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Transtornos Globais (Invasivos)

do Desenvolvimento - Cid 10

Brasília-DF.
Elaboração

Luciana Raposo dos Santos Fernandes

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade I
A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do
Desenvolvimento (TGD)..................................................................................................................... 10

Capítulo 1
A importância da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) para a
compreensão do grupo Transtornos Globais do Desenvolvimento (código F-84). 12

Unidade iI
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil.............................................................................. 24

Capítulo 1
Diagnóstico Diferencial em um Sistema Multiaxial......................................................... 25

Unidade iII
A Avaliação dos Transtornos Globais do Desenvolvimento..................................................... 69

Capítulo 1
Como funciona o cérebro da pessoa com autismo?.................................................. 72

Unidade iV
Psicologia e o Autismo................................................................................................................... 78

Capítulo 1
Teoria da Mente................................................................................................................... 80

Para (Não) Finalizar...................................................................................................................... 83

Referências .................................................................................................................................. 87
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Estamos percorrendo o Universo do TEA – Transtornos do Espectro Autista ou Autismo.
E chegamos a um tema de extrema importância dentro do escopo dessa condição de
diversidade neurológica: a CID-10.

A CID-10 oferece aos profissionais da saúde critérios diagnósticos das doenças


existentes.

Dentro da atuação na clínica ou na área hospitalar é comum ouvir: ‘O que é esse F-33
que você colocou no meu atestado?’, ‘O que representa essa letra e esse número?’.

Mas, o que é a CID-10? A CID é a sigla utilizada para Classificação Internacional de


Doenças. Desenvolvida pela Organização Mundial de Saúde e voltada para a descrição
e codificação dos estados de saúde. Atualmente, estamos utilizando, ainda, a décima
revisão que data de 1993 (edição em português).

Figura 1.

Fonte: <https://reader001.docslide.net/reader001/html5/20170820/563dbb17550346aa9aaa2f4b/bg1.png>. Acesso:


26/11/2017.

A definição de quadros relacionados à saúde e à doença é essencial para a promoção de


estratégias que implementem a qualidade de vida e promovam a melhoria na saúde de
pessoas com deficiência.

Para tanto, é de grande importância que as definições – tanto com relação à área médica,
quanto legislativa e regulamentar – apresentem consistência e coerência.

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A cada dia que passa, as pessoas estão vivendo mais e exatamente por esse motivo os
critérios de mensuração e definição de doença, incapacidade e deficiência geram maior
interesse; afinal, esse aumento na expectativa de vida da população mundial teve como
consequência um aumento expressivo das doenças crônicas e suas comorbidades.

Figura 2.

Fonte: <https://prevencaoapaeguaramirim.wordpress.com/2016/03/31/informacoes-basicas-sobre-prevencao-de-
deficiencias/>. Acesso: 26/11/0217.

Desse modo, faz-se necessária uma definição clara sobre a deficiência, para que
possamos identificar pessoas que devem ser incluídas na definição de deficientes para
desenvolver, aprimorar e aplicar intervenções a suas necessidades específicas.

Temos uma coleção de nomenclaturas, dentre as quais: enfermidade, limitações


funcionais, queixa médica, doença crônica, moléstia, transtorno, distúrbio, incapacidade
e deficiência. Elas são utilizadas de forma ampla, desordenada e mal definida em
atestados, laudos e relatórios.

Por mais de um século a Classificação Internacional de Doenças (CID) foi sendo


estruturada. A princípio, com o objetivo de conhecer as causas de mortalidade.
Tendo seu uso ampliado, posteriormente, para o sistema de codificação de pacientes
hospitalizados, após consultas ambulatoriais e atenção primária. Sendo assim, seu uso
foi consolidado, também, para morbidade.

Segundo o dicionário Houaiss (2001), a morbidade é definida como a relação entre o


número de casos de enfermidade e o número de habitantes em determinado lugar ou
momento, ou a relação entre saúde e doença.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (1996), a décima revisão da Classificação


Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, ou a CID-10,
é a versão em vigência da revisão da Classificação de Berftillon, de 1893, a qual iniciou
como uma classificação de causas de óbito e após sua sexta revisão se tornou uma

8
classificação que abrangia todas as doenças e motivos de consultas médicas. Sendo,
portanto, de acordo com Laurenti (1991), utilizada para estatísticas de morbidade.

Mediante à percepção dos profissionais da saúde, assim surge o conceito de grupos


de classificações, pois a mera classificação das doenças não daria conta das demandas
relacionadas à saúde.

Destarte, a CID foi concebida para atender indispensabilidade de informe diagnóstico


para intento universal, ao mesmo tempo que distintas classificações seriam utilizadas
de forma adjacente a ela, estabelecendo visões distintas sobre doença, saúde,
procedimentos médicos e cirúrgicos e as deficiências.

Nosso Caderno de Estudos e Pesquisa é todo voltado para os Transtornos Globais ou


Invasivos do Desenvolvimento, código F84, da CID-10.

Objetivos
»» Habilitar o profissional no uso da Classificação Internacional de Doenças.

»» Compreender a necessidade do CID-10 para a melhoria dos sistemas de


informação em saúde.

»» Propor o aprofundamento teórico acerca do conceito e contextualização


dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD).

»» Conhecer a codificação referente aos Transtornos Globais do


Desenvolvimento.

»» Reconhecer as características e sinais mais comuns manifestados pelas


pessoas com TGD.

»» Apresentar conceitos e definições relacionados à saúde da pessoa com


TGD.

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A Classificação
Internacional de
Doenças (CID-10)
e os Transtornos Unidade I
Globais do
Desenvolvimento
(TGD)

Números, números e mais números. Sim! Eles estão em toda parte.

Vocês já notaram que não existem números frios? Eles estão sempre ligados à emoção
e à vida humana, em geral.

Figura 3.

Fonte: <http://dicaslegais10.com.br/numeros-em-ingles/>. Acesso: 26/11/2017.

Sempre há histórias de vidas por trás dos números.

A figura abaixo, por exemplo, nos traz a memória dos atentados de 11 de setembro de
2001. Esses números marcaram a história, eles vão ficar para sempre em nossa mente
e na das gerações que estão por vir.

Os números fazem história!!!

10
A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) │ UNIDADE I

Figura 4.

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=aeL_VmIAjg4>. Acesso: 23/11/2017.

Há desejos, vontades, frustrações, conquistas.

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Capítulo 1
A importância da Classificação
Internacional de Doenças (CID-10) para
a compreensão do grupo Transtornos
Globais do Desenvolvimento (código
F-84)

Figura 5.

Fonte: <https://images.livrariasaraiva.com.br/imagemnet/imagem.aspx/?pro_id=410442&qld=90&l=430&a=-1>. Acesso:


26/11/2017.

No caso da Classificação Internacional de Doenças (CID), também notamos uma relação


com números. Ou melhor, uma ligação direta com a vida e com a morte, a doença e a
saúde, com a qualidade de vida expressa através de estatísticas – ou seja, números.

Exemplificando: O trabalho de Maria Eduarda e Fernanda também tem relação com


esses números. Elas atuam como codificadoras de informação de saúde.

Maria Eduarda trabalha em um hospital público. Ela faz parte do grupo da morbidade.
Ou seja, sua função é transformar em códigos – formados por letras e números – o
diagnóstico final que o profissional médico escreve em um impresso, quando o paciente
recebe alta. Como demonstra a figura abaixo.

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A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) │ UNIDADE I

Figura 6.

Fonte: acervo pessoal.

Fernanda trabalha no setor de estatística de uma Secretária de Saúde. Ela faz parte
do grupo da mortalidade. Ela recebe as notificações de óbitos vindas dos cartórios e
transforma em códigos as informações sobre as pessoas falecidas e as causas de óbito
registradas pelos médicos.

O trabalho de Maria Eduarda e Fernanda é essencial. Afinal, dele depende a construção


de estatísticas de morbidade e mortalidade que irão nortear decisões essenciais na área
da saúde pública. Graças a esse trabalho, hoje, sabemos que a doença e a morte não são
iguais para todos.

Viver muito ou viver pouco, ser afetado ou não por uma doença, tudo depende da classe
social, do sexo, da etnia, das condições de habitação, alimentação e trabalho. Sabendo
de tudo isso, a sociedade organizada e o governo podem interferir e tomar providências.

Como exemplo, podemos citar as campanhas – da década de 1980 – sobre o soro caseiro
e o incentivo ao aleitamento materno que reduziram, consideravelmente, os índices de
mortalidade infantil em alguns municípios brasileiros.

O sistema de informação uniforme é prioridade para que uma sociedade possa dar
conta das demandas de sua população. Não se planeja nada sem informação!

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UNIDADE I │ A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)

De acordo com Gerolomo e Penna (1999), a informação é vital para que se possa
fazer o planejamento de saúde, principalmente, levando em conta os fatores de risco
epidemiológico. Logo, a codificação internacional de doenças – utilizada para morbidade
e mortalidade – é fundamental.

Um exemplo prático ocorreu, na década de 1990, na cidade de Niterói, onde foi


desenvolvido um sistema de informação e de investigação que permitiu ao município
detectar o primeiro caso de cólera e o primeiro caso de dengue hemorrágica no Estado
do Rio de Janeiro. Epidemias que eram raras no país, pelo menos, em sua história
recente.

Isso facilitou o planejamento e a busca ativa de pacientes, o que reduziu o risco de


mortalidade.

Os municípios que não possuíam um sistema de informação bem estruturado –


portanto, também não tinham um sistema de investigação – notificaram altos índices
de mortalidade, entre 1991 e 1995, determinados como doenças diarreicas, porém,
tudo indica que eram casos de cólera. Ou seja, óbitos que não eram codificados
adequadamente.

Codificar em morbidade e mortalidade é um serviço que requer paciência, persistência,


curiosidade e aptidão para a investigação. E qual o instrumento de trabalho dos
codificadores de informação de saúde?

Acertou quem respondeu a CID. Estamos na vigência da CID-10 e, portanto, o codificador


deve fazer uso dos três volumes da Classificação Internacional de Doenças: Volume
(lista tabular), Volume II (manual de instruções) e Volume III (índice).

A CID é publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS ou em inglês WHO –


World Health Organization), com sede em Genebra, na Suíça.

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde


e a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento – descrições clínicas
e diretrizes diagnósticas, ambas mais conhecidas pela sigla CID (ou ICD – em inglês
International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems) –
representam ferramentas essenciais ao diagnóstico padrão para a epidemiologia, bem
como o manejo da saúde e seus fins clínicos.

Traduzida para 43 idiomas, a CID é o sistema mais utilizado quando nos referimos a:

»» cuidados clínicos;

»» estudos de padrões de doenças;

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A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) │ UNIDADE I

»» pesquisas para definir doenças;

»» gerenciamento de cuidados em saúde pública;

»» monitoramento de resultados; e

»» alocação de recursos.

Assim, a CID é um instrumento de grande importância para monitorar a incidência e a


prevalência de doenças e outros problemas de saúde. O papel exercido pela CID inclui
a análise da situação geral de saúde dos grupos populacionais, sendo possível, desse
modo, apresentar um panorama geral da saúde mundial.

Atualmente, a CID passa por um processo de revisão, fato muito positivo, pois longos
anos, desde 1993, quando entrou em uso na décima revisão da CID a CID-10 – utilizada
até hoje. Estima-se o lançamento da edição da CID-11 para 2018.

Figura 7.

Fonte: <http://www.who.int/classifications/icd/en/>. Acesso: 26/11/2017.

A importância de uma classificação de doença é, fundamentalmente, a sistematização


das doenças. O que significa isso? Ela é um instrumento estatístico. Ou seja, da mesma
forma que temos uma classificação zoológica, botânica etc. Temos uma classificação de
doenças, isto é, a CID é um instrumento que agrupa as doenças segundo características
comuns, servindo para a apresentação de dados estatísticos de interesse epidemiológico
e de interesse administrativo.

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UNIDADE I │ A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)

Então, as doenças infecciosas estão agrupadas: as doenças do aparelho respiratório, do


aparelho digestivo etc. E dentro desse agrupamento em grandes capítulos existem os
sub-agrupamentos, por exemplo: doenças infecciosas, doenças bacterianas, virais etc.
Então, isto é uma classificação de doenças.

Qual a importância da CID? É um instrumento estatístico para apresentar causa de óbito


e também dados estatísticos de grande interesse para internações hospitalares, para
atendimentos ambulatoriais e outros usos para estatísticas de mortalidade. Por que é
importante? Porque é usado internacionalmente. Chama-se Classificação Internacional
de Doenças. Segundo informações da Organização das Nações Unidas (ONU), dentre
193 países no mundo, a CID é utilizada por todos, sendo que de forma unânime por 117.
O que permite uma uniformidade, portanto, permite uma comparação.

Nós estamos, atualmente, ainda na décima revisão. Que foi extremamente importante
pois introduziu algumas doenças, tais como: AIDS ou Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida, que não existia, obviamente, nas revisões anteriores. Porque foi descrita na
vigência da nona revisão.

Vamos ver como Maria Eduarda a codificadora de informação de saúde do grupo de


morbidade vai utilizar a CID-10: ela recebe o prontuário de um paciente acompanhado
de uma ficha ou resumo de alta. Seu trabalho é codificar o diagnóstico principal de
acordo com a CID e depois passar esse código para um boletim mensal que será enviado
à Secretaria de Saúde e arquivar o prontuário. Antes de utilizar o CID para encontrar o
diagnóstico principal, o codificador tem alguns problemas a enfrentar.

Às vezes, os médicos preenchem dados do prontuário com siglas e abreviaturas. Fato


que traz risco em potencial ao paciente e não é estatisticamente proativo. Pois pode
gerar erros tanto na codificação, corrompendo as estatísticas, quanto dificultando
o entendimento dos demais profissionais da equipe multidisciplinar que não
utilizam tais siglas e abreviaturas. Sendo assim, o encaminhamento é prejudicado, e
consequentemente a intervenção ao paciente.

Outro problema, de acordo com Wechsler et al. (2003), era a letra do profissional.
Exatamente, para sanar esse problema, foi estabelecido, desde 1999, pelo Ministério da
Saúde, o PEP ou Prontuário Eletrônico do Paciente. A implantação do PEP mantém o
registro dos dados do paciente, que são atualizados a cada nova consulta, favorecendo a
organização do histórico do paciente, bem como a facilitando a geração do diagnóstico
de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e o acesso às tabelas
de procedimentos LOINC ou AMB.

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A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) │ UNIDADE I

Os desafios existem para serem enfrentados. Decifradas as siglas ou traduzidos os


hieróglifos de alguns médicos começa o trabalho propriamente dito.

O diagnóstico principal (ou afecção principal), de acordo com a CID, é a questão


investigada ou tratada pelo médico. Não é necessariamente a mais grave, mas a qual se
gastou mais recursos do hospital ou da casa de saúde, por exemplo.

Quando o codificador de informações de saúde é atento e sempre consulta o prontuário


para conhecer a história clínica do paciente, ele pode descobrir muito. É como montar
um quebra cabeça.

Figura 8.

Fonte: <http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/02/17/912815/montar-quebra-cabeca-e-bom-cerebro.html>.
Acesso: 2/12/2017.

Saber qual o diagnóstico principal é uma atribuição de grande responsabilidade. E é


através dessa codificação que podemos avaliar a saúde do planeta. Pode parecer algo
exagerado, e realmente é! Exagerado, de grande importância para lidar com a saúde da
população mundial e que estabelece todo padrão de metas a serem criadas e cumpridas.

Muitas vezes o médico coloca uma classificação que não condiz com o histórico
apresentado pelo paciente. E o codificador atento percebe o equívoco.

Os desafios existem para serem enfrentados. Assim começa o trabalho, propriamente dito, de
Maria Eduarda. Lembram dela? É a codificadora de informação de saúde do grupo de morbidade
que citamos anteriormente.

Exemplificando: em uma ficha de alta existem 3 (três) diagnósticos e o médico assinalou, como
o principal deles, Transtornos Mentais e Comportamentais devidos ao uso de álcool – transtorno
psicótico residual ou de instalação tardia (F10.7). Maria Eduarda questiona se o código F10.7
da CID-10 é mesmo o diagnóstico principal?

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UNIDADE I │ A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)

O diagnóstico principal ou afecção principal, de acordo com a CID-10 é a afecção investigada


ou tratada pelo médico. Não é, necessariamente, a mais grave e sim aquela em cujo tratamento
se investiu mais recursos do hospital ou da casa de saúde.

A ficha utilizada, como nosso exemplo, informa que o paciente foi internado no setor de
gastrologia. Maria Eduarda tem razão ao questionar se Transtornos Mentais e Comportamentais
devidos ao uso de álcool – transtorno psicótico residual ou de instalação tardia é mesmo o
diagnóstico principal.

Quando o codificador é atento e tem o hábito de sempre consultar o prontuário para conhecer
a história clínica do paciente, ele pode descobrir muitas questões. Maria Eduarda já observou
que esse paciente foi internado no setor de gastrologia e depois sofreu um transplante de fígado.
Surgem as hipóteses: psicose é um problema mental. Desse modo, o paciente foi tratado na
gastrologia que cuida dos problemas no aparelho digestivo, fez até um transplante de fígado.
Transtornos Mentais e Comportamentais devido ao uso de álcool – transtorno psicótico residual
ou de instalação tardia não pode ser a afecção principal. Pois não foi essa afecção que foi tratada.

O diagnóstico principal então, só pode ser insuficiência hepática crônica ou cirrose hepática,
código K72.1 da CID-10. Hepático é relacionado ao fígado, um órgão do aparelho digestivo.
As duas afecções mencionadas, portanto, dizem respeito ao fígado, mas qual delas deve ser
codificada como a principal? Ou seja, o codificador deve conhecer, pesquisar e dominar termos
específicos do vocabulário médico.

Em nosso exemplo, ao consultar o dicionário médico, Maria Eduarda chega à conclusão que
cirrose é a afecção que deveria ter sido marcada como o diagnóstico principal. Esse trabalho é
essencial para que possamos ter uma visão clara da situação da saúde mundial.

Os dados da codificação, além da área médica, também são utilizados na área jurídica.
O codificador, ao ler um prontuário ou uma ficha de alta médica, pode resselecionar essa
classificação. Isto faz parte de sua função. Então, é possível fazer uma classificação e recorrer
à CID-10 para ver qual o código que ele deve resselecionar e colocar o mesmo como o código
correto, de acordo com os conhecimentos que ele recebeu para o uso adequado da Classificação
Internacional de Doenças.

As regras de morbidade existem exatamente para casos como esse que apresentamos como
exemplo. Para sanar essa questão, existem cinco regras que auxiliam o codificador a selecionar
a afecção principal quando a ficha de alta não está bem preenchida e que estão no volume 2 da
CID-10 (2008).:

4.4.3. Regras para a resseleção quando a afecção principal estiver


incorretamente anotada.

18
A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) │ UNIDADE I

Regra 1. Uma afecção menos importante foi registrada como “afecção


principal”; a afecção mais importante, tratada foi registrada como
“outra afecção”.

Regra 2. Várias afecções informadas como “afecção principal”.

Regra 3. A afecção informada como a “afecção principal” é um sintoma


da afecção diagnosticada e tratada.

Regra 4. Especificidade.

Regra 5. Afecção principal com alternativas.

(CID-10, 2012, pp. 128-129)

Vamos ver a que se aplica ao caso de Maria Eduarda: se uma afecção menos importante
foi registrada como afecção principal e a mais importante foi tratada como outra afecção,
resselecionar colocando como afecção principal a que foi classificada como outra afecção. Essa
que Maria Eduarda aplicou é uma das cinco regras que ajudam o codificador a selecionar a
afecção principal quando a ficha de alta não está bem preenchida.

O estudo faz parte da trajetória de sucesso de todos os envolvidos no processo de


utilização da CID-10. Devemos lembrar que o prontuário de alta ou o atestado de óbito
servem tanto para área médica, quanto para área jurídica. Destarte, a Especialização
faz parte do processo.

Para Kaplan et al. (2017), os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TDG) ou


Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TIG) – que representam a mesma coisa
– são condições psiquiátricas nas quais as habilidades sociais, o desenvolvimento
da linguagem e os aspectos comportamentais esperados não se desenvolvem de
forma esperada ou são perdidos no início da infância. São afetadas diversas áreas do
desenvolvimento de forma precoce e persistente.

O Transtorno Autista é caracterizado por comprometimentos persistentes na interação


social e comunicação, aspectos da linguagem e comportamentos estereotipados e
restritos.

19
UNIDADE I │ A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)

Figura 9.

Fonte: <http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2013/04/trastorno-global-do-desenvolvimento.html>.
Acesso: 2/12/2017.

A Classificação Estatística Internacional de Doenças relacionadas à Saúde (CID-10),


define Transtornos Globais de Desenvolvimento como: um grupo de transtornos
caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e
modalidades de comunicação e por um repertório de interesses e atividades restrito,
estereotipado e repetitivo. Essas anomalias qualitativas constituem uma característica
global do funcionamento, em todas as ocasiões.

Segundo Fuentes (2008), o autismo é um distúrbio do comportamento de início


precoce – na maior parte dos casos – e crônico com impacto em diversas áreas do
desenvolvimento. Desse modo, acarreta problemas na interação social e na comunicação
social, bem como maneirismos e estereotipias – como fora supracitado.

Sabemos que o TEA (ou autismo) é um transtorno biologicamente determinado, embora


o diagnóstico seja essencialmente feito pela observação clínica e deve seguir os critérios
estabelecidos pela CID -10, publicada pela Organização Mundial da Saúde.

A CID ainda assinala que na maior parte dos casos esse desenvolvimento anormal/
atípico está presente desde a infância. Pontuando que em raríssimos casos tais condições
surgem nos primeiros 5 (cinco) anos de vida. É comum a apresentação de graus de
comprometimento cognitivo, no entanto, os transtornos são classificados em termos
do comportamento que é incomum para à idade mental – quer a pessoa possua défice
intelectual ou não.

20
A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) │ UNIDADE I

Tabela 1.

Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) ou Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) apontam o Autismo Infantil como uma
condição caracterizada por:
»» Desenvolvimento diferenciado ou alterado que surge antes dos 3 anos.
»» Alterações nas interações sociais, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo.
Além disso, a criança pode apresentar condições associadas, tais como: fobias, perturbações do sono ou de alimentação, crises de
disruptura com agressividade (auto) ou heteroagressividade (dirigida ao outro).
Crianças com autismo infantil (F-84.0) podem apresentar o nível de aprendizagem alterado, sendo elevado (altas habilidades e
superdotação), bem como abaixo do esperado para sua idade cronológica. Essa alteração depende de alguns fatores, tais como:
»» Atraso ou ausência de intenção comunicativa.
»» Atenção dirigida ao contato visual, expressão facial, gestos e posturas corporais.
»» Falta de interesse em se relacionar com pessoas próximas ou estranhas (especial resistência às crianças da mesma idade).
»» Falta de vontade em compartilhar interesses, como não falar sobre um presente que deseja ganhar, um desenho que fez, como foi o dia
na escola.
»» Ecolalia ou repetição de frases ou da primeira/última palavra presente no discurso do outro.
»» Repetições do mesmo padrão de brincadeira ou movimentos.
»» Preocupação excessiva com a rotina, demonstrando sofrimento quando acontece alguma alteração.
»» Preocupações com partes de um objeto.
Outras manifestações do TGD ou TID são encontradas no grupo F-84 da CID-10:
F84.0 Autismo Infantil.
F84.1 Autismo Atípico.
F84.2 Síndrome de Rett
F84.3 Outro transtorno desintegrativo da infância.
F84.4 Transtorno com hipercinesia associada a retardo mental e a movimentos estereotipados.
F84.5 Síndrome de Asperger.
F84.8 Outros transtornos globais (ou invasivos) do desenvolvimento.
F84.9 Transtornos globais (ou invasivos) não especificados do desenvolvimento.

Fonte: <http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2013/04/trastorno-global-do-desenvolvimento.html>.
Acesso: 2/11/2017.

Frente a essa complexa condição clínica, existe há necessidade de que as pessoas com
sinais de alerta (red flags), com características peculiares de autismo, sejam avaliadas
de forma criteriosa e minuciosa.

O Brasil, como país membro da Organização Mundial de Saúde, utiliza a classificação


oficial de autismo – publicada pela OMS – considerando os critérios diagnósticos da
CID-10.

A CID-10 pode ser utilizada em conjunto com outros Manuais Diagnósticos, atualmente
o DSM-5 tem sido muito utilizado, mediante às mudanças dessa edição.

Destarte, o importante é que o grupo nomeado como ‘Transtornos Globais do


Desenvolvimento’ ou ‘Transtornos Invasivos do Desenvolvimento’ é composto
por condições neurológicas com danos graves e agressivos em várias áreas de

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UNIDADE I │ A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)

desenvolvimento, onde encontramos sérios prejuízos nas habilidades de interação


social recíproca, linguagem com foco na comunicação e comportamentos, atividades e
interesses estereotipados e rotineiros.

As características do grupo composto por TGD na CID-10 ainda conta com anormalidades
qualitativas voltadas ao funcionamento global do indivíduo em qualquer situação,
demonstrando um prejuízo severo e incapacitante, variando no grau de acometimento.

Mediante à demanda do autismo, muitos professores/educadores relatam despreparo


ao receberem alunos com TGD. Tudo nos leva a crer que um dos motivos para essa
sensação de desamparo venha do desconhecimento sobre o assunto. Um exemplo disso
é a falta de produção científica a respeito do tema em nosso país.

Segundo Vasques (2008), em 28 anos de pesquisa em trabalhos acadêmicos no Brasil,


foram realizados 366 mil estudos, entretanto apenas 264 deles eram referentes ao
autismo. As áreas das pesquisas são:

Figura 10.

Fonte: <http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2013/04/trastorno-global-do-desenvolvimento.html>.
Acesso: 2/12/2017.

Para o diagnóstico do TGD é utilizado um amplo protocolo de investigação, além de


anamnese detalhada, uso dos critérios da CID-10 e outros exames complementares.

Os pais devem buscar por profissionais especializados. Há um mito de que o diagnóstico


do autismo é muito difícil de ser fechado. E na realidade, não é. Ele pode não ser simples,
fato que é totalmente diferente de difícil. Um bom especialista consegue ter todas as
informações reunidas acerca da observação clínica da criança.

Ou seja, é claro que não basta ser graduado em Medicina, Psicologia, Fonoaudiologia,
Terapia Ocupacional, Pedagogia, Fisioterapia, entre outras áreas do conhecimento, os

22
A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) │ UNIDADE I

profissionais precisam de dedicação aos estudos, especializações, frequentar seminários,


congressos, fazer parte de grupos de estudos sobre o tema.

Figura 11.

Fonte: <http://www.cksaopaulo.com.br/como-uma-equipe-multidisciplinar-pode-atuar-na-sua-dor/>. Acesso: 2/12/2017.

A primeira indicação dada aos pais é: ao menor sinal de TGD, levem seu filho a um
neurologista ou geneticista para que sejam realizados exames que descartem outras
possibilidades de transtornos ou síndromes.

23
Diagnóstico
Diferencial no Unidade iI
Autismo Infantil

Se estamos de frente com um paciente com algum problema neurológico, vamos


imaginar através de alguns sinais. Isso obviamente passa por nossa mente. Por uma
questão normativa: o que é estar saudável e o que é estar doente?

Uma vez que percebemos algum dano, já levantamos hipóteses sobre qual a topografia
da lesão, qual o diagnóstico sindrômico e qual o diagnóstico etiológico (causa); pois
a etiologia vai nos ajudar a eleger o tipo de tratamento e intervenção. Casos clínicos
aprimoram nosso olhar com o passar do tempo.

A produção de conhecimentos é fundamental em nossa sociedade, e sempre foi assim!


Não apenas na sociedade atual, mas ao longo da história da civilização, o que definiu
os avanços da humanidade foi ou foram o conjunto de conhecimentos produzidos em
cada época.

Então, vamos imaginar como é importante hoje o conjunto de campos científicos. Sendo
um dos mais recentes e avançados: a neurociência. Nos últimos vinte e cinco anos, a
neurociência apresentou um progresso impressionante. Assim como, anteriormente,
tivera a psiquiatria. E sempre com debates de enorme importância para a humanidade.

Quanto aos antidepressivos, por exemplo, acreditava-se que eram as pílulas da


felicidade. Ninguém teria depressão no mundo! Inacreditável. Pois, a pílula iria alterar
o estado patológico, emocional, depressivo para uma vida melhor.

Ou seja, há sempre essas esperanças. O remédio para emagrecer. Uma mágica.

As pessoas querem e anseiam por uma cura para o autismo. É compreensível.

Cada um milita em sua frente. Ou onde lhe causa sofrimento.

Todos buscam a cura para algo.

24
Capítulo 1
Diagnóstico Diferencial em um Sistema
Multiaxial

De acordo com Kaplan (1997), Kanner descreveu crianças que exibiam extrema solidão,
introversão, atraso na linguagem, ecolalia, inversão de pronomes (“você” utilizado no
lugar de “eu”), repetições monótonas de sons, e os sempre presentes maneirismos e
estereotipias – com excelente memória de repetição.

Ainda segundo Kaplan (1997), devemos ficar atentos aos principais diagnósticos
diferenciais como esquizofrenia de aparecimento na infância, transtornos mistos da
linguagem receptivo/expressiva, surdez congênita, privação psicossocial, retardo
mental com sintomas comportamentais, além de psicoses desintegrativas.

Figura 12.

Fonte: <http://psicologia-ro.blogspot.com.br/2014/12/>. Acesso: 2/12/2017.

É extremamente comum que crianças com autismo apresentem condições clínicas


associadas, o que representa vários problemas, além do autismo. Dessa forma é
fundamental abordar a questão do diagnóstico diferencial – passo a passo – para
que a busca por respostas não acabe se tornando uma teia de possibilidades inter-
relacionadas.

É exatamente nesse ponto que emerge a importância da adoção de uma classificação


internacional.

25
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Os esquemas multiaxiais de diagnóstico auxiliam nessa função. Mas, o que são sistemas
multiaxiais?

A proposta do diagnóstico multiaxial foi, na verdade, apresentada na década de 1980, na


terceira edição do DSM pela Associação Psiquiátrica Americana (APA). Contudo, temos
que dar crédito ao que a história da psiquiatria nos apresenta. Desse modo, o primeiro
a ressaltar a importância da pluridimensionalidade como um conceito a ser seguido no
diagnóstico psiquiátrico, foi o Professor Dr. PhD Ernest Kretschmer, psiquiatra alemão
que introduziu o termo multiaxial em 1918.

Figura 13.

Fonte: <http://www.wikiwand.com/id/Ernst_Kret >. Acesso: 4/12/2017.

Em 1959, no Brasil, o Professor Dr. – na cátedra de Psiquiatria – José Leme Lopes,


Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Professor da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, autor de diversos artigos e um pesquisador de extrema relevância no
cenário da produção de estudos acerca das psicopatologias em nosso país, elaborou o
diagnóstico através de múltiplos eixos – os quais ele nomeou como dimensões.

Além disso, foi Diretor do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da Universidade Federal do


Rio de Janeiro (UFRJ), nos períodos de 1958 a 1966 e de 1970 a 1974. Mediante sua
direção o IPUB conquistou o auge, sendo uma referência na área das psicopatologias,
sendo considerado como a grande referência da psiquiatria nacional.

26
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Figura 14. Hospício Pedro II em 1852.

Fonte: <http://ipubufrj.blogspot.com.br/>.

O esquema multiaxial do CID-10 demonstra ser o mais adequado para o diagnóstico


diferencial do autismo, pois aborda fatores importantes como nível intelectual ou idade
cognitiva, distúrbios específicos do desenvolvimento, síndromes, condições médicas e
situações psicossociais anormais.

Vamos trabalhar com duas vertentes para o diagnóstico diferencial.

A primeira é baseada em cinco passos que construí com base em minha atuação como
psicóloga em mais de 10 anos de experiência no atendimento a pessoas com autismo.
Na maior parte dos casos, realizando o diagnóstico dos sinais precoces e encaminhando
a criança a neurologistas e geneticistas especializados em TEA.

O autismo não tem forma física, não tem marcador biológico, nem possui exames
específicos para serem solicitados – portanto o diagnóstico é baseado no que é
escrito. Desse modo, o diagnóstico do autismo depende da observação sistemática
do comportamento, do desenvolvimento da criança com seus pares (da mesma idade
cronológica) – por isso é importante fazer sessões em grupo, com as crianças – e
também com crianças maiores. Ou seja, existe um conjunto de informações que vamos
agregando ao longo do tempo e, que dependem de muitas variáveis.

27
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Então, vamos aos 5 passos?

1. Primeiro passo: a entrevista detalhada com os pais. Muito importante


nesse processo de entrevista, conhecer profundamente os sinais e sintomas
do autismo. Devemos buscar fazer perguntas mais objetivas e pontuais,
adequadas para investigar detalhes do comportamento da criança. Nesse
contexto é importante reunir todas as informações possíveis de como foi
o parto, os primeiros meses e anos da criança, como ela se desenvolveu
do ponto de vista pessoal, social, afetivo, parte motora e a linguagem. É
importante ter uma escuta treinada para pegar todos os detalhes da fala
dos pais.

2. Segundo passo: reunir fotos e vídeos para visualizar o comportamento


da criança – em momentos isolados ou do convívio social. As escolas,
as quais eu dou consultoria estabeleço a importância do scrapbook
da criança no ambiente escolar. Como é a interação com os colegas, o
brincar, a criatividade e imaginação? Observar o comportamento da
criança a partir do contexto dela. Como essa criança se relaciona com o
mundo a sua volta?

3. Terceiro passo: colher o depoimento de professores, cuidadores,


mediadores, de profissionais da área da saúde. Todos que já avaliaram,
acompanharam ou ainda acompanham a criança. Isso nos fornece uma
visão múltipla de como essa criança se comporta nos mais diversos
contextos e ambientes. Essas informações, muitas vezes, não podem ser
fornecidas pelos pais – quer seja pela proximidade afetiva ou porque os
pais não sabem como dar essas informações.

4. Quarto passo: utilização de escalas de avaliação estruturadas, as


quais auxiliam na busca ativa dos sinais e de forma mais facilitada.
Já que, muitas vezes, não temos todas essas informações disponíveis
naquele momento. Comportar todas as informações na memória não é
possível. Sabemos disso! E essas escalas nos ajudam de forma facilitada e
estruturada a trazer essas informações à tona na hora de conversar com
a família.

5. Quinto passo: buscar dados da história familiar sobre autismo, síndrome


genética, esquizofrenia, transtorno de humor, TDAH (Transtorno de
Défice de Atenção e Hiperatividade) e conhecer muito bem a idade
materna e paterna de quando essa criança foi concebida.

28
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Todas essas informações são construídas ao longo do tempo em que atendemos a


demanda do autismo, TEA ou TGD. Nosso olhar e nossa escuta vão sendo aprimorados
e além dos protocolos existentes; temos toda a capacidade de construir nossa anamnese
com perguntas voltadas exatamente para o grupo TGD. Nos é facultado o direito –
aos que são psicólogos – em atender à demanda apenas do autismo. Os profissionais
fazem escolhas. Até porque a excelência vem com o foco e a busca de conhecimentos
em determinada área.

Nosso objetivo é fazer com que todos aprimorem sua atuação no reconhecimento dos
sinais, desenvolvimento de estratégias e uso dos métodos e intervenções que existem
para o trabalho com pessoas do espectro.

E conscientizar os pais sobre esses sinais e sintomas é muito importante, pois quanto
mais precoce for o início do acompanhamento com a equipe multidisciplinar, maiores
os progressos da criança. O TEA pode não ser curável ainda, mas é altamente tratável.

Transmitir conhecimentos por meio de via dupla, muitas vezes é essa nossa atuação ao
acolher famílias com a demanda do autismo. Em todo processo de atendimento à criança
com autismo, é importante a participação dos pais com suas dúvidas, questionamentos
e perguntas. Direcionando dessa forma, todo o movimento que esse assunto necessita.

Às vezes os pais nos procuram para tratar de questões pedagógicas, psicológicas,


nutricionais e assim sucessivamente. Ou seja, a multidisciplinaridade.

Nossa sociedade ainda não conseguiu construir mecanismos eficazes de intervenção, de


acomodação e inclusão dessas crianças.

Portanto, conhecer o TEA é extremamente importante aos profissionais que recebem


essas crianças – tanto para quem lida com aprendizagem, como para profissionais de
saúde e da área neurobiológica.

Lógico que o tema autismo não é esgotável. A cada dia uma pesquisa nova é realizada
e aponta um novo caminho.

A área é complexa e fascinante. Requer a análise básica sobre o transtorno em cada


criança, em cada contexto, em cada família, em cada situação específica, em cada idade
– cada pessoa com autismo é de um jeito.

Já que crianças com TGD apresentam, comumente, condições clínicas associadas, o


Dr. Michel Rutter criou um protocolo para auxiliar o diagnóstico diferencial (Tabela 2)

29
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Tabela 2.

Procedimento para o Diagnóstico Diferencial em um Sistema Multiaxial


1. Determinar o Nível Intelectual
2. Determinar o Nível de Desenvolvimento da Linguagem
3. Investigar se o Comportamento da Criança é adequado a sua:
›› Idade Cronológica (faixa etária).
›› Idade Cognitiva (mental).
›› Idade Verbal (linguagem).
4. Se não for adequado, fazer Diagnóstico Diferencial de Distúrbio Mental de acordo com:
›› Padrão de Interação Social.
›› Padrão de Linguagem.
›› Padrão de Atividade Lúdica.
›› Outros Comportamentos.
5. Identificar quaisquer condições médicas relevantes.
6. Identificar quaisquer fatores psicossociais relevantes.

Fonte: Rutter; Hersov, 1985.

Existem algumas discordâncias em relação ao diagnóstico tão precoce. O que seria esse
“tão” precoce? Seria entre 12 e 18 meses. Os Doutores e Especialistas em Autismo Dr.
José Salomão Schwartzman, Dr. Carlos Gadia e Dr. Christian Gauderer concordam
com esse ponto de vista. Diagnosticar é importante? Sim. No entanto, o fundamental
é oferecer as intervenções em tenra idade. Até que o diagnóstico seja concluído e o
laudo finalmente fechado. Como falamos de uma condição complexa, não podemos
estabelecer um prazo. Outras condições do intragrupo do TGD devem ser descartadas e
isso demanda tempo e muito trabalho da equipe.

Sendo assim, na realidade é praticamente improvável fazer um fechamento de diagnóstico


antes dos 18 meses e, em alguns casos, até mesmo aos 2 anos. E esses profissionais
extremamente competentes e referência em autismo na área médica, concordam que
rotular não é a saída. Por isso, as intervenções devem iniciar e o progresso apontado
pelos profissionais será importante para que o médico norteie também sua visão. O
contexto é multiaxial.

30
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Figura 15.

Fonte: <http://www.bemsaudavel.blog.br/autismo-saiba-como-identificar-os-sintomas/>.

Destarte, na visão de Canguilhem (2000), na faixa etária dos 2 anos, entretanto, há uma
gama de habilidades que a criança já deve ter adquirido, permitindo, assim, a avaliação
mais concreta com base nos critérios de normalidade ou anormalidade.

De acordo com Gauderer (1993), fica claro que dentre um quinto dos casos de autismo,
o desenvolvimento da criança demonstra um curso normal até os 2 a 2 anos e meio.
De modo geral, ele aponta que o critério diagnóstico aceito para o TEA, coloca que a
situação tem que se manifestar até os trinta meses.

Essa é uma visão. Pois vimos anteriormente que há crianças que são diagnosticadas aos 5
anos. E essa questão não se refere ao despreparo dos profissionais, mas à complexidade
do quadro apresentado. Por essa e outras questões, abordar o autismo acaba sendo um
assunto que desperta vários pontos de vista.

O importante é focar no estudo contínuo, buscar literatura e atuar. Cada vez mais, e
com maior contato com pessoas do espectro, se constrói o ponto de vista acerca de
como intervir com o nosso atendido.

De acordo com Rutter e Hersov (1985), em casos onde o desenvolvimento da criança


atende aos critérios de normalidade até dois anos e meio, temos que considerar outras
hipóteses diagnósticas além do autismo, tais como:

»» mutismo seletivo;

»» esquizofrenia de início na infância;

»» retardo mental com sintomas comportamentais;

31
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

»» transtorno do desenvolvimento misto da linguagem receptiva/expressiva;

»» surdez congênita ou transtorno severo de audição;

»» privação psicossocial;

»» síndrome de Asperger;

»» síndrome de Rett e o gene MeCP2;

»» síndrome de Angelman;

»» psicoses desintegrativas (regressivas).

Antes de descrever estas condições, queremos sinalizar que o termo mutismo seletivo
foi introduzido na quarta versão do DSM – em substituição ao termo mutismo eletivo
que fora usado na segunda edição do DSM.

Mutismo seletivo

É o código F-94.0 da Cid-10, atinge a muitas crianças, mas ainda é pouco conhecido. O
mutismo seletivo não é uma doença e sim um transtorno, ou seja, algo que incomoda a
pessoa e a faz sofrer. Basicamente, a criança que tem o mutismo seletivo não consegue
falar, fica muda em determinados lugares, situações ou com pessoas. Mas, fala
normalmente com as pessoas da família ou somente com algumas delas, por exemplo
a mãe. Há crianças que falam com a mãe, mas não conseguem falar com o pai. E ficam
tão ansiosas que travam – demonstrando Transtorno de Ansiedade.

Mas, não há uma escolha uma intenção em falar com esta ou aquela pessoa; o que
ocorre é um bloqueio. Na realidade, elas querem falar, mas não conseguem. Já que
falam com a mãe e com outras pessoas, pode parecer estranho não falarem com todos.
E exatamente por esse motivo é um transtorno e, baseado, no nível ansiogênico.

Essa ansiedade faz com que as palavras não saiam da boca. A criança quer falar, sente
vontade; até decide falar, mas a boca não responde e voz não sai. Assim acabam ficando
muito tristes, sofrendo por não conseguir falar e retraindo-se ainda mais.

O mutismo seletivo não se refere à timidez!

32
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Figura 16.

Fonte: <http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI139338-15326,00.html>.

Forçar a criança a falar, dar broncas, utilizar de castigos etc., tudo isso só vai piorar o
quadro apresentado, ou seja, o mutismo é agravado. Mutismo vem de mudo, e por esse
motivo chamamos de mutismo seletivo, e não apenas mutismo. Pois a criança consegue
falar. Não é muda! Fala muito bem, só não consegue em algumas situações, lugares e
com algumas pessoas – como já sinalizamos.

Uma questão interessante é o nível de concentração e atenção dessas crianças, que


costuma ser maior que a apresentada pelas crianças na mesma faixa etária. Ou seja,
são extremamente inteligentes. O transtorno não afeta a cognição – as escolas podem
fazer um excelente trabalho, acolhendo essas crianças com carinho e criando maneiras
diferentes para que possam desenvolver todos os seus potenciais.

Esquizofrenia de início na infância

Código F-20 a F-29 na CID-10. Há mais pesquisas e estudos sobre autismo do que
sobre a esquizofrenia na infância, ou seja, abaixo dos 12 anos de idade. Mesmo assim,
buscamos reunir a compilação das principais pesquisas para oferecer-lhe dados de
extrema relevância sobre o quadro de esquizofrenia infantil.

33
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Tabela 3.

Critérios Autismo Infantil Esquizofrenia (com início antes


da Puberdade)
Idade de início Antes dos 36 meses Não antes dos 5 anos de idade
Desconhecida, possivelmente a mesma ou
Incidência 2-4 em 10.000
até mais rara
1,67-1 (quase igual, ou leve
Proporção entre os sexos (M:F) 3-4:1
preponderância de homens)
História familiar de esquizofrenia Não elevada, ou provavelmente não elevada Elevada
Super representação nas classes mais elevadas
Situação socioeconômica Mais comum nas classes mais baixas
(artefato)
Complicações pré e perinatais e disfunção cerebral Mais comuns no autismo
Incapacidade para desenvolver relacionamentos;
ausência de linguagem ou ecolalia; frases fora de
Alucinações e delírios; perturbação do
Características comportamentais contexto; compreensão da linguagem muitas vezes
pensamento
ausente ou deficiente; insistência na uniformidade
e estereotipias
Funcionamento adaptativo Geralmente sempre prejudicado Deterioração no funcionamento
Geralmente dentro da variação normal,
Na maioria dos casos subnormal, frequentemente
Nível de inteligência predominantemente normal lerdo (15%
prejuízo grave (70% ≤ 70)
≤ 70)
Padrão de Q.I. Acentuada irregularidade Mais regular
Ataques de grande mal 4-32% Ausente ou incidência mais baixa

Fonte: Campbell; Green, 1985.

A esquizofrenia é rara em crianças com menos de 5 anos, apesar de a produção de


literatura sobre autismo infantil ser maior, existe pouquíssima literatura ou dados sobre
crianças com esquizofrenia com menos de doze anos de idade. E, quando existe algum
quadro de esquizofrenia infantil, ela vai ser acompanhada por delírios e alucinações,
com uma incidência mais baixa de convulsões e retardo mental e apresentam um Q.I.
mais homogêneo que os indivíduos com autismo.

Figura 17.

Fonte: <http://pt.nextews.com/4d56150b/>.

34
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Para Kaplan, ainda existem outras diferenças, como o fato de o autismo iniciar antes
dos trinta e seis meses, e a esquizofrenia ser mais rara antes dos cinco anos. As
complicações pré e perinatais e disfunção cerebral são mais comuns no TEA e menos
na esquizofrenia. No autismo, pode-se observar fracasso para desenvolver conexões
sociais, ausência de fala ou ecolalia e compreensão da linguagem falha ou ausente,
comportamentos estereotipados, insistência na mesmice e frases repetitivas. Já na
esquizofrenia, podem aparecer alucinações, delírios e transtornos do pensamento. O
funcionamento adaptativo no autismo é sempre prejudicado, na esquizofrenia percebe-
se a deterioração no funcionamento.

Há que se falar dos comportamentos obsessivos, o pânico de mudanças e imperfeições,


as relações anormais com pessoas (coisificação do outro) e preferência por seres
inanimados.

O nível de inteligência no quadro autista é, na maioria dos casos, subnormal,


frequentemente prejudicado. Na esquizofrenia é geralmente dentro da faixa normal
(dentre mais ou menos 70). O padrão de Q.I. no autismo demonstra acentuada falta de
uniformidade, já na esquizofrenia observa-se uma maior uniformidade.

Sabemos que é uma condição psicopatológica extremamente rara em crianças com


menos de 5 anos, além disso ela apresenta alucinações e delírios, como mencionado.
Já a incidência de convulsões e o retardo mental – comuns em TEA de grau severo
– apresenta uma baixa incidência e o Q.I. dessas crianças é mais uniforme do que o
apresentado por crianças com autismo. Sempre vamos ressaltar que estamos falando
sobre condições que são variáveis – mesmo dentro do mesmo grau de TEA.

A esquizofrenia de início na infância só foi separada da categorização do autismo, a


partir do DSM-III, para tanto, o que pesou foram os dados coletados nas décadas de
1960/1970 sobre o quadro clínico, a história familiar, a faixa etária para o início da
condição. Assim, foi possível observar as grandes diferenças entre os sintomas e sinais,
curso e prognóstico do autismo e da esquizofrenia infantil.

Posteriormente, mesmo com a separação já efetuada, houve uma discordância na


comunidade científica – fato comum – pois alguns pesquisadores continuavam a
afirmar que algumas crianças com autismo desenvolviam o quadro de esquizofrenia
com o passar do tempo. Obviamente, esses pesquisadores fazem estudos profundos e
mensurações científicas criteriosas acerca de suas hipóteses. Desse modo, houve um
grupo de algumas poucas crianças com autismo que desenvolveram a esquizofrenia.
Porém, a psicopatologia lida com estatísticas (dados de morbidade) e a quantificação
desse desenvolvimento em uma grande amostragem nunca foi reunida.

35
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

As crianças com autismo – em sua maioria – apresentam desde muito cedo, prejuízos
em diversas (ou todas) as áreas do funcionamento adaptativo. O quadro de autismo é
iniciado de forma precoce, diferentemente da esquizofrenia que tem seu início de forma
comum na adolescência ou começo da fase de vida adulta.

Desse modo, são raros os casos de esquizofrenia que se inicie antes dos 5 anos de
idade. Isso explica também o motivo de o material de pesquisa ser escasso, pois é uma
condição rara.

Outra questão relevante, e que devemos mencionar sobre a esquizofrenia com início
na infância, é a inexistência de critérios diagnósticos específicos para crianças. Desse
modo, as crianças com esquizofrenia apresentam alucinações, delírios e distúrbios no
curso de seu pensamento, típicos da esquizofrenia. Por outro lado, como avaliar essas
peculiaridades frente à imaturidade do desenvolvimento normal da linguagem e da
separação entre o real e o imaginário, o fato concreto e a fantasia – exatamente, em
função desses aspectos é difícil diagnosticar a esquizofrenia em crianças, especialmente
na faixa etária compreendida entre os 5 e 7 anos.

De modo que, há um caminho de pesquisas para a esquizofrenia infantil, por ser uma
condição rara, ao contrário do TEA que é uma condição de saúde pública mundial.
Existem poucos estudos sobre as intervenções medicamentosas e psicológicas em
crianças com esquizofrenia. Os estudos se voltam para a fase da puberdade, inclusive
mostrando a eficácia dos antipsicóticos.

Retardamento mental com sintomas


comportamentais

Código F-70 a F-79 da CID-10. Aproximadamente 40% das crianças com autismo
apresentam nível de retardo moderado, severo ou profundamente severo. As crianças
com retardo mental podem apresentar alterações com aspectos de autismo.

Quando ambos os transtornos estão presentes, ambos devem ser diagnosticados. As


principais diferenças são que as crianças que apresentam retardo mental geralmente se
relacionam com os adultos e com as crianças (pares) de acordo com sua idade mental;
usam a linguagem que possuem para se comunicar com os outros e apresentam um
retardo homogêneo e não apresentam ilha de precocidade.

Queremos lembrar que estamos utilizando o termo retardo mental, pois estamos
dando ênfase à Classificação Internacional de Doenças e na CID a nomenclatura é
RM. Mas é preciso fazer o diagnóstico diferencial entre retardo mental e autismo, pois
crianças apenas com retardamento podem apresentar sinais peculiares do TEA. Para

36
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

fazer essa diferenciação, de acordo com Sauri (2001), precisamos observar aspectos
comportamentais, tais como:

»» Crianças com retardo mental conseguem se relacionar com adultos e


com crianças da mesma faixa etária (esse último aspecto é extremamente
difícil para as crianças com TEA).

»» Usam a linguagem com objetivo na comunicação, mesmo que seja uma


linguagem pouco compreensível. Essas crianças usam a linguagem que
possuem para interagir com os outros (fato também que as diferencia das
crianças com autismo).

»» É uniforme dentro de duas graduações (o autismo, embora possua graus,


não tem uniformidade alguma).

Figura 18.

Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Paralisia_cerebral>.

Identificar o retardo mental não depende de exames (eletro, tomografia, ressonância)


esses exames não fazem esse diagnóstico. O mais importante nesses casos é a
observação clínica, comportamental e escolar da criança. Observar suas dificuldades,
seu comportamento, suas dificuldades acadêmicas – pois demoram a aprender a ler e
a escrever – e em casa são muito dependentes dos pais, inclusive quando comparados
aos seus irmãos mais novos.

Para fechar o diagnóstico não precisamos de exames, mas os testes neuropsicológicos,


avaliação psicométrica e escalas, roteiros e provas – baseadas nas teorias psicogenéticas
– são essenciais, bem como os testes fonoaudiológicos e, principalmente, a doção de

37
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

testes psicométricos (que vão medir o Q.I. da criança – verbal, executivo e total). Isso
faz com que possamos fechar o diagnóstico e a partir desse momento definir qual será
a estratégia em casa e na escola. O tratamento é estabelecido por meio da Abordagem
Cognitiva Comportamental, aliada ao ABA.

É preciso uma investigação minuciosa, pois precisamos que haja ocorrência de vários
sinais para que a suspeita ou hipótese diagnóstica de RM se confirme. Ou seja, no
diagnóstico, em geral, um único sintoma nunca será um parâmetro aceitável para se
diagnosticar. É necessário um conjunto de sinais e sintomas para iniciar o trabalho de
diagnóstico e, assim, aferir uma codificação.

Figura 19.

Fonte: <https://abanaescola.com.br/author/pedagogiaestruturada/page/2/>.

A Classificação Internacional (CID-10) nos orienta que o retardo mental é um baixo


funcionamento ou a redução do funcionamento cognitivo e intelectual. Hoje, o retardo
mental também é reconhecido como incapacidade intelectual ou incapacidade do
desenvolvimento.

O ABA é utilizado nos mais diferentes contextos e por profissionais de diversas áreas,
inclusive pelos pais. Na verdade, o ABA é uma intervenção técnica que está ao acesso
de todos que precisam utilizá-la em casos de comprometimento severo. O analista
funcional do comportamento aplica a análise comportamental em todo e qualquer tipo
de transtorno.

É preciso deixar claro que o ABA não é unicamente utilizado em pessoas com autismo.
E que a indicação primeira será sempre o acompanhamento psicoterapêutico na
abordagem Cognitiva Comportamental, para depois serem traçadas outras estratégias.

38
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Psicólogas, psicopedagogos, terapeutas ocupacionais, enfim, o ABA deve ser


desmistificado como uma intervenção difícil e elitista. Ele propõe, exatamente, o oposto
a isso. Ou seja, por meio da análise do comportamento o profissional ou os pais podem
oferecer suporte à demanda da pessoa com maiores comprometimentos.

Figura 20.

Fonte: <https://veja.abril.com.br/saude/tomografia-pode-indicar-o-melhor-tratamento-para-cada-paciente-com-depressao/>.

O Manual também nos orienta que esse tipo de diagnóstico precisa acontecer antes dos
18 (dezoito) anos, exatamente para caracterizar essa incapacidade do desenvolvimento.
Exemplificando: no caso da Síndrome de Down ou SD, essa síndrome aconteceu já no
que definimos como causas pré-natais.

Ou seja, foi na formação, na concepção. Agora, em um quadro de demência, estamos


diante de um processo que acontece depois da aquisição da habilidade cognitiva. Então
o RM precisa ser caracterizado antes dos 18 anos para se encontrar no escopo do
desenvolvimento.

De acordo com Krynski et al. (1983), a criança ou adolescente precisa ter um escore –
dentro de uma bateria de testes e avaliações, provas, roteiros e escalas baseados nas
teorias de cunho psicogenético – inferior a 70.

Segundo Verdugo (1994), o escore 70 é a média apresentada pela população, segundo a


padronização fornecida pelos elementos psicométricos e psicogenéticos.

39
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Figura 21.

Fonte: <http://www.mulherbeleza.com.br/empresas/testes-psicotecnicos-online/>.

Tabela 4.

Coeficiente Intelectual Denominação Nível Cognitivo segundo Piaget Idade Mental Correspondente

Menos de 20 Profundo Período sensório-motor 0-2 anos

Entre 20 e 35 Agudo grave Período sensório-motor 0-2 anos

Entre 36 e 51 Moderado Período pré-operatório 2-7 anos

Entre 52 e 67 Leve Período das operações concretas 7-12 anos

Fonte: Verdugo, 1994.

Desse modo, para Luckasson (1997), dentro da etiologia (causas) e fatores de risco, os
manuais de psiquiatria e psicopatologia, encontramos a classificação distribuída em:
pré-natais, periantos e pós-natais.

Dentro das causas ou fatores de risco, que são pré-natais, podemos afirmar que vão
desde a concepção até o parto. Entre essas causas podemos destacar:

»» má nutrição ou desnutrição materna;

»» má assistência ou ausência de assistência à gestante;

»» doenças infecciosas: rubéola, toxoplasmose, sífilis etc.

40
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Uso de substâncias psicoativas (tóxicos/drogas) – que sejam lícitas ou ilícitas. Então,


podemos apresentar causas como:

»» alcoolismo;

»» tabagismo;

»» consumo de drogas;

»» efeitos colaterais causados pelo uso de medicamentos teratogênicos (ou


seja, todo e qualquer tipo de agente ou componente que pode causar
dano ao embrião ou feto durante o período da gravidez, ocasionando,
assim, a perda da gestação, malformações ou alterações funcionais como
o retardo no crescimento, bem como transtornos neurocomportamentais
como o retardo mental ou RM);

»» poluição ambiental;

»» genética:

›› alterações gênicas: erros inatos no metabolismo (fenilcetonúria),


esclerose tuberosa, síndrome de Williams, entre outras;

›› alterações cromossômicas: quer sejam estruturais ou numéricas, por


exemplo: síndrome de Matin Bell e síndrome de Down.

Já as causas ou fatores de risco periantos acontecem no período compreendido entre


o parto e o trigésimo dia de vida do bebê – até o seu primeiro mês de vida. Dentre as
causas ou fatores considerados periantos temos a:

»» má assistência ao parto e traumas durante o parto;

»» falta de oxigenação no cérebro (anoxia) do bebê;

»» icterícia grave do recém-nascido; e

»» prematuridade ou baixo peso.

As causas ou fatores pós-natais são compreendidos no período que vai do trigésimo dia
(primeiro mês de vida do bebê) até os 18 anos de idade. E podem ser:

»» desnutrição, desidratação grave, carência de estimulação global;

»» intoxicações exógenas (envenenamento): remédios, inseticidas, produtos


químicos (chumbo, mercúrio etc.);

41
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

»» infecções: meningoencefalites, sarampo, entre outras;

»» acidentes: trânsito, afogamento, choque elétrico, asfixia, quedas etc.;

»» infestações: neurocisticircose (larva da Taenia Solium).

Transtorno do desenvolvimento misto da linguagem


(receptiva/expressiva)

Seu código é F-80 da CID-10. Qual a diferença do Transtorno do Espectro Autista para
um Distúrbio Específico de Linguagem? Ou seja, do TEA para o DEL? Agora você
saberá o que diferencia essas duas condições. No autismo temos três características
muito presentes.

Sabemos que até os 3 anos a criança tem uma dificuldade para se identificar com as
outras crianças. Exatamente, por isso, esse comportamento fica mais evidente a partir
de 3 anos e meio – quando a criança já tem uma bagagem específica de linguagem – e
o TEA ou autismo, não apresenta isso.

Então, de acordo com Anache (2001), a questão da habilidade social está comprometida,
a questão da linguagem também está, quando falamos em crianças que não são Asperger
(F84.5 código da CID-10 para Síndrome de Asperger).

Síndrome de Asperger é uma classificação antiga, mas utilizada na CID-10 e, portanto,


vigente para critérios de diagnóstico, que caracteriza um quadro de autismo muito leve.
Para ser diagnosticado como Asperger, a pessoa não pode ter retardo mental (RM)
associado, nem pode ter atraso importante ou significativo na fala/linguagem. Ou seja,
na época de aquisição da fala, ela não pode ter tido um atraso na aquisição da linguagem.
O Asperger possui os outros sinais (red flags) do autismo: isolamento social, falta de
filtro para se relacionar com pessoas e interesses restritos e estereotipados (com foco
em algum tema específico).

A síndrome de Asperger tem suas peculiaridades, como podemos ver o vídeo


abaixo:

Link: <https://www.youtube.com/watch?v=jXkKKgIq4cA>.

Uma das grandes angustias dos pais diante da demanda de um(a) filho(a) é o não falar.
É algo aflitivo não saber o que o filho sente: fome, dor, frio... Não saber o que aconteceu
na escola e assim por diante. Bem, essa não é uma característica do Asperger. Contudo,
não é por não ser uma peculiaridade que não existem questões direcionadas à fala da
pessoa com a síndrome.

42
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Quando uma criança tem Síndrome de Asperger, o desenvolvimento de sua linguagem


poderá ocorrer normalmente e assim seguir ao longo da vida. Há uma característica,
em alguns indivíduos com Asperger, a apresentar um tom robotizado em sua voz.
Entretanto, aos 2 anos de idade a criança já apresenta um vocabulário com palavras
e frases, aos 3 anos demonstra uma bagagem de linguagem com boa qualidade. Ou
seja, a criança que guarda ‘falas de filmes’, ‘as nossas falas’, que apresenta ecolalia, a
insistência, a fala fora do contexto demonstra uma característica muito presente no
diagnóstico de autismo.

Ambas as síndromes, autismo e Asperger, foram descritas por volta da década de 1940.
Hans Asperger descreveu a síndrome que leva seu nome em Viena, enquanto Leo
Kanner descreveu o autismo nos Estados Unidos. As duas condições de diversidade no
neurodesenvolvimento compartilham o problema da interação social e os maneirismos,
o comportamento repetitivo e restritivo. Então, ambas compartilham esses dois
fenômenos comportamentais.

Onde, então, se diferem?

No Asperger não encontramos impacto no desenvolvimento da linguagem, apenas na


entonação da voz como fora supracitado, e também não há impacto na cognição.

E para aquelas crianças com comprometimento de linguagem:

Elas podem ser verbais, ou seja, ter um atraso na fala ou já ter identificado algum processo
de linguagem e depois não mais. Ou, uma criança não verbal, que realmente tem uma
linguagem receptiva adequada; ou seja, ela entende, porém, ela não promove essa fala.
E também pode ter uma apraxia de fala, ou seja, uma conduta motora extremamente
ineficiente. E as estereotipias que são os movimentos que essa criança pode ter, então
pode ser olho, pode ser boca, pode ser flap, pode ser movimentos de pés. Enfim, uma
série de comportamentos estereotipados que essa criança tem.

E o que difere do DEL, que é o Distúrbio Específico da Linguagem? A criança também


tem um comportamento relacionado às habilidades sociais ruim, o comportamento
em relação à linguagem ruim, mas não apresenta estereotipia. Essas são as duas
discrepâncias: a característica das estereotipias presente no TEA e não presente
no DEL. Mas, para chegar a essa conclusão, precisamos de um diagnóstico preciso,
multidisciplinar. Então, o fonoaudiólogo deve estar envolvido, um neuropediatra, se
necessário um psiquiatra infantil, além, é claro, da psicóloga, psicopedagoga, dentre
outros profissionais que fazem o atendimento do paciente.

43
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Tabela 5.

Transtorno de Desenvolvimento da
Critérios Autismo Infantil
Linguagem Receptiva/Expressiva
Incidência 2-4 em 10.000 5 em 10.000
Proporção entre sexo (M:F) 3-4:1
Proporção entre os sexos igual ou quase igual

História familiar de atraso na fala ou problemas Presente em 25%


de linguagem

Surdez associada Muito infrequente Não frequente


Comunicação não verbal (gestos etc.) Ausente ou rudimentar Presente
Anormalidades de comunicação (por ex.:
Muito comuns Menos comuns
ecolalia, frase estereotipada fora do contexto)
Problemas de articulação Menos frequentes Mais frequentes
O pensamento pode apresentar prejuízo,
Nível de inteligência Frequentemente com graves prejuízos
menos frequentemente severo
Desiguais, mais baixos em escores verbais do que
Mais regulares, embora o Q.I. verbal seja mais
Testes de padrões de Q.I. diafásicos; mais baixos em subtese de compreensão
baixo do que o Q.I de desempenho
do que disfásicos
Comportamentos peculiares ao autismo, vida
social prejudicada, estereotipias e atividades Mais comuns e mais severos Ausentes ou, se presentes, menos severos.
ritualísticas
Jogos imaginativos Ausentes ou rudimentares Geralmente presentes

Fonte: Campbell, 1985.

Afasia adquirida com convulsões

Seu código é F-80.3 na CID-10. O prefixo ‘a’ representa não, nada; e ‘fasia’ é um termo
que se usa para comunicação. Há dois tipos de afasia: a afasia de Broca e a Afasia
de Wernicke. São duas áreas do cérebro que são acometidas em várias condições
neurológicas, de síndromes e transtornos, passando por lesões até acidente vascular
cerebral (AVC).

Um marco importante para o estudo da afasia, de acordo com Azcoaga (1974), ocorreu
em 1874, quando Carl Wernicke (1848-1905) publicou um artigo no qual apresentava
a localização da área auditiva da fala na primeira circunvolução temporal esquerda.
Descrevendo que uma lesão nessa área ocasionaria a perda da compreensão da
linguagem.

44
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Figura 22.

Fonte: <http://jewelrymarketingguy.com/die-or-delight/>.

Desta forma, a afasia sensorial (afasia receptiva, auditiva, de compreensão, de


impressão, de seleção, de similaridade, de codificação, aferente ou afasia de Wernicke)
se estabelece como entidade clínica oposta à afasia motora (afasia de emissão, cinética,
eferente, de codificação, de combinação, de contiguidade ou afasia de Broca).

A reelaboração do modelo associacionista do funcionamento da atividade verbal de


Henry C.Bastian (1837-1915) nos mostra que a junção da linguagem seria realizada por
uma combinação de quatro centros especializados:

»» Centro visual verbal.

»» Centro auditivo verbal: localizado na primeira circunvolução temporal,


local onde – de acordo com Bastian – as palavras seriam evocadas através
das impressões sonoras recebidas).

»» Centro glossocinestésico: movimento do lábio, língua e laringe.

»» Centro quirocinestésico: movimento da mão.

Baseando-se, segundo Penna (1976), nos estudos de Bastian, Wernicke desenvolveu


a teoria geral da afasia, segundo a qual existem centros cerebrais para cada um dos
componentes fundamentais da linguagem e que, com lesões, nesses centros, ocorrerão as
diferentes formas clínicas de afasia e, ainda, lesões das conexões entre centros distintos
levando a outros tipos de afasia. Desse modo, Wernicke enumerou as seguintes formas
de afasia:

45
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

»» Afasia de expressão (motora): ocorre pela destruição do centro dos


movimentos dos órgãos da palavra.

»» Afasia sensorial (surdez verbal): quando a repetição se torna impossível.

»» Afasia de condução: quando existe alterações das conexões entre os


centros receptores e os efetores da linguagem, existindo a compreensão
da mensagem, mas não a sua repetição, havendo, ainda, a perda da
capacidade de controle da emissão verbal.

Abaixo, temos uma representação do método fônico que ficou carinhosamente


conhecido como o método das boquinhas. Esse método é muito utilizado no processo
de alfabetização de pessoas com autismo, desenvolvendo, assim, a leitura e a escrita e
paralelamente trabalhando a fala. É muito eficaz em pessoas com autismo, pois é um
método multissensorial e fonovisuoarticulatório. Através do estímulo do córtex pré-
frontal, o acesso à comunicação ocorre gradativamente.

Figura 23.

Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/-5xOgP-3PYLU/T6q1DE8PT3I/AAAAAAAAAvI/szgBlhXA14s/s320/548116_202586943186849_12520
7367591474_309552_1442370760_n.jpg>.

De acordo com Carrol (1972), para Wernicke a linguagem escrita é construída a partir
da linguagem oral (base do funcionamento geral da linguagem); com isto, ele aponta
não existirem centros visuais verbais independentes e que, quando ocorrem alterações
na escrita dissociadas das alterações verbais, isso provém de uma perda do uso dos
signos (assimbolia).

46
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Figura 24.

Fonte: <https://soumamae.com.br/wp-content/uploads/2017/09/conau.jpg>.

Ainda segundo Carrol (1972), respeitando as concepções apresentadas em cada época,


entendemos que a linguagem e o pensamento estão relacionados a um processo de
aprendizagem distinto: a linguagem.

A linguagem, segundo Azcoaga (1974), é adquirida por meio de processos de imitação


e ecolalia, configurando uma integração essencialmente auditiva e independente da
referência semântica. Sendo, desse modo, a afasia uma alteração na área auditiva.

Desse modo, para Boyer (1982), o pensamento corresponde a uma representação das
coisas, configurando uma extração de conceitos, com base da percepção visual tátil da
realidade, sendo a assimbologia uma alteração dessa percepção. Exemplificando: o
surdo mudo pensa, porém, não fala.

Assim, para Geschwind (1970), os estudos de Wernicke aponta que o centro auditivo
verbal é o responsável pela integração das capacidades orais e gráficas, ainda que elas
sejam dependentes de um centro simbólico superior.

Perelló et al. (1979), classificam a linguagem da criança com autismo de ‘linguagem


embrionária’, dado ao fato de se apresentar como o nascimento de uma linguagem em uma
criança de tenra idade. Sendo apresentada, sem um motivo em particular, configurando
a simples emissão de um som, um balbuciar. Podendo ocorrer simplesmente como uma
consequência a um movimento emocional ou estereotipado.

O autor e seus colaboradores classificam tal linguagem, assim:

»» Ecolalia: presente na maior parte dos casos de TEA, ou seja, a repetição


passiva da fala de outra pessoa, sem que venha acompanhada da
intenção de se comunicar. Ou seja, não há o intuito em estabelecer um
relacionamento. E pode conter, por vezes, agressividade, pois muitos TEA
têm o TOD (transtorno desafiador opositor) como comorbidade. Dessa
forma, quando a fala do adulto representa uma proibição a algum desejo,
a pessoa autista pode reagir de forma autoagressiva (iniciando uma série

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UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

de agressões como se arranhar, puxar os cabelos, bater a cabeça contra


a parede, abrir e fechar a boca com extrema força afetando o maxilar)
ou heteroagressiva (canalizando sua agressividade a quem lhes diz não
– batendo, cuspindo, atirando objetos, chutando, puxando os cabelos,
mordendo, dado tapas no rosto da pessoa). Ou seja, nesse momento é
desencadeado um comportamento de disruptura (equivocadamente
chamado de “birra”). Os adolescentes demonstram maior agressividade,
inclusive, casos de heteroagressão – com relação aos pais, cuidadores e
avós – são comuns, como socos e o uso de facas. Esses casos não são
raros, e mesmo a pessoa com autismo de grau leve, pode apresentar uma
disruptura intensa que lhe faz agredir as pessoas mais próximas. Aliás,
a agressão geralmente é voltada para as pessoas que tem a convivência
intrafamiliar: pais, irmãos, avós, tios, primos etc.

»» O aparecimento das outras possibilidades oferecidas no plano


motor: quer seja, pela boca ou pelas vocalizações (sopros, beijos,
escarros, gritos inarticulados entre outros).

»» Nas melhores evoluções, pode se desenvolver uma linguagem


verdadeira: entretanto, acompanhada de manifestações de angústia.
Nesse momento surgem diferentes mecanismos de defesa, especialmente
os ritualísticos. É possível observar que a aquisição da linguagem escrita
é um meio auxiliar para a aquisição da linguagem verbal. Sendo um
progresso gradual que é iniciado com palavras de uma ou duas sílabas;
ao tempo que, paralelamente, são adquiridas outras habilidades motoras
(pular, correr). Nesse momento, nota-se uma melhora expressiva no
conhecimento do esquema corporal (reconhecimento no espelho –
inquebrável por medida de segurança). Logicamente que é um conjunto
de fatores que estimulam a criança.

Assistam ao vídeo sobre os estímulos no link: <https://www.youtube.com/


watch?v=-Id49r9zbJo&t=758s>

48
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Figura 25.

Fonte: <http://www.reab.me/wp-content/uploads/2015/02/Captura-de-Tela-2015-02-25-%C3%A0s-18.52.22.png>.

»» O aparecimento da linguagem depois de um acontecimento de


ordem afetivo emocional intenso: acidentes, mudanças na rotina
(escola, casa, professora, entre outras), frustração, extração de dente ou
algum procedimento cirúrgico. De acordo com, Hécaen e Angelergues
(1964), há possibilidade de um desenvolvimento intelectual expressivo
(AH/SD – altas habilidades superdotação), onde a abstração é fortemente
investida e se torna uma fonte de prazer.

A figura abaixo é uma foto de Jacob Barnett, diagnosticado com Síndrome de Asperger
aos 15 anos, estudando para concluir seu Mestrado em Física Quântica. Ele tem pesquisas
em Astrofísica que foram avaliadas por especialistas como estudos que podem ganhar
um Prêmio Nobel.

49
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Figura 26.

Fonte: <https://infopt-br.examtime.com/files/2013/09/jacob_genio8.jpg>.

Foi necessário introduzir o tema da afasia para, então, prosseguirmos com a


especificação do quadro da afasia adquirida com convulsões. Essa condição é rara e
com um diagnóstico diferencial do autismo bem complexo.

Podemos dizer que é realmente difícil fazer a diferenciação entre o autismo, a afasia
adquirida com convulsões e a psicose desintegrativa.

As crianças que apresentam afasia adquirida com convulsões demonstram normalidade,


até chegar ao ponto de perder a linguagem receptiva e expressiva por um período
significativo – semanas ou meses. As convulsões se iniciam de modo esporádico e
exames de EEG (eletroencefalograma) apresentam anormalidades. De repente, surge
um transtorno com profundo prejuízo na compreensão da linguagem. As convulsões são,
obviamente, controladas por meio dos fármacos, contudo, mesmo após o tratamento,
haverá um considerável prejuízo residual na linguagem.

Já a aquisição da linguagem, nos casos de autismo, encontra uma dificuldade expressiva


em determinados pontos:

»» No emprego das três pessoas: a utilização do pronome ‘eu’ (primeira


pessoa do singular) ocorre muito tarde, bem como o uso do próprio nome
– a pessoa com TEA não se reconhece como um indivíduo, havendo uma
despersonalização – exatamente, por isso o treino baseado no esquema
corporal, a visão do eu no espelho, a diferenciação entre ‘eu’, ‘tu’, ‘ele’.
Quer seja no singular ou no plural, o uso dos pronomes implica uma

50
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

dificuldade de expressão que envolve o trabalho de vários profissionais


da equipe multidisciplinar: médicos (a medicação é importante
para reduzir os sinais e sintomas e auxilia as demais intervenções),
psicocomportamental (análise aplicada do comportamento, Terapia
Cognitivo Comportamental), tratamento fonoaudiológico. Ou seja, a
medicação ajudará a reduzir os sintomas autísticos, reduz as estereotipias,
reduz a agressividade, a irritabilidade, reduzir a hiperatividade, ou seja,
sinais e sintomas que interferem negativamente no cotidiano da criança
na escola, nas intervenções as quais é submetida, nas atividades sociais
com os colegas no parquinho ou no momento de recreação.

O ideal é que essa criança tenha, desde o início das intervenções,


qualidade de vida e condições plenas para poder se socializar e ter um
comportamento autônomo e adequado. Ou seja, a medicação promove
essa oportunidade de igualdade (dentro dos limites do TEA, mas
melhora muito a sintomatologia). A medicação também melhora as
comorbidades que se acoplam ao TEA, por exemplo: distúrbios do sono
(80% das crianças com autismo têm dificuldade para iniciar e manter o
sono durante a noite); os distúrbios alimentares; as atitudes opositivo
desafiadoras (TOD); fobias sociais (crianças com autismo têm muito
medo de ir em determinados ambientes onde há certos tipos de barulhos/
ruídos; determinados animais; lugares com muitas crianças, muitas
pessoas falando, luzes e com barulho). Então, as medicações ajudam a
melhorar o autoengajamento, a autorregulação dessa criança frente a
situações conflitantes, frustrantes ou que levem a algum tipo de medo
excessivo. Dependendo da medicação que o médico introduz, há uma
melhora expressiva nos níveis de atenção e concentração para atividades
importantes do dia a dia como, por exemplo, processos de sala de aula,
processos que envolvem a aprendizagem acadêmica. A medicação,
logicamente, possui seus efeitos colaterais, existem também medicações
que podem trazer alguns riscos – mas isso tudo pode ser facilmente
ponderado pelo médico especialista junto com a família da criança. De
modo que as complicações serão mínimas se os pais tiverem um bom
acompanhamento médico.

»» No difícil uso do sim e do não, bem como da reversibilidade:


quando falamos algo para uma pessoa com autismo requer-se todo um
planejamento, pois ela levará nossa fala ao pé da letra – ela dificilmente
poderia entender essa expressão, perguntariam se letra tem pé. Quando
falamos “já estamos chegando em casa”, por exemplo, para uma criança

51
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

ou pessoa com autismo, esse chegar em casa é daqui a 5 segundos. Dessa


forma, a intervenção deve ser pautada em determinados aspectos:

›› Intervenção intensiva: em relação à Psicologia, segundo Bagaiolo


e Guilhardi (2002), utilizando a abordagem da Terapêutica Cognitivo
Comportamental para que ocorra o manejo de comportamentos
inadequados por meio da aprendizagem, favorecendo à instalação de
repertórios comportamentais para que a criança interaja e atue em seu
meio social. O terapeuta, de acordo com Aiello (2002), utilizará o reforço
positivo mediante os comportamentos adequados manifestados pela
criança, reduzindo, assim, os inadequados. Assim, gradativamente,
vai se estabelecendo um comportamento adequado. Por isso, o reforço
é fundamental, para que o comportamento seja alterado e mantido.
Além do reforçamento, podemos citar a modelação comportamental,
o THS (treino de habilidades funcionais) e a Análise Funcional ou
Aplicada ao Comportamento Disfuncional apresentado pela criança
com autismo (ciência e tecnologia conhecida como ABA – Applied
Behavior Analysis). Dentre as estratégias de ensino mais utilizadas
em ABA estão o Enseino por Tentativa Discreta (TTD), o ensino em
ambiente natural e o encadeamento de trás para frente.

Figura 27.

Fonte: <https://www.opopular.com.br/polopoly_fs/1.985418.1447172117!/image/image.jpg_gen/derivatives/landscape_800/
image.jpg>.

A comunicação suplementar alternativa é um apoio aos alunos, aos professores e aos


familiares.

52
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Dentre as funções da linguagem, temos a de nos comunicar, o que ocorre por meio de
emitir, transmitir e receber informações por meio de métodos ou processos estruturados
que podem decorrer da linguagem verbal, escrita ou por símbolos (códigos, signos), que
dão acesso e possibilitam efetivar a comunicação.

Essa é uma visão comportamental da comunicação e é compreendida como um ato de


habilidade social que ocorre entre duas ou mais pessoas.

O que se busca na comunicação é a intencionalidade, ou seja, a comunicação expressiva,


impactando, desse modo, o comportamento de outra, ou outras pessoas.

Dessa forma, a comunicação que não é intencional não é expressiva e acaba por ser
interpretada pelos outros, podendo ter algum significado, sendo assertiva ou não. Mas,
é totalmente passiva, ou seja, as interpretações, os olhares são únicos. A mesma forma
de comunicação pode ser interpretada de modo diferente por 2 pessoas.

E esse é um fato que ocorre muito entre os pais de pessoas com autismo. Muitas vezes,
há um movimento de superproteção da mãe em relação ao filho e isso acaba por afetar
o relacionamento do pai e de outros familiares com a criança. Afetando também o
casamento.

Existem muitas questões envolvidas em torno do autismo:

»» aceitação do diagnóstico;

»» vivência do luto pelo filho que não nasceu (as mães não imaginam um
filho com autismo ou qualquer outro transtorno, há dor e é preciso falar
sobre, mas a maioria não consegue);

»» negação;

»» raiva;

»» culpabilização (Afinal, de quem essa criança herdou “isso”? Quem é


o culpado? Essas colocações são feitas, há palavras duras, acusações,
rancor e frustração.

Enquanto todas essas situações ficam no ar, a criança permanece sem fazer suas
intervenções?

Sim! Muitas vezes. Pois reinam o caos, a culpa e a vergonha.

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UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Exatamente, por isso esses pais precisam ser ouvidos. E não há um profissional, no
Brasil ou no exterior, Especialista, Mestre, Doutor ou PhD em TGD, que não assinale a
importância do afeto em relação à família.

Sintomas e sinais fazem parte, bem como métodos, intervenções comportamentais, mas
a grande magia em atender a demanda do autismo é ver mais do que uma psicopatologia,
transtorno, síndrome, é ver uma pessoa!

Seja qual for sua formação, o afeto vai ligar você ao seu atendido com autismo. As
técnicas da TCC, os métodos estruturados e a intervenção técnica através da Análise do
Comportamento Aplicada ao Autismo (ABA), são formas de auxiliar na autonomia, na
modulação, na qualidade de vida. Entretanto, nenhuma delas terá o resultado esperado
sem o afeto. Essa é a nossa maior ferramenta de trabalho.

»» Ver além do autismo.

»» Enxergar as habilidades.

»» Formar uma parceria com os pais e familiares.

»» Encontrar com os outros profissionais da equipe.

O trabalho com o autismo não tem como pré-requisito o desejo egoico em ser o melhor.
Melhor? Existem vários profissionais excelentes, que não lançam livros, nem recebem
prêmios, mas que desfraldam, que alfabetizam, que auxiliam na ampliação do universo
da pessoa com TEA. O prêmio maior é esse!

»» PECS: o método PECS ou Picture Exchange Comunication System, já


foi apresentado em nosso curso. Portanto, vamos apenas nos ater a dizer
que é utilizado para auxiliar pessoas com autismo a se comunicarem, de
acordo com Oliveira et al. (2015), por meio do intercâmbio de imagens
(troca de figuras).

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Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Figura 28.

Fonte: <https://1.bp.blogspot.com/-UaKUvlyB7VM/U2oz_W-mdLI/AAAAAAAACiM/498vhYKwbhE/s1600/rotina+1.bmp>.

»» Comunicação Suplementar Alternativa ou CSA (aumentativa):


para Manzini et al. (2015), desde a pré-história o homem se comunica.
Sabemos disso através dos pictogramas encontrados nas cavernas. Como
demonstra a figura abaixo:

Figura 29.

Fonte: <http://portaldeextensao.wikidot.com/local--files/as-formas-de-desenhos-dos-homens-das-cavernas/cavernas>.

No século 21, as possibilidades de comunicação se tornaram incomensuráveis. Mesmo


com tanto avanço, ainda tem muita gente que não consegue se comunicar. A CSA é uma
metodologia baseada na área da tecnologia assistiva focada em ampliar as formas de
desenvolver as habilidades de comunicação. Direcionada a pessoas não verbais, sem
escrita funcional ou que apresentam defasagem na comunicação verbal/escrita. Dá
condições para que essas pessoas expressem suas vontades, necessidades, desejos etc.

55
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Todo processo de comunicação se inicia no cérebro, então, vamos imaginar que ‘uma
pessoa sinta sede, porém não sabe onde saciar sua vontade e precisa perguntar onde
está o bebedouro’. Essa vontade se deu a partir de uma necessidade de líquido do corpo
que envia o comando para o cérebro, a ele cabe comandar um exército que entra em
ação. É o cérebro que dá para os pulmões o comando da quantidade certa de ar que
precisa ser enviada para que a fala seja articulada. O ar vibra a partir das cordas vocais,
então entram em ação o nariz, a boca e a língua que modifica o ar expelido formando as
ondas sonoras. Enfim, o cérebro é o maestro dessa sinfonia de um único instrumento,
a voz.

Agora, imaginemos que no instante em que o ar é expelido pelos pulmões, ou seja, no


momento em que nariz, boca e língua entrariam em ação para a formação dos fonemas
– nesse instante o cérebro sabe exatamente o que quer que seu exército faça; mas o
exército não sabe obedecer. Pessoas que sabem o que querem dizer e, muitas vezes, têm
dificuldade em estruturar essa fala ou essa comunicação; estão muito relacionadas, a
princípio, aos Acidentes Vasculares Cerebrais – AVC (isquêmico ou hemorrágico) e aos
traumatismos cranioencefálicos. São pessoas que têm a função cognitiva, a inteligência
preservada, mas perderam funções do ato motor; e até mesmo da expressão de um
modo geral. Então, para Deliberato (2011), o que acarreta de fato a dificuldade ou
distorção de alguma comunicação.

Figura 30.

Fonte: <http://www.chewchewmama.com/wp-content/uploads/2017/08/Apraxia-Tactile-Cue.jpg>.

Isso gera frustração e ansiedade, causando um grau elevado de angústia e sofrimento,


pois a pessoa quer se comunicar, quer expor seus pensamentos e sentimentos e não
consegue. Além das pessoas que sabem o que querem dizer, mas falam de forma
ininteligível, existem também pessoas que apresentam uma cognição perfeita, mas

56
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

que não possuem qualquer capacidade de articular uma palavra sequer. São pacientes
que sabem o que querem dizer, tem a estrutura do pensamento preservada, mas não
conseguem se expressar, essas pessoas possuem síndromes genéticas com ausência
de fala; paralisia cerebral; e algumas doenças degenerativas que preservam a função
cognitiva, tais como a esclerose lateral e a Doença de Parkinson – então, essas pessoas
poderiam se utilizar da Comunicação Suplementar Alternativa para aumentar seu
repertório e, até mesmo, reproduzir algumas palavras e articular alguns vocábulos.

Por fim, vamos imaginar que a pessoa sedenta sabe que está com sede, dirige-se ao
interpelado, mas... “onde está a palavra?”. Ou seja, tem a intenção de se comunicar,
sabe se comunicar verbalmente, mas na sequência perde esse pensamento, perde o que
quer falar, um exemplo são as pessoas com Doença de Alzheimer.

A partir do momento que você se utiliza da CSA, você requer a memória para que
aquele símbolo seja significado e guardado na memória. Dessa forma, a Comunicação
Alternativa nem sempre, ou na maioria das vezes, é utilizada em casos onde a perda de
memória é muito evidente, muito acentuada.

A CSA proporciona melhora na dicção, na articulação das palavras, na memória, na


concentração – com esses ganhos a parte cognitiva recebe mais estímulos, auxiliando
o quadro de melhora. Alguns, dentre os exemplos que fornecemos, conseguem se
comunicar pelo olhar, até serem apresentados à Comunicação Alternativa. Os problemas
de comunicação no desenvolvimento da criança com autismo são notórios desde muito
cedo. Criou-se uma cultura – que está sendo desfeita – de que a criança tem o seu tempo
para começar a falar. Bem, este é mais um entre tantos outros equívocos existentes.

Precisamos perceber se a criança autista apresenta a vontade de se comunicar, quer


seja pelo contato visual ou puxando a mão da mãe ou do pai como ferreamente para
sinalizar o que deseja. A partir dessas informações, conseguimos estabelecer como
a criança estabelece suas vontades. Não apenas puxando a mão da mãe ou em um
momento de disruptura; devemos também obter informações sobre o ambiente em que
a criança se encontra inserida, ou seja, locais muito barulhentos, com muitas pessoas,
luzes fortes atrapalham imensamente. O ideal para o trabalho com a criança com TEA
é a estrutura – tanto na intervenção, nos métodos e técnicas, bem como no ambiente.
Um ambiente repleto de estímulos visuais vai confundir a criança com TEA. Porque
uma das questões principais é a sensorial e, visualmente falando, prejudica, angústia e
desorganiza a criança.

57
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Figura 31.

Fonte: <http://www.assistiva.com.br/CAA01.gif>.

»» No uso frequente da palavra nada: atitude verbal da pessoa que


“fala sem interlocutor”, demonstrando distúrbios articulatórios isolados
do tipo arcaico.

»» Nos jogos verbais: que são substituições metafóricas que, segundo


Porot (1979), lembram as peculiaridades da linguagem esquizofrênica
adulta.

Surdez congênita ou prejuízo severo na audição

Tem como código H-90 a 91 da CID-10. Como as crianças autistas podem ser não
verbais ou apresentar um desinteresse seletivo pela linguagem verbal, é comum que
os pais pensem que seus filhos são surdos. Mas, há diferenças: crianças surdas podem
apresentar episódios de balbucios relativamente normais que vão desaparecendo;
já as crianças com autismo muito raramente balbuciam. Crianças surdas mostram
reações a sons altos – provavelmente pela vibração que é sentida – já as crianças com
autismo podem ignorar sons altos e responderem ao estímulo de sons baixos e fracos.
O importante a ser sinalizado é que os exames de audiograma apontam para a perda
auditiva em crianças. Diferente do que acontece com os resultados de exames em
crianças com autismo.

Privação psicossocial

Seu código é de F-90 a F-98 da CID-10. Privações, desestrutura e disfuncionalidade


severa no ambiente físico e emocional refletem no comportamento da criança, havendo
uma necessidade de investigar a hipótese de TEA. Pois crianças com desestrutura de

58
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

linguagem, motricidade, habilidades sociais, dentre outros aspectos, apresentam atraso


no desenvolvimento.

Psicoses degenerativas (regressivas)

De código F-20-F-29 da CID-10, tem seu início entre os 3 a 5 anos de idade. É um


quadro raro. A criança apresenta um desenvolvimento normal até os primeiros sinais
da doença – quando é notada uma severa regressão, declínio da função cognitiva e
intelectual, bem como outras áreas do comportamento.

Síndrome de Asperger

De acordo com a CID-10 (1993) a síndrome de Asperger (código F-84.5) é um transtorno


de validade nosológica (ramo da Medicina que estuda e classifica as doenças) incerta,
com características de anormalidades na interação social recíproca, assim como um
repertório de interesses e atividades restritas, estereotipadas e repetitivas.

A síndrome de Asperger se diferencia do Autismo por não apresentar nenhum atraso


ou retardo global do desenvolvimento. A maioria das pessoas com Asperger têm uma
inteligência normal, mas é comum serem um pouco desajeitados. Essa síndrome
ocorre de forma predominante em meninos (uma proporção de oito meninos para
uma menina). Normalmente, essas dificuldades permanecem na adolescência e na vida
adulta, e elas apresentam características individuais, e não sofrem grandes influências
ambientais. Às vezes, segundo Gauderer (1997), podem ocorrer episódios psicóticos no
início da fase adulta.

Figura 32.

Fonte: <https://abrilsuperinteressante.files.wordpress.com/2017/02/044.jpg?quality=70&strip=info&w=1000&h=666&crop=1>.

59
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

O diagnóstico diferencial inclui o autismo, transtorno global do desenvolvimento


sem outra especificação e, em pacientes na fase adulta, o transtorno de personalidade
esquizoide. A principal diferença do transtorno autista são os atrasos em relação à
linguagem.

A síndrome de Asperger é um tipo de autismo de grau muito leve a leve, e com algumas
peculiaridades leves na linguagem – a voz robotizada, por exemplo pode ser encontrada
em algumas pessoas com Asperger –, entretanto, essa característica da voz não é uma
regra entre os Aspergers ou Aspie.

Para que uma pessoa possa ser diagnosticada com Síndrome de Asperger, ela não
poderá apresentar retardo mental associado, porque traz sérios prejuízos cognitivos e
intelectuais e também não pode apresentar atraso importante na fala. Ou seja, na época
da aquisição da fala não pode ter ocorrido atraso importante na fala.

A pessoa com Asperger apresenta outros sinais do autismo, tais como: isolamento social,
falta de filtro para se relacionar com pessoas, fala coisas que não deve – em locais e
ocasiões erradas. Podem preferir ficar sozinhas e isoladas, sendo retraídas socialmente
e ter um relacionamento social diferenciado do padrão – ou rotulado pela sociedade,
como padrão.

Os indivíduos com Asperger ou Aspie apresentam interesses restritos e estereotipados,


como foco em determinado assunto e gostar de falar apenas sobre esse tema, e
apresentarem um grande conhecimento sobre ele. Ficam repetidamente buscando
informações sobre esses assuntos preferidos, e se estimulam a saber mais. Então, há
características do autismo, mas de forma bem mais leve.

A pessoa com Asperger tem seu transtorno denominado e reconhecido como autismo
de alto funcionamento, pois podem apresentar um Q.I. acima da média. Embora, não
seja uma regra.

Pesquisas mostram que algumas habilidades são mais aprimoradas em pessoas com
autismo do que em pessoas com desenvolvimento típico, tais como a memória e
habilidades visuais. Alguns começam a ler sozinhos, falam outras línguas sem fazer
qualquer curso de idioma, tocam piano brilhantemente sem ter tido uma aula. Algumas
pessoas falam que grandes gênios da humanidade como Isaac Newton e Albert Einstein
tinham a chamada Síndrome de Sábio ou savantismo (do francês savant).

Pessoas com autismo possuem o que chamamos de hiperfoco, ou seja, gostam de fazer
repetidamente as mesmas coisas, ou demonstram um grande interesse em uma coisa
só. Esse hiperfoco favorece grandes conhecimentos, mas apenas 10% das pessoas com

60
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

autismo possuem o savantismo – que representam as habilidades excepcionais –,


elas são geniais, e com um Q.I. inacessível às pessoas com desenvolvimento típico. O
filme já mencionado, por nós, Rain man, retrata um caso de savantismo (sendo uma
história real). Extremamente, válido para quem ainda não assistiu, assista-lo! Só para
entenderem a profundidade do assunto, o savant que inspirou o filme lia 2 livros ao
mesmo tempo, um com cada olho e decorava o conteúdo dos livros. Ele já faleceu, mas
o filme conta a sua história, bem como documentários no Youtube.

Figura 33.

Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/-5H6YBo5ynjw/UOIreAsjX7I/AAAAAAAADnM/j84oSRuaKJ4/s1600/rain+man.jpg>.

Segundo Kaplan (1997), o médico austríaco Hans Asperger, em 1944, descreveu uma
síndrome a qual deu o nome de psicopatia autista. A descrição inicial dizia respeito a
indivíduos com inteligência normal, que demonstram um comprometimento qualitativo
na interação social recíproca, ou com estranhezas no seu comportamento, sem atrasos
no andamento da linguagem.

O curso e prognóstico são variados, os fatores associados a um bom prognóstico são um


Q.I. normal e capacidades sociais mais elevadas.

É muito comum que essas crianças cheguem ao consultório com diagnóstico de


hiperatividade, distúrbio de conduta, distúrbios psicomotores etc. O diagnóstico da
Síndrome de Asperger, assim como no autismo, é clínico e se baseia na presença de alguns
comportamentos. Os critérios para o diagnóstico incluem: prejuízos na interação social,
interesses limitados, imposição de rotinas ou interesses, algumas peculiaridades na fala
(robotizada), problemas na comunicação não verbal, algumas questões relacionadas à
motricidade (são desajeitados), isolamento e também não preenchem os critérios para
o autismo.

61
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

Como possuem interesses e habilidades específicos, geralmente se sobressaem no


emprego, são empreendedores e extremamente focados, dedicados e persistentes.

Embora, haja uma certa dificuldade na interação social, por meio da psicoterapia,
visando ao treino das habilidades sociais, conseguem desenvolver um ritmo de vida
normal – desenvolvendo assim relacionamentos amorosos satisfatórios, apresentando
reciprocidade social e emocional e sim, eles reconhecem os sentimentos dos outros.
Bem como expressam seu prazer e felicidade. Tudo depende das intervenções. Tudo
depende do olhar de afeto que vamos dedicar a eles.

As capacidades e habilidade surgirão a cada dia e haverá uma superação. Pois buscam
a excelência.

Síndrome de Rett e o gene MeCP2

Com código F-84.2 da CID-10, é uma encefalopatia grave, derivada de mutação no


cromossomo X. Segundo Kaplan (1997), em 1965 os médicos austríacos Andreas
Rett e Bengt Hagberg identificaram uma síndrome em 22 meninas que pareciam ter
apresentado desenvolvimento normal até mais ou menos os seis meses, mas que,
acompanhadas após esses seis meses, tiveram uma deterioração evolutiva devastadora.

Figura 34. Andreas Rett e Bengt Hagberg.

Fonte: <https://i0.wp.com/autismoconsejospracticos.com/wp-content/uploads/2017/03/S%C3%ADndrome-de-Rett-sus-
descubridores.png?w=782&ssl=1>.

As perdas deteriorantes são progressivas, após um período normal inicial, podendo


ser compatíveis com um transtorno metabólico. Em alguns pacientes com Síndrome
de Rett, é possível observar uma hiperamonemia, que pode ocorrer devido a uma
62
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

deficiência da enzima que metaboliza a amônia. Entretanto, essa evidência não foi
encontrada na maioria dos casos, somente em alguns, fato que fez com que não pudesse
ser usado como fator determinante para o diagnóstico da síndrome.

Algumas características clínicas podem auxiliar no diagnóstico da Síndrome de Rett


como, até os cinco primeiros meses da criança, ela apresenta habilidades motoras
adequadas a sua idade e crescimento normais.

As interações sociais também demonstram a qualidade esperada, contudo, a partir


dos seis meses de idade até dois anos a criança começa a demonstrar encefalopatia
progressiva, com várias características, começa a perder os movimentos voluntários
das mãos, que são substituídos por movimentos estereotipados como retorcer as mãos,
por exemplo, perda da fala adquirida anteriormente e retardo psicomotor.

Podem também ocorrer movimentos estereotipados como lamber os lábios, bater com
as mãos e morder. O crescimento encefálico desacelera, resultando em microcefalia.
Todas as habilidades sociais e de linguagem começam a ficar gravemente prejudicadas,
tanto a linguagem expressiva como a receptiva. Há um desenvolvimento fraco da
coordenação motora, com uma qualidade instável e rígida.

As características associadas incluem convulsões em até 75% dos casos e EEG’s


desorganizados com algumas descargas epileptiformes em quase todas as crianças
pequenas com síndrome de Rett, mesmo se elas não apresentarem convulsões.

Figura 35.

Fonte: <https://2.bp.blogspot.com/-i-mW96KGA10/WTWYfS4w3xI/AAAAAAAA0Ew/NHAdyaBWd-Qffux6Xbke7iFzC82sccdvwCLcB/
s320/1.jpg>.

63
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

As crianças com síndrome de Rett também apresentam problemas na respiração,


caracterizada por uma respiração irregular, com quadros de hiperventilação, apneia e
suspensão da respiração.

Uma respiração irregular acontece na maioria dos casos enquanto estão acordadas,
durante o sono, no entanto, a respiração normaliza. Várias crianças com síndrome de
Rett apresentam escoliose. À medida que a síndrome progride, o tônus muscular parece
passar de uma condição de hipotonia inicial para espasticidade e rigidez.

Muitas crianças podem viver por muito tempo de maneira mais independente, mas
outras crianças, após dez anos da síndrome, estão confinadas a uma cadeira de rodas,
pois apresentam desgastes musculares, rigidez e muitas vezes nenhuma capacidade de
linguagem. As manifestações que envolvem a comunicação social receptiva e expressiva
e a socialização em longo prazo permanecem em um nível evolutivo inferior a um ano
de idade.

As crianças com síndrome de Rett, muitas vezes, recebem o diagnóstico inicial de


Autismo, pois ambos apresentam perdas sociais acentuadas, mas os dois demonstram
diferenças previsíveis.

Na síndrome de Rett, por exemplo, o paciente apresenta uma deterioração nos marcos
evolutivos, perímetro encefálico e crescimento geral, já no Autismo o desenvolvimento
normal está presente desde muito cedo.

Na síndrome de Rett, movimentos específicos e característicos com as mãos estão


sempre presentes, enquanto no Autismo, esses maneirismos com as mãos podem ou
não ocorrer.

Fraca coordenação, ataxia (perda ou irregularidade da coordenação), apraxia


(impossibilidade de executar movimentos coordenados na marcha e na escrita), fazem
parte da síndrome de Rett, muitas pessoas com autismo têm funções motoras sem
prejuízos ou anomalias perceptíveis.

Na síndrome de Rett, as capacidades verbais, de maneira geral, perdem-se


completamente. No autismo, a criança usa uma linguagem aberrante. A irregularidade
na respiração, como supracitado, é uma característica comum da síndrome de Rett e as
convulsões aparecem cedo. Com relação ao TEA, não se verifica a presença de alterações
na respiração e os casos de convulsões associadas são muito mais difíceis de ocorrer na
infância, sendo mais comuns na adolescência.

De acordo com a CID-10 (1993), a Síndrome de Rett é uma condição de causa


desconhecida, até então descrita somente em meninas, com início, padrão e curso

64
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

característicos. Normalmente, apresentam um desenvolvimento inicial aparentemente


normal ou quase normal, depois ocorre uma perda total ou parcial das habilidades
manuais adquiridas e da fala, junto com uma desaceleração do crescimento do crânio,
normalmente com início entre sete e vinte e quatro meses.

Apresentam estereotipias de aperto de mão, a perda dos movimentos propositais


da mão é uma das características mais fortes. Os desenvolvimentos sociais e lúdicos
também apresentam perdas nos primeiros dois ou três anos de idade, mas o interesse
social tende a ser mantido.

Figura 36.

Fonte: <http://www.infobarrel.com/media/image/126315_max.jpg>.

Durante a metade da infância, ataxia e apraxia do tronco podem estar associadas à


escoliose (curvatura lateral da coluna vertebral), que pode ser única ou múltipla, e fixa
(devido à deformidade muscular) ou móvel (devido à contração muscular desigual) ou
cifoescoliose (encurvamento anormal da coluna vertebral que provoca dor lombar e nas
costas). Não ocorrem muitos prejuízos mentais graves. Convulsões normalmente estão
associadas.  

Segundo Gauderer (1993), a síndrome de Rett é acompanhada de perda total ou parcial


da linguagem, movimentos estereotipados, principalmente de aperto de aperto de mão
ou o ato de lavar as mãos constantemente, flat de mastigação apropriada da comida e
lavar a mão com saliva. Quase sempre apresentam uma falta de controle intestinal e
vesical, salivação excessiva e uma perda progressiva de envolvimento social.

65
UNIDADE II │ Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil

O prognóstico da síndrome de Rett não é totalmente conhecido, entretanto, Kaplan


(1997) relata que na maioria dos casos os pacientes que vivem até à fase adulta
permanecem em um nível cognitivo equivalente ao do primeiro ano de vida.

O tratamento busca uma intervenção nos sintomas. A fisioterapia tem sido de grande
relevância no que se refere aos problemas de disfunção muscular, e o tratamento com
anticonvulsivantes se faz necessário quando há quadros associados de convulsão.

De acordo com Gauderer (1997), a síndrome de Rett possui quatro estágios:

»» Primeiro: marcado pela desaceleração precoce, com duração mais


ou menos dos seis até os dezoito meses, onde se observa parada do
desenvolvimento, desinteresse nas brincadeiras, desaceleração do
crescimento craniano e hipotonia muscular.

»» Segundo: fase rapidamente destrutiva, que pode ocorrer a partir de


12 meses aos 3 anos de idade. Nela se observa: a perda do uso prático
das mãos; a rápida regressão do desenvolvimento acompanhado de
irritabilidade; crises convulsivas; estereotipias das mãos, como esfregar
as mãos, lavar, entre outras; perda da linguagem expressiva; transtornos
no sono (insônia) e autoagressão.

»» Terceira: denominada de pseudo estacionária com início dos dois


aos dez anos de idade. Observa-se: retardo mental; crises convulsivas;
estereotipias das mãos; apraxia e ataxia; espasticidade; perda do fôlego;
hiperventilação; apneia em vigília; perda de peso apesar de apresentar
um bom apetite; escoliose; bruxismo (ranger os dentes).

»» Quarto: deterioração motora tardia, com início mais ou menos aos dez
anos. Observa-se: sinais combinados de lesão do neurônio motor central
e periférico; mobilidade diminuída; retardo no crescimento; melhora no
contato visual; escoliose; atrofia muscular e rigidez progressiva; olhar
fixo e intenso; linguagem expressiva e receptiva, praticamente ausente, e
melhora nas manifestações epilépticas.

O diagnóstico da síndrome de Rett por tomografia e a ressonância magnética apresentam


poucos sinais, tais como atrofias cerebrais. O EEG demonstra sinais de normalidade no
início da doença, depois pode apresentar anormalidades progressivas com a evolução
da síndrome.

As informações mais consistentes são obtidas por meio da necropsia, onde se encontra
uma atrofia cortical moderada e uma diminuição da massa encefálica nos casos mais
avançados.

66
Diagnóstico Diferencial no Autismo Infantil │ UNIDADE II

Alguns critérios podem ser utilizados para excluir o quadro, tais como:

»» evidência de retardo de crescimento intrauterino;

»» microcefalia ao nascimento;

»» evidência de dano cerebral adquirido no período perinatal;

»» comprovação de desordem neurológica progressiva de causa metabólica;

»» desordens neurológicas originadas de infecções severas ou de traumas


cranioencefálicos.

Síndrome de Angelman

É um transtorno que pode ser confundido com a síndrome de Rett. Essa condição foi
descrita, em 1965, à comunidade científica, como sendo caracterizada pela presença de
um quadro atáxico com movimentos bruscos. O andar das crianças com essa síndrome
assemelha-se ao de marionetes.

O retardo mental está presente, assim como os ataques de riso. Como na figura a seguir,
podemos notar que tem uma expressão sindrômica.

A microbraquicefalia (cabeça curta ou chata) é comum, assim, como olhos de coloração


azul pálida. A boca é, geralmente, grande com profusão da língua. Também podem
ocorrer convulsões. A causa é desconhecida, porém, ao contrário do que ocorre na
síndrome de Rett, o desenvolvimento das crianças com Angelman é anormal desde o
início.

Figura 37.

Fonte: <http://image.excite.es/vidayestilo/guide/angelmannn-default.jpg>.

67
UNIDADE III │ A Avaliação dos Transtornos Globais do Desenvolvimento

Os prognósticos desses casos, Rett e Angelman, podem não ser muito bons. A sobrevida
das pessoas com essas síndromes pode ser limitada por algumas complicações. O
tratamento busca minimizar as perdas e melhorar a qualidade de vida.

Assim, atividades desenvolvidas com fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia


e musicoterapia devem ser indicadas. A fisioterapia tem como objetivo melhorar a
força e a mobilidade; manter a marcha independente; prevenir, evitar ou minimizar
o desenvolvimento da escoliose. A terapia ocupacional tentará manter ou melhorar,
se possível, as atividades com as mãos; bem como ajudar nas atividades da vida diária
(AVD). A fonoaudiologia poderá trabalhar nos hábitos de mastigação e deglutição.
A musicoterapia também é uma área de extrema importância, pois essas crianças
apresentam excelentes resultados através da intervenção com a música – ficando mais
calmas.

O papel do nutricionista, também deve ser destacado no tratamento, pois uma


alimentação adequada minimiza os problemas decorrentes da perda de peso, fungos,
hiperatividade, desnutrição, constipação crônica, entre outros.

O uso de medicação nesses quadros é de eficácia ainda em aberto. O uso de


anticonvulsivantes é indicado nos casos comórbidos de epilepsia.

Com relação à Psicologia, a abordagem mais eficaz é a Terapia Cognitivo Comportamental


e ABA, para que haja a psicoeducação e os comportamentos autodestrutivos sejam
trabalhados, incentivando a criança, através do condicionamento, a apresentar um
repertório comportamental mais adequado e funcional, contribuindo também para
regularizar a respiração.

Transtorno Desintegrativo da Infância

O desenvolvimento da criança ocorre, normalmente, até os 2 anos de idade, depois


dessa idade começa a apresentar perda nas habilidades adquiridas, tais como: uso da
linguagem, contato social, jogos, controle esfincteriano e habilidades motoras.

68
A Avaliação dos
Transtornos Unidade iII
Globais do
Desenvolvimento
Figura 38.

Fonte: <http://autismoembraga.blogspot.com.br/2011/07/>. Acesso: 14/12/2017.

Segundo Fuentes (2008), a avaliação busca categorizar um transtorno por meio das
descrições de sintomas e comportamento. No entanto, a utilização de diferentes formas
e classificação diagnóstica e a maneira como a informação é obtida podem causar
variações nos diagnósticos. Dessa forma, a avaliação dos pacientes com hipótese de
autismo requer uma equipe multidisciplinar e o uso de escalas objetivas. Técnicas
estruturadas existem e devem ser utilizadas para a avaliação tanto do comportamento
social, como de sua capacidade de imitação.

Uma compreensão completa do quadro autístico envolve quatro níveis do conhecimento:

»» etiologia,

»» estruturas e processos cerebrais,

»» neuropsicologia,

»» sintomas e comportamentos.

Os procedimentos de avaliação mais precisos podem, então, ser dirigidos para a


avaliação neuropsicológica e estudos de processos biológicos dessas crianças.

69
UNIDADE III │ A Avaliação dos Transtornos Globais do Desenvolvimento

A neuropsicologia, segundo Bueno et al. (2004), estuda as relações entre cognição,


comportamento e atividades do sistema nervoso central (SNC), tanto em condições
patológicas, quanto em condições normais.

É uma ciência voltada para a avaliação do comportamento e das disfunções cerebrais e,


para isso, conta com o auxílio da avaliação de determinadas manifestações do sujeito
para a investigação do funcionamento cerebral, sendo assim a avaliação neuropsicológica
ocupa uma posição de grande importância.

As peculiaridades do autismo, ou seja, no comportamento, na linguagem e na interação


social, podem ser correlacionadas com o desenvolvimento cognitivo e neuropsicológico.

Acredita-se que existe uma correlação direta entre os défices nas funções executivas e a
rigidez dos comportamentos estereotipados e rotineiros no autismo.

Além dos sintomas como perseverações, respostas inadequadas aos padrões sociais,
dificuldade em se adaptar a mudanças, além da falta de iniciativa, esses aspectos do
autismo podem ser esclarecidos pelos défices na função executiva.

A função executiva (FE) se refere ao comportamento direcionado por um objetivo


futuro que envolve intenção de inibir alguma resposta ou de direcioná-la para outro
momento, planejamentos de sequências de ações, incluindo informações importantes
memorizadas para uma atividade futura.

As funções executivas estão afetadas, normalmente, em pacientes que apresentam


danos nos lobos frontais, assim como em pessoas que com Transtorno do
Neurodesenvolvimento que inclua défices congênitos nos lobos frontais.

Figura 39.

Fonte: <https://static.tuasaude.com/media/article/2c/99/angioma-venoso_3953_m.jpg>.

70
A Avaliação dos Transtornos Globais do Desenvolvimento │ UNIDADE III

Sendo assim, alguns desses transtornos incluem o transtorno de défice de atenção


e Hiperatividade (TDAH), o transtorno obsessivo compulsivo (TOC), síndrome de
Tourette, esquizofrenia e autismo.

Dessa forma, muitos trabalhos vêm sendo realizados na esperança de estabelecer um


perfil de défices das funções executivas no autismo.

Mioto et al. (2007) explicam que de 1945 a 1996 foram realizados 14 trabalhos científicos
e desses, 13 demonstraram diferenças significativas entre autistas e controles em pelo
menos uma medida de função executiva (FE). Embora um dos testes mais executados
tenha sido o WCST (Teste Wisconsin de classificação de cartas), o que demonstra mais
eficácia discriminativa entre as pessoas com autismo e típicas é a Torre de Hanói.

Figura 40.

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/-HZav4F3YqRE/UBfonUc6lfI/AAAAAAAAAdA/rW8a7nXd578/s320/torre-de-hanoi2.gif>.

71
Capítulo 1
Como funciona o cérebro da pessoa
com autismo?

O cérebro da pessoa com autismo é um pouco diferente das pessoas típicas. A pessoa
com TEA possui um cérebro mais hiperexcitado. Funciona assim: nosso cérebro faz uma
atividade de cada vez, então, toda vez que fazemos uma atividade nos desligamos da
atividade anterior. Assim, quando estamos fazendo duas atividades ao mesmo tempo,
na realidade estamos fazendo uma de cada vez bem rápido. A pessoa com autismo não!

Por ter um cérebro hiperexcitado, ela liga uma atividade sem desligar a atividade
anterior. Desse modo, ao longo do dia, às vezes, a pessoa está fazendo 100, 200,
300...1000 atividades ao mesmo tempo em seu cérebro. E isso ela faz desde que nasceu.
Ou seja, o cérebro da pessoa com autismo é assim!

Então tentamos, por meio da intervenção em nossa área, fazer com que ele funcione do
modo como um cérebro parecido com o nosso funcione. No entanto, se o autista tentar
funcionar da mesma forma que pessoas típicas – ele irá se desorganizar – entrando em
crise.

Vocês conseguem se imaginar em um ambiente como o da figura abaixo?

As cores, o ventilador, várias informações visuais...parece bom?

Vamos nos colocar no lugar de uma pessoa com autismo, por alguns instantes. E diante
de todas as informações que vocês tiveram acesso, respondam: como se sentiria nesse
ambiente?

Figura 41.

Fonte: <https://desenvolver.files.wordpress.com/2016/05/tea-0011.jpg?w=663>.

72
A Avaliação dos Transtornos Globais do Desenvolvimento │ UNIDADE III

Então desde pequenos, eles vão criando métodos para se organizar. O padrão de
comportamento repetitivo é a tentativa do cérebro em se organizar.

Eles voltarem sempre ao mesmo start faz com que continuem funcionando de forma
adequada em meio ao mar de estímulos que lhes é apresentado diariamente. Então eles
têm que buscar seguir uma linha reta nesse mar de estímulos.

Quando colocamos um bloqueio nesse comportamento repetitivo. Exemplificando:


peço para que ele pare de falar ou bloqueio um ritual, uma estereotipia, o autista cai
novamente nesse mar de estímulos e se desorganiza completamente.

O cérebro mais imaturo é mais sensorial e mais motor, por isso vamos ter predomínio de
comportamentos repetitivos motores (estereotipias) e sensoriais (hipersensibilidades
tátil, gustativa, olfativa, visual e auditiva). Conforme ele amadurece esses padrões
de comportamento repetitivo vão mudando – para comportamentos repetitivos que
chamamos de ordem superior – que são comportamentos mais maduros.

Figura 42.

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/-bMOuWQngrko/TgXVBNq68jI/AAAAAAAACrY/e5ZQjqp4eow/s1600/images%253B.jpg>.

Então, são baseados em rituais, rotinas, compulsões. E quando o comportamento


repetitivo se torna um padrão exemplar – momento no qual se apresentam as
habilidades – surge algo que denominamos como insistência na mesmice. Que ocorre
quando o paciente começa a estudar temas diferenciados. Então ele sabe tudo sobre
astronomia, sobre os animais, sobre os dinossauros...

Então vejamos, temos o mesmo comportamento que é uma estereotipia e o interesse


por astronomia. Percebem? É a mesma forma de trabalhar o cérebro hiperexcitado,
entretanto, com padrões cognitivos diferentes.

Desde o primeiro dia de vida, todos nós fazemos, durante o dia, criamos redes neuronais
e durante a noite memorizamos essas redes neuronais. No dia seguinte, nós reativamos

73
UNIDADE III │ A Avaliação dos Transtornos Globais do Desenvolvimento

essas redes neuronais, acrescentamos as informações do dia e armazenamos durante a


noite. Fazemos isso a vida inteira.

As pessoas com autismo possuem redes de preferência que fazem com que eles se
organizem. Nós temos que atrelar as novas informações do dia a essas redes neuronais
de interesse. Então se um paciente, está super interessado em dinossauros e em fazer
desenhos e que – como profissional – quero que ele se interesse por outras coisas,
podemos, através dos dinossauros, ampliar o conhecimento sobre outras áreas.

Então, se queremos que ele aprenda sobre o céu. Eu vou usar o exemplo de um
dinossauro que voava. Vou falar, então, sobre os pterossauros que dominavam os céus.
Muito provavelmente, meu paciente autista, como conhecedor dos dinossauros vai
dizer: “mas, os pterossauros não eram dinossauros e sim répteis que voavam”. Com
essas informações eu saberei quanto ele realmente sabe sobre os dinossauros e, ao
mesmo, vamos introduzir o tema céu, indicando inclusive que muitas pessoas não têm
essa informação que ele me deu. Ou seja, vamos entender como esses répteis voadores
viviam, quais eram seus predadores e, ao mesmo tempo, ampliar informações sobre o
céu. Para que o interesse pelos dinossauros seja agora dirigido para astrologia.

Figura 43.

Fonte: <http://blog.abaratadizqtem.com.br/wp-content/uploads/2015/12/Por-que-os-dinossauros-fascinam-tanto-as-criancas-
620x405.jpg>.

Não há nada de errado com o interesse pelos dinossauros, aeronaves, matemática,


história, muito pelo contrário, devemos incentivar o despertar da curiosidade da pessoa
com autismo, pois é essencial para o bom desenvolvimento de aspectos cognitivos.
Paralelamente podemos utilizar esse interesse para trabalhar outros conteúdos. Como
assim? No caso de uma psicopedagoga que vai trabalhar a alfabetização com a criança,

74
A Avaliação dos Transtornos Globais do Desenvolvimento │ UNIDADE III

por exemplo, e sabendo do interesse específico do seu atendido. Ela vai optar por
materiais estruturados que abordem essa temática.

Figura 44.

Fonte: <https://i.pinimg.com/736x/46/e2/46/46e2465ebd0bdf3c4973cefbc7c38b0f.jpg>.

Em uma equipe multidisciplinar, todos os profissionais vão alinhar o tema e utilizar


um reforçador positivo, ao qual a criança terá acesso logo após realizar a atividade
proposta. Então, o médico, a psicóloga, a psicopedagoga, a mediadora, a fisioterapeuta,
a terapeuta ocupacional, a dentista, a musicoterapeuta, a professora, a fonoaudióloga,
e outros profissionais que podem compor a equipe – utilizaram o mesmo tipo de tema
de interesse por algum tempo. Posteriormente, esse será ampliado. Ou seja, queremos
que nosso atendido obtenha novos conteúdos. Talvez algumas pessoas perguntem: mas
como fazer esse trabalho? Bom, para quem atende à demanda do autismo há anos, sabe
primeiro que sem alinhar as fases das intervenções entre os profissionais, fica muito
difícil conseguir resultados com as intervenções.

Ou seja, a equipe precisa se comunicar. Quer seja por relatórios, por whatsapp, ligações,
e o mais importante, ter uma interação pelo menos a cada 4 a 6 meses (dependerá do
grau do TEA do nosso paciente) para traçar estratégias.

Atender de forma isolada, sem o conhecimento do que o profissional de outra área faz
e como faz é extremamente contraproducente para o nosso atendido e para as famílias
– que ficam perdidas. É como uma orquestra, todos os instrumentos têm que estar
alinhados. Não há um profissional mais importante ou uma área de maior valor dentro
desse atendimento. Todos estão trabalhando e investindo seus esforços na melhora
do paciente. E a contribuição em equipe, as parcerias, os atendimentos em dupla de
profissionais são altamente benéficos.

75
UNIDADE III │ A Avaliação dos Transtornos Globais do Desenvolvimento

Através da atividade com o dinossauro, mostrada na figura 44, trabalham-se letras,


fonemas, a coordenação fina dessa criança ao pedirmos que pinte a figura, o esquema
de cores usadas, a concentração e a forma com que a criança lida com o início e término
da atividade. Isso gera mais informação ao relatório que é enviado aos membros da
equipe.

Por isso, precisamos estar atentos aos gostos, vontades e desejos de nosso paciente.

Voltando ao céu – vamos falar sobre as nuvens, o sol, a chuva etc. Estamos falando do
céu e, paralelamente, deixando os dinossauros de lado. Mas, estamos usando as mesmas
redes neuronais. Então, nós temos que usar o comportamento repetitivo ao nosso favor
e fazer com que ele amplie o escopo de conhecimento em cima desses conhecimentos e
dessas situações específicas.

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), pelo menos 8 dos 16


itens especificados devem ser observados.

Vamos a eles:

Défice marcante na interação social recíproca, manifestada por pelo menos


três dos cinco itens abaixo:

»» dificuldade em usar adequadamente o contato visual, expressão facial,


gestos e postura corporal para lidar com a interação social;

»» dificuldade no desenvolvimento de relações de companheirismo;

»» raramente procura conforto ou afeição em outras pessoas em tempos de


tensão ou ansiedade, e/ou oferece conforto ou afeição a outras pessoas
que apresentam ansiedade ou infelicidade;

»» ausência de compartilhamento de satisfação com relação a ter prazer


com a felicidade de outras pessoas e/ou de procura espontânea em
compartilhar suas próprias satisfações por meio do envolvimento com
outras pessoas;

»» falta de reciprocidade social e emocional.

Marcante lesão na comunicação:

»» ausência de uso social de qualquer habilidade da linguagem;

»» diminuição de ações imaginativas e de imitação social;

76
A Avaliação dos Transtornos Globais do Desenvolvimento │ UNIDADE III

»» pouca sincronia e ausência de reciprocidade em diálogos;

»» pouca flexibilidade na expressão de linguagem e relativa falta de


criatividade e imaginação em processos mentais;

»» ausência de resposta emocional a ações verbais e não verbais de outras


pessoas;

»» pouca utilização das variações na cadência ou ênfase para refletir a


modulação comunicativa;

»» ausência de gestos para enfatizar ou facilitar a compreensão na


comunicação verbal.

Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento,


interesses e atividades, manifestados por pelo menos dois dos próximos
seis itens:

»» obsessão por padrões estereotipados e restritos de interesse;

»» apego específico a objetos incomuns;

»» fidelidade aparentemente compulsiva a rotinas ou rituais não funcionais


específicos;

»» hábitos motores estereotipados e repetitivos;

»» obsessão por elementos não funcionais ou objetos parciais do material de


recreação;

»» ansiedade com relação a mudanças em pequenos detalhes não funcionais


do ambiente.

77
Psicologia e o Unidade iV
Autismo

Rutter (1983) foi um dos pioneiros em relação à análise crítica do autismo e um dos
primeiros pesquisadores a considerar o autismo como um quadro de desordem do
neurodesenvolvimento relacionado a doenças que acometem o SNC. A hipótese do
défice cognitivo em crianças com autismo foi desenvolvida por ele.

De acordo com Rutter, não deveria haver défice no processamento de estímulos sensoriais
e sim dificuldades no entendimento do símbolo (signo/significante) emocional e/ou
social de tais estímulos.

O que é perceptível é: as pessoas com autismo apresentam défice no manejo das pistas
emocionais e sociais.

A Teoria da Mente para o autismo foi desenvolvida pelos pesquisadores Uta Frith e
Simon Baron-Cohen. Através de seus estudos, juntamente, com seus colaboradores,
concluíram que crianças com autismo – mesmo as de alto funcionamento – encontram
dificuldades para atribuir estados de intencionalidade aos outros.

Figura 45

Fonte: <https://i.pinimg.com/564x/df/40/ec/df40ecec6f5c7a927a72a1d353ce57ca.jpg>.

78
Psicologia e o Autismo │ UNIDADE IV

Para Frith e Baron-Cohen, os estados intencionais são compreendidos como todos os


estados mentais com conteúdo e não apenas o estado restrito voltado para intenção de
agir.

Podemos destacar, então, que dentre os estados intencionais, encontram-se: desejar


algo, esperar por alguma coisa, acreditar em algo, entre outros. O que difere bastante
de estados intencionais sem relação, tais como: estar triste, estar em vigília, estar com
dor etc.

Dessa forma, as pesquisas dos precursores da Teoria da Mente apontam que crianças
com autismo não apresentam habilidade para reconhecer e atribuir estados mentais.

79
Capítulo 1
Teoria da Mente

Como vimos a Teoria da Mente é a capacidade que nos possibilita deduzir o que o outro
pensa e sente. Ou seja, criar uma teoria, mais corretamente uma hipótese, sobre o
que passa pela mente dos outros. Isso permite que ajustemos nossas relações sociais,
nossas interações cognitivas e escolhamos os comportamentos mais adequados a cada
situação. Tentamos, portanto, adivinhar qual é a intenção do nosso interlocutor e agir
de acordo com essa hipótese. Às vezes dá certo, às vezes não.

Vamos observar o Teste Sally e Annie, procedimento desenvolvido pelos pesquisadores


Wimmer e Perner (1983), no qual as crianças típicas (normais) conseguem predizer
o comportamento a ser adotado pela boneca com base na crença que imaginam que
a personagem (boneca) tem e com base em suas próprias crenças. Esse experimento
ficou famoso no meio científico por ter sido utilizado em uma pesquisa que envolvia 20
crianças com autismo, 14 crianças com síndrome de Down e 27 crianças na pré-escola.

O experimento demonstrou que crianças com autismo possuem um comprometimento


na aquisição da Teoria da Mente. Havendo uma baixa capacidade para compreender os
estados mentais das outras pessoas. Fato que afeta sua interação e traz prejuízos nos
papéis sociais e na representação por símbolos.

Ou seja, autistas não mentem! É um fato. Não conseguem. Pois para mentir precisamos
desenvolver a habilidade para pensar como as outras pessoas.

Essa é a história de como aprendemos a ler e a manipular as mentes das outras pessoas
e, então, vemos o que acontece. Assim, ler a mente poderia parecer algo saído da ficção
científica, mas não é. É uma habilidade que todos nós possuímos – ou melhor, quase
todos. O fato é que sem ela, os relacionamentos humanos seriam impossíveis.

Embora, a maioria de nós sequer tenha a consciência de que podemos fazer isso.

80
Psicologia e o Autismo │ UNIDADE IV

Figura 46.

Fonte: <https://dimensaosuperior.files.wordpress.com/2015/07/read-minds-2.jpg?w=490&h=309>.

Essa habilidade nos permite penetrar no pensamento das pessoas, imaginar o que estão
pensando e sentindo. Os psicólogos chamam essa habilidade de Teoria da Mente, em
geral, a desenvolvemos por volta dos 5 anos de idade.

Por isso, crianças na faixa dos 2 anos de idade, quando reunidas, geralmente apresentam
um comportamento caótico, pois uma não tem ideia do que a outra criança está
pensando. Então surgem as brigas por brinquedos, atenção etc.

Sem a Teoria da Mente, portanto, tomar, gritar e pegar seria a única forma das pessoas
se relacionarem.

Até a desenvolverem, as crianças não conseguem realmente fazer amigos ou entender


as outras pessoas.

Figura 47.

Fonte: <http://www.mamaetagarela.com/eu-deixo-meu-filho-tirar-brinquedos-das-outras-criancas/>.

81
UNIDADE IV │ Psicologia e o Autismo

Existe uma jornada longa e frustrante até as crianças aprenderem como entrar nas
mentes das outras pessoas.

A questão é: se é difícil para as crianças típicas, qual é o grau dessa dificuldade para
crianças com autismo? Simplesmente, não há a possibilidade desse desenvolvimento
sem que haja intervenções que lhes proporcionem sinais e dicas de como o outro se
sente. Mesmo assim, nunca será 100%, ou 80%... será sempre abaixo da média.

Pois eles simplesmente falam, sem a menor censura, sobre suas impressões. Sem na
verdade criar uma sintonia empática com as demais pessoas.

Tentar imaginar o que os pais pensam, o que os colegas de escola, o que as terapeutas,
enfim, criar uma hipótese para indícios comportamentais, expressões faciais é muito
complicado para uma pessoa com autismo.

‘Saber aquilo que as pessoas dizem por dentro, sem que precisem falar,
é algo impossível para mim’
(Fala de um paciente de 14 anos, com autismo leve)

Por isso a impossibilidade de pessoas com autismo entenderem o sarcasmo, o deboche,


e os comportamentos cheios de más intenções das pessoas que o cercam. São, nesse
ponto, vulneráveis.

Observem uma maternidade, um berçário – os bebês não só não sabem o que os outros
bebês estão pensando, como sequer os enxergam como outros bebês. Nas mentes dos
bebês os limites entre eles próprios e as outras pessoas ainda precisam ser estabelecidos.
É como se fossem parte de uma grande mente comunal, na qual os pensamentos e
sentimentos pertencem a todos. Por isso alguns sentimentos podem ser contagiantes.
Exemplificando: quando um bebê chora, os demais começam a chorar também. E nesse
ponto, já podemos notar a imitação e a empatia instintiva pelos pares. Se uma dessas
crianças não chorar por exemplo, abre uma interrogação em seu comportamento – pois
foge ao que é normal. Podendo estar dentro de alguma situação que descrevemos em
nosso Caderno de Estudos.

Encerramos nossa disciplina por aqui. Espero que seja um grande momento de
aquisição de informações. Lembrem-se de nossa interação pelo AVA e dos vídeos que
são postados no portal.

Sucesso!!!

82
Para (Não) Finalizar

Figura 48.

Fonte: <https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/736x/02/52/37/02523738f1fc25c9b870931364736f9e--sons-app.jpg>.

É importante que as pessoas vejam o autista como ele realmente é! E não tentem
transformá-lo em uma pessoa típica. Afinal, quando conseguimos oferecer a eles uma
estrutura, ou seja um mundo necessário ao seu desenvolvimento, eles vão apresentar
um excelente desenvolvimento.

Pesquisas mais avançadas, assim como as mais antigas, mostram uma diferença
muito grande entre as pessoas com autismo e, principalmente, entre os meninos e
as meninas com autismo. As meninas com autismo tendem a apresentar um quadro
clínico diferente, na teoria estudamos que o quadro de meninas com TEA é mais
grave, entretanto na prática essa diferença é muito relativa. Quando trabalhamos as
dificuldades da pessoa com autismo, sem nos atermos a gênero e graus, vemos que
eles darão saltos expressivos no desenvolvimento, apresentando melhoras incríveis. O
entrave é encontrar a dificuldade que o paciente tem, por isso a demora na melhora e
por isso a importância da análise individual, pois sem ela não conseguiremos fazer uma
leitura adequada.

83
Para (Não) Finalizar

Nossa Velha Infância

Você é assim

Um sonho pra mim

E quando eu não te vejo

Eu penso em você

Desde o amanhecer

Até quando eu me deito

Eu gosto de você

E gosto de ficar com você

Meu riso é tão feliz contigo

O meu melhor amigo

É o meu amor

E a gente canta

E a gente dança

E a gente não se cansa

De ser criança

A gente brinca

Na nossa velha infância

Seus olhos meu clarão

Me guiam dentro da escuridão

Seus pés me abrem o caminho

Eu sigo e nunca me sinto só

Você é assim

Um sonho pra mim

84
para (não) finalizar

Quero te encher de beijos

Eu penso em você

Desde o amanhecer

Até quando eu me deito

Eu gosto de você

E gosto de ficar com você

Meu riso é tão feliz contigo

O meu melhor amigo

É o meu amor

E a gente canta

E a gente dança

E a gente não se cansa

De ser criança

A gente brinca

Na nossa velha infância

Seus olhos meu clarão

Me guiam dentro da escuridão

Seus pés me abrem o caminho

Eu sigo e nunca me sinto só

Você é assim

Um sonho pra mim

Você é assim

Você é assim

Um sonho pra mim

85
Para (Não) Finalizar

Você é assim

Você é assim

Um sonho pra mim

Você é assim

Um sonho, um sonho (no, no, no, no, no)

Você é assim

Um sonho pra mim

E quando eu não te vejo

Eu penso em você

Desde o amanhecer

E até quando me deito

Eu gosto de você

Eu gosto de ficar com você

Meu riso é tão feliz contigo

O meu melhor amigo

É o meu amor

Autoria: Tribalistas

86
Referências

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