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Copyright © 2024 – Fernanda Piazon

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos, são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos
reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios - tangível ou intangível - sem o consentimento da
autora.
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Fernanda Piazon
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Título: REGAN – PROTEGIDA PELO MAFIOSO
Revisão: Bianca – Mariposa Books Editora.
Capa: J.K Design
Diagramação Digital: Fernanda Piazon
Direito de Imagem: IA

1ª Edição – ABRIL 2024


Sumário
REDES SOCIAIS DA AUTORA
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Sinopse
Agradecimentos
Não continue antes de ler...
Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Epílogo 01
Epílogo 02
Sobre a autora
Conheça outras obras da autora:
Sinopse
TROPES: AGE GAP — SLOW BURN — DESCONHECIDOS SE TORNAM AMANTES
— ANTI-HERÓI — MÁFIA IRLANDESA — ROMANCE PROIBIDO COM A AMIGA
DA FILHA — ROMANCE DE PROTEÇÃO.
Aviso: Este romance é ambientado no mundo da máfia irlandesa e pode conter conteúdo sensível
relacionado à violência e temas adultos, entretanto, não é um romance Dark.
EILEEN, é uma mulher forte e determinada. Após fugir do seu país muito jovem para se libertar
das garras de pais abusadores nunca imaginou que seu destino estaria entrelaçado com o do
poderoso Regan, líder impiedoso da organização criminosa mais poderosa da Irlanda.
REGAN, é o Boss da máfia irlandesa. Sempre planejou e controlou tudo à sua volta, mas tem o
seu mundo virado de cabeça para baixo quando cruza o caminho de Eileen, uma amiga da sua
filha que viveu sob o seu teto por muito tempo sem que ele descobrisse.
Regan falhou com a sua filha, mas não se permitirá falhar com Eileen.
Um romance de coragem, lealdade e proteção, "Regan - Protegida pelo Mafioso" é uma história
intensa que explora os limites do amor e da redenção em meio ao caos da vida na máfia
irlandesa.
ESSA É A HISTÓRIA DO BOSS DA MÁFIA IRLANDESA QUE SE APAIXONOU PELA
AMIGA DA FILHA, A MULHER A QUEM ELE SALVOU.
ALERTA!!!LIVRO RECOMENDADO PARA MAIORES DE 18 ANOS POR CONTER
CENAS DE CONTEÚDO ADULTO
Dedicatória
Dedico este livro a todos os meus leitores que enfrentam os desafios da vida em busca da
luz do amor e da esperança.
Aos que, como Regan e Eileen, encaram os desafios, com coragem e determinação.
Que esta história os inspire, a superar os obstáculos mais difíceis e a nunca desistir de lutar
por aquilo em que acreditam.
Que os caminhos percorridos por Regan e Eileen os motive a seguir em frente, com
coragem e esperança, sabendo que, no final das contas, é o amor que nos mantém fortes
Agradecimentos
Ao Deus da vida que me presenteou com o dom da escrita, e que me permite criar mundos
e contar histórias;
Aos personagens desta história, por suas vozes que ecoaram em minha mente, guiando-me
através de cada reviravolta e desafio. Vocês se tornaram parte de mim e viverão para sempre em
minhas memórias.
Gratidão eterna!
Não continue antes de ler...
Aqui vai, um pequeno aviso aos navegantes que estão se jogando no mar aberto que é esse
livro...

ATENÇÃO: Este romance explora o universo das máfias irlandesas, mas não contém cenas de
abuso ou narrativa essencialmente DARK. Entretanto, pode conter cenas de sexo explícito e
violência com descrição gráfica que em algum momento pode se tornar incomoda para
pessoas mais sensíveis.

TENHA EM MENTE: Esta narrativa é fruto da imaginação da autora. Aqui, não há qualquer
obrigação em representar a realidade, da mesma forma que não existem padrões absolutos do que
é certo ou errado.

DEFINITIVAMENTE: Nem tudo o que está no livro deve ser reproduzido na vida real.

Avisos devidamente compartilhados... Espero que aproveitem muuuuuuito essa história,


porque eu amei escrevê-la!
“Algumas coisas
são impossíveis de tirar de dentro de nós,
são como ferro quente
que quando marca a pele
nunca mais apaga a cicatriz.”

(Fenanda Piazon)
ANTES DE COMEÇAR...

Esta é uma história ambientada na Máfia Irlandesa e não envolve elementos de fantasia.
No entanto, para desenvolver as características essenciais dos personagens principais do
Clã A ordem de Éireann, utilizei alguns elementos da mitologia irlandesa, celta e galesa para
enriquecer a atmosfera e a personalidade da história.
Tenha em mente que cada integrante do clã incorpora em si algumas características dos
personagens mitológicos dos seus codinomes, vou te contar um pouco mais nas próximas
páginas.
PARA ENTENDER A HISTÓRIA...

A personalidade e os personagens do clã foram criados para esse livro com nomes inspirados na
mitologia celta e irlandesa para os membros do
CLÃ SOMBRA ÉIREANN

● Ard Rí (Rei Supremo):


Regan Bran Gwydion
Regan Bran Gwydion é o líder supremo do Clã Sombra Éireann[1], conhecido por sua astúcia
e sabedoria. Seu codinome tem a ver com o espírito de Bran[2], uma figura lendária da mitologia
celta, e Gwydion,[3] Deus galês da magia.
● Fianna (Comandante):
Brian Cian Dagda
Brian Cian Dagda é um dos quatro subchefes do clã, responsável por supervisionar as
operações e garantir a lealdade dos membros. Seu codinome faz referência ao deus Dagda[4],
associado à magia e à prosperidade.
● Draíocht (Feiticeiro):
Ciaran Lugh Morrígan
Ciaran Lugh Morrígan é o especialista em assuntos ocultos do clã. Seu codinome combina
Lugh[5], um deus celta da luz e habilidades sobrenaturais, ele é o responsável pela lavagem de
dinheiro fazendo o dinheiro sujo desaparecer e voltar a circular regularmente na máfia, Ciaran
também possui características de Morrígan[6], deusa da guerra e da morte.
● Garmhaige (Guardião):
Rory Fionn Balor
Rory Fionn Balor é o responsável por proteger os interesses do clã e garantir a segurança dos
membros. Seu nome se refere a Fionn mac Cumhaill[7], um sábio e herói lendário da mitologia
irlandesa, ele possui habilidade de correr mais do que qualquer um e acertar alvos mesmo
estando a uma longa distância, e Balor[8], um temível gigante.
● Smior (Executor):
Eamon Crom Cruach
Eamon Crom Cruach é encarregado de lidar com questões mais sombrias e execuções dentro
do clã. Seu codinome está associado a Crom Cruach[9], uma divindade celta relacionada a
sacrifícios.

Esses pseudônimos mitológicos adicionam uma camada de identidade criminosa e mística


aos membros da máfia, ligando-os à rica herança mitológica da Irlanda e da cultura celta.

Agora que você já conhece um pouco mais dos nossos anti-heróis, aproveite a leitura!
Prólogo

A tomada do poder!
Cerca de dezessete anos antes...

Confiro mais uma vez os itens de guerra, antes de começar a guardar na mochila e nos
coldres que tenho presos ao corpo as armas e munições que vou usar mais tarde.
Embora tenha um grande arsenal à minha disposição, escolhi carregar comigo um rifle de
precisão, um fuzil e uma faca para uso em caso de luta corpo a corpo. No entanto, a mais
importante para mim é a pistola com gatilho duplo, desenvolvida exclusivamente por um
especialista americano. Paguei uma fortuna pelo item, mas valeu a pena, pois com ela consigo
disparar dois tiros com uma única puxada no gatilho.
Uma vez, tive um sonho em que empunhava uma arma desse tipo, e só sosseguei quando
consegui alguém que desenvolvesse uma exclusivamente para mim.
Os quatro homens a quem ouso chamar de amigos, também estão na sala de operações
conferindo suas próprias armas, cada um de nós tem o seu próprio estilo de combate e por isso,
fizemos individualmente as escolhas sobre o que levaremos conosco.
A partir de amanhã eu serei o novo Boss da Irlanda e os quatro que me cercam: Brian,
Ciaran, Rory e Eamon se tornarão meus subchefes.
Ao lado deles, planejei nos últimos cinco anos destituir do poder o maldito Declan
O’Malley. No passado, ele destruiu a minha vida e agora sou eu quem irá acabar com a dele.
Não quero comandar os imbecis dos Corvos Negros[10] eu vou explodir a organização de
dentro para fora, junto com o seu atual líder, já tenho meus próprios membros, soldados e
subchefes, não quero ter nenhum verme contaminando o meu próprio grupo.
É claro que, um ou outro dos seus homens trarei para o meu lado, mas eles precisarão
entender que estarão sob o meu controle e devem cumprir as minhas próprias regras, ou terão o
mesmo destino do seu atual líder: a morte.
Declan sempre foi e continua sendo um lunático filho da puta, ele não se contenta em ter a
Irlanda sob o seu domínio; ele foi além, aterrorizou o país, espalhando desespero e desgraça por
todos os cantos. Além disso, um dos seus maiores prazeres é explorar menores e forçá-los à
prostituição.
Porra, só de lembrar as desgraças que já vi esse cara fazer, quero antecipar meus planos e
mandar o desgraçado logo para o inferno. Mas não, passei anos demais sendo meticuloso, não
será agora que colocarei a raiva na frente da missão e acabarei atrapalhando tudo.
Um bom líder age de acordo com seus planos, precisa ser frio.
Manter a calma no olho da tempestade é o que me fará tirar toda a equipe sã e salva de
dentro do mar agitado.
Com as armas conferidas e mochila com munições guardadas, me permito vagar a mente
para a única pessoa no mundo que ainda carrega o meu sangue correndo nas veias: minha filha,
Kira.
Aos vinte anos, ainda sou muito jovem, mas desde a morte dos meus pais e irmã pelas
mãos do desgraçado do Declan, houve apenas uma vez na vida em que eu me descuidei, e esse
descuido gerou a pequena Kira.
A menina de três anos que sorri na única foto que tenho dela e que agora seguro entre os
dedos, não merecia me ter como pai, o futuro que planejei para a minha vida não pode ser ligado
a alguém tão inocente quanto a pequena sorridente.
A imagem entre os meus dedos é quase uma relíquia, um vislumbre do passado que eu
mantenho escondido em um lugar secreto, longe dos olhos curiosos e por consequência, longe de
mim.
A foto mostra uma menina com cabelos negros e olhos azuis como os meus, além de mim,
apenas os quatro homens em quem confio sabem da sua existência. Kira, o nome que eu sequer
ouso pronunciar em voz alta.
Quando Kira nasceu, eu tinha recém completado dezessete anos, era um garoto que já
estava mergulhado nas sombras do submundo irlandês, meu plano de matar Declan já estava
sendo colocado em prática.
Eu vivia pelo submundo da Irlanda criando conexões com pessoas que também odiassem o
desgraçado, estabelecendo contatos, e planejando o que iria se cumprir dentro de algumas horas.
A mãe de Kira era uma prostituta, uma desgraçada viciada em heroína que fodia em troca da
droga que a mantinha de pé, mas que exclusivamente comigo fodia por prazer.
Eu nunca paguei uma mulher para se deitar comigo, nem mesmo aos quatorze anos,
quando transei pela primeira vez, precisei pagar para ter uma mulher. Sempre fui muito mais alto
do que os meninos da minha idade e algumas prostitutas gostavam de meninos como eu, elas
ensinavam o que lhes dava prazer e nos usava para preencher o vazio que os seus clientes velhos
e imundos deixavam em suas camas.
Não me ressinto delas, assim como elas me usavam eu também as usei, aprendi a foder
como um desgraçado profissional e tinha uma válvula de escape mais do que prazerosa para
descarregar todo o meu ódio.
Quando Kira nasceu, eu sabia que não poderia dar a ela a vida que merecia, tinha
consciência de que não poderia protegê-la dos perigos que a Irlanda oferece estando ainda sob o
domínio de Declan O'Malley.
Foi por isso que, ainda naquela época, tomei uma importante e difícil decisão: matei a
prostituta que a carregou no ventre por nove meses e que, como ameaçou muitas vezes,
provavelmente não cuidaria bem da pequena deixando-a exposta a pessoas que poderiam no
futuro lhe machucar. Depois disso enviei Kira com uma cuidadora para os Estados Unidos, para
bem longe deste lugar amaldiçoado que eu chamo de lar.
Estava e ainda estou disposto a garantir que Kira crescerá longe das ruas violentas de
Bryncroft[11], longe das ameaças que pairam sobre minha cabeça e que a partir de hoje se tornarão
ainda maiores.
Naquela época, manter Kira longe de mim parecia a única escolha sensata, eu estava certo,
continuo disposto a proteger a pequena de todos, até mesmo de mim.
Dentro de algumas horas eu serei o Boss[12], não dos Corvos Negros, mas do meu próprio
clã, serei o Boss da Ordem de Éireann, e por isso, tenho consciência de que mesmo que Declan
esteja morto, eu não posso trazê-la de volta.
A segurança de Kira está acima de tudo, até mesmo do meu desejo de tê-la por perto.
Mesmo sob o meu domínio, Bryncroft ainda será um lugar perigoso para a menina, não vou
arriscar a vida da minha própria filha, ela é o que restou do meu sangue, o que há de mais
importante sobre mim.
A pequena que sorri na foto que seguro entre os dedos, e que vi pessoalmente
pouquíssimas vezes, não faz ideia dos perigos que enfrento diariamente para mantê-la segura.
Talvez, no futuro ela não acredite, mas a escolha mais difícil que tive que fazer até hoje foi a de
mantê-la distante.
Talvez, em algum momento eu tenha desejado que as circunstâncias fossem diferentes para
nós, mas a realidade da vida é cruel, e a mim, só cabe aceitá-la.
Com um suspiro pesado, coloco a foto de volta em seu esconderijo, no fundo da minha
gaveta, e me preparo para enfrentar o que está por vir.
Ainda hoje matarei Declan O’Malley e mudarei o futuro de Bryncroft, o poder que tenho
sobre a vida dos outros não é o mesmo poder que tenho sobre a minha, e é por ter essa
consciência que sei que manterei Kira longe de mim para sempre.
Horas mais tarde...

O ar em volta de mim está impregnado com o cheiro de pólvora, o eco dos tiros preenche
cada canto da fortaleza que Declan O’Malley chama de casa.
Sim, eu estou dentro do seu território, e quando colocar as mãos no desgraçado, vou
pendurar a sua cabeça no portão para que todos os cidadãos de Bryncroft saibam que estão livres
do até então Chefe dos Corvos, mas que agora devem servir a um novo senhor: Regan Bran
Gwydion, o seu Ard Rí[13].
Meus punhos estão cerrados, minhas mãos suadas seguram firmemente a arma que mandei
fazer anos atrás, meu coração bate forte contra o peito, não por medo, mas por antecipação, uma
mistura de ansiedade e determinação me dominam.
Quando comecei a fazer conexões no submundo e deixar claro que em breve eu me
tornaria o novo Boss da Irlanda, muitos riram de mim, alguns eu matei outros tiveram tempo de
se redimir da falha e estão ao meu lado hoje.
Para homens como nós, não é fácil acreditar e confiar, o fato de eu ter apenas vinte anos,
dificultou muito a minha tarefa, quando comecei a planejar minha vingança contra Declan eu
tinha apenas quinze anos.
Pode parecer pretensão da minha parte, mas sei que nasci predestinado a ser o maior, é por
isso que hoje estou liderando não apenas os quatro únicos homens que confio: Brian, Ciaran,
Rory e Eamon, mas a todos os outros que se uniram a nós contra Declan e serão meus capitães e
soldados.
Por anos planejei este momento meticulosamente, esperei pacientemente a oportunidade
de tirar o maldito Declan O'Malley do poder, seu nome que ecoou por muito tempo como uma
maldição em Bryncroft, hoje será dizimado do mapa.
Minha sede de vingança foi alimentada não apenas pelo desejo de justiça pelo país, mas
também por uma dívida pessoal que o desgraçado tem comigo. Ele matou toda a minha família,
deixando-me sozinho no mundo. Meus pais, minha irmã, todos foram vítimas da sua loucura e
dos seus desejos insanos.
Minha família foi morta porque o meu pai se negou a entregar minha irmã adolescente,
para servir como escrava pessoal do miserável. Ele a viu uma única vez, quando Aisling levava o
almoço dos meus pais na feira onde vendiam verduras, Declan surtou querendo levar minha irmã
com ele a qualquer custo e meus pais lutaram como podiam.
Naquele mesmo dia, meus pais morreram junto com a minha irmã na frente de todos, eu só
não morri também porque estava em casa cuidando da pequena plantação que tínhamos, eu e a
minha irmã éramos mantidos quase o tempo todo presos em casa.
Meus pais tinham medo que Declan pusesse os olhos sobre nós e quisesse nos levar com
ele. Eu, por ser grande demais para um garoto de doze anos, e ele poderia querer me treinar como
um soldado, e minha irmã por ser bonita demais e poder despertar nele o desejo de tê-la como
escrava sexual, eles estavam certos no fim.
Hoje, Declan terá o que merece e será pelas minhas mãos que morrerá, todos sabem que
quando o capturarem ele é meu e, mesmo que eu saiba que muitos desejem tirar a vida do
desgraçado com as próprias mãos, sei também que ninguém ousará desobedecer à ordem do
futuro Boss, o único que foi capaz de tramar a morte de Declan bem debaixo do seu nariz.
Enquanto me escondo nas sombras da propriedade, estudo o terreno mais uma vez,
planejando e esperando pelo momento certo de avançar, o ódio ferve em mim como um vulcão
prestes a entrar em erupção.
Em todas as malditas noites solitárias depois da morte da minha família, os meus
pensamentos eram preenchidos com imagens violentas do que um dia eu faria com o desgraçado.
Bastava que eu fechasse os olhos e minha mente nublava com pesadelos nos quais a imagem de
O'Malley se misturava com a imagem de Aisling e dos meus pais mortos em praça pública.
Prometi a mim mesmo que ele pagaria por cada noite que passei acordado pensando na
família que perdi e pela dor que sentiram com a brutalidade dos seus assassinatos.
Hoje é o dia que vingarei a todos, finalmente estou dentro da casa do miserável, agora é
uma questão de tempo até ter ele em minhas mãos.
As luzes fracas dos candelabros tremem enquanto seguimos pelos corredores escuros. Os
reflexos das armas cintilam à medida que nos aproximamos do escritório de Declan. Eamon, o
mais ágil de nós, abre a porta cuidadosamente nos dando passagem.
O escritório de Declan O'Malley está mergulhado na penumbra, assim como no corredor, a
única luz vista são as velas tremeluzentes sobre a escrivaninha de madeira escura.
Avanço cautelosamente com a arma em punho. Diferente de mim que aponto uma arma
em sua direção, Declan parece vulnerável sentado atrás de sua mesa, entretanto, em seguida sorri
com uma crueldade inabalável nos lábios enquanto me encara. Ainda assim, vejo a surpresa
brilhar em seus olhos, ele é tão prepotente e seguro do temor de todos que se descuidou da
própria segurança, chegar até ele foi mais fácil do que pensei.
— Regan — ele zomba, mas vejo o medo vidrado bem no fundo dos seus olhos —, logo você
que treinei como treinaria a um filho se tivesse, veio me trair — afirma, reconhecendo que serei
seu algoz, desgraçado, ele nunca foi material suficiente para ser pai de alguém. Declan é seco,
apenas a maldade resiste viva dentro dele. — Confesso que estou surpreso, você conseguiu se
aproximar de mim como uma sombra, quando eu te tirei das ruas você só tinha tamanho, era
como uma ratazana encurralada — fala como se me cobrasse os anos em que me alimentou.
— Eu me aproximei de você porque quis, e hoje você vai aprender, O'Malley, que as ratazanas
são mais astutas do que você imagina. — Meus olhos brilham com uma intensidade feroz, minha
voz é um sussurro gélido.
Apenas eu, Brian, Ciaran, Rory e Eamon estamos na sala com ele, assim como
planejamos, fechamos perfeitamente a armadilha em torno de O'Malley. Além de mim, Brian e
Ciaran apontam suas armas diretamente para o verme, impedindo que tenha qualquer reação,
enquanto Rory e Eamon permanecem atentos a qualquer movimentação fora da porta fechada.
— Você acredita mesmo que conseguirá me matar, Regan? — Declan me provoca, sua voz
tingida de confiança. — Você e seu bando de ratos não são páreo para o meu exército, acho bom
serem rápidos, em breve a minha cavalaria chegará.
Sei que ele está blefando, Declan quer que eu me precipite e lhe dê uma morte rápida,
ele sabe que chegou o fim da linha para ele, sabe que serei eu a livrar o mundo da sua existência,
mas o conhecendo tão bem quanto alguém que pôde conviver de perto, não caio no seu jogo.
— Tenho uma história para te lembrar, Declan. — Me aproximo calmamente da sua mesa, meus
olhos fixos nos seus. — Sete anos atrás, você matou minha família.
— Não seja rancoroso, Regan. — Ele me interrompe sorrindo e faço um esforço imenso para não
avançar. — Eu já matei muita gente em minha vida, nem lembro quem eram os seus pais — faz
um gesto de desdém com as mãos —, eles devem ter sido apenas mais alguns dos desgraçados
que morreram por mim.
Não consigo controlar a fúria, como um tigre que consegue fugir da jaula, salto sobre a
mesa derrubando Declan e a cadeira onde estava sentado no processo, o desgraçado é um
verdadeiro sádico e é por isso que estou disposto a fazê-lo provar um pouco do seu próprio
veneno.
Soco o rosto e o corpo de Declan em todos os lugares que os meus punhos conseguem
alcançar, pego a lâmina que trouxe comigo e o esfaqueio em lugares estratégicos que lhe causem
dor, mas não, a morte, não ainda.
— Você não se lembra quem eu sou, não é desgraçado? Não se lembra de ter matado meus
pais e minha irmã. De me deixar sozinho no mundo porque meus pais se recusaram a entregar
minha irmã adolescente para se tornar sua escrava. — Rosno, enquanto meus punhos continuam
encontrando cada parte do seu corpo desgraçado.
A expressão de O'Malley se transforma em surpresa quando descrevo a minha motivação e
em seguida. narro com detalhes a morte dos meus pais e irmã em plena praça pública, enquanto
continuo subjugando o seu corpo com meus punhos e faca.
— Você... você é o garoto? — Vejo quando a onda de lembranças toma sua feição. — Eu te
procurei para dar cabo de sua vida e não o encontrei. — Confessa em um fio de voz, depois de já
ter apanhado muito. — No fim, você mesmo veio até mim.
— Sim eu vim — falo ainda mais enraivecido. — Mas sou eu quem vai dar cabo da sua vida e
não o contrário.
Deixo que os quatro homens que me acompanham também tenham o seu tempo com o
desgraçado, apenas quando vejo que o seu corpo é uma massa molenga, quase morta e mutilada
no chão sobre uma poça de sangue lhe dou o tiro de misericórdia.
Permaneço de pé encarando o corpo do homem que no passado causou tanto sofrimento à
minha família e constato que aqui se encerra um capítulo da minha vida e se inicia outro, um no
qual eu deixo de ser a vítima para me tornar algoz.
Assim como prometi, separo a cabeça do corpo de Declan. Rory e Eamon se encarregarão
de pendurá-los separados no portão, por hora, eu, Brian e Ciaran nos encarregaremos de coletar
qualquer documentação que seja importante para a nossa organização.
A Ordem de Éireann está nascendo das nossas mãos, mas não morrerá quando a gente se
for, de hoje em diante, nos empenharemos para torná-la a maior de todos os tempos, aquela que
será lembrada não apenas pela sua crueldade, mas principalmente pela sua prosperidade e poder.
Capítulo 01

Dias atuais
Bryncroft - Irlanda

O ar pesado envolve a sala de reuniões dentro da minha empresa, que atua no ramo de
imobiliária, essa é a empresa que uso para manter a fachada de empresário comum e bem-
sucedido.
Estou sentado à cabeceira de uma grande mesa de madeira maciça, e meus quatro
subchefes — Brian (O Comandante), Ciaran (O Feiticeiro), Rory (O Guardião) e Eamon (O
Executor) — estão reunidos ao meu redor.
Há dezessete anos criamos e estruturamos o nosso Clã, A Ordem de Éireann. No início
não foi fácil, mas disseminando um pouco de medo e estabelecendo regras que deveriam ser
seguidas à risca por qualquer um que viva na Irlanda, nos tornamos os maiores.
Não foi à toa que escolhi esses homens para serem os meus subchefes, cada um deles
carrega dentro de si seus próprios demônios e, principalmente, estiveram ao meu lado no
momento de maior tormenta que foi quando tomamos o poder.
Hoje, percebo que, cada um deles se tornou à sua própria maneira essencial para o nosso
Clã.
Brian Cian Dagda é o nosso Comandante, seu papel como estrategista e supervisor das
operações de contrabando o torna um ativo inestimável para a organização. Todas as vezes que
reflito sobre a importância de Brian, fico impressionado com sua dedicação e com as habilidades
que desenvolveu ao longo dos anos.
Brian desempenha um papel vital na Ordem de Éireann. Sua capacidade de planejamento
estratégico ajuda a garantir que as operações de contrabando sejam bem-sucedidas e que o clã
permaneça lucrativo. Além disso, sua habilidade em identificar potenciais ameaças e traidores é
essencial para a segurança da organização. Brian é a mente por trás das principais operações do
clã, ele é estrategista e astuto mantendo o Clã um passo à frente dos nossos adversários.
Sua mente estratégica é seu maior trunfo, Brian usa seu intelecto para garantir que as
nossas operações funcionem sem problemas. Ele é um verdadeiro mestre na arte da antecipação e
do planejamento, capaz de traçar esquemas complexos com precisão cirúrgica. Sua capacidade
de analisar cenários e tomar decisões rápidas é inigualável.
Já Ciaran Lugh Morrígan, é o nosso Feiticeiro, especialista em assuntos ocultos e
responsável pela lavagem de dinheiro, Ciaran desempenha um papel que vai muito além das
operações financeiras.
Ciaran é conhecido pelos membros da organização como o mago financeiro da Ordem de
Éireann, ele é capaz de transformar lucros ilícitos em transações legítimas, isso em questão de
segundos.
Sua habilidade em criar esquemas de lavagem de dinheiro complexos é a espinha dorsal da
estabilidade financeira do clã. Ele garante que o dinheiro circule livremente, mascarando sua
origem criminosa e evitando investigações, sua capacidade de ocultar ativos financeiros é
fundamental para a segurança e a prosperidade financeira do clã.
A mente brilhante e calculista de Ciaran é o seu maior destaque. Ele é um verdadeiro
estrategista, capaz de criar intrincados esquemas que confundem qualquer investigação. Sua
mente é afiada e rápida como uma lâmina.
Rory Fionn Balor é o nosso Guardião, responsável pelos roubos de carga e pela
distribuição dos materiais ilícitos que comercializamos, Rory desempenha um papel crucial que
vai muito além do transporte ilegal de mercadorias.
Por trás de sua aparência intimidadora — ele parece com um gigante ruivo cheio de
piercings, tatuagens e com cara de mal —, Rory é um estrategista astuto e um protetor nato. Sua
mente rápida e sua capacidade de planejar meticulosamente cada operação de roubo de carga são
admiráveis. Rory antecipa desafios, avalia riscos e toma decisões rápidas em situações de alto
risco. Sua mente é afiada como uma flecha, capaz de atingir os alvos com agilidade e precisão.
Por fim, há Eamon Crom Cruach, o nosso Executor. Sem dúvidas, Eamon lida com as
questões mais obscuras e perigosas do Clã, sua essência é de um feroz protetor. Ele garante a
segurança da organização de maneira implacável e sem se preocupar com os corpos que deixa
pelo seu caminho. Eu diria até mesmo que, diferente de nós, os traços de sociopatia de Eamon
estão expostos e visíveis para qualquer um que lhe dispensar um olhar mais atento.
É claro que todos nós que compomos o pentágono do Clã, matamos e seguimos em frente
sem sequer olhar para trás. Mas Eamon não, ele não apenas mata sem remorso, como tem prazer
em fazê-lo, as únicas pessoas que tem a piedade e lealdade do homem somos eu, Brian, Ciaran,
Rory e Kira.
A habilidade de Eamon em lidar com execuções e operações mais perigosas é vital para a
manutenção da ordem e a eliminação de ameaças internas e externas do Clã. Além disso, como
responsável pela venda e distribuição de armas, ele garante que o clã tenha os recursos
necessários para se proteger e manter sua posição no mundo do crime. Sem dúvidas, Eamon é a
sombra que protege o clã de dentro para fora.
É por termos todas essas habilidades reunidas que nos tornamos o maior e mais bem
estruturado Clã irlandês de todos os tempos, não tenho dúvidas que o nosso legado irá se
perpetuar para muito além das nossas mortes.
Já lidamos com muita merda em todos esses anos, mas nunca suspeitamos de um traidor
dentro do Clã. Nunca acreditamos que alguém seria louco o suficiente para se levantar contra o
pentágono, mas parece estarmos errados. É por isso que o clima é denso na sala de reuniões, sei
que assim como eu, eles também estão considerando essa possibilidade, e se for o caso,
precisaremos descobrir e eliminar o traidor quanto antes.
— Regan — Brian começa a falar demonstrando estar irritado, sua voz é como um trovão
ecoando na sala —, temos que encarar a possibilidade de que existe um traidor entre nossos
associados. — Ele confirma estar pensando o mesmo que eu.
Assinto lentamente, sabendo que se de fato descobrirmos um traidor entre os nossos, ele
representa uma ameaça que não poderemos ignorar e, sem dúvidas, o idiota será usado como
modelo de disciplina e medo para os demais.
— Há informações vazadas que só membros do clã deveriam ter acesso. E, recentemente,
tivemos alguns dos nossos esquemas sendo prejudicados. Isso não é coincidência. — Ciaran, se
inclina para frente apoiando os cotovelos sobre a mesa, os olhos escuros faiscando de raiva,
diferente dos outros, ele não consegue esconder o que sente.
— Essa merda é um desrespeito, Regan. — Rory soca a mesa com o punho cerrado. — Se fosse
de fora, de outra máfia qualquer, mataríamos os desgraçados e fim, mas vindo de dentro, torna
tudo ainda mais perigoso. Quem quer que seja vai pagar não apenas com a sua vida, mas de toda
a sua família. — Ouço a opinião de cada um deles, mas ainda me mantenho em silêncio.
Gosto de perceber o quanto ainda estamos em sintonia, o nosso Clã é a parte mais
importante de nós.
— Precisamos descobrir quem é o miserável antes que isso nos destrua por dentro — Eamon, o
mais silencioso do grupo, mas também o mais observador, fala concordando com os outros. —
Eu já não tenho dúvidas de que a ameaça está vindo de um dos nossos.
— Concordo com todos vocês. — Me pronuncio quando noto que todos pensaram exatamente da
mesma maneira que eu, temos formas diferentes de agir, mas todas elas sempre nos conduzem ao
mesmo caminho. — A lealdade do Clã deve estar acima de qualquer coisa, não podemos ignorar
os sinais de que alguma merda está cheirando mal, bem debaixo do nosso nariz.
Minha mente está em um turbilhão. A ideia de traição é como uma faca cravada em minha
testa.
— Caralho, a ideia de que alguém de dentro possa estar repassando informações está me
deixando louco. — Confesso porque quando estamos os cinco a sós, não preciso manter a
fachada imperturbável sem expor minhas emoções, com eles posso ser eu mesmo. — Mas como
podemos identificar o traidor se nem sabemos onde começar a cavar a merda?
Faço a pergunta de milhões, com certeza vamos ter que revirar a vida de cada um dos
nossos associados até descobrir o traidor, porra, vai ser um trabalho do caralho.
— As informações vazadas foram específicas demais Regan, temos um traidor entre os nossos,
entre os mais próximos de nós inclusive. Só precisamos descobrir quem é o desgraçado, com
certeza não estamos lidando com uma escuta ou algo assim, seguimos todos os protocolos de
segurança, se não for por algum dos capitães não tem como ter vazado a informação — Brian
comenta.
— Vamos começar a verificar todos os associados, vamos passar um pente fino nesse caralho —
Ciaran fala e franze a testa demonstrando toda a sua irritação. — Precisamos fazer uma triagem
minuciosa, analisar cada um dos nossos, verificar suas conexões e lealdade com o Clã até
pegarmos o desgraçado todos são suspeitos. — Conclui o mesmo que pensei instantes atrás.
— Isso vai levar uma eternidade, Ciaran. — Rory rosna impaciente. — Enquanto isso, nossos
esquemas podem continuar sendo prejudicados. Temos que agir agora.
— Rory tem um ponto. Não podemos perder tempo. Mas também não podemos despertar a
desconfiança entre os associados. Precisamos ser rápidos, e ao mesmo tempo discretos em nossas
investigações — Eamon fala com calma calculada.
— Estou de acordo. Não podemos desencadear o caos em nosso próprio Clã. — Encaro cada um
deles e começo a designar suas funções para esse caso. — Brian, precisamos de um plano para
melhorar a segurança, evitar novos ataques e identificar o possível infiltrado. Ciaran, prepare
uma equipe de confiança para conduzir as investigações. Rory, fique de olho em qualquer
comportamento suspeito e Eamon, se prepare, vamos caçar.
Vejo a loucura brilhar nos olhos do último homem quando passa a língua sobre os dentes
fazendo o ouro do seu canino dourado reluzir, como eu disse é a porra de um sociopata mesmo.
— Vou fazer isso, Regan. Vamos nos proteger e encontrar esse traidor, não importa de onde ele
venha, nós o pegaremos — Brian fala determinado.
Encaro os rostos decididos dos meus subchefes. Nossos olhares se cruzam, a determinação
em cada olhar é inegável. Somos uma unidade, uma irmandade que não tolerará traição,
sobretudo entre os nossos.
Sem dúvidas essa não será uma investigação fácil, principalmente porque precisa ser
discreta para que o traidor não desconfie que estamos em seu encalço. Precisamos agir com
precisão e cautela, não podemos permitir que a desconfiança se espalhe como uma praga,
minando a lealdade e confiança que construímos com tanto esforço ao longo dos anos.
A verdade é que, como eu disse antes a Eamon, não é apenas ele, todos estamos prontos e
ansiosos para a caçada. Não importa sob qual véu o traidor esteja escondido nós o
encontraremos. A lealdade ao Clã A Ordem de Éireann deve estar acima de tudo e todos, aqueles
que a traírem enfrentarão as consequências mais brutais.
Após alinharmos mais alguns pontos da nossa estratégia, saímos da sala de reuniões com
uma certeza: temos uma unidade muito forte, somos uma irmandade que não permitirá ser
abalada por traição de qualquer tipo, em breve teremos o desgraçado que ousou nos trair e toda a
sua família em nossas mãos, e teremos o prazer de fazê-lo se arrepender de ter nos traído.
Capítulo 02

Cerca de um ano antes


Nova York – Estados Unidos

Meus pés parecem cada vez mais pesados enquanto desço as escadas exclusiva para
funcionários do edifício onde trabalho, ou trabalhava, uma vez que acabo de ser demitida.
Moro em Nova York há três anos, desde que fugi de Ardaghmore[14], cidade que fica
localizada na costa sul da Irlanda e que, jamais foi considerada por mim como um lar, estava
mais para uma prisão se for bem sincera.
Ardaghmore, é uma cidade pequena e reconhecida tanto pelas ruas de casas coloridas,
quanto por ser um lugar aconchegante para os turistas. Mas a verdade é que a cidade esconde em
suas ruas de pedras a verdadeira face dos seus moradores: homens agressivos e mulheres
submissas, que estão acostumadas a aceitar todo tipo de violência não apenas contra si, como
também aos seus filhos.
Quando fugi de Ardaghmore, deixei para trás não apenas o meu país, mas também as
violências que vivi e que ainda me assombram. Saí de casa com apenas dezesseis anos, hoje, aos
dezenove, estou morando nos Estados Unidos, bem longe da opressão de um pai agressor e de
uma mãe permissiva que nunca fez nada para me proteger como deveria.
Não posso dizer que foi ou que está sendo fácil essa mudança, se for sincera, eu ainda não
me adaptei totalmente a esse novo país, e posso afirmar sem sombra de dúvidas que a minha vida
nos Estados Unidos não é um mar de rosas.
Viver clandestinamente em um país como os Estados Unidos é muito complicado. Quando
decidi que não podia mais suportar o inferno que minha casa era desde que conseguia lembrar,
confesso que pensei que seria até mais fácil uma mudança.
Qualquer coisa seria melhor do que viver com os meus pais.
Não me orgulho do que fiz na época, roubei todas as economias que eles tinham para
poder fugir, por outro lado, sei que morreria se permanecesse com eles. Meu pai vivia
mergulhado no álcool e em casa, as brigas e os espancamentos eram constantes, nunca recebi,
nem mesmo da minha mãe, amor ou proteção, parecia até mesmo que ela me culpava pela sua
própria desgraça. A cada manhã, eu enfrentava uma batalha para simplesmente sobreviver mais
um dia. O lugar que deveria ser um refúgio, a casa dos meus pais, na realidade, era um
verdadeiro inferno para mim.
Quando meu pai tentou passar dos limites me abusando sexualmente, percebi que
precisava escapar. Sobrevivi a espancamentos, surras que me deixavam na cama por dias, mas
não sobreviveria a algo assim, mesmo que a ideia de deixar tudo para trás fosse assustadora, era
a minha única saída para sobreviver.
Sempre soube onde eles guardavam as suas economias, assim como também sabia que não
poderia contar com a ajuda de ninguém da cidade para colocar o meu plano em prática. Eu não
tinha amigos na época, era praticamente uma prisioneira naquela casa, minha determinação em
fugir e sobreviver foi o que me guiou.
Minha fuga de Ardaghmore começou com um salto de fé. Quando meu pai tentou abusar
de mim, consegui me livrar acertando a sua cabeça com uma pedra de amolar facas. Vaguei pelas
ruas e me escondi no porão de uma casa abandonada por alguns dias, planejando o que fazer em
seguida. Não tinha documentos, dinheiro ou roupas adequadas para fugir, mas eu sabia que
precisava, era a minha única chance.
Na noite em que parti, esperei que os meus pais dormirem, com certeza eles estavam
esperando o momento em que eu voltaria para casa com o rabo entre as pernas. Mas não foi o
que aconteceu, eu conhecia muito bem a rotina da casa e deles dois. Após chegar em casa bêbado
ele usava a minha mãe em qualquer canto da casa depois, permaneciam trancados no quarto até o
dia seguinte.
Contei que estariam mantendo essa rotina quando invadi a casa pela janela do meu antigo
quarto, enchi uma sacola de plástico com algumas poucas roupas e na cozinha, abri o buraco que
ficava escondido no chão pelo pequeno armário, me apossando de tudo o que economizaram
durante os anos de trabalho.
Não me senti culpada pelo que fiz, embora reconhecesse que estava errada, a questão é que
eu precisava me libertar daquele ciclo de agressões que a cada dia que passava, dava indícios que
se tornaria ainda pior.
Quando saí do porão da casa abandonada naquela noite, a chuva caía em um aguaceiro
incessante, como se o próprio céu estivesse chorando por mim, pelo meu destino. Caminhei até o
porto, onde pretendia embarcar clandestinamente em um navio com destino a América. A
escuridão foi a minha única aliada e, por todo o trajeto, rezei para que ninguém me visse.
Consegui entrar no navio me esgueirando pela escuridão e me escondi na sala de
máquinas. Quando o dia clareou, à medida que o navio se afastava da costa da Irlanda, eu sabia
que estava deixando para trás um passado sombrio, mas também estava embarcando em um
mundo desconhecido e cheio de incertezas.
Durante as duas semanas de travessia, meu estômago permaneceu quase que
constantemente vazio, meu corpo estava enfraquecido pela falta de alimentação e água, uma vez
que eu tinha poucas oportunidades de tentar conseguir algo para comer e beber, ainda assim, eu
não olhei para trás, não me arrependi do que fiz mesmo tendo quase desmaiado por diversas
vezes.
Finalmente, quando o navio atracou em solo americano, eu precisava decidir o que fazer
dali em diante, não podia usar os documentos que trouxe comigo porque logo me identificariam
como menor de idade e imigrante ilegal, sem dúvidas me mandariam de volta, daquele momento
em diante, eu era uma estranha em uma terra estrangeira.
Passei dias nas ruas, usando muito pouco do dinheiro que tinha comigo; depois de alguns
dias, conheci uma senhora que me ajudou oferecendo a sua casa para que eu não precisasse
dormir nas ruas, usei um pouco do que levei comigo para contribuir nas despesas de casa porque
ela também não tinha muita condição financeira, era mais uma sobrevivente nesse mundo
terrível. Permaneci morando com ela até o dia em que ela morreu meses atrás, não tive outra
opção senão fugir mais uma vez para não ser descoberta porque ainda hoje vivo na ilegalidade no
país.
Consegui um trabalho como empregada doméstica nesse edifício de luxo, eles me
aceitaram porque a realidade é que pagavam muito pouco por saberem que eu era um imigrante
ilegal.
Infelizmente muitas pessoas se aproveitam da fragilidade dos outros para se beneficiarem
de alguma maneira, como vivo sempre com medo de que meu passado possa me alcançar, aceito
as migalhas que me oferecem e sobrevivo dia após dia, não é como se eu tivesse outra opção de
qualquer maneira.
Nesses três anos morando na América, eu me tornei uma sobrevivente, alguém que
aprendeu a se virar sozinha em um mundo implacável, sobretudo para mulheres sozinhas como
eu. Cada dia que acordo sei que é mais um desafio, mas sei também que preciso enfrentar
qualquer que seja a dificuldade que apareça.
Enquanto desço o último lance de escadas do prédio meus olhos se enchem de lágrimas,
tenho poucas reservas financeiras e não sei o que farei se não conseguir logo outro trabalho, não
quero voltar a dormir nas ruas, a cidade está muito mais perigosa do que quando cheguei.
— Ei! — Sinto um corpo esbarrar contra o meu assim que saio do edifício. — Não olha por onde
anda, garota?
— Oh, me desculpe. — Limpo as lágrimas antes de estender a mão para ajudar a garota levantar
do chão.
— Você está chorando? — Ela me encara como se estivesse arrependida pela forma grosseira
que falou comigo. — Me desculpe pelo que disse, você deve estar tendo um dia ruim e sinto que
acabei de piorar.
— Sem problema, tá tudo bem. — Sorrio mesmo sabendo que o gesto para tranquilizá-la não
alcança os meus olhos. — Você se machucou? — pergunto para me certificar, antes de me
afastar dela.
— Não, está tudo bem comigo, não se preocupe. — Ela me observa detidamente, como se
quisesse ler a minha alma. — E você está bem? Posso te ajudar em alguma coisa?
— Estou bem sim, foi só um esbarrão — falo. — E, a menos que você tenha um emprego a me
oferecer, acredito que não possa me ajudar, mas não se preocupe, vou ficar bem. — Solto sem
pensar ao lembrar do meu problema atual, mas sem esperar que a garota realmente possa fazer
algo por mim me preparo para seguir o meu caminho.
— Emprego? — Ela franze a sobrancelha. — Está chorando porque precisa de um trabalho?
— Na verdade, acabo de ser demitida — falo olhando para o prédio atrás de nós. — Mas enfim,
não se preocupe, eu preciso ir. — Tento me afastar, mas a garota me segura pelo braço me
fazendo parar.
— Qual o seu nome?
— Eileen... Eileen Macbreen.
— Prazer Eileen, eu sou Kira. — Estende a mão na minha direção com um sorriso largo no rosto.
— Posso te pagar um café Eileen? — Aponta a cafeteria do outro lado da rua. — Acho que você
está precisando de alguém para conversar.
Tenho vontade de negar, mas a menina me parece uma boa pessoa, talvez ela tenha
mesmo razão e eu precise de alguém para desabafar um pouco, desde a morte da senhora que me
ajudava eu estou me sentindo ainda mais sozinha nessa cidade ainda que esteja sempre cercada
por muita gente.
— Vou aceitar o café, Kira. — Aperto sua mão que continua estendida na minha direção. —
Talvez eu esteja mesmo precisando de alguém para conversar.
Assim que sentamos na cafeteria, Kira pede dois capuccinos duplos além de muffins e
croissants, é quase como se ela pressentisse que eu ainda não havia comido nada hoje, ela nota o
meu desconforto com o seu pedido porque não tenho como pagar e me tranquiliza dizendo que
foi ela quem me convidou, só então me permito relaxar um pouco.
Kira me parece uma boa pessoa, mas ao mesmo tempo é muito curiosa e dispara uma
enxurrada de perguntas na minha direção, dentro de mim, algo diz que posso confiar na garota e
por isso, respiro fundo e conto para ela não apenas os últimos acontecimentos, mas toda a minha
história desde que fugi da Irlanda.
Eu imagino que nunca mais a verei na vida, mas por hora, estou satisfeita em ter alguém
para desabafar, mesmo que esse alguém não vá mais fazer parte da minha vida no instante
seguinte em que sairmos dessa cafeteria.
— Meu Deus Eileen. — Me surpreendendo, ela segura minha mão sobre a mesa. — Nós temos a
mesma idade, e você já passou por tanta coisa que nem consigo imaginar.
— Olha, Kira — começo tentando ser sincera sem ser grosseira, mas puxo minha mão que ela
ainda segurava —, não quero que sinta pena de mim, eu nem sei porque te contei essas coisas —
suspiro profundamente —, só acho que quis desabafar mesmo, obrigada pelo café, pelos muffins
e por ter me ouvido. — Fico de pé sabendo que nossa conversa chegou ao fim.
— Espera, Eileen. — Ela fica de pé também. — Eu não estou com pena de você, só não acredito
que você merecia passar por tudo isso sozinha. — Consigo ver a verdade em seus olhos, e aceno
com a cabeça. — Talvez eu possa te ajudar com o emprego.
— Como assim? Você tá falando sério?
— Muito sério. — Ela sorri. — Agora sente-se novamente, vamos tratar de negócios. — Não
consigo evitar cair de bunda na cadeira, talvez Deus finalmente tenha decidido olhar por mim e
me ajudar de alguma maneira.
Capítulo 03

Nova York – Estados Unidos

— Olha, Kira — a garota puxa a mão que eu segurava sobre a mesa —, não quero que sinta pena
de mim, eu nem sei porque te contei essas coisas — o suspiro que solta é cheio de dor —, só
acho que quis desabafar mesmo, obrigada pelo café, pelos muffins e por ter me ouvido.
— Espera, Eileen. — De alguma maneira, sinto que devo fazer algo para ajudá-la, Eileen é tão
jovem quanto eu, e já passou pelo inferno na terra. — Eu não estou com pena de você, só não
acredito que você merecia passar por tudo isso. — Tento fazer com que ela acredite em minhas
palavras e sem pensar muito no que estou fazendo, ofereço o emprego que ela precisa. — Talvez
eu possa te ajudar com o emprego.
Sei que daidí[15] vai me matar se descobrir, mas eu não me importo, no momento só sei
que preciso ajudar essa garota.
— Como assim? Tá falando sério? — Quase sorrio com a surpresa que noto em seu semblante.
— Muito sério. — Sorrio para acalmá-la. — Agora sente-se novamente, vamos tratar de
negócios. — Vejo quando ela se joga na cadeira ainda incrédula pelas minhas palavras.
— Você tem mesmo um emprego para me oferecer? Precisa de alguém para trabalhar em sua
casa? Eu posso fazer qualquer coisa Kira, não tenho medo de trabalho pesado. — Ela atropela as
palavras falando muito rapidamente enquanto eu uso o tempo para pensar no que fazer e no
quanto posso lhe contar sobre mim.
Talvez Fiona não aprove a minha decisão, principalmente porque vou precisar
convencê-la a não contar para daidí sobre Eileen, a menina já passou pelo inferno e não precisa
de um chefe da máfia irlandesa colocando a sua vida de pernas para o ar apenas para garantir que
não fará mal a sua filha, no caso, eu.
Algo nos olhos de Eileen me fazem acreditar nela, a garota está sozinha no mundo.
Assim como você. A voz bendita do meu subconsciente fala e eu a afasto, por hora, mesmo que
eu reconheça que ela está certa.
Daidí me cerca de tudo o que eu preciso, mas não do mais importante, eu não o tenho
por perto, nunca o tive de verdade, mas se for sincera ainda não me conformei que nunca o terei,
sonho com o dia em que ele finalmente me levará de volta para a Irlanda para morar com ele.
Daidí não escondeu a minha história, desde que nasci ele me mandou para os Estados
Unidos com Fiona, nós nos vemos algumas poucas vezes durante o ano, pouco demais para o que
eu desejo na verdade.
Houve um período que eu não o entendia, o culpava por me manter afastada, mas
agora eu pelo menos tento entender. Sei que ele possui muitos inimigos e que eu sou o que restou
da sua família, mesmo que ele não admita, sei que daidí tem medo de me perder.
Eu ainda pretendo convencê-lo a me levar para Bryncroft com ele, tenho certeza que
ele e os meus tios Brian, Ciaran, Rory e Eamon podem me proteger, entretanto estou disposta a
lhe dar mais algum tempo.
— Para ser sincera, o emprego que vou lhe oferecer, talvez não seja muito difícil de executar. —
Penso um pouco. — Quer dizer, talvez seja sim, porque às vezes eu posso ser uma pessoa difícil
de lidar.
— Não estou entendendo Kira. — Eileen se recosta no espaldar da cadeira me observando
atentamente.
— Eu também sou irlandesa, Eileen — falo pausadamente, escolhendo as palavras porque sei
que não posso lhe contar muito sobre a minha vida pessoal. — Quer dizer, eu nasci na Irlanda,
mas moro nos Estados Unidos desde que nasci.
— Nossa, que coincidência — fala surpresa. — Antes de você nascer seus pais já moravam aqui?
— pergunta e eu bebo um gole do café pensando em como vou lhe responder.
— Não — falo por fim. — Minha mãe morreu quando eu nasci. — Conto, mas não digo que foi
o meu pai que a matou para que ela não saia correndo imediatamente me deixando para trás.
— Eu sinto muito Kira. — É ela quem segura minha mão sobre a mesa agora.
— Não por isso. — Dou de ombros. — Eu não a conheci, então nunca senti sua falta de verdade.
— Confesso, porque nem mesmo quando meu pai me contou o que havia feito com a mulher que
me colocou no mundo eu senti pena, afinal eu não tinha nenhuma ligação com ela e pelo que
daidí me contou, meu futuro se permanecesse aos seus cuidados não seria nada agradável. —
Meu pai me mandou para os Estados Unidos com Fiona logo que nasci, você vai conhecê-la. —
Sorrio porque é ela a mulher que considero como mãe. — Mas ele ainda mora na Irlanda, em
Bryncroft.
— Ele nunca morou com você? — pergunta parecendo surpresa.
— Quando eu nasci, meu daidí tinha dezessete anos, digamos que ele não sabia muito o que
fazer com um bebê para cuidar.
— Sinto muito, — fala mais uma vez —, digo, por seu pai tê-la abandonado.
— Ele não me abandonou. — A corrijo. — Meu pai é um homem bom para mim, só que ele
acredita que aqui eu terei mais oportunidade de crescer do que em nosso país. — Minto, porque a
verdade é que ele acredita que aqui é mais fácil me manter viva.
— Entendi, me desculpe se pensei que ele te abandonou após ter perdido sua mãe.
— Não tem problema, sei que é o que parece, mas não é o que é de verdade. — Sorrio. — Mas,
enfim... — Continuo. — Eu moro naquele prédio. — Aponto para o edifício onde nos
esbarramos. — Na cobertura — explico e ela abre a boca surpresa. — Para ser sincera, não
preciso de mais um empregado — ela faz uma carinha triste como se tivesse perdido a
oportunidade que esperava, então eu continuo —, mas preciso de companhia, alguém da minha
idade para conversar sobre as coisas que gosto, eu amo Fiona, mas ela já é idosa e não consegue
mais me acompanhar como antes, entende?
— Na verdade, não estou entendendo muito bem onde quer chegar, Kira. — Vejo o vinco se
formar entre as suas sobrancelhas, então eu explico melhor a ideia que tive.
— Olha só, digamos que você vai ser uma espécie de amiga por contrato, vou te pagar para isso
— esclareço —, você vem morar em minha casa a partir de hoje e nós vemos se somos
compatíveis, se a nossa relação de amizade vai funcionar, digamos que você vai ser o equivalente
ao que uma dama de companhia era antigamente. — Franzo o nariz sem saber se essa foi a
melhor maneira de me expressar sem fazer ela se sentir um objeto.
— Mas eu seria sua amiga mesmo sem receber por isso, Kira — ela fala, seu semblante
demonstrando não ter entendido exatamente o que estou propondo. — Você é uma pessoa
incrível, qualquer garota da nossa idade gostaria de tê-la como amiga, não precisa pagar alguém
para isso.
— Sei que não Eileen, mas é mais complicado do que parece. — Aperto as mãos sobre a mesa
insegura por ter de alguma forma dado a entender que queria comprá-la. — Eu não quis te
ofender, mas eu gostei de você e a queria por perto, além disso, você tem um problema e eu
tenho a solução tanto para o que você precisa quanto para a minha solidão. — Volto a segurar
sua mão tentando lhe passar confiança no que ofereci, e tentando nublar a tristeza em meus
próprios olhos.
— Se eu aceitasse esse “emprego” — fala com cuidado. — Você me deixaria procurar outro
depois de um tempo? Não quero ser uma pedra em suas costas para sempre, Kira.
— Você já vai ter um emprego, Eileen — respondo. — Mas sim, caso você enjoe de mim estará
livre para partir quando desejar — falo, mesmo que o meu coração pese por me sentir sempre tão
sozinha.
— E o seu pai? — ela pergunta ainda insegura.
— Deixe que com ele eu me resolvo, e sinceramente, é bem capaz de você morar comigo por
anos a fio e não cruzar com ele uma vez sequer. — Faço um gesto de desdém com as mãos,
mesmo que isso me machuque porque sei que é a verdade, meu pai quase não vem a Nova York,
nossos encontros são sempre em território neutro, longe de onde moro e longe de Bryncroft
também.
— Kira, se eu aceitar será só por um período curto, enquanto eu não conseguir outra coisa para
me manter, e arrumar outro lugar para morar, tudo bem? — ela fala com cautela. — Mas não se
preocupe, eu serei sua amiga para sempre, nunca vou me afastar de você Kira, é uma promessa.
— Já considero que aceitou minha proposta então. — Sorrio. — Agora vá providenciar trazer as
suas coisas enquanto eu converso com Fiona, bem vinda a minha vida Eileen. — Puxo a garota
para um abraço apertado porque sinto que a nossa ligação durará para sempre.
Eileen acredita que sou eu que estou ajudando-a, mas dentro de mim eu sinto ser ela
que está me resgatando da solidão, talvez depois dela entrar na minha vida, o meu daidí tenha
um tempo de paz das minhas cobranças infinitas pela sua presença.
Capítulo 04

Dias Atuais…
Nova York – Estados Unidos

— Meu Deus, como você pode ser tão velha mesmo sendo ainda tão jovem? — Kira pergunta e
se joga em minha cama.
Quando aceitei o “emprego” que Kira me ofereceu há cerca de um ano, não pensei que a
minha vida pudesse ter uma reviravolta tão grande.
A presença de Kira traz um alívio bem-vindo à minha vida antes tumultuada.
É claro que durante esse ano, já tentei por diversas vezes procurar um emprego ou outro
lugar para ficar, mas sempre que descobria sobre o meu plano de deixar sua casa, Kira arrumava
um jeito de me impedir. Tenho até mesmo um quarto no seu apartamento e não é em nenhuma
ala destinada a empregados, é bem ao lado do seu, Kira me trata como seu eu fosse sua irmã.
No início, pensei que esse trabalho fosse algo passageiro mesmo que eu tenha
verdadeiramente me identificado com ela, imaginei que Kira era como uma dessas garotas ricas e
mimadas e que, assim que estivesse enjoada de mim, me descartaria.
Não foi o que aconteceu, ao longo deste ano senti como se estivéssemos destinadas a nos
encontrar, como almas gêmeas que vagam procurando uma pela outra até enfim estarem juntas.
É claro que fiquei sem graça no início, se for sincera, muitas vezes ainda fico, por isso,
tento ajudar em outros afazeres do apartamento, o que Kira sempre tenta impedir por sinal.
Fiona, a senhora que cuida de Kira desde bebezinha, no início, ela não se mostrou muito
satisfeita em me receber no apartamento em que elas moram, mas com o passar dos meses,
quando me conheceu um pouco mais, senti que ela foi relaxando aos poucos, hoje ela cuida de
mim como uma filha também.
Kira e Fiona se tornaram, no último ano, as pessoas mais importantes da minha vida.
Sei que deveria me sentir culpada por estar aqui há tanto tempo, e pior ainda por receber
para isso, porque cumprindo o que ofereceu, Kira me paga um excelente salário mensalmente
para lhe fazer companhia, mesmo que eu tenha lhe dito diversas vezes que não precisava, um
teto, segurança e comida já eram o bastante para mim.
Sei também que já deveria ter tomado a atitude de ir embora, mas nessa casa encontro o
carinho, o cuidado e o conforto emocional que jamais tive na vida, nem mesmo ao lado dos meus
pais tive algo assim.
Essa sensação de pertencimento somado ao amor que desenvolvi pelas duas sempre me faz
desistir de partir e permanecer ao lado delas.
Minha vida é quase a de uma “patricinha” de filmes, Kira me proporciona muito mais do
que pensei viver um dia, esse ano, até mesmo para as suas férias em Aspen[16] ela me levou.
Viajamos em um jatinho particular enviado por seu pai e passamos trinta dias naquele
lugar que para mim, pareceu o paraíso. Ao lado de Kira me sinto e ajo como uma garota comum
e não como alguém que precisa lutar para sobreviver.
Aos poucos, percebi o quanto Kira é de fato solitária, além de Fiona ela não tem mais
ninguém, ainda que o seu apartamento possua mais de sete funcionários fixos contando comigo,
ninguém é capaz de suprir a falta da pessoa que mais ela gostaria que estivesse ao seu lado: seu
pai, pelo que percebi durante esse tempo que moro com elas, o homem só pensa em trabalho.
Eu percebo o carinho que eles têm entre si nos momentos em que os vejo ao telefone, Kira
é reservada e sempre que o seu celular toca com uma chamada do seu pai, ela corre para o quarto
me deixando no escuro, nas poucas falas que consigo ouvir entre eles, o senhor Regan parece que
realmente a ama, mas também demonstra que o trabalho o sufoca e não lhe resta tempo para mais
nada.
Nem mesmo para a sua mo bheag[17], é assim que ele a chama. Mesmo que sejam distantes
acho muito bonita a relação dos dois.
Não posso negar que Kira faz por mim muito além do que eu esperava, além de me dar um
lugar para morar e ainda me pagar um bom salário, Kira não permite que nada me falte, hoje
tenho mais roupas e sapatos do que seria capaz de vestir uma vida inteira.
Mesmo que eu tente recusar, pelo menos duas vezes a cada mês, quando a Personal
[18]
Stylist de uma grife famosa vem à sua casa, ela faz compras para mim também, muitas vezes
brigamos por eu não querer as peças de roupa que ela escolhe para mim, mas Kira sabe ser bem
persuasiva quando deseja, é uma verdadeira praguinha irritante, mas que eu amo acima de
qualquer pessoa nessa vida.
Às vezes, sinto que ela transfere para as compras que faz de forma incontrolada, a falta que
sente do pai. A garota tem tudo o que deseja e muito mais, mal consigo imaginar o quanto ele
deve pagar mensalmente por seus cartões de crédito sem limites, de qualquer forma, me parece
que dinheiro não é problema para eles.
Sinto que somos mesmo como irmãs, a diferença é que o laço que nos une não está no
sangue e sim na alma.
— Eu não sou velha, Kira, só não acredito que a gente deva sair tão tarde da noite, talvez o seu
pai não vá gostar se descobrir que você foi a uma boate. — Giro o corpo ficando de frente para
ela, esperando que citar o seu pai a faça mudar de ideia como sempre acontece.
Kira não fala muito sobre o seu pai comigo, sinto que esse é um assunto que tanto ela
quanto Fiona evitam comentar na minha frente, mas sei que a simples menção do homem sempre
a faz refletir sobre as suas ações.
Já criei mil e uma teorias sobre o senhor Regan em minha mente, mas confesso que
nenhuma delas me pareceu ser a real, a verdade é que o homem continua sendo um grande
mistério para mim.
Não entendo como ele pode enviar a filha ainda muito pequena para um país estrangeiro
para morar sozinha com uma cuidadora e, ao mesmo tempo, essa atitude parece ter sido a mais
acertada para o arranjo entre eles.
— Está bem sua chata. — Joga um travesseiro na minha direção e eu o seguro no ar antes que se
choque contra o meu rosto. — Vamos pedir uma pizza e ficar em casa então — revira os olhos
para mim —, se depender de você, de Fiona e do meu Pai, vou passar a eternidade presa nesse
castelo — fala, demonstrando estar um pouco aborrecida pela minha negativa de sair, mas ainda
assim, é compreensiva.
— Oh, meu Deus, ela é uma princesinha presa na torre pelas bruxas e pelo mago malvado. —
Me jogo sobre o seu corpo na cama fazendo cócegas em sua barriga, enquanto ela gargalha
tentando se desvencilhar do meu ataque, Kira dobra a risada quando aumento a pressão em sua
cintura.
— Para Eileeeeeen — grita quase perdendo o fôlego, Kira não é muito resistente a cócegas e eu
sei disso. — Vou fazer xixi e sua cama vai ficar fedorenta. — Paro na mesma hora, fazendo-a
gargalhar ainda mais. — Ficou com medo sua vaca?
— Deus me livre de dormir em cima de uma poça de xixi — falo fazendo o sinal da cruz com a
mão e ela sorri.
— Você não vai sair comigo mesmo, não é? — pergunta novamente, fazendo carinha de
cachorro que caiu da mudança.
— Hoje não Kira, fica pra próxima. — Ela faz um muxoxo com os lábios fazendo biquinho e
acena concordando com a cabeça sabendo que perdeu mais essa batalha contra a vontade de me
fazer sair de casa, levanta da minha cama ficando de pé.
— OK sua chata! Vou pedir uma pizza para a gente comer e tomar um banho, já volto para te
chamar. — Aceno afirmativamente com a cabeça e ela sai pela porta do quarto pisando duro e
demonstrando sua insatisfação com a minha recusa.
Fico deitada por algum tempo pensando que jamais na vida eu conseguirei retribuir tudo o
que Kira faz por mim, nem mesmo se eu nascesse de novo conseguiria demonstrar toda a minha
gratidão, não é apenas o lado material, é principalmente o amor, o carinho e a companhia que
temos uma da outra.
Aproveitei para também tomar um banho e, quando Kira retorna ao quarto, vestida com
uma camiseta folgada e um short para me avisar que a pizza chegou, ela me lança um olhar
acusador por eu negar mais uma vez o seu convite para irmos para uma boate.
Sento ao lado de Kira na mesa da sala de jantar e logo em seguida Fiona surge da cozinha
carregando duas caixas de pizzas nas mãos, ela se acomoda ao nosso lado colocando as caixas de
papelão sobre a mesa de vidro.
— Espero que estejam com muita fome, meninas, porque Kira hoje pediu pizza para um batalhão
— Fiona comenta sorrindo.
— Estamos sempre com fome de pizza, não é, Eileen? — Kira responde animada, essa é a
comida que a garota mais gosta na vida.
— Sempre, Kira. — Sorrio de volta porque depois de Kira eu também me viciei em todo tipo de
massa. — Essa pizza parece estar incrível, Fiona.
— Parece mesmo. — Fiona encara Kira. — Pediu no mesmo lugar de sempre, filha?
— Não, vi uma propaganda dessa pizzaria numa rede social e resolvi testar — ela fala pegando
uma fatia de pepperoni com a mão e levando diretamente à boca sem usar o prato.
— Muito gostosa mesmo — falo com a boca cheia.
— Tenham educação, meninas. — Fiona ralha conosco. — Uma pega a pizza com a mão, a outra
fala de boca cheia — revira os olhos nos encarando —, nem parece que sou eu quem as educo.
Nós gargalhamos com a repreensão de Fiona, é sempre assim, ela nos trata como duas
garotinhas malcriadas e desobedientes. A verdade é que Fiona me trata como se eu fosse irmã de
Kira, talvez isso me faça sentir mais pertencente a esse lugar, eu gosto de estar com elas, e
aproveitarei cada segundo com elas enquanto for possível. No final, eu e Kira somos duas jovens
garotas nos apoiando enquanto duelamos com nossos demônios pessoais.
Enquanto comemos o restante da pizza, o clima é leve e descontraído. Conversamos sobre
coisas triviais, rindo e aproveitando a companhia uma da outra. Fiona nos faz rir quando conta
histórias engraçadas sobre as coisas que Kira aprontava quando ela ainda era uma criança.
— Não sei como não morri de susto com essa garota — Fiona comenta ainda rindo. — Vocês
não acreditariam nas travessuras que essa menina fazia quando era pequena.
— A culpa é toda sua, Fiona. Você me mimava demais — Kira rebate.
— Ela sempre foi uma princesa, então? — pergunto para irritar Kira porque sei que ela não gosta
que eu a chame assim e lembrando do que me disse no quarto sobre se sentir presa em um
castelo.
— Exatamente, Eileen. Uma princesa rebelde — Kira responde me surpreendendo e me fazendo
sorrir.
A noite passa rapidamente enquanto continuamos a comer, conversar e rir juntas. É um
dos muitos momentos preciosos ao lado das duas que pretendo ter em minha vida para sempre.
— Eileen — Kira fala, agora parecendo mais séria —, me promete que nunca vai embora?
— Kira... — Começo porque essa é uma conversa que já tivemos milhares de vezes no último
ano, mas que eu nunca prometo o que ela quer ouvir — Você sabe que não posso morar aqui
para sempre, mas você vai estar para sempre em meu coração e em minha vida seja lá onde eu
estiver.
— Eu não quero que vá Eileen, eu já perdi demais e você é como uma irmã para mim, uma que o
meu coração escolheu. — Vejo pela visão periférica que os olhos de Fiona estão marejados.
— Você também é uma irmã para mim, Kira. Você e Fiona são as melhores surpresas que já me
aconteceu na vida. — Ambas conhecem toda a minha história e por isso sei que elas sabem ser
real o que acabo de afirmar.
— Somos uma família, meninas — Fiona fala emocionada. — Não importa o que aconteça,
estaremos sempre juntas.
— Eu amo vocês! — Solto porque é a verdade, a mais pura que sinto em meu coração.
— Eu também amo vocês — Kira responde encarando a mim e a Fiona.
— Eu também amo vocês! — a senhora fala e em seguida seca os olhos com o guardanapo de
pano que estava no colo. — Agora vamos tirar essa mesa e descansar, amanhã Kira tem tutoria
logo cedo.
Kira revira os olhos, porque não gosta de ter aulas privadas como o seu pai exige, ela
queria estar em uma faculdade presencial como a maioria dos jovens da nossa idade e não
fazendo ensino à distância.
Pego os pratos sujos e me dirijo para a cozinha deixando as duas recolherem as caixas
de pizza e limparem o vidro da mesa.
— Ahhhhhh! — Antes que apoie os pratos na pia, um grito de dor que reconheço como de Fiona,
faz meus pés travarem no chão.
— Fiquem quietas as duas e não dificultem o meu trabalho. — Ouço uma voz grossa falar em
minha língua materna. — Seu pai achou que conseguiria escondê-la de nós. — A voz me causa
arrepios. — Ele se acha o dono de tudo, mas agora vai descobrir que não passa de um idiota
arrogante que mal consegue proteger a própria bunda.
— Nãaaaoooo. — Agora é o grito de Kira que me faz arrepiar dos pés à cabeça.
Sei que eu deveria voltar para a sala de jantar ou correr e pedir ajuda, mas eu não
consigo agir enquanto ouço barulho de vidros se quebrando onde elas estão.
— Eileen — lembro da voz da minha amiga/irmã em minha mente —, se um dia estivermos em
perigo e você tiver a chance, se esconda, salve-se por favor.
— Tá doida garota? — eu perguntei naquele dia sem imaginar que isso pudesse de fato acontecer
com a gente algum dia. — O que poderia nos acontecer?
— Meu daidí é um homem importante na Irlanda Eileen, ele tem inimigos... — Kira nunca falava
comigo sobre o seu pai, por isso fiquei ainda mais surpresa.
— O seu apartamento é uma fortaleza Kira. — Interrompi suas palavras para que ela não
continuasse com aquela loucura, Kira e perigo são duas coisas que jamais quero ver juntas. —
Ninguém nunca chegaria até nós.
— Você tem razão, ninguém nos alcançará. — Ela sorriu para mim. — Mas se um dia chegarem
até nós, se estivermos em perigo, seja lá onde for, me prometa que vai se proteger, se esconda
Eileen.
— Eu prometo. — Revirei os olhos, mal acreditando naquela loucura, mas me sentindo incapaz
de contradizê-la.
— Embaixo da minha cama, entre o segundo e o terceiro lastro de madeira tem um esconderijo,
lá tem um aparelho celular de segurança, ligue-o e acione o único número existente na agenda,
peça por ajuda diga que fui eu quem lhe deu o celular e alguém virá te socorrer. — Lembro que
o meu coração se apertou naquele dia, como se a possibilidade de estarmos em perigo fosse real,
mesmo que eu achasse suas palavras uma loucura.
— É do seu pai esse número?
— Mais ou menos, ele e os meus tios receberão a chamada, eles vão saber que estou em perigo,
peça ajuda a qualquer um deles que atender e estará a salvo. Me prometa que se algo acontecer,
fará isso Eileen. — Ela segurou tão forte minha mão naquele dia, que sinto como se os seus
dedos me apertassem agora.
— Eu prometo!
As lágrimas caem dos meus olhos com a lembrança, mas mesmo que eu queira cumprir
com o que prometi a Kira naquele dia eu não consigo, por isso, corro na direção da sala de jantar,
se algo de ruim acontecer a elas eu estarei junto.
Capítulo 05

Ao chegar na sala de jantar, me deparo com uma cena aterrorizante. Dois homens armados
invadiram o apartamento, Kira e Fiona estão caídas no chão e banhadas de sangue.
— Nãaaao. — grito, correndo até onde elas estão e me jogando no chão entre elas.
— Quem é essa vadia? — Um dos homens, o mais alto deles, rosna enraivecido, não consigo ver
os seus rostos pois estão usando balaclavas. — O chefe disse que apenas a velha e a garota
estariam aqui, merda.
— Quem é você? — O outro homem, um pouco mais baixo, me puxa pelo cabelo me colocando
de pé, as lágrimas caem sem parar do meu rosto.
— Sou empregada da casa — falo entre soluços. — Por que vocês fizeram isso com elas? —
pergunto num fio de voz.
— Cala a boca desgraçada. — ele desfere um tapa em meu rosto. — Vamos matá-la também? —
O que me segurava pelos cabelos pergunta para o outro homem.
— Fomos pagos para matar apenas a velha e a garota. — o tom de voz do grandão parece
irritado. — Essa vadia é a porra de uma pedra em nosso caminho, mas não acrescenta em nada
ao plano do chefe. — Pelo diálogo entendo que eles são provavelmente matadores de aluguel.
— Então deixamos ela viva? — O que me segura sacode a minha cabeça aumentando o agarrem
em meu cabelo.
— Sim, mas vamos dar uma liçãozinha nela antes, para entender que não deve se meter onde não
é chamada. — Olho os corpos no chão, não sei se continuam vivas, Kira parece ter algumas
perfurações no peito e estômago e Fiona teve o rosto atingido além de outras partes do corpo,
choro copiosamente pelo destino das duas, eram boas pessoas e não mereciam morrer assim.
— Não... não me mate, por favor. — Imploro, mesmo que eu não faça ideia do que será da
minha vida daqui por diante.
Os dois homens que imagino serem assassinos de aluguel me encaram e sei que estão
decididos a causar ainda mais sofrimento do que já tive nesta noite.
O grandalhão me puxa do agarre do outro, joga o meu corpo no chão, caio entre os corpos
das duas mulheres que agora confirmo estarem mortas já que os seus olhos estão abertos e
vidrados, não consigo me defender quando eles vêm para cima de mim.
Sinto meu corpo protestar a cada soco que recebo, tento administrar a dor como fazia
quando era espancada pelo meu pai na infância, mas o que estou passando é infinitamente pior
do que tudo que já sofri um dia, parece que os homens vão me bater até que eu esteja morta
também, minha visão começa a ficar turva de dor. Eles riem sadicamente enquanto continuam
me golpeando com socos e chutes, meu corpo permanece indefeso caído no chão, não consigo e
não tenho como reagir.
— Não era para você estar aqui, sua vadia! — O grandalhão vocifera, enquanto desfere um soco
no meu estômago. — O desgraçado do chefe nos pagou muito menos do que pedimos para dar
cabo das duas e é só por isso que vai sobreviver.
— Se matarmos ela também não será melhor? — o homem mais baixo fala. — Podemos cobrar
dele depois pelo serviço, de qualquer maneira, a falha foi dele por não ter nos avisado que teria
mais alguém no apartamento, é melhor não deixar pontas soltas.
— Com o serviço feito aí é que ele não vai nos pagar mesmo — o grandalhão vocifera. —
Vamos deixar ela viva, ligamos para ele e se ele nos pagar o total do que pedimos pelas duas e
mais a morte dessa, nós a caçamos e acabamos com ela também, se ela é empregada como disse,
o próprio Regan vai dar cabo da vida dela por não defender a filha. — Eles traçam o plano da
minha morte como se eu não estivesse bem aqui diante deles. — De qualquer maneira, quem nos
contratou garantiu que não haveria outra pessoa no apartamento, disse que os seguranças ficam
sempre fora, foi ele que errou e não a gente, a surra que demos na vadia é uma cortesia nossa,
deveríamos ter deixado ela ir já que não estava no combinado.
— Acho arriscado demais deixá-la viva. — O outro homem insiste tentando ainda convencer o
grandão a me matar, por um instante, penso que talvez a morte seja a melhor solução para mim
também.
— A nossa profissão é um risco, ela fica viva — fala decidido —, de qualquer maneira, duvido
que vá abrir a boca para qualquer pessoa, não é gatinha? — O grandão dá dois tapas no meu
rosto como se quisesse constatar a minha inércia diante deles e aceno devagar com a cabeça.
Sinto o gosto ferroso do sangue na boca e as lágrimas se misturam com a dor. Meu rosto
está tão inchado que mal consigo enxergar com o olho esquerdo.
— Por favor... não me matem... — Consigo balbuciar entre os soluços, e minhas palavras
funcionam como um convite para mais violência. — Eu não falarei nada a ninguém. —
Completo numa última tentativa de salvar a minha vida, minha voz sai com dificuldade e sei que
o que acabo de afirmar é uma grande mentira, se tiver oportunidade, é claro que pretendo contar
para o pai de Kira o que aconteceu no apartamento essa noite.
Eles ainda me dão mais alguns socos e chutes, mas agora parecem mais apressados em
irem embora, minha mente oscila entre a agonia insuportável da dor e beira a inconsciência.
Cada segundo parece uma eternidade, até que finalmente, a dor e a escuridão me consomem e me
carregam com ela.
Não sei quanto tempo se passou quando recuperei a consciência, minha cabeça lateja de
dor e meu corpo parece um peso morto jogado no chão entre as duas mulheres que no último ano
foram a minha salvação.
A sala está silenciosa, meu coração dispara de medo ao olhar em volta. Kira e Fiona
permaneceram no chão ao meu lado, imóveis como quando me joguei entre elas quando vim da
cozinha. A tristeza e o choque me inundam quando percebo que elas de fato não resistiram aos
ferimentos.
A dor física é imensa, mas a dor emocional é ainda maior. Minha amiga está morta, a
mulher que cuidou de mim no último ano como se eu fosse sua própria filha também está morta,
eu me sinto física e emocionalmente desamparada. Lágrimas rolam pelo meu rosto enquanto
tento processar o que aconteceu.
A voz de Kira ecoa em minha mente, lembrando-me da promessa que fiz a ela um dia, eu
preciso lutar para salvar a minha vida, não apenas por mim, mas também por elas.
Tremendo de medo e dor, lembro mais uma vez do celular de segurança que ela me falou.
Uma das minhas pernas parece ter sido quebrada e por isso não consigo ficar de pé, com muito
esforço e dor, arrasto meu corpo até o quarto de Kira, lembrando das suas palavras sobre o
esconderijo de um aparelho de celular.
“— Embaixo da minha cama, entre o segundo e o terceiro lastro de madeira tem um esconderijo,
lá tem um aparelho celular de segurança, ligue-o e acione o único número existente na agenda,
peça por ajuda diga que fui eu quem lhe deu o celular e alguém virá te socorrer.” — A voz de
Kira soa como um mantra.
Com as mãos trêmulas tento arrastar a cama e ter acesso ao lugar como ela explicou,
leva muito mais tempo e força do que imaginei, mesmo sabendo a exata localização é realmente
um esconderijo difícil de ser encontrado, sobretudo com a minha condição física atual.
“— Me prometa que se algo acontecer, fará isso Eileen, salve-se!” — Minha mente não
consegue distinguir o que é real ou não quando finalmente seguro o aparelho entre os dedos.
Assim como ela disse o aparelho está desligado, no instante em que a tela inicial
aparece busco a agenda e como Kira avisou, só há um número nela, aperto o botão verde para
chamar e no primeiro toque uma voz grave soa do outro lado da chamada.
— Kira? Mo bheag? — É o pai dela, constato. — O que aconteceu, filha?
— Não é Kira — sussurro —, sou Eileen, nós fomos atacadas. — Minha voz é fraca enquanto
solto de uma vez o que preciso dizer atropelando as palavras porque sinto que a escuridão não
vai demorar para me dominar outra vez. — Por favor, senhor, me ajude!
Não consigo mais identificar ou responder aos gritos que o homem dá do outro lado da
linha, eu me deixo levar pela dor e pela escuridão, quem sabe a minha amiga não vem me buscar
e me leva com ela para o paraíso.
Capítulo 06

Saio do banheiro e caio pesadamente sobre a cama, completamente nu. O corpo


cobrando o peso de toda a merda que venho enfrentando nos últimos dias.
Estamos caçando o desgraçado do traidor em nossa organização assim como tubarões
famintos perseguem suas presas nas águas mais profundas e, mesmo assim, ainda não
encontramos nenhuma pista.
Seja quem for o desgraçado, ele sabe como encobrir os seus rastros muito bem, há
muito tempo não nos deparamos com uma merda tão grande quanto essa para limpar em nosso
Clã.
Sei que será questão de tempo até chegarmos no bastardo, mas quando o pegarmos,
faremos ele se arrepender amargamente da traição.
Como precisamos ser discretos, apenas o alto escalão do Clã sabe sobre a caçada ao
traidor, estamos nos desdobrando para estar no maior número de lugares possíveis, eu e os meus
quatro subchefes estamos nos tornando quase onipresentes.
Essa noite estive em uma das boates dos nossos associados, o que pareceu uma visita
de cortesia da minha parte não passou de uma busca incessante por qualquer pista que indicasse
ser ele o traidor, a merda é que, mais uma vez, não encontrei nada.
O anfitrião ter me disponibilizado três mulheres deslumbrantes para me acompanhar
durante a noite não ajudou em nada para aliviar a tensão que me envolveu nos últimos dias.
Tenho a sensação de que seremos atingidos por um golpe doloroso, não um que vá nos
derrubar como derrubei Declan anos atrás, mas sem dúvidas um que irá nos desestabilizar.
Como um bom Irlandês, tenho muito ativo o meu lado supersticioso[19] e intuitivo,
acredito nos meus instintos, eles nunca falharam até aqui.
Quando os meus pais e irmã morreram, tentei afastar de mim tudo aquilo que pudesse
me fazer fraquejar, o que incluía alguns ensinamentos tradicionais irlandeses que a minha mãe
me passou. Ainda assim, algumas coisas são impossíveis de tirar de dentro de nós, são como
ferro quente que quando marca a pele nunca mais apaga a cicatriz.
Conversei sobre essa sensação de que estamos prestes a atravessar o inferno com
Eamon e, enquanto dirigia pelo caminho entre a boate e a minha casa, pedi que reforçasse toda a
nossa segurança. Não vou fazer como o idiota do Declan anos atrás e deixar que a minha soberba
me permita baixar a guarda.
Não, eu estarei preparado para guerrear se necessário, e assim como os meus
subchefes, estarei na linha de frente e não sentado atrás da porra de uma mesa como um covarde.
Confesso que o banho quente que acabei de tomar, aliado com o sexo de horas atrás,
conseguiu relaxar um pouco da tensão que eu sentia, mas não o suficiente para me fazer desligar
de imediato.
Desativo o alarme no aparelho de celular e fecho os olhos forçando o sono e
prometendo a mim mesmo que dormirei o quanto o meu corpo necessitar nesta noite.
À medida que o sono se aproxima, sinto meus músculos relaxarem gradualmente
enquanto meus olhos ficam cada vez mais pesados, não demora muito tempo até que a escuridão
me domine.
Não sei por quanto tempo eu durmo até que ouço o celular de segurança tocar sobre a
cômoda.
Sento na cama, ainda me sentindo meio atordoado pelo sono, verifico que passa um
pouco das três horas da manhã, apenas eu, os meus subchefes e Kira temos esse número, e sei
que, seja qual for a merda, é das grandes.
— Kira? Mo bheag? — Atendo a chamada com o coração acelerado quando verifico o número
do celular de segurança de Kira na tela. — Você está bem? O que aconteceu, filha? — Não
disfarço a preocupação porque sei que apenas ela tem acesso a esse aparelho.
— Não é Kira — mal dá para ouvir a voz do outro lado da linha telefônica e sinto o meu sangue
gelar —, sou Eileen, nós fomos atacadas, por favor, senhor, me ajude!
— Quem está falando, porra! — grito chamando a atenção da interlocutora da chamada. — Você
está me ouvindo? Onde está Kira? — Nenhuma resposta. — Você está me ouvindo, garota?
Onde está Kira? — Repito a pergunta e o silêncio é tudo o que ouço enquanto corro e visto
rapidamente uma calça jeans e uma camisa de botões no closet do meu quarto.
O silêncio me deixa apreensivo e, no mesmo instante em que a chamada é encerrada,
meu telefone pessoal toca com uma chamada em grupo: Brian, Ciaran, Rory e Eamon.
— O que aconteceu? — A voz de Eamon é a primeira que ouço sendo seguida pelas outras com
perguntas diversas.
— Me diga que ela está bem?
— Kira está em segurança?
— Preciso do jatinho pronto em menos de trinta minutos. — Anuncio, sem me dar o trabalho de
responder ao que perguntaram porque sei que durante o voo posso explicar o que houve. —
Preciso também de uma equipe médica a bordo e o necessário para transporte com suporte
hospitalar, se necessário.
— Puta merda! — Rory exclama e ouço o barulho de passos e coisas caindo no chão enquanto,
assim como eu, começam a se organizar.
— Vou providenciar, te encontramos no hangar[20] — Brian fala, e eu encerro a chamada. Não
tenho condições de continuar a conversa por telefone, e nem mesmo sei se é seguro.
Pego o meu celular e verifico de maneira acelerada as câmeras de segurança do prédio de
Kira, confirmo que ela está dentro do apartamento, porque a câmera de segurança registrou o
momento em que ela entrou no prédio ao lado de uma garota pela manhã e não saiu mais.
Abro o relatório diário que recebo da sua equipe de segurança e não há nenhum fato
que chame a minha atenção, nada fora da rotina normal que ela segue, nem mesmo a menina que
entrou com Kira no apartamento é citada.
Merda!
Furioso, atualizo o sistema de câmeras para o horário atual e não há nenhuma
movimentação no corredor da cobertura, porra, os seguranças deveriam estar ali, me arrependo
instantaneamente de ter cedido ao pedido de Kira e deixado a parte interna do apartamento sem
sistema de monitoramento.
Repasso as câmeras de todo o prédio e não encontro nenhum dos meus seguranças,
apenas o porteiro está se movimentando pela portaria.
Verifico que por volta das oito horas da noite os seguranças de Kira ainda estavam no
corredor, eles entregaram duas caixas de pizza para Fiona e depois...
— Caralho... — Rosno e soco a parede quando vejo dois homens com o uniforme de uma
pizzaria e balaclavas[21] cobrindo o rosto, saírem pela escadaria de emergência e acertarem a
cabeça dos três homens que protegiam a porta do apartamento de Kira.
Apanho as chaves e saio de casa, assim que abro a porta me deparo com um magpie[22]
sozinho pousado sobre a escadaria e encarando a minha casa. Fecho os olhos e respiro fundo
pedindo a Deus que pelo menos essa superstição esteja errada.
Entro no meu carro e saio cantando pneus pelas ruas de Bryncroft, sinto um aperto no
peito e sei que trarei o inferno à terra se, como suspeito, alguém ousou tocar em minha filha.
Em menos de trinta minutos cheguei no hangar e a equipe médica já estava preparando
a aeronave para a decolagem, Brian, Ciaran, Rory e Eamon também já me aguardavam.
Sabia que eles queriam saber o que aconteceu a Kira, mas eu preciso de um tempo, por
isso acompanho de perto todos os preparativos para a decolagem.
Quando o piloto informou que a decolagem estava autorizada e nos instruiu a realizar
os procedimentos padrão de voo, o clima na aeronave estava tenso e ninguém ousou quebrar o
silêncio por um bom tempo.
Depois que a aeronave estabilizou no ar e pudemos desafivelar os cintos, sem precisar
dizer qualquer palavra me dirigi para a parte traseira onde havia um quarto que estava sendo
organizado pelos médicos e enfermeiras para funcionar como um leito de hospital e uma espécie
de antessala com uma mesa de reuniões, sabia que os meus subchefes estavam me seguindo.
Pedi que os médicos nos deixassem a sós por um instante e finalmente pude me abrir com
os homens em que mais confio. A sensação que tenho é como se um elefante estivesse sentado
no meu peito, e eu precisava compartilhar com eles.
— Aqueles filhos da mãe... — Minha voz soou amarga, e todos me olharam com expectativa. —
Eles pegaram Kira.
— Porra — Ciaran rosna. — Você verificou as câmeras. — Não é uma pergunta e sim uma
afirmação, todos sabemos que essa era a primeira coisa a ser feita.
— Acha que eles... — Brian interrompe as palavras como se temesse a minha fúria se concluísse
o pensamento e eu aceno concordando com a cabeça.
Porra, por mais que me doa como o inferno admitir, diante das imagens que vi no
corredor, eles entraram para matar mo bheag e saíram minutos depois, apressados e
demonstrando nervosismo.
— Eu vou esfolar os desgraçados vivos. — Eamon solta um rugido. — Mas quem fez a chamada
de segurança? Você falou com ela? Se você acha que ela... morreu? — Até Eamon, que é frio
como um iceberg, demonstra sentir dor ao colocar em palavras o que evitamos dizer até aqui,
durante esses anos nos tornamos uma espécie de família, meio deturpada e fora dos padrões, mas
dispostos a qualquer coisa para nos proteger. — Por que a equipe médica, Regan?
— Não foi Kira que usou o celular de segurança. — Solto e eles se entreolharam e em seguida
me encararam surpresos.
Kira tinha ordens expressas para que nunca comentasse com ninguém sobre o telefone
de segurança, a linha só deveria ser usada se estivesse em perigo e apenas ela e Fiona sabiam da
sua existência. Quando ela queria falar com um de nós usava o seu celular normal, que já era, por
si só seguro, mas usar esse telefone especificamente significava que estava em perigo.
— Quem falou com você? — Rory pergunta.
— Ainda não sei, mas chamava-se Eileen, suspeito que seja a garota que vi com Kira entrando
no prédio pela manhã pelas câmeras de segurança.
— Uma amiga? — Ciaran ergue a sobrancelha, provavelmente se questionando tanto quanto eu.
— Nunca apareceu nenhuma amiga nos relatórios da segurança de Kira — Brian, fala o que
também tenho me questionado desde que vi as imagens.
A garota e Kira passaram pela segurança sorrindo e os cumprimentaram como se não fosse
a primeira vez que entravam juntas no apartamento, eu só não entendo o porquê de não ter sido
reportado nada sobre a garota nos relatórios diários e nem por Fiona.
— É isso que vamos descobrir assim que chegarmos nos Estados Unidos. — A raiva domina
cada um dos meus poros.
— Você acredita que o ataque partiu da mesma pessoa que estamos caçando? — Brian pergunta,
sua expressão dura. — Acha que essa garota tem algo a ver com isso?
— Muito provável que sim — respondo com a mandíbula cerrada. — Aposto minhas fichas no
maldito traidor que está tramando bem debaixo do nosso nariz, apenas alguém de dentro da
organização teria como saber da existência de Kira, e mesmo assim, seria muito difícil, sempre
tomamos todos os cuidados para protegê-la — falo e ainda assim me sinto culpado, eu pensei em
proteger todas as nossas frentes, mas me descuidei de Kira, nunca pensei que chegariam até ela.
— Porra, Regan, atacar sua filha? — Rory parece chocado com a ideia, mesmo que em nosso
meio, tudo seja possível. — O miserável assinou a própria sentença de morte, tornando-a ainda
mais cruel.
— Não podemos subestimar o desespero e a ganância por poder de um homem que traiu seu
próprio Clã — Ciaran fala com voz grave. — Seja quem for, está disposto a fazer qualquer coisa
para nos atingir.
Eamon assentiu sombriamente, seus olhos demonstrando todo o ódio que guarda dentro de
si. De certa maneira, todos nós sabíamos que essa traição interna era uma ameaça grave, mas
nunca cogitamos a possibilidade de atingir outras pessoas além do Clã.
— Kira era a minha única fraqueza, eles descobriram isso. — Minha voz está carregada de dor e
raiva, dói falar nela como se já não fizesse parte desse mundo, mas de alguma maneira eu sinto
que não a encontrarei com vida. — Eles cometeram um erro, o mais grave de todos, se trair o Clã
já era uma sentença de morte, agora tudo será infinitamente pior.
É uma promessa.
Todos confirmam com a cabeça, porque não importa o que precisaremos fazer, temos a
certeza que vamos pegar o desgraçado e esfolá-lo vivo.
Capítulo 07

Depois de mais de sete horas de voo pousamos em Nova York, um sentimento de


urgência me envolve como uma densa névoa.
Corremos do aeroporto até o carro que já nos esperava, cada um de nós presos em nossas
próprias mentes, os olhares pesados e sombrios à minha volta diziam muito mais do que palavras
seriam capazes.
Mesmo que eu esteja abalado e me sentindo culpado pelo que pode ter acontecido com
Kira, preciso agir como o chefe do Clã a Ordem de Éireann e conduzir a operação.
Não demora muito tempo para estarmos diante do luxuoso prédio onde Kira mora. Mesmo
ainda sendo de manhã, o céu está escuro e nublado, como se até mesmo o universo lamentasse o
que está por vir.
Brian, Ciaran, Rory, Eamon e eu, saímos do carro e nos encaramos por um instante, antes
de avançarmos juntos na direção do elevador depois que estacionamos na garagem do edifício.
Quando chegamos ao andar da cobertura, uma sensação de apreensão toma conta de mim.
Abro a porta do apartamento com força e entro sendo seguido pelos outros com a arma em
punho, mesmo tendo a certeza de que não encontraria mais qualquer pessoa que nos oferecesse
risco ali dentro.
Assim que passamos da sala de estar, o cenário que se descortina é o de um verdadeiro
pesadelo. O chão está coberto por vidros quebrados, os móveis estão revirados e manchados de
sangue, pegadas de sangue seco fazem uma trilha por toda a casa.
Fecho os olhos e respiro fundo quando vejo Kira e Fiona caídas no chão e envoltas em
poças de sangue quase seco. Seus corpos estão pálidos, cravejados por balas e ensanguentados,
uma sensação de horror me envolve mesmo eu estando acostumado a ver corpos mutilados e
mortos com a mesma frequência de um médico legista.
Ajoelho ao lado de Kira e sinto a presença dos outros ao meu redor, não posso conter o nó
na garganta, mesmo que tenha conseguido impedir as lágrimas de chegarem aos olhos, sinto a
dor e a raiva dominar cada célula do meu corpo. Seguro sua mão fria e fecho os seus olhos com o
dedo indicador e o polegar enquanto lhe prometo silenciosamente que pegarei o desgraçado que
a tirou de mim.
Vejo quando Eamon se abaixa ao lado de Fiona e repete o meu gesto com a senhora que
dedicou uma vida inteira a minha filha, eu a vingaria também, Fiona esteve ao lado de Kira até o
seu último suspiro.
Por alguns segundos, percebo que, apesar da raiva que nos domina e da promessa clara de
que pegaremos quem tocou em minha filha, nós não sabemos exatamente o que fazer daqui por
diante.
É como se a nossa mente, tão acostumada a traçar rapidamente as maiores estratégias de
guerra simplesmente tivesse dado uma pausa.
Rory amaldiçoou baixinho enquanto examinava o corpo de Fiona e encara o corpo da
minha filha diante de nós, os rostos desfigurados pelas marcas da violência. O silêncio na sala é
ensurdecedor, a perda realmente causa uma dor avassaladora até mesmo em pessoas sem alma
como nós.
— Regan, encontramos a garota — Eamon fala ao meu lado, provavelmente eles vasculharam
todo o apartamento enquanto eu me mantive ao lado dos corpos na sala de jantar. — É
provavelmente a mesma menina que falou com você ao telefone, está com o celular de segurança
preso entre os dedos.
— Onde ela está?
— No quarto de Kira.
— Morta?
— Ainda não, mas se não for socorrida imediatamente não durará muito tempo, está muito
machucada — fala e eu considero as possibilidades sem ainda tirar os olhos do corpo de Kira.
Sou eu o culpado por sua morte, afastei Kira de mim achando que era o bastante para
mantê-la a salvo e só agora percebo o quanto fui burro.
Mesmo que eu a encontrasse poucas vezes, alguém poderia rastreá-la, sabia que os
meus inimigos sempre buscaram um ponto fraco que não encontravam em mim, mas eu tinha
um: Kira, mesmo que vivesse fingindo não ter ninguém a quem proteger, eu sempre tive.
A merda é que algum desgraçado chegou perto demais a ponto de descobrir sobre ela, a
consequência da minha negligência estava agora bem diante dos meus olhos envolta em sangue,
o meu próprio sangue mais uma vez derramado.
— O que você quer que façamos com a garota? — Rory pergunta sabendo que não podemos
demorar muito tempo para agir.
— Chame a equipe médica, vamos levá-la para Bryncroft. — Sentencio sabendo que a garota
provavelmente nos dará alguma informação útil sobre os invasores, senão por bem, eu extrairei o
que quiser fazendo-a passar pelo inferno antes de ser entregue ao diabo.
Seja quem for, aparentemente ela sabe coisas demais que não deveria, se tinha
conhecimento do celular de segurança que pertencia a Kira, pode ser que a minha filha lhe deu
outras informações sobre nós.
Manter o inimigo sob vigília constante pode ser uma excelente estratégia em tempos de
guerra.
Vi quando a equipe médica entrou no apartamento tanto para dar os primeiros socorros
para a garota quanto para preparar os corpos de Kira e Fiona para transportarmos para a Irlanda.
Quando fecharam os corpos de Kira e de Fiona em sacos pretos, eu me permiti ir até
onde estava sendo socorrida a menina que me ligou pedindo ajuda. Seu rosto estava tão inchado
e machucado que mal era reconhecível, manchas roxas e sangue escorriam de vários lugares de
seu corpo grudando-se na roupa larga que veste.
Enquanto a equipe médica sedava e preparava Eileen para a viagem, meu foco estava
dividido entre a angústia de ver minha filha e Fiona brutalmente assassinadas e a desconfiança
que paira em minha mente sobre a presença de Eileen em todo o cenário.
Não poderia ignorar que a garota havia sido a única sobrevivente do ataque e além disso,
parecia ser alguém presente na vida de Kira há algum tempo, mas que eu nunca tive
conhecimento.
Todos os seguranças pessoais de Kira tinham ordens expressas para me informar sobre
qualquer pessoa que se aproximasse minimamente dela, mas por algum motivo, nenhum deles
havia feito o seu trabalho, não havia registro da garota em nenhum dos relatórios, eu havia
vasculhado cada um deles durante o voo.
A vi ser imobilizada sobre uma maca de transporte após terem avaliado cada um dos seus
ferimentos. A situação dela é muito grave, mas não corre o risco de morrer, mesmo que anseie
por respostas preciso ser paciente, vou esperar que se recupere minimamente, mas a farei falar o
que sabe assim que tiver em condições para isso.
Quando volto para a sala, vejo os corpos cobertos por sacos pretos e meu coração se aperta
mais uma vez. Mesmo que não estivesse exatamente próximo a ela, eu amava a minha filha e
mantive os meus olhos sobre ela por toda a sua vida.
Vi-a crescer, passar de uma menina curiosa para a mulher incrível que ela havia se
tornado; linda, educada, obediente e compreensiva. Kira nunca julgou minhas escolhas ou
questionou as minhas ordens, exceto pelas vezes que tentava me convencer a levá-la comigo para
a Irlanda, não era rebelde como a maioria dos adolescentes e nós não tínhamos nenhum tipo de
conflito.
Fiona também era uma boa pessoa, quando a escolhi para cuidar de Kira não foi à toa, eu a
conhecia desde pequeno, era filha de alguns vizinhos que também foram mortos por Declan. Ela
me ajudou quando fiquei sozinho no mundo, e sabendo que ela faria qualquer coisa para se
mudar do inferno onde morávamos, fiz a proposta para que se mudasse com a minha filha para
os Estados Unidos e eu a protegeria de qualquer perigo. Essa foi mais uma das coisas que não
cumpri, Fiona estava morta, morreu ao lado da minha filha, a menina que criou como se fosse o
seu próprio sangue. O desgraçado havia realmente tirado tudo de mim.
Apesar de todo o caos e do que essa noite havia trazido à tona, uma coisa estava clara em
minha mente: eu iria descobrir a verdade. E se Eileen estivesse envolvida de alguma forma com
os assassinos de Kira e Fiona, ela iria preferir ter morrido nas mãos dos desgraçados.
Vejo os corpos de Kira e Fiona serem colocados com cuidado em macas e os acompanho
para fora do apartamento, os outros se encarregarão de acompanhar os médicos e a garota.
Uma equipe de limpeza fará o trabalho no apartamento, assim como os nossos hackers já
estão trabalhando tanto no circuito interno do prédio quanto no das ruas adjacentes, nada sobre a
nossa presença poderá ser deixado para trás.
Por maior que fosse a minha dor eu precisava pensar na segurança do Clã.
O retorno para Bryncroft foi frio, silencioso e sombrio. A presença dos corpos de Kira e
Fiona a bordo do jatinho, assim como o da garota acompanhada dos médicos no leito
improvisado na parte traseira da aeronave, eram uma lembrança constante da tragédia que havia
acontecido.
No fundo da minha mente, passei as horas de voo trabalhando nas suspeitas que rondavam
Eileen. Ela foi a única testemunha do ataque, sua conexão com Kira e sua chegada repentina à
vida de minha filha levantaram questões que eu não podia ignorar e para as quais precisava de
respostas.
No fundo, eu sei que essa luta está apenas começando, sei que não será fácil descobrir o
traidor, mas uma coisa é certa, eu estou disposto a fazer qualquer coisa para proteger o Clã e
fazer justiça pelas vidas que perdi.
O traidor segurou a porra de uma tocha e acendeu uma fogueira dentro de mim, mas ele
descobrirá que, no meu mundo, sou eu quem o fará queimar.
Capítulo 08

Bryncroft - Irlanda

Tento abrir os olhos, mas as minhas pálpebras parecem estar coladas. Minha garganta
arde, e uma dor intensa percorre todo o meu corpo. A consciência retorna lentamente, como se
estivesse emergindo de um abismo escuro e assustador.
Kira e Fiona, lembro-me delas, das mulheres que me acolheram com tanto amor em seu
apartamento. Meu peito se aperta ao lembrar de tudo o que aconteceu, lágrimas se formam
involuntariamente em meus olhos e isso faz com que eu consiga abri-los um pouco.
A luz do ambiente me faz piscar, e a claridade é quase insuportável. Sinto uma dor aguda
no pescoço ao girar a cabeça de um lado para o outro, tentando me situar onde estou, porque não
parece ser um hospital. Minha mente parece um quebra-cabeça desmontado, e a última peça que
consigo recordar é... a ligação.
Como se fosse atraída por uma força invisível, percebo a presença de um homem sentado
em uma poltrona, um pouco afastado da cama. Seu corpo parece tenso, como se estivesse
esperando há muito tempo por algo. Seus cotovelos estão apoiados nos joelhos e seu corpo pende
para frente demonstrando cansaço, mas isso não o torna menos intimidante.
Não preciso que ele diga uma palavra para que eu saiba de quem se trata: Regan, o pai de
Kira.
— Você demorou demais para acordar, menina — ele diz, sua voz grave envolve o ambiente,
causando arrepios na minha pele.
— Kira... — As lágrimas escorrem pelo canto dos meus olhos e a minha garganta arranha
quando tento falar. — Ela morreu? — Minha voz sai baixa e fraca, mal consigo reconhecê-la.
Um aceno de cabeça é tudo o que o homem me dá como resposta, meu coração se
aperta ainda mais. Kira, minha amiga, a pessoa que me acolheu quando eu mais precisei, se foi.
— Fiona? — pergunto, esperando desesperadamente pelas confirmações que não quero ouvir.
Dessa vez, ele estreita os olhos avaliando-me com atenção, mas não responde. O silêncio
paira pesadamente entre nós, e sinto uma tensão no ar.
— Perguntas demais para quem acabou de acordar, menina — diz finalmente. — Vou chamar o
médico para verificar seu estado e, depois, conversaremos.
— Onde eu estou, senhor? — Insisto, minha voz está vacilando um pouco. Não consigo evitar a
apreensão que sinto ao estar diante dele. Sempre imaginei o pai de Kira como uma boa pessoa,
alguém que como sua filha me acolheria e protegeria, mas pelo menos nesse instante, algo no
homem me causa tremores.
Ele não responde a minha pergunta, apenas me encara com intensidade enquanto aperta
um pequeno controle que segura entre os dedos. A sensação de vulnerabilidade e medo cresce
dentro de mim
— Por favor, onde eu estou, senhor? — Insisto, mas o silêncio permanece à nossa volta.
Oh, meu Deus, por que estou sentindo medo dele? Não acredito que ele possa
realmente me machucar, mas há algo em sua feição é opressora demais e me faz tremer.
Assim como ele falou, um médico e uma enfermeira entram no quarto. Eles me
avaliam, checam as medicações, fazem muitas perguntas, tudo isso sob o olhar atento do homem
que segue impassível sentado no mesmo lugar.
Seu olhar para mim é o de um gigante aguardando para esmagar uma formiga.
Assim que o médico e as enfermeiras nos deixam a sós novamente eu volto minha
atenção para ele sem conseguir conter a ansiedade que me domina.
— Por favor, senhor, onde eu estou? — Minha voz treme ao fazer a pergunta mais uma vez,
minhas cordas vocais parecem frágeis como vidro.
Ele finalmente decide romper o silêncio.
— Em Bryncroft, na Irlanda — diz, com uma frieza que me corta de dentro para fora como uma
lâmina afiada. — Trouxe você para cá depois do ataque.
Sinto um nó se formar em minha garganta. Bryncroft, Irlanda. A cidade natal de Kira.
— Oh, meu Deus, preciso ir embora, eu não posso ficar aqui. — Tento levantar da cama, mas ele
é rápido ao me alcançar e me empurrar de volta contra o colchão macio.
Meus pais, eu estou perto demais deles, eles vão me encontrar, vão me levar de volta e
vou viver de novo naquele inferno.
— Você pode e vai ficar, menina — fala sério. — Pelo menos pelo tempo em que eu achar que
deve permanecer aqui, você não irá a qualquer lugar.
— Por quê? — As lágrimas descem por minha bochecha.
— Porque eu quero — é a resposta que me dá e por algum motivo eu sinto que o inferno pode
não ser voltar ao domínio dos meus pais, mas permanecer ao seu lado. — Agora pare de grasnar
no meu ouvido e apenas responda as minhas perguntas — fala de maneira grosseira.
Ele inclina o corpo grande um pouco mais para a frente, seus olhos fixos nos meus, sinto
uma pressão quase insuportável sobre mim.
— Depois que eu responder, me deixará ir embora? — Tento mais uma vez, mas ele apenas me
encara sem responder.
— Quem é você, Eileen? — pergunta, sua voz fria como o vento cortante do inverno Irlandês.
Engulo em seco, minha mente girando enquanto tento encontrar uma resposta adequada.
Não posso contar a ele a verdade, não agora. Se ele souber o que realmente aconteceu no meu
passado pode querer me devolver aos meus pais e isso eu não posso permitir.
— Eu sou... uma amiga de Kira — respondo com cuidado, tentando manter o meu tom de voz
controlado diante do homem que me encara como se pudesse ler a minha alma. — Nos
conhecemos há algum tempo, e ela me convidou para ficar em sua casa por um tempo.
Regan não diz nada, apenas continua a me estudar como se estivesse tentando decifrar
algum enigma. Uma tensão palpável preenche o quarto, e meu coração bate descompassado.
— Eileen... — ele diz finalmente, seu tom de voz pesado demonstrando algo que imagino ser
desconfiança. — Como você se aproximou da minha filha sem que eu tivesse conhecimento? Por
que você esteve nas sombras esse tempo todo? Não quero saber o que há na superfície, menina,
tudo isso eu já sei. Quero que fale apenas o que está escondendo de mim?
Respiro fundo ponderando o que devo falar para ele, decido narrar tudo o que
aconteceu desde a primeira vez que esbarrei em Kira cerca de um ano atrás. Tento ser o mais
sincera possível e espero que ele veja em meus olhos que falo a verdade, eu nunca prejudicaria
Kira ou Fiona, eu as amava.
— O que realmente aconteceu na noite do atentado? — pergunta sem fazer nenhum comentário
sobre o que lhe contei, ele não me deixa sequer imaginar o que está se passando em sua cabeça, o
homem é um quadro em branco bem diante dos meus olhos. — Como aqueles homens
conseguiram entrar no apartamento de Kira?
Sinto o chão se abrir sob meus pés, seu tom de voz baixo deixa clara a sua irritação, me
sinto como um inseto barulhento e irritante atrapalhando a paz do homem, sua desconfiança
sobre mim é evidente.
— Eu... eu não sei — murmuro, minha mente trabalhando a toda velocidade para encontrar
palavras convincentes. — Fomos pegas de surpresa. Eu estava na cozinha quando ouvi os
barulhos e...
Ele me interrompe com um gesto brusco da mão.
— Você estava na cozinha, e eles conseguiram entrar no apartamento pela sala sem serem
notados? — O pai de Kira parece incrédulo do meu relato, sua voz faz o meu sangue gelar.
— Sim, isso mesmo. — Respiro fundo. — Eu... eu não sei exatamente como aconteceu. —
Repito, sentindo o pânico aumentar com as lembranças. — Foi tudo rápido demais, nós
estávamos comendo pizza e quando acabamos fui levar os pratos na cozinha enquanto Kira e
Fiona limpavam a mesa, quando ouvi os gritos das duas e corri para a sala. — Meus olhos se
enchem de lágrimas. — Não havia mais o que fazer, eles eram rápidos, foram brutais e não tive
chance de ajudá-las...
— Como você escapou? — pergunta, seus olhos cravados nos meus como facas afiadas.
— No início, não consegui entender direito o que estava acontecendo, me joguei no chão entre as
duas e enquanto eu chorava, eles falaram algo sobre eu não estar no combinado, como se não
esperassem que houvesse mais alguém no apartamento.
— Exatamente o que foi dito por eles, Eileen? O que você ouviu? Repita exatamente as mesmas
palavras. — Regan me encara, seus olhos penetrantes buscando algo mais em minhas respostas.
— Eles disseram que o chefe mandou matar apenas a garota e a senhora, que não iam me matar
quando não receberam para isso. Que o chefe havia falhado na informação e no repasse dos
valores, mas que me bater seria uma cortesia. — Um frio percorre minha espinha ao relembrar.
— Disseram que se o chefe pagasse para completarem o serviço, voltariam para me buscar.
— Desgraçados. — Ele rosna e se levanta bruscamente, derrubando a poltrona e me fazendo
saltar de leve sobre a cama, o pai de Kira é naturalmente intimidador, mas agora, parece um
animal enjaulado prestes a escapar e matar quem o aprisionou. — Continue... — Praticamente
grita parando ao lado da cama onde estou deitada.
— Eles me bateram muito e acho que acabei desmaiando em algum momento, depois de algum
tempo, lembrei que Kira me instruiu uma vez sobre o esconderijo de um celular em seu quarto,
caso algo nos acontecesse e estivéssemos em perigo. Então, me arrastei lá e procurei o aparelho
de telefone, foi quando consegui ligar para o senhor. — Meus olhos se enchem de lágrimas ao
relembrar cenas daquela noite terrível. — Depois, eu não lembro mais nada.
Regan parece ponderar minhas palavras por um momento antes de falar.
— Eileen, você precisa entender uma coisa — ele diz, cruzando os braços fortes sobre o peito —,
o que aconteceu com Kira e Fiona é algo que jamais vou superar ou perdoar, se você está
envolvida de alguma forma nisso, se está escondendo algo de mim… vai se arrepender.
Sinto o peso de sua ameaça no ar, e engulo em seco.
— Eu não estou escondendo nada, eu juro senhor Regan — respondo, tentando manter a calma.
— Eu amo Kira como uma irmã, e jamais faria algo para machucá-la.
— Vou deixar você descansar um pouco — diz ele, com um olhar indecifrável. — Mas saiba que
estarei de olho em você, Eileen. Não vou deixar nada passar despercebido e se fez algo contra a
minha filha, não haverá perdão para você.
Regan me encara por mais alguns segundos antes de girar sobre os calcanhares indo na
direção da porta do quarto.
— Quando poderei ir embora? — pergunto quando ele segura na maçaneta para sair.
— Quando eu achar que deve ir. — É tudo o que fala antes de bater a porta com força, me
deixando com um nó preso na garganta.
Me sinto aliviada por ele estar deixando o quarto, a presença do pai de Kira é opressora,
deixo escapar um suspiro tenso na sua ausência.
Olho para baixo e suspendo os lençóis avaliando todo o meu corpo, minha perna está
envolta em uma espécie de bota ortopédica. Lembro que senti tanta dor nela que não consegui
me manter de pé, provavelmente fraturou algum osso com as pancadas que recebi. Vejo que,
marcas arroxeadas cobrem quase que a totalidade da minha pele, levo as mãos ao rosto e sinto-o
inchado, gostaria de ter um espelho ao meu alcance para verificar os ferimentos.
Alguns minutos depois de Regan ter saído, uma enfermeira retornou com uma bandeja
nas mãos e se ofereceu para me alimentar, mas eu recusei porque consigo comer a sopa de frango
e vegetais sozinha.
Aproveito o tempo em que me alimento para tentar entender tudo o que está
acontecendo comigo, faço algumas poucas perguntas para a enfermeira, mas a todas, ela
respondeu com um simples e taxativo: “É melhor a senhorita perguntar ao senhor Regan”.
Percebi que todas as pessoas parecem temer ao homem como temem ao próprio diabo
e percebo que, talvez, a ideia que criei em minha mente durante esse ano, sobre ele ser um
homem bondoso como eram Kira e Fiona, pode não ser exatamente real.
Capítulo 09

— Ainda analisando esse relatório? — Ciaran pergunta erguendo a sobrancelha no instante em


que entra em minha sala e eu jogo a pasta sobre a mesa.
— Porra, tem que ter alguma coisa que nós não vimos.
— Sobre a menina? — Franze as sobrancelhas.
— Sobre tudo, caralho. — Levanto rápido fazendo a cadeira de rodinhas arrastar e bater contra a
parede de vidro atrás de mim.
Espalmo as duas mãos no vidro e observo a paisagem de Bryncroft debaixo dos meus
pés me perguntando, mais uma vez, onde está escondido o miserável que tirou a vida da mo
bheag.
— Nós vamos encontrar, Regan — ele fala em um tom mais firme.
— Esse é o problema Ciaran. — Giro sobre os calcanhares ficando de frente para ele. — Esse
vamos encontrar está piscando em minha mente há tempo demais e não sou conhecido por ser
uma pessoa paciente.
— Eu sei, Regan, o que aconteceu é pessoal para nós também, todos estamos trabalhando nisso
incansavelmente.
— Não parece estar sendo suficiente. — Ele abaixa a cabeça e sei que é por pensar o mesmo.
Há muito tempo já devíamos estar com o desgraçado do traidor sob o nosso punho,
mas parece que quem quer que esteja tramando contra nós, não está deixando qualquer rastro
pelo caminho, não encontramos uma pista sequer.
— Falou com a menina depois do dia que a acordou?
— Não — respondo irritado. — De qualquer maneira não acredito que ela tenha algo a
acrescentar ao que já sabemos.
— Ela já está recuperada?
— Quase totalmente. — Suspiro. — Pelos relatórios que recebo, ainda restam escoriações pelo
corpo e a perna continua imobilizada, mas aparentemente, não irá demorar para estar totalmente
recuperada.
Já está perto de completar um mês desde que a trouxemos. Nos primeiros dez dias, ela
estava sedada, para o seu corpo poder se recuperar dos traumas, depois solicitei que os médicos
retirassem a sedação simplesmente porque não suportava mais esperar para lhe fazer as perguntas
que precisava. Foi por esse motivo que quando ela abriu os olhos, era eu quem estava em uma
poltrona ao seu lado e não as enfermeiras.
Depois daquele dia eu não a vi mais, as únicas notícias que tenho sobre ela são através
dos relatórios médicos que recebo informando sobre o seu estado de saúde.
— O que fará com ela?
— Ainda não sei — respondo e ele franze o cenho sem entender.
— Você sabe que tudo o que ela disse sobre a sua aproximação com Kira é verdade, não é?
— É o que ela diz. — Rosno de volta dando de ombros.
— Os novos relatórios que fizemos sobre ela confirmaram, Regan. Você sabe tanto quanto eu
que a menina não tem culpa do que aconteceu, é só olhar para ela que conseguimos ver que é
uma sobrevivente, assim como nós fomos no passado. — Ciaran tenta me fazer raciocinar com
prudência, a falta de alguém para que eu possa punir pode estar realmente nublando os meus
sentidos sobre a garota.
No instante em que colocamos os pés na Irlanda, viramos a vida de Eileen de cabeça para
baixo, o problema é que tem algo que não se encaixa em toda a história que ela contou de menina
solitária e sofrida.
Descobri que ela é filha de Irlandeses que moram na cidade de Ardaghmore. Ela fugiu
de casa aos dezesseis anos, foi procurada pelos pais na época, mas ninguém a encontrou, todos
que conhecem os seus pais afirmam que ela é uma garota rebelde que fugiu de casa com um
marinheiro após ter desobedecido ordens de seu pai para que não se envolvesse com os homens
que chegavam no porto. Depois disso, seus pais a renegaram por acreditarem que se tornou uma
prostituta.
Uma parte da história que ela contou e, até mesmo, o que investiguei sobre o seu
passado encaixa em uma parte do quebra-cabeça.
Descobri que ela desembarcou de um navio nos Estados Unidos pouco tempo depois do
seu sumiço na Irlanda e isso coincide tanto com o período que afirmou ter chegado aos Estados
Unidos quanto com o que os pais disseram às autoridades sobre ela ter fugido com um
marinheiro.
Durante esse tempo em que esteve na América a garota foi praticamente um fantasma.
Não há registro de emprego, entradas em hospitais ou matrícula em instituições de ensino em seu
nome, descobri com muito custo que morou com uma senhora já falecida e vivia de bicos até
pouco tempo antes de ir morar com Kira.
Ainda não consigo perdoar que os seguranças de Kira e também Fiona, ocultaram o
fato da minha filha ter levado uma estranha para morar em seu apartamento. Eileen entrou não
apenas na vida de Kira, mas também de todos que a cercavam, parece que a garota com jeito de
menina inocente tem a capacidade de enrolar uma multidão que esteja à sua volta, mas não a
mim.
Ela está escondendo alguma coisa sobre o seu passado e eu preciso descobrir o que é,
por outro lado, realmente não vejo nenhuma possibilidade de ela ter envolvimento com o
atentado que matou Kira e Fiona.
Consigo ver em seus olhos a dor que sente ao falar das duas mulheres, é como se nesse
tempo em que conviveram tivessem estabelecido uma conexão muito forte. Talvez seja isso o
que me incomoda nela, ela teve da minha filha em um ano muito mais do que consegui em toda
uma vida.
— Vai mantê-la em sua casa?
— Pelo tempo necessário.
— O que está realmente procurando, Regan? — fala com a voz mais branda.
— Vá para o inferno com tantas perguntas, Ciaran. — Explodo, mesmo sabendo que ele e os
meus outros subchefes são os únicos que, embora me respeitem, não me temem. — Eu não vou
deixá-la ir até ter certeza de que não está envolvida com o atentado a Kira, de qualquer maneira
sabe que se eu deixá-la ir embora ela será pega e morta pelo desgraçado, ele não vai querer
deixar pontas soltas de qualquer maneira.
— Então está protegendo-a?
— Talvez eu esteja cumprindo o último desejo da minha filha — falo com a voz mais branda,
porque se Kira falou para a garota que nos pedisse ajuda é porque era alguém especial para ela, é
claro que quero ir a fundo até ter certeza de que não está envolvida com a tragédia, mas por hora,
não sei direito o que fazer com a menina.
— Entendi, saiba que se precisar, estou há um passo de distância, basta chamar. — Aceno
afirmativamente e em seguida ele muda totalmente o rumo do nosso assunto.
Ele veio ao meu escritório para explicar sobre uma grande operação financeira que fará
nos próximos dias, Rory fez uma entrega grande de armas e com a morte de Kira acabamos
acumulado alguns valores recebidos, precisamos limpar esse dinheiro antes de fazê-lo girar
legalmente em nossas empresas.
Dessa vez, ele usará uma compra de criptomoedas para mascarar a operação, tenho
certeza que ele conseguirá fazer o dinheiro voltar para nossas mãos mais rápido do que posso
imaginar. Ciaran é o melhor no que faz, basta colocar os seus óculos de grau e passear os dedos
nervosamente pelos teclados do computador, que rapidamente a mágica acontece.
Depois que finalizamos a breve reunião, eu me organizo para voltar para casa, preciso
pensar nos próximos passos e depois da conversa com Ciaran, sei que preciso decidir o que farei
com a garota.
Essa merda já se arrastou por tempo demais.
— Boa noite, posso lhe falar um instante, senhor? — Assim que entro em casa, minha
governanta adianta os passos até me acompanhar ainda aos pés da escada.
— Fale, Máire. — Rosno impaciente.
— É sobre a menina, que está hospedada aqui em sua casa. — Ela abaixa a cabeça, mas tem toda
a minha atenção.
— Ela está causando problemas? — pergunto irritado.
— Não, senhor — fala balançando apressadamente as mãos na frente do rosto.
— E o que é, então?
— Ela saiu do quarto pela primeira vez, hoje à tarde — fala e não me surpreendo com a
informação, meus seguranças já haviam me falado sobre isso. — A menina me disse que precisa
falar com o senhor, como não o encontra, pediu que eu lhe desse o recado. — Abaixa a cabeça
mais uma vez e eu fico considerando a ousadia da garota em solicitar uma reunião comigo.
— Certo Máire, vá até o seu quarto e avise que a espero para o jantar. — Subo as escadas sem
esperar por qualquer resposta da mulher e me pergunto o que a garota deve estar querendo
comigo.
Talvez seja até bom que ela tenha me procurado, especialmente hoje, estou com tempo
disponível e vou poder descobrir mais rapidamente o que ela tanto me esconde sobre o seu
passado.
Capítulo 10

Minhas mãos estão suadas enquanto desço as escadas da casa que mais parece um castelo
medieval.
Hoje pela manhã, tive coragem de sair do quarto e caminhei até encontrar uma mulher
limpando o corredor, ela me olhou espantada como se eu não devesse estar ali e imediatamente
desceu correndo para chamar uma senhora que agora sei que se chama Máire e que é a
governanta da casa para falar comigo.
Depois de muitos dias sem sair do quarto, comecei a me sentir uma prisioneira, e por isso,
resolvi ser um pouco imprudente e tentar descobrir o que o pai de Kira quer me mantendo presa
nessa casa.
Máire foi muito educada, ela me levou até a cozinha e me serviu uma xícara de chá com
um pedaço de bolo, mesmo que, assim como os outros com quem tive contato até hoje, não tenha
respondido a nenhuma das perguntas que fiz.
Sem ter outra alternativa, pedi que quando o seu patrão estivesse em casa, avisasse que eu
precisava falar com ele por alguns poucos instantes.
Confesso que não esperava que ele fosse me atender tão rapidamente, menos ainda que me
convidaria para jantar ao seu lado, quer dizer, convidar para jantar não parece ser bem o caso,
porquê da maneira que Máire falou, ele deu uma ordem para que eu me juntasse a ele nesta noite.
Consigo ouvir cada um dos meus passos ecoarem no corredor vazio enquanto caminho até
a escada, quando saí do quarto mais cedo, encontrei apenas a faxineira limpando os cômodos. Na
cozinha, havia duas mulheres além de Máire, constatei então, que são poucas as pessoas que
transitam diariamente por aqui.
Desde que acordei depois do incidente, não ouço nenhum tipo de barulho ou
movimentação, é como se as paredes de pedra blindassem o lugar não apenas dos perigos
externos, mas de qualquer tipo de incômodo, estar com pessoas parece incomodar o dono da
casa.
Assim que cheguei na sala de jantar, eu o vi sentado na cabeceira da mesa sendo servido
por uma das poucas funcionárias por quem passei mais cedo na casa.
Meus pés travam assim que entro no ambiente, nossos olhos se cruzam e não consigo
conter o frio em meu estômago, pela primeira vez o observo mais detidamente.
Regan deve ter pelo menos um metro e noventa de altura, seu corpo, mesmo coberto pela
camisa social branca, parece ser musculoso e bem definido. Seus olhos cravaram nos meus, eles
têm um tom de azul profundo e penetrante, quase hipnotizante, a barba cerrada no rosto anguloso
é bem cuidada, contrastando com sua aparência severa.
— Sente-se Eileen. — Ele indica o lugar arrumado na outra extremidade da mesa e eu caminho
lentamente devido ao peso da bota em minha perna até estar acomodada.
A empregada serve as taças diante de mim com vinho e água, em seguida, Regan e eu
ficamos a sós.
Mesmo sentados distante um do outro, sinto uma energia densa pulsar entre nós e
quase me arrependo por pedir para falar pessoalmente com ele, de repente, Máire teria um
telefone e eu poderia entrar em contato.
Abaixo a cabeça e respiro fundo, tomando um tempo para me acalmar enquanto estendo o
guardanapo de pano sobre o colo. Lembro com pesar que foi Kira quem me ensinou algumas
regras de etiqueta e a agradeço silenciosamente por isso, porque em outros tempos eu não saberia
como me portar diante de um homem como o seu pai.
— Soube que quer falar comigo, Eileen. — Ele corta o silêncio e em seguida leva a taça de vinho
aos lábios carnudos.
— Eu quero saber quando poderei ir embora, senhor — falo com a voz fraca.
— Achei que já tivesse respondido a essa pergunta naquele dia em seu quarto. — Sua voz sai
rascante.
— Respondeu, senhor, mas eu não entendi exatamente o que quis dizer com permanecer nesta
casa por quanto tempo o senhor desejar.
— O que não ficou claro Eileen? O que eu disse é exatamente o que é: você vai permanecer em
minha casa até quando eu achar que deve ser assim.
— Por qual razão quer me manter aqui?
— Essa é a questão, Eileen. — Ele apoia a taça sobre a madeira da mesa e me encara. — Eu não
quero mantê-la aqui, mas preciso.
— Por quê? — pergunto e mordo a língua em seguida porque na verdade eu deveria lhe
agradecer por cuidar de mim nos últimos dias e não ficar questionando as suas ações, mas
quando as decisões são sobre mim, creio que tenho o direito de saber em que terreno estou
pisando.
— Por motivos que não lhe dizem respeito.
— Então eu sou uma prisioneira? — pergunto e olho em volta, deixo que as minhas feições
transpareçam a minha raiva, quem ele pensa que é para me manter aqui contra a minha vontade,
nem os meus pais conseguiram me manter em cativeiro, não vou permitir que ele o faça.
— Você realmente não me conhece, cailín[23], se fosse minha prisioneira não estaria em minha
casa e nem teria acesso a tantas regalias quanto tenho lhe dado. — Sinto meus ossos gelarem
com a frieza presente em suas palavras. — Como eu disse, você está aqui porque eu quero, e
permanecerá por quanto tempo eu achar que deve, mas não se considere uma prisioneira, Eileen,
não é assim que eu os tratos. — Suas palavras me atingem em cheio com a verdade presente
nelas, Regan é o tipo do homem que mantém prisioneiros, e algo me diz que não é piedoso com
eles.
— O senhor continua desconfiando de mim — afirmo e ele não me responde, apenas me encara
enquanto move os dedos levemente pelo colarinho da camisa.
— Se eu desconfiasse de você, já teria lhe dado outro destino, menina — fala firme.
— Qual?
— Como eu disse antes, minhas ações, assim como os meus motivos não lhe dizem respeito.
— Já entendi, senhor — falo, tentando aparentar uma calma que na verdade não sinto e me
coloco de pé. — Acho que já tenho as respostas que preciso, com licença, eu vou me deitar,
tenha uma boa noite. — Apoio o guardanapo sobre a madeira da mesa, mas antes que dê sequer
um passo para o lado, ouço sua voz ainda mais grave me fazendo paralisar.
— Sente-se! — É uma ordem e não entendo o porquê não consigo contrariá-lo, simplesmente
caio de bunda sobre a cadeira acolchoada. — Coma!
Em total silêncio, me remexo desconfortável na cadeira sem saber como me portar a
partir de agora, passo as mãos nervosamente na saia do vestido que uso tentando afastar essa
inquietação incomum. Eu quero ficar e ao mesmo tempo desejo sair correndo, estou uma miríade
de sensações que nem mesmo eu consigo interpretar.
— Não vai beber? — pergunta indicando a taça à minha frente após alguns instantes de silêncio.
— Obrigada, senhor. — Sei que não deveria beber porque continuo tomando remédios, mas
diante da presença dele preciso de algo para me acalmar.
— Pare de me chamar de senhor. — Grasna.
— E do que quer que eu o chame, senhor. — Não consigo controlar a impertinência na minha
voz e ele estreita os olhos para mim.
— Me chame de Regan, isso basta.
— Tudo bem então. Obrigada Regan. — Bebo mais um gole pequeno, a intenção é relaxar e não
me embriagar.
— Me conte, por que fugiu para os Estados Unidos, Eileen? — pergunta sendo direto e eu
engasgo com o líquido tossindo algumas vezes.
— Como sabe? — pergunto quando consigo me controlar minimamente.
— Eu a investiguei — fala como se não fosse nada demais.
— Por quê?
— Porque eu quis e porque eu posso, agora responda — fala e um arrepio percorre a minha
coluna de cima a baixo.
Regan fixa seus olhos azuis penetrantes em mim, como se estivesse tentando desvendar os
segredos mais profundos da minha alma. Seu olhar é intenso, quase hipnótico, me sinto
encurralada sob seu escrutínio.
Respiro fundo, tentando encontrar as palavras certas para responder à sua pergunta. A
verdade é que não tenho nada a esconder e, tanto ele quanto sua filha já me ajudaram tanto que,
talvez seja melhor abrir o jogo de uma vez. Sei que Regan ainda desconfia que eu esteja
envolvida no atentado contra Kira e espero que depois dessa conversa ele desfaça totalmente esse
pensamento e me deixe ir.
— Eu fugi dos meus pais, Regan. Eles eram... eram pessoas horríveis. Meu pai me mantinha
presa, me maltratava, e eu não suportava mais. Então, um dia, eu simplesmente fugi.
Regan ouve atentamente, sua expressão séria e imperturbável. Ele não demonstra nenhuma
reação com minha revelação. A ideia de que ele investigou minha vida me deixa desconfortável,
mas também me faz perceber que talvez ele só esteja querendo encontrar o culpado pela morte da
filha.
— E sua mãe? — ele pergunta, seus olhos nunca deixam os meus.
— Ela era muito submissa, nunca se opôs ao que ele fazia comigo, nunca me defendeu de
qualquer maneira. — Meus olhos se enchem de lágrimas.
Faço uma pausa, enquanto nós nos analisamos mutuamente. O pai de Kira é um homem
impressionante, sua presença preenche todo o ambiente, é quase como se tudo ficasse suspenso
enquanto ele está por perto.
Tento refrear meus pensamentos, quando observo que o seu rosto coberto pela barba
cerrada e refletido pela luz fraca do cômodo é incrivelmente atraente, seus olhos azuis, são como
um oceano profundo de puro mistério. Sinto-me estranhamente atraída por ele, o que é
completamente insano dado as circunstâncias.
— Não é essa a versão que as pessoas conhecem em Ardaghmore — fala com seus olhos
penetrando os meus.
— O quê? Como assim?
— Seus pais disseram a todos que você era uma filha rebelde Eileen, que você fugiu com um
marinheiro, na primeira oportunidade que teve — Regan diz de repente, quebrando o silêncio. —
Todos sabem que você é a vilã da história e não a vítima.
Fico chocada com suas palavras. Meus pais realmente fizeram isso? Eles mentiram sobre o
meu sumiço enquanto eles foram os verdadeiros monstros.
— Eles mentiram! — Minha voz sai mais alta do que pretendia. — Eles eram abusivos, Regan,
você precisa acreditar...
Ele levanta uma mão para me parar, seu olhar permanece fixo em mim.
— Talvez eu acredite em você, Eileen. Só quero ouvir toda a sua versão da história, seja o mais
direta e verdadeira que puder, eu saberei se estiver mentindo. — É um aviso, posso perceber.
Respiro fundo, tentando conter a raiva que borbulha dentro de mim. É difícil falar sobre o
passado, sobre o que sofri nas mãos dos meus pais, reviver todo o inferno que passei dói demais,
mas talvez, seja a única maneira de Regan compreender a verdade e acreditar em mim.
— Meus pais, eles me mantinham trancada em casa desde que consigo lembrar — o encaro com
os olhos marejados, mas lutando para impedir as lágrimas de caírem —, a verdade é que os meus
pais me isolaram do mundo. Minha casa era uma prisão, eu já não aguentava mais, mas ainda
assim, suportava os espancamentos, as ofensas, as brigas e tudo mais. — Respiro fundo. — Eu
só não suportei quando fui tocada por meu pai. — Não impeço as lágrimas que caíram dos meus
olhos e vejo Regan cerrar o punho sobre a mesa.
— O que ele fez com você, Eileen? — Sua voz é grave e baixa, fazendo um arrepio percorrer
minha pele, mas dessa vez não é medo o que sinto, Regan parece um leão pronto para me
defender e não me machucar.
— Eu estava dormindo... — Relembro apertando o tecido da saia do meu vestido, mas sem
desviar os olhos de Regan. — Naquele dia não houveram os gritos que anunciavam a sua
chegada bêbado em casa, eu acordei apenas quando senti o seu toque sobre o tecido do meu
pijama, nos meus seios, por um instante achei que era um pesadelo, que ainda estava dormindo.
— Mais lágrimas vertem dos meus olhos com as lembranças vividas. — Mas logo em seguida,
sua mão desceu e tocou mais para baixo, em meu sexo, foi nessa hora que despertei
completamente. — Desvio os olhos, envergonhada. — Quando abri os olhos, vi minha mãe
encarando aquela cena de maneira apática parada na porta do meu quarto e percebi que ela não
me ajudaria, estava sozinha e apenas eu mesma poderia me salvar.
— Filhos da puta. — Ele rosna e eu continuo a falar sobre aquela noite, é a primeira vez que
conto a alguém com detalhes o que me aconteceu, nem mesmo à Kira tive coragem de contar.
— Há algum tempo, eu tinha uma pedra de amolar facas, guardada embaixo da minha cama, eu
já esperava o momento em que precisaria me defender, e foi em um gesto de desespero que eu a
peguei e acertei a cabeça do meu pai, fazendo-o cair desmaiado no chão. — Minhas mãos
tremem, a lembrança é tão vivida que quase consigo sentir o peso da pedra entre os meus dedos,
assim como as mesmas sensações terríveis que me dominaram naquele dia. — Passei por minha
mãe correndo e vi quando ela se atirou na direção do homem para ajudá-lo, deixando claro para
mim com quem estava preocupada, sei que não foi certo o que fiz, mas eu não tinha outra saída.
— Não foi errado o que fez, Eileen. — Pela primeira vez sua voz parece mais branda. — Lutar
por sua própria vida nunca será errado.
— Passei dias escondida em um porão de uma casa abandonada, e depois eu voltei em casa e os
roubei para conseguir fugir. — Desvio os olhos dos seus mais uma vez, envergonhada e com
medo que ele pense que eu também o roubarei ou que sinta pena de mim. — Foi a primeira e
única vez que peguei algo que não me pertencia. — O encaro para que veja que falo a verdade.
— Dias após ter saído de casa, quando finalmente consegui embarcar clandestinamente no navio,
foi como se um peso tivesse sido retirado dos meus ombros. Eu só queria me livrar daquilo tudo,
Regan. Eu não sabia para onde o navio estava indo, mas sabia que precisava sair de Ardaghmore
quanto antes ou eles me encontrariam, e foi assim que cheguei aos Estados Unidos.
Regan ouve minhas palavras com o punho ainda cerrado sobre a madeira da mesa, sua
expressão é quase impassível, mas percebo que seus olhos estão mais escuros, algo como raiva
brilhando dentro das irises azuis.
Por um instante penso que ele pode realmente acreditar em mim, se for sincera comigo
mesma, quero muito que ele acredite e entenda que eu não tinha outra alternativa que não fosse
fugir.
Regan faz mais algumas perguntas sobre o tempo em que eu morava com os meus pais e
eu respondo a cada uma delas com a mais pura verdade. Depois de um tempo começo a notar
algo diferente em seu semblante. Regan parece reagir fisicamente ao meu relato, sua respiração
fica um pouco mais pesada, e seus olhos, antes tão frios, parecem agora mais quentes, como se
chamas de puro ódio crepitassem dentro deles.
Depois que as suas perguntas cessaram, permanecemos em total silêncio. Quando o jantar
finalmente chega ao fim, Regan se levanta da mesa e eu repito o seu gesto.
Por estar usando ainda a bota ortopédica, caminho devagar para fora da sala de jantar e
Regan se mantém um passo atrás de mim, mesmo que os meus instintos gritem para que eu olhe
para ele, me mantenho focada no caminho à minha frente.
Preciso chegar ao quarto urgentemente... estar na presença de Regan é quase sufocante.
Subo cada um dos degraus com o coração batendo forte contra o peito, E então acontece...
Meu pé direito escorrega no degrau, e por um instante, sinto meu corpo ficar inerte. Um
suspiro de medo escapa dos meus lábios quando percebo que vou rolar escada abaixo.
Mas antes que eu possa me esborrachar no chão, Regan me alcança com uma velocidade
impressionante, seus braços fortes me envolvem enquanto ele me agarra firmemente pela cintura.
— Te peguei! — fala e sua respiração quente desliza na pele do meu pescoço quando as minhas
costas batem contra o seu peito rígido, meu coração dispara imediatamente com a sensação
desconhecida. — Você está bem, Eileen? Se machucou?
Ele gira o meu corpo com calma e nossos olhares se encontram, por um momento, o
mundo ao meu redor simplesmente desaparece, me sinto envolta em uma tensão que mal consigo
suportar. Sinto o seu corpo próximo ao meu, sua respiração irregular batendo contra o meu rosto.
Seu hálito, levemente impregnado pelo vinho que bebeu durante o jantar se mistura ao ar a
nossa volta, minha língua instintivamente umedece meus lábios, Regan segue o movimento com
os olhos. Uma faísca de desejo parece se acender dentro de mim até que sinto ele me afastar do
seu corpo.
Mesmo estando de pé, sinto como se o meu corpo estivesse rolando escada abaixo, o vento
frio da Irlanda abraça o meu corpo e meus olhos piscam rapidamente.
— Você está bem? — Repete e agora, mantém uma distância segura de mim enquanto pergunta
com a voz mais grave que o normal.
— Sim, estou bem. Obrigada por me segurar. — Minha voz sai trêmula, e tento parecer mais
calma do que realmente estou.
Ele assente me encarando diretamente enquanto parece querer desvendar a minha alma.
Há uma tensão palpável no ar, sinto como se estivesse dançando em uma corda bamba, me
equilibrando entre o perigo e algo que não consigo identificar e que surgiu de repente dentro de
mim.
— Suba Eileen, você precisa descansar — Regan fala, desviando o olhar para o final da escada,
numa ordem clara do que eu devo fazer, entendo a deixa para que eu me afaste.
Concordo com um aceno de cabeça e começo a subir novamente, indo em direção ao
quarto.
Continuo sentindo sua presença em minhas costas, cada passo que dou é carregado de uma
tensão não resolvida, mesmo que não queira sentir, o desejo ainda queima dentro de mim.
Enquanto subo as escadas, uma única pergunta ressoa em minha mente: Que merda está
acontecendo comigo?
Capítulo 11

Cerca de quinze dias depois...

— Máire, onde está a menina? — pergunto ao me sentar na mesa para tomar o café da manhã.
— Acredito que está no quarto, senhor.
— Ela está fazendo as refeições aqui embaixo ou tem se mantido presa como nos primeiros dias?
— Ela não sai do quarto, senhor Regan — Máire fala e eu travo o maxilar para não demonstrar o
quanto qualquer informação sobre a garota está me afetando muito além do que deveria.
Porra, é impossível não relembrar as sensações que ela me despertou naquele dia após
o jantar, após ter aberto o jogo comigo e me contato todas as atrocidades que passou na infância.
Tive que controlar o inferno dentro de mim para não sair imediatamente e acabar de vez com a
vida dos desgraçados que a fizeram viver no inferno.
Sim, eu acreditei nas palavras de Eileen, eu vi em seus olhos a verdade, senti a sua dor
por tudo o que passou, ela é uma sobrevivente.
Eu já havia decidido que não faria nenhum mal a ela, mas ainda não decidi o que fazer
com a garota.
A razão grita que eu devo mandá-la para longe de mim, mas por outro lado, sinto a
necessidade de mantê-la por perto, e é isso que tem me feito passar muito tempo pensando nos
meus próximos passos.
Como eu disse a Ciaran dias atrás, assim que ela puser os pés na rua, seja aqui ou nos
Estados Unidos, ela será morta pelo desgraçado que mandou matar a minha filha e, de uma
maneira que não consigo compreender, eu não quero que isso aconteça.
É claro que eu posso designar alguns homens para a sua proteção, mas algo dentro de
mim me faz pensar que apenas ao meu lado e sob a minha guarda ela estará realmente em
segurança.
Talvez esse instinto protetor tenha surgido por ela ter sido alguém importante para
Kira, ou talvez pelo que ela despertou em mim naquele jantar, meu cérebro traidor zomba do
meu autocontrole me relembrando daquela noite.
— Vá chamá-la, Máire. Diga que a estou aguardando para o café da manhã. — Minha
governanta acena em concordância e segue na direção da escada que a levará aos quartos no
andar superior.
Apoio os cotovelos na mesa e após juntar as duas mãos descanso a cabeça sobre elas,
sentindo a dor que tem me acompanhado nos últimos dias aumentar consideravelmente.
Porra, depois de tanto tempo sozinho no mundo eu deveria estar acostumado com a
solidão e a dor, mas perder Kira, saber que mesmo à distância eu não a tenho mais é um golpe
difícil demais para lidar.
Algum tempo depois, vejo Máire descer as escadas seguida por Eileen que caminha
devagar devido à bota ortopédica que ainda precisará usar por um bom tempo. Noto que ela
parece ainda mais magra do que já era, os olhos estão mais fundos na carne do rosto, o círculo
escuro em volta deles demonstra que não têm dormido por muito tempo.
— Bom Dia, senhor Regan — ela fala, parando próximo à mesa.
— Sente-se, Eileen. Tome café comigo. — Tento ser menos impositivo, mesmo que ela saiba
que é uma ordem. Indico a cadeira vazia com a mão, em seguida vejo ela acenar com a cabeça
concordando e fazer exatamente o que eu disse.
— Vou buscar uma xícara para você — Máire fala, seguindo para a cozinha e nos deixando a
sós.
Eileen não dirige uma palavra sequer a mim e tomo um pequeno tempo para analisar sua
postura. Ela se mantém o tempo inteiro de cabeça baixa, as mãos sobre o colo. O leve
movimento dos braços indica que ela está torcendo um dedo no outro.
— Regan, eu preciso conversar com o senhor, Kira... — Ela começa e eu a interrompo.
— Calma, Eileen. Eu te chamei para conversarmos realmente, mas antes você precisa se
alimentar. — Máire coloca a xícara em sua frente e, em seguida, fala:
— É verdade, senhor. Há dias a menina não se alimenta direito. — Ela denuncia a garota, mas
logo em seguida parece se arrepender do que disse. — Perdão, senhor, eu não deveria ter dito
nada, não deveria me intrometer dessa maneira.
— Você deve me dizer tudo o que acontece sob o teto da minha casa Máire, não importa o que
seja — falo com a mulher, mas sem desviar os olhos de Eileen.
— Eu já disse que não precisa se preocupar comigo, senhora Máire, eu vou ficar bem. — Seus
olhos rapidamente se enchem de lágrimas e a mulher a encara com um carinho que não consegue
disfarçar.
— Saia, Máire. — Ordeno.
— Com licença, senhor.
— Eileen — falo o seu nome e ela levanta os olhos me encarando —, eu sei a dor que está
sentindo. — Me impressiono com a tristeza refletida nas suas irises claras, percebo que ela está
se entregando a dor do luto. — Você é jovem, não pode se entregar ao luto. Precisa guerrear
contra essa dor que está sentindo. Tenho certeza de que vai encontrar o seu caminho e seguir em
frente. — Aconselho.
Que porra está acontecendo comigo? Desde quando eu me importo tanto com alguém a
ponto de perder minutos preciosos do meu tempo distribuindo conselhos que facilmente podem
ser encontrados em livros de autoajuda?
Merda!
A menina está tirando de mim muito mais do que qualquer pessoa conseguiu em muito
tempo.
— Eu sei que preciso superar, mas não sei se consigo, senhor. — As lágrimas rolam por seu
rosto, e ela limpa com as mãos pequenas. — Kira era tudo o que eu tinha. Ela era tudo de bom
que me restou na vida.
Suas palavras funcionam como um choque percorrendo minhas veias. Como ela pode
espelhar tão perfeitamente os meus próprios sentimentos? Por fora, eu posso estar demonstrando
força e resiliência, faço isso porque preciso me manter impassível, emoções não é algo com o
que eu esteja habituado a lidar, mas a verdade é que por dentro, cada pedaço de mim está
destruído.
A grande diferença entre mim e Eileen é que eu tenho a idade, a experiência, e as cicatrizes
de muitas batalhas e perdas a meu favor.
Toda a minha carga de trabalho também ajuda, mesmo com tudo o que aconteceu com
Kira eu consegui manter a mente ocupada, enquanto o meu coração se mantinha vazio.
Eu achei que sofri com a morte dos meus pais, mas não imaginava como seria a dor de
perder um filho.
Como um pai pode se acostumar com a falta que um filho faz? Como dormir sabendo que
seu filho jamais acordará? Que não haverá mais memórias construídas, que não vai haver um
futuro a ser vivido?
Agora eu entendo que a pior dor que um pai pode sentir é a falta que um filho deixa com a
sua morte.
Eu já deveria saber que a vida é frágil demais, quantas eu já tirei com as minhas próprias
mãos? Ser um monstro na rua não me impede de ser um homem quando estou sozinho em meu
quarto.
O amor que sinto por Kira e as boas memórias que tenho guardadas, ainda que sejam
poucas, estarão comigo para sempre me fazendo lembrar do quanto ela ainda é especial.
É necessário viver o luto, mas é preciso saber erguer a cabeça e passar por ele como um
bom guerreiro. Onde quer que eu esteja, Kira estará olhando por mim, e agora vendo a garota
destruída emocionalmente diante dos meus olhos, tenho certeza que olhará por Eileen também
assim como eu, que acabo de decidir que não a deixarei partir, eu a protegerei como deveria ter
protegido Kira, vou mantê-la ao meu lado até acabar com o desgraçado que me tirou o que eu
tinha de mais importante na vida.
Espero que Eileen entenda que a saudade durará para sempre, mas com o tempo, a dor que
parece nos rasgar de dentro para fora vai aliviar. E mesmo que o seu peito aperte com a
lembrança, as memórias que tem guardada é o que lhe dará forças para seguir.
Durante o restante do tempo que durou o café da manhã, nos mantivemos no mais absoluto
silêncio, cada um de nós presos em seus próprios pensamentos, talvez, presos em sua própria dor
e saudade.
Notei que Eileen se serviu apenas de uma xícara de café com leite, e o bolo que colocou no
prato seguiu praticamente intocado.
Máire estava certa em me alertar. Eileen parece definhar bem diante dos meus olhos, e pela
primeira vez na vida, não sei o que devo fazer.
Kira sempre foi uma garota que, apesar de jovem, era prudente e responsável. Deve haver
algum motivo maior para ter levado Eileen para morar em sua casa, e é isso que preciso
descobrir.
Em um primeiro momento, minha intenção era lhe dar um tempo para se recuperar e pedir
que ela procurasse outro lugar para morar, fosse aqui ou nos Estados Unidos para mim tanto
fazia.
Eu compraria o imóvel que ela escolhesse, afinal, como eu poderia conviver com a sombra
de Kira perambulando pela casa? Queria a garota o mais distante de mim.
A questão é que agora, como decidi mantê-la por perto, não sei como conduzir as coisas
entre nós.
— Podemos ir até o escritório agora? — falo, quando percebo que Eileen realmente não vai
comer nada.
— Sim, senhor, claro. — Concorda com uma voz fraquinha, mas fica de pé.
— Já disse para não me chamar de senhor.
— Desculpe — fala enquanto ouço ela caminhar a passos lentos logo atrás de mim.
A dor do luto é como uma grande pedra de solidão desabando sobre a garota, Eileen
parece apenas massa de tecido humano: oco, vazio e carregado de saudade.
Capítulo 12

Mais uma vez sinto a dor e o medo me envolverem. Eu sei que Regan não me fará mal,
mas por outro lado temo que considere a possibilidade de me devolver aos meus pais. Torço para
que tudo o que lhe contei o impeça de agir assim, e que me deixe pelo menos partir para outro
lugar qualquer.
Juntar a dor da perda de Kira e Fiona com as lembranças do que vivi na minha infância
causou um verdadeiro bombardeio de emoções em mim.
Sei que eu precisava ser sincera com o pai de Kira, mas todas aquelas lembranças
associadas com a perda das únicas pessoas que se importaram comigo me desestabilizou demais.
Talvez nos primeiros dias eu não tenha me dado conta do luto para verdadeiramente senti-
lo e após aquela conversa, tudo se tornou real.
Por mais que o medo me dominasse, a única coisa capaz de me tirar do tormento da dor
era a lembrança de Regan, do seu toque em minha pele, do seu olhar dominante sobre os meus, e
essas eram as lembranças que eu mais precisava afastar de mim, deveria esquecer na verdade,
mas eu simplesmente não consigo.
Desde que Kira e Fiona se foram, parece que uma parte de mim se perdeu, não tenho
vontade de fazer mais nada. Meus dias se resumiram em acordar, tomar banho, me jogar sobre a
cama e pedir a Deus que mais um dia acabe.
A única pessoa que tenho visto é Máire. Ela vem regularmente ao quarto que ocupo na
casa de Regan para tentar me alimentar pelo menos um pouco. A verdade é que não tenho fome
ou ânimo para qualquer coisa que não seja chorar.
— Sente-se, Eileen. — Ele indica a cadeira à frente de sua mesa e ocupa seu lugar atrás dela.
As pilhas de papéis bem organizadas deixam claro que ele esteve trabalhando neste
escritório nos últimos dias.
— Você me disse, dias atrás, que estava morando com Kira há mais de um ano. — Ele volta ao
assunto que conversamos no outro dia, Regan vai direto ao ponto, sem rodeios me fazendo
relembrar da minha amiga e da dor que sinto por não tê-la mais ao meu lado.
Noto que, pela primeira vez, Regan deixa claro em palavras que, assim como suspeitei, ele
não sabia da minha presença no apartamento da sua filha, pelo menos não como moradora.
— Sim, eu disse. — Confirmo e abaixo a cabeça, sem saber se devo falar mais alguma coisa.
— Pode explicar novamente o porquê, quando e como isso aconteceu? — Há uma centelha de
desconfiança em sua voz, é como se ele tivesse gravado as palavras da nossa primeira conversa e
agora quisesse confirmá-las, como um teste para ver se eu me enrolaria nas palavras ou em
algum detalhe.
Regan ainda desconfia de mim.
Entretanto, diferente do que pensei, não me sinto como se estivesse sendo julgada por
morar tanto tempo escondida na casa que ele sustentava regada de luxos e ainda receber um
salário por isso.
Conto, mais uma vez, toda a história desde o dia em que esbarrei em Kira, quando fui
demitida até a proposta que ela me fez.
— E então, Kira ofereceu o seu apartamento para que você fosse morar e ainda lhe deu um
“emprego” — fala com a voz firme e os olhos estreitos em mim.
— Isso — continuo —, ela me convenceu a trabalhar para ela, como uma espécie de dama de
companhia, e permitiu que eu ficasse em sua casa até que arranjasse outro lugar para morar, mas
o tempo foi passando e ela, na verdade, nunca me deixou partir, nem mesmo quando consegui
uma vaga em uma pensão. — Sorrio lembrando da minha amiga e do quanto ela sabia me
convencer a fazer exatamente o que queria. — Kira colocava defeito em todos os lugares que eu
encontrava para morar. Para ela, todos eram distantes, pequenos ou perigosos demais para eu
morar sozinha. — Vejo um quase sorriso surgir no canto da boca de Regan ao constatar a menina
incrível que ele criou. — Ela dizia que seu apartamento era grande o suficiente para que eu
morasse com ela, e fazia questão de reiterar que eu não incomodava em nada, dizia também que
estar sempre por perto facilitava o meu trabalho com ela.
— Minha filha sabia ser bem persuasiva quando desejava. — A admiração fica evidente em suas
palavras e em seu rosto.
— Sim, ela sabia! — Concordo dando mais um pequeno sorriso em sua direção, é bom
compartilhar a memória de alguém que foi tão importante para mim. — Mas não se preocupe,
senhor, eu vou procurar outro lugar para ficar. Só preciso de um tempo, um mês talvez, preciso
buscar as minhas economias no apartamento.
— Você não tinha uma conta bancária?
— Não. — Abaixo a cabeça com vergonha. — Eu estava ilegal no país e quando saí da Irlanda
mal havia saído da adolescência, por isso, Kira sempre me pagou em espécie, se o senhor puder
mandar alguém conferir o dinheiro eu lhe digo onde está, o senhor me dá uma parte, não precisa
me devolver tudo porque o que Kira dizia para mim que era um salário era um absurdo na
verdade, mas ela não aceitava diminuir.
— O que ela acordou com você, é seu Eileen.
— Obrigada sen... Regan. — Corrijo antes que ele faça. — Então se o senhor puder me dar o
dinheiro, posso ir embora hoje mesmo.
— Eu não estou arrumando as suas malas e te colocando para fora da minha casa, garota — ele
fala olhando nos meus olhos, de alguma forma me sinto segura e ao mesmo tempo intimidada. —
Você viveu no apartamento de Kira por um ano inteiro sem que eu soubesse, tenho certeza de
que não vai me incomodar se permanecer um pouco mais, pelo menos até estar totalmente
recuperada.
— Obrigada, eu não sei como agradecer. — Meus olhos se abrem surpresos e se enchem de
lágrimas, só que dessa vez não é tristeza, sinto apenas gratidão. — Tem um contrato, com o
dinheiro, Kira me fez assiná-lo mesmo que não fosse registrar, nele tem o valor que ela me
pagava, o senhor pode conferir que todo o dinheiro que tenho é do que ela me pagava.
— Você guardou todo o pagamento?
— Kira não me deixava pagar por nada — falo um pouco constrangida, sinto como se eu tivesse
me aproveitado da bondade da sua filha. — Nem mesmo as roupas, mas eu não quero nada, pode
doar para alguém que o senhor queira, de qualquer maneira, eu não terei onde usar as roupas
caras que ela comprava, vou acabar vendendo-as.
— São suas Eileen, faça o que quiser com elas, as roupas já estão aqui, assim como o contrato e
o seu dinheiro. — Abro a boca espantada com a sua afirmação, no fim, percebo que Regan está
apenas me testando, tentando descobrir se estou mentindo para ele. — Tudo está no quarto ao
lado do que você está usando, pode usar como quiser.
— Então eu já posso ir embora, Regan? — falo, mas ao mesmo tempo sinto o meu peito se
apertar por saber que nunca mais o verei, ele é a última lembrança que tenho da minha amiga.
— Não Eileen, você não vai embora, por enquanto permanecerá aqui. — Engulo seco sem
entender. — Como eu disse antes, vai ficar aos meus cuidados até se recuperar totalmente e
depois vemos como ficarão as coisas para você.
— Obrigada, Regan — falo com a voz embargada e cheia de gratidão, ele cuidará da minha
recuperação até que eu possa trabalhar novamente, além disso, vai me dar as roupas e o dinheiro
que Kira me pagava, de uma forma ou de outra, não estarei tão desamparada como antes, talvez
eu consiga tirar o visto e voltar aos Estados Unidos legalmente, dessa maneira, será mais fácil
para mim conseguir um emprego melhor.
— Não me agradeça, Eileen. É por minha filha que estou fazendo isso. Se ela lhe deu o valor
pelos serviços prestados e as roupas, eu estarei aqui para cumprir a sua vontade. Tudo
permanecerá como Kira desejava — ele fala e embora imagine que a sua intenção não tenha sido
ser sido rude comigo, mas ainda assim, suas palavras me fizeram sentir como um peso morto, um
fardo que ele terá que carregar em memória da filha.
— Obrigada, Regan. — Repito as palavras mesmo sabendo que ele acabou de contestá-las, um
nó fica preso em minha garganta. — Mesmo que esteja fazendo isso por Kira, eu preciso sim te
agradecer. Mas prometo, que assim que estiver recuperada, vou procurar outro lugar para ficar,
vou embora quanto antes, não precisa se preocupar que não o incomodarei além do necessário.
— Tento falar com serenidade, afinal, ele além de não ter nenhuma obrigação comigo, sequer me
conhecia antes de toda essa tragédia.
A realidade é que se Regan desejasse, poderia agora mesmo me jogar no meio da rua
sem qualquer coisa nas mãos, eu estou na sua casa, sou uma intrusa, uma hóspede inconveniente
que ele não desejava ter, ele parece notar o meu incômodo quando cerra os punhos sobre a mesa.
— Eu não quis te ofender, Eileen. Como eu disse, você pode ficar até estar recuperada e quando
for, vai levar o que lhe pertence, só quero deixar claro que a vontade de Kira será respeitada.
— Eu entendi, você não me ofendeu, Regan. — Tento explicar o meu ponto, mesmo não sendo
cem por certo verdadeira. — Continuo sendo grata a você, mas de verdade, não precisa se
preocupar comigo, muito em breve estarei recuperada e poderei partir. — Falo e fico de pé. —
Se era só isso, vou para o quarto agora.
— Eileen. — Rosna e seus olhos estreitam demonstrando irritação. — Como já lhe disse antes,
você não deve se retirar sem a minha permissão, não aja como uma menina mimada. Eu só quero
te ajudar, garota. — Assim como eu, ele se coloca de pé, só que ele apoia as mãos na mesa,
como se me desafiasse a confrontá-lo e negar que agi como um bebê chorão e incompreendido.
— Não, senhor Regan. — Apoio as mãos na mesa espelhando o seu gesto e falo o mais firme
que consigo, torcendo para que ele desfaça a imagem de que sou uma menina boba e entenda de
uma vez por todas que sou uma mulher que sabe se defender quando é preciso, fiz isso no
passado e farei quantas vezes for necessário. — Você não quer me ajudar, quer apenas honrar a
memória de sua filha, e eu não gosto de me sentir como um fardo pesado nas costas de ninguém.
— Você entendeu errado... — Começa, mas eu o corto.
— Eu entendi perfeitamente bem. — Desafio, encarando seus olhos azuis profundos, nossos
corpos mais próximos devido à posição. — Se um dia aceitei morar com Kira, foi porque a sua
filha realmente fazia questão da minha presença. Ela se importava genuinamente comigo. De
qualquer forma, agradeço pelo tempo que está me dando para que eu me recupere e procure
outro lugar para morar. Eu realmente preciso de um tempo, mas não será permanente. Não se
preocupe. — Dou as costas e sigo na direção da porta.
— Espere, garota. — Antes que eu sequer consiga alcançar a fechadura, como um déjà vu[24]
sinto sua mão grossa e calejada apertar o meu cotovelo e me pergunto como me alcançou tão
rapidamente, involuntariamente, giro o corpo na sua direção.
— O que... — Meu corpo se choca contra o seu peito e as palavras morrem nos lábios, quando
pouso minhas mãos no peito forte, buscando equilíbrio.
Minha respiração acelera porque, de forma involuntária, me recordo das vezes nos últimos
dias em que o desejei como homem e não com o respeito que deveria ter pelo pai da minha
melhor amiga.
Além de ser o pai de Kira, Regan é intenso demais, é um daqueles homens que apenas por
sua postura austera, sei que deveria me manter o mais distante possível.
— Não distorça as minhas palavras, garota. — Sua voz é firme, sua respiração resvalando quente
em meu rosto.
Meus olhos se prendem aos dele que me encara de cima para baixo, ergo o pescoço para
sustentar o seu olhar, por causa da nossa diferença de altura.
— Eu não distorci nada, apenas constatei um fato — falo o mais firme que consigo, mesmo
sabendo que a minha voz sai trêmula entre os lábios.
— É claro que está distorcendo e interpretando tudo errado, só entenda que eu não fazia ideia de
que havia outra moradora no apartamento da minha filha, você é uma completa novidade para
mim, e eu odeio ser surpreendido. — Sua voz se torna mais grave a cada palavra dita e ele não
afasta nossos corpos que continuam colados, nossas respirações se tocam com a proximidade e
posso sentir o aroma do café que exala da sua boca. — Fique pelo tempo que precisar Eileen, até
encontrar outro lugar para morar, ou até retornar para os Estados Unidos, faça como achar
melhor.
Ele finalmente afasta os nossos corpos e eu respiro aliviada. Aceno concordando com a
cabeça sem conseguir ordenar que as minhas cordas vocais reajam, instantes depois resmungo
um tchau antes de sair do escritório e subir as escadas, andando o mais rápido que consigo para
me trancar no quarto.
— Oh, meu Deus. — Me desespero sozinha tentando administrar o turbilhão de sensações e me
jogo sobre a cama. — Me perdoe amiga, pelo amor de Deus me perdoe — falo como se Kira
fosse capaz de me ouvir. — Eu não queria sentir meu corpo reagir com a proximidade do seu pai,
eu não deveria, sei disso, mas é impossível, ele é tão... forte, intenso e atraente, que não consigo
controlar os meus desejos.
Sinto como se tudo o que guardei por muito tempo estivesse vindo à tona como uma
avalanche prestes a me engolir.
Cubro a cabeça com o travesseiro e tento desviar os meus pensamentos do seu toque, do
seu cheiro amadeirado e da sua voz grossa e imponente, mas não consigo. Por isso retiro a bota
ortopédica do pé e “corro” para o banheiro, ligo o chuveiro e tomo um banho gelado, esperando
que a receita que li em alguns livros de romance funcione na prática.
O desejo proibido é como um rastro de pólvora aguardando que apenas uma pequena
fagulha se aproxime para consumir tudo ao seu redor. Parece que o breve embate com Regan
acendeu uma faísca dentro de mim, agora, só me resta correr para longe enquanto ainda é tempo
ou eu explodirei com tudo o que me resta e estarei perdida.
Capítulo 13

Vejo a chuva torrencial que desaba sobre toda a Irlanda através das janelas do meu
escritório em casa, parece que tudo à minha volta percebe o meu estado de espírito e se adapta a
ele.
Mesmo sendo madrugada eu ainda não consegui pregar os olhos e dormir.
É como se o céu despejasse a sua tormenta sobre a terra sendo um eco à tempestade que se
agita em meu interior, uma verdadeira dança sinfônica entre o caos que acontece lá fora e o que
há dentro de mim.
Há muitos anos não fico tão puto ao perceber o quanto a vida pode ser imprevisível,
moldei o mundo a minha volta para que tudo se adaptasse às minhas vontades e necessidades,
mas desde a morte de Kira parece que simplesmente perdi o controle.
Desde a morte dos meus pais eu tive o controle total de todas as coisas que aconteciam ao
meu redor, mas um único deslize, um pé fora dos trilhos com a descoberta de um traidor fez toda
a minha paz ruir.
Eu já estava estressado o suficiente por não descobrir quem é o desgraçado que nos trai.
Logo depois veio a morte da mo bheag, e agora o que tira a minha paz é a garota que minha filha
me deixou como uma espécie de herança, uma com a qual eu não estou preparado para lidar, não
entendo como conscientemente permiti que uma pessoa entrasse em minha vida para virá-la de
cabeça para baixo como a garota tem feito nos últimos dias.
Desde que ela chegou a Bryncroft, tudo mudou. Meus pensamentos, minhas prioridades,
até mesmo a maneira como vejo os perigos que a cercam. Ela despertou algo em mim que eu não
sabia que estava adormecido, algo que eu sempre tentei manter sob controle, mas que agora
parece ter escapado por entre os meus dedos e fugido do meu domínio.
Eileen é uma garota forte e determinada, apesar de todos os obstáculos que a vida colocou
em seu caminho. Desde muito nova ela precisou lutar sozinha para sobreviver, isso fez dela uma
mulher aguerrida que não teme enfrentar os problemas e lutar pelo que acredita.
Ou seja, um problema que tempos atrás eu manteria bem distante da minha vida.
Porra, acho que é isso o que a torna tão atraente para mim, sim digo atraente porque não
sou um homem habituado a fugir de problemas, estou acostumado a enfrentá-los e toda essa
merda que Eileen desperta em mim é um imenso problema.
Desde aquele momento na escada, quando nossos olhares se encontraram e meus dedos
tocaram sua pele macia, a química entre nós se tornou inegável, tenho lutado contra meus
próprios sentimentos.
A atração que sinto por Eileen é intensa demais para ignorar, não posso negar que desejo
estar perto dela, que desejo tocá-la, beijá-la, tê-la nos meus braços.
Nunca fui um homem de negar os meus instintos e essa não seria a primeira vez que agiria
motivado pelos meus desejos carnais.
No princípio, pensei ser apenas senso de proteção, algo como um favor devido à minha
filha, mas desde o instante que a toquei, ainda que não intencionalmente, pude perceber que não
tem nada a ver com Kira e sim com ela, com a própria Eileen.
Apesar de muito mais jovem do que eu, é a merda de uma mulher atraente pra caralho.
Eu não deveria, mas admito que a quero sob o meu corpo, ao mesmo tempo sei o quanto
isso é perigoso, sou excelente em ler pessoas, e vejo que cada poro daquela garota exige coisas
que eu jamais poderia lhe dar: uma vida tranquila, um romance de contos de fadas e,
principalmente, uma família.
Minha vida é perigosa demais, tenho muitos inimigos e segredos obscuros que a
colocariam em risco, depois de tudo o que passou, a última coisa que ela precisa é estar envolta
no meu mundo sombrio e perigoso.
Ela merece uma vida melhor do que eu posso lhe oferecer mantendo-a ao meu lado.
No entanto, a cada dia que passo sabendo que Eileen vive sob o meu teto, fica mais difícil
resistir à atração que sinto por ela. Mesmo tendo nos visto muito pouco, nossos momentos juntos
são sempre carregados de eletricidade e desejo, nossos olhares prolongados dizem mais do que
qualquer palavra poderia expressar.
Mesmo que eu perceba o que ela tenta disfarçar a todo custo, é evidente o quanto ela
também se deixa afetar por mim.
Agora mesmo, enquanto observo a chuva bater forte contra o vidro da janela, não consigo
deixar de pensar em Eileen. Seus olhos tímidos, mas determinados, sua respiração um tanto
quanto ofegante quando estou por perto, sua força interior. Tudo nela me atrai de uma maneira
que eu nunca experimentei antes.
Tenho que ser honesto comigo mesmo, estou me revolvendo de desejo por Eileen, e isso é
irritante pra caralho principalmente por ser algo que não posso controlar. Se ela fosse outra
mulher qualquer, eu já a teria derrubado sobre os meus lençóis e a tirado do meu sistema no
instante seguinte, o problema é que sinto que não devo fazer isso com a garota.
Mesmo tendo a consciência de que não devo tocá-la, a atração entre nós é poderosa
demais, e não sei por quanto tempo conseguirei resistir.
Acendo um cigarro tragando a fumaça para dentro dos pulmões, em seguida sopro-a por
entre os meus lábios deixando a fumaça espessa me envolver enquanto me perco em
pensamentos.
Considero as possibilidades do que posso fazer: trazer Eileen mais para perto de mim ou
afastá-la de vez. Talvez a segunda opção seja a mais prudente, sei que eu posso proteger Eileen
do mundo sombrio em que estou envolvido, entretanto, sei que se a tomar para mim não
conseguiria protegê-la de mim mesmo.
No fim, talvez seja eu o maior perigo para ela.
Meu celular vibra sobre a mesa e me tira dos meus devaneios. Vejo na tela do aparelho que
é Brian, atendo a sua chamada, não me surpreendo com a ligação a essa hora, é comum a nós
dormirmos muito pouco, apenas o necessário para repor as energias.
— Brian? — questiono, expirando a fumaça do cigarro.
— Regan, temos um problema. Acabo de receber informações de que o nosso inimigo está
se movimentando. Parece que eles estão caçando a localização de Eileen nos Estados Unidos,
tem alguém rastreando para saber se ela morreu com Kira e Fiona ou se conseguiu sobreviver e
foi pega por nós.
Travo a mandíbula por constatar o que eu já imaginava, Eileen está em perigo, não posso
permitir que nada aconteça com ela, devo isso a minha filha e a mim mesmo, eu já perdi pessoas
demais, não vou deixar que nada de mal aconteça a garota.
— Enquanto ela estiver sob os meus cuidados estará segura — afirmo, observando o horizonte
escuro e nebuloso da madrugada.
— Isso eu sei, mas preciso saber por quanto tempo pretende mantê-la morando com você, pelo
que nos disse dias atrás, a garota já está praticamente recuperada das lesões, vai deixá-la por
conta própria ou precisa que eu peça a Eamon que elabore um plano de segurança?
— Por enquanto eu me encarrego da garota, depois decido como ficarão as coisas.
— Tudo bem, qualquer coisa que precisar me avise. — Encerro a chamada e volto a atenção para
a chuva que continua incessante do lado de fora.
Ainda não decidi como vou agir, mas uma coisa é certa: enquanto estiver sob a minha
proteção nada de mal acontecerá a ela.
Enquanto a chuva continua a martelar impiedosamente a janela diante de mim, não
consigo aplacar as preocupações que me atormentam. No entanto, depois de algum tempo, sinto
como se os meus olhos fossem atraídos para um ponto específico no jardim, estreito os olhos
com a intenção de me certificar que o vulto pequeno e encolhido no chão sob a tempestade é
mesmo Eileen.
Ela provavelmente saiu da casa há pouco tempo, de longe parece ainda mais vulnerável e
frágil. Me mantenho estático enquanto a observo sob a chuva, ela está sentada, seus joelhos estão
flexionados, o corpo pequeno pende para a frente e a cabeça repousa entre eles provavelmente
tentando proteger minimamente o rosto das gotas grossas que castigam a sua pele, vejo-a quase
como uma figura encantada em meio à tormenta.
Apanho um pequeno binóculo na estante e analiso detidamente a figura quase etérea,
percebo que Eileen está descalça, os cabelos grudados ao rosto e a roupa, o que parece ser uma
fina camisola completamente encharcada grudando em sua pele. Ela se mantém imóvel, como se
buscasse se fundir com a tempestade à sua volta, provavelmente busca afogar seus pensamentos.
A imagem dela, solitária sob a chuva torrencial, me deixa abalado, travo os pés no chão
para não correr imediatamente até onde ela está.
Me mantenho por mais de vinte minutos observando-a de longe com o auxílio do binóculo,
através da janela embaçada pela água que escorre. Cada gota que desce pelo vidro parece levar
consigo um pedaço das minhas certezas, destrói o escudo que criei para me manter distante de
sentimentos indesejados. Pouco a pouco percebo que Eileen quebra as minhas barreiras com sua
presença, com sua fragilidade e também com a sua força, cada uma das suas ações demonstra a
sua determinação intrínseca.
— Porra, levanta desse chão garota teimosa — resmungo como se ela pudesse me ouvir à
distância.
Ela permanece sentada ali, como se desafiasse o mundo à sua volta, como se desafiasse a
mim mesmo a me manter inerte. Eileen parece não se importar com a chuva que a castiga,
imóvel no mesmo lugar desde que a vi, é como se quisesse afogar não apenas as lágrimas, mas a
dor e os fantasmas que a assombram.
E depois de mais algum tempo, eu, do outro lado da janela, protegido do frio e da chuva,
perco a batalha que travo comigo mesmo, não consigo mais resistir ao impulso que me impele a
ir até onde ela está.
Deixo o meu escritório e saio da casa, ainda sem um pensamento claro sobre o que direi ou
como agirei a partir de agora. Sinto apenas uma necessidade profunda de tirá-la dali, de livrá-la
de qualquer perigo, mesmo aqueles que eu não posso controlar como é com a chuva que percorre
a sua pele.
Um dos seguranças de plantão corre atrás de mim me entregando um guarda-chuva, o
vento forte me abraça, ouço de longe um dos meus outros soldados me chamar, mas não paro
para lhe dar atenção, caminho pela chuva, que cai incessante e me aproximo de Eileen.
A água molha os meus pés e pernas encharcando onde consegue alcançar, o guarda-chuva
balança contra o vento resistindo bravamente à tempestade enquanto caminho com passos
firmes, um raio corta a escuridão iluminando a noite seguido do retumbar intenso de um trovão,
sigo o caminho sem me abalar com nada que aconteça a minha volta, a única coisa que me
importa é tirá-la dali quanto antes.
— Levante-se Eileen, venha comigo. — Minha voz é firme, quando paro ao seu lado e a protejo
com o guarda-chuva impedindo que a chuva continue a lamber a sua pele.
Eileen demora um tempo para levantar a cabeça e me encarar, parece surpresa pela minha
presença, seus olhos, inundados de emoções confusas, encontram os meus.
Ela hesita por um momento, como se estivesse em dúvida se sou real ou uma miragem,
talvez esteja considerando se deveria aceitar minha ajuda. No entanto, depois de alguns instantes
de silêncio, finalmente estende a mão gelada e trêmula e a aperta contra a minha que ainda estava
estendida na sua direção.
Com cuidado, ajudo-a se levantar e, após entregar o guarda-chuva em suas mãos, passo os
meus braços em suas pernas levantando-a do chão com um impulso firme, provavelmente
demoraríamos mais do que o necessário se ela for caminhando devido às limitações que ainda
tem em sua perna machucada.
Ela treme forte contra o meu peito, os olhos erráticos vez ou outra encontram os meus. Em
silêncio, volto com ela na direção da casa, deixando a chuva e as dúvidas para trás.
Depois que passamos pela porta pesada de madeira meus olhos se fixam nela, Eileen está
encharcada e vulnerável, mas é minha para cuidar. Sinto um nó apertar em meu peito e, tomo
uma importante decisão.
Eu a farei minha, não apenas como um compromisso para com a garota que a minha filha
deixou, se ela desejar, farei de Eileen minha mulher e ela só irá partir quando estiver em
segurança e se assim desejar
A verdade é que Eileen age sobre mim como a tempestade que continua a cair do lado de
fora, ela varreu tudo o que encontrou em seu caminho e, sem precisar de palavras, revirou as
minhas certezas. A atração entre nós é inegável, irresistível, e não vou mais fugir disso.
Ela me olha com espanto ao perceber que passo pela porta do seu quarto e entro com ela
no meu, ao fechar a porta atrás de nós, aconteça o que acontecer, não haverá mais volta.
Nossas escolhas serão como disparos certeiros, mirando um alvo, uma vez feitas, não
haverá volta.
Capítulo 14

Há dias tenho me mantido presa nesse quarto, a sensação de sufocamento tem sido cada
vez mais intensa.
Nem mesmo durante o dia saio do ambiente, faço as refeições no quarto e em seguida me
encolho sobre a cama me afundando em desespero e autopiedade.
Nos dois últimos dias, a chuva intensa que bate incessante nas janelas acompanhada de
raios e trovões parecem espelhar o caos dentro de mim.
Caminho até a parede de vidro e observo a escuridão da noite, o jantar que Máire trouxe
segue intocado na mesa de cabeceira, acho até que emagreci nos últimos dias porque não tenho
vontade de fazer qualquer coisa, nem mesmo tenho vontade de me alimentar.
Outro raio corta o céu e dessa vez enxergo o jardim com o clarão, tudo em volta da casa
está encharcado, inundado com a água que cai incessante há dias.
Me sinto atraída pela chuva, pelo jardim e principalmente pelo caos que acontece lá fora,
talvez eu precise de algo que me faça reagir, um choque de realidade, talvez eu precise sentir
algo além da dor, algo que me tire desse abismo que parece não ter fim.
Caminho devagar e abro a porta do quarto, vejo não haver nenhum segurança pelos
corredores, no início era comum vê-los por ali como se estivessem me vigiando, talvez tenham
percebido não haver como eu fugir de qualquer maneira dessa fortaleza.
Fecho a porta atrás de mim sem fazer nenhum barulho, desço as escadas e não esbarro
com qualquer pessoa pelo caminho, devem estar todos recolhidos em seus quartos, abro a porta
pesada de madeira e ela range sob os meus dedos, o vento frio faz os meus pelos arrepiarem.
— Para onde vai garota? — Um segurança se põe na minha frente me impedindo de seguir
adiante.
— Quero caminhar um pouco.
— Nessa chuva? — Ergue a sobrancelha inquisitivo.
— Sim, eu gosto da chuva. — Justifico, mesmo sabendo que não tenho obrigação de lhe dar
qualquer satisfação.
— Acho que o chefe não vai aprovar essa sua ideia. — Tenta me dissuadir.
— Não lembro dele ter dito que sou uma prisioneira nessa casa — falo mais firmemente. —
Máire disse que ele deu ordens para que me deixassem caminhar pelo jardim se eu quisesse.
— Ele disse, mas não sob a chuva e você nunca saiu do quarto de qualquer forma.
— Mas agora quero sair — afirmo. — Pode me observar se quiser, não vou me afastar muito da
casa, só vou me sentar no jardim. — Abrando o tom de voz, e ele finalmente dá um passo para o
lado me deixando seguir adiante.
As primeiras gotas geladas que caem sobre o meu corpo quase me fazem desistir e
voltar para o conforto do quarto aquecido, mas sigo em frente.
Olho em volta e não encontro um lugar menos molhado para me acomodar, então
escolho o centro do jardim para dividir comigo as minhas dores e incertezas.
Ajeito o tecido da camisola e sento sobre ele; não demora muito e sinto todo o meu
corpo tremer de frio, deixo que algumas lágrimas invadam os meus olhos e peço a Deus que
sejam as últimas, que em algum lugar no céu Kira e Fiona estejam olhando por mim e me
ajudem a seguir em frente ou que venham me buscar para seguir com elas.
Não entendo como Deus pode ter me abandonado tão facilmente, como ele foi capaz
de me dar a vida apenas para me ver sofrer sem qualquer auxílio ou misericórdia.
Mantenho os joelhos apertados contra o meu peito e a cabeça baixa enquanto me perco
em milhões de pensamentos, passado e presente se misturando e trazendo uma avalanche de
sensações ruins para dentro de mim.
Não sei quanto tempo passa até que não sinto mais os pingos grossos de chuva sobre a
minha cabeça, embora ainda ouça o barulho e a água correndo em minhas pernas penso que ela
cessou, até que ouço uma voz grossa se impor sobre mim.
— Levante-se Eileen, venha comigo. — Olho para cima e pisco os olhos diversas vezes para me
certificar de que o homem acima de mim é real.
Talvez eu esperasse que algum dos seguranças viesse me tirar da chuva depois de
algum tempo, mas nunca imaginei que o próprio Regan pudesse vir até mim.
Senti o meu corpo estremecer com a sua voz grossa e impositiva, o observei por
poucos instantes, mas foi o necessário para me fazer sentir todo o corpo tremer de frio e com
outras sensações que tenho lutado para afastar de mim.
Estendi a minha mão e senti sua palma aquecida tocar a minha, eu estava com frio,
meu corpo tremia por inteiro, os meus dentes se chocavam um contra o outro fazendo um
barulho audível, a sensação de conforto e calor do seu toque foi tão surpreendente que me
esforcei para não arfar.
Assim que me coloquei de pé ele me entregou o guarda-chuva, achei que caminharia
na chuva enquanto me mantinha protegida pelo objeto, mas me surpreendi quando me ergueu em
seus braços e me prendeu contra o seu peito forte. Todo o meu corpo estava encharcando e logo
senti a sua camisa social também umedecer, ele não parecia incomodado que eu o estivesse
molhando.
Regan parecia determinado, e eu queria descobrir: a fazer o quê?
Assim que nos aproximamos da porta da casa, um homem a abriu para que
passássemos e retirou o guarda-chuva das minhas mãos, achei que ele me colocaria no chão, mas
Regan subiu as escadas comigo em seu colo.
Eu ainda estava tentando entender os últimos minutos quando ele passou direto pela
porta do quarto que eu estava ocupando em sua casa e me levou diretamente para o seu.
Será que ele iria me trancar sob a sua vigília pessoal por eu sair nessa chuva?
Tentei falar, mas as palavras fugiram dos meus lábios, apenas o ranger dos meus
dentes pelo frio era ouvido quando ele finalmente me colocou de pé em um imenso banheiro
totalmente recoberto por mármore negro.
— Tire a roupa, Eileen. — Rugiu e seguiu na direção do box ligando o chuveiro e ajustando a
temperatura até que vi uma leve cortina de fumaça sair com a água — Não ouviu mo chailín.[25]?
— Me encara novamente quando percebe que eu não me movi um centímetro sequer. — Eu
disse para tirar a roupa.
— Mas, senhor... — Começo e ele me interrompe.
— Se você mesma não fizer, eu farei por você Eileen, a escolha é sua. — Engulo seco enquanto
ele me encara desabotoando a própria camisa e afastando-a do corpo, em seguida Regan descalça
os sapatos sem sequer piscar os olhos que se mantém presos a mim, meus olhos me traem e
desce por seu corpo definido e se prendem no abdômen trincado, como se fosse possível, os
meus seios se arrepiam ainda mais, uma vez que já estão rígidos do frio.
Com as mãos trêmulas, seguro a barra da camisola totalmente suja de terra e puxo-a
para cima, Regan tira a calça e, vestindo apenas uma cueca boxer, se ajoelha diante de mim para
tirar a bota ortopédica do meu pé.
— Vou te dar um banho e te livrar do frio mo chailín.[26] — Ele mais uma vez, me ergue em seus
braços, sem saber o que devo dizer ou fazer, apenas me deixo conduzir para debaixo do chuveiro
quente. — Quando terminarmos o banho vou chamar um médico para te ver.
— Eu estou... estou... es... estou — gaguejo, ainda tremendo de frio, quando Regan apoiou os
meus pés no chão mais uma vez —, bem. — Finalmente consigo completar a frase curta.
— Vamos nos certificar disso depois que for examinada melhor — fala com um tom de voz mais
baixo, entretanto sem me dar espaço para qualquer questionamento.
A água quente começa a fazer efeito sobre a minha pele e sinto o frio começar
finalmente a deixar o meu corpo, pouco a pouco a temperatura vai voltando ao normal, mas
minha respiração falha quando sinto o toque firme de Regan deslizar em minha pele com as
mãos cheias de espuma do sabonete.
Eu estava de olhos fechados e não evitei o gemido que me escapou quando os seus
dedos deslizaram primeiro por minhas costas, subindo a partir de onde a calcinha começava, até
chegar ao meu pescoço e em seguida deslizaram por meus braços, até alcançar as mãos e voltar
traçando o caminho pela parte interna do meu braço.
Senti os seus dedos hábeis explorarem cada centímetro do meu corpo, limpando-o com
cuidado e precisão cada parte de mim. Regan me deu banho em silêncio e eu apenas me permitir
ser cuidada por ele, não havia conotação sexual naquele cuidado, embora o meu corpo tenha
reagido à sua proximidade e aos seus toques com mais desejo do que eu deveria.
Depois de um tempo, Regan me vira de frente para si e prende os olhos nos meus, suas
irises estão brilhando mais do que o normal, em seguida vejo engolir seco quando desliza seus
olhos azuis lentamente por meu pescoço e para quando chega em meus seios, ele não diz uma
palavra sequer enquanto volta a deslizar a mão pelo meu braço e alcança o pescoço apertando-o
levemente.
— Posso continuar, Eileen? — pergunta com a voz rouca e eu aceno afirmativamente com a
cabeça — fale Eileen, quero ouvir a sua voz.
— Continue, por favor... Regan — Solto com a voz entrecortada, mas mantenho os meus olhos
presos ao seu.
É como se ambos precisássemos confirmar que o que está acontecendo é real e não
uma fantasia criada pela mente.
Regan desliza os dedos para baixo e solta um gemido rouco quando toca os meus seios, a
água quente caindo sobre nós. Ele percorre cada pedaço na minha carne com a mão espalmada
enquanto me lava, sua presença imponente e as expressões intensas em seu rosto deixam claro
que agora, ele não está apenas cuidando de mim.
Há desejo e tesão estampados em seus olhos assim como em cada toque que passeia por
minha pele, isso me faz tremer, não mais pelo frio.
Cada toque lento, cada movimento preciso, me leva a um estado de desejo que jamais senti
e que tento desesperadamente conter.
Me pergunto se estou confundindo as coisas, minhas mãos se apertam em punho, meus
dedos estão trêmulos não mais pelo frio, mas pelos seus toques.
Vejo quando ele lentamente se ajoelha olha em meus olhos e silenciosamente pede
permissão para me livrar da última peça que me cobria, Regan desliza a calcinha por minhas
pernas, em seguida ensaboa o meu corpo iniciando pelos pés, o sabonete líquido cria uma
espuma espessa com o seu cheiro marcante tomando todo o ambiente.
Sua mão sobe pelas minhas pernas e se move até minhas coxas, lavando-as com uma
pressão controlada, sua proximidade em meu sexo, a tensão sexual que nos envolve me fazem
desejar mais.
Mais um toque!
Não resisto e me entrego a essas sensações tão novas para mim, pensamentos indecentes
dominam a minha mente e pela primeira vez na vida desejo me entregar a um homem.
Sei que não posso esquecer de quem Regan é, e de todas as incertezas que cercam minha
situação. Ainda assim, meu corpo age por conta própria, traído pelos impulsos naturais,
dominado pelas sensações que os seus dedos despertam em minha pele, quando seus dedos
percorrem minha virilha, abre os lábios vaginais lavando com uma pressão que me faz espalmar
as mãos na parede em busca de algum equilíbrio.
Regan se levanta do chão, segura o meu rosto entre as duas mãos e se inclina para mim,
em seguida seus lábios encontram os meus. Abro a boca e cedo passagem para a sua língua, o
beijo é intenso, ardente, como se ambos estivéssemos ansiando por esse contato há mais tempo
do que conseguimos admitir.
Minha mente grita que isso é errado, que eu deveria resistir, que não deveríamos estar
nessa situação, mas meu corpo responde ao desejo e à atração que ele desperta em mim e por
isso me permito também deslizar as mãos pelos seus músculos firmes.
Os momentos seguintes são uma mistura de beijos e carícias, uma dança sedutora e
proibida ainda no banho, e mesmo que Regan não tenha tirado a cueca boxer, sinto a sua ereção
pressionar contra a minha barriga quando nossos corpos se colidem, não consigo evitar os
gemidos e suspiros que escapam dos meus lábios.
O que está acontecendo é perigoso demais, mas a luxúria e o desejo me levam a um ponto
de onde não consigo retornar. Estou cedendo aos encantos proibidos do homem que deveria ser
apenas meu protetor, não meu amante.
Ficamos ali, juntos, debaixo da água quente nos beijando e acariciando por instantes que
se transformam em um refúgio momentâneo para as minhas dores e incertezas.
Depois de algum tempo, em silêncio, mas com os olhos ainda crispando de desejo, Regan
me envolve em uma toalha e me carrega até o seu quarto, onde me deita sobre a cama.
— Seque-se Eileen, vou trazer algo para que você vista. — Os olhos dele, continuam intensos de
desejo, mas agora também refletem uma estranha mistura de emoções.
Instantes depois ele retorna vestindo uma calça de moletom cinza e estende uma das suas
camisas para mim, desvio os olhos, momentaneamente envergonhada por pensar que talvez eu
tenha entendido tudo errado ou até mesmo que Regan tenha percebido que isso não deveria ter
acontecido entre nós e se arrependeu enquanto eu ainda desejo por mais dos seus toques e dos
seus beijos.
Ouço a chuva que ainda cai lá fora me lembrando do frio de minutos atrás e contrastando
com o calor que arde dentro de mim, não sei se estou me perdendo ou me encontrando, mas sei
que a atração entre nós é tão inegável quanto perigosa.
Capítulo 15

Já no closet, respiro fundo enquanto subo a calça de moletom pelas minhas pernas, porra,
eu preciso manter o mínimo de controle sobre as minhas ações.
Foi por muito pouco que eu não fodi a garota sob o chuveiro, é claro que havia no
ambiente a química intensa que existe entre nós, se não fosse assim eu não teria dado um passo
adiante nessa loucura, mas também sabia que não deveria tomá-la de qualquer jeito, algo me diz
que a garota é virgem e não seria o ideal invadir o seu corpo pela primeira vez daquela maneira.
Percebi que ela estava entregue aos meus toques, os olhos tão nublados de desejo quanto
os meus deveriam estar e mal fui capaz de me controlar ao perceber que ela não ofereceria
resistência se eu quisesse me afundar em seu corpo ali mesmo, presa contra a parede de
mármore.
Eileen está ainda mais magra do que da última vez que a vi de perto, seu corpo leve
demais, como se não se alimentasse corretamente há muitos dias, eu preciso que um médico a
veja e que se alimente antes de reivindicá-la para mim.
Isso é um fato, já admiti que a desejo muito além do que deveria e será uma questão de
pouquíssimo tempo para alcançar o que desejo, ainda no final dessa noite o seu corpo estará
preso sob o meu, não tenho dúvidas quanto a isso porque Eileen já me deu a sua rendição
completa.
Não apenas o seu corpo estava entregue a mim, os seus olhos me revelaram que ela
colocou a sua alma em minhas mãos.
De volta ao quarto, estendo uma das minhas camisas na sua direção para que ela possa se
vestir, em seguida, envio uma mensagem ao médico que a está acompanhando para vir verificá-
la e para que traga outra bota ortopédica, a que ela usava com certeza não servirá mais.
Enquanto ela termina de colocar a minha roupa em seu corpo e se acomodar em meus
travesseiros peço para que uma das funcionárias que estão de plantão nessa noite providencie
uma sopa quente de legumes para que ela possa se alimentar.
Caminho pelo quarto e percebo que Eileen não desvia os olhos dos meus passos, as mais
variadas dúvidas piscam em seus olhos, entretanto, ainda não é a hora de lhe dar as respostas que
deseja, depois organizar rapidamente o necessário e de providenciar tanto o seu jantar quanto o
médico, sento ao seu lado na cama.
— Fale Eileen. — Abrando a voz, porque posso ver os milhares de engrenagens girando sem
parar em sua cabeça. — Pergunte de uma vez o que quer saber.
— Eu não... — Desvia os olhos rapidamente e eu levo o dedo indicador ao seu queixo girando o
seu rosto de volta para mim.
— Não minta mo chailín, quase posso ver a fumacinha saindo da sua cabeça. — Abrando o tom
de voz e ela desvia os olhos dos meus mais uma vez, isso de certa forma me deixa incomodado,
diante do passo que planejo dar com ela, preciso conhecer cada um dos seus pensamentos para
que não me restem dúvidas sobre o que ela de fato deseja. — Estou aqui, me diga o que quer
saber.
— Por que você... — ela mantém os olhos longe dos meus e eu puxo de novo seu rosto para
mim, dessa vez, mantendo-o entre os meus dedos para permanecer me encarando enquanto fala.
— Por que eu...? — Insisto.
— Por que você parou? — As palavras saem sussurradas, e merda, se ela soubesse o esforço que
tive que fazer para não ir adiante não estaria me fazendo essa pergunta.
— Queria que eu tivesse a fodido no chuveiro, Eileen? — falo, a voz ficando um tom mais rouca
novamente.
— Eu... não sei... — As bochechas coram esquentando sob os meus dedos.
— Você sabe a resposta, mo chailín. — Acaricio a pele macia do rosto pequeno e delicado com
os nós dos meus dedos. — É claro que sabe o que o seu corpo e a sua mente desejam.
— Talvez... eu quisesse. — Confessa tímida, mas não permito que ela desvie os olhos, preciso
enxergar a verdade em suas palavras.
— Talvez? — Ergo a sobrancelha e ela morde os lábios, mas não me responde. — Você não tem
noção do inferno que desperta em mim mo chailín, olha como fico só de pensar em me enterrar
em sua boceta. — Seguro sua mão e pressiono no meu pau, para que ela saiba a tortura que me
impus ao me afastar dela. — Quer saber porque não fiz?
— Quero — fala timidamente.
— Você é virgem, Eileen? — Ela abre e fecha a boca diversas vezes, mas nenhum som escapa
dos lábios. — Responda. — Insisto.
— Sim. — Confessa depois de algum tempo e eu aceno concordando com a cabeça e
confirmando as minhas suspeitas. — É por isso que não vai fazer nada comigo? — pergunta
corajosamente, me surpreendendo.
— Vou mo chailín. — Ela me encara surpresa. — Não há inferno no mundo que me impeça de
fazê-la minha, mas pelo menos na primeira vez não será contra a parede do banheiro, quero
venerar cada parte do seu corpo, lamber cada pedaço da sua pele macia e só após te fazer gozar
em minha boca vou enfiar o pau na sua boceta. — Ela abre a boca e as suas bochechas coram
ainda mais com as minhas palavras cruas. — Você quer isso, Eileen?
— Si… Sim, Regan. — Confessa ofegante. — Quero como nunca quis na vida. — Porra, quase
perco o controle com a sua confissão baixinha, mas a pergunta que ouço em seguida me deixa
ainda mais na borda do precipício. — Quando, Regan? Quando então me fará sua?
Sem responder a sua pergunta, passeio as mãos pela parte interna da sua coxa e ela
abre a boca arfante quando os meus dedos resvalam de leve os lábios vaginais.
Percorro o indicador de cima a baixo sentindo sua lubrificação vir rápida e umedecer
tanto a boceta apertadinha quanto o meu dedo, rosno sem desviar os meus olhos dos seus
enquanto estimulo o clitóris lentamente com o polegar e coloco a pontinha do indicador na
abertura.
— Ainda hoje mo chailín, ainda hoje estarei enterrado até as bolas em você — falo e beijo os
seus lábios, em seguida desço algumas mordidas por seu pescoço fazendo-a gemer enquanto os
meus dedos seguem trabalhando lentamente em sua boceta.
Porra, esse é o momento em que eu deveria me afastar, deveria aguardar sua comida e
o médico e apenas depois seguir com o que desejamos, mas eu simplesmente não consigo.
Minha mão volta a percorrer sua pele, envolvo o seu pescoço com facilidade, não
coloco muita pressão ou força no movimento, é apenas sensual e intenso, em seguida deslizo
mais para baixo com lentidão calculada, meus lábios não deixando os seus por um segundo
sequer.
Percorro sua pele nua por baixo da camisa grande demais para o seu corpo pequeno,
passo a palma aberta no bico dos seios durinhos e ela arfa em meus lábios fazendo o meu pau
babar na calça.
— Porra mo chailín — falo com a voz rouca de desejo enquanto abro cada um dos botões da
minha camisa expondo o corpo gostoso para mim mais uma vez. — Vou te deixar dolorida de
tanto te chupar, seus seios vão ficar vermelhos pela pressão da minha boca sobre eles, e eu vou te
fazer gozar apenas com a minha boca, louco, esfomeado de desejo como estou agora.
— Regan... — Ela geme meu nome baixinho.
Eileen joga a cabeça para trás quando passo a língua nos bicos rijos e agora expostos,
sua respiração entrecortada se torna a cada segundo mais ofegante, seus dedos entremeiam o meu
cabelo, e puxam com força controlada me fazendo gemer rouco.
Abandono os seus seios e volto para os lábios rosados, não beijo, apenas passeio minha
língua molhada por eles e em seguida mordo puxando o lábio inferior para dentro da minha boca.
Minhas mãos seguem a carícia em seu seio, apalpando, apertando, despertando em seu
corpo sensações que ela jamais ousou sentir. Eileen está perdida, entregue aos meus toques, o
corpo preso no limbo de sensações e desejos que provoco, decido que darei pelo menos um
pouco do que tanto ansiamos.
Vejo quando ela aperta uma perna contra a outra buscando um alívio que apenas eu lhe
darei esta noite, afasto suas pernas com cuidado e me coloco entre elas, passeio a palma aberta
em sua boceta pequena e gemo satisfeito quando a encontro ensopada e latejante.
Vejo quando Eileen aperta o lençol com firmeza entre os dedos, perdida nas sensações
que apenas eu lhe proporciono, o clitóris durinho pulsa sob os meus dedos, ela se contorce e eu
intensifico a carícia ora com movimentos circulares, ora apertando de leve a carne macia e
brincando com o desejo que lateja em sua boceta.
Minha boca desce pela pele lisa da sua barriga, mordo de leve a virilha e mesmo
corada, Eileen não tenta fechar as pernas quando o meu rosto se aproxima da boceta cheirosa
demais para que eu consiga manter a minha sanidade intacta.
Reverencio o seu corpo com uma calma calculada, minha língua desliza pela carne
macia sem pressa, como um garotinho que lambe um sorvete lentamente com medo de que o
doce acabe mais rápido do que deseja.
Ouço o seu gemido e vejo quando ela aperta os olhos com o prazer que imponho ao
seu corpo virgem. Alterno os chupões intercalando entre alguns mais leves e outros mais
intensos e, quando assopro a carne quente e pulsante sinto as coxas apertarem o meu pescoço,
porra de garota sensível do caralho.
Chupo e saboreio cada pedaço de carne que a minha língua alcança, sua mão aperta
com força os lençóis, tanto que vejo quando os nós dos seus dedos ficam levemente
esbranquiçados.
Brinco com a língua no seu clitóris em movimentos circulares mais rápidos e em
seguida chupo com força, com certeza amanhã Eileen estará além de sensível, roxa entre as
pernas.
— Quer que eu pare, Eileen? — pergunto por pura provocação, enquanto ela pulsa em meus
lábios e gemo rouco.
— Não, Regan, por favor, não.
Nem é preciso pedir para que ela me implore para continuar, Eileen faz isso de maneira
voluntária, totalmente perdida no prazer de estar sob o meu domínio.
Coloco a pontinha do meu dedo indicador na entrada e a sua boceta apertada pisca,
quase sugando-o para dentro, porra, meu pau já está todo babado dentro da calça, continuo
estimulando o seu clitóris com a língua, mas agora, introduzo o meu dedo até a metade em sua
carne virgem.
Eileen geme e eu coloco e tiro o dedo mais rapidamente, ela se contorce e eu sei que
vai gozar em poucos instantes, meu pau além de babar agora pulsa como louco, não resisto e
abaixo o tecido do moletom trazendo-o para fora e masturbando de leve a carne dura.
— Preciso sentir, Eileen. — Gemo rouco, afasto os meus lábios da sua boceta me ajoelhando
entre as suas pernas quando percebo que ela vai gozar, encaixo apenas a cabecinha em sua
entrada apertada e estimulo o seu clitóris enquanto me perco em seu rosto contorcido de prazer
ao se aproximar do clímax. — Goza no meu pau mo chailín. — Comando e em segundos ela se
entrega.
— Regan... — Eileen geme e sinto sua carne pressionar a cabeça do meu pau com força quando
ela se perde no próprio prazer. Puta. Que. Pariu. Eu quase gozei sem sequer penetrar a garota.
Os espasmos demoram alguns segundos para cessarem e eu aproveito cada um deles
em uma deliciosa tortura, uma vez que não afastei o meu membro rijo feito uma barra de ferro da
sua boceta.
Lentamente ela vai recobrando a consciência, os dedos que apertavam os lençóis com
força, como se esse pequeno gesto pudesse livrá-la do abismo que o orgasmo lhe proporcionou
aos poucos vão se afrouxando, e eu luto uma batalha interna para não me afundar de vez em sua
carne macia que parece implorar para que eu me encaixe melhor.
— Eileen... — falo rouco, quase gemendo quando afasto a minha carne da dela e debruço o meu
corpo sobre o seu, mantendo os nossos olhos conectados enquanto deslizo minha língua mais
uma vez pelos seus lábios — eu lhe apresento o orgasmo — falo puxando-a de volta para a
realidade.
Ela geme e não disfarço o sorriso presunçoso que tomam os meus lábios quando a vejo
corar, ainda com a respiração entrecortada e o coração acelerado.
Deixo mais alguns beijos leves em seus lábios e me afasto devagar, ajudo ela na tarefa
de abotoar novamente a camisa em seu corpo e antes que possamos dizer qualquer palavra ouço
uma batida leve na porta e vejo com prazer Eileen olhar horrorizada na direção.
— Pode entrar. — Autorizo, sem desviar os olhos da garota enquanto guardo o meu membro,
ainda semiereto na calça.
— Regan! — ela sussurra envergonhada, quando a funcionária entra carregando uma bandeja
com a refeição que pedi.
Com um sorriso pelo seu constrangimento inocente, levanto e retiro a bandeja das
mãos da mulher, informando que eu mesmo auxiliarei Eileen na refeição, elas se entreolham
envergonhadas e eu controlo a vontade de sorrir.
Porra, eu estou mesmo fodido, porque desde que Kira morreu, eu não senti a menor
vontade de sorrir por qualquer que fosse o motivo.
É Eileen... tenho que admitir que talvez você realmente precisasse entrar em minha
vida para que eu pudesse entender que não estou tão morto quanto eu pensava. Esse pensamento
me deixa surpreso e satisfeito ao mesmo tempo.
Não faço ideia de como serão os nossos próximos passos, mas com certeza, farei o
possível para aproveitar cada um deles, porque eu melhor do que ninguém sei que tudo o que é
bom dura pouco, muito menos do que realmente desejamos.
Capítulo 16

Oh. Meu. Deus!


O que foi isso que acabou de acontecer nesse quarto?
Por um instante, tenho a sensação de que já faz muito tempo desde que eu estava sentada
no chão sob uma chuva torrencial, implorando para que, de alguma maneira, Deus pudesse me
libertar dessa vida de sofrimento; mas a realidade é que, no máximo, se passaram duas horas
desde que saí do quarto em direção à tempestade.
Regan tem o poder de moldar tudo à sua volta, o homem é tão intenso e poderoso que por
alguns instantes, penso que ele pode controlar até mesmo o tempo, mesmo que eu saiba que isso
é humanamente impossível.
Minhas bochechas coram enquanto ele caminha calmamente em minha direção trazendo a
bandeja com alguma comida que cheira maravilhosamente bem.
Meus olhos cruzam rapidamente com os da mulher antes que ela feche a porta do quarto
nos deixando a sós novamente, merda, o que será que ela pensou ao nos ver assim?
Regan vestindo apenas uma calça que não esconde nada o volume entre as suas pernas e
eu, vestida apenas com uma das suas camisas largas.
— Está com fome, Eileen? — Ele senta ao meu lado cruzando a perna esquerda sobre a cama
quando retira a tigela com o caldo fumegante enchendo uma colher e direcionando aos meus
lábios.
— Não muito — falo sincera, porque depois de tudo o que aconteceu entre nós, se tem algo que
sequer passa em minha mente é fome, de comida, minha mente sopra traidora.
— Você jantou hoje, Eileen? — pergunta e coloca mais uma colherada em minha boca, aceno
negando com a cabeça. — Você emagreceu — afirma.
— Talvez um pouco.
— Porque não estava se alimentando, Eileen?
— Não tinha fome. — Ele estreita os olhos para mim.
— Mas precisa comer para se recuperar mais rápido. — Coloca outra colherada em minha boca e
olha firmemente para os meus lábios. — Agora ainda mais. — Completa com a voz rouca e eu
abaixo os olhos, envergonhada por entender exatamente o porquê dele ter dito isso.
— Regan, eu...
— Sem desculpas, cailín. Apenas coma. — Ele interrompe qualquer tentativa de explicação com
um olhar firme.
Aceito a próxima colherada, mas a comida parece perder o sabor diante do turbilhão de
sentimentos que ocupam minha mente. O desejo, a vergonha e a confusão misturam-se em um
coquetel embriagador, deixando-me atordoada.
Depois que termino a refeição, Regan retira a bandeja, e nossos olhares se encontram
novamente. A tensão entre nós é palpável, como uma corrente elétrica que percorre o ar.
— O médico chegou para examiná-la — Regan avisa, quebrando o silêncio após atender a uma
chamada no celular, vai até o closet e volta vestindo uma camisa preta simples que marca todo o
seu corpo e deixa os braços fortes amostra.
Apenas assinto com a cabeça, incapaz de formular palavras diante da complexidade dos
sentimentos que me envolvem.
Minutos depois, a porta se abre e o médico entra no quarto. É o mesmo médico que tem
me acompanhado nos últimos dias, um homem de meia-idade, com óculos de aro metálico e uma
expressão sempre muito séria no rosto. Regan se levanta para cumprimentá-lo.
— Doutor Connelly. — Regan estende a mão na direção do homem que a aperta de volta em
cumprimento.
— Bom, vamos verificar como você está,. — O médico se aproxima, tirando alguns instrumentos
de sua maleta. Ele me examina sob o olhar atento de Regan que permanece em silêncio,
observando cada movimento do médico. — Aparentemente, está tudo bem com você Eileen, me
parece que você está se recuperando bem da lesão no tornozelo. Está sentindo alguma dor ou
desconforto significativo? — O médico indaga.
— Apenas as dores costumeiras, doutor — respondo, evitando olhar diretamente para Regan.
Após terminar de me examinar, o médico anota algumas informações em seu tablet, em seguida
me ajuda a calçar novamente a bota ortopédica que trouxe.
O médico termina de recolher seus instrumentos e faz algumas anotações em seu bloco de
receitas, me passa algumas medicações para aumentar a imunidade e depois, se vira para Regan,
pronto para deixar o quarto.
— Se precisar de mais alguma coisa, Eileen, estarei à disposição — Doutor Connelly fala,
olhando para mim com um sorriso discreto.
— Obrigada, doutor — respondo e Regan nos observa, o médico acena para ele e segue para a
porta do quarto, entretanto, antes que o médico gire a maçaneta, Regan o chama de volta.
— Doutor Connelly, uma última coisa. — O médico volta seu olhar para Regan, esperando que
ele fale o que deseja. — Eu gostaria que você prescrevesse um método contraceptivo para Eileen.
— Regan declara, pegando-me de surpresa.
Meu coração acelera, e sinto o calor subir pelo meu rosto, provavelmente criando um
contraste evidente com a palidez da minha pele.
— O quê? — Minha voz sai mais baixa do que eu pretendia, e meu olhar se volta para Regan,
perplexa.
O médico mantém uma expressão neutra, totalmente profissional. Ele ajusta os óculos e
olha para mim rapidamente, mas não aguarda uma confirmação ou objeção antes de apoiar mais
uma vez sua maleta sobre a mesa e apanhar um bloco receituário.
— Você tem alguma preferência quanto ao método contraceptivo, Eileen? — Ele pergunta,
tentando abordar o assunto com delicadeza, mas deixando claro que independente da minha
vontade fará o que Regan solicitou. — Pílula, injeção, implante hormonal — ele explica. — Hoje
temos muitas opções no mercado, posso prescrever algo de imediato, mas aconselho que procure
um ginecologista.
— Eu... eu não sei doutor. — Gaguejo, constrangida pela intimidade da conversa. — Talvez não
seja o momento...
Regan parece ignorar meu desconforto e me interrompe.
— Prefiro tomar precauções desde já Eileen, uma gravidez não é algo com o qual eu possa lidar.
— Ele justifica, desviando os olhos entre mim e o médico. — Prescreva algo para uso imediato e
depois providenciarei a consulta com a ginecologista.
O doutor Connelly assente, evidentemente acostumado a lidar com situações desse tipo,
mas em momento algum contradiz a ordem clara de Regan.
— Claro, eu posso prescrever algo para o momento.
Assinto com a cabeça, ainda muito envergonhada e sem acreditar na reviravolta da
conversa. O médico entrega o papel a Regan e sai do quarto logo em seguida, e Regan, mesmo
diante do meu olhar de incredulidade, parece satisfeito com sua decisão.
— Eu só quero garantir que estejamos cuidando de todos os detalhes, Eileen — ele diz, como se
fosse a coisa mais natural do mundo. — Você me deseja tanto quanto eu a desejo, então vamos
tornar as coisas mais simples.
Fico calada, processando o que acabou de acontecer. Regan parece determinado a moldar
o futuro de acordo com suas próprias vontades, sem levar muito em consideração as minhas, e
isso é algo que não me deixa confortável.
O médico pode até prescrever a medicação conforme ele ordenou, mas apenas eu tenho o
poder de decidir se tomarei ou não.
Uma coisa é deixar que ele cuide de mim, outra coisa é deixar que ele domine aspectos da
minha vida que não lhe dizem respeito, eu prefiro evitar o embate no momento, mas dentro de
mim sei, que essa é uma decisão que apenas eu tomarei.
— O doutor Connelly disse que está tudo bem com você, Eileen, mas saiba que a partir de
hoje, vou manter os olhos ainda mais atentos em você. — Regan quebra o silêncio
desconfortável, sentando-se na beirada da cama. A tensão persiste no ambiente, e agora sinto o
peso do olhar de Regan sobre mim.
— Tudo bem. — Minha voz sai mais baixa do que eu pretendia.
— Eileen, sobre o que solicitei ao médico... — Ele começa, eu o interrompo, como eu disse, é
uma discussão que não nos levará a lugar algum, uma vez que essa é uma decisão que cabe
apenas a mim.
— Não precisa explicar, Regan. Eu entendi. — Desvio o olhar, tentando disfarçar a intensidade
das emoções que ainda ecoam dentro de mim.
— Não é só isso. — Ele suspira, parecendo buscar as palavras certas. — Eu não devia ter... Eu
deveria ter conversado com você antes.
— Sobre o que, Regan?
— Sobre mim, sobre o que faço da vida, Eileen.
— Eu sei, Regan — afirmo, porque ainda que ninguém tenha me dito em palavras, assim que
entrei nessa casa eu descobri quem Regan era de fato.
— Sabe? — questiona como se não acreditasse, e eu confirmo com a cabeça.
— Sei, mas Regan, por favor. Vamos deixar isso para lá, não é importante no momento. —
Interrompo-o, temendo o que mais poderia ser dito. Temendo que Regan desista de ir adiante
comigo, porque não sei se quero explorar esse terreno delicado.
— É claro que é importante Eileen, como não seria? Se sabe quem sou, conhece as implicações
de estar ao meu lado. Tem certeza que é isso que você quer? — Confirmo com a cabeça. —
Então vamos esclarecer as coisas, o que você sabe sobre mim? O que você quer saber? Esse é o
momento, menina.
Regan olha fixamente para mim, seus olhos buscando qualquer sinal de hesitação ou
medo. Percebo a seriedade em sua expressão e sei que ele não avançará enquanto não tivermos
essa conversa.
— Sei que você é Regan Bran Gwydion, não apenas o empresário e pai da minha amiga, mas o
guardião da Irlanda, o chefe da máfia local.
— Kira te contou? Como você soube?
— Digamos que sou observadora, você está sempre cercado de homens muito armados, além de
você, é claro sempre está portando uma arma também. — Ele acena confirmando com a cabeça.
— Mas como eu disse, isso não é importante para mim, meus pais me provaram que não precisa
ter uma arma nas mãos para que se ofereça perigo, e dentro de mim sei, que você não me oferece
qualquer perigo, Regan.
— Confesso que dificilmente alguém me surpreende Eileen, mas você acaba de conseguir essa
proeza, o que lhe faz pensar que sou o chefe e não um membro apenas?
— Isso... — penso no que responder —, foi apenas um palpite, você não me parece com alguém
que aceita ordens, está mais para alguém que tem o hábito de dá-las. — Percebo um erguer leve
dos cantos dos seus lábios, quase um arremedo de sorriso.
— Muito astuta e observadora você, Eileen, mas você acertou em seu palpite, não sou apenas um
empresário comum. — Ele começa escolhendo cada palavra com cuidado, como se precisasse
que eu ouvisse dos seus próprios lábios o que ele quer que eu saiba. — Sou o chefe do Clã, líder
da máfia local.
O impacto das palavras de Regan faz meu coração acelerar. Sim, eu já sabia disso, mas
ouvir torna tudo ainda mais real, como eu disse, não o temo, mas sei que a máfia é um mundo de
perigos e segredos que agora estão muito próximo de mim.
— Tudo bem, obrigada por ser sincero comigo. — Regan assente, mantendo o contato visual.
— Sim, Eileen. Não quero esconder nada de você. É um estilo de vida complicado, cheio de
desafios e perigos. E eu entendo se isso mudar as coisas entre nós, se você quiser voltar atrás, foi
por isso que pedi ao médico um método contraceptivo, eu não posso e não quero mais ter filhos,
Kira foi única em minha vida, e se decidir estar ao meu lado, saiba que não poderei te dar o que
todas as garotas sonham: casamento, filhos, uma família e um relacionamento de conto de fadas.
Engulo seco e o silêncio paira no quarto, pesado e carregado de significado. Eu o
encaro, tentando processar suas palavras. A ficha de fato começa a cair, e percebo que estou
envolvida em algo muito maior e mais perigoso do que poderia imaginar.
Será que desejo tudo isso que ele disse que não poderia me dar para o meu futuro? E se
eu desejar, estou disposta a abdicar de tudo apenas para estar com ele?
— Por que está me falando isso agora? — pergunto, buscando compreender suas motivações.
Regan suspira alto antes de responder.
— Porque se formos seguir adiante, eu quero que você esteja ciente de tudo, Eileen. Quero que
tome essa decisão sabendo no que está se envolvendo, não quero que depois de um tempo se
sinta enganada. Apesar da pouca idade, você é uma mulher, e por isso, tem o poder de tomar as
suas próprias decisões conscientemente.
Fico em silêncio por um momento, refletindo sobre as palavras dele. O peso da verdade
paira sobre nós, e eu me vejo diante de uma encruzilhada. Olho nos olhos intensos de Regan, e
vejo a sua sinceridade. Ele não está me prometendo nada além do que está disposto a me dar,
mas me questiono se será o suficiente, porque algo me diz que quando ele me tocar, eu sempre
desejarei um pouco mais.
— Eileen, isso muda alguma coisa para você? — ele pergunta, sua expressão séria, esperando
minha resposta que não vem de maneira voluntária.
Minhas emoções estão em tumulto, mas, mesmo com a sua sinceridade impactante, algo
dentro de mim me impede de recuar.
— Não, Regan. Não muda nada — respondo com firmeza. — Ainda quero seguir em frente,
mesmo sabendo quem você é e as consequências disso.
Regan parece surpreso e, ao mesmo tempo, aliviado. Ele estende a mão, tocando meu
rosto suavemente.
— Só tem uma coisa, Regan — falo, enquanto ele desliza a pontinha dos dedos por minha pele
causando um tremor.
— Diga. — Sua voz sai rouca.
— O que quer que tenhamos, termina quando um de nós não quiser mais, eu serei sincera com
você e você será sincero comigo, e se um dia eu quiser partir, você não vai me impedir, assim
como se você não me quiser mais, me mandará embora, tudo bem?
Regan me observa com surpresa em seus olhos, talvez ele não esperasse por essas
palavras, mas preciso ter a segurança de que se um dia o fardo for muito pesado para mim, ele
me deixará partir sem que eu precise fugir como fiz anos atrás, não sei se terei forças para
enfrentar tudo novamente.
— Por mim tudo bem, Eileen. — O clima torna-se pesado entre nós, o peso das nossas decisões e
as consequências delas recaindo em nossos ombros, a névoa de desejo ainda paira no ar nos
envolvendo como um beijo cálido e, ao mesmo tempo perigoso.
O olhar intenso de Regan busca a confiança e certeza nos meus olhos. Nesse momento,
tomamos a decisão de seguir adiante juntos, mas não fazemos ideia de quanto tempo durará ou
até mesmo se restará algo de nós quando essa loucura chegar ao fim.
Capítulo 17

Em um piscar de olhos, Regan se aproxima lentamente de mim, a atmosfera densa da


incerteza do nosso futuro cede lugar para o desejo que nos envolve.
Sinto quando suas mãos deslizam por meu pescoço numa carícia lenta e torturante, me
fazendo arfar baixinho.
Seu toque é uma promessa silenciosa de prazer, e eu me perco nos olhos intensos de
Regan enquanto ele se aproxima lentamente, como um felino cercando a sua presa, prendendo a
sua atenção, fazendo-a travar o menor dos movimentos e mantendo-a cativa. A tensão sexual no
ar é palpável, e cada respiração parece um prelúdio para o que está prestes a acontecer.
— Eileen... — ele sussurra meu nome, e sua voz rouca e carregada de desejo envia arrepios pela
minha espinha.
As mãos de Regan suspendem de uma vez a camisa que cobre o seu corpo, a peça cai no
chão, revelando o abdômen esculpido que me faz perder o fôlego. Minhas mãos tremem
involuntariamente, ansiosas por explorar cada centímetro da pele que se revela diante de mim.
Com um movimento suave, Regan desabotoa a camisa que visto e a joga para longe,
deixando-me novamente exposta diante de si e suportando ofegante à intensidade do seu olhar.
Seus olhos percorrem meu corpo, como se memorizassem cada curva, cada pequeno sinal e
cicatriz que conta parte da minha história.
— Você é tão linda, Eileen — ele murmura, e sua sinceridade aquece meu coração.
Sem dizer mais nada, Regan me puxa para um beijo. Seus lábios encontram os meus num
encaixe perfeito, o calor do seu corpo se funde ao meu. O beijo é uma explosão de sensações,
uma dança íntima que nos envolve e nos leva para um lugar onde só existimos nós dois.
Esquecemos o futuro e os problemas que este possa nos trazer e simplesmente nos
permitimos sentir e viver o momento.
Regan explora cada centímetro do meu corpo com reverência e desejo, suas mãos traçando
caminhos conhecidos e desconhecidos, desvendando-me intimamente, de uma maneira que nem
eu mesma fui capaz.
— Gostosa demais mo chailín. — Regan geme rouco, seu corpo pairando sobre o meu, seus
olhos são predatórios, ele parece dizer sem palavras que não será piedoso, que tomará tudo de
mim até que esteja saciado, e posso apostar que ele não é o tipo de homem que se sacia com
facilidade. — Quero te comer com força, menina, depois que eu foder essa bocetinha pequena,
vou te colocar de quatro e meter fundo até as bolas, até você gritar de desespero depois de muitos
orgasmos.
— Oh, Regan. — Gemo uma súplica após ouvir suas promessas, porque mesmo que eu ainda
não tenha provado o sexo propriamente dito, desejo que ele cumpra todas elas.
Meu coração está acelerado de desejo, minha mente formula o cenário que ele acaba de
fantasiar em meu ouvido, a pele do seu tórax tocando os meus seios, seu membro rijo roçando
entre as minhas pernas e estimulando o meu clitóris. Oh, Deus, não sei se restará muito de mim
quando terminarmos.
Minha respiração está ofegante enquanto a dele permanece calma, se não fosse o
membro rijo entre as minhas pernas e os olhos crispando de desejo, nada em Regan denunciaria
o seu tesão. Ele é um poço de autocontrole.
O calor do seu corpo domina o meu, seu cheiro másculo dominando cada um dos meus
sentidos, Regan desce os lábios pelo meu pescoço, em seguida segura a minha mão colocando-a
sobre o seu membro e me fazendo corar, de desejo e vergonha ao mesmo tempo.
Eu o encaro e mesmo envergonhada por estar com a mão sobre o membro pulsante,
não consigo abandonar o volume enorme entre as suas pernas e por isso aperto levemente o que
o faz gemer contra o meu seio.
Não consigo me impedir de pensar, se suportarei tê-lo todo dentro de mim. Se Regan
me machucará quando me invadir ou se será tão gostoso quanto as sensações que ele desperta
com os seus lábios em meu corpo.
— Vou te foder gostoso, Eileen, mas não vou te machucar. — Suas palavras vibram em minha
pele como se ele lesse os meus pensamentos. — Depois que eu te foder você não vai querer mais
nada menina.
Oh, Deus, estou com o corpo inteiro tremendo, é impossível não temer, ao mesmo
tempo que não paro de desejar que ele cumpra cada uma das suas promessas.
Sua mão, grande e pesada desce por meu corpo, os lábios abandonam os meus seios e
sobem por meu pescoço, percorrendo com a língua molhada cada pedaço de pele até alcançar o
meu queixo e morder bem ali.
Suspiro envolta no mais puro desejo, nunca imaginei que um homem pudesse fazer
esse tipo de coisa apenas usando a língua, Regan sequer tocou em meu sexo e eu já me sinto
pulsar.
Ele beija os meus lábios ao mesmo tempo em que os seus dedos pinçam os meus
mamilos me fazendo gemer alto, suas mãos se afastam do meu corpo e abro os olhos quando
percebo o movimento que faz para abaixar a calça de moletom e ficar totalmente nu diante de
mim.
— Me toque, Eileen. — Geme rouco deitando o seu corpo sobre o meu, sinto o membro pulsar
entre as minhas pernas e me esfrego contra ele buscando alívio. — Não com a boceta amor, me
toque com as suas mãos, sinta o que logo em breve estará dentro de você.
— Regan, por favor... — Gemo.
— Sente isso, Eileen? Sente o meu pau pulsando por você?
— Sim — respondo no automático.
— Esfrega ele em seu clitóris, Eileen. — Comanda e abro os olhos envergonhada encontrando as
irises azuis presas em meu rosto.
— Eu não sei... — falo envergonhada e afrouxo o aperto em seu membro.
— Não solte Eileen — fala e travo as mãos ainda sem soltar totalmente o seu membro. — Você
já se masturbou? Já se deu prazer? — pergunta e eu confirmo com um aceno de cabeça, sinto o
meu rosto pegar fogo instantaneamente. — É o mesmo mo chailín, faça os mesmos movimentos
que fazia com o seu dedo, só que use o meu pau para isso.
— Ahh... — Gemo, mas meus dedos voltam a apertar a sua carne e eu faço exatamente como ele
disse, encosto a cabeça robusta em meu centro e giro ela em movimentos circulares. — Regan.
— meu coração acelera quando imprimo o ritmo que gosto, sua boca chupa meu peito com força
e morde a ponta do mamilo me fazendo aproximar cada vez mais rápido do orgasmo. — Por
favor, eu quero...
— O que quer, Eileen? — pergunta sem abandonar meus seios, e não consigo responder, mas
intensifico o movimento em meu centro de prazer. — Quer gozar?
— Sim, por favor, mas... — Interrompo as palavras envergonhada, mas não diminuo a pressão.
— Mas, o que Eileen, fale amor, peça o que quer.
— Quero com você em mim... — sussurro entorpecida de prazer.
— Assim? — Ele ajoelha entre as minhas pernas, afasta minhas mãos do seu membro rijo e
como fez mais cedo encaixa apenas a cabecinha na minha entrada apertada.
— Sim, por favor. — Gemo rouca e ele gira o meu clitóris com o seu dedo, me empurrando cada
vez mais para a borda.
— Quer que eu me enterre em você enquanto goza, Eileen? — pergunta rouco sem diminuir a
pressão. — Porra, eu quis fazer isso mais cedo, e agora... — Geme quase torturado.
— Faça isso Regan, eu estou quase — respondo.
— Não coloquei ainda a camisinha, Eileen, mas me afastar agora será uma tortura. — Sua voz
sai entrecortada.
— Não se afaste, Regan. — Imploro, porque não quero perder o contato, não agora que estou tão
perto.
— Ah, merda garota, você me faz perder a razão. — Geme rouco fazendo movimentos de vai e
vem em seu membro ainda com a cabeça encaixada em minha entrada, o punho batendo em
minha carne e aumentando o meu prazer, o polegar girando sem parar no meu clitóris.
— Agora, Regan, eu vou. Ahhhhhhhhhhhhhh! — Não tenho tempo de terminar a fala porque no
instante seguinte sinto a invasão de uma só vez, meu sexo pulsa esmagando o dele, dentro de
mim.
Aconteceu, eu perdi minha virgindade com o homem que eu sequer deveria desejar.
Capítulo 18

— O que quer, Eileen? — pergunto sem abandonar seus seios, e percebo quando ela se masturba
mais firmemente com o meu pau, assim como orientei, porra de garota vai foder meu juízo. —
Quer gozar?
— Sim, por favor, mas quero...
— Mas, o que Eileen, fale amor, peça o que quer.
— Quero com você em mim... — Caralho de mulher gostosa, essa dualidade em Eileen, ela
passeia entre a inocência e o desejo numa velocidade que eu mal consigo acompanhar e olha que
sou um homem naturalmente acelerado.
— Assim? — Me ajoelho entre as suas pernas, seguro o meu pau, e assim como fiz mais cedo,
encaixo apenas a cabecinha na entrada apertada.
— Sim, por favor. — Geme manhosa e eu belisco o clitóris antes de voltar a estimulá-lo em
movimentos circulares enquanto também me masturbo.
— Quer que eu me enterre em você enquanto goza, Eileen? — A pergunta sai da minha garganta
sem que eu possa controlar. — Porra, eu quis fazer isso mais cedo, e agora... — Confesso o meu
desejo.
— Faça isso Regan, eu estou quase — ela fala e sinto o fio da minha sanidade começar a se
romper.
— Não coloquei ainda a camisinha, mas me afastar agora será uma tortura. — Tento ser racional,
mesmo envolto na névoa de prazer.
— Não se afaste, Regan. — Porra, pede com a voz torturada, como se a simples menção de me
ter longe dela fosse uma sentença de morte.
— Ah, merda, garota, você me faz perder a razão. — Não paro de me masturbar e de estimulá-la.
— Agora, Regan, eu vou. — Pela primeira vez na vida, não penso nas consequências, eu ajo por
puro instinto e me enterro de uma vez na boceta que além de apertada pela virgindade pulsa sem
parar com o orgasmo. — Ahhhhhhhhhhhhhh! — ela grita de prazer e imagino que também de
dor, por isso me debruço sobre o seu corpo e me mantenho parado até que o último espasmo de
prazer seja sentido pelo meu pau.
— Shiii. — Beijo o seu rosto e limpo duas lágrimas que escorrem do cantinho dos seus olhos
com os lábios. — Já passou, Eileen, a pior parte já passou — sussurro e volto a beijar o seu rosto
com o máximo de delicadeza que consigo, o que é pior do que uma tortura para mim, uma vez
que o meu pau segue duro e enterrado até o talo em sua bocetinha. — Tá doendo muito?
— Um pouco. — Confessa com a voz levemente rouca.
— Vou começar a me mover, bem devagarinho — aviso e dou início os movimentos. — Se
estiver ruim para você me avise e eu paro, tudo bem?
Falo e ela concorda com a cabeça, mas não reclama em momento algum, embora vez
ou outra ela trave as pernas em minha cintura não me impede de ditar um ritmo cadenciado e
gostoso para nós dois.
— Relaxa, amor. — Gemo contra os seus lábios, levando a mão entre os nossos corpos e
voltando a estimular o seu clitóris. — Prometo que vai ficar gostoso novamente.
No início Eileen arfa, provavelmente ainda sensível pelo orgasmo recente, mas eu não paro
até que ela demonstre em seu rosto que está voltando a sentir prazer e não apenas a dor da
primeira penetração.
Não a fodo firme como gosto, mas imponho um ritmo que logo, logo nos levará ao
orgasmo, ela prende a minha cintura com as pernas tornando o contato mais profundo.
Desço a boca até o seu seio e brinco com a língua em movimentos rápidos e em
seguida chupo com força, intercalo entre os dois usando a mão e a boca, mas sem abandoná-la
por um segundo sequer.
Meus quadris aumentam a velocidade gradativamente à medida que o prazer se
reconstrói entre nós dois, Eileen geme e eu gemo de volta, meus quadris empurrando cada vez
mais firme dentro dela até que sinto... sinto sua boceta piscar me apertando com força, a
respiração pesar e o corpo estremecer debaixo do meu, bato mais umas três vezes, firme e forte
dentro dela e quando ela se joga mais uma vez do precipício eu solto um rugido, gozando feito
louco em seu interior.
Me movo devagar até que todo prazer escorra de dentro de mim, até que não reste nada
mais além do prazer de gozar dentro dela, e lembrar disso me faz querer dar um tiro na minha
própria cabeça, mas por um instante me permito sentir e não pensar.
E porra, eu sinto cada uma das sensações como se fossem amplificadas, sinto a última
gota de esperma sair do meu pau melando ainda mais o seu interior, me movo devagarzinho, um
pequeno vai e vem com a única intenção de sentir ainda mais, quero sentir a viscosidade do meu
gozo dentro dela, sentir a carne quente pulsando ainda levemente, com Eileen quero sentir tudo.
— Você está bem? — Encaro o seu rosto ainda ruborizado pelo orgasmo. — Está sentindo dor?
— Ela nega e eu beijo o seu pescoço. — Vou sair de dentro de você — aviso, mesmo que a ideia
de me afastar não seja agradável no momento.
— Fica só mais um pouquinho — ela pede manhosa. — Tô com medo de doer quando sair. —
Confessa e eu sorrio orgulhoso e deito sobre o seu seio para aguardar o tempo que ela precisa.
E é nesse instante que eu me dou conta do quanto estou fodido, porque nunca, em toda
a minha vida, eu me mantive dentro de uma mulher por mais de alguns segundos após ter
gozado, e agora, com Eileen, eu me permito ficar por quanto tempo ela desejar.
Estou mesmo ferrado.
A garota me pegou pelas bolas e eu feito um tolo estou me deixando ser conduzido
pelo seu bel-prazer.
Depois de algum tempo finalmente saio de dentro dela, rolo o corpo para o lado e a
puxo para acomodar entre os meus braços.
— Você está bem? — pergunto acariciando levemente as suas costas, Eileen está deitada sobre o
meu peito.
— Sim — responde com a voz baixinha.
— Tem certeza? — Tento confirmar um pouco preocupado com a intensidade com a qual transei
com ela, porra a menina era virgem e eu me enfiei em seu corpo como um animal no cio. — Se
precisar, posso chamar o médico novamente.
— Não precisa. — Ela levanta os olhos para mim como se precisasse me assegurar de que está
falando a verdade. — Tá tudo bem comigo, Regan, eu só estou um pouco molinha. — Confessa
desviando o olhar dos meus.
— Molinha eu vou te deixar quando eu realmente puder fazer com você tudo o que desejo mo
chailín. — Minha voz sai baixa e ela ofega com a promessa. — Agora descanse, Eileen, exigi
muito mais do seu corpo do que ele poderia me dar essa noite. — Ela confirma com a cabeça e
eu imagino que fecha os olhos, mesmo que eu não consiga ver o seu rosto bonito no momento.
Por incrível que pareça, quero mantê-la assim, entre os meus braços, quero que Eileen
esteja segura ao meu lado como jamais desejei estar com qualquer outra pessoa, é uma
necessidade quase visceral.
— Eileen... — chamo antes que ela durma.
— Oi. — Sua voz está sonolenta, quase um sussurro.
— Transamos sem preservativo. — Ela balança a cabeça confirmando. — Amanhã quando
providenciar que alguém compre o anticoncepcional que o médico receitou, vou trazer uma
pílula do dia seguinte para você tomar — aviso e ela não responde, apenas suspira audivelmente.
Não quero que ela alimente falsas esperanças com relação a mim, entregarei tudo o que
puder enquanto ela estiver ao meu lado, mas não quero que ela deseje algo que jamais terá de
mim.
Na minha vida, tem coisas que são inegociáveis e gravidez é uma delas.
Eileen é nova demais, posso apostar que sonhadora também, eu sequer deveria tê-la
tocado, não merecia dominar o seu corpo livre de mazelas com o meu tão imundo com as
desgraças que já passei na vida, mas a verdade é que nunca fui um cara correto, e não me
orgulho do que fiz com a garota.
Não quero nem pensar o que será de mim quando ela quiser partir, e eu sei que em
algum momento ela vai querer, e como prometi, eu a deixarei ir, mesmo que leve consigo o resto
de humanidade que ainda me sobrou.
Depois de algum tempo, percebo a sua respiração ficar mais regular e imagino que
tenha dormido, fecho os olhos tentando descansar pelo menos um pouco, mas não consigo, a
culpa e o desejo ainda latentes em meu corpo não permitem.
Estar com Eileen foi intenso demais, mesmo para um homem tão experiente quanto
sou, a névoa de desejo que nos envolveu foi densa demais, como se estivéssemos em um êxtase
compartilhado, uma sensação quase etérea me dominou quando gozei dentro do seu corpo.
Ainda acordado, vejo quando a manhã chega devagar, revelando os raios de sol que
atravessam as cortinas pesadas e levemente entreabertas em meu quarto.
Eileen segue deitada sobre o meu peito, meus braços protetoramente presos a sua volta, a
respiração baixinha, seu corpo envolvido pelos lençóis que testemunharam a nossa conexão, o
sangue manchando e comprovando que corrompi a sua carne.
Ainda não compreendo como ela pode ficar tão confortável ao meu lado, logo eu, o
homem mais temido de toda a Irlanda, consigo manter em meus braços a mulher mais linda e
delicada que já toquei na vida.
Ouço um barulho vibrar em minha mesa de cabeceira, estico um dos braços alcançando
o aparelho de celular e atendo a chamada.
— Regan... — Eamon fala do outro lado da chamada e pelo seu tom de voz me ponho em alerta.
— Diga — falo, mais baixo do que estou acostumado, não quero acordar Eileen, acredito que
não passa das seis horas da manhã e ela precisa descansar um pouco mais.
— Eu consegui uma pista do traidor. — Todos os meus sentidos me põem imediatamente em
alerta. — Finalmente temos algo concreto.
— Onde você está? — pergunto apoiando o celular contra o ombro e afastando o corpo de Eileen
do meu com cuidado.
— No porto, galpão trinta e cinco, já liguei para os outros, teremos diversão para o dia —
Eamon fala e eu sei exatamente a que tipo de diversão ele se refere, meu amigo sente prazer na
caça e tortura dos nossos inimigos, não é muito diferente de todos nós, no entanto, Eamon é o
pior de todos sem dúvidas.
— Chego em menos de uma hora — aviso e encerro a chamada.
Sigo direto para o meu banheiro, no meu pau ainda vejo os vestígios do sangue de
Eileen, porra, eu sequer cuidei ou limpei a garota depois de tudo o que fizemos, eu só quis
mantê-la em meus braços, como se isso fosse suficiente para fazer com que ela nunca se
afastasse de mim.
Tomo um banho rápido e após enrolar uma toalha na cintura apanho uma toalha de
rosto e umedeço com a água morna do chuveiro, ajoelho sobre a cama e abro as pernas de Eileen
vendo não apenas os resquícios de sangue, mas também do meu esperma endurecido em sua
pele.
Porra, meu pau reage instantaneamente com a visão, Eileen geme baixinho enquanto
limpo o seu corpo com a toalha úmida e quente.
As marcas em seu corpo das minhas mãos e dos meus chupões me fazem sentir como
um homem das cavernas querendo prendê-la a mim para sempre mesmo que eu saiba que isso
não é possível.
Termino a tarefa com cuidado para não a acordar e, após cobrir o seu corpo com um
cobertor, sigo para o closet para me vestir.
Por um instante desejei não ter tantas obrigações apenas para poder ficar ao lado da
garota, mas como sei que essa é uma ideia que não posso levar adiante, sem pensar muito na
questão, apanho as chaves e a carteira e saio do quarto deixando Eileen para trás.
Assim que passo da porta, me transformo no que sempre fui e no que preciso ser: o Ard
[27]
Rí aquele que está sempre um passo à frente dos seus adversários, líder do meu Clã e dono do
meu País.
Capítulo 19

A luz do sol invade o quarto através das frestas das cortinas, despertando-me suavemente
de um sono profundo. Por um momento, fico perdida entre a névoa do sono e a realidade que aos
poucos se faz presente.
Então, como um soco no estômago, a consciência retorna, trazendo consigo uma sensação
de vazio ao esticar os braços para o lado na cama e constatar que estou sozinha.
Olho ao meu redor, buscando a presença de Regan, mas encontro apenas o espaço vazio ao
meu lado na cama. Um nó se forma em minha garganta, e uma onda de decepção me atinge em
cheio. Ele se foi deixando-me para trás, como se nossa noite juntos não significasse nada.
As lembranças da noite anterior inundam minha mente, e um calor familiar se espalha por
todo o meu corpo. As carícias, os beijos, a paixão desenfreada que nos consumiu... Tudo parece
tão real, tão intenso, como se ainda estivéssemos juntos.
Mas agora ele se foi, e eu estou aqui sozinha, tentando entender o que aconteceu. Será que
tudo não passou de uma ilusão? Uma fuga temporária da realidade que agora me encara e sorri
do meu desespero?
Deslizo os dedos pelo lençol macio, sentindo a textura suave sob minha pele. A cama
continua morna, como se Regan estivesse ali há apenas alguns instantes. Mas sei que não é
verdade.
Ele foi sincero, deixou claro que eu não deveria criar muitas expectativas sobre ele, mas eu
criei, não é como se esperasse que entre entrasse por essa porta trazendo consigo uma bandeja de
café da manhã decorada com rosas que ele mesmo colheu.
Não é isso!
Entretanto, eu esperava que pelo menos, ele estivesse ao meu lado ao acordar, que ao
menos demonstrasse que o que tivemos, o que senti em seus braços foi real.
Um suspiro escapa dos meus lábios, carregado de uma mistura de tristeza e frustração. Eu
deveria ter esperado por isso. Deveria ter sabido que Regan não seria capaz de se entregar
completamente, de se entregar a mim.
Mesmo sabendo disso, não consigo evitar a sensação de vazio que se instala em meu peito.
Uma parte de mim deseja que ele estivesse sim aqui, ao meu lado, compartilhando este momento
comigo. Esperasse pelo menos da primeira vez que acordei ao me entregar a um homem.
Outra parte, aquela que é mais realista e sabe que a vida não é um conto de fadas, entende
que é melhor assim, que é melhor estar sozinha do que presa a alguém que nunca será capaz de
me oferecer o que eu realmente desejo.
Não vou fugir, o que tivemos foi intenso demais para abandonar tão rapidamente, mas vou
me resguardar, tentar blindar meus sentimentos e aproveitar enquanto isso for bom para nós dois.
Sei que chegará o momento de partir, eu pedi por isso, Regan prometeu, e definitivamente,
ele é o tipo de homem que cumpre com as suas promessas, e quando esse dia chegar, eu preciso
estar inteira para seguir em frente.
Levanto-me lentamente da cama, sentindo os músculos doloridos pela noite que
compartilhamos. As lembranças da noite anterior me acompanham enquanto me cubro,
envolvendo-me como uma manta confortável que me protege do mundo lá fora.
Caminho até a janela, a chuva ainda cai incessante lá fora, me encaro no reflexo do vidro,
encontro uma mulher que ainda não sabe o que quer, que está perdida nos sentimentos e
sensações que Regan despertou, mas que também não se faz de vítima e está determinada a
descobrir o que virá a seguir.
Eu me entreguei ao desejo, meu corpo ainda guarda as marcas do que fizemos, mas não
estou disposta a me contentar com migalhas, decido que darei a Regan exatamente o que ele me
proporcionar, aproveitarei o quanto for possível, mas resguardarei o mais profundo dos
sentimentos.
Respiro fundo, preparando-me para enfrentar o dia que se estende diante de mim.
Provavelmente mais um dia em que apenas verei o tempo passar, sem ocupações, sem
motivações, apenas o tempo passando diante de mim sem saber o que acontecerá a seguir.
Sigo para o banheiro de Regan e tomo banho relembrando do seu toque e como ele cuidou
de mim ontem à noite quando me resgatou da chuva e da tempestade.
Visto a mesma camisa que ele me emprestou e, correndo pelo corredor, entro no quarto
que eu ocupo na casa.
Noto que Máire já retirou a bandeja que trouxe para mim ontem à noite e que eu sequer
toquei, provavelmente notou a minha ausência e que eu não dormi no quarto uma vez que os
lençóis seguiram intocados.
Me visto e resolvo descer para tomar café na sala de jantar, acabo de descobrir algo
bom depois do que aconteceu ontem à noite entre mim e Regan: ele me motivou.
Eu estava presa em um limbo, presa aos meus sentimentos de culpa, e agora eu
percebo que embora Kira e Fiona tenham morrido eu sobrevivi.
Na cozinha, encontro Máire preparando uma bandeja de café da manhã, provavelmente
levaria até o meu quarto.
— Bom dia, Máire.
— Bom dia, Eileen. Dormiu bem? — ela pergunta, com um sorriso gentil nos lábios, mas seus
olhos brilham com uma curiosidade indiscreta.
Seus olhos perspicazes encontram os meus e, por um instante, sinto-me exposta diante
dela, como se pudesse ler meus pensamentos.
— Sim, dormi, obrigada — respondo, tentando manter uma expressão neutra, apesar da
vergonha que começa a se insinuar dentro de mim.
— Vai tomar café da manhã na sala de jantar hoje? — Sonda, porque desde que cheguei nessa
casa, nenhuma das vezes que fiz as refeições fora do quarto foi de forma voluntária.
— Sim, mas pode ser aqui na cozinha mesmo — respondo tentando demonstrar segurança,
relembro o que pensei antes de sair do quarto, não sou uma prisioneira nessa casa, sou uma
sobrevivente, por isso, eu preciso seguir em frente.
Máire não diz mais nada, mas seu silêncio é suficiente para que eu preveja os seus
pensamentos. Ela sabe, percebeu que eu não passei a noite no meu quarto, e lógico, adivinha
quem foi minha companhia.
A vergonha me consome, e eu me sinto como uma adolescente pega em flagrante.
Desvio o olhar, focando minha atenção na mesa que ela termina de arrumar. O café da
manhã é simples, mas apetitoso, com pães frescos, frutas e ovos mexidos, exatamente o que ela
levaria para mim no quarto.
Agradeço a Máire com um aceno de cabeça e me sirvo, tentando disfarçar o desconforto
que se instala em meu peito.
Enquanto como, mesmo que eu queira evitar minha mente de vaguear pelos
acontecimentos da noite anterior, merda, é como se Regan tivesse passado como um furacão
sobre mim e não restasse nada além dele.
Eu não quero pensar, não quero lembrar, mas é impossível. Regan surge em minha mente,
sua presença dominadora, os beijos apaixonados, a paixão que nos consumiu. Ainda consigo
sentir o calor do seu corpo contra o meu, o toque suave das suas mãos explorando cada
centímetro da minha pele.
Mas agora ele se foi, e eu estou aqui, tentando encontrar um lugar para todas essas
emoções conflitantes. Regan deixou claro que não sou nada além de uma distração passageira, e
é melhor aceitar isso antes que me machuque ainda mais.
Termino meu café da manhã em silêncio, perdida em meus pensamentos. Máire se
aproxima para recolher os pratos quando termino, lançando-me um olhar significativo.
— Eileen, posso te falar uma coisa? — Máire pergunta baixinho, como um segredo, olha para os
lados querendo se certificar de que estamos sozinhas.
— Claro, Máire — respondo tentando afastar o nervosismo.
— Tenha cuidado, menina — sussurra e meu coração acelera. — Não com o senhor Regan,
apesar de ser quem é, ele não é um homem ruim, mas com você, com os seus sentimentos, um
homem como ele quando parte, devasta tudo a sua volta — engulo seco com as suas palavras —,
viva Eileen, mas resguarde o seu coração, cuide de si mesma, porque no fim, só restará você.
— Máire... — murmuro, meu coração batendo mais rápido com suas palavras de advertência.
Olho ao redor, verificando se estamos realmente sozinhas, antes de voltar minha atenção para
ela. — Eu... Eu entendo o que você quer dizer. — Minha voz sai um pouco trêmula, refletindo a
incerteza que se instalou em mim desde que cheguei aqui. — Vou tomar cuidado, prometo. —
Ela assente e em seguida, começa a retirar a mesa do café da manhã.
As palavras de Máire seguem retumbando em minha mente, como uma sentença de
que eu preciso me resguardar como ela mesma disse.
Como poderei fazer isso? Como separar o que sinto quando estou na presença de
Regan, quando ele me toca, do meu coração? Como conseguirei afastar possíveis sentimentos se
tudo o que tenho a minha volta é ele?
Volto para o quarto, mas depois de um tempo olhando para o teto, decido que preciso sair
daqui; viver, ainda que dentro dessas paredes de pedra. É hora de explorar o lugar que agora
chamo de lar, pelo menos temporariamente. Levanto-me da mesa e saio da casa, enfrentando
mais uma vez a chuva que ainda cai lá fora, só que agora protegida por um guarda-chuva.
Caminho pelos jardins bem cuidados, admirando as flores que desafiam a tempestade com
sua beleza frágil. A casa de Regan se ergue majestosa diante de mim, uma fortaleza imponente
que parece guardar muitos segredos.
Resolvo entrar, estou começando a sentir frio e acho que já me arrisquei o bastante ontem
à noite sob a tempestade, determinada a explorar cada canto deste lugar misterioso. Os
corredores são amplos e silenciosos, ecoando meus passos enquanto me aventuro a conhecer
mais um pouco da casa que me abriga.
Passo por salões vazios, salas de estar luxuosas, quartos desocupados. Cada ambiente
parece carregar uma história própria, e eu me perco na sensação de estar vagando por um mundo
paralelo.
Finalmente, encontro uma porta entreaberta que me chama a atenção. Empurro-a
suavemente e entro em um cômodo que parece ter sido esquecido pelo tempo.
É uma sala pequena e aconchegante, com paredes forradas de estantes repletas de livros.
Não estão empoeirados, provavelmente alguém se encarrega de manter o lugar limpo. Uma
poltrona confortável está posicionada perto da lareira, e uma mesa baixa ao lado dela exibe uma
pilha de papéis e um antigo globo terrestre.
Sinto-me como uma intrusa invadindo a intimidade da casa de Regan, mas ao mesmo
tempo, uma onda de curiosidade me impulsiona a explorar mais. Observo os títulos dos livros,
reconhecendo alguns clássicos da literatura e outros desconhecidos para mim.
Kira gostava muito de ler, e eu acabei aprendendo com ela.
Meu olhar se fixa no globo terrestre, e um sorriso involuntário surge nos meus lábios.
Lembro-me de como sempre sonhei em viajar pelo mundo, ao lado da minha amiga, Kira fazia
promessas infinitas para o nosso futuro, gostava de imaginar que exploraríamos juntas lugares
exóticos e viveríamos aventuras emocionantes.
Sorrio saudosa.
Pego um dos livros da estante e me acomodo na poltrona, decidida a passar o tempo
perdida nas páginas de histórias que não são as minhas. Talvez, mesmo que apenas por alguns
momentos, eu possa me transportar para outros mundos e esquecer as complexidades da minha
própria vida.
Assim, mergulho na leitura, permitindo que as palavras me envolvam e me levem para
longe daqui, para um lugar onde não existem preocupações, máfias, homens intensos e
poderosos, promessas que nunca serão cumpridas ou corações partidos.
Os dias seguintes se arrastam lentamente, como se o tempo tivesse decidido estagnar
apenas para me punir. Regan não retorna, e cada vez que passo em frente à sua porta fechada,
meu coração se contrai em uma mistura de decepção e tristeza.
Por duas noites seguidas, caminho até o quarto de Regan, uma pequena esperança acesa
em meu peito, mas a cama continua vazia, os lençóis intocados. Uma sombra de melancolia se
instala sobre mim, pesando em meus ombros como um fardo insuportável.
A solidão se torna minha única companheira, envolvendo-me em seus braços frios e
impiedosos.
Me pergunto se ele está fugindo de mim, fugindo do que aconteceu entre nós, sinto-me
perdida em um mar de incertezas, navegando sem rumo em direção a um horizonte distante e
desconhecido.
Cada hora que passa é como uma eternidade, um lembrete doloroso da ausência de Regan.
Me pergunto se o que vivemos foi real, mas as pequenas, e agora mais claras marcas em meu
corpo me respondem que sim, não foi um sonho, o tempo se encarrega de diminuir as sensações,
aos poucos a chama da paixão que queimava dentro de mim começa a vacilar, ameaçando se
apagar completamente.
Mas, mesmo diante da solidão e da incerteza, uma parte de mim ainda espera por ele. Uma
parte de mim espera que ele volte quanto antes e que me procure mais uma vez.
Me pergunto se algum dia voltarei a sentir o calor de seus braços ao meu redor. Mas, por
enquanto, só me resta esperar e rezar para que ele retorne antes que seja tarde demais para nós
dois.
É com esse pensamento que adormeço, sozinha em meu quarto.
Capítulo 20

Os primeiros raios de sol brilham fraco no céu enquanto o sol inicia o seu trabalho de
dominar a noite. Me movo rapidamente, ignorando a garoa fina que ainda cai do céu após a
tempestade de ontem à noite.
Meus passos são firmes, ecoando no silêncio do dia que inicia enquanto caminho até a
garagem. Mesmo que eu desejasse, o chamado de Eamon não podia ser ignorado, não quando a
honra e o futuro do nosso clã estão em jogo.
Saio de casa com pressa, o ar gélido corta minha pele como uma lâmina afiada, mas
também o ignoro. Não há tempo para hesitar, não quando cada segundo perdido pode significar a
diferença entre a vitória e a derrota.
Chego ao porto dentro do tempo que avisei a Eamon, meu coração acelera pela perspectiva
da ação iminente. Encontro Eamon, Brian, Ciaran e Rory já reunidos no galpão trinta e cinco,
cada um mantém a expressão determinada no rosto, prontos para o que está por vir.
— Regan, você chegou. — Eamon acena em minha direção, um brilho de urgência em seus
olhos. — Temos um problema, e é grande.
Assinto, mantendo minha expressão impassível, apesar do turbilhão de pensamentos que
dançam em minha mente. Não podemos nos dar ao luxo de errar agora, não quando estamos tão
perto de desvendar os segredos que ameaçam a estabilidade do nosso clã.
— O que aconteceu? — pergunto, meu tom de voz firme e autoritário. Não há espaço para
hesitação.
Eamon respira fundo, ordenando os pensamentos e as palavras antes de começar a explicar
o que descobriu até aqui.
— Como você sabe, hoje enviaríamos uma carga para a América do Sul, eu já tinha designado
uma equipe para acompanhar o processo, mas quando cheguei em casa ontem à noite, resolvi vir
até aqui para ver se estava tudo saindo conforme o planejado — Eamon diz, seu rosto sombrio à
luz fraca da lanterna que ilumina o galpão. — Logo que cheguei percebi que havia algo estranho.
— Estranho como?
— O carro dos nossos homens designados não estava no estacionamento, e além disso, tudo
parecia calmo demais para o tipo de carga que iriamos transferir — Continua me deixando mais
atento a cada segundo.
— Onde a equipe que você designou estava? — questiono.
— Não chegaram aqui, estão mortos.
— Porra! — exclamo irritado e Eamon balança a cabeça em concordância, compartilhando
minha frustração.
— Encontrei-os no beco ao lado do porto. Alguém os pegou de surpresa, sem dar chance de
reagir. — Um rosnado de indignação escapa de meus lábios. A traição é uma ferida aberta que
corrói nossa confiança e nossa segurança.
— Alguém estava esperando por eles, sabia dos nossos planos — murmuro, mais para mim
mesmo do que para os outros.
— Sim, e isso significa que o traidor está cada vez mais perto de nós — afirma Ciaran, sua voz
grave ecoando no silêncio do galpão.
Respiro fundo, controlando a raiva que ameaça me consumir. Não podemos deixar que
nossas emoções nos dominem, não agora.
— Precisamos descobrir quem é esse traidor quanto antes, essa porra precisa acabar logo, eles
estão brincando com a minha paciência — declaro, meu tom de voz áspero e determinado. — E a
carga? — pergunto porque não quero deixar de cumprir com o compromisso que assumi com os
nossos compradores.
— Não se preocupe, me encarreguei pessoalmente de fazê-la sair conforme combinado. —
Eamon sorri com o seu jeito meio psicótico, e eu, nem questiono como ele conseguiu dominar o
grupo que havia neutralizado a nossa equipe de segurança, provavelmente teremos uma pilha de
corpos para descartar, ele deve ter escolhido apenas os líderes do grupo para manter vivo até a
nossa chegada.
— Então é isso, vamos nos divertir — falo levantando e todos assentem sorrindo, mas os olhares
sérios continuam refletindo a gravidade da situação.
Entramos no galpão e de longe vejo dois homens suspensos por correntes presas ao teto,
provavelmente foi o próprio Eamon que os prendeu ali a atmosfera é tensa e carregada de
expectativa.
Iniciamos os trabalhos, tentando extrair qualquer informação, mas os homens se mantêm
silenciosos como dos túmulos fechados.
O dia passa devagar, e a recusa deles em nos dar qualquer informação começa a irritar
cada um de nós, já está escurecendo quando Eamon, Brian, Ciaran, Rory e eu nos preparamos
para mais uma rodada de interrogatórios, determinados que já chega dessa merda, os dois vermes
vão falar agora ou matamos eles da pior maneira possível.
Eamon olha fixamente para os bandidos, sua expressão séria e autoritária.
— Quem vai falar primeiro? — questiona ele, sua voz ecoando pelo ambiente.
Um dos bandidos, um homem de aspecto duro e desgastado, ergue o queixo mesmo
estando em uma massa mole de ferimentos e cortes por todo o corpo, ele ainda nos desafia.
— Eu não vou dizer nada, seu maldito! Vocês não vão conseguir nada de mim! — Ele rosna,
cospe sangue e sua postura se mantêm tensa e defensiva.
Brian se aproxima lentamente, sua presença imponente enchendo a sala.
— Você pode não querer cooperar, mas acredite, nossa paciência já esgotou e, vamos fazer você
falar, nem que precisemos ir atrás da sua família. — Os dois arregalam os olhos demonstrando
entender que agora cruzaram de fato a nossa linha de paciência.
Desde que assumi, o nosso Clã não se vinga por meio de familiares, não torturamos
inocentes e saber que os cidadãos comuns estão sempre protegidos fez com que tivéssemos o
respeito da população.
É claro que eu sei que Brian está blefando, esse tipo de ameaça sempre faz com que
eles abram as bocas, mesmo que estejamos envoltos em crimes e barbaridades seguimos o nosso
próprio código de ética que protege as nossas famílias, a merda é que o traidor ultrapassou a
linha quando chegou até a minha filha, e mesmo que eu tenha que ultrapassar barreiras que eu
mesmo estabeleci eu chegarei até ele.
Ciaran se aproxima, sua expressão refletindo sua determinação.
— Você tem duas escolhas, meu amigo. Ou você nos conta o que queremos saber agora, ou
faremos isso do jeito difícil, basta uma ligação — balança o aparelho de celular que acaba de
tirar do bolso na cara do homem — e toda a sua família vai te fazer companhia no inferno hoje
mesmo.
O bandido permanece em silêncio por um momento, mas logo uma expressão de
desespero atravessa seu rosto.
— Tudo bem, tudo bem! Eu conto, mas me prometam que não vão tocar neles!
Eamon assente, sua expressão séria.
— Podemos pensar. Agora, fale. Quem está por trás disso tudo?
O bandido hesita por um momento, como se estivesse ponderando suas palavras.
— Quem me trouxe aqui foi um contato que eu tenho em Waterford, no sul. O nome dele é
Killian. Ele tem conexões com a máfia de Cork.
Um murmúrio de surpresa percorre a sala enquanto processamos essa informação. A máfia
de Cork é composta por um pequeno grupo que volta e meia tenta nos desafiar, até onde
sabemos, não possuem muitos adeptos, mas são extremamente violentos em suas ações,
imaginamos que sejam algum tipo de resto que sobrou da antiga máfia chefiada por Declan. Um
nome bem conhecido por nós, mas não positivamente.
— Está dizendo que os líderes de Cork, estão envolvidos nisso? — pergunta Rory. — O que sabe
sobre os ataques recentes? Qual o proposito deles? — O bandido acena com a cabeça
freneticamente.
— Sim, eles são a cabeça de tudo. Eles nos contrataram para roubar essa carga, assim como
outras pequenas baixas de vocês. Pelo que soube, estão planejando um ataque maior, mas isso é
tudo o que sei.
— E você? — Retiro a arma do coldre dou um tiro na testa do homem que acabou de nos dar
informações e encaro o outro. — O que tem a nos acrescentar, porque é claro que você sabe de
algo além do que ele disse — falo porque eu percebi os seus olhos tremularem a cada palavra
que o outro dizia. — Se quiser uma morte rápida como a do seu comparsa é bom falar logo, ou
podemos brincar um pouco mais com você. — Sorrio e ele balança a cabeça em negação.
— Eu não sei muito mais, senhor, eu juro. — Lágrimas escorrem pelo seu rosto já desfigurado.
— Faça um esforço. — Bato forte em sua barriga com um taco de golfe. — Com certeza tem
algo a nos contar.
— Tem uma menina... — ele grita antes que eu lhe atinja mais uma vez e eu interrompo os
movimentos imediatamente. — Eles estão caçando uma garota.
— Quem é essa garota? — Troco um olhar rápido com os meus amigos.
— Não sei direito, mas eles estão investigando se ela está aqui na Irlanda, tem a ver com alguém
que morreu nos Estados Unidos. — Meu coração falha uma batida, é de Eileen que ele fala.
Porra, eles estão atrás da minha garota.
Meu coração acelera, não importa o que eu tenha que fazer eu vou caçar o desgraçado
que está por trás movendo as marionetes e vou acabar com a sua raça.
Capítulo 21

É madrugada quando percorro as ruas de Bryncroft em direção a minha casa, porra eu


estou um caco, dois dias de caçada para finalmente obtermos algum resultado, não era o que
esperávamos, ainda não alcançamos os mandantes, mas fizemos algum progresso.
Depois de dar cabo na vida do segundo homem que chefiava o grupo que tentou nos
roubar, seguimos a pista que ele nos deu indo para Waterford atrás do tal do Killian.
Com os nossos contatos, não foi difícil encontrá-lo, o problema é que como uma
[28]
Hidra a cada cabeça que cortávamos surgiam mais duas, por isso perdemos tanto tempo.
Saber que eles estão atrás de Eileen me motivou a seguir o rastro ainda mais rápido, eu
precisava protegê-la a qualquer custo, não consegui disfarçar a minha tensão, e os meus amigos,
é claro perceberam que havia algo acontecendo entre mim e Eileen, algo além da proteção que
jurei lhe dar em respeito à memória da minha filha, não confirmei e nem neguei, não precisava,
afinal eles me conhecem bem demais para perceberem a menor diferença em minhas ações.
O traidor pode ter nos pegado de surpresa, uma vez, mas não acontecerá novamente.
Agora mais do que nunca estou determinado a cortar de uma vez a cabeça da serpente sem lhe
dar qualquer chance de regeneração, com as informações que conseguimos estamos um passo à
frente.
Descobrimos que o traidor é um dos três chefes que dominam a província de Munster,
confirmamos as nossas suspeitas de que o traidor era de fato um dos nossos associados, é claro
que quem quer que seja o mandante, imagina que chegamos a essa informação porque deixamos
muitos corpos no caminho.
Voltar a Munster trouxe lembranças da minha infância, eu morava naquela província
quando vim para Connacht, para me aproximar de Declan e colocar a minha vingança em prática.
Munster, uma das quatro províncias tradicionais da ilha, é conhecida por sua beleza
natural e seu povo orgulhoso. No entanto, também é um lugar onde a lealdade pode ser comprada
com ouro e onde os segredos são guardados a sete chaves.
Com essa informação em mãos, batemos em retirada, tínhamos um leque infinito de
possibilidades e após dois dias, reduzimos a apenas três nomes.
Não sou um Boss imprudente, assim como me tornei conhecido pela frieza das minhas
ações, e foi por isso que decidi retornar a Bryncroft para planejar com cautela os meus próximos
passos.
Não vou atacar à toa, o meu tiro será certeiro e atingirá apenas o traidor, não tinha lógica
levantar suspeitas sobre a idoneidade de três associados quando eu sabia que havia apenas um
traidor.
E esse, não perde por esperar, eu estou mais perto do que pode imaginar.
Estaciono o carro na minha garagem e uma ansiedade me domina, o pior é que ela tem
nome e sobrenome: Eileen Macbreen.
Passo pelos soldados que me cumprimentam com um aceno de cabeça e eu retribuo com o
mesmo gesto.
Subo as escadas silenciosas da minha casa e caminho a passos largos pelo corredor que me
levará aos quartos, abro a porta do meu quarto e sinto uma pontada de decepção ao não encontrar
Eileen deitada em minha cama.
Sigo em direção ao banheiro, tiro a roupa suja jogando-a no canto e abro o chuveiro para
tirar do meu corpo a sujeira desses dias, desejando também que a água leve consigo um pouco da
minha ansiedade.
Visto uma calça de moletom e uma camiseta, passo os dedos nos cabelos tentando ordenar
minimamente a bagunça e saio do meu quarto com um único destino em mente: o quarto de
Eileen.
Abro a porta devagar e assim que entro no ambiente escuro, o cheiro da garota domina
todos os meus sentidos, paro ao lado da sua cama me perguntando se devo acordá-la ou deixar
para conversarmos amanhã, é claro que estou cansado dos últimos dias, mas também estou
ansioso para tê-la em meus braços, a ansiedade vence a guerra e apoio o joelho direito na cama
fazendo-a afundar e encaixo meus braços em suas pernas e costas erguendo-a da cama em um só
impulso.
— Regan? — ela fala baixinho, provavelmente assustada com o movimento repentino em seu
corpo.
— Shii... — Beijo seus lábios de leve caminhando para fora do seu quarto e seguindo na direção
do meu. — Sou eu mo chailín, volte a dormir.
— Que horas são? Quando você chegou?
— São quase três horas da madrugada e eu acabei de chegar — respondo suas perguntas
enquanto passo pela porta do meu quarto. — Volte a dormir, amor. — Coloco-a na cama e me
preparo para deitar ao seu lado
— Não quero dormir — fala demonstrando um pouco de irritação.
— E o que quer, Eileen? — pergunto me acomodando ao seu lado, mas quando puxo o seu corpo
para perto do meu ela se afasta sentando rapidamente na cama.
— Quero saber porque sumiu de uma hora para outra e não se preocupou em sequer me dar
notícias. — Dispara de uma vez o que lhe incomodou e fecho os olhos buscando dentro de mim
uma calma que normalmente não tenho, e pior, não sabendo como lidar com uma merda que não
estou acostumado.
— Eu precisei me ausentar Eileen. — Tento falar o que posso, com calma, evitando conflito
desnecessário. — Recebi uma ligação ainda no início da manhã, era algo urgente e precisei sair
rapidamente.
— Por que não me acordou se sabia que ia ficar tanto tempo longe? — Respiro fundo, tentando
encontrar as palavras certas para acalmá-la.
— Eu não sabia Eileen, apenas quando cheguei no lugar descobri que demoraria mais do que o
esperado para voltar para casa. — Tento segurar sua mão, mas ela afasta, porra, é desse tipo de
situação que eu sempre fugi, nem mesmo a Kira eu permiti esse tipo de cobrança, o problema é
que não sinto vontade de mandá-la a merda e rugir como faço com qualquer um que me
contraria, surpreendendo a mim mesmo, me pego escolhendo as melhores palavras apenas para
acalmá-la.
— Eu estava preocupada. — Confessa baixinho e dessa vez a puxo para perto de mim não
deixando que ela fuja e beijo sua boca de leve.
— Não gaste sua preocupação comigo mo chailín, eu não mereço. — Ela levanta a cabeça e me
encara com os olhos cheios de questionamentos, como se estivesse tentando decifrar o que se
passa em minha mente.
— Claro que merece, Regan. Você não entende, não é?
— O que eu não entendo? — pergunto porque fico realmente confuso diante dela.
— Eu só tenho você — fala num suspiro de voz, se eu não estivesse tão perto, talvez nem tivesse
ouvido. — Eu entendo que você tenha suas responsabilidades, mas me deixar sozinha assim, sem
saber se você estava bem... Foi difícil para mim.
Suas palavras atingem em cheio meu coração, uma sensação desconfortável se instala em
meu peito. Nunca fui bom em lidar com emoções, especialmente as minhas próprias. Mas aqui
estou eu, encarando Eileen, a mulher que despertou algo em mim que eu nunca soube que
existia.
— Eu entendo, amor, me desculpe. — Porra, os caras iriam me matar se vissem eu me
desculpando com uma mulher, eu mesmo quero me matar, o que essa menina tá fazendo comigo,
cacete? — E eu prometo que vou me esforçar para não deixar isso acontecer de novo. —
Completo as baboseiras que sei que ela quer ouvir e que eu não estou acostumado a dizer. Me
surpreendo por minha voz soar sincera, embora saiba que minhas promessas sejam tão frágeis
quanto uma taça de cristal.
Ela abaixa o olhar, suas mãos brincando nervosamente com o lençol da cama.
— Regan, eu não quero que pense que estou te cobrando — fala tentando explicar —, também
não quero que você se sinta preso a mim. Mas também não quero ser deixada de lado como se
não importasse, basta você me dizer e eu entenderei.
Sua vulnerabilidade me atinge em cheio, uma pontada de culpa se mistura com a
frustração que sinto por não saber como lidar com essa situação.
— Você importa, Eileen. Mais do que imagina. — Confesso e minha voz sai mais suave agora,
quase um sussurro.
Ela levanta o olhar, seus olhos encontrando os meus em meio à escuridão do quarto.
— Você quer está sendo sincero, Regan?
— Eu não minto, Eileen — respondo, sem rodeios.
Ela parece ponderar minhas palavras por um momento, seu olhar buscando algo em mim
que talvez nem eu mesmo saiba se possuo.
— Tudo bem. — Sua voz é um sussurro, quando a minha boca toma a sua com ânsia e saudade.
Eu fui sincero, Eileen de fato se tornou importante para mim. Um sorriso involuntário
surge em meus lábios enquanto a beijo, uma sensação de leveza se espalhando pelo meu peito.
Talvez eu não seja tão incapaz de lidar com sentimentos quanto pensava.
Rolo meu corpo sobre a cama cobrindo o seu corpo com o meu, Eileen me beija com a
mesma necessidade que eu sinto, aos poucos os beijos vão se tornando mais intensos, mais
cheios de desejo, um que vibrou em meu corpo a cada minuto desses dias que fiquei distante.
— Você está dolorida? — pergunto após livrar o seu corpo da camisola e chupar o seu seio com
força.
— Nã... não — responde me ajudando a retirar a camisa e a minha calça.
Eileen envolve seus braços em meu pescoço, seu toque suave e quente enviando arrepios
pela minha pele. Eu me inclino sobre ela, nossos corpos se pressionando um contra o outro,
como se tentassem se fundir em um só.
Cada toque, cada carícia é como uma chama que nos consome, nos levando a um lugar
onde só existimos nós dois, onde nenhum inimigo se mantém à espreita pronto para nos atacar.
Deslizo minhas mãos por sua pele macia, explorando cada centímetro de seu corpo como
se fosse a primeira vez. Ela suspira em resposta aos meus toques, seus olhos brilhando com uma
mistura de desejo e devoção.
— Os remédios, você começou a tomá-los? — pergunto, quando estou prestes a me enfiar mais
uma vez em seu interior sem proteção.
— Comecei hoje, Regan, Máire me entregou hoje a medicação que o médico prescreveu, será
que tem problema?
— Porra, talvez sim, Eileen. — Saio de cima dela e pego um preservativo em minha carteira. —
É melhor esperarmos pelo menos uns sete dias para transarmos sem camisinha — falo já
encapando o meu pau, mesmo que eu deseje mais do que qualquer coisa no mundo sentir a sua
carne contra a minha.
Porra, mas eu não posso arriscar mais, sei que ela não tomou a merda da pílula
seguinte porque eu simplesmente não lembrei de mandar que alguém entregasse a ela porque
estava caçando pistas do traidor, mas como foi apenas uma vez, acho que não corremos risco,
por isso, melhor prevenir, de qualquer forma, serão só sete dias usando essa merda.
Volto para a cama e chupo cada parte de Eileen com desejo, a vontade de fodê-la se
intensifica, tornando-se uma chama incontrolável que me consome por completo. Nossos corpos
se movem em perfeita sincronia, cada movimento guiado pelo desejo que nos domina.
O tempo parece desacelerar enquanto nos perdemos um no outro, entregando-nos ao
prazer que nos envolve em uma névoa sedutora. Cada toque, cada beijo parece nos dissolver por
completo.
Depois de um tempo, finalmente, nos entregamos ao ápice do prazer, nossos corpos se
fundindo em um momento de êxtase total.
Depois de um banho rápido, nos aconchegamos um nos braços do outro, o calor de nossos
corpos se misturando em uma sinfonia perfeita.
Eileen se aconchega em meus braços, como uma gatinha manhosa em busca de carinho.
— Regan — ela chama depois de um tempo.
— Fale, Eileen.
— Se você for sair antes que eu acorde, me avise, por favor — ela pede um pouco envergonhada
e eu sorrio.
— Durma, Eileen. Eu estarei aqui quando você acordar. — Minha voz é suave e sincera, um
convite para que ela se entregue ao descanso sem qualquer preocupação.
Ela assente, um sorriso tímido brincando em seus lábios enquanto se aconchega em meus
braços.
E é nesse momento que uma ideia surge em minha mente, uma ideia tão incomum quanto
tentadora e que mal consigo acreditar que estou considerando.
Depois de um tempo pensando, decido que, no fim de semana, vou levá-la para uma
viagem. Um lugar distante de toda a loucura que nos cerca, longe de todas as preocupações e
responsabilidades. Um lugar onde possamos nos perder um no outro, sem nada para nos distrair.
Mas por enquanto, mantenho esse pensamento para mim, guardando-o como um tesouro
secreto.
Sinto o calor de seu corpo contra o meu. Uma sensação de paz que não sei se já senti em
outro momento da minha vida se instala em meu peito, pela primeira vez planejo fazer dar certo
algo que não seja sobre a minha vingança e nem a máfia que comando.
Pela primeira vez, me permito priorizar os meus desejos e as minhas vontades, sorrio feito
um bobo por saber que a causadora de toda essa mudança é a garota que timidamente se instalou
em minha vida e, como um furacão está movendo tudo de lugar.
Capítulo 22

Abro as cortinas do quarto e vejo que o sol brilha forte lá fora, a luz natural banha o quarto
em uma luz dourada que reflete diretamente no corpo de Eileen deitada, ainda nua, sobre os
meus lençóis negros. Seu corpo pálido criando um contraste perfeito com o tecido macio onde
instantes atrás estive deitado com ela.
Ela segue deitada na cama, observando atentamente enquanto me movimento entre o
quarto, closet e banheiro, impondo ao meu corpo e mente que preciso me arrumar para o
trabalho.
Sim, eu percebo o que Eileen não traduz em palavras e se for sincero comigo mesmo, eu
também gostaria de voltar para a cama e lhe fazer companhia por todo o dia, mas infelizmente
não posso.
Principalmente porque preciso organizar em três dias várias coisas para a viagem que
planejo fazer com ela no fim de semana e que ela ainda não faz ideia que faremos.
Assim que volto do banheiro, após escovar os dentes, ouço o meu aparelho de celular
vibrar sobre a mesa de cabeceira. Verifico a mensagem rapidamente e fecho a expressão
involuntariamente, não me importo que Eileen perceba que algo está errado.
— O que foi, Regan? — Confirmando a minha suspeita de que ela estava atenta a mim, Eileen
pergunta, preocupada com a mudança repentina em meu semblante. — Aconteceu algum
problema?
Suspiro, guardando o celular no bolso e me aproximando da cama onde ela ainda está.
— Nada demais, Eileen, apenas mais um problema que terei que resolver — digo, sem fazer
questão de esconder a frustração em minha voz, minha intenção era ir direto para a empresa, mas
parece que terei outra situação a resolver antes disso.
Eileen me olha com uma mistura de preocupação e curiosidade, sua expressão, mesmo que
ela tente deixar o mais suave possível, revela a preocupação que sente no momento, e por mais
que eu queira, não sei como lidar com esses novos sentimentos.
Desde a morte dos meus pais nunca tive ninguém que se preocupasse comigo, até mesmo
Kira, por ter sido mantida afastada de mim o máximo possível, não me transmitia esse tipo de
sensação: medo e vulnerabilidade talvez pelo receio de que eu não retorne para casa no final do
dia.
Eu sempre soube que essa era uma possibilidade, considerando a vida que levo, mas pela
primeira vez na vida, eu desejo estar de volta.
Quanto mais conheço Eileen, mais vejo como ela é cuidadosa, sensível e atenta a tudo o
que acontece ao seu redor. Deve ser por isso que conseguiu se manter ao lado de Kira e Fiona,
fazendo até mesmo os meus homens de confiança omitirem a sua presença de mim, isso só
aumenta a abertura em meu peito por manter minha filha tão distante de mim.
— Você volta ainda hoje? — pergunta com a voz fraquinha, como se temesse a minha resposta,
como se temesse que eu fosse passar dias distante como aconteceu nos últimos dias.
— Sim Eileen, estarei aqui na hora do jantar. Preciso resolver algumas coisas na empresa e
também outras questões — respondo, tentando ser sincero e ao mesmo tempo não lhe dar muitas
informações sobre os meus negócios com a máfia.
Eileen assente, compreendendo minha posição. Ela se ajoelha na cama e se aproxima de
mim, seus braços envolvem meu pescoço em um abraço que me surpreende.
— Estarei aqui quando você voltar. Se cuida, Regan — ela diz suavemente, seus lábios roçando
levemente os meus em um gesto de puro carinho.
A sensação de seus lábios contra os meus envia um arrepio pelo meu corpo, despertando
um desejo urgente dentro de mim. Mas eu sei que não posso me deixar levar por esse desejo
agora, eu já tive mais do que deveria da garota durante a noite e desde que acordamos, por hora,
tenho que manter o foco no trabalho que me aguarda.
Respiro fundo e me afasto gentilmente dela, segurando suas mãos entre as minhas.
— Voltarei o mais rápido possível. Se cuide, Eileen — digo antes de dar um beijo rápido em sua
testa e me afastar indo em direção à porta, ela assente com a cabeça, mas não desvia os olhos de
mim. — Vou pedir para entregarem um aparelho de celular novo para você, vou salvar o meu
número na agenda, se precisar de qualquer coisa me ligue.
— Obrigada! — Seus olhos brilham satisfeitos.
Tenho total conhecimento do que o meu gesto significa, estou dando a Eileen a
possibilidade de se comunicar diretamente comigo sempre que desejar, estou lhe trazendo para
perto de mim e lhe dando cada vez mais liberdade.
É isso, eu quero que ela se sinta livre ao meu lado, livre para ser ela mesma, sem
medos ou reservas, quero tudo o que Eileen possa me oferecer.
Fecho a porta do meu quarto e enquanto me afasto da garota, sinto o peso do mundo recair
sobre meus ombros. Há tantas responsabilidades envolvidas na atividade que exerço que tenho
plena consciência de que eu não posso falhar.
Além disso, eu preciso pegar quanto antes o traidor, preciso descobrir quem está por trás
dos ataques recentes e da morte de Kira, tenho que proteger Eileen, tenho que manter nosso Clã
seguro, são tantas merdas que eu mal consigo administrar tudo isso ao mesmo tempo, de certa
forma, é bom saber que tudo está interligado e é por isso que eu preciso agir com agilidade e
prudência.
Entro no meu carro e automaticamente, minha mente já se molda rapidamente para
resolver os problemas mais urgentes, ativo o sistema de bluetooth do carro e começo a realizar
algumas chamadas, repasso algumas ordens para que algumas ações sejam adiantadas por meus
homens.
Só após encerrar a última chamada enquanto dirijo pelas ruas de Bryncroft, percebo que
mesmo enquanto mergulho no mundo da máfia, uma parte de mim está ansiosa pelo momento
em que poderei voltar para os braços de Eileen.
Decido que ainda esta noite vou lhe contar sobre a viagem que planejo fazer com ela no
fim de semana. Uma viagem que será apenas nossa, um momento de paz em meio ao caos que
nos rodeia.
Consigo designar aos meus homens a resolução do problema que surgiu com uma das
nossas cargas, e ao chegar na empresa, sou imediatamente envolvido em uma série de reuniões e
negociações que ocupam a maior parte do meu dia.
As demandas da máfia e da minha empresa não me dão trégua, e nunca foi difícil para
mim encontrar um equilíbrio entre os dois mundos que colidem constantemente em minha vida.
Agora, além de tudo com o que eu já estava acostumado, me vejo acelerando as ações para poder
cumprir o que prometi a Eileen e voltar para casa antes do horário do jantar, coisa que
dificilmente eu faria dias atrás.
No escritório, após resolver alguns dos problemas que surgiram, decido chamar meus
subchefes para uma reunião rápida. Eamon, Brian, Ciaran e Rory entram na sala com expressões
curiosas, já sabendo que algo está acontecendo.
Vejo os quatro sentarem diante de mim, enquanto eu me acomodo na minha cadeira atrás
da mesa após me servir uma dose de Knappogue Castle[29].
Os quatro homens me encaram, levemente ansiosos para saber o motivo da reunião, e
provavelmente, estranhando a escolha do whisky considerado um dos mais caros e raros do
mundo. Das trinta e seis garrafas produzidas no mundo, eu possuo quinze delas, mas ainda
assim, não é dos que consumo com regularidade, apenas quando estou tenso demais e preciso
pensar.
— O que está acontecendo, Regan? — Brian se antecipa, olhando para mim com expectativa.
Encaro o copo com o líquido encorpado em minhas mãos antes de falar o que preciso.
— Como vocês sabem, estivemos fora nos últimos dias resolvendo alguns assuntos relacionados
à nossa segurança e aos nossos negócios. — Começo, mantendo meu tom de voz sério e neutro e
eles assentem. — Como vocês já suspeitam também, tem algo acontecendo entre mim e Eileen.
— Confirmo e noto o olhar zombeteiro deles, mas não dou margem para qualquer comentário
que vai me irritar sem dúvidas e continuo. — No fim de semana, preciso que assumam as nossas
atividades sem mim, farei uma viagem com Eileen.
Os olhos dos quatro se arregalam em surpresa, claramente não esperavam ouvir isso de
mim, eu nunca, desde que chefio a máfia, me afastei completamente das minhas funções, nem
mesmo quando visitava Kira, me afastava por mais de um dia completo.
— Uma viagem? Um final de semana inteiro? Com Eileen? — Ciaran assovia, como se ainda
estivesse processando a informação.
— Exatamente. Viajo na sexta-feira ao meio-dia e retorno na segunda pela manhã — explico,
vendo a surpresa aumentar ainda mais em seus semblantes. — Mas para isso, preciso que
assumam as minhas funções além das suas, não quero ser incomodado enquanto estiver viajando.
— Rory gargalha me fazendo estreitar os olhos, mas não respondo a sua clara provocação. —
Preciso me certificar de que tudo o que é preciso será resolvido antes de partirmos.
— Você vai mesmo nos deixar no comando por um fim de semana inteiro? — Eamon pergunta,
parecendo surpreso.
— Sim, Eamon. Confio em vocês para lidar com as merdas enquanto estiver fora — respondo,
enfatizando minha confiança neles.
Brian olha para os outros, um sorriso de canto se formando em seus lábios.
— Parece que alguém está sendo dobrado por uma garota, hein? — Ele brinca, provocando um
riso leve de Ciaran e Rory.
— Ah, aqui vamos nós de novo com as piadinhas do Brian. — Reviro os olhos, fingindo
desinteresse.
Ciaran ri, balançando a cabeça em concordância.
— Não dá para negar, Regan, você está ficando mesmo manso na mão dessa garota.
— Ela está mesmo te amolecendo, chefe — Rory comenta, dando uma tapinha na mesa.
— E vocês agora viraram fiscal do meu pau — digo, irritado. — Eileen é uma mulher incrível, e
eu não vejo problema em passar um fim de semana com ela.
— Não tem problema nenhum, Regan. — Brian volta a provocar. — Pode se deixar segurar
pelas bolas tranquilamente, estamos adorando presenciar a sua queda.
— Vai se foder Brian. — Rosno e os quatro gargalham.
— Caralho, parece que o grande Regan Bran Gwydion finalmente encontrou o amor verdadeiro.
— Provoca Ciaran em tom zombeteiro.
— Isso mesmo, Ciaran. — Brian concorda, com um sorriso ridículo nos lábios. — Quem diria
que um dia nós veríamos o chefe apaixonado?
Respiro fundo, tentando manter a calma diante das provocações dos meus amigos, eu sei que o
silêncio é a melhor maneira de não lhes dar mais munição contra mim, fato é que talvez Eileen
esteja conseguindo mexer comigo muito mais do que eu gostaria de admitir.
Porra, realmente eles devem estar surpresos com a minha situação, eu mesmo ainda não
acredito no quanto estou me deixando envolver por Eileen.
— Vamos lá, pessoal, parem de encher o saco de Regan. Eileen é uma boa garota, e Regan está
mesmo precisando de uma distração para aliviar essa tensão toda. — Eamon, o mais quieto do
grupo, finalmente decide entrevir quando as risadas e piadas sem graça finalmente param.
Os outros concordam, e aos poucos deixamos de lado as brincadeiras sobre o meu possível
relacionamento com Eileen. Mas no fundo, sei que ainda vou ouvir muito sobre isso nos
próximos dias.
Só espero que Eileen não se importe com as provocações dos meus amigos quando os
conhecer. Reviro os olhos, acostumado com as brincadeiras dos meus subchefes. No entanto, já
deu de piadinhas, não posso deixar que isso desvie o foco nossa reunião.
— Se já acabaram com a palhaçada, acho que podemos seguir com a reunião, nossos negócios
precisam continuar funcionando sem interrupções, mesmo na minha ausência.
Os quatro homens automaticamente assentem assumindo uma postura mais séria e focada.
Não menti, eu realmente confio neles para manter tudo sob controle enquanto estiver fora, mas
ainda assim, não posso deixar de me preocupar com os possíveis contratempos que podem surgir.
— Sabe que pode contar conosco, Regan — Eamon diz, assumindo uma postura mais séria.
— Ótimo. Agora, voltem ao trabalho e me avisem se precisarem de qualquer informação. —
Ordeno, vendo-os se levantar em seguida e deixarem a sala.
Assim que os quatro saem, suspiro, aliviado por resolver essa questão. Agora, só preciso
me concentrar em organizar a viagem com Eileen, pelo que sei, ela não tem passaporte e visto
para os Estados Unidos.
Lembranças da breve troca de mensagens que tive com Eileen surgem em minha mente
me deixando duro feito rocha, eu quis responder a sua mínima provocação, a menina quase
inocente com certeza se esforçou demais para me responder à mensagem e eu simplesmente
ignorei.
Porra, passo as mãos nos cabelos exasperado, definitivamente eu não sei fazer essa merda,
não sei lidar com as expectativas dos outros, sobretudo de uma garota como Eileen, e bem lá no
fundo da minha consciência, algo grita que é só uma questão de tempo até que eu a machuque,
afinal, é isso que faço com qualquer pessoa que se aproxime de mim.
Não sei fazer diferente, não sei ser diferente.
Faço algumas ligações e providencio o necessário de documentações para a minha viagem
com Eileen, Ciaran me ajuda a providenciar o passaporte e o visto, ele possui contatos
importantes e isso faz com que em horas eu tenha em mãos documentos que levaria dias para
providenciar.
Passo o resto do dia lidando com os assuntos pendentes, resolvendo problemas e tomando
decisões importantes. É um trabalho árduo, mas necessário para garantir que tudo esteja em
ordem antes da nossa partida.
Finalmente, quando o dia chega ao fim, volto para casa, ansioso para encontrar Eileen e
contar sobre a viagem. Porra, quando foi que eu me senti ansioso para fazer qualquer merda
nessa vida?
A resposta me assusta, porque definitivamente NUNCA, eu jamais me senti ansioso para
qualquer situação.
A indiferença e o autocontrole sempre foram as minhas principais características e até
mesmo elas, Eileen está conseguindo moldar ao seu bel-prazer.
Com a mente mergulhada em pensamentos e o coração pulsando em um ritmo acelerado,
percebo que, apesar de todos os desafios e perigos que enfrento diariamente, o maior deles talvez
seja enfrentar a intensidade dos sentimentos que Eileen desperta em mim.
Capítulo 23

Demoro algum tempo desde a saída de Regan para finalmente levantar da cama. O cheiro
dele está impregnado não apenas no quarto e nos lençóis, mas em toda a minha pele. Sorrio feito
boba, mal podendo acreditar em tudo o que estou vivendo com ele.
Deixo a cama com uma preguiça gostosa e estico os braços para o alto sentindo os
músculos relaxarem lentamente, um sorriso bobo brinca em meus lábios.
Caminho até o banheiro com passos lentos, ainda envolvida pela atmosfera da noite
anterior, a sensibilidade entre as minhas pernas me fazendo relembrar tudo o que fizemos.
Ligo o chuveiro e sinto a água quente escorrer pelo meu corpo, levando consigo qualquer
vestígio do sono que ainda pudesse me restar, de uma maneira estranha, começo a me sentir
pertencer a esse lugar, é como se por toda uma vida eu tivesse caminhado para chegar até aqui.
Enquanto me visto, a imagem de Regan vem à minha mente. Seu rosto, seu toque, suas
palavras... Tudo parece tão surreal, como se eu estivesse vivendo um sonho do qual nunca quero
acordar. Entretanto, para a minha felicidade, sei que é real, e isso me enche de uma alegria que
transborda pelos meus lábios em forma de sorrisos bobos enquanto deslizo a escova pelos
cabelos.
Desço para o café da manhã e encontro Máire terminando de arrumar a mesa para o meu
desjejum, sobre ela, ao lado da cadeira onde normalmente tenho me sentado para as refeições, há
uma pequena caixa envolta em um papel de seda e laço cor de rosa.
— É para você, Eileen — Máire fala quando percebe o meu olhar curioso.
— Para mim?
— Sim, o senhor Regan pediu que entregassem há poucos instantes. — Abro a boca surpresa,
mas tentando não demonstrar ansiedade, sento na cadeira e só então apanho a caixa.
Curiosa, assim que Máire me deixa sozinha, abro a embalagem que revela um aparelho
celular novo, eu nunca fui ligada em tecnologia, mas sei que é um aparelho de última geração,
muito parecido com o que Kira tinha.
Retiro o aparelho da caixa e assim que aperto o botão para ligar, uma mensagem pisca
na tela pelo aplicativo já instalado, abro ansiosa imaginando ser de Regan.
Minhas bochechas coram quando termino de ler as suas palavras, encaro a tela do aparelho
em minhas mãos digitando e apagando diversas respostas sem encontrar qual seria a melhor
opção para responder a Regan.
A garota boba e virgem até poucos dias atrás, provavelmente correria e se esconderia
debaixo de uma cama após ler a mensagem, mas não sou mais essa menina, de alguma maneira
Regan girou engrenagens dentro de mim e quero ser mais... ousada talvez, por isso sei que devo
responder à sua mensagem.

Vejo quando ele visualiza a mensagem quase imediatamente, encaro o celular esperando
por uma resposta, mas ela não vem, isso me deixa um pouco frustrada, entretanto, deixo o
aparelho de celular de lado e me concentro na tarefa de comer.
Depois do café da manhã, descubro que Regan ordenou a Máire que transfira os meus
pertences para o seu quarto.
Oh. Meu. Deus.
É claro que eu sabia que Máire já tinha descoberto o nosso envolvimento, inclusive, ela
mesma fez questão de me “alertar” para os riscos, mas me colocar em uma posição ao seu lado
como Regan está fazendo é loucura demais para eu lidar.
Ele brinca entre dar e tirar em uma velocidade que sou incapaz de acompanhar.
Se por um lado, mesmo visualizando a mensagem que enviei, por outro, ordenou que as
minhas coisas fossem colocadas em seu closet, deixando claro para todos os funcionários da casa
que estamos juntos, não mais como protegida e protetor, mas como homem e mulher.
Ouvir pessoas que até dias atrás me tratavam por senhorita, ou até mesmo pelo meu
próprio nome passarem de um instante para o outro a me chamar de senhora, me causou um
susto imenso. É claro que tentei pedir que não fizessem isso, afinal, sou até mesmo mais jovem
do que a grande maioria delas, mas ninguém acatou o meu pedido.
— Seria uma ofensa ao senhor Regan, me desculpe senhora — Analli, respondeu timidamente
quando pedi que continuasse a me chamar de Eileen.
Confesso que fui tomada por uma sensação de frustração enquanto eu a auxiliava na tarefa
de organizar os meus pertences no closet de Regan, ele é mesmo como um tsunami quando se
aproxima de algo ou alguém, devasta tudo ao seu redor moldando o universo à sua vontade.
Quando finalizamos a tarefa, já passava do meio-dia, conferi o celular mais uma vez e não
havia nenhuma resposta do homem que estava tomando cada pensamento coerente presente em
minha mente.
A tarde se arrastou lentamente, corri até a biblioteca e retomei a leitura que havia iniciado
dias atrás, insisti mesmo quando percebi estar lendo a mesma página diversas vezes para tentar
compreender o mínimo da história.
Todos os meus pensamentos estavam em Regan e no seu silêncio irritante e ao mesmo
tempo esperado.
As horas se passam lentamente, e ainda não há sinal dele, desisti de ler, tomei banho, fucei
o celular novo com a intenção de descobrir suas funções até mesmo baixei um joguinho bobo na
loja de aplicativos, mas nada aplacou a minha inquietação.
A ansiedade começa a se transformar em desespero, e eu me pego subindo e descendo as
escadas diversas vezes na esperança que em uma delas o encontre na sala, ou até mesmo
passando pelo umbral da porta de entrada. Infelizmente, em todas elas não encontro nada além
do silêncio e da solidão que começam a me cercar.
Por volta de oito horas da noite, enquanto eu, já descrente do seu retorno para casa
observava o jardim através das cortinas pesadas do seu quarto, finalmente vi o carro de Regan se
aproximar.
Incapaz de controlar a ansiedade, desci as escadas correndo me deparando com o olhar
repreensivo de Máire na sala, provavelmente ela estava preocupada devido ao meu pé, mas não
me importei, corri para a porta, meu coração bate forte no peito enquanto empurro a madeira
pesada e aguardo a sua chegada.
— Está tudo bem, Eileen? — pergunta preocupado, as sobrancelhas levemente arqueadas
enquanto se aproxima de mim com sua expressão sombria.
Merda, por alguns instantes eu me sinto uma garota boba e inexperiente que corre
ansiosa para ver o garoto que gosta passar.
Minhas bochechas coram, minhas mãos se entrelaçam buscando qualquer segurança,
mas eu não sei como responder sua pergunta sem parecer essa garota, com a qual, certamente, ele
não pretende lidar.
— Sim, está tudo bem, Regan. — Engulo seco. — Eu só... estava te esperando — respondo,
tentando disfarçar o turbilhão de emoções que sinto dentro de mim.
Ele franze o cenho, seus olhos em um tom de azul mais escuro buscando os meus com
intensidade, como se ele pudesse ler meus pensamentos apenas com um olhar. Respiro
pausadamente, tentando manter a compostura.
— Algum problema? — ele pergunta, sua voz suave contrastando com a expressão séria em seu
rosto.
— Não, nenhum problema. Só senti sua falta — respondo sinceramente, desviando o olhar por
um instante antes de voltar a encará-lo.
Regan parece ponderar minhas palavras por um momento, sua expressão suavizando
levemente.
— Ah, minha menina. — Seus braços me envolvem em um aperto gostoso, e eu desejo que o
tempo pare para que a gente possa ficar assim... pra sempre. — Desculpe-me pelo horário, e por
não responder sua mensagem. Estive ocupado com algumas questões na empresa — ele explica,
sua voz em um tom mais grave, mas eu podia apostar que era sincero.
— Não se preocupe, eu entendo — digo, olhando para cima e forçando um sorriso
tranquilizador.
Regan parece relaxar um pouco diante da minha resposta, e isso me deixa aliviada. Talvez
ele não tenha percebido o quão ansiosa eu estava por sua chegada, por sua mensagem, por ele
por inteiro... e isso é bom.
— Vou tomar um banho rápido e desço para jantar com você, tudo bem? — Ele sugere,
mudando de assunto abruptamente.
— Claro — respondo, seguindo-o até a sala.
Deixo que ele siga até o quarto sozinho, não quero parecer uma boba que o cerca por todos
os lados, ter demonstrado ansiedade com o seu retorno para casa já foi muito além do que eu
deveria ter feito.
Não demora muito tempo até que Regan desça, me encontrando sentada no sofá da sala
fingindo que me distraio com o joguinho no celular, aguardo que ele me chame, fingindo não ter
notado a sua aproximação e só então eu o sigo.
Durante o jantar, Regan pergunta sobre o meu dia e os afazeres com os quais dediquei o
meu tempo. Tento não demonstrar surpresa quando noto que ele está de fato interessado nas
coisas que falo, não é como se ele estivesse numa tentativa de preencher o silêncio entre nós, ele
de fato quer saber o que fiz durante o dia.
— Eileen, tenho algo para lhe contar. — Ele começa, assim que atravessamos a porta do seu
quarto, uma expectativa gostosa já estava começando a se apossar de mim ao pensar o que
faríamos novamente, mas sua voz séria e ponderada faz meu coração disparar.
— Diga, Regan? — pergunto, tentando controlar a ansiedade em minha voz enquanto me viro
para encará-lo, parando no meio do espaço que lhe pertence e que agora eu conheço tão bem.
— Eu... Decidi que faremos uma viagem no fim de semana. — Ele anuncia, seus olhos fixos nos
meus. Um lampejo de insegurança pisca em sua íris azulada e me pergunto se foi real ou
imaginação.
Confesso que mal processo o que acontece à minha volta porque fico instantaneamente
atordoada com a revelação, não esperava por isso.
Uma mistura de surpresa e excitação percorre meu corpo.
— Uma viagem? Para onde? — pergunto, incapaz de conter minha curiosidade e ansiedade.
Regan sorri de leve, parecendo satisfeito com minha reação.
— É uma surpresa. Mas eu prometo que será divertido — ele responde, sua voz suave demais
para o homem que conheci dias atrás.
Sinto um calor gostoso se espalhar por todo o meu corpo, e um sorriso involuntário se
forma em meus lábios.
— Se você estará comigo, não tenho dúvidas de que será muito melhor do que divertido —
respondo, agora mais segura do que estamos construindo juntos.
Regan ainda possui muitas reservas, talvez ele jamais me deixe conhecer a sua verdadeira
essência, mas seja lá o que for o que estamos vivendo no momento, está me fazendo muito bem.
— Eileen. — Sua voz é um aviso.
— Mal posso esperar mo aingeal shábháil[30] — digo sinceramente, sentindo-me grata por ter
alguém como Regan ao meu lado.
— Não sou seu anjo salvador mo chailín. — Ele sorri em resposta, e beija minha testa. — Mas
prometo que farei o possível para não me tornar do ruin[31].
— Você não será — afirmo olhando em seus olhos.
Com um sorriso nos lábios e o coração pulsando com expectativas que até então eu
desconhecia, aceito os seus beijos e o convite para me atirar em queda livre ao seu lado.
Por mais difícil que seja, escolho confiar na força que encontro nos olhos de Regan, ele é
um homem de poucas palavras, mas suas ações gritam e são mais verdadeiras do que qualquer
discurso feito em um palanque de promessas vazias.
Capítulo 24

Não tive muito tempo para me organizar desde que Regan avisou que viajaríamos na
sexta-feira e para ser sincera ele estava empenhado em me fazer tentar descobrir sem sucesso
qual era o nosso destino.
Regan levou a sério a ideia de me fazer uma surpresa, quando eu perguntei que tipo de
roupa levar — roupas para tempo frio ou quente — ele se limitou a dizer que eu levasse uma
mala pequena e básica e que quando chegássemos ao nosso destino, compraríamos o que fosse
preciso.
Como ele orientou, peguei uma mala pequena, mas me frustrei todas as vezes que coloquei
roupas dentro dela.
— Grrr. — Rosnei irritada, caminhando entre o quarto e o closet mais uma vez descartando
alguns biquínis e trazendo algumas roupas de frio.
Não queria que Regan gastasse em roupas comigo, ele já estava fazendo muito além do
que deveria, de toda forma, eu tinha muitas roupas, presentes de Kira, é claro, e por isso
acreditava que era um gasto desnecessário para o momento.
Seja qual for os planos de Regan, eu teria trajes suficientes, mas como eu disse, ele
estava empenhado em me irritar e me manter no escuro quanto aos seus planos.
Faltam poucas horas até que um motorista venha me buscar, ele disse que me
encontraria no hangar já que tinha muitas coisas para resolver antes de partirmos. Por alguns
instantes, suspeitei de que ele queria apenas se livrar das minhas tentativas de acabar com a
surpresa.
Nem mesmo na arrumação da sua mala consegui descobrir, Regan era esperto demais
para imaginar que eu não deixaria Máire arrumá-la sozinha, por isso, pediu que colocasse apenas
alguns pares de terno, uma roupa neutra com a qual ele se vestia regularmente, e principalmente,
não me oferecia qualquer indicativo do nosso destino.
Eu tentei de todas as maneiras, mas me frustrei em todas elas, Regan é um verdadeiro
túmulo fechado, nada escapa daqueles lábios sem que ele de fato queira.
Me jogo na cama frustrada após fechar a mala sem ainda me sentir segura, arregalo os
olhos ao perceber que falta menos de quarenta minutos até que alguém venha me buscar,
sabendo que não tenho mais tempo a perder ou me lamentar, corro para o banheiro e depois de
me lavar visto a roupa que escolhi.
Uma calça jeans de cintura alta e uma camiseta branca; nos pés uma bota rasteira preta
para combinar com a peça ortopédica que ainda uso, visto o casaco de lã preto por cima, está
muito frio hoje na Irlanda, e caso o nosso destino seja mais tropical, posso apenas tirar o casaco e
trocar a bota por uma sandália rasteira e ficará tudo bem.
Regan acha que vai me surpreender, mas sou eu quem o surpreenderei com a minha
astúcia e versatilidade, sorrio feito boba enquanto me olho no espelho e faço uma maquiagem de
leve.
— Senhora. — Ouço as batidas na porta e autorizo a entrada da mulher que, pela voz, imagino
ser Analli, ainda não me acostumei com ela me chamando de senhora, mas aceitei que não tenho
outra opção. — O senhor Eamon chegou para buscá-la — avisa, mas percebo o seu semblante
um tanto quanto tenso.
— Já estou descendo, está tudo bem com você, Analli? — pergunto, estranhando a apreensão e
suas mãos levemente trêmulas.
— Sim, senhora — responde, mas sinto que não está sendo totalmente sincera comigo. — Posso
mandar alguém vir buscar as malas? — Foge do assunto antes que eu a pressione.
— Sim, por favor — respondo e ela sai quase correndo do quarto, faço uma nota mental para
descobrir depois o que aconteceu a ela porque sei que tenho pouco tempo agora.
Analli e Máire tem sido as minhas duas companheiras de conversas nessa casa além de
Regan, é claro, me preocupo com elas e se tiver algo as aborrecendo posso tentar resolver com
Regan depois.
Apanho a bolsa, confiro os documentos pessoais e só então saio do quarto, ansiosa
demais para descobrir o que me aguarda fora dos muros que protegem a fortaleza que Regan
chama de casa.
— Tá tudo bem aqui? — pergunto.
Quando chego aos pés da escada, vejo um homem grande e forte demais sobrepor a sua presença
a de Analli, que parece acuada contra a pilastra que fica no centro da sala.
— Estava te esperando, Eileen. Vamos. — O homem gira sobre os calcanhares ficando de frente
para mim, seus olhos estão escurecidos, raivosos talvez, noto que Analli aproveita a
oportunidade para fugir no mesmo instante indo em direção a cozinha.
— Tá tudo bem aqui? — Repito a pergunta não me deixando intimidar pela sua postura austera.
— Não se preocupe, Eileen, está tudo exatamente como deveria estar. — Rosna de forma
controlada e eu o observo parada no mesmo lugar. — Vamos garota, Regan não gosta de atrasos
— chama, quando percebe que eu não me movo.
Eu não lembro de já tê-lo visto, mas pelo nome que Analli falou, sei que é um dos
subchefes de Regan, por isso, sei que não devo temê-lo, se Regan confia nele eu também devo
confiar, e é com essa certeza que o sigo para fora da casa.
Eamon é o tipo de homem que intimida qualquer pessoa apenas com o olhar, para
ajudar na tarefa, possui uma figura imponente, com uma presença física tão grande que inspira
temor; seus braços estão rígidos enquanto dirige pelas ruas de Bryncroft, o cenho franzido me faz
crer que a sua mente não para de trabalhar um segundo sequer.
— Eamon, o seu nome, não é? — pergunto em um ímpeto de coragem ou loucura, não sei ao
certo.
— Sim — responde taciturno.
— Você é um dos subchefes de Regan? — pergunto para confirmar minhas suspeitas e tentar
estabelecer uma linha de diálogo que me leve até onde desejo.
— Você já sabe a resposta — responde sem sequer me encarar pelo espelho retrovisor.
— Sim eu sei. — Confirmo. — Mas gostaria de ouvir da sua boca, quem sabe nós podemos ser
amigos conversar, talvez. — Solto a palavra e me sinto boba quando uma risada fria como um
bloco de gelo percorre os seus lábios.
— Sou subchefe de Regan e não Eileen. — Ele desvia os olhos rapidamente no retrovisor e me
encara. — Eu não tenho e não quero ter amigos.
— Regan é seu amigo — afirmo certa das minhas palavras. — Os outros subchefes também
devem ser. — Arrisco.
— Sim, eles são — responde evasivo.
— Analli também é sua amiga? — Vejo o seu ombro enrijecer com a simples menção do nome
da garota e os nós dos seus dedos que seguram o volante ficarem esbranquiçados.
— Não. Ela não é. — Demonstra irritação em sua voz.
— Então o que há entre vocês? — Insisto, percebendo que toquei em um assunto sensível.
— Você é curiosa demais garota. — Eamon solta um suspiro pesado, verdadeiramente irritado
com as minhas perguntas
— Um pouco, talvez. — Confesso.
— Por que deseja saber qual a minha relação com Analli? — Me encara através do retrovisor.
— Porque eu gosto dela — respondo sincera. — Notei que havia algum tipo de tensão entre
vocês. — Completo.
— Você está enganada, não há nada entre nós — responde e antes que eu possa contestar, ele
freia o carro e desce rápido demais abrindo a porta para mim.
Vejo Regan de longe e um sorriso brinca em meus lábios, Eamon fecha a porta e
caminha na minha frente me fazendo segui-lo, enquanto outros homens abrem o porta malas para
pegar as bagagens que trouxemos.
— Algum problema? — Regan estreita os olhos enquanto nos aproximamos, provavelmente
notando o clima entre mim e o seu subchefe, nada passa despercebido pelos olhos desse homem.
— Sua garota está entregue sã e salva. — Eamon rosna sem responder à pergunta de Regan. — E
dá próxima vez, arrume outra pessoa para cuidar dela quando você não puder. Boa sorte, amigo,
você vai precisar. — Ele gira os calcanhares parando de frente para mim. — Adeus, Eileen. —
Dá um passo para o lado e eu repito o gesto impedindo que ele passe por mim.
— Ainda não acabamos, Eamon. — Cantarolo sorrindo.
— Sim, acabamos Eileen. — Sua respiração sai entrecortada e ele passa por mim feito uma
flecha.
— Eu ainda quero ser sua amiga, Eamon — falo alto para que ele me ouça.
— Eu já disse, não tenho interesse, Eileen — grita de volta, sem sequer olhar para trás entrando
no mesmo carro que me trouxe e cantando pneus para longe.
— O que foi isso? — Regan pergunta surpreso.
— Nada demais — falo me aproximando e circulando sua cintura com meus braços. — Eu só
tentei ser sua amiga no caminho.
— Dá pra ver que não deu muito certo. — Regan sorri brevemente levantando o meu queixo e
depositando um beijo casto em meus lábios.
— É, não deu — confesso, mas não me deixo abater —, talvez eu tenha tocado em alguma ferida
que não deveria.
— Ferida? — Regan pergunta erguendo a sobrancelha.
— Sim. — Confirmo. — Talvez você saiba algo sobre isso. — Meu semblante se ilumina, é
claro que Regan deve saber.
— Sobre o que especificamente estamos falando, mo chailín?
— Analli. — Conto com um sorriso. — Me conte o que há entre eles.
— Puta. Merda, Eileen. — Regan explode em uma gargalhada me deixando surpresa.
— O que foi? — pergunto sem entender.
— Essa não é apenas uma ferida, mo chailín. — Coloca uma mecha de cabelo atrás da minha
orelha. — É uma ferida aberta que está muito longe de ser cicatrizada.
— Oh, meu Deus, me conte Regan — peço sem controlar a curiosidade.
— Não, mo chailín. — Essa história não é minha para ser contada, mas quem sabe um dia, você
descubra o que há entre eles. — Agora vamos, já temos a autorização para decolar, estávamos
apenas te aguardando.
— Regan — chamo de repente um pouco mais preocupada e ele trava os passos no chão me
encarando. — Só me diga uma coisa, por favor.
— Se eu puder — avisa, deixando claro que existe limites que ele não ultrapassará por minha
causa.
— Quando Eamon chegou para me buscar, notei que Analli ficou tensa, nervosa, até mesmo
trêmula, por isso percebi haver algo entre eles. — Ele confirma com a cabeça, mas sem dar
nenhuma informação. — Ele... — Começo, mas fico com medo da resposta para o que vou
perguntar.
— Ele? — Regan insiste — pergunte, Eileen.
— Ele, Eamon, oferece algum tipo de perigo para Analli?
— Não mo chailín. — Ele me puxa novamente para os seus braços. — Se é isso que te preocupa,
pode ficar tranquila, foi Eamon que trouxe Analli para trabalhar em minha casa, e se quer saber,
suspeito que ele tiraria a própria vida antes de permitir que qualquer coisa aconteça a garota. —
Ele beija a minha testa. — Agora, desfaça essa ruguinha de preocupação, deixe tudo para trás e
se concentre na nossa viagem.
Respiro aliviada após ouvir o que Regan me disse, eu não temi Eamon, mas imaginei
que havia algo pairando entre eles, e agora me sinto aliviada que seja lá o que for, não é nada que
fará mal para Analli.
Como disse Regan, um dia quem sabe, eu descubro qual a história que paira entre eles.
— Para onde vamos? — pergunto enquanto subo ao seu lado as escadas do jatinho que nos
levará ao nosso destino.
— Ainda não, mo chailín. — Regan sorri. — Controle essa curiosidade só mais um pouquinho.
— Não acredito que ainda não vai me contar. — Faço um biquinho de choro e ele aperta
levemente entre o indicador e o polegar e em seguida beija de leve a carne dos meus lábios.
— Falta pouco para descobrir, mo chailín. — Sua voz um tom mais rouca causa um comichão
entre as minhas pernas. — Faz parte da diversão deixar o controle em minhas mãos, tenho
certeza de que você vai aproveitar cada segundo do que planejei para nós.
Com um último sorriso misterioso, Regan me guia até nossos assentos no avião. Enquanto
nos acomodamos, sinto uma mistura de emoções borbulhando dentro de mim.
Estou ansiosa para descobrir para onde estamos indo, mas também estou grata por estar ao
lado de Regan, compartilhando esse momento com ele.
Quando o avião decola e se estabiliza no ar, olho pela janela, observando as nuvens
passando rapidamente. Sinto-me livre, como se estivesse voando para longe de todos os meus
problemas e preocupações.
Com Regan ao meu lado, sei que tudo ficará bem. Essa certeza me acalma na mesma
medida que me amedronta.
Capítulo 25

Depois de ouvir as instruções do piloto para os procedimentos de decolagem, me


certifico de que o cinto de Eileen está corretamente afivelado e, em seguida, me acomodo na
poltrona à sua frente.
Penso que meses atrás, quando a trouxe dos Estados Unidos nesse mesmo jatinho, eu
sequer imaginava no quanto essa garota mudaria a minha vida e se tornaria importante para mim.
Eileen está olhando detidamente para a paisagem fora da janela da aeronave, um sorriso
discreto brinca em seus lábios, suspeito que ela esteja feliz com tudo o que está acontecendo.
Só após ver a menina sorrir tão genuinamente percebi o quanto a sua tristeza me
incomodava, por vezes eu estive em seu quarto durante a noite para observá-la, me certificar de
ela estava bem e em todas elas presenciei o seu semblante demonstrar sofrimento mesmo
enquanto repousava. Suas lágrimas por vezes ainda molhava o tecido do travesseiro e agora não
percebo mais esse sentimento de angústia em seu semblante.
É como se finalmente ela tivesse encontrado uma nova motivação para viver, sei que a
garota não pode apenas se contentar comigo e pensar que sou o bastante, porque sei que é
inevitável que um dia isso que está acontecendo entre nós, acabe.
Não quero antecipar as coisas, mas Eileen é jovem demais, muito provavelmente possui
sonhos que serei incapaz de fazê-la vivenciar, entretanto também sou egoísta o suficiente para
mantê-la presa a mim pelo tempo que for interessante para nós dois.
Eu só preciso me certificar de que ela ficará bem e terá outra motivação para continuar
quando tudo isso entre a gente acabar, confesso que sinto um aperto no peito ao considerar o
nosso fim, mas por outro lado, não posso me iludir que terei uma vida feliz ao lado da bela
garota.
Na vida que escolhi trilhar, os finais felizes são meras ilusões, assim como na lenda
irlandesa de Deirdre e Naoise, onde uma jovem de extrema beleza — tal qual Eileen —,
chamada Deirdre se apaixona pelo guerreiro Naoise, desafiando a promessa de casamento dela
com o rei Conchobar. Eles fogem juntos, mas são traídos e brutalmente mortos.
Essa lenda destaca não apenas o poder do amor, mas também os trágicos desfechos que
podem surgir quando desafiamos convenções e destino. Eu aceitei o meu destino e sei que o de
Eileen não é permanecer ao meu lado para sempre.
Lembro da breve interação que presenciei entre Eileen e Eamon, a garota definitivamente
tem o poder de estourar barreiras, com exceção de mim e dos caras, ninguém conseguiu
ultrapassar as camadas de Eamon, mas ela conseguiu.
Quase ri quando percebi que o meu subchefe não conseguiu esconder a sua irritação com a
curiosidade de Eileen sobre a sua vida, e conhecendo Eamon como é, reconheço que esse é um
feito e tanto. Eamon é um homem de poucas palavras, são as suas ações que melhor o definem.
Assim como acontece com Deirdre, ela é forte e determinada, não tem pressa, ela caminha
a passos lentos enquanto persegue o seu objetivo, não desvia do foco principal, mesmo que o
trajeto se apresente doloroso, isso me faz admirá-la mais a cada dia.
Quase dez horas de voo depois, entro no quarto localizado na parte traseira do avião
para acordar Eileen, trouxe ela para o quarto quando percebi que dormia na poltrona em uma
posição desconfortável, me deitei por algumas horas ao seu lado, mas desde que acordei,
aproveitei para trabalhar um pouco já que não pretendo fazê-lo em nosso fim de semana.
Imagino que já vamos pousar e preciso que ela esteja sentada e com o cinto de segurança
afivelado.
Confirmando as minhas suspeitas assim que nos acomodamos na cadeira, ouço a voz
do comandante piloto nos autofalantes iniciando o procedimento padrão de pouso.
— Senhor e senhora, aqui é o capitão Smith falando. Estamos nos aproximando de Aspen e
começaremos nossa descida para o pouso em breve. — Vejo a surpresa estampar o rosto de
Eileen quando ela finalmente descobre o nosso destino. — As condições climáticas em Aspen
estão ótimas, com céu claro, poucas nuvens e visibilidade excelente. A temperatura no momento
é de 10 graus celsius. — Ela leva as mãos a boca e uma fina camada de lágrimas cobre os seus
olhos, se eu não fosse tão observador sequer teria notado. — Aproveito para agradecer a
confiança do Sr. Regan e da sua senhora a bordo hoje. — Porra, sua senhora? É sério que o
comandante mandou essa em pleno voo? Percebo a surpresa de Eileen porque as suas bochechas
coram levemente. — Continuaremos fazendo o possível para garantir uma experiência agradável
durante o voo. Nossos comissários estarão passando para recolher quaisquer itens restantes antes
do pouso. Por favor, permaneçam em seus assentos com os cintos afivelados até que a aeronave
esteja completamente parada no terminal. Mais uma vez, obrigado pela confiança e tenham uma
excelente estadia em Aspen-Colorado.
Após as palavras do comandante, a comissária se aproxima e recolhe o copo do
Whisky Single Malt Escocês[32] que me serviu instantes atrás, como Eileen estava dormindo não
há o que ser recolhido em sua poltrona.
— Gostou do nosso destino, Eileen? — pergunto e pela primeira vez na vida preciso controlar
algo que se parece com insegurança e ansiedade que surge em mim. — Imaginei que gostaria.
— Regan, você... — Ela interrompe as palavras e limpa a lágrima solitária em seu rosto. — Eu já
estive aqui. — Confessa e ergo a sobrancelha espantado.
— Já esteve aqui?
— Sim, nas últimas férias de Kira, ela me trouxe.
— Como? — pergunto surpreso. — Eu estive aqui, Eileen, estive com Kira nas suas últimas
férias.
— Eu sei. — Ela abaixa a cabeça demonstrando estar envergonhada. — Eu fiquei no quarto de
Fiona no dia que você veio, você não dormiu aqui, só passou algumas horas com ela.
— Porra! — Resmungo irritado comigo mesmo, como deixei passar tantos detalhes sob os meus
olhos sem que fossem percebidos.
— Me desculpe. — Ela abaixa a cabeça envergonhada.
— Não se desculpe, Eileen — falo tentando controlar a irritação na voz, mas falhando
miseravelmente. — Não é culpa sua que eu tenha sido displicente com a minha filha.
— Ela te amava, Regan. — Ela encara meus olhos e sinto um baque quando as suas irises
buscam me transmitir a verdade em suas palavras. — Ela te amava e idolatrava, todas as vezes
que Kira me falou de você foi com carinho e admiração.
— Não era o suficiente, o que dei a ela não foi suficiente para mantê-la segura. — Desvio os
olhos por um segundo e não prevejo as ações da garota. — Não, Eileen. — Tento impedir, mas
ela já se livrou do cinto de segurança e se acomodou em meu colo, automaticamente circundo a
sua cintura fina com os meus braços fazendo eu mesmo o papel de protegê-la.
— Por gentileza passageiros, afivelem os cintos de segurança. — O comandante pede nos alto-
falantes da aeronave, mas a sua voz se torna distante quando os lábios de Eileen envolvem os
meus em um beijo calmo e delicado tal qual a própria garota é.
— Ela te amava! — sussurra, afastando os lábios e encarando os meus olhos bem perto, quando
percebemos a aeromoça parada de pé rente a porta divisória entre o lugar onde fica a tripulação e
os passageiros.
— Já pousamos, senhor — a comissária fala e só então eu e Eileen percebemos que ficamos mais
tempo do que percebemos nos beijando e sendo transportados para dentro de nós mesmos.
Ela provavelmente estava lembrando saudosamente os momentos que viveu ao lado da
minha filha, e eu, remoendo a minha falha e a culpa pela sua morte.
Afasto Eileen do meu corpo com cuidado e a coloco de pé repetindo o gesto com o
meu próprio corpo.
A comissária nos entrega os nossos casacos e após vestirmos as peças de roupa, nos
dirigimos lado a lado para a saída da aeronave.
Preciso afastar essa merda da minha cabeça ou esse fim de semana tem tudo para ser
um verdadeiro fracasso, e definitivamente, não foi o que planejei e não é o que desejo para a
menina.
Capítulo 26

Regan permanece em silêncio desde o momento em que fomos avisados pela aeromoça
que havíamos pousado.
Saímos do jatinho particular e percebo que há um carro nos esperando estacionado no
hangar, sinto a mudança na temperatura assim que pisamos em solo firme. O ar gelado das
montanhas bate contra o meu rosto, mas é gostoso. Mesmo que eu já tenha estado aqui em
Aspen, dessa vez, sou tomada por sensações bem diferentes.
Regan caminha em silêncio ao meu lado, parece perdido em seus próprios pensamentos,
talvez remoendo os mesmos sentimentos que me invadiram no final do voo quando descobri que
viemos para Aspen, com a diferença de que o que sinto é saudade e ele se culpa pela morte da
filha. Sua expressão é séria, sombria, e eu sei que ele está lutando contra os seus próprios
fantasmas.
— Regan... — chamo, tocando levemente o seu braço. Ele me olha com uma intensidade que
quase me faz recuar.
— Estou bem, Eileen. — Sua voz é áspera, há uma dureza por trás das palavras, mas sei que não
é direcionada a mim, ele está lutando consigo mesmo.
Sei que Regan não quer que eu me preocupe com ele, mas é impossível ignorar a dor que
vejo em seus olhos por mais que ele tente esconder.
Caminhamos juntos até o veículo, e é impossível não notar os olhares curiosos que
recebemos. Regan é uma figura imponente, e eu, ao seu lado, me sinto pequena e vulnerável.
Mas não importa o que os outros pensam, porque sei que estamos juntos e é o que importa.
Um homem alto e robusto, com um ar intimidante que me lembra Eamon está parado
diante do veículo. Mas ao contrário do subchefe de Regan, esse homem parece mais receptivo,
oferecendo um discreto sorriso quando nos aproximamos.
— Senhor Regan, senhora. — Ele nos cumprimenta, e abre a porta do carro, sua voz grave ecoa
no vento.
Regan acena brevemente com a cabeça me dando passagem, e entrando em seguida ao
meu lado. Assim como todos os carros que pertencem a Regan, esse é um veículo luxuoso, com
bancos de couro e um aroma de novo que contrasta com o ar gelado do lado de fora.
Durante o trajeto até a residência, Regan permanece em silêncio, perdido em seus
pensamentos. Eu respeito o seu momento e tento não o perturbar, por isso, me concentro na
paisagem que se descortina do lado de fora do carro.
Chegamos à residência de Regan, a mesma que visitei com a sua filha, é uma magnífica
mansão cercada por pinheiros e coberta por uma fina camada de neve. É um cenário
deslumbrante, e eu mal posso acreditar que voltei aqui.
O motorista retirou as nossas bagagens do carro e colocou na sala de entrada da casa, em
seguida, Regan dispensa-o com um aceno de mão, antes de caminhar ao meu lado para dentro.
Olho em volta relembrando como a casa é ainda mais impressionante por dentro, com uma
decoração luxuosa e uma atmosfera acolhedora cercada por lareiras acesas nos quatro cantos o
que a mantém em uma temperatura agradável. Regan me conduz até o seu quarto ainda em
silêncio, sem ter o que fazer, começo a desfazer as nossas malas e organizar os itens no closet.
Enquanto arrumo nossas roupas, ouço Regan se movendo pela casa. Ele parece distante,
como se estivesse em outro lugar, e eu me pergunto o que se passa em sua mente.
Quando termino a tarefa, saio do quarto e o encontro na sala de estar, as mãos apoiadas no
vidro, encarando fixamente a paisagem do lado de fora. Seu rosto permanece sério, e posso sentir
a tensão emanando de cada poro dele.
— Regan? — chamo, me aproximando dele lentamente, percebo que o sol já começa a se pôr no
horizonte cedendo espaço para a noite que se aproxima. Relutante, ele se vira para me encarar, e
por um momento, sinto seus olhos me atravessarem como lâminas afiadas.
— Eileen... — Sua voz é quase hesitante. Ele parece buscar por palavras, mas não as encontra.
Percebo a batalha silenciosa que ele trava em cada uma das suas expressões, ele suaviza o
semblante levemente ao me encarar fixamente, mas ainda há uma sombra de dor em seus olhos
que me faz estremecer por dentro.
Ele não desvia o olhar, mas sinto como se não pudesse mais me encarar, por breves
segundos me sinto uma intrusa em seu mundo, era para Kira estar aqui com ele e não eu. Sinto
um aperto no peito ao vê-lo assim, tão distante.
Me esforçando para não hesitar, seguro a barra da camiseta e puxo-a para fora do meu
corpo, jogo a peça no chão e repito o mesmo com o sutiã. Regan me encara sem desviar os olhos
do meu corpo, caminho até estar bem pertinho dele e ergo minha mão tocando delicadamente seu
rosto.
Sinto a textura áspera de sua barba por fazer sob meus dedos. Ele se enrijece um pouco
com o contato, mas não se afasta. Em vez disso, fecha os olhos por um instante, segundos talvez,
é como se contrariando a lógica da sua mente, estivesse buscando conforto em meu toque.
— Eu estou aqui para você. — Minha voz é suave, cheia de ternura e compreensão. Eu não
posso imaginar a dor que ele carrega, mas estou determinada a estar ao seu lado, não importa o
que aconteça.
Ele suspira profundamente, quando empurro o terno para fora do seu corpo e começo a
desfazer os botões da camisa azul-marinho que veste.
— Eileen, você não precisa... — ele começa a falar quando deslizo os meus lábios por sua pele
percorrendo com a boca o caminho até o cós da sua calça.
— Eu quero — falo com firmeza me ajoelhando no chão e desfazendo o botão da sua roupa.
Regan não protesta mais, ele se entrega ao momento, permitindo-se sentir, mesmo que
apenas por um instante. Eu sei que ele está lutando contra seus próprios demônios, mas talvez,
apenas talvez, eu possa ajudá-lo a encontrar um pouco de paz, mesmo que seja por um breve
momento.
Deslizo minhas mãos em sua pele, explorando cada centímetro dele como se estivesse
buscando por respostas em cada curva, em cada músculo tenso. Sinto a tensão deixando seu
corpo aos poucos, substituída pelo prazer enquanto o envolvo em meus lábios.
Olho fixamente para Regan, passeio a cabeça rosada em meus lábios como se fosse um
batom, percebo que eu estou ficando meio que viciada nesse homem, nos últimos dias Regan me
ensinou coisas que jamais pensei em fazer na vida, mas estou gostando demais de cada uma
delas.
Abro um pouco os lábios e deixo o seu membro deslizar para dentro da minha boca, chupo
a cabeça, tiro um pouco e deslizo a língua por toda extensão.
Desvio os olhos para o seu rosto e o vejo com a face sendo recoberta pelo mais puro
prazer, aperto minhas pernas buscando alívio porque ver o corpo de Regan se impor sobre o meu.
Ele apenas com a calça abaixada e os botões da camisa abertos, enquanto eu nua da cintura para
cima lhe dou prazer com a minha boca é de enlouquecer.
Sinto seus dedos se emaranharem nos cabelos da minha nuca enquanto deslizo minha boca
pelo comprimento umedecendo o membro rijo cada vez mais, exatamente como ele me ensinou.
Troco olhares com ele, agora estamos os dois perdidos em prazer, chupo toda a
extensão, sugo e dou mordidinhas de leve como percebi que ele gosta, porque ele geme mais
rouco quando faço isso, ele aperta o punho em minha boca fazendo meus lábios vibrarem em sua
carne e o seu membro pulsar.
Seus olhos estão em fendas contra os meus, ele penetra minha boca agora ditando o
ritmo e eu o devoro com vontade, a baba escorrendo pelos cantos dos meus lábios à medida que
a saliva aumenta.
Regan rosna grave e forte a cada estocada mais profunda em meus lábios, engasgo com
o seu tamanho ele tira um pouco para fora, mas volta em seguida aumentando as estocadas.
Percebo que ele está quase alcançando o próprio prazer quando retira minha mão e preenche com
a sua todo o pedaço de carne que os meus lábios não conseguem engolir.
Ele se masturba me encarando sem deixar de foder os meus lábios, lágrimas escorrem
pelo canto dos meus olhos e eu abro os botões da minha calça jeans e enfio a mão em minha
calcinha me dando prazer como ele me ensinou.
— Porra, Eileen — Regan geme, e depois de mais algumas estocadas me puxa para cima.
Ele abaixa minha calça deixando-a nos joelhos assim como a sua própria calça está,
gira os nossos corpos me colocando de frente para a parede de vidro, percorro os olhos pela
floresta sem me concentrar na paisagem quando seus dedos invadem a minha intimidade.
— Porra, minha menina, já está toda molhadinha, pronta para ser fodida pelo meu pau. — Geme
contra o meu pescoço e eu me derreto, porque eu gosto de ouvir quando ele fala essas coisas para
mim.
— Sim, por favor — peço e em seguida, sinto a cabeça robusta sondar a minha entrada.
— Abra mais as pernas, Eileen — pede com a voz entrecortada e eu atendo imediatamente, sinto
ele se afundar em minha carne. — Ahhh, menina. — Geme a cada centímetro que me invade. —
Gostosa e apertada demais amor. — Sinto beijos salpicarem o meu pescoço a barba fazendo um
trabalho poderoso em minha pele.
— Regan, ahh — grito rouca quando seus dedos estimulam o meu clitóris em carícias circulares
e ritmadas. — Isso, por favor, eu vou...
— Goza, Eileen. — Morde a carne do meu ombro. — Quero sentir essa bocetinha pequena e
gulosa contrair em volta do meu pau.
— Eu vou... eu estou quase... não para. — Imploro a cada estocada mais firme dentro de mim. —
Mais forte, Regan — peço deixando a vergonha de lado e me entregando ao momento como ele
sempre pede que eu faça. Que eu me permita sentir tudo e com total intensidade.
Ele faz o que eu peço e me invade com mais força, mais rápido ao mesmo tempo em
que sinto as carícias em meu clitóris aumentarem a velocidade.
Perco o equilíbrio das pernas e ele me sustenta com o braço envolto em minha cintura
sem parar de ir bem fundo dentro de mim e sem abandonar as carícias entre as minhas pernas.
— Goza amor, eu também estou no limite — Regan avisa. — Sua boceta tá deslizando quentinha
e úmida em meu pau e você rebolando desse jeito, porraaaa.
Ele me segura quando os meus joelhos se dobram enquanto eu explodo o meu prazer
em sua volta, grito e me debato com as sensações, todas as outras vezes foram maravilhosas, mas
essa foi incrível.
Regan entra e sai cada vez mais rápido, mais forte e intenso sustentando o meu corpo com
as mãos com firmeza, sinto o seu corpo pender para frente me pressionando contra a parede de
vidro à nossa frente enquanto ele se derrama dentro de mim gozando e rosnando como um
animal liberto da jaula.
Ele envolve meu corpo com as mãos fortes, a testa apoiada em meu ombro, a respiração
tão descompassada quanto a minha, até que os nossos olhares se cruzam através do vidro e ele
deposita um beijo leve em meu pescoço.
— Ah, mo chailín. — Seus olhos me encaram ainda pesados de prazer. — O que eu faço com
você? — pergunta e sei que não espera por respostas, mas eu lhe dou mesmo assim.
— Me leve para o quarto — respondo manhosa com um sorriso, brincando nos lábios e deixando
o meu corpo pender contra o seu, sinto o seu peito vibrar quando ele ri da minha resposta, pela
primeira vez desde que chegamos Regan sorri com sinceridade e eu me sinto satisfeita.
É claro que eu sei que não era essa a resposta para a sua pergunta, nem sequer era essa
exatamente a sua pergunta, mas apenas pelos próximos dias, quero afastar os problemas de nós
dois.
Ele sai de dentro de mim e sinto o seu prazer escorrer em minhas pernas, ele suspende
e abotoa a sua calça, mas não faz o mesmo com a minha, apenas me suspende em seus braços
fortes e caminha para o quarto assim como eu pedi.
Regan anda e me abraça com força contra o seu peito musculoso, segurando-me como se
eu fosse a única coisa que o mantém ancorado à realidade e eu envolvo o seu pescoço e o seguro
com firmeza, nossos olhares não se abandonam e eu lhe prometo silenciosamente que estarei ao
seu lado, não importa o que aconteça.
Sei que usei o meu corpo para acalmar a tormenta que estava ameaçando envolver Regan,
contudo, não me senti usada por isso, porque enquanto ele tomava o meu corpo com ânsia e
desespero, eu entregava muito mais de mim para ele.
Eu entregava o sentimento mais puro que possa existir, eu lhe entregava o meu amor.
Capítulo 27

Enquanto carrego Eileen nos braços para o quarto, reflito sobre a atitude da garota, sei
o que ela quis fazer, ou melhor, o que ela fez.
Eileen usou o seu corpo para me distrair da tormenta, e eu, como o excelente filho da
puta que sou, usei o seu corpo como válvula de escape, e caralho, aproveitei cada segundo disso.
Porra, a garota de estatura mediana e olhares atentos enxergou muito mais do que
qualquer pessoa veria, ela viu a minha culpa, porque é claro que eu sei que a culpa é total e
exclusivamente minha.
Enquanto observava a paisagem estéril e gelada de Aspen através da janela, me
perguntei quantas coisas mais a minha filha fazia sem que eu tivesse conhecimento, quem Kira
era de verdade?
Sei que uma parte dela, a que ela me permitia ver em nossos raros momentos juntos era
genuína. Uma garota doce e compreensiva que mesmo conhecendo cada um dos meus pecados
nunca me julgou e do jeito dela, me amava.
Porra, não precisava que Eileen dissesse para que eu tivesse consciência do quanto
minha filha me amava, estava claro em cada uma das suas ações, mas e eu, o amor que eu lhe dei
foi suficiente?
Eu jamais senti a ausência de Kira em minha vida, porque a mandei para longe assim
que ela nasceu, não dá pra sentir falta de algo que nunca se teve, mas ela dizia sentir, Kira
admitia todo o seu amor, e não era apenas com palavras, os seus olhos me diziam isso, o seu
corpo quando corria para mim de braços abertos também confirmava o seu amor.
Quase como se ela soubesse que precisava aproveitar o máximo de mim, porque o seu
tempo seria curto ao meu lado, não apenas pela imposição da distância, mas porque sua vida
seria breve.
E se eu soubesse disso, teria feito diferente? Teria deixado que ela estivesse mais
perto? A protegeria, é claro, mas a manteria ao meu lado como sei que deveria ser?
Não, eu não tenho as respostas para essas perguntas porque a minha culpa, me faz ver
as coisas por um ângulo diferente da minha vivência. No fundo eu nunca saberei.
Kira se foi e me deixou Eileen como um presente, um sopro de juventude, vida e
liberdade em meus dias amargos e nublados, agora eu me pergunto se sou digno de tê-la ao meu
lado, por quanto tempo devo mantê-la comigo? Quais são os seus anseios? O que Eileen
verdadeiramente deseja?
A verdade é que eu sempre fui prático demais para me preocupar com questões tão
subjetivas, e talvez seja essa a merda que está quase me fazendo enlouquecer.
Tomamos banho em silêncio e após vestirmos uma roupa leve, deito ao seu lado na
cama, desejando que ela descanse um pouco para não sentir os sintomas do jat lag[33] após a
viagem.
Não percebo quando o sono me envolve e eu me entrego a um sono que não é nenhum
pouco reparador, uma vez que, imagens de Kira invadem a minha mente a todo instante.

Acordamos por volta de oito horas da noite no horário local em Aspen, vejo Eileen se
mover manhosa sob os cobertores e obrigo a minha mão a se manter longe do corpo da garota.
— Você dormiu também. — Sua voz sai rouca e baixinha ainda sonolenta.
Não é uma pergunta e sim uma constatação, um sorriso de contentamento surge em seus
lábios, como se ela imaginasse que eu precisava disso.
Não poderia estar mais enganada a garota, porque as horas de sono foram incapazes de
fazer o meu corpo e a minha mente relaxarem.
— Sim. — Beijo seus lábios, incapaz de me manter distante. — Está com fome?
— Um pouco. — Confirma, mas a sua barriga ronca demonstrando a verdade, desde que
chegamos não comemos nada. — Quer sair para jantar? — Ofereço. — Podemos ir a um
restaurante que eu gosto muito.
— Se você quiser, pode ser. — Suas mãos passeiam por minha barba. — Mas acho que
poderíamos ficar aqui, pelo menos hoje, meu corpo ainda está um pouco cansado.
— Ficaremos então. — Beijo a pontinha do seu nariz. — Vou providenciar que o nosso jantar
seja entregue por esse restaurante, ok?
— Tudo bem. — Confirma. — Vou organizar a mesa para nós dois, então.
— Não precisa, Eileen, fazemos isso quando descermos.
— Sei que não precisa, mas eu quero. — Salpica um beijo em meus lábios e em seguida pula da
cama, sua juventude contrastando claramente com a minha idade nesse momento. — Não vou
demorar, já volto para me arrumar para o nosso jantar.
Ela corre para fora do quarto empolgada demais, Eileen é o tipo de garota que se
contenta com o básico, seus anseios são simples demais e por um instante desejo que ela me peça
o mundo, porque eu traria o inferno para a terra, mas o entregaria em suas mãos.
Apanho o celular na cabeceira e envio uma mensagem ao restaurante. Mesmo que eu
venha poucas vezes a Aspen, o dono me conhece e os meus pedidos são sempre postos como
prioridade.
Sigo para o banheiro e escovo os dentes, tiro a calça de moletom e entro debaixo da
água quente, deixo que ela leve para longe de mim todas as preocupações e sentimentos
conflitantes que guardo em mim.
Só por hoje, eu me permito viver.
Viver... Há quanto tempo não faço isso na minha vida? Desde que consigo lembrar eu
apenas existo e vivo para o Clã.
— É mo chailín — resmungo sozinho feito um tolo —, parece que você tem mais poder nessas
pequenas mãos do que pode imaginar.
Termino o banho e, no closet, vejo que Eileen retirou as nossas roupas da mala.
Escolho uma calça jeans escura e uma camisa preta, decidindo por um visual casual.
Após pentear os cabelos, sento na cama e apanho o celular para verificar as mensagens e
ver se há algo que eu possa resolver nesse breve momento.
Pela visão periférica, noto quando Eileen retorna para o quarto e involuntariamente os
meus olhos a seguem pelo ambiente, instantes depois ela sai do banheiro envolta em uma toalha
branca, ela segue para o closet que por ser em conceito aberto me permite acompanhá-la.
Penso em pedir que ela permaneça nua, mas sei que se fizer isso sequer desceremos para
jantar e por isso me calo. Vejo quando ela pega um vestido solto e florido no cabide e o observa,
hesitando por um momento antes de decidir usá-lo.
Vejo a peça deslizar sobre a cabeça e meu pau fica rijo instantaneamente quando,
silenciosamente, desejo ser o tecido macio e leve que escorrega contra sua pele.
Nossos olhares se cruzam rapidamente, percebo que Eileen fica nervosa, suas mãos
tremem ligeiramente enquanto tenta prender o último botão do vestido.
Ela encara o espelho, ajustando o cabelo solto que cai em ondas suaves sobre os ombros.
Passa um pouco de batom nos lábios, percebo a todo instante ela tentando disfarçar o leve tremor
que ainda persiste nas mãos.
Não tento disfarçar que ela tem toda a minha atenção e por isso continuo a observar em
silêncio.
Quando ela finalmente, fica satisfeita com a sua aparência. Respira fundo, e se vira para
me encarar. Seu olhar é intenso, cheio de uma emoção que não consigo decifrar completamente.
Por um instante, eu desejo dizer para ela que não precisaria de nada disso para estar perfeita,
Eileen é linda demais, perfeita para mim.
— Estou pronta — diz, tentando soar confiante, embora eu perceba mesmo estando longe que o
seu coração está batendo descompassado dentro do peito.
Levanto calmamente da cama e me aproximo dela, meus olhos fixos nos seus enquanto
coloco uma mão em seu rosto, acariciando-o suavemente.
— Você está linda — murmuro, minha voz sai rouca e cheia de uma emoção que não consigo
identificar.
Um arrepio percorre sua pele com meu toque, e por um momento, esqueço completamente
tudo o que me assombrava minutos antes. Eileen me olha nos olhos, e por um instante, sinto-me
perdido neles, afogando-me na profundidade de sua expressão.
Perdido como não me lembro de ter estado em qualquer outro momento da minha vida,
Eileen parece ter resgatado algo que eu nem lembrava que fui um dia. Talvez aquele menino que
era protegido pelos pais e que vivia em uma redoma de carinho e cuidado ainda esteja perdido
em algum lugar dentro de mim.
Salpico um beijo leve em seus lábios, o sabor de morango do brilho labial domina os meus
sentidos, me afasto, aspiro o seu cheiro doce e entrelaço os nossos dedos fazendo o que é preciso
e nos conduzindo para a sala de jantar. Eileen precisa se alimentar e faremos isso e apenas depois
eu lhe darei uma noite mais que especial.
Ao descer as escadas, sou recebido por uma visão que me surpreende. Eileen organizou
pratos e talheres em uma mesa de centro posicionada próxima a uma lareira acesa e uma parede
de vidro que oferece uma vista deslumbrante do lado externo da casa.
Ela criou uma atmosfera acolhedora e talvez até mesmo romântica para nós dois, luzes
suaves de velas criam uma aura de intimidade, o fogo dançante na lareira adiciona um toque
aconchegante ao ambiente, até mesmo a neve lá fora parece brilhar sob a luz do luar, criando um
cenário de tirar o fôlego até mesmo para mim, que na maioria das vezes sou um puto insensível.
Porra, essa garota tem mesmo algum poder sobrenatural, porque não me lembro de prestar
atenção em detalhes tão bobos em qualquer momento anterior em minha vida.
— Eileen... — murmuro, incapaz de conter minha surpresa diante da cena que ela preparou. Ela
se vira para me encarar, uma expressão mista de nervosismo e expectativa em seu rosto.
— Regan... — Pigarreia. — Eu sei que pode parecer bobo, mas... — Ela parece insegura de suas
ações, mas seus olhos brilham com uma determinação silenciosa, por isso a interrompo.
— Não é bobo, Eileen. — Minha voz sai suave. — É lindo, é simplesmente... você. — Seguro
seu rosto entre as minhas mãos e beijo-a novamente de leve, Eileen parece relaxar um pouco
diante do meu elogio, um sorriso tímido brincando em seus lábios quando afasto nossas bocas.
— Eu só queria que nossa noite fosse especial. — Ela admite, os olhos buscando os meus em
busca de aprovação.
— E será — respondo com sinceridade, envolvendo sua cintura com meus braços. — Está tudo
perfeito. — Ela se derrete em meu toque, seus olhos brilhando com uma mistura de alívio e
felicidade.
— O jantar já está a caminho, logo estará aqui. — Informo, beijando-a suavemente na testa.
— Ótimo! — Ela sorri, parecendo mais relaxada agora. — Vamos aproveitar então.
Sentamo-nos juntos à mesa, o calor da lareira nos envolvendo enquanto abro um vinho e
conversamos sobre coisas diversas. Eileen parece mais à vontade agora, sua risada ecoando pela
sala em alguns momentos, preenchendo o espaço com uma sensação de leveza.
O jantar não demora a chegar e enquanto desfrutamos da comida, nossos olhares se
encontram diversas vezes, ela me direciona diversos sorrisos e gestos carinhosos que percebo
que são feitos de maneira involuntária.
É estranho como me sinto tão confortável ao lado dela, como se pudesse ser eu mesmo
sem medo de ser julgado, sem o peso das responsabilidades que estão sempre em meus ombros.
À medida que a noite avança, percebo que estou começando a me abrir para ela de uma
maneira que nunca pensei ser possível. É como se uma parte de mim estivesse se reconectando,
uma parte que eu havia trancado há tanto tempo que sequer pensei que ainda existia.
Quando o jantar chega ao fim, encho as nossas taças de vinho, afasto a mesa de centro,
estendo a mão para Eileen e com ela entre as minhas pernas me acomodo de frente para a
paisagem externa visível através das paredes de vidro.
— Me conte um pouco sobre ela — peço baixo em seu ouvido, inseguro talvez com o que ela
possa me contar. — Como Kira era com você, o que gostavam de fazer, como era a sua relação
com ela — explico onde quero chegar.
Eileen gira o pescoço me encarando como se quisesse se certificar de que é isso
mesmo o que eu desejo, amor, preocupação, saudade e mais uma enxurrada de sentimentos
brincam em seus olhos.
— Eu quero ouvir, Eileen. — Confirmo ainda a encarando.
— Tudo bem. — Ela desvia os olhos dos meus e encara a paisagem à nossa frente, toma um gole
do vinho antes de começar a falar sobre a minha filha, sobre quem ela era de verdade e não sobre
quem eu imaginei que fosse.
Capítulo 28

— Me conte um pouco sobre ela — Regan pede com a voz rouca contra o meu pescoço. —
Como Kira era com você, o que gostavam de fazer, como era a sua relação com ela — explica
como se precisasse me fazer entender onde quer chegar.
Giro o pescoço encarando o seu rosto, tentando me certificar de que ele de fato quer
ouvir sobre sua filha para conhecê-la um pouco mais e não para alimentar a sua culpa.
— Eu quero ouvir, Eileen. — Insiste e apenas quando me convenço de que saber um pouco mais
sobre Kira lhe fará bem eu começo a lhe contar um pouco sobre nós, não sobre como nos
conhecemos, mas sobre como éramos juntas.
— Bem, Kira... Ela era incrível. — Começo, deixando um sorriso escapar dos lábios ao me
lembrar dela. — Se for sincera, desde o momento em que nos conhecemos, houve uma conexão
instantânea entre nós. Sua filha era como um raio de sol em um dia chuvoso, sempre cheia de
energia e alegria, eu mal dava conta de a acompanhar.
Regan ouve atentamente, seus olhos fixos na parede de vidro como se quisessem absorver
e recriar em sua mente cada palavra que eu disser sobre sua filha.
É como se quisesse construir novas memórias sobre ela, através de como eu a via.
— Ela era uma ótima companhia, Kira amava filmes e pipoca. Passávamos horas rindo juntas
das comédias bobas ou nos emocionando com os dramas e romances que ela escolhia. —
Balanço a cabeça de um lado para o outro com as lembranças. — Era como se o tempo parasse
quando estávamos juntas, só nós duas e a nossa loucura organizada. — Conto, sentindo a
saudade apertar meu peito.
Regan assente, incentivando-me a continuar.
— Além disso, Kira adorava explorar a natureza, então sempre que tínhamos a oportunidade,
íamos caminhar no Brooklyn Bridge Park[34], fazer trilhas pelas montanhas ou caminhadas pelo
bosque — explico, revivendo em minha mente os momentos divertidos que compartilhamos. —
Ela amava shopping center também. — Reviro os olhos ao lembrar do quanto a garota era
consumista.
— E aqui em Aspen, o que gostavam de fazer? — Regan pergunta, levemente curioso.
— Em Aspen... — Sorrio, lembrando dos momentos felizes que compartilhamos nesse lugar. —
Gostávamos de patinar no gelo no parque central, mesmo que eu não fosse muito boa nisso. —
Confesso sorrindo. — Kira sempre ria das minhas tentativas desajeitadas de não cair no gelo. —
Revelo, deixando escapar uma risada mais alta ao lembrar das vezes em que Kira me segurava
para que eu não caísse.
De uma maneira meio doida ela fez isso desde que me conheceu, Kira me estendeu a
mão, não permitiu que eu caísse e me deu um propósito e uma possibilidade real de continuar, de
não desistir de mim mesma.
Regan sorri diante da imagem que eu descrevo, parecendo relaxar um pouco mais, por isso
continuo, percebo que ele está gostando de ter uma imagem diferente dela.
— E claro, não posso esquecer das tardes passadas tomando chocolate quente em uma das
cafeterias charmosas da cidade, Kira era viciada em cafeterias. — Conto e ele me encara, com
certeza essa é uma informação bem pessoal e que ele desconhecia. — Eu amava estar com ela,
compartilhar histórias e planos para o futuro enquanto observávamos a rua agitada lá fora. —
Acrescento, sentindo uma onda de nostalgia me envolver.
Regan ouve atentamente, absorvendo cada detalhe sobre Kira e nossas pequenas aventuras
juntas, não podíamos fazer muitas coisas, porque Kira sempre teve as suas saídas muito
controladas pelo pai.
Me sinto à vontade para falar sobre ela com ele, porque sei que ela gostaria que Regan a
conhecesse mais profundamente. Não menti quando disse a ele que ela a amava, ela mesma me
afirmou isso diversas vezes, e no fundo, está sendo reconfortante para mim poder compartilhar
essas lembranças com ele, mesmo que a dor ainda esteja presente em nós, sinto que ele a partir
de hoje verá a filha com outros olhos, com mais amor e com menos pesar.
— Ela gostava muito de Aspen — Regan comenta, mais para si mesmo do que para mim.
— Sim, ela adorava. E eu tenho certeza de que vocês teriam se divertido muito juntos se
tivessem mais tempo — digo, tentando trazer um pouco de conforto para o coração de Regan. —
No fundo, ela era muito parecida com você, Regan. — Admito.
Ele assente, mesmo que os seus olhos neguem a minha afirmação, ainda se mantém
perdido em pensamentos, e por um momento, parece distante. Me pergunto o que se passa em
sua mente, quais memórias ele guarda de sua filha e como, verdadeiramente, ele está lidando
com sua perda.
— Obrigado por me contar mais sobre ela, Eileen — Regan finalmente diz, sua voz suave e
carregada de emoção. — Significa muito para mim.
Eu sorrio, sentindo-me grata por poder oferecer um pouco de consolo para Regan em meio
à sua dor.
— Estou aqui para você, Regan — respondo sinceramente, sabendo que nossa ligação se
fortaleceu ainda mais após compartilharmos essas lembranças de Kira.
Conversamos mais um pouco, bebemos o restante da garrafa de vinho e após Regan
nos cobrir com uma manta grossa, adormecemos ali mesmo no chão da sala.
No sábado de manhã, acordamos com o sol brilhando através das paredes de vidro,
trazendo consigo um calor reconfortante que penetrou sob a nossa pele até os ossos. Regan
sugeriu darmos um passeio pela cidade, uma oportunidade para explorarmos os arredores de
Aspen e nos permitirmos um momento juntos e fora da casa.
Vestimos roupas aquecidas e confortáveis e saímos pelas ruas tranquilas de Aspen,
aproveitando o ar fresco e a paisagem deslumbrante ao nosso redor.
Mesmo que eu perceba de longe o forte esquema de segurança que nos cerca, Regan
parece mais relaxado do que o habitual, sua postura mais descontraída e seu sorriso mais fácil de
alcançar os lábios. É bom vê-lo assim, livre das preocupações e das sombras que o cercam a todo
instante.
Paramos em uma cafeteria aconchegante para tomar café da manhã, lembramos de Kira é
claro, saboreamos alguns pães frescos produzidos artesanalmente no local e um café bem quente
enquanto compartilhamos histórias.
Compartilhamos é um eufemismo na verdade, porque Regan ouve muito mais do que fala,
é como se na sua vida não houvesse muito o que pudesse ser compartilhado, é um momento
simples, mas significativo para Regan que conseguiu pelo menos, se distanciar da loucura do
mundo que o cerca na Irlanda.
À tarde, decidimos explorar as trilhas próximas à cidade, caminhando em meio à natureza
exuberante de Aspen. Regan pareceu realmente revitalizado pelo ar puro e pela beleza natural
que nos cerca.
Enquanto caminhamos, conversamos sobre tudo e sobre nada, compartilhando
pensamentos e sonhos como se não houvesse amanhã. É fácil estar ao lado de Regan, sua
presença reconfortante e seu sorriso gentil me fazem sentir segura e protegida.
À noite, jantamos em um restaurante charmoso no centro da cidade, desfrutamos de uma
refeição deliciosa e de uma atmosfera sensual e acolhedora. Regan parece mais descontraído do
que nunca, sua preocupação habitual substituída por uma leveza que é contagiante.
Me senti feliz por estar ao seu lado nesse momento.
De volta à sua casa em Aspen, nos aconchegamos mais uma vez perto da lareira, enrolados
em cobertores macios enquanto conversávamos sobre planos futuros.
Regan sugeriu que eu concluísse os estudos básicos e que escolhesse um curso
universitário para fazer, sem perceber, ele estava reavivando sonhos que deixei adormecer e que
agora parecem se tornar reais para mim.
O domingo também foi incrível, visitamos outra cafeteria, mas preferimos ficar na casa
durante a tarde, queríamos aproveitar mais um ao outro e sabíamos que o nosso tempo, afastados
de tudo, estava chegando ao fim.
Quando colocamos as malas no jatinho no domingo à noite, me dei conta de como o fim
de semana passou rapidamente, olhei pela janela quando levantou voo e guardei em minha
memória lembranças preciosas que eu jamais esqueceria.
Eu estava com o coração um pouco mais leve, como se a minha alma estivesse mais
fortalecida pelo amor, que agora admito que sinto, e pelo companheirismo que encontramos um
no outro.
Eu queria que o fim de semana durasse para sempre, que pudéssemos viver refugiados em
nossa bolha até o fim dos nossos dias, mas infelizmente as coisas não são como desejamos e eu,
mais do que qualquer outra pessoa, deveria saber que sempre depois da calmaria, uma
tempestade devasta tudo de bom construído com tanto sacrifício.
Capítulo 29

(Cerca de um mês e meio após a viagem para Aspen)

Abro os olhos e ainda me sinto um pouco sonolenta, estico a mão para o lado direito da
cama e não encontro Regan, provavelmente ele saiu sem que eu sequer acordasse.
Tenho estado mais sonolenta ultimamente, talvez seja porque desde que me inscrevi
em um curso supletivo para finalizar os estudos básicos, tenho me mantido muito tempo focada
nos livros estudando.
Regan contratou três professores particulares para me auxiliarem, eles vêm, de forma
intercalada, por cinco dias na semana e, além disso, sempre deixam atividades e leituras extras
para que eu faça nos tempos livres.
A verdade é que desde que voltamos da viagem que fizemos para Aspen eu não tenho
tempo livre, isso é bom de certa forma, porque mantenho minha mente ocupada com algo
produtivo e que será importante para mim no futuro.
Futuro...
Isso é algo no qual tenho evitado pensar, porque se for sincera comigo, não me vejo
vivendo longe de Regan, todos os meus ideais de um futuro perfeito estão estritamente ligados ao
homem que conseguiu em pouco tempo, me fazer desejar coisas com as quais sequer sonhei na
vida.
Aos poucos sinto que ele está me incluindo cada vez mais na sua vida. Além de
Eamon, já conheci os seus outros subchefes, em linhas gerais, são homens de poucas palavras,
taciturnos demais para o meu gosto, mas quando estou com eles, me sinto verdadeiramente
protegida, algo me diz que eles dariam as suas próprias vidas, não apenas por Regan, mas
também por mim.
Afasto o cobertor macio do meu corpo e solto um gemido de frustração, eu queria
poder ficar um pouco mais na cama, mas sei que preciso levantar, Regan ontem chegou mais
cedo em casa, e por isso, acabei acumulando alguns exercícios que já deveria ter adiantado.
— Bom dia, senhora — Analli, fala quando entra no quarto e eu reviro os olhos, já disse a ela
para quebrar essa formalidade, mas a mulher é teimosa feito uma mula empacada. — Acabei de
passar essas roupas, posso guardar no closet?
— Claro Analli, fique à vontade — falo e ela caminha pelo espaço empurrando uma arara, tipo
as de hotel, com os ternos de Regan perfeitamente passados e pendurados em cabides, além de
uma pilha de roupas dobradas sobre a base. — Vou tomar um banho e descer para o café da
manhã.
— A senhora Máire já está terminando de ajeitar a mesa do café, o senhor Regan saiu bem cedo
e não... — Ela interrompe as palavras e corre na minha direção — Senhora? Está tudo bem? —
Ela ampara o meu corpo e me ajuda a sentar de volta na cama.
— Acho que sim, eu só fiquei um pouco tonta — termino de falar e logo em seguida me levanto
correndo ainda com Analli em meu encalço, me ajoelho diante do vaso sanitário e coloco para
fora o que quer que tenha em meu estômago.
Sinto os dedos de Analli em minha cabeça enquanto ela prende os meus cabelos em
um rabo de cavalo e me ajuda, sustentando o peso do meu corpo, que agora parece pesar uma
tonelada.
Cerca de cinco minutos depois, eu continuo ajoelhada no piso frio de mármore negro
do banheiro de Regan, me sentindo incapaz de levantar, o corpo fraco e essa sensação de vômito
que não me abandona.
— Eileen, você está bem? — Analli pergunta, preocupada, enquanto me ajuda a me levantar do
chão frio do banheiro. Sinto-me fraca e tonta, como se o mundo estivesse girando ao meu redor.
— Acho que sim... só... um pouco enjoada — respondo, tentando controlar a tontura que parece
querer me derrubar novamente. — Deve ser alguma coisa que comi ontem à noite.
Analli me observa com uma expressão que mistura preocupação e desconfiança. Ela tem
sido boa em detectar quando algo não está certo comigo mesmo que eu tente disfarçar, a garota
tem se tornado o que posso chamar de amiga dentro dessa casa.
— Deixe-me pegar um copo d'água para você, senhora — ela diz, me ajudando a sair do
banheiro e pegando a água na mesa de cabeceira da cama. Fico ali, apoiada nos travesseiros,
respirando fundo e tentando recuperar o controle sobre meu corpo. O que poderia estar causando
esse mal-estar repentino? Será que comi algo estragado? Ou será que é algo mais sério?
Analli me entrega o copo d'água, aceito agradecendo em seguida. Bebo devagar, sentindo
o líquido refrescar minha garganta e aliviar a sensação ruim deixada pelo vômito recente.
— Obrigada, Analli. Acho que já estou me sentindo melhor — digo, tentando sorrir para
tranquilizá-la.
Ela me observa por mais alguns segundos antes de finalmente concordar e se retirar do
quarto, indo na direção do closet, provavelmente para terminar a tarefa que veio fazer aqui no
quarto.
Depois de alguns minutos, sigo para o banheiro e após tomar banho e escovar os dentes,
saio do quarto encontrando Analli arrumando os lençóis da cama e me observando com atenção.
— Está se sentindo melhor, senhora? — ela pergunta, preocupada.
— Sim, estou um pouco melhor agora, obrigada Analli, acho que foi apenas um mal-estar
mesmo, não tenho tido muito tempo livre, deve ser isso — respondo, tentando parecer confiante
e justificar o recente mal-estar, tanto para ela quanto para mim.
Analli me lança um olhar perspicaz antes de finalmente dizer algo que tem o poder de
arrancar o chão sob os meus pés.
— Senhora, com todo o respeito, posso fazer uma pergunta?
— Claro, Analli.
— Como está o seu ciclo?
— Meu ciclo? — pergunto, não entendendo exatamente o que quis dizer.
— Sim, sua menstruação senhora. — Meu coração falha uma batida com a sua pergunta.
— Acho que... acho que está normal, digo, no mês passado a menstruação desceu, mas esse
mês... — Me calo ao constatar que ainda não menstruei esse mês, sento na cama, as mãos
trêmulas demais, nervoso toma conta de cada célula do meu corpo.
— Fique calma, Eileen. — Ela se aproxima, e pela primeira vez me chama pelo meu nome, como
se quisesse me fazer sentir mais próxima, evitando o distanciamento entre patrão e funcionário.
— Vai ficar tudo bem.
— Você acha que eu... — Não consigo completar a pergunta e ela acena confirmando com a
cabeça.
— Não posso afirmar com certeza, Eileen, mas acho que você deveria considerar a possibilidade
de estar grávida, sim.
— Oh, meu Deus, Analli. — Levo as mãos aos lábios e as lágrimas escorrem por meu rosto. —
Eu não posso estar... — A palavra ainda não sai dos meus lábios, mesmo que a possibilidade
comece a me parecer bem real.
— Eileen. — Ela suspira audivelmente antes de começar. — Eu tenho dois filhos. — Confessa e
me surpreendo com a sua afirmação, eu não sabia que Analli tinha filhos, na verdade sei muito
pouco sobre a garota. — Enjoos matinais, tontura e sonolência foram os meus primeiros
sintomas nas duas ocasiões.
— Mas... isso não pode estar acontecendo comigo — falo para ela perdida em meu próprio
desespero. — Quero dizer, estou tomando todas as precauções necessárias, as pílulas que o
médico passou, eu as tomo diariamente.
Analli parece hesitar por um momento antes de responder, seus olhos expressando uma
mistura de preocupação e cuidado.
— Às vezes, mesmo com todas as precauções, as coisas podem acontecer, senhora. O método
pode falhar, e talvez, tenha acontecido algum descuido, um único deslize e pode acontecer.
— Não, Analli, isso não pode estar acontecendo comigo, não agora. — Choro e ela parecendo
saber do que eu preciso, envolve o meu corpo em um abraço que tenta me dar algum tipo de
conforto.
A perspectiva de estar grávida é assustadora, especialmente, considerando o tipo de
relacionamento que tenho com Regan. Como isso afetaria nosso relacionamento, nossa frágil
segurança, nosso futuro?
Ele me avisou, disse que poderia me dar o mundo se eu desejasse, mas isso, um filho não
estava em seus planos. Milhares de perguntas invadem minha mente, mas não encontro nenhuma
resposta para elas.
Eu estou com medo, verdadeiramente desesperada e não sei o que fazer caso essa
possibilidade levantada por Analli se torne real.
Sei que será o fim, o fim do que construímos até aqui. Regan não vai me perdoar, sinto que no
instante em que ele descobrir essa gravidez ele vai me abandonar, por isso me permito chorar
desesperadamente nos braços da garota que está sendo o meu amparo no momento.
Capítulo 30

— Está mais calma, Eileen? — Analli fala quando percebe que parei de chorar.
— Acho que sim — respondo aceitando o copo de água que me entrega nas mãos e sorvendo
alguns goles do líquido. — Você tem filhos? — pergunto numa vã tentativa de me distrair do
meu provável problema.
— Sim, tenho dois, um casal. — Um sorriso sincero surge em seus lábios. — E eles são a coisa
mais importante que tenho na minha vida.
— Onde eles estão?
— Eles moram aqui, comigo.
— Aqui? — pergunto espantada por nunca os ter visto antes.
— Sim, na casa que o senhor Regan disponibilizou para eu morar, na parte reservada aos
funcionários.
— Qual a idade deles?
— A menina tem dois anos e o menino tem um ano.
— Quem cuida deles enquanto você trabalha?
— Eamon... — Ela suspira resignada e olha para os lados demonstrando nervosismo. — Ele paga
uma moça para cuidar deles enquanto eu trabalho.
— Você já o conhecia? Antes de vir trabalhar aqui eu digo.
— Sim, já nos conhecíamos antes. — Sua voz soa pesarosa.
— Um dia você me conta o que há entre vocês? — pergunto, me distanciando cada vez mais da
única coisa em que eu deveria pensar no momento.
— Um dia talvez, Eileen. — Ela encara a janela, os olhos tristes observam a claridade que entra
através das centelhas de vidro. — Posso te dar uma opinião? — Ela me encara. — Tire logo a
sua dúvida, talvez eu esteja errada e você não está grávida.
— Será, Analli? — O choro trava minha garganta e as lágrimas voltam ao meu olho.
— Você disse que estava tomando a medicação regularmente, não é mesmo?
— Sim, estou.
— Então chame o médico, faça o teste para ter certeza. — Sinto-me atordoada. — Só tenha em
mente uma coisa Eileen, se estiver realmente grávida, aceite como um presente de Deus, não
importa as dificuldades que terá que enfrentar, por um filho sempre vale a pena.
Ela conclui e eu sinto que essas palavras devem caber muito bem em sua própria história.
Analli apesar de jovem me parece alguém que já sofreu além do que deveria nessa vida, mesmo
passando por um momento difícil, não deixo de me sentir grata a Regan por tê-la acolhido,
mesmo que eu suspeite que Eamon seja parte importante nessa história.
— Um teste... sim, acho que é uma boa ideia — respondo, tentando controlar o tremor em minha
voz. — Eu... eu vou mandar uma mensagem para o doutor Connelly, vou pedir que ele venha
hoje mesmo para me atender. — Analli assente, sua expressão suavizando um pouco.
— Estarei aqui para te apoiar, senhora. Se precisar de alguma coisa, é só me chamar. — Ela
retoma a postura profissional e agradeço a ela com um aceno de cabeça.
Ela se retira do quarto, deixando-me sozinha com meus pensamentos tumultuados. Sento-
me na beirada da cama, a cabeça girando com a possibilidade de estar grávida.
Regan... como ele reagirá a essa notícia? Seria capaz de enfrentar essa nova realidade ao
meu lado ou me desprezará?
Decido que não posso fugir desse problema. Involuntariamente acaricio a minha barriga
totalmente plana. Nunca pensei nessa possibilidade, mas agora que ela se tornou possível me
pergunto se quero estar realmente grávida.
Decido que não posso adiar as coisas, preciso encarar de frente, mesmo que isso signifique
confrontar meu medo mais profundo: o de perder Regan para sempre.
Levanto-me determinada, envio uma mensagem de texto para a secretária do doutor
Connelly e vou em direção ao closet, escolhendo um conjunto simples de roupas antes de descer
para a cozinha.
Máire já está preparando o café da manhã, e o cheiro tentador de ovos mexidos e torradas
recém-feitas enche o ar.
— Bom dia, Máire. — Cumprimento, tentando manter uma expressão neutra.
— Bom dia, senhora — ela responde com um sorriso caloroso. — O senhor Regan saiu cedo
hoje, mas já estou terminando de arrumar o café da manhã para você.
— Obrigada, Máire — digo, sentando na mesa. — Eu... chamei o doutor Connelly, quando
terminar o café da manhã, estarei na biblioteca, você me avisa quando ele chegar por favor? — A
governanta assente, seu olhar perspicaz capturando algo em minha expressão.
— Você está se sentindo bem?
— Estou sim Máire, não se preocupe. — Dou um sorriso para ela na tentativa de tranquilizá-la.
— Se precisar de algo, pode me chamar. — Agradeço e ela segue na direção da cozinha me
deixando sozinha com as minhas dúvidas.
Cerca de duas horas depois, uma batida na porta da biblioteca onde eu estava chama a
minha atenção. Analli entra após eu autorizar sua entrada e pelo seu semblante sei que chegou a
hora de enfrentar a dúvida de frente.
— O doutor Connelly, ele chegou. — Confirma as minhas suspeitas. — Pedi que fosse até o seu
quarto, imagino que queira privacidade, senhora.
— Obrigada, Analli. — Agradeço pela sua sensibilidade. — Você me acompanha? — peço
porquê de repente sinto uma insegurança dominar o meu peito.
— Claro, vamos. — Ela abre a porta e me dá passagem.
Subo os degraus com Analli ao meu lado, meu coração parece cada vez mais
comprimido dentro do peito, é como se no fundo, eu já soubesse a resposta para a minha dúvida.
— Bom dia doutor, — Cumprimento assim que entro no ambiente.
— Bom dia, senhora, em que posso ajudar, algum problema com o seu tornozelo machucado?
— Não doutor, é outra situação. — Caminho e sento em uma poltrona enquanto o médico se
acomoda em uma mesa que fica bem próximo onde sentei, — Eu acho que... acho que estou
grávida — falo de uma vez.
O doutor Connelly ergue as sobrancelhas, claramente surpreso com minha declaração
direta. Seus olhos me estudam por um momento antes de ele se inclinar um pouco para a frente.
— A senhora está tomando a medicação que prescrevi?
— Sim, estou.
— Esqueceu de tomá-la algum dia, ou por algum período?
— Não doutor, coloquei um alerta no celular e tomo todos os dias, nunca falhei um dia sequer.
— Ele ergue as sobrancelhas inquisitivo, demonstrando não acreditar no que digo, mas é a
verdade, eu nunca esqueci de tomar o remédio.
— Antes de iniciar a medicação, você teve relação sexual sem preservativo? — pergunta sendo
direto e fico levemente constrangida.
— Eu posso sair se quiser, senhora. — Eileen oferece notando o meu embaraço, mas não é ela
que me deixou assim, é a certeza de que falhamos em nos prevenir.
— Fique Analli, tá tudo bem. — Direciono o olhar para o médico novamente. — Uma vez
doutor, na minha primeira vez, não usamos proteção. — Ele assente e abre a sua maleta médica.
— Entendo. Nesse caso, vamos fazer um teste para confirmar, tudo bem? — Ele mantém a calma
profissional, mas consigo detectar um leve brilho de surpresa em seus olhos.
— Claro, por favor — respondo, tentando manter a calma.
O doutor Connelly me entrega um teste rápido e me instrui sobre como proceder, sigo para
o banheiro com a caixinha nas mãos e o coração tão acelerado que acredito que posso infartar a
qualquer instante.
Após fazer xixi no potinho e colocar a fita dentro como o médico instruiu, saio do quarto
com o potinho nas mãos, e os nervos à flor da pele.
Enquanto aguardamos o resultado, sinto meu estômago se contorcer de ansiedade. Analli
permanece ao meu lado, sua presença tranquila me traz um pouco de conforto em meio ao caos
emocional que estou enfrentando.
O tempo parece esticar enquanto esperamos pelo resultado do teste. Cada segundo é uma
eternidade, e meu coração bate descompassado no peito.
Então, exatos três minutos depois o doutor Connelly veste um par de luvas em suas mãos e
segurando o teste após observá-lo volta seu olhar para mim.
— Bom, Eileen, parece que suas suspeitas estavam corretas. Você está grávida. Parabéns. — Ele
sorri gentilmente, mas sua expressão também demonstra nervosismo, talvez ele esteja lembrando
do dia em que Regan pediu que prescrevesse o método contraceptivo, ele deixou claro nas
entrelinhas que não desejava uma gravidez.
Sinto um turbilhão de emoções me inundar e os dedos finos e longos de Analli seguram os
meus num gesto claro de apoio. Por um lado, uma sensação de medo e incerteza se insinua em
meu coração. Como Regan reagirá a essa notícia?
Por outro lado, uma onda de felicidade e completude me preenche por saber que eu terei
para sempre um pedacinho dele perto de mim.
— Esse que fizemos foi um teste rápido. — O médico chama a minha atenção ao explicar. — As
chances de que esteja errado são mínimas, mas pode acontecer. — Assinto. — Para
confirmarmos a gestação, podemos fazer um exame de sangue, Beta HCG e uma
ultrassonografia também.
— Eu teria que ir na sua clínica, nesse caso?
— Na verdade não, posso fazer a coleta de sangue agora mesmo e pedir que um dos meus
funcionários leve até o laboratório e aguarde o resultado, também posso pedir que tragam para
mim um aparelho de ultrassonografia portátil, assim poderemos fazer os exames aqui mesmo.
— Faça isso então, por favor doutor. — Autorizo mesmo que eu saiba que o resultado estava
correto.
Analli coloca a mão em meu ombro, oferecendo um apoio silencioso. Seus olhos
transmitem compreensão e solidariedade, e por um momento, me sinto menos sozinha com os
meus medos.
Vejo o médico fazer algumas ligações e em seguida apoia sobre a mesa um frasco de
laboratório e os instrumentos necessários para realizar a coleta do meu sangue.
— Vamos começar com o exame de sangue então, senhora. — Sigo as instruções do doutor
Connelly, estendendo o braço para que ele possa realizar a coleta. Sinto o puxão familiar quando
a agulha penetra minha pele, mas desta vez parece mais simbólico do que físico. É como se cada
gota de sangue que escorre para o frasco contivesse uma parte do que será o meu futuro
— Pronto, a coleta está feita. Agora, vou pedir para que alguém leve este sangue para o
laboratório e traga o aparelho de ultrassonografia. Enquanto isso, podemos conversar um pouco
sobre os próximos passos e tirar algumas dúvidas que você possa ter. — O médico sugere,
retirando a agulha com cuidado.
Assinto, sentindo uma mistura de ansiedade e nervosismo borbulhar em mim. Enquanto
esperamos pelo resultado do exame e pelo aparelho, o doutor Connelly me orienta sobre os
cuidados que devo ter durante a gravidez, explicando os exames que precisarei fazer e os
sintomas que posso sentir.
Analli permanece ao meu lado durante toda a conversa que, para ser sincera, não consigo
assimilar muita coisa do que é dito. Depois de algo que estimo ser por volta de uma hora depois,
finalmente, o aparelho de ultrassonografia chega.
Aguardo enquanto alguns homens, que suspeito serem funcionários do médico,
posicionam e instalam o equipamento ao lado da cama conforme orientação do doutor Connelly.
Sinto meu coração acelerar quando os homens saem do quarto nos deixando novamente a
sós, o médico explica que o exame realizado será uma ultrassonografia, em seguida aplica o gel
sobre minha barriga e desliza o transdutor, procurando pelo pequeno feixe de vida que está
crescendo dentro de mim.
— Pronto, vamos ver o que temos aqui — o doutor Connelly murmura enquanto move o
transdutor sobre minha barriga. Prendo a respiração, ansiosa para ver pela primeira vez meu
pequeno milagre, mas também temerosa do que essa imagem pode significar para o meu
relacionamento com Regan.
Na tela do aparelho, começa a surgir uma imagem alaranjada, difusa no início, mas aos
poucos ganhando forma. Meu coração dispara quando finalmente consigo distinguir os contornos
de um pequeno ser.
— Ali está ele, ou ela. — O médico aponta para a tela, seu tom de voz suave.
Meus olhos se enchem de lágrimas ao ver a imagem ainda muito distorcida, tão pequena e
frágil, mas ao mesmo tempo tão cheia de vida. É como se todo o medo e a incerteza que estavam
me consumindo desaparecessem diante daquela visão.
— Ele... ou ela está bem, doutor? — Minha voz sai embargada, a emoção quase me impedindo
de falar.
— Sim, tudo parece estar dentro do esperado para este estágio da gestação. — O médico
confirma. — Você está com cerca de oito ou nove semanas. — Assinto com a cabeça. — O
desenvolvimento do feto está progredindo conforme o previsto.
Uma onda de alívio me invade, seguida de uma imensa sensação de gratidão. Apesar de
todas as minhas dúvidas e medos, meu bebê está ali, saudável e forte.
— Obrigada, doutor — murmuro, as palavras.
— Quer ouvir o coraçãozinho?
— Sim, por favor. — Minha voz sai embargada e fico em expectativa quando o homem aperta
alguns botões na máquina.
— Aqui está — o médico diz, enquanto um som suave e rítmico preenche o quarto. É o som
mais incrível que já ouvi em toda a minha vida, o batimento cardíaco do meu bebê, um filho meu
e de Regan.
Sinto as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, mas desta vez são lágrimas de pura
felicidade.
— É lindo, não é? — Olho para Analli.
— Sim, é... é maravilhoso — responde, com a voz embargada e um sorriso sincero nos lábios.
Meu coração imediatamente se enche de amor por esse serzinho que sequer nasceu, uma
emoção indescritível toma o meu peito, nunca imaginei que um som tão simples pudesse
significar tanto para mim.
Então, um barulho na porta me faz voltar à realidade. Regan invade o quarto sem que eu
espere, seus olhos percorrem o ambiente registrando a presença de cada um, e quando ele
finalmente me encara; sua expressão, noto a mistura de raiva e incredulidade ao ver o médico
realizando o exame em mim. Seus olhos se fixam na tela do ultrassom, e por um momento,
parece que todo o ar foi sugado do ambiente.
E enquanto tudo isso acontece, o coraçãozinho do nosso filho segue sendo o único som a
preencher o quarto, forte, constante e real.
Ele cruza os braços permanecendo estático no mesmo lugar, nenhuma palavra escapa
dos seus lábios.
— Já... já acabamos senhora — o médico fala nervoso, desliga o aparelho e passa algumas folhas
de papel em minha barriga, meus olhos nunca abandonam os de Regan.
— Saiam. — Regan rosna.
— Senhor, é um prazer... — o médico começa a falar, mas é interrompido.
— Eu disse saiam! Agora! — Ainda deitada na cama, seus olhos me mantendo cativa, sinto cada
célula do meu corpo tremer.
O doutor Connelly e Analli saem do quarto às pressas, deixando-nos a sós. Regan se
aproxima lentamente, seus olhos fixos em mim como se fosse me atacar a qualquer instante.
— Eu avisei Eileen, eu te prometi o mundo e estava disposto a te dar, mas isso... — Aponta para
o monitor do aparelho agora desligado, mas sem desviar os olhos dos meus. — Esse era o único
limite que impus e foi exatamente o que você escolheu transpor.
Lágrimas escorrem pelos meus olhos, é o fim, o nosso fim, não acredito que ele fará
mal a mim ou ao bebê, mas ele me distanciará, assim como fez com Kira, assim como faz com
qualquer pessoa que se aproxima demais do muro que ele construiu em volta de si.
Capítulo 31

(Cerca de cinquenta minutos antes, nesse mesmo dia)

— Senhor Regan, com licença, me desculpe interromper, mas o senhor Rory está no telefone e
disse que precisa falar com o senhor, pediu que avisasse que é urgente. — A minha secretária na
empresa fala após entrar na sala e interromper uma reunião importante que eu estava tendo com
alguns investidores.
Manter os negócios legais progredindo é uma das partes mais importantes para a
fachada no nosso esquema que corre por caminhos escusos.
— Diga que em cinco minutos eu retorno para ele — falo e os homens diante de mim facilmente
entendem que a nossa reunião acabou. Mesmo se tratando de homens influentes, todos estão
acostumados a lidar com as demandas da forma que eu estipulo, no fundo, todos os homens mais
poderosos da Irlanda desejam ter negócios comigo.
Me despeço de todos e caminho a passos rápidos até a minha sala, sabendo que alguma
merda grande está acontecendo, nenhum dos meus subchefes me interrompem quando estou em
reunião, salvo se for algo de extrema urgência.
— Diga Rory — falo quando ele atende a ligação que acabo de fazer para ele.
— Regan, eu não queria interromper, e talvez não seja nada demais, mas acredito que você
gostaria de saber. — Franzo o cenho, porque definitivamente, nenhum dos meus subchefes tem o
hábito de justificar suas ações ou fazer rodeios para falar qualquer coisa.
— Fale logo Rory, o que está acontecendo?
— Eileen. — Assim que o nome chega aos meus ouvidos, imediatamente me coloco de pé.
— O que aconteceu com ela? — pergunto já apanhando as chaves do carro e a carteira.
— Ela falou com você se estava sentindo algum mal-estar essa manhã?
— Não, merda. — Rosno e saio da sala com passos ainda mais rápidos e urgentes. — O que você
sabe Rory? Fale logo de uma vez, porra!
— Por enquanto, muito pouco. — Começa. — Os homens que fazem a segurança da sua casa
reportaram no sistema a entrada do doutor Connelly mais cedo, sua garota solicitou a presença
dele, algum tempo depois dois homens chegaram para instalar uma máquina de exames, algo
assim, agora estão no quarto.
— Ela está sozinha, com os homens? Eles foram revistados?
— No quarto ela está com a garota do Eamon. — Não perco o divertimento em suas palavras ao
citar Analli como a garota de um dos nossos. — Os homens foram revistados e verificados
também, eles trabalham há muitos anos para o doutor Connelly, pedi que três homens ficassem
de guarda na porta do seu quarto, mas imaginei que você ainda não estava ciente porque não vi
seu acesso no sistema de segurança nas últimas horas e por isso te avisei.
— Fez bem, Rory, eu realmente não havia visto, mas já estou a caminho de casa para verificar o
que está acontecendo.
— Se precisar sabe onde me encontrar. — Encerro a chamada sem me despedir.
Enquanto dirijo pelas ruas de Bryncroft, vasculho minha mente relembrando os nossos
momentos juntos nos últimos dias e buscando qualquer indício de que Eileen possa estar doente.
Nada. Não me recordo de nada que justifique ela ter chamado o médico, inclusive ela
fez a revisão do tornozelo há poucos dias.
Uma sensação de impotência começa a me dominar e eu dirijo o mais rápido que
posso.
— Senhor? — Máire me encara espantada quando me vê passar pela porta da sala de entrada.
— O que aconteceu com Eileen? — pergunto sem parar de caminhar percorrendo a sala em
segundos.
— Eu... eu não sei senhor, ela só me avisou durante o café da manhã que havia solicitado a
presença do doutor Connelly e que eu avisasse quando ele chegasse. — Assinto e subo as
escadas pulando de dois em dois degraus.
Quando me aproximo da porta do meu quarto, os homens que Rory ordenou que
ficassem de guarda me dão passagem.
— Estão dispensados — aviso antes de girar a maçaneta e entrar no quarto.
E é então que vejo o meu mundo ruir bem diante dos meus olhos, um segundo é o
tempo que preciso para registrar a cena, os sons e o que está acontecendo dentro do meu quarto.
Cruzo os braços e encaro Eileen que me observa sem desviar os olhos dos meus, seus
olhos estão cheios de sentimentos, uma mistura de medo e determinação talvez, e por um
momento, me sinto incapaz de aceitar tudo o que está acontecendo.
É claro que eu sei o que isso significa, ainda que eu fosse inexperiente está clara demais a
situação. Doutor Connelly está ao lado dela, tentando manter uma expressão neutra, mas posso
perceber o nervosismo em suas mãos trêmulas. Analli, está segurando a mão de Eileen com
gentileza, prestando apoio silencioso talvez.
O som... O som de um coração frágil demais, batendo compassadamente nos alto-falantes
da máquina de exames me empurram para o abismo.
— Já... já acabamos senhora. — Ouço a voz do médico, insegura, porra ela não é uma senhora,
Eileen é só uma garota e eu fodi com tudo.
— Saiam — aviso
— Senhor, é um prazer... — O médico começa a falar, mas não tenho tempo para essa merda.
— Eu disse saiam! Agora! — grito e imediatamente todos me obedecem.
— Eu avisei Eileen, eu te prometi o mundo e estava disposto a te dar, mas isso... — Encaro seus
olhos assustados, eu quero ferir alguém, machucar assim como estou me sentindo machucado
agora, e porra, ela é a única diante de mim para suportar minha fúria. — Esse era o único limite
que impus e foi exatamente o que você escolheu transpor.
Vejo quando as lágrimas grossas escorrem por seu rosto, por um segundo quero
capturá-las em meus dedos ou até mesmo em meus lábios como fiz outras vezes, quero dizer que
vai ficar tudo bem, mas eu não posso... porque sei que não vai, nada ficará bem entre nós.
— Regan... — Eileen começa, sua voz trêmula.
— O que você fez, menina? — Levo as mãos a cabeça e descanso o rosto sobre elas, o peso da
situação tomando de mim muito mais do que eu normalmente permitiria. — Você sabe o que
isso significa Eileen?
— Eu não sei, Regan. — Corajosamente a garota me enfrenta sentando-se na cama. — O que
isso significa? O que fará comigo? — Cobre a barriga com a mão e eu acompanho o seu gesto
com os olhos. — O que fará com a gente?
Porra, será que ela pensa que eu seria capaz de machucá-los? Será que acredita que eu
possa fazer mal para qualquer um dos dois?
— Acabou pra gente, Eileen. — Minha voz sai mais vacilante do que eu gostaria — Nosso
tempo juntos foi muito menor do que eu desejava que fosse.
— Não Regan, nós... — Interrompo suas palavras e afasto suas mãos quando ela tenta me tocar.
— Não existe mais nós, PORRA — grito. — Você não vê que eu terei que fazer com você o
mesmo que fiz com Kira? Mandar vocês para longe de mim é a única maneira de mantê-los a
salvo.
— Você não conseguiu salvá-la mantendo-a distante. — Acusa e leva as mãos aos lábios em
seguida, como se quisesse pegar as palavras de volta e engoli-las.
Porra, eu sinto como se um tiro tivesse sido disparado em meu peito.
— Eu não a salvei Eileen. — Encaro os seus olhos e me levanto da cama rapidamente. — Mas
prometo que farei diferente com você e o seu filho.
Dou as costas e saio do quarto ignorando os seus gritos chamando por mim, desço as
escadas com um aperto no peito, um que só senti quando perdi meus pais, minha irmã e minha
filha, de certa forma é o que está acontecendo, eu perdi Eileen.
Antes que eu alcance o meu carro, vejo Rory estacionar sua GMC Canyon Denali[35] ao
lado do meu Porsche Taycan[36].
— O que aconteceu, Regan? — pergunta saltando rapidamente do seu carro.
— Nada. — Aperto o controle na minha mão destravando as portas do meu próprio carro.
— O caralho que não aconteceu nada. — Rory se coloca em minha frente me impedindo de
caminhar e eu empurro o seu peito com força para que me deixe passar.
— JÁ DISSE QUE NADA ACONTECEU CARALHO!
— Você não vai me deixar de fora, porra. — Ele segura meu braço e em seguida desvia do soco
que desferi na sua direção.
— EU VOU SER, PAI! — Grasno partindo para cima dele e dessa vez ele não desvia, talvez
imaginando que eu precise aliviar minha tensão em algo ou em alguém.
— Puta. Que. Pariu. — Ele cospe o sangue dos lábios rompidos. — Como isso aconteceu,
caralho? — pergunta incrédulo.
— Quer que eu desenhe ou precisa que eu te mostre como faz? — Empurro o seu peito mais uma
vez, eu preciso sair, preciso me afastar dessa casa, de Eileen, preciso de distância para lidar com
essa merda e decidir o que fazer.
— Entre no meu carro, Regan. — Abre a porta do lado do passageiro em sua pick-up e contorna
o carro para se acomodar atrás do volante. — Acho que até eu preciso de uma boa dose de
whisky para lidar com essa merda.
Respiro fundo e entro no carro, Rory tem razão, preciso de algo forte e seco para me
ajudar a pensar em como vou lidar com toda essa merda.
Quando ele dá partida no carro o meu peito se contrai com uma dor muito real, sinto
como se estivesse deixando Eileen para trás, como se essa fosse a última vez que nos vimos. Mas
logicamente sei que não é, a merda está feita e não dá para voltar atrás, só preciso descobrir
como lidar com essa nova situação, lidar com os meus próprios monstros para só então estar
diante dela novamente.
Capítulo 32

Já faz quatro dias desde que Regan me deixou para trás e não retornou mais. A solidão
se tornou minha companheira constante, uma sombra silenciosa que paira à minha volta,
envolvendo-me em um abraço gélido.
Desde que ele partiu, meu coração tem sido um peso morto dentro do meu peito, uma dor
constante que parece nunca diminuir. Pelo meu bebê, tenho me esforçado para levantar
diariamente e pelo menos me alimentar, essa foi uma das recomendações do doutor Connelly.
Eu tentei ligar para Regan algumas vezes, enviei mensagens que nunca foram respondidas,
em cada uma delas eu disse para ele que juntos iriamos descobrir como fazer dar certo, deixei
claro que eu precisava dele ao meu lado, o nosso filho também, mas nada... Regan não respondeu
a nenhuma delas.
Cada chamada não atendida, cada mensagem não respondida, foi como um punhal cravado
no meu peito, rasgando minha alma aos poucos. Analli foi a minha companheira em todos esses
dias, ela parecia saber o quanto eu me sentia sozinha, o quanto eu precisava de alguém ao meu
lado e ela esteve, é claro que não havia muito o que ela pudesse fazer por mim, mas dentro das
suas possibilidades ela me ajudou.
Refleti muito sobre a minha situação com Regan, o que sentimos um pelo outro foi forte,
foi real, mas ainda assim, não foi o suficiente para mantê-lo ao meu lado.
Quatro dias sem notícias, quatro dias esperando que ele abrisse a porta do nosso quarto e
me dissesse que iria ficar tudo bem, mas não, ele não voltou, não me direcionou uma palavra
sequer, e talvez no seu silêncio eu tenha finalmente entendido as suas palavras.
Só agora eu entendo: Regan não vai voltar. Não até que ele tenha encontrado um lugar
seguro para me enviar, me enviar para longe de tudo o que ele acredita que nos ameace, ele só
não entende que isso é o que pode nos destruir.
Tento não culpá-lo por isso. Não depois de tudo o que aconteceu em sua vida, depois de
todas as ameaças e perigos e perdas que ele já teve, sei que fui dura em minhas palavras quando
falei de Kira, eu só queria que ele percebesse que me manter distante não seria a solução. Longe
ou perto dele qualquer coisa poderia me acontecer, mas se no final o resultado fosse o mesmo, eu
queria poder estar ao seu lado.
Até tento entender os seus motivos, mas isso não aplaca a minha dor. Dói saber que ele
está em algum lugar longe de mim, enquanto eu estou aqui, presa nesta gaiola de ouro, mas
cercada de solidão e incerteza.
Hoje decidi que não posso mais esperar por ele. Não posso continuar sentada esperando
por uma mensagem que pode nunca chegar, uma decisão que não vai considerar o que eu mesma
desejo. Não vou entregar o meu destino em suas mãos, eu queria que fizéssemos isso juntos, mas
respeito a sua decisão de se manter distante, entretanto, eu preciso decidir o caminho que quero
seguir.
Preciso agir, preciso fazer algo para mudar minha situação, mesmo que isso signifique
fazer o que ele deseja e deixá-lo para trás.
É por isso que, esta noite, enquanto todos acreditarem que já estou dormindo, eu vou
embora, não será uma fuga e não vou me esconder, mas vou deixar claro para ele que não quero
que me procure. Quero trilhar o meu próprio destino e cuidar do meu filho, não serei a primeira
mãe solo no mundo assim como não serei a última, nós vamos sobreviver.
Hoje à noite vou deixar esta casa vazia para trás, deixar para trás todas as memórias que
ela guarda e vou começar uma nova vida em algum lugar distante, longe de tudo o que nos
ameaça.
Passei o dia elaborando um plano, se eu pretendia fugir dos seus seguranças eu precisaria
de um, calculei cada passo, cada movimento e esperei o melhor momento.
Durante o dia, organizei uma pequena mochila com coisas básicas que precisaria nos
próximos dias, guardei nela minha carteira com documentos e o cartão de crédito e débito que
Regan fez para mim.
Sabia que ele depositou nesta conta toda a quantia que ganhei enquanto trabalhava com
Kira, e um pouco mais que ele mesmo fez questão de transferir para mim mesmo que eu tivesse
negado veementemente. O valor somado era uma pequena fortuna e seria o necessário para que
eu pudesse recomeçar sozinha.
Não sou inocente e sei que se ele rastreasse o cartão me encontraria com facilidade, mas
eu estava apostando no seu bom-senso, iria dar um jeito de fazê-lo entender que eu queria seguir
sozinha.
Sobre a cama desarrumada do quarto que compartilhei com Regan nos últimos meses,
deixo um bilhete para ele. É uma despedida, uma pequena carta escrita com lágrimas e palavras
que nunca tive a chance de dizer em voz alta.
"Regan,
Não vou me estender com as palavras, sei que você está tentando me proteger, e eu entendo
(ou tento). Mas não posso mais ficar aqui, presa nesta gaiola de ouro, mas cercada de solidão
e incerteza. Preciso ir, preciso encontrar um lugar onde possa ser livre, onde possa ser eu
mesma e criar o NOSSO filho, sim, porque ele não é apenas meu como disse, é nosso, um
pedacinho de você que terei ao meu lado para sempre.

Não sei para onde estou indo, não sei o que o futuro reserva para mim. Mas prometo que vou
cuidar de mim mesma e do nosso bebê, vou encontrar um caminho para ser feliz, farei ele feliz
também, eu te prometo que ficaremos bem.
Não sei se um dia nos encontraremos novamente, se um dia seremos capazes de nos perdoar
por tudo o que aconteceu entre nós. Mas saiba que sempre vou te amar, sempre vou guardar
um lugar especial para você em meu coração e contarei ao nosso filho sobre você, não direi
quem é, no entanto falarei do nosso amor e de todas as coisas boas que você fez para mim.

Espero que você encontre a paz que tanto procura, que encontre dentro de você um lugar onde
possa ser verdadeiramente feliz.

Sei que você tem meios de me encontrar caso deseje, mas eu te peço, não faça isso, me deixe
seguir, quero escolher o meu próprio caminho, se a nossa distância é realmente necessária,
permita que eu trilhe e escolha os meus próprios passos.

Adeus, meu amor, adeus para sempre.

Eileen
Para sempre sua menina"

Apoio o bilhete sobre o seu travesseiro, com passos leves e silenciosos, deslizo pelo
corredor, evitando os pontos de luz na casa, cada respiração é um sussurro suave, cada batida do
meu coração é um eco no vazio, quase silencioso.
Consigo alcançar o jardim escuro a esta hora, sei que preciso ser rápida, nesse horário os
homens fazem a troca de guarda e esse é o melhor momento para que eu escape pelo muro dos
fundos.
Apoio a escada na parede recoberta por cerca viva e subo os degraus com cuidado, nesse
ponto há uma árvore e pretendo escalar por ela até alcançar o chão.
Quando piso em solo firme, me sinto satisfeita, cada movimento é um passo em direção à
minha nova vida, uma em que eu não estarei mais sozinha, nunca mais.
Caminho por dois quarteirões até que paro e com o aparelho de celular nas mãos, chamo
um táxi, marco o ponto de partida em uma praça que fica bem pertinho.
Dentro do carro, peço que me leve até a estação de trem, não menti quando disse que não
sabia qual seria o meu destino, eu apenas preciso partir para longe.
Ao chegar à estação, compro uma passagem para o próximo trem que parte em direção ao
oeste de Leinster. Não é uma escolha aleatória, mas sim uma decisão cuidadosa. Escolho um
destino distante o suficiente para me afastar de Bryncroft, longe de Regan.
Sentada no banco da estação, aguardo ansiosamente a chegada do trem. Cada segundo
parece uma eternidade, mas finalmente vejo as luzes brilhantes se aproximando deslizando sobre
os trilhos.
Levanto do banco, apoio a mochila sobre os ombros e me preparo para embarcar, sinto
uma mistura de nervosismo e determinação borbulhar dentro de mim.
Durante a viagem de trem, observo a paisagem passando pela janela, perdida em meus
pensamentos. A noite está escura lá fora, mas dentro de mim, há uma chama de esperança
queimando. Esperança de um novo começo, de uma nova chance de felicidade, dessa vez, com
uma criança ao meu lado.
Então, algo inesperado acontece. O trem entra em uma curva acentuada e de repente, sinto
o vagão balançar violentamente. Um grito escapa dos meus lábios enquanto tento me segurar no
corrimão, mas é tarde demais. O trem descarrilha, lançando-me para frente com força, envolvo a
minha barriga com um braço enquanto o outro segue firme na barra de ferro tentando me
proteger como posso.
Tudo acontece muito rápido. O som metálico de destroços se chocando, os gritos das
pessoas ao meu redor, o cheiro de fumaça e metal queimado.
Lembro de Regan, da carta que lhe escrevi, da promessa que fiz de cuidar de mim, cuidar do
nosso filho, eu falhei, uma lágrima solitária escorre dos meus olhos, e então, tudo fica escuro.
Capítulo 33

— Acorda caralho! — Ouço vozes, mas está tudo tão distante e eu só quero descansar mais um
pouco.
— Regan seu idiota. — Sinto meu rosto ser golpeado por tapas, não são as agressões de uma
tortura, mas como se alguém me quisesse desperto, mas não, eu não quero acordar, não ainda,
quero dormir, nos sonhos eu a encontro, nos sonhos está tudo bem, comigo, com ela, com o
nosso filho.
— Agora ele acorda! — Uma voz mais grave é ouvida por mim e em seguida...
— Porra, vocês querem me matar, caralho? — Rosno sentando rapidamente no sofá da casa de
Brian e observo os quatro homens de pé na minha frente, Eamon com um balde vazio na mão,
provavelmente foi ele que jogou a merda da água em mim.
Sinto uma pontada forte na cabeça, não estranho porque nos últimos dias essa dor
constante virou minha rotina. Bebo até desmaiar no sofá da casa de um dos caras, então eles me
arrastam pelo traseiro e me jogam na casa do outro, porra, eles estão me jogando de um lado para
o outro porque nenhum deles está mais me suportando.
— Nós não, mas você vai querer se matar quando descobrir o que aconteceu com a sua menina
— Rory fala numa voz séria, e pelas feições deles percebo que algo sério aconteceu.
— Eileen? — pergunto apenas para confirmar que ouvi corretamente e eles acenam
afirmativamente em conjunto. — O que aconteceu com ela? — Levanto rapidamente.
— Ela fugiu — Ciaran fala do seu jeito prático de sempre.
— Como assim fugiu? — pergunto ainda meio zonzo pelo efeito da bebida.
— Fugiu porra, bateu asas, foi embora, pulou o muro. Toda essa merda do caralho — Eamon
fala irritado, ele se culpa, porque na minha ausência deveriam ser eles a protegerem. Todos nós
falhamos, principalmente eu.
— Merda. — Resmungo e caio sentado no sofá mais uma vez.
— Tome um banho e vamos até a sua casa, lá tentaremos descobrir algo mais.
— Não, vamos logo. — Levanto meio cambaleante e sigo na direção da porta da casa de Rory.
— Vamos. — Eles não questionam minha decisão, sabem que eu preciso de respostas
— Como vocês souberam? — pergunto a Eamon, nos dividimos em dois carros e eu vim no dele.
— Analli me ligou — fala entredentes. — Disse que agora a pouco os soldados encontraram uma
escada posicionada em um canto no muro de trás da propriedade, acharam que tínhamos sido
invadidos e iniciaram o protocolo de segurança, depois de um tempo não encontraram nada,
pediram para Máire que entrasse no seu quarto para verificar se a menina estava bem, ela não
encontrou Eileen, apenas uma carta endereçada a você.
— Puta. Merda. Caralho. — Soco o painel do carro com raiva. — Eu estraguei tudo.
— Nós avisamos. — Um brilho escroto pisca em seus olhos em meio a tensão do momento e só
não soco a sua cara porque preciso chegar quanto antes em casa.
— O que há na carta? — pergunto com o coração pesado.
— Ninguém abriu ainda, Máire pediu que Analli me ligasse, assim como os outros também
foram avisados, você também deve ter recebido a mensagem de alerta em seu celular, mas é
claro, não viu. — Joga a verdade em minha cara. — Estão nos esperando chegar para decidirmos
os próximos passos.
— Decidirmos os próximos passos... — Repito para mim mesmo, sentindo um nó se formar em
minha garganta. Não consigo acreditar que ela realmente fugiu, que tomou essa decisão sem me
consultar, sem me dar a chance de explicar, de consertar as coisas.
Porra, por outro lado não tenho o que cobrar da garota, eu fui um filho da puta
insensível que a abandonou quando ela mais precisou de mim.
Quando chegamos à minha casa, vejo os homens da minha segurança interna reunidos
na sala de estar, todos com expressões sombrias, temerosas da minha reação talvez. Máire está lá
também, segurando a carta entre as mãos trêmulas.
— Regan... — Ela começa quando entramos, caminhando lentamente na minha direção. — Eu...
eu sinto muito. Eu não sabia que ela estava planejando fugir. Se eu soubesse, teria feito algo para
impedi-la.
— Não é sua culpa, Máire. — Minha voz é áspera, mas eu não estou realmente irritado com ela,
Máire trabalha comigo a tempo demais para que eu desconfie da sua lealdade a mim.
Subo as escadas com a carta nas mãos, vejo em um canto do corredor Analli chorando
contra a parede, passo por ela mas não paro, preciso ler a carta, descobrir o que Eileen quis me
dizer antes de fugir.
Sento na minha cama que ainda tem o seu cheiro, seguro a carta antes de rasgar o lacre e
depois de uma respiração profunda leio as palavras escritas pela mulher que amo. Porra, por que
demorei tanto tempo para admitir que amo aquela garota?
Suas palavras me rasgam de dentro para fora, cada palavra é como uma faca no coração,
um lembrete doloroso de tudo o que perdemos, de tudo o que poderíamos ter sido se eu não fosse
tão idiota.
Pondero sobre o seu pedido, ela quer que eu a deixe ir, eu poderia fazê-lo, posso rastreá-la
e a manter em segurança sem que ela saiba, talvez seja o melhor para ela e para o seu bebê.
Encaro as janelas do quarto, agora não há mais a felicidade que Eileen me transmitia
quando estava nesse ambiente.
— Porra. — Rosno exasperado.
— E então? — Sem que eu tenha notado a aproximação, os quatro homens em que mais confio
estão dentro do meu quarto.
— Vamos rastreá-la — aviso. — Ela pediu que eu a deixe ir. — Estendo a carta para que eles
leiam, sei que é algo intimo, ela admitiu que me amava caralho, mas confio neles e não preciso
guardar segredo. — Sei que ela pediu por isso, mas sinto que não é o que ela deseja, Eileen e o
bebê são meus para cuidar — falo determinado seguindo para o banheiro, preciso de um banho
antes de ir atrás dela.
— Finalmente. — Ouço Brian rosnar e sorrio de leve.
É isso, eu amo aquela garota e não vou esconder os meus sentimentos quando eu a
encontrar.
Quando saio do banheiro não há mais ninguém no meu quarto, me visto e quando
desço as escadas, quatro pares de olhos me encaram, se não os conhecessem tão bem não teria
percebido o temor que vi em cada um deles.
— O que aconteceu? — pergunto, deixando claro que entendi haver alguma merda acontecendo.
— Ela sofreu um acidente — é Brian que fala, e sinto o golpe seco me atingir novamente. — Ela
pegou um trem na estação, ele descarrilhou quando estava bem próximo do destino, ela estava
indo para o oeste de Leinster.
— Conseguiram notícias dela? — pergunto tentando me manter firme, preciso ser forte, ela
precisa de mim agora.
— Ainda não, há muitos mortos e feridos, muitas coisas pegaram fogo e estão com dificuldade
de identificar as pessoas.
— Providencie um helicóptero estou indo para lá agora mesmo.
— Nós estamos indo. — Rory completa.
O trajeto é tenso dentro do helicóptero, o silêncio predomina e a preocupação aumenta em
cada semblante com as poucas notícias que recebemos por meio de um rádio difuso de
comunicação. Todos estamos preocupados com o que encontraremos.
Quando chegamos ao local do acidente, é um cenário de total devastação. Os destroços do
trem estão espalhados por todos os lados, os vagões retorcidos como se fossem de papel. O
cheiro de fumaça e carne queimada é quase insuportável.
— Meu Deus... — murmuro, horrorizado com a cena diante de mim.
— Temos que encontrar Eileen — Rory fala, sua voz firme, mas percebo a preocupação em seus
olhos.
Descobrimos que os sobreviventes já foram movidos para os hospitais mais próximos e é
por lá que iniciamos a nossa busca sem obtermos sucesso.
Voltamos para o local do acidente, equipes de busca continuam no local, tentando mover o
que restou do desastre.
Não respeitamos as indicações de distanciamento, nos dividimos em grupos, vasculhando
os destroços em busca de qualquer sinal dela. Os minutos passam lentamente, cada segundo
parecendo uma eternidade quando não encontramos nada além de corpos carbonizados,
mutilados e destroços retorcidos.
— Ela não pode ter... — Começo, mas as palavras se perdem na minha garganta. Não posso
aceitar a ideia de que ela possa estar morta, não posso ter perdido Eileen.
Continuamos a busca, percorrendo cada pedaço do local do acidente. Mas, apesar de
nossos esforços, não encontramos nenhum sinal de Eileen. O desespero começa a se apoderar de
mim, o medo de que ela possa estar perdida para sempre.
— Ela não pode ter ido embora... — murmuro para mim mesmo, lutando para conter as lágrimas
que ameaçam escapar.
No terceiro dia, as buscas são encerradas e não a encontramos, vejo no semblante dos
meus amigos o pesar com o que eles acreditam que aconteceu, mas eu não perco a esperança.
Eu já vivi merda demais nessa vida para entender que se não há corpo, não há morto.
Não importa o que aconteça, vou continuar procurando, até que a encontre, Eileen é tudo
para mim, e eu não posso perdê-la, sou desgraçado demais para acreditar que Deus terá
misericórdia de mim, mas acredito que a garota não mereça esse fim.
Ela não morreu, dentro de mim eu sei que Eileen está viva em algum lugar esperando por
mim.
Capítulo 34

— Volte aqui Niamh! — exclamo enquanto corro atrás da pequena garotinha que acaba de sair
correndo após se jogar dentro da bacia de água onde eu lavava roupa.
— Não mhamaí[37] você não pega, Niamh — grita e sai correndo em direção à frente da nossa
casa.
Sorrio e lhe dou algum tempo antes de começar a persegui-la, essa é uma brincadeira
que sempre fazemos, ela gosta de brincar de correr, Niamh é uma menina muito esperta e
carinhosa.
Sinto por seu pai, Aidan, não permitir que ela frequente uma escola regular, tenho
certeza que ela iria se divertir muito com os coleguinhas além é claro de aprender mais do que eu
consigo lhe ensinar em nossa casa.
Aidan é um homem bom, gentil, embora um tanto reservado. Seus olhos parecem
guardar segredos que ele se recusa a compartilhar comigo, mas aprendi a não questionar demais.
Ele me trata com carinho, com amor, e mesmo que eu não sinta a mesma intensidade de
sentimentos, faço o meu melhor para retribuir.
Ele não nos deixa sair de casa, depois que sofri um acidente há quase quatro anos ele
se tornou muito protetor comigo, foi um milagre eu ter sobrevivido, foi um acidente de trem,
muitas pessoas morreram e tantas outras ficaram com sequelas irreversíveis, graças a Deus, não
aconteceu nada sério comigo e eu também não perdi a minha filha, já que estava grávida de oito
semanas na época.
Os bombeiros que me resgataram falaram que eu estava segurando firmemente em uma
barra de ferro e, por isso, não sofri danos físicos, embora tenha tomado uma pancada na cabeça
que me fez esquecer tudo sobre o meu passado.
Minha sorte é que o meu marido me encontrou e me trouxe para casa, não precisei
ficar nenhum dia sequer internada, recebi os primeiros socorros e fui liberada. Os hospitais
priorizaram as pessoas que tivessem com ferimentos mais graves, fui liberada com a
recomendação de que procurasse um neurologista para avaliação e acompanhamento da perda de
memória, mas meu marido disse que não tínhamos condições financeiras e por isso, não pude
fazer o acompanhamento que deveria.
Às vezes sinto como se eu estivesse vivendo uma vida que não me pertence, mas
Aidan acredita que com o tempo eu lembrarei de tudo. Meu marido ficou com muito medo
depois do acidente que sofri e é por isso que eu e Niamh sempre ficamos em nossa propriedade
rural, uma espécie de sítio, muito raramente ele nos leva para a cidade, até mesmo o meu parto
foi feito por uma parteira que veio até aqui.
Eu gostaria de ter mais liberdade, mas entendo a sua preocupação, ele diz que é
principalmente para proteger Niamh que não nos deixa sair, nós quase a perdemos quando sofri o
acidente e só de pensar que fora da nossa propriedade algo de ruim pode acontecer a ela eu me
desespero.
Nós temos uma vida confortável, pacífica, mas não posso evitar a sensação de vazio
que me consome por dentro, apenas Niamh é capaz de me fazer sorrir quando a angústia por não
lembrar do meu passado começa a me dominar.
Há um buraco em minha alma, uma lacuna de memórias que não consigo preencher. Por
mais que tente, não consigo me conectar verdadeiramente com esse passado que me foi roubado,
comecei a juntar algum dinheiro sem que Aidan saiba, quero muito ir ao neurologista algum dia.
Às vezes, quando estou sozinha nos campos ou na varanda da nossa casa, olhando o pôr
do sol tingir o céu de tons dourados, sinto uma melancolia profunda, uma sensação de perda que
não consigo explicar. É como se algo estivesse faltando em minha vida, algo essencial arrancado
de mim.
Niamh tem crescido muito rápido, tornando-se uma menina curiosa e esperta. Ela me faz
lembrar do que pode ter sido minha própria infância, das brincadeiras e sonhos que um dia,
talvez, eu possa ter compartilhado com os meus pais e que agora não consigo recordar. Aidan
disse que os meus pais estão mortos, mas não consigo ter nenhuma lembrança deles.
Às vezes me pego observando Niamh dormir, e me pergunto que tipo de mãe eu seria de
não tivesse perdido a memória, que vida nós teríamos? Será que Aidan nos daria mais liberdade?
Aidan parece satisfeito com nossa vida aqui, isolados de tudo e de todos, mas eu vejo a
sombra de tristeza em seus olhos quando pensa que não estou observando. Ele faz o possível
para me fazer feliz, mas sei que não sou capaz de retribuir completamente esse sentimento.
Existe um abismo entre nós, uma barreira invisível que não consigo transpor, e às vezes acho que
ele também não consegue.
Nossas conversas são sempre muito superficiais, nossos gestos de afeto mecânicos e
muitas vezes frios. Às vezes me pego imaginando como seria se realmente fôssemos um casal
apaixonado, se dentro de nós, ardesse o fogo do amor que leio nos livros, se tudo o que vivemos
juntos não fosse apenas uma história contada sobre as cinzas das minhas memórias perdidas.
Eu queria lembrar, queria amar e desejar o meu marido, mas às vezes sinto como se isso
fosse errado. Muitas vezes eu finjo estar com dor de cabeça quando ele quer estar comigo a noite
porque eu não sinto nada além de um incômodo muito grande quando estamos intimamente
juntos.
Eu queria sentir e ser diferente, mas não consigo, é como se não tivéssemos um passado
juntos, e depois do acidente, tudo não passa de interações pouco afetivas. Pelo que Aidan me
conta isso não é a verdade, tínhamos muito amor, um pelo outro, havia muito fogo e paixão entre
nós, eu queria lembrar, voltar a sentir, mas simplesmente não consigo.
Sei que esses pensamentos são perigosos, um labirinto no qual prefiro não me perder,
sempre que a dor e a angústia ameaçam me consumir eu afasto esse sentimento de mim.
Esta é minha vida, Aidan é a única pessoa que tenho por mim e por Niamh e por isso devo
aceitar e acreditar no que ele diz, mesmo que uma parte de mim clame por algo mais, algo que
está além do alcance dos meus dedos e principalmente da minha memória.
Às vezes sonho com olhos azuis, tão profundos quanto os da minha pequena Niamh, mas
sei que não são os dela. Aidan diz que os olhos do meu pai eram dessa cor que a nossa filha
puxou os olhos dele, mas quando em meus sonhos os olhos azuis me encaram não é algo paternal
que sinto, é algo que acelera o meu coração e me faz acordar de pernas bambas.
Hoje é um dia como qualquer outro, e eu realizo minhas tarefas na fazenda com a
habitualidade de sempre. Ajudo Aidan a cuidar dos animais, preparo as nossas refeições, lavo
roupas e brinco com Niamh nos momentos de descanso. Tudo parece tão normal, tão previsível,
no entanto, sinto falta de algo maior.
— Eu vou te pegar! — Continuo correndo atrás da minha filha enquanto ela dispara dando
gritinhos e sorrisos à minha frente, com o seu corpinho e vestido totalmente molhados pela água
onde esteve instante antes.
Vejo ao longe um comboio com cerca de cinco carros levantarem poeira na estrada
enquanto se aproximam em alta velocidade da entrada da nossa propriedade, corro mais rápido
na tentativa de alcançar Niamh e voltar para dentro de casa, meu coração bate acelerado no peito.
Não temos vizinhos ao nosso redor, por isso eu sei que o único destino dos carros será
a nossa casa. Desde o meu acidente Aidan avisou estarmos devendo dinheiro para alguns homens
poderosos e que caso eles viessem atrás de nós, eu deveria me esconder com Niamh.
Sempre temi que viessem nos cobrar e parece que esse dia chegou.
Alcanço a minha filha com o coração acelerado e antes que consiga correr de volta
para dentro de casa, o primeiro carro atravessa a porteira derrubando a madeira pesada e a cerca
que havia em volta fazendo o meu coração acelerar.
Medo, pavor, desespero e uma sensação de vulnerabilidade tomam conta de cada parte
de mim.
— Pare! — Uma voz grossa me alcança antes que eu consiga passar pela porta de entrada.
Não paro de correr mesmo sabendo que se eles derrubaram a cerca e a porteira da
fazenda podem muito facilmente derrubar a porta da minha casa.
— Eu disse pare, porra! — A voz grossa me faz paralisar assim como sua mão impede que eu
bata a porta da casa me trancando com Niamh que nesse momento começa a chorar,
provavelmente sem entender como a nossa inocente brincadeira pode estar terminando dessa
forma.
Niamh se agarra a mim enquanto cinco homens invadem nossa casa com uma
determinação fria e calculada. Sinto-me pequena e impotente diante deles, mas não vou permitir
que machuquem minha filha. Meus olhos procuram desesperadamente uma saída, mas estamos
cercadas, encurraladas dentro de nosso próprio lar.
— Quem são vocês? O que querem aqui? — Minha voz sai trêmula, mas tento manter a
compostura diante da ameaça iminente. — Meu marido, não está em casa, vocês vieram cobrar a
dívida? Não temos dinheiro, mas tenham misericórdia de nós, nos dê mais algum tempo e
pagaremos tudo, mas por favor, não façam mal a mim ou a minha filha.
— Seu marido? — A voz fria do homem me faz arrepiar inteira, é como se eu já a tivesse ouvido
antes, mas são os olhos que me mantém cativa, muito parecidos com os olhos dos meus sonhos.
— Que. Merda. Está. Acontecendo. Aqui? — Seus olhos desviam para Niamh e eu aperto mais
contra o peito.
O homem de olhos penetrantes olha para mim com uma expressão indecifrável. Seus
lábios se contraem em uma linha dura, e por um instante, vejo um lampejo de reconhecimento
em seu olhar. Mas logo é substituído por uma máscara de frieza.
— Você vem comigo!
— Nãaaao — grito fazendo Niamh chorar ainda mais. — Tenha misericórdia, por favor, nos
deixe em paz. — Imploro mesmo que dentro de mim eu sinta que misericórdia e piedade são atos
que esse homem não costuma praticar.
Capítulo 35

— Espero que seja algo realmente importante — falo depois de descer as escadas da minha casa
e encontrar Ciaran, Brian, Eamon e Rory na sala de estar. — Faz quatro dias que eu mal prego o
olho e a menos que tenham o nome do traidor para me entregar os quatro sairão daqui com uma
bala enfiada no rabo.
Rosno, mesmo que as suas expressões por si só me deixem claro que para estarem aqui
é realmente algo muito sério.
Mesmo com todos os recursos que possuímos ainda não localizamos o traidor, há mais
de três anos ele não dá nenhum passo em nossa direção, é claro que sei que está esperando a
poeira abaixar para voltar a agir.
Nós já estávamos perto demais para ele arriscar fazer qualquer outra movimentação,
nós os pegaríamos e ele sabia, tenho que admitir que o desgraçado sabe jogar esse jogo tão bem
quanto nós, é paciente e aparentemente calcula friamente as suas ações.
— Precisamos conversar — Rory fala.
— Fale de uma vez, porra. — Rosno enchendo o copo de Whisky após alcançar o bar. — Vocês
descobriram, não é? Quem é o desgraçado que estará morto antes do raiar do dia?
Encaro cada um deles e percebo que estão mais tensos do que o normal, como se o que
fossem me falar, o nome fosse algo sério demais para ser dito de qualquer maneira.
— Não é isso — Brian fala cauteloso e ergo a sobrancelha sem entender. — Não é sobre o
traidor, nós ainda não sabemos quem é.
— Não? — questiono sem entender a tensão em seus rostos. — Ele atacou novamente, então? —
Rosno irritado. — Qual é o tamanho da merda?
— Nós a encontramos. — Encaro Eamon.
— Não entendi — afirmo, meu coração falhando uma batida.
— Nós encontramos Eileen, Regan. — Ciaram completa e pela primeira vez na vida sinto as
minhas pernas fraquejarem.
— Não brinquem comigo, caralho — falo baixo.
— Você sabe que não viríamos aqui com essa notícia se não tivéssemos certeza. — Ciaran
completa.
— Onde? Onde ela está, caralho? Por que não está aqui com vocês? — Disparo as perguntas
enquanto os encaro. — Como descobriram que ela realmente está viva?
— Ela está... Ela está vivendo em uma fazenda, Regan — responde Rory, escolhendo
cuidadosamente suas palavras. — No sul da Irlanda. Com um homem... E uma criança.
Meu estômago se revira com a notícia. Eileen... Viva. Depois de todos esses anos, eu
nunca desisti dela, nunca parei de procurar, mas sempre houve uma parte de mim que temia o
pior. Agora, saber que ela está vivendo uma vida sem mim, é quase insuportável.
— Por que diabos vocês não me contaram antes? — Minha voz sai mais alta do que pretendia,
carregada de uma mistura de raiva e incredulidade. — Eu tenho procurado por ela... Anos, porra!
E vocês... Mantiveram isso escondido de mim?
— Regan, nós só descobrimos recentemente, não queríamos te dar falsas esperanças. —
Defende-se Brian, mas sua desculpa não é suficiente para acalmar minha fúria. — Queríamos
confirmar primeiro.
— Falsas esperanças, porra? — Rosno, meu punho cerrado com tanta força que minhas unhas
mesmo curtas quase perfuram a pele da palma.
— Eileen é a porra da minha garota, Brian! Não me importam as dúvidas de vocês, eu deveria
ser o primeiro a saber. Como vocês acham que me sinto agora? Sabendo que ela está viva, e eu
não sabia? Droga, isso não é algo que vocês deveriam decidir por mim!
O silêncio pesado paira sobre nós, nenhum deles se atreve a me encarar nos olhos. Eles
sabem que estou furioso, mas também sabem que não posso culpá-los completamente. Afinal, eu
os encarreguei de encontrá-la também, assim como eu, eles deveriam manter seus olhos e
ouvidos abertos para qualquer pista da garota. Mas mesmo assim, me irrita saber que fui mantido
no escuro mesmo que por pouco tempo.
— Desculpe, Regan — murmura Eamon, sua expressão carregada. — Nós... Nós achamos que
era melhor garantir que era mesmo ela antes de te contarmos. Não queríamos criar esperanças à
toa. Porra, depois do acidente com ela você demorou muito tempo para se reerguer, não
podíamos deixar que você sucumbisse mais uma vez, não agora que estamos próximos de
encontrar o traidor.
Um suspiro escapa dos meus lábios enquanto tento controlar minha raiva e frustração. Eles
têm razão, é claro. Eileen é mais do que apenas uma obsessão, ela era minha responsabilidade, eu
prometi protegê-la e a afastei.
— Tudo bem — digo finalmente, me forçando a acalmar os nervos. — Onde ela está?
— Em uma fazenda nos arredores de Clonaghbeg[38] — responde Ciaran. — Parece que ela... Ela
tem uma filha, Regan. Uma menina. — Sinto meu coração se apertar ao ouvir sobre a criança.
Minha mente corre com mil pensamentos, mil perguntas. Será que é a nossa filha? Como
Eileen está? Ela está feliz? Segura? Por que ela se escondeu de mim?
Meu peito se enche de uma mistura de emoções conflitantes enquanto tento processar tudo
o que eles me falam.
— Quantos anos? — pergunto, minha voz falhando um pouco. — Quantos anos tem a criança?
— Não sabemos, Regan — responde Brian, sua expressão séria. — Assim que tivemos certeza
que era mesmo ela, viemos te contar, nosso sistema de segurança e reconhecimento facial
registrou no sistema enquanto ela estava em uma cidade próxima, ela mora em uma Zona Rural.
— Conta sabendo quais seriam as minhas próximas perguntas.
Engulo em seco, lutando contra a avalanche de sentimentos que ameaça me engolir.
Depois de tanto tempo, tantas tentativas fracassadas, a ideia de vê-la novamente é ao mesmo
tempo aterrorizante e reconfortante.
Um milhão de dúvidas pairam em minha mente, preciso das respostas que apenas ela pode
me dar e é por isso que tomo uma decisão: partiremos ainda nessa madrugada e terei eu mesmo
as respostas que preciso.
— Está bem — murmuro finalmente, quando consigo alinhar os meus pensamentos. — Se
arrumem, vamos para Clonaghbeg. Eu preciso ver Eileen. Eu preciso... Descobrir a verdade.
— Sim, Boss — Eamon responde e todos assumem uma postura mais firme.
— Peguem as armas e preparem o helicóptero e os carros para quando chegarmos lá. — Ordeno
aos meus homens, meu tom de voz firme, mesmo que por dentro eu esteja em pedaços. — Quero
pousar na cidade ainda pela manhã.
Os quatro assentem em silêncio, reconhecendo a urgência da situação para mim. Não
posso arriscar esperar por mais tempo. Tenho que vê-la, tenho que falar com ela, tenho que saber
se ainda há esperança para nós.
Enquanto meus homens se movem rapidamente indo para fora de casa para se prepararem,
eu me recolho em meu quarto, o mesmo que dividi com ela, meu refúgio particular e o único
lugar onde me permito sentir emoções que normalmente mantenho escondidas dos outros.
Entro no banheiro e me encaro no espelho, os dedos batendo ritmadamente no mármore
polido enquanto minha mente gira em torno das possibilidades... das esperanças.
Eileen. Mo chailín. A mulher que mudou minha vida de formas que eu nunca imaginei ser
possível. Ela foi luz no meio da minha escuridão, a calma no meio da minha tempestade, e
quando ela desapareceu, uma parte de mim foi com ela.
Eu a amava, sabia que amava mesmo que não admitisse, e agora, tenho ainda mais certeza
de que a amo, mais do que jamais pensei ser capaz. Mesmo que eu tenha me tornado apenas uma
sombra distante do que ela conheceu um dia não posso desistir dela. Eu não vou desistir dela.
Eu me forço a respirar fundo, a encontrar a calma no meio do caos que ameaça me
consumir. Tiro a roupa sabendo que preciso de um banho, a água gelada com certeza vai acalmar
o vulcão que ameaça entrar em erupção no meu peito.
De banho tomado, encaro o meu closet, o espaço que antes era preenchido com as suas
roupas permanece vazio, tudo o que lhe pertencia está guardado no quarto ao lado do seu.
Decido que vou ordenar a Máire e Analli que lavem, passem e organizem as coisas dela de
volta ao lugar de onde nunca deveriam ter saído, farei o que for preciso para trazê-la de volta,
não importa com quem ela esteja morando, Eileen voltará comigo.
Finalmente, após minutos que parecem uma eternidade, saio do quarto com a
determinação renovada. Repasso aos funcionários da casa as ordens necessárias no momento e
noto o espanto e a curiosidade estampadas nas faces de Máire e Analli, mesmo que eu não tenha
dado mais informações do que o necessário.
Cerca de duas horas depois, encontro meus homens esperando por mim no heliponto, estão
todos prontos para seguir minhas ordens sem questionar. Seguiremos viagem em três
helicópteros e pedi que enviassem o jatinho para o meu retorno, o protocolo de voo é mais
simples para helicópteros e eu tinha pressa em sair.
Chegamos a Clonaghbeg por volta das dez horas da manhã, lidero meus homens até os
carros que nos aguarda, meu coração bate forte no peito enquanto nos dirigimos em direção à
fazenda onde supostamente Eileen está vivendo.
O sol está escaldante quando finalmente chegamos à fazenda, nos arredores da cidade o
primeiro carro do meu comboio de segurança passa pela entrada, arrastando tudo o que encontra
pela frente.
Assim que os carros freiam bruscamente um após o outro, sou o primeiro a descer, quase
não consegui esperar o carro parar quando a avistei de longe correndo atrás de uma criança ainda
bem pequena.
Sigo-a com passos largos e pesados no chão de terra batida. Meus homens me seguem em
silêncio, quando finalmente a alcanço na porta de entrada da casa, não hesito por um instante
sequer, meu coração batendo descontroladamente no peito.
— Pare! — grito para ela que foge covardemente. — Eu disse pare, porra! — Bato a mão com
força na madeira impedindo-a de fugir de mim mais uma vez e invado o espeço.
Não me preocupo em olhar a nossa segurança no local, sei que os meus homens já
devem ter cercado a casa e os meus subchefes vasculham o ambiente que, embora muito
pequeno, seja limpo e organizado.
Meus olhos se fixam na pequena garotinha que se agarra firmemente aos seus braços
enquanto começa a chorar e meu peito se aperta, é uma menina e me lembra muito Kira quando
tinha essa idade, é minha filha, não preciso que ela confirme para ter certeza.
— Quem são vocês? O que querem aqui? — Eileen fala fingindo não nos conhecer. — Meu
marido, não está em casa, vocês vieram cobrar a dívida? Não temos dinheiro, mas tenham
misericórdia de nós, nos dê mais algum tempo e pagaremos tudo, mas por favor, não façam mal a
mim ou a minha filha.
— Seu marido? — De tudo o que ela fala apenas essas palavras ganham a minha atenção. —
Que. Merda. Está. Acontecendo. Aqui? — Meus olhos desviam novamente para a pequena
escondida no pescoço da mãe.
— Você vem comigo! — Rosno irritado.
— Nãaaao — ela grita parecendo me temer e a garotinha chora ainda mais alto. — Tenha
misericórdia por favor, nos deixe em paz. — Implora em um choro copioso que quase me faz ter
piedade dela.
A desgraçada viveu por todos esses anos se escondendo de mim ao lado de outro
homem e agora implora por misericórdia e piedade?
Nem fodendo que eu terei compaixão, a garota em seus braços é minha filha e se
Eileen quiser ter a chance de criá-la terá que aceitar as minhas próprias regras.
Capítulo 36

— Me entregue a bebê — o homem fala sem desviar os olhos de Niamh.


— Não, por favor. — Ele pega a menina dos meus braços, mesmo com os meus gritos de
protesto. — Ela é apenas uma criança, por favor, não faça mal a ela, me mate, mas não a
machuque, eu imploro, por favor. — Caio de joelhos no chão.
Me surpreendendo ele aninha a pequena em seus braços grandes, com um cuidado que eu
jamais imaginei que fosse ter ele a acalenta até que a minha filha pare de chorar. Entre lágrimas
de desespero, imagino tê-lo ouvido a chamar de mo leanbh[39] e um frio percorre minha coluna de
cima a baixo.
O que ele quer com a minha filha?
— Levante Eileen. — Um homem alto e muito forte se abaixa diante de mim, ele me estende a
mão e vejo o seu dente canino um pouco maior que os outros e recoberto de ouro brilhar muito
perto de mim, ele é intimidante, mas quando me estende a mão, estranhamente não sinto medo.
— Venha. — Insiste tentando controlar o tom de voz, mas me mantenho estática olhando entre
ele e o outro homem que segura a minha filha, agora longe de mim e bem próximo da janela da
casa.
— O que vocês querem, o que farão com a gente? — pergunto ainda de joelhos no chão, ele
segura em meus dois braços e me força a ficar de pé.
— Como Regan disse, vocês virão conosco — avisa encarando os meus olhos de uma maneira
profunda, sinto um arrepio em meu corpo ao desviar o olhar pelos cinco homens, é como se eu já
tivesse os visto antes, mas não lembro exatamente de onde.
— Quem são vocês? — pergunto em um fio de voz.
— Você sabe quem somos.
— Não sei, pelo amor de Deus, eu não sei do que estão falando. — Sinto o meu corpo ceder e o
homem me ampara impedindo-me de cair novamente e apoia o meu corpo no sofá,
imediatamente cinco pares de olhos estão diante de mim, até mesmo o que segura minha filha
nos braços me encara novamente de perto.
Sinto medo ao encarar os olhos tempestuosos.
— Não seja idiota, garota. Quatro anos não são capazes de apagar o que vivemos — o homem
fala com uma voz mais grave —, e a prova está em meus braços, Eileen.
— Quem é Eileen? — pergunto desesperada. — Meu nome é Maeve, e eu... não conheço essa
pessoa que estão procurando. — Eles se encaram e voltam a atenção para mim.
— Puta que pariu!
— Caralho!
— Puta merda!
— Agora fodeu tudo!
Ouço quatro dos homens exclamarem ao mesmo tempo enquanto me encaram tentando
me decifrar.
— Não se faça de tola. — O que segurava a minha filha entrega a pequena ao ruivo que está ao
seu lado e corta a pequena distância entre nós, ele tira uma lâmina do bolso e para diante de mim,
penso que será o meu fim, mas ele se ajoelha e rasga a barra da minha calça. — A cicatriz... —
Aponta a marca em meu tornozelo. — Eu conheço cada cicatriz em seu corpo, mo chailín,
mesmo que você mudasse toda a sua face com procedimentos cirúrgicos, ainda assim, eu te
reconheceria. — Sua voz sai mais grave e seus olhos me encaram muito perto e perco o fôlego.
Os olhos... O meu sonho, esses são os olhos que aparecem nos meus sonhos.
— Nã, não... não é possível. Vocês estão enganados. Eu... não sei do que estão falando. —
Minha voz sai trêmula, desesperada, porque de repente penso que ele pode estar certo porque eu
não lembro de nada.
Meu Deus, não é possível que Aidan tenha mentido para mim todo esse tempo, e se for
realmente isso, por quê? Qual a sua motivação?
O homem diante de mim, com sua voz grave e olhar penetrante, parece não se convencer
tão facilmente do que digo.
Ele afirma que conhece minhas cicatrizes, ele foi exatamente onde uma delas está, sem
titubear, mas eu não entendo, não sei quem é essa tal de Eileen que ele acredita que sou.
— Não negue quem você é, Eileen. Chega de palhaçada. — Ele insiste, sua voz carregada de
convicção, e eu sinto meu coração acelerar em pânico.
— Eu não sei do que você está falando! — grito, tentando me afastar dele, mas ele segura meu
braço com firmeza e ao mesmo tempo com cuidado, impedindo minha fuga.
Os outros homens se mantêm muito próximo de mim, seus olhares fixos em nós dois, na
nossa interação, sinto que estão analisando cada centímetro do meu rosto em busca de respostas
que eu não posso dar.
Não me escondo, deixo que vejam todas as minhas emoções, todos os meus temores e
dúvidas.
— Por favor, me deixem ir. Eu não fiz nada. Eu não sei do que vocês estão falando, vocês estão
enganados. — Minhas palavras saem como um sussurro desesperado, minhas mãos tremendo
sem parar. — Eu não me chamo Eileen, não sou quem vocês pensam.
Repito para mim mesma, mas minhas palavras soam fracas, agora desprovidas de
convicção. Eu sei quem sou, pelo menos o que Aidan me contou desde que me trouxe para casa.
O que me incomoda é que ao olhar em volta e observar cada um deles, me parece algo comum,
como se eu já tivesse feito isso muitas vezes antes.
Nesse momento, uma onda de desespero e confusão me envolve, como se estivesse em um
pesadelo do qual não consigo acordar. Esses homens, suas palavras e olhares intensos, estão me
fazendo questionar minha própria identidade, minha própria existência, tudo o que acreditei ser
desde que acordei daquele maldito acidente.
— Eu não sei o que vocês querem de mim! — Minha voz treme enquanto tento manter a
compostura diante da situação angustiante. — Por favor, me deixem ir. Não fiz nada para vocês.
Minhas palavras parecem cair em ouvidos surdos. Eles estão determinados a me levar com
eles, a me arrastar de volta para um passado que dizem ser real, mas que não reconheço.
Olho para a pequena Niamh, agora de volta nos braços do homem de olhos azuis intensos,
e meu coração se parte em pedaços. Ela é tudo o que tenho, não posso deixar que a levem de
mim.
— Pegue as suas coisas e da bebê, partiremos em trinta minutos — ele fala com a voz grave.
— Por favor, não machuque minha filha. Por favor. — Minha voz sai em um sussurro suplicante,
enquanto lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto.
— Eu nunca a machucaria, porque ela é minha filha. — A voz do homem à minha frente é firme,
implacável.
— Não pode ser, como...
— Pare de teatro Eileen, já chega dessa merda.
— Não é teatro... eu... eu juro. Sofri um acidente anos atrás, eu não consigo me lembrar, estou
falando a verdade — falo tão rápido que não sei se são capazes de compreender.
Eles me encaram, mas não mudam sua postura intimidadora.
— Ciaran. — O tom de voz do homem que parece chefiar o grupo é cortante. — Traga pra mim
o desgraçado do marido. — Cospe as palavras. — Ele também irá conosco —, afirma e menos
de dois segundos, vejo o homem que recebeu a ordem passar pela porta da minha casa. — Você.
— Aponta para mim. — Recolha suas coisas e da bebê, como eu disse antes, partiremos em
trinta minutos. — Encara o relógio de pulso dourado. — Agora você tem vinte e seis minutos
apenas.
Com um suspiro resignado e o corpo ainda trêmulo levanto do sofá, organizo o básico que
vou precisar para Niamh e após pedir para deixarem que eu troque a sua roupa que ainda estava
molhada da brincadeira que fazíamos, permito que me levem.
Percebo que os três homens que ficaram se esforçam para distrair a minha filha, como se
não quisessem vê-la chorar, ao mesmo tempo, fica claro para mim que nenhum deles tem
habilidade com crianças porque eles a distraem contando histórias de guerra como se fossem
contos de fadas.
Meu coração está pesado de dor e confusão, mas não posso deixar Niamh sozinha nas
mãos desses homens. Preciso protegê-la a todo custo, mesmo que isso signifique sacrificar minha
própria liberdade, minha própria vida.
Ele diz que a minha filha lhe pertence, entretanto, se isso for verdade, ele terá que me
manter junto a ela, ou me matar.
Saímos no tempo exato que o homem determinou, enquanto caminho escoltada para fora
da casa, sinto como se estivesse deixando para trás tudo o que Aidan me contou e que conheço.
Minha mente está turva, cheia de perguntas sem respostas, mas uma coisa está clara para mim:
minha vida nunca mais será a mesma.
Capítulo 37

Mantenho a pequena criança em meus braços me sentindo incapaz de afastá-la de mim,


entreguei-a a Eileen apenas para que trocasse a roupa da pequena que estava encharcada de água
desde que chegamos.
À medida que o carro avança pela estrada, sinto que a garota ao meu lado está cada vez
mais perdida em seus próprios pensamentos. Por diversas vezes ela me encara, provavelmente
desejando segurar a nossa filha em seus braços, mas engole o desejo e não pede por isso.
Quando sustento o seu olhar, ela desvia os olhos dos meus e encara a janela enquanto a
fazenda vai ficando para trás e a cidade pequena e interiorana começa a surgir no horizonte.
— Para onde estão me levando? — pergunta em um fio de voz sem desviar a atenção da janela,
mas alto o suficiente para que eu saiba que está se dirigindo a mim.
— Para casa — respondo a encarando e seus olhos encontram os meus novamente.
— Mas aquela é a minha casa. — Seus olhos se enchem de lágrimas novamente. — Vocês estão
errados, aquela é minha casa. — Aponta para trás.
— Não mo chailín, aquela nunca foi sua casa. — Controlo a raiva em minha voz. — Eu preciso
entender o que aconteceu Eileen, mas de uma coisa tenho certeza, aquela nunca foi e nem será a
sua casa.
— Onde é então?
— Ao meu lado, Eileen, sua casa é e sempre será ao meu lado. — Meu tom de voz sai mais
baixo para que os outros não nos ouça, mas eu vejo pelo espelho retrovisor o sorriso irritante
brincar nos lábios de Brian.
Puta merda, estou mesmo fodido.
Me mantenho em silêncio até estarmos acomodados no jatinho que já nos esperava para
partirmos. Eileen me encara com a pequena nos braços e eu tento decifrá-la ainda em silêncio.
— Qual o nome dela? — Encaro a menininha em meus braços e me surpreendo por ela não pedir
para ir para o colo da mãe, ela brinca distraída com uma pequena e simples casinha de montar
que a mãe lhe entregou antes de sairmos.
— Niamh — Eileen fala e a menina a encara. — Diga o seu nome filha. — Incentiva e a pequena
me encara.
— Niamh — fala com a voz ainda de criança e em seguida desvia a atenção para a mãe. —
Avião é bonito mhamaí.
— Sim meu amor, é muito bonito.
— Você me deixa pegar na nuvem do céu? — pergunta para a mãe com inocência e meu peito se
comprime, porque sim, eu gostaria de dar o que quer que essa menininha queira.
— Não podemos, amor — Eileen responde com paciência. — Apenas os anjos podem tocar o
céu.
— Niamh pode ser um anjo?
Sentimentos turbulentos passam pela minha mente ao imaginar a pequena como um anjo,
Deus já me tirou uma filha, Kira já está ao seu lado e não vou permitir que o mesmo aconteça a
Niamh.
Aperto a pequena nos braços e noto quando ela desvia os olhos da mãe e me encara
provavelmente estranhando o gesto. Niamh é apenas uma criança, inocente, pura e encantadora.
Decido me intrometer na interação entre mãe e filha e, contar-lhe uma história sobre
anjos... sobre o meu anjo.
— Sabia, Niamh, que realmente existem anjos lá em cima, nas nuvens do céu? — Começo,
esticando os lábios numa tentativa de sorrir para ela.
Seus olhinhos brilham de interesse, e ela se acomoda melhor em meus braços me
encarando e faz que não com a cabecinha.
— Sim, lá em cima, no céu, vivem os anjos mais lindos e bondosos que você pode imaginar. Eles
têm asas brancas, tão grandes que podem voar bem alto, tocando as nuvens com seus dedinhos
mágicos. — Porra, onde foi que aprendi a falar assim com alguém?
Niamh observa, encantada, e balbucia um "Wauw".
— Um dia, um anjinho muito especial chamado Kira estava brincando na terra ao meu lado e da
sua mãe e decidiu que já estava na hora de também tocar nas nuvens. — Encaro Eileen que me
devolve o olhar confusa demais. — Ela era como você, Niamh, cheia de alegria, sempre estava
sorrindo, iluminando tudo ao seu redor com seu sorriso.
Niamh presta atenção, os olhos fixos em mim enquanto escuta a história sobre a irmã que
ela nunca conheceu.
— Como eu disse, Kira precisou ir embora da terra para morar nas nuvens e se tornar um anjinho
de verdade. Depois ela se transformou em uma estrelinha brilhante que mora lá no céu e está
sempre olhando por nós aqui embaixo.
A pequena Niamh parece tentar processar a informação, absorvendo cada palavra com um
interesse surpreendente para sua idade.
— Mas sabe, Niamh, o papai não conseguiria viver se você também virasse um anjinho. Porque
você é a minha luz, meu tesouro mais precioso, e eu faria qualquer coisa para proteger você.
— Meu papai, Aidan? — pergunta inocente e meu ódio ferve, engulo seco para não a assustar.
— Não Niamh, eu sou o seu papai, mas quando estiver maior eu te explico essa história.
Niamh sorri, parecendo entender e aceitar o que estou dizendo, mesmo que não
compreenda totalmente o significado das minhas palavras. Ela se aconchega em meus braços,
deita em meu peito e, sentindo-se segura, fecha os olhinhos tão parecidos com os meus
demonstrando estar com sono.
— Você não é... — Eileen começa e a encaro interrompendo as suas palavras.
— Eu sou. Não negue a menina o direito de conhecer a verdade.
— Eu não estou negando nada, eu não te conheço — fala os olhos voltando a se encherem de
lágrimas.
— Me prove, Eileen, me dê um motivo para acreditar que realmente não lembra de mim, não
lembra de nós. — Sinto o gosto amargo na boca, como ela pode esquecer o que tivemos?
— Juro que não lembro. — Eileen suspira pesado. — Como eu disse, sofri um acidente há cerca
de quatro anos, desde então, não lembro de nada, tudo que sei foi o que o meu marido me
contou.
— Ele. Não. É. Seu. Marido. — Rosno entredentes.
— E o que ele é então? — As lágrimas rolam por seu rosto. — Quem é você? Me ajude a
entender o que está acontecendo, porque parece que desde que você apareceu, tudo o que tenho
aqui — toca em sua cabeça —, parece feito de dor, sofrimento e mentiras.
Aperto os lábios com força, lutando para conter a avalanche de emoções que ameaça me
consumir. Eileen me parece vulnerável, tão perdida que me faz acreditar em suas palavras, o
sofrimento presente em sua voz me corta como uma lâmina afiada.
— Nada, ele não é nada para você.
— Você é?
— O quê?
— Meu marido — as palavras saem sussurradas do seu lábio e nego com a cabeça. — Por que
diz que é o pai dela, então? Eu não entendo.
— Não sou seu marido, pelo menos não no papel, mas você era minha até fugir de mim. — Ela
me encara, agora espantada.
— Eu fugi? — pergunta demonstrando incredulidade.
Sinto uma pontada de frustração se formar em meu peito. Quero acreditar nela, quero
acreditar que ela está dizendo a verdade. Mas algo em mim hesita, algo em mim se recusa a
baixar a guarda, mesmo diante de suas lágrimas e súplicas.
— E se você estiver mentindo? E se estiver se escondendo da verdade porque é mais fácil do que
enfrentá-la de frente? — Não respondo e retruco com perguntas, minha voz é um sussurro
áspero, carregado de tensão.
Eileen desvia os olhos dos meus, suas mãos tremem em seu colo. Ela parece tão frágil
agora, tão vulnerável, que meu coração se parte em pedaços, quero segurá-la nos braços assim
como faço com Niamh, quero sentir o seu cheiro novamente, sentir sua pele na minha, mas não
posso, não até entender o que realmente aconteceu.
— Eu... eu não sei — ela sussurra finalmente, sua voz mal é audível. — Eu não tenho como fazê-
lo acreditar em mim, só sei que estou confusa e com medo. Estou com medo de você, medo do
que fará com a gente, e principalmente, medo de ter vivido uma vida de mentiras.
— Se estiver falando a verdade, foi exatamente isso que aconteceu, viveu uma mentira por
quatro anos. — Minha voz soa mais áspera do que eu gostaria. — Me conte Eileen, me conte
qual foi a história de mentirinha que viveu nesses anos.
Peço afastando o nó que se forma em minha garganta ao ouvir suas palavras. Quero
envolvê-la em meus braços, protegê-la de tudo e até mesmo de mim. Mas sei que no momento eu
não posso. Não até ter certeza da verdade.
Eileen me encara por um longo momento, seus olhos procurando os meus em busca de
alguma resposta que eu não posso dar. E então, lentamente, ela assente, uma expressão
determinada se formando em seu rosto.
Essa é a garota que reconheço, a garota que se entregou a mim e que não teve medo de
recomeçar mais vezes do que seria justo com ela mesma.
Passo a próxima hora de voo ouvindo a história que a mulher me conta, se o desgraçado
que supostamente mentiu para ela não estivesse vindo de helicóptero eu iria matá-lo agora
mesmo.
Não entendo qual a razão para toda essa louca história que inventou, não há explicação
para isso, mas confirmarei se ela fala a verdade assim que aterrissarmos em Bryncroft. Eileen e a
minha filha passarão por todos os exames que o miserável negligenciou, não farei DNA para
confirmar a paternidade da pequena, eu não preciso disso, sei que Niamh é minha filha.
Sinto um peso aliviar em meu peito ao ouvir suas palavras. Talvez haja esperança para
nós, afinal. Talvez possamos encontrar uma maneira de superar os obstáculos que se ergueram
entre nós se ela estiver falando a verdade. Eileen não tem culpa de nada, mais uma vez é vítima
das ações de outras pessoas.
Enquanto o avião continua seu voo, sinto-me envolvido por uma sensação de
determinação renovada. Não importa o que o futuro reserve, dessa vez não vou fugir, e mesmo
que ela não recupere mais a memória, mesmo que nunca lembre de mim, eu estarei ao seu lado a
cada dia criando novas histórias e novas lembranças para ela, para mim e para nós.
Capítulo 38

Descobri que a casa que o homem que agora sei se chamar Regan fica em Bryncroft,
soube disso apenas quando o piloto do avião falou.
Tecnicamente essa foi a primeira vez que andei de avião, mas eu sequer pude
aproveitar dada a tensão que percorre cada célula do meu corpo.
Niamh dormiu relaxada e aninhada nos braços fortes do homem durante todo o voo, é
como se minha filha o reconhecesse, mesmo que eu ainda não lembre de nada que me dê a
certeza de que, o que o homem diz é verdade.
Nós não tínhamos televisão em casa, mas Aidan às vezes me trazia algumas revistas da
cidade, lembro que uma vez, vi uma reportagem sobre Bryncroft e achei muito encantadora, mas
não estava preparada para vê-la pessoalmente.
Não é uma cidade grande, mas parece com uma pintura viva de encanto e história, as
ruas de paralelepípedos são charmosas e acolhedoras, parece impossível não se apaixonar pela
atmosfera acolhedora e vibrante.
As ruas estreitas são uma mistura fascinante da arquitetura medieval e georgiana, prédios
coloridos se erguem lado a lado, cada um contando sua própria história.
O centro de Bryncroft é a área mais movimentada que passamos, vejo alguns pubs
tradicionais, lojas charmosas e cafés acolhedores que se misturam lado a lado.
É uma cidade bem arborizada, passamos por parques exuberantes e jardins bem cuidados
que ficavam às margens do rio, se o que ele fala é verdade, acredito que eu gostava de morar
aqui.
À medida que nos afastamos da cidade, percebo que estamos indo na direção de uma
espécie de castelo no alto da montanha, me parece ser muito bonito, dependendo de como as
coisas se ajustarem talvez um dia eu possa visitar o lugar.
— Você gosta? — Regan pergunta e mesmo sem desviar os olhos para ele imagino que fala da
construção imponente que tem a minha atenção no momento.
— Sim, parece muito bonito.
— É a nossa casa Eileen. — Giro o meu pescoço rapidamente na sua direção.
— O que disse? — pergunto para confirmar se o que ouvi é real.
— Disse que é a nossa casa.
— Você está brincando, não é?
— Eu não sou homem de brincar, Eileen. — É estranho ouvi-lo me chamar assim e ao mesmo
tempo me parece certo.
— Você mora em um castelo?
— Não é um castelo, é uma casa — corrige — e sim, é lá que nós moramos.
Desvio os olhos mais uma vez dos seus, silenciosamente imploro a Deus para que ele
me ajude a lembrar, preciso de qualquer coisa que me faça ter a certeza do que vivi antes do
acidente, não sei em quem acreditar.
Aidan esteve comigo desde que despertei do acidente, agora esse homem invade a
nossa casa e afirma que vivi uma mentira por quatro anos e joga em meus braços uma vida que
eu nunca pensei ser minha. Não sei como lidar com tanta coisa ao mesmo tempo, não sei o que
fazer.
Alguns minutos depois atravessamos o muro do castelo que ele afirma ser apenas uma
casa. Para mim é e vai continuar sendo um castelo.
Me sinto insegura quando um homem abre a porta do meu carro esperando que eu
desça, não é nenhum dos que estavam com Regan, parece um segurança particular, aliás, há
muitos homens espalhados por toda a propriedade, todos armados e com postura austera.
Por um segundo tenho medo do que me espera, mas ao encarar os olhos de Regan, algo
me diz que não importa o que aconteça, ele jamais permitirá que alguém machuque a mim ou a
Niamh. Isso me faz relaxar um pouquinho enquanto caminho ao seu lado a até a entrada da casa.
Ao entrar na casa, uma senhora corre na minha direção e me envolve em um abraço
apertado, suas lágrimas molhando minha pele enquanto ela murmura palavras de gratidão.
Sinto-me sobrecarregada pela intensidade das emoções dela, pela maneira como ela me
segura, como se estivesse com medo de me perder novamente. Mas não a reconheço, retribuo o
abraço porque sinto ser sincero, mas minha mente trabalha incansavelmente tentando lembrar de
qualquer coisa, mas nada... apenas o vazio continua dentro da minha mente.
— Eileen, senhora, você está de volta, menina! — ela sussurra, seus olhos cheios de lágrimas. —
Oh, como nós sentimos sua falta, como tememos que algo terrível tivesse acontecido a você.
Uma mulher mais jovem também se aproxima mesmo que esteja mais contida, seu rosto
demonstra alívio. Ela me encara sem esconder as suas emoções, seus olhos brilham com uma
intensidade que me faz sentir como se ela estivesse olhando para minha alma.
— Graças a Deus você está bem, Eileen. — Sua voz é um sussurro rouco, suas mãos tremendo
ligeiramente enquanto ela se aproxima de mim e também me puxa para os seus braços. — Nós
ficamos tão preocupadas.
As palavras delas me atingem em cheio, penetrando fundo em meu coração. Eu não me
lembro delas, não sei quem são ou qual é a ligação delas comigo, mas sinto uma conexão
inexplicável, como se nosso passado estivesse entrelaçado de alguma forma.
— Obrigada, mas eu não... — Minha voz é um sussurro rouco, a emoção entalada em minha
garganta e eu não consigo terminar a frase, como vou dizer a elas que não lembro de nada nem
de ninguém após ser acolhida dessa maneira?
— Eileen perdeu a memória. — Regan completa o que eu não disse e elas soltam um “O”
espantadas dando um passo para trás. — Essa é Máire. — Aponta para a senhora. — E essa é
Analli. — Indica a mulher mais jovem. — Máire é a governanta da casa e Analli. — Ele faz uma
pausa e a mulher olha para o chão. — Bem... Analli já trabalhou conosco, mas agora mora com
Eamon. — Lembro que Eamon é o homem grande com dentes caninos de ouro.
— Senhor, me desculpe por vir. — Analli parece se explicar. — Eamon avisou terem a achado e
eu queria me certificar que Eileen estava bem.
— Tudo bem Analli.
— Essa bebê? — Máire indica Niamh que segue dormindo agora, com a cabecinha apoiada no
ombro de Regan e em seguida leva as mãos aos lábios como se tivesse arrependida de ter
perguntado. — Me desculpe, senhor eu não deveria...
— É nossa filha, Máire — Regan fala e por um instante, sinto uma nota de orgulho em suas
palavras.
— Deus seja louvado. — A senhora ergue as mãos para o céu e vejo uma lágrima deslizar pela
bochecha de Analli.
— Como já está anoitecendo não terei tempo de arrumar um quarto para ela — Regan fala com a
mulher indicando Niamh. — Peça que providenciem um berço e coloquem no nosso quarto
Máire.
Tento disfarçar a surpresa quando ouço ele falar nosso quarto, será que ele me obrigará
dormir ao seu lado?
Oh, meu Deus!
— Sim, senhor. Providenciarei agora mesmo. — A senhora concorda.
— Venha, Eileen. Vocês precisam descansar — Regan me chama e meu coração bate acelerado
dentro do peito.
Antes que eu o siga, Máire sorri e me puxa para mais um abraço, suas lágrimas molham o
meu ombro enquanto ela me abraça com mais força.
— Não tenha medo, menina — sussurra em meu ouvido —, você é parte dessa família, com o
tempo vai se lembrar — continua falando baixinho — ele parece intimidador, mas é um homem
bom, e ele ama você, esse homem viveu no inferno nos últimos anos, deixe que ele te mostre que
o que digo é verdade. — Balanço a cabeça de leve em um sinal afirmativo quando ouço a voz de
trovão de Regan me chamar.
— Vamos Eileen. — A ordem é evidente e por isso me afasto da senhora, mesmo que eu deseje
ficar ali um pouquinho mais, mesmo que eu não me recorde de nada, ela conseguiu acalmar um
pouquinho da tormenta dentro de mim.
Enquanto caminho, olho em volta e mesmo que não seja exatamente uma lembrança,
sinto-me inundada por uma sensação de pertencimento, de calor e amor que me envolvem como
um abraço reconfortante.
Essa casa, essas pessoas... me parece certo, é como se de fato tudo o que eles estejam
falando seja verdade, eu já estive aqui, minha vida já foi compartilhada com essas pessoas que
parecem se importar de verdade comigo.
Enquanto subimos as escadas, Niamh murmura algo baixinho em seu sono, seu rosto
permanece tranquilo e sereno enquanto ela se aninha no peito do homem que afirma ser o seu
pai.
Sigo-o em silêncio, resolvo confiar nas palavras de Máire, Regan é um homem de
aparência austera e firme, mas parece se preocupar genuinamente comigo. Mesmo que ele exale
poder eu não o temo, de uma maneira estranha ele parece saber exatamente o que eu preciso, sei
que não deveria, mas me sinto segura ao seu lado.
Capítulo 39

Sinto os passos hesitantes de Eileen atrás de mim, mas porra, tento não me incomodar
com o medo que ela parece sentir ao meu lado. Ela está aqui, está de volta à nossa casa, tenho
minha filha em meus braços e isso é tudo o que importa no momento.
Abro a porta do nosso quarto e a mantenho segura, esperando que ela entre no
ambiente, Eileen passa por mim e encara cada canto como se buscasse qualquer lembrança em
sua mente.
Vejo o vazio em seus olhos, porra, não tenho dúvidas de que ela está falando a
verdade, ela não lembra de nada do que viveu antes do acidente. Sou excelente em ler feições,
além disso, Eileen sempre foi transparente demais, ela não seria capaz de mentir dessa maneira.
— Tome um banho e descanse, Eileen — falo, ajoelhando e apoiando a nossa filha no meio da
cama, em seguida apoio travesseiros à sua volta para que não caia e depois, fico de pé encarando
Eileen que continua parada próximo à porta de entrada. — Suas roupas estão no closet e o
banheiro fica ali. — Indico os dois espaços para que ela se situe.
— Ela vai ficar sozinha? — pergunta, olhando nossa filha sobre a cama.
— Eu ficarei com ela, não precisa se preocupar — aviso. — vou chamar um médico para vê-las e
resolver algumas pendências enquanto você se ajeita. — Ela acena com a cabeça concordando e
eu sigo na direção da poltrona que fica próximo da cama.
Prendo os meus olhos no aparelho de celular, mas percebo pela visão periférica que ela
me encara por algum tempo antes que siga na direção do closet. Porra, eu daria qualquer coisa
para acompanhá-la, para verificar o seu corpo e confirmar se ela está realmente bem. Eileen está
ainda mais magra, os cabelos antes compridos agora estão mais curtos, mas ela continua tão
linda quanto antes.
Encaro minha filha na cama.
Minha filha...
A pequena se move sobre os lençóis e eu não resisto a vontade de me aproximar
novamente. Sento ao seu lado na cama, beijo seus cabelos e aspiro o cheirinho gostoso de bebê
em seu pescoço.
Minha garganta trava ao pensar que sofri todos esses anos acreditando que as tinha
perdido.
Enquanto observo Niamh na cama, sinto uma mistura de alívio e preocupação inundar
meu peito. Ela é tão pequena, tão vulnerável, e ao mesmo tempo tão forte, tão corajosa, tão
minha.
Niamh é tudo o que eu mais amo no mundo, tudo o que eu mais temo perder.
Eu perdi tanto tempo...
Não vi a barriga da sua mãe crescer, não estava ao seu lado quando nasceu, não ajudei a
escolher o seu nome... tantas coisas que não voltam atrás, mas eu prometo compensar, farei
diferente dessa vez, estarei ao seu lado em todos os momentos a partir de agora.
— Eu te amo, pequena! — murmuro suavemente, acariciando seus cabelos dourados com
delicadeza. Seus olhinhos azuis se abrem lentamente, piscando ainda sonolentos e voltam a se
fechar.
— Papai? — ela murmura, sua vozinha doce ecoando pelo quarto ainda entremeado ao sono.
Mesmo que eu saiba que ela ainda não me vê assim, um sorriso se forma em meus lábios
ao ouvir suas palavras, o que mais desejei nos últimos anos poder vivenciar.
— Estou aqui, Niamh. Você está segura, não se preocupe, meu amor, sou eu, o seu papai. —
Minha voz é calma, tranquila, enquanto me inclino para beijar sua testa macia novamente.
Sua mãozinha se agarra à minha, um gesto instintivo de confiança em meio ao seu sono,
agora mais leve.
Percebo que Eileen ainda não saiu do closet para o banheiro, talvez ela ainda esteja
perdida e precise de ajuda, levanto da cama com cuidado para não acordar Niamh e caminho até
o espaço.
Meus pés travam na entrada quando percebo o que ela faz, seus movimentos hesitantes,
seus passos curtos enquanto percorre o ambiente amplo e bem organizado, seus dedos
escorregam pelas roupas penduradas, é como se ela estivesse buscando se encontrar ali, nas
peças de roupa que lhe pertenciam.
Ela está lutando contra si mesma, contra a sua mente, talvez. É como se algo pesasse em
sua mente como uma âncora. Sinto uma pontada de dor ao vê-la assim, tão perdida, tão confusa.
Ela para quando alcança os meus ternos também pendurados, pega um cabide com uma camisa
azul-marinho de botões e leva ao rosto, mesmo de longe percebo que ela inspira profundamente
colada à minha peça de roupa.
Como se estivesse despertando um desejo primal de reconhecer o meu cheiro dentro da
sua própria mente. Eileen parece tão frágil, vulnerável, enquanto se agarra às minhas roupas
como se fossem um último elo com um passado distante.
Sinto um aperto no peito ao vê-la lutando contra suas próprias memórias, contra os
fantasmas que assombram sua mente e não a deixam lembrar de nada do que vivemos.
Caminho até ela lentamente, cada passo calculado para não a assustar, para não a fazer
recuar ainda mais em sua própria escuridão. Chego por trás dela, meu toque suave em seu ombro
a faz estremecer ligeiramente, como se estivesse prestes a se desfazer a qualquer momento.
— Eileen... — Minha voz sai baixa, cheia de compaixão. — Você está bem?
Ela se vira lentamente para me encarar, seus olhos verdes procuram os meus em busca de
alguma resposta, alguma segurança do que eu possa lhe oferecer. Vejo a angústia em seu olhar, a
confusão que domina sua mente, mas espero que ela responda a minha pergunta.
Ela precisa permitir para que eu a ajude.
— Regan... eu... — Sua voz falha, as palavras presas em sua garganta.
— Shh... — sussurro, colocando um dedo em seus lábios. — Não precisa dizer nada agora.
Apenas... respire. Vai ficar tudo bem, eu prometo, você vai lembrar mo chailín.
Ela fecha os olhos por um momento, respirando fundo como se tentasse encontrar a calma
dentro de si mesma. Eu a observo em silêncio, sentindo uma mistura de emoções transbordando
em meu peito. Queria poder apagar toda essa dor, todo esse sofrimento que a consome, mas sei
que não posso.
— Eu... preciso me acostumar com tudo isso... — ela finalmente murmura, seus olhos se abrindo
para me encarar novamente.
— Eu sei, Eileen. E eu estou aqui para te ajudar. Você não está sozinha, nunca estará.
Seguro sua mão suavemente, transmitindo meu apoio através do toque. Ela me olha por
um momento, como se estivesse buscando alguma verdade em meus olhos, alguma resposta para
todas as perguntas que assombram sua mente.
— Não, por favor, Regan... — ela murmura, quando seguro o seu queixo e faço menção de
abaixar para beijá-la.
— Desculpe... — murmuro, retirando minha mão de seu queixo imediatamente, ao perceber a
hesitação e o desconforto em seu olhar. — Eu não deveria ter feito isso. Foi um impulso...
Ela balança a cabeça, seus olhos verdes ainda carregados de incerteza e medo. Parece que
ela quer dizer algo, mas as palavras não conseguem encontrar seu caminho para fora de sua
mente tumultuada.
— Eu... só... não estou pronta... — ela murmura finalmente, desviando o olhar para o chão. —
Não agora...
Respiro fundo, tentando conter a decepção que ameaça tomar conta de mim. Eu sei que
não posso forçá-la, não posso apressar esse processo. Eileen precisa de tempo, espaço, para
encontrar seu próprio caminho de volta para mim.
— Tudo bem, Eileen — digo suavemente, tentando transmitir minha compreensão e apoio
através das palavras. — Eu entendo. Vou dar a você o tempo que precisar. Estarei aqui quando
estiver pronta.
Ela me olha com uma expressão mista de gratidão e alívio. Sei que preciso dar um passo
para trás, respeitar seus limites e sua vontade, mas porra, isso é difícil para caralho.
Eu vivi quatro anos no inferno e parece que continuo andando na borda do precipício onde
qualquer passo em falso vá me fazer cair.
Será que nesses anos ela se apaixonou pelo desgraçado? Porra, só de pensar nessa
possibilidade quero adiantar a sua morte. Filho da puta do caralho, me tirou a oportunidade de
encontrar minha mulher após o acidente e trazê-la de volta para mim.
— Obrigada, Regan... — ela murmura, sua voz suave e hesitante. — Por... por entender...
Sorrio tentando ser gentil com ela, desejando que ela sinta todo o amor que tenho em meu
coração. Mesmo que pelo menos agora, ela não possa me amar da mesma maneira, mesmo que
não possa lembrar de mim, eu estarei aqui, dia após dia, noite após noite, até que tudo que reste
em sua mente seja nós dois.
— Sempre, Eileen — respondo, segurando sua mão com firmeza. — Sempre estarei aqui para
você.
Ela me olha por um momento, seus olhos verdes encontrando os meus em busca de
alguma verdade, alguma certeza em meio a toda a confusão que a cerca. Eu a encaro de volta,
tentando transmitir toda a sinceridade e honestidade que posso.
Por um instante, parece que estamos nos comunicando sem palavras, que nossos olhares
estão dizendo tudo o que precisamos saber um sobre o outro.
Eu me perco na profundidade de seus olhos verdes, mergulhando em um oceano de
emoções que não consigo entender, mas que me puxam para mais perto dela, para mais perto de
casa, uma que estive distante por quatro infernais anos.
— Eu... — Ela começa, sua voz falhando novamente.
Antes que ela possa continuar, ouço um barulho de batidas vindo da porta do quarto,
interrompo nosso momento de intimidade permitindo que ela se afaste e siga na direção do
banheiro.
Caminho de volta para o quarto e quando abro a porta, encontro Analli, uma expressão
receosa em seu rosto.
— Desculpe interromper, senhor, mas o médico chegou — ela diz, seu sotaque irlandês
carregado, diferente do meu que se tornou mais sutil quando aprendi a falar outras línguas. —
Ele disse que o senhor o chamou.
— Mande-o aguardar cerca de quinze minutos e depois pode subir, Analli. Obrigado por avisar
— respondo, minha voz firme e determinada. Sei que será o primeiro passo para que ela se
recupere, porque sinto dentro de mim que, em algum momento, ela vai lembrar de tudo.
Respiro fundo, me preparando para o que está por vir, para as decisões difíceis que terei
que tomar em nome da mulher que amo e da filha que tanto significa para mim. Para mantê-las
segura vou precisar descer ao inferno e caçar o próprio diabo e não me importo de fazê-lo, desde
que isso as mantenham seguras.
Essa é a promessa que fiz a mim mesmo desde que as encontrei, essa é a promessa que
farei de novo e de novo, até o fim dos meus dias até que cada um dos desgraçados que possam
colocá-las em perigo esteja debaixo da terra.
Capítulo 40

Respiro profundamente me recostando contra a parede do banheiro, infelizmente nesse


espaço não há porta, porque o meu desejo é me trancar aqui dentro até que a minha respiração
esteja regularizada e as minhas pernas parem de tremer.
Ele ia me beijar...
Oh, meu Deus...
O homem que entrou na minha casa nessa manhã e fez toda a vida que conheço até aqui
esvair entre os meus dedos, simplesmente ia me beijar e eu? Mesmo que tenha o impedido, eu
desejei que ele fizesse isso.
Devo estar enlouquecendo, só pode ser isso.
Não há nenhuma outra explicação para o que sinto quando ele está tão perto me
encarando, com aqueles olhos penetrantes que parecem capazes de ler a minha alma.
Na ponta do pé, caminho até a saída, verificando se ele está longe e se é seguro que eu
me dispa aqui.
Por que ele me trouxe para o seu quarto? Por que as roupas penduradas no seu closet
me parecem tão familiares, mesmo que eu não me lembre exatamente delas?
O vácuo em minha mente faz parecer que eu não sei quem realmente sou, porque eu
não reconheço nenhuma dessas pessoas, não reconheço essa casa, mas estranhamente me sinto
pertencer a tudo isso.
Deus, eu não posso acreditar que Aidan fez isso comigo. Qual o motivo para ele ter
criado toda essa história em tono de mim? E se eu sou realmente essa tal de Eileen que eles
insistem em me chamar, quem é Maeve? A mulher que acreditei ser por todos esses anos?
Após me certificar de que é seguro e que ninguém vai invadir o banheiro inesperadamente,
tiro as roupas e tomo um banho rápido, o cheiro dos produtos masculinos entranham em minha
pele.
O cheiro dele...
Com as mãos trêmulas, deslizo uma das roupas que encontrei no closet pelo meu corpo,
sentindo o tecido macio do vestido roçar minha pele. Cada uma daquelas peças me pareceu
familiar de uma maneira estranha, por isso optei por usar uma delas e não as roupas que trouxe
comigo, quem sabe isso me ajude a lembrar.
Me encaro no espelho e a sensação de estar vestindo as roupas de outra pessoa é
perturbadora, mas ao mesmo tempo, estranha. Como se, de alguma forma, essas peças de roupa
fossem uma parte de mim, uma parte da pessoa que eu costumava ser antes do acidente.
Mas quem era essa pessoa? Se ele estiver falando a verdade, quem eu era como Eileen
antes de perder a memória? O que eu gostava de fazer? Qual era o meu papel nesse lugar?
As perguntas giram em minha mente como um turbilhão, sem respostas à vista. Por mais
que eu tente, não consigo me lembrar de nada antes do acidente, não consigo encontrar nenhum
vestígio da vida que supostamente vivi, a vida que Regan afirma me pertencer.
Meu coração aperta de angústia enquanto tento lidar com a enxurrada de emoções que me
assola. A confusão, o medo, a tristeza... Tudo parece tão esmagador, tão avassalador, que mal
consigo respirar.
Sei que eu preciso ser forte. Preciso encontrar uma maneira de superar isso, de seguir em
frente. Por mim mesma e por Niamh, minha filha, que precisa de mim mais do que qualquer
outra pessoa na vida.
Com um último suspiro, termino de pentear os cabelos e encaro meu reflexo no espelho.
Os olhos verdes conhecidos me encaram de volta, mas estão cheios de perguntas e incertezas.
Também vejo neles determinação e força, uma chama de esperança que se recusa a se apagar.
Eu vou superar... Eu vou lembrar...
Com passos hesitantes, saio do banheiro e retorno ao quarto, onde Regan me aguarda
sentado numa poltrona ao lado da cama. Seus olhos se encontram com os meus quando volto
para o ambiente, e por um momento, vejo uma emoção indefinível brilhar em seu olhar, quando
ele percorre o meu corpo e nota a roupa que visto.
— Eileen... — Ele começa, sua voz suave e cautelosa. — Você está bem?
Engulo em seco, tentando afastar as lágrimas que ameaçam inundar meus olhos. Não
posso me permitir fraquejar agora, não quando tenho tantas perguntas sem resposta e um futuro
incerto pela frente.
— Eu... estou tentando — respondo sinceramente, minha voz falhando ligeiramente. — É só...
muita coisa para processar de uma vez.
Regan parece entender, sua expressão suavizando um pouco. Como se fosse incapaz de se
manter distante, ele se aproxima de mim lentamente, seus olhos azuis buscando os meus. Talvez
estejam procurando alguma conexão entre o que ele afirma que fui um dia e o que me tornei
agora.
— Você não está sozinha, Eileen — ele murmura, sua voz carregada enquanto desliza as mãos
pelos fios dos meus cabelos, é como se precisasse me tocar mais do que qualquer outra coisa na
vida. — Eu estarei ao seu lado, não importa o que aconteça. Nós vamos enfrentar isso juntos.
— Obrigada. — Desvio os olhos para Niamh.
— Eu chamei um médico para vê-las. — Ele encara a pequena sobre a cama. — Posso pedir que
ele suba?
— Acho que sim... — Confirmo, mas em seguida me lembro de algo importante, algo que me
afastou do tratamento que deveria ter feito todos esses anos. — Só que eu não tenho como pagar.
— Isso é o de menos Eileen, não se preocupe com dinheiro, você e Niamh terão o que for
preciso, não importa o quanto custe. — Ele estava falando de dinheiro, mas ao mesmo tempo
parecia falar de algo mais profundo.
Em seguida ele sai do quarto e eu me sento na cama de lençóis macios acariciando a
minha bebê que ainda dorme, ainda é difícil acreditar em toda essa loucura, é como se estivesse
sonhando e a qualquer momento Aidan vá me acordar.
Regan retorna logo depois, acompanhado por um homem de meia-idade vestido com um
jaleco branco, que traz uma pasta embaixo do braço. Ele me cumprimenta com um sorriso gentil,
mas seus olhos carregam uma seriedade que me faz sentir um arrepio de nervosismo.
— Seja bem-vinda de volta senhora. — Ele sorri gentilmente quando me encara. — O senhor
Regan me falou brevemente sobre... — encara Regan como se precisasse da sua autorização para
continuar — sobre a sua condição atual. — Sua voz soa insegura.
— Sim, eu sofri um acidente cerca de quatro anos atrás, quando acordei, fui levada por Aidan,
meu marido — os homens trocam olhares e vejo o punho de Regan apertar firmemente, mas
continuo — para uma casa onde morei todos esses anos. Não me lembro de nada que aconteceu
antes do acidente, apenas do que vivi depois. — O senhor anota algo em um bloquinho pequeno
—, até hoje de manhã, quando o senhor Regan chegou em minha casa e me trouxe para cá,
afirmando que eu me chamo Eileen e não Maeve como acreditava. — Resumo a minha situação.
— Entendo, senhora. — Empurra os óculos de grau que escorregou para a ponta do seu nariz. —
Precisaremos fazer alguns exames específicos para avaliar esse trauma de memória, mas por
hora, posso fazer uma avaliação física e clinica caso a senhora deseje — ele diz, sua voz calma e
profissional, gosto do fato dele ter colocado a escolha em minhas mãos, mesmo que sua voz
tenha saído insegura ao encarar Regan.
Engulo em seco, sentindo uma mistura de ansiedade e esperança se agitar em meu peito.
Talvez o médico tenha respostas que eu tanto busco, talvez ele possa me ajudar a entender o que
aconteceu comigo e como posso recuperar minha memória perdida e finalmente entender quem
sou de verdade.
— Sim, por favor — respondo, minha voz soando um pouco trêmula. — Acho que seria bom
fazer uma avaliação clínica.
O médico assente, abrindo sua pasta e começando a preparar os equipamentos necessários.
Enquanto ele se organiza, sinto o olhar de Regan pesar sobre mim.
— Você vai ficar bem, Eileen — Regan murmura, me surpreendendo por sua voz soar suave e
reconfortante. — Estou aqui com vocês, não importa o que aconteça.
Sorrio fracamente para ele, agradecida por suas palavras. Apesar de toda a confusão e
incerteza, uma coisa é certa: esse homem parece estar ao meu lado para qualquer coisa, isso me
dá uma sensação de segurança que não consegui encontrar nos últimos anos.
Como se as peças do meu quebra-cabeça começassem a se encaixar aos poucos.
O médico termina de preparar os equipamentos e se volta para mim, um sorriso gentil nos
lábios.
— Vamos começar com algumas perguntas simples, tudo bem? — Ele sugere, sua voz soando
calma e tranquila. — Quero entender um pouco mais sobre o que você está passando.
Assinto, sentindo um nó se formar em minha garganta. Essa é a parte difícil, a parte em
que tenho que confrontar todas as lacunas em minha mente e tentar encontrar alguma resposta
para minhas perguntas vazias.
O médico faz uma série de perguntas sobre minha saúde física e mental, sobre meus
hábitos e rotina diária. Respondo da melhor forma que posso, tentando me lembrar de qualquer
detalhe que possa ser relevante para ele.
À medida que a avaliação avança, sinto uma mistura de emoções se agitar dentro de mim.
Medo, frustração, esperança... É como se estivesse andando numa corda bamba, tentando
equilibrar-me entre um passado que desconheço e o presente, entre a pessoa que eu achava que
era e a pessoa que realmente sou.
Quando finalmente terminamos, o médico parece satisfeito com as respostas que dei. Ele
me explica que precisará fazer alguns exames mais detalhados para avaliar minha memória e
função cognitiva, mas que, por enquanto, não vê nenhuma preocupação imediata com minha
saúde física.
— Vou marcar os exames para amanhã de manhã, tudo bem? — ele diz, fechando sua pasta e se
levantando da cadeira. — Enquanto isso, recomendo que descanse e tente se manter calma. Essa
é uma situação difícil, mas estou aqui para ajudá-la no que for preciso.
Agradeço ao médico com um aceno de cabeça, sentindo-me aliviada por ele ter sido tão
gentil e compreensivo.
— Alguma recomendação doutor Connelly? — Regan se levanta e pergunta.
— Fisicamente Eileen parece estar muito bem, senhor. — O médico me olha rapidamente. —
Quanto a memória, como eu disse, precisarei de outros exames para avaliar melhor o quadro,
mas se minha experiência vale de alguma coisa — sorri de leve —, ela ter contato com a sua vida
antes do acidente vai ajudar a acelerar esse processo. Pelo que entendi, ela foi atirada em uma
vida que não lhe pertencia, por isso as lembranças se tornaram mais difíceis de alcançar, agora
não mais, ela está de volta ao seu núcleo, conversem um pouco, relembrem situações, só tentem
manter um limite para que ela se sinta confortável e aos poucos, tudo voltará ao normal.
— Obrigada doutor. — Minha voz sai trêmula, embargada pelo choro que luto para conter.
Deus, ainda é difícil acreditar que os meus últimos anos foram uma mentira.
— Agora vamos ver essa pequena. — Ele se aproxima de Niamh, que acaba de acordar e se
espreguiça sobre os lençóis. — Que menina mais linda temos aqui, uma bonequinha. — O
médico elogia e Regan sorri.
— Oi, voxê é médico? — Niamh pergunta quando o homem coloca o estetoscópio e se aproxima
dela. — Eu vou tomar injexão?
— Não pequenina — o médico fala em um tom de voz mais carinhoso. — Eu sou médico, mas
não vou te dar injeção. — Cochicha o final como se fosse para apenas ela ouvir. — Eu também
tenho medo de injeção, não vou fazer isso com uma menina tão bonita como você. — Niamh
sorri e pelos próximos minutos, respondo às perguntas que faz sobre a saúde da minha pequena.
— Sua filha parece estar bem, senhora — o médico finalmente diz após terminar seu exame. —
Não há sinais de lesões ou traumas físicos. Sua filha tem uma excelente saúde.
Respiro aliviada, sentindo um peso sair dos meus ombros. Niamh é tudo o que importa
para mim, e saber que ela está bem é um alívio imenso. Como não tínhamos dinheiro, ela não ia
regularmente ao médico, eu cuidava dela em casa mesmo, mas mesmo assim, nunca foi uma
criança de ficar doente com frequência.
— Obrigada, doutor. — Agradeço mais uma vez e ele começa a recolher suas coisas.
— Só para que vocês saibam — o médico fala antes de ir embora. — A perda de memória que
você está enfrentando, Eileen, é conhecida como amnésia retrógrada. Isso significa que você
perdeu parte ou todas as suas memórias de eventos passados, neste caso, antes do acidente — ele
explica, sua voz calma e profissional. — É uma condição complexa e multifacetada, e requer um
tratamento específico para ajudá-la a recuperar suas lembranças perdidas.
Meu coração dispara em meu peito, uma sensação de desespero se espalhando por mim
enquanto tento processar suas palavras. Amnésia retrógrada... É isso que está acontecendo
comigo.
Lembro vagamente que ainda no hospital, antes de ser liberada para ir embora com Aidan,
um médico falou sobre isso, mas meu marido disse que não tínhamos dinheiro e que eu
recuperaria as lembranças quando Deus quisesse.
— E... e como você pode ajudar? — pergunto, minha voz trêmula.
O médico me lança um olhar reconfortante, sua expressão suavizando um pouco.
— Existem várias abordagens para o tratamento da amnésia retrógrada, incluindo terapia
cognitiva, hipnoterapia e técnicas de relembrança. O objetivo é ajudá-la a acessar e reconstruir
suas memórias perdidas, para que você possa recuperar sua identidade e seu passado — ele
explica, sua voz soa tranquilizadora. — Se confirmarmos o diagnóstico com os exames que fará
amanhã, estarei ao seu lado em cada etapa do processo, Eileen, vou garantir que você receba o
apoio e o cuidado de que precisa.
Sinto um misto de esperança e medo se agitar dentro de mim. A ideia de recuperar minhas
memórias perdidas é ao mesmo tempo emocionante e assustadora, mas sei que é algo que preciso
fazer, por mim mesma e por aqueles que amo.
— Obrigada, doutor — murmuro, minha voz embargada pela emoção. — Eu... eu quero tentar.
Quero recuperar minhas lembranças, isso é o que mais desejo no momento.
Ele me oferece um sorriso gentil, seu olhar cheio de compreensão e solidariedade.
— Vamos fazer isso juntos, senhora Bran Gwydion — ele diz, sua voz firme e determinada, mas
ouvi-lo me chamar com aquele sobrenome me faz estremecer. — Vamos trabalhar juntos para
ajudá-la a encontrar o caminho de volta para sua mente.
Eu assinto, sentindo uma nova determinação se acender dentro de mim. Eu posso não
saber quem sou ou de onde vim, mas sei uma coisa com certeza: não estou sozinha.
Com o apoio dessas pessoas que parecem realmente me conhecer e dos profissionais de
saúde que Regan está mobilizando, eu vou superar essa dificuldade. Eu vou encontrar minha
verdadeira identidade, e vou recuperar as memórias que me foram tiradas.
Não sei quem sou de verdade, mas sinto que sou mais forte do que qualquer desafio que a vida
possa me lançar. Eu vou superar isso e me lembrar de tudo.
Capítulo 41

Cerca de um mês depois...


Minhas mãos estão trêmulas enquanto me despeço do terapeuta, ainda dentro da biblioteca
que adaptamos para realizarmos as sessões.
Desde que cheguei aqui, tenho tido acesso aos melhores médicos e tratamentos para o meu
caso específico.
Como o doutor Connelly suspeitou, após a realização dos exames ficou confirmado que o
meu caso, de fato se tratava de amnésia retrógrada.
Alguns médicos sugeriram que testássemos algumas técnicas apenas, mas Regan foi
enfático ao dizer que queria que eu fizesse de tudo um pouco e só depois avaliassem o que daria
resultado para mim.
Assim como eu, ele parece ter pressa para que eu possa me lembrar do meu passado.
Ele não fica muito tempo em casa, está sempre no trabalho, tem dias que sai de casa muito
cedo em outros volta muito tarde, mas comecei a me sentir confortável quando ele estava
presente e muitas vezes saudosa na sua ausência.
Tento não pensar muito nesses sentimentos, porque não quero confundir as coisas, não
quero usar a oportunidade de tratamento que ele está me dando como justificativa para me apegar
a ele.
Mesmo que o meu corpo, por vezes responda ao dele em momentos que eu não espero.
Quando chegamos do hospital no dia seguinte ao que pisei nessa casa após ter sido
praticamente sequestrada, ele mostrou que montou um quarto para Niamh. Parecia um sonho,
que a minha filha estivesse tendo acesso a tantas coisas que eu jamais pude desejar e muitas
outras que eu sequer sabia que existia.
O seu amor por ela ficava claro em cada uma das suas mínimas ações. Confesso que
chorei quando, ainda no hospital, o médico perguntou se ele gostaria de realizar um exame de
DNA para confirmar a paternidade da minha filha e ele negou.
Meu Deus, mal pude acreditar o tamanho da fé e da certeza daquele homem sobre o que
ele dizia que vivemos juntos. Eu mesma acredito que iria querer realizar o exame, afinal, eu
estava vivendo com Aidan, as chances de que Niamh fosse filha dele era real, mas Regan tinha
certeza que a pequena era sua.
Contrariando a sua vontade, eu pedi que o exame fosse feito, contudo, não conferi o
resultado quando me entregaram o envelope. Não queria que saber da verdade interferisse no
meu próprio processo de cura, quanto ao tratamento para a amnésia retrógrada que eu iria iniciar.
O resultado do exame segue lacrado em minha mesa de cabeceira, como um elefante
branco a espreitar as lembranças que eu ainda não consigo dominar.
Uma coisa era inegável, eles possuíam uma ligação muito forte, quando estavam juntos.
Regan e Niamh eram como seres complementares, como duas metades de um todo, como yin
yang[40].
Muitas vezes, enquanto os observava, eu quis pertencer àquilo também.
Eu e Regan dividimos o mesmo quarto e a mesma cama, mesmo que eu quisesse ficar com
minha filha ele negou, foi uma das poucas coisas que ele me impôs, com a justificativa de que
seria bom para me ajudar a lembrar, já que “ao seu lado é o meu lugar”, foram as suas palavras.
Nesse último mês, muitas vezes acordei com o meu corpo enroscado com o seu, e em
todas elas quase morri de vergonha. Porque apesar de dividirmos um lugar tão íntimo quanto um
quarto, entre nós, nada acontecia.
Eu não tinha mais o sentimento de que estaria traindo Aidan, mas também não me sentia à
vontade para dar um passo adiante.
Quanto a Aidan, perguntei muitas vezes a Regan onde ele estava, e em todas elas
respondeu que no momento certo eu iria descobrir, que eu ainda não estava pronta.
Mas sinto que esse dia chegou, finalmente eu me lembrei, não de tudo, mas de algumas
partes da minha vida antes do acidente. Regan talvez possa me ajudar a preencher as lacunas que
ficaram, eu chorei muito após a hipnoterapia, o terapeuta me disse ser normal, as lembranças
sempre vinham sobrecarregadas de muitas emoções e eu demoraria algum tempo para aprender a
lidar com tudo.
Mesmo que todos dissessem que iria acontecer no meu tempo, eu tinha pressa, por isso
acatei a determinação de Regan e me esforcei ao máximo em tudo que os especialistas indicavam
como tratamento.
Tão logo retornei do hospital iniciei Terapia cognitivo-comportamental: um tipo de terapia
que visa identificar e modificar padrões de pensamento e comportamento que possam estar
contribuindo para a amnésia.
O terapeuta também iniciou o processo de reabilitação neuropsicológica, é um programa
de reabilitação que se concentra em melhorar as habilidades cognitivas e de memória por meio
de exercícios específicos e técnicas de reabilitação.
Eu me exercitava mesmo nas minhas horas vagas. Como eu disse, tinha pressa de viver a
minha própria vida, e se por acaso, Regan descobrisse no futuro que eu não era a tal Eileen, eu já
teria aproveitado ao máximo essa oportunidade.
A terapia de reminiscência, envolvia relembrar e discutir eventos passados para ajudar a
estimular a memória, mas não consegui evoluir muito porque não lembrava de absolutamente
nada. Associado a tudo isso, tem as medicações, que eu tomo com regularidade.
Graças a Deus e a Regan, eu estava de fato tendo o melhor tratamento que existe para o
meu caso.
Ainda sentada no divã, retomo as memórias e releio tudo o que anotei no caderno, me
certificando de que não esqueci de pontuar nada. O terapeuta falou que fiz um progresso imenso
nessa sessão.
Indicou que, caso eu me sinta confortável, converse com Regan sobre o que lembrei e
tente com a ajuda dele preencher o que falta.
Agora não me restam mais dúvidas, eu sou Eileen Macbreen e era no passado, apaixonada
demais por esse homem que não se importou de mover céus e terras apenas para que eu
lembrasse dele, lembrasse de nós.
Corro para o quarto e apanho o celular na mesa de cabeceira, ele havia me presenteado
com esse aparelho dias depois que eu cheguei. Uso para algumas bobagens, mas nunca liguei
para ele ou enviei uma mensagem, como ele ordenou que eu fizesse caso precisasse de alguma
coisa.
Pela primeira vez, vou quebrar as regras que eu mesma estabeleci.

Envio a mensagem e antes que eu possa sequer respirar ou me arrepender de ter agido por
impulso, o celular começa a tocar em minhas mãos.
— Eileen, aconteceu alguma coisa? Você está bem? Niamh? — Regan fala atropelando as
palavras no minuto em que atendo a chamada.
— Não... eh... tá tudo bem, não aconteceu nada, estamos bem. — Tranquilizo e ouço ele suspirar
pesadamente.
— Diga de uma vez o que precisa mo chailín — fala direto como sempre é. — Eu estou indo pra
casa agora mesmo.
— Não, Regan — falo rápido demais porque preciso de um tempo também para lidar com as
minhas próprias lembranças. — Não precisa, de verdade.
— Eileen — sussurra meu nome como um aviso — você já entendeu que pode confiar em mim,
não é?
— Eu... eu sei que posso — falo e de repente me sinto meio boba por atrapalhá-lo em seu
trabalho, sendo que eu poderia aguardar que ele chegasse mais tarde. — Eu não deveria ter
ligado, não quero atrapalhar.
— É claro que deveria ter ligado, mo chailín. — Sua voz sai um tom mais grave, como se
estivesse cansado de tudo. — Eu espero por essa ligação há quatro anos, Eileen.
Oh. Meu. Deus.
Sinto um calor, agora mais familiar, se espalhar por todo o meu corpo ao ouvir suas
palavras. Regan está preocupado comigo, cuidando de mim como sempre fez desde que cheguei
aqui.
— Estou indo pra casa, Eileen, seja lá o que tenha acontecido, vamos resolver — fala quando
me mantenho em silêncio.
— Não, Regan — respondo, minha voz mais suave agora, sentindo-me um pouco envergonhada
por hesitar em procurá-lo antes. — Não venha agora... Eu só... só preciso de um tempo para
processar algumas coisas. Mas eu estou bem, eu prometo. À noite conversamos.
Ele suspira do outro lado da linha, e posso imaginar a preocupação em seu rosto, mesmo
sem vê-lo.
— Tudo bem, Eileen — ele murmura, sua voz demonstrando cansaço. — Tome o seu tempo, nos
vemos no jantar então, não se preocupe.
Um alívio palpável se espalha por mim ao ouvir suas palavras, e eu me sinto grata por ter
alguém como ele ao meu lado, alguém que se preocupa e é compreensivo comigo em todos os
momentos.
— Obrigada, Regan — murmuro, minhas palavras carregadas de gratidão. — Por tudo.
— Não precisa agradecer, mo chailín — ele responde, sua voz demonstrando cansaço. — Eu
estarei sempre aqui para você, lembre-se disso.
Sorrio para mim mesma, sentindo-me aquecida por dentro com suas palavras. Regan pode
não ser perfeito, eu já percebi a aura de perigo que está sempre a sua volta, mas agora que
lembrei de algumas coisas, ele parece ser perfeito para mim, e isso é tudo o que importa no final.
Encerro a chamada com a certeza de que hoje à noite será o meu recomeço. Depois de
tanto tentar, lembrar de alguns fatos do meu passado me fez ter segurança para continuar
seguindo em frente e com certeza, Regan tem as respostas que ainda preciso para poder deixar
esses quatro anos de mentiras para trás.
O restante do dia passa lentamente e enquanto espero por ele, não consigo deixar de me
sentir nervosa com a perspectiva de falar sobre o que lembrei durante a sessão de terapia e
também com o medo do que ele irá me contar.
Será que ele vai ficar feliz por eu finalmente ter lembrado? Ou será que isso vai mudar
tudo entre nós?
Sinto meu coração acelerar com a ansiedade, me levanto da cama, andando de um lado
para o outro no quarto, enquanto tento acalmar meus nervos.
Não importa o que aconteça, o que eu descubra, sei que tenho que falar com ele sobre o
que lembrei. É a única maneira de seguir em frente, de entender quem eu realmente sou e o que
aconteceu comigo antes do acidente.
Respiro fundo, reunindo minha coragem, sento na cama novamente e pego o envelope
com o resultado do exame de DNA que está na minha mesa de cabeceira. Talvez seja a hora de
encarar também essa verdade, de enfrentar o passado e seguir em frente com minha vida, sem
mais nenhuma dúvida.
— Eileen. — A voz de Regan me tira dos meus devaneios, ele encara minhas mãos, o envelope
ainda lacrado queima entre os meus dedos. — Você abriu? — pergunta como se suspeitasse que
esse foi o motivo da minha mensagem mais cedo.
— Ainda não...
— Não precisa fazer isso. — Ele caminha lentamente e tira o envelope da minha mão,
colocando-o de volta sobre a mesa de cabeceira. — Eu sei que ela é minha, mo chailín, não
preciso de nenhum exame para confirmar.
— Mas eu... eu quero.
— Se você quer, tudo bem, eu respeito a sua vontade, mas para mim não fará diferença, vocês
me pertencem Eileen, ainda não entendeu? — Ele coloca uma mecha de cabelo atrás da minha
orelha e encara os meus olhos profundamente.
— Regan, eu....
— Diga, mo chailín, o que está te atormentando? Me diga e resolveremos juntos.
— Eu lembrei... — falo e sua mão para o movimento suave que fazia com o meu cabelo, seus
olhos congelam em mim.
— Do quê, exatamente você lembrou, Eileen? — Uma centelha de receio pisca em seus olhos.
— De Kira, de você, de nós...
— Não fuja de mim novamente, mo chailín — Ele se abaixa, segura meu rosto com as duas mãos
me encarando muito perto. — Eu não suportaria outro golpe como esse. — Sua voz sai tão baixa
e grave que se não estivéssemos tão colados um no outro, eu não teria ouvido.
— Fugir? Por que eu fugiria, Regan? — pergunto, meu peito acelerando rapidamente.
— Você não lembrou de tudo...
— Não — respondo mesmo que não tenha sido uma pergunta. — Mas você vai me contar o que
aconteceu entre nós.
— Ok... — Ele se afasta. — Vou tomar um banho e nós conversaremos, tudo bem? — Aceno
com a cabeça e ele se afasta.
Sinto meu coração batendo descompassadamente no peito. As lembranças que ressurgiram
em minha mente durante a sessão de terapia continuam frescas, como se fossem ondas
tumultuadas, prontas para me engolir a qualquer momento.
Kira... Regan... nós...
As imagens e emoções se misturam em minha mente, formando um quebra-cabeça
confuso do passado que eu tanto desejo entender.
Me pergunto se estou pronta para encarar a verdade. Será que estou preparada para
descobrir o que realmente aconteceu entre nós, antes do acidente, que mudou minha vida para
sempre? Por que Regan pediu para que eu não fugisse novamente? O que aconteceu com a
gente?
Capítulo 42

Dúvidas, muitas dúvidas piscam em minha mente enquanto aguardo ansiosamente que
Regan termine o banho.
Vejo ele sair do banheiro com uma toalha enrolada na cintura e seguir na direção do
closet, engulo seco como sempre acontece, o homem parece ter sido esculpido por Deus.
Embora o ambiente esteja tenso, Regan caminha tranquilamente pelo espaço, ele
parece ter o controle absoluto de tudo o que acontece à sua volta. Ainda me surpreendo com a
sua calma.
Ele veste apenas uma cueca quando retorna ao quarto secando os cabelos com a toalha
que antes cobria o seu corpo e suas partes íntimas.
Ele não tem pudor ou vergonha, como dividimos a mesma cama, já me acostumei a vê-
lo assim. Um dia ele disse que na verdade, estava acostumado a dormir nu, mas em consideração
à minha falta de memória quanto a nossa intimidade, faria a cortesia de dormir de cueca.
Nas primeiras noites eu mal pregava os olhos, não que eu tivesse medo de que ele
fosse me forçar a fazer qualquer coisa com ele, porque ele me passava segurança em todos os
momentos, mas porque ele despertava em mim coisas que eu jamais senti nesses anos vivendo
com Aidan.
Com o meu, até então marido, nossa intimidade era bem morna, acontecia poucas
vezes e eu não sentia metade das sensações em meu corpo que Regan despertava sem sequer me
tocar.
Respiro fundo, tentando acalmar os nervos que me consomem por dentro. Não posso fugir
dessa conversa, não posso mais adiar o inevitável. Preciso encarar o passado, mesmo que seja
doloroso.
Enquanto aguardo por Regan, ainda sentada na cama, permito que minha mente divague
por entre as lembranças fragmentadas que consegui recuperar. Vejo flashes de momentos felizes
ao lado dele, sorrisos compartilhados, gestos de carinho, palavras de amor.
Um lugar na neve... Lembranças...
E então, uma imagem se destaca entre todas as outras. É um momento de intimidade, de
paixão, de entrega. Sinto o calor de seu corpo contra o meu, o toque suave de seus lábios contra
os meus, a sensação de estar completa, de estar em casa.
Ele é a minha casa....
É como se uma peça crucial do quebra-cabeça se encaixasse perfeitamente, revelando uma
verdade que sempre esteve ali, oculta nas sombras da minha mente.
Eu e Regan... ele tem razão, nós éramos mais do que apenas amigos. Éramos amantes,
apaixonados, ligados de uma maneira que vai além das palavras.
Meu coração acelera com a magnitude dessa revelação, uma mistura de medo e excitação
percorre minhas veias. Como posso ter esquecido algo tão importante, algo tão profundo?
Agora não tenho dúvidas de que o que tínhamos era intenso demais, por isso ele me
procurou por tanto tempo...
Regan finalmente para ao meu lado, seus olhos encontram os meus, e posso ver um
lampejo de ansiedade refletida neles. Ele sabe que chegou o momento de abrir o livro do passado
e preencher as páginas em branco que tanto nos assombram.
— Quer conversar aqui mesmo? — ele pergunta, está vestindo uma calça de moletom e uma
camiseta preta, agradeço por ele não estar de cueca apenas, seria demais para minha mente e eu
facilmente perderia a concentração do que importa agora.
— Pode ser — respondo e ele se acomoda à minha frente. Me recosto confortavelmente na
cabeceira da cama e respiro fundo antes de começar
— Pergunte, Eileen...
— Como nos conhecemos? — Faço a primeira pergunta que me vem na mente, ainda que eu
tenha uma vaga lembrança, preciso confirmar e não quero que ele saiba exatamente até onde eu
lembrei.
— Minha filha Kira, você morava com ela nos Estados Unidos e sofreram um atentado. — Meus
olhos se enchem de lágrimas porque em minha mente vejo o corpo de uma garota que mais
parece com um anjo, sobe uma poça de sangue e com os olhos vidrados... morta. — Quando eu
cheguei, ela já estava morta e você... bem você quase morreu também e eu te trouxe comigo.
— Lembro de uma senhora. — Limpo a lágrima que escorreu dos meus olhos.
— Fiona — fala me encarando — ela também morreu naquele dia. — Assinto.
— Por que eu morava com ela? Os meus pais... — Não concluo o a pergunta porque um lampejo
de ódio recobre os seus olhos.
— Estão mortos também, eram dois desgraçados abusivos com você. — Suas mãos estão
apertadas em um punho fechado. — Você fugiu quando ainda era muito jovem, por isso
conheceu minha filha e viveu com ela até o dia que te encontrei.
— Como eles morreram... meus pais. — Ele desvia rapidamente os olhos dos meus, mas me
encara.
— Eu os matei. — Abro a boca chocada com a informação e ele percebe. — Essa informação é
uma cortesia, você ainda não sabia, mesmo antes de fugir eu nunca te contei... — Estou de fato
muito impactada com a notícia, mas estranhamente não sinto pesar, pensar nos meus pais não me
traz boas sensações.
— Certo...
— Eu sou um mafioso, Eileen — como se soubesse a pergunta que eu queria fazer e não tive
coragem ele responde — não perdoo falhas, ninguém que me deva, permanece vivo para contar a
história, e os seus pais me deviam, passaram a dever para mim os anos que lhe foram roubados e
eu apenas os cobrei.
Não há nenhum sentimento de culpa ou arrependimento em suas palavras, Regan é o que
é, e não esconde.
— Nós... — Mudo de assunto. — Como nós...
— Foi inevitável, Eileen...
— Inevitável? — Repito suas palavras, deixando a incerteza pairar no ar entre nós. — O que
você quer dizer com isso?
Regan suspira, seu olhar buscando o meu com uma intensidade que me deixa sem fôlego.
É como se ele estivesse revivendo cada momento que compartilhamos juntos, cada palavra dita,
cada toque sentido.
— Desde o momento em que nos conhecemos, Eileen, havia algo entre nós. No início, eu achei
que era cuidado, culpa, algo assim... — Respira profundamente. — Aos poucos percebi ser
desejo, algo que nos puxava um para o outro como ímãs. — Ele pausa, suas mãos se fechando
em punhos ao seu lado. — Eu tentei resistir, acredite, tentei com todas as minhas forças manter
uma distância segura de você. Mas... não pude.
Sinto um nó se formar em minha garganta ao ouvir suas palavras.
Ele tentou resistir? Por quê? E por que não conseguiu?
— Por que não pôde resistir? — pergunto, minha voz saindo mais rouca do que eu esperava.
Regan abaixa o olhar por um momento, como se estivesse buscando as palavras certas
para explicar o que está em sua mente.
— Porque você é única, Eileen — ele finalmente diz, sua voz carregada de emoção. — Você foi
feita para mim, é a luz que ilumina a escuridão da minha vida, a esperança que me manteve de pé
quando eu perdi Kira, quando tudo parecia perdido. Eu não pude resistir a você porque... porque
eu te amo.
As palavras ecoam em minha mente, fazendo meu coração se contorcer de uma maneira
que nunca senti. Regan me ama? Ele sempre me amou?
— Eu... eu não sei o que dizer — murmuro, lutando para encontrar as palavras certas para
expressar o turbilhão de emoções que me consomem por dentro.
Pela primeira vez, vejo Regan sem máscaras, ele está se desnudando diante de mim,
revelando o que esconde sob muitas camadas.
Ele se aproxima de mim, seus olhos buscando os meus com uma intensidade avassaladora.
Posso sentir o calor de seu corpo tão perto do meu, sua presença envolvendo-me como um
abraço possessivo.
— Você não precisa dizer nada, Eileen — ele sussurra, suas mãos encontrando as minhas num
gesto que não consigo encontrar palavras para explicar, por isso apenas sinto. — Você só precisa
saber que estou aqui por você, sempre estive e sempre estarei. Você é a minha razão de viver, foi
a minha luz no fim do túnel, você e Niamh são tudo o que tenho de mais importante.
As lágrimas borbulham em meus olhos, transbordando em uma torrente de emoções que
não consigo conter. Regan me ama, ele disse as palavras e eu acredito que nunca as tinha ouvido
antes. Regan sempre me amou. E eu... eu não sei o que sinto, não sei como lidar com essa
revelação.
Ele disse que contar que havia matado os meus pais foi uma cortesia por eu nunca ter
sabido antes, e tenho certeza que o ouvir dizer que me ama também é uma cortesia, mais uma
primeira vez, posso apostar as minhas fichas nisso.
— Por que fugi de você? — pergunto após limpar a garganta antes de falar, esse é o ponto de
ruptura em nossa história, preciso saber o que aconteceu.
Regan desvia o olhar por alguns segundos, como se buscasse uma maneira menos
complicada de falar. Regan não é um homem de meias-palavras e essa sua atitude me deixa
surpresa.
O que quer que tenha acontecido entre nós, foi muito sério.
Seus olhos azuis assumem um tom mais escuro. Normalmente são firmes e determinados,
agora estão nublados por uma sombra de dor e arrependimento que me faz tremer por dentro.
É como se, por alguns instantes, se perdesse em sua própria mente, em uma lembrança que
preferiria esquecer.
— Você fugiu porque... — Ele começa, sua voz soando rouca e mais carregada. — Porque eu te
magoei, Eileen. Eu fiz algo imperdoável, algo que te fez sentir traída, abandonada. Eu... eu falhei
com você.
As palavras dele ecoam em minha mente, deixando um gosto amargo em minha boca. O
que Regan fez para me fazer fugir? O que foi tão terrível que me fez abandonar tudo o que
tínhamos juntos?
— O que você fez? — Minha voz sai mais firme agora, embora meu coração esteja despedaçado
dentro do peito.
Seja lá o que ele fez, foi algo muito sério, algo que talvez eu não consiga perdoar.
— Eu descobri que você estava grávida, Eileen. — Sua voz soa grave e carregada. — Entrei
nesse quarto. — Olha em volta como se revivesse o momento. — O doutor Connelly estava
finalizando o exame, eu ouvi o coraçãozinho batendo dentro de você e eu não... não consegui
aceitar a situação, eu disse que um filho era o meu limite. Eu... me afastei de você, te deixei
sozinha, porque a única solução que encontrei era te mandar para longe como fiz com Kira
quando nasceu e porra, isso fodeu minha mente. — Um choque percorre meu corpo ao ouvir suas
palavras.
— Por quê? — Minha voz sai fraca, quase um sussurro, enquanto tento processar a informação.
— Você não nos quis, é o que vai fazer, Regan? Nos trouxe de volta para depois nos descartar?
— Claro que não, porra! — Passa as mãos no cabelo nervosamente. — Eu... eu não soube como
lidar com a merda, Eileen. — Ele admite, seus olhos desviando dos meus por um momento. —
Sabia que ia perder você, assim como perdi meus pais e minha irmã quando ainda era jovem.
Tive medo de falhar em te proteger como aconteceu com Kira.
— E o que mudou, Regan? Qual a diferença entre o que aconteceu lá atrás e agora? Por que nos
trouxe de volta? — As lágrimas ameaçam transbordar de meus olhos diante da confissão de
Regan.
Pela primeira vez desde que cheguei aqui, vejo Regan abaixar a cabeça, como se não
suportasse mais as consequências das suas escolhas. Os punhos cerrados demonstram a luta
interna que trava consigo mesmo.
— Sim, Eileen — ele finalmente responde, sua voz rouca com uma nota de remorso, talvez. —
Eu... eu não me sentia preparado para enfrentar essa responsabilidade novamente. E eu sabia que,
mesmo com todo o meu poder, seria incapaz de garantir a segurança de vocês. — Um nó se
forma em minha garganta enquanto ouço as palavras de Regan. — Não estava errado, afinal. —
Sorri com amargura.
Foi por medo que fez o que fez, mesmo que não admita, Regan teve medo de falhar
comigo e com nosso filho. Medo de não ser capaz de proteger sua família novamente.
— No final, você me afastou, não é mesmo? — pergunto, a dor e a acusação em minhas palavras
refletindo a ferida que se abriu em meu coração. — Agora estou aqui, fragmentada, apenas uma
parte de quem fui um dia, não apenas minha mente está em pedaços, eu inteira me sinto assim.
Regan me encara, e vejo tristeza e arrependimento estampados em seu rosto, ele está
desnudando diante de mim, está se despindo de toda a atmosfera de poder que sempre o cerca e
mostrando-me uma pequena parte de quem realmente é.
— Essa foi a única vez que fui um covarde, Eileen. — Confessa, sua voz carregada de auto
aversão. — Eu falhei com você e Niamh, assim como falhei com Kira.
As lágrimas transbordam de meus olhos, rolando livremente por minhas bochechas. Regan
e eu fomos vítimas de nossos próprios medos e inseguranças. Ele fugiu da situação por medo de
me perder, e eu fugi por medo de ser abandonada.
— Você... você não precisava fugir, Regan. — Íamos dar um jeito.
— Você também não deveria ter ido embora — sinto o véu da acusação em suas palavras —, em
algum momento eu voltaria — murmurou.
— Não lembro exatamente como aconteceu, mas tenho certeza de que eu só precisava de você ao
meu lado, Regan. — Ele colhe as minhas lágrimas com os seus dedos longos e se aproxima de
mim, suas mãos grandes e gentis em meu rosto enquanto me toca levemente com os polegares.
— Eu sei, Eileen, soube no instante em que descobri que havia partido — ele sussurra, sua voz
carregada. — Essa foi a única decisão pela qual me arrependo todos os dias. Eu deveria ter
ficado ao seu lado, deveria ter enfrentado meus monstros. Mas eu... eu falhei com você, e por
isso eu peço perdão.
Suas palavras ecoam em minha mente, penetrando fundo em meu coração partido. Regan
estava se mostrando verdadeiramente arrependido, um homem como ele não abaixa a cabeça
muito menos pede perdão, e isso significa mais para mim do que ele poderia imaginar.
— Eu... eu te perdoo, Regan — digo com dificuldade, as palavras saindo como um sussurro. —
Eu te perdoo por fugir, por ter me deixado sozinha.
— Ah, mo chailín. — Ele me puxa para os seus braços e eu deixo o meu corpo ir. — Eu não
mereço o seu perdão... eu não mereço você, menina.
Um sorriso trêmulo se forma em meus lábios enquanto descanso a cabeça no peito de Regan.
Ainda não sei como serão as coisas, o passado foi doloroso, conosco, ainda há muitas coisas que
eu preciso lembrar, mas agora eu sei, que é ao seu lado, o meu lugar, e não, eu não vou fugir...
nunca mais.
Capítulo 43

Aperto o corpo de Eileen contra o meu, sinto os tremores causados pelo seu choro, mas
ela não se afasta, seus dedos agarram o tecido da minha camisa como se precisasse se certificar
de que eu permaneceria aqui.
Porra, se ela soubesse não haver outro lugar no mundo onde eu queira estar senão ao
seu lado.
Pela primeira vez desde que perdi os meus pais, me despi de tudo diante de alguém. Nem
mesmo na frente dos meus subchefes que são as pessoas que mais me conhecem no mundo eu
me desnudo dessa maneira. Só que quando Eileen disse que havia lembrado, eu sabia estarmos
partindo para o tudo ou nada.
Era a hora de tirar os demônios do armário e lidar com cada um deles e eu sempre
estou pronto.
Minhas mãos sobem e descem pelas costas de Eileen, aos poucos exploro cada curva, cada
linha de seu corpo como se fosse a primeira vez. Ela está tão próxima, não há medo ou repulsa,
apenas um sentimento de pertencimento emana do seu corpo para o meu.
Nos afasto minimamente, levo os dedos ao seu queixo e suspendo o seu rosto, seus olhos
encontram os meus com uma intensidade que me deixa momentaneamente sem fôlego.
É como se estivéssemos nos reconectando, só que dessa vez, parece que caminhando para
algo que será para sempre, não mais temporário como eu pensei que seria.
Desço a cabeça lentamente, meus olhos grudados nos seus para que ela veja as minhas
intenções e recue se quiser, mas porra, Eileen não desvia.
— Eu te quero tanto, mo chailín. — Minha voz carrega tanta intensidade que eu mal posso
acreditar o quanto estou sendo transparente com a garota. — Mas não posso prometer que será
fácil.
— Eu não sei se consigo, ainda... — Nega o seu desejo, mas suas mãos seguem agarradas à
minha camiseta.
— Posso esperar o tempo que for necessário, amor, desde que esteja disposta a seguir comigo.
— E se eu não quiser... por muito tempo? Ainda assim vai me esperar? — Seus olhos brilham
com um misto de prazer e desafio ao fazer a pergunta.
— Bem... — Abaixo a cabeça lentamente e vejo quando ela fecha os olhos, esperando por um
beijo que nunca alcançou os seus lábios.
Em vez disso, percorro minha mão pela lateral do seu corpo e faço pressão em sua cintura,
vendo-a arfar e abrir os lábios lentamente. Porra, Eileen estava quase implorando por aquilo que
ela negava querer. Deixo que a minha respiração quente encontre a pele do seu pescoço e deslizo
a língua até chegar em seu ombro.
— Se demorar demais para me querer, terei que te conquistar, mo chailín.
— Regan... — Sua voz sai em um sussurro de desejo quando mordo levemente o seu ombro.
— Isso, Eileen... — Percorro a língua em sua pele mais uma vez até alcançar o seu ouvido. —
Chame pelo meu nome, peça e eu te darei o que quiser, mo grá[41].
Sinto os seus dedos segurarem firmemente a minha camisa, tentando conter o desejo que a
inunda e que mal é capaz de controlar.
Porra, meu pau parece que vai explodir dentro do moletom, o que eu estou sentindo é
avassalador. É reconhecimento de almas, não tenho dúvidas quanto a isso.
— Peça Eileen... — Lambo os seus lábios superficialmente e não encontro resistência, mas eu
não irei além disso, não sem ela pedir.
Sinto os pelos dos seus braços arrepiarem e seus seios esfregarem em meu peito, o rosto
voltado para cima, olhos fechados, entregue... Eileen estava entregue em meus braços.
Minha como sempre foi!
— Eu não... não posso — sussurra de olhos fechados.
— Por que mo chailín? — Prendi o seu lábio inferior entre os meus dentes, era o último limite
que ultrapassaria.
— Não... não é certo. — Gemeu entrecortado.
— Claro que é certo, você é minha...
— Não. — Seus olhos ainda permanecem fechados, presa em sua mente e desejo. — Eu sou ca...
— Pare! — Não me afastei, mas interrompi suas palavras antes que continuasse com a merda, eu
sabia o que ia dizer, mas queria o desgraçado longe desse quarto, principalmente quando ela
estava assim, tão entregue a mim. — Você é minha mulher, Eileen, só minha, para sempre
minha.
— Então... me beija.
Antes que eu pudesse processar suas palavras ela corta a pouca distância que há entre
nós e cola os nossos lábios.
Sua boca encontra a minha com uma intensidade que mal posso controlar. Eileen me
envolve em seus braços delicados com firmeza e determinação, seu corpo despeja calor contra o
meu me deixando sentir o desejo que parecia ter sido contido por muito tempo, agora sendo
liberado.
Sinto como se Eileen estivesse ansiando por esse momento tanto quanto eu, e só agora
saciava sua fome... fome por mim, por meus toques, por meus beijos.
Exploro cada pequena parte da sua boca e sou correspondido. Em determinado momento
ela se mostra mais ansiosa, se agarrando a mim como se eu fosse sua âncora, um bote salva-vidas
a lhe resgatar da tempestade de desejo.
Mal sabia ela que eu não era a sua salvação, eu a empurraria ainda mais nas profundezas,
sabia exatamente o que queria e tomava, consumindo-a por completo.
Minhas mãos encontram o contorno da sua bunda. Ergo o seu corpo da cama e faço com
que envolva minha cintura com as suas pernas.
Sei que estou indo rápido demais... A qualquer momento ela poderia pedir para eu parar,
mas porra, eu estou fodido demais de desejo para me conter. Quero tudo o que ela me der e me
surpreendendo Eileen chupa a minha língua para dentro da sua boca com a mesma paixão que eu
demonstro. Então, a mordo suavemente, provocando um gemido gostoso e carregado de desejo.
Por um instante, ela recua, e eu abro os olhos, apenas para me perder na visão dos seus
olhos verdes carregados de tesão.
— Estamos indo rápido demais? — pergunta um pouco tímida.
— Talvez estejamos. — Admito, meu corpo ainda pulsando com o desejo que nos consumia. —
Mas eu não consigo parar, Eileen. Não consigo me conter quando estou perto de você, não
quando esperei quatro malditos anos para te ter em meus braços novamente.
Ela me olha com uma mistura de surpresa e desejo, seus olhos verdes brilhando com uma
intensidade que me deixa sem fôlego. Por um momento, parece que ela vai dizer algo, mas então
ela apenas assente, seu corpo se acomodando mais confortavelmente contra o meu.
— Eu... eu também não consigo, Regan. — Ela confessa, sua voz um sussurro rouco que me faz
tremer por dentro.
Não precisamos de mais palavras. O desejo que nos consome fala por si só, tão alto que
mal conseguimos nos ouvir ou pensar com coerência. Eu a desejo mais do que tudo, e sei que ela
sente o mesmo por mim.
Eileen rebola em meu colo, cada toque, cada beijo, cada gemido é uma confirmação do
que sentimos um pelo outro. Uma promessa de que estamos juntos nisso, não importa o que
aconteça, encontramos o caminho de volta para casa.
— Puta merda, você é gostosa demais mo chailín. — Mordisco seu lábio inferior com desejo,
sentindo o sabor de menta em minha língua.
Porra, eu queria passar horas assim apenas beijando minha mulher, como um andarilho
sedento no deserto ao encontrar um oásis. Se Eileen parasse de me beijar agora, eu estaria morto,
sedento por ela. Cada beijo compartilhado melhor que o anterior, e eu não quero que isso acabe
nunca.
— Eileen... — Suspiro quando ela puxa meus cabelos com força moderada, fazendo meu corpo
queimar ainda mais de desejo.
— Regan...
— Assim, geme o meu nome, amor.
— Me faça sua, Regan. — Ela rebola num ritmo mais acelerado. — Te desejo tanto que essa dor
parece que só vai passar quando você estiver dentro de mim.
— Você já é minha mo chailín, só precisava lembrar disso. — Gemo rouco em seus lábios,
esfregando a barba em seu rosto, fazendo-a arrepiar de prazer. — Temos toda a noite e eu vou
fazer você lembrar o quanto me pertence.
Beijo seus lábios novamente, dessa vez, um beijo lento, molhado, cheio de desejo e
intenções pecaminosas. Puxo o tecido do vestido para fora do seu corpo, e em seguida me livro
da camisa que vestia, preciso sentir sua pele contra a minha, confirmar que é real o que está
acontecendo.
O suor do desejo torna nossos corpos escorregadios, criando uma deliciosa fricção. Me
afasto um pouco, olhando para Eileen, gravando suas feições em minha alma. Eu a beijo. Minhas
mãos deslizam por suas costas, e ela estremece.
Eileen fecha os olhos quando eu seguro seus seios, e ela geme suavemente quando eu os
massageio devagar.
— Oh, Deus... — sussurra quando eu puxo seus mamilos entre meus dedos, provocando mais
gemidos dela. Me abaixo e lambo um de seus mamilos antes de chupá-lo com força. — Regan.
— Ela arfa, encolhendo-se um pouco com a sensação. — Não pare. — Sua mão se enrosca em
meus cabelos, e eu sorrio, satisfeito por saber que ela está gostando, está me sentindo, lembrando
de nós.
Faço o que ela pede e continuo chupando, às vezes com mais força, às vezes mais devagar,
provocando seu mamilo inchado e cada vez mais sensível.
— Isso é tão bom, meu Deus, tão bom... — Ela geme, tremendo em meus braços, e eu sei que é
hora de avançar um pouco mais.
— Quero chupar sua boceta, mo chailín. — Travo os dentes no bico sensível do seio, faço
menção de derrubá-la na cama, mas ela trava os meus movimentos.
— Não!
— Não? — pergunto sem entender, porque sei que ela está tão perdida quanto eu na névoa de
desejo e prazer.
— Quero você em mim, Regan — seus olhos não hesitam —, dentro de mim, por favor.
— Ah, merda menina. — Levanto o corpo apenas o suficiente para livrar o meu pau da calça de
moletom, apoio as costas na cabeceira da cama e a encaixo novamente sobre mim.
— Calma. — Seu rosto fica vermelho e ela interrompe meus movimentos mais uma vez, eu já
tinha alinhado o meu pau em sua entrada e estava prestes a deslizar para dentro do seu corpo.
— O que foi agora, amor?
— Camisinha, não estamos usando.
— Eu estou limpo e você acabou de fazer diversos exames Eileen, eu te quero assim.
— Não é por isso. — Desvia os olhos dos meus e eu giro o seu rosto com cuidado para que me
encare.
— E qual o problema?
— Não quero que aconteça de novo. — Franzo o cenho sem entender o que ela quer dizer. —
Gravidez — explica ao perceber a minha dúvida e meu coração falha, puta merda. — Não quero
que você me abandone se acontecer de novo. — Sua voz é quase um sussurro.
— Porra. — Rosno e beijo os seus lábios e depois me afasto encarando os seus olhos. — Se o
seu medo é esse, não há com o que se preocupar mo chailín, fique grávida quantas vezes quiser,
eu estou pronto para ser pai dos seus filhos amor, quantos você desejar.
— Regan... — Não espero sua resposta e alinho o meu pau novamente, deslizando para dentro do
meu paraíso particular.
Inicialmente pretendia fazer Eileen deslizar devagar por toda a minha extensão, mas
Eileen parecia ansiosa demais para me sentir e se encaixou em um único impulso.
— Ahhh, porra. — Quase vi estrelas de tanto prazer.
Como eu senti falta disso, de tê-la em meus braços, entregue a mim, nossa conexão era tão
intensa que chegava a sufocar.
— Oh, Regan, isso... — Eileen puxa meu cabelo, querendo que eu a olhe, como se precisasse se
certificar que era eu ali com ela.
— Estou aqui, mo chailín, eu sempre estarei aqui. — Gemo alto, sentindo-me satisfeito ao vê-la
subir e descer, movendo-se no meu pau com tanta saudade quanto eu sentia da sua boceta.
— Você é minha Eileen, minha mulher... — Um sorriso travesso brinca em seus lábios. É uma
mistura de inocência e provocação.
Era pecado o que eu fazia com ela, corromper um anjo como Eileen com certeza seria a
maior sentença que eu cumpriria depois de morrer, mas porra, por ela eu iria feliz para as mãos
do diabo. Eileen era puro pecado recoberto por inocência.
— Você me enlouqueceu, Eileen. — Ela segura em mim, lutando para alcançar o seu prazer,
movendo-se cada vez com maior desespero no meu pau.
— Eu nunca... nunca me senti assim antes... — Morde meu lábio, a pontada de dor fazendo meu
pau vibrar em seu interior.
— Você é minha Eileen, apenas eu te faço sentir assim. — Ela sorri, acreditando em cada uma
das minhas palavras.
A maneira como ela me olha vai além do desejo carnal, é apaixonada. Eileen estava
sentindo a nossa conexão, mesmo que ela ainda não se lembrasse de tudo, os seus olhos e o seu
corpo me deixavam ter a certeza de que ela entendeu que era aqui o seu lugar.
— Olha para mim — peço baixinho, num lamento de paixão e desespero quando ela desviou os
olhos rapidamente. — Deixe-me ver o que preciso, você está de volta, mo chailín, e dessa vez
será para sempre.
— Mesmo quando você não estava aqui, ainda podia te sentir, amor. — Confesso. — Mesmo
longe, você sempre esteve comigo, eu te amo, Eileen.
— Oh, Regan. — Aumentou o ritmo e a abracei apertado, me afundando dentro dela.
— Se entregue pra mim, amor. — Gemo. — Me deixe cuidar do seu coração novamente, seja
minha.
— Oh, sim.... — Seus olhos se enchem de lágrimas, mas ela sorri, beijando-me com doçura.
Mal consigo acreditar que estamos juntos novamente. É como se estivéssemos retomando
de onde paramos, como se o tempo que passamos separados nunca tivesse existido. Seu toque é
familiar, reconfortante, e eu me agarro a ele como se minha vida dependesse disso.
Cada carícia, cada beijo, parece que estamos nos redescobrindo, nos reconectando de uma
maneira que nunca imaginamos ser possível. É como se estivéssemos nos tornando um só
novamente, como se nossas almas estivessem se fundindo.
Quando ela me olha nos olhos, vejo o amor e a intensidade em seu olhar, e sei que ela
permanecerá, Eileen é minha e está se dando conta disso.
Eu estive com ela, mesmo quando não conseguia se lembrar, sei que em algum lugar
dentro dela eu estava guardado. E agora que as lembranças estão voltando, é como se essa parte
de mim estivesse se encaixando novamente.
— Goze, Eileen. — Puxo o seu corpo contra o meu antes de percorrer seu pescoço com a língua
fazendo-a gemer, ela contrai ao redor do meu pau, estremecendo de prazer.
O calor que sai dos nossos corpos nos molha de suor, seguro firme em seu rosto e chupo a
sua língua, ao mesmo tempo em que dou um tapa em sua bunda, fazendo-a dar um pulinho
assustado.
Ajusto minhas mãos em sua bunda e intensifico os movimentos, impulsionando mais forte
dentro dela e, fazendo-a subir e descer mais rápido. Seus gemidos de prazer me deixam mais
insano, quero senti-la gozando em volta de mim, sentir seus espasmos me empurrarem para o
meu próprio prazer.
— Não pare! — pede, sem descolar nossos lábios, nossos gemidos sendo engolidos pelas nossas
gargantas. Faço como ela pede e não paro, seu corpo começa a ficar rígido, seu prazer mais
desesperado. — Oh, Regan... Sim, sim.
Eileen é minha... minha em todos os sentidos... Minha para cuidar, minha para amar e
minha para foder. Vê-la gozar em meu pau foi a coisa mais deliciosa e decadente que vivi nos
últimos fodidos quatro anos.
— Regan... — Sua boca busca a minha, sinto seu orgasmo apertando meu pau. Droga... Eu me
perco nela, gozando tão forte que, pela primeira vez, sinto como se pudesse morrer de prazer.
— Maldição. — Senti a respiração mais pesada, o peito subindo e descendo muito rápido. Eileen
estava molinha nos meus braços, a boceta ainda piscando ao redor do meu pau. — Maldição. —
Expirei meu próprio prazer, atordoado.
— Regan... — Meu nome era uma súplica nos seus lábios.
— Minha, Eileen... Eu te amo, mo chailín. Te amo sempre e para sempre. — Beijei seus cabelos
e a apertei em meus braços incapaz de me afastar.
Eileen é minha, sempre foi e sempre será. Seu toque me faz sentir vivo, me faz sentir
completo. E quando nossos corpos se unem, como aconteceu agora, nos tornamos um só, e não
há nada mais importante do que isso, do que sentimos um pelo outro.
Não menti quando disse que lhe daria quantos filhos mais ela queira, se isso a fizer feliz eu
estou pronto para empurrar os meus próprios limites. E Deus me perdoe porque sei que não
mereço, mas eu quero isso com ela, quero viver ao seu lado toda a experiência que não pude ter
com Kira ou Niamh.
E que Deus me ajude porque eu vou trazer o inferno para a terra, mas pegarei em breve o
desgraçado que está nos cercando há tempo demais para que eu mantenha a sanidade intacta.
Capítulo 44

Meu coração ainda bate acelerado em meu peito, uma sensação de completude, de
finalmente ter encontrado o meu lugar, invade cada parte de mim.
Regan está deitado ao meu lado, o braço protetoramente envolvendo a minha cintura
enquanto apoio a minha cabeça em seu peito forte.
O homem é simplesmente maravilhoso em cada pequena parte.
Confesso que no início eu quis fugir, mas me deixei envolver pela névoa de prazer
avassalador que ele me proporcionou com seus beijos, mãos e corpo.
Ainda não lembro de todo o meu passado, mas dessa vez, sinto que o que me contam é
real. Regan não mentiu para mim ao responder a cada pergunta que lhe fiz.
Eu senti a sinceridade em suas palavras e vi a verdade em seus olhos. Ele se desnudou
diante de mim, admitiu seus sentimentos e eu quis tirar dos seus ombros todo o peso da culpa
que ele carrega, mas infelizmente esse poder é algo que não tenho.
— Regan... — Minha voz sai suave enquanto levanto o rosto para encará-lo. Seus olhos me
observam com uma intensidade que me deixa sem fôlego. — Posso te perguntar mais uma coisa?
— Claro, pergunte o que quiser. — Ele acaricia o meu rosto com carinho.
— Onde... Onde está Aidan? — Vejo suas mãos se fecharem em um punho firme e sua
respiração alterar imediatamente.
— Por que quer saber?
— Porque eu sei que você o trouxe, e... não falou nada mais sobre ele — falo insegura, meio
arrependida por quebrar o nosso momento.
— Estava pensando nele enquanto transava comigo, Eileen? — Ele me encara estreitando os
olhos em uma expressão impassível.
— Não... — falo rápido demais. — Claro que não. — Sento na cama, um pouco ofendida por
suas palavras
Regan espelha o meu movimento e também senta na cama, suas mãos se afastam do meu
corpo, me deixando com uma sensação de vazio repentino.
Seus olhos, normalmente tão calorosos quando me olham, estão agora frios e distantes.
Sinto um aperto no peito ao vê-lo assim, e uma pontada de medo se mistura ao turbilhão de
emoções que me consomem.
— Eileen, você realmente quer saber onde está Aidan? — Sua voz é firme, quase cortante.
— Sim, Regan. Eu quero saber. — Minha voz sai mais fraca do que eu gostaria, mas preciso
saber o que aconteceu.
Ele se aproxima, seus olhos perfurando os meus com uma intensidade que me faz tremer
por dentro. Sinto-me como uma presa encurralada diante dele, e uma parte de mim deseja recuar,
fugir, mas outra parte, mais forte e determinada, sabe que preciso disso.
— Aidan está morto, Eileen. — Há algo em seu tom de voz que me faz arrepiar.
— Morto? — Minha voz treme um pouco, mas tento manter minha postura firme. — Você?
— Sim, Eileen eu o matei — fala sem demonstrar um pingo de remorso, tal qual agiu quando
contou ter matado os meus pais. — Eileen... — Sua voz sai rouca, carregada. — Aidan... ele
causou esse problema, mo chailín. Ele a afastou de mim, me tirou a chance de encontrá-la. Por
causa dele, perdi anos ao lado da minha filha, e ao seu lado. Não havia outra opção a não ser...
lidar com ele.
As palavras dele ecoam na minha mente, e eu vejo a sombra do que ele fez pairando sobre
nós. Uma parte de mim quer o questionar mais, saber os detalhes do que aconteceu, mas outra
parte sente que é melhor não saber, posso ser covarde por pensar assim, mas não consigo agir
diferente. Regan é um homem da máfia, e sinto que é melhor não me aprofundar em seus
negócios.
— Eu queria ter falado com ele uma última vez... — Confesso baixinho.
— Você o amava? — Seus olhos parecem querer perfurar a minha pele.
— Não, nunca... — Coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Eu nunca senti com ele... —
minhas bochechas coram — ...o que senti com você.
— Ele te forçava, Eileen? — Sua voz é como um punhal afiado sendo atirado em um alvo certo.
— Ele a forçava a transar com ele?
As palavras de Regan cortam como lâminas afiadas, perfurando meu coração com uma
precisão dolorosa. Sinto-me exposta, vulnerável diante dele, como se ele pudesse enxergar cada
pedaço da minha alma.
Engulo em seco antes de responder, tentando encontrar as palavras certas para expressar o
que sinto.
— Não, ele não me forçava... — Minha voz sai mais fraca do que eu esperava.
— Não minta para mim, mo chailín. — Sua voz sai mais carinhosa agora e ele se aproxima
segurando minhas mãos e encarando os meus olhos como se buscassem a verdade
— Não estou mentindo, ele nunca me forçou...
— Porém? Solte a porra de uma vez Eileen, me deixe te ajudar a lidar de uma vez por todas com
isso.
— Mas... ele não era como você, Regan. Ele não me fazia sentir... completa.
As palavras saem como um suspiro, um desabafo que há muito tempo está preso dentro de
mim. Eu realmente não gostava de me relacionar sexualmente com Aidan, sempre que acontecia
era porque eu me sentia na obrigação, e depois tinha a sensação de que era errado.
Muitas vezes eu chorei porque me sentia culpada por não desejar o meu marido, mas como
poderia ser diferente se eu estava vivendo uma vida que não me pertencia? Por isso era tão ruim,
por isso eu me sentia suja e usada.
Regan me encara por um momento, seus olhos azuis-escuro penetrando os meus com uma
intensidade que me faz recuar instintivamente. Há algo nele, uma fúria contida, uma dor
profunda, que me deixa sem fôlego.
— Filho. Da. Puta — pontua cada palavra. — Se eu não o tivesse matado, eu faria agora com
certeza. — Levanta da cama e caminha pelo quarto como uma fera enjaulada, passa as mãos nos
cabelos exasperado. — Só de pensar que ele te tocou, tocou no que é meu.
A raiva em sua voz é palpável, quase tangível, e eu me sinto um pouco assustada diante
dela. Regan é um homem poderoso, perigoso, e mesmo sabendo que ele não seria capaz de me
machucar, tenho medo do que pode fazer.
— Regan, por favor... — Tento acalmá-lo, caminhando até ele e colocando minha mão em seu
braço com delicadeza. — Ele já se foi, não vale a pena se preocupar com ele agora, eu só... só
queria ter a chance de perguntar o porquê de ele ter feito isso, porque criou toda essa mentira e
me fez acreditar.
Ele me encara por um momento, seus olhos buscando os meus como se estivesse
procurando por algo. Então, lentamente, sua expressão se suaviza e ele suspira, como se estivesse
tentando se acalmar.
— Ele te fez assumir a identidade da sua mulher morta, Maeve, você usou a identidade de uma
mulher falecida há muitos anos. Ele era um louco Eileen, surtou depois da morte da mulher e
vagava de hospital em hospital numa busca por encontrar alguém que já tinha sido enterrada.
— Oh, meu Deus. — Levo as mãos aos lábios surpresa com essa verdade.
— Assim como você, ela estava grávida, morreu no parto na verdade e quando ele te encontrou
naquela situação, se mudou para aquele lugar e te levou para morar com ele sem que ninguém
desconfiasse da sua existência. A família dele acreditava que ele tinha superado, mas a realidade
é que ele nunca superaria.
As palavras de Regan ecoam em minha mente, e tudo começa a se encaixar lentamente. A
identidade que assumi, eu não me reconhecia como Maeve, as histórias que Aidan me contou,
tudo faz sentido agora.
Aidan estava obcecado, preso em seu próprio delírio, e eu fui arrastada para dentro de sua
loucura sem sequer perceber.
Sinto um nó se formar em minha garganta enquanto absorvo a verdadeira extensão de suas
ações, minhas mãos tremem. Ele me usou, manipulou minha fragilidade, minha vulnerabilidade,
para satisfazer suas próprias necessidades doentias. E eu, ingênua como era, caí em sua
armadilha sem nem mesmo perceber.
Abraço o meu corpo sentindo um frio repentino percorrer cada pedaço de carne.
Regan para ao meu lado, envolve o meu corpo em seus braços com firmeza, como se
quisesse me lembrar que estou segura agora, que ele está aqui para me proteger. E, no fundo, sei
que é verdade. Com ele ao meu lado, sinto que posso confiar que tudo ficará bem.
— Eileen, você está bem? — Sua voz é suave, preocupada talvez, e ergo a cabeça para encará-lo,
buscando conforto em seu olhar.
— Estou... tentando processar tudo isso. — Respiro fundo, tentando manter a calma. — É muita
informação para digerir de uma vez só.
Ele me abraça com mais força, como se quisesse me proteger de todo o mal do mundo. E,
por um momento, me permito afundar em seu abraço, deixando-me envolver por sua segurança,
sua proteção.
— Eu estou aqui, Eileen. Vai ficar tudo bem. — Sua voz é um sussurro no meu ouvido,
reconfortante, acalentador, e antes que processe suas ações ele me ergue em seus braços, me
coloca cuidadosamente na cama e me puxa de encontro ao seu corpo. — Descanse mo chailín. —
Beija o topo da minha cabeça. — Você forçou sua mente demais para um só dia, aos poucos,
tudo vai se encaixar, eu prometo. — Suas mãos seguem fazendo uma carícia lenta em minhas
costas e eu me permito ser cuidada por ele.
Permanecemos assim por um tempo, em silêncio, perdidos em nossos próprios
pensamentos, nos reconfortando. E, aos poucos, sinto-me mais calma, mais serena, como se
finalmente estivesse encontrando meu lugar no mundo.
— Regan... — Minha voz sai suave quando me afasto um pouco, encarando seus olhos azuis
intensos. — Obrigada por estar ao meu lado, por cuidar de mim.
Um sorriso gentil se forma em seus lábios, iluminando seu rosto de uma maneira que me
deixa sem fôlego. E, por um momento, esqueço de todo o caos ao meu redor, concentrando-me
apenas nele, apenas em nós.
— Sempre, mo chailín. Sempre estarei ao seu lado. — Sua voz é firme, determinada, e eu sinto
meu coração se encher de gratidão por tê-lo ao meu lado, por tudo que ele está fazendo por mim.
Capítulo 45

Sinto quando a luz do sol começa a entrar pelas frestas da cortina, iluminando o quarto
com um tom dourado suave marcando o início de um novo dia. Para mim, é o início de uma nova
vida, ou melhor, a retomada de onde parei.
Me sinto revigorada, é como se algo dentro de mim tivesse mudado para sempre depois de
tudo o que descobri nas últimas horas, Deus me permitiu ter um novo recomeço.
Um recomeço ao lado de Niamh e de Regan.
Passeio meus dedos pelos lençóis e não o encontro ao meu lado, é provável que ele tenha
saído ainda muito cedo, aparentemente é algo comum em sua rotina.
Mesmo que já estivéssemos dividindo o mesmo quarto e a mesma cama, eu evitava fazer
muitas perguntas sobre a sua vida pessoal e apenas observava de longe alguns hábitos.
Sei que Regan carrega um peso enorme em seus ombros, uma carga que o consome por
dentro, mesmo que ele demonstre ser o senhor de tudo à sua volta. Eu queria poder ajudá-lo a
carregar esse fardo, mesmo que seja apenas um pouco, mas sei que é impossível. Tudo nele é
intenso demais.
Deslizo para fora da cama, e sinto o meu corpo ainda um pouco dolorido por tudo o que
fizemos na noite anterior. De certa forma foi bom não o encontrar logo cedo, preciso de um
tempo para colocar meus pensamentos em ordem.
Sigo para o banheiro e ligo o chuveiro, deixando a água quente me envolver. É
reconfortante, quase como um abraço, fecho os olhos, deixando minha mente vagar.
É estranho como as coisas mudaram tão rapidamente para mim. Há apenas alguns dias, eu
estava completamente perdida, sem memória do meu passado, vivendo uma vida que não me
pertencia. E agora, aqui estou eu, com Regan ao meu lado, me sentindo mais viva do que nunca.
Me sentindo importante para ele.
Deixo a água correr por mais alguns minutos em meu corpo, me permitindo afundar um
pouco mais no conforto do banho. Mas eventualmente, sei que preciso sair, encarar o dia lá fora.
Quando finalmente fecho a transmissão e saio do chuveiro, me enrolo em uma toalha
macia paro de frete para o espelho. Meu reflexo me encara de volta, com olhos que, muitas
vezes, parecem tão familiares e ao mesmo tempo tão estranhos.
Dou um passo à frente e me aproximo do espelho, meus dedos traçando o contorno do
rosto ali refletido. Há algo diferente nele hoje, algo que não consigo identificar com clareza.
Talvez seja o brilho nos olhos, uma chama que parece ter sido reacesa dentro de mim.
Termino de me vestir e saio do quarto apressada para ver Niamh, ela agora tem até mesmo
uma babá, mas faço questão de cuidar pessoalmente das suas necessidades, sempre foi assim e
não vejo razão para mudar nossa rotina.
Abro a porta do quarto com cuidado e a cena que vejo faz meu coração falhar uma batida,
meus olhos se enchem de lágrimas.
Regan está no quarto de Niamh, sentado em uma poltrona ao lado do berço, segurando-a
gentilmente nos braços enquanto ela dorme tranquilamente. Seu rosto está sereno, os olhos fixos
na pequena criança com um misto de admiração e ternura. É um momento tão simples, tão
íntimo, e ainda assim, tão poderoso.
Mesmo Aidan que esteve com ela desde que nasceu, nunca se dispôs a ter um tempo
sozinho com ela.
— Eileen... — Ele olha para cima quando entro no quarto, seu rosto se iluminando com um
sorriso discreto. — Bom dia, mo chailín.
— Bom dia. — Minha voz sai suave, embargada pela emoção que sinto ao vê-lo cuidando de
Niamh.
— Ela acordou cedo hoje — ele comenta como se precisasse justificar sua presença ali. — Vi
quando chorou pela babá eletrônica.
— Por que não me acordou? — Me aproximo do berço e acaricio gentilmente a bochecha macia
da nossa filha.
— Eu achei que eu podia... cuidar dela — fala e pela primeira vez na vida, noto a insegurança em
sua voz. — Espero que não se importe.
— Você pode, Regan. — Sorrio. — Ela é sua filha, pode ficar com ela sempre que quiser.
— Sim! — O sorriso agora se amplia em seus lábios e ele volta a encarar a menina. — Parece
que ela estava ansiosa para passar um tempo com o pai. — Ele não esconde a satisfação, seus
olhos brilhando de pura felicidade. É uma visão que aquece meu coração, ele está realmente
envolvido, dedicado em se aproximar da nossa filha.
— Você será um bom pai para ela.
— É o que mais desejo. — Seu semblante se fecha de repente. — Eu já errei tanto no passado,
não quero errar com ela, errar com você...
— Esqueça o passado. — Interrompo suas palavras. — Tenho certeza que será o melhor que
puder para nós duas.
— Ela é tão linda — desvia os olhos dos meus e murmura, observando Niamh com carinho. — É
incrível como ela se parece comigo, seus cabelos escuros, o formato do rosto, isso sem falar nos
olhos.
— Sim, ela parece muito com você. — Minha pequena se meche nos braços de Regan se
acomodando confortavelmente, como se soubesse que está segura e que é muito amada.
Regan se levanta da poltrona com cuidado, deixando Niamh de volta no berço. Seus olhos
azuis encontram os meus, se desnudam diante de mim e entendo o quanto o seu gesto é
importante. Sei que é uma parte dele que está compartilhando comigo e que provavelmente
ninguém teve acesso até aqui.
Regan me deixa ver cada um dos seus sentimentos, ele se expõe sem reservas e posso
perceber a diferença enorme de quando ele está apenas comigo e quando estamos na presença de
outras pessoas.
— Eu não sabia que você já estava acordada. Pensei que pudesse aproveitar que ela ainda dormia
para descansar um pouco mais. — Seus dedos passeiam em meu rosto.
— Não faz muito tempo que acordei, estava tomando banho antes de vir vê-la.
Ele se aproxima de mim, seus olhos fixos nos meus. Posso sentir a eletricidade no ar, a
tensão entre nós que parece crescer a cada segundo que passamos juntos. O que sentimos quando
estamos juntos vai muito além das palavras.
— Eileen... — ele murmura meu nome como se fosse uma prece, uma confissão de amor
silenciosa. E então, sem dizer mais nada, ele se inclina na minha direção, seus lábios
encontrando os meus em um beijo suave, delicado.
Meu coração dispara em meu peito, uma mistura de emoções me inundando. É como se o
mundo desaparecesse ao meu redor, deixando apenas nós dois, e nossa filha, porque mesmo que
eu não tenha aberto aquele exame sei que Niamh é nossa.
E então, como se fosse um sussurro ao vento, o beijo se quebra. Regan recua um pouco,
seus olhos ainda fixos nos meus, cheios de uma intensidade que me deixa sem fôlego, como se
quisesse ler o que sinto e me desnudo diante dele.
Eu o quero. Mais do que qualquer coisa no mundo, quero sentir seus lábios nos meus,
quero me perder nele assim como desejo que ele se perca em mim.
Regan segura meu rosto entre as suas mãos grandes, me encara por um momento, como se
estivesse tentando decifrar meus pensamentos. E então, lentamente, ele se aproxima de novo,
seus lábios encontrando os meus em outro beijo, mais profundo, mais intenso desta vez.
Me sinto derreter em seus braços, toda a tensão, medo e incerteza derretendo como neve
ao sol. É como se estivéssemos nos tornando um só, duas almas perdidas finalmente se
encontrando.
E então, quando finalmente nos separamos, estamos ambos sem fôlego, nossas testas se
tocando suavemente. É um momento mágico, de conexão, que eu sei que nunca vou esquecer.
— Eu... eu preciso ir — murmura ele, parecendo quase relutante em se afastar de mim para ir
trabalhar.
— Tudo bem — digo, embora uma parte de mim queira desesperadamente que ele fique. Mas sei
que ele tem responsabilidades, seus próprios demônios para enfrentar.
Ele me dá um último beijo suave nos lábios e então se afasta, beija a testa de Niamh e
caminha para a porta, seus olhos fixos nos meus enquanto ele sai do quarto me deixando com a
nossa filha.
Fico ali parada por um momento, observando a porta fechada, meu coração ainda batendo
descompassado em meu peito.
É um novo começo. Tenho certeza que não importa o que aconteça, a partir de hoje,
estaremos juntos, enfrentando o mundo de mãos dadas.
Juntos, como uma verdadeira família.
Capítulo 46

Me sinto como uma fera enjaulada quando entro no nosso centro de operações. Enviei
uma mensagem de texto para Bryan, Rory, Ciaran e Eamon para me encontrarem aqui.
Não posso mais perder tempo, nem que eu precise revirar o mundo de cabeça para
baixo, preciso pegar o desgraçado que está um passo à nossa frente.
Porra, só de imaginar que ele já deva saber que Eileen está de volta, e pior, saber sobre
Niamh e querer fazer mal a elas me faz enlouquecer.
Não demora muito tempo até que os quatro homens cheguem no galpão. Eles me
encaram com uma mistura de expectativa e tensão, provavelmente sabem que estou no limite.
Eles sabem que desde que trouxemos Eileen de volta, não faço outra coisa senão perseguir
as pistas que temos. Não os culpo por estarem tensos, estar ao meu lado não tem sido algo muito
fácil nos últimos tempos.
— Regan, aconteceu alguma coisa que ainda não sabemos? — Bryan é o primeiro a quebrar o
silêncio, sua voz carregada.
Respiro fundo antes de começar a falar, tentando manter a calma, mesmo com a raiva
borbulhando dentro de mim.
— Precisamos pegar o traidor, porra. — Minha voz sai firme. — Quer outra merda mais
importante que isso? — Todos me encaram como se analisassem cada uma das minhas ações. —
Temos que descobrir o que ele está planejando e pará-lo antes que seja tarde demais, não vou
deixar que nenhuma merda se aproxime de mim novamente.
Eles assentem, com os semblantes sérios. Todos sabem tão bem quanto eu a gravidade da
situação. Um traidor dentro de nossa organização é como um câncer, se não for tratado a tempo,
pode destruir tudo o que construímos.
E já demoramos demais para pegá-lo, é como uma praga se alastrando silenciosamente
bem diante dos nossos olhos, e não podemos mais esperar, quero ele em minhas mãos
urgentemente.
— O que sabemos até agora? — questiono, sentando na mesa oval de madeira e olhando para
cada um deles. — Vamos alinhar a porra dos pontos, já chega dessa brincadeira de gato e rato, é
hora de caçar, vamos soltar os tubarões das redes, chegou a hora de demonstrarmos o porquê
somos os predadores e não as presas.
Rory é o primeiro a falar, sua expressão séria enquanto relata o que descobriram até agora.
— Temos muitas informações concretas, sabemos que ele está se movendo nas sombras, mas
deixou muitos rastros tentando minar nossa autoridade.
Ciaran balança a cabeça, provavelmente frustrado por não pegarmos ainda o miserável.
— Ele já conseguiu plantar dúvidas entre alguns de nossos homens. Alguns começaram a
questionar a nossa liderança, a pensar que talvez seja hora de mudança, porra, demorar tanto para
pegarmos ele está gerando desconfiança sobre a nossa liderança.
Sinto a raiva fervendo dentro de mim, uma chama que ameaça consumir tudo ao seu redor.
— Isso não pode continuar, caralho. — Minha voz sai baixa, controlada. — Temos que encontrar
esse desgraçado e eliminá-lo antes que ele nos destrua pouco a pouco. Eu já perdi demais e não
aceito mais perder qualquer coisa.
Eamon se aproxima apoiando o cotovelo na mesa, e nos encarando.
— Vamos pegar ele, boss. — Sua voz é firme, determinada. — Vamos pegar esse traidor e ele
sequer vai saber de onde veio a bala que o atingiu.
Assinto porque confio nos meus homens.
— Muito bem. — Minha voz é firme, autoritária. — Vamos nos dividir em equipes e começar a
trabalhar. Nada deve passar despercebido aos nossos olhos, quero cada detalhe, cada informação
que possa nos levar até ele com a máxima brevidade.
Os homens assentem, estamos prontos para começar a maior caçada dos últimos tempos.
Juntos, vamos acabar com esse traidor e proteger o nosso poder e a nossa família.
Alinhamos nossas metas e enquanto os homens começam a dividir suas equipes para
saírem para as ruas, eu permaneço ali, no centro de operações, com um turbilhão de pensamentos
girando em minha mente.
Não posso deixar que a preocupação me consuma, preciso manter a calma, o foco. Mas é
difícil quando sei que o inimigo está entre nós, infiltrado, agindo nas sombras.
Bem debaixo da porra do meu nariz.
Sinto a responsabilidade pesando sobre meus ombros, a pressão de liderar o meu clã, não
derrubei o desgraçado do Declan anos atrás para sucumbir a um merdinha qualquer.
Sei que essa batalha irá determinar o futuro de tudo que construímos. Não posso falhar,
não posso permitir que o traidor escape de nossas mãos mais uma vez.
Agora temos informações mais contundentes, pistas mais sólidas e para ele, está cada dia
mais difícil se manter na escuridão. No último mês eu vasculhei cada pedaço desse país e agora
que Eileen me aceitou de volta, tenho pressa em aparar as arestas que ainda restam.
Não importa o que aconteça, não vamos descansar até que o traidor seja capturado e
julgado por mim. Até que a nossa justiça seja feita.
Durante o dia recebo atualizações constantes de cada equipe, vou montando o imenso
quebra-cabeças na sala de operações com cada pista que encontram no caminho.
Cada segundo parece uma eternidade, mas tento não me deixar dominar pela ansiedade de
acabar de uma vez por todas com isso.

Quinze dias depois.


— Pegamos ele, porra! — Vibro ladeado por Bryan e Ciaran na sala de comando das nossas
operações.
Se passaram quinze dias desde que iniciamos a Operação Strike, agora, finalmente, recebo
a ligação que estávamos esperando.
O traidor foi localizado, Eamon e Rory estão nesse exato momento cercando a sua casa e
os seus esconderijos, o verme não têm saída.
É hora de agir, estamos com ele em nossas mãos.
— Pegamos — Bryan assente com um sorriso de satisfação no rosto. — Eamon acaba de avisar
que já temos uma equipe em cada saída da casa. O verme está encurralado.
Um sorriso de triunfo se forma em meus lábios. Finalmente, depois de tanto tempo,
conseguimos pegar o desgraçado que tentou minar nossa autoridade, que ousou desafiar o nosso
poder.
— Ótimo. — Minha voz é firme, decidida. — Peguem suas armas, é hora de acabar com ele de
uma vez por todas.
Saímos juntos do centro de operações, minha mente voa a mil por hora, se preparando para
o confronto.
Não há espaço para misericórdia, não há espaço para benevolência, acabarei não apenas
com ele, mas com toda a sua família, não restará um só descendente para contar a história.
Ele mexeu com a minha família, matou a minha filha e com isso, sentenciou não apenas a
si próprio, mas toda a sua descendência. Nunca fiz qualquer pessoa acreditar que eu era um
homem bom, hoje os farei ter certeza.
Vou em busca apenas da minha justiça, implacável e nos meus próprios termos.
Quando tudo estiver finalizado, quando todos os traidores tiverem pago por seus pecados
em minhas mãos, todos que ousaram contestar o meu domínio e poder. Saberão que protejo o
meu clã e a minha família, a qualquer custo.
Capítulo 47

O caminho até a casa de Lian Donovan, o rato que caçamos por todos esses anos é tenso.
Porra, ele era um dos nossos associados que se mostrava mais leal.
Apenas após chegarmos ao seu nome é que consegui fazer as conexões necessárias e
entender as suas motivações, ele era um dos filhos bastardos de Declan.
Foi criado como filho legítimo de um dos homens que deixamos vivos quando
emboscamos e matamos Declan, a porra de uma falha que custou a vida da minha filha e de
muitos soldados.
Acreditamos que tínhamos matado todos os descendentes do verme, mas antes de
morrer, talvez prevendo que o seu fim estaria próximo, cobrou uma dívida de sangue entregando
o seu filho para o seu associado menos importante, impondo que esse fosse criado para assumir o
seu lugar como Boss no futuro.
Não demora muito tempo para estacionarmos o comboio de carros próximo da casa do
verme. Não faço questão de esconder a nossa chegada, quero que saiba o que irá atingi-lo em
breve.
Nem mesmo fiz questão de elaborar um plano mirabolante, tudo é bem simples na
verdade, mas isso não o faz menos perigoso. A equipe de Eamon e Rory está pronta para invadir
a casa de Donovan, estavam apenas nos esperando chegar.
Enquanto nos aproximamos do local, mantenho minha mente focada. Cada batida do meu
coração parece um tambor ressoando dentro de mim, ecoando a urgência da situação.
Não podemos nos dar ao luxo de falhar. Não desta vez.
Quando chegamos bem perto, sinalizo para Eamon e Rory avançarem pelas laterais
enquanto estouro a porta com um chute forte e preciso. Meus homens se movem com precisão,
Ciaram e Bryan cobrindo as minhas costas, juntos somos como sombras cortando a escuridão da
noite.
Fico alerta, observando cada movimento, cada som ao meu redor. O barulho incessante de
tiros estoura por todos os lados. Descobrimos ao invadir, que o verme mantinha um pequeno
exército fazendo sua própria segurança, frouxo do caralho.
Nada disso vai lhe salvar. É a nossa vez de agir e estou com sede do seu sangue.
Nós nos movemos em sincronia, como os predadores que somos, sempre à espreita de sua
presa. Cada um dos nossos passos é calculado, cada gesto é planejado.
Abrimos cada uma das portas do andar inferior da casa e não o encontramos. Troco
olhares rápidos, confirmando que estamos prontos para subir as escadas. Com um aceno, Bryan
segue na linha de frente.
O andar superior está escuro, apenas a luz fraca das nossas lanternas ilumina o caminho à
nossa frente. Avançamos com cautela, armas em punho, prontos para qualquer coisa, entramos
no quarto e matamos todos que aparecem em nosso caminho.
Não demora muito para chegarmos ao quarto principal, encontrarmos os sinais da presença
recente de Donovan. Arquivos, documentos, todos espalhados pelo quarto como pistas deixadas
para trás por um rato.
Ciaran pega um dos papéis, examinando-o rapidamente à luz fraca da lanterna em sua
mão. Sua expressão fica séria, e sei que encontramos algo importante.
— Olhem isso. — Sua voz é baixa, mas carregada de significado. — Parece que Donovan estava
planejando algo grande.
Me aproximo para ver o que ele encontrou. O papel está cheio de anotações, diagramas,
planos meticulosamente traçados. É como se Donovan estivesse arquitetando algo muito maior.
Ele foi o responsável pela morte de Kira e pelo acidente de Eileen, o próximo passo seria
invadir a minha casa, tentaria me pegar desprevenido e matar a mim e quem estivesse na casa.
— Maldito desgraçado. — Minha voz sai como um trovão, carregada de raiva. — Ele tinha tudo
planejado desde o início, um verme como o próprio pai era.
— Vou descer com Eamon enquanto vocês estão recolhendo os papéis, temos que encontrá-lo.
— Bryan balança a cabeça, sua mandíbula cerrada. — Não podemos deixá-lo escapar desta vez.
— Sua voz é firme, decidida.
Concordo com um aceno de cabeça, minha mente já trabalhando para traçar o próximo
movimento. Não podemos deixar Donovan fugir, não desta vez.
Ele está escondido em algum lugar dessa casa, Eamon e Rory o seguiu e montaram guarda
em todas as saídas, o rato está escondido em algum buraco.
Continuamos a vasculhar a casa em busca de mais pistas, mais informações que sejam
importantes para nós. Cada minuto parece uma eternidade.
— Porra, parece que tem um túnel subterrâneo escondido sob uma armadilha no chão da
cozinha, é um alçapão, caralho — Bryan fala pelo ponto eletrônico que usamos.
Desço as escadas correndo, é óbvio que Donovan planejava usá-lo como rota de fuga caso
fosse descoberto, filho da puta frouxo do caralho, deixou sua família e seus homens para trás,
para morrerem em seu lugar e fugiu.
A adrenalina corre em minhas veias quando chego na cozinha e encontro a porta do
alçapão aberta, eles desmontaram a armadilha e desceram na frente.
— Puta merda Regan, você precisa descer aqui. — Ouço a voz de Eamon no ponto eletrônico
quando me preparo para descer as escadas de madeira e seguir Donovan pelo túnel.
— Já estou a caminho — respondo descendo os degraus rapidamente e sendo seguido pelos
outros.
O túnel é escuro, úmido, mas avançamos sem hesitação. Cada passo ecoa no silêncio ao
nosso redor, cada som parece nos alertar para o perigo iminente.
O cheiro de mofo e terra molhada impregna minhas narinas enquanto avançamos pelo
túnel que parece, a cada passo, mais estreito. Meus músculos estão tensos, meu coração
martelando no peito como um tambor furioso. A urgência de encontrar Donovan e encerrar tudo
isso domina cada uma das minhas ações.
Finalmente, chegamos a uma parte do túnel que se abre como uma espécie de câmara
subterrânea. A luz fraca das lanternas revela uma cena que, sem dúvidas, faz o mais impiedoso
dos homens estremecer.
Em uma espécie de cela que Bryan acaba de arrombar, vemos uma mulher, acorrentada e
desnutrida, jogada no chão. Seus olhos abertos e vidrados para o alto estão vazios e sem
esperança, ela parece morta mesmo que ainda respire lentamente.
A visão é perturbadora, a forma como ela está presa, como um animal enjaulado, me
revira o estômago.
— Porra, o que é isso? — murmuro, minha voz tremendo com a raiva contida.
Eamon desvia os olhos e, com um gesto, indico para que ele, Rory e Ciaram continuem
pelo túnel. Mesmo que eu desconfie que Lian tenha escapado entre nossos dedos, só que dessa
vez não me preocupo. Ele está sozinho e sabemos quem é. Será apenas uma questão de tempo até
o pegarmos.
Bryan avança para perto da garota, sua expressão séria e determinada. Ele escaneia o seu
corpo rapidamente, sem dúvidas está enumerando mentalmente os ferimentos e sinais visíveis de
trauma.
A mulher não reage, seus olhos continuam fixos no vazio do teto, como se seu corpo
estivesse aqui, mas a mente estivesse em outro lugar.
— É a filha mais nova do desgraçado, ela está viva, Boss — Bryan fala o que eu já tinha
percebido antes mesmo de me aproximar. — Vamos dar o mesmo destino dos outros?
Me mantenho por alguns instantes em silêncio, minha mente considerando as
possibilidades e trabalhando para me fazer decidir como lidar com essa situação.
— Ela não estaria aqui se fosse importante para ele. — Considero e Bryan acena com a cabeça.
— Talvez ela saiba de alguma informação que possa nos ajudar.
— Nesse estado? — Rosna e abaixa ao lado da garota, que apenas agora parece notar a nossa
presença, e encara Bryan. — Se quiser qualquer informação, precisamos subir com ela, a garota
precisa de cuidados urgentes.
— Hum, hum, hum — a garota tenta falar, mas a boca costurada a impede de ser entendida.
Porra, quem faz isso com uma mulher aparentemente tão frágil? O que essa garota fez
para que o pai lhe desse esse destino, porque não tenho dúvidas de que foi Lian o causador dessa
tortura.
O desgraçado parece que puxou o lado mais terrível do seu pai biológico e isso só
aumenta o meu tesão por encontrá-lo.
— Calma, eu vou te ajudar — Bryan fala com uma voz tão suave que me surpreende.
Ele retira uma pequena navalha, que estava escondida entre as suas armas e com
cuidado corta os fios que prendiam os lábios da garota.
— Você... — a garota fala num fio de voz, encarando o homem que acabou de soltar os seus
lábios — veio me salvar. — A voz é seca e tão rouca que fica evidente que ela não bebe água há
muito tempo, parece que ela foi deixada aqui para morrer.
— Não, menina, eu não sou o herói, eu trouxe a morte para a sua casa — Bryan fala e após soltar
as correntes dos tornozelos da garota apoia os braços sob as suas costas e joelhos levantando-a
do chão.
— Isso — ela se esforça para falar enquanto seguimos o caminho para fora do túnel. — A morte.
— Sua respiração é cada vez mais fraca. — É a salvação, me dê ela.
— Puta que pariu. — Bryan rosna quando a garota fecha os olhos em seus braços como se
estivesse se entregando a morte de fato, ele corre no ambiente estreito como se estivesse a salvar
a própria vida.
— Preciso de uma equipe médica na cozinha, agora! — Minha voz ressoa pelo túnel, ecoando
nas paredes úmidas quando aviso aos meus homens no ponto eletrônico.
Bryan carrega a garota com cuidado, é como se acreditasse que ela fosse feita de porcelana
e estivesse prestes a se quebrar. Seus passos são firmes e suaves ao mesmo tempo, enquanto ele
corre com ela para fora do túnel.
Enquanto subimos as escadas e emergimos da escuridão do túnel, a garota parece reagir à
luz do sol como um animal assustado apertando as pálpebras com força.
— Um médico irá vê-la — ele avisa quando apoia o seu corpo sobre a mesa da cozinha.
— Não... por favor... eu preciso dela, da morte. — Ela repete, suas palavras mal se formando em
sua língua seca.
— Por que Donovan fez isso com você? — pergunto, minha voz séria e firme, mas ela não
desvia os olhos de Bryan, nem parece me ouvir na verdade. É como se ele fosse para ela o que
disse antes: a porra da sua salvação.
Ela não poderia estar mais enganada, se seguir por esse caminho, ele será sua ruina, até
mesmo pior do que o seu próprio pai.
A garota permanece em um estado semiconsciente, seus olhos vagueando entre o vazio e a
imagem de Bryan diante dela.
— Você está segura agora. — A voz de Bryan é baixa, mas firme. — Ninguém mais vai te
machucar, eu garanto.
Ela parece registrar as palavras e lágrimas escorrem pelo canto dos seus olhos.
— Talvez ela tenha razão, não sabemos os traumas que ela passou — falo com firmeza, mas
sinto um pesar por essa constatação. — Porra, ela não demoraria a morrer de qualquer forma,
presa naquele lugar.
— Não me fode, Regan — Bryan rosna para mim, mas nãos desvia os olhos da imagem
quebrada à nossa frente. — Sei que sua ordem foi que não sobrasse ninguém com o sangue do
miserável — seus olhos desviam para mim —, mas deixe-a sob minha responsabilidade, eu
lidarei com a garota.
— Sabe que ele virá atrás dela, não é? — Ergo a sobrancelha, mas minha cabeça já começa a
trabalhar nos próximos passos. Até que prove o contrário, a menina parece ser mais uma vítima
nas mãos dos desgraçados.
Eu de fato considerei lhe dar a graça da morte, não pela minha vingança pessoal, mas
como ela mesmo pediu, para a sua própria salvação.
— Eu sei, Regan — Bryan sorri enquanto responde, sua voz carregada de ódio. — E eu estarei
esperando ansiosamente por isso.
— Eu também. — Dou dois tapinhas nas costas do meu amigo e me afasto, deixando que ele lide
sozinho com a garota.
Respeito a decisão de Bryan, mesmo que a minha ordem inicial tenha sido não deixarmos
nenhuma peça viva no tabuleiro. Sei que ele está certo, a garota não merece pagar pelos pecados
do pai e talvez ela se torne uma excelente isca para os nossos planos.
Os outros homens se juntam a nós, avisando que ele de fato escapou. Não tem problema,
não quando tenho certeza de que ele perdeu todo o poder que tinha.
Não deixaremos pedra sobre pedra até o encontrar, é uma questão de tempo até o ter em
minhas mãos.
Não perdemos a batalha muito menos a guerra, como um excelente estrategista, sei que
derrubamos todos os pilares que mantinha Lian de pé. Ele está no chão quebrado e muito em
breve eu o jogarei em um buraco sob a terra.
Ver o que ele foi capaz de fazer com a própria filha só me motivou ainda mais a fazer ele
passar pelo inferno antes de lhe entregar a morte.
Não importa o que aconteça, não vou descansar até que Lian Donovan esteja em minhas mãos,
pagando por tudo o que fez.
Capítulo 48

O som do carro se aproximando me tira dos meus devaneios enquanto estou na sala de
estar, perdida em pensamentos.
Tenho estado preocupada com Regan, sei que está acontecendo algo muito importante
dentro da organização, ele tem ficado pouco tempo em casa e a tensão em seu semblante é
visível, mesmo que ele tente esconder suas emoções.
Hoje quando ele saiu, notei que havia algo diferente, ele exalava ferocidade enquanto se
vestia para sair. Não estava enganada porque já é madrugada e desde o horário em que ele saiu
pela manhã, até agora, não tive nenhuma notícia sua e, todas as vezes que ele irá se atrasar para o
jantar, sempre envia alguma mensagem avisando.
Quando Regan entra pela porta, meu coração salta, quase saindo pela garganta. Meu Deus,
ele está coberto de sangue. Minha respiração fica suspensa por um momento, meu estômago se
revira com a visão.
— Regan! O que aconteceu? — Minha voz sai em um sussurro, meus olhos arregalados
enquanto eu o observo caminhar na minha direção.
Ele me olha com uma expressão séria, sua mandíbula tensa enquanto tira o paletó
ensanguentado e dobra sobre o braço. Seus olhos encontram os meus, uma mistura de cansaço e
foco.
— Tive um dia difícil, mo chailín. — Respira profundamente. — Mas agora está tudo bem. —
Sua voz é grave e carregada.
— Você está bem? — Minha voz sai trêmula, minhas mãos tremem enquanto me aproximo dele
e vejo ele dar um passo para trás. — Se machucou?
Meu coração se aperta. Regan é um homem corajoso, nunca duvidei disso, sempre
demonstrou liderar com firmeza, mas ver o seu estado agora, coberto de sangue e aparentando
estar exausto, me faz perceber quão perigosa é a vida que leva.
— Estou bem, Eileen. Só preciso de um banho e de descansar um pouco. — Sua voz é suave, até
mesmo reconfortante. — Não encoste em mim agora, amor, não quero macular o seu corpo com
sangue traidor.
Assinto, preocupada com ele, mas também aliviada por vê-lo em casa são e salvo. Ele se
tornou o meu porto seguro, e o pensamento de perdê-lo para essa vida perigosa me aterroriza.
Acompanho-o enquanto sobe as escadas em direção ao nosso quarto, ele disse para eu me
afastar até que ele esteja “limpo”, mas quero conferir pessoalmente se está de fato tudo bem com
ele.
Subo as escadas rapidamente, sentindo uma urgência crescente dentro de mim. Quero ter
certeza de que Regan está realmente bem, de que não está escondendo nenhum ferimento sério
sob a fachada de coragem e determinação.
Quando chegamos ao quarto, vejo ele se dirigir ao banheiro com passos pesados. Ele
parece cansado, exausto, provavelmente pelo peso do que acabou de enfrentar. Sinto um nó se
formar na minha garganta, desejando poder aliviar um pouco do seu fardo.
— Eu posso te ajudar, Regan. — Minha voz é suave, carregada de preocupação. — Deixe-me
cuidar de você.
Ele hesita por um momento, encarando meus olhos como se estivesse avaliando minha
oferta. Então, com um aceno de cabeça, ele concorda.
— Tudo bem, Eileen. — Sua voz é calma. — Deixe só que eu tire essa roupa primeiro.
Assinto, determinada a fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo.
Regan retira a camisa, revelando o corpo tenso e marcado em alguns lugares pela batalha.
Sinto uma onda alívio e dor me inundar ao ver os hematomas e arranhões que cobrem sua pele,
mas agradeço a Deus por não há nenhum ferimento mais grave.
— Venha, Regan. — Minha voz é suave. — Vou te ajudar a se livrar desse sangue maldito.
Ele assente, permitindo-me guiá-lo até o chuveiro. Sinto seu corpo tremer levemente sob o
meu toque, nós sempre reagimos um ao outro dessa forma.
Ligo a água, ajustando a temperatura até que esteja morna. Regan entra sob o spray,
deixando que a água caia sobre ele e leve consigo o sangue grosso e a sujeira da batalha.
Enquanto isso, encho a banheira, planejo levá-lo para lá após retirar o excesso de sangue
do seu corpo.
Regan fecha os olhos, permitindo-se relaxar sob a água morna. Seu corpo tenso começa a
se soltar aos poucos, os músculos relaxando lentamente. Quando o seu corpo parece limpo de
toda sujeira, estendo a mão em sua direção acomodando-o na água morna e perfumada.
Tiro a roupa rapidamente e entro com ele na banheira, apanho uma bucha de banho e
coloco sabonete líquido sobre ela.
— Me deixe cuidar de você, Regan. — Minha voz sai suave, cheia de carinho enquanto sento em
seu colo. — Você merece um momento de paz depois de tudo o que enfrentou hoje.
Ele me olha com tanto desejo nos olhos que me faz derreter por dentro. Regan pode ser o
líder implacável da nossa organização, mas também é o meu homem, o homem que amo.
Começo a ensaboar seu corpo com cuidado, removendo cada vestígio de sangue e sujeira.
Meus toques são suaves em sua pele. Por um instante, desejo tirar do seu corpo não apenas
a sujeira física, mas também todo o cansaço que ele carrega consigo.
Regan fecha os olhos, se entregando aos meus cuidados. Sinto-o enrijecer sob as minhas
coxas, o maxilar travado como se lutasse uma batalha contra si mesmo nesse momento.
Nossos corpos se tocam sob água, pele contra pele, rapidamente estamos quentes, me sinto
úmida por dentro. Regan me puxa para mais perto, seus olhos escuros queimando com desejo.
Não preciso de mais do que isso para entender o que ele deseja.
Meus lábios encontram os dele em um beijo faminto, ávido, como se estivéssemos nos
devorando. Suas mãos encontram meu corpo, explorando cada centímetro com uma urgência
palpável.
Sinto um arrepio percorrer minha espinha quando suas mãos encontram meus seios, os
dedos ágeis brincando com meus mamilos endurecidos.
Gemidos escapam dos meus lábios enquanto me entrego completamente ao seu toque.
Regan me vira de costas, sua boca encontrando o ponto sensível em meu pescoço que faz
meu corpo tremer de prazer. Suas mãos seguram minha cintura, puxando-me mais para perto,
quase nos fundindo, sinto sua ereção pulsando entre as minhas pernas.
O calor da água e o desejo que queima entre nós dois torna cada toque mais intenso. Me
entrego completamente a ele, sentindo em cada parte do corpo o prazer de estar em seus braços.
Regan me penetra lentamente, me fazendo gemer.
Nossos corpos se movem em sincronia, espalhando a água da banheira para todos os lados
em uma dança quase selvagem, alimentada pelo desejo e pela paixão que compartilhamos.
Cada vez que o sinto mais profundamente dentro de mim é como uma onda de prazer que
me envolve, me consome. Sinto-me perdida nele, em seus braços fortes, em sua paixão não
reprimida.
No seu amor.
Nossos gemidos se misturam ao som da água, criando uma sinfonia de prazer e luxúria.
Somos dois corpos, duas almas, unidos em um momento de êxtase absoluto, de entrega total.
Quando finalmente alcançamos o clímax, é como se o mundo inteiro desaparecesse ao
nosso redor. Somos apenas nós dois, juntos em nosso próprio universo de prazer e desejo.
Regan me segura com firmeza, seu corpo tremendo contra o meu enquanto encontramos o
ápice juntos, em uma explosão de sensações e emoções.
E então, depois de um momento que parece durar uma eternidade, voltamos à realidade.
Estamos cansados, exaustos, mas também completamente satisfeitos.
Regan me abraça com força, seus lábios encontrando os meus em um beijo suave e
apaixonado. É um gesto simples, mas carregado de significado.
— Eu te amo, mo chailín. — Sua voz é suave, um sussurro contra minha pele. — Mais do que
tudo nesse mundo.
Sorrio, as lágrimas surgindo nos meus olhos. Eu também o amo, mais do que palavras
podem expressar.
— Eu também te amo, Regan. — Minha voz é um sussurro, cheio de emoção por finalmente me
sentir pronta para confessar. — Mais do que tudo na vida.
Ele sorri ao ouvir minhas palavras, seus olhos encontram os meus com ternura, dessa vez
ele se desnuda completamente diante de mim.
Nossa conexão vai além das palavras, é uma ligação profunda que transcende qualquer
obstáculo que a vida coloque em nosso caminho.
Me acomodo em seu peito largo e poderoso, observo Regan fechar os olhos e relaxar sob a
água morna.
Seu rosto parece tranquilo, numa expressão de paz que raramente vejo nele.
— Vocês pegaram o responsável pela morte de Kira? — pergunto e os meus olhos se enchem de
lágrimas.
— Não — responde voltando a me fitar. — Mas agora é uma questão de tempo, derrubamos
todas as suas bases, Lian está sozinho e fugindo como o rato que é, sei que não oferece mais
qualquer risco a você e Niamh e nem a minha organização.
Respiro fundo, tentando conter as lágrimas que ameaçam escapar. A notícia de que o
homem que matou a minha amiga conseguiu escapar me deixa temerosa, ao mesmo tempo que
confio em Regan quando ele diz que não representa mais uma ameaça para nós, é um alívio.
Eu lembrei totalmente de Kira nas últimas sessões de terapia que fiz, lembrei do quanto
ela foi importante para mim e serei eternamente grata por ela ter me acolhido, é por sua causa
que estou aqui hoje e a dor da perda continua fresca em meu coração.
— Pelo menos agora podemos descansar um pouco mais tranquilos sabendo que ele não pode
mais nos machucar, nem a Niamh — murmuro, lutando para manter a voz firme.
Regan me observa, seus olhos azuis penetrando os meus como se lessem minha alma.
— Eu prometo, Eileen. Vou garantir que nada nem ninguém ameace você e Niamh novamente.
Eu faria qualquer coisa para mantê-las seguras.
Seu tom é sério, mas também carregado de determinação. Sinto um calor reconfortante se
espalhar dentro de mim, sabendo que tenho alguém tão forte, poderoso e corajoso ao meu lado.
— Eu sei, Regan. Confio em você mais do que tudo — digo, deixando minhas emoções
transparecerem em minha voz.
Ele me envolve em seus braços, me apertando contra seu peito. Sinto seu coração batendo
contra o meu, um lembrete constante de que não estarei mais sozinha.
— Nós encontramos a filha mais nova de Lian. Ela estava presa e amarrada em uma câmara
secreta. — Sua voz é firme, mas percebo a raiva seus olhos.
— Oh, meu Deus. — Levo as mãos aos lábios. — Foi ele que fez isso com ela? Por quê?
— Aposto que foi ele o culpado pela desgraça da garota. — Não esconde a raiva dessa vez. —
Ela estava quase morta, a boca costurada e quando nos viu, implorou pela morte.
Um frio percorre minha espinha ao ouvir o que Regan conta. A crueldade dos seus
inimigos não conhece limites, fazer a própria filha sofrer dessa maneira é uma prova disso.
— Meu Deus... — sussurro, incapaz de articular palavras coerentes diante de tamanha
atrocidade. — O que você fez?
Regan abaixa o olhar, a angústia pesando em seus ombros.
— Bryan intercedeu por ela e eu deixei que ele cuidasse da menina.
Meu coração acelera ao ver a raiva inflamar o rosto de Regan. Ele é um homem forte,
acostumado a lidar com os horrores do nosso mundo, mas há momentos em que até mesmo ele se
sente pesar diante do sofrimento alheio.
— Traga-a para cá. Nós cuidaremos dela. — Sugiro, decidida. — Nós não podemos deixá-la à
própria sorte depois do que passou.
Regan hesita por um momento, seus olhos azuis encontrando os meus.
— Eileen, eu... não sei se isso é uma boa ideia — ele murmura, a incerteza pesando em suas
palavras.
— Por favor, Regan. Ela precisa de nós — imploro, segurando sua mão com firmeza. — Nós não
podemos virar as costas para ela agora.
— Não acho que será possível trazê-la para cá.
— Por quê?
— Bryan... ele tomou a frente no resgate da garota e está a acompanhando, suspeito que não
permitirá que ela se afaste até que esteja bem.
— Você acha que ele... — Pisco rapidamente considerando a possibilidade, esses homens
quando se rendem a cuidar de alguém são intensos em todos os aspectos.
— Eu não sei, mo chailín — reflete pensativo —, a garota estava quebrada demais para seguir
em frente com facilidade, mas vamos acompanhá-la de perto, só o futuro nos dirá o fim dessa
história.
— Uma nova história, talvez...
— Talvez.... — Sorri de leve e beija o meu ombro. — Agora venha aqui amor, me deixa te amar
mais um pouco.
Ele me chama e eu me entrego, porque quando estou nos braços de Regan eu me
permito viver...
No final, descobrimos que, mesmo nas profundezas mais sombrias, a esperança e a
compaixão podem ser a força que nos mantém firmes.
Epílogo 01

Cerca de 02 anos depois.


O sol se põe lentamente no horizonte, tingindo o céu de tons de laranja e rosa, enquanto
observo através da janela do meu escritório Eileen correr atrás de Niamh no jardim da nossa
casa, numa vã tentativa de fazer a nossa filha se agasalhar.
Apenas agora, após atravessar o inferno na terra, eu consigo perceber quanto tempo eu
perdi em minha vida. Confesso que não consegui encontrar a paz em minha alma, essa eu já
aceitei ser inalcançável para mim, mas por outro lado, consigo conviver com a felicidade que
estar rodeado da minha família me traz.
Não sou mais apenas o líder implacável do Clã A Ordem de Éireann. Me tornei também o
homem que Eileen ama com todo o seu coração.
Ela por sua vez, é não apenas minha companheira, ela se tornou a minha fonte de força e
inspiração.
Ano passado celebramos nossa união em uma cerimônia íntima, cercados apenas por meus
subchefes e poucos conhecidos, alguns dos funcionários também participaram porque foram
parte importante da nossa história e testemunharam o nosso amor acontecer. Foi um momento de
alegria e felicidade que jamais considerei um dia viver, naquele dia selamos nosso destino para
sempre.
Finalmente aprendi que, mais importante do que manter afastadas as pessoas que amo para
protegê-las dos meus inimigos, é mantê-las por perto e cuidá-las com as minhas próprias mãos.
Sei que haverão dias difíceis, na vida que escolhi é impossível não acontecer, mas também
entendi que as ter por perto me torna mais forte para enfrentar qualquer problema.
Com o passar do tempo, Eileen me ajudou a entender que a dor da perda de Kira poderia
se transformar em uma lembrança doce e suave, ela é uma presença constante e reconfortante em
nossos corações.
Minha filha jamais será esquecida, dia após dia eu ainda me culpo pelas minhas escolhas
relacionadas a ela, mas aprendi a seguir em frente, honrando sua memória em cada ação que
tomo com Eileen, Niamh e agora com o nosso filho que está prestes a nascer.
Como se sentisse que está sendo observada, Eileen olha para a janela, para o exato ponto
onde me encontro. Consigo lembrar perfeitamente do dia, anos atrás, em que a observei sob uma
chuva torrencial desse mesmo lugar. Naquele dia, perdi a batalha contra mim mesmo e decidi
que a faria minha.
Foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado.
Ela sorri e sopra um beijo na minha direção, sorrio porque sinto uma onda de gratidão e
paz invadir meu coração. Não é fácil deixar o passado para trás, mas quando olho para minha
família, sei que valeu a pena cada sacrifício que fiz, cada batalha que travei.
Eileen encheu a minha casa de risos, amor e esperança. Algo que jamais almejei ter na
vida.
Enquanto aguardamos a chegada do nosso filho, sei que nosso lar será ainda mais
completo. Eileen, com sua sabedoria e amor incondicional, me ensinou que o verdadeiro poder
não está na força bruta, mas sim na capacidade de amar aqueles que estão ao nosso redor.
Não vai ser fácil, estou cada dia mais paranoico com a nossa segurança, não há como
mudar a minha essência, ainda sou um protetor nato. Entretanto, agora lido com tudo os
mantendo perto de mim.
Sempre me achei um homem sábio, mas foi Eileen quem me ensinou que cada dia é uma
nova oportunidade de fortalecer nossos laços, superar obstáculos e celebrar as pequenas alegrias
que a vida nos oferece e isso deve ser feito juntos.
Mesmo que o mundo lá fora seja repleto de perigos e incertezas, aqui dentro, em nosso lar,
encontro o meu refúgio particular de paz, entrega e amor.
Eileen e Niamh são minha âncora neste mar revolto que é o mundo do crime. Seus sorrisos
iluminam até mesmo os dias mais sombrios e me lembram do que realmente importa.
Elas são o que me importa.
A chegada de nosso filho será mais um capítulo de amor e aprendizado, tenho ânsia de
viver com ele os anos que perdi com Niamh e com Kira, ele será o capítulo final, a redenção dos
meus pecados.
Estou determinado a ser o melhor pai possível para ele, assim como faço com Niamh, vou
protegê-los e guiá-los com sabedoria ao lado de Eileen.
Continuo observando-as brincando juntas no jardim, mesmo longe, sinto como se pudesse
ouvir suas risadas preenchendo o ar. Não há lugar onde eu prefira estar do que ao lado delas.
Eileen foi o meu recomeço, ela me deu uma nova chance de viver, me ensinou a amar, e
eu não poderia estar mais grato por tê-la ao meu lado.
No final das contas, é o amor que nos sustenta, que nos dá forças para continuar lutando,
mesmo nos momentos mais difíceis.
Posso parecer um filho da puta por me achar no direito de falar de amor quando mato
pessoas com a mesma facilidade com que bebo uma xícara de café, mas esse sou eu em minha
mais pura essência, disso não posso fugir e nunca quis mudar.
Minha família se tornou o meu maior legado, minha história de amor e redenção, escrita
com as minhas próprias mãos e selada com o sangue que derramei pelo caminho.
Porque, no final das contas, o amor é o único sentimento capaz de nos salvar.
Sempre foi Kira, Niamh, nosso filho que chegará em breve e principalmente, sempre será
Eileen.
Epílogo 02

CONFIRA UM TRECHO DO PRÓXIMO LIVRO...

— Não... por favor... eu preciso dela, da morte... — As palavras da garota reverberam em minha
mente como um eco sombrio, uma melodia dissonante que ressoa em minha alma já
atormentada.
Em meio à escuridão quase sufocante daquela câmara subterrânea, suas súplicas ecoaram
como um chamado desesperado por libertação, um eco de dor que perfurou o meu coração como
uma faca afiada.
Por um momento, eu me permiti considerar seu pedido, pensei que lhe entregar a morte
seria uma benção no final, mas não, não sou um homem tão bondoso assim, capaz de colocar os
desejos de outra pessoa à frente dos meus.
E naquele instante, desejei que ela vivesse.
Eu, Brian Cian Dagda[42], subchefe, considerado por muitos como o impiedoso cobrador
da lealdade da Ordem de Éireann, mergulhei em uma batalha interna, uma guerra de princípios e
emoções que ameaçaram me consumir por inteiro.
Nunca fui um homem de compaixão. Na vida que escolhi, a piedade é um luxo que não
podemos nos dar. Mas naquele momento, diante dos olhos assombrados da menina, daquela
expressão de sofrimento indescritível, algo dentro de mim mudou.
Pela primeira vez em muitos anos eu me permiti sentir.
Senti uma chama ardente se acender em meu peito, uma chama que me queimou por
dentro, uma chama que entendi ser... compaixão.
A lembrança de quando a encontrei continua fresca em minha mente.
Ela estava deitada no chão frio e úmido, seus lábios costurados como se fossem parte de
uma grotesca obra de arte. Seus olhos, no entanto, brilhavam com uma chama de resistência que
se recusava apagar, mesmo que ela tenha expressado em suas palavras o contrário.
Naquele momento, eu soube que ela era diferente. Ela não é apenas mais uma vítima do
mundo cruel em que vivemos. Ela é... especial, alguém que luta para viver, como ela fez, não
poderia ser menos do que isso.
Então, fiz algo que nunca pensei ser capaz, fui tão misericordioso quanto egoísta e
decidindo por nós dois a deixei viver.
Lutando para manter a mão firme, peguei a minha faca de combate e comecei a desfazer
os pontos que prendiam sua boca, um por um, como se estivesse desfazendo as correntes que a
aprisionavam. E quando finalmente seus lábios se abriram em um suspiro de alívio, eu a vi... Eu
realmente a vi pela primeira vez.
Seus olhos são como um oceano profundo, tão azuis quanto o céu em um dia de verão.
Eles são o reflexo da sua alma, uma alma marcada pela dor e pelo sofrimento, mas também pela
força. Por um segundo, eu me vi perdido naquele olhar, me afogando em um mar de emoções
que até então eu desconhecia.
E naquele momento, naquele milésimo de segundo em que nossos olhos se encontraram,
eu soube... soube que minha vida nunca mais seria a mesma.
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Sobre a autora

Fernanda Piazon é uma baiana “arretada”. Advogada, casada, mãe de um príncipe lindo e
apaixonada por literatura.
Leitora voraz desde sua adolescência, ela queria escrever: um filme? Uma novela? Um livro?
À época, ela ainda não sabia, mas tinha certeza de uma coisa: não deixaria de traduzir, de
colocar no papel as histórias que sempre moraram em sua imaginação.
Ler sempre foi um vício e escrever tornou-se uma paixão.
Pouco a pouco, ela conseguiu encontrar-se na escrita, com dedicação e cada vez mais
inspiração têm conquistado mais leitores.
Decidida e determinada, assim como os seus personagens, ela tem nos encantado a cada
página.
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É o que temos para hoje meus amores!


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policiais e até mesmo alguns clichês que amamos e aquecem os nossos corações, é claro que
Brian e Áine muito em breve contarão pra vocês a sua história, assim como os outros
membros do Clã A Ordem de Éireann, histórias que com certeza vão surpreender vocês!!!
Aguardem...

[1] Clã criado para essa série

[2]
Bran, também conhecido como Bran o Abençoado, era um guerreiro lendário e rei da ilha da Grã-Bretanha. Sua história
começa quando ele recebe um presente mágico, um caldeirão que tinha o poder de ressuscitar os mortos. Durante uma guerra
contra a Irlanda, Bran é ferido mortalmente por uma lança envenenada. Ele pede a seus companheiros que cortem sua cabeça e
a enterrarem na Torre Branca de Londres para proteger a ilha.
A cabeça de Bran continua a falar após a morte, e assim é mantida em um estado de vida após a morte. Bran é lembrado como
um herói e símbolo de proteção para a Grã-Bretanha.
[3]
“Gwydion é um dos personagens mais originais da mitologia galesa.
Ele era um líder heroico que derrotou um rei inimigo sozinho. Ele era um conselheiro de confiança que guiou seu sobrinho ao
poder.
Ele também pode ser um personagem não confiável e até perigoso. Ele permitiu o sequestro de uma mulher inocente, usou o
engano para atingir seus objetivos e possivelmente até gerou seu próprio sobrinho famoso.
Gwydion era um personagem cheio de contradições cujos poderes mágicos eram igualados apenas por seu raciocínio rápido.”
[4] Dagda é uma das figuras mais proeminentes nos primeiros mitos irlandeses. Irmão do primeiro rei dos Tuatha de Dannan, foi

um dos primeiros a vir para a Irlanda.


Ele desempenha um papel proeminente na história de como os Tuatha de Dannan dominaram a Irlanda e se tornaram seus
deuses. Sua importância, porém, vai muito além dessas primeiras batalhas.
O Dagda é frequentemente considerado um deus da terra que dominou a agricultura e a fertilidade. Embora seja frequentemente
associado à alimentação, esta não é a sua única função.
O Dagda era um mestre da magia e da guerra. Conhecido por sua sabedoria e força, ele era um oponente formidável dentro e
fora do campo de batalha.
Ele se tornou um dos lendários reis da Irlanda e foi o pai de muitos deuses. Ele também era marido e cúmplice de uma das
deusas mais famosas do panteão.
O Dagda era uma figura poderosa cuja magia fazia a ponte entre a vida e a morte. Deus da terra, ele também era um deus da
morte, ordem e lei natural.
[5]
“Lugh é um Deus Celta, representado em muitas Lendas Irlandesas como sendo o triunfo da Luz sobre a Escuridão.
As suas funções identificam-no como um Deus da Guerra e das Artes Mágicas, mas os poetas e todos os artistas também são por
ele beneficiados, juntamente com os guerreiros e os magos. As suas armas sagradas em todas as tradições são a funda e a
lança.”
[6]“Morrígan é a divindade da mitologia celta conhecida como Deusa da Morte e da Guerra. Além disso, os povos irlandeses
também a consideravam patrona de bruxas, feiticeiras e sacerdotisas.
Assim como os outros deuses da mitologia celta, ela está diretamente ligada às forças da natureza. Dessa maneira, também era
considerada Deusa do Destino humano, é considerada o Grande Útero, responsável pela morte, renovação e renascimento de
toda a vida.”
[7]Fionn mac Cumhaill tornou-se sábio ainda criança enquanto estudava com o eremita druida Finnéces. Após 7 anos
esperando o salmão da sabedoria aparecer, Finnéces finalmente havia capturado o salmão Fintan (um bardo que viveu durante
muitas encarnações e, assim, obteve toda a sabedoria possível) e pretendia comê-lo para obter o valioso conhecimento.
Fionn observava Fintan já em um espeto, antes de ser devorado, quando o salmão se debateu e atingiu o polegar de Fionn, que
imediatamente levou o dedo à boca para aliviar a dor.
Desde então, toda vez que Fionn levava o polegar à boca, o herói entrava em um estado alterado de consciência e podia ver
passado, presente e futuro.
Adulto, Fionn mac Cumhaill foi líder dos Fianna (um grupo de guerreiros) e tinha entre seus companheiros os cães de caça
Bran e Sceolan.
A mitologia irlandesa conta que Fionn teve todas as habilidades necessárias para a fama e glória: Ele era o corredor mais
rápido; nunca errou o alvo com sua lança; poderia nadar em qualquer corpo d’água; e tinha a vantagem da sabedoria para,
levando o polegar à boca, saber o paradeiro e as fraquezas de seu inimigo
[8]
Balor era um poderoso líder dos Fomorianos; uma raça negra e demoníaca que eram os terríveis opressores dos Tuatha Dé
Danann. Ele foi morto por seu neto Lugh na Batalha de Moytura, que havia sido profetizada.
Tão imenso era o tamanho de Balor que vinte e sete de seus soldados caíram e morreram debaixo dele quando ele foi morto.
Como o Ciclope, ele tinha apenas um olho mágico conhecido como "olho do mal", e era a maior arma de Balor. Apenas um
olhar de seu olho poderia matar. O olho estava constantemente fechado e usado apenas contra inimigos no campo de batalha.
Na mitologia irlandesa, Balor e os Fomorianos representam os poderes das trevas, do mal e da morte.
[9]
Crom Cruach é uma divindade obscura e misteriosa da mitologia celta, associada a rituais de sacrifício e cultos pagãos.
Acredita-se que era uma divindade adorada em tempos antigos, especialmente na Irlanda pré-cristã. Crom Cruach era
frequentemente representado como uma estátua de pedra, e as oferendas de sangue eram feitas em seu nome.
A história de Crom Cruach está envolta em segredos e tabus. Dizia-se que cultos em sua honra realizavam cerimônias sombrias,
nas quais sacrificavam animais e, em algumas versões, até mesmo seres humanos para ganhar seu favor e proteção.
Com a chegada do Cristianismo, Crom Cruach foi demonizado e sua adoração foi abandonada. Ele se tornou uma figura
sinistra da mitologia celta, lembrando um passado obscuro e pagão.

[10]
Organização liderada por Declan O’Malley, inimigo de Regan.
[11]
Cidade fictícia criada para esse livro.
[12]
O chefe, o líder da organização.
[13]
Rei supremo.
[14]
Cidade Irlandesa fictícia criada para esse livro.
[15]
Papai em Irlandês.
[16]
Cidade situada no Colorado EUA.
[17]
Algo como Minha Pequena em Irlandês.
[18]
É um profissional especializado em moda e estilo pessoal que trabalha com indivíduos para ajudá-los a melhorar sua
aparência, vestimenta e confiança.
[19]
Irlandeses são um povo muito supersticioso, prova disso é que trevos-de-quatro-folhas e leprechauns se tornaram símbolos
do país.
[20]
Um hangar é um grande galpão, situado em um aeroporto ou heliporto, no qual estacionam-se as aeronaves para
manutenção e preparação para os próximos voos.
[21]
A balaclava é um capuz, que tem como principal objetivo proteger a cabeça e o pescoço da pessoa que está usando.
Popularmente é conhecido como touca ninja. Dependendo do produto, deixa apenas os olhos descobertos, enquanto as outras
partes do rosto ficam totalmente cobertas.
[22]
Os Irlandeses acreditam que, se você abrir a porta de casa de der de cara com um magpie (um pássaro popular na Irlanda)
sozinho, é morte na certa!
[23]
Menina em Irlandês.
[24]
O termo francês déjà vu significa “já visto” e diz respeito à sensação subjetiva, mas intensa de já se ter presenciado ou
vivenciado algo.
[25]
Minha menina em Irlandês.
[26]
Minha menina em Irlandês.
[27]
O rei supremo.
[28] A Hidra de Lerna, na mitologia grega, era um monstro, que habitava um pântano junto ao lago de Lerna. A Hidra tinha

corpo de dragão e várias cabeças de serpente. Segundo a lenda, as cabeças da Hidra podiam se regenerar; algumas versões dizem
que, quando se cortava uma cabeça, cresciam duas em seu lugar.
[29]
É um whisky irlandês de malte único, produzido em 1951 e envelhecido por 36 anos em barris de carvalho. Ele é considerado
um dos produtos desse tipo mais raros e caros do mundo, com apenas 36 garrafas produzidas.
[30]
Meu anjo salvador em Irlandês.
[31]
Sua ruína.
[32] Whisky single malt escocês é uma bebida destilada feita exclusivamente na Escócia a partir de cevada maltada e água. É

chamado de "single malt" porque é produzido em uma única destilaria, usando apenas cevada maltada como grão e destilado em
alambiques de cobre tradicionais. Esse tipo de whisky é apreciado por sua complexidade de sabores e aromas, que podem variar
dependendo da região da Escócia onde é produzido, do tipo de barril usado para envelhecimento e do tempo de maturação.

[33]
O jet lag é um distúrbio temporário do sono. Ocorre quando o relógio biológico do corpo está fora de sincronia com os sinais
de um novo fuso horário. Pode haver desorientação relacionada à exposição à luz e aos horários das refeições. Fadiga e
dificuldade de concentração são alguns dos sintomas.

[34]
O Brooklyn Bridge Park é um parque de 85 acres no lado do Brooklyn do East River, em Nova York
[35]
Pick up de luxo da marca General Motors Company.
[36]
Carro de luxo da marca Porsche.
[37]
Mamãe em Irlandês.
[38]
Cidade fictícia criada para esse livro.
[39]
Meu bebê em irlandês.
[40]
Yin e Yang são conceitos da filosofia chinesa que representam a dualidade complementar de forças opostas e
interdependentes, como escuridão e luz, feminino e masculino, passivo e ativo. Juntos, eles simbolizam o equilíbrio e a harmonia
do universo.
[41]
Meu amor em irlandês.
[42]
Seu codinome faz referência ao deus Dagda, associado à magia e à prosperidade.

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