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autorais é crime estabelecido na lei nº 9. 610/98, punido pelo artigo 184 do
Código Penal.
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Capa: Amanda Monteiro
Imagem da capa: Pixabay
Edição e Formatação: Amanda Monteiro
Revisão: Amanda Monteiro
Está é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos é mera coincidência
Os senhores devem estar se perguntando quem eu sou?
Para o meu pai, sou princesa. Uma das joias mais preciosas em seu
reino. Porém sou diferente dos meus irmãos, fisicamente sou como minha
avó materna.
Por ter essa aparência, minha tia alimentou um ódio mortal por mim e
em nome desse sentimento maldoso ela moldou seu filho: Mohamed
Meu perseguidor.
O nome de minha grande mágoa por muitos anos.
Esse é o nome do homem que um dia terá meu coração.
Meu nome é Helena, e essa é a minha história.
Prólogo
Capitulo 1
Capitulo 2
Capitulo 3
Capitulo 4
Capitulo 5
Capitulo 6
Capitulo 7
Capitulo 8
Capitulo 9
Capitulo 10
Capitulo 11
Capitulo 12
Capitulo 13
Capitulo 14
Capitulo 15
Capitulo 16
Capitulo 17
Capitulo 18
Glossário de Termos
Agradecimentos
Sobre a Autora
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ZAIRA

Acabo de limpar a cozinha e passo a mão em minha barriga.


Cinco filhos.
Eu que não gostava de criança. Suspiro e coloco a mão sobre pia e
fecho os olhos.
Abizar colocou nossos filhos na cama para eu poder descansar um
pouco, ele é um bom marido, não o que eu escolheria, mas o que meu pai e a
minha querida irmã me obrigou a ter. O bebê chuta e coloco a mão.
— Zaira? Está tudo bem? Algum problema com o bebê? — Meu
marido só pensa nas crianças. E eu? Sou apenas a mulher para suas
necessidades e parideira para seus filhos. Respiro fundo.
— O bebê chutou forte. — Respondo sem me virar. Sinto quando
Abizar me abraça e começa a passar a mão em minha barriga para acalmar o
bebê. Ele é um bom marido, porque não consigo ama-lo? — Descansa!
Amanhã levo as crianças para o campo e deixo seu café pronto. — Ele beija
meus cabelos e sai.
Heleonora, te odeio!
Soube que ela teve uma menina. Abizar não me falou, mas escutei sua
conversa com Kaled quando Aysha veio nos visitar com suas pencas de
crianças. Ela e minha sogra me dão forças para aguentar essa vida. Minha
mãe podia ter sido como a mãe de meu marido, mas não! Helena destruiu
tudo que podíamos ter tido de meu pai, quando ela morreu sobrou a minha
querida irmã para roubar de mim o seu amor.
Desligo a luz e vou para sala. Subo as escadas para ir ao nosso
quarto. Paro próximo ao quarto das crianças e vejo a porta aberta. Abizar
com Youssef no colo cantando baixo enquanto Mohamed e Mustafa dormem
em sua cama, e Ebraim em um dos berços, o outro é de Youssef.
Vou até o nosso quarto e entro olhando o berço de Kamal ao lado da
nossa cama. Olho as roupinhas que minha sogra me ajudou a fazer, pego na
mão e sorrio. Posso ser diferente com os outros, mas meus filhos conseguem
amolecer meu coração. Coloco a roupinha no berço e vou para o banheiro.
Tomo banho, coloco uma camisola e me deito. Estou cansada e adormeço.
Sinto quando ele me abraça e me aconchego em seus braços voltando
a dormir. Acordei com calor, estava coberta e a casa em silêncio. Levanto e
vou no quarto das crianças, não tem ninguém.
— Abizar? — O chamo e desço a escadas. Onde estão minhas
crianças? Chego na cozinha e minha sogra está com Youssef no colo,
enquanto mistura o mingau. Ela se vira e sorri.
— Meu filho foi para os campos, levou os meninos. Eu vou ficar com
Youssef para você descansar, sua barriga está grande e baixou, deve estar
próximo de nascer. Tive quinze filhos, sei como você está se sentindo. A
mãe de Jamal, meu falecido marido, sempre me ajudou com as crianças. Seu
café está pronto, fiquei esperando você acordar para não ficar preocupada
com o bebê.
— Obrigada. — Subo e vou tomar um banho. Quando volto, a casa
está vazia. Tomo meu café e adianto o almoço. Vou ter um pouco de sossego
hoje e no resguardo.
***
Domingo de manhã Abizar arruma as crianças no carro de meu pai. O
motorista leva os três dos mais velhos e vou levar Youssef no carro do meu
marido. Não sei por que desse almoço? Mas será bom para descansar da
cozinha, a parte ruim é que tenho que ver minha querida irmã. Passo a mão
na barriga, meu pai falou que quando Kamal nascer ele vai fazer uma festa.
Ele sempre faz uma para cada neto que nasce, mas ainda não fez da filha de
Heleonora.
Chegamos na casa de meu pai e meus filhos se misturam com os de
minha irmã para brincar e todos juntos parecem irmãos, ainda não vi a
menina. Não sei o porquê de tanto mistério.
Os seguranças de Samir estão pela casa e ficam me vigiando. Sei que
são ordens de minha irmã, escutei sua voz na cozinha com os empregados,
ela está ajudando a fazer o almoço.
Ela se posa de boa moça para todos, essa vagabunda maldita. Aqui
ela nunca usa suas joias, mas dizem que Samir sempre compra das sedas
mais caras e as joias mais preciosas. Ele come na sua mão. Quem diria que a
sonsa é esperta?
Os homens estão em reunião de portas fechadas. Meus filhos
pequenos estão olhando os irmãos brincarem, Mohamed é muito responsável
com os menores e Mustafa é sempre muito calado observando tudo.
Vejo Mohamed brincando com Karim que parece muito com Samir,
mas tem os olhos de minha irmã. Volto para sala e vejo a foto de meu pai
criança, uma cópia exata de Mohamed. Quando pego o porta-retrato vejo
uma coisa presa por baixo e puxo. Durante um momento fico observando e
meus olhos enchem de ódio.
Helena sorrindo abraçada com meu pai. Maldita! Prostituta! Por sua
causa o casamento dos meus pais terminou. Por sua causa meu pai não me
amou! Odeio você! Odeio!
— Filha! Está tudo bem? — Escuro a voz de meu pai e me viro com a
foto na mão. Ele a pega de mim mão e vejo seus olhos ficarem marejados, e
suspira. — Então era aí que estava essa foto. Vou colocar no cofre. — Ele se
vira e sai.
Mesmo depois de morta ela continua no seu coração. Era eu que
deveria estar lá e não ela. Sento em uma cadeira cansada.
Um movimento me chama atenção e vejo minha irmã passar para um
dos quartos, e um segurança para em frente à porta. Lembro-me dele. Foi o
homem que me segurou quando Lena quebrou o meu nariz. Zarife, o homem
de maior confiança de Samir. O que eles escondem nesse quarto? Levanto e
vou em direção ao quarto, o homem para na frente da porta e me encara.
Agora que percebo que esse segurança não sai dessa porta. Quem
está aí dentro? Uma mulher sai do quarto com uma bolsa e o entrega. Uma
bolsa para roupas de bebê, a menina está lá. Ela deve estar com cinco ou
seis meses.
Por que meu pai demorou para dar esse almoço? E porquê desse
mistério com a filha de Samir? Sento novamente e vejo quando Samir fala
com o segurança que me olha sério novamente e depois entra no quarto.
Abizar sai do escritório do meu pai, vem até mim e senta ao meu lado.
— Está sentindo alguma coisa? — Coloca a mão em minha barriga e
o bebê chuta. Ele sorri.
— Minha barriga arriou, sua mãe acredita que está próximo. Uma das
criadas de meu pai está cuidando de Youssef, e Ebraim está com Mohamed.
— Mohamed será um bom líder, ele gosta de crianças e é calmo.
Nosso povo estará em boas mãos. — Abizar fala sorrindo com a mão na
minha barriga. Fico pensando... Bom líder? Líder de uma aldeia de cabras?
Não era isso que eu queria para meu filho.
Fico pensativa até que avisam que a mesa está pronta. Vou para a
cozinha e vejo uma arrumação diferente. A cadeira de Karim sempre é do
lado esquerdo de meu pai por ele ser o sucessor de Samir, mas hoje tem duas
cadeiras do seu lado direito que estão vazias, meu pai vai declarar seu
sucessor e o Abizar deve declarar qual de nossos filhos serão treinados para
ser o líder de sua aldeia.
Todos nos sentamos. Heleonora perto de Samir e as crianças em
volta da mesa. Fico pensativa até meu pai falar.
— Sou um homem rico. Tenho ao meu lado minhas filhas, meus
genros e meus netos. Allah me deu nessa vida mais do que eu merecia e
agradeço. Hoje nós homens decidimos o futuro de nosso povo. Ao meu lado
esquerdo está o futuro Sheik, meu neto Karim filho de minha primogênita.
Que Allah o proteja e guie seus passos! — Todos saúdam e ele continua a
falar: — Hoje irei dizer o nome de qual dos meus netos serão treinados para
ser meu sucessor. — Sei que será um dos filhos de minha irmã, até que meu
pai fala me tirando dos pensamentos. — Meu neto Mohamed, filho de Abizar
será treinado para ser meu sucessor. Venha meu neto sentar no lugar que lhe é
de direito! — Mohamed levanta e senta ao seu lado. — A segunda cadeira
será do sucessor da aldeia de criação. Como nós homens somos os
responsáveis para decidir o que é melhor para o nosso povo e para nossa
família. O sucessor de Abizar será meu neto Mustafa. Venha meu neto sente
no seu lugar de direto!
Fico feliz olhando meus dois filhos como líder. Mohamed sucessor
de meu pai. Ele terá uma vida melhor e longe daquelas cabras e dos campos.
Sou tirada dos pensamentos pela voz de meu pai.
— Quando nasce um novo neto eu sempre faço um almoço com
minhas filhas, genros e netos para apresentar o novo membro da família.
Para celebrar mais uma benção que Allah me concedeu. Acredito que em
poucos meses estaremos aqui novamente para apresentar Kamal, mas hoje
irei apresentar a minha neta. — Samir se levanta e vai em direção ao quarto.
Volta segurando uma criança com uma roupa bege e uma pequeno véu na
cabeça. Fica de pé ao lado de meu pai que levanta e pega o bebê no colo.
Nos levantamos para ele apresentar. Ele agradece e vejo como ele olha
para a menina com ternura e amor. Um amor que nunca vi em seus olhos
quando me olhava. O que essa criança tem de especial? Quando ele vira a
menina para frente, meus olhos abrem no susto e começo a me sentir mal. O
bebê puxa o véu mostrando um espesso cabelo dourado como os raios de
sol. Ela olha com curiosidade para todos com aqueles olhos azuis e coloca o
véu na boca para chupar. Sua pele é clara e não morena como dos irmãos.
Não pode ser! Ela está de volta!
— Essa é minha neta, conheçam Helena! — Quando escuto o nome, o
ambiente começa a ficar escuro e sinto que estou caindo.
Não vejo mais nada em minha frente.
HELENA

Estou com dez anos e pedi para ir à casa do vovô.


Meus irmãos e primos estão em suas escolas e treinos. Sou a única
menina da família e meu pai não me deixa sem segurança, principalmente nas
terras de meu avô. Nas terras de meu tio eu nunca posso ir.
Olho pelo vidro do carro. Não sei porque ela não gosta de mim. Vejo
seu olhar nos almoços que meu avô faz. Olho meu reflexo no vidro do carro,
sou diferente dos meus irmãos. Meus cabelos são loiros e tenho olhos azuis
como os da minha mãe, além de minha pele ser branca e queimar fácil com o
sol. Minha pequena burca está no banco ao lado de minha babá.
Estamos chegando, ela me ajuda a vestir a burca, na casa de meu avô
não uso o véu. Passo a mão na minha franja que está grande, não quero cortar
mais, quero meu cabelo longo igual ao da minha mãe.
Assim que chegamos meus avós estão na porta, vou correndo para
abraça-los. Meu avô se casou com a mãe do tio Abizar quando eu tinha cinco
anos.
— Vovô e vovó, teremos o dia só para a gente. — Fico sorrindo até
que vejo meu tio Abizar atrás de meu avô e meu coração gela ao ver a figura
atrás do meu tio.
Meu primo Mohamed.
Ele é cinco anos mais velho do que eu, mas ele é grande por trabalhar
nos campos. Tem o cabelo negro coberto por um turbante cinza, uma barba
rala bem feita, seus olhos são meio cinza gélido e tenho medo dele.
Lembro-me a primeira vez que ele me viu sozinha no jardim e me
chamou de vagabunda branca. Quando cheguei em casa perguntei a mamãe o
que era isso, ela me disse que era coisa feia e perguntou quem falou. Menti
dizendo que ouvi na rua. Mas desde então ele sempre me chama de algo feio,
diz que sou uma ratazana branca.
Ele colocou lagarta em meus cabelos, ervas de coçar em minhas
roupas e diz que eu roubei o coração do seu avô, o lugar que era de direito
de sua mãe.
— Está tudo bem, querida? — Vovó me pergunta preocupada. Ela
fala um árabe diferente do meu pai, mas escuto desde pequena e sei o que ela
fala. Faço que sim com a cabeça e vou falar com meu tio, corro e o abraço
que me pega no colo.
Ele está abraçado comigo, quando escuto meu primo falar baixo:
“prostituta branca”. Meu tio treme comigo nos braços. Ele escutou, mas
nada fala. Estou morrendo de vergonha.
Meu tio me coloca não chão e meche nos meus cabelos.
— Não vai cortar a franja princesa? — Ele é carinhoso como meu
pai.
— Não. Quero ficar igual à mamãe. — Fico sorrindo até escutar meu
primo falar baixo: “outra vagabunda”. Meu tio olha feio para ele que
abaixa a cabeça.
Nosso dia foi tranquilo, fiquei sempre longe de Mohamed. Eu já
sabia que dele teria que ter distância, mas a tarde os adultos foram conversar
e fui à cozinha falar com a cozinheira. Ela sempre me dar doces, nós ficamos
conversando até que ele entrou. Estava bebendo suco e sai. Fui para sala,
mas não tinha ninguém lá.
— A ratazana branca está fugindo de mim? — Fiquei com medo ao
escutar sua voz.
— Mohamed. — Fecho os olhos, pois nunca fiquei sozinha com ele.
— Não quero você falando meu nome, meretriz branca. Você é como
sua mãe, uma vagabunda. — Fico com raiva e jogo o suco em sua cara.
— Nunca fale de minha mãe! — Assim que grito, ele me empurra e
tudo foi rápido. Caí e ouvi um grito alto, meu braço doía muito.
Eu vi sua cara de espanto e meu tio chegou e o puxou pelo braço.
— O que você fez Mohamed? — Ele não responde, apenas estava tão
assustado quanto eu que choro muito. Meu tio me pegou no colo e minha
burca estava molhada. Achava que era o suco, quando ele me levantou vi o
sangue. Meu braço que está com um corte fundo, quando ele me empurrou o
copo quebrou no chão e caí em cima dos cacos.
Meus avós levaram-me a clínica e ligaram para os meus pais. Levei
alguns pontos no braço e escutei o médico falando para o meu pai que ficaria
com a cicatriz. A minha mãe entrou no quarto e me abraçou chorando.
— Helena! O que houve?
— Escorreguei e cai. — Ela me olha séria.
— C'est ton cousin qui t'a poussé? (Foi seu primo que te
empurrou?). — Minha mãe fala em francês, pois meu pai entrou no quarto e
ela não queria que ele entendesse. Esse era nosso acordo quando queríamos
falar segredos.
— Oui maman. — Ela me abraça e chora.
— Ela vai ficar bem amor, foi só um susto. — Faço que sim com a
cabeça, mas vejo o rosto sério de preocupação de meu pai que está com as
sobrancelhas juntas por ouvir que estávamos falando em francês.
Passaram-se dois meses depois daquele dia. Eu estava decidida, era
o dia que iria estudar no colégio interno na Europa, não ficaria mais aqui.
Olho meu reflexo no espelho, desde aquele dia nunca mais vi Mohamed, sei
que ele treina para ser o sucessor de meu avô, mas não vou mais lá, meus
avós sempre vêm aqui e assim sou feliz.
Tio Abizar conversou com meu pai naquela semana e podia ouvir os
gritos de meu pai com ele no escritório, até minha mãe intervir.
Lembro-me como se fosse hoje, eu estava na escada do palácio
quando meu tio veio até mim.
— Peço perdão, minha pequena. Meu filho não a machucará. Não
nos odeie. — Ele se ajoelha aos meus pés, o levanto e o abraço.
— Te amo tio. Jamais poderia te odiar. — Meu tio me pegou no colo
e me abraçou. Meu pai estava abraçado com minha mãe, ele estava muito
zangado. Soltei do meu tio e fui até meu pai.
— Pai, te peço não proíba meu tio e meus primos de frequentar
nossa casa. Vou estudar fora, mas não gostaria de ver meu tio sofrer.
Mohamed estava zangado, ele não fez por mal. Por favor pai? — Meu pai
olha para meu tio muito sério.
— Você e seus filhos são bem vindos em minha casa, mas sua
mulher enquanto for viva não quero que ela pise em minhas terras, se ela o
fizer sua sentença será a morte. — Meu tio fica triste, mas confirma com
a cabeça.
— Obrigada, pai. — Vou até meu tio e o abraço. — Te amo, tio. —
Volto correndo para meu quarto.
Saio dos meus pensamentos. Olho minha mala e para a cicatriz no
meu braço. Meu pai quer que eu faça uma cirurgia plástica, mas não vou
fazer. Vou ficar com essa cicatriz de lembrança que tenho que ser forte e que
meus pais não vão estar por perto para me proteger.
MOHAMED

Aos cinco anos fui escolhido para ser o sucessor do meu avô.
Meu irmão para ser o sucessor de nosso pai. Mustafa consegue fazer o
trabalho dos campos, eu faço bem, mas não como ele ou nosso pai. Os filhos
do meu tio Samir estão estudando, Karim é o sucessor do meu tio. Omar vai
ser advogado para ser diplomata e Shaman quer ser médico.
A pequena rata branca não sei o que ela quer fazer da vida, não me
interessa. Ela é como minha tia, ruim e interesseira. Minha mãe sempre abre
meus olhos em relação a minha tia que roubou seu noivo para ter luxos e boa
vida. Para todos ela faz pose de boa. É uma mulher da vida e cria a pequena
vagabunda para usar a beleza física em benefício próprio.
Quando ela chega na casa de meu avô, vejo seu ar de boa moça.
Abraça e beija meus avós, e faz o mesmo com meu pai que a ama como uma
filha e não vê sua maldade.
— Vagabunda branca! — Falo baixo. Ela escuta e meu pai também.
Não ligo quando ela fala que quer o cabelo longo como da mãe e falo que
minha tia é outra vagabunda. Meu pai me olha de cara feia e abaixo a
cabeça.
Passamos a tarde bem até a hora que a vejo ir para cozinha e penso
em atormenta-la mais um pouco, mas ela me ignora. Quando entra na sala
vou atrás e a encurralei e vi medo em seus olhos e a ofendo. Quando falo de
sua mãe, pela primeira vez em anos ela reage e joga o suco no meu rosto.
Fico com raiva e a empurro. Os próximos minutos aconteceram
rapidamente e quando dei por mim ela estava gritando e chorando. Tinha
muito sangue em seu braço. Fico paralisado até que meu pai entra e me
sacode pelo braço perguntando o que eu fiz. Fico sem reação. Ele a levanta
com cuidado, está saindo muito sangue de seu braço. Helena chora muito
abraçada ao meu pai e pela primeira vez vejo como ela é frágil e como fui
um covarde. Meu avô a leva para o hospital e meu pai me leva para nossa
aldeia.
Estou querendo sabe como ela está.
Fico me perguntando do porquê fiz isso.
É como se a venda saísse dos meus olhos. Estou concentrado que não
vejo que cheguei em nossa casa, meu pai saiu do carro, entra na cozinha e
grita por minha mãe que vem correndo com meus irmãos.
— Vocês vão para o quarto! — Meu pai fala com meus irmãos. —
Zaira! Você e Mohamed vão para o celeiro. — Sai batendo a porta.
— Filho? O que você fez? — Não falo nada, apenas fico olhando
para ela.
Minha mãe é uma mulher bonita e não parece que teve muitos filhos,
mas seu olhar é vazio. Quando percebo pela primeira vez seu olhar, abaixo a
cabeça com vergonha do que fiz e não tenho mais certeza de nada. Vou para o
celeiro. Quando chegamos lá meu pai está com um pequeno chicote na mão.
Entramos em silêncio.
— Filho! Você foi injusto e cruel! Machucou uma menina indefesa
que nada lhe fez! Como seu pai e líder exijo que você fale o porquê? —
Minha mãe fica nervosa.
— Por Allah! Abizar, não puna o nosso filho! — Minha mãe
praticamente implora.
— Cala a boca Zaira! Eu não te autorizo a falar enquanto meu filho
for doutrinado para aprender a ser um homem. — Minha mãe abaixa a
cabeça, ela só poderá falar quando meu pai autorizar.
— Então, Mohamed. Você ofendeu sua prima duas vezes em minha
presença. — Ele estala o chicote. — E a empurrou em cima do vidro
quebrado. — Ele estala o chicote de novo. — O que você tem a dizer em sua
defesa?
— Ela é uma vagabunda igual minha tia. — Assim que falo levo uma
tapa na cara.
— Quem te contou essas mentiras? Quem? Sua tia é uma mulher de
honra. Casou pura. Se preocupou e melhorou as vilas, consertou as casas dos
idosos de nossa tribo, trouxe posto médico para nossa gente. Quem em nome
de Allah falou essas mentiras para você? — Meu pai para de falar e olha
para minha mãe. — Como você pôde? Como você pôde fazer isso com sua
irmã? — Minha mãe abaixa a cabeça.
Meu pai anda pelo celeiro, retira o turbante e passa as mãos nos
cabelos. Ele olha com tristeza para minha mãe e depois para mim. Ele volta
e fica atrás de mim.
— Zaira nem uma palavra! Você já sentiu o peso de meu chicote. Não
ouse em me desobedecer ou vou puni-la na frente do nosso filho. Tira a
camisa Mohamed e ajoelha na frente de sua mãe! — Assim eu faço. Minha
mãe chora em silêncio de cabeça baixa.
— Ofendeu sua prima duas vezes! — Sinto o chicote bater em minhas
costas duas vezes, ele não colocou força para cortar a pele. — Você a
machucou! — Ele bate mais cinco vezes, a última senti o sangue descer. —
Nunca mais você fala com sua prima a sós. — Outra chicotada. — Nunca
ficar sozinho em sua presença em quanto você não tiver atitude de um
homem. — Outra chicotada. — Enquanto isso sua vida vai ser nos campos
até você aprender a ter honra. — Ele bateu até eu perder as contas e minha
mãe chora. Meu pai para e olha para minha mãe.
— Agora você tem permissão para falar, mas você vai contar a
verdade para nosso filho. — Minha mãe faz que não com a cabeça, estou de
quatro no chão, pois se não for assim vou cair.
Escuto o som do chicote de novo, mas não sinto em minhas costas.
Olho para minha mãe que está com as mãos na boca para não gritar e vejo a
dor nos olhos de meu pai. Ele nos pune, mas sofre por fazer isso. Minha mãe
começa a gaguejar.
— Meu pai dopou Helenora para casa-la com o Samir porque ela não
aceitaria um casamento forçado. Ela cresceu no Ocidente com sua mãe e lá
tinha uma vida. — Ela fala baixo.
— Conte tudo Zaira e alto! — Meu pai grita e bate novamente em
suas costas. Ela grita e volta a falar.
— Eu fugi com um homem para a Europa com medo de meu pai me
casar com seu pai. Eu sabia que ele forçaria Lena a casar com ele e ela seria
uma camponesa parideira. Era o que ela merecia por ser estudada, ela era
uma metida com faculdade e falando várias línguas. Eu a odeio! — Escuto o
chicote de novo. Ela coloca a mão na boca para não gritar.
— Mãe? Por que? Todos esses anos acreditei na senhora! — Fico
desolado vendo seu olhar de raiva quando fala de minha tia e sinto vergonha
porque estava me tornando como ela, cego de ódio.
— Responda ao nosso filho! Fala Zaira! — Ele dá outra chicotada.
— Ela não merece aquele luxo! Nasci para ser rica! Lena é a filha de
uma prostituta. Uma mulher que tirou o amor de meu pai por mim! Tudo para
ele é sua filha bastarda! Ele me deixava aqui com minha mãe e ia atrás de
Helena em qualquer país que a vagabunda estivesse. Ela o chamava para ver
a bastarda e quando voltava, ouvia escondido ele falando com os líderes das
tribos menores tudo que aquela maldita conquistava. Ela sempre foi o
orgulho dele, eu nunca fui nada! Quando a vagabunda da Helena morreu ele
ia trazê-la para viver aqui. Minha mãe avisou a meu pai que se ele a
trouxesse iria cumprir o que ela havia ameaçado quando ela ainda era uma
criança. Ela ia dar um fim naquela maldita! — Meu pai bate nela duas vezes
para ela parar de falar blasfêmias contra minha tia.
Como nunca vi como minha mãe é? Que Allah me perdoe!
— Conta porque você não pode ir à casa de Samir?! Fala porque
você não pode ficar perto dos seus sobrinhos?! Por que você não pode ficar
perto de Helena?! Fala! — Meu pai grita e a cada frase, ele bate nas costas
de minha mãe.
— Tentei bater em sua tia quando ela estava grávida de Karim. —
Meu pai para de bater e fica na frente. Me levanto, fico de joelhos e de
cabeça baixa em vergonha pelo que me tornei.
— Casei com sua mãe para salvá-la do exílio. Seu avô não é rico
para mantê-la em um país do Ocidente. Sua mãe teria que se prostituir para
viver longe daqui. Ela não teve pena de morte porque Helenora pediu
clemência a Samir. Sua tia que ela tentou matar grávida de seu primo, pediu
de joelhos e não tinha um dia que tinha dado à luz a Karim antes do previsto
graças a sua própria irmã. — Ele suspira e passa a mão na barba esgotado
pelo que teve que fazer. — Sua mãe não é nada do que você pensa. Pensei
que nunca iria precisar te falar isso. Queria te poupar dessa dor, mas sua
mãe não me deu escolhas. Como sempre!
Meu pai sai e minha mãe tenta me ajudar. Eu não deixo e ela sai
chorando. Meu pai volta e me ajuda a levantar, sento em um caixote ele
passa remédio em minhas costas em silêncio. Fico pensando em todos esses
anos que a persegui, em seu olhar de medo quando me via.
Fecho os olhos e penso: Allah! O que foi que eu fiz?
MOHAMED

Estou sentado no caixote enquanto meu pai cuida dos ferimentos em


minhas costas.
O que fiz com aquela menina?
Desde a primeira vez que a vi, toda bonita com sua abaya sorrindo
com aquela pele clara e franjas da cor da luz. Eu a chamava de nomes feios.
Meu avô a chama carinhosamente de alfaar alsaghir al'abyad (pequena
ratinha branca). Transformei o apelido carinhoso em uma forma de machuca-
la, foram anos de tortura.
— O senhor deveria ter batido mais forte, meu pai. Eu não merecia
sua piedade. — Falo derrotado.
— Não gosto de fazer isso, mas foi necessário. Muito antes de você
nascer tive que punir sua mãe, ela fugiu após o casamento e quando fugiu
uma segunda vez o castigo teve que ser físico, se eu não fizesse meu povo
não iria me respeitar. — Fico olhando para meu pai sério.
— Ela me falou que o senhor a puniu por culpa de minha tia. — Me
pai me olha triste.
— Sabe filho, quando fui oferecer o dote de casamento eu ia pedir
sua tia como esposa, mas ela estava casada com Samir e seu avô supunha
que eu estava indo pedir a mão de sua mãe. Pensei que carinho e amor fosse
ajuda-la, que ela só estava perdida por estar só. — Meu pai fica pensativo.
— Por que o senhor não a devolveu? Aturou tudo isso por tanto
tempo? — Ele me olha e suspira.
— Gosto de sua mãe e sabia que se a devolvesse, ela teria um
destino pior que a morte. Em pouco tempo de casado ela ficou grávida de
você e seus irmãos começaram a nascer a cada ano. — Meu pai fica
sorrindo
— Me perdoe pai? Quero pedir perdão aos meus tios, principalmente
a minha tia e a Helena. — Meu pai me olha sério.
— Preciso falar com seu tio primeiro, talvez ele proíba nossas
visitas em sua casa, isso inclui seus irmãos. — Fecho os olhos e abaixo a
cabeça.
— Por favor, fale com meu tio que aceitarei castigo físico dele ou de
quem ele decidir para que meus irmãos não sejam punidos. — Meu pai faz
que sim com a cabeça e sai do celeiro. Passo a noite aqui, não vou para
casa.
Alguns dias depois do ocorrido meu pai foi a casa de meu tio e
voltou a noite, cansado. Estava jantando e ele me chamou para
conversarmos. Ele me deu dias de descanso por ter sido punido, mas
trabalhei o dia todo, pois tinha que crescer e ser um homem humilde,
precisava perder a soberba que criei em mim por ser o escolhido de meu
avô.
Chegamos ao celeiro, meu pai fechou porta e começou a falar:
— Como previsto, seu tio ficou indignado com suas atitudes e de sua
mãe. Ele ficou furioso e iria nos punir. Sua tia mais uma vez interviu e pediu
clemência para nossa família. — Fico olhando para meu pai que parece
cansado. Quando vou falar, ele levanta a mão em sinal de que não terminou,
e volta a falar. — Ele iria me punir por eu nunca ter percebido até o dia do
acidente o que você fazia, mas sua prima pediu por mim e por você. — Ele
fica quieto e volta a falar. — Ela disse que me ama como um pai e não quer
me ver sofrer. Seu tio por amor a filha nos concedeu o perdão, mas Helena
não quer ter contato com você e isso não será negociado. — Fecho os olhos.
— Preciso pedir perdão a meu tio e a ela. Vou trabalhar pesado. Vou
ser digno e me tornar o homem que nunca fui. O senhor terá orgulho de mim.
— Ele vem e me abraça.
— Sua mãe está banida das terras de nosso Sheik, se ela for, sua pena
será a morte. Ela tem direito a ir nas terras de Shaman, mas o dia que Allah
o levar, ela perderá esse direito. — Fico de cabeça baixa.
— Meu tio poderia nos condenar a morte, por que ele não fez? —
Meu pai me larga do abraço.
— Por amor à sua tia. Ela sempre intervém para que sua mãe não seja
condenada como deveria, e sua mãe agradece com ingratidão. — Olho para
ele.
— O senhor não quer que o passado de minha mãe seja falado, mas
conversei com Mustafa. Ele será o nosso líder e precisa saber para não ser
enganado pelas suas mentiras. Se o senhor quiser me punir por isso, aceitarei
de bom grado. — Falo e abaixo a cabeça.
— Um líder faz o que é necessário, aprendi com meu pai, mas
diferente dele faço o necessário sem me exaltar. Você está aprendendo bem
filho. Você não precisava ir ao campo hoje. — Abaixo novamente a cabeça.
— Sabia, mas tenho que ir. Preciso me redimir comigo mesmo. Não
estou dormindo em casa, pois ainda não consegui me perdoar pela que fiz a
“pequena ratinha branca”. — Meu pai sorri.
— Queria que sua mãe tivesse uma menina, mas nosso último filho
nasceu quando você fez quatorze anos. Ela nunca me falou que não queria
mais filhos. Se não teríamos parado, mas Allah quis assim. Boa noite filho.
— Boa noite, pai. — Deito no feno e fico olhando para o telhado do
celeiro.
Crescer, ser digno e dar orgulho ao meu pai.
Esse é meu objetivo.
Os dias passam rápidos nos campos, pois o trabalho é árduo e
exaustivo. Durmo no celeiro todas as noites. Os dias viraram meses e meu
tio aceitou que eu fosse até ele. Meus irmãos tinham livre acesso ao palácio
e minha tia ensinava a Mustafa o inglês. Muitos estrangeiros vinham
trabalhar no hospital e meu irmão como sucessor de meu pai tinha que saber
se comunicar.
No dia marcado, cheguei como um homem humilde no palácio de meu
tio, com as roupas de um pastor, não estava com as roupas que eu usava
quando estava treinando na casa de meu avô. Pois primeiro eu tinha que
aprender a ser humilde, para depois merecer ser treinado para liderar. Meu
pai me levou até o escritório de meu tio que estava vestido com uma burca e
turbante preto. Virado de costas para a porta, olhando algo no jardim que lhe
prendia sua atenção.
— Seu pai falou que você queria falar comigo. — Ele vira e está
sério.
Não parece o tio Samir que brincava comigo, seu olhar é frio e suas
sobrancelhas estão juntas. Vou até meu tio de cabeça baixa e ajoelho aos
seus pés.
— Me perdoe, meu tio. Peço de joelhos por todo mal que causei a
sua filha. Sei que o senhor é um homem justo e um líder adorado. Então estou
aqui como seu servo para lhe pedir perdão e aceitar a punição por meus
atos. — Meu tio fica em silêncio por um tempo e depois fala.
— Levante-se! — Me levanto, mas não o olho por vergonha. —
Levante a cabeça e me olhe! — Assim o faço e meu tio volta a falar. —
Minha vontade é de até chicotear até arrancar sua pele por machucar minha
filha, mas Lena nunca me perdoaria por isso. Ela te ama e a seus irmãos
como ama nossos filhos. Eu jamais faria minha Lena sofrer. Então, por amor
a ela te concedo o perdão. — Ele para de falar e me olha sério. — Seu pai
me falou que você tem se mostrado digno e sua tia quer ensinar a língua dela,
uma vez que você é herdeiro do seu avô. Estou permitindo isso, mas você
não chega perto de Helena sozinho a não ser que ela queira.
— Sim, meu senhor. — Meu tio me olha sério e estreita os olhos.
— Nada de meu senhor! Sou seu tio! Estou te dando uma
oportunidade, somente uma, então não me decepcione!
— Peço a Allah que me leve desse mundo se eu decepcionar o senhor
e meu pai novamente. — Vejo um pequeno sorriso em seu rosto.
— Você será um bom líder para nosso povo. — Ele me abraça.
— Obrigado, tio Samir. Posso falar com minha tia? — Ele solta do
abraço e sorri.
— Vou chama-la. Ela está morrendo de saudades de você. — Ele
passa a mão em minha cabeça como sempre fez e sai deixando meu pai e eu
no escritório.
MOHAMED

Meu tio sai, meu pai se aproxima e me abraça.


— Estou orgulhoso de você meu filho. — Fico abraçado com ele.
— Obrigado pai. Serei um homem digno de sua confiança. — Meu
pai me solta e vou até a janela ver o que meu tio tanto olhava e vejo minha
tia sorrindo. Ela está usando um vestido longo bege com tulipas vermelhas e
hijab bege.
Vejo com quem ela fala e meu coração acelera. É ela! Minha ratinha
branca.
Linda com seus cabelos loiros que vai até cintura, estão soltos e ela
roda próximo a minha tia com vestido do mesmo tecido do vestido de minha
tia, e seus cabelos voam ao vento como se fizesse parte da luz do sol.
— Ela é uma menina linda. — Meu pai fala atrás de mim.
— Não sei como não vi isso antes. — Fico olhando-a rodar até que
meu tio chega, ela corre e abraça o pai. Minha tia vai até meu tio e lhe beija.
Nunca vi minha mãe fazer isso com meu pai, ele chega do campo e ela
muitas vezes não lhe dirige a palavra.
Olho para trás e meu pai não estar atrás de mim. O vejo olhando para
a estante de livros pensativo. Sinto piedade de meu pai. A amargura da
minha mãe o impede de ter um amor de verdade. Sou tirado dos meus
pensamentos quando a porta se abre e meus tios chegam de mãos dadas.
— Filho! Você está bem? — Minha tia me abraça carinhosamente.
Nunca minha mãe fez isso, agora que estou livre de suas mentiras que
consigo ver tudo à minha volta.
— Estou minha tia. Me perdoe. — Quando vou ajoelhar, minha tia me
segura. Vejo lágrimas em seus olhos.
— Não faz isso! Sabe que te perdoo. Não precisa se humilhar para
mim. Tenho você como um filho e sei que você estava confuso com que sua
mãe lhe disse, mas agora você sabe a verdade. Não queria que fosse assim e
você saiu machucado. Sinto tanto meu menino. — Minha tia me abraça e
chora.
Por que minha mãe não podia ser como ela?
Desde aquele dia minha mãe não chega mais perto de mim. Se
aproxima somente para colocar minha comida. Abraço a minha tia e choro
pelo carinho de mãe que ela me dá, que nunca tive da minha própria mãe.
— Obrigado, tia. Por ser boa para mim e meus irmãos. — Ela sorri e
passa a mão em meu rosto.
— Então combine como seu pai um dia para termos aulas de inglês,
seu irmão está indo muito bem e como você é muito inteligente, sei que vai
aprender rápido. — Ela me abraça novamente e faz uma saudação para meu
pai e sai.
Passo o dia na casa de meus tios com meu pai, minha ratinha fica
sempre longe e não me olha em momento algum. A tarde ela vai para seu
quarto para não ter contato comigo, me senti o pior dos homens, pois as
poucas vezes que ela me olhava estava sempre com medo do que eu ia fazer
ou falar.
Minhas aulas começaram na semana seguinte, foi assim que descobrir
que minha ratinha estava estudando em outro país. Férias ou em caso de
festas, ela voltava. Um dia estava procurando minha tia e a vi na estufa
cantando em francês, estava com roupas ocidentais e cuidando das plantas.
Ela estava crescida, devia ter quatorze anos. Seus cabelos longos
estavam em uma trança, ela usava calça jeans e uma camiseta. Quando virou
de costas pude ver a cicatriz em seu braço direito.
Minhas atitudes que a deixou com uma cicatriz e isso me entristecia,
pois sabia que suas cicatrizes estavam na alma e eu era o culpado por isso.
Me virei e sai sem ser visto.
No ano seguinte foi a sua festa de seus quinze anos. Meu pai e meus
irmãos chegaram cedo. Ele não ficaria muito tempo para minha mãe não ficar
sozinha na fazenda. Minha tia, a esposa de meu tio Kaled foi empregada de
minha mãe quando ela morava na casa de meu avô e estava fazendo
companhia para mina mãe. Estranho que tia Aysha conheceu meu tio no dia
do casamento de meu pai. Ele pediu sua mão e se casou no mesmo dia e logo
ela ficou grávida de meu primo. Minha tia é diferente de minha mãe, aliás
todas as mulheres da aldeia são diferentes de minha mãe.
Sou tirado dos meus pensamentos quando meu tio Samir anuncia a
entrada de Helena. Ela está toda coberta com uma burca preta, está de véu
cobrindo seus cabelos e rosto. Quando meu tio retira seu véu, o salão todo
para de falar. Ela retira a burca e está com um vestido dourado longo com
uma saia rodada, seus cabelos estão com um peteado onde seu rosto fica
visível e o longo comprimento solto, uma tiara de diamantes e um leve batom
cor de pêssego.
Ela é belíssima e está sorrindo. Fico encantado e vou andando até ela
sem perceber e quando vejo, eu estou em sua frente, assim que ela me vê seu
olhar é de medo. Minha vontade é me ajoelhar aos seus pés na frente de
todos e pedir perdão, mas seguro a sua mão, a felicito e peço perdão. Ela me
acusa de não cansar de feri-la e sai chorando.
Quero ir até ela e minha tia me tranquiliza e foi vê-la. Pude ouvir
suas palavras sobre perdão, minha tia é uma mulher sábia.
Peço perdão a ela que depois da conversa com minha tia, ela me
perdoou. Voltamos para festa, ela de braço dado com meu pai. Ela dançou
com meu tio Samir, com meu pai e nosso avô. Estava encantado, mas a
realidade era que ela é inalcançável para mim.
Estava na idade de casar, mas nenhuma das moças de minha aldeia ou
da aldeia de meu avô me interessava. Apenas minha pequena ratinha e
praticamente eu não via que dominava meus pensamentos.
Helena estava sempre estudando na Europa e quando estava em casa,
ela me evitava. Não fazia as refeições a mesa quando eu estava em sua casa.
Anos se passaram e minha mãe mais uma vez aprontou, e dessa vez
foi mortal. Ela tomava um chá para não engravidar, meu pai nunca soube,
mas quando o chá não fez efeito, ela engravidou.
A gravidez era de risco e uma noite ela perdeu muito sangue. Meu pai
a levou para o hospital, meu irmão nasceu prematuro e minha mãe morreu
dois dias após o parto.
O pequeno Kalil ficou internado por meses na incubadora. Meus tios
pagaram as melhores clínicas e hospitais para meu irmão, graças a ajuda
deles o pequenino sobreviveu e é a razão de viver de meu pai.
Sempre perguntei por Helena a minha tia que me contava como ela ia
bem na faculdade. Ela se formou em medicina e estava trabalhando na
Inglaterra, mas iria voltar para casa e trabalhar na clínica de meu primo.
Minha tia falou que ela ia trazer uma amiga, uma brasileira que iria
assumir a vaga no hospital da aldeia de meu pai. Ela ficaria na antiga casa
de minha avó que foi novamente reformada. A médica tem boas referências e
fala inglês fluente, já é suficiente para trabalhar aqui.
Em uma noite, meu pai saiu com Mustafa para resolver uma discussão
de fazendeiros e meu irmãozinho Kalil passou mal. Coloco-o no carro e o
levo para emergência. Ele estava com febre alta, quando cheguei, fui bem
atendido. Estava esperando para saber de meu irmão quando chegou uma
doutora para falar comigo.
Ela é linda. Com olhos azuis e cabelo coberto por um véu branco,
está com uma abaya branca e um jaleco rosa. Tenho a impressão de tê-la
visto em algum lugar. Não me é estranha e fala um inglês perfeito. Fico
pensando de qual aldeia pode ser essa moça, mas ela deve ser a médica
estrangeira.
Ela informa que meu filho está com pneumonia e precisa ficar
internado. Não a corrijo por pensar que Kalil é meu filho. Anos de
ensinamentos de minha tia me fez ter um inglês fluente, posso falar sem
passar vergonha. Ela se apresentou como doutora Morgan.
Ela termina de me informar e vai falar com a enfermeira entregando o
prontuário de meu irmão que ela segurava contra o peito. Foi assim que vi
seu nome bordado no jaleco, Dra. Helena Morgan e tinha um pequeno “rato
branco” bordado ao lado do nome.
Fiquei pensativo até que o nome fez sentido em minha cabeça: Dra.
Helena ratinha branca. Arregalo os olhos e falo alto:
— Dra. Ratinha branca? Helena? Minha prima? — Ela me olha séria
e fala com olhos frios.
— Oi Mohamed. — Fico parado sem reação.
Minha Helena voltou! Agora posso ter a oportunidade de corrigir meus
erros e quem sabe um dia ter sua confiança, e seu amor.
HELENA

Cinco anos na escola da Inglaterra para meninas e o tempo passa


rápido.
Escolhi minha profissão, vou ser médica. Meu irmão Shaman estuda
medicina. Em duas semanas é meu aniversário de quinze anos e meu pai quer
fazer uma festa para me apresentar a toda a família e amigos.
Olho para a fonte que está jogando água, minha decisão de estudar
longe de casa me fez amadurecer, me sinto outra. Não tenho a super proteção
de meus pais. Olho para minha mala, daqui a pouco o carro vem para me
buscar. Algumas horas de avião e estou em meu país.
Meus cabelos estão na minha cintura, são loiros. As meninas não
acreditavam que sou filha de meu pai ou irmã de meus irmãos. Tirando
Karim que tem os olhos azuis, Omar tem os olhos castanhos como meu pai e
Shaman verdes. Eles são morenos e sou branca. Uma “ratinha branca”.
Faço careta, não gosto de lembrar de meu primo, não falo seu nome. Meu pai
o proibiu de ficar a sós comigo ou me dirigir na palavra sem minha
permissão e se não tiver um adulto perto.
Depois de algumas horas de viagem vejo a torre do palácio. Estou em
casa. Assim que atravesso o portão, chego à frente da entrada e logo sou
recebida por meus pais, irmãos e avós. Olho para trás e vejo tio Abizar,
fiquei muito feliz que ele veio me receber. Ele ficou a tarde toda na nossa
casa e seu filho mais velho ficou responsável pelos campos com seus irmão
e primos.
O dia mais esperado por mim, chegou o dia da apresentação. Não
somente a minha família, mas a sociedade como a filha do Sheik Samir
Abdullah. Estava no corredor do andar de cima cercada por seguranças
esperando o pronunciamento de meu pai. Me olho no espelho do corredor,
conforme a tradição estou com uma burca azul com dourado e um véu que
cobre a cabeça. Somente meus olhos estão de fora.
Escuto meu pai falar para os convidados o meu nome. Os seguranças
fazem sinal e começo a descer a escada, quando chego no salão meu pai
retira o véu de meu rosto e de meus cabelos. Todos se calam quando ele
beija a minha testa.
— Apresento a todos a minha filha Helena Morgan Hamid Abdullah.
— Todos aplaudem e sorrio.
Fico ao lado de meus pais enquanto todos me cumprimentam, meu tio
vem falar comigo e faço uma saudação. Estou feliz até que ele parou na
minha frente. Era maior do que eu me lembrava e muito bonito em um
smoking preto, uma barba bem feita e os mesmos olhos verdes. Era
Mohamed meu primo. Ao lado está meio tio.
— Helena, desejo que Allah lhe dê tudo de bom e que você seja feliz.
— Engulo em seco e abaixo a cabeça. Estou apavorada. Quero um lugar para
fugir. Ele vê meu desespero e segura minha mão. — Não vou machuca-la.
Por favor! Perdoe-me minha ratinha branca. — Uma lágrima desce de meus
olhos. São muitos anos de perseguições.
— Por quê? — Falo em um sussurro. — Por que sempre me
machuca? Nunca foi suficiente? Tem que fazer essa brincadeira cruel em
minha festa? O que eu te fiz? Por que você me odeia? —Puxo minha mão,
saio entre os convidados, meu segurança me segue e faz sinal para o outro.
Vou para o jardim até que escuto a minha mãe falando com alguém.
— Ela precisa de tempo, filho. Está magoada, ela não te odeia, eu
também não. Você para mim, é como um filho. Você mostrou que se
arrependeu quando soube a verdade. De tempo a ela. — Minha mãe fala com
calma e escuto seus passos. Ela me abraça e fico chorando.
— Por que ele me odeia, mãe? O que fiz de errado? — Choro muito.
Minha mãe passa a mão no meu cabelo em forma de carinho.
— Filha, você não fez nada, mas nunca entendi sua tia. Mohamed
agora sabe a verdade e está arrependido, ele não está brincando, ele quer te
pedir perdão. — Paro de chorar e olho para minha mãe.
— Não posso perdoar. Ainda dói aqui. — Aponto para meu coração,
minha mãe sorri e limpa minhas lágrimas.
— O perdão nos deixa livre para seguir. — Fico olhando minha mãe,
apesar de tudo ela perdoa minha tia e aceita seus sobrinhos e meu tio.
Quero e preciso prosseguir, mas não vou conseguir enquanto não
esquecer o passado e para isso, preciso perdoar Mohamed. Faço que sim
com a cabeça e minha mãe faz um sinal para o segurança.
Escuto passos, meu tio para em minha frente e beija a minha testa.
Mohamed está atrás dele, assim que meu tio se afasta para o lado ele se põe
de joelhos na minha frente.
— Helena Morgan Hamid Abdullah te peço perdão por tudo que lhe
fiz, por todas as calúnias que te falei, por toda falta de respeito que um dia
eu te infligi. Eu estava errado! Eu te peço joelhos. Por favor, perdoe-me! —
Olha para ele. Suspiro e falo para mim: Posso fazer isso.
— Mohamed. Te perdoo. — Seguro a mão de minha mãe e respiro
fundo.
— Obrigado. — Ele fala baixo e vejo meu pai próximo olhando para
Mohamed, que se levanta. Ele vai até meu pai e o abraça. Meu tio vem até
mim quando me levanto, me abraça apertado, e fala:
— Obrigado, minha filha. Muito obrigado. — Fico abraçada com
meu tio. Ele sempre foi como um pai para mim. — Quando você volta? —
Meu tio pergunta ao meu soltar do abraço.
— Vou para faculdade de medicina assim que terminar meus estudos
no internato. Sabe tio, quero cuidar do nosso povo. — Suspiro e sinto que
meu primo está me olhando. Meu pai entrou com minha mãe e estou voltando
para a festa com meu tio, e Mohamed nos segue.
— Não fique muito tempo longe, Helena. Sabe que nosso povo adora
a sua beleza. — Fico sorrindo, meu tio é muito carinhoso comigo.
— Não sou bela, tio. Sou apenas uma ratinha branca. — Ficamos
sorrindo e voltamos para festa. Minha noite foi perfeita.
Voltei para casa de meus pais alguns finais de semana, mas evito o
máximo o contato com ele. Algumas vezes ficava no quarto outras na
biblioteca, mas não queria sua amizade ou companhia e não falava seu nome
ou se quer lembrava que ele existia.
Mamãe tem razão, o perdão nos liberta e se foi verdadeiro da parte
dele não sei, mas da minha parte foi tudo verdade. E naquela noite virei uma
página de minha vida e comecei a viver de novo. Voltei a ser alfaar alsaghir
al'abyad (pequena ratinha branca).
Alguns anos depois, fui para faculdade de medicina e quase não ia
para casa. Voltei quando minha tia morreu de parto e meus pais estavam
pagando as melhores clínicas para o bebê que nasceu fraco e prematuro.
Parece que minha tia andou bebendo umas ervas para evitar gravidez durante
anos sem que meu tio soubesse e quando ela engravidou, depois de anos não
suportou e morreu alguns dias após dar à luz.
Voltei para a Inglaterra para meus estudos e falava sempre com meus
pais. Fiquei sabendo que o menino se salvou e meio tio criava o meu primo
com ajuda dos filhos maiores e de Aysha, sua cunhada. Segundo a minha mãe
o menino sempre ficava doente e meu tio tinha muito cuidado com ele.
Voltei um ano após a formatura com uma amiga, ela foi minha
supervisora residente e me ajudou muito. Seu nome é doutora Renata, ela é
brasileira e conseguiu uma bolsa de estudos. Como tinha boas notas
conseguiu um emprego e se casou com um médico metido a garanhão, e eles
estavam separados.
Quando falei da situação de algumas vilas, ela se comoveu e se
candidatou a uma vaga no hospital da aldeia de meu tio Abizar onde vou
fazer plantão voluntário para ajudar, pois, faltam muitos profissionais para
atendimento naquela região.
Meu pai montou uma clínica para mim e meu irmão. A minha amiga
tira alguns plantões particulares para render o meu irmão quando ele tem
assuntos diplomáticos. Ela está adorando a vida aqui, pois ela tem uma
renda extra. Ela me falou que ajuda seus pais que tem um pequeno sitio em
uma cidade no interior.
Estou amando ter voltado para casa. Tudo ia bem até aquela noite na
emergência. Foi durante um atendimento que meu passado voltou
rapidamente a me encontrar e o nome dele é Mohamed.
HELENA

Hoje o plantão está calmo.


Cheguei há uma semana e meu pai queria festa, porém voltei para
trabalhar. Estou na clínica particular do meu irmão e no hospital comunitário
da aldeia de meu tio. Amanhã minha amiga vai render meu turno.
Sou especializada em pediatria e amo cuidar de crianças. Estou
arrumando os prontuários quando escuto um burburinho de que chegou uma
criança com febre e vou correndo atender. É um menino lindo que está com
pneumonia. Solicito exames que confirmam o diagnóstico. Solicito
internação e medicação intravenosa. Vai ter que ficar uns dias no hospital,
vou ter que falar com pai dele.
Pego a ficha e vou ler o nome do pai Mohamed Hamid Ubaydah.
Fecho os olhos.
— Não pode ser... Allah! Evitei tanto esse momento, meu pior
pesadelo. — Olho para o menino dormindo tranquilo, filho de Mohamed.
Que criança linda! Por que não notei antes a semelhança com tio
Abizar?
Pego a prancheta como se fosse uma tábua de salvação e vou falar
com ele, que me olha e não me reconhece. Como ele ficou bonito, não é para
menos que está casado. Uma pena! Não pense assim! Me repreendo
mentalmente. Ele é ruim como minha falecida tia. Tenho que manter
distância.
Me apresento com o sobrenome de minha mãe, ele não desconfia
quem sou. Termino de falar sobre seu filho e vou entregar a ficha no posto
médico. Ele fica parado pensando em algo. Entrego a ficha e passo para ele,
quando estou a uma distância pequena, escuto ele falar.
— Dra. Ratinha branca? Helena? Minha prima? — Assim que escuto
viro-me o olhando séria.
— Oi! Mohamed. — Ele fica parado me olhando, eu fico olhando
séria para ele.
— Você mudou! Está diferente. — Ele continua.
— Cresci, não sou mais uma criança indefesa e assustada. — Falo
seco com ele.
— Minha tia não falou que você havia chegado. — Ele fala
pensativo.
Minha mãe fala de mim para ele?
— Voltei há uma semana, ainda estou me ajustando. Com licença,
preciso ver meus pacientes. — Me virei e sai sem esperar resposta.
Ele parece mudado e está muito bonito, mas agora ele é pai e na nossa
cultura ele é casado, então não preciso me preocupar com ele.
De manhã vou ver o pequeno Kalil que já está melhor. Passei por
Mohamed que estava dormindo na cadeira da sala de espera, ele parece ser
um pai dedicado. Mas onde está sua esposa?
Ele substitui meu avô, mas minha mãe falou que às vezes ele fica nos
campos com meu tio Abizar. E pelas roupas que ele está usando, estava no
campo. Será que a esposa dele é da aldeia de meu tio?
Entro no quarto do pequeno. Ele está chorando.
— O que foi pequenino? Por que choras? — Ele fica quieto me
olhando. — Olha sabe quem sou? — Ele faz que não com a cabeça. Aponto
para o ratinho bordado em meu jaleco. — Sou a Dra. alfaar alsaghir
al'abyad. — Ele arregala os olhos que são verdes meio cinza, iguais aos de
Mohamed.
— Você foi uma ratinha branca? — Olho para ele e coloco o dedo
indicador na boca para ele fazer silêncio.
— É nosso segredo. — Ele rir. — Papai chegou? — Ele fica
encantado com a luva que enchi e fico fazendo som de passarinho.
— Sim. Vou chamar seu pai. — Vou até meu primo que está acordado.
— Seu filho está te chamando, venha comigo. — Ele levanta e vem quieto ao
meu lado.
— Mohamed! A Dra. Ratinha me deu uma luva. — Ele chama o pai
pelo nome? Fico pensativa. — Papai não chegou? — Fico ouvindo a
conversa, não me contenho e pergunto:
— Você não é o pai dele? — Meu primo me olha sério.
— Não, ele é meu irmão caçula. — Quando ele fala lembro-me que
minha mãe me falou que minha tia morreu no décimo terceiro parto. Outro
menino que ela tentou evitar a gravidez e deu alguns problemas porque o chá
era tóxico.
— Nosso pai deve chegar daqui a pouco. — Ele está me olhando nos
olhos.
— Tio Abizar, vai chegar? — Tem alguns anos que não vejo meu tio,
olho para meu priminho. — Somos primo sabia? — Ele sorri.
— Verdade Dra. Ratinha? Você é bonita, vou poder te ver sempre?
— Vou até ele e o abraço.
— Sim. Você já foi na casa de minha mãe? Tia Lena. — Ele fica
todo animado.
— Tia Lena é bonita, ela me ensina coisas legais. Você vai me
ensinar coisas legais? — Ele me olha curioso.
— Claro que sim, mas agora vou para casa e você vai ter que ficar
mais um pouco aqui. Sabe, uma amiga minha vai cuidar bem de você. — Ele
me olha desconfiado. — Ela é muito boa, você vai gostar dela. — Faço
carinho em sua cabeça e meu primo olha tudo atentamente. Dou lhe um
beijinho e faço o caminho para sair do quarto.
— Helena! — Assim que ele fala, eu paro. — Obrigado. — Balanço
a cabeça de forma afirmativa e saio. No corredor encontro minha amiga toda
enrolada para colocar o jaleco, vou até ela para ajudar.
— Bom dia, doutora Renata! Quer ajuda? — Ela me olha, sorri
virando de costas e esticando os braços.
— Bom dia, como vocês conseguem colocar tantas roupas? É uma em
cima da outra! Deus estou levando uma surra. — Ficamos rindo até que ela
vira de frente, me abraça e fala no meu ouvido. — Obrigada, mas não olha
agora tem um homem te olhando. Mulher! É muito lindo, mas precisa trocar
de roupa.
— É meu primo. — Falo rápido.
— Aquele? O ruim? — Faço que sim com a cabeça. — Deus só
tem homem bom. — Ele é ruim, mas é bom. Estou começando a gostar daqui.
— Fico rindo.
— Olha, meu priminho está internado aqui e não vou liberar alta, ele
está com pneumonia e meu tio é viúvo. Tem... deixa eu ver que até perdi as
contas. — Fico batendo no queixo e falo. — Acho que são treze filhos. Tem
algum com dez anos, acho. — Olho para minha amiga que está de boca
aberta. — O que foi?
— Seus tios são alguma espécie de coelhos? Ou estavam tentando
povoar alguma aldeia? — Fico rindo. Ela é muito boba.
— Não! Na tribo dele isso é normal. — Ela levanta a sobrancelha.
— Então ta! Já que você está falando. Mulher! Me falaram que o
líder da aldeia passaria lá em casa, mas foi uma mulher, suponho que é
esposa dele. Ela tapou até a cabeça, falou que se eu precisasse de alguma
coisa para eu falar com ela. Tem um problema! Como vou saber quem ela é?
Se todas estão tapadas! — Fico olhando e rindo da cara de minha amiga.
— Não liga, qualquer coisa meu tio manda alguém para te ajudar.
— Seu tio coelhinho? — Fico rindo de como ela leva tudo em uma
boa.
Pego minha bolsa, guardo meu jaleco e coloco minha burca negra
cobrindo os cabelos e o rosto. Meu celular toca, o carro chega, passo pela
ala e vejo minha amiga falando com Kalil que rir e brinca. Bato a mão para
ela que me joga um beijo. Mohamed está na máquina de café e fica me
olhando. Faço uma saudação com a cabeça e vou embora.
HELENA

Meu priminho teve alta e as semanas passaram rápido.


Desde aquele dia não vi Mohamed, mas sei que ele vai lá em casa,
pois Kalil ficou alguns dias com minha mãe quando teve alta. Ele é adorável.
Minha mãe falou que Mohamed esteve lá para levar o menino as
aulas de inglês com ela ou foi discutir assuntos com meu pai. Sempre que ele
está em casa, arrumo uma desculpa para não descer, sei que sou covarde,
mas a única vez que fiquei a sós com ele penso, e olho para meu braço.
Meu pai me dá autorização de andar com roupas ocidentais aqui na
estufa, minha mãe está resolvendo algo lá na cozinha. Ela e Maísa falaram
que vai ter um almoço para nossas famílias em uma semana. Convidei minha
amiga Renata, ela trocou o plantão com um médico local, quero apresenta-la
a meu tio Abizar.
Toquei em uma das orquídeas e fico ouvindo Edith Piaf, minha mãe
adora a sua voz lamuriosa, voz de pardal como a chamavam. Minha mãe ama
a música “Hino do Amor”, foi a segunda vez que ela viu meu pai estando
sóbria. Meu avô e suas trapalhadas, fico rindo.
Renata teve uma impressão ruim dos nossos homens quando aquele
homem louco invadiu o hospital aos gritos, coitado devia está desesperado.
Pobre “homem camelo”, como ela fala. Dou muitas risadas quando ela
começa a discursar que o “camelo” com um bom banho e se fizer a barba
fica apresentável. Engraçado que quando ela fala que o “camelinho pode
virar gatinho” com higienização, fico rindo. Ela mandou o coitadinho ir
tomar banho, ele ficou nervoso. Ela acredita que ele pode ser um daqueles
homens que tomam banho anual. Fico rindo sozinha até que escuto o barulho
da porta.
— Mãe! Sei que a senhora ama Edith Piaf, mas você poderia colocar
o som mais baixo. — Viro e fico parada. Mohamed. Ele está fixo me
olhando. Começo a suar frio, lembro-me a última vez que fiquei sozinha com
ele.
— Helena. — Ele faz uma saudação. — Minha tia está? — Fico
olhando desconfiada para ele que não faz movimento de entrar no escritório
de minha mãe.
— Na cozinha com Maísa. — Ele me olha de cima a baixo, mas não
demostra nada.
— Obrigado. — Fecha a porta. Solto o ar pela boca aliviada. Volto a
cuidar das plantas até que minha mãe chega.
— Mãe! Mohamed está te procurando. — Ela sorri. Está com uma
túnica verde, apesar de passar dos cinquenta anos ela é linda e meu pai ainda
faz o coração das mulheres bater mais rápido, mas seu coração tem dona.
— Eu o encontrei no caminho, seu pai queria falar comigo. Agora
eles irão fazer uma reunião de portas fechadas, coisas de homens. Falando
nisso. Algum pretendente? — Fico sorrindo para minha mãe.
— Não. Ninguém me chama atenção. — Penso em Mohamed. Se tudo
tivesse sido diferente estaríamos casados. Suspiro.
— Três libras egípcias por seus pensamentos. — Olho para mamãe e
fico seria.
— Como você consegue confiar em Mohamed? — Ela puxa uma
cadeira, senta e faz sinal para eu sentar.
— Sabe filha, eu entendo o seu lado e o dele, sua falta de confiança
nele pelos erros que cometeu. — Ela passa as mãos nos cabelos negros.
Como eu queria que meu cabelo fosse como os dela. Ela volta a falar me
tirando dos meus pensamentos. — Sabe, seu pai permitiu que seu primo
viesse aqui em casa muitos meses depois do ocorrido e ele pediu perdão de
joelhos a seu pai, mas não o deixei fazer isso. Eu sabia que ele estava cego
pelas mentiras de minha irmã.
— Não justifica tudo que ele fez. — Ela me olha carinhosamente.
— Filha se eu contasse algo para você que não fosse verdade, você
iria me questionar se não soubesse do ocorrido? — Olho para ela e
respondo:
— Claro que não! Jamais questionaria sua palavra. — Ela me olha e
sorri. Fico pálida.
— Com ele foi a mesma coisa. Ele amava a mãe e nunca questionou
suas mentiras. Helena, nos três fomos vítimas de sua tia. Três não, quatro.
Seu tio teve que disciplinar Mohamed e punir sua tia. Sabe como são as
correções no povo de seu tio? A punição é feita com chicote. — Fico com as
mãos na boca e meus olhos enchem de água. — Mohamed ainda tem as
marcas de sua punição nas costas e seu tio em seu coração. Abizar sofre em
ter que bater para dar exemplo, mas ele precisava punir Mohamed e minha
irmã. — Fico olhando minha mãe e a abraço.
— Eu nunca soube disso. — Fico chorando enquanto minha mãe me
consola.
— Sabe filha, muitas vezes temos que dar o primeiro passo para
começarmos de novo. Seu pai e eu nunca forçaremos você ou seus irmãos a
fazer o que queremos, mas sentimos sua falta durante as refeições, seu lugar
sempre fica lá. Se dê uma oportunidade, veja como ele mudou. — Ela limpa
meu rosto e beija a minha bochecha.
— Obrigada, mãe. Eu te amo. — Ela sorri.
— Também te amo, minha filha. — Saio da estufa e vou para meu
quarto. Deito e durmo pensando em tudo que minha mãe me falou.
Na hora do jantar, tomo banho e coloco uma hijab lilás, faço uma
trança embutida, coloco um véu e me maquio levemente. Segundo a minha
mãe meu lugar estava a mesa.
Olho para o espelho, tenho que fazer, preciso superar para seguir em
minha vida. Desci as escadas lentamente e escuto a conversa animada na
sala. Minha mãe falando e todos rindo e comentando. Assim que chego na
porta todos me olham, inclusive Mohamed.
— Boa noite. — Sorrio e todos respondem. Minha mãe vem até mim
e me abraça me levando até o meu lugar a mesa.
Temos um jantar maravilhoso, conversamos e rimos. Pela primeira
vez não tenho medo e ele me perguntou algumas coisas que respondi
normalmente. Durante todo jantar ele me olhava, eu sorri algumas vezes.
Após o jantar fui para o jardim com minha mãe e logo escutamos
passos. Supus que era meu pai, mas era Mohamed. Ele nos olha e faz uma
reverência.
— Tia, Helena posso fazer-lhe companhia? — Minha mãe sorri.
— Claro meu filho, adoro sua companhia. — Ele senta próximo a
minha mãe e fica me observando.
— Helena, você está muito bonita. — Olha para ele e sorrio sem
medo.
— Obrigada. Tio Abizar virá no almoço? — Ele fica surpreso, pois
estou conversando. Ele limpa a garganta, olha para minha mãe que sorri.
— Sim. Meu pai. — Ele faz uma pausa me olhando nos olhos, eu não
desvio e ele volta a falar. — Virá, será uma oportunidade para você
apresentar a sua amiga, afinal ela está morando na aldeia, mas ele ainda não
teve tempo para ir lá. Ele pediu a Alzira para ajudá-la nos costumes. — Fico
sorrindo.
— Alzira de senhor Faruk? — Ele faz que sim e começo a rir. —
Então está explicado, ela falou que uma tal dona Furak. Sabia que ela tinha
trocado o nome. — Fico rindo. Ele fica me olhando atentamente. Depois
ajudamos minha mãe com as plantas e mais tarde ele foi embora.
Naquela noite minha vida mudou, mas não eu sabia que mudaria
radicalmente nos próximos dias.
HELENA

Estou animada para o almoço em família.


Porém estou achando estranho que esse almoço vai ser para os adultos,
os meus primos menores não virão. O lado bom é que vou apresentar minha
amiga para tio Abizar. Eles combinam, com certeza.
Hoje ela dormiu aqui em casa, vou arrumar para que ela fique mais
bonita, meu tio não vai resistir e logo vai estar pedindo sua mão. Fico
sorrindo e suspiro. Meu pai liberou o véu e coloco minha túnica azul-
turquesa com dourado. Penteio os cabelos, coloco uma tiara com uma joia na
testa e uma maquiagem realçando os olhos. Ficou perfeito!
Ajudei a minha amiga a ficar arrumada. Fiz uma maquiagem para
realçar seus olhos castanhos esverdeados. Vou correndo até a cozinha e tudo
está perfeito. Meus pais adoram minha amiga e minha mãe está me ajudando
como cupido para tio Abizar desencalhar. Fico rindo.
Estou voltando e encontrei minha amiga na sala tentando arrumar a
tiara da cabeça.
— Deus quantos acessórios para um almoço. — Fico rindo.
Minha amiga tem um costume diferente, ela falou que os almoços em
família são ao ar livre fazendo churrasco e tomando banho de piscina.
— Você está linda. Sabe, não ficaria admirada se algum homem
fizesse o pedido de casamento. — Minha amiga me olha desconfiada.
— Helena! O que você está aprontando? — Sorrio e quando vou
responder, minha mãe chega e puxa minha amiga pelo braço para mostrar o
jardim.
Os homens estão em suas reuniões com portas fechadas. Gostaria de
saber o que está acontecendo, afinal meu pai e irmãos, avô, tio Abizar e seus
três filhos mais velhos estão naquele escritório desde manhã. Minha avó está
na cozinha ajudando e Renata me deixou sozinha. Vou para a sala e fico
olhando pela janela, vejo minha mãe andando de braço dado com minha
amiga. Logo Maísa chega e minha mãe sai. Olho para o piano, sento e
começo a tocar uma melodia.
Minha mente voa quando minha mãe me ensinava e eu tocava para
todos meus irmãos. Estou distraída até que escuto um burburinho, paro de
tocar, me levanto, escuto algumas palavras e “camelo idiota”.
Allah! Que confusão é essa?
Abro a porta da sala que dá para o jardim e a briga está feia. Ouço a
voz da minha amiga Renata e tio Abizar.
Levanto minha abaya e vou correndo para onde está a gritaria.
Quando me aproximo, vejo meu tio Abizar andando de um lado para
outro e minha amiga com as mãos na cintura bufando.
— Renata? O que houve? — Ela me olha furiosa, os olhos estão
faiscantes.
— Ele! — Ela aponta para meu tio. — Camelo, que falou que ia falar
com meu marido para me ensinar a respeitar um homem. — Olho para meu
tio que já está uma pilha de nervos. Quando ele fica assim, não consegue
falar ou entender o inglês.
— Tio, calma. — Falo em árabe e ele me olha.
— Ela me chamou de sujo! — Ele aponta para minha amiga que não
entende nada do que falamos. — Mandou-me ir tomar banho, estava com
nojo de mim! Nojo! Sou um trabalhador, honesto, chefe de tribo e chega essa
menininha e fala: “Vai para casa tomar banho”. Mandou em mim! Um
chefe!
— Rê, você o mandou tomar banho? — Minha amiga me olha sem
entender. Esqueci que ela não entende nossa língua. Repito a pergunta em
inglês, ela me olha incrédula.
— Eu sugeri que esse idiota, fosse para casa tomar um banho para se
acalmar, descansar e voltar para o hospital mais calmo. Qual o problema
dele com o banho? Pelo menos agora ele não está no visual hippie. — Ela
fala e vira de costas com os braços encruzados. Olho para meu tio que a olha
com raiva.
— Tio Abizar o senhor entendeu tudo errado, ela pediu para o senhor
se acalmar, na cultura dela é normal falar para as pessoas tornarem banho
para ficar mais calmo. — Ele me olha com cara de desconfiado e olha para
ela.
— Não gosto dela! — Faço cara de abismada. Meu tio falou em
inglês, vai começar novamente a briga.
— Eu também não gosto de você! — Ela fala e ele fica de olhos
arregalados.
— Mulher! Mulher! Se você fosse minha mulher eu ia te dar uns
corretivos, você é abusada, malcriada e eu não lhe dei permissão para falar.
— Ele fica encarando minha amiga que encara ele também.
— Não te pedi permissão! — Ela o encara de novo. Allah! São duas
crianças, vejo meus pais vindo a passadas rápidas junto com Mohamed.
— Mulher teimosa, muito teimosa. Mas vou arrumar um casamento
para você e seu marido vai te dar educação. Ele vai te disciplinar. E quando
um homem falar que você não tem autorização para falar, você vai aprender
a ficar quieta. — Agora meu tio passou dos limites, com ele agora vai virar
briga de verdade.
— Camelo manco. Homem das cavernas, ignorante. — Ela fala na
língua dela, eu não entendi, mas pelo tom é algo ofensivo.
— O que está acontecendo aqui? — Meu pai já chega falando alto
enquanto meu tio e minha amiga estão em guerra de quem fica encarando por
mais tempo.
— Pai, Tio Abizar e Renata se conhecem do hospital, meu tio foi o
homem que gritou com ela. — Meu pai olha incrédulo enquanto os dois
continuam se encarando.
— Abizar, por Allah! Ela é mulher, temos que ser calmos, comporte-
se homem. — Meu tio olha sério para meu pai.
— Ela é uma criança birrenta, precisa de disciplina. — Renata está
encarado meu tio. — Viu! Ela está me encarando e fala sem eu dar
permissão. — Que bom, que estão falando em nossa língua ou Renata seria
capaz de bater em meu tio.
— Abizar tenha paciência, ela é estrangeira. Os ocidentais são
diferentes. — Meu tio ajusta seu turbante. Olha para Renata que está olhando
com um olho quase fechado de raiva.
— Bonita, mas brigona. Coitado do futuro marido, vai gastar cinto.
— Meu pai rir.
— Ela não vai casar com ninguém a não ser que ela queira, não
vamos causar um incidente internacional por isso e afinal o que ela te fez?
— Meu tio passa a mão na barba.
— Me mandou. — Meu pai fica com aquela cara: Te mandou fazer o
quê? — Mandou tomar banho, estava vindo do campo, ela me chamou de
sujo. — Meu pai olha para Renata e depois para meu tio.
— Ela te chamou de sujo? Com todas as letras. — Meu tio suspira.
— Ela falou: “Vai para casa, tomar um banho, descansar e depois
o senhor volta mais calmo”. — Meu pai coloca a mão na testa.
— Allah! Abizar ela queria que você se acalmasse, foi um mal-
entendido. — Meu tio olha para meu pai e minha mãe está saindo com
Renata, que está falando muito em uma língua que não entendo.
Meu tio fica mais calmo e vou para o grande almoço que já começou
dando errado. Estamos a mesa e meu avô está feliz falante e minha avó como
sempre quieta. O clima está estranho, meu pai muito calado e os meninos
também.
Renata e meu tio estão se encarando, mas nada falam. Se pudessem,
os dois começariam a brigar novamente. Meu avô começa a rir e fala para
meu tio.
— Abizar, a última vez que vi um casal briguento assim, acabou em
casamento. A cada briga era um novo menino. Paga logo o dote e casa com a
doutora, ela nova, vocês podem ter mais alguns filhos. — Os dois olham
incrédulos para meu avô.
— Não vou casar com ele!
— Não vou casar com ela! — Os dois falam juntos e com raiva.
— Samir! É bom que vai ser um gasto só, dois casamentos de uma
vez. — Meu pai para de comer e fica assustado.
— Dois casamentos? Pai quem vai casar? — Meu pai me olha sério e
minha mãe está me olhando assustada. — Pai quem foi pedido em
casamento? — Meu pai suspira e fala.
— Mohamed pediu sua mão em casamento. — Assim que escuto
levanto em um pulo fazendo a cadeira cair no chão.
— O que o senhor falou? — Mohamed se levanta e vem até mim.
— Calma Helena, eu pedi sua mão ao seu pai. — Olhei para meu pai
depois para Mohamed e o lugar começou a ficar quente e silencioso. Sinto
meu corpo cair e escuto a voz do meu irmão dizendo algo do tipo: “Ela está
caindo”.
E tudo fica escuro.
MOHAMED

Há dias que meu pai e eu estamos fazendo reuniões com meu tio e pedi
a mão de minha prima em casamento.
Eu a amo e a quero fazer feliz. Hoje será o grande almoço e a decisão
de meu tio. Terei minha linda ratinha como noiva e futura esposa.
Lembro-me do dia que ela saiu do plantão com seu xador negro,
como seus olhos se destacaram. Assim como minha tia, seus olhos se
destacam nas cores escuras. Lembro-me o quanto ficava encantado com
minha tia quando era um menino, mesmo com ódio ficava nervoso quando
via a ratinha, isso me deixava com raiva. Arrumo minha roupa de luxo e me
olho no espelho. Agora acabou! Vou mostrar-lhe que sou diferente, amoroso,
carinhoso e posso ser um bom marido para ela. Jamais a proibirei de fazer
seus trabalhos na medicina.
— Pai, vamos! — Meu pai sai do seu quarto com sua túnica e arruma
seu turbante.
Ele aparou a barba porque hoje seu filho pode ser tornar chefe de sua
própria família. Motivo de orgulho para qualquer pai.
— Você está ótimo filho, sua noiva vai gostar. — Sorrio para meu
pai.
— Tio Samir vai me dar sua resposta. Não quer dizer que seja um
sim. — Meu pai vem até a mim e arruma meu turbante. Desde pequeno ele
faz isso comigo e meus irmãos. Sempre adorei o carinho que ele nos dá.
— Você é um ótimo partido filho, além de ser da família. Você se
tornou um bom homem e será um bom marido. — Olho para meu pai, tão
jovem e sem uma esposa.
— Pai, o senhor já escolheu uma esposa? — Ele me olha e penso que
minha tia quer apresentar a amiga de sua filha. A estrangeira que vi no
hospital. Ela é bonita e pequena, parece medir um metro e sessenta. Meu pai
é alto, tem um e noventa, mas se eles se gostarem, altura não vai ser
problema.
— Ainda não filho, pretendo esperar mais um pouco. Por que? —
Olho meu pai, ele não pode desconfiar que tia Lena e eu estamos querendo
casa-lo de novo.
— Só curiosidade, afinal já são quase quatro anos que a mamãe
morreu e o senhor cria meus irmãos menores. Fiquei pensando, quem sabe o
senhor não casa e sua nova esposa não tenha uma menina? — Meu pai me
olha e sorri.
— Filho, sou grato a Allah por meus treze meninos, mas se tivesse
mais alguns filhos, seria um homem muito feliz. — Ele fica sorrindo. Meu
pai sempre foi bom e paciente conosco. Desde pequeno ele nos leva para os
campos e era muito divertido ficar com ele, diferente da mãe que estava
sempre séria e distante.
Chegamos à casa de tio Samir e a reunião será a portas fechadas.
Estou aflito porque nessas reuniões o assunto é muito sério. Meu avô e meus
primos estão presentes, além de meu pai e meu tio.
— Bom dia a todos. — Tio Samir sempre tem um porte elegante e
imponente. Vejo alguns cabelos grisalhos saindo de seu turbante, ele é um
homem correto é justo. Nossas reuniões são sempre sem as mulheres para
discutirmos assuntos importantes. — Dou a palavra a Abizar.
— Eu Abizar Ubaydah, filho de Jamil, neto de Kaled. Venho pedir
oficialmente por meu filho a mão de Helena Morgan Hamid Abdullah, filha
de Samir Abdullah, em casamento. — Todos estão em silêncio até meu tio
falar.
— Como de costume de nosso povo o pai determina o noivo da filha
e a noiva dos filhos, mas na minha família faço diferente. Em conversa com
minha esposa, decidimos que não vamos obrigar nossos filhos a um
casamento que eles não queiram. — Assim que meu tio fala, me levanto.
— Tio, por favor!
— Ainda não terminei. Sente-se! — Meu tio me olha sério e sento
ficando quieto. Meu pai é o único de pé e a sala fica em silêncio. —
Voltando. Minha filha já dispensou cinco casamentos desde sua festa de
quinze anos. Homens que seriam bons maridos, mas a queriam como objeto
de adorno por ser bela, ela seria apenas exposta em festa e eventos. Helena
gosta de ter sua própria vida e como a mãe, ela gosta de ajudar nosso povo.
— Meu tio para de falar e escutamos uma doce melodia de piano. Ele sorri.
— Minha filha que está tocando. — Olho para meu tio sem entender, ele
volta a falar. — Pela melodia sei quando é minha doce esposa que está ao
piano ou minha linda filha. — Vejo adoração nos olhos de meu tio quando
fala de minha tia. Isso que quero para mim e minha Helena. Amor, adoração
e companheirismo. — Então Mohamed, filho de Abizar e neto de Jamil. Não
negarei o seu pedido, porque para mim você é o melhor marido que minha
filha poderia ter. — Solto o ar que estava segurando e sorrio. — Mas, a
resposta positiva ou negativa será dela. — Meu sorriso morre e começam
todos a falar na sala.
— Como a resposta será dela? — Assim que pergunto a sala fica
toda em silêncio
— Você frequentará a minha casa por seis meses e neste período, irá
mostrar para ela como você é, como você a quer bem e no final desse
período, ela vai dizer se quer ser sua esposa. — Olho para meu pai em
súplica. Casado seria mais fácil mostrar a ela que posso ser bom marido,
mas fazendo visitas vigiadas?
— Samir, seja razoável, você sabe que o casamento é uma forma de
acostumarmos com nossas esposas. — Meu pai pede e tio Samir olha sério
para ele e levanta uma sobrancelha.
— Fiquei nove semanas na Europa, após minha primeira noite de
casado. Não querendo ver a minha esposa. Pedi uma noiva e descobri outra
em minha cama na noite de núpcias. — Meu avô rir de sua atrapalhada. —
Quando voltei, ela me ignorou por duas semanas, não ficava no mesmo
cômodo que eu ou fazia as refeições comigo. Também fui um cretino.
— Lena é doce, mas quando quer ser birrenta. — Meu avô rir alto.
— Depois de duas semanas, conversamos e ela me deu uma
oportunidade de conhece-la. Durante um mês vivermos no mesmo teto, mas
não como marido e mulher, e foi importante para o início de nosso
relacionamento, pois me apaixonei por ela e a amarei até o fim dos meus
dias. Então Mohamed, você e minha filha tem um passado doloroso e estou
lhe dando a oportunidade de corrigir isso, mostrar para ela que você é
homem bom, honrado e que pode ser um ótimo pretendente. Você aceita meus
termos? — Olho para meu tio e mais uma vez ele está certo.
— Sim, agradeço a oportunidade que o senhor está me dando. —Ele
sorri.
— Que esse assunto fique só entre nós homens até eu falar com minha
filha. Mohamed você terá livre acesso à minha casa por esse período. Ajuste
com as folgas dos plantões de Helena no hospital e venha para vocês se
conhecerem. — Faço que sim com a cabeça. — Se quiserem sair... Shaman e
Mohamed precisamos conversar sobre algumas aldeias. — Tio Samir fala
para os outros e meu pai vem até a mim, me abraça e sai da sala.
Ficamos conversando sobre problemas e soluções da aldeia de meu
avô até que escuto meu pai falando alto. Com quem? Escutamos uma voz de
mulher que está furiosa. Meu tio e eu saímos correndo da sala, meu avô fica
da janela olhando a confusão.
Quando chegamos no jardim vejo que meu pai conheceu a amiga de
Helena e a situação não é boa. Meu pai está igual a um tigre enjaulado,
andando de um lado para outro, falando e gesticulando.
Meu tio conversa com meu pai enquanto a pequena mulher fica o
encarando. Estou querendo rir da situação, afinal minha mãe não deixa meu
pai zangado. Triste sim, mas não assim tão cheio de vida. Achamos a mulher
certa, agora é só convencer meu pai a dar o dote e logo ele terá uma nova
esposa. Fico sorrindo.
O almoço e está um desastre. Meu pai e sua futura esposa estão se
encarando, parece que vão se matar e todos a mesa comem no automático.
Até meu avô falar demais e quando meu tio fala do pedido de casamento,
vejo o desespero estampado no rosto de Helena.
Ela levanta no pulo, fazendo a cadeira cair no chão fazendo um
estrondo, levanto e vou acalma-la.
— Calma Helena, eu pedi sua mão ao seu pai. — Ela olha para o pai e
olha para mim. Seu rosto está em completo desespero. Vou me aproximando
lentamente para não a assustar mais.
— Ela vai cair. — Karim grita e corro para segura-la.
Era para ser um almoço de festividades e acabou em uma tremenda
confusão. Tudo devido a meu avô que não sabe ficar com a boca fechada.
HELENA

Acordei em minha cama e no pulo.


Minha amiga estava ao meu lado e minha mãe sentada aos pés da cama.
— Por favor, diz que não é verdade? Diz que me pai negou, não
quero casar com ele. — Coloco o braço em cima da cabeça tapando os
olhos.
— Filha seja razoável, ele é um bom partido. — Minha mãe fica
tentando contornar a situação.
— Ele é gato, aliás sua família está cheia de gatos, até o coelhinho é
bonito, quando não está gritando igual a um camelo. — Minha mãe olha para
minha amiga.
— Coelho? Que camelo? — Minha amiga rir.
— O tio dela. Ele é bonito, mas grita. Meu Deus! O homem é
estressado demais. — Minha mãe fica rindo.
— Comparei meu marido a um bode, estou casada a mais de vinte
anos, cuidado para não ser a “senhora camelo”. — Minha mãe brinca e
minha amiga fica rindo.
— Um menino todo ano? Deus me livre. Gosto de criança, quero ter
filhos, mas uma por ano? Vou colocar um cinto de castidade. Deus! O homem
deve ser uma espécie de coelho, já te falei isso Helena. Ele quer povoar uma
aldeia? — As duas ficam rindo ignorando meus problemas.
— Mãe! Por Allah! Diz que meu pai disse não? — Minha mãe me
olha e chega mais perto.
— Ele não disse não. — Coloco as mãos na cabeça e minha mãe
volta a falar. — E não disse sim. — Fico sem entender.
— Como uma pessoa pode dizer não, mas não diz sim? — Ela sorri e
levanta. Renata senta em seu lugar.
— Seu pai deixou a decisão nas suas mãos, mas... — Minha mãe
para de falar.
— Não quero. — Fico olhando para ela e volto a falar. — Mas o
quê? — Minha mãe rir.
— Você só poderá dar a resposta em seis meses, ele vai ficar vindo
aqui por um tempo para vocês se conhecerem, mas claro que vai estar
sempre vigiado. Depois desse período você diz se sim ou não. — Suspiro e
olho para Renata.
— Tudo bem. — Renata me olha abismada.
— Que bom! Vou falar com seu pai que você está bem. Descanse
filha. Renata vai descer? — Ela faz que não com a cabeça. Minha mãe
encosta a porta e sai. Renata me cutuca com o indicador.
— Desembucha! Você aceitou muito rápido. Te conheço Helena e se
tratando do seu primo gato malvado, você não pensaria duas vezes em
colocá-lo para correr. Então fala!
— Sabe que meu pai já decretou os seis meses? — Ela faz que sim
com a cabeça. — Então aguento por seis meses e digo não, fácil.
— E se nesses seis meses você ver que estava errada? —Tiro a mãos
dos olhos, e falo:
— Dou uma oportunidade para ele. — Ela sorri.
— Ótimo, gostei.
— Mas você vai ter que dar uma oportunidade para meu tio Abizar.
— Ela arregala os olhos.
— Não! — Ela quase grita.
— Não estou falando para você casar com ele, mas tentar ser mais
tolerante. — Minha amiga volta a sentar na beira da cama e faz tipo um
barulho com a boca.
— Ele grita e falou em disciplina. Ele que me bater com um chicote.
Tudo bem se for estilo cinquenta tons, mas suponho que ele não estava
pensando nisso! Você acredita que devo dar uma oportunidade a um homem
assim? Depois de tudo que passei? —Olho para minha amiga. Ela sofreu
muito no primeiro casamento, seu marido era infiel e quando ela o pegou
saindo com uma mulher, ele tentou agredi-la.
— Ele jamais iria te machucar, meu tio odeia esse negócio de
disciplina pela força. Naquele dia no hospital, ele teve que aplicar uma
punição em um dos camponeses que agrediu a esposa. Ele estava nervoso,
quando ele fica assim ele não entende o inglês direito. — Vejo minha amiga
pensativa.
— Vou dar uma oportunidade para o coelhinho. Descansa, vou descer
um pouco. — Ela me abraça e sai me deixando com meus pensamentos, até
escutar a porta abrir. Olho e vejo meu pai na porta me olhando desconfiado.
— Filha. Sua mãe falou que você está melhor. — Não respondo
apenas olho para ele que entra no quarto com cautela.
— Por que? — Ele senta na beirada da cama e me olha
— Há uma semana, Mohamed conversou comigo. Hoje seu tio
oficializou o pedido. Sabe, em nossa tradição a minha resposta teria que ser
sim ou não, mas como Mohamed é um excelente partido, seria sim. —
Suspiro e coloco o braço no rosto. — Mas, não seria justo com você e seria
injusto com ele dizer não sem motivos. Sabe filha? Vocês têm uma história
incompleta e chegou a hora de resolver, então você irá decidir dar uma
oportunidade a ele ou não e ele tem seis meses para mostrar que mudou. No
final desse período você dirá a sua resposta. E independente de sua decisão,
irei respeitar.
— Ele realmente mudou? — Tiro o braço do rosto e olho para meu
pai que sorri.
— Sim, ele aprendeu a ser humilde e justo. Seu tio o condenou aos
campos e ele odiava na época, graças a sua tia. Mas hoje ele adora e alguns
dias da semana ele fica no campo para ajudar sua família e outros como seu
avô, resolvendo os serviços diplomáticos das aldeias. Ele se tornou justo
como seu tio, mas para você ter certeza, terá que conviver com ele para
saber. Essa convivência normalmente é feita pelo casamento, mas sua mãe e
eu resolvemos não fazer isso com você.
— Que garantias tenho que se der uma reposta positiva ele não se
mostrará ruim e cruel como era antes? — Meu pai sorri.
— Convivo com ele todos esses anos, desde que ele a machucou
fisicamente e seria muito tempo para alguém mentir, não acha?
— Sim. — Levanto da cama e abraço meu pai. — Te amo pai. — Ele
abraça mais forte.
— Também te amo, minha pequenina. Descanse e desça se você
estiver preparada. Caso não esteja se sentindo bem, entenderei.
— Vou descansar um pouco e depois desço. Tio Abizar vai embora
agora? — Meu pai faz que não com a cabeça. — Por favor não o deixe
brigar mais com minha amiga. — Meu pai rir.
— Em todos esses anos que conheço Abizar, é a primeira vez que o
vejo vivo, sua amiga está fazendo bem para ele. — Fico rindo. — Expliquei
a ele tudo, ele vai ser mais paciente.
— Obrigada. — Abraço meu pai e volto a deitar
Penso em tudo que tenho que resolver, agora mais um compromisso.
Vou dar uma oportunidade a Mohamed. No final de seis meses falo não e
acabo com essa história.
Pensando nisso, me deito para descansar.
MOHAMED

Um mês que estou vindo a casa do meu tio nas folgas de Helena.
Ela não me olha, estou cansado disso. Perdi um mês e em cinco meses
ela vai dar a resposta e se continuar assim, será um não.
E ainda tem aquele ocidental. Karim me falou que o nome dele é
Charles. É irmão de uma amiga do colégio que Helena estudou. Amigo? Eu
vi os dois conversando no jardim em um dia que trouxe um documento para
meu tio.
Helena estava linda, tinha sorrisos e conversas. Ela tocou em seu
braço! Comigo ela não chega perto e muitas vezes responde em
monossílabas. O inglesinho foi embora na semana passada, mas prometeu
voltar. Estou frustrado e cansado disso. Vou resolver essa situação e decido
ir à casa do meu tio.
Assim que chego Maísa me recebe e avisa que Helena está na sala.
Escuto a melodia que ela toca. Peço paras não me avisar e vou a passos
largos muito zangado para o cômodo e a vejo com o os cabelos soltos longos
até a cintura. Ela está concentrada tocando e o véu está ao seu lado.
— Até quando Helena você vai me ignorar? — Ela para de tocar,
mas não se vira. — Estou no limite! Há um mês venho e fico aqui, e você
mal me olha! Seu pai nunca deveria ter lhe dado o direto de escolher!
Mulheres não tem que ter escolhas, nós homens que temos que dizer o que é
melhor. Essa hora estaríamos casados e você teria me dado uma
oportunidade. — Ela solta a tampa do piano fazendo um barulho alto, se
vira com o rosto vermelho.
— Uma oportunidade? Qual foi o dia que você me deu uma? Você me
perseguiu por dez anos! Dez malditos anos! Depois veio todo arrependido,
mas você alguma vez perguntou como eu fiquei? Perguntou? — Ela grita.
— Helena eu... — Ela não me deixa falar.
— Cala a sua maldita boca! Você está cansado? Como eu fiquei?
Dias após dias, anos após anos sendo chamada de vagabunda branca! Meu
apelido carinhoso que meu avô me deu, você o menosprezava tanto que
fiquei com trauma dele. Fugi por anos para me fortalecer e você chega todo
arrependido pedindo perdão querendo ter razão. Você pensa que o fato de eu
te perdoar me faz te aceitar? Você nunca se perguntou como eu fiquei? O que
sobrou de mim depois de tantas agressões verbais e físicas? É sempre o que
você quer? O que você sente? O que pensa? E eu? O que quero não conta?
Meu pai foi justo em te dar uma resposta negativa, eu estou aqui tentando e
conta apenas o que você pensa? Conta?
— Não. — Suspiro, ela está certa. Helena é decente e conhecia esse
inglês antes de voltar. Se ela quisesse eles estariam juntos. Fico arrependido
— Desculpe, tive um dia difícil, eu não tinha o direito de te pressionar
assim. — Vejo ela limpar as lágrimas e penso que só a faço sofrer.
— Com licença, eu preciso de espaço. — Ela anda até a porta e vejo
meus tios. Tia Lena está com a mão esquerda no peito de meu tio o
impedindo de entrar na sala. Me pergunto o quanto eles ouviram da
discussão.
— Vai falar com ela, deixa que converso com Mohamed. — Meu tio
sai de semblante fechado e minha tia entra encostando a porta.
— Sinto muito tia, eu a pressionei. Fui estúpido. Vou falar com meu
tio, vou desfazer o pedido. Eu a vi com o rapaz inglês no jardim outro dia e
fiquei irracional. — Tia Lena senta e faz sinal para me sentar ao seu lado.
Assim que senti ela segurar as minhas mãos, a olho sorrindo.
— Meu filho, eu sempre amei vocês e seus irmãos como se fossem
meus filhos, mas depois da apresentação de Helena, eu via a forma que você
me olhava. Acreditei que era coisa de criança. Você ficou diferente, seu
olhar para Helena ainda bebê era de ódio, supus que quando ela crescesse
você mudaria a forma de nos ver, mas ficou pior. Até o dia do acidente, e
naquele dia você viu o que sua mãe era. Viu tudo que seu pai e eu tentamos
deixar escondido durante anos. Eu não queria que você se decepcionasse
com Zaira, mas a situação chegou a um ponto que não tinha volta. — Minha
tia levanta e anda pela sala. Levanta a tampa do piano e toca algumas teclas.
— Não sabe como me doeu saber que seu pai havia te punido, e saber o
quanto você se culpava por nunca te visto as mentiras de sua mãe. — Ela
senta novamente ao meu lado, segura a minha mão e volta a falar. — Mas
você foi valente, você se tornou digno. Foi para os campos mesmo depois
que seu pai tirou o castigo, assumiu sua responsabilidade com meu pai e
cuida do nosso povo. Agora te pergunto? Quando foi que Mohamed, filho de
Abizar desistiu de lutar?
— Nunca! — Olho para minha tia. Ela tem razão.
— Helena precisava desabafar, eu sei que você a ama, não é só um
capricho por ela ser bela. Então lute e dê uma chance a vocês.
— Como tia? Eu não sei, só faço besteiras. — Abaixo a cabeça e
minha tia coloca a mão no meu queixo, levantando minha cabeça.
— Gradualmente. — Ela levanta e vai até o armário. Pega uma caixa
envolta em um papel de presente. — Helena adora caixas de músicas
antigas, quando vi essa em uma loja no Cairo sabia que ela vai amar. — Ela
coloca a caixa em minhas mãos. — Não precisa dar hoje, mas vou dar-lhe
um conselho. Venha nos dias que você estiver nos campos, mas não troque de
roupa, mostre a Helena quem você realmente é. Você é líder e camponês.
Seja você mesmo, as coisas vão melhorar para vocês. — Minha tia me
abraça.
— Obrigado, tia. A senhora poderia ter sido minha mãe. Teríamos
sido felizes. — Ela larga do abraço e sorri.
— Mas, me conta! Como está indo Abizar e Renata? Soube que eles
estão tentando para ver se dão certo. — Ela sorri.
— Tia não te conto. Brigaram feio ontem por causa de um bode.
Acredita? — Minha tia rir. — O bode comeu a roupa de meu pai.
— Seu pai brigou porque um bode comeu a roupa dele do campo?
Seu pai vive com as roupas mordidas de cabras. Por que da briga?
— Renata tem um bode de estimação. — Assim que falo minha tia
arregala os olhos. — Sério, tia! Tecnicamente ainda não é um bode porque é
um filhote, ela deu o nome de Floquinho. Quando a esposa de meu tio não
pode ficar com meus irmãos, Renata fica e leva Floquinho amarrado em uma
corda. Meus irmãos adoram o cabrito, ele fica pulando e correndo com os
cachorros de meu pai.
— Então porque brigaram? Afinal é um cabrito de estimação. —
Minha tia está rindo muito.
— O bodinho comeu a roupa de meu pai que particularmente não
ligou, entretanto, Renata resolveu repreender o comilão e falou: “Bebê não
come a roupa do papai, ele não gosta.” Foi assim que abriga começou, meu
pai ficou indignado pensando que Renata o chamou de “pai de bode”. —
Minha tia está rindo de chorar.
— Allah! Eles ainda estão brigados? — Ela fala entre os risos.
— Não! Ela foi atrás dele no campo e quando voltaram meu pai
estava sorrindo. Eu não me lembro de minha mãe fazer meu pai sorrir. Ele
ficava feliz quando nascia os meus irmãos, mas com Renata é diferente, ela o
abraça e dar carinho, minha mãe nunca fez isso. Meu pai parece outro
homem.
Conversei mais uma pouco com minha tia que me falou que Helena
estaria em casa no dia seguinte. Eu estaria nos campos e assim como o
conselho de minha tia, não iria me arrumar.
Vou provar para Helena que mudei, não sou o moleque cego e ruim que
ela conheceu.
BÔNUS
SAMIR

Estou com Lena no escritório, estamos iguais quando éramos jovens,


nos curtindo.
Os filhos cresceram e agora estamos pensando nos netos. Paramos de
nos beijar quando escutamos a voz alterada de Helena. Por Allah! Espero
que ela não esteja falando nesse tom com Mohamed, uma mulher não pode
falar assim com um homem.
Quando chegamos à sala, a cena é pior do que eu imaginava, minha
filha o mandou calar a boca. Allah! Estou com sérios problemas. Helena tem
o mesmo temperamento que o meu, ela não é dócil como a mãe.
Estou querendo intervir quando Lena coloca a mão no meu peito e faz
que não com a cabeça.
— Deixa, eles precisam desse momento. Helena precisa desabafar.
— Olho para Lena e fico aguardando tudo acabar. Helena passa por nós
como um raio e vejo a expressão de derrota no rosto de meu sobrinho. —
Fale com ela, deixa que converso com ele. — Ela fala e sorri. A beijo e vou
atrás de nossa filha.
Chego ao jardim, vejo Helena trançando os cabelos e falando
sozinha.
— Ele não aguenta? E eu? Como fico? Ele pensa somente nele
mesmo? Egoísta! — Olhando para ela me vejo, ela é como eu quando casei
enganado com sua mãe, fui egoísta.
— Filha? — Ela me olha seus olhos estão faiscando. — Vamos
conversar? — Ela me olha sério.
— Quem ele pensa que é? Está cansado? Que o senhor não tinha que
me dá uma oportunidade? Ele me perseguiu por anos, agora sou bonzinho e
você me obedecer? — Ela fala algumas coisas em francês. Sempre fiquei
intrigado porque Lena ensinou essa língua para ela, elas sempre falam
segredos assim.
— Calma Helena! Sei que você está nervosa. Sabe, fui como você.
— Ela me olha. — Vem, vamos sentar próximo da fonte e conversar. —
Sentamos próximo à fonte e olho para Helena. Não é mais uma menina que
ficava correndo pelo jardim.
— Pai, ele pensa que eu não devia ter escolhas. Quem ele pensa que
é? — Ela fala irritada.
— Filha, por mais que você foi criada na cultura de sua mãe, você
sabe que nasceu aqui como sua mãe. — Ela faz que sim com a cabeça. —
Você sabia que sua mãe não assinou a certidão de casamento, foi seu avô?
— Ela arregalou os olhos.
— Como? Sei que meu avô dopou a mamãe, mas ela não assinou a
certidão de casamento? — Olho sério para ela.
— Não, e sua tia também não, elas foram casadas contra a vontade.
— Helena me olha assustada. — Em nossa cultura, mulheres são inferiores,
devem ser protegidas e disciplinadas. Aquilo que você fez na sala,
Mohamed poderia ter te punido ou exigido isso de mim e eu não poderia
dizer não. — Ela se levanta colocando as mãos na cintura.
— Ele pediu isso? — Olho sério para ela.
— Senta! — Ela bufa e se senta. Volto a falar. — Não, mas ficou
conversando com sua mãe, sabe que sua mãe consegue tudo com carinho e
amor. — Ela bufa de novo.
— Minha mãe parece ser mais mãe dele do que minha. — Ela fala
com raiva.
— Chega Helena! — Praticamente grito e vejo seus olhos ficarem
marejados. — Sua mãe foi casada comigo dopada, eu vi sua mãe em minha
cama na noite de núpcias e sabe o que eu achei? Ela feia e inútil. Acredita?
Minha Lena inútil? Eu era louco por sua tia, se eu tivesse casado com Zaira
teria somente um filho, estaria infeliz. Sabe o que é pior nisso tudo? Sua mãe
teria sido obrigada a casa com Abizar e a conhecendo, ela teria sido feliz.
— Minha filha está me olhando de boca aberta. — Eu teria perdido a sua
mãe e Abizar não teria tido tanto sofrimento e sim eu. Imagino meu filho
sendo criado por Zaira, ele seria o pior Sheik e o mais sanguinário.
— Por que ele me quer pai? — Ela pergunta limpando as lágrimas.
— Ele te ama. Ele sofreu também pelo que fez. Zaira fez a cabeça
dele contra a sua mãe e contra você. Sabe filha, qual filho duvidaria da
palavra da mãe? Tenta ver o lado dele. Não só o seu. Sabe o que mais amo
em sua mãe?
— Não. — Ela fala em um sussurro.
— Sua mãe sempre foi de dar o perdão. Ela me deu uma
oportunidade depois de eu ser um cretino, claro que ela me chamou de bode,
mas eu merecia. — Minha filha rir. — Ela salvou a vida de sua tia.
— O que? — Ela fica me olhando assustada.
— Sua tia tentou agredir sua mãe quando ela estava grávida de
Karim. Seu irmão nasceu antes do previsto, eu condenei sua tia a morte e sua
mãe pediu de joelhos pela vida de Zaira. — Olho para a fonte. — Sua mãe é
única Helena, ela é capaz de perdoar e de amar sem condições. Ela ver a
vida de uma forma especial, ela consegue dobrar até a mim sem levantar a
voz, apenas com carinho e amor.
— Não sou como ela. — Ela fala triste.
— Não! Você é como eu, como eu, mas você tem uma vantagem. Tem
uma mãe como ela. — Ela sorri e me abraça.
— Obrigada, pai. Eu te amo. — Fico sorrindo.
— Eu também te amo e você tem uma visita. Tenta fazer diferente,
sabe que independente da sua resposta vou estar ao seu lado. — Ela me
beija e vai andando para o palácio. Fico sentado e vejo quando Lena vem em
sua direção, ela abraça a mãe e entra.
Lena vem andando até a mim, me levanto e a abraço. Nos beijamos
como dois jovens que um dia fomos. Lena não deixa a chama morrer.
Paramos de nos beijar e encosto nossas testas.
— Como foi com Mohamed? — Ela sorri.
— Ele vai ficar bem, sabe que Helena precisava desabafar e agora
eles vão passar para um nível de realmente se conhecerem. E você como foi
com ela? — Eu sorrio.
— Ela é como eu antes de conhecer você. — Lena sorri.
— Mohamed é como Abizar, eles vão se entender. Afinal, eles serão
felizes. Eles precisavam desse desabafo. Fiquei sabendo que Abizar e
Renata estão tentando se entender.
— Abizar é engraçado. Ele brigou com a menina porque entendeu
errado, mas essa menina o faz ficar vivo.
— Mohamed me falou que o pai dele está feliz com Renata, sabe que
eles terão de casar logo, porque tem mais um jovem de olho nela. — Lena
encosta a cabeça no meu peito.
— Vou falar com os dois para se casarem. Quando ele se casou com
sua irmã foi rápido, mas dessa vez vou dar uma festa para eles. O que acha?
— Lena sorri.
— Ótima ideia. Aproveita e arruma Abizar, afinal é o dia do
casamento dele. — Faço que sim com a cabeça. Vamos fazer uma surpresa
para ele, afinal ele merece ser feliz.
Entramos de mãos dadas e vamos planejar o casamento dos dois.
Acredito que daqui a alguns meses vai ter outro casamento.
Afinal Helena e Mohamed se amam e agora eles vão poder realmente
se conhecer.
MOHAMED

Tia Lena saiu e fico olhando meu tio falar com Helena no jardim.
Quando Helena sai, tia Lena chega e abraça meu tio. Os dois se beijam
como adolescentes. Nunca vi meus pais fazerem isso, às vezes me pergunto
como eles fizeram tantos filhos se minha mãe mal olhava para meu pai.
Fico olhando os dois andando de mãos dadas indo para a estufa.
Como eu queria ter uma vida assim com minha Helena, vivendo
apaixonados. Suspiro e lembro quando meu pai e Renata brigaram por causa
do bendito bode.
Meu pai passa por mim nos campos resmungando: “me chamou de
pai de bode”, e passa correndo com o bodinho pulando atrás, não entendo
esse bode. Ele age como um cachorro e fica andando atrás de meu pai
quando Renata o traz para nossa casa.
Vou seguindo meu pai para a ver o que aconteceu, afinal meu pai
tem a mania de conversar com as cabras, pois minha mãe quase não
conversava com ele. Estou andando e Renata passa por mim, correndo.
Fico parado e deixo os dois conversarem, se eles se desentenderem muito
vou intervir.
Meu pai está sentado resmungando quando Renata se baixa na
frente dele e escuto o que ele fala.
— Sei que sou feio, mas falar que sou pai dessa coisa. — Ele aponta
para Floquinho que dá uma cabeçada no ar próximo da mão de meu pai.
Que resmunga! — Para de fazer isso, você é bonitinho, mas não vai me
fazer rir.
Renata sorria e meu pai a olha com a cara amarrada. Estou
esperando outro resmungo quando Renata simplesmente puxa meu pai e o
beija. Fico parado. Perdi a reação, essa é nova. Minha mãe brigava com
ele até ele tirar sua permissão de falar, e Renata o beija? Fico rindo, por
isso que o levado volta rindo dos campos toda vez que briga com ela.
Ela pegou meu pai de surpresa e arrancou seu turbante. Ele sai do
abraço dela, mas continua sentado e começa a ajustar o turbante na
cabeça.
— Mulher! Mulher! Isso não é certo.
— Quem manda você ser lindinho. Você é fofo quando fica
zangadinho. — Meu pai rir.
— O que faço com você, mulher?
— Tenho algumas ideias, mas você falou que não é certo. Muitas
coisas legais para fazermos juntos. — Não era para estar ouvindo isso!
Pensei e virei de costas.
— Depois que casarmos, mas agora não. Você vai querer filhos? —
Fico tranquilo porque o assunto mudou.
— Claro. Fico imaginando uma menina correndo aqui na fazenda.
— Renata fala suspirando. — Um pequeno Abizar resmungando com as
cabras.
— Eu não resmungo. — Encruzando os braços.
— Você fica lindinho fazendo biquinho. — Renata o beija de novo
que dessa vez não se afasta, mas depois sai de novo dos seus braços.
— Renata! — Ele fala sério. — Para com isso ou vou ter que te dar
um corretivo, mulher. — Fico rindo.
— Correntes e algemas? — Ela coloca o indicador no queixo e
bate. — Se você fizer a barba, topo. — Ela rir.
— Está louca mulher! — Meu pai quase grita. — Para que eu iria
acorrentar você? Não sou nenhum lunático. É isso que você pensar de
mim? — Meu pai se levanta e Renata levanta com ele.
— Calma, amor. Estou brincando. — Meu pai olha desconfiado e
depois fica com cara de bobão.
— Amor? Você me chamou de amor? — Ele fica sorrindo enquanto
ela faz carinho em sua barba e coloca as mãos em seu pescoço o beijando
de novo. Ele novamente larga do beijo e eles ficam abraçados.
— Você não me deixa aproveitar. Queria tirar uma casquinha! —
Meu pai rir. Ela o solta, dar a mão a ele e volta a falar: — Vamos para
casa amor, senão as crianças vão ficar preocupadas, afinal você saiu
gritando. — Renata fala e vai andando com meu pai. O bendito bodinho
pulando atrás, me escondo atrás da árvore para não ser visto. Eles passam
de mãos dadas e sorrindo.
Sou tirado dos meus pensamentos quando a porta é aberta, sei que é
Maísa me chamando para o café da tarde, mas vou embora. Até que, sua voz
me faz virar abismado.
— Mohamed? Vamos tomar café da tarde? Maísa mandou colocar a
mesa. — Ela está linda com um véu nos cabelos. Quando casarmos não
quero que ela cubra seus cabelos em nossa casa.
Vamos em silêncio, ela senta à mesa próximo de mim, não me
contenho em alegria por ela está finalmente me dando uma oportunidade e
falo humildemente.
— Obrigado, por me dar uma oportunidade de me conhecer. —
Helena sorri. Ela é tão linda.
— Me desculpe por gritar com você. — Aproveitei que sua mão
estava sobre a mesa e a segurei. Ela não puxou, sua pele é tão macia.
— Eu merecia o que você fez, fui um cretino, aliás estou sendo há
muito tempo. — Ela me olha e sorri.
— Um novo começo? — Faço que sim com a cabeça e ela sorri. —
Amanhã você está nos campos de tio Abizar? Por que vou marcar para ir à
casa de Renata e estou pensando em pedir permissão a meu pai para ir com
ela na casa de meu tio, como eles são namorados queria conhecer as terras.
— Ela fala me olhando curiosa.
— Sim, vou estar lá e Renata pode ser sua companhia. Te mostro
nossas criações. Meu pai vai ficar feliz em te ver. Afinal você nunca foi em
nossas terras. — Ela abaixa a cabeça e pega o café para beber.
— Sua mãe me odiava por eu parecer com minha falecida avó e meu
pai temia por minha segurança. — Ela fala baixinho.
— Sinto muito por isso Helena. Você nunca deveria ter passado por
essas privações. Graças a mim e a minha mãe você teve muito sofrimento. —
Ela me olha séria.
— Se vamos tentar novamente então é melhor não falarmos mais
sobre isso. Me conta como é a fazenda de meu tio, fala sobre esse tal
Floquinho que Renata tanto chama de bebê e é motivo das brigas de meu tio
é ela.
— O bodinho? — Pergunto e Helena rir. Sua risada é como sino, a
canção mais linda que já ouvi.
Passamos uma tarde agradável e no final do dia Helena tocou piano
para mim e seus pais. Jantei na casa de meu tio, a noite fui embora para casa,
com o coração cheio de alegria, pois em breve a minha linda “ratinha
branca” iria visitar pela primeira vez a fazenda de meu pai e eu seria seu
guia.
A satisfação é muita, pois agora estávamos nos entendendo e poderia
ter a chance de mostrar para ela que mudei, que sou um homem de honra e
digno para ser seu marido.
HELENA

Há duas semanas, depois de muitos anos, foi a primeira vez que me


senti feliz ao lado de Mohamed.
Arrumo meu vestido preto florido. Devido à minha cor de pele
acostumei a usar roupas com tons escuros, olho no espelho e passo um lápis
azul para realçar meus olhos e uma leve maquiagem. Estou estranhamente
eufórica, olho para o relógio mais de dez vezes. Ele não vem há duas
semanas, pois meu pai, meus irmãos Karim e Shaman e Mohamed
representando meu avô, tiveram que ir à tribo dos beduínos que passaram
por uma violenta tempestade de areia. Meu pai arrumou uma caravana com
suprimentos e medicamentos para nosso povo.
Meu pai chegou ontem à noite com metade da guarda, pois Karim ficou
para ajudar na reorganização da tribo e Shaman está cuidado dos feridos e
das crianças. Meu irmão é um excelente médico.
— Ele está atrasado. Mamãe falou que hoje ele estaria nos campos
com meu tio. — Escuto a campainha e saio de meu quarto correndo. Coloco
o véu quando chego próximo da escada e tomo algumas respirações.
Desço tranquilamente e quando o vejo seu semblante cansado. Ele está
com sua roupa dos campos e com um turbante queimado de sol, mas continua
lindo e quando me vê sorri.
— Perdão pelo atraso, meu pai precisou de ajuda para consertar
algumas cercas. Acabei passando um pouco do horário. — Chego próximo e
faço uma saudação.
— Não precisava ter vindo. Você parece cansado. — Ele sorri de
forma gentil.
—Não lhe vejo há duas semanas, não sei se conseguiria ficar mais um
dia sem sua companhia. — Meu coração acelera com suas palavras.
Na faculdade saia com as meninas para festas e beijava alguns rapazes,
mas nunca passou disso. Como seria beijar Mohamed? Olhei para seus
lábios e abaixei a cabeça envergonhada. Sou uma moça árabe e solteira. Não
deviria está pensando essas coisas em frente a um homem. Não é correto.
Quando vou levantar a cabeça, vejo suas mãos com algumas ataduras e
sujas de sangue.
— Allah! Suas mãos! — As seguro fazendo uma inspeção. — Vamos
para sala de música, vou cuidar de suas mãos.
— Não se preocupe, estava fazendo a cerca. Isso é comum acontecer.
— Ele me olha sorrindo.
— Por favor, leve Mohamed até a sala de música e peça a Maísa para
fazer um lanche reforçado. Vou a meu quarto buscar a maleta medica. —
Subo correndo, entro no meu quarto, pego minha maleta e desço correndo.
Abro a porta e o vejo sentado com as mãos no rosto. Ele escuta o barulho da
porta, me olha e sorri.
— Não vim para lhe dar trabalho Dr. Helena. — Sorrio e me sento no
chão próximo ao sofá colocando a maleta ao meu lado. A abro e seguro sua
mão. Sinto sua pele morna e fico sem reação por alguns segundos. O que está
acontecendo comigo?
— Preciso cuidar dos ferimentos. Você pode ter alguns problemas com
essa mão. — Começo a tirar as ataduras. — Parece que foi feito por uma
criança. Por Allah! Isso poderia infecionar.
— Foi Kalil que fez. Ele quer ser médico ou enfermeiro, e como não
pode ajudar nos serviços mais pesados, deixei cuidar das minhas mãos. —
Ele fala meio envergonhado e sorrio.
— Ele será um ótimo médico. — Falei sorrindo enquanto tiro as
ataduras. Passo anticéptico e uma pomada anti-inflamatória. — Não precisa
de curativo, mas você precisa passar essa pomada pelo menos três vezes por
dia e vai cicatrizar rápido.
Quando levanto o rosto ele está com o corpo tombado para frente e
nossos rostos estão próximos. Olho nos seus olhos cinza e passo a língua nos
lábios. Não consigo desviar meus olhos, ele vai asbaixando devagar como
se não quisesse me assustar. Quando nossos lábios estão quase e encostando
e sinto seu hálito mentolado. A porta abre e levamos um susto nos tirando do
nosso momento.
— Menina Helena, vosso pai não quer você sozinha com seu
pretendente. — Maísa fala em reprovação e começo a juntar os
medicamentos. Coloco tudo na maleta e retiro as luvas.
— Mohamed, feriu as mãos no campo, estava fazendo os curativos
antes que se torne algo mais sério. — Falei em um tom profissional. Maísa
coloca a bandeja sobre a mesa e olha para suas mãos.
— Meu menino, você não poderia ser cuidado por melhor e mais
dedicada medica. — Ela sorri em aprovação. Coloco a maleta sobre a
poltrona e vou rapidamente lavar a mãos.
Quando Mohamed está aqui para as visitas sempre um dos seguranças
da guarda de meu pai fica para o local para não ficarmos a sós e hoje não é
diferente. Estranho que isso não me incomodava até hoje.
Lanchamos e conversamos. Ele me conta como é a tribo dos beduínos,
conheço sua história e seus costumes, mas estou escutando atentamente os
relatos de Mohamed e com o nosso povo estava precisando de ajuda, por
isso meus irmãos iriam ficar por mais uma semana.
— Helena, posso te pedir um favor? — Ele pergunta com muito
carinho e só confirmo com a cabeça. — Você tocaria piano para mim? —
Sorrio e me levanto correndo até o piano.
— O que você gostaria que eu tocasse? — Me viro. Ele sentou
novamente no sofá e me olha com ternura.
— A música que você quiser. — Sorrio. Logo vem uma música em
minha cabeça e começo a tocar e cantar A Thousand Years da Christina
Perri.
Fecho os olhos e viajo na melodia. É como se a música demonstrasse
todos os meus sentimentos.
Heart beats fast
O coração acelerado
Colors and promises
Cores e promessas
How to be brave
Como ser corajoso
How can I love
Como posso amar
When I'm afraid to fall
Quando tenho medo de me apaixonar
But watching you stand alone
Mas ao assistir você sozinha
All of my doubt suddenly goes away somehow
Toda a minha dúvida de repente se vai
One step closer
Um passo mais perto
I have died every day waiting for you
Eu morri todos os dias esperando você
Darling don't be afraid
Querida, não tenha medo
I have loved you for a thousand years
Eu te amei por mil anos
I'll love you for a thousand more
Eu te amarei por mais mil

A Thousand Years (Christina Perri)

Naquele momento abro minha alma. Quando termino abro os olhos e


Mohamed está próximo a mim e passa a mão em meu rosto limpando uma
lágrima.
— Você é perfeita Helena. Sempre vou te amar e mesmo que eu não
seja a sua escolha, você é única dona do meu coração. — Quando vou
responder, ele coloca o dedo em meus lábios para me silenciar. Estou
confusa e tenho medo do que sinto. — Poderia tocar mais? — Confirmo com
a cabeça e ele senta no sofá. Toco várias músicas, paro e me viro para falar.
— Mo... — Paro de falar quando noto que está dormindo.
Peço para o segurança o colocar deitado no sofá e saio para falar com
minha mãe que providencia o quarto de hóspedes que ela reserva para ele
sempre que ele estudava aqui.
Minha mãe pede para os seguranças o levarem para o quarto e a noite
pede para Maísa providenciar o jantar na cama. Janto com meus pais que se
recolhem cedo. Meu pai está cansado da viagem e meu irmão Omar está
representando meu pai em uma reunião na França. Vou para meu quarto e ligo
o laptop. Fico vendo algumas séries, olho minha maleta a aberta e vejo a
pomada.
— Não entreguei a Mohamed. — Pego o tubo e fico pensativa. Se ele
não passar vai infeccionar. Vou rapidamente em seu quarto, deixo em cima
da mesa e volto.
Abro a porta de meu quarto e vejo se tem algum segurança no corredor,
não tem ninguém. Fecho a porta devagar. Tenho pouco tempo, se me pegarem
no quarto dele meu pai vai puni-lo, não, ele vai mata-lo.
Retiro a burca, coloco uma calça jeans e uma camiseta. Fico descalça
para não fazer barulho. Ok! Tenho uma chance de não ser pega.
Abro uma pequena fresta e nada de seguranças. Essa hora eles ficam na
parte de baixo e fora do palácio. Abro a porta e fecho devagar. Vou até o
quarto que ele está e rodo a maçaneta devagar. Entro, encosto a porta e
quando me viro sou empurrada contra a parede e a luz do quarto acende
ferindo meus olhos.
— Helena? — A voz de surpresa de Mohamed me faz abrir os olhos e
ver seu olhar de dúvida.
Nossos rostos estão muito próximos e quando ele vai falar não espero
e o pego desprevenido. Selo nossos lábios. Que Allah nos proteja porque se
alguém descobrir que estou aqui, meu pai irá mata-lo depois que nos forçar
ao casamento.
MOHAMED

Acordei em meu quarto que tia Lena deixa arrumado quando


precisava ficar em sua casa. Estava muito cansado e as melodias que Helena
tocava me acalmou.
Deito de barriga para cima e suspiro lembrando da primeira música,
conheci bem a letra, pois Mustafa adora música, principalmente em inglês.
Ele usa para aperfeiçoar seu treinamento desde quando estudava com tia
Lena. Quando ele começava a cantar essa música com sua voz horrível e
sempre saia de perto, mas quando Helena a tocou e cantou com muita
emoção e os olhos fechados. Não resisti e me declarei.
— Sou um camelo. Agora ela deve estar correndo de mim. Só faço
bobagem. — Escuto a porta se abrir e Maísa entrar com uma bandeja.
— Heleonora pediu para trazer seu jantar, menino. Ela disse que
você está cansado e precisa descansar. — Sorrio.
— Obrigado, tia Maísa. Não sei o que seria de mim sem tia Lena e a
senhora. — Ela sorri.
Quando no passado empurrei Helena, mesmo sendo culpado Maísa
nunca me olhou como tal e ela tinha esse direito, pois ela fez o parto de
todos os meus primos e cria desde bebê. Mas em vez de acusações e revolta,
tive apoio dela e de minha tia. Elas me mostraram que o amor pode ser mais
forte que o ódio que minha mãe semeava.
Minha mãe me escolheu por ser seu primogênito, mas sempre me
pergunto porque não Mustafa, Kaled ou qualquer outro de meus irmãos? Por
que fui o escolhido para ser usado contra minha tia e Helena? Ela nunca me
respondeu.
— Descansa meu menino. Qualquer coisa pode me chamar. — Maísa
faz uma saudação e sai.
Levanto e vou tomar um banho. Saio de toalha e pego uma roupa no
armário. Minha tia sempre faz questão de deixar roupas extras para mim e
meus irmãos se precisarmos ficar aqui e nas férias dos menores, ela pede a
meu pai para deixar as crianças com ela. Meus irmãos amam tia Lena como
se ela fosse a nossa mãe de verdade, pois carinho de mãe só recebemos
dela.
Coloco jeans e fico sem camisa. Janto e peço alguns dos seguranças
do corredor para levar a bandeja. Maísa falou para eu descansar e a última
vez que levei a bandeja na cozinha, quase levei com ela na cabeça, ela me
trata como se fosse uma criança. Fico sorrindo. Deito na cama, pego o
celular e vejo que não tem mensagens de meu pai ou Mustafa. Sinal de que
tudo está correndo bem na aldeia.
Coloco o fone, desligo a luz do quarto e fico ouvindo música até
dormir. Escuto um clique. Alguém está abrindo a porta devagar. Quem faria
isso? Levanto-me lentamente tirando os fones, meu celular acabou a bateria
enquanto eu dormia.
Espero o invasor fechar a porta e quando vira de frente, o prendo
contra a parede e sinto seu perfume. Não pode ser? Ela não pode entrar no
meu quarto, não somos casados. Acendo a luz e fico paralisado.
— Helena? — Ela abre os olhos e faz o que eu não esperava.
Me beija e todos os meus questionamentos se apagam. A única coisa
que importa é a mulher que está nos meus braços.
Coloco uma mão em seus cabelos e a outra em sua cintura. Junto
nossos corpos e peço passagem com a língua. Ela abre a boca e devoro com
o beijo. Ela responde com a mesma intensidade. Beijo seu queixo e desço
beijando seu pescoço.
— Mohamed. — Ela fala gemendo e vou à loucura.
Tomo novamente a sua boca e beijo explorando cada canto com a
língua enquanto colo nosso corpo. Antes que eu perca o controle paro e
encosto nossas testas. Ficamos ofegantes.
— Não podemos, não ainda. Eu te amo, muito. Minha pequena
Helena. — Quando ela vai falar, a beijo novamente até perdemos o fôlego e
ficamos abraçados.
— Trouxe a pomada. — Ela fala abraçada a mim. Fico sorrindo.
— Obrigado, meu anjo. — Sinto seu sorriso. — Você precisa voltar
para seu quarto antes que alguém a veja e tio Samir me mate com suas
próprias mãos. — Escuto sua risada.
A beijo mais um pouco, apago a luz e abro a porta devagar. Olho
todo o corredor e volto para quarto.
— Não tem ninguém no corredor. — Ela me dá mais um beijo, abro a
porta e olho novamente. Ela sai e corre até o quarto. Fico olhando-a e me
viro. A vejo no final do corredor com aqueles olhos azuis me olhando séria
com um roupão de seda e seus cabelos negros soltos. — Tia Lena! — Falo
assustado. Ela não responde, apenas se vira e volta para seu quarto.
Agora estou com um grande problema.
Entro e fecho a porta. Amanhã tio Samir vai me matar depois que nos
obrigar a casar. Quero casar com Helena, mas ela merece uma festa, não um
casamento às pressas e ficar viúva no mesmo dia. Novamente fiz besteira.
Amanhã será um dia de muita confusão.
***
Levanto e tomo um banho.
Hoje tenho que ir à casa dos meus avós para resolver os problemas de
sua tribo. Quase não dormi à noite pensando como tio Samir pode me matar.
Se eu tiver sorte vou levar um tiro e acabou.
Coloco um jeans, camisa, a burca e um turbante cinza com aro preto.
Preciso fazer a barba, mas estou casando. Dormi pela exaustão de pensar o
que aguardaria no café da manhã.
Desço as escadas devagar tentando evitar o inevitável. Escuto as
risadas de Helena e a voz de meu tio. Não estão brigando?
Entrei na sala, estão em uma mesa farta, meu tio com o jornal da
manhã na mão enquanto Helena fala algo e ele sorri. Não estou entendendo
nada.
— Bom dia, Mohamed sente para o café. — Meu tio fala sorrindo.
— Bom dia. — Sento e sou servido.
Minha tia me olha séria e depois volta a conversar normalmente, até
que meu tio avisa que tem que fazer uma conferência com seu filho e sai para
sala de reunião deixando-nos três a mesa. Tia Lena fala me tirando dos
pensamentos.
— Helena e Mohamed preciso falar com vocês na estufa. — Ela pede
licença e se levanta. Helena me olha sem entender.
— Ela nos viu. — Assim que falo Helena fica assustada.
— Não falou com o meu pai? É melhor irmos falar com ela. —
Helena levanta e faço o mesmo. Vamos para a estufa.
Entramos correndo e escutamos uma música francesa tocando. Helena
abre a porta e vejo tia Lena sentada digitando. Está sem o véu, seus cabelos
estão em uma trança longa, ela está com óculos de aro grosso. Ela nos olha e
faz sinal para sentarmos.
— Mamãe! Posso explicar. Fui ao quarto de Mohamed para levar a
pomada que esqueci de lhe entregar. Estava tarde eu não queria acordar
Maísa. — Helena fala nervosa.
— Sou culpado. Beijei Helena. — Falo e minha tia me olha surpresa.
— Não! Eu que beijei Mohamed. Meu pai não tem que puni-lo, sou a
culpada. — Helena grita.
— Não! Tia Lena a responsabilidade é minha! — Falo encarando
Helena e somos surpresos por uma risada.
— Crianças, não estou acusando ninguém. — Tia Helena fala
sorrindo e a olhamos sem entender. — Mas o que vocês fizeram é grave. Se
Samir souber disso vai virar uma verdadeira guerra. Helena já conversamos
sobre os costumes de nossas famílias e após o casamento tem que ser feita a
cerimônia do lençol. — Olho para Helena que está de cabeça baixa. Na tribo
de meu avô e meu pai não fazemos essa apresentação de pureza da noiva,
mas a tribo do tio Samir é um costume antigo que nunca foi quebrado.
— Foi só um beijo. Papai não nos deixa a sós nos encontros e sempre
tem um segurança onde estamos. — Helena fala sem levantar a cabeça.
— Posso conversar com seu pai, ele irá ceder um pouco,
provavelmente apenas no jardim por ser um lugar aberto, em lugares
fechados isso não pode ser remediado. — Ela fala séria.
— Sim, senhora.
— E nada de ir para quarto de Mohamed! Se fosse seu pai ontem no
corredor, ele iria para cima de você meu filho, não queiro que isso
aconteça.
— Minha tia, me desculpe. Isso não vai mais acontecer. — Ela sorri.
— Estamos resolvidos. Mohamed preciso que você entregue isso a
meu pai. — Ela pega uma caixa e me entrega. — Demorou para o fotógrafo
fazer o álbum que ele queria, mas ficou perfeito. — Ela sorri e ficamos
conversando um pouco mais e vamos embora. Enquanto ela volta a trabalhar
em seu novo livro de pesquisa botânica. Tia Lena tem alguns livros
publicados pela universidade de Londres. Ela dá palestra há alguns anos.
Saímos juntos e olho para Helena que sorri.
— Amanhã estou de plantão, então só nos veremos em dois dias. Vou
ficar esperando ansiosa por isso. — Ela sorri e fico encantado. Acredito que
finalmente estamos nos entendo.
Vou até meu quarto e coloco a roupa suja em uma bolsa. Vou levar
para casa e lavar. Desde a morte de minha mãe cada um de meus irmãos
maiores tem suas tarefas para ajudar meu pai e cuidar dos menores. Somos
quatorze homens dentro de um lar, mas cada um com suas responsabilidades.
Coloco tudo em meu carro, me despeço de todos e vou para casa de
meus avós. Quando chego, sou recebido com muito carinho.
Minha avó vai fazer o almoço enquanto vamos para o escritório
resolver os problemas da tribo. Pego a caixa que tia Lena me deu.
— Vovô! Tia Lena pediu para entregar ao senhor. — Ele pega a caixa
e sorri. Abre, pega um álbum e começa a olha as páginas.
— Nunca entendi o ódio que sua mãe plantou em você quando era
uma criança contra sua tia e minha ratinha branca, mas percebi isso a pouco
tempo. Olha essa é minha Helena. — Ele vira o álbum e vejo a foto de uma
mulher loira vestida com roupas ocidentais. — Conheci Helena quando sua
equipe fazia uma reportagem em uma de minhas tribos. Ela ajudou a socorrer
uma criança que foi atropelada. Fiquei encantado com sua beleza. — Ele
sorri. — Ela ficou muito anos aqui em nosso país e nos apaixonamos. Íamos
nos casar quando meu pai fechou um acordo de paz e eu devia casar com
Rayla. Tive que escolher entre o amor de minha vida e meu povo, já sabe
qual escolha fiz. — Ele fala triste.
— Somos homens, precisamos fazer o que é certo. — Falo em apoio
e meu avô me olha.
— Me casei com Rayla, levei meses sem ver Helena. Em um dia
andando na cidade vi Helena em uma feira local, apesar da burca sua barriga
estava aparecendo. Ela estava grávida de Lena, minha filha o fruto de nosso
amor. Mais uma vez me aproximei de Helena e exigi registrar o bebê. Nunca
deixaria um filho meu ser um bastardo, passar necessidade ou a vergonha de
não ter o sobrenome de um pai. Helena falou que em seu povo era diferente,
que ela criaria Heleonora sozinha, mas exigi meu direto de pai e a registrei.
— Ele vira a foto para mim de uma menina que parece uma boneca de tanta
beleza. Pele muito branca, os cabelos negros e olhos azuis. — Heleonora,
minha primogênita, ela ficou aqui no Oriente até os oito anos e fui um pai
presente, mas Rayla descobriu e ameaçou matá-la se eu a trouxesse para
nossa tribo, jamais tiraria Lena de sua mãe para deixá-la aqui. Minha esposa
era uma mulher cruel até com os criados. Quando ela engravidou de Zaíra,
alguns anos depois Helena foi transferida para Londres e ficamos distantes
durante anos, mas toda conquista de Lena eu estava lá e com isso Helena e
eu voltamos a nos entender. Meu casamento era mera formalidade e eu
sempre estava em Londres. Comprei uma casa, sempre que podia ficava com
minhas meninas. O trabalho de Helena sempre a levava para outros países,
mesmo com a distância não nos separávamos, fui um pai presente para Zaíra,
mas sua mãe foi moldada na maldade, vaidade e ganância.
Ele fica virando as páginas e para em uma, e volta a falar.
— Pedi a Lena para restaurar algumas fotos antigas, fizeram um
trabalho perfeito. — Ele vira e vejo uma foto minha de quando eu era
criança. Fico sem entender. — Esse sou eu quando criança e essa? — Ele
vira a página e vejo a foto de Helena com roupas ocidentais. — Essa é a
mãe de Heleonora ainda criança. Suponho que você entendeu o que sua mãe
queria fazer? — Levanto e coloco as mãos no turbante.
— Ela queria nos separar. Ela viu as semelhanças e antes que nós
possivelmente podíamos nos apaixonar, ela tentou destruir o que minha avó
não conseguiu! — Falo apavorado.
— É só uma teoria, uma vez que não havia motivos para sua mãe
fazer o que fez. Ela não fez com nenhum dos seus irmãos. Imagino que ela
viu nossas semelhanças e planejou não deixar que vocês fossem felizes. Por
mais que minha vida tenha sido diferente com Helena, nós fomos felizes e
vivemos o nosso amor apesar das dificuldades. — Ele vira uma foto onde
ele parece ter a minha idade. Está sorrindo. Usa um turbante e está abraçada
com a mãe de tia Lena. Olhando a foto é como se visse eu e minha ratinha.
— Adiamos a apresentação de Helena para a família até ela ter seis meses,
não sabíamos qual seria a reação de Zaira. Foi o almoço de apresentação
mais tenso que fiz, lembro-me da forma que ela olhou para Helena e a
pestinha tirou o véu, e colocou na boca mostrando sua cabeleira loira. —
Ele suspira cansado. — Não perca a sua vez de ser feliz com Helena. Lute
por esse amor e seja feliz. Me dê muitos bisnetos, quero muitas crianças
correndo pela casa junto de seus irmãos. — Ele fala rindo e voltamos a fazer
o levantamento das tribos para passar para meu tio.
A noite estou em meu quarto na casa de meu pai. O ajudei na cozinha
e coloquei os menores para dormir. Mustafa está cuidando do gado. Renata a
namorada de meu pai fez as compras, pois, não estava de plantão.
Passo o e-mail para meu tio e fico pensando em meu pai e na médica
estrangeira. Ela nos ajuda em tudo que pode e quando minha tia Aysha não
pode ficar com os meus irmãos menores, Renata leva para sua casa. Ela
ficava aqui, mas meu pai ficou preocupado com o que os homens poderiam
falar disso. Uma vez que eles ainda não se casaram, ele não quer sua
namorada sofrendo comentários maldosos na aldeia.
Meu celular toca em chamada de vídeo e vejo um número
desconhecido. Vou atender e Helena aparece na tela sorrindo.
— Mohamed. Peguei seu número com minha mãe. Como você está?
— Ela está linda com um coque e sem o véu.
— Estou bem, um pouco cansado.
— Desculpa, ligo outro dia.
— Não! Podemos falar. — Deito na cama e fico sorrindo para ela.
— Amanhã é meu plantão e o da Renata. Falei com meu pai e na
próxima folga vou poder ir à fazenda do tio Abizar, mas meu pai falou que só
com os seguranças.
— Tio Samir se preocupa para seu bem, mas estou muito feliz que
você me ligou. Me conta como foi o seu dia?
— Fiz uma chamada de vídeo com meus avós. Ele estava feliz que
você levou o álbum que a mamãe fez. Como está Kalil e seus irmãos? — Ela
fala sorrindo.
— Estão bem, agora que meu pai namora Renata, ela cuida de meus
irmãos menores e está sendo bom para Kalil não ir para os campos quando
chove. Ele tem uma saúde frágil. — Ela sorri e ficamos conversando por
quase duas horas até que ela desliga e vou dormir sorrindo.
Nosso começo pode não ter sido bom, mas vamos superar e viver o
nosso amor.
HELENA

Acordo animada, hoje é o dia de ir à fazenda de tio Abizar.


Levanto correndo e tomo um banho. O dia está quente, separo meu
hijab, Renata se acostumou mais com ele, eu prefiro a burca. Para mim isso
nunca foi problema desde criança, pois assim não chamo atenção por minha
cor de meus cabelos.
Depois que terminei o banho e fiz uma trança nos cabelos, coloquei o
hijab preto. Olhei no espelho e sorrio. Perfeito.
Saio e cumprimento os seguranças do corredor, homens de confiança
de meu pai. Desde quando minha falecida tia invadiu o palácio para agredir
minha mãe grávida, meu pai aumentou a segurança.
Desço a escada e vou até à cozinha. Abraço Maísa que está com uma
idade avançada, mas não quer parar de trabalhar. Ela criou meu pai, a mim e
meus irmãos.
— Bom dia, Maísa. — Ela sorri.
— Menina Helena, seu pai quer falar com você. Pediu para você ir
ao escritório depois do café. — Pego um man'oushe e começo a comer. —
Vou arrumar a mesa.
— Não precisa, como aqui na cozinha. Meus pais já tomaram o café.
— Falo sorrindo e sento.
Ela me serve um café turco, o dela é o melhor. Senti muita falta nos
anos que fiquei fora de casa. Fico observando como ela dar orientações aos
empregados, meu pai não gosta que ela faça o serviço, mas as vezes ela
desobedece e meu pai fica muito zangado.
Termino de comer e vou para o escritório de meu pai. Bato na porta e
aguardo. Uma vez entrei sem bater e pegue meus pais aos beijos, não que ela
não o beije na nossa frente, mas era um daqueles beijos que te deixa sem
graça de ver, principalmente se for com seus pais.
Escuto o barulho da chave e a porta abre. Minha mãe sai sorrindo e
me beija no rosto.
— Bom dia, minha filha. — Dou um bom dia e abraço.
Ela sorri e sai. Entro e meu pai está sorrindo. Os dois são como um
casal recém-casado, estão sempre namorando. Fico sorrindo. Entro e fecho a
porta.
— Bom dia, pai. — Sento-me na cadeira em frente à sua mesa e olho
a desarrumação.
— Bom dia, minha filha. — Ele arruma os papéis em cima da mesa e
alguns estão amassados. O que esses dois estavam fazendo? Melhor não
saber.
— Hoje de manhã falei com Zarife, ele separou os melhores
seguranças para você ir visitar seu tio. Sua mãe conversou comigo. Vou
reduzir os seguranças quando Mohamed estiver aqui, mas somente no jardim.
Em qualquer outro lugar da casa que vocês estiverem juntos terá um
segurança.
— Obrigada, pai. — Levanto e o abraço. Vejo sua gola suja do batom
da minha mãe e saio sorrindo. Espero conseguir me casar e ser como eles.
Sempre apaixonados.
***
Depois de quase quarenta minutos no carro e muitas paradas para as
passagens das criações. Vejo as primeiras casas da aldeia de meu tio, são
simples, algumas de dois andares e outras muitos longas. Aqui as famílias
têm muitos filhos e a terra é árida para plantação, mas eles conseguem fazer
milagres com irrigações. Porém é um trabalho duro.
Vejo meus primos mais novos que estão nos campos e vejo meu tio.
— Para por favor! — Abro a janela e bato com mão.
Meu tio me vê e acena com os meninos que são muitos, não dá para
separar quais são seus filhos ou sobrinhos, mas dois rapazes me chamam
atenção colocando madeiras nas cercas. Um é Mohamed ou outro
provavelmente é Mustafa. Perto dele tem um camelo. Fico sorrindo porque
faz algum tempo não via um de perto. Aceno mais um pouco e pedi para
seguir com a viagem.
Vejo mais algumas casas depois das plantações e logo vejo uma casa.
Minha amiga está com o pequeno Kalil na porta e fica sorrindo. O carro para
e desço. Alguns seguranças descem comigo.
— Renata! Kalil! — O pequenino corre e o pego no colo.
— Prima ratinha. Renata tem um bodinho, o nome dele é Floquinho.
Olha. — Ele aponta para um cabrito amarrado na árvore pulando e dando
cabeçada no ar. — É bode de estimação. Papai falou que quando ele crescer,
vai ser para procriação. Hoje ele está preso porque que ir atrás de papai. E
nas plantações ele faz um estrago. Pensa que é cachorro. — Ele fala muito e
rápido.
Pegamos algumas coisas e entramos no carro. Seguimos para a casa
de tio Abizar, para mim naquela aldeia tudo era novidade e quando
chegamos próximo a uma casa de dois andares, vejo Mohamed na varando e
sorrio.
Descemos do carro e um segurança me acompanha.
— Helena, Renata. Boa tarde! — Fico sorrindo.
— Oi! Trouxe alguns ingredientes e vou fazer a comida para quando
os meninos voltarem do campo. Abizar vai chegar cansado. — Renata entra
em casa me deixando no quintal.
— Ela sempre está cuidando de meu pai, muito diferente de minha
mãe. — Ele fala sem graça.
— Me mostra a fazenda. — Falei sorrindo e vamos a vários lugares e
fico encantada, pois nunca pude vir aqui quando criança.
Olho tudo atentamente e fico maravilhada. Mustafa veio buscar o
almoço para levar a lavoura. Ele conversou um pouco e riu. Acho
interessante que ele é bem reservado, almoçamos e Renata ficou fazendo a
janta. Uma vez que meu tio tinha deixado parte do almoço adiantado e
Mohamed que ia terminar.
Depois do almoço fomos para a varanda. Sento no chão e meu
segurança fica em pé a uma certa distância. Mohamed senta ao meu lado.
— Perdi muita coisa quando era criança.
— Por minha culpa e da minha mãe.
— Vamos esquecer isso. — Ele continua sério.
— Não temos que esquecer, você está certa. Por mais que eu tenha
me arrependido foi você que teve que fugir para se fortalecer, você deixou
sua vida e seu povo por minha culpa.
— “Quem não provou o amargo não sabe apreciar o doce”, diz o
nosso provérbio. Quando olho para meus irmãos, meu pai ou nosso povo não
vejo ninguém como eu. Minha mãe é um pouco parecida. — Levanto a mão e
a olho atentamente. — Durante anos, me perguntava se era a diferença que
fazia sua mãe e você me odiarem. Se eu fosse como meus irmãos, seria
diferente. Você me entende?
— Sim. — Ele responde baixo.
— Os anos que vivi na França e na Inglaterra, as meninas das escolas
eram como eu na aparência, mas os costumes eram diferentes. Minha mãe
sempre me falou que antes de casar com meu pai, ela viveu em dois mundos
e nunca pertenceu a nenhum deles, mas com meu pai ela soube do fundo do
coração que seu lugar era aqui com nosso povo.
— E você o que pensa Helena? — Ele pergunta sério.
— Meu mundo é aqui ajudando meu povo. Meu coração vive aqui,
minha aparência não é nada em frente ao que sinto. — Coloquei a mão no
meu peito. — Durante anos meu fortalecimento foi fugir, não está nos
mesmos lugares que você, não falar seu nome ou me lembrar que você
existia, mas hoje, sinto que é você que me faz forte. O que sinto aqui no peito
que me faz forte, que o passado acabou. Nossos sentimentos são a minha
força. — Suspiro e vejo quando ele pega o celular e vira para mim. Olho
nossa foto e sorrio. — Quando tiramos essa foto que não lembro? — Pego o
celular da sua mão e olho. O devolvo tremendo. — Minha avó Helena.
— E nosso avô Shaman. Eu me pareço com ele.
— Eu com ela. — Falo com os olhos marejados.
— Nosso avô acredita que minha mãe viu a possibilidade de um dia
o amor nascer entre nós dois.
— E mais uma vez uma Helena roubaria quem ela ama. Allah! —
Olho para a frente e lágrimas descem dos meus olhos.
— Sua avó nunca roubou nada de minha mãe ou de minha avó. Minha
avó que roubou nosso avô de Helena e de sua mãe. Roubou a felicidade
deles. Nosso avô amava minha mãe, mas ela era cega de mais para ver isso e
quase me levou para o mesmo caminho. Me envergonho do que estava me
tornando, soberbo e moldado pelo ódio e ganância. Odiava os campos.
Como posso odiar o que sustenta meu povo e minha família? Eu não via
nada. Eu estava me tornando como ela até o dia que a machuquei. Foi a
primeira vez que vi sua fragilidade e como eu estava sendo um covarde sem
honra e sem dignidade. Meu pai me condenou aos campos e trabalhei sob sol
e chuva para tirar o nosso sustento. Hoje não preciso mais vir por uma
condenação e por meu pai, estaria todos os dias na casa de meu avô, mas ser
líder é ir para terra e lutar pelo sustento. Sentir o sol queimar a pele na
lavoura e voltar cansado, mas feliz que seu povo não vai passar privações.
Posso fazer os serviços de meu avô em alguns dias da semana, mas nos
outros estou aqui com meu pai, meus irmãos e todos os homens de nossa
vila. Para garantir que nada vai faltar na mesa de nossas famílias. Não sei se
você sabe, mas meu irmão Kamal nasceu no dia da sua apresentação a
família.
— Não sabia.
— Minha mãe desmaiou quando meu avô falou seu nome e os
seguranças de tio Samir a levou ao hospital com meu pai, meu irmão nasceu
a noite. Acredito que nesse dia que ela viu que você, somente você seria a
dona do meu amor, então começou a me influenciar contra minha tia Lena.
— Você mudou e corrigiu os seus erros. Hoje é digno e honrado. —
Seguro sua mão e ele sorri.
— Posso ser um bom marido e pai. Vou saber dividir meu tempo com
minha família. — Abaixo a cabeça.
— Vai proibir sua esposa de trabalhar?
— Nunca. Ela vai fazer o que gosta e também não vamos ter quinze
filhos. Suponho que quatorze está bom. — Ele fala rindo e bato em sua mão
rindo com ele.
— São muitas crianças. Allah! Como não perder um ou outro pela
casa, quintal ou nos campos? — Ele rir alto.
— Acredita que até Mustafa não quer muitos filhos? Ajudamos a
cuidar de nossos irmãos desde quando nossa mãe era viva. Já batemos nossa
cota de criança, mas nosso pai pensa em uma menina quando se casar com
Renata. — Ele fala rindo.
— Meu pai está agindo o casamento deles. Estava pensando em dar
uma passagem para Renata visitar os pais na lua de mel, vai ser bom para o
tio sair um pouco e ver mundo. Me preocupa como ele vai reagir no mundo
Ocidental, os costumes são diferentes.
— Deixa isso com Renata, ela tem o maior jeito com o camelo
teimoso. — Começamos a rir.
— Ela te contou isso?
— Não, mas meu pai ficou uma semana falando que a médica
estrangeira o chamou de camelo teimoso e o mandou tomar banho. Allah! As
cabras saiam de perto de meu pai. Quando ele começa a resmungar ninguém
aguenta. — Estamos rindo muito. — Estava pensando em fazermos algo
diferente, que tal irmos no Mall of the Emirates?
— Gostaria muito. Tenho que fazer algumas compras.
Passamos o resto da tarde conversando e a noite vou embora feliz.
Meu coração está mais leve e sinto que finalmente me libertei das mágoas do
passado e agora posso viver sem rancor e ressentimentos.
HELENA
QUATRO MESES DEPOIS

A vida é estranha e o tempo nos proporciona mudanças e


amadurecimento.
Arrumo meus cabelos e coloco meu véu. Faço uma maquiagem leve nos
olhos e suspiro.
Hoje é o grande dia do almoço em família e minha resposta ao
pedido de Mohamed. Falei com meus pais a resposta e os homens estão em
uma reunião de portas fechadas novamente, mas diferente do dia do pedido,
escuto meus primos brincando no jardim.
Olho pela janela de meu quarto e vejo Kamal brincando com os
irmãos menores. Ele é sorridente, apesar de parecer com sua mãe. Graças a
Allah nenhum deles ficaram influenciados por sua maldade, apenas
Mohamed até ver a verdade.
Nesses quatro meses nos conhecemos além dessas paredes e dos
muros que construí em meu coração.
Fomos ao cinema, museus, ele me levou para almoçar no Mall of the
Emirates e fui nas lojas. Ele esperou com paciência eu comprar o que
precisava e na segunda vez, fomos para pista de esqui na neve. Me diverti
muito naquele dia.
Suspiro e vejo nossas fotos juntos no porta-retrato ao lado de minha
cama, tiramos nesse dia. Ainda tem outra onde estamos com seus irmãos
menores. Nessa fomos no Dubai Aquarium esse dia foi especial. Estávamos
com Kalil que queria ver os tubarões e fui ver os demais peixes. Me lembro
quando voltei, tinham duas meninas conversando sobre ele ser bonito e
carinhoso com irmão.
Fiquei com raiva, dei o braço para ele e olhei as meninas de cara
feia. Fiquei o resto do passeio emburrada e me lembro da nossa conversa
na volta enquanto Kalil dormia no carro.
— Minha ratinha por que está zangada? O que fiz de errado? — O
fuzilei com os olhos.
— Se engraçando para aquelas meninas. Se era para ficar se
amostrando viesse sozinho, senhor Mohamed. Pensa que não vi e não
ouvi? Elas estavam suspirando por você! — Encruzei os braços, ele sorriu
me deixando mais zangada.
— Minha ratinha, não fique com ciúmes. Só tenho olhos para você.
Elas não são nada e nunca olharia para outra mulher. — Ele fala rindo.
— Quem disse que estou com ciúmes? — Falo indignada.
— Lembra da nossa última briga? Eu estava com ciúmes. Te vi com
seu amigo Charles no jardim e briguei com você. — Olho para ele
assustada e a realidade me bate. Estava com ciúmes de mim e Charles?
Somos amigos há anos. Tudo bem que trocamos uns beijos quando eu vivia
na Inglaterra, mas ele não precisa saber.
— Isso tudo é novo para mim. — Ele segura a minha mão.
— Para mim também, mas sabe que estou aqui para te ouvir. Te
amo. — Beija a minha mão e fico olhando para ele.
Foi naquele dia que percebi que depois de todos aqueles anos eu não
tinha medo de Mohamed. Meu medo era de meus sentimentos por ele, isso
eu negava sempre, mas estava lá só querendo forças para sair.
Sou tirada dos pensamentos quando batem na porta.
— Entra. — Renata entra sorrindo. Ela está casada com meu tio há
três semanas e sua lua de mel foi no Brasil. Eles chegaram há quatro dias e
ainda não conseguimos conversar. — Rê, me conta como foi a lua de mel?
— Ela senta na cama e sorri.
— Foi ótima, Abizar é maravilhoso na cama. — Ela fala rindo.
— Não quero saber das intimidades de vocês. Tudo bem que você é
minha amiga, mas ele é meu tio.
— Verdade. Tinha esquecido, mas ele é insaciável, agora entendo
porque teve tantos filhos. O homem tem uma vitalidade. — Ela fala rindo e
se abanando.
— Por Allah! — Jogo os braços para cima. — Pula essa parte.
— Brigamos muito. — Ela fala mordendo o lábio.
— Porque brigaram? — Falo sem entender.
— Bom, minha família resolveu ir à cachoeira para ele conhecer e
você viu como são as roupas de praia no meu país? — Faço que não. Ela
pega o celular na bolsa, abre a tela e me mostra. — Essas são minhas irmãs.
— Fiquei de boca aberta.
— Isso é roupa de praia? Não tem nada, só um fiapo! — Ela rir.
— Biquíni é comum para meu povo, mas voltando. Quando chegamos
na cachoeira eu estava de maiô comportado, pois sabia que meu marido não
estava acostumado. Peguei o maiô da mamãe. Quando tirei o vestido, Abizar
teve um surto, começou a me empurrar para o carro, a me cobrir com o que
achou pela frente, no caso, a toalha do piquenique. Gritando em sua língua
que eu não entendi nada. Ele falava e gesticulava, e para mim era só um
monte de som sem sentido.
— Allah! Como vocês resolveram?
— Depois de meia hora de Abizar gritando igual a um camelo, desisti
de tentar entender e o deixei falando sozinho. A noite ele estava mais calmo,
mas não entendeu que nos vestimos assim. Então, mostrei no computador
algumas fotos nossas em família. Ele não gostou, mas entendeu e no final
ensinei a ele que nossas brigas poderiam terminar de forma boa, com um
mega sexo de reconciliação. — Ela fala rindo e para. — Nossa lua de mel
toda foi assim: biga e reconciliação. No final tinha reconciliação sem brigas.
— Ele fala pensativa.
— Renata! Pula essa parte.
— Mas eu preciso de sua ajuda. Estou desconfiada de algo. Preciso
fazer uma investigação sem Abizar saber. Me ajuda?
— Tudo bem.
— Mas, me conta! Primo gatinho malvado, tem chances. — Sorrio.
— Você vai saber no almoço.
— Malvada. — Ela me joga uma almofada e ficamos rindo.
Descemos e quando chegamos à sala Maisa vem falar comigo.
— Vamos meninas! Os homens as aguardam. — Vamos para o
escritório e meu pai faz sinal para Maísa entrar e se sentar. Renata senta
perto de meu tio e eu perto de minha mãe. Não entendi meu pai que deveria
dar a resposta a Mohamed.
— Agora que estamos todos aqui, podemos começar. Há exatamente
seis meses, meu sobrinho Mohamed, filho de Abizar e neto de Jamil pediu a
mão de minha filha em casamento. Como resposta e passado o mal resolvido
de vocês, Heleonora e eu resolvemos dar seis meses para que vocês se
conhecessem. Lena e eu tivemos um mês para nos conhecermos e foi o
melhor para nosso relacionamento. Não seria justo com Mohamed dizer não
e com minha filha dizer sim, pois vocês precisavam se conhecer além das
mágoas do passado. Em nosso povo o pedido deve ser feito ao pai, assim
como a ele cabe decidir a resposta do pedido, mas como fizemos diferente...
Mohamed Hamid Ubaydah resolvi aceitar seu pedido. — Mohamed levanta e
vai até meu pai, não estou entendendo nada.
Ele para na minha frente e se põem de joelhos. Me olha nos olha e
estende uma caixinha de música bordada artesanal antiga. Coloco a mãos na
boca.
— Helena, você é a luz da minha vida. Eu nunca consegui ficar longe
de você mesmo quando a odiava por ser cego pela mentira. Em todos os
caminhos que vou, Allah sempre a colocou para ser minha esperança, minha
alegria e força. — Fico com os olhos marejados. — Hoje perante toda a
família venho fazer o meu pedido, mas faço a você que é o amor de minha
vida. A primeira vez que fiquei de joelhos na sua frente foi para pedir seu
perdão e hoje me ponho novamente para pedir sua mão, e me colocaria mil
vezes assim perante a todos por você, porque a amo. Então, te pergunto:
Helena Morgan Hamid Abdullah. Filha de Samir Abdullah. Você daria a
honra de ser a minha esposa, mãe de meus filhos? — Estou com as mãos na
boca e os olhos marejados. A sala está toda em silêncio até meu avô falar:
— Te ensinei a cortejar uma dama! Você é sovino. Dar uma caixa de
madeira em pedido de casamento? Helena não aceita! — Todo mundo rir. —
Onde já se viu pedido de casamento com uma caixa velha? Sua tribo tem que
trazer cabras e minha neta vale umas cem cabeças. O jardim de Samir devia
estar cheio delas comendo tudo que achar pela frente.
Ele abre e a música que toquei para ele no dia do nosso primeiro
beijo começa a tocar. Tem um anel com um rubi. Meu avô olha e sorrir.
— Isso ele aprendeu comigo. Responde logo minha neta. — Todos
riem de novo.
— Sim. Eu aceito. — Falo com a voz embargada e me assusto com
minha mãe quando ela faz um zaghareet alto e meu avô tira o turbante e
começa a dançar, meu pai está rindo. Mohamed coloca o anel no meu dedo,
se levanta e me abraça.
Escutamos um limpar de garganta de meu pai, soltamos do abraço
rapidamente e ficamos sorrindo. Diferente do outro almoço, estamos todos
felizes, comemorando e planejando o casamento que deve acontecer em até
quatro meses. Durante anos ele foi meu carrasco e fugi de meus sentimentos,
mas agora acabou a tempestade e vamos viver nossos dias de felicidade.

QUATRO MESES DEPOIS


Arrumar o vestido, pegar o buquê...
— Certo! Calma Helena! Hoje é o primeiro dia. — Falo para mim
mesma nervosa. Três dias de casamento. Meus pais fizeram questão de um
casamento árabe tradicional. Olho para meu vestido azul no manequim,
depois a prata e por último o branco, e sorrio. Vou me casar com o homem
que amo. Olho minha mão sem aliança. Hoje Mohamed vai fazer o pedido
oficial ao meu pai e vamos assinar o contrato de casamento. Daqui a pouco
as damas irão me ajudar na arrumação e a maquiadora fez a maquiagem. —
Respira! — Falo sorrindo.
Abro a porta e vou para o corredor. Vejo minha prima Abdala que é
prima de primeiro grau de meu pai, e seu irmão Omar foi exilado por atentar
contra a vida de minha mãe. Ele morreu há cinco anos na Inglaterra onde
trabalhava para o marido de minha tia. Seu nome não pode ser pronunciado
até que meu pai autorize.
Meu irmão se chama Omar, e uma vez perguntei ao meu pai o porquê?
Ele me explicou que esse era o nome de meu avô, seu pai. E o seu tio em
homenagem ao irmão mais velho colocou o mesmo nome em seu
primogênito.
— Abdala? — Quando a mulher se vira levo um susto. Sua
semelhança com minha prima é inquestionável, mas ela é nova e não é uma
de suas quatro filhas.
— Désolé, je m'appelle Lorena. Je ne connais pas Abdala. (Perdão,
meu nome é Lorena. Não conheço Abdala.) — Olho atentamente.
— Tem parentes aqui no Oriente? — Ela sorri e entende árabe.
Quem é essa moça? Ela ajusta o véu.
— Non. Je suis français, mais je parle arabe et anglais. (Não. Sou
francesa, mas falo árabe e inglês.). — Ela está sorrindo e fico intrigada.
— Filha! Conheceu Lorena. Sua empresa está responsável pelos
eventos do seu casamento e de Shaman daqui a quatro meses. Sua empresa é
responsável pelos eventos e coquetéis das empresas de seu pai. — Minha
mãe abraça Lorena e fico olhando intrigada. — Agora tenho com quem
conversar em francês. — Minha mãe fala sorrindo.
— Com licença. Preciso verificar tudo para o evento após a
assinatura do contrato matrimonial. — Ela faz uma saudação e sorri. Olho
para minha mãe.
— Também notei a semelhança dela com Abdala e suas filhas, mas
vamos investigar isso depois, pois hoje é um dia especial e amanhã suas
primas estarão aqui para fazer as tatuagens de hena para vocês terem
prosperidade e felicidade. Vai ser tudo perfeito. — Minha mãe fala sorrindo.
Voltamos para o quarto, tudo será feito às quatro da tarde.
Durante esses quatro meses meu pai reformou uma de suas casas que
será minha para meu casamento e a outra está em reforma para Shaman e sua
futura esposa, Nádia. Eles se conheceram na tribo de Balduíno quando ele
estava cuidando dos feridos e vacinou as crianças.
Nádia é sobrinha do líder, sempre cuidou dos idosos e feridos. Para
seu povo ela é como um médico, contudo sem estudo. Ela foi treinada desde
pequena para cuidar dois doentes. Shaman ficou encantado com ela e duas
semanas após o seu retorno, ele falou com meu pai e foram novamente a
tribo para pedir a mão de Nádia em casamento. Ela é uma moça linda, com a
pele negra, olhos castanhos e muito doce. Foi criada em nossos costumes.
Desço a escada e escuto movimentação na cozinha. Vou andando e
vejo Karim com as mãos no bolso da calça social concentrado na porta e
olho para ver a fonte de sua observação. Vejo Lorena falando em um árabe
impecável com a equipe da cozinha.
— Ela não é filha de nossa prima Abdala. — Ele me olha sério.
Nossa mãe, ele e eu temos os olhos azuis.
— Não, mas ela parece ser uma de nós. — Ele fala pensativo.
— Deve ter algum parente árabe de parte de mãe ou pai.
— A família da mãe é francesa e não tem nome de pai na certidão de
nascimento. — Olho para ele que está fascinado olhando-a andar pela
cozinha provando, arrumando e dando as ordens do buffet.
— Mamãe sabe que você revirou a vida de Lorena? — Pergunto
sério, ele me olha.
— Não, mas ela esconde algo e vou descobrir. — Quando viramos
damos de cara com nossa mãe muito séria.
— Ela não é como as mulheres que você está costumado a sair
Karim. Fique longe dessa moça. — Minha mãe fala em uma voz baixa e meu
irmão abaixa a cabeça. — Você sofreu, mas se recuperou, então não seja
maldoso fazendo as pessoas pagarem pelo que você passou. Se eu descobrir
que você está seduzindo essa moça. Serei eu que vou te punir, você pode ser
o sucessor de seu pai, mas sou sua mãe.
— Sim senhora! — Meu irmão fala de cabeça baixa e sai. Olho para
minha mãe que está séria.
— Karim ainda vai ser arrepender de achar que as mulheres
ocidentais são apenas para prazer físico. Allah! Onde errei com meu filho?
— Minha mãe fala triste e a abraço.
— A senhora não errou, mas enquanto Karim não superar a decepção
do passado, ele não poderá ter um futuro. — Minha mãe confirma, damos os
braços e vamos para o jardim. Ela começa a falar.
— Daqui a quatro meses será o casamento de Shaman com Nádia.
Karim falou com seu pai que após o casamento de seu irmão irá selecionar
moças das famílias influentes do Oriente e escolher uma para casamento. Um
casamento sem amor. Ele quer manter a tradição e casar com uma moça
árabe, que seja obediente e submissa. Infelizmente não posso intervir e seu
pai acha justo, uma vez que deixamos vocês escolherem. Filha, estou muito
preocupada com isso e a forma que ele olha para Lorena. Conheço vocês e
sei que isso vai gerar muitos problemas. Lorena é uma moça boa,
batalhadora e seu irmão está encantado com ela, mas ele é cabeça dura e
incapaz de ver um palmo a frente da cara.
— Infelizmente não podemos resolver as situações por ele. Ele terá
que aprender com seu próprio erro.
Volto para meu quarto para me arrumar e esperar pelo pedido de
oficial de casamento.
Às três da tarde estamos todos no grande salão do palácio. Estou com
vestido azul justo de mangas compridas bordado de pedras, um véu azul e
um buquê de tulipas brancas.
Assim que as portas se abrem, Mohamed entra com tio Abizar e está
lindo com um terno azul. Quando me vê, sorri. Como nossa tradição o noivo
deve pedir a mão da noiva no primeiro dia do casamento ao mais velho da
família, nesse caso o pedido será feito a meu avô.
— Eu, Mohamed, filho de Abizar, estou aqui perante a família para
pedir a mão de Helena em casamento ao senhor vovô Shaman. — Meu avô
sorri.
— Seu pedido foi aceito. Que Allah abençoe sua união. — Mohamed
abraça nosso avô e vem até mim. Trocamos as alianças e assinamos o
contrato matrimonial. Vamos para o jardim para a comemoração. Tem uma
mesa farta no jardim, está tudo perfeito. O buffet, a arrumação com mesas,
almofadas e a mesa com nossas comidas típicas e toda a família comemora
bebendo o sharbat.

Mohamed segura a minha mão e vamos tirar as fotos. Estou


encantada, sou esposa do homem que amo.
— Eu te amo. — Falo quando o seguro, ele me abraça para foto.
— Eu te amo, minha ratinha branca. Minha Helena, minha esposa e
dona do meu coração. — Ele beija a minha testa e ficamos sorrindo.
O fotógrafo arruma as poses para o primeiro dia de casamento.
Estamos sorrindo felizes, ele beija minha mão.
A celebração dura até o anoitecer e vamos para os nossos quartos.
Amanhã será o dia da festa dos noivos e o terceiro dia com a família.
E assim poderemos viver nossa vida de casados.
MOHAMED
SEGUNDO DIA DE CASAMENTO

Estamos em um dos salões do palácio.


A música está baixa e escutamos a festa das mulheres em outro salão.
Vi Helena antes de começarmos nossa festa separada, ela estava com um
vestido de noiva prata e suas mãos pintadas com tatuagens de hena. Ela
estava maravilhada com o coquetel e as arrumações. Ela sorri para mim e
beijo a sua mão. Somos surpreendidos por uma chuva de açúcar na cabeça
para espantar os maus espíritos quando começa a celebração. Depois
pousamos para a foto do álbum do segundo dia.
No salão dos homens é mais formal, não temos festa, bebemos chá e
conversamos sobre o futuro de nossa família. Escutamos as músicas e a
risadas das mulheres em seu dia de noiva, fico sorrindo até que escuto meu
tio falar.
— Ela se parece muito com minha filha e minhas netas. — Naim, o
tio-avô de Karim fala nervoso.
— Meu tio, estou verificando a sua vida, mas ela não tem nome de
pai e a mãe está em um grau avançado de Alzheimer, acredito que não possa
nos dar informação. Ela estuda nossa língua desde nove anos, fez cerca de
três cursos desde costumes e conversação. Assim que tiver algo concreto
vamos pedir um DNA. Por enquanto peço que o senhor aguarde minhas
investigações.
— Se ela fugir?
— Não vai. Sua empresa tem um contrato grande conosco, além de
Heleonora ter feito contrato para casamento de Shaman. Ela vai estar entre
nós por muito tempo. — Tio Samir fala preocupado. — Vamos comemorar o
casamento de meu sobrinho, afinal as mulheres estão se divertindo e nós
homens também merecemos um momento de descanso.
***
Enfim chegou o terceiro dia.
Arrumo minha gravata borboleta. Estou com um terno azul-claro e
camisa branca. Fico sorrindo, hoje poderemos ser um só.
— Nosso quarto! Nossas vidas! Obrigado Allah, por me dar a chance
de ser feliz, de amar e ser amado. — Agradeço de olhos fechados, até que
sinto uma mão em meu ombro e me viro. Meu pai está sorrindo.
Nunca o vi feliz assim com minha mãe, Renata é perfeita apesar das
diferenças culturais. Meu pai sempre foi paciente até com minha mãe que
nunca reconheceu, diferente de Renata que o ama. E a última notícia que ela
deu para ele está sendo o motivo de Sr. Abizar não ficar de semblante
fechado ou resmungando pelos cantos. O casamento deles está sendo uma
benção para meu pai.
— Parabéns, filho. Estou orgulhoso de você. — Abraço forte meu
pai.
— Sabe que eu nunca teria me tornando honrado se não fosse por
seus ensinamentos. Obrigado pai. — Ficamos abraçados até que ele me solta
sorrindo.
— Vamos para o salão, toda a família te espera para anunciar a
chegada da noiva. — Vamos para o salão do palácio e fico encantado com a
decoração.
No jardim tinha uma tenda branca com cortinas rosas e mesas de
mogno. Em cima tem lampiões antigos para quando cair a noite ficar uma
iluminação rústica para os convidados, pelo jardim tinham pequenas mesas
com almofadas marrons, banco e rosa.
Vamos para a tenda maior que está com uma decoração lindíssima
com lonas e toalhas vermelha. As mesas com candelabros, tem uma mesa
com o bolo branco de cinco andares degradê com flores descendo do topo
até a base, e a iluminação o fazendo ficar belíssimo. A família vai se
reunindo na tenda maior e os garçons está servido sucos, comidas, chás, água
e refrigerantes.
Estou ansioso pela chegada de Helena, que chega em um trono
enfeitado e carregada até o salão. Seu sorriso está radiante e todos aplaudem
até que descem o trono, vou até ela e seguro a sua mão.
Novamente fazendo a troca das alianças enquanto nossas famílias
fazem a troca de presentes.
Dançamos, comemos e festejamos nossa união, e no final da festa a
limosine nos espera para irmos para nossa casa e vida de casados.
Chegamos a nossa casa e os empregados estão nos esperando em uma fila.
Falamos com todos e as mulheres vão preparar Helena para sua noite de
núpcias.
Vou para o outro quarto, tomo um banho demorado e coloco um
roupão preto. Entro pela porta de ligação para o nosso quarto e fico
aguardando Helena. Estou ansioso, esperei muito para tê-la como minha
esposa. Escuto a porta do quarto abrir e Helena entra com uma camisola
branca que vai até os pés. Olha sorrindo e fico admirando sua beleza. Ela me
beija, seguro em sua nuca e sinto seus cabelos macios.
— Minha Helena. — Beijo seu queixo e seu pescoço. Estou ansioso,
mas preciso ir devagar. Me afasto um pouco e ela avança devorando minha
boca. — Calma. Temos a noite toda. — Ela sorri e desce a alça da camisola
ficando apenas com uma pequena calcinha branca e sobe na cama. Pensei
que ela seria tímida.
— Vem amor! — Ela deita e se cobre com o lençol branco batendo
com a mão no colchão. Vou até à cama e retiro o roupão. Me deito e a beijo.
Preciso prepara-la bem para sua primeira vez e não a machucar. Me
posiciono entre suas pernas e beijo seu rosto.
Ter seu corpo encostado ao meu é como um sonho.
Beijo seu pescoço e vou descendo até o colo. Sou cuidadoso com sua
pele, é muito clara e pode ficar com marcas. Beijo até chegar os seus seios
que tem o bico rosado e contorno o bico com a língua. Ela levanta o quadril,
fico fazendo essa tortura até que sinto sua mão em meus cabelos.
— Mohamed. — Escuto sua voz rouca. Começo a sugar e beliscar de
leve o outro que está excitado. Depois de me deliciar em seus seios e
distribui beijos em sua barriga.
Desço sua calcinha e abro as suas pernas. Tenho a visão mais linda
de sua intimidade. Sorrio e deposito um beijo. Escuto seu gemido e faço com
muito carinho. Beijo, sugo e coloco um dedo. Começo a fazer um vai e vem
lento para prepará-la.
Ela se contorce na cama e chama meu nome. Coloco um segundo
dedo e continuo fazendo um vai e vem lento, enquanto beijo e sugo sua
intimidade. Quando sinto que ela está molhada, retiro os dedos e subo. Beijo
seu corpo até chegar em sua boca e a devoro com luxúria.
Me posiciono em sua entrada e vou entrando devagar. Sinto um
suspiro e fico tenso, paro. Espero um pouco ela se acostumar, está sendo
uma tortura. Beijo se pescoço, ela sobe um pouco o quadril e estou dentro
dela, e me sinto no paraíso.
— Eu te amo. — Faço um movimento. Ela me acompanha com o
quadril, a beijo intensamente e nossos corpos estão unidos em uma harmonia.
Levanto uma de sua perna e começo a investir mais forte. Desço uma das
mãos para acariciá-la enquanto aumento os movimentos e chegamos ao
clímax.
Estamos sorrindo e suados por nosso ato de amor. Abraço Helena
que passa a mão em minhas costas e fica séria, seus olhos marejados. Ela
está tocando uma das cicatrizes de meu castigo. Beijo seus lábios.
— O castigo foi justo e meu pai não colocou a força que deveria. —
Passo a mão na cicatriz de seu braço. — Fiz isso com você.
— Nos dois ficamos marcados, mas acabou. Nosso amor acabou
com o ciclo de maldade que começou há muito tempo. — Ela fala, me beija
e voltamos a nos amar.
Acordo com Helena em meus braços e sua cabeleireira loira
espalhada. Lembro de nossa noite de núpcias e me sinto feliz por ter seu
amor. Beijo seu ombro e ela reclama dormindo.
— Amor, me deixa descansar. — Fico sorrindo e a abraço.
— Eu te amo minha doce Helena, com todo meu ser e até o fim dos
meus dias. — Ela me olha sonolenta e coloca a mão em meu rosto.
— Eu te amo, Mohamed. Meu esposo, você é minha vida. — Ele me
beija e ficamos abraçados para o início de nossa vida.

UM ANO E MEIO DEPOIS

Arrumo meu turbante para o almoço de apresentação na casa de meu


avô. Escuto Helena cantando baixinho, ando sem fazer barulho e quando
chego a porta do quarto, tenho a visão mais linda. Minha mulher com um
hijab azul cantando para nosso filho, que está de roupa azul, touca e dorme.
Ela encosta o nariz no dele e canta uma música em francês.
Fico na porta sorrindo observando os dois e agradecendo a Allah por
minha família. Vamos para apresentação dupla, pois meu avô quis adiar a
apresentação de sua neta para fazer com seu bisneto.
Chegamos na casa de nosso avô e o pequeno dorme tranquilo, pois
ele acordou no caminho para mamar. Chegamos e vamos falar com todos.
Vou procurar meu pai e o vejo no jardim dos fundos com Renata que está
com uma roupa branca e um véu lilás sorrindo, levantando Ester que está
com um vestido com a cor semelhante ao seu véu.
Meu pai a abraça e pega Ester no colo, meus irmãos menores estão
correndo pelo jardim.
Fico sorrindo vendo a felicidade de meu pai que durante todo o seu
casamento com minha mãe nunca o tinha visto assim. Com um semblante
tranquilo e feliz. A pequena que puxa o turbante dele que sorri. Ele me vê e
vem sorrindo com Ester no colo.
— Filho! — Ele me abraça e a pequena travessa fica puxando meu
turbante. — Pequena! Não pode fazer isso com seu irmão. — Meu pai fala e
ela faz bico para chorar.
— Irmãozão deixa, vem pequena. — A pego do colo de meu pai, ela
fica puxando o aro de meu turbante e soltando gargalhada de bebê.
— Ela vai ficar mal acostumada, Mohamed! Helena está no quarto?
— Renata fala sorrindo.
— Sim, ela quer falar com você. — Ela me cumprimenta e vai para
casa.
Meu pai e eu ficamos conversando sobre os campos, estou um pouco
afastado, mas pretendo voltar assim que meu filho fizer seis meses.
Mustafa está de casamento marcado com irmã de Renata que não fala
nossa língua ou o inglês, mas tem uma habilidade incrível com a terra. Ela
veio para ajudar Renata no final da gestação de minha irmã.
Diferente de Renata que gosta de cuidar de pessoas e estudou para
conhecer o mundo, sua irmã ajudava seu pai na fazenda e tem muito talento
para isso.
Quando ela chegou, vi Mustafá encantado que rapidamente cuidava
das cabras e das crianças. No início foi difícil porque ela não falava nada
em inglês e muito menos em árabe. Então eles não tinham comunicação, mas
o importante é que entre os dois tem amor e meu irmão é como meu pai,
muito carinhoso e paciente. Os dois estão se entendendo e o casamento foi
marcado para que os pais dela possam ficar um tempo aqui.
No almoço sentamos todos em nossos lugares e com nossas esposas
ao lado. Meu avô está sorrindo com minha avó. Todos estamos conversando,
até ele começar a falar.
— Sou um homem rico. Tenho uma família grande, tive duas filhas e
dezessete netos. Agora dezoito e um bisneto. Se Allah permitir, logo serão
muitos mais. — Ela fala rindo. — Hoje venho apresentar minha neta entre
muitos netos varões. Tenho apenas duas netas, minha ratinha e agora minha
pequena Ester que já conquistou o coração do vovô. E meu primeiro bisneto
Ahmad que assim como seu nome é amado por seus pais, que sabem por tudo
que passou até Allah permitir sua união. — Ele pega Ester no colo que fica
tentando puxar seu turbante. Ele rir. — Para todos os membros de nossa
família, apresento minha neta Ester, filha de Abizar e Renata. Que Allah lhe
dê sabedoria e que sua vida seja próspera. — Todos repetimos e pego nosso
filho do colo de Helena e entrego ao meu avô que fica com os olhos
marejados. — Hoje agradeço a Allah por me dar o maior tesouro que um
homem pode ter na vida. Apresento a todos, meu bisneto Ahmad, filho de
meus netos Mohamed e Helena. Que Allah guie seus passos, que sua vida
seja próspera e que ele possa guiar nosso povo com sabedoria e honra. —
Falamos todos juntos. Pego de seu coloco e devolvo a Helena.
Almoçamos e passamos uma tarde em família. A noite ajudo meu pai
a levar todos os meus irmãos para fazenda e volto para buscar Helena e meu
filho. Chegamos à nossa casa e Helena foi trocar e colocar o pequeno para
dormir. Vou para o jardim e olho para o céu agradecendo a Allah por tudo
que tenho.
— Vamos entrar? — Olho para Helena e sorrio. Seguro sua mão e
beijo.
Um dia fui cego, mas fui resgatado pelo amor de meu pai que me
mostrou os caminhos de ser um homem de bem. Pela devoção de minha tia
Lena que me ensinou a perdoar e amor por Helena, minha esposa, a mulher
que é dona de minha vida e meu coração.
Hijab
O véu esconde os cabelos, as orelhas e o pescoço, e só deixa visível o rosto.
Burca
É longo véu, de cor azul ou marrom, cobre completamente a cabeça e o
corpo da mulher muçulmana, e tem apenas uma rede sobre os olhos que
permitem a ela ter certa visão do mundo exterior.
Niqab
O véu é complementado por um pedaço de tecido, que só deixa os olhos
expostos.
Xador
É uma vestimenta tradicional das mulheres do Irã e cobre seu corpo dos
pés à cabeça.
Zaghareet
Em Árabe o som se Chama “zaghareet”. O iraniano o chama de called,
salguta,ou sarguta.
Inicialmente era considerado um grito de guerra que vem do tempo dos
faraós no Egito, é agora transmitida como uma emoção ou celebração na
dança, na vida, nos movimentos, no casamento, na família, expressa alegria.
Agradeço a Deus por me dar oportunidades, força e criatividade para
continuar escrevendo.
A minha família, marido, filhos e minhas irmãs.
As minhas amigas e escritoras: Amanda Monteiro, por me incentivar,
pelas belas capas, banners e diagramação. A Kamila Cardoso, por me
ajudar, incentivar, ler e me ajudar com as ideias para o desenvolvimento das
estórias.
Valdirene Silva (amiga, anjinha e Beta), por disponibilizar seu tempo
de boa vontade para ler o que escrevi, me dando concelhos, direção, apoio e
puxões de orelha.
Agradeço as minhas leitoras no Wattpad que leram, curtiram,
comentaram e ficaram na torcida para que o amor entre Mohamed e Helena
fosse mais forte que todas as privações que o casal passou. Vocês sempre
estiveram presentes me dando apoio.
Muito Obrigada!
Edith Teófilo nasceu no Rio de Janeiro. É casada e mãe de dois filhos.
Contadora formada, estudante de matemática e libras. Começou a escrever
quando suas amigas: Amanda, Kamila e Val resolveram escrever um conto,
que acabou virando a Duologia Hackeando o Amor .

SUAS REDES SOCIAIS

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Perfil Facebook: Edith Teófilo
Instagram: @edith.teofilo
Wattpad: Edith Teófilo
SINOPSE:
Anne bastarda de nascimento. Sem direito a reconhecimento, a amor,
carinho e a uma família. Luta para mudar sua vida.
Allan homem simples e justo. Um fazendeiro que luta para dar uma
vida melhor para seus filhos longe das humilhações que são infligidos
devido aos atos impensados de sua falecida esposa.
Duas pessoas machucadas pela vida.
Duas almas procurando paz e consolo.
Quando uma brincadeira acaba sendo a única salvação para um deles a
vida fica boa para os dois.
SINOPSE:
Tic...tac...tic..tac
Quanto tempo nós temos?
Não sabemos, mas o amor verdadeiro é eterno...
Um amor além da vida, além do tempo, além do homem.
Um amor para sempre...
Não importa quanto tempo passe, mas Anna e Louis vão se encontrar
novamente para viver seu grande amor.
SINOPSE:

Samir o sheik da Tribo do Sul tinha uma solução para a guerra que
parecia não ter fim com o Norte.
Um casamento. Só assim ele teria a paz e sua amada Zaira, mas a
vida resolveu lhe pregar uma peça e na noite de núpcias ele descobre que a
noiva era a meia irmã de sua adorada e tradição, ela não poderia ser
devolvida.
Como ele poderia resolver essa situação sem uma iminente guerra?
Eleonora vai a um chá da tarde com seu pai, o líder da Tribo do
Norte e acorda bêbada na cama de um homem que não conhece.
E agora? O que fazer?
Dois corações que não se conhecem.

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