Você está na página 1de 31

Terapia gênica

Apresentação
Clara e objetivamente, conceitua-se terapia gênica como o ato de introduzir material genético em
uma célula objetivando interceder na progressão de uma patologia. No Brasil, essa terapia ainda
está em atraso quando comparada com outros países, porém muitos avanços são considerados
significativos e as perspectivas de crescimento nessa área são muito promissoras. Por motivos
claramente éticos, atualmente a terapia gênica não pode ser realizada com células germinativas.
A modificação genética, obrigatoriamente, só pode atingir as células somáticas dos indivíduos e é o
que atualmente tem sido realizado nos laboratórios de pesquisa.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você irá compreender o procedimento de terapia gênica,


conhecer o seu potencial e riscos, bem como reconhecer os seus avanços.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Descrever o procedimento de terapia gênica.


• Explicar o potencial e riscos da terapia gênica.
• Reconhecer os avanços da terapia gênica.
Desafio
A fibrose cística é uma patologia genética recessiva em que o aparecimento de sintomas ocorre
ainda na infância. Além de ser uma doença hereditária, ela costumava ser letal. Atualmente, alguns
tratamentos propiciam que os afetados cheguem à vida adulta.

Nos pacientes com fibrose cística, os canais de Cl– não funcionam corretamente nas células
epiteliais. Isolando o gene da fibrose cística, foi possível perceber que ele codifica uma proteína
chamada CFTR, que funciona como uma forma de canal de Cl–. Mutações nesse gene originam o
transporte ineficiente de Cl–, sendo responsáveis pelo estabelecimento da fibrose cística
hereditária.

Baseado nessas informações, pense que você precisa de uma alternativa dentro da terapia gênica
para tratar pacientes com essas características e responda aos questionamentos a seguir:

a) Essa patologia seria uma boa candidata para o uso da terapia gênica?

b) Se sua resposta for sim, como poderia ser baseada a terapia?

c) A tríade de objetivos da terapia gênica é: suplementação ou aumento gênico, silenciamento


gênico e reparo gênico. Qual seria o tipo de objetivo escolhido para a terapia gênica nesse caso da
fibrose cística?
Infográfico
A geneterapia ou terapia gênica tem como objetivo, basicamente, tratar ou prevenir, por meio da
manipulação genética, uma patologia herdada ou adquirida.

No Infográfico a seguir, você verá informações sobre a introdução de genes nas células e quais são
os requisitos básicos para que uma terapia gênica seja efetiva.
Aponte a câmera para o
código e acesse o link do
conteúdo ou clique no
código para acessar.
Conteúdo do livro
A terapia gênica pode ser entendida como a capacidade do melhoramento genético por meio da
correção de genes alterados (mutados), visando ao tratamento terapêutico. Resumidamente, os
principais objetivos da terapia gênica são suplementação ou aumento do gene, silenciamento
gênico e reparo gênico.

No capítulo Terapia gênica, da obra Biotecnologia, você vai compreender que a terapia gênica gera
muita esperança e expectativa para tratar diversas patologias que, atualmente, não dispõem de
cura ou tratamento. Porém, alguns obstáculos significativos precisam ainda ser elucidados para a
obtenção de um protocolo de terapia gênica eficiente e reprodutível, além de questões críticas de
segurança e regulação que compõem esse impasse.

Boa leitura.
BIOTECNOLOGIA

Lisiane Silveira Zavalhia


Terapia gênica
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever o procedimento de terapia gênica.


 Explicar o potencial e riscos da terapia gênica.
 Reconhecer os avanços da terapia gênica.

Introdução
A terapia gênica é uma área em ascensão na pesquisa científica e gera
muita expectativa e esperança para os pesquisadores. O avanço da
biotecnologia e os processos de engenharia genética contribuíram ex-
ponencialmente para aclarar o conhecimento acerca dos genes, o que
gera a perspectiva de que muitos genes que apresentam uma relação
causal com algumas patologias possam futuramente ser alvo da terapia
gênica, beneficiando muitos pacientes.
Neste capítulo, você vai conhecer o procedimento de terapia gênica,
entender o potencial e riscos, bem como reconhecer os avanços.

Terapia gênica
A geneterapia ou terapia gênica é uma forma de tratamento ou prevenção de
uma patologia humana, herdada ou adquirida, através da manipulação genética.
Por meio desta, é possível a correção de um fenótipo clínico em determinado
paciente através da introdução do material genético, e também da utilização de
técnicas genéticas para produzir grandes quantidades de produtos terapêuticos
e vacinas geneticamente construídas (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).
O Comitê Consultivo de Terapia Gênica do Reino Unido (UK Gene Therapy
Advisory Committee), define a terapia gênica como a introdução deliberada de
material genético nas células somáticas humanas com finalidade terapêutica,
profilática ou diagnóstica (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).
2 Terapia gênica

A terapia gênica conta com técnicas para introduzir ácidos nucléicos


sintéticos ou recombinantes em seres humanos, vetores biológicos genetica-
mente modificados (sejam vírus ou plasmídeos), células-tronco geneticamente
modificadas, vírus oncolíticos, ácidos nucléicos associados a veículos de
introdução, ácidos nucléicos nus, técnicas antissentido (como silenciamento
gênico, correção gênica ou modificação gênica), vacinas genéticas, tecnologias
de DNA ou RNA, xenotransplantes de células animais e, mais recentemente,
o sistema CRISPR-Cas9. Os avanços na biologia molecular, possibilitando
a identificação de inúmeros genes humanos e de seus produtos proteicos
importantes para doenças, criaram expectativa de terapia gênica para muitos
distúrbios genéticos e não genéticos (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).
O Quadro 1 traz um pouco da trajetória da terapia gênica, contando sucessos
e insucessos (STRACHAN; READ, 2014).

Quadro 1. Trajetória da terapia gênica

1990- Início do primeiro ensaio clínico envolvendo terapia gênica, por meio
da utilização de γ-retrovírus recombinante, para recuperar uma forma
recessiva autossômica da imunodeficiência combinada grave (SCID)
devido a uma deficiência da adenosina desaminase (ADA); o ensaio foi
um sucesso, mas os pacientes também foram tratados, em paralelo,
substituindo-se a enzima padrão utilizando polietileno glicol (PEG)-ADA.

1999 Morte de Jesse Gelsinger em setembro de 1999, apenas alguns dias


após receber partículas adenovirais recombinantes através da inje-
ção intra-hepática em um ensaio clínico de terapia para deficiência
da ornitina transbamilase; uma resposta imunológica massiva contra
as partículas de adenovírus resultou em falha múltipla dos órgãos.

2000- O primeiro sucesso inequívoco da terapia gênica utilizando γ-retrovírus


recombinante para tratar uma forma ligada ao X de SCID; entretanto,
várias das crianças tratadas desenvolveram leucemia, com uma morte,
como resultado da ativação insercional de oncogenes celulares.

2006- Sucesso transiente na utilização de terapia gênica γ-retroviral para


tratar dois pacientes adultos com doença granulomatosa crônica,
um transtorno recessivo que afeta a função dos fagócitos causando
imunodeficiência; apesar do sucesso inicial, ambos os pacientes
passaram a demonstrar silenciamento transgênico, além de mielo-
displasia decorrente da ativação insercional de genes celulares; 24
meses após a terapia gênica, um paciente morreu em função de
sepse generalizada.

(Continua)
Terapia gênica 3

(Continuação)

Quadro 1. Trajetória da terapia gênica

2006 Relatado um sucesso limitado na terapia gênica para hemofilia B: ve-


tores AAV2 foram utilizados com sucesso para transduzir hepatócitos
e expressar o transgene do Fator IX; entretanto, uma resposta imuno-
lógica levou à destruição das células transduzidas.

2009 Relatada uma terapia gênica de sucesso para deficiência de ADA.

2009 Primeiro relatório de sucesso na terapia gênica para um distúrbio


do sistema nervoso central, a adenoleucodistrofia ligada ao X, e o
primeiro a utilizar um vetor lentiviral.

2009 Relatório de terapia gênica in vivo de sucesso utilizando injeção


retinal de AAV recombinante para tratar amaurose congênita de
Leber, uma forma de cegueira infantil; o ganho de visão significativo
pós-tratamento se manteve após um ano.

Fonte: Adaptado de Strachan e Read (2014, p. 712).

Procedimento
Na terapia gênica, os genes clonados, o RNA ou os oligonucleotídeos são
introduzidos nas células do paciente através da utilização de alguns métodos
de transferência. Comumente são utilizados vetores baseados em vírus, pois,
evolutivamente, os vírus tornaram-se eficientes em infectar células, inserindo
seus genomas e resultando na expressão de seus genes. A transferência do
DNA para células humanas (e de outros animais) através da utilização de
vírus é denominada transdução. Em alguns casos, os vetores virais podem
se integrar ao genoma, permitindo a expressão do transgene durante longo
tempo; outros vetores virais não se integram no genoma do hospedeiro, eles se
mantêm em localizações extracromossomais nas células. Métodos não virais
podem também ser usados na transferência de DNA, RNA ou oligonucleo-
tídeos a células humanas (ou de outros animais) (denominado transfecção)
(STRACHAN; READ, 2014).
A terapia gênica fundamenta-se basicamente na existência de técnicas e
métodos laboratoriais bem estabelecidos para introduzir genes nas células.
Várias técnicas opcionais permitem inserir DNA exógeno em células vivas,
em um laboratório. Os métodos baseiam-se em físicos e dependentes de
vetores.
4 Terapia gênica

Tratando dos métodos físicos, estes incluem (READ; DONNAI, 2008):

 lipossomos: caracterizados como vesículas artificiais limitadas por


membrana, que se fundem com as membranas celulares e liberam seu
conteúdo no interior intracelularmente;
 métodos mediados por receptores: em que o DNA se liga ao ligante
para um receptor de superfície celular, que é internalizado após conexão
com o ligante;
 eletroporação: um breve pulso de alta voltagem modifica temporaria-
mente as membranas celulares, tornando as células capazes de captar
moléculas grandes de DNA do meio.

Os métodos dependentes de vetores utilizam vírus modificados por meio


de engenharia genética. Esses métodos são mais eficientes quando comparados
aos métodos físicos, para inserir o DNA estranho em uma boa proporção das
células-alvo. Distintos vírus podem ser utilizados, porém existem alguns
fatores que determinam a sua seleção (READ; DONNAI, 2008):

 capacidade: que faz a relação com o tamanho de um fragmento de


material genético que os vírus possam conter;
 tropismo: considerando o fato de que alguns vírus têm preferência
para infectar determinados tipos celulares;
 capacidade de infectar células em não divisão: este fator é importante,
considerando o fato de que os retrovírus só infectam as células que
estão em divisão.
 vetores integradores ou não integradores: no caso dos vetores integra-
dores, um exemplo são os retrovírus, que integram o gene transferido
em um cromossomo da célula hospedeira, e assim garantem que as
células filhas irão conter uma cópia desse gene. Já os vetores não inte-
gradores, um exemplo são os adenovírus, continuam como epissomos
extracromossômicos, que finalmente serão diluídos durante o processo
de replicação celular.

Diferentes sistemas de vetores virais são capazes de fornecer diferentes


vantagens, como observado no Quadro 2, a seguir:
Quadro 2. Exemplos de vetores virais

Interação
com
Classe Genoma Capacidade de o genoma do Expressão
viral viral clonagem hospedeiro Células-alvo transgênica Comentários

γ-retrovírus ssRNA 7-8 kb ocorre somente células em duradoura produção moderada


integração divisão de vetor;a risco de
ativação de oncogene
celular

Lentivírus ssRNA; ~9 kb até 8 kb ocorre tanto células que estão duradoura e em produção elevada de
integração em divisão como células altos níveis vetor;a risco de ativação
que não estão em divi- de oncogene
são; o tropismo varia

Adenovírus dsDNA; até frequentemente não ocorre tanto células que estão transiente, mas produção elevada de
38 kb 7,5 kb, mas até 35 integração em divisão como células altos níveis de vetor;a a imunogenici-
kb para vetores que não estão em expressão dade pode ser o maior
incompletos (gutless divisão problema
vectors)

(Continua)
Terapia gênica
5
6

(Continuação)
Terapia gênica

Quadro 2. Exemplos de vetores virais

Interação
com
Classe Genoma Capacidade de o genoma do Expressão
viral viral clonagem hospedeiro Células-alvo transgênica Comentários

Vírus ssDNA; 5 kb < 4,5 kb não ocorre tanto células que estão altos níveis de produção elevada de
adeno-as- integração em divisão como células expressão a vetor;a capacidade de
sociados que não estão em divisão médio e longo clonagem menor, mas
prazo (anos) a imunogenicidade é
menos significativa do
que para os adenovírus

Vírus her- dsDNA; 120- > 30 kb não ocorre sistema nervoso central potencial para capaz de estabelecer
pes simples 200 kb integração expressão infecções latentes por
duradoura toda a vida

Vírus dsDNA; 130- 25 kb não ocorre tanto células que estão transiente
vaccinia 280 kb integração em divisão como células
que não estão em
divisão

ss, fita simples; ds, dupla-fita.


a
Produção elevada de vetor, 1012 unidades transduzidas/mL; produção moderada de vetor, 1010 unidades transduzidas/mL.

Fonte: Adaptado de Strachan e Read (2014, p. 703).


Terapia gênica 7

Todos os métodos de terapia gênica poderiam ser aplicados ex vivo, em


células removidas do próprio paciente, que, após a modificação, seriam reintro-
duzidas; ou in vivo, injetando ou introduzindo, de outra forma, o produto tera-
pêutico no corpo do paciente (READ; DONNAI, 2008), conforme a Figura 1.

Figura 1. Esquema da terapia gênica in vivo e ex vivo.


Fonte: Strachan e Read (2014, p. 702).

Quando se trata da terapia gênica ex vivo, as células são removidas


do paciente, alteradas geneticamente de alguma forma em laboratório
e reinseridas no paciente. Esse método possibilita que apenas as células
apropriadas sejam tratadas, e podem ser conferidas, para se certificar de
que possuem as modificações genéticas adequadas antes de retornarem
ao paciente. Para muitos tecidos, isto não é possível, e as células devem
ser alteradas dentro do corpo do paciente (terapia gênica in vivo) (STRA-
CHAN; READ, 2014).
Em tese, poderiam ser tratadas tanto as células somáticas quanto as ger-
minativas. A terapia gênica das células da linhagem germinativa apresenta
uma finalidade interessante, quando comparada com a terapia somática,
considerando que o problema existente seria tratado objetivamente de uma vez
por todas, porém esta é considerada pela visão ética como inaceitável (READ;
DONNAI, 2008). No caso da terapia gênica para linhagem germinativa, as
células germinativas (que originam os gametas: espermatozoides e óvulos)
ou gametas maduros são utilizadas como alvos da transferência gênica. De
modo que nessa técnica o gene transferido será incorporado a todas as futuras
células do corpo, inclusive às células germinativas. O fato de ser considerada
como inaceitável eticamente, seria porque os indivíduos futuros também
seriam afetados geneticamente sem que tenham consentido para o mesmo
(KLUG et al., 2012).
8 Terapia gênica

Já a terapia gênica somática trata da manipulação da expressão nas células


que serão corrigidas apenas visando o paciente, mas não a próxima geração. E
acaba envolvendo apenas a manipulação de células comuns, comumente aquelas
que podem ser removidas do organismo, transfectadas e depois reintroduzidas
de volta ao organismo. Essa técnica abrange mais promissoramente as hemo-
patias hereditárias, como hemofilias e talassemias, demonstrando também
potencial para tratar doenças pulmonares, como fibrose cística. Nos dias atuais,
este é o tipo de terapia pesquisado mundialmente em vários laboratórios,
visando mais intensivamente o tratamento do câncer (BORGES-OSÓRIO;
ROBINSON, 2013). Nessa modalidade terapêutica, somente um indivíduo é
afetado, e a terapia só é realizada com a permissão e o consentimento informado
do paciente ou de seus familiares (KLUG et al., 2012).

A terapia in vivo é realizada dentro do paciente através da injeção em um órgão espe-


cífico (cérebro, músculo ou olho), ou fazendo uso de aerossóis para o pulmão.

Potencial da terapia gênica


Como principais objetivos da terapia gênica, pode-se citar a tríade: suplemen-
tação ou aumento gênico, silenciamento gênico e reparo gênico (BORGES-
-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).
A suplementação ou aumento gênico tem como finalidade introduzir um
gene funcional no interior de uma célula que normalmente não o possui. Pode
ser útil também para introduzir um novo gene em uma célula, com o intuito de
criar vulnerabilidade nas células que se deseja eliminar (BORGES-OSÓRIO;
ROBINSON, 2013).
O silenciamento gênico tem como intuito estagnar a expressão de um gene
já existente na célula. Esse tipo de terapia gênica poderia ser útil para aquelas
patologias causadas por mutações de ganho de função ou por mecanismos de
efeitos dominantes negativos (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013). Esses
efeitos dominantes negativos são vistos apenas em heterozigotos, nestes, cau-
sam efeitos agravados que simples alelos nulos do mesmo gene. Uma pessoa
heterozigota para todas as mutações nulas de um gene ainda apresentará 50%
do nível funcional normal, considerando que ainda possui um alelo normal. Se
Terapia gênica 9

o produto do alelo mutado, além de ser não funcional, também vier a interferir
com a função do alelo normal, restará uma atividade residual inferior a 50%.
Em suma, o produto alterado além de perder a sua função, também impede o
produto normal de funcionar (STRACHAN; READ, 2014).
Comumente, o silenciamento deve ser específico e direcionado para o alelo
mutante, sem alterar a expressão do alelo normal, este silenciamento gênico
poderia ser usado também para inibir a expressão de genes virais em uma
célula infectada (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).
No reparo gênico, o intuito é corrigir um gene que apresenta mau fun-
cionamento. A proposição conta com a recombinação homóloga marcada ou
com o reparo do mau pareamento a fim de consertar defeitos específicos em
um gene (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).

Riscos
A terapia gênica com uso para doenças genéticas pode demonstrar riscos,
alguns inclusive já foram comprovados na prática. São três os riscos que
podem ser citados (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013):

 Resposta adversa ao vetor ou combinada vetor-doença: os problemas


relacionados a este risco são muito importantes, e daí vem a ressalva
da relevância dos testes exaustivos em animais. As características
fisiopatológicas de um distúrbio específico devem ser levadas em con-
sideração no momento de escolher um vetor. Em um caso relatado de
1999, um paciente participante de um ensaio de terapia gênica apre-
sentou reação imunológica fatal após ter sido injetado com um vetor
viral que carregava um gene para tratar de um distúrbio metabólico, o
que significa que a resposta imune desencadeou uma reação catabólica
(BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).
 Mutagênese de inserção causando malignidades: considera-se aqui o
caso em que o gene transferido se integra ao DNA do paciente e ativa um
proto-oncogene ou interrompe o gene supressor tumoral, desencadeando
uma neoplasia maligna. Um caso foi descrito em 2002, quando duas
crianças foram submetidas à terapia gênica para tratar imunodeficiência
grave combinada, e desenvolveram leucemia, provavelmente relacionada
à inserção de vetores gênicos retrovirais nos genes causadores do câncer.
Essa inativação por inserção de um gene supressor de tumor é rara;
e há de se considerar que, quando uma doença não tem alternativas
terapêuticas, esse risco torna-se aceitável. No caso mencionado, tudo
10 Terapia gênica

infere que o transgene possa ter contribuído para provocar a neoplasia


maligna (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).
 Inativação de inserção de um gene essencial: descreve o caso em que
a inativação de inserção poderia interromper um gene essencial para a
viabilidade, em tese, não haverá grandes efeitos, considerando o fato
de que tais mutações letais são consideradas raras e destruirão apenas
células únicas (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).

Em relação ao tropismo de vírus, por exemplo, os vírus do herpes apresentam tropismo


por células do sistema nervoso central. O tropismo natural dos vírus pode ser mantido
nos vetores ou serem geneticamente modificados de alguma maneira, para que um
tecido em particular seja atingido, por exemplo.

Avanços e perspectivas da terapia gênica


Desde o primeiro teste clínico de terapia gênica, no ano de 1990, mais de 600
testes clínicos foram iniciados, envolvendo mais de 4.000 pacientes. A finalidade
dos testes era curar câncer, doenças hereditárias como hemofilia e fibrose cística
e doenças infecciosas como a Aids. Ainda que tenha gerado muita expectativa
dos proponentes e de fontes midiáticas, os benefícios terapêuticos obtidos foram
obscuros ou, até mesmo, nulos. Até 2010, nenhum produto terapêutico para tera-
pia gênica humana foi aprovado para ser comercializado. Os críticos da terapia
gênica rebatem os grupos de pesquisadores por pressa indevida, conflitos de
interesses, má administração dos testes clínicos e por promessas que são muitas,
porém com poucos resultados encontrados (KLUG et al., 2012).
A maior expectativa por trás da terapia gênica é tratar a raiz de uma pa-
tologia, melhor ainda, atingir a alteração genética que é responsável por esta
patologia. As terapêuticas mais simples envolvem doenças monogênicas, onde
um único gene mutado provoca uma alteração específica em um processo
celular. As abordagens de terapia gênica, por motivos óbvios, vão se dirigir
de doenças raras, aquelas incuráveis ou fatais na direção da terapia de doenças
mais comuns, para as quais existem intervenções médicas, mas que também
beneficiaria e seria acessível para um grupo maior de pacientes. Essa visão
de terapia gênica para um número maior de pacientes pode ser claramente
observada nos protocolos voltados para o tratamento do câncer, cerca de 67%
Terapia gênica 11

e 100% respectivamente, de todos os protocolos clínicos de terapia gênica


em fases III e IV apresentam como principal alvo o tratamento do câncer
(COSTANZI-STRAUSS; STRAUSS, 2015). O Quadro 3 a seguir apresenta
as possíveis patologias que podem ser tratadas por terapia gênica.

Quadro 3. Patologias genéticas e não genéticas com potencial tratamento por tera-
pia gênica

Distúrbio genético Defeito e/ou mutações envolvidas

Amaurose congênita de Leber Mutações em mais de 10 genes, sendo


RPE65 o gene principal

Artrite reumatoide

Câncer de ovário

Câncer de pulmão

Câncer renal

Citrulinemia Deficiência de argininossuccinato


sintetase

Deficiência imune Deficiência de adenosina desaminase


Deficiência de fosforilase de nucleotídeos
de purina
Doença granulomatosa crônica

Distrofia muscular Mutações no gene da distrofina

Doença de Gaucher Deficiência de glicocerebrosidase

Doenças cardiovasculares

Enfisema Deficiência de α1-antitripsina

Fenilcetonúria Deficiência de fenilalanina hidroxilase

Fibrose cística Mutações no gene CFTR

Hemofilia Deficiência do fator VIII (A)


Deficiência do fator IX (B)

Hiperamonemia Deficiência de ornitina-transcarbamilase

Hipercolesterolemia Anomalias no receptor de lipoproteína de


baixa densidade

(Continua)
12 Terapia gênica

(Continuação)

Quadro 3. Patologias genéticas e não genéticas com potencial tratamento por tera-
pia gênica

Distúrbio genético Defeito e/ou mutações envolvidas

Melanoma maligno

Mucopolissacaridose VII Deficiência de β-glicuronidase

Síndrome de deficiência imune


adquirida (Aids)

Talassemia/anemia falciforme Mutações de α e β-globina

Tumores cerebrais

Fonte: Adaptado de Borges-Osório e Robinson (2013, p. 585).

Embora existam muitas dificuldades e muitos impasses na terapia gênica,


muito tem se focado em pesquisas. Vários sistemas engenhosos já foram
apresentados em experimentos laboratoriais de comprovação de princípios.
Diversas empresas estão empenhadas na pesquisa de novas abordagens. Cente-
nas de ensaios clínicos de fase I têm sido realizados, especialmente na área do
câncer e de doenças infecciosas, majoritariamente as condições mendelianas
(READ; DONNAI, 2008).
Cabe salientar que, embora não tenhamos grandes avanços, o conheci-
mento já adquirido acerca das pesquisas e experimentos traz uma bagagem
de contribuições para o desenvolvimento de novas estratégias e ferramentas
nessa área.

Terapia gênica: avanços, desafios e perspectivas, confira na íntegra no link ou código


seguir.

https://goo.gl/52mKh3
Terapia gênica 13

Um exemplo de protocolo bem-sucedido para terapia gênica é o da imunodeficiência


combinada grave, uma patologia causada por mutações de perda de função no
gene do receptor da citocina, IL2RG. O protocolo utilizou um vetor retroviral para
integrar uma cópia funcional desse gene nos cromossomos das células precursoras
hematopoiéticas. Isso permitiu uma vantagem seletiva, e quando reintroduzidas no
paciente, foram capazes reconstituir a função das células T e NK de nove bebês entre
onze que foram tratados.

1. Baseado nos conhecimentos b) Somente as alternativas I e III


aprendidos neste capítulo, analise estão corretas.
as afirmativas a seguir e marque a c) Somente as alternativas I e V
alternativa acerca da terapia gênica: estão corretas.
I. Para substituir um alelo não d) Somente as alternativas I, III, IV e V
funcional, uma cópia de um alelo estão corretas.
funcional pode ser adicionada. e) Somente as alternativas I, V e IV
II. Um gene sem função pode ser estão corretas.
corrigido por meio da apoptose. 2. A cura para muitas patologias vem
III. Um gene não funcional poderá ser sendo assiduamente pesquisada, do-
substituído por um gene funcional enças como a fibrose cística são fatais
através da recombinação genética. e apresentam uma sobrevida curta
IV. Quando um gene não é fun- para seus portadores. A identificação
cional, este poderia ser substi- de genes responsáveis por causar
tuído por um gene funcional essas patologias têm gerado muita
inserido em um local não especí- esperança para a terapia gênica.
fico do genoma. Como a terapia gênica poderia contri-
V. A tecnologia CRISPR, possibilita buir para este tipo de patologia?
a edição de sequências de DNA a) Por meio da inserção de cópias
alvo-específica do genoma de extras dos alelos mutados.
qualquer organismo e tem sido b) Produzindo proteínas funcionais
utilizada com sucesso em expe- em organismos de espécies
rimentos para patologias como a distintas.
anemia falciforme. c) Por meio da inibição da expressão
a) Somente as alternativas I e II do gene com mutação nas células
estão corretas. secretoras de proteínas.
14 Terapia gênica

d) Por meio da substituição do alelo inserção do material genético e, em


mutado ou pela adição de uma seguida, reintroduzidas no próprio
cópia funcional do alelo. paciente é a:
e) Por meio da indução de muta- a) in vivo.
ções nos genes responsáveis por b) in vitro.
esta patologia. c) ex vivo.
3. Pense em uma situação na qual uma d) clonagem.
criança com uma síndrome congê- e) de células germinativas.
nita chega ao consultório para ser 5. Acerca da terapia gênica, observe
atendida. Você é o profissional que o as afirmativas a seguir e marque a
atende e é indagado pelos tutores se alternativa correta:
a terapia gênica poderia ser utilizada I. O uso da terapia gênica para in-
para tratar esta criança. A respeito do troduzir os genes nas células está
assunto você responderia que: apoiado em métodos laboratoriais
a) Atualmente a terapia gênica não que já são bem estabelecidos.
está disponível, mas que em II. A terapia das células somáticas é
alguns anos poderia ser utilizada. eticamente inaceitável.
b) Informa que a terapia gênica não III. A terapia das células germinativas
está disponível atualmente e que, é eticamente inaceitável.
mesmo se estivesse, não seria IV. No tipo de terapia gênica in vivo,
capaz de tratar uma patologia é injetado ou introduzido, de
congênita. algum modo, o produto terapêu-
c) Informa que é possível tratar com tico no organismo do paciente.
a terapia gênica, ainda muito cara. a) Somente as alternativas I e II
d) Informa que a terapia gênica é estão corretas.
uma conduta inaceitável etica- b) Somente as alternativas I e III
mente. estão corretas.
e) Informa que pode encaminhar c) Somente as alternativas II e III
esta criança para terapia gênica estão corretas.
imediatamente. d) Somente as alternativas II e IV
4. O tipo de terapia gênica em que estão corretas.
as células do paciente podem ser e) Somente as alternativas I, III e IV
retiradas e modificadas através da estão corretas.
Terapia gênica 15

BORGES-OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. 3. ed. Porto Alegre: Art-


med, 2013.
COSTANZI-STRAUSS, E.; STRAUSS, B. Perspectivas da terapia gênica. Revista de Medi-
cina, São Paulo, v. 94, n. 4, p. 211-222, out./dez. 2015. Disponível em: <https://www.
researchgate.net/publication/292213504_Perspectivas_da_terapia_genica>. Acesso
em: 08 nov. 2018
KLUG, W. et al. Conceitos de genética. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.
READ, A. P.; DONNAI, D. Genética clínica: uma nova abordagem. Porto Alegre: Artmed,
2008.
STRACHAN, T.; READ, A. P. Genética molecular humana. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

Leituras recomendadas
COOPER, G. M.; HAUSMAN, R. E. A célula: uma abordagem molecular. 3. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2007.
GARCIA, E. S.; CHAMAS, C. I. Genética molecular: avanços e problemas. Cadernos de
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 103-107, mar. 1996. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1996000100022&lng=e
n&nrm=iso>. Acesso em: 08 nov. 2018.
Conteúdo:
Dica do professor
A temática da terapia gênica vem mobilizando cientistas e é considerada como a nova fronteira da
medicina. A atenção primária para a terapia gênica teve seu foco para as doenças monogênicas, que
além de serem consideradas doenças raras, apresentam desafio na cura. Como nestas patologias há
ausência ou deficiência de um determinado gene, a terapia objetiva a transferência de um gene
com funcionamento normal para as células-alvo, uma vez que o gene restauraria a função
deficiente encontrada em seu portador.

As pesquisas na terapia gênica estão sendo desenvolvidas mundialmente, porém os Estados Unidos
estão à frente e lideram o número de ensaios clínicos. Dentre as doenças mais investigadas
atualmente está o câncer, considerado uma das patologias que causa o maior número de óbitos
mundialmente.

A esperança impera nesse tipo de terapia e espera-se que mais pesquisas com resultados de
sucesso sejam realizadas. Na Dica do Professor, você irá conhecer um pouco mais sobre a terapia
gênica.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.
Exercícios

1) Baseado nos conhecimentos aprendidos neste capítulo, analise as afirmativas a seguir e


marque a alternativa correta sobre a terapia gênica:

I. Para substituir um alelo não funcional, uma cópia de um alelo funcional pode ser
adicionada.

II. Um gene sem função pode ser corrigido por meio da apoptose.

III. Um gene não funcional poderá ser substituído por um gene funcional por meio da
recombinação genética.

IV. Quando um gene não é funcional pode ser substituído por um gene funcional inserido em
um local não específico do genoma.

V. A tecnologia CRISPR possibilita a edição de sequências de DNA alvo-específicas do


genoma de qualquer organismo e tem sido utilizada com sucesso em experimentos para
patologias, como a anemia falciforme.

A) Somente as afirmativas I e II estão corretas.

B) Somente as afirmativas I e III estão corretas.

C) Somente as afirmativas I e V estão corretas.

D) Somente as afirmativas I, III, IV e V estão corretas.

E) Somente as afirmativas I, IV e V estão corretas.

2) A cura para muitas patologias vem sendo assiduamente pesquisada. Doenças como a fibrose
cística, por exemplo, são fatais e apresentam uma sobrevida curta para seus portadores. A
identificação de genes responsáveis por causar essas patologias tem gerado muita esperança
para a terapia gênica. Como ela poderia contribuir para esse tipo de doença?

A) Por meio da inserção de cópias extras dos alelos mutados.

B) Produzindo proteínas funcionais em organismos de espécies distintas.

C) Por meio da inibição da expressão do gene com mutação nas células secretoras de proteínas.

D) Por meio da substituição do alelo mutado ou pela adição de uma cópia funcional do alelo.
E) Por meio da indução de mutações nos genes responsáveis por essa patologia.

3) Imagine uma situação na qual uma criança com uma síndrome congênita chega ao
consultório para ser atendida. Você é o profissional que a atende e é indagado pelos tutores
se a terapia gênica poderia ser utilizada para tratá-la. A respeito do assunto você
responderia que:

A) Atualmente, a terapia gênica não está disponível, mas em alguns anos poderia ser utilizada.

B) Informa que a terapia gênica não está disponível atualmente e que, mesmo se estivesse, não
seria capaz de tratar uma patologia congênita.

C) Informa que é possível tratar com a terapia gênica, mas ela ainda é muito cara.

D) Informa que a terapia gênica é uma conduta inaceitável eticamente.

E) Informa que pode encaminhar a criança para terapia gênica imediatamente.

4) Como é chamada o tipo de terapia gênica em que as células do paciente são retiradas e
modificadas por meio da inserção do material genético e, em seguida, reintroduzidas no
próprio paciente? Escolha a alternativa correta.

A) In vivo.

B) In vitro.

C) Ex vivo.

D) Clonagem.

E) Terapia de células germinativas.

5) Sobre a terapia gênica, leia as afirmativas a seguir e marque a alternativa correta:

I. O uso da terapia gênica para introduzir os genes nas células está apoiado em métodos
laboratoriais que já são bem estabelecidos.

II. A terapia das células somáticas é eticamente inaceitável.

III. A terapia das células germinativas é eticamente inaceitável.

IV. No tipo de terapia gênica in vivo, é injetado ou introduzido, de algum modo, o produto
terapêutico no organismo do paciente.
A) Somente as afirmativas I e II estão corretas.

B) Somente as afirmativas I e III estão corretas.

C) Somente as afirmativas II e III estão corretas.

D) Somente as afirmativas II e IV estão corretas.

E) Somente as afirmativas I, III e IV estão corretas.


Na prática
A tecnologia CRISPR vem sendo muito citada na literatura como sendo uma das técnicas mais
revolucionárias da atualidade. Ela possibilita a edição de sequências de DNA alvo-específicas do
genoma de qualquer organismo.

Advindo do sistema imune adaptativo de procariontes, esse mecanismo reconhece o material


genético invasor, cliva-o em pequenos fragmentos e integra-o em seu próprio DNA. Em uma
segunda exposição pelo mesmo agente, há transcrição do locus CRISPR, processamento do RNAm
e criação de pequenos fragmentos de RNA (crRNAs), que geram complexos com as proteínas Cas.
Estes reconhecem os ácidos nucleicos estranhos e o destroem.

Confira, na prática, como essa tecnologia vem sendo aplicada para o tratamento de doenças.
Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para
acessar.
Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

A cura pelos genes


Em 2012, após anos realizando tratamentos experimentais, a União Europeia aprovou a primeira
terapia gênica oficial fora da China. Saiba mais sobre alguns benefícios dessa terapia por meio da
matéria da Veja.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

A revolução da terapia genética


Na leitura da matéria do site Istoé, saiba mais sobre o primeiro medicamento capaz de substituir um
gene defeituoso por outro saudável.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

Terapia Gênica como tratamento para fibrose cística

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

Você também pode gostar