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Sinopse

Após a Guerra dos Lobos, os lobisomens e os humanos concordaram com


uma trégua incômoda e dividiram o mundo entre si. Os lobisomens
tomaram as florestas e planícies, e os humanos tomaram as cidades e
vilas. A humanidade foi segregada ainda mais entre os Trabalhadores e a
Elite. Agora, a comida está escassa e os Trabalhadores estão morrendo de
fome, e é assim que a Trabalhadora Ellie, de 12 anos, acaba faminta e
perdida no território dos lobisomens. Os lobisomens são realmente as
feras temíveis sobre as quais ela foi alertada ou a Elite tem escondido a
verdade?
Classificação etária: 18+ (Aviso de conteúdo: estupro e violência)
Autora original: Michelle Torlot
E-book Produzido por: Galatea Livros e SBD
https://t.me/GalateaLivros
Livro 1
Capítulo 1
Ellie
Sentei-me no tronco da árvore tombada, olhando para longe. O sol
estava baixo no céu, ainda não se tinha posto, dando a tudo um lindo
brilho.
— O que diabos você está fazendo, Ell?
Eu olhei para cima para ver meu irmão mais velho, Jackson, de pé
diante de mim.
— Você está perto demais da fronteira... você conhece as regras, — ele
repreendeu.
Revirei os olhos e olhei para o horizonte.
— Nem pense nisso, Ell. Eles vão puni-la por até mesmo pensar a
respeito, e você vai ficar com meia ração por um mês, — alertou Jackson.
Revirei os olhos,
— Metade de nada ainda é nada.
Jackson cutucou meu ombro.
— Aqui, eu sei que você está com fome, — ele sorriu.
Eu olhei para a mão dele. Minha boca se abriu em choque. Era algum
tipo de comida processada. Nós nunca comemos isso, eu nunca tinha
visto nada parecido antes.
— O que... O que é? Onde você conseguiu isso? — Eu sussurrei,
enquanto olhava para a embalagem em sua mão.
Ele a quebrou ao meio e me entregou uma metade, comendo a outra.
— Chama-se cho-co-la-te, — ele pronunciou a palavra, — e se você
não sabe, não pode se meter em encrenca.
Comecei a comê-lo rapidamente, saboreando o doce. Foi tão bom!
Eu ri, — e você me repreende, só porque estou olhando para o outro
lado da fronteira.
Jackson balançou a cabeça.
— Isso é diferente, se os guardas te encontrarem, eles vão atirar à
primeira vista.
— Se eles te encontrarem... — ele apontou para o horizonte, bem, só
Deus sabe o que vai acontecer com você... se os rumores forem
verdadeiros, — concluiu.
Eu balancei minha cabeça e franzi meu cenho.
— Eles não sabem o que fazer com tanta comida que têm, e nós... não
temos nada. Seus animais comem melhor do que nós.
Eu segurei as lágrimas que ameaçavam cair. Me sentia grata por
Jackson não ter visto minha angústia.
Jackson riu,
— Eles são animais, Ell.
Revirei os olhos enquanto mastigava o resto do lanche. Meu
estômago ainda parecia vazio, mas a barra de chocolate tinha ajudado.
Jackson colocou a mão no meu ombro.
— Vamos, vamos voltar antes que percebam que saímos. Você precisa
dormir um pouco, e tirar essas ideias idiotas da sua cabeça.
Levantei-me e permiti que meu irmão me conduzisse de volta ao
campo de trabalho.
Levantaríamos de madrugada, desmontando o que restava da cidade
mais próxima da fronteira. Então as escavadeiras entrariam. Depois
disso, tiraríamos as pedras antes de arar e plantar.
Não eram terras adequadas à agricultura. Eram os restos de uma
cidade velha, perto demais da fronteira para ser habitada. Além disso, a
comida era escassa.
Se houvesse uma chance de que eles pudessem cultivar algum
alimento, ela tinha que ser aproveitada.
Foi assim durante toda a minha vida, e a maior parte de meus pais.
Após a guerra, os humanos ficaram com as cidades e vilas. Os lobisomens
ficaram com as florestas e planícies.
Bastava olhar além da fronteira para ver gado pastando, pomares,
campos repletos de plantações.
As cidades estavam todas muito bem, mas não dava para cultivar
alimentos ali. Os únicos espaços eram os parques artificiais. Eles já
haviam sido usados para o cultivo de alimentos. Mas não era o suficiente.
A única razão pela qual meu irmão e eu sobrevivemos quando nossos
pais morreram foi por causa dos campos de trabalho.
Se você trabalhasse doze horas, você teria uma refeição. Se você
pudesse chamar aquilo de refeição. Ensopado de vegetais, que era mais
água do que vegetais, e uma cama.
Se você fosse pego roubando comida, era uma sentença de morte
instantânea. Cruzar a fronteira também. Se os lobisomens não o
matassem, os guardas o fariam.
A vida para os humanos era um inferno. Tinha que valer muito a pena
cruzar a fronteira, roubar comida e trazer de volta.
Se não encontrássemos uma maneira de conseguir mais comida, a
raça humana morreria de fome.
Recebemos alguns olhares suspeitos dos guardas enquanto
voltávamos para o acampamento. Nós apenas mantemos nossas cabeças
baixas. Assim que voltamos para o acampamento onde estavam as camas,
fomos até os nossos beliches.
A maioria das famílias dormiam juntas. Se você estivesse sozinho,
você seria confundido com os homens ou com as mulheres. Dependendo
do seu gênero. Eu acho que eu e Jackson tivemos sorte, nós tínhamos um
ao outro.
Deitei na cama e Jackson se sentou na beirada dela. Ele sempre fazia
isso, até eu adormecer.
— Você acha que eles sabem que estamos praticamente morrendo de
fome? — Eu sussurrei.
Jackson franziu a testa.
— Quem?
Hesitei, antes de abaixar minha voz,
— Os lobisomens.
Jackson balançou a cabeça e fez uma careta.
— Esqueça isso. Ellie. Você nem deveria estar falando sobre eles.
Suspirei e fechei os olhos.
Eu sabia que Jackson só queria o meu melhor em seu coração, mas eu
estava condenada a morrer de fome ou morrer de alguma doença porque
meu corpo não era forte o suficiente para lutar contra ela.
O sono finalmente veio, mas não durou muito. As dores fortes no
estômago por estar vazio me acordaram.
Todos os outros ainda estavam dormindo, exceto Jackson, que para
minha surpresa não estava em seu beliche.
Pensei na barra de chocolate que tínhamos compartilhado antes. Ele
estava roubando comida? Como ele pôde ser tão imprudente? Então
meus pensamentos se voltaram para a fronteira. Se eu fosse fazer isso,
teria que ser agora.
Jackson entenderia. Havia menos guardas postados à noite. Eu
poderia cruzar a fronteira e voltar. Encontrar um esconderijo para a
comida. Então eu e Jackson poderíamos compartilhar.
Tempos extremos pedem medidas extremas, e eu havia chegado em
meu limite. Todos haviam. Estávamos literalmente morrendo de fome.
Eu duvidava que todos estivessem, mas éramos os mais baixos da raça
humana.
Os trabalhadores manuais de nível inferior. Éramos descartáveis.
Eu balancei minhas pernas sobre a cama e rapidamente puxei meu
longo cabelo escuro em um rabo de cavalo. Então peguei uma pequena
mochila debaixo da cama, antes de rastejar para fora do fortim.
Minhas roupas eram escuras, então fui capaz de me esconder nas
sombras. Fiquei grata pela cor do meu cabelo, pois se misturou no
escuro. Apenas a lua iluminava o caminho.
Eu estava planejando isso há um tempo. Eu sabia exatamente onde os
guardas estariam. Eles sempre percorriam o mesmo caminho, verificando
o perímetro e a fronteira.
Observei enquanto o guarda caminhava até a outra extremidade do
acampamento e se dirigia para a fronteira.
Eu fiquei no escuro até que o guarda da fronteira se dirigiu ao seu
próximo posto de controle.
Felizmente, a fronteira não tinha cercas. Era apenas uma fileira de
pedras pintadas. Todo mundo sabia que não devia cruzar a linha. Esta
noite, entretanto, eu iria ignorar as regras. Esta noite eu iria encontrar
um pouco de comida.
Atravessar a fronteira foi mais fácil do que eu esperava. Os guardas
provavelmente não esperavam que ninguém tentasse atravessar.
Afinal, a maioria das pessoas no acampamento eram crianças, que
tinham isso martelado nelas desde sempre.
As regras, as punições, mas acima de tudo que os lobisomens eram
monstros que se banqueteavam com a carne de bebês.
Todos nós éramos ór ãos. Os pais morreram de febre ou de fome.
Alguns foram mortos pelos guardas apenas por tentarem roubar comida
extra para os filhos.
Os nossos morreram de febre. Esta foi minha vida por quatro anos.
Trabalhei até quase cair de exaustão. Jackson era mais velho do que eu e
mais forte.
Este era o último ano dele aqui, então eu estaria sozinha. Jackson
seria enviado para treinamento de guarda, a menos que ele fuja. Eu me
perguntei se seus desaparecimentos noturnos tinham algo a ver com isso.
Ele não percebeu que eu sabia que ele ia embora à noite. Só não sabia
para onde ele foi.
O solo do outro lado da fronteira era parecido com o nosso, argila
dura de cavar. Achei que estava misturada com concreto.
Uma vez cem metros fronteira adentro, a argila dura fica argilosa,
então você podia ver as plantas quebrando. Principalmente ervas
daninhas, mas depois tudo se transformou em grama viçosa.
Abaixei-me e corri meus dedos por ela. Eu nunca tinha sentido grama
antes. Eu tinha visto fotos quando era pequena, mas não as sentia ou
cheirava. Ela tinha um cheiro próprio.
Eu não pude deixar de sorrir para mim mesma. Meu pai sempre dava
sermões para nós, quando estava vivo.
— A grama do vizinho é sempre mais verde, — dizia.
Significa que devemos ser gratos pelo que tínhamos. Mas a verdade
era que a grama não existia onde vivemos.
Eu fui mais para dentro do território dos lobisomens. Mantive-me
abaixada e o mais quieta possível.
Jackson não percebeu, mas eu tinha visto esses supostos monstros.
No último prédio que limpamos, eu havia encontrado um livro e um par
de binóculos.
Eu enfiei o binóculo na minha jaqueta e fiquei olhando para o livro.
Os guardas não encontraram os binóculos, mas fui espancada mais tarde
naquele dia por fazer uma pausa não programada.
Foram apenas cinco minutos, mas regras eram regras. Se eles
tivessem encontrado os binóculos, teria sido muito pior.
Eu os usei alguns dias depois, depois do trabalho. Os guardas estavam
em um posto de controle diferente, mas ainda era dia.
Foi então que eu os vi. Eles estavam trabalhando nos campos. Eles
não pareciam nada diferentes de nós, exceto que eram mais altos, mais
musculosos.
Por que deveríamos odiá-los? Eles eram realmente diferentes dos
humanos?
Foi neste momento que decidi cruzar a fronteira. Eles tinham comida
suficiente, nós não tínhamos nada. Eles não pareciam monstros, pelo
menos não à distância.
Não havia sinal deles agora, é claro. Qualquer indivíduo são, seja
lobisomem ou humano, estaria na cama a esta hora da noite.
Eu fui mais longe neste território, então eu vi ao longe. Um prédio.
Parecia um celeiro. Era quase um curral que continha animais.
Eu rapidamente olhei em volta, não havia sinal de ninguém, então me
dirigi para o prédio.
Eu estava certa ao presumir que era um celeiro. Abri a porta,
permitindo que a luz da lua se infiltrasse.
Quase soltei um grito. Eu tinha tirado a sorte grande. Havia sacos de
frutas e vegetais. Também uma caixa com o que parecia ser pão velho.
Peguei uma maçã e a mordi.
Eu nunca tinha comido uma maçã antes, mas tinha visto uma foto. O
interior era marrom e macio em alguns lugares. O gosto era bom.
Peguei um punhado e coloquei na minha mochila, enquanto
terminava a maçã que havia começado. Então peguei um pouco do pão
velho. Era duro, não macio como deveria ser, mas não estava mofado.
Eu comi um pouco. Não era tão bom quanto a maçã, mas de cavalo
dado não olha os dentes.
Os vegetais pareciam cenouras. Alguns eram pequenos, outros
deformados. Eu mordi um. Nada de errado com isso.
Coloquei alguns na minha mochila, que agora estava cheia até a
borda.
Colocando-a nas costas, peguei outra maçã e um pedaço de pão e me
dirigi para a porta.
Foi quando eu ouvi. Um uivo, seguido por outro.
Corri e, com meu coração prestes a explodir no meu peito, voltei para
a fronteira.
Capítulo 2
Ellie
Corri muito, sem ousar olhar para trás. Talvez as pessoas normais se
tornassem monstros à noite. Talvez eles vivessem entre pessoas normais.
Meu Deus, eu não tinha ideia.
Eu me perguntei se os controladores que nos ensinaram as regras ao
menos sabiam. Se sabiam, nunca disseram. Apenas o suficiente para nos
assustar. A curiosidade matou o gato. Talvez esse fosse o meu fim.
Ao me aproximar da fronteira, congelei. Eu podia ouvir guardas e
gritos. Eles devem ter ouvido os uivos também. Se eu voltasse agora,
estaria morta. Se eu ficasse aqui, estaria morta.
O estalo alto de um tiro e uma dor aguda no braço tomaram a decisão
por mim. Colocando minha mão no braço, fugi da fronteira. Eu podia
sentir o líquido escorrendo pelo meu braço.
Grata porque os únicos monstros que pude ver foram os maníacos
empunhando armas. Eu fiz a única coisa que pude pensar, voltei para o
território dos lobisomens. Eu só tinha que encontrar um lugar para me
esconder.
Eu rapidamente examinei o horizonte. Além dos campos de cultivo e
do celeiro, havia alguns bosques. Eu me esconderia lá até de manhã.
Quando estava longe o suficiente da fronteira para ficar fora do
alcance das balas, verifiquei meu braço. Não parecia muito bom. Minha
mão não conseguiu conter muito o fluxo de sangue.
Tirei um pouco do material do colete que estava usando e o enrolei
no braço. Amarrei o mais forte que pude, em uma tentativa de estancar o
sangue.
Quando cheguei ao fim da linha das árvores, comecei a me sentir
tonta.
Tudo estava assustadoramente quieto.
A lua brilhava intensamente através da copa das árvores, dando ao
solo um brilho assustador.
Sentei-me no chão e tirei a mochila.
Encostada na árvore, fechei os olhos por um momento.
Meus olhos abriram quando ouvi o som de um galho se partindo.
Um homem parou na minha frente.
Quando digo um homem, ele parecia mais um gigante.
Ele olhou para a mochila e depois para mim. Seus olhos se
estreitaram.
— O que você está fazendo aqui, humano?
Senti meu coração disparar, minha boca ficou seca de repente.
— Eu... eu... — eu gaguejei.
Ele deu um passo à frente. Quando ele fez isso, me empurrei ainda
mais contra a árvore. Não que isso ajudasse, mas não havia como correr.
Minhas pernas de repente pareciam moles.
— Você está ferida, — afirmou ele.
Eu olhei para o meu braço. A bandagem improvisada já estava
ensopada de sangue.
Era isso. Eu sangraria até a morte, ou o homem ou monstro na minha
frente me mataria.
Ele era o monstro sobre o qual eles nos alertaram? A maneira como
ele se dirigiu a mim como humano me fez pensar que ele era um
lobisomem. Por que ele não parecia tão diferente de nós? Admito que ele
era enorme.
Não apenas alto, mas musculoso.
Ele tinha cabelos claros e desgrenhados, que caíam sobre os ombros, e
uma barba da mesma cor, bem aparada.
Observei em silêncio enquanto ele se ajoelhava ao meu lado. Ele
segurou meu braço, gentilmente, mas com firmeza, e começou a
desembrulhar a bandagem improvisada.
Ele franziu a testa e olhou para mim.
— Seu próprio povo atirou em você! — Ele exclamou.
Eu concordei. Lágrimas encheram meus olhos com a percepção de
que eu nunca poderia voltar. Não, a menos que eu quisesse morrer. Eu
fechei meus olhos. Não queria derramar nenhuma lágrima.
Eu tinha que dar a impressão de ser forte, mesmo que não fosse.
Eu cerrei meus dentes e respirei fundo.
Quando abri novamente, o homem estava tirando a camiseta.
— Isso pode doer um pouco, filhote, — afirmou.
Ele rasgou a própria camiseta e começou a amarrar meu braço.
Tentei abafar um grito, que saiu como um gemido quando ele
amarrou a nova bandagem improvisada.
Seus olhos então pousaram sobre minha mochila. Tentei agarrá-la,
mas ele era rápido demais para mim.
Quando ele abriu, seu rosto se contorceu em uma careta de desgosto.
— Por que você está roubando comida estragada? — Ele demandou.
Eu fiz uma careta.
— É melhor do que a que temos.
Ele olhou para mim e balançou a cabeça enquanto se levantava.
— Você consegue se levantar? — Ele perguntou.
Eu balancei a cabeça e empurrei a árvore atrás de mim. Assim que me
levantei, percebi como sentia minhas pernas fracas. Eu realmente perdi
tanto sangue?
Ele olhou para a mochila e a jogou fora. Então ele deu um passo em
minha direção. Antes que eu percebesse o que ele estava fazendo, ele me
pegou como uma criança pequena. Me pegou no colo.
— Ei! — Eu gritei.
Pensei em bater nele, mas depois pensei melhor.
— Se eu deixar você passear, filhote, não voltaremos até o amanhecer,
e esse braço precisa ser examinado, — ele bufou.
Suspirei. Ele não estava errado, mas aonde ele estava me levando e,
mais importante, o que aconteceria quando eu chegasse lá?
Eu descansei minha mão em seu ombro. Era minha imaginação ou
sua pele estava quente?
Ele sorriu.
— Nossa temperatura corporal é naturalmente mais alta que a sua.
Suponho que seus líderes humanos não tenham dito isso, não é, filhote?
Eu balancei minha cabeça.
— Eles não nos disseram muito, exceto que vocês eram monstros.
Ele olhou para mim. Merda, eu não deveria ter dito isso. Ele
provavelmente poderia me partir em duas sem nem mesmo pensar, e eu
era o inimigo, afinal.
Seu olhar se suavizou ligeiramente.
— Não se preocupe, nós não machucamos filhotes, não é da nossa
natureza. Talvez você deva pensar sobre isso quando refletir sobre quem
são os monstros, — ele repreendeu.
Eu abaixei meus olhos.
— Desculpe, — eu murmurei.
Ele tinha razão. Eu tinha acabado de ser baleada por minha própria
espécie e salva pelo inimigo. Por enquanto, salva.
Ele sorriu e, em seguida, afastou suavemente uma mecha de cabelo do
meu rosto.
— Qual é o seu nome, filhote?
— É... Ellie, — eu gaguejei.
— Bem, pequena Ellie, é melhor você segurar firme e fechar os olhos.
Vou correr e você pode ficar um pouco enjoada se ficar de olhos abertos.
— A última coisa que preciso é que você vomite nas minhas costas.
Coloquei minhas mãos em seus ombros e senti sua mão nas minhas
costas, me segurando no lugar.
Fiz o que ele sugeriu e fechei os olhos. Deus sabe o que ele faria se eu
vomitasse por causa da velocidade.
Não tenho certeza de quão rápido ele correu, mas podia sentir o
vento passando pelo meu cabelo. Também parecia que meu corpo havia
perdido o fôlego.
Ele só havia corrido por cerca de dez minutos quando parou.
Eu o ouvi rir.
— Você pode abrir os olhos agora, filhote.
Lentamente, eu abri meus olhos. Quando eu o fiz, engasguei.
Não estávamos nem perto de onde estávamos antes. Olhei em volta,
não havia sinal da fronteira. Em vez disso, uma grande casa surgiu na
minha frente.
Era enorme. Tinha cerca de três andares. Havia outros edifícios
menores espalhados, mas nenhuma pessoa ou lobisomens. Então percebi
que era madrugada.
Quando olhei para seu rosto, seus olhos negros brilharam. A cor
normal de seus olhos era diferente. Eu engasguei e fiquei tensa. Ele agora
se transformaria em algum tipo de monstro?
A cor sumiu do meu rosto e meu coração parecia que estava prestes a
explodir no meu peito.
Momentos depois, seus olhos voltaram ao normal.
Ele deve ter percebido o que tinha acontecido, porque esfregou
suavemente minhas costas.
— Está tudo bem, filhote, não entre em pânico.
Mordi meu lábio inferior.
— S... Seus olhos... — eu gaguejei.
Capítulo 3
Ellie
Antes que ele pudesse responder, as portas da mansão se abriram e
outro homem enorme apareceu.
Ele parecia ainda maior do que o homem que estava me carregando.
Seu cabelo era escuro, igual ao meu.
Quando ele falou, sua voz era um tom de barítono profundo. Percebi
imediatamente que ele estava no comando.
— Bem, Jason, o que temos aqui? Um filhote humano! — Ele
exclamou.
Jason abaixou a cabeça.
— Sim, Alfa Gabriel, eu a encontrei com um saco de comida
estragada, provavelmente da loja de comida de porco. Ela foi baleada...
por sua própria espécie, — afirmou Jason.
Eu ouvi Alfa Gabriel rosnar.
Quase morri de susto, me agarrando um pouco mais forte a Jason. Ele
não tentou me machucar, e também não rosnou.
Jason não protestou.
— Ela está um pouco assustada, também perdeu muito sangue.
Eu ouvi Alfa Gabriel cantarolar. Ele deve ter dado um passo mais
perto, pois logo senti seus dedos sob meu queixo. Ele inclinou minha
cabeça para ver melhor meu rosto.
Eu choraminguei, já sentindo as lágrimas acumulando em meus
olhos. Desta vez, eu as deixei cair. Não adiantava fingir ser forte.
Comparado a esses lobisomens, eu não era nada. Eu era fraca demais.
Eles sabiam disso e eu sabia disso.
— Calma aí, filhote, — Gabriel sussurrou, — ninguém vai te
machucar, não aqui.
Sua mão se moveu do meu queixo para o topo da minha cabeça
enquanto ele acariciava meu cabelo.
— Eu não sabia que os filhotes deles eram tão pequenos. — ele
sussurrou para Jason.
Jason apenas acenou com a cabeça. Então ele fez algo que eu não
esperava.
Jason me entregou ao Alfa Gabriel.
— O nome dela é Ellie, — Jason explicou, — Não sei quantos anos ela
tem.
Gabriel acenou com a cabeça, enquanto me carregava da mesma
maneira que Jason.
— Vamos levá-la ao médico, — ele me acalmou, enquanto esfregava
suavemente minhas costas. A porta da frente se fechou com um grande
estrondo, fazendo-me estremecer.
Ele ignorou, e me carregou pela casa enorme.
A primeira coisa que vi foi uma enorme escadaria, feita de algum tipo
de madeira escura. Então ele me carregou por um corredor. As paredes
eram revestidas de madeira e havia portas em intervalos variados.
Passamos por todas elas. Tudo parecia tão grande. Até as portas eram
maiores do que as nossas portas. Todos os lobisomens eram tão grandes
quanto os dois que eu tinha visto? Eu sabia que era pequena.
Todas as crianças nos campos de trabalho eram, os guardas de
fronteira também. Eu me perguntei se todos os humanos eram pequenos
em comparação aos lobisomens. Se fossem, por que diabos os lobisomens
não venceram a guerra?
Eles eram maiores, mais rápidos e mais fortes?
Quando chegamos ao final do corredor, havia um conjunto de portas
duplas. Na parte superior de ambas as portas havia uma grande cruz.
Havia alguma escrita na parte superior. Eu não sabia o que dizia.
Tínhamos aprendido apenas o alfabeto, a escrever nosso nome e a lê-
lo. Também a contar até 10. Isso foi tudo o que disseram que
precisávamos. Quando tínhamos oito anos, eles nos colocaram para
trabalhar.
Alfa Gabriel empurrou uma das portas e me carregou para dentro. A
sala não era como o corredor ou o hall. Era branco e ladrilhado. Havia
cerca de quatro camas enormes, todas bem feitas.
Tudo parecia tão limpo.
Eu olhei em volta com os olhos arregalados. Eu só tinha visto a
casinha dos meus pais e o acampamento. A casa dos meus pais consistia
em dois dormitórios. Um era onde comíamos, o outro era onde
dormíamos.
O acampamento era apenas feito de fileiras de beliches. Já a comida
era servida no exterior, em bancos.
Uma mulher alta caminhou em nossa direção. Eu não gostei da
aparência dela. Ela zombou de mim, como se tivesse um cheiro ruim
embaixo do nariz.
— Um humano! — Ela exclamou, enojada.
Eu senti o peito do Alfa Gabriel roncar, ele rosnou novamente.
— Ela é um filhote e foi baleada. Você vai tratá-la como qualquer
outro filhote, — ele comandou.
A mulher abaixou a cabeça, então ela virou a cabeça para o lado
expondo seu pescoço.
— Sim, Alfa, por favor, coloque-a na cama ali, — respondeu ela.
Ela parecia assustada e Alfa Gabriel parecia zangado.
— Eu... eu sinto muito, — eu murmurei.
Alfa Gabriel gentilmente me colocou na cama. Se eu estivesse no
chão, não teria como subir nela. O topo quase atingia meu peito.
Sua mão descansou na minha cabeça e ele começou a acariciar meu
cabelo novamente.
— Não se desculpe, filhote. Não estou zangado com você, — ele
acalmou.
Então ele olhou para a mulher.
Era estranho ter alguém me tocando suavemente. A última pessoa a
ser gentil assim foi meu pai. Depois que meus pais morreram, o único
toque que recebia era quando era agredida ou espancada.
Por que ele estava sendo tão gentil? Eu não deveria ser o inimigo?
A mulher se aproximou e puxou algo do bolso. Uma das pontas ela
colocou nas orelhas, a outra ponta tinha um disco de cor clara.
Ela foi levantar o que restava do meu colete.
Eu rapidamente me esquivei e passei meus braços em volta do meu
corpo.
Ela olhou para mim, e depois para o Alfa Gabriel.
— Eu não posso examiná-la, se não me deixar tocá-la, — ela sibilou.
Alfa Gabriel deu um passo em direção à mulher. Pode ter sido minha
imaginação, mas ele pareceu maior.
— Isto! — ele estourou, — é uma filhote, e o nome dela é Ellie. Ela é
perfeitamente capaz de entender nossa língua. Tente explicar a ela o que
você está prestes a fazer! — Ele rosnou.
Ela se virou para olhar para mim e eu estreitei meus olhos. Eu poderia
dizer que ela não gostava de mim e eu não confiava nela.
Antes que ela tivesse a chance de abrir a boca, ela se afastou de mim,
quando alguém chamou seu nome.
— Melissa, por favor, vá para a maternidade, você poderia ajudar os
filhotes de Annalise, — declarou o homem.
A mulher, Melissa, bufou e foi embora.
O homem que a mandou embora se aproximou.
Ele sorriu para mim.
— Oi, Ellie, meu nome é doutor Sorensen, mas você pode me chamar
de Erik. Me desculpe por isso. Tudo bem se eu der uma olhada em você?
Eu olhei para ele, parecia ser gentil. Então eu acenei com a cabeça.
Erik puxou o mesmo instrumento que Melissa tinha na mão.
Ele o segurou em sua mão.
— Chama-se estetoscópio. Isso me permite ouvir seu coração e sua
respiração, você já viu um antes?
Eu neguei com a cabeça. Eu nunca tinha visto um médico antes.
Erik sorriu.
— Bem, esta extremidade... — ele apontou para o disco circular, — Eu
coloco no seu peito, e essa outra... — ele apontou para a extremidade que
Melissa havia colocado em suas orelhas, — vai em minhas orelhas para
que eu possa ouvir.
— Agora eu tenho que levantar seu colete, tudo bem?
Eu balancei a cabeça novamente.
Observei enquanto ele levantava suavemente meu colete. Dei um
salto quando ele colocou o disco no meu peito. Estava muito frio.
Erik riu.
— Desculpe por isso, Ellie. Eu deveria ter dito a você que era frio.
Erik pressionou o disco contra meu peito, em lugares diferentes,
depois levantou a parte de trás do meu colete.
Ele hesitou, então sentiu a pele das minhas costas com os dedos. Ele
estava carrancudo. Eu sabia por quê. Ele tinha visto as cicatrizes nas
minhas costas. Ele parecia surpreso... não chocado.
Ele não disse nada, em vez disso continuou pressionando o disco nas
minhas costas.
Assim que terminou, ele colocou o instrumento de volta no bolso.
— Agora. Ellie, você pode abrir sua boca para mim?
Eu fiz uma careta para ele.
— Por quê?
Ele sorriu.
— Eu só preciso olhar seus dentes e ter certeza de que sua língua
parece saudável.
Corri minha língua em meus lábios, mordendo meu lábio inferior,
antes de abrir minha boca.
Ele ergueu meus lábios suavemente com o dedo, enquanto examinava
minha boca.
— Está perfeito, Ellie. — ele elogiou. — Quantos anos você tem, Ellie?
— Doze... — Eu olhei para ele com desconfiança.
Ele lançou um olhar preocupado para o Alfa Gabriel. Eu não sei por
quê.
Alfa Gabriel pousou a mão na minha cabeça.
— Não se preocupe, Ellie. Só queremos ter certeza de que você não
está doente, — explicou ele.
Eu fiz uma careta, ninguém no campo de trabalho se preocupou se
estávamos doentes, pelo menos não até ficarmos doentes, então nos
separavam dos outros para que não ficassem enfermos também.
— Agora — Erik começou, — vamos dar uma olhada em seu braço.
Isso pode machucar um pouco, Ellie, eu preciso que você seja muito
corajosa.
Eu concordei. Então eu o observei quando ele começou a desfazer a
bandagem que Jason havia colocado no meu braço.
Alfa Gabriel sentou-se na cama do meu outro lado. Sem aviso, ele
segurou meu rosto com a mão e virou minha cabeça para olhar para ele.
— Por que você não me fala um pouco sobre você, Ellie? — Ele
persuadiu.
Eu fiz uma careta.
— Como o quê?
Ele sorriu.
— Bem, vamos ver, você tem alguma família?
Eu estava prestes a falar quando senti uma dor aguda no braço. Eu
gritei e tentei virar minha cabeça, mas Alfa Gabriel segurou rápido.
— Olhe para mim. Ellie, — ele insistiu.
Eu olhei para ele, então minha visão começou a embaçar.
— Eu... eu não me sinto muito bem, — eu murmurei.
Sua mão deixou meu rosto e ele gentilmente me levantou, embalando
minha cabeça. Tudo estava girando e meu corpo de repente ficou fraco.
— Eu sei, filhote, e sinto muito, mas é melhor assim, — Gabriel
acalmou.
Quando ele me deitou na cama, fiquei um pouco em pânico. O que
ele quis dizer com o melhor? Tentei lutar contra a necessidade repentina
de dormir.
— Não resista, Ellie, — Erik sussurrou, enquanto sua mão descansava
na minha testa, — tudo vai ficar melhor quando você acordar.
Quanto mais eu lutava, mais parecia escapar. A escuridão nublou
minha visão enquanto eu caía em um sono profundo.
Capítulo 4
Gabriel
Eu odiava ter que pôr a filhote para dormir daquele jeito, mas Erik
disse que era o melhor a se fazer. Ele não queria machucá-la, e remover
aquela bala seria muito doloroso.
Assim que ela desmaiou, Erik começou a trabalhar. Meu lobo estava
frenético. Não tínhamos companheira e, embora isso incomodasse a ele e
a mim, o que o incomodava mais era que ele não tinha filhotes.
Assim que a viu, com seus cabelos negros e olhos azuis, ele começou a
ronronar.
Filhote... Nossa filhote.
Ele continuou repetindo. Quando Jason me disse que ela havia levado
um tiro, ele ficou com raiva. Tentou assumir o controle. Seu rosnado
assustou a filhote, que era a última coisa que ele queria.
Assim que a peguei em meus braços, ele se acalmou.
Foi tudo o que pude fazer para manter o controle quando Melissa
apareceu. Nós dois podíamos sentir o cheiro do ódio e da raiva vindo
dela. Todo mundo sabia que ela odiava os humanos.
Muitos lobisomens odiavam, depois do que os humanos haviam feito.
Mas esta era uma filhote. Não deveria importar que Ellie fosse uma
filhote humana.
Fiquei aliviado quando Erik a enxotou e tratou de Ellie em seu lugar.
Eu ouvi um tilintar quando Erik jogou a bala em um prato de metal.
— Isso é...? — Comecei a perguntar.
Erik interrompeu:
— Não, não é prata. Apenas uma bala normal.
Ele franziu a testa,
— O que me faz pensar que eles estavam tentando manter os
humanos dentro, em vez de os lobisomens fora!
Eu balancei minha cabeça.
— Isso não faz sentido.
Erik começou a costurar a ferida no braço de Ellie.
— Faz todo o sentido. Olhe para ela, ela é uma filhote muito doente.
Meu lobo começou a se intrometer novamente.
Nossa filhote. Faça a filhote ficar melhor. Você diz ao médico para
consertar.
Eu descansei minha mão na testa da filhote, o que pareceu acalmar
um pouco meu lobo.
— Quão doente? — Eu perguntei, sem saber se queria saber a
resposta.
Erik sorriu para mim.
— Você gostou dela, não é?
Eu assenti.
— Meu lobo ainda mais.
Erik acenou com a cabeça.
— Ela está gravemente desnutrida e desidratada. Mais algumas
semanas e seria tarde demais. A frequência cardíaca dela está muito
lenta. A perda de sangue não ajudou, mas ela é uma guerreira.
— Muito descanso e uma boa nutrição. Será um processo lento, mas
acho que podemos trazê-la de volta.
Soltei um suspiro de alívio e meu lobo ficou calmo. Sua calma não
durou, enquanto Erik continuava.
— Eu não sei o que está acontecendo com os humanos, Gabriel, mas
eu duvido que ela seja a única nesta condição. Ela é muito pequena para
sua idade e já foi espancada em algum momento.
— Ela tem cicatrizes nas costas. Pode não ser da minha conta dizer,
mas acho que você deveria falar com o conselho sobre isso.
Meu lobo tentou assumir o controle, mas eu o controlei, apenas
permitindo que ele rosnasse.
— Pelo menos me deixe terminar de costurá-la antes de você deixar
seu lobo sair, — Erik disse.
Revirei os olhos, meu lobo era o lobo mais paternal que eu conhecia.
Ele odiava a ideia de filhotes sendo machucados ou abusados.
— Não é com você, Erik. É com o que os humanos estão fazendo com
seus filhotes, e você está certo, falarei com o conselho. Vou precisar falar
com eles de qualquer maneira.
Erik franziu a testa, então quando entendeu a questão, sorriu.
— Você quer adotá-la, não é?
Eu assenti.
— Eu não acho que meu lobo vai deixá-la, e como ela é humana, o
conselho precisará estar ciente.
Erik terminou de dar os pontos na ferida e colocou um curativo por
cima.
— Quero mantê-la internada por alguns dias, colocar um tubo para
hidratá-la e monitorar sua ingestão de alimentos, — concluiu.
Eu balancei minha cabeça.
— Não, eu estou de acordo com meu lobo, ela precisa ficar comigo.
Ficar aqui só vai causar estresse, especialmente se Melissa...
A testa de Erik franziu. Então seus olhos brilharam negros. Ele estava
se conectando com a mente de alguém, e não estava usando a conexão da
matilha.
Eu olhei para cima para ver uma jovem enfermeira se aproximando.
Eu a encarei por um momento antes de reconhecê-la.
— Amy? — Eu perguntei.
Ela sorriu.
— Pequena Amy! — Exclamei: — Na última vez que te vi, você ainda
era uma filhotinha correndo na grama.
Erik se aproximou e colocou um braço em volta dela.
— Agora ela é estagiária de enfermagem, — ele sorriu, orgulhoso.
Eu também sorri. Adorava ver como os filhotes floresciam. A filha de
Erik não era exceção.
— Você deve estar muito orgulhoso. Erik, — eu disse.
Amy enrubesceu e olhou para a cama.
— É esta a filhote? Ela é minúscula! Qual a idade dela?
Olhei para Erik, sem saber o que ele tinha em mente.
— Vou dar alta para ela do hospital, mas Amy vai ficar com ela, e ela
vai precisar ficar com o soro por alguns dias. Amy pode ajudar com sua
dieta.
Eu cruzei meus braços sobre meu peito.
— Acho que não tenho escolha, — bufei.
Erik sorriu.
— Não, você não tem, além do mais Amy estudou a fisiologia dos
humanos e dos lobisomens, então ela provavelmente sabe mais sobre
Ellie do que qualquer um de nós.
Olhei para Amy, que agora estava de pé ao lado da cama, observando
Ellie de perto.
— Você não tem problemas com o fato de que ela é humana? — Eu
investiguei.
Amy sorriu e seu pai revirou os olhos. Era uma pergunta um tanto
sem sentido, eu percebi. Erik não tinha problemas com humanos, então
não havia razão para que sua filha tivesse. Ele a criou bem.
— Não, Alfa Gabriel, sou uma enfermeira e cuidamos dos
necessitados, seja qual for a espécie.
Eu acenei com a cabeça e peguei a filhote em meus braços. Ela estava
fraca, mas parecia respirar normalmente.
— Ela vai ficar em um dos quartos de hóspedes da minha ala por
enquanto. Deve haver espaço suficiente para o equipamento médico. Vou
providenciar para que uma das outras salas seja preparada para Amy. —
Eu concluí.
Erik acenou com a cabeça.
— Vou providenciar para que o equipamento seja enviado. Enquanto
isso, Amy pode limpá-la, ela vai precisar de roupas também.
Eu carreguei Ellie do hospital, com Amy logo atrás de mim.
Fomos até o terceiro andar. Todo o andar foi alocado para os
lobisomens mais velhos. Éramos eu, meu Beta Jason, sua companheira,
que era minha irmã, e seus filhotes.
Nossos escritórios também ficavam neste andar, e isso significava que
eu poderia estar perto da filhotinha o tempo todo, ou pelo menos estar a
apenas alguns segundos de distância se Amy precisasse de mim para
alguma coisa.
O quarto de hóspedes que escolhi para Ellie ficava bem em frente ao
meu, com outro quarto de hóspedes bem ao lado que Amy poderia usar.
Coloquei Ellie suavemente na cama de casal. Tinha o tamanho
normal para um lobisomem, mas ela parecia muito pequena ali. Talvez
eu tivesse que organizar alguns móveis menores.
O tamanho da cama não era um problema, mas a altura sim. Por ora
ela precisava descansar, então não poder sair da cama sem ajuda era um
bônus.
Sentei-me na beira da cama e tirei algumas mechas de seu cabelo do
rosto. Olhei para Amy, que estava me observando, sorrindo.
— Ela teve sorte de encontrar você, — Amy entusiasmou-se, — e
sorte por ter deixado o território humano quando o fez.
Eu sorri de volta e balancei a cabeça.
— Vou sair e deixar você limpá-la. Minha irmã tem algumas roupas
que seus filhotes não usam mais, devem servir.
Apontei para outra porta.
— O banheiro está ali.
Eu não queria deixar a filhotinha. Eu não queria que ela acordasse em
um quarto estranho, com uma pessoa estranha.
— Quanto tempo ela vai ficar dormindo? — Eu perguntei.
Amy sorriu.
— você não precisa se preocupar. Alfa. Ela provavelmente não vai
acordar até de manhã. Você pode descansar um pouco. Se ela acordar,
vou fazer uma ligação mental com você imediatamente.
A gente fica... fica com a filhote... certifique-se, ok.
Meu lobo começou a reclamar.
Eu tive que concordar com ele.
— Está tudo bem, Amy. Vou apenas encontrar algumas roupas para
ela e depois volto. Meu lobo não está muito ansioso para deixá-la.
Amy riu.
— Eu entendo. Assim que configurar o equipamento médico, deixo
você se sentar com ela. Eu estarei ao lado se você estiver preocupado com
alguma coisa.
Eu assenti e me dirigi para a porta. Não havia necessidade de nós dois
ficarmos acordados a noite toda. Assim que minha filhotinha acordasse,
eu a apresentaria a Amy da maneira adequada.
Eu só os deixaria em paz quando tivesse certeza de que ela estava
feliz. A única outra loba com quem ela entrou em contato foi Melissa. Eu
teria algumas palavras com meu Beta Jason sobre o comportamento dela.
Com o tempo, eu traria Ellie para a matilha, e lidaríamos com
qualquer pessoa que resistisse à ideia de humanos conosco.
Bati na porta dos aposentos de Jason. Eu tinha certeza de que ele
estaria de pé, já que estava prestes a voltar da patrulha. Não bati muito
alto porque não queria acordar seus filhotes.
A porta abriu uma fresta, então totalmente quando ele percebeu que
era eu.
Ele ficou lá com apenas uma toalha enrolada em sua cintura.
— Eu interrompi alguma coisa? — Eu sorri.
Jason sorriu.
— Cinco minutos depois e eu não teria atendido a porta... como está
a filhote?
Eu fiz uma careta.
— Ela poderia estar melhor, eu só esperava que você pudesse ter
algumas roupas que servissem nela?
Jason acenou com a cabeça e me chamou para dentro.
Ele caminhou até outra porta, que eu assumi ser o quarto. Abrindo,
ele enfiou a cabeça para dentro.
— Jasmine, onde você guarda as roupas dos meninos que não cabem
mais neles?
Eu ouvi Jasmine suspirar
— Esse é meu irmão, — ela bufou.
Jason olhou por cima do ombro e sorriu para mim.
— Sim, é para a filhotinha, — ele explicou.
Um momento depois, minha irmã saiu do quarto enrolada em uma
toalha.
— Se isso não fosse pela filhote, você seria jogado de casa pelas
orelhas, — ela repreendeu, — quantos anos ela tem?
— Doze, mas ela tem quase o mesmo tamanho de um filhote de lobo
de oito anos, — respondi.
Jasmine caminhou até um baú que ficava perto da porta. Ela pegou
algumas pilhas de roupas.
— Isso é pequeno, mesmo para um humano, — ela notou, enquanto
me entregava as roupas.
Eu balancei a cabeça.
— Eu sei, a coitadinha não começou bem.
Jasmine se aproximou de Jason e abraçou seu braço.
— Eu sei, Jason me contou sobre ela, — ela disse, olhando para seu
companheiro.
Jason passou o braço em volta de Jasmine.
— Não se preocupe, querida, o Gabriel vai cuidar dela... — Ele olhou
para mim, — não vai?
Eu sorri e assenti, então me dirigi para a porta, deixando os dois
pombinhos em paz.
Quando abri a porta do quarto, Amy já estava começando a trabalhar.
Ela havia tirado a roupa e colocado a filhotinha sobre uma toalha. Amy a
estava limpando delicadamente com uma esponja e água morna.
Sua pele era de uma cor oliva clara, mas o que mais me chocou foi seu
corpo. Suas costelas se projetavam tanto que eu as vi se mover com cada
respiração que ela dava.
Seus ossos pélvicos também estavam bem expostos, onde havia pouca
ou nenhuma gordura ou músculo cobrindo-os.
Eu não era nenhum médico, mas agora pude ver como ela estava
doente.
Passei as roupas para Amy.
— Aqui, estas devem caber.
Amy forçou um sorriso, e pude ver a tristeza em seus olhos. Eu
poderia dizer que ela estava chocada com o estado da filhotinha, e ela era
uma enfermeira, embora uma estagiária.
Ela gentilmente vestiu Ellie com um par de shorts e uma camiseta.
Eles se encaixaram perfeitamente. Achei que a filhotinha não reclamaria,
as roupas que ela usava não eram exatamente femininas.
Para ser justo, nenhuma das filhotes de lobo aqui se vestia de forma
feminina. Elas estavam muito ocupadas correndo e brincando na grama.
— Você talvez queira se afastar, enquanto eu coloco o tubo. Seu lobo
pode não gostar. — Sugeriu Amy.
Eu balancei a cabeça e me virei.
Cinco minutos depois, Amy falou.
— Ok, está tudo feito.
Virei-me e vi um tubo preso à mão do filhote, que estava coberto por
uma bandagem.
Amy tirou as toalhas e as roupas velhas e cobriu Ellie com um
edredom grosso.
Ela parecia ainda menor agora, com a cabeça e os braços fora das
cobertas.
Seu cabelo negro como um corvo ficou espalhado sobre o travesseiro,
como um halo escuro.
— Tudo o que ela precisa pode ser alimentado através do tubo.
Nutrientes extras, analgésicos e antibióticos, — Amy começou, — se você
precisar de alguma coisa ou estiver preocupado, me avise.
— Voltarei pela manhã.
Eu acenei com a cabeça, e Amy se dirigiu até a porta, olhando por
cima do ombro uma última vez antes de sair.
Sentei-me na beira da cama e olhei para a filhotinha.
Eu descansei minha mão suavemente em sua cabeça, esfregando sua
testa com meu polegar.
— Você está segura agora, filhote, tenho certeza disso, — sussurrei.
Capítulo 5
Ellie
Eu podia ver a luz através das minhas pálpebras. Essa não foi a
primeira sensação que tive. A dor que eu sentia estava em toda parte e eu
estava com frio. Muito frio.
Mesmo que eu pudesse sentir uma coberta grossa em cima de mim.
Eu não tinha ideia de onde estava. As memórias do dia anterior
voltaram à tona. O tiro, a floresta, o homem... o lobisomem. Depois o
casarão e o médico.
Ele tinha feito algo. Me fez desmaiar.
Eu chorei. Então eu senti uma mão na minha testa.
— Está tudo bem, filhote, — ele me acalmou.
Eu lentamente abri meus olhos. E a realidade desabou sobre mim.
Alfa Gabriel. Outro lobisomem. Ele não me tratou como inimigo. Foi
gentil. Por quê?
— Frio, — murmurei, — dói.
Eu sabia que meu braço doeria. Afinal, eu havia levado um tiro, mas
todo o meu corpo doía, e minha mão doía muito.
Eu olhei para minha mão. Havia uma bandagem. Dali saía um tubo
preso a um saco plástico pendurado em uma armação de metal.
— Eu acho que você está com febre, filhote. Você pode me dizer onde
dói? — Alfa Gabriel perguntou.
Eu olhei para ele, então olhei para o tubo em minha mão. Uma febre!
Eu entrei em pânico. Meu pai pegou febre, minha mãe também. Ambos
morreram.
Eu encarei Alfa Gabriel.
— Não quero morrer, — solucei, enquanto as lágrimas escorriam dos
meus olhos.
Uma de suas grandes mãos segurou minha nuca, enquanto a outra
acariciou meu cabelo.
— Ninguém vai morrer. Ellie. — ele me acalmou, — agora me diga
onde dói?
— Você promete? — Eu funguei.
Alfa Gabriel olhou para mim e sorriu.
— Sim. Ellie, eu prometo, — ele beijou suavemente minha testa, —
agora, me diga onde dói.
Eu pisquei. Meu pai costumava fazer isso. Beijar minha testa e sorrir.
Ele foi o único que o fez, até que adoeceu.
Eu empurrei a memória para o fundo da minha mente. Não demorou
muito, a dor latejante na minha mão e a dor no resto do meu corpo
cuidou disso.
— Em todos os lugares, mas é mais forte na minha mão, — eu gemi.
Tentei levantar minha mão para mostrar a ele, mas estremeci e
choraminguei com o esforço.
Alfa Gabriel fechou os olhos. Eu não tinha certeza do porquê. Depois
de alguns momentos, ele os abriu novamente. Pouco depois, a porta da
sala se abriu.
Uma mulher, que eu não tinha visto antes, entrou.
Eu me encolhi, a última mulher lobisomem que eu tinha visto foi no
hospital. Ela me assustou. Eu tinha certeza que se não fosse pelo Alfa
Gabriel, ela teria me machucado. Eu me perguntei se essa mulher era a
mesma.
— Está tudo bem, Ellie, esta é Amy, ela é uma enfermeira, ela vai
cuidar de você, — sussurrou Alfa Gabriel.
Eu balancei minha cabeça.
— P... Por favor... Não deixe ela me machucar, — eu implorei.
Amy, a enfermeira, parecia surpresa.
Ela se sentou na beira da cama, no lado oposto de onde Alfa Gabriel
estava sentado.
— Ellie, eu prometo que não vou te machucar, só estou aqui para te
ajudar.
Eu olhei para ela com desconfiança. Então virei minha cabeça para
Alfa Gabriel quando ele começou a falar.
Ele apenas olhou para Amy e disse uma palavra.
— Melissa...
A boca de Amy formou um 'o'.
— Não se preocupe, Ellie, eu não sou nada como a Melissa. — ela fez
uma pausa, e se aproximou um pouco mais, — cá entre nós, eu também
não gosto muito dela.
Ela piscou conspirativamente, como se fosse apenas nosso segredo.
Amy olhou para Alfa Gabriel.
— Vou colocar alguns antibióticos e analgésicos no soro, — afirmou
ela.
Alfa Gabriel imediatamente balançou a cabeça.
— Não, Amy. Precisa tirar, está causando dor a ela.
Amy franziu a testa e balançou a cabeça.
— Ela precisa disso para hidratá-la, pelo menos por alguns dias. Se eu
der a medicação dessa forma, vai funcionar mais rápido.
Alfa Gabriel rosnou.
— Faremos de outra maneira, não vou deixar essa filhote com dor.
Sua expressão se suavizou quando ele viu o pânico em meu rosto. A
única coisa que me assustava nessas pessoas ou lobisomens era quando
eles rosnavam.
Só então ficou claro que eles não eram humanos. Acho que gostava de
me enganar pensando que eles eram exatamente como eu. Eles não
eram.
— Você promete comer e beber tudo o que lhe dermos e tomar seu
remédio? — Ele perguntou.
Eu concordei. E provavelmente teria concordado com qualquer coisa
para tirar aquele tubo da minha mão ou para não ouvi-lo rosnar para
mim.
Amy suspirou.
— Muito bem, mas preciso contar ao meu pai.
Alfa Gabriel acenou com a cabeça.
— Tire o tubo primeiro, se seu pai criar confusão, você pode dizer a
ele que foi uma ordem do Alfa, — ele hesitou, — além disso, Amy, sem
ligação mental na frente da filhote, isso a deixa inquieta.
Amy franziu a testa, mas acenou com a cabeça.
— Ok, Ellie, — ela começou.
Virei minha cabeça para olhar para ela.
— Isso pode doer um pouco, então eu quero que você seja corajosa.
Eu engoli em seco e acenei com a cabeça. Agarrando as cobertas com
a outra mão, observei.
Foi nesse ponto que percebi que o tubo não estava em mim. Estava
conectada a algo saindo da bandagem. Quando ela removeu o tubo,
minha mão não doeu menos.
Eu apertei minha mandíbula quando ela começou a remover o
curativo. Estava doendo mais agora, mas eu não conseguia desviar os
olhos.
Não poderia até que a bandagem fosse completamente removida.
Então eu vi uma agulha saindo da minha mão. A minha mão, que agora
estava com um hematoma desagradável.
Então fechei os olhos e virei a cabeça.
Eu gemi quando senti uma dor aguda na minha mão.
— Tudo feito, Ellie, — Amy acalmou.
Ainda doía, mas não tanto.
Observei Amy enquanto ela entrava no banheiro. Ela ficou lá por
alguns minutos e então voltou.
— Meu pai está a caminho, — afirmou ela.
Em seguida, ela se ocupou em limpar o curativo velho e remover a
bolsa com o líquido.
Quando a porta se abriu, fiquei surpresa ao ver Erik, o médico, entrar
na sala. Amy deve ser filha dele.
Ele sorriu para mim enquanto caminhava até a cama.
— Bem, sem problemas, o que você tem feito? — Ele sorriu.
Ele olhou para minha mão, observando que acabara de retirar a
bandagem.
Ele murmurou.
— Eu estava com medo que isso pudesse acontecer.
Alfa Gabriel olhou para ele.
— Você sabia que isso poderia acontecer?
Erik acenou com a cabeça.
— Era um risco que tivemos que correr, mas o corpo dela reagiu à
agulha. Era muito intrusivo.
Eu tinha certeza de que o Alfa Gabriel estava prestes a rosnar, o que
me fez tremer ligeiramente. Em vez disso, ele apenas tossiu.
Erik colocou a mão na minha testa.
— Ela está quente, — ele hesitou, — precisamos medir sua
temperatura.
Eu fiz uma careta, o que ele quis dizer com isso?
Ele afastou a cabeça de mim e ficou completamente imóvel — Isso é
mesmo necessário? — Alfa Gabriel perguntou.
Erik acenou com a cabeça, ele então sorriu para mim, eu poderia dizer
que era falso. Tive a horrível sensação de que algo ruim estava para
acontecer, então me aproximei um pouco mais do Alfa.
— Agora, filhotinha, preciso que você seja muito corajosa, — afirmou.
Eu olhei para ele e balancei minha cabeça.
— Eu... eu não quero ser corajosa, — eu gaguejei.
Ele sorriu novamente.
Eu virei minha cabeça para olhar para o Alfa Gabriel.
— P... Por favor, não deixe ele me machucar, — eu implorei.
Gabriel acariciou meu rosto com gentileza.
— Não se preocupe, Ellie, estarei bem aqui, — ele me acalmou.
Alfa Gabriel gentilmente me pegou e me deitou de bruços. Tentei
rolar para trás, mas ele colocou um pouco de pressão suave nas minhas
costas.
Lágrimas arderam meus olhos.
— Por favor, não, — implorei, — prometo que vou ser boazinha, —
chorei.
Alfa Gabriel se soltou.
Eu pensei que ele fosse me deixar levantar, mas em vez disso, ele
agarrou meus pulsos e os prendeu nas minhas costas com uma mão, com
a outra virou minha cabeça para o lado e segurou-a no travesseiro.
Eu chutei, mas alguém rapidamente segurou minhas pernas no lugar.
Então eu senti os shorts sendo puxados para baixo.
Senti uma picada aguda em uma de minhas nádegas. Com o canto do
olho, vi o motivo. Uma injeção estava sendo administrada, a picada fora
da agulha penetrando na minha carne.
Então eu senti minhas nádegas se separando.
— Não se preocupe, filhote, é apenas um termômetro para medir sua
temperatura, — explicou Erik.
Comecei a gritar ao sentir algo frio me penetrando. Tentei lutar, mas
eles eram muito fortes. Meus gritos se transformaram em soluços.
Continuei me agitando, incapaz de parar, mesmo depois que eles me
soltaram.
Alfa Gabriel foi acariciar meu cabelo, mas deixei escapar um grito de
gelar o sangue.
— NÃO!
Eu me afastei dele o mais rápido que pude. Esquecendo que a cama
era tão alta, caí de lado com um baque no chão.
Com tanta adrenalina, eu não senti dor. Eu me arrastei para o canto
mais distante do quarto. Encolhendo-me em uma pequena bola e me
pressionando contra o canto.
Comecei a balançar para frente e para trás, batendo minha cabeça
contra a parede, para tentar afastar o horror que havia experimentado.
Alfa Gabriel gritou com Erik.
— Faça alguma coisa! Você é médico.
Então a porta abriu e uma mulher que eu não tinha visto antes
entrou.
Ela olhou para mim, então para os outros três lobisomens na sala.
— Que diabos vocês estão fazendo com ela? — Ela gritou.
Capítulo 6
Jasmine
Eu ouvi os gritos do meu quarto e do quarto de Jason. Os meninos já
estavam na escola e eu estava prestes a fazer comida para nós. Jason teve
um dia livre, porque ficou de guarda até de madrugada.
Tão livre quanto você pode conseguir, sendo o Beta da matilha.
Eu imediatamente pulei e me dirigi para a porta.
Jason estava prestes a me impedir, mas pensou melhor. Você não
mexe com o instinto maternal de uma loba e vive pra contar a história.
Corri para um dos quartos de hóspedes de Gabriel, de onde vinham
os gritos. Os gritos agora se transformaram em soluços de choro.
Eu abri a porta e vi a filhotinha balançando para a frente e para trás
no canto.
— Que diabos vocês estão fazendo com ela? — Eu gritei.
Corri até onde a filhote estava e passei meus braços em volta dela.
Sentando no chão, puxei-a para o meu colo.
Ela endureceu e começou a se contorcer tentando se afastar de mim.
— Shh, querida, está tudo bem. Agora está tudo bem, — eu a acalmei.
Eu olhei para Gabriel e Erik.
— É melhor vocês terem uma boa razão para isso, — eu sibilei, antes
de voltar minha atenção para a filhote.
Ela era uma coisinha bonita, para um humano. Não que eu tivesse
visto muitos humanos, mas nossa história nos dizia que uma das razões
pelas quais éramos odiados por eles era a diferença em nossa aparência.
Raso eu sei, mas é o que nos foi ensinado. Talvez não seja verdade. Eu
esperava que não.
Havia muitos da minha espécie que odiavam os humanos por causa
do que eles fizeram. Mas aquilo foi anos atrás. Alguns de nós tinham
esperança de que o mundo pudesse ser reunido pacificamente.
Vendo o estado dessa filhote, eu agora não tinha tanta certeza.
Eu a balancei suavemente e esfreguei suas costas, então comecei a
cantar uma canção de ninar que costumava cantar para os meninos.
Pareceu acalmá-la, ela parecia um pouco mais relaxada, embora ela
ainda estivesse soluçando.
Eu a peguei e a carreguei em meus braços em direção à porta.
— Onde você está indo? — Gabriel rosnou.
Eu olhei para ele,
— Eu vou levá-la de volta para a minha casa. Vou colocá-la na cama.
Então eu vou voltar aqui e dar a vocês dois uma bronca.
Eu carreguei a filhote de volta para nossos aposentos, quando entrei
pela porta, Jason parecia chocado.
A filhote ainda estava chorando baixinho, mas ela estava muito mais
calma.
— O que diabos aconteceu? — Jason perguntou, com seu rosto
sombrio de raiva.
Eu balancei minha cabeça.
— Eu não sei, amor, mas pretendo descobrir. Por enquanto, vou
colocá-la na cama de Ethan.
Jason acenou com a cabeça e abriu a porta do quarto de Ethan. Ele
tinha a mesma idade que ela, mas era muito maior. Ele tinha quase o
mesmo tamanho que ela quando ele tinha oito anos. Sua cama ainda não
era de tamanho adulto.
O tamanho seria melhor para ela de qualquer maneira.
Eu a deitei na cama e puxei a coberta sobre ela.
Ela abriu os olhos e viu Jason.
Achei que ela fosse começar a gritar de novo, mas ocorreu o oposto.
— J... Jason? — Ela soluçou e estendeu os braços.
Jason se abaixou e a pegou. Ela colocou os braços em volta do pescoço
dele e começou a chorar.
Observei enquanto ele esfregava suavemente suas costas e a silenciou.
Ele sempre foi bom com filhotes.
Se ela não fosse uma filhote, eu poderia ter me transformado em uma
loba ciumenta. Afinal, ele era meu companheiro. Mas ela era uma filhote
e humana.
Jason foi o primeiro lobisomem que ela conheceu e, como sempre,
seu grande coração brilhava.
Eu sorri para ele.
— Veja se você consegue fazê-la dormir um pouco, hein?
Jason sorriu para mim e acenou com a cabeça.
Eu o deixei com a filhote. Agora era hora de ver o que aquele meu
irmão estúpido tinha feito.
Corri de volta para a sala de onde havia recolhido a filhote.
Gabriel e Erik ainda estavam lá. Amy havia desaparecido.
— O que diabos você fez com ela? Ela confiou em você? — Eu rosnei.
Erik, que estava sentado na cama, levantou-se imediatamente. Ele
ergueu as mãos em sinal de rendição simulada.
— Não é tão ruim quanto você pensa, — afirmou.
Gabriel olhou para o chão.
— Não, é infinitamente pior, — ele suspirou.
Erik, lançou a ele um olhar. Seu corpo inteiro expressava culpa.
Eu respirei fundo. Tentando acalmar minha raiva.
— Apenas me diga o que aconteceu.
Gabriel olhou para Erik, que suspirou.
— Ok, — Erik começou, — Eu tirei a bala ontem à noite...
— Bala? — Eu interrompi.
Erik acenou com a cabeça.
— Ela levou um tiro, acho que Jason não mencionou isso. De
qualquer forma, eu tirei e fiz pontos nela. Ela está tão desnutrida que
sugeri um soro. Parece que seu corpo estava muito fraco.
— Ela acordou esta manhã com dores e febre.
Eu fiz uma careta.
— isso não explica por que ela está tão traumatizada, não é?
Erik revirou os olhos.
— Estou chegando lá.
Cruzei meus braços e olhei para ele.
Erik suspirou, mas continuou.
— Como eu estava falando... ela estava com febre, então eu precisava
tirar a temperatura dela. Eu não queria arriscar que ela mordesse o
termômetro. Ela teve pouco ou nenhum tratamento médico antes de
hoje.
— Então... — Ele hesitou, olhando para mim, tentando medir minha
raiva.
— Eu tomei a medida analmente, — ele desabafou.
Eu o encarei, quase sem palavras.
— Você fez o quê?
Ele fechou os olhos por um segundo e suspirou.
— Isso não é o pior de tudo.
Eu estreitei meus olhos.
— Vá em frente, — eu rosnei.
Nesse ponto, Gabriel se levantou, com seus dedos correndo pelos
cabelos.
— Nós a seguramos, enquanto ele fazia isso, então ele descobriu que
ela havia sido abusada.
Eu olhei para ele sem acreditar. Ela tinha doze anos.
— O quê?
Gabriel balançou a cabeça e suspirou.
— Sabíamos que ela havia apanhado em algum momento, ela tem
cicatrizes nas costas... mas isso...
Eu coloquei minha mão sobre minha boca, eu podia sentir as lágrimas
começando a se acumular.
— Por quê? Por que eles fariam isso? — Eu perguntei, com minha voz
falhando.
Gabriel se aproximou e envolveu seu braço em volta do meu ombro.
— Eu não sei, Jazzy. Eu realmente não sei, — ele suspirou, mal
conseguindo falar.
— Eu poderia fazer mais alguns testes, — Erik ofereceu.
— Não! — Gabriel e eu ecoamos.
Eu olhei para Gabriel e sorri. Você só queria fazer o melhor, como
sempre.
— Chega de testes, chega de testes intrusivos. Ela já passou por
muito, só precisamos ajudá-la a se curar e tentar... — Gabriel hesitou. —
tentar ganhar a confiança dela novamente.
Eu inclinei minha cabeça para meu irmão.
— Você vai, Gabriel, — eu assegurei a ele.
Gabriel suspirou. Ele parecia exausto.
— Vamos, deixe-me fazer o café da manhã para você, então vamos
providenciar uma reforma neste quarto.
Gabriel franziu a testa.
— Uma reforma?
Eu sorri.
— Sim, isso não é adequado para um filhote menina.
Gabriel forçou um sorriso e acenou com a cabeça enquanto eu o
guiava para fora da sala e de volta para meus aposentos.
Capítulo 7
Gabriel
Eu segui Jasmine de volta ao seu lugar. Era quase como um pequeno
apartamento dentro da casa da matilha. Eu realmente nunca me
preocupei com meus quartos. Eu só usava o quarto e o escritório, antes
de Ellie.
Entramos na área de estar. Fiquei surpreso ao ver Jason sentado no
sofá, com a filhote aninhada em seus braços. Jasmine também, e não de
um jeito bom.
— Eu pensei ter dito a você para colocá-la na cama? — Ela gritou.
Jason olhou para cima, e seu rosto suavizou.
— Ela estava assustada, então eu a trouxe aqui, — ele rebateu.
Ele olhou para ela.
— Ela está dormindo agora. Ela me disse que só poderia dormir lá se
seu irmão se sentasse com ela.
Eu fiz uma careta,
— Ela tem um irmão?
Jason acenou com a cabeça.
— Por que diabos ele não a protegeu, e impediu que...
Minhas palavras pairaram no ar, eu nem queria pensar sobre isso,
muito menos falar sobre isso.
Sentei-me ao lado de Jason, enquanto Jasmine se dirigia para a
cozinha.
— Dê ela para mim, — eu sussurrei, esperando não acordá-la.
Jason hesitou, mas depois, a passou para mim. Ela parecia tão
tranquila dormindo.
Eu afastei suavemente o cabelo do seu rosto.
— O que eles fizeram com você, filhotinha? — Eu sussurrei.
Ela começou a se mexer. Quando ela abriu os olhos e me viu, soltou
um grito e lutou para fugir.
Eu a segurei com um pouco de força e a silenciei. Acariciei
suavemente o braço dela.
— Está tudo bem, Ellie, eu não vou te machucar. Você está segura
agora, — eu assegurei.
Seus gritos se transformaram em um gemido, mas eu ainda podia
sentir o cheiro do medo vindo dela.
Jasmine saiu da cozinha com alguns pratos de comida, franzindo a
testa.
— Ela está bem? — Perguntou, com preocupação em seu rosto.
Eu balancei a cabeça.
— Ela vai ficar, só precisamos encontrar algo para ela comer. O
médico diz que precisa ser leve. Não devemos alimentá-la demais, —
acrescentei.
Jasmine acenou com a cabeça e sorriu. Ela voltou para a cozinha.
Eu olhei para a filhote. Ela não estava mais choramingando, mas
ainda parecia muito assustada.
— Que tal você comer alguma coisa? — Eu sugeri.
Ela olhou para mim com desconfiança e acenou com a cabeça.
Eu sorri suavemente.
— Jasmine acabou de ir buscar algo para você.
Ela franziu a testa,
— Jasmine?
Sua voz era quase um sussurro. Se não fosse pela minha audição de
lobisomem, eu provavelmente não teria ouvido.
— A senhora que trouxe você aqui. O nome dela é Jasmine, ela é
minha irmã e companheira de Jason.
Sua testa franziu,
— o... o que é um companheiro?
Eu ri, ela era uma coisinha curiosa. Eu não tinha certeza de como
explicar isso.
— Bem, — eu comecei, — lobisomens têm companheiros, a Deusa da
Lua escolhe quem é seu companheiro, então eles vivem juntos e têm
filhotes... como sua mamãe e papai, — eu acrescentei.
Ela engasgou e começou a tremer.
— Eu... eu não quero ser uma companheira, — ela gaguejou.
Eu não pude deixar de rir.
— Não, filhotinha, você não é uma companheira. Vou cuidar de você,
como sua mamãe e papai fizeram.
Ela piscou algumas vezes.
— Papai morreu, ele não podia cuidar de mim. Eles vieram e nos
levaram embora.
Seu lábio inferior começou a tremer.
Eu acariciei suavemente sua testa.
— Eu sei, pequena, mas isso não vai acontecer aqui. Eu vou cuidar de
você agora, e quando eu não estiver por perto, Jasmine e Jason estarão.
Como se fosse uma deixa, Jasmine voltou da cozinha.
Ela se agachou na nossa frente.
— Ei, — ela cumprimentou Ellie com um sorriso.
— Jas-mi-ne, — Ellie soou a palavra.
Jasmine sorriu.
— Isso mesmo, agora eu trouxe algo para você comer, se você não
gostar, apenas deixe aí e eu vou encontrar outra coisa para você.
Ellie olhou para o prato. Jasmine colocou uma variedade de frutas no
prato, todas fatiadas em pedaços pequenos. Havia maçã, laranja, banana
e morango.
— O... o que é? — Ellie perguntou curiosamente.
Jasmine sorriu e apontou para cada tipo de fruta, dizendo a Ellie o
que eram.
— M é para maçã, — Ellie recitou.
Eu ri.
— Sim, está certa, como você sabia disso?
Ela olhou para mim, o medo retornava.
— Eu... eu vi, em um livro de figuras... mas não vou olhar de novo... eu
prometo, — ela deixou escapar.
Eu fiz uma careta e olhei para Jasmine, que encolheu os ombros.
— Está tudo bem, Ellie, você pode olhar os livros. Na verdade, quando
você ficar mais forte e for para a escola, haverá um monte de livros para
você olhar. — eu disse entusiasmada.
Ela pareceu surpresa.
— Escola? — Ela questionou.
Eu sorri.
— Você será capaz de aprender um monte de coisas novas, mas agora
vamos colocar um pouco de comida em você, vamos.
Ellie acenou com a cabeça humildemente e olhou para o prato de
frutas, hesitante.
Peguei uma fatia de maçã e segurei perto de sua boca.
Ela lentamente abriu a boca e eu coloquei dentro.
— Agora pode ter um gosto um pouco diferente da maçã que você
comeu antes de Jason te encontrar. Elas estavam começando a apodrecer,
por isso as entregamos aos porcos.
Observei enquanto ela comia a maçã. Ela devia estar morrendo de
fome, mas não engoliu. Era quase como se ela estivesse saboreando a
fruta.
Nunca poderia imaginar que uma filhotinha de 12 anos nunca tivesse
comido fruta antes.
— Isso é bom? — Eu perguntei a ela
Ela acenou com a cabeça.
Cada pedaço de fruta que eu dava a ela, ela comia da mesma maneira.
Ela não torceu o nariz para nada disso. Claro, era tudo fruta e tinha um
sabor doce. Eu me perguntei se isso a encheria.
Eu realmente queria fazer uma ligação mental com Erik ou Amy para
obter alguns conselhos, mas eu sabia que isso a assustava. Talvez eu deva
explicar a ela para ela não ficar tão assustada.
— Ellie?
Ela olhou para mim e acenou com a cabeça.
— Você sabe que somos diferentes de você?
Ela assentiu novamente, mas parecia preocupada.
— Eu sei que às vezes fazemos coisas que te assustam, como quando
nossos olhos mudam de cor? — Eu continuei.
Ela olhou para meu rosto. Focando em meus olhos.
Eu não pude deixar de rir.
Ela fez beicinho e estreitou os olhos.
— Quando isso acontece, Ellie, é porque estamos falando um com o
outro com nossas mentes. É algo que podemos fazer e que os humanos
não podem, — acrescentei.
Ela engasgou e ficou lá com a boca aberta. Então eu literalmente a
ouvi engolir.
— O que mais vocês podem fazer? — Ela gaguejou.
Eu esfreguei suavemente seu braço.
— Muitas coisas, mas agora eu só quero que você saiba que se você vir
nossos olhos mudando de cor, você não deve se preocupar.
Ela mordeu o lábio inferior.
— Ok, — ela sussurrou.
Sorri:
— Então, Ellie, vou falar com alguém agora. Eu só não quero que você
tenha medo, ok?
Ela acenou com a cabeça.
Eu liguei minha mente à de Amy
"Você pode me dar alguns conselhos sobre o quanto Ellie deve comer.
Acabamos de dar a ela um pequeno prato de frutas?"
Eu ouvi um suspiro, olhei para Ellie. Ela estava olhando para mim,
mas desta vez com admiração ao invés de medo. Sempre que ela fazia
progressos, ficava muito orgulhoso.
Ela era uma pequena alma corajosa, depois de tudo que ela tinha
passado.
Peguei o elo mental de Amy.
"Mantenha sua comida leve. Frutas são boas. Sem exageros. Deixe-a
decidir quanto quer comer."
Meus olhos voltaram ao normal, e eu verifiquei duas vezes se Ellie
estava bem.
Ela ainda estava olhando para mim, olhando nos meus olhos.
Eu não pude deixar de rir. Percebi na última hora que não fiz nada
além de sorrir e rir. Não é algo que eu fazia com frequência.
Talvez eu precisasse dela tanto quanto ela precisava de mim.
Jasmine pegou o prato vazio que continha as frutas de Ellie e me
entregou o café da manhã que ela havia preparado para mim.
O olhar de Ellie mudou do meu rosto para o meu prato de comida.
— Você ainda está com fome, filhote? — Eu perguntei a ela.
Ela confirmou rapidamente. Senti que ela não estava sendo
completamente honesta.
Coloquei alguns dos ovos mexidos em um garfo e segurei.
— Quer experimentar? — Eu perguntei a ela.
Ela piscou algumas vezes. Eu estava começando a notar que ela fazia
isso quando estava um pouco insegura.
— P... posso? — Ela perguntou.
Eu sorri e levei o garfo à boca dela. Ela se abriu e deu uma mordida.
Então ela fez uma careta.
Eu não pude deixar de rir.
Eu estiquei minha outra mão.
— Vá em frente, diga se você não gosta, — eu ri.
Ela hesitou por alguns segundos, então cuspiu o ovo na minha mão.
Em seguida, ela enxugou a boca com as costas da mão.
Jasmine olhou para nós dois e riu.
— Vou pegar um pano, — ela riu, — e um pouco de suco para Ellie? —
Ela questionou.
Eu concordei. Ellie ainda estava ocupada fazendo caretas enquanto o
sabor do ovo permanecia em sua boca.
Quando Jasmine voltou, limpei minha mão cheia de ovo no pano e
entreguei a Ellie o copo de suco.
Ela olhou para ele com desconfiança.
Jasmine deu uma risadinha.
— É apenas suco de laranja, Ellie. Vai tirar o gosto do ovo.
Ellie deu um gole no suco, hesitante no início. Então, percebendo que
tinha o mesmo sabor do pedaço de laranja que havia comido, ela o bebeu
rapidamente.
Ellie não olhou para o meu prato de comida depois disso. Eu tinha
certeza de que seria uma pequena tentativa e erro. Ela nunca tinha
comido metade da comida que as pessoas normais comem.
Esta seria uma experiência nova para nós dois.
Capítulo 8
Ellie
Sentei-me no colo de Gabriel, enquanto ele terminava seu café da
manhã. Eu nem olhei para o prato de novo, não depois que provei aquele
ovo. Foi horrível.
Depois de comer todos os pedaços de fruta, pensei que toda a comida
teria um gosto agradável.
Eu ainda desconfiava muito dessas pessoas, depois do que aconteceu
no quarto. Foi como antes. Jurei então que nunca mais deixaria isso
acontecer, mesmo que isso significasse minha morte.
Eles eram fortes esses lobisomens. Muito mais fortes do que os
homens no bloco de punição.
Tentei suprimir a memória. Isso só me daria pesadelos, e eu não tinha
mais Jackson.
Fui tirada dos meus pensamentos pelo Gabriel.
— Acho que devemos dar um banho em você e ver se podemos tirar
esses nós do seu cabelo, — ele sugeriu.
Eu rapidamente chacoalhei minha cabeça. Já havia tomado banho na
semana passada. Nós só tomamos um banho por mês. Se alguém tentasse
ter mais, seria punido.
Uma coisa que eu sabia mais do que tudo era que nunca faria nada
para ser punida novamente.
Cruzar a fronteira era diferente. Se eu tivesse sido pega, teria morrido.
Provavelmente por uma bala. A bala no meu braço era prova disso.
Observei com curiosidade enquanto Jasmine se aproximava de onde
eu estava sentada.
— Talvez eu pudesse ver o que posso fazer com o seu cabelo durante
o banho.
Ela pegou minha mão e me puxou do colo de Gabriel. Tentei me
afastar, mas não adiantou, ela era muito forte.
— Vamos, filhote, é só um banho. Posso precisar cortar alguns desses
nós do seu cabelo, duvido que vá passar uma escova neles.
Senti meus batimentos cardíacos aumentarem. Parecia que algo
explodiria no meu peito.
Minha respiração começou a ficar irregular. Normalmente, quando
isso acontece, Jackson estava lá, mas não agora.
Comecei a soluçar, enquanto as lágrimas corriam pelo meu rosto.
— Não! — Eu implorei, — p... por favor. Eu... eu prometo que vou ser
boazinha, — eu chorei.
Tentei apagar a memória enquanto desmaiava. Mas, como sempre,
isso veio à tona.
FLASHBACK
O enorme guarda me arrastou para o grande edifício de concreto,
com grandes portas de metal. Ninguém queria ir para lá. Eles tinham
visto como as pessoas saíam. Feridas, machucadas e quebradas.
Isso não me impediu de lutar, mas quanto mais eu lutava, mais
duramente era tratada.
— Jackson! Me ajude! — Eu gritei.
Consegui olhar por cima do ombro antes de ser arrastada para o
prédio.
Jackson ficou ali olhando, um olhar horrorizado em seu rosto.
Murmurando as palavras "desculpe".
Os guardas neste lugar eram mais velhos e muito maiores do que os
guardas da fronteira. Não fazia sentido para mim ter guardas que ainda
eram apenas meninos protegendo a fronteira.
Alguns meses antes, eles haviam estado nos campos de trabalho.
Contudo, esses guardas eram diferentes, e não de um jeito bom.
O guarda me jogou no chão e eu caí com um grunhido. Outro guarda
estava na minha frente, ele era ainda maior do que o primeiro, se isso
fosse possível. Ele parecia estar no comando.
Havia uma mesa ao lado dele e outra porta oposta à que havíamos
entrado.
— Quantos anos, e o que ela fez? — Ele questionou o guarda que
havia me trazido.
— Onze, senhor. Ela foi encontrada com um livro e fazendo uma
pausa não programada, — o outro guarda respondeu.
O guarda que havia me trazido se virou e saiu.
O outro guarda olhou para mim, ele carregava uma bengala na mão
que segurava sob a axila.
— Tire a roupa! — Ele rosnou para mim.
Eu o encarei horrorizada.
— O... o quê, — eu gaguejei.
Rápido como um raio, a bengala caiu com um estalo no meu rosto.
Eu gritei e coloquei minha mão na ferida. Fiquei surpresa por não
haver sangue.
— Não me faça pedir de novo, — ele rosnou, — tire tudo e coloque
suas roupas naquela caixa.
Eu rapidamente me levantei e fiz o que me foi dito. Eu não queria ser
atingida novamente. Uma vez que fiquei ali nua, passei meus braços em
volta de mim, tentando me cobrir.
Se eu não achasse que as coisas poderiam piorar, eu estava errada.
Outro guarda entrou na sala e me agarrou com força. O primeiro
abriu uma gaveta da escrivaninha e tirou algo. No começo eu não tinha
certeza do que era, então percebi. Era um barbeador.
Uma vez eu vi meu pai usá-los.
Tentei lutar, mas ele me ameaçou com a vara, então parei.
Então ele ligou o barbeador.
Lágrimas correram pelo meu rosto e eu chorei enquanto ele raspava
minha cabeça, deixando meu cabelo com alguns milímetros de
comprimento.
Quando ele terminou, ele sorriu.
— Certo, leve-a para o banho.
O guarda me arrastou para outra sala. No meio havia uma pequena
piscina quadrada de concreto, mais ou menos do tamanho de duas camas
de solteiro juntas. Eu não sabia por que chamavam de banho.
Não consegui ver nenhuma torneira.
Antes que eu soubesse o que estava acontecendo, o guarda me pegou
e me jogou dentro.
A água estava gelada e eu tentei recuperar o fôlego. Eu mal conseguia
respirar quando senti uma mão áspera na minha cabeça, me empurrando
para baixo da água.
Tentei emergir, mas não adiantou. Eu estava prendendo a respiração,
mas meus pulmões doíam por ar.
Então a pressão na minha cabeça foi liberada e eu emergi, com falta
de ar.
O guarda repetiu isso cerca de cinco vezes. Às vezes me mantinha
submersa por mais tempo, então eu realmente bebia água.
Depois da quinta vez, alguém me agarrou e me jogou no chão à beira
da piscina.
Eu estava tremendo de frio, tossindo e cuspindo. A dor no meu peito
era insuportável.
Então eu ouvi sua voz. O guarda com a bengala. Ele seria meu
pesadelo pelos próximos cinco dias.
— Você vai aprender sua desgraçada. Você não é nada. A empresa é
sua dona e você obedecerá às regras, — ele rosnou.
Então minha visão começou a embaçar e a escuridão me consumiu.
FIM DO FLASHBACK
No momento em que percebi onde estava, Gabriel tinha me
levantado. Seus braços estavam em volta de mim e ele estava esfregando
suavemente minhas costas. Não estávamos mais na sala de estar,
estávamos em outro cômodo.
Havia um chuveiro, um vaso sanitário e uma banheira. Só que esse
banho não era nada parecido com o de concreto. Era oval e tinha pés em
forma de garra. As torneiras eram brilhantes e havia um chuveiro sobre
um berço.
— Está tudo bem, filhote, nada de ruim vai acontecer, eu prometo, —
Gabriel me acalmou.
Ele me lembrou de Jackson. Se alguma vez eu tivesse um ataque de
pânico, ele me seguraria e esfregaria minhas costas até passar.
Eu enrijeci enquanto ele me levava em direção ao banho.
— Basta colocar a mão, certifique-se de que a água não esteja muito
quente, — ele insistiu.
Eu olhei para baixo na água. Era difícil ver a superfície, pois estava
coberta de bolhas.
Ele se sentou na beira da banheira e colocou os dedos nela.
— Veja, está tudo bem, — ele acalmou.
Estendi a mão e timidamente coloquei meus dedos dentro.
— Está quente, — exclamei.
Gabriel sorriu.
— Claro que está quente, agora você quer que Jasmine te ajude a
tomar banho, ou eu? — Ele perguntou.
Eu olhei para os dois. Eu realmente não sabia.
Gabriel deu uma risadinha.
— Como é seu primeiro banho, que tal deixarmos Jasmine fazer isso?
Eu estarei logo ali.
Gabriel me colocou no chão. O chão estava frio sob meus pés
descalços. Eu estremeci. Quando Gabriel me abraçava, sempre me sentia
aquecida. Por mais que eu não quisesse admitir.
Mesmo depois do que aconteceu no quarto com o médico. Ele me fez
sentir segura.
— Não! — Exclamei: — Você, eu quero que você faça isso.
Jasmine olhou para Gabriel e sorriu.
— Ela vai ser uma garota do papai, — ela brincou, enquanto saía da
sala.
Eu encarei a porta enquanto Jasmine a fechou atrás dela. Não entendi
o que ela quis dizer com meu pai que estava morto.
Meu coração estava batendo rápido novamente.
— Você quer que eu te ajude com suas roupas, ou você pode fazer isso
sozinha? — Gabriel perguntou.
Engoli em seco, tentando esquecer minha experiência anterior.
— Eu... eu consigo, — gaguejei.
Como com tudo, o banho era do tamanho de um lobisomem. Assim
que tirei a roupa. Gabriel caminhou em direção à banheira.
— Deixe-me ajudá-la a entrar, — ele sugeriu.
Suas mãos agarraram minha cintura e ele me levantou.
Eu não pude deixar de suspirar. Seu aperto foi firme, mas gentil, e o
calor irradiou na minha pele. Então me lembrei do que Jason havia dito
sobre a temperatura deles ser naturalmente mais alta.
Gabriel gentilmente me baixou na banheira. Fiquei surpresa com a
sensação boa. Depois de passar pelas bolhas, o nível da água na banheira
só subiu cerca de metade. Ainda chegava quase ao meu peito.
— Tudo bem? — Gabriel perguntou, hesitante.
Eu balancei a cabeça.
— É bom, — eu sussurrei.
Gabriel pegou uma esponja e começou a limpar meu rosto e corpo
com água morna e sabão.
— Temos que ter cuidado para não molhar a ferida, — comentou.
Assim que ele terminou de me dar banho, ele tirou o chuveiro do
berço.
— Agora vou lavar o seu cabelo, você precisa se inclinar um pouco
para frente, ok?
Eu balancei a cabeça e fiz o que ele pediu.
Uma vez que meu cabelo estava suficientemente molhado, Gabriel
começou a massagear meu cabelo com xampu. Foi tão bom. No
acampamento, só tomávamos um banho frio curto por mês.
Nunca tive tempo de lavar o cabelo direito.
Depois de enxaguado, Gabriel me tirou da banheira. As bolhas quase
desapareceram e a água estava de uma cor escura e turva.
Ele me envolveu em uma toalha macia e fofa. Nunca senti nada tão
macio na minha pele.
— Quando você se banhou pela última vez, Ellie? — Gabriel
perguntou, olhando para a água suja.
Eu pensei que tinha se passado uma semana, talvez tivesse sido mais.
Todos os dias no acampamento foram praticamente iguais.
— Não tenho certeza, — respondi com sinceridade, — uma semana,
ou talvez duas.
Gabriel suspirou e balançou a cabeça.
— Bem, filhotinha, por aqui tomamos banho todos os dias.
Eu olhei para ele, com um olhar surpreso em meu rosto.
Sua resposta foi rir.
Então seu rosto ficou mais sério.
— Não sei como eram as coisas de onde você veio, filhote, mas aqui as
coisas são diferentes. Eu prometo que ninguém vai te machucar.
— As coisas podem parecer um pouco assustadoras por um tempo,
mas você logo perceberá que a vida vai ser melhor para você aqui.
Ele gentilmente tocou meu cabelo, eu podia sentir os nós quando ele
os tocou.
— P... Por favor, não raspe minha cabeça, — eu implorei, lágrimas
começando a se formar em meus olhos.
Ele parecia horrorizado.
— Raspar! — Ele exclamou.
Então ele beijou o topo da minha cabeça molhada.
— Não, Ellie, nunca faremos isso, só precisamos cortar um pouco. Só
para tirar os nós.
Toquei meu cabelo, sentindo os nós. Eu não queria que ele cortasse,
mas eu sabia que não tinha muita escolha. Eu só esperava que ele
estivesse falando a verdade.
Capítulo 9
Ellie
Gabriel me sentou em seu colo enquanto me secava com a toalha. Eu
não me mexi, nem falei. Eu só conseguia pensar no meu cabelo e no fato
de que alguém iria cortá-lo.
Quando saí do bloco do castigo, levou séculos para voltar a crescer.
Todo mundo sabia onde eu tinha ido. Apenas as crianças punidas tinham
cabelo tão curto.
A maioria das pessoas me evitava porque não queria ser manchada
como encrenqueira. O único que não o fez foi Jackson.
Meu olhar foi atraído para a porta. Assim que abriu, Jasmine entrou.
Eu enrijeci. Foi ela quem disse que cortaria meu cabelo.
Eu estava tão perdida em meus pensamentos que não tinha visto os
olhos de Gabriel mudarem de cor. Ele deve ter falado com ela com sua
mente.
Ela entrou com algumas roupas novas.
Eu estreitei meus olhos. Eles usavam roupas diferentes todos os dias
também?
Ela sorriu para mim.
— Não fique tão preocupada, filhote, acabei de lhe trazer roupas
limpas. Assim que você estiver vestida, vou dar uma olhada em seu
cabelo.
Eu podia sentir as lágrimas se acumulando em meus olhos, fechei-os,
me forçando a não deixar cair nenhuma.
Então eu senti sua mão em meu ombro. Eu olhei para cima.
— Ellie, eu prometo que não vou cortar mais curto do que o
necessário, — ela me assegurou.
Depois que Jasmine saiu do banheiro, Gabriel me colocou no chão
novamente. Eu estava seca agora, então só precisava colocar as roupas
que Jasmine havia trazido.
Gabriel sorriu para mim.
— Vamos vestir você, filhotinha?
Eu fiz uma careta.
— Posso me vestir sozinha, posso ser pequena, mas não sou uma
criança, — bufei.
Eu não tinha certeza de onde essa súbita onda de bravura tinha vindo,
mas quando o banho acabou sendo apenas isso, um banho, percebi que
talvez Gabriel estivesse falando a verdade e não me machucaria.
Não como eles tinham me machucado pelo menos.
Gabriel ergueu uma sobrancelha.
— Não é uma criança? — Ele questionou.
Ele ergueu uma toalha de mão.
— Diga-me que cor é esta? — Ele perguntou.
Eu fiz uma careta. Eu não entendi o que ele quis dizer.
Gabriel inclinou a cabeça.
— Ok, vamos tentar outra coisa. Se eu tiver uma caixa e colocar duas
maçãs nela, depois colocar outras duas maçãs nela, quantas maçãs haverá
na caixa?
Eu fiz beicinho e encolhi os ombros.
— Você vê, Ellie, você pode pensar que não é uma criança, mas você é.
Nossos filhotes sabem dessas coisas quando têm cerca de cinco anos,
então para mim você é uma criança.
Eu fechei minha cara.
— Uma criança não trabalha doze horas por dia, quebrando pedras ou
carregando toras. Só porque não sei as coisas não me torna uma criança.
Gabriel olhou para mim por um segundo.
— Só porque eles te fizeram trabalhar, não significa que você não é
uma criança, mas vou te dizer uma coisa, — ele começou, — me diga por
que você estava com tanto medo de um banho, e eu vou deixar se vestir,
de acordo?
Eu encarei ele, com um caroço se formando na minha garganta. Não
pude contar a ninguém. Eu nem tinha contado ao meu irmão.
Eu balancei minha cabeça e olhei para o chão, precisando quebrar o
contato visual.
— Então acho que você terá que se acostumar a ser criança, —
respondeu ele.
Ele se levantou e caminhou em minha direção. Eu queria tentar lutar
com ele, mas não adiantou. Ele era muito maior do que eu. Maior e mais
forte. Todo mundo era maior e mais forte.
Isso não significava que eu tornaria tudo mais fácil. Eu fiquei lá me
recusando a me mover, então ele teve que me segurar pelas roupas.
De vez em quando, ele soltava um bufo ou um suspiro.
As roupas que ele vestia eram semelhantes às que eu tinha vestido.
Shorts e uma camiseta. Eles eram um pouco grandes, o que era um
pouco irritante. Sentia que era ainda menor com eles.
Assim que terminou, ele estendeu a mão.
— Vamos, filhote, vamos ver o que podemos fazer com o seu cabelo.
Eu olhei para ele e cruzei os braços sobre o peito.
— Não! — Eu exclamei.
Ele olhou para mim e balançou a cabeça.
— Você vai ter que aprender a fazer o que mandam ou haverá
consequências, — ele repreendeu.
Então ele me pegou e me colocou debaixo do braço, carregando-me
pela cintura.
Eu estava com medo de cair. Parecia uma grande distância até o chão.
Eu rapidamente desdobrei meus braços e agarrei sua camisa.
Gabriel revirou os olhos e sorriu. Eu cerrei meus dentes e olhei para
ele.
Gabriel sem cerimônia me carregou até a cozinha. Quando entramos.
Jasmine estava lá já armada com uma tesoura.
Ela franziu a testa,
— O que está acontecendo? — Ela perguntou, um pouco preocupada.
Gabriel riu.
— Nossa filhote aqui decidiu testar os limites.
Jasmine sorriu e ergueu as sobrancelhas.
— Isso foi rápido, considerando tudo, — ela sorriu.
A maneira como eles estavam falando sobre mim, me deixou ainda
mais brava. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Gabriel
rapidamente me colocou em um banquinho, que estava ao lado de uma
mesa alta.
— Agora fique quieta, filhote. Você não vai querer cair, — ele mandou.
Eu olhei para o chão, parecia muito alto. Se eu caísse feio,
provavelmente me machucaria.
Fiquei tentada a me segurar na beirada do assento, mas antes que
pudesse, Gabriel girou o banquinho e ficou parado na minha frente.
Eu rapidamente olhei por cima do ombro, para ver Jasmine se
aproximando por trás com a tesoura.
Cobri minha cabeça com as mãos.
— Não! — Eu gritei: — Você não pode cortar!
Se eu esperava que isso fosse impedi-la, estava muito errada. Percebi
agora que o que eu queria não tinha relação com nada. Como os homens
no bloco de punição, eles eram maiores e mais fortes.
Eu nunca poderia vencer.
Percebi isso quando Gabriel agarrou meus braços e os segurou ao lado
do corpo para que eu não pudesse me mover. Fiquei tentada a balançar a
cabeça, mas não fui estúpida. Eu só acabaria me machucando.
Apesar do que o Gabriel havia dito, eu não acreditei que eles não me
machucariam. Não mais.
Lágrimas encheram meus olhos quando ouvi o estalo da tesoura.
Observei quando grandes pedaços do meu cabelo comprido caíram no
chão.
Tentei puxar meus braços das garras de Gabriel, mas ele me segurou
rápido.
Eu não tinha certeza de quanto tempo havia durado o corte de
Jasmine. Pareceu uma eternidade, mas a probabilidade era que não fosse
muito tempo.
Finalmente ela parou de cortar com a tesoura e bagunçou meu
cabelo. Então ela caminhou até o outro lado da cozinha e pegou um
espelho.
— Aí está, Ellie. Não está tão ruim, não é? — Jasmine ficou
entusiasmada.
Eu olhei para o meu reflexo. Ela me disse que não cortaria muito. Mas
cortou. Não havia mais comprimento. Era tão curto que me fazia parecer
um menino.
Eu olhei para ela.
— Você disse que não faria isso, — eu solucei, — você cortou tudo, eu
te odeio. Eu odeio todos vocês, — eu gritei enquanto as lágrimas
escorriam pelo meu rosto.
Gabriel soltou minhas mãos. Assim que ele o fez, eu os fechei em um
punho e tentei socá-lo.
Seu peito estava duro como uma rocha, meu punho não teve nenhum
impacto.
Jasmine parecia chocada. Talvez eles pensassem que eu era fraca e
patética. Posso ter sido, mas não quando estava com raiva.
Antes que eu tivesse a chance de acertá-lo novamente, ele agarrou
meus pulsos e me levantou do banquinho para que eu ficasse de pé no
chão da cozinha. Ele parecia furioso.
— Eu disse que haveria consequências, filhote, — ele rosnou
enquanto literalmente me arrastava para a sala de estar.
Entrei em pânico e tentei me afastar.
— Solte-me! — Eu gritei.
Depois de me arrastar para a sala de estar, ele me levou para um dos
cantos.
— Ajoelhe-se, — rosnou, colocando-me de joelhos, — mãos na
cabeça, você pode ficar aí por cinco minutos. Pense no seu
comportamento.
Comecei a tremer, minha respiração vinha em soluços curtos
enquanto meu coração começava a acelerar. Tudo o que eu podia ver na
minha frente eram as paredes de pedra do bloco de punição.
— D... Desculpe, — eu gaguejei uma e outra vez, entre soluços.
FLASHBACK
Depois de quase me afogar, fui levada para uma pequena cela. Grande
o suficiente para caber um colchão fino. Eles me jogaram sobre ele e me
deixaram lá.
Devo ter dormido, porque acordei com o som da porta se abrindo.
Dois grandes guardas sorriram maliciosamente para mim, depois me
arrastaram do colchão por um longo corredor.
Eu não estava realmente ciente do que estava acontecendo ao meu
redor. Tudo ainda parecia surreal. Um pesadelo. Só que não era. Isso
estava acontecendo.
Eles me arrastaram para uma sala, então eu o vi novamente. Ele era
quem estava no controle.
— Bem, pequena rebelde, é hora de te ensinar que desobedecer não é
uma opção, — ele sorriu.
Os dois guardas me arrastaram para o centro da sala e me forçaram a
ajoelhar.
— Mãos na cabeça, — um deles rosnou.
Eu obedeci imediatamente. Depois de ser atingida no rosto e quase
me afogar, eu sabia que era melhor não tentar resistir.
Ajoelhei-me no chão duro, com meu corpo inteiro tremendo. Não
tinha certeza do que estava por vir.
Então ele veio e ficou na minha frente.
— Você sabe o que é isso? — Ele sorriu.
Eu concordei. Eles não nos ensinaram muito, mas nos ensinaram o
que aconteceria se desobedecêssemos às regras. O castigo. Nos mostrou
um chicote. Eu tinha visto outra garota no chuveiro uma vez.
Ela foi punida. Eu vi as cicatrizes nas costas dela.
Ele caminhou atrás de mim, então gentilmente deixou o chicote
acariciar minha pele nua. Eu arqueei minhas costas. Então a sensação se
foi.
Então ouvi um estalo alto e ele jogou o chicote de volta no ar.
Eu choraminguei e senti o fluido escorrer pela parte interna da minha
perna, formando uma poça no chão duro.
Eu o ouvi rir. Uma horrível risada maligna sem humor.
— Pobre rebelde, — ele sorriu, — ela mesma se molhou.
Eu ouvi os outros guardas rirem.
Então eu ouvi um assobio.
Eu gritei quando a dor envolveu minhas costas, e senti algo molhado
escorrer delas.
Então percebi que era sangue.
Eu ouvi o chicote estalar no ar novamente. Eu não pude evitar, mas
recuei e choraminguei.
Então eu senti sua mão tocar meu ombro.
— A cada golpe você pede desculpas, pede desculpas, você entende,
rebelde? — Ele sibilou.
Eu balancei a cabeça.
— S... sim s... senhor. D... desculpe, — eu resmunguei, minha garganta
ainda doendo de tossir durante o banho.
Ouvi o barulho do ar novamente, gritei de novo quando acertou as
minhas costas em chamas, mal conseguindo pronunciar as palavras que
me ordenou que falasse.
FIM DO FLASHBACK
Capítulo 10
Gabriel
Eu não podia acreditar que aquela filhotinha tímida tinha me atacado
daquele jeito. Percebi que em algum momento ela iria ultrapassar os
limites, só não esperava isso tão cedo.
Eu não deixaria isso passar. Se ela fizesse esse tipo de coisa quando
começasse a escola, poderia acabar se machucando.
Os adultos têm um certo autocontrole, os filhotes nem tanto e todos
seriam maiores e mais fortes do que ela.
Ela lutou comigo enquanto eu a puxava para a sala de estar. Até que
eu a fiz ficar na posição por um tempo razoável.
Era algo que fazíamos com todos os nossos filhotes que se
comportavam mal. Não concordávamos com o castigo físico, mas isso
não significava que não haveria consequências para um mau
comportamento.
Fiquei surpreso que ela imediatamente obedeceu. Achei que ela fosse
se levantar imediatamente. A maioria dos filhotes fazia isso na primeira
vez que um tempo limite era atingido.
O que me surpreendeu ainda mais foi a reação.
Eu podia ouvir seu pequeno coração quase batendo fora do peito, e
sua respiração ofegante. Em seguida, as palavras quase silenciosas saindo
de seus lábios, "desculpe".
Jasmine também deve ter ouvido. Ela saiu correndo da cozinha, olhou
para mim e depois para Ellie.
— Gabriel! — Jasmine exclamou: — Eu acho... acho que ela está tendo
um ataque de pânico!
Eu encarei Ellie. Como eu poderia não ter notado isso.
Comecei a ir até onde ela estava ajoelhada, mas Jasmine me parou,
tocando suavemente meu braço.
Deixa comigo.
Ela me ligou mentalmente.
Observei Jasmine se aproximar de Ellie, mas antes de alcançá-la, ela
parou e congelou.
Sua mão cobriu a boca e ela me olhou horrorizada.
Ela caminhou lentamente até Ellie e levantou a parte detrás de sua
camiseta, para revelar as cicatrizes em suas costas. Quando ela fez isso,
eu senti o cheiro.
Foi bem antes de a mancha úmida aparecer nos shorts que o filhote
estava vestindo.
— Oh, Deusa! — Jasmine exclamou, ela olhou para mim.
Eu vi as lágrimas se acumulando em seus olhos.
— Olhe o padrão, Gabriel! É assim que eles a chicotearam, — ela
deixou escapar, com sua voz falhando.
Corri até a filhote e coloquei uma mão reconfortante em seu ombro.
Quando o fiz, ela se inclinou para a frente e vomitou.
Eu imediatamente a peguei, embalando-a em meus braços,
balançando-a suavemente.
Ela estava completamente perdida. Tudo que eu podia ver era ela
silenciosamente murmurando a palavra "desculpe".
Sentei-me no sofá com ela, sem me importar se ela vomitasse em
cima de mim. Eu gentilmente acariciei seu cabelo agora curto e esfreguei
suas costas.
— Sshh, Ellie, está tudo bem, — eu sussurrei, enquanto a embalava
suavemente.
Eu chacoalhei minha cabeça, como pude ser tão estúpido.
Jasmine se aproximou e se agachou na minha frente.
Sua mão pousou suavemente no meu joelho, quase como se ela
soubesse o que eu estava pensando.
— Não é sua culpa, Gabriel, — ela sussurrou, — você não tinha como
saber.
Eu olhei para minha irmãzinha, ela sempre sabia quando dizer a coisa
certa.
— O que deveríamos fazer? Devemos ligar para Erik? — Jasmine
perguntou.
Eu balancei minha cabeça.
— Não, ele não tinha ideia da última vez que ela teve um ataque de
pânico. Dê a ela algumas roupas limpas e um copo de leite quente, por
favor.
Jasmine assentiu e se levantou.
— Ah, e coloque um pouco de mel no leite, ela gosta de coisas doces,
eu acho, — acrescentei.
Jasmine foi até o baú no canto e tirou outro conjunto de roupas
sobressalentes.
Eu rapidamente removi as úmidas e as substituí pelas limpas.
A pobre filhotinha ainda estava tremendo, mas sua respiração havia se
estabilizado.
"O que vou fazer, Jasmine, ela está tão quebrada, não sei se vou
conseguir fazer isso."
Eu liguei para minha irmã mentalmente.
"Sim, você pode, Gabriel, apenas dê amor a ela. Ela está muito melhor
conosco do que com sua própria espécie."
Jasmine ligou de volta.
Eu olhei para a filhotinha em meus braços. Claro que minha irmã
estava certa. Eu só precisava encontrar uma maneira de fazê-la se abrir.
Contar pra mim o que aconteceu com ela.
Eu acariciei suavemente seu rosto com as costas dos meus dedos.
Fiquei surpreso quando ela abriu os olhos e olhou diretamente nos
meus.
Seus olhos eram do mais lindo azul.
— Eu... eu sinto muito, — ela sussurrou.
Eu a silenciei.
— Está tudo bem, Ellie, eu prometo que ninguém vai te machucar,
não desse jeito, nunca mais.
Ela olhou para mim e piscou. Um olhar confuso em seu rosto.
Eu gentilmente beijei sua testa.
— Talvez um dia você me diga, mas não vou forçá-la. Só se você
estiver pronta.
Ellie não disse nada.
Eu olhei para cima quando Jasmine se aproximou com uma caneca
fumegante.
Eu gentilmente ajustei Ellie para que ela sentasse no meu colo.
Jasmine estendeu a caneca para ela, e ela a agarrou com as duas mãos.
Elas pareciam tão pequenas enquanto seguravam a caneca quente.
Tudo nela parecia tão pequeno comparado a nós. Todos os humanos
eram realmente tão pequenos?
Eu a observei enquanto ela olhava com curiosidade para a caneca e
enrugava o nariz enquanto cheirava o conteúdo — O que é? — Ela
perguntou.
Claro que ela perguntaria isso. Diabos, ela nem sabia o que era um
morango ou uma laranja. Eu ainda não conseguia entender como os
humanos deixaram seu mundo desmoronar, enquanto o nosso
prosperou.
— É leite morno, com um pouco de mel. Experimente, tenho certeza
que você vai gostar, — Jasmine insistiu.
Ellie inclinou cuidadosamente a caneca e tomou um gole.
— O que você acha? — Eu perguntei a ela, enquanto gentilmente
esfregava suas costas.
Ela acenou com a cabeça.
— É bom.
Eu a observei enquanto bebia o leite, me perguntando que outros
horrores essa filhotinha havia sofrido em sua curta vida. Cada vez que
fazíamos algo, parecia lembrá-la de um evento traumático em sua vida.
No entanto, eu não poderia pisar em ovos, na esperança de que nada
acontecesse ou pudesse trazer de volta uma memória ruim. Eu
simplesmente teria que ajudá-la a superar isso, da melhor maneira que
pudesse.
Eu tinha certeza de que guardar o que tinha acontecido com ela não
estava ajudando, mas não podia forçá-la a me contar.
Ela tinha bebido apenas cerca de metade do leite, quando olhou para
cima.
— E... eu tenho que beber tudo? — Ela perguntou, com um
nervosismo em sua voz.
Eu acariciei seu cabelo, estava tão macio agora que os nós haviam
sumido e estava limpo.
— Não, Ellie, apenas beba o quanto quiser, — respondi baixinho.
Ela estendeu a caneca meio vazia para Jasmine.
— Eu... eu acho que já tive o suficiente, — Ellie sussurrou.
Jasmine pegou a caneca dela e sorriu.
— Talvez você devesse tirar uma soneca, pequena. Você
provavelmente está um pouco cansada, — Jasmine sugeriu.
Ellie parecia preocupada enquanto olhava para Jasmine e eu.
— Eu... eu não consigo dormir, N... não sozinha, — ela choramingou.
Então me lembrei do que Jason havia falado sobre seu irmão.
— Não se preocupe, Ellie, vou ficar sentado com você até que
adormeça, — prometi.
Eu me levantei, carregando-a no meu quadril.
— P... Posso andar... Por favor, — ela implorou.
Eu olhei para seus olhos azuis, com uma expressão séria em meu
rosto.
— Você vai segurar minha mão?
Ela acenou com a cabeça.
Eu gentilmente coloquei Ellie no chão.
Assim que seus pés tocaram o chão, ela estendeu a mão.
Por mais que tenha me chateado ao ver seu ataque, percebi que o
tempo de castigo funcionou. Eu imaginei agora que até mesmo a ameaça
de ficar de castigo funcionaria para esta filhotinha.
Eu sorri e segurei sua mão.
A realidade de quão pequena e delicada ela realmente era,
estabeleceu-se mais uma vez. Minha mão pegou sua pequenina e eu tive
o cuidado de não segurá-la com muita força por medo de esmagá-la.
Eu a levei para o quarto de Ethan. Uma vez lá dentro, eu a deixei subir
na cama sozinha. Ela rapidamente se deitou. Eu gentilmente a cobri com
um edredom e sentei na beira da cama.
Observei enquanto ela fechava os olhos. Eu ternamente descansei
minha mão no topo de sua cabeça e escovei sua testa com meu polegar.
— Bons sonhos, filhotinha, — eu sussurrei.
Ela devia estar cansada, exausta até. Provavelmente por causa do
estresse. Eu não pretendia que fosse assim. Sua respiração se estabilizou
rapidamente. Eu poderia dizer que ela estava dormindo.
Eu cuidadosamente me levantei, não querendo acordá-la. Mesmo que
a cama de Ethan fosse menor do que uma cama normal, ainda parecia
afogá-la.
Lutei com o fato de que ela já tinha doze anos. Ela nem mesmo teve o
aprendizado de uma criança de cinco, embora eu tivesse certeza de que
não tinha nada a ver com sua capacidade mental.
Ela simplesmente não teve uma chance na vida.
Fisicamente, ela tinha o tamanho de um de nossos filhotes de sete
anos. Com a nutrição certa, ela provavelmente cresceria, mas sempre
seria pequena, mesmo quando atingisse a idade adulta.
Havia pouco que eu pudesse fazer sobre isso.
Eu só tinha que tentar dar a ela as ferramentas para se encaixar aqui.
Eu fechei a porta silenciosamente enquanto saía do quarto,
permitindo que ela dormisse.
Jasmine estava sentada no sofá. Ela olhou para mim e sorriu.
— Ela está bem?
Eu balancei a cabeça.
— Sim, ela adormeceu rapidamente. Acho que ela está exausta.
Eu não precisei dizer mais nada. Depois de tudo o que aconteceu com
a filhote, nenhum de nós ficou surpreso.
— Nós provavelmente deveríamos arrumar o quarto de hóspedes para
ela, — Jasmine sugeriu.
Eu balancei minha cabeça.
— Não, isso não será necessário.
Hesitei, imaginando qual seria a reação de Jasmine quando eu
contasse a ela minha decisão.
— Estou me mudando para casa. — Eu declarei.
Os olhos de Jasmine se arregalaram de surpresa.
— A casa que você construiu para a sua companheira? — Ela
engasgou.
Eu sorri. É verdade que eu mesmo construí a casa. Eu esperava
encontrar minha companheira, mas isso nunca aconteceu.
— Não, Jasmine. A casa que construí para minha família. Eu duvido
que algum dia encontrarei minha companheira, — eu rebati.
Jasmine franziu a testa, eu sabia antes que ela abrisse a boca o que ela
iria dizer.
— Ela está lá fora em algum lugar, Gabriel. Eu sei isso.
Suspirei.
— Assim como os companheiros de todos os outros lobos não
acasalados, e provavelmente do outro lado da fronteira.
Essa era a verdade da questão. Em primeiro lugar, uma das razões da
guerra.
Ou devo dizer uma das razões pelas quais os humanos tentaram
eliminar a população de lobisomens, o que acabou levando à guerra.
Talvez tenha sido nossa culpa. Quando encontramos nossos
companheiros, tínhamos que estar com eles, protegê-los. Isso nem
sempre ia bem quando nossos companheiros eram humanos.
Alguns lobisomens até sequestraram, para que pudessem reivindicar
seus companheiros. O Conselho Lobo não fez objeções, o governo
humano, por outro lado...
A voz de Jasmine me distraiu dos meus pensamentos.
— Talvez um dia, esse absurdo de fronteira acabe, — afirmou ela.
— Espero que sim, — rebati, — porque duvido que a pequena Ellie
seja a única filhote humana que sofreu nas mãos de sua própria espécie.
Capítulo 11
Gabriel
Deixei Ellie com Jasmine. Eu esperava que ela dormisse um pouco,
enquanto eu resolvia algumas coisas.
O primeiro item da minha agenda era uma visita ao meu pai.
Cada matilha tinha um membro do Conselho Lobo que residia lá.
Eles eram todos Alfas, ou pelo menos ex-Alfas. Depois que meu pai
passou o título para mim, ele se tornou um membro do Conselho Lobo.
O conselho completo se reunia apenas uma vez por mês, o resto do
tempo eles estavam lá para ouvir, assistir e enviar qualquer pedido ao
Conselho Lobo que o Alfa da matilha não pudesse lidar.
Os humanos em nosso território eram uma coisa dessas. Por mais que
eu quisesse adotá-la, a decisão final provavelmente seria do meu pai.
Mesmo se eu não fosse o Alfa, teria sido o mesmo.
Porque ela era uma criança, ele poderia tomar a decisão. Se ela fosse
adulta, teria sido apresentada a todo o conselho.
Meu pai tinha seu próprio escritório. Eu poderia ter ligado para ele,
mas isso era oficial. Eu tinha certeza de que ele aprovaria, mas houve
ocasiões em que eu estava errado.
Espero que esta não seja uma delas.
Bati na porta e ouvi um "entre" abafado de dentro.
Ele sorriu quando me viu. Apesar de ele ter uma casa aqui, raramente
nos víamos.
— Pai, — retribuí o sorriso, — como está a mãe?
Ele revirou os olhos.
— Reclamando que ela não me vê o suficiente, — ele hesitou, ou você.
— Sinto muito, vou tentar me esforçar mais. Tem sido um tempo
agitado, — disse com culpa.
Ele olhou para mim e acenou com a cabeça.
— Mas você não veio aqui para ver como estava o velho, veio?
Ele gesticulou para o assento na frente de sua mesa. Como costumava
ser quando eu era criança.
Algumas coisas nunca mudavam, ele ainda era um Alfa, embora não
liderasse uma matilha.
Sentei-me e olhei para ele. Ele sabia por que eu estava aqui, ele só não
queria tornar isso mais fácil.
— Uma filhote humana cruzou a fronteira, meu Beta a encontrou
enquanto ele estava em patrulha.
Ele apenas olhou para mim e acenou com a cabeça.
— Ela foi baleada por seu próprio povo. — Eu declarei.
Ele se endireitou, isso chamou sua atenção.
— Ela estava quase morrendo de fome e tinha sofrido abusos graves...
— Hesitei, — Gostaria da permissão do conselho para adotá-la.
O rosto do meu pai escureceu. Nenhum lobisomem gostava da ideia
de um filhote sendo maltratado. Não importava se eles fossem
lobisomens ou humanos.
— Esse filhote humano tem nome? — Ele perguntou.
Eu fiz uma careta, não tinha certeza sobre onde ele queria chegar com
isso.
— Sempre desconfiado, Gabriel. Você sempre foi assim, mesmo
quando criança, — ele sorriu.
Suspirei:
— Sempre aquele que nunca dá uma resposta direta! — Eu rebati, —
o nome dela é Ellie.
Ele revirou os olhos e retirou algo da gaveta da escrivaninha.
— Para a papelada, — ele sorriu.
Então ele olhou para cima:
— Você tem certeza que é para adoção?
Eu fiz uma careta,
— É claro, ela tem 12 anos, embora pareça apenas ter cerca de sete.
Ela nunca tinha visto um morango, ou provado leite.
Eu o observei enquanto ele começava a preencher a papelada. Ele
continuou falando sem sequer erguer os olhos.
— Eu só mencionei isso porque é conhecido que os companheiros
humanos são muito mais jovens do que os lobisomens. A maneira da
Deusa da Lua de permitir a vida útil mais curta que os humanos têm.
Revirei os olhos:
— Ela tem doze anos, pai, tenho vinte e oito. Isso seria muito
estranho.
Meu pai ergueu os olhos.
— Muito bem, a papelada está feita. Você ainda precisará prosseguir
com a cerimônia de sangue, para trazê-la à matilha.
Eu concordei. Não era algo que eu queria fazer, mas sabia que teria
que fazer. A última coisa que aquela filhotinha precisava era de alguém
cortando-a com uma faca, mesmo que fosse apenas sua mão.
— Oh, Gabriel, certifique-se de trazê-la para a casa, sua mãe vai
querer conhecer sua última neta, mesmo se for adotada. — Ele riu.
Eu concordei. Eu sabia que minha mãe ficaria chateada por Jasmine
tê-la visto antes dela, mas era apenas minha mãe. Ela ainda agia como
uma Luna, embora fosse uma aposentada.
Comecei a me levantar, mas antes que tivesse chance, meu pai ergueu
a mão para me impedir.
— Eu preciso falar com você, Gabriel, sobre outra coisa, embora não
muito distante da sua filhote.
Sentei-me novamente e esperei.
— Você está ciente de que o conselho tem considerado pedidos para
tentar se reunir com os humanos?
Eu concordei. Eu estava vagamente ciente de que vários membros da
matilha estavam otimistas sobre a queda da fronteira. Eu sabia que
minha irmã estava.
— As notícias sobre a sua filhotinha são muito perturbadoras. Isso
apenas confirma as informações que já temos.
Cerrei meus dentes. Ele sabia o que estava acontecendo? Ele sabia que
os filhotes estavam sendo machucados e abusados?
— Que informação? — Eu rosnei.
Meu pai olhou para mim e balançou a cabeça.
— Você realmente é protetor com aquela filhotinha, não é?
Eu olhei para ele,
— Se você tivesse visto o que eles fizeram, como ela está quebrada...
— minha voz sumiu.
Ele se levantou e deu a volta na mesa até onde eu estava sentado.
— Nós não tínhamos ideia sobre o abuso, apenas que eles estão com
falta de comida e têm algum tipo de sistema de dois níveis em
funcionamento.
Suspirei. Meu lobo ainda estava zangado com o que tinha acontecido
com Ellie, e quase o deixei assumir o controle.
— Nós? — Eu questionei.
Meu pai se sentou na beirada da mesa.
— Eu tenho uma equipe, eles fizeram contato com alguns rebeldes.
Nós os pagamos em comida em troca de informações.
Sentei-me para a frente na cadeira.
— Que tipo de informação? — Eu exigi.
Meu pai cruzou os braços.
— Se eu te contar, você precisa manter a calma.
Eu me controlei o máximo que pude.
— Muito bem.
Ele hesitou por um momento e ergueu uma sobrancelha.
— Como eu disse, é um sistema de duas camadas. Dentro da fronteira
há um muro, e dentro dos muros parece que os humanos estão vivendo
normalmente, os filhotes sendo educados, alimentados etc.
— Viver como famílias normais vivem, mas fora dos muros, é nada
menos que um campo de trabalho.
Eu balancei a cabeça.
— Entendo, usam as crianças como força de trabalho.
— Isso não é o pior de tudo, — afirmou meu pai, suspirando.
— De acordo com nossos pequenos espiões rebeldes, quando os
filhotes chegam aos dezoito anos são despachados. Os meninos são
treinados como guardas de fronteira, as meninas... — Sua voz foi
sumindo.
Senti meu lobo ficar inquieto, tentando assumir o controle. Eu o
empurrei para baixo.
— E quanto às meninas? O que seria da minha filhote se ela não
tivesse fugido?
Meu pai se levantou e pousou a mão no meu ombro.
— Acalme seu lobo, Gabriel. Eu sei que ele é protetor com aquela
filhotinha. — Ele avisou.
Eu respirei fundo,
— Continue, pai, não pode ser pior do que o que eu já sei.
Ele se afastou e voltou para seu assento atrás da mesa, mas não se
sentou. Ele colocou as mãos em cima da mesa e se inclinou para frente.
— As meninas são levadas e usadas para criar a próxima geração de
crianças escravas, — ele rosnou.
Levantei-me lentamente, meus punhos cerraram enquanto lutava
com meu lobo.
— Acalme seu lobo, Gabriel, — meu pai ordenou.
Eu balancei a cabeça.
— O que você pretende fazer? — Eu perguntei com os dentes
cerrados.
Meu pai se endireitou e cruzou os braços.
— O conselho está trabalhando num plano. Precisamos de
informações antes de prosseguir.
Eu fiz uma careta,
— Prosseguir?
Meu pai lambeu os lábios.
— Pretendemos retomar a fronteira e liberar os campos de trabalho.
Esperançosamente, aqueles atrás da parede se renderão.
— A força? — Eu questionei.
Meu pai acenou com a cabeça.
— Sim, Gabriel, à força. Capitulamos cedo demais durante a Guerra
dos Lobos. Precisávamos de uma liderança corajosa, uma liderança
corajosa que não tínhamos.
— Nenhum humano ou lobisomem deve ser forçado a viver nessas
condições. Os tempos mudaram, estamos mais fortes agora. É hora de
retomar o que era nosso. Deixe nossos jovens lobos encontrarem seus
companheiros.
— Parar com o abuso de filhotes, como a sua Ellie.
— Quando? — Foi a primeira pergunta que passou pelos meus lábios,
quando me sentei novamente.
Eu sabia em meu coração que Ellie não era a única. Sua mente curiosa
tinha sido sua ruína, e provavelmente o que a salvou.
Meu pai sorriu.
— Paciência, Gabriel. Não podemos fazer isso por capricho, será
necessário um planejamento cuidadoso, — ele hesitou, — poderíamos
nos mover mais rápido se tivéssemos mais informações?
Eu soube instantaneamente aonde ele queria chegar.
Eu balancei minha cabeça.
— Eu não vou forçá-la a me dizer nada, ela já passou por bastante
coisa e eu duvido que ela entenda de qualquer maneira.
Meu pai acenou com a cabeça.
— Eu concordo, Gabriel, mas qualquer coisa que ela diga a você,
provavelmente podemos usar, já que ela não vai entender a importância
disso. Ela tem irmãos ou irmãs?
Eu balancei a cabeça.
— Um irmão, mais velho, eu acho, ele também estava no
acampamento.
Suspirei.
— Ela não é simples, pai, ela é curiosa e brilhante, ela só nunca teve
uma oportunidade.
Meu pai sorriu:
— Estou ansioso para conhecê-la, que tal jantar amanhã, isso faria sua
mãe feliz?
Eu estreitei meus olhos e dei a ele um olhar de lado.
— Muito bem, mas não tente arrancar informações dela, — eu avisei.
Ele ergueu as mãos em sinal de rendição fingida e riu.
— Vou me comportar da melhor maneira.
Eu me levantei, não acreditando em uma palavra disso, pelo menos eu
poderia estar preparado.
— Até amanhã, então.
Eu me dirigi para a porta e, quando a abri, ouvi sua voz dar um último
aviso.
— Oh, Gabriel, este plano para a fronteira, isso é só entre você e eu.
Olhei por cima do ombro e assenti, antes de deixar meu pai com seus
planos e táticas desleais.
Capítulo 12
Ellie
Eu nunca tinha adormecido tão rapidamente ou dormido tão
profundamente como quando Gabriel me colocou na cama.
Eu não conseguia entender por que, se tudo aqui continuava me
dando ataques de pânico e flashbacks de eventos que eu queria esquecer.
Tentava apagar, mas às vezes havia pesadelos ou algo acontecia que
acionava uma memória. Eu tentava tanto não chorar, e meio que
funcionou.
Contudo, desde que vim aqui, eu chorei muito. Tive mais memórias e
ataques de pânico do que nunca.
Quando acordei, quase tive outro. Levei um momento para perceber
onde estava. Esse não foi o problema. Quando abri os olhos, vi um
estranho na sala.
Eu nunca tive que me preocupar com isso antes. Jackson estava
sempre lá quando eu acordava. Evitei qualquer outro habitante do sexo
masculino do acampamento, especialmente os guardas.
Um movimento errado e eu sabia que eles me mandariam de volta
para o bloco de punição. Eu já tinha sido rotulada como problemática.
Isso me lembrou de quando eu era pequena. Quando meus pais ainda
estavam vivos. Se algum estranho entrasse em casa, geralmente me
escondia atrás de minha mamãe ou papai. Até eu saber que era seguro.
Eu não tinha ninguém aqui para me esconder atrás. Especialmente
agora que ninguém mais estava aqui, exceto o homem estranho.
Eu engasguei e puxei as cobertas ao meu redor, como um escudo
protetor. Ele deve ter me ouvido enquanto se virava.
Ele tinha quase a mesma altura que Jackson. Jackson começou a ficar
com uma barba rala. Ele disse que era o sinal de que estava se tornando
um homem. Eu sabia disso porque ele iria embora para se tornar um
guarda em breve.
Já este estranho não era um homem. Ele tinha um rosto de menino,
ele era apenas maior do que um menino normal deveria ser.
— Oh, oi, — ele começou, — eu te acordei? Mamãe disse que eu
deveria ficar quieto e não incomodar você. Meu nome é Elijah. Você é
Ellie, não é?
Eu apenas o encarei, enquanto ele falava. Ele mal respirava entre as
frases.
— Você não fala muito, não é? Você pode falar? Eu falo muito, então
se você não falar, não importa, eu posso falar por nós dois!
Ele sorriu novamente e enfiou a mão em uma bolsa que estava em
uma cadeira.
— Você gosta de chocolate, a professora me deu hoje um pouco por
ser bonzinho. Não sou muito ruim, mas às vezes falo demais na aula.
Você vai à escola? Quantos anos você tem?
— Você é muito pequena, — concluiu.
Continuei olhando para ele, nunca conheci ninguém que falasse
como ele. Nem mesmo as crianças mais novas do acampamento. A
maioria de nós quase não dizia uma palavra.
Eu puxei as cobertas mais para perto de mim, eu não tinha certeza do
que fazer com ele.
Ele olhou para mim e fez um pequeno beicinho.
— Não tenha medo, Ellie. Eu não vou te machucar. Aqui, você quer
um pouco de chocolate?
Elijah caminhou em direção à cama, quebrando a barra de chocolate
ao meio e me oferecendo um pouco.
Eu lentamente me sentei e estendi minha mão, ainda meio com medo
de falar.
Parecia exatamente com o chocolate que Jackson tinha me dado,
então comecei a comê-lo.
— Você deveria dizer "obrigada", não é educado pegar algo e não dizer
"obrigada", — Elijah concluiu.
— Obrigada, — eu sussurrei com minha boca meio cheia.
— Você também não deve falar com comida na boca, — alertou ele, —
não é educado, segundo minha mãe.
Eu fiz uma careta para ele. Um minuto ele estava me dizendo para
dizer "obrigada", depois ele estava me dizendo para ficar quieta. Eu
gostaria que ele se decidisse.
Terminei de comer o chocolate.
— Tenho doze anos, — afirmei.
Ele estreitou os olhos e olhou para mim.
— Você não deveria mentir. Tio Gabriel não gosta de mentirosos.
Você é muito pequena para ter doze anos, eu tenho doze e você é ainda
menor do que meu irmão, e ele só tem oito.
Lágrimas começaram a se acumular em meus olhos.
— Não menti, tenho doze anos, — funguei.
Elijah pôs as mãos na cintura, ia dizer mais alguma coisa, mas foi
interrompido pela porta se abrindo.
— Elijah, eu te disse para não acordá-la, — Jasmine repreendeu, — e
por que ela está chorando?
Eu estava e nem tinha percebido. Limpei as lágrimas das minhas
bochechas com as costas da minha mão.
— Não foi por querer, — Elijah começou, — e ela está mentindo. Eu
disse a ela que o tio Gabriel não gosta de mentirosos!
Jasmine franziu a testa.
— Sobre o que exatamente ela mentiu, Elijah?
Elijah olhou para Jasmine e cruzou os braços.
— Ela disse que tinha doze anos. Ela não pode ter, eu tenho quase o
dobro do tamanho que ela, ela é ainda menor do que Samuel e ele só tem
oito anos.
Jasmine revirou os olhos.
— Ellie não está mentindo. Ela tem doze anos, mas é humana, então é
menor. Ela também está doente.
Elijah fez um "o" com os lábios e se aproximou de mim.
Antes que eu soubesse o que estava acontecendo, ele me agarrou em
um abraço.
— Sinto muito, Ellie.
No começo foi bom, embora um pouco estranho ser abraçado por um
estranho, mas depois começou a doer, e ele não largou.
Eu gritei, pois parecia que ele estava me esmagando.
— Elijah! — Jasmine retrucou, — larga, você está machucando ela.
Elijah imediatamente me soltou. Agora minhas lágrimas realmente
estavam caindo, doía muito.
Ele olhou para mim, bastante chocado e chateado.
— Me desculpe, foi sem querer, — ele desabafou.
Jasmine me pegou gentilmente e começou a esfregar minhas costas.
— Eu sei que você não fez por mal, Eli, mas ela é muito menor e
delicada. Ainda mais do que seu irmão, você tem que ter cuidado.
Elijah olhou para Jasmine e acenou com a cabeça.
Jasmine sorriu, mas seu sorriso se transformou em uma carranca.
— E o que eu disse a você sobre comer chocolate antes do jantar,
Elijah?
Ela enfiou a mão no bolso e tirou um lenço e começou a limpar
minha boca.
— Desculpe, mãe, eu estava apenas sendo amigável e compartilhando
com Ellie.
Jasmine fingiu que acreditou.
— O mesmo vale para você, Ellie, nada de comer chocolate antes do
jantar, pelo menos não na minha casa. Suspeito que Gabriel terá regras
semelhantes.
— Regras semelhantes a quê?
Eu olhei para cima para ver Gabriel parado ali.
— Eu gosto de cho-co-la-te, — eu disse.
Gabriel riu.
— Imagino que goste mesmo, — disse ele, levantando uma das
minhas mãos.
Jasmine tinha limpado meu rosto, mas minhas mãos ainda tinham
restos de chocolate derretido nelas.
Eu trouxe minha mão à boca e lambi o restante do chocolate da
palma da minha mão.
Jasmine franziu a testa.
— Nós não fazemos isso, Ellie, nós as lavamos apropriadamente, —
ela repreendeu.
Eu podia ver Elijah e Gabriel segurando uma risadinha.
Gabriel estendeu a mão e me tirou de Jasmine.
— Venham vocês dois, — ele sorriu, olhando para Elijah, — vamos
lavar vocês antes que alguém se irrite.
Jasmine revirou os olhos.
— Você é pior do que eles, Gabriel, — ela repreendeu, — o jantar
estará pronto em cinco minutos.
Gabriel me carregou para o banheiro, com Elijah logo atrás.
Ele me sentou na beira do balcão, enquanto limpava minhas mãos.
— Então, — ele começou, — por que estava chorando, Ellie?
Antes que eu tivesse a chance de responder, Elijah saltou.
— É minha culpa, eu fui mau... então eu a abracei com força demais e
a machuquei um pouco. Foi sem querer.
Gabriel me levantou, para que Elijah pudesse chegar até a pia.
— Você só precisa ter um pouco mais de cuidado, Elijah. Precisamos
cuidar dela, protegê-la, — explicou ele.
Elijah acenou com a cabeça:
— Eu vou, vou garantir que ninguém a machuque. Ela será como
minha irmãzinha.
Gabriel disse.
— Está mais como uma prima, Elijah. Agora vamos jantar antes que
esfrie, e Ellie pode conhecer sua outra prima.
Franzi a testa, não sabia o que era prima, mas não me importava,
desde que não tentassem me machucar.
O jantar foi estranho. Ao contrário do café da manhã que tomamos
no sofá, Gabriel me levou para outra sala.
Havia uma grande mesa com oito cadeiras ao redor. O outro primo,
que se chamava Samuel, era apenas um pouco mais alto do que eu, mas
de constituição muito mais pesada.
Ele já estava sentado em uma das cadeiras, mas tinha algo que
Jasmine chamava de assento elevatório. Jason se sentou ao lado dele. Eles
encontraram outro assento para mim.
Gabriel se sentou ao meu lado, enquanto Jasmine servia a comida.
Eu fiz uma careta ligeiramente, já que não era nada que eu já tinha
visto antes. Isso não foi realmente surpreendente, já que eu só havia
comido ensopado de vegetais e as frutas que comi esta manhã. Oh, claro,
e o ovo horrível.
Eu esperava que a comida não tivesse esse gosto.
Os pratos de todos os outros eram enormes e cheios. Fiquei aliviada
porque o meu era muito menor. Eu nunca poderia ter comido a
quantidade que Jason e Gabriel tinham em seus pratos.
O de Jasmine não era muito menor, nem o dos primos.
Todo mundo estava usando faca e garfo. Eu só tinha usado uma
colher, embora me lembre que meus pais usavam algo semelhante
quando eu era menor.
Fiz uma careta quando percebi que não tinha o mesmo que todo
mundo, apenas uma colher.
Fiquei olhando para a comida, enquanto todos começavam a comer.
Eu não conhecia metade das coisas.
— Você precisa de ajuda, Ellie, — Gabriel perguntou, enquanto
colocava algo branco e macio na minha colher.
Eu balancei minha cabeça.
— O que é? Não posso comer maçã e morango?
Eu olhei para Samuel enquanto ele ria da minha pergunta.
— Samuel! — Jasmine repreendeu, — coma sua janta.
Samuel fez careta e começou a comer. De vez em quando, me olhava
de esguelha. Eu sabia que ele tinha rido de mim, é por isso que Jasmine o
repreendeu. Então, eu meio que decidi que não gostava muito dele.
Gabriel sorriu e apontou para cada comida. Era purê de batata com
queijo de couve-flor, que era um vegetal com molho de queijo e frango.
Tudo era bom, embora o frango exigisse algum esforço para mastigar.
Eu preferia as frutas que comi no café da manhã.
— O que você acha? — Gabriel perguntou, enquanto eu tentava cada
coisa.
Eu balancei a cabeça, certificando-me de não falar enquanto tinha
comida na boca. Elijah olhou para mim e sorriu, então eu sorri de volta.
— Está tudo bem, mas eu gosto mais de morangos, — respondi.
Gabriel riu e bagunçou meu cabelo.
— Acho que minha filhotinha gosta de doces.
Jason e Jasmine riram também. Samuel apenas olhou para mim. Acho
que ele também não gostou muito de mim.
Elijah sorriu e olhou para mim.
— Acho que você gosta mais de chocolate, — acrescentou.
Eu sorri para ele e balancei a cabeça.
— Chocolate para o jantar seria o melhor, — acrescentei.
Todos riram disso, exceto Samuel. Eu até consegui dar uma risadinha.
Eu estava feliz. Eu não era tão feliz desde que era pequena, quando a
mamãe e o papai estavam vivos.
Parei de rir quase imediatamente e olhei para o meu colo. De repente,
me senti culpada. Como poderia ser tão feliz agora quanto era quando
eles estavam vivos.
Senti o dedo de Gabriel sob meu queixo, inclinando-o suavemente
para cima.
— Qual é o problema, pequena?
Esfreguei meus olhos com as costas da minha mão.
— Estou com saudades da minha mamãe e do meu papai, —
sussurrei.
Gabriel gentilmente pousou a palma da mão no topo da minha
cabeça. Segurando-o na posição, olhei para ele.
— Eu sei que você quer, mas eles não iriam querer que você ficasse
triste, não é? Eles querem que você seja feliz, certo?
— Sim, — eu funguei.
— E você está feliz, não é?
Eu concordei.
Ele tirou a mão da minha cabeça e deu um beliscão suave na minha
bochecha.
— Que tal um sorriso, então? — Ele pediu.
Eu forcei um sorriso.
Gabriel sorriu.
— Eu acho que você pode fazer melhor do que isso.
Seus dedos foram para a minha barriga. Eu gritei quando ele começou
a me fazer cócegas. Meus gritos se transformaram em risos, enquanto eu
me contorcia, tentando me afastar dele.
— Gabriel! — Jasmine repreendeu: — como posso esperar que as
crianças se comportem se você não dá o exemplo? — Gabriel parou
imediatamente, olhou para mim e piscou. Eu não pude suprimir uma
risada final, até que recebi um olhar fixo de Jasmine.
— Parece que nós dois estamos com problemas agora, — ele
sussurrou em meu ouvido.
Cobri minha boca com a mão para suprimir outra risada.
Jasmine balançou a cabeça, mas pude ver as bordas de seus lábios
curvando-se para cima, tentando suprimir um sorriso.
— Agora quem quer sobremesa? Seus morangos com creme, —
Jasmine ofereceu.
Tirei a mão da boca e sorri.
— Você gosta mais de Jasmine do que de mim, só porque ela te dá
morangos? — Gabriel bufou, com um sorriso torto.
Eu olhei para Gabriel e balancei minha cabeça.
— Não, eu gosto mais de você, — eu sussurrei.
Ele estendeu os braços.
— Me dê um abraço então.
Estendi a mão para ele e ele me tirou da cadeira, me abraçando com
força.
Parecia que ele sabia como me abraçar sem me machucar. Decidi ali
mesmo que Gabriel dava os melhores abraços.
Capítulo 13
Ellie
Enquanto Gabriel me abraçava, coloquei minha cabeça em seu peito.
Eu estava cansada de repente. Não entendi. Eu dormi quase o dia todo.
Antes de vir para cá, trabalhava o dia todo. Eu nunca precisei dormir.
Eu também estava sentindo outras coisas. Era como se eu quisesse
chorar. Não tínhamos permissão para chorar. Isso significava que éramos
fracos. E não podíamos ser fracos.
Eu até pensei sobre mamãe e papai. Eu não pensava neles há muito
tempo. Por que agora?
Gabriel beijou o topo da minha cabeça
— Eu acho que devemos levar você para casa, — ele sussurrou.
Meus olhos se abriram e entrei em pânico.
Ele ia me levar de volta. Ora, fiquei surpresa. Apesar de tudo, eu não
pertencia a este lugar, certo?
Senti as lágrimas se acumulando em meus olhos. Irritada comigo
mesma, pisquei para afastá-las.
— V... Você está me levando de volta? — Eu gaguejei.
Eu poderia sentir o tremor em minha voz.
Gabriel esfregou suavemente minhas costas.
— Não, pequena, estou levando você para minha casa... nossa casa.
Eu franzi minha sobrancelha, um pouco confusa.
— Você não mora aqui? — Eu perguntei.
Ele riu.
— Não, pequena.
Eu relaxei, ele não estava me mandando de volta.
— Você é tão estúpida! — Samuel bufou.
Eu olhei e Samuel estava olhando para mim novamente.
As lágrimas que consegui conter antes começaram a cair.
— Samuel! Não seja rude, peça desculpas agora! — Jasmine
repreendeu.
Mesmo quando ela repreendeu Gabriel antes, ela não parecia como
agora. Ela parecia muito zangada.
Samuel continuou olhando para mim.
— Não, eu não vou, porque ela é estúpida. Estúpida, fraca e patética,
— ele bufou.
Jason rosnou. Eu agarrei a camisa do Gabriel. A única coisa que
realmente me assustou foi quando eles rosnam. Não parecia humano.
— Samuel, vá para o seu quarto. Agora! — Jasmine exigiu.
Samuel cruzou os braços e saiu da mesa. Observei enquanto ele
voltava para seu quarto.
— Ele está com ciúmes, — comentou Gabriel, — ele vai superar isso.
Eu olhei para Gabriel.
— O que é ciúme? — Eu perguntei.
Jasmine suspirou.
— Ele não tem razão para ter ciúmes, ele tem um lar e uma família
amorosa...
Sua voz sumiu e ela olhou para mim. Eu sabia que ela estava prestes a
dizer que eu não tinha uma família amorosa. É isso que significa ciúme.
Ele não tinha razões para querer ser eu.
— E Ellie também agora, — Gabriel começou, — Meu pai assinou a
adoção hoje.
Eu fiz uma careta, o que isso significa?
— Ellie agora é oficialmente minha filhote, — afirmou Gabriel.
Então ele olhou para mim.
— Eu sou seu papai agora, pequena.
Eu o encarei. Eu estava confusa. Mesmo se eu fosse estúpida, eu sabia
que você só tinha uma mamãe e um papai. E ambos os meus estavam
mortos.
Meus pensamentos foram perturbados por Elijah batendo palmas.
— Nós somos primos de verdade agora... isso significa que eu posso
visitar, e Ellie pode me visitar? Vai ser tão legal, — Elijah se entusiasmou.
Eu olhei para Elijah, que estava sorrindo de orelha a orelha. Ele me
lembrou de Jackson. Eu senti falta do meu irmão. Elijah nunca o
substituiria, mas ele poderia ser a segunda melhor opção.
— O Elijah pode vir me visitar? — Eu perguntei, olhando para
Gabriel.
Gabriel sorriu.
— Acho que sim, mas agora acho que você precisa ir para a cama.
Eu fiz uma careta,
— E os morangos?
Jasmine começou a rir.
— Vou colocar um pouco em uma panela para você levar para casa,
que tal isso?
Eu concordei.
— Posso dar um abraço de despedida na Ellie? — Elijah perguntou: —
Prometo que não vou esmagá-la desta vez.
Agora Gabriel riu,
— Ok.
Elijah se aproximou e passou os braços em volta de mim, e eu
coloquei meus braços em volta dele. Ele não me esmagou desta vez.
— Vou sentir sua falta, Elijah, — sussurrei.
— Também sentirei sua falta, filhote Ellie, — sussurrou ele de volta.
Quando separamos o abraço, estávamos ambos sorrindo. Elijah foi
meu primeiro amigo. Jason, Jasmine e Gabriel realmente não contavam
porque não eram crianças.
Gabriel se levantou, me carregando nos braços. Eu descansei minha
cabeça em seu peito.
— Eu acho melhor eu carregar você, pequena. Você pode cair no sono
quando chegarmos em casa, — ele riu.
Não resisti, além de ter comido tanto que pensei que meu estômago
ia explodir se tentasse andar.
Eu estava feliz que Gabriel me carregou. Quando saímos do prédio,
senti o frio do ar na minha pele. No entanto, Gabriel estava quente.
— Eu tenho que te chamar de papai agora? — Murmurei meio
adormecida.
Eu o senti dar um beijo no topo da minha cabeça.
— Só se você quiser, pequena, — ele sussurrou.
Eu acenei, contente.
— Papai, — eu murmurei, parecia estranho dizer isso depois de tanto
tempo.
FLASHBACK
Eu fiquei no quarto. Papai estava deitado na cama, com uma camada
de suor na testa.
Mamãe estava sentada na cama, ela estava chorando.
Jackson estava segurando minha mão com força. Eu queria correr até
o papai e dar um abraço nele. Um abraço o deixaria melhor, mas Jackson
não me deixou.
— Ouça, Ellie, — papai começou, com sua voz quase como um
sussurro, — Você precisa ser uma garota corajosa, ouvir o que as pessoas
dizem e fazer o que lhe é dito. Jackson irá visitá-la quando puder.
Eu balancei minha cabeça.
— Não, papai. Eu quero ficar com você e mamãe. Por favor, — eu
implorei.
Papai acenou com a cabeça e um homem estranho me pegou pela
cintura. Jackson hesitantemente largou minha mão.
— Papai! — Eu gritei, enquanto o homem me carregava para fora de
casa, outro homem agarrou Jackson pela nuca e o guiou em outra
direção.
— Eu quero meu papai! — Eu gritei.
Então eu senti sua mão bater na minha bunda.
— Cale a boca, pirralha, — ele sibilou, — você vai aprender a se
comportar.
— Jackson! — Eu gritei.
Eu vi Jackson se virar e olhar para mim. Ele tentou fazer algo, mas o
homem deu um tapa na nuca dele.
Eu não veria Jackson novamente por três anos.
FIM DO FLASHBACK
Acordei chorando. Lágrimas escorriam pelo meu rosto. Gabriel estava
me segurando, esfregando minhas costas. Nós estávamos em casa.
Imaginei que tivesse adormecido enquanto ele me carregava.
— Shh, Ellie, está tudo bem. Foi apenas um pesadelo, — ele acalmou.
Eu balancei minha cabeça. Não foi apenas um sonho. Aconteceu.
— Eles me tiraram da minha mamãe e papai, — eu solucei.
Gabriel me balançou suavemente.
— Shh, eu sei, — ele sussurrou.
Eu agarrei sua camisa, enquanto o pânico se instalou, e levantei
minha cabeça para olhar para ele.
— V... Você não vai deixar eles me levarem, vai... vai? — Eu gaguejei.
— Não, Ellie, ninguém vai levar você embora, eu prometo, —
respondeu ele.
Gabriel me deitou de volta na cama e puxou a coberta sobre mim.
Estava escuro e havia apenas uma pequena luz na mesa ao lado da cama.
— Feche os olhos, Ellie, eu vou sentar com você até que adormeça, —
ele me acalmou.
Olhei ao redor da sala, era semelhante em tamanho à de Elijah. A
cama também era do mesmo tamanho. Não era muito alta se eu quisesse
sair.
— E se eu tiver outro pesadelo? — Eu perguntei.
Gabriel sorriu.
— Meu quarto fica do outro lado do corredor, não estarei longe.
Eu olhei para a luz na mesa.
— Você vai deixar a luz acesa? Eu... eu não gosto do escuro.
— Sim, pequena, — ele sussurrou, — vou deixar a luz acesa.
Fechei os olhos por alguns instantes e depois os abri novamente. Só
para verificar se ele não tinha ido e se a luz ainda estava acesa.
— Veja, eu não irei até saber que você está dormindo, — ele
confirmou.
Eu balancei a cabeça e fechei meus olhos.
O sono não me escapou por muito tempo, e a sensação de estar
segura manteve meus pesadelos à distância.
Capítulo 14
Gabriel
Eu não conseguia tirar meus olhos dela enquanto ela voltava a
dormir. Eu odiava vê-la tão chateada com seu pesadelo, mas por outro
lado, foi a primeira vez que ela se abriu para mim.
Eu me perguntei quantos anos ela tinha quando foi tirada deles. Se
Ellie e seu irmão começaram morando com seus pais e não no
acampamento, eles teriam vivido atrás dos muros?
Se Ellie não teve educação, então ela era pequena quando a levaram.
Ou talvez eles estivessem deste lado do muro e seus pais puderam ficar
com seus filhos por algum motivo.
Eu precisava falar com meu pai novamente. Precisava ver se ele sabia
mais alguma coisa sobre o que estava acontecendo com os humanos.
No momento em que cheguei à porta, ela rolou para o lado,
amassando-se em uma pequena bola. Olhei para a cômoda e vi o lobo
peludo de brinquedo.
Eu tinha visto isso quando estava comprando roupas de cama e
móveis online. Acabei adicionando à compra. Eu tinha providenciado
para que estivesse pronto quando voltássemos para casa.
Eu pedi a ajuda do meu Gama, Theo.
Ele ficou muito feliz em ajudar e reuniu algumas das fêmeas Ômegas
para ajudar a escolher as roupas que Ellie precisaria.
Eu esperava que Ellie ainda estivesse acordada quando chegamos
aqui, mas ela adormeceu em meus braços.
Ela estava dormindo muito. Eu teria que falar com Erik amanhã,
apenas para verificar se isso era normal. A pobre filhotinha passou por
tanta coisa nos últimos dias.
Tenho certeza de que era apenas a maneira de seus pequenos corpos
lidar com isso, mas não faria mal nenhum.
Peguei o lobo e voltei para a cama. Coloquei suavemente sob sua mão.
Ela não se mexeu.
Liguei o monitor de bebê que estava na mesinha de cabeceira, a tela
estava no meu quarto. Pelo menos assim, se ela acordasse no meio da
noite com outro pesadelo, eu poderia ir ver como ela estava.
Depois de ligar o monitor de escuta em meu quarto, fui para a cama.
Eu tinha o sono leve, mas acordei por volta das seis sem ter ouvido um
pio da filhote.
Só para ter certeza, me arrastei para o quarto dela e abri um pouco a
porta. Seus braços estavam em volta do lobo peludo e ela dormia
profundamente.
Eu gentilmente fechei a porta e voltei para o meu quarto para me
preparar para o dia. Eu esperava que conhecer meus pais, os avós dela,
não fosse demais para ela.
Ambos podiam ser um pouco exagerados, especialmente quando se
tratava de seus netos, mas quanto mais cedo ela começasse a interagir
com outros membros da matilha, melhor.
Eu ainda tinha que abordar o assunto da cerimônia de união da
matilha. Era apenas um pequeno corte na mão, mas com tudo que minha
filhote havia passado, pode ser um grande problema.
Ficar na frente de toda matilha também poderia assustá-la. Eu sei que
meu pai queria que eu fizesse isso mais cedo ou mais tarde, mas eu tinha
que pensar em Ellie primeiro.
Quando ouvi barulhos na cozinha, entrei para ver Millie, uma dos
Ômegas preparando o café da manhã.
Quando ela me viu, ela se curvou.
— Bom dia, Alfa, você tem algum pedido especial para o café da
manhã? — Ela perguntou.
Eu sorri. Theo havia providenciado para um dos Ômegas cozinhar e
limpar para nós. Aparentemente, houve um influxo de pedidos para o
trabalho. Theo havia escolhido Millie.
Ela era um pouco mais velha do que alguns dos outros. Tenho certeza
de que Theo escolheu bem, ela era mais uma figura maternal em vez de
uma menina.
Sem companheiro, a maioria das meninas brincava para ter minha
atenção. Agora que eu tinha que considerar Ellie, eu poderia evitar
distrações.
— Obrigado, Millie, apenas o normal e uma tigela de frutas para Ellie,
ela gosta particularmente de morangos, — acrescentei.
Millie riu.
— Ahh, uma gulosa. Talvez eu deva fazer algumas panquecas de
chocolate?
Eu sorri e acenei com a cabeça.
— Não muitas, ela só pode comer pequenas quantidades no
momento.
Millie acenou com a cabeça, com uma expressão de tristeza em seus
olhos. Theo provavelmente tinha contado a ela sobre a história de Ellie,
pelo menos tanto quanto eu contei a ele.
Sentei-me no balcão do café da manhã.
Millie olhou para mim, com um olhar confuso em seu rosto. Imaginei
que ela não estava acostumada a ter o Alfa observando seu trabalho.
— É apenas no caso de Ellie aparecer, ela é um pouco cautelosa com
estranhos, — eu disse.
Millie sorriu e acenou com a cabeça.
— Café? — Ela perguntou.
Eu confirmei.
— Sim, por favor.
Enquanto estava ali sentado bebendo meu café, ouvi uma porta abrir.
Veio da direção geral do quarto de Ellie.
Por mais que eu quisesse correr pelo corredor e pegá-la em meus
braços, me contive.
Eu precisava dar a ela um pouco de espaço, se ela quisesse.
Ela pode parecer apenas uma criança de cinco anos, mas eu tinha que
ficar me lembrando de que ela não era um bebê. Sim, eu precisaria cuidar
dela em certos momentos, mas também queria que ela confiasse em
mim. Para querer que eu a ajude.
Dessa forma, eu esperava que ela se abrisse. Esperava que ela
colocasse seus demônios de lado. Que se permitisse ser uma criança.
Eu não pude deixar de sorrir quando ela entrou na área da cozinha.
Ela estava arrastando o lobo pelo rabo e esfregando o sono dos olhos.
Ela parecia tão pequena com a camisola branca que eu a vesti quando
chegamos em casa.
— Ei, pequena, — eu a cumprimentei, — como você dormiu?
Ela parou de esfregar os olhos e olhou para mim.
— Ok, — ela murmurou, — mas eu preciso fazer xixi.
Eu ri e me levantei.
— Venha então, vou te mostrar onde fica, — eu disse enquanto
estendia minha mão para ela pegar.
Fiquei surpreso quando ela ergueu as mãos para mim.
Eu não disse nada, mas a levantei. Um braço em volta do meu
pescoço, o outro ainda agarrado na cauda do lobo — Você gosta do seu
lobo? — Eu perguntei.
Ela acenou com a cabeça.
— Ele é macio. Ele se parece com você? — Ela perguntou.
Seus grandes olhos azuis me encararam com curiosidade.
Eu ri.
— Talvez um pouco. Talvez devêssemos deixá-lo aqui, enquanto você
toma banho, — sugeri.
Ela fez careta.
— Eu tomei banho ontem, — ela exclamou, — Eu só preciso fazer
xixi!
Eu peguei o lobo dela e o coloquei no balcão de café da manhã.
— E você terá um hoje, amanhã e depois de amanhã, — eu repreendi,
enquanto íamos para o banheiro.
A careta permaneceu em seu rosto. Me perguntava se ela não gostava
de tomar banho ou se apenas não era uma pessoa matinal.
Quando chegamos ao banheiro, coloquei-a no chão. Ela olhou para o
banheiro e depois para mim.
Cheguei atrás do banheiro e puxei um banquinho.
— Para que você mesma possa ir ao banheiro, — expliquei.
Seus lábios formaram um "o" quando ela pisou no banquinho.
Ela agarrou a barra da camisola e puxou-a até a cintura antes de se
sentar no vaso sanitário.
Eu me virei, dando a ela um pouco de privacidade, fui até a banheira e
comecei a abrir a torneira.
Quando ouvi a descarga do banheiro, olhei ao redor. Ela estava de pé
no banquinho, acabando de dar a descarga.
Eu não pude deixar de sorrir.
Ela desceu do banquinho.
— Vou usar isso hoje? — Ela perguntou, levantando a bainha da
camisola.
Eu ri.
— Não, pequena, isso é apenas um vestido pra dormir, vamos
encontrar algumas roupas para você depois que você tiver tomado
banho.
Ela franziu a testa,
— Eu não entendo, o que há de errado com isso, eu só preciso de uma
calcinha, só isso?
Eu estendi minha mão que ela pegou, e a levei até a banheira.
— Levante os braços, — eu instruí.
Ela ergueu os braços e eu puxei a camisola pela cabeça. Eu
rapidamente a levantei e a coloquei na banheira.
— Isso é só para quando você for para a cama, — expliquei, segurando
a camisola e jogando-a no cesto de roupa suja.
Peguei o sabonete e comecei a lavá-la.
— Por que você colocou lá? — Ela perguntou, um pouco confusa.
Peguei a esponja e apertei sobre seu ombro, deixando a água morna
enxaguar o sabão.
— É para lá que vão as roupas sujas, pequena. Esta noite você pode ter
uma camisola limpa. Hoje você vai ter roupas limpas.
Ellie olhou para mim, chocada.
— Eu tenho roupas diferentes todos os dias? — Ela perguntou.
Eu balancei a cabeça e peguei uma toalha da prateleira.
— Agora vamos secar você e vestir a roupa, então você pode conhecer
Millie, ela está fazendo o café da manhã para nós.
Eu a levantei e enrolei a toalha em torno dela, antes de carregá-la de
volta para seu quarto.
Depois que ela se secou, fui até o guarda-roupa e tirei um vestido de
sol amarelo brilhante coberto de flores rosa, meias brancas curtas e um
par de calças. Peguei um par de sandálias amarelas combinando.
— Vamos vestir você, nós temos um dia cheio hoje, — eu disse,
entusiasmado.
Eu levei Ellie até o espelho de corpo inteiro, parando atrás dela e
descansei minha mão suavemente no topo de sua cabeça.
— O que você acha, pequena?
Ela inclinou a cabeça para o lado.
— O que é isso de novo? — Ela perguntou, segurando a bainha do
vestido.
— É um vestido, você nunca usou um antes? — Eu perguntei.
Ela balançou a cabeça.
— É bom. Que cor é essa? — Ela questionou.
Eu sorri.
— É amarelo e as flores são rosa.
Eu a observei enquanto ela murmurava as palavras "amarelo" e "rosa",
tentando memorizá-las.
— Venha, — eu ri, — vamos encontrar um café da manhã para você.
Ela sorriu para mim, enquanto pegava minha mão.
— Morangos? — Ela perguntou.
Eu baguncei o cabelo do topo de sua cabeça e ri.
— Sim, pequena, você pode comer morangos.
Capítulo 15
Ellie
Eu me sentia tão pequena aqui. O topo da minha cabeça mal
alcançava sua cintura. Isso me lembrou de tempos mais felizes, quando
eu ainda tinha mamãe e papai. Sempre me senti segura naquela época.
Pelo menos até eles ficarem doentes.
Talvez seja por isso que ele me tratava como uma criança pequena. Eu
estava começando a me sentir como uma. Eu me sentia segura com
Gabriel, assim como me sentia com papai.
Não queria esquecer meu primeiro pai, embora achasse que ele e
minha mãe me tivessem abandonado. Não só eu, Jackson também. Eu só
esperava que Gabriel, meu novo pai, não fizesse o mesmo.
Virei minha cabeça e olhei para ele.
— Você não vai me entregar, vai, papai? — Eu funguei, enquanto as
lágrimas se acumulavam em meus olhos.
— Oh, Ellie, — ele me acalmou enquanto me pegava e me colocava
em seu quadril, — eu nunca farei isso, querida.
Ele me beijou no topo da minha cabeça e esfregou minhas costas.
— V... Você acha que eles não me amavam? É por isso que eles me
entregaram? — Eu chorei enquanto as lágrimas escapavam dos meus
olhos.
Ele se sentou na beira da cama e me colocou de joelhos. Seu polegar
gentilmente enxugou as lágrimas. Em seguida, seu dedo inclinou
suavemente meu queixo para que eu estivesse olhando para ele.
— Eu não sei, Ellie, tudo que eu sei é que a perda deles foi meu ganho.
Nunca vou deixar ninguém tirar você de mim, entendeu?
Eu assenti.
— Eu te amo, papai, — eu sussurrei.
Papai olhou para mim e sorriu.
— Eu também te amo, meu pequeno tesouro.
Papai me levantou de seu colo e me colocou no chão, então ele
colocou a mão suavemente na minha cabeça e me guiou do quarto de
volta para a cozinha.
Esfreguei o tecido do vestido entre o polegar e o indicador. Era tão
macio. A verdade é que eu sabia tão pouco ou tanto quanto sabia quando
fui levada. Eu nem sabia o que era um vestido até hoje.
Nem sabia o que eram as cores. O vestido era da mesma cor do sol,
que agora eu sabia que era amarelo. Eu precisava começar a aprender
coisas assim.
Enquanto caminhávamos para a cozinha, vi o lobo que papai tinha
me dado sentado na mesa alta.
Corri, pegando papai um pouco de surpresa. Levantei minha mão
para tentar agarrá-lo, mas não consegui alcançá-lo.
Eu engoli em seco quando uma mulher estranha o pegou e se
inclinou para olhar para mim.
— Isso é seu, querida? — Ela perguntou.
Eu rapidamente recuei com meu coração batendo forte. Minhas
costas colidiram com as pernas do papai. Eu imediatamente me virei e
me escondi atrás de suas pernas. Eu sabia que ele iria me manter segura.
Papai deu uma risadinha e sua mão pousou no topo da minha cabeça,
dando-me algum conforto.
— Ela está um pouco nervosa com estranhos, Millie.
Ele se abaixou e me pegou, me acomodando em seu quadril.
— Esta é Mille, Ellie. Ela vai ficar muito aqui. Ela vai ajudar o papai na
cozinha e limpeza.
Millie sorriu para mim, pegou o lobo e o passou para mim.
— Ele é seu?
Eu acenei com a cabeça e o agarrei.
— Obrigada, — murmurei, lembrando-me do que Elijah havia me
dito.
Papai bateu no meu nariz com o dedo.
— Boa menina, — ele sussurrou.
Sorri e agradeci mentalmente a Elijah por sua ajuda.
Papai me colocou em um dos assentos, era alto. Mais alto do que o
assento onde havíamos jantado.
— Não podemos tomar café da manhã no sofá? — Eu perguntei,
fazendo manha.
Papai riu.
— Não, pequena, você comia sempre sentada. Este é um balcão para o
café da manhã, por isso tomamos ele aqui. Outras refeições você tem que
comer na mesa de jantar, como ontem à noite.
Fiz careta de novo, não gostei do balcão de café da manhã, era muito
alto.
Papai revirou os olhos.
— Por que essa cara mal-humorada?
Eu olhei para o chão.
— Estou com medo de cair, — eu murmurei.
Ele caminhou atrás de mim e moveu o banquinho para mais perto da
mesa de café da manhã.
— Se você ficar quieta e comer seu café da manhã bem, você ficará
bem, — ele persuadiu, enquanto beijava o topo da minha cabeça.
Millie colocou um prato na minha frente, havia frutas e mais alguma
coisa. Eles eram redondos e tinham pontos marrons por toda parte, em
forma de um rosto sorridente.
— Eu fiz para você algumas panquecas de chocolate, querida, — ela
disse entusiasmada, — seu pai disse que você gostava de doces.
Eu sorri e olhei para Millie, então olhei para o papai.
— Chocolate... para o café da manhã?
Millie sorriu de volta e acenou com a cabeça.
— Sim, mas só se você quiser.
Ela piscou para o papai, que riu.
— Não... quero dizer, sim... quero dizer, eu quero, — soltei um pouco
nervosa, com medo de que ela levasse o chocolate embora.
Papai riu.
— Tudo bem, pequena, vai com calma. Ninguém vai roubar suas
panquecas. Deixa que eu corto pra você.
Observei enquanto ele cortava as panquecas e regava com algo por
cima.
Eu fiz uma careta,
— O que é isso?
— Isso é xarope, você não pode ter panquecas sem xarope, — ele
sorriu enquanto me entregava uma colher.
Eu nunca tinha provado nada parecido. Era tão doce, e os pedaços de
chocolate começaram a derreter, deixando tudo pegajoso e gostoso.
Eu estava tão ocupada comendo a comida saborosa, que não notei
papai e Millie rindo enquanto me observavam comer.
Lambi meus lábios tentando tirar os restos de chocolate e xarope que
tinham grudado na minha boca.
Papai olhou para mim e riu.
— Você com certeza é um filhotinha atrapalhada, não é?
Eu fiz uma careta.
— Por quê?
Papai riu de novo:
— Não se preocupe, vamos limpar você antes de irmos aos médicos.
Eu enrijeci, eu realmente não queria ver o médico. Mordi meu lábio
inferior.
— P... Por favor, papai, eu não quero, — gaguejei.
Papai me pegou e esfregou minhas costas.
— Está tudo bem pequena, ele só vai olhar para o seu braço, nada
mais, eu prometo.
Eu queria acreditar nele, mas ainda não tinha certeza. Eu não
confiava no médico. Cada vez que o via, algo ruim acontecia.
Papai me carregou até o banheiro e me sentou na beira do balcão
enquanto limpava minhas mãos e rosto.
— Certo, pequenina, vamos escovar esses dentes.
Eu fiz uma careta um pouco confusa quando ele puxou uma pequena
escova, em seguida, espremeu algo nela de um tubo.
— Você nunca escovou os dentes, Ellie?
Eu olhei para ele e balancei minha cabeça.
Ele revirou os olhos.
— Estou surpreso que você tenha algum dente sobrando. Abra a boca.
Abri minha boca e ele começou a esfregar a escovinha nos meus
dentes. O material que ele colocou no pincel estava com gosto bom, mas
assim que começou a esfregar ficou todo espumoso.
Mordi a escova.
— Não, querida, não morda, — ele repreendeu levemente.
Ele puxou a escova da minha boca.
— Cuspa na pia.
Fiz o que ele pediu e ele começou a esfregar meus dentes novamente.
Desta vez não havia muita espuma, mas ainda tinha um gosto bom.
Quando ele terminou, ele colocou um pouco de água em um copo.
— Tome um gole e gire na boca, depois cuspa, — ele instruiu.
Eu fiz exatamente isso.
— Boa, menina, — ele sorriu, — agora seus dentes estão bonitos e
limpos.
Corri minha língua sobre meus dentes, eles pareciam diferentes, e
isso tirou minha mente do que estava por vir.
Papai me pegou, mas ele não disse nada. Ele não precisava, eu sabia
para onde ele estava me levando a seguir.
Ele agarrou meu lobo ao sair e eu o segurei contra o peito, esperando
que me desse algum conforto.
Eu reconheci o sinal assim que nos aproximamos. O mesmo lugar que
ele me trouxe na primeira noite em que cheguei aqui.
Senti que estava tremendo e as lágrimas começaram a escorrer pela
minha bochecha.
— P... Por favor, papai, — eu solucei, — n... não deixe ele me
machucar.
Eu mal conseguia pronunciar as palavras enquanto lutava para
recuperar o fôlego.
— Shh, está tudo bem, — ele me acalmou, enquanto me segurava
com força, esfregando suavemente minhas costas.
Mas não deu certo. Passei meus braços com força em volta do pescoço
dele, segurando-me como se minha vida dependesse disso. Todos os
pensamentos sobre meu pequeno lobo foram esquecidos quando ele caiu
no chão.
Quando entramos, vi a cama onde ele me fez dormir.
Papai tentou me colocar no chão, mas eu me agarrei a ele com força.
— N... Não, papai, por favor... — Eu gritei entre soluços, quando vi
Erik caminhar em minha direção.
Capítulo 16
Gabriel
Ellie estava inconsolável enquanto eu a carregava para ver Erik. Eu
esperava que ela ficasse um pouco tensa, mas não isso. Seu corpo inteiro
tremia e ela chorava muito.
Nada que eu pudesse fazer parecia acalmá-la.
— Ela está apavorada, Erik talvez seja melhor fazer isso em outro
lugar. — eu sugeri, enquanto tentava acalmá-la.
Erik respondeu:
— Por que não fazemos isso no meu escritório. Você pode colocá-la
no colo, só preciso olhar para o braço dela.
Eu balancei a cabeça e a carreguei pela sala de exames para um
pequeno escritório nos fundos.
Sentei-me na cadeira e coloquei a filhotinha no meu colo. Suas
mãozinhas agarraram minha camisa e ela enterrou o rosto no meu peito.
Erik olhou para mim e franziu a testa.
— Acho que talvez você esteja mimando demais essa filhote. Ela
precisa encarar as coisas, — ele bufou.
Eu apenas consegui conter um rosnado que estava prestes a explodir
em mim. A única razão é que eu não queria incomodar minha pobre
filhotinha mais do que o necessário.
Em vez disso, olhei para ele.
— Você não tem ideia, Erik, nenhuma ideia de tudo o que este
pequeno animal passou. Estou apenas começando a arranhar a
superfície.
— Se mimá-la é o que preciso para ajudá-la a se recuperar de seus
traumas do passado, é exatamente o que vou fazer.
Erik revirou os olhos e estendeu a mão para retirar a bandagem do
braço de Ellie. Ela começou a soluçar mais forte.
— Deixe-me fazer isso, — sugeri.
Ele acenou com a cabeça, então comecei a remover o curativo.
— Está tudo bem, pequena, — eu sussurrei, — estou apenas tirando o
curativo para que Erik possa verificar o ferimento.
Seu soluço havia diminuído para um gemido, e ela acenou com a
cabecinha. Ela ainda a tinha enterrada no meu peito, mas parecia um
pouco mais calma.
Assim que a bandagem foi retirada, Erik olhou para o ferimento. Ele
franziu a testa, olhando de perto para ele.
— Está tudo bem, Erik? Você parece preocupado, — eu questionei,
com um leve pânico em minha voz.
Ele ergueu os olhos e sorriu.
— Não se preocupe, Gabriel, está tudo bem. Mais do que bem, na
verdade. Eu teria esperado ter que deixar os pontos por pelo menos uma
semana, mas está curando muito rapidamente.
Ele coçou a cabeça.
— Posso ter uma conversinha com você... em particular.
Eu fiz uma careta, Ellie estava angustiada o suficiente, sem deixá-la
sozinha.
— Vou levá-la para conhecer meus pais, se ela se acalmar, volto e vejo
você mais tarde.
Erik acenou com a cabeça e me entregou um recipiente.
Eu o segurei e o observei ligeiramente.
— O que é? — Eu perguntei curiosamente.
Erik respirou fundo.
— É para tirar um cotonete. Passe o cotonete dentro da boca dela e
coloque-o de volta no recipiente.
— Eu faria isso agora, mas não acho que seja uma boa ideia, dado seu
atual estado emocional.
Coloquei a coisa no bolso e me inclinei levemente na direção de Erik.
— Pra que isso, Erik? — Eu exigi.
Erik mordeu o lábio inferior.
— Fiz alguns exames, mas o resultado veio com... uma anomalia. Eu
só quero testar novamente para confirmar minhas suspeitas.
Revirei os olhos,
— Você não está fazendo nenhum sentido.
— Eu não quero assustá-la mais do que ela já estava, é por isso que
preciso falar com você a sós.
Erik me ligou mentalmente.
Eu balancei a cabeça sem responder
— Basta colocar outro curativo então. Espero que ela fique bem com
isso, — sugeri.
E estava, mas houve alguns gemidos, e ela se recusou a olhar para ele.
Com palavras suaves de minha parte, conseguimos dar um jeito no
ferimento à bala.
Com tudo o que tinha acontecido, esqueci completamente de
perguntar a ele sobre ela estar tão cansada o tempo todo. Achei que
poderia perguntar mais tarde.
Eu esperava que ela pudesse se dar bem com minha mãe, assim eu
poderia voltar e discutir essas coisas.
Quando saímos do hospital, ouvi a voz de Erik novamente.
— Ei... Ellie? Isto é seu?
Pela primeira vez desde que estava lá, ela ergueu a cabeça.
Erik estendeu o lobo peludo. Ela deve ter deixado cair durante seu
ataque de pânico.
Eu podia ver pela expressão em seu rostinho que ela estava dividida.
Ela queria desesperadamente alcançar o lobo, mas ainda estava com
medo de Erik.
Erik lentamente segurou o lobo com os braços estendidos. Com uma
mão segurando firmemente minha camisa, ela estendeu a outra e pegou
o lobo.
Ela rapidamente o puxou para o peito, em seguida, apertou com as
duas mãos.
— Obrigada, — ela murmurou, com sua voz pouco mais que um
sussurro.
Erik sorriu. Eu duvidava que ela tivesse visto.
— Da próxima vez que você vier, Ellie, vou tirar os pontos, ok?
Sua cabeça balançou levemente em um aceno. Se você piscasse, teria
perdido. Nós dois sabíamos que era um progresso. Levaria algum tempo
para ela confiar em Erik novamente, mas tínhamos começado.
Assim que saímos do hospital, ela pareceu se acalmar
consideravelmente.
— Você gostaria de andar, Ellie? — Eu questionei.
Ela acenou com a cabeça.
— Sim, por favor, papai.
Eu gentilmente a coloquei no chão. Com seu lobo agarrado com força
em uma mão, ela estendeu a outra para eu pegar.
Eu sorri para ela.
— Ok, pequena, vamos conhecer outras pessoas, — eu implorei.
Ela olhou para cima, uma expressão preocupada em seu rosto.
— Quem? — Ela perguntou, com sua vozinha quase inaudível.
Eu sorri, internamente esperando que isso não fosse demais para ela.
— Sua avó e seu avô, — eu disse.
Ela olhou para mim e franziu a testa, um pouco confusa.
Imaginei que ela nunca conheceu seus avós biológicos.
— Minha mamãe e papai, — expliquei.
Ela pensou por um momento. Eu quase podia ouvir seu pequeno
cérebro tiquetaqueando.
— Eles são... eles são legais? — Ela perguntou, preocupada.
Eu ri para mim mesmo. Isso era discutível. Eu esperava receber
algumas boas palavras da minha mãe por não visitar com frequência.
— Eles vão te adorar, pequena, — eu gargalhei.
Isso pareceu satisfazê-la, e começamos a caminhar a curta distância
até a casa de meus pais.
Capítulo 17
Ellie
Ele sabia. Eu poderia dizer que ele sabia, e ninguém deveria saber.
Eles me disseram, se você contar a alguém, nós vamos te achar, e isso não
será nada comparado ao que faremos com você então.
Se eu não o visse mais, estaria tudo bem.
Mas papai me obrigou. Eu não conseguia olhar o doutor Erik na cara,
apenas no caso de ele contar ao meu pai. Se ele contasse a ele,
definitivamente não me quereria mais. Então, escondi meu rosto no
peito do papai.
Só olhei quando percebi que ele estava com meu lobo. Agora eu só
precisava encontrar uma maneira de convencer o papai a não me levar de
volta para tirar os pontos.
Fiquei aliviada quando finalmente saímos do hospital e papai me
deixou andar.
Eu não tinha saído desde que Jason me encontrou na floresta. Estava
escuro naquela hora, então eu realmente não pude ver muito.
Agora o sol estava brilhando. Havia muitos edifícios espalhados.
Alguns eram grandes, outros eram um pouco menores. Havia muitas
pessoas também. Eu mantive um aperto firme na mão do papai. Mas eu
não estava com medo.
Todos pareciam estar concentrados no que estavam fazendo, eles não
olharam realmente para nós, o que me deixou satisfeita.
Fiquei surpresa quando papai disse que estávamos visitando sua
mamãe e papai. Era difícil imaginar que os dele ainda estivessem vivos,
quando os meus não. Ele era muito mais velho do que eu.
Ele realmente não me respondeu quando perguntei se eles eram
legais. Eu esperava que eles fossem um pouco como Jason e Jasmine. Ah,
sim, e Elijah, mas não como Samuel.
Eu estava tão ocupada olhando ao redor que não percebi que havia
deixado meu lobo cair. Pelo menos não até que olhei para trás e o vi no
caminho.
Papai não estava segurando minha mão com força, então eu
rapidamente me afastei e corri de volta para pegá-lo.
De repente, ouvi papai gritar. Não um grito de raiva, mas grito de
pânico.
— Ellie!
Tarde demais eu percebi o porquê, e alguém correu para mim e me
fez voar.
Fiquei sentada por alguns instantes, um pouco atordoada. Até que
ouvi um rosnado, depois uma voz severa.
— Esquadrão, sentido!
Então um estranho se agachou na minha frente. Ele era enorme,
quase do mesmo tamanho que papai e Jason.
Senti as lágrimas começando a brotar em meus olhos, enquanto
tremia ao som de sua voz alta.
— Não precisa chorar, pequena, — ele instruiu enquanto me pegava e
se levantava, me acomodando em seu quadril.
Pisquei para conter as lágrimas, não ousando chorar.
— Muito bem, minha brava guerreira, embora você seja um pouco
pequena para lutar contra esse grupo, — ele riu.
Ele virou a cabeça e olhou para seis meninos. Fiquei surpresa ao ver
Samuel parado ali com outros cinco meninos.
— Peçam desculpas a esta filhotinha, seus indivíduos inúteis, — ele
rosnou.
— Desculpe, filhote, — todos ecoaram
Até Samuel se desculpou, embora eu tenha notado que ele disse isso
com os dentes cerrados.
— Agora dê mais cinco voltas por não olhar para onde estavam indo,
— ele sibilou.
Os meninos começaram a correr novamente.
O homem olhou para mim, me examinando.
— Bem, eu não acho que haja qualquer dano, mas você deve ter
cuidado ao correr, pequena, — ele repreendeu suavemente.
Eu apontei para o chão.
— Eu deixei cair meu lobo.
Ele riu e o pegou no chão, em seguida o entregou para mim.
— É um lobo muito bonito também.
Então ele inclinou a cabeça para o lado e cantarolou.
— Parece que você já esteve na guerra, guerreirinha.
Ele apontou para a bandagem no meu braço.
— Eu levei um tiro, — eu disse.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Você tem um nome, porque acho melhor tentarmos encontrar sua
mamãe e papai, não é?
Eu balancei a cabeça, mas antes de ter a chance de dizer qualquer
coisa, ouvi meu pai.
— O nome dela é Ellie e ela está com sérios problemas.
O homem que estava me segurando riu.
— Alfa, eu não sabia que essa era sua, talvez eu devesse mandá-la para
uma volta com os meninos.
— Eu posso? — Eu perguntei animadamente.
Ambos os homens riram.
— Eu posso ver que você vai ter as mãos ocupadas com esta pequena,
— o homem riu.
Então ele olhou para mim.
— Bem, pequena Ellie, quando você ficar um pouco maior e mais
forte, venha me encontrar. Meu nome é Murdoch. Acho que você será
uma guerreira de primeira classe.
Eu sorri.
— Obrigada... por me ajudar.
Ele bagunçou meu cabelo.
— O prazer é meu, Ellie.
Ele me entregou ao papai, que estava tentando parecer irritado, mas
estava sorrindo.
— Eu acho que uma certa pequena senhora é um prato cheio, Alfa, —
Murdoch riu.
Papai revirou os olhos e cantarolou.
— Eu acho que você talvez esteja certo, Murdoch... e obrigado
novamente.
Murdoch curvou sua cabeça, então correu para longe, para alcançar
os meninos.
Papai me olhou severamente.
— Ellie, nunca mais faça isso, você poderia ter se machucado.
Eu olhei para o chão.
— Desculpe, papai, — murmurei, — mas deixei cair meu lobo.
Ele colocou o dedo sob meu queixo e inclinou minha cabeça para
cima para que eu estivesse olhando para ele.
— Lobinhos de pelúcia custam alguns centavos, você não. Você é
muito preciosa, — ele repreendeu suavemente, — agora vamos encontrar
sua avó e seu avô antes de se envolver em qualquer outra travessura.
Papai me carregou pelo resto do caminho, que não era longe.
Paramos em frente a uma casa de tamanho razoável. Era quase do
mesmo tamanho que a do papai.
Ele gentilmente me colocou no chão, com uma mão apoiada na
minha cabeça. Um pouco mais firme do que o normal. Eu imaginei que
ele pensou que eu poderia fugir de novo, mas eu tinha meu lobo agarrado
firmemente ao peito.
Com a outra mão, ele bateu com firmeza na porta.
Olhei para o meu vestido e depois para a porta.
— A porta é amarela, — exclamei.
Papai sorriu:
— Garota esperta, isso mesmo, — elogiou.
Não tivemos que esperar muito até que a porta se abrisse. Uma
senhora estava lá. Ela era um pouco mais baixa que o papai, mas não
muito.
Ela olhou para o papai e depois para mim.
— Oh, meu Deus, ela é simplesmente adorável, — ela se entusiasmou.
Ela deu um passo em minha direção, então agarrei a perna do papai,
tentando me esconder atrás dele.
— Mãe, — papai repreendeu, — ela não está acostumada com
estranhos.
— Bobagem, — ela retrucou, — não sou uma estranha, sou a avó dela.
— Adriana! — Uma voz profunda retumbou.
Eu olhei para cima para ver um homem grande que se parecia com o
papai.
— Dê um pouco de espaço para a filhote, — acrescentou.
A mulher, que imaginei ser a mamãe do papai, deu um passo para trás
e abriu a porta.
— Entrem, por favor, — ela suspirou.
Papai gentilmente me conduziu pela porta. Eu olhei para as duas
novas pessoas. Os dois sorriram gentilmente para mim enquanto
entrávamos na casa.
A casa era totalmente diferente da do papai e da Jasmine.
Era muito mais escura, com móveis de madeira escura e padrões
floridos no sofá.
Papai se sentou no sofá e me sentou ao lado dele. Eu meio que
preferia sentar no colo dele, mas ele estava perto o suficiente para que, se
eu entrasse em pânico, fosse ao seu socorro.
— Mãe, pai, — ele começou, — esta é Ellie... Ellie, estes são sua avó e
seu avô.
— Mas, — a mulher começou, enquanto se sentava ao meu lado no
sofá, — você pode me chamar de Nana, e você pode chamá-lo de vovô.
Ela se inclinou para mim e sussurrou:
— Mas às vezes o chamamos de rabugento, porque ele é alguém bem
rabugento.
Eu coloquei minha mão sobre minha boca para abafar uma risadinha.
A Nana tinha um brilho nos olhos. Ela parecia muito legal.
— Mãe! — Papai a repreendeu.
Ele provavelmente ouviu o que ela disse. Eu olhei para o vovô. Ele
estava sorrindo, mas revirou os olhos. Tive a sensação de que ele
provavelmente não estava mal-humorado.
— Que tal um pouco de suco e biscoitos, Ellie? Você gostaria disso? —
A Nana perguntou.
Parecia bom, mas olhei para o papai após o incidente com Elijah e o
chocolate.
Ele revirou os olhos e sorriu. Então ele acenou com a cabeça.
— Vá em frente, não é como se eu tivesse muita escolha, não no que
diz respeito à sua Nana.
A Nana estendeu a mão e eu a segurei, enquanto ela me levava para
outra sala, que era a cozinha. Era diferente das que já tinha visto.
Não havia balcão de café da manhã, mas uma pequena mesa com
cadeiras de madeira e uma toalha de mesa xadrez.
A Nana gentilmente me pegou e me sentou em uma das cadeiras. Não
havia um banquinho, então meu queixo alcançava por pouco a superfície
da mesa.
Nana riu:
— É melhor consertarmos isso.
Ela abriu um armário e tirou uma grande almofada fofa.
— Isso vai ter que servir por enquanto.
Ela colocou o braço em volta da minha cintura e me levantou,
empurrando a almofada por baixo de mim.
— Pronto... assim está melhor.
Em seguida, ela foi até a geladeira e pegou uma jarra de suco de
laranja e despejou em um copo. Então ela o colocou na minha frente.
— Obrigada, — eu sussurrei.
Nana sorriu.
— Oh, pela deusa, você não é a coisa mais fofa do mundo? — Ela disse
entusiasmada.
Eu estava um pouco confusa. Eu tinha acabado de conhecê-la e era
como se ela estivesse tão feliz só porque eu disse "obrigada". Em seguida,
foi até outro armário e colocou um prato com coisas redondas sobre a
mesa.
— Pegue um, querida. Eu os fiz especialmente porque sabia que você
estava vindo, — ela sorriu.
Eu olhei para eles.
— O que eles são? — Eu perguntei.
Nana franziu a testa. É a primeira vez que ela não sorri.
— São cookies, querida. Você nunca comeu biscoitos antes?
Eu balancei minha cabeça.
— Eu não tive muitas coisas.
Então ela sorriu.
— Oh, meu Deus, nós vamos nos divertir muito, — ela disse
entusiasmada.
Ela estendeu a mão e me entregou um.
— Experimente este primeiro, é com gotas de chocolate.
Eu sorri de volta para ela enquanto pegava o biscoito. Acho que vou
gostar da minha Nana.
Capítulo 18
Gabriel
Deixei Ellie com minha mãe e segui meu pai até seu escritório.
Ele olhou para mim e sorriu, — tenho certeza que você não deixou
Ellie com o monstro dos biscoitos só para passar um tempo com o seu
velho.
Ele apontou para uma cadeira, então eu me sentei.
Ele puxou uma garrafa e dois copos do armário atrás dele.
Colocando-os sobre a mesa, ele serviu uma bebida para nós dois.
— Como ela está? — Meu pai perguntou, enquanto deslizava o copo
em minha direção.
Peguei o copo e engoli com um só gole, sentindo-o queimar ao atingir
o fundo da minha garganta.
— Bem, e não tão bem, — respondi.
Meu pai franziu a testa e olhou para mim. Esperando que eu
continuasse.
— Ela está se acomodando. Eu disse a ela sobre a adoção... disse a ela
que agora sou o pai dela. Ela até me chama de papai... — Eu hesitei.
— Mas? — Meu pai questionou.
— Ela tem pesadelos. Ela tem ataques de pânico... Às vezes causados
pelas coisas mais simples.
Meu pai deu um gole em sua bebida.
— Tal como?
Eu balancei minha cabeça.
— A primeira vez que ela tomou banho. Quando eu a levei para ver
Erik para verificar seu ferimento, ela enlouqueceu completamente. Eu sei
que ela não teve uma grande experiência com ele, mas ainda assim.
Meu pai se inclinou para frente e olhou para mim.
— O que ele fez? — ele rosnou.
Revirei os olhos, ele só tinha visto a filhote uma vez e já estava no
modo de proteção total.
— Ela estava com febre, ele teve que tirar a temperatura dela. Eu não
acho que ela já tinha visto um médico antes, então ele decidiu tomar a
temperatura analmente.
— Ela lutou, então nós a contivemos... — Eu hesitei, sabendo que
meu pai ficaria louco quando eu contasse a ele.
— Ele encontrou cicatrizes... no reto. Ela também foi chicoteada em
algum momento de sua vida, — eu acrescentei, tentando manter o
tremor da minha voz. Era difícil até mesmo pensar nisso, quanto mais
falar sobre isso.
Observei meu pai enquanto seus olhos ficavam pretos. Seus caninos
se alongaram. O aperto no vidro foi tão forte que seu copo se quebrou
em sua mão.
Um grunhido profundo veio de seu peito.
— Pai! Isso não está ajudando.
Observei enquanto seus olhos voltavam ao normal junto com seus
dentes. O sangue escorria de sua mão onde o vidro havia penetrado na
carne.
Ele puxou um lenço do bolso e enxugou o sangue. A carne já estava
começando a se curar.
— Há quanto tempo, — ele rosnou.
Eu balancei minha cabeça.
— Eu não sei. Um ano, talvez mais... Tem mais... — Acrescentei.
Ele estreitou os olhos, esperando que eu continuasse.
— Ela foi tirada de sua família, seus pais. Eles devem ter estado
doentes porque morreram.
— Se ela morava com seus pais, e seu irmão também, há uma
possibilidade de que ela tenha saído de trás dos muros.
Ele olhou para mim.
— Então, os pais dela a entregaram aos desgraçados sádicos que
comandam os campos e eles estupraram uma criança?
Eu não pude responder. Eu não queria responder.
Terminei a bebida e mudei rapidamente de assunto.
— Erik pegou um pouco de amostra de seu sangue, ele disse que
encontrou uma anomalia. Eu tenho que pegar outra amostra em algum
momento, — eu puxei o kit do meu bolso.
Meu pai olhou para o kit em minha mão.
— Que tipo de anomalia? — Ele questionou. Dei de ombros, — ele
não diria nada na frente dela.
Ele apontou para o kit em minha mão.
— É um kit de DNA, Gabriel. Por que ele precisaria fazer um teste de
DNA?
Suspirei.
— Não sei, — disse com os dentes cerrados.
Ele olhou para mim e balançou a cabeça.
— Vamos lá, vamos encontrar sua mãe, — ele rosnou, — e não
mencione isso a ela, Gabriel.
Eu assenti, isso era definitivamente algo que ela não precisava saber.
Nós dois atravessamos a sala de estar e fomos para a cozinha. O prato
cheio de biscoitos agora apenas tinha algumas migalhas.
O prato estava sobre a mesa com um copo de suco de laranja pela
metade.
— Talvez elas estejam no jardim, — sugeriu meu pai.
Eu balancei a cabeça e comecei a segui-lo. Isso foi até eu ouvir um
grito. O grito de uma filhote que só poderia ser Ellie. Não foi um grito
divertido cheio de risos também. Foi um grito de terror.
Passei por meu pai e corri para a sala de jantar. As portas francesas já
estavam abertas.
Minha mãe estava lá com uma expressão de choque em seu rosto.
Ellie estava de joelhos soluçando.
— P... Por favor, não... Eu serei boazinha, — Ellie soluçou.
Corri até ela e passei meus braços em torno dela.
— Shh, pequena, está tudo bem, papai chegou... papai está com você,
— eu a acalmei.
Eu olhei para minha mãe.
— Eu não fiz nada, Gabriel. Eu estava apenas mostrando a ela o
jardim e a piscina.
— Eu apenas disse que ela poderia entrar depois do almoço se ela
quisesse... Então ela gritou e começou a soluçar, — ela disse, com um
olhar horrorizado em seu rosto.
Eu gentilmente a peguei e comecei a esfregar suas costas.
— P... papai! — Ela soluçou e colocou os braços em volta do meu
pescoço e as pernas em volta da minha cintura.
Eu esfreguei suas costas suavemente.
— Diga-me o que aconteceu, — eu sussurrei.
Seu pequeno corpo tremia enquanto ela soluçava.
— E... eles me jogaram... estava... estava frio, — ela soluçou entre
suspiros, — E... então ele me segurou embaixo... eu... eu não conseguia
respirar.
Continuei esfregando suas costas. Aqueles desgraçados quase a
afogaram. Eu estava com tanta raiva, meu lobo então estava furioso. Eu
tive que contê-lo. Rosnar e deixá-lo sair não faria nenhum bem à minha
filhote.
— Está tudo bem, pequena, ninguém vai te machucar mais. Eu não
vou deixar, nem ninguém aqui, eu prometo, — eu sussurrei.
Eu a carreguei de volta para dentro de casa, com ela ainda agarrada a
mim.
"O que aconteceu com ela, Gabriel? Por que você não me contou?"
A voz irada de minha mãe veio através do elo mental.
Suspirei.
"Sinto muito, mãe, muitas coisas aconteceram com ela. Eu não queria
te chatear. "
Eu liguei minha mente de volta.
Eu olhei para minha mãe, com seus olhos negros, encarando meu pai.
Ela provavelmente estava ditando o que fazer a ele pela ligação mental.
Ele provavelmente me contaria mais tarde.
Conhecendo minha mãe, ela cruzaria a fronteira e lidaria com os
malditos sozinha. Em vez disso, ela iria importunar meu pai.
Voltei para a sala de estar e me sentei no sofá, colocando-a no meu
colo.
Seus soluços haviam se reduzido a um gemido, mas ela ainda estava
me agarrando com força.
Peguei o kit com o cotonete. Eu não queria fazer isso agora, mas
precisava dar isso ao Erik.
— Abra sua boca, deixe-me verificar por dentro, — eu insisti.
Ela soltou meu pescoço e esfregou os olhos.
— Por quê? — Ela murmurou.
— Eu só preciso ter certeza de que você não se machucou, então vou
pedir a Nana para fazer um pouco de leite quente e mel, você gosta disso,
não é? — Eu tentei persuadir.
Olhei para minha mãe e ela acenou com a cabeça antes de ir para a
cozinha.
Ellie assentiu e abriu a boca.
Eu rapidamente passei o cotonete no interior de sua boca e o guardei
dentro do recipiente.
— Tudo ótimo, — eu sussurrei, e dei um beijo em sua testa.
Ela descansou com a bochecha no meu peito. Esperamos minha mãe
voltar com o leite. Meu pai estava com ela. Cochichavam, mas eu ainda
podia ouvi-los discutindo.
Eu duvidava que Ellie pudesse. Pelo menos eu esperava que não.
Agora ela precisava de calma.
Minha mãe voltou com o leite depois de algum tempo. Eu pude ver
pela expressão em seu rosto que ela estava chateada. Eu me perguntei o
que meu pai havia dito a ela.
— Aqui, querida, — ela a chamou, enquanto entregava a Ellie uma
xícara.
Ellie levantou a cabeça do meu peito. Seus grandes olhos azuis
fitaram minha mãe, enquanto ela pegava o copo de leite morno.
— Obrigada, Nana, — ela sussurrou.
Minha mãe olhou para mim e acariciou suavemente o cabelo de Ellie.
Depois de beber um pouco do leite, ela o devolveu e apoiou a cabeça
no meu peito.
— Você está cansada, pequena, — eu perguntei.
Ela acenou com a cabeça, suavemente.
Eu me levantei e a coloquei no sofá. Usei uma das almofadas como
travesseiro.
Minha mãe desapareceu e depois reapareceu com um cobertor, com o
qual cobriu Ellie.
Sentei-me na beirada do sofá, acariciando suavemente a testa de Ellie.
Não demorou muito e ela estava dormindo.
Eu me levantei e olhei para meus pais.
— Eu preciso falar com Erik, tudo bem vocês cuidarem de Ellie?
Minha mãe acenou com a cabeça.
— Não demore muito, Gabriel, eu não quero que ela fique estressada
se ela acordar e você não estiver aqui.
Beijei minha mãe na bochecha.
— Eu não vou, além do mais, acho que ela gosta de você. Não é sua
culpa o que aconteceu na piscina. Há tanta coisa que aconteceu com ela
que não sabemos. Ela está se abrindo lentamente para mim.
— Um dia espero que ela confie em mim o suficiente para me contar
tudo. Até lá, só tenho que juntar os cacos.
Minha mãe passou os braços em volta de mim e me abraçou. Ela não
fazia mais muito isso. Eu não tinha certeza se era para mim ou para ela.
— Você está fazendo um trabalho maravilhoso, Gabriel, — ela
sussurrou, — ela é uma menina de muita sorte.
Eu concordei. Eu não tinha certeza se ela tinha tanta sorte depois de
tudo o que tinha acontecido com ela, mas talvez sua sorte estivesse
começando a mudar.
Corri para o hospital o mais rápido que pude. Eu queria fazer o teste
de cotonete com Erik e descobrir por que ele precisava disso.
Ele estava em seu escritório quando abri a porta.
Antes que ele tivesse a chance de dizer qualquer coisa, eu falei.
— Isso vai ter que ser rápido, — comecei dizendo, passando o kit para
ele.
— Ellie teve um ataque de pânico. Os desgraçados tentaram afogá-la,
tudo voltou à tona quando minha mãe lhe mostrou a piscina.
Erik parecia chocado e acenou com a cabeça.
— Você provavelmente está se perguntando por que eu pedi isso, —
ele disse, erguendo o cotonete.
Eu balancei a cabeça, esperando por uma explicação.
— Eu testei uma amostra de sangue quando você a trouxe, prática
padrão quando temos alguém... de fora. — ele ergueu as mãos, — eu sei
que ela desertou para salvar sua vida, mas... bem, de qualquer maneira... o
resultado foi incomum, então eu só queria verificar novamente.
Eu fiz uma careta.
— Incomum como?
Ele suspirou e apontou para a cadeira.
— Pode ser um erro, uma amostra comprometida, — ele hesitou, —
se não for, então Ellie é um híbrido. Meio humano, meio lobo, —
afirmou.
Capítulo 19
Gabriel
Eu encarei Erik com descrença. Como isso foi possível. A fronteira
estava em vigor há quase cinquenta anos, mas aqui estava ele me dizendo
que minha filhote era meio lobisomem.
Se isso fosse verdade, o que havia acontecido com ela era ainda pior.
Não me entenda mal. O que aconteceu com ela não deveria acontecer
com nenhum filhote, mas fazer isso com um dos nossos era como uma
declaração de guerra.
Eu me perguntei se eles sabiam. Foi por isso que ela foi tratada tão
terrivelmente? E quanto ao irmão dela, ele sabia? Ele também era um
híbrido? Ela sentiu que era diferente?
— Ela sabe, Erik? — Eu questionei.
Erik balançou a cabeça.
— Eu duvido muito, ela é muito jovem para perceber.
Eu estreitei meus olhos, ela nos disse que tinha doze anos. Os filhotes
geralmente pegam seu lobo quando têm entre oito e dez anos.
— Ela não tem um lobo, então?
Erik passou os dedos pelos cabelos.
— Gabriel, — ele começou, — você precisa entender algo. Não há
muitas informações sobre híbridos. Qualquer coisa que eu pudesse
encontrar tinha mais de cinquenta anos.
Eu o encarei, tive a sensação de que ele estava tentando suavizar
algum tipo de golpe.
— O que você está dizendo, Erik, que ela está em perigo?
Erik balançou a cabeça.
— Não, Gabriel, longe disso.
— É apenas que com as informações que tenho atualmente em mãos,
sua constituição e tudo o que sabemos sobre seu estilo de vida até este
ponto, — ele hesitou, — eu arriscaria um palpite de que ela não tem 12
anos de idade... Eu arriscaria dizer que ela é muito mais jovem.
Levantei minhas sobrancelhas e respirei fundo.
— Quanto mais jovem?
— Bem, — Erik coçou a cabeça, — com base no tamanho e altura,
comparando filhotes de lobisomem e filhotes humanos, tendo em mente
a falta de carne e a baixa qualidade em sua dieta...
— Erik! — Eu rosnei, — Eu não preciso de uma aula de ciências!
Apenas me diga quantos anos você acha que ela tem?
Erik engoliu em seco nervosamente.
— É provável que ela esteja entre seis e oito anos, — ele desabafou, —
não tenho certeza, é apenas um palpite bem fundamentado.
Fechei meus olhos e balancei minha cabeça.
— Quantos anos... — Engoli em seco, — quando...
Não precisei continuar, ele sabia a que me referia.
Ele suspirou.
— Provavelmente cerca de um ou dois anos atrás. Como você sabe,
filhotes de lobisomem não obtêm habilidades de cura aprimoradas até
sentirem seus lobos. Ela pode ou não ter um lobo.
— O tempo dirá sobre isso. A maioria dos filhotes tem seus lobos por
volta dos dez anos. Não sei se isso é diferente para os híbridos, não sou
especialista.
Eu concordei.
— Existe um? Um especialista, quero dizer?
Erik deu de ombros.
— Vou fazer algumas ligações. Se houver, eles serão velhos. Você deve
perguntar ao seu pai, alguém do conselho pode saber.
Eu me levantei, ainda um pouco chocado com a notícia.
— Devo dizer a ela? — Eu perguntei.
Erik encolheu os ombros novamente. Era um território novo para nós
dois, imaginei.
— Não será fácil para ela descobrir que seu pai, na verdade, não era
seu pai. Eu imagino que sua mãe seja humana. Como um lobo a
engravidou, acho que nunca saberemos.
— Pode ser o companheiro dela que cruzou a fronteira, ou pode ser
que ela foi estuprada por um desertor. O homem que assumiu o papel de
pai, embora por pouco tempo, deve ter sabido.
Suspirei. Eu não queria que ela odiasse o homem que amava como
pai. Eu só me perguntei se ele escolheu esse caminho para ela, já que ele
sabia que ela não era dele.
Muitas coisas pareciam fazer mais sentido agora. A curiosidade, o
cansaço. A maneira como ela de repente se tornou mais pegajosa.
— Ela dorme muito, isso é normal? — Eu perguntei.
Erik acenou com a cabeça.
— Eu não tenho certeza de como ela conseguia antes. Provavelmente
ela estava no piloto automático. Provavelmente nem mesmo estava
ciente do que estava fazendo. Agora ela está usando seu cérebro.
— Ataques de pânico e flashbacks vão cansá-la. Deixe-a dormir
quando precisar. Como está indo a alimentação?
Eu ri.
— Ela adora doces, mas estou encorajando-a a comer pequenas
porções de comida normal. Hoje pode ser uma exceção. Minha mãe
assou biscoitos. Ela provavelmente pediu a Ellie que experimentasse
todos os sabores!
Erik deu uma risadinha:
— Sempre me lembro de quando éramos crianças, os biscoitos da sua
mãe eram lendários.
A expressão de Erik ficou mais séria.
— Mas tenha cuidado com coisas doces demais. Tente explicar para
sua mãe sobre uma dieta balanceada.
Revirei os olhos.
— Por favor. Tente você explicar a ela por que ela não deve mimar sua
última neta.
Erik riu. Ele sabia como minha mãe era tão boa quanto eu.
Com pouco mais para discutir, voltei para a casa dos meus pais. Meus
pensamentos se voltaram para quem poderia ser o pai de Ellie. Para se era
possível que o verdadeiro pai de Ellie ainda estivesse vivo.
Talvez ele morasse na minha matilha.
Se a mãe de Ellie tivesse morrido e ela fosse sua companheira, ele
teria sentido. Ou era uma outra possibilidade, que o pai de Ellie era um
desertor.
Eu duvidei disso. Um desertor provavelmente teria saído matando
todo mundo. Isso deixava uma outra alternativa, que seu pai ainda estava
vivo. Se ele descobrisse sobre ela, ele tentaria reivindicá-la?
Por cima do meu cadáver, aquela garotinha era minha agora.
A porta da frente da casa dos meus pais não estava trancada, então
entrei. Meu pai estava sentado na beira do sofá, acariciando suavemente
a testa de Ellie com o polegar.
— Está tudo bem? — Sussurrei, tomando cuidado para não acordá-la.
Meu pai olhou para mim e sorriu. Foi bom ver seu lado mais suave,
para variar.
— Ela estava um pouco inquieta. Isso sempre funcionava com sua
irmã quando ela era uma filhote, embora muito mais jovem do que esta
pequena.
— Não tenha tanta certeza disso, pai, — rebati.
Ele franziu a testa. Então, com uma última verificação em Ellie, ele se
levantou.
— O que você quer dizer?
— Acabei de falar com Erik, a anomalia é o fato de que ela é meio
lobisomem e provavelmente tem apenas seis ou sete anos.
O olhar no rosto do meu pai era provavelmente semelhante ao olhar
no meu quando Erik me contou.
— Ele tem certeza? — Meu pai questionou.
Eu balancei a cabeça.
— Tanto quanto ele pode estar, mas o cotonete vai confirmar isso.
Fiquei surpreso ao ver os olhos do meu pai brilharem, com lágrimas
não derramadas.
— Pobre pequena alma, — ele murmurou, com sua voz falhando.
Ele limpou a garganta e respirou fundo, se recompondo um pouco.
— Eu não quero que você conte a sua mãe sobre... — Ele hesitou.
Eu sabia a que ele estava se referindo.
— Ela está chateada o suficiente com a questão da piscina. Ah, e o
tiro, — acrescentou.
Eu assenti e olhei para Ellie.
— Eu não vou contar a Ellie sobre ser meio lobisomem ainda. Será
difícil para ela entender que o homem que ela chamava de pai não era
realmente seu pai.
Meu pai concordou com a cabeça.
— O Erik tem alguma ideia de quem poderia ser?
Eu balancei minha cabeça.
— Não, provavelmente é melhor assim, mas se ele não tivesse sumido,
todo o sofrimento dela poderia ter sido evitado.
Meu pai acenou com a cabeça novamente e colocou a mão no meu
ombro.
— Nós vamos fazer ela superar isso, Gabriel. Toda a dor que ela
sofreu, e chegar a um acordo com sua herança. Somos a família dela
agora.
Eu sorri para meu pai. Eu nunca tinha visto seu lado mais gentil. Ele
esteve sempre muito ocupado me preparando para me tomar um Alfa. Eu
gostei.
— Obrigado... pai... eu agradeço por isso.
Ele olhou para mim e sorriu.
— A última vez que você me chamou de pai, você tinha mais ou
menos a mesma idade que ela... eu gosto.
Eu revirei meus olhos.
— Há uma coisa que você poderia fazer por mim? — Arrisquei.
— Diga, filho. Qualquer coisa pela minha neta, — ele respondeu,
olhando para sua forma adormecida.
— Erik achou que você poderia conhecer alguém que tem experiência
com híbridos. Simplesmente não sabemos o que esperar. Nós nem
sabemos se ela vai conseguir um lobo.
— Vou ver o que posso fazer, — respondeu ele, — mas agora, acho
que nossa menina está acordando.
Ele estava certo. Um pequeno gemido de aborrecimento saiu de seus
lábios e ela começou a esfregar os olhos.
Sentei na beirada do sofá.
— Ei, pequena, você tirou uma boa soneca? — Eu perguntei.
Ela gemeu novamente.
— Ainda está com sono, hein?
Ela assentiu.
Eu a peguei, na esperança de acordá-la suavemente.
Ela de repente parecia em pânico.
— Qual é o problema, pequena? — Eu perguntei rapidamente.
A última coisa que eu queria era mais lágrimas.
— Eu perdi o lobo, — ela choramingou.
Eu olhei em volta, me perguntando para onde tinha ido. Ela estava
bastante apegada a ele. Eu esperava poder evitar outro episódio de
lágrimas.
Felizmente, meu pai veio ao resgate.
— Eu acho que sua vovó está com ele, na cozinha, — ele assegurou, —
por que você não fica comigo, e seu pai pode ir procurá-lo?
Ellie olhou para meu pai, depois para mim. Estava um pouco dividida.
Eu queria que ela tivesse um vínculo com meus pais, não apenas com
minha mãe.
— Por que você não fica com seu avô... quero dizer vovô, e eu irei
encontrar o seu lobo. Eu preciso bater um papo com sua Nana de
qualquer maneira, — eu sugeri.
Meu pai estendeu os braços e eu a incentivei a ir até ele. Ela parecia
um pouco preocupada, mas sorri para ela.
Enquanto eu caminhava para a porta, fiquei lá por alguns momentos.
— Agora, querida, — meu pai começou, — que tal uma história?
Ele se sentou na cadeira e a empoleirou em seus joelhos.
— Nunca ouvi uma história, vovô, — respondeu Ellie.
Meu pai riu.
— Bem, deixe-me ver... — Ele hesitou por um segundo.
— Ahh, eu sei... Era uma vez uma menina com cabelos dourados e
olhos azuis, assim como você...
Ellie olhou para meu pai extasiada.
— Um dia ela decidiu dar um passeio no bosque...
— Ela levou um tiro... como eu?
Meu pai abafou uma risada:
— Não, amorzinho, ela não levou um tiro. Você gostaria que eu
continuasse?
Ellie acenou com a cabeça, e ele suavemente a beijou no topo de sua
cabeça.
— Ok, então, onde eu estava?
— A menina ia dar um passeio, mas não levou um tiro... — Ellie
concluiu.
Meu pai deu uma risadinha.
Nesse ponto, eu os deixei por conta própria. Se Murdoch pensasse
que eu teria meu prato cheio, então não seria nada comparado a seu avô.
Capítulo 20
Gabriel
Minha mãe estava olhando pela janela da cozinha, perdida em
pensamentos. Ela nem percebeu que eu tinha entrado.
O lobo de pelúcia estava sobre a mesa da cozinha, junto com o resto
do copo de suco de laranja.
— Mãe...? — Arrisquei.
Ela se virou para olhar para mim, e as lágrimas que se acumularam
em seus olhos começaram a transbordar.
— Eu sinto muito, Gabriel... eu não tinha ideia, — ela soluçou.
Eu me aproximei e passei meus braços em torno dela.
— Está tudo bem, mãe... nenhum de nós sabia. Estamos aprendendo
coisas novas todos os dias, — eu acalmei.
Ela se afastou de mim e enxugou os olhos no avental que estava
usando.
— Como eles puderam? Como eles puderam fazer isso com ela? Ela é
apenas uma garotinha.
Peguei a mão de minha mãe e a levei para a mesa da cozinha.
— Sente-se, mãe, há algumas coisas que preciso lhe contar.
Ela ajeitou o avental que estava usando e respirou fundo. Recuperou
sua compostura. No fundo, ela ainda era uma Luna. Esta foi a primeira
vez que a vi chorar abertamente.
Eu duvidava que fosse a única vez, mas as lágrimas não eram para
exibição pública. Foi isso o que ela aprendeu.
Ela se sentou e eu me sentei em frente a ela.
Ela olhou para mim, esperando que eu falasse. Esperava ouvir o que
eu estava prestes a dizer a ela, preparando-se para o pior.
Ela já tinha experimentado o pior, imaginei que meu pai tivesse
contado a ela o que eu contara a ele. Eu não tinha certeza se ele havia
contado tudo a ela. O que quer que ele tenha dito a ela foi o suficiente
para perturbá-la.
— Eu falei com Erik, — eu comecei, — Ellie não é humana, ela é uma
híbrida. Ela é meio lobisomem.
Observei minha mãe cerrar os punhos.
— Ela não tem doze anos, mãe. Ela provavelmente tem seis ou sete
anos.
Minha mãe apenas me encarou. Então ela trouxe a mão para cobrir a
boca quando a compreensão a atingiu. Já era ruim pensar que isso tinha
acontecido com uma criança de doze anos, mas com uma de seis.
— Você... Você tem alguma ideia de quem é o verdadeiro pai dela?
Eu balancei minha cabeça.
— Eu realmente não quero saber. Eu só quero dar a ela uma família
amorosa para crescer.
Minha mãe acenou com a cabeça, e franziu a testa.
— Você precisará dizer a ela, Gabriel. Ela precisa saber.
Passei meus dedos pelo meu cabelo.
— Eu vou, mas ainda não. Isso tudo é tão novo para ela, a última coisa
que quero fazer é aborrecê-la. Descobrir que seu pai não era realmente
seu pai vai ser difícil.
Minha mãe se levantou e pegou o lobo de pelúcia.
— Você precisa ter cuidado, Gabriel. Eu sei que os filhotes geralmente
não sentem seu lobo até os dez anos, mas nunca trouxemos um jovem
para a matilha antes.
— Se ela tiver um lobo, mesmo que esteja dormente, ela se sentirá
diferente na cerimônia de sangue.
Fechei meus olhos e respirei fundo. A cerimônia de sangue. Não tinha
esquecido disso, mas como explicar para uma filhote que você tem que
cortar a mão dela com uma faca.
Não sabia se eles não tinham feito algo com ela com uma faca.
Imagine o trauma que isso causaria a ela.
— Você vai trazê-la para a matilha, não é, Gabriel? — Minha mãe
soltou.
Eu abri meus olhos. A expressão no rosto da minha mãe só foi
confirmada pelo tom de sua voz.
— Claro, mas...
— Sem mas, Gabriel, é ainda mais importante agora que sabemos que
ela é meia lobisomem.
Eu revirei meus olhos.
— Está bem! Mas você quer ser a pessoa que vai dizer a ela que ela
tem que ser cortada na mão com uma faca? — Eu soltei.
Minha mãe apenas olhou para mim.
— Não seja tão dramático, Gabriel, — ela repreendeu.
— Sinto muito... mas você viu o que acontece quando ela tem um
ataque de pânico, eu suspirei.
Ela se aproximou e colocou a mão suavemente no meu ombro.
— Então faremos isso juntos, Gabriel. Estaremos sempre ao lado dela.
Sempre apoiando. Nós até cortaremos nossas mãos se for necessário.
Eu sabia que ela estava certa, é claro.
Essa mulher sempre estava certa. Então, eu apenas concordei com ela.
Não havia muito mais que eu pudesse fazer.
Eu fui até a sala de estar. Ellie ainda estava encantada com meu pai.
Se havia uma coisa que eu sabia é que ele era um bom contador de
histórias.
Ele sempre conseguiu dar vida a uma história, mudando sua voz ao
interpretar cada um dos personagens.
— Mas, vovô, o que aconteceu então? — Ellie choramingou.
Meu pai deu uma risadinha:
— Não sei, pequena, acho que você tem que usar sua imaginação.
— Mas os ursos não a comeram, não é? — Ellie questionou.
Ele riu de novo.
— Eu duvido, ela era muito parecida com você... toda pele e osso.
Ela gritou quando ele começou a fazer cócegas nela.
— Não... Não... Vovô, chega de cócegas, — ela gritou.
Ele respondeu.
— Sorte sua que seu pai veio para salvá-la do monstro das cócegas, e
ele trouxe reforços. Parece que ele encontrou o seu lobo!
Observei Ellie sair do colo do meu pai e correr para mim.
Eu a peguei em meus braços e entreguei o lobo a ela.
— Então, — eu ri, — O vovô encontrou sua fraqueza?
Ela franziu a testa e inclinou a cabeça para o lado.
Eu levantei minha mão e fiz um movimento de cócegas com ela.
Ela agarrou seu lobo contra sua barriga.
— Não... Não, papai, por favor, não. Eu vou ficar doente.
Eu disse.
— Doente? Não pode ser. Amanhã é um dia especial.
— Por quê? — Ela questionou.
Sentei-me no sofá e a coloquei no meu joelho.
— Amanhã teremos uma grande festa e todos vão te dar as boas-
vindas.
Sua pequena sobrancelha franziu.
— Eu não quero festa, papai, — ela choramingou.
Minha mãe apareceu na porta.
— Claro que você quer, Ellie. As festas são muito divertidas. Haverá
chocolate e biscoitos. Todas as coisas que você gosta, e estaremos lá para
comemorar. Não é todo dia que você ganha uma nova família, não é?
Ellie olhou para minha mãe. Eu quase podia ouvir as engrenagens
girando em sua cabecinha.
— Chocolate? — Ela perguntou.
Minha mãe acenou com a cabeça e sorriu.
— Só o melhor para nossa garotinha. Agora vá lavar as mãos porque o
jantar está pronto.
Eu não sabia se revirava os olhos ou ria. Minha mãe, a mestre
manipuladora.
Ela sempre soube como persuadir as pessoas, ou talvez fosse apenas
suborno.
Ela só conhecia Ellie há algumas horas e já desvendou sua fraqueza.
Eu duvidava que o chocolate convencesse Ellie de que cortar a mão
com uma faca era uma boa ideia, mas, como de costume, minha mãe
estava certa.
O fato de ela ser meio lobisomem significava que era ainda mais
importante trazê-la para a matilha.
Não menos importante, porque se seu verdadeiro pai emergisse, seria
muito mais difícil para ele tomá-la se ela já fizesse parte deste bando.
Ou seja, a menos que ele já fosse um membro deste bando, então ele
sentiria o vínculo com ela muito mais forte do que os outros.
Capítulo 21
Ellie
Papai me carregou até o banheiro. Eu não sabia por que tinha que
lavar as mãos, já tinha tomado um banho hoje. Não argumentei, embora
duvidasse de que teria escolha.
Tudo parecia tão confuso. Quando eu estava do outro lado da
fronteira, diziam-me o que fazer. Se eu não obedecesse, seria punida.
Aqui era diferente. Algumas coisas eu tive que escolher, outras eu tive
que fazer sem escolha. Por exemplo, tomar banho todos os dias e lavar as
mãos. Então houve essa festa.
Achei difícil encontrar pessoas estranhas. Principalmente porque isso
me assustava ainda. Eu sabia que papai e toda a sua família não me
machucariam, mas outras pessoas... não tinha como ter certeza.
Não tinha como saber se eles não seriam como as pessoas do lado
humano da fronteira. Qualquer pessoa nova lá só queria te machucar.
Eles gostavam de machucar você. Achava que todas as pessoas eram
assim.
Até agora, todos os lobisomens que conheci, com exceção do médico
e de Samuel, foram legais. Mas eu não baixaria minha guarda. Eu sabia
que assim que o fizesse, algo ruim aconteceria.
Papai pode nem sempre estar lá para me proteger. Como no caminho
hoje. Eu tive sorte que Murdoch estava lá. Mas ele poderia facilmente ter
sido uma pessoa má.
Se ele fosse, ele poderia ter me machucado. A única coisa que eu
poderia esperar é que o papai, a Nana e o vovô ficassem comigo na festa.
Esperançosamente Jasmine, Jason e Elijah estariam lá também.
Talvez até Murdoch. Eu gostava de Murdoch. Talvez quando eu fosse
maior ele me ensinasse a lutar. Ele disse que faria. Eu perguntei ao papai.
Então não importaria se pessoas más viessem.
Eu seria capaz de me proteger.
Papai me sentou no balcão e me ajudou a lavar as mãos.
— Haverá realmente muito chocolate amanhã? — Eu perguntei.
Papai sorriu.
— Sim, mas antes da festa você terá que ser corajosa... você pode fazer
isso por mim?
Eu fiz uma careta e as lágrimas começaram a brotar em meus olhos.
— M... mas, papai... eu... eu não quero ser corajosa. Cada vez que você
me diz que preciso ser corajosa, algo ruim acontece, — eu choraminguei.
Papai me beijou na testa.
— Às vezes, pequena, temos que fazer coisas que não são muito legais.
Porém, não temos escolha. Fazemos porque temos que fazer. Amanhã
temos que tornar você parte da matilha.
— Dessa forma, eu sempre posso mantê-la segura.
Eu fiz uma careta.
— O que é um bando?
Papai me pegou e me carregou para fora do banheiro.
— Lobisomens vivem em bandos. E como uma grande família.
Quando alguém novo quer morar conosco, fazemos uma cerimônia para
que eles possam se juntar à matilha... à família.
— Então, agradecemos à Deusa da Lua e temos um banquete, uma
festa. — Papai explicou.
— Quem é a Deusa da Lua? E por que eu preciso ser corajosa? — Eu
perguntei.
Papai sorriu.
— A Deusa da Lua é muito importante. Ela nos dá nossos lobos e nos
torna fortes.
Eu fiz uma careta,
— Mas ela não me daria um lobo.
Papai me colocou no chão e gentilmente ergueu meu queixo com os
dedos.
— Se você for muito corajosa, ela pode te dar, — concluiu.
Eu franzi minha sobrancelha. Como eu poderia ter um lobo se eu não
era um lobisomem, ou qualquer pessoa poderia ser um?
— Papai, eu não entendo, — reclamei.
Ele descansou a mão suavemente no topo da minha cabeça e me
guiou para outra sala.
vovô já estava sentado. Havia uma pilha de almofadas em um assento,
então imaginei que seria onde eu me sentaria.
Papai me levantou e me colocou na cadeira, então ele se sentou na
cadeira ao meu lado, então eu fiquei sentada entre ele e o vovô.
— Aqui está o que vai acontecer, pequena. Amanhã você e eu vamos
subir no palanque. Vou fazer um pequeno corte na minha mão, depois
um pequeno corte na sua.
— Então juntamos nossas mãos e eu digo algumas palavras, só isso.
Senti as lágrimas se acumulando em meus olhos.
— V... vai doer? — Eu perguntei, com minha voz tremendo.
Papai acariciou meu cabelo.
— Talvez um pouco... mas terei um corte na minha mão também,
então quando você ficar um pouco mais velha, veremos se a Deusa da
Lua a abençoou com um lobo.
Eu encarei minha mão. Eu não queria fazer isso. Não entendia por
que eu precisava de um lobo... Dito isso, eu duvidava que tivesse escolha.
Eu fui sacudida dos meus pensamentos quando Nana colocou um
prato de comida na minha frente.
Eu apenas olhei para ele. Eu nem me importava com o que era.
— Agradeça, Ellie, — papai repreendeu.
— Obrigada, — eu disse de forma monótona, olhando fixamente para
ele.
Nana franziu a testa, mas não disse nada.
Eu não tinha certeza de quanto tempo fiquei olhando para ele. Deve
ter demorado um pouco.
— Qual é o problema, pequena, você não está com fome? — Papai
perguntou.
Eu apenas balancei minha cabeça. Eu perdi meu apetite.
— Muitos biscoitos, eu espero, — vovô sorriu, enquanto olhava para
Nana.
Eu não disse nada. Não fazia sentido. Mesmo que eu dissesse que
perdi o apetite porque estava com medo de amanhã, isso não mudaria
nada.
É sempre o mesmo... Você nunca tem uma escolha a menos que você
mesma a faça.
A voz dentro da minha cabeça concluiu. Sempre esteve lá quando
coisas ruins estavam prestes a acontecer. Normalmente eu a ignorava.
Agora eu estava começando a perceber que estava certa.
Papai. Nana e vovô terminaram o jantar. Eu não toquei no meu.
— Você não vai querer sobremesa, então? — Nana questionou.
Eu não olhei para cima, apenas balancei minha cabeça.
Senti a mão de papai na minha testa.
— Ela sempre quer sobremesa, espero que não esteja doente. Mas ela
não está quente, — ele concluiu.
Nana disse:
— Talvez ela esteja apenas cansada. Você provavelmente deveria levá-
la para casa e colocá-la na cama. Ela tem um grande dia amanhã.
Papai puxou minha cadeira e me pegou.
— Vamos, pequena, vamos te levar para casa.
Eu descansei minha cabeça em seu ombro.
— Boa noite, querida, — vovô disse, enquanto me beijava na testa.
Nana me beijou na bochecha.
— Tudo vai ficar bem, querida, — ela sussurrou.
Mas não iria. Eu sabia que não.
Quando chegamos em casa, papai me levou ao banheiro e escovou
meus dentes. Então ele me carregou para o quarto. Ele me despiu e jogou
as roupas em um cesto, como o do banheiro.
Então ele colocou uma camisola limpa em mim e me colocou na
cama.
Senti a cama afundar quando fechei os olhos. Ele ficou sentado lá
esperando que eu adormecesse, assim como tinha feito na noite passada.
Mas esta noite foi diferente.
Concentrei-me na batida do meu coração e estabilizei minha
respiração.
Quando ele pensou que eu estava dormindo, senti o movimento na
cama quando ele se levantou. Eu o senti beijar minha testa.
Eu me senti um pouco culpada pelo que estava prestes a fazer, mas
não sentia que tinha escolha.
Eu ouvi a porta fechar. Esperei alguns segundos antes de abrir os
olhos.
Ele tinha deixado a lâmpada acesa, como antes.
Eu sentiria falta do meu pai acima de tudo, mas também sentiria falta
da vovô e do vovô. Também de Elijah, embora eu não o tivesse visto por
alguns dias.
Sempre que alguém dizia essas palavras para mim, percebi que
significava que algo ruim estava para acontecer.
Eu preciso que você seja corajosa.
Essas palavras se tornaram um sinal de perigo para mim.
Erik as havia dito duas vezes. Uma vez, quando ele me fez adormecer
no hospital. Então, novamente, quando ele viu o que os guardas fizeram.
Agora papai disse isso.
Mamãe disse isso uma vez. Ela pensou que eu não tinha ouvido
quando o homem me arrastou para longe quando papai estava doente.
Então Jackson disse isso, quando os guardas me arrastaram para fora para
ser punida.
Sempre aconteceu a mesma coisa.
Sempre acabei me machucando. Não mais. Achei que poderia ser
diferente aqui, mas não foi.
Eu silenciosamente empurrei a roupa de cama de cima de mim e
coloquei minhas pernas sobre a cama. Tive o cuidado de não fazer
barulho.
Fiquei na ponta dos pés e consegui alcançar a maçaneta da porta.
Virei a maçaneta silenciosamente e abri a porta.
A casa estava às escuras. Imaginei que papai também tivesse ido para
a cama.
Eu rastejei pelo corredor. Fui em direção à sala de estar e à porta da
frente.
Meus pés quase não fizeram barulho enquanto eu caminhava pelo
chão em direção à porta da frente.
— Indo a algum lugar, Ellie?
Eu engoli em seco e congelei quando ouvi a voz do papai.
Eu olhei para a sala de estar. Ele se sentou em uma cadeira, com o
luar brilhando através da janela iluminando o quarto.
Ele não parecia zangado, ou mesmo triste. Ele parecia... desapontado.
Vendo a expressão em seu rosto, percebi que ele sabia. Ele sabia o que
Erik sabia. Meu segredo profundo que ninguém deveria saber.
Ele acenou para mim com o dedo. Além da primeira vez que ele
rosnou para mim, eu nunca estive realmente com medo dele. Eu estava
agora.
Eu dei um passo para trás. Olhando entre onde ele estava sentado e a
porta da frente.
Mesmo se eu corresse, não conseguiria. Ele me pegaria facilmente.
— Venha aqui, Ellie, — ele ordenou, severamente.
Parte de mim queria ir até ele. Era como se ele estivesse me
obrigando. Mas uma parte mais forte de mim resistiu.
Eu dei mais um passo para trás e balancei minha cabeça.
Ele levantou-se.
— Bem, que surpresa, você pode resistir a um comando Alfa.
Tentei dar mais um passo para trás, apenas para perceber que minhas
costas estavam contra a parede.
— P... por favor... eu... sinto muito, — choraminguei.
Minhas costas escorregaram pela parede e eu trouxe meus joelhos ao
meu peito. Cobri minha cabeça com meus braços.
Meu corpo inteiro começou a tremer.
— Eu... eu sei que tenho sido má, — choraminguei, — Eu... não vou
contar a ninguém... eu prometo.
Eu ouvi os passos do papai enquanto ele caminhava em minha
direção.
Prendi a respiração, esperando o castigo que sabia que viria.
Capítulo 22
Gabriel
Eu sabia que algo estava errado quando Ellie recusou a sobremesa.
Quando chegamos em casa, ela estava quase totalmente fechada.
Eu queria saber desesperadamente o que havia de errado, mas sabia
que quanto mais a pressionava, mais ela se fechava.
Quando ela fingiu estar dormindo, fiquei ainda mais preocupado, mas
continuei fingindo.
Eu sabia que ela planejava fazer algo. Em termos gerais, quando
alguém está com medo, eles lutam ou fogem. Ela não lutou. Ela nem
mesmo me questionou. Isso não era típico dela.
Ela sempre foi tão curiosa.
Talvez contar a ela o que iria acontecer tenha sido demais. Não tanto
como se eu tivesse acabado de levá-la para a cerimônia, ela não sabendo
de nada. Isso teria sido muito traumático.
Então, sentei-me na cadeira no escuro. Eu estava começando a achar
que estava errado. Ela não iria fugir.
Então eu ouvi o som suave da porta sendo aberta. Garota esperta, ela
não fechou. Isso teria me alertado. Em seguida, o som quase silencioso de
seus pés descalços batendo no chão.
Neste instante, eu a vi. Estava ainda de camisola, nada em seus pés.
Ela realmente não tinha pensado nisso. Ela morreria congelada do lado
de fora com apenas uma camisola fina.
Ela estava quase na porta da frente, quando falei.
— Indo a algum lugar, Ellie?
Ela congelou, quase como se ela estivesse colada no lugar. Então ela
olhou para mim. Uma expressão de terror tomou seu rosto.
Fiquei um pouco desapontado, para dizer o mínimo. Achei que ela
tinha começado a confiar em mim. Ela até se abriu e me contou algumas
coisas sobre seu passado. Não compreendia por que agora ela estava de
repente com tanto medo de mim.
Eu gentilmente acenei para ela vir até mim com meu dedo.
Não pude acreditar quando ela deu um passo para trás. Como se eu
fosse alguém que tinha a intenção de machucá-la.
Ela olhou para mim e depois para a porta da frente. Eu podia ver que
ela estava avaliando se deveria fugir.
Se tivesse, provavelmente a teria assustado ainda mais, porque a porta
da frente estava trancada.
— Venha aqui, Ellie, — eu ordenei, usando meu comando Alfa.
Ela deu mais um passo para trás e balançou a cabeça.
Isso me pegou de surpresa. Em teoria, ninguém deveria ser capaz de
resistir ao meu comando Alfa. Não, a menos que eles tivessem sangue
Alfa em seu sistema, e mesmo assim seria uma luta.
Eu me levantei, e os cantos dos meus lábios se curvaram em uma
sugestão de sorriso.
— Bem, que surpresa, você pode resistir a um comando Alfa, — eu
murmurei.
Observei quando ela estava prestes a dar mais um passo para trás,
sem perceber que estava a apenas alguns centímetros da parede.
— P... por favor... eu... sinto muito, — ela choramingou.
Comecei a andar em sua direção querendo confortá-la. Querendo
saber por que de repente ela estava se sentindo assim. Estávamos fazendo
muito progresso.
Eu parei de repente. Eu a observei enquanto ela escorregava pela
parede, com os joelhos pressionados contra o peito. Isso não foi o pior. A
maneira como seus bracinhos cobriam sua cabeça enquanto ela se
encolhia e tremia.
Ela pensou que eu iria machucá-la!
— Eu... eu sei que tenho sido má, — ela choramingou, — eu... eu não
vou contar a ninguém... eu... eu prometo, — ela gaguejou.
Eu me aproximei e me agachei.
— Está tudo bem, pequena, — eu acalmei, — ninguém vai te
machucar, querida.
Eu gentilmente passei meus braços em torno dela. Ela se encolheu,
mas eu ignorei, enquanto a pegava.
Seu corpinho estava tremendo e ela enrijeceu quando um grito
abafado escapou de seus lábios.
Eu a carreguei até a cadeira onde eu estava sentado antes e a coloquei
no meu colo. Seus braços ainda estavam em volta de sua cabeça.
Eu gentilmente os descolei.
Inclinando seu queixo para cima com meu dedo, eu encarei seus
olhos azuis. Eles eram largos, como um cervo que havia sido caçado e
capturado.
Eles brilhavam com lágrimas não derramadas que poderiam explodir
a qualquer momento, para se juntar ao rastro das que ela já havia
derramado em suas bochechas.
— Por que você acha que foi má, Ellie? — Eu perguntei.
Ela fechou os olhos na tentativa de evitar que caísse mais. Mas falhou
quando as lágrimas forçaram seu caminho através de seus cílios.
Ela balançou a cabeça.
— Ele disse a você... Ninguém deveria saber... Agora eu serei punida,
— ela soluçou.
De repente, percebi do que ela estava falando. De quem ela estava
falando.
Eu acariciei suavemente seus cabelos e a segurei perto de mim.
— Não foi sua culpa, Ellie. Eles não deveriam ter feito isso com você.
Erik sabe disso e eu também sei. Ninguém vai punir você, querida, — eu
acalmei.
Ela balançou a cabeça.
— Ele vai, ele disse que faria. Ele vai me encontrar e vai me machucar.
Suspirei e beijei o topo de sua cabeça.
— Ele não tem poder sobre você agora, Ellie. Eu não ia te dizer isso
até que você fosse mais velha, mas acho que você precisa saber agora.
Você está protegida. Você não é completamente humana. Você é meio
lobisomem.
— Um de seus pais era um lobisomem.
Ela se afastou de mim. Uma expressão de terror tomou seu rosto.
— Está tudo bem, Ellie. Significa que você é uma de nós. Isso significa
que você é mais jovem do que pensava. Quando chegar a hora e sua loba
surgir, isso significa que podemos estar aqui para ajudá-la a se ajustar.
Ela olhou para mim e balançou a cabeça.
— N... Não, você não pode dizer isso... eu vou morrer agora, — ela
gritou.
Eu gentilmente esfreguei suas costas.
— Claro que você não vai morrer. Eu sei que é muito para processar,
mas significa que você pertence a este lugar. Você pertence a nós, sua
própria espécie.
Ela balançou a cabeça vigorosamente, e toda a cor sumiu de seu rosto.
— N... Não. Você não entende. Ele me disse. Ele me disse que se
alguém descobrir, ele me encontrará. Ele disse que me encontraria e me
mataria.
Capítulo 23
Ellie
FLASHBACK
Acordei assustada quando a água gelada foi jogada sobre mim. A dor
era insuportável.
Olhando para o chão, vi sangue misturado à água.
Percebi que devia ter desmaiado enquanto o comandante da guarda
estava me chicoteando.
Eu o ouvi rir.
— Agora, uma última coisa para você se lembrar de quem está no
comando, — ele sibilou.
Um dos outros guardas agarrou meus braços, prendendo-os no chão.
Tentei lutar, mas doeu muito até mesmo me mover um pouco.
Então eu ouvi. Seu cinto foi aberto, seguido pelo zíper. Houve um
farfalhar de tecido. Em seguida, sua mão estava na minha bunda,
abrindo-a.
Eu gritei e tentei lutar. Ignorei a dor dos chicotes.
Sem aviso, mais dor estilhaçou meu corpo quando senti algo duro me
penetrando, rasgando minha carne por dentro.
Gritei de novo, só que não era um grito. Eu me perguntei de onde
vinha o barulho. Me choquei quando percebi que tinha vindo de mim.
Era um ruído tão animalesco que parecia de um cachorro selvagem.
Veio de dentro de mim. Um rosnado que rasgou o ar.
O que quer que ele estivesse fazendo, ele parou. Senti alívio porque
tudo o que havia dentro de mim se foi.
O guarda que estava segurando meus braços saltou para trás.
— Que porra é essa! — Ele exclamou, com medo em sua voz.
Senti o comandante agarrar meus braços enquanto me jogava pela
sala.
— Eu sabia. Você é uma maldita mestiça. Até mesmo seus registros
dizem que sua idade é aproximada, — ele sibilou.
Ele se aproximou de mim e me agarrou pelo pescoço, prendendo-me
contra a parede.
Foi estranhamente bom, enquanto a parede fria tirava o calor das
minhas costas retalhadas.
Ele puxou uma arma do coldre e a segurou na minha têmpora.
— Eu deveria te matar agora, sua besta desgraçada, — ele gritou.
Eu fechei meus olhos com força.
— Mas eu não vou, — ele sibilou, — você é mais forte do que a
maioria, então pode trabalhar duas vezes mais duro.
Quando ele tirou a mão do meu pescoço, caí no chão com um baque.
Senti o cano da arma pressionado na minha testa.
— Se você contar a uma alma o que você é, ou o que aconteceu aqui...
Eu juro que vou te encontrar e explodir seu cérebro de mestiço de merda,
você entendeu? — Ele rosnou.
Eu balancei a cabeça rapidamente.
— Você, — ele sibilou para um dos guardas, — pegue algumas roupas
para ela e, em seguida, traga-a para a frente.
Ele saiu pela porta batendo-a atrás de si.
O guarda atirou em mim as roupas com as quais eu cheguei. Eu as
coloquei, esperando que o sangue não as manchasse muito.
Eu choraminguei quando ele me agarrou. Eu estava com muita dor
em todos os lugares.
Ele me arrastou para a sala onde eu havia chegado pela primeira vez.
O comandante olhou para mim, e seus olhos percorreram meu corpo
com nojo.
— Se você é um exemplo desses vira-latas, então não sei por que
temos uma trégua, — ele cuspiu.
Então ele sorriu e alcançou a gaveta. Ele puxou uma seringa.
— Não queremos que você se cure rápido demais, queremos? — Ele
zombou.
Antes que eu soubesse o que estava acontecendo, ele espetou a
seringa na minha nuca.
Eu caí de joelhos. Seja lá o que fosse, eu estava em agonia. Minha
cabeça estava girando e minhas pernas não estavam funcionando.
— Ponha a pequena aberração de volta ao trabalho e diga a eles meia
ração até que eu diga o contrário, — ele sibilou.
O guarda me arrastou até a porta principal e me jogou no chão.
FIM DO FLASHBACK
Papai ficou me olhando, ele ficou desapontado. Eu poderia dizer. Eu
não o culpei. Eu não era um deles, mas também não era humano. Eu não
pertenço a lugar nenhum. Talvez me matar fosse a melhor escolha.
Eu nem mesmo entendia como eu poderia ser metade lobisomem e
metade humano. Não quando nasci além da fronteira. Eu não sabia então
e não sabia agora. Tentei esquecer.
Sempre me perguntei se mamãe e papai sabiam. É por isso que eles
me entregaram aos homens maus. Porque eu nasci errado. Nasci má.
— Ninguém vai te matar, Ellie. Eu disse que iria protegê-la e eu irei,
— papai sussurrou.
Eu balancei minha cabeça.
— Eu não pertenço a lugar nenhum. Eu sou uma aberração, — eu
choraminguei.
Papai segurou meu queixo com firmeza.
— Olhe para mim. Ellie, você não é uma aberração. Você é uma
menina muito especial.
Ele olhou para mim e suspirou.
— Seu irmão sabia? Ele é igual a você?
Eu balancei minha cabeça.
— Eu não sei, — eu sussurrei.
Eu o ouvi rosnar, ele estava com raiva de mim.
— Sinto muito, papai, — choraminguei.
Ele parou de rosnar imediatamente e passou os dedos pelo meu
cabelo.
— A mesma pessoa fez isso com você? As chicotadas, os
afogamentos... e todo o resto? Ele te chamou de aberração e ameaçou te
matar?
Eu concordei. Eu imaginei que isso não importasse agora. Não
importava porque ele sabia de tudo. Qualquer coisa que ele não sabia, já
tinha adivinhado.
Seu polegar acariciou minha bochecha.
— Diga-me, Ellie, mais uma coisa. Você sabe por que você não se
curou?
Eu concordei.
— Ele colocou algo em mim, uma agulha. Doeu e eu não consegui me
levantar por um tempo, — eu admiti.
Papai me pegou e me carregou até a cozinha. Ele me colocou no
balcão enquanto fazia um pouco de leite quente. Ele colocou uma colher
de alguma coisa dentro de uma jarra.
— Beba isso, pequena, vai te ajudar a dormir, — ele pediu enquanto
me entregava um copo.
Tomei um gole, era leite com mel.
— Eu quero que você me prometa uma coisa. Ellie, — papai começou,
— Eu quero que você me prometa que se você estiver preocupada com
alguma coisa, você vai me dizer e nunca tentar fugir?
Tomei um gole do leite e fiz uma careta.
— Você ainda me quer? — Eu perguntei.
Papai beijou minha testa.
— Sua bobinha, é claro que sim. Você é minha filhotinha agora, e
sempre vou querer você. Eu sempre vou cuidar de você.
Não entendi por que ele não estava zangado. Por que ele não queria se
livrar de mim. Mesmo depois de tudo que ele sabia. Mesmo depois de
tentar fugir.
— Eu prometo que não vou fugir, — eu sussurrei.
Papai pegou o copo de minhas mãos e o colocou de lado.
Então ele me carregou de volta para o meu quarto. Ele puxou as
cobertas e me colocou na cama, então me cobriu.
— Como você sabia? Que eu não estava dormindo? — Eu perguntei,
com minhas pálpebras parecendo pesadas.
Papai deu uma risadinha.
— Eu sou seu papai, pequena. É meu trabalho saber coisas assim.
Eu bocejei.
— Você ainda vai cortar minha mão amanhã? — Eu perguntei,
sonolenta.
Papai beijou minha testa.
— Às vezes, temos que fazer coisas que realmente não queremos.
Agora que sabemos que você é parte lobisomem, é importante que você
faça parte de um bando...
O som de sua voz começou a desaparecer, enquanto eu lutava para
ouvir.
Minhas pálpebras ficaram pesadas, meus pensamentos ficaram
confusos enquanto a exaustão dos eventos do dia enterrava meus
sentidos, até que eu caí em um sono sem sonhos.
Capítulo 24
Ellie
Lembro-me vagamente de ouvir uma voz, pouco antes de adormecer.
Não era a voz do papai, mas de alguma forma eu confiava nela.
Estamos seguros agora.
Tinha quase esquecido quando acordei com a luz do sol brilhando
pela fresta da cortina. Um sonho ou uma obra da minha imaginação.
Tudo que eu sabia era que ainda estava cansada, então me enrolei
como uma bola e puxei a roupa de cama sobre a cabeça para bloquear a
luz.
A próxima voz que ouvi foi a de papai enquanto ele tentava me
persuadir a acordar. Sua mão balançava suavemente meu ombro. Eu
ainda estava cansada, não queria acordar.
Além da vaga lembrança de uma voz me dizendo que estávamos
seguros, eu sabia o que iria acontecer hoje. Qualquer chance de atrasar o
inevitável, eu iria aproveitar.
Eu gemi.
— Cansada, — eu murmurei, mal-humorada.
Papai riu enquanto puxava as cobertas.
— Não, papai, minha barriga dói, — choraminguei.
Não era exatamente uma mentira. Doía um pouco. Principalmente
porque estava vazia. Eu estava com aquela fome torturante. Eu queria me
repreender. Eu já tinha vivido com esse sentimento por muito tempo
antes de vir aqui.
Desde que cheguei aqui, sempre tive a barriga cheia. Eu não teria
durado cinco minutos se tivesse conseguido sair pela porta na noite
passada.
— Você está com fome, pequena, — papai me acalmou enquanto me
pegava.
— Vamos ver se Millie pode fazer algumas panquecas para você,
certo?
Eu cantarolei em reconhecimento enquanto descansei minha cabeça
em seu ombro.
— Ainda estou cansada, — eu murmurei.
Papai riu e esfregou minhas costas, enquanto me carregava até a
cozinha.
Papai me sentou em um dos banquinhos.
— Por que não podemos ter uma mesa como a Nana tem em sua
cozinha? — Eu perguntei, esfregando meus olhos.
Eu ainda não me sentia confortável em sentar tão alto.
— Para que eu possa ver você quando estiver preparando comida, —
papai explicou.
Eu fiz uma careta.
— Mas você não faz a comida, papai. Millie que faz, — eu respondi.
Eu ouvi Millie rir, mas ela parou assim que papai tossiu.
— E quem fez leite quente e mel para você ontem à noite? — Papai
questionou, severamente.
Eu abaixei meu olhar.
— Foi você, papai, — eu murmurei.
Ele olhou para mim e ergueu as sobrancelhas.
Ele só tinha que me dar um de seus olhares para saber que eu estava
errada.
— Desculpe, papai. — eu sussurrei, lentamente olhando para cima.
Um sorriso lentamente apareceu em seu rosto.
Ele beijou o topo da minha cabeça.
— Está tudo bem, pequena, nós dois estamos um pouco cansados
hoje.
Ele começou a cortar a panqueca que Millie tinha feito e jogou calda
em cima dos pedaços.
— Aqui, — ele pediu, — coma sua panqueca.
Depois do café da manhã, ele rapidamente me deu banho. Hoje ele
me deixou tentar limpar os próprios dentes, mas eu continuei mordendo
a escova, então ele acabou fazendo isso por mim.
Sempre me sentia um pouco estúpida quando não conseguia fazer as
coisas que todos consideravam certas.
— Não se preocupe, pequena, você vai pegar o jeito. Lembre-se de que
esta é a primeira vez que você tenta por conta própria, — me incentivou.
Papai sempre conseguiu fazer com que eu me sentisse melhor comigo
mesma. Mesmo quando fazia coisas estúpidas como fugir.
Acho que estava tão acostumada a ser repreendida e punida por fazer
coisas erradas, que mesmo o menor elogio me fazia sentir bem. Não acho
que papai tenha dito uma vez que eu era estúpida.
No acampamento, eles costumavam dizer isso o tempo todo. Até
Jackson dizia isso. Eu estava começando a me perguntar se Jackson
realmente me amava. Não é como se ele tivesse tentado me encontrar
quando cruzei a fronteira.
Papai me carregou do banheiro, enrolada em uma das grandes toalhas
fofas. Ele se sentou na cama, comigo em seu colo, me secando.
— Papai? — Eu questionei.
— O que é, pequena? — Ele respondeu.
— Vai doer? Quer dizer, hoje quando você cortar minha mão? — Eu
perguntei, com minha voz hesitando um pouco.
Papai passou os braços em volta de mim um pouco mais apertado e
beijou o topo da minha cabeça.
— Talvez um pouco... mas apenas por um segundo.
Eu pensei por um momento.
— Não vai ser tão ruim quanto quando levei um tiro, então? — Eu
adicionei.
Papai deu uma risadinha.
— Não vai ser nada comparado a isso, pequena, na verdade você nem
vai notar.
Ele me levantou de seu colo e me sentou na cama, ainda enrolada em
uma toalha, enquanto vagava até o guarda-roupa para encontrar algumas
roupas limpas.
Ele caminhou até a cama com outro vestido bonito. Era branco. Ele
também tinha alguns sapatos e meias brancos para eu usar.
Embora fosse bom, eu sentia falta de usar as roupas que costumava
usar. Mesmo que elas nunca estivessem limpas e cheirassem um pouco.
— Papai? Eu sempre tenho que usar um vestido, — eu perguntei, com
um leve gemido em minha voz.
Papai olhou para mim e riu.
— Não, pequena, não se você não quiser, mas hoje é uma ocasião
especial e você precisa parecer inteligente.
Eu assenti.
— Mas quando eu for uma guerreira, não terei que usar um vestido,
não é?
Papai olhou para mim e sorriu.
— Uma guerreira, hein? De onde veio essa ideia?
Eu fiz uma careta séria.
— Murdoch disse que iria me treinar. Então ninguém vai me
machucar mais.
Papai assentiu e me pegou no colo.
— Ninguém vai te machucar mais de qualquer maneira, pequena, —
afirmou ele, enquanto me carregava para fora do quarto.
Eu fiz uma careta, eu queria ser uma guerreira. Eu já tinha decidido.
— Então eu protegerei todos os outros para que eles não se
machuquem também.
Papai riu.
— Vamos ter que esperar para ver, a primeira coisa que precisamos
fazer é remover os pontos, — ele me colocou perto da porta da frente e
estendeu a mão.
— A minha pequena guerreira é corajosa o suficiente para uma visita
ao médico antes da festa?
Mordi meu lábio inferior. Senti meu coração bater um pouco mais
rápido.
Se eu fosse ser uma guerreira, tinha que mostrar ao papai que era
corajosa. Eu respirei fundo. Então acenei com a cabeça.
— Sim, papai, estou pronta.
Eu confiei no papai que ele não deixaria nada de ruim acontecer
comigo. Papai, de alguma forma, sabia de tudo o que tinha acontecido,
embora eu não tivesse contado a ele.
Mesmo que os homens maus tenham me ameaçado, de alguma forma
eu me sentia segura, então o fato de Erik saber não me assustou tanto.
Mas eu não gostava disso...
Também percebi que um guerreiro deve ser corajoso. Eu não
conseguia continuar fugindo. Se eu pudesse enfrentar Erik, então
poderia enfrentar qualquer coisa.
Ao nos aproximarmos do hospital, apertei a mão do papai com um
pouco mais de força. Paramos na porta e ele olhou para mim.
— Você está bem, pequena? Ou você quer que eu carregue você?
Eu engoli em seco.
— Eu... eu acho que estou bem, — eu sussurrei, com um leve tremor
na minha voz.
Papai acenou com a cabeça e sorriu. Então ele deu um pequeno
aperto na minha mão enquanto abria a porta.
Erik estava lá esperando por nós. De repente, ele parecia realmente
grande. Talvez fosse porque eu estava de pé no chão. Todas as outras
vezes eu estava no colo do papai.
Erik sorriu.
— Então. Ellie, você quer fazer isso aqui ou no meu escritório? — Ele
perguntou.
Eu olhei para papai, então para Erik.
— Em... Em seu escritório, — eu sussurrei.
Erik acenou com a cabeça e nos guiou até a outra sala.
Quando chegamos ao escritório, papai me colocou em uma cadeira e
ficou atrás de mim, com sua mão descansando suavemente no meu
ombro.
— Agora, — Erik começou, — vamos tirar essa bandagem e dar uma
olhada.
Eu estendi meu braço e respirei fundo novamente. Eu podia sentir
meu coração martelando no peito. Porque eu ainda estava com muito
medo. Cerrei os dentes e olhei para o meu colo.
Tentei focar em qualquer outro lugar, exceto Erik.
Assim que ele tirou o curativo, senti seus dedos tocando minha pele.
Eu não pude evitar, mas recuei.
— Dói, Ellie? — Erik perguntou.
Continuei olhando para baixo, mas balancei a cabeça.
Não doeu nada, mas eu ainda não estava tão confortável com
ninguém além de papai tocando minha pele.
Papai se inclinou e sussurrou em meu ouvido.
— Boa menina, você está sendo muito corajosa.
Eu olhei para cima e por cima do ombro.
Papai estava sorrindo.
— Ok, Ellie, vou tirar os pontos agora, — explicou Erik, — você pode
sentir um pequeno puxão, mas isso é tudo.
Eu acenei com a cabeça novamente.
Ainda não conseguia olhar para ele, mas quando ele segurou meu
braço, eu não vacilei. Pelo menos eu acho que não.
Tudo acabou em alguns momentos.
— Pronto... pronto, — Erik exclamou.
Eu olhei para o meu braço e franzi a testa ligeiramente. Não havia
nem uma cicatriz.
Esfreguei meu dedo na pele.
— Eu... eu não entendo, — gaguejei, olhando para Erik pela primeira
vez.
Ele olhou para o papai. Então senti papai apertar suavemente meu
ombro.
— Eu explicarei mais tarde, pequena. Agora temos uma festa para ir,
não é?
Eu balancei a cabeça nervosamente.
Papai me levantou da cadeira e me colocou no chão.
— O que você diz para o Erik? — Ele repreendeu gentilmente.
Eu rapidamente olhei para Erik e baixei meus olhos para o chão.
— Obrigada. — eu sussurrei.
Papai pousou a mão no topo da minha cabeça e me guiou
gentilmente em direção à porta.
Eu olhei para ele, esperando que ele pudesse explicar sobre meu
braço, mas ele apenas sorriu e me guiou em direção à saída.
Capítulo 25
Ellie
Fiquei surpresa quando papai me guiou de volta para fora. Olhei por
cima do ombro para o prédio que havíamos deixado. Eu nunca tinha
percebido isso antes, mas era enorme.
Então imaginei que se houvesse um hospital e uma casa para Jason e
Jasmine, além do quarto em que acordei, teria que ser igualmente
grande.
Talvez outras pessoas morassem lá também.
— A festa é na casa da Nana e do Vovô? — Eu perguntei,
curiosamente.
Papai deu uma risadinha.
— Não, pequena, nem todo mundo caberia naquela casa.
Eu fiz uma careta.
— O que você quer dizer? Todo mundo? — Eu perguntei, um pouco
preocupada agora.
Papai parou de andar e gentilmente colocou as mãos nos meus
ombros enquanto me virava para encará-lo.
— Todo mundo que mora aqui faz parte da matilha. Agora que você
mora aqui, você também fará parte da matilha. Então todos vão te dar as
boas-vindas, — explicou.
Eu rapidamente olhei em volta. Lá estava o casarão, além de várias
outras casas menores.
De repente, percebi que haveria muitas pessoas.
Senti uma sensação de enjoo na barriga.
Papai deve ter visto a expressão em meu rosto, quando ele se agachou
na minha frente.
— Ei, — ele me acalmou, — onde está minha pequena guerreira...
além disso, todos vão te adorar.
Engoli em seco e tentei sorrir, mas saiu mais como uma careta.
— Até Melissa? — Eu perguntei, lembrando-me da enfermeira
horrível quando cheguei.
Papai deu uma risadinha.
— Sim, — respondeu ele, — até ela.
Ele se levantou e estendeu a mão.
Eu rapidamente o agarrei. Ele deu um aperto suave na minha
enquanto continuamos a andar.
Caminhamos pelos fundos do casarão, que ele me disse se chamar a
casa da matilha. Isso porque era onde muitos da matilha viviam, como
Jason e Jasmine.
Erik morava lá também, então ele poderia estar perto do hospital se
fosse necessário chegar com urgência. Como quando levei um tiro.
Isso meio que me lembrou que papai deveria me dizer por que parecia
que eu não havia levado nenhum tiro.
— Papai... — comecei, mas de repente congelei, enquanto olhava em
estado de choque.
Estávamos nos fundos da casa da matilha e havia o que pareciam ser
milhões de pessoas. Provavelmente não havia tantos, mas era assim que
parecia.
Nunca tinha visto tantas pessoas em um só lugar.
Isso não foi o pior. Todos eles se viraram e olharam para mim.
Aproximei-me do papai, pressionando meu corpo contra sua perna.
Ele apertou minha mão suavemente.
— Está tudo bem, Ellie. Apenas me mostre a guerreira corajosa que
você pode ser. Basta olhar para a frente e manter a cabeça erguida, você
consegue, — papai sussurrou, para me encorajar.
O que eu realmente queria fazer era correr. Fugir daqui o mais rápido
que puder. Talvez eu não tenha sido feita para ser uma guerreira, afinal.
Havia uma lacuna entre todas as pessoas, e foi onde papai me puxou
suavemente. Eu rapidamente olhei para a frente e vi um palanque. De pé
nele, estavam Jason e Murdoch.
Os dois estavam vestidos de maneira muito elegante, com calças e
camisas. Pensando bem, papai também estava vestido de maneira muito
elegante.
Eu queria perguntar ao papai por que eles estavam lá, mas eu meio
que perdi minha voz. Eu estava tendo problemas suficientes apenas para
respirar.
Segurei a mão do papai com um pouco mais de força e foquei meus
olhos em Jason e Murdoch.
Murdoch estava sorrindo para mim, e ele piscou enquanto balbuciava
as palavras "seja corajosa".
Respirei fundo e comecei a andar novamente.
— Boa menina, — papai sussurrou, — deixe-me orgulhoso.
Antes mesmo que eu percebesse, estávamos no palanque. Parecia
haver muitos degraus para subir até a plataforma onde Jason e Murdoch
estavam parados.
Eu lentamente subi os degraus, me concentrando mais em não
tropeçar neles, do que em todas as pessoas por quem eu tinha acabado de
passar.
Uma vez no topo, notei uma grande mesa perto da frente. Papai
soltou minha mão e eu caminhei em direção à mesa. Havia uma lacuna
entre Jason e Murdock, então fiquei lá.
Eu quase conseguia enxergar por cima da mesa. Enquanto eu olhava,
vi algumas cadeiras na frente de todos os outros. Samuel, Jasmine, Elijah,
depois Nana e vovô estavam sentados nas cadeiras. Todos eles pareciam
inteligentes.
Principalmente Samuel e Elijah. Muito mais espertos do que quando
jantamos.
Elijah estava olhando para mim e sorrindo, então levantei minha mão
e acenei. Elijah pareceu hesitar, mas acenou de volta.
Isso foi até que Jasmine agarrou sua mão e fez uma careta para ele. Ela
deve ter dito algo também, porque ele olhou para o chão. Samuel sorriu
quando Elijah foi repreendido.
Eu estreitei meus olhos e olhei para ele. Eu não era a única. Os olhos
de Jason de repente ficaram escuros, então um segundo depois Jasmine o
repreendeu também.
Então eu olhei para Nana, que estava sorrindo para mim. Eu apenas
acenei discretamente com a mão. Embora eu duvidasse que alguém
repreendesse Nana. Ela se inclinou para o vovô e ele olhou para mim e
piscou.
Eu não pude deixar de rir. Isso foi até que Jason se inclinou e agarrou
meu ombro.
— Fique parada, Ellie, — ele repreendeu.
Suspirei e fiz uma careta. Isso não seria uma grande festa se eu tivesse
que ficar parada o tempo todo.
Então Murdoch se inclinou e sussurrou em meu ouvido.
— Não vai demorar muito, pequena guerreira. Só precisamos
primeiro tirar a parte séria do caminho.
Eu olhei para ele e ele piscou para mim.
Eu não tenho certeza de como Jason ouviu, mas ele olhou para
Murdoch e deu a ele um olhar desdenhoso.
Eu não tinha certeza para onde papai tinha ido, mas de repente ele
estava atrás de mim novamente. Ele estendeu a mão e colocou algo sobre
a mesa.
Eu olhei enquanto ele afastava a mão.
Eu suspirei. Era uma faca, mas o cabo era muito bonito, parecia que
era feito de madeira, mas tinha uma cabeça de lobo esculpida nela.
A lâmina era realmente brilhante e havia marcas nas laterais dela,
como se tivessem sido cortadas no metal.
Eu estendi minha mão, eu só queria tocá-la, mas Murdoch
gentilmente agarrou minha mão e a puxou.
Quando olhei para ele, ele apenas sorriu e balançou a cabeça
suavemente.
Papai se abaixou e puxou algo de baixo da mesa. Parecia um pouco
com o banquinho que papai tinha no banheiro.
— Suba nisso, pequena, — ele pediu.
Eu pisei naquele degrau. Em cima dele, eu podia ver a mesa e todas as
pessoas. Eu meio que gostaria de ainda estar de pé no palanque, assim
não teria que ver todas as pessoas.
Papai ficou atrás de mim e começou a falar.
— Hoje, — ele começou, e tudo ficou quieto, — nós faremos uma
cerimônia de união para trazer Ellie para a matilha da Lua Crescente.
Eu olhei para o papai e ele sorriu para mim.
— Ellie conseguiu escapar do outro lado da fronteira. Ela foi
maltratada pelos humanos, principalmente porque ela é meio
lobisomem.
Houve um suspiro da multidão. Eu não tinha certeza se era porque
papai disse que eu fugi, porque fui maltratada ou se era porque eu era
meio lobisomem.
Eles não pareciam zangados, apenas um pouco surpresos.
— Eu adotei Ellie oficialmente como minha filha, e hoje irei conduzir
a cerimônia de sangue de acordo com a lei da matilha, — ele concluiu.
Observei quando papai pegou a faca sofisticada e cortou a palma da
mão.
— Seja corajosa, — ele sussurrou enquanto pegava minha mão.
Fechei os olhos com força e senti uma picada aguda na palma da
minha mão.
Papai pegou minha palma na dele. Eu podia sentir toda a minha mão
molhada enquanto o sangue de sua mão pingava na minha palma.
— Ao compartilhar nosso sangue, dou as boas-vindas a Ellie à nossa
matilha... como minha filha e com o posto de mulher Alfa! — Ele
exclamou.
Todos eles engasgaram novamente. Eu não tinha certeza do porquê.
Eu abri meus olhos enquanto papai me segurava com a mão voltada
para a multidão, e ergueu a sua também.
Quando ele largou minha mão, olhei para o sangue nela.
Jason entregou um pano ao papai e ele limpou minha mão
suavemente.
Eu fiz uma careta, não havia corte. Em seguida, ele enxugou a própria
mão e também não havia nenhum corte.
Ele ergueu minha mão mais uma vez, mostrando para a multidão.
— Agora, junte-se a mim para dar as boas-vindas a Ellie para a
matilha, — ele pediu.
Todos eles se levantaram de repente e começaram a aplaudir.
Eu esfreguei minha cabeça. De repente, me senti tonta. Senti os
braços do papai me envolverem.
— Papai... não me sinto muito bem, — sussurrei.
Papai me pegou e esfregou minhas costas.
— Está tudo bem, pequena, dê um momento e vai passar, — ele me
acalmou.
Fechei meus olhos, então minha cabeça começou a doer.
— Papai, minha cabeça dói, — reclamei.
Ele colocou a mão na minha testa e aquiesceu.
— Ok, pequena, vamos encontrar a vovó e o vovô, — ele me acalmou
enquanto me carregava para fora do palanque.
Enquanto descíamos as escadas, vi a Nana e o vovô se levantarem e
caminharem em nossa direção.
— Oh, que garotinha corajosa você foi, — disse Nana entusiasmada.
Eu olhei para Nana e fiz uma careta.
— Nana, minha cabeça dói, — reclamei.
O vovô acariciou meu cabelo e olhou para o papai.
— Está começando? — Ele perguntou.
Papai acenou com a cabeça.
— Eu acho que sim.
Eu fiz uma careta e Nana pegou a mão que papai tinha cortado com a
faca. Ela olhou de perto.
— Incrível, — ela exclamou enquanto corria o dedo onde papai
colocara a faca.
Então olhei em volta. Tive certeza de ter ouvido alguém chamar meu
nome.
"Ellie... estou aqui."
— Onde? — Eu gritei, procurando pela pessoa.
— O que é isso, pequena? — Papai perguntou.
Olhei em volta, não reconheci a voz, mas talvez se eu chamasse a
atenção dela, ela me ajudaria.
— Alguém chamou meu nome, mas não consigo vê-la, — expliquei.
"Ellie estou aqui com você."
Eu virei minha cabeça, ainda procurando pela pessoa misteriosa. Eu
estava começando a entrar em pânico. E se os homens maus tivessem
enviado alguém.
— Papai, estou com medo. Eu não posso vê-la, mas posso ouvi-la, —
choraminguei.
Papai foi até uma das cadeiras e se sentou, ele me sentou em seu
joelho.
— Está tudo bem, Ellie, — ele tentou me acalmar, — não é uma
pessoa, é o seu lobo.
Eu fiz uma careta.
— Mas eu o deixei em casa.
Papai riu.
— Não seu lobo de pelúcia, pequena. É sua própria loba. A parte de
você que a torna uma lobisomem. Ela está dentro de você.
Eu olhei para minha barriga e toquei.
— Não, querida, — Nana acalmou, ela tocou minha têmpora, — ela
está aqui. Ela é aquela que a ajuda a se curar e a ajudará a fazer muitas
outras coisas.
— Basta dizer o que você quiser em sua cabeça e você poderá falar
com ela.
Eu olhei para Nana e fiz careta.
— Ela está me dando dor de cabeça.
O vovô olhou para mim e riu.
— Sua Nana às vezes me dá dor de cabeça com toda sua tagarelice.
Você vai se acostumar com isso.
Nana fez uma careta para ele e bateu em seu braço, o que o fez rir
ainda mais.
Capítulo 26
Ellie
Fechei os olhos com força e estendi a mão à minha mente. A sensação
de que alguém estava me observando estava ficando mais forte. Eu
esperava que fosse a voz interior... minha loba.
"Qual o seu nome?"
Eu esperei por uma resposta. Isso era muito estranho. Se todas essas
pessoas tinham lobos, por que não andavam por aí com uma dor de
cabeça permanente?
"Meu nome é Nix... e não sou eu que estou te dando dor de cabeça."
Ela bufou, em minha mente.
Eu levantei minha sobrancelha.
"Você está lendo minha mente? Além disso, não tive dor de cabeça até
você aparecer!"
Eu repreendi.
"Você é rude! De qualquer forma, sou parte de você, então sei o que
você pensa e como se sente. Para sua informação, alguém está tentando
nos ligar mentalmente, mas seu cérebro ainda não está pronto."
Eu abri meus olhos e papai estava olhando para mim com
preocupação em seu rosto. Lembrei-me do que ele disse sobre seus olhos
ficarem pretos quando eles se ligavam pela mente.
Eu olhei ao redor, mas não pude ver nenhum olho preto.
— Papai, — comecei, — Nix disse que alguém está tentando fazer
uma ligação mental comigo. É por isso que estou com dor de cabeça.
Papai franziu a testa.
— Nix? — Ele questionou.
Nana riu e acariciou meu cabelo.
— Essa será a loba dela. O que mais ela disse, querida? — Nana
perguntou.
Eu fiz careta.
— Ela disse que fui rude e que meu cérebro ainda não está pronto. Eu
não gosto dela, — eu bufei.
O vovô olhou para mim e riu, o que me fez fazer mais cara feia.
Papai olhou para mim e esfregou minhas costas.
— Isso pode doer um pouco no início, mas então sua dor de cabeça
deve passar, ok?
Eu concordei. Eu confiava no papai, embora não soubesse o que ele
faria.
Eu observei quando seus olhos ficaram pretos. Então eu senti uma
dor aguda na minha cabeça. Muito pior do que a dor que senti antes.
Eu choraminguei e enterrei minha cabeça no peito do papai.
Então a dor de cabeça passou.
Eu olhei para cima e os olhos do papai estavam de volta ao normal.
— Está melhor, pequena? — Ele perguntou.
Eu concordei. Foi muito melhor. Eu não entendi o que tinha
acontecido, mas fiquei feliz que o papai consertou. Fiquei ainda mais feliz
por não ser Nix que estava causando isso.
Eu realmente não queria ter que andar por aí com uma dor de cabeça
permanente.
Papai sorriu:
— Bom, agora que tal irmos pegar um pouco de comida e você pode
conhecer mais algumas pessoas.
Eu balancei a cabeça novamente. Eu gostava muito da comida, não
tanto das pessoas novas.
Papai me colocou no chão e segurou minha mão. Em seguida, ele me
levou para a casa da matilha. Entramos em uma sala enorme. Havia
mesas em todos os cantos e estavam cheias de comida.
Nunca tinha visto tanta comida na minha vida. Muitas pessoas, que
estavam na multidão, estavam entrando na sala também.
Eu vi Elijah e acenei freneticamente para ele. Ele acenou de volta e
desta vez Jasmine não o repreendeu. Eu me perguntei por que ele estava
apenas parado ali.
Ele não estava recebendo nada da comida, nem veio dizer "oi".
— Papai? Por que todos estão parados ali, não estão com fome?
Papai riu e bagunçou meu cabelo com a mão.
— Você é a convidada de honra, eles estão esperando por você para
comer. Então eu, pois eu sou o Alfa, depois Jason e sua família, porque
ele é o Beta, e então Murdoch porque ele é o segundo Beta.
— Você aprenderá tudo sobre a hierarquia dos lobisomens quando for
para a escola.
Eu fiz uma careta, pois parecia complicado.
— Não se preocupe, pequena, vamos pegar um pouco de comida e
depois você pode aproveitar o resto do dia.
Depois que papai empilhou um monte de coisas diferentes em um
prato para mim, voltamos para fora.
Agora que todos haviam entrado para pegar comida, a grande área de
grama estava quase limpa.
Digo quase porque agora havia um monte de mesas e assentos de
madeira espalhados ao redor. Também havia alguns cobertores no chão.
Papai me disse para sentar em um dos cobertores e colocou a comida
na minha frente.
Ele se sentou em uma das mesas próximas, e então Elijah e Samuel
vieram e se sentaram no cobertor comigo, com sua comida.
Quando Elijah se sentou, ele se inclinou e me abraçou.
— Senti sua falta, Ellie, — ele sussurrou.
Eu sorri.
— Eu também senti sua falta, Elijah. Você não levou bronca por
acenar, não é?
Elijah sorriu.
— Na verdade, não...
— Sim, ele disse, — Samuel interrompeu, com um sorriso malicioso
no rosto.
— Não tanto quanto você, — retorquiu Elijah, — pelo menos não tive
que passar meu fim de semana correndo com Murdoch!
Eu sorri me lembrando de ver Samuel quando Murdoch me pegou.
Tenho certeza de que ele ainda não gostava de mim, mas talvez se eu
fosse legal com ele...
— Você gostou da corrida? — Eu perguntei.
Ele olhou para mim.
— Você está tentando ser engraçada? — Ele sibilou.
Eu fiz uma careta e Elijah começou a rir.
— Ele teve que sair correndo como punição por ter sido grosseiro
com você, — explicou.
— Oh, — respondi, — Por que é um castigo? Eu disse a Murdoch que
também queria correr. Ele vai me treinar para ser uma guerreira, —
concluí.
Samuel revirou os olhos e Elijah franziu a testa.
— Você não pode ser uma guerreira, Ellie, você é uma menina e, além
disso, não seria forte o suficiente, — declarou Elijah.
— E, além disso, — Samuel acrescentou, exultante, — você precisa de
um lobo para ser um guerreiro.
Eu estreitei meus olhos e encarei Samuel. Tentei ser legal e ele
continuou sendo mau.
"Nix, você pode rosnar?"
Eu liguei minha mente à minha loba.
Eu ouvi sua risada quando ela assumiu o controle.
Meu enorme rosnado veio de mim. Eu não sabia que poderia rosnar
assim.
Samuel se afastou do cobertor. Ele parecia assustado. Achei que foi
bem feito por ter sido mau.
Eu olhei para Elijah. Ele não parecia assustado, mas parecia chocado.
— O que é? — Eu questionei: — ele estava sendo mau.
Elijah balançou a cabeça.
— Você não deveria... — Ele começou, com sua voz quase como um
sussurro.
Estranho, eu podia ouvir claro tão claro quanto qualquer coisa.
— Ellie! Venha aqui agora mesmo! — Eu ouvi o papai gritar.
Eu olhei para onde ele estava sentado. Ele parecia zangado.
Eu me levantei e fui até onde ele estava sentado. Ele estava sentado
com Jason, Jasmine, Murdoch, Nana e vovô. Nenhum deles parecia muito
feliz.
— Ellie? Você acabou de rosnar, — ele repreendeu.
Eu cruzei meus braços e fiz cara feia.
— Ele estava sendo mau. Ele sempre é mau comigo, — eu bufei.
Papai suspirou e balançou a cabeça.
— Nós não rosnamos para as pessoas, especialmente para seu primo,
— ele repreendeu.
Eu olhei para Samuel. Ele não parecia mais assustado. Ele estava
sorrindo. Eu não tinha certeza se ele tinha feito isso de propósito para
me colocar em apuros.
Nix pensava assim, e ela rosnou baixinho para ele.
— Ellie, isso é o suficiente! Agora vá e peça desculpas ao seu primo, —
papai avisou.
Eu olhei de volta para o papai.
— Não, não vou. Ele fez isso de propósito. Ele me fez rosnar para ele,
além disso, ele não se desculpou quando me chamou de estúpida, fraca e
patética, — eu rebati.
Eu vi o vovô com o canto do olho.
Ele estava mordendo o lábio em uma tentativa de se impedir de rir.
Nana olhou para ele, então seus olhos ficaram pretos. Achei que ela
provavelmente estava repreendendo ele.
Eu me perguntei se o vovô estava do meu lado.
— Ou você se desculpa agora, Ellie, ou será punida, — papai avisou.
Baixei os olhos e olhei para o chão.
— Você vai me bater? — Eu murmurei.
Papai suspirou, então eu senti seus dedos sob meu queixo quando ele
o ergueu.
— Não, Ellie, eu nunca faria isso. Você será punida de outras maneiras
se não se desculpar com Samuel.
Eu bufei e olhei em volta para todos os adultos. Eles estavam todos
olhando para mim. Esperando por uma resposta.
"O que devemos fazer, Nix?"
Eu perguntei à minha loba.
"Se Samuel se desculpar, nós o faremos. Caso contrário, aceitaremos o
castigo. Nós somos Alfa, Ellie. Nós não recuamos."
Eu quase balancei a cabeça. Não em resposta ao papai, mas em
resposta a Nix. Então eu percebi que não precisava. Ela sabia o que eu
estava pensando.
Papai disse em seu discurso que eu tinha a patente de Alfa. A mesma
que ele.
Eu duvidava que papai desistisse se alguém fosse rude com ele. Eles
não ousariam ser rudes com ele, então por que eu deveria tolerar isso?
Por que Nix deveria tolerar isso.
Abaixei minhas mãos para os lados e olhei o papai nos olhos.
— Eu vou me desculpar se Samuel também o fizer. Do contrário,
aceito o castigo, — declarei com orgulho.
Eu olhei para o vovô. Ele piscou para mim e sorriu. Pelo menos eu tive
sua aprovação.
Capítulo 27
Ellie
Eu olhei para o papai. Esperava que ele decidisse qual seria minha
punição. Se fosse igual ao de Samuel, não seria realmente um castigo.
Queria treinar, me fortalecer, me tornar uma guerreira. Eu não me
importava que eu fosse pequena. Talvez ele me deixasse de castigo. Eu
não gostava disso, trazia de volta muitas memórias.
Talvez ele estivesse preocupado que eu tivesse outro ataque de
pânico. Eu não achei que fosse ter. Eu tinha minha loba agora. Ela me
ajudou a ser corajosa. Eu normalmente não teria rosnado, ou mesmo dito
não ao papai.
Eu não sabia se isso era uma coisa boa, ou se papai pensava que era.
Tive uma leve suspeita de que o vovô gostava.
Pareceu uma eternidade enquanto o papai decidia. Então ele se
levantou. Ele ainda parecia elevar-se acima de mim. De repente, aceitar a
punição não parecia uma boa ideia.
"Seja corajosa, Ellie. Seja forte. Lembre-se de quem você é."
A voz de Nix ecoou em minha mente.
Talvez este tenha sido o problema. Eu não sabia quem eu realmente
era. Nix sabia quem ela era, e isso teria que ser o suficiente.
— Você tem uma escolha, Ellie, — papai começou, — ou você pede
desculpas a Samuel ou fica sem chocolate pelo resto do dia.
Eu encarei papai sem acreditar. Era para ser uma festa para mim.
Quando entramos para pegar a comida, havia um enorme bolo de
chocolate. Achei que seria cortado mais tarde.
— Gabriel! Isso é... — Nana exclamou, mas papai a interrompeu,
apenas levantando a mão.
Ele olhou para Nana.
— Essa é minha decisão, mãe.
Ele olhou para mim.
— Bem, Ellie? Essa é minha decisão, qual é a sua?
Olhei por cima do ombro para Samuel, que estava sorrindo mais do
que nunca agora. Elijah franziu a testa para mim e balançou a cabeça.
Foi um não, não se desculpe, ou um não, não rosne para ele
novamente.
Eu olhei de volta para o papai. Nix me disse para ser forte.
Eu estreitei meus olhos e cerrei meus punhos. Eu queria deixar Nix
assumir o controle para que ela pudesse rosnar de novo, mas eu sabia que
não devia.
— Acho que não vou comer bolo, — bufei.
Papai pareceu surpreso. Talvez porque eu tenha escolhido aceitar a
punição ou por causa da expressão no meu rosto. Uma determinação
raivosa, acho que você chamaria.
Papai acenou com a cabeça e sentou-se na cadeira.
— Muito bem, Ellie. Você pode ir se sentar.
"Vá e sente-se perto da árvore. Não se sente com Samuel."
Nix me contou.
Eu concordei. Eu não queria ficar perto de Samuel, embora me
sentisse mal por não ter sentado de novo com Elijah.
Eu me virei e caminhei em direção a um grande carvalho, que ficava
um pouco longe de onde o cobertor havia sido colocado, e onde papai
estava sentado com os outros.
— Onde você está indo, pequena? — Papai gritou.
Eu me virei para encará-lo.
— Minha punição é não comer chocolate, não ver todo mundo comer
o que eu não posso comer, — resmunguei.
Papai suspirou.
— esta festa é para você, pequena. As pessoas podem querer vir e dar
seus cumprimentos.
Franzi o cenho.
— então deixe-os fazer isso para mim ali. Se eu sentar com Samuel,
ele só vai ser mau.
Eu me virei e voltei para a árvore.
Seria uma festa horrível se eu não conseguisse nem comer meu
próprio bolo.
Quando cheguei à árvore, me sentei e inclinei minhas costas contra
ela. Eu olhei para Samuel, mas ele não pareceu se importar.
"Dê-me o controle, Ellie."
Nix sussurrou.
Eu não tinha certeza se deveria.
"Você promete que não vai rosnar para ninguém?"
Eu ouvi sua risada, o que me fez sorrir.
"Eu não vou rosnar. Vou te ensinar como usar seus sentidos. Meus
sentidos."
Nossos sentidos.
Eu não tinha certeza de como fiz isso. Talvez eu só tivesse que pensar
nisso, mas parecia ser capaz de dar a ela o controle ou impedi-la de tentar
tomá-lo.
Percebi agora que, quando rosnei, era realmente Nix, não eu. Foi
como quando papai rosnou. Deve ter sido seu lobo.
Eu dei o controle para Nix, assim como ela pediu. Só que desta vez
parecia diferente.
"Feche os olhos, Ellie. Começaremos ouvindo. Podemos ouvir coisas
de muito mais longe. Nós apenas temos que praticar a nos concentrar em
uma coisa e bloquear as outras. Use um sentido de cada vez.
Em breve você poderá fazer isso sem me dar o controle, mas por
enquanto... "
Fiz o que ela pediu e fechei os olhos. De repente, eu podia ouvir
muito, mas era tudo uma confusão, uma bagunça.
Agora nos concentramos em uma pessoa. Uma conversa. Vamos ver o
que papai está dizendo.
Ela deu uma risadinha. Foi um pouco perverso. Eu sabia que escutar
era errado. Mesmo assim, se ele não tivesse me barrado do bolo de
chocolate, não estaríamos fazendo isso.
Senti todos os outros ruídos sendo bloqueados, enquanto Nix se
concentrava em papai. Não era só o papai que podíamos ouvir, era a vovó
e também o vovô.
— Isso foi um pouco duro, Gabriel. Eu praticamente prometi a ela
ontem que ela poderia comer chocolate. Ela nem chorou quando você a
cortou, — queixou-se Nana.
Papai suspirou:
— Você realmente quer que ela rosne toda vez que ela não consegue
fazer o que quer. Deixando seu lobo assumir o controle. E quando ela
puder se transformar.
— Você quer que ela se transforme toda vez que ela ficar irritada com
alguém? Ela precisa perceber que não pode simplesmente usar sua loba
para conseguir o que quer!
Eu rapidamente retirei o controle de Nix e os sons da conversa
sumiram.
"O que ele quis dizer com transformação?"
Eu perguntei a Nix.
:Quando ficarmos mais velhos, podemos assumir a forma de lobo.
Mas você precisa ser mais forte. Nossos ossos precisam ser quebrados e
reformados. Quando eles se reformam, precisamos curá-los."
Eu estremeci. Não suportava a ideia de ossos quebrando. Eu tinha
certeza de que doeria.
Nix riu na minha cabeça.
"Claro que dói nas primeiras vezes, é por isso que temos que esperar
até você ficar maior e mais forte. Mas posso te ensinar como usar seus
sentidos. "
Eu fechei meus olhos novamente.
Eu estava sentindo falta do bolo de chocolate, mas isso era divertido.
Se papai não tivesse me punido, provavelmente não teríamos feito isso.
Eu estava prestes a perguntar a Nix o que devemos fazer a seguir,
quando ouvi uma voz. Nix não tinha controle e eu não tinha aprendido a
usar meus sentidos aprimorados de outra forma ainda, então eu sabia
que alguém estava perto de mim.
Eu abri meus olhos e vi meu arqui-inimigo. Samuel.
— Eu me senti meio mal, então trouxe um pouco de bolo pra você, —
Samuel sussurrou.
Eu fiz uma careta. Isso foi um estratagema para me colocar em mais
problemas.
— Não posso comer bolo, papai disse, — rebati.
Samuel se ajoelhou ao meu lado.
— Eu sei, — ele sussurrou, — mas pode ser apenas o nosso
segredinho. Ninguém mais precisa saber.
"Não confie nele, Ellie. É um truque. Sinta o cheiro do bolo."
Eu realmente não confiava nele de qualquer maneira. Eu não tinha
certeza de por que Nix queria que eu sentisse o cheiro do bolo. Mesmo
sem seu olfato aprimorado, eu sabia que seria capaz de sentir o cheiro do
chocolate.
Mas eu confiava em Nix, então cheirei mesmo assim.
"Não coma. Isso cheira mal. "
Eu me perguntei se ela poderia sentir algo que eu não conseguia. Eu
não tinha a intenção de comê-lo de qualquer maneira. O mais provável
era que Samuel contasse a papai, para que eu recebesse uma punição
pior.
Samuel realmente me odiava tanto a ponto de me envenenar?
Então eu ouvi a voz do papai. Talvez eu também tenha problemas
agora, apenas por estar perto de um pedaço de bolo.
— O que está acontecendo aqui? — Papai questionou: — Por que
você está trazendo bolo para Ellie, Samuel. Você sabe que ela não tem
permissão para comer bolo hoje?
— Eu não ia aceitar, papai, sei que não posso, — respondi
rapidamente.
— Ela me obrigou, — Samuel choramingou rapidamente, — Ela me
assustou quando rosnou, então eu fiz isso.
Ele estava mentindo. Eu não podia acreditar que ele estava parado ali
e mentindo. E se papai acreditasse nele e não em mim.
— Eu não fiz nada, — eu sussurrei.
Papai revirou os olhos.
— Bem, um de vocês está mentindo. Não sei qual é.
Ele olhou para nós dois. Imaginei que ele estava esperando que um de
nós confessasse. Eu sabia que Samuel estava mentindo, mas Samuel não
parecia que confessaria.
Eu me perguntei qual seria a punição por mentir para o Alfa. Achei
que seria muito ruim.
— Bem, — papai continuou, já que nenhum de vocês vai confessar, eu
acho que vocês dois precisam ser punidos. Ellie... Sem chocolate pelo
resto da semana.
— Samuel... Uma corrida de uma hora com Beta Murdoch antes da
escola pelo resto da semana.
Samuel olhou para mim. Eu apenas olhei de volta. Foi por sua culpa
que estávamos sendo punidos. Além disso, ele estava aceitando tudo com
facilidade Eu ficaria feliz em trocar punições.
Papai pegou o bolo de Samuel.
— E eu vou comer isso, — ele sorriu.
Papai não viu a expressão de horror no rosto de Samuel, mas eu sim.
— Por favor, papai, não coma. — Eu implorei: — Nix disse que há algo
ruim nisso.
Papai olhou para mim e franziu a testa, depois olhou para Samuel.
Samuel começou a recuar.
— Foi só uma brincadeira, — ele desabafou.
Os olhos de papai ficaram pretos e ele caminhou decididamente em
direção a Samuel.
— O. QUE. VOCÊ. FEZ? — Ele rosnou.
Passei meus braços em volta do meu corpo, tentando me impedir de
tremer. Sempre me assustou quando papai rosnava. Agora eu sabia por
que ele havia me punido.
Eu assisti enquanto Jasmine veio correndo.
— Gabriel, por favor, — ela implorou, — ele é apenas um filhotinho!
Observei quando papai olhou para Jasmine.
— Ele tentou envenená-la, — ele rosnou com os dentes cerrados.
Os olhos do papai ainda estavam pretos, mas ele havia parado de
rosnar.
Jasmine envolveu os braços protetoramente em torno de Samuel, que
agora estava chorando.
Então outra mulher se aproximou. Eu não a conhecia, mas ela parecia
bastante feroz.
Papai empurrou o prato para ela.
— Diga-me? O que há no bolo?
Meus olhos agora estavam grudados na mulher, enquanto ela
examinava o bolo de chocolate. Cheirando cuidadosamente cada parte
separadamente, ela cortou o recheio no meio. E seus olhos ficaram
pretos.
Sua loba estava no controle.
"Ela é uma rastreadora. Ela é especialista em cheiros. Sua loba será
capaz de dizer o que é o veneno."
Nix concluiu.
Depois de alguns momentos, ouvi a mulher rosnar. Ela parecia
furiosa.
— Lobélia, — ela sibilou.
Eu não sabia o que era, mas papai e a mulher pareciam zangados.
Jasmine parecia chocada.
Os olhos do papai voltaram à cor normal e ele olhou para a mulher
rastreadora.
— Obrigado, Emma. Por favor, descarte-o com segurança.
A mulher chamada Emma acenou com a cabeça e curvou-se. Então
ela olhou para mim e sorriu.
Papai olhou para Jasmine.
— Traga-o ao meu escritório pela manhã. Vou decidir o que fazer com
ele então.
Observei quando papai caminhou em minha direção. Quando ele
estava perto, ele se agachou na minha frente.
— Sinto muito, papai, — eu sussurrei.
Se eu não tivesse rosnado para Samuel, ou se eu tivesse me
desculpado, nada disso teria acontecido.
Papai me pegou e passou os braços em volta de mim.
— Você não tem nada que se desculpar, pequena, você provavelmente
acabou de salvar minha vida, — ele sussurrou, — agora vamos para casa.
Capítulo 28
Gabriel
O que diabos aconteceu com meu querido sobrinho. Ele costumava
ser um menino tão bom. Agora ele havia se transformado em um
monstro. Mais do que um monstro.
Além disso, não foi ele que me avisou, foi Ellie, ou melhor, a loba de
Ellie. Ainda bem que ambas haviam se unido. Do contrário, a pequena
Ellie poderia muito bem estar morta.
Eu a segurei com um pouco mais de força enquanto a carregava para
casa.
A próxima pergunta era: de onde diabos ele arranjou Lobélia. Eu
duvidava que ele conhecesse a planta, ou tivesse o conhecimento para
saber que parte da planta era mais perigosa.
Eu sabia que Erik mantinha algumas no hospital para emergências.
No entanto, havia uma linha tênue entre deixar uma pessoa doente e
matá-la. Somente um médico ou curandeiro saberia.
Não um filhote de oito anos.
Se Ellie tivesse comido aquele bolo, não havia dúvida em minha
mente que ele a teria matado.
Com o delicado estado de seu sistema digestivo, mesmo que não fosse
uma dose fatal, a doença poderia tê-la matado.
Sua loba ainda era jovem, ainda que fosse forte. Certamente não forte
o suficiente para curá-la de um veneno.
Estávamos na porta havia apenas cerca de cinco minutos, quando
houve uma batida na porta.
Ellie estava cansada. Se era por causa de toda a atividade com sua
loba, ou apenas do estresse do dia, eu não saberia dizer. Eu tinha
aquecido um pouco de leite e mel para ela e estava prestes a dar a ela.
Eu a peguei e a coloquei no sofá, e entreguei o leite a ela.
— Fique aí, pequena, e beba seu leite, — pedi.
Ela olhou para mim e acenou com a cabeça.
— Ok, papai.
Com um último olhar, fui em direção à porta.
Fiquei surpreso ao ver Erik parado ali.
— Achei melhor dar uma olhada em Ellie, ter certeza de que não
estava em nenhuma das outras comidas, — ele começou.
Eu me afastei e permiti que ele entrasse.
— Eu realmente sinto muito, Gabriel, assim que soube, verifiquei o
hospital. Uma bolsa de Lobélia está faltando. É mantido num armário
trancado.
— A fechadura ainda estava intacta, o que significa que alguém do
hospital deve ter levado.
Isso estava indo de mal a pior. Isso significava que alguém estava
tentando envenenar Ellie. Eu não conseguia entender por quê. Ela era
uma filhote inofensiva. Qualquer lobisomem sempre foi superprotetor
com os filhotes.
Suspirei.
— Por aqui.
Caminhamos para a sala de estar, onde Ellie estava sentada bebendo
seu leite.
— O que ela está bebendo? — Erik perguntou, com sua voz misturada
com preocupação.
— Apenas leite quente e mel, isso a ajuda a dormir, — eu sussurrei.
Ellie ergueu os olhos. Eu pude ver a preocupação em seu rosto. Ela
ainda estava com um pouco de medo de Erik, embora isso estivesse
melhorando. A última coisa que eu queria era que ela ficasse assustada.
Sentei no sofá, ao lado dela.
— Está tudo bem, pequena. Erik só queria ter certeza de que você
estava bem, — eu a acalmei enquanto esfregava suas costas.
Eu podia sentir que ela estava relaxando.
Erik se agachou na frente dela.
— Me mostre sua língua, Ellie, — ele pediu.
Ela resistiu. Estava coberta com uma fina camada de branco do leite.
— Sem dor de barriga ou enjoo?
Ela balançou a cabeça:
— Eu não comi bolo nenhum, papai disse que não devia.
Eu beijei o topo de sua cabeça.
— Eu sei, pequena, você foi uma garota muito boazinha, — elogiei.
Erik acenou com a cabeça e sorriu para mim.
— Nenhuma das outras comidas que você comeu tinha gosto
engraçado?
Ellie balançou a cabeça novamente,
— Nix teria me dito se fosse ruim, — afirmou ela.
Erik franziu a testa, um pouco confuso.
Eu sorri.
— Ela encontrou sua loba hoje.
Erik acenou com a cabeça, fazendo "o" com a boca.
Houve outra batida na porta. Eu revirei meus olhos. Estava ficando
tarde e eu queria levar Ellie para a cama.
— Eu terminei, papai, — Ellie saltou.
Peguei a caneca das mãos dela.
— Fique aí por mais alguns minutos enquanto eu levo Erik para fora e
vejo quem está na porta.
Voltamos para a porta.
— Eu quero que Emma verifique toda a sua equipe, Erik... esta noite,
— eu avisei.
Erik acenou com a cabeça.
— É claro, vou chamá-los ao hospital sob algum pretexto. Não vou
dizer a eles o porquê, apenas no caso de tentarem esconder o cheiro.
Eu concordei. Eles teriam que ser bons para esconder isso de Emma.
Ela não era minha melhor rastreadora à toa. Ela também ficou
impressionada que a loba de Ellie percebeu que algo estava errado com o
bolo.
Especialmente para uma loba tão jovem.
Abri a porta para deixar Erik sair, para ver meu pai parado ali.
— Ela está bem? — Ele perguntou, com preocupação em sua voz.
Eu estava prestes a responder quando ouvi a voz de Ellie.
— Vovô! — Ela gritou e veio correndo em direção ao meu pai.
Ele pode ser um lobo mais velho, mas seus reflexos ainda estavam em
sua melhor forma. Ele a pegou enquanto ela pulava para um abraço.
— Pequena, — ele murmurou, — você está bem?
Ela acenou com a cabeça.
— Eu não consegui dizer adeus a ninguém. Nana está com você?
Meu pai negou com a cabeça.
— Só vim verificar se você estava bem. Espero que você possa vir ver
Nana amanhã, se seu pai concordar com isso.
Ele olhou para mim, assim como para Ellie.
Eu sorri e assenti.
— Eu tenho que ir para o escritório da matilha amanhã, talvez você
possa ficar com Nana enquanto eu vou, — eu sugeri.
Eu liguei mentalmente meu pai.
"Talvez você deva vir comigo enquanto eu decido o que fazer com
Samuel.
Observei a expressão no rosto de meu pai escurecer, quando ele
assentiu.
— Neste momento, — acrescentei, — acho que já passou da hora de
alguém deitar.
Ellie olhou para mim, ainda agarrada ao meu pai. Ela tentou suprimir
um bocejo.
— O vovô pode me contar uma história primeiro?
Ela olhou de mim para meu pai.
— Por favor, vovô? — Ela implorou.
Eu não pude deixar de rir.
Meu pai revirou os olhos.
— Ok, mas deixe o papai te preparar para dormir primeiro, então eu
vou.
Ellie sorriu e estendeu os braços para que eu a pegasse.
Eu estava feliz por ela não ter se tornado muito independente de
repente, só porque sua loba havia emergido. Ela ainda era minha
garotinha, embora agora parecesse um pouco mais confiante.
Assim que ela estava pronta para dormir, meu pai entrou no quarto e
sentou-se na beira da cama.
Eu fiquei na porta, quando ele começou. Se ele renunciasse como
membro do conselho, sempre poderia conseguir um emprego como
contador de histórias para os filhotes do jardim de infância.
— Era uma vez três porquinhos, — ele começou.
Revirei os olhos, não tendo certeza se um lobo que derrubava casas
era uma boa escolha de história para uma filhote que tinha acabado de
encontrar sua loba, uma loba Alfa ainda.
Felizmente, ele só chegou até os porquinhos construindo suas casas
antes que ela adormecesse.
— Eu realmente acho que suas escolhas de histórias poderiam
melhorar, pai, — eu ri, enquanto fechamos a porta suavemente.
Ele riu baixinho.
— Eu não sei, se nossa netinha quer ser uma guerreira, então é uma
boa história.
Revirei meus olhos novamente.
— Com a loba dela sendo capaz de pegar o cheiro de Lobélia naquela
fatia de bolo, talvez uma rastreadora fosse uma opção melhor, — eu
sugeri.
Meu pai ficou quieto, o que nunca era um bom sinal.
Caminhamos até a cozinha.
— Café? — Eu sugeri.
Ele acenou com a cabeça e sentou-se no balcão do café da manhã.
— Eu gostaria de poder persuadir sua mãe a me deixar refazer a
cozinha. Eu odeio aquela mesa velha, — ele bufou.
Entreguei a ele uma caneca de café.
— Deve ser uma coisa feminina, Ellie também gosta da mesa.
Observei enquanto ele tomava um gole de café. Eu sabia que ele tinha
algo em mente. Eu poderia adivinhar o que era.
Ele olhou para mim e suas sobrancelhas franziram.
— O que você vai fazer com o filhote, Gabriel. Ele passou dos limites,
você sabe disso.
Sentei-me ao lado dele e suspirei.
— Ele ainda é um filhote, não poderia ter feito isso sozinho. E ele
também é meu sobrinho.
Meu pai pousou a xícara de café.
— Escute, filho, — ele começou.
Sempre que ele começava uma frase como essa, eu sabia que
significava problema.
— Ele também é meu neto, mas isso é irrelevante. Se você não fizer
algo significativo, isso se refletirá mal na matilha.
Suspirei. Significativo. Essa foi a descrição do meu pai para algo
severo. Eu duvidava que o treinamento adicional com Beta Murdoch
fosse severo o suficiente. Na verdade, eu sabia que não era.
Jason já havia feito o filhote fazer o treinamento, e não teve
absolutamente nenhum efeito. Pode ter piorado as coisas.
— Você tem uma sugestão? — Eu perguntei.
Meu pai acenou com a cabeça.
— É óbvio que ele não tem disciplina. Sua mãe o mimou e ele não dá
ouvidos ao pai. Você deveria mandá-lo embora.
Eu fiz uma careta. Era Samuel que precisava ser punido, não Jasmine
e Jason.
— Eles não o trataram de forma diferente de Elijah. Ele acabou
perfeitamente bem.
Agora foi a vez de meu pai revirar os olhos.
— Elijah foi criado de maneira completamente diferente. Eles foram
muito mais rígidos com ele, e você sabe por quê? — Ele bufou.
Eu sabia por quê. Comigo sem companheira e sem filhotes, era
provável que Elijah se tornasse o próximo Alfa da matilha. Ele era filho de
uma fêmea Alfa e um macho Beta. Isso foi antes de eu encontrar Ellie.
Agora a dinâmica mudou. Elijah nunca foi informado de que ele seria
o próximo Alfa. Jason e Jasmine o haviam criado dessa maneira. Samuel,
não teve uma educação tão rígida.
— Aonde você sugere que eu o mande? — Eu perguntei.
Eu recusei sua resposta.
— Você deve enviá-lo para Alfa Zagan da matilha Presas de Sangue.
Capítulo 29
Gabriel
Depois que meu pai saiu, fui para o meu escritório, trocando a caneca
de café por um copo grande de uísque.
Fiquei mexendo no meu cabelo. Tentei compreender como tudo deu
tão errado. Bem, nem tudo. Minha pequena Ellie tinha sua loba, e uma
loba forte.
Elijah, que havia sido treinado para ser um Alfa, tinha um forte
vínculo com ela. Talvez quando chegasse a hora, ela seria a primeira
mulher Alfa, e Elijah poderia ser seu Beta. Mas ainda havia Samuel.
Eu ainda não conseguia entender o fato de que ele havia tentado
matá-la. Comecei a me perguntar se foi ele que a fez voar quando
Murdoch a encontrou. Ele estava com o grupo de meninos.
Ou eu estava apenas transformando ele em um vilão? Não, ele se
transformou nisso. Mesmo se alguém tivesse lhe dado o veneno, ele
ainda teria que colocar no bolo e dá-lo a Ellie.
No entanto, eu não tinha certeza sobre Alfa Zagan. Ele pode deixar o
menino pior do que já era. Muitas vezes seu comportamento foi
denunciado ao conselho.
Uma vez ele quase foi forçado a deixar o cargo de Alfa, pelo que eles
consideraram como uma punição zelosa. Só a Deusa sabe o que ele teria
feito se Samuel tivesse tentado a mesma coisa com ele.
Ele não teria se importado de ele ser um filhote.
Talvez eu deva falar com Alfa Zagan primeiro.
Então eu ouvi outra batida na porta. Pelo amor de Deus, eu não ia
conseguir dormir hoje.
Eu engoli o uísque e me dirigi para a porta da frente.
Quem quer que fosse, era melhor não ter acordado Ellie.
Quando eu abri a porta, Murdoch estava lá, com Emma.
Eu chamei os dois para dentro. Emma estava verificando a equipe do
hospital. Imaginei que se Murdoch estivesse lá, eles teriam encontrado
um culpado.
Normalmente teria sido Jason quem continuaria a investigação como
o primeiro Beta, mas nas circunstâncias, imaginei que Emma tivesse feito
a escolha certa.
Conduzi os dois ao meu escritório. Em seguida, caminhei para trás da
minha mesa e sentei-me, antes de convidá-los a fazer o mesmo.
Eu cruzei meus braços.
— Podemos começar? — Eu questionei: — Suponho que não seja uma
visita social.
Emma endireitou as costas ao me dar seu relatório.
— Erik chamou toda a sua equipe, tanto os que estavam trabalhando
durante o incidente quanto os que não estavam, — ela começou.
— O cheiro de Lobélia não é forte, provavelmente porque eles a
usaram. No entanto, permanece na pele, devido ao suor e outros fatores.
Eu revirei meus olhos. Eu estava cansado. Era bom que ela fosse
minuciosa, mas ela realmente precisava ir direto ao ponto.
— Quem foi, Emma?
Ela olhou para Murdoch.
— Levamos Melissa sob custódia.
Ela está nas celas no momento. Vou questioná-la assim que sairmos
daqui. Achei que você gostaria de saber antes do amanhecer. — Murdoch
concluiu.
Eu concordei. Eu deveria ter previsto isso.
— Obrigado. Samuel está com seus pais? — Eu perguntei.
Murdoch acenou com a cabeça.
— Sim, Alfa. Também colocamos um guarda, caso ele tente escapar.
Sua mãe não ficou muito feliz, mas seu pai concordou.
Eu levantei-me.
— Bom. Bom trabalho, vocês dois. Tenho uma reunião com Samuel e
seus pais pela manhã. Estará em meu escritório na casa da matilha. Se
você tiver alguma informação antes disso, leve-a para lá.
— Vou sair daqui por volta das 8h30.
Murdoch acenou com a cabeça e se virou para sair.
Emma estava prestes a segui-lo, mas ela parou e olhou para mim.
— Se eu puder dizer mais uma coisa, Alfa, — ela começou, — sua
filhote... Eu ficaria honrada se você me permitisse treiná-la... Como
rastreadora.
Eu sorri.
— Vou pensar sobre isso.
Murdoch olhou para mim e franziu a testa.
— Eu pensei que ela queria ser uma guerreira. Eu ficaria mais do que
feliz em treiná-la também.
Eu ri.
— Talvez vocês dois possam treiná-la, mas não agora. Ela acabou de
encontrar sua loba.
Ambos assentiram e baixaram a cabeça respeitosamente antes de
partir.
Depois de acompanhá-los à saída, fechei a porta da frente. Então eu
voltei para o quarto de Ellie. Ela estava dormindo profundamente.
Fui até a cama e a coloquei na cama, antes de beijá-la levemente na
testa.
— O que você quer ser, pequena, — sussurrei, — Rastreadora ou
Guerreira... ou talvez ambos.
Eu sorri enquanto saía do quarto dela e me dirigia para o meu. Um
Alfa precisa ter muitas habilidades, talvez ela deva ser treinada para
ambos. Eu também queria que ela tivesse um bom modelo feminino.
Emma seria isso, na ausência de uma mãe.
Meu sono foi agitado, para dizer o mínimo. Minha mente se recusava
a ficar calma com tudo o que tinha acontecido.
Levantei-me cedo, esperando ter que preparar o café da manhã eu
mesma. Millie geralmente não chegava antes das oito, então Fiquei
surpresa ao vê-la já lá.
Ela sorriu quando entrei na cozinha.
— Beta Murdoch sugeriu que eu viesse mais cedo, pois vocês têm
uma reunião antecipada hoje, — explicou ela.
Eu concordei.
— Obrigado, Millie, é uma coisa a menos para eu me preocupar,
embora você não precisasse, — acrescentei.
Ainda que Millie fosse uma Ômega, tratamos todos com justiça. Eu
certamente não esperava que ela chegasse aqui mais cedo.
— Eu não me importo, Alfa, apenas me avise se precisar que eu
chegue mais cedo.
Eu sorri e fui para o quarto de Ellie. Eu realmente não queria acordá-
la tão cedo, mas precisava.
Como de costume, ela gemeu e tentou se esconder debaixo das
cobertas quando a acordei.
— Guerreiras têm que acordar cedo, pequena, — eu insisti.
Ela gemeu.
— Eu não quero mais ser uma guerreira.
Eu ri e a peguei. Eu a carreguei até o banheiro, pronto para dar-lhe
um banho rápido.
Teve o efeito desejado e a acordou um pouco mais. Ela ainda estava
mal-humorada, no entanto. Achei que ela nunca seria uma pessoa
matinal.
Eu permiti que ela vestisse shorts e uma camiseta hoje. Isso pareceu
iluminar seu humor. Então eu a coloquei em um dos banquinhos da
cozinha.
Millie fez suas habituais panquecas de chocolate e as cortou. Então
ela jogou a calda por cima.
Ellie franziu a testa quando Millie empurrou o prato em sua direção,
e ela o empurrou de volta.
— Não posso comer isso hoje, — afirmou ela, — não tenho permissão,
papai disse.
Olhei para o prato e não pude deixar de sorrir.
Puxei o prato de volta para ela.
— Não, pequena, tudo bem. Sua punição foi revogada. Você não
mentiu para mim, então pode comer tanto chocolate quanto quiser.
O sorriso que adornava seu rosto era o suficiente para iluminar o
mais sombrio dos dias, e eu sabia que hoje provavelmente seria bastante
sombrio.
— Obrigada, papai, — ela sorriu.
Então ela comeu suas panquecas.
Beijei o topo de sua cabeça, enquanto Millie me passava um café
muito necessário.
Eu estava quase na metade do café quando ouvi uma batida na porta.
Ellie olhou ao redor, mas então sua concentração voltou para a comida.
Eu estava contente.
Eu não queria que ela se envolvesse nos acontecimentos atuais, se eu
pudesse evitar.
Com a xícara de café na mão, dirigi-me até a porta. Quando abri,
fiquei surpreso ao ver Elijah parado ali. Um olhar preocupado em seu
rosto.
— Elijah, o que você está fazendo aqui? Sua mãe e seu pai sabem
disso?
Ele balançou sua cabeça.
— Eu só queria pedir desculpas. Eu não quero ter problemas como
Samuel, — ele desabafou.
Eu franzi o cenho, enquanto o conduzia para dentro.
— Por que você acha que terá problemas, Elijah? O que você fez? —
Eu perguntei severamente.
Ele lambeu os lábios nervosamente.
— Fui eu... fui eu quem deu dor de cabeça a Ellie. Não foi minha
intenção. Eu a senti quando ela se juntou à matilha. Achei que seria
muito legal se pudéssemos ligar a mente um ao outro, — ele confessou.
Quase dei um suspiro de alívio. Por um momento horrível, pensei que
ele e Samuel estivessem nisso juntos. Eu deveria saber que não.
Eu coloquei minha mão em seu ombro.
— Está tudo bem, Elijah, você não sabia. Você já tomou café da
manhã? — Eu perguntei.
Ele balançou a cabeça:
— Não vejo muito a Ellie, é por isso que fiz isso, — acrescentou.
Eu balancei a cabeça e assenti.
— Venha tomar café da manhã com a Ellie, e eu direi a seu pai onde
você está.
Eu o guiei até a cozinha.
Ellie virou a cabeça e outro sorriso iluminou seu rosto.
— Elijah! — Ela exclamou.
Elijah sorriu de volta para ela, e passou os braços em volta dela em um
abraço.
— Você quer um pouco da minha panqueca? — Ela perguntou.
Eu ri.
— A Millie pode fazer uma só pra ele.
Millie riu.
— Já fazendo, Alfa.
— E então talvez você possa ir com a Ellie para a casa da vovó e do
vovô hoje, — acrescentei, olhando para Elijah.
Elijah franziu a testa.
— E quanto à escola?
Eu sorri.
— Acho que talvez eu possa dar um jeitinho.
Elijah sorriu.
Hoje também não seria fácil para ele. Afinal, Samuel era seu irmão.
Deixei os dois filhotes tomando café da manhã e conversando,
enquanto me dirigia para o meu escritório. É hora de fazer uma ligação.
Quando a chamada foi conectada, ouvi a voz abrupta de Alfa Zagan
do outro lado da linha.
— Zagan. — ele rosnou.
Eu respirei fundo.
— Alfa Zagan, é Alfa Gabriel... da Lua Crescente.
Eu o ouvi confirmar do outro lado da linha.
— Então, Alfa Gabriel, que encrenqueiro você precisa transferir para
minha matilha?
Não era surpresa que ele já soubesse.
A única razão pela qual o conselho permitiu que alguns de seus
incidentes menos saborosos fossem censurados, foi porque ele era bem
conhecido por trazer alguns dos filhotes mais problemáticos de volta ao
normal.
Sua matilha era quase como um instituto de jovens infratores. Nem
todos os filhotes puderam ser salvos. Alguns pioraram e acabaram como
encrenqueiros. Eu só esperava que ele pudesse transformar Samuel.
Suspirei.
— Meu sobrinho tentou envenenar sua prima adotiva. Eu esperava
que você considerasse uma transferência?
Capítulo 30
Gabriel
Quando terminei a ligação com Alfa Zagan, me senti muito culpado.
Eu nem tinha certeza de que meu pai concordaria com o acordo que fiz.
Jasmine provavelmente me odiaria, e duvido que Jason fosse
entender.
Eu verifiquei meu relógio e estava perto das 8:15. Eu rapidamente
liguei para a mente de Jason.
"Elijah está comigo. Vou enviá-lo aos meus pais com Ellie enquanto
temos nossa reunião."
Sua resposta foi quase instantânea, embora um pouco concisa.
"Eu sei... o guarda me informou para onde ele estava indo."
Suponho que ele tinha todo o direito de estar um pouco chateado.
Não é todo dia que você tem que colocar um guarda na casa de um Beta e
suas irmãs.
Não é todo dia que seu filho mais velho deseja confiar no tio em vez
de você, ou seu filho mais novo é mandado embora para o Alfa mais cruel
deste lado da fronteira.
Eu caminhei até a cozinha, e vi Elijah e Ellie ainda conversando.
Elijah estava com a mão fechada e Ellie estava sentindo o cheiro.
— Queijo, — ela riu.
Elijah abriu a mão para revelar um cubo de queijo.
— Você espiou, — ele acusou.
— Não espiei, — ela respondeu.
Eu andei entre eles, com uma mão no ombro de Elijah e a outra na
cabeça de Ellie.
— O que está acontecendo aqui? — Eu perguntei, com um sorriso.
Ellie ergueu os olhos.
— Elijah está testando minha loba... e ela está ganhando, — ela se
entusiasmou.
Eu revirei meus olhos.
— E você não tem trapaceado? — Eu perguntei a ela com um tom
sério fingido.
— Não, papai, eu prometo. Eu não olhei. Só usamos meu nariz.
Eu baguncei seu cabelo.
— Muito bem, pequena. Agora eu acho que é hora de você usar seu
nariz e nos guiar até a casa do vovô.
Eu a levantei do banquinho e a coloquei no chão.
— Se você prometer ficar por perto, não precisa segurar minha mão,
mas não saia correndo, — avisei.
Ela franziu a testa.
— Posso segurar a mão de Elijah?
Eu ri.
— Claro, se Elijah quiser.
Abri a porta da frente e os conduzi para dentro.
Eles caminharam um pouco à frente e eu não pude deixar de sorrir,
embora parte de mim desejasse que Ellie pudesse estar tão perto de
Samuel. Eu sabia agora que isso nunca aconteceria.
Elijah e Ellie foram os primeiros a chegar à porta da frente dos meus
pais. No momento em que me juntei a eles, a porta estava sendo aberta.
Eu coloquei uma mão no topo de cada cabeça, enquanto minha mãe
abria a porta.
— Achei que você não se importaria de ter um convidado extra, — eu
sorri.
Minha mãe sorriu. Ela amava seus netos. Ela passou um braço ao
redor de cada um deles e puxou-os para um abraço, antes de deixá-los
entrar.
Eu sorri.
— Elijah tem que voltar para a escola depois do almoço. Voltarei para
buscar Ellie nessa hora.
Ellie se virou e franziu a testa.
— Papai, aonde você está indo? — Ela choramingou.
Eu me agachei.
— Eu e o vovô temos alguns negócios para cuidar. Você ficará bem
com o Elijah e a Nana, não é?
Ela acenou com a cabeça, depois colocou os braços em volta do meu
pescoço e me beijou na bochecha.
— Tchau, papai, — ela sussurrou.
Quase partiu meu coração, pois pude vê-la segurando as lágrimas.
Eu a abracei e a beijei na testa.
— Seja boa para Nana, e eu estarei de volta assim que puder.
Meu pai saiu pela porta, olhou para Ellie e sorriu.
Eu me levantei e ela acenou para mim, um tanto desamparada. Então
minha mãe passou um braço em volta dela e fechou a porta.
— O que foi aquilo? — Ele perguntou com naturalidade.
Eu revirei meus olhos. Ele não era a mais sensível das almas.
— É a primeira vez que a deixo, enquanto ela está acordada. Só posso
imaginar como deve ser para ela. A última vez que ela deixou um pai, ela
nunca mais os viu.
Meu pai assentiu.
— Ela está progredindo então.
Eu fiz uma careta,
— O que você quer dizer?
Agora meu pai revirou os olhos.
— Vamos, Gabriel, toda vez que ela encontrou algo aqui que a
lembrou de seu passado, ela teve um ataque de pânico completo.
— Desta vez, eu sei que havia lágrimas ameaçando aparecer, mas ela
se segurou.
Eu concordei. Eu não tinha pensado nisso assim.
Continuamos andando em silêncio até chegarmos ao meu escritório
na casa da matilha. Murdoch estava esperando por mim.
Meu pai franziu a testa. Foi então que percebi que não tinha contado
a ele sobre Melissa, nem sobre minha conversa por telefone com Zagan.
Eu destranquei a porta do escritório e conduzi Murdoch para dentro.
Meu pai se sentou no sofá, enquanto Murdoch ficou na frente da
minha mesa, em uma posição confortável de um guerreiro.
Apesar de ser Beta, ele deve ter se sentido um pouco intimidado por
estar na presença de dois Alfas.
— Você tem um relatório para mim, Beta Murdoch? — Eu perguntei.
Ele me entregou uma pasta, que estava segurando nas costas.
— Sim, Alfa. Ela confessou ter fornecido a Lobélia. Ela disse ao
menino o que faria. Ele pegou e acrescentou ao bolo.
Peguei o arquivo dele e rapidamente dei uma olhada no conteúdo. Ela
havia assinado.
— Ela precisou de algum... convencimento? — Eu questionei.
Murdoch balançou a cabeça.
— Não, Alfa. Assim que soube que a mão de Melissa cheirava a
Lobélia, ela admitiu imediatamente. Ela também admitiu um ódio pelos
humanos.
— Ela estava trabalhando no hospital durante a cerimônia, então
ainda tinha a impressão de que sua filha era totalmente humana.
Eu concordei.
— Obrigado, Murdoch. Vou falar com você depois do meu encontro
com Samuel e seus pais.
Murdoch acenou com a cabeça. Ele acenou com a cabeça para mim e
depois para meu pai, antes de sair do escritório.
Meu pai sorriu quando ficamos só nós dois. Eu pude ver que ele
estava impressionado com Murdoch. Até pelo fato de ele ter mostrado
respeito por meu pai.
Embora ele não fosse o Alfa da matilha agora, ele ainda era um Alfa.
Meu pai se irritava um pouco que algumas pessoas se esquecessem disso.
— Ele é um bom menino, — comentou meu pai, — um bom Beta.
Talvez você deva designá-lo como primeiro Beta, em vez de segundo.
Suspirei e revirei os olhos.
— Então, você não só quer que eu expulse o filho de sua filha, mas
também quer que eu rebaixe o companheiro dela! — Eu exclamei.
Meu pai se levantou.
— Você realmente gosta de ser dramático, Gabriel, não é? Sua mãe me
contou o que você disse sobre marcar a mão de Ellie. Ou, em suas
palavras, esfaqueá-la.
— Além disso, Samuel não está sendo banido, ele está sendo
mandado embora temporariamente.
Eu assenti.
— Sim, sobre isso. Falei com Alfa Zagan esta manhã. Ele vai aceitá-lo,
mas ele tem uma condição.
Meu pai olhou para mim e estreitou os olhos.
— Uma condição? O que seria? E o mais importante, você concordou
com isso?
Fechei os olhos com força e cocei a cabeça.
— Não é só por um tempo, pai. Zagan quer que Samuel seja
transferido por pelo menos dez anos, senão permanentemente.
Meu pai ficou me olhando. Ele sabia exatamente o que isso
significava. Isso significava que Samuel não seria mais um membro desta
matilha.
Qualquer controle que tivéssemos sobre a punição que Alfa Zagan
pretendia infligir ao menino seria perdido.
Eu suspirei.
— Eu não tive muita escolha. Se eu não concordasse com seus
termos, ele não o aceitaria. Ele vai treiná-lo, transformá-lo em um
guerreiro. Colocará o menino de volta no caminho certo.
— Quando ele chegar aos dezoito anos, discutiremos se ele
permanecerá com eles ou se voltará para nós.
Meu pai ergueu as sobrancelhas.
— Eles não ficarão felizes, os pais dele, — ele suspirou, — mas então
se for para o conselho, a sentença deles pode ser ainda mais dura.
— Tentar ferir ou matar um Alfa, seja ele o Alfa de uma matilha ou
não, é um crime sério. Para um adulto, a sentença é a morte.
Eu concordei.
— O que me leva perfeitamente a Melissa.
Entreguei a ele o arquivo. Mesmo Alfa Zagan não poderia condenar
um membro da matilha à morte sem sua autorização.
Qualquer Alfa poderia aplicar punições, mesmo as graves, mas uma
sentença de morte tinha que ter autorização majoritária do conselho.
Até então, ela seria contida em correntes de prata e mantida em uma
cela. Se Samuel não fosse um filhote, ele teria recebido o mesmo
tratamento.
Isso não quer dizer que Zagan não o manteria trancado. Eu só
esperava que ele não usasse restrições de prata como punição nos filhotes
de sua matilha.
Meu pai abriu a pasta e rapidamente olhou para o documento.
— Vou convocar uma sessão de emergência. Quanto mais cedo
acabarmos com isso, melhor.
Eu assenti. Só queria deixar isso para trás. Zagan já estava a caminho.
Sua matilha estava a cerca de três horas de distância.
Quando eu contasse a Jasmine e Jason o que aconteceria com seu
filho, eles teriam algum tempo para se despedir.
A batida na porta me disse que era hora. Meu pai voltou a sentar-se
no sofá e eu me endireitei atrás da mesa.
— Entre, — eu rosnei.
A porta foi aberta por um dos meus guardas, que introduziu Jason,
Jasmine e Samuel.
Os olhos de Jasmine estavam inchados.
Jason parecia estar lutando para controlar seu lobo. Eles haviam
vestido Samuel com um terno elegante.
Ele tinha uma expressão vazia no rosto, o que me surpreendeu um
pouco. Ele se resignou ao seu destino. Não senti medo nele.
Eu não queria que ele ficasse com medo, mas pelo amor de Deus, ele
tinha oito anos. Ele deveria estar apavorado.
Apontei para as duas cadeiras que ficavam na frente da minha mesa.
Samuel sentou-se em uma e Jasmine sentou-se na outra. Jason estava
atrás de Jasmine, com as mãos apoiadas em seus ombros.
Isso, acima de qualquer coisa, me disse muito. Ele estava confortando
sua companheira, e a raiva em seus olhos era mais para seu filho do que
para seu Alfa.
— Ontem à noite, — comecei, — prendemos Melissa. Ela admitiu ter
fornecido a Lobélia para Samuel.
Jasmine levou a mão à boca e vi uma lágrima escorrer pelo seu rosto.
Samuel olhou para ela, mas sua expressão permaneceu impassível.
— Samuel, você tem algo que deseja dizer.
Ele lambeu os lábios e balançou a cabeça.
— Você não quer me dizer por quê? — Eu questionei. Mais para
Jasmine do que para ele.
Mais uma vez, ele apenas balançou a cabeça.
Suspirei.
— Então não tenho escolha. Samuel, você tem meia hora para se
despedir. Você está sendo transferido para a matilha Presas de Sangue.
Você será protegido agora por Alfa Zagan.
— Você vai ficar com ele até atingir a idade de dezoito anos, então
discutiremos se você deseja ficar ou voltar para a matilha da Lua
Crescente, eu decretei.
Ele olhou para mim, com seu rosto completamente desprovido de
emoção.
Jasmine soltou um grito, que não pôde ser abafado por suas próprias
mãos.
— P... Por favor, Gabriel, — ela implorou, — Não faça isso...
Jason olhou para mim.
— Isso está errado, Alfa. Você sabe disso, ele rosnou.
Levantei-me:
— Sinto muito, mas minha decisão está tomada. Vou deixar vocês
terem a privacidade do meu escritório para se despedir.
Fui até a porta, seguido de perto por meu pai.
Pouco antes de abri-la, me virei para olhar para eles.
— Você gostaria que eu fosse buscar Elijah... para se despedir?
Antes que Jasmine ou Jason pudessem falar, Samuel se virou para
olhar para mim.
— Não... eu não quero me despedir dele, — ele sibilou.
Jason e Jasmine pareceram chocados.
Eu assenti e saí da sala.
Assim que saímos, meu pai olhou para mim com as sobrancelhas
levantadas.
— Odeio dizer isso, Gabriel, mas acho que você tomou a decisão
certa.
Capítulo 31
Gabriel
Fiquei do lado de fora da casa da matilha com meu pai. Fiquei
esperando que Zagan aparecesse. Eu já havia informado meus guardas de
fronteira para aguardá-lo.
Tive a estranha sensação de que Samuel teria ficado muito feliz em
partir sem se despedir. O momento era mais para Jasmine e Jason. Eu
não conseguia entender por que o garoto de repente ficou tão frio.
Acho que meu pai também ficou surpreso. Ele e minha mãe não o
viam com tanta frequência como eu costumava ver. Afinal, eles não
viviam na casa da matilha e realmente não se davam bem com Jason.
Eles geralmente só viam Samuel se tivessem providenciado para que
Elijah e Samuel fossem até sua casa.
Meu pai não ficou muito satisfeito quando escolhi Jason como Beta.
Mas ele era o companheiro de minha irmã. Eu não tinha certeza de por
que eles não gostavam tanto dele. Ele era um bom Beta e leal à matilha.
Eu fui arrancado dos meus pensamentos quando vi dois carros se
aproximando.
Eu nunca havia visto Alfa Zagan em carne e osso. Ele tinha a
reputação de ser um Alfa severo e direto ao ponto. Ele governava sua
matilha pelo medo.. Se isso era verdade, eu não sabia.
Quando o primeiro carro parou, o motorista desceu, abriu a porta
traseira e a manteve aberta.
Não demorei muito para perceber que o homem que saiu da parte de
trás do carro era Alfa Zagan.
Ele olhou ao redor, observando tudo. Se ele não fosse um aliado, eu
teria ficado preocupado. Não por causa de seu tamanho, embora ele fosse
grande, mesmo para um Alfa.
O que me preocupava era o jeito que seus olhos azuis penetrantes
pareciam avaliar tudo. Do prédio aos guardas, e tudo o mais com que
seus olhos entraram em contato.
Eu podia entender por que ele tinha mulheres se juntando a ele. Ele
era jovem para um Alfa. Ele não usava o cabelo curto como a maioria dos
Alfas fazia. Seu cabelo loiro caia em cascata por cima de seus ombros.
Aproximei-me dele e estendi minha mão.
— Alfa Zagan. Bem-vindo.
Ele assentiu.
— Alfa Gabriel, eu suponho.
Eu balancei a cabeça e comecei a apresentar meu pai.
— Meu pai, Alfa...
— Nós nos conhecemos, — ele interrompeu.
Então ele acenou com a cabeça para meu pai.
— Ancião Joel.
Era basicamente um insulto velado.
A maioria dos visitantes, Alfa ou não, reconheceria meu pai como um
Alfa, embora ele agora fosse um ancião do conselho.
A verdade é que você não pode ser um ancião sem antes ter sido um
Alfa.
Meu pai, para seu crédito, o ignorou.
— Alfa Zagan, é um prazer revê-lo, mesmo que em circunstâncias
infelizes, — respondeu meu pai.
Alfa Zagan olhou para mim.
— Onde está o pirralho, — ele bufou.
Eu rapidamente chamei o guarda que ainda estava do lado de fora do
meu escritório.
— Ele está a caminho, — eu disse.
Os olhos de Alfa Zagan ficaram pretos. Quase instantaneamente, o
motorista do segundo carro saiu e abriu a porta traseira.
Percebi que o homem que saiu do segundo carro era o Beta de Zagan.
Ele usava jeans escuros e uma camiseta justa, que definia seus músculos.
Ele tinha várias cicatrizes no rosto, o que lhe dava uma aparência
séria.
Murdoch, meu segundo Beta, tinha uma aparência dura, mas nada
como isso. Ele tinha um olhar sombrio que me fez pensar que este
homem gostava de infligir dor.
Isso me surpreendeu um pouco. Normalmente, quando o Alfa está
ausente, o Beta fica com a matilha. A menos que a matilha tenha dois.
Normalmente, a matilha precisa ser bastante grande para exigir dois
Betas, como em nosso caso.
Eu não sabia que a matilha Presas de Sangue era tão grande. Eu teria
que perguntar ao meu pai mais tarde.
O Beta se aproximou, acenou com a cabeça em nossa direção e ficou
ao lado de seu Alfa.
— Este é o meu Beta, Dante. Ele supervisionará a disciplina dos
meninos.
Quando ele terminou de falar, as portas da casa da matilha abriram e
Samuel saiu com seus pais.
Ele estreitou os olhos enquanto olhava para Zagan e Dante.
Mesmo neste ponto, ele não parecia preocupado.
— Venha aqui, garoto, — Zagan rosnou.
Eu pensei ter visto um pouco de hesitação, mas ele caminhou até
onde Zagan estava.
Zagan agarrou o queixo de Samuel e olhou em seus olhos.
Então ele riu.
— Você não me disse que ele tinha um lobo, — ele sorriu.
Eu fiz uma careta e olhei por cima do ombro para Jason e Jasmine,
que encolheram os ombros.
— Não estávamos cientes. Normalmente uma criança compartilha
essa informação, — eu bufei.
Zagan riu.
— Sim, normalmente, mas esse pirralho não tem um lobo normal,
posso ver em seus olhos. Eu só preciso confirmar isso.
Ele acenou com a cabeça em direção a seu Beta, que agarrou Samuel
em um estrangulamento. Samuel tentou lutar, mas seu rosto não estava
com medo, apenas com raiva.
Com a outra mão, o Beta agarrou a mão de Samuel.
Zagan então puxou uma faca cerimonial do bolso, semelhante à que
eu usei na cerimônia de Ellie.
Ele cortou sua própria mão, e cortou a de Samuel também. Então ele
apertou suas mãos.
— Você agora é um membro da matilha Presas de Sangue, garoto. —
Ele rosnou.
Ele hesitou por um momento e acenou com a cabeça para o Beta.
Beta Dante, segurava Samuel pelos braços. Então Alfa Zagan se virou
para Samuel e olhou para ele.
— Devolva o controle ao menino, lobo. AGORA! — Ele rosnou
usando seu comando Alfa.
A expressão de Samuel mudou quase instantaneamente e ele
choramingou.
Ele olhou em volta como se não soubesse onde estava.
— Mamãe! — Ele gritou ao ver sua mãe.
Jasmine correu em direção a ele, mas Jason a segurou.
— Coloque-o no carro e leve-o de volta ao nosso território, — Zagan
ordenou a seu Beta.
Eu assisti enquanto Beta Dante maltratava Samuel em direção ao
carro. Samuel estava perturbado, mas era tarde demais. Ele agora era um
membro da matilha de Alfa Zagan.
— O que diabos aconteceu? — eu rosnei, enquanto o segundo carro
se afastava.
Zagan revirou os olhos.
— Parece que seu pequeno sobrinho arranjou um Lobo Maldito. Eles
raramente abrem mão do controle, a menos que sejam comandados.
Não, a menos que o humano seja ensinado a controlar desde tenra idade,
— ele bufou.
Eu encarei ele em choque.
— Isso é ridículo, eles são apenas um mito!
Ele balançou a cabeça.
— Eles são muito reais, embora bem raros. É necessário um conjunto
raro de circunstâncias para criar um lobo maldito.
— Suponho que ele nasceu na noite de uma lua de sangue, e
provavelmente houve complicações?
Olhei para Jasmine, que ainda estava sendo consolada por Jason.
Então eu olhei de volta para Zagan.
Eu concordei.
— Samuel nasceu um pouco cedo, mas nasceu violado. Quase o
perderam, — confirmei.
Zagan baixou a voz.
— Poderia ter sido melhor para o menino se eles o tivessem perdido.
Quando esse tipo de coisa acontece, os médicos gostam de pensar que
salvaram o filhote, mas geralmente é apenas o lobo. Eles sentem o gosto
de estar no controle.
— Nossos lobos não deveriam aparecer tão cedo. A quantidade de
energia que gastam na cura geralmente os deixa adormecidos e eles
ressurgem no momento correto.
— Eles já tiveram a sensação de controle total, então tentam retirá-lo.
Quanto mais sua contraparte humana luta, mais furioso e violento o lobo
se torna.
Eu balancei minha cabeça e suspirei.
— Você já se deparou com isso antes? — Eu perguntei.
Zagan sorriu. Fiquei chocado. Eu pensei que o homem fosse incapaz
disso.
— Meu Beta, Dante. Meu pai percebeu cedo o suficiente para fazer
algo a respeito.
Tentei imaginar o que seu Beta havia passado. Talvez tenha sido
assim que ele conseguiu as cicatrizes no rosto. Eu me perguntei se ele
tinha alguma outra cicatriz. Se os rumores fossem verdadeiros, o pai de
Zagan era pior do que ele.
Ele recusou um assento no conselho porque os achou muito moles.
— Eu presumo que Samuel tentou lutar com seu lobo então, — eu
imaginei.
Zagan acenou com a cabeça.
— Mas parece que o lobo venceu. Ele terá que lutar muito mais se
quiser aprender a controlá-lo. Provavelmente não ajudou ele ter sido
mimado, mas vamos endurecê-lo em breve.
Eu balancei minha cabeça. Eu sabia o que provavelmente significava o
endurecimento de Alfa Zagan. Só esperava que Samuel não acabasse nos
odiando.
— Agora, Alfa Gabriel, vim até aqui. Ouvi dizer que você se encontrou
com uma pequena mestiça. Não só isso, mas você a adotou, — Zagan riu.
Lutei para manter meu lobo calmo. Ele queria rasgar a garganta de
Zagan por chamar Ellie disso.
— Claro, — eu respondi com os dentes cerrados, — no interesse da
harmonia do clã, ficarei feliz se você conhecer minha filha. Talvez você
queira almoçar conosco... na casa do meu pai.
Observei Zagan cerrar os dentes. Por algum motivo, ele não gostava
do meu pai. Eu não sei por quê.
— Claro... seria um prazer, — ele respondeu, forçando um sorriso que
não alcançou seus olhos.
— Por aqui então, — eu sorri, enquanto o conduzia em direção à casa
do meu pai.
Capítulo 32
Alfa Zagan
Eu não gostava da ideia de me sentar com o pai idiota de Gabriel, mas
minha curiosidade havia atingido o pico, mesmo antes de Gabriel me
ligar sobre o menino.
Só porque meu pai não fez parte do conselho, não significava que não
estávamos cientes de todos os negócios que ocorriam.
A maioria dos eventos era monótona, incluindo transferências entre
matilhas. Às vezes é devido a lobisomens que encontram seus
companheiros ou como o garoto que peguei hoje. Pedidos de ajuda no
treinamento de guerreiros.
O maldito Alfa não deveria estar no comando de uma matilha se não
pudesse treinar seus próprios guerreiros. Adoção era menos comum.
Especialmente adoções humanas ou híbridas. Contudo, esta era
incomum.
Primeiro, a papelada passou como humana, depois, de repente, como
um híbrido. Eu revirei meus olhos. Eles deveriam ter percebido
imediatamente.
A idade também era curiosa. Certamente me fez pensar.
Eu não prestei muita atenção na adoção quando eles disseram que era
um humano de 12 anos. Mas quando mudou para um híbrido de seis a
oito anos, minha atenção foi definitivamente atraída.
FLASHBACK
Eu estava fora do escritório do meu pai. Ele não costumava me
convocar, mas quando o fazia, geralmente era para infligir algum tipo de
punição.
Esforcei-me para tentar lembrar se havia falhado em alguma tarefa ou
se havia sido derrotado por algum dos guerreiros, mas nada veio à minha
mente.
Eu ouvi sua voz rouca gritar "venha", então abri a porta e entrei.
Eu rapidamente fechei a porta atrás de mim, antes de me apresentar
na frente de sua mesa. Fiquei com os pés ligeiramente separados, costas
retas e mãos atrás das costas.
Eu segurei minha cabeça reta, tomando cuidado para não olhar para
baixo ou olhá-lo diretamente nos olhos.
— Você me chamou, pai, — eu disse, tomando cuidado para não
permitir nenhuma interrupção ou inflexão em minha voz. Tive também
o cuidado de não demonstrar medo. Pelo que eu sabia, não tinha feito
nada de errado.
Não pretendia mostrar nenhuma fraqueza agora. Se o fizesse, sabia
qual seria o resultado.
— Quantos anos você tem, filhote? — Ele questionou.
Eu apertei minha mandíbula. Ele me chamou de filhote de propósito.
Ele sabia que isso me irritava. Eu poderia vencer qualquer um dos
guerreiros adultos, às vezes mais de um de cada vez. Me chamar de
filhote era quase um insulto.
— Quinze, senhor, — respondi com os dentes cerrados.
Ele assentiu.
— Já era hora de você se tornar um homem.
Eu estreitei meus olhos.
— Eu já posso vencer nossos guerreiros do sexo masculino, — eu
rebati.
Meu pai se aproximou de mim e riu. Ele colocou a mão no meu
ombro e apertou com força. Usei todo o meu autocontrole para não
recuar quando suas garras cravaram em minha carne.
Quando ele não obteve nenhuma reação, ele removeu sua mão.
— É preciso mais do que força para se tornar um homem, filhote, —
ele sorriu.
Eu fiquei em silêncio. Conversar com ele só resultaria em punição.
— Estou enviando você para a fronteira. Eu quero que você tente se
misturar com os guardas. Eles são em sua maioria fracos e patéticos, mas
você é muito mais jovem do que eles, então a diferença de tamanho não
deve ser um problema.
— Conseguimos um de seus uniformes e uma de suas armas.
Enquanto você estiver lá, você pode ir para a cama com quantas
mulheres você puder. Eles têm algum tipo de criadouro.
— Você precisa ser um amante experiente para quando encontrar sua
companheira. Você pode voltar depois de foder com pelo menos uma
humana, ou ficar mais tempo, se quiser.
Eu engoli em seco. Eu não tinha experiência. Não tínhamos
permissão para ter relações com outras lobas, a menos que fossem nossas
companheiras. Eu não encontraria minha companheira até que tivesse
pelo menos dezessete anos.
— Sim, pai, — eu reconheci.
Meu pai riu.
— Não fique tão sério, Zagan. A maioria dos filhotes daria o braço
direito para uma missão como esta.
— Apenas certifique-se de que essas humanas inúteis não percebam o
que você é, você entendeu? — Ele reiterou.
Eu balancei a cabeça.
— Sim, pai, quando devo ir?
Ele revirou os olhos.
— Nada melhor que o presente, e enquanto você estiver lá, você pode
trazer de volta o máximo de informações sobre suas forças. Já sabemos
um pouco, mas você pode preencher as lacunas.
— Sim, pai, — concluí.
Fiz uma mesura mínima com a cabeça e saí do escritório.
Assim que saí, dei um suspiro de alívio e me dirigi ao contramestre.
Ele era um lobo mais velho. Talvez ele pudesse me dar algumas dicas
sobre como dar prazer a uma mulher.
Não foi difícil me misturar. Os humanos machos adultos eram mais
ou menos da mesma altura que eu. Eu era muito mais musculoso e
tonificado, mas conseguia disfarçar sob o uniforme largo.
Parecia que eles se revezavam no criadouro após seus turnos. Eu fui
para este bloco algumas vezes. As mulheres que me designaram
choravam no início.
Mas depois elas gemiam e gritavam meu nome. Isso era
aparentemente normal de acordo com o contramestre. Claro, se você
estivesse fazendo um bom trabalho. Na próxima vez que entrei, elas
sorriram e se agitaram.
Voltei apenas algumas vezes.
Principalmente porque eu tinha visto outra mulher. Ela não estava
alojada no bloco do criadouro.
Os outros guardas disseram que ela costumava ser uma reprodutora,
mas agora ela estava fora dos limites, pois era propriedade do
comandante. Já havia a visto com seu filho às vezes. Por outras vezes,
porém, ela estava sozinha.
Não demorei muito para fazer amizade com ela. Ela era muito mais
bonita do que as outras reprodutoras.
Eu teria que sair logo, voltar para o meu pai. Decidi que queria essa
mulher. Ela era mais velha e provavelmente mais experiente. Afinal, era
para isso que eu estava aqui — para aprender.
Eu sabia que não deveria ter feito isso, mas usei meu comando Alfa na
mulher. Forcei-a a se deitar comigo. Ela não teve escolha.
Ela era igual as reprodutoras, primeiro chorou, depois gemeu de
prazer.
Depois disso, ela iria me procurar. Fiquei mais tempo no
acampamento do que pretendia. Principalmente para que eu pudesse ir
para a cama com ela regularmente. No total, fiquei lá um mês.
Quando eu disse a ela que estava indo embora, ela me implorou para
levá-la.
Eu ri dela. Aí ela chorou, me disse que estava grávida.
Entrei em pânico e disse a ela que pensaria no assunto.
Naquela noite eu parti e voltei para meu pai com um relatório sobre o
acampamento humano.
FIM DO FLASHBACK
Não contei a ele sobre a mulher do comandante. Nunca pensei em
minha filha.
Ao nos aproximarmos da casa do velho Alfa, fiquei surpreso com o
quão pequena ela era. Comparado com a casa que meu pai construiu
para si mesmo.
Eu assisti quando Alfa Gabriel bateu na porta.
Ele deixou seu pai com os pais "enlutados". Eles deveriam ter ficado
gratos. Se alguém pudesse mudar o menino, nós poderíamos.
A porta foi aberta por uma mulher mais velha. Achei que fosse a ex-
Luna. Ela forçou um sorriso. Imaginei que os lobos mais velhos aqui
gostavam de mim tanto quanto eu gostava deles, o que não era muito.
— Bem-vindo, Alfa Zagan.
Ela deu um passo para o lado.
Gabriel me conduziu primeiro e depois me seguiu para dentro.
Uma vez lá dentro, me vi em uma pequena sala de estar.
Dois filhotes estavam sentados no chão.
Um filhote macho de cerca de doze anos e um filhote mais novo de
seis. No começo eu não tinha certeza se o filhote de seis anos era macho
ou fêmea. Contudo, percebi pelos traços delicados que ela era uma
mulher.
Muito bonita, apesar de seu cabelo ser cortado curto. Não permitimos
que as fêmeas da minha matilha tivessem o cabelo cortado curto, nem
mesmo as filhotes.
Eles estavam jogando um jogo que eu conhecia bem. O menino mais
velho apertou as mãos e a filhote estava cheirando-as, contando o que
estava escondido dentro.
Isso me surpreendeu um pouco. Normalmente não jogávamos esse
jogo com os filhotes até que seu lobo estivesse com eles por cerca de um
ano. Os lobos normalmente não se materializavam até que um filhote
tivesse sete ou oito anos.
Eu meio que dei um suspiro de alívio. Se o filhote tivesse oito anos,
ela não poderia ser minha.
— Elijah, Ellie, venham aqui um minuto, Alfa Gabriel chamou.
Os dois filhotes se levantaram.
Quando a pequena filhote viu Gabriel, ela imediatamente correu.
— Papai! — Ela exclamou.
Ela pulou em seus braços e ele a abraçou com força.
— Eu acho que você sentiu minha falta, — Gabriel riu, enquanto
beijava a cabeça da filhote.
Uma pontada de ciúme percorreu meu corpo. Eu não tinha certeza do
porquê.
— Eu gostaria que você conhecesse Alfa Zagan. Ele está nos visitando
hoje de outra matilha.
A filhote olhou para mim e sorriu.
Lutei para conter um suspiro.
Agora que eu estava perto, podia ver a semelhança com sua mãe. Seus
olhos. Isso provavelmente foi o que mais me assustou. Foi como olhar
para meu reflexo.
— Olá, — ela sussurrou, timidamente.
Eu a encarei, até que ela desviou os olhos. Eu não esperava que ela
fosse tão ousada. Claro que ela seria ousada. Ela era minha filha.
Eu olhei para o filhote macho, Elijah. Ele era o irmão do Lobo
Maldito.
Ele estendeu a mão, com a cabeça erguida, mas evitando o contato
visual.
— Prazer em conhecê-lo, Alfa Zagan.
Eu apertei sua mão e balancei a cabeça. Pelo menos eles o educaram
corretamente. Provavelmente eles estavam preparando ele para ser o
próximo Alfa.
A mãe dele seria uma fêmea Alfa, não que você soubesse, do jeito que
ela chorou por seu filho. Minha mãe nunca teria chorado assim. Nem
mesmo quando fui punido pelo meu pai.
Retirei minha mão e virei minha cabeça quando ouvi passos.
O antigo Alfa.
— Jason e Jasmine não vão se juntar a nós para o almoço, — ele
afirmou, com raiva.
Elijah olhou para seu avô.
— E quanto a Samuel? — Ele perguntou
Meus olhos olharam para a garota, avaliando sua resposta à menção
do filhote que tentou matá-la.
Ela pareceu enrijecer um pouco, até que Alfa Gabriel esfregou
suavemente suas costas.
Ele iria deixá-la fraca. Ela pode ser jovem, mas se ela quiser ser uma
Alfa forte, ela precisaria ser endurecida.
— Ele foi transferido para minha matilha, eu disse olhando para o
menino.
Observei enquanto Gabriel gentilmente colocava a mão em sua
cabeça.
— Falo com você mais tarde, Elijah. Vá ajudar sua Nana a arrumar a
mesa.
Eu consegui por pouco me impedir de revirar os olhos. Se era assim
que eles tratavam o filhote que se tornaria Alfa, então eu não poderia
imaginar o quão fraco o resto da matilha deveria ser.
— Então, quantos anos tem a sua filhote, Alfa Gabriel, — arrisquei.
Observei enquanto ele sorria amorosamente para a filhote.
— Não temos certeza, pensamos que entre seis e oito anos.
Provavelmente oito. A loba dela emergiu ontem.
Eu queria rir de suas suposições patéticas. Sim, a maioria dos lobos
aparecia por volta dos oito anos, mas um lobo Alfa forte pode aparecer
mais cedo. Meu próprio lobo emergiu pouco antes do meu sétimo
aniversário.
Sua loba deve ser forte, se ela já estava farejando.
— Então, como ela chegou à sua matilha? — Eu perguntei.
Com minha pergunta, ele colocou a filhote no chão.
— Vá e encontre Nana, veja se você pode ajudar Elijah, — ele insistiu.
Ela saiu correndo por outra porta. A cozinha ou a sala de jantar,
imaginei.
— Ela cruzou a fronteira. Os guardas da fronteira atiraram nela.
Soubemos depois que ela havia sofrido abusos graves. Os humanos
parecem pensar que abusar de seus filhotes é aceitável, — Alfa Gabriel
rosnou.
Eu senti meu lobo ficar inquieto. Minha educação foi difícil. Meu pai
me batia muitas vezes, mas só depois que meu lobo emergiu. Assim eu
poderia me curar.
Eu realmente não me importava com o que os humanos faziam com
seus filhotes, eu me importava com o que eles tinham feito com a minha
filhote.
— É algo que o conselho investigará, — o pai de Gabriel interveio.
Ele deu a Gabriel um olhar de advertência. Senti que o conselheiro
não estava muito feliz por ele compartilhar informações.
Eu sorri.
— Estamos todos do mesmo lado, Ancião Joel.
Pelo menos ficaríamos até que eu decidisse reclamar minha filha.
Capítulo 33
Ellie
Nana havia feito lasanha novamente. Da última vez eu não tinha
comido. Essa era a noite em que eu iria fugir. Fiquei feliz agora que papai
me impediu. Se ele não tivesse, eu poderia não ter encontrado Nix.
A lasanha estava gostosa.
— Papai, Millie pode fazer isso para nós? Eu gosto disso.
Papai olhou para mim e riu, então pousou a mão no topo da minha
cabeça.
— Ela pode tentar, pequena, mas ninguém faz lasanha como a sua
vovó.
Então ele olhou para Nana e sorriu.
Ela sorriu de volta, e ela olhou para mim.
— Eu acho que você terá que vir mais vezes para me ver então.
Olhei para Elijah, que estava sentado ao meu lado.
Ele estava muito quieto e estava apenas brincando com a lasanha em
seu prato.
— Elijah pode vir também? — Eu perguntei.
Ele não ergueu os olhos até que Nana falou com ele.
— Você gostaria disso, Elijah? — Ela perguntou.
Ele ergueu os olhos por um momento.
— Eu acho, — ele murmurou, então voltou a brincar com a comida
em seu prato.
Eu fiz uma careta. Elijah não era assim normalmente. Então eu
percebi. Eu olhei através da mesa para Alfa Zagan.
Foi só então que percebi que ele estava me encarando.
— Por que você levou Samuel embora? — Eu perguntei, olhando de
volta para ele.
Antes que ele pudesse responder, ouvi a voz do meu pai.
— Ellie, já basta, — ele repreendeu.
Alfa Zagan olhou para mim e sorriu.
— Tudo bem, Alfa Gabriel, se a filhote quiser saber, fico muito feliz
em contar a ela.
Ele se inclinou para frente e me olhou com mais atenção.
— Olhe só, Ellie, Samuel não estava no controle de seu lobo, então ele
precisa aprender a como controlá-lo. Para fazer isso, ele precisa ser forte.
Ele precisa de um pouco de... persuasão.
Eu engoli em seco, mas segurei seu olhar.
— Você... você vai machucá-lo? — Eu sussurrei.
Alfa Zagan estreitou os olhos.
Uma dor passou pela minha cabeça.
Eu segurei minha cabeça em minhas mãos.
— Papai, não me sinto muito bem. Minha cabeça dói.
Papai olhou para Elijah, que estava olhando para Alfa Zagan e eu.
— Elijah, — ele rosnou, — Eu te avisei sobre tentar fazer uma ligação
mental com a Ellie.
Elijah balançou a cabeça.
— Não sou eu, tio Gabriel, eu juro.
Papai se levantou e me pegou. Enterrei minha cabeça em seu ombro,
e ele gentilmente me abraçou.
— Sinto muito, Alfa Zagan, preciso levar Ellie para casa e ligar para o
médico. Meu pai pode te acompanhar até a porta quando você terminar
o jantar.
Alfa Zagan se levantou. Ele limpou o guardanapo na boca.
— Eu entendo, Alfa Gabriel. Você deve cuidar da filhote.
Ele olhou para Nana.
— Muito obrigado pela refeição, acho que devo me retirar, — ele
hesitou, — afinal de contas, eu tenho um novo membro da matilha para
cuidar, — ele sorriu.
Papai me carregou para fora da porta da frente, seguido de perto por
Alfa Zagan. Cada vez que eu olhava para cima, seus olhos perfuravam os
meus e uma onda de dor passou pela minha cabeça.
Tudo o que pude fazer foi enterrar meu rosto na camisa de papai e
choramingar.
Papai esfregou minhas costas, tentando me acalmar.
— Espero que sua filhote se recupere, — afirmou Alfa Zagan, — por
favor, entre em contato comigo se precisar da minha ajuda novamente.
Papai acenou com a cabeça e caminhou em direção à casa. Abri meus
olhos e observei o Alfa caminhar em direção a um grande carro preto.
Ele olhou por cima dos ombros antes de entrar, e cruzamos olhares.
Eu rapidamente desviei. Havia algo nele que eu não gostava. Ele me
lembrou de alguém. Então de repente me ocorreu.
O olhar em seus olhos. Ele me lembrou do Comandante do bloco de
punição.
Quando voltamos para casa, a dor na minha cabeça estava quase
acabando. Eu simplesmente me sentia exausta. Papai me deitou na cama
e rapidamente trocou minhas roupas diurnas por minhas roupas
noturnas.
Sua mão acariciou minha testa suavemente.
Eu abri meus olhos.
— Como você está se sentindo, pequena? — Ele sussurrou, não
querendo fazer muito barulho.
— Cansada, papai, — respondi, meio grogue, — mas não dói mais.
Ele cantarolou.
— Erik está a caminho, ele só vai dar uma olhada em você, ok?
Eu concordei. Eu não estava mais com tanto medo de Erik, mas toda
vez que fechava meus olhos, tudo que eu podia ver era Alfa Zagan me
encarando.
— Papai... eu não gosto de Alfa Zagan. Ele continuou olhando para
mim, — eu sussurrei.
Papai beijou suavemente o topo da minha cabeça.
— Eu também não gosto muito dele, e nem o seu avô. Você não
precisa vê-lo novamente.
Eu olhei para a porta, quando a ouvi abrir.
Erik estava lá. Ele sorriu gentilmente e se aproximou.
— Você esteve na guerra de novo, Ellie? — Ele perguntou.
Papai olhou para ele.
— Alguém tentou ligá-la mentalmente novamente. Foi pior desta vez.
Erik acenou com a cabeça e se aproximou. Ele se sentou na beira da
cama.
— Doeu mais? — Ele perguntou.
Eu balancei minha cabeça.
— Só estou cansada, — murmurei.
Erik acenou com a cabeça novamente,.
— E quanto à sua loba, você pode senti-la, falar com ela?
Fechei meus olhos tentando me concentrar em Nix. Eu podia senti-la,
mas algo parecia errado.
"Nix? Você está aí? "
Não houve resposta. Tentei me concentrar nela. Senti alguma pressão
na cabeça, mas nenhuma dor. Então eu a encontrei. Ela estava
dormindo... exausta.
— Ela está dormindo. Ela está cansada... esgotada, — eu sussurrei,
com minha voz tremendo ligeiramente.
Erik pegou minha mão e esfregou suavemente.
— Não se preocupe, Ellie, ela vai ficar bem, ela provavelmente está
cansada de curar você.
Soltei um suspiro. Quase de alívio. Eu não queria que ela se
machucasse.
Erik olhou para o papai.
— Ela só precisa descansar. Ligue-me de manhã e eu irei verificar
novamente.
Erik sorriu:
— Vejo vocês depois.
Papai acenou com a cabeça e sentou-se na cama que Erik havia
desocupado. Ele acariciou minha testa suavemente.
— Feche os olhos, pequena. Você só precisa de uma boa noite de
sono.
— Eu te amo, papai, — eu sussurrei.
Papai gentilmente deu um beijo na minha testa.
— Eu também te amo, pequena, — ele sussurrou.
Fechei os olhos, visualizando o rosto do meu pai para bloquear as
memórias dos olhos assustadores de Alfa Zagan.
Capítulo 34
Alfa Zagan
Eu só tinha um pensamento em minha mente enquanto meu
motorista se afastava da matilha de Gabriel. Minha filhotinha. Sim, ela
era minha, não de Gabriel. Ele apenas a deixaria fraca, como o resto de
sua matilha.
Inferno, ele já a estava deixando fraca. Ela não podia nem usar seu
vínculo mental ainda. Essa deveria ter sido a primeira coisa ensinada a
ela.
Não deixe um pirralho de seu Beta fraco praticar o faro com ela.
Então ele ficou de mau humor porque eu levei seu irmão mais novo. Mas
não minha filhote. Ela me olhou bem nos olhos.
Tão orgulhoso como eu estava disso, isso irritou meu lobo.
Mostrando tanto desrespeito a um Alfa. Ela pode ser minha filhotinha,
mas também era uma mestiça fraca.
Ela teria que trabalhar duas vezes mais para obter o respeito de
qualquer lobo. Certamente qualquer lobo na minha matilha, que era
onde ela pertencia.
Ela seria uma forte guerreira um dia.
Mas não se ela ficasse onde estava. Eu não tinha visto uma guerreira
durante minha visita. Até a irmã do Alfa era uma vira-lata chorona.
Só ficou lá lamentando seu filho! Ela deveria estar me agradecendo.
Eu faria dele um homem. Farei ele se tornar forte o suficiente para
controlar seu lobo.
Quando chegamos ao limite do território, meu motorista parou. Já
estava escuro.
Esperei que ele abrisse minha porta. Saí e caminhei em direção à
caminhonete preta que estava estacionada perto da linha das árvores.
Eu esperei enquanto a porta se abria.
— Espero que aquela filhotinha mestiça valha a pena, — grunhiu
Dante.
Eu rosnei e envolvi minha mão em volta de sua garganta, batendo-o
na lateral da caminhonete.
— É da minha filhote que você está falando, mostre algum respeito,
— eu rosnei, antes de soltá-lo.
Dante tossiu e esfregou a garganta.
— Eu a respeitarei como sua filhote de Alfa, mas ela terá que ganhar
respeito por seus próprios méritos, — ele respondeu, com os olhos
baixos.
Eu balancei a cabeça.
— E ela vai. Ela vai se curvar e se submeter a mim. Vou treiná-la duro,
e ela vai ganhar o respeito de toda a minha matilha assim que
terminarmos.
Dante ergueu os olhos:
— Você acha que ela se submeterá tão facilmente?
Eu ri.
— Não, Dante, ela não vai. Mas ela aprenderá, assim como eu. Agora
você tem o que eu pedi?
Dante acenou com a cabeça e me passou um recipiente e uma
seringa.
— O bloqueador de cheiro. Eles não irão detectá-lo a menos que você
seja visto, e um sedativo misturado com Wolfsbane. Isso deve nocautear
ela e seu lobo por cerca de oito horas.
— Isso deve ser tempo o suficiente para sair do território deles e
voltar para o nosso.
Eu balancei a cabeça enquanto pegava os dois itens.
— Você vai forçá-la a entrar na matilha, como fez com o menino? —
Dante perguntou.
Eu balancei minha cabeça.
— Não. Mas quando eu terminar com ela, ela estará me implorando
para quebrar seu vínculo com a frágil matilha de Gabriel. Então, vou
permitir que ela se junte a nós nos meus termos.
Dante assentiu e voltou para sua caminhonete. Pouco antes de entrar,
ele se virou para olhar para mim.
— Você quer algum arranjo especial feito? — Ele perguntou.
Eu sorri e assenti.
— Ela pode dividir uma cela com o menino. Veremos o quanto ele a
odeia, apenas reprima seu lobo por enquanto. Então veremos o quão
forte é minha filhote mestiça.
Tirei minhas roupas e as entreguei ao motorista. Quem me entregou
um par de shorts e um pedaço de corda. Eu me cobri com o bloqueador
de cheiro.
Assim que terminei, amarrei os shorts em um braço e a corda no
outro braço.
Colocando a seringa no chão, preparei-me para me transformar.
Meus ossos quebraram enquanto o processo ocorria. Pegando a seringa
em minha boca, voltei para a casa da matilha de Gabriel e meu filhote.
Furtivamente, Sephis
Eu avisei meu lobo.
Ele acenou com a cabeça silenciosamente em minha mente.
Seu pelo preto nos escondeu, enquanto nos misturamos à escuridão
da noite. As patrulhas não nos farejariam, nem nos veriam se eu tomasse
cuidado.
Apenas os olhos dourados do meu lobo eram viáveis na escuridão. O
resto de nós se camuflava perfeitamente. Era uma característica do Alfa
da matilha de Presas de Sangue.
Eu esperava que a loba de minha filhote fosse a mesma quando ela
finalmente emergisse. Eu não tinha ideia de como sua loba seria. Ela seria
a primeira filhote em várias gerações.
Todos os Alfa anteriores só produziram herdeiros do sexo masculino.
Conseguimos evitar todas as patrulhas. Não fiquei surpreso. Este
bando era fraco. Eu levantei meu focinho e senti todos os cheiros, até
discernir o que estava procurando.
Agora que estávamos nas proximidades da casa da matilha, eu
precisava ser ainda mais cuidadoso.
No entanto, o cheiro não estava vindo da casa da matilha. Então, o
Alfa tinha uma casa própria.
Eu segui o cheiro até uma propriedade maior, ligeiramente afastada
das outras. Uma ideia tola para o Alfa estar tão longe de seus guerreiros.
Talvez um dia eu assumisse o comando desta matilha, matasse o Alfa
Gabriel e o resto de sua família. Seu território tinha muitos benefícios,
mas esta noite não era sobre isso. Esta noite era para recuperar minha
filhote.
Eu rastejei pela parte de trás da casa e mudei para minha forma
humana.
Os shorts ainda estavam amarrados no braço, então rapidamente
desamarrei e vesti, depois enfiei a corda e a seringa nos bolsos.
Andei pela casa até encontrar uma janela parcialmente aberta.
Deslizando cuidadosamente para abrir, eu rastejei para dentro.
Meu pai sempre me disse que nem sempre era melhor entrar de
maneira estrondosa. Às vezes, uma abordagem furtiva era melhor. Eu
odiava admitir, mas meu pai estava certo.
Em retrospectiva, sempre parecia ser o caso. O que eu não sabia era
como ele reagiria ao ter uma neta mestiça, mas era melhor do que
nenhuma neta, e eu precisava de uma herdeira.
Eu estava grato porque a casa só tinha um andar. Meus pés mal
faziam barulho enquanto eu caminhava pelo chão.
Depois de abrir a porta da frente, eu silenciosamente cheirei o ar,
encontrando o cheiro dos filhotes quase imediatamente.
Isso me levou para um corredor. Uma porta estava ligeiramente
aberta e uma pequena quantidade de luz vinha da sala.
Patético. Ela logo se acostumaria a estar na escuridão. De que outra
forma seus outros sentidos entrariam em ação. Um bom guerreiro pode
lutar na luz ou no escuro.
Havia espaço suficiente para eu entrar no quarto sem mover a porta.
Olhei para o monitor na cômoda e silenciosamente virei o botão na
lateral para desligá-lo.
Eu não precisava do Alfa Gabriel me perturbando.
Fui até a cama, ela estava dormindo. Ela não ficaria por muito tempo.
Ela saberia o que estava para acontecer com ela, antes que eu a
nocauteasse.
Tirei a coberta dela, ela estava usando uma camisola frágil. Eu revirei
meus olhos. Ela logo se arrependeria de não usar algo mais substancial à
noite.
Eu rapidamente a agarrei, envolvendo um braço em torno de sua
cintura, prendendo seus braços ao seu lado. Minha outra mão segurou
sua boca. Ela tentou gritar, mas nenhum som saiu.
Então ela tentou se debater, mas eu a segurei com muita força. Ela era
definitivamente uma filhote durona, além de se sacudir, ela tentou
morder minha mão.
Eu rapidamente a carreguei pela porta da frente, deixando-a aberta.
Com um pouco de sorte, o estúpido Alfa poderia até ter pensado que ela
havia fugido. Eu ignorei a dor em minha mão.
Não era nada no grande esquema das coisas e logo iria sarar.
Assim que saímos de casa, rosnei em seu ouvido.
— Você vai se arrepender de ter feito isso, sua vira-lata imunda.
Eu me dirigi para a cobertura de árvores perto da parte de trás da casa
do Alfa. Uma vez que estávamos a uma distância razoável, joguei a
pequenina no chão, então ela caiu de bruços.
Agarrando suas mãos, amarrei-as atrás das costas.
— Agora, vira-latinha, é hora de te ensinar um pouco de respeito, —
eu rosnei baixinho.
Eu a virei de costas. Ela estava olhando para mim.
— Quando o papai descobrir o que você fez... — Ela começou.
Eu zombei dela e envolvi minha mão em tomo de sua garganta.
— Eu sou seu pai, seu pai verdadeiro. Seu suposto papai nunca vai te
encontrar. Ele não terá ideia de onde você está, e ele provavelmente
pensará que você fugiu.
A bravata em seus olhos se transformou em medo, quando apliquei
um pouco mais de pressão em sua garganta.
— Eu poderia quebrar seu pequeno pescoço como um galho. Apenas
lembre-se disso, da próxima vez que você me desrespeitar, — eu sibilei.
Eu soltei seu pescoço e observei enquanto ela engasgava para respirar.
Eu ri.
— Não tão corajosa agora, filhote.
Ela continuou me olhando, sem ousar responder.
Tirei a seringa do bolso, puxando a tampa da agulha com os dentes,
sorri.
— Bons sonhos, pequena, — eu sibilei, enquanto enfiava a seringa em
seu pescoço.
Seus olhos rolaram na parte detrás de sua cabeça, antes de cair
molemente para o lado.
Eu a peguei e a joguei por cima do ombro.
Com uma última olhada ao redor, fui para a fronteira e meu carro que
esperava.
Quando o Alfa Gabriel acordasse pela manhã, sua matilha teria dois
filhotes a menos, em vez de apenas um.
Demorou menos do que eu pensava para chegar à fronteira e ao carro
que esperava. Foi mais rápido na forma de lobo, mas isso era de se
esperar.
Assim que cruzei a fronteira, meu motorista estava esperando. Eu
coloquei a filhote no banco de trás e peguei as roupas que meu motorista
estava segurando. Eu rapidamente me vesti e entrei.
— Vamos sair daqui, — eu rosnei.
Meu motorista era bom e seguia as ordens sem questionar. Toda
minha matilha era assim. Qualquer pensamento de desobediência seria
recebido com a mais severa punição. Ambos os filhotes logo aprenderiam
isso.
Demorou um pouco menos de duas horas para chegar à casa da
matilha. Eu levantei a filhote do banco de trás e fui direto para a
masmorra, onde Dante estava esperando.
O outro filhote já estava lá embaixo. Estava dosado com Wolfsbane
suficiente para manter seu lobo quieto. Tinha uma coleira de prata em
volta do pescoço, acorrentada à parede.
Quando abri a porta, ele olhou para cima. Quando ele viu que era eu,
ele baixou o olhar e a cabeça.
— Você aprende rápido, filhote. Eu trouxe para você uma pequena
companheira de brincadeiras, espero que ela aprenda rápido para o bem
de ambos.
Eu a joguei no chão e agarrei outra coleira de prata. Travando em seu
pescoço, prendi outra corrente a ele. Então cortei as cordas que
prendiam seus pulsos.
Eles estavam fora do alcance um do outro, caso pensassem em lutar.
Eu não queria que eles se machucassem, pelo menos não sem supervisão.
Eles estariam lutando entre si em breve.
Quem se inscreveu primeiro não seria alimentado. Eles logo
aprenderiam a vencer. Uma vez que ambos fossem fortes o suficiente
para lutar em forma humana, eu liberaria seus lobos.
Então descobriremos qual era realmente durão.
Tive a impressão de que seria a garota, mas só o tempo diria.
A astúcia sempre venceu a força bruta, e eu tinha a sensação de que a
garota era mais astuta do que o garoto.
Eu ri enquanto fechava a porta da masmorra. Uma vez que eles
tivessem sido transformados em lutadores mortais, eu os mandaria de
volta para Alfa Gabriel como meus guerreiros. Eles liderariam o ataque
contra sua matilha.
Quando eu terminar com esses dois, eles o odiarão. A menina porque
ele não tentou encontrá-la, o menino porque ele o entregou para mim.
Eu encheria suas mentes de ódio e vingança.
Eles seriam minhas armas. Eu teria sucesso em fazer o que meu pai
falhou. Eu assumiria cada matilha deste lado da fronteira. Eu me livraria
do conselho e governaria com punho de ferro.
Uma vez que isso fosse feito, eu travaria uma guerra contra os
humanos. Eu seria o primeiro rei Alfa e todos teriam medo de mim.
Fim do livro um
Livro 2
Capítulo 1
Gabriel
Ela se foi. Quando acordei, senti que algo estava errado... algo estava
faltando. Não era algo, mas alguém.
Corri para a sala de estar e encontrei a porta aberta. Eu não era um
grande rastreador, mas ainda podia sentir o cheiro dela, e estava
desaparecendo.
Imediatamente fiz uma ligação mental com Emma.
Eu preciso de você aqui agora, Ellie está desaparecida.
Demorou menos de dez minutos para que Emma chegasse.
— Preciso saber se ela saiu sozinha ou se foi levada, — exigi.
Emma acenou com a cabeça, enquanto eu mostrava a ela o quarto de
Ellie.
Ela fez uma varredura rápida pela sala, sem dizer nada. Então ela saiu
do quarto em direção à porta da frente. Ela hesitou na porta da frente e
franziu a testa.
Em seguida, ela continuou saindo pela porta da frente, em direção aos
fundos da casa. Ela se dirigiu ainda mais em direção às árvores, farejando
enquanto avançava.
Ela chegou a uma pequena clareira e parou. Seus dedos tocaram o
chão, então ela se virou para olhar para mim.
— É estranho, eu só posso encontrar o cheiro de Ellie, mas o cheiro
dela não está na maçaneta da porta, mas a porta estava aberta. Seu cheiro
está no ar, mas não no chão até este ponto.
— É forte aqui, mas também tem outra coisa.
Eu fiz uma careta,
— O que mais?
Ela fechou os olhos e respirou fundo.
— Corda e um cheiro muito fraco de... Wolfsbane e algo mais. Eu não
sei o que é.
Eu estreitei meus olhos.
— Ela foi levada? Por quem?
Emma acenou com a cabeça.
— Ela foi definitivamente sequestrada. Carregada de casa. Em
seguida, coloque no chão. Muito provavelmente ela foi amarrada e deram
Wolfsbane a ela.
Quem quer que tenha pegado ela deve ter escondido seu cheiro.
Fechei meus olhos e o medo tomou conta do meu coração. Quem
poderia tê-la levado. Alguém que sabia que ela tinha uma loba. Alguém
da matilha, ou talvez o comandante humano.
— Você pode encontrá-la? — Perguntei.
Emma suspirou.
— Eu posso tentar.
Ellie
Eu estava com frio, minha cabeça doía e havia algo em volta do meu
pescoço.
De repente, coloquei minhas mãos na minha garganta. Senti o metal.
O medo tomou conta de mim e eu abri meus olhos, quando a memória
da noite passada voltou.
— Está preso.
Eu olhei para o outro lado da sala.
Um raio de luz brilhou através de uma minúscula janela gradeada. Foi
a única luz que iluminou a sala escura. Uma cela de prisão... não, era mais
como uma masmorra.
Isso me lembrou de outro lugar. Engoli em seco, empurrando a
memória para longe. Lágrimas começaram a se acumular em meus olhos.
— Não chore, senão ele vai bater em você até você parar.
Eu encarei a escuridão. Reconheci aquela voz.
Eu ouvi um barulho embaralhado e a pessoa se moveu para a luz.
Samuel.
Suspirei. Não apenas porque eu estava em uma masmorra com uma
pessoa que me odiava, mas porque ele quase não se parecia com o
Samuel que eu tinha visto pela última vez.
O sangue endureceu nas narinas dele e os hematomas cobriram seu
rosto. Havia uma coleira em volta do pescoço, assim como no meu.
Havia bolhas vermelhas desagradáveis onde o metal tocou.
Fechei meus olhos, chamando Nix.
Procurei ela em minha mente. Eu não conseguia senti-la. Da última
vez, quando ela não respondeu, pude senti-la dormindo, agora ela nem
estava lá.
— Você não vai encontrá-la. — Samuel murmurou, — por causa do
Wolfsbane e a prata.
Passei meus dedos sob a coleira. Não havia bolhas, era apenas
desconfortável.
— Parece que a prata não afeta você, — acrescentou ele, — sorte.
Passei meus braços em volta do meu corpo e trouxe meus joelhos ao
meu peito.
— Você deve me odiar, — murmurei, apoiando a cabeça nos joelhos.
Samuel balançou a cabeça.
— Eu não, meu lobo sim... mas ele odeia quase qualquer um que não
o deixa fazer o que quer. Eu podia controlá-lo no início, mas conforme
ele ficou mais forte, ele assumiu.
Suspirei.
— Minha loba me ajuda, ela nunca tenta assumir o controle, mas às
vezes eu deixo.
Samuel revirou os olhos.
— Bom.
Eu levantei minha cabeça.
— Papai vai nos encontrar. Ele vai procurar por mim e eu farei com
que ele traga você de volta também.
Samuel suspirou.
— É um bom pensamento, mas não conte com ele. O Beta me disse
que você estava vindo. Ele disse que o tio Gabriel nunca iria encontrá-la
e, se o fizesse, seria tarde demais.
Não havia emoção na voz de Samuel. Eles já o tinham quebrado?
Meu coração apertou.
— Tarde demais para quê? — Eu perguntei, minha voz falhando.
Samuel encolheu os ombros.
— Beta... Dante, — ele sussurrou seu nome, — só diz o que ele quer
que você saiba. Se você resistir, ele só vai te machucar.
Fechei meus olhos e suspirei. Zagan disse que era meu pai. Ele não
podia ser, meu pai estava morto. Papai, por outro lado, embora ele não
fosse meu pai de sangue, ele ainda era meu pai. Ele iria me encontrar.
Vovô e Nana iriam ajudá-lo. Até lá, eu tinha que permanecer forte. Ser
como eu era antes. Tornar-me dura novamente. Enterrei todas as minhas
emoções profundamente. Eu iria sobreviver a isso. Eu tinha antes e faria
novamente.
Parte 1
2 anos depois
Dificuldades frequentemente preparam pessoas comuns para destinos
extraordinários - CS Lewis
Capítulo 2
Ellie
Acordei quando o sol estava nascendo. Sempre acordei nessa hora
esses dias. Meu relógio biológico havia se ajustado. Já se foram os dias em
que eu dormia até o papai me acordar.
Só que eu não pensava nele como papai agora. Apenas como Gabriel.
Outra pessoa que me fez promessas quebradas. Às vezes eu sonhava com
ele. Ou melhor, eram flashbacks.
Memórias de quando ele me prometeu que ninguém iria me levar
embora, ou que ele sempre me protegeria. Era tudo mentira, ele nem
tentou me encontrar. Nenhum deles.
Nem mesmo meu próprio irmão quando atravessei a fronteira. Isso
parecia uma vida inteira atrás.
Samuel estava certo, em muitos aspectos. Quando eu disse a ele que
Gabriel iria me encontrar, ele quase riu. Quase, se seu rosto não estivesse
tão machucado.
E quando ele me disse que eu era estúpida, ele também não estava
errado. Era estúpido confiar em alguém.
O único consolo que tive foi que eu havia sido sequestrada, o pobre
Sammy havia sido entregue. Foi dado a um monstro que sentia prazer no
sofrimento de outras pessoas. Jackson estava parcialmente certo.
Havia monstros aqui, mas também havia monstros lá.
Eu não estava errada quando pensei que ele me lembrou do
comandante no bloco de punição.
É claro que ele raramente castigava alguém sozinho, em vez disso, ele
conseguiu que Dante o fizesse. Na verdade. Dante gostava disso mais do
que Zagan.
Claro que não tínhamos permissão para chamá-los por seus nomes,
era Beta isso ou Alfa aquilo. Aparentemente, depois de dois anos,
nenhum de nós ganhou o privilégio. Eu duvidei que algum dia isso
mudaria.
Eu bati no ombro de Sammy.
— É melhor você acordar antes que o Beta chegue, — eu sibilei.
Eu não ia levar uma surra por dizer seu nome, apenas no caso de ele
estar me ouvindo. Dois anos no inferno podem deixá-la paranoica.
Sammy se mexeu e abriu um olho.
— Já é hora de novo?
Eu concordei. Ele não estava se referindo ao fato de que era
madrugada. Outro mês já havia se passado.
Sammy se sentou e olhou para mim.
— Eu não sei por que você simplesmente não concorda em se juntar à
matilha. Isso tornaria sua vida muito mais fácil.
Deve ser essa a sua ideia de piada, não muito engraçada, mas mesmo
assim uma piada. Quando minha vida foi fácil. Oh, sim. antes que o
idiota lá de cima me sequestrasse.
Revirei os olhos.
— E deixo você sozinho aqui, para viver uma vida de luxo como filha
do Alfa!
Sammy sorriu.
— Talvez em seus sonhos.
— Está mais para em meus pesadelos, — eu respondi.
Não tenho certeza se teria sobrevivido os últimos dois anos se não
fosse por Sammy. Achei que ele me odiava, mas descobri que era seu
lobo.
Então seu lobo odiava praticamente todo mundo que não o deixava
fazer o que ele queria.
Eu ainda sentia falta de Nix. Eu procuraria por ela em minha mente
todos os dias, mas ela não estava em lugar nenhum. Sammy disse que era
o Wolfsbane. Ele entrou em nossos sistemas de alguma forma.
Sammy estava meio feliz, ele não sentia falta de seu lobo, não do jeito
que eu sentia falta de Nix.
No início, eles mantiveram as correntes curtas. Pensando que Sammy
tentaria me matar. Eles planejaram usar esse ódio para nos transformar
em máquinas de combate.
Quando isso não deu certo, eles nos obrigaram a treinar todos os dias.
Nos puniam se não trabalhássemos o suficiente, o que acontecia na
maioria dos dias, de acordo com Dante.
Mas hoje foi um dia especial. Era a mesma coisa todos os meses.
Dante iria me buscar na masmorra e me levar para o escritório do Alfa.
Ele me ofereceria para me juntar à matilha, eu recusaria, então ele me
bateria. Em seguida. Dante me arrastaria de volta para a masmorra e me
acorrentaria à parede.
Ele me deixaria com fome por alguns dias, então eu voltaria a treinar.
Contei quantas vezes isso tinha acontecido. Foi assim que eu soube
que estava aqui há dois anos.
Logo eu iria sair. De uma forma ou de outra. Eu sobreviveria ou
morreria no processo. Se eu sobrevivesse, voltaria por Sammy. Eu tinha
prometido isso a ele.
Sete dias atrás:
Sentamos em nossa cela, apenas a luz da lua brilhando pela janela.
Comendo as parcas rações que decidiram nos dar. Não era muito, mas
era melhor do que nada.
Um pedaço de pão velho, um pedaço de queijo mofado e um copo
d'água. Pelo menos a água estava fresca.
Depois que a porta da cela se fechava durante a noite, geralmente
éramos deixados sozinhos até de manhã.
Alguns meses antes, havia me dado conta de que, se eu quisesse sair
desse buraco do inferno, só poderia contar com uma pessoa, eu.
— Sammy? — Comecei, minha voz baixando para um sussurro —
Como um lobisomem se torna um renegado?
Você sabe, quebrando o elo da matilha.
Ele olhou para mim e franziu a testa, mastigando um pedaço de pão
particularmente duro.
— Por quê?
Suspirei.
— Apenas me diga, quanto menos você souber, menos provável que
você se machuque.
Sammy balançou a cabeça.
— Você tem que quebrar o vínculo. Uma vez que você está fora do
território de sua matilha, você diz, "Eu, Samuel da matilha Presas de
Sangue, rejeito a matilha e aceito o status de renegado, — ele suspirou, —
Eu faria isso se pudesse.
Eu balancei a cabeça.
— Então eu apenas digo meu nome e o nome do meu matilha?
Sammy acenou com a cabeça.
— Ou isso ou você faz outra cerimônia de sangue por outra matilha.
Como o que ele fez comigo.
Sammy franziu a testa.
— Oh, merda. Ellie, o que você vai fazer? Você vai quebrar o vínculo
com a matilha do tio Gabriel, não é?
Suspirei.
— Quando chegar a hora, sim.
Sammy segurou o rosto com as mãos.
— Você vai encontrar uma maneira de sair, e vai me deixar apodrecer
aqui.
Ele olhou para mim. Eu vi lágrimas em seus olhos pela primeira vez
desde que cheguei aqui. A primeira coisa que ele me avisou foi quanto a
chorar.
Eu me arrastei e coloquei minha mão em seu ombro.
— Não, Sammy, eu nunca faria isso. Eu voltarei por você. Pode
demorar um pouco, mas vou. Eu vou ficar quieta, e quando minha loba
voltar, eu voltarei por você, eu prometo.
Ele tirou minha mão de seu ombro.
— Não faça promessas que não pode cumprir, Ellie.
Levantei-me e encostei-me na parede, as mãos espalmadas e as pernas
ligeiramente separadas.
— Ele estará aqui em um instante, — eu disse, olhando por cima do
ombro para Sammy.
Sammy suspirou.
É
— É hoje, não é, você vai fazer hoje.
Eu concordei.
— Não se esqueça da sua promessa, certo? — Sammy sussurrou.
Eu engoli o nó na garganta e pisquei para conter as lágrimas.
— Eu não vou. — eu sussurrei, minha voz falhando.
Se eu sobrevivesse a isso, eu voltaria.
Sammy não precisava saber que o que eu estava planejando poderia
levar à minha morte.
Tudo estaria baseado na minha esperança de que Zagan pensasse que
eu era sua filha, e na esperança de que houvesse algo dentro dele que o
impediria de matar sua própria carne e sangue.
Eu iria deixá-lo com tanta raiva que ele não seria capaz de conter seu
lobo. Então ele me puniria. Eu morreria ou escaparia.
Se conseguisse escapar, quebraria o vínculo com a matilha de Gabriel
e me tornaria uma renegada.
Eu sabia que Sammy pensava que, se saíssemos daqui, voltaríamos,
mas eu não poderia. Estava claro para mim agora que eu tinha sido
apenas uma distração, um pequeno projeto. Vamos ver o que a mestiça
pode fazer.
Eu não conseguia entender por que Sammy queria voltar de qualquer
maneira. Sua família o havia expulso da matilha, quando ele mais
precisava.
Quando finalmente sairmos, se ele quisesse voltar, ele poderia. Eu
não iria com ele.
Meu plano, entretanto, dependia de Zagan perdendo a paciência.
Um ano atrás
A porta da masmorra se abriu. Mal estava amanhecendo, e eu e
Sammy ainda estávamos dormindo.
Dante estava lá com dois guardas.
— Traga-os, — ele rosnou.
Eu poderia ter medo de me agarrarem. Não pela primeira vez,
enterrei o sentimento fundo. Sammy parecia apavorado.
Os guardas removeram as algemas e agarraram meus pulsos,
prendendo-os nas minhas costas enquanto me empurravam para fora da
porta. O outro guarda fez o mesmo com Sammy.
Eu apertei os olhos quando a luz acertou meus olhos. Nunca fomos
autorizados a sair.
Toda a matilha estava reunida e, quando meus olhos se ajustaram, vi
um homem amarrado a um poste no meio.
Zagan ficou ali sem camisa, apenas vestindo shorts. Ele tinha um
chicote de aparência desagradável em suas mãos.
— Este vira-lata inútil me desrespeitou pela última vez, — ele rosnou,
— que isso seja um aviso para qualquer um que incorrer em minha ira.
O chicote caiu sobre o homem. Zagan ignorou seus gritos. O chicote
atingiu a carne do homem, sangue espirrando em Zagan enquanto ele
batia no homem, vez após vez.
Mesmo depois que seu corpo caiu, ele continuou.
Tentei desviar o olhar, mas Dante veio e ficou ao lado do guarda que
estava me segurando. Ele agarrou meu cabelo e forçou minha cabeça a
olhar na direção do castigo.
— Não, sua pirralha inútil, você vai olhar. Você vai se lembrar. Porque
se você continuar desrespeitando seu Alfa, você vai acabar assim. — ele
rosnou.
Quando Zagan finalmente parou, vi sua garra se estender. Ele rasgou
a corda que segurava o homem. O corpo caiu no chão.
— Isso fica aqui até amanhã. Uma lição para todos vocês, para nunca
me contrariarem, — ele rosnou, e saiu furioso em direção à casa da
matilha.
Eu ouvi a porta da masmorra abrir. Ouvi também Sammy se arrastar
de volta contra a parede. Se Dante o visse deitado, provavelmente o
chutaria.
Senti os olhos de Dante cravando em mim. Por alguma razão, ele me
odiava mais do que Sammy.
Ele caminhou em minha direção.
Senti seu hálito quente em meu pescoço, enquanto ele sussurrava em
meu ouvido.
— Bom, — ele sibilou, — talvez hoje você finalmente aprenda.
Ele se abaixou e eu senti a algema cair do meu tornozelo.
Então ele se levantou e agarrou meus pulsos.
— Vamos, o Alfa está esperando.
Capítulo 3
Gabriel
Sentei-me em meu escritório olhando pela janela.
A próxima pessoa que entrasse e dissesse que tudo acontece por um
motivo, ou me perguntasse quando eu voltaria para a casa que havia
construído, provavelmente teria a garganta arrancada.
Eu não conseguia nem pensar em voltar para a casa. Não era apenas
minha casa, era minha e de Ellie.
O pior era que eu tinha certeza de onde ela estava e quem a havia
levado, mas não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso. Não sem
começar uma guerra entre matilhas.
Claro que me culpei, mas também culpei meu pai. Foi sua sugestão
fazer com que Zagan levasse Samuel. Mas como eu poderia saber que ele
voltaria por Ellie.
Claro que não pude provar nada. Mas tudo o que eu sabia conduzia a
essa conclusão.
Emma perdeu o cheiro de Ellie do lado de fora da fronteira. Ele parou
de repente. Quem quer que a tenha levado, deve tê-la colocado em um
carro. Emma pegou um cheiro muito leve.
Não o suficiente para saber quem era ou de onde eram. Ele esteve lá
apenas por um curto período de tempo. Ela identificou o motorista do
veículo. Não a pessoa que levou Ellie.
Eles tinham disfarçado seu cheiro muito bem.
Eu havia contatado imediatamente todos os Alfas solicitando acesso
aos seus territórios. Todos eles foram muito úteis. Até ofereceram alguns
de seus rastreadores para ajudar na busca. Todos eles, exceto um.
Alfa Zagan.
Então, fizemos uma petição ao conselho de anciãos. Solicitamos
acesso ao território de Zagan. Quase ao mesmo tempo, o pai de Zagan
decidiu tomar seu assento no conselho.
A maioria das outras matilhas tinha medo de Zagan e seu pai. Sua
matilha era a mais forte do lado lobisomem da fronteira. Seus guerreiros
eram implacáveis.
Não demorou muito para o pai de Zagan convencer o resto do
conselho a rejeitar o pedido. Seu pai até disse ao conselho que uma
híbrida não era confiável.
Ela fugiu de sua família humana, então por que ela não fugiu de mim?
Recorri da decisão, mas rejeitaram. Tentei ligar para Zagan, mas ele se
recusou a atender minhas ligações.
Aquele desgraçado estava com minha filhote, e não havia mais nada
que eu pudesse fazer sobre isso.
Meu lobo queria ir para seu território. Ele tinha uma forte conexão
com Ellie. Bem, nós dois sabíamos, mas eu tinha que ser o lado cauteloso.
Nossa matilha era maior. Contudo, seus guerreiros eram mais fortes.
Se invadissemos seu território e perdêssemos, eles provavelmente
matariam toda a matilha. Ele já tinha feito isso antes, ou pelo menos seu
pai tinha. A fruta certamente não cai longe do pé.
Meu lobo estava perturbado. Eu digo que sim, porque há seis meses
encontramos nossa companheira.
Eu quase perdi as esperanças, mas enquanto estávamos procurando
por Ellie, fiz questão de visitar as outras matilhas. Relacionei-me com os
outros Alfa.
Durante uma das visitas, nos encontramos com o Beta da matilha à
beira do lago. Acontece que sua filha, que acabara de atingir a
maioridade, era minha companheira.
Tão angustiado quanto meu lobo estava, só conseguia pensar em
encontrar sua companheira, querer marcá-la e acasalar com ela. Ela era
muito jovem, eu segurei meu lobo. Nós esperaríamos para marcá-la e
acasalar com ela.
Meu lobo continuou me importunando. No final, eu disse a ele que
não nos acasalaríamos até que encontrássemos Ellie. Depois disso, ele
estava me pressionando para atacar Zagan.
Eu sabia que não tinha nada a ver com encontrar Ellie, mas não
encontrá-la estava o impedindo de marcar sua companheira.
Para ser honesto, mesmo tendo ela por perto não tirava minha mente
de Ellie. Ou o trauma que sua perda trouxe para o resto da matilha.
Eu estava agora tentando persuadir a matilha à beira do lago e seus
aliados a unir forças comigo.
Com o suficiente de nós, poderíamos invadir o território de Zagan e
trazer Ellie de volta. Não apenas Ellie. Dar Samuel a ele também foi um
erro. Eu traria meu sobrinho de volta.
Levantei os olhos da minha mesa quando ouvi uma batida à porta.
— Entre. — eu rosnei, enquanto meu corpo inteiro enrijecia.
Quando a porta se abriu, meu pai entrou.
Ele parecia ter envelhecido nos últimos dois anos. Eu não fui o único
que o culpou por nossa situação atual. Eu sabia que ele se culpava.
Ele se sentou na cadeira, em frente à minha mesa.
— Sua mãe queria saber se você gostaria de vir jantar, — ele hesitou,
— com Aria...
Fechei meus olhos e suspirei.
— Você não pode colocar sua vida inteira em espera. Já se passaram
dois anos. — ele suspirou.
Eu abri meus olhos e olhei para ele.
— Eu nunca vou parar de procurar, não me importa quanto tempo
demore, — eu rosnei.
Ele empurrou uma pasta de papel pela mesa. Eu nem percebi que ele
estava segurando uma.
Eu abri e comecei a ler.
— Você só pode estar brincando, — gritei, — isso é o mesmo que
admitir que ele a tem!
Meu pai suspirou.
— Eu sei, e se o teste de paternidade provar que ele é o pai dela, você
não terá mais justificativa.
— O conselho concordou, desde que o teste seja realizado por uma
das matilhas que não tem nenhuma ligação com a nossa ou com a de
Zagan.
Eu concordei.
— Volte para o pai do conselho, vou concordar com isso com uma
condição.
Meu pai franziu a testa.
— Qual é?
— Se este teste mostrar que ele não é o pai, o conselho deve aprovar
minha petição para fazer uma busca em seu território, incluindo sua casa
da matilha e edifícios adjacentes.
Meu pai acenou com a cabeça.
— Vou cuidar disso imediatamente.
Ele se levantou e saiu do meu escritório. Corri meus dedos pelo meu
cabelo.
Tudo que eu podia fazer agora era rezar para a Deusa da Lua para que
Zagan não fosse seu pai. Se ele fosse, eu estava praticamente entregando-
a ao próprio diabo.
Capítulo 4
Ellie
Eu nunca tive certeza de por que Dante sempre teve que forçar
minhas mãos nas minhas costas enquanto me escoltava até o escritório
de Zagan. Não era como se eu pudesse fugir.
Bem, suponho que poderia ter tentado, mas não teria ido longe.
Quando ele me pegasse, ele teria me espancado pra valer. Realmente
não valia a pena.
Eu sabia que estava prestes a apanhar em pouco tempo, mas isso era
diferente. Isso foi planejado. Eu duvidava que fosse Dante batendo
também. Pelo menos eu esperava que não.
Dante não parava. Dante ficaria feliz em ver meu corpo sem vida
quebrado no chão, disso eu tinha certeza.
As masmorras ficavam embaixo da casa da matilha. Degraus de pedra
grossos conduzem às masmorras. No topo da escada, havia uma grande
porta de metal.
Todas as paredes eram de pedra também, incluindo a sala onde
Sammy e eu estávamos presos. Eu não teria ficado surpresa se alguém
não tivesse escavado as masmorras em pura rocha, pois tudo era tão
sólido.
Nossa pequena janela gradeada era o único acesso ao mundo exterior.
Mesmo assim, era alta demais para ver. Grande o suficiente para ver o
céu e a lua à noite.
Sammy sempre costumava dizer que a Deusa da Lua não se esqueceu
de nós, mesmo que todos os outros tivessem. Eu não acreditava na Deusa
da Lua. Por que eu deveria?
Minha vida dificilmente foi abençoada, muito menos por alguma
divindade antiga.
Quando passamos pela porta de metal, a superfície sob os pés mudou
de pedra fria para madeira quente. Eu podia sentir todas as texturas com
meus pés descalços.
À
Às vezes pensava que talvez, se fechasse os olhos, ainda seria capaz de
dizer onde estava pelas texturas que sentia. Meus sentidos de lobo,
talvez. Um vestígio deixado para trás por Nix, antes de ela desaparecer.
Ou talvez fosse apenas minha imaginação.
Nem Sammy nem eu tínhamos sapatos. As roupas que usávamos
eram pouco mais do que trapos. Tínhamos crescido um pouco em dois
anos, então eles pelo menos nos deram algo para vestir.
Mesmo que eles estivessem desgastados. Eu me perguntei quem
seriam os donos anteriores. Se ao menos soubessem que havia dois
filhotes vivendo abaixo deles. Talvez eles optaram por se esquecer de nós.
O que os olhos não veem, o coração não sente.
Fui puxada bruscamente e parei.
Nem percebi que chegamos à porta de madeira do escritório de
Zagan. Costumo deixar minha mente vagar. Deixo minha imaginação
assumir o controle.
Isso me deu uma trégua no inferno em que eu estava atualmente.
Eu assisti enquanto Dante batia à porta. Então ouviu a voz de Zagan
rosnar.
— Entre.
Dante abriu a porta e me empurrou com força para dentro. Ainda
segurando meus pulsos atrás das costas com uma mão.
Zagan estava sentado em uma grande cadeira giratória de couro. Sua
enorme mesa é a única coisa que nos separa.
Eu olhei para ele, sabendo que isso iria irritar tanto ele quanto Dante.
Sim. Sim.
Dante agarrou meu cabelo e puxou minha cabeça para baixo. Forçou-
me a olhar para o chão.
Em seguida, seu pé fez contato com a parte de trás dos meus joelhos,
forçando-os a dobrar enquanto ele me colocava de joelhos no chão.
— Mostre algum respeito ao seu Alfa, vira-lata. — Dante rosnou.
Sua mão ainda estava enrolada em meus pulsos e ele os puxou para
cima.
Doeu muito, mas me recusei a fazer qualquer som. Recusava-me a
dar-lhes satisfação.
Eu cerrei meus dentes.
— Ele não é meu alfa, — eu soltei.
Dante soltou meu cabelo, então eu senti sua mão me acertar na parte
detrás da minha cabeça, com força.
Fechei meus olhos por um momento.
Quando os abri novamente, Zagan havia contornado a mesa.
Ele olhou para Dante, que ainda segurava minhas mãos no lugar.
Zagan agarrou meu queixo e inclinou minha cabeça para cima, de
modo que eu estava olhando para ele.
— Ainda tentando ser a pequena rebelde, hein? — Zagan sorriu, —
ainda esperando que Gabriel venha e resgate você. Acho que você nunca
vai aprender que ele não se importa com você.
— Ainda mais agora que ele encontrou sua companheira. Espero que
eles estejam fazendo novos filhotes para substituí-la, talvez mesmo
enquanto conversamos. — Eu olhei para ele. Escondia toda e qualquer
emoção. Foi por isso que meu chamado papai me deixou aqui para
apodrecer na masmorra de Zagan.
Observei quando seus olhos escureceram e cerrou seus dentes. Eu o
irritei... bom.
Zagan estreitou os olhos.
— Vou te perguntar mais uma vez... filha. Você está pronta para se
juntar à matilha? — Ele rosnou.
Eu zombei dele.
— Zagan. — eu sibilei, — o inferno vai congelar antes de eu me juntar
à sua matilha patética. Você é covarde demais para bater em seus
próprios prisioneiros, você não merece o título de Alfa.
Engoli em seco enquanto observava seus olhos mudarem de cor, em
vez de sua cor azul normal, eles ficaram dourados, não o preto que eu
estava acostumada a ver nos outros.
— Saia! — Ele gritou com Dante, enquanto ele segurava minha
garganta com a mão.
Dante soltou minhas mãos e fugiu.
É
Éramos apenas eu e ele agora. Por um momento horrível, pensei que
havia calculado mal. Ele ia me matar aqui, em seu escritório.
Ele me ergueu pela garganta e me jogou contra a parede.
Com minhas mãos agora livres, eu agarrei seu pulso.
Era como segurar um pedaço de metal. Então eu senti as costas da
outra mão em contato com meu rosto. Em seguida, o gosto de sangue
escorrendo pela borda da minha boca.
— Sua patética e ingrata mestiça, — ele rosnou, — você vai me
respeitar, e você vai respeitar minha matilha.
Senti sua mão se soltar quando ele me jogou no chão.
Eu caí pesadamente, tentando recuperar o fôlego. Minha visão ficou
turva, mas forcei o ar em meus pulmões. Agora não era hora de desmaiar.
Eu não queria dar a ele essa satisfação.
Ele olhou para mim com os olhos ainda brilhando em uma cor
dourada.
Então a porta se abriu.
Dois guerreiros estavam lá, eu nunca os vi antes. Já havia visto alguns,
quando éramos forçados a treinar. Forçados a lutar. Mas não esses.
— Leve-a para o pátio e traga o outro filhote também, — rosnou
Zagan.
Era isso. Isso era o que eu esperava. Eu só esperava que ele não tivesse
a intenção de machucar Sammy também.
O medo tomou conta de mim enquanto os guerreiros me arrastavam
para fora do escritório de Zagan. Eu poderia dizer pelo sorriso no rosto
de Zagan que ele podia sentir o cheiro.
Ele pensou que eu estava com medo do que ele iria fazer, mas não era
nada disso. Não era disso que eu estava com medo.
Gabriel me enfraqueceu com toda sua bondade. Eu tive que ser
durona antes de cruzar a fronteira e me endureci novamente. Não foi
fácil.
As punições de Zagan e Dante não eram apenas físicas, eram mentais
também.
Eu descobri isso nos primeiros dias. Sammy implorou a Dante para
não me bater. Ele implorou para ele levar minhas surras. Dante apenas
sorriu e me bateu com ainda mais força.
Porque bater em mim machucava Sammy. Não fisicamente, mas
mentalmente. Ambos aprendemos a arte da psicologia reversa. Se eu mal
pudesse aguentar outra surra, imploraria para que ele me batesse e não
Sammy.
Então ele bateria em Sammy, e eu teria um indulto. Outras vezes
Sammy fazia o mesmo. Podíamos sentir os limites um do outro. Não
fazíamos isso com muita frequência. Não queria que Dante percebesse
que conhecíamos seu jogo.
Tínhamos nos aproximado ao longo de dois anos. Éramos mais como
irmão e irmã agora, observando as costas um do outro. Eu senti uma
conexão mais forte com Sammy do que com Jackson. Não é realmente
surpreendente?
Sammy e eu compartilhamos mais. Um vínculo construído a partir da
dor.
Eu poderia ter implorado a Zagan para não machucar Sammy. mas se
eu fizesse isso, eu sabia muito bem que ele faria. Então eu o deixei pensar
que eu estava com medo por mim mesma. Ele gostaria disso. Era o que
ele desejava. Ele se alimentou disso.
Ele era um dos monstros sobre os quais Jackson tinha me avisado.
Quando chegamos ao pátio, toda a matilha estava reunida. Dante
segurou Sammy pela nuca de frente para o centro do pátio.
Ele me lançou um olhar, uma expressão de horror em seu rosto
quando percebeu o que estava para acontecer. Eu fiz uma careta e
balancei minha cabeça, esperando que ele ficasse quieto, deixando tudo
acontecer.
Os guerreiros amarraram meus pulsos ao poste, os braços esticados
acima da minha cabeça. Eu já tinha visto isso antes. Quando minhas
pernas fraquejaram, como eu sabia que aconteceria, eu ainda permanecia
em pé.
Depois que ele terminasse, eu estaria morta ou inconsciente. Então
alguém cortaria as cordas.
Senti alguém agarrar meu cabelo e puxar minha cabeça para trás. Eu
sabia por seu hálito fétido que era Zagan. Eu não precisava que minha
loba reconhecesse o cheiro.
— Eu vou quebrar você, vira-lata, — ele sibilou em meu ouvido.
— Você não pode quebrar o que já está quebrado, — retruquei.
Ele empurrou minha cabeça para frente. Minha testa fez contato com
o poste.
A dor rasgou minha cabeça, mas eu ignorei. Eu não fiz nenhum som.
Eu sabia que o pior estaria por vir e não queria dar a Zagan a
satisfação de saber que ele já havia me machucado.
— Samuel. — Zagan rosnou.
Eu fechei meus olhos. Isso não era bom. Ele nunca nos chamou pelos
nossos nomes. Era vira-lata, filhote ou nanico.
— Você vai dar o castigo, — ele ordenou.
Apenas faça isso, eu o incentivei mentalmente. Se ele recusasse... Eu
nem queria pensar sobre isso.
— Não, — gritou Sammy, — não vou.
Eu ouvi sua voz falhar e meu estômago se revirou.
— Você está desobedecendo ao seu Alfa? — Zagan sorriu
afetadamente.
Houve um silêncio, então ouvi as palavras que temia.
— Sim, estou, — respondeu Sammy.
— Então você pode compartilhar a mesma punição, — Zagan sibilou.
Fiquei apavorada e orgulhosa ao mesmo tempo. Sammy sabia o que
aconteceria se ele desobedecesse a Zagan. Percebi agora que Zagan sabia
que não nos odiamos.
Ele sabia que Sammy nunca poderia fazer o que ele pediu. Agora ele
esperava que Sammy me culpasse por sua punição. Dividir e conquistar.
Ele simplesmente não percebeu o quanto Sammy e eu tínhamos uma
ligação.
Abri os olhos para ver Sammy sendo amarrado ao poste à minha
frente.
Ele parecia assustado. Ele nunca tinha sido chicoteado, eu sabia disso.
Nossas surras geralmente significavam punhos e botas, não chicotes.
Nossos dedos se tocaram quando Dante o amarrou no lugar. Eu olhei
nos olhos de Sammy.
— Sinto muito, — eu sussurrei.
Ele balançou a cabeça.
— Estamos nisso juntos... irmã...
Eu balancei a cabeça.
— Irmão...
Senti a camisa sendo arrancada das minhas costas. Fechei meus olhos
quando as pontas dos nossos dedos se entrelaçaram.
Então ouvi o barulho e senti uma explosão de dor quando o couro
atingiu minhas costas. Ouvi um grito e percebi que viera de mim. Depois
outro de Sammy.
Qualquer pensamento de não dar a Zagan a satisfação de me ouvir
gritar se foi a cada golpe do chicote nas minhas costas.
Capítulo 5
Ellie
Eu não tinha certeza de quanto tempo levei para perder a consciência.
Primeiro, perdi toda a força das pernas e apenas fiquei pendurada ali pela
corda enquanto ele continuava seu ataque.
Claro que não era ele, ele nunca iria sujar as mãos.
Ele não me permitiu ficar desmaiada por muito tempo.
Eu ofeguei quando a água gelada atingiu minhas costas. Eu sabia que
não estava morta, pois estremeci e apertei minha mandíbula quando a
dor voltou. Não por mais chicotadas, mas pelos cortes abertos em
minhas costas destroçadas.
Meu primeiro pensamento não foi sobre mim, mas Sammy.
Alguém deve ter cortado as cordas quando caí no chão. Eu podia
sentir o aroma metálico do sangue quando cai no chão.
Àgua misturada com sangue e sujeira. Eu não tinha certeza se era
meu sangue ou de Sammy.
Eu não me movi, apenas fiquei deitada enquanto ouvia a matilha se
dispersar. Eu não tinha certeza se eles estavam lá porque estavam com
sede de sangue, ou se Zagan os forçou a assistir. Agora eu não me
importava.
Minhas mãos se fecharam em punhos, para tentar bloquear a dor.
— Devo levá-los de volta?
A voz de Dante. Esperançosamente, isso significava que Sammy ainda
estava vivo.
— Não, — Zagan riu melancolicamente. — Deixe-os lá como um
aviso, traga-os ao amanhecer... isso se os abutres não tiverem feito um
banquete com seus restos mortais.
Dei um suspiro de alívio. Ainda era de manhã. Significava que
tínhamos o resto do dia para nos recuperar o máximo que pudéssemos,
então hoje à noite tentaríamos fugir para longe.
Atravessar o território de outra matilha, quebrar os vínculos e
encontrar um lugar para ficar até que nossos lobos retornassem.
Abri os olhos e examinei o quintal.
Sammy estava deitado bem na minha frente. Eu estremeci quando vi
suas costas. Achei que as minhas deviam estar tão ruins quanto as dele.
Felizmente pude ver seu peito subindo e descendo, mas não parecia que
ele estava consciente.
Com sorte, ele seria forte o suficiente para sair daqui antes do
amanhecer. Eu não tinha muita esperança para nós se não
conseguíssemos escapar das garras de Zagan.
Fechei os olhos, precisava descansar.
Meu plano funcionou, mesmo que tenha sido um pouco ruim. Eu só
esperava que Sammy pudesse me perdoar.
Devo ter adormecido em algum momento. Fui despertada por alguém
tocando suavemente minha mão.
— Ellie... Ellie... por favor, fique bem.
Abri meus olhos para ver o rosto preocupado de Sammy.
— Estou bem, — murmurei, — Sinto muito, você não deveria ter se
machucado.
Eu olhei ao redor, o sol estava baixo no céu. Eu estive fora o dia todo.
— O que vamos fazer agora? — Sammy sussurrou.
Eu engoli em seco. O pensamento de realmente sair daqui fez meu
coração bater forte no meu peito.
— Vamos embora, ele disse a Dante para nos deixar aqui até o
amanhecer.
Olhei em volta de novo, ele nem tinha deixado um guarda. Olhei na
direção da casa da matilha, havia luzes nas janelas, eles provavelmente
estavam comendo.
Eu me coloquei de joelhos e assobiei.
Eu vi as camisas descartadas que haviam sido arrancadas de nossas
costas. Eu rastejei e as agarrei.
— O que você está fazendo? — Sammy sussurrou.
Entreguei a Sammy sua camisa rasgada.
— Assim que cruzarmos o território dele, podemos tentar fazer
curativos um no outro.
Sammy acenou com a cabeça.
Olhei em volta, tentando decidir em que direção ir. Precisávamos ir
para o limite mais próximo, mas eu não tinha ideia.
Sammy olhou para mim e apontou para o sol poente.
— O próximo território da matilha está nesta direção, — ele concluiu.
Eu fiz uma careta.
— Como você sabe?
Ele conseguiu se empurrar, usando o poste ao qual estávamos
amarrados como apoio. Ele estendeu a mão.
— Aprendemos sobre matilhas e fronteiras. Eles não nos seguirão se
conseguirmos cruzar a fronteira oeste.
Peguei a mão de Sammy e ele me ajudou a ficar de pé.
— Precisamos chegar ao norte. Essa é a linha limite. Atravessamos o
rio e estaremos seguros... bem, mais ou menos. É cerca de um
quilômetro.
Eu balancei a cabeça e começamos a andar com cautela.
Cada passo foi doloroso para nós dois, mas não tínhamos escolha. Eu
só esperava que ninguém saísse da casa da matilha antes do amanhecer.
Quanto mais adiantados estivermos, melhor.
Fiquei perto de Sammy. Ele já era um membro da matilha, então ele
não seria pego pelas patrulhas. Eu ainda tinha o cheiro de Dante e Zagan
em mim desde a manhã.
Eu esperava que isso fosse o suficiente para esconder meu próprio
cheiro.
Quanto mais alta a patente do lobo, mais forte é o cheiro.
O fato de que nossos lobos não estavam por perto significava que as
patrulhas não pegariam o cheiro do meu lobo Alfa.
Algumas vezes tivemos que parar, quando vimos uma patrulha ao
longe. As que vimos estavam em forma humana, então sua capacidade de
captar nosso cheiro seria ligeiramente diminuída de qualquer maneira.
Nós dois precisávamos descansar, mas sabíamos que tínhamos que
continuar. Estávamos fazendo um progresso lento, mas não podíamos
nos mover mais rápido. Estávamos exaustos e com muita dor.
Comecei a me preocupar se não conseguiríamos. Contudo, me
preocupava mais que Zagan descobrisse que tínhamos partido. O céu
estava começando a clarear. Eu vi a borda do sol, começando a aparecer
acima do horizonte atrás de nós.
Eu estava prestes a dizer a Sammy que achava que não
conseguiríamos, mas ele falou antes de mim, com entusiasmo em sua
voz.
— Eu posso ouvir água.
Ele tropeçou para frente, me puxando.
Eu dei outra olhada atrás de mim.
— Precisamos nos apressar, Sammy, está quase amanhecendo.
Ele assentiu.
Quando passamos pela linha das árvores, eu vi. O rio. Estava muito
perto.
Eu congelei quando ouvi um uivo atrás de nós. Zagan, tinha que ser,
ou Dante.
Sammy olhou para mim com pânico no rosto.
Ele cerrou os dentes.
— Vamos... estamos quase lá. Não podemos parar agora.
Eu balancei a cabeça e cerrei meus próprios dentes.
Nós aumentamos o ritmo, apesar da dor em que ambos estávamos.
Quando chegamos à margem do rio, Sammy olhou para mim e sorriu.
Começamos a entrar.
Então eu ouvi, o som de pés e um rosnado atrás de nós.
Eu olhei para trás.
Eu nunca tinha visto ninguém em forma de lobo. Não quando eu
estava com Gabriel, e não enquanto estava na masmorra.
Eu gritei e corri para frente. Toda a dor em meu corpo foi esquecida
enquanto a adrenalina bombeava pelo meu corpo.
Era enorme. Estava completamente preto da cabeça aos pés, e seus
olhos brilhavam com uma cor âmbar. Rezei silenciosamente a qualquer
deus ou deusa que quisesse ouvir, que tivéssemos cruzado a fronteira.
Ouvindo meu grito. Sammy olhou para trás. Ele não gritou. Ele
apenas correu mais também.
Tínhamos chegado ao meio do rio. Tivemos sorte em mais de um
aspecto.
Em primeiro lugar, havíamos encontrado um ponto de passagem
raso, mais por sorte do que por escolha. Em segundo lugar, o lobo de
Zagan apenas ficou ali na beira do rio. Quase ousando não cruzar.
Ele não teve respeito por fronteiras quando me sequestrou. Acalmou-
me um pouco ele não querer cruzar esta. Rezei para não cairmos numa
situação pior.
Quando chegamos ao outro lado. Sammy soltou minha mão. Ele
olhou através do rio para o lobo de Zagan.
— Eu, Samuel, da matilha Presas de Sangue, rejeito a matilha e aceito
o status de renegado, — ele gritou.
Então ele caiu de joelhos e soluçou.
Coloquei meu braço em volta dele, tomando cuidado para não tocar
em suas feridas, e encarei Zagan.
— Eu, Ellie, da matilha Lua Crescente, rejeito a matilha e aceito o
status de renegada, — gritei.
Assim que as palavras deixaram meus lábios, gemi e caí de joelhos.
Senti um aperto no peito. A mesma tensão que senti quando fui
arrastada para longe de meus pais doentes.
Eu senti tanto pesar, tanto vazio. Lágrimas escorreram pelo meu
rosto.
Era isso o que significava ser um renegado.
— Vocês não vão durar cinco minutos, seus vira-latas inúteis, —
rosnou Zagan.
Eu olhei para cima, ele havia se transformado.
— A morte é preferível a estar em qualquer lugar perto de você. Seu
desgraçado de merda! — Eu gritei.
Agora era Sammy que veio me confortar.
— Vamos, — ele sussurrou, — vamos ver se podemos encontrar
algum abrigo.
Eu me virei e entrei em território desconhecido, deixando Zagan para
trás na margem oposta.
— Onde estamos, de qualquer maneira? — perguntei a Sammy.
Sammy franziu a testa:
— Não tenho certeza. Na escola, nos mapas, esse território foi apenas
marcado como uma matilha desconhecida.
Eu olhei para ele.
— Por que desconhecida?
Sammy respirou fundo.
— Porque... ninguém sabe. Os lobos aqui não se alinharam ao
conselho ou aceitaram suas leis.
Eu fiz uma careta.
— Por quê?
Sammy encolheu os ombros:
— Os professores não diriam.
Olhei para Sammy, ele não parecia incomodado por estarmos em
uma espécie de terra de ninguém. Mas as palavras de Zagan me
assombraram. Por que ele achou que não duraríamos cinco minutos?
Era porque agora éramos renegados ou era algo a ver com o território
em que havíamos entrado. Fosse o que fosse, tive um mau
pressentimento sobre isso.
Capítulo 6
Gabriel
Fiquei do lado de fora da câmara do conselho principal em uma das
antessalas com meu pai e Beta Murdoch. Jason não queria vir. Ele não
conseguia ficar cara a cara com Zagan ou Dante.
O conselho havia solicitado que Zagan e eu comparecêssemos, juntos
com nossos Betas.
Eu sabia que algo estava acontecendo. Não apenas os resultados do
teste de paternidade, mas também o fato de que eu senti o vínculo com
Ellie quebrar. Toda a matilha sentiu.
Isso significava uma de três coisas.
Ou ela fez outra cerimônia para outra matilha, rejeitou nossa matilha
ou havia morrido.
Se aquele desgraçado tivesse tocado em um fio de cabelo de sua
cabeça, eu pessoalmente arrancaria sua garganta. Meu pai pensava que a
probabilidade era que ele a tivesse levado para a matilha Presas de
Sangue.
Não pude acreditar que ele teria a audácia de fazer isso, antes mesmo
de ter o resultado do teste apurado.
Um Ômega veio da câmara principal do conselho.
Ele fez uma reverência, tanto para mim quanto para meu pai.
— O conselho está pronto para te ver, Alfa.
Nós o seguimos enquanto ele nos escoltava para a câmara principal.
Zagan e seu pai já estavam ali.
Zagan olhou para nós e sorriu.
Apesar de seu sorriso, eu vi algo em sua expressão, algo mais. Não era
preocupação. Era mais como se ele estivesse realmente chateado.
Seu pai também parecia chateado. Eu me perguntei se era a ideia de
que seu filho havia gerado uma híbrida. Todos sabiam que o pai de Zagan
era elitista. Ele não concordava com companheiros humanos.
Na verdade, ele odiava humanos. Foi por isso que achei estranho
quando ele repentinamente tomou seu assento no conselho e não nos
deixou entrar no território para procurar Ellie.
Mesmo se Ellie fosse sua neta, ele não ficaria feliz com isso. Ele talvez
ficaria feliz em nos deixar tê-la de volta. Dito isso, Zagan não tinha uma
companheira, nem qualquer outro herdeiro.
Se Ellie fosse dele, isso significaria que sua companheira era humana.
Isso significaria que ele não apenas abandonou Ellie, mas também
abandonou sua companheira.
Eu fui sacudido dos meus pensamentos quando o líder do conselho
bateu um martelo e começou a falar.
— Alfa Zagan solicitou um teste de paternidade na filhote híbrida
desaparecida Ellie.
— Alfa Gabriel, o pai adotivo da filhote concordou, com a condição de
que ele e seus rastreadores tenham permissão para vasculhar o território
de Alfa Zagan. Vocês dois ainda estão de acordo?
Eu olhei para o ancião e assenti. Zagan fez o mesmo.
— Tenho os resultados do teste aqui.
Ele puxou o relatório de um envelope pardo.
O ancião olhou para o papel, depois para Zagan e depois para mim.
Ele se levantou e olhou para Zagan.
— Alfa Zagan, o teste concluiu que você não é o pai biológico da
filhote, — o ancião olhou para mim, — farei arranjos para que você tenha
acesso irrestrito ao território de Alfa Zagan.
Zagan foi até o ancião.
— Deixe-me ver isso! — Ele rosnou.
Ele pegou o relatório do ancião e examinou o documento.
Ele o jogou na mesa.
— Você pode procurar o quanto quiser, mas não vai encontrá-la em
meu território. Eu não a tenho, — ele hesitou, então sorriu para mim, —
mais...
Eu olhei para ele e estava prestes a irromper em sua direção. Eu
queria arrancar sua cabeça de seus ombros.
Senti a mão de meu pai em meu ombro.
"Isso não vai te levar a lugar nenhum se você matá-lo. Gabriel."
Meu pai me ligou mentalmente.
Ele estava certo, é claro. Eu respirei fundo.
— O que você quer dizer? Mais?— eu questionei.
Zagan revirou os olhos.
— Ela escapou, com seu sobrinho. Eles viraram renegados.
Meu pai estreitou os olhos.
— Isso não muda nada, Alfa Zagan.
Ele olhou para o líder do conselho.
— Eu proponho uma investigação completa de Alfa Zagan. Ele acaba
de admitir que levou a filhote. Estou preocupado que o tratamento que
ele dispensou a ela e ao meu neto viole a lei municipal.
O líder do conselho empalideceu. Ele sabia que era esse o caso. Seria
mais do que hipócrita negar.
Ele acenou com a cabeça.
— Faremos uma investigação completa, enquanto isso Alfa Zagan
informará ao conselho em que direção os filhotes se dirigiram e dará
acesso total a uma equipe de resgate caso eles precisem de acesso através
de seu território.
Zagan olhou para o ancião e riu.
— Oh, você pode ter tanto acesso quanto quiser. Eu os observei
cruzar a fronteira na travessia do Rio de Sangue, — ele hesitou, — indo
para o oeste.
Agora foi a minha vez de ficar pálido.
Muito pouco se sabia sobre a matilha Rio de Sangue. Eles haviam se
desalinhado do conselho. Seu território era enorme, a forma como
tratavam os renegados era bem conhecida. Era uma sentença de morte
instantânea.
Minha única esperança era que Samuel e Ellie recebessem
misericórdia, pois ainda eram filhotes. O único consolo real era que seu
Alfa tinha um ódio intenso da matilha Presas de Sangue.
Então a compreensão me atingiu. Ellie estava com Samuel. E quanto
ao lobo de Samuel, ele odiava Ellie.
Engoli em seco e olhei para Zagan.
— Samuel conseguiu controlar seu lobo?
Zagan sorriu para mim.
— Como diabos eu deveria saber, ele teve seu lobo suprimido com
Wolfsbane. Acho que os dois descobrirão em breve.
Houve um suspiro do conselho. Suprimir um lobo com Wolfsbane
tinha que ser autorizado pelo conselho, e só era usado em casos
extremos.
— Você nunca recebeu autorização para fazer isso, Alfa Zagan. O
conselho vai apurar as suas ações e vai tomar medidas punitivas se
necessário, — alertou o dirigente.
Zagan olhou para ele e revirou os olhos.
— Não, você não vai, porque deste ponto em diante a matilha Presas
de Sangue estará saindo do conselho. Qualquer um que colocar os pés
em meu território será morto.
Ele olhou para o pai.
— Pai?
Ambos se viraram e saíram das salas do conselho.
O líder do conselho olhou para mim.
— Sinto muito, Alfa Gabriel. Não há nada que possamos fazer agora.
Sem acesso ao território de Alfa Zagan, você não será capaz de acessar o
território da matilha de Rio de Sangue.
Eu balancei a cabeça e saí da sala do conselho.
Eu deveria ter me sentido feliz. Eu finalmente soube que Zagan não
tinha controle sobre Ellie, mas isso não me ajudou agora.
Não conseguia alcançar o território em que ela estava.
Eu não tinha ideia de como o Alfa daquele território reagiria aos
filhotes renegados, e havia uma grande possibilidade de que o lobo de
Samuel acabasse com ela antes mesmo que eu tivesse a chance de
encontrá-la.
Meu pai pousou a mão no meu ombro.
— Há outra maneira. Gabriel.
Eu olhei para ele e fiz uma careta.
— Que outra maneira?
Ele respirou fundo.
— Podemos acessar o território do lado humano da fronteira.
Fiquei olhando para o mapa em meu escritório.
Meu pai estava certo. O rio que marcava a fronteira entre a matilha
ocidental e a matilha de Zagan fluía para o território humano antes de
entrar no estuário que desaguava em um grande lago.
Eles eram chamados de Lago de Sangue e Rio de Sangue após um
massacre que ocorreu durante a guerra entre os humanos e nossa
espécie. Antes da trégua.
A matilha ocidental deu o nome à sua matilha, uma vez que separava
seu território do resto das matilhas controladas pelo conselho. Matilha
Rio de Sangue.
Eu só esperava que se Ellie e Samuel ainda estivessem vivos, que a
matilha não se parecesse com seu nome. Minha única esperança era o
ódio que eles tinham pela matilha Presas de Sangue, porque eles não
eram nada como eles.
Não seria fácil cruzar a fronteira pelo território humano. Teríamos
que viajar cerca de vinte e cinco quilômetros, sem sermos vistos, antes de
cruzar de volta para o território da matilha Rio de Sangue.
Então podemos ter uma recepção hostil. Isto é, se nós chegássemos
tão longe.
A única outra opção era a guerra contra Zagan. Só para podermos
cruzar, novamente sem garantias de que encontraríamos os filhotes do
outro lado.
Era mais provável que o conselho considerasse favorável uma luta
com a matilha de Zagan do que cruzar a fronteira, encerrando assim a
trégua que tínhamos com os humanos.
A única vantagem de cruzar a fronteira humana era que sabíamos que
eles não estavam usando balas de prata. Também sabíamos que faltavam
alimentos. Todas as informações eram de dois anos atrás.
Não sabíamos se ainda era o caso.
Voltei para minha mesa com um suspiro.
Sentando, abri a gaveta da minha escrivaninha e tirei uma garrafa de
uísque e um copo. Eu me servi de uma medida generosa e bebi de uma
vez.
O que diabos eu faria agora. Eu estive tão perto de encontrá-la,
apenas para vê-la arrancada de mim mais uma vez.
"Alfa Gabriel…"
Eu estava prestes a me servir de outra bebida quando o elo mental me
interrompeu.
O que é?
Eu rosnei de volta.
"Alfa, desculpe, mas encontramos um humano."
Suspirei. A última coisa que eu precisava era de incursões humanas
em meu território.
Mate-o e envie seu corpo de volta como um aviso.
Eu rosnei através da ligação.
Houve silêncio.
Eu me servi de outra bebida.
"Alfa...?"
Eu revirei meus olhos.
"Pelo amor de Deus, o que é agora?"
Eu estava começando a perder minha paciência.
"E só que... este humano diz que está procurando por sua irmã."
Capítulo 7
Ellie
Percebemos assim que cruzamos o rio que Zagan não iria nos seguir.
A última vez que olhei para trás, o vi voltando de onde viemos.
Suspirei pesadamente, parcialmente aliviada, mas parcialmente
ansiosa porque não sabíamos o que nos esperava aqui. Afinal, éramos
renegados.
Ocasionalmente, enquanto éramos forçados a treinar, eu ouvia
murmúrios de outros guardas e guerreiros sobre renegados. Nada de
bom.
Ao deixarmos a margem do rio, entramos em um bosque. Decidimos
manter distância do rio, apenas no caso de Zagan enviar alguém para nos
seguir.
Não era incomum para ele enviar outra pessoa para fazer o trabalho
sujo.
As árvores aqui pareciam ser muito menos densas do que no
território de Zagan, ou mesmo de Gabriel, pelo que pude lembrar ao
cruzar a fronteira do lado humano.
Enquanto caminhávamos por entre as árvores, vi um tronco de árvore
ao lado.
— Vamos descansar um pouco, — sugeri.
Sammy acenou com a cabeça.
Estávamos ambos muito exaustos e com dores. A última comida que
comemos foi anteontem. Geralmente só comíamos uma vez por dia, e
geralmente à noite.
— Deixe-me olhar para suas costas, Sammy. Então você pode olhar
para as minhas.
Sammy se virou para ficar de costas para mim. A maioria dos cortes
ainda estava aberta, então rasguei o resto da camisa e coloquei um
curativo nele. Então me virei e ele fez o mesmo em mim.
Só esperava que a água do rio não estivesse muito suja. A última coisa
de que precisávamos era que as feridas infeccionassem.
Seria minha grande sorte escapar do inferno de Zagan, apenas para
morrer de uma infecção. Ainda bem que agora que não estávamos sendo
medicados com Wolfsbane, nossos lobos voltariam.
Então começaríamos a nos curar.
— Devemos ver se podemos encontrar um pouco de comida e um
lugar para descansar, — comentei, depois de descansar um pouco no
tronco da árvore, — espero que nossos lobos voltem logo, então podemos
nos curar.
Sammy olhou para mim, havia medo em seus olhos.
— Ah... Sobre isso... quando encontrarmos algum abrigo, preciso que
você me amarre.
Eu fiz uma careta.
— Por que eu iria amarrar você Sammy, isso é loucura.
Sammy lambeu os lábios e mordeu o inferior.
— Escute, Ellie... Quando o efeito do Wolfsbane passar, quando meu
lobo voltar... Não sei se posso controlá-lo. Eu não quero que ele te
machuque.
Eu balancei minha cabeça.
— Ele não vai... eu vou te ajudar.
Sammy fechou os olhos, balançou a cabeça e suspirou.
— Você não pode, Ellie, você não será capaz. A única vez que ele
recuou foi quando Zagan deu a ele um comando Alfa, e isso foi só depois
que eu fiz a cerimônia de sangue em sua matilha.
— Nós não temos um matilha, nenhum de nós, não mais. Sem uma
matilha, ele ficará ainda mais fora de controle. O seu lobo também, é por
isso que os renegados são tão loucos.
Eu balancei minha cabeça.
— Nem todos os renegados, Sammy. Caso contrário, eles não seriam
capazes de atacar juntos. Como eles fazem isso, se são loucos? —
Perguntei.
Sammy coçou a cabeça e franziu a testa.
— Havia um garoto na escola, seu pai era um guerreiro na matilha do
tio Gabriel. Ele calculou ter ouvido o pai dizendo que às vezes os
renegados se agrupavam, como em uma matilha de viagem.
— Uma espécie de clã. Eles poderiam conectar-se mentalmente,
talvez pudéssemos tentar isso.
Eu sorri e assenti com a cabeça. Eu olhei para o chão. Procurei por
algo afiado. Então eu avistei uma pedra afiada.
Eu me aproximei e peguei.
— O que você está fazendo? — Sammy perguntou.
Eu a segurei entre o polegar e o indicador.
— Precisamos sangrar um ao outro, fazer um clã... você e eu, irmão e
irmã, — expliquei.
Os olhos de Sammy se arregalaram.
— Você acha que vai funcionar?
Eu dei de ombros.
— Não temos nada a perder, além do que, quando me fizeram sangrar
na matilha do Gabriel, isso acordou minha loba.
Sammy revirou os olhos.
— Sim, mas você não tinha Wolfsbane em você naquela hora.
Eu balancei a cabeça.
— Sim, eu tinha.
Sammy franziu a testa.
— Como...?
Eu balancei minha cabeça.
— Eu vou te contar sobre isso um dia, mas não hoje.
Minha voz falhou ligeiramente.
Eu rapidamente limpei meus olhos, enxugando a lágrima que
ameaçava cair. Agora não era hora para lágrimas. Se eu precisasse chorar,
faria isso mais tarde. Agora eu precisava ser forte.
Precisava ser forte o suficiente para Nix parar o lobo de Sammy. Forte
o suficiente para dar a ele um comando Alfa.
— Estenda sua mão, Sammy, — eu insisti.
Eu segurei seu pulso e cavei a ponta afiada da pedra na palma de sua
mão.
— Ai, — ele reclamou.
Eu revirei meus olhos.
— Você acabou de ser chicoteado e está reclamando de um pequeno
arranhão em sua mão.
Sammy sorriu. Foi a primeira vez que vi um sorriso alcançar seus
olhos desde que fui levada.
Golpeei a pedra em minha própria mão, até ver o sangue borbulhar
no corte.
Eu agarrei a mão de Sammy e segurei de forma que nosso sangue se
misturasse.
Minha testa franziu, achei que devíamos dizer algo.
— Eu dou as boas-vindas a Sammy ao... clã irmão e irmã. Irmão de
sangue... irmã de sangue.
Eu balancei a cabeça para Sammy. Ele sorriu novamente.
— Irmão de sangue... irmã de sangue, — ele repetiu.
Eu olhei para Sammy.
— você sentiu alguma coisa?
Sammy balançou a cabeça.
— Talvez não funcione assim.
Dei de ombros.
— Vamos lá, vamos ver se podemos encontrar algum alimento, bagas,
frutas ou algo assim, então vamos procurar um abrigo.
Puxei Sammy de pé, ainda segurando sua mão na minha.
Provavelmente não era nada, mas ele parecia um irmão para mim
agora. Eu meio que esperava que funcionasse, mas eu também esperava
que Gabriel nos resgatasse, e isso nunca aconteceu.
Continuamos rumo ao oeste. Enquanto ficássemos deste lado do rio,
estaríamos bem.
Assim que deixamos as árvores, nos encontramos em uma vasta
planície. Havia veados e coelhos correndo por aí. Assim que nos viram,
eles fugiram. Ao norte havia uma enorme cordilheira.
Ficava bem longe, mas ainda dava para ver os picos cobertos de neve.
Ao sul, havia uma grande extensão de água.
— Isso tudo é um território? — Eu perguntei a Sammy.
Ele acenou com a cabeça.
— Eu acho que sim. Talvez não seja tão difícil ser renegado aqui,
evitando a matilha.
Eu balancei a cabeça em concordância. Talvez nossa sorte estivesse
finalmente mudando. Tivemos sorte de escapar das garras de Zagan,
talvez com um pouco mais de sorte pudéssemos sobreviver.
Sammy apontou para um aglomerado de arbustos.
— Olha, amoras, — ele anunciou, entusiasmado.
Eu nunca tinha visto amoras. Suspirei, lembrando porque Sammy me
chamou de estúpida pela primeira vez.
Sammy franziu a testa.
— Qual é o problema? Você vai gostar, são muito saborosas.
Dei de ombros.
— Eu simplesmente não sei de nada. Eu nem saberia se elas fossem
venenosas.
Sammy suspirou, era como se soubesse o que eu estava pensando.
— Eu sei que não é sua culpa, — ele hesitou, — todas as vezes que fui
mau, não fui eu... foi Soren.
— Soren é seu lobo? — eu perguntei.
Sammy acenou com a cabeça.
— Eu o odeio, — ele murmurou, lágrimas se acumulando em seus
olhos.
Eu desviei o olhar. Não sabia o que eu poderia dizer. Ele não deveria
odiar seu lobo, era parte dele, mas se não fosse por seu lobo, então
provavelmente não estaríamos aqui.
Eu apertei a mão de Sammy.
— Não o odeie, talvez apenas tente entendê-lo, — sugeri, enquanto
caminhávamos em direção ao arbusto de amoras.
Não havia amoras suficientes no arbusto para nos saciar, mas eu não
ficava satisfeita havia dois anos. Comemos o suficiente para tirar a dor da
fome.
Eu queria comer mais, mas Sammy avisou que muitos podem nos
fazer mal. Decidimos voltar mais tarde, depois de encontrarmos um
abrigo.
Dirigimo-nos a um afloramento rochoso. Sammy pensou que poderia
haver uma caverna ou algo assim. Ao cair da noite esfriava e não
tínhamos camisas.
Vestíamos apenas os shorts que estávamos usando e as tiras de tecido
que usamos para fazer as bandagens.
Também não tínhamos sapatos e, embora eu não tivesse mencionado
isso, meus pés doíam. Correr pela floresta tinha me dado alguns cortes e
arranhões.
Nada comparado com minhas costas, mas mesmo assim, eu queria
descansar. Achei que Sammy queria também.
Enquanto caminhávamos, senti uma pressão estranha na minha
cabeça.
— Espere um segundo, Sammy, — eu implorei.
Sammy parou e eu soltei sua mão.
Fechei meus olhos e me concentrei.
Foi difícil. Minha mente estava meio nublada. Era como se eu
estivesse procurando por algo. Eu podia sentir, sentir, mas não conseguia
ver.
Eu chamei em minha mente.
"Nix... Nix... você está aí?"
Eu tinha certeza de que era ela. Eu esperei, mas não houve resposta.
Eu tive uma sensação real de que ela estava lá.
— Você está bem. Ellie? — Sammy perguntou.
Eu abri meus olhos e balancei a cabeça. Eu estava um pouco
preocupada. Se Nix estava voltando, o Soren voltaria.
— Vamos, Sammy. Vamos ver se podemos encontrar algum abrigo.
Sammy deve ter tido algum tipo de sexto sentido ou talvez Soren
estivesse enviando a ele algumas vibrações. Desnecessário dizer que
encontramos uma caverna.
Não era tão diferente da masmorra de Zagan, o que meio que causou
arrepios na minha espinha. Havia um pequeno fluxo estranho de água
escorrendo pelas costas, que dava em uma piscina rasa.
Eu coloquei minha mão em concha e provei a água. Estava fresca.
Talvez pudéssemos fazer um pequeno acampamento aqui.
— Está tudo bem? — Sammy perguntou.
Eu assenti.
— Provavelmente podemos ficar aqui por alguns dias, não é
realmente diferente da masmorra de Zagan. Costumávamos dormir no
chão antes de ele ceder os colchões.
Sammy sentou-se no chão da caverna e encostou-se na parede. Eu o
observei estremecer, suas costas ainda doloridas. Ele passou os braços em
volta de si mesmo.
— Eu gostaria que tivéssemos algumas roupas ou um cobertor, — ele
gemeu.
Eu não pude deixar de concordar. Estaria frio aqui, especialmente
esta noite.
— Eu gostaria que tivéssemos fogo, — acrescentei.
Sammy olhou para mim e sorriu:
— Eu sei fazer, só precisamos de um pouco de madeira.
Eu sorri de volta.
— Vamos descansar um pouco primeiro. Ainda é cedo, temos muito
tempo.
Sammy acenou com a cabeça e fechou os olhos.
Deitei no chão frio. Já fazia um tempo que não dormia no chão de
pedra da masmorra, mas sobreviveria. Usei meu braço como travesseiro e
me enrolei como uma bola.
Eu deitei de lado para não tocar as feridas nas minhas costas. Não
demorou muito até eu adormecer.
"Ellie... Ellie você precisa acordar."
A voz na minha cabeça era insistente, era apenas um sonho. Eu queria
dormir. Espere... Desde quando os sonhos te acordam, e eu conhecia
aquela voz. Nix.
"Nix... você está aí?"
Eu me forcei a acordar.
"Depressa, Ellie, é Samuel, você está em perigo."
Sentei-me esfregando os olhos, e percebi. Nix não tinha visto Sammy
desde que ele tentou nos envenenar.
"Está tudo bem. Nix, era seu lobo, não Sammy. Ele não me
machucaria."
Abri meus olhos e olhei para onde Sammy estava dormindo.
Ele não estava dormindo agora, ele estava de pé, com os braços
cruzados, e me encarando.
Este não era o Sammy que eu conhecia, o Sammy com quem passei os
últimos dois anos. Este era o seu lobo. Este era Soren.
— Devolva o controle a Sammy, Soren. — rosnei.
Ele estreitou os olhos.
— Ora, eu gosto de estar no controle.
Eu estreitei meus olhos.
— Devolva o controle a ele ou eu te forçarei.
Ele revirou os olhos.
— Você não vai me obrigar a fazer nada, especialmente se você estiver
morta.
Sammy, ou melhor, Soren deu um passo em minha direção.
"Nix... eu preciso que você dê a Soren um comando Alfa. Eu preciso
que você ordene que ele devolva o controle a Sammy... quero dizer,
Samuel, e nunca o tome a menos que Samuel permita."
Eu dei o controle para Nix. Eu podia confiar nela, éramos uma equipe.
Eu só queria que Sammy tivesse o mesmo relacionamento com seu lobo.
A voz que veio de mim parecia diferente. Eu nunca ouvi Nix falar
através de mim antes.
— Soren, — ela rosnou, — Você vai devolver o controle a Samuel
agora, e você nunca vai tomá-lo de volta, a menos que ele permita.
Sua voz, minha voz reverberou nas paredes da caverna. Sammy parou
no meio do caminho. Seus olhos mudaram de cor. Eu não tinha
percebido isso antes.
Os olhos de Soren não eram pretos, mas de um marrom muito
escuro, enquanto os de Sammy eram de um marrom mais claro.
Sammy ficou ofegante.
— V.. você conseguiu, — ele hesitou, ao perceber que Nix estava no
controle.
— V... você vai devolver o controle a Ellie? — Ele gaguejou.
Senti minha cabeça balançando, embora não tivesse controle disso.
Então, de repente, eu comecei a retornar, enquanto Nix me devolvia o
controle. Nunca duvidei que ela faria.
Corri para Sammy.
— Você está bem?
Ele acenou com a cabeça e engoliu em seco.
— Estou agora, posso senti-lo, mas ele não está tentando me
controlar. Ele só não está muito feliz.
Eu dei de ombros,
— Tenho certeza que ele vai superar isso.
Olhei para fora da caverna, o sol estava começando a se pôr.
— Se vamos acender uma fogueira, é melhor pegarmos um pouco de
lenha, — sugeri.
Sammy acenou com a cabeça. Ele me deu uma olhada de lado, mas
não disse muito.
— Eu ainda sou eu, Sammy. É só que tenho uma loba Alfa.
Sammy sorriu.
— Sim, eu sei, é que ela é muito assustadora, — ele riu.
Eu sorri de volta, ela não era assustadora para mim, ela era como
minha melhor amiga e eu estava aliviada por tê-la de volta.
***

Ellie
Eu ajudei Sammy a reunir todos os suprimentos de que ele precisaria
para uma fogueira. Pareceu ser muito esforço para tanto, já que não
parecia tão frio, o que me surpreendeu um pouco.
Talvez fosse mais quente aqui do que em outros lugares. Teria que ser,
considerando que mal estávamos usando roupas.
Entretanto, eu estava meio feliz. Minhas costas doíam ainda mais
agora, e imaginei que as de Sammy estavam iguais, do jeito que ele ficava
tremendo quando se abaixava para pegar lenha e gravetos.
Achei que começaria a melhorar agora que tínhamos nossos lobos.
Nix estava quieta desde que deu a Soren o comando Alfa, eu pensei
que talvez isso a tivesse cansado, ou talvez ela estivesse usando toda a sua
força para tentar me curar. Achei que demoraria alguns dias.
Depois de reunir o que precisávamos, voltamos para a caverna.
Sammy sentou-se no chão e pegou um pedaço de madeira,
pressionou em cima do outro e rolou com as mãos, meio que furando
uma peça na outra. No início, nada aconteceu.
— Tem certeza de que está fazendo certo? — Eu perguntei.
Ele revirou os olhos e continuou, ignorando meus comentários
desnecessários.
Depois de alguns minutos, vi alguns fios de fumaça e uma pequena
brasa brilhante. Sammy levou-o até o graveto e soprou suavemente até
que uma chama apropriada apareceu.
Ele sorriu para mim, como se dissesse que eu disse a você. Eu apenas
sorri de volta.
Eu não tinha certeza se era muito útil nessa parceria, afinal, Sammy
era o mais prático. Suponho que fui eu quem nos encorajou e planejou as
coisas. Eu também ajudei Sammy com seu lobo.
De repente, percebi que era improvável que qualquer um de nós
tivesse sobrevivido sem o outro.
Depois que o fogo estava aceso corretamente e colocamos alguns
galhos maiores nele, nós dois decidimos que deveríamos tentar dormir
um pouco.
Eu deitei de lado, mantendo o fogo longe das minhas costas.
Apesar de não ter praticamente nenhuma roupa, era o mais caloroso
que havia sentido em muito tempo. Nunca tivemos nenhuma fonte de
calor na masmorra. Apenas o colchão e um cobertor frágil. Isso era muito
mais favorável.
Estávamos quentes e também tínhamos nossa liberdade; na verdade,
me senti livre pela primeira vez em toda a minha vida.
Zagan olhou para mim.
— Sua híbrida inútil.
O suor escorria de mim enquanto ele caminhava em minha direção.
— Talvez eu devesse deixar você queimar.
Senti uma mão na minha cabeça.
Meus olhos abriram e gritei.
Então entendi, nós escapamos. Não havia mais Zagan. Chega de
Dante. Então quem diabos era esse.
Tentei me afastar dele. Ele era enorme, nunca tinha visto ninguém
tão grande, nem mesmo Zagan ou Dante. Nem mesmo Gabriel.
Sua pele era escura, sua cabeça raspada e um bigode que descia pelo
lado do rosto em forma de ferradura.
Enquanto me movia, esqueci completamente das feridas nas minhas
costas, quando elas atingiram o chão de pedra da caverna.
Soltei um soluço, enquanto a dor parecia disparar por todo o meu
corpo.
— Sshh, lobinho, ninguém vai te machucar, — o homem sussurrou,
sua voz era baixa, e quase tinha uma qualidade musical.
Ele pousou a mão na minha cabeça novamente, não havia nada que
eu pudesse fazer sobre isso, nenhum lugar para ir.
Ele olhou para longe de mim e para onde Sammy estava deitado.
— Este aqui está com febre, e aquele? — Ele perguntou.
Eu engasguei quando outro homem se agachou ao lado de Sammy.
— O mesmo, ele está muito ruim, — o outro homem rugiu.
— P... Por favor, não... — comecei, depois parei.
Se eu implorasse a eles para não machucarem Sammy, isso seria
exatamente o que eles fariam.
Um soluço escapou dos meus lábios.
— Shh, pequenina, vai ficar tudo bem, eu prometo.
Eu gritei quando ele me pegou, sem esforço.
— Sammy. — eu murmurei.
— Não se preocupe, nós o pegamos também. Ele é seu irmão?
Fechei meus olhos sem responder. Eu não confiava nele, e as pessoas
sempre quebram suas promessas.
— Faça com que Bartholomew pegue alguns guerreiros e verifique a
fronteira. Isso parece ser obra daquele desgraçado.
— Se eles virem alguém, mate, — ele rosnou, — e diga ao Alfa que os
renegados que encontramos são alguns filhotes, vamos entrar com eles
agora.
Não ouso abrir os olhos. Me perguntei quem eram essas pessoas,
quantas delas estavam lá. Não tínhamos visto ninguém antes, apenas
veados e coelhos. Agora seríamos entregues a outro Alfa.
Eu duvidava que duraríamos muito.
Afinal, éramos renegados. Talvez Zagan estivesse certo, não
duraríamos nem um dia.
Eu me senti adormecendo. Não tinha energia para lutar, além disso,
mesmo que pudesse, não teria chance contra esses gigantes.
Eu senti algo macio embaixo de mim e embaixo da minha cabeça. A
dor das feridas nas minhas costas havia sumido. Eu estava com uma
camisa também, era muito suave contra a minha pele.
Quando abri meus olhos, estava em uma sala. Não era uma masmorra
ou uma caverna, e sim uma sala apropriada, mas não havia sinal de
Sammy.
— Sammy, — minha voz resmungou.
Senti a cama afundar e uma mão pousou na minha cabeça. Era tão
grande que quase cobria meu crânio inteiro. Eu vacilei, pronta para sentir
um tapa como sempre fizera antes.
— Está tudo bem. pequena, você está bem segura, — ele acalmou,
enquanto a ponta do seu polegar roçava minha testa Eu olhei para ver
um homem ruivo com uma barba bem aparada. Ele era mais velho que
Zagan e Gabriel, mas não tão velho quanto... Eu não queria chamá-lo de
vovô, não mais.
No entanto, eu não sabia qual era o nome dele.
Ele franziu a testa.
— Esse é o nome do menino que estava com você?
Eu dei um meio aceno de cabeça.
— Eu preciso estar com ele, — eu disse asperamente.
Tentei sentar, mas ele aplicou pressão suficiente na minha cabeça
para me impedir, sem machucar.
— Não. Pequena, você deve descansar.
Ele embalou a parte detrás da minha cabeça e inclinou-a ligeiramente
para cima, pressionando uma xícara nos meus lábios.
Tomei um gole, agradecida por ser apenas água, embora agora eu
beberia qualquer coisa para tirar a secura da minha boca.
Eu tossi um pouco.
— Quem é você? — Resmunguei, — preciso do meu irmão.
Uma lágrima escorreu pela minha bochecha. Eu não poderia fazer
isso sozinha. Estávamos juntos há dois anos. Precisávamos um do outro.
Senti a ponta de seu polegar enxugar a lágrima.
— Eu sou o Alfa da Matilha Rio de Sangue, meu nome é Alfa Clayton.
Você precisa descansar e se curar... Sabemos que ele não é seu irmão, mas
estamos fazendo o que podemos por ele, ele não é tão forte quanto você.
— Ele é meu irmão. — eu solucei.
Eu estendi minha mão para mostrar a ele a marca, mas ela havia
sumido, já estava curada, nem mesmo uma cicatriz.
Eu encarei minha mão, depois o homem na minha frente. O medo
tomou conta do meu coração. Sammy estava bem, ele acendeu uma
fogueira, nós domesticamos seu lobo. Ele tinha que estar mentindo, ou
eles fizeram algo com ele.
— O... onde ele está, — eu gritei, com lágrimas escorrendo pelo meu
rosto.
— O que você fez com ele?
Os olhos de Alfa Clayton brilharam negros, então ele suspirou.
Ele segurou meu rosto com suas mãos grandes.
— Ouça-me, pequena, o menino, Sammy. Ele não era tão forte
quanto você.
O que ele quis dizer com não era. Era o que as pessoas diziam quando
você não estava mais por perto, quando morriam, como minha mãe e
meu pai.
— Fizemos o que podíamos, — continuou Alfa Clayton, — mas não
foi o suficiente, sinto muito.
Lágrimas continuaram a derramar dos meus olhos. Eu queria
balançar a cabeça, mas ele segurou com força.
— Não... Não... ele estava bem... ele estava apenas dormindo... ele me
salvou, — eu solucei.
Então eu cerrei meus punhos e comecei a bater nele. Eu queria que
ele me batesse de volta, eu queria que ele me machucasse. Era minha
culpa que Sammy estava morto. Meu plano estúpido.
Sammy não deveria ser chicoteado, só eu.
Em vez disso. Alfa Clayton apenas passou os braços em volta de mim
e me puxou para seu peito, minhas lágrimas manchando sua camisa
enquanto ele me abraçava e me silenciava.
Todas as coisas que aconteceram comigo. Perder meus pais, o bloco
de punição, ser amatilhanado por Jackson, Gabriel e seu matilha. Os anos
que passei na masmorra de Zagan, até as chicotadas.
Eles empalideceram na insignificância em comparação com a perda
de Sammy. Ele tinha sido minha âncora, meu irmão, e agora ele se foi.
Talvez eu estivesse destinada a ficar sozinha.
Capítulo 9
Gabriel
Desci para as celas. O protocolo era que, se um humano ultrapassasse
a fronteira, ele normalmente seria morto ou jogado nas celas se fossem
considerados úteis.
Não tinha sido o mesmo para Ellie, já que ela era apenas uma filhote.
Mas este era um adulto. O guerreiro que o apreendeu estimou que tinha
cerca de vinte anos.
O fato de que ele estava procurando por sua irmã, significava apenas
uma coisa. Este tinha que ser Jackson, e ele tinha que estar procurando
por Ellie. Mas por que agora? Por que não há dois anos?
Eu também estava curioso. Ele sabia que ela era parte lobisomem? Ele
era parte lobisomem? Eu estava prestes a obter respostas às minhas
perguntas sobre quem era o pai de Ellie. Pelo menos agora eu sabia que
não era Zagan.
Eu posso usar Jackson para cruzar a fronteira sem ser visto até o
território da matilha Rio de Sangue.
O guarda fez uma reverência enquanto eu passava por onde Jackson
estava sendo mantido. Ele se sentou no chão, a cabeça enterrada nas
mãos. Quando ele ouviu minha abordagem, ele ergueu os olhos.
Enquanto eu olhava para ele, pude ver a semelhança. O cabelo escuro,
os olhos azuis. Quando olhei para ele, duvidei que ele tivesse algum
sangue de lobisomem. Ele era de tamanho normal para um humano.
Mais ou menos do tamanho que Elijah tinha agora, talvez um pouco
mais alto. Mas Elijah tinha apenas quatorze anos. Ele ainda tinha que
crescer. Esta pessoa era um homem humano.
Ele tinha cerca de dois dias de crescimento de barba, estava
bagunçado. Seu cabelo era comprido e ligeiramente despenteado. A coisa
mais inteligente sobre ele era o uniforme que vestia. Parecia que ele
estava em algum ramo do exército.
Talvez um guarda.
Meus próprios guardas me disseram que, quando o revistaram, ele
não estava armado, então não tinha vindo aqui para lutar. Pelo menos
não fisicamente.
Ele se levantou e foi até as grades de sua cela. Seus dedos envolveram
as barras.
— O que você fez com a minha irmã? — Ele questionou.
Eu cruzei meus braços e zombei.
— Você não está em posição de fazer perguntas, além de estar um
pouco atrasado para procurá-la, não é?
Ele olhou para mim e balançou a cabeça.
— Você não tem ideia de quantos problemas ela causou por vir aqui.
Eu só preciso saber o que aconteceu com ela. Você a matou? Jogou em
uma cela como eu?
Revirei os olhos.
— Problemas... é só com isso que você se preocupa, quantos
problemas ela pode ter causado.
Eu balancei minha cabeça.
— Você não se incomodou, não antes, não agora... não quando eles
bateram nela e a estupraram. Que tipo de irmão você é?
Jackson largou as barras e se virou. Ele andou pela cela passando os
dedos pelos cabelos, nervoso. Então ele se virou e olhou para mim.
— Ela nunca me disse, — ele balançou a cabeça, — ela disse a você... a
porra de um monstro, mas não para seu próprio irmão.
Eu suspirei.
— Ela estava com medo, muito envergonhada... você sabia? O que ela
era... o que ela é? — Eu questionei.
Ele acenou com a cabeça.
— Nós tentamos protegê-la, nossos pais... depois eu. Ficava mais
difícil conforme ela ficava mais velha, especialmente depois que meus
pais ficaram doentes.
Eu fiz uma careta.
— Ambos sabiam?
Jackson revirou os olhos e riu.
— Nós temos os mesmos pais, Ellie e eu. Um de nós teve sorte, mas
agora não tenho certeza de qual.
Eu estreitei meus olhos. Não parecia que ele estava mentindo.
— Explique-se, — eu exigi.
Jackson cruzou os braços.
— Você me conta o que aconteceu com minha irmã, e então eu
contarei.
Eu rosnei. Eu não gostava de ser responsabilizado por um resgate
assim. Não pelo inimigo. Mas eu me perguntei se ele era realmente o
inimigo. Zagan era mais inimigo do que ele e sua espécie.
— Nós demos à sua irmã... Ellie um lar. Ela era amada, — eu comecei,
— mas então ela foi sequestrada por outro Alfa. Eu... Nós... tentamos de
tudo para trazê-la de volta, mas falhamos.
— Ela conseguiu escapar, porém, com meu sobrinho.
Jackson franziu a testa.
— Por que ele a sequestrou? E por que seu sobrinho está com ela?
Eu fiz uma careta,
— Eu já disse o suficiente, agora me conte sobre seus pais, os pais de
Ellie.
Jackson suspirou.
— Meus pais eram ambos híbridos. Companheiros. Mas eles nunca se
transformaram, nunca tiveram um lobo. Quando eu nasci e nenhum
lobo apareceu também, eles pensaram que estariam seguros para ter
outro filho.
— Quando minha mãe entrou em trabalho de parto, ela pensou que
estava perdendo o filho. Era muito cedo. Ela pensou que era algum tipo
de punição divina pelo que ela permitiu que acontecesse.
Eu levantei minha mão, interrompendo a história de Jackson.
— O que você quer dizer com o que aconteceu.
Jackson suspirou.
— Minha mãe foi estuprada por um lobisomem, ela ficou grávida.
Meu pai estava com muita raiva. Não com minha mãe, mas com o lobo.
Contudo, ela abortou após cerca de um mês. Ela ficou aliviada. Mas
também se sentiu culpada.
— Nenhum dos meus pais tinha lobos, mas eles ainda tinham o
instinto de procriação. Ela ficou muito feliz quando ficou grávida
novamente.
Jackson sorriu.
— Quando Ellie nasceu, ela tinha o mesmo tamanho de um bebê
normal. Meus pais ficaram muito felizes e preocupados ao mesmo
tempo. Eles sabiam que ela era mais lobo do que humana.
— Isso foi confirmado no ritmo que ela cresceu. Felizmente, como
meu pai era o comandante do campo de trabalho humano, ele poderia
facilmente alterar os registros. Isso aconteceu até ele ficar doente.
Eu entendi agora. Sem lobo para curá-los, os pais de Ellie
sucumbiriam a qualquer doença que tivessem. Jackson também teria
sucumbido, mas Ellie não.
Mesmo como uma filhote, sua loba seria capaz de curá-la até certo
ponto. Não tão completamente como quando seu lobo emergiu, mas o
suficiente para mantê-la viva.
Jackson suspirou.
— Meus pais não tiveram escolha, — Ellie tinha três anos na época,
mas parecia muito mais velha. Ela era mais alta. Ela parecia uma criança
de cinco anos. Isso é o que meu pai disse às autoridades.
— Antes de sermos levados embora. Eu deveria poder vê-la, foi o que
meu pai concordou, mas o novo comandante pensava o contrário.
— Ela foi levada para um orfanato, para ser criada até ter idade
suficiente para trabalhar. Ela deve ter continuado a crescer em um ritmo
cada vez maior.
— Eles pensaram que seus registros de nascimento estavam errados,
então eles a mandaram para o campo depois de um ano. Ela tinha apenas
quatro anos, mas parecia uma criança de oito. Depois disso, sua taxa de
crescimento diminuiu um pouco.
— Ela sempre foi curiosa, e isso a levou para o bloco de punição. Ela
tinha sete anos, mas parecia ter doze.
Eu balancei minha cabeça. Eu tive que concordar com Jackson. Não
consegui decidir se ela teve sorte ou azar. Seus pais carregavam os genes
de lobisomem, mas por algum motivo eles estavam adormecidos.
Se Ellie não tivesse nascido parte lobisomem, provavelmente ela teria
vivido uma vida humana normal. Embora não houvesse nada normal na
maneira como os humanos dirigiam sua sociedade.
Erik estava certo. Quando ela chegou, ele disse que achava que ela
tinha entre seis e oito anos. Havíamos pensado na extremidade inferior,
mas estava errado. Ela teria oito anos. Oito em anos de crescimento.
Eu podia ver o quão confusa e quebrada ela estava agora. Quando ela
estava do lado humano da fronteira, ela teria que agir como mais velha.
Uma vez que ela viesse aqui, poderíamos deixá-la ter a infância que ela
nunca teve.
Eu não pude deixar de me perguntar como ela era agora. Ela teria
crescido muito em estatura. Sabendo como Zagan era, ela provavelmente
teria voltado a ser como era antes de vir para mim.
Ela teria que crescer rápido.
Agora eu percebi porque Zagan pensava que ela era sua filha. Que
idiota. Ele deveria ter percebido que apenas sua companheira poderia lhe
dar um filho, a menos que ele pensasse que a mãe de Ellie era sua
companheira.
Seu pai nunca teria permitido que Zagan tivesse uma companheira
humana, muito menos uma criança humana ou híbrida. Mas Zagan
poderia fazer o que quisesse agora. Agora que ele era Alfa.
Eu encarei Jackson. Ele estava desesperado. Quase tão desesperado
quanto eu.
— O lobo que estuprou sua mãe... o nome dele é Alfa Zagan. Ele levou
Ellie há dois anos. Ele pensava que ela era sua filhote, — concluí.
Jackson olhou para mim.
— Você não pensou em tentar trazê-la de volta?
— Você não pensou em tentar encontrá-la quando ela cruzou a
fronteira? — retruquei.
Jackson balançou a cabeça.
— Fui imediatamente enviado para o treinamento de guarda. Se ela
voltasse, seria condenada à morte. Eles disseram que estavam me
fazendo um favor. Em seguida, eles me colocaram em outro setor.
— Só descobri recentemente que ela nunca mais voltou. Eu estava
meio grato e meio preocupado, — Jackson hesitou, — Então, qual é a sua
desculpa para deixar minha irmã nas mãos de um estuprador?
Eu queria arrancar sua cabeça por mostrar o que eu já sabia. Não que
não tivéssemos tentado, mas demorou muito.
Acho que entendi um pouco agora porque a matilha do oeste, a
matilha Rio de Sangue se separou do conselho.
Para fazer a menor coisa, eles tinham que realizar reuniões,
subcomitês e investigações. Mas se eu tivesse simplesmente ido para o
território de Zagan, teria sido uma guerra.
— É um pouco mais complicado do que isso, — eu rosnei.
Jackson revirou os olhos
— Não é sempre? Então o que você vai fazer agora? Agora que ela
escapou dele?
Suspirei.
— Isso é ainda mais complicado. O território em que ela entrou é
bastante desconhecido. O Alfa que o controla é desconhecido.
— A única maneira de chegar ao território ocidental é através do
território de Alfa Zagan, ou do lado humano da fronteira ou pelas
montanhas.
— A primeira opção está fora de questão, a terceira opção demoraria
muito. Nossa única opção é pela fronteira humana.
Jackson franziu a testa.
— Eu quero encontrar minha irmã. Eu sei que ela não vai querer
voltar comigo, mas eu só quero vê-la. Deixe-me ajudá-lo, deixe-me levá-
lo para o outro lado da fronteira.
Eu encarei Jackson. Eu não tinha certeza se podia confiar nele. Talvez
ele fosse uma isca dos humanos. Uma isca para nos fazer cruzar a
fronteira para que eles tivessem uma desculpa para reiniciar as
hostilidades.
Se as hostilidades recomeçassem, eu sabia que Zagan aproveitaria a
oportunidade para tentar conquistar os territórios dos lobisomens.
Não poderíamos travar uma guerra em duas frentes, especialmente se
uma delas fosse Zagan e seus guerreiros de elite.
— Como eu sei que você não é um espião humano, tentando retomar
as hostilidades com os humanos? — Eu questionei.
Jackson caminhou em direção às barras, agarrando-as novamente.
— Eu posso te prometer que isso não vai acontecer. Não estamos em
posição de começar a travar uma guerra.
Eu estreitei meus olhos.
— O que você quer dizer?
Jackson suspirou,
— Prometa que me deixará ficar até que possamos encontrar minha
irmã?
Eu concordei. Minha intenção era encontrar Ellie. Era um risco
confiar em seu irmão, mas agora eu poderia usar toda a ajuda que
pudesse conseguir.
— Você sabe sobre a parede? — Jackson perguntou.
Eu balancei a cabeça e esperei que ele continuasse.
— Eles pensaram que estavam seguros, mais seguros do que todos os
outros nos campos de trabalho fronteiriços. Mas eles não estavam. Era
uma doença incurável. Não sobrou ninguém lá dentro, pelo menos se
ainda houver, não haverá logo.
— A maioria deles está morto ou morrendo. Isso é o que eles nos
disseram. É por isso que eles têm treinamento de guarda e campos de
procriação. Eles estão tentando reconstruir a população.
Afastei-me da cela e comecei a me afastar.
— Ei! — Ele gritou, — você simplesmente vai me deixar aqui, e a
minha irmã?
Eu o ignorei e caminhei em direção ao guarda estacionado na entrada
das celas.
— Alimente-o e certifique-se de que seja bem cuidado, — eu rosnei.
O guarda acenou com a cabeça e fez uma reverência.
Eu tinha que pensar. Se isso fosse verdade, o conselho precisava ser
informado, mas minha principal prioridade era Ellie.
Eu não queria que nenhum plano do conselho para a reunificação me
impedisse de encontrar minha filhote.
Capítulo 10
Beta Seth
Eu levantei o lençol e dei uma última olhada no filhote. Parecia que
ele estava dormindo. Seu rosto era tão inocente. Eu balancei minha
cabeça.
— Aquele desgraçado não deveria ter permissão para se safar com
isso, — eu rosnei.
O médico olhou para mim e acenou com a cabeça, depois voltou a
olhar para a prancheta que segurava nas mãos.
— Ambos tinham feridas graves que infeccionaram gravemente.
Provavelmente de quando eles cruzaram o rio, ou talvez das bandagens
improvisadas que usaram.
Ele suspirou e olhou para mim.
— Ainda havia leves traços de Wolfsbane no sangue dos dois. Isso
teria retardado a cura.
— No caso dele, — ele gesticulou para a cama onde o filhote ainda
estava deitado, — seu lobo estava muito fraco, não o curou de jeito
nenhum.
Eu fiz uma careta.
— Você tem certeza que ele não é um híbrido? Isso explicaria o lobo
fraco.
O médico encolheu os ombros:
— Duvido. Ambos parecem ter cerca de dez ou onze anos. Isso
significaria que um dos pais era um lobisomem. O que significaria que o
outro era humano. Eles teriam que ser companheiros.
— Nenhum homem deixaria sua companheira para trás.
Eu balancei a cabeça em concordância. Isso era verdade, mas ainda
não explicava por que seu lobo não ajudou no processo de cura.
— Faça uma verificação de qualquer maneira, você sabe como o Alfa
gosta de ser meticuloso, — concluí.
Saí do hospital. Precisávamos providenciar um enterro adequado para
o filhote. Ainda que esta não seja sua casa, poderíamos dar alguma
despedida para o pequena filhote.
O que quer que eles tenham passado, parecia que eles haviam passado
juntos.
Eu fui para o escritório do Alfa Clayton. Ele gostaria de ser informado
de todos os detalhes.
Bati duas vezes e esperei.
— Venha, — ouvi sua voz responder.
Quando entrei em seu escritório, olhei para sua mesa. Uma grande
garrafa de uísque estava em cima dela, e ele segurava um copo meio vazio
na mão.
Clayton enfiou a mão embaixo da mesa e tirou outro copo. Ele
rapidamente o encheu até a metade e o deslizou pela mesa.
Eu balancei a cabeça e o peguei dando um grande gole.
Clayton só bebia durante o dia em momentos de festa ou estresse.
Infelizmente, hoje era a última ocasião.
Sentei-me na cadeira em frente à sua mesa.
— Como ela reagiu? — Perguntei.
Ele balançou a cabeça e tomou outro gole.
— Ela ficou arrasada. Ela soluçou por uma boa hora. Eu apenas a
abracei, tentei confortá-la até que ela adormecesse.
Eu estreitei meus olhos.
— Precisamos derrubar aquele desgraçado, Clayton. O médico diz
que pegaram a infecção do rio ou das bandagens improvisadas.
— Em todo caso, sabemos que eles cruzaram o rio, o que significa que
vieram de seu território.
Clayton acenou com a cabeça.
— Nós vamos, mas precisamos de evidências concretas. Não estou
prestes a invadir seu território e ter o resto das matilhas sob o conselho
retaliando. A guerra é a última coisa que qualquer um de nós precisa
agora.
Fechei meus olhos e balancei minha cabeça.
— Um filhote morto e outro gravemente ferido não são evidências
suficientes?
Eu o desafiei.
Clayton se levantou e deu a volta na mesa. Sua mão pousou no meu
ombro.
— Seu pai ficaria orgulhoso de você, Seth, você se tornou um Beta
muito bom. Só um pouco mais de paciência e teremos nossa vingança, eu
prometo.
Suspirei e balancei a cabeça.
Em circunstâncias normais, o filho do Alfa e do Beta assumiriam os
papéis juntos, mas Clayton nunca encontrou sua companheira e meu pai
foi morto por aquele desgraçado do outro lado do rio.
Minha mãe morreu pouco depois, incapaz de viver sem seu
companheiro. Eu tive que assumir o papel de Beta aos dezesseis anos.
Clayton foi como um pai para mim e também me orientou no papel
de Beta. Agora, aos dezoito anos, eu era um Beta muito bom.
— Eu não teria conseguido sem a sua ajuda e orientação, Alfa.
Clayton sorriu.
— Você deveria ter sido Beta para um homem muito mais jovem do
que eu, mas temos que viver com as cartas que recebemos. Agora tenho
um pequeno trabalho para você.
Eu franzi minha sobrancelha, curioso.
— Eu quero que você cuide da filhote, faça amizade com ela, conheça
sua história. Espero que ela se abra, conte-nos tudo o que aconteceu.
Eu balancei minha cabeça.
— Isso é loucura. Por que você não pede a uma das lobas para fazer
isso? Ela provavelmente acabou de ser brutalizada pelo Beta de Zagan.
Ela vai ficar aterrorizada.
Clayton balançou a cabeça.
— Você é o primeiro rosto amigável que ela viu depois de escapar de
suas garras. Você foi gentil.
— Além de ser uma coisinha impetuosa, a primeira coisa que ela fez
quando dei a notícia foi me socar.
Eu sorri, o pensamento de um cachorrinho tentando espancar Alfa
Clayton deu um leve alívio a um dia triste. Mesmo que não
conhecêssemos o filhote, nunca era bom perder um.
Especialmente não tão jovem assim.
Engoli o resto do uísque e coloquei o copo vazio na mesa.
— Muito bem, — concluí, ao me levantar, — vou ver o que posso
fazer.
Eu me dirigi para a porta.
— Lembre-se, Seth, suave e gentil, ela passou por muita... muita coisa
para uma filhote tão jovem, — Clayton avisou.
Eu balancei a cabeça e me dirigi para o quarto de hóspedes onde a
filhote havia sido colocada.
Quando entrei pela porta, liberei o guerreiro que havia sido
designado para protegê-la.
Não que eu achasse que ela era perigosa de qualquer forma, mas era o
protocolo com renegados, especialmente se eles não estivessem
protegidos nas celas.
Mesmo sendo uma filhote, ela ainda tinha o cheiro de uma renegada.
Se ela decidisse fazer uma caminhada, poderia muito bem ser atacada.
Andando em direção à cama, percebi que ela já estava acordada. Seu
corpo estava tenso, não relaxado como estaria se ela ainda estivesse
dormindo.
Sentei-me na beira da cama e toquei levemente seu ombro.
Ela imediatamente se encolheu como se esperasse ser machucada.
Seus olhos brilharam abertos. Um gemido escapou de seus lábios e ela
olhou para mim com uma expressão de terror em seus olhos.
Ela engasgou, enquanto tentava puxar o ar para seus pulmões.
— Está tudo bem. pequena, — eu acalmei, — você está segura. Você se
lembra de mim? Meu nome é Seth.
Eu segurei seu rosto na minha mão, acariciando suavemente sua
bochecha com meu polegar.
— Apenas respire, — eu acalmei.
Eu podia sentir o cheiro do medo vindo dela, facilmente superando o
cheiro de renegado. Eu podia ouvir seu pequeno coração batendo muito
mais rápido do que deveria.
Sua respiração começou a se acalmar, mas ela ainda parecia
apavorada. Seus olhos estavam arregalados como os de veados pouco
antes de um lobo atacar, e eu podia sentir seu pequeno corpo tremer.
Esta era uma filhote diferente daquela que tentou derrubar meu Alfa.
Ela fechou os olhos, enquanto tentava impedir que uma lágrima
escapasse. Ela falhou, então eu gentilmente a limpei com meu polegar.
— Ninguém vai te machucar, pequena. Eu prometo, — eu sussurrei.
Ela abriu os olhos, ainda brilhando com lágrimas.
— Por quê? Eu mereço, — ela murmurou, — você deveria ter me
deixado para morrer.
Eu balancei minha cabeça.
— Nunca vai acontecer, meu anjo. Você tem um nome?
Apesar de sua tristeza, senti um pouco de bravata em sua voz. Ela
estava magoada e com raiva. Era a ferocidade subjacente que estava lá
quando ela atacou Clayton.
A coragem que foi derrotada por Zagan e seu Beta, Dante... Talvez eu
pudesse trazê-la à superfície. Trazer apenas o suficiente para que ela me
contasse sua história, e me permitisse consertar as peças que estavam
quebradas.
Dê a ela uma chance de vingança. Talvez não agora, nem mesmo
amanhã, mas um dia.
Ela me olhou nos olhos, procurando por algo. Talvez avaliando para
ver se eu era uma ameaça, ou algum sinal de pena ou culpa.
Eu não segurei nenhuma, eu só queria mostrar a sua bondade, que me
perguntei se ela já havia sido mostrada.
Ela desviou o olhar, olhando através da sala para o nada.
— Ele costumava me chamar de um monte de coisas... nanica...
filhote, — as lágrimas se acumulavam em seus olhos, — mas meu nome é
Ellie.
Peguei suas mãos nas minhas.
— Sente-se. Ellie, — eu implorei enquanto gentilmente a ajudava a se
sentar.
— Você não merece nada disso, Ellie. Nada disso é sua culpa.
Ela tirou as mãos das minhas e olhou para o colo.
— Você não diria isso, se soubesse o que eu fiz. — ela respondeu, a
hesitação em sua voz me fez perceber que se eu pressionasse muito ela
iria quebrar... desmoronar.
Isso não faria nenhum favor a nenhum de nós.
Coloquei meu dedo sob seu queixo e o inclinei suavemente.
— Pode ajudar se você me contar, — eu acalmei
Ela piscou algumas vezes, segurando as lágrimas que estavam se
acumulando em seus olhos para não cair.
Ela era uma filhote forte, provavelmente por isso havia sobrevivido a
essa provação.
— E se eu não quiser te contar? — Ela rebateu.
Eu sorri.
— Então você não precisa, mas se... você quiser, eu estarei aqui.
— Estou com fome, — ela grunhiu.
Eu sorri, finalmente o progresso.
— Bem, Ellie. deixe-me verificar suas costas, e então podemos ir e
encontrar algo para comer, ok?
Ela acenou com a cabeça.
Eu gentilmente levantei as costas da camiseta que ela estava vestindo.
Ela se encolheu novamente e tentou esconder o pequeno gemido que
escapou de seus lábios.
Eu fiz uma careta enquanto olhava para ela. Uma vez que o médico
deu a ela a medicação para a infecção, sua cura de lobo assumiu.
As feridas quase cicatrizaram, a carne estava em um tom diferente de
rosa enquanto o lobo curava sua pele. Não foi isso que me fez franzir a
testa. Havia outras cicatrizes em suas costas, cicatrizes mais antigas.
Isso tinha acontecido antes, ela havia sido chicoteada antes. As
cicatrizes eram antigas, provavelmente de vários anos atrás. Por alguma
razão, sua loba não as curou. Para mim, isso só poderia significar uma
coisa.
As feridas ocorreram antes de sua loba emergir.
— Está curando bem, vamos encontrar um pouco de comida para
você.
Eu gentilmente abaixei a camiseta e a ajudei a se levantar.
Ela estava um pouco vacilante nas pernas, preparei-me para segurá-la
se ela caísse, mas ela se firmou.
Eu coloquei minha mão suavemente em seu ombro e a guiei em
direção à porta.
— Depois de comer, veremos se podemos encontrar algumas roupas
para você, — ofereci.
Ela olhou para as roupas, que eram grandes demais para ela. Ela
apenas acenou com a cabeça.
Enquanto nos dirigimos para a cozinha, passamos por alguns dos
outros membros da matilha.
Alguns tinham ouvido falar dos dois filhotes que havíamos trazido.
Os olhares que ela estava recebendo eram de nojo ou pena. Cada olhar
que ela recebia era combatido com um brilho.
Tive orgulho da filhote, tinha razão, ela era mais forte do que parecia.
Ela seria um grande trunfo para nossa matilha.
Eu precisaria falar com Clayton sobre suas costas e também descobrir
por que diabos o médico não disse nada.
Capítulo 11
Ellie
Eu não conseguia me lembrar de ter adormecido. Mas me lembrava
de bater em Alfa Clayton. Por que ele não me bateu de volta? Eu mereci.
Me curar tinha esgotado Nix. Eu podia senti-la, mas ela estava
dormindo.
Por que Soren não foi capaz de curar Sammy? Ele era um lobo forte.
Ele tinha que ser forte, caso contrário não seria capaz de assumir o
controle. Ele deveria ter sido capaz de curar Sammy facilmente.
Quando senti Seth tocar meu ombro, não pude deixar de recuar. Eu
tinha certeza de que Alfa Clayton o havia enviado para me punir. Mas
não, ele foi gentil. Ele me lembrou de Gabriel.
Mas Gabriel tinha me abandonado, e Seth faria o mesmo. Eram
lobisomens, não tinha por que querer uma aberração híbrida com uma
loba Alfa.
Eu tentaria manter distância. Eu ficaria aqui até ser forte o suficiente,
então eu fugiria. Já tinha fugido antes, poderia fazer de novo.
É certo que o Alfa e Seth pareciam gentis, mas provavelmente era
apenas uma fachada. Eu vi a maneira como os outros membros da
matilha olharam para mim, enquanto ele me guiava em direção à
cozinha.
Uma mistura de desgosto e pena. Eu não precisava da pena deles, e o
ódio apenas me alimentava. Mas eu não era estúpida. Eu notei o guarda
na sala onde eles me colocaram.
Posso não estar em uma masmorra, mas ainda era uma prisioneira.
Eu tinha que fazer com que eles confiassem em mim, então seria mais
fácil escapar. Eu ficaria bem, contanto que não fosse para o leste. Não até
que eu estivesse mais forte.
Seth me levou para uma cozinha. Era maior do que a de Gabriel.
Havia um pequeno balcão para o café da manhã.
Lembrei-me de como odiava tomar café da manhã no balcão, sempre
com medo de cair do tamborete. Eu tinha crescido muito desde então.
Eu poderia facilmente subir em um dos banquinhos agora.
Cair de uma altura tão pequena parecia trivial para mim agora.
Especialmente depois dos ferimentos que recebi das mãos de Dante.
Seth foi até uma grande geladeira e tirou vários recipientes. Sobras,
sem dúvida. Pelo menos eles pareciam melhores do que o pão velho com
queijo que eu ocasionalmente comia antes.
Ele os colocou em um prato e colocou o prato na minha frente. Eu
não tinha certeza do que era metade da comida, mas era fresca. Enfiei na
boca com os dedos.
Quando ele voltou com uma faca e um garfo, eu estava na metade.
Eu nunca tinha usado garfo e faca antes. Quando eu estava com o
Gabriel ele sempre cortava minha comida e me dava uma colher. Lá
embaixo, na masmorra, tínhamos apenas nossos dedos.
Agora eu só queria um pouco de comida na minha barriga, apenas no
caso de eu não ter a chance de comer por dias.
Seth apenas olhou para mim, então eu olhei de volta, enquanto
lambia a comida dos meus dedos. Ele colocou a faca e o garfo na barra.
— Quando você comeu pela última vez? — Ele questionou.
Eu dei de ombros, minha boca ainda meio cheia.
— Comi amoras antes de encontrarmos a caverna, comi pão com
queijo alguns dias antes, — murmurei, enquanto mastigava.
Seth olhou para mim e depois para o prato quase vazio. Levei menos
de cinco minutos para consumir o que ele colocou lá.
— Gostaria de um pouco mais? — Ele perguntou.
Eu balancei a cabeça.
— É bom.
Eu o observei enquanto ele voltava para a geladeira e tirava outro
recipiente. Ele colocou mais comida no prato.
Imediatamente comecei a enfiar comida na boca.
— Você sempre come assim? — Ele perguntou.
Eu parei e fiz uma careta.
— Assim como?
— Como um animal! É nojento.
Eu me virei para ver uma garota parada olhando para mim.
— E ela cheira mal, — acrescentou ela.
Eu virei minha cabeça para trás quando ouvi Seth rosnar.
— Olivia, isso é o suficiente. Ela é uma convidada.
A garota, Olivia. bufou.
— Desde quando temos renegados como convidados. Talvez ela
devesse estar nas celas onde gente como ela pertence.
Limpei minha boca com as costas da mão e pulei do banquinho no
chão. Eu fiz uma careta para ela.
Ela era muito mais alta do que eu, mas ela não tinha acabado de
passar dois anos no treinamento de guerreiro com um desgraçado que te
ensinou que se você não lutasse, você não comia. Além disso, eu estava
chateada.
Meu irmão tinha acabado de morrer e eu estava com raiva.
Soltei um rugido, abaixei a cabeça e bati em seu estômago. Ela foi
pega desprevenida e caiu no chão. Eu pulei em cima dela e montei em
seu peito.
Agarrando seu cabelo com uma mão, eu fechei minha outra mão em
um punho e comecei a socar seu rosto.
Eu continuei a socar, enquanto rosnava e gritava com ela.
— Sua vadia de merda.
Eu vi vermelho. Eu me tornei o animal... o monstro que Dante me fez.
Devo ter batido nela pelo menos cinco vezes antes de sentir as mãos me
arrastando. A camisa branca que eu estava vestindo estava coberta de
sangue.
As mãos gentis de Seth tornaram-se ásperas e firmes.
Eu lutei em suas garras, mas ele me segurou fortemente.
— Tire ela daqui. — eu ouvi alguém gritar. Eu reconheci sua voz,
exceto que não era mais calma e gentil. Era firme, comandante e...
zangada. Alfa Clayton.
Tive a estranha sensação de que meu plano para ganhar a confiança
deles tinha acabado de virar fumaça.
Continuei gritando, gritando e chutando enquanto Seth me carregava
para longe da cozinha. De vez em quando, eu ouvia um pequeno
grunhido quando um dos meus pés fazia contato.
No entanto, não forte o suficiente para fazê-lo afrouxar o aperto em
meus braços.
Enquanto ele me carregava escada abaixo, eu sabia exatamente para
onde estávamos indo. Eu voltaria à estaca zero, só que desta vez eu
estaria sem Sammy.
Eu ouvi o som de uma porta de metal se abrindo, então Seth me
jogou na cama. Então eu ouvi a porta de metal se fechando.
A masmorra aqui era diferente da de Zagan. Elas eram mais como
células.
A frente da cela era feita de barras de metal, a porta também era de
barras de metal, o que significava que os guardas podiam ver você sem
abrir a porta.
Não havia correntes para ela também, e uma cama adequada com um
travesseiro. As instalações sanitárias eram iguais. Um ralo circular no
canto. Em comparação com a masmorra de Zagan, porém, isso era um
luxo.
Eu gritei com raiva, enquanto agarrava as barras da porta e as sacudia.
Elas chacoalharam, mas estavam bem presas ainda.
Seth estava do outro lado, com os braços cruzados sobre o peito.
— Eu sugiro que você se acalme, lobinha. — ele repreendeu.
Eu meio que gritei e meio que rosnei, então dei um soco na parede de
pedra na parte de trás da cela.
O sangue vazou de meus dedos, pois a única coisa que consegui
danificar foi minha mão. Eu olhei para ele e sentei no canto da cela no
chão de pedra, puxando meus joelhos contra o peito.
Limpei minha mão não tão danificada em meus olhos, enxugando as
lágrimas de raiva e de frustração que caíram durante minha explosão.
Eu descansei minha cabeça em meus joelhos. Tudo o que eu tinha
que fazer agora era esperar pelo castigo que certamente viria.
Eu ouvi os passos de Seth recuando.
Ele provavelmente estava voltando para o Alfa zangado. Pelo menos
eu tinha comida no estômago.
Se a experiência passada servisse de algo, eu duvidava que conseguiria
comer alguma coisa nos próximos dias.
Devo ter adormecido em algum momento, pois acordei com o som da
porta se abrindo.
— Você vai se comportar?
Eu rapidamente balancei a cabeça, sem levantar minha cabeça. Eu
reconheci a voz do Alfa imediatamente.
— Venha aqui, então, e deixe-me ver sua mão.
Ele estava sentado na cama, esperando.
Por experiências anteriores, eu sabia que, para diminuir a punição,
precisava parecer submissa. Algo que Sammy me ensinou.
Corri até onde ele estava sentado e me ajoelhei na frente dele, minha
cabeça abaixada e minhas mãos nas minhas costas.
— Ellie! — Ele exclamou, surpresa em sua voz, — o que você está
fazendo?
Eu respirei fundo.
— Desculpe. Alfa, estou pronta para minha punição. — eu disse, sem
ousar levantar minha cabeça.
Ele suspirou. Então eu senti seu dedo sob meu queixo enquanto ele o
inclinava para cima.
— Eu não estou aqui para punir você. Ellie, — ele deu um tapinha no
colchão, — agora venha e sente-se.
Eu olhei para ele, confusão em meu rosto.
— Por quê? — Eu sussurrei.
Ele deu um tapinha no colchão novamente,.
— Sente-se, — ele ordenou.
Eu me levantei e rapidamente me sentei no colchão ao lado dele.
— Agora me mostre sua mão.
Eu estendi minha mão, estava inchada e coberta de sangue.
— A outra está boa? — Ele perguntou.
Eu balancei a cabeça, mas segurei mesmo assim.
Ele cantarolou:
— Vou pedir ao médico para dar uma olhada nisso quando te levar de
volta lá para cima.
Eu fiz uma careta,
— Você não vai me punir.
Eu rapidamente olhei para ele, então imediatamente baixei meus
olhos, não querendo abusar da minha sorte.
— Você acha que eu devo? — Ele perguntou.
Eu pensei sobre isso. Por que ele estava me perguntando.
— Eu não me arrependo do que fiz, — eu disse.
Eu olhei para ele, decidindo arriscar.
— Eu não esperava que você se arrependesse, — ele sorriu.
Senti sua mão agarrar minha nuca, com firmeza, mas não com força.
— Vamos, filhote, vamos te limpar.
Eu fiz uma careta,
— Ela disse que eu cheirava mal... Eu não cheiro mal, não é?
Alfa Clayton deu uma risadinha.
— Você cheira um pouco, mas isso é só o cheiro por ser renegada.
Assim que você se juntar à minha matilha, isso irá desaparecer.
— E se eu não quiser... me juntar à sua matilha.
Ele cantarolou enquanto me guiava para as escadas.
— Bem, vamos chamar isso de punição, então, está bem?
Eu fiz uma careta. Eu não queria me juntar à outra matilha, mas achei
que era melhor do que uma surra ou ser chicoteada.
— Eu suponho que sim. — eu respondi.
Alfa Clayton sorriu, um olhar presunçoso em seu rosto. Tive uma
sensação horrível de que tinha caído bem em suas mãos.
Capítulo 12
Alfa Clayton
Eu não queria usar um controle sobre a filhote. Não era diferente de
como uma loba deveria controlar um filhote.
Esta filhote já havia se submetido a mim na cela, mas ela tinha que
perceber que eu era seu Alfa.
Eu não tinha intenção de machucá-la do jeito que Zagan e seu vira-
lata de Beta fizeram, mas ela tinha que aprender que era impróprio atacar
outro membro do matilha, mesmo que fosse provocada.
Ela tinha que aprender a controlar sua raiva e seu temperamento.
Claro que ela tinha todo o direito de estar com raiva. Ela perdeu seu
companheiro... seu irmão, mesmo que ele não fosse seu irmão
verdadeiro. Ela foi abusada, por quanto tempo eu não sabia. De alguma
forma, eles escaparam.
Eu precisava saber se eles eram os únicos ou se ele tinha mais filhotes
como eles. Eu precisava saber a profundidade da depravação de Zagan.
A filhote tinha que saber que eu estava no comando, que esperava a
verdade e as respostas. Eu queria saber como diabos ela era imune à
prata.
Zagan estava criando algum tipo de lobisomem imune à prata, e se ele
tivesse, por quê e como?
Quando chegamos ao térreo, ela tentou se soltar do meu alcance. Eu
a apertei mais, apenas o tempo suficiente para ela se acalmar, então eu
relaxei um pouco.
— Você precisa se comportar, pequena. Você entende?
Eu senti um pouco de medo. Não era minha intenção assustá-la, mas
ela precisava aprender. Talvez ela estivesse ultrapassando os limites, para
ver o quão longe ela poderia chegar.
— Sim, Alfa.
Ela falou baixinho.
— Boa menina, — elogiei.
Depois disso, não precisei mais fortalecer meu aperto.
Assim que chegamos ao hospital, soltei minha mão e a coloquei
suavemente em seu ombro enquanto abria a porta.
O doutor estava sentado em sua mesa, lendo alguns papéis. Ele olhou
para cima quando entramos.
— Espero que não seja o seu sangue, filhote, — ele questionou
brincando.
Joseph era um médico muito bom, embora seus modos como médico
não fossem bem ortodoxos.
Ellie olhou para o chão.
Eu percebi que ela fazia muito isso.
Achei difícil fazer contato visual. Achei que esse era outro sintoma de
Zagan ou Dante.
— Acho que a maior parte do sangue pertence a Olivia, — respondi,
— como ela está?
O médico revirou os olhos.
— Reclamando das injustiças da vida, como de costume.
Eu ri.
— Nada de novo então.
Joseph se levantou.
— Vamos dar uma olhada então, qual é o problema?
— O punho dela teve uma discussão com a parede, — eu sorri.
Joseph balançou a cabeça.
— Aqui então.
Ele caminhou em direção a uma cama de exame.
Eu gentilmente guiei Ellie em direção a ele. Quando chegamos, eu a
levantei para cima. Não que ela não pudesse escalar sozinha, mas parecia
um pouco paralisada.
Seus olhos pareciam os de um coelho prestes a se tornar o café da
manhã de um lobo. Eu podia sentir o cheiro de seu medo ainda mais
forte agora, embora ela estivesse tentando não demonstrar.
Eu me perguntei se ela já teve uma experiência ruim com um médico.
Improvável enquanto ela estava sob o controle de Zagan. Pelo que ouvi,
se um de seus guerreiros se machucassem, ele dizia que era por sua
própria culpa.
Ela me olhou, surpresa. Parecia que qualquer demonstração de
bondade a surpreendia.
— Vamos dar uma olhada. — Joseph exigiu, enquanto a segurava pelo
pulso.
"Vá com calma, Joseph, ela pode não demonstrar, mas é uma filhote
assustada."
Eu rapidamente conectei minha mente à dele.
Joseph olhou para mim com as sobrancelhas levantadas, como se não
estivesse inclinado a acreditar.
Ele cantarolou e foi até um armário e pegou um frasco do que parecia
ser desinfetante, um pouco de algodão e um curativo.
Joseph começou a limpar os cortes. O desinfetante deve ter doído,
mas ela não gritou nem reclamou. Ela apenas fechou os olhos com força
e mordeu o lábio.
Eu pensei por um minuto que ela fosse se machucar de novo. Ela era
uma filhote tão corajosa.
Eu gentilmente coloquei minha mão no topo de sua cabeça. Foi então
que percebi o quão pequena ela era.
— Está tudo bem. Ellie, ele vai terminar em um minuto, — eu
acalmei, enquanto dava um olhar de advertência para Joseph.
Eu gentilmente encorajei sua cabeça em direção ao meu ombro.
Fiquei surpreso por ela não resistir. Em vez disso, ela quase enterrou a
cabeça no meu peito. Talvez tudo que essa filhote precisasse fosse um
pouco de amor e bondade.
Joseph envolveu a mão dela com a bandagem.
— Tente não molhar na hora do banho e tente não bater mais nas
paredes. A sua loba está acordada e curando você?
Ela ergueu a cabeça e a sacudiu.
— Ela está descansando, — Ellie murmurou.
Joseph revirou os olhos.
— Nesse caso, é melhor você deixar o curativo por alguns dias.
Eu gentilmente a tirei da cama.
— Vamos, vamos pegar uma muda de roupa e um banho.
Eu coloquei minha mão suavemente em suas costas, conduzindo-a
em direção à porta.
— Não se esqueça... não molhe, — Joseph bufou.
— Desgraçado miserável. — eu murmurei, enquanto saímos da sala.
Ellie olhou para mim, os olhos arregalados de surpresa.
Eu sorri para ela e pisquei.
— Vantagens de ser o Alfa, vamos lá. vamos tirar você dessa camisa
sangrenta. Seth, você pode pegar algumas roupas para Ellie, pergunte à
mãe de Charlotte. Elas devem ser aproximadamente do mesmo tamanho,
traga-as para meu quarto.
Eu liguei para meu Beta mentalmente, enquanto guiava Ellie em
direção à minha própria casa.
O quarto de hóspedes estava bem enquanto ela se recuperava, mas ela
não poderia ficar lá permanentemente. Ela precisaria de um lobo adulto
para cuidar dela.
Não achei que nenhum dos outros estaria preparado para fazer isso,
não enquanto ela ainda cheirava a um renegado.
Eu poderia fazer outros arranjos, uma vez que ela fizesse a cerimônia
de sangue na matilha. Tenho certeza de que Seth teria se oferecido, mas
ele ainda era jovem.
Não tinha idade suficiente para cuidar de uma criança de dez anos
mal-humorada, com problemas de raiva. A última vez que ele cuidou dela
foi prova disso.
Isso não era o ideal, mas teria que servir.
Abri a porta e a conduzi para dentro.
Ela olhou ao redor com curiosidade.
Abri a porta do quarto de hóspedes. Tinha um banheiro privativo,
então pelo menos ela poderia ter um pouco de privacidade enquanto
tomava banho. Pela aparência dela, ela não tinha feito muito disso.
Eu apontei para o banheiro.
— Vá tomar um banho, vou deixar as roupas limpas no seu quarto.
Ela olhou para mim e acenou com a cabeça, tendo o cuidado de
desviar os olhos.
— Eu... vou ficar aqui agora? — Ela perguntou, sua voz quase um
sussurro.
Eu balancei a cabeça.
— Por enquanto. Quando terminar, vá para a sala de estar porque
precisamos bater um papo.
Observei enquanto ela olhava ao redor da sala, demorando um pouco
mais quando olhou para a janela. Então eu a deixei para que ela pudesse
tomar banho e se aclimatar.
Essa era a única opção real. Os aposentos do Alfa e do Beta ficavam
no terceiro andar. Eu tinha uma leve suspeita de que, na primeira
oportunidade, ela fugiria. Pelo menos assim ela não poderia fazer isso.
Era isso ou trancá-la nas celas. Ela havia passado muito tempo na
masmorra de Zagan, além do que as celas não eram lugar para um
filhote.
Assim que fechei a porta do quarto, ouvi uma batida na porta
principal. Eu abri, para ver Seth parado ali, com um sorriso no rosto.
Revirei os olhos e me afastei para deixá-lo entrar.
— Cerveja? — Eu questionei.
Ele acenou com a cabeça e colocou a pilha de roupas no sofá.
— Sirva-se e pegue uma para mim. Vou deixar isso no quarto para a
filhote.
Seth acenou com a cabeça.
— Há uma variedade lá. A mãe de Charlotte ficou muito satisfeita em
ajudar.
Eu sabia que ela iria. Veronica adotou Charlotte quando ela tinha
cerca de dois anos. Os pais de Charlotte foram mortos em um conflito na
fronteira.
Na época, pensávamos que eram renegados, mas também suspeitei
que era Zagan praticando seus velhos truques. Desde então, dobramos a
guarda na fronteira.
Ele sabia que não devia tentar nada agora.
Isso me deixou orgulhoso da minha matilha. Sempre que algo assim
acontecia, alguém se adiantava e cuidava do filhote como se fosse seu. Eu
esperava que o mesmo pudesse ser feito por Ellie.
Ela deve ter tido algumas coisas ruins acontecendo em sua curta vida.
Talvez tenha sido sorte, ou talvez seja pelo destino que ela encontrou seu
caminho aqui.
Não havia dúvida de que ela era uma filhote desestruturada, mas
faríamos o nosso melhor para consertá-la. Quem sabe quando chegar a
hora ela poderia até encontrar seu companheiro aqui.
Eu odiava o fato de estarmos tão isolados do resto do território, mas
não tínhamos escolha. O conselho deveria ser aquele que era a voz da
razão. Eles não foram.
Eles nunca foram, então nos separamos. Nossas esperanças eram que
alguns das outras matilhas seguissem o exemplo, mas não foi o caso.
Agora que o território de Zagan era o único caminho para os outros
territórios, isso significava que não tínhamos chance de encontrar nossos
companheiros dessa forma.
Claro que existiam as montanhas, mas eram muito perigosas de
cruzar. Mesmo se conseguíssemos, poderia levar meses, senão um ano
para fazer a travessia.
Então não havia garantia de que um companheiro seria encontrado.
Além disso, tínhamos uma comunidade próspera e muitos pares
acasalados. Nem eu nem Seth éramos um desses, mas aprendi a conviver
com isso.
Eu só esperava que em algum momento no futuro, uma das mulheres
mais jovens pudesse ser a companheira de Seth. Ele merecia.
Eu duvidava que encontraria a minha agora, então Seth seria minha
esperança para o próximo líder da matilha, mas apenas se ele encontrasse
sua companheira, para que pudéssemos continuar a linhagem através do
nascimento.
Quando entrei no quarto, ouvi a água correndo no banheiro
adjacente. Rapidamente coloquei as roupas na cama e saí do quarto.
Seria importante para ela ter um pouco de privacidade. Eu duvidava
que ela tivesse muito antes.
Seth me entregou a cerveja que pegou da geladeira, quando me sentei
no sofá.
Agora só tínhamos que esperar e ver se a filhote nos daria algumas
respostas.
Ellie
Eu estava tão confusa. Em um minuto, alguém estava me jogando na
masmorra, em seguida, eles estavam me dando um quarto só meu.
Talvez fosse apenas trocar uma prisão por outra, mas pelo menos esta
seria confortável.
Eu esperava algum tipo de punição. Afinal, eu ouvi o nariz de uma
garota estalar quando eu bati nele. Então, o Alfa Clayton agarrou minha
nuca, mas nada aconteceu.
Era a mesma coisa que Dante costumava fazer, quando me jogava no
chão e me batia. Era sua maneira de fazer com que eu me submetesse, e
funcionava.
Este Alfa era diferente. Não significava que eu confiava nele, mas com
certeza se ele fosse me vencer, ele já teria feito isso.
Suspirei. Talvez ele estivesse apenas brincando com minha mente. Eu
tinha que encontrar uma maneira de sair daqui antes que ele decidisse
me jogar de volta na masmorra, ou fizesse seu Beta me punir.
Isso é o que os Alfas fazem. Eles têm outra pessoa para punir os que
não seguem as regras ou ordens. Como quando Murdoch fez Sammy ser
expulso, isso teria sido feito por ordem de Gabriel. Ele o deu a Zagan.
Meu coração começou a bater mais rápido com o pensamento de que
esse Alfa simplesmente me devolveria a Zagan e Dante. Qualquer
punição que eu tivesse antes seria branda em relação ao que eu receberia
se tivesse que voltar.
Eu fui até a janela. Eu estava muito longe do chão para escapar dessa
maneira. Eu teria que tentar escapar, depois que todos estivessem
dormindo. Esse era o melhor plano.
Enquanto isso, eu tentaria apenas não ser punida. Seja submissa, não
olhe ninguém nos olhos. Não os chame pelo nome. Eu queria que
Sammy estivesse aqui, ele me diria como eu deveria me comportar.
Eu poderia garantir que ele teria me dito para não quebrar a cara
daquela garota.
Fui até a outra porta, que ele disse ser o banheiro. Era simples, mas
funcional. Qualquer coisa seria melhor do que eu estava acostumada.
Um balde de água fria jogado sobre você uma vez por semana, para
lavar a lama, dificilmente constituía um banho. A garota provavelmente
estava certa. Apesar de ter ficado encharcada no rio, eu provavelmente
cheirava mal.
Sammy não teria notado, porque nós dois sentíamos o mesmo cheiro.
Olhei para os controles do chuveiro. Parecia semelhante ao da casa de
Gabriel. O banho também era parecido. Liguei a água e esperei até que o
vapor começasse a subir.
Pisar na água quente era como o paraíso. Encontrei um pouco de
sabonete e xampu. Sentindo os nós em meu cabelo, achei que precisaria
cortá-lo. Não tive escrúpulos em cortá-lo agora.
Na verdade, eu queria que fosse curto. Lembrei-me do quanto Zagan
havia reclamado disso. Sobre deixar Gabriel cortar. Qualquer coisa de
que ele não gostava, de repente gostava. Exceto em relação a pessoas.
Sammy era o único em quem eu confiava e agora ele se foi.
Sammy e Nix. Procurei por ela em minha mente, mas ela ainda estava
dormindo. Estava cansada de ter que me curar tanto, sem dúvida.
Sai do chuveiro, sem me preocupar imediatamente em pegar uma
toalha. Eu me olhei no espelho. A primeira vez em dois anos.
Eu havia crescido muito. Eu já sabia disso por finalmente caber nas
roupas que Zagan havia fornecido. Quando ele as jogou pela primeira vez
em mim, elas eram grandes demais.
Respirei fundo e vi minhas costelas projetando-se para fora. Eu já tive
essa aparência antes, uma vez. Uma memória distante de não ter o
suficiente para comer do outro lado da fronteira, onde lobisomens não
existiam, veio até mim.
Não existiam, exceto por mim.
Eu me virei na frente do espelho para olhar minhas costas. As velhas
cicatrizes haviam desaparecido um pouco, mas ainda estavam lá. Eu
ainda podia ouvir Dante cacarejando, "o que não te mata te torna mais
forte". Era mesmo?
Tudo o que aconteceu me tornou mais forte? Mais cautelosa talvez,
mas mais forte... Eu duvidava de alguma forma.
As fendas mais recentes quase desapareceram. Um tom ligeiramente
diferente da minha pele normal. Mais leve. Elas iriam sumir
eventualmente, quando minha loba acordasse novamente para me curar
mais. Eu olhei para minha mão.
O corte que eu fiz quando Sammy e eu tentamos nos vincular, tinha
sumido. Nem mesmo uma cicatriz. Se seu lobo o odiasse tanto, ele não o
curaria.
Ou o comando Alfa que dei a ele o impediu de se curar.
Peguei uma toalha, tentando empurrar o pensamento para o fundo
da minha mente, enquanto me enxugava. Tentei enxugar o curativo na
mão.
Eu me perguntei se seria punida por isso. Eu só esperava não ter que
ver o médico novamente. Eu havia desenvolvido uma aversão a médicos e
hospitais depois de minha experiência com Melissa e Erik.
Era como se eu estivesse fazendo uma anotação mental de todas as
pessoas que conheci e que me abandonaram ou me fizeram algo ruim.
Havia apenas alguns nomes nessa lista em que eu poderia confiar.
Sammy era um, o outro era Elijah. Ele teria quatorze anos agora. Ele
provavelmente teve sua primeira transformação. Eu me perguntava como
seu lobo seria. Mas afastei esse pensamento também.
Eu também nunca mais o veria, além da última vez que o vi, ele mal
falava comigo, me culpando por Sammy ter sido levado embora. Agora
ele me culparia pela morte de Sammy, então por que me torturar.
Voltei para o quarto. Eu olhei para as roupas na cama. Roupas que
realmente me serviriam. Eu as levaria comigo quando fosse embora.
Por enquanto, peguei apenas uma calça, uma calça jeans e uma
camiseta. Também havia sapatos, mas não os calcei. Eu estava
acostumada a não ter sapatos.
Depois de me vestir, fui até a porta. Agarrando a maçaneta da porta,
respirei fundo e me preparei para a pequena conversa do Alfa.
Eu sabia o que a pequena conversa de um Alfa geralmente envolvia.
Dor e submissão.
Virei a maçaneta e abri a porta. Era uma novidade não ficar trancada.
Havia um pequeno corredor que levava à área de estar principal. Eu
podia ouvir Alfa Clayton e Seth conversando.
Assim que perceberam que eu estava na sala, pararam de falar.
Alfa Clayton sorriu para mim.
— Venha aqui, sente-se, Ellie.
Fiquei surpresa ao ver que era mais uma sugestão do que uma ordem.
Comecei a caminhar até onde eles estavam sentados.
— Você já conheceu meu Beta, Seth, não é? — Ele continuou.
Eu congelei enquanto olhava para os dois homens. Senti meu coração
bater descontroladamente contra o meu peito quando minha cabeça
começou a girar. Tentei engolir um pouco de ar, mas não consegui.
Comecei a andar para trás por onde vim. Eles iam me machucar,
assim como Zagan e Dante fizeram. Porque eu era uma aberração,
porque não era boa o suficiente.
Meu coração queria sair pela boca enquanto eu observava Seth, o
Beta, se levantar e caminhar em minha direção. Sua boca estava se
movendo, mas eu não conseguia entender o que ele estava dizendo.
Eu balancei minha cabeça e passei meus braços em volta do meu
corpo. Eu estava de repente com frio e tremendo. Eu tinha que sair
daqui.
Eu olhei para a porta por onde eu tinha entrado originalmente. Então
eu corri na sua direção.
Eu não fui muito longe, antes de seus braços fortes me envolverem.
Ele me carregou até o sofá onde Alfa Clayton estava sentado.
Estremeci ao sentir uma mão em meu rosto, mas foi gentil. Era Alfa
Clayton, ele estava dizendo algo, mas minha mente não conseguia
compreender até que ouvi uma palavra.
— Respire.
Beta Seth havia me soltado agora. Eu nem percebi que ele tinha até
que senti a outra mão do Alfa esfregando minhas costas. Tentei me
concentrar no que ele estava dizendo.
— Respire, Ellie, inspire... expire, é isso.
Comecei a engolir em seco.
— Devagar, — ele insistiu.
Então o Beta Seth estava de volta, envolvendo um cobertor em volta
dos meus ombros.
Eu encarei Alfa Clayton. Meus olhos voltando para Beta Seth de vez
em quando.
Então, um deles me deitou gentilmente no sofá.
— Está tudo bem. Ellie, apenas descanse. Tudo vai ficar bem. — Alfa
Clayton sussurrou.
Eu ainda podia me sentir tremendo, apesar de estar enrolada em um
cobertor. Senti uma mão na minha cabeça enquanto um polegar
acariciava suavemente minha testa.
Eu abri meus olhos. Era Alfa Clayton.
— Feche os olhos, querida, — ele sussurrou, — você teve um choque.
Fiz o que ele disse, mas ainda podia ouvi-los conversando.
— Que raio foi aquilo? — Beta Seth perguntou.
— Shh, Seth. Eu não a quero estressada. Ela teve um ataque de
pânico. O que quer que tenha acontecido, ver nós dois aqui deve ter
desencadeado algo. — Alfa Clayton respondeu.
Eu ouvi Beta Seth suspirar.
— Ela estava bem comigo antes. Eu dei comida a ela. É como se ela
não me conhecesse?
— Você disse a ela que era meu Beta? — Alfa Clayton perguntou.
— Não... ela não sabia.
Eu ouvi passos recuando. Achei que fosse Beta Seth.
— Ellie, abra seus olhos.
Eu os abri e olhei para cima para ver Alfa Clayton. Ele parecia
preocupado.
Eu olhei ao redor.
— O... o Beta se foi? — Eu perguntei, esperançosamente.
Alfa Clayton sorriu,
— O nome dele é Seth, e o meu é Clayton, mas você já sabe disso.
Você só precisa usar nossos títulos em funções oficiais e, em conjunto,
seu Beta Seth ou Alfa Clayton.
Eu balancei minha cabeça.
— Não... não é permitido usar nomes, não até que eu ganhe o
privilégio.
Alfa Clayton revirou os olhos.
— Nós não trabalhamos assim aqui, Ellie. Apenas me chame pelo meu
nome, eu prometo a você que nada de ruim vai acontecer.
Eu balancei minha cabeça vigorosamente. Foi um truque. Ele me faria
dizer isso, então ele me puniria.
Ele suspirou.
— Você não confia em mim, não é? — Ele hesitou, — você confia em
alguém?
Eu pensei por um momento. A verdade era que não.
Eu balancei minha cabeça, o que fez Alfa Clayton franzir a testa.
— E os seus pais, onde estão eles? Você deve confiar neles?
Eu pensei por outro momento. Meus pais me entregaram. Eles
disseram que estavam morrendo, mas estavam mesmo? Eles
simplesmente me abandonaram porque eu era muito problemática.
Eu era meio lobisomem vivendo do lado humano da fronteira. Então
havia Jackson, ele não tentou me encontrar depois que cruzei a fronteira.
E Gabriel nem mesmo tentou me encontrar depois que fui levada. Ele
me abandonou também. Agora ele tinha uma companheira. Ele não
tinha utilidade para uma filhote híbrida.
Por que eu confiaria nessas pessoas, ou em qualquer um que venha a
pensar nisso.
— Não, eles me entregaram, todo mundo me abandona, eu sou muito
problemática.
Alfa Clayton estreitou os olhos.
— Seus pais deram você para Zagan, — ele sibilou.
Eu balancei minha cabeça.
— Não, ele me sequestrou de Alfa Gabriel. Mas ele não me queria de
verdade. Ele deu Sammy para Alfa Zagan também.
Alfa Clayton franziu a testa.
— Alfa Gabriel da matilha da Lua Crescente?
Eu concordei.
— Você vai me mandar de volta para Alfa Zagan e seu Beta?
Alfa Clayton olhou para mim em estado de choque.
— É isso que você acha?
Ele balançou sua cabeça.
— Eu nunca mandaria você de volta para aquele monstro, Ellie. Eu
juro pela minha vida e pela vida da minha matilha.
— E eu juro o mesmo, filhote.
Olhei para trás e vi o Beta Seth voltando com um copo de suco.
— Aqui, beba isso, — acrescentou.
Alfa Clayton me ajudou a sentar e me desembrulhou do cobertor.
Seth me entregou o copo e, quando estendi a mão para pegá-lo,
agradeci, garantindo que não o olhasse nos olhos.
— Obrigada, Beta. — eu murmurei.
Ele não largou o vidro.
— Olhe para mim, Ellie, — ele exigiu.
Eu levantei meus olhos, meu corpo enrijecendo no caso de ele decidir
me bater.
— Meu nome é Seth, não Beta, — ele repreendeu, gentilmente.
Sua mão ainda não soltou o vidro.
— Obrigada... — Eu hesitei, sua mão ainda segurando firmemente o
copo. — Seth... — eu sussurrei.
Sua mão soltou o copo e acariciou suavemente o topo da minha
cabeça.
— Boa menina, Ellie. Você acredita em nós agora?
Tomei um gole do suco de laranja. Era bom.
Eu olhei para os dois homens. Ambos esperando uma resposta.
Eu concordei. Imaginei que isso significava que acreditava que eles
não me machucariam por chamá-los pelo nome, mas seria preciso muito
mais do que isso para confiar neles totalmente.
Capítulo 13
Ellie
Eu nunca tive um ataque de pânico antes, e se era isso que eu senti,
eu não queria isso de novo.
Sentei-me e bebi o suco de laranja, prensada entre o Beta e o Alfa. Ou
devo dizer Seth e Clayton. Parecia um pouco estranho chamá-los pelo
primeiro nome.
Até mesmo Gabriel chamei de papai, mas parei quando ele quebrou
suas promessas e me abandonou. Talvez tenha sido melhor. Não o tempo
que passei com Zagan, obviamente. Mas o meu caminho até aqui.
Ou eu estava sendo muito confiante. Eu cometi esse erro antes. Eu só
teria que ser cuidadosa. Parecia que toda vez que alguém descobria que
eu não era nem lobo nem humano, algo ruim acontecia.
Eu só tinha que viver o momento, mas me preparar para o pior.
Clayton me mostrou o que ele chamou de "apartamento". Era
semelhante à casa de Jason e Jasmine, talvez um pouco menor. Eu me
perguntei por que ele não tinha uma casa como a de Gabriel, mas não
perguntei a ele.
Eu simplesmente guardei tudo o que vi e ouvi. Eu já tinha revelado
um pouco demais sobre mim. Se eu começar a fazer perguntas, eles
podem perguntar um pouco mais de volta.
Seth, aparentemente, tinha seu próprio quarto, mas muitas vezes
vinha passar um tempo com Clayton.
Quando toquei em uma das garrafas de cerveja que haviam deixado
na mesa perto do sofá. Clayton rapidamente a puxou para longe, rindo.
— Eu acho que você é um pouco jovem para cerveja, filhote.
Eu apenas dei de ombros. Eu não tinha ideia do que era cerveja.
Talvez fosse algo que apenas Alfa e Beta podiam ter.
— Que tal comer alguma coisa? — Seth perguntou.
Eu concordei. Eu não estava realmente com fome, mas depois de
comer tão pouca comida por tanto tempo, eu não iria recusar. Também
percebendo o quão magra eu era, eu sabia que precisava ficar mais forte.
Se chegasse a hora de eu precisar fugir, provavelmente precisaria ser
capaz de me defender. Com todo o treinamento que tive, pelo menos
sabia lutar.
A garota da cozinha havia aprendido isso.
Seth foi até a geladeira e a abriu.
— O que você gostaria?
Eu congelei por um segundo. Eu não queria que eles soubessem o
quão burra eu era. Não queria que soubessem que eu não sabia ler nem
escrever, nem que eu desconhecia o sabor dos alimentos.
Então, pensei na última refeição adequada que fiz, antes de ser levada.
— Lasanha, — eu disse.
Clayton começou a rir e Seth franziu a testa.
— Bem, você perguntou a ela, — Clayton riu de Seth.
Seth revirou os olhos.
— Vou fazer uns sanduíches para nós, — bufou.
Eu não tinha certeza o que era um sanduíche, então apenas balancei a
cabeça em concordância.
— Vamos, — Clayton pediu, descansando a mão no meu ombro, —
Venha, sente-se e você pode me contar sobre o que aconteceu com o Alfa
Gabriel e a matilha da Lua Crescente.
Eu teria que inventar uma história. Eu não estava pronta para contar
a ele ainda sobre minha fuga através da fronteira, ou como minha vida
tinha sido do lado humano.
Antes de irmos muito longe, houve um grande estrondo na porta de
entrada principal. Não uma ou duas vezes, mas três vezes. Foi muito alto,
como se alguém estivesse martelando com o punho. O primeiro estrondo
me fez pular.
— Está tudo bem, Ellie, é apenas a porta, vá e sente-se. Estarei aí em
um minuto, — Clayton me acalmou, apertando suavemente meu ombro.
Ele provavelmente pensou que eu teria outro ataque de pânico.
Clayton soltou meu ombro e, com alguns passos largos, alcançou a
porta.
Eu assisti enquanto ele destrancava a porta. Ele obviamente não
confiava em mim para não correr, o que me irritou um pouco.
Antes que Clayton tivesse a chance de convidá-lo para entrar, o
médico entrou furiosamente no apartamento.
— Onde ela está, — ele rosnou.
Então seus olhos focaram nos meus.
— Sua híbrida de merda, — ele sibilou.
Ele me agarrou pelo pescoço, enquanto algo colidia com meu rosto.
Senti algo estalar, quando o sangue jorrou do meu nariz e meu lábio se
partiu pela segunda vez em alguns dias.
— O que você é? — Ele sibilou: — Eu pensei que o menino fosse o
híbrido, mas era você o tempo todo. Acabei com a vida dele por nada.
Como diabos você é imune à prata?
Enquanto ele falava, ele me sacudiu.
Minha visão começou a ficar turva.
"Nix... me ajude!"
Chamei minha loba. Ela não respondeu, não consegui acordá-la. O
que ele fez à minha loba.
Quando eu não respondi, ele me jogou contra a parede. Minha nuca
bateu na parede com um baque.
Eu assistia com a visão turva quando ele correu até onde eu estava
deitada. Era isso, ele ia me matar.
Eu vi uma sombra se mover em minha visão periférica. O médico não
chegou onde eu estava deitada.
— Tire esse pedaço de merda daqui. — Clayton rosnou.
Fechei meus olhos e choraminguei quando senti duas mãos em meu
ombro.
— Está tudo bem. Ellie, você vai ficar bem, — Clayton sussurrou.
Achei que ele estava falando de mim. Por que ele não estava me
machucando? Ele sabia o que eu era agora? Por que ele não deixou o
médico acabar comigo?
Então de repente me ocorreu. Sammy, ele havia matado Sammy.
— Abra seus olhos, querida. — Clayton pediu.
Eu fiz o que ele pediu. Lágrimas encheram meus olhos, não por causa
da dor, mas por causa da compreensão de que ele havia assassinado
Sammy.
Uma lágrima escorreu do meu olho.
— Não querida, não chore. Vai ficar tudo bem. — Clayton me
acalmou, a ponta de seu polegar gentilmente enxugando minhas
lágrimas.
Eu ouvi a porta abrir novamente.
— Merda, ela vai ficar bem? — Seth perguntou, preocupação em sua
voz.
— Pegue o kit médico e uma toalha. O que você fez com ele? —
Clayton sussurrou.
Eu vi alguém entrar em outra sala. Eu mal conseguia ver através das
lágrimas e da minha visão dupla. Achei que fosse Seth.
Ele entregou algo para Clayton.
— Ele está acorrentado nas celas. Eu não posso acreditar que aquele
pedaço de merda matou...
A voz de Seth sumiu, e então ele estava ajoelhado ao meu lado.
— Vai ficar tudo bem. Ellie, — ele me assegurou.
— Vo... você não me odeia? — Eu gaguejei: — Eu sou uma aberração.
Outra lágrima escorreu do meu olho.
Eu senti que a mão de Seth estava na minha cabeça, então ele a puxou
para longe.
— Sangue, Clayton, — Seth sussurrou.
— Não, pequena. Você não é uma aberração, você é apenas diferente.
Isso a torna especial, muito especial. Agora, isso pode doer um pouco, —
Clayton sussurrou.
Senti um braço atrás de minhas costas e outro sob meus joelhos.
Clayton gentilmente me levantou e me carregou um pouco até o sofá.
Minha cabeça latejava, assim como meu nariz.
Fechei os olhos, só queria dormir.
— Não, Ellie, — Clayton avisou. — Você precisa ficar acordada, fale
comigo, querida.
— Sobre o quê? — Eu murmurei.
— Qualquer coisa, — ele respondeu rapidamente, — qual é a sua
comida favorita? Qual foi a sua coisa favorita na escola? Você tem irmãos
ou irmãs? Qualquer coisa, querida, apenas tente ficar acordada, hein?
Eu assobiei, quando senti algo cutucar minha nuca.
— Isso dói, — eu choraminguei.
— Sinto muito, Ellie, eu só tenho que limpar isso, continue falando
com Clayton. Isso vai tirar sua mente disso, — Seth insistiu.
Clayton limpou suavemente o sangue da minha boca e nariz.
Achei que eles descobririam mais cedo ou mais tarde. Eles já sabiam
que eu era diferente. Mas eu não me sentia especial.
— Nunca fui à escola, — murmurei, — não sei muito, nem mesmo
sobre comida. Sammy sempre me mostrou o que era seguro comer.
Minhas palavras foram recebidas por silêncio. Era isso. Agora eles não
me queriam com certeza.
Eu fechei meus olhos novamente.
— Cansada, — eu murmurei.
— Oh. Não, você não pode estar, — Clayton repreendeu, suavemente.
— Por que você gosta de lasanha? — Clayton perguntou.
Eu fiz uma careta,
— Eu só tive uma vez… Nana... Quer dizer, a mãe de Gabriel fez.
Clayton acariciou meu rosto.
— Bem, isso é algo que você conhece, não é?
Eu acenei.
— Acho que sim.
Eu senti um pouco de pressão na minha cabeça.
— O... o que está acontecendo? — Eu gaguejei.
— Está tudo bem, Ellie, estou apenas colocando um curativo, você
machucou a cabeça quando bateu na parede, — Seth explicou.
Eu pulei quando ouvi uma batida na porta.
— Não se preocupe, Ellie, — Clayton me acalmou, e me segurou um
pouco mais forte.
Foi então que percebi que ele ainda estava me segurando no colo,
enquanto Seth estava enfaixando minha cabeça.
— Eu atenderei, — Seth afirmou.
Ouvi a porta se abrir, vozes abafadas e alguns passos.
— Oh. meu Deus, o que aconteceu?
Era a voz de uma mulher.
Clayton suspirou.
— Veronica! Obrigado por ter vindo. Joseph ficou louco. Ele deu um
soco no rosto dela e a jogou contra a parede. Se não o tivéssemos parado,
ele a teria matado. Ele matou o outro filhote.
— Acho que ela teve uma concussão, estamos tentando mantê-la
acordada.
Eu abri meus olhos e olhei para a mulher.
— Estou cansada, — murmurei.
Ela soltou uma pequena risada.
— Tenho certeza que você é uma boa filhote, deixe-me dar uma
olhada rápida e então vou deixar o Alfa colocá-la na cama.
Eu fiz uma careta.
— O nome dele é Clayton. — eu bufei.
Eu ouvi Clayton.
Eu estremeci quando Veronica tocou meu nariz suavemente.
— Você é médica? — Eu murmurei.
— Sim, filhote. Agora, você pode sentir sua loba?
Suspirei.
— Ela não acorda.
Veronica assentiu, pensativa:
— Tenho certeza que ela vai em breve. Eu irei te ver de novo amanhã.
— Você deveria deixá-la dormir, apenas fique de olho nela. Posso
passar por aqui ou você pode levá-la ao hospital. Vou precisar de outro
médico, Alfa Clayton.
— Não podemos administrar o hospital com apenas um médico, —
concluiu ela.
— Eu sei, — Clayton suspirou, — agora minha prioridade é esta
pequena. Vou procurar um substituto pela manhã.
Eu ouvi passos desaparecendo, imaginei que fosse Veronica saindo.
Ela parecia legal, mas não podia ter certeza.
De repente, senti como se estivesse flutuando, então percebi que
Clayton estava me carregando.
— Para onde estamos indo, — eu murmurei.
Clayton deu uma risadinha.
— Estou colocando você na cama, lobinha.
Eu assenti. Não o senti me deitar na cama, porque a essa altura eu já
havia adormecido.
Capítulo 15
Gabriel
Sentei-me em meu escritório, passando uma mão pelo meu cabelo, a
outra segurando um copo ou uísque. Um hábito que adquiri depois de
perder Ellie. Eu me lembrei do meu pai.
Ele sempre recorria à garrafa em momentos de estresse, embora
nossa fisiologia de lobisomem tornasse difícil ficar bêbado.
Jackson me ofereceu uma oportunidade de ouro. Ele me levaria para o
outro lado da fronteira e eu poderia finalmente encontrar Ellie.
Quando eu a tivesse de volta, iria apresentá-la à minha companheira.
Seríamos uma família. Uma família que Ellie merecia.
Mas eu era o Alfa. Eu realmente poderia deixar minha matilha? Se eu
fosse encontrado do outro lado da fronteira, isso poderia iniciar uma
guerra. Jackson estava realmente aqui por causa de sua irmã? Eu não
senti que ele estava mentindo, mas ainda assim.
Em seguida, haveria o conselho.
Eles concordariam com isso? Eles considerariam um humano adulto
do sexo masculino cruzando a fronteira, um ato de guerra? Por direito,
qualquer humano deste lado da fronteira deveria ser morto.
A única exceção era se eles fossem um filhote, como Ellie.
Se eu cruzasse a fronteira sem avisar o conselho e eles descobrissem,
eu seria destituído do meu posto. Eles dariam a matilha para outro Alfa.
Provavelmente seria rejeitado como um renegado, talvez minha
família também.
Tomei outro gole do uísque. Eu precisava discutir isso com meu pai.
Ele saberia o que fazer da melhor maneira.
Bati na porta da casa dos meus pais. Eu sabia que a porta estava
destrancada, e como Alfa eu poderia ter entrado. Eles eram meus pais,
porém, era a casa deles e Alfa ou não, eu ainda os respeitava.
Minha mãe abriu a porta. Quando me viu, forçou um sorriso, mas
havia tristeza, talvez até piedade em seus olhos.
Não fiquei surpreso. Eu sabia que parecia uma bagunça. Meu cabelo
estava despenteado e eu tinha olheiras por causa da falta de sono. Eu tive
vários dias de barba por fazer.
Barbear parecia ser a última das minhas preocupações nesses dias,
quando tudo em que eu conseguia pensar era em Ellie.
Eu entrei.
— Seu pai está em seu escritório, — afirmou ela.
Eu balancei a cabeça e entrei.
Nos últimos dois anos, passei a maior parte do tempo no escritório ou
com meu pai no dele.
Toda vez que eu tinha uma ideia sobre como trazer Ellie de volta, meu
pai a levava ao conselho, apenas para tê-la destruída pelas chamas. Eu
duvidava que isso fosse muito diferente.
Minha única opção seria fazer o mesmo que Zagan havia feito.
Remover minha matilha do controle do conselho. Era uma opção, mas
não a desejava muito.
Eu não queria ver todo o lado lobisomem da fronteira se quebrando.
Já era ruim o suficiente que tivéssemos perdido a maior parte do
território ocidental, quando o Alfa da matilha Rio de Sangue cortou
relações.
Essa tinha sido a maior matilha, com o maior território. Eu era muito
jovem na época, ainda não sabia por que eles haviam feito isso. O
conselho raramente falava deles.
Agora que Zagan e sua matilha haviam deixado o conselho, se outros
começassem a segui-lo, eu poderia ver uma guerra civil estourando entre
as matilhas.
Bati suavemente à porta, antes de abri-la. Meu pai estava sentado
atrás de sua mesa, olhando para um relatório. Ele o fechou assim que
entrei e o guardou em uma gaveta.
Assuntos do Conselho, sem dúvida, mas por que ele estava sendo tão
reservado. Então me lembrei de quando o vi quando Ellie chegou. Ele
falou sobre fazer contato com alguns rebeldes humanos.
Ele não tinha falado sobre isso de novo, talvez eles pudessem ajudar
também.
— É educado esperar até que você seja convidado a entrar, antes de
você entrar, — ele repreendeu, enquanto gesticulava em direção ao
assento em frente à sua mesa.
Suspirei.
— Isso é importante, eu tenho o irmão de Ellie, Jackson, nas celas. Ele
se ofereceu para me levar além da fronteira. — Eu declarei.
Meu pai imediatamente se levantou, com as mãos espalmadas sobre a
mesa enquanto se inclinava para frente e olhava para mim.
— Você enlouqueceu. Gabriel. Ele é humano, como você pode confiar
nele? Ele pode estar atraindo você para que eles tenham uma desculpa
para começar a guerra novamente. Uma desculpa para nos atacar.
Eu balancei minha cabeça.
— Não, eu não penso assim. Ele me deu informações. Boas
informações. Eu confio nele.
Meu pai olhou para mim e revirou os olhos.
— Você precisa deixar isso. Gabriel, deixe-a ir. Você tem uma
companheira agora. Vá até ela. Ela precisa de você. Esqueça a filhote.
Eu encarei meu pai de boca aberta.
— Como você pode pensar assim. A filhote que você teve no colo e
para quem contou histórias. A filhote que você e mamãe adotaram como
neta. Vocês dois a amavam tanto quanto eu.
Meu pai olhou para mim e balançou a cabeça.
— Ela não era uma de nós, Gabriel. Você tem a chance de formar uma
família com sua parceira. Alguns dos lobos não acasalados agarrariam
isso com todas as forças, mas eles não têm essa escolha.
Ele suspirou.
— Além disso, o conselho nunca irá sancionar.
Eu me levantei e cruzei os braços.
— Eles podem, quando ouvirem as informações que eu tenho.
Eu me sentei novamente. Essa não era a resposta que eu esperava de
meu pai. Sem considerar que não era apenas Ellie, mas também Samuel.
— Os pais de Ellie eram híbridos sem lobo. Seu irmão é o mesmo.
Ellie foi...
Eu hesitei.
— Um retrocesso, eu suponho.
— De qualquer forma, seus pais contraíram uma doença que,
segundo todos os relatos, dizimou a população humana. Os humanos
atrás da parede estão todos mortos ou morrendo.
— O que você vê entre a fronteira e a parede é isso. Isso é tudo que
existe. Eles estão gastando a maior parte de seus recursos tentando
repovoar. Eles não estão em posição de lutar uma guerra.
Meu pai estreitou os olhos.
— Ele está mentindo, Gabriel. Sobre seus pais, pelo menos. Não é
possível.
Suspirei.
— Seu trabalho é representar esta matilha no conselho, — eu rosnei,
— não colocar obstáculos no caminho.
Meu pai se levantou e foi até a janela, as mãos cruzadas atrás das
costas. Ele olhou para fora.
— Há coisas que você não sabe, coisas que você não entende. Estou te
dizendo agora. Gabriel. Esqueça a filhote. Siga com a vida.
Eu estreitei meus olhos, ele estava escondendo algo.
— O que você não está me dizendo pai? E quanto a Samuel? Ellie
pode não ser o seu sangue, mas Samuel é!
Ele lentamente se virou e olhou para mim.
— Era, Gabriel. Não há nada que possamos fazer por ele agora.
Eu olhei para ele. horrorizado. Ellie pode não ter sido seu sangue, mas
Samuel era. No entanto, ele estava apenas acenando para ele como se ele
não fosse nada.
— Você simplesmente não poderia deixar isso, você poderia? — Ele
fez uma careta, — você tinha que tentar salvá-la. Se ela fosse humana,
não teria sido tão ruim, mas uma híbrida?
Eu balancei minha cabeça, confuso.
— Pai, do que você está falando?
Ele voltou para sua mesa e tirou o relatório que estava lendo. Ele o
deslizou pela mesa.
— As informações que este irmão forneceu serão úteis, se for verdade.
Seus pais não podiam ser híbridos. Não sobrou nenhum, não depois
do grande expurgo.
Eu fiz uma careta ao abrir o relatório. Meus olhos se arregalaram
quando comecei a ler.
Eu olhei para cima, meu pai tinha um sorriso malicioso no rosto.
— Você nunca conheceu rebeldes naqueles anos atrás para falar sobre
reunificação, não é? Você estava apenas recebendo informações na
esperança de eliminá-los! — Eu exclamei.
Meu pai sorriu.
— Finalmente você entende, embora pela expressão em seu rosto
você não concorde. — Ele suspirou.
— Você me decepcionou, Gabriel. Quando matamos o último dos
híbridos e os humanos do nosso lado da fronteira, tínhamos grandes
esperanças de manter a raça lobisomem pura.
— É claro que aqueles idiotas do território ocidental não
concordaram. Por que fariam isso quando o rei Alfa tinha uma
companheira humana? Sua morte foi lamentável, mas não poderíamos
ter um rei Alfa com descendência híbrida.
— Então aquela pequena híbrida apareceu. O conselho tinha que
fazer algo. Então nós fizemos.
Eu engasguei e dei um passo para trás.
— O que... o que você fez?
Meu pai riu, realmente riu.
— Você mordeu a isca tão facilmente, Gabriel. Você chamou Zagan
para curar Samuel de seu lobo amargo. O conselho sabia que Zagan era
implacável. Ele deveria pegar aquela híbrida e matá-la.
— Ele sentiu o cheiro dela durante o almoço. Eu fiz uma ligação
mental com ela, sabendo que ela não estava pronta. Sua loba patética
tentou curar a dor de cabeça que eu dei a ela.
— Esse era o plano, enfraquecer sua loba para tornar a tarefa de
Zagan mais fácil. Samuel e Melissa foram apenas danos colaterais.
Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Meu pai. O
homem que eu amava e respeitava. Ele tinha feito isso, e agora ele faria
parte de um plano para aniquilar os humanos. Apenas para manter a
pureza dos lobisomens.
Eu virei minha cabeça quando ouvi o clique da porta. Dois grandes
lobos guerreiros apareceram, eles não eram meus, nem pertenciam à
matilha.
Antes que eu tivesse a chance de reagir, senti algo afiado me
apunhalando na nuca.
Minha visão imediatamente começou a embaçar e uma fraqueza
tomou conta do meu corpo.
— Wolfsbane e prata, — afirmou meu pai, — você se tornou um risco,
Gabriel.
Ele suspirou.
— Você é uma decepção, mas ainda é meu filho. Não vou deixar que
eles matem você, pelo menos não por enquanto.
— O menino em suas celas, por outro lado... já não é um problema, e
a filhote também estará fora de cena em pouco tempo.
— Agora que Zagan sabe que ela não é filha dele, ele também apoiará,
mas será vigiado de perto.
Eu balancei minha cabeça, isso não poderia estar acontecendo. A
única coisa que me segurava agora eram os dois guerreiros.
— Tire ele daqui, — meu pai rosnou.
Enquanto os guerreiros me arrastavam para fora do escritório do meu
pai, tudo que eu conseguia pensar era em Ellie. O conselho não tinha
jurisdição sobre a matilha ocidental.
Eu apenas rezei para a Deusa da Lua para que de alguma forma, eles a
mantivessem segura.
Capítulo 16
Clayton
Sentei-me na cadeira, olhando para a filhote. Hematomas já estavam
começando a se formar onde Joseph havia batido em seu rosto. O que
será que deu nele? Não apenas para bater nela, mas para matar o outro
filhote.
E daí se ela fosse uma híbrida. Ainda que fosse estranho ela ser imune
à prata, mas isso não era motivo para tentar matá-la. Ninguém em minha
matilha era aquele anti-humano ou anti-híbrido.
Ou pelo menos era o que pensava.
Foi uma das razões pelas quais meu pai nos tirou do controle do
conselho, depois da guerra. Especialmente depois do que eles fizeram à
rainha Luna. Isso foi desnecessário.
Eles deviam saber que a perda da companheira do rei o machucaria,
mas neste caso o matou.
Fiquei surpreso que mais matilhas não se juntaram a nós. Acho que
eles sentiram que de alguma forma havia segurança nos números.
Tínhamos a maior matilha e o maior território. Contudo, as outras
matilhas combinadas eram ainda maiores que nós.
Mas não fazia sentido. Por que ele mataria o menino sem saber ao
certo. A menos que ele fosse um traidor ou espião. Talvez trabalhasse
para Zagan, ele teria ficado furioso com a fuga.
Mas por que Zagan não os matou quando os tinha? Não fazia sentido
para ele fazer contato com alguém da minha matilha, apenas para matar
dois filhotes. Não, tinha que ser o conselho.
Eles estavam fixados na pureza da raça dos lobisomens, e para quê? A
Deusa da Lua escolhia nossos companheiros. Se ela escolheu um
humano como companheiro, devemos respeitar isso.
Eu balancei minha cabeça, incapaz de entender.
Eu queria questionar aquele desgraçado, descobrir o que estava
acontecendo. Eu não ia deixar esta pequena, entretanto, não até que eu
soubesse que ela ficaria bem.
Se o conselho estava tão desesperado para acabar com sua vida, isso
significava que havia algo especial sobre ela. Eu só não sabia o quê.
Eu fui tirado de meus pensamentos quando a ouvi gemer. Fui até a
cama e me sentei na beirada, acariciando suavemente seus cabelos.
Pareceu acalmá-la.
Eu não ficaria surpreso se ela estivesse tendo pesadelos, não depois de
tudo o que aconteceu. Eu não pude deixar de me perguntar de onde ela
era.
Eu duvidava muito que ela tivesse sido criada no lado lobisomem da
fronteira. Afinal, nenhum lobo sob o controle do conselho se atreveria a
tomar uma companheira humana.
Teria que ser um lobo muito forte que pudesse viver sem sua
companheira.
Alguém como meu tio. Quando os guerreiros do conselho mataram a
rainha Luna, meu tio conseguiu fazer sua companheira humana cruzar a
fronteira.
Embora fosse um Alfa, ele assumiu o papel de Beta do rei. Após a
morte do rei, e uma vez que a guerra acabou, ele desistiu de sua posição.
Não havia herdeiros e ele não queria o título de Alfa.
Ele agora vivia em uma pequena propriedade perto das montanhas. O
palácio do Rei Alfa estava perto, mas estava desabitado desde a morte do
rei.
Ninguém aceitaria o título de rei, de alguma forma não parecia certo,
considerando que o território dos lobisomens estava dividido em dois.
Foi quando meu pai entrou em cena. Não como rei, apenas como Alfa.
Ele era forte e conseguiu manter nossa matilha forte. Para todos
propósitos, havia agora três reinos. O conselho administra as matilhas, os
humanos e nós.
Eu me perguntei se o expurgo não teria acontecido se os humanos
não tivessem começado a ser tão agressivos conosco. Meu pai sempre
pregou que dois erros não fazem um acerto.
Eu estava inclinado a concordar com ele.
Talvez a guerra teria sido evitável se o rei não tivesse levado sua
companheira para morar no palácio. Ela era a filha mais velha da família
real humana.
Ele a arrebatou durante a noite e a levou de volta para seu palácio.
Eles deram ao rei um ultimato, devolva-a ou haveria guerra. Mas já era
tarde demais.
Ela não queria deixá-lo, e ele não tinha intenção de desistir de sua
companheira. Além disso, o vínculo de companheiro foi formado naquela
época.
É horrível pensar que foi nossa própria espécie que destruiu o último
membro da linha real. Ambos sobreviveram à guerra, apenas para serem
mortos pelas pessoas que deveriam ser seus protetores.
Eu olhei para cima quando a porta do quarto se abriu e Seth estava lá.
— Como ela está? — Ele perguntou.
Eu balancei a cabeça.
— Ok, eu acho. Ela tem estado um pouco inquieta, mas isso era de se
esperar, eu suponho.
Ele acenou com a cabeça em concordância.
— Por que você não descansa um pouco, eu vou sentar com ela por
um tempo, — ele ofereceu, enquanto entrava.
Eu levantei-me.
— Eu não vou descansar, Seth. Eu vou descobrir daquele bastardo por
que ele fez isso, — eu rosnei.
Seth suspirou.
— Eu realmente deveria ir com você, — ele olhou para o cachorrinho,
— mas alguém precisa ficar com ela.
Eu dei um tapinha em seu ombro enquanto caminhava em direção à
porta.
— Ela só confia em nós dois. A última coisa que quero é que ela
acorde no quarto com um estranho.
Pude ver que ele também não gostou da ideia. Eu também sabia que
ele queria dar uma surra em Joseph. Era melhor que ele ficasse aqui.
Eu não queria que ele matasse o desgraçado até que tivesse todas as
informações de que precisava.
Eu fui em direção às celas. Quando cheguei à grande porta de metal,
parei, acalmando meu lobo. Não era apenas o pensamento do que ele
tinha feito com os dois filhotes, que já era ruim o suficiente por si só.
Era a ideia de haver um traidor entre nós. Alguém que se alinhou com
os ideais do conselho. Embora tenha me enojado, meu lobo ficou com
raiva.
Empurrei a grande porta de metal e desci os degraus de pedra.
Dois dos meus melhores guerreiros estavam guardando a cela.
A cela não se parecia em nada com a que havíamos colocado Ellie.
Esta foi projetada para conter os piores criminosos.
As barras da cela estavam impregnadas de prata como as outras celas,
mas o prisioneiro, Joseph, neste caso, estava algemado à parede com
algemas de prata e com Wolfsbane.
Os guardas já haviam dado uma boa surra em Joseph. Não o suficiente
para matá-lo, mas o suficiente para deixá-lo com dor. Hematomas
cobriam seu rosto e corpo. Sangue seco tomava as suas narinas.
As algemas presas a seus pulsos, suspenderam-no alto o suficiente
para que seus pés não tocassem o chão.
Os guerreiros curvaram suas cabeças, então abriram a porta da cela.
Quando entrei na cela, ele não olhou para cima, então, com a palma
da minha mão, eu o acertei no rosto.
Seus olhos se abriram e ele me olhou desafiadoramente.
— Você tem uma escolha, Joseph, ou você me conta tudo e eu
concedo uma morte rápida, ou eu prometo que você estará implorando
para me contar tudo quando eu terminar com você, — eu rosnei.
Ele passou a língua pelos lábios.
— Mesmo se eu te contar, não vai mudar nada. Se eu morrer, haverá
outros. Ela nunca estará segura, — ele zombou.
Eu fechei minha mão em um punho e o soquei forte no peito, até que
ouvi um estalo retumbante.
— Quem, — eu rosnei.
Ele soltou um gemido de dor, então balançou a cabeça.
— Eu não sei quem eles são, eu juro.
Ele respirou fundo.
— O conselho, eles têm infiltrados aqui.
— Como eles enviam pedidos e informações? — Eu assobiei.
Ele lambeu os lábios novamente. Eu sabia que ele precisava de água,
mas ele não teria.
— Existem locais ao longo da fronteira, à beira do rio. Rochas, árvores
ocas. Os marcadores são colocados no topo, quando há informações a
serem fornecidas ou recebidas.
Eu concordei. Pelo menos eu poderia tentar impedir que a
informação fosse passada. Certificar-me de que meus guardas sejam
totalmente leais.
— Conte-me sobre os filhotes? Tudo que você sabe? — Eu rosnei
Ele respirou fundo.
— Ela fugiu do lado humano, ela não sabia que tinha uma loba.
Surgiu quando ela foi levada para a matilha da Lua Crescente.
Ele respirou fundo novamente e apertou a mandíbula de dor.
— O conselho descobriu. O pai do alfa conseguiu persuadi-lo a
chamar Zagan para levar o menino, ele tinha sido um problema. Um lobo
maldito.
Eu fiz uma careta.
— Não há nada que você possa fazer por um lobo maldito, além de
manter o lobo sedado ou controlado com um comando Alfa?
Joseph sorriu e acenou com a cabeça.
— Alfa Gabriel não sabia disso, ele pensava que os lobos malditos
eram um mito. Zagan o convenceu de que Dante costumava ser um.
Então ele o deixou levar o menino.
Eu o agarrei pela garganta e esmaguei sua cabeça contra a parede.
— E quanto à garota? E quanto a Ellie.
Joseph resmungou.
— Zagan ficou para o almoço, conheceu a garota, memorizou o
cheiro dela. Voltou mais tarde e a sequestrou. Ele deveria matá-la, mas
não o fez. Ele pensou que ela poderia ser sua filha.
Eu soltei a garganta de Joseph.
— Então ele é o pai dela! — Eu exclamei.
Joseph balançou a cabeça:
— Não. O Alfa Gabriel não parou de procurar, mas Zagan não o
deixou entrar no território. Ele pediu ao conselho um teste de
paternidade.
— Se ela não fosse sua filhote, eles iriam deixar Gabriel procurar. O
teste mostrou que ele não era seu pai. Então ele admitiu que ela escapou,
pela fronteira ocidental.
Eu estreitei meus olhos.
— Então quem é?
Joseph balançou a cabeça:
— Ninguém sabe.
Olhei por cima do ombro para um dos guerreiros e acenei para ele.
Ele me entregou uma seringa.
— Uma última coisa, — exigi, virando minha cabeça para Joseph, —
Por que você matou o menino?
Joseph suspirou.
— Eu não sabia qual era qual. Minhas ordens afirmavam que um era
um lobo maldito, o outro um híbrido. A menina parecia mais forte,
estava se recuperando mais rápido, então imaginei que o menino deveria
ser o híbrido.
Eu balancei minha cabeça.
— O que aconteceu com você, Joseph, o que aconteceu com o seu
juramento médico de não causar dano?
Ele revirou os olhos.
— Eu não faço mal aos lobisomens de raça pura, todos os outros são
apenas escória. Eles merecem morrer, — ele fez uma careta.
Eu balancei a cabeça.
— Sim, Joseph, e você também.
Tirei a tampa da agulha e enfiei em seu braço, antes de pressionar o
êmbolo.
Ele gritou de dor, o fedor do medo saindo dele em ondas.
— O que... O que você me deu? O que você fez? — Ele gritou,
enquanto seu rosto se contorcia de dor.
Eu dei um passo para longe dele.
— É prata líquida pura, Joseph. Vai lentamente abrir caminho pelo
seu corpo, queimando você de dentro para fora, — eu rosnei.
Observei seus dentes cerrarem e seus músculos enrijecerem.
— S... Você disse... Você disse que seria uma morte rápida, — ele
gaguejou.
Eu encarei ele inexpressivamente.
— Eu menti, — eu sibilei, enquanto me virei e o deixei na cela.
Enquanto eu subia as escadas, ouvi seus gritos. Assim que cheguei ao
topo, abri a grande porta de aço e fechei-a atrás de mim, grato que a
porta era à prova de som.
Eu não queria que seus gritos perturbassem nenhum dos filhotes
mais novos, especialmente a pequena Ellie.
Sabendo o que eu sabia agora, percebi que não poderia deixar aquela
filhote fora da minha vista. A única outra pessoa em quem confiava era
Seth. Eu tinha confiado em Joseph.
Por mais mal-humorado que ele pudesse ser, nunca percebi que ele
era um traidor. Eu me perguntei quem mais em minha matilha era um
traidor ou um espião.
A primeira coisa que eu precisava fazer era trazer a filhote para a
matilha, então eu ou Seth tínhamos que verificar a fronteira do outro
lado do rio. Verificar se há marcadores.
Precisava ver se alguma coisa foi deixada por eles, ou por outra pessoa
da minha matilha. Eu também precisava revistar os aposentos de Joseph.
Eu me perguntei se ele tinha guardado alguma das cartas que o
mensageiro do conselho havia deixado para ele.
Idealmente, o que eu gostaria de fazer é ficar de olho na fronteira. Ver
se conseguimos capturar um mensageiro e interrogá-lo, mas também
precisava descobrir sobre Ellie.
Ela estava sendo caçada apenas porque era híbrida ou havia outra
coisa.
Ainda não estava amanhecendo, e eu sabia que Seth não se importaria
em cuidar dela por um tempo. Eu fui para a biblioteca. Continha todos
os registros da matilha, datando de antes da guerra.
Eu queria descobrir se havia algum outro lobo ou híbrido que fosse
imune à prata. Como Joseph soube disso? Não me lembrava de ter
contado a ele. Eu me perguntei se Seth tinha.
Fui até os velhos diários encadernados em couro. As páginas ficaram
amarelas com o tempo. Escolhi um volume que incluía mais listagens
híbridas do que a maioria.
Do tempo dos meus pais ou mesmo do meu avô. Isso teria ocorrido
vários anos depois de nos revelarmos aos humanos. Nenhum lobo puro
poderia nascer com imunidade à prata.
Eu só precisava saber se isso era comum entre os híbridos. Não era.
Agora era como procurar uma agulha no palheiro.
Enquanto eu olhava alguns dos registros mais antigos, algo chamou
minha atenção. Outro híbrido que nasceu com imunidade à prata.
Eu olhei mais de perto os registros. A mãe era humana. Eu fiz uma
careta ligeiramente. A mãe não era apenas humana, mas também uma
bruxa branca. Eu fiz uma careta.
Eu não sabia nada sobre bruxas brancas, ou bruxas em geral. Eu sabia
que era uma coisa humana e feminina.
Voltei para as estantes, procurando por algo. Qualquer coisa. Eu
cheguei a outro beco sem saída.
Eu estava prestes a desistir de minha tarefa, antes mesmo de ela
começar. Contudo, um pensamento me ocorreu.
Se o registro fizesse uma anotação de companheiros humanos que
também eram bruxas brancas, eu deveria verificar algumas das entradas
mais recentes. Inscrições na época do meu pai e do meu avô.
Voltei para os registros da matilha. Procurando no índice por bruxas
brancas, havia apenas uma entrada.
Eu fui até a página, esta poderia ser a mãe de Ellie?
Olhando para o registro, eu engasguei
Eleonora — humana — bruxa branca — companheira de Alexandre
— Beta do rei Francisco.
Isso era possível? Alexander ou tio Alexander como eu o conhecia.
Sua companheira evitou o expurgo quando ele a mandou de volta. Ela
estava grávida ou eles esconderam a criança.
É por isso que ele a enviou através da fronteira para ficar com os
humanos?
No entanto, ela não poderia ser a mãe de Ellie. Qualquer filho que ela
tivesse teria mais ou menos a mesma idade que eu, na casa dos trinta.
Mas a criança, se houvesse uma, poderia ser um dos pais de Ellie.
Precisávamos falar com meu tio. Ellie era parente da minha família.
Depois de tudo que ela passou, ela finalmente voltou para casa?
Eu rapidamente liguei para meu Gama.
Preciso organizar uma cerimônia de união o mais rápido possível.
Ele não respondeu imediatamente, ele poderia ser outro traidor? Eu
rapidamente me repreendi. Eu não podia suspeitar de cada membro da
matilha. Afinal. Joseph poderia estar mentindo.
Depois do que pareceu uma eternidade, mas na verdade foram menos
do que alguns instantes, ele respondeu.
— Claro, Alfa. Isso é para os filhotes que foram trazidos na outra
noite?
Suspirei, é claro que nem todo mundo sabia o que Joseph tinha feito.
Talvez isso funcione a meu favor. Na cerimônia de adesão, eu contaria a
todos o que ele havia feito.
É claro que isso alertaria qualquer outra pessoa, mas também
significava que qualquer pessoa que trabalhasse para o conselho iria
querer informá-los. Podemos até ser capazes de pegá-los em flagrante.
— Sim, eu quero que todos os membros da matilha nas proximidades
compareçam. Os membros remotos nas outras cidades precisam receber
uma transcrição de meu discurso.
Esperei um pouco mais pacientemente desta vez.
— Claro. Alfa, vou marcar para o meio-dia na área de reunião
principal.
Eu sorri. Tudo estava indo bem. Eu ficaria com a filhote esta manhã, e
enviaria Seth para a fronteira para verificar qualquer anomalia.
Assim que ele voltasse, ele poderia revistar os aposentos de Joseph,
então nós dois poderíamos assistir à cerimônia de união com Ellie.
Esperaríamos alguns dias, de olhos abertos para a entrega de
mensagens de qualquer outro espião. Então faríamos uma viagem com
Ellie para ver meu tio.
Nesse ínterim, eu teria uma conversa com a filhote.
Ela estava bem na defensiva e não era particularmente acessível com
informações, mas agora que eu sabia um pouco, ela pode perceber que
era inútil esconder coisas.
Quanto mais ela pudesse me dizer, mais fácil seria entender qual era
o plano do conselho.
Voltei para o meu apartamento, ainda estava escuro às quatro da
manhã. A única luz que consegui ver brilhava por baixo da porta do
quarto de hóspedes onde coloquei Ellie.
Eu silenciosamente abri a porta.
Seth olhou para cima, assim que a porta se abriu, pude ver seu lobo
pairando perto da superfície, apenas pela cor de seus olhos. Eu não pude
deixar de sorrir para mim mesmo.
Ele queria protegê-la tanto quanto eu.
Ele estava sentado na cama, não na cadeira. Sua mão descansando em
sua cabeça, acariciando suavemente sua testa com o polegar.
— Ela está bem? — Sussurrei, esperando não acordá-la.
Seth acenou com a cabeça.
— Ela teve um pesadelo, isso parece acalmá-la.
Eu acenei para ele vir para mim. Ele se levantou com cuidado para
não acordá-la.
— Joseph está morto, — comecei, minha voz baixa, — ele estava
trabalhando para o conselho.
Seth revirou os olhos e balançou a cabeça.
— Eu preciso que você vá e verifique a fronteira. Eles estão trocando
mensagens do outro lado do rio. Observe as pedras, troncos ocos, esse
tipo de coisa.
— Se há uma mensagem, deve haver algum tipo de marcador, —
aconselhei.
Seth franziu a testa.
— Se Zagan a tinha, por que ele não a matou? Não era isso que o
conselho queria?
Eu balancei a cabeça.
— Zagan pensava que ela era sua filha.
— Eu sou? Ele é meu pai?
Nós dois viramos nossas cabeças quando ouvimos a voz de Ellie.
Ela estava apoiada nos cotovelos. Eu podia ver a expressão de
desespero em seu rosto, junto com o tremor em sua voz.
— Vá! — Sussurrei para Seth.
Ele hesitou por um momento, mas obedeceu, fechando a porta atrás
de si ao sair do quarto.
Fui até a cama e me sentei na beirada.
— E... Ele ficava me chamando de filha, — ela gaguejou, — todo mês
quando ele me convidava para entrar em sua matilha. Toda vez que eu
dizia não, Dante me batia e me acorrentava por três dias sem comida ou
água.
Uma lágrima escorreu por sua bochecha. Não achei que fosse por
causa da memória, mas por causa do pensamento de que Zagan poderia
ser seu pai.
Eu segurei sua bochecha em minha mão e gentilmente enxuguei a
lágrima com meu polegar.
— Ele não é seu pai. Eu te prometo isso.
Ela baixou os olhos.
— Achei que meu pai era o homem que me criou, mas ele era humano
e minha mãe também.
Ela olhou para cima, as lágrimas ainda escorrendo de seus olhos.
— É por isso que eles me entregaram? Porque eu não era dele?
Meu coração partiu por ela. Nenhum filhote deveria ter passado pelo
que ela passou. Eu só sabia fragmentos. E o que aprendi com Joseph.
Mas eu sabia que ela estava sendo perseguida pelo conselho, tudo
porque ela nasceu híbrida.
Eu segurei seu pequeno rosto em minhas mãos.
— Eu não sei, querida, mas eu vou descobrir, eu prometo. E até que
eu faça, vou protegê-la.
Ela colocou as mãos nas minhas e as puxou para longe do rosto. Eu
poderia tê-la impedido, mas não o fiz. Eu a deixei afastar minhas mãos.
Ela balançou a cabeça.
— Isso é o que todo mundo diz, — ela murmurou, — mas sempre
quebram suas promessas.
Ela me olhou nos olhos e sua expressão de repente ficou dura. Dura
demais para uma filhote.
Ela rapidamente enxugou as lágrimas restantes com as costas da mão.
— Não faça promessas que você não pode cumprir, — ela fez uma
careta.
Suspirei. Levaria mais do que algumas palavras gentis para quebrar
suas barreiras. Muitas pessoas a decepcionaram. Nem sempre
intencionalmente, mas mesmo assim.
Eu faria tudo ao meu alcance para não ser apenas outra,
especialmente vendo que havia uma chance de que ela pudesse ser da
família.
Se meu tio fosse avô dela, isso me tornaria seu primo. Se eu fosse sua
família, não me importava com quem fosse seu outro pai. Ela teria uma
casa aqui.
— Deite. Ellie, e vá dormir. Você tem um grande dia amanhã, — eu
disse, ignorando seu último comentário.
Ela franziu a testa.
— Por quê? O que está acontecendo?
Eu olhei para ela e sorri.
— Seu castigo, lembra? Você vai se juntar à minha matilha.
Ela olhou para mim e bufou, enquanto se deitava.
Ela rolou para o lado, trazendo os joelhos contra o peito.
Puxei a coberta para que ficasse em volta do pescoço e beijei-a
suavemente na têmpora.
— Eu te odeio, — ela resmungou.
Eu não pude deixar de rir.
— Durma bem, pequena loba, — eu sussurrei enquanto me sentava
na cadeira, mantendo um olhar atento sobre meus próximos passos.
Capítulo 18
Seth
Eu não queria deixá-la. Não sei por quê. Talvez porque ela parecia tão
vulnerável. Talvez porque fui eu quem a encontrou. Mas Clayton era meu
Alfa. Eu tive que obedecê-lo.
Eu tinha que ver o que estava em jogo, e o que estava em jogo era a
conspiração do conselho. Mas por quê? Eu sabia que eles odiavam
humanos e híbridos. Talvez ela fosse a última de sua espécie. O último
híbrido. Mas como?
A fronteira já existia há quase quarenta anos. Antes da minha época e
dela. Eu sabia do expurgo do conselho. Todo mundo sabia. Foi ensinado
nas escolas, tanto aqui como em território controlado pelo conselho.
Tentei tirar isso da minha mente enquanto tirava minhas roupas.
Senti meus ossos quebrarem enquanto me mexia. Era bom estar na
forma de lobo.
Eu não tinha me transformado desde que encontrei Ellie na caverna,
e gostava de deixar meu lobo correr todos os dias.
Eu deixei meu lobo assumir o controle enquanto nos dirigimos para o
rio. A terra deste lado era nossa e o outro lado pertencia à matilha de
Zagan.
Não era um grande risco entrar em suas terras, desde que não
houvesse patrulhas por perto.
Assim que chegamos ao rio, fiquei do nosso lado. Farejei o ar na
direção da fronteira. Não consegui sentir o cheiro de sua matilha, mas
senti o cheiro de outra coisa. Algo não estava certo.
Eu entrei no rio. Era uma espécie de terra de ninguém. Não pertence
a nenhuma matilha. Eu levantei meu nariz para o ar novamente. Por que
eu podia sentir o cheiro de uma rosa aqui?
Elas não cresciam aqui, e ninguém as cultivaria a menos que fosse em
um jardim.
Eu segui o cheiro, e vi. Uma única rosa vermelha desabrochava no
toco de uma árvore. Eu rapidamente levantei meu nariz novamente,
verificando se havia outros lobos, tanto na forma humana quanto na
forma de lobo.
Não havia nenhum, então eu rapidamente me transformei.
Cruzei o rio e fui até o tronco.
Inteligente, marcando algo com uma flor. Se você não estivesse
procurando por algo, provavelmente não teria notado.
O tronco da árvore tinha um buraco na lateral, grande o suficiente
para caber uma mão. Empurrei minha mão para dentro, tateando com as
pontas dos dedos. Então eu senti.
Se eu não estivesse procurando por algo, poderia ter parecido uma
folha, ou algum outro detrito, mas eu soube o que era assim que toquei
nele. Um pedaço de papel dobrado.
Eu puxei para fora e agarrei-o na minha mão. Então peguei a rosa.
Pensei que poderíamos plantar um documento falso. Se o fizéssemos, eu
precisaria de um marcador.
Eu cruzei o rio rapidamente. Eu estava de volta ao nosso próprio
território. Se quem quer que tenha deixado agora descobriu que a
mensagem sumiu, eu me pergunto se eles estariam esperando uma
mensagem em troca.
Uma vez que estava longe o suficiente da fronteira, olhei para a
mensagem:
Ameaça Alfa erradicada. Irmão eliminado. Confirme a eliminação da
híbrida.
Eu fiz uma careta, o que isso significa. Com sorte, Clayton saberia.
Agora eu tinha que voltar e revistar os aposentos de Joseph. Talvez ali
conseguiríamos mais da história se ele tivesse mantido as mensagens
anteriores.
Quando voltei, o sol começava a nascer. Continuei pensando no
bilhete. O que queriam dizer com a ameaça Alfa ser erradicada? E o
irmão de quem foi eliminado?
Ellie tinha um irmão ou era Sammy? A cada passo parecia que
tínhamos mais perguntas do que respostas.
Eu rapidamente vesti as roupas que havia escondido na entrada da
casa da matilha.
Em vez de ir para os aposentos de Joseph, voltei direto para o
apartamento de Clayton. Ainda era cedo, então imaginei que ele ainda
estaria sentado com Ellie.
"Eu encontrei algo na fronteira, estou trazendo até você."
Eu fiz uma ligação mental com ele.
A última coisa que ele precisava era pensar que um intruso estava em
seu apartamento. Principalmente com o que aconteceu ontem à noite.
Tentei abrir a porta, mas estava trancada, então bati suavemente. Eu
ri para mim mesmo. Eu não tinha certeza se a porta estava trancada para
manter os intrusos fora ou se era para Ellie ficar dentro.
Eu ouvi um movimento do outro lado da porta e Clayton a abriu.
Ele se afastou para me permitir entrar.
— O que você achou? — Ele perguntou.
Passei a ele a rosa e o bilhete.
Ele ergueu as sobrancelhas para a flor.
— Este é o sinal, — expliquei.
Ele revirou os olhos.
— Inteligente... mas não inteligente o suficiente para enganar você, —
ele sorriu.
Então ele olhou para a nota e franziu a testa.
Antes de dizer qualquer coisa, ele olhou por cima do ombro em
direção ao quarto, então ele baixou a voz.
— Joseph disse que o Alfa Gabriel do matilha da Lua Crescente ainda
estava procurando por ela, essa deve ser a ameaça do Alfa. Não sabemos
nada sobre um irmão?
— Pode ser que ela tenha um, ou pode ser que o outro filhote tenha
um. Ellie saberia, mas não quero incomodá-la de qualquer maneira.
Parece que eles estão esperando uma resposta.
Eu concordei.
— Eu irei e revistarei seu quarto. Vererei se consigo encontrar mais
mensagens.
Clayton olhou para trás novamente e sorriu.
— Eu organizei a cerimônia para juntá-la à matilha... ela não ficou
muito impressionada. Ela acha que é algum tipo de punição. Mal sabe ela
que provavelmente estamos salvando a vida dela.
— Ela é um pouco agressiva, você acha que pode lidar com ela, ou vai
deixar uma das famílias adotá-la?
Clayton balançou a cabeça.
— É muito arriscado, Joseph disse que havia outros, mas ele não sabia
quem. Acho que dependerá de você e de mim até que saibamos em quem
podemos definitivamente confiar.
Eu balancei a cabeça e me virei para sair, mas parei quando o ouvi
chamar meu nome.
— Seth? Acho que há uma possibilidade de que ela seja parente do
meu tio.
Eu me virei para olhar para ele e fiz uma careta.
— O que te faz pensar isso? — Perguntei.
Clayton suspirou.
— A única maneira que um lobo híbrido pode ser imune à prata, é se
um de seus ancestrais fosse uma bruxa branca. Eu verifiquei os registros,
Seth.
— A única companheira humana que era uma bruxa branca era
Eleonora. A companheira de meu tio.
Eu o encarei.
— Como isso é possível? Ela não podia ser a mãe dos filhotes. Seu tio e
ela não tiveram filhotes.
Clayton encolheu os ombros.
— Não sei, mas acho que precisamos fazer uma viagem para as
montanhas em alguns dias com Ellie. Falar com meu tio.
Eu concordei. Isso se seu tio ainda estivesse vivo. Não tínhamos
notícias dele há séculos.
— Vou verificar os aposentos de Joseph. Que horas é a cerimônia?
— Meio-dia, — Clayton respondeu, — antes disso, preciso levá-la para
ver Veronica, ver se podemos descobrir por que sua loba ainda está
dormindo.
Fui em direção aos aposentos de Joseph, que ficavam no andar abaixo
do nosso. Clayton se certificou de que estava trancado. Só ele e eu
tínhamos a chave.
Eu duvidava que alguém fosse estúpido o suficiente para invadir,
mesmo se estivessem trabalhando para o conselho. Eu tinha minhas
dúvidas se havia mais alguém, mas não custava ser cauteloso.
Como diabos deveríamos descobrir?
A única maneira seria usar Ellie como isca. Não gostava da ideia e
duvido que Clayton também gostasse.
Assim que entrei, comecei a olhar em volta. Era espartano.
Basicamente, um quarto com banheiro privativo e área de estar. A área de
estar era básica. Um sofá, algumas estantes de livros, uma TV e uma
escrivaninha.
Havia também um pequeno refrigerador que continha álcool.
Comecei a olhar as estantes de livros, verificando os livros para ver se
havia alguma anotação. Mas nada.
Em seguida, comecei a olhar em cima da mesa. Ela era antiga, feita de
algum tipo de madeira. De cerejeira, pensei. Nenhuma das gavetas ou
armários estava trancada, mas mais uma vez não havia nada de útil ali.
Eu parei no meio da sala e suspirei.
Deve haver algo em algum lugar. Então olhei para a mesa novamente.
Inclinei minha cabeça para um lado, quando uma memória veio à tona.
Minha mãe costumava me contar, quando eu era pequeno, sobre os
humanos da antiguidade que faziam móveis. Tinham o hábito de criar
compartimentos secretos para esconder coisas.
Não conseguia lembrar o nome, mas não era esse o ponto. Era uma
mesa velha. Ele poderia ter um compartimento secreto?
Fui até a escrivaninha e reexaminei as gavetas. A parte de trás de uma
das gavetas parecia diferente quando eu bati nela. Comparando-a com a
do outro lado, parecia menor.
Eu a retirei e a quebrei, para revelar várias pequenas mensagens. Eu as
juntei rapidamente. A maioria estava com a mesma caligrafia que eu
havia recuperado esta manhã. Eu tinha tirado a sorte grande.
Sentei-me e comecei a lê-las, tentando colocá-las em algum tipo de
ordem cronológica.
Dois filhotes. Um híbrido. Um com lobo maldito. Cruzou sua fronteira.
Zagan pode ser pai.
Confirmado. Zagan não é o pai. Eliminar híbrido agora.
Plano de fronteira indo em frente.
Confirme a eliminação o mais rápido possível
Eu olhei para as notas e balancei minha cabeça. Qual plano para a
fronteira? O conselho estava planejando nos atacar? Tinha de informar
Clayton sem alarmar o filhote.
Decidi que a aposta mais segura era uma ligação mental.
"Clayton, encontrei mais notas. Acho que eles podem estar planejando nos
atacar."
Clayton respondeu quase imediatamente.
"Encontre-me no hospital, traga as mensagens."
Fui direto para o hospital. Achei que Veronica estava checando Ellie.
Tentando descobrir por que sua loba ainda estava dormindo.
Ao entrar, vi a filhote sentada na cama. Ela não parecia feliz.
Ela olhou para mim quando entrei pela porta, então pisquei para ela.
Ela apenas continuou me encarando.
Clayton olhou para ela e sorriu.
— Eu vou falar com Seth, apenas tente se comportar, — ele
repreendeu.
Ela fez uma careta para ele.
Clayton se aproximou de modo que estivéssemos fora do alcance de
sua voz.
Eu mostrei a ele as mensagens.
— O que diabos eles estão planejando?
Ele rosnou.
Dei de ombros:
— Não sei, mas acho que seria sensato chamar a reserva.
Clayton acenou com a cabeça.
— Faremos isso logo após a cerimônia. Se eles estão planejando tentar
tomar nosso território, vai demorar um pouco para reunir forças.
— Eles também terão que aprovar em uma reunião do conselho e
informar os grupos. Isso funcionará a nosso favor. Eles terão que fazer
todas as matilhas concordarem.
— Matar híbridos é uma coisa, começar uma guerra é outra.
Eu balancei a cabeça, então olhei para a filhote.
— Por que essa cara? — Eu perguntei a Clayton, — você perguntou a
ela se ela ou o outro filhote tinha um irmão?
Clayton deu uma risadinha.
— Não, ela está carrancuda desde que eu disse a ela que ela se juntaria
à nossa matilha hoje. Fazê-la usar um vestido também não ajudou.
Eu olhei de volta para ela. Eu não tinha notado até agora. Se não fosse
pela carranca em seu rosto, ela pareceria muito doce.
Clayton revirou os olhos.
— Nem cogite imaginar que ela é uma garotinha doce, Seth. Você viu
o que ela fez com a pobre Olivia.
— Mas então, se ela não fosse durona, provavelmente não teria
sobrevivido e, se houvesse uma guerra no horizonte, ela teria que ser
mais durona ainda.
Capítulo 19
Ellie
Fiquei aliviada por Zagan não ser meu pai. Eu não pensei que ele
fosse, mas sempre houve aquela preocupação persistente no fundo da
minha mente.
Se fosse, eu não tinha dúvidas de que, apesar das promessas, eu
acabaria voltando. De volta ao seu castigo e brutalidade. Só que desta vez
eu não teria Sammy e duvidava que sobreviveria.
Então, quando eu estava me sentindo um pouco aliviada, Clayton
teve que estragar tudo. Lembrando-me da minha punição. Tinha que me
juntar à sua matilha.
Eu disse a ele que o odiava. Isso provavelmente não era totalmente
verdade, até que ele riu. Então eu o odiei. Principalmente porque, mais
uma vez, tive minha liberdade tirada de mim. Depois de tudo que sofri.
Depois de tudo que as pessoas fizeram comigo, ainda não tinha
liberdade para escolher o que queria. Eu sabia que ainda era jovem. Que
idade eu realmente tinha, não fazia ideia. Esse não era o ponto.
Mais coisas aconteceram comigo em um curto período do que muitas
pessoas teriam em uma vida inteira.
Sinceramente, eu só queria que as pessoas me deixassem em paz.
Quando acordei, era de madrugada. Clayton ainda estava sentado na
cadeira olhando para mim.
Eu revirei meus olhos. Principalmente porque eu o achei estúpido.
Não era como se eu pudesse escapar, e em parte porque eu sabia o
quanto isso irritava os lobisomens de alto escalão.
Talvez se eu o irritasse o suficiente ele se cansaria de mim também.
Eu não poderia ter essa sorte. Ele apenas olhou para mim e sorriu.
— Se você for estúpido o suficiente para ficar olhando para alguém a
noite toda em vez de ir para a cama, isso depende de você! — Eu
provoquei.
Observei quando ele se levantou e deu um passo em minha direção.
Eu não pude evitar, mas recuei. Pensando que o tinha provocado
demais, chamando-o de estúpido. Ele não tinha me batido ainda, mas eu
sabia pelo tamanho dele que se ele o fizesse, doeria.
Muito mais do que o médico, ou mesmo Dante. Eu só queria que ele
ficasse irritado o suficiente para não se importar se eu estava aqui ou não.
Assim que ele me viu estremecer, ele parou.
— Você teve uma concussão, tivemos que ficar de olho em você, —
afirmou.
Ele se afastou da cama e foi até o guarda-roupa. Parecia que eu nem
conseguiria escolher as roupas que usaria hoje.
Eu balancei minhas pernas para o lado da cama. Apesar do golpe na
minha cabeça, não me senti tonta. Só um pouco dolorida.
Clayton olhou para trás.
— Onde você está indo? — Ele perguntou.
Eu não pude evitar. Eu revirei meus olhos.
— Preciso ir ao banheiro. Tudo bem? — Eu bufei.
Ele acenou com a cabeça e voltou ao que estava fazendo.
— Não tome banho. Você não vai querer molhar suas bandagens.
Soltei um suspiro e fui para o banheiro.
Em vez de tomar banho de chuveiro, decidi preparar um banho. Eu
estava me sentindo um pouco dolorida. Provavelmente era o efeito de ser
jogada contra a parede.
A água estava quente e calmante. Também significava que a
bandagem na minha mão não ficaria molhada.
Só quando saí é que percebi que não tinha roupas.
Então me dei conta de que em algum momento na noite passada
entre Clayton me carregando e eu adormecer minhas roupas foram
removidas e substituídas por uma camisa macia.
Era exatamente igual ao que eu estava quando acordei pela primeira
vez.
Peguei uma toalha e a enrolei em mim. Abrindo a porta do banheiro,
espiei o quarto.
Clayton estava sentado na cama.
— Finalmente, — ele suspirou, — quero que você use isso hoje.
Eu olhei para o vestido na cama e balancei minha cabeça.
— Eu não vou usar isso. Eu não vou usar um vestido, — eu fiz uma
careta.
Clayton cruzou os braços.
— Você vai, e eu mesmo vou vesti-la se for necessário. Agora coloque
e ande logo, eu já fiz o café da manhã.
Ele se virou e saiu da sala antes que eu tivesse a chance de responder.
Eu bufei. Talvez eu devesse ter pedido uma surra em vez disso.
Eu encarei o vestido. Faz dois anos que não uso um vestido. Não
desde que Zagan me levou. Eu só sabia lutar, não ser uma garotinha
perfeita. Eu rapidamente coloquei o vestido.
O material era macio, não muito diferente das camisas que eu usava.
Olhei para os sapatos que ele havia deixado ali perto. Eu também não
usava sapatos há dois anos.
Saí da sala e me dirigi para a área da cozinha.
Clayton me observou enquanto eu caminhava em direção ao balcão
de café da manhã.
— Você está bonita, mas não está usando sapatos, — observou ele.
Eu sentei em um dos banquinhos.
— Não, eu não estou. Não uso sapatos há dois anos.
Clayton colocou um prato de comida na minha frente.
— Você nem sempre vai ter que vestir o que eu peço, só hoje. Juntar-
se à matilha é uma ocasião especial.
Peguei um pedaço de bacon que estava no prato e coloquei na boca.
Eu olhei para Clayton.
— Para quem? — Eu bufei.
Clayton suspirou e colocou um copo de suco de laranja ao lado do
meu prato.
— Todo o mundo. Você pode não pensar assim agora, mas será bom
para você também.
Eu duvidava muito disso, mas não estava realmente em posição de
discordar.
Peguei outro pedaço de bacon e comecei a comê-lo. Pelo menos agora
eu estava conseguindo comida. Talvez eu deva apenas esperar um pouco.
Quando eu ficasse maior e mais forte, eu iria embora.
Eu realmente não pertencia a nenhum dos dois lugares. Eu não era
humana e não era uma lobisomem. Eu me perguntava se havia outros
como eu.
Fiquei perturbada com minhas reflexões.
— Você realmente deveria usar garfo e faca, Ellie, — ele repreendeu,
— você não pode comer ovo com os dedos.
Eu olhei para o prato, e depois para Clayton.
— Não sei como, além disso não gosto de ovos.
Clayton pegou o prato.
— Vou encontrar outra coisa para você, — ele ofereceu.
Eu agarrei a borda do prato e balancei minha cabeça.
— Está bem. Vou comer o bacon e o que quer que seja.
Apontei para outro pedaço de comida, era comprido e marrom. Eu
peguei um deles e o mordi. Era bom.
Clayton sorriu.
— É chamado de salsicha.
Eu olhei para a salsicha e balancei a cabeça. Guardando na memória
como tudo o mais que me haviam dito.
Clayton caminhou atrás de mim. Alcançando-me por trás, ele pegou
minhas mãos nas suas.
— Deixe-me mostrar a você, — ele sugeriu.
Ele colocou a faca em uma mão e o garfo na outra. Segurando
suavemente minhas mãos, ele espetou uma salsicha com o garfo e cortou
o resto com a faca.
— Agora coloque a salsicha que está no garfo em sua boca. — ele
instruiu, enquanto tirava suas mãos das minhas.
Eu fiz o que ele sugeriu. Era realmente simples. Por que eu não sabia
dessas coisas?
Ele deu a volta atrás do balcão do café da manhã, então ele ficou na
minha frente. Eu apenas encarei o prato, concentrando-me em cortar a
salsicha.
A mão de Clayton se esticou e tirou uma mecha de cabelo do meu
rosto.
Eu olhei para ele.
— Não se envergonhe, Ellie, — ele começou, — não é sua culpa,
nunca haviam te mostrado como fazer. Essa é uma das razões pelas quais
quero que você se junte a nós. Então, podemos te ensinar.
Suspirei e peguei o copo de suco.
Maldito seja por ser tão gentil. Eu não estava acostumada com isso.
Ninguém nunca foi gentil, pelo menos não por muito tempo. Meus
pensamentos se voltaram para Gabriel. Ele foi gentil. Eu tirei o
pensamento da minha mente. Ele tinha sido. Então ele me abandonou.
Não duvidei por um minuto que Clayton faria o mesmo. Eu não
podia ficar mole só porque alguém era gentil.
Eu tinha que ser dura. Mais resistente do que antes, porque desta vez,
quando ele me abandonasse, eu estaria sozinha.
Depois que terminei de comer, Clayton me levou ao hospital. Acho
que foi uma espécie de meio-termo, porque embora eu tivesse de usar o
vestido, ele não me obrigou a calçar os sapatos.
A mulher da noite anterior estava nos esperando. Ela sorriu quando
entramos, embora parecesse um pouco nervosa.
Clayton imediatamente levantou as mãos em sinal de rendição
simulada quando ela olhou para ele.
— Eu prometo, Veronica, eu não esqueci. Vou cuidar disso depois da
cerimônia de hoje.
Ela acenou com a cabeça, bufando.
Clayton me guiou até uma cama de exame. Antes que ele tivesse a
chance de me levantar, como ontem, eu pulei nela.
Ele parecia um pouco desapontado, mas eu não me importei. Se eu
não conseguisse subir em uma cama, nunca conseguiria cuidar de mim
mesma quando partisse.
— Vamos dar uma olhada, está bem? — Veronica sugeriu.
Eu apenas me sentei lá, eu sabia que não tinha muita escolha.
Ela olhou para o ferimento na minha cabeça depois de tirar o
curativo. Em seguida, ela tirou o curativo na minha mão e examinou os
hematomas em meu rosto.
Ela assentiu.
— A sua loba ainda está dormindo? — Ela perguntou.
Eu concordei. Essa foi a única coisa que me preocupou. Eu não
conseguia acordá-la.
Veronica olhou para Clayton com uma expressão preocupada no
rosto.
— Uma palavra. Clayton?
Ele acenou com a cabeça e eles caminharam para o outro lado da sala.
Por mais que tentasse, não conseguia ouvir o que diziam. Eu me
perguntei, se Nix estava acordada, se ela seria capaz de me ajudar a ouvir.
Mas ela não estava, e eu não conseguia acordá-la.
Depois de alguns momentos, os dois voltaram para onde eu estava
sentada. Eu olhei para os dois com desconfiança.
— Eu só preciso tirar um pouco de sangue. — Veronica insistiu.
Passei meus braços em volta do meu corpo. O vestido não tinha
mangas, então não pude nem cobrir minha pele. Memórias de Erik e
minha primeira visita ao hospital vieram à tona.
Eu balancei minha cabeça.
— Por favor, não, — implorei.
Qualquer pensamento de ser durona voou pela janela. Percebi que
mais uma vez eu era pequena e eles eram grandes.
Eu poderia lutar o quanto quisesse, mas no final eles fariam o que
quisessem de qualquer maneira.
Eles não pareciam do tipo que teriam prazer em me fazer sofrer. Não
como Dante ou o comandante tinham feito. Ainda assim, eu mal os
conhecia.
Clayton se aproximou e se sentou ao meu lado na cama. Ele estendeu
a mão e agarrou meus ombros suavemente. Eu não pude deixar de
enrijecer. Fechei os olhos, desejando estar em outro lugar, em qualquer
outro lugar.
— Nós só queremos descobrir por que sua loba não acorda, e nos
certificar de que você não está com nada, — ele sussurrou.
Eu balancei minha cabeça. Olhei para Clayton, tentando conter as
lágrimas que ameaçavam cair.
— Ela só está cansada, — murmurei, olhando para o chão, — ela vai
acordar logo.
Tentei parecer convincente, embora mal conseguisse me convencer.
Clayton se levantou, ele gentilmente colocou o dedo sob meu queixo.
— Dê seu braço a Veronica. — ele exigiu.
Eu podia sentir o domínio e o poder por trás de seu comando. Foi
como quando Gabriel exigiu que eu fosse até ele, na noite em que eu iria
fugir.
Eu não obedeci naquela hora, e não iria obedecer agora.
— Não! Eu não vou, — eu gritei.
Eu estreitei meus olhos e olhei para ele.
Ele pareceu surpreso. Veronica parecia chocada. Agora eles sabiam.
Gabriel o havia chamado de comando Alfa. Isso me surpreendeu um
pouco também, porque Nix estava dormindo nas duas vezes. A menos
que não tenha nada a ver com minha loba, talvez tenha a ver comigo.
Eu estava distraída quando ouvi a porta abrir. Era Seth. Ele piscou
para mim. Não entendia bem por que fazia isso. Talvez ele também
soubesse de algo. Eu olhei para ele.
Clayton olhou para mim e sorriu.
— Eu vou falar com Seth, apenas tente se comportar, — ele
repreendeu.
Eu o observei se aproximar, olhando para os dois, enquanto olhavam
na minha direção de vez em quando.
— Escute. Ellie, — Veronica começou.
Eu parei de olhar para Seth e Clayton, focando meu olhar nela em vez
disso.
Ela apenas sorriu.
— Eu sei que isso é difícil para você, querida. Acho que o outro
médico, Joseph, pode ter lhe dado algo para fazer seu lobo dormir. Só
preciso descobrir isso para que possamos consertar.
Eu fiz uma careta. A única coisa que eu conseguia pensar era que ele
tinha me dado Wolfsbane de alguma forma, como Zagan tinha.
— O que você vai fazer? É assim que ele matou... — minha voz falhou,
saindo apenas soluços enquanto eu engolia um caroço que estava se
formando na minha garganta.
Eu não conseguia pensar em Sammy sem ficar chateada.
Veronica sorriu suavemente. Tinha um olhar não de pena. Outra
coisa que não reconhecia.
— Talvez, — ela acalmou, — seja por isso que eu preciso da amostra
de sangue para verificar. Pode ser apenas Wolfsbane, ou pode ser outra
coisa.
Isso não traria Sammy de volta, mas poderia ajudar a acordar Nix. Eu
sinto falta dela.
Eu estendi meu braço e desviei o olhar.
— Faça isso rápido, — eu murmurei.
Capítulo 20
Ellie
Não vou mentir, doeu quando a agulha entrou no meu braço. Fiquei
tentado a gritar "ai", mas em vez disso cerrei meus dentes e meu punho.
Isso me lembrou de quando cortei a mão de Sammy com uma pedra.
— Você acabou de ser chicoteado e está reclamando de um pequeno
arranhão na sua mão.
Aqui estava eu fazendo exatamente o mesmo. É hora de se preparar.
Eu estive em situações piores do que esta, muito piores.
— Pronto, está tudo pronto, — Veronica me acalmou enquanto
colocava algo sobre o buraco que tinha feito com a agulha.
Eu olhei para ele. Não havia nem sangue.
Observei enquanto ela caminhava até um banco. Mexendo no
recipiente que continha meu sangue.
Eu vi Clayton se juntar a ela, ele estava olhando atentamente para o
que ela estava fazendo. De vez em quando, ela balançava a cabeça.
Suspirei e pulei da cama. Eu mal me movi, e Seth estava parado ao
meu lado.
— E onde você pensa que está indo, lobinha? — Ele perguntou.
Eu revirei meus olhos.
— Estou farta de ser o experimento dos outros, — resmunguei, —
então estarei em qualquer lugar, menos aqui.
Seth pousou a mão no topo da minha cabeça, mas eu o afastei.
— E eu não sou nenhum tipo de animal de estimação para você
acariciar também, — eu sibilei.
Eu o ouvi suspirar.
— Sente-se naquela cadeira então, tenho certeza que Clayton
terminará em breve.
Ele olhou para os meus pés.
— Você quer que eu vá procurar alguns sapatos para você?
Eu olhei de volta para ele e cruzei meus braços abruptamente sobre
meu peito.
— Não, eu não quero.
Ele suspirou e eu observei enquanto ele se dirigia para Clayton e o
médico. Ambos ainda falavam em sussurros conspiratórios. De vez em
quando, um deles olhava em minha direção.
Quando Seth os alcançou, ele deve ter dito algo para eles, pois os dois
olharam em minha direção.
Eu estreitei meus olhos e os encarei.
Esse seria o meu futuro. Olhares furtivos e sussurros sobre o monstro
que parecia uma criança.
Os humanos me odiariam porque eu era imune à sua prata. Os
lobisomens me odiariam porque eu era imune ao comando Alfa deles.
Eu levantei meus pés, então eles descansaram na beirada da cadeira e
trouxe meus joelhos ao meu peito. Eu passei meus braços em volta das
minhas pernas e descansei meu queixo nos joelhos.
Lembrei-me de Sammy me dizendo que um lobo sem matilha, um
renegado ficaria louco. Talvez esse fosse o problema com Nix. Em vez de
ficar louca, ela simplesmente desistiu. Talvez ela estivesse desaparecendo.
Talvez eu acordasse uma manhã e ela simplesmente tivesse ido
embora.
Os hematomas e cortes em meus dedos ainda estavam lá. Se Nix
estivesse por perto, eles já teriam se curado.
Eu iria acabar como um humano do tamanho de um lobisomem, mas
sem lobo.
Clayton se aproximou e estendeu a mão para tocar meu rosto.
Afastei-o rapidamente.
— Não, — eu sibilei, tentando mostrar alguma bravata.
Realmente não funcionou, pois as lágrimas se acumularam em meus
olhos. Não havia nada que eu pudesse fazer para impedir uma lágrima
que escapou e escorreu pela minha bochecha. Minha tristeza apareceu.
Eu tinha perdido meu melhor amigo e agora estava prestes a perder
minha loba.
Clayton se agachou na minha frente. Suas mãos repousaram sobre
meus joelhos.
— Vamos consertar isso, Ellie, — ele acalmou, — não podemos
encontrar nada em seu sangue, mas vamos encontrar uma maneira de
acordá-la.
Eu balancei minha cabeça e olhei para ele.
— Não há nada que você possa fazer, — eu funguei, — ela está
morrendo. Quando ela se for, serei apenas uma humana crescida.
Ele sorriu gentilmente.
Eu olhei para cima e deixei meus pés caírem no chão, então me
levantei lentamente. Eu não peguei sua mão, então ele a colocou no meu
ombro enquanto me guiava até a porta.
Enquanto caminhávamos, olhei para ele.
— E quanto ao Sammy? O médico deu a ele algo para... para matá-lo?
As últimas palavras foram ditas em um sussurro. Eu não queria dizer
isso, porque dizer faria com que fosse real. Então eu teria que enfrentar
que Sammy nunca mais voltaria.
Clayton apertou meu ombro, suavemente.
— O médico vai fazer uma autópsia. Saberemos mais então.
Eu fiz uma careta.
— O que é uma au... autop... — comecei.
Clayton sorriu.
— Uma autópsia é quando o médico examina um cadáver para saber
como morreu.
Murmurei a palavra "autópsia" baixinho. Guardando na memória
como fiz com qualquer outra coisa nova que aprendi.
— Mas não se preocupe com isso. Ellie. Vamos nos concentrar em
juntar você à minha matilha, e recuperar sua loba, — ele adicionou.
Caminhamos em silêncio por mais um tempo. Clayton me guiando, já
que eu não tinha ideia de para onde ele estava me levando.
Clayton parou quando chegamos a grandes portas duplas. Eles
tinham o dobro do tamanho de Clayton e iam até o teto.
Eu encarei as portas enormes, então olhei para Clayton.
— Você acha que isso irá funcionar? Juntando-me à matilha? Você
acha que isso vai acordá-la? — Perguntei.
Clayton sorriu para mim.
— Eu acho que há uma boa chance, — ele hesitou, — Você está
pronta, Ellie?
Eu percebi que estava na hora. Ele iria me juntar à matilha depois
dessas portas.
Eu engoli em seco, respirei fundo e balancei a cabeça.
Eu não queria me juntar a outra matilha. Eu queria ser livre para fazer
minhas próprias coisas. Mas se estae em um matilha salvaria Nix, então
eu simplesmente teria que engolir isso.
As portas foram abertas por dois grandes guardas. Eles estavam
vestidos com calças pretas e camisas brancas justas. Eu podia ver seus
músculos salientes.
Imaginei que, uma vez lá dentro, não haveria chance de bater em uma
retirada apressada.
Quando entramos na sala, eu congelei.
O teto aqui era ainda mais alto do que o de fora. Vigas de madeira
esculpidas sustentavam o teto e havia tochas acesas ao longo das paredes.
A sala estava cheia de lobisomens.
Lembrei-me de quando fui à cerimônia de união na matilha de
Gabriel. Naquela época parecia haver muita gente, mas não era nada
comparado a isso.
Senti Clayton apertar meu ombro.
— Está tudo bem. Ellie, ninguém vai te machucar, — ele sussurrou.
Engoli em seco e respirei fundo, antes de começarmos a andar
novamente.
Pareceu uma longa caminhada para chegar à frente. Havia um tapete
vermelho espesso pelo qual caminhávamos, com uma multidão de
pessoas de cada lado. Houve um zumbido de vozes, pessoas cochichando
umas com as outras.
Quando finalmente chegamos ao final da sala, Clayton me conduziu
para uma plataforma elevada.
Hesitante, subi alguns degraus.
Seth já estava esperando, e Clayton me seguiu.
Ao contrário da última vez, parecia uma estrutura permanente. Havia
um pequeno pódio e sobre ele estava uma faca.
Eu fiquei entre Seth e Clayton, ambos tinham olhares sérios em seus
rostos. Parecia muito mais sombrio do que o evento que aconteceu na
matilha de Gabriel. Mas talvez tenha sido minha impressão.
Eu era dois anos mais velha e mais sábia.
Clayton levantou ambas as mãos e toda a conversa cessou
imediatamente.
— Hoje, — ele começou, — estamos aqui para dar as boas-vindas a
Ellie em nossa matilha. Embora não costumemos trazer renegados para
nossa matilha, Ellie é diferente. Ellie, acreditamos, é a última híbrida.
Houve suspiros da multidão e murmúrios.
Senti minhas palmas começando a suar. Se todos eles corressem para
o palco. Se eles me quisessem morta como o médico, eu não teria chance.
Senti a mão de Seth em meu ombro.
Seu toque foi suave, reconfortante. Ele olhou para mim e acenou com
a cabeça suavemente.
Eu respirei fundo novamente.
— As matilhas a leste do rio torturaram e brutalizaram ela e seu
companheiro. — Clayton continuou.
— Foi só com muita bravura e perseverança que conseguiram escapar.
O conselho que controla as matilhas enviou espiões e assassinos na
tentativa de acabar com sua vida.
— Eles já mataram seu companheiro, um filhote, com não mais de
dez anos.
Mais uma vez, houve suspiros da multidão, mas desta vez eles
permaneceram em silêncio, ouvindo seu Alfa.
— O autor do crime foi encontrado e lidamos com ele, mas todos
devemos estar vigilantes. Não tenho dúvidas de que enviarão outro
É
assassino. É até possível que haja assassinos em nosso meio.
Clayton pegou a faca e acenou com a cabeça para Seth.
— Então, hoje eu dou as boas-vindas a Ellie em nossa matilha.
Clayton cortou a palma de sua mão. Ao mesmo tempo, Seth agarrou
minha mão. Eu não resisti quando ele colocou minha palma para cima,
enquanto Clayton rapidamente fez o corte.
Clayton pegou minha mão e permitiu que o sangue se misturasse.
— Eu, como Alfa da matilha Rio de Sangue, dou as boas-vindas a Ellie
na matilha. Todos nós faremos tudo para protegê-la, já que ela agora é
uma das nossas.
Clayton sorriu para mim, enquanto a multidão começava a aplaudir.
Nunca tinha visto ou ouvido tantas pessoas, todos eles estavam de pé.
Clayton largou minha mão e ergueu a sua para a multidão. Já estava
começando a curar. Apenas uma linha tina mostrava onde a lâmina havia
cortado. Eu olhei para a minha. Eu encarei a leve cicatriz.
Pisquei e olhei para ela novamente.
"Nix?"
Eu estendi a mão em minha mente.
"Ellie"
Sua voz era quase um sussurro.
"Eu ouço... Eu ouço o matilha... Eu não posso ficar sozinha."
Ela sussurrou.
Minha mão foi para a minha boca e as lágrimas se acumularam em
meus olhos.
— Ellie? — Clayton se preocupou: — Qual é o problema?
Sua mão tocou meu rosto.
— Minha loba. — eu solucei, — ela voltou.
Capítulo 21
Ellie
Clayton ergueu minha mão e a mostrou para a matilha reunida. Eu
ouvi outro rugido de vivas. Eu não conseguia entender por quê. Por que
eles ficariam felizes em ter uma híbrida em sua matilha? Eu era
realmente a última?
Clayton então passou os braços em volta de mim e me apertou em
um abraço apertado.
— Você está segura agora, Ellie. Se você não confia em mim ainda,
então pelo menos confie em sua loba, — ele sussurrou.
Eu ainda não tinha cem por cento de certeza, mas Clayton estava
certo. Eu confiava em Nix, e agora sabia que Nix precisava de uma
matilha.
Se eu não tivesse me juntado à matilha de Clayton. Nix
provavelmente teria desaparecido completamente.
Clayton me soltou e, com uma mão pousada suavemente no meu
ombro, descemos do palco. A multidão estava começando a se dispersar.
Enquanto caminhávamos em direção à porta, não pude deixar de
pensar em Sammy. Ele teria ficado feliz em se juntar a uma matilha.
— O que vai acontecer com Sammy? — Eu perguntei: — Quero dizer,
depois que o médico fizer a autópsia?
Clayton parou e me virou para encará-lo. Ele pousou as mãos nos
meus ombros.
— Ele terá um funeral de guerreiro adequado... você acha que ele
gostaria disso?
Eu concordei. Sammy nunca se viu realmente como um guerreiro. Se
ele tivesse ficado com sua família, provavelmente teria se tornado um
médico ou algo assim. Ele odiava treinar. Mas ele era um guerreiro para
mim.
Clayton parou e me virou para encará-lo. Ele pousou as mãos nos
meus ombros.
— Posso... Posso vê-lo, — gaguejei, — só para dizer adeus?
Clayton respirou fundo.
— Você tem certeza que quer? — Ele perguntou.
Eu concordei.
— Eu tenho que explicar para Nix também.
Clayton acenou para Seth. que estava conversando com outro
guerreiro.
— Você vai levar Ellie para ver Sammy? — Ele pediu.
Seth acenou com a cabeça sobriamente e assumiu o lugar de Clayton,
guiando-me para fora da enorme sala.
Ele me levou para um corredor que eu não tinha visto antes. Achei
que Sammy ainda poderia estar no hospital, mas me enganei.
Chegamos a uma porta de madeira lisa no final de um corredor.
— Você tem certeza que quer fazer isso, Ellie? — Seth perguntou.
Eu respirei fundo e balancei a cabeça.
— Eu tenho que fazer, — eu disse.
Seth abriu a porta e entramos em uma sala mal iluminada.
No centro da sala havia uma mesa, pelo menos parecia uma mesa.
Havia um pano branco sobre ele e um travesseiro em uma das pontas.
Em cima da mesa estava Sammy. Ele tinha um lençol branco sobre
ele, que apenas sua cabeça era visível sobre uma almofada.
Eu respirei fundo e engoli, enquanto me dirigia para onde ele estava
deitado.
Ele parecia tão em paz, como se estivesse dormindo.
Apesar dos horrores que ambos passamos nas mãos de Zagan e Dante.
Sammy sempre parecia em paz quando estava dormindo.
Eu coloquei minha mão em seu rosto, então o agarrei, surpresa.
Eu não tinha certeza do que estava esperando, mas não havia calor
em sua pele.
"O que aconteceu, Ellie? Nós o salvamos. Controlamos seu lobo."
Nix parecia de coração partido. Por que ela não estaria? Ela era parte
de mim e eu também estava com o coração partido, mas também estava
com raiva. Nós escapamos juntos.
Finalmente encontrei a liberdade, apenas para ele ser levado de forma
covarde por algum médico, que deveria estar tentando me matar.
"Ele foi assassinado. Eles pensaram que ele era o híbrido, não eu. É minha
culpa."
Eu liguei sua mente de volta.
— Você está bem, Ellie? — Seth perguntou.
Eu balancei a cabeça e inclinei-me sobre Sammy, beijando
suavemente sua testa.
— Adeus, Sammy, — eu sussurrei, — irmão de sangue... irmã de
sangue... para sempre.
Uma lágrima escorreu pela minha bochecha e eu rapidamente a
enxuguei com as costas da minha mão.
Eu me virei para encarar Seth.
— Por favor, posso tomar um pouco de ar fresco?
Seth acenou com a cabeça e me guiou para fora da sala, fechando a
porta atrás de nós.
Eu não tinha percebido, mas o quarto ficava no andar térreo. Outra
porta pela qual tínhamos passado da primeira vez, que eu não tinha
notado, dava para fora.
Respirei fundo e fechei os olhos.
Nix estava uivando na minha cabeça. Um longo uivo triste.
— Posso ficar um tempo sozinha? — perguntei a Seth, sem nem
mesmo olhar para ele.
Eu o ouvi suspirar,
— Eu realmente deveria...
— Por favor, — interrompi, — apenas alguns momentos.
— Muito bem, — respondeu ele, — estarei de volta em cinco minutos.
Olhei para ele e forcei um sorriso.
— Obrigada, — eu sussurrei.
Sentei-me na grama, depois de ouvir a porta fechar.
"Por favor, Ellie, eu preciso do controle, só por um momento."
Eu tive meu tempo para lamentar, mas Nix não. Era justo. Eu dei a ela
o controle para usar o comando Alfa em Sammy quando eu pedi a ela.
Agora era o mínimo que eu podia fazer.
Eu deixei minha mente ficar em branco e dei o controle a Nix.
Assim que o fiz, ouvi-a em minha mente.
"Sinto muito, Ellie."
Meu primeiro pensamento foi por que ela estava arrependida. Levei
apenas alguns minutos para perceber o porquê.
Eu gritei em agonia e ouvi um som de estalo. De repente, percebi que
estava vindo de mim quando meus ossos se quebraram e se recuperaram.
O vestido branco que eu não queria usar se rasgou quando caí de
joelhos.
Minha cabeça se ergueu e uivei. Ou melhor, Nix uivou. Então
estávamos correndo. Mais rápido do que eu já corri antes. Mas eu não
estava no controle. Eu era uma passageira.
A grama, as árvores e a paisagem se transformaram em um borrão
enquanto corríamos pelo chão. Eu podia sentir o chão sob meus pés. Não
apenas dois pés, mas quatro. Eu podia sentir tudo o que Nix podia sentir.
Depois de um tempo, ela parou e ergueu a cabeça novamente,
deixando escapar outro uivo melancólico. Ela estava triste e com raiva. A
verdade era que eu também.
Ela começou a correr novamente. Não porque ela queria fugir. Só
porque ela queria correr. Não, ela precisava correr. Para esgotar a raiva.
De repente, me perguntei se Soren tinha sido capaz de esgotar sua
raiva se ele tivesse amado Sammy um pouco mais. Acho que nunca
saberíamos.
Eu sabia que não deveríamos ter mudado. Lembrei-me de Elijah me
dizendo que ele não mudaria até os treze ou quatorze anos.
Embora não soubesse minha idade certa, achei que tinha mais ou
menos a mesma idade de Sammy. Ele tinha apenas dez anos. O que
aconteceria se eu não pudesse voltar?
Nix começou a desacelerar. Eu não tinha certeza se ela estava
cansada. Olhando para a frente, pude ver o que parecia ser um lago. Eu
entrei um pouco em pânico. Se tivéssemos cruzado de volta para o
território de Zagan, não seria nada bom.
Nix parou na beira do lago.
Olhamos para o nosso reflexo.
"Somos lindas."
Nix comentou.
Ela estava certa. Nossa loba era bonita. Era de um branco quase puro,
exceto por uma faixa escura que ia do meio da nossa cabeça até o nariz.
Nix tomou um gole d'água e se deitou.
"Eu realmente sinto muito."
Ela sussurrou mais uma vez.
Eu queria gritar, mas não tinha voz.
A dor mais uma vez irradiou pelo meu corpo enquanto eu ouvia e
sentia cada estalo, cada osso se reformando enquanto Nix me devolvia o
controle.
Pareceu uma eternidade, mas demorou apenas alguns instantes.
Então eu estava deitada na margem do lago.
Eu estremeci. Exausta demais até para me mover. Nix tinha me
devolvido o controle, mas ela havia usado cada gota de energia que eu
tinha.
Meu último pensamento antes de cair na escuridão foi em quantos
problemas eu teria.
Capítulo 22
Seth
A primeira coisa que ouvi foi um grito, seguido de perto por um uivo.
Eu imediatamente corri em direção à porta. Meu primeiro pensamento
foi outro traidor, e estupidamente deixei Ellie sozinha.
Enquanto corria para fora, logo percebi que não era o caso.
Eu vi a cauda de uma pequena loba à distância. Olhando para o chão,
vi as roupas de Ellie em pedaços.
Como isso foi possível? Ela tinha apenas cerca de dez anos de idade,
se tanto. Eu sabia que alguns adultos às vezes tinham dificuldade em
controlar seus lobos, se eles estivessem com raiva ou chateados, mas uma
criança de dez anos?
Clayton também deve ter ouvido, porque saiu correndo da casa da
matilha.
— O que diabos aconteceu, onde está Ellie?
Eu levantei o vestido rasgado, balançando minha cabeça.
— Ela se transformou... eu não sei como... não deveria ser possível.
Clayton olhou para mim.
— Você deveria estar de olho nela, — ele rosnou.
Eu suspirei.
— Ela estava chateada, ela queria um pouco de ar. algum tempo para
colocar sua cabeça no lugar. Eu pensei...
— Bem, você pensou errado, é melhor torcer para que ela não vá em
direção à fronteira de Zagan.
Comecei a tirar minhas roupas.
— Eu irei atrás dela, posso rastreá-la.
Clayton acenou com a cabeça e suspirou.
— Ligue para mim quando a encontrar.
Não tenho ideia de em que tipo de estado ela estará. Filhotes de dez
anos não devem se transformar.
Eu balancei a cabeça, em seguida, permiti que meus ossos quebrassem
quando me transformei em meu lobo. Eu farejei o vestido rasgado.
Peguei seu cheiro quase imediatamente e corri atrás dela.
Ela estava correndo quase em linha reta. Eu estava grato por ela não ir
para o leste. Pelo menos, aonde quer que ela estivesse indo, ainda estaria
em nosso território. Eu estava um pouco preocupado.
Pelas pegadas que ela deixou, estava correndo rápido. Ela ainda não
estava apta para tanto exercício. Se não fosse cuidadosa, ficaria exausta.
Se isso acontecesse, ela não seria capaz de voltar, pelo menos não
imediatamente. Juntamente a isso, há o fato de que isso deve ter causado
a ela uma quantidade extrema de dor.
Já era difícil o suficiente para uma filhote de treze ou quatorze anos se
transformar, e nunca se fazia isso sozinho.
Eu ouvi outro uivo à distância. Eu estava me aproximando dela, e ela
parecia estar indo em direção à costa. Felizmente, estava longe o
suficiente do território de Zagan para não ser um problema.
Eu me perguntei por que ela estava indo para o lago. Foi aleatório ou
ela esperava cruzar a fronteira para o território humano? Ela não estava
forte o suficiente para nadar.
O lago tinha pelo menos um quilômetro de largura.
Eu acelerei um pouco mais. Se essa era sua intenção, eu tinha que
impedi-la antes que ela tentasse.
Eu estava quase na costa quando avistei uma forma ao longe. Não era
uma loba. Era um corpo pequeno.
Meu coração deu um salto e eu rapidamente me transformei, orando
silenciosamente para a deusa da lua para que ela ainda estivesse viva.
Enquanto eu corria, vi seu peito subindo e descendo, embora um
tanto superficialmente. Eu dei um suspiro de alívio, mas coloquei meus
dedos em seu pescoço, verificando seu pulso, apenas por precaução.
Ela estava viva, mas estava fria. Sua pele se encontrava pálida,
mostrando ainda menos cor se isso fosse possível.
"Clayton, estou na costa. Ela se transformou em humana de novo,
mas ela está inconsciente. Eu preciso de alguém rápido com algo para
mantê-la aquecida."
Eu me inclinei e a peguei. Segurando seu pequeno corpo perto do
meu peito, na tentativa de aquecê-la com o calor do meu corpo.
— Vamos, Ellie, fique comigo, você pode fazer isso. — eu sussurrei.
Já estou a caminho. Estou seguindo na caminhonete. A que distância
da fronteira de Zagan?
Eu olhei para o leste. Eu quase consegui distinguir a linha das árvores.
Estamos seguros, deve estar a pelo menos cinco milhas de distância.
Olhei para o sul, na direção da casa da matilha, e mais ainda para as
montanhas. Eu quase consegui distinguir algumas luzes ao longe.
Rezei para que fossem as luzes da caminhonete de Clayton. e não de
outro assassino. Se alguma coisa acontecesse com essa filhote agora, seria
minha culpa.
Fiquei aliviado quando pude ver a caminhonete corretamente e não
apenas os faróis. Era a caminhonete de Clayton.
Assim que parou, ele desceu. Ele tinha um cobertor grosso na mão.
— Dê ela para mim, — ele rosnou, obviamente ainda chateado
comigo, — há algumas roupas para você atrás.
Eu rapidamente agarrei as roupas, mantendo um meio olho em Ellie.
— Dirija e coloque o aquecedor no máximo.
Eu balancei a cabeça, não querendo começar uma discussão. Eu ainda
achava que estava certo em dar espaço a ela enquanto ela e seu lobo
estavam de luto.
Eu sabia como me senti quando perdi meus pais, mas agora não era a
hora para essa discussão. No momento, tínhamos que nos concentrar em
levar Ellie de volta ao hospital.
Eu coloquei meu pé no chão e dirigi o mais rápido que pude. Eu não
sabia se ela estava sofrendo de resfriado ou choque. Tudo que eu sabia é
que precisávamos voltar rápido.
Assim que paramos na frente da casa da matilha, Clayton saltou com
Ellie em seus braços. As portas da frente foram mantidas abertas
enquanto ele a levava às pressas para o hospital.
Eu o segui rapidamente, embora me sentisse um pouco como uma
peça sobressalente, apesar do fato de eu tê-la encontrado. Dito isso, se eu
não a tivesse deixado sozinha, nada disso teria acontecido.
Veronica já estava preparada e esperando quando Clayton a trouxe.
Ele a deitou na cama.
— Vocês dois... fora! — Ela exigiu, antes mesmo de termos a chance
de dizer qualquer coisa.
Nós dois saímos do hospital como duas crianças repreendidas.
— Sinto muito, — comecei, — simplesmente sabia como me senti
quando perdi meus pais. Eu não sabia que ela iria fugir.
Clayton suspirou.
— Eu sei, e se serve de consolo, eu não acho que ela fez isso. Se ela
tivesse a intenção de correr, ela não teria ido de volta ao lago. Acho que
talvez ela tenha perdido o controle.
Sentei-me no banco que ficava no corredor fora do hospital. Eu passei
minhas mãos pelo meu cabelo.
— Eu nunca vou me perdoar se... — eu comecei.
Clayton colocou a mão no meu ombro.
— Não... Não diga isso, nem mesmo pense nisso. Veronica é uma boa
médica.
Suspirei e balancei a cabeça. Acho que só teríamos que esperar.
Ficamos sentados em silêncio, esperando notícias. Enquanto
estávamos sentados lá, um dos guerreiros que normalmente guardava a
frente veio correndo.
— Alfa Clayton. Beta Seth, — ele se curvou, — sinto muito por
incomodar vocês dois, mas há um lobo na frente exigindo ver o Alfa.
Clayton se levantou.
— Exigindo! — Clayton rosnou, — quem diabos ele pensa que é?
O guarda baixou os olhos.
— Ele... ele diz que seu nome é Beta Alexander... ele diz que é seu tio.
Clayton e eu trocamos olhares. Nenhum de nós tinha visto o tio de
Clayton por pelo menos cinco anos.
Ele morava em uma cabana perto das montanhas. Todos sabiam que
ele tinha sido um recluso desde que sua companheira partiu, e a morte
do Rei Alfa e da Rainha.
Clayton fazia um esforço para vê-lo, mas sempre era recebido com
frieza. Seu tio Alex nunca havia deixado a montanha, então por que
agora?
— Vamos ver o que ele quer. Veronica nos avisará se houver alguma
novidade.
Eu balancei a cabeça e o segui em direção à entrada principal da casa
da matilha.
Ninguém sabia quantos anos tinha Beta Alexander, se não o
conhecessem. Eu sabia que ele era o irmão mais velho do pai de Clayton.
Ele era uma besta de homem.
Seu longo cabelo loiro caía sobre seus ombros. Também tinha duas
tranças justas trançadas na lateral.
Ele tinha uma barba espessa e bigode que cobria a maior parte de seu
rosto, e uma cicatriz que descia pela bochecha direita. Era o resultado de
um ferimento causado por uma lâmina de prata.
Ele olhou para nós dois quando nos aproximamos.
— Tio Alex... — Clayton começou.
— Não me venha com tio Alex, — ele rosnou, — onde ela está?
Clayton franziu a testa.
— O quê? Quem?
Alexander estreitou os olhos.
— Você achou que eu não saberia? Você achou que eu não sentiria
quando ela se juntou à matilha? Quando você me contaria ou não iria? —
Ele rosnou.
Apesar de seu título de Beta, você podia sentir a aura Alfa irradiando
dele enquanto ele falava.
— Sinto muito... — Clayton começou.
Novamente ele foi interrompido.
— Não... — ele sibilou, — Não me dê suas desculpas esfarrapadas.
Leve-me para a minha neta, — ele rosnou.
Capítulo 23
Alexandre
Eu senti, como um raio de energia, ela se juntar à matilha. Eu sabia
que havia uma cerimônia de união para uma filhote renegada. Todo
mundo sabia. Era incomum, mas não inédito.
Eu sabia que Clayton não me esperava lá. Raramente saio da
montanha atualmente. Era como eu preferia.
Clayton e seu Beta costumavam fazer a viagem de vez em quando,
mas depois de algumas visitas, minha recepção fria fez mais do que
sugerir que eu queria ficar sozinho.
Fazia mais de trinta e cinco anos que minha companheira partiu. Ela
sabia o que estava por vir. Ela era uma bruxa branca e também uma
vidente.
Ela viu o expurgo, a morte de todos os humanos ou híbridos no
território de nossa matilha. Eu não queria acreditar nela, mas não tinha
razão para desacreditar de seu dom.
Eu tentei persuadir o rei a deixar sua companheira ir. Ele teria
aceitado também, mas ela recusou. Ela sabia que Eleonora falava a
verdade. Apesar disso, ela não podia suportar deixar seu companheiro.
O rei Francis estava apavorado. Não apenas por ela, mas pelo bebê
que carregava. Eleonora também estava grávida do meu filho.
A guerra ainda estava acontecendo, mas ela não queria ir embora, não
até depois que o bebê nascesse.
Eu estava preocupado com as crianças. Eles seriam híbridos. Eu sabia
que o conselho era contra qualquer coisa, exceto um lobo de raça pura.
Eu esperava que eles não massacrassem inocentes. Mas estava errado.
Eu também não sabia do plano de Eleonora para as crianças. Ambos
os filhos. Da rainha Phoebe e da minha criança.
A rainha se recusou a deixar seu companheiro, mas isso não significa
que ela não estava ciente do risco. O expurgo havia começado no leste e
estava vindo lentamente em nossa direção.
Ela pensou que ela e Francis poderiam estar seguros no palácio da
montanha. Ela queria ter certeza de que seu filho sobreviveria, se o pior
acontecesse.
Quando Eleonora foi embora, levou os dois filhos com ela. Ela disse
que tinha garantido a segurança deles.
Continuei perguntando a ela como, eu precisava saber. Finalmente,
no dia em que ela partiu, o dia da trégua quando qualquer humano
poderia cruzar a fronteira se quisesse, ela me contou o que tinha feito.
Ela havia tecido um feitiço em ambas as crianças enquanto elas ainda
estavam no ventre de sua mãe. Um feitiço que estava perto demais da
magia negra para vir sem nenhum custo.
O encanto fez com que os lobos das crianças por nascer fossem
reabsorvidos. Eles ainda teriam os genes híbridos, mas a falta de um lobo
impediria seu crescimento e eles se curariam como humanos normais.
Nenhum humano saberia de sua verdadeira herança. Só Eleonora
saberia e, quando tivessem idade suficiente, ela contaria. O custo para ela
foi imenso.
Um pouco de sua força vital foi gasta na criação do encanto ou
maldição.
Embora não pudéssemos ficar juntos, eu saberia que ela ainda estava
viva. Eu sentiria quando ela morresse, mas se eu pudesse sobreviver à
separação, provavelmente seria capaz de sobreviver à sua perda.
Dez anos atrás, eu senti o vínculo se quebrar. Eu sabia que ela havia
morrido. Foi então que me tornei um recluso da montanha, do lado de
fora das paredes do palácio.
Eu nunca soube o que aconteceu com meu filho. Sentindo minha
neta, eu sabia que meu próprio filho estava mais do que provavelmente
morto.
Assim que senti, eu soube. A filhote renegada era filha do meu próprio
filho. Eu podia sentir sua loba, sentir sua força.
Clayton devia saber que essa filhote, essa renegada não era normal.
Certamente ele havia pensado sobre isso. Uma híbrida só poderia ter
vindo do lado humano da fronteira.
Não existia nenhum híbrido do nosso lado após o expurgo. Por que
ele não entrou em contato? O pior pensamento passou pela minha
cabeça de que ele estava considerando voltar ao controle do conselho.
Mesmo depois do que eles fizeram?
Foi assim que me encontrei, exigindo que meu sobrinho, o Alfa da
matilha Rio de Sangue, me levasse para ver minha neta, e possivelmente
a única híbrida que restou na terra.
Ele tentou se desculpar.
— Não, — eu sibilei, — Não me dê suas desculpas esfarrapadas. Leve-
me para a minha neta, — eu rosnei, lutando para controlar meu lobo.
Observei enquanto ele se contorcia, seu Beta também.
Eu posso ter tido o título de Beta, mas eu era um Alfa completo. Eu
escolhi ser Beta para o rei, em vez de Alfa da matilha Rio de Sangue.
Meu irmão mais novo fez um bom trabalho, então ele passou o título
para meu sobrinho. Até agora ele fez um bom trabalho, mas eu realmente
não falava com ele há algum tempo.
— Vou levar você até ela, tio, mas ela... ela não está bem, ela está no
hospital, — ele deixou escapar.
Eu estreitei meus olhos, então sem respondê-lo, ou esperando que ele
mostrasse o caminho, eu passei por ele.
Eu conhecia a casa da matilha. Eu tinha visitado várias vezes quando
meu irmão era Alfa. Eu sabia exatamente onde ficava o Hospital.
Eu ouvi a voz de Clayton atrás de mim.
— Espere... tio...
Eu o ignorei. Minha prioridade, minha única prioridade era ver
minha neta. Agradou-me que a tivessem batizado com o nome de sua
avó. Mesmo se eles tivessem encurtado para Ellie.
Eu atravessei as portas e congelei.
Ela estava deitada em uma das camas do hospital. Tubos saiam de seu
braço e um monitor apitava.
Ela parecia tão pequena e tão magra.
— Quem diabos é você? — Uma mulher de jaleco branco gritou.
Eu estreitei meus olhos.
— Eu sou o avô dessa filhote, quem é você? — perguntei a ela
calmamente.
Ela olhou para mim.
— É uma pena que você não estava por perto quando ela precisou de
você, eu sou a médica dela. — ela sibilou.
Eu estendi minha mão.
— Beta Alexander. — eu disse.
Ela empalideceu ligeiramente.
— O... Beta Alexander? — Ela perguntou, um leve tremor em sua voz.
Eu assenti.
— O mesmo.
Ela pigarreou.
— Veronica.
Ela olhou para a filhote.
— Ela está estável, isso é o melhor que posso dizer. — ela sussurrou.
Eu olhei para a filhote e balancei minha cabeça.
— O que diabos aconteceu?
Veronica suspirou,
— Ela se transformou, seu lobo correu, e ela retornou à forma
humana. Foi demais para seu pequeno corpo aguentar.
Fui até a cama e sentei na beirada dela. Eu gentilmente afastei uma
mecha de cabelo de seu rosto.
— Como isso é possível, ela não parece ter mais de nove ou dez anos?
Veronica foi até a cama e mexeu no soro que estava ligado a filhote.
— Não deveria ser, mas há muitas coisas sobre Ellie que não deveriam
ser possíveis, — Veronica sorriu, — ela é um pouco enigmática, mas com
você como seu avô, não devemos nos surpreender.
Eu não tinha certeza se isso era um elogio velado ou um insulto,
então quase ignorei.
Eu olhei para Ellie mais uma vez.
A camisola do hospital, que era muito grande, escorregou de seus
ombros. Eu podia ver as cicatrizes que ela havia recebido e sabia que
provavelmente continuavam pelo resto de suas costas.
Eu sabia por experiência o que os tinha causado, só não sabia quem os
causou. Alguns eram novos, outros eram mais velhos. Ela também tinha
hematomas antigos no rosto que estavam quase curados.
— O que diabos aconteceu com ela, — rosnei, — antes?
— Ela foi mantida em cativeiro pela matilha Presas de Sangue.
Foi Clayton. Eu estava tão focado na filhote que não ouvi Seth entrar.
Eu virei minha cabeça.
— Também tínhamos um espião do conselho entre nós. Um traidor.
Ele tentou matá-la. — Clayton acrescentou.
Eu estreitei meus olhos.
— Onde ele está agora? — Eu rosnei.
Se ele ainda vivesse, eu rasgaria sua garganta.
— Está morto. — Clayton concluiu, — mas ele pode não ser o único.
Eu balancei a cabeça, satisfeito por terem lidado com ele.
Eu olhei de volta para Ellie. Em seguida, percorri meu dedo ao longo
de uma das cicatrizes mais antigas.
— Por quanto tempo... Por quanto tempo ele a teve? — Eu perguntei,
sem me preocupar em desviar o olhar dela.
— Acreditamos que dois anos. Antes disso, ela estava com o Alfa
Gabriel da matilha Lua de Sangue, e antes disso ela vivia no lado humano
da fronteira.
— Acho que foi daí que ela conseguiu as cicatrizes mais antigas.
Talvez de seus pais, talvez depois que a entregaram. — Clayton concluiu.
Eu virei minha cabeça.
— Isso não é possível. Seus pais... sua mãe nunca a teria machucado.
A mãe dela era minha filha, — eu rosnei.
Clayton balançou a cabeça.
— É apenas o que ela me disse.
Suspirei e acariciei suavemente seus cabelos. Eram negros como um
corvo, assim como da minha Eleonora. Ela se parecia com ela.
— O que aconteceu com você, meu anjinho? — Eu sussurrei.
Fechei os olhos e fiz uma prece à Deusa da Lua.
Clayton veio atrás de mim e senti sua mão em meu ombro.
— Vou providenciar um quarto para você, — ele sussurrou.
Eu balancei minha cabeça.
— Não se preocupe, vou ficar aqui com ela.
Ele acenou com a cabeça, e ele e Seth deixaram a sala.
Não havia muito que eu pudesse fazer, mas poderia pelo menos estar
aqui quando ela acordasse.
Sempre pensei que Eleonora estava salvando os filhotes quando os
levou para a fronteira. Vendo o que tinha acontecido com minha neta,
comecei a duvidar.
Eu ainda não conseguia acreditar que seus pais a teriam abandonado.
Não era o que um lobisomem faria. Mesmo se eles não tivessem lobos, eu
não podia acreditar que eles fariam qualquer coisa para machucá-la.
Veronica era uma boa médica e gentil. Nos últimos três dias, sentei-
me com Ellie, ela regularmente me trazia comida e bebida.
Ela também me convenceu a tomar banho, dizendo que minha neta
não gostaria de acordar com um velho fedorento.
Metade foi dita em tom de brincadeira, mas deixei a cabeceira da
cama por cerca de quinze minutos para tomar o referido banho.
Eu dormi um pouco também, sentado na cadeira ao lado da cama. Eu
apenas me sentei lá, conversando com ela. Esperava que ela pudesse me
ouvir.
Esperava que ela finalmente percebesse que estava em casa.
— Há algo que eu não entendo. Beta Alexander? — Veronica
começou.
Era de manhã cedo e ela me trouxe uma xícara de café.
— De acordo com seu DNA, ela é cinquenta por cento lobisomem e
cinquenta por cento humana.
Eu balancei a cabeça, sem ter certeza de onde ela queria chegar com
isso.
— Bem, se sua filha fosse sua mãe, isso significaria que sua mãe era
uma híbrida, então significaria que seu pai era um híbrido também. Não
houve nenhum registro de nenhum híbrido escapando do expurgo.
Eu sorri e balancei a cabeça. Eu tinha aprendido com Veronica que
Ellie era capaz de resistir a um comando Alfa. Isso pode significar apenas
uma coisa. O único outro híbrido a escapar do expurgo foi o filho do rei
Francisco.
Ambas as crianças pareciam, para todos os efeitos, como se fossem
humanas. Era o presente da minha Eleonora para eles. Isso pode
significar apenas uma coisa.
Ellie, além de ser minha neta, era a neta do Rei Lobisomem e da
Princesa Real. Se alguém pudesse unir os lobisomens e os humanos, seria
ela.
Mas primeiro teríamos que lidar com o conselho.
Capítulo 24
Ellie
Tudo que eu podia ouvir era um bipe intercalado com a voz de um
homem estranho. Era uma voz que eu não tinha ouvido antes. A última
coisa de que me lembrei foi a dor.
A dor excruciante de quando meus ossos se quebraram e se
reformaram, e pensando em quantos problemas eu teria. Agora eu estava
dolorida, incrivelmente dolorida. Era como se todos os ossos do meu
corpo estivessem de alguma forma machucados.
— Por favor... me desculpe. — choraminguei, minha voz quase
inaudível, pois minha garganta parecia que estava sendo arranhada por
mil facas.
— Shh, anjo, tudo vai ficar bem.
A voz novamente. Estranha, mas de alguma forma reconfortante.
Mãos alisavam o cabelo do meu rosto. Era um toque muito gentil.
Então uma grande mão segurou minha nuca, quando algo tocou
meus lábios.
— Apenas beba, — ele sussurrou.
Forcei meus olhos a se abrirem enquanto permitia que a água
escorresse pela minha garganta. Isso aliviou a sensação de queimação.
Senti as lágrimas se acumulando em meus olhos, tudo era um borrão.
— Eu não queria, ela me fez... doeu muito. — eu solucei enquanto as
lágrimas escorriam pelo meu rosto.
Eu não podia mais fazer isso. Eu não poderia ser forte.
— Shhh. meu anjo, está tudo acabado agora. Vou mantê-la segura. —
ele sussurrou.
Não sabia quem era ele, nem como ele poderia me manter segura.
Ninguém poderia.
Tentei levantar minha mão para enxugar as lágrimas dos meus olhos,
mas ele gentilmente, mas com firmeza, me parou.
— Quem... Quem é você? — Eu gaguejei.
— Eu sou seu avô. Eu vou cuidar de você agora, — afirmou ele, —
ninguém vai te machucar de novo, nem mesmo a sua loba.
Avô? Eu não tinha um. O mais perto que cheguei de ter um foi o pai
de Gabriel. Ele não era meu avô verdadeiro, assim como Gabriel não era
meu pai.
— Você não pode ser. — murmurei, — Não tenho família... não mais.
Eu o ouvi rir.
— Eu sempre estive aqui, minha pequena. Só esperava você voltar
para casa. Agora você deve descansar.
Seus lábios pressionaram suavemente contra minha testa.
Eu fechei meus olhos com força. Eu estava sonhando, ou talvez
estivesse morta. Pode ser isso.
Então o ouvi dizer um nome que reconheci. Isso significava que eu
não poderia estar morta.
— Veronica, ela está acordada.
Meus olhos se abriram, e eu quase podia ver uma mulher caminhando
na minha direção.
— Olá filhote, você está de volta com a gente... como você se sente?
Veronica. Eu reconheci sua voz. Se ela estivesse aqui, eu deveria estar
de volta à casa da matilha.
— Dolorida, — sussurrei, — está tudo embaçado.
Ela pegou minha mão. Foi então que percebi que algo estava ligado a
ela. Eu olhei para ela tentando me concentrar, mas não consegui
identificar. Eu já tive algo assim na minha mão antes, quando estava na
matilha de Gabriel.
Não deveria estar lá. Da última vez, fiquei doente. Eu fechei meus
olhos. Eu não tinha energia para lutar.
— É apenas algo para ajudar com a dor, querida. Você precisa
descansar, — ela explicou.
Eu balancei minha cabeça e soltei um soluço abafado.
— Não quero mais fazer isso, não quero ser uma loba, não quero
lutar, — lamentei, deixando minhas lágrimas rolarem.
Eu estava farta de lutar, de tentar sobreviver. Se as pessoas me
quisessem morta, talvez fosse melhor assim.
Antes de perceber o que estava acontecendo, senti braços fortes me
envolverem e me pegarem.
Então ouvi a voz do homem que disse ser meu avô.
— Você não precisa, meu anjo. Você não precisa mais lutar, e ainda há
muito tempo antes de ter que pensar na sua loba.
— É hora de você ser apenas uma filhote, isso é tudo que você tem
que pensar. — ele me acalmou, sua voz falhando ligeiramente.
Senti seus braços enormes em volta de mim, me balançando
suavemente.
Ele estava cantarolando uma melodia.
Eu a reconhecia. Uma melodia que eu quase havia esquecido da
minha infância.
Uma canção de ninar que minha mãe costumava cantar.
Fechei meus olhos e deixei seu calor me envolver. Não sei por que,
mas pela primeira vez desde que fui arrastada para longe de meus pais,
me senti realmente segura.
Eu não sabia quanto tempo esse sentimento duraria, mas eu me
agarraria a ele enquanto pudesse.
Não sei por quanto tempo dormi, mas quando acordei o barulho do
bipe havia parado. A agulha ainda estava na minha mão, presa a uma
bolsa. O homem que disse ser meu avô ainda estava lá.
Ele cuidava de mim como uma sentinela.
Minha visão voltou ao normal e agora eu pude vê-lo claramente.
Seu cabelo era comprido e amarelo como o sol. Duas tranças caíam
perfeitamente na frente de suas orelhas. Seu rosto era áspero e ele
carregava uma cicatriz.
Fiquei um pouco surpresa ao pensar que lobisomens não tinham
cicatrizes, não quando tinham um lobo. Ele não parecia velho o
suficiente para ser avô.
Ele sorriu para mim, enquanto me observava acordar. Seus olhos
eram de um azul profundo. Eles me lembravam do lago.
— Vô? — Eu sussurrei.
Sua mão acariciou meu rosto suavemente.
— Sim, pequena? — Ele respondeu de maneira desafiadora. Me
encorajando a continuar.
Eu fiz uma careta e inclinei minha cabeça ligeiramente.
— O que aconteceu? Com a sua cara? — Perguntei.
Ele deu uma risadinha. De todas as perguntas que eu poderia ter feito,
essa era provavelmente a última coisa que ele esperava.
Seu dedo alcançou a cicatriz em seu rosto.
— Isso... eu consegui isso na guerra. Uma lâmina de prata.
Ele riu novamente, e seu dedo mudou de sua própria bochecha para a
minha.
— Mas você, meu anjinho, você nunca será incomodada por coisas
como lâminas de prata.
Eu levantei meu braço, que não estava preso à engenhoca médica, e
passei meus dedos pela cicatriz.
Estava ligeiramente levantada. A pele ao redor estava áspera.
— Você era um guerreiro? Um lutador? — Eu perguntei, me
perguntando se todos os guerreiros teriam que passar pelo que Zagan e
Dante fizeram eu e Sammy passarmos.
Meu avô gentilmente pegou minha mão. Afastou-a da cicatriz. Ele
pressionou os lábios na superfície, sua barba fez cócegas na minha mão.
— Eu era, — ele começou, — era meu destino. Eu nunca me
arrependi, nenhuma vez.
Ele abaixou minha mão para que ela ficasse na cama.
— Porém, seu destino será um pouco diferente, — acrescentou.
Eu fiz uma careta e franzi minha sobrancelha.
— Escolherei meu próprio destino, — declarei francamente.
Meu avô deu um sorriso largo.
— Não funciona assim, lobinha. Seu destino a encontrará, não
importa o quanto você tente evitá-lo. Assim que o encontrar, você terá
que fazer escolhas, às vezes escolhas difíceis.
— As escolhas que você fizer irão moldar o seu futuro, e no seu caso,
o futuro dos outros.
Eu fiz uma careta.
— Eu não entendo, vô. O que isso quer dizer?
Ele olhou para mim e acenou com a cabeça.
— Tudo a seu tempo, por enquanto você precisa se curar e crescer.
Está com fome?
Eu realmente não tinha pensado em comida, mas meu estômago
roncou em resposta, me fazendo perceber que precisava comer.
Meu avô deu uma risadinha.
— Eu acho que sua loba migrou para sua barriga, talvez um pouco de
comida ajude?
Eu balancei a cabeça e ele me ajudou a sentar. Eu assisti enquanto
seus olhos piscaram negros. Eu sabia que ele tinha ligado à mente de
alguém, mas não tinha ideia de quem.
Eles logo voltaram ao azul deslumbrante que eu tinha visto antes.
— Agora, — ele começou, olhando nos meus olhos, — você precisa
me contar tudo. O que aconteceu com seus pais, por que você cruzou a
fronteira e como você acabou na masmorra de Zagan?
Eu estremeci. Algumas das coisas que ele estava perguntando eu não
queria lembrar.
— Você vai me contar coisas também, por que eu nasci do outro lado
da fronteira? Por que o resto da minha família não tinha um lobo?
Meu avô franziu a testa.
— Resto da sua família?
Eu concordei. Mesmo que ele tenha me abandonado, eu ainda
pensava em Jackson. Pensei na última vez que o vi, quando provei o
chocolate pela primeira vez.
— Eu tenho um irmão, o nome dele é Jackson. mas ele também não
tinha um lobo.
Meu avô fechou os olhos e acenou com a cabeça. Uma sombra de dor
passou por seu rosto. Quando ele abriu os olhos, eles pareciam tristes e o
sorriso que ele me deu parecia forçado.
Ele lambeu os lábios nervosamente.
— Talvez eu deva dizer algumas coisas primeiro, — ele começou, —
pode ajudar a explicar por que você é diferente de seu irmão.
Nós dois erguemos os olhos quando ouvimos a voz de Clayton.
— Você tem um irmão? — Ele perguntou.
Clayton estava carregando uma bandeja de comida. Ele a colocou na
cama. Era sopa e pão.
— Sinto muito... eu não corri... foi a minha loba... me desculpa pelo
vestido, — eu soltei.
Clayton sorriu,.
— Eu sei. Não se preocupe com o vestido, você não gostou muito dele
mesmo.
Eu mordi meu lábio.
— Mas você gostava, não está com raiva? — Eu questionei.
Ele balançou a cabeça e pousou a mão nas cobertas onde estava meu
joelho.
— Eu nunca poderia ficar com raiva de você, não de verdade. Afinal,
você é minha prima.
Eu fiz uma careta e olhei para meu avô e Clayton.
Meu avô sorriu e acenou com a cabeça, confirmando o que Clayton
havia dito.
— Sua mãe era minha prima, o que a torna minha prima de segundo
grau. — Clayton explicou.
Eu balancei minha cabeça, tentando entender a ideia apresentada.
Todo esse tempo eu tinha família. Uma família de verdade. Jackson
sabia? Se ele soubesse, por que ele os chamou de monstros. Eles não eram
monstros de forma alguma.
Quando nossos pais nos mandaram embora, por que Jackson não nos
levou através da fronteira? Podíamos ter procurado o resto da nossa
família. Tudo o que ele me disse foi para não pensar em cruzar a
fronteira.
Ele estava tentando me manter longe da minha família real? Ele era
mesmo meu irmão? E quanto aos meus pais verdadeiros?
Suspirei.
Por alguns momentos, isso me fez esquecer de tudo. Talvez meu avô
estivesse certo.
Talvez o destino, ou o que quer que quisesse chamá-lo. tivesse me
alcançado, e era aqui que eu deveria estar.
— Por que ninguém nunca me disse a verdade? Por que eles não me
disseram quem eu era?
Meu avô acariciou o topo da minha cabeça.
— Não sei a resposta para isso, Ellie, mas depois que você comer
alguma coisa e a médica verificar você, direi tudo o que sei e, então,
tentaremos preencher as lacunas.
Eu balancei a cabeça e comecei a tomar a sopa. Era bom. Isso me fez
perceber como eu estava com fome.
Capítulo 25
Ellie
Depois que terminei a sopa, como prometido, Veronica veio. Ela me
examinou e removeu a coisa da agulha da minha mão. Aparentemente,
era chamada de cânula.
Para mim, isso sempre seria chamado de coisa da agulha. Não doeu
tanto quanto irritou. Cada vez que movia minha mão, ela afundava na
pele.
Ela tinha ido embora agora. Com isso esclarecido, meu avô sentou-se
na beira da cama e me contou tudo sobre a guerra, meu outro avô, que
era o rei lobisomem e a princesa humana.
Se eu não o conhecesse, teria pensado que era um daqueles contos de
fadas que me lembro que minha mãe me contava quando eu era
pequena. Cinderela ou Bela Adormecida.
Fugindo com seu príncipe encantado e vivendo feliz para sempre,
uma vez que o vilão estivesse morto. Exceto que não existia isso de para
sempre. Eu sabia que não.
Nesta vida parecia que não havia felizes para sempre. Pensei na
história que o vovô, o pai de Gabriel, me contou. Cachinhos Dourados,
acho que foi.
Ele nunca me contou o que aconteceu com Cachinhos Dourados
quando ela pulou da janela. Provavelmente ela foi morta ou torturada até
a morte. Parecia que a maioria das histórias terminava assim, pelo menos
na vida real.
Ele me explicou sobre companheiros e como alguns lobisomens
tinham companheiros humanos. As famílias humanas pensaram que os
lobisomens sequestravam seus companheiros humanos e se recusavam a
libertá-los.
A verdade era que, uma vez que o vínculo do companheiro começava,
os companheiros humanos não queriam partir.
Não importava que os humanos pudessem ter famílias, até mesmo
filhos. O vínculo de companheiro era mais forte.
Foi quando os humanos começaram a enviar caçadores atrás dos
lobisomens. Não era como se os lobisomens fossem difíceis de detectar.
Eles eram muito maiores do que suas contrapartes humanas. Eu sabia
disso por experiência própria.
Quando conheci Elijah, ele tinha doze anos, mas era do mesmo
tamanho que meu irmão, que na época tinha dezessete.
Por alguma razão, porém, os caçadores não tiveram sucesso. O
conselho dos lobisomens e os Alfas ficaram furiosos porque o governo
humano fez vista grossa aos caçadores.
Mas então o governo humano estava louco sobre como os lobisomens
estavam tomando mulheres humanas como companheiras.
Tudo explodiu quando o rei Alfa descobriu que a princesa herdeira
era sua companheira. Quando ela se recusou a voltar, a família real
pensou que ela havia sofrido uma lavagem cerebral. Eles declararam
guerra aos lobisomens.
Meu outro avô, o rei, retirou-se com sua companheira para o palácio
de inverno. O avô Alexandre também encontrou sua companheira.
Ela tinha sido uma dama de companhia da princesa, e eles também se
retiraram para o palácio de inverno.
A guerra durou anos. Ambos os lados eram igualmente fortes. Bem,
até certo ponto. Os humanos tinham um grande número, e embora o
número de lobisomens fosse muito menor, eles tinham seus lobos para
curá-los.
As feridas que seriam fatais para os humanos, eram um mero
arranhão para os lobisomens.
Finalmente, os dois lados perceberam que era uma guerra que
nenhum dos dois poderia vencer. Então eles fizeram uma trégua, criaram
a fronteira. Humanos de um lado, lobisomens do outro.
O conselho decretou que nenhum lobisomem deveria ter uma
companheira humana novamente. Foi então que ocorreu o expurgo.
Quaisquer humanos ou crianças meio humanas foram massacradas.
Incluindo a rainha.
Era difícil para um lobo existir se sua companheira morresse. O
conselho massacrou meus avós. Não o rei, embora eles também possam
tê-lo matado. Matar minha avó acabou matando o rei.
Foi quando a matilha ocidental fugiu do controle do conselho. Agora
parecia que eles me queriam morta. Tive a estranha sensação de que o
lado humano também me queria morta.
Eu franzi minha sobrancelha.
— Mas quanto aos meus pais, eles pareciam humanos. Certeza que
eles não tinham um lobo? Nem meu irmão? — Eu questionei.
O avô Alexander sorriu, embora eu pudesse ver a tristeza em seus
olhos.
— Sua avó era uma bruxa branca e uma vidente. É a razão pela qual
você é imune à prata.
Eu fiz uma careta. Eu nunca tinha ouvido falar de bruxas antes. Dito
isso, ninguém jamais nos contou por que a guerra havia começado. Só
que todos os lobisomens eram monstros, o que agora eu sabia que não
era o caso.
Havia monstros em ambos os lados da fronteira. Eu experimentei
ambos.
Meu avô continuou.
— Ela tinha a capacidade de ver o futuro e também de lançar feitiços.
Ele sorriu tristemente.
— Ela sabia que a morte de todos os humanos e híbridos estava
chegando. Enquanto ela ainda estava grávida de sua mãe, e a rainha
estava grávida de seu pai, ela lançou um feitiço para remover seus lobos.
— Eles pareceriam humanos, mas carregariam o gene do lobisomem,
então quaisquer filhos que tivessem seriam híbridos.
Eu fiz uma careta. Eu sabia que era uma híbrida, mas e Jackson? Ele
não tinha lobo e era como um humano normal.
— E quanto ao meu irmão? Jackson era como um humano também.
O avô suspirou.
— Sua avó fugiu pela fronteira com as duas crianças quando a trégua
foi anunciada. Descobriu-se que os dois filhos eram companheiros.
— Eles não teriam sentido isso tão fortemente como dois híbridos
completos, mas eles sentiram da mesma forma, — ele hesitou.
— O feitiço que sua avó fez, para tornar seus pais humanos, eu
acredito que ela também colocou em seu irmão enquanto ele ainda
estava na barriga de sua mãe. O custo teria sido alto.
— Isso teria drenado sua força vital.
Eu suspirei. Minha avó deu sua vida para salvar meus pais e meu
irmão do mesmo destino que eu.
Ela deve ter morrido antes de Jackson nascer. Eu me perguntei se
meus pais sabiam o que ela tinha feito. Provavelmente não. Caso
contrário, eles não me teriam.
— Eles sabiam? Minha mãe e pai? — Eu perguntei, — quem eles
eram? Quem eram seus pais?
Meu avô pousou sua mão grande no topo da minha cabeça.
— Eu não sei, pequena. Tudo o que sei é que você é muito
importante, não apenas para nós, mas também para os humanos. Eles
provavelmente não perceberam ainda.
Eu olhei para o rosto do meu avô, seus olhos passaram do azul para o
preto. Eu olhei para Clayton. Seus olhos também estavam pretos. Eles
estavam conversando.
Eu fiz uma careta.
— Por favor, não guarde nenhum segredo de mim, — implorei.
Seus olhos voltaram ao normal.
Meu avô olhou para Clayton e acenou com a cabeça.
Clayton aproximou sua cadeira da cama e segurou minhas mãos.
— Joseph, o homem que tentou matar você. O homem que matou
Sammy, — ele hesitou, — ele era um espião do conselho.
— Antes de ser morto, ele nos disse muitas coisas, também
encontramos algumas mensagens que ele havia recebido do conselho.
Ele respirou fundo. Ele parecia um pouco nervoso. O que quer que ele
estivesse prestes a dizer, eu sabia que não ia gostar.
— Pelo que eu entendi, foi o conselho que planejou seu sequestro.
Eles só tinham que fazer com que Alfa Zagan visitasse a matilha da Lua
Crescente.
— Eles usaram Sammy como uma desculpa para que Zagan pudesse
memorizar seu cheiro, para sequestrar você.
Eu encarei Clayton, lágrimas acumulando em meus olhos.
— Ele disse que me amava, mas o tempo todo Gabriel estava
trabalhando para o conselho, — eu choraminguei.
Clayton apertou minhas mãos rapidamente.
— Não, não. Ellie. Não foi Gabriel. Mas seu pai. Gabriel nunca parou
de procurar por você. — ele hesitou, — mas...
Eu engoli em seco.
— Mas o quê?
Clayton suspirou.
— Encontramos outra mensagem na fronteira. Achamos que o
conselho está farto do Alfa Gabriel. Não temos certeza, mas achamos...
Ele parou e olhou para mim, simpatia em seus olhos.
— Achamos que ele está morto... Assim como um irmão. O seu ou
talvez… Sammy tinha um irmão?
Eu o encarei, perplexa. Lágrimas escorreram pelo meu rosto.
Todas as vezes que eu pensei que Gabriel, meu pai adotivo, tinha me
abandonado, ele não tinha. Agora havia uma chance de que Jackson ou
Elijah também tivessem morrido.
Eu balancei minha cabeça.
— Não... eles não podem estar mortos... eles não podem estar. É tudo
minha culpa, — eu lamentei.
Senti os braços do meu avô me envolverem mais uma vez.
— Não, Ellie, não é sua culpa, nada disso é. É o conselho. Sempre foi o
conselho. Teremos nossa vingança, eu prometo a você.
Eu chorei no peito do meu avô. Por quê? Por que todos de quem eu
gostava morreram? Meus pais. Jackson. Gabriel. Elijah. Sammy. Tudo se
foi.
Eu pensei coisas ruins sobre todos eles em algum momento. Mas meu
avô estava certo. Nada disso foi culpa minha.
Não havia nada que eu pudesse ter feito em relação aos meus pais.
Eles ficaram doentes com febre. Se Jackson e eu tivéssemos ficado com
eles, Jackson teria morrido, mas eu provavelmente teria sobrevivido.
Então todos saberiam que eu era uma híbrida. Então eles teriam me
matado eventualmente também. Ou pelo menos tentado.
Mas o pai de Gabriel. O homem a quem chamei de vovô. Ele havia
sacrificado seu próprio neto, apenas para obedecer ao conselho. Ele tinha
matado os outros também. Gabriel. Elijah. Jackson.
Uma raiva cresceu em meu peito. Sim! Eu queria vingança.
"Sim!"
A voz de Nix ecoou em meu subconsciente. Não nos falamos desde
que ela me forçou a me transformar. Ela tinha me machucado, e ela sabia
disso. Mas eu a perdoaria. Porque ambas queríamos vingança.
Assim que meus soluços diminuíram, ouvi a voz de Clayton
novamente.
— Sinto muito, Ellie, mas há mais. Joseph disse que não era o único
espião. Ele não disse quem eram os outros, mas eu prometo a você,
vamos protegê-la a todo custo.
Virei minha cabeça para olhar para Clayton, meus olhos inchados de
tanto chorar. Meu rosto estava velado com determinação.
— Como? Como você não sabe quem eles são? — Eu perguntei, meus
dentes cerrados.
Eu olhei para meu avô. Ele respondeu à minha pergunta antes que
Clayton tivesse uma chance.
— Eu vou te levar de volta para as montanhas, comigo, — ele olhou
para Clayton, — Eu vou protegê-la. Ensiná-la. Treiná-la.
Clayton olhou para meu avô e balançou a cabeça.
— Não! Eu não vou permitir. Ela estará mais segura aqui na matilha.
Meu avô envolveu seus braços com um pouco mais de força em volta
de mim, então inclinou a cabeça ameaçadoramente na direção do Alfa.
— Não me faça desafiar você, Clayton, posso ter o título de Beta, mas
ainda sou um Alfa e ainda posso te dar uma surra, — ele rosnou.
Eu respirei e segurei. Eu não queria que nenhum deles se machucasse.
Eu não tinha ideia de quem sairia vitorioso caso lutassem.
Clayton suspirou e balançou a cabeça.
— Eu não vou lutar com você, tio. Precisamos de cada lobo que
conseguirmos. Também descobrimos que eles estão planejando uma
guerra. Estamos reunindo o maior número possível de lobos para treinar
como guerreiros em preparação.
— A última mensagem que encontramos dizia que o plano para a
fronteira está indo em frente. Mas eu insisto que se você levar Ellie de
volta para as montanhas, você leve alguns guerreiros com você. Apenas
por precaução.
Olhei para os dois homens e observei meu avô concordar com a
cabeça.
Então eu falei.
— Eu quero que você me treine para lutar, vô. Eu quero ser aquela
que vai acabar com o homem responsável por machucar aqueles com
quem eu me importava.
Meu avô acenou com a cabeça.
— O nome dele é Joel. Ex-Alfa da matilha da Lua Crescente. Pai de
Alfa Gabriel.
— E sim, pequena loba, vou te ensinar a lutar, e quando chegar a
hora, você será a rainha guerreira de todos os lobisomens, e acabaremos
com o conselho de uma vez por todas.
Parte 2
Cinco anos depois
E um dia
ela descobriu que
ela era feroz e forte,
e cheia de fogo, e que até ela
não conseguia se segurar
porque sua paixão
brilhava com mais do que
seus medos.
- Marco Antônio
Capítulo 26
Ellie
Eu encarei as montanhas. Mais especificamente, o palácio que ficava
aninhado nas montanhas. O palácio de inverno do Rei Alfa. Era assim
que meu avô o chamava.
Quando ele me trouxe aqui, eu olhava para cima e fantasiava sobre
ser alguma princesa real aparentada com a Cinderela ou com a Branca de
Neve. Mas, à medida que fui crescendo, não demorou muito para
perceber que não era nada disso.
Meu avô me ensinou tudo. Ele me ensinou a ler e a escrever. Ele me
treinou para me tornar uma guerreira. Me ensinando a lutar com
inteligência. Apenas lutadores estúpidos usariam força bruta.
Um lutador inteligente deve usar a lógica e a astúcia. Ele avaliaria as
fraquezas de seus oponentes e as usaria a seu favor.
Treinar com meu avô era muito diferente de como Sammy e eu
tínhamos sido forçados a treinar quando fomos presos por Zagan. Eu
ainda pensava em Sammy com frequência.
Especialmente quando meu avô discutiu o assunto de companheiros.
Eu me perguntei se Sammy tinha sido meu companheiro, se ele tivesse,
então eu não teria outro.
Meu avô rejeitou a ideia. Mas isso não me impediu de pensar. Ele
disse que quando eu atingisse a maioridade, seria capaz de dizer se meu
companheiro estava vivo. Se estivesse morto, eu sentiria um vazio.
Mas ele duvidou que isso aconteceria.
De repente, percebi uma presença atrás de mim. Eu sabia que era meu
avô. Chame de sexto sentido ou talvez fosse apenas meu sentido de lobo.
Eu senti que ele descansava suavemente em meus ombros. Ele deu-
lhes um aperto gentil e encorajador.
Eu tenho crescido muito desde que cheguei aqui, mas ainda só
cheguei em seus ombros.
— Está na hora... — afirmou.
Havia um toque de simpatia em sua voz.
Eu enrijeci. Eu sabia que a hora estava chegando, mas evitei pensar
nisso.
— O que... E se eu não quiser, — eu murmurei.
Meu avô me virou para que eu ficasse de frente para ele.
Ele me ensinou a sempre encontrar o olhar de alguém. Nunca olhar
para baixo. Eu era a única herdeira viva do rei Alfa e um dia eu
governaria.
Agora isso não parecia importar, enquanto eu olhava para o chão.
Ele tirou uma das mãos do meu ombro e agarrou meu queixo. Seu
toque era gentil, mas firme.
Achei que ele fosse me repreender, como costumava fazer por não
encontrar seu olhar, mas não o fez.
— Eu sei que você está nervosa, querida, mas você tem que fazer isso.
Suspirei.
— Eu quase morri da última vez. O que te faz pensar que não vai me
matar desta vez. Afinal, sou meia humana.
Ele sorriu para mim.
— Essa é uma desculpa esfarrapada e você sabe disso.
— Quanto mais você se transformar, menos doloroso se tornará, além
do que você tinha dez anos da última vez, muito jovem para isso até
mesmo para a neta de um rei Alfa e seu Beta malvado, — ele riu.
Eu não pude deixar de sorrir de volta. Ele não tinha envelhecido
muito nos últimos cinco anos. O único sinal de que ele era um lobo mais
velho eram alguns pés de galinha no canto dos olhos.
Eles só eram perceptíveis se você olhasse de perto.
Ele me treinou bem, mas ainda não conseguia vencê-lo em uma luta.
Já os guerreiros que vieram da matilha quando me mudei para cá com
meu avô, eram uma história diferente.
À medida que minhas habilidades melhoravam, eles achavam difícil
me vencer. Eu só lutava na forma humana. O pensamento de me
transformar em lobo ainda me assustava. A dor da minha primeira vez
tinha me marcado.
Talvez não fisicamente, mas certamente psicologicamente.
Meu avô sabia disso, ele também adivinhou que as cicatrizes físicas
que carregava do meu tempo no lado humano da fronteira também me
marcaram mentalmente. Não que ele soubesse os detalhes.
Apenas uma outra pessoa sabia disso, Gabriel, e ele se foi. Os
flashbacks e ataques de pânico que costumava ter dessas memórias eram
coisas do passado.
Se Gabriel conquistou uma coisa, foi livrar-me daqueles pesadelos, e
por isso eu seria eternamente grata.
Eu tinha deixado o resto do passado para trás, exceto pelo meu medo
de me transformar. Quando digo atrás de mim, ainda tenho uma lista
mental de pessoas com quem pretendo acertar as contas. Principalmente
o pai de Gabriel. Joel.
Zagan, Dante e o resto do conselho. Então, finalmente, o comandante
do bloco de punição do outro lado da fronteira.
Eu teria que superar esse medo eventualmente. Meu avô tinha me
prometido que assim que eu me transformasse, poderíamos visitar o
palácio.
Por causa das temperaturas mais baixas nas montanhas, teríamos que
fazer isso na forma de lobo.
Ele não tinha ideia de em que tipo de estado o palácio estaria.
Provavelmente fazia mais de quarenta anos desde que fora habitado pela
última vez.
Parecia sereno à distância, e meu avô me contou histórias de quando
o rei e a rainha moravam lá. Fogos estrondosos, guerreiros de elite.
Festas com a melhor comida e champanhe enquanto o rei entretinha
os dignitários visitantes. Principalmente lobisomens Alfas.
Embora quisesse visitar, não conseguia me imaginar morando lá.
Nem mesmo se conseguíssemos derrubar o conselho e reunir os dois
lados da fronteira.
Se algum dia eu me tornasse a Rainha Alfa, não queria estar tão
remota.
Suspirei. Eu sabia que ele não ia deixar isso passar, e Nix tinha sido
mais do que paciente comigo. A maioria dos jovens lobos se transformava
aos quatorze anos. Eu tinha quinze anos agora.
A única coisa que me impedia de me transformar era eu.
— Vamos acabar com isso então, — eu bufei.
Meu avô beijou o topo da minha cabeça.
— Eu estarei com você desta vez, você não terá que fazer isso sozinha.
Apenas confie em mim, confie em sua loba e confie em si mesma, — ele
insistiu.
Embora a casa de meu avô não fosse tão alta nas montanhas quanto o
palácio de inverno do rei, ainda havia um leve frio no ar, apesar de ser o
meio do verão.
Meu avô ficou ao meu lado enquanto eu me despia. Eu me concentrei
em Nix.
Ela estava animada, ela desejava mudar para a forma de lobo, mas ela
sabia por que eu estava tão hesitante. Ela tinha sido paciente comigo.
Embora eu a tivesse feito esperar, ela nunca reclamou.
Nunca tentou assumir o controle e me forçar.
Para ser justa com Nix, mesmo na primeira vez, quando eu tinha dez
anos, ela pediu o controle, não apenas o assumiu. Embora eu tenha
certeza de que se ela quisesse, ela poderia ter feito.
Senti meus ossos quebrarem e meus tendões esticarem enquanto
meu corpo mudava de forma. Eu me encolhi e choraminguei ao sentir a
dor, mas não foi nem de longe tão intensa quanto tinha sido há cinco
anos.
Foi rápido, provavelmente demorou menos de dez segundos até que a
transformação fosse concluída.
Eu olhei para meu avô na forma de lobo.
Ele sorriu para mim.
— Linda, — ele sussurrou, com orgulho.
Então ele tirou a roupa e mudou.
Sua transformação foi muito mais rápida do que a minha. Eu nunca
tinha visto seu lobo antes. Sua pele era de uma cor dourada clara,
intercalada com marrons mais claros e mais escuros.
Seus olhos, entretanto, eram os mesmos de quando ele estava na
forma humana. Seu lobo tinha o dobro do tamanho do meu.
Venha, lobinha, vamos visitar o palácio de inverno
Sua voz soou na minha cabeça.
Seguimos por uma pista de neve.
Quanto mais perto do palácio chegamos, mais espessa a neve parecia
ser. Ao atravessarmos pequenos riachos, percebi como a água estava
clara.
Eu não tinha certeza de por que alguém iria construir um palácio tão
alto nas montanhas. Possivelmente para manter os outros fora.
Infelizmente, não funcionou bem o suficiente para proteger minha avó.
À distância, o palácio parecia algo de um conto de fadas, mas, à
medida que nos aproximamos, pude ver como havia se tornado
abandonado.
As paredes de pedra branca que cercavam o palácio estavam
desmoronando e os grandes portões de ferro estavam enferrujados. Eles
mal se penduravam nas dobradiças. O próprio palácio estava em um
estado semelhante.
As paredes estavam em ruínas e o telhado, antes imaculado, caiu.
A voz do meu avô na minha cabeça era triste, tive a impressão de que
ele não visitava há algum tempo.
Costumava ser um espetáculo.
Nix esfregou o nariz em seu casaco louro grosso.
Ainda é, posso imaginar como era quando ainda estava no auge.
Eu liguei mentalmente meu avô.
Caminhamos lentamente pelo palácio em ruínas. O piso de mármore
ainda estava em perfeitas condições e o telhado na parte detrás do salão
principal ainda estava no lugar.
Parei e olhei com admiração para os tronos dourados. Eles ainda
estavam tão brilhantes e intocados quanto estavam quando meu avô e
minha avó se sentaram neles. Acima deles havia duas pinturas.
Agora tudo estava um pouco rachado e em estado de abandono, mas
eu pude ver parcialmente minha própria semelhança em seus traços.
O rei, meu avô, tinha cabelos e olhos escuros, mas os olhos de minha
avó eram de um azul brilhante, não muito diferente dos olhos do vô Alex.
Ela também era bonita, com cabelos claros.
Meu próprio cabelo sempre foi preto como um corvo.
Aparentemente, a mesma cor da companheira do vô Alex, minha avó
materna.
"Duvido que possamos voltar aqui novamente, lobinha. O lugar está
em péssimo estado de conservação. Mas pelo menos você viu seu avô e
sua avó, mesmo que não em carne e osso."
Sua voz em minha mente estava triste. Foi difícil para ele voltar a um
lugar tão abandonado, mas ele fez isso por mim. Ele tinha feito muito
por mim. eu não tinha certeza se poderia retribuir.
Ele deve ter lido minha mente ou adivinhado meus pensamentos.
"Você pode me retribuir liderando nosso exército na batalha contra o
conselho e usando sua herança humana para persuadir os líderes do lado
humano a se reunirem conosco."
Sua voz era firme e estável. Uma determinação dentro dele que eu
sabia que ele havia passado para mim.
Eu tinha certeza de que poderia lutar, mas dadas minhas experiências
no lado humano da fronteira, não tinha certeza se poderia ser a
diplomata que meu avô esperava.
Deixei meu avô na sala do trono e esperei do lado de fora. Esta
provavelmente seria sua última visita aqui, e eu sabia que ele apreciaria
uma última vez a sós com suas memórias.
Eu sabia que também nunca voltaria aqui. Se o mundo mudasse,
ganhássemos nossas batalhas e conseguíssemos a reunificação que meu
avô esperava, eu construiria um novo palácio.
Não no alto das montanhas, mas com vista para o lago. Enquanto as
montanhas eram lindas, eu achei as terras baixas e o lago mais pacíficos.
Quando meu avô estava pronto, descemos a montanha. Eu estava
grata por estar na forma de lobo. Quando o sol começou a se pôr, o frio
das montanhas tornou-se mais proeminente.
Quando já estava seguro, meu avô sugeriu uma corrida. Senti a
empolgação de Nix e corremos a toda velocidade, saltando sobre
pequenos riachos e pulando sobre árvores caídas.
A descida foi muito mais rápida do que a subida, e quando finalmente
alcançamos a casa de meu avô, nossa casa estava começando a aparecer.
Uma vez lá dentro, nós dois mudamos e rapidamente pegamos
algumas roupas.
A mudança de volta foi ainda mais fácil. Eu me repreendi por ser tão
covarde. Outro pequeno obstáculo foi superado.
Sentei-me à mesa, enquanto o avô preparava o jantar. Assim que
terminou, ele colocou um grande prato de comida na minha frente.
— Você precisa repor sua energia depois de se transformar, Ellie.
Lembre-se sempre disso, — alertou.
Eu assenti com a cabeça enquanto comia a comida.
Ele se sentou à minha frente.
— Amanhã vamos voltar para a matilha. É hora de você completar seu
treinamento.
Eu fiz uma careta e senti minha frequência cardíaca aumentar.
— Você vai ficar comigo, avô, não é? — Eu perguntei, preocupada.
Ele olhou para mim e sorriu :
— Só enquanto você precisar de mim, — respondeu ele.
Não era uma resposta direta, mas muitas vezes as respostas do meu
avô nunca eram. Eu não conseguia imaginar um momento em que não
precisaria dele, mas pela expressão em seu rosto, ele pensava diferente.
Capítulo 27
Elijah
Fiquei olhando pela janela, observando meu pai enquanto ele treinava
os guerreiros. Nosso relacionamento hoje em dia era tenso, para dizer o
mínimo.
Não deve ter sido fácil para ele, indo do primeiro Beta para nada além
de um treinador glorificado. Mas ele só podia culpar a si mesmo.
Se ele tivesse matado aquela híbrida em vez de trazê-la aqui, então
tudo teria sido diferente. Ela não teria colocado suas garras em nós.
Todos nós nos apaixonamos por ela. Eu também.
Meu tio Gabriel foi o que mais caiu, e agora não sabia onde estava.
Muito provavelmente morto.
A família inteira pareceu desmoronar depois que Alfa Zagan levou
meu irmão. Tio Gabriel estava obcecado em encontrar aquela pequena
terrorista híbrida.
Meus pais, especialmente minha mãe, não podiam ficar no mesmo
cômodo que ele, o que era estranho, considerando que ele era o Alfa.
Então, depois de dois anos negligenciando seus deveres de Alfa
devido à sua obsessão em encontrá-la, algo dentro dele deve ter se
rompido.
Ele não apenas permitiu que seu irmão humano vivesse, mas os dois
se dirigiram para o lado humano da fronteira. Era como se a matilha não
importasse mais para ele.
Todos pensaram que meu pai assumiria. Ele era o primeiro Beta e
mais do que qualificado. Mas isso não aconteceu, em vez disso, o
conselho insistiu que eu me tornasse um Alfa, com meu avô como
regente.
Meu avô nunca gostou muito do meu pai. Apesar de ser seu genro. Eu
tinha apenas quatorze anos, então era Alfa apenas no nome. Meu avô
tomava todas as decisões.
Fazia sentido, ele tinha sido Alfa antes. Ele também era um bom
professor.
As coisas realmente não mudaram muito para mim. Havia mais
treinamento e nas reuniões da matilha eu anunciava as decisões que meu
avô havia tomado.
Quando fiz dezoito anos, assumi totalmente como Alfa, com meu avô
me aconselhando, mas no final das contas as decisões eram minhas.
Eu escolhi meu Beta. Ele tinha sido meu melhor amigo durante a
escola, e era o melhor guerreiro em nossa faixa etária. Nathan era um
bom amigo e um bom Beta.
Os dois Betas de meu tio foram designados a funções diferentes.
Murdoch provavelmente conseguiu o melhor emprego. Ele foi
designado pelo conselho para ir até as diferentes matilhas e supervisionar
o treinamento dos guerreiros em preparação para a guerra.
Ele deveria passar 6 meses em cada uma das dez matilhas controladas
pelo conselho, aprimorando suas habilidades de guerreiro. Sua turnê
havia acabado. Ele retornou ao conselho algumas semanas atrás.
Eu olhei para minha mesa, e vi o pedaço de papel ali. Meu avô o
trouxe para mim alguns dias atrás. Eu só tinha que assinar. Nós só
iríamos para a guerra se todas as matilhas concordassem.
Minha aprovação foi a última.
Isso me surpreendeu anos atrás, que os humanos não tivessem
reiniciado as hostilidades imediatamente. Afinal, quando o tio Gabriel
cruzou a fronteira, não teria sido exatamente fácil se esconder.
Ele teria se destacado.
Eu nem tinha certeza de por que íamos guerrear os humanos. Eu
estaria mais inclinado a ir para a guerra contra a matilha Rio de Sangue
no oeste.
Era onde ela estava, o início de todos os nossos problemas. Não só
isso, mas ela havia matado meu irmão. Foi o que meu avô me disse.
Pouco depois da partida do tio Gabriel.
Ele disse que o conselho tinha espiões na matilha ocidental. Eles já
estavam lá há algum tempo. Eles relataram que ela havia matado meu
irmão, logo depois que ela o forçou a escapar de Alfa Zagan.
Eu confiei nela uma vez, até gostei dela. Eu deveria ter percebido que
ela não era confiável. Meu avô me fez perceber isso. Ele também me
contou mais sobre a matilha Rio de Sangue.
Como eles encorajaram companheiros humanos e híbridos, mesmo
depois que o conselho aconselhou contra isso. Esse foi o principal motivo
do expurgo.
Agora iríamos dar um passo adiante. Nunca poderíamos permitir que
nosso povo tivesse companheiros humanos novamente, então
acabaríamos com os humanos. Um esforço final e pronto.
Realmente não caiu muito bem para mim. Eliminar uma espécie
inteira. O conselho insistiu que não havia outra maneira. Não se
quiséssemos evitar que a história se repetisse.
Uma vez que os humanos fossem eliminados, nós lidaremos com a
matilha Rio de Sangue, e aquela pequena vadia híbrida nojenta.
Quando ouvi uma batida à porta, sentei-me à mesa antes de dizer-
lhes que entrassem.
Eu meio que sorri quando vi Nathan.
— Seu avô está esperando para ver você, falar sobre o conselho, — ele
gemeu.
Eu revirei meus olhos. Ele vinha me importunando quase todos os
dias por uma resposta.
— Mande-o entrar. — eu bufei.
Nathan ficou de lado quando meu avô entrou no escritório. Há
menos de um ano os papéis se inverteram.
Ele se sentaria deste lado da mesa e eu ficaria do outro lado. Percebi
agora que ele tinha sido o Alfa em tudo, exceto no nome, desde que meu
tio foi embora.
Só depois de assumir o papel, aos dezoito anos, aprendi um pouco
mais. Principalmente porque o Alfa realmente não tinha nenhum poder.
Era o conselho que tinha.
— Preciso da sua assinatura nesse documento, Elijah, — ele exigiu.
— Bom dia, avô, — eu rebati.
Ele fechou os olhos e suspirou.
Ele de repente parecia mais velho para mim. Todos aqueles anos,
enquanto ele estava no controle, ele sempre parecia vibrante. Agora ele
parecia cansado.
— Sente-se, — sugeri, apontando para a cadeira em frente à minha
mesa.
Assim que ele se sentou, toquei no documento com o dedo.
— Sou o último a concordar, suponho? — Eu questionei.
Ele olhou para mim e acenou com a cabeça.
— Você tem um problema com isso, este plano levou cinco anos para
ser feito. Estamos prontos, — afirmou.
Passei meus dedos pelo meu cabelo.
— O problema que tenho é exterminar uma espécie inteira e não lidar
com o outro problema primeiro.
Meu avô se inclinou para frente.
— Eu sei que você está com raiva, Elijah, e eu sei que você quer
vingança pelo que ela fez, mas não podemos lutar uma guerra em duas
frentes. Lidar com os humanos será rápido. Eles estão muito mais fracos
do que antes.
— Ela... — ele hesitou, — ela foi um excelente exemplo disso. Pouca
comida os enfraquecia. Agora é a hora de atacar.
Eu concordei.
Peguei a caneta e rapidamente assinei meu nome. Assim que
terminei, empurrei o documento sobre a mesa.
Eu observei quando ele o pegou, uma carranca apareceu em seu rosto.
— O que é isso? Você mudou.
Ele olhou para mim, com expectativa.
— Sim. Eu só vou liberar meus guerreiros para lutar nesta guerra se
você garantir que depois de lidarmos com os humanos, lidaremos com
ela e com a matilha com quem ela reside agora.
Ele suspirou.
— Vou avisar o conselho, eles vão precisar da concordância das outras
matilhas. Isso vai desacelerar as coisas, — ele bufou.
Eu me levantei e encolhi os ombros.
— Eu não me importo, vô. Se fosse do meu jeito, lidaríamos com ela
primeiro, mas todos temos que nos comprometer. Quanto antes você
voltar para o conselho, mais cedo podemos começar.
Observei quando ele saiu pela porta. Eu não me importava quanto
tempo demorasse ou como o faríamos. Eu queria aquela vadia assassina
morta.
Murdoch
Suspirei ao deixar as câmaras do conselho. Algo sobre isso parecia
errado, mas eu tinha pouca escolha. Quando Gabriel saiu, seu pai mais
ou menos assumiu.
Elijah se tornou a figura do Alfa, fazendo tudo que seu avô mandava.
Era o mesmo com todo mundo.
Achei que talvez o pai de Elijah ou eu continuássemos como Beta,
mas Joel tinha outras ideias. Ele tinha algum lacaio do conselho. Eu sabia
que Jason não estava feliz.
Como segundo Beta, achei que meu papel não mudaria muito, mas
também estava errado quanto a isso.
Eu deveria ser o elemento de ligação do guerreiro para o conselho.
Basicamente significava que eu estava dando a volta na matilha para
treinar seus guerreiros para a guerra que se aproximava.
Eu deveria ter ficado lisonjeado, suponho. De todos os grupos, eles
poderiam ter escolhido qualquer um, mas eles escolheram a mim. Eu me
perguntei se era para me tirar do caminho.
Sempre tive uma amizade bastante próxima com Gabriel. Mais talvez
do que Jason, embora fosse seu cunhado.
Não acho que Jason ou Jasmine jamais o perdoaram por mandar
Samuel embora. Eu sabia que havia algo errado com o menino.
Em um minuto ele era doce, no minuto seguinte ele estava lutando e
sendo vingativo. Eu ainda achava que era um pouco demais mandá-lo
embora assim, mas não sabia muito na época.
Achei que conhecia Gabriel. Eu sabia que ele ficou chateado quando
Ellie desapareceu. Todos nós ficamos. Ela era uma criança tão doce. Eu
sei que eu e Emma estávamos ansiosos para treiná-la.
No final das contas, nenhum de nós o faria.
Eu odiava ficar longe da matilha. Passaram-se cinco anos longe de
casa. Meu único consolo era Emma. Ela tinha vindo comigo. Eu sugeri
isso ao pai de Gabriel, e ele concordou.
Emma era a melhor rastreadora em nossa matilha, talvez a melhor de
todas as matilhas. Embora treinar os guerreiros tenha sido a tarefa
principal, também precisávamos de todos os rastreadores para aprimorar
suas habilidades.
Emma não estava muito feliz por estar longe de casa por tanto tempo
também, mas ela não gostava do pai de Gabriel, que eu não conseguia
entender.
Sim, ele tomou o poder quando Gabriel partiu, mas Emma sentiu
outra coisa. Ela não me disse o quê.
Eu acho que ela pensou que a maneira como ele assumiu o controle
quando Gabriel saiu foi um tanto dissimulada.
Ela parecia discreta sempre que havia algum membro do conselho por
perto. Era quase como se ela não confiasse neles, mas ela não estava
preparada para me dizer o porquê. Pelo menos ainda não.
Finalmente, com meu relatório sobre a prontidão dos guerreiros da
matilha apresentados ao conselho, finalmente seriamos capazes de voltar
para casa.
Provavelmente não por muito tempo, porque se o conselho tivesse o
que queria, estaríamos indo em direção à fronteira. Eles haviam tomado
a decisão de quebrar a trégua. Eu não tinha ideia do porquê. Eu não
poderia dizer que concordo com isso.
O status quo estava bom. Claro, houve um pequeno problema
quando Alfa Zagan decidiu remover sua matilha do controle do conselho.
Isso, entretanto, durou pouco.
Um pouco depois que Gabriel saiu, ele se juntou às matilhas sob o
controle do conselho.
Eles o repreenderam por sequestrar Ellie, mas como ela havia cruzado
a fronteira em um território que não estava sob o controle do conselho,
havia pouco que alguém pudesse fazer.
Além disso, ele tinha guerreiros fortes e capazes. O conselho
precisaria disso para que a guerra continuasse.
Ao sair das câmaras do conselho, vi Emma caminhando em minha
direção.
— Precisamos conversar. — ela sussurrou.
Eu fiz uma pequena careta.
— Fale então, — eu zombei.
Eu não tinha certeza de por que ela tinha que ser toda discreta.
— Não aqui, — ela bufou, enquanto literalmente me arrastava para
longe dos edifícios do conselho e dos guardas que flanqueavam as portas
principais.
Eu revirei meus olhos.
— Onde então?
— Por aqui, — afirmou ela, enquanto me arrastava para uma área
densamente arborizada.
O conselho meio que tinha sua própria matilha. Basicamente, era
composta por membros do conselho. Havia uma espécie de palácio, onde
o principal ancião ficava.
Os outros anciãos podem usar os quartos atribuídos a eles aqui ou
viver em suas próprias matilhas. Também havia uma tropa de guardas de
elite.
Eram principalmente uma segurança para o Ancião Chefe, mas
também para manter os outros fora quando o conselho estava em sessão.
Claro que qualquer lobo das outras matilhas poderia entrar no
território livremente. Contudo, eles simplesmente não podiam obter
acesso às câmaras do conselho ou ao palácio, a menos que fossem
convidados.
Os guardas de elite foram os únicos que não foram convidados a
treinar. Eu me perguntei se eles iriam se juntar às forças dos guerreiros
quando fôssemos para a guerra, ou talvez eles fossem elite demais para
isso.
Uma vez que estávamos longe o suficiente dos prédios. Emma parou e
me encarou.
— Algo não está certo, Murdoch. — ela sussurrou, olhando ao redor
nervosamente.
Revirei meus olhos novamente.
— Não é outra teoria da conspiração, Emma. — eu suspirei, — isso é
baseado em fatos ou na sua imaginação?
Agora ela revirou os olhos.
— Você mesmo disse que o que está acontecendo desde que Gabriel
foi embora não estava certo. Não é uma conspiração, é verdade.
Eu assenti com a cabeça.
— Mas também é uma história antiga, — eu zombei, — Gabriel foi
embora, por qualquer motivo. Não houve nenhuma palavra. Pelo que
sabemos, ele pode estar morto.
Emma olhou ao redor novamente, antes de se inclinar para mim.
— Ele não está, — ela sussurrou.
— Não está o quê? — Perguntei.
Ela rapidamente me calou.
— Ele não está morto, — ela sussurrou, — ele está aqui!
Eu fiz uma careta. Do que diabos ela estava falando.
— O que você quer dizer?
Ela puxou meu braço e caminhamos mais para dentro das árvores.
— Enquanto você estava em sessão com o conselho, eu fiz algumas
pesquisas.
Eu cheirei algo. Algo... alguém que não deveria estar aqui.
Eu coloquei minha mão em seu ombro, para impedi-la de ir mais
longe. Emma era uma rastreadora muito boa. Eu nunca duvidaria de suas
habilidades. Mas isso. Isso era ridículo.
Gabriel havia ultrapassado a fronteira com o irmão de Ellie. Ele queria
ir para as terras da matilha a oeste. O lugar para onde Ellie havia fugido.
— Pare de falar enigmas, Emma, do que você está falando? — Eu
exigi.
Emma cheirou o ar e olhou em volta novamente. Imaginei que ela
pensou que estávamos sendo seguidos.
Quando ficou satisfeita por ainda estarmos sozinhos, começou a falar,
embora em voz baixa.
— Quando você administra Wolfsbane, desativa o lobo da pessoa. Ele
até mascara seu cheiro até certo ponto, mas sempre deixa um rastro.
— Enquanto você apresentava seu relatório ao conselho, decidi deixar
meu lobo sair para correr. Na forma de lobo, minhas habilidades de
cheirar são aumentadas, — ela hesitou.
Ela não estava me dizendo nada que eu já não soubesse.
— Eu o cheirei. Murdoch. Ele está em algum lugar no território do
conselho.
Acho que o olhar no meu rosto disse tudo. Alguém o fez desaparecer.
Alguém em nossa matilha, mas quem? Ele esteve aqui por cinco anos?
isolado e drogado com Wolfsbane?
— Onde? — Eu quase gritei de raiva.
Não estava zangado com Emma, mas com o desgraçado que tinha
feito isso.
— No subsolo, deve ser alguma masmorra em algum lugar, — ela
confirmou.
— Como vamos chegar até ele e, mais importante, como vamos tirá-
lo daqui?
Emma suspirou, pude ver que ela ainda não tinha formulado um
plano. Talvez era aí que eu entrava.
— Há uma saída de ar, na floresta. Deve levar para as masmorras. Não
tenho certeza de como podemos tirá-lo de lá.
— Se ele está lá há cinco anos, drogado com Wolfsbane, ele deve estar
fraco, — concluiu ela.
Eu balancei a cabeça em concordância, mas também sabia que
tínhamos que agir rápido. Eles o mantiveram vivo por tanto tempo, eu
não tinha certeza do porquê.
Tive a estranha sensação de que, assim que enfrentássemos as forças
humanas, seu cadáver surgiria milagrosamente na fronteira.
A única coisa que estava do nosso lado era o fato de que, quando o
conselho estivesse em sessão, a maioria dos guardas seria enviada para as
câmaras do conselho.
Se pudéssemos encontrar nosso caminho para dentro da masmorra,
encontraríamos mínima resistência.
Não demorou muito para encontrar os suprimentos de que
precisávamos. Corda, roupas e inibidor de cheiro.
Alguns dias depois, o Ancião Joel apareceu.
Falei com ele brevemente sobre o treinamento. Ele ficou satisfeito
com o relatório que eu havia enviado e sugeriu que todos viajássemos
juntos para casa no dia seguinte.
Eu concordei, sabendo muito bem que isso não iria acontecer. Assim
que tirarmos Gabriel da masmorra, precisaremos fugir. Havia apenas
uma opção aberta para nós.
Atravessar o território de Zagan e depois a fronteira oeste. Tínhamos
apenas que torcer para que, uma vez que cruzássemos para o território da
matilha Rio de Sangue, eles não nos matassem.
Era um risco, mas não tínhamos escolha.
Emma e eu ficamos por ali até termos certeza de que o conselho
estava em sessão. Demorou um pouco para o conselho aprovar a guerra,
já que Alfa Elijah estava atrasando a burocracia.
Na verdade, ele era o elo mais fraco no que dizia respeito ao conselho.
Pelo que eu tinha ouvido, ele não estava muito interessado em uma
guerra com os humanos.
Ouvimos dizer que seu irmão foi morto, e todas as informações
levaram a Ellie como a pessoa responsável. Eu sabia que eles não se
davam bem, mas achava difícil de acreditar.
Se fosse verdade, então imaginei que todos estaríamos indo para a
morte. Se fosse esse o caso, que fosse. Eu não ia deixar Gabriel apodrecer
em uma masmorra do conselho.
Emma nos levou de volta para a floresta. Minhas habilidades de
rastreamento não eram páreas para as dela, e ela finalmente me levou a
um duto de ventilação.
Estava coberto com uma grade de metal, e a grade estava coberta com
folhas e galhos. Eu não tinha certeza se estava escondido de propósito,
mas isso realmente não importava.
A grade quebrou em duas partes. O poço era largo o suficiente para
uma pessoa passar. Amarramos a corda a uma árvore e fui o primeiro.
Rapidamente desci pelo interior do poço, o mais silenciosamente que
pude.
Quando cheguei ao fundo, havia outra grade de metal, semelhante à
de cima. Olhei, mas não vi nenhum guarda. Eu gentilmente puxei a
corda, o sinal para Emma se juntar a mim.
Tínhamos pensado em deixar alguém lá em cima, mas eu precisava da
experiência com cheiros de Emma para encontrar Gabriel. Se
encontrássemos qualquer guarda, eu precisaria lidar com ele.
Tínhamos apenas o risco de que alguém encontrasse a corda
arrastando pelo duto de ventilação.
Quando Emma começou a descer, abri a grade e caí no andar abaixo.
Não havia guardas no local e tochas iluminavam a parede a cada poucos
metros.
Este lugar era velho. Muito velho para ter eletricidade. Isso
funcionaria a nosso favor, pois não haveria alarme. Eu duvidava que eles
esperassem que alguém tentasse libertar alguém de qualquer maneira.
Emma se abaixou ao meu lado e apontou na direção que deveríamos
seguir.
Os corredores estavam sombrios com a iluminação insuficiente, mas
logo chegamos a uma área que abrigava as celas.
O cheiro era de mofo, mas Emma pôde discernir outra coisa, e ela
apontou para a cela do meio no lado esquerdo.
Peguei uma das tochas da parede e a segurei. Havia alguém na cela,
mas não consegui ver quem. De certa forma, esperava que fosse Gabriel,
mas também esperava que não fosse.
Não podia nem dizer se a pessoa estava viva.
Emma apontou para um gancho na parede, onde um molho de chaves
estava pendurado.
Eu revirei meus olhos. Eles certamente não esperavam que ninguém
libertasse seu prisioneiro.
Emma agarrou as chaves e destrancou a porta.
Eu a segui para dentro, certificando-me de que as chaves foram
removidas da fechadura.
Não queria correr o risco de ser surpreendido por um guarda e
também encarcerado.
Ao nos aproximarmos da pessoa na cela, percebemos que era Gabriel.
Ele estava deitado em um colchão velho e imundo. Ele era apenas pele e
ossos.
— Gabriel, — eu sussurrei, — acorde...
Ele se mexeu e seus olhos se abriram.
Ele franziu a testa.
— Sou eu, Murdoch e Emma. Estamos tirando você daqui, — eu
sussurrei.
Ele acenou com a cabeça, mas lutou para se sentar. Ele estava tão
fraco. Eu duvidava que ele fosse capaz de andar, muito menos escalar
uma corda.
Nós o ajudamos a se levantar, e depois o levamos lentamente de volta
ao poço de ventilação.
Nós o sentamos enquanto eu dava a Emma um impulso de volta para
o poço.
Assim que ela entrou, ela largou a corda de volta. Amarrei na cintura
de Gabriel.
Ele me encarou com olhos fundos.
Então ele apertou minha mão. Uma lágrima escorreu de seus olhos.
Eu não conseguia nem imaginar o que ele havia passado.
Eu gentilmente apertei sua mão.
— Você está seguro agora. Alfa. — eu sussurrei.
Depois disso, tudo foi muito tranquilo.
Emma escalou a corda e, quando alcançou o topo, puxou nosso
verdadeiro Alfa pelo poço. Então ela largou a corda de volta.
Subi no poço, fechei a grade inferior e subi na corda. Quando cheguei
ao topo. Emma ajudou Gabriel a vestir algumas roupas limpas e borrifou-
o com um inibidor de cheiro.
Puxei a corda e fechei a grade, em seguida, guardei a corda. Para todos
os efeitos, o preso Alfa Gabriel tinha desaparecido sem explicações.
Agora tudo o que tínhamos a fazer era fugir para o oeste, e espero que
recebamos pelo menos uma recepção conciliatória quando entrarmos no
território da matilha Rio de Sangue.
Capítulo 29
Ellie
Apesar de descobrir quem eu era e de ter sido levada embora por meu
avô há cinco anos. Eu sabia que nem todos na matilha Rio de Sangue
sabiam quem eu era, e isso me convinha.
A última coisa que eu precisava era de um monte de gente mexendo
comigo e me bajulando.
Até onde todos sabiam. Beta Alexander era meu avô. Eles não sabiam
que o Rei Alfa e sua Luna também eram meus avós.
O fato de que eu não estava ansiosa para voltar para a casa da matilha
não tinha nada a ver com minha herança. Tinha mais a ver com o fato de
meu avô pensar que eu precisava aprender a conviver com os outros.
Isso, disse ele, era uma parte importante do meu treinamento.
Eu não conseguia entender por quê. Não era algo que eu tivesse sido
encorajada a fazer no passado. Na verdade, no setor humano, ele havia
sido ativamente desencorajado.
A pequena quantidade de tempo que passei na matilha de Gabriel não
me deu muita oportunidade. Então, enquanto era encarcerada na
masmorra de Zagan. meu único companheiro era Sammy.
Eu ainda sentia falta de Sammy. Embora eu tenha tido a
oportunidade de me despedir, perdi seu funeral devido ao incidente com
minha loba.
Enquanto estava nas montanhas, eu estava muito ocupada
concentrando-me no meu treinamento e nas aulas para pensar muito
nisso.
Agora, enquanto caminhávamos em direção à casa da matilha, todas
as memórias de cinco anos atrás vieram à tona. Incluindo a culpa que
senti.
Era estúpido se sentir culpado por algo que você não conseguia
controlar. Não foi apenas a morte de Sammy também. Foi assim que
comecei a odiar Gabriel por me abandonar, apenas para descobrir que ele
não tinha.
Ele deu sua vida na tentativa de me encontrar. Assim como Jackson
ou Elijah. Eles não sabiam qual deles. Talvez depois de cinco anos,
Clayton e Seth possam ter descoberto qual, ou talvez tenham sido
ambos?
Cinco anos de estudo também me ajudaram a esquecer a vingança
que tanto Nix quanto eu queríamos. Essa necessidade também estava
voltando. Estava mais equilibrada agora.
O treinamento e o estudo me ensinaram muitas coisas. Paciência e
planejamento foram algumas delas. Ainda teríamos nossa vingança, mas
eu estava preparada para esperar o momento certo.
Quando chegamos à casa da matilha, não havia um grande comitê de
boas-vindas, e por isso fiquei feliz.
Clayton desceu os degraus da casa da matilha quando o carro parou.
Ele não mudou muito em cinco anos, ao contrário de mim. Mas ele
era um lobisomem maduro. Depois dos trinta anos, eles não mudam
muito. Até meu avô parecia jovem para sua idade.
Eu, por outro lado, havia mudado enormemente. Eu cresci em altura
e estatura quando cheguei à puberdade.
Quando saí do carro, Clayton se aproximou e me abraçou com os
braços. Hesitei por alguns momentos, antes de abraçá-lo de volta.
Acho que foi isso que meu avô quis dizer quando me disse que eu
precisava aprender mais algumas habilidades sociais.
— Olhe para você, — Clayton sorriu, — a pequena Ellie crescida.
Eu revirei meus olhos. Embora eu já tenha sido pequena, nunca
pensei em mim como pequena. Não depois de escapar da masmorra de
Zagan.
— Alguma notícia? — Eu questionei.
Agora foi a vez de Clayton revirar os olhos.
— Vamos acomodá-la primeiro, então alguns da matilha vão ter uma
noite de cinema. Será bom para você conhecê-los.
Eu fiz uma careta. Eu preferia ficar sozinha, mas tive a estranha
sensação de que isso não aconteceria.
— Eu tenho que fazer isso? Prefiro estudar ou treinar. Talvez eu
pudesse observar uma patrulha, — sugeri.
— Não! — Meu avô e Clayton responderam em uníssono.
Eles se entreolharam e sorriram.
Soltei um suspiro de aborrecimento.
— Eu sabia que deveria ter ficado na montanha, — bufei.
Clayton riu e colocou um braço em volta do meu ombro.
— Venha, mal-humorada, vamos acomodá-la.
Reconheci as portas do apartamento imediatamente. Parecia que foi
ontem que tínhamos saído daqui para a cerimônia para eu me juntar à
matilha de Clayton.
Nós paramos do lado de fora de outra porta primeiro, e meu avô me
beijou no topo da minha cabeça.
— Tente se comportar, — ele sussurrou, antes que Clayton me
conduzisse ao longo do corredor e subisse as escadas.
Foi nesse momento que percebi que meu avô não ia ficar comigo.
— Ele não vai ficar, vai? — Eu murmurei.
Clayton olhou para mim e sorriu com simpatia.
— Só até que você esteja acomodada. Então ele vai voltar para a
montanha.
Suspirei e soltei um suspiro.
Clayton parou e colocou as duas mãos em meus ombros.
— Ele não está abandonando você. Ellie, ele apenas está lhe dando
espaço para crescer. Além disso, há uma guerra chegando. Ele está muito
velho para lutar. Lobisomens não vivem para sempre!
Meu coração pulou uma batida.
— Ele está... Ele está voltando para as montanhas... para morrer?
Clayton olhou para mim e sorriu.
— Vamos, tenho uma surpresa para você.
Clayton abriu a porta do apartamento e me conduziu para dentro.
— Chegamos, — gritou ele.
Eu sorri quando vi Seth sair da cozinha.
Ele estava usando um avental manchado de vermelho.
Eu cheirei o ar, procurando o cheiro revelador de sangue, mas não
estava lá.
Seth olhou para mim e riu.
— É molho de tomate.
Eu sorri de volta. Então ele abriu os braços.
— Venha aqui, filhote.
Corri até ele e seus braços enormes me envolveram em um abraço.
Não houve hesitação quando o abracei de volta.
Ele realmente tinha sido meu único amigo quando cheguei aqui.
Clayton e meu avô eram diferentes. Eles eram como minha grande
família. Seth me salvou, quando me encontrou na caverna.
— Senti sua falta, — sussurrei.
Seth riu e beijou o topo da minha cabeça.
— Eu também senti sua falta, pequena Ellie.
Ele me soltou do abraço e gentilmente me empurrou. Ele pousou
uma mão nos meus ombros, enquanto a outra segurava suavemente meu
queixo, inclinando levemente minha cabeça para cima.
— Mas não tão pequena mais, eu vejo, — ele sorriu.
Eu senti meu rosto enrubescer.
— Por que você está coberto de tomates? — eu perguntei,
rapidamente desviando sua atenção para seu avental bagunçado.
Ele bufou e cruzou os braços sobre o peito.
— A última vez que perguntei o que você queria comer, você me
pediu lasanha, então...
— Você demorou muito, — sorri, — não sabia que demorava cinco
anos para fazer.
Ele revirou os olhos.
— O jantar estará pronto em vinte minutos.
Ele se virou e voltou para a cozinha.
Eu fiquei lá, olhando para o local onde ele tinha estado. Então eu
senti uma mão em meu ombro.
Clayton. Eu quase esqueci que ele estava lá.
— Ele realmente sentiu sua falta, você sabe.
Dei de ombros.
— Ainda estou no mesmo quarto? — Eu perguntei, rapidamente
tentando desviar o assunto.
Clayton acenou com a cabeça e tirou a mão do meu ombro.
— Tem uma muda de roupa lá. Você provavelmente vai querer fazer
uma viagem à cidade para comprar mais amanhã. Talvez uma das
meninas possa ir com você.
Eu balancei a cabeça e me dirigi para o meu antigo quarto. Eu
provavelmente tinha tempo para um banho rápido e me trocar.
Eu estava ansiosa para jantar, não tanto para esta noite de filme com
o resto da matilha.
Parecia um pouco estranho. Um minuto eu estava nas montanhas
com meu avô, aprendendo e treinando. No próximo eu estava aqui,
sendo abraçada e persuadida a me divertir.
Embora eu tivesse certeza de que meu avô me amava, ele não
acreditava muito em abraços e demonstrações de afeto. Especialmente
quando fiquei mais velha. Era tudo sobre minha educação e treinamento.
Diversão realmente não estava em sua agenda.
Era essa a razão pela qual ele não iria ficar? Ele era um solitário, mas
não queria que eu fosse o mesmo. Ele insistia que retornar fazia parte da
minha educação.
Não pela primeira vez na minha vida, fiquei um pouco confusa.
Tomei banho e coloquei roupas limpas.
Fiquei aliviada por Clayton não ter encontrado um vestido para eu
usar. Neta do Alfa Rei ou não, eu nunca seria uma pessoa que usava
vestido.
Clayton tinha me encontrado um jeans e uma camisa, que eram
surpreendentemente do meu tamanho. Havia também um confortável
par de tênis. Uma mudança agradável, depois de passar a maior parte do
tempo com botas de combate.
Meu avô certamente não tinha a intenção de me criar como outra
coisa senão uma guerreira.
Quando saí do quarto, Clayton estava sentado no sofá e meu avô
estava ao lado dele. Ambos sorriram quando me viram.
— Bom, — meu avô começou, — você está mais parecendo uma
adolescente do que uma guerreira.
Eu fiz uma careta,
— Eu pensei que você queria que eu fosse uma guerreira?
Clayton se levantou e caminhou em minha direção. Ele pousou a mão
no meu ombro.
— Ele quer... todos nós queremos. Mas também queremos que você
seja um indivíduo completo. Você precisa saber quando colocar a
guerreira de lado e deixar a pessoa brilhar.
Eu balancei a cabeça e pensei em Seth. Ele era o Beta. Um guerreiro.
Mas ele também era algo mais.
Enquanto eu pensava nele, ele saiu da cozinha. O avental manchado
de tomate havia sumido. Ele estava vestido com jeans escuros e uma
camisa de botão.
— O jantar está servido, — ele sorriu.
Clayton me guiou até outra sala, na qual eu não tinha estado antes.
Havia uma grande mesa de jantar. Provavelmente poderia ter acomodado
oito pessoas, mas no momento estava definido para apenas quatro.
No meio, havia uma bandeja fumegante de lasanha.
Eu não pude deixar de sorrir enquanto era conduzida em direção ao
meu assento.
Pelo menos agora eu sabia como usar faca e garfo. Eu até sabia quais
eram os ingredientes da lasanha. Eu tinha que agradecer ao meu avô por
isso. Algo pelo qual sempre serei grata.
Capítulo 30
Seth
Eu não conseguia acreditar o quanto ela havia mudado em cinco
anos. A última vez que a vi foi quando a levei às pressas para o hospital
inconsciente. Depois disso, seu avô meio que assumiu.
Clayton a tinha visto, mas eu não. Então seu avô a levou para as
montanhas.
Quando Clayton me disse que ela estava voltando, decidi fazer a
lasanha que ela havia pedido da última vez.
Eu realmente senti falta daquela filhote. Ela era tão dura, tão
decidida. Ela tinha passado por tanta coisa. Não apenas fisicamente, mas
emocionalmente.
Saber o que tinha acontecido com seu irmão, e Alfa Gabriel, que ela
via como um pai, teria quebrado a maioria dos adultos, muito menos um
filhote. Mas não a pequena Ellie.
Ela tinha acabado de resistir, de acordo com Clayton.
Em seguida, foi levada para as montanhas por seu avô. A maioria dos
filhotes não teria sobrevivido à solidão ou às aulas daquela velha relíquia.
Ele era um homem duro, mas, como Clayton continuava me dizendo,
era o melhor.
E assim foi. Ela floresceu em uma bela jovem loba. Eu ainda podia ver
a ousadia nela. Os resmungos de uma típica filhote adolescente. Mas
aquele sorriso e aquela risada foram o suficiente para iluminar a sala.
Eu não pude deixar de rir, embora ela pensasse que os tomates eram
sangue. Talvez seu avô a tivesse ensinado muito sobre luta e morte, e
menos sobre como viver.
Essa foi a razão pela qual ela voltou, de acordo com Clayton. Ela
precisava aprender a viver como uma filhote normal. Fazer amigos,
socializar.
Que melhor maneira do que um jantar entre amigos e familiares.
— Então, — comecei, — você já fez sua primeira transformação?
Ellie sorriu e olhou para seu avô, que sorriu de volta.
— Fiquei um pouco nervosa, — ela hesitou, — depois do que
aconteceu... mas foi bom. Corremos para as montanhas, para o antigo
palácio.
Clayton olhou para o Beta Alexander.
— Como foi? — Ele perguntou.
Alexander suspirou, sua expressão triste.
— Nada como costumava ser.
Sua voz falhou ligeiramente.
— Acho que já foi lindo... e havia uma pintura dos meus outros avós,
o rei Alfa e sua rainha humana. — Ellie observou.
Clayton franziu a testa.
— Isso não é do conhecimento comum, Ellie. — Clayton repreendeu,
— é melhor manter isso em segredo até a hora certa.
Ellie revirou os olhos e bufou.
— Se você tem vergonha de mim, então qual foi o propósito de me
mandar para a montanha por cinco anos... Eu acho que isso me manteve
fora de vista, — ela amuou.
Eu estava começando a ver por que Alexander estava ansioso para
trazê-la de volta. Estar nas montanhas com seu avô e alguns guerreiros
para treinar significava que ela estava isolada.
Eu sabia que essa não era a intenção, era principalmente para mantê-
la segura.
— Por favor, Ellie. — eu repreendi gentilmente, — nenhum de nós
queria que você ficasse longe por tanto tempo, mas você estava em
perigo. Principalmente depois do que Joseph fez e do risco de outros
traidores em nosso meio.
— Esse risco ainda está presente, pelo menos agora você pode se
defender se precisar.
Ela olhou para mim e suspirou.
— Eu suponho que sim. — ela bufou, em um típico estilo adolescente.
Eu quase consegui abafar uma risada.
Era uma princesa adolescente humilde, que era socialmente desafiada
e corria o risco de ser assassinada. Não dá pra inventar isso!
— Talvez uma noite assistindo a filmes e comendo lanches a anime.
— sugeri.
Ela tentou parecer mal-humorada, mas havia um traço de um sorriso
em seu rosto, mesmo que apenas por um segundo, mas eu vi.
— Eu duvido, — ela resmungou, — a menos que você venha também?
Eu sorri.
— Vou ver o que posso fazer.
Depois de tirar os pratos do jantar, trouxe a sobremesa. Eu imaginei
que ela gostasse de doces, a maioria das crianças gostava, então eu fiz
uma sobremesa de chocolate, coberta com morangos.
Quando eu trouxe à mesa, seus olhos brilharam.
— Como você sabia? — Ela exclamou.
Eu fiz uma careta.
— Sabia o quê?
Ela deu uma risadinha. Droga, eu adorava sua risada.
— Apenas minhas duas coisas favoritas.
Eu cantarolei:
— Estou feliz por ter algo certo então.
Ela olhou para mim e franziu a testa.
— Eu o culpei pelo incidente com sua loba, todos aqueles anos atrás,
— Clayton confessou.
Ela fez um "o" com os lábios. Então ela sorriu para mim.
— Eu não, — ela sussurrou.
Eu não poderia argumentar contra isso.
A sobremesa estava quase terminada, e eu sabia que Clayton e
Alexander estavam ansiosos para levar Ellie para a noite de filme com os
filhotes adolescentes. Seria bom para ela se misturar com filhotes de sua
idade.
De repente, recebi uma ligação mental de Bartholomew, meu
principal guerreiro. Ele tinha verificado a fronteira na noite em que
encontrei Ellie na caverna.
"Houve uma violação na fronteira oriental."
Liguei a mente dele de volta imediatamente.
"Renegados ou Zagan?"
Houve uma pausa.
"Nenhum, apenas dois homens e uma mulher, mas acho que você
deveria vir e ver por si mesmo."
Droga, por que ele tinha que ser tão enigmático. Eu levantei-me.
— Sinto muito, tenho que ir. Houve uma violação na fronteira
oriental, — eu anunciei.
Clayton também se levantou, entrando em modo Alfa.
— Estamos sob ataque? Devemos levar as fêmeas e filhotes para um
lugar seguro?
Eu balancei minha cabeça.
— Não. Bartholomew teria me contado se estivéssemos em perigo.
São apenas três lobos, vou atualizá-los assim que eu souber mais.
Ellie se levantou.
— Deixa eu ir, treinei para isso, — afirmou.
Eu ri e balancei minha cabeça.
— De jeito nenhum, filhote. Não tenho nenhum dos meus estagiários
indo para uma situação com ação na fronteira. Não até que eu mesmo
verifique.
Ela deu um suspiro.
— De que adianta treinar se eu não consigo usar nada do que treinei.
Clayton pousou delicadamente a mão em seu ombro.
— Haverá muito tempo para isso, além do que você tem um encontro
com pipoca e filmes esta noite, se não me engano.
Observei quando seus ombros caíram. Admito que ela estava
entusiasmada, mas ela também era especial. Não havia como eu ou
Clayton arriscar que ela ficasse tão perto da fronteira.
Não quando sabíamos o que o conselho faria se algum dia a
pegassem.
Dizer que fiquei desapontado por minha noite com Ellie ter sido
interrompida era um eufemismo. Mas a segurança dela e a da matilha
tinham que vir primeiro.
Eu sabia que Bartholomew não teria me contatado, a menos que fosse
urgente.
Ao deixar a casa da matilha, tirei a roupa e me transformei. Não
demorei muito para chegar à fronteira. Quando cheguei mais perto, já
podia sentir o cheiro dos estranhos que haviam cruzado em nosso
território.
Bartholomew estava certo. Eles não eram renegados e
definitivamente não carregavam o cheiro da matilha de Zagan.
No início, quando me aproximei, vi apenas um estranho. Uma mulher
muito bonita.
Um dos guerreiros a segurou com força pelo braço. Embora ela não
parecesse uma grande ameaça, não podíamos ser muito cuidadosos. Eu
rapidamente voltei à forma humana e vesti o short que eu tinha
amarrado no meu braço.
Bartholomew disse que havia três, onde diabos estavam os machos.
Eu olhei além da fêmea, e os vi. Choque foi a primeira coisa que
passou por mim.
Um dos machos estava deitado no chão. Ele não era velho, mas
parecia doente. Não apenas doente, mas frágil. O outro homem estava
agachado ao lado dele.
Dois de nossos guerreiros estavam logo atrás deles, prontos para agir
se necessário. Não que o doente pudesse ter feito qualquer coisa. Parecia
que ele mal conseguia ficar de pé. Ele estava magro.
Muito magro e praticamente não tinha músculos. Ele também estava
muito pálido e sua respiração era superficial.
Eu olhei para Bartholomew.
— Quem são eles e o que estão fazendo em nosso território?
Bartholomew se afastou dos dois homens e caminhou em minha
direção, com a voz baixa.
— Eles dizem que são todos da matilha da Lua Crescente, — ele
sussurrou.
Então ele olhou por cima do ombro, para o homem no chão.
— Eles disseram que ele é o Alfa... Alfa Gabriel... Aquele que deveria
estar morto!
Porra! Eu não sabia o que pensar. Eles não pareciam uma ameaça,
mas tudo poderia ser um ardil. Eles podem estar aqui para assassinar
Ellie.
Tendo dito isso, ninguém poderia fingir o estado em que o suposto
Alfa estava.
Eu caminhei em direção ao homem que estava agachado ao lado do
Alfa.
— Quem é você? Por que você veio aqui?
Ele olhou para cima.
— O conselho... — ele começou, então ele olhou para o Alfa, — ele
esteve na masmorra deles pelos últimos cinco anos. Eles nos disseram
que ele saiu para encontrar sua filha... Ellie.
Sua voz falhou ligeiramente.
— Emma... — ele olhou para a mulher, — ela sentiu o cheiro dele
enquanto estávamos no território do conselho. Não podíamos
simplesmente deixá-lo.
Eu olhei para um dos guerreiros atrás dos dois homens.
— Você, corra de volta para a casa da matilha e traga um veículo. Vou
informar o Alfa.
Eu estava prestes a tirar meu short e me transformar novamente
quando o homem falou.
— Espere, você deve saber que o conselho está formando um
exército... — ele começou.
— Eu sei, — eu interrompi, — Estamos prontos para eles, — eu
rosnei.
Ele balançou sua cabeça.
— Não, você não entende. Eles vão atacar os humanos. Eles vão
eliminá-los completamente!
Eu o encarei. Agora as mensagens secretas começaram a fazer
sentido.
— Qual é o seu nome, — eu exigi.
— Murdoch, — ele sussurrou, — Nós deveríamos treinar Ellie, antes
que ela fosse levada. Eu iria treiná-la como guerreira. Emma como
rastreadora. Por favor, me diga que ela está bem, ela ainda está viva?
Eu o encarei. Ainda não tenho certeza se devo confiar nele.
Em vez disso, me virei para Bartholomew.
— Quando você voltar para a casa da matilha leve o doente para o
hospital, os outros dois, — eu hesitei, — coloque-os nas celas.
Eu tinha que errar por excesso de cautela. Podia ser um truque. Eu
falaria primeiro com Clayton. Se eles estivessem dizendo a verdade. Ellie
seria capaz de confirmar a identidade deles.
Tendo dito isso, se o macho doente fosse o Alfa e ele não sobreviver,
eu não queria fazer Ellie perdê-lo duas vezes.
Capítulo 31
Ellie
Eu estava totalmente perdida. Dê-me um teste de matemática ou
uma besta enorme de um guerreiro para lutar. Tudo bem.
Peça-me para sentar com uma multidão de adolescentes, assistindo a
um filme e comendo pipoca e eu desejava que o chão me engolisse.
Eu tinha certeza de que todos eles estavam olhando para mim como
se eu tivesse duas cabeças. Quanto ao filme. Foi muito fodido.
Eu nunca tinha visto nada em uma tela enorme antes. Meu avô não
tinha um em sua cabana. Um dos meninos perguntou se eu tinha alguma
preferência. Tive vontade de dizer que só queria estar em qualquer outro
lugar, exceto aqui.
Em vez disso, apenas dei de ombros.
Clayton, o desgraçado, simplesmente me levou para a sala grande e
me deixou. Como um peixe fora d'água.
Alguns dos meninos tentaram me fazer falar, mas eu apenas dei
respostas sucintas, que consistiam no meu nome, sim ou não.
Eu tinha a impressão de que devíamos estar olhando para a tela, sem
falar, mas os adolescentes estavam conversando ou passando os braços
em volta um do outro.
No final, saí silenciosamente da sala e fui para a cozinha. Estava
quieto e não havia mais ninguém lá. Do jeito que eu gostava.
Eu não tinha certeza de por que Clayton havia pensado que seria uma
boa ideia. Então, em vez disso, olhei na geladeira e encontrei um
recipiente de sorvete de chocolate.
Vasculhei as gavetas até encontrar uma colher, depois me sentei na
beira do balcão, comendo.
Isso foi até que alguém entrou na cozinha para me perturbar. Eu
vagamente reconheci seu rosto, mas não conhecia ninguém aqui, então
não tinha certeza.
— Ellie, não é? — Ela perguntou.
Eu olhei para ela e balancei a cabeça.
Ela deu uma risadinha.
— Você não se lembra de mim, lembra?
Eu balancei minha cabeça.
— Eu deveria?
Ela riu novamente.
— Você quebrou meu nariz, nada mal para uma criança.
Eu cerrei meus dentes. Eu não conseguia lembrar o nome dela, mas
me lembrei dela me dizendo que eu cheirava mal. Se ela estivesse
voltando para uma revanche, eu ficaria muito feliz em agradá-la.
A garota sorriu e ergueu as mãos em sinal de rendição simulada.
— Uau! Eu não guardo rancor, além disso, provavelmente merecia. Só
pensei em ver como você estava. Você meio que desapareceu após a
cerimônia de sangue.
Eu relaxei um pouco, procurando desesperadamente em minha
memória por um nome, que não viria.
— Fui morar com meu avô, — ofereci, — acho que não sei o seu
nome?
Ela sorriu.
— Olivia, — afirmou ela.
Eu balancei a cabeça e olhei para o pote de sorvete ao meu lado.
— Você quer? — Eu perguntei, indiferente.
Ela foi até a gaveta que continha todos os talheres e pegou uma
colher.
— Claro, — respondeu ela, enquanto pulava no balcão ao lado do
pote.
Ficamos sentadas em silêncio comendo sorvete.
— Isso é melhor do que aquele filme bobo, — ela comentou.
Eu fiz uma careta.
— Bobo?
Ela riu.
— Bem, você deve ter pensado que era uma merda também, ou você
não estaria aqui se enchendo de sorvete.
Ela hesitou.
— Bem, pelo menos você está usando uma colher.
Eu olhei para ela. Ela tinha um sorriso malicioso no rosto.
Não pude deixar de sorrir ao me lembrar da maneira como havia
comido com as mãos. Era quase como um animal selvagem.
— Eu nunca tinha visto um filme antes, era um pouco confuso, com
todo mundo falando.
Ela olhou para mim e franziu a testa.
— Você nunca viu um filme? Nem mesmo com seu avô?
Eu balancei minha cabeça.
— Lá tudo era só estudar e treinar, — concluí.
Olivia olhou para mim e revirou os olhos.
— É uma merda ser você. Quantos anos você tem, Ellie?
Pensei por um minuto. A verdade é que eu realmente não sabia
quantos anos tinha, não exatamente.
— Quinze... eu acho.
— Você acha? — Olivia perguntou.
Dei de ombros.
— Isso importa?
Ela riu.
— É claro que importa. Tenho quase dezoito anos, é quando descubro
se tenho um companheiro na matilha. Mal posso esperar.
Eu encolhi os ombros novamente.
— Provavelmente não terei um, — concluí, — sendo uma híbrida.
Olivia saltou do balcão e ficou na minha frente.
— Claro que você vai. Você é muito bonita, — ela sorriu, — para uma
renegada.
Ela piscou para mim.
Eu fiz uma careta, ela ia ser má de novo. Pelo menos eu aprendi a
controlar meu temperamento agora... um pouco ao menos.
— Estou brincando, — ela riu, — não sobre a parte bonita, a parte
sobre ser renegada.
Eu fiz um "o" com meus lábios.
Olivia revirou os olhos.
— Vou colocá-la sob minha proteção, parece que você precisa de um
pouco mais de educação e de uma amiga. O que você diz?
Eu concordei.
— Acho que preciso de uma amiga. Alguém para me introduzir a este
mundo.
— Ok, então vamos pedir a esses idiotas que mudem o filme para algo
um pouco mais interessante, — ela pediu.
Pulei do balcão e ela colocou o braço em volta do meu ombro. Parecia
um pouco estranho, mas imaginei que era isso que os amigos faziam.
Enquanto caminhávamos de volta para a sala de estar. Olivia apontou
para uma prateleira. Havia o que pareciam ser livros nela. Só que eles não
eram. Eram pequenas caixas contendo discos de prata.
— Estes são DVDs, — explicou ela, — agora o que vamos assistir?
Ela puxou algo da prateleira e olhou para a caixa.
— O Exterminador do Futuro, — ela falou lentamente, — acho que é
um bom lugar para começar sua educação cinematográfica.
Observei enquanto ela caminhava até a tela, pressionava alguns
botões e um disco prateado emergia da parte inferior.
Houve gemidos de todos.
— Calem a boca, é um filme idiota, além disso, Ellie nunca assistiu a
um filme antes, — ela repreendeu.
Senti meu rosto corar, quando todos os olhos se voltaram para mim.
Olivia foi até um dos sofás.
— Levante-se, Felix, e pare de apalpar Sasha, — ela repreendeu.
O menino e a menina em que ele estava com o braço coraram e
abriram espaço.
Olivia olhou para mim.
— Vamos, Ellie, sente-se comigo.
Eu me aproximei e me encolhi no sofá entre Olivia e o garoto
chamado Felix.
Ele sorriu para mim.
— Oi, — ele sussurrou.
Eu sorri de volta. A sala ficou em silencio quando o filme começou.
Olivia parecia que tinha falado, e ninguém discutiria com ela.
Pode ter algo a ver com o fato de ela ser mais velha. A maioria dos
outros tinha mais ou menos minha idade. Eu não tinha certeza de por
que ela era a única mais velha ali.
Talvez ela estivesse lá para garantir que todos se comportassem.
Quando o filme acabou, uma das outras garotas se levantou e apertou
alguns botões. O disco saltou e a tela ficou em branco.
— Qual o próximo? — Ela perguntou, não focando particularmente
em ninguém.
Antes que alguém tivesse a chance de responder, as luzes foram
subitamente acesas.
Houve um lamurio de todos, mas depois silêncio quando todos vimos
Clayton parado na porta. Ele examinou a sala e muitos dos adolescentes
rapidamente se desvencilharam de seus vizinhos.
Quando seus olhos se fixaram em mim, ele parou.
— Ellie, preciso que você venha ao meu escritório.
Eu me levantei e caminhei em direção à porta. Eu sabia que não tinha
feito nada de errado, exceto talvez me servir de sorvete, mas Olivia
também.
Clayton colocou a mão no meu ombro e me guiou pelo corredor em
silêncio.
— Há algo errado? — Eu questionei.
Clayton não respondeu até chegarmos à porta de seu escritório.
— A invasão na fronteira. Os lobos que prendemos... eles dizem que
te conhecem. — Ele afirmou.
Eu engoli em seco, tentei pensar quem poderia ser. Quase não
conhecia ninguém.
Clayton abriu a porta e ficou de lado para que eu pudesse entrar antes
dele.
Eu nunca tinha estado em seu escritório antes. Era grande. Havia
uma grande mesa de carvalho em uma extremidade com estantes de
livros atrás dela. Do outro lado havia um sofá.
Eu engasguei enquanto olhava para o sofá. Não por causa do sofá,
mas por quem estava sentado nele.
Murdoch e Emma. Estavam cercados por dois guerreiros de Clayton.
Murdoch tentou se levantar, mas foi imediatamente empurrado para
baixo pelo guerreiro próximo a ele.
— Ellie? — Ele perguntou.
Senti a mão de Clayton em meu ombro. Me dando um aperto
reconfortante.
— Você os conhece, Ellie? — Ele perguntou.
Eu engoli em seco novamente e assenti.
— Murdoch e Emma, — eu sussurrei.
Eu não conseguia acreditar no que estava vendo. Por que eles estavam
aqui? O conselho os enviou para me matar?
Eu estreitei meus olhos e olhei para Emma e Murdoch.
Emma era a melhor rastreadora, e Murdoch costumava treinar os
guerreiros de Gabriel, então eu sabia que ele era o melhor.
— Por que vocês estão aqui? Eles enviaram vocês para me matar... o
conselho? — Eu questionei, minha voz quase um sussurro.
Murdoch balançou a cabeça. Ele não tentou se levantar novamente. O
guarda de Clayton ainda estava com a mão em seu ombro. Eu não estava
preocupada.
Eu sabia que eles iriam me proteger, e meu treinamento com meu avô
não foi em vão.
— Eu nunca... nenhum de nós. Nunca paramos de rezar para que você
estivesse bem, — ele hesitou, — você está bem, não é Ellie? Eles trataram
você bem?
Eu balancei a cabeça e mordi meu lábio. Não pude evitar as lágrimas
que começaram a se acumular no fundo dos meus olhos.
Abaixei minha cabeça e respirei fundo. Eu não poderia deixá-los ver.
Não podia deixá-los saber que eu era fraca, e como ser abandonada por
eles quase me destruiu.
Senti Clayton apertar suavemente meu ombro.
Eu olhei para ele.
— Estávamos errados, Ellie, — ele sussurrou.
Eu fiz uma careta
— Errados?
Clayton acenou com a cabeça.
— O conselho não matou Alfa Gabriel, ele está vivo.
Capítulo 32
Ellie
Eu encarei Clayton.
— O que... o que você quer dizer? — Eu gaguejei.
Eu me odiava por gaguejar. Achei que tivesse perdido esse hábito, mas
só de pensar que ele ainda estava vivo.
Por mais que tenha me chateado quando me disseram que ele estava
morto, eu tinha me convencido de que ele estar morto significava que ele
não tinha parado de me procurar. Ele não me abandonou. Se ele ainda
estivesse vivo, significava que sim.
Isso significava que eu pensava que ele se importava, era apenas eu
me enganando.
Eu nem sabia por que me importava. Eu tinha uma família agora. Um
primo com Clayton e meu avô. Mas não era a mesma coisa.
Não era a mesma coisa que sentia quando estava com Gabriel, e me
odiava por isso.
Eu olhei para Murdoch e Emma.
— Por que vocês estão aqui? Por que agora? Por sete anos vocês não
deram a mínima para mim, agora de repente você espera que eu fique
feliz em vê-los, — eu sibilei.
— Ellie... — Clayton exclamou, seu tom afiado.
Eu tirei sua mão do meu ombro.
— Não, — eu rosnei, — Eu não quero ouvir isso. Eles me deixaram.
Eles me deixaram com aquele desgraçado. Eles não têm ideia...
Eu girei no meu calcanhar e deixei o escritório de Clayton. Lágrimas
se acumulando em meus olhos.
O que eles esperavam? Que eu os receberia de braços abertos.
Avancei pelo corredor. Eu tenho que sair. Eu precisava de um pouco
de ar.
Não fui muito longe quando ouvi alguém chamar meu nome.
— Ellie... espere... o que aconteceu?
Eu me virei para encará-lo. Seth.
— Ele não está morto, — eu choraminguei, lágrimas escorrendo pela
minha bochecha, — Zagan estava certo. Ele me abandonou, se esqueceu
de mim. Agora eles estão lá esperando algum grande reencontro.
— Bem, isso não vai acontecer! — Eu gritei, enquanto o soluço que eu
estava tentando segurar escapou.
Seth se aproximou de mim e passou os braços em volta de mim.
— Shh, Ellie, não é assim. Não é o que você pensa.
Eu me afastei dele.
— Você está do lado deles, não está? Eu pensei que você era meu
amigo. Achei que você entenderia, — eu solucei.
Seth segurou meu rosto com as duas mãos. Suas mãos eram enormes.
Antes de subir para as montanhas, ele sempre me pareceu um
gigante. Agora, cinco anos depois, ele ainda era. Meu rosto parecia
minúsculo em comparação com suas mãos.
Ele provavelmente poderia esmagar o crânio de uma pessoa com as
mãos, mas comigo ele foi gentil. Ele sempre foi gentil.
Ele enxugou as lágrimas com os polegares.
— Ouça, Ellie. Não é o que você pensa. Você confia em mim? — Ele
acalmou.
Eu concordei.
Seth pressionou seus lábios na minha testa.
— Então venha comigo, — ele sussurrou.
Seth passou o braço em volta do meu ombro e começamos a andar.
De vez em quando, sua mão acariciava suavemente minha bochecha. Eu
realmente não me concentrei em para onde estávamos indo, até
chegarmos ao hospital.
Eu fiz uma careta. Por que ainda estávamos aqui?
Seth abriu a porta e Veronica estava lá. Ela não sorriu para mim, ela
apenas olhou para Seth.
— Tem certeza de que é uma boa ideia? — Ela perguntou, lançando-
me um olhar de soslaio.
Seth nem mesmo respondeu, ele apenas me guiou para uma das salas
laterais e abriu a porta.
Eu imediatamente congelei.
Olhei para a figura na cama e depois para a máquina de bipes.
Gabriel. Ele estava quase irreconhecível.
As maçãs do rosto se projetavam e seus olhos estavam fundos. Ele
estava magro. Ele estava usando uma daquelas camisolas horríveis de
hospital, mas mesmo assim você poderia dizer que ele estava definhando.
— O que aconteceu com ele? — eu perguntei, minha voz falhando.
Senti Seth agarrar meus ombros, enquanto ele se mexia para ficar
atrás de mim.
— Seu pai e o conselho. Ele esteve na masmorra do conselho por
cinco anos. Ele pretendia cruzar para o lado humano da fronteira com
seu irmão, para encontrar você.
— Ele sabia que você estava aqui, ele simplesmente não podia chegar
até você, — ele sussurrou.
Afastei-me de Seth e caminhei lentamente em direção à cama.
— Ele está... — Hesitei, lutando para encontrar as palavras, — ele vai
ficar bem?
Eu ouvi Seth suspirar atrás de mim.
— Não sabemos, Ellie. Ele está em coma. Ele já passou por muita
coisa. Você pode querer... Fazer as pazes com ele... Dizer adeus.
Eu ouvi a porta abrir e fechar, enquanto Seth me deixava sozinha na
sala com Gabriel.
Sentei-me na beira da cama e coloquei minha mão na dele. Estava
mais frio do que eu lembrava. Eu sabia que não estava certo. A
temperatura corporal dos lobisomens era mais alta do que a dos
humanos normalmente.
Segurei sua mão grande nas minhas duas pequenas.
— Me desculpe, — eu sussurrei, — Me desculpe por ter pensado mal
de você. Ele me disse que você não se importava comigo. Eu não deveria
ter acreditado nele.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto.
— Eles mataram Sammy e mataram Jackson...
Descansei minha cabeça em seu peito, como costumava fazer quando
era pequena.
— Por favor, papai... não morra. Eu não acho que eu poderia suportar
isso, — eu solucei, as lágrimas escorrendo livremente pelo meu rosto.
A máquina começou a apitar um pouco mais rápido, mas eu ignorei.
— Me desculpe, isso é tudo minha culpa, — eu chorei.
Fechei os olhos, tentando conter o fluxo de lágrimas. Tentando fingir
que estávamos de volta à casinha, com Millie fazendo panquecas onde
éramos tão felizes, mesmo que por pouco tempo.
Então eu senti. Uma mão na minha cabeça, acariciando suavemente
meu cabelo.
— Sshh, — ele sussurrou, sua voz quase inaudível, — Eu estou aqui
agora, filhote. Eu não estou indo a lugar nenhum.
Soltei um pequeno suspiro, queria mover minha cabeça e olhar para o
rosto dele, mas também não queria me mover. Eu queria ficar onde
estava apenas sentindo o calor de sua mão na minha cabeça.
— Sinto muito, papai, — eu sussurrei.
Ele me silenciou novamente.
— Você só fez o que tinha que fazer para sobreviver. Nós dois fizemos.
Eu ouvi a porta se abrir, mas não me movi ou olhei para cima.
— Vamos, Ellie, acho que Gabriel precisa descansar agora.
Era Clayton.
— Não, — sussurrei, — não vou deixá-lo.
Senti a mão de Clayton em meu ombro, tentando me puxar para
longe. Eu não iria deixá-lo. Tínhamos acabado de nos encontrar
novamente.
Virei minha cabeça para olhar para ele.
— Eu disse NÃO! — Eu rosnei.
O comando Alfa ondulou de dentro de mim, e Clayton deu um passo
para trás com uma expressão de choque no rosto.
Então eu ouvi a voz de Nix na minha cabeça.
"Você usou o comando sem mim. Somos verdadeiramente um."
Eu não tinha certeza se era a emoção do momento ou a raiva de
alguém tentando me fazer deixar meu pai. Eu não me importava quem
sangraria nessa história.
Eu soube naquele momento que Gabriel era a pessoa mais próxima
que eu já tive como pai. O fato de não compartilharmos o mesmo sangue
não importava para mim. Agora não. Não naquele momento.
Senti Gabriel acariciar meu cabelo.
— Eu sempre soube que você era forte, que faria grandes coisas, mas
seu Alfa está certo, eu preciso descansar, e você também, — ele
sussurrou.
Eu me perguntei se Clayton sentia o mesmo. O fato de que eu poderia
usar meu comando Alfa em outro Alfa. Isso significava que ele me veria
como um perigo, para ele e sua matilha. Nenhum Alfa gostava de ser
desafiado.
Eu levantei minha cabeça e olhei para Gabriel, meu papai. Meu pai.
— Eu quero proteger você, papai, existem assassinos. Pessoas do
conselho. Eu não vou deixar eles te machucarem, não mais.
Ele tocou minha bochecha com a mão.
— Minha pequena guerreira, — ele sussurrou.
Clayton deu um passo à frente.
— Eu prometo a você, Ellie, eu não vou deixar nada acontecer com ele
ou com você.
Eu olhei para Clayton e meu pai.
Papai acenou para mim, como se quisesse dizer que estava tudo bem.
— Você vai colocar um guarda na porta? — Perguntei a Clayton.
Ele sorriu e acenou com a cabeça.
— Deixe o Alfa Gabriel recuperar sua força, então você pode passar
tanto tempo com ele quanto quiser. Agora você precisa descansar um
pouco.
Eu gentilmente balancei a cabeça e dei outro abraço em meu pai.
— Eu te amo, papai. — eu sussurrei.
— Eu também te amo, filha, — ele respondeu.
Capítulo 33
Ellie
Nas duas semanas seguintes, quase não saí do lado do meu pai.
Mesmo quando ele dormia, eu me sentei com ele. O plano de meu avô
para que eu voltasse a aprender a socializar foi destruído.
Veronica e Clayton praticamente tiveram que me forçar a sair de sua
cama, apenas para dormir.
Papai não falou muito sobre o que havia acontecido com ele, mas eu
sabia que devia ser ruim. Dois anos na masmorra de Zagan já haviam sido
ruins o suficiente. Pelo menos eu tinha Sammy como companhia.
Papai ficou completamente sozinho. Não é normal para um lobo. Era
por isso que eles viviam em matilhas.
Não pude deixar de me sentir culpada. Se não fosse por mim, nada
disso teria acontecido. Ele não teria que procurar por mim, ou ir contra o
conselho.
Então eles não o teriam trancado e o deixado quase morto de fome.
Eu sabia que ele iria me repreender por me sentir culpada, então eu
apenas enterrei isso dentro de mim. A culpa lentamente me corroía.
Passar um tempo com o papai ajudou a amenizar um pouco dessa
culpa.
Eu estava saindo do apartamento de Clayton, pronta para passar mais
um dia no hospital.
— Ellie? Por que você não está na escola. Você ainda precisa estudar e
treinar.
Parei, fechei os olhos e suspirei, antes de me virar para encarar meu
avô.
— Vou ver meu pai, — respondi.
Meu vô olhou para mim e fez uma careta.
— Ele não é seu pai. Seu pai morreu de febre. Você tem
responsabilidades, Ellie. Você será a Rainha Alfa um dia, — ele
repreendeu.
Toda a culpa e toda a raiva que havia se acumulado dentro de mim, de
repente, explodiu.
— Eu não me importo se ele não é meu parente de sangue. Ele fez
mais por mim do que qualquer pessoa, — gritei.
— Meus pais verdadeiros! Eles não se importaram. Eles me
entregaram para ser abusada pelo comandante do campo. Eles nunca me
disseram o que eu era. Eles apenas me abandonaram.
— Gabriel era mais pai do que os dois juntos.
Eu dei um passo à frente e olhei para ele.
— E você... Você não se importa comigo. Tudo o que importa é que eu
sou a próxima rainha Alfa. Você nunca pergunta como me sinto ou fica
um tempo comigo, apenas para estar comigo.
— Tudo o que sou para você é a herdeira de um trono que nem quero,
— soltei.
Quase caí no chão quando sua mão colidiu com meu rosto.
Levei minha mão ao rosto e olhei para ele. Piscava para conter as
lágrimas que ameaçavam cair.
Ele estreitou os olhos e eles brilharam em preto. Seus punhos
cerrados. Eu poderia dizer que ele estava tendo problemas para suprimir
seu lobo.
— Não se atreva a falar de seus pais assim, ou de mim. Sua filhote
egoísta. Você percebe do que as pessoas desistiram, apenas para chegar
onde você está?
— Você pode não gostar, mas tem responsabilidades. Eu proíbo você
de ver aquele Alfa novamente. Quanto antes ele sair daqui com os vira-
latas que trouxe consigo, melhor.
Eu olhei para ele, ainda segurando minha bochecha dolorida. Meu
coração batia descontroladamente no meu peito. Não havia nenhuma
maneira que eu o deixaria forçar papai, Murdoch e Emma a partir.
Eu balancei minha cabeça.
— Você não tem ideia, não é? — Eu sibilei, — Não tem ideia do que
eles fizeram comigo, os humanos a quem meus supostos pais me deram.
Alfa Gabriel... Papai, ele é o único que sabe.
— Se você pensar por um minuto que pode me impedir de vê-lo, pode
pensar novamente.
Eu o observei quando ele deu um passo em minha direção.
Eu coloquei minhas mãos ao lado do meu corpo e levantei meu rosto.
— Vai. Bata em mim de novo se isso te faz sentir melhor. Eu não vou
mudar de ideia. Você pode me bater até eu sangrar. Nunca vou
abandonar meu pai como meus pais me abandonaram, — declarei.
Ele parou e olhou para mim. Então eu o ouvi rosnar, antes que ele se
virasse e saísse furioso na outra direção.
Fechei meus olhos e respirei fundo. Minhas mãos tremiam.
Meu avô nunca tinha me batido antes, não de raiva. Ele me derrubou
algumas vezes, quando tínhamos treinado.
Caminhei lentamente em direção ao hospital. Todas as coisas que eu
disse em voz alta eram verdade. A única pessoa que realmente me
entendeu foi meu pai. Nenhum dos outros tinha ideia do que tinha
acontecido comigo.
Nem mesmo meu irmão Jackson.
Sete anos. Esse foi o tempo que meu pai levou para me encontrar e
ele nunca parou de procurar. Se ele fosse embora, eu iria com ele.
Eu estava um pouco mais calma quando cheguei ao hospital e fiquei
surpresa ao ver papai sentado na beira da cama, vestido.
Eu caminhei em direção a ele e sorri.
A doutora Veronica também estava lá.
Papai sorriu para mim.
— Tenho permissão para dar um passeio hoje.
Eu sorri de volta e ofereci meu braço a ele.
Ele estava prestes a pegá-lo, então franziu a testa e colocou a mão
suavemente na minha bochecha.
— O que aconteceu com o seu rosto, Ellie? — Ele perguntou,
preocupação em sua voz.
Eu balancei minha cabeça.
— Nada, está tudo bem. Isso vai curar logo, eu sou meio lobisomem,
lembre-se, — eu forcei um sorriso.
Antes que ele tivesse a chance de responder, a porta se abriu com um
estrondo.
— O que você fez? Por que...
Clayton começou a gritar, então as palavras morreram em seus lábios,
enquanto ele me encarava.
— Ele bateu em você? — Ele perguntou, choque em seu rosto.
Eu olhei para ele e balancei a cabeça.
Senti a mão do papai no meu rosto enquanto ele gentilmente virava
minha cabeça para olhar para ele.
— Quem bateu em você, Ellie? Diga-me? — Ele demandou.
Suspirei.
— Meu avô, — eu sussurrei.
Eu podia ver a turbulência no rosto do papai. Feliz por ter encontrado
uma família, zangado e triste por meu avô ter me batido.
— Eu acho, — Clayton começou, — que devemos ir para o meu
escritório. Existem algumas coisas que você precisa saber. Alfa Gabriel.
Eu estendi meu braço e papai o segurou. Então eu olhei para Clayton.
— Onde ele está, meu avô? — Perguntei.
Clayton revirou os olhos.
— Ele voltou para a montanha. Ele a chamou de pirralha ingrata, —
afirmou.
Eu concordei. Achei que ficaria chateada, mas não fiquei. Meu avô e
meu pai eram tão diferentes quanto água e óleo. Quando descemos da
montanha, pensei que precisava que ele ficasse.
Lembro-me dele dizendo que ficaria o tempo que eu precisasse. Não
esperava que nossa separação fosse tão ruim.
No entanto, voltando com a matilha, mesmo passando um pouco do
tempo com as outras crianças, percebi o quanto havia perdido. A vida era
mais do que apenas treinar e estudar.
Meu avô não enxergava isso, e eu também não tinha percebido.
Comer, dormir, treinar, estudar. Foi só isso. Sem tempo para diversão.
Eu esperava que meu pai não mudasse de repente, quando ele
percebesse quem eu era pelo sangue.
Achei que estava prestes a descobrir.
Sentamos no escritório de Clayton. Eu estava sentada ao lado do meu
pai no sofá. Ele tinha seu braço em volta de mim e eu me inclinei para
ele, enquanto Clayton se inclinava na beirada de sua mesa.
— Alfa Gabriel, você precisa saber quem é Ellie. Você sem dúvida
percebe que ela tem uma loba poderosa, — ele começou.
Papai acenou com a cabeça e esfregou meu braço.
— Sinceramente, Alfa Clayton, — ele respondeu, — eu não me
importo. Eu a adotei como minha filha, e isso é o que ela é para mim.
Clayton acenou com a cabeça.
— O avô dela não ficou feliz com isso. Duvido que ele quisesse
golpeá-la assim.
Eu revirei meus olhos.
— Eu estou aqui! — Eu bufei.
Clayton sorriu.
— Eu sei que você está, Ellie, então você quer dizer a Alfa Gabriel
quem você é, ou eu devo?
Suspirei e encolhi os ombros.
— O avô de Ellie era o Beta do Rei Alfa. Sua companheira era uma
bruxa humana branca. O Rei Alfa também tinha uma companheira
humana, a princesa real, — Clayton começou.
Papai acenou com a cabeça.
— Os dois tiveram filhotes. A avó de Ellie também tinha o dom da
vidência. Ela viu o expurgo chegando.
— Quando a rainha ficou grávida, e quando ela mesma ficou grávida,
ela usou magia negra para enfeitiçar os lobos das crianças, embora elas
ainda carregassem o gene de lobisomem.
— Assim que nasceram, ela levou os dois filhos para o outro lado da
fronteira. Lá, descobriu-se que os filhos eram companheiros. Eles
viveram uma vida humana e tiveram uma família, — concluiu.
Papai olhou para mim e sorriu.
— Então, você é a neta do Rei Alfa e a última humana da realeza?
Revirei meus olhos e balancei a cabeça.
Ele beijou o topo da minha cabeça e olhou para Clayton.
— Como eu disse antes, não faz diferença para mim. Ela ainda é
minha filha, mesmo que você não reconheça o processo de adoção do
conselho.
Eu olhei para Clayton.
— Eu não vou abandoná-lo. Ele é meu pai. Meu avô tentou me proibir
de vê-lo e disse que ia mandá-lo embora. Se ele for embora, irei com ele.
— Eu soltei.
Clayton revirou os olhos.
— Ninguém está saindo ou abandonando ninguém.
Ele olhou para o papai e sorriu.
— Você é bem-vindo para ficar aqui o tempo que quiser. Parece que
sua linda rastreadora é minha companheira. Devo informá-lo, porém,
que pretendemos travar uma guerra contra as matilhas dirigidas pelo
conselho.
— O conselho precisa ser retirado. Zagan precisa ser derrubado, e
sinto dizer, seu pai também.
Papai sorriu e acenou com a cabeça.
— Estou feliz por vocês dois, e eu concordo. Mas pode haver um
problema mais urgente.
Clayton franziu a testa.
— Qual é?
Papai soltou um suspiro pesado.
— As matilhas do conselho estão planejando uma guerra contra os
humanos. Eles planejam eliminá-los completamente. Se não intervirmos,
não haverá mais humanos.
— Se não intervirmos, é provável que muitos lobos caiam, não por
causa das balas de prata, porque eles vão sentir a perda de seus
companheiros.
Capítulo 34
Clayton
Eu tinha muito respeito pelo meu tio, mas às vezes ele poderia ser um
idiota. O Alfa Gabriel tinha sido mais pai para ela do que qualquer um.
Mesmo que Ellie só estivesse com ele há pouco tempo.
Eles se uniram fortemente. Esse vínculo só se fortaleceu quando ela
percebeu que ele nunca tinha parado de tentar trazê-la de volta. Pensou
tanto que ele estava morto, apenas para encontrá-lo vivo.
Eu tive algumas preocupações quando Alexander levou Ellie para as
montanhas. Mas ele era seu avô, e o único vínculo que restava com o
passado.
Seu problema era que ele não via Ellie como uma criança, que tinha
passado por mais do que qualquer criança deveria. Ele a via como a
herdeira do trono. Uma herdeira que todos pensavam ter sido perdida.
Ele passou tanto tempo olhando para ela como uma figura de líder
que não viu a pessoa por trás do título.
Eu só esperava que ele não tivesse feito nenhum dano. Havia uma
probabilidade, em seu atual estado de espírito, de que ela jogaria sua
herança de lado.
Esqueça que, se a guerra corresse bem para nós, ela seria a próxima
Rainha Alfa.
Por causa disso, afastei-me um pouco. Embora fôssemos primos, era
importante para Ellie passar um tempo com Gabriel. Ele era mais uma
figura paterna do que eu ou seu avô poderíamos ser.
Eu esperava que Alexander superasse isso, mas conhecendo-o, ele
provavelmente não iria. Ele havia passado muito tempo nas montanhas
sozinho. De certa forma, era compreensível.
Afinal, sua companheira havia partido com seu filho, e o único
herdeiro do rei. Então, quando a rainha foi assassinada e o rei morreu
pouco depois, o antigo modo de vida morreu com ele.
Alexandre era uma relíquia do passado e se recusava a olhar para o
futuro. Isso foi até Ellie chegar. Mas Alexander queria que seu futuro
fosse uma continuação do passado.
Eu deveria ter percebido que isso foi um erro.
Ellie era uma força a ser reconhecida.
Ela tinha que ser, dado o que ela sofreu e sobreviveu.
Pessoalmente, achei que Gabriel era o homem certo para orientá-la.
Foi por isso que esperei. Esperei que Gabriel se curasse e se tornasse
forte novamente.
A maioria dos Alfas o teria visto como uma ameaça. Eu não o via
dessa forma. Eu o via como um trunfo.
Assim como os dois membros da matilha que vieram com ele.
Emma era uma rastreadora brilhante e seria uma Luna fantástica para
minha matilha. Ela era muito mais jovem do que eu, mas isso não nos
incomodou. Afinal, éramos amigos.
Assim que saíssemos do outro lado desta guerra, pensaríamos em
uma família.
Um herdeiro da matilha.
Murdoch estava treinando os guerreiros das matilhas do conselho.
Isso nos daria uma grande vantagem quando chegasse a hora de atacar.
A questão era se deveríamos entrar em contato com os humanos ou
começar um ataque às matilhas.
Ellie também era a única herdeira da realeza humana. Apesar de sua
juventude, ela poderia ser o catalisador para a paz com os humanos.
Por outro lado, as matilhas não podiam travar uma guerra em duas
frentes e vencer.
O problema era que, se atacássemos as matilhas, ainda seríamos
inimigos dos humanos.
Esta não era uma decisão para eu tomar sozinho. Mesmo sendo o Alfa
da matilha ocidental. Esta foi uma decisão que deveria ser tomada não
apenas por mim e meu Beta, mas também por Alfa Gabriel e seu Beta.
Embora Ellie fosse jovem, não achei que ela fosse jovem demais para
nos dar sua opinião. Talvez se ela estivesse envolvida, seria menos
provável que rescindisse o título de Rainha Alfa quando chegasse a hora.
É
Então, agora estávamos sentados em meu escritório. Éramos Alfa
Gabriel, seu Beta Murdoch, Seth, Emma, eu e Ellie.
Fiquei um pouco desapontado porque meu tio não estava aqui.
Sua opinião teria sido útil, mas eu não poderia me alongar sobre isso,
tínhamos uma guerra para travar.
— Então, — comecei, — temos uma escolha a fazer. Ou nós atacamos
as matilhas do conselho ou escolhemos ajudar os humanos. Ambas as
decisões têm mérito e também desvantagens, mas não podemos fazer as
duas coisas, — conclui.
Beta Murdoch se levantou e foi até um mapa na parede. Ele mostrou
todos os diferentes territórios, incluindo a fronteira humana.
— Eu treinei os guerreiros para o conselho. Tenho uma ideia dos
números. Além disso, o plano era atacar do território da matilha da Lua
Crescente. E o mais próximo da fronteira.
Ele apontou para a área no mapa.
— Os guerreiros de todas as matilhas se reuniriam lá, antes de
cruzarem a fronteira. Uma pequena força seria deixada no território de
Zagan, para proteger a fronteira oeste, — ele hesitou.
— Isso pode ter mudado agora. Eles certamente não esperavam que
Alfa Gabriel escapasse, nem que eu e Emma partíssemos.
Murdoch se sentou e eu olhei para Seth.
Ele se levantou e foi até o mapa.
— Se decidirmos ajudar os humanos, teríamos que abordá-los sob
uma bandeira de trégua. Eles não têm ideia do que está acontecendo
neste lado da fronteira.
— Enviaríamos uma pequena companhia de lobos, talvez meia dúzia.
Eles cruzariam, através do lago. Dessa forma, não invadiríamos o
território da matilha administrada pelo conselho.
— O maior problema será não saber o que o conselho pretende. Por
causa da partida repentina de Alfa Gabriel, — ele sorriu para Alfa Gabriel,
— eles podem decidir nos atacar em vez dos humanos.
Eu concordei. Isso fez muito sentido.
— Você tem uma sugestão? — Eu perguntei a Seth.
Ele assentiu.
— Devíamos contatar os humanos, oferecer nosso apoio, mas esperar
até que as matilhas deem o primeiro passo. Deixe os humanos nos
contatarem para obter ajuda se forem atacados.
Eu balancei a cabeça e, em seguida, olhei para o Alfa Gabriel.
— Eu concordo, — ele concordou, — aconteça o que acontecer, não
devemos ser os primeiros a atacar. No entanto, estaremos preparados.
— Se nos atacarem, eles só terão dois pontos de entrada, seja pelo rio,
seja pelas montanhas. Tentar cruzar as montanhas seria temerário.
Eu olhei para Ellie, ela estava carrancuda.
— Há algo incomodando você, Ellie? — Perguntei.
— O que acontece se os humanos não quiserem nossa ajuda? Eles
nunca pediram por isso antes, quando todo mundo estava morrendo de
fome, — ela bufou.
Eu sorri.
— É aí que você entra, Ellie. Você é meio humana. Não apenas isso,
mas você também é a única herdeira de sua família real.
Ela soltou um longo suspiro.
Gabriel colocou o braço em volta dela.
— Eu sei que você não gosta, filha, mas você tem sangue real
correndo em suas veias, tanto humano quanto lobisomem. Nem todas as
guerras são vencidas com violência e derramamento de sangue.
— Às vezes você precisa de um pouco de diplomacia.
Ellie acenou com a cabeça. Eu poderia dizer que ela não gostou, e se
tivesse sido qualquer outro que não o Alfa Gabriel que tivesse contado a
ela, ela provavelmente teria protestado.
Apesar de ele não ser um parente consanguíneo, pude ver que ele a
tratava como uma filha, e ela o respeitava como uma filha faria com seu
pai.
O vínculo deles só funcionaria a nosso favor enquanto tentássemos
nos reconciliar com os humanos. Eu só esperava que os humanos vissem
isso como uma chance de construir pontes.
— Bom — eu concluí, — isso só nos deixa decidir quem estará na
comitiva que falará com os humanos.
Não havia dúvida em minha mente, nem na mente de Alfa Gabriel de
que Ellie deveria ir. Seth e Murdoch, por outro lado, não estavam
convencidos.
Eles estavam preocupados que, se as coisas piorassem, Ellie pudesse
ser ferida, ou até mesmo morta. Eu não tinha dúvidas de que se o pior
acontecesse, ela seria mais do que capaz de cuidar de si mesma.
Mas cheguei a um acordo.
Murdoch iria passar a próxima semana treinando-a para lutar em sua
forma de lobo, e então Seth, Gabriel e dois outros guerreiros viajariam
com Ellie de barco para o acampamento humano na beira do lago.
Uma vez que o Wolfsbane deixou o sistema de Gabriel, seu lobo foi
rápido para curá-lo.
Murdoch e Emma se preocuparam se ele era forte o suficiente para
lutar, se fosse necessário. Gabriel insistiu que sim, e ele não estava
disposto a deixar Ellie cruzar a fronteira sem ele. Ele a havia perdido uma
vez.
Eu só tinha que olhar para suas interações juntos, para saber que ele
não deixaria isso acontecer novamente.
No entanto, isso representava um problema menor. Murdoch e
Gabriel não eram membros da minha matilha. Emma se tornou um
membro da matilha assim que a marquei.
Em circunstâncias normais, ter dois Alfa em uma matilha era algo
inédito. Mas as circunstâncias estavam longe do normal e a comunicação
nos próximos dias seria a chave.
Gabriel não estava muito interessado no início. A matilha da Lua
Crescente ainda era dele, em teoria. A última coisa que ele queria fazer
era desafiar seu próprio sobrinho para a posição de Alfa.
Dito isso, uma vez que a guerra acabasse e o conselho acabasse, as
coisas mudariam de qualquer maneira. Isso não quer dizer que não
haveria territórios, mas seriam diferentes.
Governado por uma Rainha Alfa em vez de um conselho.
Se eu pudesse, me livraria de Zagan e também seu Beta. Eu não teria
oposição de ninguém nesse ponto, eu tinha certeza. Esse território
também precisaria de um Alfa. Talvez Gabriel pudesse reivindicá-lo.
Pelo menos assim ele estaria perto de Ellie, ou eu estaria perto dela.
Tive a estranha sensação de que, quando tudo isso acabasse, ela gostaria
de ficar perto de Gabriel.
Essa era uma discussão para outro dia, agora nós tínhamos que
colocar os humanos ao nosso lado e esperar o próximo movimento do
conselho.
Então agora eu estava no grande salão. A última vez que juntei
alguém à matilha foi com Ellie. Ela estava na frente, olhando para o
palco. Eu tinha oferecido a ela um lugar próximo a mim e a Seth.
Eu sugeri anunciar à matilha quem ela era. Ela recusou a oferta. Não
fiquei surpreso. Ela não estava pronta para o resto da matilha saber quem
ela realmente era. Apenas alguns sabiam.
Esperaríamos até que ela atingisse a maioridade ou a guerra acabasse.
Então sua verdadeira herança seria anunciada.
Em vez disso, ela me observou dar as boas-vindas a Emma, Gabriel e
Murdoch à matilha.
Emma já estava unida através do vínculo de companheiro, então para
ela isso era apenas para as aparências e para apresentar a matilha à sua
nova Luna.
Unir Gabriel à matilha era um risco. Sua velha matilha sentiria sua
perda, mas também a perda de Murdoch e Emma.
O conselho já saberia que foram eles que libertaram Gabriel de sua
prisão. Sem dúvida, sua matilha faria perguntas.
Eu duvidava de alguma forma que o conselho iria admitir que eles o
mantiveram prisioneiro por cinco anos. Isso pode preocupá-los. As
informações que Murdoch, Emma e Gabriel tinham, mostrariam suas
fraquezas.
É por isso que eu meio que esperava que eles mudassem seus planos.
Atacar a matilha ocidental antes dos humanos. Quando o fizessem,
estaríamos prontos para eles.
Capítulo 35
Ellie
Eu odiava me transformar. Não era que eu me importasse de estar na
forma de lobo, ou mesmo de deixar Nix assumir o controle. Suponho que
gostava de ver as coisas do ponto de vista de um lobo.
Não, era o processo, a quebra de ossos, a mudança na forma dos
músculos, as garras rompendo a pele. Não importa quantas vezes eu
mudasse, ainda doía demais.
Tentei me transformar pelo menos uma vez por semana, para Nix.
Para que ela pudesse correr. Não era justo mantê-la encerrada em meu
corpo. Deveríamos ser uma equipe.
Éramos uma equipe, mas isso não significava que eu tivesse que
gostar do processo. Talvez seja porque minha primeira transformação
tenha sido traumática. Talvez estivesse tudo no meu subconsciente.
Lembrava-me de que doeu, e então doía.
É por isso que a ideia de Clayton de treinar com Murdoch na forma
de lobo não caiu muito bem. Especialmente quando Murdoch decidiu
que, uma vez que eu aprendesse o básico, eu deveria praticar e avançar na
transformação.
Isso era basicamente lutar na forma humana, depois mudar sem nem
mesmo pensar nisso. Eu poderia fazer isso sem problemas. Dava o
controle a Nix e ela faria todo o trabalho. Ainda doía muito.
Minha transformação de uma vez por semana mudou para três ou
quatro vezes no espaço de algumas horas. O resultado foi eu terminando
a sessão de treinamento dolorida e deprimida.
Hoje foi particularmente difícil.
Murdoch me deu pouca folga. Eu sabia que ele estava fazendo isso
para o meu próprio bem, mas isso não me deixou mais feliz.
Em vez de voltar para a casa da matilha após o treinamento, parti
sozinha.
Eu não tinha certeza do porquê, mas me encontrei na beira do lago,
para onde Nix me trouxe quando nos transformamos pela primeira vez.
Estava calmo e silencioso, o único som era a água batendo
suavemente na costa. Isso me permitiu esquecer tudo.
Sentei-me na telha, abraçando os joelhos contra o peito, apoiando o
queixo nos joelhos. Eu fechei meus olhos.
Ninguém nunca veio aqui. Era longe o suficiente da fronteira de
Zagan para que as patrulhas não fossem até lá, e a fronteira humana
ficava do outro lado da extensão de água.
Eu sentei lá dando minha própria festa de piedade. Meio que desejava
poder trocar de lugar com a Olivia. O único foco que ela tinha era
encontrar seu companheiro.
Ela não precisava se preocupar com o treinamento de guerreiro, ou
visitar o lado humano da fronteira.
Ela provavelmente nem sabia que poderíamos entrar em guerra
algum dia.
Soltei um suspiro pesado quando ouvi a ligação mental vindo:
Clayton.
— Ellie, onde diabos você está? O treinamento terminou há mais de
uma hora.
Eu bufei através da ligação mental.
— Eu só preciso de um pouco de espaço, ok.
Minha resposta foi recebida com silêncio, pelo que fiquei grata.
Minha gratidão durou pouco.
A próxima voz que ouvi foi a de Seth.
— Onde você está?
Eu revirei meus olhos. Era pedir muito para ter espaço.
Eu não respondi.
— Se eu tiver que enviar meus rastreadores para encontrá-la, haverá
problemas.
Fechei meus olhos e balancei minha cabeça.
— Estarei de volta antes do anoitecer.
— Nada disso! — Seth disparou.
Eu levantei minha cabeça e dei de ombros. Eu não respondi.
Deixe-o enviar seus rastreadores, eu não me importo.
Eu estava olhando para o lago, para a terra do outro lado. Fazia cerca
de uma hora desde que Seth tinha ligado com minha mente.
Ouvi passos na telha atrás de mim. Eu não olhei em volta. Eu não
precisava. Eu reconheci o cheiro imediatamente.
Ele se sentou ao meu lado e passou um braço em volta de mim.
— Então, filha. Você vai me dizer qual é o problema?
Soltei um suspiro pesado e me inclinei no ombro do meu pai.
— Não é justo, papai. Dói demais. Por que tem que ser eu?
Papai envolveu seus braços em volta de mim e me puxou para seu
peito.
— Você já sabe a resposta para isso. É o seu destino, Ellie. Quanto à
dor, acho que você está falando sobre a transformação?
Eu balancei a cabeça, silenciosamente.
Ele cantarolou.
— Quanto mais você fizer isso, mais fácil ficará. Eu estou supondo
que você não se transformou muito?
Eu balancei minha cabeça.
— Depois da primeira vez, fiquei com tanto medo. Eu só mudo
ocasionalmente para deixar Nix sair para uma corrida.
Papai franziu a testa.
— Eu perdi sua primeira transformação, sinto muito por isso.
Quantos anos você tinha?
Eu engoli nervosamente. Eu odiava até mesmo lembrar.
— Dez... eu acho. Eu tinha acabado de me despedir de Sammy. Nix
perguntou se eu lhe daria o controle, então eu dei. Então ela assumiu e
apenas correu. Acho que ela estava chateada.
Papai beijou o topo da minha cabeça.
— Oh, filha, isso nunca deveria ter acontecido. Você era muito jovem.
Ele pegou meu rosto suavemente em suas mãos e me olhou nos
olhos.
— E esta semana você está se transformando muito, não é?
Eu concordei.
Ele beijou minha testa.
— Eu vou falar com Murdoch. Você precisa se transformar com mais
regularidade, para que seu corpo se acostume a isso. Você não deveria
estar mudando de velocidade assim ainda. Você não disse a ele?
Eu balancei minha cabeça.
— Eu não..., — hesitei, — Eu não queria decepcionar você.
Papai fechou os olhos e respirou fundo.
Quando ele os abriu novamente, eles estavam brilhando com
lágrimas não derramadas.
— Ellie, você nunca saberá o quão orgulhoso você me deixa, a cada
dia, — ele sussurrou, sua voz falhando ligeiramente.
Ele se levantou e estendeu a mão.
— Vamos, vamos voltar, antes que Seth envie uma equipe de busca.
Eu fiz uma careta.
— Ele está com raiva?
Papai olhou para mim e riu.
— Eu não acho que Seth poderia ficar com raiva de você. Não, filha,
ele só está preocupado com você.
Eu não disse nada, mas tinha certeza de que papai estava errado. Seth
parecia realmente inquieto com a ligação mental mais cedo, e o fato de
eu tê-lo ignorado, bem, ele não ficaria feliz.
Claro que papai estava certo. Seth não parecia nem um pouco
zangado. Ele estava esperando nos degraus da casa da matilha,
preocupação em seu rosto.
Tive a estranha sensação de que papai o tinha ligado mentalmente
para que soubesse que estávamos chegando.
— Por que você não vai com Seth e pega algo para comer, então eu
acho que é um banho e hora de dormir para você, — papai aconselhou,
— depois eu vou ter uma palavrinha com Clayton e Murdoch, — ele
concluiu.
Eu assenti e caminhei até onde Seth estava parado.
Seth colocou a mão no meu ombro e me guiou para a casa da matilha.
— Quer falar sobre isso? — Ele perguntou.
Dei de ombros.
— Só estou dolorida e cansada, — murmurei.
Seth me guiou até a cozinha e gesticulou para um dos banquinhos. O
jantar já havia acabado há um tempo, mas ele esquentou um pouco de
comida.
Ele o colocou no balcão na minha frente e sorriu.
— Eu me lembro de ter feito isso antes, — ele sorriu, enquanto me
entregava os talheres.
Eu não pude deixar de sorrir.
— Eu me lembro... depois você me jogou nas celas, — eu zombei.
Seth revirou os olhos. Então ele apenas olhou para mim.
Eu ignorei os olhares que ele estava me dando e comecei a comer.
— Então, — ele começou, — você quer me dizer o que aconteceu
hoje?
Soltei um suspiro pesado e olhei para ele.
— Eu odeio isso. Eu sei que não deveria, mas eu odeio. Isso machuca
muito.
Desviei o olhar e encarei o prato.
— Quem precisa de uma rainha lobisomem, que nem mesmo quer se
transformar, — bufei.
Senti a mão de Seth em meu rosto.
— Ei, — ele repreendeu, — você é mais do que apenas isso. É o seu
avô falando.
Eu olhei para cima e ele sorriu.
— Obrigada, mas isso não altera o fato de que eu provavelmente sou a
única lobisomem que não gosta de se transformar.
Seth riu, então ele sorriu suavemente.
— Você teve uma experiência ruim durante sua primeira vez. Você era
muito jovem. Seu avô a ajudou quando você mudou pela segunda vez?
Eu fiz uma careta.
— O que você quer dizer? Ele ficou comigo enquanto eu me
transformei.
Seth revirou os olhos.
— Eu sabia que deveria ter lutado mais para mantê-la aqui. Ele não
ligou à sua mente enquanto você se transformava?
Eu encarei Seth, perplexa e balancei minha cabeça.
Seth balançou a cabeça.
— E todos presumiram, inclusive eu, que você estava feliz com a
transformação. Sinto muito, Ellie. A partir de amanhã eu vou te ajudar.
Eu fiz uma careta.
— Ajudar-me? Como?
— Existem maneiras de reduzir a dor. Quando um filhote se
transforma pela primeira vez, sua família mostra a ele, apoia-o através da
ligação mental.
Parece que seu avô se esqueceu de fazer isso.
— Agora coma sua comida, tome um banho quente e descanse. Posso
confiar em você para fazer isso sem andar por aí?
Eu assenti, com um sorriso no rosto.
— Bom, te vejo pela manhã. Vou deixar Murdoch saber que você não
vai treinar com ele amanhã.
Observei Seth sair da cozinha, me deixando em paz para comer o
resto da minha comida. Eu ainda estava confusa sobre por que ele nunca
parecia ficar com raiva de mim. Afinal, ele era o Beta.
Não era seu trabalho manter os jovens na linha?
Capítulo 36
Ellie
Se eu pensasse que não treinar com Murdoch teria me dado um dia
de folga, então eu certamente estava enganada. Seth bateu à minha
porta, logo após o nascer do sol.
Eu sabia que ele tentaria ajudar com a minha transformação, mas ao
nascer do sol?
Eu rapidamente peguei algumas roupas soltas e entrei na cozinha.
Ele empurrou uma xícara de café para mim e um prato de bacon.
— Você vai precisar de comida para obter energia, — explicou ele.
Pisquei e esfreguei o sono dos meus olhos.
— E o café?
Seth olhou para mim e riu.
— Tenho trabalho a fazer hoje, além de te ajudar. Lembro-me
vagamente de Alfa Gabriel mencionando que você não era
particularmente uma pessoa matutina.
Eu grunhi e comecei a comer.
Era verdade. Eu teria ficado mais do que feliz em fazer isso depois que
Seth terminar o trabalho, se isso significasse que eu poderia dormir até
tarde.
Assim que terminei de comer, segui Seth para fora da casa da matilha.
Em vez de ir para o campo de treinamento, ele me conduziu até a
linha das árvores.
Ele ficou lá e cruzou os braços, esperando. Quando eu não fiz nada,
ele revirou os olhos.
— A menos que você queira rasgar suas roupas, sugiro que as remova.
Eu fiz uma careta.
— Bem, afaste-se então, eu não preciso de você olhando para mim.
Seth riu.
— Eu esqueço que você é meia humana. O que há com os humanos
em não serem felizes em sua própria pele?
Eu o encarei em silêncio, até que ele se virou.
— Você pensaria que depois de passar tanto tempo com lobos, você
perderia seu constrangimento por estar nua, — ele comentou.
Eu não deveria ter ficado tão incomodada, eu sei, mas de alguma
forma, especialmente com Seth, isso me incomodou.
Quando eu estava treinando com Murdoch, era diferente. Porque ele
queria que eu mudasse rapidamente entre humana e loba, havia pouco
tempo para pensar sobre isso.
Além disso, todos estavam fazendo a mesma coisa. Mas aqui, sozinha
na floresta com Seth, parecia estranho.
Comecei a tirar minhas roupas. Embora hesitantemente.
Uma vez que fiquei nua, passei meus braços em volta de mim.
— Ok, e agora? — Eu questionei.
Se Seth podia sentir meu desconforto, eu não tinha certeza, mas ele
não se virou.
— Ok, Ellie. Quando você se transforma, o que você faz?
Eu pensei por um momento. A verdade é que não fazia nada. Eu
deixava Nix controlar a mudança.
— Eu dou o controle para minha loba, para Nix. Ela começa tudo, —
eu expliquei.
Seth de repente se virou. Eu suspirei.
— Você não deveria olhar!
Seth revirou os olhos.
— Eu não posso falar com você de costas.
Eu senti meu rosto enrubescer.
— Mas... mas você é um... e eu sou uma..., — gaguejei.
Seth olhou para mim e riu.
— Eu sou um homem, e você é... uma filhote, Ellie. Agora vamos
voltar ao assunto, certo? Você não pode deixar sua loba controlar a
mudança. Se você fizer isso, sempre será doloroso.
Eu não sabia se me sentia feliz ou triste. Todo mundo sempre disse
que Seth gostava de mim. Achei que eles queriam dizer que era mais do
que um amigo. Então me lembrei do que Olivia disse sobre
companheiros.
Seth só estaria interessado em outra mulher, se fosse sua
companheira. Eu me senti uma idiota. Eu deveria ter percebido que era
por isso que os lobisomens não podiam se importar menos em estar nus
na frente um do outro.
Eu deixei cair minhas mãos ao meu lado e olhei para Seth.
— O que devo fazer então? Essa é a única maneira que eu sei como
mudar.
Seth sorriu. Eu não tinha certeza se era porque eu não estava
mostrando nenhum sinal de angústia por estar nua, ou outra coisa.
— Basta pensar em como você se sente, quando você é uma loba, —
Seth começou, — a sensação do chão sob seus pés, o ar que flui através de
seu pelo enquanto você corre, os cheiros que você pode sentir.
— Imagine-se como uma loba. Se você instigar a mudança, será muito
menos doloroso do que se sua loba decidir.
Eu balancei a cabeça e fechei meus olhos, lembrando de todas as
coisas boas que eu gostava quando estava correndo com Nix.
Eu me agachei no chão. Eu senti um calor me envolver. Não ouvi e
nem senti a dor dos ossos quebrados.
— Como foi isso? — Seth perguntou.
Eu abri meus olhos. Eu estava prestes a perguntar a ele do que ele
estava falando. Apenas para ver duas patas no chão à minha frente.
"Eu fiz isso, eu me transformei!"
Eu gritei através da ligação mental.
Seth riu através da ligação também.
"Que tal corrermos, e então você pode praticar a mudança de volta?"
Eu assisti pelos olhos de Nix enquanto Seth tirava suas roupas e
trocava de posição. Seu lobo era enorme, duas vezes maior que o meu.
Sua pelagem era preta, com uma pequena ponta branca na cauda.
Eu sabia pelos meus estudos que era raro para qualquer coisa além de
um Alfa ter um casaco preto puro, daí a ponta branca na cauda do lobo
de Seth. Eu gostei, e achei fofo.
Corremos juntos pela floresta e nos dirigimos ao lago. Nix era rápida,
mas não tão rápida quanto Seth. Acho que ele provavelmente diminuiu a
velocidade, então não ficamos para trás.
Quando chegamos à margem do lago, olhei para o horizonte. Eu me
perguntei quando iríamos cruzar o lago, para o lado humano da
fronteira.
Deveríamos ir depois que meu treinamento com Murdoch
terminasse. Não tinha realmente terminado por causa do meu problema
com a transformação. Embora hoje a mudança tenha sido indolor, não
foi rápida.
Não foi como Murdoch queria que fosse.
"Quando iremos viajar para o outro lado da fronteira?"
Eu questionei Seth através da ligação mental.
"Em breve. Vamos, precisamos voltar e você precisa praticar a
transformação de volta."
Ele respondeu.
Não era realmente uma resposta, mas imaginei que seria o melhor
que eu conseguiria.
Vamos apostar corrida.
Eu ri pela ligação e voltei para a floresta para recuperar minhas
roupas.
Seth me deu uma vantagem inicial, mesmo assim ele ainda me
venceu, me ultrapassando no último minuto. Achei que poderia até
vencê-lo. Tenho certeza que ele planejou isso. Fazendo-me pensar que
poderia vencer.
Eu não era extremamente competitiva. Durante toda a minha vida,
não houve nenhum sentido. Tinha sido apenas sobrevivência. Embora
hoje não seja apenas sobre aprender, pela primeira vez em anos eu
realmente me diverti.
Tive a terrível sensação de que essa poderia ser a última chance que
eu teria quando viajássemos para a fronteira.
Mudar de volta sempre foi menos doloroso. Provavelmente porque
sempre assumi o controle. Hoje não foi diferente, além do fato de que me
senti mais confortável estando nua.
De todas as coisas que meu avô me ensinou, ele nunca realmente me
ensinou sobre companheiros. Claro, eu sabia um pouco, mas não o
suficiente para saber como toda a coisa de companheiro funcionava.
Uma vez que estávamos ambos vestidos, voltamos para a casa da
matilha. Eu sabia que Seth tinha um trabalho de Beta a fazer, mas me
sentia confortável com ele. Talvez ele pudesse explicar isso.
— Seth, — eu comecei, hesitante.
Ele olhou para mim e sorriu.
— O que está em sua mente, Ellie?
Mordi o interior da minha bochecha nervosamente.
— Você pode me falar sobre companheiros?
Seth olhou para mim e sorriu.
— O que exatamente você quer saber?
Dei de ombros.
— Eu não sei... Tudo na verdade. É por isso que os lobisomens não se
importam de ficar nus com o sexo oposto. Eles não sentem nada... a
menos que seja seu companheiro?
Seth começou a rir.
Eu fiz uma careta para ele.
— O que é tão engraçado? — Eu bufei, — você não deve tirar sarro
das pessoas só porque elas não sabem.
Seth acenou com a cabeça.
— Você está certa, Ellie, me desculpe... mas eu acho que esta pode ser
uma conversa que você precisa ter com Alfa Gabriel. Ele é a coisa mais
próxima de um pai que você tem.
— Não é o tipo de conversa que você deveria ter, — ele hesitou por
um momento, e sua expressão ficou séria, — com um homem sem
parceira.
Seth partiu para fazer o que quer que o Beta fizesse, e me deixou
sozinha.
Eu realmente queria saber sobre companheiros? Olivia achava que era
importante, mas ela tinha quase dezoito anos.
Com uma guerra iminente no horizonte, imaginei que meu pai teria
coisas mais importantes com que se preocupar.
Fui para a casa da matilha depois da minha transformação e de
repente estava com fome novamente. Fui para a cozinha principal para
ver se conseguia comer alguma coisa.
Quando entrei, vi papai parado ali, conversando com Murdoch. Eu
esperava que eles não tivessem mudado de ideia sobre o meu
treinamento.
A transformação hoje foi mais fácil, mas eu queria um pouco mais de
prática antes de tentar fazer isso rápido enquanto estiver lutando.
Papai olhou para mim e sorriu.
— Ei, filha, como foi?
Eu sorri de volta.
— Bom, estou com muita fome agora, — resmunguei, abrindo a
geladeira em busca de sobras Ambos os homens olharam para mim e
riram.
Eu fiz beicinho, antes de enfiar um pouco de bacon na minha boca.
— Eu não posso evitar, — eu murmurei com minha boca cheia.
Papai franziu a testa para mim.
— Boas maneiras, Ellie, coma ou fale, não os dois juntos, — ele
repreendeu.
Eu rapidamente engoli.
— Desculpe, é só se eu precisar me transformar de novo hoje, eu
preciso reabastecer.
Papai balançou a cabeça.
— Chega de treinamento, filha, houve uma mudança de plano.
Eu olhei entre papai e Murdoch, esperando um deles me dizer.
Papai olhou para Murdoch e ele curvou a cabeça antes de sair da
cozinha.
Eu fiz uma careta.
— O que está acontecendo?
Papai se aproximou e colocou o braço em volta do meu ombro.
— Decidimos adiar mais treinamentos para você. Temos que seguir
em frente com o plano. Estaremos cruzando a fronteira na primeira hora
da manhã.
— Veremos se podemos chegar a um acordo com os humanos.
Capítulo 37
Ellie
A manhã chegou muito cedo. Eu realmente não dormi. Minha mente
estava muito ativa. Eu voltaria pela fronteira hoje. Algo que eu realmente
nunca quis fazer.
Não depois de minha experiência angustiante nos campos de
trabalho.
Eu estava fazendo isso para um bem maior. Eu só esperava que eles
não nos matassem à primeira vista. Na minha experiência, os humanos
do outro lado da fronteira não eram exatamente acolhedores.
Talvez fossem diferentes nesta parte do território. Estávamos a vários
quilômetros do lugar que eu chamava de lar, embora na realidade não
fosse isso.
Clayton pareceu surpreso quando entrei na cozinha. Ele já estava
preparando o café da manhã no apartamento.
— Você não conseguiu dormir? — Ele perguntou.
Eu balancei minha cabeça.
— Meu cérebro não desligava, — admiti.
Clayton cantarolou.
— Você está preocupada, Ellie? Porque se você estiver, não há
necessidade. Alfa Gabriel, Beta Seth, Murdoch e dois dos meus melhores
guerreiros estarão lá.
— Em última análise, o trabalho deles é proteger você caso algo
aconteça.
Soltei um suspiro pesado, mas antes que tivesse a chance de
responder, ouvi a voz do meu pai.
— Não vai acontecer nada, vamos fazer a oferta, esperar uma resposta
e depois voltar para casa, — afirmou.
Eu olhei para ele e forcei um sorriso.
Eu sabia que deveria confiar nele, ele sempre faria o seu melhor para
me proteger, mas estávamos indo para o desconhecido.
O que aconteceria se eles tivessem armas cheias de balas de prata. Eu
não estava muito preocupada comigo, mas com os outros que estavam
entrando em território humano pela primeira vez em anos.
Seth e Murdoch se juntaram a nós para o café da manhã no
apartamento de Clayton. Foi um evento tranquilo, ninguém realmente
estava com vontade de falar muito. Todo mundo estava pensando na
tarefa à frente.
Assim que terminamos, fomos para o carro que estava esperando do
lado de fora.
Clayton dirigia com Seth andando na frente. Sentei-me na fila do
meio com papai e Murdoch, enquanto os dois guerreiros, que estavam
nos acompanhando, ocuparam os dois assentos traseiros.
Tínhamos que ir de carro até o lago, onde estava atracado um barco
que nos levaria para a travessia.
Já havia sido armado com uma bandeira branca, o velho costume dos
humanos que estavam em guerra. Uma bandeira de trégua.
Eu nunca tinha estado em um barco antes. Eu nunca tinha estado
perto da água antes, exceto quando corremos para a costa. De repente,
percebi que não sabia nadar.
Se o barco afundasse, eu me afogaria.
Toda a cor sumiu do meu rosto, pois tive um leve ataque de pânico.
Flashbacks de quando o comandante tentou me afogar na piscina.
De repente, senti um braço em volta do meu ombro.
— Ei, filha, — papai me acalmou enquanto apertava meu ombro
suavemente.
Eu fui rapidamente trazida de volta à realidade.
— Eu... eu não sei nadar, — eu engasguei. — E se o barco afundar?
Papai sorriu para mim e me levou até o barco. Ele pegou algo de
dentro do barco.
— Aqui, coloque isso, — ele pediu.
Eu fiz uma careta. Parecia uma jaqueta.
— O que é isso? — Eu questionei.
Papai deu uma risadinha.
— Os humanos chamam de colete salva-vidas. Se alguma coisa
acontecer, você puxa este cabo, e ele infla e a manterá na superfície.
Eu franzi minha sobrancelha.
— O que vai acontecer? — Eu perguntei, pânico em minha voz.
Papai agarrou meus ombros.
— Nada vai acontecer, é só para sua paz de espírito, agora entre no
barco.
Eu acenei com a cabeça e subi. Fui seguida de perto pelo papai, Seth,
Murdoch e os outros guerreiros.
Clayton estava na beira do lago.
— Faça uma ligação mental para mim se houver algum problema. Vou
mandar mais guerreiros se precisar, mas isso deve ser apenas um diálogo
simples.
Seth acenou com a cabeça.
Clayton empurrou o barco para águas mais profundas e voltou para a
costa. Os dois guerreiros pegaram os remos e o barco começou a cruzar o
lago.
Eu o cheirei antes mesmo de nos aproximarmos da costa. Naquela
época, nunca percebi que as pessoas tinham cheiros diferentes. Devo ter
apenas memorizado, ou pelo menos Nix o fez.
Eu podia sentir um nervosismo subindo, mas apenas o suprimi.
Eu podia ouvir Nix em minha cabeça.
"Você consegue. Você venceu Zagan, você pode vencer ele também."
Ele. Ele não tinha nome, apenas o monstro que me torturou. Quantos
outros ele torturou?
Quando o barco chegou à costa, pude sentir o cheiro dele, mas ainda
não conseguia vê-lo.
Dois soldados estavam ali com armas em punho. Eles não os
apontaram de verdade para nós, mas ainda era enervante para dizer o
mínimo.
Papai saiu do barco primeiro, seguido de perto por Murdoch.
— Estamos sob uma bandeira de trégua, com uma oferta, — papai
começou, — precisamos falar com quem está no comando, —
acrescentou.
Um dos soldados puxou um rádio do bolso e falou nele. Ele falou
baixinho. Ele deve ter presumido que não o ouviríamos, mas ouvimos.
— Comandante, eu tenho uma delegação de lobisomens aqui, sob
uma bandeira de trégua. Eles querem falar com quem está no comando.
O jovem soldado tinha um fone de ouvido, então não ouvimos a
resposta.
Só de ouvi-lo dizer a palavra comandante, minha pele se arrepiou.
Depois de alguns momentos, o soldado falou com o papai.
— O Comandante Agnew estará aqui em breve.
Papai apenas acenou com a cabeça para o soldado e me chamou para
fora do barco.
Os dois guerreiros ficaram ao meu lado. Eu percebi agora porque eles
estavam aqui. Eles não estavam aqui para proteger o papai ou Murdoch.
Eles estavam aqui para me proteger.
Não tivemos que esperar muito. Ele se aproximou de um grupo de
edifícios à distância. Eu o reconheci imediatamente, apesar dos anos que
se passaram.
Ele olhou para mim e sorriu.
— Olha só. Se não é a pequena híbrida. Voltou para outra aula, não é?
Eu queria ser corajosa, realmente queria, mas as memórias me
oprimiram.
Isso foi até que ouvi a voz do meu pai na ligação mental.
"É ele, não é? Ele é quem te machucou?"
Os olhos de papai estavam negros e ele olhou para mim quando não
consegui encontrar minha voz, nem mesmo através da ligação mental.
Eu apenas olhei para ele e balancei a cabeça.
Eu encarei papai enquanto ele caminhava até o comandante.
Ele se elevou sobre ele, e ouvi um rosnado vindo de seu peito
enquanto ele deixava seu lobo assumir o controle.
Ninguém previu o que meu pai fez a seguir.
— Você realmente é um pedaço de merda, — papai rosnou.
Sua mão se transformou em uma garra e ele a enfiou no peito do
comandante. Quando ele puxou de volta, ele tinha o coração do
comandante apertado em sua mão.
O comandante desabou no chão como um castelo de cartas. Os
soldados recuaram com medo, nem mesmo ergueram as armas.
Papai olhou para eles.
— Seu comandante é um abusador de crianças nojento, agora me
traga alguém com quem valha a pena conversar, — ele rosnou.
Os soldados se entreolharam e fugiram.
Seth olhou feio para o papai, que estava limpando a mão
ensanguentada sobre o uniforme do comandante, limpando o sangue.
— Que diabos. Alfa Gabriel? Estamos sob uma bandeira de trégua e
você acabou de matar o líder deles!
Eu senti o sangue sumir do meu rosto. Seth descobriria, todos eles
descobririam o que ele havia feito.
Papai foi até onde eu estava e passou os braços em volta de mim. Ele
olhou para Seth.
— Ele machucou minha garotinha... Ninguém machuca minha filha,
— alertou.
Seth olhou para mim, então olhou para o papai.
Ele suspirou.
— Espero que o próximo líder deles não tenha feito nada, Ellie.
Devíamos estar aqui ajudando-os, não matando-os! — Ele zombou.
Murdoch revirou os olhos.
— Bem, espere. Se aquele pedaço de merda é um exemplo da
população humana, eles não merecem nossa ajuda. — Eu olhei para
Murdoch. Eu me perguntei se papai tinha contado a ele. Pelo que eu
sabia, apenas papai e o doutor Erik sabiam de toda a verdade. Era assim
que eu queria que ficasse.
Papai olhou para mim e sorriu.
"Não se preocupe, filha. Ninguém mais sabe o que ele fez."
Soltei um suspiro pesado de alívio.
Papai beijou o topo da minha cabeça e me abraçou um pouco mais
forte.
Depois de um tempo, um dos jovens soldados voltou.
Ele parecia um pouco menos nervoso.
Ele olhou para o papai antes de baixar os olhos.
— Nosso líder estará com você em breve, ele precisa viajar de outro
setor, — ele hesitou, — isso é aceitável... Alfa?
Eu peguei o mais leve vislumbre de um sorriso cruzando os lábios de
papai.
— Isso será aceitável, — ele respondeu.
O soldado acenou com a cabeça e afastou-se com cautela. Ele ficou a
cerca de quinze metros de distância, tentando se certificar de que não
nos irritava.
Enquanto esperávamos, Seth entregou um pouco de comida que
Clayton tinha empacotado. Eu olhei para o soldado. Ele não era muito
velho, mas era muito magro.
— Ei! — Eu gritei com ele, acenando para ele.
Ele se aproximou hesitante.
— Aqui, — eu ofereci a ele metade do sanduíche de carne.
Seus olhos quase saltaram das órbitas, duvido que ele tivesse visto
alguma carne em toda a sua vida, não se minhas experiências fossem
alguma indicação de sua vida. Ele ainda hesitou.
— Venha, — insisti, — sei que você está com fome.
Ele olhou em volta, esperando ser castigado por alguém se aceitasse o
que eu estava oferecendo. Quando ele não viu ninguém, ele o agarrou.
— Obrigado, — ele sussurrou nervosamente.
Observei enquanto ele recuava para sua posição anterior, enfiando a
comida na boca.
Quando olhei em volta, vi papai me encarando com um leve sorriso
malicioso no rosto.
— Eu sei o que é sentir fome, — expliquei.
Papai acenou com a cabeça e sorriu.
— Eu sei que você sabe, filha, e estou orgulhoso de você.
Eu pensei por um momento.
— Talvez se o líder concordar com nosso plano, possamos enviar-lhes
um pouco de comida adequada? — Eu sugeri.
Papai olhou para Seth. Ele era o Beta do matilha. Mesmo que papai
fosse um Alfa, não cabia a ele concordar com isso.
Seth sorriu e acenou com a cabeça.
— Se eles concordarem, podemos trazer ajuda.
Tínhamos quase terminado a comida, quando Murdoch apontou ao
longe. Um grupo de homens caminhava em nossa direção. Devia haver
pelo menos meia dúzia. Um deles parecia maior.
Muito mais alto que os outros. Eu fiz uma careta. Outro lobisomem.
— Há outro lobisomem com eles, — eu avisei.
Seth se virou para os guerreiros.
— Esteja preparado, pode ser uma armadilha.
Conforme eles se aproximavam, havia cheiros que reconheci, mas isso
não era possível.
Eu olhei para papai e Murdoch. Parecia que eles reconheceram os
cheiros também. Eles ficaram surpresos, mas os dois estavam sorrindo.
Quando eles se aproximaram, sorri e lágrimas de alegria começaram a
se formar em meus olhos.
Corri em direção ao grupo antes que alguém pudesse me impedir.
— Jackson! — Eu gritei.
Jackson engasgou.
— Ellie!
Ele passou os braços em volta de mim.
— Ellie, você está viva. Nós pensamos que você tinha morrido.
Eu me afastei de seu abraço.
— Eu pensei que você tinha morrido também.
Eu olhei para o lobisomem que estava com eles.
— Doutor Erik! — Eu exclamei.
Erik olhou para mim e riu.
— Você cresceu, pequena Ellie.
Papai, Seth e Murdoch caminharam em direção ao grupo.
Erik caminhou em direção ao papai e passou os braços ao redor dele
em um abraço viril.
— Gabriel, pensei que você estivesse morto.
Papai se afastou.
— Eu estaria, se não fosse por Murdoch e Emma.
Ele se virou para meu irmão.
— Meu pai me disse que mandou matar você, antes de... — Papai
hesitou, a memória ainda difícil para ele.
Jackson estendeu a mão e papai a segurou.
— Ele teria feito, se não fosse por Erik, — ele admitiu, olhando para o
outro lobisomem com agradecimento em seus olhos.
— Eu sabia que algo estava errado, assim como alguns dos outros.
Ouvi dizer que o irmão de Ellie estava nas celas e decidi que seria melhor
mandá-lo embora.
Papai acenou com a cabeça.
— Por mais satisfeito que eu esteja com esta reunião, temos muito o
que discutir. Eu gostaria de apresentá-lo a Beta Seth, o Beta da matilha
ocidental.
Jackson olhou para Seth e acenou com a cabeça em reconhecimento.
Seth deu um passo à frente e abaixou a cabeça.
— Parece que agora temos dois membros da realeza entre nós.
Jackson franziu o cenho.
— Não entendo.
Eu sorri para ele.
— Nosso pai era filho do Rei Alfa e da Rainha humana. Isso significa
que você é o herdeiro de ambos os tronos, — eu disse, entusiasmada.
Jackson balançou a cabeça.
— Isso não é possível Ellie. Eu sou humano e meus pais também. Eu
não acho que eles eram seus pais biológicos, caso contrário, você também
seria humana.
Fiquei boquiaberta. Era essa a maneira de Jackson de me dizer que
não era meu irmão.
Jackson pegou minhas mãos nas dele.
— Sejam eles seus pais biológicos ou não, você sempre será minha
irmã, Ellie.
Papai deu um passo à frente.
— Ela é sua irmã de sangue, Jackson, e como eu disse, temos muito o
que discutir. Há uma guerra chegando e vocês dois têm um papel a
desempenhar.
A Fim do livro dois
Continua no Livro 3…
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