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anais da sexualidade

SEXO COM METANFETAMINA


Como os aplicativos de encontros estão facilitando o chemsex – as maratonas
sexuais à base da droga sintética
João Batista Jr. | Edição 199, Abril 2023

A+ A- A

N
a primeira semana de dezembro, o maranhense E.R.P., de 38 anos, pegou o
celular para começar o que havia se transformado em rotina diária: a caça
virtual. Entrou no Grindr, um aplicativo voltado para o público gay masculino,
que localiza e informa onde estão os cinquenta usuários mais próximos das redondezas.
minha conta a revista fazer logout
Além de fotos, boa parte dos conectados no Grindr escolhe apelidos que servem como
isca virtual para atrair e filtrar pretendentes. Entre os mais comuns, estão Ativo,
Passivo, Versátil, Pra Já, Casal, Curioso, Dotado. Na sua conta no Grindr, E.R.P. optou
por apresentar-se com seu primeiro nome. E usou dois emojis – um anel de diamante e
um foguete.

Os entendidos do Grindr conhecem o significado dos emojis. Eles indicam que o


usuário é adepto do chamado chemsex – abreviação de chemical sex, ou sexo químico, em
inglês. O chemsex denomina a prática de relações sexuais sob efeito de metanfetamina,
uma substância sintética que aumenta a excitação sexual, também conhecida como
Crystal ou Tina. O emoji de um anel de diamante significa que o usuário gosta de fumar
a metanfetamina em cachimbos transparentes, os pipes. O emoji de um foguete indica
que o usuário prefere usar a droga na forma injetável. E.R.P., ao usar os dois emojis,
estava informando que topava fumar ou injetar o estimulante.

A geolocalização do Grindr indicou que, a poucas quadras de onde estava, no coração


de Ipanema, no Rio de Janeiro, havia outro usuário do aplicativo com interesses
semelhantes. Era R.M., um turista australiano de 48 anos, que ocupava um apartamento
alugado via Airbnb. R.M. estava online e seu perfil mostrava o emoji de um anel de
diamante. O brasileiro mandou a primeira mensagem. Fingindo que não entendia o
significado dos emojis no universo virtual, quis saber o que seu interlocutor estava
procurando. Rolou então um match de expectativas.

Eles trocaram algumas mensagens e nudes, o australiano contou que tinha


metanfetamina em casa para o chemsex e, em poucos minutos, E.R.P. já estava no
apartamento dele. “Quando ele abriu aquele pacote com 8 gramas de Tina, eu pensei:
‘Caraca, é hoje que vou me divertir, hoje que vou me acabar”, relembrou E.R.P., em
conversa com a piauí. De fato, aquela tarde virou noite, depois outra noite e mais outra e
outra e outra – até que, semanas depois, E.R.P. encerrou a maratona de sexo e droga
internado numa clínica de dependentes químicos em Vargem Pequena, bairro do Rio de
Janeiro.

Nas cerca de três semanas em que passaram juntos, R.M. adotou o consumo injetável da
metanfetamina. Os dois usaram a droga diversas vezes, tomaram Viagra, fizeram
injeção à base de prostaglandina, um vasodilatador aplicado direto no pênis, que é
capaz de sustentar uma ereção por quatro horas, e ainda chamaram outros parceiros via
Grindr para participar da maratona. O brasileiro e o australiano chegaram a ficar quatro
dias sem dormir. Viajaram para Ilha Grande, na Costa Verde fluminense, e depois para
São Paulo, sempre passando a maior parte do tempo dentro do quarto da pousada ou
do hotel praticando chemsex.

De volta ao Rio, E.R.P. levou R.M para o almoço de Natal com sua família, na Vila da
Penha. Havia mais de trinta familiares e amigos. Os dois chegaram de óculos escuros
para esconder as pupilas dilatadas, e não demoraram a começar a pensar em fantasias
sexuais. “Essa droga leva a pensamentos de vulgaridade, insanos. Bastou um tio me dar
um abraço para desejar Feliz Natal para eu pensar em transar com ele. Você começa a
ser controlado pelo sexo”, diz E.R.P. Encerrado o almoço, os dois voltaram para
Ipanema e para a rotina de sexo e droga. No dia 27 de dezembro, R.M. pegou um avião
para Jericoacoara, no Ceará. E.R.P. deixou-o no aeroporto e pegou um Uber para a casa
de sua mãe. O trajeto de 24 km foi um martírio. Ele teve alucinações. “Era como se tudo
que ficava para trás do carro estivesse em chamas”, recorda.

Ao chegar, nem precisou se explicar. Sua mãe, que trabalha numa loja de pneus e recebe
pensão do pai militar, olhou para o rosto suado do filho, para as manchas roxas nos
braços, e entendeu tudo. Disse que iria interná-lo numa clínica de reabilitação. Ele
concordou. Acompanhado pela mãe e o irmão caçula, deu entrada na Clínica Jorge
Jaber, localizada em um sítio com vista para a suntuosa Pedra da Rosilha, em Vargem
Pequena. “Boa parte dos dependentes de metanfetamina não chega na clínica de forma
espontânea”, diz Jaber. “Em geral, são socorridos em hospitais e chegam à reabilitação
de ambulância.” Em um ano e meio, aquela era a terceira fez que E.R.P. se internava no
mesmo lugar e pela mesma razão: a adição em metanfetamina. Dessa vez, a internação
foi voluntária.

O
conceito de chemsex foi criado pelo assistente social e ativista australiano David
Stuart no começo dos anos 2000. Para ele, a definição de “sexo químico” é
restrita a quem usa, sempre com fins exclusivamente sexuais, as seguintes
drogas sintéticas: metanfetamina, mefedrona (essa droga, um defensivo agrícola, é
pouco popular no Brasil) e GHB (usada no golpe do Boa Noite, Cinderela). Não se
aplica a outras drogas, que podem levar o consumidor à prática sexual, como álcool e
maconha, mas não são ingeridas com esse fim específico. Outros pesquisadores, no
entanto, definem o chemsex como o sexo praticado sob efeito de qualquer substância –
cocaína, LSD, ecstasy, o que for.

A metanfetamina, cujo uso é proibido no Brasil, induz um estado de euforia e


intensifica a sexualidade. O GHB, sigla de gama-hidroxibutirato, também aumenta a
libido e, ingerida em excesso, pode ser fatal. “Nas pesquisas feitas por David Stuart,
normalmente quem usa essas drogas para transar são homens que fazem sexo com
homens”, diz o psiquiatra Bruno Branquinho, sócio-fundador da NuMA (Núcleo de
Medicina Afetiva), cujo foco é o atendimento à população LGBTQIAP+. “Foi em 2019
que comecei a receber no meu consultório pacientes com problemas de adição em
metanfetamina usada no chemsex. Já tive paciente que precisou ser internado.”

Existem diversas razões para os homens que fazem sexo com homens serem os mais
afetados pelo avanço do chemsex. “Essa população enfrenta um estresse crônico por toda
a vida, tendo muitas vezes sofrido violências verbais e físicas. Muitos têm problemas
em se assumir para a família e para o trabalho”, avalia Branquinho. Mulheres lésbicas e
transexuais também atravessam problemas semelhantes, mas não estão entre os adeptos
do chemsex. Por quê? São múltiplas as razões e, entre elas, está o fato de que os
aplicativos voltados para o público gay masculino são muito mais numerosos, a
exemplo do próprio Grindr, com 11 milhões de membros. “Os aplicativos de encontros
são facilitadores para o uso dessas drogas. Você usa determinado emoji e se conecta
com pessoas com o mesmo propósito”, afirma Branquinho. “Sem falar que alguns
fetiches afloram com o uso da metanfetamina, as pessoas se sentem mais potentes e com
menos dor física.”

Além dos aplicativos de encontros, há uma questão cultural. Vivian Salles Alvarez,
especialista em psicopatologia e saúde pública pela USP e cuja tese de mestrado versou
sobre “masculinidade e prevenção”, aponta que os homens, não importa a orientação
sexual, são socialmente estimulados a contar vantagens sexuais. “O ideal cultural de
masculinidade é o que se convencionou chamar de ‘masculinidade hegemônica’,
modelo em que os homens aprendem que a valorização da atividade sexual é o que
legitima a identidade masculina”, diz Alvarez. Por isso, desde cedo, os homens são
ensinados e incentivados a experimentar uma sexualidade intensa, seja pela
comparação do tamanho do pênis e pelo volume de ejaculação, seja pelo número de
parceiros e o desempenho sexual.” Ela conclui: “Nesse sentido, fica fácil entender como
a metanfetamina teve tanta adesão entre homens que fazem sexo com homens.”

A psiquiatra Camila Magalhães, fundadora do Caliandra Saúde Mental, que faz


parcerias com empresas para cuidar da saúde mental dos funcionários, em São Paulo,
suspeita que os valores neoliberais, que prezam o acúmulo e a posse, acabam tendo
alguma influência no abuso do chemsex, uma prática que estimula a multiplicação de
parceiros. “A sociedade diz que o sucesso é ter. E ‘ter’ se aplica também às relações
sexuais”, diz ela, que também observou um crescimento do uso de metanfetamina
durante a pandemia no Brasil, a exemplo do que ocorreu, segundo algumas pesquisas,
na Inglaterra e em Portugal. “Com o sofrimento, a desarmonia e a clausura, alguns
jovens se sentiram retirados de uma época de suas vidas e, ao mesmo tempo, viram
aumentar a convivência online.”

Por tudo isso, o sexo químico já preocupa profissionais de saúde. “Tem de trabalhar
com redução de danos. O chemsex é uma realidade, e se não for feito um trabalho sério
pode se tornar uma questão de saúde pública”, alerta Bernardo Porto Maia,
infectologista do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo. Uma forma de reduzir danos é a
profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP HIV). É uma pílula com dois antivirais –
tenofovir e entricitabina – que, quando tomada diariamente, evita a contaminação pelo
vírus HIV, mesmo no sexo sem camisinha com alguém soropositivo.

A PrEP, distribuída pelo SUS desde 2017, corre risco de ser negligenciada no chemsex
porque, sob o efeito da metanfetamina, o usuário pode esquecer de tomar o remédio,
expondo-se a todo tipo de doença. A PrEP previne o HIV, mas não outras infecções
sexualmente transmissíveis, como sífilis ou hepatites virais. “Como nossa experiência
mostra que o chemsex tem crescido muito no Brasil nos últimos anos, sobretudo entre
homens na faixa etária de 15 a 24 anos, já se tornou protocolo médico perguntar aos que
usam PrEP se eles fazem sexo químico. É um fator extra de vulnerabilidade e precisa de
maior atenção”, diz Maia.

L
ocalizado no bairro da Bela Vista, perto da Rua Augusta e da Praça Roosevelt, o
Denver se parece com qualquer motel barato do Centro de São Paulo. São três
andares modestos, uma fachada cinza-chumbo e um letreiro discreto, mas com
uma garagem diferente: não tem portas e, portanto, contrariando a praxe dos motéis,
não oferece qualquer privacidade aos usuários. Justifica-se: o entra e sai do Denver não
se dá a bordo de automóveis. Quase todos entram a pé e sozinhos.

Lá dentro, há uma feira permanente de metanfetamina. Os praticantes do chemsex


alugam um quarto – paredes recém-pintadas de amarelo e bege, piso frio e um cheiro
permanente de cigarro – e procuram parceiros hospedados nos demais quartos ou
convidam usuários do Grindr que estejam hospedados em outras suítes no mesmo
estabelecimento. “Eu estava na casa de uma pessoa consumindo Crystal, abri o Grindr e
um cara me convidou para ir ao Denver”, recorda o médico c.a., de 27 anos. Ele pegou
um Uber, foi até o motel e descobriu um universo paralelo nos corredores e quartos.

A piauí esteve no Denver numa noite de quinta-feira de março. À entrada, há uma


porta de ferro, que lembra a de uma cela, sugerindo que se trata de um local pouco
seguro. Na recepção, há uma cozinha de onde sai um forte cheiro de arroz, feijão e bife
acebolado. O prédio não tem elevador, os corredores são iluminados por luz branca, as
portas dos quartos são marrons e, ao contrário de quase todos os motéis, ali é permitido
fumar. No quarto do primeiro andar, assim que a reportagem acionou o Grindr,
encontrou cinco usuários a menos de 50 metros de distância. Usavam apelidos bastante
específicos, emojis de anel de diamante ou foguete e faziam descrições de dotes físicos e
das formas de sexo às quais estavam disponíveis. Um usuário, o Rafa Pix, dizia a quem
o procurava que estava ali apenas para vender metanfetamina. O delivery é feito nos
quartos. Não há câmeras de segurança nos corredores.

Quando esteve no Denver, C.A. conta que encontrou um cenário semelhante.


“Basicamente, as pessoas vão ao Denver, abrem o Grindr e interagem com outros
usuários de Crystal que estão hospedados em outros quartos.” O período de maior
movimento vai de quinta a domingo. Alguns hóspedes deixam abertas as portas dos
seus quartos, caso alguém queira entrar para fazer sexo sem qualquer tipo de cerimônia.
Quando as portas estão fechadas, pode-se ouvir, do corredor, o que acontece lá dentro.
São festas, a dois ou mais, regadas a drogas, que os adeptos chamam de party and play.

Na página de avaliação do Denver no Google, entre queixas de odor ruim e chuveiro


queimado, um homem escreveu: “Uma experiência inesquecível! Esse hotel é um
PUMP de alegria. Não perca a hora do Rush!!!” Pump significa injetar. Rush é o nome do
barato rápido causado pela droga. O pernoite no Denver nos fins de semana custa 90
reais, com direito a duas camisinhas e dois sachês de gel lubrificante.

A piauí procurou os donos do Denver. O estabelecimento não tem rede social, nem site,
nem telefone disponível na internet. Na recepção, a reportagem obteve um cartão de
visita, que traz um site e um e-mail – mas nenhum funciona. O site não dá acesso, o e-
mail volta. Na Junta Comercial, o nome de Djalma de Souza Rocha aparece como um
dos sócio-administradores. Em conversa com a piauí, ele disse que nunca soube do
consumo de metanfetamina no motel e que sequer sabia da existência da droga, mas
prometeu ficar atento. “Vamos vigiar mais agora para ver o que está rolando lá dentro.”

O
Grindr está entre os aplicativos mais usados pelo público gay no mundo.
Lançado em 2009, seu objetivo era mesmo servir como plataforma para conectar
a comunidade gay, mas tornou-se também outra coisa: hoje, é um ambiente
privilegiado – ainda que não seja o único – para o chemsex. Ali, os traficantes de
metanfetamina vendem seu produto e os usuários, por sua vez, combinam entre si o
consumo do estimulante para a prática sexual. Quem acessa o Grindr no bairro dos
Jardins, em São Paulo, ou em Copacabana, no Rio de Janeiro, encontra traficantes com
facilidade.

Em junho do ano passado, dois homens – Jonathan Soares Silva e Saulo Mateus
Noronha – foram presos dentro de um apartamento em Copacabana por tráfico de
metanfetamina. Eles usavam o Grindr como ferramenta de vendas. A investigação
policial começou a partir de denúncia dos moradores, que desconfiaram do excesso de
movimento no apartamento suspeito. Foi a segunda prisão dos dois homens por tráfico
da droga. A primeira ocorreu em 2020. (Fora do universo digital, o tráfico também se
espraia. Em outubro, a polícia de Mato Grosso do Sul apreendeu 12 kg de
metanfetamina escondida em sucata de vidro na carroceria de um caminhão, em
Campo Grande. “Estamos perto da Bolívia e do Paraguai, grandes produtores de
maconha e cocaína. Metanfetamina, no entanto, foi a primeira apreensão por aqui”, diz
o delegado Hoffman D’Ávila Cândido e Souza, diretor da Delegacia Especializada de
Repressão ao Narcotráfico.)

Com o Grindr, além da droga, também ficou mais fácil encontrar parceiros que têm
objetivos em comum. O médico C.A. percebe a diferença. Ele começou a usar
metanfetamina quando fazia residência médica, em março de 2020. Numa balada
depois de um show da australiana Kylie Minogue, conheceu um casal na pista de
dança, que o convidou para um ménage. Ele aceitou, lhe ofereceram metanfetamina, ele
gostou e, semanas depois, já estava procurando parceiros no Grindr para o chemsex. “Só
que, há dois anos, as pessoas não colocavam emojis dizendo que gostam de Crystal”,
diz. “O assunto surgia na conversa. Agora, está tudo mais às claras.”

No caso de C.A., a pandemia serviu como agravante. Aproveitando que morava


sozinho, ele passou a promover encontros em seu apartamento. “Quando se está imerso
no sexo com a metanfetamina, parece um paraíso. Bate uma sensação de bem-estar e de
poder, e ainda desperta o desejo de transar. É um escape muito grande da realidade. Dá
a falsa sensação de conexão muito forte. Mas ninguém sente nada por ninguém, é tudo
artificial. Eu vivia uma ilusão de me sentir desejado, lindo e forte – e ainda conseguia
transar por horas sem sentir dor ou cansaço.”

Os colegas de residência começaram a notar seu comportamento alterado. Faltava,


chegava atrasado ao hospital, sentia um sono incontrolável. Como o usuário é capaz de
ficar dias acordado, depois vem a resposta do corpo: tremores, depressão, síndrome do
pânico. “Eu já cheguei na casa do meu pai tremendo, completamente doido.” Em
janeiro de 2022, seus pais foram bater em seu apartamento para ver in loco a situação.
C.A. tinha acabado de injetar Crystal, estava sozinho e sentado no chão do banheiro. O
saquinho com a droga tinha ficado sobre a mesa da sala. Seus pais o tiraram dali e
encerraram o contrato de aluguel. Começou então o caminho da recuperação. Além de
tratamento com psicólogo e psiquiatra, ele tomou outras medidas. “Troquei o número
de celular e bloqueei diversas pessoas do Instagram.” Precisou ficar dois meses afastado
da residência médica para se cuidar.

P
ara fazer essa reportagem, a piauí entrevistou três adeptos do chemsex, mas eles
pediram para ficar anônimos, tanto pelo preconceito sexual quanto pelo estigma
da dependência química. A exceção foi Eduardo Albuquerque, de 26 anos,
criado pelos avós numa família modesta na região da Represa de Guarapiranga, em São
Paulo. Quando tinha 18 anos, enrolou-se para pagar a prestação de um celular e aceitou
a sugestão de um amigo de abrir um perfil no Grindr e oferecer serviços como garoto de
programa. Começou cobrando 80 reais, mas a procura cresceu. Logo já cobrava 250 reais
e, com o sucesso, ele e seu namorado criaram um novo perfil no Grindr e no Twitter, o
“Irmãos Dotados”, que, além de oferecer programas, vendia vídeos eróticos por
WhatsApp.

A iniciativa deu certo. “Nós éramos fisicamente parecidos, e a verdade é que a questão
do incesto mexe com o fetiche de muita gente”, conta. A demanda foi tão alta que
criaram um blog para divulgar os vídeos. Hoje, Albuquerque trabalha como ator pornô,
diretor e presidente da produtora Irmãos Dotados. A empresa lança quatro novos
filmes por mês, emprega quinze pessoas e conta com 3 mil assinantes, que pagam
mensalidade de 39,90 reais para ter acesso a toda base de filmes da empresa.

Sua vida financeira estava equilibrada quando decidiu experimentar drogas sintéticas
em festas de música eletrônica. Primeiro, o ecstasy. Chegou a tomar seis comprimidos
em uma só balada. Depois de uma depressão severa, migrou para o GHB. “Cheguei a
acordar mais de três vezes em enfermarias de festas por desmaiar após exagerar na
dose dessa droga”, diz. Na última ocasião, quebrou três dentes de porcelana durante a
crise de tremedeira e ansiedade. Mais uma vez, mudou de droga.

“Em janeiro de 2022, um amigo me convidou para fumar Tina”, recorda. Ele estava em
uma festa eletrônica no Rio de Janeiro. Fumou, mas não aconteceu nada. Uma semana
depois, em outra festa eletrônica, agora em Búzios, fumou metanfetamina pela segunda
vez. “Desta vez, gostei, infelizmente. Senti um bem-estar e uma conexão sexual com as
pessoas.” A partir de então, passou a comprar a droga com traficantes online que
entregavam em seu endereço. Ficava trancado por cinco, sete dias. “Nesse tempo, em
que eu não dormia, só fazia sexo, ficava o tempo todo no aplicativo para chamar mais
gente para vir em casa, pois nunca é suficiente.” Todos os contatos com parceiros de
metanfetamina eram feitos pelo Grindr. “A metanfetamina virou o crack do público
gay: não tem uso recreativo e está em ascensão.” Ao longo de cinco dias, chegava a
receber entre 10 e 15 parceiros em casa. Certa vez, uma bolsa Gucci sumiu.

Ele se recrimina pelo que fez. “Assim como falam dos carimbadores de HIV, de pessoas
soropositivas que transam sabendo que podem transmitir o vírus, existem os adictos em
Crystal, que oferecem a droga sabendo que a pessoa irá se viciar”, diz ele. “É horrível
isso, mas o viciado quer ter mais gente por perto usando para poder transar. Não se
importa se isso vai detonar a vida da pessoa.” Por ter aversão a agulha, ele nunca usou
a versão injetável.
Depois de uma internação hospitalar em que chegou vomitando e com crise de pânico,
Albuquerque finalmente percebeu que seu corpo estava intoxicado e resolveu parar.
“Eu pensei que ia morrer ou enlouquecer no hospital. Foi ali que cheguei no meu
limite”, diz ele. Foi medicado, retomou a terapia. Está limpo há oito meses, continua
com terapia e psiquiatra, mas carrega sequelas. Passou a conviver com crises de
ansiedade e síndrome do pânico com maior intensidade. Sem conseguir dormir com
sudorese e taquicardia, ele conta que já chegou a apagar tomando cinquenta gotas de
um ansiolítico bastante popular.

A
metanfetamina foi desenvolvida no Japão em 1919 e se tornou uma arma potente
para o Exército. Na Segunda Guerra Mundial, doses elevadas eram dadas aos
pilotos kamikaze. Desde os anos 1930, a Alemanha nazista fabricava o Pervitin,
comprimido de metanfetamina que foi largamente usado na Segunda Guerra para
manter os soldados acordados e operantes. As tropas da Wehrmacht recebiam as
cápsulas como parte das refeições, o que levava alguns soldados a um furor maníaco.

Na década de 1950, a droga passou a ser prescrita para tratar depressão. Caiu no gosto
de estudantes universitários e caminhoneiros, que usavam a metanfetamina como
estimulante para se manterem acordados por mais tempo. Na década seguinte, deu-se
então um boom no consumo da droga na forma injetável, criando um problema de saúde
pública, de tal modo que, nos anos 1970, foi proibida nos Estados Unidos. Desde os
anos 1990, pequenos e grandes traficantes, incluindo os cartéis mexicanos, produzem a
droga em laboratórios caseiros.

Derivada da anfetamina, a metanfetamina é um estimulante de aspecto branco ou azul-


turquesa. É inodoro. Há diversas fórmulas da droga, inventadas em laboratórios
clandestinos, mas algumas substâncias são onipresentes, como a redução do
estimulante, o vasoconstritor efedrina e o ácido clorídrico aquoso. Há relatos de receitas
que levam desde componentes químicos de bateria de carro até querosene.

Com seu grande poder de adição, a metanfetamina age no sistema nervoso central e,
segundo os médicos, cria dependência rapidamente. Seu efeito dura de 9 a 12 horas.
Além do aumento da libido, causa euforia, sensação de poder e perda de apetite. “Já
perdi 4 kg em uma semana usando Crystal, simplesmente por não comer nada”, diz
Eduardo Albuquerque. Antes de começar as festas em sua casa, ele comprava o “kit
Tina”: iogurte e vitaminas de Whey Protein, tudo pastoso. “Eu me obrigava a comer
para não passar tão mal.”

O uso contínuo de metanfetamina afeta as células do lobo frontal, núcleo caudado e


hipocampo, causando problemas crônicos como apatia, irritabilidade, raiva, depressão,
ansiedade e insônia. Também pode desencadear transtorno de personalidade. “O uso
contínuo causa estragos irreversíveis no cérebro, entre eles a morte de neurônios,
mudanças no funcionamento de neurotransmissores e alteração no sistema de
recompensa”, diz a psiquiatra Camila Magalhães. A mudança nesse sistema cerebral faz
com que atividades saudavelmente prazerosas – como uma relação sexual – passem a
só produzir prazer sob o efeito da droga.

No Brasil, a metanfetamina é uma droga bastante cara, mas o preço está caindo. Custa
400 reais o grama em cidades como Rio e São Paulo, ao passo que 1 grama de cocaína
ou MDMA, outra droga sintética, custa em torno de 100 reais. “Há dois anos, o grama
do Crystal saía por 500 reais. No último ano, já vi gente oferecendo por 350. Está se
popularizando cada vez mais”, diz Eduardo Albuquerque.

O
maranhense E.R.P., que percorreu a maratona sexual com um australiano,
passou a consumir metanfetamina continuamente há três anos, quando terminou
um relacionamento e começou a trabalhar como garoto de programa. “Muitos
clientes pedem para usar a droga junto com eles. Acaba sendo bem difícil de recusar”,
justifica.

Agora, sua expectativa é deixar a clínica de reabilitação em junho, quando completará


seis meses de internação. Ele pode receber visita de parentes nos fins de semana, assim
como trocar cartas. “A anfetamina me faz sentir uma libido sexual exorbitante, oro
todos os dias aqui na clínica para não recair novamente. Como falamos por aqui, ‘só por
hoje’. Essa droga é devastadora.”

Na mesma noite em que a piauí esteve no Denver, um usuário do Grindr que apareceu
na timeline fez eco à preocupação de E.R.P. “PrEP não previne hepatites e outras ISTs”,
escreveu, mencionando a sigla de Infeções Sexualmente Transmissíveis, que substituiu
a antiga DST, que usava “doenças” em lugar de “infecções”. E prosseguiu: “Cuidado,
camisinha é proteção. Sabe a tal da Tina? Vai roubar o seu dinheiro, a sua vida” – e,
para não ser censurado pela rede social com o uso de uma palavra forte, meteu um
número no meio – “vai te m4tar rápido, te fazer refém.”

Esse conteúdo foi publicado originalmente na piauí_199 com o título “Tesão doido”.
João Batista Jr.
Repórter da piauí
piauí, publicou A Beleza da Vida: A Biografia de Marco Antonio de Biaggi
(Abril)

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