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↬Tradução: Line

↬Revisão: Wings

↬Conferência: Cris

↬Formatação: Penny
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No que diz respeito aos rapazes que dirigem a academia internacional mais

exclusiva da América, sou uma intrusa indesejável, um inconveniente, e

eles estão determinados a tornar a minha vida um inferno.

Quando

Wren Jacobi
Põe os olhos na mais nova homenageada da Wolf Hall Academy, tudo o que

ele vê é um alvo fácil. Uma garotinha reservada com um alvo pintado nas

costas. Ele não sabe nada sobre meu passado conturbado, no entanto. Nada

sobre a morte suspeita de minha mãe ou o tratamento horrível que tive de

suportar nas mãos de meu pai psicótico.

E ele não tem ideia de até onde eu, a modesta

Elodie Stillwater
Irei para quebrar a fera selvagem que sonha em me quebrar primeiro.

Há um lobo rondando as florestas que cercam minha nova escola.

Mal sabe ele…

Existem predadores muito mais assustadores à


espreita no escuro.
Para Gemma e Kylie, por me ajudarem a me manter sã.

Na maior parte do tempo.


Prólogo
Não posso me mover.

Nem um centímetro sequer.

O cheiro fétido de podridão vazando pelos pequenos orifícios na frente do meu rosto me
faz engasgar. Já vomitei quatro vezes - não sei à quanto tempo - e essa não é a pior parte deste
pesadelo.

A pior parte é o terror de não saber quando ele vai voltar.

A noite vira dia, vira noite, vira dia.

Meus joelhos, quadris e ombros gritam, contraídos e há muito amortecidos por falta de
fluxo sanguíneo.

Acho, talvez, que posso morrer.

Morrer seria preferível a isso.

Mas eu não vou. Eu continuo respirando, minha mente girando para longe de mim até
que meus pensamentos se tornem um ruído irreconhecível.

E tudo que posso fazer é me ajoelhar aqui.

Tudo o que posso fazer é esperar.


1

Elodie
OBRIGADO PORRA, ESTÁ ESCURO.

Nada poderia ser pior do que chegar a uma nova escola em plena luz do
dia.

O meu Lincoln Town dá um solavanco ao dar um mergulho na estrada e


uma onda de pânico me ilumina - uma resposta imediata e infeliz aos últimos
dois anos que passei vivendo em uma zona de guerra. E não, não estou falando
sobre o fato de que minha casa anterior em Israel às vezes parecia uma zona de
guerra. Refiro-me ao fato de que vivia sob o mesmo teto que meu pai, o Coronel
Stillwater, cuja ideia de um fim de semana relaxante era me surpreender durante
nossas sessões de treinamento de Krav Maga.

Ainda estremeço toda vez que ouço alguém limpar a garganta


educadamente. Quando o querido papai pigarreia, geralmente significa que
estou prestes a suportar a humilhação em suas mãos. Ou alguma forma de
constrangimento. Ou ambos.

─ Parece que eles deixaram as luzes acesas para você, Srta. Elodie, ─ o
motorista disse através da janela de privacidade aberta. Esta é a primeira coisa
que ele murmurou para mim desde que me pegou no aeroporto, me jogou na
parte de trás desta monstruosidade negra e reluzente, ligou o motor e rumou
para o norte, para a cidade de Mountain Lakes, New Hampshire.

Mais à frente, um edifício surge como uma sentinela orgulhosa e sinistra


vinda da escuridão, toda pontiaguda e com torres altas. Parece algo saído das
páginas de uma Penny Dreadful vitoriana. Evito olhar pela janela para a
estrutura imponente por muito tempo; Eu olhei para o panfleto acadêmico que
o Coronel Stillwater empurrou para mim quando ele sem cerimônia me
informou que eu estaria me mudando para os Estados Unidos sem ele por
tempo suficiente para que a fachada imponente da academia já estivesse gravada
em minha memória em detalhes intrincados.

Quadras de tênis.

Piscina.

Estúdio de esgrima.

Sala de debate.

Uma biblioteca, homenageada pelo próprio George Washington em 1793.

Tudo parecia ótimo impresso. Apenas o cúmulo do luxo para um


Stillwater, foi o que meu pai disse rispidamente, enquanto jogava minha única
mala pequena na parte de trás do táxi, o que me tiraria de minha vida em Tel
Aviv. Eu vi diretamente através das instalações de última geração do edifício e,
no entanto, ele é rico e antigo. Este lugar não é uma escola normal para crianças
normais. É uma cela de prisão vestida como um lugar de aprendizagem, onde
os oficiais do exército que não se incomodam em lidar com seus próprios filhos
os dispensam sem pensar duas vezes, sabendo que serão vigiados com um
enfoque militar.

Wolf Hall.

Jesus.

Até o nome parece pertencer a uma porra de uma prisão.

Mentalmente, estou recuando, me afastando cada vez mais do lugar a cada


segundo que passa. No momento em que o carro para na frente dos degraus de
mármore que levam à assustadora entrada da escola, estou de volta à estrada
atrás de mim, a cinco quilômetros de distância, fugindo de minha nova
realidade. Pelo menos é onde eu estaria, se tivesse absolutamente qualquer
escolha nisso.

Eu não era exatamente popular em Tel Aviv, mas tinha amigos. Eden,
Ayala e Levi nem vão perceber que fui transferida de minha antiga escola por
mais 24 horas; já é tarde demais para elas virem me resgatar do meu destino. Eu
sabia que era uma causa perdida antes que as rodas do avião do exército
batessem em Tel Aviv.

O motor do carro desliga abruptamente, mergulhando o ambiente em um


silêncio estranho e hostil que faz meus ouvidos zumbirem. Eventualmente, eu
percebo que o motorista está esperando que eu saia. ─ Vou pegar minhas malas
então, suponho?

Eu não quero estar aqui.

Eu com certeza, não deveria ter que arrastar minhas próprias malas para
fora do porta-malas de um carro.

Eu nunca delataria o motorista, isso é apenas fraco, mas meu pai teria um
aneurisma se descobrisse que o cara que ele contratou como minha escolta não
tinha feito seu trabalho direito quando chegamos ao nosso temido destino.
Como se o cara percebesse isso também, ele relutantemente puxou sua bunda
para fora do carro e se dirigiu para a traseira do veículo, jogando meus pertences
na pequena calçada em frente ao Wolf Hall.

Ele então tem a audácia de esperar por uma gorjeta, o que simplesmente
não vai acontecer. Quem ajuda e é cúmplice na destruição da vida de alguém e
depois espera um agradecimento e uma nota de cem dólares por seus
problemas? Eu sou três partes de gasolina, uma parte de fósforo enquanto pego
minhas coisas e começo a caminhada subindo os degraus em direção às
formidáveis portas duplas de carvalho de Wolf Hall. O mármore está gasto,
curvando-se no meio e liso devido aos milhares de pés que subiram e desceram
esses degraus ao longo dos anos, mas estou muito azeda agora para desfrutar
da sensação deliciosamente satisfatória deles sob os pés.

O motorista já voltou para o carro e está saindo do círculo de viragem em


frente à academia quando chego ao último degrau. Uma parte de mim quer
largar minhas malas e correr atrás dele. Ele não é um dos funcionários regulares
do Coronel Stillwater, ele é um cara da agência, então ele não deve nada ao meu
pai. Se eu lhe oferecesse alguns mil dólares, ele poderia ser persuadido a me
deixar em outro estado em algum lugar, longe dos olhos curiosos de meu pai.
Meu orgulho não me deixa implorar, no entanto. Afinal, sou uma Stillwater.
Nosso orgulho é nosso traço mais notório.

Meu único meio de escapar queima na entrada da garagem, deixando-me


diante de duas pesadas aldravas de latão, uma montada em cada uma das portas
duplas na minha frente. A aldrava à esquerda: uma gárgula grotesca, segurando
um anel com pátina na boca voltada para baixo. A aldrava à direita é quase
idêntica, exceto pelo fato de que sua boca está virada em um sorriso malicioso
e berrante que envia um arrepio profundo em meus ossos.

─ Assustador demais? ─ Murmuro, agarrando a aldrava à esquerda. A


triste gárgula está longe de ser agradável de se olhar, mas pelo menos não parece
que está prestes a saltar de sua montagem e devorar a porra da minha alma. Um
estrondo retumbante troveja do outro lado da porta quando bato a aldrava
contra a madeira, e percebo com uma sensação de ironia que o ruído é
semelhante ao de um martelo sendo golpeado, selando o destino de um
criminoso.

─ Não me incomodaria em bater. Está aberto.


Puta merda.

Eu quase salto para fora da minha pele, porra.

Girando, minhas pernas quase saem de mim enquanto eu examino a


escuridão, em busca do dono da voz que apenas assustou o amor eterno fora
de mim. Leva um segundo, mas eu localizo a figura sombria, empoleirada na
borda de um vaso de pedra branca à direita, graças ao estouro e o clarão de uma
brasa brilhante - parece um cigarro.

─ Jesus, eu não sabia que havia alguém aqui. ─ Eu acaricio meu peito com
a mão, como se a ação fosse desacelerar meu coração.

─ Imaginei, ─ a voz profunda ressoa. E é uma voz profunda. A voz de um


homem que fumou mais do que alguns maços de cigarros em sua época. É o
tipo de voz que pertence a um ladrão de carros ou a um jogador de beco sem
saída. O cigarro acende novamente quando ele traga, iluminando
momentaneamente a estrutura de suas feições, e pego muito na breve onda de
luz.

Sua camiseta preta é pelo menos cinco tamanhos maior para ele. Ele é
muito mais jovem do que eu pensava. Em vez de um professor aborrecido com
um blazer roído pela traça com remendos nos cotovelos, esse cara é jovem.
Minha idade, pelo que parece. Ele deve ser um estudante aqui no Wolf Hall.
Seu cabelo escuro cai sobre os olhos. Suas sobrancelhas estão cheias e unidas
em uma carranca íngreme. Do meu ponto de vista no topo da escada, só posso
vê-lo de perfil, mas seu nariz é reto, sua mandíbula é forte e ele se mantém de
uma forma majestosa e preguiçosa que me permite saber exatamente quem ele
é antes eu sequer saber o nome dele.

Ele é uma daquelas crianças.


Os arrogantes, mais legais do que os garotos legais, com uma colher de
prata no meio do caminho.

É parte integrante de ser um pirralho do exército. Você é confundido com


os privilegiados e os podres mimados diariamente. E você consegue reconhecer
as maçãs podres a uma porra de um quilômetro de distância.

─ Acho que preciso encontrar alguém na recepção? ─ Eu pergunto.


Melhor ser breve e amável. O mais profissional possível.

O cara balança a cabeça, pegando um pedaço de tabaco da ponta da língua


e jogando-o no cascalho a seus pés. ─ Fui nomeado diretor do Comitê de Boas-
Vindas da Nova Garota. Por que mais eu estaria sentado aqui na porra da
escuridão?

Senhoras e senhores, temos uma atitude de merda. Yay. Cruzando os


braços sobre o peito, desço os degraus lentamente, deixando minhas malas na
porta. Chegando na frente dele, noto que o estranho é pelo menos uns trinta
centímetros mais alto do que eu. Mesmo curvado, sua bunda empoleirada na
borda da plantadeira, as pernas esticadas na frente dele, ele ainda é
consideravelmente mais alto do que eu e eu estou de pé em toda a minha altura.
─ Porque você fuma como uma chaminé e não quer ser pego?

Ele traga o cigarro, sorrindo friamente. Tudo nele é frio, desde o brilho
gelado em seus olhos verdes brilhantes, até a maneira como ele joga a cabeça
para trás, avaliando-me como um leão da montanha avalia um veado recém-
nascido. Claramente, ele se ressente de ter que esperar e bancar o anfitrião
amigável de Wolf Hall, mas ei... Eu não pedi a ele para ser meu guia turístico.
Eu não pedi nada a ele.

─ Aponte-me na direção do meu quarto e eu vou liberá-lo de suas funções,


então ─, digo a ele em um tom cortante.
Ele ri disso. Não é um som amigável. Eu imagino que esse menino riu de
muitas pessoas, e cada uma delas provavelmente se sentiu como se estivesse
sendo atingida por uma baioneta. ─ Liberar-me das minhas funções? ─ Ele
repete minhas palavras para mim. ─ À vontade, soldado. Por que tenho a
sensação de que nossos pais seriam os melhores amigos do caralho?

Essas escolas nem sempre estão cheias de crianças do exército. Banqueiros


de investimentos, advogados, diplomatas e políticos também mandam seus
filhos para lugares como Wolf Hall. De vez em quando, um médico apressado
ou um trabalhador humanitário, que pensa que cuidar dos filhos de outras
pessoas é mais importante do que cuidar dos seus próprios. Os alunos desses
lugares vêm de diversas origens, mas na maioria das vezes seus pais são
militares.

─ Olha, acabei de sair de um voo de longa distância, e não do tipo que


tinha serviço de refeição ou banheiro limpo. Preciso de um banho e de uma
cama. Você pode apenas me dizer aonde eu preciso ir, e podemos continuar
com essa merda depois?

O cara deu uma última tragada no cigarro, bufando no nariz. Quando ele
joga a ponta brilhante nas roseiras a três metros de distância, noto que ele está
usando esmalte preto lascado. Esquisito. Sua camisa é preta e ele
definitivamente parece irritado como o inferno, mas não estou captando uma
vibe emo dele. Suas botas são de couro italiano de alta qualidade, e o cinto em
volta de sua cintura parece que custou mais do que toda a minha roupa.

─ Através das portas. Escadas à esquerda. Quarto andar. Você está no


quarto 416. Boa sorte com o aquecimento, ─ diz ele, levantando-se. Sem nem
mesmo olhar para mim, ele sai, mas não de volta para dentro do prédio. Ele
atinge a garagem, colocando as mãos nos bolsos enquanto se afasta da escola.
─ Ei! Onde diabos você está indo? ─ Odeio ter de chamá-lo, mas preciso
saber. Estou com tanto ciúme por ele estar indo embora que preciso prender a
língua entre os dentes para não perguntar se posso ir com ele.

─ Hah! Como se eu morasse aqui, ─ ele joga por cima do ombro. ─ Ah,
e não se preocupe, garota nova. Não precisamos continuar com essa merda
mais tarde. Mantenha a cabeça baixa, fique fora do caminho e você terá uma
chance decente de sobreviver a este buraco do inferno.

Pode ser apenas que eu esteja cansada, e pode ser que já odeie Wolf Hall,
mas isso soou claramente como uma ameaça.
2

Elodie
DENTRO da Wolf Hall parece que alguém tentou recriar Hogwarts, mas
entendeu muito, muito errado. Há alcovas escuras em todos os lugares para
onde me viro, e nenhum dos ângulos do lugar é perfeito. Eu me sinto como se
estivesse passando por algum tipo de pesadelo de Escher enquanto faço meu
caminho através da entrada austera com painéis de madeira e sigo para a ampla
escadaria do lado direito. Procuro um elevador com esperança, mas já sei que
tal coisa seria um luxo impossível em um prédio antigo como este.

O lugar está silencioso como um túmulo.

Já estive em muitas casas antigas antes. Elas rangem, gemem e se


acomodam. Mas não Wolf Hall. É como se o próprio edifício estivesse
prendendo a respiração, olhando para mim e me julgando enquanto me
observava arrastando minha mala com relutância até o primeiro lance de escada.
O lugar não parecia tão alto de fora, mas as escadas nunca parecem ter fim.
Estou ofegante quando chego ao segundo lance de escadas e, no terceiro, estou
suando abertamente e lutando para respirar. Através de uma porta antiga com
painéis de vidro fosco, encontro-me olhando para um corredor estreito
diretamente para fora do O Iluminado1. Uma luz fraca tremula
ameaçadoramente enquanto eu arrasto minha bolsa sobre o corredor
empoeirado e puído que cobre as tábuas nuas do piso, e eu mentalmente
marquei todas as maneiras pelas quais uma pessoa pode morrer em um lugar
assombrado como este.

1
Referência ao Filme
Percebo os números de latão aparafusados em cada uma das portas
quando passo por elas. Normalmente, haveria adesivos coloridos e placas de
nome pregadas na madeira - pequenas personalizações que ajudam os alunos a
fazer seus quartos parecerem sua casa. Mas não aqui. Não há adesivos,
fotografias ou pôsteres à vista. Apenas a madeira escura e deprimente e os
números brilhantes e polidos.

410…

412...

414...

416…

Excelente.

Lar Doce Lar.

Abro a porta, feliz por encontrá-la destrancada. Por dentro, o quarto é


maior do que eu esperava. No canto, uma cama de casal foi arrumada com
lençóis cinzentos completos com cantos militares. Só dois travesseiros, mas
posso viver com isso. Contra a parede: uma grande cômoda sob uma pintura
de aparência sombria de um velho nodoso, dobrado contra uma nevasca
uivante. Que escolha estranha de assunto para uma obra de arte. Tecnicamente,
é bom. A pincelada é tão fina e precisa que quase poderia ser uma fotografia. O
conteúdo é péssimo, no entanto, e inspira uma sensação de desespero que
parece esmagadora.

Do outro lado do quarto, uma grande janela saliente dá para o que eu


suponho serem os jardins nos fundos da academia. O mundo está escuro, todo
roxo machucado e azul da meia-noite, pontuado com negro como o carvão,
mas posso distinguir a forma de árvores altas à distância, ainda, como se
nenhuma brisa, não importa o quão forte, pudesse sacudi-las.

Eu descarto minhas malas ao pé da minha cama nova, caminhando até a


janela, querendo dar uma olhada melhor na vista. Só quando estou bem em
frente ao vidro é que posso distinguir a forma sombria de um labirinto grande
e complexo no centro do gramado entre o prédio e as árvores.

Um labirinto? Perfeito. Isso não estava na maldita brochura. Deve ser


muito antigo, porém, porque as sebes são altas, mais altas do que qualquer
homem e tão densas que não haveria como espiar por elas no nível do solo.

Não sei por que, mas estremeço violentamente ao vê-lo. Nunca fui fã de
labirintos. Pelo menos daqui, à luz do dia, poderei memorizar a rota até o
centro. Não que eu planeje entrar na maldita coisa.

Os chuveiros são fáceis de encontrar. No final do corredor, dois banheiros


ficam de frente um para o outro, as portas escancaradas. Uma grande placa
branca está pendurada na parede de azulejos de dentro de ambos - eu sei,
porque verifico - que diz: ─ Chuveiros de três minutos obrigatórios. Deveres atribuídos
à latrina pelos infratores.

Dever de latrina? Cristo. É pior do que eu pensava.

Eu dou ao sinal uma forte revirada de olhos enquanto tiro minhas roupas
de viagem e tomo banho, demorando muito mais do que os três minutos
designados. Quem diabos vai saber? E foda-se, de qualquer maneira. Eles não
podem policiar esse tipo de merda com um aluno que ainda nem se matriculou
oficialmente na academia. Eu uso o sabonete carbólico preso a um pedaço de
corda puída dentro do chuveiro, franzindo o nariz com o cheiro e prometendo
a mim mesma uma lavagem melhor com meu próprio gel de banho pela manhã.
Então, eu uso uma toalha fina e áspera como papel para me secar antes de
colocar meu pijama e voltar correndo para o meu quarto com o cabelo
molhado.

Eu já tenho planos de tingir minhas longas mechas loiras de marrom


escuro novamente. A maioria dos pais não gostaria que suas filhas
descolorissem o cabelo aos dezessete anos, mas o Coronel Stillwater não
agüenta me ver com minha coloração natural de cabelo. Ele nunca iria admitir
isso em um milhão de anos, mas ele não pode lidar comigo com cabelo
castanho. Eu me pareço muito com ela com cabelo castanho.

Além de me forçar a usar lentes de contato, ele não consegue alterar o azul
dos meus olhos. Há pouco que ele possa fazer sobre as sardas que atingem a
ponta do meu nariz ou a estrutura óssea do meu rosto em formato de coração.
Sem jogar uma moeda séria em um cirurgião plástico muito talentoso, ele não
pode alterar minhas maçãs do rosto salientes ou meus olhos amendoados, todos
presentes que recebi de minha mãe. Mas ele poderia me tornar uma loira, e foi
o que fez. E eu odiei cada segundo disso.

De volta ao meu quarto, noto pela primeira vez como está terrivelmente
frio. Comparado a Tel Aviv, é praticamente subártico aqui em New Hampshire,
e não parece que a administração de Wolf Hall considerou o aquecimento uma
necessidade para seus alunos. Depois de muito remexer, acabei encontrando
um termostato de baquelite rachado e amarelado no armário perto da janela,
mas quando giro o botão totalmente para a direita, nada acontece. O radiador
antiquado e extremamente feio na parede emite uma única tosse sufocada, um
barulho de quebrar os ossos e, em seguida, fica resolutamente em silêncio.

Felizmente, estou tão cansada que nem mesmo o frio me impede de


dormir.
3

Elodie
A MANHÃ CHEIRA a ferrugem e torrada queimando.

Eu abro meus olhos e estremeço com a nuvem de névoa que se concentra


em minha respiração. De alguma forma, está ainda mais frio no meu quarto às
sete da manhã, o que é impressionante, já que estou convencida de que caiu
para algo em torno de – 6 durante a noite.

Se meu pai se importasse um pouco comigo, ele não teria me causado essa
transição no meio do semestre. A menor gentileza que ele poderia ter me
mostrado seria me realocar durante as férias, mas não. O coronel Stillwater
decidiu que me desenraizar do nada em um fim de semana era o melhor curso
de ação. Longe de mim atrapalhar sua programação; já que ele precisava
desaparecer em um exercício de treinamento de quatrocentas horas em um
domingo, parecia perfeitamente lógico virar minha merda de cabeça para baixo
e esperar que eu estivesse bem com a mudança de país, tendo meu mundo de
cabeça para baixo e começando a estudar em uma nova escola dentro de um
período de trinta e duas horas.

Este é o menor de seus pecados. Ele fez muito, muito pior.

Então aqui estamos nós. Segunda-feira de manhã. Minha nova vida. Pelo
itinerário restrito que meu pai colocou em minha mochila, eu deveria estar lá
embaixo nos escritórios da administração vinte minutos antes do meu primeiro
período do dia, o que me deixa quarenta minutos para tomar banho, me vestir
e me organizar. Desde que tomei banho na noite passada, normalmente não me
incomodaria em tomar banho de novo, mas ainda me sinto nojenta da viagem
de alguma forma e, honestamente, acho que vou precisar mergulhar meus pés
em um pouco de água escaldante para descongelá-los de qualquer forma. É
apenas meados de janeiro; provavelmente vai esfriar antes de esquentar mais
aqui em New Hampshire, então definitivamente terei que fazer algo sobre o
controle do clima neste quarto.

Eu puxo os lençóis finos, meus dentes batendo incontrolavelmente, e me


asseguro de pegar minha própria toalha e minha bolsa com meus produtos desta
vez. No corredor, várias portas para os outros quartos estão abertas e uma fila
de garotas se formou contra as paredes, esperando pelos banheiros. Meu
coração afunda. As coisas estavam horríveis em casa, mas pelo menos eu tinha
minha própria porra de banheiro. Ter que compartilhar as instalações em Wolf
Hall vai levar algum tempo para eu me acostumar.

Entro no final da fila esperando o banheiro do lado direito do corredor, e


as garotas à minha frente ficam quietas em uníssono. Oito pares de olhos
malignos me olham de cima a baixo. Nenhuma das garotas parece muito
amigável. Uma das minhas novas colegas de classe se afasta da ruiva com quem
ela estava conversando e se vira para mim, oferecendo-me um meio sorriso.

Seu cabelo castanho está enrolado firmemente em um afro invejável. Sua


pele é quase tão pálida quanto a minha, no entanto. Seus traços de olhos de
corça e olhos castanhos profundos dão-lhe a aparência de uma jovem Natalie
Portman. ─ Ei. Quatrocentos e dezesseis, certo? Você deve ser Elodie.

Eu dou a ela um sorriso de lábios apertados em retorno. ─ Culpada da


acusação. ─ Essa coisa de garota totalmente nova não é realmente novo pra
mim. Tive que fazer isso pelo menos quatro outras vezes desde que cheguei à
idade do ensino médio. Mas já faz um tempo. Depois de três anos inteiros na
última escola em Tel Aviv, eu me permiti ficar confortável.

Grande erro.
─ Eu sou Carina, ─ diz a garota, estendendo a mão. ─ Que bom que você
chegou inteira. Algumas de nós esperamos por você ontem à noite, mas ficou
tarde e... ─ Ela encolhe os ombros.

Eu aperto a mão dela, um pouco animada com a ideia de que algumas das
garotas aqui poderiam ter me mostrado aqui com gentileza, se a hora permitisse.
─ Tudo bem. Eu entendo totalmente.

─ O toque de recolher aqui é bastante rígido, ─ a ruiva acrescenta. Ela é


alta. Realmente alta. Quase tão alta quanto o desgraçado miserável que me deu
instruções para o meu quarto na noite passada. ─ Temos que estar em nossos
quartos às dez e meia, ─ diz ela. ─ Embora Miriam, nossa monitora do andar,
feche os olhos às vezes se a subornamos com chocolate. Está frio pra caralho
aqui, mas considere-se com sorte. As meninas do primeiro andar não têm isso
tão fácil. A monitoras delas é uma merda.

─ Ei! ─ a primeira na fila para o chuveiro grita. ─ Cuidado com a boca,


Pres. Alguns de nós são amigos de Sarai.

─ Como eu poderia esquecer, ─ Pres, a ruiva dispara de volta, fazendo


uma careta para ela. ─ Você empurrou tanto na bunda dela, é um milagre você
ainda não ter ganhado seu distintivo da Patrulha Sphincter, Damiana.

Damiana é um nome legal. Pena que a própria garota não parece tão legal.
Ela é três tons mais loira do que eu e usa uma cara cheia de maquiagem, mesmo
antes de colocar os pés dentro do banheiro. Talvez todo aquele delineador esteja
tatuado.

─ Uau. Suas respostas estão ficando um pouco melhores, Satan Spawn.


Ainda precisa melhorar, no entanto. Talvez você precise praticar mais um
pouco no espelho.
A porta do banheiro se abre e uma linda garota com uma massa de cachos
negros e pele cor de canela sai, vestida com uma toalha. Ela imediatamente
revira os olhos. ─ Deus, nem sete e meia e você já está atirando, Dami. Dê um
tempo.

Damiana rosna enquanto entra no banheiro, quase derrubando a outra


garota.

─ Rashida, esta é Elodie, ─ Carina diz, acenando em minha direção.

Levantando a toalha e prendendo-a sob o braço, Rashida também me dá


um aperto de mão superficial. ─ Vamos conversar assim que você atingir a
marca de três meses, ─ diz ela, em seguida, sai correndo pelo corredor, entrando
no quarto 410 e fechando a porta atrás de si.

─ Sinto muito por ela, ─ diz Carina, encostando-se na parede. ─ As


últimas duas garotas que chegaram no meio do semestre foram todas
transferidas de novo bem rápido. Suponho que estou fazendo um esforço para
conhecer as pessoas, se você não tiver certeza de que elas ficarão por aqui, é
mais difícil para alguns de nós do que para outros.

─ Transferidas? ─ Pres diz, suas sobrancelhas subindo em sua testa. Ela


soa como se discordasse do termo que Carina usou, mas a outra garota lançou
um olhar penetrante para ela.

─ Não faça isso, ─ ela avisa. ─ Ainda não. Jesus, deixe a garota se acalmar
um pouco antes de você ir desenterrar essa merda, certo?

Uh... isso me deixa um pouco preocupada. ─ Desenterrando que merda?

─ Nada. ─ Carina diz isso com firmeza, olhando para as outras garotas.
Ela as está desafiando a abrir a boca e dizer outra palavra, o que nenhuma delas
faz. Aparentemente, elas estão dispostas a ceder para Carina, porque todas as
que estão no corredor, incluindo Pres, olham para seus pés.

─ Está beeem. ─ Se há uma coisa que odeio, além do meu pai, são os
segredos. Houve tantas coisas no meu passado, tantas coisas escondidas de mim
ao longo dos anos, que eu tenho uma tolerância muito baixa para esse tipo de
merda. É meu primeiro dia, no entanto. Acabei de conhecer essas garotas há
dez minutos. Não posso exigir cem por cento de franqueza delas antes mesmo
de saber seus nomes adequadamente. Eu faço o meu melhor para encolher os
ombros.

─ Ei, bata na minha porta antes de descer, ok? ─ Carina oferece. ─ Eu


sou o contato professor-aluno. Posso levá-la ao escritório e pegar sua papelada
com você. E então podemos ir para a aula de Inglês juntas, se quiser? Acho que
muitas de nossas classes vão combinar.

Posso ser pequena em estatura, mas ainda sou uma garota crescida. Sou
perfeitamente capaz de encontrar meu próprio caminho para o escritório e para
a aula. Aprendi minha lição há muito tempo, no entanto. Se alguém lhe oferece
um ramo de oliveira nas águas cruéis da educação internacional, você agarra
aquele filho da puta e não o larga.

─ Certo. Obrigada. Isso seria legal.

***

A ida ao escritório é monótona, o que quer dizer que o mundo não acaba
enquanto eu preencho meu questionário de saúde e pego todas as listas de
leitura e títulos obrigatórios de livros que vou precisar encomendar para minhas
aulas. Carina atua como mediadora entre mim e o decrépito, em sua maioria
surda octogenária atrás da mesa, gritando quando a pobre velha não consegue
ouvir minhas respostas. As lentes de seus óculos são tão grossas que fazem seus
olhos parecerem oito vezes o tamanho normal. Apesar do auxílio visual, ela
aperta os olhos para mim por cima de uma pilha de papéis, como se isso pudesse
realmente ajudá-la a me ouvir melhor.

Assim que terminamos, Carina arranca o mapa que o administrador me


deu das minhas mãos e o joga direto no lixo, me arrastando por um longo
corredor torto, forrado com ramos de flores em vasos. ─ Não vai precisar disso,
─ ela canta. ─ Você me tem para ser sua guia turística pessoal no Wolf Hall. Eu
posso dizer que vamos nos dar bem. Eu soube no momento em que vi as meias
arrastão.

Eu olho para as meias arrastão a que ela está se referindo. Estou usando
sob meu short jeans rasgado favorito. As botas Doc Martin que escolhi são
potencialmente exageradas, mas meu visual não estaria completo sem elas.

Eu sei que está frio, mas minhas roupas ultrajantes foram as primeiras de
uma longa linha de protestos que planejei para minha estadia em Wolf Hall.
Tragicamente, quando saí do meu quarto e vi as roupas de Carina, tornou-se
aparente que os alunos aqui podem usar o que quiserem e se safarem. Sua
jaqueta bomber amarelo brilhante e jeans vermelhos colidem tão violentamente
que há o risco de eu ter uma enxaqueca só de olhar para ela.

As roupas dos outros alunos também são uma confusão de estilos e cores
diferentes. Há jeans rasgados e camisetas de bandas suficientes para fazer
parecer que estamos prestes a atravessar os portões de um festival de música.

Adicionando rapidamente dois e dois, percebo que Carina está me levando


direto para a aula. ─ Não devo deixar minhas coisas no meu armário primeiro?

─ Psshhh. Não temos armários. Se você não quer carregar uma bolsa com
você, você vai ter que correr para o seu quarto entre as aulas e, acredite em mim,
não há tempo suficiente para essa merda. Vamos. Você vai ficar bem.
A sala fica em silêncio quando Carina me empurra para dentro. As cabeças
giram, as conversas param... e os cabelos da minha nuca se arrepiam. Em um
sofá de couro surrado sob uma enorme janela panorâmica, o cara da noite
passada está deitado como se tivesse engolido um monte de Special K2 no café
da manhã e as drogas tivessem acabado de fazer efeito.

Ele é a primeira coisa que noto.

A segunda coisa que noto? Não há mesas.

Bem, pelo menos não no sentido tradicional.

Um pouco atordoada, fico boquiaberta com a sala enquanto observo tudo:


os armários, os sofás, as poltronas estofadas e as escrivaninhas velhas e gastas
espalhadas pelo vasto espaço. O mais surpreendente é que há pilhas de livros
no fundo da sala, bancos de madeira e, vejam só, há um monstro de fogo
rugindo na lareira aberta.

Eu nunca vi nada parecido antes em toda a minha vida. ─ O que... nossa


aula de inglês é na biblioteca?

Um coro de risadinhas sobe, cortesia dos outros alunos acomodados nas


poltronas e encostados nas escrivaninhas. Dois caras, sentados no chão perto
da outra janela grande, trocam um olhar engraçado, como se toda essa história
de que diabos está acontecendo fosse realmente velha para eles. Sinto como se
tivesse acabado de entrar no TARDIS do Doctor Who e cometido o erro de
exclamar: ‘Espere um segundo! É maior por dentro do que por fora! '

Carina chuta a bota de um dos caras sentados no chão enquanto me leva


por eles em direção a um sofá vazio com estampa floral. Ele se lança para frente,
mostrando os dentes e estalando-os para ela, mas ela ignora seu desempenho.

2
A cetamina ou ketamina,é uma medicação utilizada principalmente para induzir e manter a anestesia.
A substância induz um estado de transe, proporcionando alivio da dor, sedação e perda de memória.
─ Não, a biblioteca é muito maior do que isso. Este é o covil de Doc Fitzpatrick,
como ele gosta de chamá-lo. Ele é basicamente um deus por aqui. Sairia impune
por um assassinato. Ele deveria dar suas aulas na sala que eles atribuíram a ele
no bloco de inglês, mas ele diz que é mais fácil inspirar seus alunos em um
ambiente mais relaxado.

Isso é relaxado, certo. Eu nunca tinha visto um sofá na sala de aula de um


professor antes, muito menos plantado minha bunda em um.

─ Ei, Carina? Quem é aquele? ─ Eu empurro meu queixo na direção do


cara que me deu uma recepção tão calorosa na noite passada; ele pegou uma
das almofadas com estampa floral do sofá em que estava deitado e colocou-a
sobre o rosto.

Carina fica imóvel, arqueando uma sobrancelha para mim de uma forma
que me faz sentir como se tivesse cometido mais uma gafe. ─ Uhhh, sim. Esse
é Wren Jacobi. Ele é mais um cachorro selvagem do que um ser humano. Eu...
honestamente... ─ Ela suspira pesadamente, ocupando-se puxando um grande
caderno da bolsa a seus pés. ─ Eu diria para você ficar longe dele, mas é meio
impossível evitar alguém neste lugar. Além disso, Wren tem um jeito de
intimidar o seu caminho para o seu negócio, quer você goste ou não, então...

Enrugando meu nariz, inclino minha cabeça para o lado, semicerrando os


olhos para ele. ─ Sabe... tenho quase certeza de que ele está usando as mesmas
roupas da noite anterior.

Isso me dá uma risada frágil. ─ Sim. Ele está.

Como diabos Carina sabe o que ele estava vestindo na noite passada? A
menos... ela disse que algumas das meninas esperaram por mim. Ela estava
obviamente esperando com ele; ele disse que puxou o palito curto e teve que
ficar acordado até eu chegar. Eu não sei nada sobre o cara além de ele fumar,
mas de alguma forma eu não consigo imaginar Wren saindo com um monte de
garotas, esperando para cumprimentar uma nova aluna de Wolf Hall.

─ Wren e seus rapazes gostam de foder com as pessoas, Elodie. E quando


ninguém está disposto a jogar seus jogos estúpidos, a viver de acordo com suas
regras estúpidas, eles vão foder um com o outro. Pax apostou que ele não
conseguiria conquistar dez garotas antes das férias de Natal. E quando ele
falhou no desafio, seus amigos disseram que ele tinha que usar as mesmas
roupas por um mês inteiro quando voltássemos. Então sim. Wren está
definitivamente usando as mesmas roupas que vestia na noite anterior. Ele está
usando as mesmas roupas que vestia há duas semanas. Acho que o deixaram
lavá-las a cada dois dias. Mas pode apostar que ele vai usar a mesma camisa
preta amanhã, e no dia seguinte, e no dia seguinte, até primeiro de fevereiro.
Porque a única coisa pior do que perder uma aposta para um garoto da Riot
House... é não pagar a conta quando perde. Não importa o que custe ou quem
se machuque ao longo do caminho.

─ Garoto da Riot House?

─ Sim. ─ Carina faz uma careta. ─ Esses três idiotas têm uma casa no
meio da montanha. Eles a chamam de Riot House. Todo mundo faz. Eles têm
permissão para viver lá, por alguma porra de razão desconhecida, enquanto o
resto de nós tem que permanecer aqui durante os meses de inverno e cozinhar
durante o verão.

─ A academia tem moradia fora do campus?

Carina está confusa com a minha confusão. ─ Não. Wren é rico. Sua
família é dona do lugar. Ou ele é. Nunca foi claro sobre os detalhes. Tudo o
que sei é que eles podem fazer o que quiserem lá embaixo e o resto de nós tem
que ficar aqui e seguir a linha.
Há uma nota amarga na voz de Carina. Ela está estampando um sorriso
ensolarado em seu rosto bonito quando ela levanta os olhos de sua bolsa, no
entanto. ─ De qualquer forma. Pax, Dashiell e especialmente Wren. Cuidado
com eles, é tudo o que estou dizendo, garota. Você vai acabar se arrependendo,
posso prometer isso.

─ Belo discurso, Carrie. Fico feliz em ver que você está dando a adorável
pequena Elodie Stillwater a configuração do terreno.

Nenhuma de nós notou que o cara que estava sentado no chão se levantou
e veio até nós. Ele é bonito da mesma maneira perigosa que cobras, aranhas e
lobos são lindos de se olhar. Seu cabelo é raspado bem baixo. Tatuagens
aparecem por baixo de sua camiseta branca de mangas compridas. Seus olhos
azuis brilham como se estivessem transbordando de eletricidade; quando eles
se aproximam de mim, me prendendo no encosto do sofá, sinto como se tivesse
enrolado minha mão em um fio elétrico e não consigo soltar.

─ Vá se foder, Pax, ─ Carina sibila por entre os dentes; é a primeira vez


que a ouço soar diferente de amigável, e o veneno escorrendo de suas palavras
me deixa sem fôlego. Ela não apenas não gosta desse cara. Ela o odeia pra
caralho.

Pax raspa o lábio inferior entre os dentes na exibição mais estranha que eu
já vi, seus olhos azul-gelo perfurando Carina. Há algo abertamente carnal na
energia que sai dele, e isso faz a pele dos meus braços arrepiar. Eu não gosto
disso, mas não consigo tirar meus olhos dele. À sua direita, onde o amigo de
Pax estava sentado gruindo alto, está levantando-se.

Enquanto Pax parece um ex-presidiário com suas tatuagens, sua cabeça


raspada e sua atitude bizarra, esse cara - que só pode ser Dashiell - parece um
bibliotecário. Vestido com uma camisa de botão branca e calça cinza justa, o
cara teve o cuidado de se arrumar antes de vir para a aula de hoje. Os óculos
grossos de armação preta que ele usa, dão a ele o ar de alguém que gosta de ler
- uma generalização abrangente e sem sentido, mas a inteligência rápida em seus
olhos castanhos amarelados parece apoiar essa teoria. Como seus olhos, seu
cabelo tem mais de uma cor: castanho claro de um ângulo, mas quando ele vira
a cabeça para olhar para mim, ela se transforma em um loiro sujo.

─ Desculpe, senhoras. Pax não sabe como se comportar em torno de


tamanha beleza. Ele bebeu um pouco demais de café esta manhã também, então
você vai ter que entender se ele está agindo um pouco fora de si.

Oh, uau. Sotaque inglês. Suave como seda, a voz de Dashiell é


imediatamente calmante. Ele se mantém com confiança e certeza, como se
tivesse certeza de seu lugar no mundo e precisamente de como ele se encaixa
nele. É um truque legal - a coisa da confiança. De uma forma estranha, isso o
faz parecer ser seguro, enquanto Pax parece totalmente o oposto.

Carina se contorce, os olhos fixos em uma pilha de livros do outro lado


da sala, evitando cuidadosamente o olhar de Dashiell. Sua reação a Pax foi
hostilidade aberta, mas agora ela parece ter se encolhido, fechando
completamente.

─ Carrie? Você não vai nos apresentar a sua nova amiga? ─ Dashiell
ronrona.

Minha nova amiga está rígida como uma tábua. Parece que ela está prestes
a cair para o lado do sofá, então eu a salvo de responder. ─ Você já sabe quem
eu sou. Wolf Hall não é exatamente um lugar grande. Além disso, ele apenas
me chamou pelo meu nome, ─ eu digo, os olhos disparando para Pax. ─ Eu
sou Elodie Stillwater. Fui transferida de Tel Aviv. Meu pai é um homem do
exército. Minha mãe está morta. Gosto de pintura, música e fotografia. Eu sou
alérgica a abacaxi. Eu sou filha única. Tenho medo de tempestades e adoro
mercados de pulgas. Pronto. Isso é informação suficiente para você?
Eu listo esses fatos aleatórios sobre mim com um sorriso no rosto, mas é
doce e falso como o inferno. Pax solta uma risada zombeteira, enquanto a
resposta de Dashiell ao meu grande discurso é voltar toda a sua atenção para
mim, um sorriso lento e calculista se espalhando por seu rosto. Ele é rápido e
inteligente. Você pode praticamente ver as engrenagens girando em sua cabeça
enquanto ele arquiva os dados que acabei de fornecer. Por que, de repente,
parece um grande erro eu ter entregado esses fatos sem importância sobre mim?

─ Prazer em conhecê-la, Elodie Stillwater. É sempre bom fazer um novo


amigo. Talvez você queira ir para a Riot House algum dia? Adoraríamos
estender nossa hospitalidade a você.

Ao mesmo tempo, duas vozes falam, uma apressada e urgente, a outra


audivelmente entediada.

─ Ela não pode!

─ Não vai acontecer, Dash.

O dono da primeira voz, sentada ao meu lado, recua. Eu não acho que
Carina quis deixar escapar sua objeção tão alto. Ela parece envergonhada
quando pega minha mão, entrelaçando seus dedos nos meus. ─ Você sabe que
ela terá problemas se Harcourt descobrir, ─ diz ela.

No sofá, com o rosto ainda enterrado sob uma almofada, Wren Jacobi
rosna. ─ Ela não foi convidada. ─ A maneira como ele fala soa como um
decreto, uma ordem passada do alto que se espera que seja cumprida.

Dashiell solta um suspiro taciturno; ele parece honestamente desapontado.


─ Não se preocupe, Stillwater. Jacobi muda de ideia como muda de meia.
Apesar de seu atual estado de vestuário, é claro. Ele geralmente é muito bom
em trocar de meias. Acho que é o que mais gosto nele.
─ Tudo bem, classe! Bundas em uma superfície plana! Mexam-se, mexam-
se, mexam-se!

Na frente da sala, um cara alto vestindo uma camisa preta justa e uma
gravata preta chuta a cunha de madeira que estava segurando a porta aberta e
fecha a porta atrás dele enquanto ele gira para dentro da sala. Em seus trinta e
poucos anos, o cara está emitindo algumas vibrações pesadas de Clark Kent.
Sua mandíbula é tão afiada que parece que poderia cortar e tirar sangue. Cabelo
escuro ondulado e olhos escuros, posso ver por que metade das garotas na sala
derretem em seus assentos quando percebem que ele chegou.

Doutor Fitzpatrick, meu novo professor de inglês, é um show de fumaça


frio como pedra.

─ Wren, tira a almofada da cara , meu. Sente-se, porra. Você conhece


as regras, ─ ele comanda, colocando uma pilha de papéis em uma estante. Há
uma xícara de café em sua outra mão, da qual ele bebe profundamente, os
músculos de sua garganta trabalhando enquanto ele drena o conteúdo da xícara
de uma vez.

Milagrosamente, Wren tira a almofada de seu rosto e se levanta em uma


posição sentada. Ele olha feio para Doc Fitzpatrick enquanto faz isso, mas ele
obedece.

Isso é inesperado. Muito inesperado, de fato. Wren dá a impressão de que


não obedece a ninguém. Eu certamente não esperava que ele obedecesse a uma
figura de autoridade como um professor de inglês.

Horrorizada, uma série de coisas me ocorre em rápida sucessão. Estava


tão escuro ontem à noite que não dei uma boa olhada em Wren. À luz que
brilhava na ponta de seu cigarro, eu relutantemente reconheci o fato de que ele
era bonito. Mas à luz do dia, com o sol fraco entrando pela enorme janela bem
atrás de sua cabeça, posso ver muito mais dele agora... e estou tão desesperada,
absolutamente além de fodida.

Ele é lindo.

Seu cabelo preto se enrola em torno de suas orelhas como se fosse pintado
em sua cabeça, as pinceladas engenhosas de uma escova de mestre. É grosso e
desgrenhado, e meus dedos se enrolam por vontade própria, querendo sentir
sua textura enquanto fecho minha mão em um punho.

Seus olhos são verdes, vívidos e assustadoramente brilhantes. Jade - a cor


da grama nova e fresca, e a primavera que desperta após o inverno. Eles
parecem irreais. Sua boca é incomum. Seu lábio superior é ligeiramente mais
carnudo que o inferior, o que deveria parecer estranho em um cara, mas Wren
consegue fazer uma boca sensual e feminina parecer cruel.

Eu bebo ao vê-lo: a maneira como seus músculos se movem entre as


omoplatas enquanto ele se apoia na beirada do sofá de couro e se inclina para
frente com os antebraços apoiados na parte superior dos joelhos. O jeito que
ele sorri selvagemente quando seus olhos rápidos voam pela sala e ele pega uma
garota com tranças olhando para ele. A maneira como ele junta os dedos, todo
ele ganhando vida, como se tivesse acabado de ser ativado, quando o Dr.
Fitzpatrick diz: ─ Ok, foda-se. Ouçam com atenção. Eu li suas tarefas e elas
foram muito interessantes. Muito cru e emocional. Muito real. E alguns... eram
simplesmente gráficas.

─ O que você quer dizer com gráfica? ─ uma garota sentada em uma
poltrona na frente pergunta. ─ O ensaio era sobre a moralidade vitoriana na
literatura inglesa.

─ Sim, Damiana. Sim, foi.


Oh, ótimo. Só consigo ver a nuca de onde estou sentada. Eu não tinha
percebido que estava na mesma classe que a víbora desta manhã.

O Dr. Fitzpatrick balança a cabeça de um lado para o outro, voltando-se


para sua pilha de papéis; ele folheia os documentos grampeados na parte
superior até encontrar o que está procurando. ─ Esta peça é intitulada ’The
Repressed Governess ’ e ultrapassou o nosso limite de 2 mil palavras em quatro
mil palavras. Eu destaquei uma série de seções que achei bastante
esclarecedoras. ─ Ele finge limpar a garganta e começa a ler a tarefa.

─ Tão inocente antes, agora ela parecia apavorada. O medo em seus olhos fez seu eixo
endurecer em suas calças enquanto ele rondava para frente, com a intenção de colocá-la
diretamente em sua armadilha. Seu peito subia e descia tão rapidamente que seus seios grandes
corriam o risco de transbordar do espartilho. Nada poderia ser mais excitante para ele do que
vê-la acidentalmente despida e vulnerável diante dele. A ansiedade cresceu nele agora, como
sempre acontecia quando ele estava tão perto de realizar seus objetivos nefastos. Durante meses
ele trabalhou na governanta, sabendo que sua igreja, sua fé e seu pai lunático a impediriam
de agir de acordo com seus desejos mais sombrios. E ainda assim ele não desistiu. Ele tinha
visto o fogo perverso queimando em sua alma e estava determinado a liberá-lo e libertá-lo.

─ A governanta gritou quando suas costas bateram na parede. Ela sabia que estava
encurralada e não havia saída. Assim que ela percebeu sua situação, ela a aceitou, no entanto.
Sua respiração se acelerou ainda mais, desta vez de excitação. Havia algo a ser dito sobre
entregar o controle de si mesmo a um monstro em uma cartola preta, e agora que ele estava se
aproximando rapidamente com um olhar ameaçador em seus olhos, a governanta descobriu
que ela não tinha tanto medo do destino, como ela havia pensado inicialmente. Ela
testemunhou a protuberância ameaçadora de seu cajado, pressionando contra a frente de suas
calças. Ela viu a maneira como ele tateou a si mesmo, se apertando da maneira mais sinistra
e, surpresa como estava, ela sabia que estava molhada entre as pernas, sua boceta escorregadia
de desejo como...
O Dr. Fitzpatrick interrompe, deixando cair as mãos ao lado do corpo.
Exasperado, ele balança a cabeça. ─ Honestamente, devo dizer que estou
impressionado com a prosa. Ótimo uso da palavra lúdico. E perereca? Você
deve ter pesquisado isso, Jacobi.

Todos os olhos se voltam para Wren.

Claro que ele escreveu. Eu sou a pessoa menos surpresa do mundo. Ele
rastreia totalmente que esse demônio em uma camiseta preta entregou a
pornografia vitoriana como sua atribuição de inglês. Ele não parece nem um
pouco arrependido enquanto nivela seu olhar firme sobre o professor. ─ Eu
fiz, ─ ele diz. ─ A Internet é um lugar notável. Todos os tipos de merdas
estranhas, se você sabe o que está procurando.

─ Você percebe que esta peça deveria ser sobre o senso vitoriano de
moralidade, certo? ─ Doutor Fitzpatrick pergunta.

Wren dá de ombros. ─ Eu sei. E eles não tinham nenhum. Os vitorianos


eram tão excitados, depravados e sujos quanto nós. Eles eram apenas melhores
em esconder isso. Havia tantos livros imundos sobre foder naquela época
quanto livros sobre mulheres doces e subjugadas que viviam por regras estritas
de propriedade. Eles simplesmente não recebiam o mesmo tipo de imprensa.

─ Então, você está dizendo que as mulheres foram pintadas como


criaturas fracas e subjugadas em grande parte da literatura vitoriana?

Wren suspira cansado, como se ele não devesse ter que explicar nada disso.
─ Eu não estou dizendo isso. Foi o que aconteceu. Austin fez parecer que as
mulheres naquela época eram criaturas virtuosas, boas e saudáveis que nunca
pensaram em transar. Era tudo mentira, Fitz. As mulheres gostam de ser fodidas
desde o início dos tempos, assim como os homens. O fato de que os vitorianos
costumavam guardar esse pequeno boato como se fosse algum grande segredo,
os torna ainda mais excêntricos do que nós.

As sobrancelhas do Dr. Fitzpatrick se erguem. Acho que ele não está


impressionado com o argumento de Wren, mas também relutantemente
impressionado com ele. Jogando o papel em Wren, o professor manda o maço
de papel flutuando até os pés do menino. ─ Faça isso novamente. Quarenta e
oito horas, Jacobi. Atenha-se ao resumo da tarefa ou você se verá fazendo tudo
de novo pela terceira vez. Este será o seu Dia da Marmota de ensaios até que
você faça direito. E sem palavrões. Você já deve saber que táticas de choque
não funcionam comigo.

Wren deixa sua tarefa no fino tapete persa a seus pés. A maioria dos caras
ficaria irritado com o fato de que teriam que reescrever um ensaio desde o início,
mas ele não parece se importar. Ele está levando tudo com calma. ─ As táticas
de choque funcionam com todos. Só não encontrei o nível certo de choque
para você ainda, Fitz. Eu não sou nada se não persistente. Deixe isso comigo.
Vou descobrir isso antes do final do semestre.

Deus, esse cara é um profissional em inventar declarações que soam como


ameaças mal disfarçadas. Eu me pergunto se ele fala assim com seus pais. Meu
pai arrancaria minha cabeça de meus ombros se eu ousasse falar com ele ou
qualquer um de meus professores dessa maneira. Wren pode ter o seu exército
pessoal, mas devemos ter tido uma educação muito diferente se ele sabe que
pode se safar com essa merda.

O Dr. Fitzpatrick sorri largamente, apertando a língua entre os dentes


enquanto se afasta de Wren Jacobi, respira profundamente e encara o resto da
classe. ─ Tudo bem, crianças. Estamos começando um novo jogo hoje. Quem
quer ser voluntário? ─ Seu olhar pousa em mim, e ele comicamente bate a mão
na testa. ─ Ah, merda. Temos uma recém-chegada em nosso meio. Eu esqueci
totalmente. Porra, eu fiz biscoitos também. Elllloiiiise, certo? ─ ele diz,
estremecendo para mim.

Eloise é um nome comum. Eu tive todos os tipos, no entanto. Emily.


Evelyn. Elena. Aparentemente, meu nome de batismo não é tão comum em
outros países como na França. ─ Quase. É Elodie. Como Melody, mas sem o
M. ─ Eu sorrio quando o corrijo para que ele saiba que não estou ofendida. Ele
acena com a cabeça, sacudindo o dedo para mim. Uma garota sentada em um
pufe a três pessoas de mim suspira delirantemente quando o cara se vira para
encarar um quadro branco sobre rodas e todos nós podemos ver o quão
apertado está sua calça cinza em sua bunda empinada.

─ Em vez de qualquer besteira esquisita de 'levante-se e conte-nos tudo


sobre você', temo que você terá que ser indicada como voluntária para o nosso
jogo hoje, Elodie, ─ diz ele, rabiscando meu nome na superfície do quadro
branco com marcador vermelho. Surpreendentemente, ele soletrou
corretamente na primeira vez.

─ Ela não pode ser voluntária se você a nomear, ─ reclama Damiana,


lançando um olhar azedo por cima do ombro para mim. ─ Como isso é justo?
Alguns de nós esperamos nossa vez há meses, Fitz.

─ Oh, pare de choramingar. Acho que estamos todos cansados do


zumbido incessante de sua voz, criança.

Uau. Quer dizer, eu pensei que era selvagem, a maneira como Wren falou
com o Dr. Fitzpatrick, mas honestamente, a maneira como ele fala conosco é
um pouco exagerada também. O doc não parece um professor típico; ele parece
um ser humano normal e funcional, em vez de um robô acadêmico, tentando
nos apressar no currículo o mais rápido possível. É revigorante. Não faz mal
que ele chame pessoas como Damiana em sua merda quando ela está sendo
mal-intencionada, também. Acho que gosto muito desse cara.
Até que ele me diga para ficar na frente da classe.

─ Vamos, Still...?

─ Water, ─ eu forneço.

─ Vamos, Stillwater. De pé. Frente e centro. Você tem um trabalho a


fazer.

Mortificada, eu olho para Carina, esperando por um milagre que signifique


que eu possa permanecer sentada com ela. Sua testa se franze, um olhar de
desculpas em seu rosto. ─ Desculpe cara. Eu deveria ter percebido que ele faria
isso. Melhor ir lá e acabar logo com isso.

Urgh. Que maldito pesadelo. Eu me levanto do sofá tão devagar que


parece que estou vasculhando com cola. Uma vez que estou na frente da classe,
eu me viro, usando um sorriso brilhante e alegre (falso), e enfrento a classe. Para
ser justa, esta é uma classe pequena para os padrões de qualquer pessoa.
Provavelmente há apenas quinze alunos preguiçosos como gatos mimados na
cova do Dr. Fitzpatrick, o que é um alívio.

─ Qual é o jogo? ─ Eu pergunto entre os dentes, tentando soltar um


pouco o sorriso - não pode parecer real agora, está muito tenso. Eu odeio esse
tipo de coisa. Odeio mudar de escola, odeio conhecer gente nova e odeio
aprender todas as novas regras. Eu também odeio aprender todos os novos
jogos.

O Dr. Fitzpatrick sorri enquanto se empoleira na beirada do parapeito da


janela perto do sofá de couro de Wren. Ele não parece ter uma mesa aqui
também. ─ Alguém se importa em explicar as regras para Elodie, classe? ─ Isso
é divertido para ele. Ele está realmente gostando de estar aqui, ensinando seus
alunos. Em cinco países e em cinco escolas diferentes, nunca encontrei outro
professor que goste de seu trabalho.
Um cara atrás, encostado em uma das pilhas de livros, fala sem levantar a
mão. ─ É um concurso de popularidade, ─ ele anuncia sem tirar os olhos do
Cubo de Rubik que está girando preguiçosamente em suas mãos. ─ Você fica
de pé, conforme orientado por nosso venerado mestre de marionetes, e nos dá
um argumento de debate. O argumento tem que ser relacionado a livros ou ao
idioma inglês. Se a classe discutir o tema do debate de uma forma divertida sem
que Fitz fique entediado, você recebe um A automático na próxima tarefa que
ele definir.

Espere...

O que??

O doc vai corrigir o cara e explicar o jogo corretamente a qualquer


momento. Certamente. Não? O Dr. Fitzpatrick está sentado na beira do
parapeito da janela, sorrindo muito feliz. Ele nem mesmo se opõe ao fato de
que esse garoto apenas o chamou de, nosso venerado mestre de marionetes.

Não sei bem o que devo fazer. Eu adoraria dizer que não dou a mínima
para minhas notas aqui no Wolf Hall, mas a triste verdade é que a mesada que
meu pai carrega no meu AMEX está diretamente relacionada ao meu boletim.
Eu sei como isso funciona muito bem: eu acerto meus testes e atribuições e
terei muitos fundos para sobreviver aqui. Eu apago meu disco, ou não
desempenho tão bem quanto o Coronel Stillwater espera, então terei de viver
uma existência muito deprimente em quase nada.

Ainda não explorei a situação alimentar por aqui, mas presumo que haja
uma lanchonete ou talvez até um café. Um restaurante, se eu tiver sorte. Seria
bom comer comida comestível de vez em quando e não ter que ferver água e
engasgar Top Ramen no café da manhã, almoço e jantar, é o que estou dizendo.
Um A bem fora do portão? Isso tornaria muito mais difícil para o coronel
Stillwater enfeitar minha mesada.
─ Ookaaaay. ─ Eu desprezo ter que pensar em tópicos de conversa
interessantes e inteligentes no local. Se eu soubesse que isso iria acontecer, não
teria me incomodado em dormir na noite passada. Eu teria ficado acordada,
procurando por algo incrível para atacar esses caras na aula. Lamentavelmente,
a única coisa que consigo pensar é: ─ A língua inglesa está morrendo. A gíria
moderna e a linguagem textual estão sufocando a história e a vida de uma forma
de arte tão rapidamente que em breve ela terá evoluído inteiramente. Discutam.

O Dr. Fitzpatrick põe-se de pé, batendo palmas enquanto dispara de volta


para o quadro branco. ─ Eu amo isso. Seus canalhas estão destruindo minha
língua com suas mensagens de texto e suas gírias nojentas no estilo Neandertal.
Alguém fala alguma coisa! Você pode se sentar, Srta. Stillwater. ─ Ele me cutuca
com o cotovelo e eu volto para a segurança do sofá, meus olhos grudados no
chão. Graças à merda, ele não odiava o assunto. Graças a Deus, minha voz não
falhou e eu não tropecei em minhas palavras. Graças à merda, ninguém riu.

Da segurança do sofá, eu examino a sala, esperando... não, temendo o


momento em que o Dr. Fitzpatrick perceber que ninguém vai participar do meu
tópico de debate. Um livro se fecha do outro lado da sala. Alguém tosse.

E então…

Um cara de cabelo preto, vestindo um suéter surrado, sentado perto do


fogo diz: ─ Toda a linguagem está em constante evolução. Afirmar que a língua
inglesa está morta porque está mudando e crescendo em uma determinada
direção é como dizer que o homem se extinguiu quando o Homo sapiens
evoluiu dos macacos.

─ Bom. ─ O Dr. Fitzpatrick coloca a tampa de volta em seu marcador


vermelho. Há um sorriso enorme de comedor de merda em seu rosto. ─
Alguém tem algo a dizer sobre isso?
Damiana dispara. ─ Você é um idiota de merda, Andrew. O homem não
está extinto porque o Homo Sapiens evoluiu. Nos tornamos algo novo. Uma
espécie ou linhagem diferente de hominídeo. A espécie da qual evoluímos
extinguiu-se quando mudamos. O que você disse não faz sentido.

─ Então, você acha que a língua inglesa não evolui? ─ Doutor Fitzpatrick
pergunta a ela.

─ Claro que sim. Normalmente, quando algo evolui, para melhor, no


entanto. Nossos cérebros se tornaram maiores e mais complexos porque
aprendemos a falar e nos comunicar usando a linguagem. Isso foi uma melhoria
nas versões mais simples e primitivas de nossas mentes. A fala e a gíria do texto
não são uma melhoria positiva em nosso idioma. É uma bastardização
preguiçosa.

O Dr. Fitzpatrick esfrega as mãos. ─ Isso está ficando bom, pessoal.


Alguém tem algo a dizer sobre a declaração de Damiana?

Wren se recosta no sofá de couro, girando de modo que suas costas


fiquem encostadas no braço. Ele levanta os pés, entrelaçando os dedos e os
descansando no peito. ─ Desça daquele cavalo alto, Dami. Você usa o texto
falado o tempo todo. Você está longe de ser um purista.

─ Eu não!

─ Lol. Lmfao. Btw. NP3. Você manda mensagens com essa merda o
tempo todo.

3
LOL = Laugh out loud = Rindo muito, rindo alto. / LMFAO = Laughing my fucking ass off = Me mijando
de rir / BTW = By the way = por sinal, a proposito… / NP = No problem = sem problemas.
Ha. Por que não estou surpresa que Damiana e Wren estejam trocando
mensagens de texto? Eles são tão vis quanto um ao outro. Eles são
provavelmente os melhores amigos do caralho.

─ Isso não é linguagem de texto adequada, ─ argumenta Damiana. ─


Essas são apenas abreviações.

Meu Deus. Ela não acabou de dizer isso. É sério? Eu escondo meu sorriso
atrás do meu bloco de notas, prendendo minha risada atrás dos meus dentes e
duzentas páginas de papel pautado em branco.

─ Parece que você discorda, Elodie, ─ diz o Dr. Fitzpatrick.

Oh, qual é.

Seu olhar está preso em mim, seus olhos dançando com diversão. Eu
posso ter evitado rir do comentário de Damiana, mas eu esqueci das partes do
meu rosto que não cobri; Levi sempre disse que eu sorria mais com os olhos do
que com a boca. Girando em sua cadeira, Damiana me encara com ódio.

─ Vamos, Stillwater. Diga logo, se você se acha tão inteligente pra caralho.

Todas as escolas secundárias são iguais. Até mesmo o tipo de internato


particular insanamente caro. Independentemente de riqueza, estilo de criação,
oportunidade ou diversidade, sempre há aquela garota popular que acha que sua
merda não fede. É reconfortante saber o que posso esperar em Wolf Hall, mas
uma vez, apenas uma vez, seria bom se toda a parte da garota má não fosse uma
coisa. Por experiências anteriores, balançar minha cabeça e manter minha boca
fechada nesta situação será um presságio pior para mim do que falar o que
penso. Exatamente como no mundo natural, exiba qualquer sinal de fraqueza e
os predadores irão se localizar e farão o possível para matá-lo. Eles são
implacáveis pra caralho. É por isso que me certifico de que minhas mãos não
tremem enquanto abaixo meu bloco de notas e a olho diretamente nos olhos.
─ Sim, são abreviações, mas LOL? BTW? Siglas. Emojis. Iniciais. Todos
são considerados texto falado. ─ Eu sei disso muito bem. O coronel Stillwater
despreza todas as formas de gíria com tanta violência que jurou que quebraria
meus dedos se me pegasse usando. E meu pai vai quebrar ossos antes de
quebrar uma promessa. Nunca usei uma abreviatura em uma mensagem de
texto em toda a minha vida.

Damiana me encara sob seu rímel endurecido. Algumas pessoas podem


considerar seu uso pesado de base e contorno bonito, mas para mim parece que
ela está usando o rosto de outra pessoa. ─ Por que você simplesmente não cala
a boca, afinal? Você está aqui há cinco minutos e acha que é a dono do lugar.

Uau. Qual é o problema dessa vadia? Eu mal pisquei desde que cheguei
aqui, e de alguma forma Damiana já se sente ameaçada por mim. Jogos de poder
não são minha praia. Não tenho nenhum interesse em disputar sua coroa. Tudo
o que quero fazer é completar minhas tarefas, tirar boas notas para apaziguar o
coronel Stillwater e, em seguida, dar o fora daqui assim que me formar. Ao meu
lado, Carina faz um som de nojo.

─ Calma, Dee. Você que abaixar o tom? Elodie está apenas...

O rosto de Damiana se contorce de desgosto. ─ E que tipo de nome é


Elodie, afinal? Ela soa como uma espécie de prostituta francesa.

─ Ha! La petite pute française,4 ─ Pax diz, de seu lugar no chão perto da
janela. ─ Você cobra em euros, Stillwater? Ou alguns dólares vão colocá-la no
chão? O assassinato da taxa de câmbio agora.

─ Tudo bem, tudo bem. Chega, ─ diz o Dr. Fitzpatrick suavemente,


erguendo a mão. Ele não parece chocado ou nem remotamente incomodado
com o que Damiana disse, nem com os comentários de merda de Pax. Todo

4
A pequena puta francesa.
mundo fica em silêncio no segundo em que ele fala, porém, obedecendo ao seu
comando preguiçoso. Pax ainda pisca para mim sugestivamente, mordendo a
ponta da língua. Obviamente, ele está percorrendo uma série de cenários
obscenos em sua cabeça.

─ Odeio quebrar isso com você, Dee, mas se você usar esses termos
quando enviar uma mensagem para Wren, estará usando a linguagem de texto,
─ confirma o Dr. Fitzpatrick. ─ Se vocês...

─ Como se eu tivesse mandado uma mensagem para aquele pervertido de


qualquer maneira! ─ ela chora.

Wren sorri, fechando os olhos. ─ Ela faz. Normalmente depois da meia-


noite. E sim. DTF5 também é considerado texto falado.

Damiana explode de sua cadeira, apontando o dedo para Wren, que não
consegue ver sua indignação com os olhos fechados. ─ Você é um pedaço de
merda, Wren Jacobi. Eu nunca foderia você em um milhão de anos. Eu com
certeza nunca pediria isso a você.

─ Ok, ok, sente-se. Wren, pare de falar em foder antes de eu te chutar para
o escritório de Harcourt. Vocês sabem que adoro um debate animado, mas
estamos saindo um pouco do assunto aqui. O que vocês acham que o velho Bill
Shakespeare diria sobre todas as novas palavras que estamos criando para nos
expressar, rapazes?

O debate continua. Cada vez que a aula de alguma forma muda para o
tema sexo, o Dr. Fitzpatrick consegue nos colocar de volta na ordem. Sento-
me em silêncio, incapaz de tirar os olhos de Wren, infeliz com a maneira como
meus olhos continuam gravitando de volta para ele no momento em que me
esqueço de ativamente não olhar para ele. O velho ditado é verdadeiro: é

5
Down to fuck = foder.
impossível desviar o olhar de um acidente de carro. E eu já sei que Wren Jacobi
não é apenas um acidente de carro metafórico. Ele é um engavetamento de
quinze carros e já há pessoas mortas no local. Estou indo direto para ele, porém,
e não consigo me desviar. Pior de tudo, não estou usando cinto de segurança e
o filho da puta cortou meus cabos de freio.

Ele é brutal e mau, e está podre até o âmago. Eu não posso escapar dele,
no entanto. Há um perigo muito real de que ele leve seu copo aos meus lábios
e eu beba seu veneno como se estivesse morrendo e ele seja a cura.

Tudo o que posso fazer agora é me preparar e torcer para que o fim seja
rápido.

Um sino agudo e estridente abafa Pres, a ruiva que conheci antes, e todos
os alunos se arrastam para fora da sala de aula, gemendo e reclamando em voz
alta sobre a tarefa que o Dr. Fitzpatrick disse que nos enviará um e-mail no final
da tarde.

No corredor, Carina desmaia de alívio. ─ Deus, estou tão feliz que acabou.

Eu não acho que ela se refere à própria aula de inglês.

Acho que ela se refere à proximidade de Wren e sua turma.

Ao pé de uma escada de pedra íngreme e sinuosa, Carina me dá um abraço


rápido. ─ É aqui que eu deixo você, eu temo. Eu preciso ir para o espanhol.
Sua aula de biologia está lá. Não se preocupe. Todos devem ser legais.

No meio da escada, meu celular toca no bolso de trás. Empolgada, eu me


esforço para retirá-lo e leio a mensagem que acabou de chegar. Com as
diferenças de horário loucas, parece que estou esperando por este momento há
uma semana. É estranho que eu não tenha ouvido um pio de Levi e dos outros
até agora, mas pelo menos...
Oh.

Espere.

A mensagem não é de um dos meus amigos de Tel Aviv. O número


desconhecido é americano, com um código de área 929 que não é familiar para
mim.

A mensagem é curta e direta.

─ Seja menos óbvia, Stillwater. Desespero é uma aparência feia.


4

Wren
MÃE MORTA.

Filha única.

Pequena, como uma boneca de porcelana.

Lindo cabelo loiro.

Boca carnuda, que eu não me importaria em ter envolvida no meu pau.

Não sei muito sobre Elodie Stillwater, mas já posso sentir aquela velha
centelha familiar de intriga na parte de trás da minha cabeça, uma coceira
implorando para ser coçada. Para ser justo, eu senti a necessidade suja e doentia
muito antes de colocar os olhos na garota. O arquivo dela estava lá, aberto e
pedindo para ser folheado, da última vez que fui chamado ao escritório de
Harcourt. A foto presa no topo da papelada de Elodie chamou minha atenção
- eu sempre fui atraído por coisas bonitas e brilhantes - e meu pulso acelerou,
passando de um batimento lento e constante para um batimento muito mais
urgente e interessado.

Na foto, ela estava vestindo um uniforme de marinheiro branco - um


uniforme escolar particularmente incomum, eu soube mais tarde, depois de um
pouco de investigação. O sorriso em seu rosto era genuíno. Ela estava rindo de
alguém ou de algo fora das câmeras, e seus olhos estavam cheios de energia.
Inocente. Isso é o que eu sabia sobre ela. Ela parecia inocente, vestida de
branco, com todo aquele longo cabelo loiro caindo sobre seus ombros, cada
parte dela cantando com vida. Eu imediatamente quis maculá-la.
Eu peguei a foto. Neguei ter pego quando Harcourt me perguntou se eu
sabia onde estava. Por duas semanas antes da chegada de Elodie Stillwater,
passei muito tempo olhando para aquela foto, me masturbando, mas depois me
recusando a gozar, apreciando a raiva que se acumulava em meu estômago
sempre que olhava para o rosto bonito de Elodie. Eu adoro me condicionar
desde que era criança. Expor-me a algum tipo de estímulo e então me treinar
para esperar um determinado resultado. Eu amo, nada mais do que dominar a
mim mesmo, mente e corpo, e meu primeiro pensamento quando vi o rosto
sorridente daquela garota, foi que eu queria me fazer odiá-la.

Porque, você pergunta?

Por que diabos não?

Só por diversão.

Para passar o tempo.

A mediocridade é a maldição dos fracos de espírito. Eu tive a maldita


certeza de que nada sobre mim é medíocre, estúpido ou meio-termo, e isso
inclui minhas emoções. Demora muito para me fazer sentir vivo hoje em dia,
mas uma obsessão sombria? Uma intriga saudável, colorida com um toque de
ódio? Sim, isso vai me acordar desta existência monótona e banal melhor do
que qualquer outra coisa.

Então sim. Eu esperei ela chegar. Eu me ofereci, o que deveria ter sido um
aviso muito claro para a administração de Wolf Hall, já que nunca me ofereci
para nada em toda a porra da minha vida. Eu queria testar minha teoria e ver se
o tempo que passei me torturando surtiu o efeito desejado, e só havia uma
maneira de fazer isso. Eu tinha que vê-la cara a cara, mesmo que isso significasse
queimar meu último maço de cigarros enquanto permanecia no frio congelante
por duas horas e meia.
Quando eu a vi saindo do Town Car, puxando sua mala com raiva, meu
corpo sabia exatamente o que fazer. Meu pau respondeu lindamente, dando
sinais de vida, o sangue circulando para transformar a carne macia em algo
rígido como ferro. Ao mesmo tempo, meu cérebro foi apagado com a
necessidade de ver a garota chorar, tão feroz e intenso que eu mal podia respirar.

Fode-la.

Machuca-la.

Acalma-la.

Destrui-la.

Eu estava tão perfeitamente equilibrado naquela corda bamba invisível que


parecia a porra da manhã de Natal. Afinal, não há nada como uma pequena
guerra interna para animar um humor de merda. E agora, depois de duas
semanas de espera, vasculhando suas contas de mídia social e clicando em todas
as suas fotos no Facebook - quem não torna sua merda privada hoje em dia? A
mais nova aluna da Wolf Hall, pelo visto.

Ela é uma contradição ambulante.

Eu gosto disso nela.

Eu pedi a uma amiga em Tel Aviv para fazer algumas pesquisas sobre sua
vida doméstica, o que parece estar demorando muito mais do que o esperado,
mas enquanto isso, eu já inventei quinze maneiras diferentes de rasgar Elodie
em um milhão de pequenos pedaços. Posteriormente, eu desconsiderei cada um
deles. Esta é a oportunidade de uma vida, minha última chance de condicionar
outra pessoa e dobrá-la à minha vontade. Preciso ter cuidado em como faço
isso. Faze-la rastejar para minha aprovação imediata e tudo acabará muito em
breve. Vou me cansar dela e terei que encontrar novas maneiras de me divertir
até a formatura. Se lhe dar muito espaço, no entanto, ela pode escapar do meu
alcance. Existe um meio termo em algum lugar no meio, e agora eu preciso
descobrir exatamente onde ele está. Tudo parte da aventura.

─ Você quebrou as regras de qualquer maneira, ─ diz Pax, arrancando um


enorme pedaço de pão de seu sanduíche com os dentes. O homem é um pagão
completo. Nada de boas maneiras. Durante o verão, ele modela para a Calvin
Klein, pavoneando-se para cima e para baixo nas passarelas com uma cueca
cinza justa. Além da cabeça raspada, ele parece limpo nessas fotos. Ele parece
bem construído, como a porra de um G.I. Joe - feito na América, apenas as
melhores peças e mão de obra. Seu agente chique, e seus amigos chiques, e os
idiotas chiques que olham para sua imagem e desejam que eles sejam ele...
nenhum deles consegue ver quem ele realmente é: esta criatura cruel e simples
que gosta de quebrar coisas e separá-las com os dentes.

─ Por direito, ela é minha, ─ diz ele com a boca cheia de comida. ─ Você
teve Damiana. Dash pegou Carina. Eu sou o próximo a rebater.

Rosnando, eu digito ainda mais rápido, vomitando mil palavras por


minuto no documento do Word, determinado a reescrever a tarefa burra de
moralidade vitoriana de Fitz antes que a diversão da noite comece. ─ Você sabe
que eu odeio metáforas de esportes, ─ eu rosno. ─ Cale a boca e pare de
choramingar. Você é um homem crescido. Se você quiser ir atrás da garota, faça
isso, porra. Não significa que meus planos vão mudar.

Eu me importo que Pax queira Elodie como sua nova marca? Claro que
sim. Ele é um cara bonito. Calvin Klein aprovado. Ele trepou com muitas
garotas aqui em Wolf Hall, e um milhão além das paredes de nosso pequeno
ecossistema desesperadoramente entediante. Ele é perigosamente charmoso
quando está com disposição, e eu já vi muitas mulheres inteligentes se
apaixonarem por suas besteiras. Nenhuma razão pela qual Elodie não seria a
mesma.

Para ser um idiota completo sobre isso, entretanto... Eu a vi primeiro.

Eu pesquisei sobre ela. Eu cantei seu nome completo dentro da minha


cabeça - Elodie Francine Jemimah Stillwater - até que parecia um mantra, um
seixo desgastado por fricção constante, e agora é como se ela fosse minha. Não
divido bem meus brinquedos com outras pessoas.

Temos nossas regras por um motivo, naturalmente. A Riot House não


existiria sem algum tipo de código ou sistema pelo qual seus habitantes
deveriam operar. Pode haver apenas três de nós aqui, mas cada uma de nossas
personalidades é tal que acabaríamos todos mortos se não honrássemos uma
linha desenhada na areia de vez em quando.

Pax grunhe, juntando sua embalagem do Subway e jogando-a na lata de


lixo do outro lado do meu quarto. Ele nem deveria estar aqui enquanto estou
tentando trabalhar, mas tentar manter Pax fora de qualquer lugar é como tentar
impedir que a água vaze de um balde furado. Você aprende a desistir muito
rapidamente. Pax fica em silêncio por um tempo. Isso significa que ele está
pensando profundamente sobre algo. Consigo reunir trezentas palavras antes
de ele finalmente dizer: ─ Que tal... uma troca?

Eu paro de digitar.

Viro-me na minha cadeira.

Há uma expressão preocupante no rosto de Pax.

Eu estreito meus olhos para ele. ─ Explique. ─ De vez em quando, ele é


conhecido por ser um pouco trapaceiro. Não é tão complicado quanto eu, mas
é aconselhável estar em guarda.
Ele faz beicinho, olhando para o teto. Ele está muito indiferente agora.
Ele quer algo grande. Maior do que Elodie, o que significa que ele está prestes
a tentar passar o que quer que seja como uma troca justa. ─ O barco, ─ diz ele
alegremente. ─ Você tem enquanto ainda está na Córsega. Troque o barco
comigo durante as férias de primavera e não vou encostar um dedo na garota.

Hah. Ele fala sobre ‘A condessa’ como se fosse uma porra de uma escuna,
não um super iate de luxo de quarenta pés e sete quartos. Ela é o orgulho e a
alegria do meu pai. Se eu deixar Pax ficar lá sem supervisão durante as férias de
primavera, a maldita coisa provavelmente vai acabar no fundo do Mediterrâneo.
Meu pai me pegaria piche e penas, depois me deserdaria.

─ Uma semana, ─ eu contraponho.

Pax cruza os braços sobre o peito, a expressão casual e despreocupada que


ele estava apenas exibindo desaparecendo enquanto ele se prepara para as
negociações. ─ Duas semanas, cara. A pausa inteira. Não vou voar pelo mundo
por uma semana.

─ Dez dias. Oferta final.

─ Sem acordo. Eu acho que você vai ter que se afastar.

Ele poderia me fazer recuar. Se ele quisesse, poderia envolver Dash, e os


dois poderiam votar para que eu ficasse longe de Elodie até o fim da porra do
tempo. Regras da casa. Tentamos evitar forçar um ao outro a fazer qualquer
coisa na maioria das vezes, isso só acaba com alguém se machucando, mas não
seria um movimento sem precedentes. Pax realmente deve gostar da aparência
de Elodie, o que me faz querê-la ainda mais.

Ela já é minha, no entanto, e essa afirmação que ele está tentando fazer
sobre ela está fervendo meu sangue. ─ Dez dias, Pax. Vá ver sua mãe em Praga
depois.
Ele parece horrorizado. ─ Por que diabos eu faria isso?

─ Tudo bem. Tá. Você pega o barco. Duas semanas em junho. Mas se
souber que você está fazendo coquetéis molotov de novo eu vou chamar a
porra da polícia.

Na verdade, isso só parece fazer o sorriso no rosto do merda se espalhar


ainda mais. Deus, que porra estou fazendo? Isso vai ser um desastre absoluto.
Já posso sentir em meus ossos. ─ Pare de gritar. Eu posso ouvir a risada
saltando dentro de sua cabeça dura daqui, ─ eu resmungo, girando de volta para
encarar minha mesa. Eu não serei capaz de escrever mais. Eu sei que não vou.
Estou aliviado que a posse de Elodie Stillwater foi esclarecida, mas há um gosto
ruim na minha boca que não consigo afastar agora.

Fiz uma cópia do seu arquivo com todas as suas informações de contato
pessoal uma semana depois de peguei a foto. Considerei ligar para ela antes
mesmo de ela chegar, apenas para que pudesse ouvir sua voz e parar de
enlouquecer pensando como ela soaria. Eu consegui mostrar um pouco de
contenção, no entanto. Mas eu não conseguia parar de enviar mensagens de
texto depois da nossa aula de inglês. Eu queria irritá-la. Para observar sua reação
de longe. Irritantemente, ela mal reagiu. Ela ficou confusa no início, porque ela
não sabia de quem era o número, eu suponho, mas então seu rosto ficou branco.

Sem medo. Sem raiva. Sem irritação. A única emoção que vi em seu rosto,
da minha inclinação casual contra a parede a quinze metros de distância, foi um
breve lampejo de diversão, momento em que ela enfiou o telefone de volta no
bolso e correu escada acima em direção aos laboratórios de biologia sem um
olhar para trás.

─ Por que você está tão determinado a ter essa garota, afinal? ─ Pax
pergunta, fazendo um barulho infernal enquanto atira propositalmente a tampa
de uma lata de Pringles do outro lado da sala, enfia a mão dentro, puxa uma
pilha de batatas fritas e as enfia na boca.

Eu escrevo uma frase, focando na tela do meu laptop. ─ Ela não é nada.
Ela não é importante.

─ Mentira, Jacobi. Você não demonstrou o menor interesse por uma


garota desde Mara e você sabe disso.

BANG!

Acho que acabei de quebrar a tela do meu laptop.

Eu não deveria ter batido com tanta força, mas, novamente, Pax não
deveria apenas ter pronunciado aquele nome ao meu alcance. Ele sabe melhor
que ninguém. Fechando meus olhos, eu inalo uma respiração instável e
irregular, tentando nivelar a raiva aumentando na minha corrente sanguínea. ─
Estou feliz por termos acertado um acordo com A Condessa, ─ eu cerro os
dentes. ─ Mas você tem que dar o fora do meu quarto, cara. Estou falando
sério. Eu tenho que terminar está redação. Eu preciso limpar minha cabeça, e
eu não posso fazer isso com você trazendo essa merda à tona, certo?

Espero que Pax discuta. Discutir é uma segunda natureza para ele; ele
cresceu em uma casa cheia de advogados. Para o bem ou para o mal, ele prefere
manter uma língua civilizada em sua cabeça. ─ Tudo bem, cara. Sem drama. Eu
vou descer para Cosgroves e pegar algumas cervejas. Você quer algo?

Eu aperto minha mandíbula com tanta força que ela estrala quando eu
forço minha boca a falar. ─ Cerveja não. Jack 40 anos, ─ eu digo a ele.

─ Uau. Pensando grande em uma noite de escola. Meu tipo favorito de


Jacobi. ─ Ele sai, cantarolando uma música estridente baixinho, e eu sento
muito quieto, com uma imagem de Elodie Stillwater brilhando em minha
mente.

Por que estou tão determinado a ela?

Porque ela é inocente e eu não.

Porque ela é saudável e eu não.

Porque ela é imaculada e eu não.

E, o mais importante de tudo, porque ela vai ficar tão bonita quando eu a
fizer chorar.
5

Elodie
─ NÓS DEVERIAMOS TER NOS CONHECIDO ONTEM, Sra.
Stillwater, mas descobri que dar a um aluno um ou dois dias para se acomodar
pode ser útil. Eu sabia que Carina faria um bom trabalho em te mostrar tudo.
Ela é uma boa menina. Uma boa amiga, se você estiver procurando por uma.
Peço desculpas por colocá-la lá no quarto andar, mas o 416 era nosso único
quarto disponível. Espero que você esteja confortável o suficiente. Por favor,
transmita nossas desculpas ao seu pai. O Coronel Stillwater deixou bem claro
que queria você situada no segundo andar, mas não há nada que possamos fazer
agora. Talvez no próximo semestre...

─ Sério, Diretor Harcourt, não é um problema. Eu não me importo de


estar no quarto andar. ─ Sim, é um pé no saco ter que caminhar todo o caminho
até aquelas escadas, mas além de estar tão perto de Damiana e do frio escaldante
no meu quarto, realmente não faz muita diferença onde eu durmo aqui. Lugar
esquecido por Deus. É tudo o mesmo para mim.

A diretora Harcourt acena com a cabeça, remexendo-se na cadeira. Seu


escritório é imponente, tão antigo e frio quanto o resto do Wolf Hall, mas é
claro e arejado e parece menos opressor do que o resto da academia. A própria
mulher tem quase 40 anos, com um toque de aço cinza em seus longos cabelos
escuros que estão presos em um coque intransigente. Seus olhos estão um
pouco distraídos, desfocados enquanto voam pela sala, pousando em tudo,
desde seus textos acadêmicos, as placas em suas paredes e o lírio-da-paz
murchando no pote em sua mesa, mas nunca descansando em mim.
─ Tive o prazer de conhecer seu pai uma vez. Um homem bastante
intimidante, ─ ela diz sem fôlego.

Intimidante? Ela realmente não sabe da metade. Eu mexo com a maçã que
estou segurando em minhas mãos, me preocupando com seu caule. A haste
lenhosa de uma polegada de comprimento se quebra em meus dedos e eu a
deixo cair no chão. ─ Sim. Ele é muito respeitado. ─ Eu poderia dizer muito
mais. Eu poderia contar a ela sobre as noites que passei torcida e com medo
sob meus lençóis, me perguntando se ele iria estourar a porta do meu quarto a
qualquer momento. Ela entenderia então o quão sem importância a localização
do meu quarto aqui no Wolf Hall realmente é para mim, contanto que eu esteja
o mais longe dele fisicamente possível.

─ Agora, ─ a diretora diz sem jeito, abrindo a primeira gaveta de sua mesa.
Ela pega uma folha de papel e a coloca na frente dela, deslizando-a na minha
direção. ─ Eu odeio ter que passar por isso com você, mas temo que seja a
política da academia. Aqui em Wolf Hall, há uma série de coisas que não
toleramos. Como você verá neste contrato estudante-corpo docente, o uso ou
posse de drogas é estritamente proibido. Também não permitimos qualquer
tipo de... farra. O contato de natureza sexual também é proibido. Nenhum
membro do sexo oposto em nenhum de nossos andares feminino ou masculino.
Nada de toques inapropriados, ou... ou... bem, você pode ler por si mesma, não
pode? Você pode deixar a academia nos fins de semana, mas as portas estão
trancadas às nove em ponto. Durante a semana, você deve permanecer aqui nas
dependências da escola. De segunda a sexta-feira, deixar Wolf Hall por qualquer
motivo sem permissão prévia por escrito de mim ou de outro membro do corpo
docente é levado muito a sério. Existem outros itens na lista que você pode
revisar quando quiser. Acho que nada disso será um problema para você?
─ Não, claro que não. ─ Jesus. Com quem ela acha que vou ficar? E eu
nunca coloquei os pés em New Hampshire antes; No que me diz respeito, este
lugar pode muito bem ser o sétimo círculo do inferno e não há saída para mim.

─ Boa menina. Agora, se você não se importa, tenho alguns papéis para
colocar em dia. Eu acredito que você tem uma aula de francês para estudar.
Tenho certeza que você vai gostar, já que foi sua primeira língua.

─ Na verdade, eu nunca aprendi Fra...

─ Bom, bom. Pode ir agora. Se precisar de alguma coisa, avise alguém da


mesa de administração e tenho certeza de que ficará feliz em ajudá-la. Tenha
um ótimo dia, Elodie.

Sou conduzida para fora do escritório da Diretora Harcourt tão


rapidamente que quase me esqueço de pegar minha bolsa antes que a porta seja
batida com força atrás de mim.

Eu respiro fundo e me acalmo, prendendo a tira de couro por cima da


minha cabeça. Não tenho ideia de onde é minha aula de francês ou em que
direção devo seguir, e desde que Carina jogou fora meu mapa ontem de manhã,
acho que estou um pouco perdida. Carina tinha que ir para a aula, e sem meu
guia, eu...

Eu vejo a silhueta escura pairando na boca do corredor que leva à sala do


diretor e um suor frio começa a correr pelas minhas costas.

Porcaria.

Minha mente científica me diz que este edifício antigo, tortuoso e irregular
não é assombrado, mas a figura sombria parece nitidamente um fantasma
enquanto se move em minha direção.
Posso estar errada, mas aposto que nenhum dos treinamentos que meu
pai me incutiu será útil contra as formas incorpóreas. Acalmando meu coração
acelerado, dou um passo à frente, engolindo o nó na garganta, e... Wren Jacobi
entra no círculo de luz amarela bruxuleante e fraca lançada de uma arandela na
parede.

Não sei se devo ficar aliviada ou duas vezes mais assustada.

Suas roupas pretas contrastam tão dramaticamente com sua pele pálida
que ele parece o negativo de uma foto, trazido à vida. Não o vi novamente
depois da aula de Inglês ontem, então me enganei ao acreditar que não o veria
hoje também. Claramente um pensamento muito estúpido e ingênuo, porque
aqui está ele, maior do que a vida e muito mais ameaçador do que qualquer
aparição. O corredor é largo, mas não largo o suficiente para eu contorná-lo
sem ter que reconhecer sua existência. Eu abaixo minha cabeça, colocando meu
queixo no meu peito, ansiosa para passar por ele o mais rápido possível...

─ Stillwater. ─ Meu sobrenome ecoa pelo corredor, ecoando em meus


ouvidos. Sua voz é fria e rígida. ─ Eles me mandaram para escoltá-la até a aula.
Venha comigo.

Oh. Isso é simplesmente... maravilhoso pra caralho.

Ele parece chateado por ter recebido essa tarefa. Chego mais perto,
arrastando meus calcanhares o máximo possível, tentando atrasar o momento
em que o alcanço e ficamos cara a cara no espaço confinado, incapazes de evitar
o olhar um do outro. Acontece muito rápido, no entanto.

Deus, seus olhos são tão verdes. Eu nunca vi olhos dessa cor antes. Ele
não pisca enquanto olha para mim, seu lábio superior se contraindo como se
quisesse enrolar para cima em nojo. Ele passa a mão pelo cabelo espesso e
ondulado, soprando forte pelo nariz, suas narinas dilatadas. ─ Tente se lembrar
do caminho, ─ ele diz secamente. ─ Eu não vou fazer isso duas vezes.

Eu nem quero que ele faça isso uma vez.

Ele gira, virando-se e mostrando as costas para mim, e então ele sai
rapidamente, indo para a ala leste da academia. Para cada uma de suas passadas
longas, tenho que dar três para acompanhá-lo. A tensão irradia dele enquanto
ele marcha à minha frente, abrindo e fechando seus punhos enormes.

Com as pesadas portas de carvalho sólido para todas as salas de aula


firmemente fechadas, escondendo os alunos dentro, um silêncio denso inunda
o corredor enquanto Wren lidera o caminho. Amaldiçoando-me por ser tão
estúpida, eu tiro meu olhar de sua bunda, dizendo a mim mesma que não estava
verificando a forma como seu jeans está um pouco baixo, revelando o cós preto
de sua cueca. Não, de jeito nenhum eu estava checando isso.

Estou com calor e inundada com uma vergonha inexplicável. Se eu


inspecionasse essa vergonha de perto, descobriria que há uma razão para isso,
e essa razão tem muito a ver com a aparência da boca de Wren ontem quando
ele disse a palavra foda na aula do Dr. Fitzpatrick.

Um arrepio desviante desce pela minha espinha e eu balanço minha cabeça


para desalojar a memória. Estou criando novas memórias rapidamente, no
entanto. O cabelo ralo na nuca, curto e preto, onde seu cabelo foi cortado tão
rente à pele é perversamente fascinante. Eu fico olhando para a base de seu
crânio, como se eu pudesse ser capaz de perfurar a pele e o osso e ver
diretamente em sua mente, e o tempo todo minhas mãos ficam cada vez mais
úmidas. Eu quase salto para fora da minha pele quando ele inclina a cabeça para
baixo e para a esquerda, mal mostrando seus traços de perfil por um breve
segundo enquanto diz: ─ Você está jogando com Carina, então.
─ Jogando com ela?

O canto de sua boca se contorce. Não é um sorriso. Algo mais. ─ Você a


escolheu como amiga, ─ ele esclarece.

─ Sim, suponho que sim.

─ Escolha interessante.

Esse é o tipo de comentário inicial que convida alguém a fazer perguntas:


o que você quer dizer com isso? Carina é uma sociopata ou algo assim? Devo ficar longe dela?
Infelizmente para Wren, passei muito tempo descobrindo as pessoas, bem
como descobrindo suas intenções, e ele se engana se acha que vou dar a ele o
que ele quer com tanta facilidade. Ele tem algo que quer me contar sobre minha
nova amiga Carina? Então ele terá que oferecer as informações sozinho.

Não digo nada.

Wren Jacobi não diz nada.

Seguimos pelo corredor, Wren andando na minha frente, seu corpo alto e
sólido, os ombros puxados para trás da mesma forma confiante que todas as
crianças nascidas com dinheiro parecem ter. Ele vira à esquerda, depois à
esquerda e depois à direita, e antes que eu perceba, estou completamente virada
e não tenho ideia de onde estou.

Tanto para se lembrar do caminho...

Wren para abruptamente, girando, e eu quase bato em seu peito.


Aplicando as quebras o mais rápido possível, eu paro na hora certa, apenas 20
centímetros entre nós. Tão perto, eu tenho que esticar minha cabeça para trás,
apontando meu queixo para o teto, a fim de olhar para ele. ─ O que ela te
contou sobre a Riot House? ─ ele exige.
─ O que você quer dizer?

─ Tenho certeza de que Carina já mencionou a Riot House. Eu quero


saber o que ela disse.

Senhor. Ele dá suas ordens intransigentemente, como se nunca tivesse


ocorrido a ele que alguém poderia negar-lhe a informação que ele está
procurando e dizer-lhe para ir se foder. No que diz respeito a Wren, não há
realidade ou universo paralelo em que ele não seja inquestionavelmente
obedecido por todos. Aqueles olhos dele, o jade mais brilhante, rodeados com
manchas de âmbar e ouro glorioso, são tão surpreendentes que quase me fazem
deixar escapar as respostas a perguntas que ele nem mesmo me fez.

Chocolate escuro.

Os Beatles.

1984 de George Orwell.

Minha natureza desconfiada me mantém firmemente colada aos trilhos,


no entanto. Ele me cutuca com uma pergunta minha: por que ele quer saber o
que Carina disse sobre a Riot House? Ela deveria manter a boca fechada sobre
o lugar? A casa de Wren é um tópico proibido de conversa, punível com... porra,
não tenho ideia de que tipo de punição Wren poderia sujeitar uma pessoa se ela
fosse burra o suficiente para desagradá-lo. Já sei que não seria bonito. Voltando
às poucas palavras que Carina disse sobre a Riot House, eu decido que seria
inofensivo simplesmente ceder e contar a ele. Não que ele mereça a explicação.
─ Ela me disse que é onde você, Pax e Dashiell moram. É isso.

Ele estreita os olhos. Eu não acho que ele acredita em mim. ─ Ela disse a
você o que fazemos lá? Ela te contou sobre as regras?
─ Eu não sei nada sobre nenhuma regra. E tudo o que você faz na
privacidade da sua casa está ótimo para mim, cara. Absolutamente não é da
minha conta.

Ele assoa o nariz - uma expiração longa e infeliz. Eu disse algo errado,
aparentemente. ─ Ok, cara. Bem, diga a ela que ela precisa manter as coisas
assim. Se descobrirmos que ela está enchendo a cabeça das pessoas com merda,
então...

─ Ah, aí está você. Sr. Jacobi, o que está fazendo, vagando por aqui?
Direto para o escritório e de volta para a aula. Foi isso que combinamos, não
é? ─ Uma mulher alta e esguia com cabelo loiro crespo e olhos azuis fracos está
no corredor atrás de Wren, segurando um livro aberto na mão. Seus olhos
encontram os meus e ela sorri.

Um tique muscular na mandíbula de Wren - um sinal de aborrecimento,


se é que já vi um. ─ Estávamos chegando, ─ diz ele com firmeza. Cutucando-
me com a ponta de suas botas de couro marrom, ele me insiste para ir na frente
dele, em direção à mulher loira, que sorri.

─ Você é minha primeira aluna de francês, Elodie. Eu sou Madame


Fournier. Eu não posso te dizer o quão animada estou por ter alguém na classe
que fale o idioma fluentemente.

─ Ela não sabe nada de francês, ─ murmura Wren, abrindo caminho


passando pela mulher. ─ Acontece que nossa putinha francesa não é tão
francesa, afinal

Madame Fournier cambaleia com a declaração de Wren. ─ Senhor Jacobi!


Peça desculpas à Sra. Stillwater imediatamente!

Wren faz uma pausa ao lado de Madame Fournier - tempo suficiente para
se inclinar para perto, trazendo seu rosto para perto da professora de francês.
Ele olha para ela através de seus cílios impossivelmente escuros, um olhar de
desprezo silencioso em seu rosto. ─ Qual é a minha outra opção? Porque no
momento estou esgotado em desculpas.

Madame Fournier fica com um tom brilhante de vermelho. ─ Aller en


enfer,6 ─ ela cospe.

Wren sorri. ─ Convença o velho a me soltar e eu irei para lá diretamente.


Nesse ínterim, estarei na última fila da sua classe todas as terças-feiras até o fim
da porra do tempo. ─ Ele se endireita, ficando em pé em sua altura máxima -
um monstro vestindo uma camiseta preta de mangas compridas e um sorriso
malicioso - e lança um olhar entediado para mim. ─ Vamos. Há um assento
vago ao lado do meu.

Ele me agarra pelo pulso.

O choque sobe pelo meu braço, ecoando pela câmara do meu peito. Ele
ressoa como um sino tocado em minha cabeça, rugindo em meus ouvidos mais
alto do que um oceano furioso batendo contra a costa.

Ele me segura pelo pulso.

─ Eu sou perfeitamente capaz de andar, ─ eu digo em uma voz clara e


calma. ─ Não preciso ser arrastada para lugar nenhum.

Se ele não me soltar em cinco segundos, vou me soltar. Eu vou chutá-lo


nas bolas. Eu vou quebrar um de seus malditos dedos.

Cinco…

Quatro...

6
Vá para o inferno.
Três…

Wren libera seu domínio sobre mim, sorrindo irritantemente. ─ Eu não


sei o que deu em mim. Acho que te vejo lá. ─ Ele vai, deixando-me parada ao
lado de Madame Fournier, que fica nervosa e tagarela incessantemente sobre
boas maneiras e como os meninos serão meninos, mas o tempo todo posso ver
o tom nervoso em seus olhos. Ela não consegue esconder o fato de que suas
mãos estão tremendo quando ela fecha o livro e o coloca debaixo do braço.

Dentro da sala de Madame Fournier, enormes bandeiras francesas estão


penduradas nas paredes. No quadro-negro no topo da sala, a foto obrigatória
da Torre Eiffel está pendurada, emoldurada, na parede ao lado de fotos de Edith
Piaf e do Louvre. Eu faço uma avaliação rápida da situação da mesa / cadeira e
rapidamente calculo que Madame Fournier está muito abaixo da hierarquia no
Wolf Hall. O doutor Fitzpatrick ganha um escritório alto, leve e enorme com
espaço suficiente para uma biblioteca em miniatura e uma lareira aberta, e a
professora de francês ganha um camarote padrão com apenas duas janelas, sem
personalidade e escrivaninhas com tampas que parecem ser dos anos trinta.

E... sim. Simplesmente ótimo.

Há apenas um assento vago disponível, e acontece que está bem ao lado


do idiota de cabelos escuros taciturno que está queimando a mão e ainda posso
sentir algemando meu pulso. Ele não apertou seu controle sobre mim. Ele não
me puxou atrás dele. Ele não fez nada além de fechar os dedos em volta da
minha pele, mas parece que ele me marcou com seu toque, e agora estou
condenada para sempre por sua marca.

Seu corpo alto e ridículo é muito grande e pesado para caber atrás de sua
mesa; suas pernas se estendem para o corredor, seu corpo inclinado enquanto
ele se recosta na cadeira, seus olhos brilhando com curiosidade, tingidos com a
mais leve sugestão de malevolência enquanto eu caminho em direção a ele.
Ele não diz uma palavra - muito pior do que se fosse abertamente hostil.
Colocando as alças da minha mochila nas costas da cadeira, pego meu caderno,
tentando superar o medo agitado em meu estômago. Meus colegas estão
aprendendo francês há anos. Eu nem ouvi a língua falada desde que minha mãe
morreu. E eu nunca poderia entender isso, mesmo quando ela estava viva.

─ Tudo bem, alunos, ─ Madame Fournier projeta na frente da classe. ─


Onde nós estávamos? Simone, se você pudesse continuar...

A professora orienta uma garota na primeira fila a continuar lendo ou


conjugando um verbo ou algo assim. Não consigo prestar atenção, porque sou
repentinamente abordada por um odor pungente e avassalador que atinge a
parte de trás do meu nariz e minhas papilas gustativas de uma só vez.

Oh…

Meu Deus. É nojento.

Que porra é essa?

Eu posso realmente sentir o gosto.

Mofado, podre e vagamente suspeito, o cheiro é tão forte que tenho que
lutar contra a vontade de me inclinar na beirada da mesa e vomitar.

Como ninguém mais está reagindo a esse fedor agora? Rapidamente, eu


olho para os alunos sentados perto de mim. Nenhum deles está prestando
atenção em Madame Fournier. Eles estão todos tensos, olhando para o chão ou
para as mãos, ou cegamente olhando para as planilhas à sua frente,
excepcionalmente tensos. A garota sentada à minha esquerda parece que está
prestes a explodir, suas bochechas e as pontas das orelhas queimando em um
vermelho brilhante.

Outra onda do buquê de peixe me atinge e...


Oh, pelo amor de Deus.

Está vindo de dentro da minha mesa.

Tudo se encaixa perfeitamente. Obviamente, alguém colocou algo nojento


e fétido dentro da minha mesa para foder comigo, e eu sei exatamente quem é
o responsável. Claro que foi ele. Ele sabia que eu estaria sentada aqui. Eu não
ficaria surpresa se ele forçasse quem normalmente senta ao lado dele para fora
de sua mesa, para que ele pudesse ter o prazer de um assento na primeira fila
quando eu levantasse a tampa da referida mesa e descobrisse qualquer coisa
podre que ele jogou dentro.

Filho... de... um... puta... maldito.

O que devo fazer agora? Devo sentar aqui e tolerar o fedor que vem de
dentro da minha mesa? Devo ficar com raiva? Choro?

Eu não acho que Wren realmente se importe, contanto que eu faça algo.
Ele só quer uma reação, de preferência violenta, se estou lendo esta situação
corretamente.

Bem, foda-se ele. Ele não está arrancando nada de mim.

Eu me inclino contra a tampa da mesa, respirando pela boca, ouvindo


Madame Fournier. Rabiscando a uma milha por minuto, faço anotações de
todos os exercícios que preciso para pôr em dia e todos os capítulos que preciso
ler se quiser ter uma esperança de recuperar o atraso com a classe já avançada.

O coronel Stillwater sabe que não falo francês. Minha mãe sempre quis
me ensinar, ela tentava falar francês em casa quando eu era pequena, além de
inglês, mas meu pai batia nela até por sugerir tal coisa. E agora ele espera que
eu aprenda o idioma do zero e atinja uma nota excelente, caso contrário, as
consequências serão terríveis. É esse pensamento que me distrai do cheiro
pútrido que assalta meus sentidos a cada poucos minutos e me mantém focada
na tarefa em mãos.

E o tempo todo, Wren Jacobi cozinha.

Sinto seu desprazer como se você pudesse sentir uma mão na nuca,
empurrando você para baixo, tentando forçá-lo a ficar de joelhos. Ele não está
feliz por eu estar evitando seu presentinho. Nem um pouco feliz. Ele quer que
eu abra a mesa e recue de horror. Ele quer que eu faça uma cena, e tudo que
estou dando a ele é um caso sério de urticária.

Os minutos passam dolorosamente devagar. Exteriormente, estou


decidida, focada apenas em Madame Fournier e nas bobagens complicadas e
confusas que ela escreve no quadro. Internamente, estou uma bagunça. Estou
com tanta raiva, estou vibrando de raiva. Cada vez que Wren se contorce ou se
mexe em sua cadeira, faço tudo o que posso para não recuar para longe do
bastardo.

Eu não tenho medo dele.

Talvez eu devesse ter.

Pretendo levar meu tempo e descobrir se ele realmente é o inimigo antes


de decidir se devo tratá-lo como uma ameaça, no entanto. Quando o sino toca,
meu estômago está subindo, apesar de respirar pela boca. Carina prometeu me
esperar na entrada principal entre os períodos, então pego meus papéis, minhas
canetas, caderno e minha bolsa e corro para a porta sem olhar para trás.
Enquanto eu saio pela porta, meu coração um punho cerrado na cavidade da
minha garganta, eu ainda posso sentir Wren Jacobi fervendo na última fileira.
No escuro...
─ Bela menina. Tão preciosa. Tão fodidamente mimada. Você se acha intocável, não
é? Você acha que está acima da punição? Você é uma putinha suja, e todas as putinhas sujas
são punidas. Você viu isso por si mesma. Continue. Chore mais um pouco. Você sabe que
isso só me torna mais duro.

Palavras vis, más e odiosas.

Elas escorregam pelos pequenos orifícios na madeira, fazendo-me estremecer.

Posso sentir o cheiro de álcool em seu hálito.

Eu posso ouvir a loucura em sua voz.

Através dos pequenos orifícios de oxigênio na frente do meu rosto, posso ver o que ele
está fazendo. Eu posso ver como ele está se tocando.

Quando ele goza, borrifando sêmen na minha prisão, também posso sentir o cheiro.
6

Wren
─ DEVE HAVER CONSEQUÊNCIAS, cara. Sem consequências, como
algum deles saberá seu lugar? ─ Dashiell traga o baseado que acabei de passar
pra ele, segurando a fumaça em seus pulmões, os lábios se pressionando
enquanto ele franze a testa para a garota nua girando na tela do computador.
Outros caras podem guardar suas sessões privadas de câmera de sexo até terem
um momento a sós, mas Dash não tem escrúpulos em desfrutar dos serviços
que paga na frente dos outros. Dash tem muito poucos escrúpulos em geral.

Seu pau está duro, o que não é fora do comum. Ele fica duro sempre que
fuma maconha. Algum problema estranho de fiação em seu cérebro. A garota
tocando sua buceta na tela é pura coincidência.

Exalando, ele solta uma baforada insubstancial de fumaça, a maior parte


dela já tendo sido absorvida por seus pulmões. Sua calça jeans formal e seu
suéter cinza fazem com que ele pareça que está prestes a ir para a igreja. Seus
olhos injetados de sangue o fazem parecer que acabou de chegar, recém-saído
do barco do inferno. ─ Não acho que Carina goste de mim. ─ Ele aponta a
ponta do baseado para mim. ─ Não sei se você percebeu, mas sempre que entro
em uma sala, ela sempre parece estar saindo. Se eu fosse um cara suspeito,
acharia que poderia tê-la chateado.

Hah. Bastardo doente. Sim, Dash definitivamente irritou Carina e ele sabe
disso. Esses jogos mentais que ele gosta de jogar estão tão profundamente
enraizados em sua própria identidade que às vezes ele se esquece de que não
precisa jogá-los dentro das paredes de nossa casa, no entanto. Pego o cachimbo
dele, enfiando a erva na tigela com raiva. Quando toco a chama do isqueiro,
puxo com força, enviando um jato de fumaça escaldante, espessa e altamente
potente que desce pela parte de trás da minha garganta.

Eu preciso tossir, mas não vou. Eu me recuso a me permitir. Eu me forço


a superar a necessidade enlouquecedora e desesperada com um sorriso amargo
estampado em meu rosto. Meus olhos ardem quando eu finalmente expiro. ─
Acho melhor você dar um largo espaço antes de decidir foder com ela
novamente, ─ eu aconselho. ─ Carina é fogosa. Ela vai cortar suas bolas para
você se você não tomar cuidado.

─ Aww. Você está preocupado com minhas bolas, Jacobi? ─ Dash


bagunça meu cabelo, bagunçando a prega casual atrás da orelha que eu estava
usando. Eu rosno sem entusiasmo. Existem certas coisas com as quais Pax pode
se safar, como comer na porra da minha cama e conseguir comida em todos os
lugares. Ele não viveria para contar a história se tentasse bagunçar a porra do
meu cabelo, no entanto. Tenho uma dinâmica muito específica com meus dois
amigos e não gosto de um sangrar no outro. É assim que a merda fica confusa.

─ Suas bolas não me preocupam, idiota. Elas provavelmente vão


apodrecer e cair por conta própria a qualquer momento. Estou mais
preocupado em manter a discrição. A última coisa de que precisamos é
Harcourt incitando seus lacaios sobre nós novamente.

Dashiell se joga contra o sofá, distraidamente agarrando a ponta de seu


pau através da calça e dando um aperto. Ele franze a testa para a garota em seu
laptop, que agora está totalmente dedilhada, tentando provocar algum tipo de
reação nele. Ele franze a testa, irritado. Fechando o laptop, ele desliza o
MacBook pela mesa de centro, quase derrubando um vaso de planta falso que
comprou na semana passada na tentativa de ‘iluminar o lugar’.

─ Está bem. Estou entediado com as mulheres, de qualquer maneira, ─


ele anuncia. ─ Você já transou com um cara, Jacobi?
Isso não é da conta dele. No entanto, não tenho motivo para esconder
nada de ninguém. Tenho calculado e cuidado com cada movimento que fiz
desde os nove anos de idade. É exaustivo ter que traçar e planejar
absolutamente tudo o que você faz, mas também significa que tenho poucos
arrependimentos. Como posso me arrepender de algo se ponderei todas as
consequências e as considerei aceitáveis antes de agir? ─ Tentei de tudo pelo
menos uma vez, Lord Lovett. Não faz sentido deixar pedra sobre pedra, certo?

Se ele me perguntar se eu gosto de ter um pau enfiado na minha bunda,


estou preparado para quebrar minha regra de ─ não há necessidade de mentir
para os amigos ─, só desta vez. Ou pelo menos dobrar um pouco. Ele não
pergunta isso, no entanto. Ele acena com a cabeça, os cantos de sua boca
puxados para baixo em um olhar de surpresa enquanto ele se acomoda contra
as almofadas do sofá. ─ Posso tentar, ─ diz ele. ─ Pode animar o resto do ano.
Minha mãe teria um ataque cardíaco se eu trouxesse um namorado para casa. ─
Ele ri loucamente, seu pomo de adão subindo e descendo em sua garganta
enquanto ele fecha os olhos, jogando o braço sobre o rosto. ─ Não leve isso
para o lado pessoal, mas não consigo ver que foder você seria divertido, Jacobi.
Você está muito mal-humorado. Parece que você morde.

Eu solto uma gargalhada aguda. ─ Pode apostar sua porra que sim.

Dash levanta o braço, abrindo um olho para que ele possa me espiar pela
fresta. ─ Você também está com raiva, não é? Deve ser assustador ter você
pairando sobre uma pessoa, todo fogo, enxofre e morte, sabendo que está
prestes a ser destruído de dentro para fora.

─ Eu quero que você saiba que eu sou um amante muito terno.

Dash quase morre sufocado por um ataque de riso contundente. ─


Besteira. Você não saberia se ele pulou e quebrou a porra dos dentes da frente.
─ É exatamente desse tipo de concurso de que estou falando.

Ele sorri, mostrando duas fileiras de dentes muito brancos e retos. Se Lord
Lovett Snr e Lady Lovett tivessem se importado com seu filho, mesmo que um
pouquinho, eles o teriam poupado da tortura de aparelho ortodôntico quando
ele era criança e deixado seus dentes um pouco tortos. Com o conjunto de
brancos perolados perfeitos nele agora, ele está completamente perfeito. É um
perfil de beleza clássica, mas também tira de seu rosto qualquer coisa realmente
interessante de se olhar. ─ O que quer que você diga, Lorde das Trevas. É assim
que vai ser com sua garotinha francesa, então? Acaricia aquele hematoma?
Beijos que sangram?

Beijos que sangram?

Quase deixei cair o cachimbo que estava prestes a usar, mas consegui
prendê-lo com a mão antes que ele se espatifasse na mesinha de centro de vidro.
A imagem que a frase acabou de trazer à mente me deixou praticamente
ofegante, meus lábios queimando, o céu da minha boca formigando como um
louco. Eu não gosto do gosto de sangue, mas a ideia de morder Elodie com
força suficiente para quebrar a pele...

Porra.

─ Não. Não estou interessado nisso com ela. ─ Eu digo isso com
sinceridade. Pareço muito convincente. Então, por que parece que acabei de
despejar um monte de MDMA7 bom na minha garganta, e a ansiedade está
crescendo dentro de mim enquanto espero para começar a rolar? Não faz
sentido, porra.

7
Ecstasy
Como sempre, Dash resmunga, deixando claro que ele me conhece
melhor que isso e não acredita em mim por um segundo.

─ Os superiores do pai dela. Eu teria cuidado se fosse você, ─ diz ele,


disparando o aviso que acabei de dar a ele de volta para mim. ─ Você sabe o
que vai acontecer se seu pai descobrir que você sujou uma das filhas preciosas
de um colega. Vai haver um inferno para pagar e mais um pouco.

Desde que eu penso em todas as minhas ações tão cuidadosamente, eu


obviamente pensei sobre isso. Fiz muitas pesquisas sobre o coronel Jason
Andrew Stillwater e consegui uma boa leitura do terreno. Felizmente para mim,
o pai de Elodie não é um homem querido. Meu próprio pai, quando mencionei
brevemente o coronel Stillwater durante um telefonema na semana passada, o
chamou de boceta arrogante. E meu pai gosta de todo mundo. Além de mim,
claro.

─ Não esquente essa sua linda cabecinha, Lovett. Tudo está sob controle.
Eu sei quando dizer quando. Vou me divertir e então vou encerrar o dia. Tenho
a faculdade no horizonte, de qualquer maneira. Estamos todos economizando
nossa energia da melhor maneira para quando as verdadeiras aventuras
começarem no próximo ano.

─ Wren. Seja realista, ─ Dash repreende. ─ Você já está nisso até o pescoço
com essa garota. A maneira como você está pensando nela é um material
clássico de obsessão de Jacobi. E ela não abriu a mesa, o que eu sei que está
deixando você louco.

Eu gostaria que ele não estivesse certo sobre isso. Eu não deveria estar tão
fora de mim pelo fato de Elodie não ter descoberto as pernas de sapo mutiladas
que eu plantei em sua mesa. Era uma tática de colegial, infantil pra caralho, mas
eu a observei na outra noite e eu sabia que ela era medrosa. Se ela não tivesse
percebido de antemão e tivesse levantado a tampa daquela mesa, ela teria
enlouquecido. Ela me roubou essa experiência, e sim, eu estou puto pra caralho
com isso. ─ Não se preocupe. Eu tenho um plano, ─ eu digo.

─ Puta merda. Parece sinistro, ─ Dash geme. Seu sotaque sempre torna o
som de xingamentos muito mais divertido. ─ Você não está planejando invadir
o quarto dela, está? Porque a última vez que você fez isso...

Eu acendo a erva no cachimbo, sugando a fumaça espessa e doce em


minha boca, então assopro em Dash, que se senta, alerta. Ele estende a mão,
gesticulando para um golpe próprio. O cara não tem vergonha. Se tivesse, faria
algo para esconder a tenda que seu pau ereto está fazendo na frente de suas
calças. E não estou falando de uma barraca de corrida de aventura para dois
homens. Estou falando de uma tenda palaciana para oito homens com uma sala
de estar separada. Seu pau deve estar matando ele. ─ Você não pode mudar de
assunto com Mary Jane8, ─ ele adverte, dando uma forte e profunda tragada no
cachimbo. ─ A prova de bomba da minha memória de curto prazo. Lembro-
me da merda em que você se meteu na última vez que invadiu o quarto de uma
garota. E aquele quarto? Deus, você deve estar louco pra caralho. Se você quer
foder a garotinha francesa, então faça isso e tire isso do seu sistema, apresse-se.
Qualquer outra coisa, e, bem... ─ Seus olhos rolam para trás em sua cabeça,
suas pálpebras se fechando. ─ Qualquer outra coisa seria uma má notícia para
você, meu amigo. Você sabe que é verdade.

8
Um “apelido” para maconha – Marijuana.
7

Elodie
A FREIRA ELIZABETH MARY WHITLOCK foi enforcada por
suspeita de bruxaria na reitoria da pequena igreja gótica de Wolf Hall em 1794.
Aprendi isso na quarta-feira, enquanto explorava o antigo prédio em ruínas com
Carina depois da nossa última aula do dia. Nós vasculhamos pilhas de vidro
quebrado das janelas quebradas, os cacos desgastados, lisos e opacos como
vidro colorido do mar antigo, e Carina encontra um rosário antigo. É lindo, as
contas alternando entre o que parece labradorita e prata maciça, e na ponta um
grande e delicado crucifixo pendurado em ouro. Nós duas estamos com muito
medo de que possa ter pertencido a Elizabeth Mary Whitlock para mantê-lo,
então o enterramos no cemitério lotado nos fundos da igreja ao lado de uma
lápide tão antiga que as letras esculpidas na pedra se desgastaram para algo que
não dá para entender.

Na quinta-feira, Carina me guia para um forro escuro e apertado na parte


de trás de um armário de limpeza no final do nosso corredor e me empurra para
dentro.

No começo, estou petrificada. Não sou boa com espaços apertados. Nos
últimos três anos, fiz tudo o que pude para dominar meu medo, desde me
trancar em armários até espaços ainda mais apertados onde mal posso me
mover, aprendendo a respirar e superar meu terror estrondoso. Contra todas as
probabilidades, agora posso suportar a claustrofobia premente, mas a
perspectiva de rastejar no espaço escuro e estreito ainda é assustadora.

Além do meu pânico, também tenho suspeitas. Carina, com seu sorriso
fácil e sua risada amigável e gregária, me trata como se fôssemos amigas a vida
inteira. Eu nunca conheci uma garota como ela. Uma parte feia de mim – a
parte que foi alvo de muito bullying e abuso nas mãos de outras alunas no
passado – acha que ela pode estar me preparando para uma brincadeira épica.

Decido confiar no meu instinto, porém, e entro, ignorando a batida


frenética do meu coração, prendendo a respiração para não inalar a poeira, e me
arrasto para a frente de barriga até ser cuspida dentro de um enorme, sótão
cavernoso com um banco de pequenas janelas sujas com vista para o gramado
e o círculo de viragem em frente à academia.

Carina grita, encantada, enquanto exploro o sótão abandonado e


desordenado, me observando com alegria aberta enquanto vasculho baús de
viagem e caixas de papelão podres, maravilhada com os tesouros que encontro
lá dentro.

Na sexta-feira, as garotas do quarto andar — Pres, a ruiva, Rashida, Chloe,


Loren e até Damiana se reúnem no quarto de Carina, que é pelo menos duas
vezes maior que o meu, e todas nós nos esparramamos em pufes, travesseiros,
e almofadas, e assistimos Love Really, que todo mundo se diverte ao saber que
eu nunca vi antes. Dividimos pipoca. Falamos sobre nossos respectivos países,
nossas infâncias e nossas educações diferentes, mas tão semelhantes, e tudo
parece novo e muito parecido.

Fiquei emocionada quando soube que estava voltando para os Estados


Unidos. Eu ficaria emocionada se fosse enviada para qualquer lugar, desde que
fosse longe dele. Agora que estou aqui e estou realmente fazendo amigas, parece
que eu poderia ser feliz o suficiente aqui. Estou gostando das aulas, e até
Damiana parece ter descongelado um pouco. Os únicos espinhos em potencial
do meu lado são os garotos da Riot House, e nenhum deles sequer olhou em
minha direção desde terça-feira.
Meu quarto é frio e cheio de correntes de ar como um necrotério, e as
luzes piscam toda vez que eu as ligo. Minha cama é irregular e desconfortável
pra caralho, mas com o Coronel Stillwater do outro lado do mundo, eu não
durmo tão bem há... bem, nunca.

Deixando de lado Wren, eu diria que, nas primeiras semanas nas novas
escolas, esta tem sido bastante bem-sucedida.

Sábado de manhã chega, e a porta do meu quarto se abre com um estrondo


ensurdecedor BANG! Eu me jogo para fora da cama, com o coração batendo
no meu peito, adotando uma postura de luta automática até que percebo que é
Carina, vestida com um macacão laranja brilhante, arqueando a sobrancelha
direita para mim como se eu fosse comprovadamente insana. ─ Ei, calma,
Jackie Chan. O que diabos é isso tudo? Você está prestes a cortar meu pescoço
com um golpe de caratê ou algo assim?

Eu tomo uma respiração calmante, endireitando minha postura de defesa


o mais rápido possível, rindo nervosamente baixinho. ─ Ah, você sabe como é.
Pai militar. Ele costumava me forçar mais do que forçava seus homens. ─ Isso
não é uma mentira. É a verdade. Só não toda a verdade. Ela tem sido incrível e
acolhedora, mas eu não conheço Carina o suficiente para estar derramando essa
merda ainda. Talvez eu nunca a conheça bem o suficiente.

Carina se encolhe, me dando um tapinha no ombro com simpatia. ─ Eu


literalmente agradeço a Deus todos os dias que meus pais são apenas merdas
preguiçosas e não militares. Não fui feita para sair rolando da cama e me
preparando para lutar uma fração de segundo depois de acordar. Você me
impressiona.

Inquieta, puxo a camisa de futebol grande do Real Madrid com a qual


dormi na noite passada, colocando-a na posição de modo que cubra o topo das
minhas pernas. Parece que Carina comprou minha meia verdade, ou pelo
menos ela não suspeitou que era apenas uma meia verdade. Vendo o velho
relógio digital na mesa de cabeceira, eu gemo na hora. ─ Oh meu Deus, Carina.
O que você está tentando fazer comigo? São seis e quarenta e cinco!

─ É a que horas sempre nos levantamos.

─ Durante a semana! É sábado. Não tenho direito a um descanço? É cruel


acordar uma garota antes das oito no fim de semana.

Carrie ri. ─ Se você não acorda antes das sete e meia de sábado, Harcourt
faz você ajudar a servir o café da manhã comunitário no refeitório. Você fica
presa limpando panelas e frigideiras até o meio-dia. E se você não estiver fora
do prédio até as oito de um domingo, o Sr. Clarence a obriga a participar de seu
culto de gratidão não-confessional, e isso, minha amiga, é um destino pior do
que a própria morte.

Ah. Droga. Acho que ainda há muito a aprender no que diz respeito às
operações do dia a dia em Wolf Hall. O café da manhã comunitário soa como
tortura. E serviço de gratidão não-confessional? Sim, foda-se. ─ Quanto tempo
tenho para me preparar? ─ Eu pergunto, já correndo para o armário para pegar
uma roupa.

─ Vinte e cinco minutos, ─ aconselha Carina, verificando a hora em seu


celular. ─ Chuveiro, maquiagem e cabelo. Vamos lá. Passado um segundo e
estaremos presas a colocar mingau em bandejas de comida como presidiárias
de plantão no refeitório, e eu não usei esse macacão para ser irônica. Vai, vai,
vai, vai, vai!

***

Nos últimos cinco dias, meu mundo tem sido Wolf Hall. As aulas, as
pessoas, o prédio em si... tudo foi tão avassalador, tanta informação jogada em
mim de uma só vez, que minha mente não considerou o mundo além da borda
dos gramados imaculadamente mantidos da academia. Agora que estou no
clássico Firebird de Carina, acelerando pelas estradas longas e sinuosas com o
vento soprando no meu cabelo, de repente me sinto livre. Como se
absolutamente tudo fosse possível.

New Hampshire é um caleidoscópio ‘feuille morte’ de tirar o fôlego: todos


os laranjas queimados, âmbar, castanho-avermelhado e carmim. As árvores de
inverno, ainda teimosamente agarradas à folhagem colorida de outono, passam
como um borrão enquanto Carina queima pelas chicanes9 e curvas fechadas que
descem a montanha como se ela fosse uma piloto de rally em uma vida passada.
Logo, chegamos à própria cidade de Mountain Lakes - uma dúzia de pequenas
lojas pitorescas; uma escola secundária; um campo de futebol e não muito mais
- e estou agradavelmente surpresa ao descobrir que a cidade é na verdade
cercada por dois belos, vastos e brilhantes lagos.

Carina para do lado de fora de uma lanchonete chamada Screamin' Beans


e puxa o freio de mão do carro antes mesmo de o veículo parar de se mover.
Não tenho dirigido muito desde que passei no teste de motorista em Israel,
então mal posso julgar, mas Carina é um pouco arrepiante ao volante. ─ Vamos,
─ ela ordena. ─ Esses caras têm o melhor café da manhã, mas param de servir
super cedo para que as crianças do Wolf Hall não os incomodem.

─ Não somos crianças do Wolf Hall? ─ Eu a chamo, enquanto ela salta


em direção à entrada do restaurante.

─ Não contamos! Vamos!

Carina escolhe sua própria mesa - uma mesa de canto ao lado de uma
jukebox vintage - e se sente em casa. Sento-me em frente a ela, me perguntando
exatamente quantos cafés ela tomou antes de chutar a porta do meu quarto esta

9
Chicane é um desvio artificial em um caminho sinuoso a fim de diminuir a velocidade de quem por ele
passa como medida de segurança.
manhã. É profano que alguém tenha tanta energia em uma hora tão horrível,
mesmo que o sol esteja brilhando.

─ Bem, bem, bem. Olha quem é. Senhorita Carina Mendoza, em carne e


osso. Pensei que você tinha ido e morrido naquela montanha, garota. Onde
você esteve? Todo o nosso bolo de limão estragou no fim de semana passado.
Nós não fazemos isso para ninguém além de você. ─ A garçonete que vem nos
servir sorri largamente para minha amiga, inclinando-se casualmente contra a
lateral da mesa. Ela bate seu bloco de notas em cima da cabeça de Carina, me
estudando com desconfiança pelo canto do olho. ─ E quem, por favor, diga, é
esta?

─ Jazzy, esta é Elodie. Elodie, este é a Jazzy. Ela trabalha na Screamin'


Beans nos últimos vinte e cinco anos.

─ Vinte, garota! Vinte anos! Não me deixe mais velha do que já sou! ─ Ela
finge estar de mau humor, enfiando o bloco de notas de volta no bolso da frente
do avental. ─ Acho que você não quer bolo de limão hoje. Sem café também.

─ Oh meu Deus, Jazzy, você sabe que cinco anos não fariam diferença, ─
diz Carina, segurando-a pela mão. ─ Você vai parecer ter dezoito até o dia em
que morrer. Por favor, não tire o café.

Jazzy ri, revirando os olhos. ─ Está bem, está bem. Eu odiaria ter que ver
uma criança pobre, desnutrida e empobrecida, como você, ter que implorar por
um pouco de cafeína, ─ diz ela, falando um pouco mais grosso. ─ Eu volto já.
Você quer café também, criança? ─ ela me pergunta.

─ Chá, por favor. Se você tiver. E um pouco de leite frio ao lado?

Não acho que meu pedido fora do comum me faça algum favor aos olhos
de Jazzy. Café preto direto, ela pode embarcar, mas chá quente com leite? Ela
provavelmente acha que isso é um tipo de ordem de criança elegante de Wolf
Hall. Ela anota meu pedido do mesmo jeito e corre na direção da cozinha.

─ A maioria das outras crianças dirigem até Franconia em busca de um


Starbucks. Eles não percebem que o café aqui é tão bom, ─ diz Carina.

─ E você não andou por aí, compartilhando seu segredo?

─ De jeito nenhum! ─ Ela sorri, balançando as sobrancelhas. ─ Este é o


meu local de manto e adaga. Eu só trago as melhores e mais confiáveis pessoas
aqui.

─ Fico feliz em saber que faço parte delas.

Ela está prestes a me bater com um retorno, seus olhos dançando e


afiados, mas então a alegria que irradia dela desaparece abruptamente. Ela vê
algo por cima do meu ombro e tudo sobre ela muda. A campainha acima da
porta do restaurante toca, anunciando um novo cliente, e Carina se encolhe em
seu assento, todo o seu entusiasmo vaporizando em uma nuvem de fumaça. ─
Sim, bem. Geralmente sou muito boa em avaliar quem deve entrar no clube
Screamin' Beans, mas às vezes até eu cometo um erro de julgamento.

Atrás de mim, uma voz masculina com um forte sotaque inglês pede uma
mesa para três, e minhas entranhas se emaranham em um nó em alta velocidade.
Impressionante a rapidez com que passo de relaxada e à vontade para congelada
e desconfortável. Carina e eu devemos ser uma bela visão, deslizando em nossos
assentos.

─ Podemos levar nosso café da manhã? ─ Eu sugiro. ─ Dirigir até


encontrar um lugar legal, ou podemos comer à beira do lago? ─ É uma merda
ter que sair só porque Dashiell apareceu, mais do que provavelmente com Pax
e Wren a reboque, mas não estamos em Wolf Hall agora. Eu não quero o fim
de semana arruinado por suas besteiras.
Carina balança a cabeça. ─ Ele nos viu. Vamos parecer fracas se
desistirmos agora. Devemos apenas relaxar e aproveitar ao máximo. Me
desculpe, eu não queria reagir dessa forma, é só que... Dashiell sabe exatamente
como me irritar.

Ela pode não querer falar sobre isso, mas minha curiosidade está levando
a melhor sobre mim. Eu tenho que perguntar a ela. Eu tenho que saber. ─ Acho
que aconteceu algo entre vocês? Algo... romântico?

─ Ah! ─ Ela balança a cabeça, olhando para o teto. ─ Romântico? Sim.


Acho que você poderia chamar assim. Ele era charmoso e educado. Um
verdadeiro cavalheiro. Me tratou com respeito. Me levou para jantar. Bebeu e
jantou comigo. Me fez sentir tão especial que eu pensei que eu era a única garota
que ele já se interessou. E aquele fodido sotaque. Ele me pegou bem, Elle. Juro,
sempre me orgulhei de ser mais esperta do que a garota burra que é enganada
por um cara bonito com algumas falas bregas. Eu deveria ter visto isso
chegando. Eu deveria tê-lo visto a uma milha de distância, mas ele me
surpreendeu totalmente.

─ Eu estava me salvando. Nem tinha deixado um cara roçar minha boceta


com o dedo indicador antes. Eu era virgem. E eu estou falando virgem. Nenhuma
experiência qualquer. E então, se esgueirando apareceu Lord Dashiell Lovett, o
quarto, com seu maldito título de família, e seus ares e graças, e ele olhou
profundamente em meus olhos e me disse que me amava, e eu apenas... ─ mãos
em desgosto. Seus dedos batem na mesa, cortando a madeira quando ela os
derruba. ─ Eu apenas abri minhas malditas pernas para ele como se não fosse
nada. Dois dias depois, ele me pediu para encontrá-lo no observatório depois
do jantar. Então eu fui, animada para vê-lo, beijá-lo, dizer a ele que eu tinha me
apaixonado por ele... e eu entro para encontrar Amalie Gibbons de joelhos com
seu pau toooooodo descendo pela garganta dela.
Uma lágrima escorre por sua bochecha, e meu coração aperta com força,
doendo por ela. Alcançando a mesa, eu seguro a mão dela, balançando a cabeça.
nem sei o que dizer…

─ E você sabe a pior parte? ─ ela diz, rindo trêmula, afastando as lágrimas
desonestas. ─ A pior parte foi que ele nem se importou. Ele não estava
envergonhado. Não lutou para empurrá-la para longe dele, ou puxar suas calças
para cima, ou vir atrás de mim. Ele me viu, parada ali na porta, viu a dor em
meus olhos... e ele riu. Ele disse... ─ Ela limpa a garganta, franzindo a testa
profundamente. ─ Ele disse: ‘Parece que eu posso ter cometido um erro de
agendamento. Você pode voltar em uma hora? Eu devo estar pronto para ir de
novo até lá.'

─ Uau. Que idiota inacreditável. ─ Tão, tão, tão merda. Quem faz algo
assim? Algum cara com dinheiro, um título, um sotaque e um nome como o maldito Dashiell?
Uma voz na parte de trás da minha cabeça oferece. Parece tão óbvio depois do
fato, mas eu entendo. Carina é uma garota inteligente, mas caras como Dashiell
são mestres manipuladores quando querem. Eles são excepcionalmente
talentosos e muito bem treinados para conseguir o que querem. Pode parecer
tão real na hora…

Eu não posso contar quantos caras eu encontrei como Dashiell Lovett. A


única razão pela qual eu nunca me apaixonei pelas besteiras deles e dei a eles
exatamente o que eles queriam era porque meu pai teria me matado dez vezes
e mais algumas. Ele só me deixou sair com Levi porque sabia que era gay. Nunca
deixou de me surpreender que meu pai pudesse odiar tantas pessoas em graus
tão brilhantes e surpreendentes, por todos os tipos de razões estúpidas e sem
sentido, mas ele nunca teve problemas em eu ter um amigo gay.

─ Eu gostaria de ter estado aqui, ─ digo a ela. ─ Eu teria chutado a bunda


dele por você, sem dúvida.
─ Ainda há tempo, ─ ela brinca, sorrindo torto em meio a uma nova
rodada de lágrimas. ─ Você é uma boa amiga. Talvez se você estivesse aqui,
você poderia ter colocado algum sentido em mim e me impedir de fazer papel
de boba.

─ Não faça isso. Você não se fez de boba, ok. Você confiou em alguém
que mentiu para você e partiu seu coração. Isso reflete o mal nele, não em você.
Em algum momento, o carma vai aparecer e torná-lo infértil como punição.

─ Jesus. Eu realmente espero que não.

Porra, o que diabos há com esses garotos, se aproximando das pessoas?


Eu deveria estar prestando atenção no paradeiro preciso de Dashiell,
especialmente porque estamos falando sobre ele, mas eu deixei cair a bola.
Vestido como se fosse assistir a uma partida de pólo, o filho da puta presunçoso
se inclina contra o balcão, enfiando um palito na boca enquanto olha de mim
para Carina. Seu olhar se fixa nela, cheio de emoções contraditórias. Por um
segundo, eu acho que ele parece arrependido, mas então eu vejo o prazer cruel
piscando em seus olhos azuis, e eu quero pular da minha cadeira e chutar o filho
da puta bem na bunda.

─ Você pode gentilmente ir se foder, ─ eu assobio. ─ Esta é uma conversa


privada. Você não é bem-vindo nesta mesa.

Dashiell olha para a esquerda e depois para a direita, as sobrancelhas


subindo. ─ Desculpe, meu amor. Estou aqui no balcão, cuidando dos meus
negócios. Que culpa eu tenho se você está falando alto o suficiente para acordar
um homem morto e dar-lhe uma ereção? Ouvi algo sobre Amalie Gibbons de
joelhos com o pau de alguém na boca e perdi todo o senso de decoro. E então…
─ Ele ri, levantando um dedo, ─ … e então, eu me lembrei que eu tinha Amalie
Gibbons de joelhos e meu pau estava em sua boca, e as coisas ficaram realmente
confusas. Porque foi uma época muito divertida, meninas. Um tempo muito
divertido. Estou triste por você não querer mais brincar comigo, Carrie. Acho
que deveria ter dito que estava arrependido ou algo assim. Mas antes tarde do
que nunca, certo?

Puta merda. As pedras neste pau.

Jazzy chega com nossas bebidas no pior momento possível. Ela cantarola
baixinho, balançando de um lado para o outro enquanto coloca o café de Carina
na frente dela e depois arruma minha parafernália de chá para mim. Seu sorriso
desaparece quando ela vê que Carina está chorando e suas bochechas ainda
estão molhadas. ─ O que em nome de Deus... ─ Ela olha para mim como se
eu fosse responsável pela angústia de sua amiga, mas então ela vê Dashiell
vagando pelo balcão e sua expressão escurece. ─ Ah não. Não, não, não. Eu
não sei quem você é ou qual é o seu nome, garoto, mas é melhor você sair da
minha vista em dois segundos ou você vai desejar nunca ter nascido.

Dashiell quase ronrona. ─ Senhora, eu sou um niilista. Eu realmente não


me importo se eu vivo ou morro. Juntar a quantidade de energia necessária para
desejar nunca ter nascido é muito improvável da minha parte. Eu recomendo o
discurso empolgante, no entanto. Posso pegar um ‘wet cappuccino’10 quando
você tiver um segundo?

Jazzy apenas o encara. ─ Rapaz, você deve ter levado uma pancada na
cabeça quando era criança. Você não vai conseguir nada. Agora dê o fora daqui
antes que eu chame a polícia.

Admiro a tenacidade de Jazzy. Ela é garçonete em um restaurante de


cidade pequena, provavelmente ganhando um salário-mínimo. Ela sabe que
Dashiell é um estudante do Wolf Hall. Ela deve saber que, com um telefonema
de Dashiell para o pai dele, a Screamin’ Beans terá sido comprada e fechada

10
Cappuccino com mais leite quente.
antes que ela possa sequer dar um chute nas calças do bastardo mimado. Ainda
assim, ela fala o que pensa; ela não se deixará intimidar por ele. Uma mulher
corajosa, de fato.

Dashiell sorri. É inquietante, aquele sorriso. Isso me faz querer me


esconder. ─ Você me lembra minha avó. não gostava muito dela. Ela era uma
mulher muito sincera. ─ Ele passa a língua pelos dentes, afastando-se do balcão.
─ Eu honrarei seu pedido e me sairei. Meus amigos podem pedir um para
viagem para mim, no entanto. Eu apreciaria se você mantivesse a saliva no
mínimo. Existe um amor. ─ Ele sai sem reconhecer Carina novamente.

─ Aquele pedaço de merda presunçoso. Aposto que ele nunca teve sua
pele curtida para ele. Eu deveria fazer um favor a ele e colocá-lo sobre meu
joelho. Dar uma surra nele por causa daquela boca espertinha dele.

─ Eu não faria, Jazz, ─ Carina diz mal-humorada. ─ Ele só iria gostar.

Uma hora depois, depois de escolhermos nossas refeições e esvaziarmos


nossas xícaras de café, nenhuma de nós realmente com vontade de sair, Carina
me leva de volta para a academia. Ela para no meio da estrada, alguns
quilômetros antes da longa e sinuosa entrada que leva ao Wolf Hall. Ela está
sentada no meio da estrada com o motor do carro em marcha lenta, olhando
para a frente pelo para brisa.

─ Carina? O que foi?

Ela pisca, como se estivesse voltando para seu corpo. ─ A direita. Através
das árvores. Olhe bem o suficiente e você verá.

─ Verei o que? ─ Aperto os olhos por cima do ombro direito, espiando


através da espessa folhagem da árvore.
─ A casa, ─ diz ela. ─ A casa Riot. É onde eles moram. Os três, juntos,
sua pequena fortaleza contra o mundo.

É preciso algum esforço e um reposicionamento da minha cabeça, mas


está lá... sim, eu vejo o contorno do prédio agora. Um prédio de três andares –
madeira, concreto, vidro – tão habilmente misturado com a camuflagem da
floresta que seria impossível identificar se você já não soubesse que estava lá.

─ Se você se encontrar encalhada e sozinha nesta estrada, não vá bater


naquela porta pedindo ajuda, Elodie, ─ Carina murmura. ─ Faça o que fizer,
não importa as circunstâncias, não entre na casa Riot. Para melhor ou para pior,
você não sairá a mesma.

Eu nem vi Wren no restaurante, mas senti sua presença com certeza.


Quando Carina engata o carro e pisa no acelerador, eu experimento a mesma
sensação de formigamento novamente. Parece que Wren Jacobi está me
observando. E Carina pode fugir da casa Riot tão rápido quanto quiser.

Eu não vou conseguir escapar daquele lugar...

... ou dele.
8

Wren
DE VOLTA A LANCHONETE, encostado na mesa em nossa cabine,
eu pressionei a lâmina chata e cega da faca de manteiga na ponta carnuda do
meu polegar, olhando para a parte de trás de sua cabeça, imaginando o que
diabos estava acontecendo lá dentro.

Eu nunca me importei com o que uma garota está pensando ou sentindo


antes, mas não consigo me impedir de tentar juntar as peças do enigma que é
Elodie Stillwater. Ela sente falta de sua antiga vida? Seus velhos amigos? Ela
sente falta do sol, do calor, do oceano e da areia? Ela mataria para estar de volta
a Israel com seu pai e a vida a que estava acostumada?

Tornei-me uma paródia de mim mesmo enquanto ando pelos antigos e


familiares caminhos para minhas aulas no Wolf Hall, tentando manter um
exterior de tédio praticado e completo desinteresse, quando na verdade sou
tudo menos desinteressado. Estou tudo menos entediado. Pela primeira vez em
muito, muito tempo, meus ouvidos estão aguçados, minha mente está ocupada,
e cada parte do meu ser está voltado para uma garota que não conheço nem um
pouco.

Quero saber tudo o que há para saber sobre ela, e quero possuir esse
conhecimento, assim como quero possuí-la. Estou determinado a torná-la
minha criatura. Meu animal de estimação. O desafio de uma tarefa tão
inconcebível deixa meu pau mais duro do que a porra de tungstênio.

─ Tudo bem. Estabeleça-se. Olhos em mim, amigos. Eu preciso saber que


cada um de vocês está ouvindo. Isso inclui você, Jacobi. Vamos. Sem óculos de
sol. Por que diabos você está usando óculos escuros dentro da sala, afinal?
Fitz está vestindo seu blazer de veludo com cotelê hoje. Merda de bebê
verde. Ele só usa esse blazer quando está lendo Byron ou Rilke e se considera
um dos românticos. Pobre coitado. Ele não foi torturado o suficiente nesta vida
para se tornar um bom poeta. Com cuidado exagerado, deslizo meus Wayfarers
pela ponte do meu nariz, olhos perfurando-o enquanto ele joga sua bolsa de
discos aos seus pés. Eu não tenho que me explicar para ele. Tenho certeza de
que não vou dizer a ele que usei óculos escuros nesta aula de inglês para poder
observar uma certa aluna delicadamente linda sentada do outro lado da sala,
imperturbável. ─ Você me conhece, Fitz, ─ eu resmungo. ─ Você sempre tem
minha total atenção.

Ele faz uma careta. ─ Sim. Certo. ─ Não volte. Ele ainda não deve ter
tomado um café. Enquanto estou pensando nisso, nosso ilustre líder abre a
frente de sua bolsa de discos e tira uma garrafa térmica, tirando a pequena tampa
branca de cima e desatarraxando o selo, inundando a sala com o cheiro amargo
e perfumado de arábica. ─ É aquela época do ano de novo, pessoal. Temporada
de tempestades. Tivemos vários novos alunos desde o início do inverno
passado, então essa informação é importante. Mesmo se você fosse um
estudante aqui no inverno passado, eu ainda apreciaria alguns segundos do seu
tempo para revisar isso. Pense nisso como uma atualização.

Do outro lado da sala, sentada em um sofá amarelo e gasto sob uma


gravura clichê e totalmente sem classe de ─ The Kiss─ , de Gustav Klimt,
Carina cutuca Elodie com o cotovelo e sussurra algo em seu ouvido. Na minha
mente, sou eu me inclinando para ela, trazendo meu nariz para o cabelo dela,
perto o suficiente para sentir o cheiro dela e guardá-lo na memória. Também
imaginei de perto a textura sedosa e suave de sua pele. Eu me debrucei sobre
sua imagem em telas eletrônicas e a estudei gravada a tinta, mas ainda não a
segurei e inspecionei suas feições pessoalmente. Eu quero. Mais do que tudo,
eu a quero debaixo de mim, se esticando contra mim, enquanto descubro o jeito
que ela franze a testa. Quero ver como é o medo dela. Mais importante, eu
quero ver a mentira sobre ela. Aquela que todas as garotas tentam contar,
quando seu pânico catalisa com seu desejo e elas tentam compreender sua
própria natureza traidora.

─ Caso você não tenha se dado ao trabalho de verificar o boletim


meteorológico nas últimas 24 horas, todo o estado está prestes a enfrentar uma
grande tempestade, ─ diz Fitz. ─ Essas tempestades podem ficar bem
cabeludas. Queda de raios. Enchentes. Felizmente para nós, estamos no topo
de uma montanha, então não corremos o risco de sermos arrastados. O Wolf
Hall é basicamente à prova de bombas. Foi construída para resistir ao clima
louco. O vento pode ficar bem traiçoeiro aqui, no entanto. Quando a
tempestade chegar, haverá regras rígidas em vigor. Nada de se aventurar fora
do terreno da academia. Nada de sair do prédio em geral. Se as coisas
começarem a parecer muito esboçadas, houve ocasiões em que o diretor
Harcourt considerou adequado levar todos para o porão, apenas por precaução.
No caso improvável de precisarmos evacuar o local, todos os alunos precisam
estar cientes dos protocolos estabelecidos...

Fitz fala sobre os ônibus que virão nos levar da montanha se o estado de
emergência for declarado. Ele explica sobre as de saída de emergência, sobre
primeiros socorros, blá blá blá blá. Eu desligo, entediado até a porra dos
dentes. Já ouvi tudo isso milhares de vezes antes. Elodie não, no entanto. Ela
está paralisada, prestando atenção em cada palavra de Fitz, tomando notas
mentais para o caso de o desastre vir nos procurar aqui no Wolf Hall. Uma parte
estranha e desconhecida de mim quer tranquilizá-la e deixá-la saber que não há
nada para se preocupar. O resto de mim, a parte que conheço intimamente,
aprecia vê-la, toda tímida e preocupada.

Eu gosto das roupas dela. A camiseta dela ' sorria se você estiver morto por
dentro' é tão clichê quanto a pintura de Klimt, mas me diz algo sobre a maneira
como ela se vê. Seus jeans desgastados são tão apertados que parecem ter sido
pintados em suas coxas. Minhas palmas doem com a ideia de como sua pele,
músculos e ossos podem parecer através do jeans macio e gasto. Os
desalinhados Chuck Taylors parecem tão gastos que posso dizer que ela andou
centenas de quilômetros neles. Prefiro os Doc Martens que ela costuma usar,
mas gosto do jeito que os Chucks fazem seus pés parecerem pequenos e
delicados. Minha pequena Elodie tem os pés de uma porra de uma gueixa.

─ Dito isso, esses avisos parecem assustadores, mas realmente não há com
o que se preocupar. Este será meu décimo ano de ensino no Wolf
Hall. Algumas árvores caídas são as piores coisas que já vi. Siga seu dia
normalmente. Faça seu trabalho, certifique-se de seguir as regras, e tudo será
normal.

A declaração de Fitz não faz Elodie se sentir melhor. Nossos olhos se


cruzam do outro lado da sala, e o pânico em seu olhar faz meu pulso
disparar. Ela franze a testa, vincos se formando em sua testa, e percebo que
estou olhando sem a conveniência dos meus óculos escuros para disfarçar meu
interesse.

Desvie o olhar, Jacobi.

Olhe para longe.

Eu deveria, mas não. Estou preso pela pressão de seus olhos em mim. Um
sorriso lento e astuto implora para ser desencadeado em meu rosto, e eu cedo,
dando-lhe rédea solta. Elodie pula, assustada, como se eu tivesse jogado um
balde de água gelada na cabeça dela. Ela desvia o olhar primeiro, e a satisfação
que corre lentamente como piche em minhas veias parece vitória.

─ Senhorita Stillwater, você está bem? Não há necessidade de parecer tão


preocupada, ─ diz Fitz. ─ Eu prometo, vai ficar tudo bem. Se você está
preocupada com alguma coisa, venha me encontrar. Estou quase sempre aqui
na minha sala. Além de compartilhar o brilho de Lord Byron com você...

Ah, Fitz. Eu posso ler você como um maldito livro.

─ ...também é meu trabalho manter vocês seguros.

Damiana levanta a mão no ar. ─ Todos nós podemos confiar em você


para ser nosso cavaleiro de armadura brilhante, doutor Fitzpatrick? Ou seu
valor heroico só se estende até Elodie?

O olhar enojado de Fitz é mais sujo do que a meia que Pax usa para se
masturbar. ─ Estou aqui para todos os meus alunos, Dami. Você está bem
ciente disso. Não há necessidade de feiura.

Damiana bufa. ─ Eu não poderia ser feia nem se tentasse, doutor. E você
é o único que mostra favoritismo para a nova garota, porque ela tem aquela
coisa inocente de olhos de corça e ela está balançando um grande par de
peitos. Eu diria que isso é feio, se você me perguntasse.

─ Eu não perguntei. Ninguém perguntou. Obrigado, como sempre, por


sua valiosa contribuição, Damiana. Se alguém se sentir inseguro nas próximas
quarenta e oito horas, por favor, saiba que minha porta está aberta para todos
e qualquer pessoa, independentemente de...

Dashiell não vai olhar para uma garota a menos que ela tenha dois
Ds11. Pax... Deus sabe o que diabos Pax gosta. Ele nunca demonstrou nenhum
tipo de padrão no que diz respeito às mulheres que ele seleciona. Ele está muito
mais interessado em suas personalidades. Parece besteira, mas é
verdade. Existem certas falhas e fraquezas que Pax procura em uma garota,
geralmente girando em torno de seus problemas com o pai. Eu? Eu gosto que

11
Está se referindo ao tamanho dos seios.
minhas meninas tenham seios menores. Qualquer coisa mais do que um
punhado é um desperdício. Eu não precisava do comentário obscuro de Dami
para chamar a atenção para o peito de Elodie – eu passei muito tempo pensando
sobre isso antes – mas desde que ela trouxe o assunto à tona, eu dou uma olhada
superficial nos seios de Elodie.

Sua camisa é dois tamanhos maior, inundando seu corpo, mas há uma
sugestão de seios ali. E a sugestão de seios é sempre muito mais excitante para
mim do que, digamos, o decote óbvio de Damiana. Essa merda é grotesca.

Fitz divaga, falando sobre segurança e usando o bom senso. Passo uns
trinta segundos preguiçosos imaginando como os lábios de Elodie ficariam
bonitos, entreabertos e molhados, se eu deslizasse minha mão por debaixo
daquela camiseta, puxasse para baixo o bojo de seu sutiã e viciosamente
enrolasse seu mamilo entre meus dedos.

Quando saio do meu devaneio, Kylie Sharp está lendo em voz alta um
livro encadernado, mas ninguém está prestando atenção. Damiana estala o
chiclete. Os olhos de Dashiell estão fixos em Carina. Pax está abertamente
adormecido, a cabeça pendendo sobre os ombros, os braços cruzados sobre o
peito, as pernas cruzadas nos tornozelos. O olhar de Fitz está em seus sapatos
e... ei, ei, ei... Calma ai, porra. Disfarçadamente, Fitz olha para cima, olhando para
Elodie com o canto do olho. Eu espero que ele desvie o olhar, mas ele se
demora nela, apenas um pouco demais. O músculo em sua mandíbula se
contraí. É quando ele finalmente desvia o olhar.

Que porra foi essa, Fitz? Eu acho que não, irmão.

Como se meus pensamentos estivessem canalizados diretamente em sua


mente, a cabeça de Fitz se ergue, seus olhos encontram os meus, onde eles
vacilam por um instante. Ele sabe exatamente o que eu vi, e o filho da puta não
parece estar preocupado. Ele me conhece, então ele também deve saber que eu
não gosto de outros caras de olho na minha propriedade. A posse,
independentemente do fato de a outra parte não saber que é propriedade de outra
pessoa, é nove décimos da lei. E sempre estive disposto a defender o que é meu.

Fitz tem a audácia de sorrir para mim.

Sorriu.

Aquele pedaço de merda.

Acima, um estrondo profundo e ameaçador de trovão rosna acima das


palavras sombrias de Kylie.

─ Eu tive um sonho, que não foi de todo um sonho.

O sol brilhante se extinguiu, e as estrelas

Vagaram escuras no espaço eterno,

Sem raios, e sem caminho, e a terra gelada

Ficou cega e enegrecida no ar sem lua...

O trovão caiu novamente - um presságio do que está por vir, um mau


presságio, enviando um arrepio de antecipação correndo pela minha
espinha. Quando me afasto do professor de inglês delirante, Elodie Stillwater
está me encarando.

Ao longo dos próximos trinta minutos, eu a pego me observando de novo


e de novo, olhando para mim sob os cílios escuros, e toda vez que isso acontece,
minha determinação se fortalece. Há uma conexão aqui. Um link bizarro e
desconfortável que me faz suar toda vez que penso em cortá-lo. Eu me
pergunto se ela se sente em pânico, angustiada e excitada sempre que
ouve minha voz.

Ela é a primeira a sair quando a campainha toca. Ela abaixa a cabeça, joga
a bolsa por cima do ombro, segurando uma pasta turquesa contra o peito, e sai
da sala antes que Carina esteja de pé.

Eu não tenho prestado atenção em Carina. Eu nem sequer lhe dei um


olhar de soslaio. Ela é o castigo auto-imposto de Dashiell, não meu. Parece que
sua pele está se arrepiando e ela está prestes a vomitar enquanto percorre um
caminho através dos móveis gastos e aleatórios de Fitz, atravessando
lentamente a sala em minha direção.

Maravilha.

Eu sei o que vem a seguir.

Carina, Carina. Doce pequena Carrie. A galinha mãe do quarto


andar. Porra, sabe lá porque Harcourt designou ela protetora de todas as novas
alunas, mas ela deve levar seu papel muito a sério se estiver disposta a vir aqui
e me enfrentar.

Ela limpa a garganta, anunciando sua presença. Estou olhando para meu
celular, fingindo ignorância, mas é claro que sei perfeitamente que ela está lá. ─
Carina.

─ Você poderia ter a decência de desligar o telefone por um segundo.


─ Sua voz é mais fria do que o tom glacial que minha ex-madrasta costumava
usar sempre que se dirigia ao meu pai. Sorrindo maliciosamente, dou a ela o que
ela quer: levanto a cabeça, olhando-a bem nos olhos. Tem sido minha
experiência que muitas pessoas querem chamar minha atenção. Quando eles o
têm, eles rapidamente querem devolvê-lo. Carina não é exceção. Ela se encolhe
sob o peso do meu olhar. Ela é mais forte do que a maioria, no entanto. Ela
não desvia o olhar.

─ Tenho uma palavra para você, Jacobi. Não.

Oh, oh, oh. Isso vai ser divertido. ─ Não seja tão devastadoramente
bonito? Não seja mais esperto do que cada homem neste lugar? Não faça meu
coração palpitar no peito toda vez que você olhar para mim?

Carina aperta a mandíbula, as narinas dilatadas. ─ Você é muitas coisas,


Wren, mas escorregadio não é uma delas. Você sabe exatamente do que estou
falando. Eu vi você olhando para ela. Só não. ─ Ela gira na ponta dos pés e se
apressa em direção à saída, fazendo-a escapar antes que eu possa brincar um
pouco mais com ela. Carrie nunca foi divertida. Não faço ideia do que Dashiell
vê nela.

─ Isso parecia uma troca de cortes.

A sala de aula está vazia agora, exceto eu e Fitz. Dashiell e Pax podem ser
meus meninos, mas nenhum deles suporta Fitz. Eles têm suas razões; eles não
vão ficar em sua sala de aula um segundo a mais do que o necessário para manter
suas notas.

Lançando uma carranca ameaçadora na direção do professor, eu me


levanto. ─ Estou muito chateado com você, velho.

Fitz se inclina contra a escrivaninha ao lado dele, descansando o quadril


contra a madeira. Com os braços cruzados sobre o peito e um sorriso irônico
no rosto, ele parece que está chateado comigo. ─ Já passamos por isso, ─ diz
ele, soltando um suspiro pesado. ─ Você deixou suas intenções perfeitamente
claras. Já lhe disse que acho uma má ideia. Depois do que aconteceu com Mara,
você...
Eu agarro seu rosto com uma mão, cavando meus dedos em suas
bochechas. A barba por fazer em seu queixo morde minha mão, trazendo de
volta memórias que prefiro esquecer. ─ Eu apreciaria se você não a trouxesse à
tona novamente, sabe. Esta situação não é nada parecida com o que aconteceu
com Mara. Você, mais do que ninguém, deveria saber disso. Certo?

Meu sangue se transforma em gelo quando os olhos de Fitz rolam de volta


para seu crânio; ele parece estar preso naquele confuso meio-termo entre fúria
e êxtase. ─ Certo. Sim. Eu... você está certo.

─ Elodie é minha. Já acertei com os meninos. E eu não preciso


limpar merda com você. Você não vai chegar perto dela.

Assentindo, Fitz estende a mão e me segura pelo pulso, lentamente


puxando minha mão para longe de seu rosto. ─ Eu não vou chegar perto dela.
─ Ele engole em seco.

Eu saio da sala dele assim que a primeira chuva começa a bater nas janelas.
9

Elodie
+972 3 556 3409: Não acredito que você se foi. Todos no Mary estão
devastados. Estamos todos em choque. Nunca te esqueceremos,
Elle. Você sempre fará falta. Eu te amo - Levi x

Sorrio para a mensagem do WhatsApp do meu amigo, aliviada por ele


finalmente ter descoberto. Papai substituiu meu telefone por um aparelho de
uma operadora de celular dos Estados Unidos quando me despachou para o
aeroporto, e perdi todos os meus números. E irritantemente, Levi é um
daqueles caras de ' tecnologia é malvada e eu não vou participar das mídias sociais', então
eu tive que esperar ele dar o primeiro passo. O tom de sua mensagem é super
estranho, no entanto.

EU: Uau. Não precisa ficar dando uns amassos como se eu tivesse
morrido, cara. Não é como se eu tivesse me mudado para
Marte. Podemos descobrir uma maneira de nos ver nas férias se sua mãe
não te levar para a Suíça ou algo assim. Como vai tudo? O professor
Marshall já se internou na reabilitação?

Nosso velho professor de ciências estava sempre se esgueirando para o


fundo de sua sala para roubar um gole de seu cantil. Havia rumores de que ele
estava usando os produtos químicos disponíveis em seu laboratório para
inventar seus próprios...
Meu telefone vibra, é o toque alto ecoando nas paredes enquanto subo as
escadas sem fim em direção ao meu quarto. Eu me encolho, silenciando-o,
verificando se há algum membro do corpo docente à vista. Telefones são
proibidos nas áreas comuns. Por sorte, já estou no segundo andar e as únicas
pessoas próximas a mim são outros estudantes.

─ Ei cara! Eu não esperava que você ligasse imediatamente. Estou quase


de volta ao meu quarto. Dê-me um segundo para...

─ Elodie?

Há algo no tom de Levi que me faz parar. Ele soa... não tenho certeza de
como ele soa. Algo não está certo, no entanto. ─ Lee? Você está bem? O que
aconteceu?

─ Você está viva? ─ ele sussurra. Sou amiga de Levi há dois anos. Não é
muito tempo nos livros da maioria das pessoas, mas nos esprememos muito
naqueles setecentos e trinta dias ímpares. Eu o conheço por dentro e por fora,
e ele também me conhece. Cada segredo obscuro, estúpido e embaraçoso que
eu já tive. Da Suécia, ele é bastante representativo de seu povo. Estóico, sério,
sempre calmo e profundamente enraizado, ele realmente não deixa que nada o
afete. Ele mantém suas emoções perto de seu peito. Essas palavras, no
entanto... sua voz estava embargada de lágrimas quando ele as disse. Meu amigo
está chorando.

─ Do que você está falando, eu estou viva? Claro que estou viva. Estou em
New Hampshire.

Levi funga, fazendo um som estrangulado. ─ Eu... me desculpe, eu só


preciso de um... ─ Ele para de falar. Desenha uma respiração profunda. Ele soa
como se estivesse tentando se recompor. E então ele diz: ─ Seu pai disse ao
reitor que você sofreu um acidente, Elodie. A escola inteira está de luto a
semana toda.

Cheguei ao patamar do quarto andar agora. Felizmente deixei as escadas


para trás ou provavelmente cairia de cara nelas. Eu bato minha mão contra a
parede, me firmando enquanto minha visão escurece nas bordas. ─
Desculpe, o que você disse?

Levi tosse. Posso imaginá-lo em seu quarto na casa de Maria Madalena, de


pijama, empoleirado na beira da cama, seus olhos maravilhosamente castanhos
vagos enquanto tenta processar essa notícia.

Eu estou viva.

Estou falando com ele ao telefone, de volta da porra dos mortos.

A coisa toda é confusa demais para compreender. ─ Estou realmente


lutando aqui, Lee. Parece que você também. Mas você pode explicar o que quis
dizer quando disse que meu pai disse ao reitor que eu estava morta? Porque
meu cérebro está derretendo nos meus ouvidos agora.

─ Ele veio para a escola na segunda-feira. Apareceu com uma guarda


militar completa. A princípio, pensamos que havia algum tipo de ameaça à
escola. Então Ayala o viu com o reitor. Ela disse que ele falou com ele por um
segundo no corredor, que Dean Rogers pareceu chocado e tentou colocar a
mão no ombro do coronel Stillwater, mas ele recuou, falou por mais um breve
segundo, e então saiu marchando, voltando para o carro e desapareceu. A
próxima coisa que sabemos, estamos sendo puxados para nossos quartos e
estamos sendo informados de que você sofreu um acidente de avião no fim de
semana. Eles disseram que você não sobreviveu.

─ O quê? ─ Do que diabos ele está falando? Por que diabos meu pai
contaria uma mentira tão cruel e escandalosa? Isso não faz sentido. ─ Ele não
fez isso. Ele não podia. Quero dizer... ─ Quero dizer, eu
posso totalmente imaginá-lo fazendo isso. Em seu melhor dia, ele é um monstro
vil que não dá a mínima para ninguém além de si mesmo e de sua preciosa
carreira. Por que ele teria dito isso, no entanto? Ele poderia ter dito aos
funcionários da casa de Maria Madalena que eu estava sendo realocada. Isso
acontece o tempo todo – alunos indo e vindo desses tipos de escolas.

─ Desculpe, eu sei que isso é loucura. Mas estou bem, Lee. Realmente, eu
prometo, estou totalmente bem. Nunca estive melhor, na verdade. Eu sei que
você provavelmente tem mil perguntas, mas eu tenho que ir. Eu preciso ligar
para o meu pai e descobrir o que diabos está acontecendo antes que eu tenha
um colapso nervoso.

─ Uhhh... tudo bem, ─ diz Lee, rindo trêmulo. ─ Tudo certo. Mas me
ligue de volta, sim? Se você não fizer isso, vou pensar que sonhei com isso e
você ainda está morta.

─ Não se preocupe. Eu vou 100% ligar para você de volta. Você tem
minha palavra.

Eu desligo, cambaleando com a breve conversa. Ao longo dos anos, meu


pai fez um monte de coisas frias e dolorosas comigo. Ele fez as coisas mais
hediondas imagináveis. Ele nunca disse às pessoas que eu estou morta,
porra. Morta. O que diabos está errado com ele? Estou completamente
entorpecida e tonta quando aperto o botão de chamada no único número com
o qual meu novo telefone veio equipado quando o coronel Stillwater me deu: o
número de seu assistente pessoal.

O telefone toca oito vezes. Nove vezes. Dez. Acho que está prestes a cair
na caixa postal, quando o policial Emmanuel finalmente atende. ─ Escritório
do Coronel Stillwater. Como posso ajudá-lo?
─ Carl, é Elodie. ─ Carl está com meu pai há apenas seis meses, mas isso
é três meses a mais do que qualquer um de seus outros auxiliares
militares. Normalmente, os sortudos são transferidos rapidamente. Os caras
que não tinham cordas para puxar ou favores para pedir tiveram de alguma
forma superar mês após mês o comportamento explosivo e abusivo de meu pai
antes que ele finalmente perdesse a paciência com eles e os rebaixasse para
limpar latrinas.

─ Elodie? Bom ouvir você. Como estão as coisas nos Estados


Unidos? Você está gostando de estar de volta em casa? ─ Eu gosto de Carl, e
acho que Carl gosta de mim. Ele sempre se desculpava apropriadamente sempre
que tinha que passar uma mensagem hostil de meu pai. Parecia que éramos co-
conspiradores que simpatizavam um com o outro, porque cada um de nós sabia
com o que a outra pessoa tinha que lidar diariamente.

─ Acabei de falar ao telefone com um dos meus amigos de Maria


Madalena, Carl.

─ Oh. Oh, cara... ─ O tom animado em sua voz despenca. ─ Bem. Eu


posso imaginar que você está muito chateada agora, ─ ele diz.

─ Estou confusa agora. Eu tenho uma suspeita de que ficarei com raiva em
breve, no entanto. ─ Um grupo de garotas passa por mim no corredor, olhares
preocupados em seus rostos. Percebo como devo estar, abraçada à parede,
branca como um lençol, a tensão apertando minhas feições em uma expressão
de dor; Eu dou a elas um sorriso apertado para que elas saibam que está tudo
bem, mesmo que não esteja. ─ Por que diabos ele fez isso, Carl? Por que meu
amigo me ligou chorando, arrasado por que pensou que eu estava morta?

─ Urgh. Eu... acho que você não vai gostar da explicação.

─ Fala logo, Carl!


─ Seu pai me fez olhar para as regras de matrícula da sua antiga
escola. Acontece que a única maneira de obter um reembolso parcial para o
semestre que você já estava na metade era se você tivesse... era se você tivesse
morrido. Assim…

Oh. Meu. Deus. Inacreditável. ─ Então, ele disse a eles que eu tinha
morrido. A fim de obter um reembolso parcial para o restante do semestre. A
que isso chega? Quatro mil dólares?

Carl desiste da quantia exata com relutância. ─ Não exatamente. Uh... dois
mil, oitocentos.

─ Ele tem milhões no banco. MILHÕES!

─ Eu sei…

─ Ele deixou meus amigos acreditarem que eu morri por causa de dois mil dólares e
troco?

─ Eu tentei explicar a ele como isso pode fazer você se sentir. Sugeri que
lhe contássemos o que estava acontecendo para que você pudesse deixar seus
amigos saberem que estava bem, mas ele...

─ Mas ele não deu a mínima para me machucar, ou machucar meus


amigos, e ele disse para você ficar de boca fechada, certo?

─ Algo parecido.

─ Jesus Cristo.

─ Desculpe, Elodie. Eu deveria ter te mandado um aviso.

Com pernas trêmulas, ando pelo corredor, em direção à porta do quarto


416. Preciso entrar no meu quarto e me sentar antes de cair. ─ Está bem. Não
é sua culpa. Nada disso é culpa sua. Meu pai não deveria ser um bastardo tão
inacreditável.

Carl ri nervosamente. Ele não era o único a chamar meu pai de bastardo
inacreditável, mas essas conversas são geralmente gravadas. Se o alto escalão
descobrir que ele estava presente para ouvir uma conversa fiada contra meu pai,
ele pode acabar em alguma merda séria.

─ Quer que eu diga a ele que você ligou? Eu poderia tentar convencê-lo a
estender a mão e explicar suas ações para si mesmo?

Estou na minha porta. Eu torço a maçaneta, empurrando-a aberta. ─


Deus não! Não, isso realmente não será necessário. Eu já sei os detalhes, de que
adiantaria falar com ele... ─ Eu paro, no meio da porta, meus ouvidos de repente
cheios de um zumbido agudo. ─ ...Faz?

O quarto... puta merda, meu quarto foi destruído.

Minhas roupas estão em todos os lugares. Meus livros, os poucos que


trouxe comigo de Tel Aviv, estão espalhados por todo o chão, páginas
arrancadas deles em pedaços, espalhadas por todas as tábuas de madeira do
assoalho. Cada gaveta foi arrancada de cada peça de mobiliário, o conteúdo
revirado e jogado ao redor em desordem. Minhas fotos estão em pedaços. Meu
laptop está deitado de lado sob a janela, sua tela quebrada e piscando, um
espasmo de cor interrompendo a estática a cada poucos segundos. E há
penas. Penas por toda parte. Eles se assentaram em uma camada grossa sobre
tudo, como neve fina, cobrindo o tapete persa, meus sapatos e o edredom que
foram arrancados da cama.

Ambos os meus travesseiros estão em pedaços. Com a boca aberta, ando


em direção à cama, muitos pensamentos colidindo um com o outro para que
isso faça sentido. Os lençóis foram arrancados do colchão, e o próprio
colchão... uma faca bowie gigante se projeta do centro do colchão com pillow-
top, é áspera, alça esculpida brilhando ameaçadoramente enquanto eu me
abaixo para dar uma olhada melhor nela.

Quem fez isso não esfaqueou a cama apenas uma vez. Numerosos rasgos
de três polegadas no material, bem como rasgos mais longos e irregulares onde
a espuma e as molas dentro do colchão foram expostas.

─ …talvez tratado de uma forma mais… empática. Eu realmente não posso dizer
mais do que isso, é claro, mas…

Merda. Carl ainda está falando do outro lado do telefone.

─ Ah, desculpe, Carl. Alguma coisa... eu tenho que ir. Eu tenho que ir para
a aula agora. Obrigada por me explicar as coisas. Eu ficaria muito grata se você
não dissesse ao meu pai que eu liguei.

─ Claro. Qualquer coisa para você, Srta. E.

─ Obrigada. ─ Eu desligo a chamada, deixando cair o celular no chão. O


que... diabos... aconteceu aqui? Quem... quem faria isso? E por quê?

─ Puta merda!

Carina está parada na porta. Ela fica boquiaberta com o caos com horror,
seus olhos percorrendo meus pertences quebrados e arruinados. Vejo o pássaro
de porcelana que minha mãe me deu no meu décimo aniversário, esmagado em
pequenos fragmentos e moído na pilha baixa do tapete, e um grito de dor escapa
da minha boca.

─ Que porra aconteceu aqui? ─ Carina sussurra, passando por cima de


uma gaveta vazia. Ela vem e envolve seus braços em volta de mim. É aqui,
rígido como um bloco de madeira e incapaz de respirar adequadamente, que
percebo que há lágrimas ferozes e quentes escorrendo pelo meu rosto.
─ Eu não sei. ─ Sai como um gemido. Um choro. Um som desolado e
triste que me choca pra caramba. Não são minhas roupas, ou meus livros, ou a
cama que fez isso. É o pássaro. O pássaro da minha mãe. Ela está morta e se
foi, e nunca mais haverá outro presente dela. O pássaro era tudo que eu tinha e
agora também se foi.

─ Porra. Vamos. Venha comigo. ─ Carina me guia para fora do meu


quarto e pelo corredor, passando por Presley e algumas das outras garotas que
vieram assistir ao filme conosco na sexta-feira; Faço um esforço para evitar
fazer contato visual com qualquer uma delas. Eu não posso enfrentar sua
piedade aberta. Eu não quero nem reconhecer que isso está acontecendo agora.

Carina me deixa em seu quarto e me diz para manter a porta fechada. Ela
desaparece por um longo tempo, e eu não faço nada além de olhar para o
espaço, pensando no pássaro...

O esmalte rosa nas unhas da mamãe quando ela me deu.

A pequena lasca em seu minúsculo bico laranja que eu costumava esfregar


com a ponta do meu dedo sempre que o embalava no meu peito.

O branco de seu peito, que desvaneceu para o azul de suas costas, que se
aprofundou no escuro, azul meia-noite nas pontas de suas asas.

A música que mamãe costumava cantar quando ela a segurava no ar,


fingindo que ele estava voando e voando ao redor da minha cabeça.

Uma eternidade passa. O diretor Harcourt vem me ver. Me diz que eles já
conseguiram outro colchão para mim... ─ Muita sorte, na verdade. É novo, ainda no
plástico! ─ e eles arrumaram a maior parte da bagunça. Ela me informa que é
seguro voltar para o meu quarto agora, o que parece risível e absolutamente
estúpido porque é claro que não é seguro, alguém esfaqueou minha cama até a morte,
mas eu a sigo, minhas pernas mecanicamente fazendo seu trabalho enquanto
reentro no quarto 416.

Carina me abraça, um sorriso ansioso no rosto. Minhas roupas foram


todas dobradas e devolvidas aos seus devidos lugares no armário e na
cômoda. A mobília é remontada e de volta onde pertence. A cama está
arrumada, lençóis no colchão para disfarçar sua novidade, e há dois travesseiros
frescos acolchoados como ovelhas fofas, encostados na cabeceira da
cama. Tudo parece normal, embora um pouco mais vazio agora.

─ Não fazia sentido manter os livros, ─ diz Carina suavemente. ─ Nós


anotamos os títulos, no entanto. A diretora Harcourt disse que vai conseguir
substitutos para você.

Meus olhos varrem as superfícies dos móveis, procurando. ─ E o


passarinho de porcelana?

─ Receio que Gustav tenha aspirado algumas das peças antes de perceber
que havia algo no tapete, ─ diz a diretora Harcourt da porta. Sua voz é cortada
e áspera, e ela claramente não quer mais lidar com isso. Ela tem coisas melhores
para fazer às oito da noite em uma noite escura e tempestuosa, e nenhuma delas
inclui pacificar uma adolescente problemática sobre um enfeite quebrado. ─ Se
você sabe de onde veio, nós vamos te dar outra ave também, Elodie. Teremos
um novo laptop para você em breve, espero. Basta fazer uma lista de tudo o
que você precisa, e vamos ter certeza de que será atendida.

Ela se vira e sai pelo corredor, seus saltos batendo furiosamente contra a
madeira enquanto ela vai, deixando eu e Carina sozinhas no meu quarto, que
agora cheira a produtos químicos, plástico e colchões novos.
─ Quer que eu fique com você? ─ Carina coloca uma mecha de cabelo
atrás da minha orelha. ─ Eu não me importo. Podemos assistir algo no meu
laptop. Comer um pouco de chocolate? Eu tenho um estoque no meu quarto.

Cansada, eu balanço minha cabeça. ─ Se estiver tudo bem pra você, eu


gostaria de ficar sozinha. Eu só... isso é muito para envolver minha cabeça.

Carina parece insegura, mas aceita minha decisão com um sorriso triste e
me dá um último abraço. ─ Tudo bem. Estou do outro lado do corredor se
precisar de mim, ok? Me mande uma mensagem se mudar de ideia.

No momento em que ela se vai, uma fissura de relâmpago abre o céu do


lado de fora da janela do meu quarto, branqueando os jardins e as árvores do
lado de fora da academia, lançando sombras altas e ameaçadoras pelos
gramados. A escuridão desce um momento depois, cobrindo tudo de preto, a
chuva continua a martelar contra o vidro, mas naquele breve momento de
iluminação, vejo algo: uma figura envolta em sombra, parada na boca das sebes
que levam ao labirinto.
10

Elodie
NINGUÉM DISSE uma palavra sobre a faca saindo da minha cama.

Parece-me um pouco estranho, esse fato.

Achei que seria a primeira coisa que a diretora Harcourt queria discutir
comigo. Certamente, ela deveria querer me assegurar que eu estava segura, e
que ninguém teria permissão para me machucar aqui na Academia Wolf
Hall. Ela parecia muito mais preocupada em substituir minhas coisas
danificadas em vez de chegar ao fundo do assunto.

E ninguém, ninguém, tinha alguma ideia ou sugestão sobre quem poderia


ter feito isso no meu quarto, ou o que eles esperavam conseguir destruindo
minhas coisas.

O treinamento de estilo militar que passou como minha infância não foi
apenas físico, no entanto. Foi mental também. Fui ensinada a ler e avaliar uma
situação à primeira vista desde muito jovem. Sei ler um quarto e desmontá-lo,
peça por peça, sem tocar em nada. O coronel Stillwater me treinou como tirar
conclusões educadas sobre a intenção de uma pessoa de suas ações, e eu já tirei
várias conclusões educadas sobre a invasão, com base no que observei durante
os primeiros cinco segundos depois que entrei no meu quarto.

Quem destruiu meu quarto não estava tentando me ameaçar.

Ou pelo menos esse não era seu objetivo principal, de qualquer maneira.

As páginas arrancadas dos livros? Esse foi um exercício pontiagudo, assim


como as gavetas que foram arrancadas de suas corrediças e jogadas de cabeça
para baixo no chão. Quem invadiu meu quarto estava procurando por
algo. Algo escondido dentro da capa de outro livro ou colado no fundo de uma
gaveta. E os travesseiros e a cama? Mesma coisa. Eles estavam procurando por
algo que eu não acho que eles encontraram.

É possível que a faca na cama não fosse uma ameaça. É possível que quem
invadiu meu quarto tenha sido perturbado em algum momento, seja por mim
ou por outra pessoa, e tenha fugido, deixando a lâmina enterrada até o cabo por
acidente.

Não tenho motivos para acreditar que foi Wren quem fez isso, mas cada
célula do meu corpo está gritando que foi ele. O jeito que ele estava olhando
para mim durante nossa aula de inglês... parecia que ele estava planejando coisas
terríveis e malignas, e por algum motivo doentio eu não conseguia me forçar a
parar de olhar para ele. Àquela hora, presa na sala do doutor Fitzpatrick, foi
uma vergonha. Eu deveria ter um pouco mais de autocontrole. Eu deveria ter
sido capaz de bloquear Wren. Eu nunca tive problema em ignorar um cara com
um problema de atitude antes, mas esse cara. Esse cara. Ele é diferente.

Eu suspeito que ele é muito mais do que posso lidar. E invadir meu
quarto? Quebrando todos os meus bens pessoais? Destruir a única coisa que eu
realmente, realmente prezo? Isso é tão frio e calculista que eu estou realmente
preocupada que eu possa não ser capaz de administrar as atenções de um cara
como Wren Jacobi sozinha.

Estou muito agitada para dormir, então ando de um lado para o outro
perto da janela, revirando as coisas na minha cabeça. O que diabos ele quer de
mim, porra? E o que diabos ele queria neste quarto? Eu sei tão pouco sobre
Wren que adivinhar as respostas para essas perguntas é quase impossível.

Então, o que eu faço sobre ele? O que eu faço com esse fascínio
perturbador que sinto enrolado como uma cobra em minhas entranhas toda vez
que penso em seu nome amaldiçoado? Como diabos eu consigo passar por
esses meses finais no Wolf Hall sem cair em algum ato terrível e
sombrio? Porque parece que algo terrível e sombrio está prestes a
acontecer. Assim como as nuvens de tempestade acumuladas no céu acima de
Wolf Hall, essa sensação de mau presságio me pressiona de cima, me enchendo
de pavor.

Pela forma como Carina reage sempre que Wren, Dashiell ou Pax estão
por perto, minhas preocupações parecem justificadas. Dashiell a tratou
horrivelmente e partiu seu coração, mas algo em minhas entranhas me diz que
há mais nessa história do que ela está deixando transparecer. Acho que ela está
guardando segredos, e não a invejo. Somos amigas há pouco mais de uma
semana. Não posso esperar que ela confie em mim, quando nenhum de nós se
conhece ainda.

Ela me avisou para não chegar perto dos meninos ou de sua preciosa Riot
House, mas merda. Se há algo que eu preciso saber, algo específico que poderia
me impedir de ficar seriamente, realmente ferida, então isso seria uma
informação útil.

A melhor coisa que posso fazer é ficar bem longe de Wren e seus
amigos. Evitar o contato com eles a todo custo. E colocar a porra de uma
fechadura na porta do meu quarto, mesmo que seja proibido de acordo com o
livro de regras do Wolf Hall. Ordenanças de Incêndio, ou saúde e segurança,
ou algo assim. Eu desafio qualquer um a me desafiar por um pouco de proteção
para mim e meus pertences, agora que isso aconteceu, no entanto.

À meia-noite, a tempestade lá fora ficou tão forte que o vento uiva pelas
frestas das janelas, e a chuva caindo sobre os beirais acima da minha janela
parece que a antiga unidade do meu pai está praticando seus exercícios bem em
cima de mim. Está tão escuro lá fora que mal consigo distinguir os galhos dos
enormes carvalhos que se erguem sobre o labirinto, balançando e gemendo sob
o ataque elemental.

Eu vivi em todos os tipos de lugares, climas e paisagens diferentes. Por


um tempo, minha mãe insistiu que eu ficasse com ela por um ano em Chicago
quando eu era criança, mas fora isso todas as minhas outras casas eram em
climas quentes. Desertos e praias, em grande parte devido à antipatia do meu
pai pelo frio. O fato de ele ter me enviado para morar em um lugar tão frio
agora realmente fala do fato de que ele planeja nunca me visitar aqui. O que é
totalmente bom para mim.

Mas esse tipo de clima não me parece natural. Eu nunca experimentei nada
remotamente parecido. Eu odiava tempestades desde criança, mas meu medo é
amplificado mil vezes esta noite, dado o que aconteceu no meu quarto.

Urgh.

O relógio do meu celular marca 2h15 quando a tempestade atinge seu


clímax. Em algum lugar, uma porta de persiana bate alto, batendo a cada poucos
segundos com os ventos fortes. Eu tento dormir, mas com o prédio
normalmente silencioso gemendo e suspirando tão ensurdecedor, não há
absolutamente nenhuma maneira de eu desmaiar. Agitada além da medida, eu
saio da cama, jogando as cobertas para trás, tremendo contra o frio que penetra
através do tecido fino do meu pijama. Eu estou na frente da janela, mostrando
meus dentes para a chuva que obscurece a visão do outro lado do vidro,
desejando que ela parasse...

…e é quando eu vejo a luz.

Não um poste de luz, ou uma luz de quarto: um flash de luz, na forma de


um pilar estreito de branco brilhante, disparando direto para o ar do centro do
labirinto.
Eu pisco e ele se foi.

Provavelmente imaginou, Stillwater. Ninguém está lá fora esta noite, depois das duas
da manhã, sob a chuva torrencial e o frio. Não tem jeito. Ninguém em sã consciência...

O pilar de luz brilha através da escuridão novamente, desta vez se


lançando para cima e depois abaixando para que brilhe diretamente na minha
janela. Estou cega quando o feixe intenso me atinge no rosto. Dou um passo
para trás, protegendo os olhos, mas o feixe de luz já mudou, oscilando da
esquerda para a direita através do labirinto.

─ Que diabos? ─ Eu olho para fora da janela, tentando ver de onde está
vindo, mas com a chuva e a cobertura de nuvens impenetravelmente espessa
esta noite, é impossível ver muito mais do que contornos turvos do mundo
além do meu quarto.

─ Seja o que for, não é da minha conta. ─ Eu digo isso em voz alta,
querendo dizer isso com cada fibra do meu ser. Se alguém é burro o suficiente
para enfrentar essa loucura, deve ser por um bom motivo. Provavelmente é um
dos professores, lidando com algum tipo de dano climático, fechando as
escotilhas.

Coloque sua bunda de volta na cama, Elodie. Feche as malditas cortinas e vá


dormir. Agora.

Às vezes não obedeço aos meus próprios comandos. Eu faço merda


mesmo que eu diga a mim mesma para fazer exatamente o oposto. Eu nunca
me desobedeço quando uso o latido raivoso do meu pai como a voz da razão
na minha cabeça. Fecho as cortinas e volto para debaixo das cobertas,
determinada a dormir pelo menos algumas horas antes que Carina venha bater
na minha porta amanhã de manhã.
Eu posso fazer isso. Eu posso desligar meu cérebro e me entregar para
dormir. Eu fecho meus olhos.

A tempestade lá fora continua, e eu respiro em meu diafragma,


empurrando minha barriga, enchendo-me de oxigênio. Respirar assim é uma
ótima tática calmante durante um ataque de pânico – ainda tenho isso de vez
em quando – mas também tem o benefício adicional de me deixar com sono. Se
eu fizer isso por alguns minutos, a tensão no meu corpo vai diminuir e eu vou
desmaiar antes mesmo de perceber que estou prestes a adormecer. Há algo
hipnótico sobre o puxar e soltar tanto ar enchendo e saindo do meu corpo. É
raro que este truque não funcione.

Eu limpo minha mente...

Respire…

Expire…

Pausa.

Respire…

Expire…

Pausa.

Repito o movimento, enxáguo e repito, uma e outra vez, mas minha mente
simplesmente não se aquieta. Caramba. Eu abro meus olhos, suspirando um
gemido pesado. E ali, do outro lado do meu quarto, projetado sobre a porta de
madeira, está um retângulo imperfeito de luz.

Porra. Eu não devo ter fechado as cortinas direito. Rosnando, eu me


sento, prestes a balançar minhas pernas para o lado da cama novamente, quando
a luz se apaga e desaparece.
Huh.

Okaaay.

Ele é devolvido antes que eu possa me acomodar em meus travesseiros.

Ele liga e desliga em rápida sucessão, como uma luz de tira com
defeito. Parece aleatório no início, mas quando olho para ele um pouco mais,
percebo que a luz estroboscópica não é aleatória. Não é nem um pouco
aleatório.

É a porra do código Morse.

A mesma pequena explosão de código Morse, repetindo-se uma e outra


vez. Aguardo o ciclo pausar por um segundo, indicando o fim da mensagem, e
quando ele recomeça, faço o possível para acompanhar os flashes.

Ponto traço traço ponto. Isso é um P.

Eu perco a próxima parte. Quem quer que esteja na chuva, enviando


mensagens secretas para outro aluno neste prédio, está sinalizando rápido
demais para eu acompanhar.

Eu espero, esperando meu tempo até que a mensagem comece


novamente.

P, e então ponto, traço, traço. Isso é um W. A última letra, traço, ponto,


traço, ponto, é um C.

PWC?

Qualquer pessoa com metade de uma célula cerebral e um pai no exército


sabe o que significa PWC: Prossiga com cautela.
Hum. Algum tipo de encontro amoroso? Um convite? Um aviso? Está
quente na minha cama, bem como consideravelmente mais seco aqui do que lá
fora. Em qualquer outra noite, eu ficaria tão curiosa sobre a mensagem e o que
significava que não seria capaz de me conter; Eu teria que me esgueirar e ver que
tipo de reuniões lascivas estavam acontecendo dentro do labirinto, mas hoje à
noite meus próprios instintos de autopreservação me dizem que estou muito
mais segura onde estou, protegida de detritos voadores, ventos fortes, chuva
gelada e hipotermia.

Prestes a tentar minha técnica de respiração novamente, minhas pálpebras


tremem... e a luz começa a piscar novamente, com uma mensagem totalmente
nova:

VOCÊ

UMA

COVARDE

STILLWATTER

A luz se apaga, e desta vez fica apagada.

Que diabos? Eu me lanço para fora da cama. A chuva está tão forte, ainda
pior do que antes, rolando pela janela em lençóis, que não consigo mais ver o
labirinto. Tudo o que vejo é o desafio lançado, o desafio de alguém esperando
lá no escuro. Por mim.

─ Nããão, ─ eu gemo. — Você deve estar brincando comigo.

***
Graças à evacuação apressada do Coronel Stillwater de Tel Aviv, não tive
tempo de comprar roupas novas antes de ser colocada naquele veículo de
transporte de pessoal. Não tenho nenhum casaco comigo. Não um que forneça
qualquer tipo de proteção contra o vendaval que está soprando lá fora. Quando
saio pela porta da frente, aperto minha jaqueta leve e fina demais ao meu redor,
grata por pelo menos meus pés ficarem secos dentro do meu Doc Martens. A
chuva me atinge bem no rosto, congelante, forçando uma série de palavrões
saírem da minha boca enquanto eu abaixo minha cabeça, avançando, para o
turbilhão.

O vento arranca meu capuz e agita meu cabelo em volta da minha


cabeça. Eu não tenho que me preocupar com ele voando ao redor do meu rosto
por muito tempo, no entanto. Quando chego ao canto do prédio, ele está
encharcado e grudado no meu crânio.

─ Isso é uma loucura do caralho, ─ eu assobio, correndo ao longo do


perímetro da escola, fazendo o meu melhor para manter o equilíbrio, enquanto
derrapo no pântano de lama que já foi a fronteira do jardim de rosas. Cada
segundo parece um minuto. A distância da parede do lado de fora da sala do
Dr. Fitzpatrick até a entrada do labirinto se estende, aumentando a cada passo
que dou em vez de diminuir, e me pergunto se perdi a cabeça.

Isso não é uma boa ideia.

Esta é uma ideia horrível.

Ninguém sabe aonde eu fui. Decodifiquei uma porra de uma mensagem


em código Morse no meio da noite, lançada na parede do meu quarto e, como
uma idiota teimosa, decidi provar que não era uma covarde em vez de ficar
onde era seguro e quente. Quem faz isso, porra?
Garotas burras em filmes de terror, a voz do meu pai me informa. Os estúpidos
que acabam mortos, com seus corpos espalhados pelo gramado.

─ Não pedi sua opinião, obrigado, pai, ─ eu rosno, rangendo os dentes


quando uma rajada de vento gelado lança gotas de água da chuva no meu rosto.

Na entrada do labirinto, considero voltar. Por um longo segundo eu me


dou a oportunidade de me virar. Para voltar à relativa proteção do meu
quarto. Então me lembro daquela faca saindo da minha cama, e zombo dessa
ideia. Meu quarto não é seguro. E eu já estou encharcada até os ossos. Minhas
panturrilhas estão cobertas de lama. E alguém está esperando por mim neste
labirinto, provavelmente a pessoa responsável por destruir meus pertences, e
eu quero enfrentá-lo. Quero enfrentar Wren, pois já sei que foi ele quem
mandou o recado.

Se eu o enfrentar, posso cortar tudo pela raiz. Vou enfrentar a situação de


frente, e não foi isso que meu pai me ensinou? Nunca fuja do inimigo, Elodie. Nunca
mostre a eles suas costas. Qualquer sinal de fraqueza será sua queda final. Os generais mais
notáveis da história sempre enfrentaram força com força.

Mesmo assim. Estou ciente de quão desaconselhável isso é. Eu deveria ter


deixado um bilhete, solicitando que algo conciso e depreciativo fosse gravado
em minha lápide: ela viveu de forma imprudente e morreu da mesma maneira. Deus lhe
conceda a sabedoria para fazer melhores escolhas na vida após a morte.

Algo sobre a vista do labirinto da janela do meu quarto me deu


arrepios. Eu não gostava de olhar para ele, mas me forcei a traçar uma rota vaga
até o centro. Esquerda, esquerda, direita. Reta, esquerda, direita, direita, depois
a curva fechada, depois, esquerda, depois uma última à direita. Meus dentes
batem, chocando-se violentamente enquanto tento seguir as instruções que
memorizei. As paredes das sebes são altas, porém, sinistras e
imponentes; parece que há braços se estendendo para mim de dentro deles,
mãos me agarrando, puxando minhas roupas, tentando me puxar para as
paredes afiadas e densas do labirinto. São apenas galhos soltos, pegando na
minha jaqueta e no algodão fino na altura do joelho da calça do meu pijama,
mas não consigo evitar o pânico terrível crescendo em mim por não conseguir
sair dessa pista de obstáculos esquecida por Deus.

Logo, eu fiquei tão desnorteada que não tenho ideia de qual caminho devo
seguir. Posso sentir a decepção de meu pai irradiando desde o Oriente
Médio. Ele não teria se perdido neste lugar de pesadelo. Ele teria escavado seu
caminho através das fodidas paredes, armado e pronto para enfrentar qualquer
perigo que o aguardasse em seu coração.

Não estou muito preocupada em ter perdido meu caminho. Eu sei que se
eu continuar girando na mesma direção, uma e outra vez, eventualmente
chegarei ao seu ponto central. Então é isso que eu faço, virando à esquerda em
cada cruzamento ou bifurcação no caminho, as solas das minhas botas
esmagando o cascalho, e me esforço para acalmar meus nervos.

O pânico vai te matar mais rápido do que qualquer outra coisa.

O pânico vai te matar mais rápido do que qualquer outra coisa.

O pânico vai te matar mais rápido do que qualquer outra coisa.

Isso é o que meu antigo instrutor de surf costumava me dizer, quando


morávamos na África do Sul. Repito várias vezes como um mantra, levando as
palavras ao meu cérebro, fazendo-as parecer verdadeiras. Eu só preciso ficar
calma.

─ Porra! ─ Um estrondo de trovão cai diretamente sobre minha cabeça, e


eu quase pulo direto para fora do meu Docs. A força disso vibra dentro do meu
corpo, ressoando na cavidade do meu peito. Relâmpagos rasgam o céu - garfos
gigantes de luz brilhante e penetrante que dispara da esquerda para a
direita. Tento não imaginar como seria se um daqueles temíveis dedos de luz
descesse e fizesse contato, usando minha bunda burra de dezessete anos como
um canal para o chão. É o suficiente para saber que iria doer pra caralho.

Continuo andando, cabeça baixa, ombro constantemente contra o vento,


o que não parece certo já que mudo de direção a cada poucos segundos, mas
parece que o vento está tão preso dentro dessa enlouquecedora rede de
caminhos quanto eu. Ele gira e gira ao redor, ao redor, ao redor, e não importa
o quão rápido eu vá, não consigo me adiantar.

Justo quando estou prestes a desistir e procurar um lugar para me abrigar,


outra mão se estende e me agarra, os dedos se fechando firmemente ao redor
do meu braço.

Eu grito.

Jesus, eu grito.

Eu odeio que eu reaja tão dramaticamente, mas no momento, parece tão


real que eu acredito nisso. Sei com uma certeza aterradora que algum
espectro desconhecido emergiu do olho da tempestade, me pegou pelo braço e está
prestes a me arrastar para as profundezas mais escuras do inferno. Eu não sou
feita para o inferno. Eu sou mais do tipo algodão doce e infinitas massagens
nas costas. Uma eternidade de condenação não parece ser...

─ Jesus, Stillwater, pare de gritar. Você vai acordar a porra dos mortos.

Assustada, eu fecho minha boca, meus dentes fazendo um estalo quando


eles se encaixam. Não é um espectro desconhecido, ao que parece. Eu estou
familiarizada com esse demônio, com seu cabelo preto e seus olhos verdes
chocantes. Mesmo na chuva e na escuridão, os olhos de Wren Jacobi parecem
muito, muito vívidos. Ele sorri, seu cabelo arrumado em cachos molhados e
engenhosos que balançam em torno de suas orelhas, riachos de água escorrendo
por seu rosto bonito, e eu quase solto outro grito de gelar o sangue.

Minha avó materna às vezes me contava histórias sobre o diabo. Ela me


disse que ele era o mais bonito de todos os anjos. Que Deus lhe deu um
semblante que fez as mulheres suspirarem e gelaram os corações dos homens
de ciúmes. A última vez que a vi, na tenra idade de oito anos, ela me avisou: ─
Elodie, criança. Tenha cuidado extra com os bonitos. Eles vão enganá-la com
sua beleza, mas é tudo uma fachada. Seus olhos podem analisar sua alma, e suas
bocas podem deixá-la sem fôlego, mas sob seu exterior agradável há uma
maldade concedida pelo próprio São Nicolau12. Todos os homens bonitos
foram tocados no ombro pelo mal.

Presumi que eram apenas os delírios de uma velha louca, mas olhando
para Wren agora, de pé na chuva como se ele estivesse passeando em um dia
ameno de verão, estou começando a pensar que ela poderia estar certa.

─ Que porra você está fazendo? ─ Eu me liberto de seu aperto. ─ Você


acha que isso é algum tipo de jogo? As pessoas morrem de exposição neste tipo
de clima.

Ele ri – um leve bufo de diversão no nariz, como se eu tivesse acabado de


dizer algo engraçado pra caralho. ─ Propensa a hipérboles, Stillwater? Você está
aqui fora há cinco minutos inteiros. Duvido que você pegue hipotermia com
um pouco de vento e chuva. A menos que você tenha uma constituição fraca?

Constituição fraca. Vou dar-lhe uma constituição fraca. Vou acabar com
ele, isso sim.

12
Papai Noel.
A sobrancelha escura de Wren se arqueia, o canto direito de sua boca
levantando enquanto ele faz um show de lentamente oferecendo sua mão para
mim, palma para cima. ─ Eu sei o caminho, ─ diz ele sombriamente.

Olho para sua mão estendida como se estivesse coberta por uma bactéria
mortal. ─ Para onde?

─ Para se aquecer. Abrigo. A menos que você prefira passar mais trinta
minutos aqui, girando seus saltos na lama antes de descobrir a saída daqui. Você
decide. Prerrogativa da mulher e tudo mais. É tudo o mesmo para mim. ─ Ele
inclina a cabeça para o lado, ambas as sobrancelhas se erguendo agora, e meu
coração de Judas tropeça em si mesmo. Droga, eu quero socá-lo em sua
garganta presunçosa mais do que eu queria qualquer coisa em toda a minha vida.

─ Eu não preciso da sua mão. Eu posso te seguir muito bem, ─ eu estalo.

Outra rajada de trovão cai, ensurdecedoramente alta bem acima de nossas


cabeças. Wren está completamente aliviado, sombras esticadas em seu rosto,
branqueadas em preto e branco pela exibição impressionante de relâmpagos
que perseguem seus calcanhares. O momento é tão surreal que fico
impressionada com o absurdo da minha situação. Wren deixa cair a mão. ─
Mantenha os olhos abertos, então! Você precisará realmente olhar para onde
está indo! ─ Ele grita para se fazer ouvir sobre o barulho. Observo os músculos
da coluna de sua garganta trabalharem, imaginando se ele vai correr atrás de
mim se eu fugir dele.

Não. Ele não vai correr.

Vou correr, cambalear, tropeçar e cair, e Wren caminhará calmamente


atrás de mim, intocado pelos elementos. Ele vai me capturar, e ele vai gastar
zero energia fazendo isso, porque isso é apenas quem ele é.
Ele se vira, a camisa preta grudada nas costas como uma segunda pele, e
sai andando, virando à esquerda no labirinto.

Eu não tenho escolha a não ser seguir.

***

Em cinco curvas fechadas através de entradas que eu não vejo até o último
segundo, Wren nos coloca no centro do labirinto. Entre uma profusão de
roseiras, cujas flores tardias foram esmagadas e obliteradas pela chuva, suas
pétalas vermelho-pêssego espalhadas por todo o chão, um gazebo atarracado
fica em uma plataforma elevada sob os galhos maciços de um dos carvalhos
gigantes. que fica de guarda sobre o labirinto.

Não consigo ver a estrutura da janela do meu quarto. Daquele ponto de


vista, tudo o que posso ver são as altas paredes de sebe e pouco mais. Aqui está,
porém, uma estrutura pequena e sólida feita de madeira e vidro, pequena e
absolutamente charmosa, pintada de branco e azul. No interior, um brilho
alaranjado quente promete luz e proteção contra o frio.

Wren sobe os degraus que levam até a entrada do gazebo fechado, parando
na frente da porta, sua mão pálida descansando na maçaneta de bronze
desgastada. ─ Este lugar está fora dos limites, ─ diz ele. ─ Não deveríamos
estar aqui fora.

─ Não brinca. ─ Eu gesticulo para o céu. ─ Nós não deveríamos estar do


lado de fora em geral.

Ele ri aquela risada de novo, ofegante e entretido, como se tudo em mim


fosse estranho e bobo para ele. — Imagino que você não se importe em quebrar
algumas regras, Stillwater. Se preferir seguir a linha, posso levá-la de volta à
academia. Eu só preciso de um momento para pegar minhas coisas.
Ele não pode me ouvir rosnando baixinho. Eu confio que ele pode ler
meu aborrecimento pela carranca no meu rosto, no entanto. ─ Abra a porta,
Jacobi. Estou ficando azul, pelo amor de Deus.

Ele parece satisfeito. É difícil dizer com ele, no entanto. Ele também pode
parecer que quer me matar. Eu realmente não consigo me decidir. Girando a
maçaneta, ele empurra a porta aberta, recuando e passando o braço para frente
dele, gesticulando para eu entrar.

Eu olho para ele com desconfiança enquanto passo por ele para o gazebo.

Agradecida por não estar mais sendo açoitada pela chuva, me inclino
contra a parede, suspirando de alívio. O interior do gazebo é surpreendente
para dizer o mínimo. Eu estava esperando alguns bancos de madeira e algumas
latas de refrigerante vazias rolando no concreto nu, mas estava completamente
enganada. A decoração - porque o lugar realmente tem uma decoração - é
impressionante. O piso de parquet polido ao redor das bordas dá lugar a um
tapete creme espesso e macio. Um sofá e duas poltronas estofadas foram
dispostas em frente a uma lareira apagada do outro lado da área. Ao redor da
parede curva em frente à porta, uma estante baixa de três prateleiras se curva
sob o peso de inúmeros volumes grossos e pesados com lombadas de couro e
bordas douradas. Plantas em vasos estão em todas as superfícies planas:
trepadeiras, samambaias e uma falsa seringueira, todos se acotovelando por
espaço e luz nas janelas, que são cobertas de sujeira por fora, mas limpas por
dentro.

─ O que é isso? ─ Eu sussurro. Este não é apenas um lugar


esquecido. Este é o esconderijo de alguém. Um santuário secreto e bem-amado.

Wren chuta suas botas enlameadas, descartando-as na porta. Ele não está
usando meias, o que me faz estremecer sem uma boa razão. A visão de seus pés
descalços, enquanto ele caminha pelo tapete grosso em direção à lareira, me
deixa tão inesperadamente desconfortável que eu nem tenho a decência de
desviar o olhar. Ele se curva pela cintura, pega um pedaço de madeira cortada
de uma cesta de vime ao lado do fogo, e olha para baixo, virando-o em suas
mãos. ─ Deve ser para o corpo docente. Nós o requisitamos quando chegamos
aqui, no entanto. Fitz é o único que sabe que viemos aqui e faz vista grossa.

Nada neste lugar parece pertencer a Wren. É muito... muito adulto e


simples, e muito... nem sei como explicar. Eu nunca considerei como seria o
espaço pessoal de Wren. Nem mesmo por um segundo. Saber que ele tem um
quarto em algum lugar é muito diferente de ser capaz de imaginar como
seria. Faria mais sentido se ele rastejasse para fora de um caixão no chão à
noite. Ou se ele se materializasse de uma nuvem de fumaça preta.

Ele joga o pedaço de madeira na lareira no fogo, sua boca se


contorcendo; ele quer vestir aquele sorriso ruinoso dele, eu sei que ele quer. Por
razões conhecidas apenas por ele, ele decide contê-lo desta vez. ─ Não precisa
parecer tão desconfortável, Stillwater. Tire o casaco. Há um cobertor na parte
de trás do sofá. Você pode se envolver nisso enquanto seca.

Eu permaneço imóvel, abraçando a parede. ─ Por que estou aqui, Wren?


─ Eu pergunto com uma voz fria.

Ele pega mais madeira, agachando-se para arrumar as peças a seu gosto,
antes de arrancar páginas de um jornal velho a seus pés, enrolando as folhas e
enfiando-as nas aberturas na base de sua pira apagada. Ele não diz uma palavra.

─ Wren. Estou falando sério. A mensagem. Qual era o ponto em enviá-


la? Por que diabos estou aqui?

─ Quando eu era criança, meu pai costumava me enviar mensagens em


código Morse. Ele costumava tamborilar os dedos na mesa no café da
manhã. Com o toque da caneta dele, bem, qualquer coisa... Era nosso
segredo. Minha madrasta costumava odiar.

─ Obrigada pela história emocionante. Agora responda à pergunta. ─ Já


devem ser três da manhã. Posso ser jovem, mas ainda preciso de muito
sono. Eu gosto de dormir, e Wren está me privando do meu descanso sem
motivo aparente.

Ele olha para mim por cima do ombro, seus lábios entreabertos, um olhar
estranho em seus olhos. O breve momento de contato visual que
compartilhamos me faz querer me esconder atrás da porra da
estante. Afastando-se, ele acende um fósforo cumprido e segura a chama
bruxuleante contra o papel até que cada uma das bolas amassadas esteja acesa. ─
Seu pai também lhe ensinou código Morse, certo?

─ Sim. ─ Não quero abrir mão desta ou de qualquer outra informação


sobre mim, mas é uma pergunta bastante simples. Não tenho motivos para reter
a verdade.

─ Não era um jogo para ele, era? Era um castigo.

Uma onda de pânico detona em meu peito. Ela ondula, enviando


adrenalina correndo pelas minhas veias, se espalhando por mim como aquele
relâmpago que disparou pelo céu antes. Ele não pode saber nada sobre meu
pai. Ele não pode saber merda nenhuma sobre o meu passado, ou sobre
mim. Qualquer coisa que ele acha que sabe é errado, então por que eu sinto que
ele acabou de me abrir e vasculhou todos os meus segredos feios? Isso me faz
sentir subitamente suja. ─ Meu pai é irrelevante, ─ eu digo com firmeza.

─ Nossos pais nos moldam, ─ diz Wren, levantando-se em toda a sua


altura. Atrás dele, o fogo que ele construiu ruge para a vida, como se os fogos
do inferno tivessem acabado de pular ao seu comando e obedecer a sua
convocação. ─ Eu li muito sobre o seu velho. O que mais ele te ensinou? Muay
Thai?

─ Não.

─ Oh, certo. Israel. Ele provavelmente te ensinou Krav Maga.

Eu não gosto que ele seja capaz de deduzir tanto sobre mim. É injusto que
ele esteja armado com informações que eu não sei sobre ele em espécie. Há
coisas... coisas que ele não pode saber. Coisas que foram enterradas tão bem e
tão profundamente que nem ele poderia ter desenterrado. ─ Eu não vejo como
isso é importante, ─ eu digo.

Ele faz beicinho. ─ Você ainda pratica? Eu mesmo conheço um pouco de


Krav Maga. Nós poderíamos treinar.

─ Não.

─ Não, você não pratica mais, ou não, você não quer treinar comigo?

─ Não, eu não pratico aqui. Por que eu faria quando eu não preciso? E
podemos parar de falar sobre meu pai, por favor? Essas coisas são privadas.

Wren ignora meu tom frio. ─ Seu desejo é uma ordem.

Silencioso e leonino como uma pantera, ele atravessa o pequeno espaço,


parando na minha frente. Mechas de seu cabelo caem em seu rosto, criando
uma cortina gotejante que protege seus olhos. Eu ainda sinto a intensidade
deles, porém, queimando em minha pele. Ele lambe os lábios, sua mão se
estendendo, me fazendo estremecer.

Ele faz uma pausa, a uma polegada de distância do meu rosto. Ele tem
mãos de pianista, com dedos longos e hábeis. Estou fascinada com a visão
deles. Pelo pensamento do que ele poderia fazer com eles se não fosse
controlado. Suas unhas ainda estão cobertas com o mesmo esmalte preto
lascado que notei na minha primeira noite no Wolf Hall. ─ Você é uma coisinha
inconstante, ─ ele resmunga. Eu me ressinto do jeito que sua voz faz minha
pele arrepiar.

─ Perdoe-me por ser cautelosa, mas não sei nada sobre você. Nós não
somos amigos, ─ eu devolvo para ele. ─ Não estou acostumada com as pessoas
pensando que podem me tocar sem ser convidadas.

Ele deixa cair a mão de volta ao seu lado, um sorriso lento se espalhando
por seu rosto maldito. ─ Certamente vou esperar até ser convidado,
então. Você tem uma pétala de rosa no cabelo. Eu só ia tirar isso para você.

Eu automaticamente verifico meu cabelo, encontrando a pétala e


desembaraçando-o. Wren suga o lábio inferior em sua boca, seus olhos cheios
de uma emoção que eu não posso decifrar corretamente. É um olhar
perigoso. Afiado. O tipo de olhar que poderia cortar se administrado
corretamente. Recuando alguns passos, ele dá de ombros, agarrando a bainha
de sua camisa preta de manga comprida.

─ Se você quiser ficar aí com suas roupas molhadas, a decisão é sua,


Stillwater. No entanto, não sou de sofrer desconforto de boa vontade.

Antes que eu possa pensar no que ele está fazendo, ele puxa o material
encharcado de sua camisa sobre a cabeça e se vira, caminhando de volta para o
fogo, onde ele pendura a peça de roupa no manto para secar. Eu fico olhando
para suas costas – uma extensão nua de músculos e pele bronzeada e impecável
que faz minha garganta pulsar. Essa camisa, a mesma camisa que ele está usando
dia após dia desde a primeira noite em que o encontrei do lado de fora do Wolf
Hall, esconde uma infinidade de pecados: braços fortes, costas largas e fortes e
um peito que faria Michelangelo chorar. Seu corpo é nada menos que divino.
Ele me encara e fica ali parado, deixando-me descaradamente levá-lo para
dentro. Eu deveria ter algum respeito próprio e desviar o olhar. Eu não posso,
no entanto. Eu nunca vi nada como ele antes, esculpido, magnífico em sua
perfeição. Eu me abstenho de contar seu abdômen. É o suficiente que eles
estejam lá, e eles estejam definidos. Do alto de sua cabeça ao cós baixo de sua
calça jeans, Wren é o material de sonhos doces e celestiais e pesadelos retorcidos
e aterrorizantes.

Seus olhos queimam, febris e ferozes, enquanto ele os usa para me perfurar
até o âmago e me estripar com uma facilidade praticada. Quantas garotas ele
trouxe aqui e tirou essa merda? Quantas alunas do Wolf Hall ele arrastou aqui
no meio da noite e deixou perplexa ao se despir até sua pele nua e gloriosa? Sua
lista de baixas deve ser longa demais para ser compreendida.

─ Eu acho que você não deveria tirar a camisa, ─ murmuro, finalmente


desviando o olhar.

─ Oh, eu posso tirar tudo o que eu quiser, ─ ele reflete. ─ Eu


simplesmente não tenho permissão para usar qualquer outra coisa. Já passa da
meia-noite agora, no entanto. Primeiro de fevereiro. Estou liberado do meu
castigo.

─ Você estará vestindo vermelho brilhante amanhã, então.

Ele ri baixinho. ─ Não sou uma pessoa muito colorida. Preto combina
melhor com meu comportamento.

─ Ah. Sim, eu posso ver isso. Preto como seu coração? Como sua alma?

─ Ai. ─ Ele bate a mão no peito. ─ Eu fui atingido. Deixe o registro


mostrar, estou oficialmente ferido. ─ Ele afunda no sofá, chutando suas longas
pernas na frente dele. Com a luz do fogo lançando um brilho quente em toda a
extensão sólida de seu estômago e peito, bem como em seu rosto, ele é uma
figura frustrantemente bonita.

─ Eu posso encontrar algo para vestir, ─ diz ele. ─ Se eu estou deixando


você desconfortável.

Isso tudo é tão inútil e irresponsável que estou furiosa comigo mesma de
repente. Ele está brincando comigo, e eu estou deixando-o, permitindo que ele
me manipule e puxe minhas cordas. Ele sabe como ele é. Ele também sabe
como sua aparência deve afetar os membros do sexo oposto. Ao me agarrar à
parede e engasgar com todas as minhas palavras, estou alimentando sua
necessidade de atenção. ─ Sabe o que me deixa desconfortável? ─ Eu estalo,
espreitando através do espaço. ─ Voltar ao meu quarto para encontrar uma faca
bowie saindo do meu colchão e meus pertences em pedaços. Isso me deixa
realmente desconfortável pra caralho.

Do sofá, Wren olha para mim com uma carranca sutil e convincente,
franzindo as sobrancelhas. ─ Faca Bowie?

─ Não me venha com essa merda, Jacobi. Você sabe exatamente do que
estou falando. Você destruiu meu quarto e cortou meu colchão. Se você estava
tentando colocar o medo de Deus em mim, então não funcionou, ok? Então
apenas... fique longe do meu quarto.

A carranca se aprofunda. ─ Seu quarto foi destruído. ─ Ele é inexpressivo,


as palavras planas, desprovidas de emoção. Ele repete as palavras como uma
afirmação, não uma pergunta. ─ Eu não tive nada a ver com isso. Não é meu
estilo. Arrombar e entrar é bem… sem inspiração.

─ Para com graça. Eu sei que foi você. Quem mais se incomodaria?

Ele sorri. ─ Por que eu me incomodaria?


─ Você estava procurando por algo lá. E você queria me assustar.
─ Prossigo com minha acusação, tentando não me questionar agora que estou
olhando em seus olhos verdes claros e não consigo encontrar nenhum indício
de mentira neles. Ele é um excelente ator, eu vou dar isso a ele.

─ Os melhores açougueiros não assustam os animais antes de levá-los ao


matadouro, Elodie. O medo contamina a carne.

─ O que diabos isso quer dizer?

Wren suspira, olhando para o fogo. ─ Por que eu tentaria assustá-la,


Pequena E? O que eu teria a ganhar petrificando você até a morte?

Eu já me perguntei isso. Há muitas razões pelas quais ele iria querer me


intimidar, e eu considerei todas elas. Agora que ele fez a pergunta, todas as
razões que eu inventei parecem ridículas. Ele não precisa assustar as mulheres
em sua cama; elas provavelmente caem sobre si mesmas na pressa de ir para lá
de bom grado.

Não há uma boa explicação para Wren ter bagunçado meu quarto.

─ Não se preocupe, Pequena E. Mais uma vez, eu lhe asseguro, eu não


entrei no seu quarto sem a sua permissão, ─ ele diz, brincando com a costura
na parte de trás de uma das almofadas do sofá.

Eu acredito nele? De jeito nenhum. É inútil discutir com ele, no


entanto. ─ Tanto faz. Seria ótimo se você finalmente cuspisse e me dissesse o
que estou fazendo aqui. Eu adoraria voltar para a cama e...

─ Vou responder sua pergunta, mas não até que você venha e se sente, ─
ele interrompe. ─ Com você em cima de mim com aquela porra de casaco
gigante, isso está começando a parecer um interrogatório.
Eu quero ir. O tempo não melhorou nos últimos cinco minutos, no
entanto. As chances de eu encontrar meu caminho de volta para fora do
labirinto são pequenas neste momento. Não vai me fazer nenhum bem me
perder lá de novo, e eu não acho que Wren vai me ajudar a voltar para Wolf
Hall a menos que eu aceite.

Jab rápido na garganta.

Joelho para as bolas.

Cotovelo para o plexo solar13.

Eu tenho algumas manobras de autodefesa já preparadas e prontas para


entrar na minha cabeça, enquanto contorno a pequena mesa de café e
relutantemente me sento na poltrona. Pelo menos aqui estou perto do fogo; o
calor que irradia das chamas é incrível.

Satisfeito, Wren passa a mão pelo cabelo, varrendo os cachos molhados


do rosto. ─ Eu queria que você viesse aqui porque você é inteligente, ─ diz
ele. ─ Você é observadora, o que significa que você deve ter notado
que eu notei você. Você deve saber que estou interessado em você.

Eu estreito meus olhos. ─ Por que tenho a sensação de que ser o assunto
de seu interesse é ruim para a saúde de uma garota?

O menino de cabelo preto e olhos vívidos parece confuso. ─ Talvez eu


tenha sido ruim no passado. Tenho certeza de que Carina já lhe contou muito
sobre isso.

─ Ela me contou algumas coisas. Principalmente sobre seu plano


fracassado de foder metade do Wolf Hall antes do Natal. Uma aposta,

13
O plexo solar é uma complexa rede de neurônios que está localizada atras do estomago e embaixo do
diafragma.
certo? Entre você e seus amigos da Riot House? Ou você vai me dizer que ela
inventou isso?

A mão de Wren para, uma franja de uma das almofadas presa entre seus
dedos longos. Ele olha para mim – para mim? — imóvel e sem piscar. ─ Houve
uma aposta, ─ ele confirma. ─ Eu deveria dormir com dez garotas entre o
Halloween e o Natal, e não dormi. Foi assim que fiquei preso usando a mesma
merda por um mês.

Huh. Estou surpresa que ele realmente admitiu isso. ─ O que aconteceu?
─ Eu pergunto. ─ As meninas começam a conversar e comparar notas? Você
falhou no último obstáculo depois de colocar nove pontos extras no seu
cinto? ─ O comentário soou frio e indiferente dentro da minha cabeça. Fora da
minha boca, soa azedo e bobo.

─ Não vamos falar sobre porra nenhuma disso. ─ Wren se inclina para
frente, apoiando os antebraços nas coxas. ─ Palavras mesquinhas não nos
levarão a lugar nenhum rapidamente. Incomoda você que eu não tenho me
guardado para o casamento ou algo assim?

O calor sobe em minhas bochechas. ─ Por que isso me incomodaria? Sua


vida sexual não tem nada a ver comigo. Não é da minha conta.

─ E, no entanto, pelo tom de julgamento em sua voz, parece que te


incomoda muito.

─ Sério. Eu não me importo. Se as garotas com quem você dorme estão


consentindo, então...

─ Eu não sou um estuprador, Elodie. Eu nunca fiz nada sem o


consentimento de uma garota. Normalmente, eu só satisfaço uma garota com
meus afetos se ela estiver de joelhos, implorando por isso.
─ Ah, e tenho certeza que você adora isso, não é? A mendicância. Deve
fazer maravilhas pelo seu ego inflado.

─ Mendigar não deixa espaço para mal-entendidos. ─ Ele descansa o


queixo na palma da mão, apoiando a cabeça enquanto olha para mim
atentamente. ─ Eu não gosto de incerteza. Eu gosto que as coisas sejam muito
preto e branco. Corte claro. E você?

─ Sim, eu gosto quando as coisas são claras. É por isso que eu vou deixar
você saber aqui e agora que eu nunca vou me ajoelhar por você. Você é um
monstro, que adora tratar as mulheres como merda...

─ Você não sabe como eu trato as mulheres. Você não sabe nada sobre
mim, lembra?

Este filho da puta. Ele tem uma resposta para tudo. ─ As aparências
indicariam que você mastiga as mulheres e as cuspe como se fossem uma
mercadoria descartável. Tenho certeza de que você ficou furioso por ter
perdido aquela aposta, não ficou? Deve ter doído que você não conseguiu
convencer dez pobres garotas a mergulhar na cama com você.

Meu coração está batendo forte no meu peito, mas Wren apenas fica
sentado lá com o queixo na mão, a luz do fogo ainda jogando em todo o seu
elegante e masculino corpo, completamente impassível enquanto ele me
observa reclamar. Ele parece pensativo quando diz: ─ Você descobriu tudo,
não é? Você quer saber a verdade? A verdade é que não tive de tentar ganhar
aquela aposta. No momento em que Pax contou a Damiana sobre isso, estava
em toda a academia no final do dia. E então eu tinha garotas tropeçando em si
mesmas para me foder. Eu poderia ter triplicado minha cota em vinte e quatro
horas. Nem mesmo eu tenho esse tipo de resistência.
─ Uau. Grande homem. Então, você ganhou a aposta, afinal. Você
acabou de aceitar a punição por puro inferno?

─ Não. Eu não fodi nenhuma daquelas garotas. Elas queriam fazer de


tudo para chamar minha atenção. Só para dizer que dançaram de igual para igual
com um dos garotos da Riot House. Meu pau não fica duro para esse tipo de
merda. Uma garota tem que me ganhar, não pensar que ela está me fazendo um
favor.

─ Uau. Cuidadoso. Esse ego está beirando o ridículo agora.

─ Não é ego. É apenas um fato.

─ Então, você é um bom menino, afinal. Uma virgem santa. Foi isso que
você me trouxe aqui para me dizer? ─ Absurdo. Se ele tentar me convencer
legitimamente de que tem moral e nunca dormiu com uma aluna do Wolf Hall,
então eu o conhecerei exatamente por quem ele é: um mentiroso descarado.

Wren mexe os dedos dos pés na frente do fogo, mostrando os dentes em


um sorriso de lobo. ─ Eu sou a coisa mais distante que você encontrará de uma
virgem aqui, ─ diz ele. ─ Fui deflorado há muito tempo.

Essa escolha de palavra – deflorar – é risível. Isso implica que Wren já foi
inocente, antes de ser arrancado e manchado pelas mãos de outra pessoa. Wren
nunca foi inocente. Ele saiu do ventre corrupto e depravado, tenho certeza
disso.

─ E não. Eu já posso ver isso em seu rosto. Você sabe a verdade. Eu sou
a coisa mais distante do bem que você encontrará aqui também. Você não quer
saber o que eu perdi por não jogar junto com a aposta de Dashiell e Pax?

─ Não. Eu realmente não me importo. É tão previsível, essa coisa


toda. Garotos ricos entediados fazendo apostas para evitar o tédio, não se
importando como suas besteiras estúpidas afetam as pessoas ao seu redor. Você
não se importa com mais ninguém aqui? Você não se sente mal por machucar
as pessoas?

Wren pesa sua resposta rapidamente. Ele mal tem que pensar na
resposta. ─ Eu me importo com Pax. Eu me importo com Dashiell. Mas não
da maneira tradicional que a maioria dos caras do ensino médio se preocupam
uns com os outros. Eles não são meus irmãos. Eles não são meus manos. Eles
são oxigênio. Luz do dia. Cordialidade. Familiaridade. Abrigo. Casa. Segurança.
As outras pessoas vagando pelos corredores desse buraco de merda esquecido
por Deus? Eu me importo com eles? Não, Stillwater. Eu não me importo. Eu
não dou a mínima para nenhum deles, e não tenho medo de admitir isso.

Estou com frio apesar do fogo. É como se houvesse um bloco de gelo na


boca do meu estômago e ele não derretesse. Estou cansada até os ossos. Eu
nunca deveria ter saído do meu quarto. Eu sou uma tola por vir até aqui
embaixo no vento e na chuva para me sentar aqui e ouvir isso. Ele destruiu meu
quarto. Ele não tem vergonha de quem ele é nem um pouco. Tola que sou, acho
que esperava descobrir algumas qualidades redentoras que Wren está
escondendo do mundo, mas não há nada para resgatar aqui. Wren é um terreno
baldio estéril, e não tenho intenção de vagar por esse terreno baldio, sabendo
que não encontrarei nada para me nutrir lá.

Urgh. Vai ser uma droga voltar para aquela tempestade. Eu me levanto, já
tremendo com a perspectiva da chuva gelada batendo no meu rosto. ─ Vou
voltar para o meu quarto. Isso é uma perda de tempo. Eu...

─ Por alguma razão, eu me importo com você, no entanto, ─ diz ele,


apertando a mandíbula. Ele não está olhando para mim agora; seus olhos estão
fixos no tapete em frente ao fogo. Pela expressão em seu rosto, posso ver que
essa admissão lhe custou alguma coisa. Ele não gosta do que quer que esteja
sentindo agora. ─ Estou amaldiçoado com essa fascinação desconcertante por
você, e está realmente se tornando... inconveniente, Stillwater.

Reviro os olhos, lutando contra um suspiro dramático. ─ O que é


isso? Qual é o ponto? Esta é apenas mais uma aposta, não é? Você está
tentando se redimir depois de seu último fracasso embaraçoso e imaginou que
eu seria um novo alvo interessante em uma de suas apostas. Bem, eu não sou
seu brinquedo, Wren Jacobi. Não fui colocada nesta terra para sua
diversão. Estarei fria e morta no chão antes de deixar você usar meu coração
como um saco de pancadas. Então, você pode simplesmente esquecer. Me
esquecer.

O pânico chia sob minha pele quando Wren lentamente se levanta do


sofá. Seus olhos estão vivos com eletricidade, aquele lábio inferior preso entre
os dentes novamente. Meu grande discurso não teve o efeito desejado. Ele anda
para frente, seus músculos se movendo lindamente sob sua pele, e eu quase
tropeço nos meus próprios pés na minha pressa de me afastar dele. Ele parece
que vai me comer. ─ Meu cérebro não funciona assim, desculpa. Eu não
apenas esqueço. Se eu quero algo, não posso simplesmente seguir em frente e
fingir que não existe.

Eu me afasto dele, e meu peito aperta quando as costas das minhas pernas
batem na poltrona em que eu estava sentada um momento atrás. Eu vou ter
que escalar a porra da mobília se eu quiser ficar longe dele, o que não vai parecer
gracioso ou digno. Eu farei isso de bom grado, porém, se isso significa que eu
escape dele.

Wren tem outras ideias. Ele dá um último passo, tão perto de mim agora
que posso sentir seu hálito quente deslizando sobre minha bochecha, posso ver
as manchas âmbar e ouro em torno do poço negro de sua pupila dilatada. Eu
não posso me mover. Eu não consigo respirar. Se eu piscar, suspeito que ele vai
me atacar e me despedaçar. Ele pega uma mecha do meu cabelo úmido e
emaranhado, enrolando-o pensativamente em seus dedos. ─ Você não é uma
aposta, Elodie. Eu tive que negociar com eles por você. Eu tive que quebrar
minhas próprias regras para reivindicar você, e isso me custou muito.

Por cima do meu pânico paralisante, uma raiva quente e furiosa começa a
crescer. Quem diabos ele pensa que é? Tão fodidamente intitulado. Tão
fodidamente arrogante. ─ Você não pode negociar sobre uma pessoa. Eu não
pertenço a nenhum de vocês. Não vou ser negociada como um pedaço de
carne. ─ Meu pulso está martelando em trinta pontos diferentes por todo o
meu corpo: nas minhas têmporas, nos meus ouvidos, nas pontas dos meus
dedos. Em meus lábios…

Wren olha para minha boca. Ele parou de respirar, apertado, enrolado
como um caçador, pronto para atacar a qualquer momento. Eu... Jesus Cristo,
eu tenho que sair daqui, antes...

Wren puxa meu cabelo, inclinando-se ainda mais perto, suas pálpebras
semicerradas enquanto ele inclina a cabeça para um lado, avaliando minhas
feições. Eu balanço para trás em meus calcanhares. Passa um momento sem
peso e terrível, onde registro o quão desequilibrada estou e percebo que estou
prestes a cair. Então estou sentada pesadamente na cadeira atrás de mim, o ar
saindo dos meus pulmões enquanto Wren continua a pressionar para frente. Ele
coloca uma mão no braço da cadeira, a outra no encosto, bem acima da minha
cabeça. Estou presa em uma gaiola feita por seu corpo, e tudo que posso sentir
é o cheiro dele – um cheiro escuro, inebriante e lindo que provoca a parte de trás
do meu nariz. Isso me lembra as flores desabrochando à noite, e os passeios
frios de inverno com minha mãe, o oceano e a oficina de carpintaria do meu tio
Remy.
Puta merda. A próxima vez que eu sentir esse cheiro, não vai me lembrar
de nenhuma dessas coisas. Poderoso o suficiente para substituir minhas
memórias, da próxima vez que eu sentir esse cheiro, ele me lembrará deste
momento, presa nesta cadeira, do jeito que meu coração está disparando e eu
sinto que estou prestes a morrer uma morte deliciosa. ─ Afaste-se de mim,
Wren, ─ eu sussurro.

Ele sorri tristemente. ─ Gostaria de poder, Stillwater. Mas não está nos
cartões.

Estou pronta para reagir. Ele está prestes a me beijar. Eu não tenho medo
disso. Estou tremendo e não consigo pensar direito, mas não
estou com medo. ─ Para trás, Wren.

Seus lábios estão separados, suas pupilas perto de engolir suas


írises. Minhas palmas queimam, meus dedos coçam. Não confio em mim para
me mover agora. Uma parte de mim quer dar um tapa no olhar intenso, dopado
e cheio de luxúria de seu rosto estupidamente bonito. Uma parte de mim quer
agarrar um punhado de seu cabelo e puxá-lo para mim, para que seus lábios
carnudos colidam com os meus.

Eu quero o beijo. Quero que ele sofra por essa invasão do meu espaço
pessoal. Estou em guerra comigo mesma, e honestamente não sei como vou
reagir se ele fizer uma jogada.

─ Seu coração está acelerado, Stillwater, ─ ele sussurra. ─ Eu posso ver


seu pulso na base de sua garganta. Você me quer.

─ Eu quero que você me deixe sozinha. Eu quero que você fique longe
do meu quarto.

─ Elodie.
Minha voz é irregular e cheia de nervos. ─ Eu sei que você está mentindo.

Lentamente, como se ele tivesse todo o tempo do mundo, Wren balança


a cabeça. Uma gota de água cai do tumulto de cachos que estão pendurados em
seu rosto, e cai direto na minha boca. ─ Eu não menti para você. Eu nunca
vou. Vou te dar todas as minhas verdades sombrias e feias, mesmo que elas te
assustem, Pequena E. Não vou me conter. Você... ─ Ele abaixa a cabeça, e eu
congelo embaixo dele. O ar entre nós zumbe, transbordando com uma tensão
tão aguda que morde minha pele. Milímetro a milímetro, ele se aproxima e
mostra a ponta da língua, lambendo a gota de água dos meus lábios. Fecho os
olhos, meus pulmões paralisados.

Porra.

Porra, porra, porra.

─ Você vai ser minha, Elodie Stillwater. De todos os meus pecados e


malfeitos, fazer você se apaixonar por mim será o pior de todos.
11

Wren
Quatro dias depois

Eu a acompanhei de volta para a casa.

Contra o meu melhor julgamento. Contra cada impulso rugindo através


do meu corpo, eu a levei de volta para casa e não coloquei um dedo nela. Até
agora, a única parte do meu corpo que esteve em contato com Elodie é minha
língua, e aquele momento feliz quando eu ousei lamber sua deliciosa boquinha
me sustentou durante algumas noites muito frustrantes e muito longas.

Ela não olhou para mim desde então. Eu passei por ela no corredor. Eu a
observei na aula. Eu me sentei na mesma sala que ela, fustigada por sua raiva
tangível, e cada segundo foi o paraíso. Ela não saiu do lado de Carina. Eu sei
que ela está se certificando de que não fiquemos sozinhos juntos, e esse
joguinho que estamos jogando me levou ao ponto da insanidade. Eu poderia
tê-la puxado para um armário agora. Eu poderia tê-la arrastado para os
vestiários, ou encurralado ela no refeitório, ou perseguido ela direto para os
banheiros femininos, mas cheguei à gloriosa percepção de que essa coisa entre
nós – essa expectativa inebriante que me mantém acordado quando eu me jogar
na cama às três da manhã — é muito mais divertido do que tentar apressar a
situação.

Ela virá até mim. Ela não vai resistir. É só uma questão de tempo. E eu
tenho muitas coisas para manter minha mente ocupada enquanto espero que
sua curiosidade tire o melhor dela.
DAMIANA: Quando você vai desistir? Você sabe que fazemos
sentido. Somos cortados do mesmo tecido. Por que você iria querer se
contentar com um pouco de puritana se você já sabe o quão bom é o meu
gosto?

Damiana tinha gosto de desespero. Ele revestiu minha língua e deixou um


resíduo oleoso na minha boca que três dias de Listerine não conseguiram
remover. Eu pensei em esterilizar meu pau em alvejante depois que eu fui burro
o suficiente para fodê-la, mas eu percebi que meu pau já tinha sofrido o
suficiente e resolvi com um banho escaldante em vez disso. Um mestre artesão
deve cuidar melhor de suas ferramentas.

Eu completei uma avaliação completa de lucros e perdas na noite em que


permiti que Dami entrasse na casa e eu transei com ela na mesa de pôquer de
Pax. Na época, sua carência era algo que eu considerava administrável, mas isso
foi depois de uma garrafa de vodka e dois Percocet14. Foi também antes de eu
saber que Elodie Stillwater existia. E agora eu acho que as consequências do
meu pequeno encontro com a víbora residente de Wolf Hall não valeram os
vinte e um minutos de carne nua e gemidos aprovados pela estrela pornô que
ela ofereceu em troca de uma carona no meu pau.

EU: Deixa pra lá. Alguns erros não estão destinados a serem
repetidos.

14
Um tipo de remédio da espécie da Oxicodona extremamente viciante.
DAMIANA: ERRO? Você não estava chamando assim quando eu
engoli sua porra, filho da puta.

Eu guardo meu telefone no bolso de trás, rosnando alto. A cadela louca


não vale mais um megabyte dos meus dados. Eu não deveria ter respondido em
primeiro lugar, mas imaginei que havia uma chance de ela ir embora e deixar
isso acontecer graciosamente. Garotas como Damiana nunca sabem quando
desistir. Eles persistem e persistem até que se envergonham completamente, e
mesmo assim não o largam.

O terreno que circunda a casa é um pântano. Choveu a semana toda, uma


chuva incessante que só parou o tempo suficiente para Dashiell me convencer
a uma corrida no Monte Castor (que eu ganhei). Esta manhã é o primeiro dia
em que qualquer um de nós acorda com o céu azul, e o amanhecer pálido e
quase branco me deixou irracionalmente irritado. Gostei da densa e raivosa
cobertura de nuvens e da energia carregada e ameaçadora que paira sobre Wolf
Hall. Isso exacerbou a tensão turbulenta que vem crescendo entre mim e
Elodie. Parecia aquele momento antes de você gozar, quando você prende a
respiração e sente aquele prazer aumentando, e você está surfando nessa onda
que vai chegar até você a qualquer segundo. O começo ensolarado e fresco
desta manhã parece que aquela onda não quebrou, deixando-me insatisfeito e
querendo.

Usar metáforas sexuais é um erro. Eu só tenho que pensar na palavra e


minha mente vai ao mar, pintando imagens gráficas de Elodie, nua e espalhada
para mim. Eu não me permiti imaginar como seria transar com ela. Eu não
posso imaginar isso. Em meus devaneios, chego ao ponto de pairar sobre ela com
meu pau na mão, esfregando a ponta contra sua boceta linda e rosa, e minha
mente fica em branco.
Ela não é virgem. Ela foi fodida antes, eu posso dizer, mas isso não
importa para o bastardo bloqueador de pau dentro da minha cabeça, que
continua me dizendo que ela é pura e meu pau não tem nada que estar perto de
sua boceta.

Pax assobia por entre os dentes enquanto estaciona na lama preta em


frente da casa ao volante de seu Charger; ele está mastigando um palito de dente
que ele carrega de um lado da boca para o outro, da esquerda para a direita, da
esquerda para a direita, da esquerda para a direita. ─ Você vai me dever uma
lavagem de carro, você sabe disso, certo? Esta bebê estava limpa quando saí da
garagem e agora olhe para ela. Ela está imunda.

─ Se você tomasse tanto cuidado em sua apresentação quanto naquele


carro, as pessoas não o confundiriam com um vagabundo o tempo todo, ─ diz
Dashiell em uma voz radiante.

─ Foda-se, Lord Lovett. ─ Quando alguém chama Dashiell pelo seu título
completo, normalmente é dito com uma certa gravidade e respeito. Quando
Pax usa o título completo do nosso amigo, parece que ele está mastigando
vespas. Dashiell é imune ao mau humor de Pax, no entanto. Ele graciosamente
desliza para o banco da frente ao lado de Pax, dobrando seu corpo como um
maldito dançarino enquanto se enfia no carro.

Todos nós estamos dolorosamente cientes do fato de que nenhum de nós


deve se dar bem. Pax é o cara mais picante, raivoso e mal-humorado que eu já
conheci. O chip em seu ombro é óbvio e meio triste, na verdade. Dashiell está
podre e tão viciado em Valium e Xanax que seu mundo é fofo e tão suave
através de suas lentes rosáceas medicinais que ele mal existe no mesmo plano
de realidade que nós.

E eu. Eu sou o recluso. A panela de pressão. O cara que mal fala, cuja pele
começa a coçar se tiver que dizer mais de três frases em público, na
verdade. Que odeia quase todo mundo e acha repugnante a ideia de ter amigos por
perto.

Pax e Dashiell de alguma forma trabalharam seu caminho sob a minha


pele, porém, até que parecia normal que eles estivessem lá o tempo todo,
brigando e atacando um ao outro, brigando e me chamando para mediar seus
argumentos idiotas e afetuosos; agora seria estranho se eles não estivessem por
perto, ocupando espaço e me irritando pra caralho.

Pax gargalha como uma hiena enlouquecida enquanto sai da garagem e se


dirige na direção da academia. Qualquer outro dia e nós três teríamos corrido
os três quilômetros até Wolf Hall e não teríamos suado, mas é sexta-
feira. Estaremos queimando a montanha no momento em que o sino final do
dia tocar, e não voltaremos até as primeiras horas da manhã de segunda-feira.

─ Quantas pessoas vão estar nessa coisa de qualquer maneira? ─ Pax


resmunga.

─ Quinhentas e pouco. O crème de la crèmes15 da sociedade da Costa


Leste. Meu pai não põe os pés em solo americano há três anos, então até os
esnobes mais mimados e de sangue azul, do dinheiro antigo ao nouveau16 ricos,
sairão rastejando de suas rochas para prestar homenagem ao velho.

Interiormente, eu gemo. Quinhentas pessoas, todas amontoadas no


mesmo salão de baile, esperando sua vez de se curvar e raspar os pés de um
homem que a maioria delas nunca conheceu. Soa como pura tortura do
caralho. Acrescente o fato de que é um evento black-tie e estou ansioso para o
jantar de caridade de hoje à noite tanto quanto um tratamento de canal, sem
anestesia.

15
O melhor dos melhores – francês
16
Novos - francês
─ Você está quieto aí atrás, ─ acusa Dashiell, olhando por cima do ombro
para mim, onde estou esparramado no banco de trás do Charger. ─ Porra,
Jacobi. Você é fisicamente incapaz de se sentar direito? ─ Ele curva uma de
suas sobrancelhas loiras sujas em um ponto de interrogação. ─ Acho que nunca
vi você utilizar uma cadeira corretamente. Você sabe que deveria se curvar no
meio e se sentar em um ângulo de noventa graus, certo? Sua postura é atroz.

─ Minha postura está diretamente relacionada ao meu nível de interesse


pelo meu entorno.

─ Ai. ─ Pax finge uma fungada de mágoa. ─ Desculpe se estamos


entediando você, Sua Alteza.

Dashiell inclina o espelho retrovisor para encará-lo, usando-o para


verificar sua gravata no espelho. Gravatas não são obrigatórias no Wolf
Hall; Dash a usa por vontade própria, o que é doentio pra caralho ao meu ver. ─
Ele está fora de forma sobre a nova garota, ─ diz ele, seus olhos encontrando
os meus no espelho. ─ Ele está levando um tempo com essa.

─ Eu não estou levando um tempo. Estou lançando as bases. Há uma


diferença.

Dash me ignora. ─ Quanto tempo ele levou para sujar Erica Judge quando
ela apareceu pela primeira vez? ─ ele pergunta a Pax.

─ Duas horas e trinta e oito minutos. De colocar os olhos nela pela


primeira vez, decidindo que ele a queria, passando pela conversa fiada,
realmente transando com ela na sala de arte, e seus pais se virando e voltando
para buscá-la. Duas horas e trinta e oito malditos minutos! ─ Pax fala. ─ Lenda viva
do caralho. A linda Elodie está aqui há duas semanas e ele mal olhou para
ela. Desperdício de carne fresca, se você me perguntar. Se você mudou de ideia
sobre nosso acordo, cara, podemos negociar de volta, sabe. A Córsega é um
dos meus lugares favoritos no mundo, mas essa garota parece ter uma daquelas
bocetas perfeitas, pequeninas e arrumadinhas de estrelas pornô. Eu adoraria
abrir aquela ostra e ir caçar a pérola. ─ Ele levanta dois dedos, passando a língua
entre eles, fazendo um barulho grotesco, e a parte de trás do meu pescoço se
arrepia. Eu chuto a parte de trás de seu encosto de cabeça com força suficiente
para fazer seu crânio ricochetear no couro de bezerro.

─ Ei! Que porra, cara! ─ Pax olha para mim por cima do ombro. ─ Se
você está tendo problemas para deixar seu pau duro, eu tenho muitos remédios
que vão ajudá-lo a fazer o trabalho. Chute essa merda de novo, e você pode sair
e caminhar.

─ Tudo bem, ─ eu assobio.

─ Tudo bem, você quer algumas pílulas de pau?

─ Tudo bem, encoste. Eu vou sair e andar porra.

─ Não seja uma putinha, Jacobi. Estamos a quinhentos metros da entrada.

─ Pare o carro, ou eu vou fazer mais do que chutar um encosto de cabeça,


─ eu ronrono, em uma voz plana, calma e perfeitamente amigável.

─ Jesus Cristo, ─ Dash geme. ─ Deixe-o sair antes que ele exploda como
a porra do Etna. Não há necessidade de ficar tão rabugento, sabe, ─ ele me diz,
girando em sua cadeira. ─ Você gosta de algo sobre essa garota. Por alguma
estranha razão, você decidiu que ela é a Morticia do seu Gomez. Não há
necessidade de deixar sua insanidade temporária causar discórdia entre nós três,
no entanto.

Os pneus do Charger levantam pedaços de cascalho enquanto Pax bate


propositalmente nos freios. Abro a porta e saio para o frio.
Dashiell me oferece um sorriso vitorioso. ─ Tome um minuto para pensar
sobre o que realmente importa em sua peregrinação para a escola, não é,
cara? Vejo você em três minutos inteiros.

O Charger pula quando ele pisa no acelerador, avançando pela calçada em


direção ao imponente prédio da academia, e uma espessa nuvem de fumaça de
escapamento me envolve por um segundo, obscurecendo a visão sombria à
frente.

Eu gostaria que chovesse de novo.

Eu gostaria que o dia, junto com o irritante jantar de caridade do pai de


Dashiell, já tivesse acabado.

Eu gostaria que meus amigos presunçosos não estivessem certos.

Minha atenção está inexplicavelmente presa em Elodie, e seu apelo parece


crescer diariamente. Sob quaisquer outras circunstâncias, eu já teria encantado
os dentes de trás da garota e fodido a merda dela, mas isso não é sobre
sexo. Não é sobre sexo, suponho. Mas é mais sobre a confiança silenciosa que a
garota coloca. É sobre sua educação, as coisas que ela experimentou e a maneira
como ela vê o mundo. Eu quero saber o que está acontecendo dentro da cabeça
dela.

Eu quero o que qualquer cara na minha posição iria querer: sua rendição
completa e incondicional.

Pax e Dashiell esperam por mim nos degraus de mármore desgastados que
levam até a entrada da academia. Eles são da mesma altura, e seus corpos são
bastante semelhantes também. É aí que suas semelhanças chegam a um
impasse. Sem mim, os dois homens parados lado a lado diante daquelas portas
pretas laqueadas provavelmente se desprezariam com uma intensidade ardente
geralmente reservada a membros de religiões opostas.
─ Aquele pequeno intervalo consertou seu humor salgado, princesa?
─ Pergunta Pax. Seus olhos ainda estão cheios de fúria sobre o incidente do
encosto de cabeça. Ele não vai me perdoar até que eu peça desculpas, e mesmo
assim ele pode não me absolver do meu crime hediondo; aquele carro é seu
orgulho e alegria.

Eu não poderia me importar mais. Hoje, estou me entregando ao meu


funk saturnino. Ele pode me ter, porra. Pax vai ter que esperar até amanhã se
quiser algum sinal de remorso de mim.

As sextas feiras são estranhas no Wolf Hall. Nenhuma de nossas classes


se alinha, nós três nos separamos e sonos banidos para diferentes alas da escola
de uma maneira que definitivamente parece planejada. Harcourt se certificou de
que nenhum de nós, garotos da Riot House, estivesse perto o suficiente para
planejar qualquer plano perturbador para o fim de semana em torno de qualquer
um dos outros alunos, o que geralmente é irritante. Estou feliz por não ter que
ver nenhum deles novamente até o final do dia, no entanto.

Eu apenas preciso…

Eu não sei o que diabos eu preciso ....

─ Estarei pronto para sair às seis, ─ eu digo, batendo a mão nos ombros
de qualquer um dos meninos quando passo por eles. ─ Vejo vocês de volta na
casa.

Abro as portas pesadas e entro na escola, deixando-os para trás. Pax não
pode me deixar ir sem ter a palavra final, no entanto. ─ Você está agindo como
se ela fosse o pote de ouro, esperando por você no final do arco-íris, cara. Mas
você está se envergonhando, Jacobi. Ela é apenas uma garota. Ela é apenas uma
garota do caralho!
No escuro…
Eu paro de beber.

Ele enfia o canudo fino pelo buraco, me provocando, tentando me convencer a tomar um
gole, mas eu já me decidi.

─ Pequena cadela teimosa e estúpida. Beba, porra. BEBA A PORRA DA


ÁGUA!

O corpo humano pode sobreviver por semanas sem comida, desde que tenha água.

Mas se eu não beber...

…então talvez não demore tanto para desaparecer.


12

Elodie
SER RESSUSCITADO dos mortos tem seus benefícios.

O mais importante disso: meus amigos começaram a me enviar mensagens


novamente.

Desço as escadas correndo, com a cabeça enfiada no celular, tentando ler


o texto mais recente de Ayala sem ser pega por um membro da equipe. Estou
sorrindo, as bochechas doendo, totalmente extasiada com o olhar de tristeza
absoluta no rosto de Peter Horovitz - o cara até usou um terno no meu memorial
em Maria Madalena - e é por isso que eu não vejo a mancha preta escura se
aproximando rapidamente do salão à minha esquerda.

Meu Deus. Pedro, Pedro, Pedro. Isso é o que você ganha por não me convidar para o
baile de inverno, nã – WOAH! O impacto tira o ar dos meus pulmões. Eu afundo,
dedos agarrando o ar enquanto caio de lado, tentando fechar minha mão ao
redor do meu celular. É tarde demais, no entanto. O dispositivo gira de ponta
a ponta, movendo-se muito devagar enquanto desce, despenca, desce... e atinge
o piso de mármore polido na entrada com um estalo de partir o coração!

Meu quadril provavelmente fez o mesmo som enervante quando eu bati


no chão, mas eu não me importo com meu maldito quadril. Meu telefone. Jesus,
se meu telefone estiver quebrado, estou totalmente fodida.

─ Impressionante, Pequena E, ─ uma voz fria diz acima de mim. Do meu


ponto de vista no chão, olho para cima e encontro Wren de pé sobre mim. Ele
não está sorrindo. Nem mesmo sua bunda presunçosa, arrogante, vou fazer você
se apaixonar por mim sorrindo. Não. Hoje, seu rosto parece ter sido esculpido em
granito. Granito muito irritado. Seus olhos são tão glaciais e distantes que um
calafrio físico percorre minha espinha. ─ Bolas rosa e brancas. Não pensei que
você fosse como uma garota do tipo calcinha de algodão, ─ ele diz, arqueando
uma sobrancelha enquanto seu olhar viaja pelo meu corpo…

─ Meu Deus! ─ Minha saia. O constrangimento me agarra enquanto puxo


o tecido xadrez da minha saia, cobrindo minha bunda, que estava, até um
segundo atrás, em exibição para todo o mundo ver. Claro. É claro que eu
escolhi minha calcinha mais feia esta manhã, e é claro que fui direto para Wren
e mostrei para ele minha calcinha deselegante de vovó.

Apenas fodidamente... ótimo. É sério. Simplesmente ótimo.

O lábio superior de Wren se curva para cima; ele parece enojado quando
passa por cima de mim. Eu recebo um close-up do piso de suas botas, a três
centímetros de distância do meu nariz, antes de fechar os olhos, comida viva
pela vergonha. ─ Parece que seu telefone acabou de ser desativado, ─ resmunga
Wren. ─ Que pena. O lugar de conserto mais próximo fica a 80
quilômetros. Deveria ter olhado para onde você estava indo.

Eu mordo o interior da minha bochecha até sentir o gosto de


sangue. Apoiando-me em meu cotovelo, finalmente registrando a dor surda na
minha lateral, eu alcanço meu iPhone e vou agarrá-lo antes que ele possa sofrer
mais danos, mas o pé de Wren varre, chutando o dispositivo no chão. Ele para
na base de um pedestal, no qual o busto de cobre de um cavalheiro careca de
aparência vitoriana zomba de mim com raiva.

─ Deus, Jacobi. Muito bem. Não achei que fosse possível ser ainda mais
idiota, mas você continua subindo de nível. ─ Carina chega, vestida com um
agasalho amarelo e azul Wolf Hall, o cabelo preso em tranças apertadas e
arrumadas. Ela pega o telefone primeiro, presumivelmente para que Wren não
possa pisar na maldita coisa e triturar a tela sob o salto de sua bota. Ela vem
para mim em seguida, me dando uma mão e me puxando para os meus pés.

Foda-se. Meu telefone está ferrado. A tela não está apenas rachada. Está
escuro e a luz de fundo está completamente apagada. Isso é apenas típico. No
momento em que eu finalmente volto a entrar em contato com Levi e Ayala,
bum! Com meu laptop ainda fora de serviço e demorando muito para ser
substituído por Harcourt, meu único meio de comunicação com o mundo
exterior acabou de morrer bem diante dos meus olhos.

─ Merda, ─ Carina sussurra, olhando para o vidro e metal quebrados; não


é nada mais do que um peso de papel agora. ─ Deus, eu não acho que essa coisa
seja aproveitável.

─ Vai ter que ser. Meu pai não vai deixar comprar um telefone novo no
meu cartão de crédito. Sem chance. Ele só me deu este. Ele...

Garota estúpida.

Descuidada…

Imprudente…

Irresponsável…

Eu recuo a cada palavra, me preparando para um punho que não


vem. Quando olho para cima, o verniz frio de Wren está um pouco rachado, e
vislumbro outra coisa – algo que parece... preocupação? Ah. Sim. Agora estou
imaginando coisas. Devo ter batido a cabeça.

─ Eu levaria você para consertá-lo amanhã, Elle, mas prometi que ajudaria
a organizar uma festa na cidade. Posso levá-la no próximo fim de semana, no
entanto?
─ Elle? Não combina com você, ─ Wren zomba.

─ Cuide da sua vida, Jacobi. Continue. Vá se foder antes que eu vá contar


a Harcourt o que você fez.

Suas sobrancelhas negras como carvão se erguem. ─ O que eu fiz? Ela


bateu em mim. Eu estava cuidando da minha vida, a caminho da aula.

─ Apenas vá, ─ Carina rosna.

Eu quero olhar para o meu telefone. Eu instruo meus nervos e músculos


a obedecer, mas eles desconsideram o comando. Em vez disso, olho para Wren
enquanto ele dá de ombros, seu olhar queimando em minha pele como uma
marca enquanto ele se afasta pelo corredor. Carina espera até que ele esteja fora
do alcance do ouvido antes de dizer mais alguma coisa.

─ Idiota arrogante, ─ ela ferve. ─ Eu odeio esse cara. Prefiro contrair


herpes do que ter que passar mais um minuto nesta escola com ele vagando
pelos corredores como se ele fosse o dono da porra do lugar.

Eu solto uma risada sem entusiasmo, batendo o telefone quebrado na


palma da minha mão e me encolhendo tristemente quando pequenos
fragmentos de vidro caem no chão aos meus pés. ─ Herpes? Uau. Você
realmente deve odiá-lo.

Carina faz uma careta. Ela me pega pela manga do meu suéter e me puxa
em direção à nossa aula de ciências, assim que o sinal anuncia nosso atraso. —
Você nem imagina, Stillwater. Você malditamente nem imagina.

***

─ Um... ei. Hum…


Eu olho para cima do meu macarrão pesto de vegetais, mal-humorada e
hostil. Devo parecer hostil também, do jeito que estou brandindo meu garfo
como se fosse uma arma do crime e estou prestes a enfiá-lo no pescoço de um
transeunte desavisado. O cara pálido com os olhos cinzas do outro lado da mesa
treme quando nossos olhos se encontram. Ele parece ficar ainda mais pálido à
medida que os segundos passam sem que nenhum de nós diga nada. Pobre
cara. Se eu não estivesse com um mau humor tão monstruoso, poderia sentir
pena dele por causa de sua falta de jeito. Meu humor sendo o que é, no entanto,
não tenho pena dele. Ele fez isso consigo mesmo. Estou emitindo uma energia
extremamente negativa, e ele tomou a decisão de vir aqui e me incomodar. Se
ele tiver queimaduras de segundo grau por causa do meu olhar fulminante, isso
é culpa dele.

─ Meu... meu nome é... é Tom. Tom Petrov. Esse é o meu nome. E eu
só... ─ Ele infla as bochechas, piscando rapidamente, balançando a
cabeça. Percebo que ele tem um lábio rachado. Parece fresco. Reiniciando-se,
ele dá um passo à frente e estende a mão. ─ Eu sou Tom. Bom uh... finalmente
conhecê-la. Só vim me apresentar e oferecer meus serviços.

Eu o libero do meu olhar de raio, espetando um pedaço de cenoura mal


cozida no meu garfo, arrancando-o da ponta com os dentes da frente. Tom pula
quando eu mordo e a cenoura estala alto. ─ Estou tendo um dia ruim, Tom. Eu
provavelmente não vou gostar dos serviços que você está oferecendo tão
gentilmente.

─ Oh, sério? ─ Ele se remexa, cutucando as unhas. ─ Porque eu ouvi


Carina dizendo que você quebrou seu telefone e você teria que esperar até a
próxima semana para consertá-lo, e eu... bem, eu conserto telefones no meu
tempo livre, então…
Meu garfo cai na minha bandeja de almoço. ─ Você conserta telefones, ─
eu digo. ─ Você conserta telefones?

Tom assente. ─ Telas principalmente. Às vezes eu preciso puxar dados,


no entanto. Pode ser complicado obter absolutamente tudo de um
dispositivo. Você... você o deixou cair na água?

─ Não. Não, apenas bateu no chão com bastante força. Ele nem liga.

Tom assente. ─ É novo? ─ ele pergunta. ─ Se for novo e eu substituir a


tela, a garantia será anulada.

─ Novo para mim. Mas não é novo. ─ Papai finge que está me dando um
de seus malditos rins toda vez que substitui meu celular, mas eu sei pelos
pequenos arranhões e cortes que eles sempre tiveram pelo menos um dono
antes de mim. Geralmente seu ajudante militar. Ele nunca foi de gastar dinheiro
em algo que pode obter de graça.

─ Então provavelmente está fora de sua garantia, de qualquer


maneira. Você não tem nada a perder, me fazendo dar uma olhada nisso.

O refeitório está mais vazio do que o normal. As pessoas ficaram presas


dentro de casa durante toda a semana por causa da chuva; agora que finalmente
parou, eles estão enfrentando o frio e levando a comida para fora. Eu amo o
silêncio, e estou feliz por não estar sendo encarada por trinta pessoas que eu
não conheço bem, mas porque eu gosto de comer no refeitório? A coisa que eu
mais gosto? Wren e seus comparsas são bons demais para comer aqui com as
pessoas comuns. Nem uma vez eu vi nenhum deles desgraçar esta área comum
com sua presença, o que significa que estou segura aqui. Eu não tenho que me
preocupar com piadas sarcásticas, ou olhares sujos, ou um rosto tão bonito e
malvado que me faz querer chorar.
Wren provavelmente iria se divertir com meu conflito interno. Não é
preciso ser um cientista de foguetes para saber que ele estaria esfregando as
mãos psicóticas se soubesse quantos pensamentos traidores eu tenho sobre ele
todos os dias.

Mas…

Jesus, acabei de passar uns sólidos vinte segundos pensando em Wren


quando há alguém parado na minha frente, esperando que eu continue minha
parte de uma conversa. O que diabos há de errado comigo?

De volta ao assunto em questão.

Dando toda a minha atenção a Tom, eu o avalio. — O que aconteceu com


seu lábio, Tom?

Seus olhos se arregalam. ─ Huh?

Eu aponto meu garfo para ele novamente. ─ Seu lábio inferior. Está bem
aberto.

Ele toca os dedos na boca como se não tivesse conhecimento do


ferimento. ─ Oh! Oh, eu estava deitado na cama esta manhã, olhando para o
Instagram, e deixei cair meu telefone. Acertou-me na boca. Estúpido
certo? Você já fez isso antes? Dói como uma cadela.

Eu limpo minha garganta, dando-lhe outra vez. ─ Por que você está sendo
legal comigo? Nós nunca conversamos antes.

Ele muda de um pé para o outro, limpando a garganta. ─ Bem, eu odiaria


esmagar qualquer ideia que você possa ter sobre meu espírito filantrópico, mas,
bem, eu sou pago por esse tipo de trabalho. Estou aqui com uma bolsa de
estudos, então…
Oh, qual é. Eu sou uma idiota. É fácil esquecer que nem todos os alunos
dessas escolas são ricos. Algumas escolas têm alunos bolsistas. Alguns
estudantes em lugares como Wolf Hall até têm empregos e precisam trabalhar
nos fins de semana para se sustentarem. Eu me sinto como uma idiota de grau
A por desmembrar completamente as pessoas cujos pais não economizaram
milhões e são obrigados a pegar a folga.

Sento-me em linha reta, empurrando minha comida para longe. ─


Quanto?

─ Cem se for apenas a tela. Incluindo peças. Se for um dos telefones mais
novos, devo ter o que preciso aqui no campus. Caso contrário, terei que
encomendar o material online, o que geralmente leva cerca de uma semana para
chegar.

─ É o modelo do ano passado.

─ Então sim. Eu devo ter o que preciso aqui.

─ E se o telefone estiver fodido e você precisar puxar os dados?

─ Isso é um extra de trinta. Não é super difícil. Eu poderia mostrar a você


como fazer isso se você quisesse economizar dinheiro, mas a maioria das
pessoas me faz fazer isso para economizar algum tempo.

Os dados no meu telefone são mínimos. Não há fotos. Sem grandes


cadeias de texto sobre as quais estou sentimental. Estava limpo quando o
Coronel Stillwater me deu, então não estou realmente preocupada com isso. Era
um telefone silencioso, depois que meus amigos descobriram que não estou
morta, no entanto? Estou bastante preocupada com isso. ─ Quão rápido você
poderia devolver para mim?
Tom resmunga. Ele parece surpreso que eu possa estar pensando em
contratá-lo. ─ Uh, oh, bem, geralmente três dias ou mais, mas já que você é
nova eu acho que eu poderia tentar apressar isso.

─ OK.

─ OK?

─ Sim. Não posso ir a Albany neste fim de semana. Eu preferiria não ter
que esperar até o próximo fim de semana para cuidar disso, então...
claro. Pegue. ─ Procuro na minha bolsa até localizar o telefone quebrado, e
então o estendo para Tom do outro lado da mesa. Ele engole, alívio dominando
suas feições. Porra, o pobre bastardo deve estar realmente sem dinheiro.

Ele coloca o telefone no bolso, afastando-se da mesa. ─ OK. OK. Bem,


obrigado. Se eu puder devolvê-lo mais rápido, eu vou deixar você saber.
13

Wren
RESPIRAR. Piscar. Engolir.

Algumas habilidades são inatas. Nascemos com elas. Sem elas,


morreríamos no momento em que viermos gritando ao mundo, vulneráveis e
cobertos de vísceras. Sinto que fui cuspido do ventre de minha mãe capaz de
dar um nó ‘meio Windsor’. Parece uma habilidade com a qual eu vim equipado
no nascimento. Porque quando você nasce em uma família como a minha e
você tem o tipo de pai que eu tive, esses talentos são necessários se você espera
sobreviver.

Eu torço a seda preta em torno de si mesma, enfiando-a através do laço,


passando o comprimento do material pelo espaço entre a frente do nó,
mexendo nele até que fique perfeitamente na base da minha garganta. Quem
precisa de um espelho para essa merda?

─ Eles vão pensar que você é o garçom de novo, ─ afirma Dashiell,


segurando a porta do salão de baile aberta para mim.

─ Eles sempre acham.

─ Uma camisa branca. Isso é tudo que você precisa para se


diferenciar. Branco é totalmente aceitável, Wren. Uma camisa de botão branca
não iria estragar toda a fachada de bandido que você está fazendo.

Eu o sigo para a multidão educadamente fervilhante, achatando meu


colarinho com um movimento suave do meu pulso. ─ Estou bem com o que
estou vestindo. ─ Na verdade, estou longe de estar bem. Este é apenas o
segundo conjunto de roupas que consigo usar desde que minha punição acabou,
e alguns jeans rasgados e meu suéter favorito e surrado seriam muito mais
preferíveis. Esta roupa de pinguim é uma porra de um dispositivo de tortura.

O terno de Dashiell é de corte clássico e perfeitamente adaptado. O terno


de Pax é um Tom Ford e custa vinte mil. Ambos parecem tão contentes em
suas roupas luxuosamente ajustadas que eu os odeio um pouco por isso; estou
feliz como um porco na merda durante as situações mais embaraçosas,
miseráveis , mas ser contido por um terno é algo que nunca lidei bem. Se meu
pai pudesse me ver agora, ele iria rir pra caralho.

─ Não suponha que nenhuma das mulheres nesta coisa seja um jogo justo,
─ observa Pax. Embora seja mais uma investigação astuta do que uma
observação verdadeira. Há apenas uma cadência no final de sua declaração para
sugerir que ele está aberto a Dashiell corrigindo sua suposição.

Sábio em seus truques, Dashiell pega uma taça de champanhe de um


garçom que passa segurando uma bandeja de prata no ar, sua expressão toda
profissional. ─ Pax, se você olhar para uma única das mulheres nesta sala esta
noite, eu vou castrá-lo pessoalmente e alimentar os cães de caça do meu pai
com seus testículos.

Pax adota um ar mal-humorado enquanto também pega uma taça de


champanhe. ─ As pessoas não têm cães de caça na América, Lovett.

Dashiell bate sua taça contra a que está na mão de Pax, aplaudindo -o. ─
Sim, eles tem. Mas de qualquer forma, eu voarei feliz de volta para Blighty com
suas bolas em um pote de vidro, amigo. ─ Do lado de fora, Dash não parece o
tipo de cara que se dignaria a sujar as mãos. Há uma vibração suave e
endinheirada nele que faz as pessoas apostarem contra ele em uma luta. As
aparências podem ser, e são, muito enganosas, no entanto. Dashiell é tão feroz
quanto possível. Independentemente de sua criação e educação, ele não tem
medo de dar um soco ou dois. Eu já o vi enfiar o dedo no nariz de um cara e
abrir a narina em uma briga. Ele realmente não dá a mínima.

Pax resmunga ininteligivelmente baixinho enquanto esvazia sua bebida em


um gole. Ele não duvida da ameaça de Dash. Ele vai ficar longe das mulheres
no evento desta noite, mas isso não significa que ele tem que estar feliz com
isso.

─ E não beba muito também, ─ diz Dash, examinando a sala. Ele parece
legal e controlado, mas ele está no limite, eu posso dizer. Ele parece estar
olhando casualmente os candelabros, os móveis antigos e as pessoas bonitas,
vestidas com todos os seus trajes, mas Lorde Dashiell Lovett quarto, está
procurando por seu pai. Pode-se dizer que Dash está sempre procurando por
seu pai. Para sua aprovação.

─ Lembre-me novamente por que concordamos em vir para essa farsa? ─


Pax rosna. Seus olhos estão cinza-aço esta noite, a cor do furioso Mar do Norte.

─ Porque vocês dois me devem, ─ responde Dash brilhantemente. ─ E


porque eu pedi a vocês. E porque vocês são bons amigos que nunca foderiam
com seu companheiro.

Urgh. Fazer coisas que não quero para fazer outra pessoa feliz não é da
minha natureza. ─ Preciso enviar uma mensagem. Eu já volto, ─ murmuro.

─ Não vá muito longe, Jacobi. Eu preciso de você de volta aqui em dez


minutos.

Sorrindo levemente, eu esboço um arco simulado. ─ Estarei de volta em


cinco.

Lá fora, o ar noturno é quebradiço em meus pulmões. A conversa de


dentro ainda soa em meus ouvidos enquanto me acostumo com o silêncio
ensurdecedor. A mansão fica em cem acres, o que pode não ser um monte de
terra no grande esquema das coisas - até Wolf Hall fica em três vezes isso - mas
é como se a floresta densa se estendesse para sempre no escuro, e parece como
se fôssemos os únicos seres vivos em mil milhas. Bem na hora, uma coruja
guincha ao longe, e o som é assustador e penetrante, como se a criatura estivesse
indignada por eu ter esquecido dele.

Sombrio como um coveiro, pego meu telefone e o ligo, esperando a tela


acender. Eu poderia mexer e tocar na tela para acelerar o processo, mas isso
seria ridículo. A tecnologia não pode ser acelerada pela impaciência humana
deliberada. Então eu olho para o telefone, rangendo os dentes enquanto espero
o logotipo da Apple iluminado piscar e a tela inicial aparecer.

Pronto.

Finalmente.

Trabalhando rapidamente para evitar a inundação de textos e notificações


que começam a chegar, abro uma mensagem em branco e digito uma mensagem
rápida.

+1 (819) 3328 6582

Conseguiu?

As sutilezas não são necessárias aqui. Mesmo se fossem, o destinatário


deste texto não receberia nenhum. Coloco o telefone no parapeito plano que
contorna a sacada e me viro para encarar o prédio, observando as pessoas
através das janelas, imaginando por que elas poderiam estar tão felizes.
A mulher de vestido dourado e brilhante tem tantas dívidas no cartão de
crédito que está prestes a perder sua casa.

O cara com três dedos de uísque em seu copo de vidro lapidado, mesmo
sendo apenas sete e meia e ainda nem nos sentamos para o nosso jantar de
quatro pratos, acaba de ser diagnosticado com câncer de próstata.

Na parte de trás, perto do bar, o casal bajulando um ao outro e mostrando


seu carinho enquanto conversam com um senhor idoso vestindo uma jaqueta
que acaba de pedir o divórcio.

O cara do piano fantasia em tocar a filha de doze anos de sua esposa de


seu casamento anterior.

O barman, sorrindo tão profissionalmente, tão educadamente, enquanto


faz coquetel após coquetel com flare, está pensando em suicídio há meses.

Vrrrrrn vrrrrnnnnnn. Vrrrrrn vrrrrnnnnnn.

Eu encaro os mentirosos e enganadores degenerados, desprezando tudo


o que eles são e tudo o que representam. Eu posso estar errado sobre as pessoas
que acabei de analisar - foi tudo uma conjectura cega na melhor das hipóteses -
mas eu conheço esse conjunto. Eles são fabricantes especializados e mestres em
seu ofício. Os folheados brilhantes que eles apresentam ao mundo são finos e
se desintegram como papel molhado quando inspecionados de perto.

Revoltada, eu volto para o meu telefone.

Mensagem recebida:

+1 (819) 3328 6582

Sim.
EU: Operacional?

+1 (819) 3328 6582

Sim. O que eu deveria fazer com isso?

EU: Deixe onde discutimos.

─ Bem, bem, bem. O que é isso? Meus olhos me enganam? Wren Jacobi,
vivo e em carne e osso.

Ah, porra.

Exalando bruscamente pelo nariz, desligo o telefone e coloco-o no bolso


antes de me virar. A garota que emerge da porta não é mais uma garota. Ela é
toda mulher, com suas curvas exageradas e o balanço sedutor de seus quadris
enquanto caminha em minha direção. Seu cabelo preto é longo e ondulado,
preso no lugar como uma espécie de estrela de Hollywood dos anos quarenta. A
cor carmesim de seu batom combina com ela perfeitamente. Ela parece uma
vampira pálida de pele de porcelana, que acabou de ter sua boca apertada em
torno da jugular de alguém e derramou seu prato principal.

Em todos os sentidos, ela é perfeita. Em todos os sentidos, eu a odeio.

Criatura detestável.

─ Mercy. Se eu soubesse que você estaria aqui, eu teria incendiado o


prédio e fugido para a Europa.
─ Encantador, como sempre ─, ela ronrona, passeando para a
balaustrada. Há um trecho de cinco metros de espaço aberto à minha direita,
mas é claro que a cadela vem e fica tão perto de mim quanto humanamente
possível. O aroma sutil de seu perfume faz meu estômago revirar. ─ Eu vi seu
amigo analfabeto lá dentro. Aquele que parece um assassino. Passei três
segundos tentando calcular onde você estaria antes de encontrar a resposta.

─ Sim. Você me conhece tão bem, Mercy. Com licença. Eu tenho que
voltar para dentro.

Ela não ouve, ou então escolhe não me ouvir, falando sobre mim
enquanto eu me afasto. ─ Não posso fumar um cigarro?

Parando, reviro os olhos para o céu claro da noite, me ressentindo do


momento em que concordei em vir para essa porra de festa. Em circunstâncias
normais, eu a colocaria contra a lateral do prédio pela garganta e diria para ela
ir se foder, mas as consequências seriam desastrosas. Mercy é a rainha do teatro,
uma atriz elogiada cuja capacidade de chorar na hora certa já lhe rendeu três
papéis razoavelmente grandes na Broadway. Eu coloco um dedo sobre ela aqui,
no Evento beneficente de Lord Lovett para Mulheres Maltratadas , e ela assumirá
o papel de uma vida. Depois de uma enxurrada de lágrimas e um pouco de rímel
manchado, serei levado algemado.

Não, obrigado.

De má vontade, ofereço a ela o maço de cigarros que tinha no bolso,


resignando-me ao fato de que vou ficar aqui com ela até que ela termine comigo.

Ela coloca o cigarro contra os lábios, sorrindo conscientemente enquanto


ela fecha o pequeno isqueiro de prata que ela sempre carrega com ela,
acendendo. Uma espessa névoa de fumaça escorre por seu nariz, se enrolando
no ar frio de fevereiro.
─ Você não estava na cidade no Natal. Eu dirigi até o Upper East Side
apenas para descobrir que você estava vagando sem mim na República Tcheca.

Eu dou a ela um sorriso gelado. ─ Sim, bem. É o único lugar que estou a
salvo de você. Eu sei o quanto você detesta Praga. Desculpe, você teve uma
viagem desperdiçada. Dirigir sozinha sempre fez você se sentir pobre, não é?

Uma luz viciosa brilha em seus olhos verdes. ─ Nós poderíamos ter ido a
algum lugar juntos, sabe. Os fogos de artifício sobre Sydney Harbour na véspera
de Ano Novo foram épicos. Você disse que queria ir para lá no ano passado.

Ah. Ano passado. Muitas coisas mudaram nos últimos 12 meses. ─ Tenho
certeza que você se divertiu muito sem mim, Merce. Você está ordenhando esse
cigarro por todo o seu valor. Termine isso para que eu possa ir.

Seu sorriso se transforma em um corte triste em seu rosto. ─ Não há


necessidade de ser tão beligerante o tempo todo, Wren. É tão ruim que eu
queira passar alguns minutos com você? Eu sou realmente tão horrível? Toda
essa carranca e beicinho vão envelhecer você prematuramente. E depois?

─ E então eu vou ser horrível, e as pessoas vão me ver por quem eu


realmente sou, ─ eu cuspo, sarcasmo escorrendo de cada palavra enquanto eu
corro em direção à porta. Eu pensei que poderia lidar com estar aqui com ela,
mas eu estava errado. Ela perguntou se ela é realmente tão ruim assim? Porra,
sim, ela é. Ela nem deveria estar aqui, porra. De jeito nenhum o pai de Dash
enviou um convite para ela, o que significa...

Não.

Só pode estar brincando comigo.

Eu vou matá-lo, porra.


─ Você não pode simplesmente continuar atacando, ─ Mercy chama atrás
de mim. ─ Eu sempre sei onde você está, Wren. Sempre. Vamos passar muito
tempo juntos em breve.

Eu quase hesito. Eu quase pergunto o que diabos isso deveria significar,


mas me recuso a dar a ela a satisfação. Conhecendo Mercy tão bem quanto eu,
ela explicou completamente suas intenções com aquela observação cuidadosa e
improvisada: ela está voltando para Wolf Hall.

Encontro Dashiell conversando com um homem careca perto da mesa do


bufê cheia. As boas maneiras ditam que eu deveria esperar até que ele termine
sua conversa, mas estou muito louco para observar a etiqueta social. ─
Mercy? Você convidou Mercy?

Dashiell para de falar, sua boca aberta. Ele a fecha, depois a abre
novamente, procurando algo para dizer.

─ Com licença. Eu vejo minha esposa me chamando, ─ o velho careca


diz, fazendo uma saída brusca.

Dash parece que faria o mesmo se pudesse. ─ Olha, eu só acho que essa
coisa com essa garota nova... Você não está vendo as coisas direito, Jacobi, e
você parece redefinir sempre que Mercy está por perto, então eu pensei...

─ Então você pensou , eu sei o que vou fazer. Vou arrastar a puta venenosa que
arruinou a vida de Wren através das fronteiras estaduais. Ela é obrigada a tornar tudo
melhor.

─ Maldição. Você está sussurrando. Eu não gosto quando você


sussurra. Significa que você está prestes a começar a quebrar coisas. Podemos...
podemos, por favor, falar sobre isso mais tarde? Evite-a se for preciso, mas
talvez nós quatro possamos nos sentar depois...
─ Permitir intencionalmente aquela garota dentro de um raio de 320
quilômetros de qualquer um de nós é loucura e você sabe disso. Eu não vou me
sentar com ela.

Como se atraído magneticamente do outro lado da sala pela promessa de


uma discussão, Pax aparece com um guardanapo cheio de camarão grelhado na
mão. Ele parece diabólico. ─ Adivinha com quem acabei de encontrar.

─ Eu já a vi ─, eu rosno.

Pax joga um camarão na boca, com rabo e tudo. ─ Mercy ficou quente,
cara. E eu estou falando quente.

Esta deve ser a vingança por chutar o encosto de cabeça dele esta
manhã. ─ Tenha muito, muito cuidado ─, eu assobio.

─ O que? É apenas uma observação. Não há necessidade de ficar tão fora


de forma.

Se divertindo, ele mastiga com a boca aberta, me observando


atentamente. Acho que ele está esperando que eu dê um soco nele. Entre sua
tentativa descarada de me irritar e a tentativa totalmente impensada de Dash de
suavizar as águas turbulentas, quero quebrar os malditos pescoços de ambos. ─
Foda-se isso. Estou fora daqui.

─ Você não pode sair. Viemos em um carro, ─ Dash diz


presunçosamente. Obviamente, ele pensou sobre isso; ele sabia que eu não seria
capaz de entrar no meu próprio veículo e fugir se Pax trouxesse o Charger. O
problema de Dash é que ele não é um solucionador imediato de problemas. Eu
dou um tapinha no meu telefone, a fúria fervendo debaixo da minha pele. ─
Não se preocupe. Eu vou Uber.
─ Pelo amor de Deus, Jacobi! Não seja tão melodramático. Fique! Tome
uma bebida. Divirta-se! ─ Por que ele ainda se incomoda é um mistério. Dash
sabe que uma vez que minha mente está decidida, está feita. Ele me chama
enquanto abro caminho pela multidão, em direção à saída.

─ Vamos, Jacobi! Eu pensei que gêmeos deveriam se dar melhor do que isso!
14

Elodie
─ VAMOS, garota. Você sabe que você quer.

Eu não quero. Eu realmente não quero, mas Carina tem um olhar suplicante
em seu rosto que torna difícil dizer não a ela. ─ Desculpe, estou tão cansada. E
uma festa? Não conhecerei ninguém além de você.

─ Você vai me conhecer, ─ Press canta, enquanto ela passa voando pela
minha porta, suas mãos cheias de um vestido rosa choque que vai, cem por
cento, colidir horrivelmente com seu cabelo ruivo.

─ Viu. ─ Carina cruza os braços, agindo como se já tivesse vencido essa


batalha. ─ E Rashida vai estar lá.

─ Rashida mal disse mais de três palavras para mim desde que cheguei
aqui. ─ Eu me afundo em minhas cobertas, puxando meu edredom debaixo
do meu queixo. ─ É tão bom e quente aqui. E de qualquer forma, já estou de
pijama.

— Não minta, Stillwater. Você está completamente vestida aí embaixo,


não está?

─ Urgh. Ter que passar horas em uma festa, sendo zoada pelos garotos da
Riot House, não parece ser um bom momento, ok?

─ Ah! Eles não vão a festas na cidade. Eles são muito pretensiosos e
enfiados em suas próprias bundas para se misturar com as crianças de Mountain
Lake. E de qualquer forma, ouvi Pax dizendo a Damiana que os três iriam
passar o fim de semana em Boston. O pai do Dash está organizando algum tipo
de coisa de caridade. Então você pode esquecer de usá-los como desculpa
agora.

Eu faço uma carranca, esticando meu lábio inferior. ─ Veja. Sou horrível
em grandes reuniões sociais. Não sei falar com as pessoas. Eu só vou
envergonhar você, e então você não vai querer mais ser minha amiga.

─ Lixo. Estamos presas aqui a semana toda e você quer ficar aqui o fim
de semana também? Desculpe. Não posso permitir. Vamos. Vamos explodir
esse estande pop.

Eu não vou ser capaz de sair disso, eu posso dizer. Ela está certa, no
entanto. Não faz sentido me enclausurar no meu quarto todo o fim de semana,
quando estamos proibidos de sair durante a semana. Parece algum tipo de
punição bárbara auto infligida que não tenho certeza se mereço.

─ Quem está dando essa festa mesmo?

Ela pula para cima e para baixo, batendo palmas. ─ Yay!

─ Carina, nãooooo, não concordei com nada. Você tem que me dizer
quem está dando a festa!

Ela tira a jaqueta jeans de um ombro, posando dramaticamente, sorrindo


como um demônio. ─ Isso importa mesmo? Vai ter bebida. Haverá
meninos. Vai ter música. Vamos, Elle. Coloque sua saia mais curta e VAMOS!

***

A mansão - uma obra-prima elegante empoleirada na beira de um


penhasco com vista para o maior lago da cidade - é grande o suficiente para
abrigar um time de futebol inteiro. E o cara que está dando essa festa, Oscar, é
filho de um ex-jogador da NFL, então isso faz sentido.
Leva todo o caminho descendo a montanha para descobrir quem conhece
Oscar e se realmente fomos convidados para essa coisa, foi nesse momento em
que parei de me importar e estou pronto para uma cerveja.

A festa está a todo vapor quando entramos pela porta da frente – pessoas
dançando e gritando ao som do baixo barulhento e frenético que está
bombando pelos alto-falantes profissionais; shots sendo bebidos; não um,
mas dois jogos de beer pong em andamento; e tantas pessoas que reconheço que
imediatamente relaxo. Metade do Wolf Hall está aqui. Eu posso não me dar
bem com a maioria desses caras, mas eu os reconheço, e se eles têm permissão
para estar aqui, então eu tenho certeza de que eu também tenho.

─ Precisamos de uma parada no banheiro, ─ declara Carina, me


arrastando pela onda de corpos dançantes. Peço desculpas às pessoas quando
esbarro nelas, mas sou recebida com rostos amigáveis. Ninguém parece se
importar com um pouco de empurrões. Quando Carina encontra um banheiro,
ela me puxa para dentro e bate a porta, girando animadamente e se inclinando
contra ela, colocando as palmas das mãos contra a madeira. ─ Assim. Eu
poderia não ter mencionado isso. Mas tem um cara.

Eu me levanto para me sentar no balcão de mármore ao lado da pia,


puxando minha meia-calça, tomando cuidado para não prender minhas unhas
no material fino e brilhante. ─ Claro que tem um cara, ─ eu concordo. ─ Quem
é ele? Qual o nome dele? Ele vai para a academia?

─ Ele é um calouro na Universidade de Albany. O nome dele é André, e


ele é lindo. Ele é amigo do irmão mais velho de Oscar e prometeu que estaria
aqui esta noite.

─ E nós gostamos desse André?


Carina assente com entusiasmo. ─ Gostamos muito dele. Ele é
esperto. Gentil. Engraçado. Pede permissão antes de me beijar, o que na
verdade é meio estranho, mas é melhor do que a alternativa. E ele parece um
jovem Andy Samberg, então também tem isso.

─ Andy Samberg ?

─ Eu tenho um senso de gosto muito único, minha amiga. Você já não


percebeu isso pelas roupas?

Para ser justa, ela está vestindo um macacão de veludo cotelê roxo com
remendos de trevo de quatro folhas costurados por toda parte. A camiseta que
ela está vestindo por baixo do macacão tem um gato de aparência perturbada
estampado na frente.

─ OK. Eu entendo, eu entendo, ─ eu digo, rindo. ─ Mas o único outro


cara que eu conheço que você esteve interessada é... bem, você sabe quem, e ele
parece uma estátua grega clássica. Não há nada de peculiar ou estranho nele. Ele
é como... sorvete de baunilha. Mas o sorvete de baunilha mais caro, decadente
e luxuoso que o dinheiro pode comprar.

Carina bufa, olhando-se no espelho. Ela abre a torneira, molhando os


dedos e alisando o cabelo, que ela está usando ao natural esta noite: grande,
bonito e saltitante. ─ Essa é a questão, não é? Todo mundo gosta de sorvete de
baunilha. Você pode gostar de pistache, ou alcaçuz, ou... eu não sei, ─ ela ri, ─
maldito sorvete sabor wasabi, mas quando tiver um sorvete de baunilha de
morrer, você ainda vai querer um pouco. Porque sorvete de baunilha parece tão
bom e tem um gosto tão bom, e você acha que sabe o que está
comendo. Mas então você percebe que o leite realmente virou e você foi
envenenado, e... ─ Ela fica sem vapor, balançando a cabeça. ─ Eu não sei. O
sorvete de baunilha acabou sendo nojento.
─ Que tipo de sorvete você acha que André é? ─ Eu pergunto,
observando-a enquanto ela aplica um pouco de protetor labial.

─ Fácil. Ele é um sanduíche de sorvete de coentro e limão. ─ Ela sorri,


mordendo a língua de brincadeira. ─ Um pouco fora do comum. Um pouco
maluco. Um pouco estranho. Mas todas as suas partes estranhas de alguma
forma funcionam juntas. Eu gosto disso nele.

É bom que ela esteja tão animada com um cara. Eu pensei depois de suas
lágrimas no jantar no último fim de semana que levaria muito tempo até que ela
encontrasse alguém por quem ela pudesse desmaiar. E, no entanto, aqui está
ela, desmaiando.

─ Que tipo de sorvete você acha que Wren é? ─ ela pergunta, agitando
seus cílios para mim.

─ Essa é uma pergunta confusa de se fazer. Por que eu estaria pensando


em que tipo de sorvete aquele garoto é?

─ Eu não sei. Você me diz...─ Ela soa leve e não afetada, mas estou
olhando direto para seu rosto no espelho. Eu posso ver a expressão cautelosa
que ela está tentando evitar. ─ Você olha muito para ele. Ele olha muito para
você. Eu imaginei, com toda a tensão negativa flutuando no ar, que algo poderia
estar acontecendo…

─ Wren Jacobi não é um sorvete. Ele é um pedaço de queijo velho envolto


em veneno de rato, e não tenho absolutamente nenhum interesse em prová-lo.

Carina ri bem-humorada, fechando a tampa de seu protetor labial e


colocando-o de volta em sua bolsa. ─ Tudo bem. Eu vou acreditar em você,
garota. Mas só para você saber... milhões gostariam.

***
Oscar parece um linebacker. Ele tem 1,90m e quase a mesma largura, e
quando ele se move, todos na festa se movem com ele, gravitando em sua
direção como se estivessem presos em sua órbita. Você pode ouvi-lo rir - um
som rico, quente e estrondoso - sobre a batida da música, que ele muda a cada
minuto, incapaz de se comprometer com uma música sem ter que mudar para
outra.

Sou apresentada a ele em quatro ocasiões diferentes, e ele não se lembra


de mim nenhuma vez — uma falta de educação que é temperada pela felicidade
que ele sente quando descobre meu nome de novo e me abraça como se
quisesse dizer isso.

Entre meus desentendimentos com Oscar, Carina me enche de cerveja


após cerveja como se a festa estivesse prestes a ficar sem bebida a qualquer
segundo. Não sou estranha ao álcool. Eu tentei todas as bebidas conhecidas
pelo homem, mas admito que já faz um tempo; estou tonta com a cerveja
número três e bêbada quando chego ao fundo do copo número cinco.

Por volta das onze, Carina fica rosa brilhante e aponta para um cara do
outro lado da sala que realmente se parece com um jovem Andy Samberg. Ele
sorri para ela no momento em que a vê, e então é isso. Minha amiga não tem
olhos para ninguém além de André. Não a invejo pelo tempo gasto com seu
novo sanduíche de sorvete de coentro e limão; quando você encontra o seu
yum, você tem que aproveitar cada segundo enquanto pode.

E de qualquer maneira. Tenho Presley para me fazer companhia.

─ As pessoas tendem a ignorar aquele com o skinhead, ─ diz ela,


balançando ao meu lado em sua cadeira. Ela está bêbada, mas ainda faz
sentido. Eu acho. Talvez tenhamos atingido aquele equilíbrio perfeito onde ela
está tão bêbada que não está fazendo sentido, e eu estou tão bêbada que suas
palavras murmuradas e declarações confusas realmente soam como palavras
reais.

─ As pessoas pensam que ele é estúpido porque ele é um modelo, mas eu


tive que trabalhar com ele em um pro-pro-projeto de ciência no ano passado, e ele
era muito inteligente. Muito, muito, muito inteligente.

Eu passo a ela a cerveja que estamos compartilhando. ─ Realmente,


muito, muito inteligente?

─ Sim! ─ ela diz, rindo. ─ Realmente, muito, muito... muito, muito...─ Ela
esquece o que ia dizer. ─ De qualquer forma, o nome dele é Pax. Isso significa
paz em latim. Você sabia disso?

─ Eu sabia disso.

─ Oooh, olhe para você. A esperta Elodie. Eu gosto do seu nome. O que
Elodie quer dizer?

Eu soluço alto, tentando me concentrar no rosto bonito e sardento de


Presley, mas atualmente há três dela balançando por todo o lugar e eu não tenho
certeza de qual versão dela eu deveria estar me dirigindo. ─ Significa 'riquezas
estrangeiras', ─ digo à Presley do meio. ─ Em francês. Era o nome do meio da
minha mãe.

─ É rrrrrrealmente bonito─ , Pres insulta. ─ Realmente, realmente,


realmente, re...─ Ela percebe o que está fazendo e começa a rir. ─ Deus, pelo
menos você não recebeu o nome de um homem gordo de peruca que... que
porra morreu sentado no vaso sanitário, enquanto sim... ul... t... a... nea...
mente... ─ Ela luta com este, ─ ...comendo um hambúrguer e fazendo uma
merda gigante.
─ Eu não acho que isso já foi provado, ─ eu balbucio, tentando não
rir. Como vou manter uma cara séria quando ela está inventando essas coisas?

─ Deus, eu estou realmente fodida, ─ diz ela, cambaleando enquanto tenta


ficar de pé. ─ Acho que preciso de uma caminhada rápida pelo terreno para
acordar. Você já viu aqueles caminhantes de velocidade? Eles parecem
ridículos, não é? Ei! Oi! Tom! Olha, Elle, é o Tom da academia. Ele não nos
viu. Vamos, vamos assustá-lo pra caralho.

─ Pres, eu acho que prefiro ficar... aqui... ─ Mas é tarde demais. Ela me
segura pelo pulso e está me puxando para cima. Antes que eu perceba, estamos
do outro lado da sala de estar de Oscar, e estamos atrás de Tom, que está
contando uma história muito animada para alguns de seus amigos. ─ E então
ele estava, tipo, encostando o antebraço na minha garganta, olhando para mim
como se fosse me matar, e eu não conseguia respirar, e eu fiquei tipo, ─ Tudo
bem! Tudo bem! Eu vou fazer isso. Apenas saia de cima de mim, cara!'

─ O cara está desequilibrado, ─ diz um cara alto com óculos. ─ Ouvi dizer
que ele esfaqueou um dos professores durante as férias de primavera do ano
passado.

─ Não seja estúpido, ─ diz a única garota no pequeno grupo de Tom. As


pontas de seu cabelo loiro brilhante foram tingidas de roxo. Ela revira os
olhos. ─ Se um dos professores tivesse sido esfaqueado, você não acha que
saberíamos? E porque diabos eles o deixariam continuar frequentando a
academia se ele machucasse um dos professores. Você realmente deveria passar
essa merda por um filtro antes de deixá-la vomitar pela sua boca, Clay. Você
conhece a regra. Verificamos tudo antes de anunciar como verdade.

─ Relaxe, Jem. Jesus. Ele só está nos contando o que ouviu, ─ diz um
baixinho quebrando um brownie com os dedos. Ele inclina a cabeça para trás e
joga um pouco do bolo de chocolate pegajoso na boca.
─ Urgh! Nenhum de vocês está me ouvindo! ─ Tom ergue as mãos,
exasperado. ─ Jacobi ameaçou me matar. E se eu não pegar o telefone daquela
garota até o final de amanhã, ela vai saber que algo está acontecendo. Ela
provavelmente vai me denunciar a Harcourt. Serei expulso, e meu avô vai me
matar, e acabo morto em qualquer um dos cenários, então gostaria muito de
uma porra de ajuda, por favor, porque estou meio que enlouquecendo agora e...

O garoto comendo o brownie engole. ─ Ei, Tom?

─ O que, Elliot? QUE?

─ Como é essa garota? Essa do telefone?

─ Eu não sei. Ela é gostosa. Baixa. Pequena. Cabelo loiro. Ela tem olhos
bonitos. Que porra isso importa?

Elliot sorri sem humor. ─ Porque eu tenho certeza de que ela está atrás de
você. E ela parece chateada, cara.

Tom se vira como se tivesse acabado de ser cutucado na bunda com um


aguilhão de gado. ─ Ah Merda. Elodie! Uh... sim, é Elodie. Como você
está? Você está, hum... ─ Ele esfrega freneticamente a nuca. ─ Você está
gostando da festa?

Eu estava curtindo a festa.

Agora, eu não estou.

Agora, eu sou a personificação da raiva.

Eu sou um sol escaldante, prestes a se tornar uma supernova.

Tenho dezoito tipos diferentes de raiva.


Estou listando mentalmente todas as maneiras de matar Tom e fazer com
que as autoridades nunca encontrem sua bunda magra.

─ Explique, ─ eu rosno.

─ Uh, uh, bem, eu não sei o que você ouviu ou qualquer coisa, mas-...

─ Você sabe o que? Não se preocupe com a explicação. Apenas me diga


o que ele quer com meu telefone e talvez eu não quebre seu pescoço miserável.

As pupilas de Tom se dilatam — uma resposta de pânico. Alguns caras


podem não acreditar que uma garota tão pequena e tão loira como eu, possa ser
violenta. Tom acredita em mim, no entanto. Ele vê o calor assassino em meus
olhos e sabe, por mais bêbada que eu esteja, que vou esfolá-lo vivo. ─ Ele,
quero dizer, eu não sei. Eu acho... eu não tenho ideia do porquê ele queria
isso. Ele me disse para consertá-lo o mais rápido que pudesse e depois levá-lo
para a casa dele. Ele me disse para deixá-lo na mesa em seu quarto, e depois dar
o fora de lá. É isso. Isso é tudo que eu sei. ─ Ele pega o guardanapo branco
que Elliot estava segurando seu brownie e o balança no ar. ─ Desculpe,
ok. Veja! Eu me rendo! Eu não sou bom nesse tipo de coisa, certo? Estou
acostumado com pessoas como você e como... como ele me ignorando. Eu não
existo para vocês, e eu quero voltar a ser invisível, porque isso realmente é
uma droga.

Levei uma batida para notar o lábio dividido novamente. Eu vejo isso
agora, porém, porque ele está falando tão animadamente que ele reabriu a ferida,
e um filete de sangue vermelho brilhante está escorrendo por seu queixo. Wren
fez isso com ele. Ao meu lado, Presley tosse desconfortavelmente. ─ Talvez
devêssemos encontrar Carina. Não quero me envolver na merda da Riot
House. Isso soa como um tipo de coisa de vocês.
Avanço para Tom, sentindo pena dele e o odiando em partes iguais. Ele
fica muito, muito pálido. ─ O que isso significa? Pessoas como eu?

─ Você sabe, ─ diz ele suavemente. ─ Os populares. Membros da elite


social. Você... você é como eles.

A fúria que está girando como uma bola de calor branco e abrasador em
meu peito detona, destruindo minha mente por um momento. Jem
desajeitadamente se esgueira para fora do grupo, se esgueirando para longe, os
olhos colados nas tábuas do piso. Elliot e Clay parecem atordoados demais para
se mexer. ─ Eu não sou como eles, ─ eu assobio. ─ Eu não sou nada como
eles. Como você pode dizer isso? Você não me conhece.

Tom abaixa o guardanapo como se estivesse agora resignado ao seu


destino. Ele sabe que disse a coisa errada. Estou a um microssegundo de me
jogar sobre ele, quando Carina chega em um redemoinho de tecido roxo e
tranças. ─ Ei! E ai gente? Jem acabou de dizer que uma briga estava prestes a
começar aqui.

Não consigo olhar para ela. ─ Diga a ela o que você fez, Tom.

Ele pisca. ─ Não é como se eu tivesse escolha, ─ ele geme.

O tom amigável de Carina evapora. ─ Tom Petrov. Diga-me o que você fez.
15

Elodie
─ PARA QUE CONSTE, esta é uma ideia horrível. Você sabe disso, certo?

Eu grunhi, enfiando meu queixo na gola da minha jaqueta. Está


congelando no carro de Carina. O humor dela também está gelado. Ela está
chateada por ter que deixar sua sósia de Samberg desacompanhada no Oscar,
mas essa foi a escolha dela. ─ Eu disse para você ficar, ─ eu resmungo. ─ Eu
poderia ter pedido um Uber.

─ Os motoristas do Uber não vão nos levar montanha acima, ─ ela


lamenta. ─ Muitos garotos do Wolf Hall vomitaram na parte de trás de seus
Prius. Estamos na lista negra, reduzido a um homem.

─ Bem, isso é besteira.

─ Então, não, você não poderia ter pedido um Uber. Eu sou a única
maneira de você voltar a subir esta colina, e estou lhe dizendo, categoricamente,
que isso é insanidade.

— Você mesma disse, Carrie. Esses filhos da puta arrogantes estão em


Boston esta noite. Eles não estarão de volta até amanhã, no mínimo. Então o
que importa? Eles nunca vão saber que estivemos lá.

─ Claro que eles saberão! Wren saberá assim que vir que seu telefone não
está no quarto dele. E depois?

─ Certo. E depois? Ele não pode denunciar exatamente como um roubo,


pode? Ele obteve minha propriedade por meio de assalto para propósitos
desconhecidos e nefastos. A última coisa que ele vai fazer é dizer a alguém que
eu entrei em sua preciosa casa para pegar de volta o que é meu por direito.

─ Cristo, ─ Carina murmura com os dentes cerrados. ─ Você não tem


ideia no que está se metendo, garota. Não faço ideia no que você
está me metendo. Você ainda está bêbada. Por que não esperamos até de
manhã, pensamos e vemos se não conseguimos encontrar um plano melhor...

─ Estou sóbria como pedra agora e você sabe disso. Olha, eu entendo
totalmente. Se eu fosse você, também não gostaria de fazer parte disso. Porque
você não me deixa na frente da casa e volta para a festa. Eu posso andar o resto
do caminho a partir daí.

─ Duas milhas, Elle? No meio da noite? No frio e no escuro? Ao longo


de estradas estreitas e ventosas? Você será morta por um carro. Eles nem vão
te ver até que seja tarde demais. Que tipo de amiga isso faria de mim, hein?

Não tenho nada a dizer sobre isso. O que posso dizer? Caminhar de volta
para Wolf Hall parece uma merda. Não há nenhuma cobertura de açúcar. E ela
seria uma péssima amiga se me deixasse na beira de uma estrada na
montanha. Estou grata por ela estar de posse de uma consciência em pleno
funcionamento. Dito isso, não quero colocá-la em uma posição
comprometedora, no entanto.

Ficamos sentadas em silêncio, observando os feixes gêmeos dos faróis


perfurarem a escuridão como espadas de luz, iluminando quatro metros e meio
de asfalto à nossa frente. Depois de um tempo, Carina diz: ─ Puta merda. Eu
sabia que ele era assustador, mas eu não sabia que ele era tão assustador. Ele
provavelmente ia carregar aquele telefone com aplicativos de spyware. Ele
estaria ouvindo suas ligações e lendo todos os seus textos. Ele poderia acessar
sua câmera sempre que quisesse... Deus, eu nem tinha pensado nisso até agora.
─ Mmm. ─ Eu pensei sobre isso. Tenho experiência com telefones
clonados e todo tipo de spyware diferente. Já foi tudo carregado no meu
telefone antes. O que Carina não sabe é que meu telefone já está cheio de
aplicativos fantasmas e telas fictícias, todos projetados para me fazer pensar que
não estou sendo observada. Meu pai teria se assegurado disso. ─ Nós vamos
entrar, pegar o telefone, e então não teremos que nos preocupar com nada
disso, ─ murmuro.

─ Você deveria chamar a polícia, Elle. Estou falando sério. Isso é uma
merda sombria.

─ Vamos ver com o que estamos lidando primeiro. ─ Estou enganando-


a. Tenho certeza que ela sabe disso. Mas envolver a polícia agora seria
ruim. Para começar, Wolf Hall vai relatar o incidente ao meu pai, e não há
nenhuma chance de eu arriscar ele pular em um avião para descobrir o que está
acontecendo pessoalmente. Prefiro ser arrastada sobre brasas do que ter que
enfrentá-lo.

Meu pulso salta por todo o lugar quando Carina apaga os faróis e vira na
entrada que leva através da floresta para a Riot House. Eu posso dizer pelo jeito
que ela segura o volante que ela está ansiosa. Sobre ser pego invadindo o lugar
ou estar aqui em geral, não posso dizer, mas estou começando a me sentir muito
mal por fazê-la passar por isso.

Na escuridão premente, tudo o que vejo são árvores. E então viramos uma
curva fechada, e a casa aparece do nada, a estrutura de três andares tão grande
e imponente que é um milagre não ser mais óbvia da estrada. É difícil dizer a
idade do lugar. Talvez fosse mais fácil avaliar quando o local foi construído
durante o dia, quando há um pouco mais de luz para trabalhar. No momento,
as janelas de vidro do chão ao teto no segundo andar fazem com que pareça
moderno, mas o exterior faz com que pareça muito antigo.
─ Só de olhar para o lugar me dá vontade de vomitar, ─ murmura
Carina. ─ Não parece que foi conjurado de seus pesadelos?

Olho para a casa, envolta em sombras, cada janela lançada na escuridão,


e... o lugar parece desolado. ─ Não, ─ digo a Carina. ─ Eu não tenho pesadelos.

Ela solta um longo suspiro pelos lábios franzidos. ─ Eu te invejo. Isso


deve ser legal. ─ Ela gira a chave na ignição, desligando o motor. ─ Então do
que você tem medo? Monstros? Fantasmas? Bestas carnívoras?

─ Não, ─ eu digo a ela, olhando para a casa com uma determinação de


aço. ─ Tenho medo da vida real. As pessoas que deveriam cuidar mais de você.

***

Carina não pergunta como eu sei arrombar uma fechadura. Ela me


incentiva a me apressar e terminar, olhando por cima do ombro para a floresta
como se esperasse que Dashiell emergisse da noite com um machado na mão,
pronto para desmembrar nós duas em pedacinhos. Ele não vem, porém, e eu
tenho a porta da Riot House aberta em tempo recorde.

Entro, me preparando para a avalanche de latas de cerveja vazias e


embalagens de comida apodrecidas, mas o lugar está arrumado como um
alfinete. Risca isso. É realmente lindo.

Carina liga o recurso de lanterna em seu telefone, dispersando a escuridão,


e eu me maravilho com a grande entrada em que me encontro. Uma enorme e
magnífica escada está diante de mim, dividindo-se à esquerda e à direita, alas
ocidentais da casa. No primeiro andar, pinturas enormes estão penduradas nas
paredes - principalmente arte contemporânea legal e elegante que não parece
ser de nada em particular, mas quando olho para elas sou atingida pela certeza
inquietante de que são todas representações de tempestades furiosas, trazidas à
vida em pretos rodopiantes e azuis, brancos e cinzas. Eles sentem raiva. ─ São
do Wren, ─ murmura Carina. ─ Ele pode ser o maior idiota a andar na Terra,
mas o bastardo sabe pintar.

Eu cambaleio em minha surpresa, armazenando essa informação para


mais tarde.

A casa tem um cheiro único e estonteante. Longe das meias suadas e do


odor de adolescente sujo que eu esperava, o ar está colorido com notas de
bergamota, pimenta preta e jacarandá.

Há bugigangas e pequenas lembranças em todos os lugares que olho,


colocadas com pensamento e cuidado nos aparadores de aparência
exorbitantemente cara, nas mesas e na estante que corre ao longo da parede dos
fundos, perto de uma porta que leva ao desconhecido.

Eu suspiro quando olho para cima. ─ Puta merda.

─ Sim, ─ Carina concorda, combinando com a minha postura enquanto


ela estica a cabeça para trás, olhando para as escadas em espiral que envolvem
o que só pode ser descrito como o pátio interno da casa. De onde estamos, dá
para ver até o último andar da casa, e além dele, no telhado bem alto sobre
nossas cabeças, uma grande claraboia dá acesso a uma visão do céu noturno
que me tira o fôlego. Dezenas de pontos brilhantes de luz, queimando nos céus,
formam o teto sob o qual Wren Jacobi dorme, e é uma das coisas mais bonitas
que já vi.

─ Vamos. ─ Carina me pega pelo braço, me puxando em direção às


escadas. ─ Não há tempo para admirar a arquitetura. Precisamos pegar o
telefone e voltar para a academia. Eu tenho um pressentimento horrível sobre
isso.

─ Onde é o quarto dele? Diga-me e eu vou encontrá-lo eu mesma.


Carina balança a cabeça. ─ Nós iremos juntas. É mais fácil se perder aqui
do que você imagina.

Eu aperto sua mão, dando-lhe um sorriso tranquilizador. ─ Eu vou ficar


bem. Fique aqui e fique de olho. Se vir luzes na estrada, grite e vamos dar o fora
daqui. Um de nós precisa estar em guarda.

A incerteza brilha em seus olhos, mas há alívio neles também. Ela está feliz
com a desculpa para ficar lá embaixo, a uma curta distância da saída. ─ Tudo
bem. Vá, e seja rápida sobre isso. O andar de cima. Quando você chegar ao
topo das escadas, vire à direita no patamar. O quarto de Wren é a porta bem na
sua frente. Há uma pena preta pregada no batente da porta. Eu não estive
lá. Não posso dizer onde fica a mesa dele, mas...

─ Não se preocupe, shh, está tudo bem. É uma mesa. Não é como se eu
estivesse procurando por um alçapão escondido ou algo assim. Dê-me um
minuto e sairemos daqui.

Tremendo levemente, Carina acena com a cabeça. Jesus, ela parece estar à
beira das lágrimas. Eu não sei do que ela tem tanto medo aqui, mas suas
emoções estão provando ser contagiosas. Meu coração bate agressivamente no
meu peito enquanto corro o primeiro lance de degraus, onde pego o próximo
lance à direita. Meus pulmões estão queimando como loucos quando chego ao
terceiro andar, e quando chego ao quarto tudo o que posso ouvir é meu sangue
correndo atrás dos meus tímpanos.

Engolindo respiração após respiração, não perco um segundo. Vou direto


para a porta à direita, a curiosidade me corroendo como ninguém quando vejo
a exuberante pena preta que minha amiga me disse que estaria pregada na
madeira. Está exatamente onde Carina disse que estaria.

Agora.
A porta dele estará trancada?

Uma parte de mim pensa, sim, absolutamente, Wren é uma criatura


privada e ele provavelmente guarda seu espaço pessoal ferozmente.

Mas então, ele também é arrogante. Pax ou Dash ousariam entrar em seu
santuário interior sem sua permissão? Altamente improvável. E em que tipo de
mundo Wren imaginaria um estranho tendo a ousadia de invadir sua casa e
depois violar a privacidade de seu quarto? Certamente não neste mundo - aquele
em que todos com quem ele entra em contato, alunos e professores, têm medo
dele.

Quando coloco minha mão na maçaneta de bronze, um tremor de energia


estranha sobe pelas minhas costas. Quantas vezes Wren colocou a mão aqui,
neste mesmo latão polido e frio? Mil vezes. Mais. Centenas de milhares de
vezes. Ele toca esta maçaneta com mais frequência do que toca quase qualquer
outra coisa nesta casa, e esse conhecimento faz um raio de cor rastejar em
minhas bochechas; parece que ele e eu estamos aqui juntos, as palmas de nossas
mãos descansando em cima do mesmo metal polido, como se ele e eu
estivéssemos de mãos dadas, e...

Querido Deus, Elodie. O que diabos está errado com você?

Eu torço a maçaneta ao redor, realmente não me perguntando se ela estará


mais trancada, sabendo que não estará...

E não está.

A próxima coisa que sei é que estou no quarto de Wren Jacobi.

Se eu fosse corajosa o suficiente, eu acenderia uma luz e daria uma boa


olhada no lugar, mas estou mais nervosa do que pensei que estaria. Há luar
suficiente inundando as duas enormes janelas de sacada voltadas para o norte
que eu posso ver bem o suficiente, de qualquer maneira, e eu não quero arriscar
alertar qualquer transeunte na estrada que há alguém dentro da casa.

O quarto é enorme, pelo menos o dobro do tamanho dos meus aposentos


no quarto andar da academia. Uma monstruosa de uma cama king-size domina
o espaço, com uma cabeceira de madeira maciça esculpida atrás da montanha
de travesseiros que é impressionante em sua complexidade. Com todas as cores
do quarto embaçadas e turvas pela escuridão que se aproximava, os lençóis
podiam ser cinza, mas também podiam ser azuis. Algo dentro de mim se
contorce bruscamente quando vejo os cantos militares que Wren deve ter
dobrado esta manhã, no momento em que ele saiu daquela cama titânica.

As paredes estão cobertas de prateleiras, que estão empilhadas com


livros. Há tantos livros, velhos e novos, esfarrapados e gastos, lustrosos e
fechados, que estão encravados nos espaços, deitados de lado e enfiados em
pequenas lacunas onde quer que caibam.

O que mais nos temos? Vamos ver…

Não havia fotografias em molduras penduradas orgulhosamente nas


paredes. Nada de fotos. Um espelho patinado em uma moldura dourada antiga
está apoiado em uma cômoda à esquerda da cama. Além disso, não há
decoração real para o quarto.

Hum. Sem televisão.

Pilhas de papel ficam esquecidas em cima do tapete felpudo, diante da


boca aberta de uma lareira a lenha recentemente usada. Pedaços de papel
enrolados ficam nos cantos, descartados no chão e esquecidos. De uma forma
ou de outra, há papel por toda parte: velhos canhotos de ingressos enfiados sob
a borda dos painéis perto da janela; uma pilha de pôsteres velhos, com as pontas
dobradas, enroladas em tubos e presas por elásticos, encostadas bêbadas na
porta do armário; pilhas de cartas acumulando poeira em cima de uma
escrivaninha antiquada.

Eu olho para cima, e minha respiração para na base da minha


garganta. Bem, foda-me. Este lugar é cheio de maravilhas, especialmente
quando você dá uma pausa para conferir a vista acima de sua cabeça. O teto
não é um teto comum. É metal puro. Minha avó costumava ter um teto de
estanho em sua sala que foi carimbado e gravado em relevo na década de 1890,
mas isso não é nada disso.

É cobre, polido, batido e brilhando mesmo à meia-luz – uma vasta


extensão de cobre polido que se eleva no centro, formando um ponto focal que
chama a atenção.

É impressionante, bonito e completamente impraticável, e não consigo


imaginar Wren encomendando algo assim. Nem posso imaginá-lo brigando
com os outros meninos para ter certeza de que ele ficaria com este quarto antes
que qualquer um deles pudesse.

Deve ficar incrível quando uma das lâmpadas de chão foi ligada. Quando
Wren vai para a cama todas as noites, ele fica olhando para a luz que atravessa
as estrias e o grão do belo metal, e ele provavelmente não gosta disso. Sua
magnificência provavelmente está perdida em um filho da puta miserável como
ele.

Algo na sala parece náutico, como os aposentos do capitão de um velho


galeão. Não há razão para me sentir assim – não há bugigangas náuticas ou
decorações temáticas. Ele apenas parece. Há uma desordem aleatória no local,
combinada com a organização implacável de outros aspectos dentro da sala,
que dá a impressão de que este quarto é ocupado por uma mente mais
excêntrica.
─ Elle! Apresse-se, porra! Estou suando aqui! ─ A voz de Carina flutua
até mim do andar de baixo, cristalina e alta o suficiente para me assustar.

Ela está certa, Stillwater. Você não veio aqui para ficar boquiaberta com as habilidades
de design de interiores do cara. Mexa-se!

Obedeço à voz de condenação sussurrando em meu ouvido, correndo pela


sala em direção à mesa. Até agora, tenho andado em dúvida. Eu acreditei
(esperei? Deus, eu sou patética) que Tom estivesse mentindo por algum motivo,
e que meu telefone não estaria aqui. Essa esperança é reduzida a pó quando
vejo a familiar caixa dourada em cima de um livro aberto, bem ali no centro da
mesa de Wren.

Viro o telefone, baixo e eis que a tela foi completamente consertada. Tom
deve ter trabalhado tão rápido; Não posso acreditar que confiei nele quando ele
disse que levaria três dias inteiros para me devolver isso. Idiota.

Eu mantenho meu dedo sobre o botão home e a tela acende, listando


todas as chamadas e textos que eu perdi de Eden, Ayala e Levi. Embora tentada,
resisto à vontade de desbloquear o telefone. Não há tempo para isso.

─ Elodie! Eu não estou brincando! Vamos!

Eu deixo cair o telefone no bolso da minha jaqueta, já planejando e


tramando todas as maneiras que eu vou machucar Wren Jacobi por esta
infração, quando meus olhos pegam uma frase na página do livro aberto que
cola meus pés no chão de tábuas de chão nuas.

...aqui, abri a porta de par em par; - escuridão ali, e nada mais...

Eu conheço essa linha.

Conheço de algum lugar, mas não consigo lembrar da onde...


Um rangido suave perturba o silêncio, o silêncio repentino e pesado de
uma presença às minhas costas. Minha pele arrepia, cada pequeno cabelo em
meus braços e na parte de trás do meu pescoço eriçado sob a força de outra
consciência entrando no quarto.

Ahhhh porra.

─ Nas profundezas daquela escuridão espiando, por muito tempo eu fiquei ali
imaginando, temendo, duvidando, sonhando...─ uma voz abafada murmura. Uma voz
de seda e mel e o fio áspero de uma lâmina cega. Apunhala-me com uma doçura
terna que me enche de medo. ─ Sonhando sonhos que nenhum mortal jamais ousou
sonhar antes. Mas o silêncio era ininterrupto, e a quietude não dava nenhum sinal... e a única
palavra dita ali era a palavra sussurrada, ─ Lenore?

Lentamente, eu me endireito, dando um passo para trás da mesa.

─ Poe, ─ a voz diz atrás de mim. ─ Um pouco exagerado para os dias


atuais, dada sua recente ascensão hipster à fama, mas sou fã de 'The Raven' há
muito tempo.

Com todo o cuidado do mundo, eu me viro e lá, de pé ao pé de sua cama,


está Wren. Depois de apenas vê-lo em sua camiseta preta esfarrapada e jeans
por tanto tempo, estou chocada ao vê-lo de terno e gravata. O corte do blazer
é primoroso. As calças também são perfeitamente ajustadas. Ele parece nada
menos que incrível, mas não são suas roupas que roubaram minha habilidade
de formar palavras. É só... é ele. Seu cabelo azeviche e a forma como ele se
enrola no topo de suas orelhas. A bolsa de seus lábios carnudos e a inclinação
casual e divertida de sua boca. O mais leve indício de barba por fazer em sua
mandíbula, e os olhos afiados e avaliadores que me perfuraram como lasers do
outro lado da sala.

Oh, como eu odeio que eu amo olhar para esse menino.


Ele desliza as mãos nos bolsos da calça do terno como se não tivesse
nenhuma preocupação no mundo. ─ Tem um favorito, Stillwater? ─ ele
ronrona.

─ O quê? ─ Minha voz falha com a palavra.

─ Poeta. ─ Wren sorri suavemente, então olha ao redor da sala, como se


de repente ele tivesse se lembrado de que veio aqui procurando por algo, mas
não consegue lembrar por nada o que era. Ele vai até a estante, passando os
dedos pelas lombadas. ─ Bons poetas sangram sua dor em suas palavras. Eles
capturam a desolação e a desesperança da vida e transcrevem para o papel de
uma forma que faz você sentir que sua garganta acabou de ser cortada. É
visceral. Todas as almas perturbadas têm um poeta favorito.

Que porra está acontecendo agora? Por que diabos ele está falando sobre
poetas e não me questionando sobre o fato de que ele acabou de me pegar em
seu quarto? Eu tenho que sair daqui. Imediatamente. ─ Quem disse que sou
uma alma perturbada?

Wren olha para mim com o canto do olho. ─ Uma alma quebrada
reconhece outra, Elodie. Você e eu... nós compartilhamos muitos pontos em
comum.

─ Não, nós não compartilhamos nada. ─ Eu nego com um pouco mais de


paixão do que pretendia. ─ Não somos nada parecidos. Eu nunca machucaria
alguém até que eles concordassem em roubar o telefone de alguém para mim.

Wren bate o dedo ao longo da prateleira enquanto caminha de um lado


para o outro lentamente. Seus olhos brilham com diversão, um pequeno flash
de seus dentes visível quando ele abre os lábios. ─ Tenho certeza de que há
muitas coisas às quais você se rebaixaria se quisesse algo ruim o suficiente.
─ Você é doente, Jacobi. Onde... oh meu Deus, onde diabos está Carina? Eu
não a ouvi entrar em pânico lá embaixo. Ela não gritou que alguém estava
vindo. Ela está em silêncio desde a última vez que me chamou. ─ É melhor
você não tê-la machucado Wren, porra. ─ eu estalo, correndo em direção à
porta.

Ele não tenta me impedir. Rindo baixinho, ele puxa um livro da estante,
passando a mão pela capa com uma reverência gentil. ─ Eu não toquei
nela. Não entre em pânico. Eu posso usar a força em nerds mal comportados
de vez em quando... mas eu não machuco garotas. ─ Ele passa a língua sobre
os dentes, os olhos fixos no livro em suas mãos – da minha posição perto da
porta, seu rosto é iluminado pelo luar que entra pelas janelas, destacando a
coloração obsidiana de seus longos cílios contra a palidez total. de sua pele. ─
Ela ainda está lá embaixo, esperando na porta da frente. Eu vim pelos fundos.

Eu o encaro, procurando a mentira.

Wren dá de ombros. ─ Coloque sua cabeça sobre o corrimão e dê uma


olhada. Você vai encontrá-la exatamente onde a deixou, saudável, fazendo um
trabalho de merda de ficar de vigia.

Eu não vou acreditar na palavra dele. Eu saio do quarto, meu corpo


inundado de adrenalina, protestando contra a voz na minha cabeça que está
gritando para eu correr. Quando me inclino sobre o corrimão e olho para o
primeiro andar, vejo Carina pulando nervosamente de um pé para o outro, de
pé ao lado da porta da frente aberta, examinando a noite em busca do cara que
já entrou sorrateiramente na casa.

─ Você pode dizer a ela para voltar para a academia, se quiser, ─ murmura
Wren. Ele está folheando as páginas de seu livro agora, seus olhos vagando
rapidamente pelas páginas. Como ele pode ficar ali parado com tanta
indiferença? Como ele pode não mostrar o menor sinal de remorso pelo que
fez? Ele tomou minha propriedade privada, planejou fazer Deus sabe o que
com meu celular, e agora ele está parado lá, calmo, sugerindo que eu mande
minha amiga embora e fique aqui com ele? O cara está fora de si.

─ Por que diabos eu faria isso? ─ Eu assobio. ─ Você poderia me esfolar


viva e usar a porra da minha cabeça como um chapéu se ela me deixar aqui com
você.

─ Há! ─ Wren joga a cabeça para trás e ri, apenas uma vez, fechando o
livro em suas mãos. Os tendões e músculos de sua garganta funcionam
enquanto ele engole.

─ Elodie! Foi você? ─ Carina chama. ─ Você ouviu isso?

Eu travo os olhos com Wren, esperando que ele me diga para manter
minha boca fechada, mas ele apenas dá de ombros novamente. Ele não se
importa se ela sabe que ele está aqui, claramente. Sua confiança sem palavras
está me levando até a porra da parede. ─ Ela vai chamar a polícia, sabe. Se você
fizer algo estranho, — eu o advirto.

─ Eu acho que sim, ─ ele concorda.

─ E você não se importa?

─ Não. Não tenho nada com que me preocupar. Eu não vou fazer nada
com você, Elodie. ─ Esse sorriso se espalha, ocupando mais espaço em seu
rosto traiçoeiramente bonito. Seria tão satisfatório tirar essa arrogância
presunçosa dele. Imagino como seria fazer isso e minha palma direita formiga
lindamente.

─ Elodie! Que diabos! ─ Carina grita.

─ Estou indo! ─ Falo para ela por cima do corrimão. ─ Só um segundo!


Wren estende o livro para mim, curvando uma sobrancelha vilã para mim
em um desafio aberto. Ele está me desafiando a chegar perto o suficiente para
tirar isso dele. ─ Um estudo em Scarlett. Sir Arthur Conan Doyle. Não é poesia,
claro, mas acho que você gostaria, ─ diz ele.

─ Eu não vim aqui para falar de livros. Eu vim aqui para pegar meu
telefone de volta. Porque diabos você queria isso em primeiro lugar. O que você
ia fazer?

Ele franze a testa, dando a esta pergunta algum pensamento real. ─


Qualquer explicação seria suficiente? ─ ele medita. ─ Se eu lhe contar meu
raciocínio e lhe der a verdade, isso tornará o que eu fiz melhor?

─ Absolutamente não.

─ Então, se for tudo igual para você, acho que vou economizar meu
fôlego.

Eu vou matá-lo. Vou matá-lo até que ele morra três vezes. ─ O que há
de errado com você! Apenas me diga o que você ia fazer!

Bufando, — Ele está frustrado? Ele está? — ele dá um passo em minha


direção, segurando o livro frouxamente em suas mãos. Eu fico rígida, congelada
ainda no lugar enquanto ele se aproxima. Não é até que ele está a um pé de
distância de mim que eu percebo o quão perto eu deixei ele chegar, e que ele
provavelmente poderia me acertar com aquele livro se ele quisesse. ─ Eu
deveria ter corrido, ─ eu sussurro. Alto? Deus, eu disse isso em voz alta. Não
importa Wren: o que diabos há de errado comigo?

─ Sim, você provavelmente deveria ter corrido, ─ diz ele. ─ Mas está tudo
bem. Não sou psicopata. Você tem ideia de como você é bonita quando está
em pânico? ─ ele pergunta. ─ Você fica com essas manchas de cor em suas
bochechas e seus olhos ganham vida. Estou feliz que você não fugiu. ─ Ele
coloca sua última declaração no final, como se tivesse acabado de perceber isso
sozinho. ─ Isso significa que você não está com medo de mim. Eu sabia disso,
mas é bom estar certo. Quanto ao seu telefone, eu diria que era bastante óbvio,
não é? Eu queria remover todo o malware do seu pai para poder enviar uma
mensagem para você, sabendo que não estava sendo espionado por um dos
homens mais beligerantes das forças armadas dos Estados Unidos.

─ Ah! Senhor, você está zoando comigo, certo? Você realmente espera
que eu acredite nisso?

─ Eu não espero que você acredite em nada.

─ Então por que você está tentando se pintar como um cara legal?

─ Eu não estou. Eu teria passado por suas fotos? Olhado seus


textos? Passado pela sua lista de chamadas? ─ Ele ri amargamente. ─
Lógico. Eu não sou um cara legal, Elodie. Fui informado por inúmeras fontes
confiáveis que sou totalmente repreensível. Mas você quer conhecer meu único
recurso redentor glorioso e brilhante?

─ Na verdade, não.

─ Eu nunca minto. ─ Ele declara isso com uma gravidade e sinceridade


que soam verdadeiras. Em absoluto. Um cheque que eu poderia levar direto
para o banco. E eu acredito nele. ─ Eu nunca minto, então quando eu te digo
algo, Pequena E, você pode acreditar que é verdade.

Este babaca superior e hipócrita. Eu o odeio. ─ Tudo bem. Vamos tentar


isso de novo, então. Tente me dizer que você não destruiu todas as minhas
coisas depois que invadiu meu quarto. Vamos ver como isso funciona para
você, porque...
─ Não fui eu. ─ Ele me olha nos olhos quando fala, seus ombros retos e
para trás, seu queixo erguido com desdém. E a mesma honestidade que ouvi
em sua última declaração vive nessas três pequenas palavras também. ─
Eu poderia ter invadido seu quarto. Mas eu não tinha motivos para isso.

Minha garganta está pegando fogo. Do nada, meus olhos estão ardendo
como loucos. ─ O pássaro da minha mãe foi feito em pedaços, Wren. Então...
talvez você não tenha invadido meu quarto. Talvez seja assim que você esteja
se safando dessa vaga meia mentira, mas você poderia ter mandado outra pessoa
fazer isso. Quem entrou no meu quarto quebrou a única coisa que restava da
minha mãe, ok? Era a única coisa que era preciosa para mim. Partiu meu
coração, vê-lo despedaçado. E eu nunca vou te perdoar por isso.

Minha voz está grossa com lágrimas não derramadas. Tenho adiado os
pensamentos sobre o pássaro da mamãe desde que Harcourt me disse que ele
havia sido aspirado, mas agora a emoção cai sobre mim. Parece que estou
tentando respirar em torno de um par de costelas quebradas. Os ombros de
Wren caem. Ele abaixa o queixo, olhando para as mãos. Sua expressão é dura e
ilegível. ─ Lamento que você tenha perdido algo tão precioso. Eu sei como é
isso. Mas eu não tive nada a ver com isso. Juro pelo meu próprio coração
enegrecido.

─ Elodie! Ai meu Deus, Elle! Acho que ele está em casa! Mexa-se, mexa-
se, mexa-se! ─ Um trovão de passos estrondosos na escada. Carina chega ao
patamar superior, segurando o corrimão. Ela se inclina, ofegante, e olha para
mim com os olhos arregalados. ─ Ouvi uma voz. Não consigo ver nada, mas
acho que ele está... OH MEU DEUS! PORRA! ─ Ela dispara um pé do chão,
seus olhos saltando de sua cabeça quando ela olha para a direita e vê Wren bem
ali.

─ Oi, Carrie, ─ ele diz suavemente. ─ Sim, estou em casa.


Carina se ergue em toda a sua altura, fazendo um trabalho em pé de
organizar sua surpresa. ─ Você deveria ter vergonha de si mesmo, ─ diz ela,
achatando a frente de seu macacão roxo. ─ Eu digo para você ficar longe dela,
e então você sai e rouba o telefone dela? Você está fodido da cabeça.

Wren cruza os braços sobre o peito, encostado na parede ao lado da porta


do quarto. ─ Jesus. Pare. Já tive berros o suficiente por uma noite, obrigado. A
viagem de volta de Boston foi miserável. Eu tive que caminhar até aqui da
cidade porque o motorista do Uber não subiu a montanha. E então chego em
casa e encontro duas ladras aqui, se esgueirando no escuro.

Carina me pega pela mão. ─ Você conseguiu o que veio buscar? ─ ela me
pergunta.

─ Sim, eu consegui.

─ Então vamos sair daqui.

─ Elodie, espere. ─ Wren se afasta da parede. ─ Aqui. Pegue o livro. Eu


quero que você o tenha. ─ Ele estende o livro encadernado em couro marrom
com as bordas douradas, oferecendo-o para mim.

─ Não, ─ adverte Carina. ─ Lembra-se de Perséfone? Ela aceitou aquelas


sementes de romã de Hades e se condenou à porra do submundo.

Wren sorri maliciosamente para Carina. ─ Eu aprecio a comparação, mas


você está sendo um pouco dramática. Não passa de um livro. Não há nada de
mágico nisso. Ou... melhor, é mágico da mesma forma que todos os livros são
mágicos. Mas dificilmente vai ligá-la ao inferno.

─ Elodie... ─ Carina puxa meu braço, tentando me afastar.

Apenas uma garota estúpida e tola, sem bom senso ou cuidado com seu
próprio bem-estar, aceitaria um presente oferecido por Wren Jacobi. Eu sei
isso. Então, por que eu estendo a mão e pego o livro dele? E por que não
consigo quebrar o contato visual com ele enquanto Carina me arrasta escada
abaixo?
16

Elodie
UMA SEMANA SE PASSA. E depois outra. Eu fui para a aula. Li o livro que
Wren me deu debaixo dos lençóis à noite, armada com uma lanterna, como se
alguém pudesse entrar e me pegar fazendo algo pervertido. Quando termino,
leio tudo de novo. Eu saio com Carina e Pres.

Os moradores da Riot House nem olham na minha direção, o que quer


dizer que Pax e Dash continuam suas vidas como se eu não existisse, e Wren
cuidadosamente me ignora sempre que tem a oportunidade. Um assento
milagrosamente se abre na primeira fila da minha aula de francês. O doutor
Fitzpatrick não me chama para mais tarefas embaraçosas em inglês. Wren se
esparrama no sofá com seu nível habitual de tédio, mas ele também mantém
seus comentários sarcásticos para si mesmo.

Se eu não o conhecesse melhor, suspeitaria que ele estava em seu melhor


comportamento.

Isso tudo muda em uma tarde de quinta-feira, no entanto, quando uma


garota alta e esbelta com cabelos pretos luxuriosamente grossos e compridos
entra na sala do doutor Fitzpatrick, e Pax xinga tão alto e tão inesperadamente
que Angélica, a garota tímida que sempre usa o cabelo em tranças, quebra sua
régua de plástico em dois.

─ Que porra é essa? ─ Carina geme ao meu lado. ─ Isso deve ser algum tipo
de piada de mau gosto.

─ Saudações, Fitz. ─ A garota de cabelo preto se envaidece, fazendo uma


pequena reverência para o Doutor, que está com o queixo no chão.
─ Mercy? A que devemos o prazer? ─ Sua boca diz prazer, mas seus olhos
dizem Querido Deus, não. ─ Eu não tinha ideia de que você estava passando por
aqui para uma visita. Eu suponho que é por isso que você veio até aqui? Para
ver como seu irmão está se saindo?

Ela dá um tapa de leve no topo de seu braço na exibição mais sedutora


que eu já vi. ─ Não bobo. Me cadastrei novamente! A Suíça era linda, mas o
frio me venceu. Em comparação, New Hampshire é tropical nesta época do
ano.

Olhando para esta aluna antiga/nova, tenho a sensação de que todos na


sala estão se afastando dela. Inclusive eu, e nem sei por quê. ─ Uh... o que está
acontecendo? ─ Eu murmuro do lado da minha boca.

─ Essa é Mercy, ─ diz Carina, revirando os olhos. ─ Ela foi estudante aqui
até junho passado. Ela decidiu ir estudar na Europa porque a América era muito
'gauche17'. Ninguém ficou triste ao vê-la partir. Muito menos Wren.

─ Wren? Por quê? Ele estava... eles estavam...?

─ Eca, não! ─ Carina me chuta bem no osso do tornozelo, e dói pra


caralho. ─ Verifique você mesmo. Ela é irmã dele.

Irmã dele? Sério. Que inferno fresco é esse? Ninguém nunca mencionou
outro Jacobi. Outra criatura que compartilha os mesmos genes diabólicos que
Wren.

─ Eles são gêmeos, ─ Carina continua.

Oh, ho, ho, isso só fica melhor.

17
Palavra francesa usada para “estranho” dentre outras.
─ Wren é oito horas mais velho que Mercy. Seus pais iam chamá-la de
Helena, mas eles mudaram de ideia quando a Sra. Jacobi continuou
gritando Misericórdia! Misericórdia! durante o nascimento. A mãe deles ficou tão
doente depois de dar à luz que ela foi embora por seis meses para se recuperar
e seu pai contratou uma enfermeira para cuidar deles. A Sra. Jacobi morreu
quando eles tinham três anos. Aparentemente, ela nunca recuperou sua força
após a gravidez e ela simplesmente desapareceu até que não restasse nada
dela. Ela era uma mãe horrível em todas as contas.

Eu tenho perguntas sobre Wren há muito tempo. Eu sei tão pouco sobre
ele, mas de jeito nenhum eu estava perguntando a Carina. Especialmente não
depois que o filho da puta tentou adulterar meu telefone. Ela teria me enforcado
e me estripado como um peixe por ser tão estúpida. Mas eu sinto que deveria
saber disso, de alguma forma. Eu deveria saber que havia outro pedaço dele lá
fora no mundo.

Mercy se vira e sorri para a classe, e eu me inclino para trás no sofá,


assustada com a semelhança impressionante que ela compartilha com seu
irmão. Suas feições são mais refinadas e delicadas, mas têm o mesmo formato
do rosto. O mesmo queixo. Os mesmos olhos, embora o verde dos olhos de
Mercy não seja tão vívido quanto o de Wren. Ela vê seu irmão e acena. Em seu
lugar habitual no sofá de couro, Wren a encara como se ela nem estivesse lá.

─ Sim. Como eu estava dizendo. Wren e Mercy costumavam ser


próximos. Mas não mais, ─ Carina sussurra.

─ Bem, eu acho que você deveria encontrar um lugar então, Sra. Jacobi,
─ Doutor Fitzpatrick diz com um sorriso tenso.

Mercy vai até o sofá de couro e se senta na ponta dele, aos pés do
irmão. Ela dá um tapa nas botas dele, tentando fazer com que ele dê espaço a
ela, e um olhar de desgosto se forma no rosto de Wren. Ele se levanta,
silencioso como o túmulo, e se dirige para a saída. Pela primeira vez em duas
semanas, ele olha para mim corretamente enquanto sai pela porta.

─ Wren! Wren, essas aulas não são opcionais! ─ Doutor Fitzpatrick grita
atrás dele. Ele está perdendo o fôlego, no entanto.

Wren já se foi.

***

Na noite seguinte, quando volto para o meu quarto depois do jantar, abro
a porta e algo sobe no ar, girando na frente do meu rosto. Eu grito, atacando
para me defender em uma demonstração bastante vergonhosa de
pânico. Presumo que seja um morcego, mas percebo meu erro quando a pena
gorda e exuberante flutua suavemente até o chão.

É preta. Profundamente preta. Mas quando eu a pego e a seguro para uma


inspeção mais próxima, um oleoso, metálico, azul-esverdeado capta a luz e
brilha. É linda, tem palhetas em ambos os lados da lombada grossa e
amadeirada perfeita em todos os sentidos.

Uma pena é uma coisa milagrosa. Tão comum e todos os dias, mal as
notamos saindo de nossos travesseiros, ou pegas por uma brisa suave, ou
flutuando ao longo da superfície de um rio preguiçoso, pegas nos redemoinhos
e vórtices velozes enquanto são varridas rio abaixo. Mas uma pena é um feito
de engenharia. E esta pena, aquela que deve ter sido enfiada por baixo da porta
do meu quarto, é linda, com certeza.

Também é uma mensagem. Alguns caras colocavam um bilhete embaixo


da porta de uma garota. Mesmo caras mais preguiçosos enviariam uma
mensagem e terminariam com isso. O cara que jogou esta pena embaixo da
minha porta é fã de formas mais sutis de comunicação. Começou com o código
Morse durante a tempestade, mas até isso deve ser óbvio demais para ele agora.
O que essa pena está dizendo? Além, lembra de mim? Eu existo, não tenho
absolutamente nenhuma ideia. Tudo o que sei é que Wren estava no quarto
andar da ala feminina e estava parado do lado de fora da minha porta.

─ Ei, você está quase pronta? ─ Carina está no corredor atrás de mim. Ela
tem um sorriso atrevido no rosto, porque as coisas estão esquentando entre ela
e seu sósia de Andy Samberg e devemos encontrá-lo em frente ao teatro The
Vista em uma hora para assistir a um filme noturno - algum filme de ficção
científica sobre robôs dominando o mundo. Eu lentamente escondo a pena
atrás das minhas costas.

─ Uh, você sabe o quê? Acho que estou tendo uma enxaqueca. Não tenho
certeza se sentar na frente de uma tela bem iluminada é a melhor coisa para
mim agora.

Ela faz beicinho. ─ Ah não! ─ Seus olhos são brilhantes, no entanto. Ela
me convidou para ver o filme antes de André convidá-la para sair, então ela me
perguntou envergonhada se tudo bem se ele aparecesse. Eu disse a ela que não
me importava se ela fosse com ele sozinha, mas ela se rebelou contra essa
sugestão, nem sequer considerou, e eu não queria ser uma idiota e me recusar a
ir. Esta é uma saída conveniente - ninguém em sã consciência quer acabar como
terceira roda em um cinema - e Carina parece secretamente satisfeita. No lugar
dela, tenho certeza de que eu também estaria.

─ Você tem certeza de que não está dizendo isso apenas para me dar
algum tempo a sós com o garoto? ─ ela pergunta.

O garoto. Ela diz isso afetuosamente, com um brilho vertiginoso nos


olhos; ela está tentando esconder sua empolgação com esse encontro, mas isso
realmente não está funcionando para ela.
─ Sim, eu tenho certeza. Quando tenho uma enxaqueca, preciso me
enrolar na cama e dormir. É a única maneira de passar por isso. Eu
provavelmente vou vomitar em todos os lugares se eu for. Você deveria passar
pelo meu quarto quando voltar, no entanto. Conte-me como foi tudo.

Carina morde o lábio inferior, sorrindo como um diabinho. ─ Mas e se eu


não voltar?

─ Carina! Você vai dormir com ele?

Ela grita como uma criança de cinco anos, se esquivando do meu alcance
enquanto tento dar um tapa em seu braço. ─ Eu não sei. Pode ser? Preenchi a
folha de ausência para o caso. Isso faz de mim uma vadia?

─ Não! De jeito nenhum. Se você acha que ele é um cara legal, e está te
tratando bem, e você acha que está pronta, então por que diabos não?

Minha amiga sorri de orelha a orelha, embora um pouco mais calma


agora. ─ Sim. Quero dizer, ele é muito doce. Eu tenho que instigar cada contato
entre nós porque ele está tentando ser um cavalheiro. Honestamente, eu meio
que quero que ele me jogue contra a parede e me foda já.

─ Carina!

Ela ri. Sua expressão muda quando ela vê o que estou segurando na minha
ma...

Ah, merda.

Eu esqueci tudo sobre a pena. Eu estive girando distraidamente em meus


dedos, pressionando a ponta romba do eixo oco na ponta do meu polegar
enquanto eu estava falando com ela.
─ Isso é bonito, ─ diz Carina, tirando de mim. Ela o segura contra a luz. ─
Uau, isso é realmente lindo. Onde você conseguiu isso?

─ Ah, foi no gramado. Encontrei na grama. ─ É incrível a facilidade com


que minto para ela. Eu não gosto de fazer isso, mas eu seria uma tola em dizer
a verdade a ela. Ela ficaria louca se soubesse que Wren esteve aqui. Ela
cancelaria seu encontro e passaria o resto da noite tentando me convencer a
denunciar Wren por ter se infiltrado no andar das garotas. Essa incursão é o
menor de seus muitos pecados, mas Carina a agarrará com as duas mãos se
achar que será suficiente para expulsá-lo da academia.

─ Eu nunca vi uma pena assim antes. É perfeita, ─ ela diz, oferecendo de


volta para mim.

Eu pego isso dela. ─ Sim é.

─ Você deve mantê-la. Faça algo bonito com ela. Eu sei como fazer isso
em um grampo de cabelo. Posso te mostrar se você quiser?

─ Isso seria legal.

Ela aplaude, puxando uma respiração profunda. ─ OK. Eu vou sair


daqui. Me deseje sorte! Talvez eu tenha histórias para contar quando voltar.

Espero ela desaparecer no corredor e virar a esquina antes de pegar meu


celular e começar a digitar uma mensagem.

EU: É linda, mas não vou ficar com ela.

Três pontos aparecem, quase imediatamente.


WREN: Mentirosa.

EU: Você tem que parar.

WREN: Por que dizer algo que você não quer dizer?

EU: Do que diabos você está falando?

WREN: Você me diz que eu tenho que parar. Mas você não quer
que eu pare. Essa é a última coisa que você quer.

Porra, esse idiota me faz querer gritar.

EU: Você não sabe disso. Você não tem ideia do que está
acontecendo dentro da minha cabeça.

WREN: Eu sei que é sexta à noite e você não vai a lugar nenhum.

EU: Sim, eu vou. Vou sair com a Carina.


WREN: Estranho. Acabei de vê-la queimar na estrada naquele
Firebird de merda dela. E você não estava sentada no banco do
passageiro.

EU: Perseguidor!

WREN: Eu noto coisas, Pequena E. Processe-me. Você ficou na


academia porque quer me ver.

EU: Você pensa muito bem de si mesmo, não é?

WREN: Honestidade crua parece muito com arrogância para o olho


destreinado.

EU: Deus, apenas pare!

WREN: Encontre-me.

EU: NÃO.
WREN: Dê-me uma hora. Se você não vier, eu vou ter que ir até
você. Então você vai ver o quanto de um perseguidor eu realmente sou.

EU: VOCÊ É INSANO! Você não ousaria vir ao meu quarto.

Meu sangue está quase no ponto de ebulição. Eu não posso acreditar neste
filho da puta. Ele é inconcebível.

WREN: Talvez sim. Talvez não. Mais seguro para você vir até mim,
no entanto.

EU: Você realmente acha que eu vou voltar para aquela casa? Onde
vocês três poderiam fazer só Deus sabe o que para mim?

Os pontinhos não acendem imediatamente desta vez. Leva um minuto


inteiro antes que eles reapareçam, e eu fico perto da janela do meu quarto,
olhando para o crepúsculo gradual que está rastejando em direção à academia,
questionando minha própria sanidade. Por que eu quero que ele responda
tanto? Como posso ser tão estúpida?

WREN: Pax e Dashiell nunca colocariam um dedo em você. Eles


sabem que nunca mais andariam. Mas de qualquer forma. Se você não
quiser vir aqui, eu vou aí. Encontre-me no sótão. As 20h.
O sótão? Ele sabe sobre aquele lugar? Deus, não há nenhum lugar em Wolf
Hall a salvo desse cara?

EU: NÃO, WREN.

Ele não responde.

EU: Eu não vou te encontrar, Jacobi. Eu não tenho um desejo de


morte.

Meu telefone fica na palma da minha mão, em silêncio, até a tela ficar
preta.
17

Elodie
─ EU DISSE A ele que não o amava, mas ele simplesmente não vai deixar
isso pra trás. Eu não sei o que fazer. Ele me segue como um cachorrinho
perdido que acabei de chutar. Se eu não me sentisse tão culpada por machucá-
lo, provavelmente estaria com raiva do filho da puta. Ele até tem Levi fazendo
uma petição em seu nome agora. Pare de rir, Elodie, não é engraçado!

Jesus, eu perdi o som da voz bonita e com forte sotaque de Ayala. Seus
pais são ambos de Dubai, mas ela cresceu na Espanha. Ela falava tanto espanhol
quanto árabe quando estava no jardim de infância, e aos oito anos já sabia falar
francês e alemão também.

─ Pobre David, ─ eu gemo. ─ Ele está obcecado por você há tanto


tempo. Ele deve ter pensado que tinha ganhado na loteria quando você
concordou em sair com ele. E então você o esmaga como uma formiga sob o
calcanhar de seus Manolo Blahniks. É só... é tão triste, Ayala, ─ eu provoco. ─
Talvez você devesse dar uma chance a ele.

─ Senhor, não comece. Vocês são meus amigos. Você deveria estar
do meu lado.

Deitada na minha cama, olho para o teto, tentando não pensar no espaço
acima da minha cabeça. O sótão não fica diretamente acima do meu
quarto. Não consegui identificar o local exato em que ele fica; pelos meus
muitos palpites nos últimos oitenta minutos, decidi que provavelmente é sobre
a escada que leva ao quarto andar e a entrada no primeiro andar, mas não posso
ter cem por cento de certeza. Independentemente de onde o sótão realmente
esteja geograficamente, arquitetonicamente, seja o que for, parece que está bem
acima da minha cabeça, e Wren já está lá em cima, sentado lá no escuro,
esperando por mim como o predador eternamente paciente que ele é.

─ Estou do seu lado, ─ digo a minha amiga. ─ Ele é tão doce.

─ E quando foi a última vez que você ficou toda fraca pelos joelhos por
um doce menino? ─ Ayala pontua. ─ Eu conheço você, Elodie. No que diz
respeito aos caras, você e eu somos cópias uma da outra. Podemos pensar que
queremos alguém gentil e atencioso para nos amar, mas no momento em que
isso se torna realidade, corremos para as colinas. Nós duas estamos tão fodidas
quanto a outra. Nós gostamos de nossos meninos maus e beligerantes, ou
simplesmente não há faísca.

Minhas bochechas ficam muito, muito quentes. ─ Eu não me apaixono


por bad boys, Al. Eu simplesmente não. Por que eu iria querer me punir assim?

A risada ruidosa de Ayala sai dos meus fones de ouvido. ─ Ta brincando


né? Você se lembra de Michael? O cara com quem você perdeu a
virgindade? Ele tratou você como uma deusa, e você terminou com ele porque
ele, e cito, 'não se defendeu quando vocês tiveram uma briga'.

─ Isso é normal, ─ eu argumento. ─ Quem não se defende se a namorada


está louca?

— Então você estava sendo louca?

─ Sim! Eu estava louca o tempo todo, e Michael apenas sentou lá e


aceitou. O que significava que ele era ainda mais louco do que eu! Eu não vou
namorar um psicopata assim! ─ Estou ciente de como estou parecendo
louca agora, mas estou me mantendo firme nesta. Só porque eu queria um cara
com uma espinha dorsal não significa que eu tenho uma queda por bad
boys. Ayala está tão errada.
─ Tudo bem, ─ ela ri. ─ Bem, eu vou ter que ir de qualquer maneira. São
quatro e meia da manhã, e preciso ir beber um galão de água para não acabar
com uma ressaca pela manhã. Sentimos muito sua falta, sabe. Eu não posso te
dizer o quão feliz eu estou por você não estar morta.

─ Obrigada. Estou feliz que você não esteja morta também.

─ Você sabe o que eu quero dizer. Seu pai é um babaca, Elodie. Sério. Se
isso não me rendesse um monte de carma de merda, eu desejaria algo muito
ruim para o cara. Como duas pernas quebradas. Ou que ele estivesse envolvido
em algum acidente horrível durante um exercício de treinamento e seu pau e
bolas fossem explodidos por um explosivo.

─ Prefiro não falar sobre o lixo do meu pai. Mas sim, um par de pernas
quebradas seria bom. Vou desejar isso a ele por nós duas e receber o dobro do
carma ruim se isso ajudar?

─ Sim. Noite, menina. Por favor volte e visite-nos logo.

─ Você vem aqui e me visita! ─ De jeito nenhum o Coronel Stillwater vai


me permitir voar de volta para Israel para umas férias tão cedo. Se eu pudesse
descobrir uma maneira de voltar para lá sem que ele soubesse, isso seria uma
coisa, mas meu pai saberia no instante em que eu deixasse Mountain Lakes. Ele
me mataria.

─ Ok, ok, ─ diz Ayala, posso ouvir seu sorriso largo e contagiante no tom
de sua voz. ─ Me ligue, Elodie.

─ Eu irei.

A linha fica morta. Eu apenas fico ali por um minuto, olhando para o teto,
sentindo a pressão dos fones de ouvido em meus ouvidos, não querendo tirá-
los e admitir que a ligação acabou ainda. Já escureceu há muito tempo. O
minúsculo abajur ao lado da minha cama projeta um halo laranja difuso no teto,
deformado e esticado pelo tom da superfície irregular do teto.

Eu não vou verificar as horas.

Eu não vou verificar as horas.

Eu não vou fazer isso.

Uma porta bate a alguns quartos, e um bando de vozes femininas


estridentes ricocheteiam nas paredes do corredor enquanto um punhado de
minhas colegas de classe saem juntas para algum lugar. Eu fecho meus olhos,
me mexendo no colchão, que ainda parece muito novo e muito duro e ainda
não está quebrado.

Dê uma olhada.

O que vai doer?

Saber as horas não vai tirar o planeta do seu eixo, idiota.

Apenas abra os olhos, porra!

Eu cedi, mesmo que eu não queira. O relógio no canto superior direito do


visor do meu celular marca sete e quarenta e nove da noite. Onze minutos para
as oito. Wren provavelmente está andando pela entrada da academia mesmo
enquanto eu estou deitada aqui, deprimida como uma espécie de perdedora sem
amigos, sem esperança e imbecil. Eu me levanto, fingindo para mim mesma que
preciso me alongar, o que é tão inútil e estúpido que me dou uma bronca firme
na voz do meu pai. Sei perfeitamente que me levantei para olhar pela janela e
tentar me convencer do contrário é pura loucura.

A frustração toma conta de mim quando percebo que não posso ver a
entrada da garagem do ponto de vista que minha janela oferece. Apenas o
labirinto e a vasta extensão de gramado são visíveis da ala leste da casa, o que
significa que não poderei ver se Wren está vindo para cá ou não.

Ele não virá. Ele está testando você. Ele quer saber se você vai pular quando ele
mandar. Você não vai para aquele sótão, Elodie Stillwater.

Não sei por que estou repetindo isso para mim mesma. Já sei que não vou
subir ao sótão. Eu tenho um pouco de autoestima.

O relógio do meu telefone atualiza: sete e cinquenta e três da tarde

Se eu tivesse meu laptop, poderia estar assistindo a reprises de The Office


agora. Eu poderia estar fazendo alguns dos meus trabalhos de casa. Eu poderia
passar cinco horas em espiral em um buraco no YouTube, assistindo a vídeos
sobre cães resgatados encontrando seus lares peludos, e Adam Driver e
Timothée Chalamet, e mil e quinhentos trailers de filmes promovendo filmes
que provavelmente nunca assistirei.

Atirando-me de volta para minha cama, eu fecho meus olhos, empilhando


minhas mãos em cima do meu estômago. ─ Deus, isso é tão estúpido, ─
murmuro.

Vrrrn Vrrrrrrrnn. Vrrrn Vrrrrrrrnn.

Estou tão assustada com a vibração poderosa que vibra em minhas


costelas que quase arremesso meu telefone das minhas mãos. Meus ouvidos
estão cheios do som de sangue correndo enquanto verifico de quem é a
mensagem.

WREN: Não me decepcione.


E isso é tudo o que é preciso. De repente, estou lívida. Quem diabos ele
pensa que é? Não o decepcione? Ele não é meu pai. Na verdade, ele não é ninguém
para mim. Eu não devo nada a ele. Eu definitivamente não tenho que me
preocupar em fazê-lo feliz. Ele pode beijar minha bunda.

Lançando-me para fora da cama, pego meu moletom na parte de trás da


porta, enfiando meus braços com raiva nas mangas enquanto voo para fora do
meu quarto e desço o corredor, em direção ao armário de limpeza perto dos
banheiros. Estou murmurando baixinho como uma pessoa louca quando chego
à porta do armário, não me importando se alguém ouve os palavrões muito
coloridos e altamente ofensivos que caem da minha boca.

O interior do armário cheira a alvejante e mofo. Respiro pela boca


enquanto viro um balde de aço com esfregão, de pé sobre sua base amassada
para que eu possa alcançar a borda do espaço rastejante que leva ao
sótão. Amaldiçoe minha bunda curta; sem Carina aqui para me dar um impulso,
são necessárias três tentativas fracassadas antes que eu consiga pular alto o
suficiente para me levantar usando a força da parte superior do corpo. Eu roço
meus dedos e raspo minhas costas na minha pressa de me arrastar pelo espaço
estreito, dizendo a mim mesma que minha pressa é toda sobre minha raiva
latente e não minha claustrofobia.

Finalmente, chego ao outro lado, bufando e cuspindo nuvens de poeira da


minha boca, ainda xingando como um marinheiro. Eu deslizo do espaço
estreito sem um pingo de graça, aterrissando com um baque oco nas tábuas
velhas e lascadas do sótão.

─ Uau. É como assistir a uma pessoa totalmente crescida e totalmente


vestida emergir de um canal de parto. ─ A voz, que emana friamente do outro
lado do sótão, não parece tão impressionada com o milagre do nascimento. Em
vez disso, ele parece bastante incomodado com isso. Sento-me, batendo nas
mangas do meu moletom, levantando uma nuvem de poeira que me faz tossir.

─ Foda-se... você... Jacobi...─ É tudo o que posso controlar no meu tom


ofegante. Um copo de água aparece bem na frente do meu rosto. Um copo. De
verdade. Cristal lapidado, com um lindo desenho de flor gravado em sua
superfície. Onde diabos ele conseguiu esse tipo de copo aqui? Atordoada, olho
para cima, preparada para dizer a ele que não estou bebendo de um receptáculo
que está guardado em um baú de viagem nas últimas três décadas, mas então
vejo a pilha espessa de cobertores muito novos e luxuosos. O chão, e a cesta, e
o vinho, e as centenas de velas que foram colocadas em cima de todas as
superfícies disponíveis, suas chamas bruxuleando e ondulando enquanto
trabalham diligentemente para afastar a escuridão, e as palavras se transformam
em cinzas em meu língua.

─ Que porra é... ─ Eu finalmente olho para Wren, minha língua de repente
parece grande demais para minha boca. Santo inferno, ele parece incrível. Seu
cabelo está perfeitamente bagunçado, caindo em seu rosto. Camisa preta, com
botões reais na frente, cujo botão superior está desabotoado. Suas mangas
foram enroladas até os cotovelos, expondo antebraços musculosos. Seu jeans
está desbotado e desgastado no calcanhar, e o jeans cheira distintamente a sabão
em pó. Eu sei, porque ele está tão perto de mim que seu joelho está bem na
frente do meu rosto. Não que eu esteja cheirando seu maldito joelho. Isso seria
estranho.

Wren sorri para mim, e uma dor insuportável cresce no meu peito, até a
base da minha garganta. Eu não posso respirar em torno dele. ─ Que porra
é essa? ─ ele pergunta, terminando minha frase para mim. ─ É assim que se
parece um encontro no sótão de sexta à noite. Não há necessidade de parecer
tão horrorizada. Eu não trouxe nenhuma arma comigo.
─ Eu gostaria de ter, ─ eu rosno. ─ Você está delirando. Você sabe disso,
certo? Isso não é um encontro.

Wren gira, segurando o copo nos lábios e drenando a água de dentro. Eu


forço meus olhos para o chão, mortificada pelo fato de que eu não quero desviar
o olhar. Ele caminha de volta para a configuração aconchegante que ele
organizou, afundando pesadamente no chão. Ele me encara, recostado nos
cobertores, brincando com o copo em uma das mãos. — Como você chamaria
isso, então? ─ ele pergunta. ─ Talvez... um conselho de guerra? Você quer ir
para a guerra comigo, Pequena E?

─ Eu só quero que você me deixe em paz. É muito pedir isso?

Wren bufa pelo nariz, seu olhar vagando pelo nosso ambiente confuso e
curioso. ─ Você realmente não quer isso, no entanto, não é. ─ Ele afirma isso
- um fato cru e inegável. ─ Você sonha acordada com a minha boca na sua o
tempo todo. Eu posso ver isso acontecendo na sua cabeça. É um show e
tanto. Você imagina como seria, presa em um quarto escuro comigo, meu hálito
quente em seu ouvido, meu suor em sua língua, meu pau esfregando contra sua
boceta, e você mal consegue ficar parada. E quando você realmente se perde,
você deixa sua mente fora da coleira e fantasia sobre como seria me ter
realmente dentro de você. Você fica muito quieta, linda Elodie. Tão, tão
quieta. Você não move um músculo, nem mesmo uma contração. Você olha
para a frente, nem se atreve a respirar, mas vejo seus dedos brancos e seu pulso
martelando no oco de sua garganta. A maneira como suas pálpebras fecham. A
vergonha vermelha que colore suas bochechas quando você termina comigo
em sua cabeça. ─ Ele pega a garrafa de vinho ao lado dele e arranca a rolha,
segurando a boca dela em seus lábios. ─ É a coisa mais perturbadora, excitante
e irritante que eu já vi. E eu vi alguma merda, deixe-me dizer. ─ Ele bebe, tão
profundamente quanto quando ele acabou de limpar a água um segundo
atrás. Desta vez eu me forço a fazer contato visual enquanto ele engole uma,
duas, três vezes.

Quando ele coloca a garrafa no chão, eu me levanto e caminho lentamente


em direção a ele. ─ Você sabe o que? ─ Eu sussurro.

─ O que? ─ ele sussurra de volta.

─ Eu gostaria de poder pegar essa garrafa e esmagá-la na porra da sua


cabeça, Jacobi.

─ O que está parando você? ─ Ele dispara de volta a provocação tão


rapidamente, ele deve ter sabido que eu estava imaginando isso também.

─ Porque eu não sou louca. Não saio por aí agredindo as pessoas só


porque tenho vontade. Não sou escrava das minhas compulsões.

─ Vergonha. ─ Wren deixa a cabeça cair para trás; ele olha para mim com
uma preguiçosa e autoconfiança que me deixa com tanta raiva que quero
chorar. ─ Se você não tivesse, já teríamos dispensado essa merda e fodido já.

Eu enrolo meu lábio para ele. ─ Isso é tudo com que você se importa? Me
foder? Se eu cedesse e deixasse você me ter, você finalmente ficaria entediado
e passaria para sua próxima vítima?

─ Não. ─ Ele diz isso sem surpresa ou condenação. ─ Eu nunca vou


terminar com você. Assim como você nunca vai se oferecer a mim apenas para
que eu a deixe em paz, doce menina.

─ Não me chame assim. Eu não sou doce.

Ele ri. ─ Essa é a parte que eu mais gosto. Quando foi sua última vacina
contra o tétano?

─ O que?
Ele aponta a garrafa de vinho para mim. Aos meus pés, especificamente. ─
Você esqueceu seus sapatos, Stillwater. Fiz o meu melhor, mas está longe de
limpo aqui. Você também está sangrando na mão.

Eu olho para baixo, chocada ao ver meus próprios pés descalços contra as
tábuas do assoalho. Como diabos eu deixei de colocar sapatos e meias? Chutar
e arranhar meu caminho pelo forro sozinha poderia ter me cortado em
tiras. Droga, o que diabos eu estava pensando?

Que você queria matar o idiota vaidoso deitado nos cobertores na sua frente, é isso.

Urgh. Eu estava com tanta pressa de chegar aqui e rasgar um novo para
ele que eu não estava pensando em nada. Meus dedos zumbem de dor enquanto
fecho minha mão em punho, inspecionando o dano que fiz ali. Não é tão ruim
quanto poderia ser – o corte não é tão profundo, mas
definitivamente está sangrando. Eu puxo minha manga com capuz para baixo
sobre o ferimento, cobrindo-o com o punho. ─ Vai ficar tudo bem, ─ eu
digo. ─ Vai parar em um minuto.

O olhar afiado de Wren me esfola até os ossos. ─ Sente-se, Elodie.

─ Eu não vou me sentar. Eu só vim aqui para perguntar quem diabos você
pensa que é.

─ E uma vez que eu te diga quem eu acho que sou, você vai se esgueirar de
volta para aquele forro e desaparecer lá embaixo?

─ Sim. Exatamente.

─ Exatamente. OK. Bem, acho que sou o único cara neste inferno
esquecido que você olhou duas vezes. Acho que sou o cara que você não
consegue parar de pensar. Também acho que sou o único cara que já fez seu
coração disparar no peito. Estou errado?
Estreito meus olhos em fendas. ─ Sim.

Usando a garrafa de vinho novamente, Wren aponta para mim


rudemente. ─ Você é completamente incapaz de dizer a verdade, não é? Isso é
muito triste.

─ Estou te contando a verdade.

─ OK. Então negue tudo o que eu disse. Diga-me que estou errado. Você
não me imagina. Você não é atormentado por mim dia e noite, do jeito que eu
sou atormentado por você. Veja, eu não tenho nenhum problema com a
verdade. Fiz amizade com ela há muito tempo. Uma mentira só faz o mentiroso
de tolo. A verdade sempre aparece. Estou cercado por você, e isso é uma
merda. Você está na minha cabeça quando eu acordo. Você está na minha cabeça
quando ando por este lugar miserável, e você ainda está lá, atormentando a
merda sempre amorosa quando fecho meus olhos à noite. Então faça. Minta
para mim um pouco mais, Pequena E. Por favor, sinta-se à vontade. Mas você
vai me desculpar se eu optar por ficar bêbado enquanto me preparo para o
show.

Eu não esperava essa confissão dele. Sempre o achei orgulhoso e


arrogante demais para admitir que tem uma fraqueza em voz alta. É impossível
compreender que eu sou essa fraqueza.

Wren toma outro gole, então abre bem os braços, como se me encorajasse
a continuar. Ele é tão fodidamente seguro de si mesmo. Ele tem tanta certeza
de que me conhece. Sabe exatamente o que vou dizer. Não pretendo
corresponder às expectativas dele. ─ Está bem. Você tem razão. Estou podre e
comida por dentro por sua causa. É isso que você quer ouvir? Deixei algo
estragado e ruim entrar na minha cabeça, e agora não consigo me livrar disso, e
está apodrecendo, me deixando cada vez mais louca a cada dia. Parabéns,
porra. Estou indo contra cada grama de bom senso que possuo todos os dias,
e estou tomando decisões que sei que são estúpidas, e não posso fazer nada sobre
isso! Que foda é isso!

Se eu estivesse de volta a Tel Aviv, isso não seria um problema. Nada


disso. A presença agourenta do Coronel Stillwater teria cortado essa merda pela
raiz no dia em que cheguei aqui. Eu não teria sido fraca o suficiente para deixar
minha cabeça fugir com esses pensamentos, e Wren... bem, vamos encarar,
Wren provavelmente estaria morto agora. Meu pai teria entendido o que estava
fazendo e o cara teria misteriosamente acabado em pedaços, espalhados ao
longo do aterro de uma porra de uma rodovia em sacos de lixo pretos.

Ele tamborila os dedos contra a lateral da garrafa de vinho, movendo-se


de modo que agora está deitado na confusão de cobertores em vez de
sentado. Sua camisa está levantada, expondo alguns centímetros da barriga nua,
e meu peito aperta com força. Eu sou o pior tipo de viciado. Eu sei exatamente
o quão ruim ele é para mim, e ainda assim não consigo me impedir de desejar
mais. Eu tive meu primeiro gosto dele no gazebo durante a tempestade, a
memória de seu torso nu tem me levado à distração desde então, e agora eu
quero que a camisa que ele está vestindo se vá. Eu quero que isso vá embora, e
eu me odeio por isso. Onde está todo o autocontrole que meu pai me
ensinou? E o bom senso?

Como um gato saciado, aproveitando a luz do sol, Wren fecha os olhos,


descansando uma mão em seu plexo solar. ─ Foi tão doloroso? ─ ele
murmura. ─ Sente-se, E. Você tem perguntas para mim.

─ Eu não. Eu...─ Pelo amor de Deus. Por que é tão difícil ser honesta com
ele? Eu tenho um milhão de perguntas, e estou morrendo de vontade de saber
as respostas para todas elas, mas me sentar naquele cobertor, é convidar um
tipo de problema para minha vida que eu não preciso. ─ Quaisquer perguntas
que eu tenha são irrelevantes. As respostas não vão mudar nada, ─ digo a
ele. Estou começando a me sentir um pouco sem esperança agora. Esta situação
é miserável; eu daria qualquer coisa para me livrar disso, mas a ironia amarga de
tudo isso é que eu também faria qualquer coisa para tê-lo.

Ele é o cara mau. O monstro que rasteja para fora das sombras para ferir
e mutilar aqueles ao seu redor. Nada de bom pode vir dele. Mas lutar contra
essa atração que sinto por ele parece tão fútil e inútil que minha vontade não
parece mais minha. Sou sua prisioneira, e Wren Jacobi não é um carcereiro
benevolente. Ele vai me manter sob sua fechadura e chave até que se canse de
mim, e eu tenho a impressão de que suas obsessões são para a vida toda.

─ Que mal pode fazer? ─ ele murmura. ─ Você fala. Eu falo de volta. É
uma conversa, Elodie. Não vai te matar, porra.

Meu coração é um pedaço de pedra afiada. Ele se recusa a bater quando


eu piso no cobertor, o tecido grosso macio na sola dos meus pés, e me abaixo
em uma posição sentada. Wren sorri para si mesmo e meu temperamento
aumenta. ─ Eu não sei por que você está sorrindo. Você não ganhou nada. Não
vá marcar seu cartão de pontuação ainda, Jacobi.

Em vez de esmagar seu sorriso, meu aborrecimento apenas o encoraja a


crescer em tamanho. ─ Eu não estou acompanhando os pontos. E a única coisa
que estou interessado em ganhar...

─ Deus, nem diga isso, ─ eu interrompo. ─ Não. Isso só vai me fazer te


odiar mais.

Ele abre os olhos, me olhando de soslaio, seus lábios ligeiramente


entreabertos. Suas sobrancelhas se erguem, e eu sei que ele vai terminar sua
frase ridícula. ─ é a sua confiança.

─ Quando eu tinha seis anos, eu ficava acordada todas as noites,


esperando Peter Pan voar pela minha janela. Esperei todas as noites que ele
viesse me levar embora. Eu queria asas de fada e um lindo vestido, e queria fugir
com ele para a Terra do Nunca. Adivinha? Isso não aconteceu. Cresci e percebi
que era burrice desejar coisas impossíveis. Você provavelmente deveria fazer o
mesmo. ─ Meu tom é tão grosso com sarcasmo que parece oleoso e
desconfortável saindo da minha boca. Eu nunca falei com ninguém assim
antes. Honestamente, eu não gosto de como isso me faz sentir.

Wren rola para o lado, com as sobrancelhas franzidas. Ele levanta a cabeça
com a mão. — Você parou para questionar por que nutre esse tipo de
negatividade em relação a mim, Stillwater? Quero dizer, realmente se perguntou
por quê?

─ Eu sei por quê. Você é um garoto arrogante e sem consciência que


aterroriza as pessoas desta academia sem pensar duas vezes.

— E você tem provas disso? ─ ele pergunta uniformemente. ─ Você viu


com seus próprios olhos?

─ Você está falando sério? Você está falando sério agora?

Ele concorda.

─ Bom. Vamos ver. Você jogou um monte de carne podre na minha


mesa. Cheirava a carne podre, de qualquer maneira. E você ameaçou Tom
quando ele não quis me manipular para lhe dar meu telefone. E você invadiu
meu quarto...

─ Você sabe que eu não fiz isso.

─ Eu sei que você fez, ─ eu argumento.

Ele dá de ombros, rindo amargamente baixinho. ─ O que mais você sabe?

─ Eu sei disso... eu sei que você... você é... ─ Ahhh, foda-se.


─ Você sabe que Carina não gosta de mim. Ela tem sido sua principal
fonte de informação sobre mim, certo? E ela está tão magoada por Dashiell
desprezá-la que ela odiaria a mim e Pax junto com Lord Lovatt, não importa o
quê. O quê mais?

─ Só porque eu não experimentei você sendo um idiota em primeira mão,


não significa que não seja verdade.

─ Então, eu coloquei um par de pernas de sapo na sua mesa. Eu admito,


isso não foi muito legal. Peço desculpas por isso. E lamento ter ameaçado o
Tom. Às vezes não sou muito bom com as pessoas.

─ Não brinca. Esse deve ser o eufemismo do século.

Ele me fixa sob um olhar muito sério, muito verde. ─ Você terminou?

Eu mordo a ponta da minha língua, olhando para ele.

─ Sinto muito por ser imperfeito. Tenho plena consciência dos meus
defeitos. Mas vou trabalhar em alguns deles se isso te deixar feliz.

─ Ah! Como se minha felicidade significasse alguma coisa para você.

Sentando-se lentamente, Wren se vira para ficarmos de frente um para o


outro, sua expressão assustadoramente intensa. ─ Eu me importo muito com a
sua felicidade. Mais do que deveria. Eu me importo em
ser pessoalmente responsável por sua felicidade, e isso... ─ ele balança a cabeça, ─
...é uma percepção confusa, acredite em mim.

Ele parece tão surpreso com essa reviravolta que eu realmente acredito
nele. ─ Deve ser estranho se importar com outra pessoa quando você só se
importava consigo mesmo antes.
Wren mostra os dentes — uma careta rápida que parece dolorida. ─ Aí
está você, fazendo suposições novamente. Que tal agora? Você suspende o
julgamento contra mim por três noites. Você vem aqui e se encontra comigo, e
nós conversamos. Você realmente ouve. E então… então você pode decidir se
eu sou o Anticristo. Nesse ponto, eu juro pela honra da minha família que vou
deixar você em paz se é isso que você quer.

─ Três noites? Se você vai levar três noites inteiras para me convencer de
que você não é uma pessoa horrível, então não tenho certeza se devo...

─ Apenas pare de ser tão espinhenta e concorde, ─ ele geme. ─ Esta noite,
amanhã à noite e domingo à noite. É isso. Três noites. Estarei no meu melhor
comportamento.

─ E eu vou ver que você não é um monstro do mal e eu vou me apaixonar


por você?

─ Talvez, ─ ele concorda. ─ Ou talvez você veja que eu sou um


monstro. E talvez você se apaixone por mim de qualquer maneira.
No escuro…

Eu chuto e grito.

Aprendi há muito tempo que chutar e gritar não ajuda, mas não tenho escolha.

Sou um animal enlouquecido e preso, uivando por liberdade.

Uma liberdade que nunca virá.

─ Por favor! Por favor, eu prometo... não vou contar a ninguém. Eu não vou dizer
uma palavra, eu juro. Eu prometo, eu prometo, eu prometo. Não direi a ninguém o que você
fez. POR FAVOR! ME DEIXE SAIR!
18

Wren
ELA CONCORDA com a minha proposta como se a perspectiva de passar
as próximas três noites comigo fosse tão traumática que ela precisaria de uma
década de terapia depois. E talvez ela precise. Se for esse o caso, então conheço
um cara legal em Albany que tem preços razoáveis, e passarei suas informações
com prazer. Mas até que isso aconteça, vou aproveitar ao máximo as horas que
passar com ela. Ela se senta em estilo indiano no cobertor, usando o material
para cobrir os pés descalços - eles devem estar congelando - olhando para mim
como se estivesse enfrentando a experiência mais assustadora de sua existência.

─ Faça-me suas perguntas, então, ─ digo a ela, caindo de costas


novamente, afetando um ar de descuido que não sinto. Estou longe de ser
descuidado, na verdade. Este é um movimento arriscado da minha parte. Serei
brutalmente honesto com ela, para poder dizer que lhe dei a verdade, toda a
verdade e nada além da verdade, mas é perigoso. Ela poderia decidir que eu a
revoltava e ela realmente não querer nada comigo. Se isso acontecer, terei que
honrar o acordo que fiz com ela, e terei que deixá-la em paz. Só que eu sei o
quanto isso vai me afetar. Isso vai me destruir de dentro para fora, e eu não
serei capaz de fazer nada sobre isso. Uma promessa é uma promessa, e não as
faço da boca para fora.

─ De onde você é? ─ ela pergunta, sua voz tão monótona quanto pode
ser. Ela está tentando o seu melhor para me mostrar o quão cansativo ela está
achando essa coisa toda, e ela está fazendo um trabalho muito bom nisso.

─ Eu nasci na Inglaterra. Surrey, para ser exato. Minha mãe era


inglesa. Mas meu pai é americano. Nova Iorque. Os Jacobi vivem em Nova
York desde que a cidade foi fundada. Nós éramos os caras do dinheiro no
começo. Banqueiros e investidores. Meu avô se juntou ao exército, porém, e
depois meu pai depois dele. Eles são os caras do exército de carreira, ambos. Eu
sou uma grande decepção para os dois.

─ Por que você não vai se alistar?

─ Ah não. Eu poderia me alistar e ainda seria a maior decepção que


qualquer um deles já sofreu. Veja, eu não sou o estoque tradicional de
Jacobi. Eu sou desobediente. ─ Eu rio ao dizer a palavra, ouvindo a mesma ira nas
vozes do meu pai e do meu avô ao mesmo tempo. ─ Eu sempre cutuquei as
cercas projetadas para me controlar e me manter na linha. Testo seus
limites. Parecia imprudente não fazer isso.

─ Se seu pai for parecido com o meu, tenho certeza que não caiu bem.

Tristemente, eu balanço minha cabeça. ─ Não, particularmente não. Você


está me dizendo que criticou o todo-poderoso Coronel Stillwater?

─ Não, ─ ela responde rigidamente. ─ Decidi ainda jovem que não


gostava de dor.

Um nó se forma no meu estômago, apertando até chegar ao ponto em que


levará dias para se desfazer. ─ Ele machucou você?

─ Oh, qual é, não soe tão surpreso, ─ diz ela amargamente. ─ Não me
diga que o seu não te machucou. Isso é tudo que eles sabem fazer, homens como
nossos pais. Nós apenas fizemos escolhas diferentes, não foi? Eu não
revidei. Você sim.

Eu não posso dizer se ela parece tão brava agora por causa do assunto da
conversa, ou se é porque eu estou forçando-a a ficar aqui e fazer isso comigo. O
porquê não é realmente importante, no entanto. Não gosto da dureza de sua
voz. Me faz pensar que ela está sofrendo. ─ Não, ─ eu respondo. ─ Também
não gosto de dor, Pequena E, mas não podia deixar que ele a usasse para me
controlar. Você nunca deve dar a ninguém esse tipo de poder sobre você. Não
importa o quanto doa.

Ela faz um som estrangulado e infeliz. ─ Você não conheceu meu


pai. Você não tem ideia do quanto ele pode fazer algo doer.

Eu não gosto do som disso. Nem um pouco. A fera dentro de mim rosna,
um rosnado baixo e ameaçador ressoando entre dentes afiados e irregulares. Ele
se enfurece com a ideia de que um homem adulto machucaria sua própria
filha. Exige saber o que aconteceu em detalhes nítidos, para que possa formular
uma punição adequada para esse crime hediondo. Do lado de fora, eu coloco
em meu rosto uma máscara em branco, lutando para manter um ar de calma.

─ Você vai fazer dezoito em breve, ─ eu digo. ─ Então você estará


legalmente livre dele.

─ Não é tão simples e você sabe disso. Meu pai não é o tipo de homem
que me deixará ir, só porque me tornei uma adulta. Ele ainda estará controlando
todos os aspectos da minha vida quando eu tiver trinta, porra. ─ Ela não parece
chateada, apenas resignada, o que é ainda pior do que se ela estivesse
triste. Discutir com ela não vai me levar a lugar nenhum neste estágio de nossos
procedimentos frágeis, então eu abandono o assunto completamente. Nossos
pais de merda não vão a lugar nenhum, o que é, na verdade, o problema.

─ O que mais você quer saber? ─ Eu pergunto.

─ Em qual escola você foi?

─ Sempre aqui. Sempre em Wolf Hall.


Ela parece surpresa com isso. Seus olhos estão brilhando com
aborrecimento desde que ela saiu daquele forro como um cervo recém-nascido
sem pernas, mas sua irritação vacila quando ela olha para mim agora. ─
Sério? Você nunca foi para outra escola? A maioria dos pais empurra seus filhos
de pilar em poste até que eles nem saibam mais de onde são.

Porra, ela é linda demais. É como olhar para a porra do sol – eu olho para
ela por mais de um segundo e minhas retinas ameaçam explodir. Nem Pax nem
Dashiell diriam que ela é a garota mais bonita matriculada em Wolf Hall, mas
para mim, Elodie Stillwater é a coisa mais encantadora que eu já vi. O beicinho
desafiador de sua boca. O cabelo sempre um pouco bagunçado, precisando de
uma escova. O olhar brilhante e de olhos arregalados que te pega
desprevenido. Suas mãos são tão fodidamente pequenas, isso me faz querer
chorar.

Ela é pequena. Sua cintura, e seus ombros finos, e seus pés, pelo amor de
Deus. É como se ela fosse trabalhada em miniatura, os detalhes dela pintados à
mão com atenção inabalável aos detalhes. Ela parece que precisa ser
embrulhada em papel de seda, para mantê-la segura como um tesouro
precioso. Mas isso não é apenas o melhor? Porque tudo sobre Elodie é uma
decepção. Ela é pequena, sim, mas pode se defender. Ela é feita de aço
temperado, não de vidro fino, e com certeza não precisa ser mantida
segura. Subestimá-la seria um erro lamentável. Um cara que fizesse isso, não
sairia ileso.

─ Meu pai achava que a rotina era mais importante para mim do que tê-lo
por perto. Minha mãe morreu quando eu tinha três anos, e minha nova
madrasta era altamente alérgica a crianças pequenas, então tudo funcionou
muito bem para todos os envolvidos. Eles me mandaram para o internato
quando eu tinha quatro anos. Eles compraram três novas casas nos últimos
treze anos. Eu sempre fiquei em um quarto de hóspedes sempre que fui tão
gentilmente convidado para ficar nas férias.

─ Eles nunca lhe deram um quarto? ─ Apesar de tudo, a pequena Elodie


realmente parece interessada no que estou dizendo. E então ela vai e diz algo
que contraria qualquer preocupação que ela possa estar demonstrando. ─ Isso
é fodidamente frio. Acho que isso explica de onde você tirou isso.

Eu sorrio com força. Quero dizer, ela não está errada. Mas ainda assim. ─
Não tenho motivos para ser caloroso com ninguém fora da Riot House. Por
que eu iria vagar por este lugar, radiante como um macaco lobotomizado
quando metade desses idiotas não tem duas células cerebrais para esfregar?

─ Meu caso em questão. ─ Elodie estende a mão, sua mão avançando; ela
pega a garrafa de vinho de mim, seus olhos se arregalam quando eu rio. ─ O
que? Você espera que eu passe por tudo isso sóbria agora? Não, obrigada. ─ Ela
despeja uma grande quantidade de Malbec em um dos copos que eu trouxe
aqui, empurrando a garrafa no meu peito quando ela devolve.

Mal-humorada.

─ É um ciclo de miséria, Wren, ─ ela me diz. ─ Você se apega ao seu


status de pária social como se fosse um escudo que irá protegê-lo das realidades
desta vida, mas a verdade é que está isolando você cada vez mais de todos ao
seu redor. Não é um mecanismo de defesa inteligente. E, além disso, posso ver
através dele. Foi assim que tudo começou para você - você queria construir um
muro tão alto ao seu redor que ninguém jamais conseguiria rompê-lo. Agora,
seu coração está tão congelado que está com a porra de uma queimadura de
frio.

─ Meu coração não é uma carne congelada.


─ O que seja. É foda tudo o que estou dizendo, e você me dizendo que é
capaz de se importar com qualquer coisa, é francamente tão inacreditável que
isso parece um enorme desperdício do meu tempo e do seu.

─ Eu odiaria desperdiçar seu tempo, Pequena E. ─ Deus, como eu posso


querer tanto beijá-la enquanto ela está me dizendo que eu sou uma causa
perdida? Não é nada tão previsível quanto o fato de que a maioria das garotas
normalmente tropeça em si mesma para estar na minha presença e ela
decididamente não. Há um elemento disso, sim, mas essa necessidade... foda-
se, é muito mais do que isso. Ela me pesou e me achou carente. Eu nunca dei a
mínima para o que as outras pessoas pensam de mim antes, mas a opinião ruim
dessa garota sobre mim importa mais do que posso suportar. Seu desafio, sua
força e sua autoconfiança são viciantes. Ela sabe exatamente quem ela é e o que
ela representa, e eu quero respirá-la como se ela fosse a própria vida.

─ Não olhe para mim assim, ─ diz ela, virando a cabeça. A luz da vela
brilha contra seu cabelo, criando uma auréola dourada ao redor de sua cabeça.

─ Como estou olhando para você? ─ Isso é pura insolência da minha


parte. Eu sei exatamente como estou olhando para ela, e não estou planejando
diminuir nem um pouco. Eu quero devorá-la. Reivindica-la. Amarra-la a mim
de qualquer maneira que eu puder. E se ela pode ler isso no fogo ardente em
meus olhos, então que seja. Não tenho vergonha de como estou me sentindo,
e com certeza não vou esconder isso dela também.

─ Apenas... comporte -se, ─ ela avisa. ─ Você prometeu.

─ Tudo bem, tudo bem. Faça do seu jeito. Faça-me outra pergunta. ─ Eu
espero com a respiração suspensa, a tensão crescendo entre minhas omoplatas
enquanto antecipo o que ela vai dizer a seguir. É emocionante, essa troca, saber
que as coisas que ela está me perguntando aqui e agora representam momentos
no passado quando ela se sentou sozinha em seus pensamentos e se
perguntou coisas sobre mim.

Elodie toma três goles profundos de sua taça de vinho. ─ OK. Por que
Dashiell tratou Carina tão mal? Foi algum tipo de aposta entre vocês?

─ Dashiell gosta de quebrar seus brinquedos quando eles se tornam muito


importantes para ele.

Ela franze o nariz em desgosto. ─ E daí? Ele fez algo para humilhá-la e
causar-lhe dor porque gostava muito dela? Essa é a desculpa com a qual você
está armando ele?

─ Eu não estou armando ele com merda nenhuma. E não é


desculpa. Estou lhe dando os fatos. Dash reage mal a situações em que encontra
seu poder diminuído de alguma forma. E gostar de Carina o deixou fraco. Ele
viu essa fraqueza como uma ameaça, e então a arrancou com as próprias mãos
e a esmagou antes que pudesse machucá-lo.

O sótão fica em silêncio, o antigo espaço empoeirado respira ao nosso


redor enquanto Elodie estuda meu rosto. Seus olhos percorrem minha testa,
descendo pela linha do meu nariz. Seus olhos azuis claros pairam sobre minha
boca por uma fração de segundo antes de se erguerem para encontrar meu
próprio olhar. Ela parece estar pensando em alguma coisa, as palavras se
acumulando em um engarrafamento na ponta da língua.

─ Eu sei o que você quer saber, ─ eu sussurro.

─ Oh? Então, por favor, vá em frente. Esclareça-me com uma resposta,


se de repente você é tão todo-poderoso e onisciente.

Minha respiração fica presa na garganta – a sensação mais estranha e


alienígena. Algo que eu não experimentava há muito tempo. ─ Você quer saber
se é assim que minha mente funciona. Você quer saber se é isso que eu vou fazer
com você, se você me deixar entrar. Mas você não pode se permitir me
perguntar isso, porque perguntar é admitir que você está pensando
nisso. Deixando-me entrar. E isso a apavora.

─ Jesus, Wren, eu...

Não. Eu não vou deixá-la contestar. É tão óbvio. Estou cansado de


esperar meu tempo, esperando que ela se entregue a mim. Em uma investida
rápida e predatória, fico de joelhos, me inclino sobre o cobertor e seguro seu
rosto com as duas mãos. Eu não a beijo. Ainda não. É quase impossível, mas
eu me seguro. ─ Meus brinquedos nunca foram importantes para mim,
Pequena E, ─ eu sussurro. ─ Eu não os jogo fora porque tenho medo do que
eles vão fazer comigo, ou porque estou entediado deles. Eu os descarto porque
eles nunca correspondem às minhas expectativas. Mas você... ─ Suas pálpebras
fecham. ─ Você não é um brinquedo. Não tenho expectativas de você. Como
posso quando você está constantemente me surpreendendo e me tirando da
porra da guarda. Se você me deixar...

Pânico brilha em seus olhos. Ela está olhando para minha boca
novamente, o terror completo irradiando dela em ondas. ─ Wren...

─ Se você me deixar, ─ eu repito. ─ Vou surpreendê-la também. Espere e


verá.

Ela fecha os olhos, uma única lágrima escorrendo pelo seu rosto. Do nada,
é como se ela estivesse se desfazendo em minhas mãos. ─ Por favor. Por
favor. Por favor, — ela sussurra.

Entorpecido até meus ossos, eu a solto, um gosto amargo e acre se


espalhando pela minha língua. Eu não estava tentando assustá-la. Eu não estava
tentando quebrá-la. Eu – pelo amor de Deus – eu me inclino para longe, pronto
para fazer algo monumental que eu não faço há anos – pedir desculpas – quando
ela balança a cabeça e se joga para frente, se jogando no meu peito. ─ Por favor,
─ ela repete. Desta vez parece que ela está me implorando para fazer algo em
vez de ficar longe dela. O desespero em seu rosto faz meu sangue rugir dentro
da minha cabeça, nublando minha visão e fazendo meu pulso disparar.

─ Tudo bem. OK. Eu tenho você. ─ Ela está em meus braços, então. Eu
a esmago contra mim com tanta força que nem eu consigo respirar. Meus lábios
encontram os dela, e o beijo não é como deveria ser. Sim, eu planejei isso. Com
a mesma atenção meticulosa aos detalhes que coloco em todas as minhas
ações. Eu deveria provocá-la, minha boca pairando sobre a dela, minha língua
patinando sobre seus lábios inchados, minhas mãos em seus cabelos, fazendo
sua respiração ficar rápida até que ela estivesse frenética e não suportasse que
houvesse qualquer espaço entre nós. um segundo mais. Não há paciência para
este beijo, no entanto. Nenhuma provocação a ser tida por mim ou por
ela. Apenas necessidade e desejo, e uma forma de pânico que acende em nós
dois e se espalha como um incêndio. Com que facilidade tudo isso poderia
terminar em desastre. Com que rapidez eu poderia me perder, e com que
facilidade eu poderia quebrá-la.

Eu sinto isso nela, como ela deve sentir em mim.

Nós dois temos tanto medo do final antes mesmo de realmente chegarmos
ao começo, mas não há nada que nenhum de nós possa fazer para impedir isso
agora. Ganhou muito vapor, e nenhum de nós sabe onde estão os freios.

O coração de Elodie está acelerado; eu posso sentir seu pulso batendo


contra o meu peito, e ela está tão viva e vital e fodidamente real que eu não
posso realmente acreditar que isso está acontecendo. Ela me beija de volta, suas
mãos se estendendo e enrolando em meu cabelo, e meu sangue se transforma
em nitroglicerina em minhas veias. Basta uma pequena faísca e eu vou explodir
como uma maldita bomba atômica. Ela se afasta, nada mais do que uma fração
de segundo para inspirar desesperadamente, e meu mundo se despedaça.

Eu deveria estar encenando essa charada. Havia uma ordem em que tudo
isso deveria acontecer, e em nenhum momento eu deveria perder a cabeça.

Quando foi a última vez que senti algo assim?

Quando eu já senti algo assim?

Elodie faz um som suave e choramingando enquanto traz seus lábios de


volta para encontrar os meus, seus dedos agarrando firmemente em um
emaranhado grosso do meu cabelo, e tudo fica parado e borrado.

Ela tem gosto de sol e mel.

Ela cheira como a última vez que me lembro de estar feliz.

Em meus braços, seu pequeno corpo parece a coisa mais importante e


valiosa que já segurei.

Separando minha boca da dela, eu me abaixo, beijando a coluna de sua


garganta, me enterrando na curva de seu pescoço, e ela começa a tremer tão
violentamente que eu tenho que pressionar minha testa contra sua bochecha
para me impedir de ir mais longe.

─ Wren. Wren. Oh meu Deus...─ Ela ofega meu nome, sem fôlego, ainda
arqueando as costas e pressionando-se contra mim de uma forma que torna
muito difícil pensar direito. ─ Que porra estamos fazendo? O que é isso? ─ ela
geme.

─ Eu não sei. Eu pensei que sim, mas...─ Eu balanço minha cabeça,


colocando minhas mãos tão cuidadosamente em seus quadris que eu mal posso
sentir o material de seu jeans contra minhas palmas. Eu me afasto, colocando
algum espaço entre nós.

Nós olhamos um para o outro, nenhum de nós se moveu um centímetro


enquanto tentamos descobrir o que diabos aconteceu.

Algo extraordinário.

Algum tipo de mudança em nós dois que não faz nenhum sentido.

Um momento.

Como tanta coisa pode mudar em um piscar de olhos?

Elodie engole. ─ Eu, uh... acho que tenho que ir. ─ Freneticamente, ela
fica de pé, cheia de energia e eletricidade enquanto gira em um círculo,
segurando o cabelo fora do caminho enquanto examina a área ao redor por...
por...

─ Onde diabos estão meus sapatos?!

─ Você não trouxe nenhum, ─ eu a lembro calmamente. Eu não me sinto


calmo, no entanto. Eu me sinto... livre. Como se eu estivesse à deriva, e nada
mais fizesse sentido.

─ Porra! ─ Elodie gira mais uma vez, ainda procurando por seus sapatos
que não estão lá, e então ela gira em mim, carrancuda como um demônio. ─
Você não deveria ter feito isso, ─ ela sibila.

─ Eu não fiz nada. Você é quem me beijou.

─ Tudo bem, tanto faz. Não faz sentido atribuir culpa. Isso ainda é culpa
sua!

─ Ah! Achei que não havia sentido em atribuir a culpa.


─ Como você pode simplesmente sentar aí assim? ─ ela chora. ─ Como
você pode não... eu não sei! Reagir!

Ela está sendo obviamente ridícula, mas eu sei que é melhor não dizer isso
na cara dela. Eu não acho que eu poderia convocar as palavras, de qualquer
maneira. Elodie rosna como uma gata selvagem, se lançando em direção ao
espaço estreito que a levará de volta à ala feminina no quarto andar. Eu a vejo
desaparecer na escuridão, sabendo que deveria contar a ela sobre a
pequena porta do outro lado do sótão que leva para a ala dos meninos, mas
minha garganta está muito apertada para lidar com isso. Eu sento lá no
cobertor, muito quieto, olhando para o copo meio cheio de vinho que Elodie
deixou para trás, cambaleando. Uma hora se passa, depois outra, e as velas se
apagam uma a uma.

Estou com frio e dolorido quando finalmente me levanto e saio.

A caminhada de volta à Riot House é, no mínimo, desconcertante.

Eu precisava foder com ela. Era o único pensamento que me consumiu


por semanas.

Eu queria destruí-la, mas de volta ao sótão, ajoelhado sozinho no escuro,


vi tudo muito mais claro do que antes. Cheguei a uma percepção dura e horrível
que virou toda a minha existência de cabeça para baixo.

Não serei eu a destruir Elodie.

Ela vai ser a única a me destruir.

Esse conhecimento está bem consolidado quando volto ao meu quarto e


vejo o envelope pardo lá, esperando por mim na ponta da minha cama. Eu
desmorono quando leio o relatório da polícia dentro dele, uma fúria como
nenhuma outra me prendendo entre dentes afiados de aço.
19

Elodie
─ ONDE DIABOS você dormiu na noite passada?

─ O que? Abro os olhos e tudo o que vejo é o céu — um céu metálico,


raivoso, petulante, carregado de nuvens que prometem chuva. Carina aparece
um segundo depois, seu rosto de cabeça para baixo se materializando bem
acima do meu. Seu cabelo está puxado para trás em um rabo de cavalo fofo. Seu
rosto inteiro é uma careta. Instantaneamente, suspeito que ela descobriu o que
aconteceu na noite passada e veio me levar para o hospício. ─ O que você quer
dizer?

─ Passei pelo seu quarto às seis e meia e você não estava lá, ─ diz ela. ─
Sua cama nem parecia ter sido remexida.

Esta é uma das muitas coisas que as pessoas sem pais militares nunca vão
entender. ─ Acordei cedo para correr. E se eu me levantar, eu tenho que fazer
minha cama imediatamente, ─ eu explico. ─ É fisicamente impossível para
mim não fazer isso.

Carina faz um som revoltado, passando por cima de mim e se sentando


ao meu lado. ─ Parece que você estava vivendo sob uma ditadura antes de
voltar para os Estados Unidos, ─ diz ela. Se ela soubesse, porra. ─ Correr soa
horrível também. Você quase se matou? É por isso que você está aqui no
gramado sozinha na grama molhada?

Eu não posso dizer a ela que eu corri sozinha até realmente sentir que eu
iria morrer, e então eu desabei aqui, incapaz de me mover, porque eu estava
muito perdida na memória de tentar escalar o maldito Wren Jacobi como uma
árvore. Então, em vez disso, eu aceno com a cabeça, gemendo muito alto e
miseravelmente.

─ Droga, cara. O exercício físico é ruim. Eu recomendo que você evite isso
no futuro, ─ aconselha Carina.

─ Estou acostumada a malhar duro todos os dias, na verdade. É a única


coisa que me faz sentir humana. ─ Pego um punhado da grama em que estou
deitada e a arranco pela raiz, espalhando as folhas soltas entre meus dedos,
deixando-as cair no chão.

─ Claramente não funcionou desta vez, ─ observa Carina. ─ Não há


necessidade de arrancar grama. E aí?

─ Não, não, não, estou totalmente bem! ─ Eu digo isso muito


rapidamente com muito entusiasmo. Carina olha para mim como se eu tivesse
um parafuso solto.

─ OK. Bem, eu vou fingir que você não está agindo super esquisito e vou
esperar você me perguntar como foi a noite passada.

─ Noite passada?

─ Com André! Droga, Elle, eu te disse que não poderia voltar para casa
ontem à noite e agora aqui estou eu às oito da manhã, usando as mesmas roupas
da noite passada com rímel borrado em todo o meu rosto e você não pode
somar dois e dois? Cuspa isso agora mesmo. Diga-me o que há com você. Você
teve outro encontro com Wren?

Minhas bochechas explodiram em chamas. Sento-me ereta, balançando a


cabeça com tanta veemência que posso sentir meu cérebro chacoalhando
dentro do meu crânio. ─ Não! Quem disse alguma coisa sobre Wren? Por que
você pensaria isso? Eu não o vejo desde que ele saiu da aula de Fitz
ontem. Duas e quinze? Acho que era por volta das duas e quinze da tarde.

Carina franze a testa profundamente. ─ Okaaay. Isso foi estranhamente


específico.

─ Como foi tudo com André? ─ Eu pergunto, desviando a conversa para


águas mais seguras. ─ Gostou do filme?

─ Foda-se o filme. Eu vi os créditos de abertura e foi isso. Pergunte-me o


que aconteceu. Eu não tenho ideia. Assim que as luzes se apagaram e as pessoas
começaram a agir, nós estávamos um sobre o outro. Foi tão intenso. Tipo
tão intenso. Você já beijou alguém, e tudo simplesmente desapareceu? A
realidade simplesmente escapou? Você já sentiu como se estivesse derretendo
em alguém tão visceralmente, tanto fisicamente quanto mentalmente, que você
nem sabe mais quem você é ou em que planeta você está?

As mãos de Wren segurando meu rosto.

A boca de Wren, feroz e exigente na minha.

O hálito quente de Wren, patinando no meu pescoço.

Seus dentes beliscando minha pele.

Seus braços, prendendo-me em seu peito.

O sótão, arremessando e nadando, quebrando-se em um milhão de pedaços


desconexos…

Eu balanço minha cabeça, piscando em um torpor. ─ Não. Não


nunca. Não posso dizer que saiba.

─ Parece idiota, mas foi mágico. Tipo, magia de verdade. Uma vez que o
filme acabou, eu andei com ele de volta para sua casa, e, bem... vamos apenas
dizer que eu não consegui dormir. Estou exausta, e meu corpo parece que foi
esticado em todas as direções. Eu não posso colocar minhas pernas no chão
sem meus quadris rangendo como uma porta velha. Estou te dizendo. Aquele
homem sabe exatamente onde está o ponto G de uma mulher. Não precisei
fornecer um roteiro detalhado nem nada.

─ Estou assumindo que Dash precisava de alguma direção? ─ Eu digo,


fechando os olhos. O sol está longe, mas o céu está realmente brilhante. Eu não
ficaria tão cega por isso se me sentasse, mas ainda estou afundando em muita
autopiedade para reunir o tipo de motivação que precisarei para arrastar minha
carcaça para uma posição vertical.

─ Não, ─ diz Carina amargamente. ─ Ele sabia perfeitamente bem,


também. Mas não estamos falando dele. Nunca mais vamos falar dele. No que
nos diz respeito, aquele menino está morto e ninguém foi ao seu funeral.

Eu tento não sorrir. ─ Seu desejo é uma ordem.

Carina mergulha em uma explicação completa do que aconteceu com


André. Ela pinta uma imagem vívida de sua casa, que ele compartilha com três
outros caras da faculdade, e como seu quarto era limpo e arrumado. Ela me
contou sobre as prateleiras dele, cheias de troféus de futebol e prêmios
acadêmicos ─ Veja! Nem todos os atletas são burros! — e então ela me conta em
detalhes íntimos como André a fez gozar três vezes antes de ele mesmo gozar,
o que aparentemente faz dele um cavalheiro da mais alta ordem.

E o tempo todo, eu fico deitada na grama, meu suor ficou seco e coçando
na minha pele, e tento não pensar no meu encontro ilícito no
sótão. Pensamentos de Wren me atormentam. Ele é uma aflição da qual não
posso escapar, não importa o quanto eu tente. O olhar em seus olhos verdes
ardentes, quando ele se afastou e terminou nosso beijo, foi...
porra, parecia honesto. Ele não parecia estar dando um show. Ele parecia tão
confuso e atordoado quanto eu, o que simplesmente não parece possível. Meu
instinto me diz o contrário, no entanto.

─ Elodie? Você está ouvindo? E por que você está segurando seus dedos
na boca assim?

Merda. Meus dedos de repente parecem chamuscados. Eu abaixo minha


mão, culpa cravando garras afiadas como adagas em mim. Eu não estava
ouvindo. Eu estava repetindo o beijo, lembrando da boca de Wren esmagando
a minha, e a forma como tudo o que era importante para mim antes daquele
momento se tornou tão irrelevante e pequeno.

─ Você precisa sair deste maldito lugar, ─ Carina me informa. ─


Devíamos ir ao fliperama hoje à noite.

─ Eu não posso. ─ As palavras saem da minha boca antes que eu possa


prendê-las atrás dos meus dentes. ─ Eu tenho algo... uh, algo que eu preciso
fazer. ─ Eu me amaldiçoei por minha própria estupidez por pelo menos uma
hora antes de cair em um sono agitado e inquieto na noite passada. Prometi a
mim mesma que não voltaria para o sótão esta noite, mas temo que possa estar
mentindo para mim mesma de novo; está se tornando um hábito
preocupante. Eu quero voltar. Contra todos os instintos que possuo, quero
voltar e cumprir minha parte do acordo que fiz com Wren. Eu sei que, se eu
não fizer isso, ele nunca vai me deixar viver assim. O calor se acumula como
um poço de lava fervente no meu estômago. A perspectiva de outro beijo...
Maldito seja, o que diabos há de errado comigo?

Carina diz: ─ Isso é muito enigmático. E aqui estava eu, pensando que era
sua melhor amiga de Wolf Hall. Você tem feito amigos pelas minhas costas,
Stillwater?

─ Haha! Não, claro que não.


─ Tudo bem. ─ Ela não parece nem feliz nem convencida. Eu sei que ela
está apenas brincando. ─ Contanto que você não esteja planejando me
substituir por Damiana, então eu acho que vou ficar bem com você mantendo
seus segredos misteriosos.

─ Não. Nada misterioso. Nada secreto. Apenas tenho um bate-papo por


vídeo em grupo com alguns amigos em Tel Aviv, só isso. ─ Mentira, mentira,
mentira. É tudo o que eu sou boa. Eu sou a pior e mais enganadora cretina que
já existiu. ─ Eu também tenho que fazer algum trabalho ou vou ter que
amontoar todas as minhas tarefas para amanhã, e não sinto vontade de
desperdiçar meu domingo assim.

─ A carga de trabalho deste fim de semana é extraordinariamente punitiva,


─ concorda Carina. ─ Você está com vontade de ir à biblioteca por algumas
horas esta tarde, então? Podemos combinar notas de pesquisa para inglês.

Aliviada que ela não vai pressionar uma saída para mais tarde esta noite,
eu relaxo em minha vergonha, tentando ignorá-la. ─ Certo. Ok, isso soa ótimo.

***

Dada a minha obsessão por livros, é surpreendente o pouco tempo que


passei na biblioteca da academia. Inspecionei o lugar brevemente quando
Carina me deu o tour pela escola quando cheguei, mas só voltei uma vez para
pegar meu cartão da biblioteca desde então. A luz fria da tarde inunda os vastos
bancos de janelas que formam um lado do enorme espaço. Carina lidera o
caminho através das pilhas de livros, seus quadris balançando enquanto ela tece
uma rota através de fileiras e mais fileiras de mesas de leitura, completas com
luminárias e pilhas de papel de rascunho, em direção às mesas que foram
dispostas ao lado do vidro, dando uma vista sobre uma colina íngreme que leva
a um grande campo de jogo imaculadamente preparado com postes de gol em
cada extremidade.
─ Não teria atrelado Wolf Hall como um tipo de escola de futebol, ─
murmuro, despejando minha bolsa sobre a mesa e abrindo-a, vasculhando
dentro pelo meu caderno.

─ Não é. ─ Carina encolhe os ombros. ─ O campo de futebol, as quadras


de basquete e as quadras de tênis são todos para mostrar. Eles devem encorajar
os pais que se preocupam com esportes a matricularem seus filhos aqui. Wolf
Hall só se preocupa com acadêmicos, no entanto.

É verdade, eu não participei de nenhuma aula de educação física desde que


cheguei aqui. Agora que percebi isso, parece estranho. ─ Certamente eles têm
que fazer algum tipo de exercício físico aqui?

Carina faz uma careta. ─ Sim. Nós fazemos. Apenas espere até que a
primavera chegue. Somos corredores de cross country aqui na academia. A Sra.
Braithwaite diz que desenvolve resistência, coragem e disciplina mental.

Corrida cross country. Hum. ─ Parece um tumulto, ─ eu resmungo.

─ Do que diabos você está falando, masoquista? Você voluntariamente fez


uma corrida de seis milhas esta manhã. Você vai ficar bem.

Eu irei. Eu sei que vou. O coronel Stillwater me atropelou, gritando no


meu ouvido como se eu fosse um de seus grunhidos chutando a merda, até que
eu pudesse facilmente percorrer quinze milhas. Mas ainda. Há uma diferença
entre correr porque você quer, para limpar a cabeça e escapar de seus demônios,
e correr porque você não tem outra opção. E correr como parte de um bando
de pessoas, todas se acotovelando e disputando o melhor tempo possível? Soa
como besteira para mim.

─ Isso é pelo menos um mês de distância, de qualquer maneira. Temos


muito tempo para treinar para isso, se você estiver interessada. Enquanto isso,
vamos tirar essa tarefa do caminho e arrasar com esse filho da puta. Minha mãe
prometeu que eu poderia ir para a Espanha nas férias de primavera este ano se
mantivesse minhas notas, e há um festival de tango incrível em Granada que eu
não me importaria de conferir. Ei! Você deveria vir! Oh meu Deus, viajar pela
Europa juntas por algumas semanas seria muito divertido! ─ O entusiasmo de
Carina é contagiante. Eu me pego balançando a cabeça junto com ela, sendo
arrebatada pela excitação, mas não há nenhuma maneira que eu possa realmente
ir com ela. Meu pai nunca permitiria. Ele espera que eu fique na academia ou
volte para Tel Aviv, e estou tão dividida entre as duas opções. Sinto falta dos
meus amigos e quero desesperadamente vê-los, mas ficar com ele naquela
casa? Por duas semanas inteiras? Sinceramente, não sei se conseguiria chegar ao
outro lado.

Nós estudamos, folheando páginas de livros e documentos de referência,


sentadas em silêncio enquanto trabalhamos, e a calma da biblioteca afunda em
meus ossos. O lugar é sereno e cheio de luz. Adoro poder olhar pela janela e
ver as árvores se estendendo para sempre na distância.

Por volta do meio-dia, meu telefone vibra no meu bolso. Está no


silencioso, mas a vibração ainda é barulhenta o suficiente para chamar a atenção
de Carina. Seus olhos escuros se movem para encontrar os meus, sua
sobrancelha arqueada em um ponto de interrogação. ─ Você vai verificar isso?
─ ela sussurra.

Pego o telefone, de boca fechada, temendo o que vou encontrar. E com


certeza, há o nome de Wren brilhando na tela, enviando meu pulso para o
céu. ─ Vou ler mais tarde, ─ eu digo, virando o telefone na minha mão.

─ Não seja estúpida. Estamos a quilômetros de distância da recepção. Eles


não podem ver você aqui. Leia sua mensagem. Não somos presidiários em
confinamento.
Seria estranho se eu recusasse. Acho que seria, de qualquer maneira. Não
consigo me lembrar de como não agir de forma suspeita agora, e estou
questionando cada coisinha que quero dizer ou fazer. Viro o dispositivo na
minha mão, abrindo a tela com minha senha e as mensagens de texto abrem
automaticamente. A mensagem de Wren está lá no topo em negrito, pronta e
esperando que eu a leia. Minha mão treme quando toco seu nome, meus olhos
rapidamente pulando a breve mensagem que se abre para mim.

WREN: Onde você está?

Três palavras. Nossa. Quer dizer, eu não sei o que eu estava esperando,
mas três palavras curtas e cortadas que de alguma forma conseguem transmitir
a extrema arrogância do bastardo – bem, isso é no mínimo
decepcionante. Onde estou? Como se ele tivesse o direito de saber minha
localização o tempo todo? Ah, acho que não, amigo.

EU: Não é da sua conta.

─ Você está bem, garota? ─ Carina pergunta, perto da ponta do lápis que
está mastigando. ─ Parece que você está prestes a arremessar uma cadeira por
uma dessas janelas.

Ela é muito perceptiva para seu próprio bem. Ou eu sou realmente terrível
em esconder minhas emoções. Eu provavelmente deveria trabalhar nisso. Eu
cortei-lhe um sorriso triste, suspirando pesadamente. ─ Sim. Apenas meu
pai. Ele é... difícil de agradar. Nós realmente não temos muito olho no olho. ─
As coisas que acabei de dizer a ela são cem por cento verdadeiras. Descrever o
Coronel Stillwater como 'difícil de agradar' deve ser o eufemismo do século. E
nós não concordamos em nada. Eu ainda menti para Carina fingindo que foi
meu pai quem acabou de me mandar uma mensagem. Wren Jacobi está me
transformando em uma mentirosa, e eu não gosto disso.

WREN: Você está na academia ou fora do campus?

EU: Repito: Não é da sua conta.

WREN: Você pode me dizer. Eu vou te encontrar de qualquer


maneira.

Eu mando para ele o emoji do polegar – o mais passivo-agressivo de todos


os emojis.

EU: Boa sorte com isso.

Coloco meu telefone de volta no bolso, resistindo à vontade de


rosnar. Batendo a ponta do lápis nas páginas do livro aberto à sua frente, Carina
me estuda com simpatia. ─ Tenho sorte de me dar bem com meus pais. Parece
que todos os outros alunos deste lugar têm uns malditos sociopatas como
pais. Qual é o dano do seu pai?
─ Como é?

─ Sim, você sabe. Por que ele é tão idiota para você? Por que ele te trata
como lixo o tempo todo?

Porque eu o lembro da minha mãe morta. Porque eu vi do que ele é capaz, e sei que
sua atitude hipócrita, mais santo que você, é tudo uma encenação. Porque eu poderia virar o
mundo dele de cabeça para baixo com um pequeno telefonema.

─ Porque ele é meu pai. Isso é apenas o que ele faz, ─ eu digo suavemente.

Ela parece se preocupar com isso por um tempo. Depois de um momento,


ela se afasta da mesa e fica de pé. ─ Você gosta de frango?

─ Todo mundo gosta de frango.

─ OK. Vou correr para o refeitório e pegar um pouco de comida. Vou


esgueirar-me de volta e podemos comer aqui. Eles nem vão notar.

Eu não tenho ideia de quão vigilantes os bibliotecários são aqui, Carina


sabe melhor do que eu, então eu confio na palavra dela. Ofereço-me para ir
com ela, mas ela me diz para ficar e guardar nosso lugar para nós. Volto ao
trabalho, procurando referências e informações que serão úteis em nossos
ensaios, mas à medida que os minutos passam, fico cada vez mais inquieta. Não
consigo me concentrar. Tentar focar em qualquer coisa é quase impo...

─ O assírio desceu como o lobo no aprisco,

E suas coortes estavam brilhando em púrpura e ouro…


Os pelos da minha nuca se arrepiam, a adrenalina cantando pelo meu
corpo, trazendo meu foco para um ponto muito repentino e afiado.

─ E o brilho das suas lanças era como as estrelas do mar,

Quando a onda azul rola todas as noites na profunda Galiléia.

Eu lentamente fecho meus olhos. ─ Você não tem nada melhor para fazer
com o seu tempo do que citar uma poesia sombria para mim, ─ eu pergunto,
valentemente mantendo minha calma, enquanto o dono fantasma dessa voz
vem para ficar atrás de mim. Eu posso senti-lo lá, sua presença como um inferno
furioso nas minhas costas.

─ Eu não chamaria isso de sombrio. ─ Eu quase pulo para fora da minha


pele quando algo me toca. Meu cabelo, especificamente. Eu vejo sua mão com
o canto do meu olho, enquanto ele enrola uma mecha do meu cabelo em torno
de seu dedo indicador, sua unha ainda marcada com o menor pedaço de esmalte
preto, esfregando a ponta de seu polegar levemente sobre os fios loiros.

Lutando por uma respiração uniforme, permaneço muito, muito


quieta. Eu lambo meus lábios, minha boca também, muito seca, e então eu falo.

─ Pois o Anjo da Morte abriu suas asas na rajada,

E soprou no rosto do inimigo enquanto ele passava;

E os olhos dos adormecidos tornaram-se mortais e frios,

E seus corações apenas uma vez se agitaram, e para sempre se aquietaram…


Wren deixa a mecha de cabelo que ele enrolou em seu dedo se soltar. Ele
se move silenciosamente, andando ao redor da mesa para que ele não esteja
mais pairando atrás de mim, mas de pé, insolente como só ele, como se ele não
se importasse com quem nos vê juntos, enlouquecendo ao meu lado. ─ Então,
você tem um favorito, afinal, ─ ele reflete, olhando para mim com curiosidade
acesa em seus olhos.

Eu tento não olhar para ele, mas não olhar para ele é como não cutucar
uma casca de ferida, ou não cutucar um dente vacilante com a
língua. Impossível. ─ Na verdade, não. Eu tive que memorizar aquele poema
para uma aula no semestre passado. Acho que ainda não apaguei da minha
memória. Os poemas de Byron eram floridos demais para mim. Eu não gosto
de como eles rimam tão obviamente na maioria das vezes.

Wren prende o lábio inferior entre os dentes, seus olhos brilhando de uma
forma divertida que eu nunca vi antes. Ele contorna a mesa e se senta à minha
frente, inclinando-se sobre a madeira polida. ─ Você gosta de poesia. ─ Isso é tudo
o que ele diz, mas parece que essa revelação é a coisa mais incrível que já
aconteceu com ele.

─ Esse lugar está ocupado, você sabe, ─ eu respondo friamente. ─ Carina


vai voltar a qualquer segundo. Se ela vir você sentado aqui, falando comigo...

─ O mundo inteiro implodirá e queimará em cinzas, e os mares secarão, e


meteoros atingirão a Terra, obliterando toda a vida como a conhecemos.

─ ...ela vai juntar as peças, seja lá o que for. E ...

Ele parece confuso. ─ O que quer que seja isso?


─ Oh. Eu esqueci. Manual do cretino, regra número três. Esta é a parte em que
você finge que nada aconteceu entre nós ontem à noite, certo?

Wren sufoca um sorriso sombrio, apoiando o queixo na mão, cobrindo a


boca. Seu cabelo parece mais selvagem e despenteado hoje, o que só me faz
querer correr meus dedos por ele ainda mais do que o normal. Ele está vestindo
um suéter preto fino com um pequeno buraco em uma das mangas. Eu não
consigo parar de olhar para aquele buraquinho, enquanto espero que ele
confirme minha suspeita: que ele realmente é um idiota filho da puta.

─ Esta é a parte em que você me julga novamente e faz suposições sobre


o que vou fazer? ─ ele atira de volta.

Deus, estou muito cansada para esses tipos de jogos. Eu mal dormi ontem
à noite, e depois de correr até agora esta manhã, me espremendo no chão antes
mesmo do amanhecer, estou ficando sem ânimo. Revirando meus olhos para o
céu, eu caio de volta em minha cadeira de espaldar duro. ─ Existe algo que eu
possa ajudá-lo, Wren?

Meu coração desleal e traidor bate sob minhas costelas quando ele para de
sorrir, me prendendo com aquele olhar verde rude. Pessoas normais não olham
para os outros do jeito que Wren olha para mim. É como se ele estivesse
procurando por algo na minha cara e não piscasse ou se virasse até encontrar. É
extremamente desconfortável ser estudada dessa maneira. ─ Você pode
começar me dizendo o que quis dizer com ' seja lá o que for.’

─ Porra. Eu não sei! Eu não quis dizer nada com isso. Foi um comentário
improvisado, ok? Não se preocupe, não estou esperando que você me declare
sua namorada agora.

Ele inclina a cabeça para trás e ri. Na biblioteca, onde o silêncio é de ouro,
ele joga sua linda cabeça para trás e ri. Um severo ‘sshhhhhh!’ ecoa pela sala, e
um calor horrível sobe pelo meu pescoço. Já era ruim o suficiente antes, quando
apenas alguns dos outros alunos que estudavam nas carteiras próximas notaram
a chegada de Wren. Agora todos no lugar sabem que ele está aqui, e que acabei
de dizer algo que ele achou obviamente ridículo.

─ Você pode não ter percebido, mas eu sei exatamente o que é isso,
Elodie, ─ Wren diz, sua risada morrendo em seus lábios. ─ Se você tiver
coragem e quiser descobrir, tudo que você precisa fazer é perguntar. Você sabe
que serei inabalavelmente honesto.

─ Oh sim. Eu sempre posso contar com sua honestidade inabalável. ─ Eu


me pergunto qual seria a punição por dar um tapa em outro aluno. Se
estivéssemos nas salas de arte, ou na cova de Fitz, ou no refeitório, eu poderia
fazer isso e descobrir, mas não aqui. Eu não ousaria arriscar meu cartão da
biblioteca.

Um sorriso ruinoso puxa a boca de Wren. Essa curva perversa em seus


lábios é absolutamente torturante. Quando eu vejo, tudo o que consigo pensar
é no calor de sua boca enquanto ele me beijava naquele cobertor. O cheiro de
pinho fresco e ar salgado e praias meio esquecidas em seu cabelo quando ele
mergulhou para pressionar aquela boca cruel no meu pescoço...

─ Esta é a parte em que você me diz o quanto está animada para se


encontrar hoje à noite? ─ ele pergunta.

Ignoro a pergunta. ─ Você vai arriscar seriamente Carina voltando aqui e


nos vendo juntos?

Ele olha para mim como se eu estivesse falando em línguas e nada do que
estou tagarelando faz sentido. ─ Desculpe, Pequena E. Não sei o que fiz para
encorajar essa crença de que dou a mínima para o que Carina Mendoza pensa
sobre qualquer coisa, mas deixe-me esclarecer isso. Eu não me importo se
Carina voltar e me encontrar sentado nesta cadeira. Eu não me importo se ela
sabe que eu quero você. Eu não me importo se ela sabe que eu enfiei minha
língua na sua garganta ontem à noite e você deixou meu pau mais duro do que
esteve em dois anos de merda.

Uau.

Eu olho para minhas mãos, minhas bochechas queimando como loucas.

─ Oh, Elodie, ─ Wren sussurra sem fôlego. ─ Você não gosta de ouvir
isso? Que você deixou meu pau duro? Ou... você gosta muito de ouvir isso?

─ Pelo amor de Deus, você não pode dizer coisas assim em público, por
favor? ─ Eu me desprezo por corar. Do jeito que ele está olhando para mim,
seus lábios entreabertos, olhos arregalados, ele está fascinado pela minha reação
à sua declaração ultrajante. Teria sido muito melhor para mim se eu mantivesse
a calma e não reagisse. Por alguma razão, importa para mim que ele não pense
que eu sou uma colegial gaga, estúpida e inexperiente. Não deveria, mas foda-
se, realmente importa.

Wren desliza a mão sobre a mesa, a palma voltada para cima, os dedos
curvados em direção ao teto, os olhos ferozes e intensos. ─ Você sabe o quão
louco você me deixa, não é, Pequena E? Você sabe que meu corpo não é mais
meu. Eu te desejo porra. E eu realmente não dou a mínima para quem sabe disso.

Ele olha para sua mão, descansando entre nós em cima da superfície da
mesa laqueada. Claramente, isso é algum tipo de teste. Ele está esperando que
eu estenda a mão e pegue sua mão. Eu não tenho ideia de qual é o objetivo final
dele aqui, mas parece uma armadilha e se eu colocar minha mão na dele estarei
me colocando em perigo. Sigo seu olhar, olhando para as linhas de sua palma,
traçando-as com meus olhos, desejando muito poder alcançá-las e traçá-las com
as pontas dos meus dedos, sentir o calor e a aspereza de sua pele...
─ Eu sei o que você está pensando, ─ ele sussurra.

Entorpecida. Estou tão fodidamente entorpecida. Não consigo sentir


nada além do meu próprio medo agitado. É impossível não sentir isso. ─ Você
sabe?

A voz de Wren é tão suave quanto a seda, tão silenciosa quanto a neve
caindo no inverno. ─ Sim. E eu juro que você está errada. Isso não é uma
aposta entre mim e os outros caras. Não fiz nenhuma aposta se você se importa
se eu vivo ou morro. Eu não estou tentando fazer você sentir algo por mim que
você não deveria, puramente para meu próprio entretenimento…

─ Mas era isso que você queria, certo? Quando cheguei aqui, você decidiu
que iria me escolher como seu próximo brinquedo. Você queria me machucar,
e você ia sorrir enquanto fazia isso. Eu vi em seus olhos.

─ E o que você vê agora? ─ Eu mal ouço as palavras, elas são tão


silenciosas.

Porra. Por favor, não olhe para ele, Elodie. Não faça isso porra.

Minha respiração para na minha garganta; deve ter ficado presa lá por um
tempo, porque meus pulmões estão começando a queimar. Eu não posso me
ajudar. Eu faço. Eu olho para ele, morte em seus olhos, e é como se eu tivesse
levado um tiro no peito, uma sensação fria e arrepiante se espalhando para fora
do meu plexo solar. Seus olhos estão claros. Não vejo engano neles. Eu vejo
muito orgulho e um monte de ego, mas também vejo o mais fraco vislumbre
de esperança.

Eu não posso suportar a pressão crescendo entre nós por mais um


segundo; Eu olho para longe, para fora da janela. Wren fecha a mão em punho,
retirando-a de volta sobre a mesa.
─ Esta é a parte em que você sai agora? ─ Eu pergunto mal-humorada.

─ Sim. Esta é a parte em que eu saio. ─ Ele se levanta, passando as duas


mãos pelo cabelo — um gesto de pura frustração. ─ Vim dizer que deixei algo
na sua porta para você, Pequena E. Pensei em entrar e colocá-lo ao lado da sua
cama, mas nós dois sabemos como você se sente sobre pessoas invadindo seu
quarto, certo?

Ele vai antes que eu possa dizer outra palavra.

Caramba.

Uma mão invisível se fecha em volta da minha garganta, me sufocando


enquanto estou sentada lá, esperando Carina voltar com nosso almoço. Depois
de um tempo, ela aparece com dois sanduíches, duas maçãs e um saco gigante
de Doritos equilibrado em seus braços. Eu a deixo tagarelar, mastigo e engulo
a comida que ela tão gentilmente trouxe para mim, mas eu não estou realmente
aqui. Estou apenas esperando uma oportunidade para fugir. Essa oportunidade
chega quando o telefone de Carina começa a tocar e ela levanta o celular,
sorrindo como uma idiota, e me diz que André está ligando.

Eu dou minhas desculpas e a deixo ir falar com o namorado.

No quarto andar, do lado de fora do quarto quatrocentos e dezesseis,


encontro uma pequena caixa turquesa com uma fita verde-clara amarrada em
volta, sentada ali, esperando por mim. Com as mãos trêmulas, eu a pego do
chão e corro para dentro, minhas entranhas se contorcendo em nós.

Ele me deixou um presente?

Coloco a caixa na cama, olhando para ela com as mãos nos quadris.

Ele não deveria ter me trazido um presente.


É preciso toda a minha coragem para desatar cuidadosamente a fita e
levantar a tampa.

─ Meu Deus! ─ Eu cubro minha boca com as mãos, tentando não


gritar. Meus olhos ardem quando dou um passo à frente, me inclinando para
olhar mais de perto o pequeno objeto aninhado entre uma cama de papel de
seda lilás dentro: o branco de seu peito, que se desvanece para o azul de suas
costas, que se aprofunda para o escuro, azul meia-noite nas pontas de suas asas...

É o pássaro, o pássaro da minha mãe, aquele que foi quebrado em um


milhão de pedaços... e ele de alguma forma foi reconstruído.
20

Wren
UMA MUDANÇA DE PARADIGMA.

Isso é o que os filósofos chamariam de uma mudança como essa.

Porque eu simplesmente não mudei de ideia sobre algo. Eu tive uma


mudança de coração. Pondere isso por um segundo. O coração de um homem
é seu baú, onde ele guarda as peças-chave de sua identidade. Onde reside seu
próprio propósito e os traços que compõem seu caráter. Suas esperanças, seus
sonhos e seus pesadelos. E Elodie Stillwater veio junto, enfiou uma faca no meu
peito e tirou meu coração. Ela o trocou por outro completamente, e agora eu
não sei onde diabos minhas merdas estão. Eu não sei quem eu sou, ou o que eu
deveria estar fazendo, e honestamente a coisa toda é uma bagunça do caralho.

Mais do que tudo, quero que acabe.

Tenho a sensação de que isso não vai acabar por muito tempo, se é que
vai acabar, e agora me vejo em uma posição em que me sinto obrigado a fazer
algo muito precipitado.

Aquele maldito envelope pardo. Tentei esquecer o que li, mas as palavras
ainda estão lá, brilhando mais que o sol, sempre que fecho os olhos. Isso me
colocou no pior humor do caralho.

Abro o jardim de rosas, rangendo os dentes com tanta força que


provavelmente serão pouco mais que poeira quando chegar ao gazebo. O
labirinto é tanto uma prisão quanto um santuário enquanto eu percorro meu
caminho pelo caminho memorizado até o centro, mordendo palavrões
coloridos o suficiente para fazer o vapor sair dos ouvidos do meu pai. Pax e
Dash já estão esperando por mim quando chego ao pequeno prédio escondido
sob os carvalhos. Esparramado nos degraus que levam até a porta da frente,
Pax dá uma olhada em mim e começa a uivar como um lobo. ─ Querido Deus,
Jacobi, você parece ainda mais salgado do que o normal. Presumo que seu
pequeno encontro com a prostituta francesa não saiu conforme o planejado.

Com o assassinato em meus olhos, eu me viro e encaro Dash, que está


encostado sem esforço na parede, arrancando as pétalas de um botão de rosa
fechado. ─ O que? ─ ele pergunta, fingindo inocência. ─ Eu tinha que dizer
algo a ele. Ele queria saber por que você desistiu dos nossos planos do Albany
College ontem à noite. Ele estava ansioso por aquela festa da irmandade durante
todo o mês.

─ Você poderia ter ido sem mim, ─ eu rosno. ─ Eu não estava parando
você.

Dash faz beicinho. ─ Eu sei, cara, mas, por alguma razão ímpia, nós dois
gostamos de ter você por perto e realmente não seria a mesma coisa se você
não estivesse lá para estragar a diversão de todo mundo. Enquanto isso, você
está nos abandonando pela segunda vez em vinte e quatro horas para ir ver a
mesma garota. Estamos começando a sentir que você pode estar lutando um
pouco com suas prioridades. Preciso lembrá-lo de que nos apoiamos nos
últimos quatro anos. Nós vivemos juntos e entramos em um monte de merda
juntos. ─ Ele levanta as mãos. ─ Já consumimos tantas drogas em tantos países
que tenho carimbos no passaporte que nem reconheço. Podia jurar que nunca
tinha ido ao Brasil. De qualquer forma, o ponto é, vamos precisar de você para
controlar isso um pouco. Só por um tempo, sim?

─ Sim. Precisamos de Wren regular, normal e perverso de volta neste fim


de semana.
Estreito meus olhos, já sentindo que algo ruim está no horizonte. ─ Por
quê? O que está acontecendo neste fim de semana?

Pax se levanta, tirando a poeira do jeans. Ele pula os degraus, botas


batendo quando atingem a terra, e ele joga o braço em volta do meu ombro. ─
É… ─ Ele faz uma pausa para um efeito dramático, ─ é seu aniversário, seu
fodido sorrateiro! Acha mesmo que esqueceríamos? Estamos fazendo uma
festa de última hora Jacobi completa dezoito anos! e não há nada que você possa
dizer ou fazer para impedi-la.

Cristo. Eu realmente esperava que eles tivessem esquecido disso. As


chances são de que eles teriam – eles não são muito bons em lembrar datas
importantes na melhor das hipóteses – mas então Mercy apareceu. E minha
irmã não deixa ninguém esquecer seu aniversário. Infelizmente para mim, nós
compartilhamos o mesmo. ─ Nós não estamos tendo uma festa.

─ Sim, nós estamos, porra. ─ Pax acena com a cabeça como se tivesse
acabado de saltar de paraquedas com muita velocidade.

─ Nós não estamos dando uma festa, ─ repito.

Dash cruza os braços na frente do peito. ─ Sim, companheiro. Nós


vamos.

─ Não vamos. Preciso de sua ajuda com algo neste fim de semana e não
pode esperar. Já comprei as passagens.

Os meninos parecem intrigados. ─ Que passagens? ─ Pax pergunta


desconfiado.

─ Passagens de avião. Precisamos sair do país por alguns dias. E você não
pode contar a ninguém para onde está indo, ou estaremos todos fodidos.
Agora eu tenho a atenção deles. Realmente entendi. Eles amam uma
viagem secreta mais do que qualquer outra coisa no mundo. Incluindo festas na
Riot House. ─ Por quanto tempo vamos ficar fora? ─ Dashiell pergunta,
fingindo examinar um fio solto pendurado no punho de sua camisa.

─ Três dias. Partimos esta noite.

─ Uau. Bem, alguém está se sentindo presunçoso, não está? E se não


quisermos ir nessa sua pequena alegria? E se não quisermos perder dois dias de
aula?

─ Então eu teria desperdiçado trinta mil dólares. E você seria a pessoa


mais confusa do mundo, porque quem não quer perder dois dias de aula?

─ Nós não preenchemos a papelada com Harcourt, ─ Pax aponta, tirando


um cigarro de um maço com orelhas e acendendo-o.

─ Tomei a liberdade de preenchê-lo em seu nome esta manhã.

─ Idiota, ─ Dash geme. — Você pensou em tudo, não é?

─ Vamos, Lovett. Não gostaria de arruinar meu aniversário agora, não é?

─ Isso é um golpe baixo, porra.

─ Pelo menos parece que estamos voando na primeira classe, ─ murmura


Pax.

Eu sorrio. ─ Nada além do melhor para os meus meninos.

─ Deus, você não odeia quando ele faz isso? É assustador pra caralho
quando você sorri. ─ Os ombros de Dash caem em resignação, no entanto. Ele
vem comigo na minha pequena estada. E se Dash está dentro, então Pax
também está. O cara em questão esfrega a mão na cabeça raspada. ─ Está
bem. Iremos onde você mandar, sem perguntas. Mas vamos dar uma festa
quando voltarmos, Wren. Tenho a sensação de que você vai ficar nos devendo
uma depois disto. E é melhor que haja strippers.

***

O Cosgrove's é um prédio baixo e feio nos arredores de Mountain Lakes


— um bar administrado por um cara baixinho e careca chamado Patterson, que
tem a infelicidade de se parecer com Danny De Vito. O cara está na casa dos
cinquenta, tem uma propensão a polir um copo pelo menos três vezes antes de
colocá-lo de volta na prateleira e não gosta nem um pouco de
mim. Principalmente porque sou menor de idade e não deveria estar bebendo
no bar dele. Mas também, porque eu sou o chefe dele.

Ele reclama em voz baixa quando me vê entrar pela porta do


estabelecimento vazio, seus olhos redondos e quase pretos perfurando a
bancada enquanto ele me ignora cuidadosamente. ─ Nós já falamos sobre isso,
─ eu digo, sentando-me em um banquinho na frente dele. ─ Fingir que não
existo não me fará ir embora. Vai me deixar louco. Mais louco, ─ eu digo, me
corrigindo. ─ E tenho certeza de que nenhum de nós quer lidar com isso hoje.

─ Você não deveria ir espreitar pelos fundos? ─ Patterson resmunga. ─


O xerife King gosta de vir aqui beber no sábado à tarde.

─ Não, ele não vem.

─ Ele pode. Você não gostaria de arriscar fechar este lugar agora, não é?

Eu rio, apontando teatralmente para o mar de assentos vazios que me


cercam. ─ Inferno, Pat. Não gostaria de colocar em risco o comércio
estrondoso que temos feito ultimamente? Não fará diferença para mim se este
lugar fechar as portas ao público. Não fez dinheiro antes de eu comprá-lo, e
não fez um centavo desde então. Você deveria estar agradecido por eu mantê-
lo em um emprego remunerado na chance de eu querer sair de casa.
A boca de Patterson torce para um lado. Ele abre a caixa registradora e
começa a contar o dinheiro dentro dela, folheando as notas amarrotadas e as
mesmas moedas que eu tenho certeza de que estão dentro dela desde a porra
do início dos tempos. ─ Preciso de mais dinheiro para o caixa, ─ diz ele.

Eu olho para ele, colocando minhas mãos espalmadas no bar; a madeira


está lascada, o verniz gasto anos atrás. Eu deveria fazer algo sobre o estado geral
de abandono aqui, mas o Cosgrove's é um bar de mergulho. As rachaduras nas
paredes e o fato de você correr o risco de conseguir uma farpa sempre que pedir
uma bebida, bem, isso é apenas parte do charme do lugar. ─ Você entende
como um caixa funciona, certo? Está lá para fazer troco para clientes pagantes,
não para você usar toda vez que quiser comprar um maço de cigarros.

Patterson apenas me encara. Mountain Lakes não é uma cidade


próspera. Costumava ser uma cidade madeireira antes que as florestas vizinhas
fossem designadas como terras do parque nacional. Agora, a única indústria real
aqui é a fábrica de celulose três milhas além dos limites da cidade. E Wolf Hall,
é claro. As pessoas que não trabalham na fábrica, ou cuidam dos jardins,
cozinham nas cozinhas, ou limpam os corredores da academia, trabalham em
empregos ruins ou nas lojas ao longo da rua principal para sobreviver. Seria
muito fácil substituir Patterson. Eu poderia ter outra pessoa aqui, grata pelo
trabalho, dentro de meia hora e o velho mal-humorado sabe disso. Como eu
disse, no entanto. A pátina desmoronada, quebrada e desgastada do lugar foi
um ponto de venda quando decidi comprar o bar, e o sarcasmo rabugento de
Patterson também fazia parte disso.

─ Quarenta dólares deve ser suficiente, ─ diz ele categoricamente.

Eu puxo uma nota de cem dólares da minha carteira e a jogo no bar para
ele. ─ Eu quero uma dose de uísque na minha frente nos próximos trinta
segundos, idiota. E eu juro por Deus, se você tentar derramar esse fluido de
isqueiro do trilho para mim novamente, eu vou acabar com sua triste existência.

Ele embolsa os cem em vez de colocá-los na caixa registradora, sobre o


que não digo nada porque, nesta fase do processo, acho sua beligerância aberta
mais divertida do que qualquer coisa. Ele sobe na caixa de madeira que guarda
atrás do balcão e pega a garrafa de Johnny Blue da prateleira mais alta que o
Cosgrove's tem. Em vez de me servir cinquenta ml em um copo, Patterson
coloca uma pedra de gelo no copo e derrama quatro dedos do líquido dourado
queimado nele, sorrindo sarcasticamente. E sim, o homem aperfeiçoou a arte
do sorriso sarcástico. Ele é uma das poucas pessoas que eu já vi realizar a tarefa.

Eu levanto o copo à minha boca, olhando para os cento e vinte dólares de


uísque que ele simplesmente despejou nele, e eu sorrio meu sorriso mais
selvagem. ─ Você realmente é um filho da puta, não é, Pat? ─ O uísque deixa
um rastro de fogo por todo o meu esôfago, mas é uma queimadura suave. Um
que brilha em vez de morder. Eu viro o resto do uísque, polindo tudo em dois
goles, e então bato o copo na madeira.

─ Está tendo dificuldades lá em cima na montanha? ─ o barman pergunta,


sem o menor indício de sinceridade em sua voz. ─ Eles ficaram sem fois
gras18? O champanhe parou de sair das torneiras?

─ Foda-se, cara.

─ Posso imaginar como deve ser difícil para vocês, pobres crianças, ter
que escovar os próprios dentes e limpar a própria bunda. Deve ser pura
tortura. Eles realmente deveriam contratar alguns servos extras para atender às
necessidades mais íntimas do nosso pequeno principezinho.

18
Figado de pato ou ganso servido com trufas, uma iguaria da culinária francesa.
─ Se você não parar com o vitríolo, eu vou trancá-lo na adega de cerveja
novamente.

Isso o cala. Porque ele sabe que eu vou fazer isso. Eu já fiz isso
antes. Acho que Patterson gosta de nossa briga verbal (e ocasionalmente física)
quase tanto quanto eu. Ele não gosta quando eu chuto sua bunda redonda pelas
escadas que levam ao porão e o prendo lá durante a tarde, no entanto. Ele
mostra os dentes. ─ Onde estão aqueles seus amigos? O idiota inglês e o
viciado.

─ Ah! O que faz você pensar que Pax é um viciado?

─ Ele parece aquele cara daquele filme com os viciados escoceses.

─ Eu não acho que você possa acusar alguém de ser um viciado em drogas
porque eles têm a cabeça raspada e têm uma semelhança passageira com um
jovem Ewan McGregor.

Ele resmunga, claramente de uma mente diferente. ─ Você quer mais?


─ Ele empurra o Johnny Walker para mim.

─ É meio da tarde, cara. Apesar do que você possa pensar de mim, não
sou um degenerado. ─ Risível. A mentira é tão risível que até eu sorrio como
um pedaço de merda quando Patterson segura sua barriga e ruge. As coisas que
ele me viu fazer. Os estados em que ele me viu. Jesus. ─ Eu tenho uma pergunta
para você, Pat, ─ eu digo, me inclinando para a frente para que a borda da barra
se enterre em minhas costelas. ─ Você é um homem casado, não é?

Se Pat tivesse sobrancelhas, elas estariam em torno de sua calvície agora. ─


Sim?

─ Aquela grande senhora de bigode? Aquela que limpa os banheiros? Ela


é sua esposa de verdade?
Seus olhos, já tão fixos em seu rosto, praticamente desaparecem enquanto
ele me encara com raiva. ─ Você está procurando por um soco garoto?

─ Não, não! Sem intenção de ofender.

─ Ah, bem, nesse caso, ok! ─ Lá vai ele com aquele sarcasmo
novamente. Ele é um fodido profissional.

─ Eu só quero dizer... há quanto tempo você está casado com a adorável


Sra. Patterson, ─ eu pergunto, mudando de assunto.

─ Setenta anos.

─ Merda. Como... como diabos você fez isso?

─ Fazer o que?

─ Como você a convenceu de que você não era um pedaço de merda


malvado e sem coração em primeiro lugar?

Patterson balança para frente e para trás nas pontas dos pés, rindo
alegremente para si mesmo. Desta vez, ele não parece estar zombando de mim
com sua risada; ele parece genuinamente divertido. ─ Oh, senhor, Wren. Deus,
você me faz rir às vezes.

─ Estou falando sério.

─ Eu também. Oh Deus. ─ Reunindo-se, ele planta suas mãos carnudas


do outro lado do bar, se preparando como se estivesse se preparando para
colocar alguma sabedoria séria em mim. ─ A chave para convencer uma mulher
de que você não é um pedaço de merda malvado e sem coração, Wren, é não ser
um pedaço de merda malvado e sem coração.

Bem, eu posso ver que eu fui direto para aquele. Mesmo assim, uma onda
de fúria sobe pelas minhas costas, formigando entre minhas omoplatas. É da
minha natureza querer punir o cara por tamanha insolência, mas agora há essa
voz irritante no fundo da minha cabeça, perguntando como eu estaria agindo
se Elodie estivesse aqui, e eu nem sei o que fazer comigo mesmo, não mais. ─
Devidamente anotado, ─ eu digo firmemente entre os dentes.

─ Nunca pensei que veria o dia! ─ Patterson cacareja. ─ Vocês pomposos


burros de Wolf Hall vêm aqui, cheirando a privilégio. Você brinca de participar
da sociedade como as pessoas normais, mas é tão parecido com aqueles carros
caros e extravagantes que todos dirigem — muito rente ao chão, sem espaço
para mais de uma pessoa dentro. No momento em que você encontra um
obstáculo na estrada, ou é solicitado a pensar em carregar o menor fardo, você
está chegando ao fundo do poço e lutando para carregar qualquer coisa.

─ Sua metáfora está caindo aos pedaços, Pat.

─ Não importa. Olha, que Deus ajude quem quer que seja essa garota
se você estiver interessado nela, mas essa merda é simples. Não seja egoísta. Não
seja um idiota. Coloque as necessidades dela antes das suas. Jesus, que porra
sou eu...─ Ele balança a cabeça. ─ Por que estou me incomodando?

Deixo o sentimento de Cosgrove ainda mais confuso do que quando


entrei. Tudo parece simples e sei que Patterson está falando a verdade. Para que
Elodie confie em mim, preciso fazer algumas mudanças. Mas pela minha vida,
não consigo descobrir como diabos vou alterar meu bacalhau genét...

Que poooooorraaaaaaaaaaaaa?

Paro na calçada, o vento me açoitando, puxando minhas roupas, mas mal


noto o frio. Eu não posso estar vendo claramente. Simplesmente não tem
jeito...

Do outro lado da rua, em um estacionamento deserto do outro lado de


uma cerca alta, duas pessoas estão à distância de um braço, conversando
animadamente. O cara alto à esquerda gesticula, usando as mãos para mostrar
seu ponto de vista. A garota – muito mais baixa, vestida como se estivesse
prestes a marcar seu turno em um bar de strip, uma mecha de cabelo preto
caindo pelas costas – ri, empurrando-o de brincadeira no peito.

Estou atravessando a rua antes mesmo de saber o que estou fazendo. Não
há entrada para o estacionamento deste lado da estrada, deve ser do outro lado
do estacionamento, mas isso não me impede. Em um salto, estou na metade da
cerca. Um segundo depois disso, estou saltando por cima dele, pulando, caindo
no chão com um chocalho de osso que faz isso através dos tornozelos, joelhos,
quadris, costas, e termina com meus dentes batendo tão forte que eu quase
morder a porra da minha língua.

Eles me veem.

Mas só quando já é tarde demais.

Meu punho se lança na mandíbula de Fitz, conectando-se com um estalo todo-


poderoso e satisfatório. Ele cai como um saco de merda.

─ Que porra! ─ O grito estridente da minha irmã é alto e agudo. Eu a agarro


pelo braço e a puxo para fora do caminho. ─ Saia de cima de mim,
Wren. Cristo, o que há de errado com você, seu maldito psicopata!

No chão, Fitz pressiona os dedos na boca, rindo como um maníaco


quando eles ficam vermelhos. Seu sangue cobre seus dentes e escorre pelo
queixo. ─ Prazer em ver você também, Jacobi.

─ Você é invencível, doutor? ─ Eu rosno, agarrando-o pela frente de sua


camiseta. ─ Você descobriu o segredo da vida eterna?

Ele arqueia uma sobrancelha sardônica. Nem um lampejo de medo em


seus olhos. Nem um pingo de preocupação sobre ele. Ele olha para minha boca,
seus olhos demorando em meus lábios, e eu só sei que ele está ficando duro pra
caralho agora. ─ Não, ─ diz ele.

─ Você é indestrutível? Seus ossos são inquebráveis? Suas feridas fecham


imediatamente e impedem que você sangre?

─ Não, Wren. Como você sabe, não sou. ─ Ele enuncia cada palavra,
ronronando como um gato.

Vivo de raiva, eu o empurro, forte o suficiente para que a parte de trás de


sua cabeça ricocheteie no concreto. ─ Então pare de fazer merda que vai acabar te
matando, filho da puta.

─ O que diabos você está pensando? ─ Mercy está na minha frente agora,
com as mãos no meu peito, me empurrando, empurrando, empurrando,
empurrando, me forçando a dar um pequeno passo para longe do professor de
inglês. ─ Nós estamos em público, Wren. Você está louco? Você não pode
bater em um membro do corpo docente na frente das pessoas.

Por mais ameaçador que possa ser, eu mergulho para que eu possa enfiar
meu rosto no dela. ─ Eu vou bater nele em qualquer lugar que eu quiser. Vá e entre
no carro, Mercy.

─ Eu não vou entrar em nenhum carro com v...

─ Entre na porra do carro! ─ Estou vibrando, transbordando raiva pura e


cegante. Tira pedaços do meu interior com cada respiração irregular que eu
sugo. A expressão de Mercy se esvazia, ficando em branco. Ela pisca, então se
vira e começa a atravessar o estacionamento, em direção ao Fusca vermelho
que nosso pai comprou para ela no ano passado.
─ Eu não vejo mal em falar com um aluno se eu os vir fora da escola, ─
diz Fitz alegremente, apoiando-se em uma mão. ─ O que eu deveria
fazer? Ignorar vocês?

Oh, oh, oh. Meu Deus, esse filho da puta aqui. Lentamente, eu me agacho
na frente dele, descansando meus antebraços em cima das minhas coxas,
observando-o com total desprezo. ─ Você não olha para nada que me
pertença. Você não toca em nada que me pertença. Fora do seu mandato como
professor, você não fala com ninguém que esteja ligado a mim. Você entendeu?

Com os olhos cheios de calor, Fitz chupa o lábio inferior, ambas as narinas
dilatadas. ─ Não tem que ser assim, sabe. As coisas poderiam ser como eram
antes.

Porra, ele simplesmente não ouve. Fecho os olhos, balançando a cabeça,


incapaz de acreditar na ousadia do bastardo. ─ Apenas mantenha sua palavra,
Wes. Ou a vida vai se tornar muito desagradável para você, sim?

Entro no estúpido Fusca vermelho feminino da Mercy, batendo meu


punho no painel com tanta força que o plástico racha. ─ Wren! Seu idiota! Que
porra você está fazendo? ─ Mercy me atinge, acertando um golpe no meu
braço. Ela sempre foi muito mais interessada em ser magra do que em forma,
então ela não tem muito poder. Não vai nem machucar. ─ Só porque você já
quebrou todas as suas coisas, não faz bem quebrar as minhas, ─ ela faz beicinho.

Parece que acabei de correr uma maratona. Não consigo recuperar o


fôlego. ─ Cresça, Mercy.

─ Você não acha que ele vai denunciá-lo a Harcourt agora? ─ ela sibila,
seus olhos brilhando como adagas para mim. ─ Você acha que ele vai ficar de
boca fechada se você bater na bunda dele no meio da cidade? Você o humilhou.
Sim. Eu o humilhei. Mas não haverá nenhuma atitude para minhas ações
neste estacionamento e Mercy sabe disso. Eu sei disso, e Wesley Fitzpatrick
sabe disso acima de tudo.

Ele não vai dizer merda nenhuma.

Seu problema sempre foi que ele quer que eu o machuque. Para humilhá-
lo.

Quase tanto quanto ele quer que eu o foda.

Quando voltamos para a escola, paro na beira da estrada perto da Riot


House e saio do carro. Mercy troca de lugar comigo.

─ Você é louco pra caralho! ─ Ela grita, enquanto ela queima a colina em
direção à academia. Se ela espera que isso seja algum tipo de revelação para
mim, então ela está sem sorte. O que estou prestes a fazer é prova suficiente de
que ela está certa. Pego meu telefone e digito uma mensagem rápida antes de
entrar para jogar algumas roupas em uma bolsa.

EU: Indo embora por três dias. Te pego quando eu voltar.


21

Elodie
HÁ RACHADURAS EM TODOS OS LUGARES, é claro. E alguns pontos onde a
cor de suas asas se foi, substituídas por cerâmica lisa e branca, onde se perdeu
uma lasca ou um caco de seu verniz original. Mas o pássaro que minha mãe me
deu está quase inteiro de novo, e de todas as pessoas no mundo, Wren Jacobi
o montou de volta para mim.

Para mim.

Eu tenho dúvidas. Ou seja: onde ele encontrou todas as peças? Como ele
os recuperou? Harcourt disse que eles foram aspirados e descartados. Ele
rasgou o aspirador de pó para tirá-los? E como diabos ele reconstruiu a
estatueta? Levaria horas. Dias. Não consigo nem compreender quanto tempo
deve ter levado. Quanta paciência tal empreendimento teria exigido. Muito mais
paciência do que eu acreditava que Wren possuía, com certeza.

Não demora muito para uma suspeita desconfortável se enraizar em minha


mente, como uma erva daninha abrindo caminho pelas rachaduras de uma
calçada. Wren não montou o pássaro de volta. Ele simplesmente não poderia
ter feito isso. Em nenhuma realidade ele teria tido tempo para fazer algo que
exigisse tanto esforço. O que significa que ele forçou, subornou ou ameaçou
outra pessoa e obrigou-a a fazê-lo. E então ele largou sua caixinha turquesa na
minha porta, presunçoso pra caralho, fingindo que ele é algum tipo de herói
por devolver algo tão precioso para mim. Eu vou de grata e surpresa a cansada
e desapontada em três segundos. É a única explicação que faz algum sentido.

Às seis da tarde, recebo uma mensagem de Wren, dizendo que ele vai viajar
por três dias. Seu curto, 'te pego quando eu voltar', me deixa tão irracionalmente
irritada que me tranco no meu quarto e não saio até domingo à tarde. O que
aconteceu com o sótão? Três dias conhecendo-o. Eu esperava esse tipo de
comportamento dele desde o início, então por que ainda dói?

Eu pulo o jantar, dizendo a Carina que não estou com fome quando ela
pergunta se eu quero me juntar a ela no refeitório, e fico pensando no meu
quarto, andando de um lado para o outro, usando uma trincheira nas tábuas do
piso enquanto me chacoalho para frente e para trás como um leão em uma
gaiola, o tempo todo olhando para o pássaro como se fosse uma granada de
mão, prestes a explodir no meu colchão.

Como ele pode fazer algo assim e, em seguida, apenas sumir? Isso não faz
sentido.

Segunda e terça passam, e cada coisinha me dá nos nervos: a fila no


refeitório; os comentários sarcásticos e implacáveis de Damiana em inglês; o
fato de não sobrar creme para o meu café; minhas tarefas, que se acumularam
a ponto de eu ter que ficar acordada a noite toda na terça-feira para completá-
las. Carina percebe meu humor de merda e comenta sobre isso, mas eu digo a
ela que estou com TPM, e ela parece levar tudo na esportiva. Por dentro, estou
fervendo como uma panela deixada no fogo. Não deveria me incomodar que
ele simplesmente saiu sem se explicar. Eu não deveria me importar em
descobrir que era o aniversário de Mercy no fim de semana, o que significa que
era o aniversário de Wren, e ele saiu com seus amigos para comemorar. Mas
isso me afeta. Tudo isso me afeta. Deus, que tipo de perdedora frágil e patética
eu me tornei?

Quando Wren não aparece para a aula na quarta-feira, fico tão irritada com
a coisa toda que decido que preciso fazer algo sobre a situação. Pelo bem da
minha própria sanidade, se não pela da pobre Carina.
Por baixo de toda a frustração e raiva está a preocupação doentia de que
eu machuquei Wren quando eu não peguei sua mão na biblioteca. Ele poderia
estar chateado que eu não caí de joelhos imediatamente em gratidão quando ele
me disse que se importava comigo. Tenho certeza de que era isso que ele
esperava que eu fizesse. Se ele é salgado por causa de alguma rejeição percebida
da minha parte, então talvez seja isso. Ele me deixará em paz e não terei mais
que lidar com suas atenções.

Este pensamento deve me fazer feliz. Estou frustrada com ele há semanas
e, com ele recuando, poderei me estabelecer corretamente na vida em Wolf Hall
agora, sem medo de mais complicações.

Mas.

Urgh, por que sempre há uma porra de mas? Por que não posso
simplesmente fazer uma dança comemorativa e seguir em frente como qualquer
pessoa sã faria?

Sento-me no escuro no meu quarto, cozinhando. Eu como meia barra de


chocolate, mas o açúcar tem um gosto azedo e o doce coagula no meu
estômago, me deixando enjoada. Faço o que posso para esquecer o fato de que
Wren ainda não me mandou mensagem, desperdiçando uma hora jogando
Animal Farm no meu Nintendo Switch e conversando com Levi no WhatsApp,
mas ainda não consigo me livrar do desagradável desagrado que me tem em
suas garras.

O relógio do meu celular finalmente marca dez da noite e digo a mim


mesma que devo ir para a cama, mas... porra, o que diabos há
de errado comigo? Por que não posso simplesmente esquecer essa coisa
toda? Isto é para o melhor!

Eu deveria mandar uma mensagem para ele.


Eu deveria perguntar a ele o que diabos ele está fazendo, me enviando as
mensagens mais confusas. Quero dizer, o que ele espera realizar aqui? Eu me
enrolei com tanta força que sinto que vou quebrar no momento em que pego
meus Doc Martens do fundo do mais próximo, enfiando-os com raiva em meus
pés.

Uma mensagem de texto não é boa o suficiente.

Eu preciso de uma explicação dele, cara a cara. Preciso saber se ele forçou
outra pessoa a consertar o pássaro para mim. E, por mais que eu deteste admitir,
quero saber se realmente o machuquei ao rejeitá-lo na biblioteca.

Você é tão tola, Elodie. Ele não vale a sua energia. Sério, tire os sapatos, vá para a
cama, perca-se em um bom livro e esqueça Wren Jacobi. Ele é um maníaco manipulador e
nada mais.

Em vez disso, pego o livro que ele me emprestou — de Sir Arthur Conan
Doyle, A Study In Scarlett — e o enfio na bolsa.

Você é melhor que isso. Melhor do que ele. Você não precisa muito dele.

***

A conversa estimulante é boa. Repito na minha cabeça enquanto tento


andar na ponta dos pés pelo corredor. Está em uma reprodução, pedalando
uma e outra vez enquanto desço as escadas. Ouço isso de novo e de novo
quando saio da academia e começo a correr pela longa entrada de carros,
descendo a montanha.

Eu não tinha carro em Tel Aviv. Eu não precisava de um. Um veículo seria
muito útil aqui em New Hampshire, no entanto, especialmente porque eu moro
no meio da porra de lugar nenhum. Carina se ofereceu para me emprestar o
Firebird e disse que eu poderia usá-lo quando quisesse, mas não poderia pedir
as chaves a ela esta noite. Ela gostaria de saber para onde eu estava indo, e de
jeito nenhum eu poderia dizer a verdade: ─ Ah, sabe, acabei de pensar em dar um
pulo na Riot House. Depois de horas. Sozinha. Para discutir meu relacionamento/rivalidade
bizarro e não inicial com o garoto que você me avisou, até ficar com o rosto azul para ficar
longe.

Sim, isso não ia acontecer.

Então aqui estou eu, correndo morro abaixo, pulando fora da minha pele
a cada som que ouço, apenas esperando que algo desagradável com dentes
afiados saia cambaleando da floresta. Eu não vi um único carro desde que saí
da academia, e sem nenhuma luz de rua em qualquer lugar na estrada ventosa e
apertada, eu só tenho a pequena lanterna no meu celular para afastar a
escuridão.

Eu sabia que essa era uma ideia horrível antes de deixar Wolf Hall, mas só
estou percebendo agora o quão horrível era a ideia. Se alguma coisa acontecer
comigo, é melhor eu morrer e acabar logo com isso. Se eu não fizer isso, Carina
vai me matar, e eu prefiro ser comida por um urso ou enterrada em uma cova
rasa pelos garotos da Riot House do que ter que ver o olhar de decepção em
seus olhos quando ela me coloca no chão.

Eventualmente, chego à estreita trilha de terra que se ramifica da estrada


principal, levando à casa de Wren, e o pânico se fecha em meu coração como
um punho. Não consigo ver nenhuma luz. Não há luzes vindo de dentro da
casa? Não há ninguém em casa. O que significa que eu vim até aqui no escuro
por nada, e Wren... Wren ainda não voltou de sua festa de fim de semana com
os meninos, e ele está lá fora em algum lugar, se divertindo muito, tendo
esquecido completamente minha existência.
Boooooom pra caralho.

Oh.

Uau.

A percepção me atinge como se um balde de água gelada acabasse de ser


jogado sobre minha cabeça: este não é o tipo de pessoa que eu quero ser – uma
garota estúpida vagando sozinha no escuro, toda deformada por causa de algum
garoto que parece não conseguir se decidir sobre ela. Eu tenho mais bom senso
do que isso. Mais auto-respeito. Apertando minhas mãos em punhos, eu olho
para a noite, minha decisão tomada. Vou voltar para a academia. Não estou
sendo vítima desse tipo de insanidade.

Antes que eu possa começar a longa caminhada de volta para Wolf Hall,
uma luz de repente se acende à frente, lançando um brilho amarelo na
escuridão. A Riot House surge da floresta negra como tinta, aparecendo do
nada, e meu ritmo cardíaco frenético diminui. Então, eles estão em casa,
afinal. Uma parte de mim está aliviada por esse conhecimento, mas o resto de
mim está frustrado por eu ter me permitido...

Uma barra de aço envolve meu pescoço, cortando meu suprimento de


ar. ─ Grite e você está fodidamente morta... ─ um rosnado vicioso avisa.

Que... que porra é essa?

Por um segundo, sou o medo personificado. Minha mente apenas... em


branco. Não consigo respirar, não consigo me mexer, não consigo pensar...
A faixa incrivelmente forte em volta da minha garganta aperta. ─ Pequena
bisbilhoteira, ─ a voz sibila. ─ Andar na ponta dos pés no escuro, espionando
as pessoas. Muito má, petite pute française19. Muito má, mesmo.

O bloqueio que bateu dentro de mim se quebra, desmoronando. Essa


frase: putinha francesa. Foi assim que Pax me chamou quando entrei na minha
primeira aula na academia. Não tenho dúvidas de que é ele atrás de mim, me
prendendo em um estrangulamento, e com esse conhecimento meu medo
evapora. Ele não é um monstro. Ele não é uma criatura sobrenatural, rondando
fora da floresta, procurando sua próxima refeição. Ele é apenas um cara com
um problema de atitude, e eu fui treinada para lidar com isso.

Eu bato meu cotovelo para trás e subo em suas costelas. Ele é tão mais
alto do que eu que teve que se curvar para me agarrar, o que significa que posso
ganhar muito impulso por trás do golpe. Pax solta um suspiro surpreso, sem
fôlego, e eu aproveito a oportunidade a meu favor. Torcendo, girando em seus
braços, eu enfio meus dedos em sua garganta, batendo-os em seu pomo de
Adão, e seu domínio sobre mim desaparece.

─ Porra... vadia! ─ ele ruge. ─ Venha aqui. Traga sua bunda aqui agora,
porra!

Ele pisca, chocado, quando eu o obedeço sem pensar duas vezes. Claro, eu
vou até você, filho da puta. Estarei bem aqui com você. Ele expõe seus dentes, raiva
queimando em seus olhos, e me agarra. Eu o tenho pelo pulso, no entanto. Eu
puxo seu braço ao redor, batendo minha palma contra seu cotovelo, forçando
a articulação a dobrar para o lado errado, e Pax reage da mesma forma que
todos os meninos grandes fazem quando estão prestes a quebrar o braço: ele
cai de joelhos, chorando de dor.

19
Pequena prostituta francesa.
A partir daí, é bastante fácil. Eu libero seu braço, mas ainda não terminei
com ele. A sola do meu Doc Martin aterrissa entre seus ombros quando eu
chuto, colocando toda a minha força no golpe. Ele tomba para a frente na
serrapilheira, xingando furiosamente, e então estou de costas, antecipando o
que ele fará a seguir, já esperando que ele tente se virar embaixo de mim. Meu
punho está levantado, enrolado o mais longe possível, pronto para quebrar a
porra do nariz dele e acabar com sua carreira de modelo de menino bonito para
sempre, quando...

─ Eu não acho que isso será necessário, ─ uma voz educada me


informa. Uma mão se fecha ao redor do meu pulso, apertada o suficiente para
que eu não possa soltá-la. Pax dá uma guinada, me tirando de suas costas, e eu
voo de lado para o chão. Dash está em cima de mim, seu rosto uma máscara
em branco, sua expressão totalmente ilegível. Com apenas a luz fraca da casa
derramando sobre suas feições, ele parece uma estátua de um homem. Uma
escultura inanimada deixada de lado para os elementos reivindicarem.

─ Pequena... louca... filha da puta... ─ Pax calça, girando para me


encarar. Ele está prestes a descer e me agarrar novamente, quando uma terceira
figura se materializa das sombras. Como um espectro pálido, Wren está em
cima de mim com as mãos escondidas nos bolsos, o cabelo escuro
obscurecendo metade do rosto. Seu sorriso torto parece mais do que um pouco
lupino.

─ Bem, rapazes. Melhor quebrar a porcelana boa, — ele resmunga. ─


Parece que temos um convidado inesperado na casa.
22

Elodie
O CAFÉ É amargo e quente e envia um arrepio de prazer correndo pela
minha espinha. Dash está sentado na beirada do sofá de couro, me observando
beber da xícara com um nível de fascínio que faz parecer que ele acabou de
acordar de um coma de três mil anos e não tem ideia do que é café. Ou
canecas. Ou sofás. Ou meninas que conhecem Krav Maga.

─ Isso realmente foi bastante impressionante, ─ diz ele, descansando o


queixo na mão.

─ Não, foi estúpido, ─ Pax estala, massageando sua garganta. ─ Ela sabia
que eu estava brincando. Ela aumentou essa merda para onze sem motivo. ─
Ele está sentado no chão, encostado na parede perto da lareira, me encarando
maliciosamente enquanto cuida de sua traqueia 'machucada'. Eu mal o toquei.

Wren não falou muito. Ele está parado na porta que dá para a cozinha,
com os ombros tensos, enquanto observa seus dois amigos. Seus olhos jade
passaram por mim uma ou duas vezes, mas seu foco principal estava em Dash
e Pax, como se estivesse esperando que algo acontecesse. Ele está vestindo um
moletom preto e uma calça de moletom larga, e cara, ele as faz parecer
pecaminosas. O filho da puta poderia fazer um saco de lixo parecer bom, no
entanto. Eu olho para longe dele, apenas para pegar Dash franzindo a testa
profundamente para mim.

─ O que te traz, amor? Adoramos receber as pessoas, mas o lugar é meio


que uma bomba. Já passa da meia-noite e acabamos de voltar de uma longa
viagem. Estávamos prestes a começar o planejamento da festa.
A casa está impecável. O tapete creme espesso em que o rabo irritante de
Pax está esparramado parece ter sido aspirado recentemente. A mesa de centro
de vidro não tem uma única impressão digital. O painel de latão batido acima
da lareira é tão polido que reflete como um espelho. As pinturas mal-humoradas
nas paredes – pretas, azuis, brancas, traços de emoção na tela – são muito mais
impressionantes agora que as vejo devidamente iluminadas e não têm um grão
de poeira acumulando em suas molduras. As revistas e livros em cima do
aparador estão tão perfeitamente alinhados que nem um canto desonesto ou
uma borda dobrada aparece de suas pilhas. O lugar parece a porra de um saguão
de hotel.

Wren tosse em seu punho fechado, aparentemente tentando abafar sua


risada. O canto de seus olhos está enrugado, traindo sua diversão, no
entanto. Eu nunca pensei que fosse possível para ele sorrir, mas na verdade isso
acontece com bastante frequência. Você só precisa estar prestando atenção para
pegá-lo...

Pego outra coisa, enquanto ele segura a mão na frente do rosto: os nós
dos dedos estão machucados. Um deles está aberto, vermelho e cru. Eles não
estavam assim na outra noite no sótão, nem na biblioteca. eu teria notado. Ele
bateu em alguma coisa desde que eu o vi no sábado, e pelo que parece, ele bateu
nessa coisa com força. Como se ele pudesse sentir meu olhar sobre ele, Wren
abre o punho, esticando os dedos, e preguiçosamente enfia a mão de volta no
bolso de sua calça de moletom, olhando para seus pés.

─ Desculpe por interromper o planejamento da sua festa, ─ eu digo em


um tom engraçado. ─ Eu só... vim devolver um livro que peguei emprestado
de Wren.
Eu puxo A Study in Scarlett da minha bolsa, segurando-o timidamente no
ar, como se mostrar a eles o livro inexplicavelmente tornaria minha desculpa
menos esfarrapada.

Wren olha para mim sob sobrancelhas escuras e arqueadas, dando-me toda
a sua atenção finalmente. Ele parece magoado, no entanto. Sua boca se contrai,
inclinando-se para o lado. ─ Ahh. Sherlock Holmes. Sim. Eu me perguntava
onde isso tinha ido parar.

─ Deus, você é patético, ─ Pax ri. Ele tira a meia do pé direito, faz uma
bola e arremessa no rosto de Wren. ─ Uma garota desceu a colina pulando no
escuro, sozinha, e você está parado ali, todo, 'Ohhh, Sherlock Holmes. Meu livro
favorito de todos os tempos? Credite-nos um pouco de bom senso. Ela veio aqui para
pegar um pau, Jacobi.

Dash ri pelo nariz, mas consegue cortá-lo rapidamente. Ele olha


atentamente para o teto, olhando para qualquer lugar e em todos os lugares,
menos para mim. A única pessoa que realmente olha para mim é Wren. Ele
deve ver as manchas vermelhas brilhantes em ambas as minhas bochechas. Meu
constrangimento provavelmente pode ser visto do espaço sideral. Abaixando
minha cabeça, estalo meu pescoço, deixando escapar uma respiração constante
e uniforme. O que importa se é isso que eles pensam? Quem porra importa de
qualquer maneira? São um par de chacais, estes dois. Igualmente detestável, por
várias razões. Não vou me intimidar com seus comentários estúpidos e fúteis
ou com suas risadinhas de adolescente.

Lentamente, fico de pé, ainda segurando a caneca de café e o livro em


minhas mãos. ─ Que seja. Vou subir ao seu quarto, Wren. Vou dar-lhe um
tempo para descobrir os deveres de planejamento da festa. Sem pressa.

Os três apenas olham para mim enquanto eu valso pela sala de estar aberta
e começo a subir as escadas. Meu coração bate como uma britadeira, meu pulso
rugindo, mas não vacilo. Eu seguro a caneca firme em minhas mãos. Eu
coloquei um pé na frente do outro, legal e uniforme, uma imagem de calma. Até
que eu alcanço o patamar do segundo andar e eles não possam mais me ver, e
pronto. Minha mão treme tão violentamente que o café na caneca espirra para
o lado, respingando nas tábuas polidas do piso. Felizmente, o líquido erra o
tapete cinza de pelúcia, mas eu ainda fiz uma bagunça infernal.

─ Porra, porra, porra! ─ Rapidamente tirando meu capuz com zíper, eu o


deixo cair no chão, pisando nele e usando meu pé para limpar o café, me
tremendo toda agora. O que diabos eu acabei de fazer? Na frente de Dashiell e
Pax. E Wren. Que porra? Eu vou subir para o seu quarto? Eu vou subir no seu
quarto??? Meu Deus. Eu mal conheço o cara. Doce bebê Jesus, por que eu não
poderia simplesmente ter enviado a ele uma mensagem de texto de merda por
me ignorar e ficar na porra do meu quarto?

Deus sabe como consigo subir o segundo lance de escadas ou o terceiro,


mas consigo. Minhas pernas estão instáveis, mal me segurando enquanto abro
a porta do quarto de Wren e entro, fechando-a apressadamente atrás de
mim. Bem, isso não poderia ter sido pior. Eu deveria ter feito um plano. Quero
dizer, mesmo que eles não tivessem me encontrado andando do lado de fora da
casa como uma maldita psicopata, o que eu faria? Basta caminhar até a porta da
frente e apenas bater, porra? Como se isso fosse uma coisa sensata de se fazer?

Jogo o livro na cama e descarto a caneca meio vazia de café em uma


prateleira perto da porta, não precisando mais do adereço para parecer normal,
definitivamente não preciso da cafeína - já estou nervosa o suficiente, muito
obrigada — e me viro, recostando-me na parede, fechando os olhos por um
segundo.

Respire, Elodie.

Só respire.
Inspira e expira, inspira e expira.

Está tudo bem. Esta é uma situação totalmente recuperável.

Não é, no entanto. E respirar piora as coisas. O quarto tem um cheiro tão


forte de Wren — todo ar salgado do mar, lascas de madeira frescas e um leve
toque de frutas cítricas — que meu batimento cardíaco lento volta a acelerar, as
batidas, as batidas, as batidas ameaçando estourar meus tímpanos.

Calma, Elodie.

Acalme-se.

Cite cinco coisas que você pode ver. Vamos. Cinco coisas que você pode
ver. Você consegue fazer isso. Apenas acalme-se.

Eu travo a primeira coisa que vejo: um caderno esfarrapado, em cima da


cama de Wren. Mesmo da porta, posso ver os rabiscos de tinta preta por todo
o papel pautado. Parece uma espécie de diário...

A segunda coisa que vejo: uma tela, montada em um cavalete no canto da


sala, bem perto das janelas do chão ao teto. Há um lençol no chão embaixo do
cavalete, salpicado de tinta. Um pote cheio de pincéis está na mesa de Wren não
muito longe, suas pontas eriçadas saindo do frasco de vidro, seus cabos de
madeira salpicados com ainda mais tinta. Na tela em si... eu ando até ela, meu
coração finalmente se acalmando um pouco enquanto eu absorvo o que estou
vendo.

Preto e temperamental, azul meia-noite e cinza e branco. Lembro-me de


pensar comigo mesma, quando invadi a Riot House com Carina, que as pinturas
no andar de baixo pareciam tempestades furiosas. Elas não tinham ponto de
foco ou assunto, mas eu podia sentir a inquietação irradiando delas mesmo no
escuro. Esta pintura está muito longe daquelas peças de arte penduradas nas
paredes do primeiro andar. Definitivamente, há um assunto para esta pintura...
e esse assunto sou eu.

Pinceladas largas, planas e arrebatadoras compõem as linhas do meu torso


e dos meus ombros, mas os detalhes do meu pescoço e do meu rosto são mais
finos e delicados. Metade da pintura parece ter sido feita rapidamente, com
raiva, com cortes ressentidos, enquanto a outra metade parece ter sido feita com
um grande cuidado e esforço para acariciar cuidadosamente cada detalhe
minucioso.

Não estou sorrindo na pintura. Estou sentada em um sofá, a estampa


floral do tecido manchada e desfocada atrás de mim. A confusão de formas e
padrões diretamente atrás da minha cabeça me diz onde estou – sentada sob a
gravura de ─ O Beijo─ , de Gustav Klimt, que está pendurada no escritório do
doutor Fitzpatrick. Estou olhando para um lado, a linha do meu maxilar dura
como se estivesse apertando, e há uma luz distante e agressiva em meus olhos
que me faz parecer dura também. Feroz.

─ Eu gostava mais de você quando estava com raiva. No começo, ─ diz


Wren. Ele está parado na porta com os braços frouxamente cruzados sobre o
peito, me observando com outra de suas expressões indecifráveis e insondáveis
no rosto. ─ Mas eu não sei mais. Agora, eu gosto de ver você sorrir, mas é difícil
pintar você assim.

─ Por quê? ─ A palavra sai como um sussurro. Uma única rajada de ar


passando pelos meus lábios.

─ Porque você nunca sorriu para mim, Pequena E. Eu poderia roubar


aqueles momentos em que você parecia com raiva, quando você não estava
olhando, porque elas eram familiares. Eu já ganhei a raiva e o ódio de você. Mas
quando você ri com Carina, ou sorri para alguém que você nem conhece, porra,
quando eles passam por você em um corredor... ─ Ele balança a cabeça. ─ Eu
não possuo esses momentos. Eles não me pertencem. Eu com certeza não
tenho o direito de pegá-los e torná-los meus.

─ Eu nem sabia que você pintava, ─ eu sussurro.

Ele arqueia uma sobrancelha escura, inclinando a cabeça para um lado. ─


Não?

─ Urgh, sim. Eu sabia. Eu nem sei por que eu disse isso. Eu só…

─ Você não sabe o que fazer. Você não sabe como se sentir. Você está
com medo da verdade e do que isso pode significar. Para baixo é para cima, e
para cima é para baixo…

Ele faz parecer tão confuso. É como se ele estivesse lendo minha
mente. ─ Sim. Tudo isso, ─ eu concordo.

Ele entra no quarto, se aproximando com passos lentos que parecem


feitos para me dar tempo de reagir e escapar. Eu permaneço enraizada no local,
não ousando respirar enquanto ele se aproxima cada vez mais. Ele para, perto
o suficiente para que seu braço encoste no meu quando chega na frente da
pintura, seus olhos verdes afiados avaliando seu trabalho com um
distanciamento frio. ─ Eu não gosto de pintar pessoas, ─ ele diz calmamente. ─
Não importa o quão bem eu capture sua semelhança, sempre acabo projetando
minhas próprias emoções neles. Eles sempre acabam com raiva e prontos para
uma briga. ─ Ele toca a ponta dos dedos no sulco profundo que pintou entre
minhas sobrancelhas, esfregando-as como se pudesse aliviar a tensão que criou
no meu rosto.

─ Você não deveria ter vindo aqui, sabe, ─ ele diz firmemente. ─ Este não
é exatamente um lugar seguro para alguém como você.
─ Alguém como eu? Deus, eu não sou uma garota fraca, patética e
indefesa que não pode cuidar de si mesma. Acho que o esôfago de Pax atestará
isso. E esta é a sua casa, de qualquer maneira. Que porra você está aprontando
aqui? Devo me preocupar com minha segurança?

─ Sim! ─ Ele soa tão exasperado. Parece assim, também. Arrastando as


mãos para trás pelo cabelo, ele se afasta da pintura, dando um passo em direção
à cama. ─ Eu não posso explicar isso para você, Elodie. É muito... é complicado
pra caralho, e eu nunca deveria ter perseguido você do jeito que tenho feito,
mas eu sou um idiota, certo? Eu não sou conhecido por fazer o que é melhor
para outras pessoas.

Mordendo com força, apertando todos os músculos do meu corpo, reuni


a pouca coragem que tenho e faço a pergunta que vim aqui fazer. ─ Você
desapareceu, Wren. Você desapareceu por três dias inteiros sem nenhuma
explicação. Você vai me dizer onde esteve?

Ele balança a cabeça tão lentamente, olhando para as mãos. ─ Não. Não
acho que seria uma boa ideia.

Uau. Ele realmente não vai me dizer? ─ Você estava... você estava saindo
com garotas. É por isso que você não vai dizer?

Um pequeno sorriso puxa o canto de sua boca. ─ Você ficaria com ciúmes
se eu tivesse?

Me mata que eu me deixe perguntar isso. Me mata que ele pareça tão
satisfeito consigo mesmo agora. Acabei de revelar uma parte suave e vulnerável
de mim mesma; eu descobri meu pescoço, expondo-me a ele, e agora ele tem
tudo o que precisa para rasgar minha garganta. ─ Apenas responda a pergunta,
Wren.
Ainda brilhando de satisfação, ele chupa o lábio inferior, balançando a
cabeça novamente. ─ Não, Pequena E. Não havia outras meninas.

Alívio deveria ser a última coisa que sinto, mas mesmo assim surge dentro
de mim. ─ OK. E daí? Você acabou comigo agora? Porque normalmente os
caras não fazem você prometer passar um tempo com eles e depois
simplesmente desaparecer no ar.

Ele fica quieto. Não olha para cima. Na verdade, não. Apenas vira a
cabeça ligeiramente para mim, os olhos semicerrados, a agitação escrita nas
linhas de seu rosto. ─ Isso é o que você queria, certo? O que você queria esse
tempo todo. Que eu te deixasse em paz?

Sim. É tudo que eu queria. Eu passei pela frustração e raiva até as coxas em
minhas tentativas de me distanciar dele. Mas agora que estamos aqui, ele está
me dando isso... Estou fingindo que isso é uma nova revelação, me
surpreendendo do nada, mas isso não é verdade. Eu o quero desde o momento
em que pus os olhos nele, fumando aquele cigarro do lado de fora da academia,
esperando por mim nas sombras. Mesmo com sua atitude de merda, sua língua
afiada e seu histórico suspeito, eu o queria. E aquele beijo que compartilhamos
na noite de sexta-feira me fez desvendar de uma forma que me emocionou e
me aterrorizou.

─ Quem você pagou para encontrar o pássaro? ─ Eu exijo.

─ O que?

─ O pássaro. O pássaro da minha mãe. Você deixou para mim do lado de


fora do meu quarto. A quem você pagou para vasculhar um aspirador de pó
imundo e coletar todos os pedaços?

A cabeça de Wren vira para trás; suas sobrancelhas sobem em sua testa,
franzindo juntos. ─ Quem eu paguei?
─ Sim.

─ Eu não paguei a ninguém. E as peças eram muito mais difíceis de


encontrar do que isso. O zelador tinha esvaziado o aspirador na lixeira da
cozinha. De outra forma, estava vazio, mas ainda era uma tarefa desagradável.

Eu acredito no que ele está me dizendo? Ele não só não forçou alguém a
fazer seu trabalho sujo, mas que ele fez aquele trabalho sujo realmente, nojento
e inacreditavelmente nojento para mim? Estou tendo problemas para conjurar a
imagem dele saltando do lado de uma lixeira para que ele possa mexer na sujeira
para fazer algo gentil por outro ser humano. Chego a vê-lo ali, ao lado da lixeira,
mas o resto da imagem não se materializa. Na minha cabeça, ele acende um
cigarro, se inclina contra a lixeira, curvando os lábios de uma forma arrogante
e presunçosa enquanto me diz para ir me foder.

─ Você ia me repreender por intimidar alguém para colocá-lo de volta


para você. Estou certo, não estou? É por isso que você veio aqui? ─ Wren
pergunta. Ele se senta na beirada da cama, esperando que eu responda. Eu não
sei se eu posso, no entanto. Agora que estou aqui, e ele está agindo de forma
estranha e vulnerável, estou completamente perdida.

─ Sim, ─ eu confesso com relutância. ─ Eu ia. Achei que você teve uma
conversa amigável com Tom ou um de seus amigos e sugeri que eles lhe
fizessem um pequeno favor ou acabariam com um olho roxo.

Algo triste e infeliz aparece em seu rosto. Ele estuda as mãos, mexendo
distraidamente em uma lasca de esmalte preto. ─ Eu poderia ter feito
isso. Outra hora. Mas não por algo que eu planejava dar a você, Pequena E. Você
parecia arrasada por perder a coisa, e... eu não sei, ─ ele diz, ─ eu queria fazer
isso direito. Eu queria acertar. Não coagir outra pessoa a fazer isso por
mim. Então sim. Depois da noite da tempestade, fui e encontrei o zelador. Ele
me apontou a direção certa, e eu passei algumas horas todas as noites juntando
meus malditos dedos com super cola, tentando montar tudo de novo. Tive que
usar argila para preencher as partes onde faltavam peças. E foi isso. Eu
consertei isso. Eu devolvi para você. Não há necessidade de fazer um grande
negócio com isso.

Eu nunca o vi parecer mais desconfortável do que isso. Ele parece estar


sendo mordido simultaneamente por milhares de formigas-de-fogo e tendo
pontas de bambu enfiadas debaixo de suas unhas.

─ Eu não entendo você. Como você pode parecer tão triste e infeliz com
o fato de que alguém descobriu que você fez algo de bom por mim?

─ Porque eu não sou legal, ─ ele resmunga. ─ Eu não faço coisas boas. Eu
não sei como... ser legal.

Este não é o Wren Jacobi que conheço. O Wren que é confiante e tão
seguro de quem ele é. Esse Wren está tenso, parece que vai explodir a qualquer
momento. Sento-me ao lado dele sem considerar as consequências – como sua
proximidade pode afetar minha respiração, ou como o calor de sua perna
descansando contra a minha pode fazer minha cabeça girar como um pião. ─
Você não respondeu à pergunta, ─ diz ele.

A indecisão me pegou pela língua. Eu evitei responder a pergunta que ele


me fez, sim, mas eu não sei como diabos eu deveria responder. Carina me dizia
para correr como o vento, fugir disso o mais rápido possível e agradecer às
minhas estrelas da sorte por ter escapado ilesa. Mas, novamente, Wren estava
certo. Não o vi fazer nada imperdoável desde que cheguei a Wolf Hall. Eu não
tenho nenhuma razão para pensar que ele faria qualquer coisa para me
machucar.

─ Você me pediu para confiar em você, ─ eu sussurro, com medo das


palavras, mesmo quando eu as estou dizendo. ─ E eu tenho medo. Eu sei que
querer estar com você, em qualquer capacidade, é provavelmente a coisa mais
estúpida que posso fazer, Wren. Mas, sim. Eu quero você, e... a resposta é
não. Eu não quero que você termine comigo. Eu sinto que poderia haver…

─ Mais, ─ Wren fornece. ─ Muito mais. Entre nós.

─ Sim.

Os pontos onde meu corpo está fazendo contato com o dele – meu joelho,
minha coxa, meu quadril, meu ombro – todos parecem estar pressionados
contra um tonel de água fervente, e esse tonel foi ficando cada vez mais quente
à medida que eu estou sentada aqui, tão devagar que não notei que está muito,
muito quente até que o contato de repente está me escaldando. Eu quero me
afastar, mas Wren inclina a cabeça, olhando de lado para mim, e estou presa no
local, incapaz de mover um músculo. ─ Eu não posso prometer que não vou te
machucar, Pequena E. Mas eu posso prometer que, se eu fizer, não será de
propósito. Também posso prometer que farei tudo o que estiver ao meu alcance
para não o fazer. ─ Ele engole em seco, sua garganta balançando. ─ Você acha
que isso pode ser suficiente?

O ar está tão carregado de tensão que parece espesso enquanto escorre em


meus pulmões. Seus músculos travam, seus ombros subindo uma fração
enquanto ele espera pela minha resposta. Consciente de quão idiota essa coisa
toda é, eu lentamente aceno com a cabeça.

Os olhos de Wren ganham vida. ─ Obrigado por isso. ─ Torcendo-se, ele


me agarra, segurando meu rosto em suas mãos, e sua boca está na minha antes
que eu possa reagir. O calor ruge da sola dos meus pés, inundando meu corpo
até que está queimando no alto da minha cabeça, e nada, nada parece mais
estável. A cama se inclina, o chão se move, minha mente vira, e eu estou me
movendo, lutando para chegar mais perto, subindo em seu colo como um
animal selvagem, tentando me envolver em torno dele.
Isso não é uma queima lenta. Nós já fizemos nossa dancinha, nosso vai e
vem um com o outro nas últimas semanas, preliminares mais do que suficientes
para qualquer um de nós. Sua língua passa pelos meus lábios, emaranhando-se
com a minha, me provando, me lambendo, explorando minha boca com uma
urgência frenética que me faz ofegar e choramingar como um maldito cachorro
carente. As mãos de Wren se movem para a parte inferior das minhas costas,
me puxando para ele, e eu arqueio para ele, me esmagando contra seu peito,
querendo tanto estar ainda mais perto. Wren solta um gemido, respirando
pesadamente em minha boca, e ouvi-lo, ouvi-lo se desfazendo, acende fogos de
artifício na minha cabeça.

Está acontecendo.

Isso está realmente acontecendo?

─ Elodie, ─ ele ofega. Enrolo meus dedos em seu cabelo, saboreando a


espessura dele, engolindo respiração após respiração enquanto tento dominar
essa sensação louca e descontrolada que está girando em meu peito como um
furacão. ─ Elodie, ─ ele repete. Ele se afasta um pouco, puxando um punhado
do meu cabelo com força suficiente para que eu tenha que inclinar minha cabeça
para trás para olhar para ele. ─ Esta é a parte em que eu deveria dizer a você
que devemos parar se você não... se você... se você não...

─ Cale a boca e me foda, Wren.

Seus olhos piscam em um verde tão vívido e intenso que roubam o


oxigênio dos meus pulmões. ─ Como quiser. ─ Em um movimento rápido e
poderoso, ele me vira e me joga na cama, sorrindo como um demônio enquanto
se ajoelha sobre mim, os olhos percorrendo o comprimento e a largura do meu
corpo sem um pingo de vergonha. ─ Para cada pensamento sujo que você teve
sobre mim, Stillwater, eu venci você dez vezes. Você não tem ideia de quantas
vezes eu enrolei minha mão em volta do meu pau e me fiz gozar aqui nesta
cama. Quantas vezes eu quase mordi a porra da minha própria língua, doendo
por você enquanto eu atirava minha carga por todo o meu próprio
estômago. Sempre fui uma coisa depravada e suja, Elodie Stillwater, mas a ideia
de ter você me corrompeu ao ponto da insanidade.

Oh... meu... Deus... porra...

O pensamento disso. A própria ideia dele deitado aqui nesta cama,


tocando-se, acariciando seu pau, fechando os olhos e pintando
imagens minhas enquanto seu prazer aumenta...

É foda demais. Desejo queima entre minhas pernas, tão urgentes e


exigentes que tenho que pressionar minhas coxas juntas para evitar que meus
quadris se movam por conta própria. Wren me acolhe; ele pode ver como meus
olhos estão vidrados e famintos, e isso só parece instigá-lo.

─ Eu pintei você na tela, Pequena E, mas não foi suficiente. Tudo o que
eu queria fazer... ─ Ele segura a barra da minha camisa, apertando a bainha do
tecido fino. ─ Tudo o que eu estava desesperado para fazer... ─ Ele rasga o
material em dois, arrancando-o do meu corpo, expondo meu estômago e meu
peito. ─ É pintar todo o seu corpo com o meu gozo.

Ele não é tímido. Ele estende a mão e acaricia meus seios através do meu
sutiã preto de renda, rosnando entre os dentes de uma forma animalesca e
possessiva que faz minhas costas se arquearem para fora da cama. Ele se curva
sobre mim, bufando o nariz, beijando e lambendo a pele do meu pescoço, e
para baixo, para baixo, para baixo, até que ele está pairando sobre meu
peito. Quantas vezes eu olhei para aquela boca cruel e linda dele e me preocupei
com quanto dano era capaz de infligir? Era muito perigoso imaginar quanto
prazer ele poderia proporcionar com isso. E agora, aqui estou eu, estendida para
ele em sua cama, descobrindo em primeira mão o quão capaz ele é...
Ele esfrega sua mandíbula contra meus seios, então aperta o material fino
e transparente, beliscando meu mamilo entre os dentes, e...

─ Porra! Wren!

A dor me ilumina, brilhante e ofuscante, e um sorriso perverso se espalha


como pecado em seu rosto. Com uma lentidão meticulosa, ele desliza a mão
pelo meu corpo, começando no meu quadril, movendo-se sobre meu estômago,
minhas costelas, meu ombro, segurando-me brevemente pelo pescoço, embora
não fechando os dedos com força, e depois continuando para cima, até sua
palma está pressionando para baixo, como uma pluma, sobre minha boca.

─ Acredite em mim, Pequena E. Você não quer que eles ouçam isso.

Ele está falando sobre Pax e Dash, é claro. Seus colegas de quarto idiotas
provavelmente estão à espreita lá fora no corredor, batendo um no outro e
agindo como idiotas, se esforçando para ouvir o que está acontecendo aqui. A
expressão de Wren é toda de advertência. ─ Eu posso foder você, Elodie. Eu
posso tirar seu fôlego. Eu vou fazer você gozar no meu pau com tanta força
que você não será capaz de andar direito por uma semana. Mas você não
pode fazer um som. Você entende? Se eles ouvirem…

Ele não completa a frase, mas posso ver que ele está falando
sério. Gravemente assim.

Mergulhando, ele me beija rudemente, sua língua e seus dentes e seu desejo
cru se aglomerando em mim, me deixando tonta. ─ Você pode fazer isso? ─ ele
pergunta, beliscando meu lábio inferior com os dentes. ─ Você pode ficar
quieta por mim? Você pode fazer o que eu digo, quando eu digo, sem derrubar
a casa aos gritos?

Eu concordo. Eu vou me engasgar se for preciso, contanto que ele continue


me beijando, e seus olhos continuem a se deleitar em mim como se eu fosse a
coisa mais deliciosa que ele já viu. Suas mãos são calejadas e deliciosamente
ásperas enquanto ele as corre pelo meu corpo. Eu tremo, completamente à sua
mercê enquanto ele engancha os dedos no cós do meu jeans e os puxa
sugestivamente.

─ Levante sua bunda, ─ ele ordena. Eu faço isso sem nem mesmo vacilar,
plantando meus pés na cama e levantando meus quadris para fora do
colchão. Wren desabotoa minhas calças com dedos rápidos e hábeis, rasgando
o zíper para baixo, então agarrando o material e puxando-o sobre meus quadris,
rasgando o jeans das minhas pernas. Seus olhos queimam em mim, devorando
minha carne nua enquanto ele desliza para fora da cama e tira seu moletom. Ele
faz isso daquele jeito preguiçoso que os caras fazem, uma mão alcançando atrás
dele, pegando o material e puxando-o sobre sua cabeça em um movimento
suave. Sua camiseta combina com o moletom, ambas as peças de roupa caindo
no chão a seus pés.

Então ele está lá em nada além de sua calça de moletom, seus polegares
mergulhando abaixo de sua cintura, sorrindo ruinosamente para mim. Há um
desafio em seus olhos – algo insolente e descarado que me diz que ele vai ficar
nu se ele puxar esse moletom.

─ Quer voltar lá embaixo e beber mais café? ─ ele pergunta. Ele está me
dando uma saída. Uma chance de se afastar dessa situação antes que ele vá mais
longe.

─ Eu aprecio a oferta, ─ eu digo sem fôlego, ─ mas eu vou explodir se


você não voltar aqui nos próximos três segundos e cuidar de mim.

Wren sorri, mas é uma expressão sem humor. Ele deve sentir isso. Essa
eletricidade entre nós deve estar comendo ele vivo, do jeito que está me
corroendo. Ele tira seu moletom e, como eu esperava, seu pau salta livre do
material grosso, ficando orgulhoso quando ele sai da calça. Um momento se
passa, onde eu cravo minhas unhas nas palmas das mãos, tão perto de romper
a pele, e Wren fica absolutamente imóvel, permitindo que eu o veja.

Ele está duro como o inferno. E muito fodidamente grande. Eu não


esperava nada menos; Wren emite vibrações loucas de pau grande vinte e
quatro horas por dia, sete dias por semana. Só não esperava que ele
fosse tão grande. A cabeça pesada de seu pau balança, e eu sinto como se
estivesse afundando na cama embaixo de mim, desaparecendo nela, sendo
engolida pelo edredom e toda a confusão de travesseiros.

Wren dá um passo à frente, espalmando-se em sua mão. ─ Tem certeza


sobre aquele café? ─ Ele me dá um sorriso de boca aberta que quase faz meus
olhos rolarem para dentro da minha cabeça. Jesus, ele é lindo pra caralho. Dei
uma espiada nele no gazebo, na noite da tempestade, mas não me permiti beber
dele da maneira que me permiti fazer agora. Seus abdominais são ridiculamente
trincados, seu peitoral musculoso. E o V definido que leva o olho para baixo,
para baixo, entre suas pernas, me guiando direto para seu pau ereto... Eu não
consigo desviar o olhar. Então, eu olho para baixo em vez disso. Suas bolas são
grandes, suspensas, pesadas e inchadas entre as coxas. Wren percebe para onde
estou olhando e move sua mão para baixo, segurando-se, estremecendo um
pouco quando eu solto um gemido ofegante que é embaraçoso como o inferno.

─ É para isso que você veio aqui, Pequena E? Você sabia que isso ia
acontecer? Você estava pensando no meu pau durante toda a descida da
montanha?

Eu engulo, tentando entender o que está acontecendo dentro de mim


agora. Eu nunca estive tão em conflito antes. Há muitos pensamentos,
necessidades e desejos, todos brigando uns com os outros, gritando uns sobre
os outros, implorando para serem ouvidos. Minhas emoções são como uma das
pinturas tempestuosas de Wren – uma massa rodopiante de cor, luz e escuridão,
todas misturadas, borradas e surreais.

Isso está mesmo acontecendo? Eu estou mesmo fodendo aqui? É um


pesadelo febril e delicioso do qual vou acordar, ofegante e coberta de suor?

─ Não, ─ eu sussurro. ─ Eu não me deixei pensar... nisso. ─ Eu não. Tal


pensamento teria sido muito perigoso. Se eu me deixasse pensar por um minuto
que isso poderia acontecer, eu estaria correndo de volta colina acima como se
o próprio diabo estivesse nas minhas costas.

Garotas espertas não se envolvem com o diabo.

Garotas que têm uma boa cabeça nos ombros evitam esse tipo de
problema.

Eu costumava saber exatamente quem eu era – alguém que faria a escolha


certa quando confrontada com a tentação. Só estou percebendo agora que
nunca fui realmente tentada antes. Era fácil me afastar de festas, bebidas e
garotos fofos quando eu estava em Tel Aviv. Meu pai facilitou. A promessa de
uma sessão de amassos quente e pesado com um cara que eu gostava não podia
se comparar ao mundo interminável de merda que eu estaria se meu pai
descobrisse. Mas Wren... porra, eu nunca quis nada tanto quanto quero Wren. E
não importa o quão estúpido seja, eu arriscaria tudo para tê-lo.

Ele agarra seu pau, também, tateando apertando-se com as duas mãos
agora, seus olhos turvos e desfocados enquanto ele se aproxima da cama. ─ Já
que você deixou perfeitamente claro que não está inclinada a implorar, vou
precisar que você me diga o que quer dessa situação.

Meu coração tropeça e cai na beira de um penhasco de doze metros,


levando meu estômago com ele. ─ Provavelmente mais do que você tem para
dar, ─ admito com uma voz tímida.
Ele parece intrigado com isso. ─ Você não está falando sobre meu
corpo. Você está falando de outra coisa.

Estou desgastada, desmoronando nas costuras. Estou doendo e


queimando tanto por ele que nem sei mais o que quero.

─ Você não sabe o que está pedindo, ─ diz ele, as palavras escuras e cheias
de cascalho, prometendo uma dor incalculável. ─ Existe tanto de mim que uma
pessoa pode tomar antes que comece a doer, Pequena E. E não, eu não estou
falando sobre meu pau. ─ Ele sorri implacavelmente. ─ Meu coração é uma
granada. Está mais seguro onde está, trancado em sua gaiola. Você tira de lá e
está essencialmente puxando o pino.

─ O que acontece depois? ─ Estou tremendo toda.

Wren chegou ao fundo da cama. Ele solta sua ereção tensa e coloca as
mãos nos meus tornozelos, enrolando os dedos ao redor deles com força. ─ Eu
não sei. Ninguém nunca tentou.

Ele me arrasta em direção a ele pelos meus pés e me reivindica como seu
prêmio.
23

Wren
MANHÃ DE NATAL

Wren Jacobi, um menino carinhoso de seis anos, sentou-se ao lado de sua


irmã gêmea e esperou ansiosamente para abrir seus presentes. Aos sete, oito,
nove e dez anos, ele fez o mesmo, com o coração batendo no peito, incapaz de
conter a excitação com as delícias que poderia encontrar dentro das pilhas de
presentes coloridos e fitas que o esperavam.

Todos esses Natais combinados não chegam nem perto da excitação que
sinto agora, enquanto puxo Elodie para baixo do colchão em minha
direção. Não sou mais um garotinho ingênuo, cheio de expectativa juvenil por
uma caixa de Legos. Não, agora estou muito mais interessado em desmontar as
coisas do que juntá-las, e Elodie promete ser o presente mais precioso de todos.

A parte de mim que tirou aquela foto dela da mesa de Harcourt – a mesma
parte de mim que apreciou a perspectiva de partir seu coração e fazê-la chorar
– ergue sua cabeça feia, fazendo todo tipo de comandos vis. Meu pau estica
mais forte, e meu sangue ruge em minhas veias, um maremoto imparável e
mortal... mas eu fecho um punho em torno daquela sombra escura, banindo-a
da minha mente. Wren de três semanas atrás já teria descoberto que coisa cruel
e fria ele ia dizer para Elodie uma vez que ele tivesse o suficiente dela esta noite,
mas agora eu estou lutando, virado e sem saber o que diabos eu vou fazer
quando isso acabar.

Eu não vou destruí-la, no entanto. Vou fazê-la cair em pedaços em meus


braços, e vou vê-la se despedaçar enquanto goza. Depois disso, quem sabe o
que diabos vem a seguir. O palpite de qualquer um é tão bom quanto o meu.
Seus cílios tremulam como asas de borboleta enquanto ela olha para mim,
seus olhos azuis de inverno cheios de desejo e pânico. Sua língua sai molhando
seu lábio inferior, e eu reprimi um rosnado ao vê-lo. ─ Responda-me, E. O que
você quer? Até onde você quer que isso vá?

A Sra. Hopkins, nossa desafortunada professora de estatística, tirou a gota


d'água no dia em que os alunos de Wolf Hall tiveram de receber toda a palestra
de consentimento. Ela estaria orgulhosa como o inferno de mim agora. 'Rapazes,
eu sei que vocês são muito jovens para pensar em sexo ainda (hah de fodido hah), mas
vocês devem sempre ter certeza de que sua amiga consente com seus avanços. Se você não ouvir
um claro sim dela, então é sempre melhor presumir que, uh, é um não. Seu orgulho estaria
fora de lugar, no entanto. Não estou pedindo o consentimento de Elodie. Ela
já deu, no momento em que anunciou que estava vindo para a porra do meu
quarto na frente de Pax e Dash. Não, eu quero saber o quão imundo minha
preciosa Pequena E vai me deixar ser.

Ela se contorce, seu peito subindo e descendo rapidamente, os dedos dos


pés se curvando contra a minha barriga. Deus, eu quero mordê-la. Eu quero
fodidamente consumi-la. Eu quero pegar todo aquele lindo cabelo loiro e
envolvê-lo em volta do meu punho enquanto eu enfio sua boca tão fundo
quanto ela pode ir no meu pau. Seus olhos se fecham, como se ela tivesse uma
janela para minha mente depravada e debochada, e o que ela vê através dela está
fazendo com que ela se desfaça. ─ Você sabe o que eu quero, ─ diz ela.

Ahhh, a pobre E precisa soltar essa língua dela. Tenho alguns truques na
manga que devem lubrificar essas engrenagens. Um passo de cada vez, no
entanto. Ainda segurando ambos os tornozelos, afasto suas pernas, segurando
seus pés em cada lado das minhas coxas. O cordão esticado dentro de mim - o
que se passa por minha paciência - aperta ainda mais, ameaçando quebrar,
quando vejo o pedaço úmido de seda entre suas pernas. Sua boceta já está
molhada o suficiente para ter encharcado sua calcinha. ─ Ah, E.
Ela se contorce, duas manchas gêmeas de cor queimando no alto de suas
bochechas, tentando fechar as pernas na altura do joelho, mas eu puxo seus
tornozelos, balançando a cabeça lentamente. ─ Não. Você não veio aqui para
se esconder de mim. Você sabe que não. Você não quer que eu prove sua
boceta? ─ Eu sou direto. Ao ponto. Suas bochechas ficam ainda mais
vermelhas, e essa parte torcida e perversa de mim canta.

─ Sim, ─ ela diz baixinho. ─ Eu quero.

─ Bom. Você quer que eu te foda com meus dedos?

─ Sim.

─ Você quer que eu te foda com isso? ─ Eu pergunto, agarrando meu pau.

Ela estremece, arrepios se formando sob minhas palmas, cobrindo suas


pernas e a barriga lisa e tonificada que ela está escondendo sob aquelas
camisetas enormes e estúpidas que ela usa. Eu assisto, fascinado além da crença,
enquanto ela acena com a cabeça. ─ Sim.

─ Você quer que eu goze dentro de você? Você quer sentir meu pau
ficando mais duro à medida que me aproximo cada vez mais?

─ Sim. ─ Agora que ela admitiu que quer meu pau, a palavra sai um pouco
mais fácil; A pobre garota provavelmente pensa que essa é a coisa mais difícil
que vou fazê-la admitir. Eu nem comecei.

─ Tire seu sutiã, ─ eu ordeno. ─ Calcinha também. Coloque-os no criado-


mudo.

Ela hesita por um segundo, puxando uma respiração profunda pelo nariz.

─ Agora, Elodie.
Fogo e enxofre fervilham em seus olhos, um pouco daquele espírito
desafiador finalmente rompendo seus nervos. Há uma mensagem para mim em
seu rosto, clara como o dia, enquanto ela se senta, estendendo a mão atrás das
costas para desabotoar o sutiã: Cuidado, Jacobi. Fale comigo assim de novo e eu vou
morder a porra do seu pau.

Eu provavelmente a deixaria também, se isso significasse que ela o enfiara


naquela boca bonita primeiro.

Ela nunca tira os olhos de mim enquanto tira as alças do sutiã de seus
ombros e o material cai, deixando seu peito nu. Ela é fodidamente perfeita,
assim como eu sabia que ela seria. Nem grandes, nem pequenos, seus seios são
do tamanho perfeito. Sua pele é como creme fresco derramado, completamente
impecável. Seus mamilos são do tom mais suave de rosa, tão pálidos e bonitos
que eu não consigo parar de gemer. Minha boca já está salivando com a
perspectiva de chupar aqueles mamilos. Minhas mãos estão doendo,
implorando para estar cheia dela. Elodie sorri enquanto balança sua calcinha
sobre seus quadris, empurrando-a para baixo de suas coxas.

O cordão dentro de mim se rompe.

Eu agarro o material preto e transparente, arrancando-o de seu corpo com


uma mão, mostrando meus dentes em uma espécie de sorriso enquanto os
ofereço de volta para ela. ─ Na mesa de cabeceira, ─ repito. ─ Então de costas
para mim, Pequena E. Eu quero dar uma boa olhada em você.

Ela coloca o sutiã e a calcinha na mesinha ao lado da cama, assim como


eu disse a ela, e então ela executa a segunda parte do meu comando, se deitando
na cama. Suas mãos descansam ao lado do corpo, mas seus dedos se contraem
e se contorcem, deixando-me saber que ela está desesperada para se cobrir com
eles.
Impiedosamente lento, eu subo na cama e rastejo até o colchão,
empurrando suas pernas abertas novamente para que eu esteja ajoelhado entre
elas. Ela fecha os olhos por um segundo, sabendo o que está por vir.

─ Abra, ─ eu ordeno. ─ Tudo. Eu quero ver tudo. Seu clitóris. Sua


buceta. Sua bunda. Mais, Elodie. ─ Eu rosno quando ela apenas afasta as pernas
uma fração. ─ Mais.

Suas pernas tremem quando ela me dá o que eu quero. Eu mordo o


interior da minha bochecha, olhando para ela, perdendo a porra da minha
mente enquanto eu escaneio cada detalhe minucioso de suas partes mais
secretas e sagradas. Seu clitóris está inchado e brilhante, molhado como uma
pérola. Sua carne é escorregadia, corada mais escura ao redor de sua abertura,
mas um rosa pálido como seus mamilos em todos os outros lugares. Eu nunca
me importei com anal antes, mas minha necessidade de inspecionar o cu de
Elodie é equivalente a um maldito criminoso. Ela é tão boa, tão pura, que
testemunhar a parte mais tabu de seu corpo angelical deixa meu pau tão duro
que parece que vou gozar se ela respirar na minha direção.

Eu não brinco.

Eu não me contenho.

Estendo a mão e a toco como se já a possuísse, como se ela sempre tivesse


sido minha. Seu calor úmido cobre meus dedos, cobrindo-os em seu desejo, e
eu não consigo desviar o olhar. Ela fica rígida, tão rígida que os dedos penetram
nos lençóis, formando punhos ao redor do material. Quando eu olho para ela,
seus olhos estão cerrados.

─ Respire, ─ eu digo a ela. ─ A menos que você goste de auto asfixia


erótica. Nesse caso, continue.
Ela inala, suas costelas aparecendo através de sua pele, seus seios arfando,
mamilos pontiagudos – a coisa mais devastadoramente linda que eu já vi – e
quando ela expira, eu empurro meus dedos dentro dela. Dentro de sua
boceta e sua bunda.

Seus olhos se abrem. ─ Puta merda, ─ ela sibila. Deus sabe como ela faz
isso, mas ela trava as pernas ainda mais. A pressão ao redor dos meus dedos,
até o segundo nó dentro dela, atinge níveis intensos enquanto ela luta para
acomodar a sensação alienígena. Deus, isso é bom demais...

─ Eu sabia que você tinha sido fodida antes, ─ eu rosno. ─ Mas você está
me escondendo, Pequena E. Sua bunda é virgem, não é?

Ela sopra uma respiração longa, constante e calmante, balançando a


cabeça contra os travesseiros. ─ Ahh... sim, ─ ela sussurra.

─ Você vai me deixar te foder lá? ─ eu ronco.

Ela ofega, respirando em ofegos agudos e rasos. ─ Sim, ─ ela diz. ─ Eu-
eu-oh meu deus...

Satisfeita demais para pensar direito, eu retiro minha mão, e ela derrete
direto no colchão. Vou me divertir muito com essa garota. Se minhas suspeitas
estiverem certas, ela será a mais divertida que já tive. Antes que ela possa abrir
os olhos, eu caio de bruços, meu pau reclamando amargamente com a falta de
atenção, e eu me afundo entre suas pernas, me enterrando em sua boceta.

─ Porra! Oh-oh Dee... WREN!

Usando meus dentes da frente, mordo selvagemente a parte interna de sua


coxa. ─ Não. ─ Eu a repreendo como se ela fosse uma criança
malcomportada. ─ O que eu lhe disse? ─ Pax e Dash não podem ouvir isso. Eu
não posso dizer a ela o quão miserável meus colegas de casa vão tornar a vida
dela se eles souberem disso. Eles vão provocá-la e ridicularizá-la na frente de
todos na academia, e eu não vou aceitar isso.

Ela olha para baixo ao longo de seu corpo, balançando a cabeça


freneticamente. ─ OK. OK.

Uma vez que eu confio que ela tem controle sobre si mesma, seu lábio
inferior firmemente preso entre os dentes... eu começo a trabalhar.

Comer buceta bem não é apenas uma habilidade. É um talento dado por
Deus com o qual fui informado com segurança que nem todos os homens são
abençoados. Eu posso ter uma garota gritando e tremendo com nada mais do
que a ponta da minha língua em menos de um minuto, no entanto. Eu posso
tê-la renegando seu deus e me reivindicando como sua nova religião no tempo
que a maioria dos homens leva para descobrir onde está o clitóris. Comer a
boceta de uma garota é íntimo pra caralho, no entanto. Eu raramente gosto de
uma garota o suficiente para me incomodar com isso, mas esta noite é diferente.

Se eu pudesse passar o resto da minha vida com meu rosto enterrado na


boceta doce e perfeita de Elodie Stillwater, eu teria uma morte feliz. Ela agarra
meu cabelo, suas coxas apertando em volta da minha cabeça, e eu tomo meu
tempo com ela. Sua respiração frenética e ininterrupta a leva à beira da
hiperventilação enquanto eu lambo, lavo e chupo, conduzindo minha língua
dentro dela e fodendo com ela. Três vezes separadas, ela empurra contra minha
boca, implorando e sussurrando para eu deixá-la gozar antes que eu ceda e a
empurre para a beira de seu clímax, sugando a doçura dela em minha boca,
permitindo que ela cubra minha língua enquanto ela goza.

Ela é magnífica. Ela é incrível. Ela está hipnotizando enquanto se contorce


debaixo de mim, tremendo de prazer, e sinto algo chocante parando em meu
cérebro. Como um relógio que está tiquetaqueando, tiquetaqueando,
tiquetaqueando nos últimos três anos, de repente... parou.
O silêncio é ensurdecedor.

Sentado sobre meus calcanhares, eu a lambo dos meus lábios, saboreando


o gosto. A contenção que eu vinha mostrando até agora finalmente acabou. ─
De barriga para baixo, ─ digo a ela. Elodie olha para mim através dos olhos
encapuzados, seus lábios inchados e vermelhos. O brilho pós orgasmo que ela
está irradiando me faz querer chorar. Ela é tão linda.

Até eu ver o lampejo de dor em seu rosto. Ela se levanta de joelhos, se


vira e se abaixa de frente. ─ De cara para baixo, bunda para cima, certo? ─ ela
diz com uma voz áspera.

Eu agarro seus quadris e os puxo de volta para mim, para que ela tenha
que ficar de joelhos. Para que eu possa ver toda a sua boceta perfeita, e seu
cuzinho perfeito e apertado, enquanto me acomodo atrás dela. Eu tomo meu
pau em minhas mãos, o alívio já lavando com o conhecimento de que estarei
dentro dela em um momento. Eu esfrego a ponta dele para cima e para baixo
entre suas pernas, manchando seu gozo por toda a sua carne, fazendo-a tremer.

─ Alguém já te disse o quanto você é adorável, Pequena E? Alguém já te


adorou do jeito que você foi feita para ser adorada?

Ela balança a cabeça, pulando quando eu traço meus dedos levemente


sobre o centro dela. Oh, E. Vou lhe mostrar o que é ser adorada. Eu vou te mostrar
como é bom ser idolatrada por um cara como eu. Ela está tremendo, balançando os
quadris para trás, esfregando-se em mim no momento em que decido parar de
provocá-la e me afundo em sua boceta.

─ Jesus... Cristo... Porra! ─ Não há resistência, mas ela é tão apertada que
não demoraria muito para me convencer de que ela é virgem. Seus ombros
enrijecem, um grito sai de seus lábios, e nós dois ficamos muito quietos por um
longo momento, chegando a um acordo com o que acabou de acontecer. Eu
estou dentro dela. Estou fodendo dentro dela, e ela é tão, tão boa.

─ Wren ─ ela ofega, seus dedos agarrando o lençol novamente. E tudo


muda no espaço entre os batimentos cardíacos.

Que porra estou fazendo?

Que porra estou fazendo com ela?

Algo desagradável e desconfortável sobe pela minha nuca – uma sensação


estranha e desconhecida que me faz me afastar, cerrando os dentes com tanta
força que ouço um deles estalar. Meu pau balança, brilhante com a nossa luxúria
agora, implorando para eu enfiá-lo de volta dentro dela... mas não posso. Assim
não.

Elodie olha de volta para mim, e há duas pequenas linhas verticais entre
suas sobrancelhas, preocupação em seus olhos. ─ O que... eu fiz alguma coisa...

─ Deus, não, ─ eu rosno. Em um movimento rápido, eu avanço para ela,


envolvendo meu braço ao redor de sua cintura e levantando-a do colchão. É o
trabalho de um segundo para deslizar para a beirada da cama, girá-la e plantá-la
no meu colo para que ela fique de frente para mim. Ela não resiste quando eu
agarro suas pernas, guiando-as ao redor da minha cintura.

Seu rosto está a três centímetros do meu enquanto eu rolo meus quadris
para trás e para cima, guiando-me para cima de modo que estou espetando-a
no meu pau. Sua cabeça se inclina para trás, seus olhos perdem o foco, e ela fica
rígida em meus braços novamente, assobiando assustada ─ Merda! Oh meu p-
puta merda, Wren.

Eu compartilho seus sentimentos. Foi assustadoramente bom estar dentro


dela por trás, mas agora que estamos cara a cara e ela está se agarrando a mim
como se eu fosse a única coisa que a mantém flutuando em um mar de loucura,
parece... eu nem sei como para descrevê-lo.

Prendendo a respiração, não querendo me mover muito rápido, coloco


uma mão no centro de suas costas, puxando-a para mais perto de mim, e seguro
seu pescoço, guiando sua cabeça de volta para que eu possa colocar minha boca
na dela...

Ela bufa, sua língua doce e hesitante enquanto ela passa pelos meus lábios
em minha boca. Eu geralmente sou o único a reclamar a boca de uma garota,
mas merda... eu fico muito quieto enquanto ela me beija, me provando e me
explorando com uma curiosidade e uma necessidade determinada que faz meu
coração bater como um tambor no meu peito.

Ela balança, moendo seus quadris contra mim, deslizando pelo


comprimento do meu pau, e fodidos fogos de artifício iluminam o interior do
meu crânio.

Fogos de artifício.

Porra, fogos de artifício genuínos.

É como a porra do quarto de julho dentro da minha cabeça quando me


inclino para ela e finalmente me permito beijá-la de volta. Sua respiração patina
em meu rosto, seus seios esmagados contra meu peito, e eu perco toda a
esperança de me controlar. Parece bom demais. Parece muito estranho. Parece
novo, estranho e tão intenso, essa conexão bizarra que estou sentindo, que nem
sei o que fazer com as mãos. Então, eu desisto. Eu paro de tentar me controlar
e deixo tudo acontecer.

Nós nos movemos como um, moendo um contra o outro, devorando a


boca um do outro sem pensar, e eu nem sei se ela está mais quieta. Não sei se
estou calado. A única coisa que importa é o sentimento dela em volta de
mim. Sua boca na minha boca. Sua respiração e minha respiração. Minhas mãos
em sua pele, e as dela na minha, suas unhas arranhando minhas costas, a súplica
desesperada e sem palavras em seus olhos enquanto ela se afasta de mim, sua
cabeça caindo para trás, e ela estremece quando goza.

Estou conseguindo manter minhas coisas trancadas muito bem, afastando


a sensação crescente de que vou gozar, mas no momento em que a vejo se
rendendo ao orgasmo, seus mamilos endurecidos e apertados, seus olhos
rolando para trás em sua cabeça, eu não tenho nenhuma porra de escolha no
assunto.

Eu gozo com ela, cerrando meus dentes e pressionando minha testa contra
sua clavícula, meus ouvidos zunindo, minha cabeça girando como se eu
estivesse preso em uma pirueta e eu não posso nem dizer a diferença entre o
chão e o céu girando.

Ela termina. Depois de um longo e vertiginoso momento, tentando


descobrir de que lado está fodendo, tudo acaba. Elodie cai mole contra mim,
sua testa coberta de uma camada úmida de suor, seu cabelo despenteado e em
todo lugar, e algo estranho aperta dolorosamente em meu peito.

Está linda garota com sardas no queixo, cabelos da cor da luz do sol e um
coração tão feroz quanto o de um leão - ela cuidadosamente levanta a mão e
acaricia meu cabelo para trás do meu rosto, procurando minhas feições com
um olhar atordoado em seus olhos. ─ Isso foi... ─ ela diz, obviamente lutando
para encontrar a palavra certa.

─ Intenso? ─ Eu não posso me mover. Se eu fizer isso, esse estranho


feitiço em que estamos presos vai quebrar e teremos que nos desembaraçar. Eu
não quero isso. Ainda não.
Seus olhos brilham enquanto ela assente. ─ Sim. Intenso. Porque você...
─ Ela para de novo, seus dedos descendo pelo meu peito. Ela observa sua
própria mão, dourada e linda contra minha pele mais pálida, como se estivesse
tão atordoada quanto eu por estar realmente me tocando assim. ─ Por que você
me mudou? ─ ela pergunta.

Eu rio baixinho, arqueando uma sobrancelha para ela. ─ Por quê? Esta
posição não era do seu agrado?

Ela ri também, abaixando-se para se esconder atrás do cabelo. ─ Não. Foi


perfeitamente satisfatório, ─ diz ela.

Eu empurro para trás, fingindo surpresa. ─ Satisfatório?

Ela grita quando eu enterro meu rosto na curva de seu pescoço e a mordo,
lembrando-a de que ainda tenho dentes. A pergunta dela foi esquecida, o que é
um alívio.

Eu prometi lá no gazebo que eu sempre daria a ela minhas verdades. Eu


só não sei como dizer isso a ela, no entanto. Que eu queria enfrentá-la quando
estivesse dentro dela. Que eu queria beijá-la. Que eu queria abraçá-la. Que eu
queria vê-la.

Eu nem sei como admitir isso para mim mesmo.


24

Elodie
UM SEGREDO É uma coisa terrível e maravilhosa. É a chama de uma vela
bruxuleante em seu peito, aquecendo-o por dentro. Pode fazer você sorrir na
dobra do cotovelo, o rosto escondido na camisa, enquanto deseja passar as
horas até que o ─ mais tarde ─ chegue, quando você puder ver o objeto de sua
paixão novamente. Mas um segredo também pode fazer você se
sentir muuuito merda.

─ Estou tão feliz que você se transferiu. Honestamente, eu estava tão


infeliz antes de você aparecer. O último ano no Wolf Hall ia ser horrível pra
caralho graças a Dash. Mas mesmo aqueles pedaços de merda da Riot House
não podem arruinar os últimos meses aqui agora. Minha avó sempre disse que
um bom amigo pode consertar qualquer coisa. Deus, seu cabelo é lindo, ─ diz
Carina, seus dedos trabalhando rapidamente sobre minha cabeça. Sentada no
chão entre suas pernas, fico imóvel enquanto ela faz sua mágica, domando meu
cabelo rebelde em uma trança complicada. ─ Você já pensou em tingi-lo de
volta à sua cor natural? ─ ela pergunta.

Ela não faz ideia de que me sinto incrivelmente culpada pelo que ela
acabou de me dizer. Eu não sou uma boa amiga. Eu sou
uma péssima amiga. Não consigo consertar nada. Eu me envolvi com um cara
que Carina odeia, que é o melhor amigo do cara que partiu seu coração, e não
consigo me ver saindo dessa situação tão cedo. Egoistamente... Deus, eu não
posso nem acreditar que estou me deixando pensar isso... eu não quero me livrar
da situação, mesmo sabendo o quão magoada e chateada ela ficaria se soubesse
o que eu estava fazendo para. Que tipo de amiga isso faz de mim?
E agora ela está falando sobre tingir meu cabelo de volta à minha cor
natural?

A faca torce no meu peito, tornando difícil respirar. Eu cutuco minhas


unhas, de repente muito interessada nas tábuas do assoalho. ─ Uhh... sim. Na
verdade, eu já pensei. Eu estava querendo, mas…

─ Mas você não gosta de ser morena?

─ Não, é só... minha mãe. Ela e eu temos a mesma cor exata do


cabelo. Meu pai ficou tão bravo quando ela morreu, tendo que olhar para mim
todos os dias, lembrando-o de como somos parecidas. Nós éramos, ─ eu digo,
me corrigindo. ─ Ele vai ficar furioso se eu mudar de volta.

─ Uau. ─ Carina para de trançar e espia por cima do meu ombro, me


olhando incrédula. ─ Seu pai está a cinco mil e quinhentos quilômetros de
distância, Elle. Você tem quase dezoito anos. Você pode fazer o que quiser. E
além disso... por que diabos você precisa pintar o cabelo só para agradá-lo? Ele
soa como um idiota do caralho. Desculpe se isso é rude, mas estou chamando
como eu vejo. Não ouvi nada de bom sobre o homem.

É aqui que devo saltar em defesa do Coronel Stillwater. Isso é o que


qualquer outra pessoa poderia fazer, se alguém tivesse criticado seu pai por suas
ações. Mas honestamente, não tenho nada de bom para dizer a ela. Que
triste? Cada memória brilhante da minha infância era por causa da minha
mãe. Com seu sorriso torto e caloroso, e as vozes bobas que ela fazia para mim
quando tomávamos chá com meus cavalos de pelúcia, e o jeito que ela me
abraçava tão apertado sempre que me mandava para a cama que eu achava que
meus pulmões podiam estourar... ela era a única luz em uma tempestade muito
escura.
─ Sim, ele é uma espécie de lei em si mesmo, ─ digo a ela. ─ O homem
mal responde ao Tio Sam. Ele não está acostumado com pessoas questionando
seus decretos. Ele com certeza não está acostumado com pessoas
desobedecendo ordens diretas.

─ Ele ordenou que você não pintasse o cabelo?

─ Em termos inequívocos.

─ Tudo bem. É isso. Estou dirigindo para a farmácia em algum momento


e estou comprando uma caixa de tintura de cabelo. Vou deixá-lo para você do
lado de fora da sua porta. Se você tiver alguma objeção, coloque-a no ar agora
ou mantenha seu...

─ Ohhh, festa de tingimento de cabelo. Parece divertido. ─ Carina e eu


olhamos para cima ao mesmo tempo. Leva um segundo para processar o fato
de que Mercy Jacobi está pairando na porta do meu quarto, encostada no
batente da porta enquanto ela inspeciona sua manicure francesa impecável. Ela
se parece tanto com Wren que meu estômago imediatamente dá um nó duplo.

— O que você quer, Mercy? ─ Carina pergunta. Ela não parece surpresa
que a garota apareceu aqui. Não que ela pareça feliz com isso também.

─ Adorável ver você também, Carrie. De todas as pessoas aqui no Wolf


Hall, eu estava mais animada para ver você. ─ O sorriso frio e calculista que se
espalha em seu rosto não é convincente. Isso coloca meus dentes no limite. ─
Lembre-se de quanto tempo todos nós costumávamos passar aqui juntos, ─ diz
ela, entrando no meu quarto e olhando casualmente ao redor. Ela finge estar
interessada nas pequenas bugigangas que tenho espalhado pelo lugar, mas posso
dizer que ela está entediada com tudo o que toca. Nada é caro o suficiente, ou
raro o suficiente, ou valioso o suficiente para capturar sua atenção. Eu não sei
disso de fato, mas não é difícil imaginar que tipo de pessoa Mercy é pelo jeito
que ela zomba da caixinha de música em sua mão.

─ Este é o quarto de Elodie agora, ─ Carina diz. ─ Talvez você devesse


esperar por um convite antes de passear aqui como se você fosse a dona da
porra do lugar.

Mercy leva a mão ao peito, a boca puxando para baixo em uma falsa
máscara de horror. ─ Merda, você está certa. ─ Seus olhos verdes, não tão
impressionantes quanto os de Wren, voam para mim onde estou sentada no
chão. ─ Elodie, certo? Desculpe por invadir seu tempo de garota com nossa
deliciosa Carina, aqui. É só que eu estava passando e vi vocês aqui, e isso trouxe
de volta tantas boas lembranças do meu tempo aqui antes de deixar Wolf
Hall. Eu, você, Pres e Mara. Certo Carrie?

Os olhos de Carina escurecem. Todo o seu humor escurece. Sua expressão


é toda tempestade e mar agitado. ─ Você não tem nada melhor para fazer
agora? Ouvi dizer que estão planejando outra festa na Riot House. Por que você
não vai mexer com seu irmão ou algo assim? Tenho certeza de que você
inventou muitas provações e tribulações malignas para os moradores de Wolf
Hall enquanto esteve fora.

Mercy dá de ombros para mim, fazendo uma careta. ─ Ela nunca foi tão
chata, sabe. ─ Então, para Carina, ─ Como você sabe, Wren ainda está chateado
comigo pelo que aconteceu com Mara. Eu não fui convidada para a festa, então
não vou participar do planejamento desta vez. Eu ainda vou embora. Dash
ainda tem um ponto doce para mim, mesmo que Wren esteja agindo como uma
vadia. O Dash ainda tem uma queda por você, Carrie? Eu tenho a sensação de
que sim. ─ Ela sorri, um corte desagradável em seu rosto bonito.
Carina olha para a garota enquanto ela caminha até a maior janela e olha
para o labirinto. ─ Eu não dou a mínima para Dash, ─ Carina rosna. ─ Ele
pode ir para o inferno por tudo que me importa.

─ Ele estaria perfeitamente em casa lá, ─ diz Mercy pensativa. ─ Acho que
isso significa que você não virá à festa, então?

─ Claro que não.

Mercy gira, virando-se bruscamente da janela. ─ E você, linda pequena


Elodie? Ouvi dizer que meu irmão está muito interessado em você. Você vai à
festa?

Porra. O que diabos eu deveria dizer aqui? Pax e Dash disseram que
estavam planejando uma festa ontem à noite quando fui à Riot House, mas não
me fizeram um convite. Wren nunca mencionou isso para mim. Eu não tenho
absolutamente nenhuma ideia, agora, se ele vai esperar...

─ Não seja estúpida, ─ murmura Carina. ─ Seu irmão está danificado,


Mercy. Tipo, mentalmente desequilibrado. Elodie não é burra o suficiente para
chegar perto dele. Ela também não vai à festa, agora, por favor, você já
vai? Estamos tentando aproveitar o que resta do nosso domingo, e você está
arruinando com seu sarcasmo.

Mercy fica parada, seus olhos demorados em mim, cheios de diversão; um


sorriso lento e enviesado se espalha por seu rosto. Parece que ela tem um
segredo. Ou melhor, ela conhece um segredo e está saboreando o peso dele em
sua língua. Se ela e Dash são próximos, então talvez ele tenha dito a ela que eu
apareci na Riot House ontem à noite. Talvez ele tenha dito a ela que eu
desapareci no quarto de Wren e não voltei até as três da manhã. Pelo jeito que
ela arqueia a sobrancelha para mim, brincando com as pontas de seu cabelo, ela
sabe e está gostando do fato de que estou me contorcendo como um verme em
um anzol agora.

O horror se enrola em minha garganta. Preciso mudar de


assunto. Agora. ─ Quem é Mara? ─ Eu pergunto.

A surpresa de Mercy não parece real. Ela o coloca em espessura, no


entanto. ─ Você não sabe quem é Mara Bancroft?

─ Eu não teria perguntado se soubesse.

Mercy lança um olhar curioso para Carina. ─ Este costumava ser o quarto
dela. Antes que ela desapareceu. Ela e meu irmão eram... muito próximos.

Carina fica de pé. ─ Mercy, por favor.

Mercy a ignora. ─ Ela era realmente linda, não era, Carrie? Todo esse lindo
cabelo preto comprido. Esses grandes olhos azuis brilhantes. Fiquei surpresa
quando descobri que Wren estava interessado em você, sabe. Você não é nada
como ela.

Ela me olha como se eu fosse uma versão de terceira categoria com


desconto dessa garota Mara Bancroft. Como se ela não tivesse ideia de porque
seu irmão olharia duas vezes para mim. Ainda estou atordoada com o outro
trecho de informação que ela acabou de soltar, no entanto. ─ Ela desapareceu?

─ Mmm. ─ Mercy brinca com as pontas do cabelo. ─ Em junho passado,


logo após a última festa que meu irmão deu. Era tudo muito suspeito. Ela estava
chateada com alguma coisa e saiu no meio de um jogo de beer pong. Entrou na
floresta e... puf. Desapareceu no ar. A polícia suspeita de crime. Eles a
procuraram por dias, não é, Carrie?

─ O que você espera realizar agora? ─ Carina dispara. ─ Isso tudo é


passado. Mara se foi. Todos juramos que seguiríamos em frente.
Porra. Quando cheguei ao Wolf Hall, Pres fez um comentário estranho
sobre garotas deixando a academia. Carina a fez se calar. Disse a ela para me
deixar ficar aqui antes de desenterrar tudo isso. Achei estranho na hora, mas
depois esqueci completamente. E agora estou aprendendo que a garota que
costumava dormir neste quarto, meu quarto, desapareceu?

─ Mara adorou este quarto, ─ continua Mercy. ─ Ela tinha todos os tipos
de esconderijos para seus pequenos tesouros. ─ É uma coisa estranha
simplesmente deixar escapar. Carina fica tensa, ódio irradiando dela como
fumaça.

─ Já basta.

─ Esta janela de sacada, por exemplo, ─ diz Mercy, passando a mão pela
pintura branca do parapeito da janela. ─ Mara costumava sentar-se aqui e
escrever em seu diário todas as noites. Ela escrevinhava por horas, colocando
seus pensamentos mais pessoais e privados no papel. E quando ela terminava,
ela escondia seu diário, colocando-o no lugar mais seguro em que pudesse
pensar. Ela passa a mão até a beirada do parapeito da janela, alcançando por
baixo dele, e um barulho alto de estalo enche a sala. Mercy pega a madeira
pintada... e apenas a levanta em suas mãos, puxando-a para longe da parede.

O que…?

─ Jesus Cristo. ─ Carina cospe uma série de palavrões baixinho. ─ Você


deve estar brincando comigo. Os policiais vasculharam esta sala de alto a baixo e
não encontraram nada. Você sabia onde ela escondeu o diário e não disse uma
palavra?

─ O que, você acha que eu deveria ter simplesmente entregado? ─ Mercy


ri - um som frio, prateado e cruel que faz meu pulso bater nas minhas
têmporas. ─ Eu pensei que você ficaria feliz por eu manter minha boca
fechada. Mara não se conteve quando segurou a caneta na mão. Tenho certeza
de que ela escreveu muitas coisas sobre você que teriam levantado algumas
sobrancelhas, se o diário dela caísse em mãos erradas.

Eu me levanto, a ansiedade puxando minha espinha enquanto atravesso a


sala, em direção à janela da sacada. Carina agarra minha mão, tentando me puxar
de volta. ─ Elle, realmente, não vale a pena. Não acredite nas besteiras dela, ok?

Eu me liberto, sem ouvir, precisando ver.

Eu não sou a única que tem guardado segredos. Acontece que eu fui
deixada no escuro, todos os alunos e até mesmo os professores da academia me
mantendo do outro lado de uma porta trancada que eles não abrem. Esta é a
primeira vez que estou aprendendo alguma coisa sobre essa garota, e
agora preciso saber mais.

Há um espaço na janela de sacada, escondido sob o parapeito da janela –


um esconderijo bem grande que quase seria grande o suficiente para uma pessoa
entrar se quisesse. Interior: caixa envernizada preta com flores de cerejeira
brancas pintadas na tampa; um suéter amassado; uma pasta listrada rosa e
cinza; e um pequeno e gordo livrinho encadernado em couro com as iniciais
MB estampadas em folha de ouro na capa.

─ Ohh, você olharia para isso. Acabei de resolver um mistério. Talvez eu


comece uma firma de I.P.20 assim que for libertada deste inferno. Mercy está
presunçosa como o inferno quando ela deixa cair o parapeito da janela no chão
a seus pés com um barulho alto. ─ Meu Deus. Você olharia para o
tempo. Acontece que eu tenho um lugar para estar, afinal. Se as meninas me
derem licença, tenho um encontro quente na cidade. Divirta-se folheando o
diário, Elle. Acho que você vai achar uma leitura fascinante.

20
Investigação particular.
A irmã de Wren sai da sala com um balanço nos quadris. Ela não se
preocupa em fechar a porta atrás dela, mas Carina se lança para fora da cama e
corre pelo quarto, batendo atrás dela. Acho que nunca a vi se mover tão
rápido. ─ Você não precisa ler nada, ─ diz ela. Uau. Quando ela se vira para
mim, eu mal a reconheço. Ela está pálida, a cor sumiu de seu rosto, e há pânico
esculpido nas linhas de suas feições. Ela parece dez anos mais velha do que é, e
desesperadamente assombrada.

Chego ao esconderijo de Mara, tirando o livro encadernado em couro. É


frio e pesado em minhas mãos, mais gordo que uma Bíblia, suas páginas
enrugadas e desgastadas em alguns lugares, a maioria delas escrita. ─ O que é
isso, Carina? ─ Eu tenho que perguntar. Eu odeio que minhas palavras sejam
tão duras e cortadas, mas há algo claramente acontecendo aqui que ela não quer
que eu saiba. Ela atravessa a sala, estendendo a mão para o diário.

— Dê para mim, Elle. Sério. Esta é uma confusão na qual você não quer
se envolver. Você pode... você pode, por favor, confiar em mim? Eu não estive
cuidando de você desde que você chegou aqui?

O diário parece uma bomba não detonada na minha mão. Se eu abrir, vai
explodir, e tudo que eu sei, tudo que eu acho que sei sobre esse lugar vai virar
fumaça. É isso que eu quero? Para as coisas ficarem ainda mais
complicadas? Toda a minha vida tem sido uma situação problemática após a
outra, após a outra, após a outra. As coisas com Wren são tão complicadas, eu
nem sei o que diabos está acontecendo lá. Mas o mistério em torno da ocupante
anterior do meu quarto parece superficial. Parece que seria perigoso não saber
o que aconteceu com a garota e quem estava envolvido com seu
desaparecimento. E, eu admito, Carina estar no nível máximo de pânico agora
está me assustando. Está fazendo com que ela pareça incrivelmente culpada –
do que, eu não sei – e não tenho ideia do que devo fazer agora.
─ Por favor, Elodie. Nada de bom pode vir da leitura desse diário, eu
prometo a você. Devemos apenas entregá-lo aos policiais e deixá-los lidar com
isso. ─ Carina aperta a mandíbula. Ela trava, os ombros tensos, as costas tão
retas que parece que está prestes a saudar um general de quatro estrelas. ─ Faz
quase um ano. Os pais de Mara ficaram preocupados com a filha o tempo
todo. A polícia saberá o que fazer com novas provas. Entregá-lo a eles é a coisa
certa a fazer.

─ Você sabe para onde ela foi, Carina? É por isso que você não quer que
eu leia isso?

Ela pisca, suas pálpebras estremecendo rapidamente. ─ Não! Se eu


soubesse onde ela estava, acredite, eu estaria contando para quem quisesse
ouvir. Estou apenas tentando mantê-la fora de uma situação que é realmente
fodida e pode colocá-la em perigo. Você não pode ficar brava comigo por isso.

─ Perigo? Por que eu estaria em perigo?

Suas pupilas quase dobram de tamanho. Eu posso vê-las dilatar a um


metro e meio de distância. ─ Urgh, Elle. Apenas me dê o diário. Juro por Deus,
você ficará mais feliz por não saber o que está dentro dele.

Que porra? Eu deveria apenas entregá-lo? Segurá-lo sobre a minha cabeça


e brincar de manter distância com isso? Carina é um pé e meio mais alta que eu,
então essa merda não vai funcionar. Isso causará muita discórdia entre nós se
eu não der a ela o que ela quer. Vou perder minha única amiga de verdade em
Wolf Hall. E para quê? Por que estou desconfiada pra caralho que algo
desagradável aconteceu aqui? Sim. Essa é uma boa razão para se posicionar,
mas se a polícia já está lidando com o assunto…

Relutantemente, estendo o diário para ela. Não quero perder Carina. E


essa garota Mara pode ser um fantasma, vagando por esses corredores e
espreitando nas sombras do meu quarto à noite, mas talvez Carina esteja
certa. Talvez essa situação não tenha nada a ver comigo, e eu deva deixá-la em
paz.

Carina cede com alívio quando sua mão se fecha em torno do diário e eu
o solto. A culpa se esconde em seus olhos, no entanto. Ela se sente mal por ter
me forçado a fazer isso agora que ela conseguiu o que queria. ─ Obrigado,
Elle. Mesmo. Quero dizer. Estou grata que você está confiando em mim. Eu
sei... eu sei como deve ser...

─ Você sabe? ─ Sou mais afiada que a ponta de uma lâmina. ─ Sério?

Ela suspira, abraçando o diário com força contra o peito, como se eu


pudesse agarrá-lo e sair correndo da sala. ─ Mara estava realmente perturbada,
Elodie. Ela era muito divertida, e era difícil não a amar, mas ela era alérgica à
verdade na maior parte do tempo. Só não queria ouvir. Ocasionalmente, a
realidade e a maneira como ela queria que as coisas fossem às vezes ficavam um
pouco borradas. Tenho certeza de que este diário está cheio de coisas sobre as
quais ela meio que fantasiou. Devaneios que podem causar muitos danos se a
pessoa errada os ler. ─ Ela bufa, exasperação em seu rosto. ─ Podemos
simplesmente esquecer isso e seguir em frente com o dia, por favor? Só quero
que as coisas voltem ao normal.

Sua última declaração parece tão carregada agora. Suspeito que ela não
esteja apenas falando sobre a tarde descontraída e relaxante que planejamos para
nós mesmos; acho que ela está falando sobre a vida em Wolf Hall em geral, e o
fato de que nada será normal novamente aqui se as pessoas continuarem
trazendo à tona o misterioso ato de desaparecimento de Mara. Respiro fundo
pelo nariz, tentando liberar a tensão que se acumulou dentro de mim. ─
OK. Esta bem. Eu não vou trazê-lo à tona novamente. Mas você precisa
responder a uma pergunta primeiro.
Ela morde o lábio, ansiosa, mas assente. ─ O que você quer saber?

─ Wren ou qualquer outro garoto da Riot House teve algo a ver com o
desaparecimento de Mara?

Ela endurece. Balança a cabeça. ─ Não. Eu adoraria ser capaz de prender


algo neles, mas eles estavam dentro da casa a noite toda. Os três. Eu os vi com
meus próprios olhos. Dashiell... ─ ela estremece. ─ Dashiell estava
comigo. Todos nós estávamos na cozinha, jogando jogos de bebida. Estávamos
todos tão fodidos, nenhum de nós saiu de casa até a manhã seguinte. Wren
desmaiou na frente da lareira e dormiu lá até o amanhecer. Pax estava fazendo
coquetéis a noite toda. O que quer que tenha acontecido com Mara... não teve
nada a ver com eles.

Eu analiso isso dentro da minha cabeça, deixando-o criar raízes. Wren não
estava envolvido no misterioso ato de desaparecimento da garota. Ele é
inocente de qualquer possível crime que tenha ocorrido naquela noite. ─
OK. Nós vamos. Esta bem. Suponho que é um fim para isso, então.

Carina me dá um sorriso aliviado. ─ Excelente. Você é a melhor,


Elle. Alguém já te disse isso?

─ O tempo todo. ─ Eu sorrio com força, mas não importa o quanto eu


force, eu sei que não alcança meus olhos. Eu observo enquanto ela coloca o
diário na mochila cheia de produtos de beleza que ela trouxe com ela para o
meu quarto, fechando o zíper da bolsa assim que o livro está escondido fora de
vista.

─ Eu terminei com as tranças, ─ diz ela. ─ Você quer que eu te dê uma


manicure? Eu tenho uma luz de gel. Eu posso fazer um bom trabalho.

Registo a rigidez em sua voz; ela está se esforçando para apagar a memória
do que acabou de acontecer, mas vai demorar mais do que uma manicure de
gel para apagar esse constrangimento. Se ela fosse uma das minhas amigas em
Tel Aviv, eu a chamaria imediatamente e exigiria saber o que diabos estava
acontecendo. Esse tipo de empurrar não é apropriado aqui, no entanto. Melhor
apenas esquecer o diário e a óbvia intromissão de Mercy. Melhor apenas
esquecer Mara e a nuvem escura que agora posso sentir pairando sobre a
academia.

Eu recoloco o pedaço de madeira, formando o peitoril da janela


novamente, e amplio a potência do meu sorriso, tentando fazê-lo parecer real
desta vez. ─ Coisa certa. Mas só se você prometer não pintar minhas unhas de
amarelo brilhante.
No escuro…
Eu sou sem nome.

Perdido.

Esquecido.

O ar parece cacos de vidro, eriçados dentro dos meus pulmões.

Minha garganta está em carne viva de tanto gritar.

Quando o canudo aparece pelo buraco desta vez, não tenho opção a não ser beber.

Estou prolongando essa tortura ao engolir a água morna e suja que escorre pelo plástico
e entra na minha boca, mas não sou tão forte quanto pensava.

Se eu morrer, será porque fiquei preso aqui, e ninguém pensou em vir procurar.

Mas estou muito fraco para desistir ainda.


25

Wren
─ EU NÃO DOU A MÍNIMA, cara de merda. Comprei um chapéu e preciso
usá-lo. Fim da história. ─ Pax joga para trás os restos de sua cerveja e joga a
garrafa para que ela gire no ar, espirrando líquido âmbar de sua boca enquanto
voa de ponta a ponta em direção à lata de lixo. Dashiell o repreende visualmente
com uma carranca de desaprovação, marca registrada da família Lovett. Pax
ignora o olhar, sorrindo como um bastardo quando a garrafa encontra a marca
e bate alto no receptáculo do outro lado da cozinha.

─ Alex tem cabelo em Laranja Mecânica. Você não vai se parecer em nada
com ele. ─ Segurando sua própria garrafa de cerveja nos lábios, Dashiell bebe,
sua garganta trabalhando. Sento-me no banquinho ao lado do balcão do café da
manhã, sem dizer nada, pensativo, olhando carrancudo para cada um deles para
deixar perfeitamente claro o quão pouco estou gostando disso.

─ Oh, vocês de pouca imaginação. Se eu consegui um chapéu, você não


acha que eu consigo encontrar a porra de uma peruca?

─ É 'Oh vocês de pouca fé', seus pagãos. E só estou dizendo que festas a
fantasia são para crianças. E Dia das Bruxas. Em nenhum outro momento as
pessoas à beira da idade adulta devem querer voluntariamente brincar de se
fantasiar.

─ Vamos. Não seja um idiota. As garotas sempre usam a roupa mais vadia
que podem encontrar em uma festa à fantasia. Você não está querendo um
pouco de P&B21? Deve ter o que, cinco anos desde que você teve seu pau
chupado?

─ Engraçado. ─ Dash sorri amargamente para ele. ─ Wren, estamos em


desacordo aqui. Você tem o voto decisivo, amigo. O que você diz? Devemos
fazer uma festa para adultos, onde os participantes podem usar suas roupas
normais como meninos e meninas grandes, ou devemos fazer uma festa infantil
à fantasia?

Eu olho para cima da tela do laptop na minha frente, esperando que ele
veja o quão irritado eu estou com essa coisa toda. Ele apenas fica lá, esperando
pacientemente que eu lhe ofereça minha opinião, e eu conheço o filho da
puta. Ele não vai deixar assim até que eu faça algum tipo de decreto. ─ Eu não
dou a mínima para essa festa, rapazes. Se dependesse de mim, nem teríamos
isso. Então use a porra de um chapéu e um tutu, ─ digo a Pax. ─ E você pode
usar uma gravata e uma porra de um terno de três peças, se quiser. E eu vou
vestir o que estou vestindo agora, e vou beber até o esquecimento até que tudo
acabe, e então todos nós podemos seguir em frente com nossas vidas.

Os olhos de Pax estreitam-se, estreitam-se e depois estreitam-se ainda


mais. Eu não posso nem dizer se eles ainda estão abertos quando ele diz: ─
Você é o mestre desta caçada desta vez, Jacobi. Eu não ficaria com cara de
merda se fosse você.

Maldito seja. Eu sabia que isso ia acontecer. Eu sabia disso. ─ Eu não sou
o mestre da caça. Eu fui mestre da última vez. O que significa que um de vocês,
filhos da puta, está pronto para bater.

Em uníssono, Dashiell e Pax balançam a cabeça. Eles discordam, brigam,


brigam e brigam sobre tudo, mas parece que eles têm uma opinião sobre

21
Peitos e bundas
isso. Tão típico. ─ As coisas correram mal da última vez, então Pax e eu
tomamos uma decisão executiva. Você precisa voltar para a sela. Você está em
todo lugar e, francamente, estamos cansados de viver com um impostor.

─ Um impostor. Certo.

─ Sim. ─ Dash joga alguns amendoins torrados secos na boca. ─ Você


atualmente não é você mesmo, e nós decidimos que queremos o velho você de
volta. Então, você se torna o mestre, e nós nos divertimos com qualquer jogo
de festa doentio e fodido que você organiza para nós jogarmos, e tudo volta ao
normal. Parece bom?

Não, isso não soa bem. Nada disso. Como mestre da caça, espera-se que
eu faça certas coisas. Eu costumava me deleitar com essas delícias misteriosas,
mas as coisas mudaram agora. Há Elodie a considerar. Eu não fui capaz de me
livrar da imagem dela, nua e linda, montada em mim, o doce som dela ofegante
no meu ouvido, desde a noite passada. Eu vou morrer velho na minha cama,
todas as minhas outras memórias devoradas pela devastação do tempo,
mas essa memória ainda estará queimando ferozmente atrás das minhas
pálpebras quando eu for.

Elodie é minha, e eu não vou deixá-la ir. E eu não posso ser o mestre da
caça e manter Elodie. Não há nenhuma maneira no inferno.

─ Faça o que você tem que fazer, ─ diz Pax, abrindo outra cerveja. Ele
sacode o boné pela sala de estar. ─ Mas isso está acontecendo, Wren. Você vai
ter que se tornar homem. Dash e eu nunca hesitamos quando você nos deu um
show. Nós com certeza não criamos confusão quando você nos colocou
naquele avião no fim de semana passado. E isso foi uma merda fodida.

Ele tem razão. Eu coloquei os dois em situações realmente


comprometedoras antes, por puro inferno, porque isso me fez rir e vê-los se
contorcer era dez tipos diferentes de entretenimento. E minha pergunta mais
recente a eles poderia ter terminado em desastre para nós três se algo tivesse
dado errado. Eu não posso desistir disso. Se eu me recusar a jogar bola com
eles, isso causará uma racha na casa como nada mais. Eu bebo minha cerveja
para me impedir de xingar os filhos da puta.

─ Enquanto isso, ─ Dash diz, me olhando severamente. Ele se parece


com a porra do meu pai. ─ Mercy perguntou se ela pode se mudar para cá.

Eu cuspo IPA no balcão da cozinha. ─ Que porra você acabou de dizer?

─ Não há necessidade de exagerar. Eu disse a ela que dependia de você, e


sua palavra seria definitiva sobre o assunto. Ela disse que você nunca a deixaria
ficar aqui, e eu não lhe dei nenhuma razão para acreditar que ela estava
errada. Nesse ponto, ela me chamou e Pax de vadias por não enfrentar você, e
depois fez um arranhão no Charger.

─ Eu não coloquei um único arranhão naquele carro, ─ Pax rosna


sombriamente. ─ Nenhum. E eu cuido muito das minhas coisas. Você ficará
satisfeito em saber que sua irmã está agora na minha lista de merda.

Não gosto que Mercy esteja falando com esses caras pelas minhas
costas. Ela acha que anda sobre a água, aquela garota. Pelo menos um deles está
começando a ver as coisas da minha perspectiva, no entanto. Dash... Dash, nem
tanto. ─ Pessoalmente, acho que ela seria um ótimo complemento para a casa,
mas sei o quão pouco minha opinião conta hoje em dia. Você tem sorte de ter
uma irmã, Jacobi. Alguns de nós tiveram que crescer sozinhos, em uma casa
grande e cheia de correntes de ar...

─ Oh, chore-me um rio. Eu vi aquela mansão que você chama de casa e é


linda pra caralho. Você foi criado no colo do luxo com uma colher de prata
saindo de sua boca. Ter uma irmã é como ter um caso chato de hemorroidas
que não vão embora.

─ Pequeno jovem para hemorroidas, não é?

Eu reviro os olhos.

─ Eu concordo com ele, ─ murmura Pax. ─ Eu odeio as minhas duas


irmãs. E meu irmão. São umas vadias. A dinâmica da casa seria fodida se uma
garota se mudasse para cá. Mercy floresceu espetacularmente desde que ela saiu
no ano passado, ela é a puta mais gostosa da academia, mas ela também é louca
pra caralho. Eu não tenho tempo para instalar oito novas fechaduras na porta
do meu quarto, e ela poderia, uau — uau! Que porra você está fazendo? Tire
sua mão de mim, Jacobi, ou eu vou quebrá-la.

Eu o tenho pela gola de sua camiseta. Estou pronto para colocar o filho
da puta para fora. No entanto, passamos quatro meses sem nenhum de nós
bater um no outro, então eu o sacudo com força suficiente para fazer seus
dentes baterem. ─ Ela é louca pra caralho. Ela é a maldição da minha maldita
existência. Mas ela ainda é a porra da minha irmã. Diga algo assim de novo e eu
vou levar um alicate para seus dentes da frente. Entendeu?

Pax me dá um tapa, olhos furiosos, suas bochechas ficando


vermelhas. Porra, ele quer acertar um gancho de direita na minha mandíbula tão
fodidamente. Ele não vai, no entanto. Ele ainda está pensando na Córsega e
na Contessa. ─ Tudo bem. Tudo bem. Ponto feito, ─ ele ferve. ─ Jesus. Você
leva tudo para o lado pessoal.

─ Eu vou dirigir até Washington e bater o dedo na sua mãe então,


posso? Veja como você leva isso para o lado pessoal?

─ O suficiente. O suficiente. Deus, é um milagre que vocês não tenham


me dado um colapso nervoso até agora. Vamos todos esfriar nossos ânimos e
nos recompor, certo? Pax não dirá mais nada de estranho sobre sua irmã. Mercy
não está se mudando para a casa. E você será o mestre da caça, ─ reafirma. ─
Venha o inferno ou a maré alta, você, Wren Jacobi, terá algo verdadeiramente
desonesto e perfeito planejado para nós na noite da festa, eu só sei que você
terá. ─ Ele faz uma pausa, sua expressão dura e julgadora enquanto ele me dá
um olhar significativo. ─ Você ainda não nos decepcionou.
26

Elodie
AS MANHÃS DE SEGUNDA-FEIRA ERAM MUITO MAIS FÁCEIS na escola Maria
Madalena. Os fins de semana eram meus em Tel Aviv. A agenda do meu pai
significava que ele estava sempre fora de casa aos sábados e domingos, e eu
estava livre para fazer minhas próprias coisas. Ir às compras com Ayala e
Levi. Ir ao cinema. Fazer minha lição de casa e ficar pela casa em paz. Ele estava
mais por perto no início da semana, então ir à escola era uma bênção. Isso me
salvou de sua ira, andando pelos corredores da escola internacional. Eu estico
todas as aulas que tive, fazendo valer o tempo longe do Coronel Stillwater. Eu
me inscrevi para o maior número possível de atividades
extracurriculares. Qualquer coisa para evitar ir para casa, quando eu sabia que
ele estaria lá, esperando por mim, sua raiva sem fim saindo dele em ondas,
apenas esperando que eu fizesse algo ou dissesse algo que justificasse uma
explosão de proporções épicas.

Em Wolf Hall, não há como fugir dos meus estudos. Estou a apenas três
andares de distância de uma sala de aula, e esse fato por si só torna o início da
semana acadêmica mais deprimente do que deveria ser. Eu realmente não
consigo sair, então nunca parece que eu tive uma pausa.

Está escuro de novo, a chuva batendo nas janelas enquanto desço as


escadas, temendo a aula de inglês desta manhã. Quando chego ao corredor, há
alunos em todos os lugares, conversando alto e brincando uns com os outros
enquanto se dirigem para a primeira aula do dia. Eu deveria me sentir mais leve
do que me sinto. Eu vou ver Wren em breve, mas este não é um doce romance
de colegial que eu posso me deixar sentir tonta. É um segredo. Wren não me
disse para manter o que aconteceu com ele na outra noite em segredo, mas está
lá do mesmo jeito, um acordo tácito entre nós dois: seria ruim para nós dois se
alguém soubesse que nos dilaceramos. roupa fora e fodido em seu quarto.

Meu coração dispara na minha garganta quando vejo Dashiell entrar pela
entrada da academia, balançando a cabeça como um cachorro molhado,
enviando gotas de água voando das pontas de seu cabelo loiro escuro. Pax
aparece atrás dele, com um largo sorriso no rosto, rindo a plenos pulmões de
alguma piada particular.

E então há Wren.

Minha respiração para no meu peito.

Ele entra na escola, vestido da cabeça aos pés de preto, os ombros do


capuz escurecidos pela chuva, o capuz puxado sobre a cabeça, seus olhos já
procurando, procurando, procurando...

Ele me encontra, de pé no último degrau da escada, e as luzes se


apagam. Eu desço, deslizando ao longo da borda do corredor, minhas costas
contra a parede, e os garotos da Riot House abrem caminho pela multidão,
ainda presos em qualquer conversa que eles estavam tendo quando
chegaram. Dois deles estão, pelo menos. Wren para do outro lado do corredor,
parando na minha frente. Passa um momento tenso em que nos encaramos
através do mar de corpos agitados, nossa linha de visão clara, depois
obscurecida, clara, depois obscurecida pelo fluxo de estudantes que passam por
nós.

Como ninguém mais está reagindo a isso? Como eles podem não sentir a
eletricidade no ar? Como todos os outros são tão cegos, surdos e mudos para a
pressão que está crescendo ao redor deles enquanto Wren Jacobi e eu
compartilhamos esse momento incrivelmente surreal?

─ Esqueceu o caminho?
Eu olho para cima e Carina está lá, segurando sua mochila escolar contra
o peito, vestindo uma camiseta branca imaculada e uma saia xadrez que deveria
ser ilegal, é tão curta.

─ Desculpe?

─ O que você está fazendo, apenas parada aí? Parece que você viu um
fantasma, ─ ela diz, rindo.

─ Oh. Nada. Desculpe.

─ Pensei que você fosse nos guardar um lugar. Vamos. Se não nos
apressarmos, alguém vai pegar nosso sofá.

Eu olho para cima e Wren se foi.

Doutor Fitzpatrick já está na frente de seu quarto quando Carina e eu


entramos. ─ Vamos lá meninas. Vocês sabem qual é a punição se vocês se
atrasarem, ─ ele diz, sorrindo.

─ Qual é a punição por estar atrasada? ─ Eu assobio.

Carina agarra meu braço e me puxa para o sofá. ─ Você não quer saber.

Uma vez que estamos sentadas, eu pego meu bloco de notas da minha
bolsa, torcendo uma caneta em meus dedos nervosamente, examinando a
sala. Olho para todos os outros alunos da classe antes de desistir e permito que
meu olhar se desvie (tão casualmente quanto consigo) para o sofá de couro
surrado no lado oposto da sala.

Wren está exatamente onde deveria estar... mas ele não está esparramado,
deitado de costas, olhando furiosamente para o teto hoje. Ele está sentado
como uma pessoa normal, olhos fixos em suas mãos, seu cabelo caindo em seu
rosto, uma pequena carranca puxando suas sobrancelhas escuras. Dashiell e Pax
estão sentados no chão, embaixo da janela, mas não estão brigando um com o
outro hoje. Ambos parecem estar secretamente observando Wren,
murmurando um para o outro baixinho. Dash deve sentir que estou olhando
para ele. Sua cabeça levanta e ele olha diretamente para mim.

Espere. Não. Não para mim. Para Carina.

─ Idiota, ─ ela resmunga. ─ Que tipo de merda você precisa ser para
enganar alguém, tirar a porra da virgindade, humilhá-la da pior maneira
imaginável e depois encará-la em todas as oportunidades disponíveis que você
tiver depois? Tipo, o que ele está tentando realizar, olhando para mim assim?

Ele não está tentando realizar nada. Ele está revivendo algo. Repetindo
isso em sua cabeça, saboreando cada segundo enquanto ele se lembra de tirar
Carina de suas roupas e fodê-la sem sentido. Eu sei, porque eu conheço aquele
olhar. Essa mesma expressão atordoada e distante apareceu no meu rosto pelo
menos dez vezes desde sábado à noite.

Eu não mandei mensagem para ele.

Ele não me mandou mensagem.

O que isso significa? Nós dois estávamos esperando que a outra pessoa
chegasse primeiro? Nós dois fomos teimosos e estúpidos, presos demais em
nosso próprio orgulho para nos comunicarmos um com o outro? Ou eu entendi
isso errado? Ele está apenas contente, agora que ele me teve? Dei a ele a única
coisa que ele queria, e agora posso esperar nunca mais falar com ele?

─ Eu adoraria caminhar até lá e bater no pau do mal. Ele provavelmente


não acha que eu vou fazer isso. Eu costumava lutar kickbox, no entanto. Eu
poderia bater nele com força suficiente para deixar um hematoma. ─ Carina
está alheia ao meu pânico em espiral. Eu não quero ser aquela garota – a garota
que enlouquece com um garoto, questionando cada movimento que ela faz e
analisando tudo a ponto de enlouquecer. Eu tomo a decisão, aqui e agora: não
serei essa garota.

─ Ele provavelmente está lamentando o dia em que mexeu com você,


Carina. Não se preocupe com isso. Ele desviou o olhar agora.

─ Classe. Eu odeio ter que fazer isso com vocês. Tenho certeza de que
todos vocês temiam esse momento durante todo o semestre, mas é aquela hora
de novo... ─ O doutor Fitzpatrick ri enquanto um coro de gemidos se espalha
pela sala. Eu me inclino para frente, apertando os olhos para o professor bonito,
tentando dar uma olhada melhor nele. Algo está errado. Algo...

─ Carina?

─ Hm?

─ O doutor Fitzpatrick tem um lábio partido? Porra, parece que ele está
usando maquiagem.

Minha amiga se inclina e aperta os olhos também, rindo baixinho. ─


Uau. Sim. Isso é uma contusão em sua mandíbula. Quem diria? Eu não teria
considerado Fitz um lutador.

Eu poderia. Eu posso ver isso nele de alguma forma. Uma violência oculta
e secreta que gosta de se espalhar de vez em quando. Percebo que perdi seu
anúncio enquanto estava falando, e agora não tenho ideia de porque o resto da
classe está reclamando muito alto, atirando pedaços de papel enrolados no
professor. Ele ergue as mãos, protegendo-se dos projéteis inofensivos, rindo
quando a maioria dos outros professores estaria perdendo a cabeça. ─ Está
bem, está bem. Já chega disso, obrigado. Não cabe a mim. O currículo exige
esse tipo de coisa. Você precisa concluir projetos em equipe para aprender a
trabalhar em conjunto. De que outra forma você vai saber o que fazer quando
sair deste excelente estabelecimento e começar suas ilustres carreiras como
cozinheiros de linha em restaurantes de fast-food, hein?

Uma zombaria barulhenta sobe com isso. Aparentemente, a falta de fé do


doutor Fitzpatrick em nós é mais divertida do que preocupante. ─ Vocês sabem
o que fazer, ─ diz ele. ─ Agora, vocês vão formar duplas como adultos, de
maneira calma e razoável, ou vou ter que tirar nomes de um chapéu de novo?

Um furor irrompe, corpos voando pela sala, amigos procurando amigos,


pessoas brigando como galinhas sobre quem fica com quem. Eu não me
movo. Obviamente, Carina e eu seremos parceiras para qualquer projeto
terrível que estejamos prestes a ser designadas.

Somente...

─ Quero Carina Mendoza, Fitz.

Carina se senta ereta, seus olhos arregalados. O que diabos


aconteceu? Perto da janela, Dashiell Lovett está de pé, e ele está apontando para
Carina com um olhar muito legal, muito autoritário.

─ Acho que Carina já fez parceria, ─ diz Fitz.

─ Qual é o sentido de trabalharmos com nossos amigos? Isso é pouco


útil. Como vamos aprender alguma coisa se estamos simplesmente saindo com
as pessoas com quem sempre saímos?

Fitz estuda Dash por um momento, franze a testa, depois bate palmas. ─
Você levantou um ponto excelente, Dashiell. Mudança de planos. Todos nesta
sala devem fazer parceria com uma pessoa de quem não gostam. Eu não me
importo como você vai fazer isso, tente ser sensível aos sentimentos um do
outro ou qualquer outra coisa, ─ ele murmura, acenando com a mão para nós
enquanto ele se abaixa para pegar sua bolsa do chão. ─ Vocês têm dois
minutos. Entenderam.

O silêncio cai como um cobertor sufocante sobre a sala.

Bem, isso é fodidamente estranho.

As pessoas começam a se reorganizar relutantemente, arrastando-se entre


os móveis como zumbis infelizes enquanto as pessoas decidem com quem vão
se sentar agora.

Mais uma vez, repito, tão fodidamente estranho.

─ Vamos. De pé, Elodie. Eu preciso me sentar ao lado da minha parceira.


─ Puta merda, como Dash chegou aqui tão rápido? Ele parece tão adequado
em sua camisa e gravata. Parece que ele lustrou seus sapatos italianos de couro
antes de aparecer esta manhã. Ao meu lado, Carina está rígida como uma
tábua. ─ Você vai se arrepender disso, ─ ela rosna para ele.

─ Duvido. ─ Ele ergue uma sobrancelha para mim, empurrando o polegar


por cima do ombro. ─ Você vai deixar isso super desconfortável, ou você vai
se sentar ao lado de Wren como uma boa garotinha? Todos nós sabemos o
quanto você o odeia.

Eu vou matá-lo, porra. Eu dou a Carina um olhar de desculpas, lentamente


me levantando. Meu coração está acelerado como um trem desgovernado
enquanto pego minha bolsa e começo a atravessar a toca do doutor
Fitzpatrick. Os olhos de Wren estão afiados, mas calmos enquanto ele me
observa me aproximar. Estou a quatro passos do sofá de couro quando Mercy
aparece, como se ela tivesse sido conjurada do nada das profundezas do inferno,
e se joga ao lado de seu irmão.
─ Ainda estou tentando descobrir se você é detestável, Elodie, mas temo
que te venci aqui. Wren não odeia ninguém tanto quanto me odeia. ─ Ela agarra
o braço dele e passa o dela por ele, sorrindo tão angelicalmente que meus dentes
coçam.

Raiva derrama de Wren como fumaça, mas ele não consegue se opor. Não
há tempo para isso. Porque a próxima coisa que eu sei, eu olho para cima para
encontrar Pax franzindo a testa para mim. ─ Parabéns, francesinha. Parece que
eu vou ser uma dor no seu pescoço, agora.
27

Wren
─ VOCÊ ESTÁ FODIDAMENTE DANIFICADO. Você sabe disso, certo?

A maioria das crianças ficava fascinada pelo fato de Mercy e eu sermos


gêmeos. Que incomum, seus pais costumavam arrulhar. Eles parecem tão parecidos
também. Normalmente não é tão óbvio quando você tem uma menina e um menino, mas eles
são como duas ervilhas em uma vagem. Mercy é minha contraparte feminina, o que é
altamente perturbador na maioria dos dias, e realmente irritante em todos os
outros. Ninguém deveria ter que olhar para outra pessoa e saber, sem sombra
de dúvida, como ela seria se tivesse nascido do sexo oposto. É apenas errado.

Ela agita os cílios para mim, descansando o queixo no meu ombro. ─ Não
se preocupe, irmão mais velho. Eu me ressinto de ter que trabalhar com você
também. Mas está na hora de varrermos toda essa hostilidade para debaixo do
tapete, não acha? Está ficando um pouco velho. Nossos pais estão começando
a suspeitar que algo terrível aconteceu entre nós. Nós não gostaríamos que o
pai se encarregasse de investigar agora, não é? Ele acabou de se
aposentar. Muito tempo em suas mãos agora. Ele pode estar cego para o que
está bem na sua frente na maioria das vezes, mas ele é muito bom em resolver
quebra-cabeças quando se dedica a isso. Acho que sigo ele dessa maneira.

─ Sim, nós dois sabemos como você é ótima em enfiar o nariz onde não
é desejada, não é? ─ Não é uma pergunta. Uma afirmação. Um fato.

Ela se envaidece como se eu tivesse feito a porra de um elogio.

Fitz circula pela sala, distribuindo folhas de tarefas, o que significa que
todos estamos fazendo apresentações diferentes. Ele visivelmente se encolhe
quando para na nossa frente, oferecendo a Mercy nossa tarefa. Ela o arranca da
mão dele, mostrando os dentes em um sorriso tão aterrorizante que os
músculos de sua garganta trabalham horas extras enquanto ele apressadamente
volta para a frente da sala.

─ Você não deveria ter batido nele, ─ ela diz para mim. ─ Ele não estava
fazendo nada de errado.

Eu não estou dando ouvidos a ela, no entanto. Estou muito ocupado


olhando de soslaio para Pax, tentando silenciosamente ameaçá-lo a se
comportar. Elodie está de costas para mim, então não consigo ver a expressão
em seu rosto, mas sei que ela deve estar odiando isso. Pax é uma perspectiva
assustadora, mesmo para aqueles de nós que dizem gostar dele.

─ Então, irmão mais velho, pode me dizer o que está acontecendo desde
que estive fora? Algum desenvolvimento novo e interessante que você gostaria
de compartilhar comigo?

─ Eles pararam de servir espaguete às quartas-feiras, ─ eu rosno.

─ Ah, uau. Você tem todas as boas fofocas. Eu deveria ter vindo até você
primeiro em vez de Damiana.

Eu desisto de olhar para Pax e olho para ela em vez disso. Não antes de
eu pegar o sorriso azedo e presunçoso no rosto de Damiana, no entanto. ─ O
veneno daquela garota. ─ Isso é tudo o que digo porque é tudo o que posso dizer.

Mercy se abana com nossa missão. ─ Por que você transou com ela,
então?

─ Jesus, Mercy. Você não tem uma porra de uma peça em que deveria
estar se apresentando ou algo assim? Em Nova York? Longe, muito longe
daqui?
─ Michael tentou me fazer de substituta. Eu não sou uma substituta,
Wren. Eu sou a protagonista, ou não sou nada. Damiana disse que você a
deixou cair como um carvão em brasa no momento em que a nova garota
apareceu. Isso não pode ser verdade, porém, certamente. Ela é tão... ─ ela
franze o nariz, ─ ... média.

─ Apenas fique longe de Elodie, Mercy. Dez pés em todos os momentos.

─ Ou o que?

─ Ou eu vou fazer de sua vida um inferno. Você não é a única que é boa
em juntar os segredos das pessoas.

─ Oh ho ho, puta merda. Não achei que fosse possível, mas você... ai meu
Deus, você gosta dela, não é?

Ela se vira para me encarar, enganchando a perna embaixo dela como se


estivesse se preparando para uma boa conversa de garotas. ─ Wren Jacobi, eu
nunca pensei que veria o dia. Eu assumi, depois de todos esses anos atacando e
quebrando as pessoas, que havia algo fundamentalmente quebrado dentro
de você. É um verdadeiro choque saber o contrário. Porra!

Eu arranco o papel de sua mão, escaneando as informações digitadas nele,


intencionalmente ignorando o sorriso de comedor de merda que ela está
usando. ─ Precisamos escrever um ensaio sobre um herói desconhecido na
literatura e apresentá-lo à classe. Você pode escolher.

─ Mesmo? ─ Para uma atriz, sua tentativa de falsa surpresa é muito


ruim. ─ Você geralmente é tão protetor com seus heróis literários,
desconhecidos ou não.

Deus, isso vai ser uma merda. Eu estalo meus dedos com um entusiasmo
vicioso que a cala. Por cinco segundos inteiros.
─ Olha, eu acho ótimo que você goste de alguém. Eu sei que você não
acredita em mim, mas eu me importo com você, Wren. E se essa garotinha
esquisita e tímida joga seu cabelo para trás, então eu digo: vá em frente.

Este é um truque. Um truque muito ruim que eu não sou estúpido o


suficiente para cair. Eu mostro meus dentes, deixando cair o papel em seu
colo. ─ Escolha o assunto para a tarefa. Então pare de falar merda, Mercy, ou
então Deus me ajude, teremos problemas.

Ela escolhe Sydney Carton. De todos os personagens de todos os livros,


ela escolheu Sydney Carton de 'A Tale Of Two Cities ', porque ela sabe o quanto
isso vai me irritar. Sydney é meu cara. Ele é um desgraçado, o pior e o
melhor. Eu me identifico com ele em tantos níveis que nem chega a ser
engraçado. Se ela fosse outra pessoa, eu ficaria surpreso que ela o escolheu do
nada como o tema da nossa tarefa, mas já que ela é quem ela é, eu não estou
totalmente surpreso. Somos gêmeos, afinal. Nossos cérebros fodidos funcionam
de forma tão semelhante que eu a desprezo quase tanto quanto desprezo a mim
mesmo.

No momento em que o sinal toca, sinalizando o fim da aula, pego meu


telefone e o ligo. Digito uma mensagem enquanto saio da aula.

Eu: Hora do almoço. Me encontre. Estarei com os poetas.


28

Elodie
EU NUNCA desejei mal a ninguém antes.

Na verdade, isso é mentira, desejei o mal a uma pessoa, mas meu pai não
conta. Ele é um trabalho vil, e ele merece todos os pensamentos ruins que eu já
tive sobre ele. Além do Coronel Stillwater, faço questão de dar às pessoas o
benefício da dúvida. Eu gosto de tentar ser uma pessoa justa. Uma pessoa
justa. Mas não é nada bom - Pax Davis é um filho da puta da mais alta ordem e
espero que ele caia de um penhasco muito alto. Suponho que estaria tudo bem
se ele sobrevivesse ao impacto. Algumas semanas em tração, contorcendo-se
em agonia em uma cama de hospital suja? Sim, isso soa como uma punição
adequada para um idiota como Pax.

Oito: foi quantas vezes ele me chamou de puta durante os quarenta


minutos que tivemos que sentar juntos e planejar como iríamos cumprir nossa
missão. 'Leia um livro independente com um arco de história profundo e comovente e depois
apresente-o à classe.' Sinceramente, não tenho certeza se Pax sabe ler. Ele não
mostrou nenhum interesse na folha que o doutor Fitzpatrick nos deu. Mas,
novamente, ele passou os últimos dez minutos de aula martelando na tela de
seu telefone, enviando texto após texto para só Deus sabe quem, então ele deve
possuir algum conhecimento rudimentar da língua inglesa.

Quando nos separamos, ele rosnou algo gutural e áspero para mim em um
idioma que eu acho que era alemão, então ele educadamente me disse que eu
deveria ler o livro e escrever a apresentação eu mesma, então ele me ignorou e
saiu sem outra palavra.
Eu não consegui falar com Carina para descobrir como foi sua provação
com Dashiell, mas eu estou supondo, pelo olhar em seu rosto enquanto ela se
apressava para sua próxima aula, que foi tão bem quanto se poderia esperar.
Em outras palavras, terrivelmente.

Ela tem uma reunião com o orientador da escola durante o almoço, e é


por isso que não me sinto culpada por não estar tentando caçá-la, enquanto
caminho pela academia. Quando subo os degraus da biblioteca, minha mente
está correndo a mil por hora.

Não era um texto amigável. Então, novamente, Wren não é nada direto
ao ponto. Eu não estava esperando nada florido ou romântico
dele. Honestamente, eu estava surpresa que ele tivesse enviado uma mensagem.

Eu o encontro exatamente onde ele disse que estaria, na seção Poesia,


entre nomes como Rilke, Hugo, Keats e Wordsworth. Com a cabeça inclinada
sobre um livro, o cabelo bagunçado, pendurado no rosto como sempre faz, ele
é moldado em silhueta pela luz que entra pelas enormes janelas atrás dele. Eu
posso ver seu perfil, no entanto, a linha forte de sua mandíbula, a ponta de seu
nariz reta e intransigente, e sua boca pecaminosamente cheia que funciona
enquanto ele molda as palavras na página à sua frente.

Ele não é quem ele se retrata ser. Na verdade, não. Sim, às vezes é difícil
alcançá-lo, e às vezes é mais frio que as águas glaciais da Antártida. Mas há uma
parte profunda e pesada dele que ele não mostra às pessoas também. Tenho a
sensação de que ele também não mostrou esse lado de si mesmo para mim. Ele
escapou, espontaneamente, inteiramente por acidente. A diferença é que ele não
tentou enfiá-lo de volta na gaiola comigo. Ele deixou esse lado dele descansar
lá, ao ar livre, para eu fazer dele o que eu quiser.

Sua boca trabalha um pouco mais enquanto ele continua a ler, mas em voz
alta agora...
─ Nós olhamos antes e depois,

e anseia pelo que não é.

Nossas risadas mais sinceras,

Com alguma dor é preocupante.

Nossos contos mais doces são aqueles

que falam do pensamento mais triste.

Ah. Então ele estava ciente da minha presença. Excelente. Eu me


recomponho, tendo uma conversa feroz com meu coração, certificando-me de
que ele saiba se comportar, enquanto entro nas estantes e vou até ele.

─ Mais Bryan? ─ Eu pergunto.

Ele balança a cabeça. ─ Shelley. Ele era um filho da puta, também, você
sabe. Completamente bêbado. Mulherengo. Deixou sua esposa e engravidou
outra mulher.

─ Maria Shelley. Eu li sobre isso.

Wren fecha o livro suavemente, olhando para mim pelo canto daqueles
olhos verdes. Nenhuma outra parte dele se move. ─ Como todos os melhores
artistas, ele estava muito fodido.

─ Esse poema não soou fodido. Parecia triste.

Wren sorri, lentamente olhando de volta para o livro. ─ Chama-se


'Skylark'. Uma de suas peças mais famosas.
─ É sobre o que?

─ O passado e o futuro. Medo da morte. Fantasmas e ignorância. É sobre


como até as canções de amor mais doces são tingidas de tristeza. E como um
homem nunca pode ser tão livre quanto um pássaro.

─ Parece bonito.

─ É, ─ ele concorda. Deslizando o livro de volta para a prateleira, ele se


vira e me encara, me pegando com um olhar intenso que me faz arrepiar. ─ O
que ele fez? ─ ele exige.

─ O que?

─ Pax. O que ele fez? Eu sei que ele fez alguma coisa.

─ Oh. Uh... ele foi apenas o seu habitual, encantador. É tudo de


bom. Nenhum dano, nenhuma falta.

─ Você não sabe se houve algum dano ainda. Você não saberá até que
esteja deitada no chão em uma poça de seu próprio sangue. É assim que a Pax
funciona.

Eu sorrio para sua absoluta seriedade. ─ Você está me dizendo que ele vai
tentar me eviscerar? Porque eu não estou bem com isso.

Wren estende a mão e me agarra pela mão, girando rapidamente e me


puxando atrás dele. Assim como nosso encontro na frente de Madame Fournier
antes da minha primeira aula de francês, o choque sobe pelo meu braço ao seu
toque, me surpreendendo, mas é diferente desta vez. Ele não me pegou
rudemente pelo pulso. Ele me pegou pela mão. E ele entrelaçou seus dedos com os
meus.
Estou muito atordoada para dizer qualquer coisa enquanto ele me puxa
para longe das janelas e do dia sombrio e cinzento lá fora, correndo, correndo,
correndo até chegar ao canto traseiro da biblioteca. Ele para em frente a uma
porta de madeira simples e inócua que qualquer um no mundo ignoraria se não
estivesse bem na frente dela. Wren deixa cair minha mão e fuzila em seu bolso,
tirando um grande molho de chaves. Seus dedos deslizam habilmente por uma
série de chaves Yale22, chaves cruciformes e chaves mestras até encontrar a que
está procurando.

Um momento depois e a porta está aberta, minha mão está na de Wren


novamente, e eu o estou seguindo para dentro. A porta se fecha atrás de nós, e
tudo fica quieto e perfeito, escuro como veludo.

Eu posso ouvi-lo respirar, suave e calmo, e cada célula do meu corpo está
em alerta. ─ Não suponha que há uma luz neste lugar? ─ Eu
pergunto. Sussurrar parece apropriado, dado o silêncio pesado pressionando
meus tímpanos.

─ Qual é o problema? Você tem medo de ficar em uma sala comigo no


escuro, Pequena E? Sua voz é uma carícia áspera, com um tom levemente
provocador. Eu posso imaginar a inclinação para cima de sua boca, o desafio
afiado em seus olhos, e meus dedos dos pés se curvam em meus sapatos.

─ De jeito nenhum. Estou bem. Estou perfeitamente feliz aqui com você
no escuro. ─ E eu estou. Há algo de libertador nisso. Não estou preocupada
com o jeito que ele está olhando para mim, e não tenho medo do fato de estar
corando. Eu posso simplesmente ser.

22
Modelo de chave muito usado.
─ Nesse caso... ─ A outra mão de Wren toca meu estômago, me fazendo
pular. ─ Calma, pequena E, ─ ele persuadiu. ─ Apenas tentando encontrar sua
outra mão.

Eu dou a ele, engolindo em seco quando ele guia minhas palmas para cima
para descansar em seu peito, bem sobre a parede firme de músculos que forma
seu peitoral. Eu posso sentir seu coração batendo sob o algodão macio de seu
moletom, e com minha visão tirada de mim, o constante dum, dum, dum sob
meus dedos é tudo. Ele me ancora, me enraíza no lugar até que eu me sinta
aterrada e... segura? Uau. Isso é novo. Como é possível que eu me sinta segura
com ele?

Wren se aproxima, as solas de suas botas arranhando o que soa como


azulejos, e seu hálito quente perturba meu cabelo, patinando na minha
bochecha. ─ Achei que seria mais fácil para você, ─ diz ele suavemente. ─ Para
mim também.

─ Mais fácil como?

─ Porque é menos difícil ser honesto sem ter que se preocupar com as
reações de alguém, certo? Você pode me dizer a verdade, e eu posso lhe dizer
a verdade. Não será tão assustador quanto fazê-lo à luz do dia.

Oh. Droga. O que diabos ele quer me dizer? Fecho os olhos — uma ação
desnecessária que não serve para nada além de me fazer sentir melhor. ─
Okaaay. Isso soa sério. Eu deveria estar preocupada?

Ele ri. ─ Possivelmente.

─ Então tire o band-aid, Jacobi. Vamos colocar esse show na estrada.

Mais risadas. ─ Tão disposta a entrar no fogo. Definitivamente, uma das


coisas que mais gosto em você.
─ Uma das coisas? Há outras coisas que você gosta em mim? ─ Essa coisa
de falar no escuro já está dando um trabalhinho. Eu nunca teria dito isso com
as luzes acesas. Eu não sou tão brincalhona, especialmente não com criaturas
perigosas que têm o poder de causar danos graves e irreparáveis.

Eu fico muito quieta quando sinto o roçar macio da boca de Wren contra
minha bochecha. Ele não se barbeou esta manhã; sua barba crescendo contra
minha pele, e eu tremo contra a sensação inebriante, mal respirando em torno
dela. ─ Sim, ─ ele sussurra. ─ Muitas coisas. Vou fazer uma lista para você.

Oh, porra. Isso vai ficar interessante. Eu estava preocupada que ele me
arrastasse para este... qualquer que seja o tipo de quarto que seja... para me dizer
que ele não quer nada comigo. Não estou mais preocupada com isso. Ele coloca
as mãos nos meus quadris, deslizando as palmas das mãos ao redor das minhas
costas, me puxando para mais perto, para que nossos corpos fiquem alinhados,
minhas mãos ainda firmemente plantadas em seu peito.

─ Primeiro, quero que você me diga a verdade, ─ diz ele. ─ Pax fez alguma
coisa para te chatear? Ele ameaçou você?

─ Ele deu a entender que eu aceitei pagamento em troca de sexo algumas


vezes, mas fora isso, não.

Wren grunhiu infeliz. — Vou me certificar de que ele não faça isso de
novo.

─ Não se preocupe. Já fui acusada de coisa pior. Eu tenho uma pele


grossa.

─ Não, você não tem. Sua pele é como a porra de seda. ─ Ele geme,
profundo e baixo, correndo a ponta do nariz ao longo da linha da minha
mandíbula, respirando profundamente como se estivesse tentando inalar minha
essência. ─ Você não precisa se preocupar com Pax. Eu vou cuidar dele. A
segunda coisa que eu quero saber... é se você já está pronta?

─ Pronta para que?

─ Para colocar suas cartas na mesa. Para me dizer que você me quer. Tudo
de mim. Todo o tempo. Para que não haja mais confusão sobre o que é isso.

Meu peito aperta como se houvesse uma sincronização de cinto fechada


em torno dele. — Direto ao ponto, hein?

─ Eu te disse. Eu gosto das coisas em preto e branco. Corte claro. Não há


espaço para mal-entendidos. Você disse que preferia as coisas assim também.

─ Eu prefiro.

─ Então me diga o que você acha que é isso.

─ Eu... ─ Bem, merda. Isso seria muito menos mortificante se ele fosse
primeiro. Ele vai pensar que sou uma covarde se eu não lhe der uma resposta,
porém, vou ser uma covarde, e passei muitos anos me convencendo de que sou
forte para me decepcionar agora. ─ Eu quero você. Eu quero você todo para
mim. E... ─ Senhor Todo-Poderoso, este vai me fazer sentir como uma
garotinha estúpida e ingênua, mas aqui vai nada, ─ Eu quero ser sua namorada.

Silêncio.

Rugido, silêncio ensurdecedor.

Eu posso sentir a presunção irradiando dele, porém, muito real e muito


presente. Depois de uma batida, ele pressiona as mãos com mais firmeza nas
minhas costas, me puxando contra ele para que eu sinta a dureza dele entre
nossos corpos; seu pau está ereto, e do jeito que pulsa contra o meu estômago,
ele quer um pouco de atenção. ─ Você tem alguma ideia de como seria ser
minha namorada, Pequena E? ─ ele rosna.

Uh... palavras. Eu preciso de palavras. Onde coloquei minha capacidade


de formar frases coerentes? No mesmo lugar coloquei minha capacidade de
pensar pensamentos coerentes, pela aparência das coisas. ─ Você é
provavelmente... muito possessivo, ─ eu consigo.

─ Você não tem ideia. E?

─ E você provavelmente gosta de acumular todo o poder em um


relacionamento.

─ Gosto de estar no controle de qualquer situação, ─ admite. ─ Mas estou


disposto a compartilhar de vez em quando.

─ Você provavelmente gosta de brigar?

─ Não há nada de errado com um desacordo saudável. Não há nada de


errado em chamar alguém de merda se eles estão se comportando mal também.

─ Você provavelmente iria querer tudo do seu jeito.

─ Sou capaz de fazer concessões.

─ OK...

─ Continue.

─ Isso é tudo em que consigo pensar.

Há outro leve roçar de lábios, contra meus próprios lábios desta vez, o
contato tão gentil e provocante que eu faço um som de choramingo necessitado
quando ele me priva de sua boca. ─ Então deixe-me preencher o resto, ─ ele
resmunga. ─ Sou arrogante. Eu gosto de foder. Eu sou intenso como o inferno
às vezes. É tudo ou nada comigo. Isso é apenas quem eu sou. Não faço as coisas
em meias medidas. Há dias em que você vai me odiar mais do que você vai me
amar. E você vai me amar, Elodie. Já é tarde demais para isso. Eu vou te amar,
e você vai me amar, e não haverá volta para nenhum de nós. Então deixe-me
perguntar de novo. Você tem uma ideia de como será agora? E você ainda quer
isso, sabendo que nem sempre pode ser perfeito? Que pode ser difícil às vezes?

Minha língua gruda no céu da boca. Eu não posso falar, porra. Ele é tão
cru, feroz e dominante em tudo o que diz e faz. A imagem do futuro com ele
que ele acabou de pintar é aterrorizante e desconcertante e tão excitante que sei
que deveria ter menos certeza sobre a resposta que quero dar. Mas eu tenho
certeza. Maldito seja, esta é a coisa mais estúpida que eu já fiz na minha vida,
mas eu digo as palavras.

─ Sim, Wren. Eu ainda quero.

Suas mãos se fecham em punhos atrás de mim, arranhando minha


camisa. De repente, ele está me empurrando para trás, me levantando do chão,
e há uma parede nas minhas costas. Ele rosna como um lobo faminto,
esmagando sua boca na minha, e minha mente se torna um vazio. Sua língua
sonda minha boca, varrendo e emaranhando com a minha, e é tudo que posso
fazer para me lembrar de respirar. Ele está em todo lugar. O cheiro dele inunda
minha cabeça, todo cítrico e ar fresco do mar, e cedro brilhante. Estou tão
fodidamente tonta com ele, e eu nem mesmo registro o que estou fazendo até
que ele sussurra no meu ouvido.

─ Cuidado, E. Você está quase no osso.

Porra. Eu envolvi meus braços ao redor dele, e estou cravando minhas


unhas em suas costas, através do material fino de seu moletom. ─ Merda,
desculpe.
─ Não se desculpe. Eu gosto disso. Mas se você vai me marcar como sua
propriedade, pelo menos tire a porra da minha roupa primeiro.

Uma onda de calor me atinge, queimando meu peito, meu estômago e


entre minhas pernas. Eu sou como um animal, possuído e selvagem enquanto
me esforço para segurar seu moletom. Consegui dele em tempo recorde.

Nós nos despimos no escuro, frenéticos e desesperados, compartilhando


a respiração e gemendo os nomes um do outro enquanto nos beijamos, tocamos
e amassamos a pele um do outro.

Não sei onde estou, literalmente, e não me importo. Tudo o que importa
são as mãos exigentes de Wren no meu corpo e a urgência tensa em sua voz
quando ele me dá um comando. ─ De joelhos para mim, Pequena E. Eu quero
descobrir o quão bom é essa boca perfeita.

Eu posso ter feito sexo antes, mas isso é algo que eu nunca fiz. Ainda
assim, não sou de fugir de novos desafios. Especialmente aqueles que
eu quero participar. Eu me abaixo, me ajoelho para ele, sabendo que estou
entregando o controle a ele, mas estranhamente sem medo. Suas mãos enrolam
no meu cabelo enquanto ele gentilmente embala minha cabeça. Então a ponta
de seu pau está pressionando contra meus lábios, separando-os e empurrando
para dentro.

─ Puta... merda! ─ Wren sibila. ─ Porra, Elodie, isso parece... ─ Se ele


para porque parece bom demais ou porque estou fazendo um trabalho terrível,
não tenho a menor ideia. Eu gosto da dureza que ele desliza em minha boca,
apreciando a textura sedosa e rígida de sua ereção, e Wren começa a tremer. Os
vídeos que assisti no Youtube no ano passado ─ 'Como dar um bom boquete ao seu
homem', 'Melhores dicas de boquete' e 'Como fazê-lo gozar em trinta segundos' ─ parecem
estar valendo a pena, no entanto. Ele estremece quando eu aplico um pouco
mais de pressão com minha boca, chupando timidamente, e uma série de
palavrões saem dele.

─ Jesus. Deus... caramba, Pequena E. Isso... isso é incrível pra caralho.

Satisfeita nem cobre isso. Wren Jacobi, o flagelo da Academia Wolf Hall,
a ruína da existência de inúmeras mulheres, precursora de miséria e sofrimento,
está à minha mercê agora. Eu tenho ele. Eu pensei que estava entregando meu
controle quando obedeci ao seu comando sem fôlego, mas isso não é nem
remotamente verdade. Estou no volante agora. Eu estou dirigindo esta coisa, e
com um simples movimento da minha língua eu sei que posso trazê-lo de joelhos.

Ele estão tão duro. Mais duro a cada segundo que passa. Suas mãos
apertam meu cabelo, segurando-me com um aperto de aço, mas de alguma
forma eu sei que, se eu quiser desligar isso a qualquer momento, ainda tenho o
poder de fazer isso.

─ Elodie. Deus, Elodie... ─ ele ofega. Não Pequena E desta vez. Eu não
pensei muito em seu apelido para mim, mas eu gosto do som do meu nome
completo em seus lábios. Ele o pronúncia como uma oração sagrada, como se
estivesse me adorando como eu o adoro, e minha cabeça gira com o som
disso. Estou apenas encontrando meu ritmo, descobrindo o quanto posso fazê-
lo tremer usando minha língua de maneiras diferentes, quando ele recua,
puxando-se para fora da minha boca com um estalo molhado.

─ Inferno, E. É demais. Bom demais, ─ ele suspira. ─ Se deite. Eu quero


provar você de novo. Essa sua boceta bonita é tudo em que consigo pensar.

Agradeço ao universo, a Deus e a tudo que é sagrado por estar escuro


agora. Meu coração dispara como um pistão quando me deito no chão frio e
duro. Os dedos de Wren cavam em minhas coxas, afastando-as, e então ele cai
em mim como um demônio. Ele tem muito mais prática do que eu; ele provou
isso com bastante eloquência na outra noite quando me fez gozar com a
boca. Ainda estou despreparada para o quão bom é quando ele varre sobre mim
com a parte plana de sua língua, no entanto. Eu fico tensa, minha respiração
assobiando entre meus dentes enquanto eu tento relaxar na sensação intensa
crescendo dentro de mim.

─ Deeeeeeus, ─ ele geme. ─ Você é tão malditamente doce. Eu não


consigo ter o suficiente. ─ Ele enterra a língua na minha boceta novamente, e
ele não usa apenas a língua desta vez. Ele usa seu rosto inteiro, a ponte de seu
nariz, tudo, esfregando-se em minha carne escorregadia com tanta fome que o
calor explode em meu rosto. Estou envergonhada, molhada, mortificada e tão
excitada que não consigo entender o que está acontecendo. Ele geme,
banqueteando-se comigo como um animal, e eu prendo minhas pernas ao redor
de sua cabeça, puxando-o para mim ainda mais forte.

Uma necessidade impressionante e avassaladora floresce na boca do meu


estômago quando ele desliza os dedos dentro de mim, bombeando-os
lentamente enquanto lambe. É tanto ao mesmo tempo, muita emoção, desejo
e sentimento, que percebo que as lágrimas estão escorrendo de meus olhos e
sobre minhas têmporas. Estou com falta de ar em suspiros molhados e
desesperados que só parecem instigá-lo; ele me fode com dois dedos, me
esticando, explorando, acariciando um ponto dentro de mim que eu nem sabia
que existia, até que estou vibrando, tremendo contra o chão, meus braços e
pernas formigando a ponto de doer, e eu sinto que vou...

─ Porra. Espere, Pequena E. Eu quero sentir você gozar em todo o meu


pau.

Wren se afasta, me deixando choramingando e tão perto de


desmoronar. Só me resta sofrer por um segundo, no entanto. Ele se acomoda
entre minhas pernas, empurrando-se profundamente dentro de mim em um
movimento rápido e de tirar o fôlego, e meu sangue canta em meus
ouvidos. Parece o vento passando por mim enquanto eu tropeço e caio,
descendo em um poço sem fundo de loucura.

─ Wren! Ah Merda! Eu vou... eu acho que vou... ─ Mesmo agora, com ele
em cima de mim, entrando em mim repetidamente, mordendo minha clavícula,
iluminando o interior da minha cabeça com fogos de artifício invisíveis, não
consigo admitir que estou prestes a gozar em voz alta.

Wren sente isso, no entanto. Ele reclama minha boca com tanta selvageria
que eu provavelmente teria gozado apenas com o beijo. ─ Boa garota. Boa
menina, ─ ele sussurra com a voz rouca. ─ Deixa acontecer. Não lute contra
isso.

Isso é tudo que eu preciso ouvir. Eu libero a coleira apertada que eu estava
segurando sobre mim, e minha alma se despedaça, roubando o oxigênio dos
meus pulmões, e meus pensamentos fraturados da minha cabeça.

─ WREN! ─ Eu grito o nome dele, eu sei que grito, mas não há como
parar. Eu não posso evitar. Ele se fecha em torno de mim, me segurando
firmemente em seus braços enquanto se esfrega contra mim, seu pau me
enchendo até o cabo. Eu gozo, tremendo e tremendo, luzes piscando em meus
olhos, e ele rosna na curva do meu pescoço.

─ Fique firme, ─ ele sussurra. ─ Firme, firme, shhh, boa menina. Segure
firme. Ainda não terminei com você.

Ele desacelera por uma batida. Tempo suficiente para chover beijos suaves
na minha têmpora e no topo da minha cabeça, pegando meu cabelo e varrendo
meu rosto, acariciando seus dedos sobre minhas bochechas e meus lábios.

─ Sua maldita boca, Elodie, ─ ele geme. ─ As coisas que eu quero fazer
com sua boca.
Ele desliza os dedos pelos meus lábios, pressionando minha língua, e um
estrondo baixo e terrível sai dele, reverberando em meu ouvido. ─ Um destes
dias. Deus, espere, porra...

Ele pega o ritmo novamente, seus quadris moendo contra os meus, uma
de suas mãos espalmando meus seios e rolando meu mamilo, beliscando com
tanta força que eu soltei um grito agudo. Eu me agarro a ele, viciada na mudança
e agrupamento dos músculos em suas costas enquanto eles ficam tensos sob
minhas mãos. Neste momento, ele é uma força da natureza, mais poderosa e
assustadora do que os relâmpagos e trovões que dividiram o ar na noite em que
o encontrei no gazebo.

Ele é feroz e exigente, beliscando minha boca com os dentes.

Suas mãos são ásperas, pegando o que querem do meu corpo, me trazendo
cada vez mais perto...

O cheiro dele, o calor dele, o peso dele, o próprio som dele furioso
enquanto ele se aproxima de seu próprio clímax...

Eu não consigo ter o suficiente dele.

Não há mais nada para eu fazer a não ser segurá-lo com força e enfrentar
a tempestade.

Nós nos juntamos, os dedos se apertando, os dentes arrancando, os


corpos emaranhados juntos, a respiração frenética, e é a coisa mais incrível que
eu já experimentei. O fluxo agitado do meu sangue começa a diminuir, meus
músculos relaxando um por um, relaxando enquanto Wren cai em cima de mim,
e passamos um segundo recuperando o fôlego. E então Wren faz algo
inesperado.
Ele coloca sua boca na minha e me beija com o maior cuidado. Nenhuma
língua. Sem urgência. Apenas um momento gentil, onde ele me beija, e a porra
do mundo fica parado.

Eu tinha tantas expectativas dele na minha cabeça que isso... eu não sei o
que fazer com isso.

Porque nunca em meus sonhos mais loucos eu pensei que Wren Jacobi
pudesse ser gentil.
29

Elodie
NO INÍCIO de qualquer nova vida em qualquer novo lugar, o tempo passa
infinitamente devagar. Cada pequeno detalhe ao seu redor é interessante, ou
irritante, ou bonito ou intrigante, e requer toda a sua atenção. Mas depois de
um tempo, há cada vez menos coisas novas para notar e tudo se torna
familiar. A mesma coisa que aconteceu em todos os outros lugares que eu já
morei acontece em Wolf Hall também. Eu sei o que esperar quando viro uma
esquina. Conheço o formato das árvores do lado de fora da minha janela e até
o formato das árvores ao longe, do outro lado da linha de fronteira da academia,
onde a floresta começa e se estender até o horizonte. Conheço o cheiro único
do polidor de madeira de cera de abelha que Jana, a governanta de setenta anos
da academia, usa para polir manualmente os painéis de madeira todas as quartas-
feiras. Conheço o eco oco de vozes que ecoam pelos corredores de teto alto e
salas de aula sempre que a campainha toca. Conheço a qualidade melada da luz
que entra pelas janelas da biblioteca e conheço a textura da mesa de madeira
sob meus dedos na minha aula de francês.

Duas semanas se passam e, gradualmente, Wolf Hall começa a parecer


uma espécie de lar. E a cada oportunidade que temos, Wren e eu nos
encontramos na sala de microfichas convenientemente à prova de som da
biblioteca – acontece que era isso que estava por trás da porta secreta escondida
de Wren – ou no sótão, e até no meu quarto uma ou duas vezes, quando eu
sabia com certeza que Carina não ia entrar sem avisar.

Wren é sempre ele mesmo, mas eu aprendo mais e mais dele a cada
dia; portas inesperadas se abrem para mim, revelando algo sobre ele, detalhes
que ninguém mais sabe, que guardo para mim, informações mais preciosas que
ouro ou rubis.

Ele odeia a textura da manteiga de amendoim na boca.

Sempre que sente o cheiro do mar, pensa em perder um dos dentes da


frente quando tinha oito anos.

Ele acha que a palavra sesquipedalian23 é a melhor palavra da língua inglesa,


o que é irônico porque significa ─ dado ao uso de palavras longas, ─ o que
certamente é.

Ele secretamente ama cães, mas não admite amar nada se não for
necessário.

Os pássaros o intrigam.

Velejar, nadar e ler fazem com que ele se sinta vivo.

Conversamos por horas. Eu o conheço agora, mas na mesma linha, muitas


vezes parece que eu mal arranhei a superfície quando se trata de Coisas para saber
sobre Wren.

Trocamos segredos, beijos e respiração, e nos escondemos do mundo,


garantindo que ninguém saiba quando estamos juntos. Eu não me importo com
a espreitadela ou a emoção que persegue minha espinha quando estamos perto
de ser pegos. Apenas parece normal.

O último fim de semana de fevereiro chega e, do nada, o tempo pega. O


céu cinza clareia, a chuva para de bater implacavelmente nas paredes da
academia, e a temperatura até consegue levantar um pouco o mercúrio, subindo
para os sessenta. Faz tanto tempo que não vejo o sol que a mudança do clima,

23
Em português significa longuíssimo. Mas não teria sentido no texto.
por mais temporária que seja, me anima e me deixa tão tonta que Carina me
pergunta se estou usando drogas.

─ Eu não estou dizendo que eu julgaria você se você estivesse. Só acho


que nunca te vi tão... saltitante.

No gramado da academia, paro de pular na ponta dos pés, mostrando a


língua para ela. ─ Eu simplesmente esqueci como a vitamina D é boa. Você não
se sente viva? Como se você pudesse enfrentar o mundo?

─ Eu tenho que voar para Nova York esta tarde para obter dois
documentos. Não, eu não sinto que poderia enfrentar o mundo, ─ ela diz
secamente. ─ Quero dizer, minha mãe é tão estranha. Ela sabe que há dentistas
perfeitamente bons por perto, mas não. Eu tenho que ir ver o dentista dela.

─ Sim. Mas André vai com você. E você vai sair para um jantar
romântico, e ele te deu ingressos para ver Hamilton. Uma vez que a parte do
dentista esteja fora do caminho, você terá um tempo maravilhoso na cidade e
você sabe disso.

Ela gagueja. ─ Eu odeio a porra do dentista. Não suporto o cheiro ou o


som da furadeira. Dentistas se safam com todo tipo de merda, sabe. A
quantidade de mulheres que são agredidas sexualmente por dentistas é... — Ela
infla as bochechas. ─ O número é assustadoramente alto. Se você precisar ser
colocada para um procedimento, sempre se certifique de ter alguém para entrar
e se sentar com você. Caso contrário, você nunca saberá quem está tocando em
você.

─ Um pensamento animador para começar o sábado bem, ─ eu digo,


sorrindo para ela. ─ Vai ficar tudo bem. Você entrará e sairá, e então poderá
aproveitar seu tempo com Andre.
─ Mmm. ─ Ela sorri, mas não parece muito convencida. ─ O que você
vai fazer hoje? Desculpe, estou fugindo de você de novo.

─ Ah, você sabe. Vou afundar meus dentes nisso. ─ Eu seguro o livro em
minhas mãos. ─ Harcourt entregou meu novo laptop e um monte de outras
coisas ontem à noite. Posso acompanhar minha lista da Netflix se quiser uma
distração.

─ OK, bem. No próximo fim de semana, faremos algo legal, prometo.

Quando o Ford F150 preto de Andre para no círculo de viragem, ela geme
como se ele estivesse prestes a levá-la para o inferno, em vez de um fim de
semana romântico. Sorrio para a caminhonete que se afasta até minhas
bochechas doerem, acenando até que ele fique fora de vista, e então estou de
pé e correndo, descendo a calçada em direção ao meu próprio refúgio de fim
de semana.

O carro está afastado da estrada, estacionado em uma estreita trilha de


cascalho que o obscurece de vista. Preto, elegante e brilhante, o '66 Mustang
Fastback parece novo em folha, mesmo tendo mais de quarenta anos. Wren se
inclina contra a porta do motorista, cabeça baixa, cabelo escondendo o rosto. A
camiseta cinza desbotada que ele está vestindo é esticada sobre os braços e nas
costas, a calça jeans de cintura baixa pendurada nos quadris. Suas botas
desalinhadas e gastas estão desaparecidas, substituídas por um par de cano alto
preto Chuck Taylor. Um sorriso lento se espalha em seu rosto quando ele ouve
meus pés esmagando o cascalho.

─ Eu estava começando a pensar que você ia desistir de mim, ─ diz ele.

Ele ainda não olhou para mim. Ele faz muito isso, evitando levantar a
cabeça e fazer contato visual comigo até o último segundo, até que eu esteja
bem na frente dele. Ele finalmente olha para mim por baixo daquelas
sobrancelhas expressivas e escuras, e meus dedos dos pés se curvam em meus
sapatos. ─ Como você sabe que sou eu?

─ Você tem 1,60m, Pequena E ─, diz ele, sorrindo. ─ Você tem


um passo muito curto.

─ Grosseiro.

─ É verdade ─, ele responde, enganchando os dedos nas presilhas do meu


jeans, me puxando em direção a ele. Ele traz sua boca para baixo na minha, e
os pássaros param de cantar nas árvores. O ar para. O sol queima um pouco
mais brilhante. Quando ele me solta, ele desliza as mãos para dentro da minha
camisa, desenhando pequenos círculos sobre a minha pele com as pontas dos
dedos. ─ Você está atrasada, ─ ele resmunga. ─ Não gosto de ficar esperando.

Eu dou uma olhada nele. Um que ele sorri, passando a língua sobre o lábio
inferior, molhando-o. Nós temos essas trocas silenciosas com frequência agora
– minha repreensão sem palavras em troca de suas desculpas divertidas e meio
sentidas. ─ Você não é o meu chefe, ─ eu o lembro.

─ Não sou?

Ele se abaixa para outro beijo, mas eu me afasto, fora de alcance. ─


Definitivamente não.

O fogo acende em seus olhos. ─ Se eu disser para você fazer alguma coisa,
você não faz? Se eu te pedir algo, não recebo em troca? ─ ele medita.

─ Só porque me honro a fazer ou dar a você o que você quer,


Jacobi. Chegará um dia em que não me sentirei tão complacente.

─ Bem, acho que vou ter que viver com medo desse dia, então, ─ ele
ronrona, rondando atrás de mim. Eu grito, correndo ao redor do carro, mas
não adianta. Ele estava certo, eu tenho 1,60m, e minhas pernas são muito mais
curtas que as dele. Ele me pega com facilidade, travando os braços em volta da
minha cintura e me levantando do chão. ─ No carro com você, ─ ele rosna no
meu ouvido. ─ Temos lugares para estar.

Ele me segura contra o seu lado com um braço, liberando uma mão para
que ele possa abrir a porta do passageiro do carro e me colocar dentro. Eu
pouso com um suave uffff no banco de couro. Ele bate a porta atrás de mim
antes que eu possa brincar de fugir. Dois segundos depois, ele está entrando no
carro ao meu lado e girando a chave na ignição.

Há algo muito espetacular em Wren atrás do volante de um carro. Eu


nunca o vi dirigir antes; Pax sempre leva os garotos da Riot House até a
academia sempre que o tempo está ruim o suficiente para justificar a curta
viagem. Vê-lo assim agora, suas ações seguras e confiantes enquanto ele coloca
o Mustang em marcha e acelera, me excita da maneira mais estranha. As coisas
mais estranhas tendem a me excitar agora. O ato de vê-lo preparar o café, tirar
a tampa do copo, lamber a espuma antes de espalhar um pouquinho de açúcar
no topo do café com leite e colocar o plástico de volta no copo novamente. A
maneira como seus olhos passam rápida e seguramente pelas páginas de um
livro quando ele está lendo algo que acha fascinante. A maneira como ele
distraidamente puxa o lábio entre os dentes quando está pensando
profundamente. Porra, a maneira como ele fica em suas roupas, e a visão de
seus pés descalços, e a maneira como todo o meu ser vibra com satisfação
sempre que tenho a sorte de arrancar uma gargalhada dele.

Tudo isso me faz querer arrancar minhas roupas e fodê-lo estupidamente.

─ Você trouxe as coisas? ─ ele pergunta, me dando um rápido olhar de


soslaio enquanto ele sai para a estrada.

Dou um tapinha na bolsa que trouxe comigo, levantando as


sobrancelhas. ─ Sim. Embora porque diabos você me disse para trazer um
maiô, eu não sei. O sol pode estar brilhando, mas não tem como você me
colocar em um lago. A água vai estar congelando.

O canto de sua boca se levanta. ─ Não se preocupe com essa sua linda
cabecinha. Não vou deixar você congelar até a morte, Elodie Stillwater.

Queimamos a montanha em tempo recorde. Ele dirige ainda mais rápido


que Carina, mas não sinto o mesmo embrulho no estômago quando ele faz uma
curva. Wren dirige seu carro como um profissional, freando antes das curvas e
acelerando com tanto controle que eu tenho que pressionar meus joelhos juntos
para parar a dor pesada e quente entre minhas coxas. Deus, eu sou uma
perdedora do caralho. Na cidade, Wren faz uma série de curvas pelas ruas
residenciais, evitando as estradas principais enquanto nos conduz em direção
ao nosso destino.

─ Você realmente não vai me dizer para onde estamos indo? ─ Eu


pergunto.

Ele balança a cabeça exageradamente, reprimindo um sorriso. ─ Não em


sua vida. Estamos quase no nosso primeiro ponto de escala de qualquer
maneira.

Poucos minutos depois, estamos entrando no estacionamento de um


prédio em ruínas que parece um bar decadente do oeste. O
nome 'Cosgrove's' está rabiscado em uma pintura descascada, antes branca, agora
cinza, na lateral do revestimento fortemente desgastado pelo tempo. Wren para
ao lado de um velho Buick enferrujado e desliga o motor, olhando para mim
com uma expressão estranha no rosto. Levo um segundo para reconhecê-lo
como nervos. Acho que nunca o vi nervoso antes.

─ Uhh... ─ Ele para, ainda decidindo o que vai dizer.

─ Uh?
─ Este lugar é meu, ─ diz ele.

Eu empurro meu polegar atrás de mim, para fora da janela traseira do


Mustang. ─ O bar?

─ Sim. O bar.

─ O que você quer dizer, é seu?

─ Eu comprei isso. Ano passado.

─ Como? Você não era menor?

─ Eu tenho um cara. Eduardo. Ele administra meus negócios para


mim. Apenas assina as coisas legais que não posso fazer. Pelo menos ele fazia,
mas eu tenho dezoito anos agora, então…

Eu balanço minha cabeça, piscando para ele. ─ Com que dinheiro?

Ele ri amargamente, esfregando as mãos pelo cabelo e depois pelo rosto. ─


Urrrrghhhh. Com parte da minha bolsa anual. ─ Ele não parece feliz quando diz
isso. Ele parece frustrado e muito miserável, na verdade. ─ Meus avós eram
pessoas muito ricas, Elodie. Eles deram a Mercy e a mim uma mesada anual
para sobreviver. Primeiro de janeiro, todo ano sem falta, uma quantia obscena
de dinheiro é depositada em minha conta corrente, e todo ano eu faço o meu
melhor para queimar tudo antes da primavera.

Santo inferno. Imaginei, já que o pai dele é tão graduado nas forças
armadas quanto o meu, que a família dele tinha dinheiro. Eu não pensei por um
segundo que ele tem o seu próprio. ─ E você administra isso? Você desperdiça
todo o seu dinheiro até abril? ─ Eu pergunto.
Ele me dá um sorriso apertado e afiado. ─ Nunca. Eu provavelmente teria
que comprar uma pequena nação com uma enorme dívida nacional para limpar
minha conta bancária neste momento.

Porra.

─ Tenho casas na Europa e na Austrália. Eu tenho mais ações e ações do


que você pode imaginar. E quando investir meu dinheiro se tornou muito
responsável, comecei a desperdiçá-lo. Férias ridículas. Barcos. Drogas. Muita
droga, ─ diz. ─ E então fiquei entediado com isso também, então comecei a
comprar empresas falidas que nunca dariam dinheiro e sentei para assistir aos
fogos de artifício quando meu pai descobriu. O Cosgroves tinha o benefício
adicional de ser um bar licenciado, onde eu podia vir e me embebedar sempre
que quisesse, então...

─ Certo. Faz sentido. ─ Eu ri um pouco nervosa. Vivo com tanto


cuidado, vendo o saldo no American Express que meu pai carrega para mim. É
uma das maneiras que ele gosta de me lembrar que ele é meu dono, e eu nunca
fui capaz de esquecê-lo. Cair fora de suas boas graças, e é isso, eu estou
raspando em quase nada até que ele decida que eu me redimi. Acontece que
Wren nunca teve que se preocupar com dinheiro. Ele se inclina para frente,
apoiando o queixo nas mãos, olhando pelo para-brisa para a estrada vazia do
outro lado do estacionamento.

─ Eu daria tudo, ─ diz ele taciturnamente. ─ Só que meu pai descobriria


e mandaria mais. Para os Jacobi, o dinheiro é um recurso infinito, brotando de
um poço que nunca secará. Mercy adora. E eu odeio isso mais do que posso
dizer. Ingratidão, certo? Há tantas pessoas por aí lutando para sobreviver, e
estou reclamando que tenho muito dinheiro. Deus, eu até fico doente. Venha,
vamos. ─ Ele sai do carro, pulando tão rápido que sua porta se fecha e ele já
está abrindo a minha antes que eu registre que ele saiu.
O interior do Cosgrove's é uma confusão de parafernálias
incompatíveis. Há itens peculiares e estranhos em todos os lugares, desde
cabeças de alce empalhados até tapeçarias de parede nativas americanas. De
velhas fotografias em preto e branco de trabalhadores da construção civil
sentados nas bordas de arranha-céus semiconstruídos na década de 1920, a uma
cabine telefônica inglesa, posta no canto como se inexplicavelmente caísse do
maldito céu e aterrissasse lá sozinha. O bar cheira a cerveja velha e serragem,
mas é um cheiro reconfortante, e até mesmo o filme pegajoso que cobre as
cadeiras, as mesas, o balcão gasto do bar e praticamente tudo dentro do prédio
não diminui sua aparência estranhamente charmosa.

Wren está no centro do bar tranquilo com as mãos nos bolsos, olhando
em volta como se não soubesse o que fazer com o lugar.

─ Há clientes, ─ observa. ─ Normalmente não temos isso.

Um homem baixo e atarracado abre caminho através de um conjunto de


portas giratórias de saloon que presumivelmente levam para os fundos, sua
expressão escurecendo quando vê Wren. ─ Sem texto, ─ ele resmunga, fazendo
barulho atrás do bar. ─ Eu pensei que nós concordamos que você enviaria uma
mensagem antes de você aparecer. Não pode simplesmente aparecer do nada,
me espionando, ─ ele lamenta.

─ Eu não concordei com tal coisa, ─ Wren suspira cansado. ─ É o meu


bar. Eu posso aparecer sempre que eu quiser. E não estou espionando você,
Patterson. Queremos café da manhã. Isso é tudo.

Patterson olha para ele. ─ Nós?

Wren inclina a cabeça na minha direção, onde estou encostada no


bar. Patterson me vê e solta um suspiro de alívio. ─ Bem, pelo menos você não
trouxe aqueles animais aqui com você. Isso é uma pequena misericórdia. ─ Ele
está falando sobre Dashiell e Pax, tenho certeza. Andando ao longo do bar, o
velho para na minha frente, me olhando de cima a baixo. ─ Tem todos os seus
próprios dentes? ─ ele pergunta.

Eu tento não deixar escapar uma risada surpresa. ─ Sim senhor.

─ Então você não é da cidade. Você tem mais dinheiro do que bom senso
e acha que o mundo ainda deve a você?

Eu balancei minha cabeça gravemente. ─ Não senhor.

─ Então você provavelmente também não é daquela escola. Não sei onde
ele te encontrou, menina bonita, mas você parece muito bonita para ele. Meu
conselho? Saia agora enquanto ainda pode.

Eu nem sei o que dizer sobre isso. Eu não digo a ele que sou uma estudante
em Wolf Hall, no entanto. Sinto que ele ficará menos apaixonado por mim se
eu corrigir sua suposição. Wren está atrás de mim, rosnando baixinho. ─
Ela é muito legal para mim, mas isso não é da sua conta, velho.

Pedimos uma quantidade nojenta de comida e comemos em um banco de


piquenique, longe dos olhares indiscretos dos quatro clientes no bar. Assim que
terminamos, Wren me conduz de volta para o carro e me diz que estamos
deixando Mountain Lake. Pela primeira vez desde que cheguei a Wolf Hall, saio
da cidade e não olho para trás.
30

Wren
PRÉ-ELODIE, meu melhor comportamento parecia muito diferente
disso. Eu teria repreendido Patterson por seu atrevimento, e provavelmente
teria expulsado todo mundo do bar também. Houve tantas vezes desde que
Elodie se tornou minha namorada que eu contive minha raiva e não
ataquei. Chegou ao ponto que eu estou fazendo isso mesmo quando ela não
está por perto, atormentado por uma consciência que eu prestei pouca atenção
até agora. Por trás de cada ação, cada pensamento e cada palavra está a pergunta
incômoda: o que Elodie pensaria de mim se pudesse me ver agora?

É um fardo, essa mudança de atitude. Não vem naturalmente; requer


trabalho constante, e as novas restrições que coloquei sobre mim me irritam
como nada mais.

Ela não me pediu para mudar.

Ela realmente não me pediu nada, mas esse desejo corrosivo de fazê-la
feliz, de deixá-la orgulhosa de mim, é sempre constante. Para ela, quero ser
melhor do que minha alma suja e podre jamais foi.

A viagem é longa o suficiente para exigir música. Eu ligo o rádio, e Elodie


imediatamente muda a estação do hardcore metal pesado que eu costumo
escolher para algo mais mainstream e folk. Eu odeio a mania hipster e toda a
porcaria americana que veio junto com isso, mas pela primeira vez eu não sinto
que vou esmagar meu punho no painel quando ouço as guitarras dedilhadas e
as letras cadenciadas pretensiosas. Ela parece gostar, então eu também gosto.
Eu tento não reagir quando ela começa a cantar, sua voz doce e brilhante,
sempre um segundo fora do ritmo ou um pouco desafinada, mas minhas
entranhas estão se revoltando. Ela não se importa se ela não acertar todas as
notas. Ela canta por puro prazer, rindo de mim vertiginosamente quando me
pega olhando para ela com o canto do olho. Ela é tudo de bom e leve neste
mundo e estar em sua presença é como sair de uma cela de prisão depois de
tantos anos longos e sombrios e finalmente sentir o sol no meu rosto.

Estou tão quebrado e corrompido que sempre senti que os pedaços


ásperos e irregulares de mim nunca se encaixariam novamente. Eu nunca ousei
pensar em tal pensamento. Mas de alguma forma, ao longo das últimas semanas,
Elodie tem me recomposto e ela nem tentou.

Chegamos à propriedade pouco depois do meio-dia. Estamos a duas horas


da academia, mas podemos muito bem estar a meio mundo de distância. O dia
parece cheio de possibilidades, cheio de potencial. A testa de Elodie franze-se
com confusão enquanto eu nos conduzo pelos altos portões de metal e desço a
longa e ampla entrada para a imponente estrutura à frente.

─ Casa Monmouth? ─ ela diz curiosa. ─ Isso é o que aquela placa acabou
de dizer.

─ Placa? ─ Finjo que não faço ideia do que ela está falando.

─ Sim. Aquela que estava montada naquela placa gigante na frente dos
portões. Wren, o que diabos estamos fazendo aqui? Estamos prestes a ser
presos por invasão? Não posso obter um registo criminal. O coronel Stillwater
vai me matar.

Ela pode ser tão melodramática às vezes. Eu me livro do choque de nervos


que me ataca quando vejo o G-Wagon branco estacionado na frente da casa,
dando-me uma severa conversa.
Mantenha a porra da calma, cara.

Desde quando você se preocupa com o que esses fodidos pensam?

Estou tenso como o inferno, no entanto. Negar isso não serve para
nada. Isso é algo muito novo para mim, terreno inexplorado, e não tenho a
menor ideia de como tudo isso vai acontecer. Paro ao lado do G-Wagon, me
preparando para o que está por vir.

─ Wren, sério. Isso parece propriedade privada. Não deveríamos... ─ Ela


olha ao redor, preocupação em seus lindos olhos azuis. ─ Não deveríamos
encontrar um hotel ou algo assim? Eu não acho que este lugar alugue quartos.

─ Não por hora, de qualquer maneira, ─ eu digo, sorrindo.

Eu giro a chave na ignição, desligando o motor. Bem na hora, Calvin


aparece na porta da frente aberta, vestido impecavelmente como sempre em
seu Armani. Elodie se abaixa em seu assento, fazendo o possível para ficar
invisível.

─ Wren, ─ ela sibila.

Abro a janela, oferecendo um sorriso curto para o homem alto e grisalho


que se aproxima do carro. ─ Mestre Wren! ─ Suas saudações sempre foram
calorosas, seu sorriso sempre genuíno.

Eu inclino meu braço na porta, sorrindo para ele. ─ Ei, Cal. E aí?

Conheço Calvin desde os cinco anos de idade. Ele estava lá quando meus
avós morreram. Os pais da minha mãe. Foi ele quem me consolou quando
esfolei os joelhos. Era ele que costumava me roubar biscoitos depois do jantar,
quando eu era mandado para a cama sem sobremesa por não terminar minhas
refeições.
Uma luz se acende em seus olhos quando ele percebe Elodie sentada ao
meu lado no banco do passageiro. ─ Ah! Uma convidada? Meus olhos me
enganam?

─ Tudo bem, tudo bem. Não há necessidade de tanto. Eu trouxe uma


convidada para casa comigo. Calvin, esta é Elodie. Elodie, este é o Calvin. Não
faça festa. Onde eles estão?

─ Seu pai ainda não chegou. A Sra. Jacobi está com seu clube do livro na
biblioteca.

Eu me encolho, me afastando desse título. Calvin é parte integrante desta


família há muito tempo, mas no final das contas ele ainda é o ajudante
contratado. Ele não pode chamar a puta da esposa do meu pai de Patricia, então
ele usa o título que pertencia à minha mãe. E eu odeio isso. ─ Não diga a ela
que estou em casa, ok?

Ele concorda. ─ Vou colocar o carro na garagem para você.

─ Obrigado, cara. ─ Eu me viro para Elodie, prestes a perguntar se ela


está com sua bolsa, mas o olhar atordoado em seu rosto me faz parar.

─ Casa? ─ ela sussurra. ─ Você me trouxe para casa?

Oh Deus. Parece que ela está prestes a ter um ataque cardíaco. ─ Não é
grande coisa. É apenas um edifício. Com muitos quartos chiques dentro.

Seu rosto empalidece de todas as cores. ─ Wren. Você me disse para trazer
um biquíni e uma porra de lingerie. Você não me disse para trazer roupas
bonitas e respeitáveis que seriam adequadas para seus pais.

Calvin me dá um olhar que diz tudo: você está pronto para isso agora. ─
Deixe as chaves. Eu vou dar a vocês algum tempo para juntar suas coisas e
entrar, ─ ele diz, seu sorriso se estendendo de orelha a orelha. ─ É muito bom
conhecê-la, senhorita Elodie.

─ Digo o mesmo, Calvin, ─ ela responde com uma voz muito aguda.

Saio do Mustang e dou a volta pelo outro lado, abrindo a porta para ela. ─
Saia do carro, Elodie.

Ela me encara maliciosamente, cruzando os braços sobre o peito. ─ Você


está louco? Você perdeu a porra da cabeça?

─ Melhor não xingar tanto na frente do meu pai. Ele é republicano. E um


cristão.

Ela joga a cabeça para trás, fechando os olhos e fazendo uma careta que
parece pior do que aflita. ─ Wren! Isso não é... isso não é...

─ Romântico? Realmente não é. Mas há coisas aqui que eu queria mostrar


a você, ─ digo a ela.

─ Eu pensei que você sempre dizia a verdade, ─ diz ela acusadoramente.

Eu levanto ambas as sobrancelhas, encolhendo os ombros. ─ Quando eu


menti?

─ Quando você não me disse que estaríamos vindo aqui!

Eu rio, mesmo sabendo que vai irritá-la pra caralho. ─ Vamos, Pequena
E. Isso não era mentira. Isso foi uma omissão dos fatos. Agora, por favor, saia
do carro antes que eu tenha que entrar aí e pegar você.

Ela sabe que eu vou fazer isso. Eu a coloquei lá, pelo amor de Deus. Eu
vou carregá-la com a mesma facilidade, chutando e gritando se for
preciso. Amuada dramaticamente, ela sai do carro, lançando um olhar na minha
direção que esfolaria qualquer outro mero mortal vivo. Estou acostumado com
suas rajadas emocionais, no entanto. Elas duram cinco minutos e depois
terminam novamente. ─ Isso é realmente injusto, ─ ela geme. ─ Você deveria
avisar as pessoas, para que elas possam se preparar mentalmente para esse tipo
de coisa. E eu realmente não trouxe nada para vestir.

─ Nada?

─ Não, a menos que você pense que um par de tangas de renda e alguns
saltos altos seriam trajes de jantar apropriados?

─ Você não vai me encontrar reclamando. ─ Jesus, meu pau está ficando
duro só de pensar nisso.

─ Idiota! ─ ela choraminga. ─ Ajude-me! Isso vai ser um desastre!

E não posso manter a brincadeira por muito tempo. Vê-la tão excitada
tem algo dentro de mim puxando como uma corda de arco até que eu sinto que
não posso respirar em torno da miséria disso. Eu sou uma piada do caralho. Era
uma vez, eu pensei que queria machucar essa garota. É carma que me dói mais
do que posso suportar vê-la em perigo. Eu a prendo contra a lateral do carro,
segurando seu rosto em minhas mãos, escovando seu cabelo para trás das
orelhas. ─ Calma, E. Está tudo bem. Eu não te jogaria debaixo do
ônibus. Encomendei alguns itens on-line para você e os enviei com
antecedência. Tudo o que você precisa já está lá dentro, esperando por você.

Seu pânico desaparece, transformando-se rapidamente em


aborrecimento. Ela dá um tapa no meu braço. ─ Cruel, Wren Jacobi! Você
deveria ter começado por ai!

─ Eu sinto muito! Eu... Jesus, pare de me bater, me desculpe!


Ela eventualmente para de me bater, tempo suficiente para eu beijá-la. Ela
é tão malditamente pequena em meus braços. Ela se derrete em mim,
resmungando sem entusiasmo enquanto me beija de volta.

─ Vamos lá. Sério. Precisamos entrar antes que minha madrasta nos
veja. Eu realmente não estou brincando.

Elodie lê o aviso genuíno em meus olhos e cede. ─ Tudo bem então. Está
bem. Lidere o caminho. Suponho que outras pessoas visitaram aqui e saíram
vivas, certo?

Tudo o que posso fazer é rir. Ela não tem ideia do que esta enfrentando.

***

A Monmouth House foi construída em 1878 por um rico magnata do


petróleo chamado Adar Jacobi. Ele foi o primeiro e único homem judeu (até
onde os registros estaduais do Texas atestam) a atingir um reservatório
significativo e fazer sua fortuna. Ele se casou com uma inglesa chamada Eleanor
Fairfax Monmouth e construiu a casa em sua homenagem, dando-lhe o
sobrenome. Quando Elodie entra no amplo vestíbulo pela primeira vez, eu vejo
o lugar através de seus olhos e a coisa toda parece muito pretensiosa para
palavras.

O mármore branco com veios cinzas e dourados serpenteando sob os pés


fala de quanto dinheiro foi gasto na construção deste lugar. Os tetos altos,
pontilhados com candelabros elaborados e brilhantes que refratam a luz do sol
que entra pelas janelas arqueadas de quatro metros e meio de altura no topo da
escada, espalhando arco-íris por todas as paredes. Para onde quer que você
olhe, há pinturas em óleos austeros e agourentos dos meus ancestrais de cabelos
escuros nos encarando com desaprovação e julgamento nos olhos. Elodie
absorve a decoração luxuosa, os tapetes opulentos e os móveis suntuosos com
um nível de admiração horrorizada que me faz pensar se isso não foi um grande
erro, afinal.

Eu não sou isso. Fui muito cuidadoso para ser algo totalmente removido
dessa repugnante demonstração de riqueza. Eu uso minhas roupas até que elas
literalmente desmoronem, e então eu as uso um pouco mais só para ter certeza
de que o recado foi dado. Rejeito toda e qualquer sugestão de corte de cabelo
até ser forçada a resolver o problema (e uma tesoura) com minhas próprias
mãos, cortando meu cabelo com um nível de desordem praticado que leva meu
pai a beber.

Mercy, com suas roupas escandalosamente caras e tudo perfeitamente bem


cuidado, se encaixa aqui. Mesmo aqueles equipados com uma imaginação fraca
podem ver que eu realmente não. Sinto-me tão distante deste lugar que entrar
pela porta é como abrir as páginas de um livro que você leu há muito
tempo. Tudo é familiar, e parece que a história rabiscada nas páginas parece que
aconteceu com você, mas é tão distante, tão remota que você sabe que não é
realmente sua história.

Eu realmente não caí dos degraus e quase mordi meu lábio quando eu
tinha nove anos. Aquele era outro garoto. E lá? Eu não fiquei ali, com meu
ouvido pressionado contra a pesada porta de nogueira da sala de jantar formal,
ouvindo meu pai fodendo uma jovem que apareceu do nada e ficou em casa
por três semanas quando eu tinha doze anos. Não importa que eu não consiga
lembrar qual era o nome dela. Ou que Patricia estava a três quartos de distância
quando meu pai estava comendo a buceta de uma garota na grande mesa de
banquete antiga de vinte pessoas. Não. Nada disso importa porque aquela não
era a minha vida. Isso aconteceu em outro plano de existência, com outro Wren,
antes da Riot House e Wolf Hall. Antes de Elodie.
Eu me abstenho de chutar meus sapatos. Patricia vai ter um acesso de
raiva quando me vir andando pela casa com sapatos de fora nos pés, que é a
única razão pela qual eu os deixo. Elodie não é uma merda como eu. Ela desliza
para fora de seus Doc Martens, e Mariposa aparece, como se a própria
existência de um par de sapatos desacompanhados na entrada criasse um portal
no tempo e no espaço, arrastando-a até aqui para cuidar do assunto antes que a
sociedade educada notasse tamanha vulgaridade. Tenho total fé que muito
depois de ela morrer, minha velha babá retornará espontaneamente da vida após
a morte para garantir que a etiqueta correta seja observada o tempo todo dentro
dos muros da Monmouth House.

─ Mestre Wren, ─ ela diz incisivamente, olhando meus pés. Ao contrário


de Calvin, Mariposa está menos feliz em me ver. Ela guarda rancor como
ninguém. Ela ainda está chateada com as lesmas que eu coloquei em sua gaveta
de roupas íntimas quando eu tinha sete anos. Quando ela superar isso e passar
por todas as outras merdas que fiz com ela, ela e eu estaremos mortos três vidas
depois. ─ Eles acabaram de cozinhar os tapetes no vapor, ─ ela bufa. Com
quase 70 anos, ela está tão curvada agora que sua linha de visão está sempre
travada nos pés das pessoas; não admira que ela seja tão boa em acompanhar
seus calçados.

─ E eu tenho certeza de que eles vão limpá-los novamente no próximo


mês, também. Mesmo que seja completamente desnecessário. Onde está
Picareta?

Sua boca se contorce em uma careta azeda. Seus olhos são afiados como
sílex. ─ Morto.

─ O que você quer dizer, morto?


─ Quero dizer morto. O encontrei esvaindo-se em sangue nos
estábulos. Comeu o veneno preparado para os ratos em janeiro. Seu pai atirou
nele. Tirando-o de sua miséria.

Eu desvio o olhar, olhando para o céu pelas janelas no topo da escada,


tentando contornar a tempestade de emoções que está girando dentro da minha
cabeça. Tudo está se movendo tão rápido. Meus pensamentos estão tão
confusos; não consigo entender o que acabei de aprender.

Uma mão quente pega a minha. ─ Picareta? ─ Elodie sussurra em questão.

─ Não importa, ─ eu digo, engolindo o nó duro na minha garganta. ─


Vamos lá.

─ Mestre Wren, seus sapatos!

─ Foda-se, Mariposa.

─ Dios Mio. ─ Ela se benze quando eu passo como se eu fosse o próprio


diabo. Meus movimentos são rígidos e mecânicos enquanto subo as
escadas. Elodie me segue silenciosamente, ainda segurando minha mão,
recusando-se a soltar. Ando pelo corredor, passando pela ala da casa de Mercy,
passando pela curva à esquerda que leva à biblioteca, ao escritório do meu pai
e aos quartos separados onde ele e Patricia dormem. No final do corredor, abro
a porta, escondida fora de vista em sua pequena alcova que leva ao que
costumava ser os aposentos dos empregados. Esta escada não é nada parecida
com a que acabamos de subir; é estreita e apertada, mal larga o suficiente para
caber nos ombros de um homem. Também está tão escuro que quem não está
tão familiarizado com os degraus irregulares como eu, tem que colocar a mão
contra o estuque áspero para não tropeçar nas tábuas bambas.

─ Jesus, onde você está me levando? ─ Elodie murmura. Sua voz é suave,
mas soa áspera e alta, saltando pelo espaço estreito.
─ Não muito mais, ─ digo a ela. ─ Você vai ver em breve.

Eu giro a maçaneta da porta no topo da escada. E não abre, porra. ─ Que


porra é essa?

─ O que está errado?

Eu aperto a mão de Elodie, então a solto. Com as duas mãos, sinto o metal
pesado e frio de um cadeado acima da maçaneta - um cadeado que não estava
lá antes. ─ Aquele filho da puta, ─ eu rosno.

─ Wren, sério. O que está acontecendo. Posso não ter mencionado isso
antes, mas sou meio claustrofóbica.

Ah, porra. Como eu fui tão estúpido? Eu sei disso sobre ela. Ela pode não
ter compartilhado a informação comigo, mas faz todo o sentido, dado o que li
sobre ela. Este não é o tipo de lugar para ficar se você tem medo de espaços
apertados. Com raiva, eu puxo a fechadura para ver o quão sólida ela é. E é
realmente fodidamente sólido. ─ Meu velho, ─ eu digo, suspirando. ─ Ele
mandou Calvin colocar uma fechadura na porta. E eu não tenho espaço
suficiente para colocar meu ombro nele. Teremos que voltar para baixo para
que eu possa encontrar a porra de uma chave de fenda.

─ Ou... ─ Elodie para. Sua respiração soa um pouco difícil como se


estivesse engatando em seu peito. ─ Ou eu poderia simplesmente arrombar a
fechadura, ─ ela termina.

Surpresa se aproxima, por cima da minha raiva. ─ Você pode fazer


isso? No escuro?

─ No escuro. Embaixo da água. Com as mãos amarradas nas


costas. Como você acha que encontrei meu caminho para o seu quarto quando
você pegou meu telefone?
─ Achei que você tinha simplesmente entrado pelos fundos. Sempre
deixamos a porta da cozinha destrancada.

─ Merda. ─ Ela ri nervosamente. ─ Isso teria sido bom saber naquela


época, eu acho. Aqui, você pode... me deixar passar? ─ Ela desliza os degraus
ao meu lado, seus seios roçando meu peito, e meu pau imediatamente
endurece. Ela tem cheiro de primavera e sol e floral como as pequenas flores
brancas que crescem por todas as paredes antigas e em ruínas dos castelos de
meu pai na França.

Eu quero beijá-la tão fodidamente. Meu corpo quer muito mais do que
isso, mas agora não é a hora. Eu pressiono minhas costas contra a parede atrás
de mim, conseguindo dar a ela espaço suficiente para ficar na minha frente. Eu
a ouço mexendo na fechadura — um leve chacoalhar, e então silêncio quando
ela se abaixa, sua respiração não é mais difícil; ela se equilibra, em longa e firme
e até puxa o ar, enquanto ela se concentra em seu trabalho. Ela está trabalhando
na coisa há apenas alguns segundos quando ouço o estalo metálico e um tinido
alto quando o cadeado cai no degrau mais alto.

Ela abre a porta e passa por ela, para o corredor iluminado à frente. Suas
bochechas queimam quando ela se vira e vê a expressão no meu rosto. ─ O
que? O que é esse olhar?

Estou me recuperando do fato de que ela conseguiu abrir a


fechadura. Porra, em choque. Eu sei exatamente por que ela aprendeu essa
habilidade, e eu sei exatamente por que ela carregava as ferramentas necessárias
para arrombar uma fechadura com ela o tempo todo. Ainda é incrível pra
caralho. ─ Você é cheia de surpresas, Pequena E, ─ digo a ela, piscando de
brincadeira. Ela ainda não me contou nada sobre seu passado em Tel Aviv. Eu
estive esperando pacientemente que ela se abrisse sobre isso, mas eu não vou
pressioná-la.
─ Você pode aprender todos os tipos de coisas no YouTube, ─ diz ela. ─
Vi mil vídeos, aprendendo a fazer isso no maior número de situações possível.

Uma sensação fria e doentia sobe pelas minhas costas. Eu rapidamente


afasto isso, forçando um sorriso no meu rosto.

─ Por que seu pai trancaria aquela porta? Parece uma coisa estranha de se
fazer, ─ ela diz, suavemente mudando de assunto. Examinando o corredor com
as pequenas janelas de vigia ao longo do lado norte, e as quatro portas que saem
dele do outro lado, ela franze a testa profundamente.

─ Este era o lugar da minha mãe, ─ eu digo. ─ Ela vinha aqui para pintar
e ler. Ela costumava dormir aqui às vezes. Eu o reivindiquei como meu espaço
agora, mas meu pai não gosta disso. Ele diz que isso incomoda sua nova
esposa. Não tem nada a ver com Patty, no entanto. Ele simplesmente odeia que
eu prefira passar meu tempo aqui com os fantasmas de minha mãe morta em
vez de sofrer lá embaixo com o resto deles na terra dos vivos. Ele ameaça tirar
tudo daqui e fechar a porta às vezes.

— Por que ele não faz?

─ Porque ele sabe que eu queimaria a porra da casa inteira se ele fizesse
isso.

Ela apenas balança a cabeça, aceitando isso como algo que eu faria. Uma
verdade sobre mim que faz sentido. ─ Nós vamos ter problemas por vir aqui,
então? Ele vai ficar bravo?

─ Ele está sempre com raiva. Não se preocupe, no entanto. Ele não vai
ficar bravo com você. Você é uma convidada. Quando você o conhecer, ele
será doce, interessado e encantador, e você se perguntará como eu poderia odiá-
lo tanto. Você vai ficar do lado dele e pensar que sou completamente irracional
quando não caio aos pés do filho da puta.
Ela pisca para mim como uma coruja. Ela é tão linda que a visão dela
parece um soco no estômago. Mais uma vez, ela balança a cabeça. ─ Não, eu
não vou. Eu sei tudo sobre pais sociopatas, Wren. Eu tenho lidado com um a
minha vida inteira. Conheço a fachada que eles colocam para o resto do
mundo. Eu sempre verei através dessa charada, não importa quantas outras
pessoas possa enganar. Vamos. ─ Ela sorri suavemente. ─ Por que você não
me mostra o lugar? Conte-me sobre sua mãe. Quero saber tudo sobre ela.

***

As pinturas são mais calmas que as minhas. Os azuis, pretos, cinzas e


brancos são mais suaves, muito mais sutis e mais intencionais do que os meus
também. Elodie anda pelas tábuas do piso do estúdio da minha mãe, estudando
cada tela por sua vez, puxando os panos de poeira e deixando os lençóis pesados
suspirarem no chão. Seus olhos curiosos examinam as pinceladas, as pontas dos
dedos posicionadas logo acima da superfície da tinta a óleo, como se ela
estivesse alcançando dentro da pintura em sua mente, acariciando-os sobre o
assunto com uma reverência que faz meu peito apertar.

Estou muito mais confortável pintando minhas paisagens


tempestuosas. Minha mãe pintava pessoas. Ela adorava capturar a emoção e a
inteligência nos olhos de alguém, e ela era muito boa nisso também. ─ Ela era
tão talentosa, ─ Elodie respira. ─ Quem é? ─ Ela gesticula para a pintura à sua
frente, do homem com a expressão firme e a luz curiosa em seus olhos. Minha
mandíbula está tão apertada que é preciso muito esforço para separar meus
dentes.

─ Meu pai. Alguns anos antes de descobrir que estava grávida. Incrível
como vinte anos podem mudar alguém.

Ela se aproxima, investigando as linhas do homem que minha mãe


capturou com sua arte. Ela foi generosa com ele. Fazia com que ele parecesse
menos severo do que era, mesmo naquela época. Eu nunca vi a suavidade que
ela retratou em seu rosto. Há um brilho de amor nos olhos do bastardo que está
faltando em toda a minha vida.

─ Ela era muito melhor do que eu jamais serei, ─ eu digo.

Elodie balança a cabeça. ─ Isso não é verdade. Você é tão bom quanto,
Wren. Apenas diferente. Você usa as mesmas cores que ela usava. O tom não é
o mesmo, no entanto.

Eu grunhi com isso. ─ Sim. Ela era otimista. Eu nunca tive isso em mim.

Os olhos de Elodie transmitem muitas coisas enquanto ela me olha por


cima do ombro. Tristeza. Arrependimento. Gentileza. O menor pingo de pena
que me faz querer sair da minha pele. De repente, não quero mais estar
aqui. Como se ela pudesse sentir eu me afastando, Elodie se afasta das pinturas,
vindo até mim, pegando minhas mãos nas dela.

─ Mostre-me onde você dorme? ─ É um pedido pequeno, mas estou


muito nervoso com a perspectiva de mostrar a ela meu quarto.

─ Onde eu devo dormir, lá embaixo? Ou o quarto que reclamei aqui?

─ Aqui em cima.

Meu coração dispara traiçoeiramente enquanto a acompanho pelo


corredor e entro no meu quarto. Não é muito. A inclinação do telhado é
íngreme e significa que tenho que inclinar a cabeça; há apenas uma pequena
parte do espaço onde posso ficar em pé sem arriscar uma concussão. Sorrio
para mim mesmo quando percebo que Elodie não tem esse problema. Ela é tão
baixa que ela pode ficar em pé o tempo todo. Ela perambula, inspecionando o
quarto de uma ponta a outra: a estante, com os exemplares bem manuseados
dos meus livros favoritos; a cama pequena, maior que uma de solteiro, mas
muito distante do enorme colchão King que tenho na Riot House. O moletom,
pendurado nas costas da cadeira sob a janelinha, que esqueci da última vez que
vim aqui; os tênis velhos e a bússola velha e rachada do meu avô no parapeito
da janela; os blocos de notas, os esboços pregados nas paredes e as velas,
derretidas em poças de cera nas tábuas empoeiradas do piso.

Ela se debruça sobre cada pequeno detalhe do quarto, avaliando e pesando


cada coisinha como se estivesse juntando as peças de um quebra-cabeça que
estavam faltando até agora. Eu a observo silenciosamente, meu peito doendo,
minhas mãos queimando com a necessidade de tocá-la. Eu os guardo para mim,
porém, encostado na parede, saboreando as emoções desconhecidas e
problemáticas que estão cavando suas raízes cada vez mais fundo em mim,
envolvendo seus tentáculos em volta dos meus ossos.

Sempre pensei que encontraria a felicidade suprema nas páginas de um


livro. Estou tão convencido desse fato que dediquei tanto da minha vida a
desaparecer dentro deles, procurando o que sempre me iludiu. Eu deveria saber
que não encontraria o que procurava em tinta e papel. Até os poetas entregaram
seus tolos corações nas mãos de outros. Principalmente os poetas. Essa foi sua
salvação e sua queda final; sem conhecer a alegria de amar outro ser humano,
eles nunca seriam capazes de escrever sobre a alegria crescente que sempre fez
meu coração acelerar. E eles nunca seriam capazes de capturar a verdadeira
desolação e tristeza sem suportar o tipo de sofrimento que só pode vir do amor
perdido.

Enquanto Elodie gira ao redor, respirando profundamente, absorvendo


tudo pela última vez, eu admito algo que teimosamente me recusei a admitir
para mim mesmo antes: eu estou fodidamente assustado.
Essa garota não tem ideia do poder que ela tem sobre mim. Ela não pode
começar a imaginar até onde eu irei ou os mundos que eu vou queimar em
minha missão para fazê-la feliz.

─ Não é tão impressionante quanto meu quarto na Riot House, ─ eu digo,


quando ela vem me encarar.

Ela dá de ombros, sorrindo. ─ Eu gosto deste quarto tanto quanto. É


seu. Posso dizer que você passou muito tempo aqui. Posso imaginar uma
versão mais jovem e menos cansada de você, desenhando na cama e sentado na
cadeira, lendo A Ilha do Tesouro.

Eu rio roucamente, balançando a cabeça enquanto olho para os meus


pés. Eu fiz as duas coisas mais vezes do que posso contar.

─ Como é o seu quarto lá embaixo? ─ ela pergunta.

─ Estéril. Sombrio. Vazio.

Ela aceita essa descrição sem questionar. ─ Eu não quero dormir lá


embaixo, então. Eu quero dormir aqui. Com todas as lembranças de você, antes
de conhecê-lo. Estaria tudo bem?

Cristo, ela não sabe que eu vou dar a ela qualquer coisa que ela queira? Vou
arrancar meu coração mutilado e enegrecido por ela e colocá-lo a seus pés se
isso a agradar. ─ Sim. Podemos administrar isso.

─ Seu pai não vai ficar escandalizado se dormirmos na mesma cama?

─ Provavelmente. Mas ele pode ir se foder. ─ Eu nem considerei o fato


de que vamos dividir a mesma cama. O pensamento disso faz meu sangue bater
nas minhas têmporas. Elodie, nua e exausta, enrolada nos lençóis ao meu
lado. Entregando-se à inconsciência, deitada em meus braços, sem saber que
tipo de homem eu realmente sou e todas as coisas horríveis que fiz. Eu não
mereço. Porra, eu não mereço nada disso.

Um som alto de batida interrompe a paz do lado de fora, mais nítido e


chocante do que um tiro. Elodie salta. Vou até a janela, a irritação cravando
suas garras nas minhas costas quando vejo o Range Rover preto que está parado
na frente da casa. Mesmo quatro andares acima, posso ouvir o latido agravado
do meu pai quando ele entra na casa.

─ Onde ele está, então? Onde diabos está meu filho?


31

Elodie
DONALD JACOBI ERA general do exército antes de se aposentar há um
mês. Mas homens como ele nunca se aposentam. Não de qualquer maneira que
conta. Ele era um general quando pendurou seu uniforme, e um general
permanecerá até o dia de sua morte. Sua própria presença parece engolir a sala,
enquanto Wren me leva para um enorme espaço de teto alto que eu suponho
que teria sido usado como uma sala de recepção formal no passado. Eu vejo as
costas dele primeiro. De pé com uma mão apoiada contra o manto de uma
lareira e a outra plantada firmemente em seu quadril, ele atinge uma figura
imponente. Wren fica um pouco mais reto, seus ombros puxando para trás
enquanto ele limpa a garganta, anunciando nossa presença.

─ É apenas uma boa educação ligar com antecedência se você está


planejando trazer convidados para a casa, ─ diz o general Jacobi. Ele afeta um
tom preguiçoso e brincalhão, mas há uma reprimenda muito real em suas
palavras. Ele gira com um floreio, afastando-se da lareira, e um par de olhos
frios e avaliadores pousam em mim. Seu olhar parece uma ponta de faca sendo
conduzida para cima, entre minhas costelas.

Wren estava certo; ele não é nada como o homem na pintura no sótão. Seu
rosto é um roteiro de linhas e fendas que contam uma história clara — de raiva
e infelicidade. Os colchetes profundos ao redor de sua boca e nos cantos de
seus olhos falam de infelicidade profunda.

─ Apresentações, por favor, ─ diz ele com firmeza.

─ Esta é Elodie Stillwater. Estamos juntos na academia. O pai dela está


fixado em Israel. ─ Wren dá a ele este resumo esparso de mim com o mínimo
de palavras possível. ─ Elodie, este é meu pai, General Donald Jacob,
aposentado.

Eu acho que Wren colocou o ‘aposentado’ no final do título de seu pai


apenas para irritá-lo. Parece que funciona também.

─ Prazer em conhecê-lo, General Jacobi, ─ digo.

Ele me dá um aceno curto. ─ Senhor será suficiente. Tenho o prazer de


conhecê-la também, mocinha. A reputação de seu pai o precede. Não duvido
que, com um pai como ele, você tenha tido uma educação bastante
adequada. Suas maneiras o deixam orgulhoso.

Eu não poderia dar a mínima para deixar meu pai orgulhoso. O coronel
está obcecado em impressionar seus superiores, mesmo que eles não sejam mais
um membro do serviço oficial. Ele teria um maldito ataque se chegasse a ele
que de alguma forma eu me desonrei (e, portanto, a ele) durante a minha
apresentação ao pai de Wren.

─ Israel é um posto de prestígio. Ouvi dizer que as coisas estão calmas


por lá esses dias, mas você nunca sabe quando isso pode mudar.

Eu nunca desejei que o conflito eclodisse em qualquer lugar. Os inocentes


e oprimidos sempre sofrem. Isso não significa que eu não esperava que algo
acontecesse enquanto meu pai estava fora da base, no entanto. Algum acidente
bizarro, ou um ataque isolado de algum tipo, que resultasse na morte prematura
do Coronel Stillwater. Se estou condenada ao inferno por pensar tais coisas,
então esse é um preço que estou disposta a pagar. Acenda o fogo e coloque o
tapete de boas-vindas, eu digo. Contanto que eu não precise mais me curvar à
autoridade incapacitante de meu pai enquanto estiver viva, não há preço que eu
não esteja disposta a pagar.

─ Obrigada, senhor. Isso é muito gentil de sua parte dizer.


─ Você acabou de entrar na academia?

─ Sim senhor.

─ E você está gostando até agora? Você está gostando de passar tempo
com meu filho?

Eu ruborizo furiosamente. Há algo dissimulado na pergunta – uma


insinuação desagradável que me faz sentir como se ele estivesse me acusando
de alguma coisa. ─ Ah, sim, senhor. A academia em si é linda, e o currículo é
desafiador. Além disso... sim, ajuda ter amigos para passar o tempo durante o
nosso tempo de inatividade.

─ Amigos? ─ General Jacobi olha atentamente para Wren. Wren olha de


volta para ele, os músculos de sua mandíbula estalando.

─ Não amigos, ─ diz ele. ─ Estamos juntos. Ela é minha namorada.

O general dá um aceno curto. ─ Ah. Eu entendo. Então vocês estão


fodendo.

Wren não vacila. Seus olhos se estreitam levemente, mas apenas por um
segundo; suas características faciais estão sob seu controle completo. ─
Sim. Estamos fodendo, ─ ele responde categoricamente.

Uma coisa é ter os pais de alguém sabendo que você provavelmente está
fazendo sexo, outra coisa é deixá-lo exposto assim. E em termos tão
contundentes? Estou tão envergonhada que sinto como se tivesse levado um
tapa. Por Wren, ou por seu pai, o choque parece o mesmo.

O general Jacobi suspira. ─ É bom saber que você está se comportando


como um cavalheiro lá em cima, Wren. Essa escola é um dos institutos
acadêmicos mais caros do país. E você está dormindo por aí agora? Manchando
um nome de família que é tido em alta estima por muitas gerações? ─ Ele
balança a cabeça, decepção irradiando dele. ─ Honestamente, eu esperava que
você se comportasse um pouco melhor.

Um fogo frio e abrasador queima os olhos de Wren. ─ Eu não estou


dormindo por aí. Estou dormindo com uma pessoa. Eu diria que estava
fazendo um trabalho melhor em preservar o nome Jacobi do que você,
pai. Dadas suas indiscrições passadas.

Meu Deus.

Meus ombros sobem ao redor das minhas orelhas. Eu nunca...


nunca poderia falar assim com meu pai. Não importaria quem estivesse por
perto. Ele bateu os dentes de trás direto da minha cabeça. Nem dá para
pensar. O general Jacobi rosna. Ele está fervendo. Ele balança a cabeça,
passando a língua sobre os dentes. ─ Tudo bem. Bem, isso é o suficiente
disso. O jantar não será antes das sete. Por que vocês dois não se vão até ouvir
a campainha? Elodie, entre esfregar seu corpo nesse garoto, porque você não
vê se você não pode esfregar algumas dessas maneiras nele também.

O que... o verdadeiro... porra.

Ele não apenas disse isso.

Novamente, Wren não mostra nenhum sinal de emoção. Eu ficaria


impressionada se não estivesse com tanta raiva. Nunca esperei que um cavaleiro
de armadura brilhante chegasse em um corcel branco para me resgatar. Mas
algum lampejo de aborrecimento no rosto de Wren seria bom agora.

Ele apenas pisca para seu pai. ─ Para alguém que dá tanto valor às boas
maneiras, ─ diz ele. ─ Você é o filho da puta mais rude que eu já conheci.
O general Jacobi ri. Severo. Hostil. ─ Ah, meu querido menino. Eu te
respeitaria muito mais se você tivesse a coragem de vir e dizer isso na minha
cara.

Wren não hesita. Ele caminha direto para seu pai, e oh Deus, eu não posso
assistir ele...

UAU!

Puta merda!

Puta merda, merda!

O General Jacobi está pronto para o filho cuspir palavras raivosas na cara
dele. Ele não está preparado para o poderoso gancho de direita que Wren
aterrissa em sua mandíbula. Eu assisto, horrorizada, enquanto o velho
cambaleia até a lareira, estendendo a mão para tentar se segurar enquanto ele
cai para trás. Não é bom, no entanto. Ele cai em uma pilha na grade, com os
pés no ar, na exibição mais indigna que eu já vi. Seu rosto fica roxo brilhante.

─ Fora! Fora da minha casa! ─ ele gagueja. Seus braços e pernas estão por
toda parte enquanto ele tenta se levantar novamente. Ele leva três tentativas
para se endireitar, e quando ele encontra seus pés, acontece que o assento de
suas calças pretas caras está coberto de cinzas. Ele tenta agarrar Wren pela gola
de sua camiseta, mas Wren dá um tapa na mão dele, rindo friamente baixinho.

─ Experimente, ─ ele ferve. ─ Vá em frente e tente porra. Veja o que


acontece a seguir.

O general abaixa a mão, mas ele não terminou com Wren. Não por um
longo tempo. ─ Menino estúpido. Você finalmente foi e fez isso, então. Fodeu-
se além da medida. Chega de escola chique para você agora. Você
terminou. Você está indo direto para a escola militar...
─ Qual é a data? ─ Wren pergunta.

Seu pai recua. ─ O que?

─ Qual é a data? Data de hoje. Vamos. Você lê o jornal todos os


dias. Você deve saber.

─ Não seja obtuso. Claro que sei a data de hoje. É dezessete de março.

Wren finge surpresa. ─ Oh. Legal. E o que aconteceu no dia 4 de março,


pai?

─ Eu não sei! Muitas coisas, tenho certeza. Quatro de março... ─ Ele


para. Seu rosto fica em branco.

─ Sim, isso mesmo. Bom e velho quatro de março. Você esqueceu o


aniversário dos seus filhos de novo, não foi, pai? Só que desta vez, você
esqueceu nosso aniversário de dezoito anos. O que significa... ─ Wren se
aproxima de seu pai, levantando-se em seu rosto. Ele enfia um dedo no peito
do general Jacobi com cada ponto que ele faz. ─ Não há mais ordens. Não há
mais comandos. Sem mais ameaças. Chega de pendurar a escola militar na
minha cabeça, sempre que tiver uma chance. Eu sou um adulto. Cheguei à
minha maior idade. E você acabou de falar comigo como se eu fosse alguma
coisa desagradável que você encontrou grudada na sola do seu sapato.

O general Jacobi brilha de raiva. ─ Está bem. Então sua escola


acabou. Não vou pagar mais, rapaz. Aquela casa em que você e seus amigos
moram...

─ É minha, ─ Wren cospe. ─ A escritura está em meu nome. E eu vou


pagar minha própria maldita mensalidade. Eu vou cobrir minhas próprias
despesas. Você não pode tocar em um centavo do meu dinheiro, e você sabe
disso. ─ Ele assoa o nariz, com força, as narinas dilatadas. ─ Porque você não
se senta, velho. Você está se envergonhando pra caralho.

Girando, ele atravessa a sala de jantar formal, me pegando pela mão e me


puxando para longe.

Acho que ele estava zangado com esse comentário, afinal.


32

Elodie
NÓS ESCAPAMOS de Monmouth House com os braços cheios de pinturas
e todos os pertences pessoais de Wren do sótão. Entramos no Hubert Estates
County Inn, e Wren anda de um lado para o outro como um leão, silencioso e
furioso. Leva quatro horas para ele se acalmar, e nesse ponto já está escuro, e
minha mandíbula está doendo de tanto apertar.

Às sete, o telefone de Wren começa a tocar e não para.

─ Minha irmã, ─ Wren range os dentes. ─ Ela provavelmente quer me


repreender por bater no filho da puta. Ela sempre apenas tolerou suas besteiras,
como se nada disso importasse. Mas sim. Porra, importa.

─ Eu sei. Importa. ─ Eu diria mais, mas há tantas coisas fodidas na minha


cabeça que mal consigo pensar direito. Minhas próprias memórias estão
batendo forte. Sinto que estou presa, cercada pelo pânico.

Não foi você. Não foi você, Elodie. Você está segura. Você está bem aqui. Ele está a
um milhão de milhas de distância. Ele não pode te machucar.

Wren não tem ideia de quão semelhantes foram nossas educações. A única
diferença é que agora ele é grande o suficiente para enfrentar seu pai. Nunca
poderei confrontar o Coronel Stillwater como ele fez agora. E isso me deixa
sem esperança.

O quarto em que nos registramos é lindo, mas nenhum de nós parou para
observar os arredores. Nós dois nos retiramos para nossos próprios
mundinhos, e acho que vai demorar um pouco para qualquer um de nós voltar
à realidade novamente.
O telefone de Wren grita novamente, seu toque tocando no silêncio tenso.

─ Eu pensei que você nunca matinha o som dessa coisa ligada? ─ Eu digo.

─ Você tem razão. Eu deveria apenas virar a porra da coisa... ─ Ele se


encolhe quando olha para a tela. ─ Porra. Ela está enviando mensagens agora
também. Aparentemente, ele envolveu Harcourt. Ele desliga o telefone.

─ Você não deveria verificar se o reitor quer falar com você?

─ Melhor se todos eles tiverem uma batida para se acalmar. Todo mundo
está tenso agora. Estou tentando não ficar, mas... ─ Ele se senta na beirada da
cama ao meu lado, entrelaçando os dedos, olhando cegamente para as mãos. ─
Sinto muito, Elodie. Eu disse que ele ia ser educado e charmoso, e ele realmente
não foi. Eu... eu nem sei o que dizer. Eu poderia dizer que ele estava de mau
humor, mas eu não acho que ele iria se transformar assim. Eu nunca teria te
levado lá se eu pensasse por um segundo que ele ia ser tão ruim assim com você.

─ Está tudo bem, Wren. Sério. Algumas palavras grosseiras do seu pai não
são suficientes para me afetar nos dias de hoje. Quero dizer, Pax me chama de
prostituta diariamente. Eu não me importo.

─ Sim. Nós nos importamos. ─ Os olhos de Wren endurecem. ─ Eu me


importo. Eu realmente me importo. Elodie, ─ Wren sussurra. Ele olhou para
cima agora, mas ele não está olhando para mim. Seu foco está na janela oposta
à cama, que dá para a piscina do hotel. ─ Me diga o que está errado.

─ Errado? ─ Eu estouro minhas bochechas, puxando meus ombros ao


redor das minhas orelhas. ─ Quero dizer, eu acabei de ver você colocar seu pai
na bunda dele. Não foi exatamente um momento divertido.

─ Não. Você está ansiosa. Eu nunca te vi tão nervosa antes. Você está
com medo de alguma coisa, e eu estou esperando por Deus aqui que não seja
de mim. Porque se for... ─ Ele ri infeliz. ─ Acho que não lidaria muito bem
com isso.

─ Não! Deus, não é você, eu juro. É apenas a coisa toda. Isso me lembrou
de como eram as coisas com o coronel Stillwater em Tel Aviv. Seu pai é muito
parecido com o meu. Eu acho... trouxe de volta algumas memórias difíceis.

Ele assente, apertando a mandíbula. De repente, ele está ainda mais


irritado do que há um minuto. ─ Eu quero falar sobre algo com você, Pequena
E, ─ diz Wren. ─ Sei que agora não é um bom momento, mas não quero
esperar mais. Achei que poderia ficar de boca fechada até que você viesse até
mim, mas... ─ Ele balança a cabeça.

Oh Deus. Não. Não, não, não. Isto é mau. ─ Wren, eu não...

─ Eu fiz um monte de pesquisas sobre você antes de você chegar, ─ diz


ele rigidamente. ─ Eu verifiquei suas redes sociais. Desenterrei seus relatórios
escolares. Isso é muito fodido, eu sei, e agora que tudo mudou entre nós, eu me
sinto como um predador só de pensar nisso.

─ Isso... não é novidade, ─ eu digo. ─ Você já me disse que me


pesquisou. Já superei isso há muito tempo. Nós não precisamos...

─ Elodie. Pare.

─ Você pode parar de olhar pela janela? Você está começando a me


assustar pra caralho.

Ele abaixa a cabeça, fechando os olhos por um segundo. Só depois de uma


respiração profunda ele finalmente olha para mim. ─ Eu não lhe disse que
também me enviaram alguns documentos oficiais de Tel Aviv. Fiz um pedido
a um amigo que mora em Israel e ele me enviou um envelope. Havia um
relatório policial dentro dele.
Eu fico muito, muito em pânico. ─ Que relatório policial?

A realidade se fragmenta, se despedaça em pedacinhos quando ele respira


fundo e volta a falar. ─ Aquele que foi arquivado na noite em que encontraram
o corpo de sua mãe.
33

Elodie
Três anos atrás

A cadeira de metal range debaixo de mim, o som alto e abrasivo cortando o silêncio
tenso da pequena sala sem janelas como uma faca. O homem do outro lado da mesa arranhada
e trêmula me dá um sorriso tenso que não chega nem perto de alcançar seus olhos. Parece que
sente pena de mim, mas não sabe bem o que fazer para me confortar. Ele provavelmente não
tem filhos. Provavelmente solteiro também. Não há aliança em sua mão esquerda, o que
significa que ele provavelmente é um daqueles policiais que dedicou sua vida ao seu
trabalho. Quando tudo o que você faz é se concentrar nas coisas ruins que as pessoas fazem
umas às outras, isso prejudica a capacidade do seu coração de sentir qualquer coisa além de
desprezo e desconfiança.

─ Não vai demorar muito agora, ─ diz ele em uma voz com forte sotaque. Alguém
deve ter dito a ele que eu só falo inglês. Eu aceno, olhando para minhas mãos, descansando
em cima da mesa; tive permissão para lavá-los depois que as fotos foram tiradas e os analistas
forenses me esfregaram, mas eu estava tão entorpecido que não fiz um bom trabalho. Há
sangue velho, preto agora, ainda escorado sob minhas unhas – crescentes escuros de sangue que
continuam me lembrando da cena surreal que eu vi quando cheguei da escola.

Os segundos passam.

Minutos.

O relógio na parede tique-taque, tique-taque, tique-taque, seus ponteiros


marcando o insuportável trecho de tempo sem fim que estou sentada aqui nesta mesa com
minhas roupas fedorentas, sentindo os olhos sem emoção do detetive rastejar sobre
mim. Eventualmente, a porta se abre e uma bela mulher vestindo calças de cintura alta e uma
camisa branca entra no quarto, carregando uma pilha de papéis. Ela sorri para mim; ela tem
um daqueles sorrisos suaves e calorosos que instantaneamente fazem você se sentir à
vontade. Como se ela pudesse ser uma amiga. ─ Olá, Elodie. Meu nome é Aimee. É um
prazer te conhecer. Lamento que tenha que ser em circunstâncias tão dolorosas. ─ Não Amy,
como o nome americanizado. Aimée, como o verbo francês 'amar'. O sotaque dela é
maravilhoso. Você sempre pode saber quando alguém é novo no idioma inglês. Eles não usam
contrações. Eles ainda não estão confortáveis o suficiente com a linguagem para ficarem
preguiçosos com ela.

Ela se senta ao lado de seu colega, e uma lufada de água de jasmim atinge a parte de
trás do meu nariz. Começo a juntar as peças da vida dessa mulher enquanto ela folheia os
papéis que trouxe consigo. Ela é francesa, obviamente. Trinta e poucos anos. Ela cuida muito
bem de si mesma, malhando todos os dias em particular, a portas fechadas, mas nunca falando
sobre isso, como é o jeito de todas as mulheres francesas clássicas. Ela bebe seu café preto,
mergulhando seu croissant no líquido quente em sua mesa todas as manhãs. Ela adora
crianças, mas nunca encontrou tempo para tê-las. Ela será uma boa mãe um dia, se ela
conseguir se estabelecer o suficiente para encontrar alguém e se apaixonar. Ela adora estar ao
ar livre. Ela adora viver à beira-mar e anseia...

─ Elodie? Sim, aí está você. Boa menina. Volte, ─ ela diz, seus olhos castanhos
quentes cheios de emoção. ─ Eu sei que isso é difícil, mas eu preciso que você tente se concentrar
por um tempo, ok?

Eu balanço minha cabeça para cima e para baixo.

─ Eu estava perguntando se você poderia me dizer o que aconteceu, por favor? O oficial
que a encontrou em sua casa disse que você não estava fazendo sentido quando ele...

Ela não pode nem dizer isso. Então eu faço isso por ela. Minha voz range e racha
quando eu empurro as palavras para fora da minha boca. ─ Quando ele abriu a caixa.

─ Sim, Elodie. Quando ele abriu a caixa.


─ Eu não me lembro o que eu disse a ele, ─ digo a ela.

─ Sim. Isso é compreensível. ─ Ela é superficial. Ela consegue esconder bem seu
horror. Pode ser por isso que a escolheram para vir falar comigo. Além do fato de que ela é
uma mulher, e ela tem olhos gentis, e ela compartilha a nacionalidade da minha mãe – pontos
que eles provavelmente acharam que me ajudariam a me abrir para ela. ─ Você acha que
poderia começar do começo para mim?

Está tudo tão confuso. Meus pensamentos estão todos emaranhados, como uma bola de
lã desenrolada. Eu puxo as memórias pelas minhas mãos como se estivesse procurando a
ponta de uma corda, mas ela continua indo e vindo. ─ Eu não... eu realmente não posso...

─ OK. Está bem. ─ Aimée estende a mão sobre a mesa, tocando os dedos nas costas
da minha mão. O contato me assusta tanto que eu cambaleio para trás, derrubando o copo
de água que eles me deram. O líquido derramado se espalha pela mesa, escorrendo pela borda
de sua superfície, pingando no meu colo, mas eu não me mexo. Eu não tento limpá-lo. Eu
apenas me sento lá e deixo acontecer.

─ Merda! ─ Aimée sibila. Ela corre para fora do quarto e volta um momento depois
com um maço de toalhas de papel. Entre ela e o cara silencioso sentado ao lado dela, eles
limpam a bagunça rapidamente, secando a mesa. Aimée me dá um pacote de guardanapos
para secar meu jeans, mas eu não me incomodo. Eu apenas os seguro, meus dedos farfalhando
sobre a superfície áspera do papel barato. Redondo em círculos. Redondo em círculos.

─ Elodie? Você está ouvindo?

Eu levanto minha cabeça. Aimée está de volta ao seu lugar novamente. Deus sabe
quanto tempo ela está sentada lá. ─ Não posso sugerir o que aconteceu com você com base no
que sabemos neste estágio, mas posso ler o que você disse ao policial. Você acha que isso ficaria
bem? E então você pode nos dizer se há mais alguma coisa que você se lembra, ou se há alguma
coisa que você quer mudar? E não se preocupe. Aqui não há certo ou errado. Se você se
lembrar de algo diferente, tudo bem. Você tem permissão para nos dizer, e você não vai se
meter em nenhum problema.

Eu pisco para que ela saiba que eu entendi.

Ela estala o pescoço, inspirando e expirando algumas vezes como se estivesse se


fortalecendo antes de começar a ler. E então ela começa.

─ Cheguei em casa às seis. Ele já estava lá na casa. Meu pai. Ele deveria estar fora
em manobras, mas deve ter voltado mais cedo. Percebi que ele estava bêbado
imediatamente. Pelo menos, eu pensei que ele estava bêbado. Ele estava agindo estranho,
cambaleando e batendo na mobília. Ele não falaria comigo. Chamei minha mãe, para dizer
a ela que havia algo de errado com ele, mas ela não respondeu, então fui procurá-la.

─ Ela gosta de escrever cartas para minha avó na marquise dos fundos, então foi onde
olhei primeiro. Ela estava deitada nos ladrilhos, coberta de sangue. Ela estava de bruços e
sua saia estava em volta da cintura. Eu não entendi o que tinha acontecido no começo. Mas
então eu vi o sangue em sua calcinha. ─ Aimée faz uma pausa. Engolindo em
seco. Continuou. ─ Havia um buraco no lado de sua cabeça. ─ Aimée olha para mim. ─
Que tipo de buraco, Elodie? Como um buraco de bala?

A bile sobe no fundo da minha garganta. Estou separada de mim, fora do meu corpo,
afastada deste lugar e desta situação. É a única maneira que eu posso dar a ela a informação
que ela precisa, mas isso significa que eu pareço um robô quando falo. ─ Não. Maior. Do
tamanho de uma bola de golfe. E o crânio dela estava... estava afundado ao redor do buraco.

Aimée bate a unha contra a mesa. Ela para quando percebe que eu recuo. Ela volta
para a minha declaração. ─ Eu gritei para papai chamar uma ambulância, mas eu sabia
que já era tarde demais. Seus lábios eram azuis. Eu verifiquei o pulso, no entanto. Eu a virei
e a coloquei de costas. Tentei fazer reanimação cardiorrespiratória, mas ela já estava morta.

Lembro-me de dizer tudo isso. E o olhar no rosto do oficial também. Ele parecia
chocado com as coisas que eu estava dizendo a ele. Mas não me lembro de sentir essa angústia
crescente, correndo em minha direção como o fim inevitável de uma tragédia shakespeariana,
recusando-se a desacelerar ou mudar seu curso. Eu sei o que está por vir, e não há como
segurar. Eu gostaria de poder.

─ Foi quando ele veio e me agarrou, ─ Aimée lê no comunicado. ─ Ele me agarrou


por trás. Ele era tão forte. Eu não podia lutar com ele. E eu não achava que ele ia fazer
nada de ruim. Não a princípio. Mas então ele me carregou até o cofre de aço onde guarda seus
uniformes e seu equipamento. Ele algemou meus braços atrás das minhas costas, e então me
colocou dentro. Eu chutei e gritei, e lutei, mas não consegui sair. Muito tempo se passou. Achei
que ia morrer. Ele voltou mais tarde e parecia normal novamente, mas não me deixou
sair. Ele não me deixava sair da caixa.

Aimée olha fixamente para o relatório por um momento. ─ Há mais alguma coisa que
você queira acrescentar, Elodie? Mais alguma coisa que você tenha se lembrado?

─ Sim. ─ Eu tenho que dizer isso agora, enquanto eu não sou eu mesma. Eu não
poderia dizer ao oficial que me encontrou. Ele era muito jovem. Muito assustado. Ele vomitou
em seus sapatos. Este quartinho parece mais seguro, porém, e Aimée não parece que vai
vomitar. ─ Algo aconteceu. Alguma coisa antes... de ele me colocar na caixa.

A detetive estreita os olhos. ─ Sim?

─ Ele fez comigo o que fez com minha mãe. Ele se forçou... em mim. Entre minhas
pernas. Ele segurou minha cabeça contra os azulejos, e ele... ele me machucou. Eu
gritei. Eu tentei impedi-lo, mas... eu podia ver minha mãe. Seus olhos ainda estavam abertos,
e ela estava olhando diretamente para mim, e...

É isso. Isso é tudo o que eu tenho. Eu não desmorono. Acabei de ficar sem folego. Eu
não posso continuar. Aimée olha para mim, seus lindos olhos castanhos cravados em mim, e
uma única lágrima balança na ponta de seus cílios. Essa única lágrima é mais do que eu
derramei por mim mesma desde que escapei daquele cofre. Parece errado que ela seja a primeira
pessoa a chorar sobre o quão terrível é esse pesadelo. Ela também sabe. Ela rapidamente
afasta a lágrima, reprimindo sua errante demonstração de emoção. ─ Precisamos levá-la de
volta ao hospital. Eu não acho que eles fizeram um kit de estupro.

A vergonha me acende. Tento me encolher, tentando não imaginar a humilhação que


está por vir.

─ Só mais algumas perguntas e vamos tirar você daqui. Que dia foi esse, Elodie?

─ Ontem. Sexta-feira. Aconteceu depois que eu cheguei em casa da escola.

Aimée empalidece, a cor desaparecendo de seu rosto enquanto ela olha para o relatório
à sua frente. Ela não parece estar olhando para nada em particular. Sua mão treme e ela
rapidamente a enfia debaixo da mesa, fora de vista. ─ Você tem alguma ideia de que dia é
hoje, Elodie? ─ ela pergunta em voz baixa.

Aquelas horas intermináveis no escuro, apertada como uma bola, minhas articulações
gritando de agonia, implorando para que eu me alongasse, com meu nariz pressionado contra
aqueles minúsculos buracos. Pareciam uma eternidade. Um inferno que durou vidas
inteiras. Eu sei como a mente prega peças, no entanto. As horas parecem dias, que parecem
anos. Estou aqui na delegacia desde as três da manhã, o que significa que deve ter sido por
volta da meia-noite quando aquele oficial abriu a fechadura da caixa e me soltou. Meu cérebro
recusa a ideia de lidar com a matemática mais simples, mas me forço a contar as horas nos
dedos. ─ É domingo, ─ digo a ela. ─ As primeiras horas da manhã de domingo.

─ Você acha que ficou na caixa por nove horas? ─ Aimée sussurra.

Eu olho da detetive para o homem sentado ao lado dela, para frente e para trás, para
frente e para trás, tentando descobrir as expressões complexas que eles estão usando. ─ Sim?
─ O rosto do cara se transforma em uma máscara de horror. Ele limpa a garganta, mas soa
mais como se estivesse engasgando. Ele se afasta da mesa, correndo para a porta. ─ Jesus
Cristo. Eu não posso... me desculpe. Eu preciso tomar um pouco de ar.

A porta faz um barulho silencioso quando se fecha atrás dele.


Aimée se recosta na cadeira, esfregando nervosamente a base da garganta. ─ Não
podemos continuar esta entrevista sem a presença de dois detetives, Elodie. Eu sinto
muito. Mas... você deveria saber... você não esteva dentro da caixa por nove horas. Hoje é
terça-feira, meu amor.

Eu franzo a testa com isso. Isso não faz sentido. ─ Terça-feira?

Ela acena.

─ Eu estive... na caixa por... cinco dias?

Aimée desvia o olhar, cobrindo a boca com a mão.

Cinco dias.

Mijando e cagando em mim mesma.

Engasgando com o cheiro da minha própria sujeira e o fedor da minha mãe apodrecendo
do outro lado da sala.

Aquele canudo fino saindo pelo buraco da caixa, fornecendo meu único suprimento de
água.

Os minúsculos pontos da luz do dia, brilhando contra a parte de trás dos meus olhos, e
então a escuridão se aproximando. Enxágue e repita. Isso tudo aconteceu tantas
vezes? Tantos dias realmente se confundiram? Como eu pude, alguém poderia sobreviver a
algo assim sem perder a cabeça?

Mas, novamente, eu mantive a minha?

Aimée sai da sala e volta quase imediatamente carregando uma jaqueta. Ela o coloca
em meus ombros, me envolvendo nela. ─ Vamos. Eu sei que isso vai ser difícil, mas eu estarei
com você, ok? Não vou sair do seu lado, prometo.
Ainda nem saímos do prédio quando os policiais militares aparecem. De uniforme
completo e armado até os dentes, um homem que não conheço com três listras no braço para
Aimée no corredor, empurrando um pedaço de papel para ela.

─ A garota precisa vir com a gente, ─ ele corta.

Aimée está horrorizada. Com os olhos arregalados, a boca aberta, ela balança a cabeça,
me aconchegando ao lado de seu corpo. Como se ela pudesse me proteger do que está prestes a
acontecer. ─ Esta menina foi abusada sexualmente e torturada, sargento. Ela não vai a lugar
nenhum com você. Vou levá-la ao hospital.

O sargento fica na frente dela, bloqueando sua saída do prédio. ─ Temo que isso não
seja possível, detetive Berger. Esta jovem é menor e cidadã americana. E ela foi testemunha
de um acidente ocorrido em um prédio de propriedade do governo dos EUA, que é tecnicamente
solo americano. A polícia de Israel não tem jurisdição aqui.

─ Acidente? Sua mãe foi assassinada! E aquele prédio não era na sua base. Foi em
solo israelense! Não importa quem é o dono.

─ Fale com o seu chefe. Temos nossa própria maneira de fazer as coisas, Berger, e temos
nossa própria polícia. Investigamos a cena e consideramos a morte da Sra. Stillwater um
acidente, como resultado de uma queda infeliz. Você entende, o Coronel Stillwater é um
homem muito respeitado. Não há possibilidade de ele ter colocado um dedo em sua esposa.

A boca de Aimée funciona. Ela não consegue encontrar as palavras que está
procurando. ─ Seu precioso Coronel Stillwater estuprou a própria filha! Que tipo de homem
faz isso?

─ Não do tipo que comanda milhares nas forças armadas dos EUA, detetive
Berger. Eu teria muito cuidado se fosse você. Repetir acusações caluniosas como essa pode ter
consequências terríveis.
A mão do sargento se fecha ao redor do meu braço. Ele me puxa do aperto de
Aimée. Ela estende a mão para mim, agarrando, mas não é bom. Eu já estava muito além
do alcance dela antes mesmo desses caras aparecerem. Ela só não sabia ainda.

Não sei o que acontece a seguir. O mundo começa a encolher sobre si mesmo, escurecendo
nas bordas. A próxima coisa que eu sei é que estou caindo para frente, as pernas caindo
embaixo de mim, e o chão está correndo para me encontrar.
34

Elodie
EU VI esse relatório da polícia uma vez. Foi muito detalhado. Indignada
com a maneira como o exército lidou com a morte de minha mãe, a detetive
Aimée Berger fez uma petição ao governo israelense para tentar prosseguir com
o caso criminal no país, mas a coisa toda se transformou em um pesadelo
político. Suas mãos estavam amarradas, então ela não podia fazer nada além de
sentar e assistir enquanto os militares varriam a coisa toda para debaixo do
tapete. Meu pai foi exonerado de qualquer irregularidade, nunca recebi aquele
kit de estupro e minha mãe foi enterrada sem cerimônia nos fundos de um
cemitério judeu, mesmo sendo católica, em um país que nunca foi um lar para
ela. Eu não tive permissão para ir ao funeral, e meu pai com certeza não foi.

Eu faço o meu melhor para não me lembrar de nada disso. Lembrar só


torna as coisas mais difíceis. Mas Wren está sentado ao meu lado, segurando
meu olhar com olhos verdes firmes, e ele tem perguntas. Eu me ressinto por
ele estar desenterrando isso. Acima de tudo, eu odeio que esse tempo todo, o
cara que eu estou insanamente atraída tenha conhecimento desse segredo
horrível, sujo, sombrio e maligno sobre mim que ninguém no mundo deveria
saber.

─ Eu pensei que a polícia do exército tinha destruído aquele relatório, ─


eu digo. ─ Eles se certificaram de que todos os registros dele fossem eliminados
do banco de dados da força policial de Tel Aviv. Eu sei disso com certeza.

Wren acena com a cabeça, cutucando as unhas; ele ataca a última lasca de
esmalte preto que está usando desde a primeira noite em que o conheci,
finalmente cuidando disso de uma vez por todas. ─ Eles mantinham uma cópia
em seu próprio sistema, ─ diz ele.

─ Eu entendi.

─ Eu não posso acreditar que eles mandaram você de volta para viver com
esse pedaço de merda, ─ diz ele.

─ Bem. Eu tinha quatorze anos. E eles decidiram que ele não fez nada de
errado, então para onde mais eles iriam me mandar?

─ E seus avós? Os pais da sua mãe? Eles não poderiam ter levado você?

Isso é tão fútil. De que adianta tentar descobrir retroativamente uma


alternativa melhor agora, três anos após o fato? Está tudo feito há muito tempo
e polvilhado. ─ Meu avô já estava morto. Minha avó tinha Alzheimer. Ela
nunca entendeu realmente que minha mãe havia morrido. Voltei a viver com o
meu pai e foi só isso.

─ É tão... ─ Ele abre as narinas, suas mãos se fechando em punhos. Parece


que ele quer bater em algo muito forte. ─ Ele já tocou em você de novo? ─ ele
rosna.

─ Não! Não, deus. Não. Foi só uma vez. Ele nunca mais fez isso. Acho
que ele estava chapado quando... o dia em que aconteceu.

─ Eu já tive viagens ruins antes, e eu nunca estuprei ninguém, Pequena E.


Eu nunca matei ninguém. E mesmo que fosse esse o caso, ele teria saído da
viagem na manhã seguinte. Que possível razão ele poderia ter para mantê-la
naquela porra de caixa por cinco dias?

Voltar para essas memórias significa voltar para aquela caixa, e eu apenas...
eu não posso fazer isso. Lentamente, eu me levanto e vou até a janela. O sol
está brilhando lá fora, e tudo está tão verde. O dia de primavera contrasta tão
fortemente com a nuvem cinzenta e opressiva que desceu sobre mim que nada
do que vejo do outro lado do vidro parece real. ─ Eu não sei. Nós nunca
falamos sobre isso depois daquele dia. Eu sabia que acabaria morta se tocasse
no assunto, e meu pai parecia contente em fingir que nada tinha acontecido,
então fiz o que precisava para sobreviver. Ele começou a me treinar depois
disso. Todos os dias, ele me colocava no treinamento mais brutal. Eu não
conseguia entender no começo. Mas então comecei a ver a auto-aversão em
seus olhos. Ele queria que eu fosse capaz de me proteger. Dele. Eu acho
que ele sempre se preocupou que... que ele pudesse fazer isso de novo.

Eu chupo uma respiração ofegante, mas isso não ajuda. Ainda me sinto
tonta, como se fosse vomitar. ─ Escapar de Tel Aviv, ser enviada para New
Hampshire? Fingi para mim mesma que era inconveniente e me ressenti de ser
arrastada para longe dos meus amigos, mas honestamente... foi a melhor coisa
que já aconteceu comigo. Pode não ser o mecanismo de enfrentamento mais
saudável do mundo, mas quero esquecer esse momento da minha vida. Tudo
isso. Todo maldito dia. Então, por favor... eu não quero mais falar sobre
isso. Eu não posso. Não vai ajudar, e...

Seus braços me envolvem por trás. Ele me segura com força, aninhando
seu rosto na curva do meu pescoço. ─ Shhh. Shhh, tudo bem. Está bem. Eu
sinto muito. Shhh, por favor, não chore.

Eu nem tinha percebido que estava chorando, mas estou — soluços


desesperados pontuados com suspiros soluçantes que ecoam pelo quarto do
hotel. Eu costumava me trancar no banheiro da escola na hora do almoço e
chorar assim de vez em quando. Não conseguia fazer em casa. Já que ele não
tinha mais minha mãe para bater em preto e azul, o Coronel Stillwater se sentiu
justificado em bater em mim durante nossas sessões matinais de
ginástica. Chorar teria me dado o esconderijo de uma vida.
─ Eu sinto muito. Eu sinto muito, ─ Wren canta no meu cabelo. ─
Desculpe por ter trazido isso à tona. Odeio ter feito você se sentir assim, juro
pela porra de Deus.

─ Então... por que trazer isso à tona? ─ Eu ofego.

Wren suspira pesadamente, o som é pura frustração. Ele me vira para que
eu esteja de frente para ele, segurando meu rosto em suas mãos. Ele me faz
encontrar seu olhar feroz. ─ Você passou por tanta merda, e você fez tudo por
conta própria. Eu queria que você soubesse que você não está sozinha agora. E
quero que saiba que foi resolvido. Você não precisa mais se preocupar com ele,
Elodie. Ele nunca será capaz de machucá-la novamente.

─ Você não sabe disso. Você não pode dizer isso. Ainda tenho meses
antes de me livrar dele, Wren. Você pode já ter dezoito anos, mas eu tenho que
esperar até junho.

Ele balança a cabeça. ─ Acalme-se, E. Está tudo bem. Eu juro para


você. Foi cuidado.

Há um tom em sua voz. Ele diz: ' Foi resolvido', mas também está dizendo
outra coisa. Ele está dizendo que fez alguma coisa, ele de alguma forma cuidou
do meu pai, e ele não será capaz de me machucar novamente. Um nó de pânico
sobe na minha garganta. ─ Meu Deus. O que você fez, Wren? ─ Eu pergunto
com cuidado.

─ Você sabia que eu era um monstro quando você me conheceu,


Elodie. Eu mudei tanto sobre mim por você, porque eu quero ser bom para
você. Mas há partes de mim que não serão negadas, E. Aquele bastardo era um
homem morto andando no momento em que soube como você se sentia. Uma
vez que vi meus próprios sentimentos refletidos em seus olhos, não pude
permitir que ele se safasse do que fez.
Eu... nem sei o que dizer. O que pensar. Nada disso está fazendo
sentido. ─ Como me senti?

A boca de Wren se curva um pouco. ─ Sim. Você sabe do que estou


falando, não sabe? ─ Ele coloca minha mão em seu peito, bem sobre seu
coração, colocando sua mão em cima da minha. ─ Eu estou apaixonado por
você. E será minha ruína se eu estiver errado, mas acho que você também está
apaixonada por mim, Pequena E. Eu estive me iludindo esse tempo todo?

Eu estou apaixonado por você.

Foi cuidado.

Eu estou apaixonado por você.

Foi cuidado.

Olho para o rosto dele – o tipo de rosto bonito e selvagem sobre o qual
os poetas escrevem há milênios – e o medo terrível que está agachado no canto
de trás da minha mente desde que eu tinha quatorze anos simplesmente
desaparece. ─ Não. Você não está errado, ─ eu sussurro. ─ Eu amo você.

Ele exala, sua cabeça caindo, seu queixo batendo no peito, e eu posso
sentir seu alívio. ─ Graças a Deus, porra.

─ Wren? Você matou meu pai?

Ele olha para mim por baixo daquelas sobrancelhas escuras, e minha
respiração fica presa na garganta. ─ Não, Pequena E. Eu não o matei. Mas eu
o machuquei. Eu o machuquei pra caralho.
35

Wren
MARIPOSA COSTUMAVA contar histórias para mim e para Mercy quando
éramos crianças. Ela nos colocava em nossas camas e se acomodava em uma
cadeira no canto do quarto que dividíamos, e então ela começava, sussurrando
em uma voz sinistra e assustadora que costumava fazer minha pele formigar de
medo. Seu objetivo não era encher nossas cabeças com contos de fadas
fantásticos que se infiltrariam em nossos sonhos. De jeito nenhum. Ela queria
colocar o temor de Deus em nós, e as histórias que ela contava sobre monstros
hediondos e criaturas desfiguradas eram sua maneira de tentar nos controlar.

Os menininhos e menininhas que caíram em desgraça em suas histórias


sempre foram crianças más. Eles não ouviram os mais velhos. Eles se
comportaram mal. Eles foram desrespeitosos, nunca fizeram o que lhes foi dito
e foram punidos severamente por isso.

Mariposa esperava que suas histórias de aflição nos ensinassem uma lição,
pobres gêmeos órfãs de mãe, e entraríamos na linha. Infelizmente, suas histórias
de horror só me ensinaram uma lição: que a melhor maneira de não temer um
monstro era se tornar um.

Direi a Elodie qualquer coisa que ela queira saber. Se ela quer cada
pequeno detalhe do que aconteceu com o Coronel Stillwater no fim de semana
em que arrastei Dashiell e Pax em um avião, do outro lado do mundo para me
ajudar a derrubar aquele filho da puta, então vou sentar com ela e passar por
isso passo a passo. Eu não acho que ela quer isso agora, no entanto. Acho que
ela precisa processar o fato de que está livre, e esse segredo que ela está
guardando não precisa mais corroer sua alma. Ela pode sair da escuridão, para
a luz, e então, Deus me ajude, estarei pronto e esperando por ela quando ela o
fizer.

Por enquanto, a única pergunta que ela faz é esta: ─ Se isso aconteceu
semanas atrás, por que eles não disseram nada? Por que não me disseram que
ele foi atacado?

Digo a ela o que sei, tentando não adoçar os fatos. ─ Nos primeiros dias
depois que ele foi deixado no hospital, eles não sabiam quem ele era. Ele não
tinha identificação com ele, e seu rosto estava, um pouco inchado além de
qualquer reconhecimento. Em seguida, a Polícia Militar fez a ligação e o
transferiu para uma unidade médica do Exército. Seu pai ficou consciente
tempo suficiente para insistir que não queria que lhe contasse o que havia
acontecido. Depois disso, ele foi colocado em coma induzido para que ele
pudesse se curar. Meu contato diz que ele não pode acessar mais informações
sem levantar bandeiras vermelhas, então é tudo o que posso dizer.

Ela acena com a cabeça duramente, absorvendo tudo isso.

Depois do que fiz, espero que ela recue de mim, mas ela não recua.

Ficamos no hotel até domingo à noite, e eu me acostumei demais a Elodie


adormecer em meus braços. É a experiência mais aterrorizante e celestial que já
tive. Estou tão fascinado pelo som de sua respiração lenta e constante que mal
consigo dormir.

A viagem de volta para Wolf Hall é silenciosa. Não é um silêncio


desconfortável, no entanto. É pacífico e feliz, e Elodie encosta a cabeça no meu
ombro, observando o mundo voar pela janela, esfregando a mão para cima e
para baixo na parte interna da minha coxa.
Ela se aproxima cada vez mais da minha virilha, seus movimentos se
tornam mais lentos e mais provocantes, e eu eventualmente tenho que parar no
acostamento da estrada para ajustar minha ereção furiosa.

─ Você é um problema pra caralho, ─ eu rosno, dando-lhe um olhar


carregado de lado. ─ Como um cara pode se concentrar na estrada quando uma
garota está a milímetros de esfregar seu pau?

Não espero nada dela. Não a toquei desde que falamos sobre o que
aconteceu com ela em Tel Aviv. Não sexualmente, de qualquer maneira. Eu a
beijei e a segurei, mas fora isso eu estava esperando que ela fizesse o primeiro
movimento. Ela faz isso agora, estacionada ao lado de uma fileira de olmos,
colocando a mão diretamente em cima do meu pau e dando-lhe um aperto tão
forte que chega a ser doloroso.

─ Quero saber como você vai se concentrar quando eu tiver seu pau na
minha boca, então, ─ diz ela. ─ Dirija.

Eu ri. ─ Você quer nos matar?

Ela morde a ponta da língua enquanto abre o botão do meu jeans e


lentamente, sugestivamente, puxa a braguilha. ─ Eu vi como você dirige. Nós
vamos ficar bem. Apenas mantenha os olhos na estrada, Jacobi.

Eu tive muito boquete de estrada no meu tempo, mas é diferente com


Elodie. Essa boca doce e perfeita dela é tão hesitante e gentil que me mata
quando ela envolve seus lábios em volta de mim. E não quero nos matar antes
que tenhamos uma chance de uma vida decente juntos, seja lá o que isso possa
parecer. Ela desliza a mão pela frente da minha boxer, seus dedos apertando
em torno do meu eixo, e ela libera minha ereção. Seus olhos se arregalam
quando ela olha para a ponta inchada e brilhante do meu pau. ─ Eu não vou
ter que te dizer duas vezes, não é? ─ ela pergunta.
Ela está brincando comigo agora? Eu gosto disso. Ainda assim, eu seguro
seu pulso e a impeço de ir mais longe. ─ Eu vou fazer um acordo com
você. Você me deixa comer sua boceta no capô deste carro e eu vou deixar você
fazer o que diabos você quiser comigo quando voltarmos para a academia.

Ela me olha como se eu fosse louco. ─ No capô do carro? Este


carro? Agora mesmo? Na beira da estrada?

Ela nunca vai concordar com isso. ─ Sim.

─ Onde alguém poderia passar e ver?

─ Sim.

─ E podemos ser presos?

─ Correto.

─ Certo, tudo bem. ─ Ela fixa olhos azuis desafiadores em mim, me


desafiando a fazer isso. Ela não acha que eu vou. Rapaz, oh rapaz, ela ainda tem
muito a aprender sobre mim; quando eu digo que vou fazer alguma coisa, eu
faço muito bem.

─ Perfeito. Sem calças. Quero sua bunda nua em cima dessa pintura nos
próximos três segundos, ou vou fazer você desejar ter mantido suas mãos para
si mesma, Stillwater.

Ela hesita, mas apenas por uma fração de segundo. Ela sai do carro. Eu a
sigo atrás dela, pronta para persegui-la ao redor do carro se ela se comportar
mal, mas ela pula no capô do Mustang e se apoia nos cotovelos, me dando um
olhar tentador e provocador que faz minhas bolas latejarem. Deus, eu quero
fodê-la tanto.
─ Você vai ficar aí parado? ─ ela pergunta, sua boca se curvando em um
sorriso sugestivo.

Enfio as mãos nos bolsos, mudando para descansar meu peso em um


quadril. ─ Estou esperando que essas calças saiam. Não se importe comigo, no
entanto. Você faz uma visão muito agradável aí em cima. ─ Ela pode ouvir a
dor na minha voz? Até onde eu me deixei cair? Quão ruim vai doer quando essa
garota finalmente perceber que eu sou um pedaço de merda, e ela jogar minha
bunda de lado? E por que continuo experimentando esses momentos de pânico
do nada, como se estivesse a apenas um fio de cabelo de distância da catástrofe?

Eu sei as respostas para a última pergunta, embora finja não saber. Mais
fácil fingir do que encarar essa verdade. Que, até agora, eu não fiz para um ser
humano muito bom, honrado ou gentil, e essa nova pele que me vejo vestindo
agora parece um terno bonito que roubei. Não me pertence, e em algum
momento alguém vai querer de volta. Ele se encaixa em mim, no entanto. E eu
gosto de usar isso. Não vou tirá-lo sem lutar.

O som brilhante de sua risada me faz querer rir também. ─ Tenho certeza
que você teve muitas garotas espalhadas pelo capô deste carro, ─ ela reflete.

Eu mordo meu lábio, balançando a cabeça rapidamente.

─ O que? Não? ─ Ela ri de novo, o som ecoando alto sobre as copas das
árvores que ladeiam a estrada. ─ Eu não acredito. Eu sou a primeira?

Eu me aproximo para que minhas canelas fiquem encostadas no para-


lama, e coloco minhas mãos no topo de suas coxas. ─ Isso pode ser
surpreendente para você, mas você marcou várias das minhas estreias, Pequena
E. Primeira garota que eu levei para casa. Primeira garota que eu chamei de
minha namorada. A primeira garota que eu amei. ─ Esta última admissão é
difícil. Ela fica presa no fundo da minha garganta, não querendo sair. Digo
timidamente, incapaz de olhá-la nos olhos.

Ela se senta, dedos delicados acariciando minha bochecha, gentilmente


virando meu rosto para que eu esteja olhando para ela. ─ Então estamos no
mesmo barco, ─ ela sussurra. ─ Eu também nunca amei um cara antes.

Eu a seguro, pressionando meus lábios contra o interior de seu pulso. ─


Primeiro é um bom começo, ─ eu resmungo. ─ Mas eu pretendo ser
o único cara que você já amou, Pequena E. Ponto. Para o resto do tempo.

─ Tão ganancioso, ─ diz ela, provocando os dedos pelo meu cabelo. Suas
bochechas estão brilhando, no entanto. Eu não a vi tão silenciosamente
satisfeita antes, e isso transforma minhas entranhas na porra de gelatina.

─ Tão, tão ganancioso, ─ eu concordo. ─ Que tipo de tolo eu seria se eu


arriscasse deixar você escorregar entre meus dedos? Sou seu. Serei seu
brinquedo fraco e patético. Você pode usar e abusar de mim como achar
melhor. Eu ainda estarei aqui, pedindo mais. Falando nisso. ─ Eu me inclino
para frente e a beijo. Ainda estou me acostumando com o que sinto sempre que
faço isso: transbordando, cheio demais, sem fôlego e atordoado. Ela suspira em
minha boca enquanto eu a coloco de volta no capô novamente. Suas pupilas
estão inchadas, o preto engolindo o azul, enquanto eu trabalho no botão de sua
calça jeans, desabotoando-a e arrastando-a rapidamente para baixo de suas
pernas.

─ Segundos pensamentos? Mudança de coração? ─ Eu pergunto.

Ela balança a cabeça. ─ Continue com isso, Jacobi. Você não sabe como
é rude deixar uma garota esperando?

Eu puxo sua calcinha para um lado, expondo sua buceta. ─ Aí. E você
sabe o quanto eu odeio ser rude.
Ela engasga quando eu passo minha língua sobre ela. Não demora muito
para tê-la ofegante e se contorcendo em cima do mustang. Seus dedos dos pés
se enrolam e se desenrolam reflexivamente enquanto eu provoco a merda dela,
usando movimentos leves e intencionais com a ponta da minha língua para
deixá-la louca. Ela treme e estremece debaixo de mim tão lindamente que é
quase o suficiente para me fazer chorar.

─ Wren! Wren, meu deus. Porra. Porra!

Ela conhece meu jogo. Eu quero mantê-la aqui assim, vulnerável, presa
em uma posição altamente comprometedora e balançando à beira de gozar
enquanto eu puder me safar. Posso não ser mais o príncipe frio, insensível e
cruel da Riot House, mas ainda posso ser um bastardo quando quero ser. Eu
cavo meus dedos em seus quadris e na deliciosa gordura de sua bunda,
esmagada contra o carro, e espero meu tempo.

─ Deus por favor…. Por favor... Por favor... Wren! Deixe-me gozar!

Onde estaria a graça nisso? Seu corpo inteiro convulsiona enquanto eu


rio. Ela empurra seus quadris para cima, tentando ganhar mais pressão da minha
boca, mas eu me inclino para trás apenas o suficiente para frustrá-la. ─
Mmm. Agora, quem está sendo ganancioso? ─ Porra, ela é deliciosa. Eu não
consigo o suficiente. Eu corro a ponta da minha língua para cima em um amplo
e tortuoso movimento lento, e a pobre Elodie choraminga como se estivesse
ficando desesperada.

Não falta muito pra ela gozar agora, no entanto. Posso ouvir o ronco
distante de um motor vindo pela estrada. Usando as pontas dos meus dedos, eu
a preparo, mergulhando dentro de sua boceta, apreciando o jeito que ela agarra
meu cabelo e puxa um pouco demais. Meu pau parece que está prestes a
explodir, mas posso esperar.
─ Por favor, Wren, ─ ela implora. ─ Deus por favor. Eu preciso de
você. Eu... eu quero você dentro de mim pra caralho.

Mais perto. Mais alto. Quem quer que esteja subindo a estrada está quase
em cima de nós.

Enfiei meus dedos dentro dela, sugando o nó escorregadio e apertado de


seu clitóris em minha boca, rolando-o com minha língua, e ela grita. Minha boca
inunda com o gosto doce dela. Eu a fodo com meus dedos, conduzindo-os em
um ângulo, encontrando o gatilho que a fará ver estrelas, e é quando o
Winnebago passa rugindo por nós.

A buzina soa. Alguém se inclina para fora da janela e grita algo ininteligível,
mas eu seguro firme. Elodie recua, assustada, tentando se cobrir, mas eu a
seguro pelos quadris, rosnando um aviso. ─ Termine, ─ eu ordeno. ─ Fode
minha mão, Elodie. Fode.

Eu me movo rápido, escalando seu corpo. Eu pressiono a palma da minha


mão entre suas pernas, bem contra seu clitóris, esfregando-a, e bombeio meus
dedos com mais força ainda...

Os olhos de Elodie rolam para trás em sua cabeça. ─ Oh meu Deus.


─ Seus quadris funcionam. Eu olho para baixo e assisto, completamente
hipnotizado, enquanto minha pequena E mói sua boceta contra a minha mão,
suas costas arqueando para fora do capô do carro quando ela goza.

Eu nunca estive tão excitado em toda a minha porra de vida.

Ela se abaixa entre as pernas e pressiona meus dedos mais fundo dentro
dela, levando minha mão para ela. ─ Porra! Wren! Meeer... ─ Suas pernas
puxam para cima em direção a seu estômago. Ela rola para o lado, pressionando
a testa no meu ombro, tremendo violentamente enquanto tenta sobreviver à
bomba nuclear que acabou de explodir dentro de sua cabeça.
─ Oh... meu... Deus, ─ ela ofega. ─ Ai meu Deus.

Eu mergulho para baixo, aninhando-me em seu cabelo para que eu possa


beijar seu pescoço. É aqui que eu me permito um sorriso presunçoso pra
caralho, mas só porque ela não pode me ver. ─ Shhh. Está bem. ─ Ela solta um
grito lamentoso quando eu tiro meus dedos dela. Ela cai de costas, com as
bochechas adoravelmente coradas, e pisca para o pedaço de céu azul acima de
nós como se ainda estivesse atordoada.

─ Aquelas pessoas naquele Winnebago definitivamente nos viram, ─ diz


ela.

Eu me deitei de costas ao lado dela, descansando minhas mãos no meu


peito. ─ Sim. Eles definitivamente viram.

Rindo, ela cobre o rosto com as mãos. ─ Como isso aconteceu? Fui
eu quem estava tentando ser má com você.

Ahhh, Cristo. Essa menina aqui. Viro a cabeça para o lado, mordendo de
brincadeira o lóbulo de sua orelha. ─ Você já deve saber, Pequena E. Você pode
tentar ser má. Mas sempre posso ser pior.

Uma vez que ela retorceu sua linda bunda de volta em seu jeans, nós
pegamos a estrada. Ela reclama amargamente que eu não vou deixá-la cair em
cima de mim, mas eu sei que vou parar direto na porra de uma árvore se eu
deixá-la em qualquer lugar perto de mim. Eu tenho que jurar que vamos passar
o resto da noite nus no meu quarto na Riot House para apaziguá-la.

Nós rimos e brincamos enquanto eu ligo o motor, ansioso para


voltar. Tudo parece tão leve e livre pra caralho. Isto é, até estarmos trinta minutos
fora de Mountain Lakes e eu pegar Elodie chorando com o canto do
olho. Lágrimas gordas e desoladas correm uma após a outra por suas
bochechas, e meu coração aperta no peito.
─ Jesus, E. Que porra é essa? O que... o que... eu fiz alguma coisa? O que
está errado? ─ Eu vou literalmente me matar se eu já a machuquei.

─ O que você... fez... com meu... pai, ─ ela gagueja, lutando por cada
palavra.

Poooooooorra.

Tudo afunda.

Era um risco, eu sabia disso. Eu estava preparado para lidar com as


consequências se ela me odiasse pelo que eu fiz. Mas o medo que envolve minha
traqueia, me sufocando enquanto tento não sair da estrada, parece que será o
meu fim.

─ Você voou através do mundo ─ ela se engasga. ─ No seu... aniversário


...

─ Elodie. Porra.

─ E você machucou... um homem muito perigoso... porque ele... me


machucou.

─ Eu sinto muito.

Ela tira minha mão direita do volante, levanta meu braço e se aproxima
do meu lado, escondendo o rosto no meu peito enquanto chora ainda mais. ─
Não se desculpe. É a coisa mais romântica da porra do mundo inteiro.
36

Elodie
Uma semana depois

O convite é preto, com um design de veludo macio que parece pecado sob
meus dedos. Os arabescos dourados gravados no cartão grosso são lindos. Eu
o seguro contra a luz, me perguntando quando ele colocou isso debaixo da
minha porta. Wren não fez menção de me convidar para a festa. Há conversas
em toda a academia sobre isso, mas por alguma razão nem sequer surgiu entre
nós.

Os moradores da Riot House convidam cordialmente a senhorita Elodie Stillwater para


sua festa à fantasia, neste sábado em sua humilde casa. As 20h. Prêmios para as fantasias
mais criativas.

Não requer confirmação.

Eu escondo o cartão flocado debaixo de um livro na minha mesa quando


ouço Carina lamentando meu nome no corredor. ─ Elodie Stillwater, deixe-me
entrar imediatamente!
Abro a porta, e há círculos escuros sob seus olhos, que parecem inchados
como se ela estivesse chorando. Ela marcha para o meu quarto e cai na minha
cama, gemendo enquanto se joga de volta contra meus travesseiros.

─ Ei. Uau, o que está acontecendo? ─ Eu subo na cama ao lado dela,


acariciando seu cabelo para trás de seu rosto. Ela fecha os olhos,
choramingando.

─ André. Ele... nós terminamos. Ele me largou.

─ Que porra é essa? O que aconteceu?

─ Eu não sei. Tudo parecia estar indo tão bem, e ontem ele desistiu do
jantar. E então esta tarde recebo uma mensagem estranha e vaga, me dizendo
que ele não pode sair mais porque sua carga de trabalho triplicou na
faculdade. Sair mais! Como se estivéssemos apenas brincando. Ele me disse que
estava apaixonado por mim há uma semana, Elle. Como uma pessoa pode se
apaixonar e desapaixonar em tão pouco tempo? Isso é um record filho da puta.

─ Isso é tão esquisito. Ele não parecia esse tipo de cara.

─ Eu sei! Ele não é esse tipo de cara. Que é como eu sei que Dashiell teve
algo a ver com isso. Eu sei disso, Elodie. É tão típico dele, interferir e se
intrometer nos assuntos de outras pessoas. Ele não suporta mais ninguém
sendo feliz.

─ Você o confrontou? Perguntou se ele disse alguma coisa?

─ Não. ─ Ela funga. ─ Não ajudaria. Ele apenas negaria, de qualquer


maneira. Aquele idiota! E tudo que eu quero fazer é assistir Netflix e comer
pizza, mas eu tenho muito trabalho para colocar em dia, ─ ela geme. ─ Vou ter
que passar a noite toda se quiser terminar meu inglês e meus projetos de ciências
para amanhã.
─ Você quer que eu vá ajudar você com os trabalhos? Eu sou muito boa
em toda essa coisa de apoio moral.

Ela arrasta um travesseiro sobre o rosto, gemendo novamente. ─ Por


favor, não leve a mal, mas eu não sou o tipo de garota que quer estar perto de
outras pessoas quando está sofrendo. Estou prestes a cair em uma espiral de
vergonha de proporções épicas. É melhor se não houver testemunhas. ─ É
surpreendente o quão bem eu posso entendê-la com o travesseiro cobrindo sua
boca. ─ Se você vier e ficar no meu quarto, tudo o que vou fazer é chorar e me
enfurecer, e não será um momento divertido para nenhuma de nós. E eu
realmente tenho que fazer esse trabalho.

Eu seguro a ponta do travesseiro, tentando puxá-lo para baixo para que


eu possa ver seu rosto, mas ela bate uma mão em cima dele, prendendo-o no
lugar. ─ Vim ver se você tem algum marca texto reserva. E Post-it. E Valium.

─ Sim, no armário. Não, quanto aos remédios prescritos, receio.

Ela geme ainda mais alto. O travesseiro é jogado do outro lado da sala. ─
Por que ninguém nesta escola tem drogas boas? Foda-se o uso recreativo. Você
pensaria que pelo menos metade de nós seria medicada para nossos distúrbios
de ansiedade muito reais.

Posso garantir que alguém na Riot House tem o tipo de alívio químico que
ela está procurando. De jeito nenhum estou sugerindo que ela vá bater na porta
deles, no entanto. ─ Vai ficar tudo bem, querida. Andre é um idiota se não quer
ficar com você. E você vai arrasar nessas atribuições. Você é uma vadia
má. Nenhuma dúvida sobre isso.

Ela franze o nariz, oscilando à beira das lágrimas novamente. — Você é


uma boa amiga, Stillwater. Entregue os marcadores antes que eu perca a
vontade de viver.
Eu dou a ela o que ela precisa, e ela vai. Fecho a porta do meu quarto,
sabendo que ela estava errada em tantos níveis. Me odiando por isso. Estou
guardando tantos segredos dela agora que me sinto como um maldito
monstro. E além de dizer a ela que estou apaixonada por Wren Jacobi, nada vai
mudar isso.

WREN: Você está acordada?

EU: Quase. Você?

WREN: Não. Eu mando mensagem enquanto durmo. É um


problema.

EU: Engraçado.

WREN: Você recebeu o convite?

EU: Sim. Estava debaixo da minha porta quando voltei para o meu
quarto. Você não sentiu vontade de esperar por mim?

WREN: Pax deixou para você. Eu disse a ele que não.


Encaro a mensagem, as palavras duras e dolorosas. Eu disse a ele que
não. Wren ficou de boca fechada sobre toda a festa, e eu percebi que estava
analisando a situação. Mas ele não me quer na festa? Depois de tudo que
passamos ultimamente, isso não faz o menor sentido. Mesmo se tivéssemos que
roubar beijos em quartos escuros, onde ninguém nos encontraria, eu ainda teria
pensado que ele me queria lá. Algo murcha e morre dentro de mim.

EU: Uau. Bem, isso dói.

WREN: Eu nem quero ir nessa coisa, E. Acredite, vai ser um


pesadelo. Eu não queria que você viesse porque essas coisas ficam
confusas.

EU: O que você quer dizer com confusas?

WREN: Nós jogamos esses jogos estúpidos. Adoraria dizer que sou
inocente, mas não sou. Eu costumava gostar de foder com as pessoas
tanto quanto Dash e Pax. Às vezes, as coisas saíam um pouco do
controle. Já humilhamos muito as pessoas no passado. Isso é o que eles
estão esperando de mim desta vez, também.

EU: De você, especificamente? Por que simplesmente não


participa?
Eventualmente, ele responde.

WREN: Não é tão simples. Devo muito a Dash e Pax. Eu não estava
sozinho em Tel Aviv, lembra? Eu os coloquei no inferno no passado, e
eles sabem muitos dos meus segredos. Coisas que ainda não te
contei. Talvez devêssemos nos encontrar...

Agora é minha vez de bater e apagar minhas respostas. Estou de repente


ansiosa. De que tipo de segredos ele pode estar falando? E quão ruins podem
ser? Minha mente vai de zero a sessenta em três segundos.

EU: Você deveria ficar com garotas nessa coisa? É por isso que você
não me quer lá?

Nada além silencio.

Eu agarro meu telefone no meu peito, lutando para respirar em torno da


dor aguda que está me esfaqueando na caixa torácica. Que diabos de
festa é essa? Eventualmente, meu telefone toca.

WREN: Você pode me encontrar no gazebo em uma hora? Seria


mais fácil explicar isso pessoalmente.
EU: Ok.

Meu batimento cardíaco está pairando em algum lugar por volta de uma e
meia. Eu não posso acreditar... porra, eu não posso acreditar depois de todo o
tempo que passamos juntos, e Wren me dizendo que ele está apaixonado por
mim, e todas as promessas que fizemos um ao outro naquela porra estúpida de
Country Inn, ele está puxando essa merda para mim agora. Horrivelmente,
parece que estou prestes a terminar ou algo assim, e não acho que aguento ouvir
isso agora. Levanto da cama onde estava assistindo TV no meu laptop e começo
a andar pelas tábuas do chão, para frente e para trás, para frente e para trás, para
trás e...

Paro em frente à janela, espiando a escuridão. Já há uma luz acesa lá fora


no labirinto - apenas um vislumbre mais fraco brilhando através dos galhos dos
carvalhos, mas está lá. Eu vejo isso claro como o dia. O que significa que Wren
já está no gazebo. Então, por que ele me disse para esperar uma hora para
encontrá-lo? Porra, Jesus Cristo, provavelmente estou exagerando, mas não vou
esperar nem uma hora para descobrir o que está acontecendo se não for
preciso. Então me ajude, eu vou lá e vou descobrir o que diabos está
acontecendo.

***

Ao contrário da primeira vez que me aventurei no labirinto, esta noite o


ar está calmo e parado. Está até quente o suficiente para que eu tenha saído sem
uma jaqueta. É muito mais brilhante, também. O céu está claro e a lua está
quase cheia; ela lança tanta luz sobre o terreno da academia que sou capaz de
percorrer um caminho através das paredes altas do labirinto sem me
perder. Meus ouvidos rugem no silêncio enquanto me aproximo do gazebo. Eu
planejei uma ladainha de insultos que vou lançar em Wren se eu o encontrar
sentado aqui com o nariz em um livro. Eu não me permiti considerar o curso
de ação que vou tomar se o encontrar aqui com outra garota. Eu sei que ele não
faria isso. Eu sei disso como sei que o sol vai nascer de manhã, e o mundo vai
continuar girando em seu eixo. Essa sensação horrível que continua se
revirando no meu estômago não vai me dar nenhuma paz, no entanto.

Por que ele não respondeu à pergunta que fiz naquela mensagem de
texto? Se ele não está planejando brincar com outras garotas nesta festa, então
por que ele simplesmente não diz isso?

Estou a um metro e meio de distância do gazebo quando finalmente estou


perto o suficiente para ver o interior. E não é Wren lá dentro, afinal.

É Dashiell.

E Carina.

Porra!

Eu me abaixo, e o gosto de cobre inunda minha boca; eu mordi minha


maldita língua. Meus olhos lacrimejam em torno da dor, mas eu não faço um
som. Agachada no canteiro de roseiras do lado de fora da janela, eles não podem
me ver de dentro... mas agora estou presa aqui. É um milagre que eles não me
tenham visto marchando em direção ao prédio. Mesmo se eu me agachar e
correr de volta para a entrada do labirinto, há uma chance muito real de eles me
verem. Estou bem e verdadeiramente ferrada.

Vozes flutuam de uma janela aberta para o ar parado da noite.

─ Você não tem nenhum direito! ─ É a voz de Carina, e soa como... ahh,
merda, parece que ela está chorando. Porra, esta é a última coisa que eu preciso
– ser pega escutando esta conversa. Pelo menos parece que ela está lhe dando
o inferno por mexer em seu relacionamento com Andre.
─ Você tem razão. E sinto muito — murmura Dashiell. A acústica dentro
do gazebo deve ser ridiculamente boa. Sua voz é baixa e profunda, mas posso
ouvi-lo perfeitamente. Eu realmente tenho que sair daqui. ─ Eu só não quero que
nada disso volte para nos machucar, ok?

Ah. Idiota. Ele tem um jeito engraçado de mostrar a ela que se importa. Se
ele não queria que nada voltasse para machucá-lo, ele não deveria ter arranjado
para Carina encontrar ele com uma garota chupando seu pau. Isso teria sido um
grande começo.

─ Os policiais precisam saber, ─ diz Carina. ─ Isso... o que você está me


pedindo para fazer. Não é justo, Dashiell. Tem que haver consequências. Ele
não pode simplesmente... ─ Ela está chorando agora. Chorando forte o
suficiente para se engasgar com sua emoção. ─ Ele não pode simplesmente se
safar de novo. E se... e se ele machucar outra pessoa? E se ele machucar Elodie?

Tudo para.

Meu coração.

Meu cérebro.

Todo pensamento cognitivo.

O que diabos ela acabou de dizer?

─ Ele é perigoso, Dash. Você sabe que ele é. Não podemos permitir que
outra pessoa sofra por causa dele. Não porque somos covardes demais para
falar, pelo amor de Deus.

─ Olha, você não tem ideia do que está falando. Como você pode saber
que ela não estava chapada quando escreveu isso? Ela estava fora de si noventa
por cento do tempo, porra. Mercy cuidou disso. Basta jogá-lo no fogo e vamos
lavar as mãos dessa coisa toda.
─ Mas Elodie...

─ Eu sei que ela é sua amiga, Carrie, mas não conheço a garota. Se você
se importa tanto com ela, certifique-se de que ela fique bem longe dele. Não
deve ser muito difícil. Ele vai esquecer tudo sobre ela em breve, e então você
não terá mais que se preocupar com a segurança dela.

─ Como você pode ser tão frio? Como você pode estar tão distante disso?

Eu ouço Dashiell suspirar. ─ A única pessoa com quem me importo é


você, Carina. Acho que deixei isso bem claro. Se você não quer ouvir isso, então
isso é problema seu. Entendo. Eu fodi com tudo. Podemos lidar com isso outra
hora, no entanto. Agora me dê.

O que diabos ele quer dela? E do que diabos eles estão falando? Eu arrisco
uma espiada por cima das roseiras, mas tudo que posso ver são os topos de suas
cabeças. O choro de Carina fica mais alto. ─ Está bem. Aqui, Lord Lovett. Você
sempre consegue o que quer, não é? ─ Eu nunca ouvi uma mágoa tão amarga
em sua voz. Nem antes, quando ela me disse que Andre a tinha largado por
mensagem de texto.

─ Eu não tenho ideia de porque você está protegendo ele assim, ─ ela
diz. ─ Ele não é seu amigo. Você sabe disso, certo? Ele pode agir assim, mas
ele só usa as pessoas para conseguir o que quer.

─ Talvez você esteja certa, ─ concorda Dashiell. ─ Mas o ensino médio


está quase no fim, Carrie. Todos nós vamos seguir nossos próprios caminhos
na vida. Provavelmente nunca mais o verei. Até lá, eu tenho que vê-lo o tempo
todo, e não vou arriscar que ele abra a boca e fale para todo mundo sobre o que
aconteceu naquela maldita noite.

─ Oh meu Deus, o que você vai... ─ O suspiro assustado de Carina é


interrompido. Ela choraminga, e o som é tão triste e com o coração partido que
eu quero correr até lá e confortá-la. Eu não posso, no entanto. Essa troca entre
eles é definitivamente privada. E estou preocupada que também possa ser um
pouco ilegal. Estou tão confusa, mas Carina mencionou meu nome e...

A porta do gazebo se abre.

Carina corre para a noite e vejo que seu rosto está manchado de
lágrimas. Ela envolve os braços em volta de si mesma como se estivesse
fazendo o possível para se manter unida.

Graças a Deus, misericórdia das misericórdias, ela está de costas para mim
e não me vê fugindo de volta para os arbustos como uma maldita criminosa.

─ Carina, espere! ─ Dash emerge do gazebo, batendo a porta atrás


dele. Ele vai até minha amiga, colocando a mão em seu ombro, virando-a para
encará-lo. ─ Todos nós cometemos erros, ok. Grandes. Eu não acho que
deveríamos continuar pagando por eles assim.

Ela funga, limpando o nariz com as costas da mão. ─ Você está falando
sobre o que ele fez? Ou o que você fez comigo?

Por um momento, Dash não diz nada. Acho que ele vai deixá-la ir embora
sem uma resposta dele, mas então ele toma coragem, olhando para o céu, e
assente. ─ Sim. Estou falando sobre o que eu fiz com você. Eu odeio isso,
ok. Eu odeio que eu machuquei você. Deixei as coisas saírem do controle e
tomei um rumo errado. Eu me arrependi disso todos os dias desde
então. Quando você vai me perdoar?

Carina.

Pobre Carina.

Ela pisca para ele, seu perfil pintado de prata pelo luar. ─ Quando você vai
aprender que sua posição na vida não lhe dá automaticamente o direito de fazer
tudo de novo sempre que você estragar tudo? ─ Ela parece a pessoa mais triste
do mundo enquanto se afasta dele. Isso é até que os ombros de Dashiell caírem
e sua cabeça cai, um suspiro cansado e abatido sai de seus lábios. Então, ele
reivindica esse título para si mesmo.

Ele vai também, desaparecendo na abertura do labirinto, deixando-me


sozinha, minhas coxas queimando da minha posição desajeitada e contorcida
nos arbustos. Dói como um filho da puta quando me levanto, esticando minhas
pernas uma de cada vez.

Que porra eu acabei de testemunhar?

Eles poderiam muito bem estar falando em código; havia tanta coisa que
eu não entendia. Eu reuni um pouco de informação, no entanto, e informações
preocupantes.

Algo ruim aconteceu. Algo em que Carina e Dashiell estavam envolvidos.


E Carina está preocupada que isso aconteça comigo também.

Um punho frio e morto se fecha ao redor do meu coração.

Eu entro no gazebo, alfinetes e agulhas pinicando por todo o meu


corpo. Leva um segundo para ver o livro em cima dos troncos em chamas na
lareira, as chamas lambendo sua capa encadernada em couro bronzeado. Eu
chamusco meus dedos puxando-o para fora.

É só quando o livro vira, caindo com uma pancada no chão à minha frente,
que percebo o que é.

É o diário de Mara Bancroft.


37

Mara
5 DE JUNHO.

Palavras não podem descrever esse sentimento. Se alguém apontasse uma arma para
minha cabeça e me obrigasse a explicar o que está acontecendo dentro de mim agora, eu diria
a eles que estou feliz. E com medo. Realmente, muito fodidamente assustado. Mamãe me ligou
e disse que eu não deveria me envolver com meninos agora. Ela quer que eu me concentre no
meu trabalho, mantenha minha cabeça baixa e me concentre nas minhas notas. Ah! Okay,
certo. O que diabos ela sabe sobre a vida real? Ela está tão presa em sua própria merda que
ela não tem ideia de como é estar aqui, presa neste lugar, sem ter para onde ir e ninguém para
conversar. Poe entende. Poe sabe exatamente o que estou passando. Ele está aqui há muito
mais tempo do que eu. Ele é o único que ouve. Se eu não o tivesse, não sei o que faria.

Carina acha que sou louca por me envolver com ele. Ela acha que ele está muito
quebrado para sentir qualquer coisa, mas eu experimentei coisas com ele que ela nem pode
começar a imaginar. A proximidade. A maneira como ele me faz sentir quando ele me diz
que me ama. Ele não é quem as pessoas pensam que ele é.

Há momentos, no entanto. Momentos em que ele olha para mim como se quisesse puxar
minha alma para fora do meu corpo. Esses são os momentos que me fazem entrar em
pânico. Ele estará na festa, é claro. Temos que fingir que não há nada entre nós. Ele vai
beber e se divertir com aqueles garotos idiotas da Riot House, e eu vou ter que fingir. Fazer
como se ele não tivesse me encontrado esta manhã em nosso lugar secreto e me fodido sem
sentido. Eu sei que ele está com problemas. Eu sei que ele não é uma aposta segura e nada
de bom pode vir dessa coisa entre nós. Mas é tão difícil lembrar disso quando ele está dentro
de mim, beijando meu pescoço, sussurrando meu nome.
Se Carina soubesse o quão doce e gentil ele foi comigo, ela não diria as coisas que ela
diz sobre ele. Ela estaria do meu lado. Ela é minha amiga. Ela deveria estar do meu
lado. Essa é a coisa mais irritante sobre isso. Você deveria ser capaz de dizer qualquer coisa
aos seus amigos.

Só espero que ele não me machuque. Às vezes, quando estou deitada em seus braços,
sinto que ele pode fazer algo louco. Suas mudanças de humor podem ser assustadoras.

8 de junho.

Dia ruim. Eu peguei Poe olhando para Damiana. Ele diz que não está interessado
nela. Que ele nunca a tocaria, não importa o quê. Mas eu sei o olhar que vi em seus olhos. Ele
me olha assim o tempo todo. Ela estava flertando com ele depois da aula. Uma puta de
merda. Ela faria qualquer coisa para fodê-lo. Para pegar algo que me pertence. Se as coisas
fossem diferentes, eu não teria que me preocupar com essa merda. Um dia, seremos capazes de
ser abertos sobre como nos sentimos e ninguém ficará em nosso caminho. Eu só tenho que ser
paciente. Se os caras da Riot House descobrirem sobre nós, haverá um inferno para pagar.

9 de junho.

Eu não posso mais fazer isso. Eu quero ir para casa, mas mamãe está tão
delirante. Ela acha que estou exagerando, e eu só preciso me distanciar da situação. Mas como
posso fazer isso quando ele está sempre lá? Nos salões? Nas minhas malditas aulas? Sempre
olhando para mim, me observando como se eu fosse algo que ele quer comer.

Ele me machucou hoje. Eu o acusei de brincar com Damiana e ele me prendeu contra
a parede. Ele colocou a mão em volta da minha garganta e por um segundo, eu pude ver em
seus olhos. Ele queria quebrar meu pescoço. Por um segundo, ele enfiou os dedos na minha
pele, e eu vi a violência dentro dele. Foi assustador.
10 de junho

Não quero ir a esta festa estúpida. Eu sei que algo horrível vai acontecer. Eu posso
sentir isso em meus ossos. Usei o suéter para a aula hoje. O que Poe me deu ontem à noite
depois que eu o deixei no gazebo, e ele surtou quando me viu nele. Ele me fez levá-lo de volta
para o meu quarto e escondê-lo. Eu não tenho ideia do que está acontecendo com ele, mas essa
coisa toda está começando a me preocupar. Vou à festa e depois vou embora. Caso contrário...
eu sei que isso é estúpido, eu sou estúpida, mas estou preocupada que Poe possa me matar.
38

Elodie
SENTO-ME entre as páginas carbonizadas do diário de Mara com minha
alma sangrando por todo o chão. Isso não pode estar acontecendo. Há tantas
evidências no diário de Mara que me deixaram sem fôlego. Estou com muito
medo de reconhecer a maioria deles.

Poe?

Um relacionamento oculto, mantido em segredo dos membros da Riot


House?

O ódio abjeto de Carina pelo amante de Mara?

A conexão com Damiana?

Tudo isso...

Limpo as lágrimas quentes e raivosas do meu rosto, tentando entender


tudo o que acabei de ler.

Edgar Allan Poe é o poeta favorito de Wren.

Quantas vezes Wren me disse que não podemos contar a Dashiell e Pax
que estamos juntos?

Carina despreza Wren.

E ele transou com Damiana. Carina me contou tudo. Ele transou com ela
um mês antes de eu aparecer no Wolf Hall. Faz sentido que ele tenha se
interessado por ela por um longo tempo, apenas para se cansar dela quando a
teve?
Mercy já deu a entender que Wren e Mara Bancroft estavam se
encontrando. Mas eles estavam fodendo? E ela estava com medo dele? Com
medo de que ele fosse matá-la. E então ela simplesmente desapareceu do
nada? O que diabos eu deveria fazer com tudo isso?

Como eu poderia ter me convencido a esquecer a garota que costumava


dormir no meu quarto? O que diabos eu estava pensando? Desesperada demais
para manter a única amiga de verdade que fiz aqui, não querendo balançar o
barco, deixei Carina levar o diário. Eu acreditei nela quando ela disse que ia
entregar para a polícia, mas ela não o fez. Ela guardou isso porque ela está
escondendo alguma coisa.

Muitas das páginas do diário de Mara estão tão queimadas que são
impossíveis de ler. O fogo destruiu grande parte da primeira metade do livro,
então nunca saberei o que ela escreveu lá. As chamas deixaram suas entradas
finais intactas, porém, e pintam um quadro condenatório.

Não ouvi a porta do gazebo abrir. Eu não o ouvi entrar. Eu fico muito,
muito quieta ao som de sua voz. ─ Elodie.

Que bagunça desastrosa devo estar, sentada no chão em frente ao fogo,


páginas soltas cobertas de tinta azul espalhada por todo o lugar, as pontas dos
meus dedos pretas de fuligem. Wren está em cima de mim, vestindo uma
camiseta branca e uma calça jeans surrada. Esta é a primeira vez que eu o vejo
vestido com algo diferente de preto, e vê-lo com essas roupas faz com que algo
endureça no meu peito. Ele nunca é o que eu espero que ele seja. Ele sempre
faz ou diz algo para me surpreender. Estou oficialmente surpresa com ele
agora; quero dizer, ele é quem eu pensei que fosse?

Duas pequenas linhas se formam entre suas sobrancelhas quando ele se


abaixa e pega um dos pedaços de papel a seus pés. ─ O que você está fazendo,
Elodie? ─ Ele parece cauteloso. Inseguro. Assim como ele deveria.
─ Fale-me sobre Mara. ─ Minha voz não soa como a minha. Ou talvez
seja apenas porque meus ouvidos estão abafados e tudo parece tão distante. —
Você estava saindo com ela, não estava?

Um olhar estranho e achatado se forma em seu rosto. Ele lê o diário no


papel em sua mão, balançando lentamente a cabeça da esquerda para a
direita. Não parece que ele está feliz com o que está escrito lá.

─ O que é isso? ─ ele pergunta, segurando a página.

─ O diário dela. Ela não era muito consistente em escrever nele todos os
dias, mas conseguiu anotar a maioria das coisas importantes. Por que você não
me fala sobre ela?

─ O que há para dizer? Ela era uma estudante aqui. Ela


desapareceu. Apareceu em todos os noticiários.

─ Eu estava em Tel Aviv quando ela desapareceu. Eu não estava


prestando muita atenção aos noticiários de uma cidade pequena de New
Hampshire naquela época. Porra, eu nem sabia que esse lugar existia na
época. Você não respondeu minha pergunta, Wren. Você estava saindo com
ela, não estava?

Sua expressão estranha se aprofunda. ─ Eu te disse que havia garotas,


Elodie. Antes de você. Não estou orgulhoso de quantas garotas namorei no ano
passado. Mas não pensei que você fosse me crucificar por isso. Saí com Mara
uma vez, mas não deu em nada. Sinto muito, isso... ─ Ele balança a cabeça. ─
Isso não é o que você pensa que é.

─ Isso não é o que eu acho que é? ─ Uma gargalhada mordaz sobe e sai
da minha garganta. ─ Isso não é o que eu acho que é. Certo. O que é então,
Wren? Apenas alguma merda que uma garota festeira idiota inventou sobre
você? Eu pego um punhado de páginas soltas que caíram do diário de Mara,
amassando-as em meu punho. ─ Isso é uma merda muito fodida, Wren. Parece
que você a machucou. Parece que você é a razão pela qual ela desapareceu. Vai
me dizer que não teve nada a ver com isso?

A fachada calma que ele manteve até agora escorrega. ─ Você está
seriamente me perguntando isso? Jesus Cristo, E. Você acha que eu matei Mara?

─ Há muitas coincidências aqui, pequenas coisas que se ligam a você. Só


uma pessoa insana não somaria dois mais dois.

─ Elodie. ─ Ele suga o lábio inferior em sua boca, seus olhos verdes -
olhos que têm sido suaves para mim ultimamente - se transformam em pedra
gelada. ─ Você não tem ideia do que está falando. Nenhuma ideia mesmo.

─ Então me esclareça, porque estou apavorada agora. Estou começando


a enlouquecer aqui porque há uma forte chance de eu ter me apaixonado por
um assassino.

Sua mandíbula endurece. Ele está apertando com tanta força que eu vejo
a tensão em todo o caminho em suas têmporas. ─ Você realmente acha
isso? Você realmente acha que eu faria isso?

Olho para todas as anotações do diário de Mara, espalhadas pelo chão


como pedaços esquecidos do passado, gritos de socorro e não sei mais o que
pensar. ─ Eu não sei.

Na fração de segundo que levo para olhar de volta para ele, Wren vira as
costas e sai. Pânico chicoteia dentro de mim como um ciclone enquanto corro
de volta para o meu quarto. Meu coração não vai parar de trovejar. Assim que
fecho a porta e tenho certeza de que estou sozinha, corro até o parapeito da
janela e puxo o pedaço de madeira que esconde o esconderijo secreto de
Mara. No dia em que Mercy revelou este local e eu tirei o diário de Mara, Carina
não viu a caixa preta dentro com as flores de cerejeira pintadas. Ou o suéter
empacotado. Minhas mãos tremem como loucas quando me abaixo e pego os
dois itens, colocando-os no final da minha cama.

Eu inspeciono o suéter primeiro. É um suéter da Wolf Hall Academy, azul


marinho com letras douradas na frente. Eu vi muitos estudantes usando-os nos
corredores. É só quando olho dentro do suéter e vejo as duas letras pequenas
com tinta na etiqueta que meu coração se despedaça oficialmente.

WJ

Wren Jacobi.

Estou congelada até o meu núcleo quando abro a caixa laqueada preta e
tiro um punhado de penas pretas.
39

Elodie
EU FAÇO isso no dia seguinte de alguma forma. Eu respondo a Carina
quando ela fala comigo, mas tudo o que vejo no fundo da minha mente é ela
parada com Dashiell do lado de fora do gazebo, segurando seu cardigã apertado
em volta do corpo, falando sobre o que aconteceu com Mara, e sua preocupação
de que isso possa acontecer comigo também. Ela se lamenta e reclama de
Andre, e eu faço todos os barulhos apropriados. Finjo que estou ouvindo, e
tropeço de uma aula para outra, me perguntando o que diabos devo fazer agora.

Estou destruída.

Eu não vejo Wren. Não vejo nenhum dos rapazes da Riot House. Todos
os três estão notavelmente desaparecidos de Wolf Hall, embora ninguém pareça
notar sua ausência. Eles estão se preparando para a festa hoje à noite, tenho
certeza. Embora porque nenhum dos professores tenha feito qualquer tipo de
comentário sobre sua evasão escolar seja um maldito mistério.

Estou na minha aula de francês, a última lição do dia em que a reitora


Harcourt vem me procurar. Ela está usando um olhar de determinação sombria
em seu rosto enquanto ela me acompanha pelo corredor até seu
escritório. Quando ela está sentada atrás de sua mesa e eu me sentei em frente
a ela, ela limpa a garganta e me dá a notícia que eu estava esperando para ouvir
desde que Wren me contou sobre sua viagem a Tel Aviv.

─ Elodie, temo ter más notícias. Parece que... ─ Ela não sabe para onde
olhar. ─ Seu pai esteve envolvido em algum tipo de acidente, Elodie. Ele estava
em um bar em Tel Aviv, e três homens o atacaram. Eles o agrediram em um
beco e o espancaram muito severamente. Eu sei que isso deve ser um choque
para você, mas parece que ele ficou paralisado durante o ataque.

Eu olho diretamente através dela.

─ Agora, também foi um choque para mim que isso tenha acontecido há
tanto tempo. Normalmente, somos imediatamente informados se algo
acontecer com os membros da família de um aluno, mas por algum motivo os
militares decidiram não nos informar sobre este incidente, até esta tarde. Parece
que os ferimentos do seu pai foram complicados devido a um derrame que
sofreu dois dias depois de ser internado no hospital. Ele ainda está vivo,
respirando sozinho, mas temo que não responda a estímulos externos. Os
médicos estão trabalhando com ele diariamente, mas estão dizendo que ele
entrou em algum tipo de estado de fuga. Ele está totalmente acordado, mas...
isso pode ser difícil de ouvir, então peço desculpas, mas... ele parece estar preso
dentro de sua própria mente. Você está bem, Elodie? Você entende o que estou
lhe dizendo?

Faço contato visual, agarrando a alça da minha bolsa, torcendo o material


em minhas mãos. ─ Sim eu ouvi você. Compreendo.

─ É natural que você queira ir e estar com ele, Elodie. Eu posso ver o
quão traumatizada você está com esta notícia. Mas ele está sendo cuidado em
uma instalação do exército, e eles disseram que, como você é menor de idade,
não há como voltar para Tel Aviv sozinha. Seu pai assinou a guarda para nós
aqui na escola enquanto você estuda conosco, então temo que você tenha que
ficar aqui até que o Coronel Stillwater se recupere o suficiente para sair do
hospital. Eu sei que essa é provavelmente a última coisa que você quer ouvir,
mas estou pedindo sua ajuda com isso. Eu sinceramente espero que você não
cause problemas porque você não pode...
─ Está bem. Compreendo. Vou cumprir as regras. Eu não vou causar
nenhum problema.

Harcourt parece aliviada. Ela provavelmente pensou que eu ia queimar


toda a porra da escola na minha tentativa de chegar ao meu pobre, catatônico e
paralisado pai. Se ela soubesse a verdade. ─ Bem, obrigada, Elodie. Não sei se
você é religiosa, mas gosto de me apoiar em Jesus em momentos como esse. Se
você orar a ele pela recuperação de seu pai, quem sabe? Talvez ele volte ao
normal antes que você perceba.

─ Eu acredito na ciência, reitora Harcourt. Prefiro saber o que os médicos


estão dizendo, por favor. Especificamente, em quanto tempo ele estará de pé
novamente?

A boca da reitora está aberta, revelando os dentes da frente manchados


com seu batom cor de amora. ─ Temo... isto é, os médicos acham que é
improvável que seu pai se recupere totalmente, Elodie. É improvável que ele
volte a andar. E se ele vai sair desse estado de fuga ainda não se sabe. É por isso
que eu mencionei a oração. É uma poderosa ferramenta de cura, você
vê. Receio que sem ela...

Ela divaga, mas eu já parei de ouvir.

Quantas vezes ela disse que estava com medo?

Receio ter más notícias.

Tenho medo que ele não responda...

Temo que você vai ter que ficar aqui...

Um termo tão estranho para ela usar. Ela não estava com medo. Ela ficou
incomodada e preocupada, e está ansiosa para resolver esse assunto
rapidamente para evitar que tome mais tempo.
Eu, por outro lado, tenho medo há muito tempo. Esta notícia muda tudo
isso. Parece que nunca mais vou ter que ter medo do meu pai. E isso é tudo
graças a Wren. Flutuei ao longo do dia, tão entorpecida e desligada do meu
entorno, que não parei para analisar se estou com medo dele agora.

Preocupante... acho que não sou.


40

Elodie
QUANDO VOLTO para o meu quarto, a porta do meu quarto está aberta. E
ali, sentada na ponta da minha cama, está Mercy Jacobi. Ela parece tão fora de
lugar empoleirada em cima do meu edredom rosa escuro, mas ela parece ter se
sentido perfeitamente em casa. Ela sorri como um gato Cheshire quando me vê
na porta.

─ Antes de você começar, eu não toquei em nada, ─ diz ela, estendendo


as mãos em um gesto apaziguador. ─ Eu só queria deixar sua fantasia para esta
noite.

Eu faço uma careta para ela; parece ser a coisa mais segura a fazer. ─
Fantasia? Eu não tenho uma fantasia.

─ Wren comprou uma para você, boba. ─ Ela sacode a cabeça na direção
de uma bolsa preta e dourada pendurada na parte de trás da porta do meu
armário. ─ Eu estava na casa mais cedo, deixando um pouco de bebida e gelo,
e vi meu querido irmão mais velho fazer um buraco na parede do quarto com
as próprias mãos. Parece que ele está bastante chateado. Por acaso você não
saberia nada sobre isso, não é?

Deus, ela é boa nisso, em todo o fingimento. Eu suspeito que ela sabe tudo
sobre mim e Wren e ainda está fingindo ignorância. ─ Eu não tenho ideia do
que está acontecendo com ele. Quem sabe o que está acontecendo com
Wren. Ele está permanentemente chateado, ─ eu digo.

O sorriso de Mercy é mais falso do que seus dentes brancos perfeitos. ─


Ahh. Vergonha. Nada me deixa mais triste do que problemas no paraíso. Justo
o suficiente, no entanto. Vocês dois querem ser melancólicos e miseráveis, isso
depende inteiramente de vocês. Vou deixar você experimentar sua fantasia em
paz.

─ Eu não preciso da fantasia, Mercy. Eu não vou à festa.

─ Ah não. Você tem que ir! Todo mundo vai. Você quer ser a única
pessoa em todo o seu andar, sentada em seu quarto como um saco triste,
enquanto todos os outros se divertem?

─ Carina não vai, ─ eu digo desafiadoramente.

Mercy sorri enquanto se levanta e sai valsando para o corredor. — Tem


certeza disso, Stillwater? Carina é toda conversa na maior parte do tempo. Eu
colocaria um bom dinheiro para que ela participasse das festividades desta noite.

─ Eu não estou de bom humor, Mercy. Você pode, por favor, tirar a bolsa
de roupas do meu quarto? Se Wren quisesse que eu a tivesse, ele mesmo teria
me dado.

─ Ele provavelmente está preocupado que, se ele chegar a menos de um


metro e meio de você, você vai surtar e acusá-lo de tentar matá-la, ─ diz ela,
com um sorriso felino no rosto.

Porra.

Então, ela sabe sobre o que aconteceu no gazebo. Duvido muito que Wren
tenha contado a ela, mas quem diabos sabe? Já errei muitas vezes antes. Tipo,
uma quantidade ridícula de vezes. Wren poderia ter contado a Dashiell, que
então contou a Mercy? O que importa, porra, como ela sabe? Ela apenas faz.

─ O convite disse oito, mas eu recomendo vir por volta das nove, ─ diz
ela. ─ Ajuda a fazer uma entrada quando você está lutando com um cara como
meu irmão. E puta merda, você vai fazer uma entrada vestindo essa fantasia.
***

Estou no limite enquanto abro a bolsa, deixando-a cair no chão. Meu


estado elevado de ansiedade triplica quando vejo o que está dentro dele. Esta
não é uma fantasia de vinte dólares de uma drogaria. Não é nem o tipo de
fantasia cara que você precisa comprar online. Este é o tipo de fantasia que você
faz do zero, com uma lista de especificações que você envia para uma costureira
semanas antes de um evento.

É linda.

O corpete é branco-gelo e cintilante com cristais Swarovski. Há fita


costurada no tecido luxuoso, bem como laços nas costas, que parecem
assustadores como o inferno. Eu nunca na minha vida vesti algo tão
complicado.

A saia é feita de um tipo de tecido diáfano e sedoso, camadas e camadas


em azul, prata e branco, tão fina e deslumbrante que não posso deixar de passar
os dedos sobre ela.

Esta é a peça de roupa mais linda que eu já vi na minha vida. Eu a


reconheço pelo que é imediatamente: é uma fantasia de Sininho. Eu mencionei
para Wren quando estávamos discutindo no sótão que eu sempre quis ser
Tinkerbell quando era criança, mas nem sempre conseguíamos o que
queríamos... e ele se lembrou? Foi uma observação tão irreverente e
improvisada. Eu não posso acreditar que ele armazenou a informação e depois
ordenou isso.

É lindo demais.

É muito.

Tudo isso é foda demais.


Eu montei uma imagem realmente suspeita da vida de Wren no ano
passado e é tão assustadora e horrível que não consigo suportar. Ainda estou
apaixonada por ele, e não consigo parar. Uma faca perversamente afiada
mergulha no meu coração, esmagando minhas costelas, roubando minha
respiração enquanto eu caio de joelhos, segurando a bela fantasia de fada no
meu peito.

Isso não é justo.

Eu sabia que se apaixonar por alguém como Wren era perigoso, mas foda-
se. Eu não esperava acabar soluçando na peça de roupa mais cara que já segurei
em minhas mãos, me preocupando que ele pudesse ter assassinado outra
garota. A garota que costumava dormir no meu quarto. Deus, a simetria de tudo
isso é terrível demais para sequer pensar.

Eu me deito de costas no chão do meu quarto, chorando no início, mas


eventualmente acabo apenas olhando para a luminária acima da minha cabeça,
tentando fazer com que o zumbido agudo na minha cabeça fique quieto. Não
vai embora, no entanto. Ele continua e continua, até que eu sinto que vou
enlouquecer com o som incessante.

E então eu estalo.

Eu tenho que saber a porra da verdade.

Eu mereço saber.

Eu não me importo o quão estúpido isso me torna. Eu vou para aquela


maldita festa, e vou chegar ao fundo disso de uma vez por todas.

Mas há algo que eu tenho que fazer primeiro.

Duro de ficar deitada no chão por tanto tempo, minhas costas reclamam
quando me sento e abro a gaveta de baixo da minha penteadeira. Ali, enfiada
entre minhas camisas dobradas, está a pequena caixa branca que Carina deixou
encostada na minha porta cinco dias atrás. Eu olho para a linda mulher de
cabelos negros na frente da caixa, me perguntando se serei capaz de fingir um
sorriso tão grande quanto o dela quando eu entrar pela porta da frente da Riot
House.

Eu duvido muito, porra.


41

Elodie
O VESTIDO CAI COMO UMA LUVA. Mesmo quando alguém tem suas
medidas específicas, é raro encontrar um vestido que caiba tão bem. Foi preciso
muito esforço para entrar e exigiu a ajuda de Pres para amarrar corretamente na
parte de trás, mas depois de terminar tudo, até tenho que admitir que ficou
incrível. Eu pareço incrível. Além do vestido, parece que estou me olhando pela
primeira vez em três anos quando estou na frente do espelho do meu quarto e
observo meu reflexo.

─ Eu gosto disso. Acho que gosto disso, ─ diz Pres, recuando, batendo o
dedo indicador no queixo. Ela está vestindo uma fantasia de Beetlejuice feita de
pijama listrado preto e branco, muita sombra preta e uma peruca de Albert
Einstein. ─ Foi um choque no começo. Estou acostumada com você
loira. Sabe, é estranho, mas cabelo escuro combina melhor com você agora que
estou vendo.

Pintei meu cabelo de volta para a minha cor natural no meu quarto, apenas
me abaixando brevemente no banheiro para enxaguá-lo quando o cronômetro
do meu celular tocou. Ser morena novamente é como voltar para casa. Eu
recuperei uma pequena parte de mim que foi tirada de mim. Assim, sou a pessoa
que deveria ser o tempo todo e não a estranha que meu pai tentou criar.

─ Sim. Acho que combina mais comigo também. ─ Eu me afasto do


espelho, pegando meu convite para a festa da cama.

─ Quer descer comigo? ─ Pres pergunta. ─ Eu estava atrasada. Eu disse


as outras para seguirem em frente sem mim.
─ Certo.

Então, Pres e eu descemos a colina para a festa juntas no escuro. A música


pulsante que inunda as florestas ao redor da Riot House indica que as
comemorações já estão bem adiantadas quando chegamos ao desvio que leva à
casa de Wren. Não há necessidade de bater na porta da frente; já está se abrindo
na noite como uma grande boca desdentada, levando direto para as profundezas
do inferno.

Lá dentro, arco-íris me seguem de quarto em quarto, dançando pelas


paredes; os cristais Swarovski no vestido captam e refletem a luz, espalhando
rajadas de cor em todas as direções enquanto Pres me puxa pela entrada
lotada. Todos os alunos do Wolf Hall parecem estar aqui, vestidos com todos
os tipos de fantasias estranhas e maravilhosas. Eu me amaldiçoo por ser tão
baixa enquanto me esforço para ver por cima da cabeça das
pessoas. Rapidamente percebo que isso simplesmente não vai acontecer, então
me concentro em ter certeza de não ser pisada, enquanto as pessoas pulam,
dançando ao som da música estridente. Vejo Rashida sentada perto do fogo,
conversando com um cara que não reconheço. Ela franze a testa quando me
vê, apertando os olhos, então ela finalmente me reconhece e acena, apontando
para seu cabelo, me dando um polegar para cima.

Eu nunca estive na cozinha antes. É enorme, claro, com uma ilha de


mármore gigante no centro, superlotada de garrafas de licor e tigelas cheias de
comida. Não as batatas fritas e salsa tipo de comida que você esperaria na
maioria das festas em casa. Não, há bolos de caranguejo e vol-au-vents24, ovos
cozidos e doces de aparência extravagante. Deve ser obra de Dashiell; eu sei

24
Iguaria feita de massa folhada em forma de caixinha que são recheadas com carne, peixe, frango ou
legumes.
com certeza que Wren não teria pedido essa merda, e eu também não acho que
vol-au-vents sejam o MO de Pax.

─ Você quer uma bebida? Vou pegar uma cerveja, ─ Pres grita por cima
do ombro.

Eu dou a ela um aceno brando. Um momento depois, tenho uma garrafa


de Corona na mão, o copo frio e escorregadio com a condensação, e estou
sendo arrastada ainda mais para a confusão. Não demora muito para Pres
agarrar minha mão, gritando. ─ Ali está ele! Oh meu Deus, eu gostaria de ter
usado algo sexy. O que diabos há de errado comigo?

Do outro lado da sala, Pax está ao pé da escada, rindo roucamente de algo


que uma garota em um terno preto colante de gato acabou de dizer. Ela está
usando pequenas orelhas pretas, e tem bigodes desenhados em suas bochechas,
seu fofinho nariz de botão pintado de preto. ─ Maldição. Maldito
Beetlejuice? ─ Pres geme, puxando sua calça de pijama preto e branco. ─ A
sério. Eu sou uma idiota do caralho.

─ É melhor você evitar isso de qualquer maneira, ─ murmuro na minha


cerveja.

─ Deus, não comece, ─ ela reclama. ─ Você está começando a soar como
Carina. Oi, olha! Lá está ela! Carina!

De jeito nenhum. De jeito nenhum Pres acabou de ver Carina. Mas quando
olho para o outro lado da sala, minha amiga está de pé ao lado de uma das
pinturas de Wren, vestida com um tutu roxo e um corpete de babados com uma
pequena cartola equilibrada na cabeça. Há cartas de baralho enfiadas na fita do
chapéu e penas verdes brilhantes.

─ Uau. A fantasia dela é foda. Ela é a chapeleira maluca. Vamos lá, vamos
dizer oi.
Eu puxo minha mão do aperto de Pres, dando um passo para trás. ─ Não,
eu...

Muito tarde.

Carina olha para cima e me vê, e seu rosto fica da cor das cinzas. Pior
ainda, o cara com quem ela estava falando se virou, e baixou e eis que...

É Wren.

Ele não está fantasiado. Ele está vestindo seu uniforme preto habitual –
camiseta preta e jeans pretos gastos. Absolutamente zero esforço de sua parte
para participar da competição de fantasias, então. Seus olhos se arregalam
quando ele me vê, ao lado de Presley. Ele rompe com a conversa que estava
tendo com Carina, entrando na multidão, abrindo caminho em minha
direção. Pânico cego embaralha meu cérebro. ─ Ah, desculpe-me. Preciso
encontrar um banheiro.

─ Elodie, espere e eu vou com você! ─ Pres grita atrás de mim. Eu não
estou ouvindo ela, no entanto, e tenho certeza de que não estou
esperando. Sinto que estou presa em um carrossel enquanto abro caminho
através da pressão de corpos. Meu coração não para de bater. Demora uma
eternidade para encontrar um banheiro no primeiro andar, mas felizmente
quando encontro não há fila. Eu mergulho para dentro e tranco a porta atrás
de mim, inclinando-me contra a madeira, tentando recuperar o fôlego.

Dez segundos depois, há uma batida na porta. ─ Elodie. Sou eu. Me


deixar entrar.

Claro que ele iria me encontrar. Eu esperava que pudesse levar mais tempo
do que isso, no entanto. Preciso de um tempo para pensar. Preparei uma série
de perguntas que ia fazer a ele, mas estou tateando no ar agora. A única coisa
que passa pela minha cabeça é a descrença. Carina veio para a porra da festa. Ela
jurou que não viria, e ainda assim lá estava ela, vestida com esmero, tendo o que
parecia ser uma conversa muito amigável com o cara que batia na porta do
banheiro.

─ Vá embora, Wren.

─ Não está acontecendo. Deixe-me entrar. Preciso falar com você.

─ Apenas me dê um minuto!

─ Elodie, isso é estúpido pra caralho. Abra a porta.

─ Volte para a festa, Wren. Eu irei te encontrar quando estiver pronta.

Deus, por favor, vá embora. Por favor, vá embora. Por favor, vá embora.

Silêncio, do outro lado da porta. Soltando um suspiro trêmulo, dou um


passo em direção ao espelho, estudando meu reflexo em sua superfície. Quem
eu estava enganando, vindo aqui? Pensando que eu poderia simplesmente ir até
ele e exigir respostas? Meu coração quase se partiu em um milhão de pedaços
quando coloquei os olhos nele, pelo amor de Deus, e agora estou...

A porta do banheiro se abre rapidamente, e Wren corre para dentro,


fechando-a atrás dele. Eu o encaro, a boca aberta, incapaz de formar palavras.

─ Me desculpe por ter feito isso. ─ Ele estremece, esfregando a mão na


parte de trás do pescoço. Ele timidamente segura uma moeda na outra mão. ─
Você não precisa ser um mestre arrombador de fechaduras para abrir essas
fechaduras. Apenas uma moeda.

─ Você não deveria estar aqui, ─ eu assobio. ─ E se eu estivesse usando


a porra do banheiro?

─ Você veio aqui para se esconder de mim, Pequena E. Era bastante


óbvio.
Eu quero bater nele com força suficiente para fazer seus dentes
baterem. Mas a expressão em seu rosto é tão torturada que paro no meio do
caminho. Há sombras escuras sob seus olhos, sua pele extra pálida, seu cabelo
extra selvagem. Parece que ele está prestes a ficar desequilibrado. ─ Elodie, eu
só quero falar com você. Você pode ficar calma por quinze malditos minutos?

─ Você teve todas as oportunidades de falar comigo no gazebo,


Wren. Você escolheu ir embora. Você sabe como isso parece suspeito?

─ Sim, bem, você acabou de me acusar de algo muito insano, e eu não


queria dizer nada que pudesse... ─ Ele solta um suspiro frustrado.

─ Implicar você? ─ Eu termino por ele.

─ Não! Jesus Cristo, Elodie, qual é. Não tive nada a ver com o
desaparecimento de Mara. Eu não toquei nela, ok?

─ Então como você explica o diário? Tudo o que ela escreveu nele
apontava para você. E o suéter que ela tinha em seu esconderijo? Ela tinha
punhados de penas em uma caixa também. Penas exatamente como a que você
me deu.

Wren faz uma careta, passando as mãos pelo cabelo. ─ Que suéter?

─ O suéter Wolf Hall, com suas iniciais na etiqueta, Wren. Deus!

Ele balança a cabeça. ─ Eu... eu não sei como ela teve isso. Eu tive uma
dessas coisas por cinco segundos no ano passado, e então sumiu. Eu não sabia
o que diabos aconteceu com isso. E as penas... porra, eu não sei o que te dizer,
Elodie. Ela sabia que eu as colecionava. Talvez ela as estivesse guardando para
mim. Eu juro que não deixei uma única pena para ela, muito menos um
punhado delas. Há tanta coisa que você não sabe, ok? Sobre Mara e o que
aconteceu na academia no ano passado. Eu prometo que vou te contar. Vou
explicar cada detalhe sórdido. Mas até que possamos nos sentar e conversar
sobre isso direito, por favor, apenas... você tem que acreditar em mim. Eu não
a machuquei.

Ele parece tão miserável. Meu estômago revira, náusea rolando através de
mim em uma onda. ─ Como diabos eu deveria acreditar em uma única coisa
que você diz? Como vou ouvir essa história que você está escondendo de mim
e aceitar que é a verdade?

Um olhar plano e distante surge em seu rosto bonito. ─ Porque eu te disse,


Pequena E. Sem mentiras. Nunca. Jurei que nunca mentiria para você.

Minha garganta se contrai. Estou dolorosamente miserável. Eu quero


acreditar nele. Eu não quero nada mais do que ouvir o que ele está dizendo e
confiar nele. Mas...

─ WREN JACOBI! Onde diabos você está!

Um rugido ecoa na sala de estar - um grito desenfreado que só poderia ter


vindo de Pax. Outras vozes começam a gritar e aplaudir, ficando cada vez mais
altas do outro lado da porta.

O que diabos está acontecendo?

Wren pressiona os dedos nos olhos, bufando. ─ Pelo amor de Deus. Eu


tenho que ir, Elodie. Se eu não sair, eles vão arrombar essa porta...

─ WREEEEEEEEENNNNN! Você tem três segundos, idiota! Mostre


sua cara feia!

Aqueles olhos verdes vívidos encontram os meus, suplicantes e cheios de


tristeza... ─ Só não vá embora, Pequena E. Prometa que você vai me ouvir?
Senhor, que tola eu sou. Eu hesito, mas apenas por um segundo. ─ Está
bem. Vou ouvir o que você tem a dizer. Mas no momento em que eu achar que
você está mentindo para mim, é isso. Estou indo embora.

Ele parece tão aliviado. Quase me dói ver esse tipo de expressão
desesperada em seu rosto. Ele acena com a cabeça, fazendo uma careta
profunda. ─ Bom. ─ Virando-se, ele sai do banheiro e caminha direto para o
caos do outro lado da porta. É uma loucura lá fora, todos os alunos do Wolf
Hall se acotovelando e empurrando uns aos outros, tentando passar uns pelos
outros. Eu não consigo descobrir para onde eles estão indo até que eu saio do
banheiro e fico encostada na parede da porta da frente, observando enquanto
todos eles se reúnem ao pé da escada.

Pax e Dashiell já estão lá nos degraus. Wren sobe para encontrá-los,


arrastando os pés, com uma expressão tão sombria e tempestuosa que ele
parece um monstro em cada centímetro. Pax está vestido como Alex de Laranja
Mecânica. Enquanto isso, Dashiell está vestido como Wren, como ele mesmo,
em suas roupas normais – uma camisa preta cara e calças cinza imaculadas que
parecem custar uma fortuna. Tanto Pax quanto Dash aplaudem, batendo no
ombro e nas costas de Wren enquanto ele se vira para encarar a multidão.

─ Estudantes de Wolf Hall! O momento que todos esperavam chegou!


─ Dash chama.

Pax segue logo atrás dele. ─ Senhoras e senhores, podemos apresentar a


vocês, o mestre da caça!

Um furor ensurdecedor irrompe quando todos no vestíbulo perdem a


cabeça.
42

Elodie
EU NÃO TORÇO. Eu fico rígida como uma estátua, observando a
insanidade ao meu redor com distanciamento atordoado. Quinze metros à
minha direita, Carina emerge da sala, roendo as unhas. Ela não parece tão
animada com o que está acontecendo nas escadas como todo mundo. Ela está
focada inteiramente em mim.

─ Elodie, posso falar com você lá fora por um momento? ─ ela pergunta.

Eu a olho de cima a baixo, lembrando do jeito que ela zombou de Mercy


quando ela disse a ela que ela não iria a esta festa. Ela mentiu para mim mais de
uma vez agora, e eu não gosto disso. ─ Não.

─ Elle, por favor ─ Ela tenta me pegar pela mão, mas eu me afasto.

Nas escadas, Wren começa a falar. ─ Vocês todos conhecem o


negócio. Como mestre da caça, eu dou as ordens esta noite. E, como sempre,
temos um jogo da Riot House que elevará sua posição social pelo resto do ano
acadêmico ou deixará todos na sarjeta. Seu destino está inteiramente em suas
mãos! ─ Ele me vê na porta e se encolhe. ─ O jogo desta noite foi criado para
erradicar os mais inteligentes entre vocês. Na floresta ao redor da Riot House,
há uma série de bandeiras vermelhas como esta. ─ Ele puxa um pedaço de
tecido vermelho do bolso de trás, segurando-o no ar. ─ Há uma centena delas
escondidas em um raio de três quilômetros. Recolha o máximo que puder e
traga-os de volta para a base. A pessoa que conseguir trazer mais bandeiras
ganha um quarto na Riot House pelo restante do ano letivo, junto com um
cheque de cinquenta mil dólares com seu nome.
Um suspiro de surpresa sobe entre a multidão. O mais surpreendente é o
olhar nos rostos de Dashiell e Pax. Este claramente não era o prêmio que eles
esperavam que Wren anunciasse.

─ A pessoa que coletar menos bandeiras, no entanto…

Um silêncio desce sobre o bando de estudantes reunidos.

─ … vai se tornar um chutador de merda da Riot House até a


formatura. Você vai cozinhar para nós. Você vai limpar para nós. Você será o
mais baixo dos baixos. A escolha é sua. Viver aqui, sem controle, livre de regras
inúteis e estúpidas, ou torne-se nisso bode expiatório. Você não precisa jogar,
mas se o fizer... haverá consequências.

─ Bem, isso é novo, ─ Carina respira ao meu lado. ─ No ano passado...


─ Ela para, olhando desconfortavelmente para as mãos.

─ Ano passado o que, Carina? Qual foi o jogo do ano passado?

Ela não vai encontrar meu olhar. Não que eu esperasse que ela fizesse
isso. Suas bochechas ficam vermelhas brilhantes. ─ No ano passado, todos
tiveram que foder o máximo de pessoas que pudessem antes do final da
festa. Essas coisas sempre envolvem sexo. Esta é a primeira vez…

Ela não consegue terminar sua declaração. Viro as costas para ela, enojada
com as implicações do que ela já me disse, doente do estômago e não querendo
ouvir o resto.

─ Você tem até as três da manhã, ─ Wren grita sobre o novo burburinho
de barulho. ─ Até então, boa caçada. E estejam avisados. Haverá lobos esta
noite, caçando suas presas.

Os olhos de Pax brilham assassinos. O rosto de Dashiell é ilegível. Eu não


me importo com nenhum deles, no entanto. Eu só me importo com Wren,
quando ele se abaixa e pega algo do degrau à sua frente. A máscara do lobo é
horrível – uma cabeça de fera contorcida e rosnando que parece algo saído de
um pesadelo. Ele a abaixa lentamente sobre o rosto, e o sangue escorre dos
dentes expostos da criatura.

Carina faz um som estrangulado. ─ Deus. Parece que eu estava errada.

─ Errada sobre o quê?

Ela olha para Dashiell enquanto ele pega uma máscara e a coloca sobre a
cabeça. ─ Quando um garoto da Riot House fala sobre caçar presas, Elodie,
eles definitivamente estão falando sobre sexo.
43

Wren
─ O QUE diabos você pensa que está fazendo?

Minhas costas batem na parede antes que eu tenha a chance de


responder. Pax está na minha cara, carrancudo com raiva aberta. ─ Você não
pode convidar pessoas para morar aqui sem esclarecer isso conosco. Que
diabos, Jacobi? Onde diabos essa pessoa deveria dormir?

Eu rio, porque sua raiva parece simplesmente estúpida nele com seu
chapéu inclinado em um ângulo tão alegre. ─ Eles podem ficar com meu quarto
por tudo que eu me importo. Vou dormir no quarto dos fundos da
Cosgroves. Nada demais.

─ Você não vai se mudar, ─ Dashiell sibila do outro lado da sala que
usamos para jogar Call of Duty. Fui arrastado até aqui pela gola da minha camisa
no momento em que as pessoas começaram a sair da casa para começar a
caçada. ─ O que diabos deu em você, cara? Você não é o cara com quem
começamos essa coisa. Francamente, não te reconheço mais. Se você não
tivesse colocado aquela última cláusula com as máscaras de lobo, haveria um
inferno para pagar.

Deus, ele é tão previsível. Uma festa da Riot House não é uma festa
adequada, a menos que haja um monte de sexo anônimo. ─ Eu não ia adicionar
essa parte. ─ Eu empurro Pax para longe. ─ Mas eu sabia que vocês dois se
sentiriam enganados se não molhassem seus paus.

─ Vamos todos transar esta noite, Jacobi, ─ Pax cospe. ─ Você, inclusive.
O riso borbulha no fundo da minha garganta novamente. ─ O que, você
vai me fazer foder uma fila de garotas? Sério?

Pax gira para Dash, jogando as mãos no ar. ─ Porra, você lida com ele. Já
tive o suficiente.

Dashiell não diz nada. Ele está com as mãos nos bolsos, me observando
em silêncio por um segundo. Então ele diz: ─ Isso é sobre Elodie, não é?

Eu o encaro desafiadoramente. ─ Sim. Claro que é sobre Elodie. Sobre


quem mais seria?

─ Você está apaixonado por ela.

─ Sim.

─ Deus nos salve! ─ Pax ruge. ─ Você não está apaixonado por aquela
garota, Wren. Ela não está fodendo nada. Ela é apenas uma francesinha que...

A dor dispara pelo meu braço, gritando na articulação do meu ombro. Pax
atinge o chão de bunda primeiro, deslizando pelas tábuas do assoalho. Em meio
segundo, estou em cima dele, agarrando-o pela garganta, enrolando-me para
acertá-lo novamente. Estou mortalmente calmo. ─ Diz. Continue e
diga. Termine essa porra de frase.

Pax me joga de cima dele, fugindo do meu alcance enquanto se levanta. ─


Isso já foi longe o suficiente. Nós concordamos. Sem namoradas. Nunca. É
isso que você pensa que ela é, Wren? Porque você sabe que nenhum de nós vai
aceitar isso.

Olho para Dashiell, esperando que ele confirme a ameaça de Pax. Ele
permanece visivelmente silencioso.
Estou tão fodidamente feito com isso. A Riot House costumava ser um
santuário para mim, quando Dash, Pax e eu nos tornamos amigos, mas não
passou de uma prisão nos últimos meses. ─ Sim. Elodie é minha
namorada. Pronto. Porra, eu disse isso. E vocês dois podem aceitar isso de bom
grado e seguir em frente, ou podem encontrar quartos na academia. Aja de
acordo.

Eu vou sair, mas Dashiell me agarra pelo braço. ─ Você acha que é tão
fácil romper essa amizade, Wren? Não é. Há um maldito general do exército
em coma do outro lado do mundo agora, porque concordamos em fazer algo
que poderia nos prender pelo resto de nossas vidas. Se não for executado em
uma porra de um pelotão de fuzilamento.

─ Isso deveria ser algum tipo de ameaça, Lord Lovett? Porque eu fiz muito
por você que resultaria no mesmo resultado e mais um pouco.

─ E quanto a Mara? ─ acrescenta Pax.

─ EU NÃO DOU A MERDA PARA MARA! ─ Minha visão está


vermelho-sangue. Juro por Deus, vou perder todo o autocontrole em um
minuto. Eu respiro, controlando minha fúria. ─ Mara não é problema meu. Eu
não a machuquei. Eu não fiz nada com ela. Ela se foi há muito tempo e não há
nada que qualquer um de nós possa fazer sobre isso. Então pare de trazê-la para
o assunto.

Estou fora da porta e desço o primeiro lance de escadas quando Pax me


chama. — É melhor você torcer para que aquela sua garota não vá para a
floresta esta noite, Jacobi. Você conhece as regras. Se ela fizer isso, ela é um
jogo justo!

Ele está procurando uma reação. Eu não dou a ele.

Ele não vai tocar a porra de um dedo em Elodie.


Desço as escadas correndo com minha máscara de lobo estúpida
pendurada na minha mão, temendo o tipo de problema que o resto desta noite
pode trazer.
44

Elodie
O AR DA NOITE é fresco. As árvores farfalham, sussurrando entre si
enquanto eu contorno a borda da floresta, subindo a estrada de volta para Wolf
Hall. Eu aguentei quinze minutos em uma festa da Riot House e agora preciso
de um banho. Eu me sinto suja. Sinto-me enganada, e quero minha mãe, mas
não posso tê-la por que ela está morta.

─ Eu posso acompanhá-lo, você sabe, ─ murmura Carina atrás de mim. ─


Não importa o quão rápido você ande. Eu não estou indo a lugar nenhum.

─ Eu realmente gostaria que você fizesse isso.

─ Elodie, qual é, agora. Por favor. Você não está sendo muito justa.

─ Justa? ─ Eu me viro, pronta para arrancar sua cabeça. ─ Você não pode
puxar o cartão 'você não está sendo muito justa' para mim, Carina Mendoza. Eu
pensei que você fosse minha amiga, e você esteve escondendo coisas e
mantendo segredos de mim esse tempo todo. Você jurou que ia levar aquele
diário para a polícia. Você nem me contou nada sobre Mara em primeiro
lugar. Você disse que não viria aqui esta noite. E, surpresa, surpresa, o que você
fez?

─ Você não me disse que estava vendo Wren, ─ ela responde, seus olhos
duros como sílex.

─ Sim. Eu sei que foi uma merda, mas eu não senti que poderia te
dizer. Não havia razão para você me manter no escuro sobre Mara, havia?
Um grito alto ecoa entre as árvores, o som meio animal, meio
humano. Nós duas paramos, olhando para a escuridão como breu, e os cabelos
se arrepiam na parte de trás do meu pescoço. ─ Porque alguém iria correr lá
para a floresta sem luzes do caralho, ─ eu murmuro. ─ Não faz nenhum
sentido.

Carina suspira. ─ A febre da cabana é uma coisa muito real, Elle. Você
está na academia há apenas alguns meses, mas tente viver aqui por alguns
anos. Você começa a ficar um pouco louco. Você não entende. Se você é um
estudante do Wolf Hall, os caras da Riot House são um grande negócio. Eles
dão o tom para o ano inteiro. Se você é um cara, você quer ser eles. Se você é
uma garota, você quer sair com eles. É assim que sempre foi. Então, quando
eles fazem merdas estúpidas como essa, todos estão sempre tropeçando em si
mesmos para participar.

─ Foi isso que aconteceu na noite em que Mara desapareceu? Ela estava
tentando participar de qualquer jogo idiota que eles estavam jogando?

Carina assente. ─ Sim.

─ E daí? Eu deveria apenas andar por aí e fazer papel de boba como todo
mundo? É isso que eles esperam?

─ Pax e Dashiell, provavelmente. Não Wren. Eu estava falando com ele


antes de você aparecer e ele queria você o mais longe possível dessa coisa,
Elle. É bom que você volte para a academia, ok?

Huh. Sim, está certo. Wren não me queria na festa. Ele me queria tão
longe dessa coisa quanto humanamente possível. Bem, Wren vai ter que
aprender que ele nem sempre vai conseguir o que quer comigo. Eu defini minha
mandíbula. ─ Quer saber, Carina? Talvez eu me junte a este jogo
estúpido. Assim não haverá mais segredos. Eu saberei se ele dorme com metade
da academia. Eu saberei exatamente o que aconteceu e ninguém mais será capaz
de esconder nada de mim!

─ Elodie! O que diabos você está fazendo? Espere! Elle, você não
pode ver nada!

Eu já saí da estrada, no entanto. Já estou andando pela floresta, em direção


aos gritos e gritos excitados dos outros membros da Wolf Hall Academy. Longe
de mim deixá-los ter toda a diversão.

Amaldiçoando em voz alta, Carina vem correndo pela vegetação rasteira


atrás de mim. ─ Isso é loucura. Qual é o ponto em tudo isso? Quem se importa
com o que Wren faz ou não faz?

─ Eu. Eu me importo. Ele fez eu me apaixonar por ele e agora eu


me importo. É a pior coisa que já me aconteceu.

─ Então pare! ─ Carina chora, exasperada.

─ Oh sim. Claro. Como você parou de amar Dashiell? É tão simples, não
é? Apenas um toque de um interruptor? Eu vi como você olhou para ele do
lado de fora do gazebo na outra noite.

Ela jura um pouco mais. ─ Está bem, está bem. Desacelere um pouco,
sim? Graças a Deus eu usava sapatilhas. Como diabos você sabe para onde está
indo?

Eu aponto para o céu claro da noite espreitando através dos galhos das
árvores acima, recusando-me a dar-lhe a cortesia de realmente olhar para ela. ─
Eu sei ler as estrelas. O bom e velho coronel Stillwater me ensinou,
entre tantas outras coisas. Quem diria que um dia viria a calhar. Estamos indo
para sudoeste. Se eu quiser voltar para a estrada, será fácil. Agora, fique quieta
ou volte para Wolf Hall. De qualquer forma, terminei de falar.
***

Caminhamos por uma hora.

Carina grita a plenos pulmões toda vez que um aluno vem saindo da
escuridão segurando um maço de bandeiras vermelhas de Wren em suas
mãos. A coisa toda me lembra de um passeio assombrado que os pais de Levi
nos levaram no Halloween dois anos atrás, onde atores cobertos de sangue
saíram correndo da noite, brandindo motosserras, tentando nos assustar. Eu
gritei então, apreciando o espetáculo de tudo isso, mas isso não é um
espetáculo. É a merda mais estúpida de que já ouvi falar e não posso acreditar
que as pessoas estão participando disso.

Eu nos guio de volta ao perímetro da casa, examinando as árvores em


busca de uma máscara de lobo, mas não vejo nenhuma. O lindo vestido
Tinkerbelle que Wren me comprou fica preso em quase todos os galhos de
árvore que passo e não faço nada para evitar que rasgue.

Percebendo que todos provavelmente fugiram para o interior da floresta,


mudo de direção e volto para o norte, contando meus passos para ter uma
noção aproximada de quão longe chegamos. Eventualmente, nos deparamos
com uma pequena clareira.

─ Pelo amor de Deus, podemos parar por um momento. Meu tornozelo


está me matando. ─ Ela rolou cerca de um quilômetro atrás, e ela não parou de
reclamar sobre isso desde então. Eu resmungo, afundando na rocha mais plana
que posso encontrar, procurando por sinais de que alguém possa estar se
aproximando, mas o ar está parado e silencioso.

Carina se senta ao meu lado. ─ Veja. Me desculpe por não ter contado
tudo, ok. Eu te amo, Elle. Você é minha amiga. Eu me importo com você, e
tudo o que aconteceu com Mara foi uma bagunça. Eu não queria que sua
experiência em Wolf Hall fosse tão fodida quanto a nossa, ok?

─ É por isso que você me disse para ficar longe de Wren, ─ eu digo
entorpecida. ─ Você não queria que ele fizesse nada de ruim para mim.

Sua testa enruga, sua testa marcada com confusão. ─ Não. Quero dizer,
eu te disse... Wren estava na casa na noite da festa. Ele realmente não saiu. Ele
e Mara terminaram antes mesmo de começarem. Ela não aceitou a
princípio. Ela continuou seguindo-o como um cachorrinho perdido. Então, do
nada, ela simplesmente superou isso um dia. Tipo, do nada. Ela estava agindo
muito estranho. Mercy disse que descobriu que estava saindo com alguém, mas
nenhuma de nós conseguiu descobrir quem poderia ser. Ela veio à festa e
parecia perfeitamente feliz. Ela nem falou com Wren. Estávamos todas nos
divertindo. E então... em um minuto ela estava lá... no próximo ela se foi.

Eu não acho que ela está mentindo para mim. Eu realmente não acho. Eu
também não acho que Wren esteja mentindo para mim agora, o que é a coisa
mais confusa do mundo para analisar, dadas todas as evidências que apontavam
para ele. Eu só estou... estou tão fodidamente cansada de tentar entender essa
coisa. Minha cabeça dói e estou presa no meio de uma floresta, porra, vestindo
uma fantasia de fada brilhante, e nada faz sentido!

Carina pega minha mão, apertando-a com força. ─ Eu realmente sinto


muito, Elodie. Por favor, apenas acredite que eu mantive você no escuro por
uma razão. Vou te contar tudo o que descobri depois daquela noite, ok? Agora
mesmo. Sem mais segredos, eu juro.

Ela parece tão séria. Seus olhos brilham intensamente, um pouco


brilhantes, como se ela estivesse à beira das lágrimas, e a raiva que estava
estourando e queimando, apagando uma parede de calor como uma fogueira,
de repente se extingue e morre, deixando-me triste e com frio. ─ OK. Então
comece no início. E não deixe um único detalhe de fora.

Ela sorri. Acenos. ─ Aquela festa em particular foi estranha. Eu sabia que
algo estava acontecendo no momento em que entrei pela porta. Todos estavam
mais reservados do que o normal. Perguntei a Mercy o que estava acontecendo,
e ela me disse que...

Um estalo alto quebra o silêncio. Nós duas travamos, tensas, enquanto


esperamos por outro som. Ele vem um segundo depois — uma trituração
pesada, seguida por outra, seguida por outra. E então uma figura sai das árvores
para a clareira. É um cara – sem camisa – vestindo jeans de cintura baixa,
descansando em seus quadris. Seu rosto está escondido por uma das máscaras
de lobo de Wren.

─ Vá em frente, Carrie, ─ uma voz baixa ressoa por baixo da máscara. ─


Eu não gostaria de interromper a hora da história.
45

Wren
VASCULHO a casa de cima a baixo.

Ela não está em nenhum lugar para ser encontrada.

Eu dirijo até a academia e abro a porta do quarto dela. Ela também não
está lá. Mas meu suéter da Wolf Hall Academy está. Está pendurado no encosto
da cadeira perto da janela, e no momento em que ponho os olhos nele, lembro-
me da última vez que o usei. Ele volta correndo para mim de uma só vez como
um tapa na cara, e o pavor se enrola como uma víbora na boca do meu
estômago. Usei-o uma semana antes da última festa da Riot House, porque
estava frio e eu estava encontrando alguém no gazebo.

Eu o joguei, nem mesmo pensando nisso. Tirei enquanto eu estava


lá. Deixei lá na minha pressa de escapar depois. Foi uma noite ruim. Uma noite
complicada. Não terminou bem, e eu fiz tudo que pude para apagá-lo da minha
mente depois.

Agora os detalhes disso voltam rugindo com toda a sutileza de uma


marreta.

─ Eu quero você, Wren Jacobi. E sempre consigo o que quero.

Eu sorri. Ri disso. Dispensei-o, porque era nisso que eu era bom.

─ Merda difícil. Você não pode me ter, velho.

E então ele virou meu mundo de cabeça para baixo.


Elodie provavelmente está apenas jogando o jogo. Ela provavelmente está
bem. Mas algo doentio e preocupante me incomoda na parte de trás da minha
cabeça, gritando para eu encontrá-la. Ela não tem ideia do perigo que corre se
estiver por aí naquela floresta.

Eu tenho que encontrá-la. Eu tenho que encontrá-la antes dele.

Pego meu telefone e o ligo. Estou descendo os degraus da academia


quando abro meus textos e digito uma mensagem.

Eu: Onde você está agora?

A resposta vem momentos depois.

─ Onde você acha que eu estou? Estou prestes a participar da


diversão.
46

Elodie
─ PAX, PARE DE BRINCAR.

Eu me levanto, escovando o vestido, fazendo uma careta para ele. Eu não


tenho energia para lidar com essa merda esta noite. E sim, eu poderia tê-lo
colocado em sua bunda na última vez que ele tentou se aproximar de mim nesta
floresta, mas ele não sabia que eu era capaz de me defender então. Ele estará
pronto para mim desta vez, e isso torna a vida muito mais difícil. ─ Desculpe
se você está tendo uma noite de merda, mas eu só quero encontrar Wren e dar
o fora daqui, ok?

A máscara de lobo se inclina misteriosamente para um lado. Pax se


aproxima. ─ Wren. Sim, Wren. Estamos todos tão desesperados por Wren, não
estamos?

─ Bem, você sabe onde o cara dorme à noite. Você pode resolver
quaisquer problemas que tenha com ele mais tarde em casa. Acho
que meus problemas com ele são um pouco mais urgentes do que os seus.

Dou um passo para a direita, tentando contorná-lo, mas Pax espelha o


movimento, dando um passo para a esquerda, bloqueando meu caminho.

─ Elodie? ─ diz Carina.

─ Pax. Saia do caminho. Ou você quer que eu te envergonhe na frente de


Carina? ─ Eu tento me mover para a esquerda desta vez, mas ele está bem ali
comigo, me parando no caminho. Posso ouvi-lo respirar com dificuldade
através dos pequenos orifícios de ar na máscara, e o som é rouco e úmido.
─ Elodie, ─ Carina repete. ─ Elle... eu não acho que seja Pax.

Eu franzo a testa, olhando para o cara. Ele com certeza não é Dashiell. O
punhado de cabelo em seu peito é escuro. O cabelo de Dash é muito mais
claro. Também não é Wren. Ele nem tem cabelo no peito. Um relâmpago de
algo como pânico persegue minha espinha.

Eu dou um passo para trás.

─ Quem…?

De repente, Carina está ao meu lado, enfiando seus dedos nos meus. ─
Nós mantivemos seu segredo, ta bem, ─ ela sibila. ─ Ficamos de boca
fechada. Você jurou que não faria isso de novo.

O cara com a máscara de lobo balança a cabeça lentamente, resmungando


baixinho. ─ Eu odeio quebrar promessas, Carrie, eu realmente odeio. Eu pensei
que já tivesse superado isso agora, mas... ─ Ele estende a mão, puxando o
focinho horrível do lobo, lentamente puxando-o de volta para se
desmascarar. ─ Eu simplesmente não consigo parar de amá-lo. É uma
obsessão, eu sei. Eu pensei que poderia lidar com ele se preocupando com
alguém novo, mas é impossível. Eu a odeio tanto quanto odiei a outra. ─ Ele
vira os olhos afiados e cheios de ódio para mim, me considerando com
desgosto. ─ Ele é meu, Elodie. Quanto mais cedo suas putinhas estúpidas
colocarem isso em suas cabeças duras, mais cedo vocês poderão parar de
morrer.

Doutor Fitzpatrick.

Meu cérebro não consegue parar de gaguejar sobre o nome dele.

Doutor Fitzpatrick?
Sempre tão simpático e atencioso nas aulas. Sempre divagando sobre os
poetas, dando trabalho a Wren, dizendo-lhe para se sentar ereto. Lendo o pornô
vitoriano de Wren para a classe, tentando envergonhá-lo. Estou tão confusa,
parece que meu cérebro está derretendo pelos meus ouvidos. A torção maldosa
nas feições do doutor o faz parecer um estranho. Alguém que eu nunca conheci
antes. ─ Awww. Pobre Elodie. Ele não te contou, não é? ─ ele zomba.

─ Me contou o quê?

─ Que ele e eu estivemos juntos por um tempo. Pouco tempo, claro, mas
ele só precisava de algum tempo para perceber. Ele e eu somos almas
gêmeas. Nós deveríamos estar juntos, porra. Mas você o conhece. Ele é
teimoso. Às vezes ele não vai admitir algo a menos que esteja em sua agenda. É
por isso que ele não disse que te ama ainda, Elodie.

Minha boca parece que está cheia de algodão. Não consigo fechá-la. Estou
tendo dificuldade em entender o que estou ouvindo. ─ Ele me disse que me
ama, ─ sussurro.

Os olhos do doutor Fitzpatrick se estreitam em fendas cruéis. ─ O que?

Eu digo mais alto. ─ Ele me disse que me ama. Ele me ama.

─ Não, Elle, ─ adverte Carina, cravando as unhas nas costas da minha


mão.

O doutor Fitzpatrick balança a cabeça violentamente. Ele pressiona a


palma da mão contra a testa, fechando os olhos, que é quando eu vejo a enorme
faca bowie que ele está segurando na mão. Como diabos eu não percebi isso
antes? A lâmina brilha enlouquecedoramente à luz da lua que desce pela copa
das árvores até a clareira.
O lábio superior do doutor Fitzpatrick sobe, desgosto irradiando dele
enquanto ele cambaleia em nossa direção, apontando a ponta da faca para o
meu rosto. Carina grita bem perto do meu ouvido, mas eu... não... pisco...

─ Ele não disse isso, ─ ele cospe. ─ Ele nunca diria isso. Ele não
pode. Wren não é capaz de amar uma garota como você. Ele precisa de mais do
que vestidos estúpidos e bobos e botas Doc Martin desalinhadas e perguntas
idiotas para debate. Simplesmente não tem jeito.

Não há como o homem parado na minha frente ser são. Ele não pode
ser. Ninguém em sã consciência estaria apontando uma faca desse tamanho no
rosto de alguém e reclamando do jeito que ele está reclamando se eles tivessem
a compreensão mais fraca da realidade. Eu deveria dizer algo para acalmá-lo,
mas esse é um jogo perigoso. Uma linha tão tênue para tentar andar na corda
bamba, e o Doutor Fitzpatrick é um louco de alto desempenho. Ele tem que
ser para ter enganado o mundo por tanto tempo.

No entanto, percebo algo quando estou prestes a falar. ─ Espere. Essa


faca. Eu reconheço essa faca. Essa é a faca que encontrei saindo da minha cama!

Fitz ri, jogando a cabeça para trás. ─ Deus, você é tão importante pra
caralho, não é? Ai minha cama. Meus preciosos livros. Minhas coisas. Wah,
wah. A reitora Harcourt deixou na gaveta de sua mesa, então eu a peguei de
volta. Eu tenho essa faca há muito tempo, sabe. Eu realmente não queria deixá-
la ficar com isso para sempre.

─ Por que diabos você destruiu meu quarto?

O doutor rosna, se aproximando. ─ Eu não tive escolha, tive? Aquele


quarto ficou vazio por meses, mas então você apareceu. Eu ainda não tinha
encontrado o diário estúpido de Mara ou o suéter de Wren. Era apenas uma
questão de tempo antes que você se deparasse com eles e começasse a fazer
perguntas. Então eu rasguei tudo. Eu olhei para cima e para baixo. Eu os teria
encontrado também, mas então você voltou para o seu quarto. Eu podia ouvir
você no telefone reclamando do seu pai na escada, e eu fugi.

─ Deus, você está tão fodido, ─ murmura Carina.

Ainda estou processando tudo isso, mas as informações confusas que


estavam fazendo minha cabeça doer começam a se encaixar. ─ Você é aquele
sobre quem ela escreveu em seu diário. Não Wren. Você é a pessoa de quem ela
tinha medo.

O professor de inglês sorri, torcendo a faca em sua mão para que a luz
reflita em seus dentes serrilhados. ─ Eu posso ter mexido com ela um pouco,
eu admito. Ela não era meu tipo, mas foi divertido enganá-la para pensar que
eu queria estar com ela. Eu só queria que ela ficasse bem longe de Wren, mas...
─ Ele dá de ombros, rindo baixinho. ─ Ela era tão crédula. Não como você,
hein, Elodie. Não, você é inteligente. Inútil juntar tudo agora, no entanto. É
tarde demais para isso.
47

Wren
─ UAU! Onde está sua máscara? Achei que você fosse gostoso como um
lobo, Jacobi.

É apenas minha sorte miserável que a primeira pessoa que eu tropeço na


floresta seja Damiana. Há cinco bandeiras de registro amarradas em seu
pulso. Sua roupa de enfermeira travessa parece que vai cair a qualquer
segundo. É um maldito milagre de Natal ela não ter caído de uma ravina e
quebrado o pescoço com o salto agulha branco que está usando. Ela esfrega as
mãos no meu peito, ronronando como um gato satisfeito. ─ Deixa pra lá. Eu
não me importo com a máscara. Não importa. Você ainda me pegou. Agora eu
sou sua por… ─ ela franze os lábios, ─ … quanto tempo você me quiser.

─ Pare, Dami.

Ela avança, tentando me beijar.

─ Jesus, porra, pare! Estou procurando Elodie. Você a viu?

Seu olhar satisfeito fica azedo. ─ Foda-se Elodie, Wren. Quantas vezes
você precisa ouvir? Eu...

Eu a deixo no escuro, voando para a floresta, meu pulso acelerado tão


rápido que estou tremendo. Ela deve estar por aqui em algum lugar. Acontece
que um raio de três quilômetros é uma área de terra realmente enorme, e não
estou tendo muita sorte em encontrar alguém útil no escuro. Eu verifico meu
celular, esperando e rezando a Deus para que haja uma mensagem de Elodie,
mas eu só tenho uma barra de recepção e – risque isso. Eu tenho zero barras
de recepção, e duvido que alguém também tenha.
Que merda de desastre.

Esta situação não poderia ficar pior agora.

Mas então, normalmente, trinta segundos depois eles fazem.

Eu resplandeço direto para Mercy. Ela está sentada em um tronco de


árvore caído, fumando um cigarro como se fosse totalmente normal ela estar
sozinha em uma floresta no meio da porra da noite. Ela está vestida com um
uniforme vermelho e branco de líder de torcida, seu cabelo em tranças,
maquiagem espalhada por todo o rosto. Acho que ela deveria ser algum tipo de
zumbi. Ela nem parece surpresa quando me olha e me vê.

─ Calma, irmão mais velho. Gostando do seu joguinho? ─ Ela sopra jatos
gêmeos de fumaça pelo nariz.

─ Elodie está aqui em algum lugar. Eu tenho que encontrá-la.

─ Huh. Há um choque.

─ Eu não tenho tempo para trocar socos com você agora. Apenas me diga
se você a viu.

Suas sobrancelhas se curvam. Ela dá outra tragada no cigarro. ─ Por que


eu diria a você, mesmo se tivesse? Você tem sido terrível comigo recentemente,
Wren.

Eu sinto vontade de gritar. ─ Você sabe perfeitamente bem por que estou
bravo com você! Toda essa bagunça é culpa sua!

Ela se vira para me encarar, raiva em seus olhos. ─ Do que diabos você está
falando? Eu não fiz nada de errado.

─ Você se intrometeu na minha merda, Mercy, como sempre faz. Você


disse a Fitz que eu estava saindo com Mara quando não estava. Você fez com
que dar uns amassos se parecesse como se estivéssemos em um fodido
relacionamento, quando você sabia que ele estava louco. Mara desapareceu
porque você disse isso. Você me responsabilizou pelo que aconteceu com ela!

─ Eu só estava tentando ajudar, ─ ela sussurra, jogando sua fumaça na


vegetação rasteira. Ela se levanta e vem em minha direção, cutucando meu peito
com o dedo. ─ E não sabemos o que aconteceu com Mara, ok. Ela
provavelmente está em Cabo, bebendo margaritas de trailers e transando com
garotos de fraternidades na praia. Ela sempre foi o tipo de 'Gone Girl', seus
idiotas.

─ Você diz a si mesma isso se isso ajudar a aliviar sua consciência,


Mercy. Mas Fitz nunca teria fodido com Mara se você não tivesse dito a ele que
eu estava com ela. Ela era sua amiga. Quer você goste ou não, você a jogou
debaixo do ônibus.

Pela primeira vez em anos, lágrimas brilham nos olhos de Mercy. Ela
nunca demonstrou um pingo de remorso pelo que fez. E, por mais real que
pareça, não vou acreditar que essa demonstração de emoção seja real
agora. Mercy sempre ligou o sistema hidráulico para conseguir o que quer. ─
Você tem razão. Ela era minha amiga. E sim, eu disse algo que não deveria. Mas
eu estava tentando ajudá-lo a se livrar de uma situação em que você nunca
deveria ter sido burro o suficiente para se meter em primeiro lugar. Cristo,
Wren, você nem gosta de caras. Que porra você estava pensando?

Eu não deveria tê-la evitado por tanto tempo. Deveríamos ter discutido
isso meses atrás, mas eu estava com raiva demais para sequer olhar para ela. Eu
ainda me sinto daquele jeito. ─ Olha, eu não posso ficar aqui discutindo com
você sobre minha orientação sexual quando Elodie está em perigo. Fitz está
aqui, e acho que ele está procurando por ela. Eu tenho que encontrá-la
primeiro. Se você não vai ajudar, então é aqui que eu te deixo.
Eu corro por entre as árvores, indo para o norte. Meus olhos estão
acostumados ao escuro agora. Estou firme e rápido enquanto acelero o ritmo,
meus sentidos em alerta máximo.

─ Jesus, Wren! Espere! ─ Mercy chama atrás de mim. Faço uma pausa
longa o suficiente para deixá-la me alcançar. Ela está ofegante e sem fôlego
quando pula de uma pedra, chegando ao meu lado. ─ Já que você nunca me
deu a oportunidade de me redimir, acho que vou ajudá-lo a encontrar sua
namoradinha boba.

─ Isso não vai nos tornar quites, Mercy. Não por um longo tempo.

Ela faz beicinho, revirando os olhos para mim do jeito que ela sempre faz
desde que tínhamos cinco anos. ─ Está bem. Que seja, idiota. Mas você tem
que concordar que é um começo. Agora lidere o caminho. Eu sabia que havia
uma razão para eu usar tênis hoje à noite.

***

Os minutos passam. Então uma hora. Por volta de uma da manhã, cheguei
à conclusão de que vai ser fodidamente impossível vasculhar toda essa área e
encontrar uma garota. É insanidade. Mesmo com Mercy gritando o nome de
Elodie a plenos pulmões, é improvável que vamos tropeçar nela.

─ Ela não está aqui, Wren, ─ Mercy diz. ─ Ela é pequena, e ela não pode
pesar cem quilos encharcada. Que negócio ela teria participando de uma de suas
caçadas idiotas? Aposto cem dólares que ela está naquele café horrível, bebendo
milk-shakes e comendo batatas fritas com Carrie Mendoza.

─ Você não sabe nada sobre Elodie, então que tal você ficar de boca
fechada, hein? Eu sei que ela está aqui. Eu só sei. E mesmo que ela não esteja,
eu ainda vou rastejar sobre cada centímetro quadrado desta floresta para ter
certeza. Fitz me disse que estava vindo para ' se juntar à diversão'. Se houver uma
chance de que ele possa machucá-la, então eu vou impedi-lo.

─ Uau. Você realmente está apaixonado. Eu nunca vi você se importar


tanto com nada, ─ ela diz suavemente. Pela primeira vez, não parece que ela
está zombando de mim. Ela parece genuinamente surpresa.

─ Sim. Bem. Em algum momento, você precisa se preocupar com alguma


coisa, Mercy, ou então qual é a porra do ponto?

─ O ponto de que?

Eu olho para ela. ─ De estarmos vivos.

Seus olhos se arregalam, passando rapidamente por mim, seu foco


mudando para a frente. Ela agarra meu pulso, me puxando para um lado, atrás
de uma árvore. ─ Shhh. Eu ouvi alguma coisa.

─ Provavelmente foi um esquilo, Mercy. Venha, vamos. ─ Ela sibila e


gagueja, batendo nas minhas costas, tentando me fazer parar, mas eu pressiono
mesmo assim. Ela segue, xingando a cada passo que dá. Quinze segundos
depois, também ouço algo: um gemido baixo e sem fôlego.

─ Que porra é essa?

Mercy aponta para a direita e descubro a origem do ruído. Presley Adams


está nua, presa contra uma árvore, seus seios saltando para cima e para baixo
enquanto um cara usando uma máscara de lobo fode a vida dela. Naturalmente,
é Pax. Infelizmente, eu vi sua bunda nua tantas vezes que é facilmente
reconhecível, mesmo sem a cueca Calvin Klein.

─ Nojento, ─ é tudo o que Mercy tem a dizer sobre o assunto. Eu sei que
ela foderia Pax se tivesse uma chance, então seu comentário deve ser
direcionado a Pres. Dou-lhes um amplo espaço, contornando uma enorme
pedra para evitar passar direto por eles.

Estamos quase no limite da área de busca, na fronteira com o terreno da


academia, quando encontramos a caverna. Encostada na rocha ao pé de um
grande contraforte que se projeta para o céu acima da copa das árvores, Mercy
dá uma olhada na boca preta escancarada e balança a cabeça. ─ Ei. Sem
chance. Não está acontecendo. Eu não vou entrar lá.

─ Está bem. Então não entre. ─ Eu estou na boca da caverna, olhando


para a escuridão sem fundo. Não consigo ver porra nenhuma. ─ ELODIE!!! ─
Meu grito ecoa de volta para mim, repetindo-se, ficando mais silencioso à
medida que se afasta cada vez mais. Parece que remonta a um longo
caminho. Eu espero, ouvindo uma resposta que nunca vem.

─ Estamos quase na academia, ─ diz Mercy. ─ Porque não vamos dar


uma olhada lá. Ela já poderia ter voltado para lá.

Eu mastigo o interior da minha bochecha, considerando isso por um


segundo. Essa preocupação mesquinha não vai parar de me atormentar, no
entanto. A própria ideia de desistir da busca e voltar para a escola me enche de
um pavor tão inexplicável que simplesmente não é uma opção. ─ Espere aqui,
Mercy. Grite se alguém vier.

─ Pelo amor de Deus, Wren. Isso é estúpido! Vamos voltar!

Respiro fundo e entro.


48

Elodie
A COISA SOBRE KRAV MAGA? O sistema foi projetado para treinar as
Forças de Defesa de Israel como desarmar um atacante com uma
arma. Especificamente, uma arma ou uma faca. Eu poderia tirar a faca bowie de
Fitzpatrick dele em três movimentos curtos, mas estou ganhando tempo. Ele
tem tanta certeza de que tem controle total sobre a situação que está falando,
contando todos os seus segredos como um vilão em um maldito filme de Bond,
e eu quero aprender o máximo que puder antes de quebrar seu pulso e fugir.

Carina caminha na minha frente, com as mãos amarradas atrás das


costas. Eu também estou amarrada – o fio fino que o professor de inglês usou
para nos amarrar morde, cortando minha pele – embora eu não esteja
particularmente preocupada com isso ainda. Estou mais preocupada com onde
ele está nos levando. ─ Vamos acelerar o ritmo, senhoras. Estaremos aqui até
o amanhecer, caso contrário.

Ele soa animado. Ele não esqueceu o que eu disse a ele antes, no
entanto. Ele não acredita que Wren confessou seu amor por mim, e agora ele
está tentando me convencer de que estou errada. ─ Ele estava mentindo para você,
sabe. Ele pegou seu arquivo do escritório da Reitora Harcourt. Roubou sua
foto. Ele estava planejando brincar com você. Você sabia disso?

─ Sim, eu sabia disso. Ele me contou tudo. Eu sei tudo sobre sua pequena
obsessão quando nos conhecemos. As coisas mudaram, no entanto. Tornou-se
real. Para nós dois. ─ Talvez eu devesse parecer um pouco menos
entediada. Uma fração mais assustada? Não me entenda mal; estou
absolutamente me cagando, mas também estou confiante de que serei capaz de
lutar pelo controle da situação quando chegar a hora. E eu quero apertar um
pouco os botões do doutor. Empurra-lo para o outro lado da raiva apenas o
suficiente para que ele fique desleixado. Carina olha para mim, me dando um
olhar severo que fala muito. Que porra você está fazendo, garota? Não o
antagonize. Você vai matar nós duas!

─ Olhos na frente, Carrie. Boa menina. Não gostaria que você tropeçasse
e quebrasse o pescoço, não é? ─ Comanda Fitz.

─ Ele me disse que eu era a primeira pessoa que ele amou. O que temos é
especial, ─ digo em um tom arejado. ─ Eu nunca pensei que um cara como
Wren iria se apaixonar por uma garota como eu. Mas o jeito que ele olha para
mim às vezes... ─ Suspiro sonhadoramente. ─ Vamos morar juntos quando
formos para a faculdade. Vai ser incrível. Nós vamos...

Eu desço com força. Com as mãos amarradas nas costas, não tenho como
amortecer a queda. O impacto envia dor estridente através de mim da cabeça
aos pés. Bem, merda. De bruços na terra, me pergunto vagamente se empurrei
um pouco demais. Doutor Fitzpatrick paira sobre mim, rosnando em meu
ouvido. ─ Mantenha sua boca de puta fechada, Elodie. A menos que você
queira acabar sangrando nessa sujeira, aqui e agora.
49

Wren
NO MOMENTO EM que viro a primeira esquina, vejo uma luz à
frente. Minha esperança aumenta. Talvez ela não tenha me ouvido chamar por
algum motivo. Pode ser que Elodie esteja logo à frente, matando tempo antes
de voltar para Wolf Hall. Eu tropeço, tropeçando nas rochas invisíveis que
cobrem o caminho estreito, mal me apoiando nas paredes ásperas e afiadas
enquanto corro para a frente.

─ Elodie? ─ Eu deveria ter contado tudo a ela quando tive a chance. Foi
tão estúpido da minha parte esconder isso dela. Ela precisava saber a verdade,
para que pudesse estar preparada para o que estava se metendo. Eu fui um
covarde, no entanto, eu fui fraco. Demorou muito para ganhar sua
confiança. Eu estava tão convencido de que poderíamos chegar à formatura
sem que Fitz descobrisse sobre nós. Que idiota eu fui. ─ ELODIE! ─ O grito
vai ainda mais longe desta vez, saltando pelo interior da caverna.

Antes que eu possa respirar fundo e chamá-la novamente, saio para uma
caverna aberta e de teto alto. A luz que acabei de ver vem de uma série de
lâmpadas elétricas, penduradas ao longo de um lado da parede. A água escorre
pela rocha áspera, acumulando-se em poças imundas no chão. E ali, bem no
meio da caverna, há um pedestal de pedra, erguendo-se da terra.

Nem um pedestal.

Um altar.

É o que parece ser, pelo menos. Eu me aproximo, meu coração um punho


cerrado na minha garganta, e... Oh meu Deus. Um zumbido agudo inunda minha
cabeça. É Mara. Ela está deitada em cima do altar, as mãos descansando em
cima do peito – nada mais do que osso e cabelo emaranhado e sem brilho.

Este é o lugar onde ela esteve.

Todo esse tempo…

Os policiais vasculharam esses bosques. Eles nunca a encontraram. Eles


estão procurando por ela na Flórida, onde seus pais moram, colocando seu
rosto em todas as laterais de caixas de leite e quadros de avisos, mas ela estava
aqui o tempo todo, apodrecendo silenciosamente até virar pó.

─ Santo... porra.

Eu estendo a mão, meus dedos pairando sobre o crânio enegrecido...

─ Meu Deus!

Eu puxo minha mão para trás, quase pulando para fora da minha
pele. Mercy está na abertura da caverna, olhando para o corpo da garota que
costumava ser sua amiga. O choque distorce os planos de seu rosto. Mesmo
com a luz fraca das lâmpadas elétricas, posso ver como ela está pálida. ─ Jesus,
você quase me deu um ataque cardíaco! ─ Eu assobio.

Ela vem em minha direção com as pernas bambas, estendendo a mão,


como se o chão estivesse se movendo debaixo dela e ela estivesse lutando para
se equilibrar. ─ Eu juro... ─ ela sussurra. ─ Eu juro que pensei que ela estava
bem. Achei que ela tinha acabado de sair. Acho que ela não está transando com
garotos de fraternidade em Cabo, afinal.

─ Não. ─ A palavra sai cortada e dura. Mercy tem muito a responder


aqui. Eu não vou dizer isso, por que o que colocar a culpa faria agora? Mas
Mara e eu mal nos conhecíamos. Saímos uma vez, nem nos beijamos, e decidi
que ela não era para mim. Bastardo que eu era, ela não era inocente o suficiente
para o meu gosto. Ela estava tão manchada e perturbada quanto eu na época, e
eu não podia nem me dar ao trabalho de ter uma noite com ela. Ela me
perseguiu no início, mas depois desistiu da perseguição. Não houve sangue ruim
entre nós. E então Mercy enfiou o remo e acabou matando Mara. Fitz não a
teria tocado se minha irmã não tivesse dito o que ela disse.

Mercy está de pé sobre o cadáver de Mara, os músculos de sua garganta


trabalhando. Acho que ela está começando a entender agora. Está finalmente
chegando em casa. Lágrimas escorrem por seu rosto enquanto ela examina os
ossos do crânio, descendo sobre a caixa torácica, pelve, fêmur, tíbia e fíbula. ─
Eu não estaria conversando com ele na rua se realmente acreditasse que ele era
capaz disso, ─ ela sussurra. ─ Eu só... eu pensei que era um jogo. Achei
engraçado, o jeito que ele não te deixava em paz. Eu nunca pensei...

Eu envolvo meu braço em volta do ombro dela, puxando-a para o meu


lado. Ela tem sido a causa de muito da minha culpa no ano passado, porque
eu sabia. Eu sabia que Fitz era tão louco. Eu temia que ele tivesse feito algo
assim, mas eu não tinha como provar isso até agora. Mercy está sofrendo,
porém, e ela ainda é a porra do meu sangue. Ela terá que lidar com isso por
muito tempo, mas por enquanto eu vou consolá-la, porque é isso que os irmãos
devem fazer.

─ Precisamos chamar a polícia, ─ ela murmura em minha camisa.

─ Eu sei. Vamos. Mas primeiro precisamos encontrar Elodie. Não quero


que ela acabe nesta laje ao lado de Mara. Vamos vasculhar o resto da caverna
e...

Um crack alto ecoa pela passagem atrás de nós — soa como uma pedra,
deslizando pelo chão e batendo na parede. Mercy e eu trocamos um olhar
atordoado. ─ Se esconda, ─ ela sibila. Mas é muito tarde. Não há onde se
esconder. A caverna é onde a caverna termina, e está vazia além do pedestal.
Então, faço o que deveria ter feito há muito tempo.

Eu me viro e espero para enfrentar um monstro.


50

Elodie
CARINA SOLTA UM GRITO ESTRANGULADO. É assim que eu sei que algo
ruim nos espera à frente. As paredes da passagem se fecham, jurando que vão
me esmagar até a morte, enquanto o Dr. Fiztpatrick me empurra por trás, me
empurrando por uma abertura na caverna. E meu coração para morto no meu
peito.

Wren.

Seus olhos se arregalam quando ele me vê, cheios de terror, e então eles
ficam totalmente em branco. Atrás de mim, o doutor Fitzpatrick solta uma
gargalhada surda e surpresa. ─ Bem, bem, bem. Olha quem é! Estávamos
falando de vocês, não estávamos, meninas? Mercy também. Uau, nós temos
toda a turma.

Wren olha para mim, seus olhos jade subindo dos meus pés, viajando pelo
meu corpo; eu posso dizer que ele está me avaliando por lesões. Dou-lhe um
rápido aceno de cabeça para que ele saiba que estou bem. Ele dá um passo à
frente, deslizando as mãos nos bolsos. Um gesto tão normal e cotidiano
de Wren. ─ O que está acontecendo, Wes? O que você está fazendo?

─ Eu teria pensado que era óbvio, ─ responde o doutor. ─ Parece que


temos um problema recorrente. Essas garotas continuam rastejando para fora
da toca, tentando ficar entre nós. Eu cuido de uma e outra simplesmente
aparece. ─ Ele ri. ─ É como uma toupeira. Para nossa sorte, eu sempre fui bom
em bater na toupeira. Por que você não pega Carina? Mantenha-a quieta
enquanto eu cuido de Elodie.
Um vislumbre de desgosto aparece no rosto de Wren. ─ Em que porra de
planeta você vive, velho? Eu não estou mantendo ninguém quieto. Pelo amor
de Deus, desamarre suas mãos. O que há de errado com você?

A cabeça do doutor Fitzpatrick se inclina para trás. Há uma mancha de


sujeira em sua bochecha. Descendo pelo lado esquerdo também, onde eu dei
um inferno nele quando ele me puxou de volta para ficar de pé. Seu lábio
inferior treme, como a boca de uma criança que acaba de esfolar o joelho e não
sabe se deve chorar ou não. ─ Você não precisa falar assim comigo. Estou
tentando, ok? Estou apenas tentando fazer o que é melhor para nós. Como
vamos ficar juntos quando você continua se distraindo com essas putas?

─ Você não está em seu juízo perfeito, ─ sussurra Wren. ─ Você precisa
de ajuda.

─ Você é o único que pode me ajudar agora. Ajude-me a cuidar desses


duas e deixaremos sua irmã ir. Ela é da família, certo? Você não vai dizer nada,
vai, Mercy? Você entende por que isso precisa acontecer. Foi você quem me
contou sobre Mara em primeiro lugar, certo?

Ele parece tão desesperado. Seu comportamento agora é tão diferente do


show que ele faz em sua sala de aula; quase não faz sentido que seja a mesma
pessoa. Eu me viro, colocando minhas costas na parede da caverna enquanto o
Dr. Fitzpatrick está distraído. Contorcendo rapidamente minha mão, tornando-
a o mais estreita possível, torço meu pulso da esquerda para a direita, passando
o barbante sobre minha mão um milímetro de cada vez.

Mercy está branca como um lençol. Ela olha de Wren para o doutor
Fitzpatrick, seu corpo inteiro tremendo incontrolavelmente. ─ Eu... eu não...
sabia que isso aconteceria.

Estou quase com a mão livre.


─ Por que se incomodar em fingir, Mercy? ─ Eu cuspo. ─ Você me odiou
desde o momento em que voltou para Wolf Hall. Você tem sido uma cadela
furiosa desde o primeiro dia. Apenas vá, porra. Saia daqui.

Mercy salta. É como se ela tivesse esquecido que eu estou aqui. Wren
franze a testa, mas ele rapidamente entende o que estou fazendo. ─ Sim,
Mercy. Você é família. O sangue é mais espesso que a água, não importa o que
aconteça. Então apenas... vá. Não diga uma palavra do que você viu aqui esta
noite.

Fitz observa a troca, olhos rápidos, mudando de uma pessoa para


outra. Sua presença sempre foi tão dominadora e poderosa em sala de aula. Ele
era o mestre de seu espaço e transpirava confiança. Ele está nervoso e estranho
aqui. Estou nervosa só de olhar para ele.

─ Está bem. ─ Mercy engole. ─ Seja o que for. Como eu me importo de


qualquer maneira. Vejo você de volta na casa, Wren.

Peço a Deus que Mercy tenha descoberto que precisa chamar a polícia no
momento em que receber a recepção em seu celular. Ela precisa ser capaz de
encontrar o caminho de volta para a estrada primeiro, e eu honestamente não
acho que ela será capaz. Ela se arrasta ao redor do perímetro da caverna,
olhando Fitz com cautela.

Eu deveria ficar de boca fechada, mas é claro que não. ─ Espere. Por que
não deixa Carina ir com ela? Carina não tem nada a ver com isso. Ela não se
importa com Wren. Eu sou a única com quem você tem problemas.

Fitz vira a faca bowie em sua mão, sorrindo como um maníaco. Ele
balança a cabeça, desapontamento em seu rosto. Ele corta Mercy, movendo-se
para bloquear a saída da caverna. ─ Vocês são atores terríveis. Mercy, eu
esperava mais de você. Você teve treinamento real nisso. Você deveria se
envergonhar. Volte com seu irmão. Vá, vá. ─ Mercy recua quando ele levanta a
faca, mostrando a lâmina. Ela está de volta ao lado de Wren em um flash, e eu
não a culpo também, o brilho maligno nos olhos de Fitz é fodidamente
demoníaco.

─ Parece que chegamos a um impasse, não é, turma? Wren, você não está
disposto a admitir seus verdadeiros sentimentos. Mercy, você não pode ser
confiável, mesmo que você deva ter os melhores interesses de seu irmão no
coração. Carina, você é uma vítima das circunstâncias, e Elodie, bem, Elodie
simplesmente precisa morrer. Então, para onde vamos a partir daqui?

─ Somos quatro. ─ Wren olha para mim com o canto do olho. ─ E apenas
um de você. As chances de você conseguir segurar todos nós antes
de te derrubarmos são bem pequenas. ─ Ele se move para frente, estendendo
as mãos em um gesto calmante. O horror puxa as feições de Fitz. ─ Do que
você está falando? Eu nunca te mataria, Wren. Eu te amo. São apenas as meninas
que têm que ir.

Ambas as minhas mãos estão livres. Eu largo o barbante, me preparando.

Um sorriso cruel e terrível brinca no rosto de Fitz. ─ Não estou


preocupado com três menininhas magras. E eu não acho que você vai me
machucar, ─ ele diz. Sua atenção é toda para Wren. Ele está atordoado,
fanático, fixado nele. É triste, realmente, que ele esteja tão doente por ele. E
ele está doente. As coisas que ele fez para tentar ganhar Wren... As coisas que
ele está disposto a fazer...

Fitz salta para o lado, correndo em minha direção. A faca feia e brutal que
ele enfiou na minha cama está levantada em suas mãos, preparada para atacar. O
medo me eletrifica. O tempo desacelera. Estou pronta para ele. Eu espero até
o último segundo...
─ Não! ─ Três vozes diferentes gritam ao mesmo tempo, a palavra
ricocheteando pela caverna. Wren se lança para frente, alcançando o homem...
mas Carina está mais perto. Eu assisto, pés congelados no chão, enquanto ela
se joga nele, mas suas mãos ainda estão amarradas atrás das costas. Ela não tem
como detê-lo, além de inclinar o ombro e bater em seu corpo.

Eu já sei o que vai acontecer antes de acontecer.

Fitz a verá chegando.

Ele vê.

─ CARINA, NÃO!

Ele vai ter tempo de virar.

Ele vira.

Ele estará esperando por ela quando ela colidir com ele.

Ele está.

A faca vai...

A faca...

Eu não posso fazer nada além de gritar enquanto Fitz gira a lâmina e a
empurra para cima, direto no estômago de Carina.
51

Wren
CARINA, Carina,

Doce pequena Carrie.

Mãe galinha do quarto andar.

É precisamente por isso que Harcourt a designou protetora sobre todas


as novas alunas. Porque ela é altruísta, corajosa e está disposta a se sacrificar
para garantir a segurança dos outros. Eu vejo agora.

A lâmina encontra seu alvo, desaparecendo até o guarda, e um suspiro


molhado e ruidoso voa para fora da boca de Carina. Uma risada perturbada
escapa de Fitz enquanto ele embala a cabeça de Carina em suas mãos, pegando-
a enquanto ela desliza para fora da lâmina. Ele parece morbidamente fascinado
por sua expressão, enquanto suas pálpebras tremem de surpresa. Ainda estou
me movendo em direção a eles, cobrindo o terreno. Eu chego lá a tempo de
pará-lo antes que ele enfie a faca em seu estômago pela segunda vez. Elodie está
bem ali, também. Ela agarra Carina pelos braços, arrastando-a para fora do
caminho enquanto eu derrubo Fitz no chão.

─ SAI DE CIMA DE MIM! ─ ele ruge.

Ele é mais velho que eu, para não dizer maior, mas eu sou mais forte. Uma
barra brilhante de dor queima meu braço. Sangue derrama sobre minha pele,
carmesim e jorrando, mas eu não deixo ir. Eu envolvo meu braço ao redor de
sua garganta, meus pés chutando a terra, lutando para me segurar enquanto
tento ficar atrás do bastardo. Se eu conseguir colocá-lo em um estrangulamento
adequado, poderei cortar seu suprimento de ar. Ele está lutando como o
próprio diabo, porém, e ele não vai largar a porra da faca.

─ Carina! Ai meu Deus, Carina! ─ Elodie a levanta, gritando para


Mercy. ─ Desamarre as mãos dela! Pelo amor de Deus, não fique aí parada!

─ Aceite... isso... Wren! ─ Fitz rosna. ─ O trabalho está meio... feito!

Minha mão está tão escorregadia com meu próprio sangue que perco o
aperto em seu pulso. Fitz aproveita a oportunidade e ataca de volta, por cima
da cabeça. O aço afiado como uma navalha me pega na curva do pescoço, outra
chicotada de agonia queimando brilhante e quente, mas ainda assim não o
solto. Fitz choraminga, se debatendo, esfaqueando para trás de novo e de
novo. Eu me mexo, girando para evitar a ponta da arma.

─ Me SOLTE! Não era para... ser assim!

Eu não dou a mínima para como deveria ser. Eu finalmente consigo ficar
atrás dele. Eu aperto meu aperto em torno de sua garganta, usando meu outro
braço como alavanca para aplicar pressão. ─ Me apunhale o quanto quiser,
Wes. Eu não vou te deixar ir até que você esteja respirando.

─ Você não pode... deixá-los... me levar, ─ ele rosna.

Outro corte no meu antebraço. Um na minha coxa. Outro ao meu lado.

Os movimentos de Fitz começam a desacelerar. A faca cai no chão. Seus


dedos travam em volta do meu braço, tentando soltá-lo, mas de jeito nenhum
ele vai conseguir. Não vou deixá-lo machucar mais ninguém. Vou sangrar aqui
na terra, segurando o filho da puta até meu último suspiro, antes de permitir
que ele machuque mais uma pessoa por minha causa.
─ Ela não está respirando! Ela não está respirando! ─ O grito penetrante de
Mercy enche meus ouvidos. A próxima coisa que eu sei, Elodie está de pé sobre
nós e a faca está em suas mãos.

─ Mal... doente... distorcido... ─ ela ofega.

Espero que ela o estripe do caule ao esterno, mas não o faz. Ela gira a
arma, segurando-a pelo guarda, e derruba o pesado cabo de metal na cabeça de
Fitz com um estalo doentio.
52

Elodie
O FILHO DA PUTA ESTÁ DESMAIADO.

Pego o barbante que prendia minhas mãos, bem como o comprimento


que Mercy acabou de arrancar dos pulsos de Carina, e os lanço para Wren. ─
Certifique-se de que ele não pode ir a lugar nenhum antes que eu acabe com o
bastardo.

Mesmo depois que meu pai matou minha mãe e me prendeu naquela caixa
por dias, nunca pensei que teria coragem de matá-lo. Sem sombra de
dúvida, matarei Wesley Fitzpatrick se ele se mexer nos próximos minutos.

Carina estremece, suas mãos tremendo enquanto ela as segura contra seu
estômago. Mercy pensou que ela não estava respirando, mas ela está. Seus
suspiros por ar são rasos e ásperos, porém, e isso não soa bem. Ela não disse
uma palavra, apenas olha para mim, aterrorizada, com o branco de seus olhos
aparecendo enquanto seu sangue flui lentamente para fora da ferida de
aparência desagradável em seu estômago.

─ Nós temos que levá-la de volta para a academia, ─ eu digo.

─ Nós... nós não devemos movê-la. Devemos obter ajuda, ─ Mercy geme.

Wren balança a cabeça. ─ Ela não vai conseguir. Aqui. Eu tenho ela.

Carina solta um grito assustado e de dor quando Wren a pega em seus


braços e a levanta do chão frio da caverna. Estamos nos movendo antes que eu
saiba o que está acontecendo. Fitz ainda está inconsciente quando o deixamos,
amarrado e deitado de bruços no chão.
A floresta nos pressiona, escura e agourenta. Wren não diz uma
palavra. Ele se orienta, ofegante, e sai correndo com Carina nos braços, rumo à
academia.

Mesmo carregando Carina, sua respiração ofegante e curta, ele é muito


mais rápido do que Mercy e eu. Não sinto os galhos das árvores me
açoitando. Não sinto dor quando tropeço e caio. Eu mantenho meus olhos
fixos nas costas de Wren, e continuo correndo.

Eu perco meus sapatos.

O alívio me atinge em uma onda vertiginosa quando chegamos à


estrada. As solas dos meus pés rasgam contra o top preto enquanto corro atrás
de Wren. Ele não vacila. Nem por um segundo. Ainda estamos tão longe da
academia, no entanto. Muito longe. Penso no ferimento de faca irregular na
barriga de Carina e começo a perder a esperança.

Nós não vamos conseguir. Wren não vai. Simplesmente não há tempo.

A buzina de um carro corta a noite, me assustando até a morte. Por um


segundo horrível, acho que é Fitz, escapou da caverna de alguma forma e
queimando em nossa direção na estrada, mas então o Mustang de Pax passa
gritando por nós, apontando para Wren. Os pneus cantam quando o carro para,
e eu pego um flash de cabelo loiro brilhante.

Mercy está a quinze metros atrás de mim, mas eu a ouço gritar. ─ É Dash!

Faço uma pausa para ela me alcançar. ─ Como ele sabia?

Ela bufa, dando de ombros. ─ Eu mandei uma mensagem para ele de volta
na caverna. Eu não sabia se tinha ido. Eu...

Ela para, lutando por oxigênio. Realmente não importa como Dash
sabia. Ele apareceu. Eu nunca estive tão grata por ver o bastardo. Estou tão
exausta que mal consigo manter os pés debaixo de mim quando chego ao
carro. Dash tem Carina em seus braços e ele a está deitando no banco de trás,
xingando como um louco. Seu rosto está cinza, seus movimentos frenéticos.

─ Entre no carro, Wren! ─ ele brada. ─ Agora, porra!

Wren tece, cambaleando para a lateral do carro. ─ Estou bem. Basta levá-
la. Não espere pela ambulância. Vai!

Eu percebo o quão ruim ele parece quando ele se ajoelha. Meu Deus. Puta
merda, puta merda, ele está coberto de tanto sangue. Há uma fenda aberta em
seu ombro, e sua camiseta está cortada. Seus braços foram cortados em
pedaços.

Dashiell bate a porta traseira, balançando a cabeça. Ele agarra Wren


rudemente pelo braço, arrastando-o para cima. ─ Entre na porra do carro neste
instante, Jacobi. Você está às portas da morte.

─ Eu estou... certo... estou... beeem, ─ ele insulta. Então seus olhos rolam
para trás em sua cabeça, e ele desmaia nos braços de Dashiell.

Eu não vi seus ferimentos na caverna. Eu estava tão focado em Carina, e


agora parece que ele... parece que ele vai...

Ele correu.

Ele correu pela floresta para salvar Carina, e o tempo todo ele estava
sangrando também. Eu cubro minhas mãos com minha boca, sufocando um
soluço. Isso não está acontecendo, porra. Não pode ser.

Dash o empurra para o banco da frente do carro e finalmente reconhece


nossa presença. ─ Vocês duas estão bem? Você pode voltar para a academia
daqui?
Concordo com a cabeça, embora não saiba se é verdade. ─ Vá, Dash. Fure
cada luz vermelha. Só não os deixe morrer, porra.
53

Elodie
O ESCRITÓRIO DE POLÍCIA murmura em seu rádio, todos os negócios,
enquanto outra viatura rasga a entrada de automóveis em direção à Academia
Wolf Hall com suas luzes e sirenes tocando. Há cinco carros de patrulha aqui
agora, embora a maioria dos policiais que chegaram com eles já se foi. Eles
correram para a floresta, em direção ao sul para a junta escarpada de rocha que
agora pode ser vista acima das copas das árvores na luz da manhã, procurando
a caverna.

─ E é isso? Essa é a história toda? ─ o oficial pergunta, estreitando os


olhos sérios para nós, enquanto ela prende o rádio de volta em seu cinto. Ela
se apresentou como oficial Haynes Hartung, mas nos disse para chamá-la de
Amy. ─ Um professor fez isso? Seu professor de inglês? Por causa de um aluno?

Mercy está em choque. Ela balança a cabeça silenciosamente, olhando


para os degraus à nossa frente. ─ Sim. Meu irmão. Ele carregava Carina, mas
ele... ela...

─ Acabei de ouvir um dos policiais do hospital, ─ diz Amy. ─ Tanto o


menino quanto a menina estão em má forma, mas estão estáveis. A garota teria
morrido se tivesse chegado lá mais tarde. O que quer que seu irmão tenha feito,
mocinha, ele salvou a vida dela.

Algo dentro de mim se parte em dois. Não consegui respirar até


agora. Conseguir que palavras coerentes se formassem e saíssem da minha boca
tem sido quase impossível, mas ouvir essa notícia – tanto Wren quanto Carina
vão ficar bem – me deixa histérica.
Começo a chorar e não consigo parar.

Mercy coloca o braço em volta de mim, e nós duas soluçamos.

Um por um, estudantes desgrenhados em trajes assustadores começam a


aparecer na estrada, caminhando de volta para a academia. Dean Harcourt os
conduz para dentro, dizendo-lhes para irem e esperarem no refeitório por
alguém para falar com eles.

Às nove da manhã, uma equipe de policiais emerge da floresta com o


doutor Fitzpatrick pendurado como uma boneca de pano entre eles. Ouço as
palavras ' resistir à prisão ' e ' retenção psicológica', mas não consigo processar muito
depois disso. Por volta do meio-dia, um bando de caras em macacões brancos
que parecem trajes HAZMAT carregam um saco azul para o corpo na parte de
trás da van de um legista.

É quando o detetive chega e começa a nos fazer perguntas que estou muito
entorpecida para responder. Mercy é quem mais fala. Ela sabe mais do que eu
sobre Mara.

Depois disso, somos levados ao hospital para serem examinados. Além de


alguns cortes e arranhões, bem como as solas dos meus pés estarem em um
estado lamentável, não há nada realmente errado comigo. Eu não luto com eles
sobre isso, no entanto.

Eu quero ver Wren.

***

Wren
Eu me senti mal quando eles me colocaram na maca e me levaram para o
pronto-socorro. Eu me sinto muito bem agora, no entanto. Quaisquer drogas
que eles me deram devem ter sido potentes como o inferno, porque eu sinto
que estou flutuando em uma nuvem e meus ossos são feitos de algodão doce. A
polícia me questiona até que eu responda ao mesmo conjunto de perguntas
quinze vezes. Alguém vem me dizer que Carina está melhorando, o que eu sou
homem o suficiente para dizer que faz meus olhos arderem como loucos. Eu
descubro que Fitz foi preso logo depois disso, e tudo fica um pouco nebuloso.

Eu durmo como o quase morto.

Às quatro, eles me trazem remédios que me deixam um pouco mais alerta,


e Elodie entra sorrateiramente no quarto. Ela sorri um pequeno sorriso,
encostando as costas na parede do outro lado da sala, cutucando as unhas.

─ Quando eu comprei aquele vestido para você, eu não pensei que você
fosse tratá-lo tão mal. ─ Ela está coberta de sangue da Carina. Dela. Talvez haja
um pouco do meu manchando o tecido para uma boa medida também. A saia
está rasgada em pedaços e metade dos cristais que foram costurados no corpete
estão faltando agora. Ainda assim, mesmo coberta de sujeira e parecendo que
ela acabou de lutar em uma guerra, ela é linda. Ela alisa as mãos na frente da
saia, pouco bom que isso faça.

─ Sim, bem. Admito que não cuidei muito bem dele no começo da
noite. E depois que as coisas derem errado com Fitz, bem... ─ Ela encolhe os
ombros. ─ Lamento que tenha sido arruinado.

Eu rio pelo meu nariz, estremecendo quando um estalo de dor atravessa


meu corpo. ─ Está bem. Você não precisa se desculpar. Você ficará satisfeita
em saber que não haverá mais festas na Riot House no futuro próximo. Dean
Harcourt esteve aqui antes. Ela disse que todos seríamos expulsos se
pensássemos nisso.

─ Realmente não posso culpá-la, ─ Elodie diz.


─ Não, acho que não podemos. ─ Eu dou um tempo para olhar para
Elodie, sentindo... sentindo pela primeira vez que o futuro pode não ser tão
fodido, afinal. ─ Eu não cheguei a dizer que gostei do seu cabelo, ─ digo a ela.

─ Mesmo? ─ Ela abaixa a cabeça, tocando os dedos neles. — Achei que


você gostasse de mim loira.

─ Realmente não importa a cor do seu cabelo, Pequena E. Eu vou te amar


do mesmo jeito, não importa o que aconteça.

Ela suspira, afastando-se da parede. Ela chega ao pé da cama, que é onde


ela para, descansando as mãos na armação de metal. ─ Estou surpresa que você
ainda possa dizer isso. Que você me ama. Eu me sinto uma merda por pensar
que você teria feito algo com aquela garota. Eu só... tudo ficou tão confuso...

Eu me preparo, sentando-me um pouco mais reto. A gaze grossa que eles


colocaram sobre os pontos na base do meu pescoço aperta, mas eu faço uma
careta de dor. ─ Eu não estou bravo com você. Qualquer um teria pensado a
mesma coisa. Deixei aquele suéter no gazebo, na noite em que disse a Wes que
não queria mais nada com ele. Ele deve tê-lo guardado e dado a Mara mais
tarde. Ele é tão obcecado por poesia e Edgar Allen Poe. Contanto que você
saiba agora que sou inocente... ─ Um lampejo de pânico me faz suar frio. ─
Você sabe que eu sou inocente agora, certo?

─ Sim! Oh meu Deus, sim! É por isso que me sinto tão terrível.

Eu estendo minha mão para ela. ─ Vem aqui então.

Ela está hesitante no início. Assim que ela está ao meu alcance, eu a pego
pela mão e a puxo para mais perto para que ela fique sentada na beirada da cama
ao meu lado. ─ Se eu tivesse explicado tudo com Mara e Wes em primeiro lugar,
então não teríamos acabado nessa situação para começar.
Ela cuidadosamente estuda meu rosto; eu posso vê-la pensando sobre o
que ela quer dizer em seguida. — Então por que você não fez?

─ Porque eu fui estúpido. Porque eu pensei que tudo ficaria bem, se


mantivéssemos nossas bocas fechadas. Achei que, assim que a formatura
acabasse, estaríamos livres da academia e livres de Fitz também. Eu não queria
ter que te dizer que eu tinha me envolvido com Fitz, de todas as pessoas.

─ Por quê? ─ Ela me dá um olhar provocante de soslaio. ─ Por que ele é


um cara?

─ Ah! Não. Porque ele era um membro da porra do corpo docente, e toda
a coisa de aluno/professor é tão clichê. Gosto de me orgulhar de
ter alguma originalidade.

─ Então... você não gosta de caras?

Eu não posso ler sua expressão muito bem, mas... bem, merda. Parece-me
que ela está se sentindo um pouco insegura. Mudando do meu lado, eu—oh
merda, não, isso não vai funcionar. Eu me deito contra os travesseiros,
cantarolando de exaustão. ─ Sempre me senti atraído por pessoas, Pequena E. O
gênero delas nunca importou. Mas tudo isso é irrelevante agora, de qualquer
maneira.

A ponte de seu nariz enruga. Ela brinca com meus dedos, acariciando os
seus sobre os meus, franzindo a testa levemente. ─ Por quê?

─ Você sabe por quê. Porque eu encontrei minha pessoa agora. Caso você
ainda não tenha percebido, você é o fim do jogo para mim, Elodie Stillwater. E
todo mundo no mundo inteiro pode ir comer um pau.
Epílogo

Wren
Duas semanas depois

─ Você tem certeza disso? Você sempre pode mudar de ideia, ─ resmunga
Pax. Ele está sentado no carro nos últimos vinte minutos, tentando conversar
comigo. Não tenho certeza de onde vem toda essa resistência, mas tenho
certeza de que ele é alérgico a mudanças. Tudo é o mesmo há anos. Só nós
três. E mesmo que todos nós ainda estejamos morando juntos e faltam apenas
alguns meses para todos nos formarmos, a ideia de alguém novo, alguém mais
permanente, entrando em nossa órbita oficial está trazendo-o para fora em
colmeias.

Do banco de trás, eu alcanço a abertura na frente do carro, dando um soco


no ombro dele. ─ Não é o fim do mundo, cara. Tudo está legal. Você precisa
ser legal. Você faz com que ter uma namorada pareça um destino pior que a
morte.

─ Está tudo bem para você. Você obtém sexo regular com esse arranjo. O
que obtemos? Nossas manchas no sofá roubadas? Estranhos tufos de cabelo
no chuveiro? Calcinha fodida com babados apanhada em nossa
lavanderia? Tampões no armário de remédios? Urgh.

─ Ela não está se mudando, idiota. Ela vai passar a noite nos fins de
semana. Vou me certificar de que ela guarde os absorventes para si mesma. E
não se preocupe. Ninguém ousaria roubar seu lugar no sofá.
Sinto que estou aconselhando uma criança traumatizada, cujo pai acabou
de começar a namorar alguém novo. A qualquer segundo agora, eu meio que
espero que ele faça uma birra e saia com o velho: ─ Eu não vou chamá-la de mãe!

─ Você não tem nada a dizer sobre isso? ─ Pax olha para Dashiell no
banco do passageiro.

Dashiell suspira, mas sua frustração é só para mostrar. ─ Depois de muita


consideração, eu decidi que Wren pode fazer o que diabos o deixa feliz. Além
do mais. Mudar é bom. Talvez você devesse arrumar uma namorada.

Pax recua horrorizado. ─ Absolutamente não! Por que eu me encarceraria


voluntariamente?

Eu rio. Dash ri. A única pessoa que não está rindo é Pax. Ele está levando
essa reviravolta para sua rotina diária muito pessoalmente. ─ Tudo bem. Seja
como for, picas. Estou indo embora. ─ Ele sai do carro e caminha em direção
à entrada da academia, seus ombros puxados para cima em torno de suas
orelhas. Com o andar aparado e o balanço agressivo do braço que ele tem, até
mesmo seu andar parece chateado.

─ Não se preocupe. Ele vai voltar, ─ Dash diz.

─ É melhor ele voltar, para o seu bem. Ele vai enlouquecer quando
perceber que você também tem namorada.

─ Não diga uma porra de palavra, ─ Dash diz em um tom muito sério. ─
Temos que ajudá-lo a dar um passo de cada vez. Ele já está sendo difícil o
suficiente. Viver com Pax, em plena crise existencial, não seria um momento
divertido.

Estou inclinado a concordar.


Entramos na escola, e estou estranhamente nervoso. Fiz o impensável e
enfrentei meu pai. Eu estive em audiência preliminar no tribunal e testemunhei
contra um louco. Tudo na minha vida deveria ser moleza neste momento, mas
anunciar publicamente ao mundo que estou apaixonado por alguém e não
quero nada mais do que fazê-la sorrir diariamente é uma perspectiva
aterrorizante.

As férias de primavera estão chegando, então eu só tenho que lidar com


os olhares e os comentários sussurrados por mais algumas semanas, mas mesmo
assim... minhas mãos estão suando como nunca antes.

O ' incidente ', como o corpo docente do Wolf Hall o chama, ainda é um
tema quente de conversa, e provavelmente será até o final do ano letivo. Não é
todo dia que um professor perde a cabeça e tenta matar um punhado de
alunos. Também não é uma ocorrência comum que um cadáver seja descoberto
no terreno da academia. Os alunos conversam e fofocam sobre os últimos
acontecimentos – o rosto de Fitz estampado em toda a internet, entrevistas dos
pais de Mara na CNN, relatos de que Fitz confessou seus crimes e não negou
nada – enquanto nos dirigimos para o inglês. Falou-se que a turma seria
realocada para outra sala de aula regular depois de tudo o que aconteceu, mas
houve tanta resistência dos alunos que Harcourt anunciou que ainda
poderíamos estudar lá, desde que os níveis de concentração ou notas não
sofressem por causa de nossas arredores. Pessoalmente, não dou a mínima para
onde faço minhas aulas agora que Fitz se foi.

Um silêncio abafado cai sobre a classe quando Dash e eu entramos na


sala. Damiana me atira com um olhar mordaz. Em algum momento, ela decidiu
que me odeia, e eu estou ok com isso. Pax já está sentado em seu lugar no chão,
embaixo da janela. Dash revira os olhos para mim enquanto atravessa a sala,
indo para seu lugar habitual ao lado do nosso amigo.
Eu chego a meio caminho em direção ao sofá de couro gasto debaixo do
banco de janelas antes de virar para a esquerda, mudando de direção. Minha
caixa torácica aperta com força quando a vejo, sentada ali no sofá floral sob a
estampa de Gustav Klimt, ' O Beijo'.

Elodie Stillwater é a criatura mais deslumbrante que eu já vi.

Seu cabelo recém-escuro está puxado para trás em um coque


propositadamente bagunçado, mechas longas e onduladas penduradas em
ambos os lados de seu rosto. Seus olhos estão ainda mais azuis com a luz quente
da manhã banhando seu rosto, destacando as sardas que começaram a surgir na
ponte de seu nariz.

Ela mastiga a ponta de uma caneta esferográfica, suas sobrancelhas


levemente arqueadas em diversão enquanto me observa caminhar em direção a
ela. O assento ao lado dela está notavelmente vazio. Vai demorar mais uma
semana ou duas antes de Carina ter alta do hospital. Ela está fazendo seus
trabalhos escolares de sua cama de hospital. Dash tem levado lá para ela todas
as noites, alegando que ele está indo para a 'academia'. Ah.

Fico na frente de Elodie, apontando com o queixo para o local aberto ao


lado dela. ─ Devo fazer o toda a coisa 'este assento está ocupado?', ou eu mantenho
a ilusão de que ainda sou legal?

Ela faz beicinho, considerando isso. ─ Acho que vou salvá-lo do


clichê. Mas só porque você fica gostoso com essa camisa.

Eu corro minha mão sobre meu peito. ─ Essa coisa velha? ─ Eu estou
brilhando como um idiota por causa do elogio, no entanto. Uma coisa é saber
que você está bem, eu estou. Desculpe - e outra coisa completamente diferente
quando a garota que você mais ama no mundo diz isso. Horrorizado, suspeito
que possa até estar corando. Corando, pelo amor de Deus. Quem diabos sou eu?
Eu me jogo no assento ao lado dela, e posso sentir o olhar de todos os
outros alunos na sala se concentrando em nós. Na frente da classe, Damiana
faz um som estrangulado e engasgado quando me viro, jogando minhas pernas
sobre o braço do sofá, deitando minha cabeça no colo de Elodie. Sua boca se
abre um pouco, um lampejo de surpresa em seus olhos, mas ela se recupera
rapidamente, brincando com as pontas do meu cabelo, enrolando-o em seus
dedos.

─ Se você não tomar cuidado, as pessoas podem começar a ter uma ideia
errada sobre nós, Jacobi, ─ ela brinca.

─ Não podemos ter isso, podemos? ─ Eu pego sua mão e beijo


suavemente a parte interna de seu pulso, apreciando a forma como suas pupilas
dobram de tamanho na demonstração aberta e pública de afeto. Ela está no pé
de trás. Provavelmente, ela pensou que eu me sentaria com ela e manteria
minhas mãos para mim, mas eu fui muito além disso. A questão é que eu não
tinha nada com que me preocupar. Porque isso não é tão assustador quanto eu
pensei que seria. Acontece que eu tenho entrado em pânico por nada; é
libertador pra caralho ter tudo ao ar livre, para todo mundo ver.

─ Sentindo-se bastante satisfeito consigo mesmo? ─ Elodie pergunta,


arqueando uma sobrancelha para mim.

─ Sim. ─ Eu concordo. ─ Muito.

─ Oh sim? Quão rápido você vai voar pela sala se eu tentar te beijar na
boca? ─ Ela me dá um olhar que é meio desafio, meio zombaria.

─ Minha bunda permanecerá firme neste assento, não importa onde você
decida que quer me beijar. ─ Olho sugestivamente para o meu pau, incapaz de
resistir à oportunidade de provocá-la. Meu Deus, eu nunca vou me acostumar
com isso. Ela é tão linda. Tão fodidamente perfeita. Tão fodidamente
minha. Suas bochechas ficam rosadas, e eu tenho que lutar contra o desejo de
arrastá-la para fora da sala de aula e até seu quarto, para que eu possa foder seus
miolos.

Ela está se sentindo corajosa, no entanto. Ela tenta se abaixar para me


beijar, mas é impossível em nossa posição atual. Eu a ajudo me apoiando no
cotovelo, encontrando-a no meio do caminho. O beijo não é abertamente
sexual. Eu mantenho a língua no mínimo. Não somos animais. Pelo menos
Elodie não é, e eu não quero envergonhá-la. É um beijo ardente – uma
queimação lenta, cheia de emoção, um calor aceso entre nós que eu
definitivamente terei que abordar mais tarde. Eu seguro seu rosto, acariciando
meus dedos na parte de trás de seu pescoço, fazendo-a estremecer, e um grito
exasperado surge do outro lado da sala.

─ Oh, pelo amor de Deus! Sério? ─ Ninguém menos que Pax,


naturalmente. Algo atinge a parte de trás da minha cabeça – papel enrolado pela
sensação – mas eu não me afasto. Eu não faço isso até que uma chuva de papel
comece a cair sobre nós, arremessada e arremessada pelo resto dos outros
alunos também.

Elodie ri contra minha boca. ─ Ok, você provou seu ponto. Você é
destemido. Acho que eles querem que paremos agora.

Dou um puxão rápido em seu lábio inferior antes de soltá-la. ─ Sorte,


Pequena E. Salva por seus colegas de classe.

─ Ele... oh. Olá, turma. Rapaz, se você não se importa de largar essa pobre
garota, vou fingir que não vi nada disso. ─ Na frente da sala, uma mulher de
trinta e poucos anos paira ao lado do novo quadro-negro recém-instalado entre
as estantes de livros. Eu me viro no meu assento, me agachando no sofá ao lado
de Elodie, sinceramente fingindo estudar o teto. No entanto, assim como todos
os outros na sala, eu estudo a intrusa, observando-a. Ela é linda. Doce, como
se cozinhasse no fim de semana e alimentasse os pássaros do lado de fora da
janela da cozinha. Pego Dashiell dando uma cotovelada nas costelas de Pax -
uma cotovelada forte o suficiente para tirar o ar dele - mas Pax nem parece
notar. Ele está olhando para essa nova pessoa como se tivesse acabado de
revelar a face de Deus e não consegue desviar o olhar.

A mulher sorri, limpa a garganta e nos leva a todos.

─ Classe, meu nome é Jarvis Reid. Pode me chamar de Jarvis. Como vocês
já devem ter imaginado, sou sua nova professora de inglês. Acabei de me mudar
de Nova York para Mountain Lakes e ainda estou descobrindo onde tudo está
na academia, então, por favor, tenham paciência comigo enquanto eu cuido do
terreno. Se um de vocês quiser me atualizar sobre o que está estudando, seria
um bom começo.

Pax fica de pé. Ele sorri o tipo de sorriso que destruiu os corações de
inúmeras supermodelos de Roma a Londres e vice-versa. ─ Olá Jarvis. Ficarei
feliz em ajudar.

Elodie e eu trocamos um olhar que diz tudo.

Cristo.

Aqui vamos nós novamente.

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