e candente já seria suficientemente capaz
Garantias Fundamentais), Capítulo III (Da de ilustrar as consequências negativas que
Nacionalidade), art. 13. essa imprecisão constitucional imprime
Para nos auxiliar nesse processo nos estudos e nas formulações de algumas
de análise, lançaremos mão de um rápido políticas públicas voltadas para a nossa
exercício de direito comparado, mantendo- condição de nação multilíngue, senão
27 ÍNDICE
vejamos: se, no Brasil, a matéria constitucional Redija, com as suas próprias palavras,
“idioma oficial” está vinculada aos direitos um resumo do texto.
da nacionalidade e a competência para
legislar sobre tais direitos, nos termos do
art. 22, inciso XIII da CF/88, é privativa da Extensão de texto: de 35 a 50 linhas
União, poderiam os municípios brasileiros [valor:20,00 pontos]
editar leis de cooficialização de línguas nos
seus territórios?
A resposta a essa pergunta, se
futuramente dada pelo Supremo Tribunal Relatório de Notas
Federal (STF), mais alta corte jurídica
Maior Nota: 19,5
nacional e guardião da Constituição,
Nota Média: 18,85
definirá a (in)constitucionalidade de um
Menor Nota: 18,15
conjunto significativo de leis municipais
Desvio-padrão: 0,4336
de cooficialização de línguas e poderá
representar a linha divisória entre
consagração ou frustração de uma das
mais engenhosas e produtivas políticas
de promoção e proteção das línguas
minoritárias no Brasil.
Outro aspecto de grande relevo acerca
do processo de constitucionalização da
língua portuguesa na condição de idioma
oficial envolve diretamente alguns diplomas
normativos infraconstitucionais que não
fazem referência ao idioma oficial da
República, lançando mão, em vez disso, da
expressão “língua nacional”.
A elucidação dessa aparente
contradição classificatória é fundamental
para que se possa discutir, de forma
inequívoca, a existência de possíveis
processos de nacionalização das línguas
brasileiras na contemporaneidade.

ABREU, Ricardo Nascimento. Estatutos jurídicos


e processos de nacionalização de línguas no Brasil:
considerações à luz de uma emergente teoria dos direitos
linguísticos.Disponível em: <https://revista.abralin.
org/index.php/abralin/article/view/1324>, com adaptações.
Acesso em: 12 jun. 2021

28 ÍNDICE
Padrão de Respostas o idioma oficial e as questões de política
externa e a administração interna do Estado.
Segundo Abreu, foi somente com a Assevera, ainda, que tal imprecisão do
Constituição Federal de 1988 (CF/1988) constituinte brasileiro tem se constituído
que o Brasil passou a figurar no rol das em um importante óbice no que concerne
nações detentoras de uma língua oficial à elaboração de políticas linguísticas de
constitucionalizada. As constituições de promoção e valorização da diversidade
1934, de 1946 e de 1967, de acordo com o linguística no País. Uma questão importante
autor, já faziam alguma menção ao idioma, que se coloca, nesse quesito, segundo
mas não afirmavam explicitamente ser a o autor, é se os municípios brasileiros
língua portuguesa o idioma pátrio ou a língua poderiam editar leis de cooficialização de
nacional. Abreu afirma que, dada a inovação línguas em seus territórios, uma vez que,
da CF/1988, impende buscar responder o no Brasil, a temática referente ao “idioma
que significa para um Estado ter um idioma oficial” está vinculada aos direitos da
oficial e o que significa, para uma língua, ser nacionalidade, e a competência para legislar
alçada à condição de idioma oficial. Ele segue sobre tais direitos é privativa da União. Para
informando que, nos Estados modernos, o autor, um possível posicionamento do
os idiomas oficiais possuem duas funções Supremo Tribunal Federal com relação a
prototípicas: uma interna, como instrumento essa questão definiria a constitucionalidade
linguístico do processamento da burocracia ou a inconstitucionalidade de um
conjunto significativo de leis municipais
estatal nas mais distintas esferas, e uma
de cooficialização de línguas. Por fim,
externa, diretamente vinculada à soberania
Abreu destaca o fato de alguns diplomas
do Estado, para a comunicação com outras
normativos infraconstitucionais não
nações. Nesse contexto, segundo o autor,
fazerem referência ao idioma oficial da
pode-se concluir que a condição de língua/
República, mas sim à “língua nacional”.
idioma oficial está vinculada ao poder do
O autor defende que a elucidação dessa
Estado de determinar com que língua(s) irá
aparente contradição deve anteceder a
operar a sua burocracia e se relacionar com
discussão com relação à existência de
outros Estados, e, ainda, que um idioma
possíveis processos de nacionalização das
oficial possui uma função relacionada à
línguas brasileiras na contemporaneidade.
organização do Estado, e outra, às relações
internacionais entre Estados. Consoante
Referência
as palavras do autor, ao se comparar à
Disponível em: <https://revista.abralin.org/index.php/abra-
questão do idioma oficial encontrada na lin/article/view/1324>, com adaptações.
CF/1988 e a presente na Constituição da Acesso em: 12 jun. 2021
República Portuguesa de 1976, constata-se
que, na CF/1988, a questão do idioma oficial
é apresentada no Título II, Dos Direitos e
Garantias Fundamentais, Capítulo III, Da
Nacionalidade, art. 13, enquanto, na Carta
lusitana, é encontrada no art. 11, Símbolos
nacionais e língua oficial, e complementada
nos arts. 7, Relações internacionais, e 9,
Tarefas fundamentais do Estado. Abreu segue
afirmando que, por meio dessa comparação,
é possível perceber que a questão do
idioma oficial no Brasil está relacionada à
construção de uma nacionalidade brasileira
em torno de uma suposta língua comum,
do hino, das armas e do selo nacionais, sem
que haja, explicitamente, um vínculo entre
29 ÍNDICE
Nota - 19,5 Por fim, ressalta-se, igualmente,
Andressa Gonçalves a insegurança que decorre do uso do
Rangel Rodrigues termo “língua nacional” em normas
infraconstitucionais. O fato de não
Pontuação: CSC: 9,5; NE: 7; TL: 40 empregarem a expressão “idioma oficial”
enseja indefinição terminológica que deve
A Constituição da República Federativa ser aclarada para que se possa discutir a
de 1988 inovou, ao instituir o português nacionalização de outras línguas usadas no
como “língua oficial”, em que pesem as Brasil. 
referências a “idioma pátrio” e [] “língua Conclui-se que importa reconhecer a
nacional” em sua predecessoras, bem como real função do idioma oficial para aprimorar
o fato de terem sido redigidas em português. as políticas linguísticas nacionais.
Tendo em vista esse marco, importa discutir
suas implicações jurídicas.
Pode-se afirmar que idiomas Recursos deferidos:
oficiais cumprem um objetivo interno e Peço, humildemente, a revisão das
um externo. Em âmbito doméstico, são marcações por erro gramatical abaixo
o meio de comunicação para o exercício discriminadas. Linha 4 - “bem como” A
da administração pública. Na seara expressão está corretamente empregada e é
internacional, são a forma de interação com abonada pelos gramáticos de referência. Como
outros países, portanto demonstração de exemplo, Celso Cunha e Lindley Cintra, em sua
soberania e inserção em grupos linguísticos Nova gramática do português contemporâneo,
supranacionais, tais como a CPLP, no caso utilizam essa expressão diversas vezes (p. XXV,
da lusofonia. Consequentemente, conclui-se XXXI, 25, 32, 62, 63, 82, 92, 112, 159, 262,
que se trata de eleição, por parte do Estado, 296, 324, 364, 369, 388, 403, 405, 452, 461,.),
de sua língua de trabalho, o que lhe confere com destaque para a p. 529, na qual se lê:
importância central na gestão pública e no “Quando dois sujeitos estão unidos por uma
exercício da política externa, e não implica das conjunções comparativas como, assim
limitação do direito de uso de outros idiomas como, bem como e equivalentes (.)”, na qual os
por parte dos nacionais desse país. insignes mestres equiparam a expressão “bem
As funções do idioma oficial, todavia, como” a “como” e “assim como”, reiterando
não foram explicadas com clareza pelo sua existência e legitimidade na norma culta
constituinte. Os dispositivos referentes à da língua portuguesa. FONTE: CUNHA, Celso
língua estão entre os direitos e garantias Ferreira da; CINTRA, Luís Filipe Lindley. Nova
fundamentais, na Carta Política, em que gramática do português contemporâneo. 7 ed.,
se discorre sobre nacionalidade, e não nas 2 impr. Rio de Janeiro: Lexikon Editora Digital,
sessões que versam acerca de “símbolos 2016.
nacionais”, “relações internacionais” ou [...] 
“tarefas fundamentais do Estado”, como na Linha 27 - “às quais ela se destina, isto
constituição lusitana de 1976, que inspirou a é, a gestão estatal e as relações internacionais”
brasileira. Percebe-se que a adoção de uma Houve três marcações nesse trecho, mas, com
língua oficial relaciona-se mais à formação a devida vênia, não há incorreção alguma. A
identitária brasileira do que às funções às primeira crase circulada (“funções às quais”)
quais ela se destina, isto é, a gestão estatal está correta pois é objeto do verbo “destinar”,
e as relações internacionais. Em decorrência que está posposto (“funções às quais ela
disso, emergem entraves à elaboração de se destina”), e cuja regência contempla a
políticas linguísticas, tais como a incerteza preposição “a”, conforme o Dicionário prático
quanto à possibilidade de estados e de regência, de Celso Pedro Luft. As duas outras
municípios legislarem a esse respeito, haja marcações, todavia, não precisam de crase, pois
vista a competência privativa da União para representam um aposto do vocábulo “funções”,
legislar sobre nacionalidade (artigo 22). e não uma enumeração de novos objetos do
30 ÍNDICE
verbo “destinar” (“as funções (.), isto é, a gestão associação com os direitos da nacionalidade.
estatal e as relações internacionais”). Já na Constituição de Portugal, está vinculado
à organização do Estado e às relações
FONTE: LUFT, Celso Pedro. Dicionário prático de internacionais. Percebe-se, desse modo,
regência verbal. 8 ed., 12 impr. São Paulo: Ática, 2008. no caso brasileiro, não haver nenhuma
Página 206.
associação expressa do seu idioma oficial
com a gestão administrativa interna e a
Com base na argumentação apresentada,
política exterior. Tal lacuna obsta o avanço
solicito, humildemente, a revisão da minha
na criação de políticas linguísticas mais
prova, agradecendo desde já a atenção.
inclusivas, visto que a construção simbólica
de uma nacionalidade brasileira ao redor de
* Dois erros foram revertidos com recurso.
uma presumida língua comum prejudica a
valorização de línguas minoritárias.
Nota - 19,50 De acordo com o autor, a imprecisão
Essi Rafael Mongenot Leal  constitucional repercute negativamente
no potencial de políticas públicas locais
Pontuação: CSC: 9,5; NE: 0; voltadas à cooficialização de línguas. A
TL: 41; PTL: 0. questão tem atualidade e urgência, e foi
judicializada. Caberá ao Supremo Tribunal
Em “Estatutos jurídicos e processos de Federal decidir se apenas a União, e não os
nacionalização de línguas no Brasil”, o autor estados e municípios, poderá legislar acerca
Ricardo Nascimento Abreu discorre a respeito das temáticas relacionadas aos direitos de
das funções de uma língua oficial, bem como nacionalidade, tal como a definição de idiomas
analisa o tratamento constitucional dado oficiais. A depender do veredito, uma série de
ao tema. No Brasil, antes da Constituição leis municipais de cooficialização de línguas
Federal de 1988 (CF/88), não havia menção podem ser julgadas inconstitucionais,
expressa acerca de qual seria a língua oficial freando o progresso até aqui obtido no que se
do Estado, embora estivesse implícito tratar- refere às políticas linguísticas brasileiras.
se da língua portuguesa. A resolução dos impasses gerados pelo
A partir do ineditismo apresentado tratamento constitucional à temática será de
pela CF/88, cabe debater quais são as
fundamental importância para, de uma vez
implicações jurídicas do estabelecimento da
por todas, viabilizar a promoção das demais
língua portuguesa como idioma oficial do
línguas faladas no Brasil, além do português.
Brasil. São duas as funções típicas de uma
língua oficial: a função interna, relacionada
ao funcionamento cotidiano da burocracia de
Estado; e a função externa, que diz respeito
Nota - 19,50 
ao diálogo com outros países, no âmbito das
Mânlio Souza Morelli
relações entre Estados. Ademais, também no
plano externo, uma língua oficial pode dar O Brasil passou a ter uma língua
ensejo a agrupamentos político linguísticos oficial constitucionalizada somente com
de caráter global, tal como ocorre com a a Constituição Federal de 1988(CF/88),
lusofonia. apesar de a Constituição de 1934 tratar
O autor, então, analisa o dispositivo de um “idioma pátrio” e as de 1946 e
constitucional que estabelece o português 1967 contemplarem a expressão “língua
como língua oficial do Brasil, comparando-o nacional” em seus textos, pois nenhuma
com normas similares da Constituição da das três mencionava explicitamente a
República Portuguesa de 1976. Há, segundo língua portuguesa. Por terem sido escritas e
Abreu, um flagrante contraste no modo publicadas em português, todavia, pode-se
pelo qual ambas as constituições abordam inferir que as três faziam referência direta a
a temática. Na CF/88, o assunto aparece em essa língua. 
31 ÍNDICE
A oficialização do idioma, discursivo de elaboração da nacionalidade,
inovação da CF/88, levanta discussões compreendendo uma suposta língua comum,
acerca das possibilidades e dos limites o hino, as armas e os selos nacionais. As
jurídicos que a condição implica, constituições ocidentais promulgadas
como o significado para um Estado depois da Segunda Guerra Mundial
e para a própria língua. Em sentido costumam adotar uma abordagem similar,
amplo, idiomas oficiais desempenham mas o caso brasileiro singulariza-se por não
duas funções prototípicas nos Estados vincular explicitamente seu idioma oficial,
modernos. Internamente, um idioma oficial em momento algum, à política externa e à
é um meio para o funcionamento de toda a administração pública interna. 
burocracia governamental. Externamente, Essa imprecisão constitucional
é o meio de comunicação de uma nação quanto ao vínculo da língua oficial com
soberana com outras nações soberanas, a nacionalidade e quanto à ausência de
nas relações internacionais. Além disso, objetivos internos e externos do idioma,
internacionalmente, um idioma oficial definidos de forma explícita e objetiva,
cumpre a função, mesmo que o faça de dificulta sobremaneira a formulação
forma secundária, de tornar um país parte de políticas linguísticas que promovam
de comunidades de Estados com a mesma e valorizem a diversidade linguística
língua, como a Comunidade dos Países de brasileira. Se o idioma oficial está inserido,
Língua Portuguesa, de que o Brasil participa na CF/88, como direito da nacionalidade, e
desde 1996. Por conseguinte, nos Estados, a mesma CF/88 atribui à União competência
inclusive no Brasil, a escolha de uma língua privativa para legislar sobre esse tema
oficial é uma decisão mais vinculada ao (art.22, inciso XIII), poder-se-ia questionar
funcionamento do governo e às relações a cooficialização de línguas pelos municípios.
internacionais que aos direitos de as Uma eventual resposta do Supremo
pessoas usarem suas línguas. Um idioma Tribunal Federal a tal questionamento
oficial, com previsão constitucional, terá, implicará a constitucionalidade ou a
necessariamente, essas funções (a banca inconstitucionalidade de várias leis
marcou a ausência de uma vírgula aqui) existentes nesse sentido e determinará o
interna e externa. êxito ou o fracasso das políticas de promoção
Conhecidas essas funções, deve- e proteção das línguas minoritárias no
se analisar se o artigo 13 da CF/88, que país. Além disso, é preciso lidar com
constitucionalizou o português como idioma normas infraconstitucionais que usam a
oficial, é capaz de atingir os objetivos expressão “língua nacional” em vez de fazer
que o motivaram. O artigo faz parte do referência ao idioma oficial, pois resolver
título II, que traz os direitos e as garantias essa contradição aparente permitirá que se
fundamentais, Capítulo III, consagrado à discutam, sem dúvidas, eventuais processos
nacionalidade. Comparando-se a CF/88 com de nacionalização das línguas brasileiras. 
a Constituição da República Portuguesa de
1976, que a inspirou, nota-se que ambas
tratam a língua oficial de maneira distinta. Nota - 19,50
Por um lado, a Constituição Federal de Morgana Lino Costa de Souza
1988 relaciona o idioma à nacionalidade;
por outro lado, a Constituição portuguesa Pontuação: CSC: 9,5; NE: 02;
trata do tema juntamente com os símbolos TL: 46.
nacionais (art.11), além de abordá-lo,
complementarmente, nos artigos 7 e 9, Em “Estatutos Jurídicos e processos
vinculados, respectivamente, às relações de nacionalização de línguas no Brasil:
internacionais e às tarefas fundamentais do considerações à luz de uma emergente teoria
Estado. No Brasil, portanto, o tema delicado dos direitos linguísticos”, publicado na revista
da língua oficial faz parte de um esforço Abralin, Ricardo Nascimento Abreu discute
32 ÍNDICE
as consequências da constitucionalização do de cooficialização de línguas em seus
português como idioma oficial do Brasil. Para territórios. Essas leis garantem a promoção
tanto, o autor analisa as finalidades e limites e a proteção de línguas minoritárias, política
da oficialização de um idioma, a norma pública que seria frustrada em caso de
brasileira e os potenciais impactos para inconstitucionalidade. Concomitantemente,
línguas minoritárias no Brasil. De acordo com há diplomas normativos infraconstitucionais
Nascimento Abreu, a Constituição de 1988 foi que não utilizam o conceito de idioma oficial,
o primeiro texto constitucional do Brasil que à revelia do processo de constitucionalização. 
caracterizou o português como língua oficial, Nascimento Abreu conclui, com
visto que constituições anteriores utilizavam base nos argumentos apresentados, que a
apenas expressões como “língua nacional” uniformização e clarificação da classificação
ou “idioma pátrio”, sem fazer referência do português como língua oficial é essencial
direta ao português. A caracterização de uma às políticas linguísticas do Brasil. Disso
língua como oficial teria duas dimensões: dependem os potenciais processos de
a dimensão interna, caracterizada pela nacionalização de línguas brasileiras
uniformização da língua utilizada pela minoritárias.
burocracia estatal; e a dimensão externa,
marcada pela determinação do idioma por Recurso:
meio do qual o Estado conduz suas relações Prezada banca examinadora,     
externas. O autor acrescenta, ainda, que a O candidato pede, encarecidamente, a
língua oficial pode servir de instrumento reconsideração da penalização na linha 6. O
de política externa, como é exemplo a candidato entende que foi penalizado pela falta
participação brasileira na Comunidade dos de paralelismo, ao omitir o artigo definido “os”
Países de Língua Portuguesa (CPLP).  na frase “(...) o autor analisa as finalidades e
Nascimento Abreu analisa, também, (os) limites da oficialização de um idioma (...)”.
o artigo 13 da Constituição Federal de 1988, Ainda que manter o paralelismo fosse mais
que institui o português como língua oficial. adequado, a frase não está de todo incorreta na
O artigo está inserido no capítulo sobre ausência de paralelismo. Othon M. Garcia, em
nacionalidade, em contraste com artigo de “Comunicação e Prosa Moderna”, por exemplo,
teor similar da Constituição da República explica: “O paralelismo não constitui uma norma
Portuguesa de 1976, que foi incluído em rígida; nem sempre é, pode ou deve ser levado
capítulo sobre símbolos nacionais. Para o à risca, pois a índole e as tradições da língua
autor, a inserção da temática linguística impõem ou justificam outros padrões” (pág.
em capítulo sobre nacionalidade evidencia 29). Nesse caso, por tratar-se de uma oração
que o idioma, no Brasil, é instrumento para longa, o candidato omitiu o artigo definido “os”,
construção de uma nacionalidade. Conquanto aproximando “finalidades” e “limites”, que são
essa instrumentalização também ocorra em acompanhados por “da oficialização de um
outras constituições ocidentais, Nascimento idioma”, de modo a distingui-los dos demais
Abreu é crítico à ausência de explicitação núcleos  do  objeto,  “norma”  e  “impactos”. 
acerca das funções interna e externa do O  candidato  considera  que,  conquanto  tenha 
idioma oficial.  pecado  no  paralelismo,  a construção  facilitou 
O autor considera, assim, que a  compreensão  do  período,  evidenciando  que 
essa imprecisão constitucional obsta o tanto  “finalidades”  como  “limites”  estão 
desenvolvimento de políticas públicas para sendo acompanhados por “da oficialização
a valorização da diversidade linguística no de um idioma”.     O candidato pede, assim,
Brasil. A indefinição constitucional também restituição da nota apenada, e agradece pela
pode acarretar conflitos sobre a divisão de consideração do recurso. 
competências entre entes federativos, visto
que, conquanto questões de nacionalidade Resposta: Indeferido 
constituam matéria legislativa privativa O recurso da linha 06 foi indeferido,
da União, muitos municípios editam leis pois nessa linha, registrou-se ausência de
33 ÍNDICE
paralelismo sintático em alguns termos. O recurso foi indeferido, pois a Banca,
Portanto, a nota não merece majoração. “O ao realizar a correção, considera o espaço
paralelismo é um recurso muito ligado à destinado à produção textual e o sobrescrito
coordenação de segmentos que apresentam não se enquadra neste espaço, visto que se
valores sintáticos idênticos, o que [...] leva a trata do que está escrito acima da linha ou do
prever que os elementos coordenados entre si alinhamento. Há que se ter mais esmero na
apresentem a mesma estrutura gramatical. escrita em prova de concurso público. A Banca
Ou seja, a unidades semânticas similares deve mantém a pontuação atribuída por estar de
corresponder uma estrutura gramatical similar. acordo com o desempenho do candidato. As
É o que se chama, comumente, de paralelismo marcações emendadas, inclusive que envolvam
ou simetria de construção (ANTUNES, 2005, p. preenchimentos que reduzam ou aumentem
64)”. artificialmente o número de linhas escritas pelo
candidato, estão em desconformidade com o
Argumento:  edital do concurso e são consideradas erros
Prezados,      de linguagem, enquadrando-se como critério
O candidato solicita, respeitosamente, para desconto de nota no quesito “correção
que a penalização da linha 34 seja reavaliada. O  gramatical e propriedade de linguagem”.
substantivo  “conflitos”  pode  ter  a  preposição  Portanto, o preenchimento de palavras em
“sobre”  como  regência.  O  próprio  governo  sobrescrito é considerado para cômputo do
brasileiro  faz  uso  da construção “conflitos número de erros.
sobre”, como evidenciam os exemplos a
seguir.     Notícia retirada do site do Supremo * Erro de paralelismo - linhas 5-6. Palavra
Tribunal de Justiça:        “A  sorte  está  lançada:  sobrescrita - linha 34.
os  conflitos  sobre  premiações  e  sorteios  na 
jurisprudência  do  STJ”.  Link: https://www.
stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/ Nota - 18,45
Noticias/18042021-A-sorte-esta-lancada- Emanuel Montenegro Batista Lins
os-conflitos-sobre-premiacoes-e-sorteios-
na-jurisprudencia-do-STJ.aspx      Notícia Pontuação:CSC: 9,5; NE: 03;
retirada do site da Procuradoria-Geral do TL: 45;
estado do Mato Grosso do Sul:    “Iniciativa
da PGE resulta em solução de conflitos sobre A Constituição Federal de 1988
indenização de licença-prêmio”  Link: https:// (CF/88) foi a primeira carta constitucional
www.pge.ms.gov.br/iniciativa-da-pge- brasileira a definir a língua portuguesa como
resulta-em-solucao-de-conflitos-sobre- língua oficial. Referências foram feitas, pelas
indenizacao-de-licenca-premio/  Revista de Cartas de 1934, de 1946 e de 1967, ao idioma,
Informação Legislativa do Senado Federal:   mas nenhuma delas explicitou a língua
“Como esclarecido no preâmbulo da Convenção portuguesa, como língua institucionalizada.
e no seu art. 25, a  mera  ratificação  da  Oficializada a língua, por meio da inserção na
Convenção,  portanto,  não  acarreta  a  obrigação  CF/88, cabe analisar as condições jurídicas da
de  submeter  conflitos  sobre  investimentos  à língua no ordenamento pátrio, respondendo
conciliação  ou  arbitragem.”   questões como qual queria o significado,
para o Brasil, de possuir um idioma oficial e
Link:  https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/ qual seria a importância, para o idioma, de
handle/id/420/r14009.pdf?sequence=4&isAllowed=y     alcançar a condição de oficial. 
O idioma, nos Estados modernos,
O candidato pede, assim, restituição da possui duas funções principais.
nota apenada (0.35 ponto) e agradece à banca Primeiramente, no âmbito doméstico,
pela consideração do recurso.  a língua oficial deve ser aquela utilizada
  pela burocracia estatal. Segundamente,
Resposta: Indeferido  no âmbito externo, o idioma vincula-se à
34 ÍNDICE
soberania estatal e à comunicação com as acordo com sua constitucionalidade. Essa
demais nações. Além disso, a língua pode definição será fundamental para definir
localizar um país dentro de um grupo maior o sucesso de uma política revolucionária
formado por países que compartilham o de promoção e de proteção às línguas
mesmo idioma. Conclui-se, dessa forma, minoritárias utilizadas no território nacional. 
que a língua oficial constitui, política e Deve-se elucidar a aparente
juridicamente, a conformação linguística do contradição representada pelo fato de
Estado, interna e externamente. Dessa forma, algumas leis infraconstitucionais não
a determinação do idioma oficial relaciona- fazerem referência à língua portuguesa
se, principalmente, à escolha do idioma a ser como idioma oficial da nação, utilizando-
usado pelo Estado, em sua atuação interna se, apenas, a expressão “língua nacional”.
e externa, não se vinculando diretamente Resolver essa contradição será essencial para
ao direito dos nacionais de utilizarem suas dirimir quaisquer dúvidas no que diz respeito
próprias línguas.  à possibilidade de nacionalização das línguas
No que concerne à Constituição brasileiras.
Federal do Brasil, o idioma oficial está
consubstanciado no Título II, Capítulo
II, artigo 13, que se refere aos direitos Menor Nota - 16,10
da nacionalidade. Em comparação à Anônimo 
Constituição da República Portuguesa de
1976, nota-se uma diferença: enquanto, Pontuação: CSC – 9,5; NE – 04; TL –
na Carta Magna brasileira, a língua oficial é 34; PTL – 01.
prevista no campo do direito da nacionalidade,
na constituição portuguesa o tema é A Constituição Federal foi a primeira, na
abordado de forma conjunta aos símbolos história brasileira, a prever, explicitamente,
nacionais, às relações internacionais e às uma língua oficial. Somente a partir do fato
tarefas fundamentais do Estado. Claramente, de haverem sido estritas em português se
o constituinte brasileiro escolheu tratar do poderia supor ser esta a língua oficial do
idioma junto aos símbolos conformadores da país, segundo as Constituições de 1934, 1946
nacionalidade, como o hino, as armas e o selo e 1967. Entretanto, convém indagar quais são
pátrios. Essa abordagem é comum em países os sentidos político e linguístico da eleição
ocidentais, no contexto do pós-guerra. No de um idioma oficial.
entanto, é notável a não vinculação da língua Nos Estados modernos, a língua oficial
portuguesa, de forma explícita, à temática serve como instrumento operacional de sua
das relações exteriores e à administração do burocracia, em todas as dimensões, e como
Estado, no âmbito doméstico. Essa imprecisão instrumento de exercício da soberania,
dificulta grandemente a elaboração de pelo qual o Estado se comunicará com
políticas públicas que promovam e valorizem outras nações na condução de suas relações
a pluralidade linguística no Brasil.  internacionais. Sob esta última perspectiva,
Consequência importante da ainda, a definição de um idioma oficial pode
imprecisão relacionada às omissões viabilizar a associação do Estado com países
mencionadas é a incerteza sobre a com os quais compartilhe a língua, como
constitucionalidade de determinações ocorreu com a criação da Comunidade de
municipais que cooficializem outras línguas Países de Língua Portuguesa. Assim, a eleição
em suas jurisdições. Trata-se de omissão de um idioma oficial, na Constituição, não diz
do constituinte que influencia a promoção respeito ao direito individual de utilização da
de políticas de poderiam lidar com o caráter própria língua.
multilíngue da nação. O Supremo Tribunal Outro questionamento relevante
Federal (STF) deverá definir a possibilidade é saber se o português, enquanto língua
ou não das leis de cooficialização de línguas oficial do Brasil, seria capaz de atender tais
permanecerem no ordenamento pátrio, de finalidades. Comparando a Constituição
35 ÍNDICE
brasileira com a portuguesa, nota-se que a
definição da língua oficial, na primeira, tem
Exercício
o propósito de contribuir para a construção
da nacionalidade brasileira, juntamente Leia, com atenção, o texto a seguir.
com o hino, as armas e o selo nacionais.
Não há, porém, qualquer menção às funções A globalização, obviamente, não é um
burocráticas e internacionais da língua
fenômeno novo. Sua história coincide com a
portuguesa no Brasil.
Tal lacuna tem gerado obstáculos era da exploração e da conquista europeias
à formulação de políticas de promoção e e com a formação dos mercados capitalistas
valorização da diversidade linguística no mundiais. Existem as forças dominantes de
país. Os Municípios, por exemplo, não detém homogeneização cultural e os processos que
competência constitucional para legislar vagarosa e sutilmente estão descentrando
sobre questões de nacionalidade, onde o
os modelos ocidentais, levando a uma
tema do idioma oficial está inserido na
Constituição brasileira. A despeito disso, é no disseminação da diferença cultural em todo
âmbito local que se manifesta a diversidade o globo. Hoje em dia, o “meramente” local
linguística nacional. As iniciativas municipais e o global estão atados um ao outro, não
nesse sentido encontram-se pendentes de porque este último seja o manejo local dos
exame de constitucionalidade pelo Supremo efeitos essencialmente globais, mas porque
Tribunal Federal.
cada um é condição de existência do outro.
Uma última questão relativa ao
tema refere-se à compatibilidade entre Antes, a “modernidade” era transmitida de
a Constituição e ( ) diplomas normativos um único centro. Hoje, ela não possui um
infraconstitucionais, que mencionam não a tal centro. O velho modelo centro-periferia,
língua portuguesa, mas a língua nacional em cultura-nacionalista-nação está desabando.
seus textos. A resolução dessa ( ). As culturas emergentes que se sentem
ameaçadas pelas forças da globalização,
da diversidade e da hibridização, ou que
falharam no projeto de modernização,
podem se sentir tentadas a se fechar em torno
de suas inscrições nacionalistas e construir
muralhas defensivas. A alternativa não é
se apegar a modelos fechados, unitários e
homogêneos de “pertencimento cultural”,
mas abarcar os processos mais amplos,
o jogo da semelhança e da diferença, que
estão transformando a cultura no mundo
inteiro. Esse é o caminho da “diáspora”, que
é a trajetória de um povo moderno e de uma
cultura moderna. 

HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e


mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG;
Brasília: Representação da Unesco no Brasil, 2003. P. 35
a 47, com adaptações.

36 ÍNDICE
Com base nas ideias do texto, Padrão de Respostas
discorra sucintamente acerca do caminho
da diáspora contemporânea em relação ao A resposta deverá ser sucinta e
Brasil e aos brasileiros, abordando, para bem estruturada, com progressão de
tanto, a relevância do jogo da semelhança e argumentos coerentes, conceitualmente
da diferença em processos migratórios. Em bem fundamentada e textualmente coesa,
seu texto, opte por tratar da perspectiva de com problematização da questão suscitada e
quem procura melhores condições de vida com posicionamento do(a) candidato(a)
em outros países ou da perspectiva dos que quanto aos temas que ele(a) próprio(a)
recebem quem está à procura disso. deverá propor (i.e., postura analítica, mais
que descritiva ou enunciativa).
O (A) candidato(a) deverá discorrer
Extensão de texto: de 15 a 20 linhas. a respeito da questão da imigração na
[valor:20,00 pontos] contemporaneidade, optando por refletir
acerca do país e do povo que migra e (ou) do
país e do povo que recebe imigrantes. Nessa
perspectiva, o (a) candidato(a) poderá tratar
Relatório de Notas
das questões políticas, econômicas e sociais
relativas aos países envolvidos, bem como
Maior Nota: 19,5
Nota Média: 18,62 tratar das questões culturais e religiosas, por
Menor Nota: 16,1 exemplo, que possibilitam a aceitação ou não
Desvio-padrão: 0,7204 do imigrante.
A avaliação seguirá o critério
comparativo (i.e.). A avaliação individual será
feita de acordo com a comparação do nível
de outros exercícios. Nesse sentido, embora
o (a) candidato(a) possa ter respondido de
forma correta, abrangendo os requisitos
anteriormente indicados, sua nota poderá
ser menor do que a atribuída a outros(as)
que tiverem feito o exercício com maior
qualidade intelectual, acadêmica e formal.
Serão consideradas positivamente citações
pertinentes de autores acadêmicos e de
personalidades reconhecidas.

Referências
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações
culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Repre-
sentação da Unesco no Brasil, 2003, p. 35 a 47,
com adaptações.

37 ÍNDICE
Nota - 19,50 homogeneidade ao mundo, o que se vê,
Joan Frederick Baudet em verdade, é a valorização do local, que
Ferreira França se tornou par dialético do global. Assim,
os intensos fluxos migratórios atuais são
Pontuação: Antes dos recursos: formados por migrantes que, em busca
ADT – 9,5; NE – (ilegível); TL – 18 de melhores condições de vida, resistem
Depois dos recursos: à ideia de assimilação em seu país de
ADT – 9,5; NE – (ilegível); TL – 18 destino, mantendo seu vínculo identitário
primário e aglutinando-se em torno de seus
Em excerto de Da diáspora: compatriotas no local, conforme a tese das
identidades e mediações culturais, Stuart redes sociais de Douglas Massey, criando
Hall sugere que a migração vem alterando grupos fechados ou homogêneos. No entanto,
tanto a relação entre o local e o global a sociedade receptora deve lançar mão do
quanto os intercâmbios culturais. A força jogo da semelhança e da diferença para
homogeneizante das culturas predominantes abraçar os que chegam, incorporando-os
cede lugar, gradualmente, a um processo de sem deles retirar a identidade, conformando
disseminação da diferença cultural, o que a sociedade moderna
finda por alterar os padrões da globalização. Apesar de não figurar entre os maiores
Nesse diapasão, o local e o global encontram- receptores de migrantes, o Brasil conta com
se crescentemente indissociáveis, de forma milhares de pessoas que aqui aportaram em
que a noção de centro-periferia é cada vez busca de melhores condições de vida. Na
mais suplantada por realidade policêntrica. busca pela construção de um povo moderno e
Antes essa transformação, o autor atenta para cosmopolita, políticas públicas de integração
a inadequação da tendência ao fechamento que valorizam a cultura estrangeira são
cultural. Em lugar disso, propõe-se abarcar implementadas em benefício de migrantes
maior amplitude, por meio de “jogo da e brasileiros. Essa promoção da diáspora
semelhança e da diferença” ensejado pela é notoriamente executada por meio da
diáspora contemporânea. educação, como se vê na Universidade da
A história de miscigenação e de Integração Latino-Americana (UNILA)
hibridização cultural que forjou a identidade e em universidade no Ceará que recebe,
pátria torna a perspectiva do brasileiro anualmente, dezenas de bolsistas africanos.
propensa ao acolhimento da diferença. Essa Tais programas contribuem para formar
vocação para transitar com naturalidade entre profissionais qualificados que podem
a semelhança e a diferença é exemplificada colaborar para o crescimento e aumento
por programas de acolhida humanitária, de renda dos brasileiros. Sendo assim,
notadamente aqueles que beneficiam no Brasil, a educação é caminho para
milhares de venezuelanos atualmente no promover semelhanças e diferenças para
país.  benefício mútuo de migrantes e brasileiros,
integrando-os de forma a concretizar a
diáspora preconizada por Hall. 
Nota - 19,50
Victor de Ávila Siqueira
Nota - 19,15
Pontuação: ADT – 9,5; NE – 01;TL – 20 Felipe Jacques Berger

Segundo Stuart Hall, a diáspora é Pontuação: ADT – 9,5; NE – 1;


a trajetória do povo moderno, resultado TL – 20; PTL – 0
da confluência de pessoas, mercadorias
e capitais, própria da globalização em Em Da diáspora, Stuart Hall
seu formato atual. Ao contrário da discorre sobre os efeitos da globalização
percepção inicial de que o fenômeno traria nas transformações da cultura moderna,
38 ÍNDICE
marcada pelo “jogo da semelhança e da Nota - 19,15
diferença”. Trata-se de um processo de Gersínio dos Anjos Neto  
heterogeneização cultural que se contrapõe
a percepções identitárias monolíticas. Pontuação: ADT – 9; NE – 00 ; TL – 20
No Brasil, o caminho da diáspora sempre
envolveu, necessariamente, o convívio entre O Brasil nasceu da migração.
indivíduos oriundos de origens variadas. Atualmente, uma análise feita pela
A relação dialética entre semelhanças perspectiva dos que buscam melhores
e diferenças integra profundamente a condições de vida revela que o país funciona
identidade nacional brasileira, tipicamente como emissor e como receptor de migrantes,
caracterizada como plural. Em Gabriela, sendo elemento importante na diáspora
cravo e canela, Jorge Amado retratou a contemporânea. Todos os anos, contingentes
efusividade de Ilhéus, em constantes populacionais de países vizinhos, como a
oposições entre o moderno e o arcaico. O Bolívia ou a Venezuela, bem como oriundos
autor dedicou um capítulo à personagem de países africanos, sobretudo os da costa
Nacib, “um brasileiro das Arábias”, que se ocidental, chegam ao território nacional
insere na sociedade baiana como qualquer em busca de oportunidades. Da mesma
outra personagem brasileira. Nacib é tão forma, brasileiros também iniciam fluxos,
marcado por contrastes quanto as demais especialmente em direção aos EUA e à Europa,
personagens, o que é um exemplo de como o que provoca intensas trocas culturais.
a interposição de semelhanças e diferenças
Nesse sentido, o Brasil é ponto de
pode suplantar o pertencimento cultural. 
encontro de processos migratórios que
Com a globalização, as culturas
realçam o que Stuart Hall chamou de jogo
modernas são aquelas que se abrem ao
da semelhança e da diferença. Semelhança,
processo de conjugação de diferenças e
pois esse tipo de intercâmbio revela o que
similaridades. Milton Santos corrobora
há de mais íntimo em qualquer pessoa: a
essa noção, uma vez que reconhece a
sua própria humanidade. E diferença, pois
possibilidade de resistência da identidade
ressalta características que tornam cada ser
local em relação à força da homogeneização.
humano único: cor, credo, ideologia, gênero,
O geógrafo também aponta que toda
singularidades. É a partir dessa compreensão
desterritorialização de um migrante é uma
entre o que há de comum e o que diferencia
nova territorialização em outro lugar,
as pessoas, realizando as trocas inexoráveis
haja vista que migrantes formam laços de
à convivência, que se formam povos e
pertencimento com novas comunidades e
culturas modernas. O apelo ao nacionalismo
passam a fazer parte indissociável delas. Os
não pode servir de escusa ao afastamento do
brasileiros, dessa forma, seguem a diáspora
diferente, sob o risco de prejudicar o próprio
da cultura moderna, na medida em que se
reconhecimento da semelhança que existe
identificam com a diversidade. No Brasil,
em cada um de nós.
as semelhanças e diferenças de imigrantes
como Nacib são igualmente valorizadas, e
fazer parte da cultura moderna não exige
uma nacionalidade específica. O povo
Nota - 19,15
Pedro Leonardo Borges de Rezende
moderno é plural, e isso decorre de sua
abertura à diversidade.
Pontuação: ADT – 9; NE – 1; TL – 20

Em Da Diáspora: identidades e
mediações culturais, Stuart Hall afirma
que os hodiernos fluxos migratórios e
informacionais conformam uma dinâmica
dialética, em que a identidade e a alteridade
definem “a trajetória de um povo moderno
39 ÍNDICE
e de uma cultura moderna”. Com efeito, a que um venezuelano, com o mesmo intento,
formação identitária do brasileiro é marcada emigre rumo ao Brasil ou à Europa. Os
pela miscigenação das diásporas que, no processos migratórios tornam-se, assim,
Brasil, se instalaram. Nessa perspectiva, cabe mais globalizados e diversificados, e isso
mencionar a relevância da diáspora libanesa, ressalta aquilo que Hall chamou de “jogo
que, buscando melhores condições de vida, da semelhança e da diferença”. Esse jogo
migrou para o Brasil, exercendo, no país, contrasta as características culturais dos
uma XXX influência que contribui para a emigrantes e dos povos que os acolhem,
gradativa superação do modelo eurocêntrico podendo ser determinante como fator
que marcara a colonização. de atração ou de repulsão migratória. A
A assimilação cultural da diáspora aceitação desse jogo é, para Hall, o caminho
libanesa é patente na alimentação nacional. para a construção de um povo moderno e
Se, por um lado, o apreço conferido pelos uma cultura moderna. Dada a inserção do
brasileiros à culinária do Levante é evidência Brasil nos fluxos migratórios internacionais,
da receptividade aos migrantes, por outro, a diáspora brasileira no exterior e a diáspora
para a diáspora libanesa, essa assimilação estrangeira no país estão contribuindo
representa a possibilidade de preservação de para alcançar os ideais de modernidade
sua herança cultural. Os migrantes libaneses preconizados por Hall.
tornam-se, desse modo, brasileiros,
sem que isso implique um processo de *o único erro marcado foi de
homogeneização cultural. Mantêm-se as sobrescrito.
diferenças, em uma dinâmica identitária
que se singulariza pela valorização da
diversidade. O acolhimento das diásporas,
para além de um processo definidor da
brasilidade, permite ao país uma projeção
internacional efetivamente universalista,
reafirmando a trajetória do povo brasileiro
rumo à modernidade.


Menor Nota – 18,10
Leonardo dos Santos Avakian

Pontuação: ADT – 8,5; NE – 1; TL –


18; PTL – 0

O caminho da diáspora contemporânea


em relação ao Brasil e aos brasileiros está
relacionada com os efeitos da globalização
sobre os processos migratórios e sobre
o modo pelo qual diferentes culturas
se interrelacionam. Para Stuart Hall, a
globalização está tornando anacrônicos
velhos modelos baseados no binômio
centro-periferia. Com efeito, da perspectiva
de quem procura melhores condições de
vida em outros países, é possível que um
cidadão brasileiro emigre em busca de
trabalho tanto para o Paraguai quanto para
os Estados Unidos. Igualmente, é possível
40 ÍNDICE
Língua Inglesa
Composition
Read the following text carefully.

Having lost the opportunity opened at


the creation of the United Nations, Brazil’s
aspiration to become a Security Council
permanent member remained to a great
extent dormant. The option left in 1945 had
been to be elected by the General Assembly
as a nonpermanent member. Brazil has
done so for several terms since 1946, with
the important exception of a gap of almost
two decades, from 1969 to 1987, when the
country shied away from the Council.

Garcia, E. V.; Coelho, N. B. R. (2018) A Seat at the Top?


A Historical Appraisal of Brazil’sCase for the UN Security
Council. SAGE Open, 1–13, with adaptations.

41 ÍNDICE
Considering each administration Padrão de Resposta
in Brazil between the period of 1992 and
2019, discuss Brazil’s attitude, approach Espera-se que os (as) candidatos(as)
and drive in search of a permanent seat in identifiquem e discutam (considerando
the United Nations Security Council. And, o período de 1992 a 2019) as atitudes e
based on that historical background, briefly
abordagens do governo brasileiro na busca
give your opinion on what Brazil’s future
de adquirir uma cadeira permanente no
behavior could be, bearing in mind the recent
Conselho de Segurança da ONU, citando
confirmation of its seat on the council for the
contextos e exemplos de ações executadas,
period of 2022-2023.
sob as administrações dos Presidentes
Itamar Augusto Cautiero Franco (1992-
Text length: 45 to 50 lines 1994), Fernando Henrique Cardoso (1995-
[value: 50.00 points] 2002), Luiz Inacio Lula da Silva (2003-2010),
Dilma Vana Roussef (2011-2016), Michel
Miguel Elias Temer Lulia (2016-2018) e Jair
Relatório de Notas Messias Bolsonaro (2019-).

Maior nota: 39,29 As discussões aceitas dos (das)


Nota média: 31,35 candidatos(as) não precisam ter os contextos
Menor nota: 23,07 desenvolvidos de forma cronológica.
Desvio-padrão: 5,065
Por fim, com base no contexto histórico
referente à atitude e abordagem do Brasil na
busca de adquirir uma cadeira permanente
no Conselho de Segurança da ONU, o (a)
candidato(a) deverá apresentar brevemente
as próprias opiniões sobre como o Brasil
agirá no Conselho entre 2022 e 2023, tendo
em vista a confirmação atual da respectiva
cadeira para esse período.

Exemplos de respostas relacionadas


à primeira parte da questão:

No governo do presidente Itamar


Franco (1992-1994, PMDB); (ministro
das Relações Exteriores Celso Amorim): o
governo teve uma abordagem ativa. Exemplos
de elaboração: o governo estimulou uma
reforma do Conselho de Segurança. “O Brasil
estava ativamente engajado nas negociações
de Nova Iorque e deixou claro que não
aprovava a chamada “solução rápida”
(admissão somente da Alemanha e do
Japão). Em setembro de 1994, ao discursar na
Assembleia Geral, Amorim lembrou de uma
reunião do Grupo do Rio, em que líderes de 14
países da América Latina e do Caribe haviam
reafirmado que a região deveria fazer parte
do Conselho de Segurança da ONU”.

42 ÍNDICE
No governo do presidente Fernando foram influenciadas, até certo ponto, por
Henrique Cardoso (1995-2002, PSDB); outras prioridades domésticas, os efeitos
(ministro das Relações Exteriores Luiz da crise econômica mundial no Brasil e o
Felipe Lampreia): o governo teve uma desaparecimento do impulso para a reforma
atitude contida. Exemplos de elaboração: das Nações Unidas após as falhas de meados
“Luiz Felipe Lampreia publicou um artigo da década de 1990”.
de jornal no qual afirmava que o Brasil
não estava “obcecado” com a ideia e que, No governo do presidente Luiz Inácio
consequentemente, não estava disposto a se Lula da Silva (2003-2010, PT): (ministro
subordinar ou a impor condições relativas das Relações Exteriores Celso Amorim): o
a quaisquer objetivos de política externa governo teve uma abordagem ativa. Exemplos
em troca de um assento permanente. Na de elaboração: o presidente “trouxe Amorim
realidade, a posição oficial no governo de de volta para ser seu ministro das Relações
Cardoso era mais matizada. O Brasil não Exteriores e se engajou pessoalmente na
lançou uma campanha abertamente, mas, diplomacia presidencial por todo o mundo,
ao mesmo tempo, se preparou para assumir sistematicamente mencionando a questão
as responsabilidades de um membro tanto em reuniões bilaterais quanto em
permanente caso fosse escolhido para tal encontros multilaterais, tornando-o um
[…] Acredita-se que uma das razões para a assunto frequente em declarações conjuntas
abordagem cautelosa de Cardoso decorra de por todo o mundo (AMORIM, 2011; DE CASTRO
preocupações estratégicas com a Argentina, NEVES, 2012; LESSA, 2010; VIGEVANI &
percebida como prioridade pelo governo CEPALUNI, 2012).
brasileiro. Ademais, para afirmar que entrar
no G8 era mais importante para o Brasil, A liderança brasileira do comando
Cardoso até sugeriu que, entre um assento militar da Missão das Nações Unidas
no Conselho de Segurança e amizade com a para a Estabilização no Haiti (Minustah),
Argentina, ele escolheria a segunda opção estabelecida em abril de 2004, contribuiu para
(CARDOSO, 2006).  fortalecer a ideia de que o Brasil era capaz de
aceitar responsabilidades crescentes na área
Após o Plano Razali, o presidente de segurança multilateral. A criação do G4, em
argentino, Carlos Menem, insinuou ser setembro de 2004, formado pelo Brasil, pela
contra a candidatura do Brasil, pois esta Alemanha, pela Índia e pelo Japão, foi outro
poderia acabar com o equilíbrio de poder na passo crucial para que se encontrasse aliados
América do Sul. Isso levou a uma rápida reação e se defendesse a causa da reforma. Os quatro
do governo brasileiro. Cardoso assegurou-se países, com base no “firme reconhecimento
de tranquilizar pessoalmente seu colega em de que são candidatos legítimos a membros
conversas privadas. Lampreia foi à imprensa permanentes em um Conselho de Segurança
defender os interesses do Brasil e prometeu expandido”, se prometeram apoio mútuo.
trabalhar para que a região pudesse ser
representada em sua totalidade no Conselho No Governo da presidente Dilma
de Segurança. […] Como não se chegou a uma Rousseff (2011-2016, PT) (ministro das
decisão final na ONU sobre o resultado da Relações Exteriores Celso Amorim): a
reforma, consultas bilaterais entre o Brasil e abordagem do governo inicialmente
a Argentina permaneceram inconclusivas. A continuou a mesma do governo anterior.
reforma do Conselho de Segurança recebeu Exemplos de elaboração: “Quando o
mais atenção no início do governo de Cardoso, presidente dos Estados Unidos, Barack
com o pico em 1997, e perdeu certa relevância Obama, estava prestes a realizar uma visita a
nos anos seguintes, até que praticamente Brasília em março de 2011, Amorim publicou
desapareceu da agenda em 1999 e 2000, um artigo exortando-o a apoiar a intenção
apenas para retornar timidamente em 2001 brasileira de ter um assento permanente
(BRIGIDO, 2010). Essas mudanças na ênfase como um país em desenvolvimento com
43 ÍNDICE
influência em várias áreas, incluindo a de seus principais órgãos decisórios, para
segurança internacional. O “exemplo melhor refletir realidades contemporâneas.
perfeito” que ele mencionou foi o tour de Ele também enfatizou que uma expansão
force diplomático brasileiro (juntamente do Conselho de Segurança em ambas as
com a Turquia) nas negociações sobre o categorias é indispensável para que tal órgão
programa nuclear do Irã, que haviam levado se torne mais representativo, legítimo e
à Declaração de Teerã no ano anterior. [...] eficaz, melhorando assim sua capacidade
O Brasil defendia uma “multipolaridade para lidar com os complexos desafios que o
benigna” no governo de Rousseff, mas suas mundo hoje enfrenta com relação a questões
prioridades estavam em outras áreas, dada a de paz e segurança internacional.
desoladora situação econômica doméstica e
sua conhecida indiferença pessoal a questões  Referências
de política externa (DE JESUS, 2014).  Garcia, Eugenio V.; Coelho, Natalia B.R. “A Seat at the
Top? A Historical Appraisal of Brazil’s Case for the UN
Security Council”. SAGE Open. July-September 2018, p.
Mudanças de tom podem ser
1–13, with adaptations.
identificadas em seu distanciamento geral da
diplomacia da ONU. Mesmo assim, Rousseff Disponível em:
participou de uma cúpula de líderes do G4 em <https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/internacional/
setembro de 2015, a segunda a ser realizada noticia/2018-09/brazil-germany-japan-india-call-un-
(a primeira havia ocorrido em 2004).” security-council-overhaul>. Acesso em: 20 jun. 2021.
No governo do presidente Michel
Temer (2016-2019 PMDB) (ministro das Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/>.
Relações Exteriores Aloysio Nunes Fereira). Acesso em: 20 jun. 2021.
O governo teve uma abordagem ativa.
Disponível em:
Exemplos de elaboração: Em setembro de
<https://www.gov.br/mre/en/contact-us/press-area/
2018, Ferreira participou de uma reunião em press-releases/meeting-of-the-foreign-ministers-of-the-
Nova Iorque com representantes dos países g4-countries-brazil-germany-india-and-japan-united-
do G4 (Brasil, Alemanha, Índia e Japão). Ele nations-security-council-reform-joint-press-statement-
reiterou o suporte brasileiro a uma expansão new-york-25- september-2019>. Acesso em: 20 jun.
do Conselho de Segurança das Nações Unidas. 2021.

Disponível em: 
No governo do presidente Jair
<https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/06/11/brasil-
Bolsonaro (2019-) (ministros das Relações volta-a-fazer-parte-do-conselho-de-seguranca-da- onu.
Exteriores: Ernesto Araújo, e recente: ghtml>. Acesso em: 20 jun. 2021.
Carlos França). O governo tem tido uma
abordagem ativa. Exemplos de elaboração:
o governo participou de diferentes reuniões
e buscou um assento permanente para o
Brasil no Conselho de Segurança das Nações
Unidas. Em setembro de 2019, os ministros
das Relações Exteriores dos países do G4
(incluindo o Brasil, com o senhor Ernesto
Araújo) se reuniram durante a 74ª sessão da
Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova
Iorque. Araújo reiterou o forte compromisso
do Brasil com uma reforma precoce e
abrangente do Conselho de Segurança, como
imaginado pelos líderes de Estado e governo
na Cúpula Mundial de 2005. Ele destacou a
importância de esforços que objetivassem a
reforma das Nações Unidas e a atualização
44 ÍNDICE
Nota - 39,29 still in charge), Brazil played a crucial role
Daniel Boeira Lodetti within the UNSC. In 2011, as a nonpermanent
member, Brazil presented the concept of
Pontuação: Antes dos recursos: “responsibility while protecting” (RwP), in
1A – 10; 1B – 8; 1C – 5; NE – 20; TL – order to prevent violations against a country’s
49; PTL – 0
sovereignty. Furthermore, despite not being
Depois dos recursos: 1A – 10; 1B – 8;
1C – 5; NE – 13; TL – 49; PTL – 0 a nonpermanent member of the UNSC during
Temer’s administration, Brazil stated that
Brazilian diplomacy is traditionally the task of reforming the UNSC must be met
based on pragmatism. Since the creation of with a sense of urgency. Unsurprisingly, in
the United Nations (UN), the country has the current administration, the country has
played an important role in strengthening been elected for a nonpermanent seat once
the world order, notably in what concerns
again. Therefore, this shows that the country
international peace and security. Regarding
will continue to play an important role
its participation in the United Nations
concerning international security.
Security Council (UNSC), Brazil is, along
with Japan, the only country that has been Taking this historical background into
elected eleven times as a nonpermanent account, in my opinion, Brazil cannot see
member. Additionally, the fall of the Berlin its aspiration to become a UNSC permanent
wall marked the beginning of a new era in member as an insurmountable challenge. In
international politics, notably because of fact, Brazil’s future behavior should be based
the emergence of middling powers, such on pragmatism and idealism. The first will
as Brazil, India, Japan and Germany. Since
probably led to practical results, such as the
then, Brazil has strengthened its attitude,
implementation of possible change in the
approach and drive in search of a permanent
number of nonpermanent members, which
seat in the UNSC and this can be seen in each
Brazilian administration between the period was done once, in 1965. The latter can pave
of 1992 and 2019. the way for a comprehensive reform, which
During the governments led by Itamar should take into account G4’s perspective,
Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula notably in what concerns the aspiration of
da Silva, Brazilian foreign policy showed Brazil, Germany, India and Japan to become
willingness to bear more responsibilities in permanent members.
the task of tackling international challenges. All in all, the world has changed since
This strategy presented Brazil as a country
the creation of the UNSC. Reforming this UN
increasingly ready to become a UNSC
body has become increasingly important
permanent member. For instance, during
Franco’s administration, Brazil actively in order to make war less likely. Since the
engaged in the process that resulted in the end of the Cold War, Brazilian diplomacy
creation of the World Trade Organization, the has shown__willingness to bear more
cornerstone of the international trade regime. responsibilities in the world order, notably
During Cardoso’s administration, in turn, regarding security matters. While engaging
the country concluded the ratification of the in realistic reforms in the short term, the
Non-Proliferation Treaty, reinforcing global country should keep its aspiration to become
peace. Finally, during Silva’s administration,
a UNSC permanent member in the long term.
Brazil led the mission created to stabilize
Should future administrations understand
Haiti (MINUSTAH), which was authorized by
the UNSC. this, the whole country will benefit from it.
During the following three
administrations, which were led respectively
by Dilma, Temer and Bolsonaro (who is
45 ÍNDICE
Nota - 38,13 was in favor of creating hybrid courts to
Ricardo Nocera Pires judge war crimes in Yugoslavia and Rwanda.
In the 2000s, Brazil engaged in the effort
Pontuação: Antes dos recursos: 1A – to revitalize peacekeeping operations
8; 1B – 7,5; 1C – 5; NE – 22; TL – 50; after the humanitarian catastrophes that
PTL – 0 took place in the previous decade. For this
Depois dos recursos: 1A –8; 1B – 7,5; reason, it advocated for the Commission on
1C – 5; NE –11; TL – 50; PTL – 0 Peacekeeping Operations and supported the
concept of positive peace. Thus, Brazil has been
Even though the international order able to portray itself as a trustworthy partner.
has undergone significant changes since the Based on historical background, Brazil
end of the Cold War, many organizations have is likely to use the recent confirmation of its
not adequately responded to the ongoing seat on the UNSC for the period of 2022-
transformations. The composition of the 2023 as an opportunity to demonstrate its
United Nations Security Council (UNSC), commitment regarding the organization’s
for instance, has remained unchanged since reform. The country is eager to find definitive
the 1960s. In this context, Brazil has been in political resolutions for regional crises,
search of a permanent seat in the UNSC at such as the one that currently takes place in
least since 1992. This request is associated Venezuela. In 2011, for example, the country
with a wider demand related to the reform did not vote in favor of the Resolution
of multilateral institutions. In fact, the 1973, which was considered ineffective to
country’s increasingly relevant role regarding end the Lybian Civil War. Moreover, Brazil
international regimes is going to be reinforced is deeply concerned about terrorism. For
during its new mandate on the UNSC. this reason, the nation is in favor of the
Brazil believes that the reform of the strengthening of the 1540 Committee,
UNSC is interwined with a broader reform which deals with non-proliferation issues
of multilateral institutions. In fact, the regarding non-state actors. Furthermore,
distribution of power among nations has by acting autonomously and by supporting
shifted since 1945. Emerging powers, for existing international regimes and
instance, play a greater role regarding the institutions, Brazil can reaffirm its desire to
solution of global matters their economic and become a permanent member of the UNSC.
demographic growth can, therefore, justify Brazil’s attitude in search of a
the revision of the status quo. For this reason, permanent seat in the UNSC is proactive and
Brazil was in favor of calling a G20 meeting responsible. The recent confirmation of the
that included high representatives of the country’s seat on the organization for the
states in 2008, since the G8 was no longer an period of 2022-2023 will be an opportunity
adequate forum to discuss financial issues due to reaffirm its call for a broad reform. In
to its lack of diversity. Moreover, promoting this context, it is not possible to envision an
multipolarity is key to strengthening effective world order in which Brazil does
international organizations and institutions, not play a major role regarding global issues. 
because effective decisions depend on a
broader consensus that cannot be achieved
in the absence of emerging countries. Finally, Nota - 37,95
the UNSC is not an exception to this rule. Anônimo
In recent years, Brazil has
demonstrated that it should be regarded Brazil has been consistent in its
as a responsible ally. In the 1990s, the aspiration to become a United Nations
country supported multilateralism and the Security Council (UNSC) permanent member
UNSC by deploying troops that were sent since the creation of the United Nations,
to peacekeeping operations in Portuguese- in 1945. In light of this goal, the period
speaking nations. Additionally, the nation comprised between 1992 and 2019 can be
46 ÍNDICE
divided in three distinct phases. In the first Brazilian officials put less emphasis on the
phase, from 1992 to 2002, Brazil prioritized demand that Brazil be recognized as worthy
regional integration and good relations with of a permanent seat in the UNSC, and more on
Argentina over permanent membership in the effort to strengthen Brazil`s international
the UNSC. In second phase, from 2003 to position. For example, in 2019, the Brazilian
2016, Brazil was more assertive in its search government enacted new legislation that
of a permanent seat in the UNSC. Finally, in makes it easier for Brazilian institutions of
the third phase, from 2016 to the present, comply with UNSC sanctions against money
the Brazilian administrations tried a more laundering and terrorism. This change
pragmatic approach to attain this goal. In the reinforces Brazil`s decisive opposition
future, should keep its pragmatic approach, to international crime and terrorism,
for the recent confirmation of Brazil`seat in and, consequently, strengthens Brazil`s
the UNSC for the period of 2022-2023 has claim to a permanent seat in the UNSC.
shown that it is promising. Brazil has consistently demanded to
In the period between 1992 and 2002, be a permanent member of the UNSC, because
permanent membership in the UNSC was a it believes it can meaningfully contribute to
goal, but not the main priority, of the Collor, the maintenance of international peace and
Itamar Franco, and Cardoso Administrations. security. From 1992 to the present, Brazil
These three presidents attributed more first attributed more importance to the
importance to MERCOSUR (Common Market regional context than to the achievement of
of the South), an ambitious integration a permanent seat in the UNSC, then pursued
project initiated by Brazil, Argentina, this goal assertively, and finally pursued it
Paraguay and Uruguay in 1991. The success with pragmatism. The pragmatic approach
of this project required good relations must be maintained, not only because it
between Brazil and Argentina, so that, delivered an important result in the short
given the latter`s opposition to the former`s run, that is, a seat in the UNSC for the period
permanent membership in the UNSC, Brazil of 2022-2023, but also because it is the
refrained from assertiveness in the pursuit most likely to bring about the long-term
of this long-term goal. changes Brazil needs to be a more powerful
The Administrations of Lula da Silva country, and, thus, qualify for permanent
and Dilma Rousseff, which took place membership in the UNSC.
between 2003 and 2016, strived more firmly
than their predecessors for a Brazilian
permanent seat in the UNSC. In this period, Menor nota - 23,07
the Brazilian government attempted to Anônimo
increase Brazil`s participation in the field
of international security. For instance, in Pontuação: Antes dos recursos: 1A –
2011,  Brazilian officials created the concept 7,5 1B – 7,0 ; 1C – 3,0; NE – 39; TL –
of “responsibility while protecting”, thus 50; PTL – 0
contributing to the conceptual framework of Depois dos recursos: 1A – 7,5 1B – 7,0
international humanitarian interventions. ; 1C – 3,0; NE – 29; TL – 50; PTL – 0
This more assertive approach, however, did
not lead to a permanent seat in the UNSC, Over the last two decades, different
prompting more recent administrations to administrations in Brazil have kept
act differently. traditional aspects of the country’s foreign
The Michel Temer and Jair Bolsonaro policy, such as ,** universalism, the
Administrations, which encompassed the reinforcement of multilateralism, and the
period between 2016 and the present, were search of a permanent seat in the United
characterized by pragmatism in the pursuit Nations Security Council. During this
of foreign policy goals, including permanent period, Brazil has established different
membership in the UNSC. In this phase, approaches and attitudes, but its drive and
47 ÍNDICE
reason remained the same. Considering In Brazil’s perspective, the existing
Brazil’s historical contribution to the United distribution of permanent seats in the UN
Nations and to its Security Council, and also Security Council no longer, if it ever did, reflects
the country’s traditional posture regarding the current international context, and that
the organization, in the future, Brazil must explains its drive. The UN Security Council,
keep investing its political influence in the as it is today, represents an anachronic body.
endeavor to reform not only the UN Security IT has only 15 members, of which only 5 are
Council, but also other bodies within the UN, permanent, while the UN has 193 members.
in order to make the United Nations more Furthermore, it is not able to represent
democratic, legitimate and more adjusted the interests and the points of view of
to the current international context. developing countries, which are the majority
Traditionally, Brazil advocates a of the UN members. In this context, it has
through reform in the UN, especially in the UN become imperative to reform this body, and
Security Council. Only in 1963 did the Security Brazil, because of its economy, population,
Council undergo a reform, which included and political influence, represents a viable
more nonpermanent seats to it. After it came option to integrate the UN Security Council.
into force, in 1965, no new modifications were Complex though it may seem,
prompted in this body, despite the increasing becoming a Security Council permanent
number of independent nations over the last member is a long-established goal of
six decades. Because of the current structure Brazilian foreign policy, despite being
of the UN Security Council, since de 1990s, “dormant”, in the words of Eugênio Vargas
Brazil has established the approach of Garcia, during some periods. Reinforcing
forming informal groups whose goal is the multilateralism and reforming international
same: reform the Council. Brazil is, since organizations are two priorities of Brazil’s
de 2000s, a member of the group G4, which foreign policy, especially after the pandemic
includes Japan, Germany, and India. Brazil of covid-19. As Carlos Alberto França stated,
is also part of the L69, which encompasses a in June 2021, there is a need for a “reformed
large quantity of developing nations, whilst multilateralism after covid-19”. In this
it also upholds other initiatives related to the context, the recent confirmation of Brazil’s
UNSC reforms, such as that of the African seat on the Council may be a vital opportunity
Union, present in the “Elzuwini Consensus”. to promote these reforms. As John Donne
puts it, no man is a island, thus no nation
Since 1992, Brazil’s attitude regarding
should be one. 
its search of a permanent seat in the UN
Security Council is directly related to its
** houve penalização revertida na
support for multilateralism and human
vírgula também.
rights. Over the last three decades, Brazil
• Em vermelho: erros mantidos após os
has become a party to an expressive number
recursos
of agreements concerning human rights,
• Em negrito preto: erros revertidos com
and has been presenting itself as a country
recursos (10 no total).
that is committed to humang rights, and
the environment, despite its conspicuous
NE original = 39; 
challenges in its domestic context. Moreover,
NE após análise = 29.
Brazil also endeavors to establish cooperation
initiatives with countries in Latin America
and in Africa, of which PRODECER, in
association with Japan, in Mozambique is
a case in point, because it considers itself
an adequate and legitimate nation that is
able to represent the interests of developing
countries in international organizations and
forums, including in the UN Security Council.
48 ÍNDICE
Translation Translate this excerpt into Portuguese.

 Read the following text carefully. [value: 15.00 points]

Any exchange of views about the


Relatório de Notas
underlying philosophy, structure, or
operation of international relations begins
Maior Nota: 14,5
with the concept of sovereignty. Viewed as Nota média: 13,52
“supreme authority”, it is the operational Menor Nota: 11
base of both international and domestic Desvio-padrão: 0,848
political life, although with quite opposite
effects on the two realms. Ever since it
surfaced as the bedrock organizational tenet
of world politics in the latter part of the
seventeenth century, it is, and has always
been, a somewhat controversial foundation
for world affairs. Dissension has surrounded
matters such as the location of sovereignty
and the extent of power that it conveys to
its possessors, and concepts have evolved
over time. Disagreements over sovereignty
are conspicuous features of some debates
about the evolving international order
and the assault on its basic function is part
and parcel of international conferring.
Seventeenth century nations
witnessed the wresting of political power
from the church and the attendant bestowal
of this very power on secular authorities.
This transfer was accompanied by the
effective installation of sovereignty as the
basis of relations among secular political
communities. An ultimate outcome of
this “marriage” was the association
of sovereignty with territorial political
jurisdictions. Mirroring the political period
in which this concept became the bellwether
of an evolving secular state-based system,
sovereignty began as a principle that
legitimized and promoted authoritarian
rule. That principle was challenged with the
rise of democratic thought, suggesting that
sovereignty was a trait not only of the ruler
but the ruled as well. From this challenge
sprang the modern notion of popular
sovereignty.
Snow, D. M. (2019) Cases in
International Relations – Principles and
Applications. (8th ed.). Rowman & Littlefield,
pp. 3-4, with adaptations.
49 ÍNDICE
Padrão de resposta Nota - 14,5
Felipe Jacques Berger
Qualquer discussão acerca da filosofia,
estrutura ou operação subjacentes às relações Pontuação: FID – 5; NE – 1; TL – 21
internacionais começa com o conceito de
soberania. Vista como “autoridade suprema”, Qualquer troca de perspectivas sobre
é a base operacional tanto da vida política as subjacentes filosofia, estrutura e operação
internacional quanto doméstica, embora das relações internacionais se inicia com o
tenha efeitos opostos nas duas áreas. Desde conceito de soberania. Vista como “autoridade
que surgiu como o princípio organizacional suprema”, ela é a base operacional da vida
fundador da política mundial na segunda política, tanto internacional como doméstica,
parte do século XVII, é, e tem sempre sido, embora com efeitos bastante opostos nos
uma fundação um tanto controversa para
dois domínios. Desde que ela emergiu
as questões mundiais. Questões como o
como o postulado basilar da organização
local da soberania e a extensão de poder
política mundial na última parte do século
de que ela investe seus possuidores foram
XVII, ela é * e sempre foi * uma base um
permeadas por contendas, e os conceitos têm
tanto controversa para assuntos mundiais.
evoluído ao longo do tempo. Discordâncias
Há dissenso em torno de questões
acerca da soberania são elementos
como a localização da soberania e a extensão
evidentes em alguns debates sobre a
ordem internacional em desenvolvimento, do poder que ela transmite a quem a
e o ataque à sua função básica é parte possui, e conceitos evoluíram ao longo do
integrante das conferências internacionais. tempo. Discordâncias sobre a soberania são
As nações do século XVII viram o elementos característicos de alguns debates
poder político ser arrancado da igreja e sobre a ordem internacional em evolução,
posteriormente ser atribuído a autoridades e o ataque à sua função básica é parte
seculares. Essa transferência de poder integrante de conferências internacionais.
foi acompanhada da efetiva instalação da Nações do século XVII testemunharam
soberania como a base das relações entre a exaustão do poder político da Igreja e a
comunidades políticas seculares. Um concomitante concessão desse mesmo poder
resultado final desse “casamento” foi a a autoridades seculares. Essa transferência
associação entre soberania e jurisdições foi acompanhada pela instalação efetiva
políticas territoriais. Espelhando o período da soberania como a base das relações
político no qual esse conceito se tornou entre comunidades políticas seculares. Um
o termômetro de um sistema evolutivo resultado final desse “casamento” foi a
secular baseado no Estado, a soberania associação da soberania com jurisdições
começou como um princípio que legitimava e políticas territoriais. Espelhando o período
promovia o autoritarismo. Esse princípio foi político no qual esse conceito se tornou
contestado com a ascensão do pensamento o principal sinal de um sistema secular,
democrático, sugerindo-se que a soberania
baseado em Estados e em evolução, a
era uma característica não apenas do
soberania se iniciou como um princípio que
governante, mas também dos governados.
legitimou e promoveu governos autoritários.
Dessa contestação aflorou a noção moderna
Esse princípio foi desafiado com a ascensão
de soberania popular.
do pensamento democrático, o que sugere
que a soberania não era uma característica
Referências
Snow, Donald M (2019) Cases in International Relations – somente do governante, mas também do
Principles and Applications. Rowman & Littlefield, 8th ed., governado. Desse desafio emergiu a noção
2019. pp. 3-4, with adaptations. moderna de soberania popular.

50 ÍNDICE
Nota - 14,5 Nota - 14,5
Mânlio Souza Morelli Pedro Mahin Araújo Trindade

Qualquer intercâmbio de perspectivas Pontuação: FID – 4,5; NE – 0;


acerca da filosofia subjacente, da estrutura TL – 27
ou da operação das relações internacionais
começa com o conceito de soberania. Vista Qualquer discussão sobre a filosofia,
a estrutura e a operação subjacentes das
como “autoridade suprema”, é a base
relações internacionais começa com o
operacional de ambas as vidas políticas
conceito de soberania. Entendido como
internacional e doméstica, embora com
“autoridade suprema”, o conceito é a
efeitos bem opostos nos dois domínios.
base operacional tanto da vida política
Desde que emergiu como a pedra fundacional
doméstica como da internacional, embora
do padrão organizacional da política
com efeitos substancialmente opostos nas
mundial na última parte do século XVII, ela
duas esferas. Desde que emergiu como o
é, e sempre foi, uma fundação de alguma fundamento da estrutura organizacional
forma controversa para os negócios globais. da política internacional na parte final do
O dissenso tem envolvido questões como século dezessete, o conceito de soberania
a localização da soberania e a extensão do é, e sempre foi, um fundamento de certa
poder que ela confere a seus possuidores, e maneira controvertido para as relações
os conceitos evoluíram ao longo do tempo. internacionais. O discurso tem gravitado em
Desacordos acerca da soberania são aspectos torno de questões como o local da soberania
conspícuos de alguns debates sobre a ordem e a extensão do poder que ela confere aos
internacional em evolução, e o ataque a seus detentores, e os conceitos evoluíram
sua função básica é parte e parcela das ao longo do tempo. As discordâncias acerca
conferências internacionais. da soberania são elementos conspícuos de
As nações do século XVII alguns debates sobre a evolução da ordem
testemunharam a tomada de poder político internacional e a investida contra sua função
da igreja e a esperada entrega desse básica constitui uma parcela relevante das
mesmo poder a autoridades seculares. conferências internacionais.
Essa transferência foi acompanhada da Nações do século dezessete
efetiva instalação da soberania como a testemunharam a tomada do poder político
base das relações entre comunidades da Igreja e a subsequente deposição desse
políticas seculares. Um resultado oficial mesmo poder sobre autoridades seculares.
Essa transferência foi acompanhada da
desse “casamento” foi a associação da
efetiva instalação da soberania como a base
soberania às jurisdições políticas territoriais.
das relações entre comunidades políticas
Espelhando o período político em que esse
seculares. Uma última decorrência desse
conceito se tornou o fundamento de um
“casamento” foi a associação da soberania
sistema secular baseado em estados, a
com jurisdições políticas territoriais.
soberania começou como um princípio que
Espelhando o período político no qual esse
legitimava e promovia o governo autoritário.
conceito se tornou o símbolo de um sistema
Esse princípio foi contestado com a ascensão secular em evolução, baseado no Estado, a
do pensamento democrático, sugerindo soberania começou como um princípio que
que a soberania era uma característica não legitimava e promovia o governo autoritário.
apenas do governante, mas, também, dos Aquele princípio foi desafiado com a
governados. Desse desafio nasceu a noção emergência do pensamento democrático, que
moderna de soberania popular.  sugeria que a soberania era uma característica
não apenas do governante, mas também dos
governados. Dessa disputa surgiu a noção
moderna de soberania popular.
51 ÍNDICE
Menor Nota - 11
Anônimo
Version
Read the following text carefully.
Qualquer mudança de visões sobre a
filosofia, estrutura ou operação inerentes A fala da língua
às relações internacionais começa com
o conceito de soberania. Visto como a As técnicas modernas de mapeamento
“autoridade suprema”, é a base operacional genético permitiram quantificar o que está à
da vida política tanto nacional quanto vista de todos. Enquanto nos Estados Unidos
internacional, apesar de ter efeitos realmente apenas 1% da população branca possui
opostos nos dois domínios. Desde que alguma ascendência africana, no Brasil
a maioria dos brancos – cerca de 60% –
emergiu como guarda-chuva organizacional
pertence a linhagens africanas ou ameríndias
fundamental da política mundial no final
em matéria de ascendência materna. O
do século XVII, ele é e tem sempre sido
entrelaço genético se reflete no modo como
um pilar um tanto controverso para os os brasileiros se autoclassificam quando
assuntos mundiais. A dissensão tem rodeado instados a declarar a cor de sua pele: de galega
matérias como a localização da soberania e a a sarará e de meio preta a cor de canela e puxa
extensão do poder que ela confere aos seus para branca, o léxico cromático se ramifica
possuidores, e os conceitos têm evoluído em vasta e anárquica teia de designações.
ao longo do tempo. As discordâncias A linguagem de um povo não é apenas
acerca da soberania são características um instrumento de comunicação na vida
controversas de alguns debates sobre prática: ela incorpora elementos simbólicos
a evolução da ordem internacional, e a e figurativos da cultura e traz inscrita em
usurpação de sua função básica é parte si mesma um modo particular de pensar e
e parcela de verificação internacional. sentir. Há uma forma de vida embutida em
nossa língua falada – a língua fala. Daí que,
As nações do século XVII
enquanto a presença de termos e expressões
testemunharam a transferência de poder
afro-indígenas no inglês norte-americano é
político da Igreja e a esperada concessão
rarefeita (ainda que não nula), ela transparece
desse mesmo poder a autoridades seculares. de forma ubíqua no português do Brasil. A
Essa transferência era acompanhada pelo permeabilidade da cultura luso-brasileira às
reconhecimento efetivo da soberania como culturas de raiz africana e ameríndia traduz-
a base de relações entre comunidades se em nossa fala comum e, como revela
políticas seculares. Um resultado final com exuberância de achados e exemplos
desse “casamento” foi a associação o antropólogo baiano Antonio Risério, as
da soberania com jurisdições políticas áreas de maior influência linguística são
territoriais. Refletindo o período político no justamente aquelas em que a presença afro-
qual esse conceito se tornou o fundamento indígena passou a integrar o DNA da nossa
de um sistema evolutivo secular baseado cultura: a erótica-afetiva; a moral e os
em Estados, a soberania começou como costumes; a culinária; música e dança, sem
falar, é claro, no vasto domínio dos termos
um princípio que legitimava e promovia
botânicos, zoológicos e toponímicos onde a
uma ordem autoritária. Esse princípio foi
presença do tupi é proeminente.
desafiado com a ascensão do pensamento
democrático, sugerindo que a soberania era
não só dos governantes mas também dos
governados. Desse desafio emergiu noção
moderna de soberania popular.

52 ÍNDICE
A mistura das línguas do povo our spoken language—the language speaks.
“inventa-línguas” é a mistura dos genes por For that reason [consequently], while the
outros meios. “O que quer, o que pode esta presence of African Indigenous terms and
língua?” expressions in North American English is
reduced [scarce, rarefied] (even though it is
GIANNETTI, Eduardo. Trópicos Utópicos: uma pers- not void ou non-existent), it shines through
pectiva brasileira da crise civilizatória. 1ª ed. São Paulo: [transpires] in a ubiquitous [pervasive] way
Companhia das Letras, 2016, com adaptações. in Brazilian Portuguese. The permeability of
Portuguese-Brazilian culture to the cultures
of African and Amerindian roots translates
Translate this excerpt into English. into our daily speech, and as the findings
and examples of the Bahian anthropologist
Antonio Risério reveal with exuberance, the
[value: 20.00 points]
areas that have the most linguistic influence
are exactly those in which the African
Relatório de Notas Indigenous presence came to be a part of
[came to integrate] the DNA of our culture:
Maior Nota: 16,15 the erotic-affectionate; moral and customs;
Nota média: 9,14 culinary; music and dance, not to mention, of
Menor Nota: 4 course, the broad field of botanical, zoological
Desvio-padrão: 3,958 and toponymic terms where the presence of
Tupi is prominent. The mixture [blending]
of languages of the “invent-languages”
people is the mixture [combination] of genes
through other ways [means]. “What does this
language want, what can it do?”
Referências
Padrão de Resposta GIANNETTI, Eduardo. Trópicos Utópicos: uma
perspectiva brasileira da crise civilizatória. 1ª ed. São
 Modern techniques of genetic mapping Paulo: Companhia das Letras, 2016, com adaptações.
permitted the quantification of what is there
for all to see. While in the United States only
1% of the white population possesses some
form of African origin [ancestry], the majority
of whites in Brazil—about 60%—belong to
African or Amerindian lineages in terms of
maternal ancestry. The genetic entwining
[interweaving] is reflected in the way that
Brazilians classify themselves, when they
are asked to define their complexion: from
galega (light-skinned) to sarará (mixed) and
from meio preta (half black) to cor de canela
(cinnamon complexion) and puxa para branca
(half white), the color [chromatic] lexicon
branches off into a vast and anarchic web of
definitions [classifications, designations].
The language of a people is not just an
instrument of communication in practical
life: it incorporates symbolic and figurative
elements of culture and brings a specific way
of thinking and feeling registered [inscribed]
in itself. There is a form of life embedded in
53 ÍNDICE
Nota - 16,15 LEGENDA : marcação de erro mantida
Felipe Jacques Berger ou não apelada ; * = marcação de erro em um
espaço.
Pontuação: FID – 4,5; NE – 5; TL – 24
Originalmente, NE = 18, Total = 7,44.
The speech of the language Após os recursos, NE = 5 e Total = 16,15.
The modern techniques of genetic
1. Recurso indeferido porque a palavra foi
mapping have made it possible to quantify
sobrescrita.
what can be seen by everyone. While in
2. Havia duas marcações distintas de erro
the United States only 1% of the white
relativa à expressão “’tupi’”. Consegui
population has some African ancestry, in
reverter uma delas em recurso.
Brazil the majority of whites - around 60%
- belongs to African or Native American
lines in the matter of maternal ancestry. The
genetic intertwinement is noticeable in the
Nota - 15,48
Ciro de Carvalho Becker Leite
way how Brazilians self-classify themselves
when they are prompted to declare the color
Pontuação: FID – 4,5; NE – 06;
of their skin : from ‘galega’ to ‘sarará’ and
TL – 25
from ‘half-black’ to ‘olive’ and ‘closer to
white’, the chromatic lexicon spreads out as
The speaking of the language
a vast and anarchic web of designations.
A people’s language is not only
The modern techniques of genetic
a communication tool in daily life : it
mapping have helped to quantify what
incorporates symbolic and figurative
everyone can see. White in the United States
elements and conveys inherently¹ a specific
only 1% of the White population has some
way of thinking and feeling. There is a form
sort of African ascendancy, in Brazil the
of life built in in our spoken language –
majority of Whites – about 60% - belong
the language speaks. That is why, while to African or Native American lineages in
the presence of African-Indian terms and terms of maternal ascendancy. The genetic
idioms in American English is rare (even intertwining is reflected on the way Brazilians
though it is not inexistent), it is ubiquitously classify themselves when asked to declare
seen in Brazilian Portuguese. The porosity of the color of their skin: from pale white
* Portuguese-Brazilian culture to cultures [galega] to black [sarará], and from sort of
stemming from African or Native American black to cinnamon to kind of white [puxa para
roots results in our common speech, and, branca], the chromatic lexic ramifies into
as the anthropologist from Bahia Antonio a vast and anarchical web of designations.
Risério demonstrates with an abundance The language of a people is not merely
of findings and examples, the areas having a communication tool in practical life: it
the most linguistic influence are precisely embodies symbolic and figurative elements
those in which the African-Indian presence of culture, and brings a particular way of
has become a part of our culture’s DNA : the thinking and feeling inscribed in itself.
erotic-affective ; the morals and the habits There is a way of life embedded in our spoken
; the cuisine ; music and dance, besides, of language – language speaks. Because of this,
course, the vast realm of terms concerning while the presence of African-Indigenous
flora, fauna and geography, in which the terms and expressions in North American
presence of ‘tupi’² is prominent. The English is rare (albeit not null), it appears
mixing of the languages of the ‘language- ubiquitously in Brazilian Portuguese. The
maker’ people is the mixing of genes by permeability of Portuguese-Brazilian culture to
other means. ‘What does this language want those of African and Native American roots
? What can it do ?’. is translated into our common speech, and
54 ÍNDICE
as the anthropologist from Bahia Antonio English is rare (although not completely
Risério reveals with a variety of findings absent), this presence manifests itself in an
and examples, the areas of most linguistic ubiquitous fashion in Brazilian Portuguese.
influence are precisely those in which the The permeability of Luso-Brazilian culture
African-Indigenous presence has come to to cultures of African and Native American
integrate our culture’s DNA: the erotic- roots translates itself into our common
affective; morality and behavior; culinary; way of speaking and, as the antropologist
music and dance, not to mention, of course, Antonio Risério, from Bahia, reveals with
the vast domain of botanical, zoological, and flashy findings and examples, the areas
toponymical terms, where the presence of linguistically influenced the most are exactly
Tupi is prominent. The mixture of languages those in which African and Native American
of the “language-making” people is the presence begun to be part of our culture’s
mixture of genes by other means. “What DNA: th erotic and affective area; the area
does this language want, what can it do?”. of moral and customs; the cuisine; music an
dance, not forgetting, of course, the large
domain of terms referring to the flora, fauna
Nota - 15,48 and the names of places in which the presence
Guilherme Oliveira Agustini of Tupi is large. The mixing of the languages
of the “inventor of languages” people is the
Pontuação: Antes dos recursos: mixing of genes through other means.“What
FID – 4,5; NE – 42; TL – 28 does this language want, what can it do?”
Depois dos recursos: FID – 4,5;
NE – 6; TL – 28

What the language says


Menor Nota - 4,00
Anônimo
The modern techniques of genetic
Pontuação: FID – 4,0; NE – 46 ;
mapping have allowed us to quantify what
TL – 32;
everybody could already see. While in the
United States only 1% of the white population
The speech of the language
has some sort of African ancestry, in Brazil
the majority of those who are white- around
The modern techniques of genetic
60% of the population - belongs to African or
mapping allowed( ) the quantification of what
Native American lineages in regards to their
maternal ancestry. The genetic mix reflects everyone can see. While in the United States
on the way in which Brazilians self-identify only 1% of the white population has some
when asked to declare the color of their skin: African lineage, in Brazil most of the white
from “galega” to “sarará” and from “half- persons - nearly 60% - belongs to African
black” to “cinnamon color” and “leaning or native lineages with regard to the lineage
towards white”, the color lexicon branches of the mother. The genetical entanglement
into a large and anarchic web of designations. is reflected in the way in which Brazilians
The languages of a People is not only identify themselves when they must declare
the means of communication in practical life: the color of their skin: from “galega” to
it also incorporates symbolical and figurative “sarará” and from “meio preta” to cor de
elements of the culture and brings engraved canela”, anso also “puxa para branca”,
on itself a particular way of thinking and the chromatic lexical divides itself in a
feeling. There is a way of life contained broad and anarchical webb of designations.
within our spoken language - the language A people’s language is not only a
speaks. This is the reason why, while the communication tool in the practical life:
presence of African or Native American it incorporates figurative and symbolic
terms and expressions in North American elements of the culture and carries in itself
a particular way of thinking and feeling.
55 ÍNDICE
There is a way of life inside the language we
speak the language speaks. hence, while the
Summary
presence of African and indigenous terms
 Read the following text carefully.
and expressions is scarse in the American
english, though not totally absent, it
The Smile Revolution of the late
appears clearly in all places in the Brazilian
eighteenth-century France had proved a
portuguese. The permeability of Portuguese
false dawn – or a damp squib. It would not
and Brazilian culture to the native an African
be until the twentieth century that the smile
ones are translated in our common speech
made what has proved to be a spectacular
and, as the antropologist Antonio Risério,
comeback. This was initially a slow process,
from Bahia, reveals with exuberance, the
but the twentieth-century Smile Revolution
areas with the largest linguistic influence
was complete by the middle decades of
are just the ones in which the African and the
the century. As with its predecessor in
native presence started to be part of the DNA
the eighteenth century, it was a complex
of our culture: the erotic and affective, the
phenomenon which involved social and
moral and customs; the food; the music and
cultural as well as scientific and technological
dance, not to mention, of course, the vast
changes. France was not in the vanguard of
domain over botanic, zoologic and land-
change as it had been earlier. Now, particularly
related terms where the presence of tupi is
in the later stages, the USA led the way.
proeminent. The mixture of the languages of
The virtual prohibition on the use of
the “make-language” people is the mixture
the white-tooth smile in western portraiture
of the genes by other means. “What this
had been ended by Madame Vigée Le Brun
language wants, what this language can?
in 1787. The smile did thereafter feature
in portraits, as we have suggested, but it
was still very much a minority taste. And it
remained very heavily gendered. Women
might occasionally be shown with white-
tooth smiles, but this was still invariably
seen as an unbecoming gesture for males. In
France, no artistic movement embraced white
teeth as wholeheartedly as, for example,
the Pre-Raphaelites in England. Oddly, the
artistic movements which did highlight
the open mouth in their art, following the
wake of Edvard Munch’s The Scream (1893),
were the expressionists, the Dadaists, and
the Surrealists. For them, the open mouth
and the display of teeth were more likely to
be linked to the grimace, the Democritan
smile of mockery, or the gaping Gothic hole.
Taken overall, the upshot of Le Brun’s
work was to endorse the convention that, in
Western art, if one wanted to be portrayed
pleasantly smiling (as opposed to laughing),
then it was best to smile like Leonardo da
Vinci’s Mona Lisa. Her smile – which, though
admired, was not in fact a great favourite in
Enlightenment France – had been gracious,
genteel, controlled and mild. The Mona Lisa
was not alone in smiling, but she was also
best minded to keep her mouth firmly shut.

56 ÍNDICE
For individuals to have their mouths open in In the event, the emergence of new
a painting in Western art, back to Antiquity, cultural models was needed to stimulate
generally signified that, if they were not in the change. In the eighteenth century, the
grip of extreme passion, they were plebeian or cult of sensibility had acted as a trigger:
insane. The dark, forbidding facial orifices of people wanted to cry and smile like their
beggars, gypsies, strolling players, and other novelistic heroes and heroines. In the early
social marginals portrayed by Caravaggio, twentieth century, new media took this
Georges de La Tour, Velazquez, and path-breaking emulative role. Of prime
others fitfully generate a sense of menace. importance was film and the associated
England’s Queen Victoria was medium of studio photography. More even
famously “not amused”, and her official than novels, film encouraged processes of
portraits are certainly very glum. In fact, in identification with the lifestyle and self-
1843, she commissioned the German court presentation of celebrity or fantasy figures.
artist Franz-Xaver Winterhalter to paint an Before the First World War, film studios
intimate portrait of her to present as a special in Hollywood started to make the posed
gift to her new husband, Prince Albert. She images of their stars into media outputs
chose to be represented in reclining fashion, with mass appeal. The smile was gradually
smiling charmingly, and displaying her becoming a key feature of this new medium.
teeth. This probably makes her the first Where film-stars led the way, private
European monarch to wear the Vigée Le Brun individuals followed, particularly in the
smile in a portrait. Yet the circumstances inter-war period. Even some politicians
of the commission were significant. began to go with the flow. By the beginning of
Victoria made the painting a personal gift the Second World War, the practice of saying
to Albert, and hung it in their private suite. “cheese” in front of camera had begun. The
It was never seen publicly in her lifetime. display of teeth in photography was becoming
Only right at the very end of the the norm for those who watched films as
nineteenth century were teeth and smiles much as for those who starred in them.
timidly finding their way more evidently The triumph of the twentieth-century
into painted portraits. Interestingly, it seems Smile Revolution stimulated a postmodernist
to have been female artists, such as Berthe response in the early 1960s to the emergent
Morisot and Mary Cassatt, who gave lead to Smile Revolution. Andy Warhol’s ironically
this. The pace of change was initially slower in flat depiction in 1962 of thirty-two
regard to photographic portraiture. Strangely Campbell’s soup cans satirized art practice
perhaps, given the new medium’s more and taste as much as it did the mindless
naturalistic, even documentary potential, replicability of advertising images. Warhol
white teeth failed to establish themselves added an extra twist in his Marilyn Monroe
in photography in the nineteenth century. diptych, also in 1962. A witty commentary
There were technical reasons for this. For on the times, the work highlighted how
all of the nineteenth century, and especially the smile of this highly individualistic and
during the early days, posing times were charismatic film star was just as replicable
long (thirty minutes at first). In the 1860s as a can soup.
and 1870s, sitters frequently wore neck-
braces, arm-bands, and waist-restrainers Jones, C. (2017). The Smile Revolution in eighteenth-
to ensure stillness. Even when the exposure century Paris.
time was reduced to a minute or less, this Oxford University Press, with adaptations.
still removed the possibility of anything
like instantaneousness or spontaneity in
capturing identities. The possibility of a wide
smile morphing into a smirk or a rictus was
still present.

57 ÍNDICE
Write a summary of the text in your Padrão de Resposta
own words.
The author describes the smile
revolution from the late eighteenth-century
Text length: up to 50 lines in France until the middle of the twentieth
 [value: 15.00 points]
century in the USA. The first innovation took
place in France with portraits made by Vigée
Le Brun in 1787. At her time, mainly women
Relatório de Notas
were portrayed showing a smile. Later, there
were artistic movements that did show
Maior Nota: 14,65
Nota média: 12,81 the open mouth in painting, but always in
Menor Nota: 8,35 a contrived or unpleasant fashion. Mona
Desvio-padrão: 1,547 Lisa’s smile was considered an acceptable
smile, because it was a soft and kind smile.
Since Antiquity, when an open mouth was
portrayed, it was always to show strong
emotions or to depict a poor or a deranged
person. The first monarch to be shown in
a painting displaying a smile was Queen
Victoria. But the painting was kept private,
and it was a personal gift to Prince Albert.
The trend of painting a smile in the end of
the nineteenth century began with female
artists. The author states that with the
invention of photography, portraits could
have been more life-like, but they still didn’t
show a smile, owing to technical issues. The
long time it took to take a picture hindered
the sitter from holding a smile or a pose. If in
the eighteenth century people would like to
imitate heroes from novels, in the twentieth
century, people started to imitate heroes
from the cinema. The author asserts that
in the film industry, the emulation process
was even stronger. Additionally, the images
of actors smiling became more common in
publicity. Influenced by cinema, politicians
and people in general started to take photos
wearing a smile. In the 1960s, Andy Warhol
commented about the superficiality and
automatism of smile in his series of portraits
of Marilyn Monroe.

Referências
Jones, Colin (2017). The Smile Revolution in eighteenth-
century Paris. Oxford University Press, with adaptations.

58 ÍNDICE
Nota - 14,65 their heroes in the novels of the time. In
Ciro de Carvalho Becker Leite the twentieth century, the emergence of
film was crucial to encourage the process
Pontuação: CSC – 5,0; NE – 01; TL – 38 of identification with celebrities and the
characters they portrayed. With Hollywood,
In The Smile Revolution in eighteenth- the film industry started to promote
century Paris, author C. Jones considers how smiling images of movie stars, which made
the display of teeth in Western portraiture the display of teeth more popular, until it
made a brief appearance with Madame Vigée became the norm. Nevertheless, this also
Le Brun’s work in 1787, but remained quite led to a cultural reaction in the 1960s when
a minority taste until the Smile Revolution postmodern artists such as Andy Warhol
had been completed by the mid-twentieth depicted the smiling figure as a replicable
century. According to Jones, this was a piece of art, questioning the taste and the
complex process involving both culture and appeal of mass art through satire.
science. While France led the first Revolution,
the USA was in the vanguard of the later period. *o único erro marcado foi
Even though Le Brun ended the de sobrescrito
virtual prohibition of the display of teeth
in portraiture, this practice did not have
widespread influence at the time. There Nota - 14,65
may have been some portraits of women, Anônimo
but it was considered inappropriate for men
to show their teeth. The only movements In The Smile Revolution in
that actually embraced the open mouth eighteenth-century Paris, Jones argues that
in their art were the expressionists, said revolution failed. It only succeeded in
the Dadaists, and the Surrealists, as an the twentieth-century, when it involved
expression of either mockery or despair. social, cultural, scientific and technological
Le Brun’s work did help to make Mona changes. This success was not achieved in
Lisa’s smile popular, as it was considered France, but in the United States, by then the
a more gentle way of smiling. In Western new vanguard of change.
Art, open mouths were associated with In 1787, Madame Vigée Le Brun
extreme passion, insanity or vulgarity, put an end to the absence of white-tooth
as is attested by Caravaggio’s paintings smiles in western portraits. Painting smiles,
of social marginals. Queen Victoria was however, remained a rarity, and it was only
famous for her serious portraits, and the acceptable in women`s portraits. Even so,
only painting in which she displayed her some artistic movements made ample use of
teeth was a personal gift to her husband, the open mouth, though associating it with
and remained private during her lifetime. negative characteristics: expressionism,
At the end of the nineteenth century, Dadaism, and Surrealism. Le Brun endorsed
the display of teeth in portraiture started to the preference of Western  art for discreet
emerge once again, especially in the work smiles, for open mouths, since Antiquity,
of female artists. Portrait photography had been symbols of exaggerated passion,
was initially slower to adhere to the new lowly birth, or insanity. Queen Victoria was
fashion, mainly due to technical reasons possibly the first European monarch to be
pertaining to the time required for exposure, depicted in a portrait with a smile in the
which prevented spontaneous smiles. style of Vigée Le Brun, but this portrait was a
However, besides technological private commission intended as a gift for her
change, a cultural shift was also required. In husband.
the eighteenth century, the Smile Revolution At the end of nineteenth century,
was triggered by the cult of sensibility, there were more smiles depicted in portraits,
whereby people wanted to identify with a tendency which was apparently led by
59 ÍNDICE
female artists, such as Berthe Morisot and that were not noble, not sane or raptured by
Mary Cassatt. In photography, the advent an overwhelming feeling, which gave them
of the smile occurred more slowly, largely a fearsome countenance. Consequently, the
due to technical limitations, which caused belief that a pleasant smile would be best
long posing times and therefore made captured under sealed lips, such as Da Vinci’s
spontaneous smiles impossible. Mona Lisa’s grin, continued to thrive.
Cultural changes proved essential Queen Victoria’s portrait displaying
to change attitudes about depicting smiles her teeth was therefore a landmark in the
in portraits. In the eighteenth century, the history of smiles in works of art. Although
popularity of sensibility made people want it would be a private gift to her spouse and
to emulate the smiles of literary characters. it would not be seen by the public until after
At the start of the twentieth century, new her death, the fact that the usually sullen
media, mainly film and studio photography, queen was the first monarch to wear a smile
played a similar role. People now identified in a portrait was not of minor importance.
with celebrities and fantasy figures, as Whereas smiles would have found their
the mass appeal of the posed images of way into portraits by the late nineteenth-
Hollywood stars demonstrates. Smiling century, it would take them longer to do so in
in portraits became more common in the photograph. This is partly due to the length
inter-war period, even among politicians. of posing time, which began at about half an
By the beginning of the Second World War, hour and made spontaneity impossible.
the practice was becoming widespread. The In the early twentieth-century, as
triumph of the twentieth-century Smile movies pervaded popular culture, stars
Revolution prompted a postmodernist began to be captured with white-tooth
reaction in the early 1960s. Andy Warhol, in smiles, which encouraged fans to follow
his depiction of Marilyn Monroe, showed that suit. This triggered a movement that mocked
the smile was also subjected to massification. mass culture. The Smile Revolution, having
started in France, was hence consolidated
under the aegis of the USA.
Nota - 14,15
Andressa Gonçalves  Rangel
Menor Nota - 8,35
Pontuação: CSC – 4,5; NE – 01; TL – 35 Anônimo

Even though the display of teeth in Pontuação: CSC – 5,0; NE – 19;


portraits ceased to be forbidden in 1787, as a TL – 42
result of a measure taken by Madame Vigée le
Brun, not until the twentiet-century would The Smile Revolution consists of
this become a general habit. the growing representation of smiles in
Whereas artistic movements adopted portraits and pictures. This process initially
the white-tooth smile in their works started in the 18th century (1), when Madame
elsewhere, the eighteenth-century Smile Vigée Le Brun ended the prohibition on
Revolution did not flourish in France. White smiles in French portraits. This event was
teeth were rarely favored and, when they were nevertheless limited, being adopted by a
so, it would be mostly by women,  given that minority – and mostly by women. Moreover,
it was considered an unflattering option for French artistic movements were not as open
men. In France, the depiction of characters to portraits (2) of teeths (3) and smiles as the
with their mouths open was generally a Pre-Raphaelites in England or vanguardist
demonstration of mockery and disdain, and movements of the 20th century, like the (4)
it was especially found in Expressionist, Expressionism, Dadaism, and Surrealism.
Dadaist and Surrealist works. Furthermore, in The latter saw mouths and teeth as symbols
Western painting, it represented characters of bleak or ironic imagery.
60 ÍNDICE
Le Brun’s openness to portraying another (18) criticism was represented in this
smiles stem (5) from her admiration on portrait of Marilyn Monroe, which could be
(6) Da Vinci’s Mona Lisa, whose restrained perceived as an attempt to equalize Monroe’s
smirk was represented with her mouth smile and those cans of soup, implying that,
shut (7). On (8) those times, portraits of in modern times, a smile is as replicable (19)
individuals with their mouths open were as any other product.
symbols of madness, poverty or unreason,
being reserved to (9) marginalized people.
Queen Victoria of England, which (10) was
famous for her stern appearance, probably
was the first monarch to be portrayed with
a smile. This piece was nonetheless private,
being a gift for her husband, and it was never
shown in public during her lifetime.
  At the end of the 19th century,
smiles became more frequent in portraits,
after the work of female artists like Berthe
Morisot and Mary Cassatt. At the same time,
photography was emerging as an artistic
medium, but teeth were rather absent
from those representations. This could be
nevertheless (11) explained by the medium’s
technical limitation, since sitters had to
remain still for long periods, which prevented
the machine to capture (12) something so
instantaneous as a smile. 
A profound cultural change explains
the success of the Smile Revolution in the
20th century. During the 1800’s, individuals
expressed their emotions much like the
heroes from their favorite novels, which
meant to cry and to smile in particular ways.
Along with the 20th century came new media,
like cinema, which stimulated moviegoers to
emulate their favorite celebrities. The mass
appeal of the Hollywood industry put smiles
in the spotlight.
During (13) the interwar period and
especially at the beginning of the (14) World
War, not only movie stars and common
people had (15) the habit to smile at (16)
photos, but politicians also started to follow
this trend. Soon, the practice of saying
“cheese” in front of cameras was generally
adopted, and teeth became ubiquitous.
The Smile Revolution prompted a
response from post-modern artists. Andy
Warhol’s pieces on serialized Campbell’s
soup cans could be interpreted as a satire
directed towards (17) the reproducibility
of images in mass advertising. Warhol’s
61 ÍNDICE
História do Brasil
Questão 1
Visto como momento de redefinição
do pacto político, o 7 de abril ensejou amplo
debate público acerca dos fundamentos
do governo, das instituições políticas,
dos nexos entre as províncias e da ordem
social. Uma vasta gama de propostas e
projetos de mudanças veio então à baila –
alguns concretizados, outros tratados como
assuntos tabus, que deveriam ser combatidos
ou ignorados [...].

BASILE, Marcello. O laboratório da nação: a


era regencial (1831-1840). In: SALLES, Ricardo Henrique;
GRINBERG, Keila (orgs.). O Brasil Imperial: volume II (1831-
1870). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, pp.
54-119.

Em minha inteligência, porém, a


fineza de caráter tem outra acepção muito
diversa. Chamarei homem de caráter aquele
que rende culto aos princípios, só por amor
aos princípios; e que, por consequência,
quando a observação, o estudo, a experiência
mostram que esses princípios devem ser
modificados, que alguns deles devem ser
renunciados em obséquio à verdade, não
hesita em sacrificar o erro, em lugar de
persistir, mantendo opiniões errôneas [...].
62 ÍNDICE
VASCONCELLOS, Bernardo pereira de. Annaes
do Parlamento Brasileiro: Câmara dos Senhores
Padrão de Respostas
Deputados, Tomo Segundo, Sessão de 9 de agosto de
1837. Rio de Janeiro: Tipographia de Viuva Pinto & Filho,
Q1 – O período foi marcado por
1887, p. 294, com adaptações. uma série de debates e programas
legais e administrativos, propostos ou
Considerando os excertos implementados, que tinham por fulcro
apresentados, redija um texto dissertativo a discussões acerca da centralização e da
respeito das chamadas “reformas liberais” descentralização. Estas devem ser abordadas
e do “regresso conservador” no período levando-se em conta as relações entre o Poder
regencial. Aborde, necessariamente, os Executivo e o Poder Legislativo, a reforma do
seguintes tópicos: aparato repressivo do Estado, com a criação
de uma força coercitiva (a Guarda Nacional)
e, no que diz respeito à justiça, a instituição
• Centralização e descentralização; do Código do Processo em 1832.
• As reformas institucionais relativas à Q2 – A maior polêmica do período
organização das províncias; recaiu sobre a organização do governo das
• Dinâmicas políticas e disputas entre províncias. Os debates entre facções políticas
facções e tendências; e em disputa sinalizavam para a existência
• As revoltas do período regencial, de diferentes projetos de estruturação da
suas motivações e os agentes sociais arquitetura institucional do império. Deve-
envolvidos. se tratar, nesse sentido, das discussões
travadas na Câmara dos Deputados e no
Senado a respeito das emendas voltadas
Extensão do texto: até 90 linhas para a reforma da Constituição (e.g. projeto
[valor: 30,00 pontos] Miranda Ribeiro); acerca do malogrado
“golpe da chácara da floresta”, que pretendia
instituir uma nova Constituição para o
Relatório de Notas Brasil, a “Constituição de Pouso Alegre”; e
quanto aos debates e à reforma aprovada na
Maior Nota: 27,75 forma do Ato Adicional de 1834, assim como
Nota Média: 24,13 ao Regimento dos Presidentes de Província,
Menor Nota: 21 também aprovado em 1834.
Desvio-padrão: 2,023456202 Q3 – Cabe ressaltar, ainda, o
contraste entre a organização institucional
das províncias, engendrado no contexto
da emancipação política (pela Assembleia
Constituinte de 1823 e pela Constituição de
1824). Foram criados, no período, o cargo
de presidente de Província e os conselhos
provinciais (Conselhos de Governo e
Conselhos Gerais de Província), os quais
se tornaram objeto, em 1834, das reformas
empreendidas pelo Ato Adicional e pelo
Regimento dos Presidentes de Província,
acarretando a extinção dos conselhos citados
e a criação das Assembleias Legislativas
Provinciais.
Q4 – Quanto ao regresso conservador,
espera-se que o candidato enfrente a
discussão do entendimento dos regressistas
acerca da necessidade de impor limites
63 ÍNDICE
que coibissem o que consideravam ser vida, como a Revolta dos Malês, a Balaiada, a
excessos das reformas liberais, à luz da Revolta de Carrancas etc.
posição dos partidários do “progresso”. Q10 – Os agentes sociais envolvidos
Entre as principais iniciativas, destaca- mostraram o caráter multifacetado das
se as proposições em torno de uma lei de revoltas e expressaram, em alguma medida,
interpretação do Ato Adicional e da reforma as várias agendas em disputa. Assim, deve-
do Código do Processo e, de maneira geral, se citar a composição social variada, a ser
a defesa da importância do Conselho de exemplificada a partir de algumas das
Estado, do Poder Moderador etc. revoltas mencionadas.
Q5 – As dinâmicas políticas devem ser
explicitadas, em primeiro lugar, a partir das Referências
três principais tendências implicadas nos
BASILE, Marcello. O laboratório da nação: a era
debates, a saber, os moderados, os exaltados
regencial (1831-1840). In: SALLES, Ricardo Henrique;
e os caramurus, bem como os respectivos
GRINBERG, Keila (orgs.). O Brasil Imperial:
programas e as propostas.
volume II (1831-1870). Rio de Janeiro: Civilização
Q6 – É necessário considerar, ainda, Brasileira, 2009, pp. 54-119.
a rearticulação desses grupos após as VASCONCELLOS, Bernardo Pereira de. Annaes
reformas, que seriam mediadas pela defesa do Parlamento Brasileiro: Câmara dos Senhores
ou oposição ao projeto de interpretação do Deputados, Tomo Segundo, Sessão de 9 de agosto de
Ato Adicional, momento em que despontam 1837. Rio de Janeiro: Tipographia de Viuva Pinto & Filho,
o “Regresso Conservador” e o “Progresso”. 1887, p. 294, com adaptações.
Q7 – É imprescindível que o
candidato estabeleça paralelos entre as
propostas políticas e sua penetração social
por meio da efervescência da imprensa
periódica e das associações no período.
Espera-se pelo menos a menção, a partir
de exemplo concreto, de que a imprensa e o
associativismo desempenharam um papel
crucial no contexto.
Q8 – Ao discutir as reformas e os
debates políticos pertinentes à organização
institucional do império, é fundamental
demonstrar que eles não se limitaram
às esferas formais de disputa política,
abrangendo vários setores da sociedade
e formas de manifestação, entre elas, as
revoltas do período regencial.
Q9 – É preciso qualificar as revoltas
tendo em vista as várias agendas encetadas.
Assim, convém
distinguir revoltas como a Farroupilha,
cujo objetivo ligava-se às discussões relativas
à organização política e institucional
(centralização versus descentralização,
monarquia versus república, entre outros),
daquelas que enfocavam outros horizontes,
a exemplo das disputas de poder entre as
elites locais (revolta do ano da fumaça),
mas também as voltadas para a conquista de
liberdade, cidadania e melhores condições de
64 ÍNDICE
Nota - 27,75 predominariam os levantes ocasionados
Andressa Gonçalves Rangel Rodrigues pelo transbordamento das disputas locais
pelo poder, após o fortalecimento das

A Abdicação foi vista como uma instituições locais pelo Ato Adicional.
vitória pela “facção brasileira”, os políticos
Entre as inúmeras sublevações,
que preconizavam maior autonomia algumas se destacam. Em Pernambuco,
do Legislativo e menor centralização, e ocorre a Cabanada (1832-35), como resultado
enfraquecimento da “facção portuguesa”. das invasões pelos grandes proprietários
Esse novo período de primazia liberal levou às terras na Zona da Mata pertencentes ao
a diversas reformas descentralizantes. As Império mas não monitoradas, ameaçando
Regências começaram sob uma Regência os pequenos posseiros; tinha contornos
Trina Provisória e a aprovação da Lei dos restauracionistas pelo anseio de retornar
Regentes, que prevenia o uso do Poder aos tempos de estabilidade fundiária do 1º
Moderador pelos regentes. No período Reinado; arrefece com a morte de D. Pedro.
seguinte, de Regência Trina Permanente, No Pará, estoura a Cabanagem; Eduardo
criou-se a Guarda Nacional, forças recrutadas Angelim busca arregimentar forças e institui
localmente, instrumento de co-optação (sic) um governo local; em meio à entropia, há
das elites locais; pelo Código de Processo invasão de tropas francesas ao Amapá,
Criminal (1832), fortalecia-se a figura do instituindo um forte na região; anos de
juiz de paz, o qual era eleito localmente, embate são pacificados pela ação do futuro
conferindo-lhe poderes de autoridades Duque de Caxias. Na Bahia, além do levante
policiais e judiciais, também instituindo o de escravos muçulmanos conhecido como a
júri popular. Revolta dos Malês (1835), eclode a Sabinada;

O embate entre os partidários da capitaneada por Francisco Sabino, é resultado
centralização e descentralização, todavia, direto das disputas locais pelo poder; tem
enfrentar-se-iam (sic) no parlamento, de anseios autonomistas; é pacificada em
modo que o período liberal, embora tenha 1838. No MA, o estupro de uma das filhas
adotado várias medidas descentralizadoras, de Francisco do Nascimento, o “Balaio”,
teve seus arroubos mais exaltados por membro das forças policiais é estopim
enfraquecidos. Obstou-se, por exemplo, o para a “Balaiada”; em meio à revolta, o
golpe pela Constituição de Pouso Alegre e negro Cosme lidera escravos em prol da
malogrou-se o projeto liberal de Miranda emancipação; levante envolve camadas
Ribeiro. O Ato Adicional de 1834 englobaria, populares e estende-se até 1840. A mais
assim, descentralização e concessão aos longeva das revoltas é a Farroupilha (1835-
conservadores. Destarte, dá-se fim ao 45). Levante eminentemente ligado às elites
Conselho de Estado, mas mantém-se o políticas, lideradas por Davi Canabarro, Bento
Senado vitalício; criam-se as Assembleias Gonçalves e Bento Manuel, tinha intenções
Provinciais, mas a nomeação do presidente separatistas; a República do Piratini é
da província continua como atribuição do proclamada após a Batalha do Fanfa; a efêmera
governo central. Dá-se poder às Assembleias República Juliana é proclamada em 1838; os
de regerem os assuntos locais e organizarem farrapos articularam-se internacionalmente,
as finanças, o que abriu caminho às disputas obtendo apoio dos uruguaios pelo Tratado de
entre as facções locais. Cangue, bem como das províncias litorâneas;

No que diz respeito às revoltas escravos participam, sendo-lhes prometido
regenciais, José Murilo de Carvalho divide- a liberdade – não obstante, a Paz do Poncho
as em dois períodos. Em uma fase inicial, Verde e solução pacificadora de incorporação
predominam as revoltas de tropa e povo, das elites na dinâmica política mundial,
como consequência da instabilidade que massacre dos lanceiros negros da Batalha
se seguiu ao 7 de abril e da resistência de Porongos; revoltosos ressentiam-se do
do exército à mobilização da Guarda alijamento da Corte, principalmente após
Nacional. Em um momento posterior, os sacrifícios feitos nas incursões à Banda
65 ÍNDICE
Oriental (1816-21) e na Guerra da Cisplatina para reverter a descentralização. A Lei
(1825-28), e a falta de segurança da produção Interpretativa ao Ato Adicional (1840) recria
de charque, com concorrência internacional o Conselho de Estado e retira prerrogativas
e ameaça do gado mediante as “califórnias”, das Assembleias Provinciais; pela reforma do
praticadas na fronteira. A leniência com as Código de Processo Criminal (1841), o juiz de
elites gaúchas contrastaria fortemente com paz é enfraquecido; cria-se a figura do delegado
o massacre dos revoltosos pertencentes às de polícia e fortalece-se o juiz de direito, bem
camadas humildes da Cabanada, Cabanagem como se retira prerrogativas do juri popular.
e Balaiada. Cumpre registrar que as revoltas Liberais batalham pelo retorno à cena política
deixavam patente a falta de legitimidade da ao arquitetar o Golpe da Maioridade. Não
Regência. Com exceção da Farroupilha, os obstante, em que pese o período de força de
revoltosos juravam lealdade ao Imperador, facção áulica, os anos vindouros seriam de
seja D. Pedro I (no caso da Cabanada) ou D. hegemonia conservadora.
Pedro II (no caso das demais), mesmo quando
reivindicavam maior autonomia. Elas eram,
em grande medida, a resistência local aos Nota - 27,5
nomes apontados pelo governo central, cuja Bruno Santiago Portugal
luta espraiava-se para as camadas populares.
No que concerne às dinâmicas políticas O Período Regencial se inicia no
e disputas entre facções, o período de avanço 7 de abril de 1831 e dura até o Golpe da
liberal deixava patente os perigos por detrás Maioridade, em 1840. Nesse ínterim,
da descentralização. Há que registrar que, no houve disputas políticas de centralização
contexto, predominavam, grosse modo, três e descentralização que conformaram
correntes. Os liberais moderados eram os os partidos políticos do II Reinado,
grandes vitoriosos do período, entabulando nomeadamente, o Conservador e o Liberal.
reformas descentralizadoras. Havia também Com a abdicação de D. Pedro I, foi
os “liberais exaltados”, cujos arroubos mais instaurada uma regência trina provisória,
extremos foram obstados pelos moderados. a qual organizou as atividades políticas em
Em grande medida, esses grupos eram meio ao recesso legislativo. Com a Lei das
egressos do “partido brasileiro” dos tempos Regências e o estabelecimento da Regência
do Primeiro Reinado, e pugnavam por mais Trina Permanente, iniciou-se período no
prerrogativas ao Legislativo, de modo a frear qual houve grande descentralização política,
arbitrariedades da Coroa, bem como maior com as províncias ganhando autonomia.
autonomia provincial. Em contraponto, Entre as reformas institucionais,
estavam os conservadores, em larga medida destaca-se a edição do Código de Processo
simpáticos à vertente lusitana no Primeiro Criminal, o qual se juntava ao Código
Reinado, defensores do fortalecimento da Criminal de 1830. Pelo CPC, a figura do
Coroa e centralização do poder. juiz de paz, juiz eletivo e sem indicação
A entropia ocasionada pelos levantes do governo central, ganhava força. Houve,
regenciais enfraqueceram os liberais e além disso, a criação da Guarda Nacional,
levaram à queda da Regência Una de Feijó em corpo militar sob a autoridade provincial,
1837, dando início ao período do Regresso que visava a conceder aparato militar a esta.
Conservador. Essa fase é caracterizada pelo Outra reforma de grande importância
enfraquecimento das medidas previamente foi o Ato Adicional de 1834, que estabelecia
adotadas e busca por fortalecimento do maior autonomia legislativa e financeira às
governo para estabilizar a nação. Assim, a Lei províncias, permitindo a criação de impostos,
Feijó que declararia livre o escravo trazido suspendia o Poder Moderador e o Conselho de
a partir de 1831 deixa de ser implantada; Estado e criava eleições para a Regência, que se
a tarifa Bernardo Pereira de Vasconcelos tornava Una, conformando uma experiência
(1828) estende os privilégios alfandegários democrática em meio ao Império.
britânicos às demais nações; leis são adotadas Há de se destacar os diferentes
66 ÍNDICE
grupos que disputavam o poder no início legislativos às províncias, o que ensejou uma
do Período Regencial, nomeadamente os série de conflitos.
liberais exaltados, os liberais moderados e J.M. de Carvalho divide as rebeliões
os restauradores. Esses últimos advogavam regenciais em três grupos: tropa e povo;
o retorno de D. Pedro I, foram responsáveis intraelites; e de escravos. Nesta última,
pela Revolta dos Cabanos e arrefeceram destaca-se a Revolta dos Malês, na Bahia,
após a morte daquele. Os exaltados eram de escravos muçulmanos alfabetizados
um grupo extremamente heterogêneo, que se insurgiram. Como reação a esta
com monarquistas descentralizadores e revolta, houve edição da Lei de Sedição,
republicanos, com pautas distintas como que estabelecia a pena capital a escravos
autonomia provincial e fim da escravidão. revoltosos. As revoltas de tropa e povo eram
Os moderados eram monarquistas que eminentemente urbanas, protestando contra
se opunham à centralização excessiva do os baixos soldos e contra a carestia e o alto
I Reinado, mas que diferiam quanto aos custo de vida.
métodos. Com o advento das Regências, estes As disputas intraelites, de outro
se tornaram o grupo político majoritário e modo, foram decorrência direta do AA/34
dominante. e das reformas descentralizadoras. Com
O debate entre centralização e maiores poderes às províncias, as elites
descentralização aproximava-se do locais começaram disputas pelo controle do
questionamento do modelo político do Estado poder político provincial. Os exemplos mais
brasileiro. Se a monarquia e centralização notáveis são a Sabinada (BA) e a Balaiada
foram importantes para a integridade (MA), ambas de cunho republicano, sendo a
territorial e para conter possíveis sublevações última uma disputa intraelite que transborda
escravas, o Haitianismo, a centralização para o povo. A Cabanagem (PA) também foi
excessiva da Constituição Imperial de 1824, inicialmente entre as elites locais e também
com o autoritarismo evidente na Noite da transbordou para o povo, envolvendo
Agonia e na crise anterior à abdicação fez também o componente externo, visto que o
que se aventasse um modelo mais próximo regente uno eleito Padre Feijó pediu auxílio
do federalismo norte-americano, mediante secreto à França e ao Reino Unido para conter
o qual as províncias ganhariam autonomia essa revolta, o que ensejou o expansionismo
diante do governo central. Essa percepção imperialista destes na região. Somente com
de conter o poder central já estava prevista Soares D’Andrea que a Cabanagem foi contida,
no Código Criminal de 1830, o qual punia após massacre contra a população local. A
brandamente os crimes políticos e de opinião. Farroupilha também envolvia as dimensões
A figura do juiz de paz, que fora criada em interna e externa, sobretudo a questão
1827, fora também um ensaio de maior poder tarifária do charque uruguaio que competia
local, com sua nomeação não passando pelo com o gaúcho. A Farroupilha também
crivo do governo. teve caráter separatista e republicano –
Com as Regências, foi possível proclamando as Repúblicas Rio-Grandense
implementar esse projeto de autonomização e Juliana – e foi resolvida somente em 1845,
provincial. A suspensão do Poder Moderador, com a Paz de Poncho Verde após atuação do
do Conselho de Estado e o fim do Senado futuro Duque de Caxias.
vitalício, a chamada “tríade maldita”, A tentativa de combater a
eram objetivos dos grupos que almejavam centralização foi também buscada com
uma menor centralização. Com a Lei das uma nova constituição, a Constituição de
Regências e o AA/24, os dois primeiros Pouso Alegre, a qual extinguiria a tríade
foram alcançados; o terceiro, que requeria maldita. Aventada pelo então ministro da
aprovação do próprio senado, não chegou a Justiça Padre Feijó, a tentativa de golpe foi
passar. A edição do CPC, a criação da Guarda denunciada na Câmara por Honório Hermeto
Nacional e o AA/34 concederam poderes Carneiro Leão, levando à demissão de
jurisdicionais, militares-repressivos, ficais e Feijó. Este foi posteriormente eleito pelos
67 ÍNDICE
cidadãos brasileiros como regente uno; seu Nota - 27,5
governo foi, contudo, marcado por grande Camile Viana Leal
turbulência interna das rebeliões provinciais.
Nesse contexto, o grupo dominante dos O período regencial foi marcado, em
liberais moderados se divide em dois proto- um primeiro momento, por reformas liberais
partidos: os regressistas e os progressistas. e descentralizadoras e, em um segundo
O Partido dos Regressistas, ou da Ordem, momento, pelo regresso conservador e
advogava uma maior centralização para confluência das elites provinciais em torno do
suplantar a desordem oriunda do “Ato da projeto centralizador do RJ, consubstanciado,
por fim, com a antecipação da maioridade
Anarquia”. Um expoente dos regressistas foi
de D. Pedro II. Ressalte-se, primeiramente,
Bernardo Pereira de Vasconcelos, que, com
que as demandas por descentralização são
seu célebre discurso “fui liberal”, iniciou esse
consequência da centralização empreendida
movimento contrário à descentralização.
por D. Pedro I próximo à sua abdicação. Com
A renúncia de Pe. Feijó em meio ao a nomeação do Ministério dos Marqueses
contexto da cisão dos moderados deu início e a Noite das Garrafadas, sua abdicação
ao Regresso Conservador, com a Regência ocorreu e o Parlamento acreditou que
de Araújo Lima, que pôs fim ao “Avanço seria o momento para desempenhar, de
Liberal”. No Regresso Conservador, que se fato, o seu papel de Poder Legislativo.
completaria apenas no II Reinado, editou a Lei Assim, de 1831 até 1837, ocorre período de
Interpretativa do Ato Adicional, que reverteu reformas descentralizadoras (abordadas
diversas medidas descentralizadoras e mais adiante), mas, com a proliferação
efetuou a Reforma do CPC, que reduziu os de revoltas de tropa e povo e com o claro
poderes do juiz de paz e aumentou os poderes desacordo e disputa por poder entre as elites
provinciais foi necessário, nas palavras de
do delegado de polícia, nomeado pelo governo
Bernardo de Vasconcellos, “parar o carro
central, bem como fortaleceu a magistratura
da revolução”, e reformas centralizadoras
de carreira em detrimento da eletiva. A
foram empreendidas em prol da unidade
historiadora Miriam Dohlnikoff argumenta
territorial do país.
que as medidas do regresso não retiraram Quanto às reformas institucionais
todas as atribuições concedidas às províncias relativas à organização das províncias,
durante o “Avanço Liberal”, visto que o já em 1831 é promulgada a Lei Regencial,
fortalecimento das assembleias provinciais estabelecendo a Regência Trina Definitiva e,
nas suas competências legislativas e fiscais no mesmo ano, é criada a Guarda Nacional,
se manteve. O cerne da disputa entre baseada no modelo francês de milícia cidadã
regressistas e progressistas se deu em torno e com a impossibilidade de acúmulo de cargos
da questão dos aparatos repressivos, jurídicos entre o oficialato e a Guarda. Visava-se a
e militares, muitos dos quais revertidos com diminuir a influência portuguesa na Guarda
a Reforma do CPC. e impedir a adesão das tropas às rebeliões,
O Período Regencial chega ao fim uma vez que havia renda mínima para
ingresso na Guarda. Apesar das rebeliões em
com o Golpe da Maioridade, arquitetado
curso, principalmente na Corte (foram mais
pelos liberais, ou progressistas, junto com
de 30 rebeliões no RJ em todo o período), a
a facção áulica. O Golpe da Maioridade foi
descentralização continuava e teve seu ápice
a antecipação da maioridade de Pedro II, em 1834, com a promulgação do Ato Adicional
para que esse assumisse o trono. Embora os de 1834. Na análise de Miriam Dolhnikoff,
conservadores, ou regressistas, estivessem o ato representou uma redefinição do pacto
no poder, não houve qualquer resistência da federativo entre Poder Central e províncias.
parte destes, pois acreditavam que a figura do O ato previa: a transformação dos Conselhos
Imperador contribuiria com a manutenção Provinciais em Assembleias Provinciais com
da ordem política e social do Brasil. poderes ampliados, capacidade legislativa e
68 ÍNDICE
capacidade de nomear e demitir funcionários; parar o carro da revolução e que o ato de 1834
ressalte-se, contudo, que, conforme o seria o “ato da anarquia”, responsável pela
equilíbrio do pacto, os presidentes das instabilidade em voga. Em 1837, portanto,
províncias continuavam a ser nomeados pelo Feijó, sem apoio do Parlamento, renunciará e
Poder Central. A segunda medida do ato foi o Araújo Lima assumirá no que ficou conhecido
fim do Conselho de Estado, abominado pelos como Regresso Conservador.
liberais. Além disso, a Regência Trina foi Para finalizarmos a discussão sobre
transformada em Regência Una (outra vitória as dinâmicas políticas e facções, ressalte-
para os liberais. Após tentativa anterior de se, apenas, que, além de uma disputa entre
golpe de Feijó, ele será eleito Regente por regressistas e progressistas, essa também
voto direto). Finalmente, o ato também era uma disputa que girava essencialmente
declarava a Corte do Rio de Janeiro município em torno do papel do Judiciário. Para parte
neutro, para evitar confusões entre as da historiografia, tratava-se de disputa entre
Assembleias da Corte e do município do RJ. dois grupos: os que defendiam maior poder
Antes do Ato Adicional, contudo, importante das notabilidades de aldeia e elites locais,
reforma havia ocorrido: a Reforma do Código que preconizavam o modelo anglo-saxão de
Criminal de 1832. Tal reforma ampliava organização, representado na figura do juiz
os poderes do juiz de paz, conferindo-lhe de paz e, por outro lado, os que defendiam
atribuições de polícia administrativa e polícia o modelo francês, baseado na magistratura
judiciária. Como era eleito localmente, o juiz profissional, que teria na figura do delegado
de paz sofria influência dos líderes locais nomeado pelo Poder Central maior
e dos coronéis, confirmando o início de proeminência.
uma justiça patrimonialista no país. Assim, Dito isso, a partir de 1837, há o
com a reforma de 1832, os juízes de paz predomínio dos regressistas no Parlamento.
poderiam, ainda, julgar pequenas causas, Em 1840, portanto, é promulgada a Lei
dominando tanto a fase de inquérito, como Interpretativa ao Ato Adicional, que reverte
a de julgamento propriamente dita. Essas vários dos poderes concedidos às Assembleias
reformas descentralizadoras conferiram Provinciais. Desse modo, as Assembleias
ampliados poderes para as autoridades não poderão mais demitir magistrados, e
locais. Nesse sentido, foram proliferando as somente poderão dispor sobre economia e
revoltas regenciais de tropa e povo e outras, polícia administrativa local. Era a detenção
como a Cabanagem (1835) e a Farroupilha do carro da revolução. Em 1841, será ainda
(1835). promulgada a Lei de Reforma do CPC, que
Observe-se que, na tentativa de maior alargava os poderes do delegado de polícia,
institucionalização das disputas entre as que tomava para si muitas das atribuições
elites provinciais, se gerou um ambiente outrora pertencentes ao juiz de paz. Assim,
mais instável. As facções em disputa no início houve uma convergência de interesses das
do período regencial eram as seguintes: os elites provinciais quanto à necessidade de
restauradores (caramurus), que defendiam implementação, no momento, do projeto
a volta de D. Pedro, os liberais exaltados centralizador do Rio de Janeiro, para que fosse
(jurujubas) e os liberais moderados. A garantida estabilidade mínima e garantida
facção dos liberais moderados, da qual a unidade territorial do país, processo que
fazia parte Bernardo de Vasconcellos, teve culminou na antecipação da maioridade.
proeminência até 1835. Em 1835, com a Nesse sentido, cabe abordarmos agora
instabilidade já mencionada, ocorre um as revoltas do período, suas motivações e
racha nos liberais moderados: entre liberais agentes envolvidos. A primeira revolta que
progressistas, que acreditavam que as podemos citar é a Revolta dos Cabanos, rural
reformas descentralizadoras deveriam ser e de cunho restaurador, que logo é reprimida
aprofundadas, e os liberais regressistas e perde sua razão de ser com a morte de D.
(entre eles, o mesmo B. de Vasconcellos e Pedro I em 1834. O grupo restaurador também
Araújo Lima), que acreditavam ser necessário deixará de existir nessa época. Após, tem-se a
69 ÍNDICE
eclosão da Cabanagem, no Pará, que teve como quanto às revoltas de escravos, destaque deve
motivação primeira os altos custos de vida no ser dado à Revolta das Vassouras (RJ), das
estado e o recrutamento forçado. Para parte Carrancas (MG) e à Revolta dos Malês (1835),
da historiografia, os cabanos conseguiram que, assim como as demais, foi uma revolta
tomar o poder. Foi uma das revoltas mais de escravos, mas com a especificidade de que
reprimidas do período, com cerca de 10% da escravos pretendiam implantar comunidade
população da província dizimada. Ressalte- islâmica após a tomada de poder na Bahia.
se o episódio em que Feijó chega a solicitar Tais revoltas reacenderão o haitianismo
ajuda externa (França e Inglaterra) para entre as elites provinciais e contribuirão para
reprimi-los, o que expõe a fragilidade do a aceitação, por essas elites, da necessidade
governo regencial e contribuirá para questões de centralização com o regresso conservador.
de limites no Pirara e em Cabo Norte (AP). A
Cabanagem é reprimida com a contratação de * As provas de HB e PI são
mercenários. Em 1837, eclode a Sabinada, na provas nas quais o tempo é bastante
Bahia e a Balaiada, no Maranhão. A Sabinada escasso, o que por vezes acaba
é uma revolta de classe média, capitaneada prejudicando a organização da sua
pelo médico Sabino e contra os altos custos resposta, como no meu caso. Eu havia
de vida e impostos cobrados pelo Rio de esquecido de citar o Código Criminal
Janeiro, além do recrutamento forçado. A de 1832. Ainda assim, quando você
Balaiada, no Maranhão, tem a participação perceber que esqueceu um ponto
dos fazedores de “balaios”, classe mais importante, acredito que vale a pena
baixa no Maranhão, e possui motivações desenvolvê-lo, ainda que em prejuízo
semelhantes à Sabinada, relacionando-se, à ordem cronológica da questão.
também, ao declínio da produção de algodão.
Tem como liderança Manoel dos Anjos. Será
duramente reprimida por Caxias, que terá Menor nota - 21
cidade em sua homenagem no Maranhão. Anônimo
Por fim, a Farroupilha eclode em 1835, no
Rio Grande do Sul. De todas as revoltas O 7 de abril de 1831 é visto como a
citadas, é a que tem a participação de classes “verdadeira independência do Brasil”, para
mais abastadas, os estancieiros do RS. Sua autores como José Murilo de Carvalho. A
principal motivação era a concorrência do abdicação de Pedro I, após ter enfrentado uma
charque argentino com o charque brasileiro. série de embates com o Parlamento e com a
Os farroupilhas demandavam medidas imprensa, possibilitou ao monarca assegurar
protecionistas e maior intervencionismo dois reinos aos seus dois filhos. No Brasil,
na Região do Prata. Capitaneados por Bento debate sobre centralizar ou descentralizar
Gonçalves, declaram a República de Piratini havia aparecido já nas discussões da
e a República Juliana, mas não conseguem Assembleia Constituinte, quando o projeto
tomar Porto Alegre. Caxias é nomeado da “Constituição da Mandioca” foi rejeitado
presidente de província e consegue acordo por Pedro I, que fechou a Assembleia na
com os farroupilhas na Paz de Poncho Verde, “noite da agonia” e outorgou a Carta de
que, entre outros, previa a libertação dos 1824. Nela, havia a figura de um quarto
escravos recrutados na revolta. Ressalte- poder, o Moderador, criação de Benjamin
se, por fim, que os farroupilhas tinham Constant, ampliando sobremaneira as
apoio dos colorados uruguaios (utilizavam prerrogativas do imperador.
o Porto de Montevidéu) e tal dinâmica O período regencial, por sua vez, foi
impactará fortemente a política imperial do marcado por duas fases: Avanço Liberal
II Reinado para o Prata. Por fim, necessário (1831-37) e Regresso Conservador (1837-
explanarmos as revoltas na Corte, já citadas 40). No primeiro período, a lógica da
no início da questão, as rebeliões de tropa e descentralização predominou. Conferiu-
povo e as revoltas de escravos. Em especial se maior autonomia às províncias, em
70 ÍNDICE
consonância com as ideias de Bernardo ou “caramurus” eram a favor da volta
Pereira de Vasconcellos, inicialmente um de Pedro I e da centralização do poder,
liberal. Pairava sobre a elite da época um certo sendo formados, em grande parte, por
trauma a respeito do autoritarismo de Pedro I, portugueses. Os “liberais moderados”, ou
que se manifestou, por exemplo, em política “chimangos”, pregavam por maior nível de
externa, quando das negociações a respeito do descentralização, sendo Bernardo Pereira de
reconhecimento da independência brasileira Vasconcellos um de seus membros. Havia,
e da renovação dos “tratados desiguais” ainda, os “liberais exaltados”, que preferiam
com a Inglaterra. Aqueles que advogavam uma mudança radical do sistema então
pela centralização, contudo, temiam que não vigente e que se envolveriam nas revoltas
fosse possível manter a unidade territorial, regenciais. Em 1834, o Ato Adicional ensejou
a escravidão e a monarquia, sobretudo nova divisão no seio da sociedade: havia os
pelo fato de que o Brasil era experiência “regressistas”, contra a descentralização
sui generis em meio a diversas repúblicas. promovida pelo Ato, e os “progressistas”, a
Assim, a Regência começou como trina, favor deste. O ano também marcou a morte
sendo a primeira provisória e a segunda, de Pedro I, em Portugal, o que significou
permanente. O brigadeiro Francisco Lima e que uma das demandas dos restauradores
Silva, pai do Duque de Caxias, fez parte de não mais fazia sentido. 1837 marca o início
ambas. Personagem de destaque no período de processo de centralização no Brasil. As
regencial, porém, foi o padre Diogo Feijó, elites do país consideravam que era esse
ministro da Justiça. o único modo para se garantir a unidade

Logo em 1831, foi publicada a Lei territorial, visto o fracasso da administração
dos Regentes, determinando a proibição liberal em conter revoltas. Bernardo Pereira
da concessão de títulos de nobreza e a de Vasconcellos, portanto, passa a fazer
prévia autorização da Assembleia antes de parte do pensamento mais ligado ao Partido
se ratificar tratados. Foi suspenso o Poder Conservador. Este possuía como bandeiras a
Moderador. No mesmo ano, criou-se a Guarda defesa da unidade territorial, da monarquia
Nacional (uma por província). Buscava- e da escravidão, além da centralização
se criar forças armadas mais elitizadas e e do livre comércio. A tal partido se
reduzir a dependência de mercenários, a contrapunha o Liberal, coincidindo com
exemplo dos que haviam lutado ao lado do os conservadores quanto às três primeiras
Brasil na Guerra da Cisplatina. As revoltas pautas, mas preferindo a descentralização
de tropa e povo, de fato, assustavam, no e a adoção do protecionismo comercial.
período. Em 1832, o Código do Processo do Inicialmente, a Regência viu muitas
Império do Brasil (Código Criminal) instituiu revoltas com caráter antilusitano. Destaca-
o juiz de paz e o habeas corpus, ensejando se o ódio despertado pelos comerciantes
descentralização jurídica. Não obstante, portugueses, manifestado nas rebeliões de
seria em 1834 a publicação do documento Mata-Marotos e na Setembrada, no início
que melhor simboliza a descentralização: dos anos 1830. A Revolta dos Cabanos, por
o Ato Adicional, que dotou as Assembleias outro lado, atuou no sentido contrário, tendo
Provinciais de poderes legislativos e nos portugueses seus principais membros.
suspendeu definitivamente o Poder Em 1835, na Bahia, a Revolta dos Malês
Moderador e o Conselho de Estado. Amado congregou escravos negros muçulmanos,
Cervo refere-se ao período como fase de os quais, descontentes com a imposição
“imobilismo” em relação ao Prata, visto que religiosa, buscavam o estabelecimento
a política externa do país ficava “acéfala”, de uma república islâmica no Brasil. O
sem órgão de comando, o que somente se movimento foi rapidamente debelado, até
alteraria após a maioridade de Pedro II. porque despertou temores de haitianização.

Quanto às dinâmicas políticas, Também na Bahia, em 1837, houve a Sabinada.
inicialmente, é possível identificar três Tratava-se, dessa vez, de manifestação
grupos distintos. Os “restauradores” mais elitizada contra o poder central, mas
71 ÍNDICE
que foi também reprimida. Revolta que se ao Regresso Conservador (1837-40), houve
espalhou pelo Nordeste e Norte brasileiros período de forte turbulência interna, que se
foi a Cabanagem, iniciada por pobres e refletiu em debates acerca de como deveria
depois apropriada por liberais. Durante o se organizar a administração brasileira.
movimento, os ingleses invadiram o Pirara, No fim, predominou modelo que foi capaz
sob a desculpa de que, no Brasil, haveria a de assegurar a unidade territorial frente
escravidão dos índios. Ainda, a Revolução a pressões separatistas, a manutenção do
Farroupilha de 1835-45 envolveu estancieiros “infame comércio de almas” e a monarquia.
gaúchos, insatisfeitos com os impostos que
incidiam sobre o charque que vendiam, tendo
proclamado uma República. Solução seria
posteriormente encontrada, no Império de
Pedro II, na Paz de Poncho Verde, quando
foi concedida autonomia aos estancieiros
em troca de suas alianças com personagens
como Fructuoso Rivera, do Uruguai.
Ao se analisar a grave instabilidade
em que se encontrava o país, houve o
entendimento de que alguma atitude deveria
ser tomada. Aos poucos, foi prevalecendo
a noção de “homogeneidade das elites”,
propugnada por José Murilo de Carvalho.
Afinal, apesar de alguns abolicionistas
precoces como José Bonifácio, aos
agroexportadores brasileiros não interessava
o fim da escravidão, que lhes servia
primeiro na cana, depois no café. Também
não se gostaria de acabar com o Império,
considerado um “bastião de civilização” em
meio à “barbárie” das Repúblicas da América
espanhola. Por fim, era do interesse de liberais
e de conservadores a manutenção da unidade
territorial, apesar da prevalência, ainda
naquela época, da lógica de “arquipélagos
econômicos” que não possuíam
elevado grau de comunicação entre si.
Em 1840, os liberais promoverão
o “golpe da Maioridade”, antecipando a
chegada ao poder de Pedro II, esperando
retomar o controle do governo. Apesar de
suas divergências a respeito da centralização
e da descentralização, além de discordâncias
quanto à abertura comercial, o que se
observará no Brasil após a Regência
será um revezamento entre o Partido
Liberal e o Partido Conservador no poder.
Conforme pontua Ilmar Mattos em “Tempo
Saquarema”, o governo seria sempre
conservador, não importa o partido, dado que
ideias conservadoras seriam hegemônicas.
Assim, do Avanço Liberal (1831-37)
72 ÍNDICE
Questão 02 cinema brasileiro [...] selecionando filmes,
oficialmente, para representar o Brasil
em festivais internacionais – e sobretudo
Leia os excertos a seguir.
filmes de produção independente, [...] e
assim ajudando a tornar o cinema novo
“A Secretaria de Estado está
o próprio cinema brasileiro, e ainda
organizando o Serviço de Cooperação
assim, emprestando-lhe a chancela de
Intelectual, que se inspirará nos planos
filmes “oficiais” no estrangeiro – a DDC
de trabalho adotados, nesse sentido,
conseguiu estruturar toda uma montagem de
pela Sociedade das Nações (Instituto
propaganda cultural do Brasil no exterior.
Internacional de Cooperação Intelectual,
de Genebra e paris)” [...]. Esta Secretaria de Memorandum da Divisão de Difusão Cultural
Estado recomenda a atenta observância das para o Departamento Político e Cultural, 29/11/1964.
presentes instruções. Só o conhecimento
de tudo quanto se escreva a respeito da
Considerando que os excertos
vida social e mental do Brasil permitirá ao apresentados têm caráter meramente
Serviço de Cooperação Intelectual cumprir motivados, redija um texto dissertativo a
praticamente com seu programa, que é inútil respeito da trajetória da diplomacia cultural
encarecer. brasileira no período compreendido entre a
Semana de Arte Moderna e a Política Externa
Circular Telegráfica nº 903, 13/08/1934. Independente. Aborde, necessariamente, os
seguintes tópicos:
Decresceu de muito nos últimos annos
o intercâmbio intelectual luso-brasileiro.
E esse decréscimo derivou do movimento • O impacto do movimento modernista
modernista que entrou estabanadamente a no meio cultural brasileiro;
chasquear dos chamados “clássicos” que as • A utilização da cultura como
velhas letras portuguezas nos mandavam instrumento de política externa pelo
e em que aprenderam a redigir nossos Brasil ao longo do período; e
ascendentes. Gritavam esses iconoclastas • Implicações do contexto internacional
furiosos, na catadura de humanistas às na formulação de estratégias para a
avessas e de uma renascença também ao revés, diplomacia cultural brasileira.
que toda essa gente que líamos com devoção
se expressava nua língua muito diferente
da que falamos na taba nacional [...]. As Extensão do texto: até 90 linhas
recomendações do ministro Macedo Soares [valor: 30,00 pontos]
desde que se buscou impulsionar o Serviço de
que tanto carecemos, para realizarmos com
o espírito aquilo que Pedro Álvares Cabral fez
Relatório de Notas
com as suas naves gloriosas, no sentido de
vincular cada vez mais o Brasil à terra dos que Maior Nota: 26
primeiro o avistaram, e que o colonizaram, e Nota Média: 21,628
que corajosamente o defenderam da cobiça Menor Nota: 13,75
estrangeira. Desvio-padrão: 2,598720839

FALCÃO, Ildefonso. Intercâmbio literário


luso-brasileiro. In: Diário de Notícias, 4/4/1936, com
adaptações.


Agente e intermediário dessa
conjuntura no exterior, o Itamaraty tem
prestado serviços inestimáveis ao jovem
73 ÍNDICE
Padrão de Respostas concepção valorizativa da cultura como
elemento de entendimento e concórdia
Q1 – Até o início do século 20, na política entre as nações, simbolizado na criação da
externa brasileira, vigia a perspectiva de que UNESCO.
havia um cânone cultural ocidental e que o Q8 – Amparada em produtos culturais
Brasil deveria buscar difundir expressões de alta qualidade, como a Bossa Nova, o
artísticas que reiterassem a imagem de país Cinema Novo e a Arquitetura Modernista,
civilizado no exterior. a diplomacia cultural coleciona êxitos
Q2 – Ao discutir a identidade cultural importantes nas décadas de 1950 e 1960,
brasileira, a Semana de Arte Moderna como a construção de jardins de Roberto
de 1922 traz, para o centro do debate Burle Marx na UNESCO, a instalação de
quanto às políticas culturais, a questão da painéis de Cândido Portinari das Nações
representatividade da arte difundida pelo Unidas e prêmios importantes na área do
Estado. cinema.
Q3 – Os primeiros impulsos para a Q9 – Com o desenvolvimento da
constituição de um serviço de difusão cultural Guerra Fria, confere-se especial atenção
no Itamaraty provêm do ambiente externo, à questão da interação do Brasil com os
estimulados, por um lado, pelos trabalhos países da órbita comunista e acentuam-se as
do Instituto Internacional de Cooperação dissensões internas entre diplomatas a favor
Intelectual, e também pelo exemplo de e contra o incremento das relações culturais
com países da órbita comunista.
estruturados órgãos de propaganda política
Q10 – A Política Externa Independente
montados por potências europeias no
reforça a cultura como vetor de política
período entreguerras.
externa, com a criação do Departamento
Q4 – No Brasil, o regime Vargas,
Cultural, e consagra uma perspectiva mais
especialmente após o golpe do Estado Novo,
autônoma da área campo, reforçando-se
dará especial ênfase na relação entre cultura
a interação cultural com países africanos e
e política, propiciando o desenvolvimento
com a chamada Cortina de Ferro.
de uma política externa cultural, ainda
que bastante difusa entre órgãos como o
Referências
Itamaraty, o Departamento de Imprensa e
Propaganda e o Ministério da Educação e
CIRCULAR Telegráfica 903, de 13/08/1934.
Saúde.
FALCÃO, Ildefonso. Intercâmbio literário luso-
Q5 – O desenvolvimento de meios brasileiro. In: Diário de Notícias. 4/4/1936.
de comunicação de massa, como o rádio e MEMORANDUM da Divisão de Difusão Cultural
a televisão, permitiu maior circulação de para o Departamento Político e Cultural. 29/11/1964.
elementos de cultura popular, apropriados
e modulados pelo governo Vargas tanto
para uso interno, como elemento de coesão
social, quanto para uso externamente, como
vetores de propaganda de um país em rápido
desenvolvimento.
Q6 – A diplomacia cultural brasileira,
desde cedo, desdobrou iniciativas sobre
o continente americano, dando especial
atenção aos países vizinhos e, em particular,
à projeção de influência da Argentina
peronista.
Q7 – O fim do Estado Novo permitiu
a concentração, no Itamaraty, de ações de
diplomacia cultural, que encontrou, no
ambiente internacional do pós-guerra, uma
74 ÍNDICE
Nota - 26 em relação à civilização europeia, passa-se a
Pedro Leonardo Borges De Rezende um sentimento de altivez. Não se deve olvidar,
contudo, os movimentos Verde-Amarelo e
A diplomacia cultural é um elemento Anta, que, em uma tendência primitivista,
fundamental do soft power brasileiro, voltam-se às inspirações do fascismo
ganhando corpo, sobretudo, após o advento europeu, aclimatado, naturalmente, à
da Semana de Arte Moderna. Com efeito, a dinâmica brasileira. Desse processo, surge o
emergência do Modernismo, em 1922, no Integralismo, sob a égide de Plínio Salgado.
centenário da Independência, representa a A ascensão de Vargas, para além da
efetiva emancipação cultural do país, que mudança do eixo dinâmico da economia
pode, assim, projetar-se internacionalmente, nacional, representa a consolidação efetiva
por meio de uma arte genuinamente nacional. do paradigma modernista. O Ministério da
O movimento modernista é, naturalmente, Educação, sob Capanema, passa a abrigar
tributário das vanguardas europeias, de inúmeros artistas de relevo (a exemplo de
modo que a sua própria emergência é signo Carlos Drummond de Andrade), que eram
da abertura do Brasil ao mundo. Tratou-se, tolerados apesar das inclinações comunistas,
ademais, de um movimento que decorreu da em função de sua contribuição para a arte
urbanização e da ascensão das classes médias, nacional. Nesse momento, há a consolidação,
processo que se prenunciava na década de por um lado, da literatura regional (de José
1920. Retomando a proposta de Martius Lins do Rêgo, Rachel de Queiroz e Graciliano
referente às três raças que conformam a Ramos), que permite a projeção do Brasil real
brasilidade, o Modernismo busca conferir ao exterior, e, por outro, da Geração de 30
destaque equânime aos aportes ameríndio, das Ciências Sociais, com Raízes do Brasil (de
africano e europeu que conformam o ethos Sergio Buarque de Holanda) e Casa-Grande e
nacional, em uma superação do indianismo Senzala (de Gilberto Freyre), que, inspirados
ingênuo do século XIX. A Semana de Arte na antropologia ora em ascensão, permitem
conta com importantes subvenções da vislumbrar o processo efetivo de formação
cafeicultura paulista (a exemplo da família da brasilidade. Nesse contexto, tem-se
Prado), mas seu impacto imediato não foi também o debate entre a Igreja Católica e
tão significativo quanto aspiravam os jovens os escolanovistas de Anísio Teixeira, em
artistas ali reunidos. A reação republicana uma dialética determinante para o futuro da
e o movimento tenentista que lhe foram educação nacional.
contemporâneos são, pois, signo de um país A década de 1930 é marcada pela
em transformação. Política de Boa Vizinhança, encetada
O Modernismo consolida-se, ao longo pelos EUA com o fito de atrair os países
da década de 1920, sendo epitomado pelo latino-americanos, que já flertavam com
Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade a Alemanha nazista, para a sua órbita.
e pelo Macunaíma de Mário de Andrade. Nesse contexto, estabeleceu-se o Office
Passa a manifestar-se, com efeito, em todos for Inter-American Affairs, sob a égide
os âmbitos artísticos, e a consolidação do de Nelson Rockefeller, para facultar o
mercado editorial brasileiro, sob a liderança intercâmbio cultural no âmbito hemisférico.
de Monteiro Lobato, permite que se expanda a A aproximação com os EUA, determinante
projeção da arte nacional. Nessa perspectiva, no contexto da Segunda Guerra, foi, pois,
ressaltam-se as sucessivas reformas por que fomentada pela aproximação cultural, de
passou o Itamaraty (sob Nilo Peçanha, Otávio que é exemplo o êxito de Carmem Miranda
Mangabeira e Afrânio de Melo Franco), que nos EUA e o desenho animado que promove
lhe garantiram uma estrutura institucional o encontro entre o Pato Donald e o papagaio
capaz de promover ativamente a cultura Zé Carioca. Se, por um lado, a cultura serve
pátria. Supera-se, portanto, a passividade de elemento de legitimação simbólica do
que marcara a projeção da cultura nacional regime Varguista, com a exaltação patriótica
até então: de um sentimento de inferioridade exemplificada pelos concertos de massa de
75 ÍNDICE
Villa Lobos e pelo estabelecimento da cadeia sobre as desigualdades que marcam o país.
radiofônica da Rádio do Brasil, por outro, a De todo modo, resta evidente que a cultura
busca de liberdade de expressão (aliada à luta serviu de instrumento da PEB em seu
contra os fascistas na Europa) concorre para sempiterno pleito pelo desenvolvimento.
o debacle do “pai dos pobres”, como patente À medida que a Guerra Fria avançava e o
na declaração oriunda do Congresso dos centro capitalista voltava suas atenções
Escritores. para outras regiões, a cultura serve de
O impacto do movimento modernista reforço ao desenvolvimento, ressaltando a
é, portanto, duradouro, e amplia-se à resiliência e a criatividade do povo nacional
medida que o país se moderniza. Destaca- mesmo ante ideologias exógenas, como
se, por exemplo, que a arquitetura sublinha a Operação Pan-Americana de JK.
modernista dá concretude ao movimento, Nesse sentido, há de se ressaltar a dimensão
com a edificação do Ed. Capanema, sob Le cultural da Política Externa Independente,
Corbusier, e do complexo da Pampulha – que, imbuída de sua “vocação africana”,
primeira colaboração de JK e Niemeyer. Há envia a missão do navio Custódio de Melo
de se salientar, também, o impacto cultural à costa africana e instaura os programas de
do próprio Itamaraty, que ora abrigava intercambio PEC-G e PEC-PG. O Itamaraty,
artistas renomados: Vinícius de Moraes, que cuja estrutura institucional se consolidara
vai aos EUA como terceiro-secretário e lá se com o Departamento Político e Cultural
inspira com o jazz e as vanguardas locais; e a Divisão de Difusão Cultural, passa a
João Cabral de Melo Neto, com sua poética propugnar uma difusão cultural tão universal
que mescla as inspirações pernambucanas e quanto os princípios que embasaram a PEI.
espanholas; e Guimarães Rosa, que, em seu A promoção cultural é, pois, uma reação ao
Grande Sertão: Veredas, desvela a efetiva tensionamentos da Guerra Fria. O nacional-
universalidade do sertão brasileiro. Há, pois, desenvolvimentismo aventado pelo ISEB
uma projeção cultural crescente do país, que e pelo estruturalismo cepalino de Celso
se vale de todas as riquezas da cultura pátria Furtado ganham, assim, corpo na PEI. A
e é expressa, muitas vezes, pelos próprios diplomacia cultural reflete, portanto, o
diplomatas. dinamismo da brasilidade.
A década de 1950 e a República Liberal
conformam, nos termos de F. Novaes,
“um país em movimento”. Por um lado, Nota - 24,25
há uma aproximação significativa em Gersínio Dos Anjos Neto
relação a Portugal, vertebrada pela tese do
lusotropicalismo proposta por Gilberto Freyre As ligações entre cultura, sociedade
e pelo ativo lobby luso na Capital. Por outro, e diplomacia são perceptíveis ao longo do
procede-se ao ápice da autonomia artística período entre 1922 e 1961. Nesse aspecto,
e cultual consubstanciada em Brasília, obra as novidades trazidas pela Semana de Arte
prima de Niemeyer, Lúcio Costa e Burle Marx, Moderna; a sua incorporação e releitura
que, em sua teatralidade, epitomiza um país durante o período varguista; os ensaios
que aspirava à modernidade. A emergência de de interpretação da sociedade/identidade
uma nova musicalidade, com a originalidade nacionais; a conexão com o mundo ocidental
de João Gilberto, faz que JK ganhe a alcunha e, em especial, os EUA; a renovação urbana
de “Presidente bossa-nova”, e o sucesso dos anos 50; e a expansão universalista da
internacional dessa mistura de samba e Política Externa Independente se destacam.
de jazz – evidência, pois, do hibridismo Em 1922, o Brasil encontrava-se em
pátrio – reforça a imagem de um país em ebulição, tendo em vista o início da crise do
transformação. Ainda assim, há também sistema oligárquico que havia prevalecido
espaço para a arte-denúncia, patente no desde a eleição de Prudente de Morais. No
Orfeu Negro de Vinícius e no Cinema inovador exterior, por sua vez, o mundo saía do primeiro
de Nelson Pereira dos Santos, lançando luz conflito mundial e artes renovadoras como o
76 ÍNDICE
surrealismo, o dadaísmo, o impressionismo com Portugal, em 1953. Da mesma forma,
e o cubismo, aos poucos iam tomando conta serviu como argumento para que sucessivos
do cenário cultural. Em São Paulo, esses dois governos brasileiros não tomassem medida
fenômenos se encontraram na Semana de Arte clara contra o colonialismo português na
Moderna, que buscou absorver e, por meio da África, o que só viria a acontecer em 1973,
“antropofagia”, digerir e ressignificar esses após a morte de Salazar, já no governo Médici.
movimentos em uma identidade brasileira: A década de 1950 foi profícua em
Tarsila do Amaral, Anita Mafaltti (sic), movimentos culturais, e isso foi muito
Manoel Bandeira, Oswald de Andrade, dentre bem utilizado pela diplomacia de Juscelino
outros, buscaram realizar esse trabalho. Kubitschek (JK). Até mesmo no cenário
Houve, ainda, o Movimento Verde-Amarelo, político interno, sua aliança à chamada
que trouxe ideais mais nacionalistas e “ala bossa-nova” da UDN exemplificam
regionalistas, resgatando características como a cultura permeava o momento de
mais associadas às localidades. empolgação vivido pela construção da nova
O impacto do movimento modernista capital por projeto elaborado pelo arquiteto
foi gigantesco no meio cultural brasileiro, Oscar Niemeyer, referência internacional
e o é até hoje, como bem simbolizam as brasileira. JK capitalizou o bom momento
remontagens feitas pelo diretor José Celso e personalizou a capa da revista Time dos
Martinez Correa (sic), no Teatro Oficina. EUA, como símbolo de uma América Latina
Para a época, o modernismo foi visto por que se renovava. Com esse capital político,
Getúlio Vargas como uma forma de dar nova lançou a Operação Pan-Americana (sic), bem
roupagem a um país que havia passado por recebida pelos vizinhos sul-americanos.
um movimento revolucionário. Durante o É de se ressaltar que grandes nomes como
período varguista, movimentos nacionalistas João Guimarães Rosa e Vinícius de Moraes
irrompiam na Europa, assim como a cultura eram diplomatas, evidenciando a conexão da
estadunidense iniciava seu processo de carreira com a absorção de mentes brilhantes
exportação cultural. Assim, Vargas optou da sociedade brasileira.
por realizar uma reforma educacional A eleição de Jânio Quadros e a
capitaneada pelas ideias de Anísio Teixeira e formulação da PEI, num contexto de Guerra
que ficaria conhecido como “Escola Nova”. Fria, trouxe aspecto de universalismo e
COm a definição da opção pelos aliados no iniciou um processo de aproximação mais
segundo conflito mundial, iniciou-se forte intensa a países africanos, como Gana
campanha de aproximação cultural entre (que recebeu Raymundo Souza Dantas,
os EUA e o Brasil, o que era uma política primeiro embaixador negro brasileiro),
de Estado em grande parte realizada pela Marrocos, Tunísia, Senegal, dentre outros.
diplomacia cultural, como exemplifica o Já era frequente o intercâmbio de estudantes
convite para que Érico Veríssimo atuasse africanos no Brasil e a aproximação só se
como Embaixador cultural junto aos norte- intensificaria nos anos seguintes. A PEI
americanos. Do mesmo período são as turnês buscava retirar o Brasil da necessidade de
de Carmem Miranda pelos EUA e a criação do optar exclusivamente por um lado na ordem
personagem Zé Carioca pela Disney. bipolar. Assim, a diplomacia brasileira
No âmbito acadêmico, os ensaios buscou estreitar laços mesmo com países do
de interpretação de autores como Sérgio Leste Europeu e tão distantes quanto a China
Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e Gilberto ou o Japão.
Freyre eram apropriados pelo pensamento É preciso destacar, ainda, a importância
diplomático e utilizados para justificar a da imigração no período mencionado. Apesar
aproximação com Portugal, por exemplo. de não haver mais uma entrada de imigrantes
O lusotropicalismo freiriano, associado ao como havia ocorrido no início do século, havia
lobby português das poderosas famílias se formado no território nacional toda uma
lusitanas, foi fundamental para a aprovação geração de descendentes que influenciavam
de acordos como o Tratado de Amizade na recepção de novas ideias, como o próprio
77 ÍNDICE
comunismo, o sindicalismo, o anarquismo o Brasil celebrava seu primeiro centenário
e, como evidencia a formação da AIB, ideais com uma exposição universal no Rio de
fascistas. Janeiro, para a qual foram necessários
Em suma, ao longo do período grandes gastos públicos (demolição do
mencionado a cultura brasileira influenciou e Morro do Castelo) em momento de finanças
foi influenciada pelo contexto internacional, públicas instáveis. A inauguração do evento
o que impactou diretamente as formulações foi marcada pela primeira transmissão
diplomáticas não só no aspecto cultural, mas radiofônica do país, quando Epitácio Pessoa
com reverberações econômicas, políticas, discursou na abertura. Concomitantemente
sociais e até mesmo militares. a esse acontecimento de estética neoclássica,
como ilustra o Palácio Monroe no Rio, alguns
Nota - 24,25 jovens artistas brasileiros apropriavam-se da
Joan Frederick Baudet Ferreira Franca produção artística-cultural das vanguardas
europeias para propor uma nova estética para
A diplomacia cultural brasileira a arte do país. Liberando-se do autoexotismo
recebeu notável impulso desde a organização autoimposto do período do indianismo
do Serviço de Cooperação Intelectual romântico, esses artistas propunham uma
pela Secretaria de Estado em meados dos arte desprovida, ou melhor, mais despojada,
anos 1930, o qual se pautou nos planos de mais independente dos cânones europeus –
trabalho adotados no âmbito da Sociedade um protagonista indígena que falasse Tupi
das Nações, notadamente no seio do e sentisse como um nativo ameríndio, em
Instituto Internacional de Cooperação lugar de um cavalheiro medieval europeu.
Intelectual, de Genebra e de Paris. No Não obstante, os modernistas não
plano internacional, as primeiras décadas repudiavam a arte produzida nos países
do século XX foram marcadas por enorme centrais, ao contrário, deglutiam-na em
efervescência artística e intelectual, como processo de “Antropofagia” (a exemplo
atestam os movimentos do expressionismo do Movimento Antropofágico de Osvald
alemão (Munch), do expressionismo de Andrade, inaugurado nos anos 1920)
francês (Matisse), do Dadaísmo (Breton), para produzir uma arte que valorizasse
do Surrealismo (Dalí), do Construtivismo as linguagens e os hábitos nacionais,
russo (Malévich) e do Abstracionismo valorizando a diversidade de culturas e
(Kandinsky), entre outros. Como sugere Eric de regionalismos do país. Esse processo
Hobsbawm, esses movimentos geravam gerou, por vezes, impactos de repercussão
estranhezas, reprovação e incompreensão notável no meio cultural brasileiro e, não
iniciais (a exemplo da denominação raramente, atitudes de rechaço, como
“Fauvismo”); por vezes, eram incorporados ilustra a opinião de Falcão Ildefonso, que
transitoriamente pela exegese do poder catalogou os modernistas de “iconoclastas”
e da cultura predominante (a exemplo do por atentarem contra a “pureza” da língua
início da Revolução Russa que incorporou portuguesa. Não obstante, a arte modernista
o Construtivismo russo para substitui- floresceu sob lideranças artísticas como
lo, em seguida, pelo realismo soviético); Mário de Andrade e Tarsila do Amaral,
geralmente, eram abandonados pelo poder de tal sorte que sua estética passou a ser
político dominante, salvo poucas exceções, incorporada gradualmente nas iniciativas da
como o Futurismo, que foi apropriado como diplomacia cultural brasileira. Exemplo disso
cultura-modelo oficial do fascismo de é o fato de a ONU abrigar murais e painéis de
Mussolini. artistas brasileiros até os dias atuais.
No Brasil, esse fervor cultural provocou Nos anos 1930, o golpe instaurado pela
novas reflexões acerca do processo criativo Aliança Liberal que levou Getúlio Vargas ao
que ensejariam o Movimento Modernista, poder, onde permaneceria até 1945, ensejou
cujo marco fundacional é a Semana de Arte reordenação tanto política quanto cultural.
na Bienal de São Paulo de 1922. Nesse ano, Em esforço para aproximar-se da Igreja
78 ÍNDICE
católica, que seguia a Rerum Novarum (1891), momento de maior conservadorismo (rinha
Vargas autorizou o ensino confessional em de galo/biquíni de Miss) cultural, mas não
escolas públicas. Em 1936, Gilberto Freyre impediu a emergência de movimentos
publica “Casa-Grande & Senzala”, obra que artísticos como os poetas concretas que
reforçaria o luso-tropicalismo e aproximaria inovavam experimentações, assim como o
o Brasil de Vargas e Portugal de Salazar. Essa universalismo e a busca pela autonomia da
aproximação luso-brasileira perduraria até PEI. O país não havia saído do “entre-lugar”
o regime militar e ensejaria importantes ainda, político e artisticamente.
posicionamentos diplomáticos brasileiros
na ONU. Apesar do Brasil ter votado
favoravelmente à Resolução 1514 da AGNU, Menor nota - 13,75
no início dos anos 1960, que defendia o direito Anônimo
dos povos africanos pela autodeterminação,
o país relutava em condenar o colonialismo A diplomacia cultural é importante
português e não apoiou a obrigatoriedade de vetor da política externa do Brasil. De fato,
Portugal fornecer informações sobre suas por meio dela, apresentam-se ao cenário
colônias. Em adição a isso, em 1953, assina- internacional os valores imateriais do Brasil
se convênio com Portugal que promove a como sua cultura, sua produção artística,
equiparação entre brasileiros e portugueses, seu pensamento e sua vertente da língua
em espírito de “amizade” entre ambos os portuguesa. No caso brasileiro, a diplomacia
povos. cultura ganha camadas de ainda maior

No governo de JK (1955-1960), o importância, visto que é país com limitados
país experimentou efervescência cultural excedentes de poder, na análise de Rubens
singular, embalado pela industrialização e Ricupero, e depende amplamente para a
urbanização promovida na esteira do Plano consecução de seus objetivos externos do
de Metas. A Bossa Nova de João Gilberto “soft power”, o qual se amplifica quando seus
ganharia o mundo e aproximaria ainda valores intangíveis são bem apresentados,
mais o Brasil dos Estados Unidos, os quais, por meio da diplomacia cultural.
desde a “política da Boa Vizinhança” dos O movimento modernista representa
anos 1930, também se aproximavam do país grande revolução no meio cultural brasileiro.
pela diplomacia cultural (a exemplo de Zé De fato, até essa quebra de paradigma,
Carioca), e renovariam essa parceria com o pode-se argumentar que a forma e a
dueto Stan Getz – João Gilberto no campo inspiração da arte europeia – sobretudo
musical. No entanto, após episódios como francesa e lusa – eram emuladas pelos
o “Memorando da Frustração” (1952), o artistas brasileiros. A Semana de 22 ergue-
“pragmatismo impossível” durante Vargas se contra a reprodução acrítica de tendências
e as decepções acerca de iniciativas como a europeias, ainda que não prescindisse de
CMBEU, a política externa brasileira passou dialogar com elementos forâneos. No campo
a adotar posição mais latino-americanista das letras, valoriza-se o português falado
como vetor para o desenvolvimento do país, o como representante da vertente brasileira,
que se corporifica na OPA, criada em maio de sem cópias da lógica gramatical europeia.
1958. Analogamente, o Cinema Novo (“Deus Ademais, os regionalismos são valorizados,
e o Diabo na Terra do Sol”) oferecia nova os idealismos (como com relação ao indígena
perspectiva nacional e passou a representar o do Romantismo) são rompidos, de modo que
país em festivais internacionais nos anos 1960, se favorece a criação sem amarras e balizas,
iniciativa que contava com o apoio da Divisão mas todas representantes de um grande e
de Difusão Cultural, do MRE, para difundir vasto Brasil.
a imagem de um país que se modernizava Foi grande o impacto do movimento
e se industrializava, ao mesmo tempo em modernista, tanto que todas as
que desenvolvia o meio artístico pátrio. O manifestações que se lhe seguiram buscaram
governo de Jânio Quadros (1961) representou cada vez mais inovação e experimentação
79 ÍNDICE
com relação ao ‘marco 0’, ou seja, a resultados concretos tanto política quando
Semana de 22. Ainda que, durante o Estado economicamente – importantes para o Brasil
Novo, tenha havido críticas no sentido dada a dificuldade de se avançar no processo
ao afastamento entre Brasil e Portugal, de desenvolvimento, em parte por óbices
pode-se argumentar que o período Vargas geopolíticos e por outra pela limitação de
viu o crescimento de manifestações hoje acesso a financiamento estadunidense.
vistas como tipicamente brasileira, como o Desse modo, o afastamento do Brasil com
samba e o futebol. No âmbito da diplomacia relação à lógica Leste-Oeste permitiu o
cultura, ambos têm sido utilizados desde incremento comercial com países do leste
então como vetores bem-sucedidos da europeu, Ásia e África.
inserção brasileira no exterior.
Houve, no período Vargas, incentivo
também ao cinema, o qual cresce tanto que,
na década de 1940, o Brasil chega a ser o maior
produtor dessa linha artística. Na década de
1950, produz-se uma das principais marcas
do Brasil: a Bossa-Nova. Com efeito, esse
ritmo ergue o Brasil a gigante musical em
termos mundiais – tendo seu lançamento
oficial com canções de João Gilberto e de
Tom Jobim. Houve, nesse período, também a
formação do chamado Cinema Novo, de via
extremamente crítica, o que o contrapões à
desengajada bossa-nova. Ambos, realmente,
passam a conformar vetores da diplomacia
cultural. Relembra-se dos diplomatas
Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo
Neto e Guimarães Rosa, cujas obras são
igualmente conhecidas universalmente e
contribuem sobremaneira para que outros
probos conheçam o Brasil.
Se a diplomacia cultural brasileira se
associava muito à sua relação com Portugal,
pode-se ver avanço autonomista gradual
a partir da Semana de 22 e da produção
modernista que se segue. Nesse sentido,
ainda que os laços com Portugal fossem
valorizados, como demonstra o Tratado
de 1953, a diplomacia cultural brasileira
busca alijar-se de Portugal, visto que este
país sofria pressões internacionais acerca
de seu império ultramarino. Ademais, a
própria Guerra Fria enseja que o Brasil vise
a inserir-se nas relações internacionais
entre os Estados de modo cada vez mais
guiado por valores nacionais, sem limitar
suas associações por conta do conflito Leste-
Oeste. Como a diplomacia cultural contribui
positivamente para a imagem do país, a
arte brasileira foi usada para fomentar
interesses e afinidades, os quais ensejam
80 ÍNDICE
Questão 03 Considerando os excertos
apresentados, redija um texto dissertativo
acerca das relações entre a vida acadêmica,
Não se tratava mais de apenas ensinar
a científica e a literária e a construção da
a “ler, escrever e contar”, como acontecera
identidade nacional no Segundo Reinado.
nas escolas da Colônia. Tratava-se de
Aborde, necessariamente, os seguintes
difundir, o mais amplamente possível, a
tópicos:
“língua nacional”, sua gramática também,
de modo que superasse as limitações de
toda natureza imposta pelas falas regionais,
• Os debates relativos à “literatura
e assim reproduzindo, em escala mínima
brasileira” e à “língua brasileira”;
e individual, o esforço gigantesco que, em
• O papel desempenhado por instituições
escala ampliada, era desenvolvido pelos
como o IHGB e a Academia Imperial de
escritores românticos, Alencar à frente.
Belas Artes; e
• Os aparatos educacionais e de
MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo saquarema: a
instrução.
formação do Estado imperial. São Paulo: Hucitec, 2017, p.
276, com adaptações.
Extensão do texto: até 60 linhas
É bem conhecido o papel [valor: 20,00 pontos]
desempenhado pelo Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) na formação
de um discurso historiográfico nacional. Em
meio aos debates ali travados, um conjunto Relatório de Notas
de temas e de regras foi estabelecido como
componentes discursivos que permitem Maior Nota: 17,25
identificar a construção de uma determinada Nota Média: 12,33
“retórica da nacionalidade”. Menor Nota: 1
Desvio-padrão: 3,274522866
TURIN, Rodrigo. Tessituras do tempo: discurso
etnográfico e historicidade no Brasil oitocentista. Rio de
Janeiro: EdUERJ, 2013, p. 30.

81 ÍNDICE
Padrão de Respostas na oralidade) propiciava o enraizamento
de padrões discursivos; a elaboração de
Q1 – O Segundo Reinado foi um dicionários, entre outros.
momento de consolidação do Estado Q5 – É imprescindível comentar o papel
nacional, o que permitiu uma amplificação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
dos esforços políticos e institucionais (IHGB) e de sua revista nos processos em
voltados para a construção de uma identidade pauta. Convém refletir em relação à instituição
brasileira autônoma e, ao mesmo tempo, enquanto espaço de sociabilidade, agregando
vinculada a ideais civilizatórios mais amplos. intelectuais em nome de um projeto comum
Espera-se, nesse sentido, uma reflexão geral (com, inclusive, a proliferação de institutos
concernente à articulação entre a construção análogos nas províncias), e como canal de
do Estado e a construção da nação, difusão das principais reflexões relativas aos
considerando que a independência do Brasil “temas nacionais” – isto é, o que viria a ser
é o momento deflagrador dessa construção recolhido como repertório da “tradição” e o
inexistente, por óbvio, no período colonial. que deveria ser desconsiderado, as imagens
Q2 – Do ponto de vista da literatura, e as histórias de vida a serem associadas à
o candidato deve discorrer acerca do nação. Em sentido amplo, convém associar o
Romantismo como um movimento artístico, trabalho intelectual fomentado pelo
cultural e literário amplo, muito presente IHGB à construção de “galerias de
em diversos processos de construção de brasileiros ilustres” segundo vários critérios
identidades políticas do tipo nacional. No caso (virtudes, letras, armas, entre outros), a
do Brasil do Segundo Reinado, cabe enfatizar exemplo das preparadas por João Manuel
que a autonomização de um campo artístico Pereira da Silva e Sebastião Augusto Sisson.
e literário forneceu subsídios à articulação Q6 – Instituições como o IHGB foram
do passado, do presente e do futuro do País essenciais na construção de uma tradição
a partir de um fio condutor, a “brasilidade”, que alçou temas como o das belezas naturais,
e de temas descritivos, como o indianismo, da fertilidade do solo, da mistura das raças
a serem exemplificados com autores e obras. como traços da identidade nacional. Entre
Q3 – Ressalta-se, ainda, que a outros exemplos possíveis, vale mencionar
construção da legitimidade da nação o programa proposto por von Martius acerca
brasileira esteve associada a uma recusa do de como se deve escrever a história do Brasil
passado português e, ao mesmo tempo, a ou as iniciativas de Francisco Adolfo de
sua absorção em chave civilizatória. Deve-se Varnhagen.
demonstrar, portanto, a ambiguidade dessa Q7 – É possível reportar-se, para
“herança”. O lugar, por excelência, dessa além do IHGB, à Academia Imperial de Belas
tensão é a “língua brasileira”, tendo em Artes, ao Conservatório Dramático Nacional,
vista, por exemplo, as posições de Alencar à Real Biblioteca e ao Imperial Colégio D.
que afirmava, no posfácio de Diva, que “a Pedro II como instituições que participaram
língua é a nacionalidade do pensamento do “movimento de fazer existir a cultura
como a pátria é a nacionalidade do povo”. nacional”.
Q4 – Para além do debate entre Q8 – No caso da Academia Imperial
os literatos, o candidato deve refletir a de Belas Artes, deve-se ressaltar a
respeito de outras dimensões da questão importância dos laços entre o Estado
da língua nacional. Podem-se mencionar e a produção artística, da presença de
a expansão interna da língua portuguesa artistas estrangeiros e da formação dos
em um contexto linguístico plural; o papel brasileiros em centros internacionais. A
da literatura e das políticas indigenistas no pintura distingue-se pela capacidade de
esforço de padronização e expansão dessa elaboração de imagens que “davam a ver”
língua; o papel da imprensa como mecanismo as cenas destinadas a monumentalizar
estratégico de transmissão linguística, à eventos e indivíduos, algo exemplificado
medida que sua circulação (na leitura e nos trabalhos de Pedro Américo, Victor
82 ÍNDICE
Meirelles e Manuel de Araújo Porto-Alegre. Nota - 17,25
Q9 – Espera-se que os candidatos Pedro Leonardo Borges de Rezende
confiram centralidade ao progressivo
processo de institucionalização da instrução A independência nacional não foi
pública, tendo em vista que a instrução acompanhada, de imediato, da emancipação
primária e gratuita foi assegurada já cultural e literária, de sorte que se impunha
pela Constituição de 1824 como uma das a necessidade de edificação de uma arte
garantias à “inviolabilidade dos direitos civis efetivamente brasileira. Ainda que a
e políticos dos cidadãos brazileiros”. Esse transmigração da Corte, com a instituição
processo foi aprofundado a partir do final do da Biblioteca Nacional, do Real Horto e
período regencial e solidificado ao longo do das Escolas Superiores da Bahia e de SP
Segundo Reinado com a criação do Colégio tenha significado uma ruptura em relação
Pedro II, entre outras iniciativas. à produção cultural e intelectual pátria,
Q10 – Deve-se ressaltar, por fim, que observa-se a permanência de um laço íntimo
esses projetos e essas estruturas educacionais com a matriz lusa. Essa relação é dinamizada
não foram capazes de alcançar grandes pela vinda das missões artísticas e científicas
parcelas da população. O censo de 1872, da França e da Áustria, com artistas e
por exemplo, apontava que menos de 20% intelectuais como Debret, Taunay, Martius,
da população frequentava escolas. Assim, Spiz, Montigny e Eschwege, que conferiram
os projetos de construção da identidade vitalidade às produções realizadas em solo
nacional devem ser necessariamente
brasileiro.
contrastados com as profundas hierarquias e
Nos termos de Antonio Candido,
desigualdades sociais do período.
contudo, é somente com o advento do
Romantismo (na década de 1830), que tem
Referências
em G. de Magalhães um efetivo pioneiro,
que a cultura e a literatura nacional ganham
MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo saquarema: a
corpo. Na medida em que a presença lusa
formação do Estado imperial. São Paulo: Hucitec, 2017, p.
era ainda preponderante no país recém
276, com adaptações.
TURIN, Rodrigo. Tessituras do tempo: discurso independente, há de se discutir a efetiva
etnográfico e historicidade no Brasil oitocentista. Rio de brasilidade da literatura ora produzida
Janeiro: EdUERJ, 2013, p. 30. e da língua então falada. Nesse sentido,
salienta-se a emergência do indianismo,
que se fundamente em uma busca das raízes
profundas da brasilidade, produzindo uma
idealização do ameríndio que se coaduna
com a literatura romântica de tendência
medievalista que se produzia na Europa. O
índio encarna, portanto, os valores civilizados
a que aspirava a nação em formação. O
registro mantinha-se, em larga medida, de
acordo com o cânone luso, em um processo
que somente se relativiza com a produção
de José de Alencar, que incorpora, ainda
que paulatinamente e apesar das críticas,
elementos do falar brasileiro. Essa dinâmica
é evidente, por exemplo, em Iracema. A
literatura e a língua brasileiras consolidam-
se, destarte, à medida que os elementos da
brasilidade e do registro se veem plasmados
na literatura dos românticos pioneiros.
O movimento de consolidação nacional
83 ÍNDICE
é marcado, ademais, pela inaguração do configuravam efetivo mecanismo de
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da instrução e de difusão cultural, somando-
Academia Imperial de Belas Artes e do Colégio se ao mercado editorial que, ainda que
Pedro II, destinado não só à educação do timidamente, se conformava. Os institutos
Imperador, mas também das elites nacionais, superiores, com destaque para a Escola de
que ali socializavam, tendo como professores Direito de SP e, posteriormente, à Escola
literatos como Joaquim M. de Macedo. O de Minas de Ouro Preto, emergem como
IHGB contribuiu, significativamente, para lócus de profícuo intercâmbio acadêmico,
a construção da identidade nacional, como contribuindo, ademais, para a socialização
patente no concurso sobre “Como escrever das elites, cuja homogeneidade, nos termos
a História do Brasil”, vencido por Martius de José Murilo de Carvalho, remonta à
com a tese concernente ao “Mito das Três tradição coimbrã. O estímulo à vida cultural,
Raças”. Essa valorização inédita das matrizes de que o próprio Imperador era entusiasta,
africana e indígena – ainda que mantido o haja vista suas viagens e intercâmbios
eurocentrismo – é evidência do dinamismo com intelectuais de renome, permitiu
cultural que se prenunciava naquele que se procedesse à efetiva construção da
momento. Há, ainda, esforço significativo identidade nacional, cujo dinamismo se vê
de mapeamento e de exploração da natureza epitomado, posteriormente, no Realismo
pátria: para construir-se um país, é, afinal, de Machado de Assis.
mister conhecê-lo. Esse empreendimento
é patente na mapoteca reunida por Duarte Exemplos de Recursos
da Ponte Ribeiro, que, em suas missões,
colaborou diretamente com o IHBG. Cabe, Prova/Questão/Quesito: História do
ainda, destacar a Academia Imperial de Belas Brasil - questão 3 - quesito Q2
Artes, que, para além da formação dos artistas
plásticos que retratavam a vida nacional, Argumento: Prezada Banca: Para além
configurou instrumento de projeção da boa nota, agradeço muitíssimo a atenção
internacional do país: diversos artistas, conferida à prova e à revisão dos recursos.
muitas vezes subvencionados pelo próprio Gostaria de solicitar, cordialmente, a majoração
Imperador, eram enviados para estudar na da nota que me foi concedida no QUESITO 02 da
Europa e lá promover as singularidades do QUESTÃO 03, pois considero que apresentei um
Brasil. Pedro Américo, que se celebrizou texto conciso e bem redigido, que inclui todos os
pelos quadros épicos da história nacional, temas contemplados pela banca examinadora
foi um dos bolsistas do Imperador, enviado à no padrão de respostas. Listo a seguir os
Europa para estudar. aspectos pertinentes que foram abordados em
Apesar do autoritarismo de uma minha resposta e fundamentam o recurso: - o
Constituição Outorgada, não se pode papel da literatura na disseminação da língua
olvidar que a Carta de 1824 consagrava o e na padronização da escrita (l.13-14) - o
ensino público gratuito, e o Imperador Romantismo como movimento artístico, cultural
Pedro II, homem de cultura que era, não e literário amplo (l.10-11) - a associação entre
se furtou a estimular a conformação de romantismo e nacionalismo no século XIX (l.11-
aparatos educacionais e de instrução. 12) - a autonomização de um campo artístico
Lembra-se que, sob o Padroado, o governo e literário (l.10) - a difusão do Romantismo
imperial tinha amplo controle sobre no Brasil a partir de 1834 (l.11) - o projeto
a Igreja, influindo, portanto, sobre os de constituição de uma literatura nacional
Institutos de Educação por ela mantidos. torna-se mais consistente sob influência do
Nota-se, ademais, a ampla disseminação Romantismo (l.10-12) - o indianismo como
de periódicos e de panfletos no período vertente central do Romantismo brasileiro
Imperial, os quais, para além de meio de (l.17) - a veiculação de projetos nacionalistas
ativismo político (sendo tolerados por pautados em concepções românticas por meio
Pedro II, apesar das críticas severas), de periódicos (Marmota Fluminense, Minerva
84 ÍNDICE
Brasiliense, Iris, Guanabara etc.) (l.49-51) Prova/Questão/Quesito: História do
- a especificidade da língua brasileira como Brasil - questão 3 - quesito Q5
expressão do Romantismo literário no Brasil
(l.14) - o registro escrito de marcas da oralidade Argumento: Prezada Banca: Para além
como forma de afirmação da variante brasileira da boa nota, agradeço muitíssimo a atenção
da língua (l.14; 23-24) - o tamanho reduzido conferida à prova e à revisão dos recursos.
do público leitor foi marca do processo de Gostaria de solicitar, cordialmente, a majoração
constituição da literatura brasileira (l.52- da nota que me foi concedida no QUESITO 05 da
53) - o papel central do Estado imperial na QUESTÃO 03, pois considero que apresentei um
viabilização das publicações, em cenário de
texto conciso e bem redigido, que inclui todos os
poucos livreiros e editores (l.46-47) - o papel
temas contemplados pela banca examinadora
central do Romantismo literário na criação de
no padrão de respostas. Listo a seguir os aspectos
símbolos que dessem sustentação ideológica à
pertinentes que foram abordados em minha
consolidação do Estado brasileiro (l.17-18) - a
resposta e fundamentam o recurso: - a criação
idealização romântica do índio (tupi), espécie
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
de “cavaleiro” medieval à moda brasílica (l.16-
(IHGB) em 1838 (l.26) - o objetivo de criar uma
17) - o índio idealizado do Romantismo (“bom
selvagem”) alçado à condição de símbolo “memória nacional” tendo como fio condutor
da nacionalidade (l.17-18) - Gonçalves de a continuidade (l.29-30) - o caráter de espaço
Magalhães, A confederação dos Tamoios (1856) de sociabilidade de políticos e letrados “diante
(l.11) - José de Alencar, Iracema (1865) (l.20- dos augustos olhares” (l.27-28) - a promoção
22) - Menção a outros autores românticos, de concursos de monografias (l.30) - o papel
como: (l.28-29) - Joaquim Manuel de Macedo do IHGB como agregador de intelectuais em
(l.2829) Nesse sentido, além de haver escrito nome de um projeto comum (l.29) - a busca
um texto claro e conciso, abordaram-se, como pela construção de uma “biografia” da nação
verificado, todos os aspectos elencados pela (l.29-30) Nesse sentido, além de haver escrito
banca examinadora como imprescindíveis. A um texto claro e conciso, abordaram-se, como
pena aplicada no QUESITO 02 da QUESTÃO verificado, todos os aspectos elencados pela
03, desse modo, não parece coadunar-se banca examinadora como imprescindíveis. A
com os princípios da proporcionalidade e da pena aplicada no QUESITO 05 da QUESTÃO
isonomia subjacentes ao concurso. À luz da alta 03, desse modo, não parece coadunar-se
competitividade do certame e da qualidade com os princípios da proporcionalidade e da
do texto apresentado, peço, gentilmente, a isonomia subjacentes ao concurso. À luz da alta
majoração da nota atribuída no QUESITO competitividade do certame e da qualidade
02 da QUESTÃO 03, na medida em que a
do texto apresentado, peço, gentilmente, a
penalização de 0,50 ponto no quesito parece ser
majoração da nota atribuída no QUESITO
excessivamente rigorosa.
05 da QUESTÃO 03, na medida em que a
penalização de 0,25 ponto no quesito parece ser
Resposta: Deferido Parcialmente
excessivamente rigorosa.

Justificativa: O recurso foi deferido


Resposta: Deferido
parcialmente, pois embora os argumentos
apresentados sejam aceitáveis, cumpre
ressalvar que a ampliação em 0,25 leva em Justificativa: O recurso foi deferido, pois
conta a qualidade superior de outras respostas a banca acolhe os argumentos apresentados e
relativas ao quesito e, por conseguinte, o caráter reconhece a qualidade da reflexão.
comparativo e competitivo do certame.
Nota original: 1,75
Nota original: 1,5 Nota Final: 2
Nota Final: 1,75

85 ÍNDICE
Prova/Questão/Quesito: História do
Brasil - questão 3 - quesito Q8 Justificativa: O recurso foi deferido, pois
a banca acolhe os argumentos apresentados e
Argumento: Prezada Banca: Para reconhece a qualidade da reflexão.
além da boa nota, agradeço muitíssimo a
atenção conferida à prova e à revisão dos Nota original: 1,75
recursos. Gostaria de solicitar, cordialmente, Nota Final: 2
a majoração da nota que me foi concedida no
QUESITO 08 da QUESTÃO 03, pois considero Prova/Questão/Quesito: História do
que apresentei um texto conciso e bem redigido, Brasil - questão 3 - quesito Q9
que inclui todos os temas contemplados pela
banca examinadora no padrão de respostas. Argumento: Prezada Banca: Para além
Listo a seguir os aspectos pertinentes que foram da boa nota, agradeço muitíssimo a atenção
abordados em minha resposta e fundamentam conferida à prova e à revisão dos recursos.
o recurso: - o papel da Academia Imperial de Gostaria de solicitar, cordialmente, a majoração
Belas Artes (AIBA) (l.26) - o papel fundador da nota que me foi concedida no QUESITO 09 da
da Missão Artística Francesa de 1816 (colônia QUESTÃO 03, pois considero que apresentei um
Lebreton, com Debret, Montigny, Taunay etc.) texto conciso e bem redigido, que inclui todos os
(l.6-9) - o papel do estilo neoclássico (l.8-9) - temas contemplados pela banca examinadora
a autonomização do campo artístico brasileiro no padrão de respostas. Listo a seguir os
(l.8-9) - a importância dos vínculos entre aspectos pertinentes que foram abordados em
Estado e produção artística (l.3-5) - a presença minha resposta e fundamentam o recurso: - o
de artistas estrangeiros (l.6-8) - a formação de progressivo processo de institucionalização
artistas brasileiros em centros internacionais da instrução pública (l.4549) - a garantia da
(l.40-41) - a formação de uma elite intelectual e instrução primária e gratuita na Constituição
artística, capaz de garantir a inserção do país no de 1824 (l.45) - a educação primária como
panorama cultural internacional (l.27-28) - a condições do pleno gozo de direitos civis e
arte acadêmica como elemento de fixação social políticos (l.45) - a criação do Colégio Pedro II
dessa nova elite (l.27-28) - o aparecimento de (CPII) como instituição modelar do governo
artistas nascidos e com formação artística toda central (l.27) - a solidificação do processo de
feita no Brasil, os “primeiros” artistas nacionais institucionalização da instrução pública no
(l.4143) - o prêmio de viagem ao estrangeiro II Reinado (l.51-52) o papel de outros cursos
(com destino, principalmente, a França e Itália) superiores e profissionalizantes, a exemplo
(l.41-43) - a criação do prêmio de viagem por D. da Escola de Minas de Ouro Preto (1875) e da
Pedro II, em 1845 (l.41-43) - o papel de destaque Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1874)
de Pedro Américo (1843-1905) (l.41-43) Nesse (l.53-54) Nesse sentido, além de haver escrito
sentido, além de haver escrito um texto claro e um texto claro e conciso, abordaram-se, como
conciso, abordaram-se, como verificado, todos verificado, todos os aspectos elencados pela
os aspectos elencados pela banca examinadora banca examinadora como imprescindíveis. A
como imprescindíveis. A pena aplicada no pena aplicada no QUESITO 09 da QUESTÃO
QUESITO 08 da QUESTÃO 03, desse modo, 03, desse modo, não parece coadunar-se
não parece coadunar-se com os princípios da com os princípios da proporcionalidade e da
proporcionalidade e da isonomia subjacentes isonomia subjacentes ao concurso. À luz da alta
ao concurso. À luz da alta competitividade do competitividade do certame e da qualidade
certame e da qualidade do texto apresentado, do texto apresentado, peço, gentilmente, a
peço, gentilmente, a majoração da nota majoração da nota atribuída no QUESITO
atribuída no QUESITO 08 da QUESTÃO 03, na 09 da QUESTÃO 03, na medida em que a
medida em que a penalização de 0,25 ponto no penalização de 0,25 ponto no quesito parece ser
quesito parece ser excessivamente rigorosa. excessivamente rigorosa.

Resposta: Deferido Resposta: Deferido


86 ÍNDICE
Justificativa: O recurso foi deferido, pois concurso, que sedimenta a ideia de “Mito das
a banca acolhe os argumentos apresentados e Três Raças”, que fundamenta, em grande
reconhece a qualidade da reflexão. parte, a identidade nacional até os dias
atuais. As três raças seriam o branco, o negro
Nota original: 1,75 e o índio, E Vanhargen foi o responsável pela
Nota Final: 2 formalização desse discurso historiográfico.
A Academia Imperial de Belas Artes
também desempenhou papel profícuo na
Nota - 14,75 construção da identidade nacional. Fundada
Camile Viana Leal em 1826, após esforços empreendidos pela
Missão Francesa de 1816, que trouxe ao Brasil
Para grande parte da historiografia, artistas renomados como Taunay e Debret,
como Maria Odila Leite Dias e José Murilo buscou-se consolidar, também no âmbito
de Carvalho, o processo de consolidação do artístico, a conformação da identidade
Estado e da identidade brasileira só ocorre nacional. Se, por um lado, a Academia sofreu
no Segundo Reinado. As instituições algumas críticas “a posteriori” por ter
e os debates acadêmicos, científicos “escanteado” o barroco brasileiro mineiro,
e literários foram fundamentais na por outro lado ela representou a entrada
consolidação desse processo. das vanguardas artísticas da época (estilo
Primeiro destaque deve ser feito ao neoclássico) e a institucionalização da
papel da literatura nacional nesse processo. identidade nacional por meio da arte. Destaque
Com o advento do Romantismo no século seja feito à produção artística de Pedro
XIX, autores românticos, como Gonçalves Américo, cujos quadros em valorização às
Dias, buscavam conformar uma identidade grandes batalhas conformadoras da unidade
nacional, com valorização da figura indígena do Brasil (como “O Grito do Ipiranga”)
como herói e valorização de seu papel na encontram-se expostos até os dias atuais. Há
história brasileira. Esse esforço estendeu- também que se destacar, dentro da produção
se também à necessidade de disseminação e artística, a produção musical. Nesse sentido
uniformização da “língua brasileira”, uma encontram-se os esforços para a confecção
vez que o tupi e outras línguas regionais ainda de símbolos da identidade nacional (debates
eram proeminentes em muitas províncias. também empreendidos no IHGB), com
Os poemas românticos e os romances em destaque para a criação do hino nacional,
folhetins (como a publicação de “O Guarani”, cuja melodia foi aproveitada mesmo após a
de José de Alencar contribuíam, portanto, proclamação da República.
para a disseminação e uniformização da Os aparatos educacionais e de
língua entre a população. instrução também desempenharam
No âmbito cultural, acadêmico e importante papel no processo de construção
linguístico foi de extrema importância a da identidade nacional. Nesse diapasão,
fundação do Instituto Histórico e Geográfico a Constituição de 1824 foi vanguardista
Brasileiro (IHGB) em 1838. O IHGB teve ao prever a educação primária gratuita
papel essencial na formação da identidade fornecida pelo Estado. Embora na prática a
nacional. Eram nas reuniões do IHGB, por grande maioria da população permanecesse
exemplo, que os escritores românticos analfabeta, a previsão de educação gratuita
encontravam-se pessoalmente com D. por certo contribuiu para a uniformização da
Pedro II e onde se discutia, com afinco, língua brasileira, bem como para a difusão da
o direcionamento da formação de uma literatura brasileira. Para Antonio Cândido,
identidade verdadeiramente brasileira. Nos é apenas com o Romantismo que se pode
anos 1840s, no IHGB, D. Pedro II promove um considerar o surgimento de uma literatura
concurso de monografias para a produção de efetivamente brasileira e o ensino nas escolas
uma historiografia oficial sobre a formação e a valorização de símbolos e produções
da identidade nacional. É, precisamente, esse literárias nacionais contribuiu para esse
87 ÍNDICE
processo. Destaque seja dado à criação, ainda importantes da criação do IHGB foram Cunha
no fim da Regência, do Colégio D. Pedro II, Matos e Cunha Barbosa, que afirmavam
instituição de instrução que contribuía para esses objetivos para a instituição; É assim
a formação identitária e cultural homogênea que é concebido o concurso “como escrever a
entre as elites. Ao longo do Segundo Reinado, história do Brasil”, cujo vencedor, o Barão de
os debates no Instituto Histórico e Geográfico Van Hargen, estabelece um padrão que seria
Brasileiro abarcarão diversos temas, não só hegemônico durante boa parte da história
acadêmicos, mas também socioeconômicos, nacional - o mito das três raças. Segundo
como a discussão sobre possível processo de esse mito, a história e a identidade brasileiras
“industrialização” no Brasil. Após a Guerra seriam formadas a partir da interação entre
do Paraguai, a retórica da nacionalidade brancos (portugueses), índios e negros. Dom
e da identidade nacional se expandiu, Pedro II, após tornar-se imperador, seria um
abarcando camadas mais populares, com a grande entusiasta da ciência e contribuiria
produção literária e artística refletindo esse com grandes somas para o orçamento do IHG,
sentimento de unidade nacional. O debate além de presidir diversas de suas sessões.
sobre o abolicionismo também ganhou o Ele corresponde-se e incentiva a vinda
meio acadêmico e teve ressonância nas de cientistas e acadêmicos estrangeiros.
discussões sobre identidade nacional, com Darwin, por exemplo, ao vir ao Brasil, ficaria
destaque desde a literatura condoreira chocado com a brutalidade da escravidão.
de Castro Alves até a formação de clubes Relatos como esse e episódios como os da
abolicionistas em 1880s. Por fim, crítica exposição internacional motivaram D. Pedro
seja feita à baixa participação das mulheres II a discutir a emancipação. Já a Academia
nesse processo, seja por escasso acesso aos Imperial de Belas Artes antecede o período
aparatos educacionais, seja pelas limitações regencial. Ela é responsável pela introdução
culturais da sociedade patriarcal da época. do estilo neoclássico e declínio do barroco
no Brasil. É importante sua contribuição
para formação de artistas nacionais e na
Nota - 14,75 produção de obras que alimentam o mito de
Guilherme Oliveira Agustini uma identidade nacional, como o famoso
quadro de Pedro Américo, retratando o
O Brasil consta entre um dos países Grito do Ipiranga com contornos épicos. A
do mundo cuja existência enquanto Estado formação de este e de outros artistas contaria,
precedeu sua existência enquanto nação; Os também, com o mecenato de D. Pedro II, que
embates políticos sobre descentralização e financiaria parte de seus estudos na Europa.
centralização do período regencial, somados Quanto aos debates relativos à
às inúmeras revoltas que ameaçaram a literatura brasileira e à língua brasileira,
unidade territorial do país, evidenciaram são centrais figuras como José Alencar e
a necessidade de consolidação de uma Machado de Assis. José Alencar é amigo que
identidade nacional como condição da depois passa a desafeto de D. Pedro II. Insere-
estabilidade política do país. se no romantismo e tem atuação política.
Ainda em 1838, já durante a regência Mais importante ainda, defendia a tese de
de A. Lima, em meio à estruturação do que, no Brasil, não se falava português, mas,
projeto do “regresso”, é criado o Instituto sim, a língua brasileira, com suas próprias
Histórico e Geográfico Brasileiro. Como particularidades, como vocábulos tropicais.
evidencia Rodrigo Turin, era papel do IHGB A defesa desse ponto de vista era vista,
contribuir para formação de um “discurso por alguns, como recurso de consolidação
historiográfico naiconal”. Isso consistia da identidade nacional, apartando-a da
no desenvolvimento de léxico e conceitos portuguesa, lembrando que episódios de
comuns que balizassem a produção histórico anti-lusitanismo eram frequentes. Isso
e geográfica do país, formando uma jamais prosperou, como o “brasileiro”
identidade nacional. Duas das figuras mais consolidando-se como variante do idioma
88 ÍNDICE
português. Machado de Assis, por sua vez, nacional e a importância desta. Mesmo os
que introduz o realismo no Brasil com sua artistas estavam profundamente ligados à
obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, política. Além de sua dependência financeira,
era crítico da produção artística brasileira muitas vezes atuavam politicamente a título
em matéria de nacionalidade. Em seu texto, próprio, como Alencar, que foi também
“Instinto de Nacionalidade”, afirma que senador.
muitos dos artistas brasileiros somente Recurso: quesito Q8
introduzem elementos nacionais a cânones
europeus, o que não passa de imitação. Sua Excelentíssima banca de história do
crítica é, essencialmente, a mesma que seria Brasil, todo décimo é extremamente importante
levantada pelos modernistas, que também em um concurso tão competitivo e de tão
buscavam, através da arte, identificar o que alto nível como o CACD. Com isso em mente,
significa ser brasileiro. venho respeitosamente requerer que seja
Quanto aos aparatos educacionais e reconsiderada a avaliação do Q8 da questão
de instrução, vale frisar, inicialmente, que 3 do candidato. Entre as linhas 20 e 25, o
a Constituição de 1824 previa a educação candidato referencia diversos elementos-chave
primária como obrigação estatal, apesar presentes no padrão de resposta disponibilizado
da baixa efetivação desse dispositivo. Foi pela banca. O candidato destaca a relação entre
central para conformação de um sentimento o Estado e a produção artística nacional ao
de identidade, ao menos entre as elites, mencionar a Academia Imperial de Belas Artes
a criação do Colégio Pedro II, ainda em (l.20), ressalta o estilo neoclássico (l.21/22)
1838. Nesse ambiente, os filhos das elites e o mecenato de D. Pedro II (l.25). Destaca o
imperiais compartilhavam, desde jovens, estudo de artistas brasileiros na Europa (l.24)
uma formação comum, atenuando as e faz referência explícita a Pedro Américo
possibilidades de conflito e possíveis (l.23), nome que consta no padrão de resposta,
sentimentos separatistas. O próprio (linha e de seu quadro, destinado a eternalizar mitos
cortada na digitalização). da identidade nacional (l.24). O candidato
No campo do ensino superior, as argumenta que, entre todas as ideias presentes
elites tinham preferência pela formação no padrão de resposta do quesito 8, a única
em direito, formando, efetivamente, uma não mencionada explicitamente é a presença
elite de bacharéis. Eram somente duas as de artistas estrangeiros no Brasil, ainda que
possa ser extraída na linha 21, quando o
faculdades de direito no país - a de São Paulo
candidato menciona a introdução do estilo
e a de Olinda, depois movida para Recife.
neoclássico no país. Dessa forma, a nota de
Isso também contribuia para uma formação
1,25 não corresponde estritamente ao conteúdo
comum que minimizava possíveis atritos.
apresentado pelo candidato, que requer que
Outras faculdades também existiam, como
esta seja majorada para 2, ou outro valor que a
de medicina, em Salvador; e de Minas, em
banca julgue apropriado.
Ouro Preto, esta última fundada durante
reforma educacional do gabinete Rio Branco,
O recurso foi deferido parcialmente, pois
na década de 1870, visando a modernização
embora os argumentos apresentados sejam
e tendo em vista sua própria formação em
parcialmente aceitáveis, cumpre ressalvar que a
engenharia. Era central, também, o ensino
ampliação em 0,25 leva em conta a qualidade
religioso, em um país católico em que padres
superior de outras respostas relativas ao quesito
participavam da minoria letrada.
e, por conseguinte, o caráter comparativo e
Outro importante espaço de debate em
competitivo do certame. Nota Final: 1,5
relação à construção da identidade nacional
eram os jornais. Na época, era indissociável
a atividade jornalística da política, de forma
que jornalistas e políticos confundiam-se.
Nos jornais de maior circulação era comum
debates sobre a formação da identidade
89 ÍNDICE
Menor Nota - 1
Anônimo
Questão 04
Em decreto datado de 12 de novembro
A vida acadêmica, científica e literária,
de 1823, Dom Pedro I dissolveu a Assembleia
bem como a construção da identidade
Constituinte de 1823, por ele convocada para
nacional é realizada num momento posterior
“salvar o Brasil dos perigos que lhe estavam
a independência política. DE fato, a formação
iminentes”. Ao justificar a dissolução,
cultural brasileira se faz após a separação
afirmou ter a Assembleia “perjurado do
política entre o Brasil e Portugal. Esse fato
tão solene juramento que prestou à Nação
está na origem das formulações literárias e
de defender a integridade do império, sua
educacionais do Segundo Reinado.
independência e a minha [Dom Pedro I]
O IHGB publica a História do Brasil,
dinastia”.
marco para acadêmicos do período.
No mesmo decreto, convocou outra
Assembleia, “na forma da Instrução”, para
trabalhar em um projeto de constituição
que “eu lhe ei em breve apresentar; que será
duplicadamente mais liberal, do que o que a
extinta Assembleia acabou de fazer.”

BRASIL. Decreto de 12 de novembro de 1823. In:


RODRIGUES, José Honório.
A Assembleia Constituinte de 1823. Petrópolis:
Ed. Vozes, 1974, p. 305, com adaptações.

Alguns dos problemas e impasses


políticos e sociais do processo de emancipação
política do Brasil podem ser observados
no Decreto de fechamento da Assembleia
Constituinte de 1823. Com base no resumo
do Decreto de 12 de novembro de 1823 e
nos conhecimentos relativos ao período
colonial brasileiro, e a respeito do processo
de separação política entre Portugal e o
Brasil, redija um texto dissertativo tratando
de alguns dos dilemas políticos e sociais do
referido processo.

90 ÍNDICE
Aborde, necessariamente, os aspectos Padrão de Respostas
a seguir.
Q1 – A separação política entre Brasil e
Portugal foi um processo longo, marcado por
• sentidos políticos da transferência da muitos conflitos e dilemas. O primeiro deles
Corte portuguesa para o Brasil; dizia respeito ao malogrado projeto político
• conflitos armados e políticos do português de se estabelecer definitivamente
processo de separação política; no Brasil. Após mais de 15 anos no Brasil,
• invenção de uma nação constitucional que foi erguido à condição de Reino Unido
e liberal; e de Portugal, em 1815, o monarca português
• argumentos que pautaram os foi chamado para voltar à Europa, quando
diferentes posicionamentos acerca da convocada a Assembleia Constituinte em
escravidão. 1821.
Q2 – Durante a Constituinte
portuguesa, os habitantes do Brasil, tanto
Extensão do texto: até 60 linhas
os nascidos na América quanto os europeus,
[valor: 20,00 pontos]
oscilavam entre apoiar o soberano português
recém-egresso para a Europa e a defesa da
Relatório de Notas separação política. Alguns moradores da
América defendiam o grande reino Brasil-
Maior Nota: 19,5 Portugal, outros se opunham aos portugueses
Nota Média: 16,8 que, aos poucos, passaram a ser definidos
Menor Nota: 10,5 como inimigos.
Desvio-padrão: 2,101586702 Q3 – O Brasil passaria a ocupar um
lugar secundário na Constituição portuguesa
que estava sendo formulada em 1821,
perdendo muito do que conquistara no
período em que o Rio de Janeiro foi a sede
do império português. Nesse sentido, no
primeiro momento, foi sendo consolidado
um sentimento de oposição ao português,
mais do que um sentimento nacional
brasileiro.
Q4 – Havia, em Portugal, quando o
Rei e sua Corte deixaram Lisboa em meio à
invasão napoleônica, o projeto político de
fazer do Rio de Janeiro a nova e definitiva
sede do governo português, o que seria
definido como uma fase pós-europeia de
Portugal, que poderia ser caminho para
reerguer e reinventar Portugal longe do
velho mundo. Muitas dúvidas e muitos
conflitos decorreram dessa mudança, bem
como um grande conjunto de benefícios
para a América, como a imprensa régia em
1808, a abertura dos portos e a celeridade nas
decisões.
Q5 – Uma das razões do malogro
projeto de definir o Rio de Janeiro como nova
sede do império português foi a resistência
dos portugueses moradores da Europa,
91 ÍNDICE
que viam o Brasil como uma terra bárbara, políticos variados em razão da novidade que
povoada por africanos e americanos pouco era o constitucionalismo e o liberalismo.
educados. Nesse sentido, ao longo da primeira metade
Q6 – A escravidão foi questão do século 19, houve muitas disputas entre
polêmica por ser, ao mesmo tempo, a base um modelo mais centralizado de poder, com
da organização social, política e econômica maior concentração na figura do imperador,
da América portuguesa, mas isso era visto ou um menos centralizado, com maior
por alguns como uma base ruim para a nova autonomia das províncias, o que esteve em
nação, que deveria, nesse sentido, ser criada pauta, especialmente após a abdicação de
pensando-se em um modo de, no longo Pedro I em 1831.
prazo, abolir a escravatura. Outros entendiam
ser ela o elo fundamental daquele mundo e Referências
deveria ser mantida em toda sua potência
tanto por sua importância econômica como BRASIL. Decreto de 12 de novembro de 1823. In:
por ser legitimada pela ideia de ser justa por RODRIGUES, José Honório. A Assembleia Constituinte
de 1823. Petrópolis: Ed. Vozes, 1974, p. 305, com
trazer para a civilização pessoas bárbaras.
adaptações.
Q7 – Acerca da escravidão, ainda havia
o problema de outras nações, em especial a
Inglaterra que, àquela altura, se arvorava
como a promotora da liberdade no mundo
após abolir o tráfico de escravos em suas
colônias em 1807. A Inglaterra somente
reconheceu a independência do Brasil em
1826, após o acordo para que a nova nação
extinguisse o tráfico Atlântico de escravos no
prazo de cinco anos. Também a revolução do
Haiti era uma questão, a manter vivo o medo
de revoltas escravas em uma jovem nação,
em sua maioria, povoada por africanos
escravizados, seus descendentes livres ou
libertos.
Q8 – A independência política do Brasil
foi processo longo, marcado por muitos
conflitos. Os escravizados se tornariam
livres? A nação seria uma só, com todas as
províncias se tornando uma só nação? Nem
todas as províncias aderiram, ao mesmo
tempo, à causa da emancipação política.
Ademais, ainda restava empenho português
para retomar sua antiga colônia, sendo a
Guerra de Independência da Bahia um dos
momentos de conflito bélico importante
que, em 1823, garantiu a independência, ao
mesmo tempo em que mostrou como ela
estava em risco.
Q9 – Na primeira metade do século
19, o Brasil foi palco de inúmeras revoltas,
desde escravizados àqueles que buscavam se
separar do recém-criado País.
Q10 – Mais do que inventar uma
nação, a separação política impunha dilemas
92 ÍNDICE
Nota - 19,5 nas instruções de Bonifácio aos deputados
Guilherme Oliveira Agustini paulistas eleitos para a s Cortes. Dito isso,
aos fins de 1821, conforme avança o projeto
A Noite da Agonia, em 1823, com o de constituição, vai ficando claro que as elites
fechamento do Congresso, e a outorgada em Portugal não desejavam a autonomia do
constituição de 1824 resultam do processo de Brasil. Enviam ordens exigindo o retorno de
independência que, segundo Maria Odila, é D. Pedro e a sujeição direta das províncias às
consequência da interiorização da metrópole. Cortes. Diante disso, as elites enraizadas no
A transferência da Corte, em 1808, tem Brasil resistem, em atos que gradualmente
razões conjunturais e estruturais. No campo caminhavam na direção da ruptura. Há o dia
estrutural, temos o projeto de Império luso- do Fico, com D. Pedro negando-se a retornar
brasileiro, já defendido por figuras como A. e recebendo o título de defensor perpétuo do
Vieira, face à relativa fragilidade de Portugal Brasil. Ele, também, declara que as instruções
na Europa e força na América. No campo das Cortes só serão válidas no Brasil com seu
conjuntural, temos a ascensão da geração de “cumpra-se”. Ademais, é expulsa a divisão
1790, favorável ao projeto, como R. de Souza auxiliadora e, mais importante, é convocada
Coutinho; e, mais importante, o contexto das uma assembleia brasílica, paralela às Cortes.
guerras napoleônicas que, com o bloqueio Assim, vai ganhando força a ideia de ruptura,
continental e invasão da península, forçam com D. Pedro sendo aconselhado por J.
portugal a optar pela Inglaterra e garantir Bonifácio e G. Ledo, o primeiro aristocrático,
suas colônias. A transmigração da Corte o segundo mais democrata. Em agosto de
significou, politicamente, o fim do status 1822, cada um destes escreve um manifesto.
colonial do Brasil, ainda que só fosse ser O mais importante, o de Bonifácio, dirige-
elevado a Reino Unido no Congresso de se “às nações amigas” e afirma que o
Viena, em 1815; a realocação da capital de um Congresso de Viena já havia, em 1815,
Império europeu para a América; e o início de reconhecido o Brasil enquanto nação. No 7
um processo de enraizamento dos interesses, de Setembro, ao receber notícias de artigos
sobretudo comerciais, de uma parcela da adicionais limitando a autonomia brasileira
elite portuguesa no Centro-sul do Brasil. pelas Cortes, D. Pedro realiza o “Grito do
A Revolução do Porto, em 1820, resulta Ipiranga”, data simbólica da independência.
da “orfandade do reino”. Essa revolução Findo o embate político, tem início
intitula-se liberal e regeneradora. Ela estava conflito armado pela independência em
insatisfeita com a administração inglesa províncias como Cisplatina, Pará, Maranhão
de Portugal, fato exacerbado pelo declínio e, sobretudo, Bahia. O Brasil vence, sendo
econômico decorrente da abertura dos importante a participação de mercenários,
portos, em 1808, e do tratado comercial de como Cochrane e Labatut. O último embate
1810, junto à Inglaterra. Demandavam a volta dá-se na Bahia, em 1824. A constituinte
de D. João VI, adotam provisoriamente a brasileira, então, debruçou-se sobre o
constituição de Cádiz, convocam assembleia projeto de conformar uma nação liberal, mas
constituinte, com eleição de deputados, escravista. Foi elaborada a “constituição da
inclusive no Brasil. Na América, as notícias mandioca”, cujo critério censitário limitaria
da revolução são recebidas com entusiasmo o voto aos donos de terra. D. Pedro, com o
por parcela das elites e contam com adesão apoio do grupo conhecido como “partido
de tropas. João VI retorna a Portugal, português”, opta por fechar a Assembleia
deixando seu filho, D. Pedro, como regente. em 1823, ocasião conhecida como “Noite
Gradualmente, contudo, desenha-se um da Agonia”. O Imperador opta, então, por
conflito entre Lisboa e Rio de Janeiro sobre uma constituição que, inspirada nas ideias
quem seria a cabeça do Império português. As de B. Constant, conta com um 4º poder - o
elites enraizadas no Brasil defendem projeto moderador, dito neutro. Dito isso, tal poder
de monarquia dual, compartilhando poder seria encarado pelo grupo conhecido como
entre os dois lados do Atlântico, tal tese consta “partido brasileiro” como instrumento do
93 ÍNDICE
absolutismo e formaria, junto ao Conselho de Segue-se à transferência da Corte o que
Estado e ao Senado vitalício, a tríade maldita. se convencionou chamar de “interiorização
A própria existência de uma constituição, da metrópole”. De fato, houve a instalação
contudo, é, para a época, medida liberal e D. do aparato administrativo luso no Rio de
Pedro ficaria conhecido, em Portugal, onde Janeiro, a criação de escolas, teatros, a vinda
reproduziria essa constituição, como “o de missões artísticas e o enraizamento luso
liberal”. em terras tropicais. Relembra-se, ainda,
Quanto à escravidão, a constituição que se aponta a transferência e 1808 como o
de 1824 é silente sobre o assunto, com a início do processo de emancipação política
prática igualando a pessoa escravizada do Brasil. Houve, igualmente, reações contra
à propriedade. Havia, contudo, aqueles a “nova Lisboa”, como a revolta dos padres
que, como Bonifácio, argumentam a favor e a conflagração de 1817, em Pernambuco.
da emancipação dos escravos, além da Nesse sentido, os interesses das elites aqui
incorporação do índio, pois acreditavam instaladas foram parte dos problemas e
perigoso que uma nação tivesse, em seu impasses políticos e sociais do processo
meio, um elevado percentual de revoltosos de emancipação política do Brasil. De toda
em potencial, além das teorias racistas do sorte, o Brasil já formava parte do Reino
branqueamento e o haitianismo. Aqueles Unido de Portugal, Brasil e Algarves desde
favoráveis à escravidão argumentavam com 1815 – “statement” político que foi usado
base no direito divino à propriedade, o papel por José Bonifácio para justificas o Brasil
civilizatório e catequista do homem branco. como Estado soberano em 1822. Ademais,
Desejava-se um liberalismo estamental e no contexto do Congresso de Viena, Portugal
um catolicismo hierárquico, nas palavras de compromete-se a não traficar escravos acima
Ângela Alonso. A liberdade do escravo daria- da linha do Equador e participa da criação
se após a morte. de Comissões Mistas. Importante ressaltar
que há continuação dos laços assimétricos
com a Inglaterra após a transmigração.
Nota - 19 Mesmo que d. João tenha aberto os portos a
Tatiana de Andrade Nunes Parra todas as nações amigas em 1808, a série de
tratados desiguais de 1810 confere benefícios
Em meio às Guerras Napoleônicas, extraordinários à Inglaterra, como baixas
ocorreu a transmigração da Corte tarifas e direitos extraterritoriais. O sistema
portuguesa para o Brasil. Havia, entre suas desigual de tratados será continuado por d.
razões, a iminente invasão do território Pedro I, uma vez feita a emancipação.
português pelos franceses, mas também Com o fim das Guerras Napoleônicas,
a oportunidade que se apresentava para os súditos metropolitanos esperavam que
a execução do projeto de Império luso- o agora d. João VI retornasse a Portugal
português, cuja cabeça deveria estar no livremente, o que não ocorre. Adiciona-se a
eixo mais importante e dinâmico de todas isso o sentimento dos reinóis com a “inversão
as possessões, no Brasil, portanto. Vencia, metropolitana”, tendo eles se tornado a
desse modo, a aliança com a Inglaterra, “colônia”. Além disso, há o espraiamento
defendida pelo Conde de Linhares, e o de ideias liberais pelo continente europeu,
afastamento relativo com relação às tensões a elaboração da Gaditana na Espanha e o
europeias. Ressalta-se que a transmigração início da Revolução do Porto, a qual visava
foi feita com proteção da esquadra inglesa, à regeneração política de Portugal. D. João
que tratado foi assinado com a Pérfida VI foi instado pelas Cortes a retornar, o
Álbion, o que, ademais de confirmar que faz, deixando seu filho como regente,
aliança, conseguia o comprometimento com poder para governar. É certo, ademais,
luso com o encaminhamento da questão que houve o objetivo de elaboração de uma
do tráfico – o qual já havia sido abolido em Constituição – a qual foi jurada por d. João
territórios britânicos. VI – e a convocação de deputados de todo
94 ÍNDICE
o Império para a sua elaboração. Nesse Carta Política – e as obrigações contraídas
sentido, relembra-se o caráter desigual dessa por d. Pedro com a Inglaterra, em 1826,
convocação, já que havia menos deputados foram vistas com maus olhos. Nesse sentido,
do ultramar se em comparação à parte permanece forte a instituição escravocrata,
europeia de territórios, além do fato de que mesmo depois da lei de 1831 e das ofensivas
a Constituição já estava terminada quando inglesas. Com efeito, a escravidão foi esteio
grande parte dos representantes brasileiros do regime monárquico, servindo-se dela
chegou a Portugal. Havia a claro ideia de todos os setores da sociedade.
retomada do status de colônia pelo Brasil, o
que não era aceitado pelos brasileiros.
Entre os anos de 1820 e 1822, ocorre, Nota - 19
portanto, a emancipação política brasileira. Taísa Passoni Marçal
Ainda que inicialmente o objetivo dos
brasileiros não fosse a separação, a tentativa O processo de separação política
de Portugal em subjugar o Brasil, como entre Brasil e Portugal inicia-se já com a
demandando o retorno de d. Pedro, enseja a transferência da Corte portuguesa para o
ruptura formal. Poucas províncias aderiram Brasil, após Portugal ter sido invadido por
rapidamente ao Rio de Janeiro (MG e SP tropas francesas comandadas por Junot, em
entre elas), outras, mais próximas de Lisboa, razão de sua resistência à adesão ao Bloqueio
no Norte sobretudo, uniram-se a Portugal Continental decretado por Napoleão em
e tiveram de ser submetidas via força. As 1806. Entretanto a ideia e transmigrar a
províncias recalcitrantes eram sobretudo Corte para o Brasil já havia sido debatida na
aquelas onde havia presença de tropas lusas. metrópole por figuras proeminentes como
D. Pedro, nesse sentido, organizou o Exército, Padre Antonio Vieira e, posteriormente, por
pacificado por Labatut, e a Armada, sob Rodrigo de Souza Coutinho, futuro Conde
Cochrane, que lograram vencer os conflitos de Linhares, grande admirador da política
internos. inglesa. Dom Rodrigo fazia parte do grupo
O projeto da Mandioca pareceu liberal anglófilo e defendia maior aproximação com
em demasia a d. Pedro I, de modo que recorre a Inglaterra.
ao fechamento da Constituinte em 1823. A transferência da Corte para o Brasil
José Bonifácio, mais moderado, buscava trazia vantagens: no Brasil, havia proteção
contemporizar com os demais deputados, natural do oceano Atlântico o território
como o mais radical Gonçalves Ledo, e com era maior e mais afastado dos frequentes
os mais conservadores. De toda sorte, a conflitos entre nações europeias, e, havia
primeira Constituição brasileira (1824) é tempo, se tornara o principal eixo econômico
outorgada, embora acolhesse, é verdade, do Império português, inclusive em razão
todo o rol de direitos da lógicas liberal então do comércio escravagista. Dessa forma, a
em voga. O sistema eleitoral era censitário e transferência da Corte deu início ao processo
indireto ( isto é alterado pela Lei Saraiva de de emancipação do Brasil. Em 1808, D. João
1881), havia garantia para educação pública abriu os portos às nações amigas, revogou
e eram permitidas outras confissões que o alvará de 1785 que proibia a produção
não a Católica, desde que em particular – de manufaturas na Colônia, incentivou
havia, ademais, quatro Poderes ( Executivo, a indústria siderúrgica e de lã. Em 1815,
Legislativo, Judiciário e Moderador). elevou o Brasil a Reino Unido de Portugal e
A abolição da escravidão e a conseguinte Algarves, de modo que o Brasil deixou de ser
inclusão do negro à vida em sociedade, via colônia. D. João também recriou no Brasil o
educação, eram defendidas pelo Patrono da aparato político-administrativo existente
Independência. Sua opinião era considerada em Portugal, como o Conselho de Estado, o
vanguardista pela grande parte da elite, a Banco do Brasil, a Biblioteca real, além de
qual se beneficiava do trabalho servil. De criar estruturas para assegurar a defesa do
fato, tampouco se menciona a escravidão na Brasil, como a Fábrica de pólvora. Já em 1817,
95 ÍNDICE
encontra a resistência da Revolta dos Padres a Portugal, insurgiram-se contra o novo
no Nordeste brasileiro. núcleo de poder. Houve batalhas no Pará,
Em agosto de 1829, inicia-se a Revolução no Ceará e no Piauí, de que é exemplo a
do Porto “regeneradora”, que deseja que o rei Batalha do Jenipapo. O Brasil valeu-se do
jure à Constituição. Rapidamente, capitanias “exército pacificador”, comandado pelo
do Norte, como o Pará, aderem à Revolução. francês Labatut, e da Marinha recém-
São convocadas Cortes em Portugal, para formada, sob ordens de Cochrane; também
a elaboração de uma Constituição. Em recorreu à ação de mercenários. No Sul,
1821, D. João anuncia, por meio de decreto, também ocorreu insurgência, já que a
que retornaria a Portugal (exigência da Cisplatina estava ocupada desde 1821 por
Revolução do Porto) e que deixaria D. Pedro tropas portuguesas, que só se retiraram dali
como príncipe regente. Quando retorna a um par de anos depois. A separação também
Portugal, D. João determina a realização de foi complexa politicamente. Embora José
eleições de deputados para participarem na Bonifácio assegurasse que o Brasil não teria
Assembleia Constituinte e Portugal, realizada de ceder à Inglaterra quanto às condições
mediante sufrágio universal masculino. para o reconhecimento da independência,
D. João também transforma as capitanias devido à sua população, à sua autonomia
em províncias e estabelece as Juntas política e econômica e à sua proteção
Governativas Provisórias, subordinadas a natural decorrente do oceano Atlântico,
Lisboa. Em 1822, em Portugal, Dom João jura o reconhecimento foi, de fato, conduzido
a Constituição Gaditana. No Brasil, D. João**, conforme o interesse dinástico de D. Pedro,
após a campanha pelo “Fico”, resultante de após a demissão de Bonifácio. O Brasil
determinação das Cortes Portuguesas de que cedeu aos ingleses nos tratados de 1825,
retornasse a Portugal, resolve permanecer que garantiam a cláusula de nação mais
no Brasil. Em fevereiro, convoca o Conselho favorecida, 15% tarifa “ad valorem” sobre
de Procuradores de Província e, durante o produtos ingleses, extraterritorialidade, juiz
período, líderes brasileiros, com Gonçalves conservador; e, no tratado de 1826, firmava
Ledo, organizam petição para demandar a o compromisso de extinguir o tráfico em três
realização de uma assembleia constituinte anos, o direito de apreensão de navios de
Brasileira. O Conselho de Procuradores tráfico, e o julgamento em câmaras mistas
reúne-se em 1822, ano em que dom João jura (cláusulas semelhantes, exceto o prazo de
à nova constituição portuguesa, adotada sem 03 anos, às dos tratados de 1810 e 1817, de
a presença de todos os deputados brasileiros Portugal com a Inglaterra). O reconhecimento
eleitos. O Conselho de Procuradores é de Portugal ocorreu após a mediação inglesa
meramente consultivo e recomenda a e incluiu indenização de 2 milhões de libras
realização da Assembleia Brasílica, para uma e o reconhecimento de que d. João cedia o
constituição Brasileira. São produzidos os Brasil a seu filho, além do compromisso de
“Manifesto ao povo Brasileiro” e o “Manifesto não aglutinar outras colônias portuguesas.
às nações amigas”. José Bonifácio envia a No Brasil, após a independência e o
missão Caldeira Brant à Europa e a Câmara seu reconhecimento por diversas potências,
Correa a Buenos Aires. Dom Pedro proclama teve-se de inventar uma nação constitucional
a independência do Brasil em setembro e, em e liberal. Em 1823, reuniu-se a Assembleia
outubro de 1822, é aclamado imperador. Constituinte, que na qual se destacavam os
A adesão imediata veio apenas de direitos políticos e civis e a proeminência do
províncias como o Rio de Janeiro, São Legislativo. Elaborou-se a “Constituição da
Paulo, Minas Gerais e Rio grande do Sul, as Mandioca”, cujos critérios de participação
“províncias coligadas”. Houve conflitos eleitoral beneficiavam proprietários de
em várias outras, o que atesta o caráter não terra, em detrimento de portugueses. O
completamente pacífico do processo de conflito entre Executivo e Legislativo levou
independência. Províncias do Norte, que ao fechamento da assembleia na “Noite da
já haviam se manifestado favoravelmente Agonia”. D. Pedro nomeou um Conselho
96 ÍNDICE
de Estado, formado por portugueses e Menor Nota - 10,5
responsável por elaborar a Constituição de Anônimo
1824, outorgada por ele. A constituição era
liberal, porque trazia a previsão de direitos Como diz Maria Odila Leite, a
civis e políticos, como o direito à propriedade, independência do Brasil em relação a Portugal
à vida, e participação nas eleições indiretas em é fruto de um processo extremamente longo,
dois níveis: votantes e eleitores, com critérios que se estende desde a transmigração da
censitários. Essa foi a constituição que vigeu Corte portuguesa para a Colônia, em 1808, até
até 1889, e modificada, na prática, em alguns a consolidação do Estado imperial brasileiro,
momentos, como com o Ato Adicional de com o Gabinete da Conciliação, em 1853.
1831 e a Lei Interpretativa de 1840. Apesar Assim, a proclamação da independência
de prever direitos civis, a Constituição brasileira, em 7 de setembro de 1822, é
permitia a escravidão. Isso porque havia apenas uma etapa – embora fundamental
nela o “Liberalismo à Brasileira”, de modo – para a consolidação do Estado nascente.
que o direito de igualdade não se estendia O primeiro reinado e a Constituição de 1824,
a absolutamente todos. O posicionamento a qual subsistiu até 1889, são, igualmente,
quanto à legitimidade da escravidão marcos de extremo relevo nesse processo.
prevalecia entre as elites, sobretudo as Por sua relutância em aderir ao
produtoras de cana e de café, dependentes Bloqueio Continental imposto por Napoleão
dessa mão de obra. Mas encontrava oposição Bonaparte em 1806, para tentar minar as
de figuras como José Bonifácio, favorável
bases econômicas do Império inglês, após a
à abolição gradual da escravidão. Para os
Revolução Industrial, Portugal foi invadido
contrários a escravidão, havia ainda o peso da
pela França em 1807. O ataque foi viabilizado
campanha humanitária, como a inglesa, com
pelo Tratado de Fontainebleau, mediante
Willberforce, e a necessidade de se formar,
o qual a Espanha autorizava as tropas
no Brasil, um mercado consumidor.
francesas a atravessarem seu território com
destino a Portugal. Diante da investida, a
** Na pressa, escrevi D. João,
Corte portuguesa, acompanhada de dezenas
em vez de D. Pedro.
de milhares de aristocratas portugueses,
foi escoltada pela marinha inglesa para o
Brasil, sua principal colônia. A migração,
que se propunha temporária, durou até 1821,
quando D. João VI retornou para Portugal,
muito após o restabelecimento do controle
do território da metrópole pelos ingleses.
A despeito da forma como foi
executada, a migração da Corte para o
Brasil era um plano já longevo. Pretendia-
se, com isso, distanciar-se o máximo
possível do domínio exercido pelos ingleses
sobre Portugal, pelo menos desde 1703,
com o Tratado de Methuen. Porém, uma
vez concretizado o plano, viu-se ampla
integração dos reinóis à Colônia, por meio do
estabelecimento de relações matrimoniais,
comerciais, econômicas e profissionais. Isso
pode explicar a permanência da Corte no
Brasil muito após a expulsão dos franceses
de Portugal.
Uma vez deflagrada a Revolução do
Porto, em 1820, mediante a qual se buscava
97 ÍNDICE
a promulgação de uma Constituição e o
restabelecimento de um controle mais
estrito de Portugal sobre o Brasil, a despeito
de este haver sido elevado à condição de
Reino Unido, em 1815, por deliberação do
Congresso de Viena, D. João VI retornou
ao seu país de origem, deixando D. Pedro
como Príncipe Regente do Brasil. As
Cortes portuguesas – órgãos legislativos
– demandaram o retorno de D. Pedro, que
resistiu à ordem, proclamando o “fico”,
em janeiro de 1822, o que culminou com a
declaração de independência, em setembro
daquele mesmo ano.
Gonçalves Ledo e José Bonifácio,
apesar de suas perspectivas distintivas,
convenceram D. Pedro a convocar uma
assembleia constituinte. A chamada
Constituição da Mandioca foi considerada
por D. Pedro indigna dele, o que o levou a
outorgar uma nova Carta, em 1825. Embora
haja sido outorgada pelo imperador, esta
foi aclamada por assembleias provinciais de
todo o país.
Ainda no âmbito da assembleia
constituinte, José Bonifácio defendeu a
necessidade de integração dos índios à
cidadania e de abolição da escravidão no
país. Suas propostas não prevaleceram.
Apesar de não mencionar o elemento servil
em seu texto, a Constituição da Mandioca
fazia-lhe referência indiretamente.
A mandioca era o principal item da
alimentação dos escravos à época.

98 ÍNDICE
Geografia
Questão 1

Fronteira é um termo rico em
conceitos e significados, desde os pontos
de vista geográfico, territorial, econômico,
social, simbólico ou político, entre outros. É
uma delimitação física ao exercício de poder
que, muitas vezes, se concretiza em muros ou
outras tantas formas materiais, sob controle
humano ou de alta tecnologia, voltadas
a separar, a escolher quem e o que pode
passar por essa área. No caso da fronteira
terrestre, as relações transfronteiriças
produzem um espaço com natureza
particular e complexidades que se tornam
objeto prioritário no desenvolvimento de
políticas públicas. Ademais, as relações com
os países vizinhos abrem possibilidades
de acordos e intercâmbios fundamentais
ao desenvolvimento da Faixa de Fronteira,
assim como do território em sua totalidade.
Isso também se dá na fronteira litorânea,
na qual há um amplo espaço marítimo
que concerne ao espaço da Zona Costeira
e compõe com esta uma unidade, cujo
equilíbrio é condição imprescindível ao
desenvolvimento da Faixa de Fronteira
Litorânea e do território em sua totalidade.

99 ÍNDICE
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada.Fronteiras do Brasil: referências para
Padrão de Respostas
a formulação de políticas públicas. Volume 6 /
Coordenador: Bolivar Pêgo. Brasília: Ipea, Ministério

Q1 e Q2 – A fronteira terrestre
da Integração Nacional, 2021, pp. 286 e 195, com brasileira é dividida em três grandes
adaptações. arcos: norte, central e sul. A região
da Faixa de Fronteira caracteriza-se
Considerando que o fragmento de geograficamente por ser uma faixa de
texto apresentado tem caráter meramente 150 quilômetros de largura ao longo de
motivador, analise os contextos que 15.719 quilômetros da fronteira brasileira,
envolvem as fronteiras do Brasil (terrestre a qual abrange 11 unidades da Federação e
e litorânea). Aborde, necessariamente, os 588 municípios divididos em sub-regiões,
seguintes tópicos: reunindo aproximadamente 10 milhões de
habitantes. A zona de fronteira, portanto,
é constitucionalmente definida como a
• definição da faixa de fronteira faixa de até 150 quilômetros de largura, “ao
terrestre; longo das fronteiras terrestres, considerada
• arcos da fronteira brasileira e suas fundamental para defesa do território
características; nacional” (art. 20, § 2º, CF), cuja ocupação e
• cidades e a Zona Costeira no Brasil; e utilização sofrem restrições legais.
• usos e possibilidades de Q3, Q4 e Q5 – No arco norte, a
desenvolvimento da fronteira diversidade da fronteira marca-se na grande
litorânea. presença de reservas naturais e florestas, o
que torna a própria Amazônia uma prioridade
pelo seu potencial de riquezas minerais
Extensão do texto: até 60 linhas e biodiversidade. É também relevante o
[valor: 30,00 pontos] número de terras indígenas (TIs) – fato
que deu sentido à opção pela realização da
primeira oficina de trabalho em Roraima e de
uma das atividades de campo em Pacaraima,
Relatório de Notas município brasileiro situado inteiramente em
uma terra indígena. Há uma amazônia além
Maior Nota: 30 da identificada pelas riquezas naturais e pela
Nota Média: 23,83
importância ambiental, ou daquela noticiada
Menor Nota: 9
pela crescente degradação de suas florestas.
Desvio-padrão: 5,049504926
Uma Amazônia povoada por indígenas,
populações remanescentes de quilombos,
ribeirinhos, pescadores artesanais,
carvoeiros, seringueiros, castanheiros,
coletores de açaí, quebradeiras de coco
babaçu, entre outros povos tradicionais
que habitam tanto espaços urbanos quanto
rurais. Um grande desafio da Amazônia
é a sua dimensão e sua baixa densidade
demográfica, quando comparada às outras
regiões, o que exige que o discurso de que
essa é uma “terra sem homens” precisa ser
superado. No arco central, reconhecesse que
a zona de fronteira é um espaço de interações,
contatos e fluxos sociais, econômicos e
culturais, movidos por semelhanças e
contrastes. Nela habitam as pessoas, com
100 ÍNDICE
suas vidas reais, estabelecendo vínculos e para os poderes públicos locais, bem como
relações familiares, profissionais, comerciais para a gestão urbana e territorial regional. A
e institucionais que superam a linha divisória zona costeira brasileira configura-se em um
territorial, particularmente nos arranjos território complexo, no qual as dinâmicas
transfronteiriços. Daí a necessidade de se urbanas possuem padrões diferenciados,
estabelecer uma aproximação institucional e, demandando atenção especial no que tange
também, de se aprofundar o relacionamento ao seu planejamento. Em geral, são áreas
entre o governo do município brasileiro e ambientalmente suscetíveis e vulneráveis
o governo da cidade do país vizinho. Esses às ocupações irregulares, seja de alta ou de
arranjos devem ser considerados como baixa renda, por pertencerem ao domínio
portas abertas do Brasil aos povos dos países público. Além disso, tais áreas tendem a
vizinhos e portas desses países para os concentrar atividades e usos conflitantes,
cidadãos brasileiros. Em função das grandes especialmente em relação à exploração
porções de limite seco, sem obstáculos físicos econômica das frentes d’água, combinando
significativos de separação, há facilidade dos usos de alto impacto urbanístico, como
contatos, de aproximação entre os países em as atividades portuárias, com negócios
vários pontos da fronteira do arco central, tradicionais, como a pesca e a exploração
que se consolidam há séculos, sobretudo turística. Dessa forma, a zona costeira
nas relações de parentescos, que fazem com brasileira possui grande relevância para o
que haja maior entrelaçamento cultural dos planejamento urbano de nossas cidades,
povos. O movimento da economia fortalece demandando especial atenção em políticas
essas relações por meio do comércio em e estratégias de desenvolvimento urbano,
ambos os lados do limite fronteiriço. de forma a garantir a integração entre ações
Porém, há também a ocorrência de ilícitos de dimensões urbanas, sociais, econômicas,
que exigem das autoridades a criação de ambientais, culturais, entre outras,
instrumentos para pacificar fatos que fazem buscando sempre assegurar o adequado uso
parte da dinâmica fronteiriça, mudando dos recursos disponíveis, a justa distribuição
o atual panorama de criminalização de dos ônus e benefícios dos processos de
determinados comportamentos. No arco sul, urbanização e a gestão democrática.
o mais povoado, denso e economicamente Q8, Q9 e Q10 – O Brasil possui
mais bem posicionado entre os arcos, a soberania de exploração de uma área
fronteira é um espaço aberto, ou seja, “sem oceânica de aproximadamente 4,5 milhões
fronteira”. de quilômetros quadrados, o que equivale
Q6 e Q7 – Historicamente, os processos a cerca de 50% da sua área continental.
de urbanização no Brasil ocorreram de Da Amazônia Azul retira-se cerca de 95%
forma rápida, sem planejamento e com do petróleo, 80% do gás natural e 45% do
expressiva concentração ao longo da faixa pescado produzido no País, e, ainda, pelas
litorânea do País. Boa parte das grandes rotas marítimas escoam mais de 95% do
cidades brasileiras teve seus núcleos urbanos comércio exterior brasileiro. A chamada
originais estabelecidos nas proximidades economia do mar, ou economia azul, revela-
costeiras, orientando suas atividades e o se como a nova fronteira da economia
desenvolvimento urbano local a partir das mundial, com base no uso sustentável dos
frentes d’água nacionais. Atualmente, 395 oceanos e de seus recursos, voltado ao
municípios e 16 regiões metropolitanas crescimento econômico, ao desenvolvimento
localizam-se na zona costeira do País, tecnológico, à segurança alimentar, à
acumulando cerca de 24% da população geração de empregos e à preservação do meio
brasileira. Em virtude da complexidade ambiente marinho. O potencial econômico
desses territórios, da diversidade de padrões da vasta dimensão das bacias de petróleo do
de ocupação e da heterogeneidade de usos, Pré-sal foi uma das principais motivações
muitas vezes conflitantes entre si, planejar para o pedido de extensão para além das 200
essas áreas constitui um grande desafio milhas do limite da Plataforma Continental.
101 ÍNDICE
As rochas do Pré-sal estendem-se por cerca Fronteiras do Brasil: referências para a formulação de
de 800 quilômetros da plataforma marítima políticas públicas. Volume 6 / Coordenador: Bolívar
Pêgo. Brasília: Ipea, Ministério da Integração Nacional,
brasileira, do norte da bacia de Campos ao
2021, pp. 286 e 295.
sul da bacia de Santos, compreendendo
____. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
uma faixa que se estende do litoral sul do
Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública.
estado do Espírito Santo ao estado de Santa Volume 1 / Organizadores: Bolívar Pêgo (Coordenador) ...
Catarina, com largura de até 200 quilômetros. [et al.]. Rio de Janeiro: Ipea, MI, 2018.
Associado ao mar, outro recurso energético
que deve ser destacado pelo seu potencial
na redução da dependência de combustíveis
fósseis, contribuindo para a desaceleração Nota - 30
do aquecimento global, é a geração de energia Emanuel Montenegro Batista Lins
elétrica a partir de processos marinhos
dinâmicos, como ondas, correntes e marés,
O Brasil, país de dimensões
e termodinâmicos, como gradientes verticais continentais, possui fronteiras terrestres
de temperatura e horizontais de salinidade, com quase todos os países do subcontinente
além dos processos eólicos que ocorrem sobre sul-americano. A necessidade especial
o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE). de manutenção da segurança em suas
A Amazônia Azul apresenta, ainda, uma fronteiras terrestre e litorânea condiciona
vasta gama de possibilidades de exploração uma série de políticas públicas para a região.
de recursos minerais existentes no leito ou No que concerne especificamente à faixa
no subsolo marinho. Entre esses, areia e de fronteira terrestre, define-se o espaço
cascalho são aqueles que apresentam maior de 150 km a partir da linha de fronteira
potencial em volume, depois do petróleo e do como faixa de importância destacada.
gás natural, para a indústria da construção Considerações de segurança e controle são
civil; para a agroindústria ou para a indústria exercidas pelas polícias federal e estadual,
farmacêutica, formas livres de algas pelos órgãos alfandegários e pelos órgãos de
calcáreas, como os rodolitos, são potenciais inteligência. Essa faixa territorial divide-se
pela alta concentração de carbonato de cálcio em diferentes arcos. O Arco Norte é marcado
e de magnésio; metais nobres, como ilmenita, pela baixa densidade demográfica e pelo
mozanita, zirconita e rutilo, ocorrem em baixo nível de integração, em decorrência,
praticamente toda a Amazônia Azul; e entre outros motivos, da presença da
diversos minerais, como fosfatos, potássio, floresta amazônica. As relações entre os
magnésio, enxofre, carvão ou hidratos de países são, no geral, amistosas e reguladas
metano, foram observados no ZEE brasileiro. no âmbito da Organização para o Tratado
Portanto, há recursos minerais abundantes de Cooperação Amazônica (OTCA), órgão
de interesse para o Brasil; contudo, esbarram que surgiu do Tratado de mesmo nome, de
em duas condições principais: a viabilidade 1978, inserido no contexto da estratégia
econômica em relação ao existente no de cooperação para garantir a segurança,
continente; e tecnologias adequadas para segundo postulado por Meira Mattos. Apesar
a exploração marinha. Além disso, deve-se da presença de algumas cidades gêmeas na
considerar, ainda, uma exploração que não faixa de fronteira, a prioridade com relação
cause impactos ambientais. ao Arco Norte diz respeito, principalmente,
ao contrabando pelas fronteiras secas e
Referências controle dos fluxos de imigrantes provindos
da Venezuela. No Arco Central, representado,
Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/gestao- significativamente, pela fronteira com a
territorial/gerenciamento-costeiro/zona-costeira-e- Bolívia, predominam interesses securitários
seusm%C3%BAltiplos-usos.html . Acesso em: junho de relacionados ao tráfico de drogas e à garantia
2021. do fornecimento seguro de gás pelo vizinho.
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O arco fronteiriço Sul é o mais povoado,
102 ÍNDICE
apresentando grande quantidade de fluxos biodiversidade motivaram a comparação
e de trocas comerciais, além de significativa com a floresta continental. Dois dos pleitos
mobilidade de pessoas, serviços e capitais. submetidos à Comissão pelo Brasil já foram
Não à toa, o Arco Sul compreende as fronteiras aceitos, restando a apuração de outros dois.
com os integrantes do MERCOSUL, o que por A exploração da Amazônia Azul representa
si só representa maior porosidade fronteiriça possibilidade de desenvolvimento da
devido à série de acordos de facilitação de fronteira litorânea, em bases que podem
mobilidade celebrados no âmbito do bloco. ir além do Pré-Sal, no sentido de uso
Nesse sentido, a fronteira entre Brasil, sustentável e intensivo em tecnologia dos
Argentina e Paraguai demanda especial recursos da biodiversidade da região.
atenção e é alvo de cooperação internacional Além disso, a navegação de
para manutenção da segurança no que diz cabotagem apresenta alternativa à matriz
respeito ao crime organizado transnacional, predominantemente rodoviária do país (65%
ao tráfico de drogas e ao terrorismo. Cidades da matriz de transportes), em consonância
gêmeas e o intercâmbio e a mobilidade com projeto recentemente lançado pelo
pendular entre elas são comuns, do que Ministério da Infraestrutura, para viabilizar
são exemplos Foz do Iguaçu, Puerto Iguazu concessões na área. Hoje, a navegação de
(Argentina) e Ciudad del Este (Paraguai). cabotagem é majoritariamente utilizada
Também entre o Rio Grande do Sul e o para transporte de combustíveis, mas o
Uruguai há interações frequentes, como na investimento em infraestrutura portuária
região de Uruguaiana e nas cidades gêmeas pode significar novas oportunidades de
do Chuí (Brasil) e Chuy (Uruguai). desenvolvimento do modal, que apresenta
A fronteira costeira e litorânea abrange custos mais atrativos quando comparado ao
o lócus prioritário da ocupação demográfica modal rodoviário. A presença da maior parte
brasileira desde o período colonizador. da população nos grandes centros urbanos
Nesse sentido, alguns dos principais localizados na faixa litorânea justifica
centros urbanos brasileiros encontram-se investimentos infraestruturais na área e a
na faixa litorânea atlântica, o que reafirma inserção da região e da Amazônia Azul na
a importância do território costeiro para Estratégia de Defesa Nacional e no Livro
o país. Segundo a Convenção de Montego Branco de Defesa Nacional.
Bay, de 1982, o mar territorial se estende da
linha base da preamar até 12 milhas náuticas,
e sobre esse território, o Brasil possui Nota - 30
soberania absoluta e direitos sobre recursos Leonardo dos Santos Avakian
de subsolo, superfície e lâmina d’água; sobre
a zona contígua (12 a 24 milhas náuticas A fronteira delimita o alcance da
[MN]), o país possui direitos de fiscalização; jurisdição territorial de um Estado, sendo,
já entre 24 e 200 MN, encontra-se a zona numa concepção ratzeliana, a epiderme do
econômica exclusiva, sobre a qual há o direito ente estatal, ponto de contato harmônico ou
de exploração dos recursos de subsolo, conflituoso com outras soberanias. No Brasil,
superfície e lâmina d’água, mas há direitos à a fronteira terrestre se estende por quase 17
livre navegação. De grande interesse para o mil km, fazendo divisa com todos os países
Brasil, no entanto, a Plataforma Continental sul-americanos à exceção de Equador e Chile.
pode alcançar o limite de 350 MN, desde Já a faixa de fronteira é um conceito jurídico,
que as formações geológicas continentais correspondente à área a partir da fronteira e
se estendam além das 200 MN e o país até 150km para dentro do território brasileiro,
apresente pleito à Comissão de Limites da sendo de importância fundamental para a
Plataforma Continental, órgão responsável defesa nacional e para o combate a ilícitos
pela avaliação. Na Plataforma Continental transnacionais. O Brasil concluíu a formação
brasileira encontra-se a “Amazônia Azul”, do “corpo da pátria” relativamente cedo
em que as possibilidades relacionadas à (início do século XX), embora a demarcação
103 ÍNDICE
de alguns trechos tenham se estendido por brasileira na região de fronteira.
décadas (caso da fronteira com a Venezuela). Já a fronteira marítima brasileira tem
Em diversos pontos as fronteiras brasileiras aproximadamente 10 mil km de extensão,
acompanham delimitações naturais (como abrangendo sobretudo o biomo da Mata
rios e serras), muitas vezes ligando-se a Atlântica. Trata-se de área mais antropizada,
países vizinhos por “próteses” no território, de ocupação mais antiga, concentrando boa
como pontes. parte da população brasileira e atividades
A fronteira terrestre brasileira não é econômicas mais dinâmicas. No litoral há
homogênea em toda a sua extensão, o que importantes metrópoles brasileiras, como
demanda a necessidade de políticas públicas Florianópolis, Vitória, RJ, Salvador, Recife
específicas. No arco sul, basicamente e Fortaleza. É no litoral marítimo que se
nas fronteiras com Uruguai, Argentina e situa a ZEE e a Plataforma Continental
Paraguai, a fronteira tem maior densidade de brasileiras, contendo, nessa Amazônia Azul,
ocupação de ambos os lados, dando margem grande biodiversidade, recursos pesqueiros
para o surgimento de cidades gêmeas fazendo e petróleo (especialmente nas bacias de
“sinapses” entre si. É o caso de Rivera e Campos e Santos). A cabotagem entre cidades
Santana do Livramento, por exemplo. Nesses da zona costeira brasileira concentra-se
locais, a fronteira pode ser atravessada no uso para transporte de combustíveis e
sem que sequer isso seja percebido. O fluxo poderia ser ampliada para outros usos. A
constante de bens e pessoas por essas umidade resultante da mTa e da mEa torna
fronteiras exigem políticas especiais de viável a agricultura em diversas cidades
integração, como o Acordo de Localidades da Zona Costeira, a exemplo da Zona da
Fronteiriças Vinculadas do MERCOSUL ou a Mata nordestina. Para monitorar essa zona
criação do Comitê Tripartite de Fronteira na marítima o governo investe em programas
Barra do Quaraí. No arco central, englobando como o PROSUB e o SisGAAz. Algumas das
a fronteira com a Bolívia e parte do Peru e cidades costeiras brasileiras estão entre os
Paraguai, a densidade de ocupação é menor, maiores PIB per capita brasileiro, em razão
bem como os fluxos transfronteiriços. da exploração do petróleo. Muitas dessas
Assim, países sul-americanos têm proposto cidades têm grandes populações.
a criação de Corredores Bioceânicos para O desenvolvimento da fronteira
essas regiões. É uma região na qual, do litorânea pode ser esimulado pelo Poder
lado brasileiro, tem-se desenvolvido a soja, Público, sobretudo na região nordeste, que
importante para a economica nacional e ainda apresenta indicadores piores que os
justificando a importância de navegação do centro-sul. Os portos dessas cidades
pelos rios Paraná, Paraguai e Guaporé. (inclusive os do centro-sul, como Santos, RJ
No restante da fronteira, o arco norte, e Itajaí) são fundamentais para o comércio
predomina o bioma amazônico e, sobretudo brasileiro. A criação de empresas de navegação
na Amazônia Ocidental, uma ocupação mais e o estímulo à criação de estaleiros podem
rarefeita, com poucas cidades gêmeas e impulsionar a economia de cidades litorâneas
grandes áreas de ocupação indígena. Isso mais estagnadas. A fronteira litorânea
traz dificuldades para universalizar o acesso também é o ponto de conontato mais próximo
a políticas públicas para essa população com as pontencialidades de comércio com a
(inclusive ribeirinhos) e para fiscalizar costa ocidental africana. No nordeste já há
ilícitos, apesar do SISFRON e da Operação polos importantes de pesquisa sobre vida
Calha Norte. É uma região com menores marinha e recursos naturais de recifes, e
índices de desenvolvimento socioeconômico essas pesquisas podem ser incentivadas
e com relevante participação da economia em prol do desenvolvimento sustentável.
extrativista. Enquanto no sul os municípios Também é intenso o turismo às praias da
na fronteira costumam ser menores, no fronteira litorânea, contribuindo para a
arco norte eles são maiores, mas não há, geração de riqueza, e projetos inovadores de
em nenhum dos arcos, qualquer metrópole ecoturismo podem potencializar a atração
104 ÍNDICE
de turistas inclusive internacionais. A pesca rarefeita e fronteiras porosas. De acordo com
sustentável e a aquicultura (como a de a classificação de Lia Osório, o arco norte
camarão em SC) são também instrumentos conta com fronteiras do tipo margem, frente
do desenvolvimento das cidades da fronteira e tampão. A primeira diz respeito a cidades
litorânea. de fronteira que, apesar da proximidade,
pouco se relacionam com aglomerações do
outro lado da fronteira, tendo lógica voltada
Nota - 30 mais para seu próprio país. As frentes
Victor de Ávila Siqueira se relacionam com postos de ocupação
frequentemente geridos pelo Exército. De
Sendo um país de dimensões fato, em zona pouco povoada, coordenações
continentais, o Brasil conta com extensa bifronteiriças (como a COMBIFRON, com a
fronteira terrestre, que marca os limites Colômbia) são importantes para a prevenção
territoriais com outros dez países, ao passo de ilícitos transnacionais e para a preservação
que controla mais de oito mil kilômetros de ambiental. Por fim, as zonas tampão são
faixa litorânea. Em que pese a percepção que restrições espaciais instituídas pelo poder
associa as fronteiras aos limites da atuação público onde as interações fronteiriças são
estatal, esse não deve ser o enfoque dado baixas, como reservas indígenas ou naturais.
pelo Estado. Ao contrário, o planejamento O arco central está mais integrado à lógica do
territorial deve encarar as fronteiras, sejam agronegócio e conta com mais integrações
terrestres ou marítimas, como espaços fronteiriças. As fronteiras ainda são porosas,
de integração e de aproveitamento de mas há nível maior de interação, com
oportunidades políticas e econômicas. cidades que desenvolvem lógica local de
A legislação brasileira dedica atenção à intercâmbio (em integração do tipo capilar),
faixa de fronteira terrestre desde os tempos ainda distantes de um maior planejamento a
imperiais. A Lei de Terras já previa uma nível bilateral, e com cidades gêmeas como
zona especial na fronteira terrestre, onde Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. O arco
a obtenção de terras seria facilitada, para sul, por sua vez, é rico em ligações do tipo
garantir a ocupação territorial. Atualmente, sinapse, com infraestrutura transfronteiriça
a faixa de fronteira terrestre mantém mais desenvolvida (pontes, transmissão de
tratamento jurídico especial, sendo tema de energia, comunicação) e maior incidência de
previsão constitucional. Trata-se da faixa que marcos jurídicos específicos e de circulação
se estende dos limites territoriais políticos de bens e pessoas. O Mercosul contribui
até 150km para dentro do território nacional. para esse maior dinamismo, com comércio
Considera-se, ainda, que todo o município liberalizado que demanda maior estrutura.
que contém o ponto a 150km dos limites Ademais, há o Estatuto do Fronteiriço com
territoriais está inserido na faixa de fronteira. o Uruguai, que facilita o cesso a serviços
Algumas disposições especiais se aplicam dos dois lados da fronteira. Há mais cidades
nesse espaço. Por exemplo, há limitação gêmeas, como Foz do Iguaçu e Ciudad del
para a instalação de empresas com a maior Este.
parte do capital estrangeiro. Similarmente, Com relação à faixa costeira, destaca-
há restrições para empresas de radiodifusão se que a maior parte da população brasileira
estrangeiras, bem como para a propriedade está concentrada em cidades na zona
de terras para estrangeiros. Sendo assim, a litorânea. Tais cidades podem beneficiar-
atual legislação acerca da faixa de fronteira se de sua posição. Por exemplo, além de
tem viés de defesa do território nacional. poderem explorar o turismo, também se
A extensa fronteira terrestre brasileira beneficiam de royalties decorrentes da
apresenta características distintas ao longo exploração de recursos naturais marítimos.
de sua extensão, sendo possível dividi-la Por fim, estudo recente do IBGE apontou que
em três arcos. O arco norte está inserido na um dos tipo de arranjos populacionais que
dinâmica amazônica, contando com povoação mais crescem no Brasil são os litorâneos,
105 ÍNDICE
frequentemente formados por menos de Menor nota - 9
cínico municípios para atender a demandas de Anônimo
turismo e veraneio. A Zona Costeira no Brasil
compreende a rica faixa litorânea brasileira, O estabelecimento das fronteiras
que inclui vegetações como restingas e brasileiras foi uma das principais
mangues, muitos dos quais encontram- preocupações dos estadistas do Segundo
se sob algum nível de proteção ambiental, Reinado e do Barão do Rio Branco. Com efeito,
essencial para garantir o equilíbrio ecológico o ‘corpo da pátria’ é absolutamente enorme,
e a preservação de espécies nativas. O Brasil tendo fronteira com dez países e ampla
linha fronteiriça litorânea. Ressalta-se que
ainda se submete às normas da Convenção
a faixa de fronteira, região sob a soberania
das Nações Unidas sobre Direito do Mar,
brasileira, particularmente especial e
que estabelece mar territorial de 12 milhas
importante para a segurança nacional,
náuticas, onde há soberania, zona contígua
sempre teve especial status jurídico. Desde
nas 12 milhas adjacentes, para prevenção de a Constituição de 1824, estabelece-se um
violações sanitárias ou alfandegárias, e zona certo perímetro para a faixa de fronteira,
econômica exclusiva até 200 milhas, onde além de objetivos especiais. A lei de terras
o Brasil pode explorar recursos vivos e não de 1850, por exemplo, estabelecia acesso
vivos da água, leito do mar e subsolo. facilitado para temas na faixa de fronteira,
A fronteira litorânea brasileira é rica com vistas a povoar o território e a garantir
em oportunidades de desenvolvimento. O a soberania brasileira.
projeto da Amazônia Azul, nesse sentido, Além de vital para a segurança nacional,
é essencial para a preservação ambiental, a faixa de fronteira exibe dinâmicas próprias,
proteção do patrimônio genético, defesa o que justifica que as políticas públicas que
para ali se dirigem sejam elaboradas de
do território e exploração econômica. O
modo a vislumbrar essas particularidades.
SisGAAz, por exemplo, integra vasta rede de
Nesse sentido, os arcos da fronteira ensejam
comunicação para permitir o monitoramento
dinâmicas distintas, por exemplo, a lógica
eficaz da área. Economicamente, as bacias
que guia as fronteiras do arco Sul não pode
de Campos, Santos e Espírito Santo oferecem ser a mesma a guiar o arco Norte, dado que as
vasta possibilidade de exploração de oportunidades e dificuldades são diferentes.
hidrocarbonetos em águas profundas, para o Relembra-se que, para a fronteira Sul, o
que a Petrobrás detém a tecnologia. Ainda há MERCOSUL celebrou alguns tratados acerca
a possibilidade de outros usos econômicos, da segurança compartilhada e do provimento
como pesca, esportes aquáticos, navegação de de serviços públicos para as populações da
cabotagem e turismo. Quanto à preservação região. Ademais, a atual faixa de fronteira
ambiental, tanto as vegetações costeiras compreende 100km a partir da fronteira. Para
como o ecossistema marítimo carecem o arco Norte, ressaltam-se os trabalhos de
de proteção para uma simbiose adequada desenvolvimento sustentável da região sob a
entre sociedade e espaço marítimo. Por égide do Tratado de Cooperação Amazônica,
dada a grande porosidade dessas fronteiras.
fim, a fronteira litorânea é espaço vital para
As cidades mais antigas da rede
construção de uma área de paz e cooperação
urbana brasileira encontram-se na zona
internacional, como mostra a ZOPACAs.
costeira. Com efeito, além da capacidade
Sendo assim, as fronteiras terrestres e
exponencial com relação ao turismo, essas
litorâneas do Brasil são espaço propício para cidades, bem como toda a zona costeira, são
a integração, o desenvolvimento econômico, relevantes segundo a Estratégia de Segurança
a preservação ambiental e a defesa da paz. Nacional, o que justifica bom provimento
da Marinha brasileira. De forma similar à
fronteira terrestre, a fronteira litorânea
representa a delimitação física ao exercício
106 ÍNDICE
do poder soberano do Estado, o qual, no
caso brasileiro, vai até 12 milhas náuticas
Questão 02
desde a linha de beira mar. Em seguida, a

As transformações ocorridas na
área conhecida como zona contígua (entre
atividade agropecuária brasileira, nas
as 12 e 24 milhas) é região onde o Estado
últimas cinco décadas, têm profundos
brasileiro pode exercer direitos de soberania
impactos sobre a (re)gionalização do
com relação à fiscalização, por exemplo
território brasileiro, sobretudo por
migratória ou fiscal. Na zona econômica
incrementar a urbanização e propiciar
exclusiva, o Estado goza, igualmente, de
novas organizações. Entre essas, serão
direitos de soberania para a conservação,
destacadas aqui as inerentes ao agronegócio
exploração e gestão dos recursos vivos e
globalizado, áreas escolhidas para receber os
não vivos. Ademais, o Brasil vem buscando
mais expressivos investimentos produtivos
expandir sua plataforma continental, tendo
do setor, representando suas áreas mais
tido parte de suas demandas já aceitas. Esse
competitivas as quais ora denominamos de
projeto de aproveitamento máximo da zona
Regiões Produtivas do Agronegócio (RPAs).
costeira é conhecido como Amazônia Azul.
Nas RPAs, as empresas agropecuárias e
Com a ampliação da plataforma continental,
agroindustriais, as tradings e corporações
o Brasil tem acesso a muito mais recursos
concernentes às redes agroindustriais
vivos e não vivos, como petróleo – o que
são os principais agentes produtores do
configura grande vantagem geoestratégica e
espaço agrário, urbano e regional. Dessa
econômica para o país.
forma, tornam-se regiões funcionais ao
agronegócio globalizado.

ELIAS, Denise. Reestruturação produtiva


da agropecuária e novas regionalizações no Brasil.
In: ALVES, Vicente Eudes Lemos. Modernização e
regionalização do Centro-Oeste do Brasil. 2015.

107 ÍNDICE
Considerando que o fragmento de Padrão de Respostas
texto apresentado tem caráter meramente
motivador, analise as novas dinâmicas do Q1 – A produção agrícola e a
agronegócio e a refuncionalização dos espaços agropecuária brasileira passaram por grandes
produtivos. Aborde, necessariamente, os transformações nas últimas décadas. A partir
seguintes tópicos: da Revolução Verde, período de grandes
investimentos em pesquisas e estudos para
melhoramento de técnicas de produção,
• a complexidade das regiões funcionais aliado a aumento populacional, urbanização
ao agronegócio globalizado; acelerada, maior acesso à informação
• o impacto do agronegócio sobre a e outras ferramentas, deu-se uma alta
autonomia desses espaços; no aprimoramento dos conhecimentos
• as dinâmicas potenciais de agroindustriais. A lógica do mercado foi,
exclusão e inclusão decorrentes das então, introduzida nos parâmetros de
características do agronegócio; e produção agrícolas e revolucionou o modo de
• apresentação de pelo menos um produzir no Brasil e no mundo. O aumento de
exemplo de uma região onde as produtividade foi significativo, por meio de
dinâmicas do agronegócio prevalecem técnicas de correção de solo, melhoramento
e a(s) respectiva(s) commodittie(s) de genético de sementes, aprimoramento das
referência. mais diversas formas agropecuárias, de
irrigação etc.
Q2 – Dessa maneira, a modernização
Extensão do texto: até 60 linhas
da agricultura provocou grandes
[valor: 30,00 pontos]
transformações nas atividades agrícolas
e agropecuárias no Brasil, a partir da
Relatório de Notas difusão da agricultura tecnificada que vem
transformando os modos de produção e as
Maior Nota: 30 relações de trabalho no campo e na cidade, em
Nota Média: 25,66 algumas regiões do País. Essa reorganização
Menor Nota: 23 do território brasileiro e os novos arranjos
Desvio-padrão: 2,105152409 territoriais configuram, portanto, regiões
com especializações produtivas em
determinadas commoditties requeridas no
mercado internacional.
Q3 – O agronegócio globalizado a
partir da utilização de um modelo produtivo
e técnico das atividades agrícolas, pautado na
acelerada urbanização, dinamiza as relações
entre áreas rurais e urbanas, estreitando laços
entre elas a partir de uma refuncionalização
das atividades para atendimento de
determinadas cadeias produtivas globais.
O conceito de Regiões Produtivas do
Agronegócio (RPA’s) pode ser entendido
como áreas híbridas, seja pela presença de
modernos espaços agrícolas, seja por espaços
não metropolitanos – cidades médias e
pequenas, transformadas por dinâmicas
territoriais do agronegócio globalizado,
formando pontos, nós ou manchas de redes
agroindustriais internacionais.
108 ÍNDICE
Q4 – Essas áreas são as mais paisagens agrárias. Os espaços de exclusão
competitivas, já que são as que mais podem ser entendidos como sendo áreas
recebem investimentos públicos e dentro ou próximas de outras que estejam
privados. Instituições com a Embrapa, as passando por processos socioespaciais
Superintendências e outros órgãos de apoio e dinâmicos de desenvolvimento, com
fomento foram estrategicamente planejados geração de riquezas, porém seletivamente
e orientados a dar suporte à consolidação e desigualmente distribuídos.
desse modelo produtivo e lógico. No entanto, Q8 – Os circuitos espaciais da
apesar da possibilidade de identificação produção e os círculos de cooperação
de dinâmicas socioespaciais semelhantes específicos para atendimentos de demandas
nessas regiões, há que se considerar que os do mundo global formatam esses espaços,
arranjos territoriais que cada commodity incrementando o crescimento das cidades
necessita para se consolidar e atender as que servem ao atendimento dessas novas
demandas do mercado são diferentes, já demandas do agronegócio, por meio de redes
que demandas de insumos, serviços, mão de agroindustriais que também formatam a
obra, entre outros, são específicas, paisagem do campo. Dessa forma, afirma-
fazendo com que cada região destas se que novas regiões formadas a partir
possua características especiais de cada do agronegócio venham se estruturando,
produto e mercado a ele vinculado. utilizando-se de sistemas de objetos e
Q5 – Alguns arranjos produtivos sistemas de ações próprios do atual modelo
verticalizados, em que os espaços de exclusão de produção
chamam a atenção, podem ser citados, como globalmente articulado pelas
a fruticultura irrigada no vale do Rio São corporações e elites econômicas, com
Francisco, a produção de soja nos cerrados intensa utilização de tecnologia, informação
nordestinos, a região do oeste da Bahia, e logística, incluindo aumento significativo
onde se destacam os municípios de Barreiras da produção de commodities e atendimento
e Eduardo Magalhães, e Mossoró, no Rio do mercado externo, porém com a exclusão
Grande do Norte. e a desigualdade acompanhando esse tipo de
Q6 – Entende-se, assim, que o desenvolvimento, marginalizando parte da
agronegócio, ou a agricultura científica população, seja ela rural ou urbana, já que,
globalizada, vem reconfigurando as relações graças à consolidação desses processos, a
campo-cidade, dinamizando a economia, concentração de renda inibe oportunidades
impulsionando o crescimento e a formação de desenvolvimento pautado em vocações
de novas áreas urbanas ou reestruturando territoriais.
antigas, com forte integração da Q9 – Dessa forma, essas regiões
agropecuária e da indústria. podem ser caracterizadas como espaços onde
Q7 – Nesse sentido, percebe-se predominam a atuação de forças externas,
o avanço do agronegócio de maneira não sendo mais uma região autônoma, já que
excludente e espacialmente seletiva, ocupa um lugar funcional na rede globalizada,
perpetuando estruturas sociais, territoriais com especializações produtivas, em que
e políticas divergentes da noção de a acumulação do capital do agronegócio é
desenvolvimento inclusivo, incrementando comandada por grandes empresas nacionais
espaços e segmentos sociais que destoam de e multinacionais vinculadas a essas redes de
um crescimento endógeno desses espaços. produção agroindustriais globais.
O comando de novos arranjos territoriais Q10 – Esses espaços, também
externos às demandas locais substitui a conhecidos como pontos luminosos, são
clássica solidariedade orgânica das regiões focos dinâmicos da economia regional,
como até então entendidas, ao mesmo porém com predominância de processos
tempo aumentando a variedade de lugares, verticais em detrimento de horizontais,
dadas as especializações produtivas e, e articulados como pontos de uma rede
ao mesmo tempo, incorrendo em novas de fluxos internacionais, conectados aos
109 ÍNDICE
reais centros de poder. Geralmente são Nota - 30
comandados por multinacionais que têm o Ciro de Carvalho Becker Leite
controle total do processo produtivo, mas
pouco ou nada interagem com a escala local
A formação dos complexos
em que efetivamente ocorrem tais dinâmicas. agroindustriais (CAI), com apoio do
Ao mesmo tempo em que esses espaços são Estado brasileiro, provocou profundas
extremamente dinâmicos economicamente transformações na atividade agropecuária do
e tecnificados, há uma seletividade espacial país, desde a década de 1970. Esse processo
por conta dessas redes e de suas necessidades esteve relacionado a um projeto nacional
que excluem outros espaços, acirrando as de integração e ocupação do Centro-
históricas desigualdades sociais. Os avanços Oeste, com base na doutrina de Segurança
em termos de produtividade no campo Nacional de Golbery do Couto e Silva, bem
brasileiro são inegáveis, porém acirrando como de desenvolvimento tecnológico e
desigualdades sociais e reconfigurando industrialização, que promoveram efetiva
estruturas que, muitas vezes, não asseguram mecanização agrícola, injetando maior
direitos básicos e justiça social, já que essas complexidade no processo produtivo. Essas
novas reestruturações produtivas modificam mudanças promoveram a urbanização do
o uso do solo com aumentos de áreas de Centro-Oeste, com crescimento considerável
monocultura em detrimento de perdas de das cidades médias, em que se verificam
áreas de produção de alimentos voltados ao etapas fundamentais do agronegócio, cada
mercado interno; aumentam a concentração
vez mais interligado às indústrias de insumos
fundiária; elevam o número de empresas
e de beneficiamento e transformação.
agrícolas nacionais e multinacionais em
Verifica-se, desse modo, a adaptação e
detrimento da agricultura camponesa ou
flexibilização do processo produtivo dos
familiar; e reconfiguram o mercado de terras
CAI’s, com a maior complexidade das regiões
com alteração substancial na valorização e no
funcionais ao agronegócio. A agropecuária
preço delas, com maior presença de holdings,
propriamente dita integra-se, cada vez mais,
além de disputas e conflitos por terra e água.
às indústrias supramencionadas, ao mercado
de maquinário, ao ensino e pesquisa – a
Referências
EMBRAPA foi fundamental para adaptar a
soja ao clima tropical e a elaborar o processo
ELIAS, D. Ensaios sobre os espaços agrícolas de
adequado de calagem para reduzir a acidez do
exclusão. Revista Nera. Ano 8. n. 8, jan./jun. 2006.
Reestruturação produtiva da agropecuária e solo no Cerrado, por exemplo – e até mesmo
novas regionalizações no Brasil. In: ALVES, V. E. (Org.) ao mercado financeiro, com a abertura de
Modernização e regionalização nos cerrados do Centro- capital das empresas agrícolas se tornando
Oeste do Brasil. Ed. Fapesp, 2015. um popular veículo de investimento externo
FREDERICO, S. Agricultura científica globalizada no setor, como o recente caso da SLC Agrícola.
e fronteira agrícola moderna no Brasil. Confins [on-line],
Com a refuncionalização desses
17. 2013. Disponível em: <http://confins.revues.org/8153>. espaços produtivos, o agronegócio traz
importantes ganhos de autonomia, ainda que
fique sujeito a riscos, como as oscilações dos
preços das commodities e as quebras de safra
decorrentes de eventos climáticos extremos
ou mesmo da escassez hídrica. Apesar
disso, os ganhos de renda e dinamismo
econômico, se aliados a planejamento para
contingências podem minorar eventuais
impactos negativos na produção, atitude
que se torna mais propícia com a maior
abertura de capital, dadas as exigências dos
investidores, que impactam os preços dos
110 ÍNDICE
ativos. As cidades das Regiões Produtivas produção, seja via investimentos, contando
do Agronegócio (RPAs) cumprem funções com cidades que tiveram importantes
vitais de suporte logístico e integração ganhos de renda com a instalação de fábricas
com as cadeias globais, contribuindo para de processamento e de transformação, e
equilibrar melhor a rede urbana brasileira, consequente aumento do setor terciário
ainda concentrada nas metrópoles, em voltado para a agropecuária. Outra região
contraposição a cidades pequenas e médias importante é a do interior paulista, maior
fora do circuito do agronegócio globalizado produtor de cana do país, diretamente
e que, por isso, permanecem dependentes de vinculado ao complexo sucroalcooleiro para
rendas externas, como repasses do governo o abastecimento de etanol como alternativa
federal. ao petróleo – herança do Proalcool após os
O agronegócio pode contribuir para choques do petróleo na década de 1970. Ambos
dinâmicas de inclusão, porém também pode são exemplos de como a refuncionalização
provocar processos excludentes. Um dos dos espaços produtivos contribui para o
principais efeitos do avanço do agronegócio desenvolvimento econômico das respectivas
tem sido a liberação de mão de obra do campo regiões; não deve, entretanto, deixar de lado
sem a adequada transição e reciclagem a dimensão social e a necessidade de inclusão.
no mercado de trabalho, pressionando o
desemprego e o potencial abandono do
campo, em razão da mecanização, mas Nota - 29
também da alta competitividade, que João Paulo de Sousa Vieira
pode prejudicar a dinâmica da agricultura
familiar. Outro importante processo de Sobretudo a partir da década de 1970,
exclusão afeta as comunidades tradicionais os planos governamentais de integração do
das regiões onde o agronegócio se instala, “Oeste” do Brasil ao território começam a
como quilombos, aldeias indígenas e mostrar grandes resultados, para os quais
comunidades ribeirinhas que podem ser a integração produtiva via agricultura do
afetadas pela potencial contaminação das Centro-Oeste contribuiu sobremaneira. Já
vias fluviais por substâncias químicas na década de 70, desenhava-se um aspecto
usadas nas plantações em larga escala. Há, fundamental da agricultura nessa região:
portanto, o risco de agravar a desigualdade o uso da tecnologia. A adptação da soja
social como consequência da expansão do ao cerrado brasileiro só foi possível pelo
agronegócio para novas fronteiras agrícolas, desenvolvimento de técnicas de correção
como é o caso do Centro-Norte, em especial de acidez do solo desenvolvidas pela
no norte do Mato Grosso, e no MATOPIBA. EMBRAPA com apoio japonês no âmbito do
Em contrapartida, o agronegócio tem PRODECER. Além disso, a partir da criação
o potencial de incluir essas regiões no do Sistema Nacional de Crédito Rural seria
complexo produtivo, por meio de geração de possível acessar capitais suficientes para
renda e de empregos nos setores de apoio e que a expansão da fronteira agrícola fosse
no terciário que cresce concomitantemente feita incorporando técnicas, insumos,
à urbanização dessas regiões. Para isso, é fertilizantes e maquinários modernos.
fundamental haver estímulos a associar A agricultura no Centro-Oeste
investimentos produtivos à inclusão social brasileiro, ligada funcionalmente ao
das comunidades afetadas na fronteira agronegócio globalizado, caracteriza-se
agrícola. pelo modelo de Complexo Agroindustrial,
Um exemplo de região em que similar ao sistema de Belts nos Estados
prevalecem as dinâmicas do agronegócio é Unidos. Nesse modelo, trata-se de uma
o Centro-Oeste, com destaque para o Mato íntima relação entre a agricultura e a
Grosso, maior produtor de soja do país e indústria, que está presente tanto à
onde se evidenciou significativo crescimento montante quanto à jusante da produção
urbano e integração ao circuito global, seja via agrícola. À montante, a indústria é
111 ÍNDICE
responsável por fornecer bens de capital de o Centro-Oeste ser a segunda região mais
como insumos e máquinas, mas também urbanizada do Brasil, atrás do Sudeste, e
por fornecer inovações científico- possuir duas métropoles que estão entre as
tecnológicas por meio da transferência de que mais crescem no país: Goiânia e Brasília.
tecnologia oriunda de centros de pesquisa. A região designada pela EMBRAPA
À jusante, a indústria se faz presente no como MATOPIBA, da qual fazem parte os
beneficiamento dos produtos agrícoloas estados do Mato Grosso, Tocantins, Piauí e
produzidos, de modo a acrescentar valor Bahia, é considerada nos últimos anos a atual
agregado à produção. fronteira agrícola brasileira. A expansão
Ao inserir-se como peça-chave da do agronegócio para essa região deu-se
cadeia global de produção de alimentos, o sobretudo em função do baixo valor das terras
agronegócio brasileiro vincula o território observado ali, além da presença do cerrado,
produzido por ele às necessidades desse solo no qual as técnicas desenvolvidas
mercado mundial, que regula a produção por pelo agronegócio brasileiro são capazes
meio das constantes flutuações nos preços de garantir alta produtividade. Algumas
das commodities. A autonomia dessa porção das principais commodities de exportação
do território, é, portante, relativizada, visto brasileiras são produzidas nessa região, com
que o interessa nacional e regional, nesse destaque para a soja, o milho e o algodão.
caso, vincula-se diretamente à demanda Pode-se, inclusive, atribuir à expansão
global por alimentos, sendo também o Brasil da soja para o MATOPIBA o crescimento
imprescindível para a segurança alimentar significativo das safras brasileiras de soja
mundial, ocupando a posição de quarto nos últimos anos.
maior produtor de alimentos e terceiro
maior exportador.
O agronegócio brasileiro caracteriza- Nota - 29
se, portanto, pelo uso intensivo do capital Pedro Leonardo Borges de Rezende
em detrimento da mão-de-obra, tanto do
ponto de vista das indústrias à montante As novas dinâmicas do agronegócio
e à jusante, quanto do ponto de vista das nacional vinculam-se, diretamente,
próprias técnicas de plantio, monitoramento a uma refuncionalização dos espaços
e colheita, que envolvem o uso de drones produtivos, que, nos termos de Denise
e sequenciamento de dados no campo Elias, se articulam nas Regiões Produtivas
especializados, por exemplo. A implicação do Agronegócio. Destaca-se, nesse sentido,
desse modo de produção no espaço é a que, se o PIB agrícola do país, no que
criação de zonas agrícolas cada vez menos concerne aos bens primários, se limita a
povoadas, dada a baixa intensidade do uso 5%, ao somarem se as cadeias a montante e
de mão-de-obra, e a produção de espaços a jusante do agronegócio, esse valor atinge
urbanos no entorno a essas áreas cada vez 20% do produto nacional. Os complexos
mais acelerada, onde encontra-se a mão- agroindustriais, segundo Graziano,
de-obra especializada requerida, estão inserem o país plenamente na dinâmica do
presentes as funções de comado e para onde agronegócio globalizado, em uma complexa
fluem os lucros auferidos pela produção estrutura funcional. Naturalmente, as
agroindustrial. Consequentemente, a Regiões Produtivas do Agronegócio (RPAs)
dinâmica do agronegócio exclui os pequenos submetem-se às demandas do mercado
produtores por onde passa, visto que os global de commodities, adaptando sua
mesmos não conseguem competir com a produção e buscando o encurtamento do
produtividade da agroindústria, e tampouco “tempo da natureza” por meio de avançadas
têm capacidade de atingir a escala de técnicas (genéticas, de mapeamento de solos
produção requerida para isso. Sintomático e de tratamento da lavoura). A mecanização
do fato de que o agronegócio impulsiona o da produção, ademais, implica a redução
crescimento de cidades ao seu redor, é o fato da mão de obra empregada, em uma
112 ÍNDICE
dinâmica que acarreta a efetiva instalação ao consumo não alimentar. Ainda assim,
do meio técnico-científico-informacional nota-se que a dinâmica do agronegócio,
no território, de acordo com a teoria de ao promover ampla infraestrutura
Milton Santos. A complexidade das RPAs é logística e de transportes, essenciais para
aumentada pela demanda de serviços de alta o escoamento da produção, concorre para
especialização, que dão suporte às cadeias a inclusão de áreas antes não integradas,
a montante e a jusante, e acarretam uma favorecendo seu acesso não só a bens de
transformação da relação entre o urbano e o consumo, mas também à saúde, à educação
rural no contexto do agronegócio. Emergem, e às próprias tecnologias de informação e
pois, as “cadeias do campo”, que subsidiam de comunicação. O agronegócio inclui esses
as relações funcionais da produção espaços na dinâmica do mundo globalizado.
agropecuária com o mundo, sendo lócus da Exemplo fundamental da implantação
fabricação de insumos e do processamento de RPAs no território brasileiro é o centro-
de bens agrícolas. norte do Estado do Mato Grosso, que
Observa-se que o agronegócio tem um tem em Sinop uma de suas principais
impacto dialético sobre a autonomia desses “cidades do campo”. Fruto do avanço
espaços. Por um lado, tem-se um ganho de da colonização paranaense, que lhe dá
autonomia, tributário do aumento da renda, nome, a cidade beneficiou-se da crescente
que possibilita uma projeção política das demanda por proteína animal emanada do
cidades do campo, que passam a influenciar, continente asiático (sobretudo da China),
diretamente, as decisões nacionais (há, afinal, implementando, com o auxílio de técnicas
uma bancada destinada ao agronegócio no genéticas e de tratamento do solo (a
Congresso Nacional). Por outro lado, há uma calagem, desenvolvida pela EMBRAPA no
perda de autonomia desses espaços ante o contexto do PRODECER, para tratamento
mundo globalizado. Milton Santos destaca do latossolo do Cerrado), o cultivo moderno
a dicotomia entre os espaços que mandam da soja. Esse grão, adaptado dos climas
e aqueles que obedecem, em uma lógica temperados às temperaturas e ao regime de
que se aplica diretamente ao agronegócio, chuvas do Cerrado, já conta com culturas
na medida em que as decisões que o afetam de rotação (como o milho e o algodão
precipuamente são tomadas alhures. A herbáceo), ampliando a produtividade da
própria submissão às demandas instáveis lavoura. Sinop apresenta, assim, um dos
do mercado de commodities configura uma maiores PIBs agrícolas do país. A integração
perda de autonomia. O agronegócio não da região aos portos de exportação e, ainda, a
escapa, portanto, ao movimento dialético da promoção de projetos como a pavimentação
globalização. da BR 163 e a iniciativa da Ferrogrão, que
Há de se destacar, ademais, as pretende conectar a região às hidrovias da
dinâmicas de exclusão e de inclusão bacia Amazônica, facilitam a integração e o
decorrentes da expansão do agronegócio. escoamento dos bens do agronegócio.
A exclusão, por um lado, consubstancia- Naturalmente, a dinâmica do
se nos conflitos pelo uso e pela posse Agronegócio vincula-se aos imperativos
da terra, em que se opõem “sem terra”, ambientais que orientam o desenvolvimento
grileiros, posseiros, povos indígenas e os sustentável contemporâneo. Há, nesse
grandes latifundiários, detentores do poder sentido, uma perda de autonomia dadas as
econômico e decisório. A mão de obra vê- pressões internacionais pela preservação
se, progressivamente, excluída pela técnica ambiental, as quais se concretizam, por
em uma lógica que repercute, inclusive, exemplo, na “moratória da soja”. Essas
na agricultura familiar. Responsáveis por vicissitudes, contudo, representam uma
porção significativa da produção alimentar oportunidade, na medida em que incentivam
nacional, os agricultores familiares veem-se ganhos de produtividade na lavoura, como se
preteridos em função do avanço da agricultura observa, efetivamente, nos estabelecimentos
de larga escala, destinada, muitas vezes, do agronegócio de Sinop. A projeção do
113 ÍNDICE
agronegócio depende, assim, da equalização Primavera do Leste (MT) e Dourados (MS),
não somente das necessidades ambientas, por exemplo, integram uma categoria que
mas também das dinâmicas de inclusão e de passa a ser conhecida como cidades do
exclusão que se verificam no território. agronegócio [ILEGÍVEL POR PROBLEMAS DE
O agronegócio tem ganhado uma DIGITALIZAÇÃO DA RESPOSTA] premente
importância incontornável na estrutura a necessidade de adensar a infraestrutura
territorial e política do Brasil. As cidades de transportes e comunicação do Brasil,
do campo, integradas funcionalmente aos cujas carências geram perda expressiva de
centros globalizados e a eles submetidas, produtividade do agronegócio em locais
representam uma ressignificação da lógica como Mato Grosso e o MATOPIBA. O Estado
do “rurbano”, aventada por Gilberto Freyre. brasileiro tem tomado iniciativas para
Dada a dimensão do agronegócio brasileiro, sanar essas carências, como a construção da
confirma-se a campanha publicitária: o ferrovia Norte-Sul e o projeto da Ferrogrão.
“Agro” efetivamente é “tudo”. O agronegócio globalizado tem
impactos ambivalentes sobre os espaços que
refuncionaliza. Por um lado, submete esses
Menor nota - 23 espaços a cadeias globais de valor geridas,
Anônimo em última análise, por cidades globais.
Assim, a definição de quais commodities
Desde a década de 1970, a agropecuária serão produzidas localmente depende da
brasileira passa por um intenso processo cotação dos produtos agrícolas nas bolsas
modernizador, que transformou o Brasil em de distantes centros financeiros, como Nova
um dos maiores produtores e exportadores YorK; a determinação de como produzir
mundiais de alimentos. Esse processo foi depende do desenvolvimento tecnológico
em grande medida conduzido e incentivado levado a cabo em tecnopolos, os capitais
pelo Estado, que investiu em pesquisa e que financiarão a produção são organizados
desenvolvimento (Embrapa), concedeu em centros financeiros globais. Assim,
substanciais incentivos fiscais e creditícios o agronegócio estreita a dependência
ao agronegócio, fez parcerias com outros dos espaços produtivos com relação às
países para desenvolvê-lo (PRODECER). metrópoles nacionais e às cidades globais.
Esse processo transformou extensas áreas Por outro lado, o agronegócio também gera
do Centro-Oeste, mas também do Norte muita riqueza nas RPAs, o que permite a estas
e mais recentemente do MATOPIBA, em uma maior autonomia econômica e também
Regiões Produtivas do Agronegócio (RPAs), política.
embora seja importante destacar que RPAs O agronegócio aumenta a
também são presentes e importantes no produtividade e a mecanização do campo
Sul, Sudeste e restante do Nordeste. As gera empregos qualificados, mas, por outro
RPAs refuncionalizam o espaço produtivo, lado, reduz o número total de empregos
aumentando sua complexidade: o espaço no campo. Entre os censos agrícolas de
rural se torna tão denso em técnicas para 2006 e 2017 do IBGE, o número de tratores
atender não apenas à atividade agropecuária usados no campo brasileiro aumentou,
em si, mas também os elos superiores mas o número de trabalhadores rurais
e inferiores das cadeias produtivas do diminuiu. O agronegócio pode gerar, assim,
agronegócio, que a definição de área rural uma dinâmica de exclusão baseada em
e de área urbana adquire novas nuances, desemprego, pobreza e êxodo rural. Além
assim como as relações entre campo e disso os impactos ambientais gerados pelo
cidade. A produtividade do campo aumenta agronegócio [ILEGÍVEL POR PROBLEMAS
exponencialmente, mas com o subsídio das DE DIGITALIZAÇÃO DA RESPOSTA] para
cidades, que fornecem ao campo produtos os proprietários rurais menores e menos
industriais e serviços avançados que abastados. Mas o agronegócio também pode
possibilitam a agropecuária de precisão. gerar uma dinâmica de inclusão, quando
114 ÍNDICE
pequenos proprietários se integram às cadeias
de fornecimento globais, aumentando
Questão 03
a produtividade de suas propriedades e
portanto, sua renda. É o caso de número
A reorganização dos espaços
expressivo de produtores familiares na produtivos e o surgimento de dinâmicas
região Sul, que fornecem carne de frango e comerciais específicas incluíram um
carne suína para grandes indústrias. conjunto de mudanças na estrutura
Uma região onde as dinâmicas do
mundial dos portos. Dessa forma, a
agronegócio prevalecem é o MOTOPIBA,
evolução do transporte marítimo sempre
formado por Tocantins e partes do Maranhão,
do Piauí e da Bahia. As commodities de esteve associada à agilidade, traduzida
referência do MATOPIBA são soja, algodão e pelo aumento da capacidade dos navios,
milho. Essa região é considerada a mais nova por ganhos em velocidade e por uma
fronteira agrícola do Brasil e é um exemplo de diminuição significativa do custo do
regionalização em função do agronegócio: o frete, contribuindo para o encurtamento
critério que torna o MOTOPIBA internamente
relativo das distâncias para os homens,
homogênio e heterogênio com relação ao seu
as mercadorias e as informações. A partir
entorno é justamente o agronegócio. O bioma
predominante no MATOPIBA é o cerrado, dos anos de 1990, com a intensificação do
mas também há áreas de floresta Amazônica processo de globalização, caracterizado
e de Caatinga. pela crescente integração das esferas de
produção, do consumo e da circulação
Observação: as partes em todas as escalas geográficas, novas
pontilhadas foram cortadas pela
demandas foram colocadas sobre os portos.
banca na digitalização da prova e o
candidato não conseguiu lembrar o
que escreveu. MONIÉ, Frédéric; VIDAL, Soraia Maria do
S.C. Cidades, portos e cidades portuárias na era da
integração produtiva. In: Revista de Administração
Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 6, 2006, com
adaptações.

O navio porta-contêineres Ever Given
encalhou no canal de Suez, no Egito, no mês
de março de 2021. O canal de Suez é uma
das principais rotas de comércio marítimo
internacional. O bloqueio interrompeu
a passagem entre a Ásia e a Europa de
mercadorias avaliadas em US$ 9,6 bilhões
por dia, segundo a consultoria Lloyd’s List
Intelligence. Mais de 12% do comércio
mundial move-se ao longo da rota, de acordo
com dados da Autoridade do canal de Suez.

Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/


internacional-56555845. Acesso em: jun, 2021, com
adaptações.

115 ÍNDICE
Considerando que os fragmentos de Padrão de Respostas
texto apresentados têm caráter meramente
motivador, analise o transporte marítimo Q1, Q2 e Q3 – A reorganização mundial
global de cargas, os portos e suas regiões de dos espaços produtivos e o surgimento de
influência, e os canais e estreitos estratégicos dinâmicas comerciais específicas incluíram
nas rotas marítimas globais. Aborde, também um conjunto de mudanças na
necessariamente, os seguintes tópicos: estrutura mundial dos portos: novos métodos
de movimentação de cargas, equipamentos
• mudanças na estrutura mundial dos com sofisticação tecnológica, mão de obra
portos na globalização; especializada e agilidade, bem como os
• portos e suas áreas territoriais de avanços da engenharia naval e a construção
influência; de novos tipos de navios mercantes, como os
• conteinerização e transporte de cargas Ro-Ro, para o transporte de veículos.
e economia global; e Q4 e Q5 – A eficiência e a dinâmica
• canais e estreitos geoestratégicos da de um porto não se limitam apenas às
economia global e suas fragilidades instalações e à capacidade dos navios, mas
(citar uma dessas localizações e suas principalmente ao seu entorno, dadas as
fragilidades, excetuando-se o canal de atividades produtivas que fazem uso dos
Suez). seus serviços, ou seja, sua hinterlândia.
Reafirma-se que a dinâmica portuária e
as mudanças nos métodos das operações
Extensão do texto: até 40 linhas
portuárias sempre estiveram associadas
[valor: 20,00 pontos]
à reorganização mundial dos espaços
produtivos e ao surgimento de dinâmicas
Relatório de Notas comerciais específicas. Com a globalização,
novas demandas foram colocadas sobre
Maior Nota: 20 os portos, o que resultou em mudanças no
Nota Média: 16,75 sistema portuário mundial e nas cidades com
Menor Nota: 11,25 portos. Em relação ao porto, destaca-se que
Desvio-padrão: 2,132340264 este não pode ser pensado apenas do ponto
de vista técnico e operacional. Ele não é
apenas um corredor, é mais: um instrumento
a serviço de um projeto de desenvolvimento.
Q6, Q7 e Q8 – No entanto, atribui-se
a maior transformação do setor aos navios
conteineiros
especialmente projetados para
a maximização do transporte de
contêineres, ícone das transformações
mundiais no transporte e no manuseio
de cargas. Em escala global, as redes
produtivas dependem cada vez mais do
transporte marítimo que é responsável
pela maioria dos fluxos de bens materiais
entre os continentes, associando-se
também a outros tipos de modais. No
passado, esse meio de transporte foi,
por muito tempo, caro e pouco seguro,
constituindo um elo fraco dos sistemas
de transporte. No entanto, nos últimos 20
anos, a modernização permitiu reduzir o
116 ÍNDICE
tempo de permanência dos navios no cais navegável se reduz a apenas 10 quilômetros.
e aumentar a capacidade de carga, Nessa faixa de água é que os superpetroleiros
tornando-os cada vez mais velozes passam, diariamente, transportando mais
e seguros, contribuindo, assim, com a de 15 milhões de barris de petróleo, em uma
significativa diminuição do custo do frete região de instabilidade política no Oriente
marítimo. A modernização do transporte Médio. Estreito de Malaca: com cerca de 900
marítimo, bem como o desenvolvimento quilômetros de comprimento, o estreito de
rápido do uso do contêiner, impôs uma Malaca é o principal gargalo da Ásia e uma das
transformação radical no sistema portuário rotas marítimas mais congestionadas. O canal
mundial, que tinha se tornado o elo liga o continente ao Oriente Médio e à Europa,
fraco das grandes redes logísticas. Em e por ele passam cerca de 40% do comércio
consequência, nos anos de 1980 e de 1990, mundial. Mais de 100 mil navios atravessam-
os países inseridos nos fluxos do comércio no por ano. Em seu ponto mais estreito, em
global empreenderam reformas portuárias Cingapura, ele tem apenas 2,7 quilômetros
nas quais aplicaram algumas receitas de largura, criando um gargalo natural e uma
institucionais e operacionais universais para área propícia a colisões, encalhamentos ou
conferir maior competitividade aos portos e derramamentos de óleo. Cerca de 16 milhões
à base produtiva nacional. de barris de petróleo passaram pelo canal
Q9 e Q10 (exemplos) – Canal do em 2016, fazendo dele a segunda passagem
Panamá: como existe uma diferença quanto de combustíveis mais relevante do mundo.
ao nível dos oceanos Pacífico e Atlântico, a O estreito tem importância estratégica
construção de diversas comportas ou eclusas crescente para Pequim. Cerca de 80% das
foi necessária, sendo as principais: eclusas importações de petróleo cru da China passam
de Gatún, eclusa de Pedro Miguel e eclusas por ele, provenientes do Oriente Médio e da
de Miraflores. Para atravessá-lo, um navio África. Canal da Mancha: o tráfego marítimo
leva de seis horas a oito horas. Pelo canal do no canal da Mancha é um dos mais intensos
Panamá, passam, por ano, 15 mil navios, o do mundo, especialmente pelas ligações
que corresponde a aproximadamente 4% do possíveis entre a França e a Inglaterra. Entre
comércio mundial. As principais rotas que as cidades de Dover (Inglaterra) e Calais
utilizam a estrutura são as associadas à costa (França) é que se concentram os maiores
leste dos Estados Unidos da América (EUA), índices de navegabilidade. Por muito
principalmente com destino à costa oeste da tempo na história, sobretudo por conta dos
América do Sul. Há também fluxo de cargas recursos de navegação mais precários, foram
com origem europeia para a costa oeste registrados acidentes marítimos no canal da
dos EUA e do Canadá. O canal do Panamá Mancha em razão das fortes tempestades que
depende do nível de chuvas que ocorre na acometem o local. Destacam-se, no canal
América Central, pois os lagos, no interior da Mancha, o transporte de mercadorias
do canal, são de água doce, e períodos de diversificadas e, ainda, navios petroleiros.
seca ou de pouca chuva afetam o nível dos Estreito de Gibraltar: o estreito de Gibraltar
lagos. Estreito de Ormuz: o estreito de é um gargalo natural na junção das rotas
Ormuz é a única ligação entre o Golfo Pérsico marítimas do Mediterrâneo, do Atlântico
e os oceanos. Todo o tráfego marítimo do Norte e da África Ocidental. Ele possui
Golfo Pérsico para os principais países uma relevante importância econômica e
exportadores de petróleo do mundo tem que geopolítica. No sentido econômico, assim
passar por essa via. O estreito de Ormuz é como outros canais e passagens do mundo,
também importante para o transporte de gás como o canal do Panamá ou o canal de Suez,
natural liquefeito (GNL) do Catar, o maior ele permite a redução de tempo e despesas no
fornecedor mundial do produto. O ponto decorrer das travessias de navios-cargueiros
mais estreito da passagem situa-se entre o com destino à Europa, América ou Ásia. No
Irã, ao norte, e Omã, ao sul. Considerando- sentido geopolítico, o estreito de Gibraltar
se as águas territoriais dos dois países, a área representa uma rápida e curta comunicação
117 ÍNDICE
entre a Europa e a África. Por essa razão, e redes de escoamento de mercadorias.
esse território é bastante vigiado por forças Embora muitos portos históricos continuem
militares para garantir a segurança. relevantes para determinados tipos de carga
e tenham sido reestruturados, os grandes
Referências portos mundiais exigem capacidades cada vez
maiores e, com frequência, são compostos de
Disponível em: <https://www.fazcomex.com. imensas estruturas artificiais e componentes
br/blog/os-maiores-gargalos-do-transporte-maritimo- robotizados para gerar ganhos de velocidade
mundial/>. Acesso em: julho de 2021. no embarque e desembarque de mercadorias,
Disponível em: <https://www.bbc.com/ bem como integração a modais de transporte
portuguese/internacional-56555845>. Acesso em: junho de alta capacidade.
de 2021. Devido a essas mudanças, os portos são
LIMA, Luiz Cruz; BATISTA, Francisca Gonçalves. capazes de estender suas áreas territoriais de
O porto na nova organização do espaço mundial. Anais
influência a distâncias cada vez maiores em
do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a
direção ao interior, à medida que aumentam
26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo.
os investimentos em modais ferroviários
MONIÉ, Frédéric; VIDAL, Soraia Maria do S.
C. Cidades, portos e cidades portuárias na era da
e hidroviários. O transporte rodoviário
integração produtiva. Revista de Administração Pública, também apresenta capacidade de integração
Rio de Janeiro, v. 40, n. 6, 2006. aos portos devido a sua maior flexibilidade
NUNES, André Figueiredo; VISENTINI, Paulo e em consequência da conteinerização,
Gilberto Fagundes. Os estreitos no oriente médio e a que confere maior agilidade à integração
segurança energética. Revista da Escola Superior de de modais; todavia, o modal rodoviário
Guerra, v. 33, n. 68, p. 82-100, maio/ago. 2018. tem sérias limitações, em particular, no
VARGAS, Melina Nolasco; LUZ, Evandro Moritz; transporte de cargas de grande volume e
COELHO, Antônio Sérgio. Hinterlândia: discussão baixo valor agregado, como é o caso das
conceitual e o caso dos portos catarinenses. V
commodities produzidas no Brasil. Portanto,
Congresso Internacional de Desenvolvimento Portuário.
a influência dos portos depende, em grande
Florianópolis, 2018.
medida, da infraestrutura de transporte
para o interior, que pode gerar aumento ou
redução de custos, a depender do caso.
Nota - 20 O fenômeno da conteinerização está
Ciro de Carvalho Becker Leite diretamente relacionado à flexibilização do
processo produtivo em escala global, com
O transporte marítimo de cargas a ascensão do Toyotismo e da lógica “just
sofreu significativas transformações na era in time”, já que não se entende mais como
da globalização. Historicamente, grandes adequada a formação de grandes estoques
centros urbanos se desenvolveram em de produtos. Ademais, com a formação das
estuários e desembocaduras de rios que cadeias globais de valor e a divisão das etapas
não apenas ofereciam proteção natural às do processo produtivo, com vistas a reduzir
embarcações, mas também permitiam o custos via economias de escala, os volumes
acesso ao interior terrestre pela via fluvial. se tornaram maiores, e foi necessário
Os grandes portos do mundo se tornaram compartimentalizá-los para facilitar a
ricos entrepostos comerciais e, também, integração entre modais, gerando ganhos de
grandes polos de atração populacional. Com o escala e de eficiência.
aumento do calado das embarcações e novas O encalhamento do Ever Given no canal
tecnologias que permitiram o transporte de de Suez evidenciou algumas fragilidades dos
volumes maiores, muitos portos históricos circuitos marítimos globais e seus impactos
deixaram de ser convenientes, seja pelo negativos para a economia global. A economia
tamanho dos seus estuários que já não global depende de passagens estreitas que,
comportavam navios de porte cada vez maior, em geral, representam áreas sensíveis em
seja pelos limites de seus terminais, depósitos termos geopolíticos justamente por serem
118 ÍNDICE
rotas preferenciais, como é o caso do estreito naturais ou geopolíticas tornam-nas
do Golfo Pérsico, por onde passa grande privilegiadas (também se consideram fatores
parte da produção mundial de petróleo, em econômicos). No caso do porto de Santos,
área sensível ao risco de conflito entre Irã e por exemplo, a rota do escoamento do café
Arábia Saudita. O estreito de Malaca, por sua mais eficiente era a que levava a Santos,
vez, é vital para as exportações chinesas, que também contava com características
mas enfrenta congestionamentos, além de naturais adequadas, como grande
tensões entre Malásia e Cingapura. profundidade, relativamente própria para
os navios de carga que transportavam café
na primeira metade do século XX. Por sua
Nota - 19,75 importância econômica e fluxos, os portos
Taísa Passoni Marçal tradicionalmente são áreas que exercem
influência sobre outras, como áreas urbanas
O processo de globalização próximas, cuja atividade econômica depende
intensificado nas últimas décadas da atividade portuária, e também as zonas
conduziu a uma demanda crescente sobre contiguas, em que as autoridades marítimas
a modernização de portos existentes e à podem exercer fiscalização de diversos tipos.
construção de novos, adaptando-os às A conteinerização foi primordial para a
mudanças na estrutura mundial de portos. intensificação do comércio global, na medida
Atualmente, o transporte de cargas é em que permitiu uma redução acentuada
realizado majoritariamente por via marítima. no valor dos fretes. Conforme aduzido,
Na década de 1960, a criação do contêiner a padronização dos contêineres e das
e a difusão desse modelo padronizado de estruturas portuárias para carga e descarga
armazenamento e transporte de cargas de de navios, bem como a possibilidade de,
diferentes tipos provocou a necessidade de por meio do contêiner, se integrar o modal
adequação dos portos. Essa adequação, que aquaviário ao rodoviário e ao ferroviário
decorre de alterações na estrutura de diversos implicou um incremento substancial do
portos globais, inclui a realização de obras transporte de cargas e da economia global,
para navios de maior calado ou a dragagem que vinha passando, concomitantemente,
de materiais acumulados na zona portuária, por um processo de integração regional,
a fim de permitir o fluxo de navios maiores. consubstanciado em trocas comerciais. O
Também foram necessárias instalações desenvolvimento do comercio internacional
de estruturas portuárias para embarque também se deve, em parte, à conteinerização.
e desembarques de contêineres, para seu Nesse contexto, torna-se cada vez mais
transporte em área portuária e para sua imperioso assegurar o fluxo de circulação de
distribuição para os caminhões ou trens de mercadorias e obter ganhos de escala a partir
carga, responsáveis por fazer a distribuição da logística de escoamento. Por essa razão,
da carga por via terrestre. a China tem tentado buscar alternativas,
No caso de alguns portos voltados para como, por exemplo, ao estreito de Málaca,
cargas específicas, como o de Tubarão, no ES, no sudeste asiático, para ligar-se ao porto
e o de Itaqui, no MA, também foi necessária de Gwadar, assim como também sondou
a modernização para descarregar mais quanto à possibilidade de construir um canal
minérios em navios maiores. A estrutura interoceânico na Nicarágua. Essa seria uma
mundial dos portos na globalização é mais forma de se evitar as fragilidades do Canal do
interconectada tanto com outros portos Panamá, única via existente entre o Oceano
quanto com os navios e, notadamente, mais Pacífico e Atlântico, excetuando a passagem
padronizada, para permitir um transporte pelo extremo sul do continente americano.
uniforme a agilizado de cargas, o que Uma das fragilidades do Canal do Panamá é seu
permitiu a redução do custo com frete. sistema de comportas para nivelar os cursos
Os portos, via de regra, estão d’água e permitir a passagem de navios,
localizados em áreas cujas características que já está relativamente obsoleto; outra
119 ÍNDICE
fragilidade é a dependência das condições estruturas similares – embora de menor
políticas do Panamá, tradicionalmente uma escala – àquelas dos grandes portos globais.
área de influência norte-americana. Também o transporte rodoviário seria capaz
de fazê-lo, por distâncias mais curtas,
carregando um contêiner por vez. Enfim,
Nota - 19 o sistema de contêineres serviria para o
Pedro Mahin Araújo Trindade transporte de cargas por hidrovias.
O Canal do Panamá, assim como
A revolução nos transportes de cargas o de Suez, constitui uma importante
ao redor do globo, no último quarto do século via geoestratégica da economia global,
XX, foi um dos fatores – juntamente com a permitindo o acesso de cargas da Costa Leste
revolução nas tecnologias da informação e dos EUA para o Oceano Pacífico, bem como
das comunicações – que viabilizaram a rápida o acesso da china ao Oceano Atlântico. O
expansão dos mercados globais desde então. sistema de eclusas, porém, torna a travessia
Especificamente no que concerne à estrutura demorada, se comparado ao Canal de Sue,
dos portos, estes adotaram contêineres além de permitir um fluxo de embarcações
para o armazenamento e o deslocamento mais restrito, em razão da menor largura
de cargas dentro do porto e para os navios, relativa do Canal do Panamá.
o que permite um melhor aproveitamento
dos espaços disponíveis e a redução do
tempo de espera para o carregamento das Menor Nota - 11,25
embarcações. Tais contêineres passaram a Anônimo
ser movimentados por meio de guindastes
e, em estruturas mais modernas, robôs, o Se o mar revolucionou o comércio
que viabiliza uma melhor sistematização e global no período das grandes navegações,
organização das cargas, mais uma vez com pode-se dizer que o mesmo está acontecendo
ganhos de eficiência. novamente. A multiplicação da capacidade
Enquanto pontos nodais do sistema dos gigantescos navios porta-contêineres,
logístico global, os portos convertem-se em associada às melhorias de infraestrutura
centros de convergência dos demais modais em portos e canais, permitiu um aumento
do transporte de cargas – ferroviário, exponencial nas trocas globais. Não é à toa
rodoviário, aéreo e hidroviário. Além disso, que regiões como os Estreitos de Malaca,
passam a reunir empresas transnacionais, Ormuz e Gibraltar se tornaram posições
ou suas filiais, subsidiárias e fornecedores, geoestratégicas altamente militarizadas,
em suas áreas de influência. Conquanto as haja vista a proporção de bens que circulam
revoluções nos transportes e nas tecnologias todos os dias pelas passagens.
da informação e das comunicações haja O Estreito de Malaca realiza a conexão
viabilizado o distanciamento entre centros entre o Oceano Índico e o Mar do Sul da
decisórios e de produção, e entre estes China, sendo o principal ponto de passagem
últimos e os de consumo, a proximidade em das exportações chinesas. Por essa razão, faz
relação aos portos ainda pode gerar ganhos parte do programa Belt And Road Initiative
de escala ou estratégicos. (BRI), que busca construir uma rota marítima
Enquanto núcleos de convergência constituída por portos ao longo da Indochina,
de outros modais de transporte de cargas, dos quais se destacam o Porto de Gwadar no
a estrutura implementada nos portos, Paquistão, além de portos em países como
especialmente a conteinerização e a Sri Lanka, Indonesia (sic) e Cingapura,
mecanização, também pode ser adotada formando o “String of Pearls”. Para contrapor
para outros meios de transporte. O modal a China, a Índia está elaborando estratégia
ferroviário, adequado para o transporte de similar na região que ficou conhecida como
cargas por vias terrestres de mais longa “necklace diamond”. Por sua vez, o Estreito
distância, pode adaptar, em portos secos, de Ormuz é fundamental na circulação de
120 ÍNDICE
hidrocarbonetos do Oriente Médio.
Quanto aos canais, o destaque
Questão 04
permanece com os Canais do Panamá e de
As formas pelas quais a segregação
Suez, construídos no início do século XX
social se inscreve nos espaços das cidades
por EUA e uma parceria anglo-francesa,
variam historicamente. No começo do século,
respectivamente, e que continuam exercendo
São Paulo era uma cidade extremamente
papel de destaque. Ambos passaram por
concentrada e os diferentes grupos sociais
modificações recentes para ampliação da
viviam próximos uns dos outros, embora em
capacidade, visto que a tonelagem atual
arranjos residenciais radicalmente distintos:
dos navios é muito superior à da época de
os ricos em casas espaçosas, os pobres
suas construções. Como fragilidade, tanto
amontoados nos cortiços. Da década de 1940
para os estreitos quanto para os canais
à de 1980, a divisão entre centro e periferia
mencionados, está exatamente a ausência de
organizou o espaço da cidade. Durante a
rotas alternativas, o que, além de encarecer
vigência desse padrão, grandes distâncias
o frete, gera problemas como o causado pelo
separavam diferentes grupos sociais: as
navio Ever Given.
classes média e alta ocupavam os bairros
Por fim, os portos também tem (sic)
centrais e bem-equipados em termos de
sofrido alterações para acomodar navios cada
infraestrutura urbana, enquanto os pobres
vez maiores. No Brasil, podem ser destacados
habitavam a precária periferia.
os Portos de Santos, do Rio de Janeiro, de
Salvador e do Suape (CE). Recentemente, foi
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Enclaves
anunciado o projeto de um porto na cidade
fortificados: a nova segregação urbana. Novos estudos
de Ilhéus, que faria a conexão com a Ferrovia
CEBRAP, n. 47, p. 155-76, 1997, com adaptações.
de Integração Oeste-Leste (FIOL). Ainda na
América do Sul temos os portos de Valparaíso
Considerando que o fragmento de
(CHI), Montevidéu (URU) e Buenos Aires
texto apresentado tem caráter meramente
(ARG).
motivador, aborde, necessariamente, os
Na Europa, o principal porto segue
seguintes tópicos:
sendo o de Roterdã, na Holanda, por onde
ingressam produtos brasileiros para a
União Europeia. Nos EUA, Nova Iorque e
• o acelerado processo de urbanização
São Francisco, cidades em costas opostas,
brasileira e suas consequências;
são exemplos de portos para escoamento
• as novas inter-relações entre as
da produção estadunidense e recepção
cidades na era da globalização;
de produtos importados. Entretanto, a
• os enclaves urbanos e a segregação
maior revolução em termos de logística e
socioespacial-intraurbana; e
infraestrutura portuária vem da China. Com
• o direito à cidade e a desigualdade social
sua rede de portos integrada a rodovias
e ferrovias internas o país caminha para Extensão do texto: até 40 linhas
se tornar a maior economia mundial, [valor: 20,00 pontos]
projetando sua área de influência por todo
o globo, estabelecendo um novo padrão de
integração das cadeias globais de valor.

Relatório de Notas
Maior Nota: 19,5
Nota Média: 14,94
Menor Nota: 9
Desvio-padrão: 2,488808282

121 ÍNDICE
Padrão de Respostas Onde antes existia uma certa rigidez nas
relações entre as cidades, onde as cidades
Q1 – A urbanização brasileira, pequenas se relacionavam com as médias
representada pelo aumento populacional ou centros regionais, que se relacionavam
das cidades em detrimento da zona rural, com os grandes centros e as metrópoles,
foi mais significativo a partir da década de nesse período as cidades médias passaram
1970, embora o crescimento das cidades a ter relações diretas sem necessariamente
seja representativo a partir da década de a intermediação clássica e hierárquica das
1920, aproximadamente. Todo esse processo redes de cidades.
envolveu uma modificação no papel das Q4 – A complexa relação nas redes de
cidades, que antes eram basicamente cidades também é impactada por decisões
auxiliares ao desenvolvimento de atividades políticas e
agrícolas como a mineração, a produção de econômicas, como, por exemplo, pela
cana-de-açúcar, de café ou de ouro. Com a desconcentração industrial. Esse fenômeno
intensificação do processo de industrialização por vezes ocorre com a migração de centros
e o êxodo rural, as cidades foram crescendo ou plantas industriais para outros municípios
em número e complexificando-se à medida que podem oferecer vantagens competitivas
que a sociedade também evoluía. O Brasil por meio da guerra fiscal ou de infraestrutura,
apresentou um processo de urbanização fazendo com que o impacto na população,
bastante acelerado, demonstrado especialmente nos trabalhadores e nas
especialmente pela modificação demográfica funções exercidas por esse centro urbano,
do País e no que se refere ao aumento modifiquem-se.
da população urbana em detrimento da Q5 – Esse processo envolveu, em
população rural. Esse aumento populacional nível nacional, alguns fenômenos como
nas cidades pode ser observado pelas décadas, a desconcentração acelerada de atividade
sendo que, em1940, a população urbana era industriais, bem como sua ampliação e
de 26,3%, em 2000, de 81,2%, e, em 2010, por diversificação; o aparecimento de centros
volta de 84%, dando um salto significativo industriais especializados e diversificados;
em curto espaço temporal. A velocidade a modernização, a industrialização e a
e a intensidade de tal processo refletiram capitalização do campo, com destaque
na organização e nas formas espaciais das para a constituição de grandes complexos
cidades, bem como nas relações de classe e agroindustriais, além da ampliação de uma
no acesso a direitos básicos, à urbanidade base técnica, associada principalmente às
e, portanto, à qualidade de vida nas cidades comunicações e à rede de transportes.
brasileiras. Q6 – A década de 1960 foi marcada
Q2 – As relações entre cidades de por fluxos migratórios do campo para a
diferentes portes, na perspectiva de análises cidade, o êxodo rural, que fez com que as
clássicas, levam em conta a importância da cidades crescessem em nível populacional,
cidade, mas especialmente sua hierarquia. embora a infraestrutura urbana não tenha
Graças ao porte da cidade, considerava-se acompanhado esse processo. A oferta de
que o centro urbano pequeno iria se relacionar trabalho, educação, moradia e acessibilidade
diretamente com outro centro urbano não foram igualitárias, proliferando áreas
de maior porte e assim sucessivamente, periféricas de grande concentração de
seguindo uma lógica escalar. pobreza e marginalidade ou mesmo o
Q3 – Graças à complexidade da impulso de fluxos migratórios para cidades
modernidade e dos diferentes fenômenos com maior oportunidade para as classes
econômicos, políticos e sociais, redefiniram- trabalhadoras.
se também as relações entre as cidades, Q7 – Com relação às desigualdades
fazendo com que as intermediações socioespaciais, essas são características
hierárquicas que antes existiam entre cidades presentes em países como o Brasil, pautados
menores e grandes fossem ressignificadas. por deseconomias de aglomeração resultando
122 ÍNDICE
em materializações no espaço intraurbano, informacional, perspectiva defendida pelo
que configuram a realidade da segregação geógrafo Milton Santos, trata desse tema da
espacial, a partir de uma diferenciação de junção de um modelo de produção técnica,
classes, que seleciona o acesso a direitos aliado à ciência e à informação, como base
básicos, maior ou menor presença do de uma nova forma no sistema capitalista
estado e das corporações e acesso a serviços moderno de relações comerciais, sociais e
e infraestrutura. As dinâmicas urbanas culturais, que tem avançado no mundo todo.
de favelização, graças às dificuldades de Q10 – As cidades hoje estão mais
moradia, ao encarecimento do preço da terra complexas, como todas as relações
urbana oriundo de um desordenado processo sociais, portanto, se antes pobres e ricos
de ocupação, sem planejamento, somados distanciavam-se no espaço em áreas
à especulação imobiliária e à gentrificação, ricas, pobres e periféricas, atualmente
empurraram parcelas significativas da as metrópoles brasileiras diminuíram
população para áreas de risco e frágeis as distâncias, porém fortaleceram as
ambientalmente. Além disso, o aumento da segregações. A crise econômica da década de
violência urbana segregou aqueles que podem 1980, associada à modificação do preço da
pagar por serviços de segurança e vigilância, terra urbana, empurrou a população menos
bem como seguros a bens e serviços. abastada para áreas ainda mais distantes,
Q8 – Essa dinâmica criou espaços aliada a uma especialização de serviços
como os enclaves urbanos, que podem ser comuns às cidades globais que tendem a
entendidos como espaços privatizados e se tornar centros financeiros e de decisão,
monitorados, especialmente desenvolvidos intensificando a desconcentração industrial
para moradia, lazer, trabalho ou consumo. e aumentando a diversidade de serviços,
Considerados muitas vezes como “ilhas” embora para parcela específica da população.
de acesso a sistemas de segurança, eles A nova estética urbana formatou os espaços
são mantidos por empresas de vigilância e com sua nova lógica e seu status, mudando
monitoramento constantes e atraem aqueles as interações públicas e limitando o pleno
que, graças à violência e às desigualdades, se direito à cidade de sua população a partir da
sentem mais seguros nesses espaços e podem segregação e da possibilidade de proporcionar
pagar para desfrutá-los. Condomínios, serviços e segurança àqueles que podem
shoppings centers e complexos de pagar. Nesse sentido, passam a conviver, com
mais proximidade, espaços ricos e pobres nos
escritórios são espaços públicos privativos
quesitos segurança, conforto, acessibilidade,
com usos específicos e com exclusividade no
paisagismo, urbanidade, qualidade de vida e
oferecimento de determinados serviços. Os
diferentes tipos de infraestruturas.
enclaves urbanos e a segregação socioespacial
intraurbana são processos que estão
Referências
intimamente relacionados, já que os
primeiros acabam por fragmentar a cidade,
DO RIO CALDEIRA, Teresa Pires. Enclaves
indo contra os princípios do direito à cidade, fortificados: a nova segregação urbana. Novos estudos
infringindo o direito constitucional de ir e vir CEBRAP, v. 47, p. 155-76, 1997.
independentemente de classe, raça, gênero SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil:
ou poder aquisitivo, privatizando espaços e território e sociedade no início do século XXI. 2001.
influindo nas interações públicas.
Q9 – Graças à intensificação dos efeitos
da globalização, a partir da segunda metade
do século 20, especialmente com a revolução
dos sistemas de comunicação e transportes,
pautada na ciência e na técnica, a sociedade
passou por grandes transformações com o
avanço do modo urbano em todo o mundo.
O conceito de meio-técnico-científico-
123 ÍNDICE
Nota - 19,5 desordenada no Brasil e nos países periféricos
Daniel Boeira Lodetti intensificou a segregação e a favelização.
Atualmente, 20% da população mundial vive
Entre o Censo Demográfico de 1872 em favelas, algumas com mais de um milhão
e o de 2010, a proporção da população de moradores, como Ciudad Neza, no México.
brasileira morando em área urbana subiu No Brasil, destacam-se os aglomerados
de 7% para 84,4%. Esse acelerado processo subnormais de Sol Nascente (DF) e da
de urbanização intensificou-se com a Rocinha (RJ). Esse processo de favelização
industrialização e o êxodo rural a partir dos evidencia a chamada “segregação imposta”.
anos 1930, e no Censo Demográfico de 1970 Há também a “segregação induzida”, em que
o país já era majoritariamente urbano. As as pessoas têm poucas opções de moradia e
consequências dessa urbanização acelerada se instalam em regiões com infraestrutura
foram uma rede urbana macrocéfala, urbana deficitária. Por fim, ocorre também
muito concentrada no litoral, onde está a a “autossegregação” pelas elites, que se
maioria das metrópoles, segundo o REGIC isolam em condomínios de luxo, a exemplo
2018, e bastante desigual. A concentração de Alphaville. Esse processo de segregação
do meio técnico-científico-informacional socioespacial torna a cidade um “mosaico de
em São Paulo ensejou a metropolização mundos sociais”, na expressão de Duncan
até os anos 1970. A partir de então, com o Timms, com presença de áreas urbanas
crescimento das cidades médias, ocorre internamente mais homogêneas, mas
desmetropolização e uma “desconcentração heterogêneas entre si.
concentrada”. Esse processo gerou uma rede Esse processo urbano segregador cria
urbana desequilibrada, em que 15 metrópoles desigualdades sociais e intensifica o debate
polarizam influência sobre o território proposto pelo prof. Henri Lefebvre sobre o
nacional, enquanto 4.037 cidades (82% do direito à cidade. A crescente mercantilização
total) são classificadas na última escala da do território e do espaço urbano cria
hierarquia urbana proposta pelo REGIC 2018: desigualdades entre pobres e ricos no acesso
centros locais, a exemplo de Urussanga (SC). a serviços e a uma infraestrutura urbana de
As novas inter-relações entre as maior qualidade. Essa desigualdade social
cidades na era da globalização ficam deriva diretamente da capacidade financeira
evidentes na existência de “cidades globais”, de cada cidadão, que tem maior acesso à
que têm mais relações verticais (com o resto cidade quanto maior for seu poder aquisitivo.
do mundo) do que horizontais (com seu Cidadãos pobres, portanto, têm cada vez
entorno). Segundo o GAWC, São Paulo e Rio menos capacidade de exercitar o seu direito
de Janeiro são cidades globais alpha e beta, à cidade devido à mercantilização do espaço
respectivamente. Também estão entre as urbano.
três principais metrópoles do país, junto com As dinâmicas sobre o meio urbano
Brasília. Como cidades globais, desempenham descritas demonstram a atualidade da
um elo entre a rede urbana brasileira e perspectiva da profª Françoise Choay, que
outras cidades globais, com a presença, afirmou que “pensar o urbano é hoje uma
por exemplo, de sedes de multinacionais, necessidade”.
serviços altamente especializados. Nessas
novas inter-relações entre as cidades, o
local subordina-se ao global, ao mesmo Nota - 18,5
tempo em que resiste constantemente a essa Ciro de Carvalho Becker Leite
dominância. Conforme afirmou Rolando
Robertson, as cidades globais preferem o Com o processo de modernização e
“glo” ao “cal”. industrialização impulsionado pelo Estado
No que tange aos enclaves urbanos brasileiro a partir da década de 1930, o Brasil
e à segregação socioespacial-intraurbana, passou por uma urbanização acelerada e
verifica-se que a urbanização acelerada e altamente concentrada no Sudeste por meio
124 ÍNDICE
do fenômeno da metropolização. As grandes orientado para a produção e circulação no
cidades representavam polos de atração circuito externo prejudicou a formação de
devido à oportunidade de trabalho no setor espaços públicos dinâmicos e privilegiou a
secundário, e no terciário que também lógica da especulação imobiliária, resultando
crescia, com perspectiva de melhoria de em segregação induzida pela expulsão da
renda e acesso a serviços básicos, como população mais pobre, causando periferização
saúde e educação. O espaço rural, por seu e favelização, mas também em segregação
turno, representava polo de repulsão dada forçada, quando houve intervenção direta
a mecanização do campo, após a revolução do Estado na remoção de comunidades. Por
agrícola, e a concentração fundiária. O outro lado, os setores mais ricos se sujeitaram
grande êxodo rural decorrente dessa a autossegregação, aderindo ao projeto de
dinâmica resultou em rápido e concentrado um mercado imobiliário financeirizado de
crescimento da população urbana nas ocupação das áreas privilegiadas da cidade
metrópoles, sem o adequado planejamento em “enclaves fortificados”, nos termos de
para organizar o espaço urbano e integrar Teresa Caldeira. Essas formas de segregação
os excedentes populacionais – processo que revelam a disputa política na produção
ficou conhecido como urbanização terciária. do espaço urbano e se refletem no acesso
A partir da década de 1980, observou- desigual aos equipamentos da cidade, o que
se uma nova dinâmica nas relações entre as tem provocado reivindicações pelo direito
cidades, com a flexibilização crescente do à cidade, ou seja, o acesso não apenas à
processo produtivo na era da globalização. infraestrutura urbana, transporte, saúde,
Se o modelo de produção fordista havia educação, mas à própria participação no
ensejado intensa concentração produtiva planejamento urbano e à revitalização dos
no período anterior, gerando uma rede espaços públicos e de cidadania, combatendo
urbana profundamente desequilibrada, a desigualdade social.
com o pós-fordismo, passa a ocorrer uma
desconcentração concentrada, dando lugar
a um processo de desmetropolização, com Nota - 18
crescimento das cidades médias maior Ricardo Nocera Pires
do que o das metrópoles, embora estas
tenham continuado a crescer. Contribuiu Após um longo período de letargia, a
para essa mudança a chamada “involução urbanização brasileira ganhou tração a partir
metropolitana”, caracterizada pelos do século XX. A promoção da industrialização
maiores custos de produção e custos de nos moldes fordistas e a repulsão do
vida, provocando verdadeiras deseconomias campo consolidaram um processo de
de aglomeração. Como consequência do metropolização, especialmente entre os
processo histórico de urbanização, marcado anos 1930 e 1970. Nos anos 1980, todas
pela metropolização, as cidades se tornaram as macrorregiões eram majoritariamente
espaços altamente segregados, pois a urbanas e inicia-se a desmetropolização, ou
população de trabalhadores pobres não foi seja, a “desconcentração concentrada” da
integrada. A transição demográfica para indústria em decorrência do pós-fordismo
a fase 2 do modelo de Thompson também que levou as cidades médias a terem uma
agravou o adensamento populacional taxa de crescimento superior às metrópoles.
urbano não acompanhado de planejamento Atualmente, aproximadamente 85% dos
adequado. brasileiros são urbanos. Como consequência
A inclusão das economias urbanas no desse processo, há uma decrescente
circuito mundial de produção se traduziu em concentração da rede urbana. Ademais,
uma urbanização corporativa, voltada para os o seu ritmo acelerado gerou conurbações
interesses particulares de cada grupo social, e demonstrou-se a incapacidade de se
com prevalência dos interesses do capital prover infraestrutura adequada a todos,
transnacional. O planejamento urbano o que se verifica pelos elevados índices de
125 ÍNDICE
periferização e de favelização. Há ainda Segundo Lefèbvre, o direito à cidade
desigualdades regionais: o Sudeste domina denota que os benefícios do meio urbano
os estratos superiores da rede e o Nordeste precisam ser efetivamente usufruídos por
os inferiores, como os centros locais. aqueles que nele habitam. A desigualdade
Na era da globalização, verifica-se a social que ocorre, por exemplo, por meio da
superação da tradicional hierarquia urbana. favelização tende a impedir ou a dificultar
Se, antigamente, era impensável que um a concretização do direito à cidade. Nesse
centro local se relacionasse diretamente com sentido, empregos mal remunerados,
a metrópole, isso é hoje possível graças aos dispêndio de grande tempo no deslocamento
fluxos imateriais, consolidando-se a ideia em transporte público precário, carência de
de espaços-de-fluxo, embora as conexões oportunidades de estudo e de ascensão social,
materiais (ou espaços-de-lugar) possam falta de espaços públicos para convivência
continuar sendo precárias. Forma-se, desse social reforçam as desigualdades. Como
modo, a nebulosa urbana, onde os fluxos forma de reverter a situação, a Agenda 2030
ganham importância em relação aos fixos, ou defende o conceito de cidades inclusivas em
seja, o city-ness é cada vez mais relevante do consonância também com a Agenda de Quito
que o town-ness na dinâmica da globalização. ou Nova Agenda Urbana da UN-HABITAT
Por essa razão, Lensioni defende a ideia de III. Propõem-se, então, a criação de novos
macrorregião São Paulo-Rio de Janeiro, espaços públicos de lazer e convivência, de
composta pela macrometrópole paulista e oportunidades em toda a cidade (de emprego
e de estudos) e de mecanismos efetivos de
pela metrópole do Rio de Janeiro. Trata-se
ascensão social, entre outros.
da região em que, além dos fluxos materiais
típicos das megalópoles, verifica-se
também a existência de fluxos imateriais,
consolidando as ideias de “espaços que
Menor Nota - 9
mandam” e de dissolução das metrópoles
Anônimo
(ou metrópoles informacionais).
A urbanização brasileira produziu
A segregação socioespacial intraurbana
desigualdades tanto nos tecidos urbanos,
pode corresponder à autossegregação ou à
com as dinâmicas de segregação
segregação forçada. A primeira corresponde
intraurbana, quanto no aspecto relacional
à opção de pessoas abastadas de saírem do
entre as cidades, configurando uma rede
centro das cidades por razões que vão desde
urbana desigual. O acelerado processo de
a segurança até a poluição para condomínio
urbanização no Brasil conformou uma
no modelo alphaville. Já a segunda denota a
urbanização periférica, terciária, associada a
periferização e a favelização de populações
atividades de menor valor relativo, marcada
mais pobres que são obrigadas a sair das
pela metropolização, com a macrocefalia
regiões centrais em decorrência dos interesses de diversos pontos da rede nacional, e pelo
do capital imobiliário por meio do processo inchaço. A atratividade do meio urbano se
de gentrificação, ou seja, de revalorização de aliava à forte repulsão dos meios rurais, o
áreas centrais anteriormente desvalorizadas que conformou os movimentos migratórios
que inviabiliza a permanência de pessoas do êxodo rural. A partir da década de 1980, há
de baixa renda. A formação desses enclaves um processo de desmetropolização na rede
consolida a ideia de espaços endogenamente urbana brasileira. As metrópoles crescem
homogêneos, porém exogenamente em termos absolutos, mas as cidades médias
heterogêneos, ou seja, forma-se espaços crescem em ritmo superior. Isso ocorre pela
para pessoas de poder aquisito semelhante, saturação do tecido urbano e pelo aumento da
mas que diferem consideravelmente entre atratividade das cidades médias, associadas
si. Até antes da pandemia, verificou-se à desconcentração produtiva das indústrias
uma queda na periferização em termos e aos complexos agroindustriais (CAI),
relativos e absolutos. configurando as cidades do campo. Desse
126 ÍNDICE
processo acelerado, surgiu uma rede urbana intraurbana são: a gentrificação, na qual a
extremamente desigual, com 15 metrópoles especulação sobre o espaço urbano força a
conforme a REGIC/2018, várias cidades saída de populações de renda mais baixa;
médias importantes, mas uma esmagadora a periferização, mediante a qual pessoas
maioria de pequenos centros de pouco são empurradas para as bordas do tecido
dinamismo, como as cidades dependentes urbano; e a favelização, com construções
descritas por Roberto Lobato Correa. Além que aumentam a vulnerabilidade dessas
disso, os espaços urbanos das cidades, populações, não possuindo moradias dignas
sobretudo das metrópoles, são marcados nos chamados aglomerados subnormais,
pela extrema desigualdade socioespacial, o nem acessando serviços básicos.
que gerou processo de disputa pelo espaço e a As desigualdades social e econômica
consequente comoditização do meio urbano. se manifestam espacialmente nessas
Com a globalização e a implantação dinâmicas de segregação, limitando o
do Meio Técnico-Científico-Informacional acesso pleno de indivíduos ao meio urbano
no território brasileiro, as interrelações e restringindo o seu “direito à cidade”,
entre as cidades foram transformadas. dito por Henri Lefebvre. Há de se destacar
O processo de reconversão produtiva de que a mercadorização do espaço urbano e a
meios metropolitanos como São Paulo reprodução espacial do urbano pela lógica do
– simultaneamente, a grande metrópole capital são processos que limitam o acesso ao
nacional pelo REGIC, uma cidade global alfa urbano, retirando-o do alcance das camadas
e uma megacidade – permitiu que houvesse mais pobres. Por isso que a efetivação do
a consolidação de centros decisórios e direito à cidade dito por Lefebvre requer
de atividades de maior valor relativo no estratégias de planejamento territorial,
seu espaço urbano. A desconcentração bem como o uso dos espaços públicos, como
produtiva, seguindo princípios como parques e ruas. Nesse sentido, o ODS 11, da
a seletividade espacial e a localização, Agenda 2030, é um movimento positivo,
segmentou e especializou a indústria pois defende cidades seguras, resilientes,
nacional em diversos pontos do território inclusivas e sustentáveis.
brasileiro, como Betim (MG), Anápolis (GO)
e Camaçari (BA). Os espaços que mandam
e que obedecem, ditos por M. Santos, são,
desse modo, espacialmente materializados
na rede urbana brasileira, com centros de
comando nas metrópoles e amplificação da
escala de influência mediante o avanço da
técnica. Houve também a transformação do
papel das cidades médias, cujo papel não se
limita a conectar metrópoles aos pequenos
centros e cuja influência não se restringe à
sua hinterlândia; há, de fato, uma articulação
funcional e informacional nas cidades
médias, sobretudo as associadas ao CAI, se
integrando às cadeias globais de suprimento.
A desigualdade no tecido urbano
das cidades cria verdadeiros enclaves,
ilhas de segmentação socioeconômica
com materialidade espacial. A segregação
se apresenta, desse modo, como processo
da dinâmica intraurbana, podendo ser
voluntária, induzida ou forçada. Os
mecanismos extremos de segregação
127 ÍNDICE
Política Internacional
Questão 1 •

A despeito da distância que separa as


duas regiões [Brasil e Oriente Médio], não
são relações frágeis ou inexpressivas. Desde
o início da segunda metade do século XX,
o Brasil buscou relacionar-se de maneira
diversa e construtiva com países árabes,
como Síria, Egito e Líbano, com nações
muçulmanas não árabes, como Turquia ou
Irã, e também com Israel.

CASARÕES, G.; VIGEVANI, T. O lugar de


Israel e da Palestina na política externa brasileira:
antissemitismo, voto majoritário ou promotor de paz?
História, São Paulo, v. 33, n. 2, p. 153, jul./dez. 2014.


Considerando que os excertos de
texto apresentados têm caráter meramente
motivador, redija um texto dissertativo a
respeito das relações bilaterais entre Brasil
e Líbano no âmbito da política externa
brasileira para o Oriente Médio. Aborde,
necessariamente, os seguintes tópicos:

• as principais linhas de ação


diplomática do Brasil para o Oriente
Médio do pós-Segunda Guerra
Mundial à atualidade;
• o histórico das relações bilaterais entre
128 ÍNDICE
• o Brasil e o Líbano; e Padrão de Respostas
• as iniciativas diplomáticas brasileiras
para o Líbano após as explosões no Espera-se que o candidato
porto de Beirute em 2020. redija o texto considerando
os aspectos a seguir.
Extensão do texto: até 90 linhas
[valor: 30,00 pontos]
No primeiro tópico, espera-se que o
candidato demonstre conhecimento geral
acerca da política externa brasileira para o
Oriente Médio no período solicitado, com a
Relatório de Notas identificação de mudanças e continuidades
dessa política. Inicialmente, é necessário
Maior Nota: 21,5 explicar que o Brasil detinha relações difusas
Nota Média: 14,16 e de baixo perfil com países do Oriente
Menor Nota: 7,25
Médio entre 1945 e o início dos anos de 1970
Desvio-padrão: 3,284
(Q1), o que não impediu que a diplomacia
brasileira se envolvesse, até mesmo com
protagonismo, em questões regionais
relevantes, como o conflito árabeisraelense.
Por exemplo, Oswaldo Aranha presidiu a
sessão da Assembleia Geral de 1947, que
adotou o Plano de Partilha da Palestina
por meio da Resolução no 181. O governo
brasileiro também enviou tropas para a Força
de Emergência das Nações Unidas (UNEF I,
na sigla em inglês), o denominado “batalhão
de Suez”, em 1956, e apoiou a Resolução no
242/1967, adotada após a Guerra dos Seis
Dias. Por fim, o envolvimento brasileiro em
questões do Oriente Médio pautou-se em
uma postura de equidistância entre Israel e
países árabes até a década de 1970.

Com as crises do petróleo e


a necessidade de garantir o suprimento
energético, a diplomacia brasileira
aproximou-se de países árabes, em particular
do Iraque, entre os anos de 1970 e meados
dos anos de 1980 (Q2). Em troca de petróleo,
o Brasil forneceu bens e serviços para
esses países, com destaque para material
bélico e construção civil. Como reflexo
dessa aproximação, o governo brasileiro
assumiu uma posição mais favorável à
autodeterminação palestina no âmbito da
Organização das Nações Unidas (ONU),
como se observa no apoio às Resoluções no
3.210/1974, no 3.236/1974 e no 3.379/1975. As
duas primeiras referem-se, respectivamente,
à participação da Organização para Libertação
da Palestina (OLP) na Assembleia Geral da
129 ÍNDICE
ONU em discussões relativas à Palestina e à outros. Além disso, também houve visitas
aceitação da OLP como membro observadora presidenciais aos Emirados Árabes Unidos,
da ONU. Já a terceira trata da condenação do ao Catar e à Arábia Saudita em 2019, e apoio
sionismo como uma forma de racismo e de às negociações de paz entre países árabes
discriminação racial. A partir da década de e Israel, mediada pelos Estados Unidos da
1980, em um contexto marcado pela crise América.
econômica e pela priorização da agenda
regional, por exemplo, a aproximação da No segundo tópico, o candidato
Argentina, o Brasil retomou a posição de deve situar o Líbano no âmbito da política
equidistância entre Israel e países árabes até externa brasileira para o Oriente Médio à
o início do século 21 (Q3). Se, por um lado, luz do panorama apresentado no tópico
o País votou favoravelmente à Resolução anterior. É necessário argumentar que Brasil
no 43/177/1988, que reconheceu o status e Líbano mantinham contato entre si antes
soberano da Palestina, por outro, também de estabelecerem, oficialmente, relações
apoiou a Resolução no 46/86/1991, que diplomáticas em 1944 (Q5). Indiretamente, a
revogou a Resolução no 3.379/1975. Além celebração do Tratado de Amizade, Comércio
disso, após a Guerra do Golfo, as relações e Navegação entre o Brasil e o império
bilaterais entre Brasil e Iraque diminuíram. Otomano, em 1958, possibilitou as primeiras
Nos anos de 1990, a diplomacia brasileira imigrações de libaneses, compostas
manifestou apoio ao processo de paz no majoritariamente por cristãos, para o
Oriente Médio, defendendo a causa palestina território brasileiro entre 1880, pouco depois
ao mesmo tempo em que demandava da visita de Dom Pedro II pela região do
garantias à segurança de Israel dentro de suas Levante, e o final da Primeira Guerra Mundial.
fronteiras. Destaca-se, também, a presença Mesmo com a intensificação da migração e
brasileira na assinatura do tratado de paz do estabelecimento recíproco de consulados
entre Jordânia e Israel e na Primeira Cúpula no início do século 20, entre outras ações, as
Econômica Oriente Médio-Norte da África, e relações bilaterais mantiveram baixo perfil
as visitas oficiais de autoridades brasileiras à até a década de 1970. Com o início da Guerra
Israel e à Palestina (e vice-versa). Civil no Líbano (1975-1990) e as implicações
do conflito israelo-palestino para o país, uma
Na primeira década do século 21, o nova onda de imigrantes libaneses dirigiu-
Brasil buscou o fortalecimento das relações se para o Brasil, dessa vez majoritariamente
com o Oriente Médio, aproximando-se, composta por muçulmanos. Além disso,
simultaneamente, de países árabes, não no contexto de aproximação de países
árabes e de Israel (Q4). Esse fortalecimento árabes, a diplomacia brasileira manifestou
ocorreu por meio da criação de mecanismos solidariedade ao Líbano e condenou ações
diplomáticos, como a Cúpula América militares israelenses em território libanês
do Sul e Países Árabes (ASPA), de agenda nos anos de 1980 (Q6). A partir dos anos de
de visitas recíprocas, da atuação em prol 1990, a agenda recíproca de visitas entre
de solução pacífica do conflito israelo- Brasil e países do Oriente Médio também
palestino, mantendo a equidistância entre as se estendeu para o Líbano (Q7). O então
duas partes, da mediação de acordo nuclear primeiro-ministro libanês Rafik Hariri
com o Irã (Acordo de Teerã), entre outras visitou o Brasil em 1995, abrindo caminho
ações. De maneira geral, algumas dessas para outras visitas de autoridades libanesas,
ações, como a realização de cúpulas ASPA e que ocorreram nos anos seguintes. O então
as visitas oficiais, continuaram na década chanceler brasileiro Luiz Felipe Lampreia
seguinte, ainda que com menor ênfase. Nos visitou o Líbano em 1997. Essa agenda
últimos anos, as relações entre Brasil e Israel continuou na década de 2000, com destaque
intensificaram-se mediante a assinatura de para a primeira visita de um chefe de estado
acordos de cooperação em áreas de ciência e brasileiro ao Líbano em 2003, marcando
tecnologia, defesa, combate à Covid-19, entre o fortalecimento das relações com aquele
130 ÍNDICE
país, traduzidas em iniciativas concretas e 23-41, jan./mar 2019.
regulares, como o Lebanese Diaspora Energy GARCIA, E. V. Cronologia das relações
(LDE). Destaca-se, na década anterior, que o internacionais do Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto
Editora, 2005.
Brasil assumiu o comando da Força-Tarefa
SANTOS, N. B. A política externa do governo
Marítima da Força Interina das Nações
Lula com relação ao conflito Israel-Palestina. História.
Unidas no Líbano (UNIFIL, na sigla em
São Paulo, v. 33, n. 2, p. 189-216, jul./dez. 2014. SHERER,
inglês) em 2011 (Q8), além de ter avançado L. M.; GOULART, F. H. L.; VELOSO, P. A. F. (orgs.). Brasil –
na cooperação em defesa com o Líbano, com Líbano: legado e futuro. Brasília: FUNAG, 2017.
a assinatura de um acordo e a transferência
de armamentos (seis A-29 Super Tucano e 16
Iveco 6x6 Guarani) em 2016. Nota - 21,5
Ricardo Nocera Pires
Por fim, no terceiro tópico, o
candidato deve discorrer pelo menos acerca As relações entre o Brasil e os países
de duas iniciativas diplomáticas do governo e territórios do Oriente Médio são antigas e
brasileiro para o Líbano. A primeira delas é remontam, pelo menos, à viagem de D. Pedro
o envio da Missão Multidisciplinar Brasileira II ao Líbano ainda no século XIX. No pós-
de Assistência Humanitária ao Líbano (Q9), Segunda Guerra, surgiu espaço para uma
coordenada pelos ministérios das Relações maior autonomia na região, completando-se
Exteriores, da Defesa e da Saúde e composta o processo de descolonização e retração da
por representantes do governo e da sociedade presença especialmente europeia nos anos
brasileira, que teve o propósito de levar seguintes. Embora o Brasil tenha adotado
medicamentos, insumos e equipamentos diferentes linhas de política externa para
médico-hospitalares. A segunda iniciativa a região desde 1945, algumas constantes
é a retomada da ideia de um acordo de livre históricas podem ser delineadas, as quais
comércio entre o Mercosul e o Líbano (Q10), incluem a solução de dois Estados, a defesa de
visando, simultaneamente, à melhoria da solução pacífica de controvérsias e o repúdio
situação econômica libanesa e à ampliação ao terrorismo.
de mercado para o bloco sul-americano. Entre 1945 e 1974, o Brasil optou
Será avaliada a capacidade do candidato por uma postura equidistante entre árabes
de estabelecer uma tese e sustentá-la e judeus. Enquanto Osvaldo Aranha era
coerentemente. A avaliação seguirá o critério presidente da AGNU, aprovou-se o “plano
comparativo (i.e.). A avaliação individual
de partilha” da Palestina entre judeus e
será feita de acordo com a comparação do
árabes, com o apoio do Brasil. Em seguida,
nível de outros exercícios. Nesse sentido,
o país foi favorável à criação da UNRWA,
embora o candidato possa ter respondido
porém absteve-se da votação sobre a
de forma correta, abrangendo os requisitos
acessão de Israel. Nesse contexto, as relações
anteriormente indicados, sua nota poderá
diplomáticas foram firmadas com Israel,
ser menor do que a atribuída a outros que
mas o Brasil recusou as investidas do país em
fizerem o exercício com maior qualidade
favor da mudança da sede da embaixada para
intelectual, acadêmica e formal.
Jerusalém. Diante da crise de Suez, o Brasil é
favorável à solução pacífica de controvérsias
Referências
e à criação da operação de paz UNEF-I,
tendo contribuído com o envio de tropas
CASARÕES, G.; VIGEVANI, T. O lugar de Israel e
– “batalhão de Suez” – no governo JK, e
da Palestina na política externa brasileira: antissemitismo,
voto majoritário ou promotor de paz? História. São Paulo,
da operação para monitorar o cessar-fogo
v. 33, n. 2, p. 150-188, jul./dez. 2014. entre palestinos e israelenses. Após a Guerra
COSTA SILVA, A. V. A política externa do dos Seis Dias, já no governo Costa e Silva, o
governo Michel Temer (2016-2018): mudanças para a Brasil e a Argentina propõem em conjunto
legitimidade? Um teste da teoria de Charles Hermann. uma resolução na ONU para a solução do
Revista Conjuntura Austral. Porto Alegre, v. 10, n. 49, p. conflito. Nesse período, ainda podem ser
131 ÍNDICE
destacadas outras iniciativas, tais como o de democratização e do fim da Guerra Fria.
estabelecimento de relações diplomáticas Entre 2003 e 2018, o Brasil aproximou-
plenas com o Líbano, o início de relações se dos árabes e teve fricções com Israel. Nesse
com o Golfo (Arábia Saudita, 1968), o esforço período, por exemplo, ocorreram diversas
de aproximação com a região por meio do Cúpulas ASPA (América do Sul-Países
comércio a partir da criação da COARABE em Árabes), o país votou a favor da condenação
um contexto de diversificação de parcerias de Israel em foros multilaterais (direitos
o governo Costa e Silva e a articulação humanos, assentamentos, entre outros),
multilateral em favor do desenvolvimento, foram firmados acordos de comércio entre
como UNCTAD e G75/G77. MERCOSUL e Egito, Israel e Palestina (o
A partir de 1973 até 1990, o Brasil fez último é o único sem vigor). Alguns dos
uma opção pelos árabes. Trata-se de um pontos altos dessa diplomacia “ativa e
contexto externo desafiador para o país com altiva” nas palavras de Amorim foram
o desencadeamento do I Choque de Preços e a Declaração de Teerã (para o programa
a necessidade de garantir o abastecimento nuclear iraniano, patrocinada com a Turquia)
de petróleo, o projeto de diversificação de e o reconhecimento diplomático da Palestina
parcerias e a vitória da Argentina com a em 2010, o que foi seguido por todos os
aprovação de resolução que lhe beneficiava países da América do Sul. Desafios às relações
na questão das águas na AGNU. Diante disso, com Israel começam a ser observados
o Brasil é a favor do reconhecimento da OLP especialmente após 2014, quando o Brasil se
como legítima representante da Palestina, da recusa a aceitar o embaixador nomeado por
entrada da OLP como observadora na ONU e aquele país, sendo por este chamado de “anão
da equiparação do sionismo com o racismo diplomático”. Em 2018, o Brasil vota a favor
(Res. 3379). Nesse contexto, são estabelecidas da resolução da AGNU que considera como
relações com diversos países do Golfo (Omã, “nula e vazia” qualquer tentativa de alterar
Bahrein etc.), e o país aproxima-se de Iraque unilateralmente o status de Jerusalém,
e Líbia visando garantir o abastecimento de após transferência da embaixada dos EUA.
petróleo e a exportação de manufaturados, O Brasil ainda fez doações para a UNRWA e
inclusive de produtos de defesa com o para a Basílica da Natividade, além de ser
PNEMEM. Multilateralmente, o país ainda aproximar do Egito de Morsi e condenar a
se articula com o Oriente Médio em favor violência na Síria de Bashar al-Assad.
da criação de uma Nova Ordem Econômica Neste último período, o Brasil engaja-
Internacional (NOEI). Diante da intervenção se na UNIFIL no Líbano. Enviou a Corveta
israelense em território do Líbano no Barroso e tornou-se o primeiro país de fora
contexto de guerra civil neste país, o Brasil da OTAN a liderar a Força-Tarefa naval do
posicionou-se contra os atos de Israel na país. As relações Brasil-Líbano são notáveis
região de fronteira e conferiu o seu apoio à por sua dimensão humana, pois aquele é
criação da UNIFIL. O Brasil ainda apoia o o maior detentor de cidadãos nascidos ou
Acordo de Camp David (Egito e Israel). descendentes de pessoas deste. O vínculo
Entre 1990 e 2002, as relações com afetivo pode ser observado pelos inúmeros
o Oriente Médio caracterizam-se pelo clubes sírio-libaneses pelo país. O Brasil
retraimento. Nesse momento, o Brasil vota preocupa-se com a situação do Líbano nesse
a favor da revogação da equiparação entre contexto, especialmente, porque o país
sionismo e racismo como forma de destravar recebeu um enorme fluxo de imigrantes
conversas de paz entre os árabes. Além disso, nesse período, com destaque para os sírios.
a chancelaria nacional ainda se posiciona Além disso, o Líbano é histórico receptor
a favor do processo de paz por meio das de desafios, impondo desafios domésticos.
Conferências de Oslo e de Madri, mas não Em resposta, há iniciativas de cooperação
participa delas. Trata-se de um período em técnica Brasil-Líbano.
que o Brasil se aproxima de países do Norte e A partir de 2019, o Brasil esforçou-
de seu retorno regional em face do processo se para aproximar-se de Israel sem se
132 ÍNDICE
distanciar dos árabes, dada especialmente era, afinal, subvencionada), a comunidade
a importância comercial destes para o país. libanesa conformou, no Brasil, uma diáspora
Multilateralmente, o país adota uma postura de enorme relevância, influindo na cultura,
responsável contra a discriminação contra na gastronomia e na língua nacionais. Essa
Israel. Bilateralmente, Bolsonaro visitou diáspora vertebra, portanto, as profícuas
Israel e os países do Golfo em 2019, quando relações que o Brasil mantém com o Oriente
assinou acordos de cooperação em defesa, Médio.
ciência e tecnologia, entre outros. O país A atenção conferida pelo Brasil ao
abriu um escritório da APEX em Jerusalém. Oriente Médio no período do pós-Segunda
Nos episódios de Gaza, o Brasil defendeu Guerra consubstancia-se na atuação de
o direito de Israel de defender-se contra Oswaldo Aranha na presidência da Reunião
agressões. O país ainda apoiou a Conferência especial da AGNU em que se aprovou a RES 181,
de Varsóvia para o Oriente Médio (líder do referente ao Plano de Partição da Palestina.
GT sobre refugiados), o Plano de Paz para a Nesse período, o Brasil passa a tecer sua rede
Prosperidade e os Acordos de Abraão. de relações diplomáticas com os países da
Após explosões no porto de Beirute região (ainda que o país mantivesse relações
em 2020, o Brasil enviou uma missão para históricas com o Império Otomano, muitos
o Líbano chefiada por Michel Temer, um desses países se encontravam sob regime de
descendente de libaneses. Além de doações tutela, ganhando autonomia justamente no
humanitárias, como alimentos para fins contexto do pós-Guerra). Desse momento
emergenciais, estabeleceram-se contatos emerge, pois, o compromisso do Brasil com
entre as autoridades dos dois países a “Linha Verde”, no contexto da demarcação
para adensar mais a cooperação bilateral territorial da Palestina. Também no Oriente
multitemática. Outras iniciativas ainda Médio tem lugar a primeira participação
incluem o esforço do Brasil de acelerar brasileira em uma Operação de Paz das
as negociações em favor de um acordo de Nações Unidas, com o envio do Batalhão
comércio entre MERCOSUL e Líbano, com Suez ao Egito, no contexto da nacionalização
o fim de se alcançarem benefícios mútuos. do canal por Nasser. A aproximação do Brasil
O Brasil não reconheceu o Hezbollah como com o Oriente Médio é reforçada, ademais,
terrorista, apesar de pedido dos EUA. Nesse pela participação do país como observador
contexto, o fim da participação brasileira na na Conferência de Bandung, momento
UNIFIL, com a entrega da liderança da Força- em que já se identifica o pleito comum ao
Tarefa marítima e redução de contingentes, desenvolvimento.
deve ser entendido como necessário Apesar dos esforços iniciais, as
esforço fiscal e reorientação da segurança relações entre o Brasil e o Oriente Médio
para o entorno regional, e não como um mantêm-se relativamente tímidas ao longo
distanciamento do Líbano. das décadas de 1950 e 1960. No contexto da
Política Externa Independente, imbuída de
seu universalismo, há uma atenção relativa
Nota - 19,5 aos países do Oriente Médio e da África do
Pedro Leonardo Borges de Rezende Magreb, ainda que o passivo do apoio ao
colonialismo luso se expressasse na ONU
As relações do Brasil com o Oriente (havendo “zigue-zague” também em relação
Médio, e com o Líbano, em particular, à Argélia). No contexto da Guerra dos Seis
remontam ao período imperial: D. Pedro Dias, ademais, o Brasil, presente no CSNU,
II, afinal, visitou a região, em suas eruditas vota favoravelmente à RES 242, que requisita
jornadas; e, na década de 1880, tem início a retirada de Israel das “áreas ocupadas” em
a migração de libaneses para o Brasil. Golã, Gaza, Sinai e Cisjordânia. Com efeito,
Ainda que não tão volumosa quanto outras o Brasil mantivera relações amistosas com
correntes migratórias (a vinda de europeus, Israel desde a sua fundação. Os imperativos
ao contrário da corrente de médio-orientais, do I Choque do Petróleo, contudo, implicam
133 ÍNDICE
uma reavaliação da estratégia nacional em Nuclear Iraniano malogrou (dado o rechaço
favor de uma relação mais equânime com norte-americano), por outro, a proposta
os países do Oriente Médio. Nesse sentido, o brasileira referente à “responsabilidade ao
Brasil vota favoravelmente quanto à inclusão proteger”, no contexto da RES 1973 referente
da Organização para a Libertação da Palestina à Líbia desvelou um novo paradigma quanto
como observador na ONU, para além do à atuação onusiana na Promoção da Paz.
voto favorável à resolução que equivale o Ainda que o Brasil seja amplamente
sionismo ao racismo. Por um lado, o Brasil superavitário em suas relações comerciais
aplaude os esforços pela estabilização da com o Oriente Médio, observa-se que
região mantidos ao longo da década de 1970 houve um decréscimo dos fluxos ao longo
(Camp David, por exemplo). Por outro, o dos últimos anos, muito em função da
Brasil, cuja vulnerabilidade energética já crise econômica do país. A retomada desse
se mostrara evidente em 1973 (enceta-se, fluxo deve, pois, perpassar a reativação ou
pois o Proálcool), tem sua crise da dívida a reavaliação dos mecanismos de diálogo,
precipitada pelos desenvolvimentos do II a exemplo das cúpulas ASPA. A gestão do
Choque do Petróleo. As relações econômicas presidente Bolsonaro, com efeito, tem
com o Oriente Médio, que desde a década de buscado equalizar as relações do Brasil com
1960 já se pautavam pela atuação conjunta Israel, o que, naturalmente, não se dá em
na UNCTAD, passam a aprofundar-se, com a prejuízo dos países árabes. Nesse sentido,
abertura de mercados estratégicos inclusive destaca-se não só a troca de visitas bilaterais
para a indústria de defesa nacional, ao longo (com o PM Netanyahu), mas também a
dos anos 1970 e 1980. Ainda que o Brasil abertura de escritório comercial da APEX
não tenha enviado tropas à 1ª Guerra do em Jerusalém e o apoio ao Plano Peace to
Golfo, cabe rememorar os esforços do emb. Prosperity do Presidente Trump relativo à
Flecha de Lima para o resgate de cidadãos Palestina.
brasileiros, funcionários de empreiteiras O Brasil mantém profícuas relações
nacionais, no Iraque. com o Líbano, origem de importante diáspora
Ainda que o Brasil tenha aplaudido os nacional, cuja relevância se manifesta
esforços de pacificação dos Acordos de Oslo, no próprio Presidente Michel Temer,
cumpre notar que as relações com o Oriente descendente de imigrantes da região. As
Médio aumentam em intensidade somente a relações, que remontam à troca de embaixadas
partir do ano 2000. A crescente demanda por e à visita do PM libanês, na década de 1950,
proteína animal e foragem fez desenvolver- têm-se adensado continuamente. Para além
se, no Brasil, uma relevante cadeia Halal no de ações humanitárias empreendidas no
agronegócio. Esse intercâmbio econômico é, contexto da Guerra Civil Libanesa, cumpre
assim, avolumado pela firma dos Acordos de mencionar a relevância do envio da Força
Livre Comércio do MERCOSUL com o Egito, Tarefa Naval, a que coube o comando as forças
com Israel e com a Palestina (este ainda não marítimas da UNIFIL entre os anos de 2011 e
em vigor), para além do reconhecimento do 2020. Beneficiando-se da cultura partilhada,
Estado palestino (nas fronteiras da linha o envio da missão, além de corroborar as
Verde), em 2010. Ressalta-se, ainda, a credenciais brasileiras no âmbito multilateral
promoção das cúpulas América do Sul-Países (haja vista a recente eleição para cadeira
Árabes (ASPA), como meio não somente de rotativa no CSNU), proporcionou experiência
aprofundamento da concertação política real de campo às tropas brasileiras. Para
entre as regiões, mas também como vetor do além das relações securitárias, ressalta-se a
conhecimento mútuo. Destaca-se, ainda, o negociação em curso (liderada pelo Brasil) de
credenciamento do Chefe da Missão brasileira um amplo acordo comercial do MERCOSUL
no Cairo como representante do país na Liga com o país, de modo a fazer jus à ampla
Árabe (iniciativa também dos anos 2000). complementariedade das respectivas pautas.
Se, por um lado, a tentativa de mediação do As explosões no porto de Beirute, em
Brasil e da Turquia em relação ao Programa 2020, chocaram o mundo, afetando parte
134 ÍNDICE
significativa da cidade – inclusive brasileiros ao conflito israelo-palestino. Não obstante
e funcionários do SEB. Diversas iniciativas alguns autores classificarem as relações
diplomáticas foram, assim, envidadas, para do país com a região nesse período como
prestar auxílio a esse povo irmão. Para além “excludentes”, como Lessa, o Brasil não
do acionamento dos serviços consulares descuidou de adotar posicionamento sobre
(há consulado honorário no Vale do Beqaa), as principais questões da região. Em 1946,
enviou-se uma significativa missão por exemplo, o Brasil teve importante papel
humanitária, liderada pelo presidente Temer, na adoção do Plano de Partição da Palestina,
a qual incluiu alimentos e medicamentos para por meio da resolução 181, visto que para
uso imediato da população. O Brasil manifesta isso concorreu a presidência da Assembleia
grande preocupação com a crise política, Geral, então exercida por Oswaldo Aranha.
econômica e financeira que aflige o país, a Apesar disso, a postura equidistante do
qual é agravada pela pandemia de COVID-19, Brasil se evidencia por seu apoio à resolução
encetando profícua cooperação para que 242, que condenou a ocupação, por Israel,
se logre a sua pronta solução. Ademais, o dos territórios palestinos após a Guerra dos
Brasil manifesta-se favoravelmente a uma Seis Dias e conclamou a resolução de dois
solução pacífica do conflito na Síria (que Estados. De fato, o Brasil manteve, desde o
afeta sobremaneira o Líbano, com intenso pós-Segunda Guerra, apoio à solução de dois
fluxo migratório), liderada pelo povo Sírio, Estados livres e independentes, convivendo
apoiando as iniciativas de Genebra e do harmonicamente entre si, com respeito tanto
Comitê Constitucional congregado pelo país. às preocupações de segurança do Estado de
Segundo o ex-embaixador britânico Israel como à autodeterminação do povo
Tom Fletcher, em The Naked Diplomat, o palestino.
Líbano, com sua multiplicidade étnica e sua Os eventos da década de 1970
sociedade dinâmica, é um microcosmos do resultaram na mudança da estratégia
Oriente Médio. Para o autor, se o “Líbano brasileira para o Oriente Médio, visando
não der certo, nenhum outro país da região ao aprofundamento de relações bilaterais
dará”. Nessa perspectiva, o Brasil vale-se de e de parcerias comerciais. A inflexão
sua história e cultura compartilhadas com deveu-se a fatores domésticos, regionais
o Líbano, para que, juntos, conformem um e internacionais. No plano doméstico, o
vetor para a prosperidade do Oriente Médio. período do Milagre Econômico resultou no
aumento das necessidades energéticas do
Brasil, visto que o crescimento da economia
Nota - 16,25 estava assentado na utilização do petróleo
Morgana Lino Costa de Souza – a garantia do suprimento da commodity
era, portanto, essencial. No plano regional,
As relações do Brasil com o Oriente os países árabes decidiram elevar o preço
Médio em seu conjunto, e com o Líbano do barril após a Guerra do Yom Kippur,
em particular, são expressivas na inserção impactando a balança comercial do Brasil.
internacional do país, tendo se adensado No plano internacional, a conformação
a partir da década de 1970. Nesse sentido, afro-árabe-asiática passou a sancionar
cumpre analisar o lastro histórico das países que apoiassem ou fossem coniventes
relações do Brasil com a região médio- com a política de Portugal colonialista e
oriental, o histórico das relações com o com a África do Sul do apartheid, como
Líbano e as relações recentes com o país. era o caso brasileiro. Um fator adicional
Do pós-Segunda Guerra Mundial foi a própria política do Pragmatismo
até a década de 1970, as relações do Brasil Responsável e Ecumênico do governo
com o Oriente Médio ficaram, de modo Geisel, que primava pela universalização
geral, restritas à atuação em instâncias das relações internacionais do Brasil,
multilaterais, e foram caracterizadas pela sobretudo comerciais. Assim, o Brasil passa
postura equidistante do Brasil em relação a ser amplamente favorável às resoluções de
135 ÍNDICE
países árabes nas Nações Unidas, votando, geopolíticas na região e a capacidade
inclusive, de forma divergente aos Estados israelense de apoiar o desenvolvimento
Unidos. Caso emblemático foi o voto favorável brasileiro. Concomitantemente, o país buscar
brasileiro à resolução 3379, da AGNU, que aumentar o investimento árabe no Brasil, por
caracterizou o sionismo como forma de meio, por exemplo, da Visão 2030 saudita.
racismo. Ademais, o Brasil foi contrário ao As relações bilaterais entre Brasil e
embargo ao Iraque e aprofundou as relações Líbano estão alicerçadas sobre importante
com o país, firmando, inclusive, contratos dimensão humana. A diáspora libanesa
para a construção de infraestrutura. no Brasil é uma das maiores do mundo,
Embora o comércio com a região o que torna o Líbano não apenas um
tenha crescido durante a década de 1980, parceiro bilateral, mas também um
a década de 1990 foi marcada por relativo elemento formador da própria cultura
esfriamento das relações. O Brasil adotou, brasileira. Com base nisso, o Brasil buscou
à época, a política da autonomia pela estabelecer, historicamente, não apenas
participação, redirecionando seus ativos laços econômico-comerciais com o Líbano,
diplomáticos para parcerias tradicionais no como também linhas de cooperação sul-
eixo euro-atlântico e na América do Sul. Ao sul, de modo a favorecer o desenvolvimento
mesmo tempo, a diversificação energética de ambos os países. O Brasil também visa a
do Brasil (Proálcool, Itaipu, exploração de contribuir para a segurança libanesa, como
suas próprias bacias petrolíferas), diminuiu indica sua atuação na UNIFIL, onde exerceu
o peso estratégico da região. Em contraste, a o comando das operações navais.
década de 2000 foi caracteriza por renovação O Brasil exerceu cooperação
do apreço pelas relações com o Oriente humanitária com o Líbano após as explosões
Médio, sobretudo com a política externa do porto de Beirute em 2020, visando a
ativa e altiva, que visava posicionar o Brasil auxiliar o governo e diminuir o sofrimento
como ator legítimo na solução de questões da população afetada, com base no princípio
de “hard power”, vendo-o como exportador da solidariedade, que orienta a política
de segurança. Fez parte dessa linha de ação externa brasileira. Ademais, no âmbito do
diplomática a tentativa de equacionamento Mercosul, o Brasil tem atuado pela realização
do impasse sobre o programa nuclear de acordo de livre comércio com o Líbano,
iraniano, em 2010, em conjunto com a tendo em vista a abertura e inserção da
Turquia. Outros exemplos da renovação economia brasileira e o bem-estar de ambas
e do aprofundamento das relações foram as sociedades.
a realização das cúpulas América do Sul-
Países Árabes (ASPA) e a entrada do Brasil
como observador na Liga Árabe. Menor nota - 7,25
Na atualidade, o Brasil detém vínculos Anônimo
sólidos com a região. O Oriente Médio é
grande importador de alguns produtos As relações bilaterais entre Brasil e
brasileiros, em especial pecuários. Ademais, Líbano devem ser compreendidas no marco
o Brasil possui acordos de livre comércio mais amplo das relações entre o Brasil o
com Israel e Palestina (ainda não está em Oriente Médio. Nesse sentido, os princípios
vigor). Em relação ao conflito entre Israel e fundamentais da diplomacia brasileira, como
Palestina, houve apoio brasileiro ao “Acordo o realismo, o universalismo e a cooperação
do Século”, proposto pela administração entre os povos são essenciais para analisar
Trump. O país também se mostrou favorável a amplitude e a diversidade dessas relações,
à normalização das relações entre Israel e que não se esgotam em acordos econômico-
Emirados Árabes Unidos (Abraham Accords), comerciais.
Sudão, Marrocos e Barém. O Brasil tem Embora existam importantes
procurado aprofundar as relações bilaterais antecedentes ao período, as relações entre o
com Israel, tendo em vista as mudanças Brasil e o Oriente médio alcançam um novo
136 ÍNDICE
patamar no contexto do pós-Segunda Guerra geraram as chamadas crises do período de
Mundial. Nesse sentido, cabe destacar, de 1973 e 1979, o que levou o brasil a buscar
início, o aumento das missões comerciais maior densidade nas relações com o Líbano
brasileiras ao Oriente Médio, nos governos e a Argélia, por exemplo, para importar
Dutra, Vargas e Juscelino Kubitschek. De petróleo e outros recursos essenciais para o
fato, assim como esses governos enviaram processo de importação, no marco das linhas
missões para a África, também destinaram de ação diplomática do chanceler Azeredo
ações para a Ásia e o Oriente Médio, regiões da Silveira. Por meio do Pragmatismo
que passavam pelo intenso e diverso Responsável e Ecumênico, o chanceler abriu
processo de descolonização na Guerra Fria. novos canais de comunicação com o Líbano
A diplomacia brasileira ampliou relações e com outros países da região, reforçando
comerciais com países como Egito e Argélia. laços econômicos, mas também culturais.
Esse último país, assim como o Líbano havia Além disso, deve-se ressaltar que as ações
se libertado da opressão colonial europeia para o Oriente Médio eram compreendidas
no contexto do pós-Segunda Guerra e, de maneira associadas àquelas para
portanto, buscavam estabelecer relações África e para Ásia, dada as características
comerciais com o mundo, sobretudo com geográficas variáveis do conceito de Oriente
países da periferia mundial e para fortalecer Médio. No âmbito multilateral, destaca-
a cooperação terceiro-mundista. se a participação do Brasil e do Líbano
No âmbito político, destaca-se na Unctad, na ONU, o que evidencia a
a participação brasileira em fóruns e preocupação comum de ambos os países com
conferência mundiais, assim como na ONU, o desenvolvimento econômico.
em cooperação com os países descolonizados. Com a redemocratização do Brasil e
Nesse sentido, cabe ressaltar a participação a posterior abertura financeira e comercial
brasileira na Conferência de Bandung, em do país, as relações com o Oriente Médio
1955, a qual contou com a participação do e o Líbano ganharam novo perspectiva.
Líbano. Na ONU, o Brasil defendeu linha de De fato, o contexto da globalização impôs
ação diplomática a favor dos direitos dos novos desafios para os países, sobretudo
povos coloniais, o que pode ser comprovado para atores como o Brasil e o Líbano que
nas votações brasileiras em resoluções sobre almejavam participar de maneira proativa
o tema. Ao contrário da relação do Brasil com dos regimes fórum e organizações
as colônias portuguesas, que foi marcada internacionais. O diplomata Celso Lafer
por uma política de “Zigue Zague”. segundo argumenta que, no contexto da década
Sombra Saraiva, já que o Brasil evitava de noventa, em que a unipolaridade cedia
prejudicar suas relações com Portugal, a lugar à emergência de novos polos de poder
relação com o Oriente Médio era mais livre no mundo, regiões como a América do Sul
de constrangimentos. Com base no princípio e o Oriente Médio almejavam maior voz no
do realismo e da cooperação entre os povos, âmbito internacional. Durante o governo
o Brasil, na Assembleia-Geral da ONU, sob FHC, restou claro que Brasil e Líbano
a presidência de Oswald Aranha, propôs a não mais desejavam repetir os modelos
solução de dois Estados, para o conflito entre de relações bilaterais do pós-Segunda
Israel e Palestina, ação que foi considerada Guerra Mundial. Ao contrário, desejavam
positiva pelo governo líbio, já as que as desenvolver mecanismos institucionais
guerras entre esses dois atores prejudicam e diplomáticos que favorecessem suas
toda a região, ensejando elevados custos de inserções competitivas no comércio
oportunidade em termos econômicos, mas mundial, sem com isso negligenciar anseios
também políticos e sociais. sociais e culturais de suas sociedades.
Durante o Regime Militar, as relações No contexto doméstico, as sociedades
do Brasil com o Oriente Médio e com o brasileira e libanesa demandavam mais
Líbano, em particular, ganharam sentido transparência e compromissos sociais e
mais geoestratégico. Os conflitos na região ambientais dos governos.
137 ÍNDICE
No século 21, a cooperação entre Brasil
e Líbano ganhou novas dimensões, num
Questão 02
contexto marcado por eventos difíceis, como
“Está já evidente que, antes que o
o das explosões no porto de Beirute em 2020.
governo dos Estados Unidos possa proceder
Eventos como a guerra ao terror no início
além nos seus próprios esforços para aliviar
do século, a Primavera Árabe, na segunda
a situação e ajudar o mundo europeu a se
década, e as explosões de Beirute testaram os
colocar no caminho da própria retomada,
laços econômicos políticos e sociais entre os
faz-se necessário que haja um acordo entre
dois países. No plano multilateral, destaca-
os países da Europa em relação às exigências
se, em resposta, a cooperação entre o Brasil
da situação e ao papel que esses países
e a Liga Árabe, além o surgimento de fóruns
desempenharão para assegurar um efeito
como a ASPA. No plano bilateral, o Brasil
apropriado a qualquer ação que possa ser
reforçou a solidariedade entre os povos,
feita pelo nosso governo. Não é cabível nem
cujos laços residem na comunidade libanesa
útil que este governo empreenda a execução
no Brasil, que no Hospital Sírio-Libanês
de um programa unilateral para fazer com
uma de suas maiores marcas, assim como
que a Europa se erga economicamente. Isso
a comunidade brasileira no Líbano. Além
cabe aos europeus. A iniciativa deve vir da
disso, o Brasil enviou ajuda humanitária
própria Europa. O papel do nosso país deve
para o Líbano, tanto em termos econômicos,
consistir da ajuda amistosa, na confecção
como técnicos, com a expertise que o Brasil
do programa europeu e, mais tarde, no
tem acumulada em questões de materiais
apoio a esse programa de uma maneira tão
explosivos, desenvolvido no âmbito da
intensa quanto nos seja possível e prático.
cooperação nuclear.
Esse programa deve ser conjunto, mediante
acordo entre numerosas senão todas as
nações europeias”.

George Marshall, Universidade de Harvard, 5 de junho


de 1947 – Tradução nossa. Disponível em: . Acesso em:
6 jun. 2021.

À luz do trecho do discurso do secretário


de estado George C. Marshall, redija um texto
dissertativo acerca do papel dos Estados
Unidos da América (EUA) no processo de
integração da Europa Ocidental sob o ponto
de vista político, militar e econômico no
período inicial da Guerra Fria (1947-1949).

138 ÍNDICE
Aborde, necessariamente, os seguintes Padrão de Respostas
tópicos:
No primeiro tópico, espera-se que o
candidato identifique as razões que levaram
• as razões do exposto no trecho do George C. Marshall a pronunciar o próprio
discurso de Marshall; discurso. Um primeiro elemento que o
• os primeiros acordos no âmbito candidato precisa considerar é a necessidade
econômico e político entre os países de reconstrução econômica da Europa depois
da Europa Ocidental e a influência dos da Segunda Guerra Mundial no contexto do
EUA nesses acordos; e início da confrontação entre União Soviética
• o estabelecimento do Pacto Atlântico. e Estados Unidos da América (EUA) sobre o
futuro do continente europeu. Em segundo
lugar, o candidato deverá debater acerca
Extensão do texto: até 90 linhas
da política de contenção estadunidense
[valor: 30,00 pontos]
em relação à União Soviética, elaborada a
partir do impacto do “longo telegrama” de
George Kennan, do discurso de Churchill em
Relatório de Notas Fulton e da doutrina Truman enunciada em
março de 1947. Em terceiro lugar, é desejável
Maior Nota: 30 que o candidato mencione como a tensão
Nota Média: 20,49 política existente em vários países da Europa
Menor Nota: 13,5 Ocidental, onde havia um forte peso dos
Desvio-padrão: 3,817 partidos comunistas (como, por exemplo,
França, Grécia e Itália), tenha influenciado a
política externa estadunidense nesse período.
No segundo tópico, convém que
o candidato demonstre conhecimento
quanto aos primeiros passos do processo de
integração da Europa Ocidental. O primeiro
passo poderá ser considerado a reação
dos países da Europa ao plano Marshall,
sublinhando a aceitação dele por parte da
maioria dos países da Europa Ocidental. O
segundo passo a ser citado é a criação do
European Recovery Program como primeiro
momento de integração econômica da Europa
Ocidental, estimulado pelos EUA. Espera-
se que o candidato mencione que, pelo
ponto de vista político, os países da Europa
Ocidental chegaram aos primeiros acordos
políticos para a garantia da segurança deles
com o tratado de aliança entre França e Grã-
Bretanha, em março de 1947, e com o tratado
de Bruxelas de 1948.
No terceiro tópico, é importante que o
candidato apresente o contexto que conduziu
ao estabelecimento do Pacto Atlântico. Será
importante destacar como a impossibilidade
de chegar a um acordo entre União Soviética
e EUA sobre o futuro da Alemanha levou a um
acirramento das tensões entre os dois antigos
139 ÍNDICE
aliados. O candidato deverá explicar como a Referências
crise de Berlim constituiu uma das principais
crises do sistema internacional durante o KISSINGER, Henry. Diplomacia. São Paulo:
primeiro período da Guerra Fria e como ela Editora Saraiva, 2012.
se resolveu. Como ulterior ponto, deverá PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa
ser mencionada a resolução Vandenberg de dos Estados Unidos. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2003.
junho de 1948 como ponto de virada para
a política externa americana, permitindo
o envolvimento dos EUA em sistemas de
alianças militares em tempos de paz. Como
último ponto, cabe discutir a gênese do Pacto
Atlântico e a criação de uma aliança defensiva
que envolvia os países da Europa Ocidental e
do Atlântico Norte.

Quesitos de pontuação:

Q1 – identificação dos principais


problemas ligados ao futuro da Europa
depois da Segunda Guerra Mundial;
Q2 – identificação do longo telegrama
de Kennan e do discurso de Fulton de
Churchill como primeiros elementos de
tensão entre EUA e União Soviética;
Q3 – identificação do containment
como nova estratégia de política externa dos
EUA;
Q4 – apresentação da doutrina Truman
e da tensão na Europa Ocidental em 1947;
Q5 – identificação da reação da Europa
ao discurso de George Marshall;
Q6 – apresentação do European
Recovery Program e seu impacto para um
aprofundamento das relações entre os países
da Europa Ocidental;
Q7 – exemplificação dos primeiros
acordos políticos entre os países da Europa
Ocidental para garantir a própria segurança;
Q8 – apresentação da questão alemã e
da crise de Berlim;
Q9 – apresentação da resolução
Vandenberg e do impacto dela para o futuro
da política externa americana; e
Q10 – apresentação do Pacto Atlântico
e do impacto para os países da Europa
Ocidental.

140 ÍNDICE
Nota - 30 especialmente, a França, onde o Partido
Camile Viana Leal Comunista tinha forte presença no governo,
bem como a Alemanha, ainda dividida

Os Estados Unidos tiveram papel em quatro zonas e que sofreria, em 1948,
essencial no processo de integração da o Bloqueio de Berlim (também dividida
Europa Ocidental no pós-Segunda Guerra em quatro zonas) pelos soviéticos. Nesse
Mundial. Sua influência pode ser vista tanto sentido, para garantir o papel dos europeus
do ponto de vista político (contenção ao na execução do Plano, foi criada, em 1948,
comunismo), quanto do ponto de vista militar a Organização Europeia para Cooperação
(intervenções e ajuda militar) e econômico Econômica (OECE), que seria responsável
(cooperação econômica, em especial o Plano pela gestão dos recursos do Plano Marshall.
Marshall). Posteriormente, a OECE se transformaria em

O Plano Marshall visou ao OCDE com reformulação de funções.
fornecimento de ajuda econômica para a Era necessário, portanto, estimular,
reconstrução dos países da Europa Ocidental a coesão intraeuropeia, evitando, assim,
após a guerra. Esse era seu discurso oficial, que uma nova guerra trouxesse novamente
mas na verdade inseria-se em contextos e tamanha instabilidade ao continente. O
objetivos muito mais amplos. Já em 1947, contexto de Guerra Fria se delineava e
com o Discurso de Churchill da Cortina de países importantes que se imaginavam
Ferro, a Doutrina Truman de Contenção à sob influência americana, como a China,
expansão do comunismo (principalmente pendem para o lado comunista com a
na Europa), começa a se delinear. Os EUA eclosão de revoluções nacionalistas. Os EUA,
começam a delinear estratégias políticas e portanto, passam a influenciar diretamente
econômicas para não perder dua influência o estabelecimento de acordo de cooperação
no continente, inclusive pelos débitos a entre países da Europa Ocidental, seja no
empréstimos americanos feitos no contexto plano político ou econômico. Além da criação
de Guerra. Truman vai pessoalmente ao da OECE, o contexto do Plano Marshall,
Congresso solicitar a abertura de créditos há a criação da Corte Europeia de Direitos
para a Europa, em especial para dois países, Humanos (1949). Mais importantes serão,
onde a influência do comunismo parecia no âmbito político-econômico, a celebração
mais crítica: Turquia e Grécia. Começa- do Tratado de Paris, em 1953, que estabelecia
se, então, a delinear-se o Plano Marshall. a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
Como dito, oficialmente a ajuda não se e previa cooperação em áreas que foram
restringiria, inicialmente, apenas aos motivo de conflito na guerra, como o
países capitalistas, embora esse fosse o vale do Ruhr. O acordo foi celebrado pelo
objetivo real dos americanos. Contudo, na BENELUX (Bélgica, Holanda e Luxemburgo),
Conferência de Paris (1947), que se destinava juntamente com França, Alemanha e Itália.
a discutir os montantes do plano e os países Em 1957, a cooperação se aprofunda com a
que receberiam ajuda, o objetivo americano celebração do Tratado de Roma e a criação
fica claro, o que gera a saída dramática de das Comunidades Econômicas Europeias
Molotov da Conferência e a ordem para (para cooperação em livre comércio) e
que nações sob influência soviética não da Euratom, agência europeia de energia
aceitem a ajuda americana. Tal ultimato atômica. Ambos os tratados tiveram notável
é descumprido por Tito, que participará influência americana, sendo sua assinatura
do plano, sendo a Iugoslávia o único país influenciada pelo Plano Baruch (1946),
comunista que recebeu ajuda, sob condição bem como pelo Programa Átomos para a
de não apoiar Stálin. Marshall, portanto, em Paz (1953), de Eisenhower. O Plano Baruch
seu discurso, sublinha o papel dos europeus era uma proposta de compartilhamento/
no plano, pois caberia a esses assegurar seu cooperação em matéria atômica, assim
“efeito apropriado” (qual seja, a contenção como o Átomos para a Paz, que focava na
da URSS na Europa). Preocupava-o também, cooperação para usos pacíficos.
141 ÍNDICE
As ajudas econômicas no Plano de Stálin se restringissem a países de sua
Marshall e o acordo com os europeus zona de influência (como Tchecoslováquia
renderam frutos: na Grécia, os EUA e Hungria) e garantiu certa estabilidade. Em
chegaram a enviar animais (mulas) de avião resposta ao Tratado, foi celebrado o Pacto de
para desenvolver o setor agropecuário e Varsóvia (1952), com objetivos semelhantes
tirar o país da crise. A Grécia entrou em por parte dos soviéticos. Também remonta
guerra civil, com embates entre comunistas a esse contexto o estabelecimento de bases
e capitalistas. Os EUA, juntamente com americanas na Alemanha (que permanecem
o Reino Unido (já cumprindo os termos até hoje e tiveram recente aumento de
de seu pacto “não escrito”), intervieram contingentes com Joe Biden), bem como
no país garantindo a derrota de vez dos a instalação de bases na Turquia, que
comunistas em fins de 1940s. Na Turquia abrigarão silos nucleares e serão retiradas
e na França, o plano de ajuda econômica na década de 1960, no contexto da crise
também foi bem sucedido na contenção da dos mísseis. Também foi estabelecido que
URSS. Faltava, portanto, a Alemanha, que o Comando Civil da OTAN seria americano
será palco de grande crise em 1948. Após e o Comando Militar, francês, situação que
desentendimentos no âmbito do Conselho só se alteraria com De Gaulle. Até os dias
Interaliado, que governava as 4 zonas de atuais, a OTAN é um dos principais fóruns de
Berlim, Stálin ordena o bloqueio terrestre de discussão e cooperação dos países da Europa
Berlim até a resolução do impasse. Os EUA Ocidental, em especial no âmbito militar,
não cedem por meses, enviando itens básicos sendo símbolo, também, da cooperação
por meio de transporte aéreo. Já em 1947, no desses países com os Estados Unidos.
Telegrama X, George Kennan havia alertado
sobre os ímpetos expansionistas de Stálin e a
necessidade de uma Doutrina de Contenção, Nota - 24,5
consubstanciada posteriormente. Todos Anônimo
esses fatores convencem os americanos a
estabelecer, também no plano militar, o que Nota após os recursos: 24,5
haviam estabelecido no plano econômico. Nota antes dos recursos: 23,5
Assim, após o fim do Bloqueio aéreo de
Berlim, os países europeus e os americanos Observação: a parte que
assinam, em 1949, o Tratado de Washington, está pontilhada foi cortada na
Tratado da Organização do Atlântico Norte. digitalização da minha prova e eu não
Tal tratado é aberto à adesão apenas de consigo lembrar o que escrevi
países situados no Atlântico Norte (motivo,
por exemplo, pelo qual o Brasil nunca aderiu Os Estados Unidos da América (EUA)
a ele, mesmo em momentos de alinhamento) exerceram papel relevante no processo de
e consolida, no âmbito militar, a aliança integração da Europa Ocidental no início da
intraeuropeia ocidental e destes países os Guerra Fria. A Segunda Guerra Mundial (1939-
EUA. Em seu artigo 5º, o tratado dispõe acerca 1945) impôs altíssimos custos humanos à
de seu sistema de defesa coletiva e prevê que maior parte dos países europeus, além de
a agressão a um país do tratado é considerada desarticular suas economias e sociedades.
uma agressão a todos. O estabelecimento Isso facilitou à União Soviética (URSS) sob
da OTAN engendra lógica de dissuasão Stalin o estabelecimento de uma região de
no âmbito da Guerra Fria, garantindo influência no Leste Europeu (consolidada
tanto maior coesão na Europa Ocidental em Yalta), a ponto de Winston Churchill
(em torno de valores capitalistas), como descrever, em discurso de 1946, a divisão
dissuadindo possíveis invasões soviéticas da Europa como uma “cortina de ferro”.
à Alemanha ou países de “fronteira” com a Desenhava-se então uma disputa bipolar
zona de influência soviética. Ele permitiu, entre duas superpotências globais: EUA e
portanto, que, em geral, as intervenções URSS. A Europa Ocidental, que até o início do
142 ÍNDICE
século XX abrigara as potências hegemônicas para Cooperação e Desenvolvimento
do globo (Reino Unido, França, Alemanha), Econômico (OCDE) em 1961, quando o
viu-se reduzida a região de disputa entre as Tratado de Paris de 1960 entrou em vigor, com
influências americana e soviética. Sabe-se a adesão dos EUA e do Canadá. Já na década de
que os EUA lograram estender sua influência 1940 iniciou-se [ILEGÍVEL POR PROBLEMAS
à Europa Ocidental e garantir a permanência DE DIGITALIZAÇÃO DA RESPOSTA] europeia.
desta no bloco capitalista, mas, no início A união aduaneira de Bélgica, Países Baixos
da Guerra Fria, esse resultado não estava e Luxemburgo (BENELUX) deu o primeiro
garantido. A desarticulação econômica e passo na cooperação econômica, que
social dos países europeus ocidentais no prosseguiu com a formação da Comunidade
imediato pós-II Guerra Mundial abriu Europeia do Carvão e do Aço (CECA) em 1951
espaço político para o comunismo no cenário pelo Tratado de Paris, assinado pelos países
interno desses países, como na Itália e na do BENELUX, pela Itália, pela França e pela
França. O caso da Alemanha era ainda mais Alemanha. O objetivo era que a cooperação
grave, pois o país estava dividido em zonas econômica, principalmente nos setores
de ocupação americana, inglesa, francesa sensíveis do carvão e do aço, garantisse a
e soviética; sendo a capital, Berlim, situada cooperação política e a paz, especialmente
na zona soviética. Pesavam também os entre os rivais milenares França e Alemanha.
cenários de instabilidade na Grécia e na Os EUA apoiaram a integração europeia desde
Turquia. Os EUA agiram decisivamente para o início, considerando uma Europa forte
fortalecer os países europeus ocidentais em e unida um parceiro político e econômico
suas estruturas econômico-sociais, e assim mais confiável e eficaz. De fato, os criadores
esvaziar a força política do comunismo no da CECA prosseguiram a integração com a
interior deles. O Plano Marshall, anunciado criação da Comunidade Econômica Europeia
em 1947 pelo Secretário de Estado George em 1957 (antecessora da atual União
Marshall, garantiu financiamento americano Europeia).
para projetos de reconstrução dos países Já em 1947, através do Telegrama X,
europeus ocidentais (foi oferecido aos países de George Kennan, foi definida a estratégia
europeus ocidentais e à própria URSS, mas político-militar dos EUA de conter a URSS.
esta recusou e respondeu com a criação do Pode-se dizer que essa estratégia se adequa
seu próprio instrumento econômico de soft às teorias geopolíticas de Mackinder e
power, o COMECOM). Eliminava-se assim o Spykman pois, admitindo que a URSS
entrave da penúria de dólares no imediato conseguira controlar a região estratégica e
pós-guerra, que dificultava a reconstrução bem defensável do heartland, tratava-se de
europeia. Os EUA também influenciaram o impedir que ela conquistasse a hegemonia
estabelecimento da República Federal da global. Isso poderia ser feito, segundo
Alemanha (RFA, Alemanha Ocidental) e a Spykman, com o domínio do rimland que
inclusão desta nos projetos de reconstrução cerca o heartland, sendo a Europa Ocidental
e integração da Europa Ocidental. A parte do rimland. Daí o estabelecimento do
resposta da URSS à influência capitalista na Pacto Atlântico: em 1949, em Washington,
Alemanha foi o bloqueio de Berlim Ocidental EUA e países europeus ocidentais assinaram
(a cidade também fora dividida em zonas o tratado constitutivo da Organização do
de influência), que os EUA neutralizaram Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Trata-se
com uma ponte aérea entre 1948-1949, e o de uma aliança militar baseada no princípio
estabelecimento da República Democrática da defesa coletiva: um ataque a um dos
Alemã (RDA, Alemanha Oriental) e sua aliados é considerado um ataque a todos
inclusão no bloco comunista. os aliados, que se comprometem a fazer
Os países europeus ocidentais criaram frente juntos a tal ataque. A OTAN foi uma
uma organização para cooperação econômica considerável ruptura da política tradicional
para gerir os recursos do Plano Marshall. Essa americana de não formar alianças militares
organização foi sucedida pela Organização em tempo de paz, ruptura essa também
143 ÍNDICE
manifestada no Tratado Interamericano de desnazificado uma grande parte da Europa.
Assistência Recíproca de 1947. A resposta da O gigantismo demográfico e militar, além
URSS foi formar com seus próprios aliados do crescente antagonismo ideológico entre
uma aliança militar: o Pacto de Varsóvia. as duas superpotências, alimentava temores
Estavam formadas, na Europa, as alianças de que a URSS poderia marchar pela Europa
que formalizavam o enfrentamento bipolar ocidental e submetê-la ao comunismo, os
entre EUA e URSS, acirrado com a realização quais eram amplificados por confrontos na
do primeiro teste nuclear soviético, em 1949. Grécia e na Turquia, entre ocidentalistas e
Ao contrário do Pacto de Varsóvia, contudo, comunistas. Em 1949, a URSS ainda alcança
a OTAN sobreviveria ao fim da Guerra Fria. a bomba.
Ela continua como um dos pilares da política A situação de penúria material fazia
externa dos EUA e garante a segurança o comunismo parecer atraente aos olhos de
europeia. A OTAN se expandiu para o muitos europeus. Por essa razão, partidos
Leste após o fim da Guerra Fria a ponto de comunistas na França e na Itália obtinham
incorporar até mesmo os países bálticos ganhos em eleições parlamentares, o que
(Estônia, Letônia e Lituânia) e a Rússia atemorizava os EUA. Progressivamente,
considera essa expansão como uma ameaça. a URSS vai consolidando um bloco de
As tensões entre OTAN e Rússia cresceram poder no Leste Europeu com iniciativas
substancialmente com a anexação da Crimeia como o COMECON e a Doutrina Jdanov. Era
pela Rússia e o envolvimento desta no conflito necessário, portanto, que houvesse uma
no leste da Ucrânia, em 2014, de forma que a maior articulação e aproximação de europeus
aliança criada por EUA e países europeus na capitalistas com o fim de fazer face à ameaça
década de 1940 no contexto de uma ordem vermelha. Para tanto, era necessário que
mundial bipolar continua relevante na atual houvesse uma aproximação política, militar
ordem mundial multipolar, a despeito do e econômica entre os países da Europa
desvio das atenções americanas para a China Ocidental, o que era visto com bons olhos e
e a Ásia-Pacífico em geral. era até mesmo estimulado pelos EUA.
Do ponto de vista econômico, destaca-
se, inicialmente, o Plano Marshall que foi
Nota - 24,5 operacionalizado pela OECE (1948). Com o fim
Ricardo Nocera Pires de receber recursos do plano de reconstrução,
eram necessárias contrapartidas estipuladas
No contexto da Guerra Fria, a política por meio da OECE, entre as quais se incluíam
externa dos EUA baseou-se nas ideias de a adoção de políticas de liberalização do fluxo
Spykman e consolidou a ideia de contenção de capitais e a remoção de pessoas filiadas a
da URSS por meio de um bloco de países partidos comunistas dos governos nacionais.
capitalistas europeus. Nesse momento, é Por essa razão, comunistas franceses foram
muito indicativo do curso dos acontecimentos removidos da coalizão que sustentava o
o longo telegrama de George Kennan, que governo da época, e os comunistas italianos
denunciava o expansionismo soviético. viram-se obrigados a fundir-se com outro
Corrobora com essa lógica o discurso de partido. Lembra-se, por fim, que a OECE era
Churchill em Fulton, onde ele acusa ter composta apenas por países europeus, apesar
caído uma “cortina de ferro” sobre o Leste de dialogar diretamente com a iniciativa
Europeu com a consolidação de “democracias americana.
populares” alinhadas à URSS. O temor da Outro esforço de integração econômica
atuação do bloco socialista fundava-se na muito relevante do período foi a constituição
situação europeia do pós-guerra. Os países do BENELUX, bloco formado por Bélgica,
capitalistas do Velho Continente enfrentavam Holanda e Luxemburgo com o fim de criar
a ruína material e a difícil reconstrução, uma união aduaneira. Em seguida, aderiram
enquanto a URSS detinha o maior exército ao projeto de integração França, Itália e RFA, o
do continente e tinha o mérito de haver que conformaria a ideia de “Europa dos seis”.
144 ÍNDICE
O objetivo era que uma união desses países anticomunista, o gigante capitalista apoia
em especial em matéria de indústria pesada de modo entusiasmado o projeto europeu em
evitasse uma nova guerra e impulsionasse seus momentos iniciais. Uma Europa estável,
uma maior integração, em linha com a teoria enriquecida e institucionalmente forte
funcionalista e com as ideias de Monnet e do serviria de propaganda capitalista contra a
Plano Schuman. Desse modo, seria formada ameaça comunista. Em 1949, os americanos
a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço avocaram para si a responsabilidade de
(CECA), que envolvia setores considerados defender o mundo livre contra minorias
essenciais no caso de uma guerra entre os opressoras por meio da doutrina Truman,
países da “Europa dos seis”. com a qual se esperava que a Europa ocidental
As primeiras ideias de integração viesse a cooperar.
política europeia remontam ao projeto de O Pacto Atlântico é firmado no contexto
império universal proposta pelo Império dos primeiros testes nucleares da URSS.
Austríaco. No contexto do pós-Guerra, o Ainda em 1949, criou-se um Conselho que
ponto de partida é o discurso de Churchill, era composto por representantes dos EUA, do
segundo o qual deveria ser criado um modelo Canadá e de europeus capitalistas. Por meio
que chamou de “Estados Unidos da Europa”. da Carta da OTAN, afirmava-se o princípio da
É interessante notar que, para Churchill, os autodefesa coletiva dos países transatlânticos
esforços de integração deveriam restringir- em seu art. 5º. Desse modo, além da
se à Europa continental, palco de guerras no cooperação entre militares desses países, o
continente, não alcançando, dessa forma, o guarda-chuva nuclear dos EUA era estendido
Império britânico. Além dos desdobramentos à Europa, que agora se tornava mais segura
políticos dos projetos econômicos, deve- diante de eventual ataque da URSS. A partir de
se citar a criação do Conselho da Europa então, seriam operacionalizados exercícios
em 1949, instituição voltada para a defesa militares conjuntos e seria promovida a
da democracia e dos direitos humanos no troca de informações, além do comércio de
continente por meio do Tratado de Londres, armamentos e insumos de defesa. Nesse
com atuação proativa do RU. sentido, a aliança transatlântica consolidava
Em matéria de segurança, já iniciativas sua segunda vertente da política externa
já nesse momento que não entraram em dos EUA, qual seja, a militar. Essas teriam
vigor. França e Reino Unido (RU) temiam sido as duas faces da Doutrina Truman: o
uma nova guerra, seja contra a Alemanha ou a Plano Marshall, acompanhado do apoio à
URSS, firmando uma aliança defensiva entre integração, e a OTAN. Nota-se, por fim, que
si, aderindo a ela os países do BENELUX. O diante do contexto de bipolaridade, o art. 5º
tratado de Dunkirk é emblemático nesse da Carta nunca chegou a ser invocado com
sentido. Embora o RU se distanciasse de fins de intervenção militar. Em momento
outras iniciativas de integração de viés posterior, a URSS articularia seu bloco pelo
político e econômico nesse período, os seus Pacto de Varsóvia, que se encerrou nos anos
interesses securitários, especialmente sobre 1990. O Pacto Atlântico subsiste.
o Canal da Mancha e o Estreito de Gibraltar,
tinham o seu apoio, pois acreditava-se, à
época, que era possível uma nova guerra vis- Menor nota - 13,5
à-vis um eventual sentimento revanchista Anônimo
alemão ou o expansionismo soviético.
Como se observou, a influência dos A Europa é parceira tradicional dos
EUA foi grande para que tais iniciativas se Estados Unidos tanto em virtude do lastro
formassem. Era necessário criar um bloco histórico que une as regiões, como devido
de contenção do comunismo na Europa, o à similaridade de valores e princípios. O
que só seria possível se a reconstrução do continente europeu saiu da Segunda Guerra
continente fosse exitosa. Em razão de seus Mundial arrasado pelo esforço de guerra
próprios interesses securitários e da ideologia e necessitando soerguer-se econômica e
145 ÍNDICE
infraestruturalmente. Concomitantemente, aplicação dos recursos. Fica claro, assim, que
o período inicial da Guerra Fria (1947- os Estados Unidos não estavam interessados
1949) foi marcado pela solidificação dos em tratar da questão de forma bilateral,
blocos de poder ocidental e soviético e pelo amplamente favorecendo o multilateralismo
estabelecimento da “cortina de ferro”. O europeu. De fato, a Europa logrou organizar-
fortalecimento da Europa, política, militar e se para o auferimento dos recursos, dando
economicamente era uma decisão estratégica início à estrutura embrionária do que viria
para o próprio fortalecimento dos Estados a ser a Organização para a Cooperação e
Unidos no contexto da Guerra Fria. o Desenvolvimento Econômico (OCDE). A
No trecho do discurso de George C. congregação dos países da Europa Ocidental
Marshall, na Universidade de Harvard, ele em torno da organização permitiu que o Plano
declara que a ajuda dos Estados Unidos à Marshall fosse concretizado, garantindo a
reconstrução do continente europeu depende reconstrução da Europa e o fortalecimento
da adoção, pela Europa, de uma postura econômico europeu.
conjunta que clarifique suas necessidades, No plano político, fazia-se necessário
desafios e objetivos. Não caberia aos no pós-guerra a superação das rivalidades
Estados Unidos atuar unilateralmente para entre França e Alemanha. Os debates
o soerguimento econômico e reconstrução em torno da questão deram origem ao
de nações periféricas, de forma “ad hoc”. A Plano Schumann, que vislumbrava o
Europa Ocidental, como um todo, precisava início da integração regional por meio da
fortalecer-se frente à antagonização com administração conjunta, entre os dois países
a URSS e com o bloco soviético, de modo historicamente rivais, do carvão e do aço –
que a manutenção das relações conflitivas a decisão era repleta de simbolismo, visto
e competitivas que marcaram a primeira que o carvão e o aço são essenciais ao esforço
metade do século XX e resultaram na Primeira de guerra. Com base no debate em torno do
e na Segunda Guerra Mundial seriam um Plano Schumann, é assinado o Tratado de
erro político diante do novo ambiente Paris, que cria a Comunidade Europeia do
geoestratégico da Guerra Fria. Como Carvão e do Aço (CECA). Este é seguido, mais
expresso por George Marshall, não seria tarde, pelos tratados de Roma, que criaram a
“nem cabível nem útil” que o governo norte- Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a
americano investisse grandes quantias na Euratom. No entanto, os países europeus não
reestruturação da região se esta continuasse eram favoráveis ao aumento da influência
fragmentada e sujeita às desinteligências dos Estados Unidos sobre o processo de
que causaram sua destruição. Caberia aos integração europeu – postura adotada
europeus o exercício de elaboração conjunta sobretudo pela França, que vetou a entrada do
de seu próprio plano de reconstrução, o que Reino Unido na Comunidade Europeia, sob o
contribuiria para a criação de confiança argumento de que se trataria de crescimento
mútua entre nações antes beligerantes. da influência norte-americana sobre as
Assim, os Estados Unidos influíram decisões da organização, posicionamento
politicamente, manobrando seu peso que contribuiu para a crise da cadeia vazia, já
econômico, para o estreitamento dos na década de 1960.
laços entre os países da Europa Ocidental No plano militar, os Estados Unidos
e a superação de rivalidades, processo deram preferência à formalização de um
que culminou, politicamente, no início da pacto formal e estratégico que vinculasse
integração europeia, ainda que esta não tenha a defesa dos Estados Unidos à defesa da
sido o objetivo declarado dos Estados Unidos. Europa, em detrimento de estruturas de
Para a superação das rivalidades, os Estados defesa europeias autônomas. A Europa
Unidos sujeitaram a liberação dos recursos do era uma região estratégica na rivalidade
Plano Marshall à criação de uma organização, bipolar da Guerra Fria, de modo que a
administrada pelos países da Europa participação na sua segurança era crucial à
Ocidental, que seria responsável pela gestão e estratégia norte-americana de contenção
146 ÍNDICE
soviética, além de ser importante para a
instalação de bases e para a obtenção de
Questão 03
posicionamento estratégico em caso de
“Embora o Brasil tenha longa e antiga
ataque. Essa postura dá ensejo à assinatura
tradição de Política Externa, o mesmo não
do Tratado do Atlântico Norte, que criou
pode ser dito, com a mesma ênfase, no que se
a Organização do Tratado do Atlântico
refere a sua Política Internacional”.
Norte (OTAN). A organização, baseada
no princípio da segurança coletiva,
“Em várias oportunidades (...), o
representou compromisso dos Estados
Brasil tem procurado caracterizar o que
Unidos com a defesa europeia, visto que
agora se delineia claramente como firme
um ataque a um dos membros seria visto
e indisfarçada tendência no sentido do
como um ataque a todos os membros. A
Congelamento do Poder Mundial”. CASTRO,
criação da OTAN acabou por desincentivar
J. A. de Araújo, 1971.
a integração europeia autônoma em
matéria de defesa, suscitando debates que
O congelamento do poder mundial. Exposição
persistem até hoje (projeto da Europa de
aos Estagiários do Curso Superior de Guerra da Escola
Defesa, defendido por Emmanuel Macron)
Superior de Guerra, em 11 de junho de 1971. Revista de
sobre a dependência da Europa em relação
Informação Legislativa, julho a setembro, 1971, p. 38.
aos Estados Unidos e sobre a possível
vulnerabilidade da região às vicissitudes
Considerando o padrão de atuação
da política doméstica norte-americana.
internacional do Brasil e os fragmentos
apresentados, elabore um texto dissertativo
que aborde, necessariamente, os seguintes
tópicos:

• o entendimento de Araújo Castro


acerca da política internacional do
Brasil;
• a posição brasileira em relação ao
Tratado de Não-Proliferação (TNP)
defendida por Araújo Castro e a posição
brasileira em 1998, bem como suas
possíveis relações com abordagens
teóricas de relações internacionais; e
• a posição brasileira sobre o Protocolo
Adicional do TNP manifestada na
Estratégia Nacional de Defesa de 2008.

Extensão do texto: até 60 linhas


[valor: 20,00 pontos]

Relatório de Notas
Maior Nota: 19,5
Nota Média: 17,72
Menor Nota: 13
Desvio-padrão: 1,683

147 ÍNDICE
Padrão de Respostas os fatores externos que pudessem limitar
o poder nacional. Naquele momento, a
Espera-se que o candidato posição brasileira em relação ao Tratado de
redija o texto considerando os Não Proliferação, no sentido de caracterizá-
aspectos a seguir. lo como um instrumento de uma política
de “congelamento do poder mundial”, é
Q1 e Q2 – Na apresentação do um exemplo emblemático de uma visão de
entendimento de Araújo Castro quanto à política internacional. A política externa e a
política internacional, é pertinente dialogar política internacional podem se ajustar e se
com o ponto colocado na citação do enunciado complementar, como foi o caso da posição em
de que o Brasil teria longa tradição de política relação ao TNP colocada por Araújo Castro.
externa, não de política internacional, e as Na visão de Araújo Castro, o concerto entre as
diferenças e (ou) complementaridades entre grandes potências, que teria no TNP uma de
essas duas noções. O candidato pode citar suas manifestações, estruturava as relações
eventos históricos da PEB para concordar ou internacionais de modo desfavorável à
discordar da assertiva de Araújo Castro. Para autonomia do Brasil. A détente entre os EUA e
Araújo Castro, a política externa envolve a a União Soviética congelava o poder mundial
atuação do País em relação a outros países em benefício dos mais fortes. O TNP, de acordo
ou regiões, inclusive em relação à região com o interesse dessas duas superpotências,
em que o país está inserido. Na sua visão, a impunha a necessidade de renúncia ao
política externa brasileira teve papel decisivo desenvolvimento nuclear. Isso dificultaria
para a consolidação do território, para a um envolvimento do Brasil no núcleo da
manutenção do status quo na região do política mundial e limitaria as capacidades
Prata, para o desenvolvimento de relações do Estado, além de limitar o próprio
com os Estados Unidos da América (EUA) desenvolvimento científico e tecnológico do
e na participação na Primeira e na Segunda país. O entendimento era que TNP constituía
Guerra Mundial, na defesa do princípio um tratado discriminatório por meio do qual
da igualdade soberana dos Estados e na se estabeleciam duas categorias de países.
defesa das normas de solução pacífica de Nesse sentido, a argumentação de Araújo
controvérsias internacionais. Esses são Castro era de contestação à desigualdade
alguns pontos relacionados à “longa e antiga institucionalizada pelo tratado entre os
tradição de política externa” aludida no membros nucleares e os não nucleares.
fragmento. Porém, na visão de Araújo Castro, Q4 – A posição brasileira, embora
já não bastaria ao Brasil definir uma política com intensidade variável, foi contrária
em relação aos outros países da região ou aos ao TNP, desde 1968, quando o tratado foi
outros países do mundo. Seria fundamental aberto a assinaturas, até 1996. No governo
definir uma política brasileira frente aos Cardoso, o País assinou o tratado em 1997
problemas do mundo contemporâneo. Esse e ratificou-o em 1998. Até a assinatura, em
é um ponto fundamental de uma política 1997, a visão originalmente elaborada por
internacional. Ou seja, ter visão sobre os temas Araújo Castro orientou a posição brasileira,
centrais da agenda internacional (no caso embora, desde o governo Collor, o Brasil já
de Araújo Castro, segurança internacional, viesse modificando sua posição em relação a
desarmamento,desenvolvimento econômico, princípios do tratado em função da assinatura
descolonização), assumir posições em dos acordos nucleares com a Argentina.
questões que não se relacionem apenas com Q5 e Q6 – A argumentação do
os interesses imediatos ou específicos do país governo Fernando Henrique para assinar
e colaborar no equacionamento e na solução e posteriormente ratificar o tratado era
dos problemas mundiais. fundamentada em uma visão de matriz liberal
Q3 e Q4 – Para Araújo Castro, a das relações internacionais, que enfatizava
política internacional do Brasil teria como a necessidade de melhorar a credibilidade
objetivo primordial a neutralização de todos e a imagem internacional do País, frente
148 ÍNDICE
ao ambiente internacional dos anos de domínio da tecnologia nuclear, mesmo nos
1990. Houve também um entendimento de casos de utilização para fins exclusivamente
que, com o fim da Guerra Fria, as grandes pacíficos. Na Estratégia Nacional de Defesa,
potências estariam caminhando no sentido do há uma posição contrária à adesão do País ao
desarmamento, que o Brasil já teria assinado Protocolo Adicional do TNP quando afirma-
outros acordos renunciando ao armamento se que “o Brasil zelará por manter abertas
nuclear (no âmbito bilateral, com a Argentina as vias de acesso ao desenvolvimento de
e, no latino-americano, com o Tratado de suas tecnologias de energia nuclear. Não
Tlatelolco), que o TNP teria ganho maior aderirá a acréscimos ao Tratado de Não
representatividade com as novas adesões do Proliferação de Armas Nucleares destinados
período pós-Guerra Fria e que não haveria a ampliar as restrições do tratado sem que
mais riscos de conflitos do Brasil com os as potências nucleares tenham avançado
países da região. A posição brasileira contrária na premissa central do tratado: seu próprio
ao TNP pode ser contextualizada a partir desarmamento nuclear”. Será avaliada a
do que Gelson Fonseca Junior caracterizou capacidade do candidato de estabelecer uma
como “autonomia pela distância” e a tese e sustentá-la coerentemente. A avaliação
posição de adesão ao tratado a partir da seguirá o critério comparativo (i.e.). A
noção de “autonomia pela participação” ou, avaliação individual será feita de acordo com
nos termos do então chanceler Lampreia, a comparação do nível de outros exercícios.
“autonomia pela integração”. Nesse sentido, embora o candidato possa ter
Q7 – Quanto às abordagens teóricas respondido de forma correta, abrangendo os
de relações internacionais, é possível requisitos anteriormente indicados, sua nota
caracterizar a posição brasileira de poderá ser menor do que a atribuída a outros
resistência ao TNP como uma posição que que fizerem o exercício com maior qualidade
tem relação com a abordagem realista, no intelectual, acadêmica e formal.
sentido de que enfatizava a dimensão do
poder nacional, a ênfase na ideia de ganhos Referências
relativos e as consequências que a anarquia
ARAÚJO CASTRO, João A. O congelamento do
impõe ao comportamento do Estado no
poder mundial. Revista de Informação Legislativa, jul./
âmbito internacional. Araújo Castro tinha
set., 1971, p. 38.
uma visão das relações internacionais que
FONSECA JUNIOR, Gelson. A legitimidade e
têm pontos importantes de convergência outras questões internacionais. São Paulo, Paz e Terra,
com essa abordagem teórica. 1998, 374p.
Q8 – Posteriormente, a posição PECEQUILO, Cristina S. Introdução às Relações
brasileira de adesão ao TNP pode ser Internacionais: temas, atores e visões. 9. ed, Petrópolis:
entendida a partir de uma perspectiva liberal Editora Vozes, 2012, 248p.
de relações internacionais, que enfatiza as ROCHA, Antonio Jorge Ramalho. O Brasil e os
dimensões de cooperação, o papel dos regimes regimes internacionais. In: OLIVEIRA, Henrique Altamani;
internacionais na governança internacional, LESSA, Antonio Carlos. (orgs). Relações
Internacionais do Brasil: temas e agenda. 1. ed. São
os ganhos absolutos, a centralidade das
Paulo: Saraiva, 2006, p. 75-124.
normas internacionais, a ampliação da
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. 1. ed. Rio
interdependência e a utilidade decrescente
de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, 234p.
do uso da força no âmbito internacional. ] VARGAS, João A. C. Um mundo que também
Q9 e Q10 – Conforme manifestado é nosso: o pensamento e a trajetória diplomática de
na Estratégia Nacional de Defesa de 2008, Araújo Castro. 1. ed. Brasília: Fundação Alexandre de
o Brasil afirma a necessidade estratégica de Gusmão, 2013, 265p.
desenvolver e dominar a tecnologia nuclear. VIGEVANI, Tullo; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes;
Por outro lado, o Protocolo Adicional do CINTRA, Rodrigo. Política externa no período FHC: a
TNP busca aprofundar o controle da AIEA busca de autonomia pela integração. Tempo Social, USP,
sobre quaisquer atividades de países não vol. 15, 2004, p. 31-61.
nuclearizados que possam aperfeiçoar o
149 ÍNDICE
Nota - 19,5 Com o fim da ditadura civil-militar,
Morgana Lino Costa de Souza o Brasil procede ao “resgate das hipotecas”
que restringiam a realização plena de sua
Araújo Castro realiza diferenciação estratégia de autonomia pela participação.
entre política externa e política internacional. Para tanto, cabia ao Brasil adotar não apenas
Enquanto em relação à primeira o Brasil os tratados de direitos humanos (como
teria ampla experiência histórica, o país PIDCP e PIDESC), mas também o Tratado de
apresentaria certa debilidade em relação à Não Proliferação. Assim, a adoção do TNP
segunda. A política internacional do Brasil pelo Brasil ocorreu de forma autônoma, fruto
pode ser entendida como a compreensão, da percepção de que a consecução do ideal de
inserção e posicionamento brasileiros a desarmamento internacional dependia da
respeito das questões relativas à moldura participação na institucionalidade do mundo
sistêmica das relações internacionais, aos atual, o que daria ao Brasil legitimidade
padrões de cooperação e de conflito que para atuação no regime internacional de
subjazem à lógica anárquica do sistema segurança. Embora permaneçam elementos
internacional, em uma abordagem de longo realistas, o favorecimento de instituições
prazo que considere a queda e a ascensão internacionais pelo Brasil a partir da
de nações. A política internacional, assim, década de 1990 sugere fortalecimento do
embora englobasse relações bilaterais e liberalismo, tal como sugere a corrente da
multilaterais, também as ultrapassaria, visto interdependência complexa, na política
internacional do Brasil.
que estaria preocupada com o nível sistêmico.
No que tange ao Protocolo Adicional
Para Araújo Castro, caberia ao Brasil atuar
ao TNP, o Brasil não o adotou, visto que
não apenas no plano da política externa –
este não se adequaria aos interesses atuais
uma política pública que visa, mormente,
do país. O Brasil apresenta posicionamento
à consecução dos ativos necessários ao
crítico ao Protocolo Adicional por criar
desenvolvimento brasileiro -, mas também
novas demandas e aprofundar os níveis
no plano da política internacional, inserindo-
das inspeções de países não nucleares sem
se pragmaticamente e atuando na moldura
avançar no compromisso de desarmamento
sistêmica, de modo a contribuir para a
do artigo 6º do TNP. O país defende que os
formação de uma estrutura internacional
compromissos de não proliferação não devem
que favoreça os interesses brasileiros de paz,
limitar a capacidade de desenvolvimento
desenvolvimento e autodeterminação dos
nuclear para fins pacíficos e por isso
povos.
desaprova as inspeções da AIEA em áreas de
Tendo em vista as contribuições de
segredo industrial. Na Estratégia Nacional
Araújo Castro acerca da compreensão da
de Defesa de 2008, o Brasil também assevera
realidade sistêmica de congelamento do poder
que a não adoção do Protocolo Adicional visa
mundial, o Brasil não adotou o Tratado de Não
a proteger o desenvolvimento do PROSUB
Proliferação (TNP), em 1967. À época, o Brasil
e de reator multipropósito, importantes
defendeu que o TNP reificava uma realidade
para o desenvolvimento e a segurança do
injusta ao permitir que os países que já
país. Por fim, deve-se lembrar que o Acordo
detinham armas nucleares (P5 – EUA, URSS,
Quadripartite (Brasil-Argentina-AIEA-
China, Reino Unido e França) mantivessem
ABACC) já foi considerado como alternativa
seus estoques, mantendo apenas uma
ao Protocolo Adicional, além de que o Brasil
promessa de possível desarmamento futuro
mantém amplos compromissos com a não
(artigo 6º), enquanto os demais países
proliferação e o desarmamento, que fazem
estariam impedidos de desenvolver suas
parte, inclusive, da Constituição Federal de
próprias capacidades nucleares autônomas. O
1988.
Brasil adotou, nesse sentido, postura de viés
realista, descartando interpretações realistas
de que o TNP seria base para a segurança e
cooperação entre os povos.
150 ÍNDICE
Nota - 19,5 que a adoção do TNP, com seus três pilares:
Taísa Passoni Marçal não proliferação, uso pacífico de energia
nuclear e desarmamento, na prática, apenas
Araújo Castro foi chanceler da Política congelava o Poder Mundial, de sorte que
Externa Independente – PEI e, nessa posição, tornava permanente a estrutura de poder
coadunou-se com muitos de seus princípios vigente no momento. Isso porque o art. 6º do
e objetivos. Entre os objetivos anunciados TNP trazia apenas o compromisso genérico
na PEI, estava o multilateralismo, o de as partes entabularem negociações de
pragmatismo, o denominado por autores boa-fé quanto ao desarmamento no futuro.
como Britto Cruz “neutralismo tácito”, a Não havia nenhuma norma cogente e
autodeterminação dos povos e o princípio da imediata, ou ao menos com um prazo futuro
nação-intervenção. Uma parcela significativa estabelecido, para que as grandes potências
desses princípios e das diretrizes da PEI foi nucleares renunciassem aos seus arsenais.
retomada a partir do governo de Costa e Essas circunstâncias analisadas
Silva, e os governos seguintes, em maior ou conjuntamente, tornavam o Poder Mundial
menor medida, também sofreram influência e as relações de poder estáticas. Além disso,
dessas diretrizes e posicionamentos. como exposto, para a chancelaria brasileira,
Araújo Castro afirma que o Brasil embora o desarmamento nuclear fosse um
tem longa tradição em Política Externa, objetivo louvável, o tema não deveria pautar
porque, desde antes do reconhecimento nem dominar as discussões e as relações
de sua independência, já se relacionava e internacionais, porque havia dezenas de
mantinha relações com outros Estados. Estado cuja preocupação maior no campo
Mas a sua Política Internacional não tem das relações internacionais, era com seu
a mesma longa e antiga tradição, porque desenvolvimento social e econômico. Por
ao longo de várias décadas, o Brasil não essas razões, o Brasil não assinou o TNP,
soube entender seu lugar no mundo, suas mas mantinha seu compromisso com
características essenciais, de modo que não o desarmamento e o com o uso pacífico
logrou se posicionar com a finalidade de de energia nuclear por meio de outros
auferir as melhores e potenciais vantagens, compromissos, como o Tratado de Tlatelolco,
considerando uma abordagem racional de 1967.
e estratégica. A Política Internacional do Em 1998, o Brasil já contava com
Brasil, para Araújo Castro, dependia de lançar amplo arcabouço normativo que vedava
um olhar holístico ao complexo emaranhado o desenvolvimento de armas nucleares e
de relações interestatais no mundo e entre restringia o uso de tecnologia nuclear para
Estados e Organizações Internacionais, fins pacíficos, de que são exemplos a CF/88,
de modo a se desenvolver e se adotar o a criação da ABACC e do SNCC, por meio do
melhor posicionamento em cada um dos tratado de Guadalajara, com a Argentina,
contextos de relações. Nesse sentido, Araújo em 1991, e o Acordo Quadripartite Brasil-
Castro afirma que o Brasil buscou reforçar Argentina-AIEA- ABACC. Ao longo da
sua Política Internacional, ao caracterizar década de 1990, promoveu-se o “resgate de
o que considerava, naquele momento, o hipotecas”, e o Brasil buscou integrar-se a
“congelamento do poder mundial” uma série de regimes já vigentes, inclusive
Em 1968, em discurso proferido na na temática nuclear. O Brasil, portanto,
ONU, Araújo Castro defendeu que “nem tudo resolveu aderir ao TNP, mas não deixou de
Leste ou Oeste nas relações internacionais” manifestar suas críticas quanto à ausência
e que, portanto, havia mais demandas de eficiência do art. 6º e o congelamento das
urgentes nesse contexto, como a necessidade relações de poder. Pode-se dizer que, em
de promover o desenvolvimento de nações 1998, o Brasil abandonou o viés realista, que
com menor renda relativa. vinha dominando sua atuação com relação à
A posição brasileira em relação ao temática nuclear, e passou a uma abordagem
TNP, defendida por Araújo Castro, era de mais liberal, de cooperação para a consecução
151 ÍNDICE
de objetivos comuns. A cooperação Dotado de uma formação calcada em valores
nesse contexto, apesar de instável, como do realismo político e do universalismo,
demonstrada no Dilema dos Prisioneiros, foi capaz de perceber de maneira apurada o
e no “risco de trapaça”, é viável, sobretudo jogo de forças que ensejava o congelamento
porque essas são armas com imenso do poder mundial pelas grandes potências.
potencial destruidor, cujo acionamento Para Araújo, a Política Externa do Brasil
por uma das nações nuclearmente armadas dizia respeito às suas relações bilaterais e
pode provocar consequências para o planeta multilaterais no mundo com o objetivo de
como um todo, principalmente em razão da ampliar laços culturais, vínculos econômicos
“destruição mútua” provável. e diálogos políticos. A Política Internacional,
Na Estratégia Nacional de Defesa, de em contraste, refere-se à posição brasileira
2008, o Brasil manifestou a razão por que na distribuição de poder mundial. Poder
optou por não se tornar parte do Protocolo entendido não somente como o acúmulo de
aos Acordos de Salvaguarda da AIEA, de 1997, decisão sobre os rumos do mundo.
situação que perdura atualmente. Em primeiro O Brasil optou por não assinar o
lugar, o Brasil critica o grau de intrusão dos Tratado de Não-Proliferação (TNP), em
procedimentos de vistoria e monitoramento 1958, com base na tese do congelamento do
das equipes da AIEA, que, por meio do poder mundial, defendida por Araújo Castro.
disposto no Protocolo, têm acesso a áreas em Os governos militares entendiam que, além
que se desenvolvem tecnologias sensíveis à do congelamento de poder, o TNP também
segurança e ao desenvolvimento do país. Em prejudicava o desenvolvimento do país, ao
segundo lugar, o país afirma que já é parte impedir o desenvolvimento de programas
de uma miríade de acordos e compromissos nucleares para fins pacíficos. Nesse
vinculantes que vedam o desenvolvimento contexto, destaca-se a assinatura do Acordo
de tecnologia nuclear para fins não pacíficos de Cooperação Nuclear entre o Brasil e a
(CF/88, ABACC, SNCC, Acordo Quadripartite, Alemanha, após inúmeros constrangimentos
Tratado de Tlatelolco). Por fim, o brasil segue impostos pelos EUA no âmbito da cooperação
afirmando que a manutenção da autorização nuclear com o Brasil. Uma evidência de que o
para que algumas nações mantenham seus Brasil não havia assinado o TNP em razão do
arsenais nucleares é incompatível com a paz congelamento de poder foi a assinatura do
e a segurança internacionais. Tratado de Tlatelolco, que estabelecia uma
área livre de armas nucleares na América
Latina e que criou uma organização para a
Nota - 19 aplicação do Tratado, a OPANAL.
Fernando Simões dos Santos No contexto da década de 1990, o
Brasil adere ao TNP com base em uma nova
Ao discorrer sobre a política perspectiva sobre as relações internacionais.
internacional do Brasil, o ex-chanceler Num contexto marcado pelo aumento da
Araújo Castro tinha em mente muito claro os cooperação entre os Estados e na ausência
constrangimentos impostos pelo contexto de hierarquia entre os temas da agenda
internacional. De fato, ao estabelecer uma internacional, de acordo com a teoria
distinção entre Política Internacional e institucional das relações internacionais,
Política Externa, Araújo evidencia temas o Brasil entendeu fazer sentido aderir ao
de poder no sistema internacional. O TNP, de maneira complementar à adesão e
contexto internacional de Coexistência a criação de outros regimes internacionais.
Pacífica, durante a Guerra Fria, em que o De fato, segundo Roberto Keohane, a
processo de descolonização afro-asiática e a interdependência complexa pressupõe
emergência de novos atores como a Europa e ausência de hierarquia entre temas de
o Japão alteravam as relações internacionais, (linha mal digitalizada) também retirou
permitiu que Araújo Castro enxergasse a suas reservas ao Tratado de Tlatelolco e
divisão de poder entre Norte e Sul global. criou o sistema de contabilidade nuclear
152 ÍNDICE
com a Argentina, que culminou na criação previsão de redução ou desnuclearização dos
da ABACCC e na assinatura do acordo com a países já nuclearizados. Em outras palavras,
AIEA. realizava abordagem exclusivamente
O Brasil se posiciona contra a horizontal, evitando o surgimento de novos
assinatura do Protocolo Adicional do países com armas nucleares, mas não era
TNP. Essa posição encontra-se manifesta efetivo na abordagem vertical, ou seja, a
na Estratégia Nacional de Defesa que redução dos arsenais nucleares já existentes.
complementa o Plano Nacional de Defesa. Foi a isso que o Brasil se opôs e é a isso que
Uma primeira razão para isso é o fato de que Araújo Castro se refere no discurso de 1971,
o Brasil já aceita inspeções da AIEA por conta quando fala da “indisfarçada tendência no
da assinatura do Acordo Quadripartite com sentido de congelamento do poder mundial”.
a ABACC e de seus protocolos. Uma segunda Como reforço ao argumento, o Brasil
razão é entendimento brasileiro de que o havia sido partícipe ativo nas negociações
protocolo adicional do TNP é, em parte, mais do Tratado de Tlatelolco, que cria uma
uma medida que visa ao congelamento do área livre de armas nucleares na América
poder mundial e de que as potências nucleares do Sul, ao mesmo tempo em que garante o
tem contribuído pouco para avançar o desenvolvimento da tecnologia para fins
desarmamento geral e completo. O Brasil, pacíficos. Não se tratava, portanto, de um
ao contrário, contribuiu fortemente, nos interesse velado na produção de armas
últimos anos, participando da Coalizão da nucleares pelo Brasil, mas um posicionamento
Nova Agenda, que resultou no TPAN, tratado consistente com suas diretrizes e sua posição
que bane totalmente as armas nucleares. de país em desenvolvimento.
Trinta anos depois, já no governo
FHC, o Brasil passava por um momento
Menor Nota - 13 de reinserção internacional e já contava
Anônimo com um programa nuclear estabelecido
e potente, tendo anunciado o domínio da
Araújo Castro foi, certamente, um dos tecnologia para fins pacíficos em 1987. Além
grandes teóricos de relações internacionais disso, havia formado, junto com a Argentina,
brasileiros do séc. XX. Em seu discurso na a ABACC, Agência Brasileiro-Argentina
ESG ele consubstancia a tese brasileira de Contabilidade e Controle de Materiais
responsável pela não assinatura do TNP em Nucleares, no âmbito do qual possui acordo
1968, diferentemente do que havia ocorrido com a Agência Internacional de Energia
com o Tratado de Tlatelolco, um ano antes. Atômica (AIEA) para verificação dos limites
Os tratados, apesar de tratarem do tema de enriquecimento de urânio, o Acordo
de desnuclearização, possuíam diferenças Quadripartite. Assim, realizou a assinatura
sensíveis nas suas abordagens. do TNP, considerando que o cenário global
A década de 1960 foi marcada pelo era bem diferente do observado na década de
acirramento das tensões mundiais, cujo 60, sobretudo após a desintegração soviética.
símbolo maior foi a crise dos mísseis, em [Linha mal escaneada] autorizações
Cuba. No ano de 1968, países como EUA, Reino de inspeção invasivas demais e reforçou que
Unido, URSS e França já haviam desenvolvido já possui o Acordo Quadripartite, que garante
armas nucleares e possuíam em seus arsenais à AIEA o direito de inspeção. Por isso, não
ogivas nucleares. Com a proliferação das assinou o protocolo. Entretanto, atualmente
armas de destruição em massa, entendeu- o Acordo Quadripartite é considerado
se que era necessário elaborar um tratado de substituto válido ao Protocolo Adicional.
alcance global que detivesse esse avanço. Por fim, cumpre tecer algumas palavras
Entretanto, a proposta que fora sobre Araújo Castro. Último chanceler de
apresentada nas discussões para a assinatura João Goulart, é considerado um pensador
do TNP previa apenas, como o próprio nome das relações internacionais que foi capaz
do tratado evidencia, a não-proliferação, sem de materializar didaticamente a PEI. Seu
153 ÍNDICE
célebre discurso dos três D’s: desarmamento,
descolonização, desenvolvimento, refletem
Questão 04
três linhas-mestra (sic) de atuação da
Não há modernização sem mais
PEB, muito embora fosse difícil conciliar
comércio e investimentos, sem maior e melhor
a tradição do Itamaraty com as constantes
integração às cadeias globais de valor – daí
mudanças de governo, que alteravam as
o significado da nossa pauta de negociações
decisões de política internacional. Castro
comerciais. Não há modernização sem a
identificou precisamente essa divergência,
exposição do País aos mais elevados padrões
demonstrando sua capacidade crítica e
de políticas públicas – por isso, é importante
entendimento de que nem sempre a melhor
nosso cada vez mais estreito relacionamento
ou mais adequada doutrina consegue ser
com a Organização para a Cooperação e
colocada em prática.
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Não
há modernização sem abertura ao mundo
– e, por essa razão, a nossa política externa
tem um sentido universalista, sempre guiado
pela proteção de nossos legítimos interesses.

Disponível em: < http://www.funag.gov.br/


images/2021/00_Nova-Politica-Externa/Portugues/21_
Discurso-ChancelerCarlosFranca.pdf>.
Acesso em: 13 jul. 2021, com adaptações.

Considerando que o texto apresentado


tem caráter meramente motivador, discorra
a respeito da adesão do Brasil à OCDE. Aborde,
necessariamente, os seguintes tópicos:

• a caracterização geral da OCDE


(surgimento, objetivos, atuação e
processo de adesão);
• as relações entre o Brasil e a OCDE a
partir da década de 1990; e
• dois benefícios de o Brasil ser membro
da OCDE.

Extensão do texto: até 60 linhas


[valor: 20,00 pontos]

Relatório de Notas
Maior Nota: 18,75
Nota Média: 14,89
Menor Nota: 8,25
Desvio-padrão: 3,080

154 ÍNDICE
Padrão de Respostas acompanhamento do desempenho de países
por meio das revisões por pares (Q3).
Para concluir esse tópico, é preciso
Espera-se que o candidato explicar os critérios para a acessão de
redija o texto considerando os um membro candidato e as etapas do
aspectos a seguir. processo de adesão (Q4). Os critérios são:
1) compartilhamento de visão de mundo e
No primeiro tópico, espera-se que valores com os membros da OCDE (like-
o candidato demonstre conhecimento a mindedness); 2) a capacidade efetiva do
respeito de um órgão multilateral importante candidato de contribuir com a atuação da
para a diplomacia brasileira nos últimos organização (significant player); 3) o benefício
anos. Inicialmente, é necessário identificar mútuo; e 4) os benefícios gerais relacionados
a origem da Organização para a Cooperação com o compartilhamento de experiências
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no com outros países por meio da OCDE (global
âmbito do Plano Marshall e do consequente considerations). As etapas são: 1) convite
processo de reconstrução econômica da da OCDE ou apresentação de candidatura;
Europa no pós-Segunda Guerra Mundial (Q1). 2) elaboração do documento Accession
Ao término da guerra, 16 países europeus Roadmap para estabelecer os termos da
reuniram-se em duas conferências em Paris adesão; 3) elaboração do memorando inicial
(1947 e 1948) e criaram a Organização para do candidato para informar a sua posição
Cooperação Econômica Europeia (OCEE), acerca dos instrumentos legais da OCDE;
com o propósito de gerenciar a execução do 4) revisões técnicas pela organização;
Plano Marshall. Com o término desse plano, 5) decisão unânime da OCDE favorável à
em 1952, os Estados Unidos da América adesão; e 6) assinatura do acordo de adesão à
(EUA), o Canadá e os membros da OCEE Convenção da OCDE. Após essa última etapa,
prosseguiram com cooperação econômica e o acordo segue para aprovação e ratificação
decidiram estabelecer uma nova organização do governo e depósito junto à organização.
internacional na Conferência da Organização No segundo tópico, o candidato tem que
para a Cooperação e Desenvolvimento demonstrar que a formalização da proposta
Econômico em 1960. brasileira de adesão à OCDE é resultado do
Em seguida, deve-se tratar dos três aprofundamento progressivo das relações
objetivos previstos no art. 1º da mencionada entre o Brasil e a organização. Em primeiro
convenção da OCDE (Q2), quais sejam: lugar, é necessário explicar que o Brasil
“a) alcançar o crescimento econômico ingressou como país associado ao Comitê do
sustentável, empregos e elevados padrões Aço da OCDE no início dos anos de 1990 (Q5).
de vida nos membros, com a manutenção Desde então, o governo brasileiro ampliou
da estabilidade financeira internacional, seu envolvimento com a organização, com
para contribuir com o desenvolvimento destaque para o convite à participação em
da economia mundial; b) contribuir todas as reuniões ministeriais da OCDE após
para a expansão econômica dos países- a criação de um programa direcionado para
membros e não membros no processo de o País em 1999. Em segundo lugar, deve-
desenvolvimento econômico; e c) contribuir se argumentar que o Brasil se tornou país-
com a expansão do comércio mundial em chave (key partner) da OCDE em 2007 (Q6), o
base multilateral e não discriminatória, de que ampliou a possibilidade de participação
acordo com obrigações internacionais”. brasileira em diversos órgãos, comitês e
Depois, convém identificar pelo menos grupos de trabalho da organização, assim
quatro vertentes de atuação da OCDE: troca como a adesão a instrumentos legais e
de informações e experiências entre países- acesso a informes estatísticos e revisão
membros, uniformização e aperfeiçoamento por pares. Em terceiro lugar, é preciso
de políticas públicas, regulamentação comentar acerca da assinatura do Acordo
relativa a temas de interesse comum e Marco de Cooperação com a OCDE em 2015
155 ÍNDICE
(Q7), institucionalizando a cooperação e Nota - 18,75
o diálogo entre a organização e o Brasil Leonardo dos Santos Avakian
em torno de áreas específicas e com base
no interesse mútuo. Por fim, é obrigatório A OCDE surge nos anos 1960 a partir
discorrer a respeito do encaminhamento do da antiga OECE (Organização Europeia
pedido formal de adesão à OCDE por parte para a Cooperação Econômica), criada para
do governo brasileiro em 2017 (Q8), e ações administrar os recursos provenientes do Plano
subsequentes, como o estabelecimento do Marshall. A OCDE contava inicialmente com
Conselho Brasil-OCDE, instituído em 2019, e os EUA, o Canadá e diversos países europeus,
a atual adesão brasileira a mais de 40% dos mas hoje já há mais de 30 membros, inclusive
instrumentos da organização. na América Latina. A OCDE visa a estimular a
No terceiro tópico, o candidato deve adoção de políticas que levem a uma melhora
não apenas apresentar, como também nos padrões de vida de seus membros,
explicar dois benefícios que o Brasil obteria estimulando o comércio e o crescimento
com o ingresso na OCDE (Q9 e Q10). Não econômico. A principal ferramenta para tanto
basta realizar menções genéricas, por é a troca de experiências com boas práticas
exemplo, a acesso a mercados ou a aumento em políticas públicas entre os membros, bem
de investimentos. A título de ilustração, um como o processo de peer review. As decisões
primeiro benefício que pode ser identificado e resoluções que a Organização pode emitir
é a participação do País em uma das constituem o seu “acquis” normativo. Com
principais instâncias globais na definição de isso, a OCDE estimula o crescimento com
normas e regras internacionais, na medida base em economias abertas e baseadas na
em que as decisões da OCDE estabelecem livre iniciativa. Os instrumentos podem
padrões de comportamento com base no dizer respeito a temas tão diversos quanto
compartilhamento de boas práticas em corrupção, accountability, sustentabilidade,
diversas áreas, como educação, agricultura, transparência ou eficiência regulatória. Além
finanças etc. Além de ter voz ativa, o Brasil disso, há diversos organismos ligados à OCDE
poderia priorizar e influenciar temas de (como o International Transport Forum),
seu interesse nessas decisões. Um segundo bem como comitês e reuniões especializadas,
benefício é o acompanhamento, a avaliação que servem de fórum para debates.
e a revisão das políticas públicas brasileiras Quanto à sua estrutura, a OCDE é uma
por técnicos especializados da OCDE. Essa OI com personalidade jurídica própria. Há
atuação da organização poderia contribuir um Secretariado para tratar de questões
para o aperfeiçoamento de políticas em administrativas, mas as decisões são
áreas-chave, como o combate à fome e às tomadas por consenso de todos os membros
desigualdades sociais, com vistas à elevação no Conselho. Para aumentar sua influência, a
dos padrões de vida da população brasileira. OCDE pode criar programas regionais, como o
Programa LAC, na América Latina, permitindo
Referências assim o diálogo com não-membros. O
processo de adesão depende da elaboração
BAUMANN, R. O que esperar da membresia na de um “road map” pela Organização, que
OCDE? In: Revista Tempo do Mundo, Brasília, n. 25, p. 29-
guiará as negociações entre o interessado
49, abr. 2021.
e a Organização e seus membros. Nesse
CANUTO, O.; SANTOS, T. R. What can Brazil expect
processo, os membros avaliam o grau de
from joining the OECD? In: Revista Tempo do Mundo,
compromisso do país com o acquis da OCDE,
Brasília, n. 25, p. 51-67, abr. 2021.
SCHNEIDER, M. Adesão do Brasil à OCDE: embora seja possível solicitar opt-outs.
aspectos gerais e temas ambientais. Brasília: Câmara dos Com o fim das negociações, o Conselho deve
Deputados, mar. 2020. decidir por unanimidade. Havendo consenso,
THORSTENSEN, V.; NOGUEIRA, T. R. S. M. Brasil a será feito um convite ao interessado para
caminho da OCDE: explorando novos desafios. São Paulo: aceder à Organização, mediante a ratificação
VT Assessoria Consultoria e Treinamento Ltda., 2020 de um protocolo de acessão. Entretanto, tem
156 ÍNDICE
havido discordância entre os membros da de qualidade” que poderá servir para atrair
OCDE sobre como deve ocorrer os convites à IED e ampliar fluxos de comércio e índices
acessão, com os europeus insistindo na regra de produtividade. Tornar-se membro poderá
do “one European, one non-European”. ser útil como estratégia de “lock-in” de
Atualmente, manifestaram interesse formal reformas estruturais atualmente em curso
em aceder à OCDE Brasil, Peru, Argentina, na agenda doméstica. Não é sem razão,
Bulgária, Croácia e Romênia. A Costa Rica portanto, que, além do Conselho Brasil-
recentemente finalizou a sua acessão. OCDE, exista o grupo de Parlamentares
Para o Brasil, aceder à OCDE é reafirmar Amigos da OCDE promovendo esforços para
a identidade de um país comprometido com concretizar a acessão brasileira. Ademais,
a liberdade econômica e o desenvolvimento. como membro pleno, o Brasil poderá eleger
Desde os anos 1990, as relações entre Brasil funcionários para a OCDE, aumentando a
e OCDE vêm-se intensificando. Naquela influência brasileira na Organização.
década, o Brasil enviaria uma missão
exploratória à Organização e passaria a
participar do Comitê do Aço. Nos anos Nota - 18,5
seguintes, o Brasil seria integrado aos Humberto Mayese Correa
relatórios estatísticos da Organização, bem
como participaria do PISA. Junto com outros A Organização para a Cooperação e
países em desenvolvimento de peso, como Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma
Índia, China e África do Sul, o Brasil começaria organização internacional fundada no início
um “engajamento ampliado” com a OCDE e da década de 1960 como sucessora de facto
seria designado “key partner”. Seria firmado da OECE, formada no imediato pós-Segunda
um Acordo Quadro para regular as atividades Guerra e que tinha escopo limitado à Europa
da OCDE no Brasil, onde viria a instalar um Ocidental. Com sede em Paris, a OCDE contou
escritório regional. No governo Temer, o inicialmente com a adesão dos EUA e do
Brasil manifesta expressamente o desejo Canadá.
formal de aceder à Organização. A partir daí, A OCDE tem como objetivo a promoção
um relacionamento que já se estreitava ficará da prosperidade econômica, da cooperação
ainda mais sólido. No governo Bolsonaro, o entre seus membros no que diz respeito
Brasil ultrapassou a marca de mais de 100 à busca do desenvolvimento econômico.
instrumentos aderidos (é o não-membro A OCDE atua em diferentes campos, que
com mais instrumentos aderidos), além de incluem a formulação de regras comuns
continuar a participação em comitês e foros e regulamentos em diversas áreas, como
específicos, como sobre corrupção (o Brasil disciplina fiscal, políticas econômicas,
aderiu à Convenção da OCDE sobre o tema). governança pública e esforços anticorrupção.
O Brasil passou a participar do ITF e solicitou Além disso, a organização promove estudos
o ingresso na International Energy Agency, em diversas temáticas – assemelhando-
ligada à OCDE. O País também passou por se nesse âmbito a um ‘think-thank’ – e
processo de peer review no âmbito do “Going cria espaços de diálogos para a formulação
Digital in Brazil”. Recentemente, além de de políticas públicas fundadas em padrões
ter apoiado a eleição do novo Diretor-Geral acordados de boas práticas.
da OCDE, o Brasil copresidiu, junto com o Nesse sentido, a atuação da OCDE é
México, o Programa LAC. O País ganhou multidimensional. Ela possui um Conselho-
o apoio expresso dos EUA e de diversos Geral formado por seus Estados-Membros
membros para a sua acessão. que deliberam sobre a adoção de instrumentos
Ao tornar-se membro da OCDE, o normativos, adotados por consenso, embora
Brasil participará, com poder de voto, de alguns desses instrumentos não sejam de
uma Organização que é “agenda setter” adesão obrigatória.
global em temas regulatórios. As políticas A OCDE se orienta por valores como
públicas brasileiras passarão a ter um “selo a prevalência do Estado Democrático de
157 ÍNDICE
Direito, de sociedade e economia abertas, da equilíbrio geográfico entre novos membros.
garantia de direitos humanos e de políticas Também são candidatos à adesão a
públicas transparentes. Assim, a organização Argentina, o Peru e a Romênia. Favorecem o
está aberta à adesão de novos países que pleito brasileiro o tamanho e os indicadores
cumpram esses requisitos. Tais Estados de sua economia, além de sua disposição de
também devem ter importância na economia aderir previamente a vários instrumentos
internacional e deve haver equilíbrio normativos. No entanto, deve-se ressaltar
geográfico na adesão de novos membros. que a candidatura argentina é anterior à
Para que a o processo de adesão tenha início brasileira.
o Conselho da Organização deve autorizar A entrada do Brasil na OCDE traria
seu início, verificado o cumprimento de benefícios diversos à economia brasileira.
interesses e a geração de benefícios para Primeiro, sua adesão a boas práticas de
o país e para a OCDE que a adesão traria. comércio e investimento e de políticas
Posteriormente, o país candidato deve aderir públicas críveis é um fator que tende a induzir
a uma série de instrumentos normativos o aumento de investimentos produtivos no
determinados pela organização para que, país, integrando-o de forma mais intensa
assim, sua entrada seja concretizada. A OCDE à economia global. Segundo, abriria mais
conta atualmente com quase 40 membros, possibilidades de cooperação econômica
e os últimos países a aderir foram Colômbia e de integração a cadeias globais de valor,
(2020) e Costa Rica (2021). internacionalizando a economia. Por fim, o
O estreitamento de relações entre país tem a ganhar em transparência pública
Brasil e OCDE deu-se a partir dos anos 1990, e adotaria elevados padrões e benchmarks
quando um acordo bilateral de troca de de políticas públicas, baseadas nas melhores
informações e cooperação foi firmado. Em práticas internacionais.
2007, o Brasil foi categorizado como parceiro A adesão à OCDE é um dos
de “engajamento global da OCDE” (dos quais principais objetivos da política externa
participam países como China, África do Sul brasileira contemporânea. O sucesso da
e Indonésia), o que elevou a densidade de candidatura ampliará a retomada de um
relações. Em 2015, o Brasil e OCDE firmaram crescimento sustentado e sustentável no
um Acordo-Quadro de Cooperação, de cenário pós-pandemia.
maneira que o Brasil passou a aderir
voluntariamente a uma série de instrumentos
normativos da OCDE. Até o presente, o Brasil Nota - 18,5
aderiu a mais de 70 instrumentos (a exemplo Anônimo
da avaliação PISA de educação, mecanismos
de transparência pública e anticorrupção) da Observação: as partes que
OCDE. Internamente foi criado uma comissão estão pontilhadas foram cortadas na
interministerial (formado entre outros, pelo digitalização da minha prova e eu não
MRE e o ME). consigo lembrar o que escrevi.
Finalmente, em 2017 o Brasil
manifestou interesse em aderir à OCDE. A Organização para a Cooperação e
Em 2018, uma missão diplomática não Desenvolvimento Econômico (OCDE) surgiu
permanente foi criada em Paris, de modo que no fim da década de 1940 como organização
o Brasil mantenha canal ativo de interlocução europeia de cooperação econômica. Era
com a organização. A candidatura do país está integrada então por países europeus
em estágio inicial, não tendo sido aprovada beneficiários do Plano Marshall (pacote de
pelo Conselho da Organização. Até 2018, ajuda estadunidense para a reconstrução
os EUA eram reticentes quanto à adesão europeia após a segunda Guerra Mundial) e
brasileira, mas entre 2019/2020 retiraram objetivava gerir os recursos desse Plano. Em
suas hesitações. A entrada brasileira depende 1960, com o Tratado de Paris, essa organização
de um acordo que respeite o requisito de deu lugar à atual OCDE, com a adesão de
158 ÍNDICE
Estados Unidos e Canadá. Posteriormente, como o fórum internacional de transportes,
aderiram o Japão e diversos outros países, e colaborou com a OCDE na elaboração de
inclusive em desenvolvimento, como o Chile. estudos em áreas como biocombustíveis.
Hoje a OCDE tem 38 membros, com as mais Em 2017, o Brasil manifestou a intenção de
recentes adesões sendo a Costa Rica e a aderir à OCDE. O convite da OCDE ao Brasil
Colômbia. A OCDE objetiva estabelecer altos para iniciar o processo de adesão segue
padrões para políticas públicas em todas pendente. Em si, o Brasil já conquistou o
as áreas relacionadas ao desenvolvimento apoio de todos os membros da OCDE (faltava
econômico e permitir a troca de experiências o dos Estados Unidos, conseguido em 2019),
entre os membros, incentivando a mas o Conselho da OCDE não chegou a
elaboração e a adoção de melhores práticas uma conclusão sobre a ordem na qual os
em termos de políticas públicas. A OCDE atua atuais pré-candidatos serão convidados. O
elaborando instrumentos internacionais, Brasil já tem, contudo, alta convergência
sejam vinculantes (como convenções) ou não regulatória com o acquis da OCDE e está
(como recomendações), que consubstanciam trabalhando para internalizar e aplicar mais
essas melhores práticas. O conjunto desses instrumentos deste.
instrumentos forma o acquis da OCDE. A Um benefício importante para o
OCDE também subsidia discussões sobre Brasil em ser membro da OCDE é que esta
os temas em que atua em diversos foros atua como agenda setter em diversos
internacionais, como a ONU e o G20. Também foros internacionais, como o sistema
são criadas organizações internacionais ONU e o G20. Assim, ser membro da OCDE
técnicas no âmbito da OCDE, como a Agência significa participar de processos decisórios
Internacional de Energia. Um país que deseje internacionais desde o início destes,
aderir à OCDE precisa primeiro ser convidado quando a [ILEGÍVEL POR PROBLEMAS DE
a iniciar um processo de adesão. O Conselho DIGITALIZAÇÃO DA RESPOSTA] O Brasil
da OCDE decide por consenso quanto a esse tem capacidade e interesse para ter uma
convite. Uma vez estendido o convite, a participação mais ampla e influente na
OCDE prepara um roadmap para o candidato: definição da agenda de diversos temas
será verificada a compatibilidade entre a regulatórios, como produção de aço, energia
legislação do candidato e o acquis, além de (especialmente biocombustíveis e seu papel
temas políticos como o império da lei e o na transição energética atualmente em
curso) e proteção do meio ambiente. Outro
Estado de Direito no candidato. Cumprido
benefício de aderir à OCDE é que esta é vista
o roadmap, o candidato precisa ratificar o
por investidores internacionais como uma
tratado constitutivo da OCDE para finalizar a
espécie de selo de qualidade do ambiente
adesão.
regulatório de seus membros, favorecendo
O Brasil começou a cooperar com a
investimentos nestes. A qualidade de
OCDE na década de 1990, no setor do aço. O
membro da OCDE pode não só aumentar o
contexto era de fim da Guerra Fria, abertura
fluxo de capitais para o Brasil como reduzir o
econômica e financeira no Brasil, busca
custo desses capitais, devido à percepção dos
de “autonomia pela participação” (Gelson
investidores de redução do risco-Brasil. A
Fonseca Jr) na política externa brasileira e
adesão à OCDE também incentiva o ambiente
de aumento da competitividade da economia
regulatório a aprimorar-se constantemente,
brasileira. A cooperação do Brasil e da
auxiliando as reformas estruturais em
OCDE foi crescente desde então. Na década
curso no Brasil (combate à corrupção,
de 2000, o Brasil se tornou um dos key
reforma trabalhista, reforma tributária,
partners da OCDE. O Brasil assinou acordo
privatizações, incentivo ao setor privado),
de cooperação com a OCDE em 2015 e acordo
contribuindo para realizar o objetivo principal
para o estabelecimento de um escritório da
da político externa brasileira: auxiliar no
OCDE no Brasil em 2017. O Brasil ingressou
desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
como observador ou membro associado
em organizações e foros ligados à OCDE,
159 ÍNDICE
Menor Nota - 13 intensificaram e o Brasil recebeu o importante
Anônimo apoio dos EUA à adesão brasileira.
Como benefícios latentes do ingresso
O governo Jair Bolsonaro estabeleceu na OCDE podem ser citados a maior atração
como uma das suas diretrizes de política de investimentos e o aumento do fluxo
externa a busca pela adesão à OCDE. Esse comercial. Ambos merecem uma atenção
organismo surgiu a partir da cooperação pormenorizada.
econômica de países europeus com o O discurso do Chanceler Carlos
objetivo de estabelecer padrões regulatórios, França ressalta que a modernização passa
facilitação de comércio, medidas pela elevação das políticas públicas e,
anticorrupção, inserção nas cadeias globais investidores internacionais buscam cada
de valor e promover a liberalização das vez mais segurança nos seus investimentos,
economias, dentre outras atribuições. Com sejam eles diretos ou de portfólio. Assim,
o sucesso desse programa de integração para atrair empresas e fundos de pensão e/ou
iniciou-se o processo de integração de países de investimento, o Brasil precisa demonstrar
de outros continentes, o que deve ser feito que tem uma economia saudável, reduzindo
por aprovação unânime de seus membros. o que se convencionou chamar “risco-país”
Atualmente, a OCDE conta com cerca de 37 e atraindo o capital externo para o território
membros, como os EUA, a França, o Reino nacional.
Unido e a Colômbia. Por sua vez, o comércio internacional
também é impactado com [trecho cortado].
A atuação da OCDE é pautada
O país exporta mais porque passa a ser lido
pela aprovação de medidas destinadas
internacionalmente como fonte segura e
aos seus membros e que garantem um
que respeita os mais avançados padrões
padrão de qualidade que é reconhecido
regulatórios mundiais. E também importa
internacionalmente, melhorando a
mais, pois cria ou se adapta a estipulações
percepção de empresários e investidores
aduaneiras que simplifica processos e
quanto às condições negociais nos países
incentiva empresas a buscarem o mercado
participantes. Assim, a adesão ao grupo se
brasileiro. Assim, o fluxo comercial como um
tornou desejo frequente de governos pelo
todo é favorecido, ocorrendo a ampliação da
mundo, especialmente nos de economia
pauta nacional.
capitalista.
A adesão do Brasil à OCDE é, portanto,
A identificação da adesão à OCDE como
estratégia inteligente de inserção no mercado
fator positivo para a economia nacional não
internacional e pode ser útil para a estratégia
escapou aos governos de conotação liberal
de desenvolvimento, ajudando a superar o
a partir da década de 1990. Desde então,
cenário persistente de desigualdade ainda
o Brasil passou a realizar a adaptação de
observado na nação.
sua economia, aderindo voluntariamente
a diversos mecanismos estabelecidos
pelo regramento da organização.
Concomitantemente, passou a estreitar
laços com os países membros buscando o
apoio ao pleito de adesão. Atualmente, o
país já aderiu à grande maioria das regras
da OCDE (valor superior a 80% de todas as
previsões) [essa informação está incorreta],
demonstrando o comprometimento com a
criação de um melhor ambiente de negócios.
Os esforços diplomáticos ganharam força no
governo Michel Temer, com a intensificação
de diálogos e emissão de comunicados.
Com o governo Bolsonaro, as iniciativas se
160 ÍNDICE
Economia
Questão 01 
Após um período de profunda retração
da economia global por causa da Covid-19
em 2020, a economia internacional tem
experimentado uma fase de robusta retomada
do crescimento na conjuntura atual. O Fundo
Monetário Internacional (FMI) projeta que
o crescimento da economia global, em 2021,
será de 6%.

Disponível em: <https://www.imf.org/en/News/>.


Acesso em: 20 jul. 2021, com adaptações.

O aumento da demanda por bens


e serviços nas principais economias
internacionais tem recuperado níveis de
produção anteriores à pandemia em diversos
setores. No entanto, a expansão da demanda
em curto prazo também traz riscos de pressão
inflacionária sobre alguns setores, uma vez
que o lado da oferta requer tempo e estrutura
produtiva para ajustar-se, o que pode afetar
negativamente a economia brasileira.
Com base na conjuntura descrita,
elabore comentários a respeito de efeitos
que a recuperação da economia global pode
apresentar sobre:
161 ÍNDICE
• o crescimento da economia do Brasil; Padrão de Respostas
• a taxa de câmbio do Real/US$; e
• a taxa de inflação no Brasil. Espera-se que o candidato redija o
texto considerando os aspectos a seguir. 
Extensão do texto: até 60 linhas
[valor: 30,00 pontos] • Acerca dos impactos da recuperação
econômica global sobre o crescimento
da economia brasileira 
Relatório de Notas
A melhora do cenário econômico
Maior Nota: 27
internacional está associada à adaptação dos
Nota Média: 23,3
padrões de produção e consumo ao redor do
Menor Nota: 19
Desvio-padrão: 1,881 mundo, aos estímulos monetários e fiscais
dos governos, sobretudo nos Estados Unidos
da América (EUA), e ao avanço da vacinação
global contra o Coronavírus. 
O Fundo Monetário Internacional
(FMI) estima que a economia global crescerá
aproximadamente 6% em 2021, impulsionada
pela retomada do crescimento nos EUA e na
China. O aumento da demanda nas principais
economias estrangeiras, considerando que
se trata de economias abertas ao comércio
internacional, impulsiona o consumo de bens
e serviços produzidos pelos países parceiros
comerciais. No Brasil, por exemplo, os
principais bens beneficiados pelo aumento
da demanda estrangeira são commodities
agrícolas, minérios e petróleo, sendo que
boa parte desse aumento está relacionado à
retomada da economia chinesa. A expansão
do consumo de produtos brasileiros
favorece o aumento das exportações e, por
conseguinte, da renda nacional. Estimativas
para 2021, da Secretaria de Comércio
Exterior do Ministério da Economia, indicam
uma corrente de comércio inédita de US$
509,7 bilhões, sendo US$ 202,2 bilhões de
importações (alta de 27,3% comparado a
2020) e US$ 307,5 bilhões de exportações
(alta de 46,5% comparado a 2020).
O crescimento da economia global
também contribui para o crescimento da
economia brasileira por meio do aumento
dos investimentos externos. Tudo mais
constante, o crescimento das economias
centrais significa que há mais recursos para
realizar investimentos diretos e capital para
operações financeiras no Brasil. O aumento
do valor da poupança externa direcionada
ao Brasil por meio de investimento externo
162 ÍNDICE
direto e de investimentos de portfólio observar um aumento absoluto (ainda que
favorece a produção econômica do País. não necessariamente relativo) do fluxo
Assim, o aumento das exportações e do de depósitos do exterior ao Brasil, o que
investimento externo, somado aos efeitos também contribuiria para uma valorização
das medidas em curso de recuperação da cambial. Além disso, a taxa de câmbio reflete
produção e da renda da economia brasileira, o impacto de mudanças na taxa de juros
contribuem para alcançar a projeção de na medida em que, de forma resumida, o
crescimento do produto interno bruto (PIB) diferencial pago pelo Banco Central do Brasil
nacional de 5,3% em 2021. por seus títulos, comparado à rentabilidade
dos títulos de bancos centrais de outros
• Acerca dos impactos da recuperação países, aumenta a demanda externa por
econômica global sobre a taxa de instrumentos financeiros em moeda local e,
câmbio do real  por conseguinte, também valoriza a cotação
da moeda.
O Brasil é uma economia de mercado Ainda que vá na direção contrária,
aberto e a sua taxa de câmbio é definida, também seria correto registrar que o
de forma simplificada, a partir da relação crescimento de economias “centrais”, como
entre a demanda e a oferta de moeda local EUA e China, pode resultar em concentração
em comparação com moeda estrangeira. maior do volume dos fluxos de capital
Excluídos os possíveis choques externos e disponíveis na economia global pelo fato de
internos, a taxa de câmbio do real aprecia-se experimentarem taxa de crescimento que
na medida em que aumenta a demanda por atrairia novas aplicações. Por esse ângulo,
bens e serviços comercializados pelo Brasil a demanda por moeda nas economias em
no exterior. Se for considerado o mesmo desenvolvimento pode diminuir com relação
processo, mas agora na direção contrária, o às economias “centrais”, e é observada
aumento da demanda no Brasil por bens e uma relativa desvalorização das moedas de
serviços produzidos no exterior tem o efeito economias em desenvolvimento. 
de desvalorizar o preço do real em relação à Cabe ressaltar que, no caso de a
moeda estrangeira. Assim, a taxa de câmbio retomada do crescimento dos EUA e de outras
reflete a relação entre os movimentos de economias importantes resultar em processo
demanda por bens e serviços tanto em moeda inflacionário que acarrete política monetária
local como em moeda estrangeira.  restritiva de elevação da taxa de juros, a
A expansão da economia internacional maior rentabilidade e a segurança dos títulos
(liderada pelos EUA e pela China), observada de dívida dos EUA poderiam ter impacto
desde o segundo semestre de 2020, ceteris relativo negativo sobre a demanda por títulos
paribus, aumenta a demanda por produtos brasileiros e pela moeda nacional. Nesse caso,
comercializados pelo Brasil no mercado observar-se-ia uma desvalorização da taxa
externo e tem o efeito de valorizar o real com de câmbio do real frente ao dólar americano. 
relação ao dólar. As projeções de superavit
comercial do Brasil para 2021 ilustram a • Acerca dos impactos da recuperação
tendência de recuperação das exportações econômica global sobre a taxa de
brasileiras como reflexo da retomada da inflação brasileira
economia global. Observa-se, nesse sentido,
que o aquecimento da demanda internacional A taxa de inflação é a média do
por bens produzidos no Brasil contribui para crescimento dos preços domésticos de um
a formação de um saldo comercial positivo e conjunto de bens e serviços em determinado
uma valorização cambial. período de tempo. Reflete a expansão do
  A retomada do crescimento da nível de preços da economia a partir de um
economia global produz liquidez adicional desequilíbrio temporário entre a demanda
nas economias externas e, mantendo as e a oferta de bens e serviços na economia.
demais variáveis constantes, pode-se Importante lembrar que a inflação registra a
163 ÍNDICE
taxa em que os preços aumentam, mas não é Quesitos de pontuação: 
medida para indicar se o preço é alto. 
A retomada do crescimento da Q1 – apresentar alguns fatores que
economia global tende a aquecer a demanda promovam a recuperação do crescimento da
na economia do Brasil, conforme indicado economia global na conjuntura atual; 
pela significativa expansão das exportações. Q2 – demonstrar familiaridade com
Na atual conjuntura de recuperação elementos que compõem a equação de renda
econômica, ao avaliar a capacidade de nacional; 
reação das economias a aumentos súbitos Q3 – descrever elementos que
relacionam o crescimento da economia global
de demanda, é importante recordar que
ao crescimento da economia brasileira; 
a pandemia da Covid-19 afetou cadeias
Q4 – relacionar a expansão das
produtivas, a disponibilidade de insumos e
exportações e o investimento externo
restringiu a capacidade de reação da oferta.
ao processo de recuperação da produção
O aumento da demanda externa por bens e
nacional.; 
serviços do Brasil impulsiona o preço desses
Q5 – descrever como a recuperação
produtos, especialmente no curto prazo,
do crescimento global e da demanda por
dada a relativa demora para se expandir
produtos do Brasil pode afetar a taxa de
a oferta. O “boom das commodities” no
câmbio; 
mercado internacional remunera produtores Q6 – comentar como a demanda
locais que direcionam crescente parcela por bens e serviços, em curto prazo, pode
de sua produção ao mercado externo e, ao resultar em pressão inflacionária quando o
diminuir o estoque disponível na economia setor produtivo não é capaz de se ajustar no
local, puxa o nível de preços doméstico para mesmo ritmo; 
cima. Esse fenômeno responderia por uma Q7 – apresentar a relação que existe
taxa de inflação crescente. entre o crescimento da demanda interna e a
O aumento considerável de gastos taxa de crescimento do nível dos preços; 
fiscais em economias amadurecidas, como a Q8 – apresentar a relação que existe
norte-americana e a zona do euro, traz risco entre taxa de juros e taxa de inflação; 
internacional de um aumento da inflação, Q9 – apresentar a relação que existe
uma vez que o impacto da pandemia sobre as entre taxa de câmbio e nível de preços na
cadeias produtivas leva a que o aumento da economia local; e
demanda não consiga ser acompanhado de Q10 – comentar, ainda que brevemente,
aumentos proporcionais imediatos da oferta como a preocupação nos EUA com a taxa
de bens e serviços. Analistas avaliam que a de inflação resulta, em parte, em razão
expectativa de inflação crescente naquelas do volume dos recursos disponibilizados
economias pode ser contida por meio da pelas autoridades monetárias e fiscais para
retirada gradual de estímulos existentes de recuperar o nível de demanda. 
política monetária e, eventualmente, pela
Referência
necessidade de aumentar a taxa de juros. 
 
O aumento da taxa de juros nos EUA e na
Declaração da Diretora Geral do FMI Kristalina
zona do euro, tudo mais constante, resultaria
Georgieva. Disponível em: <https://www.imf.org/en/News/
em uma alteração do valor de equilíbrio entre
Articles/2021/04/07/sp-fostering-a-fair-recovery>.
a demanda e a oferta por moeda brasileira, Acesso em: junho 2021.
o que provocaria a retirada de depósitos de
capital externo do Brasil (indo na direção dos
EUA, por exemplo) e a desvalorização do real
diante do dólar. A desvalorização do real tem
impacto sobre os preços de bens e insumos
importados e, ceteris paribus, sobre a taxa de
inflação doméstica. 
164 ÍNDICE
Nota - 27,00 brasileiros, também gerando tendência à
Anônimo apreciação real do Real. A apreciação do
Real traz para o Brasil o risco da chamada
A recuperação da economia global “doença holandesa”: o aumento da demanda
após a profunda retração gerada pela externa se concentra em commodities
pandemia de Covid-19 em 2020 tende a produzidas pelo Brasil, enquanto os produtos
contribuir para o crescimento da economia manufaturados brasileiros perdem, com
do Brasil. A recuperação da economia a apreciação do Real, competitividade nos
global tende a aumentar as exportações mercados doméstico e estrangeiro. Essa
brasileiras, contribuindo para o aumento situação pode contribuir para um cenário de
do PIB do Brasil. Em 2020, as exportações desindustrialização precoce no Brasil (perda
brasileiras para quase todos os principais de participação da indústria no PIB sem um
parceiros econômicos do Brasil se retraíram aumento correspondente da participação
(a importante exceção foi a China, nosso de serviços avançados). Por outro lado, a
principal parceiro), o que contribuiu para apreciação do Real barateia a importação
que o crescimento fraco do PIB do Brasil de bens de capital e insumos industriais,
de 2019 se transformasse em negativo em ampliando a capacidade de investimento
2020. A recuperação das exportações deve da indústria brasileira em aumento de
contribuir fortemente para a recuperação produtividade e ampliação da capacidade
do crescimento do PIB brasileiro em 2021, produtiva.
embora seja importante notar que as A recuperação da economia global pode
importações do Brasil também tendam a levar a um aumento da taxa de inflação no
aumentar. As exportações líquidas (diferença Brasil. O risco advém da chamada inflação de
entre exportações e importações) são, demanda: a demanda externa por produtos
contudo, apenas um dos componentes do brasileiros aumenta acentuadamente no
PIB. Outro componente que deve aumentar curto prazo, de forma que não há tempo
com a recuperação da economia global é o para aumentar a capacidade de produção; o
investimento, à medida em que investidores excesso de demanda sobre a oferta leva a um
estrangeiros e domésticos devem ter mais aumento [ILEGÍVEL POR PROBLEMAS DE
capital disponível para investir e maior DIGITALIZAÇÃO DA RESPOSTA] do produto,
otimismo com os rumos da economia com o PIB maior que o PIB potencial e a troca
brasileira. A recuperação global também de desemprego abaixo da taxa natural de
tende a aumentar o otimismo e a renda desemprego. O choque de demanda tende
disponível dos consumidores, incentivando a passar no longo prazo, embora possa ser
o terceiro componente do PIB, o consumo. perpetuado por mecanismos de indexação da
Apenas no quarto componente, os gastos economia. É preciso levar em conta, porém,
públicos, tende a haver diminuição com que o Brasil adota, desde 1999, um regime de
a recuperação da economia global pois o metas de inflação. Dessa forma, o aumento
Brasil se esforça para que esses gastos sejam da taxa de inflação brasileira acima da meta
anticíclicos: aumentou-os durante a crise da deve acarretar o aumento dos juros (taxa
Covid-19 para estimular a demanda retraída, selic) pelo Banco Central. O aumento dos juros
reduzindo o desemprego e a queda da renda, tende a ter um efeito recessivo na economia,
mas deve reduzi-los quando a demanda se pois, ceteris paribus, reduz o investimento
aquecer para controlar a inflação. (os juros são o custo do investimento), além
A retomada da economia global tende de tender a reduzir também o consumo
a apreciar o Real (ou seja, a reduzir a taxa de (aumento do custo do financiamento ao
câmbio Real/US$). Essa retomada tende a investidor). O aumento dos juros tende
aumentar a demanda externa por produtos também a atrair capital estrangeiro, e a
brasileiros, e, portanto, a gerar uma entrada de capital estrangeiro pode, por
apreciação real do Real. Também tende a sua vez, gerar pressões inflacionárias. No
aumentar a demanda internacional por ativos longo prazo, a melhor resposta do Brasil a
165 ÍNDICE
essa conjuntura é investir em capacidade grande desvalorização sofrida pelo real nos
produtiva e produtividade através do últimos anos. 
progresso tecnológico, para aumentar a taxa De todo modo, ainda que haja pressão
natural de produção e a renda real do Brasil. para inflação também no Brasil, como se
vê, dado que o COPOM decidiu elevar a taxa
básica de juros para contê-la, a recuperação
Nota - 26,00 internacional, além de beneficiar a economia
Tatiana de Andrade Nunes Parra do país via comércio internacional, poderia
induzir investimentos de longo prazo para
A crise econômica global provocada a economia brasileira. Ademais, dado que
pela COVID-19 ensejou uma redução do há capacidade ociosa atualmente, é possível
produto dos países e uma alteração dos que haja ajuste da capacidade produtiva
padrões comportamentais. Com efeito, brasileira no médio prazo. No caso dos
houve caracterização de um choque tanto principais parceiros comerciais do Brasil (a
de oferta, devido à limitação de transporte China, os EUA e a Argentina), houve queda
de insumos, quanto de demanda, devido à substancial das trocas com os dois últimos.
redução da renda privada. A fim de incentivar Essa queda é ainda mais dramática se se leva
ao máximo a atividade econômica, a maior em consideração que o Brasil troca com esses
parte dos países lançou mão de políticas países sobretudo bens industrializados,
monetária e fiscal expansionistas – e o Brasil portanto de maior valor agregado e que
não foi exceção. De fato, usaram-se, mesmo dependem de toda uma cadeia produtiva no
nos EUA e no Reino Unido, práticas não Brasil, que se viu ociosa, tendo um efeito
convencionais de política monetária, como negativo em cadeia. Dessa perspectiva, a
o quantitative easing. No Brasil, aprovou-se retomada econômica é favorável também
recentemente PEC que permite, igualmente, para a retomada da economia brasileira. 
o uso dessas medidas não convencionais pelo Relembra-se que a inflação no Brasil é
Banco Central.  causada em parte pela desvalorização do real,
Com a difusão das vacinas pelo mundo a qual faz que produtos e insumos importados
e o fim gradual do distanciamento social, fiquem mais caros, afetando os preços interno
há previsão de continuada retomada do – e pelo fato de que produtores de bens,
crescimento econômico internacional, o que tanto alimentícios quanto manufaturados,
pode afetar o Brasil. Como são as economias preferem exportar a vender internamente, já
centrais as primeiras a recuperarem-se, é que auferem maiores lucros. Nesse sentido,
possível que haja aumento da demanda por parece vital que se reduzam os riscos cambial
bens brasileira, como alimentícios. Dessa e de default do Brasil, a fim de que o real
perspectiva, a retomada internacional seria se valorize, contribuindo para diminuir a
positiva para o Brasil, já que haveria entrada inflação de custos e para aumentar a oferta
de capitais, o que ajudaria a valorizar a de bens internos, pressionando para a queda
moeda brasileira. Por outra perspectiva, dos preços. Ademais, é importante que o
como há pressão de demanda nas economias avanço da vacinação ocorra igualmente
centrais, seus bancos centrais podem - não apenas nos países do centro do
recorrer à elevação da taxa de juros com capitalismo. Realmente, a queda abrupta
vistas a conter a pressão inflacionaria. Nesse do fluxo de comércio internacional afetou
cenário o Brasil seria desfavorecido, já que a todos os países, e sua retomada deve ser
os capitais migram para economias onde feita gradualmente para que se evitem
terão maior rentabilidade – comparando pressões desnecessárias sobre os sistemas
taxas de juros – e onde estarão mais seguros, produtivos. No caso brasileiro atual, o qual
minimizando, pois, os riscos. No caso parece contradizer a curva de Phillips, já que
brasileiro, a fragilidade fiscal, ainda mais temos tanto inflação quanto desemprego, a
deteriorada à luz do auxílio emergência, solução da crise político-econômica interna
aumenta o risco-país, sendo causa parcial da parece sobrepor-se à retomada econômica
166 ÍNDICE
internacional no sentido do crescimento a pandemia, por meio de políticas fiscais
sustentável do Brasil, ainda que não se visando ao estímulo do consumo. Com a
possa prescindir do comércio internacional retomada da economia global e o aumento do
e do recebimento de investimentos para a consumo interno, espera-se que o governo
retomada econômica nacional.  aumente suas receitas, que posteriormente
serão convertidas em mais gastos públicos.
Já as exportações líquidas, nesse
Nota - 25,5 momento inicial de retomada econômica
Essi Rafael Mongenot Leal global, devem se ampliar, devido ao aumento
da demanda por produtos exportados pelo
 A pandemia da Covid-19 teve profundo Brasil.
impacto sobre a economia brasileira. Com Quanto à taxa de câmbio real/dólar,
a restrição ao comércio de bens e serviços, espera-se um movimento de valorização
e o consequente aumento da taxa de cambial, devido aos efeitos relacionados ao
desemprego, o Brasil registrou uma retração diferencial da taxa de juros entre Brasil e
econômica de cerca de 4% no ano de 2020. EUA. A taxa SELIC encontra-se atualmente
Diante da menor demanda agregada, a taxa 5,25%, mas em tendência de alta. Nas
de inflação caiu. Para estimular a retomada últimas reuniões do COPOM, houve reversão
econômica, o Banco Central reduziu, em da tendência de baixa da taxa de juros. Visto
sucessivas ocasiões, a taxa SELIC, taxa de que o BACEN utiliza a taxa SELIC como
juros básica da economia. Com a queda instrumento de controle da inflação, e esta
dos juros e o cenário de incertezas, pouco se encontra acima do centro da meta de
propício a investimentos externos, a taxa inflação, espera-se, desse modo, que a taxa
de câmbio real/dólar se desvalorizou. A básica de juros continue aumentando até o
recuperação da economia global, por sua fim de 2021. Já nos EUA, a taxa de juros básica
vez, deve reverter todas essas tendências. da economia, determinada pelo FED, tende à
Isto é, ao final do ano de 2021, espera-se que zero. A despeito da expectativa de alta dos
o Brasil registre aumento do crescimento juros, devido ao cenário de inflação em alta
econômico, valorização da taxa de câmbio também nos EUA, o FED anunciou que não
real/dólar e aumento da taxa de inflação. deve subir os juros.
No que diz respeito ao crescimento Além do diferencial da taxa de juros,
econômico, a expectativa é de uma recuperação há outros fatores que podem contribuir para
vigorosa. O produto interno bruto, pela ótica a valorização cambial. No que diz respeito ao
da demanda, é expresso pela somatória fluxo de capitais, a menor percepção de risco
de consumo das famílias, investimentos, em cenário de recuperação econômica se
gastos do governo e exportações líquidas. A somaria ao efeito dos juros para estimular a
aceleração do crescimento econômico global entrada de dólares na economia brasileira. No
deve afetar todas essas variáveis. Uma maior que concerne as (sic) exportações líquidas, o
atividade econômica implica maior demanda aumento da renda no exterior acarreta maior
por bens e serviços, que por sua vez resulta demanda pelos produtos brasileiros.
em maiores níveis de emprego e renda para Por fim, a inflação, que atingiu níveis
as famílias. Um aumento de renda das família históricos baixíssimos durante a pandemia,
(sic) implica aumento no nível de consumo. voltou a ser motivo de preocupação, visto
Os investimentos, tanto internos que há uma clara tendência de alta. A razão
quanto externos, devem ganhar maior da alta é o descompasso entre a demanda
tração com o fim do cenário de incertezas e a oferta agregada. Segundo Keynes, em
relacionados à pandemia. O aumento nos momentos de crise, quando a economia opera
investimentos também será vital para abaixo do nível de pleno emprego, com muita
expandir a oferta agregada em um futuro capacidade ociosa, seria possível recuperar
próximo e mitigar os efeitos da inflação. Os a atividade econômica sem custos no curto
gastos públicos foram ampliados durante prazo, vistos (sic) que os preços e os salários
167 ÍNDICE
seriam rígidos. Tal cenário corresponderia a o padrão de resposta. De outro modo, seria
uma curva de oferta agregada positivamente injusto equiparar a resposta apresentada com a
inclinada, tendendo à horizontalidade. de outros candidatos que sequer citaram o tema
Ocorre que, no caso da pandemia, avaliado no Q10.
as políticas fiscais de estímulo à demanda
agregada, em conjunto com políticas Resposta: Deferido parcialmente
monetárias até pouco tempo atrás
expansivas, estão em operação há muitos Justificativa: O recurso foi deferido
meses. É possível conjecturar que alguns parcialmente, pois o candidato menciona,
setores da economia estão atingindo a efetivamente, as políticas expansionistas nos
capacidade máxima de produção. Desse EUA. O quesito, porém, pede especificamente a
modo, investimentos serão necessários menção da preocupação do governo americano
para ajustar a estrutura produtiva à nova com a inflação doméstica devida à politica
demanda. Enquanto isso não ocorre, o nível econômica adotada no período. Nota majorada
de preços sobe. No longo prazo, segundo em 0,5 ponto.
a economia clássica, a oferta agregada é
perfeitamente inelástica e o único modo de Nota Final: 0,5
aumentar o produto total da economia seria Brasília-DF, 30 de setembro de 2021.
aumentar os fatores de produção.

Recursos
Menor Nota - 20,00
Prezado(a) candidato(a),  Anônimo
Em resposta ao recurso interposto
com questionamentos acerca do resultado A pandemia de Covid-19 teve efeitos
preliminar, para os quesitos referenciados, recessivos sobre o mercado mundial de
a banca examinadora apresenta os um choque exógeno, impactando a oferta,
esclarecimentos a seguir. pelas medidas de restrição à circulação, e
a demanda, pelo efeito negativo sobre as
Prova/Questão/Quesito: Economia - expectativas dos agentes e pela retração da
questão 1 - quesito Q10 restrição orçamentária daqueles que tiveram
suas fontes de renda prejudicadas pela crise
Argumento: Respeitosamente solicito sanitária. A recuperação do dinamismo
que seja revista a pontuação uma vez que, econômico global lança perspectivas
entre as linhas 29 e 35, apresento comentários auspiciosas sobre a economia brasileira, mas
sobre a relação entre taxa de juros e inflação cabe uma análise pormenorizada para pensar
e, ao final, explico que os EUA adotam “taxas nos potenciais efeitos.
de juros tendentes à zero” (sinal de que a No que diz respeito aos efeitos que a
política monetária é expansiva, conforme recuperação global econômica pode ter sobre
indica o padrão de resposta) e, em seguida, “há a economia do Brasil e seu crescimento, há
expectativa de alta dos juros devido ao cenário que verificar a capacidade de resposta da
de inflação em alta”, mas “o FED anunciou que oferta brasileira de antemão. A recuperação
não deve subir os juros”. Desse modo, ainda da economia mundial implica expansão da
que de modo parcial, foi feita uma análise da demanda global, o que é uma oportunidade
causalidade entre “taxas tendendo à zero” e de expansão das exportações brasileiras.
“expectativa de alta de juros” e também foi Isso já tem sido visível pelo reaquecimento
mencionado que, “a despeito da expectativa econômico de grandes importadores
de alta de juros.... FED anunciou que não deve agrícolas, como a China, e seus impactos
subir os juros”. Tais afirmações parecem- positivos sobre o setor agroexportador em
me justificar ao menos pontuação parcial, se 2020. Cumpre ressaltar que o agronegócio
não completa, no quesito 10, de acordo com tem alta resiliência no Brasil e o retorno
168 ÍNDICE
da demanda para níveis pré-pandêmicos Supondo que essas consequências
ensejou aproveitamento da capacidade ociosa fossem evitadas mediante restrições
à disposição e pronta resposta. Alguns setores alfandegárias que impedissem o aumento
da indústria de transformação e serviços com das exportações, a taxa de câmbio poderia
maior vulnerabilidade a eventos [ILEGÍVEL ter sua desvalorização evitada. Contudo,
POR PROBLEMAS NA DIGITALIZAÇÃO DA não haveria vazão para a discrepância entre
RESPOSTA] responder à demanda em franca demanda e oferta. Assim, quanto menor a
expansão. capacidade de resposta da oferta, maior será
Assim como os ofertantes encontram a pressão sobre os preços, resultando, enfim,
dificuldades em responder à demanda na em escalada inflacionária.
velocidade em que ela se recupera no exterior, A projeção do FMI de crescimento
a tendência é que esse descompasso também da economia global na ordem de 6% em
ocorra em nível doméstico. A recuperação 2021 renova as esperanças de superar a
das expectativas dos demandantes, tanto recessão que decorreu da pandemia de
pelas campanhas de imunização quanto Covid-19. Tendo em vista que a demanda
pela adaptação à rotina do “novo normal”, tende a recuperar-se antes da oferta e que os
faz com que seus hábitos de consumo sejam setores produtivos sentiram brutalmente os
restaurados antes que o cenário econômico efeitos da pandemia no Brasil, a tendência
o seja. O aproveitamento da capacidade é que, ao menos no curto prazo, isso tenha
ociosa é uma possibilidade em setores mais impactos aquém do esperado no crescimento
resilientes ou mais flexíveis, a exemplo do econômico brasileiro, com possível
setor de serviços, mas muitas empresas desvalorização cambial e alta inflacionária.
precisaram interromper definitivamente Não obstante, à medida que a oferta se
suas atividades em meio à pandemia, ajusta, o reaquecimento global e brasileiro se
tolhendo o poder do setor como um todo de retroalimentarão.
fazer frente ao reaquecimento da demanda.
Nesse descompasso entre oferta e demanda
doméstica pode residir um entrave à
recuperação da economia nacional.
Uma das hipóteses de correção
desse descompasso seria o atendimento
da demanda mediante o aumento das
importações. Nesse caso, teríamos a
contenção da espiral inflacionária a priori,
mas a saída de divisas para aquisição de
bens estrangeiros desvalorizaria a moeda
nacional. Isso atua como um acicate às
exportações, mas apenas na medida em que
os produtores lograrem expandir sua oferta.
Se não for esse o caso, a desvalorização
cambial tem o efeito pernicioso de encarecer
a cadeia produtiva de bens que dependam de
insumos importados. Isso é particularmente
sentido no encarecimento da gasolina, pela
dependência de petróleo fino importado,
com efeitos em cascata sobre toda a
economia. Além disso, cabe lembrar que
importação não compensada por exportação
é vazamento [ILEGÍVEL POR PROBLEMAS
DE DIGITALIZAÇÃO DA RESPOSTA] para a
indústria doméstica.
169 ÍNDICE
Questão 02  Padrão de Respostas
Espera-se que o candidato redija o
A pandemia aumentou bastante os
texto considerando os aspectos a seguir.
gastos do governo, como evidenciado a
seguir.
Q1 – A expansão dos gastos do governo
Os resultados negativos de 2020 estão
afeta o nível de renda de acordo com a
relacionados ao aumento de despesas para
magnitude do multiplicador keynesiano dos
combater a pandemia da Covid-19. De acordo
gastos autônomos.
com o Tesouro, as despesas primárias com a
Q2 – Quanto maior a propensão
pandemia da Covid-19 totalizaram R$ 539,6
marginal a consumir (e menor a propensão
bilhões.
marginal a poupar), maior tende a ser o valor
Com a alta de gastos na pandemia,
desse multiplicador, que é dado por
contas do governo tiveram deficit recorde de
R$ 743 bilhões em 2020.

Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/


noticia/2021/01/28/>. Acesso em: 2 jul. 2021.
Q3 – Há, portanto, um deslocamento
da curva IS 
Considerando os conhecimentos
Q4 – na magnitude de
referentes ao modelo IS-LM em uma
economia fechada, discuta os efeitos do
aumento das despesas fiscais, ceteris
paribus, como aquelas mencionadas no
Q5 – sem que haja deslocamento da
trecho da reportagem acerca do modelo IS-
curva LM. 
LM. Aborde, necessariamente, os seguintes
Q6 – Esse aumento de renda provoca,
tópicos:
no mercado monetário, um aumento da
quantidade de moeda
• o papel do multiplicador keynesiano
Q7 – Por isso, há um aumento na taxa
dos gastos autônomos;
de juros, que equilibra o mercado de moeda. 
• o(s) deslocamento(s) de curva(s) no
Q8 – O aumento da taxa de juros provoca
modelo supracitado;
um efeito negativo sobre o investimento. 
• o efeito sobre o mercado de moeda;
Q9 – Esse efeito é conhecido na
• o efeito sobre a taxa de juros;
literatura como efeito crowding-out, já que a
• o efeito sobre o investimento; e
expansão do gasto do governo ocorre à custa
• o efeito final sobre a renda nacional.
de uma redução de investimento.
Q10 – Dessa forma, o impacto final
Extensão do texto: até 60 linhas
[valor: 30,00 pontos] da política fiscal sobre a renda nacional
será dado pelo efeito líquido da expansão
inicial propiciada pelo aumento do
gasto e potencializada pela magnitude
Relatório de Notas do multiplicador keynesiano dos gastos
autônomos reduzida do efeito crowding-out
Maior Nota: 28,5 sobre investimentos. 
Nota Média: 22,46
Menor Nota: 8,5 Referência 
Desvio-padrão: 5,141 MANKIW, M. Macroeconomia, LTC,
5. ed., 2003, pp. 194-195.

170 ÍNDICE
Nota - 28,5 elevado tem efeitos no mercado de moeda,
Leonardo dos Santos Avakian   que correlaciona juros com quantidade
de moeda, sendo a oferta monetária
O modelo IS-LM correlaciona juros (r) perfeitamente inelástica na quantidade
e renda (Y) por meio de duas curvas: a LM, definida pelo BACEN e a demanda com uma
que indica os pontos de equilíbrio do mercado relação negativa entre juros e quantidade de
monetário numa correlação positiva entre moeda. Assim, no mercado de moeda, haverá
juros e renda, e a curva IS, que indica os deslocamento da demanda por moeda (para
pontos de equilíbrio dos investimentos e cima e para a direita), implicando uma maior
da poupança, numa correlação negativa/ demanda por moeda a qualquer taxa de juros
inversa entre juros e renda. O cruzamento dada. Sendo a oferta monetária inelástica,
das curvas IS e LM indica a taxa de juros e a no novo equilíbrio a quantidade de moeda
renda que equilibram simultaneamente os de equilíbrio permanecerá a mesma, porém
dois mercados. com uma taxa de juros mais elevada.
Gastos autônomos, como os gastos No modelo IS-LM, seria possível, em
governamentais, ocorrem em função de princípio, atenuar os efeitos do aumento
decisões políticas e variáveis exógenas. No da taxa de juros decorrente da política
modelo IS-LM, esses gastos autônomos fiscal expansionista, mediante a adoção
atuam sobre a curva IS, aumentando a de uma política monetária expansionista
renda da economia para qualquer taxa de que deslocasse a curva LM para a direita
juros dada (em suma, deslocando a curva IS (aumentando a renda da economia a qualquer
para a direita). Esse deslocamento ocorre taxa de juros dada). Caso isso não ocorra, o
inicialmente no mesmo montante do que novo equilíbrio será alcançado, num primeiro
foi dispendido a título de gasto autônomo. momento, com taxas de juros mais altas que
Contudo, de acordo com o multiplicador as anteriores. Isso pode gerar, num segundo
keynesiano, poderá haver um aumento em momento, um efeito crowding-out que, no
cascata do deslocamento inicial, aumentando limite, neutralizaria o efeito da expansão
ainda mais a renda da economia, sendo esse dos gastos autônomos. Isso ocorre porque
efeito potencializado quanto maior for a juros mais altos desestimulam o consumo
propensão marginal a consumir. Isso se e, sobretudo, o investimento, o que levaria a
explica porque a renda gerada pelos gastos uma retração da curva IS. Numa perspectiva
autônomos transborda para novas relações ricardiana da dívida pública, um déficit
de consumo e investimento. governamental poderia levar as famílias a
Uma política fiscal expansionista, pouparem mais no presente (diminuindo a
portanto, desloca a curva IS, ficando a curva demanda efetiva), a fim de se precaverem
LM na mesma posição. No novo equilíbrio, contra um futuro aumento de impostos.
tanto a taxa de juros quanto a renda serão mais O efeito imediato do aumento da
altos. É significativo notar que, num segundo despesa fiscal é um aumento da renda
momento, essa taxa de juros mais alta pode nacional a taxas de juros mais elevadas.
gerar um efeito crowding-out, diminuindo O efeito final, contudo, é ambíguo,
a eficácia da política expansionista. No pois depende de como será a atuação
mercado de fundos emprestáveis, um déficit dos agentes econômicos num segundo
governamental significa uma poupança do momento. Se houver uma política monetária
governo negativa, o que diminui a oferta de expansionista ou o efeito do multiplicador
fundos emprestáveis (dada pela poupança keynesiano de gastos prevalecer sobre o
nacional), fazendo subir a taxa de juros. No efeito crowding-out, então é possível que a
modelo de oferta e demanda agregada, a renda nacional supere aquela inicialmente
expansão dos gastos do governo se reflete alcançada com o aumento dos gastos. Caso a
num crescimento da demanda agregada, propensão marginal a consumir seja baixa e
ensejando um nível de preços mais alto a diminuição dos investimentos decorrentes
na economia. Um nível de preços mais da alta do juros prevaleça, então a eficácia da
171 ÍNDICE
política fiscal para aumentar a renda nacional a taxa de juros mais elevada representa um
será prejudicada. Ainda, uma política fiscal encarecimento do custo dos empréstimos. A
expansionista amplia a NFSP e dificulta o taxas de juros mais baixas, os investimentos
cumprimento das metas de teto de gastos. são aquecidos. No caso, o aumento da taxa de
juros resultante do aumento da demanda do
governo encarece o custo do crédito do setor
Nota - 27,00 privado, de modo que é possível que ocorra
Felipe Jacques Berger o efeito crowding out (ou efeito expulsão),
segundo o qual ocorre uma retração no
No modelo IS-LM em uma economia investimento privado correspondente
fechada, a curva IS representa o equilíbrio no ao incremento do gasto público. Nesse
mercado de bens e a curva LM representa o caso, o setor público apenas substituiria a
equilíbrio no mercado monetário, sendo que a posição do setor privado. Há dois efeitos
IS apresenta uma relação inversa entre a taxa em contraposição: o efeito expulsão e o
de juros e a renda nacional e a LM apresenta multiplicador keynesiano. Este último
relação direta entre essas duas variáveis. é em grande medida resultado do efeito
Tendo em vista que se trata de uma economia acelerador de investimentos: o aumento dos
fechada, a demanda é dada pelo consumo, gastos governamentais incentiva o aumento
pelo investimento e pelos gastos de governo; da produção e a expansão da capacidade
o consumo é a soma do consumo autônomo produtiva, visto que para Keynes a demanda
com o consumo variável em função da renda. determina o nível de produto. Nota-se que o
Este último depende da propensão marginal multiplicador keynesiano desloca a curva IS
a consumir, que multiplica a renda. Dessa consideravelmente para a direita quando há
forma, as variáveis consumo autônomo, aumento dos gastos, e o resultado do efeito
investimento e gastos de governo são expulsão é o deslocamento da mesma curva
multiplicados pelo multiplicador keynesiano, IS para a esquerda.
dado por 1/(1 – c), em que “c” corresponde Os efeitos da política fiscal
à propensão marginal a consumir. Significa expansionista no modelo IS-LM para
que um aumento no consumo autônomo, economias fechadas dependerão da
no investimento ou, no caso, nos gastos intensidade do efeito multiplicador,
governamentais aumenta a renda nacional do acelerador de investimentos e do
mais do que proporcionalmente. Assume-se efeito expulsão. Ao mesmo tempo que o
que inexistem variações na carga tributária. investimento é fomentado pelo acelerador,
Tudo o mais constante, um aumento o investimento do setor privado é retraído.
das despesas fiscais corresponde a uma O efeito final dessa política dependerá da
política fiscal expansionista e, portanto, intensidade desses efeitos, mas é certo que
desloca a curva IS para a direita. Significa no curto prazo a renda nacional da referida
que há um aumento dos gastos do governo, economia é maior do que era antes da
de modo que a renda nacional é estimulada política fiscal. O modelo considera nível de
mais do que proporcionalmente pelos efeitos preços constante, e no exemplo da pandemia
do multiplicador keynesiano. Nota-se que é esperado que haja capacidade ociosa e nível
o equilíbrio entre as duas curvas passa a se de desemprego maior do que a taxa natural, de
situar em um ponto em que tanto a renda modo que quaisquer pressões inflacionárias
como a taxa de juros são maiores. A taxa de resultariam de ajustes temporários da oferta
juros representa o custo de oportunidade da para atender à demanda, visto que esta tende
liquidez, de modo que uma taxa de juros mais a ser mais flexível no curto prazo.
elevada representa um aumento da demanda Nessas circunstâncias, considera-
por moeda. Quando o Estado aumenta suas se que a oferta de moeda permaneceu
despesas fiscais, a renda aumenta e com constante. Nota-se que houve um efeito
ela a demanda dos agentes por moeda para da política fiscal no mercado de moeda: o
transações. À luz de condições ceteris paribus, aumento da demanda para transações. Esse
172 ÍNDICE
aumento se expressa na elevação das taxas Nota - 27,00
de juros de equilíbrio. É possível que esse Bruno Santiago Portugal
aumento encareça também o custo da dívida
pós-fixada no longo prazo, o que escapa ao Com base no modelo IS-LM em
modelo. Em síntese, ocorre o seguinte: uma economia fechada, o aumento das
O aumento das despesas fiscais do despesas fiscais representa uma política
governo resulta em um aumento da taxa fiscal expansionista, o que desloca a curva IS
de juros e da renda nacional. O gasto é para a direita. Considerando o multiplicador
multiplicado pelo multiplicador, e ele é keynesiano dos gastos autônomos, uma
considerado autônomo porque é exógeno, política fiscal expansionista tende a elevar
externo ao modelo, independente de o consumo em magnitude maior que o gasto
outra variável. Isso gera, a um primeiro inicial. O Consumo é igual ao Consumo
momento, o deslocamento da curva IS para autônomo mais a propensão marginal a
a direita, e o novo equilíbrio ocorre em um consumir vezes o Produto (C = Co + cY),
ponto no qual a renda é maior e a taxa de sendo a evolução do consumo dada pelo
juros também (onde as curvas IS e LM se multiplicador, que é 1/1-c. Assim, quanto
cruzam). A curva LM permanece estática maior for a propensão marginal a consumir,
pois a oferta de moeda é constante, mas o maior serão os efeitos da política fiscal sobre
crescimento da renda leva a um aumento da a expansão do consumo.
demanda por moeda, o que causa o aumento O deslocamento da IS após a política
constatado na taxa de juros. Com o aumento
fiscal expansionista aumenta a demanda de
da taxa de juros, ocorre o encarecimento
moeda, sobretudo para fins transacionais.
do crédito, o que reduz os investimentos.
Considerando que toda a curva LM indica o
Estes haviam sido potencializados pelo
equilíbrio no mercado monetário, a nova
multiplicador keynesiano e pelo acelerador
interseção da IS com a LM indica também o
de investimentos. Visto que o investimento
novo nível do mercado de moeda.
é componente da demanda, a curva IS recua
Esse novo ponto de equilíbrio IS’-
parcialmente para a esquerda. O multiplicador
LM possui um nível maior da taxa de
e o efeito expulsão atuam em sentidos
juros e um nível maior de renda. No que se
contrários, de modo que se considera ter
refere ao investimento, uma política fiscal
havido substituição do investimento privado
expansionista pode ter um efeito ambíguo.
pelo público. O quanto a curva IS se desloca
Uma opção é ela se configurar como
dependerá da intensidade dos efeitos, mas ao
verdadeiro estímulo fiscal, mediante o efeito
final ela se situa à direita da posição inicial.
multiplicador, incentivando a retomada dos
No novo ponto de equilíbrio, a renda nacional
investimentos e redinamizando a economia.
é maior e a taxa de juros também.
A alternativa é o efeito deslocamento, o qual
No caso, a política fiscal em questão
desincentivaria a atuação do investimento
é aplicada de forma contracíclica, visto que
privado, devido à atuação do governo. Outra
a pandemia representa um forte choque
possibilidade é, ainda, o não crescimento do
de demanda que causa recessão. Busca-se
consumo, quando baseado em um modelo de
evitar os efeitos da recessão por meio do
Equivalência Ricardiana, no qual uma redução
estímulo à demanda, o que tem sucesso e
dos impostos do governo sem diminuição
faz-se necessário para o enfrentamento de
proporcional dos gastos governamentais não
uma crise como essa.
levaria ao aumento do consumo das famílias,
mas, sim, da poupança, pois estas estariam
se precavendo de elevações futuras na carga
tributária.
O efeito sobre a renda nacional,
conforme o modelo IS-LM, é o de um
nível maior de produto. Graficamente, o
movimento decorrente da política fiscal
173 ÍNDICE
expansionista gera uma curva IS’, cuja Menor Nota - 8,5
interseção com a LM se dá em ponto com Anônimo
maior nível de taxa de juros (i’) e maior nível
de renda (Y’). O modelo IS-LM, elaborado por
John Hicks, é composto pela renda no eixo
horizontal e a taxa de juros no eixo vertical.
No gráfico, a linha IS (investments and
savings) representa todos os pontos em que
o investimento iguala a poupança. A linha
LM (liquidity and money) representa todos
os pontos de igualdade entre demanda por
moeda e oferta de moeda.
Partindo dessas premissas, é
possível avaliar os efeitos do multiplicador
keynesiano. Keynes afirmava que a poupança
não dependia exclusivamente da taxa de juros,
como afirmavam os clássicos, mas da renda.
Desse modo, uma política fiscal Afinal, não é possível poupar sem renda. A
expansionista, conforme o modelo IS- partir disso, ele afirma que, em determinadas
LM em uma economia fechada, possui um situações, quando a renda do consumidor
efeito acelerado sobre o consumo, devido era suficiente para atingir a demanda que ele
ao multiplicador keynesiano de gastos desejava, um acréscimo na renda não seria
autônomos; desloca a curva IS para a consumido, mas poupado. Seu multiplicador,
direita; cria novo equilíbrio do mercado de portanto, leva em consideração a propensão
bens com o mercado de moeda na interseção marginal a consumir (PMgC) e a propensão
com a curva LM; gera taxa de juros em marginal a poupar (PMgP). De acordo com
patamar superior; possui efeito ambíguo seu cálculo, quando a PMgC é alta, cada
sobre o investimento, podendo ser tanto unidade de moeda investido na economia é
um efeito multiplicador quanto um efeito multiplicado (sic), daí o nome da teoria, pois
deslocamento, embora o próprio patamar o consumo é multiplicado.
mais elevado do juro já influencie, por si só, Por isso, Keynes defendia o papel
o investimento, incentivando-o; e possui do Estado como indutor do crescimento
efeito de elevar a renda nacional. Tendo em econômico. Exemplo tradicional dessa ideia
vista que o investimento é componente da foi o new deal (sic) de F. D. Roosevelt após a
curva IS e que esta possui relação inversa crise de 1929. Com a pandemia de COVID-19,
com o juro, a elevação do juro com a curva os brasileiros tiveram uma brutal redução da
IS’ tende a reduzir o investimento, então renda e, boa parte das despesas responsáveis
haveria um efeito de retração da curva IS’ pelo déficit fiscal foram destinadas para o
para IS’’, com juro menor que o do IS’ e pagamento de auxílios emergenciais que
maior que o do IS, e com nível de renda objetivavam exatamente o aumento da
maior que o da IS e menor que o da IS’. O renda e, consequentemente, do consumo,
retorno não integral da curva IS ao ponto já que havia uma demanda reprimida até
de partida dá-se pela ação do Multiplicador mesmo por produtos básicos, o que elevou
Keynesiano. Assim, o efeito final sobre enormemente a PMgC do brasileiro.
a renda é positivo, ainda que em menor No gráfico IS-LM, o programa
magnitude que o deslocamento inicial da IS expansionista do gasto público representa
sob o efeito da Política Fiscal Expansionista. um deslocamento para a direita da linha/
curva IS, com consequente elevação da
renda e do investimento. Ou seja, o gasto
público aumenta a renda e a oferta de
moeda no curto prazo. Como a economia é
174 ÍNDICE
fechada, não existem os efeitos das trocas
internacionais, o mercado recebe mais
Questão 03
moeda e consequentemente o seu “preço”, a
Os contratos firmados pela Agência
taxa de juros, cai.
Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Entretanto, a longo prazo, a economia
Biocombustíveis (ANP) com as empresas
tende a absorver esses efeitos. Isso ocorre
vencedoras nas rodadas de licitações e com
porque com a queda da taxa de juros, a curva
a Petrobras nas áreas de cessão onerosa
LM tende a se deslocar para a direita, com
incluem a cláusula de conteúdo local,
a taxa de juros retornando ao seu patamar
que incide sobre as fases de exploração e
inicial com um nível de renda mais elevado.
desenvolvimento da produção.
A elevação dos gastos públicos,
De acordo com essa cláusula,
portanto, de acordo com a teoria de
parte dos bens e serviços adquiridos para
Keynes, pode ser útil para dar um impulso a
atividades de exploração e produção no
economias enfrentando processos recessivos
Brasil deve ser nacional. Além disso, deve
ou de estagnação. Existem, entretanto,
ser assegurada preferência à contratação de
alguns importantes pontos que devem ser
fornecedores brasileiros sempre que suas
acrescentados à discussão.
ofertas apresentarem condições de preço,
Uma elevação do gasto público tem
prazo e qualidade equivalentes aos dos
que ser custeada de alguma forma. Os modos
outros fornecedores também convidados a
mais comuns são o endividamento público
apresentar propostas.
por meio da emissão de títulos, ou o aumento
O dispositivo contratual tem o objetivo
da carga tributária. Por isso, deve haver
de incrementar a participação da indústria
uma cautela grande dos coordenadores de
brasileira de bens e serviços, em bases
política econômica, principalmente quanto à
competitivas, nos projetos de exploração e
relação dívida/PIB e ao peso dos tributos na
desenvolvimento da produção de petróleo e
economia. A manutenção de déficits fiscais
gás natural. O resultado esperado da aplicação
por muito tempo é insustentável e em algum
da cláusula é o impulso ao desenvolvimento
momento as contas do governo terão que ser
tecnológico, a capacitação de recursos
saneadas.
humanos, e a geração de emprego e renda
Na situação brasileira, parece evidente
nesse segmento.
que a solução do aumento do gasto público
foi acertada, pois como o próprio Keynes
Disponível em: <https://www.gov.br/anp/pt-
afirmava de maneira tétrica ao responder seus
br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/
críticos: “no longo prazo, todos estaremos
conteudo-local>. Acesso em: 11 jul. 2021.
mortos”. Com isso, o que se quer dizer é que,
em determinadas circunstâncias é preciso
Analise o instrumento “cláusula
agir no curto prazo, pois as consequências
de conteúdo local”, como o adotado em
a longo prazo podem ser duradouras ou até
contratos firmados pela ANP, sob o ponto
mesmo irreversíveis.
de vista de medida de proteção comercial,
comparando-o como instrumento com
uma tarifa de importação específica, uma
tarifa ad valoren e uma cota de importação,
sob a hipótese de país pequeno. Considere,
por exemplo, que a cláusula imponha uma
restrição de que a origem de determinado
insumo, na produção de um bem, deve ser
necessariamente 50% nacional e que esse
país atualmente importa esse insumo para
satisfazer as necessidades de sua indústria.
Na resposta, considere os prováveis efeitos
da cláusula de conteúdo local sobre:
175 ÍNDICE
• a quantidade importada dos insumos Padrão de Respostas
sobre os quais ela incide;
• a quantidade vendida de insumos Espera-se que o candidato redija o
nacionais sobre os quais ela incide; texto considerando os aspectos a seguir. 
• o custo do produto final no contrato Q1 – Uma tarifa específica é a cobrança
em que ela se insere; de um valor fixo por unidade importada de
• o preço do produto final no contrato um bem. 
em que ela se insere; e Q2 – Uma tarifa ad valoren é a
• o efeito sobre a arrecadação do governo cobrança de uma fração do valor (preço) do
de todos os instrumentos de política bem importado. 
comercial citados. Q3 – Uma cota de importação é
uma restrição direta quanto à quantidade
Extensão do texto: até 40 linhas permitida a ser importada de um bem,
[valor: 20,00 pontos]
geralmente por meio de um sistema de
licenças.
Q4 – Uma cota de importação sempre
eleva o preço doméstico dos bens importados,
Relatório de Notas
pois eles se tornam mais escassos no mercado
doméstico. Isso ocorre sem que haja aumento
Maior Nota: 20
Nota Média: 15,52 da arrecadação governamental.
Menor Nota: 9 Q5 – Tanto a tarifa específica quanto
Desvio-padrão: 3,513 a tarifa ad valoren levam a um aumento
da arrecadação governamental, quando a
quantidade importada é positiva. 
Q6 – A vigência da cláusula de conteúdo
local pode ser considerada um instrumento
de política comercial quando a exigência de
bens e serviços nacionais a serem utilizados
na produção for mais alta do que aquela que
seria escolhida de forma livre pelas empresas.
Como exemplo, se as empresas escolhessem
importar o equivalente a $ 6.000 em peças e
não comprassem nenhuma peça produzida
domesticamente, uma cláusula de conteúdo
nacional que impusesse a contratação
de 50% de conteúdo local colocaria uma
restrição à compra de 50% dessa importação,
funcionando, portanto, de forma similar
a uma cota de importação. Em vista disso,
espera-se que haja queda na quantidade
importada do bem. 
Q7 – Como será necessário adquirir o
restante (ou a totalidade dos bens) pela oferta
doméstica, logo espera-se que haja aumento
da quantidade demandada domesticamente
do bem. 
Q8 – Ainda com base no exemplo
anterior, considerando um preço nacional
superior ao importado (senão, não se
importaria o bem anteriormente) de $
10.000, a cláusula de conteúdo nacional de
176 ÍNDICE
50% implicaria um custo para a empresa de Nota - 20,00
50% de $ 6.000 + 50% $ 10.000 = $ 8.000. Leonardo dos Santos Avakian
Ou seja, a cláusula de conteúdo local tende a
aumentar os custos da produção.  A “cláusula de conteúdo local” é um
Q9 – A não ser que o mercado seja um instrumento de proteção comercial pelo
monopsônio (o que provavelmente não é), qual uma firma se compromete a adquirir
maiores custos implicarão maiores preços ao parte de seus insumos de fornecedores
consumidor.  locais, que, sendo menos competitivos que
Q10 – No caso da cláusula de seus concorrentes internacionais, ofertam o
conteúdo local, também não há arrecadação bem a um preço superior àquele do mercado
governamental, o que é outra semelhança internacional. Já uma tarifa é a imposição de
entre esse instrumento e uma cota de um valor adicional sobre um bem importado,
importação. elevando o preço do bem para mais
próximo daquele que vigia numa economia
Referência 
fechada. Com isso, a quantidade produzida
KRUGMAN, P; OBSTFELD, M. Economia
internamente aumenta, e a quantidade
Internacional, Pearson, 8. ed. pp. 138, 145 e 149.
importada diminui. A tarifa pode ser
específica (com um valor fixo que independe
do valor do bem) ou ad valorem (caso em
que será calculada como percentual do preço
do produto importado). Nos dois casos a
lógica de proteção é a mesma, mas o grau
de proteção, que depende do valor da tarifa,
irá variar. Na hipótese de um país pequeno, a
tarifa diminui o excedente total da economia
e o dos consumidores em particular, aumenta
o excedente do produtor, cria o peso morto
do subconsumo e da superprodução, e gera
receita tributária (calculada como o valor da
tarifa vezes a quantidade importada).
Uma quota de importação impõe um
limite quantitativo à quantidade que pode ser
importada. Assim, a curva de oferta do bem
deixa de ser horizontal/elástica ao nível de
preços do mercado internacional e assume
um formato “quebrado”, indicando que
parte da demanda interna será atendida por
produtores domésticos competitivos (com
custos abaixo do preço internacional), outra
parte será atendida pelas quotas e ainda outra
parte por produtores não competitivos. Os
produtores internos se depararão com preços
mais elevados, aumentando seu excedente.
Contudo, cria-se peso morto, e o excedente
total e dos consumidores diminui. Não há
arrecadação fiscal nesse caso, mas gera-
se excedente para o detentor de licenças de
importação, que poderá comprar mais barato
no mercado internacional e vender mais
caro no mercado doméstico. À exceção da
questão da arrecadação fiscal, uma quota que
177 ÍNDICE
diminua a quantidade importada, e com isso Ao mesmo tempo, a indústria interna desse
aumente os preços, é semelhante a uma tarifa insumo deverá preencher esse espaço e
que aumenta os preços e com isso diminua a vender metade da quantidade que o país
quantidade importada. importava inicialmente. O efeito sobre o
Assim como os demais instrumentos custo do produto final dependerá do custo
de proteção, a cláusula de conteúdo do insumo produzido localmente, assim
local também diminui o excedente total como o preço do produto final. Como o país
da economia, em especial reduzindo o antes importava o insumo, presume-se que
excedente da firma que se compromete com o preço do insumo doméstico é mais elevado,
essa cláusula, e aumenta o excedente dos ensejando aumento do custo e do preço
produtores domésticos, que ganham uma do produto final. Por fim, o governo terá
reserva de mercado contra importações sua arrecadação reduzida ao perder parte
(pelo menos em parte). Contudo, não haverá do imposto de importação anteriormente
arrecadação do governo nesse caso. Os preços cobrado. 
do bem protegido podem subir no mercado Os efeitos de uma cláusula de conteúdo
como um todo, pois produtores domésticos local podem ser melhor apreendidos quando
irão direcionar suas vendas àquela firma que comparados com as de outros instrumentos
se comprometeu com a cláusula (e portanto de proteção comercial, como uma tarifa
com preços maiores). de importação específica. Uma tarifa de
Com uma cláusula de 50%, a empresa importação específica é uma tarifa fixa sobre
irá adquirir metade de seus insumos no unidade importada. Ela implica um aumento
mercado internacional (considerando do preço de importação no mesmo valor
que aí o preço seja menor que no mercado cobrado. Isso reduz a quantidade importada.
doméstico), aos preços vigentes no mercado Ao mesmo tempo, enseja um aumento na
internacional. O restante será adquirido quantidade produzida domesticamente.
de fornecedores nacionais a preços mais O governo, por sua vez, aufere “renda”
elevados. Assim, o custo de produção será com a tributação. Há, todavia, um custo
maior do que se não houvesse a cláusula, em termos de bem-estar. O imposto reduz
e o preço do produto final irá refletir esse artificialmente a quantidade importada
aumento de custos. ao preço internacional e eleva o preço,
impedindo algumas transações. O excedente
do produtor é ampliado, e o do consumidor,
Nota - 20,00 minorado, mas os ganhos daquele mais a
Mânlio Souza Morelli tributação não compensa o peso morto da
limitação da quantidade importada. 
A cláusula de conteúdo local adotada Uma tarifa “ad valorem” é um
nos contratos da Agência Nacional do imposto incidente sobre o valor da unidade
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis importada. Ela também eleva o preço do bem
(ANP) visa a estimular a industrial local importado e reduz a quantidade comprada
de insumos, configurando uma medida no mercado internacional. Ao mesmo tempo,
de proteção comercial. Em um país que, impulsiona a oferta doméstica do bem.
originalmente, importe um insumo para Tal qual o imposto específico, uma tarifa
sua indústria, uma cláusula que exija que “ad valorem” gera renda para o governo
50% desse insumo tenham origem nacional correspondente à quantidade importada
impactará a quantidade importada e a multiplicada pela diferença entre o preço
vendida internamente, os custos e os preços antes da tarifa e depois. Entretanto, tal
do produto final no contrato em que se qual a tarifa específica, um imposto de
insere, mas não favorecerá a arrecadação do importação “ad valorem” também tem uma
governo. Uma cláusula nesses termos deve ineficiência. Ele gera uma perda de bem-
reduzir a importação do insumo em 50%, já estar total correspondente à diferença entre
que se trata de uma limitação quantitativa. a quantidade produzida internamente depois
178 ÍNDICE
e antes da tarifa multiplicada pelo diferencial casos, a imposição desses instrumentos de
de preços, somada à diferença entre a política comercial, se aplicados a bens ou a
quantidade importada antes e depois da insumos que o país importa, em razão de o
tarifa multiplicada pelo diferencial de preços. preço praticado no mercado internacional
A arrecadação do governo não compensa tal ser mais baixo do que no mercado interno,
perda.  ocasionará aumento do preço do bem ou dos
Há, ainda, as cotas de importação. insumos cobrados do consumidor. Também
Trata-se de uma limitação à quantidade ocasionarão a redução do bem-estar do
importada. Uma cota de importação consumidor do mercado nacional, em que
desloca a curva da oferta do bem no exato esses instrumentos são utilizados.
montante da quantidade que pode ser Em contrapartida, esses instrumentos,
comprada no mercado internacional. Os nessas condições, protegerão os produtores
bens adquiridos dentro da cota mantêm o nacionais, ao barrarem a entrada de bens ou
preço internacional, garantindo vantagem insumos que competiriam com os nacionais.
ao importador. Qualquer bem adquirido fora As tarifas “ad valorem” e as de importação
da cota pagará um preço maior. Novamente, específica geram peso morto, e uma parto
há uma ineficiência, pois o bem-estar geral é do que anteriormente era excedente do
reduzido. Os importadores são beneficiados e consumidor, passa a ser receita do governo. Já
os produtores locais também. O consumidor nas cotas de importação, essa receita advinda
é prejudicado. O problema é que, aqui, não da redução do excedente do consumidor fica
há arrecadação do governo, exceto se ele nas mãos dos detentores de cotas, e também
desenvolver algum mecanismo para leiloar há peso morto. Uma cláusula de conteúdo
licenças de importação. Devido aos impactos local, na medida em que obriga o uso de
sobre preços, quantidades e bem-estar, bem bens e serviços locais, também restringe a
como em termos de arrecadação de governo, competição externa e aumenta a demanda
uma cláusula de conteúdo local assemelha- pelo bem o serviço no mercado doméstico,
se mais a uma cota de importação do que a o que conduzirá ao aumento do preço e,
outros instrumentos de proteção comercial por conseguinte, à redução do excedente do
como tarifas específicas ou “ad valorem”.  consumidor. O excedente do produtor, por
sua vez, aumentara com o aumento do preço,
de modo que essa cláusula os beneficiará. Ao
Nota - 20,00 contrário das tarifas e cotas, não haverá peso
Taísa Passoni Marçal morto, porque a diminuição do excedente do
consumidor corresponderá ao aumento do
A “cláusula de conteúdo local”, como excedente do produtor. 
a presente nos contratos firmados pela ANP, No caso de haver uma cláusula
configuram um instrumento de proteção de conteúdo local que determine que a
comercial de produtores locais, que, na origem de um insumo usado na produção
situação de um mercado aberto, sem barreiras de um bem seja 50% nacional e de esse
tarifárias, não conseguiriam competir com país ter de importar esse insumo para sua
os preços dos produtos importados. Já a indústria nacional, pode-se inferir que
tarifa de importação especifica se refere a um parte da produção nacional que, antes, seria
valor adicionado a cada produto e insumo em utilizada pelas indústrias locais terão de ser
razão da importação; a tarifa “ad valorem” desviados para a produção desse bem sobre
implica a imposição de um valor tarifário o qual incida a cláusula de conteúdo local.
proporcionalmente ao valor do bem ou O restante da indústria, portanto, terá de
insumo. AS cotas de importação são licenças buscar no mercado mundial os insumos de
para que aqueles que detêm as contas que precisa, de modo que a quantidade desse
possam importar a um preço reduzido, ao insumo em que a cláusula de conteúdo local
passo que os não detentores de cota terão que opera e que será importada aumentará. Como
arcar com o preço mais elevado. Em todos os há mais demanda do que oferta do insumo
179 ÍNDICE
em questão, e a cláusula determinara o uso da arrecadação do governo – aquela incidindo
nacional de 50% do insumo, a quantidade sobre cada bem importado e esta variando
vendida tenderá a ser a mesma, apenas o de acordo com o valor do bem. A adoção
destino o comprador do insumo mudará.  de um sistema de cotas à importação, em
Como a incidência da cláusula de contrapartida, beneficia o detentor da licença
conteúdo nacional restringe a concorrência de importação, de modo que o governo não
com o mercado internacional, no qual o preço aufere ganhos de arrecadação. 
do insumo é, ao que tudo indica, mais baixo, A cláusula do conteúdo local teria a
o preço do insumo será maior do que aquele possibilidade de reduzir o custo e o preço do
que haveria se se tratasse de um mercado sem produto final, já que aumentaria a proporção
barreira, de modo que o preço do produto de insumos nacionais. De toda sorte, esse
final também será mais elevado, assim como seria o caso se o país fosse autossuficiente
o custo do produto final no contrato em que a na produção do insumo. Não sendo este o
cláusula age, porquanto o custo de produção caso, é possível que a cláusula de conteúdo
do insumo local é maior do que o custo no local tenha, na verdade, efeito contrário,
mercado internacional.  aumentando o preço do produto final,
Como mencionado, a arrecadação do já que haveria menos oferta do insumo
governo aumenta com a imposição de tarifas necessário na produção do bem. Vê-se que,
sobre a importação, seja específica, seja diferentemente de tarifas ou cotas, que
“ad valorem”; com as cotas, os detentores elevam o preço do insumo importado, a
da cota que faturam, e com a cláusula de cláusula buscaria reduzir a oferta de insumos
conteúdo local, havendo aumento na venda, importados, incentivando o consumo de
o governo poderá aumentar a arrecadação insumos nacionais no processo produtivo.
via imposto indireto. Desse modo, haveria redução da quantidade
importada de insumos e aumento da
quantidade vendida de insumos nacionais.
Menor Nota - 9,00 Nesse sentido, há potencial para a redução
Anônimo do custo e preço final no contrato em que ela
se insere. 
Recentemente a ANP firmou contratos Argumenta-se que esse dispositivo
que incluem a cláusula de conteúdo local, tem o objetivo de incrementar a participação
da indústria brasileira nos projetos de
incidindo sobre as fases de exploração e de
exploração e de desenvolvimento da
desenvolvimento da produção. Por meio
produção de petróleo e de gás natural. De todo
dessa cláusula, visa-se a privilegiar os
modo, essa prática vai de encontro à teoria
ofertantes brasileiros de certos serviços
microeconômica e às melhores práticas
e insumos, com vistas ao impulso do
de comércio internacional, já que confere
desenvolvimento tecnológico, à capacitação
proteção às empresas fornecedoras de bens e
de pessoal nessa área e à geração de emprego
serviços, diminuindo a competição e podendo,
e de renda. De todo modo, relembra-se que
potencialmente, impactar negativamente o
esse tipo de cláusula é proibida pelas regras
desenvolvimento tecnológico do setor. 
da OMC, já tendo ensejado controvérsias
nessa organização, como no caso Inova-
auto.
Como instrumento de proteção
comercial, a cláusula do conteúdo local
não ensejaria ganhos de arrecadação, mas
provavelmente sua redução, dado que
o mercado interno teria de prover parte
da demanda pelo determinado insumo.
Diferentemente, uma tarifa de importação
específica e ad valorem ensejariam aumento
180 ÍNDICE
Questão 04  Padrão de Respostas
No final do século 20, a companhia Espera-se que o candidato redija o
farmacêutica Merck criou uma droga eficaz texto considerando os aspectos a seguir. 
contra a perda de cabelo. Apesar de outras Um monopólio é uma estrutura de
companhias terem a capacidade tecnológica mercado em que uma única firma domina a
para produzir o mesmo produto, elas não o totalidade do mercado em questão. Por ser o
fizeram, ainda que o produto fosse muito único ofertante do produto, o monopolista
lucrativo. Esse é um tipo de monopólio que tem uma curva de demanda que é a própria
favorece a inovação das empresas: a Merck demanda de mercado. Com as condições de
só investiu grandes somas de capital no maximização de lucro (custo marginal igual
desenvolvimento da droga na expectativa à receita marginal), o monopolista acaba
de auferir lucros que compensassem o decidindo por um preço que corresponde a
investimento. uma quantidade demandada menor que a
que seria transacionada em um equilíbrio de
KRUGMAN, P. R; WELLS, R. Introdução à Economia. concorrência perfeita. Tal redução acaba por
Rio de Janeiro: Elsevier, 2017, p. 293, com adaptações. produzir uma perda de peso-morto, ou seja,
perda de bem-estar pela sociedade. 
Considerando que o trecho apresentado Mesmo com tais problemas, há
tem caráter meramente motivador, redija situações em que o monopólio pode ser
um texto dissertativo definindo o que legítimo, ou até mesmo a única estrutura
é monopólio, cotejando os seus efeitos possível para a oferta de um produto. O
em termos de eficiências com relação primeiro caso é o monopólio natural, que
à concorrência perfeita e apresentando corresponde à situação em que os custos
três razões, os casos, que fundamentem o
de entrada no mercado são muito altos em
argumento pela existência de monopólios.
relação ao custo marginal (teoricamente,
Na resposta, deve-se contemplar também
este último pode até mesmo ser nulo). Com
como o Estado pode atuar em circunstâncias
isso, não há entrada de novos concorrentes
nas quais se configure o monopólio e seus
simplesmente porque não vale a pena
efeitos sobre os agentes econômicos.
para os novos entrantes concorrer com o
monopolista já estabelecido. Caso clássico
Extensão do texto: até 40 linhas
[valor: 20,00 pontos] são alguns serviços públicos (água e esgoto,
eletricidade). A solução comum para esses
casos é o Estado tomar para si a produção
desses bens ou regular a atuação das firmas
privadas, por meio de agências reguladoras.
Relatório de Notas
Um segundo caso de monopólio
Maior Nota: 18 legítimo é aquele concedido por meio de
Nota Média: 14,10 patentes e direitos intelectuais. É um tipo
Menor Nota: 9 de monopólio legal concedido pelo Estado
Desvio-padrão: 2,70 com o intuito de promover a inovação em
setores-chave, como o farmacêutico e de
tecnologia de informação e comunicação. A
precificação, nesse caso, não é tão regulada
pelo Estado, uma vez que preços abusivos
farão a quantidade demandada baixar muito,
não sendo lucrativo para a firma detentora
da patente. Todavia, a patente tem prazo
limitado, de modo que o monopólio não é por
tempo indeterminado.
181 ÍNDICE
Um terceiro caso de monopólio como solução (um dos dois já é aceitável): “a
legítimo é o caso de segurança nacional, solução comum para esses casos é o Estado
ou seja, o fornecimento de serviços que só tomar para si a produção desses bens ou
podem ser produzidos pelo Estado. Exemplos regular a atuação das firmas privadas, por
típicos são segurança e jurisdição. Nesse caso, meio de agências reguladoras.”; 
a precificação dos serviços é virtualmente Q7 – patentes e direitos intelectuais:
impossível de ser feita, o que faz com que o “um segundo caso de monopólio legítimo
Estado tome para si a execução e se financie é aquele concedido por meio de patentes e
por meio de tributos. Nesse caso, não há direitos intelectuais. É um tipo de monopólio
como falar de ineficiência em relação ao legal concedido pelo Estado com o intuito
fornecimento em concorrência perfeita, uma de promover a inovação em setores-chave,
vez que a determinação do equilíbrio fica como o farmacêutico e de tecnologia de
prejudicada pela impossibilidade de definir informação e comunicação.”; 
preços em tais atividades.  Q8 – limitação da patente como
regulação do poder de mercado: “a
Quesitos a serem avaliados:  precificação, nesse caso, não é tão regulada
pelo Estado, uma vez que preços abusivos
Q1 – definição de monopólio: “um farão a quantidade demandada baixar muito,
monopólio é uma estrutura de mercado em não sendo lucrativo para a firma detentora
que uma única firma domina a totalidade do da patente. Todavia, a patente tem prazo
mercado em questão.”;  limitado, de modo que o monopólio não é por
Q2 – demanda da firma igual à tempo indeterminado.”; 
demanda de mercado: “por ser o único Q9 – segurança nacional: “um terceiro
ofertante do produto, o monopolista tem uma caso de monopólio legítimo é o caso de
curva de demanda que é a própria demanda segurança nacional, ou seja, o fornecimento
de mercado.”;  de serviços que só podem ser produzidos
Q3 – quantidade produzida menor que pelo Estado. Exemplos típicos são segurança
sob concorrência perfeita: “com as condições e jurisdição.”; e 
de maximização de lucro (custo marginal Q10 – fornecimento pelo Estado, dada
igual à receita marginal), o monopolista acaba a própria natureza do produto: “nesse caso,
a precificação dos serviços é virtualmente
decidindo por um preço que corresponde a
impossível de ser feita, o que faz com que o
uma quantidade demandada menor que a
Estado tome para si a execução e se financie
que seria transacionada em um equilíbrio de
por meio de tributos. Nesse caso, não há
concorrência perfeita.”; 
como falar de ineficiência em relação ao
Q4 – peso-morto na determinação
fornecimento em concorrência perfeita, uma
do bem-estar social (basta a menção): “tal
vez que a determinação do equilíbrio fica
redução acaba por produzir uma perda de
prejudicada pela impossibilidade de definir
peso-morto, ou seja, perda de bem-estar
preços em tais atividades.” Outros casos
pela sociedade.”; 
podem ser escolhidos, e serão avaliados de
Q5 – monopólio natural: “o primeiro
forma semelhante, ou seja, por dois quesitos:
caso é o monopólio natural, que corresponde
um para menção do caso/razão; e outro para
à situação em que os custos de entrada no
a solução estatal para a ineficiência originada
mercado são muito altos em relação ao custo
do monopólio.
marginal (teoricamente, este último pode até
mesmo ser nulo). Com isso, não há entrada
Referência 
de novos concorrentes simplesmente porque KRUGMAN, P. R., WELLS, R. Introdução à
não vale a pena para os novos entrantes Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017, p. 293.
concorrer com o monopolista já estabelecido.
Caso clássico são alguns serviços públicos
(água e esgoto, eletricidade).”; 
Q6 – produção estatal ou regulação
182 ÍNDICE
Nota - 18,00 monopólio mais eficiente economicamente
Daniel Boeira Lodetti do que a presença de vários ofertantes (por
isso que se chama “monopólio natural”). A
O monopólio é uma estrutura de oferta de energia elétrica é um caso que se
mercado em que: há apenas um ofertante assemelha ao monopólio natural. Por fim,
e vários demandantes; não há produtos há o caso dos bens públicos, que, devido às
substitutos próximos; há barreiras à entrada suas características de não rivalidade e não
de novas firmas, de modo que tende a exclusividade, tendem a não ser providos,
haver lucro econômico positivo no longo devido ao fenômeno dos “free-riders”.
prazo; tende a haver mark-up positivo, Nesses casos, uma possível solução é o
uma vez que a maximização de lucros do monopólio estatal para garantir que o bem
monopolista ocorre com preço maior que o seja provido de modo adequado. O sistema de
custo marginal; e tende a ocorrer ineficiência defesa nacional é exemplo que se assemelha
devido à presença de peso-morto. Desse ao caso dos bens públicos.
modo, em comparação com concorrência No que tange à atuação estatal em
perfeita, o monopólio tende a ter quantidades situações de monopólio, para além dos casos
de equilíbrio menores e preços maiores. O já descritos de concessão de patentes e de bens
poder de mercado do monopolista, ou seja, públicos, o Estado pode atuar para diminuir a
sua capacidade de influenciar no preço, ineficiência de alguns monopólios e os efeitos
pode ser medido pelo índice de Lerner e é negativos sobre os agentes econômicos. Em
inversamente proporcional à elasticidade- um caso tradicional de monopólio, o Estado
preço da demanda. pode obrigar o monopolista a igualar o preço
O monopolista pratica três tipos de ao custo marginal, o que aproximaria o
discriminação de preços. A de primeiro monopólio de uma situação de concorrência
grau é por preço, na qual o monopolista perfeita, diminuindo os efeitos negativos do
cobra exatamente o preço de reserva monopólio sobre os consumidores. No caso
do consumidor, de modo que não gera do monopólio natural, essa solução poderia
ineficiência econômica. A de segundo grau é ser inviável, uma vez que os custos marginais
discriminação por quantidades vendidas. A são baixos. Nesse caso, o Estado pode obrigar
de terceiro grau é discriminação por pessoas, o monopolista a igualar o preço ao seu
de modo que o monopolista cobra preços custo médio, o que também pode diminuir
diferentes de pessoas diferentes. eventuais ineficiências econômicas sobre os
A existência de monopólios pode ser agentes econômicos.
importante para a economia em determinadas
situações, como no fomento à inovação, em Recursos 
monopólios naturais e em determinados
bens públicos. No setor farmacêutico, por Recurso deferido: Quesito 3 – de 0 para
exemplo, a concessão de patentes, que são 2 pontos.
monopólios temporários, é fundamental
para estimular os investimentos em pesquisa Prova/Questão/Quesito: Economia -
e desenvolvimento de novos medicamentos, questão 4 - quesito Q3
devido à presença de elevados custos
irrecuperáveis e altos custos fixos. Além Argumento: Prezado(a) examinador(a),
disso, após o desenvolvimento do novo peço, respeitosamente, a revisão de minha
medicamento, o custo marginal tende a ser nota. O padrão de resposta publicado pela
muito baixo, sendo necessário, portanto, que Banca Examinadora solicita que se informe
a patente conceda um monopólio temporário as condições de maximização de lucro do
à empresa de modo a recuperar os altos monopolista e que a quantidade produzida
valores investidos. No caso dos monopólios em monopólio é menor que em concorrência
naturais, os elevados custos fixos e os baixos perfeita. Em meu texto, apresento essas
custos marginais tornam a situação de informações nas linhas 4 e 5, em que mostro
183 ÍNDICE
que, na condição de maximização de lucro, Paretto eficiente é no caso da discriminação
o monopolista cobra um preço maior que o perfeita de preços, na qual o produtor se
custo marginal, tendendo a ocorrer ineficiência apodera de todo o excedente do consumidor.
devido à presença de peso-morto. Nas linhas 6 Não há peso morto, mas também não há
e 7, sou ainda mais enfático, ao mencionar que equidade.
o monopólio tende a apresentar quantidade de Há algumas situações nas quais a
equilibro menor e preço maior em comparação existência do monopólio pode ser desejável.
à concorrência perfeita. Como minha resposta No caso dos monopólios naturais, a existência
está idêntica ao requerido no padrão, solicito, de apenas um ofertante pode ser benéfica,
respeitosamente, pontuação integral no quesito 3. pois como se trata de um mercado com muitas
Resposta: Deferido barreiras à entrada (altos custos iniciais) e
economias de escala com custos médios e
Justificativa: O recurso foi deferido, pois marginais sempre declinantes, a exploração
o candidato, de fato, apresentou uma resposta desse mercado por um monopolista
que justifica a majoraçãoda nota. permitirá custos menores e consequentes
Nota Final: 2 preços menores ao consumidor após
atingida a escala. Nesse caso, a concorrência
elevaria os preços. Um exemplo é o serviço de
Nota - 18,00 distribuição de água. Outro motivo pelo qual
João Paulo de Sousa Vieira o monopólio pode ser desejável é o estímulo
à inovação. Caso o desenvolvimento de uma
O mercado de determinada mercadoria nova tecnologia implique custos muito altos,
é considerado um monopólio quando apenas a perspectiva de lucro anormal levará
há apenas um ofertante, o que dá a ele o o produtor a correr os riscos de investimento.
chamado por de monopólio. Diferentemente Uma terceira situação seriam os mercados
da concorrência perfeita, mercado no qual incompletos. Caso a introdução de um bem
o preço dos bens corresponde à receita em dado mercado implique muitos custos
marginal de sua produção, no monopólio o monetários e transacionais, apenas a
produtor consegue estabelecer o preço acima perspectiva de lucro anormal pode estimular
do valor da receita marginal, sendo este o um empreendedor a explorá-lo.
poder do monopólio.   Para combater monopólios, o Estado
O mercado monopolístico caracteriza- pode atuar preventivamente por meio
se por apresentar barreiras à entrada de novos de legislação antitruste, evitando que os
ofertantes, como altos custos e tecnologias produtores adquiram poder excessivo por
específicas, produtos sem substitutos meio de fusões Repressivamente, há a
próximos e lucro acima de zero (lucro possibilidade de se estabelecerem preços
anormal), que é quanto maior, quanto maior máximos. No entanto, essa medida pode
for o seu mark-up (o quanto o preço supera levar ao desabastecimento do mercado, caso
a receita marginal). Quanto mais inelástica a o monopolista se recuse a limitar seus preços.
demanda, maior o poder de monopólio.
Ao contrário da concorrência  Recursos
perfeita, o monopólio é um mercado
ineficiente do ponto de vista de Paretto, e o Argumento: Prezada Banca Examinadora,
seu funcionamento gera peso morto para Gostaria, gentilmente, de solicitar a revisão
a economia. Isso acontece porque, para do 0 atribuído à minha resposta no quesito 4.
aumentar seu preço, o monopolista produz Como fundamento, destaco o trecho entre as
menos, de modo que a quantidade produzida linhas 12 e 14 da minha resposta, no qual falo
é menor que a socialmente desejável, ao que o monopólio é uma estrutura de mercado
passo que os consumidores pagam mais caro Paretto ineficiente, ou seja, gera peso morto, em
em comparação com a  concorrência perfeita. oposição à concorrência perfeita. Além disso, na
A única hipótese para a qual o monopólio é linha 16 menciono que a quantidade ofertada
184 ÍNDICE
pelo monopolista é menor que a socialmente
desejável. Além disso, no que tange ao termo
“geração de peso morto”, diferente do termo
“perda de peso morto” apresentado no padrão
de resposta, justifico que uma considerável
parte da literatura como Pyndick e Rubinfeld,
por exemplo, falam da “geração de peso morto”
e não da “perda de peso morto”, como forma
de se referir ao mesmo fenômeno. Desse modo,
justifico o uso do termo em minha resposta,
bem como sua adequação ao padrão de resposta Ao cotejar-se a eficiência do monopólio
apresentado. Em razão dessas informações, com a de mercado em concorrência perfeita,
gostaria de solicitar, cordialmente, que seja observa-se que, naquele caso, há peso morto.
majorada minha nota nesse quesito. Essa perda de eficiência pode ser observada
graficamente: para o monopólio, fazendo-
Resposta: Deferido se Rmg=Cmg, tem-se uma quantidade
produzida QM,conforme o GRÁFICO I, que,
Justificativa: O recurso foi deferido, pois acrescida do mark-up do monopolista,
o candidato, de fato, apresentou uma resposta decorrente da curva de demanda D,
que justifica a majoração da nota. corresponde a um preço PM. O excedente
Nota Final: 2 do consumidor, nesse caso, corresponde
à área A, acima de PM, e o excedente do
monopolista, por sua vez, corresponde a
Nota - 18,00 B, abaixo de PM. O preço e a quantidade
Pedro Leonardo Borges de Rezende obtidos em concorrência perfeita, por fim,
correspondem a PC e QC, obtidos ao cotejar-
O monopólio pode ser definido como se o preço que faz Rmg=Cmg com a curva
a estrutura de mercado em que há somente de demanda. Como se nota no GRÁFICO
um ofertante e na qual, por definição, não há I, a área C, que, na concorrência perfeita
curva de oferta. Por ser o único ofertante, o corresponderia ao excedente do consumidor,
monopolista pode manipular a quantidade no monopólio acaba não sendo auferida nem
produzida, para que, diante da curva de pelo monopolista nem pelo consumidor,
demanda do mercado, se aufira um preço correspondendo, portanto, a um peso morto.
que maximize seu lucro. Ao contrário do Há, pois, perda de eficiência, que só não
mercado em concorrência perfeita, portanto, ocorre no caso em que há discriminação de
no monopólio, o preço não é igual à receita preços de 1º grau. Dada a possibilidade de
marginal (P≠Rmg), na medida em que o cobrar exatamente o preço de reserva de cada
monopolista pode aplicar um mark-up em consumidor, o monopolista pode absorver
relação ao seu custo marginal (Cmg). Esse todo o seu excedente, em uma configuração
mark-up é obtido pelo índice de Lerner, que, como a concorrência perfeita, constitui
que corresponde à maximização do lucro um ótimo de Pareto. 
do monopolista, podendo ser calculado Diversos são os casos que
pelo inverso da elasticidade da demanda fundamentam o argumento pela existência
(P-CmgP=-1), em que é a elasticidade).  Nota-se de monopólio. Há, inicialmente, o Monopólio
que, por um lado, o monopolista opera sempre Natural, que decorre de uma estrutura de custo
do lado elástico da curva de demanda (no lado em que, dada a escala, há custos marginais
inelástico, seu lucro seria reduzido ao reduzir- e médios decrescentes. Trata-se de um
se a quantidade), ainda que, por outro, se mercado de produto não rival e excludente,
beneficie de demandas por produtos com baixa como, por exemplo, a transmissão de
substitutibilidade. Naturalmente, no ponto energia, em que os elevados custos fixos vis-
ótimo do monopolista, tem-se Rmg=Cmg.  à-vis os custos marginais impedem a entrada
185 ÍNDICE
de outros atores o mercado. Há, ainda, o caso o monopolista deve cobrar o maior preço
dos bens que geram elevadas externalidades possível do consumidor. Como o monopólio
positivas e apresentam significativos custos não apresenta uma curta de oferta, a curva
afundados. É, por exemplo, o caso das de demanda precisa ser o suficiente para
vacinas, em que o elevado custo de pesquisa cobrar seu custo médio. Embora apresente
não pode ser diretamente recuperado, demanda predominantemente inelástica,
dados os reduzidos custos marginais e as o monopolista maximiza seu lucro na parte
externalidades positivas, o que implica a elástica da curva.
necessidade de regulação estatal para a A inelasticidade da demanda do
garantia desses retornos, os quais se efetivam monopolista decorre da ausência de
na concessão de patentes. Há, naturalmente, substitutos próximos para os consumidores
o caso da diferenciação de produtos, em que e lhe confere poder de mercado. De fato, dado
o produtor (na concorrência monopolística), que na estrutura monopolista há um elevado
por meio da inovação (em processos, custos número de compradores, mas somente uma
ou gerencial), se singulariza, passando a empresa ofertante, o monopolista tem poder
garantir maior parcela do mercado, em uma para capturar o excedente do consumidor.
dinâmica em que, se não houver regulação Ao contrário da concorrência perfeita,
concorrencial, culmina em um efetivo o monopólio gera peso morto, uma vez que
monopólio. Evidentemente, os bens públicos, sua produção ocorre em nível ineficiente. No
por sua característica de não rivalidade e entanto, não é possível para o monopolista
não exclusividade, têm sua provisão, via de produzir em nível eficiente, pois isso o
regra, monopolizada pelo próprio Estado. levaria à falência dada à sua estrutura de
A regulação mostra-se particularmente elevados custos fixos. Também ao contrário
importante no caso do Monopólio natural: da concorrência perfeita, é possível para
define-se um preço máximo a ser cobrado monopolista obter lucro econômico no longo
pelo monopolista, o qual deve ser, por prazo, dado que há barreira à entrada de
um lado, inferior ao preço de monopólio novas empresas.
e, por outro, superior ao custo marginal A existência de um monopólio
(caso contrário, inviabiliza-se a oferta do justifica-se, em primeiro lugar, pelos
bem). Nesses casos, o preço regulado ótimo elevados custos fixos que um produto ou
equivale ao custo médio do monopolista, o serviço demandado pelo mercado exige.
que o permite ofertar o bem a uma quantidade De fato, serviços como saneamento básico
superior, mas sem prejuízo.  e hidrelétricas são exemplos notáveis. Em
segundo lugar, como apontado no exemplo
da farmacêutica Merck, o monopólio
Menor Nota - 9,00 incentiva a inovação recompensando o
Anônimo investimento elevado das empresas. Por fim,
o monopólio pode oferecer melhor certos
O monopólio é uma estrutura de produtos e serviços que um grande número
mercado que se contrapõe à concorrência de empresas. Isso ocorre sobretudo em
perfeita. É caracterizado pela existência setores de tecnologia.
de elevadas barreiras à entrada e à saída de O Estado poder regular um monopólio
empresas e também por elevados custos para que abusos econômicos sejam coibidos,
fixos de produção. Além disso, é marcado em favor dos consumidores. No Brasil, isso
pela geração de peso morto. ocorre por exemplo no setor de transportes,
De forma semelhante à concorrência como concessões de metrô, trem e ferrovias,
perfeita, o monopolista também maximiza com intuito de obter tarifas “módicas”.
o seu lucro quando sua receita marginal se Isso, contudo, pode e tem gerado maiores
iguala ao custo marginal. Porém, o preço de distorções econômicas e problemas para as
equilíbrio do monopolista é mais elevado que empresas e os consumidores. As chamadas
o da concorrência perfeita. Isso ocorre porque agências reguladoras também cumprem
186 ÍNDICE
papel fundamental na regulação dos
monopólios. Uma outra forma de reduzir o
custo social dos monopólios é a discriminação
de preços, que envolve o estabelecimento
de preços distintos para consumidores
distintos.

187 ÍNDICE
Direito
Questão 01 
“A mais proeminente exceção à
proibição do uso da força é o direito de cada
Estado de defender a si mesmo.”

CRAWFORD, James. Brownlie’s Principles of


International Law. 8. ed. Oxford: Oxford, 2012, p. 747
(tradução nossa).

Um dos temas clássicos do direito


internacional, abordado desde os primeiros
doutrinadores da disciplina, o direito à
legítima defesa encontra-se consagrado
na Carta das Nações Unidas. Acerca desse
assunto, aborde, necessariamente, os
seguintes tópicos:

• identifique as condições elementares


para o exercício da legítima defesa e
discorra a respeito; 
• responda, segundo a Carta da ONU:

1) quais são as modalidades de legítima


defesa?
2) quais são os deveres a serem
observados por Estados membros que tenham
exercido o direito de legítima defesa?;
188 ÍNDICE
e  com base nas respostas aos itens Padrão de Resposta
anteriores, discorra quanto às principais
controvérsias envolvendo o exercício do Espera-se que o candidato redija o
direito à legítima defesa, mencionando, em texto considerando os aspectos a seguir.
sua análise, a “legítima defesa preventiva”
ou “legítima defesa preemptiva” à luz do Q1 – Espera-se que o candidato seja
direito internacional. capaz de discorrer acerca do critério de
  proporcionalidade quanto à reação ao ato
Extensão do texto: até 60 linhas agressor – “ataque armado” –, nos termos
 [valor: 30,00 pontos] do art. 51 da Carta da Organização das Nações
Unidas (ONU), como condição para o exercício
da legítima defesa. O objetivo da reação em
Relatório de Notas legítima defesa deverá ser o de pôr fim à
ação agressora que a motivou (CRAWFORD,
Maior Nota: 30 2012; SHAW, 2008; VELOSO, 2008). Os
Nota Média: 22,85 meios utilizados e a extensão da defesa não
Menor Nota: 13 poderão ser desproporcionais à gravidade
Desvio-padrão: 4,536 do ataque, limitando-se ao necessário
para repelir a ofensiva – nas palavras da
Corte Internacional de Justiça (CIJ), no caso
Nicarágua versus Estados Unidos da América
(EUA), em 1986, “existe uma regra específica
segundo a qual a legítima defesa autorizaria
apenas medidas proporcionais ao ataque
armado e necessárias à resposta a tal ataque,
uma regra bem estabelecida no direito
internacional”. A mesma Corte reiterou,
em 1996, na Opinião Consultiva sobre a
Legalidade da Ameaça ou Uso de Armas
Nucleares, que “a submissão do exercício
do direito de legítima defesa às condições de
necessidade e proporcionalidade é uma regra
do direito internacional consuetudinário”.
Q2 – Espera-se que o candidato seja
capaz de discorrer acerca da imediatez como
condição para o exercício da legítima defesa
em reação ao ato agressor. Seu fundamento
é o de prevenir o abuso da força militar sob
o pretexto da legítima defesa. Embora não
seja necessariamente factível mensurar o
tempo entre ação e reação, doutrinadores
defendem que a reação ocorra no mais breve
tempo possível – nas palavras da CIJ, no
caso no caso Nicarágua versus EUA (1986),
a “legítima defesa, quer seja individual ou
coletiva, só pode ocorrer na sequência de
uma agressão armada” (VELOSO, 2008).
Q3 – Espera-se que o candidato seja
capaz de discorrer quanto à necessidade
como condição para o exercício da legítima
defesa. Em excerto do caso “Caroline”,
189 ÍNDICE
de 1837, envolvendo disputa entre os EUA capaz de recordar que, embora reconhecida
versus Reino Unido, citado como paradigma a existência do direito de legítima defesa no
pela doutrina, foi exigida a demonstração da art. 51 da Carta das Nações Unidas, o texto
“necessidade da legítima defesa, que fosse “não regula diretamente todos os aspectos
instantânea, avassaladora, não deixando de seu conteúdo”, nas palavras da CIJ no
espaço para escolha dos meios e tempo mencionado caso Nicarágua versus EUA
para a deliberação” (SHAW, 2008). Poderá (1986), levando autores (CRAWFORD, James,
mencionar, além disso, que tal condição 2012) a afirmarem que, com a evolução dos
foi reiterada pela CIJ no mencionado caso armamentos modernos, “qualquer tipologia
Nicarágua versus EUA (1986), qual seja, rígida [sobre ataque armado] é difícil de
que a legítima defesa autoriza medidas manter”. Não obstante as controvérsias
proporcionais ao ataque armado sofrido e acerca do significado da expressão “ataque
necessárias para contê-lo. armado”, inclusive no contexto das respostas
Q4 – Espera-se que o candidato internacionais em combate ao terrorismo, os
seja capaz de identificar as modalidades limites para eventual ação defensiva, como
de legítima defesa, individual ou coletiva, elaborados nos itens anteriores, fornecem
em caso de ataque armado contra Estado- balizas para analisar teses como a “legítima
membro das Nações Unidas. A legítima defesa preventiva” ou “legítima defesa
defesa individual é exercida por um Estado preemptiva” diante do direito internacional.
diante de ataque armado. Quanto ao exercício Q8 – À luz do que precede, o candidato
da legítima defesa coletiva, recordar-se-á poderá, por exemplo, cotejar o teor do art.
que seu exercício pressupõe, ademais da 51 da Carta com o teor do art. 2, parágrafo 4,
agressão armada, acordo entre as partes, do mesmo documento, segundo o qual todos
estabelecendo que a agressão contra uma os seus membros “deverão evitar em suas
delas implica agressão contra uma outra relações internacionais a ameaça ou o uso
ou todas as outras partes. Na ausência de da força contra a integridade territorial ou
tal acordo, apelo expresso por parte do a dependência política de qualquer Estado,
Estado atacado bastará. O fundamento dessa ou qualquer outra ação incompatível com
exigência é o de proteger o direito à liberdade os propósitos das Nações Unidas”. Poderá
de consentimento e impedir alianças forçadas identificar, de maneira crítica, o controverso
por Estados mais poderosos. entendimento de parte da doutrina, segundo
  Q5 – Espera-se que o candidato seja o qual a ameaça ou o uso da força seria vedado
capaz de identificar os deveres a serem tão-somente “contra a integridade territorial
observados por Estados membros que ou independência política”, ou levada a cabo
tenham exercido o direito de legítima defesa de maneira “incompatível com os propósitos
consignados no art. 51 da Carta da ONU. das Nações Unidas”, analisando a legalidade
O primeiro deles é o dever de comunicar de tal entendimento à luz dos objetivos da
imediatamente ao Conselho de Segurança Carta. Poderá recordar, por exemplo, que
acerca da reação em legítima defesa. o art. 51 é exceção ao art. 2 (4) da Carta, e
Q6 – O segundo dever do Estado constitui regra geral de interpretação o fato
membro que tenha exercido o direito de de que “exceções a um princípio devem ser
legítima defesa é o de sujeição ao Conselho interpretadas restritivamente, de modo a
de Segurança, na medida em que o exercício não enfraquecer o princípio” (MALANCZUK,
desse direito não deve, de nenhuma forma, Peter, 2002, em tradução livre).
afetar a autoridade e a responsabilidade Q9 – Nesse sentido, o candidato poderá
concedidas pela Carta ao referido órgão de identificar os riscos associados ao endosso
tomar, a qualquer momento, as providências de interpretação que admita a “legítima
que julgar necessárias para manter ou defesa preventiva” baseada em “ataque
restaurar a paz e a segurança internacionais provável”, haja vista os riscos de abuso e
(vide art. 51 da Carta das Nações Unidas). erro dessa hipotética medida, com possíveis
Q7 – Espera-se que o candidato seja graves consequências para a população civil.
190 ÍNDICE
Ilustrativo de tal preocupação é a observação Armed Activities on the Territory of the Congo. ICJ
de que “a proibição do uso da força tal Reports, 2005.
como estabelecida no período pós-guerra
CRAWFORD, James. Brownlie’s Principles of
foi concebida para prevenir precisamente
International Law. 8. ed. Oxford: Oxford, 2012.
esse tipo de aventura, e o balanço geral de
intervenções com nobres intenções é funesto.
MALANCZUK, Peter. Ackhurst’s Modern
De qualquer forma não se pode afirmar que Introduction to International Law. 7. ed. Nova York:
qualquer nova exceção às proibições da Carta Routledge, 1997.
tenha sido articulada de maneira dominante,
menos ainda aceita” (CRAWFORD, James, MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito
2012, em tradução livre). Internacional Público. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Q10 – Além disso, o candidato poderá Tribunais Ltda, 2011.
referir-se à controvérsia em torno da
legítima defesa contra “ataque iminente” PROENÇA JÚNIOR, Domício; DINIZ, Eugênio;
ou “próximo” (preemptive self-defense, DAWOOD, Layla. Artigo 51. In: CALDEIRA BRANT,
na expressão em língua inglesa), uma vez
que tal entendimento não esclarece a quem Leonardo Nemer (org). Comentários à Carta das
Nações Unidas. Belo Horizonte: CEDIN, 2008.
caberia decidir sobre a natureza iminente
da ameaça ou sobre a determinação de
VELOSO, Ana Flávia. Artigo 51. In: CALDEIRA
inexistência de outros meios de afastá-la.
BRANT, Leonardo Nemer (org). Comentários à Carta das
Poderá recordar, nesse contexto, a decisão Nações Unidas. Belo Horizonte: CEDIN, 2008.
da CIJ no caso República Democrática do
Congo versus Uganda (2005), ao afirmar SHAW, Malcolm N. International Law. 6. ed.
que “o art. 51 da Carta pode justificar o uso Cambridge: Cambridge, 2010.
da força em legítima defesa apenas nos
limites estreitos ali articulados. Ele não
autoriza o uso da força por um Estado para
proteger interesses de segurança percebidos
além daqueles parâmetros. Outros meios
estão disponíveis ao Estado interessado,
incluindo, especificamente, recurso ao
Conselho de Segurança”. Ilustrativo,
nesse contexto, é o fato de que o tratado
constitutivo da Organização do Tratado do
Atlântico Norte e tratados similares, como
o Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca, ambos fundamentados no art.
51 da Carta, provejam defesa apenas contra
ataques armados, e não defesa contra
perigos iminentes de ataques armados
(MALANCZUK, Peter, 2012; SHAW, Malcolm,
2010).
 
Referências
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA.
Nicarágua v. Estados Unidos. Military and Paramilitary
Activities in and against Nicaragua. ICJ Reports, 1986.

. Opinião Consultiva. Legality of the Threat or


Use of Nuclear Weapons. ICJ Reports, 1996.

. República Democrática do Congo v. Uganda.

191 ÍNDICE
Nota - 30 Estado agredido; trata-se de limitar as ações à
Humberto Mayese Correa necessidade de restaurar a paz e a segurança.
Dessa forma, não são lícitas medidas de
O artigo 2.4 da Carta da ONU consagra represália. Ademais, a reação ao ataque de
a proibição do uso da força nas relações entre outro Estado não pode ser desproporcional ao
os Estados. Essa regra comporta, no entanto, dano infligido. Ao mesmo tempo, os Estados
exceções previstas na própria Carta. O uso membros que exercem a legítima defesa
da força pode ser autorizado pelo Conselho devem respeitar plenamente as obrigações do
de Segurança (CSNU) em casos de ruptura Direito Humanitário, que incluem a proteção
ou ameaças à paz, no marco legal do artigo a não combatentes, entre outras disposições
42 do Capítulo VII da Carta. A outra exceção das Convenções de Genebra de 1949 pelos
é expressa no artigo 51: os Estados têm o Estados que lhe são partes. O exercício da
direito inerente à legítima defesa. legítima defesa também deve cumprir o
Para que o direito de legítima defesa princípio humanitário da “humanidade”,
seja invocado, um Estado deve sofrer um de modo que as ações militares gerem o
ataque armado que ameace sua independência menor sofrimento humano possível. Por fim,
política e integridade territorial. Assim, a relembra-se o dever de comunicar a situação
legítima defesa é válida justamente quando ao CSNU e de cessar o uso da força após a
um outro Estado descumpre suas obrigações tomada de medidas pelo órgão.
assumidas por força do Artigo 2.4 da Carta Os limites ao direito à legítima defesa
da ONU. O exercício da legítima defesa são objeto de recorrentes controvérsias
é também limitado no tempo: o Estado doutrinárias. Uma primeira discussão envolve
agredido deve comunicar imediatamente o a chamada “legitima defesa preemptiva”,
CSNU e o exercício da legítima defesa cessa em que um Estado está na iminência de
a partir do momento em que o CSNU tenha sofrer um ataque armado e decide agir
decidido tomar medidas no âmbito de seu peremptoriamente em sua própria defesa.
dever funcional e manutenção da paz e da Tal argumento foi invocado, notadamente,
segurança internacional. no contexto da Guerra dos Seis Dias (1967),
A legítima defesa pode ser individual em que Israel atacou instalações militares na
ou coletiva. No primeiro caso, é exercida Síria e no Egito que estaria prestes a lançar
pelo Estado que sofreu agressão. No segundo um ataque armado contra Israel. A legalidade
caso, o Estado é auxiliado por outros para os de tal medida perante o direito internacional
estritos fins de defender sua independência é discutível, uma vez que o Artigo 51 da
política e integridade territorial. Entidades Carta da ONU menciona expressamente que
regionais de segurança, previstas no Art. 52 o direito à legítima [linha 45 está ilegível
da Carta da ONU, podem fazê-lo com base na devido a digitalização incompleta da página].
segurança coletiva, mas não é mandatório [l. 46] No caso concreto, restou claro que
que haja acordo prévia que estabeleça tal Israel extrapolou qualquer reivindicação de
vinculação. Basta, nesse sentido, que o legítima defesa, tendo em vista que ocupou
Estado agredido faça um pedido de auxílio. permanentemente os territórios árabes,
Essa é a condição sine qua non, pois não é como o Sinai, Gaza, Cisjordânia e Golã.
válida legítima defesa sem pedido formal de Em seu turno, a “legítima defesa
auxílio a outrem, conforme entendimento da preventiva” não encontra respaldo no
CIJ no Caso Nicarágua vs. EUA (1991). direito internacional contemporâneo.
Os Estados que exercem a legítima Tal doutrina foi expressa a Estratégia de
defesa têm deveres específicos. Em Segurança Nacional dos EUA em 2002
primeiro lugar, a ação armada deve (NSS), sob o nome de “defesa preemptiva”.
responder aos princípios da necessidade e Seu conteúdo, contudo, refere-se a uma
da proporcionalidade. Portanto, as medidas doutrina preventiva, em que um Estado que
tomadas devem limitar-se à garantia de se julgue ameaçado pela possível agressão
defesa e cessação dos ataques que ameacem o futura exerça a legítima defesa antes que tal
192 ÍNDICE
ameaça se concretize. Tal doutrina foi uma uso da força, a legítima defesa deverá cessar
das justificativas jurídicas para a invasão do imediatamente.
Iraque em 2003. Entretanto, não é válida à A legítima defesa pode ser individual
luz do direito internacional. ou coletiva. Este último caso ocorre, por
O direito ao uso da força nas relações exemplo, quando certos tratados incluem
internacionais, garantido no passado, previsão de segurança coletiva, como o
foi gradualmente sendo restringido pelo Pacto da Liga das Nações e o artigo 5º da
direito internacional ao longo do século 20. Organização do Tratado do Atlântico Norte
O Pacto Briand-Kellog (1928) foi o primeiro (OTAN), ativado no ataque às torres gêmeas,
instrumento jurídico em que os Estados em 2001. Estados membros que estejam
renunciaram plenamente ao uso da força, exercendo seu direito à legítima defesa
obrigação finalmente tornada efetiva e devem respeitar a proporcionalidade, ou
generalizada pela Carta da ONU. Assim, a seja, não podem infringir dano maior do
legítima defesa é um direito residual, uma que aquele que estejam sofrendo ao Estado
exceção, de origem histórica, à norma geral. que promoveu o ataque. As armas utilizadas
Trata-se, ainda assim, de um exercício para se efetuar a legítima defesa, contudo,
limitado e regulado por normas do direito não precisam ser iguais. Em ocasião da
das gentes. Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel alegou
legítima defesa para anexar territórios como
a Península do Sinai e as Colinas de Golã, o
Nota - 30 que foi questionado por parte da comunidade
Sofia Hauschild internacional. Ainda, no recurso à legítima
defesa, o Estado deve agir em observância ao
Em seu artigo 2º, §4º, a Carta da princípio da necessidade: deve, efetivamente,
ONU consagra a proibição do uso da força. existir ataque armado atual ou iminente que
Para a Corte Internacional de Justiça (CIJ) e coloque em risco, potencialmente, grande
a Comissão de Direito Internacional (CDI) parte do território do Estado em questão.
da ONU, trata-se de jus cogens, norma À luz do exposto anteriormente, a
imperativa de Direito Internacional Geral. “legítima defesa preventiva” ou “legítima
Contudo, tal proibição comporta duas defesa preemptiva”, nos moldes da Doutrina
exceções: as resoluções do Conselho de Bush, estaria não autorizada pelo Direito
Segurança com base no capítulo VII, artigo 42 Internacional. O presidente norte-americano,
da Carta da ONU, e o direito à legítima defesa. em 2003, atuou à revelia do Conselho de
O Caso Caroline oferece interessantes Segurança da ONU no ataque e na invasão
conclusões que servem à análise das condições ao Iraque, país incluído no “Eixo do Mal”
elementares para que a legítima defesa por Bush. O argumento utilizado por ele foi
possa ser exercida. Naquela controvérsia, o de que o país abrigaria armas de destruição
que envolveu os Estados Unidos e o Reino em massa que, potencialmente, colocariam
Unido no contexto da independência do em risco a comunidade internacional e os
Canadá, definiu-se que a legítima defesa Estados Unidos, em particular, ainda que tais
deveria ser algo instantâneo, não calculado armas não tenham sido encontradas.
com antecedência, mas resultado inevitável Pode-se traçar um paralelo, ademais,
para proteger o próprio Estado (“self defense com a decisão do presidente Donald Trump,
must be instant and overwhelming”). Para que em janeiro de 2020, de promover ataque
seja aceita, a legítima defesa deve se seguir que culminou na morte do general Qassem
a ataque atual ou iminente contra parcela Soleimani, da Guarda Revolucionária
significativa do território do país, que Iraniana. Perpetrado no território do Iraque,
coloque em risco sua integridade. O Conselho o que, inclusive, gerou protestos por parte
de Segurança da ONU não deve autorizá-la de Bagdá, o ataque foi justificado por Trump
necessariamente, mas precisa ser informado com base no argumento de que o general
e, se decidir agir no caso em questão com estaria planejando atentados que colocariam
193 ÍNDICE
em risco a vida de cidadãos norte-americanos nas quais o recurso ao uso da força é admitido:
e de seus aliados. Pelo Direito Internacional, autorização do Conselho de Segurança
trata-se da modalidade “preventiva” ou (CSNU) e legítima defesa. No segundo caso,
“preemptiva” da legítima defesa. a Carta estipula limites e deveres a serem
Por outro lado, um caso em que a observados pelos Estados, o que não impede,
legítima defesa foi utilizada com respaldo contudo, controvérsias sobre o tema.
da comunidade internacional foi a invasão O recurso à força nas relações
norte-americana ao Afeganistão, em 2001. internacionais é, em regra, violação grave
Naquela ocasião, o ataque de grandes de norma de “jus cogens”, podendo
proporções já havia ocorrido e, inclusive, consubstanciar, ainda, crime de agressão.
produzido trágicos efeitos em termos de Nesse sentido, o Estado que sofre a agressão
perdas humanas. À época, o presidente se vê no direito excepcional de também
Fernando Henrique Cardoso sugeriu que recorrer à força para repelir a violação inicial
se ativasse o TIAR nos moldes da legítima cometida pelo Estado agressor e, assim,
defesa coletiva, em âmbito interamericano. garantir sua existência e integridade. Logo, o
Cabe mencionar que, nos casos do TIAR e da exercício da legítima defesa pressupõe uma
OTAN, as partes que têm prerrogativa para agressão externa consumada (já iniciada e
invocar a legítima defesa são os membros que já produziu seus efeitos no território
dessas organizações, tratando-se de direito do agredido) ou iminente (já iniciada, mas
erga omnes partes. Se a legítima defesa for ainda sem ter produzido efeitos no território
individual, por outro lado, apenas o Estado alvo, como um míssil já lançado que ainda
atacado (ou em vias de ser atacado) terá não chegou a atingir seu objetivo). É preciso,
direito de invocar a legítima defesa. portanto, que a existência, integridade
Em vista dos argumentos física e a vida de sua população esteja sob
mencionados anteriormente, percebe-se ataque. Ademais, o recurso à legítima defesa
que o recurso à legítima defesa está sujeito a demanda que a agressão inicial tenha sido
uma ampla gama de condições e limitações. ilegítima e efetiva. Não é possível, portanto,
Tais restrições existem porque o Direito legítima defesa contra ataque autorizado
Internacional evoluiu sobremaneira desde os pelo CSNU (que é uma ação legítima com
tempos em que Carl von Clausewitz afirmava o objetivo de garantir a paz e a segurança
que a “guerra é a continuação da política por internacionais) nem contra mera ameaça de
outros meios”. Assim, hoje, seria mais correto agressão. Também não é possível a legítima
referir-se a um jus contra bellum, em vez de a defesa contra Estado estrangeiro que armou
um jus ad bellum, dada a proibição expressa ou financiou grupo paramilitar, mas não se
do uso da força como meio de solução de engajou efetivamente em combate.
controvérsias internacionais. Não obstante, A Carta da ONU elenca modalidades
se devidamente justificada, a legítima defesa de legítima defesa. Em sua acepção mais
constitui ferramenta perfeitamente válida básica, a legítima defesa individual é aquela
para que Estados resguardem sua população que autoriza um Estado que sofreu agressão
e seu território, o que vai ao encontro da (consumada ou iminente) a recorrer à força
afirmação de James Crawford em Brownlie’s e empreender ataque retaliatório contra
Principles of International Law.  o Estado agressor com o objetivo de fazer
cessar a agressão. Nesse caso, apenas o Estado
agredido atua na defesa de seus interesses.
Nota - 29 Ademais, o art. 51 da Carta também prevê a
Victor de Ávila Siqueira possibilidade de legítima defesa coletiva,
quando um grupo de Estados vai ao socorro
Segundo o art. 2º da Carta da ONU, de um Estado agredido e une forças para
todos os Estados devem se abster de recorrer empreender a resposta à agressão cometida
à força em suas relações internacionais. No pelo Estado violador. Nota-se, nesse caso,
entanto, a própria Carta prevê duas situações que a legítima defesa coletiva não pode ser
194 ÍNDICE
espontânea; o Estado agredido deve solicitar deve haver, necessariamente, agressão
o apoio militar de terceiros Estados para consumada ou iminente, sendo que meras
repelir a agressão. A hipótese da legítima suspeitas ou ameaças não justificam a
defesa coletiva também permite a existência legítima defesa preventiva. Ademais,
de tratados com mecanismos de segurança discute-se a possibilidade de legítima
coletiva. O Tratado do Atlântico Norte, base defesa contra agressão de grupo não estatal,
da OTAN, por exemplo, prevê, em seu art. 5º, como insurgentes ou paramilitares. Afinal,
que uma agressão contra um Estado parte do a legítima defesa prejudicaria um outro
tratado será entendida como violação contra Estado e não necessariamente o grupo
os demais, ensejando, assim, mecanismo armado não estatal. O Brasil, em discussões
de resposta conjunta (respeitado o âmbito recentes, adota o entendimento de que não
geográfico de incidência do acordo) a é possível a legítima defesa nesses casos.
eventuais agressões. É, portanto, mecanismo Outra controvérsia diz respeito ao uso de
autorizado e eficaz método dissuasório. armas nucleares para destruir instalações
Os Estados que recorrem à legítima nucleares de outro Estado em um conflito.
defesa devem observar alguns deveres. Como a própria existência do Estado está em
Primeiramente, devem informar ao CSNU risco, o uso poderia ser possível, conforme
acerca de sua ação. O CSNU, então, deliberará parecer consultivo da CIJ na década de 1990.
acerca da legitimidade da medida. Se o CSNU Por fim, também se discute a possibilidade de
decidir que não há hipótese configurada legítima defesa contra ataques cibernéticos,
para legítima defesa, o Estado em questão tema de discussão em rodadas em Tallin.
deve encerrar sua conduta, o que também
deve ocorrer caso o CSNU decida agir em
nome próprio. Além disso, o único objetivo Menor Nota - 13
da legítima defesa deve ser repelir e fazer Anônimo
cessar a agressão estrangeira, devendo ser,
portanto, temporária e reversível. O Estado O direito à legítima defesa é uma
que recorre à legítima defesa não pode importante exceção à proibição do uso da
auferir ganhos territoriais ou materiais, força nas relações internacionais, conforme
nem promover ocupação militar no Estado consagrado na Carta da ONU. Para que ele
agressor. Uma vez repelida e encerrada a seja exercido, devido à sua excepcionalidade,
agressão externa, deve-se cessar também a é necessário verificar condições elementares.
legítima defesa e seu ataque armado. Por fim, Em primeiro lugar, é necessário que haja ato
o exercício da legítima defesa deve respeitar de agressão, por parte de outro Estado. Esse
o “jus cogens”, os direitos humanos e o ato é uma violação do Direito Internacional
direito internacional humanitário, evitando, e pode ensejar responsabilização penal
assim, danos supérfluos e sofrimento dos indivíduos responsáveis no âmbito das
desnecessário, respeitando a humanidade, Emendas de Kampala ao TPI, bem como
proporcionalidade e necessidade. responsabilidade internacional do Estado.
Algumas controvérsias permeiam as Em resposta ao ato de agressão, o Estado
discussões sobre legítima defesa. Discute-se, que fizer uso da força em legítima defesa
por exemplo, a “legítima defesa preventiva”, deve comunicar o ato imediatamente ao
aquela que ocorre sem haver agressão Conselho de Segurança da ONU. Segundo a
consumada ou iminente com o objetivo carta da ONU, é admissível o uso da força em
de prevenir possível araque. A hipótese legítima defesa em caso de atos de agressão
embasou a chamada “Doutrina Bush” e e no contexto da luta pela autodeterminação
sua “contraproliferação”, que foi arguida nacional. É admissível, ainda que com
quando da invasão dos EUA no Iraque (2003). ressalvas, a legítima defesa preventiva ou
A tese, no entanto, não encontra guarida no preemptiva. Ao exercer o direito de legítima
direito internacional, sendo a ação armada defesa, os Estados membros devem obedecer
nela baseada vista como ilegítima. Assim, à exigência de comunicar-se com o CSNU,
195 ÍNDICE
além de observar os deveres relativos à
proteção de civis e ao direito internacional
Questão 02
humanitário, regido pelas Convenções de
Em 18 de abril de 1946, a nova
Genebra e seus Protocolos Adicionais, tendo
Corte realizou sua reunião inaugural nas
a eles aderido. A legítima defesa deve, ainda,
instalações da antiga Corte, no Palácio da
seguir o princípio da proporcionalidade,
Paz, sob a liderança do vice-presidente da
para evitar o agravamento do conflito. Por
Corte, J. Basdevant, da França (o presidente
ser uma exceção à proibição do uso da força,
estando em Genebra para a dissolução da
o exercício do direito de legítima defesa
CPJI). No mesmo dia, a última Assembleia da
envolve controvérsias, uma vez que pode ser
Liga das Nações, realizada em Genebra, por
instrumentalizado para legitimar ataques
insistência do Reino Unido, dissolveu a Liga
a outros Estados, especialmente quando
e a CPJI, depois de se despedir solenemente
se argumenta situação de ação preventiva,
dessas duas instituições com destinos tão
como foi o caso da invasão do Iraque pelos
distintos. No entanto, apesar de a CIJ ser
EUA em 2003, à revelia de resolução do
formalmente uma nova Corte, materialmente
CSNU. A legítima defesa preventiva suscita
tudo foi feito para enfatizar a continuidade
controvérsias devido à dificuldade de se
com a antiga Corte.
provar a iminência de uma agressão. Isso
pode provocar argumentos fundamentados
KOLB, Robert. The Elgar companion to the
em elementos subjetivos, como a percepção
International Court of Justice. Cheltenham (UK),
do perigo; entretanto, uma análise efetiva
Northampton (USA): Edward Elgar, 2014,
de exercício legítimo desse direito de
p. 24, tradução livre.
forma preventiva deve ater-se ao elemento
objetivo, o que pode ser constatado com
Considerando a importância histórico-
relatórios de inteligência baseados em dados
normativa adquirida pela solução pacífica
que comprovam intenção de outro Estado
das controvérsias internacionais no século
de realizar ataque iminentemente, como
20, os denominados meios jurisdicionais
foi o caso da “legítima defesa preventiva”
despontam como elementos estruturantes
de Israel contra o Egito, ao realizar ataque
na manutenção da paz e da segurança
contra bases aéreas no Sinai, preparadas para
internacionais, bem como na construção
lançar operação contra Israel. Em todo caso, é
progressiva do rule of law na sociedade
fundamental que qualquer ação em legítima
internacional. Com base nessa perspectiva,
defesa, seja preventiva ou não, se respalde
na transição demonstrada por Robert Kolb
na atuação do Conselho de Segurança para
entre a antiga Corte Permanente de Justiça
dirimir o conflito e garantir a normalização
Internacional (CPJI) e a Corte Internacional
da situação, de modo a preservar a paz.
de Justiça (CIJ), aborde, necessariamente, os
seguintes tópicos:  

• o contexto histórico institucional de


dissolução da CPJI e de surgimento da
CIJ;  
• as duas espécies de jurisdição da
CIJ, traçando suas características e
especificidades, bem como os órgãos
ou as entidades que podem acessá-las;  
• o significado de “controvérsia jurídica”
no direito internacional, levando
em consideração, especialmente, a
jurisprudência da CIJ ou da antiga CPJI; 
• as principais inovações
jurisprudenciais e (ou) as teses jurídicas

196 ÍNDICE
dos seguintes Casos perante a CIJ: c.1) Padrão de Resposta
Reparation for Injuries Suffered in the
Service of the United Nations (1949); Espera-se que o candidato redija o
c.2) Barcelona Traction, Light and texto considerando os aspectos a seguir.
Power Company, Limited (Belgium Q1 – Espera-se que o candidato discorra
v. Spain) (segunda fase, 1970); c.3) acerca do contexto histórico-institucional
Military and Paramilitary Activities in
de dissolução da Corte Permanente de Justiça
and against Nicaragua (Nicaragua v.
Internacional (PCIJ/CPJI) e de surgimento
United States of America) (1991); e
da Corte Internacional de Justiça (ICJ/CIJ).
• o caráter obrigatório ou facultativo
Em especial, espera-se que o candidato
das sentenças proferidas pela CIJ,
aponte a instalação da PCIJ/CPJI, na Haia,
detalhando também qual medida
em 1920, ao tempo da antiga Sociedade ou
determinado Estado, Membro das
Liga das Nações. Em decorrência do início
Nações Unidas e parte em um caso
da II Guerra Mundial, em 4 de dezembro
perante a referida Corte, poderia
de 1939, a CPJI encerra suas funções frente
tomar contra outro Estado litigante
em virtude do descumprimento de às dificuldades de a Liga ou Sociedade das
obrigações internacionais impostas Nações garantir a manutenção da paz e da
por sentença proferida pela Corte e segurança internacionais. Por fim, em 18 de
qual órgão internacional o Estado que abril de 1946, a CIJ tem sua reunião inaugural
se sentir violado poderia recorrer para no Palácio da Paz, na Haia, consagrando uma
efetivar uma sentença favorável, em nova era da justiça internacional. A título
conformidade com o art. 94 da Carta exemplificativo, segundo Antônio Augusto
das Nações Unidas. Cançado Trindade: “A Corte Internacional
  de Justiça veio a existir juntamente com as
Extensão do texto: até 60 linhas Nações Unidas, a partir da decisão tomada,
[valor: 30,00 pontos] no sentido da criação de um tribunal
internacional novo, pela Conferência de
São Francisco de 1945. A própria Carta das
Nações Unidas (artigo 92) se refere à CIJ
como “órgão judicial principal” das Nações
Relatório de Notas
Unidas. Seu Estatuto, no entanto, baseou-
se amplamente no Estatuto da anterior
Maior Nota: 29
Nota Média: 25,63 Corte Permanente de Justiça Internacional,
Menor Nota: 19,5 originalmente redigido por um Comitê
Desvio-padrão: 2,608 Consultivo de Juristas (convocado pela Liga
das Nações) em junho-julho de 1920. Embora
a Liga das Nações tivesse tomado a iniciativa
da criação da CPJI, esta última não se integrou
à Liga. Neste particular, a CIJ distingue-se
de sua predecessora, pois se incorporou às
Nações Unidas, e seu Estatuto constitui parte
integrante da Carta das Nações Unidas: os
dois devem ser tidos como um todo. Em abril
de 1946, com a dissolução formal da CPJI, a
CIJ reuniu-se, pela primeira vez, e passou
a funcionar em base permanente, sediada
no Palácio da Paz da Haia.” (CANÇADO
TRINDADE, Antônio Augusto. Os Tribunais
internacionais contemporâneos. Brasília:
FUNAG, 2013. p. 17- 18.)
197 ÍNDICE
Q2 – Espera-se que o candidato como as agências especializadas (como a
disserte quanto à jurisdição contenciosa e à OIT, FAO, UNESCO, OACI, OMI, OMM, OMS,
jurisdição consultiva da CIJ, mencionando as OMPI, ONUDI, UIT) e outras (BIRD, FMI,
principais características e especificidades CFI, FIDA).” (CANÇADO TRINDADE,Antônio
das duas espécies de jurisdição. A título Augusto. Os Tribunais internacionais
exemplificativo, segundo Antônio Augusto contemporâneos. Brasília: FUNAG, 2013. p.
Cançado Trindade: “A par da função 19.)
contenciosa da CIJ, acionada tão só pelos Q4 – Espera-se que o candidato
Estados litigantes, a CIJ também exerce a delimite o significado de “controvérsia
função consultiva, mediante a emissão de jurídica” no direito internacional, levando em
Pareceres, sobre questões jurídicas, a ela consideração especialmente a jurisprudência
solicitados pelos organismos habilitados da antiga CPJI e da CIJ. Contudo, caso
a fazê-lo pela Carta das Nações Unidas e entenda plausível, a própria jurisprudência
por seu próprio Estatuto (artigo 65). Estes do Tribunal Internacional do Direito do
organismos são tanto os órgãos principais Mar (ITLOS/TIDM), na esteira da ICJ, faz
das Nações Unidas (como a Assembleia referência à definição desta categoria jurídica.
Geral, o Conselho de Segurança, o ECOSOC), Para a definição de controvérsia jurídica no
como as agências especializadas (como a Direito Internacional, ver: PERMANENT
OIT, FAO, UNESCO, OACI, OMI, OMM, OMS, COURT OF INTERNATIONAL JUSTICE
OMPI, ONUDI, UIT) e outras (BIRD, FMI, CFI, (PCIJ). Case of Mavrommatis Jerusalem
FIDA). Alguns dos Pareceres Consultivos da Concessions (Greece v. Great Britain),
CIJ têm contribuído decisivamente à evolução Objection to the Jurisdiction of the Court,
do Direito Internacional. Recordem-se os P.C.I.J., Series A, No. 2 (1924), p. 11. Conforme
célebres Pareceres sobre as Reparações a decisão, “[a] dispute is a disagreement
de Danos (1949) e sobre a Namíbia (1971), on a point of law or fact, a conflict of legal
que contribuíram à evolução do direito views or of interests between two persons.”.
internacional contemporâneo. Ainda INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE (ICJ).
que distintos das Sentenças, em razão da South West Africa cases (Ethiopia v. South
natureza consultiva, os Pareceres da CIJ são Africa; Liberia v. South Africa), Preliminary
dotados de validade, e nenhum Estado (ou Objections, Judgment of 21 December 1962,
outro sujeito do Direito Internacional) pode I.C.J. Reports, p. 319, p. 328. Conforme a
de boa-fé desconhecê-los ou minimizá-los.” decisão, “In other words it is not sufficient
(CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Os for one party to a contentious case to assert
Tribunais internacionais contemporâneos. that a dispute exists with the other party. A
Brasília: FUNAG, 2013. p. 19-20.) mere assertion is not sufficient to prove the
Q3 – Espera-se que o candidato existence of a dispute any more than a mere
pontue os órgãos ou as entidades que podem denial of the existence of the dispute proves
acessar ou provocar a CIJ, no caso de acessar its nonexistence. Nor is it adequate to show
a jurisdição contenciosa ou a jurisdição that the interests of the two parties to such a
consultiva. A título exemplificativo, segundo case are in conflict. It must be shown that the
Antônio Augusto Cançado Trindade: “A par claim of one party is positively opposed by
da função contenciosa da CIJ, acionada tão só the other. Tested by this criterion there can
pelos Estados litigantes, a CIJ também exerce be no doubt about the existence of a dispute
a função consultiva, mediante a emissão de between the Parties before the Court, since
Pareceres, sobre questões jurídicas, a ela it is clearly constituted by their opposing
solicitados pelos organismos habilitados attitudes relating to the performance of the
a fazê-lo pela Carta das Nações Unidas e obligations of the Mandate by the Respondent
por seu próprio Estatuto (artigo 65). Estes as Mandatory.”. Por fim, a decisão proferida
organismos são tanto os órgãos principais pelo Tribunal Internacional do Direito do
das Nações Unidas (como a Assembleia Mar (ITLOS) a respeito do significado e
Geral, o Conselho de Segurança, o ECOSOC), extensão de controvérsia jurídica segue a
198 ÍNDICE
posição dos Casos citados anteriormente. Organização, e os debates acerca da questão
Ver: INTERNATIONAL TRIBUNAL FOR THE se entremearam com controvérsias e temores
LAW OF THE SEA (ITLOS). Southern Bluefin de que a Liga se tornasse um superestado.
Tuna (NewZealand v. Japan; Australia v. Mas nem por isso se poderia negar à Liga,
Japan), Provisional Measures, Order of 27 ou a sua sucessora, a personalidade jurídica
August 1999, ITLOS Reports 1999, p.280. no plano internacional. A própria CIJ
para. 44. admitiu, em seu parecer de 1949 no caso
Q5 – Espera-se que o candidato das Reparações de Danos, que os então
descreva, de forma pontual e resumida, Estados-membros da nova Organização
as principais inovações jurisprudenciais e criaram-na como sendo dotada não apenas
(ou) teses jurídicas do Caso Reparation for de personalidade reconhecida somente por
Injuries Suffered in the Service of the United eles, mas de “personalidade internacional
Nations (1949). Em especial, a menção ao objetiva”.” (CANÇADO TRINDADE, Antônio
reconhecimento da personalidade jurídica Augusto. Princípios do Direito Internacional
internacional da Organização das Nações Contemporâneo. 2. ed. Brasília: FUNAG, 2017.
Unidas (ONU). Segundo Antônio Augusto p. 334-336.)
Cançado Trindade: “É justamente nesse Q6 – Espera-se que o candidato
ponto de partida que também se iniciam descreva, de forma pontual e resumida, as
as dificuldades. Não há um dispositivo na principais inovações jurisprudenciais e (ou)
Carta da ONU expressamente lhe atribuindo teses jurídicas do Caso Barcelona Traction,
personalidade jurídica internacional. A Light and Power Company, Limited (Belgium
omissão dos redatores não foi, no entanto, versus Spain) (segunda fase, 1970). Em
acidental, mas deliberada, para afastar primeiro lugar, a menção ao obiter dictum
das mentes dos delegados participantes da sobre as obrigações erga omnes de um Estado
Conferência de San Francisco o espectro de visàvis a “comunidade internacional” como
um “superestado”. Com efeito, a delegação um todo. Segundo Antônio Augusto Trindade:
belga chegara mesmo a propor uma emenda “Posteriormente, em conhecida passagem da
pela qual os Estados partes reconheceriam decisão do caso Barcelona Traction (segunda
que a nova Organização possuiria um “status fase, 1970), a CIJ chegou ao ponto de afirmar
internacional, juntamente com todos os que há certas obrigações internacionais erga
direitos que isto acarreta”; mas, na ocasião, omnes, obrigações de um Estado visàvis a
chegou-se à conclusão que tal disposição ‘comunidade internacional’ como um todo,
seria “supérflua”, pois estava “implícita nas que são do interesse de todos os Estados;
disposições da Carta tomada como um todo”. “tais obrigações derivam, por exemplo, no
Há, no entanto, outros elementos a se levar em direito internacional contemporâneo, da
conta. Os arts. 104 e 105 da Carta da ONU dizem proibição de atos de agressão, e de genocídio,
respeito mais propriamente à capacidade e também dos princípios e regras atinentes
jurídica da Organização no território e sob aos direitos básicos da pessoa humana,
o direito interno dos Estados-membros. incluindo a proteção contra a escravidão e
É o art. 1º (seção 1), da Convenção sobre a discriminação racial. Alguns dos direitos
Privilégios e Imunidades da ONU, que contém correspondentes de proteção ingressaram
uma referência expressa à “personalidade no corpus do direito internacional geral
jurídica” da Organização. O exemplo da ONU [...]; outros são atribuídos por instrumentos
sugere, pois, que a personalidade pode ser internacionais de caráter universal ou quase
atribuída não apenas explícita, mas também universal”. (CANÇADO TRINDADE, Antônio
implicitamente, facultando à Organização Augusto. Princípios do Direito Internacional
assumir funções “implícitas” para a Contemporâneo. 2. ed. Brasília: FUNAG, 2017.
realização de seus propósitos. O exemplo de p. 81). Em segundo lugar, alternativamente,
sua precursora, a Liga das Nações aponta menção à reavaliação das fontes do direito
na mesma direção, uma vez que o Pacto não internacional público: “Uma derradeira
atribuiu expressamente um status àquela advertência seria pertinente antes de
199 ÍNDICE
passarmos em revista as categorias Estados de intervir direta ou indiretamente
de “fontes” do direito internacional nos assuntos internos ou externos de
individualmente: há exemplos marcantes outros Estados. [...] A intervenção é ilegal
ressaltando o fato de que a enumeração de quando usa métodos de coerção [...]. O
“fontes” do direito internacional contida elemento da coerção, que define e mesmo
no artigo 38 do Estatuto da CIJ, conforme conforma a essência da intervenção
já indicado, não é, como jamais foi ou proibida, é particularmente óbvio no caso de
poderia ser, exaustiva. Assim, no caso da intervenção em que se usa a força, na forma
Barcelona Traction (Bélgica versus Espanha, direta de ação militar, ou na forma indireta
segunda fase, 1970), a CIJ baseou-se em de apoio a atividades armadas subversivas
uma miscelânea de jurisprudência arbitral, ou terroristas em outro Estado. [...] Essas
decisões prévias da própria Corte, tratados formas de ação são, portanto, ilegais à luz
bilaterais e multilaterais, e princípios gerais dos princípios tanto do não uso da forma,
de direito interno para demonstrar que a como da não intervenção.”. (CANÇADO
Bélgica não tinha standing para proteger a TRINDADE, Antônio Augusto. Princípios do
Companhia Barcelona Traction; e anos antes, Direito Internacional Contemporâneo. 2. ed.
no caso Nottebohm (Liechtenstein versus Brasília: FUNAG, 2017. p. 197-198.)
Guatemala, 1955), a CIJ foi encontrar sua Q8 – Espera-se que o candidato
evidência de direito internacional costumeiro aponte o caráter obrigatório das sentenças
em decisões arbitrais, decisões de tribunais proferidas pela CIJ, em conformidade ao
internos em casos de nacionalidade, art. 94, parágrafo 1º, da Carta das Nações
doutrina, um dispositivo de seu próprio Unidas. Segundo o art. 94, parágrafo 1º, da
estatuto, uma série de tratados bilaterais Carta das Nações Unidas: “Artigo 94. 1. Cada
do século XIX (não mais em vigor) entre Membro das Nações Unidas se compromete
os Estados Unidos e outros Estados, uma a conformar-se com a decisão da Corte
convenção pan-americana de 1906, e um Internacional de Justiça em qualquer caso
tratado de codificação de 1930.”. (CANÇADO em que for parte.”. Por fim, o art. 59 do
TRINDADE, Antônio Augusto. Princípios do Estatuto da Corte Internacional de Justiça
Direito Internacional Contemporâneo. 2. ed. revela que: “Artigo 59. A decisão da Corte só
Brasília: FUNAG, 2017. p. 60.) será obrigatória para as partes litigantes e a
Q7 – Espera-se que o candidato respeito do caso em questão.”.
descreva, de forma pontual e resumida, Q9 – Espera-se que o candidato
as principais inovações jurisprudenciais indique o direito de determinado Estado,
e (ou) teses jurídicas do Caso Military Membro das Nações Unidas e Parte em um
and Paramilitary Activities in and against Caso perante a CIJ, em recorrer ao Conselho
Nicaragua (Nicaragua v. United States of de Segurança das Nações Unidas que poderá,
America) (1991). Em especial, menção às se julgar necessário, fazer recomendações
teses de violação das regras costumeiras de ou decidir sobre medidas a serem tomadas
Direito Internacional, mais especificamente: para o cumprimento da sentença proferida
(a) Os Estados não devem intervir nos pela referida Corte. Segundo o artigo 94,
assuntos internos de outros Estados; (b) Os parágrafo 2º da Carta das Nações Unidas:
Estados não devem fazer uso da força contra “Artigo 94. 2. Se uma das partes num caso
outros Estados; (c) Os Estados não podem deixar de cumprir as obrigações que lhe
violar a soberania de outros Estados. A título incumbem em virtude de sentença proferida
exemplificativo, por exemplo, Antônio pela Corte, a outra terá direito de recorrer
Augusto Cançado Trindade menciona que: ao Conselho de Segurança que poderá, se
“Uma década e meia depois, a CIJ, no caso julgar necessário, fazer recomendações ou
Nicarágua versus Estados Unidos (1986), decidir sobre medidas a serem tomadas para
invocando expressamente a Declaração o cumprimento da sentença.”
de Princípios, afirmou que o princípio em Q10 – Espera-se que o candidato
questão proíbe todos os Estados ou grupos de mencione o Conselho de Segurança
200 ÍNDICE
das Nações Unidas (UNSC) como órgão Nota - 29
internacional responsável para, se julgar Ciro de Carvalho Becker Leite
necessário, fazer recomendações ou decidir
sobre medidas a serem tomadas para o A solução pacífica de controvérsias
cumprimento da sentença proferida pela internacionais adquiriu importância
referida Corte. Segundo o art. 94, parágrafo histórico-normativa cada vez maior ao
2º, da Carta das Nações Unidas: “Artigo 94. 2. longo do século XX, à medida que se avançou
Se uma das partes num caso deixar de cumprir no entendimento compartilhado entre os
as obrigações que lhe incumbem em virtude Estados a favor da proscrição da guerra,
de sentença proferida pela Corte, a outra terá primeiro com o Pacto Briand-Kellogg de
direito de recorrer ao Conselho de Segurança 1928, e, depois da Segunda Guerra Mundial,
que poderá, se julgar necessário, fazer com a Carta das Nações Unidas, que limita
recomendações ou decidir sobre medidas significativamente as possibilidades de
a serem tomadas para o cumprimento da uso da força nas relações internacionais.
sentença.” Nesse contexto, a Corte Internacional de
Justiça desempenha função primordial ao
Referências
dirimir controvérsias no âmbito do sistema
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto.
internacional organizado sob os princípios e
Princípios do Direito Internacional Contemporâneo. 2.
normas da Organização das Nações Unidas.
ed. Brasília: FUNAG, 2017.
O surgimento da CIJ está inserido em um
. Os Tribunais internacionais contemporâneos. período de crescente normatização do Direito
Brasília: FUNAG, 2013. INTERNATIONAL COURT OF Internacional, dada a vontade dos Estados de
JUSTICE (ICJ). South West Africa cases (Ethiopia v. South evitar a repetição de catástrofes humanitárias
Africa; Liberia v. South Africa), Preliminary Objections, como as grandes guerras da primeira metade
Judgment of 21 December 1962, I.C.J. Reports, p. 319. do século XX. Esse processo é marcado pela
substituição da Liga das Nações e da Corte
INTERNATIONAL TRIBUNAL FOR THE LAW OF Permanente de Justiça Internacional pela
THE SEA (ITLOS). Southern Bluefin Tuna (New ONU e a CIJ, respectivamente, uma vez que
Zealand v. Japan; Australia v. Japan), Provisional
as extintas organizações passaram a ser
Measures, Order of 27 August 1999,
identificadas com um período de predomínio
ITLOS Reports 1999, p. 280.
da política de poder e da guerra e, portanto,
KOLB, Robert. The Elgar companion to the
de fracasso das soluções pacíficas de
International Court of Justice. Cheltenham (UK), controvérsias. A CPJI, que fora criada e
Northampton (USA): Edward Elgar, 2014. reformada nas Conferências de Paz da Haia,
ficara contaminada pelo imperialismo
PERMANENT COURT OF INTERNATIONAL das grandes potências, de modo que era
JUSTICE (PCIJ). Case of Mavrommatis Jerusalem conveniente a sua reformulação, dando lugar
Concessions (Greece v. Great Britain), Objection to the à CIJ, que se instalou no mesmo Palácio da
Jurisdiction of the Court, P.C.I.J., Series A, n. 2 (1924), p. 11. Paz, sede da antiga Corte.

A atuação da CIJ demonstra a
UNITED NATIONS. Charter of the United Nations emergência dos meios jurisdicionais como
and the Statute of the International Court of Justice.
elementos estruturantes na manutenção da
Disponível em: <https://treaties.un.org/doc/Publication/
paz e da segurança internacionais. São duas
CTC/uncharter.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2021.
as espécies de jurisdição da CIJ: a consultiva
e a contenciosa. Ademais, é importante
considerar a inovação institucional
representada pelo Estatuto da CIJ, que é
vinculado à Carta da ONU de tal modo que
os Estados parte nesta Carta também são
considerados parte no Estatuto da Corte,
ainda que não o tenham ratificado. No
201 ÍNDICE
entanto, ser parte no Estatuto não significa a repercussão erga omnes de violações de
reconhecer a jurisdição contenciosa da CIJ, direito internacional peremptório, de modo
pois isso é feito no caso concreto e de comum que qualquer Estado pode contestar, perante
acordo entre as partes de uma controvérsia, a Corte, violações desse tipo, mesmo que
considerando-se, ainda, a possibilidade de não esteja diretamente envolvido, pois são
os Estados aderirem à cláusula facultativa violações que agridem toda a comunidade
de jurisdição obrigatória. A declaração de internacional. No caso Atividades Militares e
vontade dos Estados, ao submeter-se à Paramilitares na e contra a Nicarágua, a CIJ
jurisdição da CIJ, evidencia a construção decidiu que um terceiro Estado – no caso,
progressiva do rule of law na sociedade os EUA –, não pode retaliar ou promover
internacional. A jurisdição consultiva da atividades militares e paramilitares
CIJ caracteriza-se pela competência de contra outro país, sob alegação de estar
esclarecer dúvidas referentes à aplicação resguardando o direito à legítima defesa de
do direito internacional, de sorte que não um segundo Estado, que teria sido agredido
representam decisões vinculantes, embora pelo primeiro. Essa tese demonstra o
tenham o condão de corresponder à opinião compromisso de preservar o princípio da
jurídica da Corte, a qual é a interpretação mais não intervenção. As sentenças da CIJ são
amplamente aceita do Direito Internacional. obrigatórias e inapeláveis, cabendo, se for o
Para evitar que seja usada como artifício para caso, o cessar da violação e/ou a reparação do
resolve controvérsias, é vedado o acesso dos dano, porém também sanções retaliatórias,
Estados a essa jurisdição; podem acessá- a depender da sentença. O Estado violado
la apenas a AGNU, o CSNU e as agências pode, ainda, recorrer ao CSNU para efetivar
especializadas da ONU, para esclarecer sentença favorável, conforme o art. 94 da
questões relativas ao direito internacional Carta da ONU.
relacionadas ao exercício de suas funções.
Somente a AGNU pode acionar a jurisdição
consultiva da Corte de forma mais ampla. Aos Nota - 28,25
Estados cabe acionar a jurisdição contenciosa, Humberto Mayese Correa
sendo esta acessível também a Organizações
Internacionais e Estados não membros da A CPJI foi constituída em 1920, como
ONU. Essa jurisdição se caracteriza pela resultado dos acordos de paz assinados ao
necessidade de consentimento das partes. término da 1ª Guerra Mundial. Notadamente,
As decisões da Corte são obrigatórias e a CPJI não era institucionalmente um
inapeláveis. órgão da Liga das Nações. A eclosão da 2ª

Para haver controvérsia jurídica, é Guerra Mundial tornou a Liga obsoleta, e os
necessário existir elemento material – o países aliados decidiram fundar uma nova
fato que suscita a controvérsia – e elemento organização internacional para a manutenção
subjetivo – a opinio iuris das partes de que da paz e segurança internacionais, a ONU.
se trata de controvérsia. Esse entendimento Na oportunidade, decidiu-se pela dissolução
está assentado na jurisprudência do caso da CPJI e a criação da CIJ, instituída como
Lótus da antiga CPJI. A jurisprudência da CIJ órgão judiciário da ONU. Se o Pacto da Liga
fez surgirem teses jurídicas inovadoras ao das Nações em muito se diferencia da Carta
longo dos anos, contribuindo para consolidar da ONU, o Estatuto da CIJI é praticamente
a primazia do Direito Internacional. No caso idêntico ao da CPJI, a quem sucedeu não
Reparação de Danos, ou Bernadotte, de 1949, apenas em termos de bens e arquivos, mas
foi reconhecida a personalidade jurídica também em jurisprudência, uma vez que a
derivada das Organizações Internacionais, CIJ considerava os julgados de CPJI como
garantindo a estas o direito de proteção aos parte de sua própria jurisprudência.
seus funcionários no exercício da função. A CIJ possui jurisdição contenciosa
No caso Barcelona Traction, em 1970, a e consultiva. A jurisdição contenciosa é
Corte reconheceu, mediante obiter dictum, acessível tão somente a Estados, sendo que
202 ÍNDICE
todos os membros da ONU são ipso facto de teses jurídicas (“awareness test”).
partes do Estatuto da CIJ. Em circunstâncias Recentemente, no Caso Reino Unido vs. Ilhas
especiais, Estados não membros da ONU Marshall (2016), a CIJ sinalizou um limiar
podem ser autorizados a litigar perante mais alto de “awareness”. A Corte decidiu
a Corte, após decisão da AGNU sob que a existência de controvérsia jurídica
recomendação do CSNU. O Estatuto da CIJ depende que as partes estejam cientes de que
não prevê jurisdição automática, de modo há uma controvérsia ou não possam não estar
que os Estados devem reconhece-la por cientes, o que se tem chamado de “subjective
meio de acordo especial, prorrogação de awareness”. No caso concreto, portanto, a
foro, cláusula compromissória constante CIJ alegou não haver controvérsia jurídica
em tratado ou declaração facultativa de entre as partes.
jurisdição obrigatória (“cláusula Raul Ao longo de sua trajetória histórica e
Fernandes”). A jurisdição ratione materiae jurisprudencial, a CIJ promoveu inovações
da CIJ compreende qualquer questão relativa no entendimento do Direito Internacional.
ao direito internacional. O Estatuto da CIJ No parecer consultivo “Reparação de Danos”
estabelece que as decisões da Corte serão (1949), a CIJ afirmou a tese de que organizações
fundadas em tratados internacionais, internacionais são sujeitos plenos de direito
costume internacional, princípios gerais de internacional, com personalidade jurídica
direito e, se as partes acordarem, na equidade. independente daquelas [linha 45 está ilegível
Não há portanto, stare decisis. As sentenças devido a digitalização incompleta da página].
da Corte são definitivas, obrigatórias e [l. 46] [...] Conde Bernadotte, a serviço da
inapeláveis. Ressalta-se que a jurisprudência ONU, em Israel, razão pela qual o caso é
reconhece fontes extraestatutárias de Direito, conhecido como “Caso Bernadotte”. Em
nomeadamente os atos unilaterais de Estado 1970, no Caso Barcelona Traction (Bélgica
e decisões de organizações internacionais, v. Espanha), a CIJ decidiu que, para fins de
desde que formem normas de Direito. proteção diplomática, a nacionalidade das
A CIJ também possui jurisdição pessoas jurídicas é determinada pelo critério
consultiva, por meio da qual emite pareceres local de incorporação/constituição – critério
consultivos, não vinculantes, sobre também adotado no Brasil para atribuição
questões de direito internacional. A AGNU da nacionalidade de empresas, nos termos
e o CSNU são legitimados para requerer da LINDB. Além disso, o ober dictum do caso
pareceres sobre quaisquer temas, ao passo Barcelona Traction reconhece que existem,
que, com autorização da AGNU, outros no direito internacional, normas erga omnes,
órgãos da ONU ou agências especializadas que geral obrigações de um Estado para a
podem requerer pareceres, desde que haja totalidade da comunidade interncionais,
pertinência temática com as atividades que pois se trata de interesse coletivo. No Caso
desenvolvem. Em 1995, por exemplo, a CIJ Nicarágua v. Estados Unidos (1991), a CIJ
não emitiu parecer consultivo solicitado pela afirmou que distintos princípios elencados
OMS quanto à legalidade do uso de armas na Carta da ONU e em resoluções da AGNU,
nucleares por não identificar pertinência como a Res. 2625, constituem costume
temática. Estados não podem acessar a internacional; além disso, a CIJ declarou
competência consultiva da CIJ. ser ilegal invocação de legítima defesa
No exercício de sua jurisdição coletiva sem que o Estado lesado tenha
contenciosa, a CIJ julga controvérsias jurídicas requerido auxílio. Por fim, reconheceu que o
entre Estados. Segundo jurisprudência critério para a responsabilização do Estado
da CPJI no Caso Mavrommatis, uma por ilícitos cometidos por particulares é o
controvérsia jurídica é qualquer oposição de controle efetivo (“effective control”).
teses jurídicas, tanto sobre questões de fato As sentenças da CIJ no exercício de
como sobre questões de direito. Um ponto sua jurisdição contenciosa têm caráter
de contenciosidade diz respeito à ciência das obrigatório, como reconhecido na Carta
partes quanto à existência de uma oposição da ONU. Em caso de não cumprimento, o
203 ÍNDICE
Estado que se sentir lesado pode recorrer especiais). Estados não podem solicitar
ao Conselho de Segurança da ONU, para que parecer consultivo da CIJ.
este delibere sobre medidas cabíveis para O conceito de “controvérsia jurídica”
assegurar o cumprimento da sentença. foi estabelecido pelo Caso Mavromatis (1924),
da CPJI, como qualquer desacordo de fato
ou de direito ou oposição de teses jurídicas.
Nota - 28 Recentemente, no Caso Ilhas Marshall, a CIJ
Daniel Boeira Lodetti adicionou um elemento subjetivo ao conceito
de controvérsia, qual seja, a consciência da
A CIJ é o principal órgão judicial da ONU. outra parte de que existe uma controvérsia
Surgida no contexto histórico institucional entre as partes.
do fim da Segunda Guerra Mundial, a CIJ Com relação às principais inovações
é sucessora da CPJI, assim como a ONU é jurisprudenciais de alguns Casos da CIJ,
sucessora da Liga das Nações (LDN). Desse destacam-se três Casos. No Parecer
modo, a CIJ foi criada pela Carta da ONU, Consultivo do Caso Reparação de Danos
sendo o Estatuto da CIJ um anexo da referida (1949), a CIJ afirmou que organizações
Carta. A CPJI, que era vinculada à LDN, não internacionais podem ostentar personalidade
poderia continuar existindo com a dissolução jurídica internacional (o que seria mais tarde
desta instituição. Contudo, há fortes traços reafirmado no Caso OMS-Egito) e que, no
de continuidade entre a CPJI e a CIJ, de modo caso de funcionários de OI (como o próprio
que a jurisprudência da CIJ faz frequentes Folke Bernadotte), a imunidade funcional
referências a julgados da CPJI, a exemplo prevalece diante de eventual imunidade
do Caso Oscar Chinn (1934), paradigmático diplomática estatal, a fim de resguardar a
por ser uma das primeiras vezes em que independência da atuação do funcionário
se utilizou o termo “jus cogens”, no voto da organização internacional (OI). No Caso
separado do juiz Schücking. Barcelona Traction (1970), a CIJ elucidou
As duas espécies de jurisdição da CIJ que empresas podem receber endosso para
são a contenciosa e a consultiva. Na primeira, obter proteção diplomática, contudo o país
a CIJ julga controvérsias entre Estados que que pode conceder o endosso é o país onde
tenham reconhecido sua jurisdição por um a empresa tem sede (no caso em tela, era o
dos quatro meios possíveis: casuística/ad Canadá), não o país de origem dos acionistas
hoc; previsão em tratado (a exemplo do Pacto da empresa (que, no caso em questão,
de Bogotá de 1948); “fórum prorrogatum” eram belgas em sua maioria). Ademais, a
(como no Caso do Canal Corfu); ou pela CIJ também afirmou, no Caso Barcelona
cláusula Raul Fernandes de jurisdição Traction, que normas de “jus cogens”
obrigatória, que exige reciprocidade e pode geram obrigações “erga omnes” (obrigações
ter limites materiais, subjetivos e temporais. perante a comunidade internacional como
Na jurisdição contenciosa, a CIJ pode julgar um todo).
qualquer controvérsia jurídica, aplicando as Por fim, um terceiro Caso
fontes do art. 38 de seu Estatuto: tratados, paradigmático da CIJ foi o Caso de Atividades
costumes e princípios gerais de direito Militares e Paramilitares na e contra a
(fontes primárias); doutrina e jurisprudência Nicarágua (1991), em que a CIJ condenou a
(meios auxiliares); ou julgar “ex aequo et ingerência norte-americana em território
bono”, se as partes concordarem. nicaraguense, notadamente no contexto do
Na jurisdição consultiva, a CIJ emite que ficou conhecido como “Irã-Contras”.
pareceres não vinculantes, que podem A CIJ afirmou que o financiamento norte-
ser solicitados pelo CSNU e pela AGNU em americano aos Contras, via intermédio do
qualquer temática (legitimados universais) Irã, que vendia as armas mesmo sob embargo
ou por organismos especializados da ONU, imposto pelo CSNU, configurava ato de
autorizados pela AGNU, em suas respectivas agressão que estava em dissonância com
temáticas (legitimados temáticos ou as regras da Carta da ONU, com o princípio
204 ÍNDICE
da não intervenção e com o princípio da Evidenciadas as fragilidades da Liga
autodeterminação dos povos. Nesse sentido, das Nações, esta foi dissolvida ao final da
caberia reparação à Nicarágua. II Guerra Mundial, juntamente com a CPJI.
As sentenças proferidas pela CIJ na Para substituir a Liga na promoção da paz
jurisdição contenciosa são obrigatórias, e da segurança internacionais, foi criada a
definitivas, inapeláveis (a não ser que Organização das Nações Unidas, cujo ato
surja fato novo em até 10 anos) e ensejam constitutivo – a Carta da ONU – possui,
responsabilidade internacional do Estado que dentre seus anexos, o Estatuto da Corte
as descumprir. Em caso de descumprimento Internacional de Justiça, que cria a CIJ, como
de obrigações internacionais, impostas órgão da ONU responsável pela resolução de
por sentença da CIJ, o Estado que se sentir controvérsias jurídicas internacionais e a
lesado pode recorrer ao CSNU, que tem emissão de opinião sobre dúvidas a respeito
poder executório para fazer valer a sentença, da aplicação do Direito Internacional. A
conforme previsto no art. 94 da Carta da CIJ é composta por 15 juízes, eleitos pelo
ONU. Esse foi o caso da situação nicaraguense CSNU e pela Assembleia Geral da ONU, para
supracitada, em que a Nicarágua se sentiu mandatos de 9 anos, renováveis uma vez. Os
lesada pelo não cumprimento da sentença juízes devem ter nacionalidades diferentes
pelos EUA e recorreu ao poder executório e devem representar a multiplicidade de
sistemas jurídicos existentes no mundo, e
do CSNU. No entanto, os EUA vetaram a
não seus países.
possibilidade de acionamento do art. 94,
Como mencionado, a CIJ desempenha
uma vez que eles seriam os prejudicados. Até
competências contenciosa e consultiva. A
hoje, o art. 94 nunca foi acionado na prática.
primeira volta-se à resolução e controvérsias
Apesar disso, a maioria das sentenças da CIJ
jurídicas internacionais, com base nas fontes
são cumpridas de boa-fé pelos Estados.
formais do direito Internacional previstas
no artigo 38 do Estatuto da CIJ, quais
sejam, tratados internacionais, costumes
Menor Nota - 19,5 internacionais ou princípios gerais de direito,
Anônimo podendo, ainda, resolver as controvérsias por
equidade, caso autorizada pelas partes. A CIJ
A Corte Permanente de Justiça
não poderá tratar de questões políticas, que
Internacional foi criada, juntamente com a
deverão ser submetidas ao CSNU ou à AGNU.
Liga das Nações, pelo Tratado de Versalhes, As partes de controvérsias apresentadas
celebrado por ocasião do fim da I Guerra à CIJ poderão indicar juiz ad hoc de sua
Mundial. Este constituiu o primeiro impulso nacionalidade para participar do julgamento.
de estatura global voltado à garantia da No âmbito de sua competência consultiva, a
paz e da segurança no mundo. A Liga das CIJ pode ser chamada a responder dúvidas
Nações, porém, acabou por revelar-se sobre a aplicabilidade de qualquer norma de
incapaz de atingir seus objetivos: a principal Direito Internacional. Não poderá, porém,
potência econômica e militar da época, tratar de caso concreto nem de questão
os EUA, conquanto hajam proposto a sua política.
criação, não participaram da Liga; o critério O acesso à CIJ é franqueado a Estados,
de tomada de decisão por unanimidade à AGNU e ao CSNU, bem como a agências
mostrou-se ineficaz; a ausência de meios especializadas da ONU, caso devidamente
de imposição das decisões da Liga afetaram autorizadas a formular consultas à CIJ.
a sua credibilidade; e a postura reticente de Estados que não sejam parte da Carta da
Inglaterra e França, as principais potências ONU poderão aderir exclusivamente ao
que integraram permanentemente o Estatuto da CIJ, se autorizados pelo CSNU. A
Conselho da Liga, em relação às investidas jurisdição da CIJ sobre determinado Estado
expansionistas de Alemanha, Itália e Japão, está sujeita à faculdade deste, que poderá
permitiram a eclosão da II Guerra Mundial. submeter-se à jurisdição contenciosa da
205 ÍNDICE
CIJ em determinado caso concreto (ad hoc),
condicionado à reciprocidade da parte
Questão 03
contrária; por previsão em tratado do qual o
“Um refugiado costuma ser uma
Estado seja parte e a respeito do qual se dê a
pessoa obrigada a procurar refúgio devido a
controvérsia; ou, ainda, por meio da cláusula
algum acto cometido ou por tomar alguma
facultativa de jurisdição obrigatória, pela qual
opinião política. Bom, é verdade que tivemos
o Estado opta por sujeitar-se à jurisdição da
que procurar refúgio; mas não cometemos
CIJ por determinado período, observando-se
nenhum acto e a maioria de nós nunca sonhou
a reciprocidade da parte contrária.
em ter qualquer opinião política radical.
Segundo a jurisprudência da CIJ, da
O sentido do termo “refugiado” mudou
década de 1920, a controvérsia internacional
connosco. Agora “refugiados” são aqueles
define-se pela divergência a respeito de
de nós que chegaram à infelicidade de chegar
questão de fato ou de direito regulada pelo
a um novo país sem meios e tiveram que ser
Direito Internacional. Na década de 1980,
ajudados por comités de refugiados.” 
a CIJ aprimorou o conceito para exigir a
ARENDT, Hannah. Nós, os refugiados.
consciência da parte contra a qual é instaurada
Tradução de Ricardo Santos, Covilhã:
determinada controvérsia jurídica sobre a
LusoSofiapress, 2013.
contrariedade do reclamante (caso dos testes
 Considerando que o texto apresentado
nucleares do Reino Unido).
tem caráter meramente motivador, elabore
No caso Bernadotte, de 1949 (c.1), a CIJ
um texto dissertativo a da condição jurídica
declarou que as organizações internacionais
do estrangeiro, abordando, necessariamente,
são dotadas de personalidade jurídica e dos
os seguintes tópicos:
poderes implícitos inerentes aos objetivos
para os quais foram criadas. No caso
• discorra sobre o conceito de
Nicarágua v. EUA, a CIJ condenou os EUA por
repatriamento e sua condição nos
intervenção em assuntos internos de outros
tratados internacionais de direitos
Estados, ainda que por meios indiretos.
humanos e na lei de migrações
A sentenças da CIJ são obrigatórias
brasileira;  
para as partes, cabendo ao Estado ofendido
• conceitue e diferencie o asilo e o
exigir a recomposição do estado anterior
refúgio, apontando suas principais
à violação ou a reparação correspondente,
diferenças e o tratamento dado pela
exigir pedido de desculpas públicas ou aplicar
legislação brasileira; e  
contramedidas, recorrendo ao CSNU em caso
• discorra sobre os princípios e diretrizes
de descumprimento.
da política migratória brasileira
traçando um breve comparativo com a
do antigo Estatuto do Estrangeiro.
 
Extensão do texto: até 40 linhas
 [valor: 20,00 pontos]

Relatório de Notas
Maior Nota: 19,25
Nota Média: 16,38
Menor Nota: 11
Desvio-padrão: 2,197

206 ÍNDICE
Padrão de Resposta família de origem, ou a quem necessite de
acolhimento humanitário, nem, em qualquer
Espera-se que o candidato faça uma caso, medida de devolução para país ou
argumentação consistente na forma e no região que possa apresentar risco à vida, à
conteúdo. No texto, deverão ser abordados integridade pessoal ou à liberdade da pessoa.
os aspectos a seguir. (BRASIL, 2017)
Q1 – Espera-se que o candidato seja Q4 – Espera-se que o candidato
capaz de identificar e dissertar com relação seja capaz de identificar e dissertar com
ao conceito de repatriamento, qual seja, relação ao instituto do asilo que é a proteção
o regresso dos refugiados ao seu país de dada por um Estado a um indivíduo cuja
origem, dessa maneira, a pessoa repatriada vida ou liberdade estejam ameaçadas por
perde a condição de refugiado (BOUCHET- outro Estado, destacando a diferença entre
SAULNIER, 1988). asilo territorial e diplomático. O primeiro
Q2 – Espera-se que o candidato traga é conhecido como asilo em território
além do conceito supracitado que aponte estrangeiro e o segundo trata da acolhida do
que o Estatuto da ACNUR determina que sua indivíduo de forma provisória em missões
missão também é secundar as iniciativas diplomáticas, navios de guerra, aeronaves
públicas e privadas no que se refere ao ou acampamentos militares (REZEK, 2018),
repatriamento livremente consentido ressaltando-se que, no Brasil, os princípios
dos refugiados ou a sua assimilação nas das relações internacionais estão previsto no
novas comunidades nacionais. (ART. 8º.C, art. 4, X, da CF, e também é tratado na lei de
Estatuto da ACNUR), devendo salientar que migrações, nos seus arts. 27 a 29 (BRASIL,
o caráter do repatriamento é voluntário 1988. BRASIL, 2017).
(consentimento livre e esclarecido sobre as Q5 – Espera-se que o candidato seja
condições de retorno), que seu regresso se dá capaz de identificar e dissertar a respeito
em plena segurança e com dignidade. do instituto do refúgio que já é prevista na
Q3 – Espera-se que o candidato própria convenção de 1951, que leciona que
discorra que a lei de migrações brasileira se trata da pessoa que sofre ou teme sofrer,
define que a repatriação consiste em em seu estado de origem, perseguição por
medida administrativa de devolução de motivos de raça, religião, nacionalidade,
pessoa em situação de impedimento ao grupo social ou questões políticas e que, por
país de procedência ou de nacionalidade. essas razões, deixa esse Estado e procura
Devendo essa devolução ser feita com a outro para adquirir proteção, não podendo
comunicação do ato fundamentado de ou não devendo voltar ao Estado de onde
repatriação à empresa transportadora e à veio, onde sua integridade se encontra em
autoridade consular do país de procedência risco. Devem destacar que a convenção
ou de nacionalidade do migrante ou do sobre refugiados oferta a eles um regime
visitante, ou a quem o representa, bem jurídico diferenciado daqueles aplicados a
como deverá a Defensoria Pública da União estrangeiros com residência permanente ou
ser notificada. Deve ainda apontar que as que postulam visto de entrada. No Brasil, a lei
condições específicas de repatriação podem que trata do tema é o Estatuto dos Refugiados
ser definidas por regulamento ou tratado, (Lei nº 9474/1997).
observados os princípios e as garantias Q6 – Espera-se que o candidato seja
previstos nesta lei, apontando que essas capaz de identificar e dissertar quanto às
medidas de repatriação não serão aplicadas principais diferenças entre os dois institutos,
à pessoa em situação de refúgio ou de quais sejam, a condição de concessão de asilo
apatridia, de fato ou de direito, ao menor é ato discricionário do Estado que a concede
de 18 anos de idade desacompanhado ou e, por sua vez, o refúgio é obrigatório para os
separado de sua família, exceto nos casos em Estados, atendidas as exigências previstas
que se demonstrar favorável para a garantia nos tratados. O asilo nem sempre é regulado
de seus direitos ou para a reintegração a sua por tratados, enquanto o refúgio é tratado
207 ÍNDICE
no âmbito internacional pela ACNUR. No . Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define
asilo,seu fundamento se dá na esfera das a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o
Conselho Nacional de Imigração. Disponível em: <https://
perseguições de caráter político e possui
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm>.
um cariz mais individual. No refúgio, seus
fundamentos atingem perseguições de
. Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2107. Institui a
caráter racial, religioso, social, possuindo Lei de Migração. Disponível em:
um cariz mais coletivo (SOARES, 2002). <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-
Q7 – Espera-se que o candidato 13445-24-maio-2017-784925-veto-152813-pl.html>.
seja capaz de identificar e dissertar acerca
dos princípios previstos no art.3 da Lei de BOUCHET-SAULNIER, Françoise. Apátrida. In:
Migrações, de forma suscinta (BRASIL, 2017). Dicionário prático do direito humanitário. Lisboa: Instituto
Q8 – Espera-se que o candidato Piaget, 1998

seja capaz de identificar e dissertar acerca


. Repatriamento. In: Dicionário prático do direito
das diretrizes previstas no art.3 da Lei de
humanitário. Lisboa: Instituto Piaget, 1998
Migrações, de forma suscinta (BRASIL, 2017).
Q9 – Espera-se que o candidato seja REZEK, Francisco. Direito Internacional Público.
capaz de apontar que o antigo Estatuto do São Paulo: Saraiva, 2018.
Estrangeiro não atendia as mesmas diretrizes
anteriores, pois tratava-se de legislação SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito
criada em momento anterior à CF/88 e que Internacional Público. Vol1.São Paulo: Atlas, 2002.
atendia os ditames da segurança nacional
(BRASIL, 1980).
Q10 – Espera-se que o candidato aponte
que a principal diferença é que a atual lei de
migrações atende o que está previsto na nossa
Constituição Federal, que é a prevalência dos
direitos humanos (BRASIL, 1988).

Referências
ARENDT, Hannah. Nós, os refugiados. Tradução
de Ricardo Santos, Covilhã: LusoSofiapress, 2013.
Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/20131214-
hannah_arendt_nos_os_refugiados.pdf>.

ACNUR. O Conceito de Pessoa Apátrida


segundo o Direito Internacional Resumo das conclusões.
Reunião de especialistas organizada pelo escritório do
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados,
Prato, Itália, 27-28 de maio de 2010. Disponível em:
<https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/
portugues/BDL/O_Conceito_de_Pessoa_Apatrida_
segundo_o_ Direito_Internacional.pdf?view=1>.

ACNUR. O que é a apatridia? 2016a. Disponível


em: <http://www.acnur.org/portugues/quem- ajudamos/
apatridas/o-que-e-a-apatridia/>.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da


República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 2018.

208 ÍNDICE
Nota - 19,25 estrangeiro que esteja em irregularidade de
Andressa Gonçalves Rangel documentos em solo pátrio após o decurso
do prazo para sanar essa irregularidade; pela
As atrocidades cometidas durante a expulsão do estrangeiro que tenha ferido o
Segunda Guerra Mundial (II GM) impuseram interesse nacional mediante o cometimento
a necessidade de discutir-se o status jurídico de crime de guerra, de genocídio, ou contra
dos deslocados forçados internacionalmente. a humanidade. A normativa internacional
Por consequência, surgiu uma convenção veda a repatriação do refugiado enquanto
acerca dos refugiados em 1951, inicialmente não cessarem as razões para seu refúgio
voltada para proteger os refugiados de (princípio do non-refoulement) e a Lei de
guerra, mas, com a eliminação da restrição Migração, além de incorporar essa regra,
temporal por força do Protocolo de 1967, também veda a retirada compulsória do
é juridicamente aplicável a todos os casos asilado pelos motivos que motivaram o asilo,
de refúgio. Conforme esse instrumento, regra essa que também se aplica à extradição
conceitua-se refugiado como o indivíduo (art. 89, Lei 13.447/17).
que, em virtude de perseguição política, A Lei de Migração instituiu uma política
étnica, religiosa, não queira ou não possa migratória pautada pela salvaguarda dos DH
permanecer em seu Estado de origem, em detrimento da preocupação securitária
no qual sua integridade é ameaçada. O que imperava no Estatuto do Estrangeiro. Os
reconhecimento do status de refugiado tem princípios elencados no art. 3o contemplam o
natureza declaratória, pois meramente rechaço à discriminação, direito de reunião,
reconhece a incidência dos elementos que acesso à infraestrutura de assistência estatal
caracterizam o refúgio. O refúgio é gerido e a serviços públicos e integração à sociedade,
no âmbito da ONU pelo ACNUR (no caso preocupando-se também com o status do
dos refugiados palestinos, pela UNRWA). brasileiro no exterior. A própria restrição
No ordenamento brasileiro, a Lei 9.747/97 das hipóteses de expulsão, que outrora
acrescentou ao conceito proposto pela contemplam possibilidades abstratas como
Convenção fuga por violações maciças de “vadiagem”, e aumento de hipóteses de
direitos humanos (DH), por contribuição da impedimento revelam o perfil humanitário.
Declaração de Cartagena (1984), e o CONARE A penúria lamentada por Hannah Arendt tem
é responsável por gerir o tema. sido considerada nos instrumentos nacionais
Embora o asilo tenha, como o refúgio, de proteção ao refugiado e asilado.
natureza humanitária, sua concessão não é
imperativa, em decorrência da identificação
de elementos objetivos. Enquanto o Nota - 19,25
refúgio é direito subjetivo do indivíduo Humberto Mayese Correa
que se enquadre na situação prevista pela
Convenção, o asilo é prerrogativa do Estado O repatriamento é um ato
de conceder a quem sofra perseguição discricionário do Estado por meio do qual ele
política em seu Estado de origem, tendo, recusa o ingresso de um estrangeiro em seu
portanto, natureza constitutiva e podendo território. Trata-se de um ato de soberania
ser revertido. Ele está previsto no art. 4o da que, ainda assim, encontra certos limites nos
CF/88 como um dos princípios que regem as tratados internacionais de direitos humanos.
relações internacionais do Brasil. A Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados
O repatriamento é a retirada do (1951), por exemplo, consagra o princípio do
estrangeiro do solo brasileiro e devolução não rechaço (“non-refoulement”), por meio
ao Estado de origem. Conforme a Lei de do qual o Estado não pode impedir o ingresso
Migração, ele pode ocorrer pelo impedimento de um solicitante de refúgio e não deve
do ingresso no território nacional pela repatria-lo para país onde tal indivíduo sofra
carência de documentação adequada; pela fundado temor de perseguição. Além disso,
deportação, que é a retirada compulsória do as normativas internacionais são contrárias
209 ÍNDICE
a práticas como a repatriação coletiva, A concessão de asilo é ato discricionário
devendo o ato ser individualizado. exercido pelo Presidente da República, a
No Brasil, a Lei 13.445/2017 normatiza quem cabe decidir se se trata de crime político
o tema do repatriamento quando do ingresso e situação de urgência. Não há tratado
do imigrante ou visitante em território multilateral abrangente sobre o tema,
nacional. O artigo 45 da lei enumera as embora se reconheça no costume latino-
hipóteses de impedimento de ingresso, cujo americano e na Convenção de Caracas (1954)
resultado é o repatriamento para o país de o instituto do asilo diplomático, situação
procedência. São condições de impedimento em que o asilado recebe salvo conduto para
a condenação penal ou processo existente tornar seu asilo completo, em território
referente a crime doloso passível de pena estrangeiro.
de restrição de liberdade; a condição de réu A política migratória brasileira atual é
ou condenado por crimes de genocídio, fundada no paradigma dos direitos humanos,
contra a humanidade e de guerra, nos termos ao passo que o antigo Estatuto do Estrangeiro
do Estatuto de Roma; a presença em lista baseava-se em uma lógica utilitarista,
internacional de procurados ou alvo de aproximando-se mesmo de uma visão
sanções determinadas pelo CSNU; a ausência schmittiana de o estrangeiro como “Outro”.
de documentação válida e a incompatibilidade A Lei de Migração reconhece a universalidade,
entre as intenções de estadia com visto prévio a indivisibilidade e interpendência dos
que lhe tenha sido concedido. A mesma lei direitos humanos, garante a acolhida
garante entrevista individual com autoridade humanitária e o direito à reunião familiar,
de fronteira (Polícia Federal) e comunicação repudia o racismo, a xenofobia e quaisquer
à Defensoria Pública da União (DPU). tipos de discriminação, confere direitos civis,
Apesar de refúgio e asilo serem econômicos, sociais e culturais ao migrante
institutos humanitários, eles não se e pauta-se pelo direito da regularização da
confundem. Um refugiado é um indivíduo situação migratória. Restringe, ademais, as
que foi forçado a deixar seu país de origem hipóteses de expulsão.
devido a fundado temor de perseguição por
razões de raça, religião, nacionalidade ou
opinião política e não quer ou não pode gozar
da proteção de seu Estado de nacionalidade.
A legislação brasileira (Lei 9474/1997)
também reconhece pessoas que fogem de
situações em que haja graves violações de
direitos humanos, além de abarcar apátridas
que fazem jus à condição de refúgio. Assim,
a concessão de refúgio, no Brasil, é ato
vinculado. Internacionalmente, o tema é
regulado pela Convenção sobre o Estatuto
dos Refugiados, que enumera direitos
dos refugiados, incluindo o não rechaço,
e existe agência da ONU que supervisiona
o cumprimento da convenção e auxilia os
Estados, o ACNUR.
Por sua vez, o asilo dirige-se à pessoa
perseguida politicamente e seu país e,
em situação de urgência, busca abrigo no
território de outro país. Assim, se no refúgio
há uma perseguição generalizada, no asilo
trata-se de caso individualizado. No Brasil,
o asilo é regulado pela Lei 13.445/2017.
210 ÍNDICE
Nota - 19 e conveniência. O asilo pode ser diplomático
Leonardo dos Santos Avakian (concedido em missões diplomáticas), o
que se reveste de caráter temporário até
A condição jurídica do estrangeiro no a sua conversão em asilo territórial, que
Brasil é regulada pela Lei de Migração de é a sua condição normal. Já o refúgio é
2017. De acordo com essa lei, a repatriação concedido por perseguições decorrentes
é medida administrativa de remoção do de raça, religião, nacionalidade, grupo
estrangeiro que não poderá ingressar em social ou opinião política (perseguições
território nacional. Difere-se da deportação, que normalmente têm caráter coletivo),
utilizada quando o estrangeiro ingressa no ou ainda, conforme Declaração de Bogotá,
território nacional mas com uma condição incorporada na legislação doméstica, por
migratória irregular. A repatriação independe graves violações de direitos humanos no
de autorização judicial e não poderá atingir país de nacionalidade ou origem (no caso
o nacional brasileiro, podendo a remoção de apátridas). A concessão do refúgio é ato
do estrangeiro ser feita para seu país de vinculado (há direito subjetivo nesse caso)
origem, de nacionalidade ou para algum e de natureza declaratória. Sua natureza
outro que aceite recebê-lo. É de se ressaltar é territorial, devendo o refugiado chegar
que a concessão do visto brasileiro confere no território nacional. Além das cláusulas
mera expectativa de direito e não um direito de inclusão, a lei brasileira também prevê,
subjetivo ao ingresso no território. Várias quanto ao refúgio, cláusulas de exclusão, de
cessação e de perda. No Brasil, a condição
hipóteses poderão ensejar a repatriação,
de refugiado é reconhecida pelo CONARE.
como a ausência de documento de viagem
Para o refugiado incidem ainda proteções
válido, ou um visto incompatível com o
específicas como o “non refoulement”.
motivo alegado da viagem, ou ainda quando
A atual política migratória brasileira
a pessoa tiver cometido atos contrários
tem uma abordagem baseada nos direitos
aos valores da Constituição ou das Nações
humanos, ensejando o reconhecimento
Unidas. Seja como for, é necessário respeitar
de direitos fundamentais ao migrante,
o contraditório. Os tratados internacionais
a não criminalização da imigração, a
de direitos humanos não proíbem o
possibilidade de acolhida humanitária e
repatriamento (permitir o ingresso de
de reunião familiar. O antigo Estatuto do
estrangeiros em território nacional é ato
Estrangeiro via o migrante como possível
de império), mas procuram resguardar
ameaça à segurança nacional, de modo que,
eventuais direitos de um refugiado contra
diferentemente do que ocorre com a lei atual,
um “refoulement”. Ainda, o Brasil não fará
negava ao estrangeiro direitos associativos
a repatriação se esta se configurar em uma
e sindicais, permitia a negativa de ingresso
extradição não admitida.
por mera conveniência e oportunidade,
Asilo e refúgio são ambos institutos
impossibilitava a regularização migratória
humanitários de proteção da pessoa. No caso
sem antes sair do país e restringia o
do asilo, não há conveções globais sobre o tema
contraditório. A atual Lei de Migração, além
(embora haja convenções regionais, como
de reverter essas disposições, permite o
as duas de Caracas). Já o refúgio é regulado
acesso do migrante aos serviços bancários
pela Convenção do Estatuto dos Refugiados,
e à assistência à saúde, além de repudiar a
dos anos 50, e seu protocolo adicional, que
xenofobia e o racismo. Representa, assim, o
foram ratificados pelo Brasil, que também
fim do “entulho autoritário” remanescente
editou lei interna regulamentando o tema
da ditadura no que toca às migrações.
no âmbito doméstico. O asilo é concedido no
caso de perseguições individuais motivadas
por crimes ou opiniões políticas. Não há
direito subjetivo ao asilo: sua concessão tem
natureza constitutiva e é um ato de soberania
do ente estatal, que decide por oportunidade
211 ÍNDICE
Menor Nota - 11 grave crise que assola a Venezuela, tendo
Anônimo sido reconhecido internacionalmente pela
Operação Acolhida, que recebe e procura
De acordo com a ACNUR, o mundo interiorizar essas pessoas, integrando-as à
conta com mais de 80 milhões de migrantes sociedade brasileira. A concessão de refúgio
forçados, dos quais cerca de 30 milhões não varia com a mudança de governo, como
são refugiados ou solicitantes de refúgio. ocorre ou pode ocorrer no asilo.
São graves as situações em países como A política migratória brasileira é
Iêmen, a Síria, o Afeganistão e a Venezuela. marcada pela prevalência dos direitos
Conceder abrigo e condições seguras de vida humanos, pelo non refaulement (sic), pelo
a essas pessoas é um princípio humanitário, repúdio ao racismo e ao terrorismo, e (sic)
consagrado internacionalmente e, no Brasil, pelo respeito à soberania nacional. Por essa
constitucionalmente no art. 4º da CF/88, razão, em 2019 o Brasil se retirou do Pacto
que estabelece como princípio brasileiro nas Global para a Migração, entendendo que as
relações internacionais a concessão de asilo decisões sobre o tema devem ser tomadas
e refúgio, matéria pormenorizada na lei de respeitando as especificidades nacionais.
migrações; Entretanto o Brasil (sic) é um histórico
O repatriamento consiste no retorno receptor de venezuelanos, sírios, iemenitas,
da pessoa ao seu país de origem e, segundo haitianos e pessoas das mais diversas
os tratados internacionais de direitos nacionalidades.
humanos e a lei de migração, deve obedecer
ao princípio do “non refaulement” (sic). Ou
seja, a pessoa não pode ser devolvida a país
no qual a integridade física ou sua vida esteja
sob ameaça. É preciso que haja condição
de segurança para que a pessoa ou seus
familiares não corram risco ao retornar à
nação de origem.
O asilo é um instrumento
eminentemente político e pode ser alterado
com a mudança do governo de determinado
país. Assim, um asilado num governo de
esquerda pode ter sua condição alterada com
a mudança do viés político. Ele pode ser um
asilo diplomático ou territorial (nesse ponto,
o espelho corta uma linha) casos de ativistas
que, alegando perseguição política, buscam
asilo em Embaixadas (sic) cujo governo
nacional simpatize pela causa defendida.
O refúgio, por sua vez, encontra
sua definição da Convenção Internacional
dos Refugiados, com sua ampliação pela
Declaração de Cartagena, que dispoem
(sic) que são refugiados todos aqueles que,
em virtude de guerras, fome, violência
generalizada, seca, perseguição religiosa,
de gênero, de raça, dentre outras coisas,
correm risco de vida nos seus países de
origem. O Brasil tem utilizado a definição
ampliada da Declaração de Cartagena para
conceder refúgio a venezuelanos fugindo da
212 ÍNDICE
Questão 04 gozar dessas prerrogativas; 
• identificação de dois privilégios ou
imunidades abrangidos em algum
“Os privilégios e imunidades
dos instrumentos convencionais
diplomáticos acompanham a história das
mencionados na resposta ao segundo
relações dos povos desde os seus primórdios.
tópico; 
Imbuídos, inicialmente, de caráter religioso,
• e  dois aspectos relevantes da
foram, através dos tempos, absorvidos imunidade de jurisdição à luz da
pelo direito consuetudinário e por acordos prática brasileira:
bilaterais, até serem, mais recentemente, 1. junto a Estados estrangeiros; e
incorporados a convenções internacionais e 2. junto à ONU. 
à legislação de número crescente de países”. 
Extensão do texto: até 40 linhas
MOREIRA LIMA, Sérgio Eduardo. Privilégios e  [valor: 20,00 pontos]
imunidades diplomáticos. Brasília: FUNAG, 2002, p. 9.

“Apesar das dificuldades ainda hoje


existentes, pode se dizer que a teoria da Relatório de Notas
imunidade absoluta é, nos dias atuais,
uma quimera. Ela se encontra quase que Maior Nota: 19,5
universalmente reprovada. Passou-se do Nota Média: 16,52
absoluto ao restrito”.  Menor Nota: 13
Desvio-padrão: 1,845
GARCIA, Márcio. Imunidade do Estado: quem
disse que o rei não erra? In: GARCIA, Marcio; MADRUGA
FILHO, Antenor Pereira. A imunidade de jurisdição e o
judiciário brasileiro. Brasília: CEDI, 2002, pp. 93-4.

Considerando que os excertos


apresentados têm caráter meramente
motivador, elabore um texto dissertativo
a respeito de privilégios e imunidades
diplomáticos. Aborde, necessariamente, os
seguintes tópicos:

• definição de privilégios e imunidades


diplomáticos e consulares e explicação
de seus propósitos;  
• os instrumentos convencionais
multilaterais em que se baseia o Brasil
para reconhecer e aplicar privilégios
e imunidades a agentes diplomáticos,
a agentes consulares, a funcionários
da Organização das Nações Unidas
(ONU) e a funcionários das Agências
Especializadas das Nações Unidas; 
• identificação dos que fazem jus a
privilégios e imunidades conforme
os instrumentos convencionais
identificados no segundo tópico,
explicando a partir de que momento o
agente diplomático brasileiro passa a
213 ÍNDICE
Padrão de Resposta ordenamento jurídico brasileiro.
Q4 – Os privilégios e imunidades da
Espera-se que o candidato faça uma ONU, de suas agências especializadas e dos
argumentação consistente na forma e no respectivos funcionários estão regidos pela
conteúdo. No texto, deverão ser abordados Convenção sobre Privilégios e Imunidades
os aspectos a seguir. das Nações Unidas de 1946 e pela Convenção
Q1 – Espera-se que o candidato seja sobre Privilégios e Imunidades das Agências
capaz de qualificar privilégios e imunidades Especializadas das Nações Unidas, de 1947,
diplomáticos e consulares como prerrogativas ambas incorporadas ao ordenamento jurídico
reconhecidas às missões diplomáticas, às brasileiro.
repartições consulares, às organizações Q5 – Espera-se que o candidato
internacionais, bem como a seus agentes seja capaz de identificar que tais
e funcionários, para que exerçam plena e prerrogativas aplicam-se às missões
livremente suas funções no país em que diplomáticas, repartições consulares e
cumprem missão. Consistem, pois, na soma sedes ou escritórios de representação de
de isenções e prerrogativas concedidas aos organismos internacionais, bem como aos
agentes diplomáticos e consulares para agentes diplomáticos e consulares, aos
assegurar-lhes, no interesse recíproco dos membros do pessoal técnico-administrativo
Estados, e das organizações internacionais, das embaixadas e dos consulados e aos
a independência necessária ao perfeito funcionários da ONU e de suas Agências
desempenho de sua missão (MOREIRA LIMA, Especializadas.
2002; BRASIL, MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES Q6 – Agentes diplomáticos e consulares
EXTERIORES, 2018). fazem jus a privilégios e imunidades junto
Q2 – Segundo o preâmbulo da às autoridades locais quando cumprem
Convenção de Viena sobre Relações missão junto a representações de seu país
Diplomáticas de 1961, tal instrumento no exterior, mas não gozam de qualquer
tem como propósito contribuir “para o imunidade em seu próprio país. Por exemplo,
desenvolvimento de relações amistosas entre agentes diplomáticos brasileiros gozam de
as Nações, independentemente da diversidade privilégios e imunidades quando exercem
dos seus regimes constitucionais e sociais”; funções em embaixada, em consulado ou em
não se trata, pois, de beneficiar “indivíduos, representação do Brasil junto a organização
mas, sim, a de garantir o eficaz desempenho internacional no exterior, mas não estão
das funções das Missões diplomáticas, em imunes à jurisdição das autoridades
seu caráter de representantes dos Estados”. brasileiras.
No caso da Organização das Nações Unidas Q7 – Bastará ao candidato
(ONU) e de suas Agências Especializadas, a mencionar dois privilégios ou imunidades
própria Carta determina, no art. 105, que a abrangidos em algum dos instrumentos
Organização e seus representantes gozarão, convencionais citados na resposta ao item
no território de cada um de seus Membros, “b”. A título de exemplificação, cite-se
dos privilégios e imunidades necessários à a inviolabilidade pessoal e domiciliar do
realização de seus propósitos, enunciados, agente diplomático, que, nos termos do
por sua vez, no art. 1 do mesmo diploma, como art. 29, 1, da Convenção de Viena de 1961,
manter a paz e a segurança internacionais, “não poderá ser objeto de nenhuma forma
desenvolver relações amistosas entre as de detenção ou prisão. O Estado acreditado
nações, conseguir cooperação internacional. trata-lo-á com o devido respeito e adotará
Q3 – Os privilégios e imunidades tôdas as medidas adequadas para impedir
diplomáticos e consulares estão previstos, qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade
respectivamente, na Convenção de Viena ou dignidade”. A residência particular
sobre Relações Diplomáticas de 1961 e do agente diplomático goza da mesma
na Convenção de Viena sobre Relações inviolabilidade e proteção que os locais da
Consulares de 1963, ambas incorporadas ao missão (art. 30, da mesma Convenção).
214 ÍNDICE
Q8 – Cite-se, ademais, a título Referências
de exemplo, a isenção fiscal (“de todos
os impostos e taxas, pessoais ou reais, BRASIL. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
nacionais, regionais ou municipais”) a que EXTERIORES. Privilégios e Imunidades de Missões
faz jus o agente diplomático, regra geral Diplomáticas. Disponível em:
prevista no art. 34 da Convenção de 1961, <https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/
cerimonial/privilegios-e-imunidades/privilegios-e-
que menciona as exceções a essa regra nos
imunidades-de-missoes-diplomaticas>.
parágrafos subsequentes.
Acesso em: 22 jul. 2021.
Q9 – O candidato poderá mencionar,
por exemplo, que, no Brasil, decisão
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE
unânime do Supremo Tribunal Federal em 1034840/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PLENÁRIO, julgado
1989 (Apelação cível 9.696, RTJ 133/159) em 5/6/2017, DJe 30/6/2017.
afirmou que o Estado estrangeiro não tem
imunidade em causa de natureza trabalhista, GARCIA, Marcio; MADRUGA FILHO, Antenor
tendo considerada “insubsistente a Pereira. A imunidade de jurisdição e o judiciário
norma costumeira que outrora garantira a brasileiro.Brasília: CEDI, 2002.
imunidade absoluta, e portanto desaparecido
o único fundamento que vinha justificando MOREIRA LIMA, Sérgio Eduardo. Privilégios e
a extinção liminar do processo”. Assim, a imunidades diplomáticos. Brasília: FUNAG, 2002. REZEK,
Francisco. Direito internacional público:
imunidade “tende a reduzir-se, desse modo,
curso elementar. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
ao mais estrito sentido dos acta jure imperii,
a um domínio regido seja pelo direito das
SOARES, GUIDO FERNANDO SILVA. Das
gentes, seja pelas leis do próprio Estado imunidades de jurisdição e de execução.
estrangeiro” (REZEK, 2012). Rio de Janeiro: Forense, 1984.
Q10 – Nesse contexto, o candidato
poderá, em contraste com a resposta ao
item acima, discorrer quanto à imunidade
da ONU à jurisdição brasileira, inclusive em
matéria trabalhista, derivada do acordado na
Convenção de 1946, da qual o Brasil é parte.
Embora essa situação possa vir a mudar e
“um dia, em nome da coerência e de certos
interesses sociais merecedores de cuidado, as
organizações internacionais acabem por se
encontrar em situação idêntica à do Estado
estrangeiro ante a justiça local” (REZEK,
2012), por ora vige a obrigação do Estado
de respeitar os termos da Convenção a que
livremente decidiu vincular-se. Pode-se
mencionar, inclusive, jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal nesse sentido,
uma vez que o Tribunal já decidiu, em
recurso extraordinário (repercussão geral,
RE 1034840 RG/DF, relatado pelo Ministro
Luiz Fux, julgado em 05/06/2017), sobre
“a impossibilidade de o organismo
internacional vir a ser demandado em
juízo, salvo em caso de renúncia expressa à
imunidade de jurisdição”.

215 ÍNDICE
Nota - 19,5 exercício das funções diplomáticas, sem o
Anônimo consentimento do Estado acreditante (o que
envia o diplomata). Espera-se que diplomatas
Privilégios e imunidades diplomáticos que cometem crimes sejam por estes julgados
e consulares são limitações ao exercício em seus Estados acreditantes, para evitar a
da jurisdição territorial geral e exclusiva impunidade. A mesma Convenção de Viena
do Estado: este se abstém de exercer declara inviolável a pessoa do diplomata, que
determinados poderes, como a jurisdição não pode, portanto, ser submetido a qualquer
penal ou a tributação, sobre determinados forma de prisão ou detenção.
bens e pessoas que se encontram em seu O Supremo Tribunal Federal (STF)
território e que estão ligados ao exercício costumava reconhecer imunidade de
de funções diplomáticas ou consulares por jurisdição absoluta a Estados estrangeiros com
Estados estrangeiros. Esses privilégios e base na regra costumeira de que “iguais não
imunidades têm o propósito de permitir têm jurisdição sobre iguais”. Mas o advento
o adequado exercício das atividades da Constituição de 1988 e a evolução do direito
diplomáticas e consulares e, assim, o comparado e do direito internacional no
relacionamento respeitoso e amigável entre sentido de limitar a imunidade de jurisdição
Estados soberanos e juridicamente iguais. O dos Estados levaram o STF a atualizar seu
propósito não é beneficiar indivíduos. O Brasil entendimento: admite, hoje, imunidade de
reconhece e aplica privilégios e imunidades a jurisdição apenas quanto a atos de império
agentes diplomáticos com base na Convenção (exercício direto da soberania, como um
de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961), ato de guerra), mas não quanto a atos de
a agentes consulares com base na Convenção gestão (desenvolvimento do patrimônio e
de Viena sobre Relações Consulares (1963), dos serviços públicos) do Estado estrangeiro.
a funcionários da Organização das Nações A imunidade da ONU é absoluta mesmo
Unidas (ONU) com base na Convenção sobre quanto a causas trabalhistas, pois se baseia
os Privilégios e Imunidades da ONU (1946) e em convenções internacionais. A imunidade
a funcionários das Agências Especializadas do Estado estrangeiro foi relativizada só
da ONU com base em convenção sobre no processo de conhecimento, sendo ainda
privilégios e imunidades destas e da Agência absoluta na fase executória. Atualmente, o
Internacional de Energia Atômica. Conforme STF está decidindo se a imunidade do Estado
esses tratados, fazem jus a privilégios estrangeiro é afastada por grave violação de
e imunidades: agentes diplomáticos, direitos humanos, mesmo em caso de ato de
funcionários consulares, pessoal técnico império.
de missão diplomática ou de repartição
consular, familiares de agentes diplomáticos
e funcionários consulares, funcionários da Nota - 19
ONU ou de suas Agências Especializadas Joan Frederick Baudet
ou da AIEA, representantes de Estados Ferreira Franca
estrangeiros junto a essas organizações. O
agente diplomático brasileiro goza dessas Os privilégios e as imunidades
prerrogativas a partir do início do exercício diplomáticas possuem origem
de suas funções oficiais em determinada consuetudinária, como esclarece Moreira
missão diplomática. Lima, e seus propósitos vinculam-se a criar
A Convenção de Viena sobre Relações condições materiais e jurídicas necessárias
Diplomáticas garante aos diplomatas para que os agentes diplomáticos possam
imunidade à jurisdição penal do Estado cumprir sua função de representação
acreditado (o que recebe o diplomata). Assim, estatal no Estado acreditado. As imunidades
o Estado acreditado não pode processar, podem ser "ratione materiae" ou "ratione
julgar ou punir qualquer crime cometido por personae" e se antepõem ante o direito civil,
diplomatas, mesmo que não relacionado ao penal e administrativo do Estado acreditado.
216 ÍNDICE
Os privilégios, por sua vez, referem-se a Em caso recente envolvendo o PNUD,
isenções fiscais, aduaneiras e tributárias o STF esclareceu que as OIs têm imunidade
que os agentes diplomáticos dispõem ante absoluta, inclusive em matéria trabalhista.
o Estado acreditado, além da inviolabilidade No "leading case" Geny de Oliveira, o STF
de sua bagagem. As imunidades diplomáticas esclareceu que a imunidade de Estados em
são mais abrangentes do que as consulares, matéria trabalhista é relativa, e não absoluta.
sendo que em repartições consulares a Assim, enquanto a imunidade de execução e
imunidade de jurisdição absoluta refere-se de jurisdição das OIs é absoluta, a de execução
essencialmente aos documentos e arquivos dos Estados é, via de regra, absoluta, mas a
da missão. de jurisdição encontra-se relativizada para
Para agentes diplomáticos, o atos de "ius gestionis".
Brasil aplica as normas da Convenção de
Viena sobre imunidades e privilégios de *Queria me referir à Convenção
agentes diplomáticos (1961). Para agentes sobre Privilégios e Imunidades das
consulares, o país aplica a Convenção de Agências Especializadas das Nações
Viena sobre imunidades e privilégios de Unidas, adotada, sim, em 21 de
agentes consulares (1963). As imunidades novembro de 1947 pela Assembleia Geral
e privilégios de funcionários da ONU das Nações Unidas e, não, em Viena.
encontram-se discriminadas em outra
Convenção de Viena* específica para
imunidades e privilégios de funcionários Nota - 19
de Organizações Internacionais, pela qual o Victor de Ávila Assis Siqueira
Brasil se pauta para conceder imunidades e
privilégios a funcionários da ONU e de suas Privilégios e imunidades diplomáticos
agências especializadas. No caso em que uma e consulares são temas tradicionais do
agência especializada da ONU possua acordo direito internacional, já tendo integrado o
de sede com o Brasil, esse instrumento deverá costume e, hoje, são regulados em alguns
incluir o rol de imunidades e privilégios a tratados específicos. As imunidades e
serem observadas pelo Estado brasileiro.  privilégios diplomáticos e consulares podem
O agente diplomático brasileiro passa ser definidos como uma exceção ao direito
a gozar de imunidades e privilégios a partir soberano de um Estado exercer jurisdição
da inclusão de seu nome na lista diplomática ampla sobre todas as pessoas e bens em seu
entregue ao Estado acreditado, ou, no caso território. Assim, diplomatas e cônsules
de Chefe de repartição diplomática, a partir não se sujeitam a tribunais internos nem
do "agrément", ou do "exequatur", no caso a autoridades administrativas de outros
de Chefe de repartição consular. Os agentes Estados. No entanto, destaca-se que as
diplomáticos que fazem jus à Convenção imunidades e privilégios não protegem o
de 1961 possuem imunidade "ratione indivíduo em si, mas, sim, a função por ele
personae" para atos funcionais e da vida exercida. Logo, as imunidades e privilégios
pessoal em matéria de direito civil, penal e permitem que agentes diplomáticos ou
administrativo. Os agentes consulares (CV- consulares desempenhem a contento
63) possuem "ratione materiae" para seus sua missão de representar oficialmente
atos funcionais ate o direito civil, penal e seu Estado perante autoridades de outro
administrativo. Estado. Sendo assim, o Estado é o titular dos
Os agentes diplomáticos têm o privilégios e imunidades, e não o indivíduo
privilégio de ter isenção fiscal (excluídos que o representa.
impostos indiretos) e de ter a inviolabilidade
A temática dos privilégios e
de sua bagagem, conforme CV-61. Os agentes imunidades diplomáticas e consulares é
consulares têm o privilégio de bagagem regulada por diversos tratados multilaterais,
inviolável e isenção fiscal relacionada a sendo que o Brasil é parte em muitos deles.
imposto direto sobre pessoa física (IRPF). O Brasil aplica imunidades e privilégios a
217 ÍNDICE
agentes diplomáticos com base na Convenção
Conforme a prática brasileira,
de Viena sobre Relações Diplomáticas de a imunidade de jurisdição de Estados
1961. Com relação a agentes consulares, estrangeiros é relativa: não podem ser
aplica-se a Convenção de Viena sobre processados em função de atos de império,
Relações Consulares de 1963. Já a imunidade decorrentes da soberania (como concessão
de funcionários da Organização das Nações de vistos), mas podem ser réus em ações por
Unidas (ONU) é regulada por acordo específico atos de gestão, quando atuam paridade de
de 1946 sobre a matéria, do qual o Brasil é condições com particulares (contratos de
parte. Por fim, funcionários das Agências trabalho). Já para a ONU, entende-se que a
Especializadas da ONU têm suas imunidades imunidade de jurisdição é absoluta (tanto para
reguladas por acordo multilateral firmado atos de império e gestão), pois há previsão no
pelo Brasil também na década de 1940. tratado de 1946, ao passo que a imunidade do
De acordo com os referidos tratados, Estado não é não é prevista em tratado. Por fim,
diversos tipos de profissionais fazem o Estado pode renunciar a suas imunidades. 
jus a privilégios e imunidades, de acordo
com a função que exercem. De acordo
com a Convenção de Viena sobre Relações Menor Nota - 13
Diplomáticas (CVRD), têm direito a Anônimo
imunidades e privilégios o agente diplomático,
aquele que exerce funções diplomáticas Os privilégios e imunidades
(como representar, negociar, informar), sem diplomáticos e consulares servem ao
distinção em função de classe; os agentes propósito de permitir a funcionários
administrativos (prestam função de apoio do serviço exterior desempenhar
à missão, como oficias de chancelaria); o satisfatoriamente as suas funções. Assim,
pessoal de serviço e funcionários particulares. não mais vigora, em Direito Internacional, o
A Convenção sobre Relações Consulares critério representativo, no qual diplomatas
(CVRC) protege os agentes consulares; e cônsules desfrutavam de imunidades
agentes administrativos; pessoal de serviço e privilégios por serem considerados
e funcionários particulares. Há restrições, representantes do soberano de seu país de
contudo, se o indivíduo for nacional do Estado origem. Adota-se, hodiernamente, o critério
em que desempenha suas funções. Também funcional.
são imunes os funcionários da ONU e suas O Brasil se baseia na Convenção de
agências, contratados pelo processo formal Viena sobre Imunidades Diplomáticas de 1961
de cada uma e atuante em outro Estado. O e na Convenção de Viena sobre Imunidades
agente diplomático brasileiro passa a gozar Consulares de 1963, respectivamente, para
dessas prerrogativas assim que chega a um reconhecer e aplicar privilégios e imunidades
Estado estrangeiro para desempenhar suas a agentes diplomáticos e consulares. Quanto
funções, sendo que o Brasil deve informar aos funcionários da ONU e de suas Agências
previamente acerca de sua ida. Especializadas, suas imunidades e privilégios
De acordo com a CVRD/63, o agente são tema de tratado, como os acordos de sede
diplomático goza de imunidades penais, civis e a própria Carta da ONU.
e administrativas tanto para atos oficiais Fazem jus a privilégios e imunidades
como particulares. Não podem, portanto, pela Convenção de 1961 os agentes
ser presos (em nenhuma das hipóteses de diplomáticos (o chefe da missão e os demais
prisão) nem serem réus em ações civis (salvo diplomatas do país acreditante), o pessoal
as três exceções previstas: imóvel particular, técnico e administrativo, os membros do
sucessão ou outra profissão). Por fim, têm pessoal de serviço, como porteiros e copeiras,
privilégios tributários (não incidência de e também empregados particulares, ainda
imposto de renda) e previdenciários (não que, pela natureza de suas funções, a proteção
contribuição para a previdência) no Estado dos agentes diplomáticos seja mais ampla.
em que exercem suas funções. Estes passam a gozar das prerrogativas
218 ÍNDICE
a partir do momento em que começam a informativo nº 706 do STF esclareceu que
exercer suas funções em caráter permanente. há imunidade absoluta de jurisdição e de
O chefe da missão, nesse sentido, precisa execução perante tribunais internos, em
receber o agrément, antes de entregar suas linha com o disposto no DI atual.
cartas credenciais. Pela Convenção de 1963,
têm direito a privilégios e imunidades os
agentes consulares (chefe da repartição e
outros agentes consulares), o pessoal técnico
e administrativo, os membros do pessoal de
serviço e empregados particulares. O chefe da
repartição consular desfruta das imunidades
após o exequatur à carta patente, que contém
informações sobre sua pessoa e é elaborada
pelo Estado que envia, que a entrega ao
Estado receptor.
Agentes diplomáticos, por exemplo,
desfrutam de privilégios alfandegários,
conforme a Convenção de Viena de 1961. Isso
significa que não precisam pagar impostos
diretos no Estado acreditado, apenas no
acreditante. Não obstante, ainda devem
pagar impostos indiretos, como os embutidos
nos preços dos produtos dos supermercados
locais, e se responsabilizam, igualmente, por
pagar taxas sobre serviços que os beneficiem
diretamente. Ainda segundo a Convenção
de 1961, agentes diplomáticos possuem
imunidade penal ratione personae, não
podendo responder por crimes no Estado
acreditado. Contudo, a partir do momento
em que o agente é declarado persona non
grata e, na hipótese de não cumprir o prazo
fornecido pelo Estado acreditado (72h, se há
voos diretos entre os países) para que seja
retirado pelo Estado acreditante, a imunidade
recairá apenas sobre os atos passados do
diplomata, desempenhados no exercício de
suas funções.
Antigamente, a imunidade de
jurisdição dos Estados era absoluta,
segundo o princípio do par in parem non
habet judicium. Todavia, o DI evoluiu nesse
sentido, e se considera que Estados possuem
imunidade relativa, somente em relação a
seus atos de império, mas não para atos de
gestão. Tal foi o entendimento de Rezek ao
analisar o Caso Genny de Oliveira, em 1989,
onde se considerou que não havia imunidade
a Estados em causa trabalhista (no caso
em tela, a RDA). Quanto às organizações
internacionais, e à ONU, em particular, o
219 ÍNDICE
Língua Espanhola
Resumen
Abriendo puertas, cerrando heridas 

A principios de octubre de 1938, Frida


Kahlo se trasladó a Estados Unidos para
preparar su primera exposición individual
en la galería de Julien Levy en Nueva York.
Se enfrentaba ahora a un nuevo reto, puesto
que con anterioridad tan sólo había tenido
la oportunidad de participar en algunas
muestras colectivas. Sus relaciones con Diego
no pasaban por el mejor momento, pero
incluso así, éste se volcó a fin de que todo
estuviese perfecto para su esposa. La puso en
contacto con gente importante y le ayudó,
incluso, a redactar la lista de invitados para la
inauguración. A su vez, la galería realizó una
gran campaña publicitaria, equiparable a la
de una estrella de cine, mientras que varios
artículos periodísticos y un anuncio en la
revista Vogue aportaron su granito de arena. Su
imagen estaba por doquier, fotografiada ante
distintas obras. Una de éstas era Lo que vi en el
agua o Lo que me dio el agua, lienzo en el que
la artista mexicana desarrolló como nunca un
lenguaje pictórico propio y recurrió a múltiples
elementos de otros trabajos. Para ella, significó
un gran descubrimiento saber que existían
personas interesadas en su pintura. 
220 ÍNDICE
Frida hasta entonces se había dedicado y nunca lo será, pero es un gran compañero”.
a su afición sin pensar en un hipotético Por otro lado, también decía: “He sufrido
público. Así se lo demostró durante aquel dos grandes accidentes en mi vida: uno fue
verano el actor estadounidense Edward G. en autobús y el otro, Diego”. Este tipo de
Robinson, a quien Diego le vendió cuatro contradicciones ilustran a la perfección la
lienzos de su esposa al precio de 200 relación turbulenta que siempre mantuvo la
dólares cada uno. Para Frida, aquella venta pareja de artistas.
fue algo sorprendente en su vida, pero   Durante su estancia en Nueva York,
saboreó por primera vez el dulce placer de Frida asistió a una fiesta organizada por su
sentirse independiente económicamente. amiga Dorothy Hale, una actriz y corista a
Su presencia en Nueva York se convirtió en la que había conocido en México. Casada
un acontecimiento social, y la exposición, con Garnier Hale, un pintor de retratos
abierta del 1 al 14 de noviembre, se saldó con de la clase alta, su fallecimiento en un
un buen balance comercial. A pesar de su accidente automovilístico dejó inmersa
salud precaria, la noche de la inauguración a la desafortunada actriz en grandes
su moral estaba lo suficientemente motivada dificultades económicas. Dorothy no podía
como para poner un especial cuidado en mantener en modo alguno los exagerados
su indumentaria, sabedora de que iba a derrotes pecuniarios que sostenía en vida
encontrarse con la flor y nata de la sociedad de su difunto esposo, y se mantenía con los
neoyorquina. La presentación del catálogo piadosos favores monetarios de sus amigos.
corrió a cargo de Andrés Breton; el hecho de En sus intentos por encontrar trabajo, a los
que estuviera redactado en francés suscitó 33 años la consideraban demasiado vieja para
ciertas críticas. De las 25 obras expuestas, una carrera profesional. Acostumbrada a
fueron vendidas la mitad, y la artista una vida fácil y al dinero, decidió suicidarse,
obtuvo, además, encargos de algunos de los no sin antes celebrar por todo lo alto su
visitantes, como por ejemplo de A. Conger despedida anunciando a sus más allegados
Goodyear, entonces presidente del Museum que “iba a dar inicio a un largo viaje”. Aquella
of Modern Art de Nueva York. Éste se había noche, Frida Kahlo se retiró pronto, porque
entusiasmado con el cuadro Fulang-Chang (circunstancias del destino) al día siguiente
y yo pero la artista ya se lo había regalado a tenía que empezar un retrato de la propia
su amiga Mary Schapiro. Por ello, le encargó Dorothy. Sin embargo, la noticia de su muerte
la ejecución de una obra parecida para él, le llegó antes que tuviera tiempo de poner
cuyo resultado fue al final un sorprendente siquiera a punto su paleta de colores.
Autorretrato con mono.    Pese a tan desgraciado suceso
Tampoco desaprovechó Frida la Clare Boothe Luce, la editora de la revista
ocasión de conocer a nuevas personas, e de moda Vanity Fair, le pidió a Frida que
inició una aventura amorosa con el fotógrafo pintara igualmente el retrato de Dorothy
estadounidense, de origen húngaro, Nickolas Hale. Quería regalar el cuadro a la madre de
Muray. Lo había conocido en México y Dorothy para que tuviese un bello recuerdo
era autor de una de las fotografías más de su hija, aunque según otras versiones,
famosas que se conocen de la pintora. Ella fue la propia artista la que se ofreció a llevar
se abandonó a aquella relación con gran a cabo la obra. El resultado no fue para la
pasión y naturalidad, pese a lo cual siguió editora el esperado: Frida había optado en
manteniendo contacto con su esposo. Sabía su pintura por una inversión cruel y había
que su afecto por él era inquebrantable, escenificado el suicido en las diferentes fases
pero ello no le impedía amar intensamente de la caída de lo alto del lujoso edificio de
a otros hombres y mujeres. A pesar de las apartamentos de Hampshire House. Cuando
infidelidades, ella siempre sostuvo: “ser la Clare Boothe vio el lienzo, su primera
mujer de Diego es la cosa más maravillosa del tentación fue destruirlo: “nunca olvidaré el
mundo. Yo le dejo jugar al matrimonio con susto que me llevé cuando saqué el cuadro
otras mujeres. Diego no es el marido de nadie de la caja. Me sentía físicamente enferma.
221 ÍNDICE
¿Qué había de hacer yo con este escalofriante Padrão de Resposta
cuadro del cadáver estrellado de mi amiga,
con su sangre goteando por todas partes? No  Tras participar de (después de hacer)
podía enviarlo de vuelta: a lo ancho del borde algunas muestras (exposiciones) colectivas
superior se encontraba un Ángel portando un en México, Frida Khalo tuvo la oportunidad,
estandarte desenrollando donde se decía en en 1938, de hacer su primera exposición
español que esto era “el asesinato de Dorothy individual e internacional, en Nueva York.
Hale, pintado por encargo de Clare Boothe Diego Rivera, su esposo, le ayudó en el
para la madre de Dorothy”. Ni siquiera para proceso, aunque, como compañeros no
mí más encarnizado enemigo le habría yo estuvieran (estuviesen) muy bien. La relación
encargado pintar un cuadro tan sangriento, y de la pareja siempre fue conturbada. Ambos
mucho menos de mi desafortunada amiga”. artistas siempre mantuvieron (tuvieron)
Finalmente, optó por la prudente solución casos extraconyugales, sin que esto fuera
de sobrepintar banderola y borrar parte de la (fuese) motivo para el término de la relación.
inscripción inferior, para mantener alejado Frida Khalo siempre dijo ser “la mujer de
su nombre de aquel trabajo. Si Frida quería Diego”. Durante la estadía en Nueva York,
notoriedad, indudablemente la obtuvo pues Frida empezó un relacionamiento amoroso
la prensa mexicana se encargó de publicar la con el fotógrafo Nickolas Muray, a quien
fotografía de su funesto lienzo. conoció en México y es autor de una de
las fotografías más famosas de la artista.
 García Sánchez, Laura. Frida Kahlo. Tikal ediciones, D.F,
En aquél entonces Diego le ayudó a
2008 (p.125-143), com adaptações.
Frida a escribir (a hacer) la lista de invitados
y le puso en contacto con gente importante de
Elabore un resumen, en lengua
la cuidad, todo para promover la exposición,
española, con su propio vocabulario, del
que tuvo divulgación digna de artistas de
texto presentado. 
cine. La muestra fue un éxito total, aunque
le hayan criticado por escribir el catálogo en
Extencion del texto: hasta 60 líneas.  francés. En la inauguración de la exposición,
[valor: 25,00 puntos].  Frida superó sus dificultades de salud y se
presentó de la mejor manera posible. Sabía
que estarían en la muestra las personas más
importantes de la comunidad estadounidense.
Relatório de Notas La artista vendió mitad de las obras y le
encomendaron (encargaron/pidieron) otras
Maior Nota: 25 tantas. Ella percibió por primera vez que era
Nota Média: 22,2 posible tener independencia financiera por
Menor Nota: 16,5 medio de su arte y que tenía un público, aunque
Desvio-padrão: 2,278 nunca hubiera (hubiese) pensando en eso.
Todavía en Nueva York, Frida fue a
la fiesta de Dorothy Hale, viuda de Garnier
Hale. Dorothy había organizado la fiesta
para despedirse de sus amigos, pues había
decidido suicidarse después de la fiesta.
En aquél día, la artista mexicana salió
temprano de la conmemoración porque al
día siguiente debería empezar un retrato 
de la propia Dorothy, encomendado por la
editora de Vanity Fair. Traz la muerte de su
amiga, Frida hizo un terrible retrato con
todo el proceso de su muerte y culpando a
Clare por el suicidio. No se sabe si el cuadro
222 ÍNDICE
fue encomendado por la editora de Vanity Nota - 25
fair (como antes de la muerte de Dorothy) o Sofia Hauschild
si fue Frida quien insistió en hacerlo. Lo que
se sabe es que con la pintura Frida consiguió El texto trata del traslado de
bastante atención, puesto que los periódicos Frida Kahlo a Estados Unidos, en 1938,
mexicanos publicaron fotos de su obra. con el objetivo de organizar su primera
exposición, en Nueva York, de naturaleza
Obs.: o texto também pode ser escrito individual. Aunque Frida no pasase por
no presente, desde que sejam feitas un buen momento en su matrimonio, su
as devidas alterações. marido Diego le apoyó en la preparación
de la muestra. Además, la prensa fue muy
Referência
relevante en la divulgación de la exposición,
GARCÍA SÁNCHEZ, Laura. Frida Kahlo.Tikal ediciones,
y periódicos y revistas publicaron imágenes
D.F, 2008 (p.125-143).
de Frida y de sus obras. Según la autora, se
trató de una sorpresa para Frida.
Así pues, Frida trabajaba sin
preocuparse con el reconocimiento de su
obra. No obstante, le gustó recibir dinero
por su trabajo, cuando el actor Edward G.
Robinson le compró cuatro lienzos por 200
dólares, a través de su marido. La muestra en
Nueva York fue un gran éxito. Frida no estaba
bien de salud, pero se preocupó con su ropa
en ocasión de la inauguración. Andrés Breton
presentó, en francés, el catálogo de obras y
se vendió la mitad de ellas. Asimismo, hubo
encargos como lo del presidente del Museum
of Modern Arts de la ciudad. A él le había
gustado el cuadro Fulang-Chang y yo, pero
ya no estaba disponible, entonces Frida le
hizo la obra Autorretrato con mono.
La autora del texto relata la aventura
amorosa de Frida con el fotógrafo Nickolas
Muray. Los dos se conocían desde México y
Frida estaba enamorada de él. Sin embargo,
continuaba en contacto con Diego, ya que
todavía lo amaba. Según sostiene la autora,
Diego y Frida eran infieles en su relación
matrimonial, y Frida manifestaba opiniones
contradictorias con respecto a su turbulento
matrimonio. Decía que se trataba de un gran
compañero, pero que conocerlo había sido
trágico.
En Nueva York, Frida participó en
la fiesta de su amiga actriz Dorothy Hale,
que pasaba por dificultades financieras tras
la muerte de su marido Garnier Hale, un
pintor que tenía mucho dinero. Dorothy ya
no lograba encontrar trabajo como actriz,
porque tenía 33 años y ya era tarde para
empezar una carrera seria. Sobrevivía,
223 ÍNDICE
entonces, con la ayuda de sus amigos. Un día, sacado una de las fotografías más famosas
tras decir a ellos que iba a viajar, se suicidó. Se de Frida. Sin embargo, Frida jamás ha
trataba del día de la fiesta y, por casualidad, dejado de hablar con su esposo. Ella tenía
Frida iba a pintar al día siguiente el retrato de un gran afecto por Diego, pero eso no le
Dorothy. impedía relacionarse con otros hombres

Después, la editora de Vanity Fair o mujeres. Mientras, Fridas también le
Clare Boothe Luce le pidió el retrato a Frida, permitía a Diego relacionarse con otras.
a pesar de lo ocurrido. Por fin, la pintura Frida costumbraba decir que ser la mujer
mostraba la caída de Dorothy. La autora de Diego era maravilloso, pero también le
explica que Clare, primeramente, quiso consideraba uno de los grandes accidentes
destruir el lienzo, pero en el retrato decía de su vida. Ese tipo de contradicción
que ella misma había encargado la pintura a ilustra la relación turbulenta de ellos.
Frida como un regalo a la madre de Dorothy. En Nueva York, Frida Kahlo ha ido
Decidió que sería mejor borrar su nombre de a una fiesta organizada por una amiga,
la obra. Sin embargo, el lienzo de la muerte la actriz y corista Dorothy Hale. Dorothy
de Dorothy fue publicado por la prensa de había quedado con dificultades económicas
México, según relata la autora. después de le muerte de su marido, el pintor
de retratos Garnier Hale. Dorothy no podía
vivir como vivía cuando él estaba vivo. Sus
amigos le ayudaban. Tampoco encontraba
Nota - 24,5 un empleo. La fiesta había sido una manera
Mânlio Souza Morelli de Dorothy celebrar su despedida, pues había
decidido suicidarse. Frida se ha retirado
Frida Kahlo ha participado de su pronto para empezar un retrato de Dorothy
primera exposición individual en la galería al día siguiente. Frida ha recibido la noticia
Julien Levy en Nueva York. Su marido, de la muerte antes que empezara, con todo.
Diego, ha hecho todo para que ella tuviera A pedidos de Clare Boothe Luce,
una experiencia perfecta. La galería ha editora de la revista Vanity Fair, Frida ha
desarrollado una gran campaña publicitaria. pintado un retrato de Dorothy así mismo.
Periódicos y revistas anunciaban la exposición. Clare deseaba regalarlo a la madre de la
Hasta entonces, Frida no sabía que existían actriz. Con todo, Frida ha hecho un lienzo
escenificando el suicidio. A Clare no le gustó
tantas personas interesadas en su obra.
la obra. Frida aún había pintado el nombre
De hecho, Frida jamás había
de la editora en lienzo. Clare ha borrado su
considerado tener un público. A ella le ha
nombre del trabajo. Frida, por su vez, ha
sorprendido la venta de cuatro lienzos al
obtenido notoriedad debido a la publicación
actor estadunidense Edward G. Robinson. El
de la fotografía de su trabajo en la prensa
viaje de Frida a Nueva York se ha vuelto un
mexicana. 
evento social. Ha vendido una buena parte
de sus obras en la exposición. Además, A.
Apesar das quatro marcações
Conger Goodyear, entonces presidente del
na prova, constavam no espelho
Museum of Modern Art de Nueva York, le ha apenas dois erros. O número dois,
encargado la ejecución de una obra parecida inclusive foi escrito sobre uma
con el cuadro Fulang-Chang y yo, el cual Frida mancha de corretivo branco. As duas
había regalado a su amiga Mary Schapiro. El marcações de Diego dizem respeito
Autorretrato con mono ha sido el resultado. a duas ocorrências de sobrescrita.
Frida también ha aprovechado la Recorri de ambas e ganhei 0,5.
experiencia para conocer a otras personas.
Su relación amorosa con el fotógrafo
estadunidense, de origen húngaro, Nikolas
Muray ha empezado en Estados Unidos,
aunque lo hubiera conocido en México. É ha
224 ÍNDICE
Nota - 24,5 pintura pareció tan cruel a la editora que
Ricardo Nocera Pires su primer deseo era destruirla. Al fin, optó
por sobrepintar una parte. En resumen,
En 1938, Frida Kahlo fue a Estados Frida obtuvo una gran notoriedade, puesto
Unidos para preparar su primera exposición que la prensa mexicana decidió publicar la
individual en Nueva York. Sus relaciones con fotografía de su funesto lienzo. 
Diego no estaban en su mejor momento, pero
él le ayudó, redactando una lista de invitados
para la inauguración. Además, la galería
lanzó una campaña publicitaria comparable
a la de una estrella de cine. Para la artista, eso
significó un descubrimiento de la existencia
de personas que estaban interesadas en su
pintura.
Hasta entonces, Frida no había pensado
en un público probable. Aquel verano Diego
logró vender cuatro lienzos de su esposa
al actor Edward G. Robinson. Se trataba
de algo sorprendente para Frida, puesto
que ella empezó a sentirse independiente
económicamente. Su presencia en Estados
Unidos se convirtió en un acontecimiento
social, y ella fue a la noche de inauguración
a pensar de su condición de salud. De las más
de 20 obras expuestas, fueron vendidas la
mitad, y Frida obtuvo encargos de parte de
los visitantes.
Frida aún aprovechó la ocasión y
conoció nuevas personas, como el fotógrafo
Nickolas Muray, con quien empezó una
aventura amorosa. Ella creía que su afecto
por Diego era inquebrantable, mismo que
también amase a otros hombre y mujeres.
No obstante, ella lo consideraba como
un accidente en su vida. Se trata de una
contradicción característica de la relación
que mantuvo la pareja. 
En Nueva York, Frida asistió a una
fiesta de su amiga Dorothy Hale, que era
casada con Garnier Hale. Acostumbrada con
una vida fácil y de lujo, ella tuvo dificultades
después de la muerte de su marido. Se
mantenía con los favores económicos de sus
amigos, pero acabó decidiendo suicidarse.
En su despedida, ella anunció que empezaría
un largo viaje. Aquella noche, Frida salió
temprano para empezar un retrato de
Dorothy al día siguiente.
La editora de la revista Vanity Fair
pidió a Frida un retrato de Dorothy Hale
para regalar a su madre. Sin embargo, la

225 ÍNDICE
Versión Ela era a mais quieta de todas, e a mais cheia
de melancolia. Parece que adivinhava este
destino. 
CAPÍTULO II  Papai aprovou muito a escolha dela;
À MESMA  faz-lhe muitos elogios como pessoa de juízo,
e chegou a dizer que eu devia fazer o mesmo.
Corte, 15 de outubro  Que lhe parece? Eu, se tivesse de seguir algum
exemplo, seguia o da minha Luísa; essa sim,
Gastou muitos dias, mas veio uma carta é que teve dedo para escolher... Não mostre
longa, e, apesar disso, curta. Obrigada pelo esta carta a seu marido; é capaz de arrebentar
trabalho; peço-lhe que o repita; aborreço os de vaidade. 
seus bilhetinhos, escritos às carreiras, com o E vocês não vêm para cá? É pena;
pensamento... em quem? Nesse marido cruel dizem que vamos ter companhia lírica, e
que só cuida de eleições, segundo li outro mamãe está melhor. Quer dizer que vou
dia. Eu escrevo cartinhas quando não tenho passar algum tempo de vida excelente. O
tempo para mais. Mas quando me sobra futuro enteado da Mariquinhas, o tal que ela
tempo escrevo cartões. Creio que disse uma devia escolher em lugar do pai, afirma que a
tolice; desculpe-me.  companhia é magnífica. Seja ou não, é mais
Vieram as encomendas logo no dia um divertimento. E você lá na roça!... 
seguinte ao da minha última carta. E que Vou jantar; adeus. Escreva-me quando
quer você que eu lhe mande? Tenho aqui puder, mas nada de cartas microscópicas. Ou
uns figurinos recebidos ontem, mas não muito ou nada.
há portador. Se puder arranjar algum por
estes dias irá também um romance que me  RAQUEL Ponto de Vista. In.: ASSIS, Machado de.
trouxeram esta semana. Chama-se Ruth. Histórias da meia-noite. São Paulo: LEL, [s.d.]. p. 176-246.
Conhece?  (Coleção obras ilustradas de Machado de Assis, v.1).
A Mariquinhas Rocha vai casar. Que Disponível em: . Acesso em: 3 jun. 2021.
pena! tão bonitinha, tão boa, tão criança, vai
casar... com um sujeito velho! E não é só isto: Traduzca al español el texto presentado. 
casa-se por amor. Eu duvidei de semelhante
coisa; mas todos dizem que tanto o pai como [valor: 25 puntos] 
os mais parentes procuraram dissuadi-la de
semelhante projeto; ela porém insistiu de
maneira que ninguém mais se lhe opôs.
 A falar verdade, ele não está a cair de Relatório de Notas
maduro; é velho, mas elegante, gamenho,
robusto, alegre, diz muitas pilhérias e parece Maior Nota: 22,5
que tem bom coração. Não era eu que caía Nota Média: 16,56
apesar de tudo isto. Que consórcio pode haver Menor Nota: 8
entre uma rosa e uma carapuça?  Desvio-padrão: 3,471
Antes, mil vezes antes, casasse ela com
o filho do noivo; esse sim, é um rapaz digno
de merecer uma moça como ela. Dizem que
é um bandoleiro dos quatro costados; mas
você sabe que eu não creio em bandoleiros.
Quando uma pessoa quer, vence o coração
mais versátil deste mundo. 
O casamento parece que será daqui a
dois meses. Irei naturalmente às exéquias,
quero dizer às bodas. Pobre Mariquinhas!
Lembra-se das nossas tardes no colégio?

226 ÍNDICE
Padrão de Resposta colegio)? Ella era la más quieta de todas, y
la más llena de melancolía (la más triste).
 Corte, 15 de octubre Parece que adivinaba su destino (su futuro).
Papá (nuestro padre) aprobó su
Tardaste bastante, pero escribiste una elección; le hizo muchos elogios como
carta larga, y, no obstante, corta. Gracias por persona responsable, y hasta me dijo que
tu trabajo; te pido que lo repita. Me aburren debería hacer lo mismo. ¿Qué te parece? Si
tus billetitos, escritos rápidamente, ¿con los tuviera que seguir algún ejemplo, seguiría
pensamientos... en quién? En este marido el de Luísa (el de mí Luísa), esta sí, supo
cruel que cuida solamente de elecciones, elegir... no enseñe esta carta a su esposo
por lo que leí otro día (según leí otro día). (marido); es probable que no quepa en
Escribo cartas cuando no tengo tiempo para sí mismo de vanidad (es probable que
más. Sin embargo, cuando me sobra tiempo (él) explote de arrogancia/presunción).
escribo cartas larguísimas (muy largas). ¿Y vosotros no venís (ustedes no
Creo que he dicho tonterías; perdóname. vienen) aquí/acá? Es una lástima, dicen
Llegaron los paquetes (las que vamos a tener una compañía poética,
encomiendas) al día siguiente al de mi y mamá está mejor. Es decir (quiere decir)
última carta. ¿Qué quieres que te envíe? que voy a pasar algún tiempo de vida de
Tengo aquí unas ropas que recibí ayer, pero muy buena calidad (excelente/ que voy a
no tengo quien las lleve (quien te las lleve). disfrutarlo bastante). El futuro hijastro
Si consigues a alguien (si consigues a un de Mariquinhas, el que ella debería elegir
portador) por estos días, te envío también un como marido (elegir en el lugar del padre),
romance que me trajeron (me entregaron) afirma que la compañía es esplendida
esta semana. Se llama Ruth. ¿Conoces? (magnífica/ excelente). Sea o no sea, es un
Mariquinhas Rocha va a casarse. ¡Qué pasatiempo. ¡ Y tú, en el campo (en el pueblo)!
lástima! Tan linda, tan buena, tan niña, va a Voy a cenar; adiós. Escríbeme
casar... ¡con un tío viejo! (¡con un viejo!). No cuando puedas, pero nada de cartas cortas
solamente esto: casarse por amor. Yo lo dudé (microscópicas). O mucho o nada.
(Yo lo dudo); pero todos dicen que tanto su Raquel
padre como sus otros familiares intentaron
convencerla de no hacerlo (intentaron  Referência
Ponto de Vista. In: ASSIS, Machado de. Histórias da
disuadirla de tal idea); ella, no obstante,
meia-noite. São Paulo : LEL, [s.d.]. p. 176-246.
insistió de manera que nadie más se opone.
(Coleção obras ilustradas de Machado de Assis,
Por decirte la verdad, él no está fatal,
v.1.Disponívelem: <http://www.dominiopublico.gov.br/
está viejo (es mayor), pero elegante, gracioso
download/texto/bv000185.pdf>.
(majo), fuerte, alegre, cuenta bromas y
parece tener un buen corazón. Pero, yo no
me enamoraría, aunque todo eso. ¿Qué unión
puede existir entre una rosa y una caperuza?
Mil veces se casara (casase)
(Mariquinhas) con el hijo del novio, un
joven digno de una niña como ella (como
Mariquinhas). Dicen que es un conquistador
(mujerío/seductor) de los cuatro cantos,
pero sabes que no creo en conquistadores.
Cuando una persona quiere (desea),
vence el corazón más instable del mundo.
La boda parece que será en dos meses.
Iré naturalmente al funeral, quiero decir, a
la boda. ¡Pobre Mariquinhas! ¿Te acuerdas
de nuestras tardes en la escuela (en el

227 ÍNDICE
Nota - 22,5 corazón más versátil de este mundo.
Sofia Hauschild Parece que el matrimonio será en dos
meses. Yo, naturalmente, iré al entierro, es
Pontuação: Antes dos recursos: decir, a las bodas. ¡Pobre Mariquinhas! ¿Te
FID – 9; NE – 7; TL – 40 acuerdas de nuestras tardes en el colegio?
Depois dos recursos: Ella era la más callada de todas, y la más llena
FID - 9; NE: 3; TL - 40 de melancolía. Parece que adivinaba este
destino.
Papá aprobó mucho su opción; le hace
Capítulo II a ella muchos elogíos como persona que tiene
A la misma juicio, y llegó a decir que yo debería hacer lo
Corte, 15 de octubre mismo. ¿Qué te parece? Y, si yo tuviese que
seguir algún ejemplo, seguiría lo de mi Luisa;
Necesitó de muchos días, pero vino una esa sí, es que supo elegir bien… No muestres
carta larga, y, a pesar de ello, corta. Gracias esta carta a tu marido; se puede explotar de
por el trabajo; te pido que lo repitas; no me vanidad.
gustan tus notas, escritas con prisa, con el ¿Y ustedes no vienen para acá? Es
pensamiento…  ¿en quién? En ese marido una lástima, dicen que vamos a tener una
cruel que sólo cuida de elecciones, según yo compañía lírica, y mamá está mejor. Eso
leí, otro día. Escribo cartitas cuando no tengo quiere decir que voy a pasar algún tiempo
tiempo para más. Sin embargo, cuando me de vida excelente. El futuro enteado de
sobra el tiempo, escribo largas cartas. Creo Mariquinhas, el tipo que ella debería elegir
que le dije una tontería, perdón. al puesto del padre, dice que la compañía
Vinieron los encargos ya al día es magnífica. Que lo sea o no, es más una
siguiente a lo de mi última carta. ¿Y qué diversión. ¡Y tú allá en el campo! …
quieres que yo te mande? Tengo aquí unos Voy a cenar; adiós. Escríbeme cuando
trajes recibidos ayer, pero no hay portador. puedas, pero nada de cartas microscópicas. O
Si puedes conseguir alguno por estes días irá mucho, o nada.
también un romance que me trajeron esta -Raquel
semana. Se llama Ruth. ¿Lo conoces?
Mariquinha Rocha se va a casar. ¡Qué
pena! Tan guapa, tan buena, tan niña, se va Nota - 22
a casar… ¡con un tipo viejo! Y no es todo: se Leonardo dos Santos Avakian
casa por amor. Dudé de eso; pero todos dicen
que sea el padre que sus otros parientes Pontuação: FID – 10; NE – 11; TL – 45
buscaron disuadirla de semejante proyecto;
sin embargo, ella insistió, entonces nadie Capítulo II
más se le opuso. A la misma
A decir verdad, él no es tan viejo; es
viejo, pero elegante, simpático, robusto, Corte, 15 de octubre
alegre, dice muchas cosas divertidas y parece
que tiene buen corazón. No era yo quien Gastó muchos días, pero vino una carta
estaba cayendo, a pesar de todo eso. ¿Qué larga, y, a pesar de eso, corta. Gracias por el
consorcio puede existir entre una rosa y un trabajo; le pido que lo repita; no me gustan
sombrero? sus billetitos, escritos rápidamente, con el
Sería mil veces mejor que ella se pensamiento... ¿en quién? En ese marido
casase con el hijo del novio; ese sí, es un cruel que solo cuida de comicios, según leí el
muchacho digno de merecer una muchacha otro día. Yo escrebo cartitas cuando no tengo
igual que ella. Dicen que es un embustero que tiempo para más. Pero cuando me queda
va por el mundo; pero sabes que no creo en tiempo escribo cartones. Creo que dije una
los embusteros. Cuando uno quiere, vence el tontería; discúlpeme.
228 ÍNDICE
Vinieron los encargos luego al día uno divertimiento más. ¡Y tú allá en la finca!...
siguiente de mi última carta. ¿Y qué quieres Voy a cenar; adiós. Escríbame cuando
que yo te mande? Tengo aquí unas prendas puedas, pero nada de cartas microscópicas. O
recibidas ayer, pero no hay nadie para mucho o nada.
entregarlas. Si pudiera conseguir alguno
por eses días, irá también un romance que
me trajeron esta semana. Se llama Ruth. Nota - 21
¿Conoces? Victor de Ávila Siqueira
Mariquinhas Rocha va a casarse. ¡Qué
lástima! Tan guapa, tan buena, tan niña, va a Pontuação: Antes dos recursos:
casarse... ¡con un tipo viejo! Y no es solo esto: FID – 10; NE – 16; TL – 38
se casa por amor. Yo duvidé de semejante Depois dos recursos: - FID - 10;
cosa; pero todos dicen que tanto el padre como NE - 8; TL - 38
los demás parientes intentaron disuadirla de
semejante proyecto; pero ella insistió de tal
manera que nadie más se opuso a ella. Capítulo II
En verdad, él no está así tan viejo; A la misma
es viejo, pero elegante, enérgico, robusto, Corte, 15 de octubre
alegre, dice muchas piadas y parece que
tiente buen corazón. No era yo quien caía a Se pasaron muchos días, pero llegó
pesar de todo esto. ¿Qué consorcio puede una carta comprida y, sin embargo, corta.
haber entre una rosa y una carapaza? Gracias por el trabajo; le pido a usted que
Antes, mil veces antes, casara ella lo haga nuevamente; me enfado con sus
con el hijo del novio; ese sí, es un muchacho pequeñas notas, escritas con prisa, ¿con el
digno de merecer una muchacha como ella. pensamiento… en quién? En ese esposo cruel
Dicen que es un bandido de los peores; pero que solo se ocupa de elecciones, de acuerdo
tú sabes que no creo en bandidos. Cuando con lo que leí otro día. Yo escrevo pequeñas
alguien quiere, gana el corazón más versátil cartas cuando no tengo tiempo para más.
de este mundo. Pero cuando tengo tiempo, escrevo grandes
El matrimonio parece que será en dos cartas. Acredito que he dicha tontería;
meses. Iré naturalmente al entierro, quiero perdóname.
decir a las bodas. ¡Pobre Mariquinhas! ¿Te Los pedidos llegaron en el día siguiente
acuerdas de nuestras tardes en la escuela? al de mi última carta. ¿ Qué quiere que yo
Ella era la más quieta de todas, y la más llena mande? Tengo aquí unas indumentarias
de melancolía. Parece que adivinaba este recibidas ayer, pero no hay entregador. Si
destino. encontrar uno estos días, también irá un
Papá aprobó mucho su opción; le hizo libro que me trajeron esta semana. Se llama
muchas alabanzas como persona de juicio, Ruth ¿Lo conoce?
y llegó a decir que yo debía hacer lo mismo. Mariquinhas Rocha va a casarse. ¡Que
¿Qué te parece? Yo, si tuviera que seguir triste! Tan bonita, tan buena, tan niña, va
algún ejemplo, seguiría el de mi Luísa; esa sí a casarse… ¡com um hombre viejo! Y no es
es que tuvo dedo para escoger... No muestres todo: se casa por amor. Dudé de una cosa
esta carta a su marido; es capaz de explotar pareja; pero todos dicen que el padre y los
de vanidad. familiares intentan hacerla desistir de igual
¿Y ustedes no vienen para acá? Lástima; proyecto; pero ella insistió de una manera
dicen que vamos a tener compañia lírica, y que nadie se opuso.
mamá está mejor. Eso quiere decir que voy a En verdade, no está a punto de caer; es
pasar algún tiempo de vida excelente. El hijo viejo, pero elegante, garboso, fuerte, alegre,
del futuro marido de Mariquinhas, a quien dice muchas cosas cómicas y parece tener un
ella debía escoger en lugar del padre, afirma buen corazón. Yo no aceptaría a pesar de todo
que la compañia es magnífica. Sea o no, es eso. ¿Qué unión puede haber entre una rosa y
229 ÍNDICE
una ropa vieja?
Sería mil veces mejor casarse con el
hijo del novio; ese sí es un joven capaz de
merecer una chica como ella. Dicen que es un
viajante de los cuatro cantos; pero sabes que
no acredito en viajantes. Cuando una persona
quiere, vence el corazón más versátil del
mundo.
Parece que el casamiento será en dos
meses. Voy naturalmente a las exequias,
digo, a las bodas. ¡Pobre Mariquinhas! ¿Te
acuerdas de nuestras tardes en el colegio?
Ella era la más silenciosa de todas y la más
melancólica. Parece que ya sabía de su
destino.
Papá apoyó mucho su decisión; le hizo
michos elogíos como persona sabia, y llegó
a decir que yo debería hacer lo mismo. ¿Qué
piensas? Yo, si tuviera que seguir un ejemplo,
sería el de mí Luísa; esa sí supo elegir… No
deje tu marido ver esta carta; es posible que
se ponga lleno de vanidad. 
¿Y ustedes no vienes para acá? Es triste;
dicen que vamos a tener compañía lírica,
y mamá está mejor. Quiere decir que voy a
pasar algun tiempo de vida excelente. El hijo
del novio de Mariquinhas, que ella debería
escoger en cambio del padre, afirma que la
compañía es exquisita. Sea o no, es más un
divertimiento. ¡Y tú en la haciena!...
Voy a cenar; adiós. Mándame una
carta cuando posible, pero nada de cartas
microscópicas. O mucho o nada.
-RAQUEL

230 ÍNDICE
Língua Francesa
Résumé
Les deux carrières de Giraudoux:
complémentaires mais concurrentes

Le règne de Jean Giraudoux au


Commissariat reste encore assez controversé
dans l’historiographie sur la “ drôle de
guerre ” ainsi que dans la littérature portant
sur Giraudoux lui-même. Alors que l’échec
du Commissariat général à l’Information
est communément accepté par l’ensemble
des historiens et acteurs de l’époque, celui
de son chef est beaucoup moins unanime.
Deux visions s’opposent dans ce débat où
les nuances sont plutôt absentes, mis à
part la vision éclairante de l’historien Jean-
Louis Crémieux-Brilhac. D’un côté, dans
ce que nous pouvons qualifier des “ amis
de Giraudoux ”, le chef de la propagande
française est présenté comme une victime
des circonstances, alors que certains auteurs
vont carrément jusqu’à l’apologie, comme
en fait foi l’extrait suivant d’André Beucler
: “ Imperturbable, rempli d’idées et d’air
optimiste, Giraudoux assistait à la lutte
invisible, parfois courtoise, des intérêts
personnels et endura la cacophonie, la
promiscuité administrative avec la sérénité
d’un héros de tragédie. ” De l’autre côté, les
231 ÍNDICE
“ anti-Giraudoux ” le présentent parfois   Ce parcours semble impressionnant
comme un instrument du pouvoir, mais à première vue. Il est évident que Giraudoux
insistentsurtout sur son incompétence possédait une expertise et une connaissance
en matière de propagande, comme le de la question de la propagande qui
déclare Henri Amouroux : “ Le virtuose expliqueraient très bien sa nomination
littéraire le mieux doué de sa génération, comme chef du CGI. Toutefois, une
mais précieux, élégant, sans vulgarité, analyse plus approfondie de son parcours
l’homme en réalité le moins fait pour diriger diplomatique démontre que Giraudoux
un service de propagande qui réclame est un “ fonctionnaire nonchalant”, pour
l’intelligence des foules et non celle des reprendre l’expression de Jean-Baptiste
dieux grecs, le sens des formules rudes et Duroselle. Malgré toute l’admiration dont
simples et non l’art des phrases longues, fait preuve l’historien Jacques Body à l’égard
subtiles et merveilleusement alambiquées. de Giraudoux, il ne peut que reconnaître
” La principale lacune de l’historiographie, que celui-ci ne s’est jamais donné à fond
même pour un auteur remarquable comme dans sa carrière de diplomate. D’ailleurs,
Crémieux-Brilhac, est d’avoir sous-estimé les différents spécialistes sur Giraudoux
l’incompréhension de Giraudoux par partagent tous la même vision selon laquelle
rapport aux exigences de la propagande il était un fonctionnaire peu zélé, n’ayant
moderne qui nécessite des investissements pas vraiment d’aptitudes pour diriger un
massifs et un organisme central possédant quelconque service. Dans les années 1930,
un pouvoir politique important. Comme la carrière de Giraudoux ne lui sert que
intellectuel engagé, Giraudoux n’arrive pas dans la mesure où elle lui assure un salaire
à s’adapter adéquatement à ce type de “ et une liberté d’action pour se consacrer
guerre psychologique totale ”. (...)  entièrement à l’écriture.
Giraudoux est entré au service   L’autre carrière de Jean Giraudoux,
diplomatique le 14 juin 1910, comme élève celle d’écrivain, est de loin la principale
vice-consul au Ministère des Affaires activité qui lui a valu d’être mondialement
Étrangères (MAE), où il a eu un début de connu et de rester, encore de nos jours, un
carrière sérieux et traditionnel, gravissant personnage culturel important de la France
les échelons un à un. (...) Dans l’entre-deux- contemporaine. Comptant plus de cinquante
guerres, Giraudoux sera fortement impliqué œuvres à son actif, autant des romans, des
dans la conduite de la propagande par le MAE, pièces de théâtre, des scénarios de films que
notamment en devenant chef du Service des des ouvrages où il expose sa vision du monde,
Giraudoux est un auteur prolifique, apprécié
Œuvres Françaises à l’Étranger (SOFE) en
du public et respecté autant en France qu’à
1921. Il prendra ensuite la tête du service de
l’étranger. (...)
presse et d’information du MAE en 1924, un
poste qui préfigure son expérience au CGI en
1939-1940. Cependant, comme presque tout
MARCEAU, Guillaume. Jean Giraudoux, un écrivain-
ce qui concernait la propagande étatique en diplomate à la tête d’une propagande d’État (1939-1940).
France pendant l’entre-deux-guerres, ce In: Actes du 7e colloque étudiant du Département
service était fortement critiqué et Giraudoux d’histoire de l’Université Laval. Sous la direction de
n’y a jamais été reconnu pour son zèle. Julien Massicotte, Maria Neagu et Stéphane Savard.
Pendant les dix années suivantes, Giraudoux Québec: Éditeur Artefact, p. 96-98.
continue sa carrière au MAE sans grand fracas,
occupant différentes fonctions. Sa dernière
mission officielle, avant le CGI, date de 1934
où il est chargé de “ l’Inspection générale
des postes diplomatiques et consulaires”, un
poste relié à la diffusion de la propagande du
MAE à travers ses bureaux à l’étranger, ce qui
l’amène à voyager à travers le monde ”.
232 ÍNDICE
Résumez le texte présenté avec Padrão de Resposta
vos propes mots. 
  Si l’échec du Commissariat
Extension du texte:
général à l’Information (CGI) sous la
maximum de 60 lignes. 
direction de Jean Giraudoux est reconnu,
[valeur: 25,00 points]
un débat oppose les “ amis de Giraudoux ”
et les “ anti-Giraudoux ” dans l’analyse de
Relatório de Notas sa gestion. Pour les uns, il est vu comme
une victime des circonstances, voir comme
Maior Nota: 24 un héros impassible. Les autres insistent
Nota Média: 20,4 sur son incompétence en matière de
Menor Nota: 14 propagande. Mais la principale erreur de
Desvio-padrão: 2,475 l’écrivain-diplomate est de ne pas avoir
compris les nécessités de la propagande
moderne : investissements massifs et un
organisme central avec un grand pouvoir
politique. Son parcours diplomatique a
débuté le 14 juin 1910, au Ministère des
Affaires Étrangères (MAE), où il a gravi les
échelons jusqu’à devenir chef du Service des
Œuvres Françaises à l’Étranger (SOFE) en
1921. Ce service très critiqué et Giraudoux
n’est pas considéré comme un travailleur
zélé. Trois ans plus tard, il assume le service
de presse et d’information du MAE, puis il
est chargé en 1934 de “ l’Inspection générale
des postes diplomatiques et consulaires ”,
dont l’objectif est de diffuser la propagande
du MAE par ses bureaux à l’étranger. Cette
carrière le mena à être nommé chef du CGI.
Cependant, les analystes sont unanimes pour
dire que Giraudoux est un fonctionnaire sans
ambitions et inapte à diriger un service. Sa
carrière de diplomate lui permettait surtout
de se consacrer à la littérature, grâce au salaire
et à la liberté d’action qu’elle lui procurait.
C’est en tant qu’écrivain que Giraudoux est
principalement reconnu en France et dans
le monde. Il expose sa vision du monde dans
plus de cinquante oeuvres : des romans, des
pièces de théâtre, des scénarios de films,
entre autres.

Referência

MARCEAU, Guillaume. “ Jean Giraudoux, un


écrivain-diplomate à la tête d’une propagande d’État
(1939- 1940) ”. In: Actes du 7e colloque étudiant du
Département d’histoire de l’Université Laval. Sous la
direction de Julien Massicotte, Maria Neagu et Stéphane
Savard. Québec: Éditeur Artefact, p. 96-98.

233 ÍNDICE
Nota - 24 Il est vrai qu’il est devenu connu grâce
Ricardo Nocera Pires à sa carrière comme écrivain. Il s’agit d’un
personnage culturel important de la
Pontuação: Antes dos recursos: France et d’un auteur prolifique qui est
CSC – 9.5; NE – 1; TL – 36 apprécié et respecté même à l’étranger.
Depois dos recursos: CSC – 9.5;
E – 1; TL – 36
Nota - 23,5
Il n’y a pas un consensus Camile Viana Leal
historiographique concernant le règne de
Jean Giradoux ao Commissariat pendant la Jean Giraudoux était un écrivain
période connue comme “  drôle de guerre  ”. et un diplomate français. Il a dirigé
Toutefois, l’échec du Commissariat général à le service de propagande de l’État
l’Information est accepté par la majorité des français au début du XXe siècle.
historiens. Par ailleurs, l’historien Jean-Louis Du point de vue de sa carrière
Crémieux-Brilhac présente les deux visions diplomatique, Jean Giraudoux a été très
qui existent, quand il s’agit de l’importance de critiqué. En effet, les historiens affirment
Jean Giradoux. Selon les “ amis de Giraudoux ”, qu’il était un fonctionnaire peu zelé
il a été une victime des circonstances. Les et qu’il ne possédait pas l’expertise
“  anti-Giraudoux  ”, à leur tour, défendent nécessaire à son poste. En outre, ils
qu’il a été incompétent en matière de
soutiennent que Giraudoux était un homme
propagande. De toute façon, il est possible
démodé, c’est-à-dira, un diplomate peu
que la principale lacune de l’historiographie
adapté aux changements de l’époque.
soit l’incompréhension de Giraudoux à cause
Néanmoins, il y a une partie
des exigences de la propagande moderne.
de l’historiographie qui croient que
Considéré un intellectuel engagé, Giraudoux ne
Giraudoux était seulement une victime des
peut pas être classifié comme un instrument
circonstances, vu que le diplomate ne pourrait
de la “ guerre psychologique totale ”. 
pas prévoir les exigences spécifiques que la
Le début de la carrière de Giraudoux
guerre de la propagande demandérait. Ainsi,
en 1910 a été sérieux et traditionnel. Dans
André Beucler a même caractérisé Giraudoux
l’entre-deux-guerres, il est devenu chef du
comme un intellectuel très engagé et sérieux.
Service des Œuvres Françaises à l’Étranger
Giraudoux a commencé sa carrière en
et du service de presse et d’information du
1910, comme élève vice-consul au Ministère
MAE, un poste qui anticipe son expérience
des Affaires Étrangères (MAE). Il est devenu
au CGI. Néanmoins, il a été fortement
chef du Service des Œuvres Françaises à
critiqué pendant cette période. Sa dernière
l’Étranger (SOFE) en 1921 et il va continuer sa
mission officielle, avant le CGI, a été le poste
carrière dans les années suivantes aux postes
responsable de “  l’Inspection générale des
diplomatiques liés à la propagande étatique.
poste diplomatiques et consulaires  ”. En
En ce qui concerne la carrière d’écrivain
conséquence, il a diffusé la propagande du
de Jean Giraudoux, tout l’historiographie
MAE à l’étranger.
reconnait sa compétence et sa valeur. Ainsi,
Quoique ce parcours soit impressionnant
Giraudoux est l’un des personnages plus
à première vue, une analyse plus approfondie
importants de la littérature française. Il a
peut démontrer que Giraudoux a été, en vérité,
écrit plus de cinquante œuvres, comme des
un “ fonctionnaire nonchalant ”. les différents
romans et des pièces de théâtre respectés
spécialistes sur Giraudoux sont d’accord avec
mondialement.
la vision selon laquelle il n’était pas capable de
diriger un quelconque service. Dans les années
1930, sa carrière était un moyen d’obtenir *Eu creio que a maior dica para
un salaire qui lui assurait la liberté d’action o resumo de francês seria tentar fazer
nécessaire pour se consacrer à l’écriture.  textos com estruturas simples e que
234 ÍNDICE
você esteja seguro em usar, para evitar ce dernier possédait une expertise et une
cometer erros. Nos anos anteriores, connaissance remarquable sur le thème
eu costumava utilizar estruturas bem de la propagande. Pour l’historien Jacques
mais complexas, e isso prejudicava Body, Giradoux ne s’est jamais vraiment
minha nota. A prova não é o momento dédié à sa carrière de diplomate. En réalité,
para correr riscos. Giradoux s’est servi de cette carrière, dans les
années 1930, pour maintenir les conditions
matérielles nécessaires pour se consacrer à
Nota - 23,5 sa carrière d’écrivain, celle qui était sa vraie
Joan Frederick Baudet Ferreira Franca carrière et pour laquelle il est devenu un
homme célèbre mondialement.

Pontuação: Antes dos recursos:


CSC – 10; NE – 3; TL – 30
Depois dos recursos: CSC – 10;
NE – 3; TL – 30

La vie et la carrière de Jean Giraudoux


inspire des biographies qui racontent sa
trajéctoire en tant que diplomate et écrivain.
Son rôle comme chef du Commissariat
général à l’Information demeure beaucoup
plus controversé que celui d’écrivain. Au
sujet de son rôle en tant que chef de la
propagande française, il y a deux groupes
de pensée opposés. D’une part, les <<amis
de Giradoux>> le présentent comme une
victime des circonstances de son temps
et le qualifient comme un héros. D’autre
part, les <<anti-Giradoux>> soulignent
essentiellement son manque de compétence
en termes de propagande. Selon Henri
Amouroux, Giradoux n’était pas bien placé
pour diriger un service de propagande, car
il n’avait pas les qualités nécessaires pour
cette fonction.

Giradoux est entré au service
diplomatique le 14 juin 1910. Pendant l’entre-
deux-guerres, il est devenu chef du Service
des Œuvres Françaises à l’Étranger (SOFE),
en 1921. Malgré sa dédication à son métier,
cette partie de sa carrière n’a jamais obtenu
de reconnaissance, comme il est souvent le
cas pour tout ce qui concerne la propagande
étatique française lors de l’entre-deux-
guerres. Sa dernière mission officielle avant
de gagner la tête du Commissariat fut celle de
chargé de <<l’Inspection générale des postes
diplomatiques et consulaires>>.

Selon Jean-Baptiste Duroselle,
Giradoux était un fonctionnaire
<<nonchalant>>, bien qu’il soit clair que
235 ÍNDICE
Version algo semelhante, como já mencionamos,
nos séculos VIII - X, com as traduções do
grego para o árabe em Bagdá. Outro fator
A tradução na Península Ibérica importante nesse contexto é o advento
das universidades europeias (século XII) e
De maneira geral, podemos dizer que a
das referências cada vez mais frequentes
tradução na Idade Média se preocupou com a
a tratados em grego ou árabe que só eram
transmissão da ciência antiga. Dos séculos VIII
conhecidos pelo título, isto quando não eram
a X, houve um grande movimento tradutório
totalmente desconhecidos. Os acadêmicos
na região de Bagdá, incentivado pela recém-
europeus começaram a se movimentar para
chegada ao poder dinastia abássida. Sua
ter acesso à herança intelectual do passado.
principal característica foi a de verter para o
Essas traduções do árabe e do grego para o
árabe quase todas as obras gregas, contando
latim atenderam à demanda por um novo
com total apoio e patrocínio das elites. Para
tipo de conhecimento por parte dos próprios
muitos (Gutas, 1998; Salama-Carr, 1990;
eruditos, que não queriam mais somente
Montgomery, 2000), esse acontecimento é
transmitir o que já conheciam, mas também
de importância fundamental na história do
aprender coisas novas (Gutas, 1998: 4).
pensamento.
 A Espanha destacou-se nesse cenário,
  Enquanto isso, excetuando-se a
produzindo vários polos tradutórios,
Península moura, o acesso do mundo
dos quais destacaremos três. O primeiro,
ocidental à ciência grega, em particular nos
centrado no século XII, caracterizou-se por
séculos VIII e IX (quando o conhecimento
um grande afluxo de traduções para o latim
da língua grega já declinara bastante),
(tanto do árabe quanto do grego e também do
restringia-se aos manuais e comentários
hebraico), patrocinadas em grande medida
compilados alguns séculos antes pelos
pela Igreja e tendo como público-alvo os
enciclopedistas latinos. No século X,
próprios eruditos cristãos. O segundo pode
entretanto, isso começou a mudar: alguns
ser associado ao grupo de trabalho em torno
textos sobre o uso do astrolábio e outros
do filósofo, jurista e médico Averróis (1126-
assuntos foram traduzidos do árabe para
1198), que traduzia do grego para o árabe,
o latim no sul da França, em decorrência
revisava traduções prévias e, principalmente,
do contato com os moçárabes da Espanha.
fazia comentários – Averróis entrou para
Diversas traduções, do árabe para o latim,
a história da filosofia ocidental como ‘‘o
de obras sobre geometria e instrumentos
comentador’’– em busca de um novo
astronômicos já eram feitas nessa época
horizonte de compreensão para a obra de
no Mosteiro de Santa Maria de Rípoli, no
Aristóteles. Inicialmente, houve apoio do
nordeste da Espanha (Grant, 1977: 13-15),
califa de Córdoba, de quem Averróis cuidava e
que era ao mesmo tempo biblioteca e centro
era conselheiro, mas suas opiniões acabaram
cultural. O interesse pela ciência árabe se
atraindo suspeitas; ele se tornou persona
percebe também nas diversas viagens e
non grata, teve seus livros queimados e caiu
escritos do professor de música e matemática
no ostracismo. 
Gerbert de Aurillac, que se torna, a partir de
Por fim, o terceiro polo, já no século
1003, o papa Silvestre II. Ele adquiriu alguns
XIII, teve como figura de destaque o rei de
tratados árabes que foram traduzidos para o
Leão e Castela, Afonso X, o sábio (1221- 1284),
latim. 
que patrocinou não só traduções do árabe
Apesar desses movimentos pontuais,
para o castelhano, mas a pesquisa científica
o grande episódio de tradução na Espanha
de maneira geral, a história e as artes. Decerto
só começa mesmo em meados do século XI e
que não se visava propriamente um amplo
se estende até o XIII, inserido num contexto
público castelhano, até porque a maioria das
de efervescência cultural que, para muitos
pessoas era iletrada.
historiadores, foi como um Renascimento.
Segundo Grant (1977; 14-16), do ponto
de vista da história da ciência, só ocorreu
236 ÍNDICE
MACHADO, Cristina de Amorim; MARTINS,
Marcia A. P. Revendo o cânone hegemônico da história
Padrão de Resposta
das teorias de tradução: o pioneirismo de D.Duarte, Rei
La traduction dans la
de Portugal, 1996.
péninsule ibérique

Elaborez une version en français du De façon générale, l’on peut dire que
texte présenté. la traduction au Moyen Âge s’est inquiétée
de la transmission de la science antique. Du
[valeur: 25,00 points] VIIIe siècle au Xe siècle, il se produisit un
mouvement d’envergure lié à la traduction
dans la région de Bagdad, encouragé par la
Relatório de Notas récente arrivée au pouvoir de la dynastie
abasside. Sa principale caractéristique fut de
*desconsiderados os zeros transcrire en arabe presque toutes les œuvres
Maior Nota: 17 grecques, en comptant sur un soutien total et un
Nota Média: 11,625 parrainage des élites. Pour beaucoup (Gutas,
Menor Nota: 3 1998 ; Salama-Carr, 1990 ;Montgomery,
Desvio-padrão: 5,955 2000), cet événement est d’une importance
fondamentale dans l’histoire de la pensée.
Pendant ce temps, à l’exception
de la péninsule maure, l’accès du monde
occidental à la science grecque, en particulier
durant les VIIIe et IXe siècles (lorsque la
connaissance de la langue grecque déclinait
déjà assez), se bornait aux manuels et aux
commentaires compilés quelques siècles
auparavant par les encyclopédistes latins.
Au Xe siècle, cependant, cela a commençé
à changer : quelques textes sur l’usage
de l’astrolabe et d’autres sujets furent
traduits de l’arabe vers le latin dans le sud
de la France, en raison du contact avec les
mozarabes d’Espagne. Diverses traductions,
de l’arabe vers le latin, d’oeuvres ayant
trait à la géométrie et aux instruments
astronomiques étaient déjà exécutées à cette
époque au sein du monastère de Sainte Marie
de Rípoli, au nord-est de l’Espagne (Grant,
1977 : 13-15), qui était en même temps une
bibliothèque et un centre culturel. L’intérêt
pour la science arabe se perçoit également
dans les divers voyages et écrits du professeur
de musique et mathématicien Gerbert
de Aurillac, qui devient, à partir de 1003,
pape, le pape Silvestre II. Il acquit quelques
traités arabes qui furent traduits en latin.
En dépit de ces mouvements
ponctuels, la grande phase de traduction en
Espagne débute réellement seulement au
milieu du XIe siècle et s’étend jusqu’au XIIIe,
s’insérant dans un contexte d’effervescence
237 ÍNDICE
culturelle qui, pour nombre d’historiens, fut le Savant ” (1221-1284), qui n’encouragea
une Renaissance. Selon Grant (1977 : 14-16), pas seulement les traductions de l’arabe vers
du point de vue de l’histoire de la science, l’espagnol mais la recherche scientifique en
il se produisit quelque chose de semblable, général, l’histoire et les arts. Nous sommes
comme nous l’avons déjà mentionné, certains que l’on ne visait pas véritablement
au cours des VIII-Xe siècles, avec les un vaste public castillan, d’autant que la
traductions du grec vers l’arabe à Bagdad. plupart des gens étaient illettrés.
Un autre facteur important dans ce contexte
est l’avènement des universités européennes Referência
(XIIe siècle) et des références chaque fois
plus fréquentes relatives aux traités en grec Cristina de Amorim Machado e Marcia A. P.
Martins, Revendo o cânone hegemônico da história das
ou en arabe qui étaient connus seulement
teorias de tradução: o pioneirismo de D.Duarte,
par leur titre, ceci quand ils n’étaient pas
Rei de Portugal, 1996
totalement inconnus. Les universitaires
européens commencèrent à se déplacer
pour avoir accès à l’héritage intellectuel du
passé. Ces traductions de l’arabe et du grec
vers le latin répondèrent à la demande d’un
nouveau type de connaissance de la part des
érudits, qui ne voulaient plus seulement
transmettre ce qu’ils connaissaient
déjà, mais qui souhaitaient apprendre
de nouvelles choses (Gutas, 1998 : 4).
L’espagne se distingua dans ce
scénario, en donnant naissance à plusieurs
pôles de traduction, parmi lesquels nous en
détacherons trois. Le premier pôle, centré
sur le XIIe siècle, se caractérisa par un grand
afflux de traductions latines (pour l’arabe
comme pour le grec et également l’hébreu),
parrainées, dans une grande mesure, par
l’Église et ayant pour public-cible les propres
érudits chrétiens. Le second pôle peut être
associé au groupe de travail gravitant autour
du philosophe, juriste et médecin Averróis
(1126-1198), qui traduisait du grec vers
l’arabe, révisait des traductions préalables et,
émettait principalement des commentaires
– Averróis fit son entrée dans l’histoire
de la philosophie occidentale comme “le
commentateur” – en quête d’un nouvel
horizon de compréhension pour l’oeuvre
d’Aristote. Initialement, il y eut l’appui du
califat de Cordoue, dont Averróis prenait
soin et dont il était le conseiller, mais ses
opinions finirent par susciter à son encontre
la défiance ; il devint persona non grata, il
eut ses livres brûlés et il tomba en disgrâce.
Enfin, le troisième pôle, déjà au XIIIe
siècle, eut pour figure de proue le roi de
Castille et Léon, Alphonse X, dit “ Alphonse
238 ÍNDICE
Nota - 17 vue de l’histoire de la science, un événement
Bruno Santiago Portugal similaire a eu lieu seulement, comme on
a déjà affirmé, dans les VIII et Xe siècles,
avec les traductions de la langue grecque
Pontuação: FID – 9,00; vers l’arabe à Baghdad. Un autre facteur
NE – 14; TL – 68 important dans ce contexte est celui de
l’émergence des universités européennes
De manière générale, on peut dire (XIIe siècle) et des références chaque fois plus
que la traduction à l’Âge moyenne s’est fréquents aux traités dans la langue grecque
préoccupée avec la transmission de la science ou en arabe qui étaient connus seulement
ancienne. Entre les VIIIe et Xe siècles, il y a par leurs titres, ou même quand ils n’étaient
eu un grand mouvement traducteur dans la totalement inconnus. Les académiciens
région de Baghdad, encouragé par l’arrivée au européens ont entamé un processus pour
pouvoir de la dynastie abassyde. Sa principale avoir l’accès à l’héritage intellectuel du passé.
caractéristique a été celle de réaliser la version Ces traductions de l’arabe et de la langue
de presque toutes les œuvres grecques à grecque vers le latin étaient suffisantes pour
l’arabe, avec le soutien et l’investissement satisfaire la demande par un nouveau type
des élites. Pour nombreux analystes (Gutas, de connaissance par les intellectuels, qui ne
1998  ; Salama-Carr, 1990  ; Montgomery, voulaient plus être un moyen de transmission
2000), cet événement est fondamentalement des choses qu’ils connaissaient déjà, mais
important pour l’histoire de la pensée. ils avaient aussi un besoin pour apprendre
Simultanément, à l’exception de la de nouvelles choses (Gutas, 1998  : 4).
péninsule arabe, l’accès du monde occidental L’Espagne était très importante dans
à la science grecque, en particulier dans les cette période, en créant de divers centres
VIIIe et IXe siècles (quand la connaissance traducteurs, parmi lesquels trois sont les plus
de la langue grecque était déjà trop réduite), importants. Le premier, centré sur le XIIIe
était limité aux livres et commentaires réunis siècle, est caractérisé par un grand influx de
quelques siècles avant par les encyclopédiens traductions vers le latin (tant de l’arabe que
latins. Au Xe siècle, cette situation est de la langue grecque et aussi de l’hébraïque),
toutefois transformée  : quelques textes sur avec le soutien, en grande partie, de l’Église
l’emploi de l’astrolabe et de sujets divers et avec les intellectuels chrétiens comme son
ont été traduits de l’arabe vers le latin dans public. Le second peut être associé au groupe
la région du sud de la France, provenant de de travail autour du philosophe, juriste et
la proximité avec les Arabes de l’Espagne. médecin Averrois (1126-1198), qui traduisait
De diverses traductions, de l’arabe vers le de la langue grecque vers l’arabe, révisait des
latin, des œuvres sur la géométrie et des traductions antérieures et, principalement,
instruments astronomiques étaient déjà faisait des commentaires. Averrois est entré
faites dans cette période, dans l’Église à l’histoire de la philosophie occidentale
de Sainte Marie, à Ripoli, dans la région comme “ le commenteur ” – à la recherche
noroît de l’Espagne (Grant, 1977  : 13-15), d’un nouvel horizon de compréhension
qui était simultanément une bibliothèque sur l’œuvre de Aristote. Initiallement, il
et un centre culturel. L’intérêt par la y a eu le soutien du roi de Cordobe, de qui
science arabe est aussi perçu dans les divers Averrois était responsable et de qui il était
voyages et écrits du professeur de musique conseilleur, mais ses opinions ont attiré
et de matématique Gerbert de Aurillac, qui des soupçons  ; il est devenu persona non
devient, à partir de l’année 1003, le pape grata, a eu ses livres brulés et a été oublié.
Sylvestre II. Il a acheté quelques traités Enfin, le troisième centre, dans le
arabes qui ont été traduits vers le latin. XIIIe siècle, qui a eu comme personnage
Malgré les mouvements spécifiques, dans une place de choix le roi de Léon et
le grand épisode de traduction à l’Espagne Castilla, Afonso X, le sage (1221-1284), qui a
commence seulement au milieu du XIe met en œuvre le soutien non seulement aux
siècle, jusqu’au XIIIe siècle, dans un contexte traductions de l’arabe vers l’espagnol, mais
culturellement riche qui, pour beaucoup aussi à la recherche scientifique
d’historiens, a été similaire à la Renaissance. de manière générale, l’histoire et
Selon Grant (1977, 14-16), d’après le point de les arts. Sûrement, il ne visait pas à un
239 ÍNDICE
grand public espagnol, car la majorité des On peut aussi percevoir l’intérêt pour la
personnes ne savait pas comme lire. science arabe dans les divers voyages et
dans les œuvres du professeur de musique
et de mathématique Gerbert d’Aurillac, qui
Nota - 14,5 devient, à partir de 1003, le pape Silvestre
Sofia Hauschild II. Il a acquis des traités arabes qui ont été
traduits au latin.
Pontuação: Antes dos recursos: Malgré ces mouvements ponctuels, le
FID – 8; NE – 20; TL – 58 grand épisode de la traduction en Espagne
Depois dos recursos: ID – 9,5; commence vraiment à la moitié du Xie siècle,
NE – 20; TL – 58 et va jusqu’au XIIIe siècle, dans un contexte
d’éfervescence culturelle qui a été comme une
La traduction dans la Renaissance, pour beaucoup d’historiens.
Péninsule Ibérique Selon Grant (1977  ; 14-16), du point de vue
de l’histoire de la science, seulement dans le
D’une manière générale, on peut VIIIe et le Xe siècles une chose similaire s’est
dire que la traduction au Moyen Âge s’est passée, comme l’on a déjà affirmé, avec les
préoccupée avec la transmission de la science traductions du grec vers l’arabe en Bagdad.
ancienne. Du VIIIe au Xe siècle, il y a eu un Dans ce contexte, un autre facteur important
grand mouvement de traduction dans la est l’arrivée des universités européennes
région de Bagdad, encouragé par la dinastie (XIIe siècle) et des références qu’étaient de
abbasside, qui était récemment arrivée à la plus en plus fréquentes aux traités en grec
tête du pouvoir. Sa principale caractéristique ou en arabe qui étaient seulement reconnus
a été celle de traduire à la langue arabe par leur titre. Parfois, ils étaient totalement
presque tous les œuvres grecs, ayant le inconnus. Les professeurs européens ont
total support et l’aide financière des élites. commencé à travailler pour obtenir l’accès
Pour beaucoup de personnes (Gutas, 1998  ; à l’héritage intellectuel du passé. Ces
Salama-Carr, 1990 ; Montgomery, 2000), cet traductions de l’arabe et du grec au latin ont
événement a une importance fondamentale rempli la demande pour un nouveau type
dans l’histoire du pensier. de connaissance par les spécialistes, qui ne
En même temps, avec l’exception voulaient seulement transmettre ce qu’ils
de la Péninsule moure, l’accès du monde connaissaient déjà, mais, aussi, apprendre
occidental à la science grècque, en particulier de nouvelles choses (Gutas, 1998 : 4).
dans le VIIIe et le IXe siècles (quand la L’Espagne a un rôle spécial dans
connaissance de la langue grècque était ce scénario, en produisant divers pôles
beaucoup plus basse), existait seulement de traduction, dont on souligne trois. Le
dans le cas des manuels et des commentaires premier, centré dans le XIIe siècle, s’est
réunis par les encyclopédistes latins, il y caractérisé par une grande quantité de
avait des siècles. Dans le Xe siècle, toutefois, traductions vers le latin (de l’arabe et du
cela a commencé à changer : certains textes grec et aussi de l’hebraic)  ; avec l’argent de
à propos de l’utilisation de l’astrolabe et l’Église, dans une grande mesure et ayant
d’autres arguments ont été traduits de l’arabe en tant que public destinataire les mêmes
au latin dans le sud de la France, par la voie spécialistes chrétiens. Le deuxième peut
du contact avec les mossarabes de l’Espagne. être associé au groupe de travail autour
Beaucoup de traductions, de l’arabe au latin, du philosophe, homme du droit et docteur
d’œuvres à propos de la géométrie et à propos Averróis (1126-1198), qui traduisait du grec
d’instruments astronomiques se faisaient à l’arabe, révisait les traductions faites
déjà dans ce moment-là dans le Mosque de antérieurement et, principalement, faisait
Sainte Marie de Ripoli, dans le nord-est de des commentaires – Averróis est entré dans
l’Espagne (Grant, 1997 : 13-15) qui était à la l’histoire de la philosophie occidentale en
fois une bibliothèque et un centre culturel. tant que “ le commentateur ”, à la recherche
240 ÍNDICE
d’un nouvel horizon de compréhension pour commentaires regroupés quelques siècles
l’œuvre d’Aristoteles. Inicialement, il y a eu le auparavant par les encyclopédistes latins.
support du califfe de Córdoba, dont Averróis Dans le Xe siècle, cependant, cela a commencé
prenait cure et était un conseiller, mais ses à changer:
opinions ont fini par éveiller des suspices ; il quelques textes sur l’usage de
est devenu une persona non grata, ses livres l’astrolabe et sur d’autres sujets ont été
ont été brûlés et il a été oublié. traduits de l’arabe vers le latin dans le sud de
Enfin, le troisième pôle, déjà dans le la France, en raison du contact avec les arabes
XIIIe siècle, a eu comme personnage célèbre de l’Espagne. Plusieurs traductions, de
le roi de Leão e Castela, Afonso X, le sage l’arabe vers le latin, d’œuvres sur la géométrie
(1221-1284), qui a sponsorisé non seulement et sur les instruments astronomiques étaient
les traductions de l’arabe à l’espagnol, mais déjà faites à cette époque dans ø Monastaire
la recherche scientifique d’une manière de la Sainte Marie de Rípoli, dans le nord-
générale, l’histoire et les arts. Certainement, est de l’Espagne (Grant, 1977:13-15), que
l’objectif n’était pas celui d’atteindre était, au même temps, une bibliothèque et
un grand public espagnol, à proprement un centre culturel. L’intérêt par la science
parler, même pourquoi la vaste majorité des arabe se perçoit aussi dans les nombreux
personnes ne savait pas lire. voyages et écrits du professeur de musique
et mathématique Gerbert de Aurillac, qui
devient, à partir de 1003, le pape Silvestre II.
Nota - 13,5 Il a acquérit quelques traités arabes qui ont
Joan Frederick Baudet Ferreira França été traduits vers le latin. 
Malgré ces mouvements ponctuels, le
Pontuação: Antes dos recursos:
grand épisode de la traduction en Espagne
CSC – 9,5; NE – 22; TL – 70
commence seulement, pour de vrai, dans la
Depois dos recursos: CSC – 9,5;
moitié du XIe siècle et s’étend jusqu’au XIIIe
NE – 22; TL – 70
siècle, inséré dans un contexte d’efervescence
culturelle qui, pour de nombreux historiens,
La traduction dans la
a été comme une Renaissance. Selon Grant
Péninsule ibérique
(1977; 14-16), du point de vue de l’histoire
de la science, quelque chose de comparable
De manière générale, nous pouvons
a eu lieu seulement, comme nous avons déjà
dire que la traduction dans le Moyen Âge
s’est concernée avec la transmission de la mentionné, dans les VIIIe-Xe siècles, avec
science antique. Entre le VIIIième et le Xième les traductions du grècque vers l’arabe à
siècle, un grand mouvement traductoire a eu Bagdad. Un autre élément important dans ce
lieu dans la région de Bagdad, incentivé par contexte c’est l’avènement des universités
la dynastie abassyde qui venait d’arriver au européennes (XIIe siècle) et des références
pouvoir. Sa principale charactéristique a été chaque fois plus fréquentes au sujet des traités
celle de traduire vers l’arabe presque toutes en grècque ou en arabe qui étaient seulement
les œuvres grècques, en ayant le plein appui connus par le titre, et cela quand ils n’étaient
et soutient des élites. Pour nombreux (Gutas, pas totalment méconnus. Les académitiens
1998; Salama-Carr, 1990; Montgomery, européens ont commencé à se bouger pour
2000), cet évènement est d’une importance avoir accès à l’héritage intellectuel du passé.
fondamentale dans l’histoire de la pensée. Ces traductions de l’arabe et du grècque
Pendant cela, à l’exception de la vers le latin ont répondu à une demande
Péninsule arabe, l’accès du monde occidental d’un nouveau type de connaissance de la
à la science grècque, en particulier dans les part des propres savants, qui ne voulaient
VIIIe et IXe siècles (quand la connaissance plus seulement transmettre ce dont ils
de la langue grècque avait déjà beaucoup connaissaient déjà, mais apprendre aussi des
diminué), se limitait aux manuels et choses nouvelles (Gutas, 1998:4). 
241 ÍNDICE
L’Espagne s’est faite remarquée
dans ce scénario, en produisant plusieurs
pôles de traduction, parmi lesquels nous
soulignerons trois. Le premier, centré dans
le XIIe siècle, s’est characterisé par un grand
aflux de traductions vers le latin (tantôt de
l’arabe, tantôt du grècque
et aussi de l’hebreu), soutenues en
grande mesure par l’Église et en ayant
comme publique-cible les savants chrétiens
eux-mêmes. Le second peut être associé
avec le groupe de travail sous la direction
du philosophe, juriste et médecin Averróis
(1226-1189), qui traduisait du grècque
vers l’arabe, qui révisait des traductions
préliminaires et, principalement, qui faisait
des commentaires – Averróis est reconnu
dans l’histoire de la philosophie occidentale
comme “le commentateur” – à la recherche
d’un nouvel horizon de compréhension sur
l’œuvre d’Aristote. Au début, il recevait le
soutien du caliphe de Córdoba, de qui Averróis
prenait soin et de qui il était conseiller, mais
ses opinions ont fini par attirer des soupçons;
il est devenu persona non grata, ses livres ont
été brulés et il est tombé dans l’ostracisme. 
Finalement, le troisième pôle, déjà
dans le XIIIe siècle, a eu comme personnage
remarquable le roi de Leão e Castela, Afonso
X, le savant (1221-1284), qui a soutenu
non seulement des traductions de l’arabe
vers le castellan, mais aussi la recherche
scientifique de manière générale, l’histoire
et les arts. Il est certain que la cible n’était
pas exactement un ample publique espagnol,
surtout parce que la majorité des personnes
était analphabète. 

242 ÍNDICE
Um aviso aos academia, e desvantagens, como o tamanho
dos apartamentos ou o barulho dos “jovens”.
navegantes Outros buscam apartamentos em quadras
no plano piloto (o conceito de quadra, em
(Passei! E agora?) Brasília, pode ser muito estranho para
alguns), mas demoram, em regra, para achar
Todo cacdista sonha, diariamente, com
algo de que gostem e com um preço acessível.
a aprovação. Quem nunca se imaginou, na
Por fim, sempre dá para morar fora do plano,
posse, trajando um vestido deslumbrante ou
só é mais longe e você vai passar mais tempo
um terno bem cortado com uma gravata top?
no “trânsito” de Brasília. 
É uma vibe indescritível, de fato. Mas, e aí? E
depois da aprovação? Nós, aprovados no CACD
Essas e outras questões, que sempre
2020/2021, fomos pegos de surpresa com as
suscitam muitas dúvidas (i.e., o dresscode),
datas de entrega dos documentos, da posse e
podem, e devem, ser tratadas com seus
do início das aulas – cerca de 15 dias apenas!
veteranos. Queríamos apenas alertá-los de
Conversando nos corredores do Instituto
que há vida após o CACD! Pensem nela (sem
Rio Branco, futura casa de vocês, chegamos
tirar o foco dos estudos!)
à conclusão de que quase nenhum candidato
sequer pensa no que pode acontecer depois
Aguardamos vocês, futuros diplomatas.
de atingir seu objetivo e chega a Brasília
Nos vemos em breve.
completamente despreparado. Para evitar
alguns perrengues, resolvemos acrescentar
Boa sorte!
esta nova seção ao Guia do Jacaré Esmerado.

A questão fundamental é ter alguma


reserva financeira (ou ajuda dos pais,
familiares, amigos, divina). O custo de vida
em Brasília é alto; é tudo caro. “Ah, mas
eu receberei salário!” Sim, mas problemas
acontecem. Nossa turma, por exemplo, por
ter tomado posse após o fechamento da
folha de pagamento, só recebeu o primeiro
salário retroativamente, em janeiro de 2022.
Ou seja, ficamos metade de novembro e
dezembro sem receber, mas tendo de pagar
aluguel, condomínio, contas, gasolina, Uber,
prestação de roupa, passagens de avião e
mudança. Há sempre a possibilidade de se
endividar, usar o cartão, mas é um risco.
Logo, se possível (e sabemos como é difícil,
com o preço dos cursos), tenham algum
dinheiro guardado.

Achar um lugar para morar pode ser


bem complicado também. Há colegas que,
no momento em que escrevemos este texto,
ainda não conseguiram um apartamento.
Não se enganem, a fila do apartamento
funcional demora. Inicialmente, muitos
optam por flats às margens do Lago Paranoá,
como o Lakeside, o The Sun ou o Brisas
do Lago. Há vantagens, como piscina e
243 ÍNDICE
244 ÍNDICE

Você também pode gostar