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— É Percy?
— É Charlie.
Charlie.
Não Sam.
Faz doze anos desde que vi Charlie. Doze anos desde aquele
fim de semana catastrófico de Ação de Graças, quando tudo entre
Sam e eu desmoronou. Quando eu destruí tudo.
Também sei que passei mais anos sem Sam, do que passei
com ele. No Dia de Ação de Graças que marcou sete anos desde
que falei com ele, tive um ataque de pânico, meu primeiro em
muito tempo, depois bebi uma garrafa e meia de rosé. Parecia
monumental: eu estava oficialmente sem ele há mais anos do que
passamos juntos no lago. Eu chorei em soluços feios e ofegantes
nos azulejos do banheiro até desmaiar. Chantal veio no dia
seguinte com comida gordurosa e segurou meu cabelo para trás
enquanto eu vomitava, lágrimas escorrendo pelo meu rosto, e eu
contei tudo a ela.
Muito tempo? Faz doze anos. Doze anos desde que fiz a
viagem para o norte, para o lugar que mais parecia meu lar do
que qualquer outro lugar. Doze anos desde que mergulhei de
cabeça no lago. Doze anos desde que minha vida desviou
espetacularmente do seu curso. Doze anos desde que vi Sam.
Splash!
— Sim, — eu gritei.
O menino mais novo ficou olhando até que o mais velho
empurrou seu ombro.
A resposta é não.
1Cadeia Internacional de Cafeterias, fundada em 1964 por Tim Horton e Jim Charade
em Hamilton, Ontário.
ter evitado os tremores secundários que causaram a destruição
mais severa?
— Samson? Samwise?
Ele empurrou a cabeça para trás como se eu o tivesse
surpreendido.
Por mais que ela me desprezasse, não acho que Delilah teria
ido tão longe. Eu me perguntei se Sam fazia parte da brincadeira,
e como se ele pudesse ver minha mente se agitando, ele disse: —
Eles queriam que eu participasse, mas eu não quis. Parecia
malvado e retorcido.
Eu fiquei boquiaberta.
— Fazendo o quê?
— Meu pai está morto, Percy, — ele disse, vendo um Jet Ski
passar.
Eu não sabia o que dizer. O que eu deveria ter dito não era
nada. Mas em vez disso: — Eu nunca conheci ninguém com um
pai morto antes. — Eu imediatamente quis pegar as palavras e
enfiá-las de volta na minha garganta. Meus olhos se arregalaram
de pânico.
— Ok, — eu disse.
— Não.
— Sim. — Ele me deu um olhar de: Por que você está sendo
tão estranha? que eu escolhi ignorar.
— Jura?
— Sam?
— Oi, — eu digo.
— Cinquenta e dois.
— Vejo que sua conversa fiada não melhorou, — diz ele com
carinho, e sinto que ganhei uma maratona. Ele aponta para os
pratos no balcão e suspira. — Mamãe queria ter todo mundo aqui
para uma festa depois que ela falecesse. A ideia de pessoas
paradas com sanduíches sem crosta e salada de ovo no porão da
igreja depois de seu funeral a horrorizava. Ela queria que
comêssemos e bebêssemos e nos divertíssemos. Ela foi muito
específica. — Ele diz isso com amor, mas parece cansado. — Ela
até fez os pierogies e rolinhos de repolho que ela queria servir
meses atrás, quando ela ainda estava bem o suficiente, e os
colocou no freezer.
Eu posso dizer que ele não acha que eu vou fazer isso, mas
isso só me estimula. Eu tomo um bocado rápido de seu cone.
Estou feliz por ele — isso é pelo que ele sempre trabalhou.
Mas de alguma forma também dói que sua vida tenha continuado
sem mim como planejado. Fiz meu primeiro ano de universidade
em meio a uma neblina, lutando com minhas aulas de escrita
criativa, incapaz de me concentrar em muita coisa, muito menos
no desenvolvimento de personagens. Finalmente, um professor
sugeriu que eu desse uma chance ao jornalismo. As regras de
reportagem e estrutura da história faziam sentido para mim, me
deram uma saída que não parecia tão pessoal, tão conectada a
Sam. Abandonei meu sonho de ser autora, mas acabei
estabelecendo novos objetivos. Há especulações de que, quando
chegar a hora de um novo editor-chefe da Shelter, estarei no topo
da lista. Eu criei um caminho diferente para mim, um que eu
amo, mas dói que Sam tenha conseguido seguir seu caminho
original.
— Isso foi incrível. Você tem que tentar, Percy! — ela gritou.
Eu respirei fundo.
— Ok.
— Oh, sério?
— Acho que você vai sentir frio. Pode fazer frio quando o sol
se põe.
— Eu adoro. — menti.
Sam gemeu.
— Não sei... — Eu hesitei, me sentindo desconfortável. —
Não tenho certeza se temos pessoas suficientes para jogar.
— Claro que nós temos! Você pode jogar com apenas duas
pessoas e somos um, dois, três. — Sam olhou Delilah como se ela
fosse uma cobra venenosa. — Vamos lá! É meu último dia. Vamos
fazer algo divertido.
— Verdade!
Que diabos?
— Tecnicamente?
O rumor em Deer Park High era que a Sra. George era uma
bruxa. A professora de inglês do nono ano era uma mulher mais
velha, solteira, cujo cabelo ruivo e ralo parecia tão quebradiço.
Eu fiquei tentada a tentar arrancar um a mecha. Ela se vestia
com camadas fluidas de preto e ocre que escondiam seu corpo
minúsculo, com botas de salto alto de bico fino que amarravam
em torno de suas panturrilhas magras. E ela tinha uma pulseira
de resina com um besouro morto dentro que ela nos garantiu que
era real. Ela era rigorosa e dura e um pouco assustadora. Eu a
amava.
No primeiro dia de aula, ela distribuiu cadernos em tons
pastéis que serviriam como nossos diários. Ela nos disse que os
diários eram sagrados, que ela não julgaria seu conteúdo. Nossa
primeira tarefa foi escrever sobre nossa experiência mais
memorável do verão. Delilah olhou para mim e murmurou as
palavras Charlie sem camisa. Segurando uma risadinha, abri o
livro amarelo-claro e comecei a descrever a pedra do salto.
Assim que terminei, enviei a ele uma cópia com uma capa
assinada e uma dedicatória a ele “por sempre saber a quantidade
certa de sangue.” — Eu o chamei de “Sangue Jovem.”
Por que disse isso? Como é que eu vi Sam por uma hora e o
cadeado saiu voando da minha boca grande?
Sam passa a mão pelo rosto e depois pelo cabelo. — Por que
você não entra para tomar uma bebida? Doze anos é muito tempo
para recuperar o atraso. — Não me escapa que ele já fez as
contas.
— Você estava certa mais cedo, — diz ele, sua voz áspera.
— É muito ter você aqui. Parece que levei um soco no coração. —
Minha respiração trava. Ele leva o copo aos lábios e joga a cabeça
para trás, engolindo o conteúdo.
2 Saúde em Polonês
com calma, — diz ele, inclinando o copo. Eu baguncei minha
franja com os dedos, em parte por causa dos nervos e em parte
na esperança de torná-la um pouco apresentável.
— Você jurou uma vez que nunca mais teria franja, — diz
Sam, olhando para mim de lado. Eu me viro no meu lugar para
encará-lo.
— Ah, — ele diz, e quando eu olho para ele, ele parece mais
relaxado. — Não é fã de terror?
— Claro, — eu engulo.
Isso me abala.
— Não?
— Não. — Eu limpo minha garganta. — Mesma razão.
— Sam?
— Tentei ligar para você várias vezes, — diz ela, seus olhos
castanhos oscilando entre nós. Conheci alguns primos de Sam
quando éramos crianças e estou tentando colocar essa mulher
entre eles.
Eu preciso de ar.
Nós.
Nós.
Nós.
Encontrei Sam.
Depois do banho, seco meu cabelo com uma toalha até que
esteja úmido e passo um pente nele. Eu arrisco uma olhada no
meu telefone.
Em vez disso, eu escrevo de volta: Ei! Não posso falar agora. Não
há necessidade de vir aqui. Estou bem. Encontrei Sam ontem.
— Eu não entendo por que você gosta tanto disso, tem gosto
de açúcar, — disse Sam, antes de perceber o choque no meu
rosto.
— O que é que foi isso? — Eu perguntei. Minha voz saiu
uma oitava acima do normal.
— Eu sei que você vai se sair muito bem, mas tenho que
admitir que estou um pouco preocupado se algo der errado. —
Eu não tinha ouvido Sam soar em pânico antes. Mas hoje ele
estava em pânico. Desci para o barco.
Até hoje, acho que nunca comi tanto bacon quanto naquela
manhã. Meus pais voltaram para o chalé, mas Sue fez comida
suficiente para alimentar dez pessoas. Ela cozinhava bacon
canadense e normal, e os meninos observavam com olhares
fascinados enquanto eu comia pedaço após pedaço, junto com
ovos mexidos, torradas e tomate frito.
No final da refeição, Sue olhou cada um de nós nos olhos e
disse: — Estou tão impressionada com cada um de vocês neste
verão. Você está realmente crescendo. Charlie, você tem ajudado
tanto na cozinha e, Sam, estou grata por você estar trabalhando
comigo agora também. Não sei o que faria sem meus meninos. —
Ela disse isso com total convicção, sua voz firme apesar do
sentimento.
Sam
Sam,
Percy
Percy,
Sam
Sam,
Percy
Eu podia ver por que ele adorava hóquei: ele era de longe o
melhor jogador do time. Cada vez que ele marcava, ele olhava
para mim nas arquibancadas com um grande sorriso no rosto.
Após o segundo jogo, Delilah e eu esperamos pelos caras do lado
de fora do vestiário para que todos pudéssemos comer uma pizza.
Mason saiu, o cabelo úmido e cheirando a xampu, com uma
enorme bolsa de ginástica pendurada no ombro. Ele usava jeans
e uma camisa com gola redonda apertada de manga comprida
que se estendia sobre o peito e os braços. Ele era ainda mais
musculoso que Charlie, e eu tinha que admitir que ele parecia
bem gostoso. Quando Patel e Delilah andaram na frente, Mason
me puxou para uma porta, me disse que me achava bonita e me
deu um beijo suave nos lábios. Eu disse: “Obrigada” e sorri para
ele um pouco atordoada, sem saber o que viria a seguir ou o que
ele esperava de mim.
— Você pode pensar sobre isso, mas eu quero que você saiba
que eu realmente gosto de você. — Ele colocou as mãos nos meus
quadris e me puxou para ele, então trouxe seus lábios para os
meus. Eles eram macios enquanto ele os movia suavemente sobre
minha boca. Ele se afastou o suficiente para olhar nos meus
olhos e disse: — Você é tão inteligente e engraçada e tão bonita e
você nem sabe disso. — Ele me beijou de novo, mais forte desta
vez, e eu fechei os olhos. Imagens de Sam passaram pela minha
mente, e quando Mason passou a língua sobre a abertura meus
lábios, meus joelhos pareciam que iriam dobrar, e eu agarrei seus
bíceps. Ele colocou uma série de beijos leves no canto da minha
boca, depois no meu nariz, e depois de volta na minha boca, e
passou a língua pelos meus lábios novamente. Desta vez eu me
abri para ele, e imaginei que era a língua de Sam girando com a
minha. Mason gemeu e moveu as mãos para o meu traseiro,
pressionando-se contra o meu quadril. Eu me afastei.
Olá Sam,
Percy
Percy,
Sam
Sam,
Percy
Percy,
Sam
9
PRESENTE
— Julien ainda está lá. Ele foi de uma grande ajuda para
mim e mamãe. Ele a levou para a quimioterapia quando eu tinha
turnos no hospital, e quando ela estava lá nos últimos meses, ele
ficou com ela quase tanto quanto eu. Ele está muito afetado
também.
— Percy? — Não ouço Sam até que ele coloca a mão no meu
ombro. Ele está me olhando de um jeito engraçado, e percebo que
algumas lágrimas conseguiram escapar de suas celas. Eu as
limpo e tento sorrir.
— Um presente?
— Quinze?
— Qual perna?
4 São pequenas bolas de massa que saem do centro dos donuts que são muito
típicos do Canadá, e são comercializados na rede de restaurantes Tim Hortons.
Mamãe: — Ele é um menino adorável. Não consigo imaginar
como foi para Sue criar esses dois meninos sozinha, mas ela fez
um trabalho impressionante.
Eu disse aos meus pais que Sam era meu melhor amigo,
que ele me entendia como ninguém, e que sempre estaria na
minha vida, então era melhor eles se acostumarem com isso.
Disse que ter um emprego me ensinaria a ser mais responsável.
Deixei de fora a parte da paixão não correspondida.
— Tipo, com sua língua. Você tem que parar de fazer isso.
— Manson.
— Bom, Percy. Ele deveria ser, — ele disse com uma pitada
de exasperação.
— Obviamente.
— Charlie? — Eu perguntei.
— Sim... no inverno é.
— Você quer a luz acesa para ler? — Ele olhou para o livro
que eu ainda estava segurando.
— Não, não foi seu primeiro beijo, ou não, você não vai me
contar?
Eu balancei a cabeça.
— Estou assentindo.
Com Sam.
— Sim?
— Ok, — eu sussurrei.
Ele balança a cabeça. — Não achei que seria uma boa ideia.
— Ele olha por cima do ombro para a porta de correr que leva ao
convés. — Eu sei que ele parece que tem tudo resolvido, mas não
deixe esse grande cérebro dele te enganar — ele é um idiota na
maior parte do tempo.
— Claro. É claro.
— Sim, ela era então, — diz ele. — Mas ela não é agora. Nós
nos separamos. Eu terminei as coisas. Depois que deixamos você.
Isso é por minha causa? Não pode ser por minha causa.
Meu instinto é dizer a ele que vai ficar tudo bem, para
acalmá-lo, mas eu deixo a dor tomar conta dele. Esperando com
ele. Uma vez que seu corpo está parado e sua respiração está
estável, eu puxo minha cabeça para trás e enxugo algumas de
suas lágrimas persistentes.
Ele pisca uma vez, olha para onde minha mão está
pressionada contra sua boca e depois volta para os meus olhos.
Ele me encara por vários longos segundos, e então seus olhos
escurecem, pupilas negras engolindo o azul, não consigo me
mexer. Ou não vou mexer, não tenho certeza qual é. Ambas as
minhas mãos, uma segurando a de Sam e a outra sobre seus
lábios, parecem que foram mergulhadas em gasolina e
incendiadas. Seu peito sobe e desce em respirações rápidas. Não
tenho certeza se estou respirando.
Sam agarra meu pulso, e acho que ele vai tirar minha mão
de sua boca, mas não o faz. Ele fecha os olhos. E então ele planta
um beijo no centro da minha palma. Uma vez. E então
novamente.
Não percebo que estou mordendo o lábio até que ele usa o
polegar para soltá-lo dos meus dentes. Ele coloca a mão na minha
bochecha e eu me viro, beijando sua palma. Sua outra mão se
move mais para cima na parte de trás do meu short, deslizando
sob a borda da minha calcinha. Eu gemo em sua mão.
— Eu sei, — eu digo.
— Feliz?
— Mais sexo?
— Ok, — eu sussurrei.
Sam não disse nada quando veio depois de sua corrida. Nós
mal dissemos mais do que uma palavra um para o outro naquela
manhã. Foi só quando eu parei de nadar e subi na balsa para
talvez tirar uma soneca que ele falou.
— Sério?
— Mmm.
Ele olhou para baixo para onde ele agarrou minha perna e
de volta para mim. Seus olhos eram um ponto de interrogação.
— Acho que vou ter que arranjar outro futuro médico para
me educar, — provoquei, e ele piscou rapidamente. E então eu
soube. Eu sabia que esse era seu ponto fraco. Ele odiava a ideia
de alguém me tocar. Quando ele moveu sua mão de volta para
minha panturrilha, eu quis gritar de triunfo.
Viro-me para Sam e Taylor por último. Ele ficou calado tão
rápido esta manhã depois do que aconteceu, porque é claro que
assim deveria ser. Quem quer abrir a conversa sobre você me
deixou com o coração partido na manhã do funeral de sua mãe?
Estou com medo de encontrar seus olhos agora, com medo do
que vou encontrar lá. Arrependimento? Raiva? Dor?
— Mamãe viveu sem meu pai por vinte anos, — diz ele. —
Eles eram amigos desde o jardim de infância, começaram a
namorar na nona série e se casaram depois do ensino médio. Meu
avô lhes dirá que não havia como convencer nenhum dos dois a
esperar um pouco mais. Eles sabiam. Algumas pessoas têm sorte
assim. Eles conhecem seu melhor amigo, o amor de sua vida, e
são sábios o suficiente para nunca os deixar ir. Infelizmente, a
história de amor dos meus pais foi curta demais. Pouco antes de
morrer, mamãe me disse que estava pronta. Ela disse que estava
cansada de brigar e cansada de sentir saudades do papai. Ela
pensou na morte como um novo começo, disse que iria passar o
resto de sua próxima vida com papai, e eu gostaria de pensar que
é exatamente isso que eles estão fazendo agora. Melhores amigos
juntos novamente.
Ele olhou para mim para verificar se ela estava falando sério
ou não.
— Vocês dois são tão sutis quanto elefantes, — ela nos disse
uma vez.
Esperei dez minutos para ter certeza de que Sue não iria nos
checar e então engatinhei em seu colo, meus joelhos em cada
lado de suas coxas. Eu estava alterada do trabalho e minhas
entranhas fervilhavam com seu eu amo você e também com
prosecco. Eu puxei sua camiseta sobre sua cabeça e então beijei
seu peito, seu pescoço e depois até sua boca, onde nossas línguas
se encontraram. Ele começou a desabotoar minha blusa de
flanela rosa, seus dedos tremendo de excitação, e então parou
quando viu que não havia nada por baixo. Ele olhou para mim,
suas pupilas engolindo o azul convertendo-o em um oceano da
meia-noite. Com exceção do que aconteceu em seu quarto em
agosto, não tínhamos ido além de nos beijar sem camisa e sutiã.
Abri os botões restantes.
— Eu estou tão apaixonada por você também, — eu
sussurrei e tirei a camisa. Seus olhos caíram para o meu peito e
ele ficou mais duro debaixo de mim.
— Pra você e pra mim? Não vai ser nada, — ele disse
suavemente, e antes que eu pudesse perguntar, ele enganchou o
dedo indicador em volta da minha pulseira e deu um puxão
gentil. — Eu juro, — disse ele. — Além disso, temos tempo. Temos
todo o verão.
— Você não. — Ele olhou para Sam pelo canto do olho, mas
nenhum dos dois disse mais nada.
Descobri que Charlie era muito menos idiota sem Sam por
perto para atormentar. Para a confusão dos meus pais, decidi
pegar turnos extras na Tavern. Mesmo quando Charlie não
estava trabalhando, ele me dava uma carona. Na maioria dos
dias, ele nadava quando eu estava no lago para ver como eu
estava.
Eu não estava indo bem. Mais de uma semana se passou
sem que eu ouvisse de Sam, mesmo que ele finalmente tivesse
um telefone celular antes de partir para Kingston. Eu sabia que
ele não seria muito bom em enviar em mensagens de texto, mas
eu não conseguia entender por que ele não tinha respondido a
nenhuma das minhas mensagens de COMO VOCÊ ESTÁ, EU
SINTO SUA FALTA e PODE FALAR??? E quando liguei para o
telefone fixo do dormitório, ele não atendeu.
— Desabafar o quê?
— Não sei, Pers. Você me diz. Eu sei que você está chateada
porque Sam se foi, mas você está deprimida como a Srta.
Havisham8.
— Foda-se.
Esperanças (1861). Ela é uma solteirona rica, uma vez rejeitada no altar, que insiste em
usar seu vestido de noiva para o resto de sua vida.
Suspirei. — Ainda não tive notícias dele. Não recebi um e-
mail, nem um telefonema.
— Olá? — Eu respondo.
Eu gaguejo.
— Acho que nós dois sabemos que não foi por isso que você
desapareceu, — diz ele, e faço uma pausa. Seco o último garfo e
estou prestes a perguntar a Julien o que ele quer dizer, quando
ele fala. — Todos nós pensamos que você deveria vir. — Ele se
vira para mim, seus olhos perfurando os meus. — Só não
desapareça de novo.
E talvez isso seja tudo que esta manhã foi para Sam,
conforto em sua hora mais sombria. Eu poderia ficar bem com
isso, digo a mim mesma, se isso é tudo, se é tudo o que ele precisa
de mim.
— Isso é estranho, — diz Charlie do banco de trás do carro.
— Vocês dois na frente e eu atrás. Costumava ser eu conduzindo
por aí.
— Merda!
— O que você quis dizer quando disse que mudou desde que
éramos jovens? — Pergunto, em parte porque quero saber, mas
também porque estou ganhando tempo. Ele respira fundo e passa
as mãos pelos lados do meu rosto para agarrar meu pescoço, seus
polegares traçando a curva do meu maxilar.
— E eu te afastei.
— Sim.
Isso não soa como toda a verdade, e Sam deve ver minha
suspeita.
— Então deixe-me ter você, — diz ele. E não sei se ele quer
dizer agora ou para sempre, mas assim que o sim sai da minha
boca, ele está me beijando.
E ele não está com pressa, não no início, não até que suas
costas estejam escorregadias e seus músculos estejam tensos e
ele esteja tremendo de tanto se conter. Ele se segura até eu ficar
impaciente e necessitada e mordo seu pescoço e sussurro: — Eu
esperei muito tempo por isso também.
— Era Jo.
— Oh.
— Quando você vai superar isso? Ele disse isso com uma
dureza que eu nunca tinha ouvido falar antes.
— Olha quem fala. Tenho quase certeza de que sua foto está
embaixo da palavra ‘flertar’ no dicionário.
— Verdade ou desafio.
— Acho que a única vez que você decide usar uma camisa é
a única vez que você realmente não deveria, — eu brinquei
quando ele se levantou e puxou-a sobre sua cabeça. Eu
geralmente tentava manter meu foco diretamente no rosto de
Charlie quando ele estava sem camisa. Era demais — a extensão
de pele e músculo — mas aqui estava tudo, profundamente
bronzeado e coberto de suor. Ele me pegou olhando antes que eu
pudesse afastar meus olhos, e flexionou seu bíceps.
— Exibicionista, — eu murmurei.
Percy,
Sam
Eu li todo o e-mail três vezes, minhas bochechas molhadas
de lágrimas, um maço de biscoitos alojado na minha garganta.
Sam queria espaço. De nós. De mim. Porque falar comigo o fazia
se sentir solitário. Eu era uma distração. Eu estava impedindo-o
de seu futuro.
Seu telefone tocou três, quatro, cinco vezes até que ele
atendeu. Exceto que não foi Sam quem gritou olá sobre a música
e risadas ao fundo. Era uma garota.
— Quem é? — Eu perguntei.
— É a Jô. Quem é? — Era por isso que Sam não queria que
eu ligasse? Ele queria receber outras garotas?
O irmão errado.
— Juro.
17
PRESENTE
— O quê?
— Olhe para mim, — diz ele, e inclina meu rosto para o dele.
Ele começa a respirar devagar, contando as respirações, como fez
antes, com a testa enrugada. Levo um minuto para me
concentrar, mas eventualmente consigo respirar um pouco mais
fácil, depois um pouco mais devagar, e meu coração segue logo
depois.
— Sinto muito, Percy, mas Sam fez isso. Mas ele estava
muito, muito bêbado, como eu disse.
Sua voz está rouca, como se ele ainda não tivesse falado esta
manhã. — Eu estava em mal estado depois que terminamos. Eu
não entendi o que deu errado e por que você se afastou assim.
Mesmo que você não estivesse pronta para o casamento ou
mesmo para falar sobre se casar, terminar não fazia sentido para
mim. Eu senti que talvez eu tivesse experimentado todo o nosso
relacionamento de forma completamente diferente de como você
tinha. Senti como se estivesse ficando louco.
— Senti que meu futuro explodiu quando você disse que não
poderia se casar comigo, — ele continua. — Mas eu pensei que
um dia você mudaria de ideia. Eu pensei que nós dois
precisávamos de um pouco de tempo. Mas então... Eu não aceitei
bem, ouvindo sobre você e Charlie. Ele esfrega o rosto. — Eu
estava com raiva. Contigo. Com Charlie. E comigo mesmo. O que
eu sentia por você sempre foi tão claro para mim, mesmo quando
éramos jovens, eu sabia que você e eu fomos feitos um para o
outro. Duas metades de um todo. Eu te amei tanto que a palavra
“amor” não parecia grande o suficiente para o que eu sentia. Mas
agora percebo que você não sabia disso. Você não teria recorrido
a Charlie se soubesse disso. E por isso eu sinto muito. — Ele
chega em minha direção, puxando meu lábio inferior debaixo dos
meus dentes com o polegar. Eu não tinha percebido que estava
mordendo.
Começo a responder, a dizer que ele não precisa se
desculpar, que sou eu quem deveria estar se explicando, mas ele
me impede.
— Delilah te contou?
Eu concordo.
— Eu pensei que ela iria. Ela era uma boa amiga para você.
— Eu estremeço, lembrando o quão terrivelmente eu a tratei. Eu
estava com raiva e então, quando superei minha raiva, fiquei com
vergonha demais para me desculpar.
Eu te amo.
Ele olha para mim por um longo tempo, sem falar, nossos
olhos fixos.
— Eu tenho algo para você, — diz ele. Ele se mexe e pega
algo em seu bolso. Olho para baixo quando o sinto mexendo em
algo na minha mão.
Devo sair do motel mais tarde esta manhã, e não tenho ideia
do que vai acontecer depois disso. Mas agora? Eu sei exatamente
o que vamos fazer.
Acho que você poderá dizer depois de ler Every Summer After
o quão nostálgico eu estava sentindo quando escrevi. Não é por
acaso que eu morava à beira do lago no canto do mundo onde
cresci quando comecei o manuscrito. Eu queria prestar
homenagem à água cintilante e ao bosque denso, aos céus que
se estendem infinitamente e às tempestades que os iluminam no
escuro. Eu queria pulseiras de amizade e casquinhas de sorvete
gotejantes. Eu queria escapar de 2020 e me refugiar nos
melhores verões da minha infância.