Você está na página 1de 340

Desejo de Sangue

Selvagens na Máfia II

Lu Aranha & Mari Monni


Direitos autorais © 2022 Lu Aranha & Mari Monni

Todos os direitos reservados.


É proibida a distribuição ou reprodução, total ou parcial, de qualquer parte desta obra, de qualquer
forma ou por qualquer meio, mecânico ou eletrônico, sem o consentimento por escrito das autoras.
Registros de Direitos Autorais pela Biblioteca Nacional.

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas ou acontecimentos é apenas
coincidência.

Capa: Natalia Saj


Revisão de Texto: Bárbara Pinheiro
Diagramação: Lu Aranha

Este romance segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa


Para todas as mulheres que já precisaram expurgar seus demônios
Índice

Página do título
Direitos autorais
Dedicatória
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Epílogo
Nota das autoras
Agradecimentos
Selvagens na Máfia
Sobre o autor
Livros deste autor
Avalie!
Sinopse

Tudo na minha vida foi planejado. Menos a guerra que estamos enfrentando.
Eu passei anos sonhando com meu marido, a nossa família e a vida perfeita
de mulher de Don, sem imaginar quantas pessoas eu perderia pelo caminho.
Dos mais leais aos inimigos, todos estão caindo.
Mas, como eu disse, tudo na minha vida foi planejado, e farei o que for
necessário para ter o que quero. Guerra ou não, meu marido será Don.
A Família Rossi está perdendo suas forças, só que eu sou Mia Wilder e não
vou desistir dos meus objetivos.
Capítulo 1
Sage

A pele de Mia é quente, e uma camada fina de suor faz seus seios
deliciosos brilharem com a pouca iluminação do quarto. Sinto quando ela
treme embaixo de mim, a boceta apertada começando a contrair em torno do
meu pau, e preciso fechar os olhos para não gozar.
— Ainda não, princesa. — Saio de dentro dela em um movimento
rápido, afastando-me um pouco até posicionar a cabeça entre suas pernas.
Antes que Mia se dê conta do que está acontecendo, empurro suas
pernas para cima e caio de boca naquilo que só pode ser considerado o
paraíso na Terra. Seu gosto, misturado ao meu, faz com que um grunhido me
escape. Enfio a língua onde meu pau estava há alguns segundos e Mia solta
um grito alto, emaranhando os dedos em meu cabelo.
— Eu vou… Eu vou… — ela gagueja, e entendo o sentimento muito
bem.
O desespero de chegar ao orgasmo é intenso, tanto que não consigo
controlar e me mexo sobre o colchão, indo e vindo enquanto chupo o líquido
adocicado que escorre em minha língua.
— Gostosa pra caralho. — Tiro a boca e enfio minha ereção latejante
dentro dela de novo.
Mais uma vez, minha esposa solta um gemido, a invasão rápida demais.
As estocadas mais rápidas ainda. Vou sem piedade, metendo com força e
fazendo com que a cabeceira da cama bata incessantemente na parede do
quarto.
— Preciso gozar, amore mio — ela pede em um sussurro, os olhos
tentando se fixar aos meus, porém os movimentos acelerados a impedem de
se concentrar.
— Ainda não. — Encontro sua boca em um beijo, que não é nada suave.
As unhas de Mia arranham minhas costas, me fazendo puxar o ar com
força quando sinto a ardência do suor se misturar ao machucado.
Freirinha safada…
Ela só faz isso porque sabe como eu amo quando deixa suas garrinhas de
fora. Fecho os olhos e aproveito a sensação de estar sendo estrangulado, já
que Mia não para de me apertar com sua bocetinha gulosa.
Estamos enrolados na cama, nossos corpos deslizando um no outro
enquanto não paro de meter. Não consigo parar. Estar com ela é bom demais.
Por isso, beijo-a com mais desespero, precisando… Apenas precisando dela,
de seu calor, de seu amor. E Mia responde na mesma moeda, entregando-se a
mim como sempre faz. Não há começo nem fim entre nós dois. Neste
momento, somos um só, em sincronia perfeita.
É impossível controlar os sons que escapam da minha boca. Estou
faminto, e ela é a única capaz de saciar minha fome.
Mais e mais, continuo indo fundo, sentindo seu calor úmido me
envolver, enquanto começo a descer beijos por seu pescoço salgado de suor.
As mãos dela passeiam em minhas costas, tocando tudo o que conseguem, até
chegarem em minha bunda, me puxando para dentro.
Então, paro de me mexer. Cada centímetro dentro dela, pressionando
com força até que Mia me encare. Seus olhos azuis arregalados. A boca
carnuda entreaberta. O cabelo escuro e comprido esparramado no travesseiro
e o desejo estampado no rosto.
— A porra da mulher mais linda que já vi nesta maldita vida — termino
os pensamentos em voz alta, e se Mia não estivesse vermelha pelo sexo
gostoso que estamos fazendo, tenho certeza de que suas bochechas ficariam
ruborizadas com a declaração.
— Me faz gozar, amore mio — ela pede de novo, os dedos correndo
suavemente pelo meu torso e a voz reduzida a um sussurro ofegante. —
Preciso…
— Eu sei do que você precisa, freirinha, e vou te dar. Mas não estou
bonzinho hoje. — Ergo o corpo, sem sair de dentro dela, até ficar sentado na
cama. Deixo o canto da boca subir em um sorriso torto, aquele que mostra
um pouco de quem sou e do que estou disposto a fazer. O melhor de tudo é
que ela sorri de volta.
A safada é muito pior do que eu.
Por isso, em vez de acabar com a brincadeira, resolvo que está na hora
de prolongar nosso prazer. Apoio as mãos atrás do corpo, afastando-me o
máximo possível, e apenas começo a impulsionar o quadril. A nova posição
faz com que Mia berre incoerências. Os seios balançando com o impacto das
estocadas.
O frio sobe pela coluna, indicando que estou prestes a explodir dentro da
minha mulher. Minha. Minha Mia. Meu amor.
Meto mais rápido, mais descontrolado, sem conseguir parar de olhar
para ela e pensando em tudo aquilo que iremos conquistar. Juntos. Em tudo o
que já conquistamos e fizemos. Juntos. Sempre juntos, porque não há nada
que me fará largar essa mulher.
A cada estocada, solto um gemido e ela grita, nossos quadris se
encontrando com força. Vou foder minha esposa até ela ficar inconsciente —
e aproveitar cada segundo enquanto faço isso. O desespero de Mia serve
como combustível, me instigando a ir mais forte, mais rápido. Tão fundo que
ela vai sentir meu pau na garganta.
Sinto o suor escorrer pelas costas e o calor subir pela espinha. Meus
olhos querem se fechar com a sensação de prazer, mas obrigo-os a ficarem
abertos para ver a cena à frente.
— Se toca, princesa — encorajo e, na mesma hora, Mia me encara. Não
preciso que ela se masturbe para fazer com que goze, mas adoro quando ela
libera o lado safado para mim.
Então, Mia se recosta em um antebraço e estica um dedo na minha
direção. Eu sei o que ela quer, e claro que darei. Chupo seu indicador,
deixando-o bem molhado para que possa deslizar pelo clitóris inchado. E
assim acontece: Mia desce o dedo para o meio de suas pernas e começa a
brincar com o próprio corpo, enquanto eu sigo indo fundo.
Não precisa de dez segundos para que ela chegue ao clímax, me
arrastando junto para o abismo.
— Caralho! — solto em um grito, sentindo um calafrio se espalhar por
minha pele. O prazer é tão intenso que não paro de tremer, nem de despejar
dentro dela. Jato atrás de jato, enquanto ela contrai com força e chama o meu
nome.
Sem sair de dentro da minha esposa, chego para frente e tombo sobre
ela, que me envolve com seus braços finos.
— Ti amo tanto[1]— sussurra em italiano e cola a boca em meu ombro.
A vontade que tenho neste momento é de ignorar o mundo lá fora e ficar
aqui para sempre. Com ela. Dentro dela. Porque nada é mais perfeito do que
Mia Wilder. Só que, infelizmente, minha vida não se resume a ela.
Giro nossos corpos na cama, ficando por baixo enquanto ela deita sobre
mim. Sua cabeça apoiada em meu peito, provavelmente ouvindo o ritmo
acelerado do meu coração. Não sei por quanto tempo ficamos assim —
alguns minutos, talvez —, mas quando sinto-a adormecer em meus braços,
sei que está na hora de resolver todos os problemas que ficaram do outro lado
da porta.
Bem devagar para não a acordar, tiro-a de cima de mim e deposito-a no
meio da cama. Antes de me levantar, beijo seu cabelo suado e vou tomar um
banho.
O dia de hoje, ou melhor, os últimos dias foram cansativos demais. Só
que as coisas ainda não estão resolvidas. Temos corpos a serem devolvidos e
enterros a serem realizados. Enquanto a água limpa a sujeira em minha pele,
sei que nada será capaz de limpar a sujeira que está impregnada em minha
alma. Esta não tem mais jeito.
Já matei homens demais para conseguir qualquer tipo de redenção.
Levanto a cabeça e fecho os olhos. Enquanto a ducha morna molha meu
rosto, algumas imagens se formam — tão nítidas que é como se estivessem
bem à minha frente.
Carlo De Rosa. Diogo Giordanni. Dois homens que nem o nome lembro,
porque eles não eram importantes, mas suas mortes estão na minha conta. E o
primeiro… o primeiro homem que matei, com dezessete facadas. Aquele
rosto eu nunca vou esquecer, mesmo que sua vida tenha sido ceifada há
meses. Fora aqueles que não sei se matei ou não, porque não deu tempo de
conferir. Em meio a tiroteios, não paramos para verificar essas coisas.
Desde que entrei para esta família, perdi boa parte da minha alma, mas
ganhei muitas outras coisas também. Um pai. Uma avó. Eddie. Mia. Minha
Mia. Que agora dorme tranquilamente enquanto tento acalmar meu corpo
antes de tomar todas as providências necessárias para resolver a guerra que
acabamos de começar.
Meu pai disse que a família Giordanni estava acabada, mas sei que não
será tão fácil assim — principalmente porque temos uma herdeira em
liberdade. E isso me faz pensar que Luana não pode voltar para casa. Não
agora. Será que ela já foi?
Então, fecho o chuveiro, me arrumo em tempo recorde e saio do quarto;
mas antes olho para trás e vejo minha freirinha dormindo tranquilamente em
nossa cama. Nua. Linda.
— Onde está Luana? — É a primeira coisa que digo quando invado o
escritório de meu pai sem ao menos bater na porta.
Don Marco está sentado na poltrona costumeira, uma perna cruzada
sobre a outra enquanto analisa o líquido âmbar no copo, que dança em
círculos em sua mão. Ele sequer sobe o olhar para me encarar, tamanha a
concentração.
— Jett saiu há dois minutos com ela — Giovanni explica com a voz
abatida, e só então noto sua presença na sala, parado de frente para a janela.
O Consigliere se vira para mim e, pela primeira vez desde que o
conheci, sinto pena dele. Olheiras profundas, uma palidez assombrosa e a
expressão de total cansaço e desamparo estampam seu rosto. Nos últimos
dias, muita coisa mudou nesta casa: seu filho morreu, descobrimos um
traidor, matamos um outro Don e estamos prestes a enfrentar uma guerra que
talvez não sejamos capazes de vencer. Mas não é de sentimentos empáticos
nem de dúvidas que preciso agora, e sim de firmeza para resolver aquilo que,
evidentemente, os dois não têm condições de fazer.
— Ligue para ele e peça que volte com Luana. Ela não pode ser
libertada ainda — digo de forma enfática.
— Por quê? — Giovanni questiona, a cabeça pendendo para o lado
enquanto me analisa. — Don Marco disse a ela que…
— Eu sei o que meu pai disse. Estava lá e escutei cada palavra.
“Diga que as mulheres estão livres para fazer o que quiserem. A família
Giordanni acabou”, ordenou à minha esposa que, com certeza, fez o que lhe
foi mandado.
— Se você escutou, então por que está contestando as ordens? —
Giovanni insiste.
— Porque podemos usar Luana para fazer um acordo — declaro,
olhando fixamente para ele.
— Figlio mio[2], não estamos em condições de negociar agora.
Assim como seu Consigliere, meu pai parece mais cansado do que
jamais o vi. Ele acabou de matar o homem responsável pelo assassinato de
minha mãe, aquele que fez com que ela fugisse com seus filhos e se
escondesse durante dezesseis anos. O homem que destruiu a nossa família,
antes mesmo que ela pudesse ser construída.
— Exatamente — concordo com ele. — Se liberarmos Luana agora, não
teremos chance de barganha. Você disse que a família Giordanni acabou, mas
duvido que isso tenha acontecido mesmo.
Nós matamos o Don e muitos Soldattos. Minha esposa matou um dos
Capos. Porém é claro que algumas pessoas sobreviveram — e é com elas que
precisamos selar a paz antes que a guerra comece de verdade. Não sei de
onde veio esse meu lado diplomático, mas uma coisa é certa: muitos dos
nossos também perderam a vida, e não sei quantos mais podem ir pelo
mesmo caminho se as coisas continuarem desse jeito.
Conseguimos aquilo que mais queríamos: vingamos a morte de minha
mãe. O corpo de Don Ettore, que o Diabo o tenha, está em algum canto desta
casa. Seu amigo, Carlo De Rosa, era um traidor infiltrado dentro desta família
— também está morto. Vince, o sobrinho de Don Marco que tentou estuprar
minha mulher, é outro que não mais respira. Nos últimos dias, demos cabo de
todos aqueles que nos prejudicaram diretamente. Para isso, sofremos baixas
irreparáveis. E por mais que ainda tenhamos mais números do que os
Giordanni, não podemos nos dar ao luxo de perder outros homens.
Explico exatamente isso para os dois, ao mesmo tempo que omito o fato
de estar sentindo medo pela primeira vez na vida. Não por mim, porque foda-
se se eu morrer amanhã. Mas por meus irmãos e Mia. E pelo filho que
pretendo colocar em seu ventre muito em breve.
— Sage pode ter razão, Don Marco. — Giovanni, mesmo exausto,
parece ter recobrado um pouco da racionalidade. — Não sabemos quais deles
sobreviveram, nem o que estão dispostos a fazer para vingar a morte de
Ettore.
— Sei que o tal de Salvatore está vivo — interrompo o Consigliere. —
Ele estava na casa quando pegamos Luana. O garoto não deve ter mais de
dezoito anos, mas é um herdeiro.
— É o único herdeiro, já que você matou Diogo — meu pai diz, subindo
o olhar para mim pela primeira vez desde que entrei no escritório.
— É irmão gêmeo de Luana — Giovanni explica. — Va bene[3], vou
ligar para Jett agora.
Capítulo 2
Mia

Acordo assustada por não sentir o corpo de Sage ao meu lado. Olho para
a porta do banheiro, mas está fechada e a luz apagada. Levanto-me e tateio
pelo relógio na mesinha de cabeceira; assim que o encontro, vejo que passam
das cinco da manhã. A lembrança de tudo que vivemos nos últimos dias vem
com força em minha memória enquanto levanto e visto apenas o robe de seda
vermelho e saio pelo corredor a procurar mio marito[4].
Para sorte do meu coração, eu o encontro na primeira porta entreaberta
— o quarto de Coal. Uma meia-luz permite que eu o enxergue, adormecido
em uma poltrona ao lado da cama do irmão. Aproximo-me devagar, sem
fazer barulho, pois não quero que Coal, que tem o curativo da perna
manchado de sangue, ou Jett, que dorme no chão, entre a poltrona e a cama,
acordem.
— Amore mio[5]. — Acaricio seu rosto com a ponta dos dedos. —
Vamos para a cama, você também merece um descanso.
Sage abre os olhos e dá um sorriso ao me ver. Ele me puxa pelo braço,
fazendo-me abaixar um pouco, e sua boca vem de encontro à minha. Um leve
encostar de lábios, enquanto seus dedos se entrelaçam aos meus.
Caminhamos até nosso quarto pelo corredor escuro. Ajudo-o a se despir e o
acomodo entre os travesseiros. Mio marito pega no sono em alguns segundos,
abraçado ao meu corpo, mas Morfeu não me presenteia mais com seu
silêncio.
Minha alma começa a ser invadida por todos os fantasmas que carrega.
Os bastardos de quem tirei a vida, mas também aqueles que morreram por
minha causa. O que terão pensado em seus últimos segundos? Bellini e
Vince, eu vi. Estampado em seus olhos estava a surpresa, a descrença de que
era eu a acabar com suas vidas. Mas e os nossos? E meu irmão?
A raiva toma conta de mim ao lembrar. “Lorenzo è morto[6]” retumba
na minha cabeça. Tento não me mexer na cama, meu marido precisa
descansar, mas a ausência de meu irmão mais velho é incômoda demais para
ficar parada.
Tiro os braços de Sage do meu corpo, devagar. Na mesma hora, é como
se minha pele contestasse a falta da sua. Porém preciso de um banho. E de
coragem para enfrentar tudo o que nos espera do lado de fora do quarto. Por
um minuto, hesito. Observo-o dormindo. “Eu te amo, princesa”, lembro-me
de todas as vezes que repetiu isso nos últimos dias e a ideia de apenas ter uma
família com ele, sem qualquer guerra, parece confortável. Mas este não é o
tipo de conforto que quero para nós. Eu quero o mundo abaixo dos pés de
Sage.
Repasso cada momento dos últimos dias, cada um dos mortos, cada
descoberta, cada gota de sangue e lágrima derramada, enquanto deixo a água
quente escorrer por minha pele. Entre um pensamento e outro, a lembrança de
Sage me devorando na cama faz com que um sorriso escape de meu rosto,
mas me concentro nas informações e no que teremos pela frente: enterrar
nossos mortos, lidar com as perdas, reforçar nossa família e ganhar essa
guerra.
Quando saio do chuveiro, Sage começa a despertar.
— Durma mais, amore mio. Ainda é muito cedo — digo num quase
sussurrar.
— Aonde você vai? — Ele me olha dos pés à cabeça, observando as
roupas não habituais que escolhi: uma calça jeans e blusa preta justa, com
gola e sem mangas.
— Vou ajudar as mulheres na cozinha e ver o que precisa ser feito.
Descanse um pouco mais. — Aproximo-me da cama e dou um beijo em sua
testa. — Volto com seu café depois.
Ele apenas sacode a cabeça em concordância, demonstrando todo o
cansaço que sente dos últimos dias. Em seus olhos, enxergo algo pela
primeira vez: vulnerabilidade. Sage confia em mim, me escuta e este é um
fardo que pesa em meus ombros. Meu marido precisa de mim para ser o que
merece.
Quando chego à cozinha, Luana é a primeira pessoa que vejo. Toda a
calma que estava mantendo vai embora na mesma hora.
— O que ela ainda está fazendo aqui? — pergunto, irritada. — Don
Marco havia dado ordens…
— Estava no carro, voltando para casa, mas o bastardo do seu marido
mandou me trazer de volta — Luana grita e cospe no chão.
— Se você chamar meu marido de bastardo mais uma vez — avanço em
Luana, segurando-a pelos cabelos e fazendo com que seu rosto quase
esfregue o chão que ela acabou de cuspir —, juro que te mato com minhas
próprias mãos, maledetta[7].
— Liberala[8], Mia. — Escuto a voz da nonna[9] me repreendendo. — A
ragazza[10] é uma convidada em nossa casa até ser selado um acordo de paz.
Solto os cabelos de Luana, porém meu olhar não desgruda dela. Fico
esperando que nonna me explique o que está acontecendo, mas a cozinha
volta a ficar quieta e o único barulho que se escuta é das mulheres sovando a
massa do pão.
Faço o mesmo. Visto um avental, pego um pedaço da massa e começo a
sovar até liberar toda a raiva que sinto. Mas quanto mais sovo o pão, mais
aumenta minha ira. Sage não é um bastardo e nós vamos fazer todos os que
falam isso engolirem a própria língua.
Minha raiva é interrompida pela campainha. Olho para a tela do porteiro
eletrônico e vejo, ao lado de um dos nossos Soldattos, um mensageiro.
— Deixa que eu atendo, nonna — digo, limpando as mãos no avental.
— A essa hora e com um envelope na mão, só pode ser um mensageiro do
Conselho.
Ela concorda com a cabeça e acelero os passos até a entrada. Abro a
porta e, sem nenhuma palavra, o homem me entrega dois envelopes: um
endereçado à Martina, cujo remetente é Lucas, e outro a Don Marco, vindo
do Conselho, como imaginei.
— O que foi? — papà[11] me pergunta antes que eu perceba sua
presença e de Don Marco na antessala.
— Buon giorno[12], papà. — Caminho em sua direção e dou um beijo
em cada uma de suas bochechas. — Mensagem do Conselho. — Estendo um
dos envelopes para ele.
— Abra você, Mia — Don Marco diz. — Faz parte de suas funções abrir
as correspondências e confirmar sua autenticidade.
Concordo com ele de forma silenciosa e rasgo o envelope. Sinto os
olhos de meu sogro e de meu pai queimando em minhas mãos. Suas feições
cansadas imploram por boas notícias, mas não é exatamente isso o que tenho
a falar.
— Aqui diz que Salvatore é o novo Don dos Giordanni.
— Precisamos selar logo o acordo de paz, Giovanni — Don Marco
ordena ao meu pai. — Depois do café da manhã, quero todos os homens em
meu escritório. — Papà balança a cabeça, concordando.
— E eu? — pergunto, com raiva de ser excluída mais uma vez.
— Você também, ragazza. — Don Marco dá uma pequena risada. —
“Homens” é apenas força de expressão.
Um sorriso vitorioso escapa do meu rosto.
Antes de entrar na sala de Don Marco, já tenho tudo que preciso.
Confirmei com Martina a autenticidade do selo de Don Vicenzo e a entreguei
sua carta. Esperei ansiosa que Lucas desse boas notícias, mas tudo o que ele
escreveu foi sobre a saudade que sentia de Martina e pedindo que ela voltasse
logo. Caso contrário, ele mesmo viria buscá-la — o que até não me pareceu
uma má ideia, já que realmente precisamos de reforços por aqui.
Depois, assuntei com todas as mulheres para ter informações sobre o
novo Don dos Giordanni: um fedelho de dezoito anos que, segundo elas,
sempre foi uma criança má. Nada que indicasse ser um grande problema, mas
algo que não poderia deixar passar. Por isso, enquanto tentava fazer Luana
comer, o que ela se recusa a fazer desde que voltou para a nossa casa, deixei
escapar que seu gêmeo é o novo Don de sua família — e o que vi em seus
olhos foi pavor. Mas a figlia di puttana[13] não abriu a boca, nem para falar,
muito menos para comer.
— Mas você não conseguiu descobrir nada sobre ele? — Sage me
pergunta enquanto conto sobre a reação de Luana.
Antes que eu responda qualquer coisa, Danio entra na sala, pedindo
perdão pelo atraso e fechando a porta atrás de si. Don Marco começa a falar
sobre a necessidade de um acordo de paz. Sage, que está sentado ao meu
lado, no braço da poltrona, presta atenção e parece concordar com as palavras
do pai.
— Primeiro, vamos enterrar nossos mortos, prestar todas as homenagens
a eles como merecem. — Todos na sala assentem com um silêncio abismal.
— Mas como faremos o acordo? — É Jett quem questiona. — Não acho
que apenas um documento vai aplacar a fúria dos Giordanni.
— Deve ser um evento celebrado, como honra nossas tradições — papà
afirma.
— Depois do que aqueles filhos da puta fizeram? — Enrico questiona
nosso pai, que o olha com cara feia.
— São as tradições, ragazzo. — A voz de Don Marco sai mais fraca do
que o normal. — Acredite, se eu tivesse condições, queimaria toda aquela
família e qualquer coisa que tem a ver com eles. Mas não podemos nos dar ao
luxo agora. Existe uma outra guerra que precisamos vencer.
Queimar. A ideia de meu sogro não parece ruim. Eu gostaria de queimar
todos eles, vendo o fogo consumir cada pedaço de carne de quem restou
daquela família de merda. Os gritos de dor e clemência seriam músicas para
meus ouvidos, mas não aplacariam a dor que sinto cada vez que vejo
mamma[14], Antonella, uma das viúvas ou as mães sem seus filhos. Talvez
nem queimar todos eles faria com que essa raiva parasse de borbulhar em
meu peito.
— Outra guerra? — A voz de Enrico faz com que eu volte a prestar
atenção no que está sendo dito.
Olho para os lados, observando cada um dos homens aqui presentes. A
sala inteira parece confusa. Então, com um gesto de cabeça, meu sogro passa
a palavra a papà, que começa a explicar que há um cartel mexicano que
chegou à cidade. Por enquanto, a gangue está se mantendo dentro dos
acordos, já os russos estão avançando em nosso território. Ele enfatiza o
quanto isto está prejudicando os negócios da família e de nossos associados.
— Entendem agora? — Todos parecem surpresos, menos Sage.
— Você já sabia? — cochicho para ele.
Meu marido responde com um movimento de cabeça e volta a prestar
atenção em Don Marco, que repete o que meu pai disse e acrescenta alguns
detalhes que não me são importantes agora. Continuo observando Sage,
tentando descobrir que outros segredos ele me esconde.
Não que seja incomum em nossa família os segredos guardados das
mulheres, mas achei que Sage não guardava nenhum de mim — e essa luz
acende um alerta de que ainda não tenho toda a sua confiança.
— Precisamos pensar em como celebrar esse acordo. Não podemos estar
em guerra com todo mundo. Alguma sugestão? — meu pai questiona.
— Por que não no aniversário dos seus filhos, Don Marco? — Danio
sugere. — Em duas semanas, os meninos comemoram suas vinte e duas
primaveras. Acredito que possa ser um bom momento para celebrarmos a
paz.
— Não sei se Luana sobrevive a duas semanas aqui. Aquela puttana se
recusa a comer — deixo o pensamento escapar pela boca.
— Posso tentar convencê-la — Jett se oferece, mas quando todos os
olhos da sala recaem sobre ele, meu cunhado começa a tentar se explicar: —
É que conversamos um pouco quando estava levando-a para casa e…
— Va benne — Don Marco interrompe suas explicações. — Jett, tente
convencê-la. Caso contrário, colocamos a ragazza no soro. A ideia do
aniversário pode ser boa, Danio. — Ele olha para o meu pai, que concorda
com a cabeça. — Prepare os termos do acordo, Giovanni, e mande fazer o
convite.
— Não é melhor matar todos de uma vez? — Coal, que está sentado em
uma cadeira de rodas ao nosso lado, questiona. — Por que tentar a paz se já
vimos do que são capazes? Eles infiltraram uma pessoa na família só pra
matar a minha mãe. Por mim, morreriam todos. Inclusive essa menina que
está aqui de refém. — Ele balança os ombros, como se não estivesse falando
de vidas. — Depois, acabamos com os russos.
— Controle-se, figlio mio — Don Marco o interrompe. — Vinguei sua
mamma quando matei Ettore, e estamos com pouco pessoal pra bater de
frente com Nicolai.
— Por isso o acordo de paz com os Giordanni é necessário.
Precisaremos deles quando Nicolai resolver atacar — Enrico conclui e todos
concordam, mesmo que a raiva pareça brotar dos olhos do meu cunhado.
Papà começa a distribuir as funções e ordens para que tudo seja
providenciado, tanto para os enterros quanto para a festa de aniversário do
meu marido e de seus irmãos. É um antagonismo constante entre a celebração
da morte e da vida. Entre entregar-se à dor da perda e comemorar a
existência. Entre morrer e sobreviver. E se a paz for a morte? Um calafrio
percorre minha espinha.
— Que foi, princesa? — Sage me pergunta, fazendo com que eu perceba
que a maioria dos homens já saiu da sala.
— Estava pensando nas coisas que tenho a fazer — minto, sem querer
confessar que um mau presságio me ocorreu ao lembrar do pavor de Luana
ao ouvir o nome de seu irmão.
Capítulo 3
Sage

O sol ainda não apareceu e já estou de pé, olhando pela janela e vendo a
névoa encobrir a cidade. É como se o Universo soubesse como odeio este dia
e fizesse de tudo para deixá-lo ainda pior.
Sou tomado pelas lembranças dos dezesseis aniversários que vivi antes
de conhecer a liberdade. De como minha mãe sempre fazia um bolo para nós
três e, mesmo sem vontade, sorria e dizia que éramos muito amados.
Nunca respondi. Nunca disse um “eu te amo” de volta, porque nunca
entendi os motivos que a levavam a nos esconder do mundo. A mágoa que
senti durante tanto tempo… tudo para descobrir que, na verdade, ela só fez
aquilo para garantir a nossa sobrevivência.
A imagem de Don Ettore sem vida, com um furo entre os olhos e o
sangue escorrendo pela testa, me traz um pouco de alívio. Mas ainda não é o
suficiente para me deixar tranquilo. Quanto mais penso sobre a morte de
minha mãe — mesmo que já tenha sido vingada —, mais dúvidas tenho.
Onde está a sua família? Por que ninguém a procurou? O que fizeram a
ela para que pensasse que a única forma de se manter segura era fugir de uma
cidade para outra a cada par de meses? Quem são seus pais? Estarão vivos?
Foda-se quem a matou. Meus questionamentos agora giram em torno de
quem a abandonou quando mais precisava de ajuda.
Se estes fossem os únicos pensamentos rondando minha mente, talvez
conseguisse dormir. Só que milhares de outras coisas também me assombram
sempre que tento fechar os olhos. Há não sei quanto tempo, quando me levou
ao fliperama, meu pai me alertou sobre uma guerra que se aproximava. Ele
mencionou as dificuldades com a Bratva e a formação de um cartel mexicano
na região. Não consigo parar de pensar que a nossa disputa com os Giordanni
possa acelerar o problema que temos com as outras facções.
Sim, precisamos de paz entre os italianos — e o acordo que selaremos
mais tarde é de extrema importância. Até porque, o tal cartel ainda é um
mistério. Por mais que tenhamos pistas ocasionais de quem são, ainda não
sabemos ao certo o que fazem — e isso é bem preocupante. Por outro lado, a
Bratva é mais tranquila. Ou melhor, mais previsível. Tráfico de drogas, de
mulheres, roubo de carro, prostituição…
— Volte pra cama, amore mio. — A voz sonolenta de Mia me faz virar
o rosto para ela, que ainda está de olhos fechados e deitada sob as cobertas.
— Preciso resolver umas coisas, princesa — digo baixinho e caminho
até ela. — Durma mais um pouco. — Deixo um beijo suave no topo de sua
cabeça antes de seguir para fora do quarto.
Por mais que eu esteja louco para me enterrar nela e nunca mais sair do
meu paraíso pessoal, tem outra coisa que preciso fazer antes que o dia
comece. Minha primeira parada é o quarto de Jett. Encosto o ouvido na porta
e a ausência de som do outro lado indica que ele está sozinho, talvez
dormindo. Por isso, giro a maçaneta sem culpa, apenas para dar de cara com
uma cena parecida com a que estava vivendo há alguns minutos.
Assim como eu, meu irmão está de pé, olhando pela janela, com a mão
apoiada no vidro.
— Vamos? — pergunto a ele, que não diz uma palavra, apenas assente
com a cabeça e me segue. Sua expressão neutra deveria me preocupar, mas
entendo muito bem o que está sentindo. Então, não teço comentários.
A segunda parada é o quarto de Coal. Faço a mesma coisa que fiz com
Jett e entro sem bater. Ele está sentado na cama, cabeça baixa e antebraços
apoiados na coxa. Assim que nos escuta entrar, sobe o olhar de encontro ao
nosso.
— Vamos? — repito e ele se levanta com o apoio da bengala que passou
a usar depois de ter tomado um tiro na perna.
Seguimos em silêncio pelo corredor, descemos as escadas e cruzamos a
cozinha. A casa inteira está dormindo — algo que me faz agradecer
mentalmente, porque odiaria ter que dar explicações neste momento. No
instante em que chegamos à garagem, aciono a tranca eletrônica da
Lamborghini e vejo as portas no estilo tesoura se abrirem automaticamente.
Nem isso me faz sorrir.
Quando vou tomar o lugar no banco do motorista, vejo que Jett ainda
não parou de andar e se afasta de nós.
— Ei! — chamo-o, que sequer vira para me encarar.
— Vou de moto — ele declara, sem nos dar brecha para protestar.
Coal e eu entramos no carro. O motor ronca. Tomamos as ruas da
cidade.
Tudo em silêncio, num ritmo lento e monótono, mesmo que o carro
esteja a 140km/h na rodovia que leva até a cidade onde ela foi enterrada. Não
temos motivos para conversar agora.
Vejo Jett acelerar, passando por nós, e fico pensando há quantos meses
não o vejo dirigir aquela moto velha. Acho que a última vez foi no dia em
que fomos apresentados à família. Desde então, assim como eu e Coal, ele
dirige um desses carros importados que costumávamos roubar.
Como as coisas mudaram em tão pouco tempo… enquanto outras
permanecem as mesmas. Estáticas. Sem vida. Há anos.
Quase duas horas — no completo silêncio — depois, estaciono na frente
do cemitério e, antes mesmo de cruzar o portão de metal, acendo um cigarro.
O primeiro trago vem com força, como se fosse capaz de trazer a coragem
que sempre me falta quando coloco os pés aqui. Jett está encostado ao muro e
Coal vem logo atrás de mim.
O silêncio continua enquanto fazemos o caminho já decorado até a
morada permanente de nossa mãe. Mesmo a vários passos de distância, avisto
a lápide retangular. Ao redor, várias outras têm flores recém-colocadas,
talvez de filhos mais amorosos do que nós três.
Assim que chegamos à frente da tábua de pedra, sinto o ódio me
dominar. Trinta e três tiros, a imagem dela esticada no chão, o vestido branco
que usava ficou vermelho. Os olhos verdes bem abertos. O pescoço
perfurado. A luz que nunca mais se acenderia.
Pior de tudo é o que está escrito na lápide: Margareth Wilder. Ela tentou.
Nada nessa história está certo, nem mesmo o nome de minha mãe.
— Paola Costello — solto em um murmúrio.
— Como a gente não sabia disso? — Jett pergunta baixinho, parado ao
meu lado esquerdo.
— A gente não sabia nada sobre ela. Nada — digo, a raiva de tê-la
perdido amplificada por todas as mentiras que nos foram contadas.
— Ela tinha motivos — Coal fala, à minha direita, encarando a lápide.
— Precisamos descobrir mais sobre quem ela era — revelo aquilo que,
até o momento, estava restrito aos pensamentos.
— Você está sugerindo que a gente procure nossos avós maternos, é
isso? — Jett não esconde a surpresa no modo como fala.
— Avós, tios, primos… Qualquer desgraçado que possa explicar por
que diabos ela foi obrigada a fugir durante dezesseis anos, em vez de buscar
abrigo com a própria família — declaro, sentindo a bile subir por minha
garganta.
— Sage, não sei se… — Coal começa a argumentar, mas logo o
interrompo.
— Vocês se lembram do juramento que fizemos quando nos juntamos à
família? — pergunto para ninguém em especial.
— A partir de hoje, não sou um homem só. Faço parte de uma Família,
que virá sempre em primeiro lugar. A Lealdade me guiará, minha Honra
jamais será corrompida e minha Palavra valerá mais do que qualquer moeda.
Deste dia em diante, meu Sangue pertence aos meus. Sangrarei por eles.
Viverei por eles. Morrerei por eles. — É Jett quem recita as mesmas palavras
que dissemos há alguns meses.
— Por que caralhos ninguém morreu por ela? — A resposta que recebo
de meus irmãos é o silêncio.
Pensei que a morte de Ettore me traria paz. Pelo visto, ela apenas
aumentou o meu desejo de sangue. Então, sem pensar duas vezes, retiro
Sarita do coldre preso ao tornozelo.
— Nunca fui um homem só. Faço parte de uma Família, que virá sempre
em primeiro lugar. A Lealdade me guiará, minha Honra jamais será
corrompida e minha Palavra valerá mais do que qualquer moeda — começo a
adaptar os votos. — Desde que nasci, sou um Wilder. Meu sangue pertence
aos meus. Sangrarei por eles. Viverei por eles. Morrerei por eles.
Termino meu novo juramento com um corte na mão, deixando que as
gotas de sangue pinguem sobre a grama que cobre o túmulo de minha mãe.
Paola Costello, Margareth Wilder… pouco importa. Sou o mesmo Sage de
sempre, e minha família, que antes se resumia aos dois homens ao meu lado,
agora está crescendo. Mia é uma Wilder também, assim como meu filho será.
Antes que eu tenha consciência do que está acontecendo, sinto Sarita ser
removida da minha mão. Olho para o lado e vejo Coal cortar a própria palma,
seu sangue pingando ao lado das gotas que eu havia deixado cair.
— Desde que nasci, sou um Wilder. Meu sangue pertence aos meus.
Sangrarei por eles. Viverei por eles. Morrerei por eles — meu irmão repete as
últimas palavras, apoiado na bengala, e, em seguida, é a vez de Jett fazer o
mesmo.
— Auguri, bambini[15]! — nonna grita assim que colocamos os pés na
cozinha de novo. — Onde vocês estavam? Ah, não importa! — Ela não nos
dá tempo de responder, abanando o ar como se a pergunta fosse irrelevante.
— Está na hora de começar os preparativos da festa!
Sigo até ela e deposito um beijo carinhoso em sua cabeça coberta de fios
brancos.
— Onde está minha mulher? — quero saber, olhando para os lados em
busca de Mia.
— Ainda não desceu. Talvez esteja descansando — nonna diz sem nos
encarar, concentrada em arrumar alguns pães numa bandeja, que logo leva ao
forno.
— E Luana? — É Jett quem pergunta. — Já desceu?
— Também não. Aquela lá está cada dia pior… — Balança a cabeça
enquanto ajusta a temperatura do fogo. — Não dá para ser feliz quando se
tem um irmão como Salvatore Giordanni ocupando o maior cargo da família.
Quel ragazzo è marcio dentro[16].
Não entendo o que diz, mesmo assim, confirmo com a cabeça. Às vezes,
é mais fácil ignorar do que buscar entender o que esses italianos todos dizem.
Deixo meus irmãos com ela na cozinha e vou em busca daquilo que mais
preciso hoje.
Subo as escadas com pressa, pulando de dois em dois degraus, até que
chego ao corredor que leva ao quarto. Assim que abro a porta, sinto o cheiro
dela. Não o perfume, porque Mia quase não coloca nada na pele, mas o do
sabonete que usa no banho. A luz do banheiro está apagada, mas a do closet
está acesa. Vou direto para lá, porém estanco no lugar assim que a vejo.
Mia tem uma toalha enrolada no cabelo, enquanto a bunda está exposta e
empinada. Lentamente, ela sobe a calcinha de renda branca pelas pernas, até
que não cobre quase nada do rabo redondo e carnudo.
— Gostosa pra caralho. — Ela se assusta com as palavras e se vira para
me encarar.
O movimento rápido faz com que a toalha tombe de sua cabeça, caindo
no chão e liberando os longos fios castanhos, que mesmo embaraçados
emolduram o rosto mais lindo que já vi na porra desta vida.
— Sage, onde você estava? — A pergunta não carrega um tom
acusatório, apenas preocupação.
Em vez de responder, sigo até ela e a puxo para os meus braços,
envolvendo-a com força e enterrando o rosto em seu pescoço.
Pronto, agora posso respirar novamente.
— Ei, o que aconteceu? — Mia volta a perguntar, acariciando minhas
costas.
Preciso de mais alguns segundos assim, perdido nela enquanto processo
o dia de hoje. Não só o que passou, mas o que está prestes a acontecer. Mais
tarde, durante a festa de aniversário que Don Marco dará em nossa
homenagem, o acordo com os Giordanni será firmado. Os convites foram
enviados há duas semanas e eles confirmaram presença, assim como o
interesse em levar Luana de volta para casa. Muita coisa está em jogo, e
preciso controlar esta raiva pulsante antes de fazer qualquer merda.
Para isso, tenho Mia colada ao meu corpo.
— Estou ficando preocupada, amore mio — ela diz, mas não faz
menção de se afastar.
— Acabei de voltar do cemitério — acabo confessando. Não porque
sinto vontade de esconder coisas dela, mas é difícil contar sobre aquilo que
mais me dói.
Odeio que Mia veja este lado meu.
— Ah, marito… — Seu tom carregado de pena me obriga a dar dois
passos para trás. Na mesma hora, sinto falta de seu calor.
— Não preciso disso agora, freirinha — declaro, apoiando um braço na
parede enquanto desço o olhar por seu corpo. A calcinha minúscula cobre
aquilo que mais amo, porém os seios redondos, com bicos rosados, estão
expostos para mim. Passo a língua pelos lábios, revezando olhares entre os
dois. — Na verdade, o que eu quero é um presente de aniversário.
— Eu comprei um… — ela começa a falar, mas logo a interrompo.
— Não é esse o presente que quero.
Removo a camisa em um movimento único, puxando-a pela parte de trás
da gola e arremessando-a para o lado. Em seguida, chuto os sapatos e as
meias.
— Ah, é? — ela pergunta e vejo uma mistura de curiosidade e luxúria
decorar seu rosto. Freirinha safada… — O que você tinha em mente?
— Você — digo na mesma hora. — De joelhos, me chupando até eu
gozar na sua boca. Depois, vou te levar pra cama e te foder de quatro até você
ficar rouca de tanto gritar.
Minhas palavras duras poderiam assustá-la, mas me casei com a mulher
mais devassa que conheço — e ela apenas sorri e vem até mim.
Capítulo 4
Sage

Seguro com força o cabelo de Mia, usando-o como apoio para foder sua
boca gostosa. Melhor ainda é que ela geme a cada estocada, uma mão entre
as pernas massageando o próprio clitóris, enquanto me leva ao orgasmo.
— Engole tudo, princesa — ordeno, sentindo o frio na espinha que
anuncia o clímax.
Solto um urro de prazer no instante que o primeiro jato é liberado. Mia
geme também, me chupando com mais força, até que não tenho mais nada a
lhe oferecer. Por enquanto.
Ainda de joelhos, seus olhos sobem para encontrar os meus, brilhando
com a travessura de quem sabe o poder que tem.
— Vem aqui que quero sentir meu gosto na sua boca. — Puxo-a para
cima e a devoro.
O beijo é duro, cheio de tesão e urgência. Nossas línguas batalham
enquanto a carrego para fora do closet; minhas mãos acariciando o que
alcançam.
— Sage, eu preciso… — Interrompo sua frase com mais um beijo
impiedoso.
— Eu sei do que você precisa, princesa. Está molhada pra mim?
Mia morde de leve meu lábio inferior e se afasta o suficiente para me
encarar.
— Encharcada.
Ah, essa mulher…
Sem pensar duas vezes, empurro-a para cama, deitando-me sobre ela.
Minha boca vai direto para o seu pescoço, espalhando beijos molhados na
pele macia. Ao mesmo tempo, as unhas de Mia descem por minhas costas,
até chegarem à minha bunda e me puxarem para mais perto. Só que o maldito
pedacinho de pano me impede de encontrar a porra do paraíso.
Antes que ela possa protestar, rasgo a renda de uma vez só, arrancando
um gritinho de surpresa.
— Minha vez de te provar — aviso, e deixo minha língua percorrer sua
extensão.
Mia abre as pernas para me receber, mas hoje não estou a fim de ser
cuidadoso. Empurro-a pela parte de trás das coxas, fazendo com que sua
bunda erga do colchão, e lambo tudo, da boceta doce ao cuzinho virgem. E o
melhor de tudo é que Mia solta um gemido alto. Repito o processo algumas
vezes, estimulo seu clitóris e a deixo ainda mais excitada.
Quando sua mão me puxa pelo cabelo com força, sei que está prestes a
gozar. Então, substituo minha boca por aquilo que ela ama, penetrando-a
devagar para que sinta cada centímetro meu a preencher.
Com a boca aberta e os olhos arregalados, ela me encara.
— Nunca vou me cansar de você, princesa — confesso, continuando
com o ritmo lento. — Diz que você é minha, diz.
— Sou sua, marito. Só sua. — Sorrio, sabendo muito bem que sou o
único homem a senti-la desse jeito.
Mia se guardou para mim, antes mesmo de saber quem eu era, e agora
está na hora de mostrar que nada do que passou foi em vão. Acelero os
movimentos e a vejo segurar os seios, beliscando os bicos eriçados. A inveja
me consome e acabo descendo o rosto para abocanhar um deles, enquanto
meu quadril segue se mexendo.
Com certeza, este é o melhor aniversário que já tive.
— Você está muito calado — Mia comenta, a cabeça apoiada em meu
peito e nossas pernas entrelaçadas na cama.

Acaricio a pele macia da coxa exposta, tentando impedir meus olhos de


se fecharem.
— Acho que você me matou, princesa. — Termino a frase com uma
risada fraca, meu corpo inteiro cansado e, ao mesmo tempo, relaxado depois
da maratona de hoje. — Que horas são? — quero saber.
Mia solta um muxoxo preguiçoso antes de alcançar o celular na mesinha
de cabeceira.
— Seis e quinze — ela confirma. — Daqui a pouco a festa vai começar.
— Prefiro a nossa festinha particular. — Puxo-a para mais perto,
envolvendo seu corpo com força. — Fazia tempo que não ficávamos assim.
— Desde a nossa lua de mel.
— Humm — concordo com um gemido baixo, me lembrando da época
em que tudo era mais fácil.
Eu tinha acabado de me juntar à família quando descobri que tinha uma
noiva esperando por mim. De início, achei que fosse loucura e me recusei a
casar com ela. Só que depois de firmar um acordo com meu pai e receber
uma grana pelo “esforço”, acabei cedendo. Hoje, sei que tenho a melhor
mulher do mundo ao meu lado, e o dinheiro continua parado na conta. Não
cheguei a usar um mísero centavo.
— Você se arrepende? — A pergunta de Mia me pega de surpresa.
— Me arrependo do quê?
— De ter entrado para a família. De ter se casado comigo. — A
vulnerabilidade em sua voz me faz erguer a cabeça para encará-la, só que Mia
se mantém concentrada em acariciar o meu peito.
Então, sento-me na cama e a puxo para fazer o mesmo. Completamente
nua e com uma expressão murcha, quase não reconheço a mulher sagaz e
confiante com quem me casei.
— Do que você está falando, princesa? De onde veio essa dúvida? —
questiono, colocando dois dedos embaixo de seu queixo e fazendo com que
ela me encare.
— Não é uma dúvida, é só…
— Não, Mia Wilder — enfatizo, antes mesmo que ela consiga se
explicar. — Apenas me arrependo daquilo que não fiz. E você… — hesito,
sentindo a porra de um nó na garganta — …você é a melhor coisa que já me
aconteceu.
Minha declaração arranca um sorriso tímido de Mia, que só me faz ter
certeza de que algo não está certo.
Observo-a por alguns segundos, que retribui o olhar com aquela doçura
que lhe é peculiar. Poucos sabem que, por trás dele, existe um toque de
maldade que me excita. Uma mente calculista que me impulsiona. Uma
ambição que não pode ser controlada.
— “Minha filha é uma moça maravilhosa. Foi criada para ser a esposa
perfeita de um homem de família. Ela é fértil, dócil e com certeza vai te fazer
feliz” — repito as palavras de Giovanni. — Sabia que seu pai me disse isso
quando estávamos falando do nosso casamento pela primeira vez?
— Ele não mentiu. — Mia passa as unhas vermelhas por minha barba
malfeita.
— Ah, mentiu sim, freirinha. Você só é dócil quando estou fodendo essa
bocetinha gulosa. — Antes que ela proteste, puxo-a para um beijo. — E é
exatamente por isso que eu te amo.
Mia ri na minha boca e senta no meu colo, de frente para mim e com
uma perna de cada lado do meu corpo. Quando sente minha ereção, ela se
levanta um pouco, me toma nas mãos e, pouco a pouco, desliza por minha
extensão. Tudo isso sem parar de me beijar.
Desta vez, o ritmo é lento, torturante, enquanto ela sobe e desce sem
deixar de me encarar.
— Por que não me contou do problema com os russos? — pergunta
baixinho, a boca colada à minha.
Leva alguns segundos para eu entender do que está falando. E quando
entendo, sorrio.
— Meu pai falou sobre isso há um tempo. — Sinto seu corpo quente me
acariciar, a umidade deixando tudo ainda mais gostoso enquanto a envolvo
pela cintura. — Mas não entrou em detalhes. Só disse que uma guerra se
aproxima.
— Por que não me contou? — ela insiste, como se os fatos não tivessem
importância.
— Porque não era relevante, Mia. — Começo a perder um pouco da
paciência. — E porque não gosto de falar daquilo que não tenho certeza.
Impulsiono o quadril para cima e ela solta um gemido. Largo sua cintura
e apoio as mãos atrás do corpo.
— Mas, Sage…
— O que você prefere, freirinha: falar de Nicolai ou rebolar no pau do
seu marido?
Impulsiono o quadril para frente de novo, várias vezes seguidas, e
imponho um ritmo mais acelerado. Mia entende meu pedido e acompanha os
movimentos, entrando em sincronia comigo.
Logo, todos os assuntos referentes a qualquer outra coisa não têm mais
espaço no quarto, que se resume a sons de pele se chocando e gemidos de
prazer. Não demora para gozarmos juntos, e assim que minha semente está
dentro dela, mudo nossas posições.
— O que você está fazendo? — Mia pergunta, assustada, quando a
coloco deitada na cama e puxo suas pernas para cima.
— Garantindo que isso fique aqui dentro. — Enfio um dedo dentro dela,
empurrando o gozo que começa a escorrer. — Você ainda vai me dar um
filho, Mia Wilder. Temos que aumentar a nossa família.
Desta vez, ela ri. Um sorriso genuíno, que faz seus olhos ficarem
pequenos e com um brilho sonhador.
Ser pai era algo que não estava em meus planos, mas desde que Mia me
contou da importância de ter filhos, esta é a única coisa em que consigo
pensar.
— Você é louco, marito.
— Talvez. Só que hoje é meu aniversário, então satisfaça minhas
vontades — brinco e ela continua sorrindo.
— Va bene, mas acho que não preci…
Sua frase é interrompida por alguém batendo na porta.
— Sage! — Escuto Jett gritar do outro lado. — Estão todos te
esperando. A festa vai começar.
— Desço em dez minutos — aviso, sem tirar os olhos da minha mulher
na pose mais ridícula possível.
O silêncio do outro lado me garante que ele ouviu e foi embora. Ótimo.
— Temos que nos arrumar, amore mio — Mia diz, o sorriso ainda
decorando seu rosto. — As pessoas vão estranhar se o aniversariante não
estiver na festa.
— Ninguém vai reparar — brinco. — Tenho dois dublês lá embaixo.
A risada alta que ela solta indica que os questionamentos de antes foram
esquecidos. Mas então bate a ansiedade do que a festa representa, e logo
minha expressão muda de tranquila para apreensiva.
— Vá tomar um banho. — Mia faz um carinho gentil em minha mão. —
Ainda não estou pronta para sair da cama.
— Certo… — Abaixo suas pernas e a beijo, antes de seguir para o
banheiro.
Depois de uma chuveirada rápida, coloco o uniforme de sempre: calça
jeans rasgada, blusa preta, jaqueta de couro e coturno. Sarita, como de
costume, está amarrada à minha perna.
Giovanni tinha me alertado para não descer armado. Afinal,
receberemos os Giordanni como convidados. Armas em punho
demonstrariam falta de confiança na palavra deles, que concordaram em
assinar o acordo de paz. É claro que não confio em nenhum dos desgraçados.
Se pudesse, desceria com uma metralhadora em cada mão e foda-se o
protocolo de gentileza. Só que agora sou um Capo na família e preciso
manter meus comportamentos dentro do esperado para o título.
Mesmo assim, esfrego o peito por cima da camiseta, bem no local onde
tenho uma nova tatuagem, e respiro fundo algumas vezes antes de sair do
closet.
— Tô indo — aviso à Mia, que começa a se levantar.
Nua, ela vem até mim e me envolve em um abraço.
— Vou me arrumar e te encontro daqui a pouco. — Deixa um beijo
gostoso na minha boca e sai rebolando para o banheiro. Acompanho cada um
de seus movimentos com os olhos, doido para trocar os eventos que
acontecem lá embaixo por outra sessão de sexo com a minha esposa.
Refreio as vontades e sigo para fora do quarto. Assim que chego ao
último degrau da escada, vejo Eddie — um de meus Soldattos e o melhor
amigo que tenho nesta casa — cruzar a porta de entrada.
— Capo — ele me chama, como se estivesse aliviado ao me encontrar
aqui —, precisamos conversar.
— Agora? — Olho para os lados, ouvindo as vozes animadas vindo da
outra sala.
— Agora — Eddie confirma com seriedade, o que me deixa ainda mais
curioso.
— Certo, vamos lá pra fora. — Indico a porta por onde ele acabou de
entrar e vamos para o jardim.
O céu começa a escurecer e a brisa fria da noite dá suas caras. Coloco a
mão no bolso e, antes de deixá-lo falar, verifico se não tem ninguém por
perto.
— O que houve? — quero saber assim que confirmo que estamos a sós.
— Os russos. — Duas palavras são suficientes para garantir a minha
total atenção.
— O que tem eles?
— Estava conversando com um dos meus informantes — começa a
explicar. — De acordo com o que me disse, estão trazendo um carregamento
valioso.
— Drogas? Armas? — questiono, sabendo muito bem que eles invadem
um pouco mais do nosso território a cada dia.
Meu pai pode ser um bom Don, mas é um homem pacífico demais. E
toda essa sua benevolência está garantindo espaço para outros filhos da puta
na cidade. O controle das armas é nosso, e o das drogas pertence aos
Giordanni. Se não dermos um jeito nisso — e muito em breve — as coisas
vão sair do controle.
— Antes fosse, Capo — Eddie comenta, balançando a cabeça de um
lado para o outro. — Fiquei sabendo que é um… carregamento de mulheres.
— A última parte sai engasgada.
Olho para o meu Soldatto e vejo a preocupação nítida em seus olhos.
— Tráfico de mulheres? — busco confirmação para o que já sei, e ele
apenas assente. — Sabe de onde elas são? — Desta vez, ele nega.
Os russos são famosos por se meterem em tráfico humano e prostituição.
Foi esse um dos motivos que me impediram de ter qualquer associação com
Mikhail. Eu apenas roubava carros para eles durante um tempo, mas como
freelancer. Porque se dizem que a máfia italiana é perigosa, é porque não
fazem ideia do que a russa é capaz.
— Merda. Precisamos resolver isso, e logo. — Esfrego o rosto com as
mãos.
— Concordo, mas não sei se temos homens o bastante para fazermos
isso sozinhos — Eddie diz e apenas assinto.
— Se tudo der certo com o acordo de paz, podemos fazer uma aliança
com os Giordanni. As duas famílias se ajudam há décadas.
— E se não der certo? — Eddie pergunta, verbalizando as minhas
incertezas.
— Estaremos fodidos. Mas vamos dar um jeito. — Deixo dois tapas em
seu ombro e agradeço a informação. — Sabe quando isso vai acontecer?
— Em nove dias — Eddie garante. Há tanta firmeza em sua voz, que
nem sou capaz de questionar.
— Conversamos com meu pai sobre isso depois da festa.
É a vez de Eddie acenar com a cabeça, antes de seguirmos de volta para
dentro da casa. A sala da frente continua vazia, mas as vozes animadas
deixam claro que todos estão na dos fundos.
Cruzo a porta e dou de cara com uns cinquenta italianos, todos rindo e
bebendo, como se não houvesse uma guerra iminente. Neste momento,
poderia me juntar a eles nos sorrisos falsos e conversas sem propósito.
Poderia, mas não vou.
Sigo até meu pai, Eddie ainda ao meu lado, e noto o instante que ele
percebe a minha presença.
— Figlio mio! — vibra sozinho, erguendo o copo de whisky na minha
direção.
As demais pessoas escutam e fazem o mesmo.
— Sage!
— Capo!
Recebo cumprimentos e votos de felicidade, além de abraços e muitos
beijos na bochecha.
— Dov’è tua moglie[17]? — nonna questiona e sei que ela está
perguntando onde está Mia.
— Terminando de se arrumar — aviso. — Daqui a pouco estará aqui.
Olho para os lados, buscando meus irmãos. Coal está sentado na
poltrona, entretido em uma conversa com Martina, que toma o lugar ao seu
lado. Porém o assunto não parece muito divertido, de acordo com a expressão
carrancuda de Coal.
Já Jett está tranquilo enquanto fala com Luana. A nossa “convidada”,
pelo que Mia falou, tem dado um certo trabalho. Ela não quer comer, não
socializa com o resto da família e passa a maior parte do tempo trancada no
quarto. Mas o modo como está relaxada ao lado do meu irmão caçula me faz
questionar se tem alguma coisa acontecendo entre os dois.
Penso que depois preciso conversar com ele sobre isso, porém, neste
momento, o único assunto que quero tratar diz respeito ao futuro de nossa
família. Então, sigo até Giovanni, que está perto da janela cercado por Danio,
nosso Allenatore, e Toni Messina, seu irmão e o outro Capo dos Rossi.
Durante vários minutos, escuto-os criar estratégias para convencer
Salvatore Giordanni de que a paz é o único caminho a seguir. Omito as
informações que descobri através de Eddie — que, ainda ao meu lado,
permanece calado —, e apenas concordo com o que estão dizendo.
Antes que eu possa falar qualquer coisa, sinto um frio na espinha e me
viro para ver o motivo que me trouxe arrepios. É então que noto a chegada da
minha mulher, usando um vestido branco de gola alta, sem mangas e colado
ao corpo, que termina abaixo do joelho.
Santa na rua e puta na cama é a melhor frase para descrever Mia Wilder.
Não consigo conter o sorriso enquanto caminho até ela, que me recebe com
um abraço e um beijo na boca, sujando meus lábios com seu batom vermelho.
Logo em seguida, ela limpa os resquícios da maquiagem em mim e entrelaça
os dedos no meu.
— Pronto para o seu primeiro evento como Capo?
— Nasci pronto, princesa.
— Ótimo, porque os Giordanni acabaram de chegar.
Capítulo 5
Mia

Nossa mesa parece pequena quando todos se sentam para jantar.


Pequena, porém vazia. Os lugares, antes ocupados por meu irmão e outros
dos homens mortos, agora são de nossos inimigos, que sorriem com
bestialidade.
As mulheres da cozinha servem os convidados, que bebem e comem da
nossa comida. Há menos de um mês, era com nosso sangue que se
refestelavam. Eles, que passaram a vida conspirando e espionando nossa
família, estão sentados à mesa, como se não fossem os culpados pela nossa
ruína.
— Tudo bem, princesa? Por que não está comendo? — Sage me
pergunta com a boca cheia de macarronada. O queixo sujo de molho.
— Tutto quanto, marito[18] — respondo, sorrindo e limpando o queixo
dele. — Não estou muito confortável com eles sentados à nossa mesa.
Ele responde com dois tapas leves em minha coxa, como se fosse
necessário engolir tanto os visitantes quanto a comida. Não consigo. Meus
olhos acompanham o movimento de cada um deles. Salvatore, o novo Don,
parece um monello[19], mas seus olhos são de uma crueldade que não condiz
com sua aparência. Ele fez questão de sentar-se ao lado de Giovanna, que
parece bastante incomodada com os gracejos do segaiolo[20] mirim.
Encaro Martina do outro lado da mesa, sentada entre meu cunhado Coal
e outro dos homens que acompanham os Giordanni, um dos novos Capos
promovidos por Salvatore. Ela me devolve o olhar, cúmplice de meus
anseios.
— Talvez um casamento entre nossas famílias possa selar de vez a paz,
Edwige. — Escuto a voz de dona Nicola. — Meu neto parece bem
interessado na ragazza ao lado dele. Além do mais, como Don, precisa de
uma esposa pra não ser mais um stronzo[21] .
Nonna ignora a provocação e começa a falar das qualidades de
Giovanna, como se o casamento fosse realmente uma possibilidade. Sei que
não é. Conheço-a o suficiente para entender suas estratégias.
Percorro os olhos pela mesa. Nada aqui parece real. Nossas mulheres e
homens estão constrangidos com a presença dos maledettos, enquanto eles
estão totalmente à vontade. Sentados entre nós, não juntos. Misturados à
nossa gente, comendo do nosso pão, bebendo do nosso vinho. Sorrindo, rindo
alto, fazendo piadas.
Mamma, sentada entre papà e Isabel, a viúva de Don Ettore, não
consegue disfarçar o incômodo com a conversa da outra. Tento apurar os
ouvidos e me concentrar no que falam, mas sou incapaz de ouvir. Posso ver
que minha mãe está a ponto de desabar.
Algo está errado. Repasso os olhos pela mesa. Don Marco está à
cabeceira. Ao seu lado direito, meu pai, seguido da minha mãe, Isabel, um
homem que a acompanha, Sage, eu, Luana, Jett, um homem deles, Dario,
Eddie, outro deles, Enrico, uma mulher da família dos Giordanni e Giovanna.
Salvatore está na outra ponta da mesa, um capanga ao seu lado, Fabio, Rico,
Antonella, mais um deles, Frederico, um casal da família Giordanni, Danio,
Jerry, outro stronzo, Toni, Martina, Coal, mais um figlio di puttana, dona
Nicola e nonna, sentada ao lado esquerdo de meu sogro.
Estamos em maior número, ainda assim, meu coração não se acalma.
“Sem armas”, ouvi papà ordenar a todos os nossos.
— Você está com a Sarita? — cochicho no ouvido de Sage. — Não acho
que essa festa tenha sido uma boa ideia.
Ele sorri para mim. De uma forma forçada, como se concordasse
comigo, mas ao mesmo tempo quisesse me dizer que está tudo sob controle.
Mas não está. Eu sinto que não estamos com o controle de nada aqui.
— Podemos ter um casamento duplo, nonna! — Salvatore grita da ponta
da mesa para sua avó, chamando a atenção de todos. — Parece que mia
sorella também teve o coração roubado por um Rossi.
— Wilder — Jett responde e Luana segura sua mão. Os olhos dela
contêm medo. — E sua irmã e eu somos apenas amigos.
— Wilder não é nome de italiano. — Salvatore dá uma gargalhada. —
Quem vai respeitar um nome americano desses? — Ele cospe no chão e todos
da sua família riem. Menos Luana, que continua apavorada e começa a tremer
ao meu lado.
Antes que eu possa fazer qualquer coisa, Sage já está de pé, dando um
soco na mesa, fazendo com que as risadas dos Giordanni cessem. Ouço
Luana chorando baixo, balbuciando algo como “ele vai matar todo mundo”.
— Ou você pede desculpas agora ou não sai vivo daqui hoje — Sage
fala com firmeza. Seu rosto vermelho. Os olhos desejando sangue.
— É melhor todos se acalmarem — Don Marco, sem alterar a voz,
sugere. — Sente-se, figlio mio. — Sage o encara sem obedecer, esperando
algo mais do pai. — Salvatore, como Dons, precisamos ser educados acima
de tudo. Você está em nossa casa, bebendo do nosso vinho e comendo da
nossa comida, espero que se retrate por sua falha. Sei que sua nonna e sua
mamma o educaram corretamente.
As duas mulheres se encaram e fazem cara feia para o cesso[22]. Ele
abaixa o olhar e murmura algo como scusa[23], quase inaudível, mas ainda
assim Don Marco aceita, gesticulando com a cabeça para que meu marido se
sente. Sage obedece, mesmo que contrariado.
— E por aqui não se dança a tarantella em aniversários? Em nossa
família é tradição — Isabel diz alto, tentando quebrar o clima que se
instaurou depois que seu filho mimado se comportou mal. — Já contaram
para vocês a lenda? — Ela olha para Sage e os irmãos, que sacodem a cabeça
em negativa, e começa a explicar.
Antigamente, a população da província de Taranto, na região de Apúlia,
na Itália, sofria com muitas picadas de aranhas. Era uma espécie diferente das
que eles conheciam em outros lugares — daí vem o nome de Tarântulas — e
a picada delas fazia com que as pessoas tivessem uma necessidade extrema
de se movimentar com rapidez e agilidade. Diziam que a única forma de
sobreviver ao veneno era o extirpando pelo suor, por isso se tornou uma
dança de cura.
— Precisamos nos curar — Isabel diz depois de explicar. — De todo o
veneno que nos corrói para podermos assinar esse tratado de paz. Vamos?
Ela olha para o casal sentado entre Danio e Frederico, que rapidamente
se levanta e começa a movimentar toda a mesa.
— Coloque a música, por favor, Enrico — papà pede.
E a roda, tal como estávamos sentados à mesa, se forma para a dança.
Aissera, Nanninè, me ne sagliette, tu saje addo'?
(Tu saje addo'?)
Addo' 'stu core 'ngrato cchiu' dispiette, farme nun po’![24]
— O que eles estão fazendo? — Sage pergunta enquanto segura a minha
mão na roda.
— Vamos dançar, amore mio. Apenas siga os passos — peço, já
embalando o corpo no ritmo da música.
Os homens atravessam o pé direito na frente do esquerdo. Cruzam o pé
esquerdo na frente do direito. Passam o pé direito para o lado, depois fazem o
mesmo com o esquerdo. Repetem esse movimento, enquanto nós mulheres
sacudimos o pandeiro imaginário, em um círculo no sentido horário na frente
de nossos corpos. Sage e os irmãos se perdem um pouco, mas logo começam
a pegar o ritmo.
Não sei o que eles pretendem com isso. Nada me tira da cabeça que,
enquanto se distraem, e nos distraem, dançando, estão tramando algo. Nonna
me chama, Don Marco empurra os três filhos para o meio da roda.
— Precisamos acabar logo com isso, Mia. Essa gente precisa ir embora
da nossa casa o quanto antes. Não aguento mais aquela porca puttana em
meus ouvidos.
— Isso foi um erro — concluo.
— Foi, figlia mia. Vamos cantar logo os parabéns, assinar o acordo e
acabar com essa palhaçada — nonna diz, mexendo com a cabeça para que a
mulher que traz o bolo da cozinha se apresse.
Seguro o bolo com ambas as mãos e olho na direção em que meu marido
e meus cunhados estão, bem no centro da roda. Eles dançam, sorriem com o
pai e parecem se divertir. Um arrepio percorre minha espinha quando a nonna
acende as velas. As chamas ofuscam meus olhos e mal consigo enxergar o
brasão da família, feito com pasta americana, em cima do bolo.
Caminho firme, com atenção em não derrubar o bolo antes de chegar aos
aniversariantes, mas a cada passo que dou, uma angústia me consome. Então,
quando todos param de dançar e começam a cantar os parabéns, sinto os
olhares se voltarem para mim e as palmas aumentam.
Tanti Auguri!
Tanti auguri a te,
tanti auguri a te,
tanti auguri a tutti,
tanti auguri per te.[25]
Entro na roda, passando ao lado de Salvatore. Quando o ultrapasso,
percebo um movimento rápido vindo de sua cabeça. Sinto seu corpo se
aproximar das minhas costas e vejo um brilho reluzir por baixo da manga de
sua camisa, mas não tenho tempo de gritar. O bolo já está no chão e, em meu
pescoço, sinto o aço frio apertando. As palmas diminuem, os gritos
aumentam. Os olhos de Sage colados aos meus.
— Não! Amore mio!
O desespero na voz da minha mãe faz com que meu olhar se perca dele e
vaguei pela sala.
Fabio, Antonella, Dario e Toni estão no chão. De suas gargantas, uma
poça de sangue se esparrama pelo piso. Danio, Martina e Coal têm facas
ameaçando seus pescoços. Dona Nicola tem uma lâmina pronta para furar a
jugular de meu sogro.
Então, vejo meu pai caído. Do seu peito, um pequeno buraco faz com
que a camisa cinza que usa vá tornando-se bordô. Mamma está ajoelhada,
com sua cabeça entre os braços, chorando. Enquanto Enrico está de pé ao
lado deles, sufocando Isabel com as mãos, que segura um pequeno canivete
manchado com o sangue de papà. Aos pés de meu irmão, há um corpo
tombado, que não reconheço como dos nossos.
Não vejo nonna ou Eddie na sala e, por um minuto, penso que também
estão mortos. Então meu olhar volta a buscar Sage. Ele ainda está parado em
minha frente, procurando por meus olhos. Só então percebo que o que me diz
silenciosamente é para ter calma. Por mais que saiba que Salvatore está me
fazendo de refém e possa ouvir os murmúrios de Giovanna, imaginando que
ela também esteja sob a mira de alguém, me tranquilizo.
— É melhor conversarmos, Salvatore — Sage finalmente diz.
— A única conversa que teremos aqui, Wilder — ele cospe no chão
novamente —, é sobre todos vocês morrerem. Todos, não. Vamos levar essas
trojettas[26] conosco. — Ele dá uma lambida em meu pescoço e vejo os olhos
de Sage faiscarem. Os seus homens, que têm nossas mulheres como refém,
fazem o mesmo. — Essa aqui é a sua? — ele continua provocando meu
marido. — Parece que tem uma potta[27] gostosa para chiavare[28].
Os punhos de Sage se apertam. Sinto que está perto de perder o controle
e, desta vez, sou eu que peço que mantenha a calma com o olhar. Mesmo que
eu veja as labaredas em seus olhos, de alguma forma meu marido me
entende. Ele estala o pescoço de um lado e depois de outro. Mantém o olhar
conectado ao meu, até que fique apenas brasa, então, finalmente, encara
Salvatore.
— Minha mulher tem sim uma boceta gostosa para foder, mas é só
minha. Sabia que muitos sonhavam com ela? Inclusive, o seu irmão. Como
era mesmo o nome dele? — Sage faz uma pausa, fingindo pensar. — Foi tão
fácil matá-lo que nem lembro… — Salvatore aperta a faca um pouco mais
em meu pescoço. — Mas quem sabe a gente também possa falar da boceta da
sua irmã? Parece que meu irmão a conheceu bem…
De repente, Jett entra no meu campo de visão, segurando Luana com
Sarita.
— E você achou que foi o primeiro? — Salvatore dá uma gargalhada
para meu cunhado. — Essa baldracca[29] aí não vale nada. A primeira vez
que eu a comi, ela tinha dez anos. E a putinha sempre me implora por mais.
Quando termina de falar, sinto a faca se afrouxar. Todos na sala se
chocam com a revelação, principalmente sua nonna, que se distrai por um
segundo e é derrubada por Don Marco. Sage pisca para mim e sei que preciso
agir. Estudo o melhor angulo e uso toda a minha força para dar uma
cotovelada em Salvatore. Acerto em cheio suas costelas e no momento que
ele afrouxa o aperto, corro em direção aos braços de Sage.
— Você está bem? — ele pergunta, enquanto pega no ar uma pistola,
que Frederico joga, antes de pular em cima de Salvatore. Aceno que sim. Não
temos tempo para isso agora.
— Mia! — Enrico grita e me joga uma arma. O corpo de Isabel sem
vida aos seus pés.
Então o barulho de verdade começa. Escuto o estampido da pistola de
Sage e vejo o homem que segurava Coal caído no chão. Joana rapidamente
aparece em sua mão e ele dispara, derrubando o homem que mantinha
Martina presa. Atiro em direção a um homem que tenta tirar Frederico de
cima da Salvatore.
Danio está em cima do homem que, até pouco tempo, o mantinha como
refém. Sua cara já está ensanguentada, mas ele continua. Sage me puxa pelo
braço e me coloca em suas costas, como se pudesse me proteger.
À nossa volta, há mais corpos caídos no chão do que de pé. Reconheço
algumas mulheres da cozinha, nossos homens, mas também há muitos corpos
dos Giordanni pelo piso. No meio do que antes era a roda de dança, estamos
nós. Os poucos vivos de nossa família.
— Onde ele está? — Sage grita, olhando para todos os lados. — Onde
está Salvatore?
Ninguém responde.
— Eddie também não está aqui — Enrico diz.
Por alguns minutos, apenas olhamos para os lados, à procura de
Salvatore ou analisando os corpos. Jett segue segurando Luana. Coal tem um
homem sob a mira de Joana e meu sogro segura dona Nicola pelos cabelos,
enquanto ela se debate e esbraveja.
Não resta mais nenhum deles, pelo menos não vivos, em nossa sala de
jantar. Mas o corpo de Salvatore não está no chão.
— Vá atras deles, Enrico — Sage ordena.
— Não! Meu filho não! — minha mãe grita, sacudindo a cabeça do meu
pai, sem vida, em seu colo.
— Per favore, amore mio. — Seguro nas mãos de Sage, implorando
para que não mande meu irmão.
Meu marido olha para os lados, mas não resta mais ninguém. Estão
todos mortos.
— Eu vou então — ele diz.
— Ninguém vai a lugar nenhum. — Nonna entra na sala com Eddie
apoiado em seu ombro.
— Ele fugiu, Capo — Eddie se desculpa, segurando a cabeça com a mão
manchada de sangue.
— Onde está Giovanna? — Martina pergunta, assustada.
— O farabutto[30] levou junto — Nonna revela. — Me derrubou na
cozinha, depois de acertar o Eddie com meu rolo de macarrão. Agora vou
precisar de outro, porque está com sangue. — Ela sacode a cabeça com raiva,
como se o rolo estragado fosse a pior coisa daquele jantar.
Capítulo 6
Sage

Ando de um lado para o outro, como a porra de um tigre enjaulado.


Tudo o que mais queria agora era sair daqui e exterminar aquele
merdinha. Ainda por cima, é um covarde. E um estuprador. Não sei o que é
pior, mas de uma coisa tenho certeza: Salvatore vai morrer da forma mais
criativamente dolorosa possível. E vou sorrir enquanto ele agoniza de dor.
Por enquanto, estou limitado a andar. Os olhos de Mia seguem cada um
de meus passos, mas não posso olhar para ela agora. Se fizer isso, vou
arrastá-la para o quarto e fodê-la até a cama de madeira maciça se romper no
meio.
— Você precisa se acalmar, figlio mio — meu pai pede, me fazendo
estancar no lugar.
— Me acalmar? Me acalmar?! — A segunda sai em um grito. — Me
acalmar é o caralho! Como você está calmo, quando aqueles filhos da puta
mataram muitos dos nossos e levaram Giovanna? Uma menina de quatorze
anos! COMO VOCÊ CONSEGUE FICAR CALMO?
— Não estou calmo — ele responde em um sussurro grave. — Mas não
sou burro, e sei a melhor forma de agir. Ou você acha que esta é a primeira
vez que alguém da minha família morre nas mãos de covardes?
— Ah, papà… — o termo em italiano sai num tom bastante debochado.
— Pensei que, para ser Don, era preciso ter mais colhões. Pelo visto, vou ter
que resolver essa merda sozinho.
Escuto Mia arfar com o insulto, ao mesmo tempo que Jett se levanta da
poltrona. No entanto, permaneço parado, encarando o homem que deveria ser
um exemplo de força. Neste momento, ele apenas me encara de volta, sem
emitir um som sequer. Talvez nem esteja respirando.
É uma batalha silenciosa, que não estou disposto a perder.
Basta! Muitas coisas aconteceram e passaram impunes — tudo porque
ele tem essa ideia de trazer legalidade aos “negócios da família”.
Somos ou não somos a porra da máfia italiana nesta maldita cidade? Isso
tem que servir para alguma coisa, nem que seja ter a liberdade de eliminar
aqueles que entram em nossos caminhos.
Por isso, não desvio o olhar. Apenas mantenho-me de pé, olhando com
desprezo o homem que, um dia, pensei que poderia admirar. Mas não… ele é
apenas o covarde que não lutou por sua mulher, e agora não está lutando por
sua família.
Meu nome é Wilder e sou muito mais italiano do que ele.
— Giovanni está morto — declaro. — Toni, Fabio, Dario, Antonella e
Divina estão mortos. E você vai ficar aí, parado? — solto em um desafio,
tentando arrancar, pela última vez, uma reação dele.
Meu pai quebra o contato visual e se levanta da poltrona, vindo até mim.
— A vingança não é a única forma de justiça, Sage — diz naquele
maldito tom blasè, como se tivesse retirado a frase de um livro de autoajuda.
— Pode até não ser, mas aposto que é isso o que os membros da nossa
família querem agora. — Aponto para a porta. Do outro lado do corredor,
mulheres choram os que caíram. — Eles tiraram o nosso sangue debaixo do
nosso teto. Enquanto isso, você pensa em formas controladas de resolver a
situação? Você é a porra de um diplomata, por acaso, ou o chefe de uma
família italiana? — Empurro seu peito, fazendo-o dar um passo para trás, e
parto para cima, ficando a poucos centímetros de seu rosto.
Nada. Don Marco não diz nada. Meu pai é uma versão mais velha de
mim e de meus irmãos, mas não tem metade da nossa força. Pelo visto,
herdamos o temperamento de nossa mãe, que lutou até seu último suspiro.
Enquanto ele apenas deixa que as coisas aconteçam e coloca panos quentes
nos problemas que aparecem.
— Esperava mais de você — digo baixinho e viro as costas, sem querer
ouvir qualquer palavra genérica que ele possa soltar agora.
Não preciso chamar ninguém para que me sigam. Assim que cruzo a
porta, sinto a presença de Jett e Mia ao meu lado e seguimos para a sala,
cruzando o corredor cheio de pinturas dos Rossi que já morreram. Eles
estariam envergonhados do homem que meu pai se tornou.
Quando foi que ele chegou a esse ponto? O que aconteceu para que
ficasse tão… complacente, para não dizer apático?
Mas isso não importa. O que importa agora é o que vai acontecer.
— Eddie — chamo meu Soldatto, que se recupera em uma cadeira. —
Quantos fugiram?
— Não sei, Capo. Acho que só o Salvatore e mais um.
— Mia — olho para minha esposa —, você consegue descobrir,
exatamente, quantos Giordanni há na cidade? — Ela não precisa parar para
pensar, apenas assente com a cabeça. — Preciso desse número o mais rápido
possível.
— Amore mio… — começa a falar, mas eu a interrompo.
— Vá com a sua mãe. — Emolduro seu rosto com a mão, sabendo que a
dor da perda a domina neste momento, mesmo que não se permita
demonstrar.
Esta mulher é força pura, mas acabou de perder o pai.
Por isso, puxo-a para um beijo rápido, sussurro que a amo, e saio para
verificar quem de nós ainda está vivo.
Eles acharam que podiam me presentear com um aniversário
vermelho[31], mas vou provar a eles que meu sangue é preto. Preto de ódio.
Preto que nem a noite. Preto que nem a escuridão da morte.
Quando cheguei aqui, a família tinha um Don, um Consigliere, um
Allenatore, dois Capos e doze Soldattos, sem contar comigo e com meus
irmãos. Hoje, temos um Don que não serve para nada, um Allenatore em luto,
sete Soldattos sem rumo e eu sou a porra do único Capo vivo.
Vejo as pessoas chorando ao meu redor, ajoelhadas em poças de sangue
ao lado dos corpos sem vida.
— Se quiser, esta é a hora perfeita para deixarmos toda essa merda para
trás e voltarmos à nossa vidinha de ladrões de carro. — Jett para à minha
esquerda, apoiando uma mão no meu ombro.
Balanço a cabeça em negativa e solto uma risada baixa, sem qualquer
humor.
— Talvez fosse melhor mesmo… — As palavras saem da minha boca
enquanto vejo Eddie acariciar o cabelo do primo, Fabio, que está estirado no
chão com um corte em sua garganta.
A mãe de Antonella ajeita o vestido da filha morta, cobrindo as pernas
que ficaram expostas quando a viúva de Angelo se juntou a ele no céu. Ou no
inferno, porque, nesta família, não há um santo para contar a história.
Somos todos farinha do mesmo saco. E todos iremos decompor embaixo
da terra um dia. Mas enquanto eu respirar, não posso permitir que a chacina
continue.
— Onde estão os prisioneiros? — pergunto para ninguém em específico
e vários rostos se voltam para mim.
— Dona Nicola está amarrada na cozinha. — É Danio quem traz a
informação. — E tem um Soldatto deles lá também. Acho que se chama
Mattia.
— Certo. — Assinto com a cabeça. — Queimem os corpos dos
desgraçados — aponto para os inimigos que caíram durante a briga —,
enquanto converso com o tal de Mattia.
Na mesma hora, Eddie se levanta do chão, deixando um último beijo na
bochecha de seu primo. O modo como me encara é um misto de desesperança
e raiva — sentimentos que entendo muito bem.
— Capo, não deveríamos devolver os corpos para…
— Não — interrompo-o. — Se quiser ser bonzinho, devolva as cinzas.
Mas ninguém que entra na minha casa e mata a minha família será enterrado
com honras. — Olho para nonna, que faz um gesto positivo com a cabeça,
parecendo tão séria quanto eu. — Limpem os nossos e preparem tudo.
— Odeio falar isso agora, Sage — Danio dá alguns passos na minha
direção —, mas não deveria ser seu pai a organizar isso?
— Don Marco está em luto no escritório — não respondo à pergunta,
apenas ofereço uma informação que acho suficiente para calar todo mundo no
momento.
É claro que não funciona, porque logo Danio volta a falar:
— Mas as honras para um Consigliere são…
— Você sabe o que fazer? — pergunto, sem deixar que ele continue.
— Claro que sei, mas…
— Sem “mas”. Faça o que estou mandando, Danio.
Depois que dito as ordens, começo a marchar para a cozinha, meu
silêncio garantindo que não devo ser contestado. Ouço passos atrás de mim, e
imagino que Jett e Eddie estão vindo também, mas não paro para ter certeza.
Não sei o que aconteceu a meu pai para que simplesmente parasse de
agir, e não estou a fim de descobrir agora. As pessoas na sala podem estar
lamentando a morte dos nossos, mas eu só consigo pensar em vingança. E em
Giovanna, que só tem quatorze anos e foi levada por um sádico.
Salvatore não escondeu que já havia abusado da irmã. Não estou
disposto a esperar para ver o que ele fará com Giovanna. Por isso, tenho que
pegar todas as informações com Mattia antes que seja tarde demais para ela.
Assim que cruzo a porta, vejo dona Nicola se debatendo, amarrada na
cadeira por uma corda grossa e a boca tapada com uma mordaça, enquanto
tenta xingar coisas em italiano. O cabelo em desalinho, a roupa manchada de
vermelho e o ódio vibrando em seus olhos.
Ignoro-a e vou até o homem, que tem a cabeça baixa sobre a mesa,
enquanto as mãos estão amarradas atrás das costas e as pernas presas aos pés
da cadeira. Uma delas, inclusive, tem um ferimento de bala, de onde sangue
não para de escorrer.
— Mattia — chamo, e ele logo levanta o olhar para encontrar o meu.
— Sage Wilder. — Assim como o novo Don dos Giordanni, ele cospe
no chão depois de pronunciar meu nome.
Mais um idiota. Que bom. Vou gostar de fazer com que ele sofra um
pouquinho.
Dona Nicola grita por baixo da mordaça e olho para ela.
— Shhh. — Coloco um dedo em riste sobre os lábios. — Fique
quietinha que ainda não chegou a sua hora.
Ela arregala os olhos, talvez por não estar esperando o desrespeito, ou
então pelo medo da minha ameaça sutil. Nunca machuquei mulheres, mas
vou adorar ver o que Mia pode fazer com essa velhota de merda.
Vou até a pia e coloco a tampa no ralo. Em seguida, indico para que
Eddie traga Mattia até mim.
— Você tem poucos segundos até me dizer tudo o que preciso saber, ou
então vai se afogar aqui mesmo. — Aceno para a pia.
Na mesma hora, Eddie e Jett forçam a cabeça de Mattia para dentro da
cuba vazia. Por mais que ele se debata, o ferimento na perna o impede de usá-
la para dar mais impulso. Além disso, são dois homens musculosos — muito
mais do que ele — o forçando para baixo.
Giro a torneira, porém apenas um pouco para que a água caia bem
devagar.
— Para onde Salvatore levou Giovanna? — pergunto com calma, a cuba
começando a encher.
Mattia não diz nada.
— Quantos fugiram com Salvatore e quantos ficaram em casa? —
questiono de novo, e a resposta é a mesma: nada.
Mas agora a água está mais alta, ainda que a alguns centímetros de seu
rosto.
Ao meu lado, Nicola ri, como se vibrasse a resiliência do Soldatto. Olho
para ela e sorrio também, fazendo com que pare de se mexer quando percebe
minha reação.
Eu quero essas informações, mas confesso que vou me divertir bastante
enquanto “convenço” Mattia a me contar cada uma delas. Melhor ainda será
fazer tudo o que tenho planejado na frente da velha.
— Para onde Salvatore levou Giovanna? — repito a pergunta.
Mesmo assim, o homem continua sem dizer nada. É por isso que
aumento a pressão da água — e ele começa a se debater.
Pego a pistola do coldre na cintura e enfio o cabo no ferimento
ensanguentado, fazendo com que ele berre de dor no instante que a água está
na altura perfeita para entrar por sua boca.
Mattia engasga e se debate mais, só que a força de Eddie e Jett o impede
de se afastar. Dou um aceno com a cabeça e os dois o erguem — apenas um
pouco. Quando fazem isso, insisto nas perguntas:
— Para onde Salvatore levou Giovanna? Quantos fugiram com
Salvatore e quantos ficaram em casa?
Nenhuma resposta e, outra vez, sua cabeça volta a ser afundada. Bolhas
de ar se misturam à água turbulenta na pia, enquanto Mattia tenta
desesperadamente se livrar das mãos dos meus Soldattos.
Nicola solta algumas palavras, que são abafadas pela mordaça. Vou até
ela e sorrio de novo.
— Quanto tempo será que ele resiste? — pergunto baixinho e deixo um
beijo no topo de sua cabeça.
Aceno de novo para Eddie, que repete o processo.
Mais uma vez, dou chance para que Mattia revele o que preciso. Mais
uma vez, ele não diz nada.
Então, retiro Sarita do coldre preso à canela.
Capítulo 7
Mia

Danio dá a ordem para que alguns outros Soldattos recolham os corpos


dos maledettos e levem para o incinerador de lixo. As poucas mulheres que
choram os mortos se entreolham assustadas. Nem em tempos de guerra se
proíbe o inimigo de enterrar seus mortos com honra.
— Essa aqui também? — um dos homens pergunta, quando olha o corpo
de Isabel.
— Também. — É nonna quem responde, abraçada à minha mãe, que
ainda segura a cabeça de meu papà nos braços.
Agradeço com um esboço de sorriso, se é que consigo transmitir algum
sentimento de gratidão neste momento, mas a porca puttana que matou meu
pai merece ter suas carnes derretidas no fogo, como o lixo que é.
Além dos choros e dos poucos comandos sobre o que fazer com os
corpos, nada mais se escuta na sala de jantar. Nunca houve tanto silêncio
aqui, onde fazemos as refeições e as comemorações de nossa família. Sempre
com muita comida, bebida, risadas e conversas altas, porque se tem uma das
poucas verdades que falam sobre nós, é que falamos alto, todos ao mesmo
tempo, rindo, de boca cheia e nos entendemos assim.
Mas não hoje. Não mais. Talvez não por muito tempo.
Enrico vai ajudar outro Soldatto a juntar os corpos, mas Danio o
interrompe.
— Venha comigo, vamos cuidar do seu papà.
Meu irmão apenas concorda com a cabeça. Os punhos ainda vermelhos
pela força que fez para quebrar dois pescoços.
— Vamos, mamma. — Estendo o braço para ela. — Enrico vai cuidar do
papà e eu de você.
Ela me olha com uma certa ternura, mas posso ver a devastação em seus
olhos.
Ainda assim, agarra meu braço e se levanta do chão, com nonna
auxiliando. O pensamento de como dona Edwige consegue tamanha agilidade
com toda a sua idade me rouba a atenção por um segundo, mas os braços de
mamma em torno do meu pescoço pesam, me lembrando da dor que parece
cortar minha carne. Mas não posso desabar agora. A mulher que sempre fez
tudo por mim precisa que eu seja mais forte do que nunca.
— La mia piccola figlia! Tuo padre è morto![32] — Ela desmorona em
meus braços. Um tom tão agudo, carregado de dor, medo e desespero, que
minhas pernas amolecem por um segundo e me sinto tonta.
— Vamos para o meu quarto, mamma. Precisamos descansar um pouco.
O trajeto parece infinito. Por onde passamos, mamma, nonna e eu
sentimos a compaixão dos nossos. Da nossa família. De todas e todos que
tinham em meu pai um amigo e conselheiro. Ele era um homem sensato,
dócil, equilibrado, que pensava antes de falar qualquer coisa, que escutava
com atenção o que lhe era dito, não importava quem fosse.
“Tuo padre è morto!”, as palavras de minha mãe parecem retumbar
quando começamos a subir as escadas. Degrau por degrau, elas ficam mais
vivas, mais reais, mais doloridas.
— Eles foram longe demais — constato, deixando que minha boca
verbalize aquilo que meu corpo ainda não consegue assimilar. Estão todos
mortos. Meu pai está morto.
Nonna concorda comigo, mesmo sem dizer uma palavra. Quando
chegamos ao topo da escadaria, vejo Sage me observando lá de baixo. Seu
olhar é cansado, turvo pela raiva que corrói cada célula de seu organismo.
Compactuamos do mesmo sentimento. A única coisa que eu gostaria de estar
fazendo agora era sentir seu corpo sob o meu, comemorar seu aniversário,
sua pele quente encostando na minha, suas mãos passeando em mim. Mas
não podemos.
Assim que abro o quarto, vejo a caixa com o presente especial que
mandei fazer para meu marido. Tiro o pequeno embrulho de cima da cama e
ajudo minha mãe se acomodar. Sento-me ao seu lado, fazendo carinho em
seu cabelo, tão parecido com o meu, porém já grisalho.
— Todo o sangue derramado de nossa família será vingado, mamma.
— Nessuna vendetta mi riporterà indietro tuo fratello e tuo padre[33],
Mia.
— Eu sei, mamma. Mas não vou dormir em paz enquanto todos eles não
estiverem mortos.
— Basta, cazzo! Não posso perder mais ninguém, Mia! — Seu choro
fica mais forte e compulsivo.
— Não vai perder. Capisce[34]? — Faço com que ela me encare. — Eu
prometo.
Nonna grita algumas ordens da porta do quarto e, em seguida, duas
mulheres entram com chá, água e um comprimido. Nonna faz minha mãe
engolir o remédio, lhe serve água e um pouco de chá. Depois, senta-se na
poltrona ao lado da cama.
— Ela vai dormir um pouco, ragazza — nonna diz. — Esse calmante é
poderoso. Eu cuido de sua mamma e você cuide de ajudar a trazer Giovanna
inteira, antes que aquele saco di merda a faça algum mal.
Saio do quarto, determinada, mas quando fecho a porta atrás de mim,
desabo no chão e no choro.
Lembro-me do meu último café da manhã na casa dos meus pais, no dia
do meu casamento. Papà ainda estava apreensivo, porque Sage não parecia
ser tão fácil de domar, como foi, mas estava radiante. Finalmente sua filha se
casaria com o filho prometido do amigo tão querido, trazendo ainda mais
prestígio aos Messina. Meu braço enfiado no seu enquanto caminhamos para
o altar. As memórias de quando ele me levava ao parque de diversões
também me rondam. Tento conter as lágrimas, engolir a dor, porém não
consigo mais.
Sentada à porta do quarto, um filme de momentos felizes com papà
passa pela minha cabeça. Não sei quanto tempo fico na mesma posição, mas
me permito, por aqueles minutos, sentir a minha dor. A dor por meu irmão,
por meu pai, mas também por minha mãe.
— Ah, minha princesa… — Sage senta-se ao meu lado e me puxa para
seus braços. Inspiro o cheiro de suor, misturado ao sangue seco em suas
roupas. — Sinto muito por seu pai. — Ele deposita um beijo no topo da
minha cabeça. — Se eu pudesse…
— Eu sei, marito — interrompo-o. — Eu sei. — Afundo-me ainda mais
em seus braços.
Não preciso de suas palavras agora. Preciso de seus braços, por alguns
segundos, enquanto nos é permitido, para tomar coragem e fazer tudo o que
tem que ser feito. Sei que será um momento breve, como uma fuga de cinco
minutos para o paraíso. Sage logo será chamado para resolver algo e eu
também preciso reagir, mas aproveito cada instante que posso para reunir
minhas forças e terminar essa guerra.
— O que você está fazendo? — grito quando vejo Jett abrindo a porta
do quarto de Luana com uma bandeja na mão.
Ao meu lado, Martina me pede calma. Mesmo assim, avanço para cima
do meu cunhado, impedindo-o de entrar. Jett me olha, assustado.
— Estava trazendo algo para Luana comer, Mia. — Dá de ombros. —
Ela está mais abalada ainda com a morte da…
— Ela o quê? — grito mais alto. — Por mim, essa puttana pode morrer
à mingua! Ela está abalada com a morte da mãe? Aquela porca stronza que
matou meu pai? Ou ela ainda está abalada pela morte do papà amado que
matou a SUA mãe. — Aponto o dedo para Jett. — E a deixava ser estuprada
embaixo do próprio teto!
— Calma, Mia — Martina pede mais uma vez. — Se quisermos que ela
fale algo, tem que se controlar.
Não tenho. Não posso ter. Cada milésimo de tempo pode ser tarde
demais para Giovanna. E só consigo pensar nela, minha prima, afilhada de
meu pai, a mulher mais nova de nossa família, uma menina cheia de sonhos.
Mas Martina tem razão: preciso manter o controle.
Pego a bandeja da mão de Jett e, antes que ele proteste, o mando sair.
Mesmo contrariado, ele obedece e eu respiro fundo. Martina espera meu
cunhado se afastar e me encara.
— Olha, Mia, eu não sei como você consegue ainda estar de pé. No seu
lugar, eu já teria desabado, e nem sou ligada a todas as tradições de família.
— Passa a mão pela corrente herdada da avó. — Só as que me convêm. —
Ela sorri e esboço uma tentava de retribuir, lembrando que, graças às
tradições que mantém, eu pude me salvar do Bellini. — Mas se você quer
recuperar a Giovanna, precisamos de um pouco de sororidade aqui.
— Soro… o quê? — pergunto, confusa.
— Empatia feminina, cugina[35]. Eu sei de tudo que aconteceu entre as
famílias nos últimos tempos, mas Luana foi abusada e estuprada pelo próprio
irmão quando ainda devia brincar de bonecas.
— Irmão gêmeo, o que deve ser pior ainda — digo em voz alta o que já
passou pela minha cabeça desde que ouvi aquele mostro[36] confessar.
— Não podemos atacá-la, Mia. Precisamos que ela confie em nós se a
gente ainda tem esperanças de que Giovanna não tenha o mesmo fim.
Penso por uns segundos no corredor. Eu sou capaz disso. Não sei como,
mas tenho que ser. A tontura toma conta de mim.
— Segure pra mim, per favore, cugina. — Estendo a bandeja.
Martina me atende de imediato. Pergunta se estou bem, mas é o cansaço,
a dor, a raiva que estão me corroendo. Respiro fundo e entramos no quarto.
Luana está encolhida, sentada em um canto da cama, abraçada aos
joelhos, como um bicho faminto, machucado e acuado.
— Você precisa comer alguma coisa. — Martina coloca a bandeja ao
seu lado.
— Pra quê? Eu não tenho mais ninguém neste mundo.
— Sua nonna está viva e seu irmão também — digo com a voz calma.
— Sei que ele é um monstro, mas sua nonna deve te querer bem.
— Se eu fizer todas as vontades do netinho preferido dela, sim — Luana
fala com o rosto vermelho. Do tanto que chorou, mas também de raiva.
— Ela sabia? — Martina se joga na cama e segura a mão de Luana. Não
consigo saber se é sincera ou apenas encenação. — Eu sinto muito por você,
Luana.
— Ela não só sabia como me obrigava — Luana continua falando. —
Muitas vezes, ficou de vigia na porta pra que ele “saciasse” suas vontades.
Me dizia que era assim mesmo que as famílias funcionavam. — Ela olha para
mim, como se buscando uma confirmação de que sua avó não mentia.
— Na minha família, ninguém nunca me tocou um dedo. Nem meus
irmãos, nem qualquer homem, nem mesmo meu pai — afirmo e tenho pena
de sua desilusão.
— Sinto muito pelo seu pai. Ele parecia um homem bom — Luana diz e
sinto que suas palavras são genuínas. Não consigo dizer o mesmo. Se Enrico
não tivesse nos vingado, eu mataria la puttana di tua madre[37] com minhas
próprias mãos.
— Para onde seu irmão deve ter levado a Giovanna? — sou direta. Não
tenho mais tempo a perder com sentimentalismos.
— Eu não faço a menor ideia, Mia. De verdade. Se eu pudesse evitar
que ele machuque a menina, eu evitaria.
— Talvez você possa… se nos ajudar. — Ela me encara, confusa. —
Precisamos olhar todos os documentos de propriedades da sua família, tentar
descobrir onde ele possa estar se escondendo. Você conhece os negócios de
seu pai, quem sabe alguma lembrança surja que possa nos ajudar.
— Tudo bem. — Ela concorda com a cabeça. — Mas com uma
condição. — Hesita brevemente. — O Jett pode ir conosco. Me sinto segura
com ele por perto.
Capítulo 8
Sage

Eddie dirige com pressa, enquanto apoio o cotovelo na janela e deixo a


cabeça encostar no vidro. As pessoas do outro lado passam como um borrão:
sem importância, sem rostos, sem histórias… e talvez sejam mesmo, porque,
no fim das contas, somos todos irrelevantes. A vida é simplória demais, assim
como a morte — que pode chegar a qualquer momento. Inclusive, está
prestes a chegar para alguns Giordanni.
Sarita pesa contra meu tornozelo, precisando de mais sangue. Mas não
qualquer sangue; apenas o daqueles que merecem pagar pelo que aconteceu.
Não sei que horas são, mas o dia já raiou e ainda não preguei os olhos.
Também não estou cansado. A adrenalina corre por minhas veias, o desejo de
sangue pulsando dentro de mim. Não contei à Mia o que Mattia revelou.
Minha esposa estava desesperada, chorando seu luto, e não achei sensato
dizer a ela que seu marido estava prestes a matar algumas pessoas. O último
dia foi complicado demais para acrescentar outros problemas.
Só que, na verdade, o que busco são soluções. Quero resolver essa
merda o mais rápido possível, antes que nossa família acabe a sete palmos.
— Quanto tempo? — rompo o silêncio e pergunto a Eddie.
— Cinco minutos, Don, quer dizer, Capo — ele se apressa em corrigir.
Solto uma risada com a confusão. Don, até parece… Estou nesta vida há
apenas alguns meses, fora que não sei se estou disposto a encarar uma
responsabilidade como essa.
— Se um dia eu me tornasse Don, você estaria ao meu lado, Eddie? —
pergunto mesmo assim.
— Até o fim — ele garante sem hesitar, os olhos presos na rua à frente.
— Você está desobedecendo seu pai para vingar meu primo e os outros
mortos. Tem feito mais por nós do que ele. Então, sim. Se hoje você se
tornasse Don, eu continuaria ao seu lado, não importam as circunstâncias.
Assinto calado, sem saber como reagir à declaração de lealdade.
— Tecnicamente, não estou desobedecendo ninguém — desvio do foco
de constrangimento. — Não contei a meu pai o que Mattia disse, muito
menos o que estamos prestes a fazer.
— Se tivesse contado, você acha que ele teria dado a ordem de irmos
atrás dos maledettos?
“Não”, respondo mentalmente, deixando a incerteza pairar. Eddie não
insiste.
Antes de Sarita fazer com que o coração do Soldatto dos Giordanni
parasse de bater, ele contou que, além da propriedade onde moravam, a
família também tem uma casa afastada do centro, em uma área suburbana. O
grito revoltado da velhota, seguido de lágrimas grossas, só me fez ter certeza
de que a informação é verdadeira.
Eu poderia ter dito ao meu pai aonde íamos, só que ele responderia com
a mesma apatia de antes. E a última coisa que quero agora é ficar sentado no
sofá, chorando os mortos. Por isso, reuni alguns dos poucos homens que
sobraram e saí de casa.
Em outro carro, Coal, Frederico e Jerry nos seguem. Rico, Jett e Enrico
ficaram em casa, junto com Danio e as mulheres. Mesmo duvidando de mais
um ataque, achei melhor garantir a segurança.
— Temos que acabar com essa merda logo, Eddie — solto aquilo que
estou pensando há tempos.
— Como, Capo? — ele quer saber.
— Pensei que um tratado de paz resolveria. Mas agora…
— Seu pai cometeu um erro quando matou Ettore. — O comentário de
Eddie me pega de surpresa, tanto que me viro e o encaro com a testa franzida.
— O filho da puta atirou trinta e…
— Não, Capo — ele me interrompe. — Não estou dizendo que Ettore
merecia estar vivo. O erro foi o seu pai ter puxado o gatilho, e não você.
Agora, as coisas vão ficar bem mais difíceis. Um Don não pode matar o outro
e esperar que nada de mais aconteça. Logo depois, ele zombou dos Giordanni
sugerindo um tratado de paz.
— Fui eu que dei a ideia — rebato.
— Sim, e era você quem deveria ter vingado sua mamma — Eddie
explica. — Se você tivesse matado Ettore e, em seguida, seu pai tivesse
sugerido o acordo, duvido que isso estaria acontecendo.
— Você está dizendo que a culpa foi minha?
— Não, Capo. Estou dizendo que seu pai age quando precisa ficar
quieto e fica quieto quando precisa agir. Não sei o que está acontecendo com
Don Marco, mas ele não é o homem de sempre. — Antes que eu possa falar
alguma coisa, Eddie estaciona o carro em uma rua pequena e arborizada,
cheia de casinhas bem pintadas e quintais floridos. — Agora, somos nós que
temos que consertar as merdas dele.
Abre a porta e sai do carro, me deixando para pensar. Infelizmente, não
posso me dar ao luxo de refletir sobre erros e acertos neste momento, já que
apenas uma coisa chama o meu nome.
Saio do carro também e vejo que, logo atrás de nós, Coal, Jerry e
Frederico já estão a postos. Tiro a pistola do coldre e carrego-a ao lado do
corpo, braço abaixado, na direção da casa.
— É no fim da rua — Eddie diz, gesticulando com a arma para uma casa
amarela de um andar, com cerquinha branca rodeando o terreno, a uns vinte
metros de onde estamos.
— Você tá de sacanagem comigo? — Olho para ele, que apenas dá de
ombros. — A gente tá num bairro residencial. Daqui a pouco, crianças vêm
andar de bicicleta na rua.
— Deve ser por isso que ficam aqui. — É Coal quem fala. — Para evitar
conflitos mais… acalorados.
Balanço a cabeça e solto uma risada sem humor. Puta merda, eles são
muito ridículos mesmo se acham que isso impediria qualquer inimigo de agir.
Ou então conhecem meu pai melhor do que imaginei, porque Don Marco
jamais abriria fogo num local como este.
Eu, por outro lado, não tenho problema com efeitos colaterais. Mas
confesso que me sinto aliviado ao não ver ninguém andando na rua.
Marchamos até a porta e noto que uma das cortinas está afastada, porém
o que mais me estranha é não ter um sensor de presença ou uma câmera à
vista.
— Tem um homem no quarto e outro na cozinha — Jerry revela
baixinho, depois de ter dado a volta na casa.
— Só? — Ergo a sobrancelha em desconfiança.
— Pelo que vi, sim. Mas não tenho certeza.
— Reconhece algum deles?
— O que está na cozinha é um Soldatto. Não vi direito o que está
dormindo, mas sei que não é Salvatore. O cabelo é ruivo.
— Giovanna? — quero saber, mas Jerry apenas faz que não com a
cabeça. — Certo… — Solto um suspiro calmo, frustrado por ele não ter visto
a nossa menina.
É fato que todos os Giordanni precisam morrer. Mas também
precisamos trazer Giovanna de volta, e ilesa. Apesar de nunca ter trocado
mais do que cinco palavras com ela, não posso permitir que fique à mercê de
Salvatore. Se ele começou com suas perversidades aos dez anos, não quero
nem pensar no que ele vai fazer hoje, com uma mulher dos inimigos.
— Coal, fique na frente da casa. — Aponto para a porta, e ele logo
assume a posição indicada. — O resto vem comigo. Vamos entrar pela
cozinha.
Meu irmão tem que ficar aqui para evitar a fuga do que está dormindo
no sofá. Fora que ele ainda não está muito bem para correr atrás de pessoas.
A ferida em sua perna está melhor a cada dia, mas não o suficiente.
Chamo Jerry, Rico e Eddie com a mão e começo a seguir para os
fundos. No meio do caminho, cruzamos uma janela bem grande. Para evitar
outra rota de fuga, peço a Jerry que se posicione ali, até que eu o chame de
novo. O Soldatto obedece sem questionar.
Ouço alguém cantando na cozinha e o som da cafeteira funcionando.
Todos os movimentos são feitos em total silêncio, para que o homem não
note a nossa presença. Mas quando faço um gesto positivo com a cabeça e
Eddie arromba a porta com um chute, os gritos — tanto nossos quanto dos
homens na casa — dão fim à calmaria.
É apenas o início do caos.
Enquanto eles carregam os corpos para a mala do SUV, pego uma
caneca de café fresquinho, sento no degrau da varanda e acendo um cigarro.
Bela forma de começar o dia.
Olho para as minhas mãos cobertas de vermelho e respiro fundo,
tentando baixar a adrenalina, mas meu coração continua batendo acelerado.
Talvez por ter acabado de matar um homem, ou então por não ter conseguido
descobrir onde está Giovanna. A frustração toma conta, assim como a raiva
cresce dentro de mim.
— Capo. — É Jerry quem chama. — Estamos prontos.
Assinto e começo a me levantar do degrau, deixando a caneca no chão.
Quando o faço, noto que duas vizinhas estão espiando pela janela da casa ao
lado, tentando se manter escondidas atrás de uma cortina de renda.
Reviro os olhos e rio comigo mesmo.
Sem pensar duas vezes, pulo a cerca baixa que divide as propriedades e,
calmamente, caminho até elas. O que me espanta ainda mais é que ficam
paradas no lugar, como se o medo as impedisse de se esconder.
— Bom dia, senhoras — digo, dando um trago no cigarro e mais alguns
passos na direção delas.
— Nós não vimos nada! — uma se apressa em dizer. — Também não
ouvimos.
— Não teria o menor problema se tivessem visto ou ouvido alguma
coisa. Inclusive, é justamente por isso que queria dar uma palavrinha com
vocês duas.
As coroas se abraçam dentro da casa, a curiosidade falando mais alto do
que o senso de autopreservação. Adoro mulheres fofoqueiras. Elas podem ser
bem úteis.
— A gente… não… não — a outra gagueja, enquanto tenta fechar o
robe rosa na frente do corpo. Como ela faz isso enquanto continua abraçada à
companheira é um mistério.
As duas são muito parecidas, ambas com o cabelo grisalho e olhos muito
azuis. Pele enrugada, boca fina e o espanto decorando seus rostos. Parecem
irmãs, talvez até gêmeas, e devem ter mais de setenta anos.
— Fiquem tranquilas que nada acontecerá a nenhuma de vocês. Têm a
minha palavra — garanto, mantendo meu olhar fixo nelas. — Na verdade,
queria que me ajudassem.
— Claro! O que precisar — aquela que ajustou o robe diz.
— Eu me chamo Sage Wilder e faço parte da família Rossi, vocês
conhecem? — As duas balançam a cabeça de um lado para o outro, negando.
— Pois bem, quero saber se conhecem os vizinhos.
Quando aponto para a casa ao lado, ambas se entreolham. É como se
estivessem conversando mentalmente, algo que sempre consegui fazer com
Coal e Jett. Talvez seja uma coisa de gêmeos, ou apenas a convivência de
tanto tempo. Mesmo assim, espero que terminem o bate-papo mental.
— Nunca falamos com eles.
— Claro que não. Inclusive, não recomendo que façam isso. São pessoas
do mal, sabe? — Dou uma piscadinha e mais um trago no cigarro. — Viemos
aqui porque eles levaram a minha prima — explico, apelando para o lado
emocional delas.
— Levaram? — a do robe azul pergunta, espantada. — Por que não
ligaram para a polícia?
Solto uma risada.
— Não gostamos muito da polícia. Mas adoraríamos contar com a ajuda
de vocês duas. — Dou um passo à frente, aproximando-me ainda mais da
janela. — Se alguém voltar à casa, liguem para mim. — Estendo um cartão
de visita.
Meu pai fez questão que eu tivesse um quando entrei para a família.
Nele, tem meu nome, telefone e os dizeres “segurança particular”. Até
parece.
A irmã com o robe rosa pega o cartão e lê o que está escrito,
provavelmente duvidando da minha profissão.
— Pode deixar — ela diz, sem me encarar.
— Ficaremos em dívida com vocês — declaro, desta vez falando sério.
— E se precisarem de ajuda, também podem ligar.
Ambas assentem, revezando olhares entre si e o papel em suas mãos.
— Vocês são… da máfia? — robe azul pergunta, sussurrando a última
parte.
— Não, querida. Somos apenas uma família italiana fazendo o que é
certo.
Capítulo 9
Sage

— Mais corpos? — Enrico pergunta o óbvio quando entramos em casa.


Jerry e Eddie carregam um Giordanni, enquanto Frederico pede ajuda a
Rico para trazer o outro. Coal vai direto para o quarto, mancando e usando a
bengala de apoio.
— O incinerador estava muito abandonado, não acha? — Jogo um
beijinho para ele, que balança a cabeça, e sigo para o escritório do meu pai.
— Ele não está lá — meu cunhado diz quando nota para onde estou
indo, me fazendo parar no meio do caminho. Viro-me para ele. — Don
Marco está com a nonna, na cozinha.
— Certo. — Mudo a direção do percurso.
— Sage… — Sua voz me interrompe mais uma vez e respiro fundo
antes de me virar. Estou cansado, ensanguentado e sem paciência para Enrico
agora. — Encontrou alguma coisa?
— Não, mas vamos encontrar — declaro.
— Quem estava lá? — ele quer saber.
— Vem comigo, porque não estou a fim de repetir a história várias
vezes. — Faço um gesto com a cabeça, pedindo para que me siga.
Mesmo se eu não soubesse a direção certa, conseguiria encontrar a
cozinha pelo cheiro. Nonna deve estar fazendo algo bem gostoso, porque o
aroma doce preenche o caminho. Assim que empurro a porta, confirmo
minhas suspeitas: um tabuleiro de sfogliatella[38] está em cima da mesa.
À cabeceira, meu pai está sentado, caneca de café na mão e olhos
perdidos em pensamento.
— Buongiorno — digo em italiano, querendo puxar o saco da velha para
que ela não reclame da minha falta de modos. Mal termino a frase e já estou
metendo a mão no tabuleiro e retirando dois doces de lá.
Parecem caudas de lagosta, mas feitas com massa folheada e recheadas
com um creme branco delicioso.
— Il mio ragazzo ha fame[39]— nonna exclama, alcançando um prato
para mim. — Não tomou café da manhã antes de sair?
— Não tive tempo — explico, enfiando mais um pedaço enorme na
boca.
Só então percebo que a parte do doce que sobrou na minha mão está
manchada de sangue. E eu me recuso a colocar a essência daqueles filhos da
puta na boca. Por isso, jogo fora o restante e me viro para encarar meu pai,
que não se mexeu desde que entrei na cozinha.
— Mattia me deu informações valiosas e um local onde os Giordanni
poderiam estar escondidos — começo a explicar, enquanto ele dá um gole no
café. — Acabamos de voltar e encontramos dois Soldattos na casa. Mais
ninguém. Estão entrando no incinerador agora.
Nonna para de andar para lá e para cá, seus olhos vidrados em mim.
Enrico permanece parado ao lado da porta, em silêncio, apenas observando.
Já Don Marco continua sentado, sem esboçar qualquer reação.
Puta merda, o que está acontecendo com ele?
— Conseguiu encontrar Giovanna? — questiona, ainda sem me encarar.
— Não, mas…
— Então, você me desobedeceu, matou dois homens e não descobriu
nada — ele constata e estende a caneca vazia de café, pedindo
silenciosamente para que nonna a encha de novo.
— Eu te desobedeci, matei dois homens, não descobri o paradeiro de
Giovanna, mas consegui outras coisas — declaro, colocando os dois celulares
na mesa com mais força do que necessário. — Quando Salvatore entrar em
contato com eles, teremos…
— Niente[40]! — desta vez, ele solta em um grito e se levanta
abruptamente da cadeira. Tão rápido que nonna se assusta e deixa cair o bule
de café no chão.
— E o que você tem feito? — grito de volta. — Além, claro, de ficar
sentado com essa cara de pobre coitado, esperando que alguma porra de
milagre aconteça? Pelo menos, estou tentando!
— Sage… — ele diz em tom de alerta.
— Sage é o caralho! — Perco de vez a paciência. — Quando entrei
nesta família, achei que você era um líder. Um homem forte, que estava
disposto a tudo para fazer com que as coisas acontecessem a nosso modo —
solto tudo de uma vez, quase sem pausas para respirar. — Só que descobri o
oposto: você deixa que as coisas aconteçam e apenas reage. Estou cansado de
reagir, Don Marco. Precisamos fazer com que os Giordanni paguem por
todos os crimes que cometeram contra a nossa família. E não vou esperar que
você tome uma atitude. Na verdade, cansei de esperar.
Estou ofegante, meu rosto está quente e todo o controle que tinha
aprendido a manter escorre por entre os dedos. Não apenas cansei de esperar,
mas também cansei de ser essa nova versão minha. Prefiro o Sage de antes,
que age e depois encara as consequências. Esse negócio de planejar é para
pessoas calculistas. Não sou assim. Nunca fui. Não pretendo ser.
Então, apenas encaro meu pai, que tem ambas as mãos apoiadas na
mesa.
— E aí, como vai ser? — questiono em tom de desafio.
— Vai ser do jeito que eu quiser, porque ainda sou a porra do Don.
Enquanto isso, vocês seguem as minhas ordens. — Sinto a raiva em sua voz,
assim como enxergo a apatia em seus olhos.
— Então tome uma atitude! — falo alto, pouco me importando se Enrico
está presenciando a cena. — Precisamos encontrar Salvatore.
— Ele vai aparecer no tempo certo — meu pai fala, agora com calma.
É incontrolável: começo a gargalhar alto. Rio tanto que meu corpo
começa a tremer.
— Você é um tolo esperando por milagres — acuso.
— E você é uma bomba relógio. Quando explodir, vai levar a nossa
família toda junto.
— Melhor do que ficar parado que nem um covarde. — Escuto Enrico
arfar ao ouvir minha declaração.
Don Marco, por outro lado, não retruca. Apenas vem até mim, parando
rente ao meu corpo. Nossos olhos se encontram em um desafio. Só que ele
não entende que farei de tudo para vencer. Qualquer coisa mesmo.
— Você vai me obedecer, ragazzo — meu pai diz em um sussurro.
— Claro que sim, mas só quando receber ordens sensatas. Não me peça
para ficar parado e esperar que o corpo de Giovanna seja devolvido como um
maldito souvenir.
Não consigo deixar de encarar o reflexo do que serei em trinta anos. Um
homem bonito, grisalho, com olhos expressivos e um rosto marcado pelo
tempo. Só que, por dentro, Don Marco está morto. Porque se ele desistiu de
lutar por sua família, é sinal de que perdeu a essência em algum momento do
caminho até aqui.
— Preciso que você seja meu filho agora, Sage. Mais do que nunca —
fala baixinho, mas sei que Enrico e nonna podem ouvi-lo.
— Não se trata do que você precisa, e sim do que a família precisa.
Temos que eliminar os Giordanni por tudo o que fizeram e trazer Giovanna
de volta. Custe o que custar.
Don Marco balança a cabeça antes de dar um passo para trás e, em
seguida, sai da cozinha. É então que puxo o ar com força. Olho para baixo,
para minhas roupas manchadas de sangue, e respiro fundo de novo. O
cansaço de meu pai é contagiante, mas não posso descansar agora.
Por isso, ergo a cabeça e encaro nonna, que está parada em um canto,
encurralada por centenas de cacos de vidro e uma enorme poça de café.
— Não sei qual é o problema do tuo padre — ela diz, como se pudesse
ler meus pensamentos.
— Também não sei. — Pego os celulares na mesa e os recoloco no
bolso.
— Mas você está certo, figlio mio. Não pode deixar as coisas como
estão.
Não, não posso. E não vou. Foda-se o que Don Marco quer. Ele perdeu
o direito de ditar as ordens quando se tornou um frouxo.
— Precisa de ajuda? — mudo de assunto e aponto para a bagunça no
chão.
— No! — Nonna abana a mão, me dispensando. — Vou pedir uma
ragazza para limpar isso aqui.
Assinto e viro-me de costas, pronto para sair da cozinha. Vejo Enrico
parado, me analisando, e não tenho ideia do que se passa em sua cabeça.
— Sabe onde está minha mulher? — pergunto a ele.
— Ela ficou com a mamma por um tempo e depois disse que precisava
resolver algumas coisas e saiu com Luana. Já deve ter voltado — revela sem
qualquer emoção na voz.
— Certo. Nos vemos mais tarde. — Aceno para ele e volto a caminhar.
Antes que eu consiga cruzar a porta, sou interrompido:
— Sage — nonna chama e me viro para encará-la. — Estou muito
orgulhosa de você.
No instante que entro no quarto e não sinto o cheiro de Mia, meu
coração acelera.
— Princesa? — chamo e vou até o closet, mas não há sinal dela. O
banheiro também está vazio.
Merda! Mia ainda está na rua, justamente quando mais preciso dela. Os
acontecimentos de hoje me deixaram à flor da pele — muito mais a discussão
com meu pai do que a visita à casa dos Giordanni.
Ando de um lado para o outro do quarto, o relógio no pulso diz que já
passou das dez da manhã. Onde ela se enfiou? Não deveria demorar tanto
para voltar.
Enfio a mão no bolso e pego o celular. Ligo uma, duas, três vezes. O
resultado é sempre o mesmo: vai direto para a caixa postal, sem nem a porra
de um toque. Merda, merda, merda. Cadê a minha mulher?
Mando uma sequência de mensagens, só que nenhuma ganha resposta.
Será que aconteceu alguma coisa? Será que os Giordanni a levaram
também? Por que diabos ela não foi acompanhada de mais alguém além de
Luana? E se aquela desgraçada armou alguma emboscada? Na verdade, não
sei para onde ela foi nem o que está fazendo — e isso me enlouquece.
Nas circunstâncias atuais, preciso que Mia esteja ao meu lado. A. Porra.
Do. Tempo. Todo. Se não estiver comigo, que fique em casa, cercada de
homens da família e protegida daqueles que querem a nossa morte.
A impressão que tenho é de que levo horas percorrendo uma maratona
dentre estas quatro paredes. A insanidade me domina, o medo me consome.
Quando a porta finalmente se abre e, por ela, Mia aparece, solto um suspiro
de alívio e vou até a minha mulher. Puxo-a para os meus braços sem
controlar a loucura.
— Você está proibida de sair sozinha — digo enquanto deixo minha
boca descer sobre a dela, beijando-a com tanta força que ouço-a arfar.
Mas não paro. Não consigo. Não posso.
Acaricio seu corpo com aflição, redescobrindo cada centímetro da pele
lisinha. Minhas mãos entram por baixo do vestido, subindo pelas coxas e
chegando até a bunda redonda.
Agarro-a com força, sem deixar que pronuncie uma palavra sequer, e
arrasto-a até a parede. Tiro a porra da presilha que mantém seu cabelo preso,
fazendo com que os fios se libertem em ondas. Emaranho meus dedos entre
eles, puxando-os com força para que Mia não possa romper os beijos. Mas
quando suas mãos começam a arrancar minha blusa, sei que ela precisa disso
tanto quanto eu.
Mia entra no mesmo ritmo desesperado, sua língua duelando por
dominância. Suas carícias cada vez mais agressivas. O medo que senti de
nunca mais vê-la faz com que eu precise de mais, que precise dela por inteiro.
Nua. Minha.
Estar com ela é a única coisa que faz sentido neste momento. E assim
que Mia desabotoa a minha calça, chuto a peça para o lado e ergo minha
mulher do chão. Na mesma hora, suas pernas sabem o que fazer, envolvendo-
me pela cintura enquanto imprenso-a contra a parede.
Não preciso de palavras ou declarações. Agora, só preciso sentir a
boceta apertada dela esganando meu pau. Abaixo um pouco a cueca e chego
sua calcinha para o lado, enterrando-me nela de uma vez só.
— Sage! — Mia geme meu nome e preciso de alguns segundos para
controlar a vontade de gozar.
É sempre assim: quando estou dentro dela, me sinto perdido — ao
mesmo tempo, sei que estou no lugar certo. Afundo minha cabeça na curva
entre seu ombro e pescoço, inspirando o cheiro que me deixa maluco.
A posição faz com que nossos corpos se encaixem com perfeição, e
deixo minhas mãos a segurarem pelas pernas, enquanto começo a me mexer
devagar.
Mia geme baixinho e arqueia as costas, sua cabeça batendo na parede.
Olho para ela e… caralho. Perfeita demais. Mordendo os lábios, olhos
fechados, cabelo solto…
— Você fica linda assim. — Contorno o decote do vestido com a língua,
sem desviar o olhar.
— Amore mio, vai mais rápido — ela suplica, ofegante, e começa a
subir e descer.
— Seu pedido é uma ordem.
Faço o que ela pede e começo a entrar e sair com força, precisando
provar para mim mesmo que Mia está comigo. Que está em segurança.
— Dio santo! — ela fala mais alto, respirando com força.
Abaixo o decote de seu vestido, fazendo com que um seio pule para
fora. Na mesma hora, coloco o mamilo rígido na boca e chupo-o com
vontade. Isso faz com que os gemidos de Mia aumentem e ela começa a
rebolar no meu pau.
Estou sujo, suado, cansado, mas o prazer em estar dentro dela faz com
que todas as outras coisas sejam esquecidas. Não há problemas no mundo
enquanto me enterro na minha esposa.
Seu olhar não desvia do meu por um segundo sequer, me deixando
incapaz de parar. Vou mais rápido, mais fundo, tão duro que chego a sentir
dor.
— Quer gozar, freirinha? — Mia assente com a cabeça, a boca capaz de
apenas soltar gemidos.
Os movimentos dela ganham urgência, assim como os meus. Até que ela
aperta meus braços com força e solta um grito alto. Sua boceta gostosa se
contraindo ao meu redor, exigindo que eu venha também. Estar dentro dela é
tão intenso que não consigo mais me controlar, tombando em um orgasmo
explosivo que me obriga a fechar os olhos enquanto urro seu nome.
Deixo minha cabeça cair em seu ombro e respiro fundo, tentando
controlar o coração acelerado e a respiração cortada.
Puta merda, é sempre melhor.
— Amore mio… — ela diz baixinho, agora acariciando o meu cabelo.
Continuo dentro dela, sentindo o meu prazer começar a escorrer. Mas
não quero sair daqui.
— Sage — Mia chama de novo e finalmente subo o olhar.
— Matei dois Giordanni hoje — confesso. — Eles disseram que
Salvatore está acompanhado de mais três homens da família.
— Encontrei alguns registros. Quase todos daquela família já se foram.
Com a exceção de Luana e dos que você matou, só restaram quatro além de
Salvatore. Tenho certeza de que Sarita dará conta deles muito em breve.
Ela sorri para mim de uma forma tão carinhosa e confiante que fico
completamente desarmado. Quando me disseram que eu estava de casamento
marcado com uma mulher que nunca tinha visto, jamais pensei que
encontraria nela o amor da minha vida. Mas é exatamente isso o que Mia
significa para mim.
— Estou perdido, freirinha. Preciso que você seja a minha bússola
agora.
Capítulo 10
Mia

Desde o dia da minha primeira menstruação, sonhei com mio marito.


Imaginei muitas coisas sobre como seria nossa vida e nossa relação. Mas
nada chega perto do que realmente temos.
Quando Sage me pede que seja sua bússola, toda a fragilidade do
homem gigante que é aparece. Não importa se ele acabou de matar dois dos
maledettos dos Giordanni, nem se enfrentou seu pai, como me contou em
seguida, muito menos se é capaz de me pegar com apenas uma mão. O que
demonstra a cada dia com suas atitudes, coragem e a confiança que deposita
em mim, não me deixam em dúvida de que, em breve, ele será o próximo
Don dessa família — e isso foi o que sempre sonhei.
Conduzo-o até o banheiro, ligo a ducha e o coloco embaixo da água
morna. Conto que levei Luana ao fliperama e que, apesar de não ter ajudado
em nada com a localização de Salvatore, senti que podemos ter uma aliada
ali, pelo menos na missão de eliminar aquele verme da face da Terra.
Pego o sabonete, esfrego na bucha e começo a limpar sua pele. As mãos,
os braços, o pescoço, seu rosto. Todos os lugares onde o sangue de nossos
inimigos manchou. Seus olhos permanecem grudados em meus movimentos.
Termino o serviço e deposito um beijo em seus lábios. Saímos do banho
juntos, enrolados nas toalhas e nos atiramos na cama. Adoraria outra
maratona de sexo, mas é preciso descansar um pouco: em algumas horas,
enterrarei meu papà.
— Como está sua mãe? — ele pergunta, acariciando meu cabelo.
— Medicada. Nonna deu um calmante a ela.
— E você, princesa?
Eu? Não sei. Minha cabeça fervilha, ora lembrando de papà, ora
rezando por Giovanna, ora pensando em vingança. Respiro fundo, me ajeito
melhor em seu peito, seguro as lágrimas e finalmente respondo:
— Quero vingança, amore mio.
É tudo o que consigo dizer. Ele concorda.
— O que é isso? — Sage pergunta e me mostra a caixinha que estava
sobre a mesinha de cabeceira.
— Seu presente de aniversário. — Seus olhos brilham enquanto
rapidamente desfaz o laço vermelho da fita. Mas quando abre a caixa, fica
confuso. — São abotoaduras.
— Eu não uso terno, Mia.
— Eu sei, mas em breve terá que usar. Enquanto isso, pode colocá-las
na jaqueta de couro.
Pego uma delas na mão e mostro os detalhes do brasão da família. Sage
não parece se interessar muito pelo presente, mas então mostro a ele que,
embaixo do desenho, há um pequeno compartimento, com um líquido
viscoso e transparente.
— Isso é veneno? — Ele ainda parece confuso.
— Não. Tecnicamente, é uma essência feita de saia-branca[41]. Essa
pequena dose aqui dentro é capaz de matar um homem. Foi assim que matei o
Bellini, marito. — Fecho o compartimento e devolvo a abotoadura para ele.
— Pedi à Martina que providenciasse mais para o seu presente. Pode ser útil
em algum momento, não?
— Você não existe, freirinha. — Ele toma a minha boca com urgência.
— Eu te amo tanto, Mia.
Deito novamente em seu peito, o silêncio se faz entre nós e ele é
confortável. Sua mão acariciando meu cabelo vai me relaxando cada vez mais
e me deixo levar, limpar a mente por alguns minutos e cochilar.
Acordo com as batidas na porta. Sage não está mais ao meu lado, o que
faz com que eu levante rápido demais e fique completamente enjoada. Corro
para o banheiro e coloco para fora todo o conteúdo do meu estômago, sem
perceber que mio marito está ali, fazendo a barba.
— O que houve, princesa? — Ele larga o aparelho e vem segurar o meu
cabelo. — Está tudo bem?
As batidas na porta continuam.
— Devo ter comido algo que não me fez bem — respondo, levantando
do chão e dando descarga. — Atenda a porta, amore mio, per favore.
Ele faz o que peço, enquanto lavo o rosto e escovo os dentes.
— Era seu irmão — revela, escorado no batente da porta. — Está quase
na hora. — Ele me olha com atenção. — Tem certeza de que está tudo bem?
Não. Não está tudo bem. Em poucos minutos, enterrarei meu pai. Sinto-
me exausta, gostaria de dormir pelo resto do dia abraçada em Sage, mas de
que adianta as minhas vontades e meu mal-estar agora? De nada. Preciso me
manter forte, nem que seja pela mamma.
— Tutto benne — digo sem muita convicção, o que faz com que ele
permaneça escorado à porta do banheiro. — Vamos nos arrumar pra descer.
Passo por ele e entro no closet. Sage continua me observando, como se a
qualquer momento eu fosse desmoronar. É o mesmo que sinto, mas ver a
minha fraqueza refletida em seus olhos não me agrada. Peço que ele também
se arrume e, depois de algum tempo, quando parece ter certeza de que não
vou me desmanchar em sua frente, ele finalmente começa a se vestir.
Não tenho muito o que dizer. Também parece que não quero ouvir. A
única coisa que consigo pensar é que meu papà è morto e que, ao final do dia
de hoje, nunca mais poderei vê-lo.
— Pronta, princesa?
Minha cabeça sacode, respondendo que sim. Meu coração grita não.
Descemos as escadas de mãos dadas. Os olhares se voltam para mim. Na
sala de jantar, meu pai está dentro do caixão. Mamma fazendo carinho em sua
testa, murmurando coisas incompreensíveis. Enrico a abraça, tentando
confortá-la de alguma maneira. Nonna e Don Marco também estão ao seu
lado. Fico parada, observando a cena, sem coragem de me aproximar e
constatar a verdade. Papà nunca mais estará de pé.
O sol batendo nos vitrais da capela ofuscam meus olhos. Mamma está
com a cabeça encostada em meu ombro, de mãos dadas com Enrico,
enquanto o Padre fala algumas palavras sobre meu pai. É estranho ele não
estar aqui ao nosso lado. Mesmo fazendo uma semana de sua morte, não me
acostumo com a ideia.
Uma semana. Que meu pai foi morto, que não temos notícias de
Giovanna, que nada se sabe sobre o paradeiro de Salvatore. Uma semana que
mio marito sai todos os dias para caçar o figlio di puttana e nada.
O celular de Sage começa a vibrar em seu bolso. Ele olha, silencia o
aparelho, mas alguns minutos depois, ele volta a vibrar.
— Talvez seja melhor atender — digo em seu ouvido.
— De jeito nenhum. Não vou te deixar sozinha nessa hora, princesa.
Aperto sua mão com força em agradecimento. Não tenho condições de
ficar sozinha. Cada vez que Sage sai de perto, me sinto vazia e não consigo
conter as lágrimas. Preciso dele para ser forte.
A missa de sétimo dia termina e vamos para o carro em silêncio. Desde
que tudo aconteceu, mamma está morando conosco e não consigo deixar de
pensar em como me sentiria se estivesse no seu lugar. Mesmo com os
calmantes de nonna, ela se revolta mais a cada dia.
— Posso ir no carro com vocês? — ela me pergunta em tom baixo. —
Não consigo mais olhar para a cara do Marco e toda essa ineficiência em
achar minha afilhada. Giovanni sempre foi fiel a ele e, agora, parece que até
se esqueceu da família.
— Claro, mamma.
— Seu pai que deveria ter sido o Don dessa família, não esse
finocchio[42]! — Ela cospe no chão.
Não tenho o que dizer a ela e sinto medo de contar que Sage continua
desobedecendo seu pai e não desistiu de encontrar Giovanna. Do jeito que
mamma está revoltada, capaz de contar tudo ao meu sogro em um acesso de
raiva.
O celular de Sage volta a vibrar em seu bolso e me preocupo com a
insistência.
— Eu atendo para você — digo.
— Deve ser só algum telemarketing da vida querendo oferecer um plano
melhor de internet, Mia.
— E se não for? — Olho para o banco de trás e vejo que minha mãe não
presta atenção em nossa conversa. — Se for notícias da Giovanna? — digo
quase em um sussurro.
Algo no olhar que me devolve como resposta parece ter pena de mim.
Como se minha esperança de que ela esteja viva seja em vão.
Entramos em casa, derrotados. Todos. Desde que essa maledetta guerra
começou, só enterramos os nossos e cada vez parece mais inevitável que
tenhamos mais enterros e missas de sétimo dia.
Acompanho mamma ao seu quarto e fico com ela até pegar no sono.
Tenho também vontade de dormir, mas meu estômago, que segue revoltado,
não permite que me acalme. Quando vejo-a ressonar, saio devagar, com
cuidado para não fazer nenhum barulho, e desço até a cozinha, na esperança
de encontrar um chá de boldo fumegando em alguma chaleira.
Martina e Luana estão sentadas à mesa da copa quando entro, cada uma
com uma xícara na mão.
— Como você está? — Martina pergunta. Respondo sem muitas
palavras.
— E sua mãe? — Luana questiona enquanto me serve uma xícara de
chá. Não é boldo e sim camomila, pelo cheiro.
Minha vontade é responder que está acabada, porque a putanna da sua
mãe matou meu pai. Talvez fosse justo eu matá-la com minhas próprias
mãos. Será que a vingança acalmaria meu coração?
Não posso. Eu sei. Ela é uma convidada em nossa casa e cada vez tem se
mostrado mais útil e prestativa, tanto nos afazeres do dia a dia quanto a dar
informações sobre seu gêmeo. Ainda assim, imagino minhas mãos em seu
pescoço, seus olhos apavorados encarando os meus, enquanto o ar lhe falta e
a vida se esvai de seu corpo.
Porém, antes que eu responda ou sacie minhas fantasias, uma gritaria na
antessala chama a nossa atenção. Nem bebo o chá. Solto a xícara e, junto com
elas, vou ver o que está acontecendo.
As vozes alteradas começam a fazer sentido em meus ouvidos. Nicola
grita cada vez mais alto palavrões, ofensas e ameaças. Só quando entramos
no cômodo, vemos que são direcionadas a meu sogro.
Don Marco parece meio tonto, passa a mão pela cabeça, como se
tentando aliviar alguma dor. Na mão de Nicola está uma escultura de prata,
que ela sacode enquanto diz com todas as letras que terá o maior prazer
quando matá-lo.
— Cosa sta succedendo qui[43]? — nonna questiona entrando na sala já
se dirigindo à Nicola. — Te mandei lustrar a prata, não bater em meu figlio.
Ela arranca a escultura das mãos de Nicola e dá uma bofetada em sua
cara, que faz a velha quase cair no chão. Luana tenta correr para segurar a
avó, mas Martina a segura pelo braço.
— Melhor a gente não se meter. — Sai puxando a ragazza para a
cozinha novamente.
Resolvo fazer o mesmo, mas antes de chegar à cozinha, sinto aquele
enjoo outra vez e corro para o lavabo.
Capítulo 11
Sage

Estou cansado. Tão cansado que penso em ignorar a gritaria dentro de


casa e ir para um lugar mais tranquilo. Talvez a Islândia seja uma boa opção
— contanto que minha freirinha vá também e me mantenha bem aquecido.
Acabei de voltar de mais uma tentativa frustrada de encontrar Giovanna,
e tudo o que não queria era me deparar com o caos. Dou um trago no cigarro
e mulheres gritam. Mais outro e vozes masculinas começam a soar. O último
e, depois de jogar a guimba no chão e amassá-la com o pé, respiro fundo e
vou ver o que caralhos está acontecendo.
No instante que entro, parece que cruzei as portas do inferno.
Nonna está aos berros, apontando um abridor de cartas para Nicola. O
objeto parece ser antigo e de prata, com pedras vermelhas incrustadas e
afiado o suficiente para causar algum dano. Enrico e Jett tentam segurá-la,
mas a velhota parece ter mais força do que os dois, porque facilmente se
desvencilha deles. Ponto para nonna.
Frases em italiano — que não faço a menor questão de tentar entender
— são ditas em tom alto por ambas as mulheres. Enquanto isso, meu pai está
escorado na parede, com uma mão na cabeça e sangue escorrendo por um
pequeno corte.
— Está tudo bem, mamma — ele tenta reassegurar, mas minha querida
vovozinha resolveu que este é o melhor momento para adotar a tal da audição
seletiva. — Ela não me acertou com força.
— Não importa se foi com força ou não, Don Marco — Enrico entra na
conversa. — Agressões desse tipo não podem ser toleradas.
— E o que você sugere que eu faça? — meu pai pergunta, sem sair do
lugar.
— Niente, come di solito[44]— nonna cospe as palavras, mas o que me
espanta é a expressão de desdém em seu rosto que acompanha a frase.
Não entendo o que diz, mas quando olho para meu pai e o vejo
endireitar a coluna, sei que acabou de ser insultado. Enrico não parece
confortável, já Nicola sorri abertamente.
— Chega! — Sentindo-me um tanto sufocado, retiro a jaqueta e jogo-a
sobre uma mesa. Em seguida, vou para o meio da antessala, me posicionando
entre as duas mulheres. — Nonna, descubra onde está Mia. Preciso falar com
ela. — Não dou tempo para que argumente e, em seguida, viro-me para
Nicola. — Já você… — Balanço a cabeça em negativa, diminuindo um
pouco o tom de voz. — Está velha demais para achar que seus atos não terão
consequências desagradáveis. Sugiro que se comporte, ou pode ser a última
vez que agride um homem em sua própria casa.
— Sua mãe não lhe deu educação, figlio di puttana? — Nicola revida,
mas apenas sorrio.
— Não. — É tudo o que eu respondo, e ela acaba erguendo as
sobrancelhas.
Cansei de brigar com as pessoas que ofendem minha mãe. Cansei de
tentar entender ou justificar suas atitudes.
— Vai agredir uma mulher?
— Agredir? Não. Tirar a vida da vadia que está tentando acabar com a
minha família? Sem nenhum problema. — Chego mais perto dela, abaixando
o rosto para que fiquemos na mesma altura. — E vou dormir como a porra de
um anjo. — Ergo a coluna de novo e declaro para ninguém em especial: —
Tranquem essa desgraçada no quarto. De agora em diante, ela não tem
permissão de sair de lá.
Desde que chegou aqui, Nicola foi tratada como uma convidada, apesar
de toda a desgraça que os Giordanni trouxeram à nossa família. Mas aquela
regrinha dos italianos — que mulheres são sagradas, precisam ser protegidas
e nunca devem ser machucadas — vale até para os inimigos. Tanto ela
quanto Luana tinham permissão de andar pela propriedade. Não mais. Não
depois de ter testado todos os nossos limites.
— O quê?! — Nicola grita, espantada com a ordem. — Você não pode
fazer isso!
— Não só posso, como vou. De agora em diante, considere-se minha
prisioneira. — Aponto para o meu próprio peito, deixando claro que a
situação mudou.
— Tua madre ha scopato con il diavolo — ela sussurra. Mas quando
percebe que não entendi nada, muda de idioma: — Sua mãe fodeu com o
diabo. É por isso que você nasceu perverso desse jeito.
Abro um sorriso.
— Se você acha que isso é ser perverso, espere até ver o que tenho
planejado para o seu neto.
Aceno com a cabeça para Jett, que segura a mulher pelo braço e começa
a levá-la para o quarto, seguido de Enrico. Nicola se debate, e acompanho
seus xingamentos até o som minguar o suficiente para que não possa mais ser
reconhecido. É então que me vejo sozinho na sala com meu pai e nonna que,
pelo visto, não me obedeceu quando pedi para buscar Mia.
— Alguém vai me explicar o que aconteceu? — faço a pergunta virado
para ele.
— Ela estava limpando as pratas — Don Marco começa a falar. — Mas
quando entrei aqui, algo mudou em seu olhar. De repente, ela correu até mim
e deu com esse… — aponta para uma escultura — …treco na minha cabeça.
Acho que estava tentando fugir.
“Se fosse eu, já teria fugido”, penso, porém guardo o comentário.
— Precisa de um médico?
— Não — ele afirma. — Aquela mulher não tem força para me
machucar de verdade.
— Quando mulheres querem machucar, elas não precisam usar força. —
A voz de minha sogra faz com que eu me vire. Com olheiras profundas e
mais magra do que o normal, ela entra na antessala vestida de preto. — Sage,
Eddie está procurando por você.
Vou até ela com passos lentos. Quando estou perto o bastante emolduro
seu rosto com apenas uma mão.
— A senhora precisa de alguma coisa? — pergunto baixinho, a
preocupação genuína em minha voz.
Todas as noites, Mia me conta que a mãe passa os dias chorando.
Apenas calmantes conseguem fazer com que ela descanse. O resultado disso
está nítido em sua aparência cansada e doente.
— Preciso do meu filho e do meu marido de volta. Ou então de
vingança. — Sua declaração é direcionada a meu pai, assim como o olhar
gélido que lança para ele. Porém o gesto não dura muito mais do que dois
segundos, e ela volta a me encarar. — Vá procurar seu Soldatto. Ele foi para
a sala de treinamento, e deu para notar que estava bastante preocupado.
— Se precisar de mim, é só chamar — aviso e deixo um beijo no topo
de sua cabeça.
Começo o curto percurso até a porta, mas sinto o braço de nonna me
impedir de continuar. Quando paro, ela me olha com atenção, mas nenhuma
palavra sai de sua boca. Encaro-a de volta, tentando entender o que está
buscando. Depois de vários segundos, ela rompe o silêncio:
— Vá cuidar dos seus negócios, figlio. Vou preparar polpettones para o
jantar.
Sorrio para ela, impressionado com sua mudança repentina de humor.
Há poucos minutos, estava com um abridor de carta na mão, ameaçando
matar Nicola. Agora, está serena de novo, pensando no que teremos para
comer.
— O que você disse?! — solto a pergunta em um grito, sem conseguir
acreditar no que acabei de ouvir.
Meu rompante faz com que Coal e Jerry parem de lutar. Até Danio se
vira para mim e Eddie, que estamos em um canto da sala.
— É isso mesmo o que você ouviu, Capo. O carregamento dos russos
chega depois de amanhã, à noite.
Esfrego o rosto com as mãos, frustrado por ter mais um problema
batendo à nossa porta. Como se uma guerra com os Giordanni não fosse o
suficiente…
— Que carregamento? — meu irmão pergunta, se aproximando de nós.
A ferida em sua perna já está bem cicatrizada. Mesmo assim, ele
continua mancando um pouco. Só que isso não o impediu de treinar nos
últimos dias, muito menos de nos acompanhar na busca por Giovanna.
Jamais admitirei isso em voz alta, mas estou orgulhoso dele.
— Há alguns dias, antes do seu aniversário, descobri que os russos
estavam trazendo uma carga valiosa para a nossa cidade — Eddie explica.
— Drogas? — Coal faz a mesma pergunta que eu quando ouvi Eddie
mencionar o assunto pela primeira vez.
— Quem me dera… — solto, balançando a cabeça de um lado para o
outro.
— Mulheres — meu Soldatto esclarece, e vejo no rosto de todos da sala
o mesmo nojo que senti.
— Tínhamos que ter resolvido isso antes — digo a ele.
— Eu também esqueci, Capo. Com o aniversário e a morte de…
Coloco a mão em seu ombro, impedindo-o de continuar. Ao mesmo
tempo, espero que meu gesto transmita a empatia que minhas palavras não
conseguem.
— Espera aí — Danio entra na conversa. — Você está dizendo que os
russos estão traficando mulheres para cá?
Eddie assente com a cabeça.
— E o que você espera que a gente faça? — Jerry pergunta, cruzando os
braços na frente do corpo.
— Do que vocês estão falando? — Jett solta a pergunta, entrando na sala
de treinamento, acompanhado de Frederico e Rico. — Vamos fazer alguma
coisa?
Antes que eu possa voltar a falar, Enrico entra sozinho, esfregando o
rosto com as mãos. Sua expressão cansada consegue ser pior do que a minha.
— Ótimo, estamos todos aqui. — Olho ao redor, com medo das ideias
que se passam em minha mente comparada ao número de homens na sala. —
Fechem a porta.
Enrico obedece e todos se voltam para mim, esperando minhas
instruções.
— Eddie ficou sabendo que os russos estão cada vez mais envolvidos
com tráfico humano. Em dois dias, uma carga de mulheres chega à cidade —
explico por alto. — Há um tempo, meu pai disse que uma guerra entre nós e
os russos estava por vir, e acho que ele estava falando sobre isso.
— Você acha que ele vai interferir nos negócios de Nicolai? — Jett
questiona, braços cruzados na frente do corpo.
Fico sem saber como responder. Na verdade, a minha vontade é de
revirar os olhos, porque tenho certeza de que o senhor-vamos-manter-a-paz
dará ordens para que fiquemos quietinhos em casa, comendo cannoli e
assistindo ao O Poderoso Chefão.
— Não sei — Danio responde antes de mim. — Don Marco tem estado
diferente desde a morte de Ettore.
— Acho que todos nós percebemos isso — Coal confirma e os homens
assentem.
— Pois é… — O Allenatore olha para os lados, como se quisesse ter
certeza de que ninguém pode nos ouvir. — Só que alguma coisa precisa ser
feita, mesmo que ele não saiba.
Fico espantado ao ouvir as palavras de Danio. Ele sempre foi um dos
mais fiéis a meu pai. Mas acho que ninguém está feliz com as atitudes — ou
a falta delas — de Don Marco.
— Também acho que precisamos agir, só que não temos homens
suficientes para enfrentar os russos — Jett aparece como a voz da razão.
Jerry diz que não tem como. Frederico sugere uma emboscada. Coal fica
calado, mas sei que está pensando em alguma forma de impedir que os russos
consigam chegar ao carregamento.
A discussão começa. Todos falam ao mesmo tempo, dando sugestões do
que pode ser feito. O único que permanece calado é Enrico, e estranho sua
falta de comentários. Enquanto isso, as engrenagens na minha cabeça não
param de girar. Fico imaginando quantos anos aquelas meninas devem ter.
Quatorze, como Giovanna. Dezenove, como Mia. Talvez até mais novas.
— Honra. — Puxo o ar com força, cessando o falatório. — Foi isso o
que me disseram quando entrei para a família. Temos que ter honra.
Precisamos tentar.
— Não vamos dar conta sozinhos, Capo — Frederico comenta e
concordo com ele.
— É por isso que acho importante falarmos com Don Marco. Ele tem
contatos, pessoas que podem nos ajudar — Rico sugere.— Será que ele vai…
— Jett começa a falar, mas não deixo que continue.
— Precisamos convencer o velho — declaro, revezando olhares entre
meus irmãos, que parecem concordar comigo.
Não dou tempo para questionamentos, apenas começo a me encaminhar
para fora da sala, aliviado por estar sendo seguido pelos dois.
A cozinha está movimentada quando passamos por ela, as mulheres
preparando o jantar e conversando alto. Não vejo sinal de Mia e nem de
nonna, porém continuo caminhando. As duas também não estão na sala. Nem
no corredor que leva ao escritório de meu pai.
Entro sem ao menos bater, e vejo-o sentado na cadeira atrás da mesa. Os
olhos fechados e um charuto aceso, pendurado no cinzeiro.
— Papà — chamo —, acorde. Precisamos conversar.
Meu tom é alto, mas ele não reage.
— Papà — Jett tenta, também sem resposta.
Pelo visto, não sou o único cansado nesta casa. É por isso que vou até
ele e começo a sacudir seu ombro.
— Papà. — Sua cabeça tomba para o lado, me fazendo dar um passo
para trás com o susto.
Não. Não é possível.
— Sage? — A voz de Coal me faz virar e encarar meus irmãos. —
Sage?
Volto o olhar para meu pai, agora com atenção.
Seu peito não sobe nem desce.
Coloco dois dedos em seu pescoço, porém não sinto os batimentos.
Puta merda.
— Ele está morto.
Capítulo 12
Mia

— Onde você se enfiou, ragazza? — nonna me questiona, assim que


entro na cozinha. — Seu marito está te procurando.
Explico que me senti mal mais uma vez e seus olhos se enchem de
brilho. Sem dizer nada, ela me pega pela mão e me arrasta para a despensa,
me senta em uma das cadeiras que estão ali e diz para esperar. Uns minutos
depois, volta com duas xícaras na mão, senta-se ao meu lado, estende uma
xícara e começa a me contar sobre o desaforo de Nicola.
— Sage determinou que ela seja uma prisioneira em nossa casa agora.
— Era melhor matá-la logo — deixo escapar.
— Mas é a única moeda de troca que temos com o Salvatore, figlia.
— Já se passou uma semana, nonna. Se até agora ele não pediu por
Nicola, provavelmente Giovanna já está morta.
Pela primeira vez, deixo com que o pensamento que tento tanto evitar
reverbere pela minha garganta. A falta de esperanças que vi nos olhos do meu
marito.
Mesmo Luana nos contando da relação de Salvatore com a avó, não
houve contato nem notícias, não houve nem um pedido de trocas e não
conseguimos encontrá-la. O que nos resta é admitir que perdemos nossa
menina — e matar a velha é mais do que justo.
— Non possiamo perdere la speranza,[45] Mia.
“Esperança de quê?”, questiono-me enquanto começo a pensar por que
Nicola ainda está aqui, viva. Se a ligação deles era tão forte, Salvatore não
deixaria sua nonna para trás. A não ser que…
— Preciso resolver umas coisas — digo, colocando a xícara em cima da
mesa auxiliar. — Grazie, nonna. Me sinto bem melhor.
— Você deveria procurar um médico. Esses enjoos e tonturas talvez
sejam…
Antes que ela termine de falar, a campainha toca. Nós nos entreolhamos
com medo. Não estamos esperando visitas e, pelo modo como me encara,
posso notar que pensa o mesmo que eu: é o corpo de Giovanna sendo
entregue.
Sem dizer uma palavra, corremos para a porta, mas quando ela abre,
meu susto é maior do que o que imaginei.
— Lucas? — digo, vendo nosso primo da Itália. — O que faz aqui? —
Abraço-o e dou dois beijos, um em cada bochecha.
— Vim buscar Martina — ele responde. — E papà mandou reforços, a
pedido de Don Marco. — Atrás dele, uma comitiva de primos e outros
homens da família de Don Vicenzo.
Nonna recepciona os convidados com gritos eufóricos e chama algumas
mulheres da cozinha para que acomodem todos.
— Siete tutti i benvenuti nella nostra casa.[46] — Ela abraça Lucas e
comenta o quanto ele cresceu desde a última vez que se viram. Ele ri, mas
seus olhos procuram por algo.
— Onde ela está? — pergunta.
— Vou pedir pra alguém chamá-la, cugino. — Dou o braço a ele. —
Mas venha, vamos ao escritório de meu sogro. Tenho certeza de que Don
Marco vai ficar feliz em te ver.
Nonna ainda dá ordens às mulheres sobre o jantar, sobre a acomodação
dos hóspedes e como eles devem ser tratados. Deixo-a organizando tudo
enquanto caminho com Lucas para o escritório de meu sogro.
— Soube do seu pai, Mia. Uma grande perda pra todos nós.
Concordo com a cabeça, mas mudo de assunto. Pensar em papà
provavelmente seja a causa do meu mal-estar. Caminhamos pelo corredor
falando de sua viagem, da família na Itália e sobre Martina, já que este parece
ser o único assunto que lhe interessa.
A porta entreaberta faz com que entremos direto no escritório, sem
bater.
— Don Marco, olha que surpresa boa trago…
A cena à minha frente faz com que eu engula a fala.
Sage, Coal e Jett estão dentro do escritório, à volta do pai, sentado em
sua cadeira, com o pescoço tombado para o lado. Um charuto ainda
fumegando no cinzeiro.
— Ele está morto — Coal afirma, parado em frente à mesa, parecendo
não acreditar no que diz.
Corro até meu sogro, tento sentir sua pulsação e constato o que foi me
dito. Lucas olha atordoado para nós. Jett está encolhido em um canto e Sage
anda de um lado para o outro, passando as mãos pelo cabelo, sem saber o que
dizer.
Aproximo-me dele e o abraço.
— O que houve, amore mio? — Emolduro seu rosto com as mãos. — O
que aconteceu com Don Marco?
Não há sangue escorrendo de lado nenhum. Nem um único furo em seu
corpo. Olho para todos os lados enquanto aguardo Sage me dizer alguma
coisa, procurando por uma pista do que aconteceu aqui.
— Não sei, Mia. Viemos falar com ele sobre os russos e, quando
entramos, ele já estava assim.
— Russos? — Lucas se intromete. — Foi por isso que meu pai nos
mandou pra cá.
— Quem é esse? — Coal pergunta.
— É nosso primo. Ele veio com outros homens a mando de Don
Vicenzo. Para buscar Martina e reforçar nossa família — explico.
Mas não há tempo para esta conversa agora. Seja lá qual for o problema
dos russos, Don Marco è morto. Papà è morto. E uma família italiana não
existe sem um Don e um Consigliere. E meu sogro nem chegou a escolher o
substituto do meu pai.
— Precisamos avisar à nonna — Jett diz e todos me olham.
Não. Não quero dar essa notícia, não quero ver mais nenhuma mãe desta
família chorando a morte de um filho. Só então percebo que lágrimas
escorrem por meu rosto.
— Eu falo com a nonna, princesa. Não precisa ficar assim. — Sage me
abraça forte. — Fique tranquila, você não precisa fazer isso.
Mentalmente agradeço a ele. Não consigo entender o que se passa
comigo, por que estou chorando, ou quando virei essa pessoa que não
consegue tomar uma atitude. Sinto minhas pernas amolecerem novamente, e,
por um momento, me questiono se há algum sentido na vida que imaginei
para nós. Todos estão mortos. E se o próximo for mio marito?
Tento afastar o pensamento que me causa um arrepio na espinha. Sem
Sage, eu também morreria.
Martina entra no escritório alegre, abraçando Lucas e brincando com ele.
Só que seu sorriso desaparece assim que olha para todos nós e constata o que
já sabemos.
— Ele está morto? O que aconteceu aqui?
Ela se afasta de Lucas e abraça Coal. Uma pequena troca de olhares
entre meu primo e meu cunhado ocorre, mas ele se concentra em explicar o
que aconteceu.
Novamente escuto a história. Tento elaborar em minha cabeça, buscar
alguma resposta ou pista em sua fala, mas só uma certeza me acomete:
acabou de acontecer e quem me indica isso é o charuto fedorento que revolta
o meu estômago.
— E se foi um infarto ou algo assim? — Jett fala para si mesmo. —
Pode não ser nada, não é?
Parece que ele busca uma confirmação em seus irmãos, mas nenhum dos
dois se convence de sua teoria.
Lembro-me de Nicola e toda a confusão na sala. Será que foi a pancada
na cabeça? Muitas hipóteses passam em minha mente. Diversas pessoas
gostariam de ver Don Marco morto. Seu comportamento, sua apatia e todas
as mortes dessa guerra maledetta fizeram com que alguns membros da
família ficassem contra ele. Meu próprio marido estava contra o pai, assim
como seus irmãos e nossos Soldattos, que não entendiam suas atitudes.
Talvez ele apenas estivesse esperando Lucas chegar, mas por que não
teria dito isso a todos para acalmar nossos corações?
Não sei o que pensar. Por mais que eu também tenha meus motivos para
querer meu sogro morto, me criei com Don Marco, sou grata a ele por ter me
dado um cargo na família e sempre ser atencioso e carinhoso comigo.
Sinto como se tivesse perdido um segundo pai.
— Vou falar com a nonna — Sage diz e dá um beijo em minha testa. —
Você está bem? — pergunta antes de soltar os braços da volta do meu corpo.
— Sim, amore mio — respondo, fazendo com que ele afrouxe os braços.
Meu corpo reclama na mesma hora sua ausência, ainda assim, sei que é
preciso. — E você, está bem? — Sage aperta os braços em meu corpo
novamente.
— Não sei, mas vou ficar, princesa.
Seus olhos perdidos, como se ainda não soubesse como processar o que
acaba de acontecer. Eu o entendo. Não temos tido tempo nem de respirar,
quanto mais de chorar nossas perdas.
— Vou chamar o médico que sempre nos atende — digo a ele. —
Precisaremos saber o que aconteceu aqui. Se foi alguém de nossa família a
cometer esse desatino, não pode haver perdão — declaro.
Mas a troca de olhares entre Sage e os irmãos faz com que, por um
segundo, eu desconfie dele. E se foram eles, o que acontecerá? Esse segredo
tem que ir conosco para o túmulo, ou então tudo estará perdido. Entre o medo
de meu marito ser culpado e a crença de que ele não seria capaz disso, meu
coração dispara ainda mais quando Sage começa a se afastar de mim.
Ele caminha em direção à porta. E não posso deixar que nada o atinja,
nem mesmo se foi ele a matar o pai.
— Sage! — chamo-o antes que saia do escritório. Ele para e caminho
em sua direção. — Posso chamar o médico, não é? — pergunto baixo, sem
deixar que os outros escutem.
— Você acha que eu matei meu pai, Mia?
A indignação em seus olhos — ou seria decepção? — dissipa qualquer
suspeita que eu possa ter.
— No, marito. Mas eu preciso saber.
Ele concorda com a cabeça e sai do escritório. Encaro meus cunhados e
primos.
— Vou avisar aos outros — Coal declara, também tentando sair daqui.
— Melhor esperar o Sage falar com a dona Edwige — Martina comenta
com ele.
Sento-me em uma das poltronas, encarando a cabeça de Don Marco sem
vida e pego o celular do bolso da calça jeans que visto. Apenas dois toques
são necessários para que, em meu ouvido, soe a voz já conhecida.
— Algum problema, Mia? — o mesmo médico que nos atende sempre
em emergências diz.
— Sim, doutor Fontana, precisamos do senhor aqui. — Respiro fundo
antes de continuar: — Don Marco è morto.
Capítulo 13
Sage

Escorado ao batente da porta, vejo nonna ditar ordens em italiano para


as mulheres na cozinha. A única vez que a vi eufórica desse jeito foi nos dias
que antecederam o meu casamento com Mia.
Olho para ela e vejo a pequena senhora andar de um lado para o outro,
gesticulando que nem doida. Quantos anos ela deve ter? Uns setenta e
poucos, provavelmente. Nunca perguntei. Também não sei exatamente
quantos anos meu pai tem. Tinha. Uns cinquenta? Sei lá.
“Não importa a sua idade, e sim o que fez em seus anos de vida”,
lembro-me de ouvi-lo dizer isso em algum momento. E talvez ele tenha
razão. Tivesse razão. Acabei de completar vinte e dois anos, mas isso não
quer dizer nada. É apenas um número.
Mesmo assim, por que fico com a sensação de que meu pai era novo
demais para morrer? Minha mãe também era nova demais. E mesmo que
nonna não seja nova, tenho medo de matá-la com a notícia de que seu único
filho vivo não está mais entre nós.
O pior de tudo é não ter as respostas certas. Quem o matou? Como? Por
quê?
Mas a pergunta que não para de rodar em minha mente é ainda mais
desesperadora: quando será que vou parar de perder as pessoas da minha
vida?
O pensamento me faz sentir um nó na garganta. Meus olhos queimam
com as lágrimas que não irei derramar. Preciso respirar fundo algumas vezes
antes de dizer:
— Saiam todas. Preciso falar com a minha avó.
Rostos espantados se viram para mim e, por um momento, ficam
hesitantes. Elas querem obedecer, mas sabem que a chefe aqui dentro é
nonna. Ignoro as mulheres e encaro a única que merece minha atenção agora.
Notando meu olhar preocupado, ela assente com a cabeça e, em questão de
segundos, estamos a sós na cozinha.
— Sente-se, nonna. — Aponto para uma cadeira, porém a pequena
senhora estufa o peito e cruza os braços, se mantendo de pé.
— Diga logo o que quer, figlio. Temos muitas coisas para terminar. Os
Battaglia chegaram e precisamos…
— Nonna — interrompo-a. — Por favor, sente-se.
A última coisa que não quero agora é que ela desmaie de susto, bata a
cabeça e se junte ao meu pai no funeral.
— Quello che è sucesso[47]? — Posso não entender muito bem as
palavras, mas a pergunta é nítida em seu olhar.
Aponto mais uma vez para a cadeira e ela finalmente se senta. Faço o
mesmo, tomando o lugar ao seu lado.
Don Marco è morto.
Papà è morto.
Seu filho morreu.
Alguém matou Don Marco.
As opções são muitas, e nenhuma delas me parece apropriada. Como
dizer a uma mãe que ela terá de enterrar mais um filho?
Então, abaixo a cabeça e encaro o tampo de madeira da mesa, sem
conseguir soltar a verdade entalada na garganta.
— Sage — nonna chama, sua mão sobrepondo-se à minha.
Nunca fui homem de medir minhas palavras, e não entendo por que
diabos é tão difícil fazer isso agora. Posso mentir para mim mesmo que estou
preocupado com nonna, mas esta mulher é mais forte do que todas as outras
que já conheci — com exceção, talvez, da minha freirinha. Isso só me faz
entender que a preocupação não é com ela, e sim comigo.
Dizer em voz alta que Don Marco está morto significa admitir para mim
mesmo que sou órfão. Que não tenho pai nem mãe. Que todos aqueles com
quem me importo acabam sendo levados embora.
É essa a minha realidade agora.
— Ele morreu — solto as palavras com dificuldade, ainda sem
conseguir encará-la. — Meu pai morreu. Não sei como, nem quem.
Na mesma hora, a mão de nonna sai de cima da minha e me vejo
incapaz de fazer qualquer outra coisa a não ser continuar olhando para o
tampo da mesa. Não quero ver sua reação. Não quero ver seu sofrimento.
Não posso.
É por isso que arrasto com força a cadeira para trás, me levanto e saio da
cozinha. Assim que cruzo a porta dos fundos, escuto o primeiro indício de
choro, que logo é seguido por um grito agudo de dor.
Nonna está desabando lá dentro, e tudo o que consigo fazer é me afastar.
Tiro o maço do bolso e acendo um cigarro. Enquanto isso, minha avó
está se perdendo em tristeza. O choro cada vez mais alto.
Dou um trago e olho para cima. O sol brilha com força, como se nada do
que acontecesse aqui embaixo tivesse importância. Como se a morte do meu
pai fosse irrelevante.
— Capo? — Uma voz soa baixo, abafada pelos gritos desesperados de
nonna.
Não viro para ver quem é. Já sei que Eddie está aqui, pronto para me
oferecer ajuda.
Continuo fumando meu cigarro, tentando encontrar formas de não me
abalar com o que aconteceu. Se eu fraquejar agora, será o nosso fim.
Eddie para ao meu lado, mas fica em silêncio. O choro descontrolado de
nonna aumenta, e até escuto barulhos de coisas sendo arremessadas dentro da
cozinha. A campainha toca. Homens falam. E eu continuo parado, olhando
para cima, esperando alguma resposta que não vai chegar.
— Estão te esperando lá dentro, Capo — outra pessoa fala, mas não me
viro para ver quem é. Talvez seja o Rico, mas não tenho certeza.
— Capo, o médico chegou. — Desta vez, é Eddie quem avisa.
Olho para ele, ainda sem conseguir emitir qualquer som, e assinto com a
cabeça.
Dentro de casa, o clima é de total desespero. Ninguém sabe o que fazer,
o que falar, como pensar. E quando passo pelas mulheres, cruzo o corredor e
entro de novo no escritório de meu pai, tudo o que recebo são olhares de
pena.
Controlo a vontade de mandar todo mundo enfiar a pena no rabo e
estendo a mão para o médico.
— Sage Wilder. Sou um dos filhos de Don Marco. — A última frase sai
com um pouco de dificuldade, mas endireito a coluna e tento mostrar que
nada é capaz de me abalar.
Não preciso olhar para saber que Mia e meus irmãos também estão aqui,
nem que fui seguido por Eddie. Posso sentir a presença deles, bem como seus
olhos analisando cada um dos meus movimentos. Ignoro-os e apenas encaro
o doutor, que tem uma expressão pasma no rosto.
— É um prazer, sr. Wilder. Sandro Fontana — ele se apresenta. —
Gostaria de ter te conhecido em outras circunstâncias, mas…
— Chega de amenidades, doutor. Como foi que meu pai morreu? —
Resolvo que cansei de medir as palavras.
— Er… Sim, pois é — o homem hesita e coça a nuca, como se não
soubesse o que responder —, sem uma autópsia, não tenho como dizer ao
certo. Tudo indica que foi um ataque cardíaco fulminante. Não há qualquer
evidência de trauma nem de qualquer outra coisa que pudesse ter causado
uma morte tão repentina.
— O senhor era o médico dele? — questiono, apontando com o dedão
para o corpo ainda na poltrona.
— Era, sim. Há mais de vinte anos — Fontana confirma. — Seu pai…
Don Marco estava em excelente forma. Os últimos exames eram de um
homem saudável. Nem parecia que tinha cinquenta e dois anos.
Sua explicação é intercalada com olhares para os demais presentes na
sala. A impressão que tenho é de que está tão no escuro quanto nós. Talvez
esteja mesmo.
— E quais são as causas de um ataque fulminante? — quero saber.
— Pressão e colesterol altos, que ele não tinha — começa a enumerar
—, histórico familiar, que também não tinha, tabagismo…
— Meu pai fumava charuto — Jett o interrompe.
— Sim, sim — o doutor assente. — Mas não o suficiente para… —
Aponta para o corpo. — Para isso. Enfim — hesita mais uma vez, agora me
encarando —, e estresse. Ele passou por traumas recentes, não é? Situações
complicadas?
Sei que sua pergunta é retórica. Se esse tal de Fontana é o médico da
família, sabe muito bem de todas as mortes que aconteceram nos últimos
tempos.
— Ele andou abatido nos últimos dias — Jett fala de novo. — Nem
parecia o mesmo homem.
— Talvez ele estivesse sentindo fortes dores — Fontana sugere.
— Por que não disse nada? — meu irmão insiste.
— Seu pai era um homem muito orgulhoso, ragazzo. Nunca o ouvi se
queixar, nem quando tomou um tiro no peito. — É Danio quem se aproxima,
colocando a mão no ombro de Jett.
É então que paro e presto atenção nos meus irmãos. Coal está calado,
com as costas apoiadas na parede e os braços cruzados na frente do corpo. Se
um desconhecido olhasse para ele agora, diria que nada aconteceu. Meu
irmão não esboça qualquer reação extrema, mas sei muito bem o que se passa
em sua mente. Vivi vinte e dois anos ao lado dele, conheço cada uma de suas
expressões. E a que estampa seu rosto agora é idêntica à de quando enterrou
nossa mãe.
Já Jett não consegue esconder o que sente. Nunca conseguiu. A tristeza é
nítida no modo como abaixa a cabeça e fita o piso de madeira. Sua respiração
também está acelerada, o peito subindo e descendo mais rápido do que o
normal.
“Quando será que vamos parar de perder as nossas pessoas?”, fico me
perguntando em silêncio. Já perdemos nossa mãe, nosso pai…
É então que olho para Mia — e sei, com todas as minhas forças, que não
posso perdê-la também. O cabelo escuro está preso em uma trança de lado,
descendo pelo ombro e parando na altura do seio, já marcado pela blusa
vermelha e justa.
Tão linda que me tira o ar.
Tão inteligente e astuta que me espanta.
Tão perfeita para mim que nem consigo acreditar que é realmente minha
esposa.
Ela é a única mulher na sala, e está quietinha perto da porta, apenas
observando o comportamento de todos aqui. Aposto que, em sua cabeça, está
tentando entender se o médico tem razão.
Quando sente meus olhos passearem por seu corpo, ela se vira para
mim. Um sorriso triste e encorajador toma conta de seus lábios — o que me
faz ter vontade de ignorar o mundo e puxá-la para os meus braços. Talvez
afundar a cabeça em seu pescoço e sentir aquele perfume doce que sempre
me acalma.
Porém não posso fazer isso agora. Não posso buscar conforto na mulher
que amo. Neste momento, preciso resolver mais uma das milhões de merdas
que acontecem na minha vida.
— Enfim — o médico volta a falar, fazendo com que eu volte a atenção
para ele —, nada me leva a crer que Don Marco tenha sido assassinado. Tudo
indica que foram causas naturais.
Assim que termina de dizer, ouço vários suspiros de alívio. A última
coisa que precisamos agora é de mais um traidor em nossa família. Mesmo
assim, não me sinto confortável com a explicação do doutor. Algo dentro de
mim não aceita o fato. Meu pai era saudável demais para ter um infarto
fulminante.
— Se vocês quiserem, posso chamar a funerária e…
— Não — Danio interrompe o médico. — Eu cuido disso. Devo minha
vida a Don Marco.
Olho para o Allenatore, parado no meio da sala e encarando o corpo na
cadeira. Então me dou conta de que ele é o último da antiga geração.
Não temos mais Don, não temos mais Consigliere, todos os Capos
antigos se foram e a maioria dos Soldattos também.
Enquanto isso, temos que impedir os russos de trazerem um
carregamento de mulheres, resgatar Giovanna, matar aquele desgraçado do
Salvatore e enterrar meu pai.
Puta merda, quando será que as coisas vão ser calmas?
Capítulo 14
Sage

— Vai ficar tudo bem, amore mio — Mia sussurra no meu ouvido,
envolvendo minha cintura com os braços. A cabeça apoiada no meu peito, as
mãos acariciando minhas costas.
Finalmente estamos sozinhos no escritório, depois de os Soldattos terem
levado o corpo de meu pai para a sala. Os ritos fúnebres vão começar a
qualquer momento, e a última coisa que quero agora é receber condolências.
— Você acredita que ele morreu de causas naturais, princesa? — solto a
pergunta, fazendo com que ela erga o rosto para me encarar.
Por vários segundos, ficamos em silêncio. Os olhos azuis, tão claros que
parecem cinzas, transparecem que não sou o único que duvida do fato. Mas
Mia não diz nada, apenas deixa que a dúvida preencha a sala.
Ao mesmo tempo que a incerteza me toma, a certeza de que algo precisa
ser feito começa a falar mais alto.
— É muita coincidência meu pai morrer durante a guerra com os
Giordanni, no mesmo dia que teve uma briga com Nicola — aponto o óbvio,
minhas mãos envolvendo Mia pela cintura.
Durante alguns segundos, ela hesita.
— Você acha que ela…? — Só que Mia não tem tempo de terminar a
pergunta, porque a porta do escritório é aberta de súbito.
Olho na direção para saber quem é o invasor, mas tudo o que consigo é
ficar de boca aberta.
— Bom te ver de novo, Sage. Uma pena que as circunstâncias não são
nada agradáveis.
Lucas está parado no batente, as mãos enfiadas nos bolsos da calça
enquanto me encara.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto, sem me afastar da minha
mulher.
— Ele chegou mais cedo. Você já o tinha visto, amore mio. — Mia
emoldura meu rosto com a mão. — Lucas estava aqui quando você me
contou que seu pai tinha…
— Certo. — Balanço a cabeça em afirmativa. — Com tudo o que
aconteceu, nem prestei atenção direito.
Deixo um beijo na bochecha da minha mulher e sigo até Lucas,
estendendo a mão para um aperto.
— Le mie condoglianze[48]— ele diz e abaixa o rosto em sinal de
respeito.
— Obrigado. Mas não é de pêsames que preciso agora, e sim de
explicações. O que te trouxe aqui, Lucas? — quero saber.
— Calma, amore mio… — Mia se aproxima de novo, acariciando meu
peito e olhando para mim. — Ele veio a pedido de Don Marco.
A resposta me faz franzir o cenho. Encaro-a sem entender muito bem,
mas ela apenas faz que sim com a cabeça.
— Certo… então, vamos conversar. — Aponto para a área da sala onde
ficam as poltronas em volta da mesinha de centro. Lucas segue até lá. — Mia,
faça um favor: peça a Jett e Coal que venham aqui também. Depois disso,
verifique como a nonna está. Da última vez que a vi…
— Fique tranquilo, marito. Vou cuidar dela.
Mia deposita um beijo rápido em meus lábios antes de sair do escritório,
me deixando a sós com Lucas. Vejo quando ele toma o lugar que meu pai
sempre preferiu, ignorante do fato. Não comento, não brigo, não digo nada.
Apenas sento-me na poltrona de sempre, de frente para ele.
— Falando sério, Sage. — Lucas olha para mim. — Sinto muito por seu
pai. E depois de tudo o que aconteceu com sua mãe, eu…
— Não precisamos falar disso agora, Lucas. As coisas estão
complicadas demais para perdermos tempo com sentimentos de pena.
— Não é pena, Sage. É compaixão. — Chega o corpo para frente e me
encara. — Se eu tivesse perdido meu pai…
— Mas você não perdeu. Seu pai está bem, sentado no trono enquanto as
coisas por aqui desmoronam. — Meu tom acusatório deixa claro o quanto o
assunto me incomoda.
Acho que Lucas percebe isso, porque ergue as mãos, como quem se
rende, e volta a se recostar na poltrona.
— Sage — Coal chama da porta. Na mesma hora, Lucas fecha a cara.
Ah, é. Tinha esquecido que ele é louco por Martina. Por outro lado, não
sei o que está rolando entre ela e meu irmão, mas sei que alguma coisa existe
ali. Talvez Lucas já tenha percebido isso.
— Precisamos conversar. — Deixo de lado a maria-fofoca que habita
em mim e aponto para a poltrona ao meu lado. Coal vem mancando até nós e
toma o lugar. Jett chega logo em seguida e se junta ao grupo.
— Nonna está dormindo — Jett avisa. — Sua sogra deu um remédio a
ela.
Solto um suspiro de alívio, ao mesmo tempo que tento não me culpar
pelo modo como dei a notícia. Talvez se Jett tivesse feito isso no meu lugar,
ela não estaria tão mal. Ele tem um jeito melhor com as palavras, fora que é o
netinho querido e carinhoso. Enquanto eu…
— Bom, preciso começar dizendo o motivo que me trouxe até aqui —
Lucas interrompe meus pensamentos. — Há algumas semanas, recebemos
isto.
Quando olho para ele, noto que está retirando um pedaço de papel do
bolso do paletó. Em seguida, estende-o para mim.
— Está em italiano — declaro o óbvio, ao mesmo tempo que reconheço
a letra de meu pai e sua assinatura no final. Passo o olho pelas palavras e noto
alguns nomes conhecidos: Carlo De Rosa, Giordanni, Paola, Ettore…
— Ah, certo. Vou ler a carta para vocês. — Lucas retira o papel da
minha mão e pigarreia antes de começar:

“Caro Vicenzo,
Há quanto tempo, meu amigo. Espero que tudo esteja bem com sua
família.
Infelizmente, o motivo do meu contato não é agradável.
Nos últimos meses, muitas coisas aconteceram aqui. Carlo De Rosa se
mostrou um traidor, que vinha trabalhando para os Giordanni desde o dia
que pisou em minha casa. Inclusive, descobri que foi ele quem revelou o
paradeiro da minha amada noiva para Ettore.
Não vou entrar em detalhes, até porque não conheço todos eles. Ainda
não consegui encaixar todas as peças do quebra-cabeça.
De qualquer forma, aviso que, por vingança, matei Don Ettore. Meu
filho, Sage Rossi, matou Carlo De Rosa e Diogo Giordanni. Assim como eles
mataram muitos de nossos Soldattos e Capos.
A morte mais recente foi a de Giovanni Messina, meu amado amigo e
Consigliere.
De qualquer modo, venho por meio desta carta avisar que as famílias
Rossi e Giordanni estão, oficialmente, em guerra. Salvatore foi aceito pelo
Conselho como o novo Don, mas tenho meus motivos para acreditar que
aquele menino não tem o necessário para assumir o cargo.
Você me conhece há anos, Vicenzo. Sabe que não tomo atitudes
levianamente. Porém preciso informar que minha família não tem mais a
força de antes. Estamos enfrentando batalhas no escuro. E o pior de tudo é
que Giovanna Calabri, a filha mais nova do falecido Nico, foi sequestrada
por Salvatore.
Meus filhos têm buscado incansavelmente por ela, mas ninguém
conseguiu encontrá-la. Entristece-me dizer que perdi as esperanças de que
ainda esteja viva. Não nas mãos daquele miserável.
Como se isso não bastasse, volto à questão dos russos: fiz o que você me
pediu e não entrei em conflito com eles. Está cada vez mais difícil respeitar
suas vontades, Vicenzo. Minha família acha que sou um frouxo, quando, na
verdade, apenas sigo suas ordens.
Você, melhor do que ninguém, sabe o quanto lutei para que as coisas
mudassem por aqui.
Basta, meu amigo! Precisamos agir, e rápido.
Perdi grande parte da minha família, e agora preciso da sua ajuda. Se
ainda me considera um irmão, mande reforços.
Orgulho-me em dizer que meus filhos se mostraram homens de
coragem. Sage já chegou a Capo, e tenho certeza de que Coal e Jett também
estão prontos para assumir a função. Coloque homens sob suas ordens e eles
farão o serviço.
Precisamos retomar a cidade dos russos. Depois disso, entendo se você
não me apoiar na guerra contra os Giordanni.
Posso estar velho, mas ainda não estou morto. E enquanto o sangue
correr em minhas veias, vou lutar por aquilo que acredito.

Don Marco Rossi.”

Depois de ouvir a tradução da carta, preciso respirar fundo várias vezes.


Mas isso não é o suficiente para que eu consiga me controlar.
Merda, merda, merda.
Meu pai tinha um plano. Ele não desistiu e sua apatia não era por falta
de vontade de tomar atitudes. Estava apenas seguindo ordens.
A raiva começa a passear dentro de mim, tanto que me levanto em um
pulo e sigo até o aparador, que serve como um pequeno bar. Separo quatro
copos e abro a garrafa de whisky, enchendo cada um deles com um pouco do
líquido âmbar. Porém encho o meu até a boca e viro tudo de uma vez só.
— Sage, porra! — Coal vem até mim, afastando o copo dos meus lábios
antes que eu chegue à metade dele. — Quer morrer, desgraçado?
— Morrer? Já temos mortos suficientes nessa família, Coal. Só preciso
ficar bêbado para não matar ninguém agora. — Dou mais um gole na bebida
e vejo meu irmão balançar a cabeça, desaprovando minha atitude.
Foda-se ele.
A culpa de ter pensado mal de meu pai começa a me corroer. O que será
que passava na cabeça dele quando mais um membro de sua família aparecia
morto em casa?
Bebo mais um gole e termino o conteúdo do copo. Em seguida, acendo
um cigarro e volto para a poltrona.
— Precisamos falar sobre os russos — declaro, decidido a acatar o
pedido de meu pai. — Um dos meus Soldattos disse que eles estão trazendo
uma carga amanhã.
— Carga? — Lucas franze o cenho.
— Mulheres — Jett elucida. — Pelo que ficamos sabendo, os russos
estão cada vez mais envolvidos em tráfico humano e prostituição.
— Então, é por isso que seu pai mandou a carta. O meu não disse muita
coisa, só me mandou reunir um grupo de dez homens e vir em ajuda.
— Precisamos agir, Lucas, e rápido. — Dou um trago no cigarro e
encaro o italiano. — Eles chegam amanhã à noite, de acordo com um de
nossos informantes.
— O que você está pensando em fazer? — ele questiona, revezando
olhares entre mim e meus irmãos.
— Poderíamos bolar um plano, fazer tocaia… — Respiro fundo e olho
para o teto, imaginando as muitas opções. — Só tem um problema.
— Somos poucos — Coal é quem completa meu pensamento, e apenas
assinto com a cabeça.
— Exatamente. Mesmo com os seus dez homens, ficamos em
desvantagem. Nossa guerra com os Giordanni diminuiu nossos Soldattos.
Temos, sei lá, um terço do que tínhamos antes — explico. — Alguns
morreram pelas mãos deles. Outros se mostraram traidores e morreram pelas
nossas. A família Rossi está acabando. Daqui a pouco, não tem ninguém para
contar história.
— Vocês precisam se reerguer — Lucas conclui. — Decidir quem é o
novo Don, os Capos, recrutar Soldattos entre os associados.
— Que seja! — Jogo as mãos para o alto, cansado de ouvir teorias e
sugestões. — Temos que estabelecer prioridades.
— Os russos…
— Podem até parecer prioridade — interrompo-o —, só que não
podemos esquecer de Giovanna. Ela tem quatorze anos, Lucas. Uma menina
nas mãos daquele desgraçado do Salvatore.
Estou cansado de falar a mesma coisa várias vezes. Na última semana,
fomos ao restaurante dos Giordanni, ao Lascívia, rondamos as propriedades,
interrogamos todos os informantes… Não descansamos por um minuto, e
nem assim obtivemos resposta. A impressão que tenho é de que Salvatore
cavou um buraco na terra para se esconder, porque ninguém o viu desde o
meu aniversário.
— Não entendo esse ódio que vocês sentem em relação ao novo Don,
mas gostaria de entender. — Lucas cruza uma perna e me encara, as mãos
entrelaçadas sobre o joelho.
A postura dele me faz lembrar meu pai. Ou melhor, um chefe de família.
Está na cara que Don Vicenzo vem treinando o filho para que, um dia,
assuma o seu lugar. Mesmo assim, ainda há coisas que Lucas precisa
entender.
— Salvatore é louco — solto a verdade. — A irmã dele está morando
aqui em casa e nos contou histórias terríveis. Não só isso, mas o filho da puta
confirmou tudo.
Então, passo a narrar aquilo que ouvi no dia do meu aniversário.
Também conto partes da conversa que Mia teve com Luana. A cada palavra
que sai da minha boca, os olhos de Lucas se arregalam mais um pouco.
— Non credo. — Ele balança a cabeça de um lado para o outro,
revezando olhares entre mim e Jett. Meu irmão apenas confirma com um
aceno.
— Nossa prioridade é Giovanna — reitero. — Só que, amanhã, um
carregamento de mulheres chega à cidade. Precisamos impedir os russos.
Tráfico humano, Lucas.
— Si, si.
— Temos muitos problemas nas mãos, Lucas. Gostaria que você nos
ajudasse, mas não estamos a fim de seguir ordens. — Dou alguns passos em
sua direção, parando bem ao lado da poltrona. Lucas se levanta e me encara.
— Enquanto vocês estiverem aqui, serão tratados como homens da nossa
família. E homens da nossa família sabem obedecer.
Não desvio o olhar do dele, e posso ver a dúvida se formando ali. Porém
não há qualquer dúvida em mim. Já perdi meu pai, minha mãe, meu cunhado,
meu sogro… não estou disposto a perder mais ninguém.
— E como você pretende impedir os russos? Como disse, estamos em
desvantagem.
— Estaríamos em desvantagem se tivéssemos que enfrentar os malditos
numa luta corpo a corpo. — Dou de ombros.
— O que você está sugerindo, Sage? — Coal pergunta.
— A gente chega atirando. Vamos matar todos os filhos da puta que
estiverem no nosso caminho.
Capítulo 15
Mia

Caminho com nonna até seu quarto. Ela, meio cambaleante pelo efeito
dos calmantes, se apoia em mim enquanto continua murmurando
“perché[49]?”. Desde que recebeu a notícia da morte de seu único filho vivo,
não para de repetir a pergunta. Não tenho respostas a dar a ela. Ninguém tem.
O que se diz a uma mãe, viúva, que enterrou todos os filhos que teve?
Não se diz. Não há palavras para consolá-la. E não existe no mundo maior
dor do que a de perder um filho — e mesmo eu ainda não tendo os meus, sei
disso. Já vi nesta família muitas mães enterrando os seus. Vi minha própria
mamma enterrar seu primogênito. A ordem natural da vida não deveria,
nunca, ser essa. Mesmo que meu sogro tenha morrido, como disse doutor
Fontana, de causas naturais.
Por mais que Don Marco estivesse abatido, apático, estressado e
sofrendo pela perda de tantos dos nossos, não me parecia que estava com
algum problema de saúde. “Fulminante não dá avisos antes, Mia”, foi o que
Martina me disse enquanto conversávamos, mas não faz sentido.
“O que mais poderia provocar um infarto fulminante?”, me questiono a
todo momento desde que vi o corpo de meu sogro sem vida.
Abro a porta do quarto de nonna e a acomodo em sua cama. Ela deita
em posição fetal e pede para que feche as cortinas. Obedeço. Sei que, em
algum momento, precisaremos fazer com que ela reaja. Mas não agora. O
corpo de seu filho acaba de ir para sete palmos abaixo do chão. Ao lado do
seu marito e do seu outro figlio.
— Precisa de mais alguma coisa, nonna? — Minha voz sai fraca,
também não me sinto com forças para mais nada.
Não depois de tudo. Não depois de tantos mortos. Tantas perdas. Mortes
pelas quais, de alguma forma, ainda me sinto culpada. Se não tivesse ido ao
Gio’s naquele dia…
— Vai fuori di qui. Vorrei stare da solo[50] — nonna responde.
— Se precisar de algo…
— Ho bisogno di mio figlio vivo[51] — ela me interrompe e grita: — Se
não tem como me dar isso, vá embora, ragazza!
Saio do quarto, atendendo ao seu pedido. Encontro Martina no corredor
e peço que ela monitore a nonna com frequência, mas dando a ela o espaço e
tempo de que precisa. Então, entro no quarto da minha mãe. Ela está sentada
em frente à janela, olhando para o nada.
— Por que você não foi ao enterro, mamma? Não está se sentindo bem?
— Marco não merece mais meu respeito, Mia. Por causa das atitudes
dele, seu pai e seu irmão estão mortos. Deveria ter infartado antes, aquele
sciolto[52].
— Mamma! — repreendo-a. — Você não pode falar assim! Don Marco
estava seguindo as ordens do Conselho e…
— Então que morram também! Seu pai e seu irmão não mereciam isso!
Ela desaba e começa a chorar. Corro até ela e a abraço. Eu sei. Também
sinto a falta deles a todo instante, mas é uma guerra — e em guerras sabemos
que existem perdas inevitáveis.
Quando ela se acalma, não posso deixar de pensar que minha mãe,
talvez, tenha algo a ver com a morte de meu sogro.
— Mamma — uso meu tom de voz doce e calmo —, a senhora sabe o
que acontece com traidores, não é? Se foi você…
— Você acha que eu… — Ela para de falar e dá uma gargalhada. —
Você realmente acha, Mia, que eu seria capaz? Posso estar com raiva de
Marco, mas jamais faria algo assim. Sigo os mandamentos da igreja. Matar é
pecado. — Então ela me encara, se dando conta de que eu já matei dois
homens. — Não no seu caso, amore mio. Você estava se defendo e…
— Tutto benne, mamma — interrompo-a antes que essa conversa se
estenda. — Eu entendi.
Ficamos em silêncio por algum tempo, nos encarando. Não sei como nos
recuperaremos de toda essa tragédia que se abateu sobre nossa família, mas
também sei que não há mais tempo a perder. Meu marito tem planos e devo
fazer o que for preciso para ajudá-lo, mantendo esta casa em ordem até nonna
ter condições de assumir seu posto novamente.
— Vou para a cozinha, mamma. Quer ir comigo e me ajudar? Com a
nonna descansando, alguém precisa coordenar as mulheres da casa e pensei
que você poderia fazer isso.
Minha mãe concorda com a cabeça, caminha até a penteadeira, arruma o
coque do cabelo, passa um batom vermelho e me acompanha até a cozinha. A
casa parece sem vida, nossos passos são ouvidos na escadaria de madeira,
como se apenas nós estivéssemos aqui. Por cada um que passamos, o olhar
sem brilho é visto.
A gritaria de sempre não existe na cozinha. Batatas são descascadas,
massas são sovadas, mas tudo em absoluto silêncio. Mulheres de cabeças
baixas, algumas lágrimas ainda escorrem por seus olhos, mas o coração desta
casa, mesmo que pulsando devagar, não para.
— Pode ir, Mia. Eu cuido das coisas por aqui — mamma garante
enquanto coloca um avental. — Vai ser até bom, assim ocupo minha cabeça.
Concordo com ela. Desde a morte de papà, é a primeira vez que ela se
ocupa com as lidas domésticas, talvez faça bem mesmo.
Procuro Sage pela casa e o encontro no arsenal, com Danio e Eddie.
— Como está a nonna? — É a primeira coisa que me pergunta quando
me vê. Respondo a verdade e, em seguida, ele me pergunta sobre minha mãe.
— Está na cozinha agora, ajudando as mulheres. Não estava se sentindo
bem na hora do enterro, amore mio — minto.
Nem sei por que faço isso. Minha lealdade em primeiro lugar sempre
será dele, mas não posso deixar que nenhuma suspeita recaia sobre minha
mãe, simplesmente porque sou incapaz de perder mais alguém.
— Essas aqui — ele aponta para várias armas espalhadas em cima de
uma mesa — são para vocês.
— Vocês? — pergunto, confusa.
— Precisaremos de todos os homens hoje à noite, Mia, pra enfrentar os
russos, mas não posso deixar a casa desprotegida. Danio me disse que,
mesmo que vocês não tenham treinamento como nós, a maioria das mulheres
sabe usar uma pistola.
— Si, si. Mas você acha que…
— Acho que nada vai acontecer aqui, mas é melhor estarem preparadas.
Tenho vontade de dizer a ele que é melhor não irem. Que não posso
perdê-lo, que não tenho mais condições de enterrar algum outro membro da
família. Só que não posso. Sage precisa que eu seja uma rocha agora, e é isso
o que serei.
Onde antes havia alimentos, agora existem armas. Pistolas, facas,
submetralhadoras. Cada mulher na cozinha também tem uma arma em seu
corpo, no lugar do habitual avental. Todas estamos aqui, menos nonna, que
dorme em seu quarto. E Nicola, que está presa em outro. O silêncio, que
mais cedo era de tristeza, agora é de apreensão. Cada barulho diferente que
ouvimos é motivo para empunharmos nossas defesas, mas o maior medo não
é de uma invasão, e sim que mais algum dos nossos homens seja morto.
Martina troca olhares comigo a toda hora. Mamma caminha de um lado
para o outro. Luana parece estar com mais medo do que qualquer uma de nós.
Pergunto-me como sua família permitiu que seu irmão fizesse o que fez com
ela. Por um momento, posso jurar que ela se sente mais segura conosco do
que em sua própria casa. Mesmo assim, não confio nela. Seu pai, seu irmão
mais velho e sua mãe foram mortos por nossas mãos. Mas aquele velho
ditado sobre manter os inimigos por perto nunca fez tanto sentido.
De repente, uma barulheira e gritaria vem da porta de entrada.
— Martina! — chamo para que tome à frente e espie.
Caminhamos devagar em direção ao hall de entrada, como cobras
silenciosas observando suas presas. Luana e outras duas mulheres nos
acompanham. Estamos prontas para matar quem quer que seja que invada
nossa casa. Defender nossas vidas, prender e torturar nossos inimigos. Ainda
assim, o medo me consome. Vira enjoo e me controlo para não vomitar nos
pés de uma delas.
— São eles! — Martina avisa quando avista Coal entrar suado e
desgrenhado pela sala.
Corremos em direção à porta. Vejo Enrico, Jett e Lucas entrando
também. Mas não enxergo Sage.
— Cadê meu marito? — A pergunta sai em forma de desespero
enquanto olho para a rua.
Então, eu o vejo, organizando uma fila de mulheres. As mãos delas
amarradas em cordas, vestindo roupas surradas, puídas, sujas e rasgadas. Os
rostos, assim como todas as partes visíveis de seus corpos, empoeirados,
imundos.
— O que é isso? — pergunto ao mesmo tempo que o abraço e checo sua
pele para ver se não há nenhum ferimento. — O que aconteceu?
— Estou bem, princesa. — Ele dá um beijo em minha testa. — Matamos
todos os russos desgraçados que estavam lá e resgatamos essas mulheres. Eu
não sabia o que fazer com elas, então trouxe pra cá. — Ele dá de ombros e
olha para a porta. — Onde está o Eddie?
Nenhum dos outros responde e vejo o desespero nos olhos de Sage.
Grita mais uma vez, só que ninguém diz nada.
— Eu cuido das mulheres, amore mio. — Viro-me para Martina e
Luana. — Levem todas para dentro, providenciem roupas limpas e banho
para elas.
As pessoas fazem o que peço, enquanto continuo grudada em meu
marido. Não me importo com seu cheiro de suor, com os respingos de sangue
em sua pele ou com qualquer outra coisa. Só preciso ter certeza de que está
bem. Passo as mãos novamente por seu corpo, como se procurando algo,
enquanto ele não para de perguntar sobre Eddie.
— Acho que ele fugiu — um dos homens que veio com Lucas da Itália
responde.
— Ele deve estar bem. — Enrico se aproxima de nós. — Eu conferi
todos os corpos. Nenhum era nosso.
Sage respira fundo e eu também. Pelo menos, uma vitória.
— Vá se lavar — sugiro a Sage. — Vou avisar à mamma que
precisaremos de mais comida, além de ajudar as mulheres que você trouxe.
Assim que me liberar, te encontro no quarto.
Ele concorda com a cabeça. Mas antes de se afastar de mim, aperta
minha bunda com força.
— Não demora, freirinha. Preciso muito de você — sussurra em meu
ouvido e cola seus lábios nos meus.
Sinto a falta de seu toque assim que ele começa a subir as escadas. Fico
observando-o até que não consigo mais vê-lo no corredor de cima. Corro até
a cozinha, digo à minha mãe que temos mais quinze mulheres para o jantar,
peço que faça algo leve, mas que dê energia a elas. Pela aparência, as
coitadas não devem comer há muito tempo.
Depois, me dirijo para o vestiário da sala de treinamento. Antes mesmo
de chegar à porta, posso ouvir os choros e lamúrias em uma língua que não
conheço. O cheiro é insuportável. Algumas já estão embaixo das duchas,
outras estão sem roupa, aguardando, e Luana desamarra com paciência as
mãos das que faltam.
Uma ou outra parece agradecer — pelo banho, pelas roupas, pela
liberdade das mãos —, mas a maioria está de cabeça baixa. Estão assustadas
demais e sem saber o que está acontecendo.
— Alguma de vocês fala nosso idioma? — Três delas levantam a mão
em resposta a mim. — E italiano? — Outras duas respondem. — Digam às
outras que, após do banho, lhes serviremos uma refeição gostosa e depois
todas poderão descansar em camas confortáveis.
— Não temos quartos pra tantas mulheres, Mia. Os homens que vieram
da Itália já estão ocupando os quartos vagos — Martina fala baixo em meu
ouvido.
— Pois então os mande saírem. Temos colchonetes na sala de
treinamento e eles podem se ajeitar por lá. Essas mulheres precisam de um
lugar seguro, limpo e tranquilo pra descansarem.
Ela sacode a cabeça e sai apressada do banheiro. Olho para as recém-
chegadas. Seus rostos não conseguem disfarçar o medo que sentem, nem o
pavor que devem ter passado nos últimos dias. Tenho muitas perguntas a
fazer, mas agora preciso estar com mio marito.
Porém, antes de cruzar a porta, lembro-me de uma coisa.
— Seus dias como prisioneiras acabaram. — Encaro uma das mulheres
que fala nosso idioma, para que ela traduza a informação. — Se quiserem,
estão livres para ir embora. Mas se preferirem ficar, serão nossas convidadas.
Terão abrigo e comida.
Dou um último aceno com a cabeça e saio em busca de Sage.
Capítulo 16
Sage

Todas as ligações vão direto para a merda da caixa postal. Mesmo


assim, continuo tentando. Acho que já liguei umas cinquenta vezes e a
resposta é sempre igual: nada.
Uma angústia começa a me dominar… Onde está Giovanna? Onde está
Eddie e por que ele não me atende?
Fico imaginando se foi levado pelos russos, se está ferido em algum
lugar e incapacitado de levantar, se aproveitou a chance e fugiu dessa
loucura… A última opção, inclusive, me parece bastante sensata. E por mais
que a família tenha todo esse pensamento de honra e lealdade, o senso de
autopreservação às vezes fala mais alto. Quem sou eu para julgar? Até
porque, a cada dia que passa sinto mais vontade de fazer exatamente isso.
Só que o silêncio de Eddie me incomoda demais, tanto que não consigo
parar de andar de um lado para o outro do quarto, ainda sentindo a adrenalina
da noite sendo bombeada em minhas veias enquanto ligo mais uma vez.
Merda.
Não posso perder Eddie agora, não o meu Soldatto mais fiel.
E se ele é o mais fiel, por que sumiu? Enrico disse que conferiu todos os
corpos, nenhum deles era nosso. Na verdade, a noite de hoje foi a melhor que
tivemos em muito tempo. Os russos não estavam esperando um ataque, tanto
que tinham apenas dez homens buscando as mulheres traficadas.
O plano deu certo: chegamos ao cais atirando, sem medo de morrer e de
matar. Ficamos de tocaia por menos de uma hora e, assim que eles
apareceram e começaram a troca, abrimos fogo. As mulheres estavam em um
contêiner, trazidas em um navio de carga — com certeza clandestino. Sei lá
quem as trouxe, mas vi os russos cumprimentarem os homens com
entusiasmo. Tadinhos, morreram também. Dano colateral.
Acabamos com aqueles desgraçados antes que pudessem entender o que
estava acontecendo. Só fiquei chateado por não ter a chance de enfiar Sarita
na cara de Mikhail. Ele foi o único que escapou com vida. Saiu correndo que
nem um cachorrinho com medo, só faltou soltar ganidos assustados.
É… a tal da autopreservação pode, sim, falar mais alto do que o senso
de lealdade.
Mando mais uma mensagem para Eddie. Também ligo de novo.
Nada.
Puta que pariu, será que ele morreu?
Estou cansado de perder gente. Cansado de lutar, lutar e lutar, mas
nunca chegar ao fim desse maldito conflito. Cansado de procurar por
Giovanna e nunca encontrar a menina.
Talvez Eddie tenha razão: meu pai cometeu um grande erro ao matar
Ettore. Só que, agora, não dá para chorar o leite derramado. E cabe a mim
lidar com as consequências dessa merda.
O problema é que não estou a fim de lidar com porra nenhuma. Não
estou a fim de escutar as mesmas conversas, que levam aos mesmos lugares.
Os mesmos choros e os mesmos lutos. A mesmice me incomoda, sempre
incomodou, e não sei por quanto tempo vou conseguir aguentar.
Quando estou ligando para Eddie pela centésima vez, ouço a porta do
quarto se abrir. É claro que a ligação vai, de novo, para a caixa postal. Por
isso, jogo o aparelho na cama e, com passos rápidos, sigo até minha esposa,
puxando-a para os meus braços. Na mesma hora, Mia me envolve — e só de
tê-la aqui já sinto que posso respirar de novo.
— Ah, princesa… — Deixo um beijo em seu pescoço e ela estremece.
— Do que você precisa, Sage? — Mia pergunta baixinho, encaixada em
meu peito enquanto suas mãos me acariciam por baixo da camisa.
— De você, Mia. De você em um lugar bem longe daqui, sem ninguém
morrendo, sumindo ou brigando — solto a confissão. — Nunca pensei que,
um dia, precisaria tanto de paz. Não sei onde está Giovanna, nem Eddie, e
estou perdendo as esperanças de que…
Não consigo terminar a frase. Quando paro de falar, Mia se afasta. São
apenas alguns centímetros nos separando, mas o suficiente para que eu sinta
sua falta. Na mesma hora, ela emoldura meu rosto com uma mão, os olhos
presos aos meus enquanto busca alguma coisa ali dentro.
Talvez ela possa ver a diferença do Sage que conheceu para o Sage que
está aqui, lutando para não desmoronar. O Sage que era impulsivo e cheio de
raiva, que agora se tornou um Sage enjaulado e com mais responsabilidades
do que um dia imaginou ter.
Não sei se gosto desse novo homem. Não sei se devo matá-lo e deixar
que o outro reapareça. Não sei de nada. A única coisa que sei é que preciso
da minha esposa como nunca.
Ver aquelas mulheres amarradas, imundas e prontas para serem
vendidas fez com que algo se revoltasse dentro de mim. Nelas, vi Mia. E em
meus olhos, Mia pode ver o medo. Ela sempre consegue enxergar muito mais
do que estou disposto a mostrar.
— Se é isso o que você quer — sussurra, passeando o polegar por meu
lábio inferior —, é isso o que faremos. Vou arrumar nossas malas.
Antes que eu entenda o significado de suas palavras, ela já virou as
costas.
— Princesa? — pergunto, sem saber muito bem o que dizer.
— Não precisa falar nada, marito. — Ela para na porta do closet e vira o
rosto por cima do ombro, uma mão apoiada no batente. — Ser o chefe da
família tem seus privilégios.
— O chefe da família? — A confusão é nítida em minha voz. — Pensei
que…
É então que me lembro: Don Marco está morto.
Meu pai morreu.
Acho que ainda não tive tempo de digerir a informação. Com o
sequestro de Giovanna, o resgate das mulheres traficadas e o
desaparecimento de Eddie, ainda não consegui parar e pensar no que a morte
de meu pai significa.
— Amore mio — como se lesse meu pensamento, Mia me oferece um
sorriso manhoso e se estica para pegar uma mala na parte de cima do armário
—, não pense nisso agora. Vamos sair daqui, sumir por alguns dias, e depois
voltamos. Você já fez o que era preciso: enterrou seu pai e impediu os russos
de fazerem sei lá o quê com aquelas mulheres.
— A família está desmoronando, princesa. Eddie desapareceu e…
— E nada — ela me interrompe, deixando a mala em cima do banco e
vindo até mim. Mais uma vez, para à minha frente e acaricia meu rosto. —
Não estou dizendo para irmos embora daqui para sempre. Apenas para
tirarmos uns dias só para nós dois. Eu, você, uma cama… — A última frase
sai em um sussurro.
Mesmo baixinhas, as palavras causam um efeito delicioso em meu
corpo, tanto que estalo o pescoço antes de encarar Mia. Puxo-a pela cintura,
trazendo seu rosto para bem perto, e mordo seu lábio inferior.
— Desde quando precisamos de uma cama, princesa?
— Fique aqui. — Ela deixa um beijo rápido na minha boca e começa a
se afastar. — Vou falar com os homens para continuarem a busca por
Giovanna. Enquanto isso, cuidarei do meu marito do jeito que ele merece.
— Mais fundo — incentivo enquanto maneio o volante do carro, que
segue em alta velocidade. Preciso de muita concentração para não causar um
acidente, porque a boca de Mia me obedece com precisão, levando meu pau
ao fundo da garganta. — Aaaaah, porra.
Solto um grunhido quando ela me engole. Depois, a safada sobe
lentamente por toda a minha extensão, passando a língua com cuidado pela
veia que se destaca.
— Assim, marito? — pergunta e, mesmo sem desviar o olhar da rua, sei
que está me olhando com cara de gulosa.
— De novo, princesa. — Escuto sua risadinha baixa antes de ela me
abocanhar novamente.
Melhor ainda são os sonzinhos que solta enquanto me chupa com gosto.
A vontade que sinto é de apoiar a cabeça no encosto do banco, fechar os
olhos e me deixar levar pelo prazer.
A ideia era escapar para uma das casas da família fora da cidade, mas
estou dirigindo há menos de quinze minutos e já me vejo obrigado a parar a
porra do carro.
Com uma mão, empurro sua cabeça para baixo enquanto movimento
meu quadril para cima. Mia engasga uma vez, então afrouxo um pouco o
aperto, mas logo ela volta com o vaivém. Sua língua explora meu pau. Seus
dentes arranham de leve a pele já sensível.
Um arrepio sobe por minha espinha.
— Você chupa tão gostoso, freirinha…
O desespero aumenta a cada vez que ela me estimula, assim como a
vontade de me enterrar naquela boceta quente e molhada, e nunca mais sair
de lá. Eu até poderia gozar em sua boca agora, só que preciso de mais.
Ela finca as unhas na minha perna, usando-a como apoio para acelerar
os movimentos.
— Caralho! — A mistura de dor e prazer me deixando no limite.
Talvez seja o destino, ou então um resquício de sorte que me resta, mas
quando vejo um hotel aparecer à nossa frente, dou uma fechada no carro à
direita e paro próximo ao púlpito dos valets.
Mia ergue a cabeça, espantada com a freada brusca.
— O que…? — Ela não termina a frase, mas vira o rosto para o lado e
nota onde estamos.
— Vamos, princesa. — Fecho o zíper da calça, sem me preocupar em
esconder a rigidez evidente que se destaca contra o tecido.
Saio do carro e dou de cara com um homem de terno vermelho. Nem me
preocupo em cumprimentá-lo. Foda-se a educação quando se está com pau
duro e morrendo de tesão. Dou a volta e vejo que outro manobrista está
abrindo a porta de Mia. Quando ele estende a mão para ajudá-la a levantar,
deixo escapar um som que mais parece um rosnado do que um protesto. Na
mesma hora, ele me encara e percebe a iminência de um assassinato em meus
olhos.
Nem preciso empurrá-lo para fora do caminho, porque o babaca logo sai
da minha frente. Ofereço a mão para Mia, que ajeita o cabelo antes de
levantar.
O rubor em suas bochechas deixa claro que ela ainda está se
recuperando das… atividades. Mas não quero que ela se recupere. O que eu
quero mesmo é destruir minha mulher hoje à noite.
Sigo com passos rápidos para dentro do hotel, pouco me importando
com o resto do mundo. Na verdade, preciso esquecer o resto do mundo e toda
a desgraça que aconteceu desde que anunciaram que faço parte da família
Rossi.
— Senhor, o tíquete — o valet diz, me estendendo um papelzinho
amarelo. Limito-me apenas a acenar para ele, sem confiar na minha voz neste
momento, e continuo caminhando até a mesa da recepção.
— Boa noite, bem-vindos ao…
— Um quarto. Duas noites — interrompo a atendente, que me olha com
espanto.
— Preciso da identidade, por favor. Também tenho essa ficha para ser
preenchida — ela diz com um sorriso, colocando uma mecha de seu cabelo
loiro atrás da orelha.
Mia enfia o rosto em meu peito, ainda abraçada a mim, e começa a subir
e descer carícias por minhas costas. A safada está querendo me provocar, e o
pior de tudo é que está conseguindo.
Então, faço algo que aprendi com os irmãos da família: retiro a carteira
do bolso, pego o cartão de crédito e o cartão de visita, colocando ambos sobre
o balcão.
— Um quarto. Duas noites. Agora — repito.
Desta vez, a mulher reveza olhares entre mim e o cartãozinho preto. Ela
engole em seco e, de repente, parece bastante apreensiva.
— Você não vai deixar meu marido esperando, não é? — Mia pergunta
gentilmente.
— N-não, senhora. Senhor. — O tremor em sua voz me deixa com
vontade de rir.
Ótimo. É bem assim que eu gosto.
Logo temos a chave do quarto nas mãos e a mulher avisa que alguém
levará nossas bagagens.
— Não precisa — declaro e viro-me de costas, caminhando com Mia até
o elevador. Não iremos usar roupas nos próximos dias.
Nossos passos no piso de mármore ecoam, os outros hóspedes —
entrando e saindo do hotel — nos encaram. Eu ignoro tudo e apenas me
concentro no calor que vem do corpo de Mia, ainda apoiado no meu.
Paramos em frente ao elevador de portas fechadas e sinto a ansiedade
me consumir. Preciso de Mia. Depois de tudo o que aconteceu, preciso estar
dentro dela. Uma chupada gostosa no carro só me deixou com ainda mais
vontade. Mas parece que a porra do elevador está de sacanagem com a minha
cara, porque ele não chega nunca.
Balanço uma perna compulsivamente, enquanto as carícias de Mia ficam
mais ousadas. Suas mãos sobem por minhas costas, chegando à nuca, onde
ela passa a unha devagar.
— Princesa… — É um alerta. — Se você não quer ser comida contra
essa parede, sugiro que pare.
— E se eu quiser? — ela insinua, olhando para mim com aqueles olhos
inocentes e um risinho devasso. Na mesma hora, sinto meu pau contrair
dentro da calça, e é impossível conter o sorriso predador que se forma em
meus lábios.
Com a mão já posicionada na base de sua coluna, desço-a um pouco e
aperto a bunda redonda. Mia geme baixinho. Freirinha safada…
Quando abro a boca para responder, o “plim” anuncia a chegada do
elevador.
— Pelo visto, você vai ter que se contentar com um lugar menos
público. — Empurro-a devagar para dentro, enquanto ela solta uma risada
melódica.
Sigo para a parede de trás e me apoio nela. Trago Mia para a frente do
meu corpo, querendo que ela sinta o quanto ainda estou duro. Sua bunda se
encaixa perfeitamente em mim, e é impossível me manter estático. Rebolo
devagar contra ela, que começa a gemer baixinho no elevador.
— Sage…
Afasto seu cabelo e enfio a cabeça na lateral do pescoço, sussurrando:
— Só não vou te foder agora, freirinha, porque não quero câmeras
gravando seu rosto quando gozar. — Passo a língua da curva do pescoço até
o lóbulo da orelha, e Mia estremece. — Essa visão é só minha.
Leva uma eternidade até a porra do elevador chegar ao décimo quinto
andar. O corredor também parece ter a distância de uma maratona. Mesmo
assim, me seguro ao máximo para não arremessar Mia contra a primeira
parede e fazer com ela tudo o que sinto vontade.
Assim que entramos no quarto e fechamos a porta, toda a aflição vai
embora.
— Dois dias, só nós. — A luz é ligada automaticamente.
— Eu, você e a cama — ela completa o pensamento, apoiando as mãos
em meu peito e ficando na ponta dos pés para me beijar.
Sua língua escorrega entre meus lábios, encontrando com a minha.
Seguro Mia pela cintura, deixando-a tomar as rédeas por um momento.
Quando ela se afasta e abre os olhos, vejo ali a nuvem de desejo. Talvez a
mesma que nubla os meus.
Com a delicadeza que não tenho, afasto uma mecha de seu cabelo,
colocando-a atrás da orelha. Não consigo parar de encarar minha mulher, e
uma infinidade de tons de azul e cinza me encaram de volta. Com a palma da
mão, desço por seu pescoço, envolvendo-o sem colocar força no aperto.
— Eu quero você, Mia Wilder. Quero você de mais formas que pensei
ser possível. Quero te abraçar o tempo todo e sentir suas mãos em mim.
Quero fazer amor todos os dias e te foder com força todas as noites. Quero
seu apoio e suas críticas. Quero que você seja minha de todas as maneiras,
assim como quero ser seu da mesma forma. Eu quero tudo, princesa, e não
vou aceitar menos do que isso.
— Você tem tudo o que quiser, amore mio.
Mia joga a cabeça para trás, se oferecendo para mim.
É meu fim.
Beijo-a com força, um choque de lábios, línguas e desejo. Mia arfa
contra a minha boca e começo a explorar seu corpo. Toco seu quadril, a
palma quente e calejada marcando a pele suave enquanto sigo por baixo da
blusa branca de cetim. Escuto seu gemidinho me incentivando a continuar no
instante que paro bem perto dos seios. Meu polegar começa a traçar um
caminho por eles, acompanhando a curva e continuando até alcançar o
mamilo.
De forma bem suave, balanço a pontinha dura. Mia interrompe os beijos
e me encara, a boca aberta e a respiração ofegante.
— Gosta quando faço isso? — pergunto, posicionando o biquinho entre
o indicador e o dedo do meio.
Mia apenas assente com a cabeça, e depois olha para baixo. Só que meus
movimentos continuam escondidos pela blusa. Sorrio para ela, mas não tomo
o seio todo em minha mão. Com a outra, removo a peça que nos separa e
deixo meus olhos se banharem com a visão.
— Perfeita — sussurro e vejo-a ruborizar.
— Sage, por favor — ela pede, o desespero nítido em sua voz.
— Tudo a seu tempo, princesa.
Começo a descer beijos por seu pescoço, atravessando o colo até chegar
ao seio. Sinto seu coração bater com força sob a pele lisa, e ele acelera ainda
mais quando dou uma mordida leve no biquinho antes de sugá-lo com força.
Quando faço isso, o som que escapa de sua boca é alto e erótico. Sugo
de novo, dessa vez usando a mão para apoiar o peito. Abocanho tudo que
posso, e Mia enfia os dedos no meu cabelo, impedindo-me de afastar.
Meu corpo inteiro pulsa com a vontade de estar dentro dela. Uma
pressão desesperada, e me sinto como a porra de um vulcão prestes a
erupcionar.
— Sage… — ela geme meu nome de novo, e sei que, assim como eu,
precisa de mais.
Então, paro de chupar seu peito e tomo sua boca em um beijo. Ao
mesmo tempo, roupas começam a ser removidas e arremessadas pelo quarto.
A agonia começa a falar mais alto, exigindo que a deliciosa tortura tenha fim.
Estou tão duro que chega a doer quando Mia remove minha calça. Mas o
alívio começa assim que ela me toma na mão, fazendo movimentos de sobe e
desce.
— Quer me matar, freirinha? — A pergunta sai abafada, já que minha
boca não se desgruda da dela.
— Jamais. — Morde meu lábio inferior, arrancando de mim um som
rouco de prazer. — Quero que você me faça esquecer de tudo que não seja
nós dois.
As palavras dela são certeiras, porque é exatamente o que preciso agora.
— É isso o que você quer? — Minha mão desce por sua barriga, os
dedos invadindo por baixo do elástico da calcinha. Deixo apenas o indicador
entrar no meio dos lábios úmidos, atingindo seu clitóris.
Mia estremece e seus olhos parecem mais escuros agora. Brinco com o
botãozinho molhado, mexendo-o de um lado para o outro, enquanto ela se
agarra em meus braços para permanecer de pé.
— Não para, amore. Não para — ela pede e eu paro com os estímulos.
— O que…?
— Deita na cama, princesa — ordeno. Ela abre a boca para contestar,
mas apenas ergo uma sobrancelha, desafiando-a.
Na mesma hora, Mia obedece ao comando e se deita por cima da
coberta, enquanto permaneço de pé, apenas olhando para ela.
Termino de tirar minha roupa e vejo-a fazer o mesmo. Quando fica
completamente nua, sinto meu pau pulsar de novo e preciso segurá-lo com
força.
— Abra as pernas. — De novo, não é um pedido. De novo, ela obedece.
Vê-la assim, toda aberta para me receber, faz com que meus resquícios
de sanidade vão embora. Sua boceta está brilhando de excitação; a respiração
é ofegante, fazendo com que os seios subam e desçam num ritmo rápido.
Analiso cada centímetro da minha mulher: os peitos grandes e
arrebitados, a cintura fina, o quadril largo, as coxas grossas… Nada nela é
qualquer coisa menos que perfeita.
— Sage — chama por mim, começando a se remexer na cama, como se
não conseguisse mais aguentar.
— Se toca, princesa. Quero ver suas mãos brincarem agora.
Mia me encara, a indecisão marcando seu rosto, e apenas assinto. Assim
que suas mãos começam a passear pelo corpo, a minha ganha ritmo também.
Eu me masturbo enquanto olho para ela, que se toca com cuidado — os dedos
brincando gentilmente com o clitóris.
— Mais rápido, Mia — incentivo. — Só vou te tocar de novo quando
você tiver gozado.
— Mas eu quero você, marito. Quero suas mãos em mim…
Sorrio.
— Nem sempre a gente tem o que quer, princesa — falo com a voz
embargada, sentindo o prazer começar a se espalhar em meu corpo. — Eu,
por exemplo, queria muito te chupar agora. Sentir seu gosto na minha língua
enquanto você se contorce de prazer.
Vejo seus dedos acelerarem um pouco e as pernas se afastarem mais.
— E depois? — ela pergunta, mordendo o lábio para conter o gemido.
— Quero entrar em você bem devagar. — Minha mão continua no sobe
e desce, tão gostoso que vejo uma pontinha de gozo se formar com as
imagens que surgem em minha mente. — Centímetro a centímetro. Vou te
preencher todinha, chegando bem no fundo. Só então vou me mover do jeito
que quero: rápido e descontrolado. Que nem você gosta.
— Sage… — ela pede baixinho.
— Eu sei, princesa. Eu sei. — Ela enfia um dedo dentro da boceta
gulosa, mas ele não é grande o suficiente. Mia está carente, sozinha na cama
fria. Vazia e precisando de mim. — Depois que você estiver gritando, vou te
colocar de quatro. A visão vai me deixar louco, e é por isso que vou parar de
te comer com o pau e te comer com a boca de novo. Quero lamber tudo: da
boceta encharcada até esse seu cuzinho virgem. Quando eu fizer isso, você
vai gritar tão alto que todos os hóspedes vão ouvir.
— Sage, agora. Por favor, marito — ela implora.
— Se você quer tudo isso, princesa, só precisa de uma coisa. — Encaro-
a na cama, as bochechas vermelhas e a mão impaciente, se mexendo cada vez
mais rápido. — Goza, Mia. Goza bem gostoso que eu quero assistir.
Meu pedido é uma ordem, porque logo Mia está se desfazendo em um
orgasmo. Costas arqueadas, dedos dos pés flexionados, cabeça jogada para
trás e peitos empinados… perfeita.
Começo a engatinhar sobre ela, encaixando-me entre suas pernas.
Tenho uma promessa a cumprir.
Capítulo 17
Mia

— Merda! — Acordo com a voz de Sage xingando alguma coisa. Seu


tom é baixo, mas o suficiente para me fazer despertar.
Abro os olhos e tenho a visão do meu paraíso particular: Sage está de
costas para mim, olhando pela janela, enquanto passa a mãos no cabelo e
balança o corpo de um lado para o outro, nitidamente nervoso. Não sei o que
se passa, mas aproveito a visão da cueca boxer apertando suas coxas e
modelando a bunda. As pernas bem-definidas, com as inúmeras tatuagens.
Subo o olhar pelo tronco e cada um dos movimentos que faz parece tornear
ainda mais as costas largas e os braços fortes.
Ele olha mais uma vez para algo em sua mão e depois para os lados,
como se procurasse alguma coisa. Acompanho o seu olhar, mas tudo o que
vejo é o carrinho do café da manhã.
— Aconteceu alguma coisa, marito? — Minha voz ainda está rouca de
sono.
— Ah, princesa. — Ele se vira pra mim e começa a caminhar em direção
à cama. — Não queria te acordar, você estava num sono tão profundo que
achei que dormiria o dia inteiro. — Ele senta ao meu lado e deposita um beijo
em minha testa. — Estava até ficando preocupado, nunca te vi dormir tanto
assim.
— Que horas são?
— Quase duas. Não sei bem, porque acabou a bateria do celular e o
carregador que estava na sua bolsa não está funcionando.
— Já tentou pedir um na recepção?
— Depois — ele diz e se levanta da cama. — Primeiro vamos comer
alguma coisa, você precisa repor as energias. — Sage pisca para mim, seu
sorriso cheio de malícia, enquanto aproxima o carrinho da cama.
As lembranças da noite anterior ruborizam meu rosto, ao mesmo tempo
que fazem outras partes minhas esquentarem. Sage percebe, como se seu
corpo fosse um leitor de raio X do meu, e responde se avolumando no tecido
da cueca.
— Só depois que você comer alguma coisa, freirinha. — Ri enquanto
me serve uma xícara de café.
O aroma toma conta do quarto, se misturando à risada de Sage, e tudo
começa a girar, ao mesmo tempo que não consigo controlar o vômito.
Viro para o outro lado da cama e despejo o conteúdo do estômago no
chão.
— Mia! — Ele larga a xícara de café no carrinho e segura meu cabelo.
— Você está bem? O que houve? Você não ia falar com o doutor Fontana?
Sage parece uma metralhadora de perguntas que não sou capaz de
responder. Peço licença e saio envergonhada para o banheiro. Não sei o que
acontece comigo, mas como dizer a meu marido que tenho medo de
descobrir? Não tenho tempo para cuidar da minha saúde agora. E se for um
câncer ou algo sem cura, como aconteceu com a nonna de minha mamma?
— Mia! — Ele bate na porta que, pela primeira vez desde que nos
casamos, eu chaveei. — O que houve, princesa? Fala comigo!
Escuto o desespero em suas batidas. Também estou desesperada. Não
sei o que se passa comigo, todos os enjoos, as tonturas. Essa fraqueza são
sintomas da dannazione[53]. Do cancro[54] e eu não posso morrer.
As lágrimas começam a fugir dos meus olhos. O medo tomando conta
de mim. Como contar a Sage que eu posso ter o mesmo fim de minha
bisnonna?
Assim como as batidas de sua mão na madeira, seus gritos também
ficam mais intensos. Mas não consigo me mexer, vou escorregando pela pia,
até encontrar o chão e me abraçar. O choro ficando mais alto, se
transformando em um pranto ruidoso e dolorido. De repente os gritos param,
as batidas da porta também.
— Se afaste! — Escuto mais ao longe.
Bum! O baque forte de um corpo contra a madeira. A porta treme, mas
não cede. Silêncio novamente. Um, dois, três segundos. Bum! O choro
aumenta. Preciso que ele me salve, que me pegue em seus braços e me
proteja. Mas não sou capaz de me mexer.
— Sage… — imploro, entre um soluço e um grito de desespero.
Então, bum! A fechadura esgaça. O vento que entra pela porta
empurrada em um rompante traz os braços de Sage envolvendo meu corpo e
me erguendo do piso frio.
— Mia! O que houve? Você está bem?
Aninho minha cabeça na curva do seu ombro.
— Eu não quero morrer!
Sage me aperta forte contra seu peito, enquanto com uma mão pega a
coberta em cima da cama e envolve meu corpo. Passa a outra mão na carteira,
nas chaves do carro e sai de cueca boxer comigo pelo corredor, gritando por
um médico ou uma ambulância.
— O que ela tem, doutor? — Sage aperta forte a minha mão quando o
médico da emergência volta com alguns papéis embaixo do braço.
— Seus exames de sangue estão ótimos, senhora Wilder.
— Como assim, doutor? Isso não pode ser possível, a Mia está se
sentindo mal há dias e com…
— Enjoos, mudanças de humor, sonolência, fraqueza — o médico diz,
olhando para mim, e ri. — A senhora tem passado por muito estresse, não é,
Mia? — Sacudo a cabeça, concordando. — Sinto muito pelas perdas da sua
família. — Ele olha para Sage em sinal de respeito. — Eu entrei em contato
com o doutor Fontana, já que o senhor o indicou como médico da família.
Sage olha o homem dos pés à cabeça, impaciente. Confesso que também
estou, além de não achar que esse médico, que parece da minha idade,
entenderia alguma coisa do câncer que eu tenho.
— Se os exames estão bons, então melhor fazer uma tomografia do meu
aparelho digestivo. Minha bisa começou dessa mesma forma e morreu em
poucos meses, porque nenhum médico foi competente…
— A senhora não precisa de tomografia — o homem, que até então
estava sorridente e brincalhão, me interrompe e fecha o rosto. Sage, o punho.
— A senhora está grávida.
— Eu estou o quê?
— Como? — Sage faz a pergunta mais idiota de todas e tenho vontade
de rir.
Faço exatamente isso. Não só pela pergunta de Sage, mas pela minha
incapacidade de perceber. A risada toma conta de mim. De Sage também. O
médico fica mais confuso com a nossa reação, mas quando percebe que
passamos a rir dele também, sai do quarto ainda mais irritado do que quando
sugeri que fosse incompetente.
— Então, eu não vou morrer? — As minhas gargalhadas podem ser
ouvidas em todo corredor. As de Sage também.
Meu marido começa a pular, num tipo de comemoração infantojuvenil,
fazendo gesto com a mão enquanto sua risada se transforma em gritos
primitivos de vitória. Fico o admirando, minha gargalhada se transforma em
sorriso enquanto observo sua felicidade, esperando que nossos olhos se
encontrem.
— Você está grávida, princesa! — Sage me encara e caminha em minha
direção. — Nosso filho! — Ele beija minha testa e sua mão para em minha
barriga. — Eu prometo que vou te amar e te proteger por toda a minha vida,
bebê. — Ele se curva e seus lábios encostam em minha barriga.
E, de repente, as lágrimas voltam a brotar, sinto também a umidade em
minha barriga, que escorre dos olhos de Sage deitado em meu colo. Mas,
desta vez, são lágrimas de felicidade.
— É uma boa notícia, finalmente — Sage desabafa.
— É a melhor de todas. — Acaricio seu cabelo.
Ficamos assim por um bom tempo, até que uma enfermeira entra no
quarto com os papéis da alta e um receituário com vitaminas e remédios para
enjoo. Em outro papel, a indicação de uma consulta com o psiquiatra. Tenho
vontade de rir, mas a ideia não parece de todo ruim.
Será que posso confessar ao psiquiatra que matei dois homens porque
quis? Melhor não. Talvez ele não fosse de capaz de entender como funciona a
família. A não ser que tenhamos esses profissionais na nossa lista de
associados. Talvez pergunte à mamma.
— Vamos, princesa? — Sage faz com que eu volte à realidade.
Olho a roupa cirúrgica que lhe foi emprestada. Calças e blusa verde-
água. A vontade de tirá-las ali mesmo de repente me domina. Como é
possível que, há dois minutos, eu estivesse pensando em uma consulta
psiquiátrica e agora esteja pensando em arrancar esse uniforme médico dele e
chupá-lo até que se derrame em minha boca. Começo a salivar.
— Mia — Sage me chama novamente e ri. — Você sabe que sei
exatamente no que está pensando quando me olha assim?
A enfermeira, que ainda está no quarto, começa a rir. Olho para ela,
constrangida.
— Não se preocupe. É normal na gravidez… Ainda mais com um
marido gato assim, fantasiado de médico.
Ela dá uma encarada em Sage, que ri, e faz o meu sangue ferver.
— Sua putanna! — Tento avançar sobre ela, mas ele me segura.
— Mia, por favor, o bebê. — Meus olhos faíscam quando encaram os
seus sorridentes. Tenho vontade de virar a mão nele.
— Desculpe, eu não…
— Cale a boca, piranha, ou eu arranco teus olhos fora! — grito, fazendo
a mulher sair correndo do quarto.
— Mia! — Sage continua rindo. — Que ciúme é esse, princesa? Nunca
te vi assim. Tudo isso são os hormônios?
De repente, começo a avaliar minha reação e volto a rir também. E, do
nada, a chorar ao mesmo tempo.
— Eu não sei o que está acontecendo, marito! — Cubro o rosto com as
mãos.
— O que está acontecendo é que você está grávida do meu filho, Mia. E
eu sou o homem mais feliz do mundo agora. — Ele segura minhas mãos,
afastando-as do meu rosto. — Eu te amo, princesa. E não tem mulher no
mundo que vá me roubar de ti.
Sua boca encontra a minha com urgência. As mãos firmes enlaçam o
meu corpo com desespero. Mas também com um cuidado que me faz ter
certeza de que Sage daria a vida por nosso filho.
— A gente não pode fazer isso aqui — digo contra sua boca. — A
enfermeira…
— Vem. — Ele encosta a testa na minha por um segundo e me puxa
pela mão. — É melhor irmos pra casa.
— Não! — Travo no lugar e Sage me olha, confuso. — Nós ainda temos
um dia no hotel e eu não experimentei aquela duchinha.
— Ah, freirinha… Você não existe.
Capítulo 18
Mia

Quando o carro se aproxima do portão de casa, um mal-estar me


acomete. Não os enjoos ou tonturas, que agora que sei por que estão
ocorrendo, já parecem mais fáceis de aguentar. Também podem ser as pílulas
e vitaminas, receitadas pelo médico da emergência e que Sage fez questão de
comprar antes de voltarmos ao hotel e aproveitarmos mais um dia longe dos
problemas de nossa família. Mas não é isso que sinto. Meu mal-estar é outro:
voltar à realidade e para todas as questões que teremos que enfrentar e
resolver.
E se Eddie não tiver aparecido? Como Sage irá reagir a mais essa perda?
Já foram tantas em sua vida. Desde o ventre de sua mãe ele perde. A falta do
pai ou de qualquer família, depois o assassinato de minha sogra, agora o pai
que recém-conheceu também se foi, dando a ele responsabilidades que nunca
quis, pediu ou pensou em ter. Não sei o que será de mio marito se mais
alguém de quem goste venha a morrer. Sage nunca quis nada dessa vida que
tem agora, e quanto mais o entendo, mais temo que tenha um colapso nervoso
e desapareça. Sei que agora as coisas são diferentes, com a chegada do nosso
filho, mas preciso do mio marito mais forte do que nunca.
— Você está bem, princesa? — ele me pergunta a mesma coisa a cada
cinco minutos, como se fosse uma vitrola quebrada.
— Já disse que estou bem, amore mio. — Sorrio. — Você não precisa
checar a toda hora.
— Só quero ter certeza. — Ele ri de si mesmo e aumenta o volume da
música que toca no carro.
Sage começa a cantarolar baixo, olhando para a rua asfaltada,
observando as casas do caminho, como se visse tudo pela primeira vez. Uma
mão em minha coxa, a outra firme no volante. Existe um sorriso diferente em
seu rosto, misturado com uma tristeza em seu olhar e uma preocupação
sombria. Eu sei, sinto o mesmo. É um misto de felicidade pela notícia, mas a
tristeza por todos que perdemos sempre estará ali. Fora a realidade a
enfrentar. Esforço-me para reconhecer a música, tentando afastar os
pensamentos que me incomodam.

"Ma a volte poi basta un sorriso solo


A sciogliere in noi anche un inverno di gelo
E ripartire da zero”[55]
— Não sabia que você curtia Laura Pausini — observo com um sorriso
quando reconheço a voz da mulher no refrão.
— Laura o quê? — Sage me olha, confuso. — Não sei de quem você
está falando, freirinha. Minha mãe sempre cantava essa música.
— É italiana, presta atenção.
Enquanto Laura canta, vou traduzindo para ele a letra. Sage parece ficar
impressionado com o significado daquilo que ele repetia sem saber, que sua
mãe o havia ensinado.
— Ainda me questiono, Mia, por que meu avô materno nunca foi atrás
dela. Como ele deixou que sua filha passasse a vida inteira se escondendo?
Será que nunca quis nos conhecer?
— Ah, amore mio… — Faço um carinho na mão que repousa em minha
perna. — Nós logo vamos descobrir tudo, eu te prometo.
Sage sorri para mim, acaricia minha barriga e embica o carro na frente
do portão de casa.
— Não sei se ainda quero saber sobre o passado, princesa. Talvez eu só
queira pensar no futuro.
Concordo com a cabeça, sem querer dizer a ele que precisamos encarar
o presente primeiro.
Assim que estacionamos no jardim, a porta da frente se abre. Mamma e
nonna estão nervosas, gesticulando com as mãos aflitas, berrando perguntas
sobre onde estávamos, o que aconteceu, dizendo que doutor Fontana ligou, e
se estamos bem. Se eu estou bem.
Decidimos que não contaremos a toda a família por enquanto. Só no
momento certo. Por isso, quando minha mãe me envolve em seus braços,
analisando cada parte do meu corpo, me limito a dizer que foi apenas mais
um mal-estar pelo estresse, mas que estamos bem.
Sage passa por elas, abraça sua nonna, e deposita um beijo na testa de
minha mãe. Ele passa por nós balançando a cabeça, e consigo ver como se
diverte com o pensamento de que eu terei que lidar com as duas mulheres
sozinha.
— Filho da puta! — Seu grito me assusta e olho na direção que
caminha. — O que aconteceu com você?
Na sala, Eddie está parado com as mãos nos bolsos da calça. Já meu
marido parece fora de controle. De início, penso que sua reação é de raiva, e à
medida que avança, tenho a impressão de que irá socar a cara do Soldatto.
Mas quando para à sua frente, envolve os braços na volta de Eddie, dando-lhe
um abraço apertado.
— Vi o russo fugindo, Capo. Foi tão rápido que não pensei em nada. Só
o segui.
— E o que você descobriu? — Sage pergunta, ansioso.
— Podemos conversar no escritório? — Eddie olha para mim, mamma e
nonna.
Sage me encara, como se não quisesse ter aquela conversa com seu
amigo. Por um minuto, quero voltar ao hotel, àquele quarto onde só nós
existimos. Mas a realidade é outra e precisamos, agora por nosso filho,
retomar o controle da situação e desta cidade.
— Só depois do jantar, bambini. Agora vamos comer — nonna dá a
ordem e ninguém ousa discordar.
Entro no escritório e todos os homens estão sentados nas poltronas,
falando ao mesmo tempo. Algumas vozes se destacam, mas não presto
atenção nos assuntos paralelos. Caminho até Sage e me sento ao seu lado.
— Agora que a Mia chegou, podemos começar a reunião — Lucas diz,
fazendo com que todas as outras vozes se calem.
Eu sei o que vai acontecer aqui. À mesa de jantar, com todos sentados,
tentando não se deixar abater pelas cadeiras vazias, fingindo normalidade
diante de todas as nossas perdas, Lucas deixou escapar o que seu pai espera
de nós. Reorganização, lealdade, aumento dos lucros, paz.
Tudo o que também queremos.
Observo cada um dos rostos à nossa volta. Meus cunhados parecem
cansados, como todos os outros, mas existe algo a mais em seus olhos, que
não consigo decifrar. Passamos apenas dois dias fora, propositalmente sem
celular, pois levei um carregador estragado para que não nos importunassem
— Sage precisava de paz, e eu também.
Enrico caminha de um lado para o outro e me incomoda ver seu estado
nervoso. Eddie se aproxima dele, coloca a mão em seu ombro, sussurra algo e
os dois sorriem. Danio, em uma poltrona, segura um copo de whisky e olha
para ele, como quem contempla o nada, procurando respostas que não vai
encontrar no líquido âmbar.
— O que você descobriu sobre o Mikhail? — Sage pergunta a Eddie,
que se afasta de Enrico e senta em uma das poltronas de frente para nós.
— Não muito, Capo. Mas o suficiente pra perceber que mais alguém
está ajudando os russos. Anotei algumas placas para a gente rastrear.
— Passe os números pra Mia. Ela vai investigar — meu marido ordena.
Eddie me estende um pequeno papel, com várias letras e números rabiscados.
— Alguma notícia sobre Giovanna ou onde o Salvatore está? — Sage
pergunta para todos e ninguém responde especificamente, só balançam a
cabeça em negativa.
— Não podemos continuar assim — Danio desabafa. — Não temos
homens suficientes pra entrar nessa guerra, nem tempo de treinar os
associados.
— Precisamos de mais Soldattos, Lucas — digo, olhando para meu
primo. — Você já conversou com seu pai? Explicou como estão as coisas por
aqui?
— Sim, cugina. — Ele engole em seco. — Essa família precisa de um
novo Don.
Automaticamente, todos os rostos da sala se voltam para Sage. Meu
peito infla de orgulho e tento disfarçar o sorriso.
— Sage é a escolha certa — Danio diz. — Don Marco, ripozare in
pace[56], estava preparando seu primogênito pra isso. — Eddie concorda com
a cabeça. — Além disso, ele está casado com a figlia del suo Consigliere[57].
— É a união das duas maiores famílias na cidade, benedetto da Dio[58]—
Eddie completa.
— Sempre foi nosso destino — falo para Lucas. — Todos sabem que os
Rossi e os Messina se uniram no início, e que a consagração dessa união foi o
nosso casamento.
Sage, Jett e Coal nos olham, confusos, como se tivessem acabado de
descobrir mais alguma coisa sobre o funcionamento da família. Eu entendo.
Todas as histórias que ouvi desde a infância me ensinaram o que preciso
saber para que mio marito seja o novo Don.
— Vocês estão certos — Lucas conclui. — Só tem um problema: há
muito tempo, a família de vocês decidiu que um Don é escolhido por
merecimento, diferente do que acontece nas outras.
— E existe alguém que tenha mais mérito do que Sage? — Jett
questiona.
— Enrico, talvez? — Lucas rebate e os olhares se voltam para o meu
irmão.
— Enrico não é casado — Eddie retruca e não posso deixar de notar o
quanto é fiel a meu marido, mesmo que esteja cada vez mais próximo de meu
irmão.
— Don Marco também não era — Danio fala baixinho, e todos olham
para ele.
— O Conselho aprovou Salvatore, un maiale disgustoso, stupratore.[59]
— Minha voz sai mais alterada do que eu gostaria. — O que está acontecendo
aqui, cugino?
Os olhares se voltam para Lucas. Todos esperam uma resposta, mas a
calma que sinto emanar de Sage me tranquiliza, é como se ele me dissesse
que as coisas vão ser exatamente como quero.
Lucas se enrola um pouco, entre explicações sobre só estar fazendo o
que o pai manda e garantindo que a decisão é apenas nossa. Ao mesmo
tempo, parece nos alertar sobre o Conselho, num tom que a mim parece mais
uma ameaça.
— Por que eles querem o Enrico? — Coal, que tem uma expressão de
quem já perdeu a paciência, para em frente a Lucas. A mão apoiada em
Joana, que se mantém presa ao coldre na cintura. — E sem gaguejar, cugino.
— A palavra em italiano sai carregada de ironia.
O silêncio paira na sala. Até mesmo a respiração de cada homem se
torna um som único de identificar.
— Eu não sei, tá legal? — Lucas levanta da poltrona e se afasta do meu
cunhado. — Papà só me disse que era a escolha mais sensata e pediu que eu
tentasse convencer vocês. — Ele solta um suspiro. — Ninguém quer um Don
com sobrenome americano.
Sage dá uma gargalhada tão sonora que rompe a tensão presente em
todos. Ele se levanta da poltrona e começa a caminhar, rindo e dando
tapinhas nas costas de cada um dos presentes. Alguns também começam a rir,
mas Lucas olha para eles, desconfiado, e eu entendo seu medo. O Conselho
precisa de mais.
— Pois diga a seu papà que mio marito é o novo Don da família Wilder,
que carregará o sangue dos Rossi, dos Messina, dos Costello e dos Battaglia.
— Lucas me olha, confuso. Sage e meus cunhados também. — Quando
minha mãe se casou com meu pai, uniu os nossos sangues, não é, primo? —
Lucas concorda com a cabeça, sabendo que minha mãe é prima-irmã de seu
pai. — Quando Paola Costello deu à luz os herdeiros de Don Marco, uniu o
sangue dos Costello e dos Rossi, criando os Wilder — continuo minha
explicação, agora informando Sage, Coal e Jett sobre suas origens, mas
também reafirmando o nome de mio marito, para que ninguém mais o
humilhe desse jeito. — E em meu ventre, carrego o italiano mais nobre de
todos, a mistura das principais famílias tradicionais.
— Você está grávida? — Lucas me olha, surpreso. Todos me olham
surpresos.
Entre tapas nas costas de meu marido e abraços e beijos em minhas
bochechas, não consigo desviar o olhar de Enrico, que me fita com orgulho,
como se tivesse ganhado uma daquelas partidas de xadrez que ele adorava
jogar com papà.
— Lucas, só mais uma coisa — faço com que todos prestem atenção em
mim —, avise a seu pai que mio marito, Don Sage, exige sua cadeira no
Conselho, como é seu direito, dadas as circunstâncias. — Passo a mão na
barriga, acariciando-a.
Sage, que até então me observava do outro lado da sala, caminha de
volta à poltrona e me dá as mãos para que levante.
— Eu te amo, princesa — sussurra em meu ouvido. Seus braços me
envolvem. Sua mão invade meu cabelo e a boca toma a minha com paixão.
— Você não existe, freirinha. Por tudo o que você fez por mim, prometo que
colocarei o mundo ao seus pés e aos pés do nosso filho. Hoje e sempre.
— Eu sei, amore mio. — Dou um beijo em sua testa e procuro por seus
olhos. — Mais cedo, você me disse que gostaria de pensar só no futuro, mas
eu preciso relembrar o passado, Sage, para poder te dar o agora de presente.
Seus braços me apertam mais forte. O nariz afunda em meu pescoço e
ele aspira forte, como se pudesse me dragar para dentro de si. Faço o mesmo.
Absorvo seu cheiro o quanto posso, antes que alguém se aproxime de nós e
acabe com o momento.
— Então, vamos ter um sobrinho? — Jett chega, pulando à nossa volta.
— Ou sobrinha. — Meu irmão também se aproxima.
— Quem sabe os dois? — Coal brinca.
Começamos a rir, enquanto os outros riem e fazem piadas. Ainda há
coisas a serem resolvidas. E Lucas precisa de respostas para enviar ao pai.
Deixamos o clima leve por mais alguns minutos, então, quando é hora de
parar, aproveito a deixa para tentar sair do escritório.
— Aonde você vai, princesa? — Sage questiona, segurando minha mão
antes que me afaste. — Precisamos decidir os outros cargos e…
— Você é o Don, amore. Siga o seu coração, analise as habilidades de
cada um, tenho certeza de que fará boas escolhas. — Encosto nossos lábios.
— Preciso contar à mamma e à nonna sobre o bebê. Elas vão me matar se
souberem que revelei primeiro aos homens. — Dou de ombros. — Tradições
são importantes nesta família.
Capítulo 19
Sage

Toda a felicidade que estava sentindo vai embora no instante que escuto
a palavra “reunião”. Assim que Mia sai do escritório, Lucas insiste que
precisamos ter uma agora mesmo.
Odeio reuniões. Odeio ficar preso em uma sala. Odeio mais ainda ficar
discutindo coisas sem sentido.
Onde eu estava com a cabeça quando deixei Mia me apontar como o
novo Don da família? Cinco minutos no cargo e já quero mandar todo mundo
para a puta que pariu.
Tudo bem que minha freirinha tem mais ambição em seu corpo gostoso
do que a maioria das pessoas juntas, mesmo assim, não consigo deixar de me
sentir um tanto encurralado. E inseguro. Claro que jamais confessarei isso a
ela — ou a qualquer outro ser humano —, mas a verdade é que odeio
responsabilidades e não sei ao certo como lidar com elas.
É por isso que continuo sentado, pernas cruzadas e dedos entrelaçados
sobre um joelho, enquanto observo todos que estão aqui. Mais homens
apareceram, além dos que já estavam. A ideia de reunião fez com que todos
os Soldattos que restaram chegassem para saber o que estava acontecendo.
Em meio ao anúncio de gravidez e à necessidade de uma nova
organização na família, tudo o que eu mais queria fazer era voltar para aquele
hotel e nunca mais sair de lá. Entre quatro paredes, o mundo é simples.
Somos apenas eu, minha mulher e o desejo que sinto por ela.
Mas aqui… aqui preciso lidar com pessoas. E isso me cansa.
Eddie argumenta com Danio. Lucas gesticula energicamente para
Enrico. Jett e Coal discutem com Jerry. Todos conversando sobre as mesmas
coisas, ao mesmo tempo, porém não conseguindo chegar a lugar nenhum.
Vozes e mais vozes alteradas.
— Chega! — solto em um grito quando não aguento mais ouvir homens
discutindo entre si.
Para a minha surpresa, todos obedecem e me encaram.
— Capo, precisamos… — Frederico começa a falar.
— É Don agora — Eddie interrompe o irmão. — Don Sage.
Os dois se entreolham, mas é o pequeno sorriso no rosto de ambos que
me faz sentir ainda mais vontade de sair aqui. Eu sei que eles estão
confortáveis com a decisão, mesmo que eu não esteja.
— Don, Capo… isso não importa agora. — Descruzo as pernas e chego
o corpo para frente. — Lucas tem razão: precisamos trazer um pouco de
ordem à família. Nossos inimigos continuam lá fora, sonhando com o dia em
que todos nós estaremos mortos. Giovanna ainda está desaparecida,
prisioneira daquele desgraçado. Os russos com certeza vão querer retaliação
pelo que fizemos. E os Giordanni… — Balanço a cabeça em negativa, sem
precisar concluir o pensamento.
— Desculpa, Don — Eddie diz, me cortando. — Eu deveria ter matado
Mikhail em vez de apenas ter seguido o cara. Se eu tivesse feito isso,
talvez…
— Não podemos mudar o passado, Eddie — declaro, antes que ele se
sinta responsável por algo que não deveria. — Você fez o que achou certo, e
não vou contestar a sua decisão.
A expressão de alívio no rosto do Soldatto chega a ser cômica, mas não
rio. O momento de tranquilidade acabou assim que a porta do escritório foi
fechada.
— Obrigado, Don — ele diz e dá um passo para trás, se recostando na
parede ao fundo.
— Mas essa é uma questão que precisamos resolver… e logo —
anuncio. — Mikhail escapou e com certeza vai contar a Nicolai que fomos
nós que impedimos o carregamento de chegar até ele.
O chefe da máfia russa carrega a fama de impiedoso, e tenho certeza de
que vai tentar alguma coisa contra nossa família. Fora que, diferente de nós,
que estamos desfalcados, eles têm o exército inteiro à disposição. Nunca fui
muito bom em matemática, mas o resultado deste problema só pode ser um:
vai dar merda.
— E o que você pretende fazer a respeito disso? — Lucas pergunta com
uma sobrancelha erguida.
— Nada de mais. — Dou de ombros. — Talvez marcar um piquenique
no parque com Mikhail e Nicolai. — Não consigo conter o sarcasmo, fazendo
com que os outros homens na sala soltem risadinhas baixas.
Quando estávamos na Itália, eu até achei que Lucas era um cara legal.
Babaca demais para o meu gosto, porém legal. Mas desde que chegou, parece
que está tentando me desafiar. Ou, pelo menos, esgotar minha já escassa
paciência. É por isso que não desvio o olhar do dele.
— Sage, você não está levando isso a sério — ele diz naquele tom
irritante e desaprovador.
— Você acha? — ironizo de novo. — Então, me diga: o que preciso
fazer agora?
Lucas respira fundo e olha ao redor. O que encontra faz com que ele se
recoste na cadeira, um pouco mais encolhido do que antes: todos os homens
da família o encaram de volta, como se o desafiassem a dizer qualquer coisa
que vá contra aquilo que acreditamos.
— Olha, o primeiro passo é reorganizar…
— Os cargos — completo por ele. — Ok, vamos fazer isso agora. Jett,
Coal, vocês são meus irmãos e as duas pessoas que mais confio no mundo.
Parabéns, conseguiram o cargo de Capo. — Começo a bater palma de forma
efusiva e todos se entreolham, sem tempo de reagir. — Eddie, o homem que
mais esteve ao meu lado nos últimos meses, você também é Capo. Danio,
não há motivos para você perder o cargo de Allenatore. Não existe homem
melhor pra isso. Agora, preparem as agulhas porque novas tatuagens serão
feitas! Era isso o que você queria, Lucas?
Parecendo bastante desconfortável com a forma nada profissional que as
coisas estão se desencadeando, ele balança a cabeça em negativa.
— Ainda falta seu Consigliere — fala, agora em um tom bem mais
baixo. Talvez ele tenha notado que cheguei ao meu limite, ou então resolveu
usar o cérebro pela primeira vez desde que bateu à nossa porta.
Um sorriso torto se forma em meu rosto, adorando vê-lo desse jeito.
— Enrico — declaro, sem pensar duas vezes.
— Não, Sage! — meu cunhado protesta, fazendo-me virar o rosto para
encará-lo.
— Não? — pergunto em tom de desafio.
— É… É que… — Ele olha para todos os lados, menos para mim.
— Não? — repito. — Você é o irmão da minha mulher, o único filho
vivo do Consigliere do meu pai, e a porra de um Messina. — Levanto-me da
poltrona em um pulo. — A única palavra que quero ouvir de você é “sim”,
Enrico. Sei que foi criado para isso e que vai me dar bons conselhos no
futuro.
— Agradeço a confiança, Don — Enrico diz, ainda sem conseguir me
encarar —, mas não sei se deveria ocupar o lugar do meu pai. É como se eu
estivesse desrespeitando o que ele levou anos para construir. Também não sei
se tenho a experiência necessária para o cargo.
— E eu tenho a experiência necessária para ser um Don? — Meu tom
deixa claro que a resposta é um “não”. Só que ninguém responde. Excelente.
Sigo até meu cunhado, caminhando lentamente enquanto observo os
outros homens na sala. Meus irmãos estão parados em um canto, se
entreolhando. Frederico e Eddie também trocam olhares, como se tivessem
medo de qual será meu próximo passo. Já Danio, Rico e Jerry apenas
encaram o chão, sem querer participar da conversa. Lucas continua
sentadinho na poltrona, calado. Do jeito que deve ser.
Quando paro na frente de Enrico, ele finalmente sobe os olhos,
encontrando os meus. Coloco as mãos em seus ombros e digo, desta vez sem
qualquer resquício de ironia em minha voz.
— Estamos em guerra. Este não é o momento para duvidarmos de quem
somos.
— Mas, Sage…
— Sem “mas”, Enrico — interrompo-o, mantendo o contato visual. —
Não conheci seu pai tão bem quanto a maioria, mas de uma coisa nunca
duvidei: ele era um homem honrado e criou os filhos para seguirem pelo
mesmo caminho. Agora, não recuse o meu chamado. Preciso que você seja
meu Consigliere e que me auxilie no que enfrentaremos pela frente.
Resignado, ele apenas assente com a cabeça. Os aplausos que seguem
são cheios de confiança, tanto que ele fica com as bochechas vermelhas de
vergonha.
Como bom italiano que não sou, dou dois tapinhas em seu rosto e abro
um sorriso.
— Don… — Eddie me chama e ergo a mão para ele, pedindo que se
cale com apenas um gesto.
— Em primeiro lugar, não sou meu pai — digo o óbvio, mas a maioria
parece confusa. Apenas Coal e Jett fazem que sim com a cabeça. É por isso
que continuo explicando: — Isso quer dizer que não quero ser chamado de
Don o tempo inteiro. Também não vou ficar dentro deste escritório,
brincando de mestre do Universo, enquanto vocês se fodem do outro lado.
Não conheço a história da família, mas aposto que estamos vivendo uma
situação bem complicada.
Desta vez, todos assentem. E por mais que eu esteja odiando a ideia de
ser o chefe, também sei que, de alguma forma, eles precisam de um líder. No
momento, vão ter que se contentar com um inexperiente, que não conhece os
costumes e que prefere lutar do que traçar estratégias inteligentes.
Lucas pigarreia e se levanta da poltrona. Preciso conter minha vontade
de revirar os olhos.
— Tudo isso que você disse é ótimo, Sage, mas ainda precisa ser
aprovado pelo Conselho. Como sua esposa disse…
— Foda-se o Conselho — falo, antes que ele possa continuar, e Lucas
arregala os olhos. — Não preciso da aprovação de ninguém para fazer o que é
certo.
Escuto várias frases de concordância, o que me acalma um pouco.
— Nosso novo Don está certo, Lucas. Estamos em tempos de guerra,
não podemos esperar respostas daqueles que não estão aqui para ver o que
está acontecendo. — As palavras de Danio me surpreendem.
De todos os homens aqui, ele é o mais velho. Logo, o que mais segue
ordens. Só que a postura defensiva do Allenatore demonstra que tenho o
apoio da minha família, mesmo que eu não o tenha pedido.
— Você conhece os protocolos, Danio — Lucas argumenta. — O
Conselho tem que aprovar Sage como o novo Don dos Rossi.
— Parece que você não escutou minha cunhada, Lucas. — É Coal quem
se mete na conversa. — Agora, somos a família Wilder.
Olho para meus irmãos, me lembrando do pacto que fizemos há pouco
tempo, quando visitamos o túmulo de nossa mãe. Acho que os dois lembram
a mesma coisa, porque Jett faz que sim com a cabeça, enquanto Coal
permanece encarando Lucas com seriedade.
“Desde que nasci, sou um Wilder. Meu sangue pertence aos meus.
Sangrarei por eles. Viverei por eles. Morrerei por eles.”
— Mas esse sobrenome não carrega muito peso! O Conselho não vai
gostar nem um pouco dessa ideia. — A fala de Lucas não é direcionada a
nenhum de nós três. Ele está tentando conseguir apoio dos outros homens na
sala, enquanto gesticula, desesperado.
— O que não carrega peso são regras arcaicas, primo — digo para ele,
que volta a me encarar. — O sobrenome Wilder tem muito mais peso do que
você imagina. Ele foi inventado por uma mulher que precisou fugir durante
dezesseis anos dos Giordanni. Isso porque ela não teve o apoio dos Costello
quando mais precisou. De que adianta todos esses juramentos de honra e
lealdade se eles apenas são cumpridos quando há interesse?
Minha pergunta faz com que Lucas perca a voz. Parado na frente dele,
sinto meus companheiros virem para trás de mim, formando uma parede de
apoio. No fim das contas, é isso o que importa.
Desde o meu aniversário, eles viram meu esforço para trazer Giovanna
de volta e pôr um fim a essa guerra com os Giordanni — nem que a paz
venha através da decapitação de todos aqueles malditos.
— Vou falar com o Conselho e conseguir a aprovação que vocês
precisam — Lucas volta a dizer. Quando vou interrompê-lo para avisar que
não precisamos de porra nenhuma, ele ergue a mão. Desta vez, sou eu que
fico calado. — Vocês precisam, sim, da ajuda do Conselho. Nunca se sabe a
merda que vai estourar. O Conselho serve para legitimar a sua existência.
Deixe o orgulho de lado, Wilder, e aceite que você é parte de nós.
Eu não tinha pensado por esse lado.
— Enrico, o que você acha? — peço o primeiro conselho do meu
Consigliere.
— Concordo com você, Sage. Mas acho que Lucas também tem razão
— ele diz e eu puxo o ar com força. — Não sabemos o dia de amanhã.
— Então está certo. — Estendo a mão para Lucas, que a aperta sem
hesitar. — Fale com o Conselho. Faça o que precisa fazer. Enrico irá
acompanhar tudo.
— Certo — ele assente.
— Agora que a família está organizada, precisamos pensar no nosso
próximo passo. — Saio do meio da sala e sigo para o pequeno bar no canto.
Pego todos os copos no armário do aparador e destampo a garrafa mais
cara de whisky que encontro. Encho cada um deles, escolho o meu e volto
para a poltrona. Agora, optando por aquela que meu pai sempre ocupava.
Por alguns segundos, observo-a com cuidado, me lembrando das muitas
conversas que tivemos aqui. Abaixo a cabeça em sinal de respeito e tomo
meu novo lugar.
— Eddie — aponto o copo para ele —, você disse que seguiu Mikhail
até…?
— Até a oficina. — A revelação me faz voltar aos tempos em que eu era
apenas um ladrão de carros e fiz algumas entregas para Mikhail. — Não vi
ninguém além dele quando chegamos, mas outros carros apareceram depois.
Acho que foram dois sedãs pretos e um conversível vermelho. Anotei as
placas e já passei para a Mia.
— Certo. Já pedi para minha mulher descobrir de quem são esses carros
— aviso. — Enquanto isso, perguntem aos informantes de vocês o que eles
sabem sobre os russos.
Todos na sala assentem.
— Precisamos ficar de olhos abertos, Sage — Coal entra na conversa.
— Papà tinha certeza de que algo estava errado com os russos, e acho que
não era apenas essa ligação com o tráfico humano.
— Então, faremos isso. Mas nossa prioridade continua sendo Giovanna
— relembro aquilo que tem estado em minha mente.
— Don, odeio dizer isso, mas… — Rico começa a falar.
— Então, não fale. Não quero ouvir que ela está morta até ver o corpo
na minha frente. Enquanto isso, ninguém vai desistir das buscas. — Minha
declaração faz Rico se calar. — Na nossa primeira tentativa de recuperar
Giovanna, logo depois do fiasco que foi o meu aniversário, matamos alguns
Giordanni e tomamos os celulares deles, na esperança de que Salvatore fosse
burro o suficiente e entrasse em contato. Infelizmente, o plano não deu certo.
Até agora, não obtivemos ligações nem mensagens. Os aparelhos estavam
vazios. Eram pré-pagos e nunca haviam sido usados — explico, ouvindo
alguns suspiros desapontados. — Porém, repito: não vamos desistir dela.
Giovanna continua sendo nossa prioridade. Agora, sobre os russos, preciso de
um favor, Lucas.
— Pode falar.
— Quero que alguns de seus homens vigiem os negócios daqueles
desgraçados na cidade. Mia fará uma lista dos estabelecimentos.
— E por que não manda seus Soldattos? — ele pergunta e sinto vontade
de fazê-lo engolir os próprios dentes com o tamanho da burrice.
— Porque eles nos conhecem. Sabem nossas carinhas lindas — explico,
revirando os olhos. — Não vão desconfiar daqueles que nunca viram.
Vejo vários rostos assentindo.
— Eu trouxe dez homens comigo. Eles estão a seu dispor.
— Excelente. — Termino a bebida em um só gole e levanto-me da
poltrona. — Agora, vão descansar. Amanhã será um longo dia.
Capítulo 20
Mia

Saio do escritório com a desculpa de dar as boas novas às matriarcas da


família, porém o papel que Eddie me entregou arde amassado em minha mão.
Como se queimasse a pele, levando uma corrente de dor até o meu cérebro,
que me faz ser incapaz de pensar em qualquer outra coisa.
Entro no quarto, ligo o notebook e rapidamente consulto as placas.
Nada. Nenhum nome conhecido. Nem mesmo um sobrenome que possa me
sugerir algo. Algumas multas de trânsito, mas nenhuma em locais
conhecidos. Todos poderiam ser apenas clientes da oficina, que apesar de ser
de faixada para os negócios ilegais dos russos, é conhecida como uma das
melhores da cidade. Papà sempre mandou levar nossos carros para que
Mikhail consertasse.
Começo a ler as descrições de cada um dos veículos. Sou boa em
descobrir coisas e em ligar os pontos, mas minha vida ficou muito mais fácil
depois que assumi meu cargo na família e meu falecido sogro mandou me
darem acesso a todos os sites governamentais. É por isso que financiamos as
campanhas políticas: para termos acesso privilegiado a tudo que precisamos
saber. Informação é poder, como dizia mio padre.
Nada me chama a atenção. Carros pretos, vermelhos, brancos, pratas,
caminhonetes, alguns blindados, mas isso também não significa muita coisa,
porque qualquer um que tenha grana para comprar um carro importado tem
grana para mandar blindar — e é até loucura não contratar essa proteção extra
com a violência que anda pelas ruas. Arriscado a tomar um tiro, em qualquer
sinal, por qualquer trocado.
Minha última esperança é buscar pelos rastreadores. Entro no site de
nosso associado, dono do satélite, e começo a fazer minhas buscas. O
primeiro carro com certeza é de alguém que anda traindo o companheiro. Em
nome de uma mulher, ele frequenta o mesmo motel duas vezes na semana,
nos mesmos horários. Apesar de me deixar curiosa sobre o caso
extraconjugal, nenhuma das suas outras localizações frequentes me indicam
qualquer ligação com a carga de mulheres. Mesmo assim, anoto tudo
direitinho. Ninguém sabe quando uma informação dessa pode vir a calhar.
Na segunda e na terceira pesquisa, nada de interessante. O quarto carro,
com certeza, é de um dos homens de Nicolai. Sobrenome russo, muitas
visitas à oficina, residência em um bairro controlado por eles. Junto todas as
informações e separo. Talvez nos possam ser úteis.

Então o quinto carro, um conversível vermelho, em nome de um Zé


Ninguém, tem um histórico de localizações que me interessa. Na oficina dos
russos, ele foi apenas uma vez, mas esteve algumas vezes na Lascívia, muitas
no Gio’s e na casa dos Giordanni. O mais curioso é que, desde o aniversário
de Sage, está parado em um bairro de periferia. Poucas vezes saiu de lá. Idas
até o mercado próximo estão registradas, assim como a única visita feita à
oficina, logo depois de roubarmos as mulheres dos russos.
O pensamento que me ocorre faz com que eu deixe as pesquisas de lado
e saia atrás das mulheres traficadas. Improvisamos três quartos para elas, com
colchões espalhados pelo chão para que ficassem mais confortáveis. Martina
e Luana têm se encarregado de ajudá-las a se recuperar. A maioria delas
estava desnutrida e desidratada, segundo a avaliação do doutor Fontana. Fora
as violências que sofreram, de todas as naturezas, que deixaram algumas com
ossos quebrados, além dos traumas psicológicos.
Mas quando abro a porta do meu quarto, percebo o silêncio que impera.
Olho no relógio e vejo que passam das onze da noite. Por baixo de poucas
portas aparecem sinais de luzes acesas. Mamma e nonna com certeza já estão
dormindo, tanto pela escuridão, como pela ausência de som em seus quartos.
Ainda mais no de nonna, que sempre tem Pavarotti cantando alto. A velha já
está perto de ficar surda, isso é um fato.
Mentalmente agradeço, assim posso deixar as notícias para o café da
manhã e me concentrar no que é preciso no momento. Não quero que meu
filho nasça em meio a uma guerra, e enquanto os homens decidem cargos e
estratégias sob o comando de mio marito, eu me encarrego de ter mais
informações.
Por sorte, a luz de um dos quartos que abrigam nossas hóspedes está
acesa. Dou duas batidinhas na porta, leves, e escuto algo que não entendo,
mas resolvo acreditar que é um “entre”.
Giro a maçaneta devagar, tentando evitar barulhos, porém a porta grossa
de madeira range alto quando a empurro.
— Desculpe, eu…
— Mia? Aconteceu algo? — Martina me pergunta, assustada.
— No, cugina — respondo baixo, observando que algumas mulheres já
estão dormindo.
Luana sai do banheiro com uma delas, ajudando-a a caminhar. Ela tem
um ferimento muito grande na lateral do corpo. Usando apenas um short e
um top, é possível ver a extensão do machucado, como se tivesse apanhado
de uma bola de demolição.
Martina coloca o copo de água que segurava na mão em uma das
mesinhas de cabeceira e se aproxima de mim.
— Mia, essas mulheres… — Ela não consegue terminar sua frase.
E eu a entendo. Ver a condição em que chegaram aqui — sujas,
maltrapilhas, com fome, sede, confusas mentalmente e machucadas — faz
com que os enjoos voltem. Sabe-se lá por quais tipos de humilhação e maus
tratos elas realmente passaram. A raiva me consome.
— E se for uma menina… — deixo escapar em voz alta, colocando a
mão sobre meu ventre.
— Você está grávida? — Martina me olha, sorridente.
— Shhhh! — Faço sinal de silêncio para ela. — Já tem gente demais
sabendo e ainda não contei nem à mamma, muito menos à nonna! — Dou
uma risadinha.
— Erro imperdoável! — Martina me abraça.
— O que é imperdoável? — Luana se aproxima de nós.
— Nada, não — desconverso. — Vocês conseguiram saber alguma
coisa sobre essas mulheres? Como vieram parar aqui?
Martina e Luana começam a me contar as histórias que ouviram. Sobre
as famílias, as condições que viviam em seu país. Algumas delas deixaram
filhos para trás. A promessa era que viriam para trabalhar com um bom
salário e, em seis meses, poderiam trazer seus parentes. Até embarcarem no
navio, elas foram bem tratadas. Depois, foram trancadas em um contêiner,
que só era aberto para jogar alguns restos de comida ou para algum tripulante
entrar e se “divertir”.
— E nenhuma delas disse qual era o tipo de emprego que ofereciam? —
questiono.
— Mais de uma falou que vinha pra trabalhar de ajudante de cozinha —
Martina me responde.
— Teve também uma que falou que lhe ofereceram o emprego de
doméstica em uma casa de família rica — Luana diz.
— Também falaram sobre ser cantora, dançarina, lavadeira e uma
comentou que ia trabalhar em um hotel — minha prima continua relatando.
Elas ficam lembrando o que cada uma das mulheres disse. Era como se,
para cada uma, fosse feita uma promessa diferente, conforme os próprios
sonhos delas.
— Eles me prometeram que eu seria chef em um restaurante — uma
mulher, de repente, fala de seu colchão. — Desculpe, mas estava ouvindo a
conversa de vocês e talvez eu possa ajudar, mas em troca quero voltar para a
minha casa.
— Independente de ajudar ou não, você é livre para ir embora a hora que
quiser — garanto a ela.
— Eu não tenho dinheiro nem documentos, moça.
— Mia. — Aproximo-me de sua cama. — Pode me chamar de Mia. E
assim que vocês estiverem em condições, vamos ajudá-las a resolver essas
questões, não se preocupe.
Peço a Martina e Luana que se encarreguem de listar o nome e o contato
da família de todas as mulheres, bem como seus endereços para passarmos ao
embaixador italiano, um de nossos associados e que com certeza ajudará a
devolver todas elas a suas casas. As duas concordam com a cabeça e avisam
que vão esperar do lado de fora. Volto a olhar para a mulher e estendo a mão
para ela, me sentando ao seu lado no colchão.
— Eu me chamo Ana. — Aperta a minha mão. — Obrigada, Mia.
— Então, você é chef?
— Minha especialidade é comida italiana. — Ela ri. — Se bem que,
depois desses dias aqui, nem posso dizer que sei cozinhar.
Trocamos alguns elogios sobre a comida da nonna e dos restaurantes
italianos mais famosos do mundo. Depois ela me conta de seus estudos,
viagens à Itália, de sua terra natal e de como os homens chegaram até ela.
— Eu não aceitei o convite de cara. Achei estranho, mas eles
continuaram insistindo. Então um dia me levaram algumas fotos do
restaurante em que eu iria trabalhar. A fachada era linda, e a cozinha era mais
linda ainda. — Ela solta um suspiro cansado. — Me deixei iludir. Não deve
nem existir aquele lugar… — Uma lágrima escorre de seus olhos e ela limpa
com raiva.
— Não se preocupe. Pelo que me contaram, eles foram bastante
convincentes com todas vocês. — Tento fazer com que ela não se culpe tanto,
mas se eu estivesse em seu lugar, provavelmente não me perdoaria. — E
como era o restaurante, você lembra?
Ana começa a descrever a fachada. O nome não aparecia na foto, mas a
descrição que ela faz parece que concatena com as suspeitas que me fizeram
sair do meu quarto.
— Você acha que, se fosse até esse restaurante, seria capaz de
reconhecer?
— Claro que sim! Eu sonhei por dias com aquele lugar. Primeiro
imaginando a vida feliz e de sucesso que eu teria, depois tendo pesadelos
com correntes e estupros na cozinha.
Desvio os olhos dela para não chorar. Como é possível o ser humano ser
tão mau a ponto de roubar os sonhos de outra vida para sempre?
— Eu quero que você venha comigo a um lugar, Ana — digo, segurando
sua mão. — Você pode dizer não. Tudo o que te prometi, faremos de
qualquer forma, mas pra mim é muito importante.
— Agora? — ela pergunta, assustada.
— Sim, agora, Ana. — Vejo a dúvida em seus olhos. — Você tem
filhos, não é? — Ela sacode a cabeça em afirmativa. — Pois eu estou grávida
e o meu marido é o homem mais poderoso desta família. Isso faz com que ele
tenha um alvo nas costas por natureza, e que só aumentou depois de ter
resgatado vocês. — Aperto a sua mão com força. — Eu não quero que meu
filho cresça sem pai. Para isso, preciso da sua ajuda.
— Tudo bem — ela assente, levantando-se do colchão. Faço o mesmo.
— Vou só trocar de roupa.
Concordo com ela e aviso que vou esperar do lado de fora.
Assim que abro a porta, vejo Martina e Luana escoradas na parede.
— Alguma novidade? — Martina pergunta.
— Talvez. Mas vocês podem ir dormir, amanhã conversamos.
— E a reunião dos homens? Parece que ainda estão no escritório, de
portas trancadas — minha prima especula e tenho vontade de saber o porquê
de tanto interesse, mesmo desconfiando que saiba o motivo de sua
curiosidade.
— As mulheres sabem aquilo que devem saber — respondo a ela.
Martina parece uma criança birrenta insistindo, o que faz com que por
alguns segundos eu me esqueça de tudo e caia na risada. Mas dizem que a
felicidade é um momento, e ele acaba quando a porta do quarto se abre e Ana
sai vestida lá de dentro.
— Vocês vão a algum lugar? — A mudança no tom de voz de Martina
indica a preocupação. — Sozinhas? Essa hora? — dispara.
— De jeito nenhum! — minto. — Só vou levar Ana pra ver algumas
fotos, talvez ela reconheça alguma pista.
Minha prima acredita facilmente em minha desculpa e começa a
caminhar para seu quarto. Luana faz o mesmo, porém, antes que ela entre,
coloco a mão em meu bolso e sinto o papel queimar mais uma vez.
— Luana — chamo e ela me olha. — Por acaso, o Salvatore tem um
carro vermelho conversível?
— Não — responde, entrando no quarto. Mas antes de fechar a porta,
coloca a cabeça pra fora e acrescenta: — Quem tinha um carro assim era o
Mattia.
Agradeço e espero ambas fecharem as portas. Quando tenho certeza que
não voltarão, me viro pra Ana:
— Agora vamos, mas sem fazer barulho.
— Não é perigoso? — ela sussurra.
— De jeito nenhum. Só vamos dar uma voltinha e, antes que percebam,
já estaremos de volta.
— Mia! — A voz sussurrada de Martina me faz parar no lugar. — Só
para você saber… — Ela coça a nuca, em um gesto de bastante nervosismo.
— Fala logo, Martina — insisto, precisando pôr um fim às minhas
suspeitas.
— Uma delas… — Hesita de novo, olhando fixamente para os pés. —
Uma delas tem quinze anos.
Engulo em seco.
— Quinze? — busco confirmação, mesmo tendo ouvido muito bem.
Martina assente com a cabeça e volta para o quarto.
Quinze anos. Uma menina.
O que será que esses maledettos queriam com uma garota tão nova?
A resposta em minha mente me faz ter ânsia de vômito, mas me
controlo, respiro fundo e volto a caminhar — cada vez mais determinada em
acabar logo com isso.
Descemos as escadas em silêncio. Tentando fazer com que os degraus
ranjam o menos possível. Certifico-me de que não há ninguém na cozinha e
uso a saída lateral para chegar à garagem. Pego a primeira chave que
encontro no armário e aciono o alarme. As lanternas do Maserati se acendem.
Sento no banco do motorista e vejo Ana se acomodar no do carona. Ligo
o motor e espero a porta se abrir totalmente, saindo devagar até o portão
principal. Quando ganho a rua, acelero, testando a potência do motor.
O carro voa pelas ruas desertas enquanto dirijo em silêncio. Não consigo
conversar com Ana, minhas ideias fervilham. Só preciso que ela confirme
minha teoria para que eu consiga ter um momento de clareza.
Apago os faróis quando entramos na rua que conheço bem e reduzo
bastante a velocidade. Algumas memórias fazem com que meus pelos se
arrepiem. O sorriso de Bellini espumando é uma delas. Então, estaciono em
frente ao Gio’s e o choro compulsivo de Ana me responde mais do que
qualquer palavra.
Capítulo 21
Sage

— Don? — Eddie diz assim que todos os homens saem do escritório e a


porta é novamente fechada, nos deixando a sós.
— Capo? — ironizo e meu homem mais fiel desvia o olhar. — Ah, que
fofura. Ele está com vergonha. — Não consigo conter a gargalhada, o que só
deixa Eddie ainda mais vermelho.
Vou até o bar e encho outro copo de whisky, virando-o de uma vez só.
Depois, encho-o de novo e sirvo mais um para Eddie.
— Quer brindar? — ele pergunta, desconfiado, tirando o copo da minha
mão.
— Na verdade, não. Só quero beber mesmo. — Dou um gole generoso e
abro um sorriso, sentindo a ardência do álcool em minha garganta. — Agora,
desembucha.
Conheço Eddie muito bem e sei que ele teve um motivo para não sair
junto com os demais. Vejo-o se recostar na janela, uma perna dobrada, com o
pé apoiado na parede, enquanto encara o líquido âmbar.
Sua insegurança me deixa curioso, mesmo assim, não insisto. Apenas
paro à sua frente e espero que me conte.
— Tem alguma coisa errada nisso tudo — ele solta depois de algum
tempo.
Puxo o ar com força. O aroma do charuto que meu pai costumava fumar
ainda está aqui, cada vez mais fraco, porém o suficiente para que eu não me
esqueça dele. É como se sua presença permanecesse, mesmo que seu corpo
não esteja mais presente.
— Don Marco também sabia disso, mas nunca chegou a me falar quais
eram as suspeitas que tinha. — Minha explicação faz com que Eddie me
encare.
Deixo o copo no aparador e retiro o maço de cigarros do bolso,
acendendo um e oferecendo outro para Eddie, que aceita sem pensar.
— Giovanni devia saber das suspeitas dele — comenta, dando um trago
logo em seguida. — Será que ele não contou alguma coisa para Enrico?
— Posso perguntar, mas duvido muito. Essa gente adora um segredo. —
Balanço a cabeça em negativa.
— Essa gente — Eddie se afasta da parede e dá um passo em minha
direção — agora é a sua gente. As pessoas que estão sob sua proteção e que
dependem de você para tudo, Sage. E não me refiro apenas às que estão sob
este teto.
— Eu sei disso, é só que…
— Desculpe, mas acho que você ainda não sabe — ele me interrompe.
— Agora, você é o Don desta família. É o pilar que mantém nossa estrutura
firme.
Com o cigarro preso entre dois dedos, esfrego a palma da mão no rosto,
odiando cada segundo dessa pressão. Por mais que Eddie seja o único que eu
considere como meu amigo no meio disso tudo, ele não me conhece tão bem
assim. Não sabe como foi a minha vida antes de eu ter me juntado à família.
— Sabe qual era a única coisa que eu queria quando estava crescendo?
— pergunto retoricamente, porque sei que a resposta será “não”. E quando
ele nega com a cabeça, continuo explicando: — Liberdade.
Uma palavra pequena demais para tanta magnitude. Sem liberdade, não
somos nada; durante dezesseis anos, eu não fui nada.
— Don…
— Sem essa de Don, Eddie — interrompo-o e termino de virar o
conteúdo do copo. — Eu não queria vir para esta família. Não queria me
casar, ter filhos, muito menos ser responsável por tantas pessoas. Não queria
controlar os negócios nem participar de almoços de domingo.
— Mas eu pensei que…
— Você não pensou nada. Ninguém aqui pensou no que eu queria fazer
quando me trouxeram para cá e me tatuaram. Você sabia que eu só me casei
com Mia porque me pagaram? — Olho para ele, que arregala os olhos,
parecendo cada vez mais desconfortável com o rumo da conversa. — Veja
bem, isso não é uma reclamação. Minha mulher foi a melhor coisa que me
aconteceu, mas não foi uma escolha. E eu estou cansado de me empurrarem
as vontades alheias goela abaixo. Se tenho que ser o Don desta família, as
coisas vão acontecer do meu jeito — declaro, dando um trago longo no
cigarro.
Eddie apenas me encara, como se não soubesse o que dizer em seguida.
Ótimo, que fique calado. Por vários minutos, ficamos parados. Fumando, nos
entreolhando e absorvendo o que está prestes a acontecer. Com ou sem
Conselho, tenho que dar um fim a essa guerra, acabar com aqueles
desgraçados dos Giordanni e trazer Giovanna de volta. Depois, vou assumir o
controle desta família da maneira que eu acho correta. Meu pai era bonzinho
demais, tranquilo demais, moralista demais. Comigo, isso não funciona. E
tenho certeza de que minha princesa vai concordar comigo.
Se preciso ocupar o trono, então meu reinado será inesquecível.
— Precisamos recrutar pessoas — digo a Eddie.
— Mas temos protocolos, Sage. Os associados preci…
— Fodam-se os protocolos, Eddie. — Coloco ambas as mãos em seus
ombros e sorrio. — Quero que você me dê algumas opções de Soldattos, que
ficarão sob o seu comando. Por isso, só traga aqueles em quem você confia.
Afasto-me um pouco, apagando o cigarro no cinzeiro de cristal, e vou
até o aparador para nos servir de mais um copo de whisky.
— Aí é que está o problema, Don — ele fala, coçando a nuca em sinal
de desconforto. — Não confio em ninguém.
É impossível conter a gargalhada.
— Você tem toda a razão, meu amigo. — Estendo a dose para ele, que a
aceita. Encosto o copo no de Eddie e, ao mesmo tempo, viramos tudo.
— Acho que estou bêbado. — Solta uma risada.
— Eu não acho, tenho certeza de que estou bêbado. — E precisando da
boca de Mia com urgência, mas não falo isso em voz alta. — Vou para o
quarto.
— Boa decisão. Pode deixar que começo a recrutar amanhã mesmo. —
Dou três tapinhas no ombro de Eddie, agradecendo silenciosamente por ele
cumprir minha ordens.
Saio cambaleando do escritório e subo as escadas apoiado no corrimão.
O teto parece girar sobre a minha cabeça, mas continuo caminhando. Quando
chego ao corredor, vejo que todas as luzes estão apagadas, indicando que as
pessoas da casa já estão dormindo.
Ótimo, vou fazer Mia berrar bem alto para acordar todas elas. Já
sentindo o gosto da minha freirinha na língua, entro no nosso quarto…
apenas para me deparar com o escuro.
Acendo a luz e não vejo qualquer sinal da minha mulher.
— Mia? — chamo, indo até o closet e, em seguida, ao banheiro. Ela não
está aqui. — Princesa? — chamo de novo e não há qualquer resposta.
Com o mundo rodando, saio do quarto e me arrasto pelo corredor,
sentindo os olhares de vergonha dos meus antepassados.
— Vai mamar o diabo — digo para as pinturas e volto na direção da
escada. Talvez Mia esteja na cozinha.
— Don? — Eddie aparece à minha frente, parado no último degrau.
— Pensei que você ia para casa — resmungo.
— É… é que…
— Me ajude a encontrar a Mia — peço, sem paciência para ouvir suas
explicações. No momento, a única coisa que quero é achar minha mulher.
Depois de um dia infernal, Mia sempre é meu bálsamo de tranquilidade.
Apoio a mão no ombro de Eddie para me equilibrar e descemos até a
sala. Ela não está aqui. Vamos até a cozinha. Não está aqui também.
“Onde caralhos ela está?”, fico me perguntando enquanto olho por todos
os cantos da casa silenciosa.
Não há qualquer sinal dela. Não consigo sentir seu cheiro, nem ouvir sua
voz…
— Eddie, cadê minha mulher? — pergunto, mesmo sabendo que ele não
terá respostas.
— Fica aqui, Don. Vou procurar na sala de treinamento e na garagem —
ele avisa, me ajudando a sentar em uma cadeira na cozinha.
Olho para o relógio na parede e levo alguns segundos para focar nos
ponteiros: o grande está no doze, o pequeno está no seis.
Merda. Por que ela não está em casa a essa hora?
Tiro o celular do bolso e, com a cabeça baixa sobre o tampo de madeira,
ligo para ela. Direto na caixa postal.
— Cadê você, princesa? — digo baixinho.
— Don! — A voz de Eddie me obriga a levantar o rosto para encará-lo.
— Está faltando um carro na garagem — ele informa. — Acho que ela saiu.
Levanto da cadeira em um pulo e começo a sair da cozinha. De repente,
parece que todas as doses de whisky que bebi já não fazem tanto efeito assim.
Mia saiu de casa, sozinha, no meio da noite. Por quê?
Corro até o quarto de Martina, ignorando o barulho que meus passos
fazem no soalho. Sinto Eddie logo atrás de mim quando empurro a porta do
quarto da garota, sem me preocupar com o que vou encontrar do outro lado.
Um grande erro, porque me assusto ao ver um corpo masculino — quase
idêntico ao meu — sobre ela.
— Caralho! — Coal grita, puxando a coberta para cima dos dois. —
Saia daqui agora!
— Onde está a Mia? — pergunto para Martina, ignorando seus seios
expostos e o cabelo desgrenhado.
Ela gagueja algumas vezes, parecendo bastante desconfortável em ter
essa conversa com o pau do meu irmão gêmeo ainda dentro de seu corpo,
mas estou cagando para isso. Preciso saber onde minha esposa está.
— Sage, porra! — Coal fala em um rosnado, que ignoro.
Dou um passo para dentro do quarto, chegando perto o suficiente da
cama, e me abaixo para estar cara a cara com ela.
— Onde. Está. Mia?
— Se você não sair de perto dela agora, eu… — Coal ameaça, então
olho para ele.
— Vai fazer o quê? Me matar? Me bater? — Dou de ombros. — Minha
mulher está desaparecida e você realmente acha que me importo com isso?
Ou com quem você está comendo?
— Desaparecida? — Pelo visto, meu irmão recobrou um pouco da
lucidez.
— Martina. — Olho para ela, meu tom deixando claro que não estou
para brincadeiras.
— Ela estava conversando com uma das mulheres resgatadas. Disse que
ia levar a garota para ver algumas fotos. Não sei, Sage. Não sei mesmo — ela
fala e algo no modo como me encara faz com que eu acredite em suas
palavras.
Sem agradecer ou me desculpar, viro as costas e saio do quarto, porém
estanco no lugar quando chego à porta.
— Termina aí e me encontre lá embaixo. Você tem dois minutos para
gozar — decreto e volto a caminhar. — Eddie, chame todo mundo que estiver
aqui. Ligue para os que não estão.
— Enrico está em um dos quartos de hóspedes. Danio também está em
casa. Acho que Rico e Jerry ficaram depois da reunião.
— Chama todo mundo — repito. — Acorde o Lucas e seus amiguinhos
italianos. Vou pegar as armas.
Dez minutos depois, a casa toda está acordada. Mulheres andam de um
lado para o outro, cochichando assustadas, enquanto os homens carregam as
pistolas sobre a mesa de jantar.
— Verifica o GPS do celular dela e me mande uma mensagem com a
localização — digo a Enrico, que apenas assente com a cabeça e sai da sala.
Pego Sarita e encaro-a, lembrando todas as vezes que ela já tirou alguma
vida. Se algum filho da puta pegou a minha mulher, será o próximo a sangrar
pela lâmina afiada.
— Você checou a casa inteira? — Lucas pergunta. — Em todos os
quartos? Será que ela não saiu pra comprar algo que deu vontade? As
grávidas têm desejos.
Apenas olho para ele, pronto para enfiar meu punho em sua boca se ele
fizer outra pergunta idiota.
— Incita? Madonna ha risposto alle mie preghiere![60] — Nonna,
vestindo uma camisola e touca no cabelo, parecendo a vovó do Lobo mau,
levanta as mão para o alto e agradece.
Minha sogra se junta a ela e ambas me fazem perguntas que não tenho
tempo para explicar. Mia que se resolva com elas.
— Vamos à caça — digo para todos os homens e começo a andar para a
cozinha, na intenção de seguir pela porta que leva à garagem.
Mas antes que eu consiga girar a maçaneta, Mia aparece. Uma mulher
loira está ao seu lado, parecendo chocada demais para falar qualquer coisa.
— O que está acontecen… — minha mulher começa a perguntar, mas é
logo calada por minha boca, que invade a sua com raiva.
Beijo-a com tanta força que posso sentir o gosto de sangue. Não sei se é
meu ou se é dela. Não importa. Enfio a mão por seu cabelo, meus dedos
flexionados puxando seu rosto para mais perto.
Mia geme com a brutalidade — não sei se de dor ou de prazer — e
escuto alguém pigarrear atrás de nós. Ignoro, sem descolar nossos lábios.
Empurro-a contra a parede, descendo a mão até encontrar sua bunda, que
aperto com força.
Outro gemido e começo a me esfregar contra ela, em um misto de
agonia e alívio.
— Vamos sair daqui — uma voz masculina diz, me fazendo voltar à
realidade.
Dou três passos para trás e vejo Mia ainda de olhos fechados, sem
entender o que está acontecendo.
— Guardem tudo isso — ordeno. — Mia, vá para o quarto.
Esfrego o rosto com as mãos, o cansaço me dominando.
— Mas, marito… — ela começa a argumentar.
— Para o quarto, Mia! — solto em um berro e, por alguns segundos, ela
apenas me encara. Depois, dá alguns passos lentos até mim, as mãos
estendidas como se quisessem acalmar um animal à beira do ataque.
— Fui até o restaurante dos Giordanni — fala baixinho — e vi Nicolai
entrando lá, junto com Mikhail e dois outros homens russos.
Ignorando a informação de forma proposital, encerro a distância entre
nós, porém sou incapaz de tocá-la agora.
— Vai. Para. O. Quarto — repito, mantendo o olhar preso ao dela.
Desta vez, Mia obedece, talvez ouvindo o perigo em minha voz, ou
então vendo-o em meus olhos.
Assim que ela sai da cozinha, respiro fundo duas vezes.
— Você precisa chamar o Conselho. — A frase de Lucas interrompe
minha tentativa de recuperar a calma. — As coisas estão saindo do controle,
Sage. Talvez eles…
— Chame o Conselho, chame o Papa, chama a porra do Dalai Lama —
digo a ele. — Mas se alguém falar comigo nas próximas horas, nunca mais
vai conseguir falar nada.
Tenho que buscar umas coisas na sala de treinamento antes de ensinar
uma lição à minha esposa.
Capítulo 22
Sage

Mia está andando de um lado para o outro do quarto quando entro,


fechando a porta logo atrás de mim.
— Amore mio, eu…
Apenas balanço a cabeça. A última coisa que preciso neste momento é
de uma explicação. Mia deveria ter falado comigo antes de tomar uma
decisão impensada como aquela. Agora, me falar seus motivos não adianta
porra nenhuma.
— O que é isso? — Sua voz soa insegura quando faz a pergunta,
olhando para o item na minha mão.
Balanço a cabeça de novo.
— Tire a roupa e deite na cama. — Não é um pedido e ela sabe muito
bem disso.
— Sage…
— Na cama, Mia. — Meu tom continua o mesmo, calmo e contido,
escondendo toda a raiva que corre em meu sangue.
É a segunda vez que Mia me assusta desse jeito. A segunda vez que
quase morro porque não sabia onde ela estava. Deixei bem claro que ela não
tinha permissão de sair de casa sem me avisar, muito menos
desacompanhada. Será que ainda não entendeu que estamos em guerra? Que
é um alvo fácil para os Giordanni e, agora, para os russos também?
Por alguns segundos, ela hesita, revezando olhares entre mim e minha
mão. Consigo ver a resistência estampando seu rosto, seu lado independente
enfrentando uma batalha sangrenta com seu lado submissa. Que briguem. No
final, será feita a minha vontade, amém.
Cruzo os braços na frente do corpo e a encaro. Vejo-a estremecer um
pouco, mas logo começa a me obedecer. Mia remove os sapatos primeiro —
um par de sandálias pretas, com um salto não tão alto e duas tiras que
amarram o sapato ao tornozelo. Seus pés descalços tocam o chão, as unhas
pintadas de branco contrastando com o piso de madeira escura. Em seguida, é
a vez da calça social preta, ajustada ao quadril largo, que desce pelas pernas
grossas e lisas.
Observo cada curva, cada detalhe. E se eu tiver que ser sincero, confesso
que já decorei cada centímetro do seu corpo. Cada maldito pedacinho dessa
diaba em forma de mulher, que parece ter sido criada para atormentar o meu
juízo. Sinto a excitação me dominar ao ver a calcinha de renda vermelha, tão
pequenininha que mal passa de uma porra de triângulo cobrindo aquilo que é
meu. Melhor ainda é o contraste gritante que ela faz em relação à blusa —
branca, com uma meia-manga arredondada, e fechada por botões que vão da
barra ao decote comportado. Mia leva uma eternidade para abrir os malditos
botõezinhos de pérola. São dezesseis ao todo, e sei disso porque conto
calmamente enquanto ela se livra da blusa, exibindo a pele sedosa aos
poucos, como se quisesse me enlouquecer.
Agora, há apenas um conjunto de lingerie safada tapando quase nada de
seu corpo. O sutiã deixa os seios ainda mais empinados, e preciso lutar contra
a vontade de enterrar meu rosto entre eles, talvez morrer asfixiado ali. Mas
quando desço os olhos pelo seu corpo, noto algo diferente. Bem no fim da
barriga, há uma pequena elevação. Quase imperceptível para qualquer um
que não fosse obcecado pelo corpo de Mia. Fico duro na hora, tão duro que
chego a sentir dor. Saber que coloquei um filho na barriga da minha esposa
faz com que meu lado animalesco venha à tona.
Lentamente, giro o pescoço, tentando relaxar os músculos contraídos
enquanto me concentro no que vou fazer.
Dou alguns passos para me aproximar dela. Assim que paro a
centímetros da minha mulher, sou envolvido por seu cheiro doce. Consigo
sentir o calor do seu corpo tocar o meu, mesmo que nossas peles não estejam
em contato. Encaro aqueles olhos acinzentados e a única coisa em que
consigo pensar é terrível demais para ser verbalizada.
“Ela poderia ter morrido hoje” toca em looping na minha mente, junto
com um “Você precisa protegê-la”.
Mia está em pé no meio do quarto, seus movimentos se limitando ao
sobe e desce acelerado do peito e aos olhos curiosos, que buscam algum
indicativo do que vai acontecer. Dou uma volta em torno dela, parando às
costas para abrir o sutiã. No instante que ela encolhe os ombros, a peça
vermelha vai ao chão. E quando termino de dar à volta, posso ver os seios
arrebitados, com mamilos rosados que pedem para ser lambidos,
emoldurados por uma cachoeira de fios negros.
Mia é a personificação dos meus sonhos mais eróticos. A porra da
perfeição. Minha ruína e minha salvação. E o mero pensamento de que posso
perdê-la faz com que o monstro que habita em mim fale mais alto do que
qualquer resquício de sensatez.
— Deite-se na cama — ordeno, porém minha voz soa rouca demais ao
tentar controlar minhas vontades. É impossível esconder meu desejo.
Em momento nenhum seus olhos deixam os meus quando ela dá alguns
passos para trás, parando apenas quando as costas dos joelhos batem na
cama. Depois, sobe no enorme colchão e se arrasta até os travesseiros. O
cabelo escuro espalhado sobre as fronhas brancas, o corpo cheio de curvas
exposto para mim, a boca vermelha e convidativa, a curiosidade em seus
olhos… uma combinação letal, que me deixa à beira da loucura. Mas não
tenho tempo de pensar. Apenas reajo à raiva pulsante, que me exige atitudes
drásticas para que eu nunca mais passe por essa situação de novo.
— Estique os braços para o lado — digo, de novo em um tom contido
que mascara meus reais sentimentos. Ou talvez o evidenciem ainda mais, não
sei. Também não importa.
— Sage, eu…
— Quieta, Mia. Estique os braços. — Ele obedece com hesitação.
Ignoro seu desconforto e uso a corda em minhas mãos para amarrá-la à
cabeceira da cama. Puxo o nó para verificar se não vai se soltar em algum
momento. Está firme, ao mesmo tempo que não prende demais os pulsos.
Excelente.
Afasto-me dela, parando ao lado da cama para me despir. Começo pela
jaqueta de couro.
— Você sabe por que estou fazendo isso? — pergunto, sem tirar os
olhos dela.
— Porque eu não avisei que iria sair — ela fala baixinho, como se
tivesse medo de errar a resposta.
— E…? — incentivo-a a continuar, enquanto me livro dos coturnos e
das meias.
— E eu te desobedeci.
Balanço a cabeça, rindo sem qualquer humor.
— Foda-se a obediência, Mia! Nunca pedi para que você fosse uma
bonequinha dentro de casa. Não sou um desses homens dominadores,
inseguros a ponto de só ficarem duros se ouvirem um “sim, senhor” da
mulher. — Livro-me da camiseta, que se junta à pilha com as demais roupas
no chão. — Antes de meu pai morrer, você aprontou uma dessas.
Desapareceu e não me avisou. Naquele dia, eu disse que você não tinha
permissão de sair.
— Eu sei, amore mio, mas apareceu uma oportunidade e…
— Para, Mia! — peço, meu tom mais alterado agora. Desabotoo a calça
jeans, mas não a removo. — Você não entende, não é? Acha que eu sou o
quê? Acha que disse aquilo porque preciso que você seja a porra da mulher
“dócil e fértil” que me venderam? Eu te conheço, princesa, e nunca esperei
que você fosse de qualquer outro jeito. Não espero obediência, Mia. — Subo
na cama, colocando um joelho de cada lado de seu corpo. Com os braços
apoiados em volta da sua cabeça, desço o rosto até ficar a centímetros do
dela. — Só esperava a sua consideração.
Seus olhos se arregalam, como se, pela primeira vez, ela entendesse o
que estou dizendo.
— Amore mio, eu…
— Sem essa de “amore mio” — interrompo-a. — Sabe por que eu sou
tão apaixonado por você, princesa? — Ela faz que não com a cabeça, então
continuo: — Porque além de ser linda, é a porra da mulher mais sagaz e
inteligente que eu conheço. A mais astuta e ambiciosa. Só que hoje… Hoje
você foi igual a todas as outras: inconsequente e egoísta.
É neste momento que lágrimas começam a se formar em seus olhos. Eu
deveria me sentir mal por elas, por fazer minha esposa chorar. Porém preciso
que ela entenda como eu me senti quando pensei que ela poderia ter morrido.
— Para piorar, está carregando o meu filho. Por um mísero momento,
pensou que, se acontecesse alguma coisa a você, eu perderia tudo? Tudo,
Mia. Meu mundo gira ao redor do seu. Quando acordo, você é a primeira
coisa que me vem à mente. Quando durmo, é com você que eu sonho. E, de
repente, você some…
— Sage, me desculpa — ela diz e posso sentir a sinceridade em sua voz.
— Não preciso de desculpas, Mia. Preciso de promessas. Jure pelo
sangue do nosso filho que nunca mais fará algo do tipo, pelo menos até não
estarmos mais em guerra. Porque se você for sequestrada… — Encaro-a
fixamente nos olhos, exigindo silenciosamente que faça o que pedi, enquanto
tento engolir o nó de desespero que se forma em minha garganta.
Como se notasse o pânico em mim, Mia assente.
— Eu juro, marito. Juro pelo sangue do nosso filho.
As palavras dela me tiram um peso enorme das costas, tanto que solto
um suspiro longo e fecho os olhos, agradecendo silenciosamente.
— Nunca te odiei tanto nesta vida maldita, Mia. — Ela arregala os
olhos, surpresa com a declaração. — Eu te odeio porque não consigo mais
viver sem você.
Antes que ela responda, desço o rosto e abocanho um mamilo
arrebitado. Mia solta um gemido alto e se debate na cama. Seus braços presos
a impedem de me tocar, e é exatamente isso o que eu quero. Quero que ela se
sinta castigada e amada ao mesmo tempo. Quero que sinta a impotência.
Quero que sinta a necessidade do meu toque e o desespero quando não o tem.
É por isso que continuo o ataque. Passo a língua ao redor da aréola,
mantendo os olhos fixos nos dela. Seu gosto afrodisíaco faz com que fisgadas
de prazer endureçam ainda mais o meu pau inchado. Mas ele vai ter que
esperar…
Com uma mão, belisco um mamilo enquanto chupo o outro com força,
ouvindo-a ofegar o tempo todo. Quando ergo a cabeça e vejo seu rosto
corado, preciso me controlar para não acabar logo com isso. Esta mulher é a
única capaz de me destruir, e não posso deixar que isso aconteça.
Desço o indicador pelo perfeito vale entre seus seios, vendo a pele se
arrepiar por onde passo devagar. Mia se contorce na cama, puxando a corda e
jogando a cabeça para trás.
— Eu te odeio tanto, princesa… — sussurro no instante que desço a
mão para seu quadril, sentindo a pele macia como veludo sob minha palma
calejada.
— E eu te amo, Sage — ela diz, as palavras emboladas na língua.
— Não parece… — Continuo descendo as carícias pelas pernas grossas,
vendo-a estremecer sob meu toque.
Nunca estive tão quente na vida. Talvez seja a raiva me queimando por
dentro, ou talvez seja a necessidade que tenho da minha mulher que esteja
marcando meu coração a ferro e fazendo com que a temperatura do meu
corpo suba, me envolvendo em uma necessidade febril e desenfreada. Mesmo
assim, continuo.
A pele ainda mais fina do interior das coxas implora para ser beijada. E
assim que aproximo o rosto e sinto seu cheiro, salivo com a vontade de
prová-la. Então, é isso que eu faço. Mas não de forma carinhosa, porque hoje
eu quero que Mia grite meu nome.
Forço-a a dobrar as pernas sobre a cama, os pés apoiados no colchão,
apenas para empurrá-las para cima e deixar Mia bem exposta.
— Ah! — ela solta um gritinho com o susto, que se transforma em um
gemido longo quando passo a língua em seu clitóris, em uma linha que vai
direto até embaixo. — Sage, o quê…?
— Quietinha, princesa. — Subo e desço, provando tudo o que posso sem
pena. Chupo os lábios, o botão duro e inchado, penetro-a com a língua e sinto
que fica mais molhada a cada movimento.
Mia geme incoerências, puxando a corda com força enquanto a devoro
feito um animal. Mordo sua bunda e circulo o ânus lentamente — e, para a
minha surpresa, isso a deixa ainda mais excitada. Sua boceta brilha com a
mistura da minha saliva e do seu prazer. Enquanto isso, latejo dentro da
calça. Esfrego-me contra o colchão e continuo com as investidas. Quero
sentir minha mulher gozando na minha cara.
Afasto ainda mais suas pernas e enterro a cabeça na boceta que tremula.
Beijo-a com raiva, como se estivesse beijando sua boca, e Mia começa a
gritar. É então que dedico toda a minha atenção ao clitóris, mexendo de um
lado para o outro com a língua em um ritmo acelerado. No instante que eu o
sugo com força, ela goza — e me lambuza.
Antes que Mia recobre a consciência, já estou soltando suas pernas e
retirando as calças. Tudo para empurrar as coxas para cima novamente e
invadi-la com uma única estocada, que faz com que nós dois soltemos um
grito.
— Caralho! Boceta apertada da porra. — Meto com força, impiedoso,
sentindo-a contrair ao meu redor.
— Tire as cordas, Sage. Eu quero te tocar — ela pede, manhosa.
— E eu queria que você não saísse de casa sozinha. — Vou mais rápido,
entrando e saindo de seu corpo quente e molhado.
Seguro suas pernas, apoiando as coxas em seu peito, e uso-as como
apoio para mexer o quadril, para frente e para trás, vendo as evidências de seu
tesão deixarem meu pau brilhando. Estou tão fundo nela… enterrado até as
bolas nessa maldita mulher. Minha mulher. A porra do amor da minha vida.
Uma desgraçada que me tem na palma da mão, e aproveita isso para fazer o
que quer.
Acelero os movimentos, vendo seus seios balançarem com o impacto
das estocadas ritmadas.
Afasto suas pernas, encaixando-me entre elas, e continuo com o vaivém
desenfreado. Escondo o rosto em seu pescoço, precisando do cheiro que me
enlouquece para continuar vivo. Chupo a pele fina, sabendo muito bem que
amanhã ela terá uma marca minha, enquanto rebolo dentro dela.
— Me beija, Sage. Preciso que você me beije — Mia implora.
— E eu preciso que você me ame mais, Mia. Preciso que você me ame a
ponto de não conseguir existir sem mim — declaro toda a minha
vulnerabilidade, apenas para me afastar logo em seguida.
Ainda dentro dela, sento-me na cama, sobre os joelhos, e afasto suas
pernas. Abro seus lábios e massageio seu clitóris com força, entrando e
saindo cada vez mais rápido. Meu orgasmo se aproxima, mas preciso que ela
goze junto comigo.
— Vem, Mia. Mostra pra mim que me ama.
Meu nome sai em um grito engasgado, enquanto suas costas arqueiam,
levantando-se do colchão em um clímax intenso, que me carrega junto.
Urro o nome de minha esposa, com a plena consciência de que nunca
mais irei chamar por outra mulher desse jeito.
Capítulo 23
Mia

Raios de sol entram pela cortina do quarto, me fazendo despertar. O


corpo de Sage enroscado ao meu não permite que eu mova um músculo
sequer sem acordá-lo. As lembranças da noite anterior, seu desespero ao me
ver, o castigo que me deu, me fazem sorrir. Meu melhor olhar “doce e fértil”,
em reposta aos seus gritos e apelos, deixaram-no ainda mais excitado.
Conheço Sage, sei que nada do que eu tentasse falar ou justificar aplacaria o
medo do seu coração. Ele precisa possuir o meu corpo para se acalmar.
Precisa de mim, com a mesma intensidade que preciso dele.
Nunca imaginei minha vida sem ele, desde o momento em que fui
prometida a um total desconhecido. Sim, eu sabia sua origem, imaginava
como era sua aparência física e sempre soube que éramos destinados um ao
outro. Mas ele veio melhor do que a encomenda, e a noite de ontem só me faz
ter mais certeza disso.
Não tenho medo de Sage. Entendi sua angústia e dei a ele exatamente o
que precisava: ofereci minhas mãos, deixando que as amarrasse na cama, e
me entreguei ao seu castigo, aproveitando cada segundo da brincadeira.
Tento me levantar, mas seu braço me aperta com mais força.
— Aonde você pensa que vai, princesa? — Seus olhos continuam
fechados. — Não entendeu o que eu disse ontem?
— Não posso mais nem ir ao banheiro, marito? — Dou uma risada. —
Você pretende me amarrar no pé da cama?
— Se vai ousar sair de casa sem me avisar e sozinha novamente,
carregando meu filho por aí, sim. — Ele abre apenas um olho e me espia. —
Mas no banheiro pode. — Cola os lábios nos meus. — Rapidinho, porque
quero ficar um pouco mais na cama com você hoje.
Levanto e visto o robe de seda vermelho. Vou até o banheiro rindo.
Lavo o rosto, escovo os dentes, ajeito meu cabelo e, depois de aliviar a
bexiga, volto para o quarto em direção à cama. Só que alguém bate na porta.
— Eu disse que arrancaria a língua de quem tentasse falar comigo antes
que eu saísse do quarto — ele esbraveja.
Tenho vontade de rir, mas sei que o humor dele não está para
brincadeiras. Eu entendo o desespero de Sage. Consigo sentir o que ele
sentiu, pois até ontem à noite, a ideia de que um dia ele pudesse me deixar
por qualquer rabo de saia quando se cansasse de brincar de mafioso volta e
meia surgia na minha cabeça, mesmo que eu nunca admitisse em voz alta.
Não quero que ele se sinta assim. Meu marido precisa estar seguro para todas
as decisões que precisa a tomar, e eu serei o seu porto seguro para sempre.
— Quem é? — pergunto, me aproximando da porta, mesmo sob os
protestos de Sage que faz gestos para que eu volte para cama.
— Sono io, amato, ho portato la colazione[61] — nonna responde com
uma voz angelical.
Ela nunca me chamou de amada e só trouxe o café da manhã depois da
noite de núpcias para conferir o lençol. Será que… Olho para Sage com fúria
procurando uma resposta.
— Ninguém mandou você sumir ontem, princesa. — Dá de ombros,
confirmando minhas suspeitas, e se ajeita na cama.
Abro a porta. Nonna entra com mamma e Martina, carregando bandejas
cheias de pães variados, pastas, frutas, sucos diversos, bules com café, leite e
chá. Com certeza a família toda poderia comer em nosso quarto.
Elas largam as bandejas sobre a escrivaninha e correm para me abraçar.
Martina, que finge não ter descoberto antes das duas, é a primeira. Encena
todo o seu teatro de surpresa e felicidade e depois dá uma encarada em Sage,
que não consigo decifrar. Mas não tenho nem tempo de pensar, porque logo
ela se despede enquanto mamma e nonna falam ao mesmo tempo sobre a
felicidade que a notícia trouxe para nossa família e me dão conselhos a
respeito da gestação — muitos deles que pretendo ignorar.
Pode ser minha primeira, mas desde que descobri o que significava o
“crescei e multiplica-vos”, estudo sobre o assunto. Nunca daria ao meu
marido um filho que não pudesse ser seu herdeiro, a não ser que seja a
vontade de Dio. Até porque, muito mais do que querer ter um filho, quero dá-
lo de presente a Sage. Em nossa família, quanto mais herdeiros, maior é o
poder de virilidade do pai, o que significa também poder sobre os outros.
Elas se demoram um pouco, enquanto Sage se empanturra de comida e
nonna tenta fazer o mesmo comigo. Quando acham que me alimentei o
suficiente, se dão por satisfeitas e resolvem nos deixar a sós de novo.
— Vou marcar a sua ultrassonografia, bambina — mamma diz. — É
minha responsabilidade, como nonna dessa criança, te acompanhar a todos os
exames e preparar o enxoval.
— O enxoval a senhora até pode fazer, mas aos exames quem vai com
Mia sou eu, sogrinha — Sage protesta.
— Você não terá tempo, mio genero — ela responde com calma. —
Além do mais, nas nossas tradições…
— As tradições vão mudar. — Sage dá um gole na xícara de café que
tem nas mãos. — Começando pelos exames da minha mulher.
Mamma fica um pouco contrariada, mas sorri, saindo e fechando a porta
atrás de si.
— Por que você falou para elas? — Viro-me para encarar Sage assim
que elas saem. — Eu deveria ter contado! — Fico parada na ponta da cama,
aguardando sua explicação. Um misto de raiva e vontade de chorar toma
conta de mim. Nem sei bem por que, provavelmente seja uma briga de
hormônios.
— Foi seu primo, aquele italianinho de merda, que sugeriu que você
deveria ter ido comprar alguma coisa porque estava com desejo. — Ele ri. —
Aliás, talvez ele seja um problema daqui a pouco pra nós, porque ontem
peguei a bunda branca do Coal em cima da Martina.
— Madonna!
Sage ri e começa a me contar a história. Fico constrangida com seu
relato, afinal, se fosse em nosso quarto, qualquer um que entrasse não estaria
mais vivo. Sage não perdoaria. Acabo rindo com o que ele conta e sua
narrativa me faz entender o olhar de Martina mais cedo.
— Agora, será que você pode voltar pra cama, princesa? Esses
morangos aqui parecem bem deliciosos, mas com gosto de Mia eles ficarão
melhores.
O jeito como ele me olha é um convite. Eu me aproximo dele pela
lateral da cama, desamarrando o robe e deixando o tecido escorregar pelo
meu corpo até o chão enquanto caminho.
— Onde eu devo colocar os morangos, marito mio? — Pego a tigela da
sua mão.
— Ah, freirinha… — Sage enlaça os braços em minha cintura e me puxa
para seu colo.
Sua mão passeia pelo meu corpo, e seu celular começa a vibrar. Ele
tenta ignorar, mas não consigo relaxar, ainda mais quando vejo um número
desconhecido na tela.
— Atenda, amore mio. Pode ser uma informação…
Contrariado, ele pega o telefone e coloca no viva-voz.
— Alô? — a voz feminina grita pelo aparelho enquanto a boca do meu
marido brinca com meus mamilos. — Seu Sage?
— Sim — diz com meio seio na boca.
— Não sei se o senhor se lembra de mim, mas me deu seu cartão um dia
e disse para que eu ligasse caso alguém aparecesse na casa vizinha. Então,
aquele rapaz que o senhor estava procurando está aqui e fazendo muito
barulho, como se estivesse quebrando as paredes.
— Ele está aí agora? — Sage para imediatamente de me chupar e me
coloca sentada ao seu lado na cama.
— Está, sim. Minha irmã e eu o vimos chegar. Tenho certeza de que é
ele pela cor do cabelo.
— E está sozinho?
— Parece que sim. Não vi ninguém descer do carro com ele.
— Obrigado! A senhora gosta de comida italiana? Vou pedir à minha
esposa que providencie uma cesta com nossas melhores guloseimas de
presente.
Ele desliga o telefone apressado e me dá um beijo na testa.
— Preciso sair.
Sage levanta da cama, ansioso, caminha até o banheiro e abre o
chuveiro. Vou atrás dele.
— Quem era? — pergunto.
Ele me conta como conheceu as duas senhoras no dia que foi atrás de
Giovanna. Diz que precisa correr para acabar de vez com essa história.
— Se ele está sozinho, este é o melhor momento — conclui.
— Cuidado, amore mio. Vi os russos ontem no restaurante. Isso prova
que estão armando alguma coisa.
— Eu preciso tentar, Mia — ele fala enquanto esfrega o sabonete pelo
corpo.
— Tem mais uma coisa. — Procuro me concentrar no que preciso
relatar a ele, antes que acabe entrando no chuveiro junto. — Encontrei um
endereço.
Explico para Sage o que descobri sobre o carro vermelho. Ele desliga o
chuveiro, se enrola na toalha e me dá um beijo.
— Se eu não precisasse sair agora, te faria berrar meu nome o dia
inteiro, Mia.
Cinco minutos depois, ele sai do closet vestido. Entrego o papel para ele
com endereço e Sage me dá outro beijo.
— Eu volto logo, princesa, e você já sabe… Nada de sair por aí sozinha
ou, da próxima vez, te deixo amarrada na cama.
— Se você ficar comigo, até pode ser uma boa ideia — digo antes que
ele feche a porta do quarto.
— Você é muito safada, freirinha. — Sage me joga um beijo e sai para
sua missão.
Quando olho no relógio, já passam das quatorze horas. Sage e Eddie
ainda não voltaram para casa. Saí do quarto apenas para almoçar e, com a
desculpa da gravidez, voltei para descansar. Mas desde que mio marito saiu,
tudo que fiz foi pesquisar qual a ligação dos russos com os Giordanni, porque
precisamos de provas para acabar com aquele figlio de una puttana do
Salvatore.
A demora deles começa a me incomodar e resolvo ir até o escritório
atrás de qualquer coisa que possa me dar uma luz. Sinto falta de papà. As
coisas eram bem mais fáceis quando ele estava aqui.
Desço as escadas devagar, ocupando a cabeça com as informações que
tenho para tentar esquecer a preocupação com Sage. Paro na metade dos
degraus quando a porta da frente é aberta abruptamente.
Nos braços de Sage, jaz o corpo de Giovanna, meio coberto por um
lençol sujo, inchado, com cortes e hematomas nos braços e pernas que não
estão cobertas pelo pano. Eddie entra atrás dele, de mãos vazias.
— E o Salvatore? — Cuspo no chão. — Onde está aquele maledetto? —
A ira e a tristeza tomando conta de mim.
Acelero os passos, descendo a escada rápido, parando em frente ao meu
marido. Acaricio o cabelo emaranhado de Giovanna. Tão nova… Lembro-me
da menina que Martina me falou, com apenas quinze anos, trazida à força
sabe-se lá para quê.
— Quando chegamos na casa em que as mulheres disseram que ele
estava, já não tinha mais ninguém — Eddie diz. — Só havia entulhos do piso
destruído e três grandes buracos na sala.
— E Giovanna estava sozinha? — pergunto, ainda sem acreditar.
— Estava no endereço que você descobriu, princesa — Sage me
responde. Sua voz quase não sai, mostrando o desespero que também sente
por ter encontrado nossa minore[62] assim. — Onde eu a coloco, Mia?
Indico um dos quartos e me preparo para dar a notícia às mulheres da
família. Quantos funerais mais ainda vamos fazer até que essa guerra acabe?
Capítulo 24
Sage

O silêncio no escritório é ensurdecedor, principalmente depois de duas


horas ouvindo gritos desesperados e choros compulsivos. Nenhuma morte até
agora foi mais violenta do que a da pobre menina. Porém ninguém da casa
sabe o real estado em que ela estava quando Eddie e eu chegamos lá.
Sangue seco manchava as pernas finas de Giovanna, deixando claro o
que haviam feito a ela antes de morrer. O pior de tudo era o olhar de pânico
que ainda estampava seu rosto angelical, mesmo depois de ter perdido a vida.
Fechei seus olhos, limpei-a o melhor que pude e, só então, a trouxe para casa.
Quatorze anos. Estuprada. Sodomizada. Maltratada. Destruída.
A perversidade humana não tem limites… a não ser a morte.
É por isso que preciso matar Salvatore. Mas, neste momento, mal
consigo me mexer. Estou sentado na poltrona que era de meu pai há quase
uma hora. Uma hora vendo o rosto de Giovanna, sentindo seu cheiro de
putrefação. “Deve ter morrido há, no mínimo, doze horas”, Eddie disse, como
se fizesse alguma diferença. Uma hora, doze, dez dias… o resultado é o
mesmo: eu fracassei.
Sarita não tirou a vida dela, mas a culpa foi minha de qualquer jeito. Eu
deveria ter feito mais, deveria ter procurado incansavelmente, deveria…
Engulo o nó na garganta, sentindo a ânsia de vômito subir até minha
boca. Levanto-me com pressa da poltrona e corro até a lixeira, que fica sob a
escrivaninha. Despejo ali todo o conteúdo do meu estômago.
A cada golfada, fico mais determinado a matar cada um dos envolvidos
nesse ato repugnante.
“Ela era só uma menina…”, a frase se repete em minha mente enquanto
me lembro de seus olhos. Eram azuis, que nem os de Mia, mas não tinham o
mesmo tom acinzentado. Naquele momento, só tinham medo e dor.
Vomito de novo, e de novo, e de novo. Vomito até não ter mais nada
dentro de mim. Quando finalmente termino, vou até o aparador e vejo uma
garrafa de vodca, que ainda não foi aberta. Ótimo. Rompo o lacre e coloco o
gargalo na boca, apenas para deixar que um pouco do líquido entre.
Bochecho com força e cuspo a vodca na mesma lixeira. Repito o processo
cinco vezes, até não sentir mais o gosto ruim.
Malditos russos. Malditos Giordanni. Maldito mundo de merda, onde
pessoas inocentes estão à mercê daqueles que não têm alma.
“Ela era só uma menina.”
E se Mia estiver carregando a minha filha?
— Don Sage? — A porta do escritório é aberta, apenas uma fresta, e a
cabeça de Eddie aparece.
Faço um gesto para que ele entre, porém não está sozinho. Atrás dele,
entram Jett, Coal, Enrico, Danio e Lucas.
— O que vocês querem? — pergunto, já sem um pingo de paciência.
No aparador, vejo uma garrafa toda adornada, que deve ser feita de
cristal. Dentro dela, há um líquido marrom-claro. Não sei o que é, mas, por
ora, vai servir. Encho um copo quase até a boca e bebo metade em um gole
só. É horrível. Conhaque, talvez. Mas foda-se.
Acendo um cigarro e vou até a poltrona de novo, vendo os outros
homens tomarem seus lugares no círculo. Danio apoia os antebraços nos
joelhos, chegando o corpo para frente.
— O funeral será…
— Não me importa — interrompo-o. — Na verdade, o que preciso agora
é saber que outro funeral vai acontecer.
Vejo Coal e Jett assentirem, concordando comigo. Já Lucas reveza
olhares entre mim e os demais, como se quisesse falar alguma coisa.
— Conversei com alguns dos meus informantes, eles vão ficar de olho
em… — Eddie começa a falar, mas é logo cortado.
— O que aconteceu? Como vocês encontraram o corpo de Giovanna? —
Lucas parece ter criado coragem e finalmente solta o que o corroí por dentro.
Olho para Eddie e dou um aceno de cabeça, pedindo com o gesto para
que explique tudo por mim. Estou cansado demais, até para falar.
— Há algumas semanas, descobrimos uma propriedade dos Giordanni
no subúrbio. Fomos até o local e conhecemos as vizinhas fofoqueiras. Hoje,
mais cedo, elas ligaram, dizendo que tinha um homem lá, e ele estava
sozinho. Foi por isso que Sage e eu voltamos à casa, mas, quando chegamos,
não encontramos ninguém. O chão estava quebrado, como se alguém
estivesse procurando alguma coisa sob o soalho.
— Armas, drogas… — Jett sugere.
— Duvido — Danio diz. — Eles não precisariam esconder armas e
drogas dessa forma. Deve ter sido algo pior.
— Como o quê? — meu irmão quer saber.
— Provas. Documentos. Coisas que não podem ser encontradas
facilmente — Enrico dá sua primeira contribuição do dia, e preciso concordar
com ele.
— Ou então eram covas — sugiro. — Para esconder o corpo de
Giovanna. — O pensamento me enoja, mesmo assim, verbalizo aquilo que
me incomoda.
— De qualquer forma — Eddie volta a falar —, não tinha nada na casa.
Só que Mia havia encontrado outro endereço no GPS do carro vermelho —
ele explica, se lembrando do veículo que viu chegar à oficina enquanto seguia
Mikhail. — Fomos até lá, só por desencargo de consciência. Era um galpão
no meio do nada e não tinha ninguém lá, a não ser…
— Giovanna — completo por ele. — E indícios de que alguém estava
morando naquele chiqueiro. Tenho certeza de que era lá que os Giordanni
estavam se escondendo.
O espaço era grande e tinham vários colchões espalhados pelo chão.
Alguns estavam manchados de sangue, o que me fez ter certeza de que era ali
que estupravam a menina. Latas abertas, embalagens de comida, garrafas e
mais garrafas de bebidas alcóolicas. Fora alguns comprimidos de ecstasy e
algumas carreirinhas de cocaína — o que me diz que saíram às pressas.
E o corpo de Giovanna estava estirado no meio da imundice, como se
ela não fosse nada além de um brinquedinho descartável. Mas não conto isso
a eles.
O silêncio se faz no escritório, como se todos entendessem a gravidade
da questão.
— Precisamos fazer alguma coisa — Coal é o primeiro a falar. — Será
que os Giordanni estão mesmo envolvidos com os russos? Porque, se este for
o caso…
— O Conselho precisa intervir. — Olho para Lucas. — Não era por isso
que você fez tanta questão de falar com eles e legitimar meu cargo?
— Indícios não são provas, Sage — ele diz e vejo que seu comentário
não é bem recebido pelos outros homens na sala, que o encaram com
surpresa. — Precisamos de provas concretas.
— Chame o Conselho, Lucas — declaro, sem querer perder tempo com
mais ladainhas.
— Não posso fazer isso. O Conselho só vem em casos de extrema
importância.
— E isso não é importante?! — Levanto-me da poltrona em um
rompante. — Giovanna foi encontrada morta, torturada, estuprada por
Salvatore! — solto em um berro. — Isso não é o suficiente para ter a
intervenção do Conselho? Do que mais vocês precisam? De uma carta escrita
à mão, por Salvatore, dizendo “Sou um pedófilo desgraçado, por favor, me
prendam”?
— Luana pode servir de testemunha — Jett comenta baixinho. — Foi
ela quem mais sofreu nas mãos do irmão.
Assinto com a cabeça.
— E vocês legitimaram o filho da puta — completo. — Agora, vão ficar
de punhetagem e esperar que ele destrua a porra toda com a ajuda dos russos?
Se este for o caso, ou vocês são covardes, ou são apoiadores desse tipo de
comportamento. — Meus olhos se mantêm presos a Lucas, que toma um
susto com a última declaração.
Ele se levanta da poltrona e para bem em frente a mim.
— Meu pai jamais apoiaria algo assim.
— Então, prove — desafio. — Convoque o Conselho, diga por que
precisamos deles aqui. Não temos homens o suficiente para enfrentar os
Giordanni se eles estiverem unidos aos russos, como tudo indica.
— Não é tão simples assim…
— Estou pouco me fodendo. — Dou dois passos na direção dele,
parando a centímetros do seu rosto. — Chame. O. Conselho.
Coal, Jett, Eddie e Danio se levantam também, me apoiando
silenciosamente.
— Vamos precisar de alguns dias para…
— Chame. O. Conselho — digo de novo, agora em um rosnado.
Vejo Lucas engolir em seco, enquanto tenta não desviar o olhar. Ele
falha, encarando o chão.
— Farei isso agora, Don. — Vira as costas e sai da sala.
— Vou com ele — Danio informa —, para ter certeza de que não vai
voltar atrás com a palavra.
Apenas faço um gesto positivo com a cabeça, agradecendo ao
Allenatore.
Assim que a porta se fecha, solto o ar com força, frustrado e exausto, e
volto a me sentar.
— Você está preparado para enfrentar o Conselho, Don? — Eddie
pergunta, me fazendo enrugar as sobrancelhas. — Na verdade, você sabe
quem vem, não é?
— Do que você está falando, Eddie? — quero saber.
— Do seu avô materno, Don Massimo Costello. Ele é um dos membros
— explica.
Por um momento, tinha me esquecido disso. Troco olhares com Jett e
Coal, que parecem tão incomodados quanto eu.
— Foda-se — digo, sem querer que as pessoas vejam meu desconforto.
— Lidaremos com dois problemas de uma vez só.
— Como é formado o Conselho? — Jett pergunta.
— Ao todo, são cinco homens, representantes das maiores famílias —
Enrico fala. — Don Vicenzo Battaglia é o líder. Além dele, temos Don
Massimo Costello, seu avô — repete, como se fôssemos capazes de esquecer
a informação —, Don Antonio, Don Francesco e Don Giuseppe.
— Don Vicenzo é tranquilo. Conheci o velho quando passei a lua de mel
na Itália — relembro.
— Não, Sage. Don Vicenzo é o homem mais impiedoso de todos, e é
por isso que chefia o Conselho. — Enrico não parece nem um pouco calmo
ao explicar. Tanto que toma o copo da minha mão e termina o líquido de uma
vez só. — Não se engane pelas aparências. Se Don Vicenzo não estiver do
seu lado, as coisas podem ficar muito complicadas para nós.
— E meu avô? — pergunto, sentindo um bolo se formar em meu
estômago.
— Ele é um mistério — diz, dando de ombros. — Talvez o mais privado
de todos os Dons. Ninguém sabe muito bem como a família Costello
funciona. — Enrico faz o bolo aumentar em minhas entranhas.
Balanço a cabeça em afirmativa.
Pois bem, vovô, está na hora de nos conhecermos melhor.
Capítulo 25
Mia

Mais um funeral.
O corpo de Giovanna, envolto de papoulas brancas no caixão no centro
da sala, é impossível de ser encarado. O choro compulsivo das mulheres, os
terços rezados entre soluços e fungadas, a desolação em todos os rostos dos
membros de nossa família.
Lembro-me do dia em que, curiosa, veio me perguntar sobre a noite de
núpcias. Os hormônios efervescendo, se digladiando com toda a educação
que teve, com as crenças de nossa família. Eu conhecia aquele olhar, aquele
interesse, aquela fase. Não havia muito, eu havia passado por ela.
Nossa conversa, que deixavam suas bochechas coradas e os olhos
brilhando com tudo que ouvia, e acredito, imaginava, me faziam ter mais
vontade de contar as coisas a ela, assim como, um dia, Antonella havia feito
comigo.
Quantas de nós ainda morreriam? Com a vida e sonhos pela frente?
Quantas de nós ainda seriam vítimas de homens desleais e que não honram
nossas tradições? Encaro Luana, do outro lado da sala, sentada de mãos dadas
com minha mãe, que chora inconsolável pela perda da afilhada. Luana
também é uma vítima. É uma sobrevivente.
Sou tomada por um momento de ternura e tenho vontade de abraçá-la.
Imaginar o que sofreu no lugar em que deveria ser seguro, com o
consentimento de todos que deveriam amá-la, dos homens que juraram
protegê-la, faz com que minha revolta aumente. Salvatore não é só um
maledetto stupratore, anche lui è un sadico[63].
Martina entra na sala com uma das mulheres sequestradas, trazendo
novas bandejas de pães, e não deixo de perceber que é a menina de quinze
anos que me falou outro dia que a acompanha. A idade de Giovanna. Olho
novamente para Luana, lembro-me da minha conversa com Ana, da promessa
que ela seria chef no Gio’s, e uma ideia pavorosa me ocorre. Será que
Salvatore está encomendando mulheres com os russos para molestar?
— Preciso de ar, amore mio — digo ao ouvido de Sage, que está
abraçado em mim.
— Quer que eu vá com você, princesa? — Ele me avalia para ver se
estou bem.
— Não, marito. — Dou um beijo em sua face. — Fique aqui, vou
apenas descansar um pouco.
Ele concorda comigo e aproveito que todos estão na sala e saio em
direção ao escritório de meu falecido sogro, agora de mio marito.
Tento juntar as peças em minha cabeça enquanto caminho pelo
corredor. A carta de Don Marco a Don Vicenzo, a relação que os Giordanni
poderiam ter com os russos, todas as mentiras desde que Paola abandonou
Ettore. Deve ter algo mais. Algo que ainda não descobrimos, que
provavelmente nem meu sogro sabia, mas que estava tentando descobrir.
Abro a porta do escritório e vou em direção à escrivaninha. Nada foi
mexido desde sua morte. Provavelmente, Sage ainda não teve tempo de ler
todos os papéis em cima da mesa.
Começo pela pilha de documentos, procurando por qualquer coisa que
possa me dar uma pista de que caminho seguir. Nada de diferente, apenas um
boleto de imposto predial e territorial urbano da oficina dos russos. Não
reconheço o nome do proprietário, apesar de me soar familiar. Separo o
documento.
Começo a vasculhar as gavetas. Na primeira, algumas caixas de charutos
e acessórios para o fumo. Na segunda, mais papéis. Recibos da casa em que
estamos, de algumas das nossas propriedades e dos negócios. Olho toda
aquela papelada e penso que devem ser entregues ao contador. “Alguém terá
que assumir os trabalhos burocráticos da família”, concluo.
Na terceira gaveta, fotos. De Paola e Marco jovens, sorrindo. Fotos só
dela e muitas fotos de Sage, Coal e Jett em todas as fases da vida. Perco
algum tempo nas imagens deles, imaginando nosso filho com os mesmos
traços infantis do pai.
Passo a vasculhar as gavetas do outro lado da mesa. Mas quando tento
abrir a primeira, percebo que tem uma fechadura lateral.
Vasculho por cima da mesa e encontro, no fundo do porta-canetas, uma
chave pequena. Bingo! No fundo da gaveta, embaixo de papéis aleatórios, um
caderno pequeno, porém grosso e de capa de couro preta, me chama a
atenção.
Sento-me na cadeira e começo a folhear o caderno. Muitos nomes, datas,
negócios… informações que Don Marco julgava importantes. Reconheço sua
letra, bem-desenhada e com traços firmes. Depois de algumas páginas, datas
e anotações sobre a vida de meu sogro começam a aparecer.
“16/02/2008
Hoje Tizziano me enviou uma foto de mios bambinos! Os três são iguais,
apesar de ver em seus sorrisos que cada um carrega sua própria
personalidade. Eles estavam comendo sanduíches em uma toalha na grama
do novo esconderijo de Margareth. Ainda não sei o que lhe causou tanto
medo a ponto de se esconder desse jeito de mim, mas enquanto os meninos
estiverem saudáveis, vou respeitar sua decisão, mesmo que meu coração siga
despedaçado.”
Em vários trechos há notícias e desabafos pela situação de sua amada e
de seus filhos. Don Marco nunca se aproximou, porque acreditava que era
dele que Paola se escondia, mesmo não sabendo o que havia acontecido para
isso. Ele apenas a amava tanto, que tinha certeza de que, se mantendo
distante, estava respeitando sua vontade. Suspiro. Poderia eu amar tanto Sage
a ponto de deixá-lo viver sua vida longe de mim? Aquilo realmente era amor
ou covardia? Eu me perco pensando sobre isso, enquanto sigo folheando as
páginas.
Os mortos de nossa família, todos registrados ali, junto com seu
sofrimento eternizado naquelas páginas rascunhadas. Declarações de afeto do
meu sogro, gestos de gratidão para aqueles que lhe foram fiéis. E os que o
decepcionaram também.
“Te criei como meu filho, ragazzo. Como pôde nos apunhalar dessa
forma? Sempre te contei dos meus bambini e que um dia tu serias il loro
migliore amico[64]. Te enterrei com dor no coração, mas a deslealdade é
paga com a vida em nossa famiglia.”
Suas palavras eram direcionadas a Vince. Aquele maledetto mereceu
morrer. Cuspo no chão. Procuro pela data da morte de meu pai. Lágrimas
começam a rolar pelo meu rosto quando começo a ler.
“Entre tantos mortos, hoje parece que mais um pedaço de mim morreu
con te, amico mio[65]. O homem mais leal e sensato que conheci em toda
minha vida, que sempre guardou todos os meus segredos, acobertou meus
medos, conheceu minhas angústias e me aconselhou de maneira sábia. Pois
saiba que te honrarei até o último dia da minha vida e convidarei teu figlio,
Enrico, para ocupar o lugar que jamais haverá de ser tão bem preenchido,
como foi por ti.
Por um minuto, cogitei em convidar Mia. A astúcia e o sangue frio de
tua bambina, quando necessário, me impressionam. Mas sabes que sou um
homem de tradições, que busca a paz, e uma afronta dessas ao Conselho nos
arruinaria.
Com tua partida, voltam a ser só minhas todas as desconfianças sobre o
envolvimento de Ettore e os russos. Por mais que sejam só desconfianças, o
que faz uma oficina russa em terras italianas? Será que ele sabia do tráfico
de mulheres? Estava acobertando? E como o Conselho, que checa todos os
nossos livros caixa, não se atentou para o nome de quem pagava o aluguel?
Ou os Giordanni nunca registraram nada? São tantas dúvidas, amico mio,
que agora voltam a me assombrar sem ter com que dividir. Mas não
desistirei, em tua memória.
Enviarei novas cartas a Vicenzo e espero encontrar eco entre os seus
pares. Considero estar tomando a atitude certa, Giovanni. Não sei se saberei
conduzir tudo sem tuas palavras. Mas farei o melhor possível e nunca
esquecerei teu conselho: ‘sempre documentando e arquivando tuto, Marco!
Tuto!’.
Quase posso ouvir a tua voz neste escritório vazio.
Te juro, não será em vão.”
As engrenagens começam a funcionar na minha cabeça. A carta de Don
Marco, escrita para mio papà depois de sua morte, faz com que algumas
coisas comecem a fazer sentido. Pego o papel do imposto territorial separado
em cima da mesa. Aquele nome. Tento me lembrar de onde o conheço, mas
as últimas linhas de seu desabafo, com a fala de meu pai, não saem da
cabeça.
Abro a gaveta seguinte e ali, dobradas e arquivadas, estão todas as cartas
enviadas ao Conselho.
— Grazie, mio caro suocero[66] — digo com as mãos levantadas para o
céu, no mesmo momento que a porta do escritório se abre e o rosto de Enrico
aparece.
— O que você está fazendo aqui, Mia? Sage mandou te procurar.
— Enrico! Você tem que ver o que eu descobri aqui! — Levanto as
mãos, eufórica, segurando as cartas, o diário e o boleto do imposto. — Tudo
o que a gente precisa está aqui. — Ele caminha com passos acelerados em
minha direção. — Você sabia que Don Marco iria te chamar pro cargo de
Consigliere?
Meu irmão trava no lugar, me olhando com cuidado. Vejo seu peito
subir e descer acelerado e não entendo sua aflição.
— Mia, eu preciso te falar uma coisa. — Ele passa as mãos pelo cabelo
e posso perceber o nervosismo em seu tom de voz. Então, vira-se para trás e
tranca a porta. — Mas antes de eu te falar, preciso que você lembre que
quando me pediu para convencer o papà de manter seu casamento, eu te
ajudei.
Seu tom é baixo, porém firme.
— Eu nunca esqueceria isso, mio fratello. E nem todas as outras coisas
que já fez por mim.
— Jura pelo seu filho? — Ele me encara. Enrico está pálido e percebo
que, de sua testa, brota uma umidade.
— Juro. Mas diga de uma vez, está me deixando nervosa e isso não faz
bem para o bebê. — Acaricio minha barriga e me recosto na cadeira que
antes pertencia ao meu sogro.
Enrico começa a andar de um lado para o outro do escritório, esfregando
o rosto com as mãos. Nunca vi meu irmão tão nervoso na vida, e não consigo
compreender seu desconforto. Será que…?
— Isso é por conta das suas preferências, Enrico? Eu sei disso há muito
tempo e…
— Não! — Ele desvia o olhar e volta a caminhar pelo escritório. —
Você tem que me jurar, Mia! Pelo seu filho, por seu marido e pela sua própria
vida que o que eu vou te contar não vai sair deste escritório.
— Eu juro, Enrico! Mas me diga, homem, o que de tão sério você tem
pra falar?
Começo a ficar angustiada. Muitas ideias passam pela minha cabeça,
mas o desespero de meu irmão, seu medo… nada disso faz sentido.
Levanto da poltrona e caminho até ele, fazendo com que pare seu cooper
nervoso.
— Mia, eu… — Ele para de falar. Sei que seja lá o que tem a me contar,
o está correndo por dentro.
— Pode falar, Enrico. Seja lá o que for, eu estou aqui para te ajudar. —
Emolduro seu rosto com as mãos, numa tentativa de acalmá-lo.
— Don Marco — ele me interrompe, buscando o ar com força e
enchendo os pulmões. — Ele não morreu de causas naturais, como o atestado
diz.
— Você sabe quem o matou, Enrico? —Tiro as mãos de seu rosto e me
afasto. — Como foi? E quem foi o maledetto que iremos degolar?
— Você jurou, Mia. — Sacudo a cabeça, concordando, sem entender
aonde ele quer chegar. Será que mamma tem a ver com isso?
— O que você sabe, Enrico? Seja lá o que for, minha promessa é válida.
Como ele morreu?
— Com o veneno de Martina. Na dose certa, ele causa apenas um infarto
fulminante — Enrico diz com propriedade, mas sua voz segue trêmula.
— Martina? Por quê? — questiono, confusa, agora caminhando pela
sala, tentando entender o que meu irmão está verbalizando. — Ela nunca faria
isso.
— Não foi a Martina, Mia. — Enrico abaixa a cabeça.
Paro em sua frente e seguro-o pelos braços, forçando-o a me encarar.
— Quem? — Sacudo seus braços. — Quem, Enrico? — quase grito.
Então ele levanta a cabeça e seu olhar confessa. — Você? — sussurro, tão
baixinho que a voz mal sai da minha boca. Leva um segundo, mas ele enfim
acena em concordância.
Solto seus braços e começo a me afastar de meu irmão, tentando digerir
o que acabo de ouvir.
— Mia, eu…
— Por quê? — interrompo-o.
— Eu não sei, Mia. — Ele se joga em uma das poltronas, afundando a
cabeça entre os joelhos. — Eu estava com raiva, Lorenzo e papà estavam
mortos. Mamma não tinha consolo e parecia que Don Marco não estava nem
aí. Não tomava nenhuma atitude, não procurava Giovanna, não fazia nada. —
Enrico começa a soluçar. — Se você soubesse o quanto eu me arrependo.
Ando alguns minutos de um lado para o outro sem saber o que fazer.
Não posso perder mais ninguém, nem eu, nem minha mãe e nem esta família.
Olho para meu irmão, sangue do meu sangue, sempre meu protetor, chorando
como criança e não consigo manter a promessa que fiz ao mio marito no dia
do nosso casamento.
— Você sabe que minha lealdade sempre será em primeiro lugar ao
Sage. Eu fui criada para isso, Enrico, para ser fiel a ele, não importando mais
nada. — Ele sacode a cabeça entre as pernas, concordando. — Nem o sangue
de minhas veias deveria importar.
— Eu sei, Mia — balbucia.
Não consigo olhar para o meu irmão e enxergar o assassino de meu
sogro. Tudo que vejo é o menino que cresceu ao meu lado, me protegendo,
cuidando de mim e me ajudando a escapar de muitos castigos quando éramos
crianças. Lembro-me de nós três assistindo a desenhos animados, na sala de
estar de nossa casa, comendo pipocas e brigando pelo controle remoto.
Lorenzo sempre vencia a disputa com o argumento de ser o mais velho. E
Enrico sempre o conseguia para mim, dizendo que mulheres deveriam estar
em primeiro lugar. Já perdi Lorenzo, não posso perder o único irmão que me
resta.
Caminho até a mesa e busco pelo abridor de cartas no porta-lápis. Em
seu cabo de prata, o brasão da família Rossi brilha em ouro.
Volto até a poltrona em que ele está sentado, sentindo a lâmina afiada
em meu dedo.
— Ninguém nunca poderá saber disso, mio fratello — digo, quando paro
ao seu lado. Enrico me encara, confuso. — Ninguém, Enrico. Nem Sage. —
Gesticulo para que ele levante enquanto corto a palma da minha mão,
deixando um filete de sangue brotar.
Meu irmão entende o gesto e oferece a sua para que eu também rasgue a
pele. Quando seu sangue começa a verter, ele aperta a minha mão, sangrando
com força. Então, me puxa para um abraço e beija minha testa, enquanto
repete:
— Ninguém.
Capítulo 26
Mia

Quando mio nonno era vivo, ele costumava me contar histórias sobre os
chefões. Histórias sobre suas vidas, seus atos de bravura, as grandes guerras
travadas para proteger a família, a terra e conquistar direitos ou respeito.
Pouca gente sabe, mas toda nossa grande família descende de
agricultores do sul da Itália. Nossos ancestrais cultivavam suas terras em paz,
viviam no campo em harmonia, até que, no período medieval, começaram a
ser perseguidos pelos grandes senhores feudais. Suas mulheres eram
estupradas, suas plantações, incendiadas. Muitos perdiam a vida de forma
cruel quando capturados. Esses senhores, que já tinham grandes quantidades
de terras, queriam expandir mais suas riquezas. Para isso, faziam qualquer
coisa para roubar nossas terras.
Os camponeses se organizaram, pegaram as ferramentas da lavoura e as
usaram como armas, enfrentando os senhores feudais. A cada novo ataque,
eles se uniam e lutavam juntos para proteger suas vidas, suas honras,
mulheres e terras.
Essa organização deu tão certo, que cada vez mais camponeses
participavam, e com o passar dos anos, da evolução da sociedade e do
comércio, mais pessoas de outros ramos se juntavam à causa. Foi então que
surgiu o negócio de proteção e, depois, sua expansão. Ninguém queria correr
o risco de que algo acontecesse ao seu comércio, então todos participavam.
Com a diáspora[67], as muitas promessas de falsos empregos e a
exploração dos italianos como mão de obra barata, nosso esquema também se
espalhou pelo mundo. E, em todos os cantos, nosso povo começou a se
organizar para se defender. Então, uma organização desses pequenos
esquemas se fez necessária. Assim, surgiram os chefões.
Os cinco componentes do Conselho são os mais nobres, impiedosos,
corajosos e justos homens de nossas famílias originárias. Por isso, o sangue é
tão importante para nós, porque tudo começou porque tentaram roubar a
nossa paz.
— Você acredita nisso? — Sage pergunta, rindo, enquanto ajeita a
camisa na frente do espelho.
— Era assim que me lo diceva mio nonno[68]. — Aproximo-me dele,
paro em sua frente e ajeito a gola de sua camisa. — Não acredito que os
homens do Conselho sejam nada disso. — Paro ao seu lado e faço sua mão
enlaçar a minha cintura enquanto admiro nossa imagem no espelho.
Mio marito veste uma calça social preta, com uma camisa cinza. Nos
punhos, as abotoaduras que lhe dei de aniversário. Eu uso um vestido creme,
com decote comportado, mangas três-quartos e saia rodada. Nos pés, uma
sapatilha baixa. Formamos um belo casal. Beleza e crueldade. Elegância e
ambição. Opostos que se complementam.
— Então por que está me contando essa história, princesa? — Ele dá um
beijo em meu pescoço, que ofereço com prazer para a carícia.
— Porque eu não acredito que nenhum desses homens seja merecedor
de tanta admiração. — Procuro pelos olhos dele no espelho. — Mas você
sim, amore mio.
Os olhos de Sage me respondem com luxúria, mas antes que ele me
arraste para a cama novamente, solto meu corpo do seu.
— Ah, freirinha — ele protesta quando me vê indo em direção à porta.
— Volte aqui.
— Não posso, amore mio. Tenho que ajudar na cozinha e sua nonna
disse que precisa muito falar comigo antes. — Abro a porta. — E você, Don
Sage, precisar conversar com seus homens. Logo nossos convidados chegam.
Saio ainda o ouvindo resmungar que eu devo ficar e, por mais que eu
queira, nonna me espera em seu quarto.
Bato devagar na porta fechada e aguardo a autorização para entrar, que
nonna dá aos gritos, competindo com a televisão que transmite uma ópera.
Penso se é La Traviata, mas desconcentro da música quando vejo Nicola
amarrada em uma cadeira no centro do quarto de dona Edwige.
— Feche a porta, bambina — nonna ordena.
— O que ela está fazendo aqui?
— Questa vecchia pazza mi ha legato qui[69] — Nicola grita.
— E vou amordaçar também — nonna diz, amarrando bem apertado em
volta da boca da outra um dos lenços que usa no cabelo.
— La tua sporca scrofa[70]! — Nicola xinga antes de não conseguir
mais falar.
Quando termina o serviço, nonna abaixa o volume da TV. Os resmungos
de Nicola ainda podem ser ouvidos, então ela pega o punhal de sua mesinha
de cabeceira e a ameaça.
— Eu posso resolver o problema e cortar a tua garganta a qualquer
momento, Nicola. Mas estou te deixando viver, então seja grata e stai
zitto[71].
A velha parece ficar assustada e obedece. Nonna então me puxa para
sentar em sua cama e segura minhas mãos. Depois, fica me observando por
alguns minutos, o que começa a me deixar preocupada.
— Aconteceu algo? — Não resisto a tanto silêncio.
Ela sacode a cabeça em negativa então começa a falar sobre os sonhos
de seu pai, quando a casou com seu falecido marido. Nonna dá voltas e
voltas, lembrando nossos mortos, nossas vitórias, tudo que nossas famílias
conquistaram e honraram de nossos ancestrais.
— Chega um momento, Mia, que uma mulher também tem que pegar
em armas. Sei que você sabe disso e se virou muito bem sempre que foi
necessário, mas às vezes o inimigo está em nossa casa. — Seu olhar vai até
Nicola e volta para mim. — E temos que fazer coisas que nos ensinaram a
não fazer.
— Ela não deveria estar aqui — concluo.
— Não — nonna concorda. — Luana está aqui por vontade própria. A
coitadinha sofreu tanto que está disposta a depor contra a própria família. —
Sacudo a cabeça, concordando, pois foi Luana mesmo que se ofereceu, dez
dias atrás, logo que soube que o Conselho viria.
Nicola tenta espernear na cadeira e começa a ficar ruidosa novamente,
mas nonna mostra o punhal e ela se aquieta.
— Então o que vamos fazer? — Eu me aproximo mais de nonna e
cochicho em seu ouvido: — Não podemos soltá-la, ela ainda pode ser útil,
nem que seja pra montarmos uma armadilha e atrair o Salvatore.
— Nem a matar — nonna sussurra em resposta. — Por isso, preciso do
veneno de Martina, ragazza — ela fala mais alto. — Só algumas gotas pra
que essa velha durma bem, enquanto nossos convidados estão por aqui.
Concordo com ela. Não podemos correr o risco de perder o apoio do
Conselho por conta de Nicola, não depois de tudo que sua família nos fez e
ainda tem feito. Sabemos que manter uma mulher como refém é um crime
grave, mas o que é isso comparado a todos os estupros de Salvatore, os
negócios escusos de Don Ettore com os russos, seus infiltrados e
assassinatos?
Saio do quarto e providencio o que nonna me pede. Alguns minutos
depois, encontro-a na cozinha e entrego o frasco a ela. Só espero que não erre
a dose. Então, me envolvo com os preparativos para o almoço de recepção
dos convidados mais ilustres de toda a família.
Há dez dias, quando Lucas finalmente anunciou a chegada da comitiva,
marcada para a data de hoje, ninguém mais parou nesta cozinha. Até as
mulheres traficadas, que seguem hospedadas em nossa casa, se prontificaram
a ajudar — não só na preparação dos alimentos, mas também na limpeza e
cuidados gerais da casa. Martina organiza todas elas, dá ordens, comandos e
cuida de todos os detalhes com a ajuda de Luana e de Natasha, a menina de
quinze anos que resgatamos com as outras.
Não me preocupo com nada, minha prima é tão eficaz que começo a
sentir falta dela antes mesmo de sua partida. Nos últimos dias, além da
recepção ao Conselho, essa notícia dada por Lucas, logo após anunciar a
vinda de seu pai, tem me perturbado bastante.
— Don Vicenzo também avisou, Martina — ele chamou a atenção dela,
mas na hora encarou Coal —, que você volta com a gente quando tudo for
resolvido.
Ela ligou para o tio, tentou convencê-lo, ameaçou Lucas, mas não houve
jeito. Sua volta à Itália está decretada.
Distraio-me por um minuto, entre os pensamentos sobre Martina, os
pães que ajeito na mesa e a movimentação frenética que a cozinha parece ter.
Quando o relógio cuco dá suas doze badaladas, o canário abre a porta da sua
casa e grita:
— Cuco, cuco, cucooo! — Ao mesmo tempo, a campainha toca, fazendo
com que qualquer outro som seja silenciado por toda a casa.
Capítulo 27
Sage

— Você está bem? — Jett pergunta, sentando ao meu lado no banco do


jardim.
— Não. — É tudo o que consigo responder. A impressão que tenho é de
que existe um alien no meu estômago e, a qualquer momento, ele vai sair.
Estou tão enjoado que, se eu não tivesse órgãos reprodutores masculinos,
acharia que Mia tinha me engravidado. Puta merda, quero vomitar.
— Vai dar tudo certo, Sage. — Meu irmão oferece apoio moral,
colocando uma mão em meu ombro.
— Tenho um mau pressentimento, Jett — confesso aquilo que ainda não
tinha comentado com ninguém.
— O que você acha que vai dar errado? — A voz de Coal soa atrás de
nós e me viro para ver meu outro irmão se aproximando, suado e sem camisa.
A tatuagem em seu peito ainda está vermelha, assim como a que carrego
no dorso da mão. Quando Lucas avisou que o Conselho estava vindo para
ajudar na questão dos russos e dos Giordanni, também disse que a nova
estrutura da família havia sido aprovada. Ontem, fizemos nossos juramentos
e recebemos as marcas novas.
— Estava fazendo atividades exaustivas com a Martina, irmãozinho? —
pergunto, apontado para seu estado de seminudez. Na mesma hora, as orelhas
de Coal ficam vermelhas, fazendo com que eu e Jett comecemos a rir.
— Vai à merda. — Mostra o dedo do meio, mas continua andando, até
parar à nossa frente, e senta na grama.
— Não é “vai à merda”, Coal. É “vai dar merda”. Você sabe que o
Lucas é a fim dela e está fazendo de tudo para levar a garota de volta para a
Itália, né? Fora que ela está noiva do filho de um senador — explico aquilo
que ouvi quando fui passar a lua de mel na casa de Vicenzo.
— Ela não quer nada sério. — Coal dá de ombros. — Nem eu. Depois
que terminei com a Beth, decidi que não estou a fim de relacionamentos. —
Suas palavras podem soar verdadeiras, mas sei que ele não está sendo
sincero.
Desde criança, Coal era o único de nós que sonhava com estabilidade.
Tanto que, quando nossa mãe morreu, a primeira coisa que fez foi tentar
achar um emprego bonitinho. Depois, conheceu Beth e ficou com ela durante
anos.
— Eu também não estava a fim de relacionamentos, mas Mia apareceu
no meu caminho.
— Ela foi empurrada para o seu caminho — Jett me corrige. — E ainda
bem que isso aconteceu, porque não aguentava mais suas tendências suicidas.
— Até parece! — Coal e eu dizemos ao mesmo tempo.
— É sério. Casamento combina com você, irmão. — Jett dá dois tapas
na minha perna e se recosta no banco, deixando a cabeça pender para trás
enquanto encara o céu.
— Desde quando a gente virou um trio que fala sobre relacionamentos?
— Coal pergunta com desgosto.
— Desde que viramos homens da família. — Não consigo segurar a
piada de mau gosto e acabo soltando uma gargalhada.
Que merda.
De ladrão a chefe da máfia em menos de um ano. É isso o que eu chamo
de crescer na vida.
— Mas você estava falando sobre um pressentimento ruim — Jett
retoma o foco da conversa.
Por um minuto, éramos apenas meus irmãos e eu. Tudo normal.
Conversas descartáveis e implicância rotineira. Fazia um tempo que não
ficávamos assim, só nós três. Estamos sempre cercados de pessoas, com
obrigações a serem cumpridas e um negócio a ser administrado. Nos últimos
dez dias, ainda tivemos que lidar com toda a burocracia relacionada à herança
que Don Marco nos deixou. Agora, oficialmente, somos homens ricos. Vai
entender…
Sei que a calmaria vai durar pouco. Em alguns minutos, o Conselho vai
chegar e não teremos mais sossego.
— Não sei explicar — confesso. — Mas sinto que tem merda pesada se
aproximando, e não estou nem falando dos russos e dos Giordanni.
— Até porque, essa merda aí já está prevista — Coal completa.
— Com certeza. Mas estava falando do Conselho.
— Ou talvez do querido vovô — Jett oferece.
— Também. — Assinto com a cabeça. — Não sei o que vai acontecer
quando eu olhar para ele. Se aquele desgraçado não tivesse abandonado a
nossa mãe…
— Ei, para com isso. — O caçula se ajeita no banco e vira o corpo para
mim. — Não sabemos quase nada do que aconteceu a ela. Não sabemos o
que ela fez, o que ela prometeu e o que a fez fugir de todo mundo.
— É claro que sabemos, Jett — Coal interrompe. — Ela estava noiva do
Ettore quando se apaixonou pelo nosso pai. Os dois chegaram a ficar noivos.
— Se ela já estava noiva, por que aceitou o pedido de casamento de
outro homem?
— Amor — Coal responde na mesma hora. — Talvez ela tivesse a
esperança de que seu pai aceitaria desfazer o compromisso com Ettore e
deixaria que se casasse com Marco.
— Eu entendo — Jett diz —, mas vocês sabem como essas famílias
italianas funcionam. Honra, lealdade, a palavra vale mais do que qualquer
coisa, etecétera, etecétera, etecétera. Se a gente aprendeu isso rapidinho, por
que ela não fez o mesmo?
— Você está dizendo que nossa mãe teve culpa? — Olho para Jett com
seriedade, desafiando-o.
— Não — ele se apressa em dizer. — Mas acho que precisamos dar o
benefício da dúvida antes de sair atirando.
No fundo, bem lá no fundo mesmo, sei que meu irmão está certo. Porém
meu instinto diz que a história ainda não foi totalmente revelada. E talvez
nunca seja, já que trinta e três tiros silenciaram Margareth Wilder. Ou
melhor, Paola Costello.
Não consigo afastar a sensação de que algo muito ruim está para
acontecer, só espero que não seja a mesma merda que foi o nosso aniversário.
Eu podia fazer uma piada sobre italianos e pontualidade britânica, mas a
verdade é que não consigo falar. Há um nó na minha garganta, impedindo-me
até de usar o sarcasmo como mecanismo de defesa. Mas Sarita está bem
afivelada ao tornozelo, então foda-se. Ela é a única defesa que preciso —
apesar de não ser a única que tenho. Atrás de mim, uma parede de homens
está formada: meus irmãos, Eddie, Enrico, Danio, Frederico, Jerry e Rico.
Todos prontos para receber o Conselho e pôr um fim à loucura que se
instalou na cidade.
— Mia, abra a porta, abra a porta! — Nonna vem correndo da cozinha,
empurrando minha esposa pelas costas até pararem na entrada. — São as
donas da casa que recebem as visitas, e como você é a esposa do Don…
Ela não precisa terminar de explicar. Minha princesa olha na minha
direção enquanto passa a mão pelo cabelo, ajeitando os fios soltos. Apenas
assinto para ela, dizendo que chegou a hora de abrir as portas do inferno.
— E vocês, lá pra dentro. — Nonna indica a sala de estar, fazendo com
que todos os homens da casa saiam daqui. Jett é o único que protesta, e Coal
apenas troca olhares comigo, como se perguntasse se está tudo bem. Assinto
e fico no mesmo lugar. Enrico, que é o segundo na linha de comando,
também não se move.
Vejo o exato momento que Mia se transforma. A preocupação em seu
rosto é substituída por um sorriso dócil e um olhar de pura satisfação.
Freirinha safada, manipuladora e sonsa. Puta merda, como eu amo essa
mulher…
Mas então todos os meus pensamentos em relação à Mia vão embora,
porque logo ela gira a maçaneta e a porta da frente se abre.
A primeira pessoa que vejo é Don Vicenzo. Como sempre, o homem
está sorrindo.
— Amici miei[72]! — ele vibra quando dá o primeiro passo para dentro
da casa. — Allora, mia cara. Ci incontriamo di nuovo[73] — diz para Mia e
dá dois beijos em suas bochechas.
— Minha querida, nos encontramos de novo — Enrico sussurra no meu
ouvido o que imagino ser a tradução do que Vicenzo falou.
— Sage! — O chefe do Conselho abre os braços e vem até mim. Por um
momento, me sinto até mais bonito do que Mia, porque ele me dá quatro
beijos. Quatro. Bem estalados.
— Don Vicenzo, é uma honra tê-lo aqui — digo assim que ele me
liberta e Enrico traduz a frase.
— Temos muito o que conversar, Don Sage… — A última parte sai em
um tom desconfiado, que acompanha um erguer de sobrancelha.
— Com certeza — afirmo.
— Mas antes preciso te apresentar aos outros membros do Conselho. —
A frase, novamente, é traduzida por meu Consigliere.
Olho para a porta e vejo mais quatro homens entrando. Todos na faixa
dos seus setenta anos, que nem Vicenzo. O primeiro é um senhor baixinho,
que não deve ter mais de 1,60m, e dono de uma careca de respeito. Mesmo
assim, está vestido impecavelmente com um terno sob medida, todo preto,
com uma gravata vermelha.
— Questo è Don Antonio Mazza. — Não preciso da tradução para
entender que ele está fazendo as apresentações. — Don Antonio, Sage.
Estendo a mão, mas o homem baixinho a ignora e me dá dois beijos na
bochecha. Pelo visto, ele não gosta tanto de mim.
O próximo a cruzar a porta me lembra, de alguma forma, aquele babaca
do Carlo De Rosa — ou melhor, Carlo Neri, já que o De Rosa, na verdade,
era outro homem. Talvez a semelhança seja apenas por conta da barbicha
ridícula e do cabelo muito preto, claramente pintado. Ele é bem mais alto do
que Antonio, porém ainda menor do que eu.
— Don Francesco. — Vicenzo aponta para ele e, desta vez, não ofereço
a mão. Já sei o que vai acontecer.
Beijo o terceiro velho do dia e troco olhares com Mia. Ela parece
radiante com o que tudo, apesar de ter brigado comigo mais cedo, dizendo
que eu jamais poderia receber o Conselho usando calça jeans e jaqueta de
couro, e por isso me fez vestir uma roupa de pinguim, bem parecida com a
que todos os outros estão usando.
Mas, pelo menos, as abotoaduras estão firmes no punho do terno.
Assim que volto minha atenção para o Conselho, vejo um quarto homem
entrar na casa.
— Don Giuseppe — Vicenzo diz e nos cumprimentamos da mesma
forma desagradável.
Quero fazer um comentário sobre a necessidade do uso extremo de
colônias caras, mas fico calado, mesmo estando à beira de ser sufocado pelo
cheiro. Um veneno mais potente do que carrego, com certeza. Giuseppe é
mais calmo que os outros, com um nariz romano que ocupa metade do rosto,
olhos muito azuis e cabelo grisalho.
Quando o homem sai da frente, sinto meu coração galopar dentro do
peito. Sei o que vai acontecer agora e não tenho certeza se estou pronto para
isso. Aquele mau presságio ainda não me abandonou.
É então que o último homem entra na casa, cruzando a porta com o
queixo erguido e a coluna ereta. O ar muda, fica mais frio e pesado, e a
vontade que tenho é de ir embora daqui e nunca mais voltar. Puxar Mia, meus
irmãos, entrar em um carro qualquer e começar uma vida nova a milhares de
quilômetros daqui. Que nem minha mãe fez.
Só que não sou minha mãe e coragem nunca me faltou. Por isso, dou
alguns passos à frente.
— Massimo Costello, benvenuto nella nostra casa [74]— falo em
italiano, do jeito que nonna ensinou.
Porém o homem não responde. Apenas me encara de cima a baixo,
como se quisesse me medir. Refreio a vontade de dizer que tenho 1,94m,
89kg e ódio correndo nas veias.
— Sei tu il bastardo? [75]— ele pergunta.
Escuto nonna arfar e Enrico não traduz. Ainda não domino a língua, mas
escutei “bastardo” muito bem.
— Sei tu il figlio di puttana[76] que abandonou a minha mãe? —
respondo na mesma hora, copiando as palavras que ele usou e um
xingamento que aprendi com a minha freirinha.
O ar fica ainda mais gelado na sala e ninguém respira. Até Don Vicenzo
fica calado, enquanto meço o homem à minha frente. Só preciso de um soco e
ele vai para o chão. Não desvio o olhar, não demonstro qualquer sinal de
fraqueza. Para todos os propósitos, sou a porra do Don nesta casa, queira ele
ou não.
— Don Massimo, questo è Sage Wilder, tuo nipote.[77]— Vicenzo
parece ter recobrado a habilidade de falar.
Na mesma hora, o velho cospe no chão, rejeitando qualquer ligação
sanguínea entre nós.
— Questo bastardo non è mio nipote. — Balança a cabeça em negativa
e, desta vez, Enrico traduz no meu ouvido.
— Foda-se — digo, sem me preocupar com as consequências, e dou
mais um passo à frente, parando bem perto de Massimo. — Você não foi
chamado aqui para uma reunião de família, e sim para cumprir com as
funções do Conselho. — Enquanto falo, Enrico repete tudo em italiano.
Escuto algumas pessoas arfarem com a minha afronta, mas a reação delas não
é o suficiente para me calar. — Se não estiver a fim de resolver problemas, a
porta da rua é serventia da casa. Mas se ficar aqui dentro, vai me respeitar.
Ou as consequências serão desagradáveis, Don Massimo.
Por mais que esteja encarando meu avô, vejo nonna erguer o queixo, em
um nítido sinal de orgulho e apoio. Por outro lado, ignoro o modo como os
demais Dons recebem minhas palavras. Não me importo com eles.
— Certo, certo. A viagem foi longa, acho que precisamos de um bom
vinho para acalmar os nervos — Vicenzo fala com um sotaque ridículo, que
me faz lembrar o Mario do videogame. Mesmo assim, não rio, não desvio o
olhar, não faço nada além de encarar o homem à minha frente. — Edwige,
mia cara, beviamo qualcosa.[78]
Sinto Vicenzo dar um tapa no meu ombro, e isso faz com que Massimo
rompa o contato visual. Muito bem.
— Vocês trouxeram outros homens, Vicenzo? — nonna quer saber.
— Ah, sim. Cada um de nós trouxe nove Soldattos e um Capo. Meu
filho relatou o problema, e achamos melhor vir preparados, caso uma atitude
urgente seja necessária — Enrico repete as palavras do Don.
— Molto bene. Vou pedir a um dos nossos para recebê-los — Mia avisa,
se pronunciando pela primeira vez desde que o Conselho chegou.
Conheço minha esposa muito bem e sei que ela estava avaliando cada
um com seu olhar astuto, talvez buscando fraquezas e indícios de falsidade.
Como boa anfitriã, ela para ao meu lado e enlaçamos os braços,
seguindo para dentro da casa. Quando passamos pela sala de estar, onde
todos os meus homens estão esperando, volto o olhar para Coal e Jett. Eles
não precisam ser apresentados a Don Massimo para saberem qual deles é o
nosso avô. De alguma forma rude e masculina, o homem se parece com nossa
mãe. Vejo-o olhar de cima a baixo para meus irmãos, da mesma forma que
fez comigo, e apenas continua andando, como se eles não tivessem a mínima
importância.
Acho que nunca precisei me controlar tanto na vida. E quando Mia
percebe minha hesitação, ela aperta meu braço, me pedindo silenciosamente
para ter paciência.
— Vamos para a sala de reuniões — minha princesa anuncia, guiando-
nos pelo corredor até uma sala que quase não é usada.
Faço um gesto com a cabeça para meus irmãos, pedindo que me sigam.
Quando cruzamos a porta, noto que tudo foi organizado para receber o
Conselho. No centro da grande mesa, há uma jarra de água e outra de vinho,
além de várias taças disponíveis. Fora isso, também foram colocados papéis e
canetas na frente de certas cadeiras, como se indicassem onde devemos nos
sentar.
— Cabeceira — Mia sussurra para mim e faço que sim com a cabeça,
seguindo para o lugar indicado. Percebo que alguns cadernos, com páginas
marcadas, estão empilhados ali.
Vejo Vicenzo tomar a outra ponta da mesa, enquanto os demais homens
se ajeitam nas laterais.
— Por que ela ainda está aqui? — Don Massimo pergunta e Enrico
traduz.
— Porque ela é a minha mulher e fica onde eu quiser — declaro, sem
fornecer quaisquer outras explicações.
— Sage — Vicenzo diz com um tom contido. — Mulheres não devem
estar presentes em reuniões. A função delas é outra.
— Minha esposa. Minha casa. Minhas regras.
— Não é assim que funciona, ragazzo. — É Don Angelo quem entra na
conversa. — Mulheres não servem para participar de reuniões. Elas são muito
emotivas, pensam com o coração. — Quase caio na gargalhada. Esses
homens não têm noção do que Mia é capaz.
Por um segundo, penso em confrontá-los, mas então uma ideia brilha em
minha mente. Olho para Mia e dou uma piscadinha.
— Vá cuidar do almoço, querida. — Ela abre e fecha a boca algumas
vezes, mas não retruca, mesmo que pareça ofendida pelo que acabou de
ouvir.
Mas se os homens do Conselho não souberem que tipo de mulher está ao
meu lado, teremos uma vantagem. Assim, Mia vai poder ficar atenta a tudo o
que acontece sem ser notada. E, mais do que nunca, preciso que ela seja meus
olhos e meus ouvidos.
— Vocês também — Don Giuseppe diz, apontando para Coal e Jett. —
Nesta sala, ficam apenas Dons.
Pelo visto, eles me querem sozinho aqui, encurralado.
— E meu Consigliere — aviso. — Preciso de um tradutor.
Capítulo 28
Sage

Uma coisa que aprendi sobre italianos é que eles gritam muito e
conversam pouco. Xingar é melhor do que resolver, pelo visto.
Estamos há quinze minutos aqui e tudo o que consigo entender é que
ninguém concorda com porra nenhuma. Troco olhares com Enrico, que
parece tão cansado quanto eu.
— Só tenho uma coisa a pedir — digo, me levantando da cadeira e
apoiando os punhos fechados na mesa.
Enrico faz sua parte e repete em italiano.
Na mesma hora, todos me encaram. Todos menos Massimo, que
continua olhando para o papel em branco à sua frente.
— Sage, recebemos informações de que vocês querem a nossa ajuda
para matar Salvatore. Isso é uma afronta — Don Giuseppe se pronuncia e é
logo traduzido.
— Não é bem assim — interrompo-o, apontando para os cadernos. —
Aqui contém informações preciosas. Não queremos sua ajuda para matar
Salvatore. Posso fazer isso sozinho. O que precisamos é de uma atitude do
Conselho. Temos provas de que os Giordanni estão envolvidos com os russos
há tempos. Também sabemos que eles participaram de tráfico de mulheres.
Ainda não temos noção da extensão desse relacionamento, porém ele existe.
— Mas, Sage… — Don Vicenzo começa a falar, mas ergo a mão,
silenciando-o.
— Salvatore Giordanni matou Giovanna, uma mocinha de quatorze anos
da nossa família. — Aceno para Enrico, que pega o celular e mostra a foto
dela para os homens da sala. Um de cada vez, eles veem a imagem. —
Raptada, estuprada, sodomizada, torturada. E o responsável por isso é
Salvatore — declaro com um tom calmo, mesmo que, por dentro, a raiva
esteja fervilhando.
As expressões de choque que seguem parecem fazer algum efeito na
tomada de decisões.
— Tem certeza de que foi ele? — Vicenzo questiona.
— Absoluta. O corpo dela foi encontrado em uma propriedade dos
russos, mas que era mantida por Don Ettore. Hoje, quem a controla é
Salvatore.
— Mas vocês não têm uma prova concreta, certo? Isso tudo é apenas
teoria… — Don Antonio entra na conversa.
— Estamos em guerra com os Giordanni desde que Don Marco matou
Ettore — Enrico começa a falar, ganhando a atenção dos demais. — Depois
que o pai de Sage descobriu que Ettore, o antigo noivo de Paola Costello,
havia matado sua amada com trinta e três tiros, ele resolveu se vingar. Com
isso, foi dado o início de uma guerra entre nós e os Giordanni. No aniversário
do nosso atual Don — aponta para mim —, tentamos traçar um acordo de
paz, mas fomos presenteados com um assassinato em massa dentro da nossa
própria casa.
— Como sabemos que isso que você está dizendo é verdade? —
Francesco pergunta.
— Pensei que italianos não pudessem mentir para outros italianos. —
Volto a me sentar, entrelaçando os dedos sobre a mesa.
— Pelo que me consta, seu nome é Sage Wilder. Não é um italiano —
Massimo desafia, recebendo o troféu de “vovô do ano”.
— Meu pai é um Rossi, minha mãe é uma Costello. Posso ter o nome
que eu quiser, mas o que corre dentro de mim é o sangue quente. Me chame
de bastardo, cuspa no chão e rejeite quem sou. Estou pouco me fodendo para
a sua aprovação.
— Sage… — Enrico alerta.
— Não! — interrompo-o e, mais uma vez, fico de pé. — Estou cansado
de ouvir todo mundo falar de honra e lealdade e, quando preciso de um pouco
dos dois, tenho meu pedido rejeitado. Foi por isso que chamamos o Conselho.
Estamos cansados de mentiras e de armadilhas que nos matam. Precisamos
que vocês legitimem nossas ações e nos ajudem a combater aqueles que
viraram as costas para o que é mais sagrado.
O silêncio toma conta da sala e os homens revezam olhares entre si.
Enquanto isso, espero pacientemente uma resposta. Ao meu lado, Enrico está
apreensivo, mas começa a catar coisas nos cadernos que Mia encontrou.
— Aqui diz que Don Marco enviou cartas a você, Don Vicenzo,
narrando as suspeitas que tinha — meu Consigliere diz e o mais velho
assente com a cabeça, concordando. — O senhor acreditou nas palavras dele?
— Sempre acreditei em Marco — declara com firmeza. — Mas
precisamos de provas. Não posso simplesmente ordenar um ataque contra
Salvatore.
Se ele quer provas, então é isso o que vai ter. Tiro o celular do bolso e
ligo para Mia, enquanto sinto todos os olhares sobre mim.
— Mande Luana vir até aqui — falo para minha mulher assim que ela
atende a ligação. Não espero uma resposta e encerro a chamada.
— Sage, o que você está pensando em fazer? — Enrico sussurra no meu
ouvido, para que apenas eu escute suas dúvidas.
Não respondo. Apenas espero a chegada da garota.
Nem um minuto se passa e batidas hesitantes na porta ecoam dentro da
sala.
— Entre — ordeno e vejo Luana dar alguns passos à frente, parecendo
bastante desconfortável. Porém suas feições estão bem melhores do que
quando a vi pela primeira vez. O cabelo loiro está mais cuidado, o rosto mais
redondo e as olheiras menos visíveis. Pelo visto, sair da casa dos Giordanni
fez um bem danado a ela. — Esta é Luana, filha de Don Ettore e irmã gêmea
de Salvatore.
Os homens a encaram, fazendo com que ela se encolha sob o escrutínio.
— Me chamou, Don Sage? — pergunta de forma educada.
— Sim, Luana. Precisamos da sua ajuda — revelo e ela franze o cenho.
— Acontece que esses senhores não acreditam em mim quando digo que seu
irmão é um sádico. Acham que estou exagerando. Por isso, gostaria que desse
o seu próprio relato de como foi a sua vida antes de ser acolhida pelos Rossi.
Luana arregala os olhos, sua respiração acelera e toda a cor some de seu
rosto. Sei que não estou sendo justo com ela ao pedir que relembre todas as
coisas ruins que aconteceram em sua vida, mas vivemos tempos complicados
e precisamos pôr um fim a tudo isso. E, afinal de contas, ela mesma se
ofereceu.
Notando o desconforto da jovem, Don Vicenzo se levanta da cadeira e
vai até ela, colocando as mãos em seus ombros.
— Calmati, ragazzina, andrà tutto bene[79] — fala em um tom manso e
vejo-a respirar fundo duas vezes, antes de consentir em ajudar.
Luana leva alguns segundos se preparando, os dedos se enroscando em
um gesto nervoso. Ela olha para mim, apreensiva, e apenas faço que sim com
a cabeça, incentivando-a a continuar.
— A primeira vez que Salvatore me… — Ela para, sem conseguir dizer
a palavra, e fecha os olhos. — Eu tinha dez anos e estava deitada na cama.
Naquela época, compartilhávamos o quarto. Ele se deitou ao meu lado e
começou a me tocar. Disse que precisava ver…
Agora, lágrimas escorrem por seu rosto, como se contar a história fosse
dolorido demais. Sinto um bolo se formar em minha garganta ao ver seu
desespero, mas sei que ela precisa revelar a verdade se quisermos ter alguma
chance contra Salvatore.
— As coisas foram evoluindo. De início, eram apenas toques curiosos.
Depois, ele enfiava objetos… — Luana deixa um soluço escapar. — Quando
eu tinha treze anos, tudo saiu do controle. Tentei conversar com a minha
nonna, mas ela disse que isso era normal. Que as mulheres precisavam
cumprir com as vontades dos homens. Eu tinha medo de contar para a minha
mãe, porque ela sempre foi muito leal ao meu pai. Mas Salvatore… Salvatore
me… me…
O choro vem em enxurradas, e Luana logo é envolvida pelos braços
gentis de Vicenzo.
— Basta, piccola. Grazie por ter contado.
Levanto-me da cadeira e vou até ela, que corre para os meus braços e
começa a chorar.
— Vou fazer com que ele pague por todas as coisas horríveis que fez a
você — sussurro em seu ouvido. — A partir de hoje, se você quiser, será uma
mulher honrada na casa dos Wilder, e nunca mais precisará sair daqui.
Luana me aperta com mais força, como se agradecesse silenciosamente
pelo meu apoio. Na verdade, sou eu que preciso agradecer. A sala está em
silêncio. Os homens permanecem calados, absorvendo o impacto do que
acabaram de ouvir.
— Por favor, peça para Natasha entrar — digo a ela, guiando-a até a
porta.
— Certo, Don. — Luana vai embora, mas a porta continua aberta.
— Quem é Natasha? — Vicenzo quer saber.
— Outra vítima de Salvatore — explico e ele se assusta. — Na verdade,
conseguimos recuperá-la antes que fosse tarde demais.
Durante a semana, Mia teve a chance de conversar com a menina e
descobriu algo que fez os pelos da minha nuca ficarem em pé.
Não demora muito para que Natasha entre na sala. E, assim como
Luana, parece bastante incomodada. Ao lado dela, está Ana, outra mulher que
resgatamos e a mesma que saiu com Mia para ver o restaurante dos
Giordanni.
É ela quem começa a narrar, dizendo que foi trazida para cá pelos
russos. De início, foi prometido a ela um emprego no Gio’s. Ela sabia que
ficaria ilegal no país por um tempo, mas que, depois de seis meses,
conseguiria as documentações e poderia trazer seus filhos.
Quando chega a vez de Natasha falar, Ana serve como tradutora, porque
a menina fala uma língua que nenhum de nós conhece. Talvez russo, talvez
polonês, sei lá… Mas o importante é o que revela: seu pai havia contraído
uma dívida enorme com apostas. Agiotas ameaçaram sua família por meses,
até que levaram seu irmão recém-nascido embora. Prometeram devolver a
criança quando o pai quitasse o que devia. Como ele não tinha dinheiro,
vendeu a filha para um italiano nesta cidade, mesmo que ela ainda não tivesse
completado quinze anos. As negociações foram rápidas e, antes que pudesse
fugir do seu destino, Natasha já havia sido aprisionada por alguns homens.
Completou quinze anos dentro do caixote em que foi trazida.
Tenho certeza de que ela seria vendida para Salvatore.
— Além desses relatos chocantes — volto a falar assim que as mulheres
saem da sala —, temos as provas recolhidas por meu pai, alguns informantes
que também estão dispostos a depor e as certidões de óbito dos membros da
minha família. Já matei vários Giordanni, e continuarei matando até não
sobrar nenhum para contar a história.
— A não ser Luana — Francesco diz.
— Ela será uma Wilder muito em breve — declaro, sem entrar em
detalhes. — Fora que ela é uma vítima e não está disposta a voltar para a
própria família, não depois de tudo o que aconteceu.
Desta vez, encaro meu avô, em uma guerra silenciosa que diz muito
mais do que palavras são capazes.
— Sage… — Antonio começa a dizer, mas não deixo que prossiga.
— Luana terá um lugar conosco pelo tempo que desejar. Assim como as
mulheres que resgatamos. Diferente de muitos italianos, não viramos as
costas para aqueles que precisam. Não ficamos presos às falsas regras
moralistas porque elas servem aos nossos propósitos — alfineto, sem tirar os
olhos de Massimo Costello. — Estamos em guerra com os Giordanni,
sabemos da ligação deles com os russos, apresentamos todas as nossas provas
e até mesmo as teorias. Agora, cabe a vocês decidirem o que será feito daqui
em diante.
Capítulo 29
Mia

O celular vibra em meu bolso e afasto o ouvido do copo de vidro


grudado na grossa porta de madeira para ver quem é. O nome de Sage na tela
faz que me distancie alguns metros. Nonna não desgruda seu ouvido, mas faz
uma careta para mim, explico apenas com os lábios que é Sage e ela gesticula
para que eu atenda logo.
— Pronto?
— Mande Luana vir até aqui — mio marito ordena e desliga.
Luana, assim como Martina, mamma, outras mulheres e algumas das
que resgatamos, estão na sala de jantar, rezando o terço.
— Vou buscar Luana — aviso à nonna, que segue escutando a conversa
do escritório com seu copo.
Confesso que não entendo como ela, que escuta Pavarotti no último
volume, é capaz de ouvir algo com esses copos, já que eu mesma quase não
escuto, a não ser quando um deles levanta a voz.
Acelero o passo e convido as três para que me acompanhem. Nenhuma
delas questiona, conversamos sobre essa possibilidade algumas vezes na
última semana. Foi a Luana que se ofereceu para depor, se necessário. Fico
com raiva do bando de velhos carcomidos que não acreditam em Sage e
precisam fazer essas mulheres passarem por todo o sofrimento de relembrar o
que viveram. Principalmente Luana e Natasha, duas crianças, que foram
abandonadas à própria sorte pelas pessoas que deveriam protegê-las. Elas me
acompanham em silêncio e antes que Luana entre no escritório, desejo boa
sorte.
Encosto meu ouvido novamente no copo, assim que ela entra e a porta
se fecha. Mal consigo escutar alguma coisa, além de um soluço mais alto e a
voz de Don Vicenzo dizendo que ela pode parar de falar.
Facilmente identificamos os barulhos dela se aproximando da porta e,
antes de abri-la, nos afastamos. Posso ouvir Sage pedindo que chame as
outras, pela fresta que Luana deixa.
Seu rosto está vermelho, o nariz escorre e ela tenta limpar as lágrimas e
o rosto em vão. Ana e Natasha a abraçam, com palavras de incentivo e depois
entram no escritório, Nonna escora o ouvido na madeira e eu ofereço os
braços à Luana. Ela se joga em minha direção, procurando algum tipo de
conforto.
— Obrigada, bambina. — Afago seus cabelos. — Sei que temos nossas
diferenças e que nossas famílias fizeram muito mal uma à outra, mas você
sabe que sempre terá um lugar em nossa casa, se quiser ficar.
— Grazie. — Ela afasta seu corpo um pouco do meu, sem perder o
conforto de meus braços, e continua a falar quando encontra meus olhos. —
Pensei que eu nunca diria isso, Mia, só que a verdade é que vocês cuidaram
melhor de mim nesses meses do que a minha família durante toda a minha
vida. — Ela dá uma fungada. — Não consigo perdoar, ainda, a morte de
meus pais e do meu irmão, mesmo eles todos sendo cúmplices do Salvatore.
Mas hoje meu sentimento de gratidão pelos Rossi — faço uma careta para ela
—, pelos Wilder — ri — é maior do que essa raiva.
— Todos perdemos nessa guerra maledetta. Mas não podemos perder as
esperanças de que dias melhores estão por vir — digo à Luana.
— A esperança está aqui. — Ela faz um carinho em minha barriga. —
Esse bebê vai nascer em uma cidade em paz e segura, caso seja uma menina.
— E se for um menino, o ensinarei desde sempre como respeitar, amar,
proteger e cuidar de uma mulher. — Acena com a cabeça e um pequeno
sorriso é esboçado em seu rosto.
Abraço-a com força, agradecendo. Sei que seu testemunho faz toda
diferença para o Conselho. Ana e Natasha saem da sala e a porta é fechada
novamente. Enquanto elas vão em direção à sala de jantar, nonna e eu damos
as mãos e começamos a rezar. Até a madeira estalar e sairmos correndo para
nos juntarmos às outras. Porque além de termos que alimentar quase uma
centena de homens famintos, pelo que escutamos, sabemos que essa pode ser
a última refeição da maioria deles.
— La morte ti troverà vivo[80] — digo enquanto derramo a infusão de
tomilho pelo corpo de Sage. — E la vita ti riporterà a casa[81]. — Viro-o
para que fique de costas, enquanto o líquido escorre por suas paletas. —
Possa il tuo corpo sopportare il dolore e le ferite[82]. — Giro novamente seu
corpo, fazendo nossos olhos se encontrarem. — E possa la tua anima
guerriera essere spietata[83].
Termino de derramar o chá em sua pele e pego a toalha para secá-lo.
Sem esfregar ou apertar, deixando que a energia da erva fortaleça sua carne.
Nas guerras gregas, soldados se banhavam com chá de tomilho, uma erva
aromática típica do sul da Itália. Seu nome, de origem grega, significa
coragem, e desde os mais antigos relatos da Stregheria[84], mulheres utilizam
de seus poderes para proteger seus homens.
— Eu te amo, Mia — Sage diz, sua voz sufocada, desesperada.
— Psiu! — Coloco o dedo em sua boca, pedindo silêncio.
Continuo passando o tecido felpudo por ser corpo, absorvendo o excesso
de água. A cada pedaço de pele seca, repito em oração para a deusa Diana,
para Madonna e todas as mulheres santas que protejam mio marito. Que não
permitam que meu filho seja órfão, que não deixem que o nosso sangue jorre
mais.
Sage observa com atenção cada um dos meus gestos. Ele está sério. Não
sei se também tem os mesmos medos que eu. Aqueles que não ousamos
pronunciar em voz alta, para não atrair a sfortuna[85].
Largo a toalha no chão do banheiro e dou as mãos ao meu marido,
conduzindo-o até o quarto. A roupa já separada em cima da cama, assim
como as armas que portará. Começo pela cueca boxer preta. Pego a peça e me
ajoelho para que ele vista. Sage passa um pé, depois o outro. Subo o tecido
por suas pernas, repetindo o meu rosário de orações. Afivelo a bainha da
Sarita em seu tornozelo, antes de vesti-lo com a calça jeans surrada.
Abraço Sage pelas costas, enquanto ajusto o coldre da cintura com
espaço para duas das quatro pistolas dispostas em cima da cama. Então, pego
a camiseta. Sage abaixa-se um pouco e levanta os braços. Deixo que o tecido
escorregue pelo seu corpo. O último coldre, aquele que visto em seu peitoral,
carrega as outras duas armas.
Por cima de tudo, a jaqueta de couro, com as abotoaduras reluzentes.
Seguro sua mão e beijo a pele avermelhada de sua última tatuagem.
— Ti voglio benne. — Procuro por seus olhos. — Te amo muito —
repito em sua língua. — E não vou te perdoar se você morrer nesta guerra —
declaro.
— Vou me esforçar ao máximo, princesa, pra não te decepcionar. — Ele
me puxa para os braços e sua boca busca a minha em desespero.
— E’è meglio vivere un giorno come un lupo che vivere mille anni come
una pecora[86] — repito para ele a frase que mio nonno sempre dizia. —
Ainda assim, quero meu lobo vivo. — Coloco as mãos dele em cima da
minha barriga. — Nós queremos.
As mãos de meu marido envolvem minha cintura. Permito-me
aproveitar daqueles segundos que ainda nos restam.
— Se eu não voltar…
— Psiu! — Calo sua boca com a minha. — Não diga cazatte[87].
— Você foi a melhor coisa que aconteceu em minha vida, Mia. — Seus
olhos lustrosos tentam esconder aquilo que acha que pode ser vergonhoso.
Ele me aperta contra o seu peito. Eu sei. Também estou com medo.
Coloco cada uma das armas em seus lugares. Primeiro Sarita, depois as
pistolas e munições. Por último, pego a submetralhadora pela alça e ajusto no
ombro de Sage.
— Você também, Sage Wilder, é, e continuará sendo, a melhor coisa de
la mia vita[88] — Deposito um beijo em sua face. — Pronto?
Ele sacode a cabeça em negativa. Mesmo assim, abro a porta do nosso
quarto e enlaço meu braço ao dele.
Descemos as escadas em silêncio, devagar. Degrau por degrau,
querendo adiar ao máximo o momento inevitável. Poucos estão no hall,
apenas meus cunhados e irmão, além de nonna, mamma, Martina e Luana.
— Onde estão todos? — Sage pergunta.
— No jardim, te esperando, Don — Enrico responde.
Meu marido agradece com um gesto e começa a caminhar para a porta
de entrada de nossa casa. Todos o seguem.
Paramos no primeiro degrau e, quando os homens veem Sage, ficam em
silêncio a observar. Os Dons do Conselho, empertigados nos primeiros
degraus, o saúdam. São tantos homens abaixo de nós, que por um minuto me
encho de esperanças de que venceremos. Mas não a deixo me iludir. Meu
coração só se acalmará quando mio marito voltar para casa.
— Jett e Enrico, quero que vocês fiquem em casa, junto com as
mulheres e com nossos convidados. — Sage encara os velhos, que
concordam com a cabeça. Menos Don Massimo.
— Eu vou com vocês — ele diz e abre seu terno, mostrando que está
bem-equipado. — Não vou deixar um bastardo limpar a honra da família. —
Olha para Sage, depois para os outros velhos. — Uma guerra é sempre uma
guerra.
Sage se vira para mim, depois para os irmãos. Sei que quer mandar seu
avô à merda, mas a forma que mantém a calma me orgulha. Ele apenas
concorda com a cabeça, sem deixar que as palavras do nonno lhe atinjam.
— Estamos fazendo a guerra hoje, para que a paz possa reinar. — Sage
se volta para os Soldattos e Capos no jardim e começa a falar. Enrico traduz
tudo aos italianos. — Não mataremos ninguém que não mereça morrer.
Estamos lutando pela honra de nossa grande família e pelo respeito às nossas
mulheres. — Mesmo sem citar o nome de Luana, vários homens a buscam
com o olhar. Sage não precisa dizer, a história já se espalhou. — Minha
vontade é pegar a faca e cortar os bagos de todo e qualquer homem que ousou
tocar em uma mulher sem seu consentimento. Mas não posso prometer isso, e
vocês sabem que há certas promessas que fazemos que são mais sagradas do
que qualquer coisa para o nosso povo. — As cabeças sacodem em
concordância. — Todo nós fizemos juramentos ao entrar pra família. Hoje, só
espero que vocês cumpram os seus. — Enrico traduz e os homens colocam a
mão no peito. — Minha palavra é a melhor coisa que tenho a oferecer, e a
ofereço a cada um de vocês, prometendo que todos serão bem
recompensados. — Os homens vibram. — Principalmente aquele que me
entregar os colhões de Salvatore.
Os Dons olham para Sage um pouco aterrorizados, mas os homens
vibram. A confiança, a coragem e a ânsia em fazer justiça se misturam em
gritos de aprovação e urros, que fazem a esperança querer se adornar em mim
novamente. Controlo-a.
— Andiamo! — Enrico grita. — Vocês ouviram Don Sage. Temos uma
guerra a vencer.
Olho para o meu marido, que me toma nos braços e me beija. Um misto
de sensações e medos me invadem.
— Volte pra mim, amore mio — peço contra os seus lábios. — Pra nós.
— Coloco sua mão em meu ventre.
Capítulo 30
Sage

Nunca pensei que uma guerra da máfia pudesse acontecer desse jeito.
Tudo tão… civilizado.
— Como…? — Viro-me para Eddie quando saímos do carro, mas não
sou capaz de formular a pergunta.
— Foi por isso que Lucas insistiu tanto pela presença do Conselho —
ele começa a me explicar, olhando fixamente para a parede de russos e
Giordanni a vários metros de distância. Do nosso lado, dezenas de carros
estacionam e os italianos descem. — Diferente das gangues sem regras, que
saem atirando no meio da rua e colocam em risco a vida de inocentes, as
guerras declaradas pelo Conselho são feitas à moda antiga.
— Isso quer dizer “campo de batalha”? — questiono, ainda incerto.
— Exatamente. O Conselho decreta um local afastado. Todos os homens
da família são obrigados a comparecer. É claro que alguns podem ficar em
casa, caso estejam doentes, sejam velhos ou tenham cargos importantes. Mas
os lares são intocáveis nestes momentos. Os homens devem ir aos campos de
batalha e…
— E todo mundo cai na porrada — completo a frase por ele.
— Faz parte das tradições. — Eddie apoia a mão na arma presa ao
coldre, olhando para frente.
Que loucura, puta merda. Se estivéssemos carregando tochas e espadas,
diria que fomos transportados para algum filme; ou para o século passado,
quando as guerras eram sangrentas, com homens se digladiando sem pena.
Às vezes, acho que não posso mais me surpreender com as coisas que
acontecem neste mundo, mas o oposto sempre acontece.
— Os russos vieram… — falo mais para mim mesmo do que para o
Capo.
— Você tinha razão. — Lucas para ao meu lado. — Os Giordanni
viraram as costas para nós.
— Finalmente você entendeu — debocho, dando alguns passos à frente.
Eddie vem junto, e sinto a presença de Coal logo atrás de mim. — Mas por
que eles vieram? — Paro de andar e encaro Lucas, que apenas franze o
cenho.
— Salvatore deve ter oferecido uma boa recompensa — oferece uma
explicação.
— Salvatore sabia que o Conselho viria — corrijo-o. — Se fosse apenas
a nossa família, faria mais sentido. Eles nos destruiriam e dividiriam o
controle da cidade com os Giordanni. Mas com o Conselho no meio… Por
que eles viriam? Por que enfrentariam uma guerra que não é a deles?
— Tem alguma coisa errada — Coal concorda comigo.
— Será que prepararam uma armadilha? Colocaram bombas, sei lá… —
Eddie sugere.
— Não daria tempo. Salvatore só ficou sabendo da localização minutos
antes de sairmos de casa. Ele sabe as regras — Lucas explica.
A lufada de vento gelado me atinge, e a impressão que tenho é de que
pequenas navalhas cortam minha pele sob a jaqueta de couro. Um arrepio
sobe por minha coluna, porém nada tem a ver com esta maldita cidade fria e
sim com o mau pressentimento que me assola.
— Tem alguma coisa errada — repito baixinho as palavras do meu
irmão, sem esperar que os outros concordem.
Olho para trás e vejo os nossos homens. Ao todo, não temos setenta,
enquanto eles com certeza têm mais de cem. A desvantagem é nítida, e ao
mesmo tempo irrelevante. Não cheguei até aqui para ficar com medo, muito
menos para me tornar um covarde e fugir da luta.
Sei por que estou aqui. Sei por que preciso acabar com esses
desgraçados. Desde que aceitei fazer parte da família Rossi, só vi dor e
sofrimento. Enterrei homens, mulheres e crianças. Presenciei a barbárie de
um sádico. Fiquei órfão. Mas, acima de tudo, descobri quem eu era.
Respiro fundo, olhando ao redor enquanto busco por qualquer sinal de
alarme. Só que nada se destaca. A área abandonada é escura, com apenas um
holofote iluminando o terreno baldio. A luz falha o tempo todo, como se não
houvesse mais energia para mantê-la acesa. À direita, um galpão fechado se
mostra como o único sinal de civilização por perto. À frente, uma fileira de
homens que querem me matar. Atrás de mim, outra fileira de homens
dispostos a defender aquilo em que acreditamos.
— Don? — Danio se aproxima e posso ver a apreensão em seus olhos.
Talvez ele não imaginasse o destino que nos aguardava, e acabou se
deparando com algo muito pior.
— Hoje eu tenho seis armas. Será que a matemática vai ser simples
também? — pergunto, relembrando uma das primeiras conversas que
tivemos.
Ele disse que a matemática estaria a meu favor se eu carregasse uma
arma em cada mão. Na época, eu mal sabia atirar, mas Danio fez questão de
que eu aprendesse.
“Às vezes, tudo que temos é a oportunidade de um tiro.” As palavras
dançam em minha mente, enquanto Sarita se mantém presa à minha perna.
— Seu pai teria orgulho de você — ele diz, me fazendo virar para
encará-lo.
— Não, não teria — afirmo sem qualquer dúvida em minha cabeça. —
Ele odiaria isso aqui, diria que estou sendo precipitado e que há formas
melhores de lidar com um problema.
— Você pensa isso porque o conheceu no fim da vida. Quando éramos
jovens, Marco Rossi tinha mais desejo de sangue do que você. — Danio dá
dois tapinhas no meu ombro. — Agora, vai lá e mate o máximo de russos que
você conseguir.
Aceno com a cabeça e ignoro o frio na barriga. Também ignoro qualquer
tipo de papinho motivacional. Do outro lado do terreno, a menos de
cinquenta metros de distância, estão as pessoas que querem destruir aquilo
que foi construído à base de honra e lealdade — e todos aqui sabem disso.
Antes de sairmos de casa, aceitei as preces da minha esposa e falei o que
precisava ser falado. Mas uma guerra nunca foi vencida com palavras.
Olho para a direita e vejo Massimo Costello de queixo erguido e peito
aberto, como se esperasse a morte chegar. Que morra junto com os russos por
renegar minha mãe e me chamar de bastardo.
Sigo para o centro da fileira, tomando meu lugar de líder dessa merda
toda, e sei que atrás de mim estão as duas pessoas que mais confio aqui.
— Eddie, Coal — chamo. — Preciso de um favor, mas sejam discretos.
Rapidamente, explico o que quero para eles dois, que apenas garantem
que será feito. Assim que os vejo se afastar, tiro duas pistolas do coldre,
aponto uma na direção dos russos e aperto o gatilho.
Que os jogos comecem.
Eu deveria ter fugido desta loucura no instante que Don Marco
confirmou que era meu pai. Deveria ter ignorado o dinheiro que recebi — e
nunca usei — para me casar com Mia. Deveria ter negado o convite para
Soldatto e, depois, para Capo. Eu deveria ter feito muitas coisas diferentes,
porque agora é tarde demais. A crueldade que corre em minhas veias parece
ficar mais palpável a cada batida do coração, e eu amo cada segundo da
chacina que se desenrola à minha frente.
Enfio Sarita no olho de um desgraçado e sorrio ao sentir os pingos de
seu sangue molharem meu rosto. Ao meu lado, Eddie gargalha ao ver o russo
se contorcendo no chão.
Uma pena que não possam sofrer lentamente, seria muito mais gostoso.
— Don! — alguém grita por mim e preciso desviar o olhar.
Vejo Rico me chamando, sua camisa azul manchada com o vermelho de
nossos inimigos, e vou até ele, acertando um tiro no meio da cabeça de
alguém. Minhas balas estão acabando. Merda.
— Eu vi pessoas correndo para o galpão — ele diz, ofegante.
Ao redor, homens estão se socando, russos e italianos estendidos no
chão, enquanto outros continuam lutando. O estampido das pistolas não para
de soar, bem como os berros de dor. Não tenho tempo de descobrir quem está
morto e quem está vivo. No momento, preciso me concentrar em terminar
com isso antes que seja tarde demais para a família Wilder.
— Tem mais munição no banco do carro. Se conseguir…
Escuto o estrondo de uma arma sendo disparada e, no instinto, me
abaixo, puxando Rico comigo.
O tiro perfura a janela da minha Lamborghini, fazendo com que
estilhaços de vidro caiam sobre a minha cabeça.
— Filho da puta! — xingo sozinho, ainda fazendo força sobre Rico, para
que se mantenha abaixado.
— Estamos cercados, Don — ele fala, a voz abafada por conta de suas
mãos cobrindo o rosto.
— Não estamos, não. Pegue munição no carro, eu te dou cobertura.
Tiro do coldre a última pistola carregada que tenho, as outras três já
estão vazias, assim como os cartuchos extras. Não sei há quanto tempo
estamos aqui. Talvez cinco minutos, talvez dez horas… Sob fogo cruzado, o
tempo é relativo.
Estou cansado, ofegante, suando frio e sentindo dor. O sangramento no
meu ombro esquerdo, por conta do tiro que levei, só deixa tudo mais difícil,
mesmo assim, encontro forças para erguer a arma e atirar, dando cobertura
para Rico buscar munição.
Assim que ele volta, recarrega minha submetralhadora, e troco de armas
com ele.
Sintam isso, seus merdas.
A Beretta-PMX faz um barulho ensurdecedor quando solto os quarenta e
cinco tiros em cima dos russos, sem saber a quem estou atingindo ao certo.
Foda-se. Se vieram para cá, sabiam dos riscos.
— Sua vez de me dar cobertura — aviso a Rico, mas não obtenho
resposta. — Rico! — chamo de novo, precisando correr para o lado a fim de
evitar as balas que voam na minha direção. — Rico, caralho!
Mas quando olho para trás, entendo o motivo de ele não estar me
respondendo: seu corpo sem vida está cercado por uma poça de sangue. No
peito, três furos deixam claro como chegou ao seu fim.
— Sage! — uma voz conhecida chama meu nome. Não preciso enxergar
para saber que é Coal. Mesmo assim, procuro por meu irmão, revezando
olhares entre ele e o cadáver de Rico.
Coal está perto, a menos de seis metros de distância, lutando com dois
russos ao mesmo tempo. Solto a Beretta descarregada e corro até lá. Sem
pensar duas vezes, enfio Sarita no pescoço de um deles, chegando por trás.
Vejo Coal desviar de um soco, mas o seguinte o acerta em cheio na barriga.
Ele tosse uma vez, garantindo ao outro homem tempo para encaixar um golpe
em seu queixo. Meu irmão cai para trás.
Tudo acontece em frações de segundos. No instante que tiro Sarita do
pescoço de um, o outro já está montado sobre Coal, repetindo socos em sua
cara.
— Meu irmão não, filho da puta. — Pulo sobre ele, caindo ao seu lado
no asfalto.
Começamos a nos engalfinhar no chão, enquanto tento desviar das
investidas. Por sorte, acabo parando por cima dele. E quando finjo que vou
atingir seu rosto, minha outra mão vem por baixo, enfiando Sarita na lateral
de seu corpo.
— Você tá bem? — pergunto a Coal, guardando a faca e vendo o russo
segurar o ferimento e me encarar com olhos arregalados.
— Já estive melhor — ele diz, grunhindo.
— Temos que caçar alguns filhos da puta — aviso.
Sem qualquer chance de me prolongar nos cuidados fraternos, levanto-
me do chão e sigo na direção do galpão, onde Rico havia indicado que alguns
inimigos se refugiavam. Quando estou prestes a entrar, uma bala passa de
raspão na minha orelha. A ardência chega segundos depois, ao mesmo tempo
que sinto sangue escorrer pela minha bochecha.
Essa foi por pouco.
Chuto a porta com força e entro no galpão. Coal vem logo atrás de mim.
Eddie também.
— O que… — meu Capo começa a falar, mas ergo uma mão fechada,
pedindo para que se mantenha em silêncio.
Precisamos ouvir qualquer sinal de inimigos por aqui. Talvez Salvatore
seja um deles. Ainda não vi o filho da puta no campo de batalha, e espero
encontrá-lo antes que ele consiga escapar.
Eddie aponta para um lado e sei o que ele quer dizer. Por isso, apenas
assinto com a cabeça. Coal indica o lado oposto. Assinto de novo. Seus
passos são tão silenciosos quanto os meus ao caminharem mais para dentro
do espaço.
Isso parece ser um depósito de máquinas, ou sei lá o quê. Caixas de
madeira estão empilhadas lado a lado, e tecidos cinzas escondem o que
imagino ser algum tipo de maquinário. Talvez tratores. Não tenho ideia, nem
tanta curiosidade a ponto de tentar descobrir.
Apenas sigo pela parte central, mantendo-me próximo às caixas.
Um russo aparece do nada, apontando uma arma para mim. Com a
adrenalina, acabo virando meu corpo e agarro seu braço, torcendo-o em
seguida. O homem solta um grito de dor e deixa a pistola cair no chão. Sem
pensar duas vezes, chuto seu peito com força, fazendo-o voar dois metros
para trás.
Pego a arma caída. Um tiro bem no meio da testa é suficiente para
garantir que ele não levante mais.
Sigo andando pelo galpão, passando por mais panos empoeirados, que
formam montanhas no meio do nada. Tento escutar qualquer som atípico,
mesmo que o som frenético de tiros do lado de fora esteja atrapalhando a
busca. Foco meus sentidos.
Outro russo surge no meu caminho, saindo de trás de uma caixa. Em
reflexo, abaixo um pouco enquanto ele atira onde minha cabeça estava. Só
que a bala da minha pistola o atinge na perna. Ouço seu grito de dor e acabo
com o sofrimento na hora, deixando um tiro em sua cabeça. Só por garantia.
Detrás de outra caixa, um outro homem aparece. Escondo-me atrás de
uma das máquinas cobertas, enquanto ele atira, e checo quantas balas me
restam. Quatro. Puta merda, onde estão Coal e Eddie? Respiro fundo e saio
do lugar, ganhando visão para o meu inimigo. Sabendo que não tenho
margem para erro, deixo um tiro certeiro o atingir no peito. É neste momento
que outro desgraçado surge ao meu lado. Sinto o cano quente da sua arma
tocar a lateral da minha cabeça. Não tenho tempo de rezar nem de fazer nada.
Apenas escuto o estrondo.
Mas não morro.
Olho para a esquerda e vejo o corpo do cara caído no chão. Atrás dele,
Eddie sorri.
Aceno em gratidão e ele me arremessa uma outra submetralhadora. Pelo
visto, eles cumpriram com meu pedido e esconderam armamentos aqui antes
de eu dar o primeiro tiro.
— Tem mais? — quero saber.
— Peguei mais três. — Eddie afasta as abas da jaqueta, revelando as
armas recém-abastecidas. — Tem mais essa. — Estende uma Glock para
mim, e eu a coloco no coldre.
— Viu Salvatore em algum lugar? — pergunto, olhando para os lados
em busca de mais russos, ou italianos traidores.
— Não. Nem Mikhail — Eddie diz. — Vi Nicolai brigando lá fora. O
cara está descontrolado, Sage.
— Estou pouco me fodendo para Nicolai. Quero saber onde está o filho
da puta do Salvatore.
Antes que eu consiga concluir o pensamento, escuto um grito à direita.
Coal.
Eddie e eu corremos até lá, apenas para ver meu irmão agarrando a
mesma perna que já havia machucado. Sobre ele, um homem de cabelos
vermelhos aponta uma arma para sua cabeça.
Mal tenho tempo de calcular a trajetória do arremesso e Sarita já está
voando da minha mão, atingindo o ruivo bem na nuca e fazendo-o tombar em
cima de Coal.
— Por que não atirou? — Eddie questiona enquanto seguimos para
ajudar meu irmão.
— Não sou tão bom com armas, mas Sarita nunca erra o alvo. — Pisco
para ele, removendo o corpo sem vida do russo. — Você está bem? —
pergunto para Coal.
— Atiraram na minha perna. De novo! — A última frase sai em um
grito frustrado e preciso controlar minha vontade de rir.
— Deve ser carma. — Estendo a mão direita e o ajudo a se sentar. —
Fica aí. Eddie, verifique se sobrou alguém aqui dentro. Preciso voltar pro
campo, e me chamem se encontrarem Salvatore. Ele é meu — aviso e jogo
um beijinho debochado para Coal, que me responde com o dedo do meio.
Tadinho, vai perder o resto da diversão.
Capítulo 31
Mia

O silêncio que fica é ensurdecedor depois que os carros passam pelo


portão. Olho para nonna agarrada em seu terço. Don Vicenzo e os outros
sobem os degraus calmamente, conversando bobagens, como se nada
estivesse acontecendo. Vejo a cena e me pergunto se eles não têm amor aos
seus — afinal, entre os Soldattos e Capos que trouxeram estão seus filhos e
netos — ou se tem tanta confiança em nossos homens que não sentem medo.
— Martina — chamo por minha cugina. — Prepare café e chá e leve pra
sala de estar. Preciso ter uma conversa com os Dons. — Ela me olha,
confusa. — E você vai me ajudar.
Sigo os velhos pela escada e os convido para se sentarem na sala de
estar. Eles agradecem a gentileza e me acompanham, acomodando-se nas
poltronas, acendendo seus charutos e conversando sobre assuntos tão
insignificantes para nós, que o sangue me sobe. Don Giuseppe, primo de meu
falecido nonno, começa a me contar algumas histórias de quando eram
bambini e passavam as férias juntos. Eu o olho sorridente, concordando com
tudo o que diz e dando alguns risinhos em momentos engraçados, enquanto
meu cérebro fervilha, tentando achar uma forma de entrar nos assuntos que
quero.
Martina chega à sala, acompanhada de Luana, carregando duas
bandejas. Oferece café ou chá para os homens e os serve. Luana fica parada,
segurando a outra bandeja sem saber o que fazer.
— O que é isso? — pergunto.
— Nonna disse pra trazer também alguns biscottis[89] e canestrellis.[90]
— Martina dá de ombros enquanto serve café a seu tio.
— Edwige sempre foi uma excelente confeiteira — Don Vicenzo diz, a
conversa tomando o rumo em italiano, já que nenhum dos homens fala tão
bem a nossa língua, ou então não querem deixar as tradições de lado. Ele
gesticula para que Luana deposite a bandeja na mesa de centro. — Sentem-se,
mocinhas, e apreciem a merenda conosco — convida Luana e Martina,
gesticulando para a sobrinha ficar ao seu lado.
Ambas obedecem.
— Você pretende ficar aqui com os Rossi, menina? — Don Antonio
pergunta para Luana. Engulo em seco. Somos os Wilder agora.
— Não tenho certeza ainda, mas por enquanto vou ficar — ela diz de
cabeça baixa. — Martina tem me incentivado a voltar a estudar.
— Você não precisa estudar, precisa de um bom marido — Don
Francesco diz. — Isso de que mulheres precisam de estudos é coisa deste
país. Em nossa família, garantimos tudo que nossas meninas precisam.
— Podemos te arranjar um bom casamento, se quiser — Giuseppe
argumenta.
Luana se encolhe na poltrona com a possibilidade de um marido
arranjado. Será que esses velhos não se lembram de tudo que ela contou
sobre o que já sofreu? Vejo Martina ficar vermelha e abrir a boca, mas antes
que venha com seus discursos feministas e desperdice minhas chances de
conseguir o que preciso, começo a falar:
— Talvez ainda seja cedo pra Luana pensar em qualquer coisa. —
Sorrio para eles. — Ela é bem-vinda em nossa casa. — Procuro os olhos de
Luana para que ela saiba que o que digo é verdade. — Ela se tornou alguém
por quem temos apreço e estima, e pode ficar o tempo que quiser. — Volto
olhar para os homens. — Mas agradecemos a oferta e, quando chegar a hora,
não nos esqueceremos de suas boas intenções.
— Martina irá casar em breve — Don Vicenzo decreta. — Assim que
resolvermos as coisas, voltaremos à Itália e marcaremos a data. Não é,
menina? — Ele dá dois tapinhas na perna da sobrinha. Martina fica vermelha
e, mais uma vez, não permito que ela fale.
— Uma pena, Don Vicenzo. — Mantenho o sorriso nos lábios. — Ela
fará muita falta aqui, ainda mais com o bebê chegando. — Passo a mão em
minha barriga, os lembrando de que eu carrego o único italiano que une o
sangue de todos nós. — Se ela pudesse ficar mais algum tempo, me seria de
grande ajuda.
— Não sei se é possível, Mia. — Don Vicenzo parece decidido. — Já
enrolamos demais essa data, e o senador…
— Por falar nele — interrompo-o —, sei que o senhor tem as melhores
das intenções, mas já leu as notícias com os escândalos envolvendo o futuro
sogro de Martina? — Arregalo os olhos e coloco as mãos na boca. — Fiquei
chocada com o descaramento dele de assediar a secretária com a esposa quase
morrendo. — Olho para Martina. — Espero que seu futuro marido não siga
os passos do pai.
Todos os homens se incomodam com a minha fala. O jeito como
procuram se acomodar nas poltronas, que agora parecem ter pregos, e o sobe
e desce dos pomos de adão me dizem que consegui, pelo menos, acertar o
primeiro alvo. Falta o segundo.
— Veremos isso no momento certo. — Don Vicenzo coloca fim ao meu
assunto. — E sua mãe? — Ele joga o mal-estar para mim. — Como está
desde a morte de seu pai?
— Levando a vida como pode — respondo sem absorver o impacto que
a pergunta deveria me causar. A tática de Don Vicenzo é boa, mas sou mestre
em usá-la. — Ainda estamos organizando as coisas do papai. Muitos
documentos no escritório.
— Teu irmão deveria fazer isso — Don Francesco diz. — Papéis são
coisas de homens. Afinal, ele é o novo Consigliere dos Rossi.
— Enrico é o novo Consigliere dos Wilder — corrijo e sorrio para ele.
— Não podemos ter uma família italiana com nome americano. — Don
Antonio dá uma gargalhada. — Isso é uma piada de mau gosto.
— Mas podemos ter uma família apunhalando outra pelas costas por
anos? — Luana se encolhe ao entender que estou me referindo aos Giordanni.
— Ter uma família desonrando suas próprias mulheres e fazendo negócios
com os russos? — continuo, mantendo o tom de voz baixo e controlado. —
Meu filho é um Wilder. E querendo vocês aceitar nosso nome ou não, ele é o
mais italiano de todos nós. — Os Dons engolem em seco. — Como eu estava
dizendo — viro-me para Don Vicenzo —, os documentos de papai nos
ajudaram a entender muitas coisas.
Sinto todos os olhares sobre mim. Não posso dizer a eles da função que
me foi dada por meu sogro antes de morrer. Tampouco, posso contar que li os
diários de Don Marco, que fucei em seu escritório, que tenho acesso a todos
os segredos mais obscuros dessa grande família e de toda a sociedade.
— Como o quê? — Don Giuseppe não aguenta de curiosidade. Posso
ver que suas mãos estão suadas.
— A relação com os russos, por exemplo. Tanto meu pai quanto meu
sogro analisaram muitos dados e cruzaram informações até chegarem ao
nome do laranja que os Giordanni usavam pra ocultar seus negócios. —
Sorrio para eles, me fazendo de desentendida. — Vocês sabem, meu pai tinha
acesso a todos os sistemas governamentais.
— Ah, sim! — Don Antonio diz. — Todos os nossos Consiglieri têm.
— Pois é. — Chego aonde preciso. — Por isso que não dá pra entender
como o Conselho nunca percebeu esse detalhe nas prestações de conta dos
Giordanni. — Mais uma vez me faço de desentendida. — A não ser que
vocês soubessem…
— Nunca! — Don Vicenzo cai como um patinho. — A família de
Massimo é a responsável pelas nossas finanças, jamais deixariam uma família
passar a perna em todas as outras.
Não preciso de nenhuma outra informação. Sigo por mais alguns
minutos conversando trivialidades. Pego um dos biscoitos, que já estão quase
acabando, e elogio o sabor.
Vejo Martina sorridente. Ela sabe exatamente o que acabo de fazer, mas
antes que entregue meu jogo, convido Luana e ela para nos retirarmos e
deixarmos os Dons com seus “assuntos de homens”.
— A gente devia formar uma máfia de mulheres, Mia — ela sugere
assim que nos afastamos dos velhos. — E você seria a Donna. — As duas
soltam risadinhas baixas.
— Achei que você não ia segurar sua língua quando Don Francesco
disse que eu deveria me casar — Luana comenta com Martina.
— Não falei porque Mia não deixou. — Minha prima coloca as mãos na
cintura. — E eu não vou voltar pra Itália, nem que pra isso eu tenha que fugir
— declara.
— Um assunto de cada vez, ragazze — digo. — Vamos nos juntar às
outras mulheres e rezar pra que nossos homens voltem inteiros.
Tento não olhar para os ponteiros do relógio, que parecem se arrastar
mais lentamente do que o normal, mesmo que as horas passem voando
enquanto esperamos que eles entrem pela porta da frente — sãos e salvos.
Meu coração se aperta com a possibilidade de não ver Sage de novo. Busco
afastar o pensamento, mas ele insiste em me ocupar.
O tempo passa. Uma, duas, três horas… e quanto mais espero que mio
marito volte, mais ansiosa fico. Resolvo me ocupar e, sem desconcentrar as
outras, saio da cozinha a fim de ver se os velhos precisam de alguma coisa.
Procuro por meu cunhado e Enrico, que ficaram em casa para nos proteger e
não os encontro.
Bato na porta da sala de estar duas vezes, porém não obtenho resposta.
Tento mais uma vez e nada. Então vou abrindo devagar, para anunciar a
minha chegada. Quando espio dentro do ambiente, não enxergo nenhum dos
Dons que eu havia deixado ali, algumas horas antes. Só uma poça de sangue
me chama a atenção.
Don Antonio é o primeiro que vejo caído. O pescoço degolado, os olhos
abertos. O corpo sem vida. Ao seu lado, Francesco no mesmo estado.
Giuseppe está de bruços, e um tiro atravessou a sua carne — pela mancha que
vejo nas costas de sua camisa e pela poça vermelha abaixo dele.
O último que encontro é Don Vicenzo. Por um segundo, vejo um leve
movimento em seu peito. Olho ao redor e tento escutar algum sinal de que
ainda há alguém na sala. Nada, nenhum som. Na ponta dos pés, vou até ele e
coloco dois dedos em seu pescoço, notando que sua pulsação está fraca.
Ainda tem vida, apesar dos três buracos em seu abdômen. Não tenho tempo
de me consternar com as perdas. Saio devagar da sala, olhando para todos os
lados, sem ainda conseguir entender o que está acontecendo. Caminho até a
cozinha atenta, tentando disfarçar o que a cena que acabo de ver significa.
A ladainha das mulheres é baixa, ainda assim, quando entro, vou
tocando em seus ombros, pedindo que continuem, enquanto puxo de baixo da
mesa as cestas de vimes com as pistolas e facas que separamos para caso de
emergência. Vou passando uma a uma, para a mulher ao meu lado, que vai
passando para a próxima, até que todas as mãos estejam armadas.
— O que houve? — mamma pergunta. Os olhos arregalados, o medo a
consumindo.
— Os Dons estão mortos — digo sem rodeios, porém em tom de
sussurro. — Don Vicenzo é o único ainda com vida, mas tem pouca pulsação.
Cuidado — alerto quando duas mulheres, que são enfermeiras, se levantam
com suas armas e vão tentar socorrê-lo. — Ainda não sabemos quem ou
quantos homens invadiram a casa.
Elas concordam com a cabeça e saem da cozinha.
— O que vamos fazer? — Luana pergunta, com uma pistola na mão e
uma faca na cintura.
— Precisamos achar Jett e Enrico — declaro.
— Eles estavam na sala de treinamento — uma das mulheres libertas
informa. — Levei um refresco para eles.
— Volte lá com mais duas mulheres e avise-os — ordeno.
Ela se levanta. Ana e outra delas também, saindo pela lateral da cozinha
e seguindo pelo lado de fora da casa.
— Nicola! — Nonna de repente diz. — Aquela desgraçada!
— Nicola não pode ter matado todos os Dons sozinha, nonna —
concluo, lembrando-me do rosto de cada Don caído. — Mas é melhor checar.
Pode deixar que eu vou. As outras fiquem aqui e estejam preparadas.
Saio da cozinha devagar. Atenta, mas tentando não demonstrar meu
medo. Checo a pequena pistola semiautomática em minha mão. Confiro os
oito cartuchos, destravo, engatilho e continuo a andar. Subo os degraus da
escada, espiando para cima, conferindo a retaguarda a todo momento. Nada.
Nem um barulho, nem um movimento, ninguém andando pela casa.
Ao longe, a ladainha das mulheres vai ficando cada vez mais baixa.
Tento acompanhar a oração, mas não consigo. Toda a minha atenção está
para a porta que vou abrir. Giro a maçaneta e empurro a madeira pesada,
evitando que ela ranja. Mas o quarto está vazio.
As cordas que antes seguravam Nicola agora estão cortadas no chão, e
nem sinal da figlia di una putanna.
Então, ouço um disparo. E gritos. E outros disparos, mais gritos. O
silêncio que antes reinava dá lugar a uma sinfonia de estampidos, gritos de
dor, berros de desespero e uma gritaria sem fim.
Apresso-me pelo corredor, desço as escadas e, quando empurro a porta
da cozinha, enxergo corpos caídos. Nossas mulheres e homens que não
conheço cobrem o piso acinzentado. Procuro por quem está de pé, mas a
primeira coisa que encontro é a mira da submetralhadora que Salvatore tem
nas mãos apontada para mim.
— Acho melhor todas largarem as armas ou então a bonequinha do Don
de vocês morre. — O silêncio se faz novamente quando ele declara, do outro
lado da cozinha, parado à porta que dá para o depósito. — Uma pena, porque
eu gostaria muito de me divertir com ela antes. — Um sorriso malicioso
estampa seus lábios finos.
Deixo a pistola escorregar para o chão. Não consigo olhar para o lado
nem para trás. Não sou capaz de reconhecer as mulheres que me cercam.
Uma sombra se movimenta no depósito. “Que não sejam mais
inimigos”, penso. O movimento que Salvatore faz com o dedo indica que
meu fim chegou. Então, apenas rezo. Rezo por um milagre. Um milagre que
só Madonna poderá me conceder.
Eu não quero morrer. Não posso morrer.
Fecho os olhos.
Em vez do barulho da rajada, escuto algo tombando no chão e a gritaria
recomeça. Abro os olhos. Jett está montado em cima de Salvatore, com a
pistola mirando em sua têmpora. Gritos, disparos, rajadas. As mulheres
reagem. Homens tombam. Abaixo-me para pegar a pistola e, na mesma hora,
sinto um objeto pontiagudo em minha barriga.
— Rilascia mio nipote o ucciderò quella puttana e il suo erede
adesso[91]. — A voz da velha maledetta me dá vontade de vomitar.
Capítulo 32
Sage

— Salvatore não está aqui — Eddie garante após ter checado cada um
dos corpos no chão.
Italianos, russos, amigos e inimigos: todos tiveram o mesmo fim.
Olho para o lado e vejo o pequeno grupo que restou. Coal, Eddie,
Frederico, Lucas e Jerry respiram pesadamente enquanto tentam recuperar o
fôlego.
— E Danio? — quero saber. — Alguém encontrou seu corpo?
— Não, Don Sage — um homem da família Battaglia responde e, por
um momento, me sinto aliviado. Se não tem corpo, é porque ele ainda está
vivo. Ou assim espero. — Procuramos em todos os lugares. Também não
achamos Mikhail nem ninguém com uma cicatriz no rosto.
Balanço a cabeça em afirmativa.
Vencemos a batalha, mas a guerra ainda não chegou ao fim. Não
enquanto a cabeça de Salvatore estiver presa ao seu corpo. Preciso dela em
minhas mãos para ter certeza de que o filho da puta está morto. Só assim vou
relaxar.
— Sobreviventes? — pergunto, olhando para as dezenas de cadáveres.
— Alguns. — Coal para ao meu lado, apoiando o peso do seu corpo em
meu ombro machucado. Travo os dentes, tentando não demonstrar sinais de
dor, mas sinto as fisgadas cravarem no meu estômago. Olho para baixo e vejo
que ataduras manchadas de vermelho envolvem sua perna machucada: meu
irmão também luta contra a vontade de gritar. — Eddie levou alguns russos
para o galpão. E os nossos já estão indo para a clínica do dr. Fontana.
— E por que você não foi com eles? — questiono, mas meu irmão
apenas dá de ombros.
Mesmo sem dizer nada, eu o entendo: também não teria ido embora. Só
que alguma coisa continua me incomodando. Tenho a impressão de que foi
tudo… simples demais. Somos bons, mas não tão bons assim. Porém não
verbalizo meus pensamentos, apenas continuo olhando em volta, buscando
alguma coisa que justifique a nossa vitória.
— Nicolai? — pergunto a ninguém em específico.
— No galpão — uma voz explica e não me viro para saber quem é. Não
importa.
Sigo para a área indicada e, assim que cruzo a porta, vejo que há uma
fileira de homens ajoelhados no chão. Todos machucados, cansados e sem
qualquer sinal de esperança em seus olhos. Dentre eles, o único que se debate
é Nicolai, o líder da Bratva na cidade, mas as cordas que o mantém preso não
permitem que ele saia do lugar.
— Boa noite, senhores — digo com um toque de deboche, exibindo um
sorrisinho torto.
— Sage Wilder — Nicolai pronuncia meu nome devagar, me olhando de
cima a baixo. — Você deveria ter vindo trabalhar para mim quando teve a
chance.
— E estar morto a esta altura do campeonato? Não, obrigado. —
Agacho-me à sua frente, mantendo apenas um metro de distância entre nós.
— Onde está Salvatore?
— Você tem talento, rapaz. Dá para ver por que seu pai fez questão da
sua presença na família. Eu e Marco tínhamos um combinado, sabe?
— Olha bem pra minha cara e me diga se estou com paciência para
conversar agora — interrompo-o. — Fala logo, Nicolai. Ou você é tão leal a
Salvatore que prefere morrer a entregá-lo para mim.
— Como se você não fosse me matar de qualquer jeito…
— Digamos que hoje eu acordei piedoso. — Encaro o homem, que tem
o supercílio cortado e uma linha de sangue descendo pelo seu rosto. — Se
você me disser onde aquele filho da puta está, garanto a sua liberdade e a dos
seus homens. — Com a cabeça, indico a fila de oito russos ao nosso lado.
— Não vai me ameaçar com tortura? Sabemos que esse é o estilo
italiano de conseguir respostas — Nicolai ironiza.
— E a Bratva não faz isso? Somos farinha do mesmo saco. A única
coisa diferente entre nós é a língua que falamos e o fato de não traficarmos
mulheres. De resto… — Dou de ombros, o movimento me causando dor na
mesma hora.
— Existem muitas coisas que nos diferenciam, Sage Wilder. A mais
importante é que os russos não têm medo do trabalho sujo, contanto que nos
traga aquilo que precisamos.
— Blá-blá-blá… — Reviro os olhos. — Vai me contar onde está
Salvatore ou não? Juro, Nico, estou cansado, sem paciência e com uma
vontade louca de trepar com a minha mulher. A última coisa que quero agora
é ficar ouvindo você falar sobre o código moral do seu time de derrotados.
— Derrotados — ele repete a palavra com cuidado e ergue o olhar para
encontrar o meu. — Quem disse que perdemos? — O tom que usa faz com
que um calafrio suba por minha espinha.
Fico de pé e endireito as costas, encarando-o confuso.
— As dezenas de corpos lá fora garantem a sua derrota — falo, sentindo
a incerteza me dominar.
— Se você diz…
— Onde está Salvatore? — solto a pergunta de novo.
— É engraçado, Sage. Você sabia que seu pai e eu tivemos uma
conversinha pouco antes de ele te recrutar?
— Já disse que não estou a fim de bater papo agora, Nicolai. Onde. Está.
Salvatore? — Sarita pesa no coldre, doida para ser usada outra vez.
— Não, não. Me deixa contar. Acho que você vai gostar muita dessa
história. — A voz dele carrega um tom animado, que me faz desconfiar de
suas intenções. Troco olhares com Coal e Eddie, e ambos parecem
compartilhar da minha preocupação. É por isso que permaneço calado e
encaro o russo à minha frente. — Como estava dizendo, seu pai e eu tivemos
uma conversinha. Ele veio me pedir para não me meter com vocês três.
— Mas Mikhail me convidou para…
— Eu sei, eu sei — Nicolai me interrompe. — Tudo parte do jogo, meu
caro. Marco estava preocupado com vocês três, principalmente você, Sage.
Odeio admitir isso, mas Marco foi um dos homens mais sensatos que já
conheci em toda a minha vida. Por isso, aceitei o pedido e me mantive
afastado. O convite foi só uma forma de te empurrar na direção certa.
Enquanto ele narra a ladainha sem fim, fico me perguntando por que
diabos meu pai foi conversar com ele. Será que tinham assuntos em comum
ou foi apenas para garantir que meus irmãos e eu não parássemos na gangue
rival?
— É mentira. Meu pai nunca pediria nada a alguém como você —
acuso, minha respiração pesada, enquanto Nicolai apenas sorri.
— Para de enrolar, seu merda. — Coal perde a paciência e caminha até
ele com Joana apontada para a testa do chefe da Bratva.
— E eu pensei que o Sage fosse o estressadinho da família — Nicolai
ironiza e acho que estou virando budista neste momento, de tanto
autocontrole que preciso manter. — Enfim, era só isso mesmo. E é claro que
é mentira. — Dá uma gargalhada.
Franzo o cenho, confuso.
— Hein?
— Sabe, acho engraçado como vocês enchem a boca para falar de como
são respeitosos e protegem suas mulheres e tal. Mas onde elas estão? — O
sorriso que estampa o rosto de Nicolai é de pura crueldade. Exibindo os
dentes amarelados e tortos, ele solta uma gargalhada alta.
— Era uma distração — sussurro, sentindo meu coração acelerar. O ar
me falta, minhas pernas parecem feitas de gelatina. E quando olho para Coal,
sei que ele está do mesmo jeito.
— Boa sorteeee — Nicolai cantarola, fazendo com que a raiva ferva em
minhas veias.
— Joana. — É tudo que digo para Coal antes de sair correndo, e sei que
meu irmão entendeu a mensagem quando chamo por sua fiel companheira:
mate todos.
Eddie entra no banco do carona no instante que me sento no do
motorista e giro a chave, dando partida no carro. Os pneus cantam alto, e não
tenho ideia se outros homens da minha família estão vindo atrás. Não
importa. Nada importa. Apenas ela… Minha mulher, meu amor, minha Mia.
O velocímetro indica que estou a quase 200km/h, em plena cidade.
Dirijo como um louco, vendo flashes de nós dois piscarem em minha mente.
O dia que a conheci, e ela estava com aquela maldita blusa cheia de
botões e babados. Nosso primeiro beijo, na festa de noivado. A primeira vez
que a fiz gozar, no banco do carro. Quando tirei sua virgindade na noite de
núpcias… E todas as coisas que vivemos depois. Todas as vezes que ela
esteve ao meu lado, me apoiando e dizendo que eu merecia o mundo. Se não
fosse por Mia, não estaria aqui. Não seria Don. Não teria uma família.
Nem um filho a caminho.
Preciso de Mia do mesmo jeito que preciso respirar.
Sou dependente dos seus olhos claros, da sua boca grossa, do toque
atrevido e das palavras que me incentivam a fazer o que for necessário.
Mia é minha ruína e minha salvação — e se qualquer filho da puta tiver
encostado um dedo nela, vai descobrir o significado de dor.
Quando vejo a enorme casa dos Rossi, meu coração está batendo tão
rápido que parece prestes a explodir dentro do peito. Sabendo da minha
urgência, Eddie abre o portão a vários metros de distância, tanto que, quando
faço a curva para entrar na mansão, há um espaço entre as grades. Não o
suficiente para o carro passar com folga, o que garante vários arranhões na
lataria. Foda-se. Não preciso de uma Lamborghini, ainda mais com os vidros
quebrados. Preciso da minha esposa viva.
Com uma pistola na mão e Sarita na outra, pulo do carro e saio
correndo, ouvindo gritos e barulhos de tiros.
— Caralho! — Eddie grita, correndo ao meu lado, mas já perdi a
habilidade de falar. Neste momento, só há o medo correndo por minhas veias,
impulsionado pela adrenalina.
Quando ele abre a porta dos fundos e entramos na cozinha, o
pandemônio toma conta. Mas é a visão de Nicola apontando uma faca para a
barriga de Mia que me faz ter vontade de vomitar.
O instinto de proteger o que é fala mais alto.
Nicola não é mestre em fazer reféns, e sua cabeça está afastada de Mia
por vários centímetros. Por outro lado, se eu errar, posso matar o amor da
minha vida.
Mas meu nome é Sage Wilder — e Wilder significa mais selvagem. Por
isso, não penso duas vezes: arremesso Sarita com força. Minha faca de
estimação voa pelo ar, rodopiando pelo caminho que a leva direto ao meio da
testa daquela maldita.
Foda-se que é mulher. Foda-se que é uma velha. Foda-se o mundo.
A única coisa que importa é Mia e o nosso filho que ela carrega na
barriga.
Minha esposa solta um berro de susto, ao mesmo tempo que a vadia cai
para trás. Olhos arregalados, boca aberta e a expressão de surpresa decorando
sua cara enrugada.
— Sage — Mia grita e corre até mim, envolvendo-me com os braços
trêmulos.
Não consigo olhar para ela. Meu foco todo na mulher morta no chão.
— Não! — Salvatore solta em um berro. — Nonna!
— Onde eles estão, princesa? — pergunto.
— N-não sei… — Mia gagueja, me apertando com força.
Beijo o topo de sua cabeça e a afasto de mim. Não consigo ficar perto
dela agora. Não consigo sentir seu cheiro nem o alívio que seu corpo me traz.
A única coisa que passa em minha mente é terminar com essa merda.
Matar todo mundo. Ver o sangue dos meus inimigos jorrar. Agora. Marcho
até Nicola e puxo Sarita de sua testa. Faço tanta força que a cabeça dela se
levanta do chão, e um baque deixa claro que voltou ao lugar que deveria.
Salvatore, que continua chorando sob a mira da arma de Jett, estende a
mão na direção da avó.
— Você mexeu com a família errada — digo devagar, fazendo força
para soltar as palavras, enquanto vou até ele.
É então que o desgraçado me encara e para de chorar. De repente, uma
risada sádica escapa de sua boca.
— Eu fiz o que tinha que fazer.
— Molestou sua irmã. Matou meus homens. Estuprou Giovanna. Tentou
matar a minha mulher. Realmente, Salvatore, você é um exemplo de honra e
lealdade — ironizo.
Antes que eu possa continuar, escuto o barulho de homens invadindo a
cozinha. Eu poderia ficar com medo de que mais inimigos pudessem estar
chegando, mas o olhar aliviado de Eddie garante que são aqueles que estavam
ao meu lado no campo de batalha.
— Levem Salvatore para a sala de treinamento — aviso e vejo o
desapontamento nos olhos de Jett. — Se quiser, vai brincando com ele até eu
chegar. Tenho que caçar mais alguns filhos da puta.
Salvatore não teria vindo sozinho, ele não tem colhões para isso. Fora
que vejo corpos no chão, junto aos de algumas das nossas mulheres.
De repente, me sinto calmo. Tão calmo que meu corpo inteiro relaxa.
Jogo a cabeça para trás e estalo o pescoço.
A brincadeira ainda não acabou.
Capítulo 33
Mia

Sage organiza os homens que aparecem na cozinha, para varrerem a casa


em busca de nossos inimigos. Olho para os lados e vejo corpos no chão,
reconhecendo os rostos e rezando para que os que mais estimo não estejam
entre eles. Nonna se levanta com dificuldade de trás da mesa. Ao seu lado,
Ana e Luana a ajudam. Minha mamma sai de trás de um banco.
— Onde está Martina? — pergunto para ninguém específico. — E
Natasha? — Meus olhos passeiam por toda a cozinha, por todos os corpos e
não as encontro. Meu peito aperta, até que a voz de Martina me acalma.
— Aqui. Estamos bem. — Ela encara o braço que sangra, e depois olha
para a testa de Natasha. — Só alguns arranhões.
Respiro, aliviada, mas o barulho de disparos em algum outro lugar da
casa faz meu coração acelerar novamente.
— Continuem atentas e armadas. Ainda não matamos todos os
maledettos — digo, juntando uma pistola do chão.
Os disparos estão longe de nós. A cada novo estampido e grito, tento
reconhecer a voz, em vão. Só rezo para que Sage fique vivo. Chamo Luana,
Martina e outras mulheres para que venham comigo. Saímos na mesma
direção que nossos homens, pela porta lateral, devagar e atentas. Dois russos
são os primeiros corpos que encontramos. Andamos mais um pouco e outro
deles está caído no chão. A cada morto do caminho, agradeço à Madonna por
não ser um dos nossos.
Eddie está montado em um russo, desferindo socos, enquanto o homem
se defende com uma faca.
— Eddie — Luana grita e joga uma pistola para ele.
Em um impulso rápido, Eddie sai de cima do homem, pega a arma no ar
e, antes de cair no chão de lado, dá dois disparos na testa do sujeito.
— Grazie. — Sorri para Luana quando seu corpo bate ao solo.
— Bela pontaria. — Ouço uma das mulheres dizer atrás de mim.
Continuamos caminhando, agora com Eddie nos acompanhando, em
direção ao barulho, que fica cada vez mais alto. Enrico e Coal estão mais à
frente, protegidos atrás de um banco, de dois russos, cada um com uma
metralhadora, esvaziando os pentes.
Um tiro acerta em cheio a testa de um dos nossos inimigos, que tomba,
ainda disparando. Os projéteis vão para todos os lados.
— Abaixa! — Escuto alguém dizer e me puxar para o chão, me
protegendo.
Quando olho para trás, Lucas dispara contra o outro russo, que agora
atira em nossa direção. Dois tiros: um na perna, que o faz cair, e outro na
testa, que acaba com vida do maledetto.
— Onde está meu pai? — Lucas me pega pelo braço e pergunta.
— Na sala de estar — digo, sentindo um nó na garganta ao me lembrar
do estado em que encontrei Don Vicenzo. — Os outros Dons estão mortos.
No meio de tanta confusão, não tive tempo de contar o que tinha
acontecido.
Lucas sai em disparada, no sentido contrário do tiroteio, e o acompanho.
Martina vem atrás, enquanto os outros seguem para a confusão.
— Papà! — Ele empurra a porta, gritando. As mulheres que socorrem
Don Vicenzo pegam as armas e apontam para Lucas. — Papà — ele grita
novamente, sem se importar de estar na mira de duas pistolas.
Lucas se ajoelha ao lado de Don Vicenzo e Martina faz o mesmo. As
mulheres relaxam, se afastando. O velho se esforça para abrir os olhos e
tenta, com dificuldade, falar.
— Sal…vatore — balbucia.
— A gente sabe, zio! — Martina diz, segurando a mão dele e chorando.
— Bambina. — Vincenzo se esforça para fazer um carinho no rosto da
sobrinha, mas sua mão não alcança.
Martina segura as mãos do tio com e abaixa o rosto para que a toque. O
homem tenta falar mais alguma coisa, só que ela o impede.
— Guarde suas forças, papà — Lucas diz em lágrimas. — Logo a gente
te tira daqui.
— Non. Il mio… tempo è finito[92] — ele luta para falar. — Massimo. —
Don Vicenzo tosse e o sangue voa de sua boca pelo ar. — Ele… assume. —
Fecha os olhos e, com uma última tentativa de buscar ar, sua cabeça tomba.
— Não! — Martina grita.
Lucas abraça a prima, que se debate em seus braços. Entendo o seu
desespero. Don Vicenzo sempre foi um pai para ela. Quero me juntar a eles
em sua dor, mas os barulhos e gritos aumentam ao nosso redor. Não temos
tempo para o luto, porque a porta da sala de estar é aberta com um pontapé.
— O que houve? — Sage pergunta, olhando para dentro e para fora a
todo instante. Outros homens o acompanham. — Precisamos matar o
Salvatore e exibir a cabeça dele pra que esses russos filhos da puta se
entreguem. Tem muitos ainda aqui.
— Essa não é tarefa sua, amore mio — digo, me aproximando dele e
colocando a mão em seu braço. Sage me encara, confuso. — É uma questão
de honra das mulheres. — Olho para Martina, que entende o recado e se
levanta na mesma hora. — Vá caçar os russos. — Dou um beijo em sua face.
— Nós cuidamos do estuprador.
Sage não parece gostar da ideia, mas antes que possa me dizer qualquer
coisa, alguns russos aparecem no corredor. Os tiros recomeçam.
— Tudo bem — ele diz depois de acertar a perna de um russo que se
aproximava. — Vai lá, princesa. O caminho pra sala de treinamento está
livre.
Vendetta[93]. É o que se passa pela minha cabeça enquanto vejo as
mulheres se amontoando em volta de Salvatore. Meu cunhado o deixou
preparado para nós. Amarrado pelos pés, cada um em uma perna da cadeira,
com as pálpebras presas por grampos, as mãos algemadas atrás do corpo e
uma mordaça na boca.
Salvatore, que quando entramos chorava de medo por conta de um
alicate dentário nas mãos de Jett, agora parece sorrir, vendo tantas mulheres à
sua volta. “Quem ri por último ri melhor”, já dizia o velho ditado.
— Estão todas aqui, Mia — Martina garante, fechando a porta da sala de
treinamento depois que mais duas mulheres entram.
Luana observa a cena, mantendo um pouco de distância. Não está à
volta do irmão, como as outras, e por um momento penso se ela realmente
quer estar aqui. Mas se não por ela, nos vingaremos por todas as outras que
Salvatore molestou e, principalmente, por Giovanna, nossa bambina que ele
violentou até a morte.
Todas me olham com atenção, esperando que eu as instrua sobre o que
fazer. Sei que elas irão cumprir a ordem que eu der, mas este momento não é
só meu, de Luana, ou de qualquer outra que queira se vingar desse monstro
por algum motivo. Este momento é sobre todas nós. Vivas, mortas, italianas,
negras, estrangeiras, que existem, já existiram e existirão na face da Terra.
Todas que nasceram com a sina de ser mulher em uma sociedade que os
homens dominam, que usam da força bruta para violar nossos corpos, nos
escravizar e humilhar.
— Salvatore Giordanni. — Cuspo no chão ao falar seu nome. — Não
existe, em nossa cultura, nada mais sagrado do que uma mulher. — A cara
debochada do figlio di puttana me dá vontade de jogar para o alto os
costumes e dar um tiro no meio de sua testa. Respiro fundo e continuo
controlando meu tom de voz. — Somos nós a fonte da vida. Nenhum italiano
nasce sem que uma mulher o faça vir ao mundo. É por isso que somos
respeitadas, amadas e cuidadas. — Cabeças sacodem entre as italianas e vejo
o peito de nonna se inflar com o meu discurso. — Você cometeu o pior dos
crimes: desonrou uma mulher. Não qualquer uma, mas sua própria sorella,
sangue del tuo sangue.[94] — Luana se envolve nos próprios braços quando a
menciono, mas não abaixa a cabeça. Encara o irmão e vejo ódio dançar em
seus olhos. — Não só ela, mas outras também. — Continuo: — Nossa amada
Giovanna, uma bambina de quatorze anos, cheia de vida pela frente. —
Mamma começa a chorar. — É por isso que estamos aqui, agora, pra vingar
cada uma das mulheres que você, e outros monstros como você,
machucaram.
— Que isso? — ele fala com dificuldade pela mordaça. — Um tribunal
feminista? — Dá uma gargalhada. — Eu sou um Don, vocês não podem fazer
nada comigo.
— Nós não só podemos, como faremos — digo a ele. — Cada uma de
nós poderá te machucar de algum jeito. — Olho para as mulheres. — Cada
uma terá a chance de se vingar de Salvatore, ou de qualquer outro maledetto
hoje. — A reação das mulheres me agrada. Não existe espanto, e sim um tipo
de felicidade dolorida. — Tirem a mordaça dele — ordeno. — Quero ver
Salvatore rir depois que começarmos.
Duas mulheres desamarram sua boca e ele começa a blasfemar.
Xingamentos, palavrões, ameaças, risadas, ironia. Caminho para a mesa
lateral, preparada por meu cunhado com os mais diversos instrumentos. Pego
um teaser portátil, aperto o botão e vejo a centelha responder.
As mulheres abrem espaço para que eu me aproxime de Salvatore e,
com o aparelho em mãos, me abaixo em sua frente, me colocando entre suas
pernas abertas.
— Quero ver você continuar rindo. — Pisco para ele e aciono o botão,
em cima de seu bem mais precioso.
Salvatore se contorce, baba, morde os lábios e a própria língua enquanto
continuo com o dedo pressionado sobre o botão, deixando que a descarga
elétrica se espalhe pelo seu corpo.
— Uma de cada vez, ragazze — digo, me levantando e largando o
brinquedo na mão de outra. — Podem escolher outros instrumentos também.
A mesa está à disposição de vocês.
— Só o deixem vivo — Luana fala do fundo da sala. — O último
suspiro de vida do meu irmão é meu.
Concordo com a cabeça. As mulheres formam uma fila, passando pela
mesa de ferramentas e se dirigindo a Salvatore. Cada uma se vinga à sua
maneira. O que antes eram risadas agora se tornam gritos de desespero do
maledetto, enquanto unhas e dentes são arrancados, marteladas são
distribuídas, e pele é derretida com maçarico. Em meio a nomes berrados nas
vozes femininas, cada uma de nós parece se sentir mais aliviada depois de
castigar nosso inimigo.
— Foi você que me comprou? — Natasha para em sua frente com uma
chave de fenda. — Pra fazer o mesmo que fez com as outras? — Salvatore
não é capaz de responder. Da sua boca escorre sangue. Um olho está quase
saltando para fora devido às marretadas.
Ela também não espera uma resposta e enfia a chave de fenda no volume
entre suas pernas, fazendo com que o diabo urre ainda mais alto.
— Quero um minuto com meu irmão a sós — Luana decreta depois que
Natasha finaliza nosso expurgo.
Ninguém a contraria. Todas saímos da sala e fecho a porta para que
tenha privacidade. As mulheres se espalham rapidamente, pegando suas
pistolas e indo na direção do barulho de tiros.
Nonna, mamma, Martina, Natasha, Ana e eu ficamos. Jett, que estava do
lado de fora com Enrico, para a nossa segurança, se junta a nós.
— Cadê a Luana? — meu cunhado pergunta.
— Pediu um tempo sozinha com o irmão. — Dou de ombros.
— Mas…
Jett não termina a frase, porque o grito de desespero, seguido do baque
no chão, que ouvimos através da porta, faz com que nossos pelos se arrepiem.
Nós nos entreolhamos sem saber o que dizer. Nenhum de nós consegue reagir
e, quando Martina se atenta para abrir a porta, Luana aparece com as mãos
banhadas de sangue.
— Acabou — ela diz e sai caminhando pelo corredor.
Respiro fundo antes de espiar pela fresta da porta. Nonna não se faz de
rogada e passa à minha frente.
— Molto benne[95]! — Ela dá uma risada. — Ha meritato[96].
No chão, tombada, está a cadeira, ainda com o corpo de Salvatore
amarrado nela. Os olhos abertos, arregalados, mostrando o pavor de seu
último suspiro. Suas calças estão arriadas, uma poça de sangue onde antes
eram suas vergonhas. Enfiado em sua boca, jaz seu brinquedo favorito.
Capítulo 34
Sage

Os primeiros raios de sol entram pela janela sem vidro da sala, mas o dia
ainda não acabou. Não enquanto os filhos da puta ainda respirarem dentro da
minha casa. Também não sabemos quantos são nem onde estão, o que
dificulta um pouquinho. Ou talvez a dificuldade seja por conta da mão de
Mia passeando em meu abdômen, seu corpo abraçado ao meu, enquanto nos
reunimos para decidir os próximos passos.
A maioria dos nossos estão na clínica do dr. Fontana, se recuperando
dos ferimentos que conseguiram na batalha. Don Massimo só permitiu que os
saudáveis voltassem para ajudar — e odeio concordar com ele.
Isso quer dizer que estamos em desvantagem. De novo. Mas se
ganhamos da outra vez, não restam dúvidas de que vamos ganhar agora
também. Várias mulheres — italianas e vítimas dos russos — estão armadas,
tentando se proteger na sala de reuniões. Pedi para que todas ficassem juntas,
com dois Soldattos de Don Francesco para dar assistência, caso necessário.
— Jerry e Frederico — chamo meus homens —, procurem do lado de
fora. — Os dois assentem. — Jett e Enrico, verifiquem os quartos do andar de
cima. Eddie e eu vamos ver se tem mais alguém aqui, no andar de baixo.
Lucas, peça a dois dos seus homens que fiquem no portão.
Aponto para mais dois da família Costello e peço que guardem a
cozinha. Os demais estão encarregados de empilhar os corpos inimigos no
jardim e trazer os da família para a sala.
— Algum sinal de Danio? — quero saber, mas a resposta vem através
de cabeças balançando em negativa. — E Mikhail?
— Não, Don. — Eddie parece tão desapontado quanto eu. — O que
fazemos com o corpo de Salvatore? — ele pergunta enquanto carrega
algumas pistolas.
Só de lembrar da cena, um sorriso desponta em meu rosto. Minha
freirinha safada e cruel liderou a tortura, e acho que nunca senti tanto orgulho
dela. Quando entrei na sala de treinamento e vi o corpo esfolado de Salvatore,
tive certeza de que a vingança tinha chegado para ele em grande estilo. Eu
poderia ter ficado triste por não participar da brincadeira, mas saber que
morreu engasgado com o próprio pau elevou meu ânimo consideravelmente.
— Por enquanto nada. Deixe o corpo dele juntinho do da avó. — Sorrio
para o Capo. — Os dois vão conhecer o Diabo de mãos dadas. Depois a gente
pensa em formas criativas de exibir o que acontece quando um homem se
atreve a ferir uma mulher da nossa família.
Escuto risadas atrás de mim e sei que todos estão contentes com o fim
daquele desgraçado.
— Você viu Don Massimo? — Jett indaga.
— Não. — Olho para ele. — Mas nonna disse que ele estava prestando
seus respeitos aos Dons caídos.
— Certo… Vamos acabar logo com isso — meu irmão incentiva e eu
apenas concordo.
— Ei, e eu? — Coal se intromete, com dificuldade para se levantar da
cadeira.
— Você fica quieto. — Enfio uma mão no bolso e aperto Mia com o
outro braço. — Na verdade, deveria ir até a clínica do dr. Fontana para ver
essa perna. Mas, se não estiver a fim de dar um passeio, pode ficar com as
mulheres. — Coal faz uma careta desgostosa, mas não reclama. O que me diz
que ele está sentindo muita dor. — Princesa, fique com ele. Se piorar…
— Vou com você — Mia me interrompe, seus olhos implorando por
mais violência.
Puxo-a para o lado, longe dos ouvidos curiosos, e sussurro ao pé de seu
ouvido:
— Você está carregando mais do que um filho no ventre. — Posiciono
minha mão sobre a barriga que começa a crescer, e a encaro nos olhos. —
Está carregando o futuro da nossa família. Ninguém aqui é tão importante
quanto você, amore mio. — Aproveito a proximidade e deixo um beijo em
seu pescoço. — Faça isso por mim.
Mia estremece com o contato, mas logo se afasta e me encara.
— Sei atirar melhor do que a maioria, marito.
— Não é a questão, Mia. Também não estou a fim de discutir isso agora.
Por favor, cuide do meu irmão, tire muitas fotos de Salvatore e se proteja. A
casa ainda está sob ataque, mesmo que a gente não saiba onde os desgraçados
estão se escon…
Antes que eu termine de falar, o barulho ensurdecedor de tiros invade a
sala. Na mesma hora, jogo-me sobre Mia e ambos caímos no chão. Uso meu
corpo para protegê-la do ataque, enquanto tento tirar a pistola do coldre.
— Na escada! — Eddie avisa em um grito.
É então que outra pessoa berra. Ouço o baque de um corpo caindo, mas
não saio de cima de Mia. Não posso.
— Sage! — É meu irmão quem chama, e posso ouvi-lo claramente pois
os tiros cessaram.
Franzo o cenho, estranhando. Levanto a cabeça e começo a procurar,
mas não vejo qualquer sinal do invasor.
— Fiquem com ela — digo, apontando para Coal, Lucas e Enrico. — Se
alguma coisa acontecer a Mia, virei pelas suas cabeças.
Não espero para ver as reações e levanto-me do chão em um pulo,
puxando-a junto a mim. Mantenho minhas costas de frente para a escada,
ainda blindando-a de qualquer ataque.
— Sage… — Mia começa a falar, mas calo-a com um beijo rápido.
— Agora não, princesa. — Mais um beijo e começo a empurrá-la para
um canto. — Tenho que garantir a segurança da nossa casa.
Enrico me substitui na posição de escudo. Olho para Eddie, Jerry e
Frederico, indicando a escada.
Corremos para lá e não nos preocupamos em suavizar o barulho
enquanto subimos. Quero que o desgraçado que atirou em nós ouça nossos
passos na escada. Quero que ele escute o fim se aproximando.
Separo-nos em duplas: eu e Eddie ficamos com os quartos à esquerda,
Jerry e Frederico com os à direita.
Meu Capo chuta a primeira porta e entramos, arma estendida para frente
enquanto busco qualquer sinal do invasor.
— Vazio — aviso para Eddie e seguimos até o próximo.
Entro no espaço de Jett e vejo a cama bagunçada, mas é o perfume
feminino que me faz sorrir. Aquele puto está pegando alguém, e aposto
minha bola esquerda que é a Luana. Mas não tenho tempo de refletir sobre
isso agora. Avanço para dentro do quarto, verifico cada canto e, por último, o
banheiro. Nada.
— Cazzo! — Eddie xinga, indicando que também não encontrou porra
nenhuma.
Antes que a gente possa continuar para os próximos, sons de tiros são
ouvidos lá embaixo.
— Eles não estavam aqui em cima? — pergunto a ninguém em
específico, quando encontramos com Jerry e Frederico no corredor. —
Quando foi que eles desceram?
— Não sei, Don. Ouvi dizer que tem uma passagem no quarto de Don
Marco, mas nunca confirmei — Jerry oferece.
— Fiquem aqui — digo, já correndo de volta para a escada. —
Terminem de verificar os quartos. Eddie e eu vamos lá para baixo.
Estou me sentindo a porra de uma barata tonta, sem saber para onde ir e
o que fazer. Alguns dizem que ignorância é uma bênção. Estão errados. A
ignorância apenas te faz ver uma parte do todo, permitindo que fique
vulnerável ao resto. Ignorantes são manipulados, assim como estão fazendo
comigo agora — e eu odeio cada segundo disso.
Nasci para ser caçador, jamais a caça.
Mas se é esta a brincadeira de hoje, então darei o meu jeito de ganhar.
— Cozinha — indico a Eddie, que assente com a cabeça.
Passamos pela sala de jantar, e uma sensação estranha me faz diminuir a
velocidade dos passos.
— Don?
— Tem alguém nos observando — sussurro para ele, que coloca a arma
mais perto do rosto e gira lentamente em torno do próprio corpo, como se
quisesse olhar a sala inteira.
Eddie e eu paramos lado a lado. Eu virado para a frente e ele, na direção
oposta. Andamos juntos, um protegendo a retaguarda do outro. Em poucos
metros estaremos na cozinha, mas o instinto me diz para ficar aqui. Ou talvez
fugir, gritando que nem uma garotinha de cinco anos. Escolho a primeira
opção.
A enorme mesa de madeira, com mais de vinte cadeiras, está no centro
da sala. Algumas pistolas carregadas estão sobre ela, então, pego duas e as
coloco no coldre. Eddie faz o mesmo.
Antes que a gente possa continuar, um vulto à esquerda chama a minha
atenção. Seguimos até lá, para verificar atrás das cortinas, mas não há
ninguém aqui.
Ninguém a não ser…
Atrás da mesa, Padre Santino está estirado no chão, com os olhos
arregalados e o terço pendurado no pescoço. Uma submetralhadora em cada
mão indicando que ele lutou até a morte, que defendeu a família, mesmo
quando não precisava fazê-lo. O homem que me casou com Mia, que iria
batizar o meu filho.
A lealdade à máfia aparece de onde menos esperamos.
— Vá com Deus — digo baixinho, olhando para seu corpo sem vida.
Sinto Eddie estremecer ao meu lado, e sei que a perda do Padre significa
muito para ele.
— Don… — começa a falar.
— Cozinha — interrompo-o com a ordem.
Seguimos para lá e, assim que cruzamos a porta, vejo Mikhail parado
perto do fogão. Ao lado dele, outro russo também está apontando uma pistola
para nós.
— Você deveria ter se juntado a nós quando te convidei, Sage.
Tudo acontece tão rápido que nem tenho tempo de pensar. No instante
que começo a mover o dedo para atirar, vários tiros soam ao mesmo tempo.
— Não! — um grito vem da minha direita e, quando vejo, tem um corpo
voando na minha frente. De repente, uma submetralhadora começa a fazer
seu serviço, disparando em sequência uma saraivada de balas na direção de
Mikhail.
Quando o homem tomba na minha frente, os dois russos já estão
ensanguentados no chão. E, em uma poça aos meus pés, Danio tem os olhos
abertos e a expressão da morte em seu rosto.
— Danio! — grito, ajoelhando-me ao seu lado.
O Allenatore consegue se mexer, mas vejo uma mancha vermelha perto
de sua costela.
— D-don… — ele começa a falar, porém se engasga com o próprio
sangue.
— Shhh, guarde suas forças.
Coloco a mão sobre o ferimento, pedindo aos céus que não tenha
perfurado o pulmão.
— S-seu pa-pai teri-a m-m-muito or-rgulho d-de vo-cê… — Danio
gagueja as palavras com dificuldade, um traço vermelho descendo pelo canto
da boca. Não consigo tirar os olhos dele, do homem que me treinou, que fez
de mim alguém capaz de proteger a família.
— Vai dar certo. Fica tranquilo. — Acaricio seu rosto, sentindo as
lágrimas começarem a queimar atrás dos meus olhos.
— J-já cumpri mi-minha mi-missão. — Ele tenta erguer uma mão para
mim, mas não tem força. Pego-a no ar e levo-a ao meu rosto, sentindo a
palma gelada incendiar minha raiva.
— Obrigado por tudo — consigo soltar as palavras, sabendo que, agora,
as lágrimas caem de meus olhos sem qualquer controle.
— Nos vemos no inferno, ragazzo.
Capítulo 35
Mia

Por mais pães e biscoitos que nonna mande preparar na cozinha, o


cheiro de gordura derretida que exala pelo incinerador se espalha por toda a
casa.
— O que você quer fazer com os corpos de Salvatore e Nicola? —
pergunto à Luana, que toma uma xícara de chá ao meu lado.
— Queime junto com os outros — ela diz de maneira fria. Seu rosto
nem se mexe para me olhar ao seu lado na mesa. Desde que saiu da sala de
treinamento, seu olhar está vazio e começo a me preocupar.
A sala de treinamento, depois que foi limpa, virou uma funerária
familiar. Os corpos dos Dons e de todos os homens e mulheres que deram a
vida por nós estão sendo preparados para mais um funeral. Don Massimo,
junto com Lucas, se encarrega de cuidar do translado daqueles que devem ser
enterrados na Itália, enquanto Enrico se preocupa com os rituais fúnebres dos
nossos.
— Quem irá encomendar as almas? — mamma me pergunta. — O que
será de nossa família sem Padre Santino? — ela se lamenta e o choro de
várias mulheres começa novamente.
— Dio ha sacrificato il suo miglior figlio per questa famiglia[97] —
nonna diz. — Devemos ser gratas por sua lealdade e entender seus sinais.
— Segnali? — Don Massimo entra na cozinha gargalhando. — E esses
sinais significam que os fedelhos bastardos são enviados de Dio? — A risada
do velho aumenta.
— Nostros netos — nonna caminha em direção a ele com uma colher de
pau em riste — não são bastardos. São filhos de tua Paola, com meu amado
Marco. — Ela para e encara Massimo nos olhos. — Se falar mais uma vez
assim, não será mais bem-vindo na casa da família Wilder.
— Wilder, Edwige? — Ele ri ainda mais. — Não existe família Wilder,
isso foi uma invenção da minha filha, aquela desgraçada que arruinou com a
minha reputação e pariu esses três bastardos que você chama de netos.
— Meus netos não são bastardos! — nonna se exalta. — Eu te
excomungo desta casa, seu figlio de una puttana ingrato. — Ela escarra,
puxando de dentro toda a raiva que sente, e cospe no sapato de Don
Massimo.
Na mesma hora, a mão dele se ergue, espalmando no rosto de nonna,
que quase perde o equilíbrio com o impacto. O som que sai da boca das
mulheres que assistem à cena, assim como a quantidade de mãos que são
colocadas em frente aos lábios, demonstra o ultraje que todas nós sentimos.
Levanto-me da cadeira, ofendida.
— O senhor não pode…
Mas minha frase fica pela metade. Antes que consiga concluir, a mão de
Sage agarra o avô pelo pescoço, arrastando-o pela cozinha em direção ao
fogão. Com o dorso livre, ele empurra uma panela de água quente, que cai no
chão, respigando o líquido por todos os lados.
— Você está louco, ragazzo? — Don Massimo esperneia, tentando tirar
o rosto de perto da chama, enquanto Sage força sua cabeça contra a boca do
fogão acesa.
— Eu não estou, vovô. — A ironia na voz dele é nítida. — Eu sou. E
fico mais louco ainda quando alguém desrespeita uma mulher na minha
frente. — Sage força ainda mais a cabeça do velho. A bochecha quase
encostando nas labaredas. — Dentro da minha casa então, e sendo a minha
nonna… — Ele dá uma risada. — Primeiro você vai pedir desculpas à minha
avó e aí pode ser que eu te deixe sair com essa pele velha e enrugada intacta
daqui.
Don Massimo ri. Mas mio marito reage, aproximando ainda mais o rosto
do fogo.
— Cazzo! — o velho berra quando a chama beija sua pele. — Scusa,
Edwige.
— O que foi que você disse, vovô? — Sage faz com que o fogo lamba
novamente a bochecha do velho, que solta um urro de dor. — Não ouvi
direito. Acho que todo esse tiroteio me deixou surdo. Pode falar mais alto,
por favor.
— Scusa, Edwige — Massimo berra desta vez. — Agora me solte,
ragazzo.
— Muito bem! — Sage levanta o homem pelo colarinho, fazendo com
que ele suspire de alívio. A folga não dura nem dois segundos, porque antes
que Don Massimo se livre das mãos do neto, Sage força seu rosto novamente
contra a chama. — Pensando bem, tem mais coisas que quero saber.
— Você não pode fazer isso comigo — ele protesta. — Io sono il Don
del Consiglio! [98]
Na mesma hora, traduzo o que diz.
— Foda-se o Conselho. Aqui é a minha casa e eu faço as regras. — Meu
marido solta a mão, deixando com que o avô quase caia de cara na boca
acesa, mas o segura antes disso. — Se não quer se queimar, vai ter que me
dizer por que abandonou a minha mãe.
— Abandonar? — repito as palavras do velho na nossa língua para que
Sage as entenda. — Aquela maldita foi quem abandonou a família. Ela virou
as costas para nós quando fugiu do Ettore e se engraçou com o seu pai.
Desonrou a nossa família e ainda teve a indecência de parir você e seus
irmãos.
— Seu… — Nonna avança com a colher de pau sobre Don Massimo.
Sage apenas olha para ela com o canto de olho e a mulher para na mesma
hora.
— Então, você deixou sua filha viver escondida com seus netos por
dezesseis anos e ser assinada com trinta e três tiros, apenas porque ela não
cumpriu o seu acordo comercial? — Sage força ainda mais a cabeça dele.
— Você nunca vai entender o que significa a palavra de um italiano —
traduzo enquanto o velho tenta cuspir no chão, mas a baba acaba escorrendo
por sua boca. — Por causa de sua mãe, eu fiquei em dívida com Ettore e por
todos esses anos, eu…
Ele para de falar, e eu também.
— Adulterou os livros? — pergunto.
Don Massimo apenas sacode a cabeça, confirmando o que eu suspeitava.
Por anos, os negócios entre os Giordanni e os russos aconteciam sob as vistas
do Conselho, com o auxílio dele.
— Por isso meu pai não conseguia provar a ligação entre eles? — Sage
pergunta para mim. Aceno com a cabeça. — Eu poderia te matar agora, seu
velho de merda. — Aproxima o rosto do ouvido do avô. — Acabar com todo
esse teatro de máfia italiana, proteção, lealdade, e respeito às mulheres. —
Ele deixa com que o fogo se alimente um pouco da pele enrugada, enquanto o
velho grita de dor. — Eu, inclusive, deveria fazer isso. Mas não vou. — Com
um puxão na gola da camisa, coloca Massimo em pé. — Não vou porque eu
quero ver você morrer velho, enrugado e seco. — Ajeita as roupas do Don.
— Sozinho neste mundo, arrependido por ter abandonado a minha mãe.
Sage dá as costas ao homem, me estende a mão e, quando a seguro, meu
marido me puxa para perto e gruda nossos corpos, me enlaçando pela cintura.
— A gente precisa descansar. — Deixa um beijo no topo da minha
cabeça enquanto caminhamos para fora da cozinha.
— Eu nunca vou aceitar vocês! — Don Massimo esperneia e eu
cochicho a tradução no ouvido de Sage.
— E quem disse que a gente precisa da sua aceitação? — Sage ri. —
Talvez seja hora de começarmos uma nova família, não acha, princesa? —
Encara o meu ventre. — Uma grande e nova família.
Acordo assustada sem o corpo de Sage ao meu lado. Não sei por quanto
tempo dormi, mas o silêncio e a escuridão me indicam que é madrugada — o
que me faz sentir ainda mais a falta de meu marido e me deixa em estado de
alerta. Visto o robe de seda, pego a pistola da mesinha de cabeceira e saio do
quarto devagar, procurando por algum indício de luz ou som que me diga
onde ele possa estar. Apuro o ouvido e escuto a porta pesada e ruidosa da
geladeira sendo aberta no andar de baixo. Vou pelas escadas devagar, ainda
atenta a qualquer movimento estranho. Eu me aproximo da cozinha e vejo a
luz fraca e amarela, indicando que meus ouvidos estavam certos. Relaxo e
sorrio com o pensamento de que meu marido ainda não está satisfeito.
Mas então ouço um barulho de pantufas correndo sobre o piso e um
vulto atravessa a minha visão, abraçando a silhueta de Sage que a
luminosidade da geladeira me permite enxergar.
— Que merda é essa?! — Acendo a luz da cozinha no interruptor. — Ti
ho accolto a casa mia! Traditore![99]
— Mia! — A voz de Sage sai fraca. Suas mãos erguidas no ar. — Eu…
— Não estou falando com você, marito. — Ele se cala na mesma hora.
— Estou falando com essa maledetta de sangue ruim. Igual ao pai, à mãe e ao
estuprador do irmão. — Despejo meu ódio para cima da vagabunda.
Quem ela pensa que é para nos enganar assim?
— Mia, eu… — Luana tenta se defender.
Mas quando abre a boca, minha raiva triplica e já estou voando nela,
agarrando-a pelo cabelo com uma mão, enquanto uso a outra para segurar
firme a pistola.
— Mia, não! — Sage me contém pelos braços.
— Vai defender a sua amante? — Com raiva, aponto a arma para ele
enquanto Luana tenta se livrar da minha outra mão.
Por um minuto, pensei que Sage era inocente e que tudo era uma
armação de Luana para roubar meu marido, mas quando ele a defende, fico
ainda mais enfurecida.
— Mia, eu…
— Escute bem, Sage Wilder — interrompo-o, enredando mais a mão no
cabelo de Luana, fazendo com que ela se ajoelhe, e o encaro, mirando em seu
peito. — Se você cometer outro erro deste, além de matar sua amante como
vou fazer agora, eu arranco o teu caralho fora. — Termino de falar e me
concentro em começar a puxar Luana para o depósito. Não quero dar mais
trabalho às mulheres, espalhando seus miolos por todo chão da cozinha.
— Ela não é minha amante, princesa. Olhe pra mim — ele pede, mas
continuo a me mover. — Mia, por favor, olhe pra mim, freirinha. — Sua voz
é desesperada. — A Luana se confundiu. Estava escuro…
— Ah, sim! — Dou uma risada. — Ela se confundiu? Com quem? Com
o irmão gêmeo do meu marido?
Na mesma hora que falo, minha mão se afrouxa. Mas não deixo Luana
escapar. Olho para Sage, que dá de ombros.
— É claro que eu sou mais gostoso do que meu irmão caçula — ele se
aproxima de mim —, mas foi apenas uma confusão, princesa. — Suas mãos
emolduram o meu rosto. — Eu nunca te trairia, Mia. Você é a melhor coisa
de toda essa merda de vida. E se eu ainda estou vivo, é porque você existe. —
Sua boca se aproxima da minha. — Eu te amo, Mia Wilder, e nunca te
trocaria por qualquer outra.
A língua de Sage me invade. Mas minha mão direita ainda segura o
cabelo de Luana, ajoelhada ao nosso lado, enquanto a esquerda mira em sua
cabeça.
— Mia! — Um grito soa do outro lado da cozinha. — Solte a Luana! —
Desvio da boca de Sage por um minuto, só para ver meu cunhado parado à
porta. — O que está acontecendo aqui? — Jett pergunta, assustado.
— Sua namoradinha errou de irmão — Sage diz, ainda segurando meu
rosto. — E minha princesa ficou um pouco irritada com a situação. — Ele
encosta levemente os lábios nos meus. — Mas já resolvemos esse mal-
entendido, não é? — Concordo com a cabeça e finalmente solto Luana.
Sage estende a mão para ela que se levanta do chão, acariciando a
própria cabeça.
— Eu nunca… — Ela olha para mim.
— Eu sei. — Ofereço os braços a ela. — Desculpe. — Luana aceita o
meu abraço. — Mas é melhor não se confundir de novo, ok?
Capítulo 36
Sage

Não sei o que é melhor: saber que Mia nunca esteve com outro homem
ou vê-la desesperada com o medo de eu ter outra mulher.
Recosto-me na bancada da cozinha e vejo minha mulher acompanhar a
saída de Jett e Luana com o olhar. Se ela fosse uma pessoa normal,
provavelmente sentiria remorso pela cena desnecessária que causou, mas Mia
está longe de ser normal. Ainda bem.
— Luana me abraçou por trás e disse, bem manhosa: “Estava com
saudade, Jett” — explico, mesmo sem qualquer necessidade. — Eu me virei
para dizer que ela estava se esfregando no irmão errado, mas aí você entrou e
resolveu mostrar quem é a dona da porra toda.
Mia se volta para mim, o queixo erguido e as mãos na cintura.
— Não importa se foi um mal-entendido, ninguém tem direito de ficar
agarrando o meu marido por aí.
— E o que acontece com a pessoa que tentar? — pergunto, afastando-
me da bancada e dando dois passos à frente, na direção de Mia.
— Perde a mão — ela responde na mesma hora, a confiança dançando
em seus olhos.
— Só a mão, princesa? Pensei que você me amasse. — Faço uma cara
falsamente desolada e encerro qualquer distância entre nós. — Sabe o que
acontece com o filho da puta que te tocar? — A pergunta sai em um sussurro,
quando estou perto o suficiente para emoldurar o rosto de Mia com uma mão,
enquanto a outra aperta firme a cintura. — Perde o direito de viver.
Puxo seu lábio inferior com os dentes e depois ataco sua boca com um
beijo, precisando mostrar o quanto a demonstração de ciúme me deixou
excitado. Mia resiste no início, talvez ainda irritada com o que aconteceu,
mas logo seu lado freirinha safada toma conta e ela começa a me empurrar.
— Odeio quando alguém toca o que é meu — diz contra a minha boca, e
acho que esta é a primeira vez que ela toma uma iniciativa desse tipo.
— Eu sou seu, princesa? — Minha pergunta faz com que ela dê um
passo para trás e me encare.
— Você não tem o direito de brincar com isso, Sage Wilder. Você é
meu desde o dia que disse “sim” davanti a Dio e alla nostra famiglia[100].
Não consigo conter o sorriso.
— Então prove — desafio. — Me faça gritar seu nome para que todo
mundo nesta casa saiba a quem eu pertenço.
Mia avança sobre mim, seus lábios duelando contra os meus em um
beijo fora de controle. Ela deixa as mãos descerem por meu corpo enquanto
me empurra para trás, até que minhas costas se choquem contra a geladeira.
Antes que eu possa reagir, ela já está desabotoando a minha calça e seus
dedos envolvem minha ereção. Fico mais duro a cada segundo, como se meu
corpo quisesse mostrar a ela aquilo que nós dois sabemos: Mia me tem desde
o dia que nos conhecemos. Mesmo que, naquela época, eu a encarasse como
um fardo.
Eu era burro e inconsequente. Ainda bem que evoluí e, hoje, sou apenas
inconsequente. É por isso que a beijo da mesma forma, tentando demonstrar
em ações aquilo que sinto por ela. É mais do que amor. É necessidade.
Urgência. Dependência. Um desejo incontrolável e a certeza de que encontrei
a porra da metade da minha laranja.
Uma laranja inteligente, vingativa, inescrupulosa e cheia de fogo.
Porém meus pensamentos vão embora no instante que ela começa a me
masturbar devagar. Interrompo o beijo e apenas ofego, com a testa colada na
dela, sentindo o prazer subir por minhas pernas.
— Vai gritar meu nome, amore mio? Vai fazer com que todas as
mulheres nesta casa saibam que o Don tem dona?
— Depende de você… — Desço beijos pelo pescoço cheiroso e macio.
— Vai me chupar com força até eu gozar nessa sua boquinha gostosa?
Mia não responde com palavras. Ela solta uma risada baixa enquanto
joga a cabeça para trás, entregando-se ao meu toque. Não demora para que
esteja de joelho à minha frente, segurando meu pau com uma mão enquanto
sua língua passeia por minha extensão, da ponta à base, seguindo a veia
protuberante. Os olhos ficam presos nos meus, como se quisessem ter certeza
do estrago que é capaz de causar.
E no instante que ela me abocanha, estremeço. Enfio os dedos entre os
fios de cabelo e começo a ditar o ritmo, precisando da porra do alívio que só
minha esposa é capaz de trazer.
Sua boca é quente e molhada, e faz a pressão perfeita para que eu me
perca nas sensações de prazer. Melhor ainda são os sons que ela emite, como
se estivesse gostando disso tanto quanto eu.
— Se toca, princesa — incentivo, enquanto ela sobe e desce por meu
comprimento, sua língua safada acariciando tudo o que encontra.
Mia para de se mexer e me encara, deixando que um sorrisinho tome
conta de seus lábios ainda preenchidos por meu pau. É a coisa mais linda que
já vi na vida, porque, junto com o sorriso, vem a obediência. Ela abre o robe,
a mão entra por baixo da camisola e vejo que começa a se movimentar. No
mesmo instante, a intensidade das chupadas aumenta, como se tivessem sido
estimuladas pelo próprio prazer. Mia vai rápido, me chupando com força e
desespero, engolindo meu pau em um frenesi cadenciado. Seus olhos quase
fecham, os meus também.
Puxo seu cabelo com mais força, impondo o ritmo que quero até sentir o
fundo de sua garganta. Minha freirinha não engasga, apenas me encara e
geme. Posso sentir a vibração na minha coluna, que me faz soltar um gemido
alto. Mia se masturba mais rápido, desesperada pelo clímax.
Sua língua me acaricia, os olhos me convidam, a boca me estimula…
Mas não é isso o que quero.
Então, sem pensar duas vezes, ergo-a do chão e coloco-a de costas,
deitada na mesa da cozinha. Em um gesto rápido, rasgo a calcinha e penetro
sua boceta encharcada com uma estocada única. Escorrego para dentro sem
qualquer resistência, gritando seu nome e sentindo seu calor me envolver.
É a porra do paraíso.
Acho que nunca vi tantos caixões pretos lado a lado. Quatro deles são
mais elegantes, com as bordas douradas e alguns arabescos bem cafonas nos
cantos.
— Quando eu morrer, quero ser cremado — aviso à Mia, que está
parada ao meu lado.
— Fique quieto, marito — ela pede, ouvindo a prece do Padre
Domenico.
Todos os mortos da batalha estão retornando à Itália, depois de dias de
burocracia com o consulado. Enrico resolveu tudo, junto com Lucas. Agora,
todos estamos aqui, para uma reza final antes que os caixões possam ser
colocados nos carros e, em seguida, levados para o aeroporto.
Como sempre, mulheres choram, homens se mantêm em silêncio e
aquele incômodo toma conta do momento.
Enquanto isso, a vontade que tenho é de entrar em casa, tomar uma dose
de qualquer coisa e fumar um cigarro. Não sei lidar com esse tipo de
situação.
O Padre finalmente termina de rezar, e um coro de “Amém” vem logo
em seguida.
Respiro fundo, louco para que isso tudo acabe logo.
— Você precisa fazer um discurso, amore mio — minha esposa sussurra
ao meu lado.
Olho para ela, ainda sem acreditar nas palavras, mas o modo como me
encara me garante que não ouvi errado.
Ah, porra.
— Sério?
Mia apenas faz que sim com a cabeça e sou obrigado a respirar fundo
duas vezes antes de dar um passo à frente. Assim que o faço, sinto vários
olhares sobre mim, como se as pessoas estivessem esperando por isso.
Só que não tenho nada a dizer sobre os homens que não conheço. Não
sei quem foram, o que fizeram nem as marcas que deixaram nesta vida. Não
faço ideia de seus nomes, muito menos se foram pessoas honradas.
Fecho os olhos e abaixo a cabeça, o peso do cargo pesando sobre as
minhas costas. Até agora, não tinha me dado conta de que eles morreram por
mim. Pela minha causa.
Não foi minha culpa, porque eu não puxei o gatilho. Mesmo assim…
Então, o rosto de Danio me vem à mente. Ele, sim, morreu por mim.
Meu Allenatore se jogou na frente de uma bala certeira para me poupar,
enquanto atirava em Mikhail e em outro russo para que eles não pudessem
matar qualquer outra pessoa de nossa família.
Um herói. Na vida e na morte. Por isso, engulo em seco e começo com
meu discurso:
— Qualquer palavra que eu disser agora não será suficiente para definir
a bravura dos que caíram. — Ainda de olhos fechados, penso em Danio. Vejo
seus olhos castanhos, o cabelo grisalho e os lábios sempre fechados sem
nunca esboçar um sorriso. Ouço as broncas e os conselhos. Relembro nossas
aulas e todas as vezes que ele me incentivou a ser melhor. — Foram homens
honrados, que cumpriram com seus juramentos até o fim. Viveram para a
causa e morreram acreditando nela. Suas almas não estão mais entre nós,
porém as lembranças continuarão para sempre. Eles entraram para a nossa
história.
A frase fica engasgada, porque não faço ideia de como continuar. É
impossível definir o tipo de homem que Danio foi. O que ele representou
para a família Rossi e para a Wilder também.
Levanto o rosto e encaro os sobreviventes. Vejo que, assim como eu,
todos estão abalados. Martina chora a perda do tio, com uma mão apoiada no
caixão preto. Lucas atrás dela, envolvendo-a em um meio abraço.
— Não conheci muito bem todos os Dons, mas me mostraram lealdade
quando mais precisei. A família Wilder estará para sempre em dívida com
eles.
— A família Wilder não existe — Don Massimo interrompe, ganhando
a atenção de todos. — Pare de achar que vocês têm algum valor, seu bastardo
de merda, porque não têm. É por sua causa que todos aqui estão mortos. —
Ele gesticula para os caixões. As palavras em italiano são imediatamente
traduzidas por Mia, que não sai do meu lado.
— Don Massimo, este não é o momento para buscarmos mais guerra.
Estamos todos de luto. — Pela primeira vez na vida, tento colocar algum
pingo de sensatez na minha voz. Só que minha frase é recebida por uma
risada do desgraçado que não me aceita como neto.
— Eu estou de luto! — ele grita em sua língua materna e, mais uma vez,
Mia traduz ao meu ouvido. — Um luto que você e sua guerra trouxe a todos
nós. É por sua causa, bastardo, que temos tantos caixões aqui. Você nunca
será um italiano de verdade. E essa tal de família Wilder jamais será aceita
pelo Conselho. Não enquanto eu for o líder.
É então que o pandemônio se instala.
Meus homens começam a xingar enquanto me defendem. Ao meu lado
direito, Mia se mantém de queixo erguido, observando o desenrolar da cena.
À minha esquerda, Enrico parece preocupado, olhando de um lado para o
outro como se pensasse em formas de controlar a situação.
Eddie argumenta com Don Massimo, que está irredutível, porém vejo
que seus homens não esboçam qualquer reação.
— Basta! — grito, cessando o falatório. — Não precisamos da sua
aprovação, nonno. — A última palavra sai em um tom debochado. —
Sabemos quem somos e o que precisamos fazer. Sou filho de Don Marco
Rossi e de Paola Costello. Se eu sou um bastardo, é porque você não aceitou
a união dos meus pais. Apenas isso. Estou cansado desse seu moralismo. Ou
esqueceu que você apoiou as falcatruas de Don Ettore e abandonou minha
mãe à própria sorte, com três filhos no ventre? — jogo as verdades que
estavam entaladas na garganta. — Estou pouco me fodendo para o que você
pensa de mim, Don Massimo. A família Wilder existe.
Um coro de aprovação segue a minha fala, mas vejo que são apenas
aqueles da minha própria família que concordam, enquanto os demais
seguem apenas me olhando. Mas também não me recusam. E é o bastante
para mim.
— Tive os meus motivos para fazer tudo o que fiz, ragazzo. Você não é
ninguém para me julgar. — O velho cospe no chão, como se isso me afetasse
de alguma forma. Porém me espanto ao ver que o cuspe é avermelhado. Só
que não tenho tempo de reagir, porque ele continua: — Enquanto eu estiver
respirando e for o responsável pelo Conselho, a família Wilder não… irá…
exis…
Sangue começa a escorrer de sua boca. Se antes era apenas um cuspe,
agora é uma cachoeira em forma de espuma. Os olhos arregalados também
viram fontes do líquido viscoso.
Don Massimo engasga, tosse, sufoca.
E tomba para trás.
Morto.
Capítulo 37
Mia

À nossa frente, depois de mais uma vez negar nossa família, Don
Massimo, tomba morto. Os olhos arregalados, abertos, chorando lágrimas de
sangue, registrando a confusão de seu último suspiro. O silêncio se faz,
ninguém ousa se aproximar. Ninguém sabe o que aconteceu. Os homens
começam a se olhar, desconfortáveis, e nonna dá alguns passos em direção ao
corpo que jaz sob a vista de todos.
Ela abaixa-se com dificuldade e segura o pulso dele. Em seguida,
aproxima a bochecha da boca de Don Massimo.
— Lui è morto[101] — constata, soltando o pulso, olhando para todos à
sua volta e cruzando os braços do homem em cima do corpo. — Questo può
essere solo un segno di Dio[102]. — Faz o sinal da cruz sobre a testa de Don
Massimo e depois fecha os seus olhos. — Nada acontece sem que seja da
vontade divina — diz e Jett estende o braço para ajudá-la a levantar. Nonna
sobe os degraus e para ao lado de mio marito, que continua com os olhos
vidrados no avô sem entender o que aconteceu. — Massimo renegou seu
próprio sangue, mas Dio tirou a sua vida antes que blasfemasse mais uma vez
contra nós, os Wilder. — Ela coloca a mão no ombro de Sage. — Por isso eu
digo a todos vocês: é da vontade de Deus que meu neto seja o novo Don de
todos nós.
— Mas e Lucas? — algum italiano grita no meio de todos. — Ele
deveria…
— Basta! — Nonna eleva a voz e caminha em direção a Lucas. — Ele é
apenas um bambino. — Dá uma bofetada na cara de Lucas, que fica sem
reação. — Não saiu das fraldas ainda e nem uma tatuagem de Capo tem. —
Solta uma risada, que faz com que alguns homens sacudam a cabeça. — Sage
é o nosso novo Don. Foi ele que lutou contra as maldades que aconteceram.
Ele que sangrou pela honra de nostra famiglia e que fez tudo para que suo
padre e sua madre fossem vingados. Sage Wilder, de acordo com as nossas
regras, mereceu chegar até aqui. Lutou com bravura. Mostrou que é um
homem justo, digno de nossa confiança — ela declara e vejo que os homens
compram a ideia. — É a vontade de Dio, e todo homem temente a Deus deve
atender à Vossa vontade.
Entre alguns améns e sinais da cruz das mulheres, ninguém questiona o
que a velha decreta, nem mesmo Lucas, que até parece aliviado com a ideia
de não ser o chefe da família. Sage nem percebe quando os homens começam
a dar felicitações por sua nova posição. Ele apenas segue encarando o corpo
do avô.
— O que aconteceu aqui? — Sage me pergunta quando seguro em seu
braço.
— Você, amore mio, chegou aonde queríamos. — Emolduro seu rosto
com minhas mãos e beijo sua boca.
— Você… — seu olhar me acusa de algo — …você tem algo a ver com
isso, princesa?
— Era Dio[103] — nonna responde por mim. — Era Dio — ela repete,
desvia o olhar para mim e pisca quando Sage não é capaz de ver.
Mas não há tempo para que o assunto continue, pois Enrico começa a
ficar afobado com o fato de ter mais um morto a carregar. Papéis, liberação
do corpo, remarcação das aeronaves. Ele vai dizendo a Sage tudo o que
precisa ser feito, enquanto Lucas ainda tenta entender o tapa na cara que
levou.
Parecemos uma sinfonia desajustada, sem um maestro a conduzi-la.
— Amore mio — chamo a atenção de Sage, que quando se perde volta a
encarar o avô morto no chão. — Você precisa dizer aos homens o que fazer.
— Eu quero entender o que aconteceu aqui. — Ele olha para Coal e Jett,
que já estão ao seu lado, balançando a cabeça em concordância. — Ele foi
envenenado — conclui. — Viu aquela baba saindo da boca dele?
— Era la volontà di Dio[104] — nonna repete mais uma vez. — Não se
discute ou entende os desígnios Dele, só se aceita. Agora, Coal, vá descansar
que essa sua perna ainda precisa de repouso. — Ela dá uma palmada na perna
machucada de meu cunhado, que responde com uma careta, mas obedece. —
Jett, recolha o corpo de seu avô com mais alguns homens e leve-o pra sala de
treinamento. Vou pedir às mulheres que o preparem. — Ele sacode a cabeça e
chama alguns Soldattos para ajudar. — Mia, vá com Enrico e aquele
paspalho do Lucas resolver toda essa bagunça. Precisamos adiar a ida pra
Itália. Agora, todos nós deveremos ir.
— Até a senhora? — pergunto, lembrando que, mesmo antes da morte
de Don Massimo, nós iriamos acompanhar os rituais fúnebres, mas nonna
havia se recusado a ir junto por não gostar de aviões.
— Sim, bambina. Também vou. — Ela dá um sorriso para mim e vira-se
para meu marido. — E você, Don Sage, diga aos homens para voltarem aos
alojamentos. Assim que tiver informações sobre a viagem, avisamos. — Ele a
olha confuso, mas não ousa discordar da avó. Edwige se vê satisfeita e dá
dois beijos, um em cada bochecha do neto. Quando vê Martina um pouco
distante grita: — Ragazza, chame a Luana e organize as mulheres da cozinha.
Pelo visto, ainda faremos algumas refeições antes da viagem. — Ela solta
Sage e vai caminhando para dentro da casa. — Hoje quero uma boa
macarronada com polpette[105] — diz, antes de passar a porta.
Na pequena pista de pouso particular da família Costello, apenas uma
mulher nos espera. Toda vestida de preto, óculos escuros, um chapéu justo à
cabeça, com um enorme laço de veludo atrás, e um tule preto caindo sobre o
rosto.
No estacionamento, atrás do pequeno hangar, havia muitos carros
conforme observamos enquanto a aeronave aterrissava. Mas na pista, apenas
ela. Em qualquer filme dos que Sage me fez assistir sobre a máfia italiana, ela
seria sinal de uma grande emboscada, mas me deixo levar por um
pensamento otimista e, talvez, isso apenas signifique um sinal de paz, de
boas-vindas.
— É ela? — Sage me pergunta, espiando pelo vidro.
Sim. Limito-me a afirmar com a cabeça. É ela, a viúva de Massimo
Costello, avó materna de mio marito e i suoi fratelli, de quem pouca coisa
sabemos, além de seu nome: Carmella Costello.
Foram quatro dias entre a morte de Don Massimo e a nossa chegada
aqui. Outros corpos acabaram sendo despachados antes e já tiveram seus
enterros, mas transportamos cinco caixões — os mais importantes de toda
família.
Nonna, que passou a viagem inteira rezando seu terço, é a primeira a
soltar o cinto quando o avião finalmente freia. Ela se levanta agitada da
poltrona e empurra Lucas, que viajou ao seu lado depois de Martina se
rebelar e dividir a poltrona com Coal.
Não consigo saber se foi a morte de Don Vicenzo, a rejeição de sua
cugina ou o tapa que levou de nonna, mas vejo meu primo cada vez mais
distante e raivoso. O que antes parecia ternura em seus olhos, hoje é um tipo
de rancor que não consigo entender de onde vem. Ele está visivelmente
abatido.
Talvez todos nós estejamos. Mio marito também parece cada vez mais
disperso e cansado. Vi sua aflição durante todos esses dias, ao tentar decidir
coisas que nunca quis escolher. Sua irritação em ter responsabilidade por
pessoas vivas e mortas.
Enquanto a escada é colocada para que nosso desembarque comece, as
urnas funerárias vão sendo retiradas e dispostas em carros pretos. Um por
um, cada Don, é encaminhado para sua família, para uma despedida
individual, antes da grande cerimônia.
Atrás de nonna, Lucas, Enrico, Eddie, Martina e Coal aguardam para
desembarcarem. Jett ainda pega sua mochila, já Luana veste mais um
agasalho. Sage continua sentado, como se fosse apenas um observador de
toda a natureza humana.
— Podemos fazer uma segunda lua de mel por aqui. — Enlaça o braço
no meu pescoço e aspira meu cheiro devagar. — Só eu e você, princesa. Sem
esse drama todo de família.
O convite é tentador, mesmo com tanto a ser organizado. Mas antes que
eu possa responder, a porta da aeronave se abre e dona Edwige desce as
escadas com dificuldade, sendo seguida por todos nós.
— Edwige, amica mia. — Carmella se joga nos braços da outra. —
Grazie. Grazie — repete diversas vezes enquanto beija as bochechas e depois
as mãos de nonna.
Depois de um longo tempo entre abraços, agradecimentos e algumas
lágrimas de dona Carmella, nonna se vira para mio marito e gesticula para ele
se aproximar.
— Questo è nostro nipote, Sage. — Ela pede que Coal e Jett se
aproximem também, e os apresentam à outra avó.
— I miei ragazzi! Ti ho finalmente incontrato![106] — Carmella abre os
braços e puxa os três, que se olham e encaram a nova avó amorosa com
desconfiança. — Grazie, Edwige! Grazie, amica mia! — diz, chorando,
enquanto beija e alisa seus netos.
Olho para nonna sem entender nada. Ela pisca para mim e se aproxima,
me puxando pelo braço.
— Nós, mulheres, bambina, sempre devemos nos ajudar — ela sussurra
em meu ouvido. — Nem que seja envenenando o marido da amiga, pra ajudá-
la a se livrar de um carrasco.
Capítulo 38
Mia

Carmella mostra a Sage, Jett e Coal fotos de Paola ao longo da vida.


Desde bebê, até sair de casa, para encontrar seu prometido e ter sumido no
mundo.
— Por anos, Massimo me disse que não sabia de minha bambina. Eu
rezava à Madonna para que, pelo menos, me devolvesse o seu corpo. — Ela
acaricia uma das últimas fotos que tem da filha antes dela partir. — Se não
fosse a carta de Edwige — olha para nonna e agradece mais uma vez —,
aquele velho carcomido nunca me contaria sobre meus netos.
Acaricia a cabeça dos três, um de cada vez como se fossem crianças.
Jett, é o mais animado com os carinhos da nova avó. Coal parece curioso,
enquanto Sage continua desconfiado.
— Então Don Massimo nunca te falou sobre nós? — Sage encara uma
foto da própria mãe com apenas dez anos, em uniforme escolar de saia
plissada e maria-chiquinha. — Nunca disse que minha mãe tinha se
envolvido com meu pai?
— Tuo nonno não era um homem com quem se pudesse conversar. Ele
me dizia o que queria que eu soubesse. De resto, se calava. — Ela seca as
lágrimas em um lenço com o brasão da família Costello. — Nunca vou
perdoar aquele maledetto por deixar nostra figlia morrer como uma
estrangeira. — Cospe no chão. — Não tem perdão o que ele fez com vocês.
Che brucia all’inferno[107].
— Por que minha mãe nunca tentou contato com a senhora? — Coal
pergunta.
— Porque tua madre sempre foi mais esperta do que eu. Ela sabia que,
se falasse comigo, eu falaria com Massimo e ele…— Carmella engole em
seco. — Ele a mataria pela desonra. Eu nunca consegui enxergá-lo com os
mesmos olhos que a Paola. Mas depois do que Edwige me contou, eu sei que
minha filha sempre esteve certa sobre o pai.
— Então, ela nunca fugiu do meu pai mesmo — Jett conclui. — Ela
fugia do próprio pai.
— Paola tinha esse seu jeito doce. — Carmella acaricia o rosto de Jett.
— E esse jeito quieto e observador. — Sorri para Coal. — E tua madre —
passa os dedos pelo rosto de Sage — sempre teve esse mesmo fogo que tens
no olhar, figlio. Ela não abaixava a cabeça para ninguém.
Carmella olha para nonna e depois para mim, sorrindo. Também sorrio.
Estamos apenas nós, na sala de estar da mansão dos Costello, como membros
da família e herdeiros de toda essa fortuna.
Depois que chegamos e nos acomodamos nos quartos que nos foram
designados, Carmella fez questão de apresentar Sage como Don das famílias
Wilder e Costello. Os homens juraram fidelidade ao mio marito e então
viemos para esta sala, para que ela pudesse conversar com seus netos.
— Por que não me disse nada, nonna? — cochicho. — Sage talvez
tivesse reagido melhor se já soubesse sobre dona Carmella.
— Porque se para mim não foi fácil conquistar meus netos, pra ela
também não vai ser. E, afinal, eu quero ser a nonna preferida. — Dá uma
risadinha.
Sage, Coal e Jett fazem perguntas à nova avó. Algumas vezes mais
descontraídos, em outras ainda reticentes, mas pela primeira vez desde que
conheci mio marito, parece que ele tem todas as respostas que precisa em seu
olhar. Mesmo ainda transparecendo todo cansaço, está em paz.
Sinto uma pontada na minha barriga e sorrio. Um pequeno chute na
lateral me lembra do motivo de tudo isso.
— Estão todos esperando, sra. Costello — um homem anuncia da porta.
Carmella agradece e ele sai. Olha para os netos com calma, um por um,
analisando cada semblante. Então se levanta e convida para que a gente a
acompanhe. Dá os braços a Coal e Jett, enquanto eu e nonna acompanhamos
Sage.
Atravessamos a sala e saímos pela porta dos fundos, em direção à capela
no jardim. Um longo corredor de homens e mulheres enlutados nos dão os
pêsames, ao mesmo tempo que fazem votos de vida longa à nossa família. É
incrível como basta morrer o homem certo para tudo mudar em um instante.
Na capela, além dos familiares mais próximos de cada Don, em sua
maioria filhas e viúvas, Lucas abraça sua mãe, e Luana consola Martina pela
perda do tio. Eddie está ao lado deles, assim como meu irmão.
Mamma talvez tivesse gostado de vir à Itália, mas preferiu permanecer
em casa com as mulheres e os homens que ficaram. Disse que mais um
funeral, mesmo que de um bando de velhos desagradáveis, ela não aguentava.
Carmella cumprimenta as outras mulheres sem nenhum tipo de
familiaridade, como se pouco as conhecesse. Penso como sua vida, sem a
única filha e isolada de outras, deve ter sido sofrida. Só aguentamos tudo o
que sofremos porque sempre temos umas às outras.
O Padre faz o sinal da cruz, indicando o início da cerimônia, e todas as
lamúrias se calam. Algumas fungadas, suspiros e gemidos tristes ainda são
ouvidos, entre uma benção e outra. As cinco almas dos chefes de nossas
famílias foram encomendadas de uma única vez: uma passagem só de ida
para o inferno.
Alguns Consiglieri fazem homenagens emocionadas. Don Antonio é
exaltado pela sua bravura; Don Francesco, por seu enorme senso de justiça;
Don Giuseppe, pela perspicácia. Na hora de falar de Don Vicenzo, Lucas
toma a frente, mas é Martina quem começa o discurso.
— Ele era o homem mais carinhoso que já conheci. Me tratou como
filha, contou histórias para eu dormir, brincava comigo de boneca e criava os
melhores jogos de adivinhação. — Ela sorri com a lembrança. — E eu dei
muitas dores de cabeça a ele com o meu jeitinho rebelde. — A viúva de Don
Vicenzo ri. — Eu não concordava com ele em nada sobre o que era melhor
para o meu futuro, e ainda não concordo com suas ideias. Mas eu preferia
brigar com ele mais mil vezes do que perder o meu tio.
Martina desaba em lágrimas e Coal oferece o ombro a ela, que se agarra
em seu pescoço, tentando abafar os ruídos de tristeza que não consegue
controlar. Outras meninas também começam a chorar, como se tivessem
perdido o mesmo pai que ela. O mesmo tipo de pai que eu também tive e
perdi.
Depois de alguns minutos, todas se acalmam e o Padre chama alguém
para falar de Don Massimo. Carmella não se mexe. Ninguém se mexe. Ela
nem ao menos olha para os lados, pedindo que alguém tome a palavra. O
Padre a encara.
— O que é? Se eu soubesse que para ter meus netos esse desgraçado
precisava morrer, eu mesma o teria matado — Carmella diz, o que parece não
causar choque a ninguém presente. — Vamos logo com isso ou a comida vai
esfriar. — Ela gesticula com a mão, acelerando o pároco que fica totalmente
constrangido.
É então que Sage toma a frente, de forma inesperada.
— Nunca pensei que diria isso, mas obrigado por aparecer em minha
vida. O senhor me ensinou muito: a não ser um covarde; a nunca virar as
costas para a minha família; a nunca esquecer que meus filhos estão sempre
em primeiro lugar; a entender que honra, antes de mais nada, significa
proteger incondicionalmente aqueles que amo. Com você, aprendi o tipo de
homem que jamais devo ser. Mesmo assim, obrigado por ter colocado a
minha mãe no mundo e por ter impedido a união dela com meu pai. Se o
senhor tivesse facilitado as coisas, eu não seria o homem que sou hoje. Não
teria metade da força, nem metade do caráter. Não teria metade da raiva, nem
metade da impulsividade. Por isso, serei eternamente grato. — Sage cospe no
chão e vira as costas para o corpo do avô. Em seguida, vem até mim e me
envolve em um abraço.
São tantas mesas espalhadas pelo jardim, que não consigo mensurar
quantas pessoas estão comendo aqui. Pessoas de todas as partes do mundo,
famílias inteiras, mammas, papàs, e bambinis, que vieram prestar suas
últimas homenagens ao Conselho caído e que em breve jurarão fidelidade ao
mio marito. Meu coração chega a acelerar de pensar neste momento.
Sage bebe e se diverte com alguns primos que acabou de conhecer.
Coal, Jett e Eddie também. Presto atenção em todos e rio das conversas de
algumas mulheres à nossa mesa. Enterramos muitos mortos, mas sabemos
que a dor fica mais suportável com boa comida, família e música.
Depois da sobremesa, Carmella se levanta e chama Lucas, Luana, Eddie,
Enrico, Sage e eu para acompanhá-la. Também chama outras pessoas de
outras mesas, muitos homens, alguns jovens e algumas meninas também.
De repente, somos muitos em cima de um palanque improvisado.
— Hoje é um dia triste para nós — Carmella começa a falar. — Mas
também um dia feliz. Um dia feliz, porque uma nova geração de nossas
famílias está se unindo pelos mesmos laços de lealdade que há tantos anos
uniu nossos parentes. — Ela puxa Sage, Coal e Jett para seu lado. — Estes
são meus netos, frutos do amor de minha filha Paola com o nosso tão honrado
Don Marco, que Deus os tenha. — Ela faz o sinal da cruz e todos repetem a
suas mesas. — Eles são os únicos herdeiros legítimos de meu finado marido,
Don Massimo, o último chefe do Conselho a cair nessa guerra terrível que
enfrentamos contra os russos. — Carmella omite a traição da família
Giordanni e outros detalhes. Fico em dúvida se por estratégia ou ignorância.
— E por sua bravura e lealdade a todas as nossas tradições, eu peço que todos
vocês aceitem meu neto, Sage Wilder, ocupando o lugar de seu avô, não só
na família Costello, mas também como chefe do nossos Conselho.
Uma salva de palmas e gritos de vida longa ao Don são ouvidos.
Carmella abraça Sage e os outros netos e eu agarro meu marido pela cintura.
— Conseguimos, amore mio. — Selo nossos lábios. — Conseguimos o
que queríamos.
— Você conseguiu, princesa — Sage diz e seu olhar me preocupa.
Capítulo 39
Sage

Tenho uma nova tatuagem no dorso da outra mão. Junto dela veio uma
pilha de papéis, documentos, burocracias, ligações e tudo aquilo que mais
odeio. Desde que voltei da Itália, há quase duas semanas, fiquei trancado no
escritório, resolvendo problemas e tentando organizar a merda toda. Afinal de
contas, “a máfia está de cabeça para baixo”, palavras de Enrico.
— Resolva essa boceta — digo a meu Consigliere e me levanto da
cadeira.
— Não posso, Sage. É você quem precisa decidir os novos nomes do
Conselho.
Olho para ele com uma sobrancelha erguida, desafiando-o a me pedir
isso de novo. Enrico sabe muito bem que não conheço as famílias, não sei
quem são, não gosto de nenhuma e não estou a fim de conversinhas fiadas e
politicagens desnecessárias. Não entrei nesta merda para ficar atrás de uma
mesa, sentado no trono e brincando de rei do Universo.
— Combinei uma sessão de treino com Jett e Coal. Quase não vi meus
irmãos nos últimos dias — falo com toda a calma do mundo, sem querer
outro motivo para me estressar. — Depois disso, voltarei aqui e você, meu
querido Consigliere, terá uma lista de oito nomes para mim. Desses oito,
escolherei quatro. Va bene? — Uso a expressão em italiano para que ele veja
meu esforço em me tornar o Don perfeito, mesmo que, por dentro, eu odeie
cada minuto disso.
Enrico solta o ar com força, mas acaba assentindo.
Ótimo.
Abro a gaveta da escrivaninha e retiro Sarita de lá, jogando-a no ar e
fazendo-a girar algumas vezes. Até ela sente falta de um pouco de diversão.
— Sage, é sério… — meu cunhado começa a falar, porém interrompo-o
ao apontar a faca em sua direção.
— Só preciso de algumas horas. Depois, prometo fingir ser o Don que
minha esposa tanto quer que eu seja. — É uma ordem, ao mesmo tempo, uma
súplica. Talvez Enrico entenda meu desespero, porque ele ergue as mãos e
abre espaço para que eu passe.
Saio do escritório e cruzo o corredor, ignorando os olhares reprovadores
das pinturas nas paredes. Fico imaginando o que meu pai diria se soubesse
que me tornei a porra do Don dos Dons. Que coisa mais ridícula.
Eu, Sage Wilder, um ladrão de carros, que fazia o que era preciso para
sobreviver… agora o líder da máfia italiana. Dá vontade de rir. Até porque,
este não sou eu. Não gosto de tomar decisões, de planejar, de pensar no
futuro e de ter o poder nas minhas mãos.
Balanço a cabeça. Cansado. Exausto. Frustrado. Precisando de sangue e
sexo, mas sem tempo para nenhum dos dois. Minha mulher está ocupada com
suas novas funções. Agora que ocupo o cargo, ela ficou responsável pelo
recrutamento de novas famílias e por melhorar a diplomacia com outras…
milícias. Não queremos entrar em guerra de novo. É por isso que Mia, junto
com Eddie, tem se reunido com os associados — para garantir o bom
funcionamento dos negócios —, além de recrutado novos Soldattos.
Enquanto isso, o babaca aqui tenta entender os assuntos de meu pai e dos
outros Dons. Assumi várias funções ao mesmo tempo. Nossa, que legal.
Alguém deveria ter me dito que, para ser chefe do crime organizado, era
preciso fazer faculdade de Administração, porque olha… tá foda. Ainda bem
que tenho Enrico ao meu lado.
Quando passo pela sala, vejo minhas duas nonnas conversando enquanto
fazem crochê. É uma mistura de loucura com fofura, e eu não sei o que penso
a respeito disso. Carmella voltou da Itália com a gente, porque disse que não
aguentava mais ficar onde havia sofrido tanto. Desde então, tem feito de um
tudo para contar como foi a infância de minha mãe e mostrar que o filho da
puta era seu marido, não ela.
Uma pena que nem todas as mulheres têm a força das italianas aqui de
casa. A maioria delas, se vítimas de maridos abusivos, acabam abaixando a
cabeça e se acostumando a uma vida de insultos. São constantemente
menosprezadas e acham que qualquer migalha de amor é tudo o que precisam
para serem felizes. Essas mulheres deveriam ter uma aulinha com Mia e
nonna para aprenderem o bom uso dos venenos, porque homens como
Massimo e Salvatore, na minha humilde opinião, merecem um abraço
carinhoso do capeta.
— Sage, caríssimo, encontrei uma foto de Paola — Carmella avisa,
deixando o crochê de lado. — Venha ver. — O sorriso que me lança quase
faz com que eu pare de andar. Quase.
— Daqui a pouco, nonna. — Edwige, a nonna original, faz uma careta.
Ela ainda não se acostumou a não ser a única em nossas vidas. — Tenho que
ver meus irmãos agora. Mas depois do jantar a gente vê todas as fotos juntos,
tá bom?
A senhora assente e as duas voltam a conversar em italiano.
Passo pela cozinha e vejo Luana ensinando uma refugiada a sovar pão.
Ana está no canto, conversando com Natasha em uma língua que não
entendo, mas as duas parecem mais próximas a cada dia, e sem qualquer
intenção de deixar a nossa casa. Pelo visto, a normalidade voltou à mansão
dos Rossi. Ou melhor, dos Wilder.
E por mais que isso me agrade, porque não aguento mais enterrar
pessoas que amo e admiro, também não aguento mais ficar sem fazer nada. A
guerra arrancou tudo da gente, mas a paz é enlouquecedora.
Só que antes mesmo de entrar na sala de treinamento, ouço o barulho
dos socos contra os sacos de areia e sorrio. É disso que eu preciso agora.
Abro a porta e o cheiro de suor me recebe.
— Finalmente ele chegou, ó, senhor magnânimo. — Jett faz uma
reverência exagerada, curvando a coluna até a cabeça quase bater no chão.
— Vai se foder. — Solto uma gargalhada e tiro os sapatos lustrosos que
agora uso. Em seguida, removo o terno caro e bem passado. O mesmo que
Mia encomendou quando ainda estávamos na Itália, de um alfaiate chique.
Porque não posso mais usar jaqueta de couro. Dons usam terno. Dons usam
gravata. Dons usam abotoaduras com veneno e sapatos de couro. — Quem é
o primeiro?
Coal deixa Joana na beirada do tatame e se aproxima, sua cara fechada
não esconde que ele também está puto com tudo o que tem acontecido. Meu
irmão sabe, assim como eu, que toda essa palhaçada não tem nada a ver com
quem sou de verdade.
— Precisamos de um Allenatore — ele diz e tenta me acertar com um
soco.
Quando me movo para desviar, estremeço, sentindo a dor da ferida mal
cicatrizada no ombro.
O tiro que levei durante a guerra não sarou da forma certa, e por mais
que não tenha atingido nada vital, entrado e saído sem romper nenhum
ligamento, ainda sinto as dores. É como se a ferida não me deixasse esquecer
aquela merda toda.
— Como está a sua perna? — mudo de assunto.
— Dolorida. — Para provar o ponto, ele me dá um chute.
Solto uma risada e o ataco com um soco no estômago, que não acerta o
local.
— Vocês são dois velhos, isso sim. — Cansado de ficar de fora, Jett se
junta a nós no ringue.
De repente, parece que voltamos dez anos no passado, para quando
éramos adolescentes cheios de energia, ainda isolados do mundo e presos
naquele maldito trailer. Chutes e socos aleatórios, sem qualquer controle,
começam a ser vistos para todos os lados. Sou atingido na cara, ao mesmo
tempo que bato na barriga de alguém. Antes que eu perceba, estamos nos
engalfinhando no chão, em meio a risos e gritos. É uma confusão de
trigêmeos, uma nostalgia infantil, de uma época que nossa única preocupação
era escapar durante a noite, quando nossa mãe estava dormindo.
Minutos depois, estamos ofegantes, os três olhando para o teto, deitados
lado a lado.
Antes, éramos Sage, Coal e Jett. Hoje, somos Don e Capos.
Que merda.
— O que você vai fazer? — Coal pergunta.
— Não faço ideia — confesso. — Tenho que organizar o novo
Conselho, mas não confio em ninguém.
— Nem em Lucas? — É Jett quem fala.
— Ninguém confia em Lucas. — Meu outro irmão se apoia nos
cotovelos. — Aquele cara é obcecado por Martina. Liga pra ela o tempo todo,
manda cartas… Quem manda cartas nos dias de hoje?
— Italianos obcecados. — Solto uma risada.
— Pois é. Ainda bem que a tua mulher não tem um louco atrás dela. —
Coal olha para Jett.
— Porra, Luana tinha um irmão estuprador. Isso não é o suficiente? —
O caçula arregala os olhos, se sentando no tatame.
— Verdade — confirmo, me lembrando de toda a história. — Pior que o
seu caso, Coal.
— Mas o seu rival tá morto, Jett — Coal diz para o nosso caçula.
— E enterrado com o pau na boca — completo.
Nós três rimos da desgraça de Salvatore.
— Que fique com o belzebu. — Jett oferece um sorriso debochado. —
Lucas logo vai desistir de Martina, Coal. Você vai ver. Fora que ele está lá na
Itália. Se eu fosse você, casava logo com ela. Aproveita que nosso irmão é o
chefão da porra toda e pode te dar permissão pra se casar.
— Casar? — Coal reveza olhares entre mim e Jett.
— Se você quiser, assino um papel e tudo. Agora tenho o poder. —
Solto uma risada falsamente maléfica, fazendo com que os dois riam junto.
— Falando sério agora, não te vejo envolvido com ninguém desde que você
largou a Beth. — Olho para Jett e nós dois fazemos cara de vômito. A ex-
namorada de Coal era uma puritana insuportável. — Se você quiser ficar
sério com Martina, posso concordar com o casamento de vocês.
— Não sei se ela quer se casar, Sage — Coal me interrompe. —
Também não sei se eu quero me casar agora. A gente está se divertindo. O
sexo é gostoso, mas…
— Seu filho da puta! — A porta da sala é escancarada e, por ela, Lucas
passa que nem um foguete.
— Falando no diabo…
— Aparece o rabo — Jett termina a minha frase.
— O que está fazendo aqui, Lucas? — pergunto, levantando-me do chão
e indo direto ao homem que está prestes a explodir.
Jett e Coal também se levantam, mas se mantêm no meio do tatame,
enquanto eu e Lucas ficamos na lateral.
— Então, você está contente em difamar uma mulher, tirar sua honra e,
agora, se recusa a casar com ela? — Lucas está aos berros, os olhos
arregalados enquanto não esconde a raiva que sente de Coal.
— Ah, cara, para com isso. — Tento amenizar a situação. — Estamos
em pleno século vinte e um. Essas tradições precisam mudar.
— Mudar? Mudar?! — Lucas olha para mim, o choque nítido em sua
expressão. — Você é o Don, o nosso líder, e agora quer destruir o que temos
de mais sagrado? Seu irmão destruiu Martina! Acabou com sua honra!
— A “honra” dela já tinha acabado há muito tempo, Lucas. — Coal faz
o sinal de aspas com os dedos. — Acalme-se, homem. Nós estamos juntos há
alguns meses. O que você queria?
— Eu esperei por ela durante anos. Anos! Estava disposto a me casar!
— Lucas não para de berrar, cada vez mais desequilibrado.
— Lucas, é sério, fica calmo. — Coloco uma mão em seu ombro, mas
ele se desvencilha de meu toque, andando de um lado para o outro como se
fosse um leão enjaulado.
— Você… você… você transou com ela. E agora vai se casar. Tem que
se casar com Martina. Senão ela estará arruinada.
— Mano, isso não é o século dezenove — Coal argumenta. — Nós dois
estamos juntos. Martina não quer se casar. Nem eu.
— Como você não quer se casar com ela? Martina não é uma puta!
— Ela não é uma puta — meu irmão concorda. — Mas não vou me
casar com ela só porque a gente está trepando, caralho.
É neste momento que o olhar de Lucas muda. O último pingo de
sanidade se esvai e algo diferente toma conta. Ele olha para baixo, para Joana
no tatame azul. Sua mão vai na direção da arma. Eu me jogo para lá, só que
Lucas é mais rápido.
Antes que eu possa impedi-lo, ele tem Joana na mão.
Um estrondo. Um tiro.
Apenas um tiro é suficiente.
Um tiro certeiro, que atinge o meio da testa de Coal. A expressão de
surpresa em seu rosto é idêntica à que estampa o meu.
Fico parado no lugar, deitado no chão.
Sem reação.
Sem respirar.
Ouço o grito de Jett. Ouço meu coração parar. Sinto a dor e o mundo
fica preto.
Coal morreu. Eu também.
— Coal! Coal! — Jett começa a chamar, ajoelhado ao lado de nosso
irmão. Do corpo de nosso irmão. Corpo. Cadáver.
Coal está morto.
— Não. Não. Não. Não. Não — repito várias vezes enquanto fito o
nada, ainda sem conseguir acreditar que isso é verdade. Não pode ser
verdade. É um pesadelo. Tudo isso é um pesadelo.
Em algum momento, vou acordar no trailer. Minha mãe vai estar
fazendo o café da manhã no nosso aniversário, vamos ganhar o passeio
daquele ano. Ela vai estar viva. Meu irmão vai estar vivo. Vamos nos mudar
para alguma cidade perto da praia. Vou abraçá-la e dizer que a amo pela
primeira vez na vida. Depois, vou brigar com meus irmãos. É isso.
Porque toda essa coisa de máfia foi um pesadelo. Eu nunca tive um pai,
nunca tive uma família. Nunca tive ninguém que me amasse
incondicionalmente — além de Jett, Coal e Margareth Wilder.
Sou um Wilder e meu sangue pertence aos meus.
— Sage! — A voz rouca de Jett me obriga a sair do transe.
Olho para cima e vejo Joana apontada para mim. O dedo de Lucas no
gatilho.
Antes que eu consiga pensar, seguro seu pulso e o puxo para o lado,
fazendo com que Lucas atire para longe de mim. Não tenho qualquer controle
dos meus movimentos, guiado por puro instinto, mas ouço seu grito de dor e
o som de ossos sendo quebrados. Quando me dou conta, estou sobre Lucas,
seu rosto ensanguentado sob meu punho, que cai sobre ele repetidas vezes.
Não sei o que acontece. Não sinto dor. Não sinto nada.
Soco. Soco. Soco. Soco.
— Sage! — meu irmão chama.
Soco. Soco. Soco. Soco.
Mas não consigo parar.
Lucas está de olhos fechados. Sangue. Muito sangue.
— Sage. — Uma voz feminina me chama, mas não consigo parar.
O rosto de Lucas não pode mais ser reconhecido. É só um monte de
carne exposta.
Estou cansado, só que não consigo parar. Não consigo.
De repente, paro. Não quero, mas alguém me tira de cima de Lucas.
É então que tudo fica preto.
E eu morro.
Capítulo 40
Mia

— Conseguiu? — Enrico me questiona quando entra no escritório. Nego


em silêncio e largo o celular na mesa. — Mia, nós precisamos…
— Eu sei, sorello. — Tento me ajeitar na cadeira, mas a barriga enorme
e os pés que me chutam não colaboram muito. — Eu sei.
Não quero que Enrico continue, nunca vou declarar mio marito morto.
Um tiro. Um único tiro, em tempos de paz, foi capaz de arruinar com nossas
vidas.
— Precisamos marcar uma reunião com o Conselho — ele decreta.
— E dizer o que, Enrico? — me exalto. — Que mio marito è morto?
Nunca! Eu sei que ele vai voltar.
— Mas, Mia, já se passaram meses e eles precisam saber a verdade antes
que você dê à luz.
— Sage vai voltar. Ele prometeu.
Abro a gaveta da escrivaninha e mostro, mais uma vez, o bilhete de Sage
a Enrico. Meu irmão e todos os outros conhecem de cor e salteado as palavras
escritas ali. Mas não deixo que ele toque no papel. Não deixo que ninguém
toque nele, não quero perder o cheiro de mio amore que resta ali. Guardo de
volta na gaveta. Suas palavras não saem da minha cabeça:

Você me deu o mundo, agora não tenho mais nada. O tempo que passei
ao seu lado foi o pior e o melhor da minha vida. Eu poderia me arrepender,
mas não consigo… por sua causa. Foi por você que descobri o que é amar e
o que é sofrer. O que é viver.
Sempre soube que você seria minha ruína, mas nunca imaginei que a
família seria minha desgraça.
Este mundo tirou a minha mãe, o meu pai e, agora, o meu irmão.
Se eu ficar, corro o risco de me perder. Ou pior: de perder você.
Fique e conquiste tudo o que seu coração deseja, porque não existe
ninguém melhor do que você, Mia Wilder, para ser a Donna desta família.
Não nasci para isso. Não quero isso.
Se eu ficar, destruirei tudo. Colocarei o mundo abaixo. Tacarei fogo em
todas as malditas pessoas que se acham no direito de ditarem os destinos dos
outros. E abrirei um sorriso a cada grito de dor que escutar.
Jett e eu voltaremos.
Não hoje. Não amanhã.
Um dia.
Quando a saudade falar mais alto do que a nossa insanidade.

— Faz seis meses, Mia, e ele nunca mais deu notícias. — Enrico tenta
controlar a voz, mas sei o quanto também está pressionado. — Você tem que
aceitar que…
— Não, Enrico. Eu conheço Sage. Ele jamais nos deixaria pra sempre.
— Passo a mão em meu ventre. — Não a nós.
— E se ele demorar dezesseis anos para voltar? — alfineta. — Até
quando você acha que pode mentir pra todas essas famílias?
— O que você quer que eu faça? Diga a todos que meu marido sumiu e
acabe com o futuro da minha família?
— Quero que você diga a todos que quem está mandando nesta família é
você, Mia Wilder, na ausência do seu marido, que está se tratando em uma
clínica psiquiátrica depois do surto que teve pela perda de seu irmão — ele
me desafia. — Você sabe que as coisas estão mudando. Aceitaram Martina e
Luana como chefes das famílias Battaglia e Giordanni. Por que não
aceitariam você?
— É diferente — retruco, mas antes que possa continuar, Eddie entra na
sala.
— Boas notícias — diz, animado.
— Mio marito è tornato? — Levanto, esperançosa, mesmo que com
dificuldade. A cada dia fica mais complicado me movimentar.
— Non, Donna — Eddie me responde e o sorriso se desfaz de seu rosto.
Cansada, caio na cadeira. — O dia que Don Sage chegar, eu entrarei neste
escritório dizendo que tenho a melhor notícia de todas. — Sorrio para ele por
sua lealdade. — Até lá, só trago boas notícias — diz nosso novo Allenatore.
— Os recrutas estão prontos para ganhar sua primeira tatuagem.
— Sabia que você jamais nos decepcionaria, Eddie. Sage irá saber de
toda a sua dedicação e esforço — agradeço a ele.
Enrico o olha com admiração, mas nem a distração o faz perder o foco.
— Eu estava dizendo para Mia — meu irmão olha para Eddie, que o
corresponde atentamente — que está na hora de ela anunciar a todos que está
no comando. As coisas andam diferentes na família e…
— Se estão diferentes, por que você dois ainda não se assumiram? —
interrompo, fazendo com que ambos me olhem assustados. — Eu sempre
soube das preferências de mio fratello e não é de hoje que percebo essa troca
de olhares e atenções entre vocês. — Solto uma risada. — O que está
rolando?
— Mia! — Enrico protesta. — Você está mudando de assunto…
— Tudo bem! Eu assumo que estou no comando quando você assumir
seu namoro com Eddie. — Levanto com dificuldade. Enrico faz menção de
me ajudar, mas o rejeito com as mãos. — No dia que vocês anunciarem esse
namoro no jantar, pode marcar a reunião com o Conselho e preparar o
discurso. Enquanto isso, vamos manter as coisas como estão até o dia que eu
parir. Depois, pensamos no que fazer.
— Aonde você vai? Ainda temos coisas a resolver — Enrico protesta ao
me ver sair do escritório.
— Preciso comer. Carregar o futuro da família dá muita fome.
Saio rindo, mas em vez de ir em direção à cozinha, subo as escadas para
meu quarto. Quando fecho a porta, começo a chorar.
— Onde você está, amore mio? — sussurro, como se Sage pudesse
ouvir meus pensamentos. — Preciso tanto de você aqui. — Os chutes
recomeçam. — Nós precisamos.
Nunca pensei que meu irmão teria coragem de assumir seu
relacionamento com Eddie perante quase toda nossa família — a falta de mio
marito e mio cognato são sentidas em todas as refeições —, mas ele o fez. E
agora aqui estou, prestes a assumir para todos que sou eu que estou cuidando
de tudo e que não faço a menor ideia de onde Sage está há quase sete meses.
Era para mio marito estar à frente dos negócios enquanto eu cuidaria das
coisas para o nascimento. Mas aquele único disparo de Joana a deixou órfã e
me tornou uma viúva prenha de um marido vivo. Aquele momento mudou
todas as nossas vidas para sempre. Interrompeu sonhos. Atropelou meus
planos.
Sage, com os ossos da mão expostos, sujos com seu próprio sangue
misturado ao de Lucas, completamente morto e desfigurado, socava a massa
disforme do que um dia havia sido meu primo. Nem meus gritos, nem os de
Jett, nem os das nonnas foram capazes de o fazer parar.
Enrico, Eddie e Jett tentavam tirá-lo de cima do corpo sem vida de
Lucas, enquanto Coal estava estirado no tatame, com os olhos abertos e um
filete de sangue saindo de sua testa. Um único tiro foi disparado e ceifou
muitas vidas.
— O que houve? — Martina pergunta.
Mas, desta vez, ao contrário daquele maledetto dia, ela não chora.
Parece até mais corada e sua barriga começa a aparecer.
— Tudo bem, cugina. Está tão bonita. — Faço questão de a elogiar e
acaricio sua barriga.
— Você está quase lá, né? — Ela gesticula com as mãos, mostrando
como estou enorme.
Temos uma conversa calma sobre gravidez enquanto esperamos os
outros membros do Conselho chegar. Depois do que aconteceu com Lucas,
não foi difícil convencer a todos de que ela era a única herdeira de Don
Vicenzo. Assim como também não foi difícil convencer todos os homens que
uma das cadeiras deveria ser, por uma questão de honra e dívida, de Luana.
Sei que Sage também teria concordado com essas indicações. Era isso
que Enrico e eu íamos fazer na sala de treinamento, quando começamos a
ouvir os gritos. Então o disparo, que atraiu a atenção da casa inteira. Em
poucos minutos, aquela confusão toda, meu cunhado morto, Sage e Jett
transtornados, os gritos, o choro e de repente nada.
Sage parou e não mais falou. Nem durante o enterro, nem nos dias que
seguiram. Até que, uma noite, levantou-se da cama. Quando acordei, não
havia um carro inteiro na garagem. Restava apenas seu bilhete ao meu lado
na cama.
Tento acreditar que ele apoiaria a minha decisão, que aceitaria Martina e
Luana no Conselho, assim como a família aceitou. Mas para que elas
assumissem, algumas concessões precisaram ser feitas. As cadeiras restantes
foram preenchidas por dois outros homens. Talvez eles não se importassem
com a presença das mulheres, porque eram a maioria. Afinal, imaginavam
que era Sage quem estava no comando de tudo. Mas com meu marido
sumido, o que Enrico estava prestes a propor os deixaria em minoria — e
homens, ainda mais os velhos e carcomidos, nunca querem ser a minoria.
Luana chega logo em seguida. Também parece menos abatida, apesar de
não ter as mesmas esperanças que eu do retorno de Jett. Quero poder consolá-
la de alguma forma. Nenhuma de nós merecemos esta solidão e dúvida.
Talvez estar no lugar de Martina seja menos difícil, afinal, ela não tem a
quem esperar. Porém pensar que Sage não tem mais seu coração pulsando em
algum lugar do planeta é como se tirassem todo o ar do mundo de mim.
Impossível sobreviver.
— Por que estão demorando? — pergunto a Enrico, impaciente de estar
sentada.
Nas últimas semanas, todas as posições são difíceis. Sentada, de pé,
deitada. É como se eu pudesse sentir os meus órgãos sendo amassados. O que
realmente parece acontecer.
Enrico não me responde, apenas dá de ombros. Continuo a conversa
com Martina e Luana, como se há muito tempo a gente não se encontrasse,
mesmo morando na mesma casa. Talvez seja a quantidade de coisas que
tenho que resolver, ou o luto que cada uma de nós vive à sua maneira. Mas,
por um momento, relaxo, sendo apenas uma mulher de vinte anos, prestes a
dar à luz, falando sobre moda gestante com suas amigas.
A sensação é reconfortante e me lembro de um dos últimos dias da
minha vida antes de conhecer Sage, quando comprei a lingerie que usei na
noite de núpcias, imaginando se o noivo que eu nem conhecia iria gostar.
Naquela época, minhas dúvidas eram entre as cores vermelha ou branca. Hoje
são se serei aceita a Donna di questa famiglia, como Eddie brinca, e se mio
marito è vivo.
De repente, a porta do escritório se abre e Lorena Bianchi e Elena Gallo
entram, rindo, acompanhadas de Carmella e Edwige.
— O que vocês estão fazendo aqui? — pergunto para as filhas de Don
Fabrizio e Don Marcello, os outros dois membros do Conselho.
— Carmella e eu achamos que vocês precisavam de uma ajuda. —
Nonna me olha, sorrindo. — Mandamos cartas a elas, junto com um
presentinho. — Pisca para mim.
— Assim como Don Massimo — Carmella faz o sinal da cruz em
respeito ao morto —, parece que Fabrizio e Marcello comeram algo que lhes
fizeram mal. — Lorena e Elena fazem o sinal da cruz em respeito aos seus
pais.
— Então é isso? — Enrico olha para as duas nonnas. — Nossa família
agora mata homens envenenados? — Meus olhos encontram os seus e, na
mesma hora, ele se cala. Talvez se lembrando do acordo que um dia selemos
neste mesmo escritório. — Va benne! Vamos começar a reunião, então. —
Meu irmão se ajeita na cadeira e pega alguns papéis da pasta, enquanto espera
as outras mulheres se sentarem. — O primeiro tópico é a aprovação de Mia
Wilder como chefe do Conselho no lugar de Don Sage. — As quatro cabeças
concordam, enquanto Edwige e Carmella batem palminhas. — Eu havia
preparado um discurso para isso, mas…
— Cazzo! — interrompo a fala de meu irmão. — Minha bolsa estourou.
Epílogo
Sage - Cinco anos depois

Jogo Sarita com força e ela rodopia, cortando o ar em um silvo até


cravar com força no centro do alvo preso à árvore.
— Como você faz isso, papà? — Kali pergunta, curiosa. Sempre
curiosa.
— É só manter os dois olhos abertos. — Dou de ombros e mostro a
língua para ela. — Toma, pode tentar. — Estendo minha faca de estimação e
minha filha caçula quase pula de felicidade ao poder segurá-la pela primeira
vez. — Muito cuidado, porque Sarita é bem afiada. Se você encostar aqui —
aponto para a lâmina —, vai perder o dedo.
Kali faz uma careta e recua a mão.
— Não quero.
— Está com medo?
— Morrendo de medo. Você disse que vou perder o dedo.
— E vai. Se não souber como usar e encostar na lâmina — digo o óbvio.
— É por isso que estou te ensinando. Sarita não é um brinquedo, é uma arma
perigosa, que nem a sua mãe.
— Mamãe é uma arma perigosa?
— A mais perigosa de todas. — Dou uma piscadinha.
— Mas eu abraço a mamãe todos os dias e nunca perdi o dedo.
— Exatamente, Kali. Exatamente. — Guardo Sarita no coldre e pego
minha filha no colo. — O medo é o pior dos sentimentos, sabia?
— Por quê? — ela quer saber, acariciando a minha barba.
— Porque, na maioria das vezes, ele nos impede de agir. Uma pessoa
não é definida pelo que sente, e sim pelo que faz. Quando sentimos medo,
não fazemos nada. Ficamos parados, que nem idiotas, apenas vendo a vida
passar diante dos nossos olhos. — Deixo um beijinho na ponta de seu nariz
arrebitado, idêntico ao de Mia.
— Você sente medo, papà?
Quando a vozinha fina solta a pergunta, o flashback do momento mais
aterrorizante da minha vida aparece bem diante dos meus olhos:

“— Você precisa voltar. — Eddie invade o trailer, e o estrondo do chute


na porta me faz levantar da cama onde dormi até os meus dezesseis anos.
— Do que você está falando? — pergunto, ainda sonolento.
— Foi por isso que me disse onde estava, não é? Para que eu viesse em
caso de emergência? — Ele cruza os braços na frente do corpo. — Pois bem,
sua esposa está no hospital. Segurei esse tempo todo, como você mandou.
Não apareci, não entrei em contato, fingi que não sabia onde você estava,
porque estava sendo leal ao meu Don. Mas agora acabou a palhaçada, Sage
Wilder. Mia está parindo e você precisa ir até lá.
As palavras dele me tiram do estupor em que fiquei nos últimos meses.
Não faço ideia de que horas são, em que mês estamos, muito menos qual foi
a última refeição que comi. Também não me lembro de quando foi a última
vez que tomei banho. Porém, ao ouvi-lo dizer que Mia está no hospital, toda
a minha apatia vai embora e saio da cama em um pulo.
— Me leve até ela — peço com a voz rouca, pouco usada nos últimos
meses.
— Puta merda, você está fedendo — Eddie diz quando me aproximo. —
Vou dirigir o trailer. Enquanto isso, você toma um banho. Qualquer criança
renegaria o pai se o conhecesse desse jeito. — Ele tapa o nariz.
Assinto com a cabeça e corro para o banheiro. Com o veículo em
movimento, é difícil realizar as tarefas, mas dou um jeito.
— Onde está o Jett? — Eddie pergunta lá da frente.
— Não sei — grito de volta, enquanto coloco uma roupa limpa. — Ele
sumiu há algumas semanas, eu acho. Pegou a moto.
Desde que saímos de casa, ficamos o tempo todo no trailer. Chegamos a
visitar algumas das cidades onde moramos durante a infância, escolhendo
sempre as preferidas de Coal. Só que nada foi capaz de aplacar um pouco da
dor avassaladora que sentimos ao perder nosso irmão.
Uma parte nossa foi arrancada. Um terço meu morreu naquele dia. E
tenho certeza de que nunca mais serei o mesmo. Também não quero ser. Não
quero viver do mesmo jeito se ele não está mais aqui.
Os italianos enchem a boca para falar de honra, lealdade e família. Não
estaria honrando a minha se levasse a vida da mesma forma. Se sorrisse com
a mesma leveza. Se continuasse com os mesmos objetivos.
A morte de Coal me fez enxergar aquilo que eu não fui capaz de ver
desde que fomos encurralados pelos homens de Don Marco: nunca quis fazer
parte da máfia. Ser Soldatto, Capo, Don, Don dos Dons… Estas eram as
ambições de Mia, não as minhas. Também não tenho ideia do que eu quero
fazer.
Mas de uma coisa eu tenho certeza: preciso encontrar minha freirinha e
garantir que ela esteja bem.
Eddie tem razão: fiquei longe por tempo demais, e agora está na hora
de voltar. Não para a máfia, porque jamais trairia a memória de Coal desse
jeito. Mas voltarei para Mia.
Termino de me arrumar bem a tempo de vê-lo estacionar o trailer na
frente da clínica do dr. Fontana. Assim que desço, escuto os gritos da minha
esposa.
Corro para dentro, empurrando a porta de vidro sem me importar com
as pessoas na sala de espera. Sei que tem gente chamando o meu nome, mas
ninguém aqui merece a minha atenção. Só ela.
Sigo o som e chego até a última sala, onde Mia está deitada em uma
maca, com as pernas abertas enquanto grita a plenos pulmões.
— Força, Donna — o médico encoraja.
— Quero ver você fazer isso! — Mia briga com ele e, na mesma hora,
abro um sorriso.
Ela ainda não me viu aqui. Então, me aproximo com cuidado.
— Vai, freirinha. Está na hora de colocar o nosso filho no mundo. —
Paro bem ao seu lado e deixo um beijo no topo de sua cabeça suada.
— Sage — ela sussurra meu nome, olhando para mim. Seu rosto está
vermelho e suado, mesmo assim, continua sendo a mulher mais linda deste
mundo. — Você voltou.
— Claro que eu voltei. Não perderia este momento por nada. — Beijo
sua boca, apenas um toque rápido dos lábios. — Você sempre foi a minha
força. Agora, serei a sua. Vamos, princesa. Força — incentivo. — Empurra.
Mia grita, tão alto que quase fico surdo. Porém, logo em seguida,
ouvimos um choro.
— É uma menina — doutor Fontana anuncia e uma lágrima escorre do
meu olho.
— Margareth Wilder — digo por instinto e vou até ele, que tem uma
tesoura estendida para mim.
Corto o cordão esponjoso e uma enfermeira me entrega o pacotinho
ensanguentado.
Linda. Minha. Minha filha.
— Ela é a sua cara, princesa. — Deixo um beijo na bochecha de
Margareth e levo-a até Mia.
No colo da mãe, nossa filha para de chorar, e é a vez de minha esposa
demonstrar que, por trás de toda a sua maldade, há um lado humano
também. Ela se agarra à filha, beijando-a várias vezes e sussurrando o
quanto a ama.
— Está na hora, Donna — doutor Fontana avisa.
— Na hora? — pergunto. — De quê?
— São trigêmeos, Don. — Antes que eu consiga entender o que está
acontecendo, Sarita já está encostada na garganta do médico.
— Nunca. Mais. Me. Chame. Assim. — Cada palavra é dita com uma
calma facínora. Fontana arregala os olhos e posso ver seu pomo de adão
subir e descer sob a faca, que por pouco não ceifa sua vida.
— Sage… — O gemido de Mia é a única coisa capaz de me trazer de
volta à realidade neste momento. — Segura a… a… Margareth.
Viro-me para ela, que está estendendo nossa filha. Recoloco Sarita no
bolso e seguro a criança. Na mesma hora, Mia solta um berro de dor. A
enfermeira toma a bebezinha de meu colo e vou amparar minha esposa, que
segura minha mão com tanta força que sinto meus ossos racharem.
Ela berra, berra, berra… E, de repente, outro chorinho manhoso é
ouvido na sala de parto.
— Parabéns, er, papai. — O médico me encara, preocupado. — Venha
cortar o cordão da sua outra filha.
— Outra menina? — confirmo e ele faz que sim com a cabeça.
Incrédulo, olho para Mia, que parece completamente exausta. Mais uma
vez, pego minha outra garotinha no colo.
— Esta é a Giovanna Wilder — minha mulher anuncia.
Desta vez, não é a imagem de um corpo destruído que me vem à mente
ao ouvir o nome. E sim a chance de redenção.
Não pude salvar aquela Giovanna, mas posso fazer de tudo para que
esta aqui tenha a melhor vida de todas. Então, beijo-a no rosto, assim como
fiz com sua irmã, e entrego-a à sua mãe.
Mia se agarra à pequena, chorando sem qualquer controle e revezando
olhares entre mim e Giovanna.
— Eu não sei se tenho força para fazer isso de novo. — O desespero é
nítido em seu rosto.
— Claro que tem, princesa — garanto. — Não existe mulher mais forte
do que você. — Seco suas lágrimas, beijo seu rosto, acaricio seu cabelo. —
Vamos, amore mio, tem mais uma filha nossa aí dentro. Qual será o nome
dela?
Mas antes que Mia possa responder, um grito escapa de sua boca. A
enfermeira leva Giovanna para junto de Margareth e aproveito para abraçar
minha esposa, usando meus braços como apoio para que ela fique em uma
posição semissentada.
— Coal… significa carvão. Negro. — Balanço a cabeça, concordando
com o que ela diz. — Eu andei pensando em… AAAAAAH! — Mais um grito
e o rosto de Mia fica ainda mais vermelho.
— Força, Donna. Força — o médico pede, mas eu o ignoro.
— Pensei em Kali Wilder. Significa “a escura”. Em hindu, é a deusa da
morte, da destruição. — Mia me encara, como se quisesse me mostrar que,
de certa forma, ela entende o meu desespero. Entende a minha necessidade
de recomeçar. De destruir tudo aquilo que já foi, para que uma nova era
possa ter início.
— Então, força, Mia. Deixe Kali vir ao mundo.”

— Só senti medo poucas vezes, Kali — confesso. — Uma delas foi no


dia que você nasceu.
— É? — ela pergunta, curiosa, ainda fazendo carinho na minha barba.
Seria interessante se as trigêmeas fossem idênticas. Só que Margareth e
Giovanna são a cara da mãe, enquanto Kali é muito parecida comigo. Ou
talvez com Coal. Tanto faz.
— Sabia que você não chorou quando nasceu?
— Todos os bebês choram quando nascem, papà.
— Você não, Kali. Você olhou nos meus olhos e me fez chorar.
Não conto a ela que, refletido em seu olhar, vi meu irmão. Vi a alma
dele presente na minha filha. Vi nela o recomeço e a liberdade que sempre
sonhei.
Foi por ela que aceitei tudo de novo. Foi por ela que voltei para casa e
fiquei, em vez de arrastar Mia para um lugar qualquer.
— Mas você não chora, papà.
— Pois é… Este é o nosso segredo. — Kali solta uma risada e deixa um
beijo estalado na minha bochecha.
— Maggie e Gio não vão gostar disso. Elas têm ciúme da gente.
Solto uma risada e olho para a varanda, onde minhas outras meninas
lindas estão brincando, falando alto e gesticulando bastante, como boas
italianinhas. Marco, o filho de meu falecido irmão com Martina, também está
ali. Mesmo sendo quase da mesma idade que elas, prefere não participar das
brincadeiras. Assim como Coal, é calado e analítico, mas tem um carinho
especial por Kali, e sempre acaba fazendo tudo o que minha caçula pede.
Luana e Jett tomam conta das crianças, com Paola dormindo no colo da
mãe. A nova membro da família ainda não completou duas semanas, mas já
disse a que veio. Nasceu prematura e deu um baita susto em todo mundo,
principalmente em Jett, que quase morreu de preocupação quando o dr.
Fontana disse que ela precisava ficar internada por alguns dias.
Depois da morte de Coal, eu levei um tempo para conseguir voltar ao
normal, mas meu irmão sofreu ainda mais. Eu só retornei à família por conta
de Mia e do nascimento das nossas meninas. Jett levou anos para voltar.
Ninguém soube dele até que, um dia, apareceu aqui, com uma mochila a
tiracolo e um vazio no peito.
É claro que nunca mais fomos os mesmos. Não temos como ser. Uma
parte nossa foi roubada no dia que Lucas empunhou Joana e tirou a vida de
Coal. Mas hoje encontramos uma razão para respirar. Jett abriu uma loja de
motos, se casou com Luana e, agora, tem em Paola o centro de seu Universo.
É muito bom ver meu irmãozinho sorrir de novo.
Na verdade, é muito bom ver que, apesar de tudo, existe a chance de
recomeços.
Enquanto eu… Eu tenho Mia, Kali, Gio, Maggie e Sarita. Minhas cinco
mulheres. Cada uma com sua importância.
— Papà? — A voz de Kali me faz voltar à realidade.
— Acho que você está me enrolando, mocinha. — Olho para a minha
filha, tentando engolir o nó na garganta. — Nós tínhamos combinado de
treinar hoje.
Coloco Kali no chão e estendo Sarita de novo para ela.
— Estou com medo, papà. Não quero perder o dedo.
— Tudo bem. Então, que tal começarmos com Joana? — Por mais que
ela tenha matado Coal, jamais abandonaria o grande amor da vida do meu
irmão. Ela também precisava de uma chance de redenção.
— Sage Wilder! — A voz de Mia soa logo atrás de mim. — O que eu
disse sobre deixar uma criança deste tamanho usar uma Taurus 9mm? É
melhor começar com um 32, ela não vai aguentar o tranco da Joana.
Puxo minha freirinha para perto e envolvo-a em um abraço. Sentir seu
cheiro seria o suficiente para me fazer sentir vontade de imprensá-la contra a
árvore e levantar seu vestidinho comportado, apenas para ouvi-la gemer meu
nome bem alto. Todo mundo sabe que a Donna tem dono, e faço questão de
provar isso a ela sempre que tenho a chance. Só que a barriga enorme de oito
meses e a criança agarrada na minha perna impedem que isso aconteça.
— Mamma, o papà estava me ensinando a usar a Sarita — Kali diz com
um sorriso bobo no rosto e, em seguida, dá um beijo na barriga da mãe. —
Oi, Coal. Daqui a pouco é a sua vez de aprender.
— Isso mesmo. — Minha princesa sorri. — Piccolina, suas irmãs estão
te esperando na varanda. Seu primo Marco e Paola também estão lá. A nonna
fez cannoli para o lanche.
Na mesma hora, Kali começa a pular que nem uma louca e sai correndo
pelo jardim, sem nem ao menos dar um tchau para o pobre pai. É assim que
sou recompensado.
— Amore mio — Mia chama a minha atenção enquanto acompanho
minha filha correr. — Preciso da sua ajuda.
Suas mãos passeiam por meu peito e eu sei, eu sei, que ela quer mais do
que apenas um beijo e uma massagem em seus pés inchados pela gravidez.
— O que você não me pede rindo que eu não faço chorando, freirinha
safada? — Beijo sua boca gostosa enquanto ela tenta conter a risada.
Desde que assumiu como a Donna da porra toda, Mia se viu realizada. E
preciso confessar que o título combina com ela. Muito mais do que comigo.
Odeio responsabilidade. Odeio ter a vida dos outros na minha mão. Odeio
saber que preciso tomar decisões.
Algumas pessoas combinam com o poder. Outras se destroem por conta
dele. Mesmo me recusando a ser parte da máfia, jamais me negaria a fazer
qualquer servicinho sujo para a minha esposa. E ela sabe muito bem disso.
— É sério — minha freirinha safada diz, subindo e descendo a mão pela
jaqueta de couro que sempre uso. — Aqueles mexicanos voltaram à cidade
e…
— E você quer que eu faça o quê?
— Traga o líder deles até aqui. Um tal de Juan Rodriguez. O cara é
famoso por…
— Não me importa, princesa. Só me diz uma coisa: você quer o
desgraçado vivo ou morto?
Giro Sarita no ar e Mia sorri.
— Morto. Com a cabeça separada do corpo, para facilitar o transporte.
[1] Eu te amo tanto
[2] Meu filho.
[3] Está bem.
[4] meu marido.
[5] Meu amor.
[6] Lorenzo está morto.
[7] maldita
[8] Solte-a.
[9] vovó.
[10] garota
[11] papai.
[12] Bom dia.
[13] Filha da puta.
[14] mamãe.
[15] Parabéns, meninos.
[16] Aquele rapaz é podre por dentro.
[17] Onde está sua mulher?.
[18] Tudo, marido.
[19] fedelho.
[20] punheteiro.
[21] idiota.
[22] imundo.
[23] desculpa.
[24] Ontem à noite, Aninha, eu subi, Você sabe onde?
(Você sabe onde?)
Onde este coração ingrato não pode mais me fazer despeito
(Funiculí, Funiculá, Luciano Pavarotti)
[25] Parabéns!
Parabéns pra você
parabéns pra você
parabéns pra todos
parabéns pra você.
[26] putinhas.
[27] boceta.
[28] meter (sinônimo de transar).
[29] prostituta.
[30] canalha.
[31] Referência ao Casamento Vermelho, da série Game of Thrones, televisionada pelo canal
HBO, quando, em um casamento, os convidados são envenenados.
[32] Minha filhinha! Teu pai está morto!
[33] Nenhuma vingança me trará seu irmão e seu pai de volta.
[34] entendeu.
[35] prima.
[36] monstro.
[37] a puta de sua mãe.
[38] Doce recheado com ricota. Parecido com um croissant.
[39] Meu menino está com fome.
[40] Nada.
[41] planta alucinógena bastante comum no Brasil. É encontrada em terrenos baldios. Se comida,
ela pode causar taquicardia, alucinações e sonolência. Quando consumida em excesso pode levar à
morte.
[42] bicha, veado. Forma pejorativa de se dirigir a um homossexual.
[43] O que está acontecendo aqui?
[44] Nada, como de costume.
[45] Não podemos perder a esperança.
[46] São todos bem-vindos em nossa casa.
[47] O que aconteceu?
[48] Meus pêsames.
[49] Por quê?
[50] Saia daqui. Quero ficar sozinha.
[51] Preciso do meu filho vivo.
[52] frouxo.
[53] maldita, danada.
[54] câncer.
[55] Mas depois as vezes basta só um sorriso
Para soltar em nós também um inverno de gelo
E recomeçar do zero (Gente, Laura Pausini)
[56] que descanse em paz.
[57] filha de seu conselheiro.
[58] Abençoada por Deus.
[59] porco asqueroso, estuprador.
[60] Grávida? A mãe de Deus atendeu as minhas preces.
[61] Sou eu, amado (a), trouxe o café da manhã.
[62] caçula.
[63] maldito estuprador, ele é um sádico também.
[64] o melhor amigo deles.
[65] com você, meu amigo.
[66] Obrigada meu querido sogro.
[67] A emigração italiana (ou diáspora) foi um fenômeno social iniciado nas últimas décadas
do século XIX e que continuou grande até meados do século XX. A diáspora italiana foi o maior
movimento migratório não forçado da história. Entre 1880 e 1976, perto de 13 milhões de pessoas
deixaram a Itália para ir morar em outros países. FONTE: Wikipédia
[68] meu avô me contava.
[69] Essa velha louca me amarrou aqui.
[70] Sua porca imunda.
[71] cala essa boca.
[72] Meus amigos.
[73] Então, minha querida, nos encontramos novamente.
[74] Bem-vindo à nossa casa.
[75] É você o bastardo?.
[76] É você o filho da puta.
[77] Don Massimo, este é Sage Wilder, seu neto.
[78] Edwige, minha querida, vamos beber qualquer coisa.
[79] Calma, menina, vai ficar tudo bem.
[80] A morte te encontrará vivo.
[81] E a vida te trará para casa.
[82] Que teu corpo suporte toda a dor e as feridas.
[83] E que tua alma de guerreiro seja impiedosa.
[84] Bruxaria antiga italiana.
[85] má sorte.
[86] É melhor viver um dia como lobo, do que mil anos como cordeiro. Ditado italiano.
[87] besteiras.
[88] minha vida.
[89] biscoitos.
[90] tipo de amanteigado.
[91] Solte o meu neto ou mato essa vadia e seu herdeiro agora.
[92] Não. Meu tempo acabou.
[93] vingança de sangue. Comum nas sociedade pré industriais e de onde vem a ideia de lavar a
honra com sangue.
[94] sangue do teu sangue.
[95] Bem feito.
[96] Ele mereceu.
[97] Deus sacrificou seu melhor filho essa família.
[98] Eu sou o Don do Conselho.
[99] Dei-lhe as boas-vindas à minha casa! Traidora!
[100] Na frente de Deus e da nossa família.
[101] Ele está morto.
[102] Isso só pode ser um sinal de Deus.
[103] Foi Deus.
[104] Foi a vontade de Deus.
[105] almôndegas.
[106] Meu meninos! Finalmente conheci vocês.
[107] Que arda no inferno.
Nota das autoras

Nota da Mari

Perdoem-me, queridas leitoras, mas este precisava ser o fim da história.


Para que Mia fosse a Donna e Sage conseguisse sua tão sonhada liberdade,
algo muito drástico precisava acontecer. E nada menos do que a morte de um
Wilder seria capaz de fazer isso. Então, não me odeiem. Sim, fui eu que matei
ele. Não me cancelem. Eu chorei demais quando ele morreu, sofri horrores e
detestei cada letra escrita daquela cena. Mas foi necessário.
Selvagens na Máfia não é uma história fácil, não era para ser. Nos meus
outros livros, garanto risadas. Nesta duologia, a ideia é mostrar um lado mais
cru e perverso da natureza humana. Nossos personagens não são bonzinhos.
Tanto a Mia quanto o Sage não são moralmente corretos, mas se completam
dentro deste Universo. Ao mesmo tempo, eles são intensos e apaixonados,
sem medo de fazer o que for preciso para conseguirem o final que tanto
querem. Precisei muito da força deles para escrever muitas das cenas deste
livro.
Obrigada por lerem e (se vocês não me cancelarem) nos vemos na
próxima história.
Beijos da Mari Monni.

Nota da Lu

Vocês viram, né?! Eu defendi a vida do Coal até o último segundo.


(Portanto, só cancelem a Mari. Clemência, eu imploro!)

Brincadeiras à parte, não havia a menor possibilidade de em 2022 a


gente não acabar esse livro com a Mia sendo a Donna da porra toda.
Primeiro, porque nós realmente desejamos que cada vez mais mulheres sejam
as Donnas de suas próprias vidas, protagonistas de suas histórias, escritoras
de suas narrativas e, principalmente, chefonas de seus futuros. O segundo
motivo é porque a docilidade, fertilidade e o cuidado feminino são
características comuns do nosso gênero, mas jamais podem ser usadas pra
nos subestimar, domesticar, escravizar, inferiorizar ou violentar. Mia, mais do
que uma sociopata capaz de qualquer coisa pra ter o que quer, é uma
esperança de futuro, onde ninguém nunca consiga nos limitar.
Se eu vou sentir saudades dessa mulher que tive a honra de escrever com
toda a sua crueldade e doçura tão antagônicas e tão reais em tantas de nós?
Com toda certeza. Mas era preciso um fim e, como a própria Mia diria,
algumas perdas são inevitáveis para se conquistar o que quer, mesmo que doa
e muito.

Obrigada por lerem e não cancelem a Mari!


Nos vemos na próxima história.
Beijos da Lu Aranha.
Agradecimentos
A todas as nossas leitoras, deixamos um obrigada do tamanho do
mundo. O relançamento de Minha Ruína foi espetacular. Não imaginávamos
o sucesso que seria, e ficamos espantadas com o tanto de carinho que
recebemos. Então, para vocês, nossos mais sinceros agradecimentos.
Aos nossos parceiros, obrigada por ajudarem a divulgar o trabalho suado
de duas escritoras que se esforçam muito. Vocês são incríveis e essenciais!
Bárbara Pinheiro — revisora — e Natália Saj — capista —, o trabalho
de vocês é incrível. Obrigada por tudo!
Às betas que leram esse livro — Mel, Jess e Dany — vocês são
perfeitas. Adoramos ouvir tudo o que têm a dizer.
Aos nossos amigos e familiares, obrigada pelo apoio que sempre
recebemos.

Um beijo enorme a todos,


Mari e Lu.
Selvagens na Máfia
Se tudo é reinado pela ordem, os trigêmeos Wilder chegam para trazer o caos.
Junto com seus irmãos, Sage viveu isolado até os 16 anos, mas a morte de sua
mãe o deixa solto no mundo. Quando menos espera, seu papà bate à porta
pela primeira vez, com a oferta de uma nova família, muitos segredos e
despertando sua sede de vingança.
Jogue-se de cabeça e descubra com Sage que, neste universo, o que manda é
a lealdade, o dinheiro, a luxúria e um senso deturpado de honra.

Minha ruína
Nada na minha vida é simples. Nunca foi. Só que agora o destino parece estar
de sacanagem com a minha cara.

Eu passei anos confinado, sem saber quem eu era, apenas para ver minha mãe
ser assassinada na porta de casa e descobrir da forma mais inesperada
possível que o meu pai é um Don da máfia italiana. Não só isso: ele quer que
eu e meus dois irmãos entremos para a "família".

Mas, como eu disse, nada na minha vida é simples, e uma de suas exigências
é que eu me case com uma mulher que mais parece uma freira.

A Família Rossi é cheia de segredos e tradições, mas eu sou Sage Wilder, e


nunca soube muito bem como seguir regras...

Desejo de Sangue
Tudo na minha vida foi planejado. Menos a guerra que estamos enfrentando.
Eu passei anos sonhando com meu marido, a nossa família e a vida perfeita
de mulher de Don, sem imaginar quantas pessoas eu perderia pelo caminho.
Dos mais leais aos inimigos, todos estão caindo.
Mas, como eu disse, tudo na minha vida foi planejado, e farei o que for
necessário para ter o que quero. Guerra ou não, meu marido será Don.
A Família Rossi está perdendo suas forças, só que eu sou Mia Wilder e não
vou desistir dos meus objetivos.
Sobre o autor
Lu Aranha & Mari Monni

Lu Aranha & Mari Monni Lu Aranha e Mari Monni se encontraram por


acaso. De um grupo de escritoras no WhatsApp, nasceu uma parceria que vai
além das páginas dos livros.

Elas não só criam histórias juntas, mas também organizam antologias,


revisam livros e se ajudam em tudo.

Uma capricorniana carioca que ama café e uma gaúcha que vive à base de
chimarrão, mas ambas compartilham o amor por uma dose de tequila. Uma
viciada em trabalho e a outra em sexo, Mari e Lu se tornaram grandes amigas
e passam o dia inteiro conversando sobre tudo e nada.
Cada uma em um canto do país, mas isso não importa. São muito parecidas e,
ao mesmo tempo, completamente diferentes. Adoram escrever juntas e se
divertem demais a cada novo projeto.
Livros deste autor
Meu vizinho indiscreto
Qual foi a coisa mais inesperada que você já viu quando olhou para a janela
do seu vizinho? Quando Henrique olha para o outro lado da rua e vê uma
mulher completamente nua passeando pela sala, ele fica hipnotizado. Como
não ficar? Afinal, ela é só curvas e cabelos coloridos.
Melhor ainda quando ela retribui o seu olhar...
Dia após dia, as coisas começam a esquentar e eles descobrem que o prazer
pode estar onde menos esperam. Só que se apaixonarem estava fora de
questão. Certo?
Henrique é um arquiteto desempregado, fazendo bico como barman para
poder pagar as contas. Mika é a cantora de uma banda que vem crescendo
bastante.
Ele, um cara responsável. Ela, uma mulher descomplicada e que adora curtir
a vida.
O que acontece quando os dois se cruzam e descobrem que algo pode
acontecer além da janela?

Alerta: Se você tem problemas com homens gostosos, mulheres


independentes e várias cenas quentes, não leiam este livro. Alto risco de
calcinhas pegarem fogo!

Meu mecânico indecente


Quando Eric recebe uma ligação, em um domingo de manhã, avisando que
terá que consertar um ônibus enguiçado, nem imagina que sua vida irá mudar
tão drasticamente.
Era uma vez um mecânico do interior que conheceu a patricinha da cidade
grande...
O resultado desse encontro? Uma paixão fora de controle.
Sissi, a tecladista da banda Estrogenium, é um livro fechado, mas com uma
bela capa. E sua história ninguém conhece.
Uma mulher espirituosa e bastante inusitada, que vai fazer de tudo para
amolecer o coração do mecânico.
Por obra do destino, os dois precisam conviver durante alguns dias, e vai ser
uma semana de amor, ódio e muito tesão.
Mas a semana chega ao fim. Só basta saber se aquilo que eles construíram
também irá acabar.

Alerta: Mantenha a distância se você não gosta de homens sarados, sujos de


graxa e que não têm medo de dizer, em detalhes, o que pretendem fazer com
uma mulher entre quatro paredes.

Meu professor insaciável


Quais fetiches você está escondendo atrás de suas roupas bem comportadas?
De dia, um professor dedicado. À noite, um homem que parece nunca estar
satisfeito. Até que ele a encontra e fica ainda mais insaciável.
Baby, a baterista da banda Estrogenium, é uma mulher bem decidida. Sabe o
que quer, como quer e o que deve fazer para chegar lá. Ela acabou de sair de
um relacionamento e a última coisa que pensa é entrar em outro. Mas a
atração entre os dois é mais forte do que qualquer um dos planos que traçou
para si mesma.
Por isso, eles fazem um pacto: sem sentimentos, sem envolvimento, sem
outras pessoas. É assim que a boa e velha história de “amigos com
benefícios” começa. O problema é que tanto o pacto quanto os mil planos de
Baby não são capazes de impedir o que está por vir.
Alexandre — e todos os seus outros nomes — vão levar Baby à loucura. Ele
é intenso, decidido e está disposto a lutar para ser mais do que apenas um
amigo...

Alerta: Leia este livro usando calcinhas à prova de fogo. Alto risco de
incêndio.

Meu virgem inesperado


Imagina descobrir que aquele seu primo gato é, na verdade, virgem!
Malala não aguenta mais as chatices da sua mãe, muito menos ter que
competir com sua irmã gêmea por atenção. Ela só quer viver sua vida do
modo como acha que a fará feliz. Determinada e independente, Mal sabe
muito bem o que quer e como chegar lá.
Jimi tinha tudo para dar errado, mas quando foi adotado por uma família nada
tradicional, acabou ganhando muito mais do que oportunidades. Seu mundo
se resume à faculdade, suas mães e à melhor amiga. Nada de namoradas, o
que começa a ser um problema quando se tem vinte anos.
Mal nunca imaginou que pudesse se interessar por Jimi. Muito menos que
aquele homão fosse virgem! Nem Jimi pensou que Mal fosse despertar tanto
desejo nele. Ela sempre esteve lá...
A família Estrogenium cresceu... Agora, as integrantes da banda resolvem
reunir as famílias para passarem o feriado juntas. Muito a contragosto, Jimi e
Mal vão para Vale da Esperança para o que promete ser o pior carnaval da
vida deles. Mas o que era para ser um feriadão pacato acabou se tornando
uma semana cheia de paixão e novas descobertas.

Alerta: fique longe se você não gosta de homens virgens, mulheres


experientes e uma paixão entre amigos de infância.

Meus amores inesquecíveis


Cauê e Bertha resolveram casar e isso deixou a família Estrogenium em
polvorosa. Não pelo casamento, mas pelo prazo: três dias. O que a maioria
não sabe é o motivo da pressa. Se, assim como Eric, você imaginou que
Bertha está grávida, não se preocupe, não daremos spoilers.

Entre encontros e reencontros, algumas confusões, risadas, lágrimas e aquelas


cenas de molhar a calcinha, chegou a hora do “felizes para sempre”.
Henrique, Mika, Eric, Sissi, Alexandre, Baby, Jimi, Malala e todos outros
personagens estão prontos para o que o destino os reservou.

Embarque pela última vez nessa série que arrancou risadas e suspiros de
muitos leitores e venha se emocionar com este final.

Alerta: leia com uma caixa de lenços ao lado. Alto risco de chororô e de se
apaixonar ainda mais por essa série.

Meu
DIÇÃO COMEMORATIVA DE TRÊS ANOS DA SÉRIE, COM UM
CAPÍTULO EXTRA EM CADA LIVRO! MAIS DE TRÊS MILHÕES DE
LEITURAS NA AMAZON.
Cinco livros.
Cinco casais.
Cinco romances quentíssimos e de tirar o fôlego.
A série Meus Amores traz as histórias das meninas da Banda Estrogenium.
Cinco mulheres determinadas e muito bem resolvidas, que vão se permitir
viver algo intenso e inesperado.

Mika e Henrique se conhecem da forma mais estranha possível: através de


uma janela. Sem conseguir desgrudar os olhos do vizinho da frente, eles
começam um relacionamento diferente e voyeurístico, mas tudo começa a
ficar ainda mais intenso quando se veem pela primeira vez.

Quando Sissi se vê no meio de uma estrada deserta e com o ônibus da turnê


quebrado, a solução é chamar um mecânico. Mas o que aparece na sua frente
é o homem mais irresistivelmente safado que ela já conheceu na vida. Por
uma semana, eles vão ter que conviver, e não há nada que irá conseguir
controlar a paixão avassaladora entre a patricinha da cidade grande e o
homem mais indecente da cidadezinha do interior.

Baby tem tudo planejado. Perder o controle nunca esteve nos seus planos. O
problema é quando ela conhece Alexandre e todas as suas “faces”. Porque ele
não é apenas um professor, ele é insaciável e tem fetiches que farão com que
ela descubra um lado novo, que nunca imaginou ter.

Malala sempre quis ser passista de uma grande escola de samba, mas quando
se vê forçada a passar o carnaval em família, seus sonhos parecem ir por água
abaixo. O que ela não esperava era que seu “priminho” pudesse despertar
nela vontades nunca antes sentidas. Só tem dois problemas: ele é o melhor
amigo de sua irmã… e virgem!

Quando Bertha e Cauê anunciam para a família Estrogenium que irão se casar
em três dias, todo mundo surta! Principalmente porque acreditam que ela está
grávida. Porém, há muita coisa no relacionamento dos dois que ninguém nem
imagina. E eles estão prontos para conquistarem o sonhado “felizes para
sempre”.

Venha conhecer essa série engraçada, romântica e quente. Cuidado com as


calcinhas, meninas, porque elas vão pegar fogo!

Treze dias com ela


Ao se deparar com o caso mais difícil de toda a sua carreira, o advogado
Murilo Sales fica em um beco sem saída. Ele tem a reputação de ser um dos
melhores na sua área e não pode colocar o nome da sua firma em risco.
A mídia está em cima dele, assim como seu cliente.
Em vez de se desesperar, Murilo resolve pedir ajuda a um detetive particular.
O que não esperava era acabar contratando uma mulher linda, excêntrica e
com uma predileção estranha por pirulitos de framboesa.
Muito menos que se encantasse por ela. Afinal de contas, ela é
completamente diferente do que está acostumado. Com suas frases sem filtro
e sua escolha de roupas nada apropriadas, ele se descobre cada vez mais
atraído por quem não devia.
O problema é que ele não mistura a vida pessoal com a profissional. Pior
ainda quando é obrigado a passar tanto tempo ao lado de Alex.
Duas pessoas que não têm nada em comum, a não ser a paixão que começam
a sentir pelo outro e a necessidade de encontrar respostas para o maior caso
de suas vidas.

ALERTA: Esta é uma comédia romântica. Não tente estudar Direito através
dela, muito menos aprender a hackear. Seu único propósito é entreter e fazer
com que você sinta coisinhas gostosas lá embaixo. Saia da realidade antes de
embarcar no romance de Alex e Murilo. Você foi devidamente avisado.

Doze semanas com ela


Com apenas um e-mail, a vida do advogado Dimitri Avelar ganha um rumo
inesperado: de solteiro convicto a pai de família. O problema é que a grávida
desaparece, carregando o herdeiro do “deus nórdico da fertilidade” no ventre,
e nem mesmo a detetive Alex Sobrinski consegue encontrá-la.
Quando Eva Lombardi, a investigadora da polícia civil mais correta de todo o
distrito, cruza o caminho de Alex em sua busca pelo filho de Dimitri, juntas
elas descobrem que o desaparecimento da mulher é apenas a ponta do iceberg
em um caso muito mais complexo.
Em meio a investigações, Eva e Dimitri acabam se aproximando. Passar
semanas ao lado dela é uma tortura — principalmente porque a química entre
os dois é fora do comum. Só que Eva não quer se envolver. Não quer se
apaixonar. Não quer dar uma chance a Dimitri e ao que pode ser uma paixão
de tirar o fôlego.

Segredos de Luxúria
O que acontece entre quatro paredes não precisa ser comentado. Um amor
proibido, uma fantasia, um fetiche...
Nesta coletânea de contos eróticos, você irá se deparar com formas diferentes
de sentir prazer: Vinte autores, vinte histórias, vinte desejos.
Deixe o pudor de lado e entregue-se à luxúria. Ninguém precisa ficar
sabendo...
Será o nosso segredo.

Contos para gozar sozinha (esgotado)


Se a vida fosse resumida a orgasmos você estaria realmente viva?
Avalie!
Deixe seus comentários sobre este livro na Amazon! As avaliações ajudam
as autoras nacionais!
Bjos e até a próxima,
Lu & Mari

Você também pode gostar