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TECTÔNICA NA ARQUITETURA:
DIRETRIZES PARA O PROJETO DE EDIFICAÇÕES
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CAMPUS ARAPIRACA
CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
ARAPIRACA
2018
EDUARDA FERREIRA DOS SANTOS
ARAPIRACA
2018
EDUARDA FERREIRA DOS SANTOS
TECTÔNICA NA ARQUITETURA:
DIRETRIZES PARA O PROJETO DE EDIFICAÇÕES
Banca Examinadora:
___________________________________________________________
Prof. Me. Edler Oliveira Santos
Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Campus Arapiraca
Orientador
___________________________________________________________
Profª. Dra. Elisabeth de Albuquerque Cavalcanti Duarte Gonçalves
Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Campus Arapiraca
Examinador Interno
___________________________________________________________
Profª. Dra. Simone Carnaúba Torres
Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Campus Arapiraca
Examinador Interno
___________________________________________________________
Arqtª. Urb. Nívea Pereira Cavalcante Silva
Arquiteta e Urbanista
Examinador Externo
A Deus...
(Viollet – le – Duc)
RESUMO
For some decades now, tectonics in architecture has become a field of research that
arouses the interest of theoreticians and architectural designers, resulting in a critical
and projectual production dispersed at different moments in history. Nowadays, the
discussion of the theme is necessary due to the lack of conciliation between the
architectural form and the structure within the project, a common problem in
contemporary works. Thus, this research starts from the assumption that a project
results from a relation of elements, capable of transmitting messages and sensations,
where the structure can significantly contribute to the recognition of the importance of
architectural works, since it is not considered only as the skeleton that supports any
space. In this sense, this work aims to investigate the potential of the use of structures
in the design and production of architectural spaces. For that, a study was carried out
on the origins and the unfolding of the concept of tectonics in architecture over time.
Then, it was necessary to understand the possibilities of interface between
architectural form and structure of buildings through analyzes of national works with
tectonic character. Finally, guidelines were developed based on the concept of
tectonics in architecture in order to guide the design of buildings. After this procedure,
it was possible to list points where tectonics manifests itself in the built space, enriching
it either internally or externally, contributing to a critical and qualified architectural
production as opposed to the standardization currently observed.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 14
1.1. Objetivos ............................................................................................................ 16
1.2. Procedimentos metodológicos ........................................................................... 16
1.3. Justificativa ......................................................................................................... 17
2 TECTÔNICA NA ARQUITETURA ......................................................................... 19
2.1 A estrutura aparente ............................................................................................ 26
2.2. Os diferentes papéis da estrutura ...................................................................... 28
2.3 Elementos expressivos da Tectônica .................................................................. 42
2.3.1 Cascas ............................................................................................................. 42
2.3.2 Membranas ...................................................................................................... 44
2.3.3 Catenárias ........................................................................................................ 45
2.3.4 Estruturas Nervuradas...................................................................................... 46
2.3.5 Arcos ................................................................................................................ 48
2.3.6 Pórticos ............................................................................................................ 50
2.3.7 Viga Vierendeel ................................................................................................ 51
2.3.8 Paredes ............................................................................................................ 52
2.4. Categorias da Tectônica..................................................................................... 53
2.4.1 Modulação ........................................................................................................ 56
2.4.2 Relevo e textura ............................................................................................... 57
2.4.3 Máscaras e filtros ............................................................................................. 58
2.4.4 Escala da estrutura .......................................................................................... 59
3 TECTÔNICA EXPRESSA EM OBRAS BRASILEIRAS......................................... 61
3.1 Grupo 1 – Escala macro ...................................................................................... 62
3.1.1 Arena Castelão ................................................................................................. 62
3.1.2 Estádio Beira Rio .............................................................................................. 67
3.1.3 Estádio Mané Garrincha ................................................................................... 71
3.2 Grupo 2 – Média escala ...................................................................................... 76
3.2.1 Catedral de Brasília .......................................................................................... 76
3.2.2 Museu do Amanhã ........................................................................................... 82
3.2.2 Museu Oscar Niemeyer (MON) ........................................................................ 87
3.3 Grupo 3 – Escala micro ....................................................................................... 91
3.3.1 Residência Gerassi .......................................................................................... 91
3.3.2 Residência Mipibu ............................................................................................ 95
3.3.2 Residência LLM ................................................................................................ 98
4 TECTÔNICA: ESTRATÉGIAS DE PROJETO ..................................................... 102
4.1 Planta livre......................................................................................................... 103
4.2 Estrutura de perímetro....................................................................................... 103
4.3 Luz e sombra..................................................................................................... 104
4.4 Estrutura aparente ............................................................................................. 104
4.5 Simbolismo ........................................................................................................ 105
4.6 Escala de estrutura ........................................................................................... 105
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 108
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 109
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1 INTRODUÇÃO
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1 INTRODUÇÃO
Arquitetura é a arte de projetar, que envolve uma série de processos que resultam
em um produto final que relacione conceito e técnica. O papel dos arquitetos e
engenheiros é integrar concepção e execução da melhor forma possível, podendo por
meio dessa aliança chegar a um resultado final satisfatório que cause impacto visual
e sensitivo a quem observe a edificação. Parece ser comum na literatura
especializada que consideram a estrutura como sendo a essência da arquitetura, o
fato de que é preciso conscientizar os arquitetos para que revejam suas posições e
que acabem com a tendência de resumir a arquitetura a pura estratégia de consumo,
sem a valorização dos seus aspectos técnicos e construtivos.
A necessidade de se pensar em um projeto a partir da inter-relação de diversos
subsistemas é uma tendência cada vez mais comum na arquitetura atual. A
sensibilidade em conceber projetos que transmitam mensagens e sensações requer
um processo de criação onde forma arquitetônica e forma estrutural são
desenvolvidas paralelamente, a fim de que a sua relação estabeleça uma coerência
interna, ou seja, que o involucro de uma construção e seu interior se complementem
e interajam de forma positiva (Charleson, 2009).
De modo geral, a padronização permeia a área da construção civil resultando na
tendência da arquitetura de caminhar para um lugar comum, onde há uma carência
na busca por novas técnicas e inovações que contribuam na qualidade dos processos
construtivos e dos produtos edificados. Isso acaba sendo um ponto negativo diante
das oportunidades perdidas de criar obras com maior riqueza de detalhes, que
despertem diferentes interpretações e promovam experiências únicas para seus
usuários.
De acordo com Gregotti (2006), a tectônica, através de suas estratégias, pode
transformar a arquitetura massiva e padronizada que temos hoje, uma vez que a
estrutura pode ser o detalhe que está fazendo falta na arquitetura atual. O que ele
chama de detalhe engloba tudo aquilo que possa impactar de alguma forma aqueles
que veem o espaço, que permitem que o arquiteto dê vida e sentido a qualquer lugar.
Em sua fala define que a arquitetura é a perfeita união entre a teoria e a prática e que
a arte de fazer arquitetura está nos detalhes, lamentando que os arquitetos
contemporâneos pareçam ter esquecido disso. De acordo com ele esse é o fator que
diferencia a arquitetura da construção propriamente dita.
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Em sua fala define que a arquitetura é a perfeita união entre a teoria e a prática e
que a arte de fazer arquitetura está nos detalhes lamentando que os arquitetos
contemporâneos pareçam ter esquecido disso. De acordo com ele esse é o fator que
diferencia a arquitetura da construção propriamente dita.
Assim, a fim de investigar esses aspectos iniciais, este trabalho parte do
pressuposto de que as questões estruturais e construtivas podem ser a principal
motivação para a concepção projetual de edifícios, como resposta a tendência atual,
tal como aponta Gregotti, Frascari, Frampton (2008), à padronização excessiva da
arquitetura.
Inicialmente, o Capítulo 2 (Tectônica na arquitetura) aprofunda o conceito de
tectônica e as mudanças sofridas por ele ao longo do tempo, assim como aborda por
meio de exemplos nacionais e internacionais, elementos e categorias que expressam
a tectônica dentro de uma edificação. Em seguida o Capítulo 3 (Tectônica expressa
em obras brasileiras), analisa obras brasileiras, em escala macro, média e micro, a
partir das categorias e elementos expressivos da tectônica. Por fim, o Capítulo 4
(Tectônica: Estratégias de projeto) apresenta diretrizes projetuais fundamentadas
no conceito de tectônica, visando a integração entre forma e estrutura na concepção
de projetos.
1.1 Objetivos
1.3 Justificativa
nacional. Não obstante, esse fator se torna um diferencial tendo em vista que a maioria
das investigações sobre esse tema, compreendem obras internacionais. Nesse ponto,
o trabalho inova ao abordar que, apesar de bastante conhecidas, não foram
analisadas pelos seus aspectos tectônicos.
Além disso, o apontamento de diretrizes fundamentadas no conceito da
tectônica em arquitetura pode ser útil a estudantes e profissionais que se dedicam
diariamente ao projeto de edificações, contribuindo para produção arquitetônica crítica
e qualificada, que sinaliza para a superação da padronização observada atualmente.
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2 TECTÔNICA NA ARQUITETURA
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2 TECTÔNICA NA ARQUITETURA
1 Grupo de jovens arquitetos modernos que iniciaram uma crítica aos preceitos dos CIAM,
principalmente em relação ao urbanismo, ao contestar a famosa Carta de Atenas de Le Corbusier.
Fonte: Coisas da arquitetura, 2018.
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2 São denominados vedas os vários tipos de textos todos datando aos tempos antigos e compostos por
um idioma chamado Sânscrito védico, de onde se originou posteriormente o sânscrito clássico. Os
Vedas formam a base do extenso sistema de escrituras sagradas do hinduísmo, que representam a
mais antiga literatura de qualquer língua indo-europeia. Fonte: vedantaonline.org, 2018.
3 Ilha grega localizada no nordeste do mar Egeu. É a terceira maior ilha grega e a sétima maior do
tectônica procura combater. Frampton ainda menciona ser um hábito essa forma de
conceber a arquitetura como uma mercadoria, escondendo o que a faz existir e a
sustenta. Em outras palavras, o invólucro das edificações ganha destaque sobre o
seu conteúdo construtivo. Sobre essa forma atual da arquitetura Frampton comenta:
Em vez de ficar repetindo os tropos vanguardistas, ou de aderir ao pastiche
historicista, ou ainda a supérflua multiplicação de projetos escultóricos, todos
contendo uma dimensão arbitrária por que não se baseiam nem na estrutura
nem na construção os arquitetos podem voltar a unidade estrutural como
essência irredutível da forma arquitetônica (GREGOTTI, FRASCARI,
FRAMPTON, 2008, p. 559, grifo nosso).
O que Frampton demonstra com isso é que a estrutura pode sim ser um
elemento determinante em espaços arquitetônicos. Através dessas palavras ele
contraria a arquitetura preconizada pelo movimento moderno, onde as construções
eram puristas e totalmente desvinculadas da influência emocional. Dessa forma ele
crítica o caminho que a arquitetura vem seguindo, onde muitas vezes arquitetos
projetam obras escultóricas e não sabem como executá-las. O que acontece segundo
ele, devido a individualização existente entre as profissões, onde engenheiros e
arquitetos não mantém um diálogo honesto e consequente sobre o projeto, gerando a
falta do entendimento do projeto como campo multidisciplinar. Assim, os profissionais
trabalham de forma isolada assim como as matérias pautadas nas universidades
também são vistas de forma isolada de um modo que não há uma conciliação entre
projeto, forma e técnica o que resulta posteriormente na ausência da exploração da
estrutura como estratégia de valorizar e compor a forma e espaço edificado.
As discussões sobre o potencial da tectônica vêm despertando interesse desde
a sua inserção na concepção do projeto até nas análises de obras já edificadas como
fez Andrew Charleson em sua obra intitulada “A estrutura Aparente", analisando
detalhes em edificações já existentes e que, mesmo com programas similares,
apresentam soluções totalmente diferentes umas das outras. Charleson (2009) diz
que o caráter tectônico das edificações não é uma regra, uma vez que existem obras
projetadas com um caráter atectônico e que também são capazes de despertar
sensações em seus usuários, segundo ele, tudo vai depender da intenção do
projetista na concepção da obra. Charleson (2009) ainda diz que a construção de
obras atectônicas não são um erro, se o projetista elabora seu conceito de modo que
a integração entre estética e estrutura é mascarada de alguma forma, e tem isso
justificado por alguma intenção explícita no projeto.
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4 Todo lugar deve estar ligado ao homem que usufruirá do espaço. A importância da relação direta
entre o lugar e o homem é o foco do pensamento de Gregotti. Valorização do lugar, da cidade e da
história na etapa de concepção projetual. A partir do momento que o homem finca uma pedra no chão
ele já está demarcando o lugar através da arquitetura e seu papel é chamar atenção para esse lugar.
Fonte: (GREGOTTI, 2008).
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Essa falta de ousadia ele define como “crise da linguagem arquitetônica” e essa
crise de fato acontece por não haver, de modo geral, preocupação por parte dos
arquitetos de inovar nos projetos, valorizando-os por meio de detalhes técnicos e
construtivos que muitas vezes são desprezados por não serem considerados
elementos atrativos ou com grande potencial arquitetônico. Gregotti (2006) fala ainda
que o retorno nas aplicações tectônicas traz consigo um enriquecimento para a
arquitetura. Com essas teorias a estrutura ganha um papel de destaque dentro do
projeto acabando por incrementar ainda mais o visual da edificação, não apenas
sendo a responsável sustentá-la.
O foco na estrutura e nas sensações que esta poderia provocar sempre esteve
presente, mesmo que secundariamente, na história da arquitetura, desde os gregos
com suas obras grandiosas, cheias de detalhes onde existia manipulação de
materiais, encaixes perfeitos de vigas e colunas esculpidas artesanalmente, obras que
sempre despertarão diferentes sensações em quem as ver.
Tendo como um de seus fundamentos construir com apuro técnico e estético,
utilizando-se de métodos construtivos apropriados ao contexto onde a edificação será
inserida, a tectônica prima pela valorização de elementos e materiais locais a serem
utilizados como aliados nesse processo de construção. Isso implica na possibilidade
de diminuição dos gastos nas obras, colaborando também de forma positiva, além da
contribuição já mencionada nos demais aspectos técnicos e estéticos, nos
condicionantes de projeto relacionados aos recursos financeiros no âmbito da
arquitetura e construção civil (CHARLESON, 2009).
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5 Sistema que protege a edificação contra ações como os ventos, de forma simples, são elementos que
travam a edificação para que ela não sofra com ações físicas. Fonte: metálica.com.br, 2018.
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Assim como pode ter função de flexibilizar ambientes, a estrutura pode assumir
o papel de organizadora espacial e direcionadora de espaços, contribuindo nas
características arquitetônicas e personalidade de espaços internos. Isto é, “o sucesso
de qualquer estrutura na arquitetura deveria ser medido pelo grau em que ela realiza
um conceito de arquitetura, ou, em outras palavras, de que modo ela enriquece um
projeto” (CHARLESON, 2009, p.199).
Esses aspectos podem ser observados no Museu de Arte Romana (fig. 7),
localizado na Espanha e projeto do arquiteto Rafael Moneo, construído em 1986, no
qual não existe de fato uma divisão física que demarque vários ambientes além das
próprias paredes e arcos que delimitam, dentro de um volume único, diversos espaços
menores com funções similares. Nesse caso a estrutura trabalha de forma indireta na
subdivisão dos ambientes de modo que:
Nove paredes transversais subdividem horizontalmente o espaço principal,
formando várias galerias. Uma nave central, definida por aberturas em arco
que quase alcançam a cobertura e, que por si só, já configura uma galeria,
forma o espaço de circulação principal, com galerias menores em ambos os
lados. [...] um vocabulário estrutural limitado de paredes, arcos e lajes
transforma a pele, que poderia ser simplesmente oca, em uma série de
espaços especiais, facilitando a circulação e a exibição de artefatos. Além de
introduzir variedade espacial, a combinação entre paredes portantes com o
ritmo e a hierarquia de arcos com diferentes tamanhos, enriquece muito ou
mesmo se torna a própria arquitetura do interior (CHARLESON, 2009, p.88)
ornamentados. Tudo depende do conceito e das ideias que cada projetista deseja
transmitir através de seu projeto. De uma forma minuciosa Charleson descreve o
processo de desenvolvimento do detalhamento construtivo de uma edificação:
O detalhamento, como parte do processo projetual, compreende o desenho
de seções transversais, elevações e conexões dos elementos estruturais,
visando a atender os requisitos da engenharia, ou seja, estabilidade,
resistência e rigidez. O detalhamento começa após a escolha da forma
estrutural de um projeto determinado. Por exemplo, se os projetistas
decidirem, a princípio, adotar o sistema de colunas e lintéis com madeira
aparente [...] eles poderão selecionar muitas combinações possíveis de
detalhes para vigas, pilares, vínculos e acabamentos. [...] O conceito de
projeto deve instruir o detalhamento. Antes de se voltar para as questões
especificas de detalhamento das estruturas, o projetista deve rever seu
conceito de projeto e se questionar de que modo ele pode orientar as
decisões do detalhamento. Só então será possível chegar em uma arquitetura
na qual todos os elementos estruturais estão integrados a todos os demais
elementos arquitetônicos e trabalham em conjunto para alcançar o conceito
de projeto. Tal resultado dificilmente será obtido se o projetista permitir, de
forma pouco crítica, que as decisões do detalhamento sejam limitadas pela
prática convencional ou comum. Isso priva os clientes e usuários das
edificações de oportunidades de enriquecimento arquitetônico
(CHARLESON, 2009, p.130, grifo nosso).
p.178). Nas palavras de Charleson, estrutura e iluminação são elementos que estão
ligados diretamente, “afinal a luz não apenas revela as estruturas, mas também
modifica as percepções que temos delas“ (CHARLESON, 2009, p.177).
No caso do Aeroporto Internacional de San Francisco, nos Estados Unidos (fig.
14) a luz natural que ilumina todo o espaço ingressa através de treliças espaciais que
funcionam como fonte principal de luz da área central. A presença de lonas
translúcidas se configura como um detalhe pensado com maestria no projeto para
evitar a insolação direta em dias muito ensolarados.
de inserção desses elementos e sua interface como a forma arquitetônica. Sobre esse
fato Charleson menciona:
A estrutura aparente enriquece a arquitetura sempre que formas estruturais
e detalhes agregam significados em virtude de sua capacidade de
representação e simbolismo. A representação nas estruturas é entendida
como aquela situação em que a estrutura tipifica um objeto físico, como uma
árvore ou uma grua, enquanto as estruturas simbólicas são aquelas que nos
lembram uma ideia, qualidade ou condição. Assim como a beleza, o
simbolismo está nos olhos de quem o vê (CHARLESON, 2009, p.181).
2.3.1 Cascas
Nessa obra intitulada Projeto Eden do escritório Nicholas Grimshaw & partners,
as cascas são formadas por estruturas hexagonais que vencem vãos gigantescos,
exemplificando outro tipo de atuação das cascas citado pelo autor:
As cascas também podem ser construídas com barras de aço ou madeira
como nas cúpulas geodésicas ou em outros domos estaiados. Embora,
nesses casos, inúmeras barras estruturais configurem a superfície estrutural
facetada que deve então ser fechada, ainda assim a estrutura define a forma
arquitetônica (CHARLESON, 2009, p.31).
2.3.2 Membranas
2.3.3 Catenárias
7 Conjunto de barras interligadas e intercaladas com espaços vazios o que proporciona maior leveza
aliado com a resistência. Fonte: metálica.com.br, 2018.
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2.3.5 Arcos
Arcos são elementos rígidos presos por duas bases fixas e que tem facilidade
de resistir a esforços de compressão. Geralmente são utilizados para cobrir vãos e
em alguns casos, suportar outros tipos de coberturas. As principais vantagens da
adoção dos arcos em edificações é sua leveza pelo fato de apresentar um pequeno
peso próprio, tendo em vista que todas as cargas atuantes estarão distribuídas ao
longo da estrutura e serão transferidas diretamente para o solo.
Elementos que apresentam uma estreita relação entre forma arquitetônica e
forma estrutural assim como as cascas. Nota-se através das análises de Charleson
(2009) que elementos curvos e fluidos empregados em edifícios tornam a obra mais
propícia a desenvolver uma linguagem que traduza a tectônica em sua essência,
como é o caso das cascas, membranas e arcos. Isso ocorre devido ao fato dessas
formas desempenharem duas funções simultaneamente, fechamento e sustentação,
como visto nas figuras 30 e 31. Sobre a Casa Ludwig Erhard localizado em Belim, e
projeto do escritório Nicholas Grimshaw e parceiros, Charleson (2009) enfatiza que é
um exemplo de uso de arcos bastante convencional, no qual os arcos são espaçados
regularmente e alinhados verticalmente.
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2.3.6 Pórticos
Com isso ele mostra o quão mais complicado é transformar uma linguagem já
tradicional na arquitetura, como é o caso de inúmeros edifícios retilíneos, compostos
por vários pavimentos, porém que não exploram a composição viga/pilar geralmente
adotadas nesse tipo de construção.
O grande arco em Paris, projetado pelo arquiteto Johan Otto von Spreckelsen
(fig. 32) é um exemplo da imponência que estruturas retilíneas em composição com
outros elementos, nesse caso a viga vierendeel, podem transmitir aos usuários e
observadores.
Figura 32 - O Grande Arco, Paris
O autor cita esse edifício como um exemplo que demonstra a imponência que
elementos retos de grande escala podem adquirir, no qual a hierarquia de pórticos
serve de sustentação para uma cobertura que vence um vão de grandes dimensões.
Sobre isso ele diz:
A cobertura, que vence um vão enorme, e a enorme estrutura do plinto8 que,
por sua vez cobre inúmeros túneis subterrâneos, também são formados por
pórticos, neste caso, na forma de vigas Vierendeel9, com três pavimentos de
altura (CLARLESON, 2009, p.37).
A viga vierendeel é uma estrutura formada por um conjunto de barras que são
ligadas através de nós responsáveis por uma maior resistência entre a viga superior,
inferior e as barras. A união desses elementos faz diminuir a possibilidade de
deformações e aumentar a capacidade de vencer vãos maiores, além de dispensar a
utilização de elementos de vedação, pois a própria viga atua como esqueleto e
paredes. Além de serem elementos esteticamente impactantes são empregadas como
forma de vencer grandes vãos, assim sua grande vantagem está no fato de apresentar
o sistema estrutural integrado nas próprias paredes e fachadas (fig. 33).
8 Elemento que fica diretamente sob a base de um pilar, pedestal, estátua ou monumento. Fonte:
conhecimentogeral.inf.br, 2018.
9 Uma estrutura com maior consumo de material, mas, pela sua conformação, está sujeita a bem menos
esforços, o que permite a abertura de vãos ao longo de sua extensão. Fonte: comoprojetar.com.br,
2018.
52
Esse tipo de viga é um painel de vedação que não bloqueia as visadas para o
ambiente externo além de possibilitar grandes vãos livres de estruturas internas e com
menores chances de deformações pelo fato do sistema estrutural está integrado nas
paredes resultando também na diminuição de gastos com elementos de vedação.
2.3.8 Paredes
Charleson (2009) foca em sua obra nas possíveis contribuições que a ênfase
na estrutura pode trazer tanto no exterior como no interior de edifícios. Contudo,
muitas vezes a ênfase em elementos estruturais no interior se reflete no exterior e vice
e versa. Para exemplificar essa teoria o autor faz uma análise aprofundada do edifício
em que funciona o banco de Hong Kong e Shanghai na China do arquiteto Leoh Ming
Pei (fig. 36).
2.4.1 Modulação
No edifício Yerba Buenas Lofts projetado pelo escritório Natoma Architects (fig.
38), é possível enxergar com clareza os efeitos originados pelo o uso da modulação.
O prédio apresenta 10 pavimentos, porém o uso da modulação faz criar a ilusão que
são apenas 5 andares. Isso só é possível por que “os elementos estruturais principais
– paredes e lajes – são visualmente dominantes e desempenham duas funções
simultâneas: modular e ordenar a fachada e alterar nossa percepção da escala do
prédio” (CHARLESON, 2009, p.57).
presença desses pilares robustos, a fachada seria algo comumente visto em prédios
por todo o mundo, onde há a existência de grandes planos de vidro, planos este que
nesse projeto são realçados devido à existência dos elementos estruturais expostos.
A adoção de textura ou relevo em superfícies tanto externas quanto internas de
uma edificação valoriza o espaço por meio da diferenciação de planos, da
profundidade e em alguns casos pela filtragem de luz natural, características que
tornam o espaço mais interessante visualmente.
3 TECTÔNICA EXPRESSA EM
OBRAS BRASILEIRAS
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O primeiro grupo é composto por edificações de grande porte com área útil
acima de 100.000 m². Foram selecionados três estádios de futebol que apresentam a
estrutura como elemento de destaque, definidora do espaço edificado. A adoção
dessa estratégia resultou em formas arrojadas, conferiu personalidade além de elevar
o potencial estético de cada construção.
10Laje composta por telhas de aço galvanizado e uma camada de concreto, esse tipo de laje concilia
aço e concreto de modo a explorar as vantagens de cada um desses elementos. Fonte: Portal metálica
construção civil, 2018.
67
O Estádio Beira Rio é um projeto do escritório Hype Studio e passou por sua
última reforma em 2010 com a finalidade de se adequar aos padrões FIFA para copa
do mundo de 2014. O Estádio apresenta um arrojo estrutural caracterizados pelos
pórticos de aço locados no perímetro, desprendidos do corpo da edificação de forma
a tornar esses elementos estruturais o destaque da construção.
Assim como na maioria dos centros esportivos, no Estádio Beira Rio a planta
livre também foi resultado da adoção da estrutura de perímetro que está totalmente
aparente internamente (fig. 55 e 58). A malha que compõe os pórticos se estende pela
cobertura em forma de folha resultando em um óculo central, dessa forma apenas o
gramado recebe luz natural sem nenhum tipo de filtração (fig. 54 e 56).
11
Politetrafluoretileno - Material sintético com diversas propriedades vantajosas para o uso na
construção civil. Fonte: infraestruturaurbana17.pini.com.br, 2018.
71
PILARES:
LUZ E SOMBRA:
Jogo de luz e sombra proporcionado pela locação dos 288
pilares no entorno do estádio que faz alusão aos raios
solares.
ESTRUTURA APARENTE:
Toda estrutura que envolve a edificação está exposta tanto internamente quanto
externamente. Através do jogo de luz e sombra a estrutura se faz presente no
interior do estádio.
Fonte: Autora da pesquisa, 2018
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O segundo grupo é formado por edificações com área entre 1200 m² e 15000
m², sendo uma religiosa e duas culturais. Nesse grupo, assim como no grupo anterior
de escala macro, é comum a adoção da planta livre como forma de tornar o espaço
adaptável para atender um grande volume de pessoas.
centro da Catedral que funciona como uma espécie de óculo. São 16 pilares de
concreto moldados “in loco” presos por duas cintas (fig. 68), a primeira junto ao solo
assumindo papel primordial na fundação e a segunda amarrando o topo dos pilares
como forma de não haver um desmembramento na medida em que a estrutura fosse
ganhando altura (PESSOA; CLÍMACO, 2002).
Outro aspecto que chama atenção é o fato dessa amarração não ser camuflada
pelo arquiteto, ao contrário, ele aproveita esse elemento e compõe a coberta como
uma forma de coroa tornando a estrutura algo mais orgânico. Assim como visto
externamente (fig. 69), como algo que amarra o topo dos pilares, internamente (fig.70)
também é possível de se observar essa amarração.
Tomando partido dessa característica, o arquiteto encontrou uma forma de
incorporar ainda mais luz a Catedral, através de aberturas no topo da coroa, a luz
adentra no recinto, incorporando um jogo de luz e sombra que encanta os visitantes.
O diferencial encontrado na Catedral consiste, justamente, na perfeita
integração da planta livre com fatores como o jogo de luz e sombra, que através da
luz natural que ultrapassa os vitrais possibilita ao usuário impressões que variam ao
longo do dia. Isto é, a cada momento a luz incide nos vitrais de uma forma diferente,
refletindo internamente toda a estrutura dos pilares em forma de bumerangue. A
modulação existente nas fachadas, que também é perceptível internamente, faz com
que tudo o que existe na parte externa da Catedral de alguma forma reflita no espaço
interno.
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RELEVO E TEXTURA:
Presente na trama da fachada principal, fazendo alusão a
íris do olho.
CASCA:
Adquirindo um aspecto de fluidez e organicidade, a
edificação apresenta duas cascas, a cobertura do térreo,
convexa e a cobertura do primeiro pavimento côncava.
SIMBOLISMO:
A facilidade de Niemeyer em aliar conceito e estrutura está
evidenciada nesse projeto. As curvas presentes no museu têm
relação com as curvas femininas e seus movimentos, curvas
demonstradas na pintura presente na fachada. Nota-se
nesse monumento a estrutura sendo elevada a um grau
poético.
PLANTA LIVRE:
Por anos considerada a edificação com maior vão livre da arquitetura brasileira,
característica proporcionada pelo uso da casca.
ESCALA DE ESTRUTURA:
Dimensão exagerada do cubo que serve como suporte para o grande olho como
estratégia de equilibrar o edifício esteticamente.
Fonte: Autora da pesquisa, 2018
91
O terceiro grupo, formado por edificações com até 1200 m², compõem-se de
três residências, configurando-se como o grupo atípico, se comparado aos anteriores,
uma vez que é incomum, no âmbito da produção arquitetônica residencial, a presença
da estrutura aparente enquanto componente que une forma estrutural e forma
arquitetônica.
Caixa de escada
Piscina
Área de lazer
LUZ E SOMBRA:
Presente no uso de uma clara bóia centralizada na sala de
estar, dessa forma nos diferentes horários do dia a
insolação incide no interior da residência de diferentes
formas.
SIMBOLISMO:
Integração: construção – natureza. O paisagismo e o recurso da claraboia
permitem uma maior ligação entre o meio externo e o meio interno.
Fonte: Autora da pesquisa, 2018
95
A forma da casa é definida por duas paredes extensas, que se configuram como
planos horizontais que estabelecem os limites laterais da edificação, e pela fachada
ortogonal arrematada por lâminas horizontais que conectam as paredes laterais e
estabelecem um limite tênue entre o público e o privado. Esses elementos horizontais
de fachada, que antecedem o jardim que dá acesso à casa criam relevo
(CHARLESON, 2009) e filtram a luz que invade o edifício (fig. 91). Toda parte aparente
em concreto é amenizada através do uso das plantas e do espelho d’água, elementos
que proporcionam um equilíbrio estético interno e leveza interna maior do que se
observa na parte externa (fig. 91 e 92).
96
Figura 90 - Fachada
TEXTURA:
Evidenciada através do uso de caixilhos na parte interna.
Além disso, a adoção desse material diminuiu o custo com
acabamentos. A residência transmite uma sensação de
calmaria interna proporcionada pelo uso dos espelhos
d’agua em conjunto com toda parte paisagística. Por um
momento a casa não parece está localizada em São Paulo.
ESCALA DE ESTRUTURA:
Os arquitetos adotaram diferentes alturas nessa residência
ao inserir jardins internos com pé direito duplo e também na
instalação de bandejões com vegetação.
ESTRUTURA APARENTE:
Vigas e pilares estão visíveis enriquecendo ainda mais o conceito rústico e tectônico
da residência.
Figura 93 – Fachada
da copa das árvores, que por serem de grande porte mantém sempre o ambiente com
um clima ameno, além de conferir um jogo de luz e sombra quando alguns raios
atravessam as folhas das árvores (fig. 94).
Figura 95 - Implantação
SIMBOLISMO:
O bucolismo se expressa nessa residência através da
natureza. A edificação parece brotar em meio a vegetação
e a integração entre natureza e arquitetura é ponto forte
na concepção da residência.
LUZ E SOMBRA:
4 TECTÔNICA: ESTRATÉGIAS
DE PROJETO
103
4.5 Simbolismo
Edificações
projetadas sem Valorização do
O ponto chave que esconder o que a potencial estético
envolve a tectônica é aliar faz existir e a da edificação.
técnicas e conceitos. sustenta.
Cada material ou uso Cada elemento Surgimento de
dado a determinado construtivo construções
espaço deve ser escolhido tem o planejadas e
justificado dentro do poder de embasadas por um
projeto, pois ao chegar no enriquecer o conceito que alie
resultado final cada projeto. este definido na
SIMBOLISMO edificação apresenta uma Cada material etapa de concepção
trajetória construtiva, escolhido deve ser projetual.
categoria que exemplifica pensado como
o conceito de Frampton de forma de agregar Edificação
projetar com sentido de valor ao produto transmitindo ideias
ser e existir despertando final. e sensações aos
sensações nos usuários e Intenção do observadores,
observadores. projetista impactando de
justificada dentro alguma forma todos
do projeto. que a veem.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AMARAL, Izabel. Quase tudo o que você queria saber sobre tectônica, mas tinha
vergonha de perguntar. Tensions Tectoniques deu projet d’ architecture: Etudes
comparatives de concours Canadiens et brésiliens. Revista Pós USP, São Paulo,
v.16, n.26, dez. 2009. Disponível em: <
http://www.revistas.usp.br/posfau/article/view/43644> Acesso em: 15 jun. 2018.
AMORIM, Sérgio Filipe Pinto. Sobre Tectónica. Revista Arquitectura Lusíada, n.4,
2012, p. 113-123. ISSN 1647-900.
BARONE, Ana Cláudia Castilho. Team 10: Arquitetura como crítica. São Paulo:
Annablume, 2002.
CHING, F.D.K. Architecture: Form, Space & Order. 2. ed. [S. l]: John Wiley & Sons,
1996.
DELAQUA, Victor. Casa LLM / Obra Arquitetos. Disponível em:
<https://www.archdaily.com.br/br/771285/casa-llm-obra-
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VIEIRA, Ian. Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha. Disponível em: <
https://www.galeriadaarquitetura.com.br/projeto.aspx?idProject=1037&escritorio=cas
tro-mello_&projeto=estadio-nacional-de-brasilia-mane-garrincha> Acesso em: 20
ago. 2018.