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LOVE TRAVELLERS
KARINA HEID
CONTENTS
Atenção:
Esta é uma obra de ficção. Embora alguns lugares e instituições descritas no livro existam e eu tenha
tentado me ater aos fatos históricos, nem tudo pode ou deve ser considerado verídico. O mesmo vale
para a ordem dos cavaleiros: qualquer menção a ela faz parte da narrativa ficcional. Sendo assim,
qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera
coincidência”
A quilo não podia estar acontecendo, mas de uma forma que eu não
compreendia, estava. Eu já tinha chacoalhado a cabeça, sido
derrubado por uma carroça sem cavalos e estapeado o próprio rosto ,
e mesmo assim continuava a sonhar.
Sonhar, não. Aquilo estava mais para um pesadelo.
Eu lembrava de estar no meio de uma luta. Prestes a morrer defendendo
o forte de São Elmo, tomado por infiéis. Havia o odor de sangue no
ambiente, a fumaça dos canhões proveniente do lado de fora e o som das
botas batendo na escada de pedra. Aquele era o meu último minuto de vida,
e eu tinha escolhido passá-lo salvando a vida do meu irmão. Mesmo o fim
se aproximando, estava pronto e em paz.
Então, a feiticeira por quem meu irmão se apaixonou enfiou algo no
meu peito e disse alguma coisa que mudou tudo.
O que ela havia dito?
Arrastei a mão pela cabeça, sem me lembrar. A confusão de
pensamentos estava me deixando louco. Claro que não ajudava a estranha
mulher ao lado tagarelar sem parar, soando desagradável como um alaúde
desafinado.
“Chegou a hora.”
Sim, foi isso o que a feiticeira disse antes de saltar. Mas que hora havia
chegado? A minha, de morrer?
Não, duvido que fosse esse o significado. Eu a conheci melhor durante
o Cerco, sentia que a mulher sabia algo sobre mim. Embora me evitasse,
estava sempre me observando de um jeito estranho… fraternal, cuidadoso
até, como se se importasse comigo. Contudo, se recusava a se aproximar,
como se precisasse manter distância. Nunca gostei dela, já que não se
comportava como uma dama comum. Não obedecia a ordens e estava
sempre sendo chamada para conversas reservadas com o comandante.
Embora tudo aquilo fosse estranho, era a influência sobre Aaron, meu
irmão, que realmente me incomodava. Ele a amava e eu a detestava por
isso.
“Isla. O nome dela é Isla, e é ela quem precisa encontrar.”
Arregalei os olhos, lembrando de tudo. Sim, a feiticeira pronunciara o
nome Isla após se aproximar e enfiar a pedra dentro da minha armadura.
Tateei o peitoral, mas tudo que consegui foi fazer barulho. Havia uma
pedra em meu peito, e eu podia senti-la quente contra a camisa.
Olhei ao redor, perdido com tudo o que aconteceu. Eu não estava mais
no forte de São Elmo. Não estava defendendo a janela por onde os
otomanos poderiam flechar meu irmão. O problema era: se eu não estava lá,
onde diabos tinha ido parar?
A visão ganhou foco. Abri e fechei as mãos, ouvindo música tranquila,
observando pessoas bebendo e sorrindo. Onde estava a guerra? Os turcos e
suas armas malditas? Eu não reconhecia os trajes daquela gente, os objetos,
o lugar. Aquelas pessoas deveriam estar gritando! Fugindo da horda
invasora!
A garota continuava a falar ao lado:
— Beber vai te fazer bem. Vou pedir uma água para acompanhar, mas
manterei o whisky vindo. Não faça mau juízo de mim, por favor. Até o fim
da noite conto toda a safadeza que fizeram comigo. Quero ver você
defendê-los.
E, mais uma vez, ela entornou a bebida no chão.
Que tipo de loucura era aquela?
Arranquei a placa do braço e a joguei de lado, movendo os dedos de
maneira livre. Ao ver a manga da minha camisa manchada de sangue, a
mulher soltou uma risada.
— Isso parece tão real. — Ela cutucou duas vezes meu braço. — Uau,
você é tão duro. Está usando uma armadura por baixo da roupa também?
Ela estava zombando de mim?
Tomei o copo da sua mão e cheirei a bebida. Destilado. Entornei o
líquido cor de âmbar garganta abaixo, sentindo-a queimar. Pronto. Agora eu
acordaria, e quando isso acontecesse, descobriria que morri e que o céu era
feito de gramados floridos, música distante e mulheres faladeiras.
Pisquei os olhos algumas vezes, esperando ver o cenário mudar e um
turco se debruçar sobre mim e enfiar uma espada na minha barriga.
Quando vi que continuava ali, perdi a paciência.
— Onde estamos? — perguntei, ríspido, batendo o copo de volta na
mesa.
— No clube Royal, oras. No casamento do Danny e da Giulia. — Ela
indicou com o queixo o casal. — Aqueles dois ali. Mas não se deixe
enganar por toda essa aura de romance e trajes virginais. A união desses
dois está mais para aquele documentário sobre a vida das víboras,
sabe? Aquelas em que elas se juntam e formam um bolo gosmento ao se
acasalar?
Víboras? Do que raios esta louca estava falando?
— Onde, mulher? — insisti, cerrando os punhos. — Onde estamos?
Ela me examinou com uma careta.
— Você está bem? Bateu a cabeça, não foi?
Segurei seu pulso frágil, pensando em apertá-lo até arrancar a
informação, mas algo em sua falta de medo me fez recuar. Afastei a mão da
pele macia, preferindo voltar a fechá-la em um punho.
— Onde estou, exatamente? Exijo que me diga o nome do lugar!
— Em Malta, ué.
— Malta? — Olhei ao redor. — Não, esta não é a minha terra. Não pode
ser.
Mais uma vez, um servo parou ao lado e repôs os copos vazios por
outros. Puxei ambos para mim antes que a insana os jogasse fora, sem
deixar de encarar duro seus olhos castanhos.
— Pare de entornar o destilado no gramado — rosnei.
— Olha, homem de lata, você não parece bem. Tem alguma coisa
errada, eu posso sentir.
Errado comigo? Não havia nada de errado comigo, e sim com eles!
Meu nome é Cristopher De Landa, repeti como se precisasse afirmar as
únicas certezas que tinha, bebendo todo o conteúdo de um dos copos. Nasci
em Mdina, no ano 1535 do Senhor. Sou filho de Sir Hebert e Sophia De
Landa, irmão de Aaron, conhecido como O Invencível. Sou membro da
Ordem Soberana dos Cavaleiros Hospitalares de São João, que jurou
defender a fé e dar assistência aos pobres.
— Tuitio fidei et obsequium pauperum — murmurei o lema da ordem,
as palavras ressoando pelo peito.
Bebi o conteúdo do segundo copo sentindo o interior da garganta rasgar.
Que tipo de bebida dos infernos era aquela? Olhei para o vidro e, soltando
um som gutural, lancei-o ao chão, estilhaçando a porcaria em mil pedaços.
Ao olhar para a moça tresloucada, vi que ela segurava o riso.
— Adorei, Cristopher. Cada copo desses deve valer uma fortuna!
Vamos quebrar mais.
Virando-se para algumas pessoas que nos encaravam horrorizados, ela
soltou, divertida:
— Atores de Hollywood sendo excêntricos, nenhuma novidade! Voltem
a prestar atenção no casamento!
As pessoas obedeceram, se voltando à cerimônia.
Ela era uma líder desse povo estranho, constatei. Precisava agir com
cautela ao seu redor.
Ainda assim, a sensação de que algo estava errado inundava meus
sentidos. Era como se eu balançasse a esmo em um barco no meio de um
oceano bravio, sem remo ou terra à vista. Onde eu estava? Aquilo ali não
podia ser Malta, pois não era algo que eu reconhecia.
— São apenas puxa-sacos dos noivos, ignore-os. — Ela lançou seu copo
no chão também, mas ele apenas rolou pela grama até desaparecer debaixo
da mesa. — Bem, sinto muito por te envolver nessa furada. Lilli contou o
que fizeram comigo?
A mulher de nome Isla se sentou à minha frente e apoiou o queixo na
mão antes de me encarar com um sorriso desanimado.
— A noiva era minha assistente. Sou produtora, a propósito. Uma
ótima, mas isso não vem ao caso. Enfim, ela veio indicada por Danny, o
noivo, o meu chefe sem-vergonha. Vi logo que a garota não queria pegar no
pesado, só postar no Instagram que trabalhava na Luminar e aproveitar o
lado glamouroso da coisa.
Se entendi cinco palavras do que ela disse, foi muito.
— A história fica mais interessante. Sabe o noivo? — Ela apontou para
o homem ajoelhado no altar. — Eu estava saindo com ele.
— Saindo? — repeti, sem entender.
— Apenas ocasionalmente. — Ela revirou os olhos. — Ele era meu
chefe, eu sei, mas sabe quando a gente não calcula bem o que está fazendo?
Pois é, sou dessas que calcula mal o tempo todo. Ele era um notório idiota e
eu tinha plena consciência disso, mas não me importei.
Se eu não estivesse tão confuso, teria me levantado e partido.
Entretanto, não conseguia me mover direito, nem me distanciar da voz
melodiosa. Era como se alguém tivesse me alvejado na cabeça. O mundo
parecia girar rápido e um zunido contínuo não me deixava pensar.
Como podia estar em um lugar e, no segundo seguinte, em outro?
— Foi então que comecei a notar umas coisas estranhas. — A voz
feminina continuava ao fundo. — Eles começaram a ir embora juntos,
sempre no mesmo horário. Minhas pastas apareciam mexidas pela manhã, e
um dia desconfiei que alguém estava acessando meu computador durante a
noite.
Ela fez uma careta, como se tivesse acabado de provar uma comida
estragada.
— Perguntei ao meu chefe o que estava acontecendo, mas ele me
convenceu de que não era nada. Que eu deveria delegar mais para a minha
assistente, imagine. Então, um dia, um dos meus clientes me ligou
questionando o motivo de estar sendo contatado por ela. Me avisou para ter
cautela e insinuou que eu estava sendo enganada.
A faladeira olhou para o casal.
— Foi assim que descobri o caso entre os dois. Eles queriam me tirar da
jogada, cada um por um motivo, mas não sem antes aprender o que só eu
sabia fazer. Estavam me escanteando enquanto sorriam para mim, uma
durante o dia, e o outro… — ela deu um gole na bebida — enquanto me
fodia à noite. Foi quando resolvi pedir demissão. Eu estava confusa, me
sentindo traída… E não sou de pensar muito nas consequências.
Simplesmente marchei até a sala do cretino e me demiti.
Finalmente entendi uma palavra: marchar. Também entendi “foder”,
mas esta não poderia ter saído da boca de uma mulher, pelo menos não de
uma decente.
Para o meu alívio, o álcool começou a agir sobre os músculos. Meus pés
estavam mais firmes e os braços voltavam a ganhar força.
— O problema é que fiz isso sem ter um plano B. — Ela abriu um
sorriso sem alegria. — Disse apenas que queria montar meu próprio
negócio e deixei o emprego. Eu sei, que burra. — Ela bateu o bornal
salpicado de pedrinhas coloridas na própria testa. — Dei a eles exatamente
o que queriam. Minha assistente instagramer assumiu minha posição, os
dois se apaixonaram perdidamente e cá estou eu, fingindo não me importar.
Este é o resumo da ópera.
Que diabos é ópera?
Ela ergueu o novo copo e lançou o líquido por trás dos ombros,
chocando-o em seguida no meu.
— Tintim.
Aquela senhorita era louca. Tentei ficar de pé e sair dali, mas assim que
me equilibrei, algo explodiu sobre nossas cabeças.
Os infiéis!
Minha reação mais rápida foi saltar sobre a mulher e proteger seu corpo
contra a mesa.
— Os otomanos! — gritei, deitando o corpo sobre o dela. — Não se
mova!
— Ei! O que está fazendo? — Ela se debateu. Com o peito retumbando,
procurei ao redor minha espada.
— Minha espada, mulher! Onde ela está?
— Que espada?! Meu Deus, saia de cima de mim! — A garota se
contorceu, empurrando meu peito para longe. — Ficou doido?
— Estou tentando protegê-la dos estilhaços, criatura ingrata!
Olhos da cor de avelã, abertos e imensos, fixaram-se nos meus.
— Que escombros? São só fogos!
Respirando profundamente contra o rosto dela, pisquei, atordoado.
— Como assim, só fogos? Se há um incêndio se alastrando precisamos
sair daqui! — Levantei o peito o suficiente para que ela se arrastasse para
longe. Os estouros continuavam e a cada um deles eu me encolhia de
maneira reflexa. A mulher me observou como se o estranho fosse eu ao
apontar para o céu. Olhei para cima, vendo descer sob o gramado uma
chuva de pequenos brilhos que explodiam contra o firmamento. Aquilo era
um ataque, mas as pessoas aplaudiam! Sorriam, em júbilo!
— Jesus, que escândalo por nada. — Ela alisou a roupa, se levantando.
— Você tem um parafuso a menos?
— Preciso da minha espada! Eu estava com ela na mão! Onde está? —
Girei ao redor, observando o chão.
— O que planeja fazer? Apontar para as luzes e blasfemar? Acho que é
hora de deixar o personagem, não?
Luzinhas ainda caíam sobre nós, acompanhadas de estampidos. Apesar
de tudo, ninguém parecia surpreso.
— Exijo saber o que está acontecendo! — Bati a palma da mão no
tampo da mesa. — Por que estão felizes, se estamos sendo atacados?
— É isso. A batida do carrinho de golfe pode ter sido pior do que
imaginei.
Neguei, sem entender. O que estava acontecendo ali? Ao perceber meu
nervosismo, ela se aproximou.
— Não estamos sendo atacados, está bem? O casamento acabou. As
pessoas estão festejando. — Ela tocou meu ombro com reticência, quase
com um brilho de medo no olhar.
Olhei para a mão delicada, percebendo só agora como a moça era
pequena. Ela batia na altura do meu tórax e suas curvas eram visíveis por
causa da pouca roupa justa que usava. Embora seu cabelo tivesse sido
punido por uma navalha cega e sua língua fosse definitivamente
maledicente, o conjunto era agradável. Com exceção das suas vestimentas:
estas eram um ultraje. Ela vestia calças e casaco como um homem, mas no
lugar da camisa, havia uma faixa miúda na altura dos seios que deixava
metade da barriga de fora. Que tipo de vestes eram aquelas? Por não ter um
avental, estava suja da cintura para baixo com respingos de lama. Os pés
imundos, aliás, pareciam pequenos e delicados, tinham unhas pintadas de
escuro e estavam atados por tiras que os amarravam sobre um objeto de
tortura pontiagudo.
Aquilo podia bem ser uma arma.
— Exijo que me explique onde estou, estrangeira. Agora.
— Ah, exige, cavaleiro?
Mais uma vez, ela debochava de mim.
— Como sabe que sou um cavaleiro da Ordem?
Seu dedo com as estranhas unhas escuras tocou meu peito.
— Pela cruz de Malta na fantasia.
— Fantasia? — repeti ofendido, dirigindo-lhe um olhar duro que
cessaria imediatamente aquela impertinência.
O toque no peito, no entanto, me lembrou de outra coisa: a pedra.
— Maldita — resmunguei baixo, procurando a fivela do peitoral. A
feiticeira havia jogado seu colar dentro da minha armadura. O que estava
acontecendo comigo só podia ser consequência de um feitiço.
A mulher observou, confusa, a tentativa de me livrar da armadura.
Removi a placa pesada, sentindo a pedra se desalojar de onde estava e rolar,
fria, pela barriga até o gramado. Ao me abaixar para pegá-la, a jovem foi
mais rápida.
— O que é isso? — Ela girou o objeto na mão.
— Entregue-me agora. Isso não lhe pertence.
Ao invés de obedecer, a incauta deu dois passos para longe, erguendo o
pingente. A pedra roxa reluziu contra a luz do fim de tarde.
Com as sobrancelhas franzidas, ela estudou o meio círculo como se já o
tivesse visto antes.
— Onde conseguiu isso?
Arranquei o objeto da mão dela. Um cavaleiro não dava satisfações a
uma mulher.
— Já disse que não lhe interessa.
— Isso é impossível — a mulher murmurou atrás de mim.
Então, enfiando a mão entre os seios amassados por aquele estranho e
minúsculo pedaço cintilante de tecido, tirou dali um pingente preso a um fio
de ouro.
Meus olhos se arregalaram e minha língua paralisou.
A dama possuía uma pedra similar à minha.
Seus olhos me escrutinaram com a mais profunda desconfiança. Como
se algo muito errado tivesse acontecido, ou eu agora fosse uma ameaça real.
— Onde conseguiu essa pedra? — ela perguntou devagar, como um
bicho prestes a atacar.
— Uma mulher me deu.
Eu mesmo não conseguia parar de olhar para o pingente que ela tinha
entre os dedos. Era exatamente a outra parte da minha pedra!
Ela deu um passo para trás, os olhos cheios de assombro e medo.
— É só uma coincidência — murmurou para si mesma. — Não
aconteceu nada com Sabrina.
— Não há coincidências na bruxaria! — Avancei um passo. — E quem
é Sabrina? Conhece a mulher que me enviou para cá? — Em um ímpeto
desesperado, segurei seus braços. — Exijo que me explique como vim parar
aqui! Que tipo de sortilégio lançou contra mim, e onde está São Elmo? O
que aconteceu com os malditos infiéis, e o que essa maldita pedra tem a ver
com…
Antes que eu terminasse a frase, o bornal decorado que ela carregava
acertou a minha testa.
— Ai! — Soltei-a, me desequilibrando para trás.
Ela afiou os olhos na minha direção.
— Preste atenção, engraçadinho. Nunca, em hipótese alguma, segure
uma mulher contra a vontade dela, está bem?
Apesar de inofensiva à primeira vista, aquela bolsa pesava como uma
bigorna! Quantos perigos aquela mulher escondia em seus parcos trajes?
— Que tipo de arma é essa, criatura do mal? — Alisei a testa. — E qual
o seu papel na minha presença aqui?
Ela desceu os olhos pela minha camisa imunda, ignorando os ruídos de
conversas ao nosso redor.
— A menos que queira continuar esta conversa na delegacia, exijo
explicações, e agora. O que está fazendo com o pingente da minha irmã?
4
DE ONDE SAIU ESSA PEDRA?
ISLA
A Ordem dos Cavaleiros Hospitalários já não tinha mais nada a ver com
defesa da Terra Santa ou a proteção da Europa das invasões
muçulmanas, nem formava cavaleiros ou ensinava a arte das batalhas.
Entretanto, ela continuava a existir — seu telefone estava disponível na
internet —, e prestava o mesmo serviço de quando foi fundada, no ano de
1048: servir aos necessitados. Hoje, a Ordem oferecia um serviço de
ambulância voluntário na cidade, além de manter uma imensa biblioteca
sobre a sua história.
Enquanto aguardava ao telefone que alguém me passasse para o setor de
arquivos, olhava do deque do restaurante para a baía de São George. Era tão
estranho imaginar que aquele lugar cheio de turistas um dia esteve coberto
de sangue e foi palco de tantas batalhas sangrentas.
Após dez minutos de espera, consegui falar com o responsável. O
homem com quem conversei ficou de marcar um horário para visitarmos o
escritório, mas precisaria de alguns dias para se organizar. Embora quisesse
ter algo mais concreto para dizer a Cristopher, fiquei feliz em falar com
alguém. Deixei meu número e o homem prometeu ligar de volta.
Desliguei o telefone otimista. Se alguém mantinha registros sobre os
cavaleiros da Ordem, seria a própria instituição. Estava para retornar até
Cristopher quando um plim me fez levar o celular de volta ao rosto. A
mensagem desagradável do meu ex-chefe fez meu estômago se retorcer.
1 Meu bem
15
MALDITOS OTOMANOS
CRISTOPHER
T ump-tump-tump.
O sacolejo da cama no apartamento de cima ia acabar me
enlouquecendo. Não porque Mehmed trepava (pouco me importava
com ele), mas porque o barulho me lembrava que pessoas faziam sexo, e eu
queria muito estar na categoria de pessoas, hoje.
Qual era o meu problema? Chacoalhei a blusa, tentando secar a rodela
de suor debaixo do braço. Com toda a desgraça que acontecia na minha
vida, eu não deveria nem estar pensando nisso. Só que não podia fazer nada
contra os desejos do corpo. Agora que tinha arrumado finalmente um meio
de pagar as contas e, de quebra, desfilar com um belíssimo cavaleiro na
frente daqueles idiotas, as necessidades davam as caras. Eu devia estar
plena e tranquila, quieta e focada, e não… cheia de pensamentos errados.
Fechei o laptop e me levantei, caminhando até a porta. O som da TV
mostrava que a novelinha turca continuava passando — a punição por
Cristopher ter quase matado meu vizinho —, porém não ouvia mais nada.
Foi o rumo da conversa pouco antes de me deitar que tinha me deixado
nervosa desse jeito. Ela tinha começado bastante inocente, com Cristopher
pedindo para que eu explicasse o que namorados faziam, e eu enumerando
as coisas que podiam acontecer: namorados davam as mãos, falavam um
com o outro diversas vezes por dia e se beijavam. Tudo muito inocente até
que a conversa degringolou: ele perguntou qual seria a diferença, então,
entre namorados e amantes, e por qual motivo eu não gostava que ele se
apresentasse como a segunda categoria.
Nervosa, acabei respondendo que amantes basicamente faziam sexo.
— Namorados não fazem sexo? — ele questionou.
Começando a suar frio, respondi:
— Todo mundo faz sexo nesse século, Cristopher, sendo namorados,
amantes ou só conhecidos. O sexo acontece o tempo todo.
Não sei de onde tirei aquilo ou por que diabos simplifiquei tão mal as
coisas, mas o olhar que ele me lançou fez minhas pernas amolecerem. Antes
que algo mais acontecesse naquela sala, me recolhi e mandei ele fazer o
mesmo. Contudo, constrangida ou não, teria que encará-lo pelo tempo que
restasse até que fosse mandado de volta para o passado — ou para algum
sanatório — com a mensagem de que a 'fornicação' era a regra da nossa era.
Com uma sede que fazia a garganta arranhar, caminhei sem fazer
barulho até a sala, constatando que Cristopher dormia. A TV continuava na
novela, as vozes baixinhas dos atores trazendo um murmúrio calmante à
solidão. Às vezes fazia isso, deixava um programa rolando ao fundo só para
não jantar no silêncio, ou adormecer sem ninguém. Sempre gostei de vozes
ao redor e de casa cheia, por isso decidi que deixaria a TV ligada para
Cristopher também.
Observei o corpo monumental espalhado pelo pequeno sofá-cama
minúsculo. Embora ele fosse um homem que não inspirava cuidado, senti
pena de sua solidão. Talvez tenha sido este o motivo de acolhê-lo e ajudá-lo
em sua busca: eu entendia uma ou duas coisas sobre ser sozinha e não se
encaixar direito no mundo ao redor.
Lá estava a pedra esquentando contra a minha pele, novamente. Você
está fazendo a coisa certa, o sussurro me dizia. Por mais estranha que essa
coisa parecesse, e por mais louca que fosse ouvir uma pedra, eu sabia disso.
Antes de me virar, corri os olhos pela última vez pelo contorno firme do
corpo relaxado no sofá. O homem era mesmo um deslumbre. Ombros
largos, barriga dura, pernas maciças e pesadas. Eu mal conseguia despregar
os olhos daquela perfeição.
Dei meia volta para retornar ao quarto, quando ouvi um grunhido.
— Não.
Cristopher mudou de posição, remexendo-se sobre a cama improvisada.
Os pesadelos estavam de volta.
— Pulem — ordenou angustiado, repuxando o lençol entre os dedos.
Sua expressão ficou tão franzida que parecia sentir dor. Pelo jeito, ele
precisava salvar alguém.
Caminhei até onde estava com cuidado, não querendo acordá-lo no
susto.
— Cristopher? Acorde — chamei, tocando-o no ombro e balançando de
leve.
Ele negou com os olhos fechados, a testa coberta por uma lâmina de
suor.
— É só um sonho, Cris. Vamos, acorde.
Assim que toquei seu ombro com mais firmeza para sacudi-lo, ele abriu
os olhos de rompante. Braços ágeis e fortes me agarraram e soltei um grito,
achando que ia parar no chão. Caí contra o sofá e a cabeça bateu sobre as
almofadas. De um segundo para o outro, Cristopher estava em cima de
mim, peito com peito e coxas contra coxas. As mãos imensas pousaram ao
redor do meu rosto, me obrigando a encarar os olhos abertos e assustados.
Ficamos nos encarando pelo que pareceu uma eternidade. Seu peito
subia e descia contra o meu, as mãos colhendo meu rosto como se
quisessem firmá-lo no lugar. Não sei se ele procurava em mim um alento,
uma resposta ou um inimigo, mas sei que quando seus olhos desanuviaram
e ele me encontrou, acalmou-se.
Toquei a sobrancelha loira com gentileza. O nariz romano, o cabelo
comprido e perfumado. Afastei as mechas da sua bochecha quente e fiz
shhh para tranquilizá-lo.
— Sou eu — murmurei, sentindo a pressão dos seus dedos ao redor do
meu rosto afrouxar.
— Isla?
De um segundo para o outro, o susto virou arrependimento e o peso do
corpo maciço contra o meu amenizou. Seus joelhos acharam espaço entre as
minhas pernas, apoiando-se para ganhar estabilidade e me libertar.
— Por Cristo, desculpe se a machuquei. Eu não tinha…
— Está tudo bem — falei tranquila. — Você estava tendo um pesadelo.
Ele assentiu devagar, sem se mover; pelo jeito conhecia o tipo de coisa
que sonhava.
Suas mãos continuavam ao redor do meu rosto, e embora suas feições
estivessem mais brandas, seu peito mostrava que a respiração ainda estava
acelerada.
Engoli em seco. A pressão da virilha perigosamente próxima à minha
era a prova de que eu não era a única a sentir algo. Tinha percebido o olhar
dele mudar no último dia. Primeiro com as perguntas que ficaram mais
íntimas, depois, com a respiração que se alterava quando passava na frente
das fotografias do corredor. Eu tinha quase certeza de qual delas o deixava
assim.
— Desculpe por acordá-la — ele murmurou, e o hálito que envolveu
meu rosto era de menta. Ele andava comendo a pasta de dente. Tinha dito
para ele parar com isso, mas ele alegou que era gostoso.
— Eu não estava dormindo — respondi, o dedo enrolando uma mecha
loira.
— Dak tajjeb 1.
O tump tump tump no teto havia recomeçado, prova de que Mehmed
estava realmente fazendo aquilo para nos aborrecer.
— Não ligue para o barulho — murmurei, sentindo seu corpo em brasa
se mover um milímetro para perto. — Ele está querendo nos provocar.
O queixo quadrado inclinou-se para o alto. Afastei os joelhos e senti
Cristopher se encaixar em mim sem perceber . O volume que me pressionou
só aumentou o meu calor.
— Ele quer nos aborrecer fazendo barulho?
Soltei uma risadinha, que terminou com um suspiro fraco quando ele
voltou a me olhar.
— Ele quer mostrar que está fazendo sexo.
Ops. Palavrinha errada na hora errada.
Ou a certa na hora certa.
Os olhos claros desceram de volta até os meus, um pouco mais do que
um brilho discreto na escuridão quase total, mas ainda assim, duas lagoas
bonitas e translúcidas. Cristopher deslizou o polegar pela minha face e eu
sorri, tranquila, vendo-o retribuir o gesto.
Por um tempo ficamos imóveis, ele em cima e eu embaixo, ouvindo as
batidas cada vez mais frenéticas da cama de Mehmed contra o assoalho.
Mordi os lábios quando as batidas aceleraram, suprimindo a risada quando
a barulheira terminou com uma longa e interminável sequência de vogais.
Cristopher olhou novamente para cima, talvez como eu, tentando imaginar
se meu vizinho estava atingindo o ápice ou apenas morrendo.
Terminada a loucura, o guerreiro voltou a me encarar e sobre nós
tombou o silêncio que precedia os primeiros beijos.
Minha respiração estava acelerada e cada parte do meu corpo que
tocava o dele, em chamas. Eu queria muito aquilo. Só não sabia se ele
queria o mesmo.
Então o polegar de Cristopher se moveu com cautela sobre a minha
face, passando das bochechas para o queixo, em direção à boca. Quando a
ponta passou perto dos meus lábios, inclinei a boca e beijei-a.
O gesto fez Cristopher interromper a carícia.
Movi gentilmente a cabeça e abri de leve um pouco mais as pernas,
mostrando que estava autorizado a prosseguir, se quisesse. Para começar,
queria beijá-lo, e se isso escalasse para algo mais, não ia reclamar.
Vi o pomo de Adão subir e descer antes do corpo finalmente relaxar
sobre o meu. Foi a minha vez de pressionar o rosto bonito entre as palmas e
puxá-lo para perto. Cristopher veio, manso e incerto a princípio, mas
bastaram nossas bocas se tocarem para seus dedos ganharem firmeza outra
vez.
Minha língua encontrou a sua, quente e pronta. Os fios da barba
roçaram na minha pele disparando uma sensação inédita e crepitante. Meu
coração pulava batidas e meu estômago se contorcia, e, embora as duas
coisas trouxessem caos, também pareciam as reações mais certas. Estar
inteiramente indefesa sob aquele homem era assustador e excitante, algo
que não me lembrava de ter sentido antes. Era uma sensação elétrica e
gelada que irradiava e explodia por todas as minhas partes.
As mãos ásperas encontraram os meus seios sob a camiseta velha,
explorando o seu formato. Não sei que tipo de sexo rude Cristopher estava
acostumado, ou se tocava as mulheres com respeito. Pelo jeito, descobriria
agora, sozinha, sobre o sofá da minha sala.
— Tem certeza? — Sua voz incrivelmente rouca sussurrou no meu
ouvido.
— Tenho — murmurei de volta.
Ele acariciou meu rosto com o seu, negando como se me censurasse.
Bem, eu avisei que não tinha juízo — e ótimo que ele não me escutou.
— Não posso tirar proveito da sua bondade, nem desonrá-la, Isla.
— Não me sinto nada desonrada, Cristopher. Muito pelo contrário.
Seus dedos, antes parados perto da minha boca, me puxaram mais para
perto.
— Não espere que eu recue, então.
— Graças a Deus por isso. Mas terá que usar camisinha, está bem? —
Deslizei o dedo pela barba persistente, torcendo para que ele não se
negasse. Detestaria interromper o maravilhoso curso das coisas.
— Já estou de camisa, mas se quiser que coloque outra, apenas diga e
farei como me pede, Isla — ele respondeu, rouco.
Segurando o riso, desci os olhos até a junção entre nossos corpos, vendo
as virilhas se esfregarem devagar para cima e para baixo.
— Estou pedindo para usar proteção e evitar todas aquelas coisas que
adultos não devem passar para os outros. Além de bebês, é claro.
Ele demorou um tempo para entender o que eu dizia, mas no fim
assentiu.
— Claro. Não posso deixar uma criança no presente. Pode ter certeza de
que me aliviarei fora do seu corpo.
— No mundo atual temos outras formas de evitar essas coisas, e a
camisinha é a mais prática. — Cristopher franziu as sobrancelhas, sem
entender. — É mais fácil mostrar do que explicar. Na hora a gente conversa
sobre isso. — Sorri, derretida.
Ele esboçou algum tipo de concordância, e sua boca desceu mansa pelo
meu pescoço. Como pude ter medo de que fosse rude? Os beijos tinham a
pressão certa. Vinham entrecortados por carícias, mordidinhas,
acompanhados por massagens deliciosas de dedos e mãos. Ele queria
aquilo; me desejava o tanto quanto eu o queria. No entanto, nem em mil
anos imaginaria que as mãos tão quentes seriam tão gentis quantos os
beijos. Muito menos que minha entrega seria tão completa.
De repente, as carícias cessaram e Cristopher me firmou contra o
colchão do sofá, as mãos, procurando freneticamente o zíper da própria
calça. Apoiei o corpo nos cotovelos, sem entender a pressa.
— O que está fazendo?
Ele parou de tentar soltar o zíper e ergueu o olhar afogueado.
— Vamos fornicar, certo?
Nunca, em mil anos, eu teria maturidade para aquela palavra. Comecei a
rir, me sentando de frente para ele e cruzando as pernas.
— E pretende fazer isso sem tirar toda a sua roupa, ou a minha? Sem
preliminares e brincadeirinhas?
Ele piscou, os olhos lindos mais confusos do que quando o conheci.
Não sei que tipo de sexo cavaleiros castos e mulheres “fornicadoras” faziam
no século XVI, mas estávamos no século XXI. Até parece que eu perderia a
oportunidade de vê-lo em toda a sua nudez gloriosa.
— Nesse século, Cristopher, fazemos sexo devagar. Sem roupa.
Aproveitando cada segundo de contato, com carinhos e toques além da
penetração — expliquei já de joelho no estofado, alinhando meu rosto ao
dele.
Seus olhos viravam duas lâminas desconfiadas.
— Devagar como?
Ah, aquele era o meu momento. Deslizei as mãos pelo peito de pedra
sobre a malha macia, suspirando que em breve aquilo tudo se tornaria meu
parquinho de diversões.
— Virou moda dar prazer às mulheres antes do ato final. Horas de
prazer.
— Horas? — Ele parecia chocado.
Assenti, erguendo devagarinho sua camiseta, olhando hipnotizada os
fios escuros que corriam do umbigo em direção ao sul até desaparecerem
sob o cós da calça. As pontas dos meus dedos formigavam de vontade de
tocá-lo. Engoli a saliva antes de continuar.
— As mulheres de agora gostam de atenção em algumas partes
especiais…
— Que partes? — ele perguntou, rouco.
— Todas que você conseguir imaginar.
A camiseta chegou ao meio do peito, e Cristopher ergueu os braços para
facilitar a remoção. O delicioso cheiro de homem, misturado aos perfumes
que ele achou no banheiro, o deixavam tentador.
— Sexo agora envolve língua … — avisei baixinho, com o coração a
mil por hora. — Beijos, carícias e muitas posições diferentes.
Os olhos do homem chegaram a brilhar. Com a camiseta finalmente
fora, um peito largo e liso se apresentou à minha frente, sem um único pelo
no centro. Músculos bem desenhados preenchiam os braços e o peitoral,
enquanto a barriga parecia um projeto urbanístico cheio de blocos e
encruzilhadas. Aquilo era um templo ao desejo. A versão tátil do pecado.
Enfiei os indicadores sob a cintura da calça aberta e forcei
delicadamente a peça para baixo, curiosa. Cristopher ergueu o quadril para
ajudar, e o que revelei ficaria para sempre marcado na memória.
Ele era mais que um homem bem-dotado: estava muito próximo de um
superdotado. O membro, pesado e orgulhoso, erguia-se curvo na minha
direção, as veias inchadas cruzando por toda a extensão cor-de-rosa, da
cabeça à base robusta. Existiam palavras para descrever o que era a visão
daquele homem nu? Provavelmente, não. O mais próximo que consegui foi
pensar que, no templo dos paus, o seu era Zeus.
— O que foi? — ele perguntou, remexendo o corpo como uma criança
inquieta.
Sinceramente, eu estava um pouco chocada com a perfeição e exagero
de homem à minha frente.
— É só que… — Pensei na coleção de membros masculinos que já
tinha visto em meus trinta anos de vida, tentando categorizar aquele. Em
resumo, eu precisaria abrir uma nova categoria. — Não é nada.
Ele saiu de dentro da calça, agora embolada sobre o colchão do sofá, e
sentou-se esplendorosamente nu. Então decidiu agir, erguendo primeiro
minha camiseta com a mesma reverência com que o despi. A peça saiu
rápido, revelando tudo da cintura para cima. Nunca fui magra — nem
quando mais jovem —, e ao contrário de outras mulheres com quem cresci,
nunca quis ser. Eu era larga de ombros e quadril, tinha cintura, coxas
grossas e seios de tamanho médio. Sempre adorei morar na minha pele.
Como nunca tive vergonha do meu corpo nu, perceber seus olhos correrem
por mim, fascinados, foi um completo deleite.
— Isla de Malta, você só pode ter sido enviada pelo diabo para me
tentar.
— Foi você quem foi enviado atrás de mim, homem de lata. — Sorri,
vendo-o se aproximar.
— Você é muito bela. — A voz rouca envolveu todo o ambiente,
deixando o ar morno e de expectativa. — Muito tentadora…
Fechei os olhos e esperei. O rosto bonito desceu até a minha clavícula, e
senti seus lábios macios depositarem beijinhos na pele quente, fazendo
meus mamilos endurecerem. Sua mão traçou caminhos pelos meus braços
arrepiados e pousei as palmas no peitoral marcado por cicatrizes, sentindo o
calor sob elas.
A mão de Cristopher perambulou até o meio entre as minhas pernas. Ele
fazia tudo devagar, como instruí. Abri delicadamente as coxas, permitindo
seu acesso, e os dedos deslizaram pela calcinha úmida, circulando a borda
de renda até chegarem ao centro, onde tudo pulsava. Então, com delicadeza,
senti os dedos calejados afastarem a peça e pararem.
Ele se afastou, e eu abri os olhos.
— As mulheres atuais não têm mais pelos?
Com o peito subindo e descendo, olhei para baixo, onde a carícia
deliciosa havia virado uma exploração curiosa. Ele agora examinava toda a
extensão da minha virilha, sentindo a maciez da pele, perplexo. Eu tinha
pelos, mas eles eram depilados, concentrados apenas ao redor da fenda
íntima.
— Isso é... diferente — ele murmurou quente contra o vale dos seios,
abaixando a boca para capturar um dos montes. Arfei, inclinando o corpo
para trás e experimentando um milhão de sensações simultâneas quando a
língua ardente começou a brincar com a pontinha sensível. O movimento da
boca contra o bico e dos dedos revirando ao redor do meu clitóris era
fenomenal. Delicioso como sonhei e desejei que fosse.
Cristopher me deitou no sofá, se posicionando de lado e acariciando
tudo no caminho. Eu respirava rápido e fundo, sentindo a mão de
Cristopher sob a calcinha, o dedo indicador enfiado lá dentro, os lábios
duros brincando com a maciez dos bicos arrepiados dos seios.
Olhei para baixo, descendo a mão até o membro robusto — a coisa mais
linda que já vi, um verdadeiro monumento à beleza. Ele gemeu quando o
envolvi com os dedos e comecei a brincar com a pele fina e aveludada ao
redor. Minha carícia era experiente, as palmas movendo-se para cima e para
baixo, às vezes descendo para acariciar as bolas pesadas, em outras, a ponta
sensível e úmida. Ele tinha espasmos a cada toque, mostrando uma
sensibilidade deliciosa.
— Que feitiço é esse que roubou meus pensamentos, saħħara 2? —
Cristopher perguntou baixinho, deitando-se em cima de mim. Com a falta
de espaço, tive que largar seu pau e migrei as mãos para as duas bandas
perfeitas da sua bunda. Ele era todo duro e firme, todo músculos de aço. —
O que fez comigo, Isla, que me faz querer fazer tudo devagar?
Estávamos agora deitados de frente para o outro, ele por cima, eu por
baixo.
— Esse é o novo sexo — sorri, derretida. Não eram todos que topavam
fazer as coisas devagar, mas se eu pudesse deixar uma memória na mente
deste homem, que fosse um sexo melhor para as mulheres do seu futuro.
Talvez um dia eu lesse em um livro que o sexo prazeroso para as mulheres
nasceu de um cavaleiro maltês do século XVI, quem sabe?
Imediatamente detestei imaginá-lo fazendo aquilo de forma tão lenta e
sensual com outra mulher.
— Esse novo sexo é invenção sua, dama bonita?
Uma gargalhada sincera borbulhou para fora de mim.
— Se eu disser que sim, vai acreditar? — Continuei a massagem na
bunda perfeita, sentindo o membro se ajustar na minha entrada úmida.
Precisava tanto senti-lo lá dentro. As coxas se apertaram em torno da
cintura estreita e rebolei até que Cristopher chegasse o mais perto do que
podia avançar sem a proteção. Ele soltou um gemido deliciado com o
contato.
— Mentiria sobre isso também, feiticeira? Ainda não esqueci da história
dos banhos serem obrigatórios por decreto do governo.
Soltei outra risada, me acomodando ao corpo musculoso.
— Não. Sobre isso eu não mentiria. Infelizmente, o sexo lento não é
uma invenção minha, mas é uma preferência.
Ele deslizou os dedos pelo meu cabelo, me forçando a encará-lo, então
desceu a boca até bem perto do meu ouvido.
— Vou adorar aprender o que sabe sobre lentidão, mas também quero
mostrar uma ou duas coisinhas rápidas do meu tempo.
— Coisinhas do seu tempo? — perguntei, derretida pela pressão dos
dedos, do hálito de menta, do calor e peso do corpo sobre o meu.
Ele moveu a cabeça devagar assentindo, as mechas longas roçando na
minha pele.
— Mas apenas depois que me mostrar do que gosta.
Mordendo o lábio inferior, empurrei os ombros largos com delicadeza
para baixo, para que descesse pelo meu corpo. A montanha de músculo não
se moveu, uma sobrancelha se erguendo, intrigada. Não sei se o que li a
respeito do sexo nos séculos passados era verdade, que se resumia a
penetração sem muito contato, mas as coisas tinham mudado e isso não era
invenção minha. Por exemplo, cunnilingus era um hit na nova era.
Ele não entendeu meu empurrão discreto.
Olhei para a junção entre as minhas pernas, guiando o olhar e a atenção
dele para a primeira parada da noite. Quando enfim entendeu, o brilho que
cruzou seus olhos só se compararia à brasa mais incandescente de uma
fogueira.
Cristopher abriu minhas pernas devagarinho. Com um movimento de
polegar, removeu o tecido fino da calcinha para o lado e mergulhou a boca
em mim sem cerimônia. enquanto eu agarrava o lençol e arqueava as costas.
A língua áspera percorreu por toda a extensão da vulva, para cima e para
baixo, e então girou, passando a me chupar com a destreza de um…
Gemi de olhos fechados. Eu pensei em “um homem moderno”, mas
seria uma mentira e das grandes. Afinal, nenhum homem dos tempos atuais
me chupou com aquela vontade.
Com três ou quatro movimentos rápidos, ele rasgou a calcinha de renda
e jogou o tecido longe. Então, encaixou minhas pernas sobre seus ombros
fortes, formando um arco com minha coluna. Na posição mais aberta,
Cristopher continuou a chupada. Cada encontro da ponta da língua com a
carne sensível me paralisava com choques. Já não conseguia me manter
quieta ou no lugar. Chamei seu nome com um gemido angustiado de quem
precisava de mais. Segurei-o pelo cabelo e o puxei, esfreguei a intimidade
contra o seu rosto, sentindo as lambidas se acalmarem para recomeçarem
outra vez.
Aquilo era loucura. Eu esperava um homem rústico e inexperiente, e
recebia uma chupada com todo o requinte de um conhecedor do assunto, de
um expert naquilo. Levei a mão aos seios e belisquei meu próprio mamilo,
sentindo a chegada deliciosa do orgasmo.
Ao ver a cena, Cristopher parou de me chupar. Tenho certeza de que
nunca tinha testemunhado a tentativa de acelerar o gozo de uma mulher,
mas gostou do que viu. O sorriso acompanhou quando os dedos voltaram
até meu interior, os olhos brilhantes me observando curiosos por entre as
coxas, as duas piscinas bonitas focadas em mim enquanto ele alternava
entre me penetrar e lamber a pontinha do clitóris.
— Deus, eu vou gozar — avisei, arfante.
Os dedos giraram mais rápido, espalhando a umidade junto com a
saliva, um segundo dedo se unindo ao primeiro. Uma onda elétrica
percorreu meu corpo, começando no baixo ventre e irradiando para cima,
estremecendo cada nervo até o ponto da explosão.
Apertei as pernas contra a cabeça que me devorava, ondulando e
gemendo alto até perder o fôlego e deixar o corpo cair sem forças no sofá.
Aquilo tinha sido incrível. Mágico, indecente, novo para mim.
Cristopher não aguardou eu me recuperar. Subindo sobre o meu corpo,
traçou um caminho sinuoso de beijos e lambidas pela minha pele. Pelo
jeito, ele levou muito a sério quando falei “todos os cantos”. Isso deu tempo
para eu recuperar alguma força, e quando ele se posicionou entre as minhas
pernas, forte e determinado, só tive tempo de pegar uma camisinha na
gaveta da mesa de centro e desenrolá-la sobre o membro rijo como uma
barra de aço — eu precisaria comprar proteção de outro tamanho, se
quisesse repetir a dose. Não cheguei nem mesmo a perceber se ficou
surpreso pelo meu gesto; quando vi, ele já se enterrava em mim, centímetro
por centímetro, numa invasão constante como as ondas do mar que nunca
paravam de avançar. Precisei me segurar nos ombros fortes para não ser
arrastada sobre o estofado pela força das investidas.
O guerreiro me mostrava, agora, como ele fazia sexo em 1565.
Cristopher soltou minhas mãos de seus ombros e as levou para cima da
minha cabeça, onde me prendeu pelos punhos com uma de suas mãos.
Então, arremeteu forte, entrando inteiro, e de uma vez só. Abri a boca para
gritar, mas nada saiu. Só conseguia sentir o preenchimento completo, o
interior ardendo pelo tamanho exagerado do membro, os tremores do
orgasmo anterior dando vez à excitação da penetração total.
As investidas não tinham nada de delicadas, fracas, mansas ou lentas.
Eu era uma mulher experiente, mas aquilo era uma surpresa até para mim.
Se eu não estivesse maravilhosamente lubrificada, seria terra arrasada.
Meus dedos seguraram no encosto do sofá para não chocar a cabeça contra
ele. Os braços poderosos ao meu lado mostravam veias ressaltadas e o rosto
sobre o meu estava crispado, os olhos agora duros me observando.
— Está me sentindo dentro de você, feiticeira? — ele perguntou
entredentes.
Assenti, cordata.
Eu o sentia inteirinho dentro de mim, e a ardência estava me levando à
loucura. A mão que segurara meus pulsos escorregou até minha nuca e me
puxou para um beijo. Seus dentes mordiscaram meus lábios enquanto
continuava a meter forte, e eu comecei a ofegar. Amava a lentidão, mas não
tinha palavras para aquele tipo de estocada primitiva. Era alucinante,
viciante, como um droga que te levava às alturas.
Mulher nenhuma ficava imune àquilo.
Ele agora era o dono do meu corpo. Guerreiro, cavaleiro, rude,
malvado. Meu lado feminista e romântico tinham saído correndo e espiava,
de longe, a festa que meu lado safado estava experimentando.
Jesus amado, eu estava pronta para mais daquele ato de posse cru e
nada refinado. Daquela extensão robusta preenchendo cada micro espaço
dentro de mim.
Cristopher me beijou de língua, profundamente. Respondi agarrando
seu pescoço e obrigando-o a entrar até o fundo, ouvindo os ruídos que
saíam de sua boca se assemelharem a rosnados.
O atrito era divino, a sensação de preenchimento atingindo tudo, a
eletricidade correndo do meu íntimo em direção à coluna, barriga, clitóris.
Seus testículos batiam contra a minha entrada a cada ir e vir. Eu estava
inteira naquele momento, completamente submissa e entregue. Ele
aumentou a velocidade, puxando de leve meu cabelo até que eu arqueasse
as costas para poder chupar um dos meus seios, depois o outro. Exigiu
esforço de cada fibra minha para não gritar quando ele segurou a pontinha
de um mamilo entre os dentes e puxou, arremetendo até o fim ao mesmo
tempo. Eram estímulos demais, prazer demais, que inundava e afogava toda
a sanidade que eu tinha.
Meus músculos começaram a tremer. As coxas perderam as forças e eu
já não respirava mais direito. A pressão se acumulava mais uma vez, crescia
e aumentava dentro de mim, anunciando o novo gozo. A mente esvaziou e
as pernas tombaram fracas de lado. Não conseguia mais organizar as
sensações, só sentir as contrações elétricas me avassalando mais uma vez. O
tremor do resto do corpo indicava que uma segunda onda estava pronta para
estourar sobre os meus sentidos, potente e incontornável, capaz de varrer
para longe tudo que existia no mundo.
Cristopher chegou ao ápice comigo, o estômago retesado, os braços
crivados por veias parados ao lado da minha cabeça, a expressão do rosto
de puro alívio.
Então tombou sobre mim, exausto e trêmulo, ofegando como se tivesse
nadado por quilômetros em mar aberto. Acolhi o corpo quente e suado e o
abracei, sentindo uma mistura de calor, confusão e desejo que me fez
esquecer, por longos segundos, até mesmo onde eu estava.
1 Fico contente
2 Feiticeira
18
REFÚGIO SEGURO
ISLA
— E uhistérica
sabia que vocês tinham dormido juntos! — A voz de Lilli soou
do outro lado da linha. — Que você esteja viva para me
contar é um milagre!
— Deixe de besteira. — Ri baixinho, fechando a porta do quarto. Entrei
no guarda-roupas e me escondi no escuro, tentando não deixar Cristopher
ouvir a conversa. — Foi fora da curva, amiga. Três orgasmos guiando o
homem por todas as minhas posições preferidas sem ouvir um único não.
— Mentira! — A voz de Lilli soou assombrada.
Acomodei a bunda sobre as caixas de sapatos, entre as sacolas de roupa
para doação e as botas de inverno.
— Juro. Praticamente desmaiei no final. Ou acho que desmaiei, não sei.
Simplesmente apaguei de exaustão.
— Conte-me tudo e não esconda nada, principalmente os detalhes
picantes! Pra começar, como ele é lá embaixo?
Levei a unha do mindinho a boca, batendo os pés sobre os sapatos para
controlar meus gritinhos.
— Não tenho palavras. Bem, eu tenho, mas estou com vergonha.
Lilli soltou uma exclamação que misturava vibração animada com
histeria nervosa.
— Você, com vergonha? Isso é novidade! Me fala: ele foi cuidadoso? A
espada dele estava bem trancada no armário? Aquela arma me bota medo,
você sabe!
Tapei a risada com a mão livre.
— Por um segundo achei que estivesse falando de outra espada, juro. A
que ele embainhou em mim.
— Ai, Isla, você é tão quinta série!
Soltei outra risada animada e baixinha.
— Olha, tudo que posso dizer é que foi perfeito, quente como nada
tinha sido até hoje. — Parei de falar e suspirei. — Só tem um problema.
— Vocês não usaram camisinha? Ai, senhor, pense em sífilis, amiga!
Em doenças venéreas e peste bubônica, sei lá, qualquer coisa que possa
estar no combo cavaleiro com unha suja + século XVI!
— Claro que usamos camisinha, Lilli. Além disso, ele é um cavaleiro da
Ordem, se não se lembra.
— Não faço ideia do que isso significa.
— Significa que eles fazem voto de castidade. Bem, pela experiência,
ele não leva os votos muito a sério, mas também não é um libertino imundo.
— Não estou entendendo qual é o problema, então.
— É por isso que estou te ligando. O que eu faço agora? Como vou
encarar o cara que está acampando aqui até o solstício? As coisas
aconteceram sem eu pesar as consequências. Fui no embalo do tesão e me
ferrei, figurativamente.
— Literalmente também, amiga. Mas deixa ver se eu entendi: você deu
para o cara como se não houvesse amanhã e agora está com vergonha de
encará-lo na sua sala?
— Você não teria? Ele me virou do avesso ontem, Lilli. Não sei nem
como vou conseguir sair do quarto, quanto mais olhar em seus olhos.
— Eu teria pensado nisso antes, Isla. Sério, amiga, você deveria
consultar um médico.
— Por causa da noite?
— Por causa da sua impulsividade! Você não consegue pensar no
amanhã!
Arrastei a mão pelo cabelo, bagunçando tudo. Eu sabia disso, só não me
importei!
— Prometo que vou fazer isso, mas depois. O que eu faço agora?
Exatamente nesse segundo?
— Onde ele está?
— Bem, antes de eu entrar no quarto e me trancar, ele estava no banho,
gastando toda a água da ilha. Agora, pelo cheiro, está na cozinha derretendo
creme de avelã no micro-ondas.
— Ele gostou mesmo de banho, né?
— E do creme de avelã. — Sorri, pensando em como ele adorava doce.
— Quanto ao banho, você nunca ia adivinhar como ele adora os meus
produtos de beleza e higiene. Ele cheira inteirinho ao meu xampu de
pêssego. Você não faz ideia de onde anda se lavando com isso.
— Argh, Isla! Acabei de saber agora, não é? — ela resmungou.
Encostei as costas nas minhas bolsas guardadas, apoiando os pés na
parede do armário.
— Ele é cheiroso, bonito, gostoso. E que pegada, puta que pariu. Aquele
homem jurou o corpo para Cristo, mas as coisas que ele fez…
— Credo, eu teria medo de ir para o inferno — Lilli murmurou.
— O que você faria no meu lugar? Resistiria à tentação? Sabe que não
consigo.
— Se eu tivesse uma amazona lindíssima hospedada no sofá-cama da
minha sala, acho que provavelmente teria feito o mesmo.
Rimos juntas por um tempo, com Lilli tentando ouvir mais detalhes da
noite e eu sem condições de encará-lo na cozinha. Então o riso morreu e eu
voltei a ficar séria. Não tinha telefonado para Lilli só para fofocar sobre
uma noite de sexo espetacular. Estava incomodada, sentindo um aperto
estranho no peito sem entender o motivo. Como se lesse o meu silêncio
melhor do que eu, ela falou:
— Amiga, mesmo que o sexo seja fantástico e de virar do avesso, você
precisa entender que ele vai embora. Tudo isso é provisório e sabe disso,
não?
— Sei. — Recolhi as pernas e abracei os joelhos. Eu sabia, só não
estava mais tão afoita para que acontecesse.
— E partir é a coisa certa.
Assenti devagar, identificando direitinho a razão do meu aperto.
Cristopher, embora maravilhoso, em breve partiria.
— Já te disse uma vez, mas não custa dizer de novo. Se sentir que está
se apaixonando, puxe o freio de mão, está bem?
— Combinado — prometi, afastando a sensação ruim. — Não vou me
apaixonar por ninguém.
— Repita a frase, dessa vez com mais vitalidade e confiança.
— Não vou me apaixonar por ninguém. Ele é só uma aventura legal.
Um desvario da nossa cabeça.
— Da sua.
— Da minha. Depois que ele se for, a gente nem vai saber se ele veio
mesmo do passado ou era apenas um maluco amnésico, certo?
Minha amiga soltou uma risada.
— Claro, Isla. Fique bem, ok? Segure as pontas, não se apaixone e… —
ela pausou para que eu absorvesse suas palavras — de forma alguma leve-o
para o seu quarto.
Assenti, prometendo não cometer essa burrice. Meu quarto era a versão
espacial de "não-beijo-na-boca" de Julia Roberts, no filme Uma Linda
Mulher. Meu quarto era o meu refúgio seguro.
Meu quarto era o meu coração.
Quando resolvi aparecer, Cristopher estava na cozinha. Não esperava
vê-lo com o cabelo molhado, o corpo ainda úmido e uma toalha branca
amarrada na cintura. Eu estava sem graça e treinado por longos minutos o
que diria quando o reencontrasse. O que falávamos no dia seguinte com
quem nos deu três orgasmos fabulosos?Sinceramente, eu não fazia ideia, já
que nunca tinha desmaiado na cama de tanto prazer.
Ainda sem coragem para encará-lo, passei pelo homem com um sorriso
sem jeito, abrindo a geladeira para pegar o suco de maçã. Seus olhos me
queimaram as costas.
Ouvi a voz grossa atrás de mim:
— Bom dia, Isla.
Os cantos da boca dele estavam sujos com o creme de avelã. Até as
mechas loiras da barba estavam cobertas pelo doce quente, o que deixavam
aquele Viking nórdico parecendo um menino. Eu já tinha avisado que
açúcar era bom, mas que fazia mal. No entanto, como afastar um homem
dos doces depois que os havia provado? Eu é que não faria uma crueldade
dessas.
Parei do outro lado da bancada, arrumando sem jeito a camiseta curta. A
chaleira elétrica estava acionada e duas xícaras, já com uma colher de café
solúvel dentro, aguardavam a água.
— Bom dia, Cristopher — finalmente respondi.
— Dormiu bem? — Ele se inclinou sobre a bancada, os olhos de
tempestade em mim.
— Bastante.
Os braços musculosos estavam cruzados, os fios loiros que os
salpicavam penteados em uma só direção. Jesus, eu só conseguia pensar na
vontade intensa de senti-los ao meu redor outra vez, e limpar os cantinhos
daquela boca com a minha.
— Não vi a hora em que deixou a minha cama. Por que não dormiu
comigo?
A voz rouca sumiu em meio ao barulho das borbulhas da água fervendo.
Constrangida com o que responder, troquei o peso do corpo entre os pés
escolhendo que mentira iria contar.
— Achei... que preferiria dormir sozinho. Não quis atrapalhar.
Cristopher deu um passo para o lado, deixando a barricada da bancada
para chegar mais perto de mim. Dos pés à cabeça, nada no meu corpo
parava quieto. As partes íntimas ainda ardiam pela penetração e a mente
dançava com as imagens dos beijos, dos apertos e das carícias. Deus, eu
queria mais daquilo.
Atordoada pelas lembranças, não notei quando ele chegou tão perto,
mas pude sentir o cheiro da pele morna do banho misturado ao meu óleo de
rosas. Tentador. Pingos caíam das mechas loiras e desciam sinuosos pelo
peito marcado de cicatrizes — entre as novas, algumas unhadas afobadas.
Precisei engolir em seco ao ver os mamilos planos e pequenos
completamente arrepiados.
— Por mim, podia ter ficado até a aurora. Não me atrapalharia em nada.
Seus olhos, uma perfeição gelada e irresistível, fizeram meu sangue
começar a ebulir como a água na chaleira. Com uma carícia lenta, ele
removeu uma mecha do meu cabelo da frente do rosto até alojá-la atrás da
orelha.
— Está com fome? Acho que consegui fazer café. — Ele ofereceu com
o sorriso mais lindo do mundo.
Ondas perfumadas de chocolate e pasta de dente embalaram minha face.
Balancei a cabeça assentindo, vendo-o erguer ainda mais um canto da boca.
— Prefere comer agora ou posso oferecer outra coisa antes?
— Outra coisa? — As pernas chegaram a falhar.
Ele passou a língua pelo canto da boca e limpou o resquício do
chocolate, me olhando de um jeito que gritava sexo de muitas maneiras.
Quem precisava comer, afinal? Eu podia sobreviver muito bem sendo
apenas comida.
Sem esperar pela resposta, Cristopher me arrebatou no ar e me sentou
na bancada, se ajeitando entre as minhas pernas abertas. A toalha foi solta
com um sacolejar de quadril, escorregando até o chão. Com alguns puxões
bem dados, minha bermuda larga e minha camisa se juntaram à toalha
embolada no piso. O granito da bancada estava frio e tocava de maneira
inquietante algumas das minha partes mais latejantes e ligeiramente
assadas. Para contrapor o frio, as palmas das mãos dele estavam quentes,
deslizando pelos braços e coxas, pela barriga, por ambos os seios e o
pescoço, até pararem na nuca, se enfiando entre os fios de cabelo.
Então, ele me puxou e virou o dominador do meu corpo.
A língua tinha gosto de chocolate, e beijei-o até que o próprio ar
parecesse melado de açúcar. Cristopher mordeu de leve meu queixo,
descendo os beijos pelo pescoço até o vale entre os seios, sempre soltando
sons baixos que reverberavam pela minha pele. Mal conseguia acreditar que
repetiríamos a loucura de ontem antes mesmo do café da manhã. Melhor...
não acreditava que eu seria o café da manhã.
Do que eu estava com vergonha, mesmo?
Sem aviso, mãos se embrenharam sob as bandas da minha bunda e me
puxaram para perto, o pau monumental encaixando-se na minha entrada,
quente e aveludado, contrastando com o frio da pedra sob a bunda. Era
como se ele já soubesse qual o melhor caminho para me enlouquecer.
— A camisinha — sussurrei em meio ao beijo afoito, com o resquício
de sanidade que ainda tinha. Cristopher tateou a primeira gaveta e tirou de
dentro uma camisinha já aberta e inteiramente desenrolada.
— Estava só esperando você aparecer.
— Duro assim? — Soltei uma risada, anotando mentalmente que
precisaria lavar todos os talheres da gaveta, ou meus garfos e colheres
cheirariam a espermicida.
— Estou assim há minutos.
Aquilo era mais do que desejo: era sugar rush. Antes que o advertisse
que estava comendo muito doce e explicasse a relação da ereção com o
creme de avelã, dentes mordiscaram o lóbulo da minha orelha e um rosnado
soou junto ao ouvido. Quem conseguia resistir a uma tortura doce dessas?
Enlacei-o pelo pescoço, acesa novamente, sentindo deliciada a língua
invadir a minha boca e roubar qualquer aviso que pretendia dar. O beijo foi
urgente e intenso, sem cortesia ou delicadeza. Tão logo eu desenrolei a
camisinha sobre o seu pau, ele me ergueu pelo traseiro, caminhou até a
geladeira e me imprensou contra o aparelho, entrando inteirinho em mim.
De pé.
Sem conversas ou preâmbulos, o corpo duro me pressionando contra o
aço frio.
Mantendo minhas pernas em torno da cintura, Cristopher arremeteu até
o final, o olhar fixo no meu. Encostei a testa em seu ombro, ouvindo os
golpes dos quadris contra o metal. Um tipo de loucura diferente subia por
mim; invadia minhas frestas, derrubava minhas defesas.
A penetração também foi derrubando cada um dos meus ímãs decorados
pregados na superfície da geladeira.
Primeiro caiu Londres.
Depois foi a França.
Mais uma arremetida, e Berlim se estatelou no azulejo, seguido por
Mônaco, Roma e Amsterdam. Por fim Malta se espatifou no chão, enquanto
avisos e pregadores de acrílico colorido se juntavam à confusão de objetos
no chão. Nada disso realmente importava. Eu apenas gemia e dizia palavras
desconexas querendo mais dele, mais daquele prazer dolorido. Queria
acariciar a pele marcada, deslizar a boca pelo rosto másculo, sentir os
beijos, os toques e as estocadas, me perder em suas lambidas e mordidas.
Nossas respirações se misturaram em uma confusão arrítmica, enquanto
o atrito íntimo continuava, carne contra carne, liberando fagulhas como um
fio destapado. Cristopher não era manso, nem gentil. Fechei os olhos e
recostei a cabeça na superfície dura da geladeira, sentindo a força das
estocadas. Uma entrada no ângulo certo fez um gemido grave escapar dos
lábios masculinos.
Cristopher me ajeitou no colo de um jeito que sua boca descesse até
meus seios com facilidade. Ao se deparar com os montes, ele murmurou
algo e avançou. O hálito quente soprou contra o meu mamilo antes da boca
se fechar, úmida, ao redor da pontinha arrepiada. Ele me chupou um pouco,
depois voltou a bombear intenso, forte, potente. Agarrei seu cabelo e gemi
pedindo mais. Eu o queria inteiro, do jeito que ele sabia ser.
Agarrando meu traseiro novamente, Cristopher me carregou até o sofá
sem dificuldade. Então, me largou e logo virou meu corpo de barriga para
baixo. De quatro, ele segurou minha nuca com uma das mãos e se encaixou
contra mim. Senti os lábios começarem uma carícia sensual na minha nuca,
a pressão do peito contra as minhas costas, as coxas se ajustando contra as
minhas pernas. Mordendo de leve meu ombro, ele empurrou o corpo,
entrando inteiro e de uma só vez, de novo. Os dez dedos se cravaram na
minha cintura, pressionando minha anca para ditar o ritmo frenético do
entra e sai até me dar um orgasmo tão poderoso que tombei sem forças,
sentindo-o deitar-se logo depois, fraco e satisfeito, sobre as minhas costas.
Ao fim, Cristopher me virou e trouxe meu corpo para ficar sobre o dele.
Dessa forma pude encará-lo.
— Foi bruto demais para você, għasel tiegħi? 1 — perguntou, o rosto
clareado pelo sol filtrado pelas persianas. Abracei-o e neguei, inquieta pela
intensidade do momento e pelo tanto que tinha gostado daquela recepção
matutina.
— Não, Cristopher, você não foi. Foi perfeito.
O sorriso dele se alargou, e ele depositou um beijo de leve na minha
boca.
— Quero mais de você, Isla de Malta. Desde o nascer do sol quero
perguntar se, até o dia em que eu me for, posso me deitar com você o tanto
que quisermos. Porém… se desejar o oposto, respeitarei sua decisão e me
afastarei.
Minhas mãos subiram pelas costas largas e suadas, amando aquela
formalidade e respeito, porém mais ainda o que os próximos dias trariam.
— Também quero, homem de lata. Até o dia em que for embora, você e
toda essa destruição que provoca serão meus.
1 Meu bem
19
QUERO APRENDER SOBRE O PASSADO
CRISTOPHER
A ssim que Isla entrou no banho, ouvi a sineta irritante ecoar pela casa.
Parei de passar o creme de avelã no pão, esperando que ela não
tocasse outra vez.
Infelizmente ela tocou, ofendendo repetidamente a audição.
— Cristopher? Veja quem é e peça para voltar mais tarde, por favor! —
Isla gritou do banho.
Eu sabia muito bem quem vinha. Sem escolha, larguei a barra de
chocolate quase finalizada e tirei minha espada do armário, pousando-a ao
lado da entrada. Limpando a barba dos resquícios do doce, abri a porta.
Como já imaginava, Mehmed, o otomano, me encarava do umbral.
Ao me ver sem camisa e apenas de calça, ele bateu as mãos nas pernas,
irritado.
— Fala sério! Você ainda está aqui? E desse jeito?
— Sim, eu ainda estou — respondi, seco.
Ele esticou a cabeça para dentro da residência, inspecionando a minha
cama-sofá ainda desfeita da movimentação recente e ouvindo o barulho de
Isla no banho.
— É impressão minha ou está se aproveitando de Isla? — Ele apertou
os olhos. — Não tem vergonha de abusar da boa vontade dela?
Cruzei o braço na altura do peito e o investiguei de cima a baixo.
Aquele homem estava começando a me importunar.
— Está insinuando que estou abusando da hospitalidade da minha
anfitriã?
— Estou, porque conheço tipos como o seu. — O atrevido ergueu um
dedo. — Sem emprego… — Ele ergueu outro, como se listasse algo. —
Oportunistas sanguessugas de mulheres carentes…
Aquele homem não fazia ideia do perigo que corria em perder o dedo.
Pensando em Isla e o quão irritada ficaria se eu batesse no homem, respirei
fundo e me controlei.
— Para seu conhecimento, não estou abusando da gentileza de
ninguém.
— Até parece. Está acampado há quase duas semanas na sala dela e não
vejo movimentação alguma para partir! — Mehmed teve a audácia de
aproximar o rosto de mim. — Você não passa de um hippie tentando se dar
bem em cima de uma garota desempregada, não é mesmo? Conheço
oportunistas da sua laia… Vocês não têm emprego, casa ou dinheiro, mas
adoram viver bem às custas de mulheres burras.
Estreitei os olhos. Ele acabou de chamar Isla de burra?
— Sabia que investiguei você? — O infiel teve coragem de dar um
passo adiante, mas recuou quando não me movi. — Fiz uma busca pelo seu
nome na internet e não achei nada. Por quê? Inventou um nome, foi isso?
— Ele fez uma cara de nojo. — Você não passa de um aproveitador barato
que não pode oferecer nada além de problemas e talvez doenças venéreas!
Mesmo entendendo apenas metade do que disse, rebati:
— E o que você teria para oferecer a ela, otomano? Um homem
disposto a cortejar uma dama precisa estar preparado para oferecer mais do
que palavras vazias.
— Cortejar? Você foi o que, criado pela avó? Posso oferecer tudo que
você não tem, vagabundo. Emprego, casa e dinheiro, além de um Porsche.
Consegue competir com isso?
Inclinei o rosto na direção do infiel e, com a calma adquirida por muitos
anos de oração, respondi baixo para que Isla não me ouvisse:
— Não sei bem de que maneira estaríamos competindo, já que Isla tem
casa, dinheiro e agora, trabalho. Além disso, mesmo com todo o espetáculo
que tenta dar toda noite — apontei para o teto —, não ouço Isla invocar o
seu nome, ou mesmo o seu Deus enquanto fornico com ela. E sobre o pox 1
que mencionou, espero que não seja transmissível, e que se cure
eventualmente. Agora, dê meia volta antes que minha paciência acabe e eu
corte os seus testículos e os pendure na frente da porta.
O homem arregalou os olhos e estufou as bochechas.
— Não pode me ameaçar com barbaridades! Tenho contatos na cidade,
sabia? Posso mandar destruir você!
Suspirei, profundamente enfadado. Por que as pessoas desta época
debatiam tanto? Na minha, toda essa impertinência teria lhe custado a
língua.
Com a paciência esgotada, puxei a espada de trás da porta e ergui a
lâmina. A ponta afiada encostou no peito do distraído, perfurando de leve o
tecido da camisa.
A espada o silenciou, graças ao bom Pai.
— Acho melhor dar meia volta e sumir, infiel. Não quero você tocando
esse maldito sino da porta ou usando aquele aparelhinho para falar com ela
outra vez, entendeu? Ela já disse e vou repetir: não é não.
O otomano perdeu a cor. Com os olhos esbugalhados, questionou:
— Que tipo de maluco aponta uma espada para alguém?!
A lâmina da espada respondeu por mim: eu.
— Quer saber? — Mehmed ergueu as mãos, dando um passo para trás.
— Se Isla é tão estúpida de não ver quem você é, quem não quer mais nada
com ela sou eu! Vocês são dois malucos que se merecem! — Ele aumentou
a voz, como se quisesse passar o recado. — Estou fora, ouviu? Aproveite
seus dias, malandro! Uma hora o dinheiro dela acabará, e aí, o que vai
fazer? Procurar outra trouxa para secar?
Cansado dos insultos, empurrei a espada de forma mais firme contra o
peito do homem e ele recuou dois passos, dando meia volta e saindo
correndo. Acompanhei sua subida até que sumisse na curva da escadaria.
As palavras do infiel foram muitas e quase não entendi nenhuma, mas o
pouco que compreendi me fizeram refletir.
Fechei a porta pensativo, concluindo que uma parte do que ele me
acusou era verdade. Estava realmente utilizando os recursos escassos de
Isla. Ela tinha parado de receber seu soldo há uns dias e eu a fazia gastar
muitas moedas comprando coisas doces para mim.
A voz feminina soou melódica do quarto de banho.
— Tinha alguém na porta, Cris?
— Ninguém importante. — Pousei a espada de volta no lugar,
caminhando até ela. Mehmed, o medroso, tinha razão: Isla era uma mulher
provendo por si mesma, sem a presença de um marido ou pai que a
amparasse. Era indigno da minha parte usufruir de seus parcos recursos sem
prover também.
Quando parei na sua frente, na porta do banheiro, ela abriu um sorriso
alegre, e o gesto fez todas as preocupações sobre dinheiro desaparecerem.
— Não assustou ninguém, não foi? Acho que ouvi o barulho da sua
espada arrastando no chão.
— Não sou um homem assustador. — Desci os olhos por ela. Meu
estômago voltou a se revolver ao vê-la enrolada naquela toalha minúscula, a
pele e cabelo úmidos cheirando a fruta.
Meu pau reagiu de imediato. Pelo sorriso que aumentou no rosto
feminino, ela também notou a minha animação.
— Você é, sim, assustador. Especialmente pelado. — O sorrisinho dela
se alargou ao descer os olhos pelo meu peito.
Abri o botão da calça com destreza.
— Gosta de levar sustos, maltesa?— perguntei rouco, chegando tão
perto que Isla precisou dar um passo para trás. — E punições por ser
malvada? Gosta também?
O pedaço de pano que segurava na frente do corpo caiu, revelando o
corpo bonito e cheio de curvas marcadas pelas minhas mãos e boca.
— Bem… um pouco — ela respondeu, mordendo o lábio inferior.
Abaixei a calça, mostrando a ferramenta de punição que usaria nela em
breve. A danada abriu a boca, soltando uma risada deliciosa.
— Se não sabe o que vai receber, é melhor correr, moça. Porque, agora,
é hora do meu ataque à Isla de Malta.
Ela me olhou de lado, um sorriso de canto e a sobrancelha erguida.
— Como os otomanos me atacaram no passado?
— Exatamente.
Se eu conseguia fazer piada com aquele horror, é porque a presença
curativa daquela mulher — além do tempo — estava me fazendo bem.
Isla soltou um gritinho, correndo em direção ao quarto, e a brincadeira
me incendiou. Saltando para fora da calça, a segui, nu e faminto, soltando
sons assustadores como faria antes de uma batalha.
— Você precisa parar de comer açúcar! — ela gritou do outro lado da
cama, corada e alegre. — Ele te deixa meio doido, sabia?
A loucura temporária chamava-se sugar rush, ela já tinha me contado.
A quantidade extra de doce me fazia ter picos de euforia e desejá-la três
vezes mais. Eu não via problema algum nisso. Desejar muito uma coisa
fazia ela acontecer, as pessoas deste tempo repetiam.
Ela deu um passo para o lado quando ameacei subir na cama. Isla
apertou os olhos, em dúvida se eu a atacaria mesmo. A mulher tinha
dúvidas? Então que entendesse de uma vez por todas que não pouparia
esforços para pegá-la.
Quando avancei sobre a cama, a feiticeira escorregadia deu a volta,
soltando uma gargalhada e rumando para a sala.
— Venha me pegar, cavaleiro lento!
Para me atrasar um pouco, Isla derrubou algumas cadeiras por onde
passava. Precisei saltar sobre elas e desviar de outros móveis para voltar a
me aproximar. Alguns momentos antes do infiel bater à porta, havia
deslizado a boca por aquele corpo sinuoso e pressionado as mãos contra
suas ancas. Alisara seus seios e beijara suas partes mais íntimas. Depois
voltara com a atenção para os lábios e a tinha penetrado sem piedade.
Era uma blasfêmia desejá-la novamente em tão pouco tempo, mas Isla
não fazia ideia da intensidade dos meus sentimentos, mesmo sem a carga
extra do açúcar.
Quando saltei na frente dela e a agarrei pela cintura, a feiticeira gritou,
se debatendo e me batendo de leve com os punhos.
— Sabe o que vai receber, não sabe, mulher? — Mordi de leve seu
pescoço, contendo-a quando tentou se livrar do aperto, ouvindo suas
gargalhadas se espalharem pela casa.
Vibrei internamente pelo que viria, segurando-a firme pela cintura
enquanto Isla se retorcia, tentando me fazer cócegas. Mais beijos estavam a
caminho. Mais vaivéns com os olhos cravados em cada mínima reação sua.
Então quando tudo acabasse, começaríamos tudo de novo — porque sim, eu
tinha comido uma quantidade absurda de açúcar.
Ao virá-la para mim, segurei-a firme na minha frente, pressionando os
corpos. Seu coração batia forte contra o meu e seus olhos brilhavam mais
do que mil estrelas. A pele das bochechas estava corada e o cabelo apontava
para todas as direções do globo. Eu mal conseguia respirar devido à
excitação e aos fogos faiscantes no estômago, coloridos e barulhentos como
os que me assustaram no dia em que a conheci.
— Peguei você — murmurei contra a sua boca. — Agora vou fincar
minha bandeira você sabe onde, e fazer essa terra inteiramente minha.
Com uma gargalhada, Isla enlaçou os braços ao redor do meu pescoço e
ronronou:
— Mal posso esperar.
Eu a ergui do chão e a carreguei de volta para o sofá. No entanto, antes
de que pudesse largá-la sobre as almofadas, ela balançou a cabeça, me
impedindo.
Estranhei, parando no lugar com ela no colo.
— Não? Não quer mais? — Por um segundo temi ser rejeitado, e a
sensação foi horrenda.
— Quero sim, cavaleiro. Só que hoje, quero você no meu quarto.
— O seu? — Estranhei, beijando a porta do nariz atrevido. Como Isla
nunca me chamou para ir até lá, tinha entendido que era um local proibido,
especial para ela.
— Sim — ela repetiu, mansa. — Quero você no meu quarto, desta vez.
Com um sorriso enorme, apenas obedeci.
ISLA
Ninguém admitia, mas o amor mexia com o tempo. Ele era capaz de
delongar momentos e encurtar outros. De ignorar o impossível e dar um
novo significado à palavra eternidade. O tempo, por sua vez, tinha um outro
tipo de poder: o de desbotar ou colorir intensamente os sentimentos. A falta
dele — do tempo —, conseguia aumentá-los, potencializá-los a níveis
insuportáveis, fazê-los parecer imensos e invencíveis.
Era isso o que eu sentia agora: o poder do tempo sobre os meus
sentimentos por Cristopher. Quanto menos dias eu tinha com ele, mais o
queria comigo.
Ele me deitou gentilmente na cama, pousando o corpo quente sobre o
meu. A luz azulada da noite entrava mansa pelas persianas e o perfume do
quarto era de pêssego.
Lábios experientes beijaram de leve minha testa, enquanto murmuravam
palavras incompreensíveis. Tão respeitoso, o meu cavaleiro. Então beijaram
minha face, a ponta do meu nariz, meu queixo. Continuaram descendo pelo
pescoço e vale dos seios até abocanharem o primeiro mamilo. Ele chupou a
pontinha dura, soltando sons de deleite e se ajustando ao meu lado, e então
se tornou possessivo, chupando mais forte. Enquanto a língua trabalhava no
bico, as mãos imensas deslizavam pela minha barriga, achando o caminho
entre as bandas meladas da vulva.
— Isla — ele murmurou com sua voz selvagem, tão masculino e
protetor. A cabeleira loira se moveu entre os meus seios, e precisei curvar as
costas quando as pontas dos dedos chegaram ao clitóris. Cristopher os
moveu, achando o pico sensível e fazendo círculos sensuais na ponta,
alternando entre deslizar o dedo sobre ele e beliscá-lo devagarinho. Aquilo
era tão perfeito que chegava a doer.
Minhas mãos não conseguiam ficar longe da sua pele. Eu acariciava os
ombros largos, o formato da cabeça por entre os fios longos, a robustez do
pescoço tenso. Minha boca às vezes pedia a sua e Cristopher interrompida a
tortura quase incapacitante para me beijar longa e profundamente.
Então, sem conseguir se segurar mais, seu corpo desceu sobre o meu,
denso e pesado. Ele cheirava a suor e maresia, como o próprio cheiro antigo
da ilha. Um aroma que penetrava na gente, que se espalhava debaixo da
pele e tomava tudo, exatamente como ele fazia comigo.
Enlacei a perna ao seu redor e o trouxe para mim. A urgência em tocá-lo
só aumentava e eu não conseguia parar de apalpá-lo porque sabia que em
breve não o teria mais. Só que no momento ele era meu e eu faria as
lembranças durarem para sempre. Precisava de memórias, de momentos que
me dessem certeza de que ele um dia existiu.
A verdade era que eu estava perdidamente apaixonada por Cristopher.
Sabia disso porque reconhecia o encanto das primeiras vezes. Era a
mesma sensação de quando éramos apresentados a uma música nova e
sabíamos que nunca tínhamos ouvido aqueles acordes antes. Como as
primeiras palavras de um livro bom, ou imagens nunca vistas em um filme.
A gente sabia quando estava diante de algo novo, algo bom e revelador, e
era com essa certeza de que eu reconhecia estar amando alguém de verdade
pela primeira vez.
Não era carência, nem tédio. Não era porque era proibido ou transitório.
Eu adorava aquele homem que agora se movimentava dentro de mim.
Adorava os olhos azuis quase transparentes. Amava a maciez dos fios
longos e perfumados do cabelo, bem como a dureza dos músculos. Sem
falar da coragem e da bravura que trazia com ele, o cuidado e o respeito
comigo. Amava tudo que ele era e representava. Esse homem era o meu
cavaleiro em armadura brilhante que chegara para me salvar.
Cristopher voltou com os beijos em direção ao pescoço, arrastando a
boca pelos meus ombros e colo. Então, achou a minha boca outra vez.
— Você me enfeitiçou, sabia? — Seu murmúrio saiu doce e dolorido. —
Ninguém conseguiria ser tão perfeita para mim.
Com olhos fechados, alisando as costas largas e suadas, sentia cada um
de seus beijos sugarem de leve minha pele. Não ouça suas palavras, Isla.
Expulse-as do peito, se puder, eu repetia, tentando não me perder naquela
ilusão de que tudo daria certo.
Unidos pelos quadris, eu tentava não ruir de tristeza.
— Minha Isla preciosa — Cristopher sussurrou no meu ouvido quando
o orgasmo chegou para ambos, tão forte e potente que eu ergui as costas da
cama e ele retesou inteiro. Eu pulsava ao seu redor, as ondas correndo pelas
minhas pernas e todos os meus nervos, enquanto o abraçava com força.
Aquilo não podia acabar tão facilmente com minhas defesas.
Mas acabou.
Após o orgasmo, Cristopher me abraçou com carinho, aninhando minha
cabeça em seu peito. Embalada pelos dedos que deslizavam pelo meu
cabelo, deixei que dormisse comigo, na minha cama.
A última barreira tinha sido cruzada.
Ele estava onde não devia nunca ter entrado: dentro do meu coração.
1 Uma doença viral (como a catapora ou a sífilis) caracterizada por pústulas ou erupções
23
ESPALHE A PALAVRA
ISLA
Era fim de tarde e eu dirigia pela rodovia em direção à capital. O sol estava
baixo e as avenidas até Valetta, cheias como sempre. Cristopher dormia ao
lado, a cabeça encostada no vidro. Seu nariz estava coberto por uma ligeira
cor vermelha, e os braços cheios de fios loiros, bronzeados pelo dia na
praia.
Eu seguia pensando nas nossas vidas. Principalmente na minha, que
seguiria no presente sem ele. Com a garganta fechada pelo luto antecipado,
peguei sua mão relaxada sobre a minha coxa e a trouxe à boca, depositando
na pele salgada um beijo leve.
Que desperdício de sentimentos bons. Que tristeza sem fim.
Eu já virava na pequena rua que levava ao meu apartamento quando
ouvi o telefone tocar. Parei o carro no meio-fio e atendi, ouvindo uma voz
masculina do outro lado. Ao olhar para o lado, encontrei Cristopher
novamente desperto, com os olhos fixos em mim.
Uma voz séria, com um discreto sotaque italiano, me saudou do outro
lado.
Apertei ligeira o botão do alto-falante, e a voz do homem ecoou pelo
carro:
— Senhora, o seu interesse na Ordem dos cavaleiros de Malta ainda se
mantém? Se sim, temos novidades sobre a sua solicitação.
25
MEU CORAÇÃO CARREGA MUITAS PEDRAS
ISLA
“Hic in morte relinquo, anno 1599, nuntium pro Isla de Malta: hic laetus fui.
Numquam de profectione mea, aut de adventu meo loquar, aut cuivis narrabo quid
acciderit. In silentio omnia oportet esse, nam unius papilionis bracteae omnem
historiam possunt commutare”.
ISLA
Fim
EPÍLOGO 1
DEZ ANOS DEPOIS
CRISTOPHER
Fim da prévia :)
NOTAS DA AUTORA - SOBRE A ORDEM DOS
HOSPITALÁRIOS
e, em breve,
Fantasia
Romance Adulto
A Última Peça
Sessenta Noites em Trindade
Meu Capitão: Sessenta Noites 2
Cowboy Sem-vergonha
O Lado Bom do Inferno
A Garota da Música
Xeque & Mate: O Clube da Vingança
Alices no País dos Romances
Um Guerreiro do Passado
Romances de Época
Lady Audácia
Lady Malícia
Lady Romance
As Doze Noites de Lady Malícia
Lady Escândalo
Série Enfeitiçados
Um Libertino Enfeitiçado
Um Forasteiro Enfeitiçado
Um Marquês Enfeitiçado
Série Kaiser Kinder
O Duque Perdido
O Libertino Domado
O Lorde do Nilo
O Conde Encantado
Contos e Antologias
Três Milagres de Natal
Spin-off de Selvagens: a história de June e João
Homens de Farda
Doze por Doze:“Janeiro”
Publicitária, professora de alemão, psicóloga e escritora — tudo que é legal ser, já fui. Sou também
mãe de duas crianças lindas e esposa parceirona. Hoje mora na Ásia, porém, amanhã… Quem sabe?
Se quiserem bater papo comigo, sabem onde me encontrar!