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Selvagens na Máfia II
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas ou acontecimentos é apenas
coincidência.
Página do título
Direitos autorais
Dedicatória
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Epílogo
Nota das autoras
Agradecimentos
Selvagens na Máfia
Sobre o autor
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Sinopse
Tudo na minha vida foi planejado. Menos a guerra que estamos enfrentando.
Eu passei anos sonhando com meu marido, a nossa família e a vida perfeita
de mulher de Don, sem imaginar quantas pessoas eu perderia pelo caminho.
Dos mais leais aos inimigos, todos estão caindo.
Mas, como eu disse, tudo na minha vida foi planejado, e farei o que for
necessário para ter o que quero. Guerra ou não, meu marido será Don.
A Família Rossi está perdendo suas forças, só que eu sou Mia Wilder e não
vou desistir dos meus objetivos.
Capítulo 1
Sage
A pele de Mia é quente, e uma camada fina de suor faz seus seios
deliciosos brilharem com a pouca iluminação do quarto. Sinto quando ela
treme embaixo de mim, a boceta apertada começando a contrair em torno do
meu pau, e preciso fechar os olhos para não gozar.
— Ainda não, princesa. — Saio de dentro dela em um movimento
rápido, afastando-me um pouco até posicionar a cabeça entre suas pernas.
Antes que Mia se dê conta do que está acontecendo, empurro suas
pernas para cima e caio de boca naquilo que só pode ser considerado o
paraíso na Terra. Seu gosto, misturado ao meu, faz com que um grunhido me
escape. Enfio a língua onde meu pau estava há alguns segundos e Mia solta
um grito alto, emaranhando os dedos em meu cabelo.
— Eu vou… Eu vou… — ela gagueja, e entendo o sentimento muito
bem.
O desespero de chegar ao orgasmo é intenso, tanto que não consigo
controlar e me mexo sobre o colchão, indo e vindo enquanto chupo o líquido
adocicado que escorre em minha língua.
— Gostosa pra caralho. — Tiro a boca e enfio minha ereção latejante
dentro dela de novo.
Mais uma vez, minha esposa solta um gemido, a invasão rápida demais.
As estocadas mais rápidas ainda. Vou sem piedade, metendo com força e
fazendo com que a cabeceira da cama bata incessantemente na parede do
quarto.
— Preciso gozar, amore mio — ela pede em um sussurro, os olhos
tentando se fixar aos meus, porém os movimentos acelerados a impedem de
se concentrar.
— Ainda não. — Encontro sua boca em um beijo, que não é nada suave.
As unhas de Mia arranham minhas costas, me fazendo puxar o ar com
força quando sinto a ardência do suor se misturar ao machucado.
Freirinha safada…
Ela só faz isso porque sabe como eu amo quando deixa suas garrinhas de
fora. Fecho os olhos e aproveito a sensação de estar sendo estrangulado, já
que Mia não para de me apertar com sua bocetinha gulosa.
Estamos enrolados na cama, nossos corpos deslizando um no outro
enquanto não paro de meter. Não consigo parar. Estar com ela é bom demais.
Por isso, beijo-a com mais desespero, precisando… Apenas precisando dela,
de seu calor, de seu amor. E Mia responde na mesma moeda, entregando-se a
mim como sempre faz. Não há começo nem fim entre nós dois. Neste
momento, somos um só, em sincronia perfeita.
É impossível controlar os sons que escapam da minha boca. Estou
faminto, e ela é a única capaz de saciar minha fome.
Mais e mais, continuo indo fundo, sentindo seu calor úmido me
envolver, enquanto começo a descer beijos por seu pescoço salgado de suor.
As mãos dela passeiam em minhas costas, tocando tudo o que conseguem, até
chegarem em minha bunda, me puxando para dentro.
Então, paro de me mexer. Cada centímetro dentro dela, pressionando
com força até que Mia me encare. Seus olhos azuis arregalados. A boca
carnuda entreaberta. O cabelo escuro e comprido esparramado no travesseiro
e o desejo estampado no rosto.
— A porra da mulher mais linda que já vi nesta maldita vida — termino
os pensamentos em voz alta, e se Mia não estivesse vermelha pelo sexo
gostoso que estamos fazendo, tenho certeza de que suas bochechas ficariam
ruborizadas com a declaração.
— Me faz gozar, amore mio — ela pede de novo, os dedos correndo
suavemente pelo meu torso e a voz reduzida a um sussurro ofegante. —
Preciso…
— Eu sei do que você precisa, freirinha, e vou te dar. Mas não estou
bonzinho hoje. — Ergo o corpo, sem sair de dentro dela, até ficar sentado na
cama. Deixo o canto da boca subir em um sorriso torto, aquele que mostra
um pouco de quem sou e do que estou disposto a fazer. O melhor de tudo é
que ela sorri de volta.
A safada é muito pior do que eu.
Por isso, em vez de acabar com a brincadeira, resolvo que está na hora
de prolongar nosso prazer. Apoio as mãos atrás do corpo, afastando-me o
máximo possível, e apenas começo a impulsionar o quadril. A nova posição
faz com que Mia berre incoerências. Os seios balançando com o impacto das
estocadas.
O frio sobe pela coluna, indicando que estou prestes a explodir dentro da
minha mulher. Minha. Minha Mia. Meu amor.
Meto mais rápido, mais descontrolado, sem conseguir parar de olhar
para ela e pensando em tudo aquilo que iremos conquistar. Juntos. Em tudo o
que já conquistamos e fizemos. Juntos. Sempre juntos, porque não há nada
que me fará largar essa mulher.
A cada estocada, solto um gemido e ela grita, nossos quadris se
encontrando com força. Vou foder minha esposa até ela ficar inconsciente —
e aproveitar cada segundo enquanto faço isso. O desespero de Mia serve
como combustível, me instigando a ir mais forte, mais rápido. Tão fundo que
ela vai sentir meu pau na garganta.
Sinto o suor escorrer pelas costas e o calor subir pela espinha. Meus
olhos querem se fechar com a sensação de prazer, mas obrigo-os a ficarem
abertos para ver a cena à frente.
— Se toca, princesa — encorajo e, na mesma hora, Mia me encara. Não
preciso que ela se masturbe para fazer com que goze, mas adoro quando ela
libera o lado safado para mim.
Então, Mia se recosta em um antebraço e estica um dedo na minha
direção. Eu sei o que ela quer, e claro que darei. Chupo seu indicador,
deixando-o bem molhado para que possa deslizar pelo clitóris inchado. E
assim acontece: Mia desce o dedo para o meio de suas pernas e começa a
brincar com o próprio corpo, enquanto eu sigo indo fundo.
Não precisa de dez segundos para que ela chegue ao clímax, me
arrastando junto para o abismo.
— Caralho! — solto em um grito, sentindo um calafrio se espalhar por
minha pele. O prazer é tão intenso que não paro de tremer, nem de despejar
dentro dela. Jato atrás de jato, enquanto ela contrai com força e chama o meu
nome.
Sem sair de dentro da minha esposa, chego para frente e tombo sobre
ela, que me envolve com seus braços finos.
— Ti amo tanto[1]— sussurra em italiano e cola a boca em meu ombro.
A vontade que tenho neste momento é de ignorar o mundo lá fora e ficar
aqui para sempre. Com ela. Dentro dela. Porque nada é mais perfeito do que
Mia Wilder. Só que, infelizmente, minha vida não se resume a ela.
Giro nossos corpos na cama, ficando por baixo enquanto ela deita sobre
mim. Sua cabeça apoiada em meu peito, provavelmente ouvindo o ritmo
acelerado do meu coração. Não sei por quanto tempo ficamos assim —
alguns minutos, talvez —, mas quando sinto-a adormecer em meus braços,
sei que está na hora de resolver todos os problemas que ficaram do outro lado
da porta.
Bem devagar para não a acordar, tiro-a de cima de mim e deposito-a no
meio da cama. Antes de me levantar, beijo seu cabelo suado e vou tomar um
banho.
O dia de hoje, ou melhor, os últimos dias foram cansativos demais. Só
que as coisas ainda não estão resolvidas. Temos corpos a serem devolvidos e
enterros a serem realizados. Enquanto a água limpa a sujeira em minha pele,
sei que nada será capaz de limpar a sujeira que está impregnada em minha
alma. Esta não tem mais jeito.
Já matei homens demais para conseguir qualquer tipo de redenção.
Levanto a cabeça e fecho os olhos. Enquanto a ducha morna molha meu
rosto, algumas imagens se formam — tão nítidas que é como se estivessem
bem à minha frente.
Carlo De Rosa. Diogo Giordanni. Dois homens que nem o nome lembro,
porque eles não eram importantes, mas suas mortes estão na minha conta. E o
primeiro… o primeiro homem que matei, com dezessete facadas. Aquele
rosto eu nunca vou esquecer, mesmo que sua vida tenha sido ceifada há
meses. Fora aqueles que não sei se matei ou não, porque não deu tempo de
conferir. Em meio a tiroteios, não paramos para verificar essas coisas.
Desde que entrei para esta família, perdi boa parte da minha alma, mas
ganhei muitas outras coisas também. Um pai. Uma avó. Eddie. Mia. Minha
Mia. Que agora dorme tranquilamente enquanto tento acalmar meu corpo
antes de tomar todas as providências necessárias para resolver a guerra que
acabamos de começar.
Meu pai disse que a família Giordanni estava acabada, mas sei que não
será tão fácil assim — principalmente porque temos uma herdeira em
liberdade. E isso me faz pensar que Luana não pode voltar para casa. Não
agora. Será que ela já foi?
Então, fecho o chuveiro, me arrumo em tempo recorde e saio do quarto;
mas antes olho para trás e vejo minha freirinha dormindo tranquilamente em
nossa cama. Nua. Linda.
— Onde está Luana? — É a primeira coisa que digo quando invado o
escritório de meu pai sem ao menos bater na porta.
Don Marco está sentado na poltrona costumeira, uma perna cruzada
sobre a outra enquanto analisa o líquido âmbar no copo, que dança em
círculos em sua mão. Ele sequer sobe o olhar para me encarar, tamanha a
concentração.
— Jett saiu há dois minutos com ela — Giovanni explica com a voz
abatida, e só então noto sua presença na sala, parado de frente para a janela.
O Consigliere se vira para mim e, pela primeira vez desde que o
conheci, sinto pena dele. Olheiras profundas, uma palidez assombrosa e a
expressão de total cansaço e desamparo estampam seu rosto. Nos últimos
dias, muita coisa mudou nesta casa: seu filho morreu, descobrimos um
traidor, matamos um outro Don e estamos prestes a enfrentar uma guerra que
talvez não sejamos capazes de vencer. Mas não é de sentimentos empáticos
nem de dúvidas que preciso agora, e sim de firmeza para resolver aquilo que,
evidentemente, os dois não têm condições de fazer.
— Ligue para ele e peça que volte com Luana. Ela não pode ser
libertada ainda — digo de forma enfática.
— Por quê? — Giovanni questiona, a cabeça pendendo para o lado
enquanto me analisa. — Don Marco disse a ela que…
— Eu sei o que meu pai disse. Estava lá e escutei cada palavra.
“Diga que as mulheres estão livres para fazer o que quiserem. A família
Giordanni acabou”, ordenou à minha esposa que, com certeza, fez o que lhe
foi mandado.
— Se você escutou, então por que está contestando as ordens? —
Giovanni insiste.
— Porque podemos usar Luana para fazer um acordo — declaro,
olhando fixamente para ele.
— Figlio mio[2], não estamos em condições de negociar agora.
Assim como seu Consigliere, meu pai parece mais cansado do que
jamais o vi. Ele acabou de matar o homem responsável pelo assassinato de
minha mãe, aquele que fez com que ela fugisse com seus filhos e se
escondesse durante dezesseis anos. O homem que destruiu a nossa família,
antes mesmo que ela pudesse ser construída.
— Exatamente — concordo com ele. — Se liberarmos Luana agora, não
teremos chance de barganha. Você disse que a família Giordanni acabou, mas
duvido que isso tenha acontecido mesmo.
Nós matamos o Don e muitos Soldattos. Minha esposa matou um dos
Capos. Porém é claro que algumas pessoas sobreviveram — e é com elas que
precisamos selar a paz antes que a guerra comece de verdade. Não sei de
onde veio esse meu lado diplomático, mas uma coisa é certa: muitos dos
nossos também perderam a vida, e não sei quantos mais podem ir pelo
mesmo caminho se as coisas continuarem desse jeito.
Conseguimos aquilo que mais queríamos: vingamos a morte de minha
mãe. O corpo de Don Ettore, que o Diabo o tenha, está em algum canto desta
casa. Seu amigo, Carlo De Rosa, era um traidor infiltrado dentro desta família
— também está morto. Vince, o sobrinho de Don Marco que tentou estuprar
minha mulher, é outro que não mais respira. Nos últimos dias, demos cabo de
todos aqueles que nos prejudicaram diretamente. Para isso, sofremos baixas
irreparáveis. E por mais que ainda tenhamos mais números do que os
Giordanni, não podemos nos dar ao luxo de perder outros homens.
Explico exatamente isso para os dois, ao mesmo tempo que omito o fato
de estar sentindo medo pela primeira vez na vida. Não por mim, porque foda-
se se eu morrer amanhã. Mas por meus irmãos e Mia. E pelo filho que
pretendo colocar em seu ventre muito em breve.
— Sage pode ter razão, Don Marco. — Giovanni, mesmo exausto,
parece ter recobrado um pouco da racionalidade. — Não sabemos quais deles
sobreviveram, nem o que estão dispostos a fazer para vingar a morte de
Ettore.
— Sei que o tal de Salvatore está vivo — interrompo o Consigliere. —
Ele estava na casa quando pegamos Luana. O garoto não deve ter mais de
dezoito anos, mas é um herdeiro.
— É o único herdeiro, já que você matou Diogo — meu pai diz, subindo
o olhar para mim pela primeira vez desde que entrei no escritório.
— É irmão gêmeo de Luana — Giovanni explica. — Va bene[3], vou
ligar para Jett agora.
Capítulo 2
Mia
Acordo assustada por não sentir o corpo de Sage ao meu lado. Olho para
a porta do banheiro, mas está fechada e a luz apagada. Levanto-me e tateio
pelo relógio na mesinha de cabeceira; assim que o encontro, vejo que passam
das cinco da manhã. A lembrança de tudo que vivemos nos últimos dias vem
com força em minha memória enquanto levanto e visto apenas o robe de seda
vermelho e saio pelo corredor a procurar mio marito[4].
Para sorte do meu coração, eu o encontro na primeira porta entreaberta
— o quarto de Coal. Uma meia-luz permite que eu o enxergue, adormecido
em uma poltrona ao lado da cama do irmão. Aproximo-me devagar, sem
fazer barulho, pois não quero que Coal, que tem o curativo da perna
manchado de sangue, ou Jett, que dorme no chão, entre a poltrona e a cama,
acordem.
— Amore mio[5]. — Acaricio seu rosto com a ponta dos dedos. —
Vamos para a cama, você também merece um descanso.
Sage abre os olhos e dá um sorriso ao me ver. Ele me puxa pelo braço,
fazendo-me abaixar um pouco, e sua boca vem de encontro à minha. Um leve
encostar de lábios, enquanto seus dedos se entrelaçam aos meus.
Caminhamos até nosso quarto pelo corredor escuro. Ajudo-o a se despir e o
acomodo entre os travesseiros. Mio marito pega no sono em alguns segundos,
abraçado ao meu corpo, mas Morfeu não me presenteia mais com seu
silêncio.
Minha alma começa a ser invadida por todos os fantasmas que carrega.
Os bastardos de quem tirei a vida, mas também aqueles que morreram por
minha causa. O que terão pensado em seus últimos segundos? Bellini e
Vince, eu vi. Estampado em seus olhos estava a surpresa, a descrença de que
era eu a acabar com suas vidas. Mas e os nossos? E meu irmão?
A raiva toma conta de mim ao lembrar. “Lorenzo è morto[6]” retumba
na minha cabeça. Tento não me mexer na cama, meu marido precisa
descansar, mas a ausência de meu irmão mais velho é incômoda demais para
ficar parada.
Tiro os braços de Sage do meu corpo, devagar. Na mesma hora, é como
se minha pele contestasse a falta da sua. Porém preciso de um banho. E de
coragem para enfrentar tudo o que nos espera do lado de fora do quarto. Por
um minuto, hesito. Observo-o dormindo. “Eu te amo, princesa”, lembro-me
de todas as vezes que repetiu isso nos últimos dias e a ideia de apenas ter uma
família com ele, sem qualquer guerra, parece confortável. Mas este não é o
tipo de conforto que quero para nós. Eu quero o mundo abaixo dos pés de
Sage.
Repasso cada momento dos últimos dias, cada um dos mortos, cada
descoberta, cada gota de sangue e lágrima derramada, enquanto deixo a água
quente escorrer por minha pele. Entre um pensamento e outro, a lembrança de
Sage me devorando na cama faz com que um sorriso escape de meu rosto,
mas me concentro nas informações e no que teremos pela frente: enterrar
nossos mortos, lidar com as perdas, reforçar nossa família e ganhar essa
guerra.
Quando saio do chuveiro, Sage começa a despertar.
— Durma mais, amore mio. Ainda é muito cedo — digo num quase
sussurrar.
— Aonde você vai? — Ele me olha dos pés à cabeça, observando as
roupas não habituais que escolhi: uma calça jeans e blusa preta justa, com
gola e sem mangas.
— Vou ajudar as mulheres na cozinha e ver o que precisa ser feito.
Descanse um pouco mais. — Aproximo-me da cama e dou um beijo em sua
testa. — Volto com seu café depois.
Ele apenas sacode a cabeça em concordância, demonstrando todo o
cansaço que sente dos últimos dias. Em seus olhos, enxergo algo pela
primeira vez: vulnerabilidade. Sage confia em mim, me escuta e este é um
fardo que pesa em meus ombros. Meu marido precisa de mim para ser o que
merece.
Quando chego à cozinha, Luana é a primeira pessoa que vejo. Toda a
calma que estava mantendo vai embora na mesma hora.
— O que ela ainda está fazendo aqui? — pergunto, irritada. — Don
Marco havia dado ordens…
— Estava no carro, voltando para casa, mas o bastardo do seu marido
mandou me trazer de volta — Luana grita e cospe no chão.
— Se você chamar meu marido de bastardo mais uma vez — avanço em
Luana, segurando-a pelos cabelos e fazendo com que seu rosto quase
esfregue o chão que ela acabou de cuspir —, juro que te mato com minhas
próprias mãos, maledetta[7].
— Liberala[8], Mia. — Escuto a voz da nonna[9] me repreendendo. — A
ragazza[10] é uma convidada em nossa casa até ser selado um acordo de paz.
Solto os cabelos de Luana, porém meu olhar não desgruda dela. Fico
esperando que nonna me explique o que está acontecendo, mas a cozinha
volta a ficar quieta e o único barulho que se escuta é das mulheres sovando a
massa do pão.
Faço o mesmo. Visto um avental, pego um pedaço da massa e começo a
sovar até liberar toda a raiva que sinto. Mas quanto mais sovo o pão, mais
aumenta minha ira. Sage não é um bastardo e nós vamos fazer todos os que
falam isso engolirem a própria língua.
Minha raiva é interrompida pela campainha. Olho para a tela do porteiro
eletrônico e vejo, ao lado de um dos nossos Soldattos, um mensageiro.
— Deixa que eu atendo, nonna — digo, limpando as mãos no avental.
— A essa hora e com um envelope na mão, só pode ser um mensageiro do
Conselho.
Ela concorda com a cabeça e acelero os passos até a entrada. Abro a
porta e, sem nenhuma palavra, o homem me entrega dois envelopes: um
endereçado à Martina, cujo remetente é Lucas, e outro a Don Marco, vindo
do Conselho, como imaginei.
— O que foi? — papà[11] me pergunta antes que eu perceba sua
presença e de Don Marco na antessala.
— Buon giorno[12], papà. — Caminho em sua direção e dou um beijo
em cada uma de suas bochechas. — Mensagem do Conselho. — Estendo um
dos envelopes para ele.
— Abra você, Mia — Don Marco diz. — Faz parte de suas funções abrir
as correspondências e confirmar sua autenticidade.
Concordo com ele de forma silenciosa e rasgo o envelope. Sinto os
olhos de meu sogro e de meu pai queimando em minhas mãos. Suas feições
cansadas imploram por boas notícias, mas não é exatamente isso o que tenho
a falar.
— Aqui diz que Salvatore é o novo Don dos Giordanni.
— Precisamos selar logo o acordo de paz, Giovanni — Don Marco
ordena ao meu pai. — Depois do café da manhã, quero todos os homens em
meu escritório. — Papà balança a cabeça, concordando.
— E eu? — pergunto, com raiva de ser excluída mais uma vez.
— Você também, ragazza. — Don Marco dá uma pequena risada. —
“Homens” é apenas força de expressão.
Um sorriso vitorioso escapa do meu rosto.
Antes de entrar na sala de Don Marco, já tenho tudo que preciso.
Confirmei com Martina a autenticidade do selo de Don Vicenzo e a entreguei
sua carta. Esperei ansiosa que Lucas desse boas notícias, mas tudo o que ele
escreveu foi sobre a saudade que sentia de Martina e pedindo que ela voltasse
logo. Caso contrário, ele mesmo viria buscá-la — o que até não me pareceu
uma má ideia, já que realmente precisamos de reforços por aqui.
Depois, assuntei com todas as mulheres para ter informações sobre o
novo Don dos Giordanni: um fedelho de dezoito anos que, segundo elas,
sempre foi uma criança má. Nada que indicasse ser um grande problema, mas
algo que não poderia deixar passar. Por isso, enquanto tentava fazer Luana
comer, o que ela se recusa a fazer desde que voltou para a nossa casa, deixei
escapar que seu gêmeo é o novo Don de sua família — e o que vi em seus
olhos foi pavor. Mas a figlia di puttana[13] não abriu a boca, nem para falar,
muito menos para comer.
— Mas você não conseguiu descobrir nada sobre ele? — Sage me
pergunta enquanto conto sobre a reação de Luana.
Antes que eu responda qualquer coisa, Danio entra na sala, pedindo
perdão pelo atraso e fechando a porta atrás de si. Don Marco começa a falar
sobre a necessidade de um acordo de paz. Sage, que está sentado ao meu
lado, no braço da poltrona, presta atenção e parece concordar com as palavras
do pai.
— Primeiro, vamos enterrar nossos mortos, prestar todas as homenagens
a eles como merecem. — Todos na sala assentem com um silêncio abismal.
— Mas como faremos o acordo? — É Jett quem questiona. — Não acho
que apenas um documento vai aplacar a fúria dos Giordanni.
— Deve ser um evento celebrado, como honra nossas tradições — papà
afirma.
— Depois do que aqueles filhos da puta fizeram? — Enrico questiona
nosso pai, que o olha com cara feia.
— São as tradições, ragazzo. — A voz de Don Marco sai mais fraca do
que o normal. — Acredite, se eu tivesse condições, queimaria toda aquela
família e qualquer coisa que tem a ver com eles. Mas não podemos nos dar ao
luxo agora. Existe uma outra guerra que precisamos vencer.
Queimar. A ideia de meu sogro não parece ruim. Eu gostaria de queimar
todos eles, vendo o fogo consumir cada pedaço de carne de quem restou
daquela família de merda. Os gritos de dor e clemência seriam músicas para
meus ouvidos, mas não aplacariam a dor que sinto cada vez que vejo
mamma[14], Antonella, uma das viúvas ou as mães sem seus filhos. Talvez
nem queimar todos eles faria com que essa raiva parasse de borbulhar em
meu peito.
— Outra guerra? — A voz de Enrico faz com que eu volte a prestar
atenção no que está sendo dito.
Olho para os lados, observando cada um dos homens aqui presentes. A
sala inteira parece confusa. Então, com um gesto de cabeça, meu sogro passa
a palavra a papà, que começa a explicar que há um cartel mexicano que
chegou à cidade. Por enquanto, a gangue está se mantendo dentro dos
acordos, já os russos estão avançando em nosso território. Ele enfatiza o
quanto isto está prejudicando os negócios da família e de nossos associados.
— Entendem agora? — Todos parecem surpresos, menos Sage.
— Você já sabia? — cochicho para ele.
Meu marido responde com um movimento de cabeça e volta a prestar
atenção em Don Marco, que repete o que meu pai disse e acrescenta alguns
detalhes que não me são importantes agora. Continuo observando Sage,
tentando descobrir que outros segredos ele me esconde.
Não que seja incomum em nossa família os segredos guardados das
mulheres, mas achei que Sage não guardava nenhum de mim — e essa luz
acende um alerta de que ainda não tenho toda a sua confiança.
— Precisamos pensar em como celebrar esse acordo. Não podemos estar
em guerra com todo mundo. Alguma sugestão? — meu pai questiona.
— Por que não no aniversário dos seus filhos, Don Marco? — Danio
sugere. — Em duas semanas, os meninos comemoram suas vinte e duas
primaveras. Acredito que possa ser um bom momento para celebrarmos a
paz.
— Não sei se Luana sobrevive a duas semanas aqui. Aquela puttana se
recusa a comer — deixo o pensamento escapar pela boca.
— Posso tentar convencê-la — Jett se oferece, mas quando todos os
olhos da sala recaem sobre ele, meu cunhado começa a tentar se explicar: —
É que conversamos um pouco quando estava levando-a para casa e…
— Va benne — Don Marco interrompe suas explicações. — Jett, tente
convencê-la. Caso contrário, colocamos a ragazza no soro. A ideia do
aniversário pode ser boa, Danio. — Ele olha para o meu pai, que concorda
com a cabeça. — Prepare os termos do acordo, Giovanni, e mande fazer o
convite.
— Não é melhor matar todos de uma vez? — Coal, que está sentado em
uma cadeira de rodas ao nosso lado, questiona. — Por que tentar a paz se já
vimos do que são capazes? Eles infiltraram uma pessoa na família só pra
matar a minha mãe. Por mim, morreriam todos. Inclusive essa menina que
está aqui de refém. — Ele balança os ombros, como se não estivesse falando
de vidas. — Depois, acabamos com os russos.
— Controle-se, figlio mio — Don Marco o interrompe. — Vinguei sua
mamma quando matei Ettore, e estamos com pouco pessoal pra bater de
frente com Nicolai.
— Por isso o acordo de paz com os Giordanni é necessário.
Precisaremos deles quando Nicolai resolver atacar — Enrico conclui e todos
concordam, mesmo que a raiva pareça brotar dos olhos do meu cunhado.
Papà começa a distribuir as funções e ordens para que tudo seja
providenciado, tanto para os enterros quanto para a festa de aniversário do
meu marido e de seus irmãos. É um antagonismo constante entre a celebração
da morte e da vida. Entre entregar-se à dor da perda e comemorar a
existência. Entre morrer e sobreviver. E se a paz for a morte? Um calafrio
percorre minha espinha.
— Que foi, princesa? — Sage me pergunta, fazendo com que eu perceba
que a maioria dos homens já saiu da sala.
— Estava pensando nas coisas que tenho a fazer — minto, sem querer
confessar que um mau presságio me ocorreu ao lembrar do pavor de Luana
ao ouvir o nome de seu irmão.
Capítulo 3
Sage
O sol ainda não apareceu e já estou de pé, olhando pela janela e vendo a
névoa encobrir a cidade. É como se o Universo soubesse como odeio este dia
e fizesse de tudo para deixá-lo ainda pior.
Sou tomado pelas lembranças dos dezesseis aniversários que vivi antes
de conhecer a liberdade. De como minha mãe sempre fazia um bolo para nós
três e, mesmo sem vontade, sorria e dizia que éramos muito amados.
Nunca respondi. Nunca disse um “eu te amo” de volta, porque nunca
entendi os motivos que a levavam a nos esconder do mundo. A mágoa que
senti durante tanto tempo… tudo para descobrir que, na verdade, ela só fez
aquilo para garantir a nossa sobrevivência.
A imagem de Don Ettore sem vida, com um furo entre os olhos e o
sangue escorrendo pela testa, me traz um pouco de alívio. Mas ainda não é o
suficiente para me deixar tranquilo. Quanto mais penso sobre a morte de
minha mãe — mesmo que já tenha sido vingada —, mais dúvidas tenho.
Onde está a sua família? Por que ninguém a procurou? O que fizeram a
ela para que pensasse que a única forma de se manter segura era fugir de uma
cidade para outra a cada par de meses? Quem são seus pais? Estarão vivos?
Foda-se quem a matou. Meus questionamentos agora giram em torno de
quem a abandonou quando mais precisava de ajuda.
Se estes fossem os únicos pensamentos rondando minha mente, talvez
conseguisse dormir. Só que milhares de outras coisas também me assombram
sempre que tento fechar os olhos. Há não sei quanto tempo, quando me levou
ao fliperama, meu pai me alertou sobre uma guerra que se aproximava. Ele
mencionou as dificuldades com a Bratva e a formação de um cartel mexicano
na região. Não consigo parar de pensar que a nossa disputa com os Giordanni
possa acelerar o problema que temos com as outras facções.
Sim, precisamos de paz entre os italianos — e o acordo que selaremos
mais tarde é de extrema importância. Até porque, o tal cartel ainda é um
mistério. Por mais que tenhamos pistas ocasionais de quem são, ainda não
sabemos ao certo o que fazem — e isso é bem preocupante. Por outro lado, a
Bratva é mais tranquila. Ou melhor, mais previsível. Tráfico de drogas, de
mulheres, roubo de carro, prostituição…
— Volte pra cama, amore mio. — A voz sonolenta de Mia me faz virar
o rosto para ela, que ainda está de olhos fechados e deitada sob as cobertas.
— Preciso resolver umas coisas, princesa — digo baixinho e caminho
até ela. — Durma mais um pouco. — Deixo um beijo suave no topo de sua
cabeça antes de seguir para fora do quarto.
Por mais que eu esteja louco para me enterrar nela e nunca mais sair do
meu paraíso pessoal, tem outra coisa que preciso fazer antes que o dia
comece. Minha primeira parada é o quarto de Jett. Encosto o ouvido na porta
e a ausência de som do outro lado indica que ele está sozinho, talvez
dormindo. Por isso, giro a maçaneta sem culpa, apenas para dar de cara com
uma cena parecida com a que estava vivendo há alguns minutos.
Assim como eu, meu irmão está de pé, olhando pela janela, com a mão
apoiada no vidro.
— Vamos? — pergunto a ele, que não diz uma palavra, apenas assente
com a cabeça e me segue. Sua expressão neutra deveria me preocupar, mas
entendo muito bem o que está sentindo. Então, não teço comentários.
A segunda parada é o quarto de Coal. Faço a mesma coisa que fiz com
Jett e entro sem bater. Ele está sentado na cama, cabeça baixa e antebraços
apoiados na coxa. Assim que nos escuta entrar, sobe o olhar de encontro ao
nosso.
— Vamos? — repito e ele se levanta com o apoio da bengala que passou
a usar depois de ter tomado um tiro na perna.
Seguimos em silêncio pelo corredor, descemos as escadas e cruzamos a
cozinha. A casa inteira está dormindo — algo que me faz agradecer
mentalmente, porque odiaria ter que dar explicações neste momento. No
instante em que chegamos à garagem, aciono a tranca eletrônica da
Lamborghini e vejo as portas no estilo tesoura se abrirem automaticamente.
Nem isso me faz sorrir.
Quando vou tomar o lugar no banco do motorista, vejo que Jett ainda
não parou de andar e se afasta de nós.
— Ei! — chamo-o, que sequer vira para me encarar.
— Vou de moto — ele declara, sem nos dar brecha para protestar.
Coal e eu entramos no carro. O motor ronca. Tomamos as ruas da
cidade.
Tudo em silêncio, num ritmo lento e monótono, mesmo que o carro
esteja a 140km/h na rodovia que leva até a cidade onde ela foi enterrada. Não
temos motivos para conversar agora.
Vejo Jett acelerar, passando por nós, e fico pensando há quantos meses
não o vejo dirigir aquela moto velha. Acho que a última vez foi no dia em
que fomos apresentados à família. Desde então, assim como eu e Coal, ele
dirige um desses carros importados que costumávamos roubar.
Como as coisas mudaram em tão pouco tempo… enquanto outras
permanecem as mesmas. Estáticas. Sem vida. Há anos.
Quase duas horas — no completo silêncio — depois, estaciono na frente
do cemitério e, antes mesmo de cruzar o portão de metal, acendo um cigarro.
O primeiro trago vem com força, como se fosse capaz de trazer a coragem
que sempre me falta quando coloco os pés aqui. Jett está encostado ao muro e
Coal vem logo atrás de mim.
O silêncio continua enquanto fazemos o caminho já decorado até a
morada permanente de nossa mãe. Mesmo a vários passos de distância, avisto
a lápide retangular. Ao redor, várias outras têm flores recém-colocadas,
talvez de filhos mais amorosos do que nós três.
Assim que chegamos à frente da tábua de pedra, sinto o ódio me
dominar. Trinta e três tiros, a imagem dela esticada no chão, o vestido branco
que usava ficou vermelho. Os olhos verdes bem abertos. O pescoço
perfurado. A luz que nunca mais se acenderia.
Pior de tudo é o que está escrito na lápide: Margareth Wilder. Ela tentou.
Nada nessa história está certo, nem mesmo o nome de minha mãe.
— Paola Costello — solto em um murmúrio.
— Como a gente não sabia disso? — Jett pergunta baixinho, parado ao
meu lado esquerdo.
— A gente não sabia nada sobre ela. Nada — digo, a raiva de tê-la
perdido amplificada por todas as mentiras que nos foram contadas.
— Ela tinha motivos — Coal fala, à minha direita, encarando a lápide.
— Precisamos descobrir mais sobre quem ela era — revelo aquilo que,
até o momento, estava restrito aos pensamentos.
— Você está sugerindo que a gente procure nossos avós maternos, é
isso? — Jett não esconde a surpresa no modo como fala.
— Avós, tios, primos… Qualquer desgraçado que possa explicar por
que diabos ela foi obrigada a fugir durante dezesseis anos, em vez de buscar
abrigo com a própria família — declaro, sentindo a bile subir por minha
garganta.
— Sage, não sei se… — Coal começa a argumentar, mas logo o
interrompo.
— Vocês se lembram do juramento que fizemos quando nos juntamos à
família? — pergunto para ninguém em especial.
— A partir de hoje, não sou um homem só. Faço parte de uma Família,
que virá sempre em primeiro lugar. A Lealdade me guiará, minha Honra
jamais será corrompida e minha Palavra valerá mais do que qualquer moeda.
Deste dia em diante, meu Sangue pertence aos meus. Sangrarei por eles.
Viverei por eles. Morrerei por eles. — É Jett quem recita as mesmas palavras
que dissemos há alguns meses.
— Por que caralhos ninguém morreu por ela? — A resposta que recebo
de meus irmãos é o silêncio.
Pensei que a morte de Ettore me traria paz. Pelo visto, ela apenas
aumentou o meu desejo de sangue. Então, sem pensar duas vezes, retiro
Sarita do coldre preso ao tornozelo.
— Nunca fui um homem só. Faço parte de uma Família, que virá sempre
em primeiro lugar. A Lealdade me guiará, minha Honra jamais será
corrompida e minha Palavra valerá mais do que qualquer moeda — começo a
adaptar os votos. — Desde que nasci, sou um Wilder. Meu sangue pertence
aos meus. Sangrarei por eles. Viverei por eles. Morrerei por eles.
Termino meu novo juramento com um corte na mão, deixando que as
gotas de sangue pinguem sobre a grama que cobre o túmulo de minha mãe.
Paola Costello, Margareth Wilder… pouco importa. Sou o mesmo Sage de
sempre, e minha família, que antes se resumia aos dois homens ao meu lado,
agora está crescendo. Mia é uma Wilder também, assim como meu filho será.
Antes que eu tenha consciência do que está acontecendo, sinto Sarita ser
removida da minha mão. Olho para o lado e vejo Coal cortar a própria palma,
seu sangue pingando ao lado das gotas que eu havia deixado cair.
— Desde que nasci, sou um Wilder. Meu sangue pertence aos meus.
Sangrarei por eles. Viverei por eles. Morrerei por eles — meu irmão repete as
últimas palavras, apoiado na bengala, e, em seguida, é a vez de Jett fazer o
mesmo.
— Auguri, bambini[15]! — nonna grita assim que colocamos os pés na
cozinha de novo. — Onde vocês estavam? Ah, não importa! — Ela não nos
dá tempo de responder, abanando o ar como se a pergunta fosse irrelevante.
— Está na hora de começar os preparativos da festa!
Sigo até ela e deposito um beijo carinhoso em sua cabeça coberta de fios
brancos.
— Onde está minha mulher? — quero saber, olhando para os lados em
busca de Mia.
— Ainda não desceu. Talvez esteja descansando — nonna diz sem nos
encarar, concentrada em arrumar alguns pães numa bandeja, que logo leva ao
forno.
— E Luana? — É Jett quem pergunta. — Já desceu?
— Também não. Aquela lá está cada dia pior… — Balança a cabeça
enquanto ajusta a temperatura do fogo. — Não dá para ser feliz quando se
tem um irmão como Salvatore Giordanni ocupando o maior cargo da família.
Quel ragazzo è marcio dentro[16].
Não entendo o que diz, mesmo assim, confirmo com a cabeça. Às vezes,
é mais fácil ignorar do que buscar entender o que esses italianos todos dizem.
Deixo meus irmãos com ela na cozinha e vou em busca daquilo que mais
preciso hoje.
Subo as escadas com pressa, pulando de dois em dois degraus, até que
chego ao corredor que leva ao quarto. Assim que abro a porta, sinto o cheiro
dela. Não o perfume, porque Mia quase não coloca nada na pele, mas o do
sabonete que usa no banho. A luz do banheiro está apagada, mas a do closet
está acesa. Vou direto para lá, porém estanco no lugar assim que a vejo.
Mia tem uma toalha enrolada no cabelo, enquanto a bunda está exposta e
empinada. Lentamente, ela sobe a calcinha de renda branca pelas pernas, até
que não cobre quase nada do rabo redondo e carnudo.
— Gostosa pra caralho. — Ela se assusta com as palavras e se vira para
me encarar.
O movimento rápido faz com que a toalha tombe de sua cabeça, caindo
no chão e liberando os longos fios castanhos, que mesmo embaraçados
emolduram o rosto mais lindo que já vi na porra desta vida.
— Sage, onde você estava? — A pergunta não carrega um tom
acusatório, apenas preocupação.
Em vez de responder, sigo até ela e a puxo para os meus braços,
envolvendo-a com força e enterrando o rosto em seu pescoço.
Pronto, agora posso respirar novamente.
— Ei, o que aconteceu? — Mia volta a perguntar, acariciando minhas
costas.
Preciso de mais alguns segundos assim, perdido nela enquanto processo
o dia de hoje. Não só o que passou, mas o que está prestes a acontecer. Mais
tarde, durante a festa de aniversário que Don Marco dará em nossa
homenagem, o acordo com os Giordanni será firmado. Os convites foram
enviados há duas semanas e eles confirmaram presença, assim como o
interesse em levar Luana de volta para casa. Muita coisa está em jogo, e
preciso controlar esta raiva pulsante antes de fazer qualquer merda.
Para isso, tenho Mia colada ao meu corpo.
— Estou ficando preocupada, amore mio — ela diz, mas não faz
menção de se afastar.
— Acabei de voltar do cemitério — acabo confessando. Não porque
sinto vontade de esconder coisas dela, mas é difícil contar sobre aquilo que
mais me dói.
Odeio que Mia veja este lado meu.
— Ah, marito… — Seu tom carregado de pena me obriga a dar dois
passos para trás. Na mesma hora, sinto falta de seu calor.
— Não preciso disso agora, freirinha — declaro, apoiando um braço na
parede enquanto desço o olhar por seu corpo. A calcinha minúscula cobre
aquilo que mais amo, porém os seios redondos, com bicos rosados, estão
expostos para mim. Passo a língua pelos lábios, revezando olhares entre os
dois. — Na verdade, o que eu quero é um presente de aniversário.
— Eu comprei um… — ela começa a falar, mas logo a interrompo.
— Não é esse o presente que quero.
Removo a camisa em um movimento único, puxando-a pela parte de trás
da gola e arremessando-a para o lado. Em seguida, chuto os sapatos e as
meias.
— Ah, é? — ela pergunta e vejo uma mistura de curiosidade e luxúria
decorar seu rosto. Freirinha safada… — O que você tinha em mente?
— Você — digo na mesma hora. — De joelhos, me chupando até eu
gozar na sua boca. Depois, vou te levar pra cama e te foder de quatro até você
ficar rouca de tanto gritar.
Minhas palavras duras poderiam assustá-la, mas me casei com a mulher
mais devassa que conheço — e ela apenas sorri e vem até mim.
Capítulo 4
Sage
Seguro com força o cabelo de Mia, usando-o como apoio para foder sua
boca gostosa. Melhor ainda é que ela geme a cada estocada, uma mão entre
as pernas massageando o próprio clitóris, enquanto me leva ao orgasmo.
— Engole tudo, princesa — ordeno, sentindo o frio na espinha que
anuncia o clímax.
Solto um urro de prazer no instante que o primeiro jato é liberado. Mia
geme também, me chupando com mais força, até que não tenho mais nada a
lhe oferecer. Por enquanto.
Ainda de joelhos, seus olhos sobem para encontrar os meus, brilhando
com a travessura de quem sabe o poder que tem.
— Vem aqui que quero sentir meu gosto na sua boca. — Puxo-a para
cima e a devoro.
O beijo é duro, cheio de tesão e urgência. Nossas línguas batalham
enquanto a carrego para fora do closet; minhas mãos acariciando o que
alcançam.
— Sage, eu preciso… — Interrompo sua frase com mais um beijo
impiedoso.
— Eu sei do que você precisa, princesa. Está molhada pra mim?
Mia morde de leve meu lábio inferior e se afasta o suficiente para me
encarar.
— Encharcada.
Ah, essa mulher…
Sem pensar duas vezes, empurro-a para cama, deitando-me sobre ela.
Minha boca vai direto para o seu pescoço, espalhando beijos molhados na
pele macia. Ao mesmo tempo, as unhas de Mia descem por minhas costas,
até chegarem à minha bunda e me puxarem para mais perto. Só que o maldito
pedacinho de pano me impede de encontrar a porra do paraíso.
Antes que ela possa protestar, rasgo a renda de uma vez só, arrancando
um gritinho de surpresa.
— Minha vez de te provar — aviso, e deixo minha língua percorrer sua
extensão.
Mia abre as pernas para me receber, mas hoje não estou a fim de ser
cuidadoso. Empurro-a pela parte de trás das coxas, fazendo com que sua
bunda erga do colchão, e lambo tudo, da boceta doce ao cuzinho virgem. E o
melhor de tudo é que Mia solta um gemido alto. Repito o processo algumas
vezes, estimulo seu clitóris e a deixo ainda mais excitada.
Quando sua mão me puxa pelo cabelo com força, sei que está prestes a
gozar. Então, substituo minha boca por aquilo que ela ama, penetrando-a
devagar para que sinta cada centímetro meu a preencher.
Com a boca aberta e os olhos arregalados, ela me encara.
— Nunca vou me cansar de você, princesa — confesso, continuando
com o ritmo lento. — Diz que você é minha, diz.
— Sou sua, marito. Só sua. — Sorrio, sabendo muito bem que sou o
único homem a senti-la desse jeito.
Mia se guardou para mim, antes mesmo de saber quem eu era, e agora
está na hora de mostrar que nada do que passou foi em vão. Acelero os
movimentos e a vejo segurar os seios, beliscando os bicos eriçados. A inveja
me consome e acabo descendo o rosto para abocanhar um deles, enquanto
meu quadril segue se mexendo.
Com certeza, este é o melhor aniversário que já tive.
— Você está muito calado — Mia comenta, a cabeça apoiada em meu
peito e nossas pernas entrelaçadas na cama.
— Vai ficar tudo bem, amore mio — Mia sussurra no meu ouvido,
envolvendo minha cintura com os braços. A cabeça apoiada no meu peito, as
mãos acariciando minhas costas.
Finalmente estamos sozinhos no escritório, depois de os Soldattos terem
levado o corpo de meu pai para a sala. Os ritos fúnebres vão começar a
qualquer momento, e a última coisa que quero agora é receber condolências.
— Você acredita que ele morreu de causas naturais, princesa? — solto a
pergunta, fazendo com que ela erga o rosto para me encarar.
Por vários segundos, ficamos em silêncio. Os olhos azuis, tão claros que
parecem cinzas, transparecem que não sou o único que duvida do fato. Mas
Mia não diz nada, apenas deixa que a dúvida preencha a sala.
Ao mesmo tempo que a incerteza me toma, a certeza de que algo precisa
ser feito começa a falar mais alto.
— É muita coincidência meu pai morrer durante a guerra com os
Giordanni, no mesmo dia que teve uma briga com Nicola — aponto o óbvio,
minhas mãos envolvendo Mia pela cintura.
Durante alguns segundos, ela hesita.
— Você acha que ela…? — Só que Mia não tem tempo de terminar a
pergunta, porque a porta do escritório é aberta de súbito.
Olho na direção para saber quem é o invasor, mas tudo o que consigo é
ficar de boca aberta.
— Bom te ver de novo, Sage. Uma pena que as circunstâncias não são
nada agradáveis.
Lucas está parado no batente, as mãos enfiadas nos bolsos da calça
enquanto me encara.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto, sem me afastar da minha
mulher.
— Ele chegou mais cedo. Você já o tinha visto, amore mio. — Mia
emoldura meu rosto com a mão. — Lucas estava aqui quando você me
contou que seu pai tinha…
— Certo. — Balanço a cabeça em afirmativa. — Com tudo o que
aconteceu, nem prestei atenção direito.
Deixo um beijo na bochecha da minha mulher e sigo até Lucas,
estendendo a mão para um aperto.
— Le mie condoglianze[48]— ele diz e abaixa o rosto em sinal de
respeito.
— Obrigado. Mas não é de pêsames que preciso agora, e sim de
explicações. O que te trouxe aqui, Lucas? — quero saber.
— Calma, amore mio… — Mia se aproxima de novo, acariciando meu
peito e olhando para mim. — Ele veio a pedido de Don Marco.
A resposta me faz franzir o cenho. Encaro-a sem entender muito bem,
mas ela apenas faz que sim com a cabeça.
— Certo… então, vamos conversar. — Aponto para a área da sala onde
ficam as poltronas em volta da mesinha de centro. Lucas segue até lá. — Mia,
faça um favor: peça a Jett e Coal que venham aqui também. Depois disso,
verifique como a nonna está. Da última vez que a vi…
— Fique tranquilo, marito. Vou cuidar dela.
Mia deposita um beijo rápido em meus lábios antes de sair do escritório,
me deixando a sós com Lucas. Vejo quando ele toma o lugar que meu pai
sempre preferiu, ignorante do fato. Não comento, não brigo, não digo nada.
Apenas sento-me na poltrona de sempre, de frente para ele.
— Falando sério, Sage. — Lucas olha para mim. — Sinto muito por seu
pai. E depois de tudo o que aconteceu com sua mãe, eu…
— Não precisamos falar disso agora, Lucas. As coisas estão
complicadas demais para perdermos tempo com sentimentos de pena.
— Não é pena, Sage. É compaixão. — Chega o corpo para frente e me
encara. — Se eu tivesse perdido meu pai…
— Mas você não perdeu. Seu pai está bem, sentado no trono enquanto as
coisas por aqui desmoronam. — Meu tom acusatório deixa claro o quanto o
assunto me incomoda.
Acho que Lucas percebe isso, porque ergue as mãos, como quem se
rende, e volta a se recostar na poltrona.
— Sage — Coal chama da porta. Na mesma hora, Lucas fecha a cara.
Ah, é. Tinha esquecido que ele é louco por Martina. Por outro lado, não
sei o que está rolando entre ela e meu irmão, mas sei que alguma coisa existe
ali. Talvez Lucas já tenha percebido isso.
— Precisamos conversar. — Deixo de lado a maria-fofoca que habita
em mim e aponto para a poltrona ao meu lado. Coal vem mancando até nós e
toma o lugar. Jett chega logo em seguida e se junta ao grupo.
— Nonna está dormindo — Jett avisa. — Sua sogra deu um remédio a
ela.
Solto um suspiro de alívio, ao mesmo tempo que tento não me culpar
pelo modo como dei a notícia. Talvez se Jett tivesse feito isso no meu lugar,
ela não estaria tão mal. Ele tem um jeito melhor com as palavras, fora que é o
netinho querido e carinhoso. Enquanto eu…
— Bom, preciso começar dizendo o motivo que me trouxe até aqui —
Lucas interrompe meus pensamentos. — Há algumas semanas, recebemos
isto.
Quando olho para ele, noto que está retirando um pedaço de papel do
bolso do paletó. Em seguida, estende-o para mim.
— Está em italiano — declaro o óbvio, ao mesmo tempo que reconheço
a letra de meu pai e sua assinatura no final. Passo o olho pelas palavras e noto
alguns nomes conhecidos: Carlo De Rosa, Giordanni, Paola, Ettore…
— Ah, certo. Vou ler a carta para vocês. — Lucas retira o papel da
minha mão e pigarreia antes de começar:
“Caro Vicenzo,
Há quanto tempo, meu amigo. Espero que tudo esteja bem com sua
família.
Infelizmente, o motivo do meu contato não é agradável.
Nos últimos meses, muitas coisas aconteceram aqui. Carlo De Rosa se
mostrou um traidor, que vinha trabalhando para os Giordanni desde o dia
que pisou em minha casa. Inclusive, descobri que foi ele quem revelou o
paradeiro da minha amada noiva para Ettore.
Não vou entrar em detalhes, até porque não conheço todos eles. Ainda
não consegui encaixar todas as peças do quebra-cabeça.
De qualquer forma, aviso que, por vingança, matei Don Ettore. Meu
filho, Sage Rossi, matou Carlo De Rosa e Diogo Giordanni. Assim como eles
mataram muitos de nossos Soldattos e Capos.
A morte mais recente foi a de Giovanni Messina, meu amado amigo e
Consigliere.
De qualquer modo, venho por meio desta carta avisar que as famílias
Rossi e Giordanni estão, oficialmente, em guerra. Salvatore foi aceito pelo
Conselho como o novo Don, mas tenho meus motivos para acreditar que
aquele menino não tem o necessário para assumir o cargo.
Você me conhece há anos, Vicenzo. Sabe que não tomo atitudes
levianamente. Porém preciso informar que minha família não tem mais a
força de antes. Estamos enfrentando batalhas no escuro. E o pior de tudo é
que Giovanna Calabri, a filha mais nova do falecido Nico, foi sequestrada
por Salvatore.
Meus filhos têm buscado incansavelmente por ela, mas ninguém
conseguiu encontrá-la. Entristece-me dizer que perdi as esperanças de que
ainda esteja viva. Não nas mãos daquele miserável.
Como se isso não bastasse, volto à questão dos russos: fiz o que você me
pediu e não entrei em conflito com eles. Está cada vez mais difícil respeitar
suas vontades, Vicenzo. Minha família acha que sou um frouxo, quando, na
verdade, apenas sigo suas ordens.
Você, melhor do que ninguém, sabe o quanto lutei para que as coisas
mudassem por aqui.
Basta, meu amigo! Precisamos agir, e rápido.
Perdi grande parte da minha família, e agora preciso da sua ajuda. Se
ainda me considera um irmão, mande reforços.
Orgulho-me em dizer que meus filhos se mostraram homens de
coragem. Sage já chegou a Capo, e tenho certeza de que Coal e Jett também
estão prontos para assumir a função. Coloque homens sob suas ordens e eles
farão o serviço.
Precisamos retomar a cidade dos russos. Depois disso, entendo se você
não me apoiar na guerra contra os Giordanni.
Posso estar velho, mas ainda não estou morto. E enquanto o sangue
correr em minhas veias, vou lutar por aquilo que acredito.
Caminho com nonna até seu quarto. Ela, meio cambaleante pelo efeito
dos calmantes, se apoia em mim enquanto continua murmurando
“perché[49]?”. Desde que recebeu a notícia da morte de seu único filho vivo,
não para de repetir a pergunta. Não tenho respostas a dar a ela. Ninguém tem.
O que se diz a uma mãe, viúva, que enterrou todos os filhos que teve?
Não se diz. Não há palavras para consolá-la. E não existe no mundo maior
dor do que a de perder um filho — e mesmo eu ainda não tendo os meus, sei
disso. Já vi nesta família muitas mães enterrando os seus. Vi minha própria
mamma enterrar seu primogênito. A ordem natural da vida não deveria,
nunca, ser essa. Mesmo que meu sogro tenha morrido, como disse doutor
Fontana, de causas naturais.
Por mais que Don Marco estivesse abatido, apático, estressado e
sofrendo pela perda de tantos dos nossos, não me parecia que estava com
algum problema de saúde. “Fulminante não dá avisos antes, Mia”, foi o que
Martina me disse enquanto conversávamos, mas não faz sentido.
“O que mais poderia provocar um infarto fulminante?”, me questiono a
todo momento desde que vi o corpo de meu sogro sem vida.
Abro a porta do quarto de nonna e a acomodo em sua cama. Ela deita
em posição fetal e pede para que feche as cortinas. Obedeço. Sei que, em
algum momento, precisaremos fazer com que ela reaja. Mas não agora. O
corpo de seu filho acaba de ir para sete palmos abaixo do chão. Ao lado do
seu marito e do seu outro figlio.
— Precisa de mais alguma coisa, nonna? — Minha voz sai fraca,
também não me sinto com forças para mais nada.
Não depois de tudo. Não depois de tantos mortos. Tantas perdas. Mortes
pelas quais, de alguma forma, ainda me sinto culpada. Se não tivesse ido ao
Gio’s naquele dia…
— Vai fuori di qui. Vorrei stare da solo[50] — nonna responde.
— Se precisar de algo…
— Ho bisogno di mio figlio vivo[51] — ela me interrompe e grita: — Se
não tem como me dar isso, vá embora, ragazza!
Saio do quarto, atendendo ao seu pedido. Encontro Martina no corredor
e peço que ela monitore a nonna com frequência, mas dando a ela o espaço e
tempo de que precisa. Então, entro no quarto da minha mãe. Ela está sentada
em frente à janela, olhando para o nada.
— Por que você não foi ao enterro, mamma? Não está se sentindo bem?
— Marco não merece mais meu respeito, Mia. Por causa das atitudes
dele, seu pai e seu irmão estão mortos. Deveria ter infartado antes, aquele
sciolto[52].
— Mamma! — repreendo-a. — Você não pode falar assim! Don Marco
estava seguindo as ordens do Conselho e…
— Então que morram também! Seu pai e seu irmão não mereciam isso!
Ela desaba e começa a chorar. Corro até ela e a abraço. Eu sei. Também
sinto a falta deles a todo instante, mas é uma guerra — e em guerras sabemos
que existem perdas inevitáveis.
Quando ela se acalma, não posso deixar de pensar que minha mãe,
talvez, tenha algo a ver com a morte de meu sogro.
— Mamma — uso meu tom de voz doce e calmo —, a senhora sabe o
que acontece com traidores, não é? Se foi você…
— Você acha que eu… — Ela para de falar e dá uma gargalhada. —
Você realmente acha, Mia, que eu seria capaz? Posso estar com raiva de
Marco, mas jamais faria algo assim. Sigo os mandamentos da igreja. Matar é
pecado. — Então ela me encara, se dando conta de que eu já matei dois
homens. — Não no seu caso, amore mio. Você estava se defendo e…
— Tutto benne, mamma — interrompo-a antes que essa conversa se
estenda. — Eu entendi.
Ficamos em silêncio por algum tempo, nos encarando. Não sei como nos
recuperaremos de toda essa tragédia que se abateu sobre nossa família, mas
também sei que não há mais tempo a perder. Meu marito tem planos e devo
fazer o que for preciso para ajudá-lo, mantendo esta casa em ordem até nonna
ter condições de assumir seu posto novamente.
— Vou para a cozinha, mamma. Quer ir comigo e me ajudar? Com a
nonna descansando, alguém precisa coordenar as mulheres da casa e pensei
que você poderia fazer isso.
Minha mãe concorda com a cabeça, caminha até a penteadeira, arruma o
coque do cabelo, passa um batom vermelho e me acompanha até a cozinha. A
casa parece sem vida, nossos passos são ouvidos na escadaria de madeira,
como se apenas nós estivéssemos aqui. Por cada um que passamos, o olhar
sem brilho é visto.
A gritaria de sempre não existe na cozinha. Batatas são descascadas,
massas são sovadas, mas tudo em absoluto silêncio. Mulheres de cabeças
baixas, algumas lágrimas ainda escorrem por seus olhos, mas o coração desta
casa, mesmo que pulsando devagar, não para.
— Pode ir, Mia. Eu cuido das coisas por aqui — mamma garante
enquanto coloca um avental. — Vai ser até bom, assim ocupo minha cabeça.
Concordo com ela. Desde a morte de papà, é a primeira vez que ela se
ocupa com as lidas domésticas, talvez faça bem mesmo.
Procuro Sage pela casa e o encontro no arsenal, com Danio e Eddie.
— Como está a nonna? — É a primeira coisa que me pergunta quando
me vê. Respondo a verdade e, em seguida, ele me pergunta sobre minha mãe.
— Está na cozinha agora, ajudando as mulheres. Não estava se sentindo
bem na hora do enterro, amore mio — minto.
Nem sei por que faço isso. Minha lealdade em primeiro lugar sempre
será dele, mas não posso deixar que nenhuma suspeita recaia sobre minha
mãe, simplesmente porque sou incapaz de perder mais alguém.
— Essas aqui — ele aponta para várias armas espalhadas em cima de
uma mesa — são para vocês.
— Vocês? — pergunto, confusa.
— Precisaremos de todos os homens hoje à noite, Mia, pra enfrentar os
russos, mas não posso deixar a casa desprotegida. Danio me disse que,
mesmo que vocês não tenham treinamento como nós, a maioria das mulheres
sabe usar uma pistola.
— Si, si. Mas você acha que…
— Acho que nada vai acontecer aqui, mas é melhor estarem preparadas.
Tenho vontade de dizer a ele que é melhor não irem. Que não posso
perdê-lo, que não tenho mais condições de enterrar algum outro membro da
família. Só que não posso. Sage precisa que eu seja uma rocha agora, e é isso
o que serei.
Onde antes havia alimentos, agora existem armas. Pistolas, facas,
submetralhadoras. Cada mulher na cozinha também tem uma arma em seu
corpo, no lugar do habitual avental. Todas estamos aqui, menos nonna, que
dorme em seu quarto. E Nicola, que está presa em outro. O silêncio, que
mais cedo era de tristeza, agora é de apreensão. Cada barulho diferente que
ouvimos é motivo para empunharmos nossas defesas, mas o maior medo não
é de uma invasão, e sim que mais algum dos nossos homens seja morto.
Martina troca olhares comigo a toda hora. Mamma caminha de um lado
para o outro. Luana parece estar com mais medo do que qualquer uma de nós.
Pergunto-me como sua família permitiu que seu irmão fizesse o que fez com
ela. Por um momento, posso jurar que ela se sente mais segura conosco do
que em sua própria casa. Mesmo assim, não confio nela. Seu pai, seu irmão
mais velho e sua mãe foram mortos por nossas mãos. Mas aquele velho
ditado sobre manter os inimigos por perto nunca fez tanto sentido.
De repente, uma barulheira e gritaria vem da porta de entrada.
— Martina! — chamo para que tome à frente e espie.
Caminhamos devagar em direção ao hall de entrada, como cobras
silenciosas observando suas presas. Luana e outras duas mulheres nos
acompanham. Estamos prontas para matar quem quer que seja que invada
nossa casa. Defender nossas vidas, prender e torturar nossos inimigos. Ainda
assim, o medo me consome. Vira enjoo e me controlo para não vomitar nos
pés de uma delas.
— São eles! — Martina avisa quando avista Coal entrar suado e
desgrenhado pela sala.
Corremos em direção à porta. Vejo Enrico, Jett e Lucas entrando
também. Mas não enxergo Sage.
— Cadê meu marito? — A pergunta sai em forma de desespero
enquanto olho para a rua.
Então, eu o vejo, organizando uma fila de mulheres. As mãos delas
amarradas em cordas, vestindo roupas surradas, puídas, sujas e rasgadas. Os
rostos, assim como todas as partes visíveis de seus corpos, empoeirados,
imundos.
— O que é isso? — pergunto ao mesmo tempo que o abraço e checo sua
pele para ver se não há nenhum ferimento. — O que aconteceu?
— Estou bem, princesa. — Ele dá um beijo em minha testa. — Matamos
todos os russos desgraçados que estavam lá e resgatamos essas mulheres. Eu
não sabia o que fazer com elas, então trouxe pra cá. — Ele dá de ombros e
olha para a porta. — Onde está o Eddie?
Nenhum dos outros responde e vejo o desespero nos olhos de Sage.
Grita mais uma vez, só que ninguém diz nada.
— Eu cuido das mulheres, amore mio. — Viro-me para Martina e
Luana. — Levem todas para dentro, providenciem roupas limpas e banho
para elas.
As pessoas fazem o que peço, enquanto continuo grudada em meu
marido. Não me importo com seu cheiro de suor, com os respingos de sangue
em sua pele ou com qualquer outra coisa. Só preciso ter certeza de que está
bem. Passo as mãos novamente por seu corpo, como se procurando algo,
enquanto ele não para de perguntar sobre Eddie.
— Acho que ele fugiu — um dos homens que veio com Lucas da Itália
responde.
— Ele deve estar bem. — Enrico se aproxima de nós. — Eu conferi
todos os corpos. Nenhum era nosso.
Sage respira fundo e eu também. Pelo menos, uma vitória.
— Vá se lavar — sugiro a Sage. — Vou avisar à mamma que
precisaremos de mais comida, além de ajudar as mulheres que você trouxe.
Assim que me liberar, te encontro no quarto.
Ele concorda com a cabeça. Mas antes de se afastar de mim, aperta
minha bunda com força.
— Não demora, freirinha. Preciso muito de você — sussurra em meu
ouvido e cola seus lábios nos meus.
Sinto a falta de seu toque assim que ele começa a subir as escadas. Fico
observando-o até que não consigo mais vê-lo no corredor de cima. Corro até
a cozinha, digo à minha mãe que temos mais quinze mulheres para o jantar,
peço que faça algo leve, mas que dê energia a elas. Pela aparência, as
coitadas não devem comer há muito tempo.
Depois, me dirijo para o vestiário da sala de treinamento. Antes mesmo
de chegar à porta, posso ouvir os choros e lamúrias em uma língua que não
conheço. O cheiro é insuportável. Algumas já estão embaixo das duchas,
outras estão sem roupa, aguardando, e Luana desamarra com paciência as
mãos das que faltam.
Uma ou outra parece agradecer — pelo banho, pelas roupas, pela
liberdade das mãos —, mas a maioria está de cabeça baixa. Estão assustadas
demais e sem saber o que está acontecendo.
— Alguma de vocês fala nosso idioma? — Três delas levantam a mão
em resposta a mim. — E italiano? — Outras duas respondem. — Digam às
outras que, após do banho, lhes serviremos uma refeição gostosa e depois
todas poderão descansar em camas confortáveis.
— Não temos quartos pra tantas mulheres, Mia. Os homens que vieram
da Itália já estão ocupando os quartos vagos — Martina fala baixo em meu
ouvido.
— Pois então os mande saírem. Temos colchonetes na sala de
treinamento e eles podem se ajeitar por lá. Essas mulheres precisam de um
lugar seguro, limpo e tranquilo pra descansarem.
Ela sacode a cabeça e sai apressada do banheiro. Olho para as recém-
chegadas. Seus rostos não conseguem disfarçar o medo que sentem, nem o
pavor que devem ter passado nos últimos dias. Tenho muitas perguntas a
fazer, mas agora preciso estar com mio marito.
Porém, antes de cruzar a porta, lembro-me de uma coisa.
— Seus dias como prisioneiras acabaram. — Encaro uma das mulheres
que fala nosso idioma, para que ela traduza a informação. — Se quiserem,
estão livres para ir embora. Mas se preferirem ficar, serão nossas convidadas.
Terão abrigo e comida.
Dou um último aceno com a cabeça e saio em busca de Sage.
Capítulo 16
Sage
Toda a felicidade que estava sentindo vai embora no instante que escuto
a palavra “reunião”. Assim que Mia sai do escritório, Lucas insiste que
precisamos ter uma agora mesmo.
Odeio reuniões. Odeio ficar preso em uma sala. Odeio mais ainda ficar
discutindo coisas sem sentido.
Onde eu estava com a cabeça quando deixei Mia me apontar como o
novo Don da família? Cinco minutos no cargo e já quero mandar todo mundo
para a puta que pariu.
Tudo bem que minha freirinha tem mais ambição em seu corpo gostoso
do que a maioria das pessoas juntas, mesmo assim, não consigo deixar de me
sentir um tanto encurralado. E inseguro. Claro que jamais confessarei isso a
ela — ou a qualquer outro ser humano —, mas a verdade é que odeio
responsabilidades e não sei ao certo como lidar com elas.
É por isso que continuo sentado, pernas cruzadas e dedos entrelaçados
sobre um joelho, enquanto observo todos que estão aqui. Mais homens
apareceram, além dos que já estavam. A ideia de reunião fez com que todos
os Soldattos que restaram chegassem para saber o que estava acontecendo.
Em meio ao anúncio de gravidez e à necessidade de uma nova
organização na família, tudo o que eu mais queria fazer era voltar para aquele
hotel e nunca mais sair de lá. Entre quatro paredes, o mundo é simples.
Somos apenas eu, minha mulher e o desejo que sinto por ela.
Mas aqui… aqui preciso lidar com pessoas. E isso me cansa.
Eddie argumenta com Danio. Lucas gesticula energicamente para
Enrico. Jett e Coal discutem com Jerry. Todos conversando sobre as mesmas
coisas, ao mesmo tempo, porém não conseguindo chegar a lugar nenhum.
Vozes e mais vozes alteradas.
— Chega! — solto em um grito quando não aguento mais ouvir homens
discutindo entre si.
Para a minha surpresa, todos obedecem e me encaram.
— Capo, precisamos… — Frederico começa a falar.
— É Don agora — Eddie interrompe o irmão. — Don Sage.
Os dois se entreolham, mas é o pequeno sorriso no rosto de ambos que
me faz sentir ainda mais vontade de sair aqui. Eu sei que eles estão
confortáveis com a decisão, mesmo que eu não esteja.
— Don, Capo… isso não importa agora. — Descruzo as pernas e chego
o corpo para frente. — Lucas tem razão: precisamos trazer um pouco de
ordem à família. Nossos inimigos continuam lá fora, sonhando com o dia em
que todos nós estaremos mortos. Giovanna ainda está desaparecida,
prisioneira daquele desgraçado. Os russos com certeza vão querer retaliação
pelo que fizemos. E os Giordanni… — Balanço a cabeça em negativa, sem
precisar concluir o pensamento.
— Desculpa, Don — Eddie diz, me cortando. — Eu deveria ter matado
Mikhail em vez de apenas ter seguido o cara. Se eu tivesse feito isso,
talvez…
— Não podemos mudar o passado, Eddie — declaro, antes que ele se
sinta responsável por algo que não deveria. — Você fez o que achou certo, e
não vou contestar a sua decisão.
A expressão de alívio no rosto do Soldatto chega a ser cômica, mas não
rio. O momento de tranquilidade acabou assim que a porta do escritório foi
fechada.
— Obrigado, Don — ele diz e dá um passo para trás, se recostando na
parede ao fundo.
— Mas essa é uma questão que precisamos resolver… e logo —
anuncio. — Mikhail escapou e com certeza vai contar a Nicolai que fomos
nós que impedimos o carregamento de chegar até ele.
O chefe da máfia russa carrega a fama de impiedoso, e tenho certeza de
que vai tentar alguma coisa contra nossa família. Fora que, diferente de nós,
que estamos desfalcados, eles têm o exército inteiro à disposição. Nunca fui
muito bom em matemática, mas o resultado deste problema só pode ser um:
vai dar merda.
— E o que você pretende fazer a respeito disso? — Lucas pergunta com
uma sobrancelha erguida.
— Nada de mais. — Dou de ombros. — Talvez marcar um piquenique
no parque com Mikhail e Nicolai. — Não consigo conter o sarcasmo, fazendo
com que os outros homens na sala soltem risadinhas baixas.
Quando estávamos na Itália, eu até achei que Lucas era um cara legal.
Babaca demais para o meu gosto, porém legal. Mas desde que chegou, parece
que está tentando me desafiar. Ou, pelo menos, esgotar minha já escassa
paciência. É por isso que não desvio o olhar do dele.
— Sage, você não está levando isso a sério — ele diz naquele tom
irritante e desaprovador.
— Você acha? — ironizo de novo. — Então, me diga: o que preciso
fazer agora?
Lucas respira fundo e olha ao redor. O que encontra faz com que ele se
recoste na cadeira, um pouco mais encolhido do que antes: todos os homens
da família o encaram de volta, como se o desafiassem a dizer qualquer coisa
que vá contra aquilo que acreditamos.
— Olha, o primeiro passo é reorganizar…
— Os cargos — completo por ele. — Ok, vamos fazer isso agora. Jett,
Coal, vocês são meus irmãos e as duas pessoas que mais confio no mundo.
Parabéns, conseguiram o cargo de Capo. — Começo a bater palma de forma
efusiva e todos se entreolham, sem tempo de reagir. — Eddie, o homem que
mais esteve ao meu lado nos últimos meses, você também é Capo. Danio,
não há motivos para você perder o cargo de Allenatore. Não existe homem
melhor pra isso. Agora, preparem as agulhas porque novas tatuagens serão
feitas! Era isso o que você queria, Lucas?
Parecendo bastante desconfortável com a forma nada profissional que as
coisas estão se desencadeando, ele balança a cabeça em negativa.
— Ainda falta seu Consigliere — fala, agora em um tom bem mais
baixo. Talvez ele tenha notado que cheguei ao meu limite, ou então resolveu
usar o cérebro pela primeira vez desde que bateu à nossa porta.
Um sorriso torto se forma em meu rosto, adorando vê-lo desse jeito.
— Enrico — declaro, sem pensar duas vezes.
— Não, Sage! — meu cunhado protesta, fazendo-me virar o rosto para
encará-lo.
— Não? — pergunto em tom de desafio.
— É… É que… — Ele olha para todos os lados, menos para mim.
— Não? — repito. — Você é o irmão da minha mulher, o único filho
vivo do Consigliere do meu pai, e a porra de um Messina. — Levanto-me da
poltrona em um pulo. — A única palavra que quero ouvir de você é “sim”,
Enrico. Sei que foi criado para isso e que vai me dar bons conselhos no
futuro.
— Agradeço a confiança, Don — Enrico diz, ainda sem conseguir me
encarar —, mas não sei se deveria ocupar o lugar do meu pai. É como se eu
estivesse desrespeitando o que ele levou anos para construir. Também não sei
se tenho a experiência necessária para o cargo.
— E eu tenho a experiência necessária para ser um Don? — Meu tom
deixa claro que a resposta é um “não”. Só que ninguém responde. Excelente.
Sigo até meu cunhado, caminhando lentamente enquanto observo os
outros homens na sala. Meus irmãos estão parados em um canto, se
entreolhando. Frederico e Eddie também trocam olhares, como se tivessem
medo de qual será meu próximo passo. Já Danio, Rico e Jerry apenas
encaram o chão, sem querer participar da conversa. Lucas continua
sentadinho na poltrona, calado. Do jeito que deve ser.
Quando paro na frente de Enrico, ele finalmente sobe os olhos,
encontrando os meus. Coloco as mãos em seus ombros e digo, desta vez sem
qualquer resquício de ironia em minha voz.
— Estamos em guerra. Este não é o momento para duvidarmos de quem
somos.
— Mas, Sage…
— Sem “mas”, Enrico — interrompo-o, mantendo o contato visual. —
Não conheci seu pai tão bem quanto a maioria, mas de uma coisa nunca
duvidei: ele era um homem honrado e criou os filhos para seguirem pelo
mesmo caminho. Agora, não recuse o meu chamado. Preciso que você seja
meu Consigliere e que me auxilie no que enfrentaremos pela frente.
Resignado, ele apenas assente com a cabeça. Os aplausos que seguem
são cheios de confiança, tanto que ele fica com as bochechas vermelhas de
vergonha.
Como bom italiano que não sou, dou dois tapinhas em seu rosto e abro
um sorriso.
— Don… — Eddie me chama e ergo a mão para ele, pedindo que se
cale com apenas um gesto.
— Em primeiro lugar, não sou meu pai — digo o óbvio, mas a maioria
parece confusa. Apenas Coal e Jett fazem que sim com a cabeça. É por isso
que continuo explicando: — Isso quer dizer que não quero ser chamado de
Don o tempo inteiro. Também não vou ficar dentro deste escritório,
brincando de mestre do Universo, enquanto vocês se fodem do outro lado.
Não conheço a história da família, mas aposto que estamos vivendo uma
situação bem complicada.
Desta vez, todos assentem. E por mais que eu esteja odiando a ideia de
ser o chefe, também sei que, de alguma forma, eles precisam de um líder. No
momento, vão ter que se contentar com um inexperiente, que não conhece os
costumes e que prefere lutar do que traçar estratégias inteligentes.
Lucas pigarreia e se levanta da poltrona. Preciso conter minha vontade
de revirar os olhos.
— Tudo isso que você disse é ótimo, Sage, mas ainda precisa ser
aprovado pelo Conselho. Como sua esposa disse…
— Foda-se o Conselho — falo, antes que ele possa continuar, e Lucas
arregala os olhos. — Não preciso da aprovação de ninguém para fazer o que é
certo.
Escuto várias frases de concordância, o que me acalma um pouco.
— Nosso novo Don está certo, Lucas. Estamos em tempos de guerra,
não podemos esperar respostas daqueles que não estão aqui para ver o que
está acontecendo. — As palavras de Danio me surpreendem.
De todos os homens aqui, ele é o mais velho. Logo, o que mais segue
ordens. Só que a postura defensiva do Allenatore demonstra que tenho o
apoio da minha família, mesmo que eu não o tenha pedido.
— Você conhece os protocolos, Danio — Lucas argumenta. — O
Conselho tem que aprovar Sage como o novo Don dos Rossi.
— Parece que você não escutou minha cunhada, Lucas. — É Coal quem
se mete na conversa. — Agora, somos a família Wilder.
Olho para meus irmãos, me lembrando do pacto que fizemos há pouco
tempo, quando visitamos o túmulo de nossa mãe. Acho que os dois lembram
a mesma coisa, porque Jett faz que sim com a cabeça, enquanto Coal
permanece encarando Lucas com seriedade.
“Desde que nasci, sou um Wilder. Meu sangue pertence aos meus.
Sangrarei por eles. Viverei por eles. Morrerei por eles.”
— Mas esse sobrenome não carrega muito peso! O Conselho não vai
gostar nem um pouco dessa ideia. — A fala de Lucas não é direcionada a
nenhum de nós três. Ele está tentando conseguir apoio dos outros homens na
sala, enquanto gesticula, desesperado.
— O que não carrega peso são regras arcaicas, primo — digo para ele,
que volta a me encarar. — O sobrenome Wilder tem muito mais peso do que
você imagina. Ele foi inventado por uma mulher que precisou fugir durante
dezesseis anos dos Giordanni. Isso porque ela não teve o apoio dos Costello
quando mais precisou. De que adianta todos esses juramentos de honra e
lealdade se eles apenas são cumpridos quando há interesse?
Minha pergunta faz com que Lucas perca a voz. Parado na frente dele,
sinto meus companheiros virem para trás de mim, formando uma parede de
apoio. No fim das contas, é isso o que importa.
Desde o meu aniversário, eles viram meu esforço para trazer Giovanna
de volta e pôr um fim a essa guerra com os Giordanni — nem que a paz
venha através da decapitação de todos aqueles malditos.
— Vou falar com o Conselho e conseguir a aprovação que vocês
precisam — Lucas volta a dizer. Quando vou interrompê-lo para avisar que
não precisamos de porra nenhuma, ele ergue a mão. Desta vez, sou eu que
fico calado. — Vocês precisam, sim, da ajuda do Conselho. Nunca se sabe a
merda que vai estourar. O Conselho serve para legitimar a sua existência.
Deixe o orgulho de lado, Wilder, e aceite que você é parte de nós.
Eu não tinha pensado por esse lado.
— Enrico, o que você acha? — peço o primeiro conselho do meu
Consigliere.
— Concordo com você, Sage. Mas acho que Lucas também tem razão
— ele diz e eu puxo o ar com força. — Não sabemos o dia de amanhã.
— Então está certo. — Estendo a mão para Lucas, que a aperta sem
hesitar. — Fale com o Conselho. Faça o que precisa fazer. Enrico irá
acompanhar tudo.
— Certo — ele assente.
— Agora que a família está organizada, precisamos pensar no nosso
próximo passo. — Saio do meio da sala e sigo para o pequeno bar no canto.
Pego todos os copos no armário do aparador e destampo a garrafa mais
cara de whisky que encontro. Encho cada um deles, escolho o meu e volto
para a poltrona. Agora, optando por aquela que meu pai sempre ocupava.
Por alguns segundos, observo-a com cuidado, me lembrando das muitas
conversas que tivemos aqui. Abaixo a cabeça em sinal de respeito e tomo
meu novo lugar.
— Eddie — aponto o copo para ele —, você disse que seguiu Mikhail
até…?
— Até a oficina. — A revelação me faz voltar aos tempos em que eu era
apenas um ladrão de carros e fiz algumas entregas para Mikhail. — Não vi
ninguém além dele quando chegamos, mas outros carros apareceram depois.
Acho que foram dois sedãs pretos e um conversível vermelho. Anotei as
placas e já passei para a Mia.
— Certo. Já pedi para minha mulher descobrir de quem são esses carros
— aviso. — Enquanto isso, perguntem aos informantes de vocês o que eles
sabem sobre os russos.
Todos na sala assentem.
— Precisamos ficar de olhos abertos, Sage — Coal entra na conversa.
— Papà tinha certeza de que algo estava errado com os russos, e acho que
não era apenas essa ligação com o tráfico humano.
— Então, faremos isso. Mas nossa prioridade continua sendo Giovanna
— relembro aquilo que tem estado em minha mente.
— Don, odeio dizer isso, mas… — Rico começa a falar.
— Então, não fale. Não quero ouvir que ela está morta até ver o corpo
na minha frente. Enquanto isso, ninguém vai desistir das buscas. — Minha
declaração faz Rico se calar. — Na nossa primeira tentativa de recuperar
Giovanna, logo depois do fiasco que foi o meu aniversário, matamos alguns
Giordanni e tomamos os celulares deles, na esperança de que Salvatore fosse
burro o suficiente e entrasse em contato. Infelizmente, o plano não deu certo.
Até agora, não obtivemos ligações nem mensagens. Os aparelhos estavam
vazios. Eram pré-pagos e nunca haviam sido usados — explico, ouvindo
alguns suspiros desapontados. — Porém, repito: não vamos desistir dela.
Giovanna continua sendo nossa prioridade. Agora, sobre os russos, preciso de
um favor, Lucas.
— Pode falar.
— Quero que alguns de seus homens vigiem os negócios daqueles
desgraçados na cidade. Mia fará uma lista dos estabelecimentos.
— E por que não manda seus Soldattos? — ele pergunta e sinto vontade
de fazê-lo engolir os próprios dentes com o tamanho da burrice.
— Porque eles nos conhecem. Sabem nossas carinhas lindas — explico,
revirando os olhos. — Não vão desconfiar daqueles que nunca viram.
Vejo vários rostos assentindo.
— Eu trouxe dez homens comigo. Eles estão a seu dispor.
— Excelente. — Termino a bebida em um só gole e levanto-me da
poltrona. — Agora, vão descansar. Amanhã será um longo dia.
Capítulo 20
Mia
Mais um funeral.
O corpo de Giovanna, envolto de papoulas brancas no caixão no centro
da sala, é impossível de ser encarado. O choro compulsivo das mulheres, os
terços rezados entre soluços e fungadas, a desolação em todos os rostos dos
membros de nossa família.
Lembro-me do dia em que, curiosa, veio me perguntar sobre a noite de
núpcias. Os hormônios efervescendo, se digladiando com toda a educação
que teve, com as crenças de nossa família. Eu conhecia aquele olhar, aquele
interesse, aquela fase. Não havia muito, eu havia passado por ela.
Nossa conversa, que deixavam suas bochechas coradas e os olhos
brilhando com tudo que ouvia, e acredito, imaginava, me faziam ter mais
vontade de contar as coisas a ela, assim como, um dia, Antonella havia feito
comigo.
Quantas de nós ainda morreriam? Com a vida e sonhos pela frente?
Quantas de nós ainda seriam vítimas de homens desleais e que não honram
nossas tradições? Encaro Luana, do outro lado da sala, sentada de mãos dadas
com minha mãe, que chora inconsolável pela perda da afilhada. Luana
também é uma vítima. É uma sobrevivente.
Sou tomada por um momento de ternura e tenho vontade de abraçá-la.
Imaginar o que sofreu no lugar em que deveria ser seguro, com o
consentimento de todos que deveriam amá-la, dos homens que juraram
protegê-la, faz com que minha revolta aumente. Salvatore não é só um
maledetto stupratore, anche lui è un sadico[63].
Martina entra na sala com uma das mulheres sequestradas, trazendo
novas bandejas de pães, e não deixo de perceber que é a menina de quinze
anos que me falou outro dia que a acompanha. A idade de Giovanna. Olho
novamente para Luana, lembro-me da minha conversa com Ana, da promessa
que ela seria chef no Gio’s, e uma ideia pavorosa me ocorre. Será que
Salvatore está encomendando mulheres com os russos para molestar?
— Preciso de ar, amore mio — digo ao ouvido de Sage, que está
abraçado em mim.
— Quer que eu vá com você, princesa? — Ele me avalia para ver se
estou bem.
— Não, marito. — Dou um beijo em sua face. — Fique aqui, vou
apenas descansar um pouco.
Ele concorda comigo e aproveito que todos estão na sala e saio em
direção ao escritório de meu falecido sogro, agora de mio marito.
Tento juntar as peças em minha cabeça enquanto caminho pelo
corredor. A carta de Don Marco a Don Vicenzo, a relação que os Giordanni
poderiam ter com os russos, todas as mentiras desde que Paola abandonou
Ettore. Deve ter algo mais. Algo que ainda não descobrimos, que
provavelmente nem meu sogro sabia, mas que estava tentando descobrir.
Abro a porta do escritório e vou em direção à escrivaninha. Nada foi
mexido desde sua morte. Provavelmente, Sage ainda não teve tempo de ler
todos os papéis em cima da mesa.
Começo pela pilha de documentos, procurando por qualquer coisa que
possa me dar uma pista de que caminho seguir. Nada de diferente, apenas um
boleto de imposto predial e territorial urbano da oficina dos russos. Não
reconheço o nome do proprietário, apesar de me soar familiar. Separo o
documento.
Começo a vasculhar as gavetas. Na primeira, algumas caixas de charutos
e acessórios para o fumo. Na segunda, mais papéis. Recibos da casa em que
estamos, de algumas das nossas propriedades e dos negócios. Olho toda
aquela papelada e penso que devem ser entregues ao contador. “Alguém terá
que assumir os trabalhos burocráticos da família”, concluo.
Na terceira gaveta, fotos. De Paola e Marco jovens, sorrindo. Fotos só
dela e muitas fotos de Sage, Coal e Jett em todas as fases da vida. Perco
algum tempo nas imagens deles, imaginando nosso filho com os mesmos
traços infantis do pai.
Passo a vasculhar as gavetas do outro lado da mesa. Mas quando tento
abrir a primeira, percebo que tem uma fechadura lateral.
Vasculho por cima da mesa e encontro, no fundo do porta-canetas, uma
chave pequena. Bingo! No fundo da gaveta, embaixo de papéis aleatórios, um
caderno pequeno, porém grosso e de capa de couro preta, me chama a
atenção.
Sento-me na cadeira e começo a folhear o caderno. Muitos nomes, datas,
negócios… informações que Don Marco julgava importantes. Reconheço sua
letra, bem-desenhada e com traços firmes. Depois de algumas páginas, datas
e anotações sobre a vida de meu sogro começam a aparecer.
“16/02/2008
Hoje Tizziano me enviou uma foto de mios bambinos! Os três são iguais,
apesar de ver em seus sorrisos que cada um carrega sua própria
personalidade. Eles estavam comendo sanduíches em uma toalha na grama
do novo esconderijo de Margareth. Ainda não sei o que lhe causou tanto
medo a ponto de se esconder desse jeito de mim, mas enquanto os meninos
estiverem saudáveis, vou respeitar sua decisão, mesmo que meu coração siga
despedaçado.”
Em vários trechos há notícias e desabafos pela situação de sua amada e
de seus filhos. Don Marco nunca se aproximou, porque acreditava que era
dele que Paola se escondia, mesmo não sabendo o que havia acontecido para
isso. Ele apenas a amava tanto, que tinha certeza de que, se mantendo
distante, estava respeitando sua vontade. Suspiro. Poderia eu amar tanto Sage
a ponto de deixá-lo viver sua vida longe de mim? Aquilo realmente era amor
ou covardia? Eu me perco pensando sobre isso, enquanto sigo folheando as
páginas.
Os mortos de nossa família, todos registrados ali, junto com seu
sofrimento eternizado naquelas páginas rascunhadas. Declarações de afeto do
meu sogro, gestos de gratidão para aqueles que lhe foram fiéis. E os que o
decepcionaram também.
“Te criei como meu filho, ragazzo. Como pôde nos apunhalar dessa
forma? Sempre te contei dos meus bambini e que um dia tu serias il loro
migliore amico[64]. Te enterrei com dor no coração, mas a deslealdade é
paga com a vida em nossa famiglia.”
Suas palavras eram direcionadas a Vince. Aquele maledetto mereceu
morrer. Cuspo no chão. Procuro pela data da morte de meu pai. Lágrimas
começam a rolar pelo meu rosto quando começo a ler.
“Entre tantos mortos, hoje parece que mais um pedaço de mim morreu
con te, amico mio[65]. O homem mais leal e sensato que conheci em toda
minha vida, que sempre guardou todos os meus segredos, acobertou meus
medos, conheceu minhas angústias e me aconselhou de maneira sábia. Pois
saiba que te honrarei até o último dia da minha vida e convidarei teu figlio,
Enrico, para ocupar o lugar que jamais haverá de ser tão bem preenchido,
como foi por ti.
Por um minuto, cogitei em convidar Mia. A astúcia e o sangue frio de
tua bambina, quando necessário, me impressionam. Mas sabes que sou um
homem de tradições, que busca a paz, e uma afronta dessas ao Conselho nos
arruinaria.
Com tua partida, voltam a ser só minhas todas as desconfianças sobre o
envolvimento de Ettore e os russos. Por mais que sejam só desconfianças, o
que faz uma oficina russa em terras italianas? Será que ele sabia do tráfico
de mulheres? Estava acobertando? E como o Conselho, que checa todos os
nossos livros caixa, não se atentou para o nome de quem pagava o aluguel?
Ou os Giordanni nunca registraram nada? São tantas dúvidas, amico mio,
que agora voltam a me assombrar sem ter com que dividir. Mas não
desistirei, em tua memória.
Enviarei novas cartas a Vicenzo e espero encontrar eco entre os seus
pares. Considero estar tomando a atitude certa, Giovanni. Não sei se saberei
conduzir tudo sem tuas palavras. Mas farei o melhor possível e nunca
esquecerei teu conselho: ‘sempre documentando e arquivando tuto, Marco!
Tuto!’.
Quase posso ouvir a tua voz neste escritório vazio.
Te juro, não será em vão.”
As engrenagens começam a funcionar na minha cabeça. A carta de Don
Marco, escrita para mio papà depois de sua morte, faz com que algumas
coisas comecem a fazer sentido. Pego o papel do imposto territorial separado
em cima da mesa. Aquele nome. Tento me lembrar de onde o conheço, mas
as últimas linhas de seu desabafo, com a fala de meu pai, não saem da
cabeça.
Abro a gaveta seguinte e ali, dobradas e arquivadas, estão todas as cartas
enviadas ao Conselho.
— Grazie, mio caro suocero[66] — digo com as mãos levantadas para o
céu, no mesmo momento que a porta do escritório se abre e o rosto de Enrico
aparece.
— O que você está fazendo aqui, Mia? Sage mandou te procurar.
— Enrico! Você tem que ver o que eu descobri aqui! — Levanto as
mãos, eufórica, segurando as cartas, o diário e o boleto do imposto. — Tudo
o que a gente precisa está aqui. — Ele caminha com passos acelerados em
minha direção. — Você sabia que Don Marco iria te chamar pro cargo de
Consigliere?
Meu irmão trava no lugar, me olhando com cuidado. Vejo seu peito
subir e descer acelerado e não entendo sua aflição.
— Mia, eu preciso te falar uma coisa. — Ele passa as mãos pelo cabelo
e posso perceber o nervosismo em seu tom de voz. Então, vira-se para trás e
tranca a porta. — Mas antes de eu te falar, preciso que você lembre que
quando me pediu para convencer o papà de manter seu casamento, eu te
ajudei.
Seu tom é baixo, porém firme.
— Eu nunca esqueceria isso, mio fratello. E nem todas as outras coisas
que já fez por mim.
— Jura pelo seu filho? — Ele me encara. Enrico está pálido e percebo
que, de sua testa, brota uma umidade.
— Juro. Mas diga de uma vez, está me deixando nervosa e isso não faz
bem para o bebê. — Acaricio minha barriga e me recosto na cadeira que
antes pertencia ao meu sogro.
Enrico começa a andar de um lado para o outro do escritório, esfregando
o rosto com as mãos. Nunca vi meu irmão tão nervoso na vida, e não consigo
compreender seu desconforto. Será que…?
— Isso é por conta das suas preferências, Enrico? Eu sei disso há muito
tempo e…
— Não! — Ele desvia o olhar e volta a caminhar pelo escritório. —
Você tem que me jurar, Mia! Pelo seu filho, por seu marido e pela sua própria
vida que o que eu vou te contar não vai sair deste escritório.
— Eu juro, Enrico! Mas me diga, homem, o que de tão sério você tem
pra falar?
Começo a ficar angustiada. Muitas ideias passam pela minha cabeça,
mas o desespero de meu irmão, seu medo… nada disso faz sentido.
Levanto da poltrona e caminho até ele, fazendo com que pare seu cooper
nervoso.
— Mia, eu… — Ele para de falar. Sei que seja lá o que tem a me contar,
o está correndo por dentro.
— Pode falar, Enrico. Seja lá o que for, eu estou aqui para te ajudar. —
Emolduro seu rosto com as mãos, numa tentativa de acalmá-lo.
— Don Marco — ele me interrompe, buscando o ar com força e
enchendo os pulmões. — Ele não morreu de causas naturais, como o atestado
diz.
— Você sabe quem o matou, Enrico? —Tiro as mãos de seu rosto e me
afasto. — Como foi? E quem foi o maledetto que iremos degolar?
— Você jurou, Mia. — Sacudo a cabeça, concordando, sem entender
aonde ele quer chegar. Será que mamma tem a ver com isso?
— O que você sabe, Enrico? Seja lá o que for, minha promessa é válida.
Como ele morreu?
— Com o veneno de Martina. Na dose certa, ele causa apenas um infarto
fulminante — Enrico diz com propriedade, mas sua voz segue trêmula.
— Martina? Por quê? — questiono, confusa, agora caminhando pela
sala, tentando entender o que meu irmão está verbalizando. — Ela nunca faria
isso.
— Não foi a Martina, Mia. — Enrico abaixa a cabeça.
Paro em sua frente e seguro-o pelos braços, forçando-o a me encarar.
— Quem? — Sacudo seus braços. — Quem, Enrico? — quase grito.
Então ele levanta a cabeça e seu olhar confessa. — Você? — sussurro, tão
baixinho que a voz mal sai da minha boca. Leva um segundo, mas ele enfim
acena em concordância.
Solto seus braços e começo a me afastar de meu irmão, tentando digerir
o que acabo de ouvir.
— Mia, eu…
— Por quê? — interrompo-o.
— Eu não sei, Mia. — Ele se joga em uma das poltronas, afundando a
cabeça entre os joelhos. — Eu estava com raiva, Lorenzo e papà estavam
mortos. Mamma não tinha consolo e parecia que Don Marco não estava nem
aí. Não tomava nenhuma atitude, não procurava Giovanna, não fazia nada. —
Enrico começa a soluçar. — Se você soubesse o quanto eu me arrependo.
Ando alguns minutos de um lado para o outro sem saber o que fazer.
Não posso perder mais ninguém, nem eu, nem minha mãe e nem esta família.
Olho para meu irmão, sangue do meu sangue, sempre meu protetor, chorando
como criança e não consigo manter a promessa que fiz ao mio marito no dia
do nosso casamento.
— Você sabe que minha lealdade sempre será em primeiro lugar ao
Sage. Eu fui criada para isso, Enrico, para ser fiel a ele, não importando mais
nada. — Ele sacode a cabeça entre as pernas, concordando. — Nem o sangue
de minhas veias deveria importar.
— Eu sei, Mia — balbucia.
Não consigo olhar para o meu irmão e enxergar o assassino de meu
sogro. Tudo que vejo é o menino que cresceu ao meu lado, me protegendo,
cuidando de mim e me ajudando a escapar de muitos castigos quando éramos
crianças. Lembro-me de nós três assistindo a desenhos animados, na sala de
estar de nossa casa, comendo pipocas e brigando pelo controle remoto.
Lorenzo sempre vencia a disputa com o argumento de ser o mais velho. E
Enrico sempre o conseguia para mim, dizendo que mulheres deveriam estar
em primeiro lugar. Já perdi Lorenzo, não posso perder o único irmão que me
resta.
Caminho até a mesa e busco pelo abridor de cartas no porta-lápis. Em
seu cabo de prata, o brasão da família Rossi brilha em ouro.
Volto até a poltrona em que ele está sentado, sentindo a lâmina afiada
em meu dedo.
— Ninguém nunca poderá saber disso, mio fratello — digo, quando paro
ao seu lado. Enrico me encara, confuso. — Ninguém, Enrico. Nem Sage. —
Gesticulo para que ele levante enquanto corto a palma da minha mão,
deixando um filete de sangue brotar.
Meu irmão entende o gesto e oferece a sua para que eu também rasgue a
pele. Quando seu sangue começa a verter, ele aperta a minha mão, sangrando
com força. Então, me puxa para um abraço e beija minha testa, enquanto
repete:
— Ninguém.
Capítulo 26
Mia
Quando mio nonno era vivo, ele costumava me contar histórias sobre os
chefões. Histórias sobre suas vidas, seus atos de bravura, as grandes guerras
travadas para proteger a família, a terra e conquistar direitos ou respeito.
Pouca gente sabe, mas toda nossa grande família descende de
agricultores do sul da Itália. Nossos ancestrais cultivavam suas terras em paz,
viviam no campo em harmonia, até que, no período medieval, começaram a
ser perseguidos pelos grandes senhores feudais. Suas mulheres eram
estupradas, suas plantações, incendiadas. Muitos perdiam a vida de forma
cruel quando capturados. Esses senhores, que já tinham grandes quantidades
de terras, queriam expandir mais suas riquezas. Para isso, faziam qualquer
coisa para roubar nossas terras.
Os camponeses se organizaram, pegaram as ferramentas da lavoura e as
usaram como armas, enfrentando os senhores feudais. A cada novo ataque,
eles se uniam e lutavam juntos para proteger suas vidas, suas honras,
mulheres e terras.
Essa organização deu tão certo, que cada vez mais camponeses
participavam, e com o passar dos anos, da evolução da sociedade e do
comércio, mais pessoas de outros ramos se juntavam à causa. Foi então que
surgiu o negócio de proteção e, depois, sua expansão. Ninguém queria correr
o risco de que algo acontecesse ao seu comércio, então todos participavam.
Com a diáspora[67], as muitas promessas de falsos empregos e a
exploração dos italianos como mão de obra barata, nosso esquema também se
espalhou pelo mundo. E, em todos os cantos, nosso povo começou a se
organizar para se defender. Então, uma organização desses pequenos
esquemas se fez necessária. Assim, surgiram os chefões.
Os cinco componentes do Conselho são os mais nobres, impiedosos,
corajosos e justos homens de nossas famílias originárias. Por isso, o sangue é
tão importante para nós, porque tudo começou porque tentaram roubar a
nossa paz.
— Você acredita nisso? — Sage pergunta, rindo, enquanto ajeita a
camisa na frente do espelho.
— Era assim que me lo diceva mio nonno[68]. — Aproximo-me dele,
paro em sua frente e ajeito a gola de sua camisa. — Não acredito que os
homens do Conselho sejam nada disso. — Paro ao seu lado e faço sua mão
enlaçar a minha cintura enquanto admiro nossa imagem no espelho.
Mio marito veste uma calça social preta, com uma camisa cinza. Nos
punhos, as abotoaduras que lhe dei de aniversário. Eu uso um vestido creme,
com decote comportado, mangas três-quartos e saia rodada. Nos pés, uma
sapatilha baixa. Formamos um belo casal. Beleza e crueldade. Elegância e
ambição. Opostos que se complementam.
— Então por que está me contando essa história, princesa? — Ele dá um
beijo em meu pescoço, que ofereço com prazer para a carícia.
— Porque eu não acredito que nenhum desses homens seja merecedor
de tanta admiração. — Procuro pelos olhos dele no espelho. — Mas você
sim, amore mio.
Os olhos de Sage me respondem com luxúria, mas antes que ele me
arraste para a cama novamente, solto meu corpo do seu.
— Ah, freirinha — ele protesta quando me vê indo em direção à porta.
— Volte aqui.
— Não posso, amore mio. Tenho que ajudar na cozinha e sua nonna
disse que precisa muito falar comigo antes. — Abro a porta. — E você, Don
Sage, precisar conversar com seus homens. Logo nossos convidados chegam.
Saio ainda o ouvindo resmungar que eu devo ficar e, por mais que eu
queira, nonna me espera em seu quarto.
Bato devagar na porta fechada e aguardo a autorização para entrar, que
nonna dá aos gritos, competindo com a televisão que transmite uma ópera.
Penso se é La Traviata, mas desconcentro da música quando vejo Nicola
amarrada em uma cadeira no centro do quarto de dona Edwige.
— Feche a porta, bambina — nonna ordena.
— O que ela está fazendo aqui?
— Questa vecchia pazza mi ha legato qui[69] — Nicola grita.
— E vou amordaçar também — nonna diz, amarrando bem apertado em
volta da boca da outra um dos lenços que usa no cabelo.
— La tua sporca scrofa[70]! — Nicola xinga antes de não conseguir
mais falar.
Quando termina o serviço, nonna abaixa o volume da TV. Os resmungos
de Nicola ainda podem ser ouvidos, então ela pega o punhal de sua mesinha
de cabeceira e a ameaça.
— Eu posso resolver o problema e cortar a tua garganta a qualquer
momento, Nicola. Mas estou te deixando viver, então seja grata e stai
zitto[71].
A velha parece ficar assustada e obedece. Nonna então me puxa para
sentar em sua cama e segura minhas mãos. Depois, fica me observando por
alguns minutos, o que começa a me deixar preocupada.
— Aconteceu algo? — Não resisto a tanto silêncio.
Ela sacode a cabeça em negativa então começa a falar sobre os sonhos
de seu pai, quando a casou com seu falecido marido. Nonna dá voltas e
voltas, lembrando nossos mortos, nossas vitórias, tudo que nossas famílias
conquistaram e honraram de nossos ancestrais.
— Chega um momento, Mia, que uma mulher também tem que pegar
em armas. Sei que você sabe disso e se virou muito bem sempre que foi
necessário, mas às vezes o inimigo está em nossa casa. — Seu olhar vai até
Nicola e volta para mim. — E temos que fazer coisas que nos ensinaram a
não fazer.
— Ela não deveria estar aqui — concluo.
— Não — nonna concorda. — Luana está aqui por vontade própria. A
coitadinha sofreu tanto que está disposta a depor contra a própria família. —
Sacudo a cabeça, concordando, pois foi Luana mesmo que se ofereceu, dez
dias atrás, logo que soube que o Conselho viria.
Nicola tenta espernear na cadeira e começa a ficar ruidosa novamente,
mas nonna mostra o punhal e ela se aquieta.
— Então o que vamos fazer? — Eu me aproximo mais de nonna e
cochicho em seu ouvido: — Não podemos soltá-la, ela ainda pode ser útil,
nem que seja pra montarmos uma armadilha e atrair o Salvatore.
— Nem a matar — nonna sussurra em resposta. — Por isso, preciso do
veneno de Martina, ragazza — ela fala mais alto. — Só algumas gotas pra
que essa velha durma bem, enquanto nossos convidados estão por aqui.
Concordo com ela. Não podemos correr o risco de perder o apoio do
Conselho por conta de Nicola, não depois de tudo que sua família nos fez e
ainda tem feito. Sabemos que manter uma mulher como refém é um crime
grave, mas o que é isso comparado a todos os estupros de Salvatore, os
negócios escusos de Don Ettore com os russos, seus infiltrados e
assassinatos?
Saio do quarto e providencio o que nonna me pede. Alguns minutos
depois, encontro-a na cozinha e entrego o frasco a ela. Só espero que não erre
a dose. Então, me envolvo com os preparativos para o almoço de recepção
dos convidados mais ilustres de toda a família.
Há dez dias, quando Lucas finalmente anunciou a chegada da comitiva,
marcada para a data de hoje, ninguém mais parou nesta cozinha. Até as
mulheres traficadas, que seguem hospedadas em nossa casa, se prontificaram
a ajudar — não só na preparação dos alimentos, mas também na limpeza e
cuidados gerais da casa. Martina organiza todas elas, dá ordens, comandos e
cuida de todos os detalhes com a ajuda de Luana e de Natasha, a menina de
quinze anos que resgatamos com as outras.
Não me preocupo com nada, minha prima é tão eficaz que começo a
sentir falta dela antes mesmo de sua partida. Nos últimos dias, além da
recepção ao Conselho, essa notícia dada por Lucas, logo após anunciar a
vinda de seu pai, tem me perturbado bastante.
— Don Vicenzo também avisou, Martina — ele chamou a atenção dela,
mas na hora encarou Coal —, que você volta com a gente quando tudo for
resolvido.
Ela ligou para o tio, tentou convencê-lo, ameaçou Lucas, mas não houve
jeito. Sua volta à Itália está decretada.
Distraio-me por um minuto, entre os pensamentos sobre Martina, os
pães que ajeito na mesa e a movimentação frenética que a cozinha parece ter.
Quando o relógio cuco dá suas doze badaladas, o canário abre a porta da sua
casa e grita:
— Cuco, cuco, cucooo! — Ao mesmo tempo, a campainha toca, fazendo
com que qualquer outro som seja silenciado por toda a casa.
Capítulo 27
Sage
Uma coisa que aprendi sobre italianos é que eles gritam muito e
conversam pouco. Xingar é melhor do que resolver, pelo visto.
Estamos há quinze minutos aqui e tudo o que consigo entender é que
ninguém concorda com porra nenhuma. Troco olhares com Enrico, que
parece tão cansado quanto eu.
— Só tenho uma coisa a pedir — digo, me levantando da cadeira e
apoiando os punhos fechados na mesa.
Enrico faz sua parte e repete em italiano.
Na mesma hora, todos me encaram. Todos menos Massimo, que
continua olhando para o papel em branco à sua frente.
— Sage, recebemos informações de que vocês querem a nossa ajuda
para matar Salvatore. Isso é uma afronta — Don Giuseppe se pronuncia e é
logo traduzido.
— Não é bem assim — interrompo-o, apontando para os cadernos. —
Aqui contém informações preciosas. Não queremos sua ajuda para matar
Salvatore. Posso fazer isso sozinho. O que precisamos é de uma atitude do
Conselho. Temos provas de que os Giordanni estão envolvidos com os russos
há tempos. Também sabemos que eles participaram de tráfico de mulheres.
Ainda não temos noção da extensão desse relacionamento, porém ele existe.
— Mas, Sage… — Don Vicenzo começa a falar, mas ergo a mão,
silenciando-o.
— Salvatore Giordanni matou Giovanna, uma mocinha de quatorze anos
da nossa família. — Aceno para Enrico, que pega o celular e mostra a foto
dela para os homens da sala. Um de cada vez, eles veem a imagem. —
Raptada, estuprada, sodomizada, torturada. E o responsável por isso é
Salvatore — declaro com um tom calmo, mesmo que, por dentro, a raiva
esteja fervilhando.
As expressões de choque que seguem parecem fazer algum efeito na
tomada de decisões.
— Tem certeza de que foi ele? — Vicenzo questiona.
— Absoluta. O corpo dela foi encontrado em uma propriedade dos
russos, mas que era mantida por Don Ettore. Hoje, quem a controla é
Salvatore.
— Mas vocês não têm uma prova concreta, certo? Isso tudo é apenas
teoria… — Don Antonio entra na conversa.
— Estamos em guerra com os Giordanni desde que Don Marco matou
Ettore — Enrico começa a falar, ganhando a atenção dos demais. — Depois
que o pai de Sage descobriu que Ettore, o antigo noivo de Paola Costello,
havia matado sua amada com trinta e três tiros, ele resolveu se vingar. Com
isso, foi dado o início de uma guerra entre nós e os Giordanni. No aniversário
do nosso atual Don — aponta para mim —, tentamos traçar um acordo de
paz, mas fomos presenteados com um assassinato em massa dentro da nossa
própria casa.
— Como sabemos que isso que você está dizendo é verdade? —
Francesco pergunta.
— Pensei que italianos não pudessem mentir para outros italianos. —
Volto a me sentar, entrelaçando os dedos sobre a mesa.
— Pelo que me consta, seu nome é Sage Wilder. Não é um italiano —
Massimo desafia, recebendo o troféu de “vovô do ano”.
— Meu pai é um Rossi, minha mãe é uma Costello. Posso ter o nome
que eu quiser, mas o que corre dentro de mim é o sangue quente. Me chame
de bastardo, cuspa no chão e rejeite quem sou. Estou pouco me fodendo para
a sua aprovação.
— Sage… — Enrico alerta.
— Não! — interrompo-o e, mais uma vez, fico de pé. — Estou cansado
de ouvir todo mundo falar de honra e lealdade e, quando preciso de um pouco
dos dois, tenho meu pedido rejeitado. Foi por isso que chamamos o Conselho.
Estamos cansados de mentiras e de armadilhas que nos matam. Precisamos
que vocês legitimem nossas ações e nos ajudem a combater aqueles que
viraram as costas para o que é mais sagrado.
O silêncio toma conta da sala e os homens revezam olhares entre si.
Enquanto isso, espero pacientemente uma resposta. Ao meu lado, Enrico está
apreensivo, mas começa a catar coisas nos cadernos que Mia encontrou.
— Aqui diz que Don Marco enviou cartas a você, Don Vicenzo,
narrando as suspeitas que tinha — meu Consigliere diz e o mais velho
assente com a cabeça, concordando. — O senhor acreditou nas palavras dele?
— Sempre acreditei em Marco — declara com firmeza. — Mas
precisamos de provas. Não posso simplesmente ordenar um ataque contra
Salvatore.
Se ele quer provas, então é isso o que vai ter. Tiro o celular do bolso e
ligo para Mia, enquanto sinto todos os olhares sobre mim.
— Mande Luana vir até aqui — falo para minha mulher assim que ela
atende a ligação. Não espero uma resposta e encerro a chamada.
— Sage, o que você está pensando em fazer? — Enrico sussurra no meu
ouvido, para que apenas eu escute suas dúvidas.
Não respondo. Apenas espero a chegada da garota.
Nem um minuto se passa e batidas hesitantes na porta ecoam dentro da
sala.
— Entre — ordeno e vejo Luana dar alguns passos à frente, parecendo
bastante desconfortável. Porém suas feições estão bem melhores do que
quando a vi pela primeira vez. O cabelo loiro está mais cuidado, o rosto mais
redondo e as olheiras menos visíveis. Pelo visto, sair da casa dos Giordanni
fez um bem danado a ela. — Esta é Luana, filha de Don Ettore e irmã gêmea
de Salvatore.
Os homens a encaram, fazendo com que ela se encolha sob o escrutínio.
— Me chamou, Don Sage? — pergunta de forma educada.
— Sim, Luana. Precisamos da sua ajuda — revelo e ela franze o cenho.
— Acontece que esses senhores não acreditam em mim quando digo que seu
irmão é um sádico. Acham que estou exagerando. Por isso, gostaria que desse
o seu próprio relato de como foi a sua vida antes de ser acolhida pelos Rossi.
Luana arregala os olhos, sua respiração acelera e toda a cor some de seu
rosto. Sei que não estou sendo justo com ela ao pedir que relembre todas as
coisas ruins que aconteceram em sua vida, mas vivemos tempos complicados
e precisamos pôr um fim a tudo isso. E, afinal de contas, ela mesma se
ofereceu.
Notando o desconforto da jovem, Don Vicenzo se levanta da cadeira e
vai até ela, colocando as mãos em seus ombros.
— Calmati, ragazzina, andrà tutto bene[79] — fala em um tom manso e
vejo-a respirar fundo duas vezes, antes de consentir em ajudar.
Luana leva alguns segundos se preparando, os dedos se enroscando em
um gesto nervoso. Ela olha para mim, apreensiva, e apenas faço que sim com
a cabeça, incentivando-a a continuar.
— A primeira vez que Salvatore me… — Ela para, sem conseguir dizer
a palavra, e fecha os olhos. — Eu tinha dez anos e estava deitada na cama.
Naquela época, compartilhávamos o quarto. Ele se deitou ao meu lado e
começou a me tocar. Disse que precisava ver…
Agora, lágrimas escorrem por seu rosto, como se contar a história fosse
dolorido demais. Sinto um bolo se formar em minha garganta ao ver seu
desespero, mas sei que ela precisa revelar a verdade se quisermos ter alguma
chance contra Salvatore.
— As coisas foram evoluindo. De início, eram apenas toques curiosos.
Depois, ele enfiava objetos… — Luana deixa um soluço escapar. — Quando
eu tinha treze anos, tudo saiu do controle. Tentei conversar com a minha
nonna, mas ela disse que isso era normal. Que as mulheres precisavam
cumprir com as vontades dos homens. Eu tinha medo de contar para a minha
mãe, porque ela sempre foi muito leal ao meu pai. Mas Salvatore… Salvatore
me… me…
O choro vem em enxurradas, e Luana logo é envolvida pelos braços
gentis de Vicenzo.
— Basta, piccola. Grazie por ter contado.
Levanto-me da cadeira e vou até ela, que corre para os meus braços e
começa a chorar.
— Vou fazer com que ele pague por todas as coisas horríveis que fez a
você — sussurro em seu ouvido. — A partir de hoje, se você quiser, será uma
mulher honrada na casa dos Wilder, e nunca mais precisará sair daqui.
Luana me aperta com mais força, como se agradecesse silenciosamente
pelo meu apoio. Na verdade, sou eu que preciso agradecer. A sala está em
silêncio. Os homens permanecem calados, absorvendo o impacto do que
acabaram de ouvir.
— Por favor, peça para Natasha entrar — digo a ela, guiando-a até a
porta.
— Certo, Don. — Luana vai embora, mas a porta continua aberta.
— Quem é Natasha? — Vicenzo quer saber.
— Outra vítima de Salvatore — explico e ele se assusta. — Na verdade,
conseguimos recuperá-la antes que fosse tarde demais.
Durante a semana, Mia teve a chance de conversar com a menina e
descobriu algo que fez os pelos da minha nuca ficarem em pé.
Não demora muito para que Natasha entre na sala. E, assim como
Luana, parece bastante incomodada. Ao lado dela, está Ana, outra mulher que
resgatamos e a mesma que saiu com Mia para ver o restaurante dos
Giordanni.
É ela quem começa a narrar, dizendo que foi trazida para cá pelos
russos. De início, foi prometido a ela um emprego no Gio’s. Ela sabia que
ficaria ilegal no país por um tempo, mas que, depois de seis meses,
conseguiria as documentações e poderia trazer seus filhos.
Quando chega a vez de Natasha falar, Ana serve como tradutora, porque
a menina fala uma língua que nenhum de nós conhece. Talvez russo, talvez
polonês, sei lá… Mas o importante é o que revela: seu pai havia contraído
uma dívida enorme com apostas. Agiotas ameaçaram sua família por meses,
até que levaram seu irmão recém-nascido embora. Prometeram devolver a
criança quando o pai quitasse o que devia. Como ele não tinha dinheiro,
vendeu a filha para um italiano nesta cidade, mesmo que ela ainda não tivesse
completado quinze anos. As negociações foram rápidas e, antes que pudesse
fugir do seu destino, Natasha já havia sido aprisionada por alguns homens.
Completou quinze anos dentro do caixote em que foi trazida.
Tenho certeza de que ela seria vendida para Salvatore.
— Além desses relatos chocantes — volto a falar assim que as mulheres
saem da sala —, temos as provas recolhidas por meu pai, alguns informantes
que também estão dispostos a depor e as certidões de óbito dos membros da
minha família. Já matei vários Giordanni, e continuarei matando até não
sobrar nenhum para contar a história.
— A não ser Luana — Francesco diz.
— Ela será uma Wilder muito em breve — declaro, sem entrar em
detalhes. — Fora que ela é uma vítima e não está disposta a voltar para a
própria família, não depois de tudo o que aconteceu.
Desta vez, encaro meu avô, em uma guerra silenciosa que diz muito
mais do que palavras são capazes.
— Sage… — Antonio começa a dizer, mas não deixo que prossiga.
— Luana terá um lugar conosco pelo tempo que desejar. Assim como as
mulheres que resgatamos. Diferente de muitos italianos, não viramos as
costas para aqueles que precisam. Não ficamos presos às falsas regras
moralistas porque elas servem aos nossos propósitos — alfineto, sem tirar os
olhos de Massimo Costello. — Estamos em guerra com os Giordanni,
sabemos da ligação deles com os russos, apresentamos todas as nossas provas
e até mesmo as teorias. Agora, cabe a vocês decidirem o que será feito daqui
em diante.
Capítulo 29
Mia
Nunca pensei que uma guerra da máfia pudesse acontecer desse jeito.
Tudo tão… civilizado.
— Como…? — Viro-me para Eddie quando saímos do carro, mas não
sou capaz de formular a pergunta.
— Foi por isso que Lucas insistiu tanto pela presença do Conselho —
ele começa a me explicar, olhando fixamente para a parede de russos e
Giordanni a vários metros de distância. Do nosso lado, dezenas de carros
estacionam e os italianos descem. — Diferente das gangues sem regras, que
saem atirando no meio da rua e colocam em risco a vida de inocentes, as
guerras declaradas pelo Conselho são feitas à moda antiga.
— Isso quer dizer “campo de batalha”? — questiono, ainda incerto.
— Exatamente. O Conselho decreta um local afastado. Todos os homens
da família são obrigados a comparecer. É claro que alguns podem ficar em
casa, caso estejam doentes, sejam velhos ou tenham cargos importantes. Mas
os lares são intocáveis nestes momentos. Os homens devem ir aos campos de
batalha e…
— E todo mundo cai na porrada — completo a frase por ele.
— Faz parte das tradições. — Eddie apoia a mão na arma presa ao
coldre, olhando para frente.
Que loucura, puta merda. Se estivéssemos carregando tochas e espadas,
diria que fomos transportados para algum filme; ou para o século passado,
quando as guerras eram sangrentas, com homens se digladiando sem pena.
Às vezes, acho que não posso mais me surpreender com as coisas que
acontecem neste mundo, mas o oposto sempre acontece.
— Os russos vieram… — falo mais para mim mesmo do que para o
Capo.
— Você tinha razão. — Lucas para ao meu lado. — Os Giordanni
viraram as costas para nós.
— Finalmente você entendeu — debocho, dando alguns passos à frente.
Eddie vem junto, e sinto a presença de Coal logo atrás de mim. — Mas por
que eles vieram? — Paro de andar e encaro Lucas, que apenas franze o
cenho.
— Salvatore deve ter oferecido uma boa recompensa — oferece uma
explicação.
— Salvatore sabia que o Conselho viria — corrijo-o. — Se fosse apenas
a nossa família, faria mais sentido. Eles nos destruiriam e dividiriam o
controle da cidade com os Giordanni. Mas com o Conselho no meio… Por
que eles viriam? Por que enfrentariam uma guerra que não é a deles?
— Tem alguma coisa errada — Coal concorda comigo.
— Será que prepararam uma armadilha? Colocaram bombas, sei lá… —
Eddie sugere.
— Não daria tempo. Salvatore só ficou sabendo da localização minutos
antes de sairmos de casa. Ele sabe as regras — Lucas explica.
A lufada de vento gelado me atinge, e a impressão que tenho é de que
pequenas navalhas cortam minha pele sob a jaqueta de couro. Um arrepio
sobe por minha coluna, porém nada tem a ver com esta maldita cidade fria e
sim com o mau pressentimento que me assola.
— Tem alguma coisa errada — repito baixinho as palavras do meu
irmão, sem esperar que os outros concordem.
Olho para trás e vejo os nossos homens. Ao todo, não temos setenta,
enquanto eles com certeza têm mais de cem. A desvantagem é nítida, e ao
mesmo tempo irrelevante. Não cheguei até aqui para ficar com medo, muito
menos para me tornar um covarde e fugir da luta.
Sei por que estou aqui. Sei por que preciso acabar com esses
desgraçados. Desde que aceitei fazer parte da família Rossi, só vi dor e
sofrimento. Enterrei homens, mulheres e crianças. Presenciei a barbárie de
um sádico. Fiquei órfão. Mas, acima de tudo, descobri quem eu era.
Respiro fundo, olhando ao redor enquanto busco por qualquer sinal de
alarme. Só que nada se destaca. A área abandonada é escura, com apenas um
holofote iluminando o terreno baldio. A luz falha o tempo todo, como se não
houvesse mais energia para mantê-la acesa. À direita, um galpão fechado se
mostra como o único sinal de civilização por perto. À frente, uma fileira de
homens que querem me matar. Atrás de mim, outra fileira de homens
dispostos a defender aquilo em que acreditamos.
— Don? — Danio se aproxima e posso ver a apreensão em seus olhos.
Talvez ele não imaginasse o destino que nos aguardava, e acabou se
deparando com algo muito pior.
— Hoje eu tenho seis armas. Será que a matemática vai ser simples
também? — pergunto, relembrando uma das primeiras conversas que
tivemos.
Ele disse que a matemática estaria a meu favor se eu carregasse uma
arma em cada mão. Na época, eu mal sabia atirar, mas Danio fez questão de
que eu aprendesse.
“Às vezes, tudo que temos é a oportunidade de um tiro.” As palavras
dançam em minha mente, enquanto Sarita se mantém presa à minha perna.
— Seu pai teria orgulho de você — ele diz, me fazendo virar para
encará-lo.
— Não, não teria — afirmo sem qualquer dúvida em minha cabeça. —
Ele odiaria isso aqui, diria que estou sendo precipitado e que há formas
melhores de lidar com um problema.
— Você pensa isso porque o conheceu no fim da vida. Quando éramos
jovens, Marco Rossi tinha mais desejo de sangue do que você. — Danio dá
dois tapinhas no meu ombro. — Agora, vai lá e mate o máximo de russos que
você conseguir.
Aceno com a cabeça e ignoro o frio na barriga. Também ignoro qualquer
tipo de papinho motivacional. Do outro lado do terreno, a menos de
cinquenta metros de distância, estão as pessoas que querem destruir aquilo
que foi construído à base de honra e lealdade — e todos aqui sabem disso.
Antes de sairmos de casa, aceitei as preces da minha esposa e falei o que
precisava ser falado. Mas uma guerra nunca foi vencida com palavras.
Olho para a direita e vejo Massimo Costello de queixo erguido e peito
aberto, como se esperasse a morte chegar. Que morra junto com os russos por
renegar minha mãe e me chamar de bastardo.
Sigo para o centro da fileira, tomando meu lugar de líder dessa merda
toda, e sei que atrás de mim estão as duas pessoas que mais confio aqui.
— Eddie, Coal — chamo. — Preciso de um favor, mas sejam discretos.
Rapidamente, explico o que quero para eles dois, que apenas garantem
que será feito. Assim que os vejo se afastar, tiro duas pistolas do coldre,
aponto uma na direção dos russos e aperto o gatilho.
Que os jogos comecem.
Eu deveria ter fugido desta loucura no instante que Don Marco
confirmou que era meu pai. Deveria ter ignorado o dinheiro que recebi — e
nunca usei — para me casar com Mia. Deveria ter negado o convite para
Soldatto e, depois, para Capo. Eu deveria ter feito muitas coisas diferentes,
porque agora é tarde demais. A crueldade que corre em minhas veias parece
ficar mais palpável a cada batida do coração, e eu amo cada segundo da
chacina que se desenrola à minha frente.
Enfio Sarita no olho de um desgraçado e sorrio ao sentir os pingos de
seu sangue molharem meu rosto. Ao meu lado, Eddie gargalha ao ver o russo
se contorcendo no chão.
Uma pena que não possam sofrer lentamente, seria muito mais gostoso.
— Don! — alguém grita por mim e preciso desviar o olhar.
Vejo Rico me chamando, sua camisa azul manchada com o vermelho de
nossos inimigos, e vou até ele, acertando um tiro no meio da cabeça de
alguém. Minhas balas estão acabando. Merda.
— Eu vi pessoas correndo para o galpão — ele diz, ofegante.
Ao redor, homens estão se socando, russos e italianos estendidos no
chão, enquanto outros continuam lutando. O estampido das pistolas não para
de soar, bem como os berros de dor. Não tenho tempo de descobrir quem está
morto e quem está vivo. No momento, preciso me concentrar em terminar
com isso antes que seja tarde demais para a família Wilder.
— Tem mais munição no banco do carro. Se conseguir…
Escuto o estrondo de uma arma sendo disparada e, no instinto, me
abaixo, puxando Rico comigo.
O tiro perfura a janela da minha Lamborghini, fazendo com que
estilhaços de vidro caiam sobre a minha cabeça.
— Filho da puta! — xingo sozinho, ainda fazendo força sobre Rico, para
que se mantenha abaixado.
— Estamos cercados, Don — ele fala, a voz abafada por conta de suas
mãos cobrindo o rosto.
— Não estamos, não. Pegue munição no carro, eu te dou cobertura.
Tiro do coldre a última pistola carregada que tenho, as outras três já
estão vazias, assim como os cartuchos extras. Não sei há quanto tempo
estamos aqui. Talvez cinco minutos, talvez dez horas… Sob fogo cruzado, o
tempo é relativo.
Estou cansado, ofegante, suando frio e sentindo dor. O sangramento no
meu ombro esquerdo, por conta do tiro que levei, só deixa tudo mais difícil,
mesmo assim, encontro forças para erguer a arma e atirar, dando cobertura
para Rico buscar munição.
Assim que ele volta, recarrega minha submetralhadora, e troco de armas
com ele.
Sintam isso, seus merdas.
A Beretta-PMX faz um barulho ensurdecedor quando solto os quarenta e
cinco tiros em cima dos russos, sem saber a quem estou atingindo ao certo.
Foda-se. Se vieram para cá, sabiam dos riscos.
— Sua vez de me dar cobertura — aviso a Rico, mas não obtenho
resposta. — Rico! — chamo de novo, precisando correr para o lado a fim de
evitar as balas que voam na minha direção. — Rico, caralho!
Mas quando olho para trás, entendo o motivo de ele não estar me
respondendo: seu corpo sem vida está cercado por uma poça de sangue. No
peito, três furos deixam claro como chegou ao seu fim.
— Sage! — uma voz conhecida chama meu nome. Não preciso enxergar
para saber que é Coal. Mesmo assim, procuro por meu irmão, revezando
olhares entre ele e o cadáver de Rico.
Coal está perto, a menos de seis metros de distância, lutando com dois
russos ao mesmo tempo. Solto a Beretta descarregada e corro até lá. Sem
pensar duas vezes, enfio Sarita no pescoço de um deles, chegando por trás.
Vejo Coal desviar de um soco, mas o seguinte o acerta em cheio na barriga.
Ele tosse uma vez, garantindo ao outro homem tempo para encaixar um golpe
em seu queixo. Meu irmão cai para trás.
Tudo acontece em frações de segundos. No instante que tiro Sarita do
pescoço de um, o outro já está montado sobre Coal, repetindo socos em sua
cara.
— Meu irmão não, filho da puta. — Pulo sobre ele, caindo ao seu lado
no asfalto.
Começamos a nos engalfinhar no chão, enquanto tento desviar das
investidas. Por sorte, acabo parando por cima dele. E quando finjo que vou
atingir seu rosto, minha outra mão vem por baixo, enfiando Sarita na lateral
de seu corpo.
— Você tá bem? — pergunto a Coal, guardando a faca e vendo o russo
segurar o ferimento e me encarar com olhos arregalados.
— Já estive melhor — ele diz, grunhindo.
— Temos que caçar alguns filhos da puta — aviso.
Sem qualquer chance de me prolongar nos cuidados fraternos, levanto-
me do chão e sigo na direção do galpão, onde Rico havia indicado que alguns
inimigos se refugiavam. Quando estou prestes a entrar, uma bala passa de
raspão na minha orelha. A ardência chega segundos depois, ao mesmo tempo
que sinto sangue escorrer pela minha bochecha.
Essa foi por pouco.
Chuto a porta com força e entro no galpão. Coal vem logo atrás de mim.
Eddie também.
— O que… — meu Capo começa a falar, mas ergo uma mão fechada,
pedindo para que se mantenha em silêncio.
Precisamos ouvir qualquer sinal de inimigos por aqui. Talvez Salvatore
seja um deles. Ainda não vi o filho da puta no campo de batalha, e espero
encontrá-lo antes que ele consiga escapar.
Eddie aponta para um lado e sei o que ele quer dizer. Por isso, apenas
assinto com a cabeça. Coal indica o lado oposto. Assinto de novo. Seus
passos são tão silenciosos quanto os meus ao caminharem mais para dentro
do espaço.
Isso parece ser um depósito de máquinas, ou sei lá o quê. Caixas de
madeira estão empilhadas lado a lado, e tecidos cinzas escondem o que
imagino ser algum tipo de maquinário. Talvez tratores. Não tenho ideia, nem
tanta curiosidade a ponto de tentar descobrir.
Apenas sigo pela parte central, mantendo-me próximo às caixas.
Um russo aparece do nada, apontando uma arma para mim. Com a
adrenalina, acabo virando meu corpo e agarro seu braço, torcendo-o em
seguida. O homem solta um grito de dor e deixa a pistola cair no chão. Sem
pensar duas vezes, chuto seu peito com força, fazendo-o voar dois metros
para trás.
Pego a arma caída. Um tiro bem no meio da testa é suficiente para
garantir que ele não levante mais.
Sigo andando pelo galpão, passando por mais panos empoeirados, que
formam montanhas no meio do nada. Tento escutar qualquer som atípico,
mesmo que o som frenético de tiros do lado de fora esteja atrapalhando a
busca. Foco meus sentidos.
Outro russo surge no meu caminho, saindo de trás de uma caixa. Em
reflexo, abaixo um pouco enquanto ele atira onde minha cabeça estava. Só
que a bala da minha pistola o atinge na perna. Ouço seu grito de dor e acabo
com o sofrimento na hora, deixando um tiro em sua cabeça. Só por garantia.
Detrás de outra caixa, um outro homem aparece. Escondo-me atrás de
uma das máquinas cobertas, enquanto ele atira, e checo quantas balas me
restam. Quatro. Puta merda, onde estão Coal e Eddie? Respiro fundo e saio
do lugar, ganhando visão para o meu inimigo. Sabendo que não tenho
margem para erro, deixo um tiro certeiro o atingir no peito. É neste momento
que outro desgraçado surge ao meu lado. Sinto o cano quente da sua arma
tocar a lateral da minha cabeça. Não tenho tempo de rezar nem de fazer nada.
Apenas escuto o estrondo.
Mas não morro.
Olho para a esquerda e vejo o corpo do cara caído no chão. Atrás dele,
Eddie sorri.
Aceno em gratidão e ele me arremessa uma outra submetralhadora. Pelo
visto, eles cumpriram com meu pedido e esconderam armamentos aqui antes
de eu dar o primeiro tiro.
— Tem mais? — quero saber.
— Peguei mais três. — Eddie afasta as abas da jaqueta, revelando as
armas recém-abastecidas. — Tem mais essa. — Estende uma Glock para
mim, e eu a coloco no coldre.
— Viu Salvatore em algum lugar? — pergunto, olhando para os lados
em busca de mais russos, ou italianos traidores.
— Não. Nem Mikhail — Eddie diz. — Vi Nicolai brigando lá fora. O
cara está descontrolado, Sage.
— Estou pouco me fodendo para Nicolai. Quero saber onde está o filho
da puta do Salvatore.
Antes que eu consiga concluir o pensamento, escuto um grito à direita.
Coal.
Eddie e eu corremos até lá, apenas para ver meu irmão agarrando a
mesma perna que já havia machucado. Sobre ele, um homem de cabelos
vermelhos aponta uma arma para sua cabeça.
Mal tenho tempo de calcular a trajetória do arremesso e Sarita já está
voando da minha mão, atingindo o ruivo bem na nuca e fazendo-o tombar em
cima de Coal.
— Por que não atirou? — Eddie questiona enquanto seguimos para
ajudar meu irmão.
— Não sou tão bom com armas, mas Sarita nunca erra o alvo. — Pisco
para ele, removendo o corpo sem vida do russo. — Você está bem? —
pergunto para Coal.
— Atiraram na minha perna. De novo! — A última frase sai em um
grito frustrado e preciso controlar minha vontade de rir.
— Deve ser carma. — Estendo a mão direita e o ajudo a se sentar. —
Fica aí. Eddie, verifique se sobrou alguém aqui dentro. Preciso voltar pro
campo, e me chamem se encontrarem Salvatore. Ele é meu — aviso e jogo
um beijinho debochado para Coal, que me responde com o dedo do meio.
Tadinho, vai perder o resto da diversão.
Capítulo 31
Mia
— Salvatore não está aqui — Eddie garante após ter checado cada um
dos corpos no chão.
Italianos, russos, amigos e inimigos: todos tiveram o mesmo fim.
Olho para o lado e vejo o pequeno grupo que restou. Coal, Eddie,
Frederico, Lucas e Jerry respiram pesadamente enquanto tentam recuperar o
fôlego.
— E Danio? — quero saber. — Alguém encontrou seu corpo?
— Não, Don Sage — um homem da família Battaglia responde e, por
um momento, me sinto aliviado. Se não tem corpo, é porque ele ainda está
vivo. Ou assim espero. — Procuramos em todos os lugares. Também não
achamos Mikhail nem ninguém com uma cicatriz no rosto.
Balanço a cabeça em afirmativa.
Vencemos a batalha, mas a guerra ainda não chegou ao fim. Não
enquanto a cabeça de Salvatore estiver presa ao seu corpo. Preciso dela em
minhas mãos para ter certeza de que o filho da puta está morto. Só assim vou
relaxar.
— Sobreviventes? — pergunto, olhando para as dezenas de cadáveres.
— Alguns. — Coal para ao meu lado, apoiando o peso do seu corpo em
meu ombro machucado. Travo os dentes, tentando não demonstrar sinais de
dor, mas sinto as fisgadas cravarem no meu estômago. Olho para baixo e vejo
que ataduras manchadas de vermelho envolvem sua perna machucada: meu
irmão também luta contra a vontade de gritar. — Eddie levou alguns russos
para o galpão. E os nossos já estão indo para a clínica do dr. Fontana.
— E por que você não foi com eles? — questiono, mas meu irmão
apenas dá de ombros.
Mesmo sem dizer nada, eu o entendo: também não teria ido embora. Só
que alguma coisa continua me incomodando. Tenho a impressão de que foi
tudo… simples demais. Somos bons, mas não tão bons assim. Porém não
verbalizo meus pensamentos, apenas continuo olhando em volta, buscando
alguma coisa que justifique a nossa vitória.
— Nicolai? — pergunto a ninguém em específico.
— No galpão — uma voz explica e não me viro para saber quem é. Não
importa.
Sigo para a área indicada e, assim que cruzo a porta, vejo que há uma
fileira de homens ajoelhados no chão. Todos machucados, cansados e sem
qualquer sinal de esperança em seus olhos. Dentre eles, o único que se debate
é Nicolai, o líder da Bratva na cidade, mas as cordas que o mantém preso não
permitem que ele saia do lugar.
— Boa noite, senhores — digo com um toque de deboche, exibindo um
sorrisinho torto.
— Sage Wilder — Nicolai pronuncia meu nome devagar, me olhando de
cima a baixo. — Você deveria ter vindo trabalhar para mim quando teve a
chance.
— E estar morto a esta altura do campeonato? Não, obrigado. —
Agacho-me à sua frente, mantendo apenas um metro de distância entre nós.
— Onde está Salvatore?
— Você tem talento, rapaz. Dá para ver por que seu pai fez questão da
sua presença na família. Eu e Marco tínhamos um combinado, sabe?
— Olha bem pra minha cara e me diga se estou com paciência para
conversar agora — interrompo-o. — Fala logo, Nicolai. Ou você é tão leal a
Salvatore que prefere morrer a entregá-lo para mim.
— Como se você não fosse me matar de qualquer jeito…
— Digamos que hoje eu acordei piedoso. — Encaro o homem, que tem
o supercílio cortado e uma linha de sangue descendo pelo seu rosto. — Se
você me disser onde aquele filho da puta está, garanto a sua liberdade e a dos
seus homens. — Com a cabeça, indico a fila de oito russos ao nosso lado.
— Não vai me ameaçar com tortura? Sabemos que esse é o estilo
italiano de conseguir respostas — Nicolai ironiza.
— E a Bratva não faz isso? Somos farinha do mesmo saco. A única
coisa diferente entre nós é a língua que falamos e o fato de não traficarmos
mulheres. De resto… — Dou de ombros, o movimento me causando dor na
mesma hora.
— Existem muitas coisas que nos diferenciam, Sage Wilder. A mais
importante é que os russos não têm medo do trabalho sujo, contanto que nos
traga aquilo que precisamos.
— Blá-blá-blá… — Reviro os olhos. — Vai me contar onde está
Salvatore ou não? Juro, Nico, estou cansado, sem paciência e com uma
vontade louca de trepar com a minha mulher. A última coisa que quero agora
é ficar ouvindo você falar sobre o código moral do seu time de derrotados.
— Derrotados — ele repete a palavra com cuidado e ergue o olhar para
encontrar o meu. — Quem disse que perdemos? — O tom que usa faz com
que um calafrio suba por minha espinha.
Fico de pé e endireito as costas, encarando-o confuso.
— As dezenas de corpos lá fora garantem a sua derrota — falo, sentindo
a incerteza me dominar.
— Se você diz…
— Onde está Salvatore? — solto a pergunta de novo.
— É engraçado, Sage. Você sabia que seu pai e eu tivemos uma
conversinha pouco antes de ele te recrutar?
— Já disse que não estou a fim de bater papo agora, Nicolai. Onde. Está.
Salvatore? — Sarita pesa no coldre, doida para ser usada outra vez.
— Não, não. Me deixa contar. Acho que você vai gostar muita dessa
história. — A voz dele carrega um tom animado, que me faz desconfiar de
suas intenções. Troco olhares com Coal e Eddie, e ambos parecem
compartilhar da minha preocupação. É por isso que permaneço calado e
encaro o russo à minha frente. — Como estava dizendo, seu pai e eu tivemos
uma conversinha. Ele veio me pedir para não me meter com vocês três.
— Mas Mikhail me convidou para…
— Eu sei, eu sei — Nicolai me interrompe. — Tudo parte do jogo, meu
caro. Marco estava preocupado com vocês três, principalmente você, Sage.
Odeio admitir isso, mas Marco foi um dos homens mais sensatos que já
conheci em toda a minha vida. Por isso, aceitei o pedido e me mantive
afastado. O convite foi só uma forma de te empurrar na direção certa.
Enquanto ele narra a ladainha sem fim, fico me perguntando por que
diabos meu pai foi conversar com ele. Será que tinham assuntos em comum
ou foi apenas para garantir que meus irmãos e eu não parássemos na gangue
rival?
— É mentira. Meu pai nunca pediria nada a alguém como você —
acuso, minha respiração pesada, enquanto Nicolai apenas sorri.
— Para de enrolar, seu merda. — Coal perde a paciência e caminha até
ele com Joana apontada para a testa do chefe da Bratva.
— E eu pensei que o Sage fosse o estressadinho da família — Nicolai
ironiza e acho que estou virando budista neste momento, de tanto
autocontrole que preciso manter. — Enfim, era só isso mesmo. E é claro que
é mentira. — Dá uma gargalhada.
Franzo o cenho, confuso.
— Hein?
— Sabe, acho engraçado como vocês enchem a boca para falar de como
são respeitosos e protegem suas mulheres e tal. Mas onde elas estão? — O
sorriso que estampa o rosto de Nicolai é de pura crueldade. Exibindo os
dentes amarelados e tortos, ele solta uma gargalhada alta.
— Era uma distração — sussurro, sentindo meu coração acelerar. O ar
me falta, minhas pernas parecem feitas de gelatina. E quando olho para Coal,
sei que ele está do mesmo jeito.
— Boa sorteeee — Nicolai cantarola, fazendo com que a raiva ferva em
minhas veias.
— Joana. — É tudo que digo para Coal antes de sair correndo, e sei que
meu irmão entendeu a mensagem quando chamo por sua fiel companheira:
mate todos.
Eddie entra no banco do carona no instante que me sento no do
motorista e giro a chave, dando partida no carro. Os pneus cantam alto, e não
tenho ideia se outros homens da minha família estão vindo atrás. Não
importa. Nada importa. Apenas ela… Minha mulher, meu amor, minha Mia.
O velocímetro indica que estou a quase 200km/h, em plena cidade.
Dirijo como um louco, vendo flashes de nós dois piscarem em minha mente.
O dia que a conheci, e ela estava com aquela maldita blusa cheia de
botões e babados. Nosso primeiro beijo, na festa de noivado. A primeira vez
que a fiz gozar, no banco do carro. Quando tirei sua virgindade na noite de
núpcias… E todas as coisas que vivemos depois. Todas as vezes que ela
esteve ao meu lado, me apoiando e dizendo que eu merecia o mundo. Se não
fosse por Mia, não estaria aqui. Não seria Don. Não teria uma família.
Nem um filho a caminho.
Preciso de Mia do mesmo jeito que preciso respirar.
Sou dependente dos seus olhos claros, da sua boca grossa, do toque
atrevido e das palavras que me incentivam a fazer o que for necessário.
Mia é minha ruína e minha salvação — e se qualquer filho da puta tiver
encostado um dedo nela, vai descobrir o significado de dor.
Quando vejo a enorme casa dos Rossi, meu coração está batendo tão
rápido que parece prestes a explodir dentro do peito. Sabendo da minha
urgência, Eddie abre o portão a vários metros de distância, tanto que, quando
faço a curva para entrar na mansão, há um espaço entre as grades. Não o
suficiente para o carro passar com folga, o que garante vários arranhões na
lataria. Foda-se. Não preciso de uma Lamborghini, ainda mais com os vidros
quebrados. Preciso da minha esposa viva.
Com uma pistola na mão e Sarita na outra, pulo do carro e saio
correndo, ouvindo gritos e barulhos de tiros.
— Caralho! — Eddie grita, correndo ao meu lado, mas já perdi a
habilidade de falar. Neste momento, só há o medo correndo por minhas veias,
impulsionado pela adrenalina.
Quando ele abre a porta dos fundos e entramos na cozinha, o
pandemônio toma conta. Mas é a visão de Nicola apontando uma faca para a
barriga de Mia que me faz ter vontade de vomitar.
O instinto de proteger o que é fala mais alto.
Nicola não é mestre em fazer reféns, e sua cabeça está afastada de Mia
por vários centímetros. Por outro lado, se eu errar, posso matar o amor da
minha vida.
Mas meu nome é Sage Wilder — e Wilder significa mais selvagem. Por
isso, não penso duas vezes: arremesso Sarita com força. Minha faca de
estimação voa pelo ar, rodopiando pelo caminho que a leva direto ao meio da
testa daquela maldita.
Foda-se que é mulher. Foda-se que é uma velha. Foda-se o mundo.
A única coisa que importa é Mia e o nosso filho que ela carrega na
barriga.
Minha esposa solta um berro de susto, ao mesmo tempo que a vadia cai
para trás. Olhos arregalados, boca aberta e a expressão de surpresa decorando
sua cara enrugada.
— Sage — Mia grita e corre até mim, envolvendo-me com os braços
trêmulos.
Não consigo olhar para ela. Meu foco todo na mulher morta no chão.
— Não! — Salvatore solta em um berro. — Nonna!
— Onde eles estão, princesa? — pergunto.
— N-não sei… — Mia gagueja, me apertando com força.
Beijo o topo de sua cabeça e a afasto de mim. Não consigo ficar perto
dela agora. Não consigo sentir seu cheiro nem o alívio que seu corpo me traz.
A única coisa que passa em minha mente é terminar com essa merda.
Matar todo mundo. Ver o sangue dos meus inimigos jorrar. Agora. Marcho
até Nicola e puxo Sarita de sua testa. Faço tanta força que a cabeça dela se
levanta do chão, e um baque deixa claro que voltou ao lugar que deveria.
Salvatore, que continua chorando sob a mira da arma de Jett, estende a
mão na direção da avó.
— Você mexeu com a família errada — digo devagar, fazendo força
para soltar as palavras, enquanto vou até ele.
É então que o desgraçado me encara e para de chorar. De repente, uma
risada sádica escapa de sua boca.
— Eu fiz o que tinha que fazer.
— Molestou sua irmã. Matou meus homens. Estuprou Giovanna. Tentou
matar a minha mulher. Realmente, Salvatore, você é um exemplo de honra e
lealdade — ironizo.
Antes que eu possa continuar, escuto o barulho de homens invadindo a
cozinha. Eu poderia ficar com medo de que mais inimigos pudessem estar
chegando, mas o olhar aliviado de Eddie garante que são aqueles que estavam
ao meu lado no campo de batalha.
— Levem Salvatore para a sala de treinamento — aviso e vejo o
desapontamento nos olhos de Jett. — Se quiser, vai brincando com ele até eu
chegar. Tenho que caçar mais alguns filhos da puta.
Salvatore não teria vindo sozinho, ele não tem colhões para isso. Fora
que vejo corpos no chão, junto aos de algumas das nossas mulheres.
De repente, me sinto calmo. Tão calmo que meu corpo inteiro relaxa.
Jogo a cabeça para trás e estalo o pescoço.
A brincadeira ainda não acabou.
Capítulo 33
Mia
Os primeiros raios de sol entram pela janela sem vidro da sala, mas o dia
ainda não acabou. Não enquanto os filhos da puta ainda respirarem dentro da
minha casa. Também não sabemos quantos são nem onde estão, o que
dificulta um pouquinho. Ou talvez a dificuldade seja por conta da mão de
Mia passeando em meu abdômen, seu corpo abraçado ao meu, enquanto nos
reunimos para decidir os próximos passos.
A maioria dos nossos estão na clínica do dr. Fontana, se recuperando
dos ferimentos que conseguiram na batalha. Don Massimo só permitiu que os
saudáveis voltassem para ajudar — e odeio concordar com ele.
Isso quer dizer que estamos em desvantagem. De novo. Mas se
ganhamos da outra vez, não restam dúvidas de que vamos ganhar agora
também. Várias mulheres — italianas e vítimas dos russos — estão armadas,
tentando se proteger na sala de reuniões. Pedi para que todas ficassem juntas,
com dois Soldattos de Don Francesco para dar assistência, caso necessário.
— Jerry e Frederico — chamo meus homens —, procurem do lado de
fora. — Os dois assentem. — Jett e Enrico, verifiquem os quartos do andar de
cima. Eddie e eu vamos ver se tem mais alguém aqui, no andar de baixo.
Lucas, peça a dois dos seus homens que fiquem no portão.
Aponto para mais dois da família Costello e peço que guardem a
cozinha. Os demais estão encarregados de empilhar os corpos inimigos no
jardim e trazer os da família para a sala.
— Algum sinal de Danio? — quero saber, mas a resposta vem através
de cabeças balançando em negativa. — E Mikhail?
— Não, Don. — Eddie parece tão desapontado quanto eu. — O que
fazemos com o corpo de Salvatore? — ele pergunta enquanto carrega
algumas pistolas.
Só de lembrar da cena, um sorriso desponta em meu rosto. Minha
freirinha safada e cruel liderou a tortura, e acho que nunca senti tanto orgulho
dela. Quando entrei na sala de treinamento e vi o corpo esfolado de Salvatore,
tive certeza de que a vingança tinha chegado para ele em grande estilo. Eu
poderia ter ficado triste por não participar da brincadeira, mas saber que
morreu engasgado com o próprio pau elevou meu ânimo consideravelmente.
— Por enquanto nada. Deixe o corpo dele juntinho do da avó. — Sorrio
para o Capo. — Os dois vão conhecer o Diabo de mãos dadas. Depois a gente
pensa em formas criativas de exibir o que acontece quando um homem se
atreve a ferir uma mulher da nossa família.
Escuto risadas atrás de mim e sei que todos estão contentes com o fim
daquele desgraçado.
— Você viu Don Massimo? — Jett indaga.
— Não. — Olho para ele. — Mas nonna disse que ele estava prestando
seus respeitos aos Dons caídos.
— Certo… Vamos acabar logo com isso — meu irmão incentiva e eu
apenas concordo.
— Ei, e eu? — Coal se intromete, com dificuldade para se levantar da
cadeira.
— Você fica quieto. — Enfio uma mão no bolso e aperto Mia com o
outro braço. — Na verdade, deveria ir até a clínica do dr. Fontana para ver
essa perna. Mas, se não estiver a fim de dar um passeio, pode ficar com as
mulheres. — Coal faz uma careta desgostosa, mas não reclama. O que me diz
que ele está sentindo muita dor. — Princesa, fique com ele. Se piorar…
— Vou com você — Mia me interrompe, seus olhos implorando por
mais violência.
Puxo-a para o lado, longe dos ouvidos curiosos, e sussurro ao pé de seu
ouvido:
— Você está carregando mais do que um filho no ventre. — Posiciono
minha mão sobre a barriga que começa a crescer, e a encaro nos olhos. —
Está carregando o futuro da nossa família. Ninguém aqui é tão importante
quanto você, amore mio. — Aproveito a proximidade e deixo um beijo em
seu pescoço. — Faça isso por mim.
Mia estremece com o contato, mas logo se afasta e me encara.
— Sei atirar melhor do que a maioria, marito.
— Não é a questão, Mia. Também não estou a fim de discutir isso agora.
Por favor, cuide do meu irmão, tire muitas fotos de Salvatore e se proteja. A
casa ainda está sob ataque, mesmo que a gente não saiba onde os desgraçados
estão se escon…
Antes que eu termine de falar, o barulho ensurdecedor de tiros invade a
sala. Na mesma hora, jogo-me sobre Mia e ambos caímos no chão. Uso meu
corpo para protegê-la do ataque, enquanto tento tirar a pistola do coldre.
— Na escada! — Eddie avisa em um grito.
É então que outra pessoa berra. Ouço o baque de um corpo caindo, mas
não saio de cima de Mia. Não posso.
— Sage! — É meu irmão quem chama, e posso ouvi-lo claramente pois
os tiros cessaram.
Franzo o cenho, estranhando. Levanto a cabeça e começo a procurar,
mas não vejo qualquer sinal do invasor.
— Fiquem com ela — digo, apontando para Coal, Lucas e Enrico. — Se
alguma coisa acontecer a Mia, virei pelas suas cabeças.
Não espero para ver as reações e levanto-me do chão em um pulo,
puxando-a junto a mim. Mantenho minhas costas de frente para a escada,
ainda blindando-a de qualquer ataque.
— Sage… — Mia começa a falar, mas calo-a com um beijo rápido.
— Agora não, princesa. — Mais um beijo e começo a empurrá-la para
um canto. — Tenho que garantir a segurança da nossa casa.
Enrico me substitui na posição de escudo. Olho para Eddie, Jerry e
Frederico, indicando a escada.
Corremos para lá e não nos preocupamos em suavizar o barulho
enquanto subimos. Quero que o desgraçado que atirou em nós ouça nossos
passos na escada. Quero que ele escute o fim se aproximando.
Separo-nos em duplas: eu e Eddie ficamos com os quartos à esquerda,
Jerry e Frederico com os à direita.
Meu Capo chuta a primeira porta e entramos, arma estendida para frente
enquanto busco qualquer sinal do invasor.
— Vazio — aviso para Eddie e seguimos até o próximo.
Entro no espaço de Jett e vejo a cama bagunçada, mas é o perfume
feminino que me faz sorrir. Aquele puto está pegando alguém, e aposto
minha bola esquerda que é a Luana. Mas não tenho tempo de refletir sobre
isso agora. Avanço para dentro do quarto, verifico cada canto e, por último, o
banheiro. Nada.
— Cazzo! — Eddie xinga, indicando que também não encontrou porra
nenhuma.
Antes que a gente possa continuar para os próximos, sons de tiros são
ouvidos lá embaixo.
— Eles não estavam aqui em cima? — pergunto a ninguém em
específico, quando encontramos com Jerry e Frederico no corredor. —
Quando foi que eles desceram?
— Não sei, Don. Ouvi dizer que tem uma passagem no quarto de Don
Marco, mas nunca confirmei — Jerry oferece.
— Fiquem aqui — digo, já correndo de volta para a escada. —
Terminem de verificar os quartos. Eddie e eu vamos lá para baixo.
Estou me sentindo a porra de uma barata tonta, sem saber para onde ir e
o que fazer. Alguns dizem que ignorância é uma bênção. Estão errados. A
ignorância apenas te faz ver uma parte do todo, permitindo que fique
vulnerável ao resto. Ignorantes são manipulados, assim como estão fazendo
comigo agora — e eu odeio cada segundo disso.
Nasci para ser caçador, jamais a caça.
Mas se é esta a brincadeira de hoje, então darei o meu jeito de ganhar.
— Cozinha — indico a Eddie, que assente com a cabeça.
Passamos pela sala de jantar, e uma sensação estranha me faz diminuir a
velocidade dos passos.
— Don?
— Tem alguém nos observando — sussurro para ele, que coloca a arma
mais perto do rosto e gira lentamente em torno do próprio corpo, como se
quisesse olhar a sala inteira.
Eddie e eu paramos lado a lado. Eu virado para a frente e ele, na direção
oposta. Andamos juntos, um protegendo a retaguarda do outro. Em poucos
metros estaremos na cozinha, mas o instinto me diz para ficar aqui. Ou talvez
fugir, gritando que nem uma garotinha de cinco anos. Escolho a primeira
opção.
A enorme mesa de madeira, com mais de vinte cadeiras, está no centro
da sala. Algumas pistolas carregadas estão sobre ela, então, pego duas e as
coloco no coldre. Eddie faz o mesmo.
Antes que a gente possa continuar, um vulto à esquerda chama a minha
atenção. Seguimos até lá, para verificar atrás das cortinas, mas não há
ninguém aqui.
Ninguém a não ser…
Atrás da mesa, Padre Santino está estirado no chão, com os olhos
arregalados e o terço pendurado no pescoço. Uma submetralhadora em cada
mão indicando que ele lutou até a morte, que defendeu a família, mesmo
quando não precisava fazê-lo. O homem que me casou com Mia, que iria
batizar o meu filho.
A lealdade à máfia aparece de onde menos esperamos.
— Vá com Deus — digo baixinho, olhando para seu corpo sem vida.
Sinto Eddie estremecer ao meu lado, e sei que a perda do Padre significa
muito para ele.
— Don… — começa a falar.
— Cozinha — interrompo-o com a ordem.
Seguimos para lá e, assim que cruzamos a porta, vejo Mikhail parado
perto do fogão. Ao lado dele, outro russo também está apontando uma pistola
para nós.
— Você deveria ter se juntado a nós quando te convidei, Sage.
Tudo acontece tão rápido que nem tenho tempo de pensar. No instante
que começo a mover o dedo para atirar, vários tiros soam ao mesmo tempo.
— Não! — um grito vem da minha direita e, quando vejo, tem um corpo
voando na minha frente. De repente, uma submetralhadora começa a fazer
seu serviço, disparando em sequência uma saraivada de balas na direção de
Mikhail.
Quando o homem tomba na minha frente, os dois russos já estão
ensanguentados no chão. E, em uma poça aos meus pés, Danio tem os olhos
abertos e a expressão da morte em seu rosto.
— Danio! — grito, ajoelhando-me ao seu lado.
O Allenatore consegue se mexer, mas vejo uma mancha vermelha perto
de sua costela.
— D-don… — ele começa a falar, porém se engasga com o próprio
sangue.
— Shhh, guarde suas forças.
Coloco a mão sobre o ferimento, pedindo aos céus que não tenha
perfurado o pulmão.
— S-seu pa-pai teri-a m-m-muito or-rgulho d-de vo-cê… — Danio
gagueja as palavras com dificuldade, um traço vermelho descendo pelo canto
da boca. Não consigo tirar os olhos dele, do homem que me treinou, que fez
de mim alguém capaz de proteger a família.
— Vai dar certo. Fica tranquilo. — Acaricio seu rosto, sentindo as
lágrimas começarem a queimar atrás dos meus olhos.
— J-já cumpri mi-minha mi-missão. — Ele tenta erguer uma mão para
mim, mas não tem força. Pego-a no ar e levo-a ao meu rosto, sentindo a
palma gelada incendiar minha raiva.
— Obrigado por tudo — consigo soltar as palavras, sabendo que, agora,
as lágrimas caem de meus olhos sem qualquer controle.
— Nos vemos no inferno, ragazzo.
Capítulo 35
Mia
Não sei o que é melhor: saber que Mia nunca esteve com outro homem
ou vê-la desesperada com o medo de eu ter outra mulher.
Recosto-me na bancada da cozinha e vejo minha mulher acompanhar a
saída de Jett e Luana com o olhar. Se ela fosse uma pessoa normal,
provavelmente sentiria remorso pela cena desnecessária que causou, mas Mia
está longe de ser normal. Ainda bem.
— Luana me abraçou por trás e disse, bem manhosa: “Estava com
saudade, Jett” — explico, mesmo sem qualquer necessidade. — Eu me virei
para dizer que ela estava se esfregando no irmão errado, mas aí você entrou e
resolveu mostrar quem é a dona da porra toda.
Mia se volta para mim, o queixo erguido e as mãos na cintura.
— Não importa se foi um mal-entendido, ninguém tem direito de ficar
agarrando o meu marido por aí.
— E o que acontece com a pessoa que tentar? — pergunto, afastando-
me da bancada e dando dois passos à frente, na direção de Mia.
— Perde a mão — ela responde na mesma hora, a confiança dançando
em seus olhos.
— Só a mão, princesa? Pensei que você me amasse. — Faço uma cara
falsamente desolada e encerro qualquer distância entre nós. — Sabe o que
acontece com o filho da puta que te tocar? — A pergunta sai em um sussurro,
quando estou perto o suficiente para emoldurar o rosto de Mia com uma mão,
enquanto a outra aperta firme a cintura. — Perde o direito de viver.
Puxo seu lábio inferior com os dentes e depois ataco sua boca com um
beijo, precisando mostrar o quanto a demonstração de ciúme me deixou
excitado. Mia resiste no início, talvez ainda irritada com o que aconteceu,
mas logo seu lado freirinha safada toma conta e ela começa a me empurrar.
— Odeio quando alguém toca o que é meu — diz contra a minha boca, e
acho que esta é a primeira vez que ela toma uma iniciativa desse tipo.
— Eu sou seu, princesa? — Minha pergunta faz com que ela dê um
passo para trás e me encare.
— Você não tem o direito de brincar com isso, Sage Wilder. Você é
meu desde o dia que disse “sim” davanti a Dio e alla nostra famiglia[100].
Não consigo conter o sorriso.
— Então prove — desafio. — Me faça gritar seu nome para que todo
mundo nesta casa saiba a quem eu pertenço.
Mia avança sobre mim, seus lábios duelando contra os meus em um
beijo fora de controle. Ela deixa as mãos descerem por meu corpo enquanto
me empurra para trás, até que minhas costas se choquem contra a geladeira.
Antes que eu possa reagir, ela já está desabotoando a minha calça e seus
dedos envolvem minha ereção. Fico mais duro a cada segundo, como se meu
corpo quisesse mostrar a ela aquilo que nós dois sabemos: Mia me tem desde
o dia que nos conhecemos. Mesmo que, naquela época, eu a encarasse como
um fardo.
Eu era burro e inconsequente. Ainda bem que evoluí e, hoje, sou apenas
inconsequente. É por isso que a beijo da mesma forma, tentando demonstrar
em ações aquilo que sinto por ela. É mais do que amor. É necessidade.
Urgência. Dependência. Um desejo incontrolável e a certeza de que encontrei
a porra da metade da minha laranja.
Uma laranja inteligente, vingativa, inescrupulosa e cheia de fogo.
Porém meus pensamentos vão embora no instante que ela começa a me
masturbar devagar. Interrompo o beijo e apenas ofego, com a testa colada na
dela, sentindo o prazer subir por minhas pernas.
— Vai gritar meu nome, amore mio? Vai fazer com que todas as
mulheres nesta casa saibam que o Don tem dona?
— Depende de você… — Desço beijos pelo pescoço cheiroso e macio.
— Vai me chupar com força até eu gozar nessa sua boquinha gostosa?
Mia não responde com palavras. Ela solta uma risada baixa enquanto
joga a cabeça para trás, entregando-se ao meu toque. Não demora para que
esteja de joelho à minha frente, segurando meu pau com uma mão enquanto
sua língua passeia por minha extensão, da ponta à base, seguindo a veia
protuberante. Os olhos ficam presos nos meus, como se quisessem ter certeza
do estrago que é capaz de causar.
E no instante que ela me abocanha, estremeço. Enfio os dedos entre os
fios de cabelo e começo a ditar o ritmo, precisando da porra do alívio que só
minha esposa é capaz de trazer.
Sua boca é quente e molhada, e faz a pressão perfeita para que eu me
perca nas sensações de prazer. Melhor ainda são os sons que ela emite, como
se estivesse gostando disso tanto quanto eu.
— Se toca, princesa — incentivo, enquanto ela sobe e desce por meu
comprimento, sua língua safada acariciando tudo o que encontra.
Mia para de se mexer e me encara, deixando que um sorrisinho tome
conta de seus lábios ainda preenchidos por meu pau. É a coisa mais linda que
já vi na vida, porque, junto com o sorriso, vem a obediência. Ela abre o robe,
a mão entra por baixo da camisola e vejo que começa a se movimentar. No
mesmo instante, a intensidade das chupadas aumenta, como se tivessem sido
estimuladas pelo próprio prazer. Mia vai rápido, me chupando com força e
desespero, engolindo meu pau em um frenesi cadenciado. Seus olhos quase
fecham, os meus também.
Puxo seu cabelo com mais força, impondo o ritmo que quero até sentir o
fundo de sua garganta. Minha freirinha não engasga, apenas me encara e
geme. Posso sentir a vibração na minha coluna, que me faz soltar um gemido
alto. Mia se masturba mais rápido, desesperada pelo clímax.
Sua língua me acaricia, os olhos me convidam, a boca me estimula…
Mas não é isso o que quero.
Então, sem pensar duas vezes, ergo-a do chão e coloco-a de costas,
deitada na mesa da cozinha. Em um gesto rápido, rasgo a calcinha e penetro
sua boceta encharcada com uma estocada única. Escorrego para dentro sem
qualquer resistência, gritando seu nome e sentindo seu calor me envolver.
É a porra do paraíso.
Acho que nunca vi tantos caixões pretos lado a lado. Quatro deles são
mais elegantes, com as bordas douradas e alguns arabescos bem cafonas nos
cantos.
— Quando eu morrer, quero ser cremado — aviso à Mia, que está
parada ao meu lado.
— Fique quieto, marito — ela pede, ouvindo a prece do Padre
Domenico.
Todos os mortos da batalha estão retornando à Itália, depois de dias de
burocracia com o consulado. Enrico resolveu tudo, junto com Lucas. Agora,
todos estamos aqui, para uma reza final antes que os caixões possam ser
colocados nos carros e, em seguida, levados para o aeroporto.
Como sempre, mulheres choram, homens se mantêm em silêncio e
aquele incômodo toma conta do momento.
Enquanto isso, a vontade que tenho é de entrar em casa, tomar uma dose
de qualquer coisa e fumar um cigarro. Não sei lidar com esse tipo de
situação.
O Padre finalmente termina de rezar, e um coro de “Amém” vem logo
em seguida.
Respiro fundo, louco para que isso tudo acabe logo.
— Você precisa fazer um discurso, amore mio — minha esposa sussurra
ao meu lado.
Olho para ela, ainda sem acreditar nas palavras, mas o modo como me
encara me garante que não ouvi errado.
Ah, porra.
— Sério?
Mia apenas faz que sim com a cabeça e sou obrigado a respirar fundo
duas vezes antes de dar um passo à frente. Assim que o faço, sinto vários
olhares sobre mim, como se as pessoas estivessem esperando por isso.
Só que não tenho nada a dizer sobre os homens que não conheço. Não
sei quem foram, o que fizeram nem as marcas que deixaram nesta vida. Não
faço ideia de seus nomes, muito menos se foram pessoas honradas.
Fecho os olhos e abaixo a cabeça, o peso do cargo pesando sobre as
minhas costas. Até agora, não tinha me dado conta de que eles morreram por
mim. Pela minha causa.
Não foi minha culpa, porque eu não puxei o gatilho. Mesmo assim…
Então, o rosto de Danio me vem à mente. Ele, sim, morreu por mim.
Meu Allenatore se jogou na frente de uma bala certeira para me poupar,
enquanto atirava em Mikhail e em outro russo para que eles não pudessem
matar qualquer outra pessoa de nossa família.
Um herói. Na vida e na morte. Por isso, engulo em seco e começo com
meu discurso:
— Qualquer palavra que eu disser agora não será suficiente para definir
a bravura dos que caíram. — Ainda de olhos fechados, penso em Danio. Vejo
seus olhos castanhos, o cabelo grisalho e os lábios sempre fechados sem
nunca esboçar um sorriso. Ouço as broncas e os conselhos. Relembro nossas
aulas e todas as vezes que ele me incentivou a ser melhor. — Foram homens
honrados, que cumpriram com seus juramentos até o fim. Viveram para a
causa e morreram acreditando nela. Suas almas não estão mais entre nós,
porém as lembranças continuarão para sempre. Eles entraram para a nossa
história.
A frase fica engasgada, porque não faço ideia de como continuar. É
impossível definir o tipo de homem que Danio foi. O que ele representou
para a família Rossi e para a Wilder também.
Levanto o rosto e encaro os sobreviventes. Vejo que, assim como eu,
todos estão abalados. Martina chora a perda do tio, com uma mão apoiada no
caixão preto. Lucas atrás dela, envolvendo-a em um meio abraço.
— Não conheci muito bem todos os Dons, mas me mostraram lealdade
quando mais precisei. A família Wilder estará para sempre em dívida com
eles.
— A família Wilder não existe — Don Massimo interrompe, ganhando
a atenção de todos. — Pare de achar que vocês têm algum valor, seu bastardo
de merda, porque não têm. É por sua causa que todos aqui estão mortos. —
Ele gesticula para os caixões. As palavras em italiano são imediatamente
traduzidas por Mia, que não sai do meu lado.
— Don Massimo, este não é o momento para buscarmos mais guerra.
Estamos todos de luto. — Pela primeira vez na vida, tento colocar algum
pingo de sensatez na minha voz. Só que minha frase é recebida por uma
risada do desgraçado que não me aceita como neto.
— Eu estou de luto! — ele grita em sua língua materna e, mais uma vez,
Mia traduz ao meu ouvido. — Um luto que você e sua guerra trouxe a todos
nós. É por sua causa, bastardo, que temos tantos caixões aqui. Você nunca
será um italiano de verdade. E essa tal de família Wilder jamais será aceita
pelo Conselho. Não enquanto eu for o líder.
É então que o pandemônio se instala.
Meus homens começam a xingar enquanto me defendem. Ao meu lado
direito, Mia se mantém de queixo erguido, observando o desenrolar da cena.
À minha esquerda, Enrico parece preocupado, olhando de um lado para o
outro como se pensasse em formas de controlar a situação.
Eddie argumenta com Don Massimo, que está irredutível, porém vejo
que seus homens não esboçam qualquer reação.
— Basta! — grito, cessando o falatório. — Não precisamos da sua
aprovação, nonno. — A última palavra sai em um tom debochado. —
Sabemos quem somos e o que precisamos fazer. Sou filho de Don Marco
Rossi e de Paola Costello. Se eu sou um bastardo, é porque você não aceitou
a união dos meus pais. Apenas isso. Estou cansado desse seu moralismo. Ou
esqueceu que você apoiou as falcatruas de Don Ettore e abandonou minha
mãe à própria sorte, com três filhos no ventre? — jogo as verdades que
estavam entaladas na garganta. — Estou pouco me fodendo para o que você
pensa de mim, Don Massimo. A família Wilder existe.
Um coro de aprovação segue a minha fala, mas vejo que são apenas
aqueles da minha própria família que concordam, enquanto os demais
seguem apenas me olhando. Mas também não me recusam. E é o bastante
para mim.
— Tive os meus motivos para fazer tudo o que fiz, ragazzo. Você não é
ninguém para me julgar. — O velho cospe no chão, como se isso me afetasse
de alguma forma. Porém me espanto ao ver que o cuspe é avermelhado. Só
que não tenho tempo de reagir, porque ele continua: — Enquanto eu estiver
respirando e for o responsável pelo Conselho, a família Wilder não… irá…
exis…
Sangue começa a escorrer de sua boca. Se antes era apenas um cuspe,
agora é uma cachoeira em forma de espuma. Os olhos arregalados também
viram fontes do líquido viscoso.
Don Massimo engasga, tosse, sufoca.
E tomba para trás.
Morto.
Capítulo 37
Mia
À nossa frente, depois de mais uma vez negar nossa família, Don
Massimo, tomba morto. Os olhos arregalados, abertos, chorando lágrimas de
sangue, registrando a confusão de seu último suspiro. O silêncio se faz,
ninguém ousa se aproximar. Ninguém sabe o que aconteceu. Os homens
começam a se olhar, desconfortáveis, e nonna dá alguns passos em direção ao
corpo que jaz sob a vista de todos.
Ela abaixa-se com dificuldade e segura o pulso dele. Em seguida,
aproxima a bochecha da boca de Don Massimo.
— Lui è morto[101] — constata, soltando o pulso, olhando para todos à
sua volta e cruzando os braços do homem em cima do corpo. — Questo può
essere solo un segno di Dio[102]. — Faz o sinal da cruz sobre a testa de Don
Massimo e depois fecha os seus olhos. — Nada acontece sem que seja da
vontade divina — diz e Jett estende o braço para ajudá-la a levantar. Nonna
sobe os degraus e para ao lado de mio marito, que continua com os olhos
vidrados no avô sem entender o que aconteceu. — Massimo renegou seu
próprio sangue, mas Dio tirou a sua vida antes que blasfemasse mais uma vez
contra nós, os Wilder. — Ela coloca a mão no ombro de Sage. — Por isso eu
digo a todos vocês: é da vontade de Deus que meu neto seja o novo Don de
todos nós.
— Mas e Lucas? — algum italiano grita no meio de todos. — Ele
deveria…
— Basta! — Nonna eleva a voz e caminha em direção a Lucas. — Ele é
apenas um bambino. — Dá uma bofetada na cara de Lucas, que fica sem
reação. — Não saiu das fraldas ainda e nem uma tatuagem de Capo tem. —
Solta uma risada, que faz com que alguns homens sacudam a cabeça. — Sage
é o nosso novo Don. Foi ele que lutou contra as maldades que aconteceram.
Ele que sangrou pela honra de nostra famiglia e que fez tudo para que suo
padre e sua madre fossem vingados. Sage Wilder, de acordo com as nossas
regras, mereceu chegar até aqui. Lutou com bravura. Mostrou que é um
homem justo, digno de nossa confiança — ela declara e vejo que os homens
compram a ideia. — É a vontade de Dio, e todo homem temente a Deus deve
atender à Vossa vontade.
Entre alguns améns e sinais da cruz das mulheres, ninguém questiona o
que a velha decreta, nem mesmo Lucas, que até parece aliviado com a ideia
de não ser o chefe da família. Sage nem percebe quando os homens começam
a dar felicitações por sua nova posição. Ele apenas segue encarando o corpo
do avô.
— O que aconteceu aqui? — Sage me pergunta quando seguro em seu
braço.
— Você, amore mio, chegou aonde queríamos. — Emolduro seu rosto
com minhas mãos e beijo sua boca.
— Você… — seu olhar me acusa de algo — …você tem algo a ver com
isso, princesa?
— Era Dio[103] — nonna responde por mim. — Era Dio — ela repete,
desvia o olhar para mim e pisca quando Sage não é capaz de ver.
Mas não há tempo para que o assunto continue, pois Enrico começa a
ficar afobado com o fato de ter mais um morto a carregar. Papéis, liberação
do corpo, remarcação das aeronaves. Ele vai dizendo a Sage tudo o que
precisa ser feito, enquanto Lucas ainda tenta entender o tapa na cara que
levou.
Parecemos uma sinfonia desajustada, sem um maestro a conduzi-la.
— Amore mio — chamo a atenção de Sage, que quando se perde volta a
encarar o avô morto no chão. — Você precisa dizer aos homens o que fazer.
— Eu quero entender o que aconteceu aqui. — Ele olha para Coal e Jett,
que já estão ao seu lado, balançando a cabeça em concordância. — Ele foi
envenenado — conclui. — Viu aquela baba saindo da boca dele?
— Era la volontà di Dio[104] — nonna repete mais uma vez. — Não se
discute ou entende os desígnios Dele, só se aceita. Agora, Coal, vá descansar
que essa sua perna ainda precisa de repouso. — Ela dá uma palmada na perna
machucada de meu cunhado, que responde com uma careta, mas obedece. —
Jett, recolha o corpo de seu avô com mais alguns homens e leve-o pra sala de
treinamento. Vou pedir às mulheres que o preparem. — Ele sacode a cabeça e
chama alguns Soldattos para ajudar. — Mia, vá com Enrico e aquele
paspalho do Lucas resolver toda essa bagunça. Precisamos adiar a ida pra
Itália. Agora, todos nós deveremos ir.
— Até a senhora? — pergunto, lembrando que, mesmo antes da morte
de Don Massimo, nós iriamos acompanhar os rituais fúnebres, mas nonna
havia se recusado a ir junto por não gostar de aviões.
— Sim, bambina. Também vou. — Ela dá um sorriso para mim e vira-se
para meu marido. — E você, Don Sage, diga aos homens para voltarem aos
alojamentos. Assim que tiver informações sobre a viagem, avisamos. — Ele a
olha confuso, mas não ousa discordar da avó. Edwige se vê satisfeita e dá
dois beijos, um em cada bochecha do neto. Quando vê Martina um pouco
distante grita: — Ragazza, chame a Luana e organize as mulheres da cozinha.
Pelo visto, ainda faremos algumas refeições antes da viagem. — Ela solta
Sage e vai caminhando para dentro da casa. — Hoje quero uma boa
macarronada com polpette[105] — diz, antes de passar a porta.
Na pequena pista de pouso particular da família Costello, apenas uma
mulher nos espera. Toda vestida de preto, óculos escuros, um chapéu justo à
cabeça, com um enorme laço de veludo atrás, e um tule preto caindo sobre o
rosto.
No estacionamento, atrás do pequeno hangar, havia muitos carros
conforme observamos enquanto a aeronave aterrissava. Mas na pista, apenas
ela. Em qualquer filme dos que Sage me fez assistir sobre a máfia italiana, ela
seria sinal de uma grande emboscada, mas me deixo levar por um
pensamento otimista e, talvez, isso apenas signifique um sinal de paz, de
boas-vindas.
— É ela? — Sage me pergunta, espiando pelo vidro.
Sim. Limito-me a afirmar com a cabeça. É ela, a viúva de Massimo
Costello, avó materna de mio marito e i suoi fratelli, de quem pouca coisa
sabemos, além de seu nome: Carmella Costello.
Foram quatro dias entre a morte de Don Massimo e a nossa chegada
aqui. Outros corpos acabaram sendo despachados antes e já tiveram seus
enterros, mas transportamos cinco caixões — os mais importantes de toda
família.
Nonna, que passou a viagem inteira rezando seu terço, é a primeira a
soltar o cinto quando o avião finalmente freia. Ela se levanta agitada da
poltrona e empurra Lucas, que viajou ao seu lado depois de Martina se
rebelar e dividir a poltrona com Coal.
Não consigo saber se foi a morte de Don Vicenzo, a rejeição de sua
cugina ou o tapa que levou de nonna, mas vejo meu primo cada vez mais
distante e raivoso. O que antes parecia ternura em seus olhos, hoje é um tipo
de rancor que não consigo entender de onde vem. Ele está visivelmente
abatido.
Talvez todos nós estejamos. Mio marito também parece cada vez mais
disperso e cansado. Vi sua aflição durante todos esses dias, ao tentar decidir
coisas que nunca quis escolher. Sua irritação em ter responsabilidade por
pessoas vivas e mortas.
Enquanto a escada é colocada para que nosso desembarque comece, as
urnas funerárias vão sendo retiradas e dispostas em carros pretos. Um por
um, cada Don, é encaminhado para sua família, para uma despedida
individual, antes da grande cerimônia.
Atrás de nonna, Lucas, Enrico, Eddie, Martina e Coal aguardam para
desembarcarem. Jett ainda pega sua mochila, já Luana veste mais um
agasalho. Sage continua sentado, como se fosse apenas um observador de
toda a natureza humana.
— Podemos fazer uma segunda lua de mel por aqui. — Enlaça o braço
no meu pescoço e aspira meu cheiro devagar. — Só eu e você, princesa. Sem
esse drama todo de família.
O convite é tentador, mesmo com tanto a ser organizado. Mas antes que
eu possa responder, a porta da aeronave se abre e dona Edwige desce as
escadas com dificuldade, sendo seguida por todos nós.
— Edwige, amica mia. — Carmella se joga nos braços da outra. —
Grazie. Grazie — repete diversas vezes enquanto beija as bochechas e depois
as mãos de nonna.
Depois de um longo tempo entre abraços, agradecimentos e algumas
lágrimas de dona Carmella, nonna se vira para mio marito e gesticula para ele
se aproximar.
— Questo è nostro nipote, Sage. — Ela pede que Coal e Jett se
aproximem também, e os apresentam à outra avó.
— I miei ragazzi! Ti ho finalmente incontrato![106] — Carmella abre os
braços e puxa os três, que se olham e encaram a nova avó amorosa com
desconfiança. — Grazie, Edwige! Grazie, amica mia! — diz, chorando,
enquanto beija e alisa seus netos.
Olho para nonna sem entender nada. Ela pisca para mim e se aproxima,
me puxando pelo braço.
— Nós, mulheres, bambina, sempre devemos nos ajudar — ela sussurra
em meu ouvido. — Nem que seja envenenando o marido da amiga, pra ajudá-
la a se livrar de um carrasco.
Capítulo 38
Mia
Tenho uma nova tatuagem no dorso da outra mão. Junto dela veio uma
pilha de papéis, documentos, burocracias, ligações e tudo aquilo que mais
odeio. Desde que voltei da Itália, há quase duas semanas, fiquei trancado no
escritório, resolvendo problemas e tentando organizar a merda toda. Afinal de
contas, “a máfia está de cabeça para baixo”, palavras de Enrico.
— Resolva essa boceta — digo a meu Consigliere e me levanto da
cadeira.
— Não posso, Sage. É você quem precisa decidir os novos nomes do
Conselho.
Olho para ele com uma sobrancelha erguida, desafiando-o a me pedir
isso de novo. Enrico sabe muito bem que não conheço as famílias, não sei
quem são, não gosto de nenhuma e não estou a fim de conversinhas fiadas e
politicagens desnecessárias. Não entrei nesta merda para ficar atrás de uma
mesa, sentado no trono e brincando de rei do Universo.
— Combinei uma sessão de treino com Jett e Coal. Quase não vi meus
irmãos nos últimos dias — falo com toda a calma do mundo, sem querer
outro motivo para me estressar. — Depois disso, voltarei aqui e você, meu
querido Consigliere, terá uma lista de oito nomes para mim. Desses oito,
escolherei quatro. Va bene? — Uso a expressão em italiano para que ele veja
meu esforço em me tornar o Don perfeito, mesmo que, por dentro, eu odeie
cada minuto disso.
Enrico solta o ar com força, mas acaba assentindo.
Ótimo.
Abro a gaveta da escrivaninha e retiro Sarita de lá, jogando-a no ar e
fazendo-a girar algumas vezes. Até ela sente falta de um pouco de diversão.
— Sage, é sério… — meu cunhado começa a falar, porém interrompo-o
ao apontar a faca em sua direção.
— Só preciso de algumas horas. Depois, prometo fingir ser o Don que
minha esposa tanto quer que eu seja. — É uma ordem, ao mesmo tempo, uma
súplica. Talvez Enrico entenda meu desespero, porque ele ergue as mãos e
abre espaço para que eu passe.
Saio do escritório e cruzo o corredor, ignorando os olhares reprovadores
das pinturas nas paredes. Fico imaginando o que meu pai diria se soubesse
que me tornei a porra do Don dos Dons. Que coisa mais ridícula.
Eu, Sage Wilder, um ladrão de carros, que fazia o que era preciso para
sobreviver… agora o líder da máfia italiana. Dá vontade de rir. Até porque,
este não sou eu. Não gosto de tomar decisões, de planejar, de pensar no
futuro e de ter o poder nas minhas mãos.
Balanço a cabeça. Cansado. Exausto. Frustrado. Precisando de sangue e
sexo, mas sem tempo para nenhum dos dois. Minha mulher está ocupada com
suas novas funções. Agora que ocupo o cargo, ela ficou responsável pelo
recrutamento de novas famílias e por melhorar a diplomacia com outras…
milícias. Não queremos entrar em guerra de novo. É por isso que Mia, junto
com Eddie, tem se reunido com os associados — para garantir o bom
funcionamento dos negócios —, além de recrutado novos Soldattos.
Enquanto isso, o babaca aqui tenta entender os assuntos de meu pai e dos
outros Dons. Assumi várias funções ao mesmo tempo. Nossa, que legal.
Alguém deveria ter me dito que, para ser chefe do crime organizado, era
preciso fazer faculdade de Administração, porque olha… tá foda. Ainda bem
que tenho Enrico ao meu lado.
Quando passo pela sala, vejo minhas duas nonnas conversando enquanto
fazem crochê. É uma mistura de loucura com fofura, e eu não sei o que penso
a respeito disso. Carmella voltou da Itália com a gente, porque disse que não
aguentava mais ficar onde havia sofrido tanto. Desde então, tem feito de um
tudo para contar como foi a infância de minha mãe e mostrar que o filho da
puta era seu marido, não ela.
Uma pena que nem todas as mulheres têm a força das italianas aqui de
casa. A maioria delas, se vítimas de maridos abusivos, acabam abaixando a
cabeça e se acostumando a uma vida de insultos. São constantemente
menosprezadas e acham que qualquer migalha de amor é tudo o que precisam
para serem felizes. Essas mulheres deveriam ter uma aulinha com Mia e
nonna para aprenderem o bom uso dos venenos, porque homens como
Massimo e Salvatore, na minha humilde opinião, merecem um abraço
carinhoso do capeta.
— Sage, caríssimo, encontrei uma foto de Paola — Carmella avisa,
deixando o crochê de lado. — Venha ver. — O sorriso que me lança quase
faz com que eu pare de andar. Quase.
— Daqui a pouco, nonna. — Edwige, a nonna original, faz uma careta.
Ela ainda não se acostumou a não ser a única em nossas vidas. — Tenho que
ver meus irmãos agora. Mas depois do jantar a gente vê todas as fotos juntos,
tá bom?
A senhora assente e as duas voltam a conversar em italiano.
Passo pela cozinha e vejo Luana ensinando uma refugiada a sovar pão.
Ana está no canto, conversando com Natasha em uma língua que não
entendo, mas as duas parecem mais próximas a cada dia, e sem qualquer
intenção de deixar a nossa casa. Pelo visto, a normalidade voltou à mansão
dos Rossi. Ou melhor, dos Wilder.
E por mais que isso me agrade, porque não aguento mais enterrar
pessoas que amo e admiro, também não aguento mais ficar sem fazer nada. A
guerra arrancou tudo da gente, mas a paz é enlouquecedora.
Só que antes mesmo de entrar na sala de treinamento, ouço o barulho
dos socos contra os sacos de areia e sorrio. É disso que eu preciso agora.
Abro a porta e o cheiro de suor me recebe.
— Finalmente ele chegou, ó, senhor magnânimo. — Jett faz uma
reverência exagerada, curvando a coluna até a cabeça quase bater no chão.
— Vai se foder. — Solto uma gargalhada e tiro os sapatos lustrosos que
agora uso. Em seguida, removo o terno caro e bem passado. O mesmo que
Mia encomendou quando ainda estávamos na Itália, de um alfaiate chique.
Porque não posso mais usar jaqueta de couro. Dons usam terno. Dons usam
gravata. Dons usam abotoaduras com veneno e sapatos de couro. — Quem é
o primeiro?
Coal deixa Joana na beirada do tatame e se aproxima, sua cara fechada
não esconde que ele também está puto com tudo o que tem acontecido. Meu
irmão sabe, assim como eu, que toda essa palhaçada não tem nada a ver com
quem sou de verdade.
— Precisamos de um Allenatore — ele diz e tenta me acertar com um
soco.
Quando me movo para desviar, estremeço, sentindo a dor da ferida mal
cicatrizada no ombro.
O tiro que levei durante a guerra não sarou da forma certa, e por mais
que não tenha atingido nada vital, entrado e saído sem romper nenhum
ligamento, ainda sinto as dores. É como se a ferida não me deixasse esquecer
aquela merda toda.
— Como está a sua perna? — mudo de assunto.
— Dolorida. — Para provar o ponto, ele me dá um chute.
Solto uma risada e o ataco com um soco no estômago, que não acerta o
local.
— Vocês são dois velhos, isso sim. — Cansado de ficar de fora, Jett se
junta a nós no ringue.
De repente, parece que voltamos dez anos no passado, para quando
éramos adolescentes cheios de energia, ainda isolados do mundo e presos
naquele maldito trailer. Chutes e socos aleatórios, sem qualquer controle,
começam a ser vistos para todos os lados. Sou atingido na cara, ao mesmo
tempo que bato na barriga de alguém. Antes que eu perceba, estamos nos
engalfinhando no chão, em meio a risos e gritos. É uma confusão de
trigêmeos, uma nostalgia infantil, de uma época que nossa única preocupação
era escapar durante a noite, quando nossa mãe estava dormindo.
Minutos depois, estamos ofegantes, os três olhando para o teto, deitados
lado a lado.
Antes, éramos Sage, Coal e Jett. Hoje, somos Don e Capos.
Que merda.
— O que você vai fazer? — Coal pergunta.
— Não faço ideia — confesso. — Tenho que organizar o novo
Conselho, mas não confio em ninguém.
— Nem em Lucas? — É Jett quem fala.
— Ninguém confia em Lucas. — Meu outro irmão se apoia nos
cotovelos. — Aquele cara é obcecado por Martina. Liga pra ela o tempo todo,
manda cartas… Quem manda cartas nos dias de hoje?
— Italianos obcecados. — Solto uma risada.
— Pois é. Ainda bem que a tua mulher não tem um louco atrás dela. —
Coal olha para Jett.
— Porra, Luana tinha um irmão estuprador. Isso não é o suficiente? —
O caçula arregala os olhos, se sentando no tatame.
— Verdade — confirmo, me lembrando de toda a história. — Pior que o
seu caso, Coal.
— Mas o seu rival tá morto, Jett — Coal diz para o nosso caçula.
— E enterrado com o pau na boca — completo.
Nós três rimos da desgraça de Salvatore.
— Que fique com o belzebu. — Jett oferece um sorriso debochado. —
Lucas logo vai desistir de Martina, Coal. Você vai ver. Fora que ele está lá na
Itália. Se eu fosse você, casava logo com ela. Aproveita que nosso irmão é o
chefão da porra toda e pode te dar permissão pra se casar.
— Casar? — Coal reveza olhares entre mim e Jett.
— Se você quiser, assino um papel e tudo. Agora tenho o poder. —
Solto uma risada falsamente maléfica, fazendo com que os dois riam junto.
— Falando sério agora, não te vejo envolvido com ninguém desde que você
largou a Beth. — Olho para Jett e nós dois fazemos cara de vômito. A ex-
namorada de Coal era uma puritana insuportável. — Se você quiser ficar
sério com Martina, posso concordar com o casamento de vocês.
— Não sei se ela quer se casar, Sage — Coal me interrompe. —
Também não sei se eu quero me casar agora. A gente está se divertindo. O
sexo é gostoso, mas…
— Seu filho da puta! — A porta da sala é escancarada e, por ela, Lucas
passa que nem um foguete.
— Falando no diabo…
— Aparece o rabo — Jett termina a minha frase.
— O que está fazendo aqui, Lucas? — pergunto, levantando-me do chão
e indo direto ao homem que está prestes a explodir.
Jett e Coal também se levantam, mas se mantêm no meio do tatame,
enquanto eu e Lucas ficamos na lateral.
— Então, você está contente em difamar uma mulher, tirar sua honra e,
agora, se recusa a casar com ela? — Lucas está aos berros, os olhos
arregalados enquanto não esconde a raiva que sente de Coal.
— Ah, cara, para com isso. — Tento amenizar a situação. — Estamos
em pleno século vinte e um. Essas tradições precisam mudar.
— Mudar? Mudar?! — Lucas olha para mim, o choque nítido em sua
expressão. — Você é o Don, o nosso líder, e agora quer destruir o que temos
de mais sagrado? Seu irmão destruiu Martina! Acabou com sua honra!
— A “honra” dela já tinha acabado há muito tempo, Lucas. — Coal faz
o sinal de aspas com os dedos. — Acalme-se, homem. Nós estamos juntos há
alguns meses. O que você queria?
— Eu esperei por ela durante anos. Anos! Estava disposto a me casar!
— Lucas não para de berrar, cada vez mais desequilibrado.
— Lucas, é sério, fica calmo. — Coloco uma mão em seu ombro, mas
ele se desvencilha de meu toque, andando de um lado para o outro como se
fosse um leão enjaulado.
— Você… você… você transou com ela. E agora vai se casar. Tem que
se casar com Martina. Senão ela estará arruinada.
— Mano, isso não é o século dezenove — Coal argumenta. — Nós dois
estamos juntos. Martina não quer se casar. Nem eu.
— Como você não quer se casar com ela? Martina não é uma puta!
— Ela não é uma puta — meu irmão concorda. — Mas não vou me
casar com ela só porque a gente está trepando, caralho.
É neste momento que o olhar de Lucas muda. O último pingo de
sanidade se esvai e algo diferente toma conta. Ele olha para baixo, para Joana
no tatame azul. Sua mão vai na direção da arma. Eu me jogo para lá, só que
Lucas é mais rápido.
Antes que eu possa impedi-lo, ele tem Joana na mão.
Um estrondo. Um tiro.
Apenas um tiro é suficiente.
Um tiro certeiro, que atinge o meio da testa de Coal. A expressão de
surpresa em seu rosto é idêntica à que estampa o meu.
Fico parado no lugar, deitado no chão.
Sem reação.
Sem respirar.
Ouço o grito de Jett. Ouço meu coração parar. Sinto a dor e o mundo
fica preto.
Coal morreu. Eu também.
— Coal! Coal! — Jett começa a chamar, ajoelhado ao lado de nosso
irmão. Do corpo de nosso irmão. Corpo. Cadáver.
Coal está morto.
— Não. Não. Não. Não. Não — repito várias vezes enquanto fito o
nada, ainda sem conseguir acreditar que isso é verdade. Não pode ser
verdade. É um pesadelo. Tudo isso é um pesadelo.
Em algum momento, vou acordar no trailer. Minha mãe vai estar
fazendo o café da manhã no nosso aniversário, vamos ganhar o passeio
daquele ano. Ela vai estar viva. Meu irmão vai estar vivo. Vamos nos mudar
para alguma cidade perto da praia. Vou abraçá-la e dizer que a amo pela
primeira vez na vida. Depois, vou brigar com meus irmãos. É isso.
Porque toda essa coisa de máfia foi um pesadelo. Eu nunca tive um pai,
nunca tive uma família. Nunca tive ninguém que me amasse
incondicionalmente — além de Jett, Coal e Margareth Wilder.
Sou um Wilder e meu sangue pertence aos meus.
— Sage! — A voz rouca de Jett me obriga a sair do transe.
Olho para cima e vejo Joana apontada para mim. O dedo de Lucas no
gatilho.
Antes que eu consiga pensar, seguro seu pulso e o puxo para o lado,
fazendo com que Lucas atire para longe de mim. Não tenho qualquer controle
dos meus movimentos, guiado por puro instinto, mas ouço seu grito de dor e
o som de ossos sendo quebrados. Quando me dou conta, estou sobre Lucas,
seu rosto ensanguentado sob meu punho, que cai sobre ele repetidas vezes.
Não sei o que acontece. Não sinto dor. Não sinto nada.
Soco. Soco. Soco. Soco.
— Sage! — meu irmão chama.
Soco. Soco. Soco. Soco.
Mas não consigo parar.
Lucas está de olhos fechados. Sangue. Muito sangue.
— Sage. — Uma voz feminina me chama, mas não consigo parar.
O rosto de Lucas não pode mais ser reconhecido. É só um monte de
carne exposta.
Estou cansado, só que não consigo parar. Não consigo.
De repente, paro. Não quero, mas alguém me tira de cima de Lucas.
É então que tudo fica preto.
E eu morro.
Capítulo 40
Mia
Você me deu o mundo, agora não tenho mais nada. O tempo que passei
ao seu lado foi o pior e o melhor da minha vida. Eu poderia me arrepender,
mas não consigo… por sua causa. Foi por você que descobri o que é amar e
o que é sofrer. O que é viver.
Sempre soube que você seria minha ruína, mas nunca imaginei que a
família seria minha desgraça.
Este mundo tirou a minha mãe, o meu pai e, agora, o meu irmão.
Se eu ficar, corro o risco de me perder. Ou pior: de perder você.
Fique e conquiste tudo o que seu coração deseja, porque não existe
ninguém melhor do que você, Mia Wilder, para ser a Donna desta família.
Não nasci para isso. Não quero isso.
Se eu ficar, destruirei tudo. Colocarei o mundo abaixo. Tacarei fogo em
todas as malditas pessoas que se acham no direito de ditarem os destinos dos
outros. E abrirei um sorriso a cada grito de dor que escutar.
Jett e eu voltaremos.
Não hoje. Não amanhã.
Um dia.
Quando a saudade falar mais alto do que a nossa insanidade.
— Faz seis meses, Mia, e ele nunca mais deu notícias. — Enrico tenta
controlar a voz, mas sei o quanto também está pressionado. — Você tem que
aceitar que…
— Não, Enrico. Eu conheço Sage. Ele jamais nos deixaria pra sempre.
— Passo a mão em meu ventre. — Não a nós.
— E se ele demorar dezesseis anos para voltar? — alfineta. — Até
quando você acha que pode mentir pra todas essas famílias?
— O que você quer que eu faça? Diga a todos que meu marido sumiu e
acabe com o futuro da minha família?
— Quero que você diga a todos que quem está mandando nesta família é
você, Mia Wilder, na ausência do seu marido, que está se tratando em uma
clínica psiquiátrica depois do surto que teve pela perda de seu irmão — ele
me desafia. — Você sabe que as coisas estão mudando. Aceitaram Martina e
Luana como chefes das famílias Battaglia e Giordanni. Por que não
aceitariam você?
— É diferente — retruco, mas antes que possa continuar, Eddie entra na
sala.
— Boas notícias — diz, animado.
— Mio marito è tornato? — Levanto, esperançosa, mesmo que com
dificuldade. A cada dia fica mais complicado me movimentar.
— Non, Donna — Eddie me responde e o sorriso se desfaz de seu rosto.
Cansada, caio na cadeira. — O dia que Don Sage chegar, eu entrarei neste
escritório dizendo que tenho a melhor notícia de todas. — Sorrio para ele por
sua lealdade. — Até lá, só trago boas notícias — diz nosso novo Allenatore.
— Os recrutas estão prontos para ganhar sua primeira tatuagem.
— Sabia que você jamais nos decepcionaria, Eddie. Sage irá saber de
toda a sua dedicação e esforço — agradeço a ele.
Enrico o olha com admiração, mas nem a distração o faz perder o foco.
— Eu estava dizendo para Mia — meu irmão olha para Eddie, que o
corresponde atentamente — que está na hora de ela anunciar a todos que está
no comando. As coisas andam diferentes na família e…
— Se estão diferentes, por que você dois ainda não se assumiram? —
interrompo, fazendo com que ambos me olhem assustados. — Eu sempre
soube das preferências de mio fratello e não é de hoje que percebo essa troca
de olhares e atenções entre vocês. — Solto uma risada. — O que está
rolando?
— Mia! — Enrico protesta. — Você está mudando de assunto…
— Tudo bem! Eu assumo que estou no comando quando você assumir
seu namoro com Eddie. — Levanto com dificuldade. Enrico faz menção de
me ajudar, mas o rejeito com as mãos. — No dia que vocês anunciarem esse
namoro no jantar, pode marcar a reunião com o Conselho e preparar o
discurso. Enquanto isso, vamos manter as coisas como estão até o dia que eu
parir. Depois, pensamos no que fazer.
— Aonde você vai? Ainda temos coisas a resolver — Enrico protesta ao
me ver sair do escritório.
— Preciso comer. Carregar o futuro da família dá muita fome.
Saio rindo, mas em vez de ir em direção à cozinha, subo as escadas para
meu quarto. Quando fecho a porta, começo a chorar.
— Onde você está, amore mio? — sussurro, como se Sage pudesse
ouvir meus pensamentos. — Preciso tanto de você aqui. — Os chutes
recomeçam. — Nós precisamos.
Nunca pensei que meu irmão teria coragem de assumir seu
relacionamento com Eddie perante quase toda nossa família — a falta de mio
marito e mio cognato são sentidas em todas as refeições —, mas ele o fez. E
agora aqui estou, prestes a assumir para todos que sou eu que estou cuidando
de tudo e que não faço a menor ideia de onde Sage está há quase sete meses.
Era para mio marito estar à frente dos negócios enquanto eu cuidaria das
coisas para o nascimento. Mas aquele único disparo de Joana a deixou órfã e
me tornou uma viúva prenha de um marido vivo. Aquele momento mudou
todas as nossas vidas para sempre. Interrompeu sonhos. Atropelou meus
planos.
Sage, com os ossos da mão expostos, sujos com seu próprio sangue
misturado ao de Lucas, completamente morto e desfigurado, socava a massa
disforme do que um dia havia sido meu primo. Nem meus gritos, nem os de
Jett, nem os das nonnas foram capazes de o fazer parar.
Enrico, Eddie e Jett tentavam tirá-lo de cima do corpo sem vida de
Lucas, enquanto Coal estava estirado no tatame, com os olhos abertos e um
filete de sangue saindo de sua testa. Um único tiro foi disparado e ceifou
muitas vidas.
— O que houve? — Martina pergunta.
Mas, desta vez, ao contrário daquele maledetto dia, ela não chora.
Parece até mais corada e sua barriga começa a aparecer.
— Tudo bem, cugina. Está tão bonita. — Faço questão de a elogiar e
acaricio sua barriga.
— Você está quase lá, né? — Ela gesticula com as mãos, mostrando
como estou enorme.
Temos uma conversa calma sobre gravidez enquanto esperamos os
outros membros do Conselho chegar. Depois do que aconteceu com Lucas,
não foi difícil convencer a todos de que ela era a única herdeira de Don
Vicenzo. Assim como também não foi difícil convencer todos os homens que
uma das cadeiras deveria ser, por uma questão de honra e dívida, de Luana.
Sei que Sage também teria concordado com essas indicações. Era isso
que Enrico e eu íamos fazer na sala de treinamento, quando começamos a
ouvir os gritos. Então o disparo, que atraiu a atenção da casa inteira. Em
poucos minutos, aquela confusão toda, meu cunhado morto, Sage e Jett
transtornados, os gritos, o choro e de repente nada.
Sage parou e não mais falou. Nem durante o enterro, nem nos dias que
seguiram. Até que, uma noite, levantou-se da cama. Quando acordei, não
havia um carro inteiro na garagem. Restava apenas seu bilhete ao meu lado
na cama.
Tento acreditar que ele apoiaria a minha decisão, que aceitaria Martina e
Luana no Conselho, assim como a família aceitou. Mas para que elas
assumissem, algumas concessões precisaram ser feitas. As cadeiras restantes
foram preenchidas por dois outros homens. Talvez eles não se importassem
com a presença das mulheres, porque eram a maioria. Afinal, imaginavam
que era Sage quem estava no comando de tudo. Mas com meu marido
sumido, o que Enrico estava prestes a propor os deixaria em minoria — e
homens, ainda mais os velhos e carcomidos, nunca querem ser a minoria.
Luana chega logo em seguida. Também parece menos abatida, apesar de
não ter as mesmas esperanças que eu do retorno de Jett. Quero poder consolá-
la de alguma forma. Nenhuma de nós merecemos esta solidão e dúvida.
Talvez estar no lugar de Martina seja menos difícil, afinal, ela não tem a
quem esperar. Porém pensar que Sage não tem mais seu coração pulsando em
algum lugar do planeta é como se tirassem todo o ar do mundo de mim.
Impossível sobreviver.
— Por que estão demorando? — pergunto a Enrico, impaciente de estar
sentada.
Nas últimas semanas, todas as posições são difíceis. Sentada, de pé,
deitada. É como se eu pudesse sentir os meus órgãos sendo amassados. O que
realmente parece acontecer.
Enrico não me responde, apenas dá de ombros. Continuo a conversa
com Martina e Luana, como se há muito tempo a gente não se encontrasse,
mesmo morando na mesma casa. Talvez seja a quantidade de coisas que
tenho que resolver, ou o luto que cada uma de nós vive à sua maneira. Mas,
por um momento, relaxo, sendo apenas uma mulher de vinte anos, prestes a
dar à luz, falando sobre moda gestante com suas amigas.
A sensação é reconfortante e me lembro de um dos últimos dias da
minha vida antes de conhecer Sage, quando comprei a lingerie que usei na
noite de núpcias, imaginando se o noivo que eu nem conhecia iria gostar.
Naquela época, minhas dúvidas eram entre as cores vermelha ou branca. Hoje
são se serei aceita a Donna di questa famiglia, como Eddie brinca, e se mio
marito è vivo.
De repente, a porta do escritório se abre e Lorena Bianchi e Elena Gallo
entram, rindo, acompanhadas de Carmella e Edwige.
— O que vocês estão fazendo aqui? — pergunto para as filhas de Don
Fabrizio e Don Marcello, os outros dois membros do Conselho.
— Carmella e eu achamos que vocês precisavam de uma ajuda. —
Nonna me olha, sorrindo. — Mandamos cartas a elas, junto com um
presentinho. — Pisca para mim.
— Assim como Don Massimo — Carmella faz o sinal da cruz em
respeito ao morto —, parece que Fabrizio e Marcello comeram algo que lhes
fizeram mal. — Lorena e Elena fazem o sinal da cruz em respeito aos seus
pais.
— Então é isso? — Enrico olha para as duas nonnas. — Nossa família
agora mata homens envenenados? — Meus olhos encontram os seus e, na
mesma hora, ele se cala. Talvez se lembrando do acordo que um dia selemos
neste mesmo escritório. — Va benne! Vamos começar a reunião, então. —
Meu irmão se ajeita na cadeira e pega alguns papéis da pasta, enquanto espera
as outras mulheres se sentarem. — O primeiro tópico é a aprovação de Mia
Wilder como chefe do Conselho no lugar de Don Sage. — As quatro cabeças
concordam, enquanto Edwige e Carmella batem palminhas. — Eu havia
preparado um discurso para isso, mas…
— Cazzo! — interrompo a fala de meu irmão. — Minha bolsa estourou.
Epílogo
Sage - Cinco anos depois
Nota da Mari
Nota da Lu
Minha ruína
Nada na minha vida é simples. Nunca foi. Só que agora o destino parece estar
de sacanagem com a minha cara.
Eu passei anos confinado, sem saber quem eu era, apenas para ver minha mãe
ser assassinada na porta de casa e descobrir da forma mais inesperada
possível que o meu pai é um Don da máfia italiana. Não só isso: ele quer que
eu e meus dois irmãos entremos para a "família".
Mas, como eu disse, nada na minha vida é simples, e uma de suas exigências
é que eu me case com uma mulher que mais parece uma freira.
Desejo de Sangue
Tudo na minha vida foi planejado. Menos a guerra que estamos enfrentando.
Eu passei anos sonhando com meu marido, a nossa família e a vida perfeita
de mulher de Don, sem imaginar quantas pessoas eu perderia pelo caminho.
Dos mais leais aos inimigos, todos estão caindo.
Mas, como eu disse, tudo na minha vida foi planejado, e farei o que for
necessário para ter o que quero. Guerra ou não, meu marido será Don.
A Família Rossi está perdendo suas forças, só que eu sou Mia Wilder e não
vou desistir dos meus objetivos.
Sobre o autor
Lu Aranha & Mari Monni
Uma capricorniana carioca que ama café e uma gaúcha que vive à base de
chimarrão, mas ambas compartilham o amor por uma dose de tequila. Uma
viciada em trabalho e a outra em sexo, Mari e Lu se tornaram grandes amigas
e passam o dia inteiro conversando sobre tudo e nada.
Cada uma em um canto do país, mas isso não importa. São muito parecidas e,
ao mesmo tempo, completamente diferentes. Adoram escrever juntas e se
divertem demais a cada novo projeto.
Livros deste autor
Meu vizinho indiscreto
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Meu
DIÇÃO COMEMORATIVA DE TRÊS ANOS DA SÉRIE, COM UM
CAPÍTULO EXTRA EM CADA LIVRO! MAIS DE TRÊS MILHÕES DE
LEITURAS NA AMAZON.
Cinco livros.
Cinco casais.
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Cinco mulheres determinadas e muito bem resolvidas, que vão se permitir
viver algo intenso e inesperado.
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não é apenas um professor, ele é insaciável e tem fetiches que farão com que
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ALERTA: Esta é uma comédia romântica. Não tente estudar Direito através
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Segredos de Luxúria
O que acontece entre quatro paredes não precisa ser comentado. Um amor
proibido, uma fantasia, um fetiche...
Nesta coletânea de contos eróticos, você irá se deparar com formas diferentes
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Deixe o pudor de lado e entregue-se à luxúria. Ninguém precisa ficar
sabendo...
Será o nosso segredo.