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Se os quatro dias – ou mais – de festa do carnaval são conhecidos

como momento da música, pegação e fantasia, para muita gente a


folia também tem a fama de ser uma data de alto consumo de
drogas. A data inclusive, como qualquer grande manifestação
popular, pode marcar o aparecimento de uma droga. Como foi o
caso do Lança Perfume, solvente químico que chegou ao Brasil na
década de 1900 e esteve presente nos carnavais em quase todo o
século XX. Até hoje, a droga é associada ao carnaval brasileiro.

Desde o Lança Perfume, outras drogas surgiram. O MDMA –


metilenodioximetanfetamina – é a droga do momento (saiba mais
sobre ele e outras substâncias no final da matéria). Apesar de sua
fama ser recente (seu uso começou a se popularizar em 2014 no
Brasil), ela já aparece na lista do Global Drug Survey como uma das
dez mais consumidas no mundo. São grandes as chances de você ter
ouvido alguém falar da água do amor no último carnaval.

E foi quando Paulo*, morador de São Paulo, conheceu a substância.


“Você não consegue dormir, fica muito disposto, e sua percepção
dos sentidos fica muito aguçada. É algo parecido com tomar uma
‘super’ Ritalina: você fica muito atento a tudo e dura por bastante
tempo. Também é fácil de carregar o MDMA, já que você pode diluir
na água e, para uma festa como o carnaval, é um uso muito mais
fácil que acender um cigarro ou cheirar algo”, conta.

Vale ressaltar que a substância é ilegal no país, como muitas outras


das que circulam nos blocos, cordões e festas de carnaval. No
entanto, como a ilegalidade não impede que elas circulem,
especialistas têm defendido a importância de que se difunda a
informação sobre os efeitos dos químicos no corpo, para que
usuários consumam de maneira consciente. “É importante falarmos
sobre para informarmos e, assim, prevenir. Quando há campanhas
de conscientização, os usos de risco de drogas diminuem, assim
como diminuem as consequências nocivas envolvidas. Quando não
há campanhas preventivas, podemos esperar um quadro mais
preocupante de abuso”, afirma o psicólogo clínico Lucas Francis
Ong, autor do livro “O uso de drogas na consumação da
Modernidade” (2016).

Na Holanda, isso é levado a sério. No final de 2016, a emissora pública


BNN lançou o canal de YouTube “Drugslab”. Cada episódio é
dedicado a uma droga lícita ou ilícita, em que os apresentadores a
consomem para falar de seus efeitos e danos. Há apenas um
semestre no ar, o canal já tem mais de 333 mil inscritos e já
experimentou mais de 15 drogas diferentes, de cafeína a mescalina.
Segundo os produtores, o objetivo dos vídeos é o de educar as
pessoas sobre usos e efeitos das drogas de maneira a não reproduzir
hipocrisias e moralismos sobre o tema.

CONHECER PARA SE CUIDAR


Além do canal do Youtube, usuários de substâncias químicas
também podem encontrar informações em outras fontes. O site
Global Drug Survey disponibiliza informações sobre as drogas lícitas
e ilícitas mais usadas no mundo atualmente, com dados das
pesquisas realizadas desde 2000, e ainda conta com ferramentas
online que indicam maneiras seguras de consumir drogas ilícitas.

A ferramenta “Safer Use Limits”, ainda em construção, permitirá que


o usuário entenda o consumo e efeitos, assim como avalie o seu
próprio uso das cinco principais drogas em circulação no mundo:
álcool, maconha, cocaína, ketamina e MDMA. Até o momento, é
possível acessar os dados sobre a maconha.

Já no início da navegação pela ferramenta, contudo, o usuário é


avisado que um guia sobre o uso seguro não torna a droga em si
segura. Também há o alerta de que o site não foi pensado para
menores de idade, porque o uso de drogas na adolescência pode
causar prejuízos duradouros na capacidade cognitiva e emocional
dos jovens.

Segundo o Global Drug Survey, um levantamento sobre tendências


e riscos de novas drogas realizado desde 2000 por pesquisadores de
20 países, incluindo o Brasil, as drogas ilícitas mais utilizadas no Brasil
em 2015 foram, por ordem de uso: maconha, LSD, cocaína, ecstasy e
benzodiazepínicos (são os ansiolíticos como Diazepam, Rivotril,
Lexotam, Lorax, entre outros. Seus usos convencionais são para
efeito sedativo, hipnótico, relaxantes musculares etc).

Em nível global, o GDS demonstrou que um em cada quatro


usuários precisaram de atendimento emergencial no uso da
metanfetamina. Além disso, a pesquisa tem constatado que novas
drogas ilícitas têm aparecido no mercado todos os anos desde o
começo do século XXI. Em 2015, por exemplo, o estudo constatou
pela primeira vez o consumo de maconha sintética no Brasil.
Naquele ano – os dados de 2016 ainda não foram compilados – essa
nova droga levou um a cada oito usuários brasileiros a procurarem
serviços de emergência em decorrência do uso da substância. A
maconha sintética é uma droga 85 vezes mais potente que a
maconha natural e um de seus efeitos é deixar o usuário com uma
força sobre-humana, segundo um estudo publicado no ano passado
no The New England Journal of Medicine.

É importante ressaltar que, além dos riscos inerentes do consumo


das substâncias em si, as drogas podem trazer um outro problema
ligado à sua qualidade. Por serem ilegais, elas não têm nenhuma
fiscalização ou teste de qualidade e muitas vezes podem vir
misturadas a outros elementos nocivos à saúde.

Sandra*, moradora de São Paulo e consumidora dos mais variados


tipos de drogas há mais de dez anos, relata que já foi enganada ao
comprar uma droga. “Eu gostaria de ter um kit que testa a qualidade
das drogas, algumas pessoas têm. É um composto que você reage
com a substância que quer consumir. Você consegue descobrir a
pureza da droga e suas substâncias e isso é muito importante pelo
fato de, pelas drogas serem ilegais, nós nunca sabemos o que
estamos consumindo, não há nenhum controle”. Sandra conta que
já tomou uma substância achando que era MDMA e, depois de
passar muito mal, percebeu que havia sido enganada e não sabia o
que tinha ingerido.

Outro aplicativo importante para usuários de drogas e pessoas em


busca de informações sobre consumo e efeitos é o “Drugs Meter”.
Nele, é possível o usuário ver quantas pessoas no mundo, segundo
levantamento do Global Drug Survey, usam a mesma droga e
quantas têm o mesmo perfil social e sexual que o seu.

Por meio de comparação de fotos, o aplicativo também permite o


usuário identificar a qualidade da droga consumida por ele, assim
como fazer uma avaliação da maneira como consome determinada
droga (ingestão, inalação, combinada com outra droga; por meio de
cigarros, por cachimbos, por vaporização, etc) e da quantidade e dias
de consumo no mês. Ao final do teste, o aplicativo faz uma escala de
perigo e efeitos sobre o consumo que o usuário informou fazer da
droga.

Vale ressaltar que a legislação brasileira em relação ao consumo e


comércio de drogas é rigorosa. O tráfico de drogas é considerado
crime hediondo no país, sendo que pessoas enquadradas em crimes
hediondos não têm direito a nenhum tipo de perdão da pena, como
anistia, graça ou indulto, e também não podem ser libertas por
fiança. Tais penas também são cumpridas inicialmente em regime
fechado.
Já quem for pego ao “adquirir, guardar, tiver em depósito,
transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar” será submetido a: advertência sobre os efeitos das
drogas; prestação de serviços à comunidade; medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo. Todas essas penas
estão previstas no Artigo 28 e podem ser aplicadas por até cinco
meses. O texto do artigo também traz: “Para determinar se a droga
destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à
quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em
que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem
como à conduta e aos antecedentes do agente”.

É LEGAL, MAS TAMBÉM É DROGA


Falando de drogas no carnaval, não podemos esquecer a mais
consumida de todas: o álcool. O Brasil é o segundo país em consumo
abusivo de álcool, ficando atrás apenas da Irlanda, segundo o Global
Drug Survey. De acordo com o estudo, cerca de 27% dos
entrevistados brasileiros afirmaram ficar extremamente embriago
pelo menos uma vez no mês.

“Apesar das drogas ilícitas serem as que em geral mais geram


preocupação e cuidado – e mesmo com um aumento
indiscriminado de antidepressivos e ansiolíticos – as drogas mais
consumidas no Brasil continuam sendo álcool e tabaco”, explica o
psicólogo clínico Lucas Francis Ong.

Para ele, é preciso fazer uma educação sobre as drogas como parte
de prevenção, principalmente uma educação sobre o consumo do
álcool no Brasil. Bebidas alcoólicas, segundo o pesquisador, deveriam
ser a principal atenção de políticas públicas voltadas às drogas. “Não
temos propaganda de maconha, cocaína, heroína, mas temos uma
intensa e poderosa campanha publicitária do álcool. Por mais que
tenhamos novas drogas com efeitos mais estimulantes que o álcool,
ele é sempre a droga mais utilizada, e pior, que sequer é vista como
droga na maior parte das vezes”, afirma.

O uso insistente de uma determinada droga em um país, para o


pesquisador, representa também os hábitos culturais daquela
população. O consumo do álcool no Brasil, assim, pode ser
considerado quase que um traço da cultura nacional, uma vez que o
uso irresponsável dessa droga muitas vezes está relacionado à
“violência doméstica, acidentes automobilísticos e abusos sexuais”.

“Temos no Brasil, assim como em muitos outros países, uma divisão


entre drogas lícitas e ilícitas que não se baseia na saúde pública ou
bem-estar da sociedade, ou o álcool seria a primeira droga a ser
proibida aqui. Isso mostra que o Brasil, como todo outro país sujeito
a este dualismo, está imerso em uma enorme hipocrisia na sua
política antidrogas”, explica. - Link para a matéria:
https://azmina.com.br/reportagens/as-drogas-que-podem-aparecer-
no-seu-carnaval-e-como-cada-uma-funciona/ -

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