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Políticas de Saúde Pública

Brasília-DF.
Elaboração

Gerson Martins de Souza

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA...................................................................... 5

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 7

UNIDADE ÚNICA
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA................................................................................................................ 9

CAPÍTULO 1
A HISTÓRIA DO NASCIMENTO DA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE NO MUNDO............................... 9

CAPÍTULO 2
PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL............................................................................................ 18

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 39
Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
A saúde, sendo uma esfera da vida de homens e mulheres em toda sua diversidade e singularidade, não
permaneceu fora do desenrolar das mudanças da sociedade nesse período. O processo de transformação
da sociedade é também o processo de transformação da saúde e dos problemas sanitários.

Nas últimas décadas, tornou-se mais e mais importante cuidar da vida de modo que se reduzisse
a vulnerabilidade ao adoecer e as chances de que ele seja produtor de incapacidade, de sofrimento
crônico e de morte prematura de indivíduos e população.

Portanto, a análise do processo saúde-adoecimento evidenciou que a saúde é resultado do modelo


de organização da produção, do trabalho e da sociedade em determinado contexto histórico e o
aparato biomédico não consegue modificar os condicionantes nem determinantes mais amplos
desse processo, operando um modelo de atenção e cuidados marcados, na maior parte das vezes,
pela centralidade dos sintomas.

No Brasil, pensar outros caminhos para garantir a saúde da população significou pensar a
redemocratização do país e a constituição de um sistema de saúde inclusivo.

O tema abordado neste Caderno é muito amplo e envolve a história da Política de Saúde Pública no
Brasil. Nosso propósito é, portanto, mostrar alguns fatos que ilustram a evolução da Saúde no Brasil
do período imperial até o governo Lula. Um bom estudo para todos.

Objetivos
»» Compreender as políticas públicas de saúde no Brasil.

»» Conhecer alguns dos principais eventos e também a institucionalização do Sistema


Único de Saúde, na Constituição Federal de 1988.

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POLÍTICAS DE UNIDADE ÚNICA
SAÚDE PÚBLICA

CAPÍTULO 1
A história do nascimento da política
pública de saúde no mundo

A discussão do conceito de promoção da saúde tem como ponto de partida o próprio conceito de
saúde (CZERESNIA; FREITAS, 2003). Mas o que é um indivíduo saudável? O que é estar com
saúde? Para responder a essas perguntas é necessário ter um conceito de saúde e compreendê-lo
(MOTTA, 2000).

Segundo a Organização Mundial de Saúde, saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental
e social e, não, meramente, a ausência de doença e enfermidade. Essa afirmação também reforça a
ideia de que a saúde é um direito humano fundamental (HPA, 2004).

A VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, define saúde como resultante das condições de
alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,
acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. Assim, antes de tudo, é o resultado das formas
de organização social da produção, as quais podem gerar dificuldades nos níveis de vida (MOTTA,
2000). Esta definição mostra que para se conseguir atingir um ótimo nível de saúde, é necessária a
ação conjunta de vários setores sociais e econômicos juntamente ao setor saúde.

Também, no ano de 1986, é realizada, no Canadá, na cidade de Otawa, a I Conferência Internacional


sobre Promoção da Saúde, que considera como condições necessárias para a existência de saúde:
paz, educação, habitação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça
social e equidade (BUSS, 2000).

Pode-se observar que a definição de saúde vem se ampliando, incorporando diversas dimensões da
vida humana. Mas, retomando a questão inicial: o que é um indivíduo saudável?

Esta é uma pergunta com resposta complexa, visto que a dificuldade de conceituar saúde é reconhecida
desde a Grécia antiga (COELHO; ALMEIDA FILHO, 2002). Mas qual será a causa dessa dificuldade
na definição de saúde? Fala-se e escreve-se muito sobre este tema nos meios científicos, na mídia e
no cotidiano; basta buscar em um site de buscas na Internet a palavra saúde, que serão encontradas
cerca de 4 milhões de páginas, somente na Língua Portuguesa, abordando o assunto. No entanto,
como pode um assunto tão discutido e estudados ser tão complexo?

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UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

Existe diversidade nas percepções e nas vivências do processo saúde/doença em cada contexto,
cada sociedade, cada ambiente, além de haver também a fantasia, o medo e o imaginário presente
nesse processo, já que a saúde é uma preocupação existencial humana. Cada sociedade tem um
discurso sobre saúde e doença e sobre o corpo, que corresponde à coerência ou às contradições
de sua visão de mundo e de sua organização social (BORGES, 2002). Assim, nota-se que
saúde, não é algo estático, um estado, mas um processo, algo dinâmico em constante mutação
(MOTTA, 2000).

Se é tão difícil definir saúde como definir, então, promoção da saúde? Procurando no dicionário
Houaiss, promoção pode significar: ato ou efeito de promover; ascensão a cargo, posto ou categoria
superior; diligência do promotor; venda de alguns artigos com preços mais baixos; qualquer atividade
(de propaganda, marketing, divulgação, relações públicas etc.) destinada a tornar mais conhecido e
prestigiado um produto, um serviço, uma marca, uma ideia, uma pessoa ou uma instituição.

Promoção da saúde é um conceito antigo, que vem sendo retomado e discutido nas últimas décadas,
principalmente a partir do Informe Lalonde, no início da década de 1970 (MOURA; GONÇALVES;
CÔRREA, 2002). É importante também lembrar que a ideia de promover saúde antecede o uso
explícito do termo (SOUZA; GRUNDY, 2004).

A Organização Mundial de Saúde define como promoção da saúde o processo que permite às pessoas
aumentar o controle e melhorar a sua saúde. A promoção da saúde representa um processo social e
político, não somente incluindo ações direcionadas ao fortalecimento das capacidades e habilidades
dos indivíduos, mas também ações direcionadas a mudanças das condições sociais, ambientais e
econômicas, para minimizar seu impacto na saúde individual e pública. Entende-se por promoção
da saúde o processo que possibilita às pessoas aumentar seu controle sobre os determinantes da
saúde e melhorar sua saúde, sendo a participação das mesmas essencial para sustentar as ações de
promoção da saúde (HPA, 2004).

O entendimento moderno de promoção da saúde (e a prática consequente) surgiu e desenvolveu-se,


de forma mais vigorosa nos últimos 20 anos, nos países desenvolvidos, particularmente no
Canadá, nos Estados Unidos e nos países da Europa Ocidental. Quatro importantes Conferências
Internacionais sobre Promoção da Saúde, realizadas nos últimos 12 anos – em Ottawa (1986),
Adelaide (1988), Sundsvall (1991) e Jacarta (1997)–, desenvolveram as bases conceituais e políticas
da promoção da saúde. Na América Latina, em 1992, realizou-se a Conferência Internacional
de Promoção da Saúde (1992), trazendo formalmente o tema para o contexto sub-regional
(BUSS, 2000).

As conceituações disponíveis para a promoção da saúde podem ser reunidas em dois grandes
grupos. No primeiro, consiste nas atividades dirigidas à transformação dos comportamentos dos
indivíduos, focando seus estilos de vida e localizando-os no seio das famílias e, no máximo, no
ambiente das culturas da comunidade em que se encontram (BUSS, 2000).

Portanto, os programas ou atividades de promoção da saúde tendem a concentrar-se em componentes


educativos, primariamente relacionados com riscos comportamentais passíveis de mudanças, que
estariam, pelo menos em parte, sob o controle dos próprios indivíduos. Nessa abordagem, fugiriam
do âmbito da promoção da saúde todos os fatores que estivessem fora do controle dos indivíduos.

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POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

O segundo grupo de conceituações baseia-se no entendimento que a saúde é produto de um amplo


espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de
alimentação e nutrição; habitação e saneamento; boas condições de trabalho; oportunidades de
educação ao longo de toda a vida; ambiente físico limpo; apoio social para famílias e indivíduos;
estilo de vida responsável; e um espectro adequado de cuidados de saúde (BUSS, 2000).

Para uma melhor visualização da cronologia do desenvolvimento no campo da Promoção da Saúde,


a Agência para a Promoção da Saúde da Irlanda do Norte (HPA) propõe o seguinte esquema.

Desenvolvimento em Promoção da Saúde no período de 1974 a 2000

1974 – Informe Lalonde

1978 – Primeira Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde – Declaração de Alma
Ata.

1981 – A Organização Mundial de Saúde unanimemente adota uma estratégia global: “Saúde para
Todos no Ano 2000”.

1986 – Carta de Otawa sobre Promoção da Saúde.

1988 – Segunda Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Adelaide, Austrália.

1991 – Terceira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Sundsval, Suécia.

1997 – Quarta Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Jacarta.

1998 – Resolução da Assembleia Mundial de Saúde (Promoção da Saúde).

2000 – Quinta Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, México.

Após esse breve histórico do campo da promoção da saúde, torna-se necessário descrever as estratégias-
chave da promoção da Saúde da Carta de Otawa, que foi o principal marco de referência da promoção
da saúde em todo o mundo (BECKER, 2001). Segundo Sheiham (2001), estas estratégias podem ser
assim resumidas.

1. Promoção de saúde através de políticas públicas, focalizando a atenção no impacto


em saúde das políticas públicas de todos os setores e não somente do setor da saúde.

2. Criação de ambiente favorável mediante avaliação do impacto em saúde do


ambiente, evidenciando oportunidades de mudanças que conduzam à saúde.

3. Desenvolvimento de habilidades pessoais, ampliando a disseminação de informações


para promover compreensão e apoiar o desenvolvimento de habilidades pessoais,
sociais e políticas que capacitem indivíduos para tomar atitudes de promoção
de saúde.

4. Fortalecimento de ações comunitárias, apoiando ações concretas e eficazes na


definição de prioridades, tomada de decisões, planejamento de estratégias e
implementando-as para atingir melhor padrão de saúde.

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UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

5. Reorientação de serviços de saúde, redirecionando o modelo de atenção da


responsabilidade de oferecer serviços clínicos e curativos para a meta de ganhos
em saúde.

Segundo a Health Promotion Agency for Northern Ireland – HPA (2004), os principais modelos e
teorias utilizados na promoção da saúde podem ser resumidos assim.

1. Teorias que tentam explicar comportamentos e mudanças comportamentais.

2. Teorias que explicam mudanças em comunidades e ações comunitárias para a saúde.

3. Modelos que explicam mudanças em organizações e favoreçam práticas


organizacionais que incentivem hábitos saudáveis.

Outro ponto crucial que deve ser abordado é a necessidade da diferenciação entre os conceitos
de promoção, prevenção e educação em saúde que, muitas vezes, são utilizados simultaneamente
como se fossem sinônimos, ocasionando confusões até mesmo entre os profissionais de saúde
(SOUZA; GRUNDY, 2004). Essa diferenciação é bastante importante, pois, segundo Breilh
(1997), na ciência, uma distorção mil vezes repetida acaba convertendo-se em ingrediente de uma
interpretação da realidade.

A principal diferença encontrada entre prevenção e promoção está no olhar sobre o conceito
de saúde.Na prevenção, a saúde é vista simplesmente como ausência de doenças, enquanto, na
promoção, a saúde é encarada como um conceito positivo e multidimensional, resultando em
um modelo participativo de saúde na promoção em oposição ao modelo médico de intervenção
(FREITAS, 2003). Além disso, como observa Czeresnia (2003), a compreensão adequada do que
diferencia promoção de prevenção é justamente a consciência de que a incerteza do conhecimento
científico não é simples limitação técnica passível de sucessivas superações.

Buscar a saúde é questão não só de sobrevivência, mas de qualificação da existência.

Para que se perceba a diferença entre educação em saúde e promoção da saúde faz-se necessário
o esclarecimento de tais conceitos, mesmo se reconhecendo as dificuldades inerentes a tal
esclarecimento. Pode-se afirmar que se entende por educação em saúde quaisquer combinações
de experiências de aprendizagem delineadas com vistas a facilitar ações voluntárias conducentes à
saúde, enquanto a promoção da saúde é uma combinação de apoios educacionais e ambientais que
visam a atingir ações e condições de vida conducentes à saúde (CANDEIAS, 1997).

Deve-se destacar também que a promoção de saúde adota uma gama de estratégias políticas que
abrange desde posturas conservadoras até perspectivas críticas ditas radicais ou libertárias. Sob a
ótica mais conservadora, seria um meio de direcionar indivíduos a assumirem a responsabilidade por
sua saúde, reduzindo o peso financeiro na assistência de saúde. Noutra via, reformista, a promoção
da saúde atuaria como estratégia para criar mudanças na relação entre os cidadãos e o Estado, pela
ênfase em políticas públicas e ação intersetorial ou, ainda, pode constituir-se numa perspectiva

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POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

libertária que busca mudanças sociais mais profundas – como são as propostas de educação popular
(CASTIEL, 2004).

É importante que se reflita com cuidado antes de se afirmar que a promoção da saúde é fantástica
e fascinante como declara Saan (2001), pois, ao mesmo tempo em que pode ser, em seus aspectos
ideológicos, um empreendimento de natureza holística que, conectado a dinâmicas de transformação
social, demanda estratégias articuladas às necessidades sentidas, percebidas e desejadas pela
população (MELLO, 2000), pode também ser um instrumento de biopoder como afirma Guilam
(2003), isto é, o grande foco da educação e da promoção à saúde são os riscos relacionados aos
chamados estilos de vida. Indivíduos identificados como de alto risco para uma doença em particular
são encorajados a mudar aspectos de suas vidas e a monitorar seu comportamento. Este projeto é
dirigido no sentido de maximizar a sua própria saúde e minimizar o “peso” que o indivíduo possa
causar à sociedade (GUILAM, 2003).

A história do nascimento da política pública


de saúde no Brasil
A evolução histórica das políticas de saúde está relacionada diretamente à evolução político-social e
econômica da sociedade brasileira, não sendo possível dissociá-los.

Apresentamos fatos em saúde pública do Estado brasileiro com registros que datam do século
passado até os nossos dias. Apresentamos aos interessados, em aprofundar os estudos, uma
referência temporal indicando autores e legislações, sem esgotá-los, que podem nortear novos
estudos e novas pesquisas.

Para Polignano (s/d), a lógica do processo evolutivo sempre obedeceu à ótica do avanço do
capitalismo na sociedade brasileira, sofrendo a forte determinação do capitalismo com influência
internacional.

Ainda para o autor, a saúde nunca ocupou lugar central dentro da política do Estado brasileiro,
sendo sempre deixada na periferia do sistema, como uma moldura de um quadro, tanto no que diz
respeito à solução dos grandes problemas de saúde que afligem a população quanto na destinação
de recursos direcionados ao setor saúde.

Somente nos momentos em que determinadas endemias ou epidemias se apresentam como


importantes em termos de repercussão econômica ou social dentro do modelo capitalista proposto
é que passam a ser alvo de uma maior atenção por parte do governo, transformando-se pelo menos
em discurso institucional, até serem novamente destinadas a um plano secundário, quando deixam
de ter importância.

O autor afirma, ainda, que de um modo geral os problemas de saúde tornam-se foco de atenção
quando se oferecem como epidemias e deixam de ter importância quando os mesmos se transformam
em endemias.

As ações de saúde propostas pelo governo sempre procuram agrupar os problemas de saúde que
atingem grupos sociais importantes de regiões socioeconômicas igualmente importantes dentro da

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UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

estrutura social vigente e, preferencialmente, tem sido direcionada para grupos organizados e em
detrimento de grupos sociais dispersos e sem uma eficaz organização.

Até 1850, as atividades de saúde pública estavam limitadas ao seguinte.

1. Delegação das atribuições sanitárias as juntas municipais.

2. Controle de navios e saúde dos portos.

Verificamos que o empenho primordial estava limitado ao estabelecimento de um controle sanitário


mínimo da capital do império, disposição que se alongou por quase um século.

A organização política do império era de um regime de governo unitário e centralizador, incapaz de


dar continuidade e eficiência na transmissão e execução a distância das determinações decorridas
dos comandos centrais.

Salles (1971) afirma que a ausência de profissionais médicos no Brasil Colônia e no Brasil Império
era assombrosa. Para se ter uma ideia, no Rio de Janeiro, em 1789, só existiam quatro médicos
exercendo a profissão. Em outros estados brasileiros eram inexistentes.

A ausência de uma assistência médica estruturada fez com que proliferassem pelo país os Boticários
(farmacêuticos).

Salles (1971) esclarece-nos que aos boticários cabiam a manipulação das fórmulas prescritas pelos
médicos, mas a verdade é que eles próprios tomavam a iniciativa de indicá-los, fato comum até hoje
(lembramos que essa prática não é permitida).

Ressaltamos que esses profissionais não dispunham de um aprendizado acadêmico. O processo


de habilitação na função consistia tão somente em acompanhar um serviço de uma botica já
estabelecida durante certo período de tempo, ao fim do qual prestavam exame perante a fisicatura
e, se aprovado, o candidato recebia a “carta de habilitação”, estando apto a instalar sua própria
botica (SALLES, 1971).

Em 1808, Dom João VI fundou, na Bahia, o Colégio Médico – Cirúrgico no Real Hospital Militar da
Cidade de Salvador. No mês de novembro do mesmo ano foi criada a Escola de Cirurgia do Rio de
Janeiro, anexa ao real Hospital Militar.

No período de 1897 até 1930, os assuntos relacionados à saúde, como funções públicas, eram
tratados no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, em específico, na Diretoria Geral de
Saúde Pública.

Médice (1994) relata que a assistência à saúde ofertada pelo Estado até a década de 1930 estava
limitada às ações de saneamento e de combate às endemias. É também dessa época o surgimento e
o desenvolvimento do chamado sanitarismo campanhista, fortemente presente até o final da década
de 1940.

Ainda para o autor, tal política visava a dar apoio ao modelo econômico agrário-exportador,
garantindo condições de saúde para os trabalhadores empregados na produção e na exportação.

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POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

As campanhas visavam ao combate de endemias, tais como a peste, a cólera, a varíola, entre outras.
Progressivamente, o Estado vai acentuando sua intervenção no setor saúde e, após a Segunda Guerra
Mundial, passa a assumir obrigações financeiras no que se refere à assistência à saúde da população.

Quadro sanitário
A falta de um modelo sanitário para o país deixava as cidades brasileiras a mercê das epidemias.

No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro apresentava um quadro sanitário caótico,
caracterizado pela presença de diversas doenças graves que acometiam à população, como a varíola,
a malária, a febre amarela e, posteriormente, a peste, o que acabou gerando sérias consequências
tanto para a saúde coletiva quanto para outros setores, como o do comércio exterior, pois os navios
estrangeiros não mais queriam atracar no porto do Rio de Janeiro, em função da situação sanitária
existente na cidade (ou a falta de uma política sanitária).

Devido a essa recusa dos navios estrangeiros de atracarem no porto do Rio de Janeiro, Rodrigues
Alves, então presidente do Brasil, nomeou Oswaldo Cruz, como Diretor do Departamento Federal de
Saúde Pública, que se propôs a erradicar a epidemia de febre amarela na cidade do Rio de Janeiro.

Foi criado um verdadeiro exército de 1.500 pessoas que passaram a exercer atividades de desinfecção
no combate ao mosquito, vetor da febre amarela. A falta de esclarecimentos e as arbitrariedades
cometidas pelos “guardas sanitários” causaram revolta na população do Rio de Janeiro.

Segundo Polignano (s/d), esse modelo de intervenção ficou conhecido como campanhista e foi
concebido dentro de uma visão militar em que os fins justificam os meios, e no qual o uso da força e
da autoridade eram considerados os instrumentos preferenciais de ação.

O autor afirma que a população, com receio das medidas de desinfecção, trabalho realizado pelo
serviço sanitário municipal, revoltou-se tanto que, certa vez, o próprio presidente Rodrigues Alves
chama Oswaldo Cruz ao Palácio do Catete, pedindo-lhe para, apesar de acreditar no acerto da
estratégia do sanitarista, não continuar queimando os colchões e as roupas dos doentes.

A insatisfação agrava-se com outra medida de Oswaldo Cruz, a Lei Federal no 1.261, de 31 de
outubro de 1904, que instituiu a vacinação antivaríola obrigatória para todo o território nacional.
Passa a existir, então, um grande movimento popular de revolta que ficou conhecido na história como
a revolta da vacina.

Ainda para o autor, apesar das arbitrariedades e dos abusos cometidos, o modelo campanhista obteve
importantes vitórias no controle das doenças epidêmicas, conseguindo inclusive erradicar a febre
amarela da cidade do Rio de Janeiro, o que fortaleceu o modelo proposto e o tornou hegemônico
como proposta de intervenção na área da saúde coletiva durante décadas.

Nessa ocasião, Oswaldo Cruz buscou organizar a Diretoria Geral de Saúde Pública, instituindo
uma seção demográfica, um laboratório bacteriológico, um serviço de engenharia sanitária e de
profilaxia da febre amarela, a inspetoria de isolamento e desinfecção e o instituto soroterápico
federal, posteriormente transformado no Instituto Oswaldo Cruz.

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UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

Na reforma gerada por Oswaldo Cruz foram congregados como elementos das ações de saúde:

»» o registro demográfico, possibilitando conhecer a composição e os fatos vitais de


importância da população;

»» a introdução do laboratório como auxiliar do diagnóstico etiológico;

»» a fabricação organizada de produtos profiláticos para uso em massa.

Em 1920, Carlos Chagas, sucessor de Oswaldo Cruz, reestruturou o Departamento Nacional de


Saúde, então ligado ao Ministério da Justiça, e inseriu a propaganda e a educação sanitária na
técnica rotineira de ação, inovando o modelo companhista de Oswaldo Cruz que era puramente
fiscal e policial.

Foram criados órgãos especializados na luta contra a tuberculose, a lepra e as doenças venéreas. A
assistência hospitalar, infantil e a higiene industrial destacaram-se como problemas individualizados.
Expandiram-se as atividades de saneamento para outros estados, além do Rio de Janeiro, e criou-se
a Escola de Enfermagem Anna Nery.

Primeira turma de educadoras sanitárias do Instituto de Higiene, 1927

Fonte: Rev. Saúde Pública, 18, 1984.

Mendes (1992) afirma que enquanto a sociedade brasileira esteve dominada por uma economia
agroexportadora, assentada na monocultura cafeeira, o que se exigia do sistema de saúde era, sobretudo,
uma política de saneamento destinada aos espaços de circulação das mercadorias exportáveis e a
erradicação ou o controle das doenças que poderiam prejudicar a exportação. Por essa razão, desde o
final do século passado até o início dos anos 1960, predominou o modelo do sanitarismo campanhista.

O autor afirma, ainda, que, gradualmente, com o controle das epidemias nas grandes cidades
brasileiras, o modelo campanhista voltou suas ações para o campo e para o combate das denominadas
endemias rurais, devido ser a agricultura a atividade hegemônica da economia da época. Esse
modelo de atuação foi amplamente utilizado pela Sucam, no combate a diversas endemias (Chagas,
esquistossomose e outras), sendo esta, em seguida, unificada à Fundação Nacional de Saúde.

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POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

Fonte: Funasa.

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CAPÍTULO 2
Previdência Social no Brasil

O nascimento da Previdência Social


A Previdência Social no Brasil surgiu em 1923, com o Decreto Legislativo que ficou conhecido como
Lei Elói Chaves, criando as Caixas de Aposentadoria e Pensão – Caps. Estas eram organizadas pelas
empresas e ofereciam assistência médica, medicamentos, aposentadorias e pensões.

Belinati (1986-1992), apoiado em historiadores, cita que, no período de 1923 a 1933, foram criadas
183 Caixas de Aposentadorias e Pensão. A partir de 1933, surgiram os Institutos de Aposentadorias
e Pensões (IAP), entidades de grande porte, envolvendo os trabalhadores agrupados por ramos de
atividades. Tais institutos foram o IAPTEC (para trabalhadores em transporte e cargas), IAPC (para
comerciários), IAPI (industriários), IAPB (bancários), IAPM (marítimos e portuários) e IPASE
(servidores públicos). O modelo inicial da assistência médica não era universal e baseava-se nos
vínculos trabalhistas. Esses benefícios incluíam direito aos benefícios somente aos trabalhadores
que contribuíam para a Previdência, ou seja, aqueles “com carteira assinada”.

Em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde. As atenções predominantes dos governos até
então, estavam voltadas às ações de caráter coletivo. A partir dessa década a ênfase governamental
começa a se deslocar para a assistência médica individual.

Em 1948, durante o mandato do General Eurico Gaspar Dutra, o governo federal formula o Plano
SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia). Em 1953, ainda sob a influência do Plano,
foi criado o Ministério da Saúde (MS), que se dedica às atividades de caráter coletivo, como as
campanhas e a vigilância sanitária. À época e paralelamente, a assistência médica cresce e se
desenvolve no âmbito das instituições previdenciárias. Já se percebia a necessidade de garantir a
manutenção e a reprodução da força de trabalho cada vez mais urbana e fabril, ciclo iniciado em
1930. Donnangelo, apud CORDONI JÚNIOR (1979), caracteriza o desenvolvimento da assistência
médica no seio das instituições previdenciárias como instrumento para amenizar tensões sociais e
controlar a força de trabalho

As várias instituições previdenciárias e a multiplicidade de tratamentos aos seus usuários


motivaram o governo à uniformização dos métodos, com a promulgação da Lei Orgânica da
Previdência Social, em agosto de 1960. Brasil (1960) nos traz que os direitos e os deveres passaram
a ser semelhantes orientados pela lei, o que viria facilitar no futuro, a fusão dos IAPs.

Em 1966, da fusão dos IAPs originou-se o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) que
uniformizou e centralizou a previdência social. Nessa década, a previdência social firmou-se como
principal órgão de financiamento dos serviços de saúde. Médice (1994) e Mendes (1996) concordam
que aconteceu uma concentração das políticas de saúde com extensão da cobertura assistencial.

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POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

Conforme a tendência observada já no início da década de 1950, na década de 1970, a política de


saúde encontrava-se totalmente polarizada entre as ações de caráter coletivo, como programas
contra determinados agravos, vacinação, vigilância epidemiológica e sanitária, a cargo do Ministério
da Saúde, e a assistência médica individual centrada no INPS, órgão do Ministério da Previdência e
Assistência Social (MPAS), criado em 1974.

Para Mendes (1993), a assistência médica individualizada passou a ser dominante e a política
privilegiou a privatização dos serviços e estimulou o desenvolvimento das atividades hospitalares.
O processo de industrialização acelerado observado a partir do Presidente Juscelino Kubitschek de
Oliveira fortaleceu a economia dos centros urbanos e gerou força de trabalho a ser atendida pelo
sistema de saúde.

Cordoni Júnior (1996) afirma que tal fato aprofunda a necessidade de o Estado atuar na saúde do
trabalhador, mantendo e restaurando sua capacidade produtiva. A expansão da medicina hospitalar
é apontada pelo autor. Em 1970, foram internados 2,9% da população brasileira, passando para 9,7%
em 1980.

Em 1972, iniciou-se a ampliação da abrangência previdenciária. As empregadas domésticas e os


trabalhadores rurais foram beneficiados pela cobertura de assistência médica no sistema de saúde
e, em 1973, incorporaram-se os trabalhadores autônomos.

Paralelamente ao desenvolvimento do sistema de saúde acima descrito, inicia-se um movimento


intelectual e político de crítica ao mesmo. Em 1976, é fundado o Centro Brasileiro de Estudos de
Saúde (CEBES), que marca o início da mobilização social que se convencionou chamar Movimento
da Reforma Sanitária Brasileira – MRSB. O Movimento nasceu nos Departamentos de Medicina
Preventiva, no Curso de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (USP) e rapidamente se expandiu entre os profissionais de saúde, tendo como principal meio
de difusão de ideias a revista do CEBES, Saúde em Debate. (MARTIN; CARVALHO; CORDONI
JÚNIOR, 2001). O MRSB, inseriu-se na luta contra a ditadura militar e preconizou um novo
modelo assistencial que destacava a importância da assistência primária de saúde. Ainda para os
autores o MRSB, foi o grande indutor de convocação da 8a Conferência Nacional de Saúde, cujas
recomendações foram absorvidas pela Constituição Federal de 1986.

Em 1974 surge o Plano de Pronta Ação (PPA) e o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS)
para enfrentar a crescente demanda curativa. O FAS, fundo de recursos públicos, emprestava
dinheiro a juros subsidiados. Tais recursos eram utilizados predominantemente para a construção
de hospitais privados. Estes garantiam o retorno do capital mediante credenciamento junto ao INPS.

O PPA foi um conjunto de ações que desburocratizou o atendimento de urgência ao segurado


e admitiu o atendimento ambulatorial a toda a população nos casos de urgência. O PPA é
importante referência porque foi o início da universalização do atendimento. Na época, grandes
investimentos foram realizados privilegiando a assistência médica em unidades de saúde, em
detrimento das ações preventivas.

A primeira tentativa de regulamentação do papel dos municípios na política de saúde data de 1975,
com a Lei no 6.229, de 17 de julho de 1975. Tratando da organização do Sistema Nacional de Saúde,

19
UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

continha, em seu artigo primeiro, as competências do município: manter serviços de saúde, em


especial os de Pronto-Socorro e da vigilância epidemiológica; articular os planos locais de saúde com
os estaduais e federais; integrar seus serviços no sistema nacional de Saúde10. Essa lei objetivou
a extensão da cobertura. A maior parte das prefeituras gastou seus recursos em atendimentos
especializados, notadamente os de pronto-socorro, dando pouca atenção aos atendimentos
primários. De fato, sob a Lei no 6.229/1975, a municipalização não prosperou.

A experiência do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento para o Nordeste


(PIASS), ocorrida em 1976, foi especialmente importante para evidenciar a necessidade de Atenção
Primária de Saúde (APS). O objetivo, segundo descreve Médice, era levar saúde pública às regiões
carentes, dentro de uma nova concepção do pensamento sanitário, adotando sistemas de atenção
primária à saúde com o envolvimento da comunidade local.

O conceito de APS foi, inicialmente, desenvolvido apenas no Nordeste, mas alcançou, anos
mais tarde, abrangência nacional. Em 1977, o governo cria o Sistema Nacional de Previdência e
Assistência Social (SINPAS), por meio da Lei no 6.439/1977. As seguintes instituições compunham
o SINPAS: 1) Instituto Nacional de Previdência Social (INPS); 2) Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (INAMPS); 3) Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA); 4)
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM); 5) Empresa de Processamento de Dados
da Previdência Social (DATAPREV); 6) Instituto de Administração Financeira da Previdência e
Assistência Social (IAPAS); e 7) a Central de Medicamentos (CEME).

Segundo Santos (1994), apesar de a Lei no 6.229/1975 visar à regulamentação do Sistema


Nacional de Saúde, na realidade não existia propriamente um sistema. As ações de saúde foram
desenvolvidas de maneira partida e sem nenhuma integração. A saúde coletiva era considerada um
direito de todos e a assistência médica hospitalar individualizada direito apenas dos trabalhadores
contribuintes do Sistema Nacional de Previdência Social. Na ocasião, competia ao Ministério da
Saúde, ao menos formalmente, a responsabilidade da formulação das políticas e o desenvolvimento
das ações coletivas; ao Ministério da Previdência e Assistência Social a realização da assistência
médica através do Instituto Nacional de Assistência Médica e de Previdência Social (INAMPS);
ao Ministério da Educação a formação de recursos humanos para saúde e a prestação de serviços
nos hospitais universitários; ao Ministério do Interior as ações de saneamento e ao Ministério do
Trabalho cuidar da higiene e da segurança do trabalho.

Já para Mendes (1993), o novo arcabouço sugerido pelo SINPAS, a assistência médica, continuava a
ser prestada notadamente mediante contrato com setor privado com os recursos da previdência. O
conjunto de políticas públicas da década de 1970 levou a um modelo médico-assistencial privatista,
acordado no Estado como grande financiador e, no setor privado nacional, como o maior prestador,
tendo o setor privado internacional como o mais significativo produtor de insumos.

Almeida (1979) afirma que, em 1977, o Ministério da Saúde já reconhecia que o papel principal da
esfera municipal era o de estruturar uma rede de serviços básicos dentro dos princípios da atenção
primária, mas, à época, nenhum passo palpável foi dado por ele nesta direção. O primeiro encontro
municipal do setor saúde, realizado em Campinas em, maio de 1978, concluiu pela atenção primária
à saúde como prioridade dos municípios, deixando os casos mais complexos (atendimentos
secundários e terciários) para a União e para os estados.

20
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

Ainda segundo o autor, em maio de 1980, na VII Conferência Nacional de Saúde, surgem as ideias
que iriam ganhar forma em um programa racionalizador do INAMPS, batizado PREVSAÚDE,
com o objetivo de generalizar o desempenho obtido com o Programa PIASS voltado à assistência
primária. Esse Programa, segundo Médice, não saiu das gavetas em função da crise econômica da
previdência, que se iniciou em 1981.

A pouca prioridade dada às ações de saneamento e à medicina preventiva facilitava o surgimento


de doenças que poderiam ter fácil solução com medidas preventivas e APS. Para Braga e Paula
(1986), o crescente volume de recursos para a medicina curativa ameaçava o sistema previdenciário.
Formava-se uma consciência de que era necessário repensar a política de saúde. As ideias difundidas
pelo MRSB começavam a repercutir no interior do governo.

Em 1982, surge o “Plano de Reorientação da Assistência à Saúde no Âmbito da Previdência Social”,


elaborado pelo Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária, conhecido como
Plano do CONASP, que foi criado para racionalizar as ações de saúde.

O modelo curativo dominante começa a ser abalado. Esse plano atuou sobre a racionalização das
contas com os gastos hospitalares dos serviços contratados com o Sistema de Assistência Médico-
Hospitalar da Previdência Social (SAMHPS), pondo fim à modalidade em uso, denominada
pagamento por unidade de serviço. Assim, o Plano refere-se também ao aproveitamento da
capacidade instalada de serviços ambulatoriais públicos.

Goulart (1996) afirma que, como consequências do Plano do CONASP, visando conseguir uma
maior e melhor utilização da rede pública de serviços básicos, em 1982, foram firmados convênios
trilaterais envolvendo os Ministérios da Previdência Social, Saúde e Secretarias de Estado de Saúde,
os quais posteriormente foram substituídos pelas Ações Integradas de Saúde (AIS), com o objetivo
da universalização da acessibilidade da população aos serviços de saúde. Essa proposta abriu a
possibilidade de participação dos estados e, principalmente, municípios na política nacional de saúde.

Segundo Cordoni Júnior e Cohn e Elias (1986), a implementação das AIS, representou o passo
inicial para o processo de descentralização na saúde. Os autores afirmam que as AIS incorporaram
os serviços estaduais e municipais à rede de serviços pagos pelo INAMPS integrando as esferas de
governo em comissões interinstitucionais de saúde. Os convênios foram um marco na instituição da
gestão colegiada nas diversas esferas de governo e na responsabilização dos municípios como porta
de entrada do sistema. Assim, para Mendes, os recursos da saúde começaram a ser desconcentrados.

Para Santos (1994), os repasses de encargos e dos recursos foram vinculados a compromissos
assumidos perante a União. Essa desconcentração foi caracterizada pela transferência de “recursos
carimbados” aos municípios, eventualmente, até contrários às prioridades locais. Entretanto as AIS,
com a ideia de gestão colegiada e na sequência, o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
(SUDS), de 1987, começaram a por em prática os ideais da Reforma Sanitária. Este com restrições:
enquanto as AIS representaram um movimento de estímulo à municipalização, o SUDS representou
uma re-centralização nas mãos das secretarias estaduais de saúde.

O SUDS não causou maiores estragos à descentralização porque foi de curta duração (de 1987
a 1990) e o movimento político pró-municipalização estava bastante fortalecido, como ilustra o
parágrafo seguinte.

21
UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

As discussões da VIII Conferência Nacional da Saúde, em março de 1986, resultaram na formalização


das propostas do MRSB, ensejando mudanças baseadas no direito universal à saúde, acesso
igualitário, com descentralização acelerada e ampla participação da sociedade. A Conferência já
apontava para a municipalização como forma de executar a descentralização. As bases do sistema
atual, o Sistema Único de Saúde (SUS), foram dadas por essa conferência que envolveu mais de
5.000 participantes e produziu um relatório que subsidiou decisivamente a Constituição Federal de
1988 nos assuntos de Saúde.

A Constituição Federal de 1988 deu nova forma à saúde no Brasil, estabelecendo-a como direito
universal. A saúde passou a ser dever constitucional de todas as esferas de governo, sendo que
antes era apenas da União e relativo ao trabalhador segurado. O conceito de saúde foi ampliado e
vinculado às políticas sociais e econômicas. A assistência é concebida de forma integral (preventiva
e curativa). Definiu-se a gestão participativa como importante inovação, assim como comando e
fundos financeiros únicos para cada esfera de governo.

As Leis no 8.080/1990 e a no 8.142/1990 são singularmente relevantes para o novo modelo, uma
espécie de estatuto da saúde no Brasil. A Lei no 8.080/1990 sedimenta as orientações constitucionais
do Sistema Único de Saúde. A Lei no 8.142/1990 trata do envolvimento da comunidade na condução
das questões da saúde, criando as conferências e os conselhos de saúde em cada esfera de governo
como instâncias colegiadas orientadoras e deliberativas, respectivamente. Segundo Brasil SUS
(1990), as conferências, instaladas de quatro em quatro anos, têm a participação de vários segmentos
sociais; nelas são definidas as diretrizes para a formulação da política de saúde nas respectivas
esferas de governo. A Lei no 8.142/1990 também define as transferências de recursos financeiros
diretamente de fundo a fundo sem a necessidade de convênios, como, por exemplo, as transferências
diretas do Fundo Nacional de Saúde para Fundos Estaduais e Municipais.

As normas operacionais editadas pelo MS, em 1991, 1993 e 1996, também devem ser destacadas pela
sua importância na orientação do novo modelo, inclusive nos aspectos do financiamento (BRASIL,
1991, 1993, 1996).

Particularmente importante para a municipalização foi a NOB de 1996, de fato só implementada


em 1998, que definiu modalidades de gestão. A modalidade mais avançada, denominada Gestão
Semiplena, alargava as possibilidades de autonomia administrativa para a gestão dos recursos
financeiros da União repassados aos municípios. Esta modalidade resultou em maior capacidade de
planejamento para os municípios (PAULUS JÚNIOR, 1998).

Em 13 de setembro de 2000, foi promulgada a Emenda Constitucional no 29, com o objetivo de definir
a forma de financiamento da política pública de saúde de maneira vinculada à receita tributária.

O financiamento do SUS passou a ser garantido constitucionalmente. A base vinculável é composta


pelos impostos pagos deduzidas as transferências entre governos. Para viabilização do cumprimento
da EC no 29 foi fixado um período de transição até 2004. O governo Federal deve corrigir anualmente
o orçamento da saúde com base na variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior. Já os
estados deveriam, até 2004, aplicar pelo menos 12% da base vinculável. A regra para os municípios
é semelhante, sendo os percentuais de pelo menos 15% da base vinculável desde 2004.

22
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

As discussões sobre a operacionalização da EC no 29 no Governo Federal e os debates conceituais


de despesas com saúde em todos os níveis de governo, bem como outros esforços de desvinculação
de receitas, parecem ter o objetivo de fuga às determinações da lei, mostrando dificuldades em sua
implementação e, consequentemente, para o SUS.

De qualquer forma, a viabilização do sistema de financiamento na forma prevista na Constituição


Federal de 1988 e na Emenda Constitucional tem tomado a atenção dos estudiosos do setor. O
Governo Federal e grande parte dos governos estaduais têm oferecido resistências à aplicação
de recursos na saúde na forma de vinculação prevista na Emenda Constitucional no 29/2000. O
Problema do financiamento das Políticas de Saúde ainda não está resolvido.

A Política de Saúde na Década de 1980:


construção do Projeto de Reforma Sanitária
Bravo (2001) destaca que a saúde, nessa década, contou com a participação de novos sujeitos sociais na
discussão das condições de vida da população brasileira e das propostas governamentais apresentadas
para o setor, contribuindo para um amplo debate que permeou a sociedade civil. A saúde deixou de ser
interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política, estando estreitamente vinculada
à democracia.

Entre os personagens que entraram em cena nesse momento, destacam-se: os profissionais de


saúde, representados pelas suas entidades, que superaram o corporativismo, defendendo questões
mais gerais como a melhoria da situação saúde e o empoderamento do setor público; o movimento
sanitário, tendo o Centro Brasileiro de Estudo de Saúde (CEBES) como a condução de comunicação e
ampliação do debate em torno da Saúde e Democracia e elaboração de contra-propostas; os partidos
políticos de oposição, que começaram a colocar nos seus programas a temática e viabilizaram
debates no Congresso para discussão da política do setor e os movimentos sociais urbanos, que
realizaram eventos em articulação com outras entidades da sociedade civil.

No começo dos anos 1980, a sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que vivenciou um processo
de redemocratização política superando o regime ditatorial instaurado em 1964, experimentou
uma densa e demorada crise econômica que persistia em não passar. As decepções com a transição
democrática ocorreram, principalmente, com seu circuito conservador após 1988, não se traduzindo
em ganhos materiais para a massa da população.

Portanto, as principais propostas debatidas por esses sujeitos coletivos foram a universalização
do acesso; a concepção de saúde como direito social e dever do Estado; a reestruturação do setor
através da estratégia do Sistema Unificado de Saúde tendo em vista um profundo reordenamento
setorial com um novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do processo
decisório para as esferas estadual e municipal; o financiamento efetivo e a democratização do poder
local por meio de novos mecanismos de gestão – os Conselhos de Saúde.

Bravo (2001) afirma que, o fato marcante e fundamental para a discussão da questão Saúde no
Brasil ocorreu na preparação e na realização da 8a Conferência Nacional de Saúde, realizada em
março de 1986, em Brasília – Distrito Federal. O temário central abordou sobre: I A Saúde como

23
UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

Direito Inerente à Personalidade e à Cidadania; II Reformulação do Sistema Nacional de Saúde,


III Financiamento Setorial. As entidades que participaram da Plenária foram: sindicatos e centrais
sindicais, associações profissionais e culturais, partidos políticos progressistas, movimentos
populares, associações de usuários, entre outros.

A 8a Conferência, numa articulação bem distinta das anteriores, contou com a participação de
cerca de 4.500 pessoas, entre as quais mil delegados. Representou, inegavelmente, um marco,
pois inseriu no cenário da discussão da saúde a sociedade. Os debates saíram dos seus fóruns
específicos (ABRASCO, CEBES, Medicina Preventiva, Saúde Pública) e assumiram outra dimensão
com a participação das entidades representativas da população: moradores, sindicatos, partidos
políticos, associações de profissionais, parlamento. A questão da saúde ultrapassou a análise
setorial, referindo-se à sociedade como um todo, propondo-se não somente o Sistema Único, mas
a Reforma Sanitária.

Assim, o processo constituinte e a promulgação da Constituição de 1988 representou, no plano


jurídico, a promessa de afirmação e extensão dos direitos sociais em nosso país frente, à grave crise
e às demandas de enfrentamento dos enormes índices de desigualdade social.

Ainda a Assembleia Constituinte com relação à Saúde transformou-se em um campo político em


que os interesses se organizaram em dois blocos polares: os grupos empresariais, sob o comando
da Federação Brasileira de Hospitais (setor privado) e da Associação de Indústrias Farmacêuticas
(multinacionais), e as forças propugnadoras da Reforma Sanitária, representadas pela Plenária
Nacional pela Saúde na Constituinte, órgão que passou a agrupar cerca de duas centenas de
entidades representativas do setor. A eficácia da Plenária das Entidades, para atingir seus objetivos,
foi resultado do uso adequado de três instrumentos de luta: a capacidade técnica de formular com
antecipação um projeto de texto constitucional intenso e consistente; a pressão constante sobre os
constituintes; a mobilização da sociedade.

A proposta de emenda popular apresentada por Sérgio Arouca, indicado pela plenária de Saúde
para defendê-la no Plenário da Constituinte, foi assinada por mais de 50 mil eleitores, representando
167 entidades.

O texto constitucional, com relação à Saúde, após vários acordos políticos e pressão popular, acolhe
em grande parte às reivindicações do movimento sanitário, prejudica os interesses empresariais do
setor hospitalar e não altera a situação da indústria farmacêutica.

Para Teixeira, os principais aspectos aprovados na nova Constituição foram os seguintes:

O direito universal à Saúde e o dever do Estado, acabando com discriminações


existentes entre segurado/não segurado, rural/urbano.

As ações e os Serviços de Saúde passaram a ser considerados de relevância


pública, cabendo ao poder público sua regulamentação, fiscalização e controle.

A constituição do Sistema Único de Saúde integra todos os serviços públicos


em uma rede hierarquizada, regionalizada, descentralizada e de atendimento
integral, com participação da comunidade.

24
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

A participação do setor privado no sistema de saúde deverá ser complementar,


preferencialmente com as entidades filantrópicas, sendo vedada a destinação
de recursos públicos para subvenção às instituições com fins lucrativos. Os
contratos com entidades privadas prestadoras de serviços far-se-ão mediante
contrato de direito público, garantindo ao Estado o poder de intervir nas
entidades que não estiverem seguindo os termos contratuais.

Proibição da comercialização de sangue e seus derivados. (1989:50-51).

O texto constitucional inspira-se nas conjecturas defendidas durante vários anos pelo movimento
sanitário, todavia, não foi possível atender todas as questões quando elas se confrontavam com
interesses empresariais ou de setores do próprio governo. As questões centrais sobre financiamento
do novo sistema permaneceram pouco definidas, não tendo sido colocado um percentual sobre
os orçamentos dos quais se origina. Com relação aos medicamentos, há apenas uma menção à
competência do sistema de saúde para fiscalizar sua produção. A saúde do trabalhador não contemplou
propostas como o direito do trabalhador recusar-se a trabalhar em locais comprovadamente
insalubres, bem como de ter informações sobre toxidade dos produtos manipulados.

A análise da política de saúde na década de 1980 tem como aspectos principais, segundo Teixeira
(1989: 50-53): a politização da questão saúde; a alteração da norma constitucional; a mudança do
arcabouço e das práticas institucionais.

A politização da saúde foi uma das primeiras metas a serem praticadas com o objetivo de aprofundar o
nível da consciência sanitária, alcançar visibilidade necessária para inclusão de suas ações na agenda
governamental e avalizar o apoio político à prática das mudanças necessárias. A 8a Conferência foi
o acontecimento mais importante nesta direção.

Bravo afirma que a alteração do arcabouço e das práticas institucionais foi alcançada por meio
de algumas medidas que apontaram o fortalecimento do setor público e a universalização do
atendimento; a redução do papel do setor privado na prestação de serviços à Saúde; a descentralização
política e administração do processo decisório da política de saúde e a execução dos serviços ao nível
local, que culminou com a criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), em
1987, e em seguida, em 1988, Sistema Único de Saúde (SUS), passo mais avançado na reformulação
administrativa no setor. Estes conceitos tiveram, no entanto, pouco impacto na melhoria das
condições de saúde da população, pois era imperativa a sua operacionalização, não ocorreu. Além dos
limites estruturais que envolvem um processo de tal ordem, as forças progressistas comprometidas
com a Reforma Sanitária passaram, desde 1988, a perder espaços na coalizão governante e, por
consequência, no interior dos aparelhos institucionais. O retrocesso político do governo da transição
democrática repercute na saúde, tanto no aspecto econômico quanto no político.

Portanto, no final da década de 1980, já havia algumas dúvidas e incerteza com relação à implantação
do Projeto de Reforma Sanitária podendo-se destacar: a fragilidade das medidas reformadoras em
curso; a ineficácia do setor público; as tensões com os profissionais de saúde; a redução do apoio
popular em face da ausência de resultados concretos na melhoria da atenção à saúde da população
brasileira; a reorganização dos setores conservadores contrários à reforma que passam a dar a
direção no setor.

25
UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

A burocratização da reforma sanitária, segundo Fleury (1989), afasta a população da cena política,
despolitizando o processo. A concretização da reforma tem dois elementos em tensão: o reformador
– imperativo para transformar instituições e processos, e o revolucionário – questão sanitária, só
superada com a alteração efetiva nas práticas e na qualidade de saúde da população. Considera-se
que a edificação democrática é a única via para se alcançar a Reforma Sanitária e, a mobilização
política, uma de suas táticas, sendo o desafio depositado para os setores progressistas da Saúde que
deveria ser viabilizado na década de 1990.

O nascimento do SUS
Segundo Polignano (s/d), a constituinte de 1988, no capítulo VIII da Ordem Social e na seção
II referente à Saúde, define, no art. 196, que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação”.

O SUS é definido pelo art. 198 do seguinte modo.

As ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e


hierarquizada, e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:

I. Descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II. Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem


prejuízo dos serviços assistenciais;

III. Participação da comunidade.

Parágrafo único – o sistema único de saúde será financiado, com recursos do


orçamento da seguridade social, da União, dos estados, do Distrito Federal e
dos municípios, além de outras fontes.

O texto constitucional explana claramente que a concepção do SUS está baseada na formulação de
um modelo de saúde voltado para as necessidades da população, procurando resgatar o acordo do
Estado para com o bem-estar social, principalmente no que refere à saúde coletiva, consolidando-o
como um dos direitos da cidadania. Esta narrativa reflete o momento político porque passava a
sociedade brasileira, recém saída de uma ditadura militar onde a cidadania nunca foi um princípio
de governo. Embalada pelo movimento das Diretas Já, a sociedade procurava garantir na nova
constituição os direitos e os valores da democracia e da cidadania.

O autor afirma que a despeito do SUS ter sido definido pela Constituição de 1988, ele somente foi
regulamentado em 19 de setembro de 1990, pelada Lei no 8.080. Esta lei define o modelo operacional
do SUS, propondo a sua forma de organização e de funcionamento Algumas destas concepções
serão expostas a seguir.

Fundamentalmente a saúde passa a ser definida de uma maneira mais abrangente:

26
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

“A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre


outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio
ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e
o acesso aos bens e aos serviços essenciais: os níveis de saúde da
população expressam a organização social e econômica do país”.

O Sistema Único de Saúde é idealizado como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por
órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e
das fundações mantidas pelo Poder Público.

A iniciativa privada poderá participar do SUS em caráter complementar.

Foram definidos os princípios doutrinários do SUS.

»» UNIVERSALIDADE – o acesso às ações e aos serviços deve ser garantido a


todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, renda, ocupação, ou outras
características sociais ou pessoais.

»» EQUIDADE – é um princípio de justiça social que garante a igualdade da assistência


à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. A rede de serviços
deve estar atenta às necessidades reais da população a ser atendida.

»» INTEGRALIDADE – significa considerar a pessoa como um todo, devendo as ações


de saúde procurar atender a todas as suas necessidades.

Destes derivaram alguns princípios organizativos.

»» HIERARQUIZAÇÃO – um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços


preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os
níveis de complexidade do sistema; referência e contrarreferência;

»» PARTICIPAÇÃO POPULAR – a democratização dos processos decisórios


consolidados na participação dos usuários dos serviços de saúde nos chamados
Conselhos Municipais de Saúde.

»» DESENCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA ADMINISTRATIVA – a consolidação com a


municipalização das ações de saúde, tornando o município gestor administrativo e
financeiro do SUS.

Os objetivos e as atribuições do SUS foram assim definidos.

»» identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde.

»» Formular as políticas de saúde.

»» Fornecer assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção


e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das
atividades preventivas.

27
UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

»» Executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica.

»» Executar ações visando à saúde do trabalhador.

»» Participar na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico.

»» Participar da formulação da política de recursos humanos para a saúde.

»» Realizar atividades de vigilância nutricional e de orientação alimentar.

»» Participar das ações direcionadas ao meio ambiente.

»» Formular políticas referentes a medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, e


outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção.

»» Controlar e fiscalizar serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde.

»» Fiscalização e inspecionar alimentos, água e bebidas para consumo humano.

»» Participar no controle e na fiscalização de produtos psicoativos, tóxicos e radioativos.

»» Incrementar o desenvolvimento científico e tecnológico na área da Saúde.

»» Formular e executar a política de doação de sangue e de seus derivados.

Devido à abrangência dos objetivos propostos e pela existência de desequilíbrios socioeconômicos


regioniais, a implantação do SUS não tem sido uniforme em todos estados e municípios brasileiros,
pois para que isto aconteça é imperativo uma grande disponibilidade de recursos financeiros, de
pessoal qualificado e de uma efetiva política em nível federal, estadual e municipal, para viabilizar
o sistema.

A Lei no 8.080 estabeleceu que os recursos destinados ao SUS fossem provenientes do Orçamento
da Seguridade Social.

A lei, em outro artigo, estabelece a forma de repasse de recursos financeiros a serem transferidos
para estados e municípios, e que deveriam ser baseados nos seguintes critérios: perfil demográfico;
perfil epidemiológico; rede de serviços instalada; desempenho técnico; ressarcimento de serviços
prestados.

O SUS, ao longo da sua existência, sempre sofreu as consequências da inconstância institucional e da


desarticulação organizacional na arena decisória federal, que aparecem para o senso comum como
escassez de financiamento. Independente da origem política e da respeitabilidade, os ministros
da saúde foram transformados em reféns das indefinições e das rupturas que sempre colocaram à
deriva as instituições de saúde do Brasil.

Apesar das dificuldades enfrentadas, pode-se afirmar que a atenção primária do SUS apresentou
progressos significativos no setor público, mas enfrenta problemas graves com o setor privado,
que detém a maioria dos serviços de complexidade e referência em níveis secundário e terciário.
Estes setores não se interessam em integrar o modelo atualmente vigente, em virtude da baixa
remuneração paga pelos procedimentos médicos executados, o que vem inviabilizando a proposta
de hierarquização dos serviços.

28
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

Como anda a política de Saúde Pública no


Brasil: a saúde no governo Lula da Silva
Segundo Polignano (s/d), a crise do sistema de saúde no Brasil está presente no nosso dia a dia,
podendo ser averiguada pelos fatos amplamente conhecidos e divulgados pela mídia, como:

»» filas frequentes de pacientes nos serviços de saúde;

»» falta de leitos hospitalares para atender a demanda da população;

»» escassez de recursos financeiros, materiais e humanos para manter os serviços de


saúde operando com eficácia e eficiência;

»» atraso no repasse dos pagamentos do Ministério da Saúde para os serviços


conveniados;

»» baixos valores pagos pelo SUS aos diversos procedimentos médicos hospitalares;

»» aumento de incidência e ressurgimento de diversas doenças transmissíveis;

»» denúncias de abusos cometidos pelos planos privados e pelos seguros de saúde.

Como analisar e compreender toda esta complexa realidade do setor de saúde no país?

A análise que fazemos do governo Lula é que a política macroeconômica do antigo governo foi
mantida e as políticas sociais estão partidas e subordinadas à lógica econômica. Nessa setorização,
a concepção de seguridade social não foi aquilatada, mantendo a segmentação das três políticas:
saúde, assistência social e previdência social.

Segundo Bravo (2001), com relação à saúde, havia uma expectativa que o governo Lula fortalecesse o
projeto de reforma sanitária que foi questionado nos anos 1990, havendo, no período, a consolidação
do projeto de saúde articulado ao mercado ou privatista.

O governo Lula, apesar de explicitar como desafio a incorporação da agenda ético-política da reforma
sanitária, pelas suas ações manteve a polarização entre os dois projetos. Em algumas proposições,
procurou fortalecer o primeiro projeto e, em outras, mantém o segundo projeto, quando as ações
enfatizam a focalização e o desfinanciamento.

Para tornar mais claras essas afirmações, tentamos explicitar alguns aspectos de inovação e outros
de continuidade do governo Lula que têm relação com os dois projetos em disputa.

29
UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

Segundo Bravo (2001), como aspectos de inovação da política de saúde do governo Lula cabe ressaltar:
o retorno da concepção de Reforma Sanitária que, nos anos 1990, foi totalmente abandonada; a
escolha de profissionais comprometidos com a luta pela Reforma Sanitária, para ocupar o segundo
escalão do Ministério; as alterações na estrutura organizativa do Ministério da Saúde, sendo criadas
quatro secretarias e extintas três; a convocação extraordinária da 12a Conferência Nacional de
Saúde e a sua realização em dezembro de 2003; a participação do ministro da saúde nas reuniões
do Conselho Nacional de Saúde; e a escolha do representante da CUT para assumir a secretaria
executiva do Conselho Nacional de Saúde.

Em relação à estrutura do Ministério da Saúde, podemos destacar a criação da Secretaria de Gestão do


Trabalho em Saúde que tem como função formar recursos humanos para a saúde e regulamentar as
profissões e o mercado de trabalho na área. A criação desta secretaria procura enfrentar a questão de
recursos humanos para o SUS, que é um grande problema de estrangulamento do sistema. Ressaltamos,
entretanto que, uma das medidas fundamentais para a questão de recursos humanos refere-se à
Norma Operacional Básica (NOB)1 de Recursos Humanos e esta ainda não foi implementada.

Outro aspecto inovador na estrutura do Ministério refere-se à criação da Secretaria de Atenção


à Saúde que visou unificar as ações de atenção básica, ambulatorial e hospitalar integrando as
atribuições das extintas secretarias de Política de Saúde e de Assistência à Saúde. Também foi criada
a Secretaria de Gestão Participativa, que tem como função fortalecer o controle social, organizar as
conferências de saúde e estabelecer a comunicação do Ministério da Saúde com outros níveis de
governo e com a sociedade.

A 12a Conferência Nacional de Saúde (CNS) teve como objetivo definir orientações para o plano
plurianual de saúde do governo e as principais diretrizes a serem incorporadas ao sistema de saúde.
Como tática central da mesma foi ressaltada a necessidade de equacionar os graves problemas do
SUS, com destaque para a área de Recursos Humanos e Qualidade dos Serviços.

Como instrumento de mobilização da conferência, foi elaborado um documento preliminar a ser


discutido nas conferências municipais e estaduais contendo dez (10) eixos temáticos: Direito à
Saúde; Seguridade Social e Saúde; Intersetorialidade das Ações de Saúde; Três Esferas de Governo
e Construção do SUS; Organização da Atenção à Saúde; Trabalho na Saúde; Gestão Participativa;
Ciência e Tecnologia e a Saúde; Financiamento do SUS; Informações, Informática e Comunicação.

Destacamos alguns aspectos observados na realização da Conferência. A Conferência não ampliou o


número de participantes muito menos avançou no fortalecimento da Reforma Sanitária. A expectativa
em torno da 12a Conferência Nacional de Saúde é que fosse um marco significativo com relação às
anteriores e tivesse a mesma importância da 8a Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1986.

Segundo Bravo (2001), tal fato não ocorreu apesar de alguns esforços de membros do Ministério da
Saúde e de algumas entidades2. A inovação fundamental da Conferência poderia ter sido com relação

1 NOB é a abreviatura de Norma Operacional Básica, que trata da edição de normas operacionais para o funcionamento e a
operacionalização do SUS de competência do Ministério da Saúde, tendo sido editadas até hoje: a NOB-SUS 01/91, NOB-SUS
01/93, NOB-SUS 01/96, e que serão mencionadas em outras partes deste texto.
2
No ano de 2003, foram realizados três eventos importantes que tiveram um papel de pré-conferência, a saber: o 5o Congresso
Nacional da Rede Unida, o 7o Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva e o 41o Congresso Brasileiro de Educação Médica. No
mesmo ano também ocorreram as Conferências Nacionais de Medicamentos e Assistência Farmacêutica. Em 2004, foram
realizadas as Conferências Nacionais de Saúde Bucal e Ciência e Tecnologia na Saúde. Em 2005, ocorreram a Conferência de
Saúde do Trabalhador e, em 2006, a Conferência de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde.

30
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

à concepção de Seguridade Social. Na mesma data, ocorreu, em Brasília, a Conferência Nacional


de Assistência Social. Algumas propostas foram feitas sugerindo que poderia haver um momento
unificado entre as duas Conferências, para fortalecer a concepção de Seguridade Social. Esta sugestão
não foi acatada pelas comissões organizadoras das duas conferências. Outro aspecto refere-se à
fragilidade na condução das plenárias que teve como consequência não conseguir aprovar o relatório
final na conferência. A alternativa encontrada pela organização foi enviá-lo para os delegados, a fim de
que votassem individualmente as propostas.

Esse fato tem sérias consequências como, por exemplo, a falta de debate para a votação das propostas
e, principalmente, a não influência das deliberações da conferência na elaboração das diretrizes a
serem seguidas na política de saúde. A convocação da conferência não conseguiu ser um mecanismo
de democratização da política de saúde.

Referente a política de saúde dos anos 1990, ressaltamos, no governo Lula, a ênfase na focalização,
na precarização, na terceirização dos recursos humanos, no desfinanciamento e a falta de vontade
política para viabilizar a concepção de Seguridade Social, como já foi sinalizado. Como exemplos
de focalização, podemos destacar a centralidade do programa Saúde da Família, sem alterá-lo
significativamente, para que o mesmo se transforme em estratégia de reorganização da atenção
básica, em vez de ser um Programa de expansão da cobertura para as populações carentes. O
Programa precisa ter sua direção modificada, na probabilidade de prover atenção básica em saúde
para toda a população de acordo com os princípios da universalidade. Para garantir a integralidade,
o programa precisa ter como meta a reorganização do sistema na sua totalidade, prevendo a
articulação da atenção básica com os demais níveis de assistência.

Outro aspecto que está relacionado mais diretamente com a precarização e a terceirização dos
recursos humanos referem-se à ampliação da contratação de agentes comunitários de saúde e a
inserção de outras categorias que não são regulamentadas: auxiliar e técnico de saneamento, agente
de vigilância sanitária, agentes de saúde mental.

A incorporação dos agentes comunitários de saúde na equipe do Programa de Saúde da Família


já foi polêmica geradora de múltiplos debates centrados na ausência de regulamentação da
profissão, bem como da imprecisão de suas funções, da precarização das contratações e da falta de
concurso público para a seleção desses profissionais que, na maioria dos casos, são feitas com base
em indicações político-partidárias. Uma primeira questão relativa a esse debate já foi resolvida,
ou seja, a profissão já teve sua regulamentação, mas as demais não. A contratação dessas outras
categorias sem equalizar as questões referentes aos agentes comunitários é inaceitável.

Saúde coletiva questão referente


à nova saúde pública no Brasil
Paim e Almeida filho (1998) afirmam que, na segunda metade do século XX, a humanidade tem
experimentado rápidas e profundas transformações em todas as esferas da vida econômica,
cultural, social e política, talvez como nunca em sua história. A internacionalização da produção,
da distribuição e do consumo, juntamente com o avanço das tecnologias da informação, tem como

31
UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

resultado a globalização da economia e suas consequências macroeconômicas: transnacionalização


empresarial, desterritorialização da força de trabalho, desemprego estrutural, entre outras.

Os autores relatam ainda, com base em Leavell (1976), que, ao mesmo tempo, verifica-se aumento
das desigualdades entre os povos e os grupos sociais, a eclosão de movimentos nacionalistas, a
exacerbação dos conflitos étnicos, a agressão ao meio ambiente, a deterioração do espaço urbano, a
intensificação da violência e o desrespeito aos direitos humanos. No caso da saúde, o debate sobre as
suas relações com o desenvolvimento econômico e social que marcou a década de 1960 amplia-se,
nos anos 1970, para uma discussão sobre a extensão de cobertura dos serviços. O reconhecimento
do direito à saúde e a responsabilidade da sociedade em garantidos cuidados básicos de saúde
possibilitam o estabelecimento do célebre lema “Saúde para Todos no Ano 2000” (SPT-2000)3.

Portanto, Paim e Almeida Filho afirmam que, enquanto a estratégia da atenção primária à saúde
se difunde a partir da Conferência de Alma-Ata, os centros hegemônicos da economia mundial
revalorizam o mercado como organismo privilegiado para a alocação de recursos e questionam a
culpabilidade estatal na provisão de bens e serviços para o atendimento de necessidades sociais,
até mesmo na saúde. A “nova ordem mundial” que se instaura na década de 1980, inspirada
no neoliberalismo, provoca uma acentuada fragilização dos esforços para o enfrentamento coletivo
dos problemas de saúde. Particularmente, nos países de economia capitalista dependente, a opção
pelo estado mínimo e o corte nos gastos públicos como resposta à chamada crise fiscal do Estado em
muito comprometem o âmbito institucional conhecido como saúde pública.

Os autores constataram uma “crise da saúde pública”, percebida de modo diferente pelos distintos
sujeitos atuantes neste campo social. Para a superação dessa crise, vários aportes têm sido propostos,
cada um deles apontando para a necessidade de novos paradigmas no “campo da saúde pública”
(AFIFI, 1994). Neste esforço, pode-se incluir desde as iniciativas da Organização Panamericana da
Saúde (OPS) de reavaliar a “teoria e prática da saúde pública”4, até a proposição de uma Nova Saúde
Pública como parte do movimento de renovação da estratégia “saúde para todos”, e ainda a iniciativa
do Banco Mundial de debater as “prioridades na pesquisa e no desenvolvimento em saúde”.5

Assim, faz-se necessário e urgente discutir a questão da saúde no âmbito público-coletivo-social


e as propostas de ação subsequentes. No caso particular da América Latina, a emergência nos
últimos vinte anos de um campo que se designou como Saúde Coletiva6 admite a identificação de
pontos de encontro com os movimentos de renovação da saúde pública institucionalizada, seja
como campo científico, seja como âmbito de práticas, e mesmo como atividade profissional. Assim,
nessa perspectiva, as propostas de consolidação do campo da saúde como forma de superação da
chamada “crise da saúde pública” podem constituir uma oportunidade para efetivamente agrupar o
complexo “promoção saúde-doença-cuidado” em uma nova expectativa paradigmática, aumentando
a viabilidade das metas de Saúde Para Todos, mediante políticas públicas saudáveis, e de maior e
mais efetiva participação da sociedade nas questões da vida, da saúde, do sofrimento e da morte.

3
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Renewing the healthfor- all strategy: elaboration of a policy for equity, solidarity and health.
Geneva, 1995.
4
PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION. The crisis of public health: reflections for the debate. Washington, D.C., 1992.
(Scientific Publication, 540).
5
WORLD BANK. Priorities in health research & development. [Report of Ad-hoc committee, 6th. draft], Cape Town.
6
PAIM, J. S. Collective health and the challenges of practice In: Pan American Health Organization The crisis of public health:
reflections for the debate. Washington, 1992. p. 136.

32
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

Terris (1992) atualiza a clássica definição de saúde pública elaborada por Winslow, na década de
1920, nos seguintes termos: “a arte e a ciência de prevenir a doença e a incapacidade, prolongar a
vida e promover a saúde física e mental mediante os esforços organizados da comunidade”. Assim, a
partir desse entendimento, o autor prescreve quatro tarefas básicas para a teoria e a prática de uma
“Nova Saúde Pública”: prevenção das doenças não infecciosas, prevenção das doenças infecciosas,
promoção da saúde, melhoria da atenção médica e da reabilitação.

Frenk (1992) considera como campo de aplicação da “Nova Saúde Pública” as condições e as
respostas assentadas nas bases científicas das ciências biológicas, sociais e comportamentais,
tendo como áreas de aplicação populações, problemas e programas. Para melhor abalizar o novo
campo científico, o autor desenvolve uma tipologia da averiguação em saúde, assinalando os
níveis de atuação individual e subindividual, onde se agrupam a pesquisa biomédica e a pesquisa
clínica, em relação à nível populacional que toma como objetos de análise as condições (pesquisa
epidemiológica) e as respostas sociais diante dos problemas de saúde (pesquisa em sistemas de
saúde – políticas de saúde, organização de sistemas de saúde, investigação em serviços e recursos
de saúde).

Testa (1992), ao analisar as respostas sociais no campo da saúde pública, denomina “atenção
primitiva à saúde” aquela adotada nos países que dispõem de serviços diferenciados para distintos
grupos sociais e que estão preocupados, fundamentalmente, em reduzir os gastos em saúde
organizando serviços de segunda categoria para uma população considerada inferior. A partir de
uma ponderação sobre as políticas sociais, e buscando o redimensionamento teórico da saúde como
“campo de força” e de aplicação da ciência, o autor reconhece a saúde pública como uma prática
social, uma construção histórica.

Portanto, a respeitável contribuição das abordagens etnográficas contemporâneas da prática


científica, principalmente no contexto da chamada “virada hermenêutica” (BIBEAU, G.; CORIN,
1995), indica que os âmbitos da prática humana não se configuram a partir de uma estrutura
racional de base normativa ou prescritiva, nem pela vertente doxológica7, com o estabelecimento
de objetivos hetero-regulados, nem pelo viés epistemológico formal. Em outras palavras, nem
definições – mesmo aquelas extenuantes e objetivas como por exemplo a definição Winslow-Terris,
nem estruturas lógicas descritivas – como a classificação de Frenk são capazes de dar conta do
essencial dos campos científicos e seus respectivos âmbitos de prática. Assim, as proposições, das
políticas de saúde e as prescrições da saúde pública são contextualizadas em um “campo de força”.
Como se pode apreender a partir da crítica histórica de Testa, outros sentidos e significados podem
ser extraídos dessa retórica. Assim, antes de analisar os elementos discursivos das novas propostas,
é necessária uma contextualização das práticas e dos discursos que, nos últimos cinquenta anos,
vêm constituindo o campo social da saúde bem como seus efeitos sobre a estruturação dos discursos
oficiais nacionais e internacionais.

A área da Saúde, decisivamente referida ao âmbito coletivo-público-social, tem passado historicamente


por sucessivos movimentos de recomposição das práticas sanitárias decorrentes das delicadas
articulações entre sociedade e Estado que definem, em cada conjuntura, as respostas sociais às
necessidades e aos problemas de saúde. As bases doutrinárias dos discursos sociais sobre a saúde
7
Da doutrina

33
UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

emergem na segunda metade do século XVIII, na Europa Ocidental, em um processo histórico


de disciplinamento dos corpos e constituição das intervenções sobre os sujeitos. (FOUCAULT,
1966, 1979)

Por um lado, a higiene, enquanto conjunto de normatizações e preceitos a serem seguidos e aplicados
em âmbito individual, produz um discurso sobre a boa saúde abertamente circunscrito à esfera moral.
Por outro lado, as propostas de uma política (ou polícia) médica constituem a responsabilidade do
Estado como definidor de políticas, de leis e de regulamentos referentes à saúde no coletivo e como
agente fiscalizador da sua aplicação social, desta forma remetendo os discursos e as práticas de
saúde à instância jurídica-política. (ROSEN, 1980)

Na América Latina, programas de saúde comunitária são implantados principalmente na Colômbia, no


Brasil e no Chile, sob o patrocínio de fundações norte-americano e endossado pela OPS, na expectativa
de que o seu efeito-demonstração poderia influenciar positivamente o desenho dos sistemas de saúde
no continente. Em um plano mais geral, há mais de 20 anos (1977), a Assembleia Mundial da Saúde
lança a consigna Saúde para Todos no Ano 2000, assumindo uma proposta política de extensão da
cobertura dos serviços básicos de saúde com base em sistemas simplificados de assistência à saúde8.
No ano seguinte (1978), em Alma-Ata, a Conferência Internacional sobre Atenção Primária à Saúde,
promovida pela OMS, reafirma a saúde como direito do homem, sob a responsabilidade política dos
governos, e reconhece a sua determinação inter-setorial (CANESQUI, 1997). Além disso, estabelece
a Atenção Primária à Saúde como estratégia privilegiada de operacionalização das metas da SPT-
2000, implicitamente incorporando elementos do discurso da saúde comunitária. Mais tarde, já na
década de 1980, com o rótulo atualizado de Sistemas Locais de Saúde (SILOS) e dentro de um modelo
distritalizado com base em níveis hierarquizados de atenção, a retórica da saúde comunitária integra-
se às primeiras iniciativas de reforma setorial da saúde nos países subdesenvolvidos. (PAIM, 1996)

Diversos países realizam reformas econômicas, políticas e administrativas buscando garantir


algum espaço na nova configuração dos mercados mundiais. A reforma do Estado, ainda que não
suficientemente explicitada, coloca-se na agenda política de governos com diferentes espectros
político-ideológicos e, nesse particular, emergem propostas setoriais como é o caso da saúde. Na
América Latina, muitas das reformas do setor saúde são amparadas por organismos financeiros
internacionais, a exemplo do Banco Mundial9, cujas conjeturas e diretrizes discordam bastante
dos projetos originais de reforma sanitária. Portanto, faz-se necessário distinguir os conteúdos
substantivos de cada um dos projetos para que, por exemplo, seja possível abarcar as especificidades
do sistema de saúde canadense em comparação com o projeto Clinton para a atualização do complexo
de serviços de saúde estadunidense, do mesmo modo que se faz necessário considerar as diferenças
entre a organização dos serviços de saúde em Cuba, com ênfase na atenção primária, e as propostas
de reforma setorial da Bolívia e da Colômbia.

Como ponto de partida, pode-se entender a saúde coletiva como campo científico, onde se
produzem saberes e conhecimentos acerca do objeto saúde e onde operam distintas disciplinas que
o contemplam sob vários ângulos; e, como âmbito de práticas, onde se realizam ações em diferentes

8
PAIM, J. S. Saúde, crises, reformas. Salvador, CentroEditorial e Didático da UFBA, 1986. WORLD HEALTH ORGANIZATION.
New public health and WHO’s Ninth General Programme of Work: a discussion paper. Geneva, WHO, 1995.
9
BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 1993. Investindo em saúde. Indicadores de desenvolvimento
mundial. Rio de Janeiro, Banco Mundial, 1993.

34
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

organizações e instituições por diversos agentes (especializados ou não) dentro e fora do espaço
convencionalmente reconhecido como “setor saúde”.

Assumir a saúde coletiva como um campo científico implica considerar alguns


problemas para a reflexão. Trata-se, efetivamente, de um campo novo ou de um
novo paradigma dentro do campo da saúde pública? Quais os saberes que dão
suporte ao campo e, consequentemente, às práticas dos seus atores sociais? Quais
os “obstáculos epistemológicos” que dificultam o seu desenvolvimento científico?
Quais os “obstáculos da práxis” face à reorganização dos processos produtivos,
à sociedade da informação, à reforma do Estado e das suas novas relações com
a sociedade?

Algumas respostas provisórias a estas questões serão apresentadas nesta seção, ainda que um
aprofundamento sobre a temática exija um texto de maior fôlego.

Originalmente, o marco conceitual proposto para orientar o ensino, a pesquisa e a extensão em


saúde coletiva no caso brasileiro, foi composto pelos seguintes pressupostos básicos.

a) “A Saúde, enquanto estado vital, setor de produção e campo do saber, está


articulada à estrutura da sociedade através das suas instâncias econômica e
político-ideológica, possuindo, portanto, uma historicidade.”

b) “As ações de saúde (promoção, proteção, recuperação, reabilitação) constituem


uma prática social e trazem consigo as influências do relacionamento dos
grupos sociais.”

c) “O objeto da Saúde Coletiva é construído nos limites do biológico e do


social e compreende a investigação dos determinantes da produção social das
doenças e da organização dos serviços de saúde, e o estudo da historicidade do
saber e das práticas sobre os mesmos. Nesse sentido, o caráter interdisciplinar
desse objeto sugere uma integração no plano do conhecimento e não no plano
da estratégia, de reunir profissionais com múltiplas formações” [...].

f) “O conhecimento não se dá pelo contato com a realidade, mas pela


compreensão das suas leis e pelo comprometimento com as forças capazes
de transformá-la”.

(PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998.)

O autor afirma ainda que não obstante a adesão que tais pressupostos possam, ainda hoje, incitar,
cabe lembrar que o desenvolvimento da saúde coletiva, enquanto área do saber e campo de práticas,
nos últimos anos permitem recontextualizar alguns desses pressupostos. Assim, a definição do
“objeto” acima apresentada sugere o entrosamento da saúde coletiva como ciência ou disciplina
científica. Em um momento posterior de discussão desse campo na América Latina, Fleury (1985)
chega a definir saúde coletiva como “área de produção de conhecimentos que tem como objeto as
práticas e os saberes em saúde, referidos ao coletivo enquanto campo estruturado de relações sociais
onde a doença adquire significação”.

35
UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

Logo, o trabalho teórico-epistemológico empreendido mais recentemente aponta a saúde coletiva


como um campo interdisciplinar e não propriamente como uma disciplina científica, muito
menos uma ciência ou especialidade médica (ALMEIDA FILHO, 1996; PAIM, 1992; RIBEIRO,
1991). Cumpre ressaltar as influências mútuas entre este desenvolvimento e os movimentos pela
democratização das formações sociais latinos americanas, especialmente os processos de reforma
sanitária desencadeados em alguns países da região. De fato, o marco conceitual da saúde coletiva,
tal como vem sendo construído a partir da década de (ROSEN, 1980), resulta, de um lado, da crítica
aos diferentes movimentos e projetos de reforma em saúde ocorridos nos países capitalistas e, de
outro, da elaboração teórico-epistemológica e da produção científica, articuladas às práticas sociais.

Segundo Paim e Almeida Filho, a constituição da saúde coletiva, tendo em conta os seus fecundos
diálogos com a saúde pública e com a medicina social, tal como vem se consolidando nas duas
últimas décadas, permite uma delimitação compreensivelmente provisória deste campo científico,
enquanto campo de conhecimento e âmbito de práticas.

Enquanto campo de conhecimento, a saúde coletiva contribui com o estudo do fenômeno saúde/
doença em populações; enquanto processo social, investiga a produção e a distribuição das doenças
na sociedade como processos de produção e reprodução social, analisa as práticas de saúde (processo
de trabalho) na sua articulação com as demais práticas sociais, procura compreender, enfim, as
formas com que a sociedade identifica suas necessidades e seus problemas de saúde, busca sua
explicação e organiza-se para enfrentá-los.

Nessa perspectiva, a saúde coletiva pode ser analisada como um campo de conhecimento de natureza
interdisciplinar cujas disciplinas básicas são a Epidemiologia, o Planejamento/Administração
de Saúde e as Ciências Sociais em Saúde. Este considera o desenvolvimento de atividades de
averiguação sobre o estado sanitário da população, a natureza das políticas de saúde, a relação
entre os processos de trabalho e doenças e agravos, bem como as intervenções de grupos e classes
sociais sobre a questão sanitária (RIBEIRO, 1991). São disciplinas complementares deste campo a
Estatística, a Demografia, a Geografia, a Clínica, a Genética, as Ciências Biomédicas Básicas, entre
outras. Esta área do saber fundamenta um âmbito de práticas transdisciplinar, multiprofissional,
interinstitucional e transetorial.

Enquanto âmbito de práticas, a saúde coletiva envolve determinadas práticas que tomam como
objeto as necessidades sociais de saúde, como instrumentos de trabalhos distintos saberes,
disciplinas, tecnologias materiais e não materiais, e como atividades, intervenções centradas
nos grupos sociais e no ambiente, independentemente do tipo de profissional e do modelo de
institucionalização. Abrange, portanto, um conjunto articulado de práticas técnicas, científicas,
culturais, ideológicas, políticas e econômicas, desenvolvidas no âmbito acadêmico, nas instituições
de saúde, nas organizações da sociedade civil e nos institutos de pesquisa, informadas por distintas
correntes de pensamento resultantes da adesão ou crítica aos diversos projetos de reforma em
saúde. (PAIM, 1992)

Portanto, mais do que definições protocolares, a saúde coletiva requer uma compreensão dos
desafios que se colocam no presente e no futuro que transcendem o campo institucional e o tipo
de profissionais convencionalmente reconhecidos como da saúde pública. A possibilidade de

36
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA │ UNIDADE ÚNICA

redimensionar objeto, instrumentos de trabalho e atividades, considerando sua articulação com


a totalidade social reabre alternativas metodológicas e técnicas para pensar e atuar no campo da
saúde coletiva no trânsito para o novo milênio. Conforme destacado em uma das mais fecundas
contribuições a esse debate, os avanços da epidemiologia crítica, a epistemologia política, os
novos aportes das ciências sociais, a planificação estratégica, a comunicação social e a educação
popular têm constituído bases fundamentais para a elaboração de novos instrumentos de docência,
investigação e cooperação com as organizações e instituições da sociedade civil do Estado. A própria
experiência de resistência e luta em saúde por parte de nosso povo nos tem permitido encontrar
em nossa história e cultura os elementos fundamentais para o avanço de nosso pensamento e ação
(...). Não somente se necessitam conhecimentos para apreender a realidade, mas também se deve
realizar uma aproximação gnoseológica distinta com vistas a encontrar na realidade – ademais de
conhecimentos – saberes, desejos, sentidos, projeções de luta e mudança, que constituem também
aspectos fundamentais da ação humana10.

A superação do biologismo dominante, da naturalização da vida social, da sua submissão à clínica


e da sua dependência ao modelo médico hegemônico – cuja expressão institucional no âmbito das
universidades é a sua subordinação funcional, política e administrativa às faculdades de Medicina –
representam elementos expressivos para o balizar conceitual da saúde coletiva. Faz-se imperativo,
portanto, a assimilação de uma “nova positividade” na articulação das dimensões objetiva e subjetiva
no campo social da saúde. A retomada da problemática do sujeito não significa a negação das
estruturas, do mesmo modo que a definição de um marco conceitual para a saúde coletiva não
sugere a adoção de um quadro teórico de referência exclusivo e excludente. Isto porque, segundo
Granda (1994), tanto o mundo natural, quanto o mundo social se encontram determinados e em
constante devir, porém sua diferença radica em que, no segundo o conhecimento transforma-se
em consciência e sentido de necessidade e de ação que encobre uma potencialidade para a atitude;
então, é necessário pensar que para poder estudar o processo saúde/enfermidade se requer
considerar os sujeitos sãos e enfermos não unicamente para explicá-los sim para compreendê-los e
conjuntamente construir potencialidades de ação.

Paim e Ameida Filho afirmam que podemos concluir que, apesar de não preencher as condições
epistemológicas e pragmáticas para se apresentar, em si mesma, como um novo paradigma científico,
a saúde coletiva consolida-se como campo científico e âmbito de práticas aberto à incorporação de
propostas inovadoras, muito mais do que qualquer outro movimento equivalente na esfera da saúde
pública mundial. A partir destas reflexões, constata se a afirmação de um campo interdisciplinar
dinâmico, renovado e recomposto a partir de uma produção teórica ousada e consistente, ainda
enfrentando diversas interrogações e dilemas. De fato, a conjunção das “crises da saúde” – científica,
econômica, social e política – lança complexos desafios para a saúde coletiva quanto ao que fazer
para efetivamente se articular aos novos paradigmas da saúde.

O passo mais importante será certamente re-configurar o objeto privilegiado saúde. Isto deverá
resultar de uma apreensão pragmática do objeto, não no senso comum do imediatismo, e, sim,
no sentido de que este deve alimentar uma práxis em vez de constituir-se em mera produção
e incorporação de tecnologia. Muito do que em um dado paradigma se pode tomar como um

ESCUELA DE SALUD PUBLICA. Organizacion Panamericana de Salud. Salud Publica. Ciencia, Politica y Accion (Memorias de
10

la I Reunion Andina sobre Desarrollo de la Teoria y la Practica en Salud Publica) Quito, 1993, 160p.

37
UNIDADE ÚNICA │ POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

aparente paradoxo deve-se ao fato de que não se lida com um objeto obediente às determinações
da predição, aquela das antecipações limitadas e limitantes, rigorosas e precisas. Efetivamente,
o objeto da saúde coletiva é muito mais tolerante a formas aproximadas de antecipação do seu
processo, ressaltando a natureza não linear da sua determinação e a imprecisão (ou borrosidade)
dos seus limites. Então, será plenamente legítimo buscar a superação da prática preventiva
preditiva desta saúde pública que tanto se conhece, tanto no sentido de sua aplicação ao indivíduo
quanto em sua aplicação em geral, em direção a uma saúde coletiva previsional ou, pré-visionária,
quer dizer, uma saúde coletiva capaz de propor visões, formas, figuras e cenários, em vez de
predizer algumas poucas medidas e seus pobres efeitos.

38
Referências
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