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COPYRIGHT © 2021 DRIKA ARAÚJO

Editora Chefe: Waldinéia Oliveira


Capa: Grazi Fontes
Diagramação: Grazi Fontes
Revisão: Simone Souza

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa. Todos os direitos reservados a The Books editora. É
proibida a reprodução de parte ou totalidade da obra sem a
autorização prévia da editora. Texto revisado conforme o Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa.
Criado no Brasil.
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Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3
Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16
Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24
Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 26

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Capítulo 32

Capítulo 33

Capítulo 33

Capítulo 35

Capítulo 36
Capítulo 1

Se eu estou triste por deixar tudo para trás? Bem, não sei
dizer. Mas sei que uma parte de mim está suspirando aliviada. Sabe
o que é passar 10 anos da sua vida vendo sua mãe ser espancada
e humilhada por um homem que ela acreditava amar? Bem, eu sei,
porque foi isso que aconteceu com a minha. Ter que aguentar
aquele homem controlando nossas vidas e sempre ter que vê-la
entrando em sua frente para que ele não encostasse aquelas mãos
imundas em mim foi a pior parte da minha história. Por que, então,
não estou completamente feliz que minha mãe finalmente se livrou
dele e estamos recomeçando? Porque, apesar daquela vida
desastrosa, estou deixando o que costumava ser normal para algo
inesperado, e isso me assusta.
— Mãe — cutuco-a —, estamos chegando, olha que lindo! —
digo, apontando para a enorme São Paulo a minha frente. Nossa
viagem foi longa, por isso, minha mãe apenas sorri cansada. Queria
que ela estivesse mais feliz do que aparenta estar, mas entendo o
que ela está passando. Apesar de tudo, ela o amava, a única parte
que não entendo é o motivo disso.
— Está pronta para uma nova vida? — Ela me pergunta. Paro
para pensar, acho que nunca estive pronta para nada.
— Uma parte de mim está, outra parte sente medo. É normal?
— pergunto enquanto continuo admirando a cidade.
— Todos nós temos medo, não é mesmo? — ela diz sorrindo.
— Agora temos menos um — falo, dando um beijo em sua
testa, ela sorri e volta a descansar. Fico observando-a, apesar de
tanto sofrimento, continua linda, seus cabelos morenos cacheados,
seus olhos castanhos, sua pele que nem o tempo foi capaz de
danificar... Somos tão parecidas que sempre nos perguntam se
somos irmãs. Quando o ônibus para, suspiro de alívio, foi uma longa
viagem.
— Parece que chegamos — Ela diz. Sorrio e nós descemos.
— Ela vem nos buscar, mamãe? — pergunto enquanto pego
minha mala.
— Sim, filha. — Ela diz, fazendo o mesmo.
Minha mãe conseguiu um emprego porque uma amiga pediu
demissão e recomendou-a. Sua nova patroa ficou de nos buscar,
mas, duas horas depois, continuamos no mesmo lugar, olhando
para o tempo com várias malas, parecendo duas desabrigadas.
— Me atrasei muito? — Uma mulher muito elegante, por sinal,
de cabelos longos e preto, olhos verdes e pele branca diz,
aproximando-se de nós.
— Bom, faz duas horas que estamos aqui — falo e minha mãe
me cutuca brava.
— Desculpa, ela só está cansada — minha mãe diz apertando
sua mão. — É um prazer conhecê-la.
— O prazer é todo meu — Ela diz e vira-se para mim — e
você, mocinha, está merecendo descansar — agradeço
mentalmente.
Entramos no carro depois de guardar nossas bagagens.
— Qual seu nome mesmo? — Pergunto.
— Melissa, e o seu? Acabei me esquecendo.
— Zara — respondo.
— Zara, lindo nome! — ela sorri para mim. — Qual sua idade,
Zara?
— 18 anos.
— Então, já terminou os estudos?
— Não, parei um ano porque... — olho para minha mãe
constrangida e penso em uma resposta rápida — tive uns
problemas de saúde.
— Então temos que ver uma ótima escola para você, Zara —
sorrio para ela.
Parei um ano de estudar porque meu padrasto me proibiu de ir
à escola, quando minha mãe o convenceu do contrário, era tarde
demais, eu já tinha perdido o ano letivo. Chegamos na casa mais
linda que já vi, era enorme.
— Gostou? — Melissa pergunta.
— Tá brincando?
Melissa nos mostrou toda casa e por fim, nosso quarto.
— Vocês ficarão aqui, tem banheiro e uma geladeira, caso
precisem não se incomodem em usar a da cozinha, vocês podem
fazer suas refeições lá mesmo logo após do meu jantar com minha
família — minha mãe concorda com tudo.
— Você não se incomoda caso eu precise ajudar minha mãe?
— pergunto.
— Claro que não, entendo você querer ajudá-la, a casa é
grande e não gosto de muitos empregados — concordo e ela
continua. — Minhas regras são simples para isso, Zara, não quero
você andando pela casa enquanto meu marido e meu filho
estiverem em casa, não se preocupe, isso é raro. Todas as vezes
que eles estiverem em casa, se mantenha em seu quarto. Não
pense que eu sou chata, mas gosto que as coisas funcionem assim,
estamos entendidas?
— Sim, senhora — digo. Fico sem entender o porquê disso,
mas não a questiono.
— Senhora está no céu, me chame de Melissa. — Ela sorri e
sai do quarto.
— Promete que vai se comportar? — Mamãe pergunta.
— Prometo.
— Mesmo que o filho dela seja lindo?
— Mãe, eu prometo — falo e ela começa a rir. Minha mãe
adora me constranger quando o assunto é meninos.
Capítulo 2

Uma semana se passou desde que chegamos. O trabalho é


pesado, já que somos só nós, eu e minha mãe, para arrumar essa
casa NADA pequena, mas nós damos conta e minha mãe não tem o
que reclamar do salário. Ela só pode reclamar do uniforme que é
obrigada a usar, ela sente vontade de queimá-lo todos os dias de
manhã, porque ela o considera horrível e muito quente. Eu dei sorte,
pois não sou obrigada a usar, já que apenas ajudo minha mãe
voluntariamente. Minha mãe e eu andamos olhando algumas
escolas, já que não posso parar de estudar, quero muito mesmo me
formar e ajudar minha mãe, não que o trabalho dela não seja digno,
mas limpar privada de madame não dá!
— Cloe, as roupas devem ser lavadas semanalmente, tome
muito cuidado com elas, são extremamente caras. — E realmente
eram, a família dela usava um ano de salário da minha mãe em
cada peça de roupa
— Mãe, eu lavo as roupas, a senhora já tem muito trabalho.
— Filha, o que seria de mim sem você? — Ela me abraça.
Subo as escadas e vou primeiro para o quarto do filho de
Melissa, que até hoje só sei o nome, porque, quando ele está em
casa, minha mãe não me deixa sair daquele quarto. Às vezes,
penso que Melissa acha que eu sou interesseira, que quero
conquistar seu filho.
O quarto do garoto é uma zona, não ficaria surpresa se eu
encontrasse um zoológico aqui dentro. Recolho todas as roupas e
saio, indo para o quarto de Melissa.
— Posso entrar? — Peço, dando uma batida na porta, que
estava meio aberta.
— Claro, querida.
— Vim só pegar as roupas.
— Está no cesto, dentro do banheiro.
— Que bom que algumas pessoas dessa casa sabem para
que serve cesto de roupa suja — falo sem pensar e arrependo-me
no mesmo momento.
— Do que está falando, querida? — Melissa pergunta.
— Desculpa, é que entrei no quarto do seu filho e me assustei
com a bagunça.
— Quase nunca arrumamos o quarto do Justin, ele não gosta
que mexam nas suas coisas. — Melissa ri e chama-me para sentar
ao seu lado. — Você é uma garota e tanto, hein? Não tem medo de
falar as coisas.
— Desculpa, não queria ofender.
— Querida, você não ofendeu, sei muito bem que criei um
porquinho — nós rimos.
— Posso te perguntar por que tenho que ficar escondida
quando seu filho e seu marido estão aqui?
— Faço isso para seu próprio bem, meu filho não pode ver
uma garota bonita e meu marido também não — fico surpresa
quando ela fala do marido e ela percebe. — É só algumas regras
que eu e meu marido temos, tradição de família, você não
entenderia. Não insisto no assunto, ela não parece confortável.
— Seu filho parece ser um garoto rebelde.
— É sim, por minha causa, que não gosto de impor limites.
— Deveria pôr — ela me olha surpresa com meu atrevimento.
— Todos precisamos de limites ou não teremos controle de nada.
Existem leis porque precisamos de limites, se não tivéssemos
limites, eu poderia matar você agora com esse cesto e ir lavar as
roupas, pois não seria errado. Minha mãe sempre me deu limites,
não diria que foi da melhor forma, pois alguns limites foram
dolorosos para mim, mas dei tempo ao tempo e ela mesmo
percebeu seus limites. Isso nos ensina o que precisamos para
sermos pessoas melhores e valorizar as coisas certas e nos
valorizar. Tente pôr limites no seu filho e ele será um filho melhor,
uma pessoa melhor e um porquinho melhor — falo e sinto vontade
de bater na minha cara, controle essa tagarela que existe dentro de
você, Zara!
— Lindas palavras, Zara, me parece ser uma garota inteligente
e determinada. No que mais você acredita, Zara? — Ela me
pergunta e aí mesmo que não calo a boca.
Sinto confiança em Melissa. Ela me ouviu até o final com um
olhar de admiração. Contei tudo o que penso sobre as coisas do
mundo para ela, principalmente sobre os homens que acham que
podem maltratar uma mulher, que têm o direito de controlá-las. Criei
uma opinião forte sobre isso com tudo que vi minha mãe passar.
— Melissa, eu preciso lavar essas roupas.
— Claro, querida, poder ir — me levanto, indo em direção à
porta e paro quando ela me chama. — Zara, admiro uma garota tão
jovem ser tão forte como você. É uma garota especial, poderia
mudar muitas coisas no mundo.
— Obrigada, e se quer saber, pretendo mudar o mundo inteiro!
— Digo e vou em direção às escadas. Antes de terminar, acontece o
que nem Melissa poderia impedir, encontro seu filho, Justin, no
caminho. Ele me encara por um tempo.
— Quem é você? Preciso chamar a polícia? — Encaro-o
incrédula.
— Eu sou a filha da empregada! — Respondo um pouco alto
demais. — E não precisa chamar a polícia.
— Entrou no meu quarto? Quem deixou? — Ele pergunta de
forma rude.
— Ninguém, mas se você quer andar como o cascão por aí, eu
devolvo suas roupas.
Ele me encara e volta a subir as escadas. Respiro e fundo e
começo a refletir sobre o garoto que acabei de ver. Não o chamaria
de Justin Timberlake ou até mesmo de Justin Bieber, mas ele até
que é bonito. Ele se parece com Melissa, os cabelos lisos têm o
mesmo tom, os olhos também. Ele usa um topete e veste-se como
qualquer garoto padrão da elite de São Paulo, estampando as
marcas mais caras que existem. Volto ao meu serviço, já que nem
todo mundo pode ser mimado e arrogante por pura diversão.
— Filha, por que demorou tanto?
— Comecei a conversar com Melissa e perdi a noção do
tempo.
— Ela parece gostar de você — concordo com a cabeça —,
mas tome cuidado e não esqueça qual é o seu lugar nessa casa.
— Eu sei, mamãe. E a propósito, encontrei o filho dela —
minha mãe arregala os olhos. — Mãe, estou bem e ele também, nós
apenas nos olhamos por mero dois segundos. Nada demais. Pelo
menos, pra mim, vai que ele se apaixonou.
— Zara...
— Mãe, eu não tô falando sério, relaxa — dou um beijo em seu
rosto.
— Tente evitar, filha.
— Eu sei.
Quando termino de lavar aquele monte de roupas, estou morta
e vou direto para a cozinha comer algo, posteriormente, jogo-me na
minha cama.
Quase um mês aqui e já estou bem próxima a ela. Melissa
adora conversar comigo sobre várias coisas, principalmente sobre
violência. Conversamos muito sobre o que a minha mãe passou e
no meio da conversa, ela me presenteou com um celular, o que
graças a Deus a minha mãe não implicou, já que o último celular
que eu tive, meu padrasto quebrou porque me pegou conversando
com o meu namorado da adolescência. Consegui entrar em contato
com os meus amigos novamente. Nunca mais vi o Justin. Melissa
disse que às vezes, quando ele tem vontade, some sem dar
satisfação.
— Zara, querida — Melissa me abraça com as suas mãos
cheias de sacolas de compras, seu esporte favorito —, tenho um
assunto muito sério a tratar com você hoje à noite. — Ela fala tão
séria, que sinto medo.
— Que assunto? — pergunto.
— Você vai começar a salvar o mundo — Melissa diz e sai,
deixando-me ainda mais curiosa.
Capítulo 3

Subo as escadas junto a Melissa, que continua séria. Entro em


seu quarto e me sento. Melissa permanece de pé.
— Me dê um minuto. — Ela pede.
Ela fica parada, pensando. Observo como ela está vestida
hoje. Usa um vestido azul-claro que se cola no seu corpo
deslumbrantemente. Ela disse ter 45 anos, mas aparenta ter uns 30.
É perfeitamente cuidada e sofisticada, sempre opta por blusas e
vestidos que cubram totalmente as suas costas e braços. Ela não
deve gostar de expor o seu corpo.
— Como posso te dizer isso? — Ela respira fundo. — Desde
quando você entrou nesse quarto atrás do cesto de roupas suja e
fez uma piada atrevida sobre o meu filho, e depois não parou mais
de tagarelar, me encantei por você, Zara. Tão nova e determinada,
veio parar logo na minha casa. Você foi um anjo que caiu do céu.
Comuniquei as mulheres do clã e elas tiveram a certeza de que
você é a escolhida... — interrompo-a.
— O que é isso de clã? Vocês são loucos? E eu fui escolhida
para o quê?
— Para se casar com o meu filho — caio na gargalhada. —
Estou falando sério, Zara.
— Não irei me casar com o seu filho. Melissa, não me leve a
mal, mas tenho planos e casamento, no momento, não é a minha
prioridade.
— Agora terá que ser. — Ela fala como se fosse a minha mãe.
— Não mesmo! Você não manda em mim! E posso escolher
com quem vou me casar e se vou me casar. Você é louca! —
começo a gritar e me lembro que a minha mãe está lá embaixo.
— Você não tem opção, Zara! — Ela passa a mão pelos
cabelos. — Quando a mãe escolhe a sua escolhida, ela deverá ser
a submissa do seu filho. É isso que está escrito, Zara. A escolhida
deverá aceitar o seu destino, ou sofrer até a sua morte. Zara, não
me faça explicar o que é sofrer para eles.
— Eles quem?! — pergunto gritando. Meus olhos marejam. Eu
estou com medo, muito medo!
— Zara, existem tradições que a minha família segue e você foi
a escolhida para algo além de se casar com o meu filho. Você
quebrará as regras. Então tem duas opções: se casar com o meu
filho, ou ver a dor de perder quem você mais ama.
— Não vou perder ninguém e você vai para um hospício!
Isso não é verdade, não pode ser verdade! Eu não vou
acreditar nessa louca!
Ela abaixa a parte de trás do seu vestido deixando as suas
costas expostas. Meu queixo cai quando vejo o seu corpo com
marcas recentes e cicatrizadas.
— Isso foi ontem. Não consegui satisfazer o meu marido da
forma que ele queria, então ele seguiu as regras. Ele me puniu. —
Ela me encara, chorando. — Deito todas as noites com o homem
que um dia eu acreditei amar, mas descobri que ele era apenas um
monstro que segue regras doentias. Você pode livrar a mim e
milhares de mulheres no mundo inteiro que têm maridos que
seguem essas regras, tornando-as livres. Se lembra do que sentiu
quando percebeu que a sua mãe não sofreria mais? Também quero
sentir isso, mas não posso se você não ajudar. Eu não deveria ter
contado sobre a minha mãe para ela.
— Se quer tanto que eu me case com o seu filho, deveria ter
inventado uma história melhor — digo.
— Não tem opção quanto a casar com o meu filho, mas pode
escolher nos ajudar ou não. As regras são claras: se não se casar
com ele, eles virão atrás das pessoas que você mais ama,
começando pela sua mãe — meu sangue ferve quando ela fala da
minha mãe. — Farão você sofrer a ponto de pedir para morrer.
Aceite, que será mais fácil. Você precisa entender como funciona a
tradição, o clã, as regras. Quebre as regras, Zara.
— Irei falar com o seu marido sobre o seu estado psicológico
— digo indo em direção a porta.
— Zara, prometa que não vai contar a ele sobre o que eu falei
das regras nem do clã das mulheres, e muito menos que pedi para
você quebrar as regras. Prometa, Zara! — seus olhos imploram em
total desespero.
— Eu prometo.
— Preciso que prometa que vai pesquisar sobre o clã dos
homens. Por favor.
— Prometo! — digo revirando os olhos e saio do quarto.
Espero na sala até tarde da noite por Richard e Justin. Melissa
não está bem, preciso que eles saibam. Quando eles finalmente
chegam, já passa da meia noite.
— Zara — é a primeira vez que o ouço pronunciar o meu
nome. É a primeira vez que o vejo. Ele é alto, tem cabelos grisalhos,
olhos castanhos e aparenta ter uns cinquenta -anos. — O que faz
acordada tão tarde? Precisa descansar, querida — encaro-o.
Por que ele está me tratando assim? Sua voz soa carinhosa,
como se me conhecesse o suficiente para isso.
— Queria falar com vocês sobre a Melissa — digo e eles se
sentam próximos a mim. — Acho que ela não está bem. Hoje ela
falou algo sobre eu me casar com o Justin e sobre um tal clã dos
homens e que se não aceitasse, vocês matariam quem eu mais
amo. E regras! Ela falou sobre regras também.
— Zara, ela está perfeitamente normal — Richard diz rindo —
Quando minha mulher falou que já tinha a sua escolhida, mal
acreditei.
Levo um tempo para perceber que ele também é
completamente louco.
— Eu não vou me casar com o seu filho! — encaro Justin, que
está totalmente sem expressão, ao contrário do seu pai, que é
dotado de prazer.
— Melissa já explicou sobre as regras. — Ele passa uma das
suas mãos pelo meu rosto e sorri. — Você não tem opção. Olhe,
filho, a bela mulher que é a sua futura esposa.
Se eu já estava tremendo antes, agora estou prestes a
desmaiar de medo. O olhar de Justin é rápido e logo ele o desvia
para outra coisa. Preciso ir embora da casa desses psicopatas!
— Desculpe, senhor, mas não irei — as palavras quase não
saem, pois aquela mão fria continua em meu rosto.
— Com um tempo aceitará melhor. Melissa também demorou a
aceitar e agora olha como ela está! Terá tudo do bom e do melhor,
Zara, sua mãe não precisará mais ser empregada. Já estou
pensando em um bom trabalho para ela e você viverá no máximo de
conforto e luxo.
— Não estou pedindo dinheiro, estou apenas avisando que
não irei me casar com o seu filho sem nem ao menos o conhecer.
— Terá tempo para conhecer o meu filho. A partir de hoje, ele
se dedicará apenas a você. — Ele não me dá nem a chance de
responder e sai. Justin o segue sem me encarar.
Meu corpo está em completo desespero. Vou para a cozinha,
bebo um pouco de água e volto a respirar. Pego o computador de
Melissa na sala e pesquiso sobre esse clã dos homens. Passei
horas lendo as piores coisas da minha vida. Eu, na verdade,
chamaria de clã dos machistas. Acreditavam no poder supremo do
homem, que mulheres foram feitas para satisfazê-los e cuidarem
dos seus filhos. A mulher que não leva marcas do seu marido pelo
corpo, não é considerada mulher de verdade, e existem cerimônias
na qual todas envolvem a dor de suas mulheres. Homens
psicopatas! Não passei nem da metade do que estava escrito e eu
já estava quase a ponto de passar mal. Meu medo era tão grande
que eu estava a um fio de entrar em pânico.
Inspiro e expiro.
Inspiro e expiro.
Inspiro e expiro.
Volto a me acalmar e vou até a cozinha beber algo. Quando
alguma mulher é convocada ao clã, ela deve aceitar, caso contrário
deverá sofrer a suas dores mais profundas e por fim enfrentará a
fúria do clã. Nenhuma mulher desafia o clã sem sofrer as
consequências. Chego nos comentários e vejo várias mulheres
contando sobre como foram escolhidas e muitas, até hoje, vivem
fugindo e como o clã matou as pessoas que elas mais amavam.
Fecho o computador.
Isso é mentira! Na internet você encontra muitos loucos. Isso é
apenas uma lenda que vem da época medieval. As mulheres que
não obedecerem às regras, serão sujeitas a dor e fúria dos seus
maridos. Isso não existe mais. As palavras não saem da minha
cabeça e eu desabo em chorar. Até hoje as tradições do clã dos
homens são seguidas por famílias de grandes riquezas. Eu queria
gritar, chamar a polícia e denunciar esses loucos, mas não posso.
Eles nos matariam? Perco a noção do tempo que estou chorando
naquela cozinha e só volto em mim quando alguém entra na cozinha
me chamando.
— Zara? — é a voz dele, Justin.
Nem penso direito quando vou até ele, desabando em
lágrimas, e me ajoelho na sua frente.
— Me diz que é mentira, que seus pais são loucos, por favor —
sinto-me completamente humilhada em está assim, mas me sentiria
mais ao me casar com uma pessoa que eu não amo e segue regras
doentias. Prometi a minha mãe que jamais passaria pelo que ela
passou. Eu não posso me casar com ele, não posso.
— Está acima de mim ou de você querer. Meus pais não são
loucos. — Ele estende a mão e me ajuda a levantar. — Zara, aceite
antes que façam algo contra você. Será pior do que aceitar e não
sentir culpa por perder alguém. Minha mãe demorou demais
também e pergunte a ela se não se arrependeu. — Ele para
analisando o meu rosto por um tempo. Fico calada. Ele tenta
enxugar as minhas lágrimas, mas não deixo que ele me toque. Sinto
o seu hálito quente próximo a minha orelha e ele sussurra: — Será
minha mulher, Zara, e sinto muito se não pode fugir disso.
— O que terei que fazer sendo a sua mulher? — pergunto e
minha voz sai trêmula. Ele sabe que estou apavorada.
— Terá que se deitar ao meu lado — Ele diz passando as
mãos por minhas costas —, me satisfazer. Sua pele não será mais
tão lisinha e bonita assim, levará minhas marcas nela. Me
obedecerá e me dará herdeiros. Não se preocupe, Zara, minha mãe
lhe ensinará tudo.
Eu sinto nojo dele.
— E você quer mesmo isso? — pergunto com raiva. A
pergunta parece pegá-lo de surpresa porque ele demora para
conseguir me responder.
— Esperei por isso a minha vida inteira. Não diria que
imaginava você, mas é claro que não tenho o que reclamar. As
tradições são valorizadas na minha família, todos pertencentes ao
clã aprendem isso desde criança.
— Não quero isso.
— Está acima de você querer ou não. Daqui a dois meses
pedirei a sua mão em casamento frente ao clã e não ouse recusar.
Depois do pedido, teremos mais dois meses para nos
casar. Enquanto não nos casarmos, terei que me dedicar
inteiramente a você, por isso amanhã você jantará comigo. Depois
que nos casarmos, você terá que se dedicar inteiramente a mim.
— Não me casarei com você, não irei para cama com você e
muito menos me dedicarei a você. — Ele segura o meu braço. —
Me solta, por favor, não toca em mim! — Ele me solta e parece
atordoado.
— Zara — Ele diz—, eu não... desculpa. — Eu o encaro,
confusa, mas ignoro e corro para o meu quarto. Entro em silêncio,
para não acordar a minha mãe. Já passa das 4 horas da manhã e
tudo que eu quero é esquecer essa noite e essa família. Encolho-me
na minha cama e tento abafar o som do meu choro.

— Filha, acorda! — minha mãe me cutuca e eu viro para o


outro lado da cama.
— Não! — falo e cubro a minha cabeça com o lençol.
— Você precisa acordar agora, Zara! — Ela fala autoritária.
— Mãe, eu posso ajudar você um pouquinho hoje mais tarde?
— pergunto ainda de olhos fechados.
— O senhor Martins convidou você para o café em 10 minutos,
filha.
Meu Deus! A noite passada não foi um pesadelo!
— Diga ao senhor Richard Martins que só estou disponível
depois das 10 horas — falo irritada.
— Zara, eu quero você pronta em 10 minutos, ou então levará
um belo de uns tapas! — Ela grita e eu pulo da cama.
Minha mãe só grita quando está muito irritada. Se ela
imaginasse o que está acontecendo...
Espero que ele me queira no café para se desculpar por essa
história absurda que inventaram. Arrumo-me e vou até eles, que já
estão sentados em volta da mesa.
— Me chamou, senhor Martins? — pergunto. Odeio
formalidades.
— Sim. Quero que você nos acompanhe em nosso café hoje.
E me chame apenas de Richard — sento-me ao lado de Melissa.
Richard pede para que minha mãe vá ao mercado e sei que isso é
para ela não nos ouvir. — Zara, você tem uma linda mãe, muito
educada e uma ótima funcionária por sinal. Uma pena que iremos
perdê-la. Você encontrará outra com a mesma competência, amor.
— Ele diz olhando para Melissa. Raiva é o que eu mais sinto
ultimamente e agora só aumentou ainda mais.
— Está ameaçando a minha mãe?! — grito batendo as minhas
mãos na mesa. O estrondo faz com que Justin me encare pela
primeira vez essa manhã.
— Não me entenda mal, estou apenas falando que depois que
se casar com o meu filho, não seria bom ter sua mãe como nossa
empregada. Arranjarei um emprego para ela bem melhor em minha
empresa.
— Estamos felizes com o cargo que ela tem, não irei me casar
com o seu filho.
— Zara, não preciso lembrar que o que eu acabei de falar
pode sim virar uma ameaça? Você é uma garota jovem e esperta,
então não aja como uma tola — há facas ao meu redor e só consigo
imaginar como seria bom usá-las nesse momento. — Melissa até
hoje não superou a dor de perder o seu irmãozinho. — Ele é tão frio
com as suas palavras, não sente remorso ao falar da dor da sua
própria mulher. Melissa está prestes a chorar. Não quero imaginar o
que eles devem ter feito.
— VOCÊS SÃO LOUCOS! — grito.
O celular dele toca e ele atende.
— Nossa empregada está bem? Continuem de olho nela. —
Ele me encara. Quero pular em seu pescoço. — Você tem um
minuto para tomar a sua decisão, Zara, não tenho tempo a perder
com você — fico calada olhando-o. Eu não sei o que fazer — Pode
matá-la.
— Não! Por favor, não! Eu caso, eu sigo regras, faço tudo o
que vocês quiserem, mas não toque nela, seu filho da puta! —
Melissa me segura e eu a empurro. — Fala logo para ele parar! —
fiquei a centímetros de voar nele. Jamais deixarei alguém tocar
nela... e nunca mais sofrerá de novo. Desabo em lágrimas enquanto
ele liga novamente. Eu os odeio. Levanto-me e vou em direção a
cozinha.
— Zara — pela primeira vez hoje, ouço a voz de Justin. —
Volte para a mesa e tome o seu café. Se retire apenas quando eu
permitir — encaro a Melissa, que faz com a cabeça um sinal para
sentar. Seu olhar está tão amedrontado quanto o meu. Volto e me
sento, mal toco na comida, até que ele me libera. Nunca senti tanto
ódio em minha vida. Livro-me de um bêbado controlador para
ganhar uma família louca e controladora.
Capítulo 4
Espero anoitecer e vou para o quarto de Melissa.
— O que eles fizeram com o seu irmão? — pergunto entrando
em seu quarto.
— Eu recusei o Richard no dia do noivado, não acreditava em
nada do que me falavam. Uma semana depois, quando minha vida
parecia estar voltando ao normal, meu irmão apareceu morto. — Ela
começa a chorar. — Eu não esqueço a cena em que o vi. Eles o
trataram como um animal e só tinha 10 anos. Foram as cenas mais
horríveis da minha vida! Eles não só o mataram, fizeram o sofrer! —
Melissa me abraça e chora em meu ombro. — Fui procurá-lo no
parquinho, onde ele adorava brincar, encontrei-o amarrado no
balanço e tinha um recado para mim em suas mãos. Aceitei e nunca
mais tive coragem de ver a minha família depois que fui embora. Eu
me sinto tão culpada e eles sofreram tanto... — os apertos de
Melissa me sufocam, mas não reclamo, pois sei como é poder
desabafar.
— Melissa, não quero perder a minha mãe, não tenho mais
ninguém — tento não chorar, mas é quase impossível. Eu não sei
como viveria sem a minha mãe. — Mas também não quero me
casar. Você não devia ter me escolhido. — Eu queria estar odiando-
a agora, mas tudo que sinto é pena.
— Zara, nunca conheci uma garota como você. Regras
existem para serem quebradas e não vejo ninguém melhor do que
você para acabar com tudo isso.
— Por que não me explica de uma vez isso... de eu ter que
quebrar regras? Melissa, qualquer um pode quebrar regras.
— Não! A questão é quebrar tudo, entendeu? Você tem que
acabar com o clã, acabar com essa maldita tradição. Levarei você
amanhã a um lugar, mas não pode contar a ninguém.
— Tudo bem, preciso me arrumar — falo coçando a nuca.
Lembrei que tenho um jantar hoje. — Vou ter que jantar com o seu
filho — as palavras saem amargas da minha boca.
— Sinto muito, Zara. — Ela diz.
— Não, você não sente, ou não teria me escolhido. Contei a
minha história pra você, sabe de tudo que eu passei e mesmo assim
me destinou à uma vida pior do que a de minha mãe — não a
espero falar mais nada, apenas saio.
Juro que revirei todo o meu guarda-roupa e não tinha uma
roupa para a ocasião, que ele me desculpe, mas vou de moletom e
calça jeans.
Já são 20 horas e vou pra sala esperar por ele. Minha mãe
aparece e me olha confusa.
— Vai para onde, mocinha? — ela pergunta desconfiada.
— Vou sair com Justin.
— O quê?
— Melissa pediu para ele me mostrar a cidade.
— Filha, tome cuidado e por favor, se acontecer algo mais, me
prometa que vai usar camisinha! — Arregalo os olhos. Minha mãe
falar isso tornou tudo mais constrangedor.
— Mãe, eu não vou pra cama com um garoto que mal conheço
— sussurro para ninguém ouvir nossa conversa constrangedora.
— Filha, você está em uma idade que os hormônios estão a
flor da pele, é normal agir por impulso e ele é muito bonito.
— Mãe, eu já disse que não vou fazer nada! — irrito-me com a
conversa, cruzo os braços e viro a cara para minha mãe. Já não
basta toda essa situação?
— Não se irrite, querida, falo isso por experiência própria. — Ri
e sai para a cozinha. Não acredito que minha mãe me falou isso.
— Vamos — ouço a voz dele atrás de mim e viro-me.
— Está atrasado — digo, levantando-me. Ele revira os olhos.
— Você vai pra onde assim? — ele me pergunta e percebo o
quão elegante ele está e o quão brega eu estou.
— Nós podemos ir? — pergunto, claro que estou ofendida, ele
me olhou como se eu fosse uma mendiga.
— Vamos — confirma e eu vou na frente irritada. Entro no seu
carro e cruzo os braços. Quero matá-lo por ter falado daquela forma,
quero por muitos motivos.
— Desculpa, é que nem todo mundo tem dinheiro pra andar
com roupas que custam mais que o salário da minha mãe de dois
meses! — Eu queria que tivesse soado irônica, mas apenas
consegui mostrar como estou com raiva.
— Não vai ter mais problemas com isso, Zara, vou pedir para
que minha mãe leve você para fazer compras — o tédio em sua voz
é claro.
— Não quero seu dinheiro!
— Você não acha que vou andar por aí com você de moletom
e calça e com esse seu tênis velho, não é? Ando em lugares de
pessoas ricas e não em restaurante a quilo.
— Você é um babaca! — mostro meu dedo do meio a ele.
— Se estivéssemos casados, você levaria uma boa de uma
surra por isso — fala irritado e encolho-me no banco, meus olhos
marejam e por mais que eu queira me calar, eu não consigo. Eu não
quero viver nesse pesadelo de novo.
— Não vai encostar a mão em mim de forma alguma.
— São as regras, uma mulher deve respeitar seu marido.
— Regras, o caralho! Se encostar em mim, nós teremos um
verdadeiro problema, porque não vou apanhar calada!
— Minha mãe vai educar você com o tempo. — De novo,
parece uma frase que ele escutou do seu pai e está repetindo.
— Não vou ser saco de pancada de ninguém. Essas regras,
tradições são doentias, mulheres não têm que ter marcas de
homens ou satisfazê-los da forma que eles querem, isso são ideias
machistas. Você e seu “clã” precisam se modernizar. — Ele para o
carro e encosta a cabeça no volante e respira fundo. Assusto-me
quando ele agarra meu braço e puxa-me para mais perto dele.
— Nunca fale isso para ninguém, entendeu? Não quero que
você se machuque ou que eu seja obrigado a machucá-la por causa
dessa sua língua afiada. Guarde seus pensamentos e defesas para
si mesma. Me deve obediência agora, então cale a boca, por favor.
— Ele solta meu braço que agora tem a marca de seus dedos nele.
Fico confusa, ele disse não querer me machucar, mas está
aceitando tudo isso. Calo-me e sinto-me um lixo por isso, me calei
como minha mãe se calava.
Chegamos ao restaurante. Sabe o que é se sentir um patinho
feio? Estou sentindo isso agora. Sou um patinho feio em um
restaurante de luxo.
— Sabe, restaurantes a quilo são muito bons, nós podíamos ir
a um agora mesmo — digo, sentando-me.
— Deveria ter me avisado que não tinha nada para vestir.
— Se estiver tão incomodado, podemos ir embora.
— Nem pensar, não se preocupe com sua roupa, continua
linda. Reviro os olhos.
— Me fez se sentir melhor — digo irônica e ele ri.
Fazemos nossos pedidos. Eu coloquei essa noite pra lista dos
micão da minha vida, porque ela, com certeza, merece. Justin teve
que me ensinar para que tanto talher e toda aquela frescura. Juro
que, por um segundo, quase comi com a mão. Não conversamos
muito, já que ele encontrou uma conhecida e passou a maior parte
do tempo em sua mesa, deve ter falado que agora faz caridade,
levando mendigos à restaurantes chiques. Antes de irmos para
casa, ele parou em uma ponte e chamou-me para acompanhá-lo.
Se ele não pensou em me empurrar daquela ponte e acabar com
tudo isso, eu pensei.
— Gosta da vista? — perguntei.
— Não sou um grande apreciador de paisagens — diz, rindo.
— Só vim aqui mesmo para parecer romântico.
— E por que você quer ser romântico?
— Porque você foi escolhida para ter uma vida bem
complicada ao meu lado, não será fácil, Zara. Concordo com você,
são regras doentias e machistas, mas é a tradição que, por anos,
minha família seguiu e consequentemente, terei que segui-las.
Desejei que a pessoa escolhida fosse alguém ruim ou que, no
mínimo, nos entendêssemos, mas foi logo você, Zara. Me parece
tão inteligente e determinada, não parece alguém fácil de ser
domada. Não queria que você calasse a boca quando estava
falando, queria que continuasse, porque invejo sua coragem em se
expressar. Nem todos pensam como eu, Zara, eles poderiam te
matar por falar isso.
— São pessoas doentes! — Eu tenho um milhão de perguntas
a ele, mas estou tão em choque com tudo isso que não consigo.
— Eu sei. Zara, tudo que eu queria era me apaixonar por você
e que você se apaixonasse por mim. Quero que, pra você, seja tudo
mais fácil, não quero ter que encostar em você, não quero que
nossos filhos escutem o que eu escutei minha infância inteira, quase
todas as noites. Era apavorante ouvir minha mãe gritar. Fujo de
casa quando isso se torna mais frequente, não aguento ouvi-la gritar
e não posso fazer nada por ela. Não consigo nem imaginar quando
for com você, por mais que eu não queira, será inevitável, você
precisa ter marcas.
— Não quero isso, não preciso. Se não quer me machucar,
então não me machuque.
— Não é só você que precisa seguir regras. Meu pai também
me mataria se eu não me casar com você. Eles nos ensinam isso
desde criança, é como uma lavagem cerebral que tenta nos fazer
acreditar ser superiores.
— Então por que você é diferente?
— Minha mãe sempre lutou contra isso, escondido de tudo e
de todos, ela me ensinava que tudo aquilo da escola do clã era
errado. Era um risco que ela corria, eu era uma criança e podia falar
para alguém, mesmo assim, ela correu esse risco. Ela sempre foi
tudo na minha vida, eu jamais a entregaria.
— Tem alguma ideia de como escapar disso? — Ele faz que
não com a cabeça.
— Eu só posso te prometer que eu vou tentar ao máximo não
te machucar. — Meus olhos enchem de lágrimas, não tenho fuga
desse inferno, mas se o que ele diz é verdade, eu, pelo menos,
tenho um aliado agora. Eu o abraço.
Voltamos para casa e ele me abraça novamente antes de ir para o
seu quarto.
— Boa noite, obrigado pelo jantar — diz, dando-me um sorriso
tímido.
Vou para o meu quarto de fininho para minha mãe não acordar.
— Filha? — ela me chama.
— Oi, mãe, não queria acordar você — digo, deitando-me.
— Como foi?
— Foi bom, ele é um garoto mais legal do que eu imaginei.
— Que bom, você precisa mesmo arrumar um marido rico logo
e me sustentar, não vou ser empregada a vida inteira! — Dou uma
risada, minha mãe e suas gracinhas, eu queria muito contar a
verdade a ela, mas não a quero sofrendo mais.
— Mãe, você está me usando.
— Você me usou a vida inteira, tem que retribuir.
— Se você quer saber, ele me beijou — digo apenas para ver
sua reação que se torna hilária quando ela pula da cama.
— Te beijou? Vou já obrigar esse moleque a casar, ninguém
beija minha princesinha sem mais nem menos! — Não paro de rir
dela, que se deita ao meu lado, abraçada comigo. — Sabe que eu
estou brincando, não é? Você é uma ótima garota e eu me orgulho
muito de você. Tome cuidado com esse tipo de garoto, filha, às
vezes, eles só querem se divertir! — Eu seria mais feliz se fosse
apenas uma diversão dele.
— Eu sei, mamãe! — Dou um beijo nela e nós dormimos
abraçadinhas.

Acordo um pouco mais tarde e arrumo-me para sair com


Melissa. Sinto-me mal por não ajudar minha mãe agora de manhã.
Chego na cozinha e Melissa já está conversando com ela.
— Filha, você se importa em acompanhar Melissa nas
compras? — minha mãe pergunta.
— Não. Posso acompanhá-la, se você não se importar.
— Claro que pode, filha — diz e sai em direção a sala.
— Justin pediu para eu te levar para fazer compras, mas antes
vamos naquele lugar que lhe falei.
— Ok! — digo, são oito horas da manhã e não irei discutir
sobre isso. Entro no carro de Melissa e nós vamos até esse tal lugar
que ela falou.
— Chegamos — diz, parando em frente à uma enorme
mansão. — Vai conhecer histórias que a farão mudar de opinião e
nos apoiar. Entramos na enorme casa e várias mulheres param de
conversar quando percebem nossa presença. Melissa sussurra em
meu ouvido:
— Não se assuste, estão apenas admirando a escolhida.
Capítulo 5

Observo tudo ao meu redor, a mansão é ainda mais linda por


dentro.
— Então, essa é a nossa garota — uma mulher, que aparenta
ter uns 50 anos, muito elegante, fala, estendendo a mão para mim.
— Sou Zara e não se refira a mim como sua garota — digo.
— Zara — Melissa me repreende —, seja educada.
— Por que eu seria educada com vocês? Por estragarem
minha vida? Não, muito obrigada. — Todas me olham surpresas. —
Só quero que me expliquem como acabar com isso de uma vez.
— Zara, vamos explicar a você como fazer, mas precisa se
acalmar.
— Eu estou calma! Só comecem logo com isso.
Melissa me chama para se sentar em um auditório, o qual eu
diria que outras 50 mulheres estão.
— Zara, não é apenas as dores e as marcas que nos
incomodam. É tudo que perdemos, parentes e todas as nossas
filhas que foram tomadas de nós.
— Filhas? Como assim? — eu pergunto ainda desnorteada.
— Zara, mulheres casadas com homens do clã não podem ter
meninas. Do sangue do clã, só são aceitos meninos. Quando temos
meninas, eles a tomam, algumas são mortas e outras condenadas a
limpar seus chãos imundos.
— Mulheres não podem entrar na mansão do clã, por isso não
temos ideia se nossas filhas estão lá ou não. Zara, elas são usadas
como prostitutas, escravas e isso é apenas o que sabemos, talvez
sejam usadas para algo bem pior.
— Quantas de vocês já perderam suas filhas? — pergunto e a
maioria levanta as mãos, inclusive Melissa. Olho-a surpresa. —
Melissa?
— Engravidei duas vezes depois de Justin e todas eram
meninas — diz com os olhos marejados.
— Eu... Eu... sinto muito — digo, quase chorando, deve ser
horrível. — Por que eles continuam com isso depois de tanto
tempo?
— Porque todo homem que entra para o clã se torna um
homem rico. Sua esposa, seus filhos. Todos trocados por dinheiro e
o problema ainda é pior, o clã cresce cada vez mais, Zara. Imagine
um mundo cheio de homens que acreditam nessas tradições.
— Como posso ajudar vocês? — pergunto, se elas queriam me
tocar com essa história, estão conseguindo.
— Zara, conheço meu filho, não é um garoto fácil, mas sei que
não é como o pai dele, ele apenas tenta ser. Zara, você pode
conquistar meu filho.
— Então, eu só preciso conquistar seu filho?
— Não! Precisa que ele te ame o suficiente para negar diante
ao clã todos os costumes e regras que jurou seguir. Zara, isso é a
maior humilhação para uma família que segue o clã... — Melissa é
interrompida pela mulher que eu tratei mal.
— Deixe que eu conto o resto, Melissa — diz e Melissa
concorda com a cabeça. — Existem lendas por trás do clã. Lendas
que eles acreditam e temem. O homem, que se negar a tocar em
sua mulher perante o clã, é considerado um traidor. Zara, quebrar
regras traz consequências e espero que você as entenda. A mulher
que faz um homem negar o clã por amor é considerada uma mulher
poderosa, eles tentarão matá-la por isso. Só que nós não
deixaremos, estaremos lá para protegê-la. Quando entramos lá, vai
ser uma grande confusão e você, Zara, terá esse tempo para matar
todos os três líderes do clã.
Aquilo era coisa demais para minha cabeça, se fosse em
outras circunstâncias, eu iria rir de uma história dessas. Vamos lá,
quero entender tudo.
— Como assim, vou ter que matar alguém? Eu não mato uma
mosca, vocês acham que eu vou conseguir matar três homens?
— Você conseguirá, quando começar a passar por tudo que
nós passamos.
— Precisa nos ajudar, Zara, sabemos que você consegue! —
Melissa me implora. — Pelas minhas filhas, que talvez tenha a
chance de abraçar se você acabar com tudo isso.
Penso bem antes de aceitar essa loucura.
— Irei ajudá-las, mas tudo vai acontecer do meu jeito. — Elas
concordam e voltam a se espalhar pela casa, muitas vêm até mim,
me agradecer. Uma garota jovem, que aparenta ter uns 25 anos, se
aproxima de mim não muito feliz.
— Tem mais dessa história que você precisa saber, não é
apenas isso que elas lhe contaram, é bem pior — a garota, que
parecia transtornada, começa a me assustar. — Se não está
disposta a perder, não -aas ajude.
— Por que não, querida? — a mulher elegante, que descobri
que seu nome é Amélia, pergunta a ela. — Logo estará livre dessas
marcas — diz, passando as mãos por suas costas.
A garota abraça Amélia, agradece a ela e sai.
— Ela está começando a ter problemas mentais com tudo isso,
nem todas nós somos tão fortes. Não ligue para isso, Zara.
Fico desconfiada, mas logo esqueço. Um pouco antes do
almoço, Melissa me chama para ir embora. Vamos almoçar em um
restaurante próximo ao shopping e ela insiste em me levar para
fazer compras. Depois do almoço, vamos as compras. Nunca vesti
roupas tão lindas como aquelas. Melissa praticamente me obrigava
a comprar as que ficavam boas, sinto-me envergonhada de aceitar.
— Agora só falta nós comprarmos uma coisinha — ela diz.
— O quê?
— O vestido para o seu noivado.
Dou um sorriso falso e nós vamos à uma loja que tem os
vestidos mais chiques que já vi na vida. Experimento vários até
Melissa praticamente chorar me vendo vestida em um longo, de cor
creme. Escolho-o mais por ela do que por mim. Voltamos para casa,
finalmente. Peço para Melissa guardar a maioria das roupas que
compramos e levo apenas dois vestidos. Minha mãe se incomodaria
em me ver aceitando tantas coisas dela.
Chego na cozinha, dando um beijo em minha mãe.
— E essas sacolas? — ela pergunta.
— Melissa me obrigou a aceitá-las.
— Deixa eu ver, então — minha mãe diz, voando nas sacolas.
— São tão lindos, filha, Melissa é muito boa com você. Agradeceu a
ela direitinho? — Ela beija meu rosto.
— Claro que sim — minha mãe não é nenhum pouco chata,
ela aceita tudo na boa, dificilmente reclama. Chegar com duas
sacolas é uma coisa, mas, agora, chegar com um monte, seria
demais.
Depois de longas horas pensando sobre tudo que aconteceu e
vai acontecer, só volto ao mundo real quando Justin entra no meu
quarto:
— Zara? — Levanto-me e encaro-o. — Quer dar uma saída pra
jantar?
— Ficou sabendo que eu não vou mais te envergonhar?
— Foi mal, não deveria ter falado com você daquele jeito. Só
estou te chamando porque esse será nosso segundo encontro e me
contaram que geralmente, no quinto, as garotas se apaixonam. —
Dou uma risada e ele se senta na beirada da minha cama.
— Ah, é. Eu também já escutei falar que o número cinco faz
milagres. — Ele me encara como se estivesse ofendido, mas sorri.
— Mas me levar para um restaurante chique e ficar na mesa de uma
loira o tempo todo não conta como encontro — digo.
— É oficialmente um encontro sim, levei você para uma ponte
e te contei sobre mim mais do que já contei para qualquer pessoa.
Foi um encontro — diz, mandando uma piscadela.
— Então, aconteceu tudo isso? — minha mãe diz, entrando no
quarto e eu coro. Não acredito que ela ouviu.
— Mãe, você está me envergonhando — digo, enfiando minha
cara entre o travesseiro. — Justin, foi mal, mas não estou a fim de
sair hoje. — Ele me olha decepcionado e sai, minha mãe o segue e
volto a pensar nos meus problemas.
Passo meia hora em paz até que minha mãe volta ao quarto,
batendo com a colher em uma panela.
— O que foi, mãe? — pergunto irritada com o barulho.
— Um jovem garoto me mandou entregá-la um recado. —
Reviro os olhos
— Que recado?
— Um jovem e belo garoto mandou avisá-la que ele não é um
tipo de garoto que desiste fácil. Então senhorita prepare-se para o
seu segundo encontro — ela diz e sai do quarto, mas demora
menos de dois segundos para Justin aparecer com uma mesa,
empurrando-a para dentro do quarto e minha mãe começa a ajudá-
lo a arrumar tudo. Em menos de 5 minutos, tudo está pronto.
— Um último recado a os dois belos jovens. Irei ficar no quarto
de um certo jovenzinho assistindo filmes românticos, como a bela
mãe solteira que sou, não demorem, pois amo minha cama e
trabalhei demais hoje. Se cuidem. — Meu Deus, eu quero morrer, eu
não a julgo, porque ela realmente não sabe que essa família é
perigosa.
— Mãe, vaza logo daqui! — ela sai rindo. — Ela jura que vou
me apaixonar por você assim tão fácil — digo, levantando-me da
cama e se sentando na cadeira ao redor da mesa.
— Se eu fosse sua mãe e visse você saindo com um cara lindo
como eu, também pensaria isso. — Reviro os olhos.
— Muito convencido você. — Ele ri — Gostou do meu estilo
hoje?
— Pijama de gatinho para um jantar improvisado no seu
quarto? Não consigo imaginar nada melhor. E eu estou aprovado?
— Não me leva a mal, mas esse seu moletom e essa calça
jeans está meio nada a ver com o ambiente, melhore no nosso
próximo encontro. — Ele dá uma risada e eu o observo. — O que
temos para comer? Estou morrendo de fome e enquanto comemos,
me conta como minha mãe o convenceu a fazer esse jantar.
— Primeiramente, senhorita, temos espaguete. Segundo,
como sabe que sua mãe que me convenceu?
— Minha mãe não iria simplesmente sair do quarto sem me dar
uma bronca, se ela não tivesse algo em mente.
— Ela disse que se eu pretendia ter algo com você, deveria
parar de desistir das coisas tão fácil e que nós teríamos um segundo
encontro sim e que se eu magoasse você, a próxima vez seria eu,
na panela, em vez do macarrão. — Dou uma risada alta. — Não que
eu queira conquistar você — ele diz irônico —, mas prefiro sua
presença ao meu pai me falando sobre regras e casamento.
— Minha mãe é a melhor pessoa do mundo e seu pai é um
babaca.
— Queria que minha mãe fosse mais assim e eu concordo
sobre meu pai.
— Sua mãe já sofreu demais, ela não sabe lidar com a dor.
Minha mãe sofreu muito também, mas se hoje ela consegue
suportar isso é porque sempre estou do seu lado. Deveria ficar mais
ao lado da sua mãe, elas, às vezes, só precisam de carinho — digo,
enfiando uma garfada na boca.
— Tem razão, é que meu pai não gosta muito que eu seja
próximo dela. Ele diz que eu devo ser como ele. — Ele parece tão
livre falando disso comigo que fico surpresa.
— Alguma vez já conversou com alguém sobre isso?
— Não, nunca. Não dessa forma.
— Pode sempre se abrir comigo. — Lembro do que as
mulheres do clã falaram, preciso conquistá-lo. — Se eu fosse você,
estaria nem aí para a opinião do seu pai. Me diz, se tivesse uma
forma de acabar com tudo isso, você faria?
— Existe uma forma, segundo as tradições, mas não é tão
simples. E eu jamais poderia fazer isso, eu não aguentaria a culpa
de perder tudo que minha família tem hoje e provavelmente, nós
seríamos mortos.
— Mas o que adianta tudo isso se você sabe o preço disso?
— É complicado, Zara, eu sei que, pra você, parece fútil, por
mais que eu tente, ainda é difícil se desprender de tudo que o clã
ensina. Eu não quero falar disso, podemos falar de você? — Eu
pensei que seria fácil com ele, que não precisaria nem apelar para o
amor dele, mas eu estava enganada, ele não é totalmente
desconstruindo e eu senti o temor na sua voz só em falar em
destruir o clã.

Contei para ele minha vida não tão interessante, mas ele
parecia surpreso com muitas coisas. Quando ele começou a me
contar sobre como viajou para tantos lugares e podia fazer isso
sempre que se via sufocado pelos problemas, eu o invejei. Quantas
vezes a única maneira de fugir dos meus problemas foi se trancar
num quarto e chorar pela minha mãe?
— Sempre que quiser fugir dos problemas, você pode me
procurar, te levarei aos melhores lugares do mundo.
— Espera um segundo, vou fazer minhas malas — digo e ele
entende o que quis dizer.
— Sabe que não pode fugir disso, não é?
— Sei, mas não vou aceitar isso tão fácil.
— Acho melhor chamar minha mãe, ela deve estar cansada. —
Ele vai saindo do quarto, mas eu o chamo. Pego em sua mão, é o
máximo de proximidade que consigo forçar. — Obrigada pelo jantar
— digo e dou um sorriso tímido. Ele beija minha bochecha.
— Obrigado você. — Ele sorri.
— O que foi?
— Eu nunca passei tanto tempo perto de uma garota bonita
sem beijar ela.
— Você é convencido, sabia? — Cruzo os braços. —
Desculpa, mas vai continuar sem beijar, mas não se preocupa, isso
não vai durar muito tempo, sua família tá me obrigando a casar com
você.
— Mas eu jamais vou me sentir confortável em beijar você
contra a tua vontade. — Ele pega na minha mão. — Se quiser fugir,
eu ajudo você, eu tenho grana guardada...
— Pra me encontrarem e matarem minha mãe? Não, obrigada.
— Eu juro que vou fazer de tudo pra você não sofrer. — Ele me
mostra seu dedo mindinho. — Juro de dedinho. — Junto o meu
mindinho ao seu.
— Minha mãe deve estar nos esperando, boa noite, Justin —
digo. — Em outras circunstâncias, eu adoraria ter conhecido você.
— Ele sorri.
Não era mentira.
— Será que o número cinco faz mesmo milagres? — Ele diz e
eu reviro os olhos.
— Qual milagre você tá esperando?
— Um beijo seu. — Eu fecho a porta na cara dele e sorrio,
lembro que a Melissa disse que ele não podia ver uma garota
bonita. Em outras circunstâncias, ele teria ganhado um beijo, mas
quando eu o vejo, é difícil não lembrar de tudo que está
acontecendo. Sinto que é melhor não ficar próxima dele por mais
que ele realmente possa estar sendo sincero quanto a me ajudar a
tornar isso tudo mais fácil.
Capítulo 6

— Não acredito que você ficou quase um mês sem falar


comigo porque eu disse que queria um beijo seu — ele fala, rindo.
— Como se isso fosse uma tarefa difícil pra mim. — Reviro os olhos.
— Você me irrita, lógico que é uma tarefa muito difícil — digo,
dando um soco em seu ombro.
— Você não se arrependeria, pode perguntar pra metade da
cidade. — Manda uma piscadela.
— A outra metade tem cérebro?
Nós passamos quase um mês sem se falar depois daquilo. Eu
dizia para minha mãe que continuávamos saindo, já que falta só um
mês para o noivado. Voltei a falar com ele semana passada, porque
ele me trancou em seu quarto e só me deixou sair quando eu falei
com ele. Expliquei que tinha me sentido desconfortável com o
pedido dele, mas a verdade é que não quero me casar com ele, não
quero alimentar isso. Melissa me cobrou várias vezes sobre fazer
ele se apaixonar, mas toda vez que tentava, eu falhava. Minha
vontade era só de fingir que ele não existe.
— A outra metade vai ter que esperar um pouco.
— Esperar? Tá achando o quê?
— Um homem do clã nunca pode ser apenas de uma mulher
— ele imita a voz do seu pai.
— Você será. — Cruzo os braços, mas logo começamos a rir.
— Quer saber de uma curiosidade? — ele pergunta.
— Qual?
— Eu não posso transar com você antes do casamento. —
Sorrio.
— Então quer dizer que fazer você quebrar as regras é mais
simples do que parece? — Encaro-o. — Então você tem a
oportunidade de quebrar as regras agora.
— Eu estou perdido com você. Não me tente, Zara. — Ele se
deita ao meu lado na cama e respira fundo. — Preciso daquela
outra metade pra aliviar o que eu estou sentindo agora. — Rio da
sua cara.
— Sente mesmo atração por mim?
— Qualquer um sentiria atração por você. Você tem um jeito só
seu de conquistar as pessoas.
— Às vezes, isso não é tão bom — digo, lembrando-me que o
problema de tudo isso foi ter conquistado Melissa.
— Falta só um mês para o noivado.
— Três, para o casamento. — O clima entre nós fica pesado.
— Sabe o que eu acho?
— O quê?
— Que deveríamos treinar mais a parte do beijo, não quero
fazer feio quando o padre mandar nos beijarmos. — Rio da sua
idiotice. Descobri um garoto incrível em pouco tempo. Nem parece o
arrogante da escada. Eu sei que muito do esforço dele é porque ele
realmente acredita que, se nos apaixonarmos, as coisas vão ser
mais fáceis, mas eu não acredito nisso, na verdade, eu tenho medo
disso.
— Prefiro treinar a parte da lua de mel.
— Eu te odeio, Zara! Pare de me provocar.
— É tão simples quebrar regras. — Encaro-o, ele me encara
de volta, mas não fala nada, eles conseguiram me tornar uma outra
garota. Tudo que eu queria agora era não me culpar por tudo, não
me culpar por ter a amizade dele e nem por gostar da Melissa, por
rir, às vezes, de uma coisa tão séria, mas eu cansei de chorar, não
me ajuda; ter a confiança e o afeto do Justin, isso sim pode me
ajudar.
Quando ele tenta se aproximar, alguém bate na porta. Richard
chama por Justin. Vou para de baixo da cama e ele sai para abrir a
porta, não ouço sua conversa. Fico rindo enquanto me escondo,
lembrando da sua reação. Ele quase pulou da cama quando
bateram na porta. Queria o ver quebrar pelo menos uma regra. Acho
interessante que quando se fala em quebrar regras, é como se algo
o impedisse, mesmo que ele queira muito.
Fico um bom tempo lá embaixo até que ele volta.
— O que ele queria? — pergunto, saindo de baixo da cama.
— Queria me avisar algumas coisas sobre nosso noivado e
que minha mãe convenceu a sua que você deveria ir para uma
escola particular e que nós iremos pagar.
— Jura? Como ela convenceu minha mãe a isso?
— Minha mãe é capaz de convencer qualquer um. Sabia que
você ir pra uma escola particular foi exigência do meu pai? — diz,
rindo, porque sabe o quanto eu odeio Richard.
— Por que mesmo?
— Porque você vai para uma escola cheia de filhos de amigos
dele e ele quer você convivendo com pessoas desse tipo de classe
social.
— Ainda prefiro a escola pública!
— Me prometa que não vai discutir com ele sobre isso —
Justin pede. Reviro os olhos.
— Prometo.
— Se comporte. — Lembro que falta uma semana para as
aulas começarem e já quero chorar.
De noite, antes do jantar, minha mãe tem uma longa conversa
comigo sobre quererem me colocar em uma escola particular. Ela
não gostou nada disso, mas aceitou porque Melissa tinha um
carinho especial por mim. Ela não imagina o quanto. Depois do
jantar, que agora sou obrigada a participar, vou para meu quarto
dormir.

Meu primeiro dia de aula, preciso sobreviver à mais um ano.


Visto uma calça jeans azul e uma camiseta cinza, que tem um
cachorrinho estampado e um tênis branco.
— Estou bem-vestida para um primeiro dia de aula em uma
escola que só deve ter gente metida?
— Está perfeita e não ligue para esses metidos, você é linda
de qualquer jeito. — Dou um beijo e um abraço bem apertado nela.
— Eu te amo demais. Sabe que tudo que eu faço é por você,
mamãe, eu passaria minha vida no pior lugar do mundo só pra te
ver bem. — Ela me aperta ainda mais.
— Tudo o que eu faço também é por você, meu amor.
— Você já fez demais por mim, chegou a minha vez de fazer
tudo por você — queria que ela entendesse do que realmente estou
falando, que me desse uma solução para tudo isso. Beijo sua testa
e pego minha mochila. — Melissa vai me dar uma carona.
— Melissa já está fazendo demais por você — ela reclama.
— Mãe, eu sei, nem eu consigo me acostumar com isso, mas
tenta entender a forma que ela está me vendo agora que eu e Justin
estamos namorando sério.
— É só um namoro, filha, pode acabar.
— Não é só um namoro, nós nos amamos o suficiente pra
saber que isso é mais que um namoro – minto, porque não vejo
outra forma de preparar ela para um pedido de casamento que vai
ocorrer em um mês.
— O que está querendo dizer com isso? — ela pergunta.
— Tenho que ir se não vou me atrasar. — Ela vai me
acompanhando e não toca mais no assunto. Encontro Justin, que
me beija no rosto e abraça-me forte, ele sempre faz isso quando
minha mãe está perto para me provocar. Piso em seu pé
intencionalmente.
— Minha mãe está esperando você lá fora.
Vamos até Melissa, que está encostada no carro, sorrindo para
nós.
— Vamos, garotas! — ela diz, abrindo a porta do carro.
— Mãe, entra logo.
— Eu não vou, filha.
— Vai sim, por favor. Só pra você ver onde é, vamos. — Ela
entra no carro relutante.
Chegamos em frente à escola. Minha mãe e eu estamos de
boca aberta. É linda.
— Boa aula! — Melissa deseja assim que desço do carro. Elas
partem, deixando-me sozinha.
Entro completamente perdida, procuro pelo meu nome nas
salas até que acho. Minha primeira aula será de Química. Bela
maneira de começar. É o primeiro dia de aula para todos, o que
torna tudo menos ruim. Quando o professor entra, todos fazem
silêncio.
— Bom dia, turma, sejam bem-vindos ao primeiro dia de aula
do último ano do ensino médio. — O professor, que, com todo
respeito, é muito bonito, fala e todos gritam, comemorando, menos
eu. — Se me permitem que conheça vocês, quero saber nome,
idade e sonhos. — Sempre odiei primeiro dia de aula por isso, a
velha chatice de se apresentar. Tantos nomes, alguns conheço pela
sua importância. Quando chegou minha vez, levantei-me sem a
mínima animação e comecei a falar:
— Meu nome é Zara Silva Mendes, tenho dezoito anos e meu
sonho é dar uma vida melhor para minha mãe.
O professor me encara curioso.
— Temos uma bolsista? — ele pergunta.
— Não sou bolsista.
— Por que pretende dar uma vida melhor a sua mãe?
— Porque não acho que ser empregada doméstica seja a
melhor profissão para ela.
Algumas risadas soam pela sala, o que me irrita.
— Como a filha de uma empregada tem dinheiro pra pagar
essa escola? — alguém no fundo da sala pergunta.
— Isso não é da nossa conta — o professor responde.
— Ela é a namorada do filho do Richard Martins, minha mãe
falou que você começaria a estudar aqui. Richard é quem paga —
uma garota ruiva, sentada na primeira fileira, diz. Tudo bem, todo
mundo sabe da minha vida agora.
Não ouço mais risadas. Richard era bastante conhecido por
ser um dos maiores empresários da cidade.
— E tenho outro sonho que é viver em um mundo sem
pessoas egoístas, que se acham melhores que os outros por causa
da sua conta bancária. — Sento-me e todos continuam em silêncio
por um mínimo tempo.
— O que o Justin iria querer com uma garota como você? Ela
deve tá com vergonha de dizer que é bolsista — uma garota de
cabelos pretos e olhos azuis diz.
— Se acha que estou mentindo, sinta-se convidada para meu
noivado. — Não acredito que estou me gabando por esse
casamento. Nunca aceitei ninguém querer passar por cima de mim
calada, não vai ser agora que vou. O professor continua as
apresentações e descubro que o nome da garota é Valentina. O
professor se apresenta como Andrew e começa sua aula. Quando o
sinal toca, arrumo minhas coisas e vou em direção à porta, mas
paro quando Andrew me chama.
— Zara! — Vou até ele. — Queria me desculpar por falar que
você é bolsista.
— Não precisa, até porque ser bolsista não é vergonha pra
ninguém. então não foi uma ofensa.
— É que você pareceu irritada.
— E eu estava, não gosto das pessoas rindo de mim, ainda
mais por esse motivo. Tenha mais cuidado com suas palavras.
— Terei.
Saio da sala e vou a próxima aula; Matemática, meu dia hoje
não será fácil. Quando finalmente dá a hora de ir embora, suspiro de
alívio. Nunca tive um primeiro dia tão chato como esse. Quando saio
para fora, Justin já está me esperando. Fico surpresa por ser ele.
— Olha se não é a filha da empregada — Valentina grita, ela e
seus amigos começam a rir. Eu ignoro sua infantilidade. Aproximo-
me de Justin, que observa a cena tão irritado quanto eu.
— Se quer me beijar, essa é a hora perfeita. — Ele encara
Valentina e entende do que eu estou falando. Dou uma risada
quando ele puxa meu corpo para perto do seu e beija-me. Daria
tudo para ver suas caras.
— Primeiro dia de aula e já arrumou confusão? Você é uma
barraqueira mesmo — ele diz, rindo.
— Eles que arrumaram confusão comigo, não ouviu ela me
chamando de filha da empregada só para provocar? — Cruzo os
braços com raiva.
— Cruzou os braços? Preciso levar você embora urgentemente
daqui antes que um deles saia sem vida. — Ele abre a porta do
carro e eu entro.
— Odeio quando tentam me diminuir — digo depois de um
longo tempo em silêncio. — Mas também odeio ter usado essa
história de casamento pra me defender.
— Não precisa disso para se defender, tem sempre uma
resposta na ponta da língua para tudo. Sei disso porque você é a
única pessoa no mundo que desafia meu pai.
— Não acha chato eu estar sempre na defensiva?
— Acho, quando é comigo. — Ele ri.
— Você merece, às vezes, passou na fila da idiotice mil vezes.
Também merece por ter sido um galinha com metade da cidade.
— Viu, sempre tem uma resposta. Não fiquei com metade da
cidade, mas, sim, eu gosto de sair, conhecer novas pessoas.
— Obrigada.
— Pelo quê?
— Por deixa isso tudo mais fácil pra mim, por ser meu amigo e
não inimigo nisso.
Ele me olha triste e não fala nada. E eu entendo ele. Quando
nos casarmos, tem coisas que nem ele vai poder passar por cima.
Falta pouco para o noivado e combinei com Justin que ele iria
me pedir hoje para minha mãe. Ela simplesmente vai achar um
absurdo isso ser tão rápido, mas não posso fazer nada.
Estamos apenas nós três jantando em casa, já que Melissa e
Richard saíram para uma festa. Eu e Justin cozinhamos, enquanto
minha mãe descansava. Sempre que ela passava, fazíamos o papel
de dois idiotas apaixonados nos beijando e fazendo gracinhas. Isso
tinha que ser, no mínimo, convincente. Sentamo-nos ao redor da
mesa e servimo-nos.
— Já fez amizade com alguém da escola, Zara? — Minha mãe
me perguntava isso todo santo dia.
— Não, mãe, prometo arranjar uma amiga bem legal pra você
conhecer.
— Mais legal que eu? Pra que companhia melhor que a minha
sogrinha? — Minha mãe ri.
— Só quero que você arrume uma amiga aqui, você tinha
tantas antes.
— Mãe, só faz uma semana de aula. — Fico triste em lembrar
que quase não converso mais com minhas amigas, de repente,
ficamos estranhas.
Justin puxa outro assunto até o final do jantar quando ele
finalmente cria coragem:
— Bom, eu tenho um pedido a fazer. — Ele se levanta e puxa-
me junto. — Eu gostaria de pedir a sua filha em casamento.
Não fico surpresa com a cara que ela faz.
— Não! Vocês mal começaram a namorar. Filha, eu não posso
aceitar isso. — Ela diz, encarando-me, seus olhos me pedem
desculpas.
— Mãe, pedimos sua permissão apenas porque respeitamos
você, e eu tinha certeza de que você iria me entender. Você, melhor
do que ninguém, sabe que eu tenho a cabeça no lugar e sei muito
bem o que eu faço. Tenho dezoito anos e isso torna a decisão sendo
só minha. Só queria que me entendesse, porque é a pessoa mais
importante no mundo pra mim. — Sinto-me horrível por falar assim
com ela. Droga de vida, droga de família.
— Filha, eu sei, mas fico com medo de estar tomando a
decisão errada. — Meus olhos marejam.
— Eu amo sua filha — Justin diz. — Eu prometo que vou fazê-
la feliz, você pode confiar em mim. — Se ela não estivesse tão
chocada, aposto que não teria acreditado nessa atuação barata
dele.
— Filha, se você quiser casar, faça isso, mas vou continuar
achando que não é uma boa ideia fazer isso agora. — Ela me
abraça. — Se é isso que você quer, pode contar comigo sempre que
precisar, mas não vai ser fácil pra mim aceitar isso. — Odeio minha
mãe ser uma coração mole, que acredita em palavras bonitas. Ela
tinha que me impedir de destruir minha vida.
No momento que terminamos de jantar, eu corro para o quarto
dele e começo a chorar, ele senta ao meu lado e passa as mãos por
meus cabelos, enquanto coloco tudo para fora. Eu não quero isso,
não quero escola particular, não quero dinheiro, não quero nada
disso. Eu só quero voltar a ser uma garota normal, que não precisa
mentir para a mãe sobre amar alguém, que não foi condenada a
sofrer.

Segui na mesma rotina de sempre, com o coração apertado e


cheia de dúvidas. Chego na escola e a primeira aula é de Andrew.
— Hoje nós iremos fazer atividade em dupla — Andrew fala e
todos começam a se juntar. Fico com uma garota de cabelos ruivos,
eu e ela éramos as únicas que tinha restado. Seu nome é Maia e ela
não fala muito, mas é bem gentil, diferente da maioria das pessoas
aqui.
— Posso me juntar com você? — Maia pergunta.
— Claro. — Ela se senta ao meu lado e nós começamos a
fazer a atividade.

Faltam dois dias para meu noivado. Minha mãe passou todo
esse tempo tentando me fazer desistir, o bom é que falei para ela
que eu e Maia estamos começando a ser amigas e ela parou um
pouco de pegar no meu pé. A maioria das aulas do Andrew são em
duplas, o que eu não me incomodo, já que faço com Maia.
— Maia — sussurro em meio a explicação de Andrew. — Meu
noivado é daqui dois dias, se você puder ir, vou adorar.
— Claro que eu vou. Não acredito que você vai se casar
mesmo — ela diz, rindo.
— Nem eu — por falar muito alto, chamo a atenção para nós.
— As garotas podem compartilhar a conversa com o resto da
sala? — Andrew diz.
— Desculpa por atrapalhar a aula.
— Não foi isso que eu perguntei. — Reviro os olhos.
— Não é da sua conta.
— Nós estávamos falando do noivado dela, que será em dois
dias — Maia tenta encobrir o que eu falei.
— Zara e Maia, para a diretoria. Zara, por conversar e falta de
educação, e você, Maia, por também conversa e tentar encobrir as
gracinhas de sua colega. — Reviro os olhos e levanto-me. — Se
revirar mais uma vez os olhos para mim, será suspensa de minhas
aulas. — Saio sem falar nada. Ganhamos uma bela bronca, mas
logo fomos liberadas para a próxima aula.

No dia do meu noivado, fui tão paparicada que até minha mãe
tirou sua armadura e está toda emocionada. Não quero nem ver
quando eu casar. São esses momentos que me deixam felizes e me
fazem esquecer o que existe por trás desse casamento. Quando me
casar as coisas, não vão ser tão fáceis e a pressão só vai aumentar.
— Você é, sem dúvidas, a garota mais linda do mundo —
minha mãe diz com os olhos marejando assim que termino de me
vestir. O penteado, no meu cabelo, é tão elegante, o vestido, o
sapato... tudo.
— Você está deslumbrante, Zara — Melissa fala e abraça-me.
— Obrigada por tudo — ela sussurra em meu ouvido.
— Vamos? Já estão todos lá embaixo — minha mãe chama.
— Espera. Antes quero dar uma olhada em vocês. — Elas
estão lindas. Minha mãe foi arrastada por Melissa para comprar um
vestido azul escuro, que ficou perfeito em seu corpo. Enquanto
Melissa está mais elegante do que nunca. Ela veste um vestido roxo
que se encaixa perfeitamente em seu corpo e vai até um pouco
acima do joelho. — Estão perfeitas.
Desço agarrada aos seus braços, uma de cada lado. Várias
pessoas estão na sala, posso contar nos dedos quais eu conheço.
Encontro Justin próximo a escada, ele está lindo de terno, nunca vi
seu cabelo em um penteado tão comportado, preciso rir dele por
isso. Quando eu chego ao final da escada, Justin entrelaça nossos
braços e beija-me.
— Está parecendo os nerds da minha escola, tão fofo. —
sussurro em seu ouvido e ele me olha com raiva.
— Fala isso pra minha mãe que ficou uma hora no meu pé
para me convencer a fazer isso. — Rio dele.
Três homens são os primeiros a se aproximar de nós. Dois são
velhos o suficiente para serem meus vôs, o outro é novo, parece ter
a idade do Justin, ele não me encara, ao contrário dos outros dois.
Minha mão começa a suar de nervosismo. Não consigo encará-los,
por isso, abaixo o olhar para o chão e tento me controlar.
— Então, essa será sua futura esposa — um dos homens diz,
estendendo a mão para mim; aperto-a e mando-lhe um sorriso falso,
ainda sem o encarar.
— Sim — Justin responde. Tento me apresentar, mas ele é
mais rápido: — Seu nome é Zara. — Ele me belisca devagar.
Sou apresentada aos outros dois e eles nos deixam a sós de
novo.
— Deixe que eu falo por você. Não pode vacilar com eles,
Zara.
— Tudo bem — concordo porque sei que acabaria falando
besteira.
Encontro Maia e dou um abraço forte nela.
— Você está linda!
— Você também está linda. — Abraço-a mais uma vez. — Que
bom que você veio.
— Zara — ela me chama assustada —, aquele ali não é o
Andrew? — Viro-me e vejo Andrew conversando com Justin. — Não
sabia que você tinha convidado ele.
— Eu não convidei. Vamos até eles. — Puxo-a.
— Andrew.
— Zara. — Ele estende a mão e eu o comprimento
— Vocês se conhecem? — Justin pergunta.
— Ele é meu professor de Química — respondo, Andrew sorri.
— E vocês se conhecem de onde?
— Estudamos juntos na mesma escola que você hoje —
Andrew responde. — Sempre fomos amigos, mas depois da
faculdade, foi cada vez mais raro nos encontrarmos.
— Mas agora nos reencontramos de vez, já que Andrew está
morando aqui de novo. — Lembro que Maia está do meu lado.
— Justin, essa é Maia, minha amiga. — Ele aperta sua mão. —
Maia, esse é Justin, meu noivo.
A festa estava uma verdadeira chatice e Andrew não tirava os
olhos de mim.
— Você está linda — ele diz, aproximando-se.
— Obrigada.
— Queria pedir desculpas pela forma que lhe tratei.
— Está desculpado — digo e ele arqueia a sobrancelha.
— Muito modesta você.
— Da mesma forma que você está sendo em não desgrudar os
olhos de mim em meu noivado. — Ele ri.
— Não estou encarando você por isso.
— Então por que é?
— Estou preocupado com você.
— Zara, pode vir até aqui? — Justin me chama e bate com
uma colherzinha na taça, chamando a atenção de todos. Sinto
vontade de rir, lembrando das vezes em que nós treinamos isso e
era impossível não ser antiquado. — Gostaria da atenção de todos.
— Todos se calam e preparo-me para não rir, ele parece querer
fazer o mesmo. — Zara, eu sei que nós treinamos isso várias vezes
e em todas elas, nós nos acabávamos de rir. Você é uma garota
especial, que fala o que pensa e não tem medo disso, sempre
orienta as pessoas da melhor forma e encanta qualquer um que te
conheça. É por isso e outros milhões de motivos que eu peço — ele
se ajoelha e tira uma caixinha com um anel dentro —, quer casar
comigo? — Fico pasma, minha reação não é a ensaiada assim
como o texto dele também não foi. — Pode responder logo? Essa
posição não é muito confortável. — Todos começam a rir.
— Claro que sim! — Ele se levanta e beija-me.
— Eu te amo — ele sussurra em meu ouvido. — Amo de
verdade.
Eu não consegui respondê-lo e acredito que ele, talvez, esteja
enganado sobre isso. Abracei-o forte, muito forte. As pessoas ainda
estavam nos aplaudindo. Minha mãe chorava ao lado de Melissa,
que nos olhava com satisfação. Meus olhos continuaram a passar
pela enorme sala e pararam nos três homens do clã, e, pela
primeira vez, o olhar do mais novo estava em mim, e ele me
assustava.
Capítulo 7

Estou a 10 minutos sentada em uma mesa, olhando para o


tempo. Precisei de um tempo sozinha depois daquele pedido de
casamento. Não consegui responder Justin pelo seu eu te amo. O
olhar dos três homens do clã me deixou apavorada.
— Posso fazer companhia a minha noiva? — Justin pergunta.
— É o que um bom noivo faria. — Ele se senta de frente para
mim.
— Não quero Andrew olhando pra você. Não quero ninguém
olhando pra você — a raiva em sua voz é visível.
— Você também percebeu? — Ele fez que sim com a cabeça.
— Deve estar surpreso de me ver assim.
— Se eu o pegar... — interrompo-o.
— Está com ciúmes? — pergunto, rindo.
— Não, é que... que... você é minha noiva. Não quero ninguém
olhando pra você.
— Está com ciúmes, você gaguejou!
— Eu estou com ciúmes, Zara. Eu não suporto ver outra
pessoa olhando pra você. Posso querer a garota que eu amo só
para mim?
— Sério isso? — Reviro os olhos e ignoro o assunto. — Você
me ama? — pergunto, arqueando a sobrancelha.
— Não está claro? — ele pergunta, sorrindo. — Sabe qual é o
nosso encontro de hoje?
— Você contou? — Começo a rir.
— Todos eles. Agora só falta você me amar. — Observo o
sorriso bobo em seu rosto.
Queria responder que eu o amo também, mas nem sei o que
isso é de verdade.
— Por que não tenta me conquistar? Sou uma pessoa difícil,
Sr. Martins. — Ele olha para o teto.
— Senhor, o que mais eu tenho que fazer para isso acontecer?
— Caio na risada. Impossível não rir quando estou ao seu lado. —
Se eu pudesse te levar para a cama, você já estaria louca por mim.
— Então, me leve. — Mando uma piscadela, nunca canso de
provocá-lo.
— Se você parar de me tentar, prometo dar a melhor noite da
sua vida quando nos casarmos. — Nós rimos, mas logo o sorriso
desaparece, será impossível. — Não quero ter que fazer isso, sabe
disso, não é? Eu preferia estar no seu lugar só para não ter que te
ver sofrer.
— Temos que acabar com isso — falo com esperança.
— As chances de dar certo são mínimas e exigem sacrifícios.
Não posso revelar como, mas não dá. Querer acabar com o clã é
pedir para morrer.
— Eu quebraria todas essas regras para ser livre.
— Se soubesse o que isso exige, pensaria melhor. Zara não
posso em nenhum momento demonstrar tudo o que sinto a você, o
discurso já foi uma afronta ao clã e com certeza me pedirão uma
explicação.
— Qual o problema de expor os sentimentos? — sei a
resposta, mas quero que ele se abra comigo.
— Justamente isso, um homem apaixonado é uma ameaça ao
clã. Se eles soubessem iriam querer matar você por considerarem
você uma mulher poderosa. É como se vivêssemos em um paraíso
e eles fazem de tudo para Eva não comer a maçã. Você seria a Eva
e eu o Adão e a qualquer momento você poderia me fazer comer a
maçã. Tem esse poder sobre as pessoas Zara, você pode persuadi-
las.
— Não acho que seja verdade.
— Olhe só o meu pai. Ele te odeia porque sabe o quanto eu e
minha mãe gostamos de você. Ele sabe que você não é como ela,
até o mais idiota perceberia que você tem tudo que a lenda
descreve e não quero que eles saibam disso.
— Por que não quer acabar com tudo isso? Não quer se ver
livre deles?
— Porque outros já tentaram! E olha onde estamos, Zara, e
não queira saber onde eles estão. Nós seríamos apenas mais um
caso perdido entre muitos. — Eu sei que posso conseguir. E sei
porque tenho o clã das mulheres ao meu lado. Eu vou convencer
ele!
— Se você quer viver nessa prisão pelo resto da vida... eu não
quero — digo.
Não vou aceitar ser limitadas por regras a minha vida inteira.
Se eles me querem nisso, que tomem cuidado. Vivi 10 anos sendo
controlada por um padrasto viciado em álcool, que achava que
podia me controlar e fazer da minha mãe um saco de pancadas
quando bem entendesse. Não me livrei de uma prisão para entrar
em outra.

Olho-me no espelho e tenho que me gabar por estar linda, o


que realmente estou e todos já me falaram. Sinto-me uma princesa
com esse vestido: longo, branco e foi ajustado ao meu corpo
perfeitamente, mas não consigo me animar ou simplesmente ignorar
as partes ruins, como fiz em meu noivado, pois a partir de hoje que
as partes ruins começarão. Entro no carro em direção ao meu
casamento. Melissa alugou um clube e o decorou, ela tem
realmente um bom gosto, quando vi fiquei de boca aberta. Quando
chego, Richard já está me esperando e serei obrigada a entrar com
ele. Até a companhia do meu pai, que foi embora antes mesmo de
eu nascer, seria mais agradável. Entrelaço o meu braço no seu.
— Zara, minha família tem tradições que espero que você
entenda e as siga. — Ele diz.
— Nunca entenderei essa covardia que você e seu clã de
babacas fazem.
— Tome cuidado com as suas palavras. — Ele diz e a música
começa a tocar.
Começamos a ir em direção ao altar, no qual Justin me espera
mais lindo do que nunca. Sorrio para ele. Quando chegamos,
Richard me abraça e sussurro em seu ouvido:
— Tome cuidado comigo — Richard me encara, surpreso, e
abraça Justin me entregando a ele.
— Está linda — Justin sussurra em meu ouvido.
— Você também não está de se jogar fora — digo e assim
voltamos a nossa atenção ao Padre.
Na cerimônia ocorre tudo normal, se não contar a parte que
minha mãe chorou o tempo todo. A festa está linda e bem mais
divertida do que o noivado. Conheço mais pessoas agora, já que
convidei algumas da escola, que acabei conhecendo melhor e
descobrindo que nem todos são babacas. Maia foi minha madrinha
e estava linda com os seus cabelos ruivos e o vestido azul-turquesa
que Melissa escolheu para as madrinhas. Conheci alguns parentes
deles, mas nenhum que tenha me agradado. Todos só sabiam falar
dessas malditas regras. Quando a festa está na metade,
começamos a nos despedir de todos. Nossa lua de mel será em
casa, o clã não permite viagem, já que pela manhã eles aparecerão
para ver as minhas marcas. Que grande honra. Babacas, grandes
babacas.
Melissa e Richard vão para um hotel para nos deixar a sós.
— Vamos? — Ele pergunta e eu concordo com a cabeça.
Quando chegamos em casa, ele me pegou no colo para
entrarmos.
— Que antiquado — sorrio na expectativa de não demonstrar o
desespero aumentando dentro de mim.
Subimos para o quarto. Vou para o banheiro e retiro o meu
vestido, voltando para o quarto apenas de camisola. Ele me encara,
triste.
— Sabe o que eu preciso fazer. — Ele diz desviando o olhar.
Pelas regras ele deveria me marcar antes de termos qualquer
relação. Aproximo-me dele e pego em sua mão.
— Não precisa não. Você pode fazer isso depois.
— Não posso quebras as regras. — Ele continua sem me
encarar. — Não vou tocar em você se não quiser isso... — Eu o
beijo assim que ele se cala.
— Esperei muito tempo por isso, não queria que fosse um
momento de dor — levanto-me e só então vejo ao seu lado um
chicote de couro com uma única tira. Lembro das aulas de história
que uma vez o meu professor explicou que chicotes eram utilizados
como meio de tortura para animais e pessoas. Os de tira única eram
os mais dolorosos, enquanto os de várias tiras não agrediam tanto.
Meu medo aumenta cada vez mais. Eu não quero isso. Paro
na sua frente, coloco a mão em seu rosto e faço-o me encarar.
— Por favor, eu vou passar a minha vida sofrendo com essas
regras, quebre-as uma única vez, depois de tudo você pode fazer —
esta é a hora que eu começo a trabalhar pelo clã das mulheres. Não
tinha mais volta, eu tinha que convencê-lo.
— Quer mesmo isso?
— Temos que fazer, não é? — Ele faz que sim com a cabeça e
volta a desviar o olhar. — Eu só não quero que seja um momento de
dor.
— Eu não posso negar isso a você. — Ele passa sua mão pelo
meu rosto enquanto me encara. – Não quero fazer mal a você.
Eu sei que ele está sendo sincero. Não o deixo continuar
falando, apenas faço um sinal para que ele faça silêncio. Eu me
entreguei a ele com medo e ao mesmo tempo tranquila ao saber
que ele não quer o meu mal.

Passa das 4 horas da manhã e eu fico o observando por um


tempo. Sei que se eu não tomar uma atitude, ele não vai. Pego o
chicote e entrego a ele.
— Não quero fazer isso com você. — Ele diz.
— Só que você precisa — digo. Me dói isso, mas tenho que
esperar o tempo certo para acabar com isso. Amélia me disse que
pode demorar.
— São 10. Tem certeza de que vai aguentar?
— Tenho — tento parecer a mais forte possível.
Quando ele acerta a primeira, solto um grito de dor.
Dois...
Três...
Grito mais alto e as lágrimas se espalham.
Quatro...
Não tenho certeza sobre as 10.
Cinco...
Fico esperando que ele continue, mas isso não acontece.
Quando me viro para trás, ele está ajoelhado no chão, chorando.
Aproximo-me dele e o abraço, choro com ele pela minha dor e pela
sua.
— Quando eu era criança sempre ouvia ela gritar e o odiava
por isso. E agora sou eu fazendo você gritar. Não quero me tornar o
homem que eu odeio — entendo o que ele quer dizer, entendo cada
lágrima sua.
— Sempre tive medo de ser como a minha mãe e aqui estou
eu — abraço-o mais forte. — Não vamos conseguir isso sem ajudar
um ao outro. Não precisa ser o homem que odeia e nem eu preciso
ser fraca. Sabe que podemos mudar isso.
— Você não sabe tudo que isso exige. Não sabe o preço que
você teria que carregar, ou até mesmo eu. Não teríamos um final
feliz, mesmo se quiséssemos. Pagaríamos um preço que nos
perseguiria pelo resto da vida.
— Eu pagaria qualquer preço pra ser feliz com você e quero
saber se você está disposto a pagar também. A verdade é que eu
fugiria disso na primeira oportunidade.
— Talvez um dia. — Ele responde.
Olho para o chicote do seu lado.
— Ainda faltam cinco — digo.
— Não vou conseguir continuar.
Pego o chicote e me viro de costas para ele. Preciso acabar
com isso logo. Começo a tacar em mim mesma. Eu vou acabar com
o clã e não importa a dor que isso vai me causar se no fim eu
vencer.
Capítulo 8

Estou sentada entre as suas pernas enquanto ele cuida dos


meus ferimentos.
— Espero que elas sumam. — Ele diz enquanto passa o
algodão por uma delas.
Não falo nada, não quero magoá-lo.
— Eu sinto muito. — Ele repete pela milésima vez.
— Eu sei, não precisa ficar se culpando.
— Doí muito? — não quero falar a dor absurda que eu estou
sentindo, não suporto seu olhar de culpa.
— Já está passando — minto.
Quando ele termina, aconchego-me nos seus braços ali
mesmo no chão onde estamos. Ele passa as mãos pelos meus
cabelos.
— Mais tarde, quando eles chegarem, preciso que se
comporte. Não fale nada, não os provoque. Apenas fique calada e
os obedeça, só fale quando for permitido. Me prometa que vai se
comportar.
— Eu prometo — digo. Ele me aperta mais ainda contra o seu
corpo. Sinto-me segura, sinto-me bem apesar de toda essa dor. Ele
me faz bem. — Posso te falar uma coisa?
— Pode.
— Eu acho que gosto de você – não parece ter sido o que ele
queria ouvir, mas eu não poderia falar que o amo, eu nem mesmo
sei o que é amor.
Quando o dia amanheceu, estava na cama. Ele deve ter me
colocado depois que peguei no sono em seus braços. A dor em
minhas costas ainda é terrível. O lençol tem um pouco de sangue.
Encontro um vestido preto e sem graça sobre a cama, e um bilhete.
Eles chegarão às 10 horas. Esteja pronta.
Vou tomar um banho. A água faz os meus ferimentos arderem.
Quando estou pronta, são nove e meia. Desço para encontrá-lo e
vejo-o na cozinha terminando de preparar o nosso café.
— Está com fome? — Ele pergunta.
— Sim — sento-me na mesa em que costumava fazer as
minhas refeições com a minha mãe. — Por que este vestido?
— Para representar a sua dor. A dor que para eles deveria ser
um prazer pra você.
Não falo mais nada, apenas tomo o meu café ao seu lado em
completo silêncio. Quando terminei, fomos para a sala e ficamos
sentados no sofá esperando-os chegarem ainda em completo
silêncio. Quando a campainha toca, meus olhos marejam.
— Não quero vê-los. Não sei se vou aguentar calada enquanto
olham com prazer uma coisa tão cruel — digo antes dele se
levantar. Em seguida ele se ajoelha na minha frente e enxuga as
minhas lágrimas.
— Seja forte, Zara. — Ele se levanta. Respiro fundo e quando
a porta se abre, meu coração está a mil por hora. Quero gritar para
eles o quanto os odeio, descrever como é a dor e como gostaria que
eles sentissem o mesmo.
— Nossa garota — um deles, o mais baixo e gordinho, diz
vindo até mim com os olhos brilhando. Seguro as minhas lágrimas,
não quero mostrar o medo de que eles me dão. — Gostaria de
poder descrever a honra de ter uma garota tão linda como uma de
nossas mulheres — continuo séria e calada.
— Uma garota tímida — o que mais aparenta ser o mais velho
deles diz. Não o encaro, pois sei que lhe mostraria todo o meu ódio.
O garoto mais jovem estava no meio deles e é quem mais me
chama a atenção. Seus olhos eram frios e não parecia fazer
questão de comentar sobre mim. O primeiro a falar comigo se
sentou do meu lado.
— Vamos começar com isso logo — o mais novo disse.
— Se levante, querida — o que está sentado ao meu lado diz.
— Tire toda a sua roupa. — Eles se sentam e eu caminho, nervosa,
para frente. Tiro o meu vestido, ficando apenas de calcinha e sutiã.
Depois de um tempo em silêncio, ouço alguém bufar e o mais novo
deles aparece em minha frente e retira o meu sutiã. Pelo menos de
costas nem todos eles podem olhar os meus peitos. Fico ali parada
por alguns minutos sem ouvir nenhum barulho. Sinto-me humilhada
ao imaginar as suas caras de prazer me olhando. Babacas.
— Se sente orgulhoso, Justin? — percebo que é o mais novo
deles quem pergunta. — As primeiras marcas de sua mulher —
sinto ódio com a frieza de sua voz. — Qual foi a sensação? — Ele
pergunta rindo.
— Prazeroso — Justin responde.
— Tente ir mais fundo da próxima vez, essas com certeza irão
sumir — engulo em seco. Quero socá-lo.
Passei praticamente meia hora em pé enquanto eles
conversavam sobre a importância disso e comemoravam. Lúcio, o
mais novo, era o mais frio de todos. Justin os acompanha até a
porta, mas antes de ir, Lúcio me encara mais uma vez. Não escondo
o ódio ao olhá-lo dessa vez e ele percebe.
— Estou de olho em você. — Ele sussurra.
— Babaca — falo assim que ele sai.
— Você foi bem — Justin me abraça. — Está se sentindo
humilhada, não é?
— Sim — digo. Sinto frio, pois ainda estou apenas de calcinha.
— Posso fazer você se sentir melhor?
— Acho impossível — digo. Me calar tanto tempo me faz
querer extravasar. Ele limpa uma das lágrimas que deixo escapar.

Depois de uma semana, voltei para a escola.


— Zara!! — Maia veio gritando me abraçar assim que entrou
na sala e me viu.
— Que cena patética — Valentina diz.
— A única coisa patética aqui se chama Valentina. — Maia
responde.
A confusão só para quando Andrew entra na sala.
— Bom dia — seus olhos param em mim quando me vê. —
Que bom que você voltou, Zara — mando um sorriso tímido para
ele. — Continuando o assunto de nomenclatura da semana
passada...
— Nos vemos no refeitório? — Maia pergunta.
— Sim — digo. — Só vou terminar de arrumar as minhas
coisas.
— Zara — Andrew diz. — Já está pegando o conteúdo que
você perdeu?
— Sim, Maia vai me passar.
— Se você quiser, podemos ficar até mais tarde e eu dou as
aulas que você perdeu novamente.
— Não precisa se incomodar — pego a minha mochila e vou
em direção a porta.
— Não seria nenhum incomodo. – Ele diz e eu paro, viro-me e
o encaro.
— Andrew, não precisa — digo tentando parecer a mais clara
possível.
— Então bom almoço, Zara.

— Ane, você é um amor — digo assim que ela me entrega uma


rosa. Ane é a garota que estava fora de si na primeira vez que vim
aqui. Hoje ela parece estar melhor. Sempre que venho aqui ela está
de um jeito diferente. Aproximei-me muito dela nesse tempo.
— Você está linda hoje. — Ela diz.
— Você está mais — digo. Não é mentira, já que Ane parece
uma boneca. Sua beleza é tão delicada quanto o seu jeito de ser.
Seus cabelos castanho-claros, seu jeito e sorriso, tudo consegue ser
encantador nela. Só o que me incomoda que na maior parte do
tempo seu olhar sempre carrega muita dor e incerteza. Sei que ela
não é feliz pela tristeza que eles transparecem.
— Vou levar duas, uma para o meu marido e outra para o meu
filho. — Ela sorri para mim e sai admirando o jardim.
— Ela gosta de você — Amélia diz se sentando à minha mesa.
— Nunca a vi se dar tão bem com alguém.
— Ela me parece triste — digo observando-a enquanto ela
cheira as flores do jardim e fala sozinha.
— Não é fácil ser mulher de um dos líderes do clã. — Ela diz e
fico de boca aberta. — Lúcio e Ane sempre foram um casal
apaixonado, tiveram um filho lindo. Lúcio tentava ser o menos rígido
possível com ela, pensamos até que seria nossa escolhida porque
com certeza ele quebraria as regras por ela, mas Lúcio é filho de um
dos maiores e cruéis líderes que nosso clã já teve e quando
perceberam o tratamento dele com a Ane, o próprio pai a castigou.
Ane chegou a desmaiar de dor e Lúcio quase foi morto. O pai
garantiu a todos que ensinaria ele melhor e que o prepararia pra ser
um líder. Ele o preparou, não sabemos como, mas ele conseguiu
tornar o Lúcio uma pessoa fria. Menos com a Ane, ele nunca mudou
com ela, mas aprendeu a disfarçar. Mas a Ane nunca mais foi a
mesma depois daquele dia, muitas vezes se desliga da realidade.
Os médicos dizem que é um mecanismo de defesa dela.
— Ele não a ajuda?
— Ajuda, ele cuida dela e até alimenta as suas fantasias. Diria
que Ane e seu filho são os únicos que ele consegue olhar com um
mínimo de compaixão.
— É impossível não amar a Ane — digo. Ane é delicada e não
parece ver tanta maldade em seu marido.
— Uma pena ela estar ficando cada vez pior— Amélia diz e sai
me deixando sozinha.
— Olhe ela — Ane diz assim que me vê — É dela que eu estou
falando. — Ela finge estar ouvindo a flor. — Não conte a ela. Não
posso.
— Ane, o que ela está falando? — pergunto.
— Que eu deveria contar a verdade pra você. Ela pediu para
falar que você não pode arriscar tudo por elas. Elas não merecem.
Lute por você, não por elas.
— Irei lutar por nós Ane.
— Elas são mentirosas, não lute por elas. Você merece, elas
não — Ane coloca as mãos na cabeça. Ela parece estar ficando
pior. Ane se aproxima mais ainda de mim e coloca uma de suas
mãos em meu rosto me encarando com aqueles grandes olhos
cheios de dor. — Elas vão destruir a sua vida — seus olhos enchem
de água.
Capítulo 9

Acordei de manhã e Justin não estava mais do meu lado.


Richard está obrigando-o a trabalhar. Olho pela janela do meu
quarto e vejo como o dia está lindo. Vai ser um bom sábado. Hoje
verei Ane novamente, já que Amélia marcou outro chá em sua casa.
Faz mais de um mês desde a última vez que eu a encontrei.
Arrumo-me e quando olho no meu relógio já são mais de 10
horas, estou atrasada, ando dormindo mais do que o normal. Queria
muito sair correndo daqui para ver Ane logo, quero saber se ela está
feliz, me preocupo muito com ela, mas realmente não vai dar. Vou
desmaiar de fome se não comer.
Desço as escadas correndo para a cozinha. A nova
empregada, Margo, me serve um delicioso café da manhã. Tiro um
pote de Nutella da geladeira e passo em tudo, principalmente no
queijo. Eu odeio queijo, por que estou comendo queijo? Sinto enjoo
e corro para o banheiro. Melissa me liga enquanto lavo a minha
boca.
— Alô! — digo atendendo.
— Você está muito atrasada.
— Eu sei — passo a mão pelos meus cabelos, irritada —
Chego aí em 15 minutos.
Pego a minha bolsa e vou para o carro, onde o motorista já me
aguarda. Quando finalmente chego, sou recepcionada por Ane. Ela
me abraça tão forte que fico sem ar.
— Senti sua falta. — Ela diz.
— Eu também senti a sua.
— Amélia comprou cupcake. — Ela me puxa até a mesa. Ane
começa a experimentar todos, mas evito. Enquanto vinha pra cá,
parei para pensar um pouco. Não posso me prestar a um papel de
tola e negar uma possibilidade do que pode ser o sono que sinto
toda hora e o enjoo essa manhã. Era esperado, não é mesmo? Eles
fizeram de tudo para ser assim e agora conseguiram. Se for verdade
só espero que não seja uma menina. Por favor, Deus, não deixe ser
uma menina.
Aquele cheiro... corro para o banheiro novamente e Ane me
segue. Ela me ajuda segurando os meus cabelos.
— Você está bem? — Ela pergunta assim que me sento no
chão ao lado da privada. Ela faz o mesmo. O cheiro é insuportável,
mas não ligo. Quero chorar.
— Ane, quando foi que você engravidou? — pergunto.
— Assim que me casei. Eles marcam o casamento em nosso
período fértil.
— É, eu sei — respondo já sentindo as lágrimas chegarem.
— Você está grávida, Zara?
— Acho que sim, nem preciso de um teste pra saber disso —
digo entre lágrimas — Eu meio que já esperava por isso, mas torcia
para que não acontecesse.
— Não precisa chorar, Zara, vai passar nove meses sem sentir
dor. — Ela tenta me animar. — Depois da lua de mel ele nunca mais
encostou em mim. Quer dizer, não quebrei nenhuma regra, e se
quebrei ele não quis me punir.
"Me punir". Quero me jogar de um abismo. Diria que dei sorte
com Justin, mas desde que ele começou a trabalhar o estresse é
visível e sua arrogância frequentemente me diz um oi.
— Não quero uma menina — digo. — Se for uma menina, eu
não vou permitir que eles a peguem. Nunca vou permitir. Quando eu
descobrir o sexo, e se for uma menina, Amélia terá que adiantar
tudo, minha menina não será morta! Eu queria muito ter evitado,
mas eles proíbem usar qualquer método contraceptivo. Pensei em
usar escondida, mas também me alertaram sobre isso.
— Torço por você — Ane sorri — Será um menino.
— Como sabe?
— Eu sinto. Posso escolher o nome? — seus olhos brilham
esperando uma resposta.
— Não quer esperar saber o sexo primeiro?
— Não terei todo esse tempo. — Ela me encara triste. Tento
perceber como ela está hoje. Está conversando normal, mas seus
olhos parecem perdidos. — Se for menino ele pode ser chamar
Jake, o que acha?
— Se for menino ele se chamará Jake — digo. Ela comemora
como uma criancinha de 5 anos — Por que não terá tempo de
descobrir?
— Porque irei morrer — meu coração se aperta quando ela
fala.
— Lógico que você não vai morrer — aproximo-me dela. — Vai
viver muito tempo e depois será livre — seguro as lágrimas. Ane é a
pessoa que mais me dá vontade de lutar quando penso. Quero
conhecer uma Ane livre e sem medos.
— Você vai ser livre. — Ela sorri — Vai doer no começo, mas
depois vai superar — suas mãos passam pelo meu rosto — É a
única que merece. — Ela soa como se realmente acreditasse em
mim, o que me faz acreditar que eu posso sim conseguir. — Eu vou
conseguir minha própria liberdade, Zara.
— Qual liberdade? — pergunto, mas tenho medo da sua
resposta.
— A morte. — Ela sorri tão radiante que me assusta. — Vou
morrer e ir para um lugar lindo. Posso ser o seu anjo da guarda
quando eu estiver lá?
— Claro que pode, Ane — seguro as suas mãos — Mas você
não vai pra lá agora, antes você vai ser muito feliz com o seu filho.
— Por que exclui o Lúcio? Vai matá-lo, Zara? — aquilo destrói
o meu coração.
— Eu preciso — minha voz sai quase em um sussurro e as
lágrimas me impedem.
— Zara, promete pra mim que não vai matar o Lúcio, eu o amo.
— Ela pede chorando — Meu filho precisa dele.
Como posso prometer isso? Lúcio é quem eu mais odeio e
tenho certeza de que será o mais difícil.
— Eu prometo — prometo para acalmar o seu coração. — Por
que o ama? Ele é cruel com você.
— Nos amamos com e sem regras, mas o monstro conseguiu
mudar ele, não é mais o meu Lúcio, o que deixava de cumprir as
regras por mim, ele não me olha mais apaixonado, só tem olhar de
culpa. Não é mais o garoto que prometeu que fugiríamos. Eu
conheci um Lúcio que poucos sabem que existem. O clã torna essas
pessoas em monstros, mas se você for além do clã, vai descobrir
que eles ainda estão lá, reprimidos por regras. Eu fiz de tudo para
trazer o Lúcio, mas ele não me ama mais, não me ama o suficiente
para isso.
— Ane, você será feliz com Lúcio e o seu filho... qual o nome
dele mesmo? — tento animá-la, pois não quero ouvir Ane falando
dessa forma.
— Luciano. — Ela sorri de lado. — Se alguma coisa acontecer
com o Lúcio, tenho medo do que pode acontecer com o meu filho.
— Você vai cuidar dele, Ane. — o desespero dentro de mim
aumenta. Não consigo fazê-la desistir disso. — Ane, me promete
que não vai fazer nenhuma loucura?
— Vou deixar de viver na loucura.
— Ane, por favor, não faça nada contra a sua vida.
— E não vou, vou fazer a favor dela — não consigo esconder o
desespero dela — Zara, as marcas. — Ela se vira de costas e
abaixa a sua blusa me mostrando as suas marcas. Eram tantas, que
me doeu ver aquilo. Meu coração se apertou e eu queria chorar
mais ainda por ela. Sua pele totalmente marcada, as mais recentes
eram as piores. — Mesmo que você nos livre de tudo isso, terei que
levá-las para sempre, as marcas vão me perseguir, a dor vai sempre
estar comigo. Eu não consigo mais viver com essa dor. Se eu não
acabar com isso, ela vai acabar comigo. Quando eu estiver lá, vou
cuidar de você. Só vou estar completamente feliz quando você
estiver — abraço-a forte. — Zara, pode cuidar do Luciano pra mim?
Ele não vai mais ter ninguém além do Lúcio quando eu partir. E se
ele não tiver o Lúcio, não terá ninguém.
— Ele vai ter a mim, eu prometo, mas, por favor, não faz nada.
— Ela se levanta e eu a acompanho.
— Desde que Luciano nasceu, eu brigo contra as vozes na
minha cabeça, elas são piores que a dor que o pai do Lúcio me
causou, pior até que as poucas vezes que Lúcio teve que cumprir as
regras. Tudo que eu quero é que essas vozes parem, que tudo isso
pare. Tenho que aproveitar enquanto estou lúcida, ou elas voltarão a
me atormentar — abraço-a o mais forte que posso.
— Só espere mais um pouco, por favor. Eu vou ajudar a se
livrar delas. — Ela apenas me encara triste. — Vou te ver outra vez?
— pergunto e meus olhos marejam quando ela desvia o seu olhar
de mim.
— Cuide desse menino muito bem, tá? E se cuide. Não deixe
que ele te faça sofrer como nós sofremos — abraço-a mais forte
dessa vez. — Zara, nunca se esqueça de lutar por você, não lute
por mais ninguém além de você e sua família. Elas não merecem o
seu sacrifício.
— Por que nunca me fala o porquê disso?
— Porque quero que você lute até o final. — Ela beija o meu
rosto e vai em direção a porta. — Adeus, Zara — Ela sorri radiante.

1 semana depois, Ane se matou.


A dor em lembrar de Ane é insuportável. Sinto ódio do clã.
Sinto ódio de Lúcio. Sinto ódio de mim mesma por não ter feito nada
contra isso. Talvez porque nem eu suportaria tanta dor. Lúcio não
quis falar como ela se matou. Como foi os últimos momentos dela?
Eu não faço ideia. Eu tentei avisar para Amelia, mas ninguém me
escutou.
— Eu espero que você esteja no lugar que sonhou — digo
enquanto olho para o céu. Estou sentada na varanda do quarto,
sozinha. Faz 3 horas desde que Melissa me contou. Passo a mão
pela minha barriga, fiz o teste e deu positivo, como eu esperava.
Não contei a ninguém, queria tanto que esse bebê fosse só meu
para ninguém fazer mal a ele. Queria que fosse um segredinho meu.
Espero que Ane esteja certa sobre ser menino. Sinto tanto a sua
falta, Ane. Mal posso acreditar que não verei você de novo.
Ouço a porta se abrir, é Justin. Ele me olha triste e choro mais
ainda. Preciso do seu abraço, preciso do seu consolo.
— Eu sinto muito — Ele diz, sentando-se ao meu lado e me
puxando pra si.
— Ela me disse que faria isso e eu não fiz nada. Ela sentia
tanta dor, suas costas eram completamente marcadas e ela parecia
feliz com a ideia de morrer.
— A vida de Ane não foi as das mais fácil — Ele diz me
abraçando mais forte —, mas ela já foi muito feliz. Conheci Ane
antes de ser escolhida. Era uma garota doce e feliz. Nem tudo pra
ela foi difícil.
— Ela não merecia, não suportava a dor que via em seus olhos
e não suporto saber que ela morreu. Ela morreu e foi tudo culpa do
clã.
— Esqueça o clã, Zara.
Continuei ali por horas chorando em seus braços, mas dei o
braço a torcer quando meu estômago estava gritando de fome. Não
posso esquecer que tem outra pessoa dentro de mim que precisa de
cuidados. Justin adivinhou os meus pensamentos e pediu uma
comida bem leve pra mim.
— Amanhã pela manhã ela será enterrada — digo a ele
enquanto nos deitamos. — Você pode me acompanhar?
— Não. — Ele fala, irritado. — Não quero você perto do Lúcio
— a arrogância em sua voz faz o meu sangue ferver.
— Eu não vou deixar de ir ao enterro dela! — falo no mesmo
tom — Não me importo se ele vai estar lá ou não. É a Ane, é por ela
que eu vou.
— Você não vai, Zara. — Ele aponta o dedo em minha cara. —
Se for, vai estar me desobedecendo e sabe o que acontece quando
se quebra as regras.
— Tudo bem, eu não vou — aquilo foi uma facada no meu
coração. Ele me cobrou sobre as regras, ele nunca fizera isso. Eu
me deitei e tentei disfarçar as minhas lágrimas de frustração.
Acordo bem cedo e me arrumo para o enterro, visto apenas um
vestido preto e uma sapatilha da mesma cor. Desço na esperança
de encontrar Melissa. Encontro-a tomando café.
— Posso ir com você? — pergunto.
— Claro, querida, estava mesmo te esperando. Tome café
antes — olho para a mesa, mas o meu estômago embrulha só de
ver.
— Estou sem fome.
Quando chegamos ao cemitério já se vê uma aglomeração.
Sento-me bem na frente, junto com Melissa. Encaro Lúcio, que está
do outro lado, logo na minha frente. Eu poderia matá-lo. Ele parece
realmente triste, seu rosto está vermelho e inchado. Do seu lado
vejo o seu filho. Ane me falou que ele tem quatro anos. É tão lindo e
parecido com ela. O garotinho olha o seu pai chorar sem entender
nada. Volto a minha atenção para o Padre. Quando enterram Ane,
todos vão se retirando, mas continuo lá sentada entre lágrimas.
Melissa me deixou um tempo sozinha. Lúcio também continuou
aqui, mas nem reparou em mim. Ele se ajoelha do lado do seu
túmulo e chora. Eu diria que é um choro desesperado. Ajoelho-me
ao seu lado.
— O que você quer? — Ele pergunta com a mesma voz fria de
sempre.
— Por que chora por ela? — pergunto com raiva. A culpa é
toda dele.
— Porque ela era a minha mulher.
— Maltratava ela... fez Ane perder o juízo, fez ela enlouquecer.
Suas lágrimas são tão frias quanto você.
— Eu a amava! — Ele grita ainda encarando o seu túmulo. —
Ane era a melhor pessoa do mundo. Eu fiz de tudo para não
encostar nela.
— Então por que deixou que fizessem aquilo com ela? Por que
continua no clã mesmo depois de tudo que eles fizeram a ela?
— Sobrevivência. É por isso que eu sigo as regras e por isso
você também irá seguir. Na nossa vida as regras são importantes.
— OLHA O RESULTADO DAS SUAS REGRAS! — digo
apontando para o túmulo e desabando em lágrimas. — Você não
sabe a pena que senti dela quando me falaram que você era o
marido. A dor que eu senti quando Ane me mostrou suas marcas,
ela disse que não queria viver com elas. Você pelo menos se
preocupava com o que ela sentia? Pelo menos tentava fazê-la feliz
em meio a tanta dor? – perguntei entre soluços.
— Eu estou destruído se isso vai fazer você se sentir melhor.
Eu estou completamente destruído. — Ele passou as mãos pelos
cabelos em total desespero.
— Pois trate de ser reerguer. Você tem uma criança que
precisa de você.
— Ela estava feliz antes de morrer, disse que me amava,
pensei que seria um dia normal pra ela, mas estava só se
despedindo.
— Como ela morreu? — pergunto desviando o olhar para o
seu túmulo.
— Ela se envenenou — enxugo as minhas lágrimas e tento
tirar a imagem de Ane morta da minha cabeça. Quando eu cheguei,
ela ainda estava viva, eu juro que tentei salvá-la.
— Não duvido de você, não deve ser algo bom para o clã.
— Sabe que não foi pelo clã. — Ele diz expondo toda a sua
irritação em sua voz. — Eu não queria perdê-la.
— Não acredito em alguém que teve coragem de fazer mal a
Ane — encaro Luciano, que está do lado do seu pai sentado e
calado, e muito provavelmente tentando entender o que está
acontecendo.
— Antes dela morrer, ela disse o seu nome — sou pega de
surpresa. — Ela estava no meu colo enquanto eu a levava até o
carro e ela disse o seu nome.
Não consigo ouvir mais nada. Levanto-me e dou as costas
para ele.
— Obrigado por ter sido amiga dela nesses últimos meses,
Ane não era uma pessoa de muitas amizades. Ela falava muito de
você — paro e me volto para ele novamente.
— Não precisa me agradecer como se eu tivesse feito um favor
pra ela, fiz isso porque realmente gostava de Ane — digo e saio de
lá, totalmente de coração partido. Volto pra casa em total silêncio
com Melissa.
Entrei em meu quarto e deitei na cama, eu só quero chorar.
Apaguei depois de um tempo e quando acordei, Justin estava do
meu lado.
— Oi — digo.
— Foi para o enterro sem a minha permissão. — Ele parece
irritado.
— Ela era minha amiga — respondi quase como um sussurro.
Estou tão fraca que mal consigo falar. Olho pela janela e vejo que já
é noite.
— Você me desobedeceu! — Ele grita e eu sinto o meu sangue
ferver. — Quebrou uma regra.
— Foda-se você e suas malditas regras, parece até o seu pai
falando. Um grande babaca.
— Quebrou as regras mais uma vez.
Levanto-me da cama e fico na sua frente.
— Então vem aqui me punir — digo arqueando a minha
sobrancelha — Vem se tornar o homem que você tanto odeia como
você mesmo disse — vejo-o se levantar da cama vindo em minha
direção. Ele me empurra e me taca contra a parede, fecho os meus
olhos quando vejo sua mão vindo em minha direção pronta para me
socar, mas ele não me acerta. Ele acerta a parede. — Você me faz
odiar todas essas malditas regras — choro. Ando tão sensível que
só sei chorar.
— Não me faça ter que machucar você. Sabe que precisa
obedecer a essas regras. Sabe o que acontece se eles descobrirem
— estou quase sem ar e sem forças. Lembro que não comi nada
hoje e que estou grávida. Minha visão vai se apagando e aos
poucos, até que não vejo mais nada.
Acordo na cama novamente com Melissa e Justin me olhando.
— Graças a Deus. — Ele diz suspirando de alívio.
— Você está bem, querida? — Melissa me pergunta.
— Sim, mas estou morrendo de fome. — Ela ri.
— Vou trazer alguma coisa pra você comer.
Quando ela nos deixa sozinhos, vejo seu olhar arrependido.
— Zara, me descul... — interrompo-o.
— Eu estou grávida e se você quer tanto meter a mão na
minha cara, respeite pelo menos isso e espere eu ter meu filho —
digo. Eu queria gritar pra colocar toda a raiva pra fora, mas não
tenho forças.
— Você está grávida? — Ele diz emocionado vindo em minha
direção.
— Não ouse tocar em mim. — Ele para e vejo a tristeza em
seus olhos — Você é como o seu pai e agora percebo isso. Não
toque em mim ou eu fujo e você nunca mais vai ver nem a mim e
nem o seu filho.
Ele me encara por um tempo com os olhos marejados, mas
logo sai batendo a porta com força.
Capítulo 10

Acordei mais tarde do que o normal hoje. Queria muito não ter
que encontrar ele, queria mesmo, mas hoje é domingo. Ele dormiu
no outro quarto, o que foi ótimo pra mim. Não queria brigar, a morte
de Ane ainda é muito dolorosa e tudo que eu menos quero é mais
dor. Desço para tomar café, esse leãozinho dentro de mim é um
morto de fome. Não encontro ninguém, tomo meu café em paz e
resolvo ligar pra minha mãe. Ela só vive viajando para representar a
empresa agora. Tenho certeza de que Richard faz isso para evitar
tê-la perto de mim. Não reclamo, pois minha mãe adora viajar.
— Oi, mãe — digo assim que ela atende.
— Oi, filha, que saudade de você — ela diz chorosa, minha
mãe é a pessoa mais chorona que conheço.
— Eu também estou morrendo de saudade de você, queria
tanto te abraçar.
— Filha, daqui uma semana, estou voltando e não vou largar
você.
— E seu netinho.
— Netinho? — Ela pergunta quase gritando. — Zara, eu não
acredito que você está grávida.
— É o que parece, mamãe.
— Eu vou ser vovó, meu bebê vai ter um bebê.
Sorrio com seu drama.
Passo horas conversando com ela no telefone. Contei sobre
Ane pra ela e ela foi a única que conseguiu acalmar meu coração.
Ela ficou tão feliz que o medo de estar grávida foi se amenizando.
— Zara — ouço Justin me chamar, mas não respondo. —
Contei para minha família. Minha mãe já está vendo um médico
para você — continuo calada. Não quero falar com ele e nem o
deixei contar para todos. — Queria que isso fosse um momento
feliz.
Levanto-me e saio, voltando para meu quarto. Momento feliz?
E se for menina? Duvido se ele faria alguma coisa para impedir o
clã. Nenhum deles faria.
Faz uma hora que eu estou deitada na cama fingindo estar
dormindo. E faz uma hora que o Justin está sentado de frente para
mim, olhando-me. Ele está fazendo jogo sujo para nós voltarmos a
nos falar. Não vou falar! Passei um mês sem falar e não é agora que
vou. Justin consegue ser a pessoa mais chata do mundo quando ele
quer. Esse mês só não foi um total inferno porque me diverti com
sua idiotice. Melissa me trata feito uma criança e parece que faz
questão de me ver enjoada, porque toda hora me traz comida.
Richard só sabe usar meu filho para importância dele para família,
pois será mais um no clã. Sempre brigo com ele quando fala que
não quer uma menina. Tenho medo de Richard, assim como tinha
medo de Bruce, mas não me calo com ele, assim como não me
calava com Bruce.
Nunca mais fui às reuniões do clã porque a casa de Amélia só
me lembra Ane, também passo a maior parte do tempo enjoada e
dormindo. Amélia odiou saber que eu estou grávida, ela disse que
isso adiaria tudo, também faltei muito na escola por causa disso.
Richard quase me obrigou a desistir, mas não aceitei.
— Uma hora, vai ter que falar comigo. Eu sou o pai do seu
filho. — Ele veio até mim e ajoelhou-se do lado da cama e continuou
a me olhar. Seus olhos foram em direção a minha barriga e ele
sorriu, aproximando-se. — Oi, eu sou seu pai. — Que idiota, abro os
olhos e observo a cena. — Sua mãe não consegue me entender e
por isso não está falando comigo. Mas você pode dizer pra ela que
eu a amo? — me segurei para não sorrir. — Amo ela mais do que
tudo, que eu sou um verdadeiro idiota, porque só um idiota que nem
eu encostaria a mão nela. Pode pedir pra ela pegar mais leve com o
papai também? Existe muita pressão sobre ele ultimamente — Seu
olhar pousa em mim e ele sorri. — E que está arrependido e
promete defender ela mais daqui por diante? — Ele beija minha
barriga e a acaricia. — Eu vou ficar com meus joelhos doendo
esperando-a me perdoar.
— Me prometeu que não agiria daquela forma — digo,
levantando-me. — Eu odeio você. — Ele me abraça. — Vai mesmo
me defender? — Eu roubei o posto de maior chorona do mundo da
minha mãe desde que engravidei. — Não aguento mais. Seu pai e
toda essa pressão. Eu não vou aguentar isso, não quero ter que
desafiar todo mundo sozinha. Eu não vou deixá-los tomarem se for
uma menina. Eu fujo e você nunca mais vai me ver. Eu me sinto
sozinha, eu quero confiar em Melissa, mas tenho dúvidas, quero
confiar nele, mas também carrego dúvidas, eu não sei mais o que
fazer e nem em quem me apoiar.
— Ei. — Ele enxuga minhas lágrimas — Não precisa chorar e
nem se desesperar. Se for menina, eu mesmo fujo com você. Eu
prometo que não vou deixar você enfrentar ele sozinha. Nós vamos
passar por tudo isso juntos, até porque eu não conseguiria viver
sem você. — Eu fico feliz com suas palavras, mas duvido de suas
atitudes. — Eu nunca mais vou agir daquela forma, tem que
entender que agora eu passo 24 horas escutando meu pai falando
sobre regras, o trabalho é estressante. E eu fiquei com medo por
causa do Lúcio, sabe como ele é e eu sei como você é.
— Promete que não vai me magoar? Olha como eu estou
chorona, se um passarinho cantar bonito de manhã, eu choro —
digo e ele ri.
— Eu prometo! Se você deixar de ser chata, ignorante,
respondona... — dou um soco em seu ombro e ele se deita ao meu
lado, abraçando-me.
Acordo com os beijos de Justin.
— Acorda. — Ele puxa meus braços, deixando-me sentada. —
Precisa ir pra escola. Já faltou demais e eu vou deixar você na
escola todos os dias a partir de hoje — tomo coragem em abrir
meus olhos.
— Eu estou com tanto sono — digo sonolenta. — Quero dormir
por mais... quantos meses eu estou mesmo? Acho que três meses.
— Grande mãe você é. — Ele me encara.
— Grande pai você é que nunca me acompanhou nas
consultas.
— Deve ser porque você passou um mês sem olhar na minha
cara.
— Você podia ir mesmo assim.
— Para de me enrolar e vai pro banheiro agora. — Ele fala,
imitando-me, cruzando os braços. Rio dele. Vou para o banheiro,
mas paro antes de entrar.
— Sabe que nós seremos péssimos pais?
— Sei. — Ele ri.
Arrumo-me e desço com Justin para tomar café. Richard e
Melissa ainda estão lá.
— Bom dia — Justin cumprimenta. Passo direto sem falar nada
e sento-me.
— Bom dia, filho, e bom dia pra você também, Zara — Richard
se pronuncia.
— Não precisa fingir que gosta de mim e nem eu de você.
— Obrigado pela sua sinceridade logo de manhã. — Richard
encara Justin, como ele sempre faz quando quer o obrigar a me
repreender. Mas Justin apenas me beija.
— Tem que parar de comer tanto, Zara — diz quando já estou
na terceira fatia de bolo.
— Estou comendo por dois. Eu vou poder usar isso por muitos
meses.
— Tem certeza de que não é trigêmeos? — dou um soco em
seu ombro e ele e Melissa soltam risadas. Apenas Richard continua
com a mesma cara de bosta de sempre.
— Não tem nenhum problema nisso, o que importa é que seja
um menino — Richard se impõe, como sempre, tentando estragar
tudo.
— É o que veremos, Richard — digo e Justin me tira da mesa.
— Vai se atrasar, Zara, vamos — saímos quase correndo. —
Zara, eu juro que quero te defender, mas você tem que ajudar, para
de desafiar ele. Ele já estava com raiva e agora não quero nem
imaginar.
— Viu como ele falou? — Entro no carro e Justin faz o mesmo.
— Não vou aceitar isso, Justin.
— Ele pode denunciar isso para o clã, aí nós estaremos
ferrados.
— Ele não ia arriscar tudo. Seu pai é tudo, menos burro. Você
é o único filho que ele tem.
— Zara, só tenta fazer as coisas serem mais fáceis pra mim —
ele diz, bufando. Ele parece estar cansado ultimamente.
— Não quero mais morar naquela casa. Você está
trabalhando, nós vamos ter um filho já está na hora de ter nossa
própria casa.
— Eu também estava pensando nisso. Vamos procurar uma no
final de semana. Não suporto mais meu pai se metendo em tudo.
A escola, como sempre é um saco, tirando a parte da Maia,
que faz tudo ficar um pouco melhor, ela é minha única amiga agora.
Olho-me no espelho, coloquei um moletom folgado e uma
calça jeans. Minha barriga já começa a dar sinais e não quero que
descubram agora, vou para a sala. Andrew entra visivelmente
irritado na sala e não fala com ninguém. Ele passa alguns minutos
focado em alguns papéis quando finalmente os solta e nos olha.
Seu sorriso aparece quando ele me vê.
— Parece que temos você de volta.
— É, parece — digo. — Eu estava doente, por isso faltei tanto,
foi mal.
— Sem problemas, depois você pega os conteúdos comigo.
— Ok — digo e vejo Valentina revirar os olhos.
— Podemos começar a aula — ela diz alto o suficiente até
para diretora da escola ouvir.
— Que bom saber que você está tão interessada na aula,
Valentina — Andrew diz, aproximando-se dela. — Você pode vir
aqui na frente e nos explicar o que você entendeu da nossa última
aula? — Ela o encara irritada e levanta-se.
— É... — tenta falar, mas não consegue, então me encara e
sorri. —Desculpa, professor, acho que preciso daquelas aulas
particulares que você ofereceu para Zara e ela recusou. — Quem
contou isso para ela? Só tinha comentado isso com Maia.
— Não, Valentina, você precisa apenas prestar atenção nas
aulas em vez de prestar atenção na vida das pessoas — sorrio para
Andrew.
Quando a aula termina, vou falar com ele.
— Obrigada por isso.
— Não fiz isso por você, ela estava me envolvendo no meio.
— Mesmo assim, muito obrigada. Está a fim de sair?
Aparentemente, Justin está em uma reunião e não pode me buscar
agora e não estou a fim de voltar para aquela casa.
— Claro.
Andrew me leva para uma lanchonete ali perto. Peço tanta
coisa que ele se assusta.
— Você gosta de comer mesmo, não é? — ele pergunta,
sorrindo de lado.
— Preciso me abastecer. Acho que fui mal-educada por ter
recusado suas aulas, você só queria ajudar.
— Não precisa se desculpar, mas ainda pode aceitar elas,
teremos provas ainda esse mês. Se resolver aceitar, eu sempre fico
até tarde na escola.
— Se eu estiver disposto, juro que vou. — Ele sorri.
Comemos enquanto ele me conta como decidiu ser professor e
como era na faculdade.
— E você, pretende cursar o quê?
— Eu também penso em ser professora, mas não tenho
certeza qual matéria seria melhor pra mim. Gosto de muitas,
inclusive Química.
— Se eu fosse você, apostaria em Química. Posso te mostrar
algumas experiências, se você for ter aquelas aulas.
— Acho que seria muito perigoso para alguém que está
grávida. — Só quando falo, lamento-me pela minha boca grande.
— Como? — Ele me encara confuso.
— Eu estou grávida.
— Não podia ter deixado isso acontecer.
Tento entender o que ele quer dizer. Eu sei das regras. Fico
paralisada, como ele sabe disso?
— Andrew...
— Justin me contou sobre o que a família dele segue quando
estudávamos, não me contou muitos detalhes, mas eu sei que tem
regras.
— Andrew, não posso falar disso.
— Sinto muito por você, se quiser, posso ajudar.
— Por que me ajudaria?
— Existem coisas que certas pessoas não merecem, acha
mesmo que Justin ou a família dele merecem ser felizes? São
pessoas doentes.
— Então por que continua sendo amigo dele?
— Eu não continuo, eu só fiquei preocupado com você desde o
dia que disse que ia casar com ele. Eu sei que pensou que eu
queria outra coisa, mas eu só queria um momento a sós pra falar
sobre isso com você.
— Andrew, eu não posso fugir, eles matariam minha mãe e não
demoraria para me encontrarem, essa criança é importante para
eles.
— Eu sei que ela é mais importante ainda pra você. Eu tentei
denunciar eles e ninguém acreditou, então procurei um amigo do
FBI e ele está investigando o caso, acredito que é um dos poucos
que estão lá e não é comprado por eles. Ele vai poder te ajudar... —
Olho para o relógio na parede e vejo que já está quase no horário
que Justin disse que iria me buscar.
— Podemos conversar sobre isso depois? Se ele pode mesmo
me ajudar, então eu quero, mas agora preciso ir. — Ele me
acompanha de volta até a escola.
Capítulo 11

Chego no estacionamento e Justin já está lá me esperando,


ele não parece feliz quando me vê com Andrew.
— Andrew — Justin o cumprimenta.
— Justin.
— Obrigada, professor, pela ajuda com a matéria atrasada.
— Sempre que precisar, é só falar. — Ele sorri. — Eu vou
indo... — Ele nos deixa sozinhos. — Estavam aonde? — Ele
pergunta quando entramos no carro.
— Quis comer fora e pedi pro Andrew me ajudar com a
matéria.
Ele não fala nada, apenas se concentra em dirigir. Quando
chegamos em casa, vamos direto para o quarto.
— Vem cá. — Ele aponta no espaço ao seu lado na cama para
eu me aproximar mais e abre o notebook. — Estava olhando umas
casas. Achei algumas perfeitas para nós três. A que eu mais gostei
é essa e não fica muito longe daqui.
— Não — digo por impulso. — Quero a casa mais longe daqui,
por favor. — Ele sorri.
— Melissa não vai gostar.
— Eu tenho certeza de que ela vai entender!
— Ele é meu pai, Zara, ele pode ser a pior pessoa do mundo,
mas vai continuar sendo o meu pai.
— Por isso mesmo, ele sempre vai continuar sendo o seu pai,
a pior pessoa do mundo. Se você se sente confortável com ele, eu
não.
— Zara, ele desconfia que você quer quebrar as regras. —
Encara-me preocupado. — Lúcio veio perguntar sobre você pra ele.
— Meus olhos se arregalam. O que ele quer comigo?
— O que ele perguntou?
— Se você era obediente e se estava mostrando algum sinal
de rebeldia. O que aconteceu no enterro de Ane?
— Nada! Apenas falei que nós éramos grandes amigas.
— Zara, tome cuidado, as coisas não são tão simples como
parece. Sabe o que Ane passou? Todos sabem a história deles. Ele
podia aliviar com ela, mas ele não é assim com as outras pessoas.
— Não precisa se preocupar — dou um beijo nele. — Preciso
dormir.

No sábado, resolvi voltar a reunião do encontro das mulheres.


Preciso falar com Amélia sobre Lúcio. Entro em sua casa e procuro-
a no meio daquela multidão de mulheres; encontro-a falando com
uma garota que nunca tinha visto ali.
— Amélia, preciso falar com você — interrompo sua conversa
sem um mínimo de educação. — É urgente. — Ela se despede da
garota e acompanha-me para um lugar mais reservado.
— Diga, querida, parece pálida — ignoro seu comentário e vou
direto ao assunto.
— Lúcio andou perguntando sobre mim. Ele queria saber se eu
era obediente as regras.
— Por que, Zara? — Ela me pergunta furiosa.
— Porque acabei falando sobre Ane para ele, coloquei toda
minha raiva para fora em seu enterro. Mas foi apenas sobre Ane e
falei algumas coisas sobre as regras.
— Pensou o quê, Zara? Que iria ficar por isso mesmo? Você
vai ter que mudar isso. — Ela suspira. — Você é nova, precisa fazer
ele pensar que foi apenas uma coisa repentina sua...
Amélia me orienta em tudo que terei que fazer. Quando saio de
lá, vou direto para casa de Lúcio. Ele ainda não chegou, mas a
empregada me recebe. Encontro Luciano assistindo TV na sala e
junto-me a ele.
— Você deve ser o Luciano. — Ele faz que sim com a cabeça.
— Parece tanto com sua mãe — sorrio. — Como você está? — ele
não responde nada, apenas me encara. — Não gosta de falar? —
Ele faz que não com a cabeça. Quando Lúcio chega, ele corre,
subindo as escadas.
— O que você está fazendo aqui? — demoro a responder
chocada com a reação de Luciano.
— Eu vim ver Luciano e queria falar com você — digo e ele se
aproxima de mim.
— Fale. — Ele cruza os braços.
— Fiquei sabendo que andou perguntando sobre mim, queria
pedir desculpas pelo que eu falei. Ane era minha amiga e eu estava
muito abalada e tudo isso de regras ainda é muito novo pra mim —
digo tudo que Amélia me mandou dizer.
— Por que sinto que devo ficar de olho em você? Me desafiou
quando fui ver você, me desafiou no enterro de Ane e está me
desafiando ao vir na minha casa — a fúria em seus olhos me faz
recuar. A última pessoa do mundo que quero chamar atenção é de
Lúcio.
— Não tive a intenção de desafiá-lo. Só estava assustada e a
morte de Ane... você parecia estar com raiva por isso vim aqui e
Ane me pediu para tomar conta de Luciano... — Suas mãos vão
direto para o meu pescoço e a fúria em seus olhos só aumenta.
Tento respirar, mas é difícil.
— Como assim ela te pediu para cuidar dele? Você sabia que
ela iria se matar? — ele grita tão perto de mim, que me obriga o
encarar enquanto tento respirar.
— Ela... — falo com dificuldade, bato em sua mão para ele me
soltar e ele solta — ela disse que tinha medo de que algo
acontecesse e que se ela morresse, eu deveria cuidar de Luciano —
minto. Ele me mataria se soubesse que não impedi Ane. — Nem
imaginei que ela se referia a se matar.
— Meu filho não precisa de você — grita, apontando o dedo
em minha cara. — Ninguém amou a Ane mais do que eu, você não
tinha o direito de falar tudo aquilo! Eu a amava e obedecia às
regras. Regras que você e seu marido devem obedecer.
— Sim, eu sei — digo, abaixando o olhar. Respiro fundo e
controlo-me para não falar nada.
— Obedeça às regras ou mato você, seu marido. — Ele toca
em minha barriga. — E seu filho. Eu não me importaria nem um
pouco se fosse menina — me controlo, respiro fundo e não encaro.
Amélia me avisou que ele tentaria isso, quero quebrar sua cara. —
Com uma mãe linda como você, seria uma bela garota, com
certeza, os homens do clã adorariam uma putinha parecida com
você. — Eu quero matá-lo. Eles usam as meninas para se
prostituírem. Filho da puta. Você não vai vencer, Lúcio, eu vou
vencer. Engulo todo o meu orgulho.
— Nós iremos obedecer às regras — digo e sorrio quando
imagino sua morte. A ideia de matar me parecia um absurdo, mas,
com Lúcio, ela me dá prazer. Ane, onde você estiver, me perdoe,
mas Lúcio não vai escapar.
— Já falou comigo e já viu meu filho, você já pode ir embora.
Não falo mais nada, apenas vou embora. Olho para a janela de
um dos quartos e encontro Luciano me encarando. Sorrio para ele e
mando um beijo, vendo um pequeno sorriso se formar em seu rosto.
Entro no carro e vou direto para casa. Um problema resolvido, agora
só falta mais um milhão deles.
Quando chego em casa, encontro Justin colocando algumas
coisas em caixas.
— Arruma suas coisas, vamos nos mudar — diz animado.
— Se mudar pra onde?
— É surpresa — sorrio. Se livrar de Richard e ter um lugar só
nosso me faz sentir que finalmente vou ter um pouco de paz.
Quando terminamos de arrumar as coisas, estou faminta.
— Podemos jantar agora? — pergunto.
— Claro. — Ele me beija — Temos uma visita hoje.
— Quem?
— Andrew.
Capítulo 12

— Andrew? — pergunto surpresa.


— Sim, ele vai chegar daqui a pouco.
— Pensei que o quisesse longe.
— Eu também, mas acho que acabei confundindo as coisas. —
Penso sobre como a amizade deles é conturbada e até onde
Andrew iria para me ajudar, se é que ele quer mesmo me ajudar.
— Logo hoje? — faço cara feia, não quero jantar com Andrew.
— Você está bem? — ele pergunta.
— Eu estou tão enjoada e com tanto sono — minto. — Não
vou aguentar acompanhar vocês nesse jantar.
Ele revira os olhos.
— Tudo bem, Zara. Ultimamente, você não faz nada mesmo —
e vai em direção ao banheiro. Fico boquiaberta.
— O que você está querendo dizer? — grito.
— Nada, Zara, nada!
Desço e vou em direção a cozinha, estou faminta. Antes de
voltar para o quarto, encontro Melissa toda arrumada.
— Vai pra onde, toda linda? — pergunto, aplaudindo-a
enquanto desce as escadas.
— Richard vai me levar para jantar. — Ela se encara no
espelho.
— Divirta-se — digo e vou para meu quarto. Entro debaixo da
coberta e finjo dormir. Justin sai completamente nu do banheiro,
usando a toalha para enxugar seus cabelos. Rio dele, que me
encara.
— O que foi? — ele pergunta com um sorriso malicioso.
— Seria mais sexy se a toalha estivesse amarrada em sua
cintura — digo, rindo. — E para com essa mania de andar pelado
pelo quarto — jogo o travesseiro nele. — Alguém pode entrar e te
ver assim.
— Os únicos que entram aqui somos nós e modéstia parte,
desse corpinho você já usou e abusou. — Ele dá uma volta, sorrio.

Justin tentou me convencer a descer, mas resisti. Não quero


encarar Andrew e não quero que Justin desconfie de algo. Faz meia
hora que eles estão lá embaixo, me arrisco a ir até as escadas.
Encontro Justin e Andrew assistindo jogo de basquete na sala. Fico
os olhando, tentando ouvir o que eles falam, mas apenas comentam
sobre o jogo. Andrew vira de costas e não consigo me esconder a
tempo, ele me vê. Fico parada por um tempo no corredor e decido
voltar para meu quarto. Quando estou quase entrando, solto um
grito abafado quando uma mão cobre minha boca e alguém me
puxa. Andrew, é claro que é ele. Ele faz um sinal para que eu faça
silêncio e me puxa para o banheiro. Ele me entrega um remédio.
— Pra que isso?
— Aborto. — Eu o encaro incrédula. — Não precisa ter esse
filho, se não quiser.
— Eu acho que não consigo fazer isso.
— Você precisa fazer — fala um pouco alto demais.
— Isso é uma decisão minha — digo irritada. Ele parece
transtornado, eu pensei que ele queria me ajudar, mas acho que
estou enganada. Lembro do Justin falando que Andrew era
obcecado por tudo que é dele.
— Vai colocar no mundo mais uma criança pra sofrer? Mais
uma criança com o sangue dessa família imunda?
Eu estou tremendo, ele tem razão, eu estaria colocando no
mundo mais uma pessoa para sofrer, uma criança que foi
programada pelo clã para vim ao mundo.
— Eu preciso pensar. — Pego o remédio e saio de lá. Eu
encaro aquele remédio por muito tempo, se eu tiver esse filho,
nenhum dos dois destinos será bom.
Depois de um tempo, ouço alguém mexer na porta e finjo estar
dormindo. É Justin. Sinto um alívio.
Justin vai até o closet e o vejo voltar com outra camisa, uma
preta de manga longa. Ele pega sua carteira e sai. Ele não saiu com
Andrew, vi pela janela, para onde ele foi? Fico acordada por um
tempo, mas logo desisto de esperar e vou dormir.
Ouço alguém se bater contra a porta. Levanto-me e vejo-o
sentado, encostado na porta.
— Justin, você está bem? — pergunto, levantando-me da
cama.
— Aham — ele responde. Chego mais perto dele e logo sinto o
cheiro de álcool.
— Você está bêbado? — pergunto, cruzando os braços
irritada.
— Não... Talvez... Só um pouco — responde com dificuldade.
Abaixo-me, ficando da sua altura, passo seu braço por meu pescoço
e o ajudo a levantar, bambeio para os lados junto com ele, Justin é
magro, mas pesa para caralho.
Jogo-o sobre a cama. Espero mesmo que Justin seja um
bêbado sincero.
— Onde você estava? — Ele se vira para o lado, ignorando
minha pergunta. — Justin — grito —, onde você estava?
— Hum... — não fala nada. Não acredito que ele foi encher a
cara enquanto eu estava dormindo. Mas amanhã ele que prepare a
dor de cabeça, pois eu vou gritar bem alto.
Volto para o meu lado da cama e demora um pouco para voltar
a apagar. Quando acordo, ouço o barulho do chuveiro vindo do
banheiro. Lembro da noite passada e espero sentada. Quando ele
sai do banheiro, encara-me, está horrível de ressaca.
— Bom dia, meu amor — digo, com um sorriso falso no rosto.
— Bom dia. — Ele me beija.
— Dormiu bem? Parece péssimo.
— Acho que foi o jantar de ontem. — Ele senta ao meu lado.
— O jantar. E sua balada, foi boa? — Encaro-o brava. Ele
revira os olhos e levanta-se.
— Zara, nem começa. Eu estou morrendo de dor de cabeça.
— Ele faz careta.
— Você está com dor de cabeça, Justin? — grito o mais alto
possível. — Desculpa, nem percebi. Deve ser porque eu estava
dormindo enquanto você estava em uma balada, fazendo sei lá o
quê! — continuo gritando.
— Porra, Zara, dá um tempo. Eu só sai pra me distrair um
pouco. Por que você se importa?
— Eu me importo porque, enquanto isso, eu tenho que ficar em
casa grávida e sozinha — grito ainda mais alto e ele me encara
furioso.
— Dá pra calar a merda da sua boca antes que meu pai ouça
você?
— Foda-se, eu não me importo se o Richard vai ouvir ou não.
Você se importa? Continua sendo o medroso que me prometeu que
não seria mais? — Ele está prestes a explodir. Não me importo, vou
gritar o tanto que eu quiser.
— Quando eu for obrigado a obedecer às porras dessas
regras, você não reclama. — Ele segura meu braço com força.
— Experimenta me fazer calar a boca, pelo menos, toca em
mim e eu fujo.
— Você só sabe usar isso contra mim? Fugir? Não tem nada
melhor? Se você fugir, sabe que o clã vai atrás de você. Sabe o que
pode acontecer com sua mãe. Você não vai fugir, porque não pode
fugir.
— Paga pra ver. Você sabe que isso é a única coisa que tenho
contra vocês — digo, saindo do quarto.
Cada vez mais eu tenho certeza de que vou quebrar essas
regras. Passei muito tempo vendo injustiça, para ter certeza de que
não quero viver uma vida dessas. Pego meu carro e vou até a casa
da minha mãe. Sinto tanto a sua falta.
— Filha. — Ela sorri quando abre a porta e me vê. Abraço-a
bem forte. — Sua barriga já está aparecendo. — Sorrio e entro no
seu apartamento.
— Mãe, que bagunça é essa? — pergunto, vendo o caos
daquele lugar. Minha mãe nunca foi desarrumada.
— Filha, ando viajando muito e não tenho mais tempo de ligar
pra bagunça. Richard me pediu para ir em outra viagem amanhã.
— Ele está explorando você — digo, mas não ligo, pois o
sorriso em seu rosto mostra que ela não está nem um pouco se
importando.
— Adoro meu trabalho.
Passo horas conversando com minha mãe. Ela trouxe tantos
presentes para o bebê. Que péssima mãe eu sou, nunca liguei de
comprar nada para o meu filho. Quando vou embora, já é noite.
Ficar com minha mãe me fez esquecer os problemas. Quando entro
em meu quarto, encontro Justin pronto para mais uma noitada.
— Vai pra onde?
— Não te interessa. — Me dói vê-lo me tratar assim, nós
estamos a tanto tempo juntos que eu realmente comecei a gostar
dele e não queria ficar sozinha ou pensando no que ele pode estar
fazendo nessas festas.
Entro no banheiro e ligo pra Maia. Peço para ela me levar a
melhor balada da cidade. Se ele acha que vou ficar em casa, ele
está muito enganado. Tomo meu banho, quando saio do banheiro,
ele ainda está lá mexendo no celular. Entro no closet e escolho um
vestido preto e um salto da mesma cor, mas não muito alto. Arrumo
meu cabelo e faço uma make e pronto, estou pronta. Quando saio,
ele me encara.
— Vai pra onde?
— Não te interessa — digo, saindo do quarto.
Ouço seus passos atrás de mim, então acelero os passos até
meu carro e entro. Ele vem em minha direção, fumaçando de raiva.
— Você está grávida. Sai logo desse carro. Nem pensar que
você vai pra balada.
— Estou grávida e não morta. E quem disse que eu vou pra
balada?
— Vai pra onde, então?
— Pra balada. — Mando uma piscadela e acelero o carro,
saindo dali. Sorrio vitoriosa.
Pego Maia em casa. Fico surpresa quando chego. As baladas
daqui nem se comparam com as que eu costumava ir à minha
antiga cidade, quando conseguia fugir de casa, aqui é tudo muito...
maior. Animo-me e puxo Maia para dançar. Fico horas dançando.
Queria encher a cara, Maia ficando bêbada me dá inveja. Mas
primeiro vem o meu filho.
Meu telefone toca e a prova de que não terei minha vida de
novo está ali, Justin me ligando. Vou para o banheiro e atendo.
— Já chega, volta pra casa agora — se embola com as
palavras. Bêbado.
— Eu volto a hora que eu quiser. Sabe que nem te culpo mais
por desistir de uma vida certinha tão rápido? É maravilhoso, não? Ir
pra uma festa e se divertir. Eu te entendo.
— Mas isso não é pra você — dou uma risada.
— Por que não? Por que suas malditas regras dizem isso? Eu
quero que você e elas se explodam! — Começo a chorar. Estou tão
irritada com tudo. Comigo, com essas regras, com Justin. Sinto-me
tão perdida, é como viver apenas por viver. Nem acabar com tudo
isso me parece um sentido pra viver.
— Onde você está? Eu vou te buscar — digo porque não
quero ter que encarar Maia desse jeito. Quando ele chega, estou na
porta do banheiro. — Vamos? — Sinto o cheiro de álcool exalando
dele.
— Você está bêbado.
— Eu sei — ele diz irritado. — Vamos embora.
— Espera. Eu vim com a Maia — tiro as chaves da minha
bolsa e entrego para ele. — Entrega pra ela. — Ele sai e vai atrás
dela. Pelo menos, hoje ele está se aguentando em pé. Quando ele
volta, vamos para o estacionamento, tomo as chaves dele e dirijo.
Até parece que vou deixá-lo dirigir assim. Quando chegamos em
casa, vamos direto para o quarto. Então, empurro-o contra sua
vontade para o banheiro, fazendo-o ir para debaixo do chuveiro para
tomar um banho gelado. Ele fica sentado no chão, encarando-me.
— Vem cá — me aproximo dele e solto um gritinho quando ele
me puxa para debaixo do chuveiro. — Minha vida antes de você era
isso. E eu adorava isso. Quis que minha vida inteira fosse apenas
isso, mesmo sabendo que não seria. Tentei ser melhor por você,
mas não suporto tanta pressão em mim. Meu pai simplesmente me
deixa louco, quando chego em casa, tudo que eu quero é
extravasar, mas apenas tenho que aguentar você reclamando,
chorando e brigando, e você não tá errada, quem colocou você
nessa vida foi eu. Tento ser a pessoa que talvez você espere, mas
eu nunca fui assim. Eu sabia que, uma hora, a corda ia arrebentar.
Só quero que você me ajude, Zara. Eu também sinto falta de como
a minha vida era.
— Sinto que vocês roubaram minha vida.
— Já te pedi isso e peço de novo. Facilita as coisas pra mim,
não é só você que sofre com tudo isso. Acha que eu não sinto
vontade de falar tudo o que penso para o meu pai? Acha que não
sinto raiva quando ele fala o que vai acontecer se for uma menina?
Eu sinto ódio de tudo isso que acontece, eu só não sou tão corajoso
quanto você. Eu não consigo lidar com pressão e ele sabe disso, ele
sempre me pressiona quando deseja que eu faça algo.
— A gente pode tentar mudar? E, por favor, vamos nos mudar,
o que era pra ter acontecido hoje... — sorrio sem graça — Tentar
mudar de novo e dessa vez, fazer dá certo? Quando quiser
extravasar — digo, sorrindo. — Pode me chamar, vou adorar fazer
isso com você. — Ele me beija.
— Vou sim. — Ele sorri. — Quero dar o fora daqui pela manhã.
— Concordo com ele. Arrumamo-nos para dormir, ele vai no meu
closet para guardar meu salto e logo volta, com o medicamento que
o Andrew me deu.
— O que você tá fazendo com isso?
— Minha mãe pediu para comprar pra ela.
— Zara, eu não sou bobo, eu sei para que serve esse remédio
e não é coincidência que logo agora você esteja guardando esse
remédio.
— Eu só pensei que talvez colocar mais uma criança no
mundo pra sofrer não seria a melhor decisão.
—Pensou em conversar comigo sobre isso?
— Você ia aceitar?
— Não.
— Então você já tem sua resposta. — Ele vai até o banheiro e
eu o sigo, ele joga todo o remédio no vaso e dá descarga. Eu não
consigo nem olhar para o rosto dele, choro baixinho sem que ele
perceba.
— Onde você arrumou isso? Não é um remédio fácil de
conseguir, alguém deu isso pra você. — Respiro fundo e encaro-o
irritada.
— Sou mais esperta do que parece. — Arqueio a sobrancelha.
Ele cruza os braços e senta-se ao meu lado.
— Quem? — pergunta novamente e eu percebo o quão irritado
ele está.
— Eu não vou falar.
— Quem te deu isso, não se importa com você, poderia morrer
tomando essa merda e se o clã descobrisse... — Ele joga a
embalagem do remédio contra a parede irritado. — Eu preciso
dizer? Você não é esperta, porque se tivesse tomado essa merda, ia
morrer de um jeito ou de outro.
— Acha mesmo que morrer é um problema pra mim?
— Mas é pra mim. Eu não quero te perder e não quero perder
meu filho. — Seus olhos se enchem de lágrimas. Eu me dou conta
de que nós nunca iremos mudar e que isso não vai dar certo. Eu me
sinto mal em vê-lo triste, eu realmente gosto dele e gosto que ele
tenha feito toda essa merda ser menos pior, mas eu ainda tenho
dúvidas, todos os dias eu me pergunto: onde está a sua lealdade?
Na hora de escolher, quem ele vai estar ao lado? Eu sou mais
importante que o clã? Eu não sei, mas eu preciso ser a resposta de
todas essas perguntas e Melissa tem razão, não precisamos só nos
gostar, ele precisa me amar a ponto de morrer por mim.
— A gente prometeu mudar, você prometeu que seria melhor,
mas eu também cometo erros, então eu acho que eu também tenho
que prometer a você ser melhor. — Eu coloco minha mão sobre seu
ombro. — Por favor, vamos dormir e tentar fazer as coisas
diferentes amanhã e ir embora daqui.
— Tudo bem — ele diz, mas não parece está tudo bem. — Eu
vou te tirar daqui antes que você se mate. — Ele se deita de costas
para mim.
Quando o dia amanhece, acordo Justin e pegamos nossas
poucas coisas e colocamos no carro. Sentamo-nos para tomar café
com Melissa e Richard e contar a eles sobre a mudança.
— Nós vamos nos mudar — Justin quebra o silêncio. Richard o
encara furioso e Melissa apenas parece confusa.
— Vocês não podem mudar agora, ainda não estão prontos! —
Richard fala.
— Pai, eu não estou pedindo sua permissão, estou apenas
comunicando — Justin desafia Richard, se ele soubesse o quanto é
lindo desafiando seu pai... Seguro para não mostrar o quão contente
eu estou.
— Sabe que ela é rebelde.
— Eu consigo controlar minha esposa sozinho. — Eu
realmente queria não ter que me manter séria nessa hora. Encaro
Melissa, seu olhar é de satisfação, ele estar ao meu lado é tudo que
elas queriam. — Já está tudo pronto e eu não vou mudar de ideia.
— Se vocês saírem daqui, terei que reportar ao clã o
comportamento dela.
— Terminou seu café? — Justin me pergunta, faço que sim
com a cabeça. — Vamos embora. — Levantamo-nos e vamos para
o quarto pegar nossas coisas. Enquanto colocamos as malas no
carro, Melissa se aproxima e chama-me para conversar. Ela me dá
um abraço apertado.
— Boa sorte, querida, eu nem acredito que você está
conseguindo.
— Nem eu... — sorrio — mas ainda acho que falta muito.
— Você vai conseguir, eu sei que vai — diz com os olhos
marejados. — Eu vou sentir falta de vocês.
— Eu também, sabe que eu levaria você com a gente se
pudesse, né? Eu jamais te deixaria aqui com ele.
— Eu sei, querida. — Ela me abraça novamente. — Não
precisa preocupar comigo.
Quando terminamos, apenas vamos embora. Paramos em
frente à casa, que é linda. Não tão grande como a outra, mas é
linda. Justin me abraça e entramos juntos na nova casa, que já é
toda mobiliada.
— Pode arrumar do jeito que você quiser depois. — Ele me
puxa para o segundo andar. — Desde quando vi, decidi que esse
vai ser o quarto do bebê. — Ele abre a porta do quarto. É realmente
lindo e se parece com um quarto de criança, não muito grande, é
aconchegante, sua recém pintura é branca, o que eu gostei porque
não sabemos o sexo e nunca me senti confortável a me prender em
azul ou rosa. Ele tem uma janela que dá vista a um pequeno lago.
Ainda não tem nada no quarto, o que me anima para finalmente
começar a comprar suas coisinhas.
— Vai dar certo dessa vez?
— Tem que dar.
Minha vida não vai se resolver com essa mudança, mas, com
certeza, vai ser melhor e mais fácil de convencer ele a me ajudar.
Capítulo 13

Justin e eu saímos para comprar algumas coisas para nossa.


Eu já tinha faltado na escola e ele não tinha ido trabalhar mesmo,
então resolvemos aproveitar.
— Quer comprar as coisas para ele?
— Quando descobrirmos o sexo. — Eu o encaro surpresa.
— Pensei que fosse proibido.
— Você, agora, se importa com as regras? — Sorrio.
— Não mesmo.
— Se for um menino, vamos vir aqui e comprar tudo que ele
merece.
— E se for uma menina? — pergunto triste.
— Aí nós vamos ver uma forma dela não morrer. — Ele, talvez,
não tivesse noção do alívio que estava em meu coração agora. Eu o
beijo, suas mãos passam por minha cintura e ele me puxa para mais
perto dele, eu não sei como e nem quando, mas era ali que eu me
sentia segura.

Já passo dos 4 meses, minha barriga já está visível, sendo


impossível esconder minha gravidez do pessoal da escola. E claro,
tenho que aguentar as piadinhas da Valentina, já fiz de tudo pra não
me estressar com ela. Olho-me no espelho antes de sair do quarto.
Estou usando um vestido todo florido, que marca muito bem minha
barriga, só tenho usado vestidos ultimamente, porque nenhuma
roupa entra mais em mim.
Desço as escadas e procuro por Justin, encontro-o na cozinha
junto com Andrew que, por incrível que pareça, me deixou em paz,
eu ainda não me sinto confortável em confiar nele, parece que ele
está mais interessado em destruir o Justin do que me ajudar.
— Zara — Andrew diz animado ao me ver. Ele me abraça e
passa a mão por minha barriga. — Trouxe chocolate pra você, me
falaram que grávidas adoram chocolate — fico sem reação.
— A Zara adora tudo! — Justin ri. — Ela me fez ir atrás de
Nutella de madrugada semana passada — fico envergonhada. Não
tem nada pior que os meus desejos. Quando tenho desejo, fico tão
ansiosa que como até as minhas unhas. Andrew sorri junto com
Justin.
— Obrigado, Andrew — digo, recebendo sua caixa de
chocolates em formato de coração. O celular de Justin toca e ele
atende, sei que é Richard pela sua cara de insatisfação.
— É meu pai, vou ter que ir à casa dele. Volto em meia hora.
Andrew, tem algum problema em esperar? — ele pergunta.
— Pode ir, eu espero.
Justin sai com pressa, deixando-me sozinha com Andrew.
— Senta aqui — diz, apontando para a cadeira ao seu lado. —
Precisamos conversar.
— Pode falar.
— Desculpa — ele começa. — Eu fui um idiota com você, não
deveria ter te pressionado daquela forma.
— Está desculpado. Você pode ser mais sincero comigo? Por
que destruir ele virou um objetivo tão grande pra você?
— Conheceu a Ane? — Ele me pergunta.
— Sim.
— Ela era minha prima, estudamos todos na mesma escola.
Eu, Lúcio, Justin e Ane. Lúcio e Ane eram mais velhos então
estavam um ano na nossa frente. Eles eram inseparáveis no ensino
médio. No último ano do ensino médio, Justin teve uma crise de
ansiedade e foi procurar minha ajuda, ele disse que o pai estava
agredindo a Melissa. Eu tentei acalmar ele e disse que nós
poderíamos ligar para a polícia, então ele entrou em desespero
dizendo que não podia se não o clã os mataria. Pode imaginar que
eu não entendi nada, então ele me explicou, eu demorei para
acreditar naquilo, então eu pesquisei mais e comecei a observar
como as coisas funcionavam na casa dele, um dia, eu consegui ver
as costas da Melissa e tive certeza que era verdade. Eu apenas
ignorei aquilo porque ele implorou para nunca falar nada para
ninguém e que se fizesse, eu poderia morrer.
— E o que mudou?
— Mudou que, alguns meses atrás, a minha prima se suicidou,
ela era a pessoa mais feliz que eu conhecia até se casar com Lúcio.
Passei horas tentando entender o porquê ela fez aquilo, ela casou
com o homem que ela amava e tinha um filho lindo, eram
extremamente ricos, o que tinha de errado na vida dela? Eu não
sabia que Lúcio fazia parte, então ele recebeu a visita do Justin
quando estávamos na casa dele, esperando o momento do funeral,
ele cumprimentou metade das pessoas que estavam lá, pareciam se
conhecer a muito tempo. Eu perguntei a Lúcio se eles tinham
mantido contato e ele me contou que frequentavam a mesma igreja.
Então eu entendi o que aconteceu, entendi que a vida dela não era
perfeita e sim um inferno. — Ele chora ao falar, eu o abraço.
— Eu conheci a Ane, ela era muito especial.
— Fazia anos que eu não via ela, então me contaram que ela
estava enlouquecendo. Eu não conseguia imaginar isso. Quando
entendi que ele também fazia parte disso, não fui ao enterro. Fiquei
horas pensando em como eu ia me vingar deles. E tinha você,
desde que descobri que casaria com ele, eu fiquei imaginando você
passando por tudo isso, eu realmente não queria você se casando
com ele e sei que também não era o que você queria, mas não tinha
como impedir isso.
— Eu quero fugir disso tudo e eu realmente estou tentando,
mas parece que estou me afundando nisso cada vez mais.
— A gente vai conseguir. — Ele segura minha mão. — Pensou
sobre o remédio que te dei?
— Ele encontrou o remédio, mas eu não poderia fazer isso. Se
descobrissem, eles me matariam.
— Nós vamos conseguir, ainda não sei como, mas vamos. Eles
vão pagar por tudo que fizeram a vocês. — Eu o abraço novamente.
— Obrigada.
— Você vai para a festa das flores? — Maia comentou comigo
sobre essa festa, nossa escola tem um charme especial por ser
cheia de flores, então todos os anos eles fazem uma festa para elas.
— Sim.
— Então eu te vejo lá.
Ficamos conversando até Justin chegar. Andrew me contou
várias histórias sobre a Ane, o que me fez só ter mais certeza do
quão especial ela era.

— Que barrigão — Justin diz, passando a mão por minha


barriga.
— Eu só estou com cinco meses, não é um barrigão ainda — o
vestido que escolhi para a festa das flores é lindo, branco e soltinho,
que vai até meu joelho. Coloquei uma coroa de flores no cabelo. —
Como estou?
— Linda. — Justin passa as mãos por minha cintura e beija-
me. Ele está usando uma camisa branca, calça jeans preta e um
tênis branco também. — Está pronta pra amanhã?
— Não sei — digo. Nós passamos a semana ansiosos porque
amanhã vamos descobrir o sexo do bebê. Não consigo parar de
pensar nas consequências se for uma menina. Só me acalmo
quando penso em Ane. — Sabe o que Ane me disse? — Meus
olhos se enchem de água. É doloroso pensar nela. — Que ela
sentia que seria um menino — sorrio. — Ela até escolheu um nome.
— Qual o nome? — Ele me retribui com um sorriso.
— Jake — deixo escapar uma lágrima. — Ela me disse que
cuidaria de mim de onde ela estivesse. Quero acreditar que Ane
está cuidando de mim e que ela está certa sobre eu estar
carregando um pequeno Jake. — Ele sorri e abraça-me.
— É um lindo nome.
Quando chegamos, a festa já está cheia. Encontro Maia com a
mesma coroa de flores que eu. Todas as meninas ganharam.
— Que lindas. — Justin se aproxima de nós. Desde que
saímos da casa dos seus pais, as coisas andam mais fáceis entre
nós.
— Olha quem chegou — ouço a voz de Andrew. — Minhas
duas alunas preferidas.
— Quanta falsidade, nem parece que nos mandou para a
diretoria — Maia diz e nós rimos.
— Vou provar pra você que não é falsidade. — Ele estende a
mão para ela. — Dance comigo. — Maia o acompanha.
— Será que a mulher mais linda desse mundo me dá essa
honra de dançar com ela? — Justin pergunta. Reviro os olhos e
deixo que ele me guie.
— Era a festa preferida da Ane — me diz. — Ela adorava
flores. — Sorrio, lembrando-me do dia em que ela me deu flores do
jardim da Amelia. — Ela saia distribuindo flores pra todo mundo e
nos fazia ajudar. Ninguém queria ajudar, mas, no fim, ela sempre
nos convencia.
— A gente podia fazer isso. Distribuir flores para todo mundo
em homenagem a ela.
— Precisa convencer eles a nos ajudar. — Vou até Andrew e
Maia.
— Andrew, pensei que poderíamos homenagear a Ane.
— Como?
— Justin me contou que ela sempre distribuía flores e que
vocês a ajudavam. — Ele abre um sorriso.
— Nós odiávamos. — Ele encara Justin, que está pegando
algumas flores da decoração. — Não o queria fazendo isso.
— Eu sei, eu o conheço e você também, sabe que ele não
queria o mal dela. — Ele respira fundo e concorda com a cabeça.
Pegamos as flores e começamos a distribuir. Foi uma
sensação diferente, as pessoas sorriam, conversavam,
perguntavam sobre a gravidez. Eu nunca tinha interagido tanto com
as pessoas da escola.
— Obrigada — uma garota loira agradece depois de receber
uma flor. Eu sorrio para ela. Vejo um homem de costas parado,
sozinho, observando as flores, vou até ele.
— Gostaria de uma flor? — Pergunto e então ele se vira. Sou
pega de surpresa quando vejo que é Lúcio.
— Adoraria — diz, pegando a rosa da minha mão. Eu estou
totalmente paralisada. — É linda. — Ele sente o cheiro dela. — A
Ane costumava fazer isso.
— O que você está fazendo aqui? — Sinto meu corpo inteiro
tremer enquanto ele me encara, seu olhar é frio.
— Era a festa preferida dela. E ela sempre fazia isso.
— A gente decidiu homenagear ela. — Observo seu olhar
cravar em alguém atrás de mim, no Justin, que está entregando as
flores para algumas pessoas.
— Ele é muito bom pra você — diz sem tirar os olhos dele.
— Quando não está obedecendo as regras.
— Você não me engana, Zara. Eu era assim com ela, mas
então meu pai me denunciou para o clã e ele, como líder, me fez
rever minhas atitudes. E advinha? Hoje eu recebi a denúncia de
Richard sobre vocês.
— Nem todos precisam ser um completo monstro.
— Concordo, mas eu sou um líder e meu dever é garantir que
as coisas funcionem direito.
— Nós cumprimos as regras. — Ele para, observando-me, e
sorri.
— Não acha que a sua história vai ser diferente, né? Que você
vai conseguir burlar as regras.
— Vocês burlavam elas.
— E pagamos o preço por isso. — Ele amassa a rosa, que
está em sua mão, e joga-a no chão. — Eu estou de olho em você —
Ele me deixa sozinha. Eu passo um tempo encarando aquela rosa
amassada no chão. Eu deveria passar despercebida pelos líderes,
mas parece que eu falhei nisso e só consigo pensar no que eles
podem fazer comigo, que escuridão eles vão deixar em mim.
— Vamos? — Justin me chama e então saio do transe. — Já
são mais de meia noite e nós temos uma consulta amanhã cedo.
— Vamos — digo e vou até os outros, abraço Maia e Andrew,
despedindo-me.

Justin me acorda logo cedo. Quero muito voltar para a cama,


mas não tem como fugir disso, chegou a hora de finalmente saber o
sexo do bebê. Eu espero realmente apenas sair daquele consultório
e correr para o shopping. Até fiz uma oração depois que acordei,
nunca fui muito religiosa, mas, Deus, se você existe, espero que
veja o quanto estou precisando de você hoje.
— Vai dar tudo certo. — Justin me beija. — Vai ser o nosso
Jake — sorrio, tentando parecer o mais otimista possível.
Quando chegamos, eu estou tão nervosa que ando de um lado
para o outro enquanto a médica não nos chama.
— Zara Martins. — Marcia me chama sorrindo, eu ainda não
me acostumei em usar o sobrenome dele. Ela está cuidando de mim
desde o começo. — Me acompanhe. — Eu e Justin entramos juntos
com ela. — Alguma aposta para o sexo?
— Menino — nós falamos juntos e ela sorri.
— Então vamos ver o que nós temos aqui? — Fecho os olhos
e espero ela falar.
— Conseguiu ver? — Justin pergunta ansioso.
— Sim — aperto mais ainda meus olhos. Menino. Menino.
Menino. — Me parece que é...
Capítulo 14

— Fala que é um menino, por favor — interrompo-a. Marcia


sorri.
— Calma, Zara, é um menino — se eu andava carregando o
mundo em minhas costas, ele acabou de dar um pulo para fora.
Lembro da minha oração hoje de manhã, se foi você, muito
obrigada. Justin passa a mão pelos cabelos e solta um longo
suspiro. Seu abraço forte me prova que eu não ouvi errado.
— É um menino.
— Nosso Jake — suspiro. Fecho meus olhos e sinto essa
sensação de alívio invadir meu corpo. Ane, você estava certa.
— Nunca vi um casal tão feliz por ser um menino. — Marcia ri.
— Vocês queriam mesmo um menino.
— Você não tem ideia do quanto — Justin fala.
Saímos de lá direto para o shopping, vamos comprar as
primeiras coisinhas de Jake.
— Eu ainda não estou acreditando — Justin fala enquanto
entramos na loja.
— E você acha que eu estou? — digo, sorrindo. — Como eu
queria jogar na cara do Richard.
— Calma, lembra que você tem que esperar nascer.
Começamos a olhar todas as coisinhas para criança. Eu queria
chorar toda vez que via alguma roupinha. É como estar voando, e
todos esperarem que você caia, mas você sabe que não vai cair.
Escolho a maioria dos móveis do quarto branco, quero tudo branco
e azul. Compro tantas roupinhas que não sei se ele vai usar pelo
menos a metade. Justin queria que o quarto dele fosse do Batman,
não deixei, claro. Não que eu tenha alguma coisa contra o Batman,
mas é muito obscuro para uma criança.
— Não acredito que não quis o quarto do Batman pra colocar
uma decoração dos smurfs.
— Justin, para de drama só porque o quarto do seu filho vai
ser azul e não preto.
— Quando eu era criança, meu pai me deixou ter um quarto do
Batman.
— Mas não quando você era um recém-nascido — digo,
sorrindo da cara de frustrado dele. — E eu prefiro a Marvel.
— Como assim? DC é a melhor, quero divórcio — rio tão alto
que todos na loja me olham. Descobri que meu marido é um louco
por heróis.
— Se você tivesse pedido o quarto do Capitão América, eu
teria aceitado.
— Mas o Batman é o mais foda.
— Não é páreo para os Smurfs.
Quando finalmente terminamos, saímos da loja cheios de
sacolas. Pelo menos, o que deu para levar na mão, o resto vai ser
entregue em nossa casa.
— Vamos para casa? — Justin pergunta.
— Sim. — Andamos pelo shopping sendo o centro das
atenções por estar levando tantas sacolas. — Justin — chamo-o,
arregalando os olhos — Aquele é o Luciano — aponto para o
garotinho sentado em um banco sozinho. — O filho da Ane, é ele —
acelero meus passos até ele.
— Zara, espera — Justin pede, vindo atrás de mim.
— Luciano — digo, parando em frente a ele e sentando ao seu
lado —, está com seu pai? — pergunto. Ele apenas faz que não
com a cabeça. — Está com alguém? — ele faz que não novamente.
— Luciano, você fugiu? — ele faz que sim. Olho para Justin que
está tão surpreso quanto eu. — Você quer vir comigo? — ele faz
que sim.
— Ele não fala? — Justin pergunta.
— Não — repondo. — Acho que por causa de Lúcio.
Quando chego em casa, levo Luciano para meu quarto e dou
banho. Ele continua sem falar nada, por mais que eu tente. Coloco-o
para dormir em minha cama e desço.
— Justin — o chamo. — Ele dormiu.
— Preciso ligar para Lúcio. — Ele me olha preocupado.
— Eu sei — não queria ter que fazer isso, mas não é certo
esconder o garoto aqui. Justin liga para ele e nós o esperamos
sentados na sala sem falar nada. Quando a campainha toca, Justin
se levanta e vejo Lúcio entrar sem nem mesmo pedir permissão.
— Cadê meu filho? — ele grita, vindo em minha direção.
— Ele está dormindo — digo, levantando-me, fico cara a cara
com ele. Não vou abaixar o olhar, não quando ele entra na minha
casa achando que está certo quando não está.
— Eu vou pegá-lo — ele diz, mas entro em sua frente.
— Não vai! — falo o mais firme possível, não quero que ele
pense que tenho medo dele, pois tudo que sinto dele agora é raiva.
Ane confiava nele e olha como Luciano está agora.
— Quem você pensa que é para me dizer o que fazer? — ele
diz tão próximo a mim que sinto seu hálito de hortelã.
— Eu sou merda nenhuma, Lúcio — falo no mesmo tom. —
Mas o garoto vai ficar. O que você anda fazendo pra ele? Lúcio, ele
nem fala e ainda fugiu.
— Ele não fala com vocês, mas comigo ele sempre fala — o
olhar dele muda de raiva para tristeza. — Ele fugiu porque acha que
Ane está viva, ele acha que ela está perdida e pode encontrá-la se
procurar. — Meu coração se entristece.
— E por que ele correu quando viu você naquele dia?
— Porque ele estava com raiva de mim, eu disse a ele que não
seria possível encontrar ela, porque ela estava morta. Você tem
razão, ele tem medo de mim. Luciano sempre aparecia em meu
quarto chorando quando ouvia os gritos de Ane. Mas essa é a nossa
vida, são as regras que movem ela e quanto mais cedo ele aprender
isso, mais cedo ele vai aceitar.
— Aceitar isso? Quer mesmo que seu filho se torne isso que
você é?
— Isso que eu sou, é o que o seu marido também é.
— Ninguém consegue ser como você, Lúcio.
— Está me desafiando, Zara? — Lúcio volta a me olhar com
raiva. — Está mostrando quem é de verdade?
— Eu estou te desafiando, Lúcio, não pelas suas regras, mas
por Ane.
— Mal conhecia a Ane, por que se acha no direito de fazer
tudo isso por ela?
— Porque eu sentia a dor de Ane em cada marca que tinha em
suas costas. Sentia sua dor pelo seu olhar, sentia pena quando ela
pensava que ainda era a garota feliz e livre que um dia ela foi.
— Você não sabe nada sobre Ane! — ele grita tão alto que fico
com medo de Luciano acordar. — Não sabe nada sobre ela — seus
olhos lacrimejam.
— Sei que ela era a garota mais doce que eu já conheci e sei
que ela se matou por sua culpa.
— Zara, já chega! — Justin grita comigo. — Respeite Lúcio,
respeite a dor que ele sente por perder Ane — sei que ele está
falando isso para disfarçar, sei que ele queria que eu falasse mais.
Mas não posso, não ainda.
Lúcio parece perdido. Ele apenas me encara triste. Sei que ele
sabe que eu estou certa.
— Controle sua mulher, Justin — se vira para ele — ou eu
arrancarei sua língua fora com minhas próprias mãos.
— Zara ainda está abalada pela morte de Ane, desculpe ela
por isso, Lúcio. — Ele volta a se virar para mim.
— Eu estou de olho em você, Zara. Dê um passo em falso e eu
acabo com você.
— Você pode acabar comigo, mas Luciano não sai daqui hoje.
Lúcio apenas se vira e vai embora, batendo a porta com força.
Capítulo 15

Justin e eu subimos para o nosso quarto onde Luciano dorme


calmamente. Deitamo-nos ao seu lado.
— Ane me pediu para cuidar dele — digo, passando as mãos
por seus cabelos castanhos. — Ela tinha medo de que algo
acontecesse com Lúcio e ele ficasse sem ninguém. Então eu
prometi que cuidaria dele. — Solto um longo suspiro. — Mas não
tenho certeza de que devo esperar alguma coisa acontecer com
Lúcio para cumprir minha promessa, tenho medo do que ele pode
fazer à Luciano. Não tenho certeza de como ele trata essa criança.
— Tenho certeza de que Lúcio o trata bem, é o filho dele, Zara.
Você viu o que ele falou, ele acha que pode encontrar Ane.
— Você não sabe o quanto isso doeu, não tem nada pior que
ter que explicar para uma criança o que significa a morte.
— Então você tem que entender que não deve estar sendo
fácil pra ele, que agora ele está tendo que lidar com uma criança
sozinho. Só faz 3 meses desde a morte dela. Se Ane acreditava que
Lúcio é capaz de cuidar dele, você também deve acreditar, só dá um
tempo pra eles se acostumarem e não tem nada que você possa
fazer contra Lúcio — de certa forma, ele tem razão, não posso fazer
nada contra Lúcio, não agora. Ane acreditava que Lúcio era capaz
de cuidar dele, mas ela também acreditava que uma pessoa
horrível, como ele, merecesse viver. Beijo Luciano e prometo a mim
mesma que, se ele sofrer nas mãos de Lúcio, eu irei tirá-lo dele, não
importa como. — Você precisa descansar, durma com ele. — Ele
vem até mim e beija-me.
— Boa noite — acomodo-me na cama, abraçando Luciano.
— Qualquer coisa, estou no quarto de hóspedes — sorrio para
ele, que sai em seguida.
Quando acordo de manhã, Luciano já não está mais do meu
lado. Arrumo-me e desço para encontrá-lo. Ouço barulhos vindo da
sala e encontro os dois jogando o que parece ser um jogo de
futebol. Sorrio quando Luciano comemora um gol, é a primeira vez
que o vejo falar.
— Eu não vou aceitar perder para uma criança de 4 anos.
— Quase cinco — Luciano diz e sua voz é tão fofa quanto ele.
Vou para a cozinha e vejo que eles ainda não tomaram café.
Fico pensando em como Justin deixa uma criança com fome até 10
horas da manhã, sorrio imaginando como ele será com Jake.
Preparo cereal para eles e como apenas uma fruta. Eles só
percebem minha presença quando eu os entrego uma tigela de
cereais, mas logo me ignoram, voltando a atenção ao jogo. Sento-
me ao lado deles, sorrindo com suas reações, Justin é péssimo com
games, pois Luciano já o venceu umas quatros vezes desde que
cheguei, percebo o quão esperto ele é para sua idade.
A campainha toca e levanto-me para atender, é Lúcio que me
parece estar mais calmo hoje.
— Posso levar meu filho embora, você vai me impedir de
novo? — o tom de ironia na sua voz é mais carregado de humor do
que de raiva.
Tenho medo da bipolaridade desses homens do clã, parece
que é um traço de todos eles.
— Por favor — digo, fazendo um sinal para ele entrar. Quando
Lúcio aparece na sala, Luciano corre alegre para seus braços.
— Papai — o abraço de Luciano é tão apertado que tira de
Lúcio uma grande risada, é a primeira vez que vejo algo sincero
nele.
— Oi, garotão. — Lúcio faz cócegas nele, fazendo-o cair em
uma risada gostosa. Percebo agora os traços que ele carrega de
Lúcio e Ane, os olhos, com certeza, são de Ane e o sorriso gentil
também, mas todo o resto o transforma em um mini Lúcio. — Nunca
mais fuja de casa, entendeu?
— Desculpa. — Ele atropela as palavras, fazendo-as soar
erradas e engraçadas. — Queria achar mamãe — seu olhar triste
para Lúcio é como se ele tivesse decepcionado o pai. — Queria que
você não chorasse mais... — Lúcio parece envergonhado com a
revelação de seu filho.
— Agradeça Zara e Justin para nós irmos. — Ele muda de
assunto. A ficha só cai para mim quando vejo o olhar derrotado de
Lúcio encarando seu filho, talvez eu tenha o julgado, em partes, de
forma errada, mas isso ainda não muda o monstro que ele é.
— Obrigado. — Ele abraça Justin.
— Quando você vir aqui de novo, não vou deixar você ganhar.
— Justin bagunça seus cabelos e ele ri. Em seguida, vem até mim,
abaixo-me com dificuldades para ficar da sua altura.
— Obrigado, Zara — sorrio.
— Sempre que você quiser, pode vir aqui, tá? É só pedir pro
seu pai que ele vai te trazer. — Ele sorri e abraça-me. O olhar
surpreso de Lúcio ainda está colado em mim. Eles vão embora e
suspiro de alívio, a simples presença dele me irrita.

Eu deveria ser uma garota normal indo para o seu baile de


formatura, mas tem uma barriga enorme que me impede de me
sentir uma garota normal. Já estou de 8 meses e sinto que estou
prestes a sair rolando toda vez que ando. Nem queria ter que ir ao
baile, mas eu tinha Justin, Maia e Andrew me obrigando.
Escolhi um vestido azul longo e tomara que caia, Justin disse
que, se eu não fosse a mais linda desse baile, ele fingiria que eu
não existo. Desço as escadas e encontro Justin deslumbrante de
terno ao lado de Maia, que também está linda em um vestido longo
e rosa, com seus cabelos ruivos em um penteado muito elegante.
— Você está perfeita. — Ele me beija e passa sua mão por
minha cintura.
Maia tira uma foto nossa. Tive que dar um empurrãozinho para
Andrew convidá-la. Não é legal uma aluna com um professor, mas
Maia disse que queria lembrar de ter ido ao seu baile com o
professor mais gato da escola e não com um idiota qualquer. Maia
acha a maioria das pessoas desprezíveis, menos Andrew. Quando
chegamos ao baile, já me arrependo, os olhares se voltam para
mim, mas do que costumam se voltar por eu ser a única garota
grávida no colégio. Ignoro os olhares e sento-me. Minha barriga está
cada vez mais pesada.
— Ainda lembro do meu baile — Justin diz, pegando em minha
mão. — Acho que nunca beijei tanto na minha vida como naquela
noite — o orgulho em sua voz me dá vontade de o estapear.
— Eu também lembro como se fosse ontem. — Andrew e ele
fazem um toque de mãos. Eu e Maia revíramos os olhos.
— Vocês são nojentos. Vou no banheiro — levanto-me e ando
em direção ao banheiro. Ouço alguém me chamar e quando me
viro, é Andrew.
— Zara, encontrei alguém que pode nos ajudar — diz, mas tem
um semblante de preocupação.
— Como assim? Quem você encontrou?
— Ele é da polícia federal, é a única pessoa lá dentro que você
pode confiar. — Andrew me entrega um papel com um número,
guardo em minha bolsa. — Quando achar que é a hora, você
precisa ligar para ele, não sei se vou poder te ajudar nisso.
— Como assim não pode?
— Não posso. Eu me arrisquei para conseguir isso, nem todas
as pessoas que falei estavam do lado certo e agora eles sabem
quem eu sou e que sei sobre eles, temo que algo possa acontecer.
— Assustamo-nos quando todas as luzes são apagadas. Sinto
mãos segurarem meus braços e outra, tapar minha boca. Meus
gritos são abafados pela mão em minha boca.
— Zara, cadê você? — Ouço Andrew me gritar. — São eles! —
Eu sinto o medo em sua voz.
— Socorro! — Tento mas novamente, mas os gritos são
abafados. Outra pessoa segura meu braço e puxa.
— Zara, é você?
Andrew continua tentando me ajudar, mas não parece ter só
uma pessoa lá. Sinto-o me soltar e a pessoa, que me segura,
consegue me arrastar.
— Matem ele — ouço alguém dizer.
— Andrew, foge daqui — grito novamente, mas me calo
quando ouço um barulho de tiro e um grito agonizante de Andrew.
Fico paralisada, totalmente em pânico. Ouço os gritos das pessoas
ao redor, mas não consigo as ver, eu estou cada vez mais distante
da confusão que aquele lugar se tornou. Quando volto a enxergar,
os homens que me seguram estão mascarados, eles me fazer
apagar no mesmo instante.
— Ela vai acordar a qualquer momento — ouço vozes
distantes.
Abro meus olhos com dificuldades e demora um tempo até que
eu me acostume com a luz. Quando finalmente enxergo as coisas
ao meu redor, percebo que estou em quarto branco que contém
apenas uma mesinha e a cama que eu estou. Sei que o clã tem algo
a ver com isso, sei porque Justin me preparou para isso, Lúcio me
considera rebelde e por isso, ele já temia que iria me manter presa
até ter meu filho. Ele acha que se for uma menina, eu poderia fugir.
Quero dizer a ele que não é, mas eles nos puniriam se
descobrissem que sabemos o sexo antes do nascimento. Suas
regras dizem que isso tem punições severas. Conheço poucos
dessas regras, Melissa e Justin nunca me mostram tudo delas,
talvez ele tema que eu saiba todas as consequências que envolve
nossas vidas.
— Lúcio — grito com a pouca força que tenho. — Eu sei que
foi você que me colocou aqui. — Triunfo todo o meu ódio por minhas
palavras. Você não vai me ver sofrer Lúcio, quero gritar. A porta se
abre e o corpo magro de Lúcio logo aparece por ela.
— Desculpe, querida, pelo susto que causamos, só queríamos
algo triunfal, algo à altura de uma garota como você.
— Não tem motivos para me pôr aqui — digo, tentando me
manter calma.
— Claro que tenho, me provou isso mais de uma vez — tento
controlar as lágrimas, lembro de como eu falava para Justin que
tudo isso de parto me assusta muito, como eu teria medo de não ser
forte o suficiente. Como era difícil não ter ninguém me instruindo de
tudo que poderia acontecer, já que Melissa e minha mãe estão
ocupadas demais com suas vidas. Ele me disse que estaria ao meu
lado e que ia rir da minha cara quando tudo acabasse e eu
percebesse que não é nenhum bicho de sete cabeças. Se eu ficar
aqui, a única pessoa que vai rir de mim é Lúcio, por me ver gritando
de dor.
— O que você fez com o Andrew? — lembro do tiro e o grito
agonizante dele.
— O seu amiguinho que sabia demais? Ele está no lugar que
todas as pessoas que tentam enfrentar o clã estão. — Lúcio se
agacha em frente a cama, ficando da minha altura. — Ele foi dessa
pra melhor. Um lugar que, se você não tomar cuidado, também vai.
— Você é um assassino.
— Por favor, as ordens não foram minhas, se quiser odiar
alguém por isso, pode odiar Marvos. Só lembre que você está aqui
unicamente por sua causa, foi avisada sobre a sua rebeldia e
quando descobrimos que tinha um amigo seu querendo ajudar,
tivemos que nos preocupar, não concorda?
— Eu odeio você! — grito, botando pra fora tudo que eu estou
sentindo. Eu não posso acreditar que mataram ele, não posso. Ele
tentou me avisar.
— Pode entrar na fila.
— Eu me odiaria se fosse como você.
— Mas é claro que eu me odeio, que monstro eu seria se não
fizesse isso? — Eu realmente não entendo ele. — Se serve de
consolo, antes, meu lugar pertencia ao meu pai e se ele estivesse
vivo, você não teria a mesma sorte. Então agradeça por me ter.
— Agradecer por me trancar em um quarto, grávida?
— Agradecer porque eu fui o único que pediu para que não
matassem você depois de ter essa criança — fico sem acreditar que
ele fez isso. Lúcio me livrando da morte?
— Por que você fez isso?
— Até mais — ele atravessa a porta que logo se fecha e deixa-
me sem resposta. Não quero ficar um mês sozinha, não quero que
meu filho venha ao mundo sobre os olhos do clã.
Capítulo 16

Respiro fundo. Novamente. De novo.


Tento manter a calma, mas é difícil quando se está prestes a
explodir. Não posso perder o controle, não posso virar o show
particular de Lúcio, sei que é isso que ele quer, me ver no limite.
Uma semana aqui, olhando para essas paredes brancas, perdidas
em pensamentos. Na verdade, nem tenho mais o que pensar, queria
muito chorar, mas não vou. Chorar é como lavar a alma para mim,
mas é um sinal de fraqueza para Lúcio. Sei que ele está prestes à
vim, está quase na hora da minha refeição. De 4 em 4 horas, ele me
traz algo para comer, quando se está presa, em um quarto branco,
sem nada para fazer, contar as horas se torna algo divertido.
1 Minuto
30 segundos
10 segundos
Ouço passos vindo em direção à porta.
5 segundos
3 segundos
1 segundo
E aí está ele, sempre pontual. O que me impressiona.
— Com fome? — Ele se senta ao meu lado.
— Com enjoo depois que vi sua cara.
— Trouxe lasanha, seu marido me disse que você gosta.
— Ah, é, eu tenho um marido.
— Estou pensando em deixá-lo vê-la.
— Legal. Isso é pra compensar que você me trancou em um
quarto, sem nada, em que eu passo meu tempo olhando as
paredes?
— Desculpa não poder fornecer mais conforto a você, é que a
negociação para não matar você foi bem rígida. — Ele realmente
espera que eu seja grata a ele.
— Obrigada por nada.
— Não precisa se fazer de forte quando você não é. —
Encaro-o e sorrio.
— Você vai descobrir minhas forças em breve — sorrio, eu
pareço suicida por falar isso, mas eu realmente não me importo,
nada me importa dentro de um quarto sem ver ninguém.
— Uma garota jovem e confiante, um pouco iludida, mas linda.
— Minha beleza causa inveja a você, Lúcio? — Rio com sua
expressão surpresa.
— Na verdade, Justin me causa inveja. — Ele se aproxima de
mim passando suas mãos por meus cabelos. — Ter uma garota
rebelde como você, educá-la todas as noites, vê-la gritar de dor e
sentir o peso de seus erros em suas costas... — é frio enquanto
fala. Cheguei à conclusão de que Lúcio é realmente louco.
— Você pode me fazer sentir o peso dos meus erros —
sussurro em seu ouvido só por garantia de que ninguém irá ouvir. —
Isso só vai fazer a minha vingança ser mais dolorosa ainda, vou
acabar com você e seu clã. Vou fazer você gritar por perdão
enquanto sente o peso de seus erros sendo marcados em suas
costas. Vai sentir minha dor, vai sentir a dor de Ane, ainda lembra da
sua mulher? Aquela que você matou e chora todas as noites por
que sabe que a culpa foi sua? Lágrimas é pouco perto do que você
merece sentir. Tomarei Luciano de você antes que eu te mate, pode
morrer com a consciência de que seu filho será bem cuidado.
Quando encontrar seus companheiros de clã no inferno, que
também farei questão de matar, diga a eles que foi avisado, mas
não falou nada porque mal podia acreditar que aquela garotinha tola
poderia fazer tudo isso — minha respiração está pesada. Digo tudo
a ele, pois quero que minha vingança seja justa, quero que ele
esteja preparado e que não pense por um só segundo que foi um
golpe baixo. E eu sei que ele não falará nada disso a ninguém,
porque eu sou a diversão dele. Eu sou o desafio dele.
Ele sussurra de volta em meu ouvido:
— Não é a primeira e nem será a última a tentar fazer isso. —
Ele sorri e antes que ele saia, digo:
— Depois não diga que eu não avisei. — Ele sai. Sinto-me
livre, posso não ter falado da maneira que queria, mas falei.
Sinto falta das pessoas ao meu redor, sinto falta de ter uma
conversa decente, de ter carinho. Sinto falta de Justin, sinto falta de
Maia, sinto falta do Andrew. Justin não veio me ver, queria vê-lo,
queria pedir para ele tentar convencer Lúcio do contrário. Odeio ter
que admitir, mas eu estou com medo.

Acordo de madrugada gritando de dor. Meus olhos se enchem


de lágrimas, minha respiração acelera e não posso evitar outro grito.
Não, eu não posso ter meu filho agora. A dor aumenta.
— Lúcio! — grito — Lúcio, me ajuda, por favor! — não me
controlo em meio as lágrimas. Eu não estou pronta, não estou. —
Lúcio! — grito em meio a dor. — Alguém me ajuda, por favor! —
nunca quis tanto ver Lúcio, nunca me senti tão frágil, nunca chorei
tanto, nunca tive tanto medo. — Lúcio, seu filho da puta! — grito.
Grito. Grito. O barulho da forte chuva faz meus gritos se abafarem,
mas continuo gritando. A porta se abre e vejo Lúcio entrar.
— O que foi? — Ele corre até mim preocupado.
— Minha bolsa estourou — grito mais uma vez quando a forte
contração vem e seus olhos se arregalam assustado.
— Eu vou te tirar daqui. — Ele tenta me puxar da cama, mas a
dor vem novamente e percebo que não vou conseguir sair dali.
— Eu não consigo — digo entre lágrimas. — Lúcio, não deixa
meu filho morrer, por favor — sinto que, pela primeira vez, falo como
uma mãe, pois tudo que penso agora é no bem do meu filho.
— Eu... Eu...Eu não sei. — Ele respira fundo — Não sei se
consigo.
— Você me colocou aqui, então você consegue. Você tem que
conseguir — seu olhar perdido me assusta, mas só tenho ele. —
Lúcio, eu vou te ajudar — agarro em sua mão. — Nós vamos
conseguir. — Ele faz que sim com a cabeça.
Não sei quantas horas foram, sei o quanto doeu e quanto foi
difícil manter Lúcio firme, mas agora eu só ouço o choro de meu
filho. Respiro aliviada. Lúcio conseguiu ligar para minha médica e
ela o orientou em tudo. Lúcio o enrola em um dos lençóis e o traz
pra mim. Choro quando o pego no colo. Ele é tão lindo. Meu filho.
Beijo sua testa, queria ficar com ele ali no meu colo para sempre,
mas logo Lúcio o toma.
— Lúcio — digo com dificuldades. — Onde você vai levá-lo?
— Ele vai ficar bem, vou ver se alguém pode vir cuidar de
você, a chuva passou, então não vai demorar.
— Lúcio, quero ir embora, por favor — não fala nada, apenas
sai com meu filho. Não sei quanto tempo demora para alguém vim
pois logo apago.
Faz dois dias que continuo trancada nesse quarto. E o pior,
nunca mais vi meu filho. Eu não sei como estão cuidando dele, nem
mesmo se ele está vivo. Ouço vozes vindo, continuo de olho
fechado. Nunca vejo muitas pessoas diferentes, raramente. Penso
que estou em algum lugar do clã, os detalhes da construção do
quarto fazem parecer ser um lugar antigo.
A porta se abre. Ouço passos.
— Ela não me parece bem — tenho vontade de correr, correr
para os braços de Justin quando ouço sua voz. Abro meus olhos
devagar. Seus olhos brilham quando me vê.
— Justin — digo, sorrio para ele que se aproxima de mim e
abraça-me. — Como eu senti sua falta.
— Juro que tentei te ver antes. Eu juro, Zara. Quase quebrei a
cara dele por isso — ele sussurra em meu ouvido. Sorrio.
— Sei que você tentou — sussurro de volta. — Onde está meu
filho?
— Na maternidade, Lúcio conhece alguém que o colocou lá
sem nenhum problema. Ele está sendo bem cuidado. — Ele sorri. —
Ele é lindo.
— Você veio me buscar? — meu coração se aperta, pois tenho
quase certeza que não.
— O clã quer mantê-la aqui por mais um tempo.
— Eles a consideram perigosa — Lúcio diz, ele está encostado
na porta, observando-nos.
— Você disse que eu ficaria aqui até ter meu filho!
— Nos desafiou, Zara. Eu avisei você sobre o peso de seus
erros — o desespero aumenta. Quero ir embora, quero ficar perto
do meu marido e do meu filho. Quero me sentir bem de novo.
— Zara, é só por mais um tempo — Justin diz, entendo o que
seu olhar quer dizer. Não o conteste.
— Tudo bem — digo, abaixando meu olhar. Lúcio sai e deixa-
nos sozinhos.
— Sei que você consegue.
— Quanto tempo? Não minta.
— Eu não sei, vai depender deles.
— Não sabe? — fico boquiaberta. — Não posso.
— Sabe que não posso fazer nada — seus olhos estão
marejados e ele se aproxima do meu ouvido e sussurra novamente.
— Quando sair daqui, quero que saiba que se quiser derrubar o clã,
você pode contar comigo.
Isso me alegra, me dá esperança. Faz meses, parecer horas.
Era o que eu queria, o que o clã das mulheres queria.
Ouço duas batidas na porta e ele me avisa que está na hora de
ir, mas antes me mostra a foto de Jake em seu celular.
— Ele parece com você — Justin ressalta.
— Não, ele é a sua cara — digo. Os cabelos são meus, mas o
nariz, boca e olhos com certeza são dele.
— Ele é um pouquinho de cada um — sorrio e beijo-o,
despedindo-me.

Lúcio continuava sua rotina e eu continuava contando o tempo.


Na maioria das vezes, ele não falava comigo, mas parava por um
bom tempo e observava-me, às vezes, parecia me olhar com ódio.
Um mês inteiro da mesma rotina até que finalmente chegou o
dia em que eles iriam me libertar.
— Pronta? — Lúcio pergunta. Apenas me levanto e caminho
até ele. Estamos em uma casa velha de fazenda, finalmente
percebo quando passo pela janela e vejo algumas pessoas
trabalhando no curral. Chego na sala, mas ele não me leva até a
porta, me faz subir o segundo andar. Entro em outro quarto e meus
olhos se arregalam, o medo volta. Quero correr. Não, Lúcio, não.
Capítulo 17

— Lúcio — meu corpo inteiro estremece. — Por favor, não —


digo, ainda encarando assustada o aquilo.
— O preço de seus erros, eu avisei...
Viro-me para correr dali, mas meu corpo apenas se choca com
o de Lúcio. Suas mãos se envolvem em meu corpo para me
segurar. Bato contra seu peito e choro desesperada. Já fui tão
humilhada, não mereço mais essa humilhação.
— Lúcio, não, por favor — digo entre soluços, mas ele apenas
continua ali me segurando enquanto grito e tento me soltar dele.
Paro e encaro seus olhos, que também param nos meus, ele tem
um olhar de prazer. — Lúcio — suas mãos passam por meu rosto
enquanto seus olhos continuam nos meus. — O que foi?!
— Você é uma garota linda — sua boca desliza por meu rosto
até chegar próximo a minha orelha —, mas burra.
— Preciso falar o que você é? — Solto um riso nervoso. —
Não precisa fazer isso.
— Não deveria ter desafiado o clã dessa forma.
— Por que está fazendo isso? Você nunca quis machucar ela e
sei que não quer me machucar.
— Pode me achar um monstro, mas tudo o que eu tô fazendo
agora é o mínimo perto do que eles queriam fazer.
Eu continuo presa aos seus braços, desisto de lutar contra ele.
— Sempre quis ter uma mulher forte como você, só para vê-la
se quebrando aos poucos. — Seu olhar me assusta o suficiente
para me fazer encolher. — Ane não era forte como você, mas
eu amava sua doçura. Amava seu sorriso. Sua vontade de viver —
seu olhar muda quando ele percebe o que falou.
— Vontade de viver que você tirou dela, seu canalha. — Eu
sou tomada pela raiva, sinto o peso de sua mão em meu rosto, sou
jogada contra o chão.
— Não foi minha culpa! — ele grita.
— Você sabe que foi.
— Cale a boca, Zara, ou vou te matar. — Ele está furioso e eu
não me importo.
— Mais uma que você matou? Pode começar a fazer coleções
— me sento e encaro-o. — Não vou me calar mais, Lúcio, não vou
me calar por sua causa. É muito fácil bater em uma mulher, não é?
Sabe por que, Lúcio? Porque isso é coisas que covardes como
vocês fazem, porque sabem que tem um clã os defendendo. Não
tenho medo de você, não tenho medo do clã.
— Você pretende fazer o quê? Destruir o clã? Quer pagar o
preço disso?
— Estou disposta a tudo — grito com toda a raiva que sinto. —
Tudo vai valer a pena quando eu ver vocês mortos. — Eu sei que eu
perdi o controle, sei que isso pode me matar, mas eu passei dois
meses trancada, tiraram o meu filho e ainda querem fazer isso
comigo. Eu não consigo mais passar por isso.
— Da mesma forma que está valendo a pena para eu ver você
assim, humilhada. Nunca me enganou, Zara!
— Por que não faz nada contra mim, então? Sabe como eu
sou e sabe o que eu posso fazer. Por que me defende?
— Porque é mais divertido esperar você tentar e ver você
sofrer as consequências como os outros sofreram. Zara, desista,
não quero ver você morrer, mas se morrer, não vai mudar minha
vida.
— Não me quer morta? — Solto uma risada — O quão irônico
você pode ser?
— Não consigo odiar você — sussurra dessa vez, dou outra
risada — Zara, estou falando sério, se eu odiasse você, teria
deixado você sofrer sozinha quando teve seu filho. As regras dizem
que é essa a punição para mulheres que se tornam rebeldes
enquanto estão gestantes. Ouvi cada um de seus gritos, mas tive
que criar coragem para ir lá, você deveria ter tido seu filho sozinho
— fico surpresa, quando penso que o clã não pode ser pior, eles
sempre dão um jeito.
— Devo agradecer você?
Ele não responde. Pega um de seus chicotes.
— Este é o menos doloroso. Vire-se de costas — me viro, pois,
sei que não tenho outra opção. A sala que estamos é grande e
branca, tem um espelho que cobre a parede à minha frente. Posso
vê-lo encarar o chicote em sua mão. Ele abre o zíper do vestido que
uso, deixando minhas costas expostas. — Nenhuma marca, aquelas
sumiram, como eu presumia. Tire o resto de sua roupa.
Respiro fundo antes de o obedecer, tiro toda minha roupa,
tento me cobrir com minhas mãos, mas logo estou me abraçando na
esperança de me esquentar. Meu corpo treme de frio. O olhar de
Lúcio segue cada parte do meu corpo pelo espelho, suas mãos se
apertam no chicote. Quando o vejo levantá-lo em minha direção,
fecho meus olhos e espero apenas pela dor, mas ela não vem. Abro
os olhos e Lúcio ainda está com seu braço erguido e os olhos
cheios de lágrimas.
—Vista sua roupa — diz e abaixa sua mão.
— Por quê? — Lúcio é dotado de mistérios e agora ainda
mais. Eu deveria ficar calada e agradecer por ele não ter feito isso,
mas minha curiosidade fala sempre mais alto.
— Só saia da minha frente antes que eu mude de ideia! —
grita comigo. Visto-me e saio de lá, mas não vou para outro lugar
além do corredor. A única coisa que consigo imaginar é Ane
sofrendo naquele quarto. Sento-me encostada à parede e escondo
meu rosto entre os joelhos enquanto choro. Ouço a porta se abrir e
os passos dele próximos a mim, ele apenas se senta ao meu lado.
— Eu pensei que conseguiria, mas a única coisa que me veio à
mente foi Ane dando seus últimos, agoniantes suspiros. — Ele se
derrama em lágrimas. Ela levou parte de mim.
— Por que está falando isso pra mim? — Pergunto indignada,
eu não consigo parar de pensar nela.
— Porque é a única que conheço que vai ouvir isso e me julgar
da forma que mereço — diz entre intermináveis soluços, eu queria
sentir pena dele, mas eu não consigo.
— Só quero que pague por tudo que fez com ela.
— Isso não vai acontecer. Porque nós nunca perdemos... —
não diz isso contente, o que me chama a atenção. — Eu vou ter que
ser isso por toda a minha vida e você vai sofrer isso por toda a sua.
— Não me parece feliz com isso.
— Ninguém é, mas eu cresci sendo ensinado a fazer isso.
Levanta-se, preciso tirar você daqui antes que os outros líderes
cheguem. Eles não podem ver você sem marcas.
— Como assim?
— Era parte do acordo, eu tinha que fazer isso com você, se
descobrirem que eu não consegui, vão por minha liderança em
prova, podem me fazer até matar você. Eu já passei por isso antes,
quando meu pai denunciou meu casamento com Ane e não quero
que isso aconteça de novo. — Eu percebo a dor no seu olhar. Ele
tenta se levantar, mas eu seguro seu braço.
— O que fizeram com você?
— Você não vai querer saber. — Ele se levanta dessa vez.
Fico ali sentada, tentando entender esse mundo em que me
forçaram a entrar, essas pessoas que se dividem entre o bem e o
mal, um clã que aparentemente é tão solido, mas que, aos poucos,
vou descobrindo que isso não é totalmente verdade. Eles também
têm falhas.
Lúcio volta depois de alguns minutos.
— Vou levá-la para casa. — Ele para na minha frente. —
Esqueça o que viu hoje.
— Esquecer?
— Esqueça da maneira fácil ou posso deixar essa lembrança
em seu corpo.
— Tudo bem.
Ele faz um sinal para que eu o siga. Vamos todo o caminho
sem conversar nada, não que eu não queira fazer milhões de
perguntas, mas é que ele realmente não parece disposto a isso.
Então apenas ligo o rádio que estava na programação de mpb.
Quando ele para em frente à minha casa, não destrava o carro,
fica parado, perdido em seus pensamentos, demora quando ele
finalmente fala algo.
— Pensei que ela aguentaria, nunca imaginei que ela seria
capaz de se matar — percebo o quão atordoado ele está com a
morte dela.
— Algumas pessoas podem viver com a dor, outras não. — Ele
não me encara, mas parece que minhas palavras são o suficiente
para ele destravar o carro e me deixar ir.
Quando chego em casa, não ouço barulho, subo com as
escadas e vou para meu quarto. Encho a banheira, tiro minhas
roupas e entro nela. Relaxo. Estou na minha casa, quero ver meu
filho, quero ver meu marido. Quero esquecer esses últimos meses.
Saio da banheira e visto o roupão. Vou para o quarto e encontro
Justin, que sorri surpreso e corre para me abraçar. Ele tenta falar
algo, mas não deixo.
— Só quero esquecer isso. — Sento-me na cama e ele procura
em mim ferimentos. — Ele não conseguiu.
— Não? — Ele pergunta confuso.
— Ele ainda está atordoado com a morte da Ane. Ele sabe que
foi ele que a matou.
— Ane se matou.
— Porque não aguentava mais viver sofrendo nas mãos dele.
— É algo destinado a nós, não podemos escolher.
— Podem sim. Escolheu me ajudar a se livrar disso, lembra?
— Claro que sim, eu vou ajudar, mas, Zara...
— Apenas me ajude.
— Mesmo que ele não tenha feito nada com você, tome
cuidado com Lúcio.
— Não tenho medo dele.
— Não posso perder você. — Ele me aperta contra si. —
Tenho medo do que ele pode fazer. Tenho medo de que você
encontre um caminho mais fácil e me deixe — suas mãos saem da
minha cintura para meus braços e ele os aperta forte. — Me
promete que nunca vai me deixar? Zara, se você me deixar, eu não
sei...
— Se eu te deixar, o clã me mata — não posso prometer se
não tenho certeza disso, eu realmente aprendi a amá-lo, mas eu
não sei o dia de amanhã. Não sei qual o tipo de amor que temos.
Pelo menos, não o meu.
— Quero que seja mais do que apenas pelo clã. Quero que me
ame. — Passo minhas mãos por seus cabelos bagunçados.
— Não vai me perder — beijo-o e só paro quando ouço o choro
de uma criança. Meus olhos se enchem de lágrimas. — Ele está
aqui?
— Eu acabei de buscá-lo. — Corro para seu quarto
. Quando o vejo deitado naquele berço, tão pequeno, eu me
emociono. Pego-o no colo desajeitada.
— Zara, tem que segurar ele direito.
— Ele é tão pequeno, como vou pegar direito? — Justin o pega
e mostra-me, quero chorar porque percebo que não sei fazer isso.
Não sei ser mãe. — Justin? — Ele me olha. — Como vou cuidar de
uma criança? Eu não sei fazer isso. — Ele sorri.
— Eu te ajudo.
— Você também não sabe!
— A gente pode tentar.
— Justin, é uma criança — grito e Jake começa a chorar. —
Está vendo? Não sei nem parar de gritar perto dele. Eu quero minha
mãe, eu tenho 19 anos ainda. Não posso ser mãe — sinto que sou
uma criança brincando de ser adulta. Ele apenas sorri.
— Maia me ajudou com ele enquanto você estava fora. Eu
disse pra ela que você teve problemas no parto e que tinha sido
transferida para outro hospital e que sua mãe estava cuidando de
você. Ela queria correr pra esse hospital, mas consegui enrolar ela.
Ela se dá muito bem com crianças, deveria pedir a ajuda dela.
— Não quero envolver ela nisso — digo, mas fico feliz de ela
ter ajudado Justin.
— Tudo bem. A gente contrata uma babá — faço que sim com
a cabeça.
Justin me ensina tudo que ele aprendeu, trocar fralda, dar
banho. Nunca me atrai muito por crianças. Cheguei a pensar que
nunca teria filhos.
— Andrew... — penso alto, lembrando dele.
— Podemos falar disso depois? — Ele diz e percebo a tristeza
em seu olhar.
— Então é verdade? — Justin tira Jake do meu colo e coloca-o
no berço novamente. Ele segura minhas mãos.
— Zara, ele morreu. No dia do baile, ele levou um tiro, ainda foi
para o hospital, mas não resistiu... — Agradeço por ele está me
segurando, pois sinto que perdi todas as minhas forças. Eu não
acredito que ele morreu e por minha causa...
— Lúcio o matou! — Levo minhas mãos tremulas até minha
cabeça em total desespero. Andrew não deveria ter morrido, foi
minha culpa. Sinto-me tão desesperada e surpresa que me divido
entre a vontade de chorar e gritar.
— Acho melhor você descansar.
— Não...
— Zara, passou muita coisa. Jake vai continuar aqui e você
não está bem, precisa descansar.

Acordo de madrugada tendo pesadelo com Lúcio. Não consigo


tirar Lúcio da minha cabeça, não consigo andar por essa casa
sozinha sem ter medo de que ele apareça e me leve de novo, ou
que me mate como fez com Andrew. Um choro vem da babá
eletrônica e vou até o quarto de Jake.
— Shh, meu amor — pego-o em meu colo —, você está com
fome? — pergunto, sorrindo. Dou peito para ele pela primeira vez,
pensei que nem poderia mais fazer isso, enquanto canto as músicas
que minha mãe cantava para mim.
Penso no quanto Jake tem sorte, ele tem um pai que o ama e
cuida dele, enquanto eu tive um pai que nem mesmo se importou
com minha existência, minha mãe sempre me disse que ele era uma
boa pessoa, que foi embora porque achou que seria incapaz de me
dar tudo o que eu merecia.
Eu queria encontrá-lo para dizer o quanto eu o odeio, que
mesmo que ele não me desse tudo o que eu merecia, eu o queria
do meu lado, para eu ter um colo para fugir quando tudo estivesse
difícil, para não ter que viver 10 anos vendo a única pessoa no
mundo que eu tinha sofrer. Mas eu também queria encontrá-lo e que
quando isso acontecesse, ele me abraçasse e pedisse perdão. Meu
coração pode ser um acúmulo de dor, mas ele sempre está disposto
a perdoar.
— Você é tudo que eu mais amo, sabia? Amo de verdade. A
única pessoa que eu amo e não tenho dúvidas disso — ter uma
coisa tão inocente em meus braços me faz querer fugir com ele. Ser
só nós dois, um cuidando do outro, sem mais ninguém para nos
fazer mal. — Eu te prometo que nunca vai sofrer como eu sofri, nem
que eu tenha que passar por cima de todo mundo. — Nunca soube
o dia de amanhã e isso nunca foi problema para mim, mas hoje eu o
temo. Temo porque eu tenho uma criança e estou a um fio de perder
o controle. Preciso encontrar um caminho antes que eu me perca,
preciso me manter focada ou vou fraquejar.

— Onde você estava? — pergunto enquanto desço as escadas


com Jake em meu colo.
— Lúcio me levou para um dos eventos do clã — congelo com
o nome do Lúcio.
— Agora você sai com Lúcio? — pergunto irritada. Não quero
minha família perto de Lúcio.
— É um evento do clã, ele só veio aqui para ter certeza de que
eu iria, acabei pegando uma carona com ele. Conversei com ele
sobre tudo o que aconteceu, agradeci a ele por ter poupado você —
sinto raiva dele, como assim ele agradeceu? — Ele disse que julgou
você de forma errada, então não merecia. — Respiro fundo e tento
não ter uma explosão de raiva.
— É, que bom que ele percebeu isso — digo sem emoção
nenhuma. Gosto de Justin, mas, às vezes, ele parece querer
defender o clã. Me prometeu que iria fazer o que fosse preciso pra
acabar com o clã, mas, desde que voltei, nunca mais tocou no
assunto. Eu também não, ainda tenho dúvidas sobre o que ele
realmente quer.
— E como foi o evento? Como são esses eventos?
— Não podemos contar. É um segredo dos homens do clã —
quase passei minha cara no asfalto para eu não parecer tão otária
como agora.
— Ah, claro, o clã.
— Ainda temos que obedecer às regras.
— Claro. Se eu chamasse você de babaca por exemplo agora,
teríamos que subir para o quarto porque você teria que me dar uma
surra.
— Zara!
— Não venha com seus dramas de coitadinho, de que eu
tenho que te entender, você é que não entende porque quem sofre
as consequências sou eu. Mas vamos lá em cima para eu te mostrar
a dor delas, quem sabe assim você acorda e para de me dar falsas
esperanças de que tudo isso vai acabar.
— É que agora tem o Jake, não posso me arriscar.
— Quando você me prometeu, também tinha ele. Por que não
para de negar que está se transformando em um babaca do clã?
— Zara, você está sendo dramática, eu só fui uma vez lá.
— E já voltou reforçando essas regras, sei que não vai parar
porque Lúcio não vai deixar, sei onde nós vamos parar. — Ele não
fala mais nada, apenas entra no escritório batendo a porta com
tanta força que assusta Jake, fazendo-o chorar. Volto para cima e
todo o ânimo que eu estava sentindo por Maia vim nos visitar se
esvai.

Quando Maia chega, ela me abraça forte e toma Jake dos


meus braços.
— Que saudades de você, Jake! — Ela o aperta.
— Maia? — A porta do escritório se abre e Justin sai de lá,
indo em direção a eles. — Não sabia que você vinha. — Ele sorri
para ela. Eles se abraçam e eu fico parada feito uma boba.
— Zara não falou?
— Eu até ia falar, mas ele estava ocupado demais no
escritório. — Ele apenas me encara por alguns minutos. —
Obrigada por ajudar quando eu precisei.
— Não foi nada, sempre ia ajudar ele no hospital com o maior
prazer.
— Espero que tenha saído intacta.
— Acho que sim.
— Então, Maia, sabe de alguma babá para nos recomendar?
Zara não é boa o suficiente pra isso — ele devolve da mesma
forma.
Estou sozinha em casa com Jake. Justin saiu novamente com
Lúcio, isso não me agrada nada. A única notícia boa dessa semana
é que amanhã vou ver minha mãe, eu não sei como, mas eles
conseguiram enrolá-la com a história de que meu parto foi
complicado. Ela disse que mal conseguia dormir pensando em mim
e não entendia o porquê de não poder me ver, tive que convencê-la
que era algo necessário. O telefone toca e eu atendo.
— Oi.
— Zara Martins, tudo bem? — reconheço a voz de Lúcio.
— O que você quer? – pergunto irritada.
— Sabe onde seu marido está?
— Não deveria estar com você? Fiquei sabendo da amizade
de vocês agora, o que está aprontando, Lúcio? – o ouço rir.
— Ah, sim, lembrei, devo ter me esquecido que ele foi para o
quarto com outra mulher. Sabe, depois da reunião do clã, gostamos
de ir a alguns lugares para se divertir.
— Quer mesmo me provocar? – Fico nervosa e não consigo
esconder isso em minha voz.
— É o que parece, querida. — Ele ri. — Posso ir aí? Nós
podemos nos vingar dele.
— Nem morta. Quero que você e esse idiota vá para o inferno.
Me deixa em paz.
— Não consegui fazer nada com você, mas ainda acredito nas
regras.
— Isso é problema seu.
— Tem razão, não sou mais o mesmo e provavelmente, seu
marido também não será. Não pensou que eu iria ignorar a ameaça
que você representa?
— Agora eu sou uma ameaça?
— Talvez, vamos ver se você não é só mais uma diversão. Não
espere seu marido acordada, será pior.
Ele desliga e a única coisa que consigo fazer é jogar aquele
telefone o mais longe possível de mim na expectativa de extravasar.
Capítulo 18

Desde que Lúcio me ligou, já se passou horas e o cansaço me


pegou, não durmo no meu quarto. Não quero nem olhar para cara
dele. Vou para o quarto de Jake, coloco-o no berço e canto até que
ele dormir, caio no sono em seu quarto também.
— Zara — ouço Justin me chamar e o cheiro de álcool e
cigarro exala dele. Abro os olhos com dificuldades.
— O que você quer? — pergunto sonolenta.
— Vai para o quarto — diz autoritário.
— Não quero nem chegar perto de você — cuspo cada palavra
com ódio.
— Eu estou mandando.
— E eu estou dizendo que não vou!
Ele agarra meu braço e puxa-me para fora da cama.
— Me solta — digo baixinho, não quero acordar Jake. —
Justin, você está me machucando.
— Machucando? — ele grita. — Isso não é nada, você tem que
me respeitar. Você sabe quais são as regras.
— Vai se foder você e suas regras! — grito dessa vez e
continuo lutando para me soltar. — Vai acordar Jake, para com isso.
Ele continua me puxando para fora do quarto. Sinto suas mãos
se entrelaçarem em meus cabelos e solto um grito de dor quando
ele os puxa.
— Tem que aprender a me respeitar — grita e o choro de Jake
soa alto pelo quarto. — Tem que fazer isso ou vão nos matar.
— Meu filho — tento me soltar —, Jake precisa de mim.
— Não, ele não precisa — sou arrastada para fora daquele
quarto, quando chego em nosso quarto, caio de joelho no chão
quando ele me empurra.
— Não faça nada do que você vai se arrepender amanhã.
Você está caindo no jogo dele, é isso que ele quer.
— Eu estou apenas provando que pertenço ao clã, que não
vamos perder nosso lugar, que Jake vai continuar sendo um
membro. Eles estão de olho em você, Zara, se eu não mudar você,
vamos perder tudo.
— Sabe que depois disso, não vou te perdoar — mal fecho a
boca e sinto a dor em minhas costas me invadir. Grito. O choro
saindo da babá eletrônica deixa tudo pior. Aguento firme até que
chego ao meu limite: — Para, por favor, para — digo com
dificuldades —, para!
— Não queria chegar a esse ponto, mas somos do clã e temos
que agir como pessoas do clã.
— Você é do clã, eu sou apenas a pessoa que vai acabar com
ele. Eu nunca disse palavras carregadas de tanto ódio como agora.
Eu não quero isso, não posso mais passar por isso.
— Como? Zara, eu sinto muito, mas não posso te ajudar. —
Ele se embola com as palavras, alcoolizado. — Meu pai precisa de
mim.
— Eu e seu filho também, pouco me importo se você vai ajudar
ou não, só tome cuidado pra você não fazer companhia pra eles —
digo entre soluços. Levanto-me do chão com dificuldades.
A pior dor que já senti na vida. A dor faz minha respiração
pesar. Justin cai na cama e logo apaga, não sei o que pretendo
fazer quando pego minhas chaves e vou até o quarto de Jake, que
se calou, mas continua acordado, pego-o em meu colo e visto-o o
mais bem agasalhado possível. Desço as escadas devagar e torço
para ele não chorar, ignoro a dor que sinto nas costas e tento
apressar meus passos, já que os machucados nelas me fazem
andar mais devagar. Coloco-o na cadeirinha e entro no carro, dirijo
por quase uma hora sem rumo até que paro, o sangue ainda parece
descer das minhas costas e a dor não diminuiu. Me sinto fraca e
tonta. Meu celular apita e vejo uma mensagem de Lúcio.
" Você está bem? "
" Não! Parabéns, você conseguiu"
Respondo mesmo sabendo que isso só alimentaria mais ainda
seu ego. Não demora para o meu celular tocar, ele está me ligando.
— O que você quer? — volto a chorar, como eu odeio Lúcio.
— Onde você está?
— Não te interessa —– soluço. — Saber que conseguiu não foi
o suficiente? Tem que me ligar para saber como estou?
— Zara, não me parece bem, onde você está? — ele grita. —
Zara, me fala... por favor.
— Para quê? Você quer ajudar a dor piorar? Não quero mais
sentir dor, não quero mais saber do clã, eu vou embora.
— Você não pode fazer isso! Zara, eles vão atrás de você, eu
vou atrás de você e você sabe que eu vou obedecer às regras
quanto a isso.
— Eu não quero saber, Lúcio — minha voz sai cada vez mais
fraca. Não estou bem. — Não quero mais saber de regras.
— Zara, você não está bem, me diz onde você está agora.
— Não!
— Você não confia em mim?
— Não.
Jake começa a chorar.
— Você está com Jake? Zara, você não está bem e ainda está
com seu filho, me deixa ajudar e eu prometo que não vou fazer nada
quanto a você!
Digo o endereço, mas só por causa do meu filho. A dor
latejante em minhas costas me faz tremer e suar frio. Não consigo
dar amparo a Jake, apenas o deixo chorar. Não demora muito,
quando a porta do carro se abre, vejo Lúcio, mas logo apago.
— Vamos, Zara, acorda — o cheiro de álcool me deixa alerta
novamente. Abro meus olhos e vejo Lúcio. — Preciso que esteja
acordada para poder cuidar de suas costas. Se vire, por favor —
meu coração se aperta quando lembro que todas as vezes Justin
fazia isso, agora é Lúcio limpando os estragos de Justin.
— Não confio em você — digo.
— Não estou pedindo que confie em mim, apenas quero que
se vire.
Não demora muito até eu ceder. Viro-me de costas e percebo
que estou sem nada.
— Tirou minhas roupas!
— Sim — responde como se fosse perfeitamente normal.
— Idiota.
Quando ele termina, me entrega uma de suas camisas e eu a
visto. A dor em minhas costas diminui. Então, lembro de Jake.
— Onde está meu filho? — pergunto nervosa.
— Calma, coloquei ele no quarto que era de Luciano quando
ele era bebê. Ane nunca se desfez dele.
— Quero ver ele.
— Acho melhor você dormir um pouco.
— Eu quero ver meu filho agora! — Ele revira os olhos e vem
até mim, suas mãos passam por minha cintura e ele me ajuda a
levantar. Caminho com dificuldades até o quarto, mas sinto um alívio
quando vejo meu filho dormindo tranquilamente. Sorrio. Sinto os
lábios de Lúcio pousar em meu rosto e encaro-o surpresa.
— Senti a necessidade de fazer isso. — Dou um passo para
trás, mas ele continua vindo em minha direção — E isso. — Ele me
beija com tanto cuidado, como se esperasse alguma reação
agressiva minha. Separo nossos lábios.
— Não quero isso. — Fico calada, perdida na própria confusão
que se criou em minha cabeça por um tempo. — Por que está
fazendo isso?
— Eu não sei, só senti vontade de fazer.
— Lúcio, eu juro que não entendo você. Você fez isso com ele,
a culpa de tudo isso foi sua. Você mesmo admitiu.
— O clã ameaçou a família dele, disse que ele teria que
escolher. Richard corre o risco de perder tudo se ele não seguir as
regras. Justin é ambicioso, deveria saber disso, ele se importa com
toda a fortuna que a família tem e ele sabe que tudo isso está ligado
ao clã.
— Ele não é assim, você é.
—Você pode escolher acreditar ou não, mas eu o conheço a
mais tempo que você, a prova de que estou certo está nas suas
costas. — Não consigo falar mais nada. No fundo, ele tem razão, ele
fez isso por medo de perder a fortuna do pai. — Eu sinto que, pra
você, eu não sou um monstro completo. Você sabe como eu sou e
mesmo assim me deixou ajudá-la.
— Não tenho muitas opções, às vezes, é preciso aceitar ajuda
até mesmo de um inimigo — o abraço. — Obrigada por tudo que fez
por mim, mas não leve isso para outro lado, por favor.
— Levarei para o lado que eu quiser — a resposta não me
impressiona, já que ela vem de Lúcio. Ele consegue ser diferente a
cada minuto.
— Pode ser a pior pessoa do mundo, mas também é a mais
esperta. Admiro você por lutar pelas coisas que realmente quer, mas
o meu desprezo ainda é maior — digo, indo em direção a porta e ele
me acompanha, volto para o outro quarto e deito-me. Lúcio se deita
ao meu lado.
— Vai mesmo ficar aqui? — pergunto.
— Minha cama, meu quarto e minha casa, o que você acha?
— Que vou para outro quarto — tento me levantar, mas ele
não deixa.
— Apenas fique aí, eu não vou fazer nada, prometo. – Reviro
os olhos e tento me levantar novamente, ele não deixa. — Eu saio
— Lúcio diz com um sorriso no canto do rosto e retira-se do quarto.
Acordo de manhã e vou para o banheiro me arrumar. Visto a
roupa que estava noite passada. Vou para o quarto em que Jake
estava, mas ele não está mais lá. Desço e encontro Lúcio sentado
com Jake no colo, enquanto Luciano faz careta para ele.
— Zara — ele se levanta —, que bom que você acordou, acho
que ele está com fome — me entrega Jake.
— Podia ter me acordado.
— Você parecia cansada. — Sento-me no sofá para dar de
mamar para Jake. — Justin vai chegar daqui a pouco. —
Estremeço.
— Não quero voltar.
— Não é seu querer, precisa voltar — diz antes de subir as
escadas.
— Zara — Luciano me chama —, posso brincar com ele?
— Claro que pode, mas acho que, por enquanto, a única coisa
que ele quer fazer é comer e dormir. — Ele sorri.
Termino de tomar café ao lado de Lúcio, Luciano e Jake, que
está em meu colo. Faço careta quando percebo que ele gorfou,
sujando-me inteira.
— Jake! — repreendo, enquanto olho o estrago.
— Vai se limpar. — Ele pega Jake do meu colo. — Pode pegar
uma das minhas camisas — sorrio. É estranho ver Lúcio sendo
gentil comigo. Subo para seu quarto e limpo-me, escolho outra
blusa, já posso fazer coleção — e desço as escadas, mas vejo
Justin entrando na sala de jantar, vou atrás sem deixar ele perceber
minha presença.
— Onde está Zara? — ele pergunta, pegando Jake do colo de
Lúcio.
— Bem aqui — respondo, não faço questão de parecer gentil.
Ele parece irritado por ter visto Lúcio com Jake. Seus olhos param
na camisa que estou vestida.
— Vamos embora. — Ele pega em meu braço e puxa-me para
fora. Percebo a tristeza de Luciano por Justin nem se quer ter falado
com ele, já que da última vez se deram tão bem.
— Me solta — digo, puxando meu braço. — Posso andar sem
precisar de você ficar me puxando. — Ele me solta. Vamos para fora
e Lúcio e Luciano nos seguem. Abraço Luciano. — Foi muito bom
ver você de novo — dou um beijo em seu rosto, ignoro Lúcio e pego
Jake.
— Muito bem, Justin — Lúcio diz e meu sangue ferve, eu não
tinha dúvidas da sua participação nisso, mas culpo mais ainda
Justin por ser alienado. — O dinheiro já está na conta do seu pai —
dinheiro? Então ele realmente fez tudo isso por dinheiro? Filho da
puta.
— Obrigado.
— Pegue leve com ela, já que demorou tanto pra ensiná-la
como as coisas funcionam. — Justin não diz mais nada, apenas
entra no carro e eu o acompanho.
Chegamos em casa e vou direto para o quarto de Jake, coloco-
o no berço e fico sentada na cama pensando em tudo que ouvi. A
porta do quarto se abre.
— Posso falar com você? — Ele pergunta. Levanto-me e sigo-
o para nosso quarto.
— Pode falar — digo seca.
— Sinto muito, Zara — tenta continuar, mas não deixo.
— Poupe meu tempo e não venha com suas desculpas — digo
e ele desvia os olhos de mim. — Você não passa de um alienado,
você é tão fácil de enganar que não percebe que tudo isso foi
planejado por Lúcio.
— Meu pai precisava de dinheiro, os negócios não estão tão
bem e eles iriam tomar o que nos restou.
— Foda-se o seu pai, eu quero que ele vá pro inferno. Eu não
devo nada ao seu pai, não vejo motivos algum pra fazer alguma
coisa por ele.
— É meu pai, eu não podia negá-lo ajuda. Somos do clã e não
podemos fazer nada para mudar isso, entendeu? Vamos seguir as
regras, o que fazemos também atingi meu pai, não posso vê-lo
perder tudo. Se ele ficar pobre, nós também ficamos.
— Seu pai que você me disse que odiava, que não queria ser
como ele? É desse cara que estamos falando? É por esse cara que
você me machucou? E vai continuar machucando? Você não me
conhece direito, porque se você conhecesse, saberia que eu não
ligo pra dinheiro, fui pobre a minha vida inteira e se voltasse a ser,
seria melhor do que isso. Você só pensa em você, Justin, só pensa
em dinheiro.
— Zara, eu te amo, mas...
— Ama o caralho! Você ama ser esse grande idiota que só eu
demorei pra perceber que você é.
— Olha como você fala comigo.
— Eu vou falar sério dessa vez, nunca mais toca em mim!
Ele sai furioso, deixando-me sozinha. Tiro a camisa de Lúcio e
crio coragem para me olhar no espelho. Choro quando vejo a
situação das minhas costas, as marcas são horríveis. Marcas que
levarei a minha vida inteira.
Capítulo 19

Bato na porta e não demora muito para minha mãe abri-la.


— Meu netinho mais lindo! — diz, tomando Jake do meu colo.
— E sua filhinha mais linda do mundo também — digo,
entrando.
— Eu estava com tanta saudade de vocês. — Ela me abraça.
Suspiro com o aconchego de seus braços. O melhor lugar do
mundo, eu diria é esse.
— Você anda viajando muito.
— Nem sempre a trabalho.
— Não?
— Ando visitando nossa antiga cidade.
— Tenho tanta saudade de lá, deveria me convidar também. —
Ela sorri.
— Dá próxima vez, vamos juntas, eu espero — observo seu
semblante preocupado.
— Está acontecendo alguma coisa, mãe?
— Na verdade, está, filha, precisamos conversar, mas antes
quero pedir que você me entenda.
— Mãe, estou ficando preocupada.
— Vamos sentar. — Ela se senta no sofá e eu a acompanho.
— Filha, eu estou com alguém — sinto todo o nervosismo ir embora,
isso é maravilhoso.
— Mãe, isso é muito bom, você merece ser feliz com alguém
que te ame de verdade — sorrio.
— Filha, não é bem assim. — Ela respira fundo. — Eu voltei
com Bruce — sinto todos os piores sentimentos que alguém poderia
sentir. Como ela pode voltar com ele? Meus olhos marejam.
— Não, você não voltou com ele — me levanto. — Mãe, você
não pode fazer isso comigo, não pode fazer isso com você.
— Zara, ele mudou.
— Mãe, você é o quê? Burra? Você se finge de cega e surda?
Na sua cabeça, o Bruce passou 10 anos mudando, mas vamos ver,
ELE NÃO MUDOU PORRA NENHUMA.
— Zara, olha como você fala.
— Eu falo do jeito que eu quiser, pelo menos, sobre isso, eu
tenho esse direito. Sabe por quê? Porque passei 10 anos da minha
vida sofrendo porque você permitia isso, mas eu nunca quis isso e
você nunca ligou. Você fez minha vida um inferno por 10 anos, por
ser tão burra. — Ela chora, mas não me importo, não depois disso.
— Quer saber de uma coisa? Você merece o Bruce, merece sofrer
tudo que você já sofreu e ainda vai sofrer, mas eu não mereço ver
minha mãe sofrer, eu não mereço sofrer. É por isso que todos os
dias sonho com o dia que não vou ter que me sentir ser como você.
— Tomo Jake de seu colo e vou em direção a porta.
— Filha, por favor, não vai — grita entre soluços.
— Espero que ser um saco de pancadas seja tão divertido pra
você, como foi nos últimos 10 anos — bato a porta e vou embora.
Não acredito que enquanto eu luto pra fugir disso, ela que
simplesmente pode escolher ser, ou não, espancada, continua
insistindo nisso. Queria dizer que não estou com ódio da minha
mãe, mas eu estou. Estou com tanto ódio que me envergonho por
isso. Eu odeio Bruce! Odeio Bruce!
Sigo ao meu próximo destino por mais que tudo que eu quero
agora seja me isolar, cansei de desistir do meu plano por causa dos
outros. Vou lutar por mim, como a própria Ane me pediu. Chego à
casa de Amélia, tinha planos de deixar Jake com minha mãe, mas
agora não importa mais.
— Querida. — Amélia me abraça assim que abre a porta. — E
esse bebê lindo? — Ela aperta Jake.
— Preciso falar com você — digo seca. Não tenho tempo para
teatrinhos e ela percebe isso, pois logo fecha a cara e me manda
entrar. Sento-me em uma das mesas, que fica na sua varanda.
— O que você tem a falar?
— Precisa sumir com Justin. — Amélia parece confusa. —
Precisa sumir com ele por um tempo.
— Como assim? Precisamos dele pra acabar com o clã.
— Não precisamos dele. Justin é um alienado, eu poderia
convencer ele a mudar de ideia sobre o clã, mas sempre que
alguém o disser o contrário, ele também vai acreditar.
— O que pretende, então?
— Temos outra opção.
— Quem?
— Lúcio. — Ela solta uma risada irônica.
— Lúcio jamais se voltaria contra o clã. Lúcio nem mesmo
quebra regras depois do que seu pai fez com ele.
— Lúcio tem um ponto fraco.
— Qual?
— Eu — digo, arqueando as sobrancelhas. Ela sorri
novamente. — Lúcio quebrou regras por mim, acha mesmo que eu
aguentaria ter meu filho sem a ajuda de alguém? Lúcio me beijou e
me levou para sua casa junto com Jake quando Justin me
machucou. Ele cuidou de mim.
— Isso não significa que Lúcio irá aceitar acabar com o clã.
Isso não vai acontecer, entendeu, Zara? — ela altera seu tom de
voz.
— Se quer mesmo que eu quebre essas regras, vai ter que ser
do meu jeito, avisei vocês sobre isso — altero meu tom de voz. —
As regras são ditas por mim. Eu mando, vocês obedecem, se não
for assim, eu estou fora.
— Uma garota, como você, aguentaria viver o resto da vida
obedecendo essas regras?
— Não — sorrio. — Mas será que uma mulher, como você,
gostaria que uma garota como eu revelasse seu clã secreto? — a
raiva no olhar de Amélia me faz se sentir vitoriosa.
— Como você pretende sumir com ele?
— Mantenha ele preso em algum lugar até tudo acabar —
encaro-a firmemente. — E não o machuquem de forma alguma. Se
tocar nele, eu mato você.
—Tem certeza? Para uma garota que temia matar 3 homens,
você me parece que evoluiu muito.
— Você não imagina o quanto, Amélia.
— Por que não podemos tocar nele?
— Justin é um problema meu. — Ela revira os olhos.
— Simularemos uma morte pra ele, mas, e depois disso?
— Me informei sobre algumas regras, vou ficar à disposição
dos homens do clã e não tenho dúvidas de que Lúcio me escolherá.
— Quer mesmo ser escolhida por ele? Lúcio é cruel, Zara.
— Sei muito bem onde estou me metendo.
— Você sabe que ele pode te matar?
— Sei, mas duvido que ele faça isso.
— Se está tão disposta, apenas nos aguarde.
— Amélia, não demore. Preciso o quanto antes acabar com
tudo isso.
— Zara, entendo seu sofrimento, mas não é tão fácil forjar a
morte de uma pessoa.
— Só tente ser o mais rápido possível — vou embora sem tirar
da cabeça o quanto preciso que isso acabe rápido. Não queria ter
que fazer Justin passar por isso, apesar de tudo que ele fez pra
mim. Eu as tenho para me colocar um passo à frente deles e isso
me dá uma grande vantagem, porque pensam que sou apenas eu,
mas não sabe o que tem por trás de mim. Seguro em minha mão o
papel com o número que Andrew me deu, eu encontrei minha bolsa
guardada no closet, provavelmente Justin deve ter achado ela.

Já passou um mês e nada de Amélia me ajudar, por mais que


eu a cobre, sempre dá um jeito de me enrolar. Já estou ficando sem
paciência, tive que me trancar no quarto de Jake duas vezes só
essa semana, porque ele chegou convencido de que tinha que
obedecer às regras. Lúcio faz sua cabeça todas as vezes que eles
saem juntos, ele está conseguindo e eu estou cada vez mais com
medo. Ele saiu com Lúcio, estou sentada no sofá, pois sei que ele
vai demorar chegar, mas também sei que vou ter que me trancar no
quarto de Jake mais tarde.
Passo mais duas horas assistindo e resolvo subir para o quarto
de Jake, pego uma jarra de água na cozinha e vou em direção a
porta, mas quando abro, deixo-a escorregar de minhas mãos.
— Justin — digo, seu olhar é furioso. — Não caia na conversa
de Lúcio — grito, mas ele agarra meus cabelos e puxa-me, meus
pés descalços se machucam em meio aos vidros. Não vou passar
por aquilo de novo, não vou. Luto contra ele, que tenta me agarrar,
mas não deixo. Ele me empurra e caio no sofá, olho ao meu redor e
vejo um jarro em cima da mesa, que fica ao lado. Pego-o tão rápido
que mal percebo quando o quebro em sua cabeça quando vem em
minha direção. Justin cai no chão apagado.
— Justin — cutuco seu corpo com o pé. Abaixo-me e verifico
seu pulso, está vivo, sinto um alívio. Subo as escadas e jogo todas
as minhas roupas em uma mala. Abro o cofre, que fica escondido no
closet, e tiro todo o dinheiro de lá; pego as joias que ele me deu e
seus relógios e cordões caros. Vou para o quarto de Jake e arrumo
suas coisas. Carrego as malas para dentro do carro e pego Jake,
antes de sair, jogo meu celular do lado do seu corpo, quero que ele
saiba que não adianta me ligar ou tentar rastrear. Entro no carro e
vou para a rodoviária, antes de pegar o ônibus, enfaixo meu pé,
que, depois de me acalmar, comecei a sentir uma enorme dor.
Não tenho um destino em mente, apenas pego o próximo
ônibus, para o Mato Grosso do Sul. Minha nova vida será no sul.
Cansei de ficar sofrendo, dependendo dos outros. Não desisti de
destruir o clã porque sei que eles me encontrarão, mas preciso de
um tempo. Preciso do meu tempo. Não tenho medo de que eles me
matem, pois sei que Lúcio não deixaria. Jake dorme tranquilo em
meu braço, sorrio. Da última vez que estive em um ônibus, eu era
uma garota sonhando com uma vida nova. Agora sou uma mulher
sonhando com uma vida nova para meu filho. Ligo do telefone para
minha mãe.
— Alô.
— Mãe, me desculpa por tudo o que eu disse, eu estava com
raiva, mas agora precisa confiar em mim. Estou correndo perigo,
você não pode confiar em ninguém da família dele, entendeu? Você
precisa fugir, não pode deixar rastros, você também corre perigo. Eu
te amo e desculpa não poder te falar mais.
Capítulo 20

Demora, mas finalmente chego na cidade de três lagoas, tenho


um grande problema a resolver, o que vou fazer agora? Enquanto
não resolvo, sento-me em frente a uma lanchonete que fica na
rodoviária. Penso em mil soluções, mas, na verdade, não chego a
nada. Jake já está pesando e eu estou faminta. Penso em entrar na
lanchonete, mas, antes disso, um casal de idosos sai dela e vem até
mim.
— Você está perdida, menina?
— Mais ou menos, na verdade, eu estava apenas pensando se
tem algum hotel bom por aqui.
— Em cima da nossa lanchonete, temos uma pousada, acho
que você não percebeu — olho para a placa escrito Pousada Sousa.
Como eu sou idiota. Eles riem. — Venha comer alguma coisa,
querida, vocês parecem cansados. — O senhor pega minhas malas
e entro na lanchonete. — Eu sou Lynn e esse é meu marido, Jorge.
— Sou Zara — não arrisco a falar o resto do meu nome. —
Muito obrigada por me ajudarem.
Ela sorri gentilmente. Quando ele me serve um hambúrguer
com batata fritas, quase beijo seus pés. Como e fico observando
eles trabalharem, está tão cheio e ela parece meio perdida. Vejo-a
parar e colocar as mãos nas costas, como se sentisse dor, levanto-
me e vou até ela.
— Sra. Lynn — chamo-a.
— Apenas Lynn, querida.
— Lynn, venha aqui — levo-a para a mesa em que eu estava e
entrego Jake. — Descanse, eu atendo.
— Não precisa, querida.
— Você está cansada.
Começo a atender e não demora para pegar o jeito da coisa.
Agora entendo a loucura que isso aqui estava sendo para ela.
Quando o movimento acalma, suspiro cansada, Jake começa a
chorar com fome.
— Pegue — ela me entrega ele. — Eu dou conta agora —
sorrio. Quando a lanchonete fica praticamente vazia, eles me levam
para o quarto que eu irei ficar.
— E quanto vai ficar? — pergunto.
— Não se preocupe com isso agora, depois falamos sobre
valores. Muito obrigada por sua ajuda, vou pedir para Jorge montar
o berço que era de minha neta para ele.
— Não quero incomodar.
— Não vai. — Ela sorri. — Crianças aqui são sempre uma
alegria — sorrio, mas logo solto um suspiro triste. — O que foi,
querida?
— Ajudar vocês me fez lembrar que preciso arrumar um
emprego, mas não tenho com quem deixar meu filho.
— Não se preocupe, quanto a isso, eu irei ajudá-la, me parece
uma garota gentil, Zara, gosto de pessoas como você —– sorrio. —
Agora, descanse e esqueça os problemas.
— Muito obrigada. — Lynn é uma senhora negra de cabelos
pretos e cacheados, com algumas mexas brancas, seu rosto é lindo
e tem suas marcas do tempo, seus olhos são castanhos, parecem
brilham junto ao belo sorriso que ela me dá antes de sair. Abraço
Jake e solto um longo suspiro aliviada, sinto-me livre. Dou um bom
banho nele e o coloco para dormir. Depois faço o mesmo e apago
do seu lado.
Acordo com o choro de Jake, olho para a janela e percebo que
já é noite. Depois de me arrumar, desço com ele para a lanchonete.
— Zara, que bom que você acordou. — Lynn me abraça.
— Zara, eu estava esperando você acordar, vou subir para
montar o berço de Jake — sorrio, é uma sensação boa ter pessoas
gentis ao seu lado.
— Meu filho foi embora para a Inglaterra com sua esposa e
filha e deixou tudo aqui.
Ajudo-a com a lanchonete enquanto Jorge está montando o
berço. Todos que chegam aqui os conhecem e parecem os adorar,
isso me tranquiliza.
— Lynn, a moça mais bela do Brasil — um homem que
aparenta ter uns trintas anos, cabelos pretos em um topete perfeito,
barba malfeita, olhos castanhos e um corpo musculoso, diz,
abraçando-a. — Vejo que contratou alguém para te ajudar, alguém
muito bela por sinal.
— Tyler, eu deixei de ser moça a muito tempo. — Ela dá uma
risada. — Essa é Zara, ela estava perdida por essa rodoviária e eu a
acolhi com seu filho.
— Zara, você deu muita sorte, foi acolhida pelas melhores
pessoas dessa cidade.
— Estou percebendo isso — digo, sorrindo.
— Mas se continuar acolhendo todo mundo que aparece
perdido por essa rodoviária, ainda vai achar um psicopata. Sem
ofensas, Zara, só me preocupo com esses velhos.
— Eu entendo.
Descubro que Tyler é sobrinho de Lynn. Sirvo sua mesa e ele
agradece.
— Sabe, tia, você deveria contratar Zara, você está ficando
velha demais pra cuidar disso só — penso que ela irá se ofender,
mas ela apenas sorri.
— Seu tio falou a mesma coisa, você é muito boa nisso, não
podemos pagar muito, mas se quiser, a vaga é sua e pode ficar
hospedada de graça — me encho de alegria.
— Claro que aceito — abraço-a. O alívio que sinto por mal ter
chegado e já ter conseguido tanto é perfeito, só espero que isso
continue.
— Onde está Rose?
— Ficou em casa, Lynda está com um pouco de febre. Vai
adorar conhecer elas, Zara. Minha esposa e minha filha — sorrio.
— Imagino que sim. — pego Jake do carrinho. — Esse é o
meu filho.
— Você é muito nova para ter um filho.
— E muito inconsequente. — Ele sorri.
— De onde você é, Zara?
— Rio de Janeiro — minto.
— O que está fazendo aqui?
— Minha relação com o pai dele não era fácil então resolvi vir
embora.
— Está fugindo dele?
— Sim. — Lynn me olha triste. Não vejo problema em admitir
que estou fugindo.
— Então pode contar com todos nós, aqui somos todos uma
família, ajudamos um ao outro.
— Muito obrigada.
— Não me enganei quando meu coração me disse para ajudar
você.
— Não me enganei quando o meu me disse para confiar em
você. — Abraço-a bem forte.
Faz mais de 1 mês que estou aqui e minha vida finalmente
parece ter paz. A mulher de Tyler é um amor e sua filha é um fofura.
Lynn e Jorge estão sendo verdadeiros pais pra mim. Trabalhar na
lanchonete é cansativo, mas não me importo. Eu só quero
aproveitar enquanto eles não me acham.
— Parabéns, Zara. — Rose me abraça, ela é a mulher de
Tyler. — 19 anos?
— Sim. — Sorrio.
— Zara. — Tyler me abraça forte, tirando meus pés do chão.
Ele me trata como sua irmãzinha, mesmo com tão pouco tempo. —
Parabéns, agora só falta irmos comemorar enchendo a cara juntos.
— Dou uma risada.
— Mal posso esperar.
— Não leve a menina para um mal caminho. — Lynn se
aproxima com Jake no colo. Olho a decoração, tão simples, mas tão
perfeita. Eles insistiram em fazer, mesmo eu recusando. Meu filho já
está tão grande, quatro meses que se passaram tão rápido.
— Eu tenho um presente pra você, Zara. — Lynn me entrega
uma caixinha bem pequena. Abro, é um colar com um coração. —
Agora abra o coração. — Meus olhos marejam, é a primeira foto que
Lynn tirou minha e de Jake, eu estava fazendo-o sorrir enquanto
não tinha clientes na lanchonete. Seu sorriso é tão gostoso. Abraço
Lynn.
— Muito obrigada.
— Sempre que estiver em um momento difícil, quero que você
olhe para essa foto e lembre que até dos momentos piores, nos é
dado coisas boas. — Quase choro em seus braços.
— Não sabe o quanto eu sou grata a você, na verdade, a todos
vocês. — Jorge me ajuda a colocar o colar. Essa sensação de ser
feliz, eu tinha me esquecido que era real. Passo a melhor noite da
minha vida. Meus aniversários nunca foram felizes, ou não tínhamos
dinheiro ou Bruce os estragava. Tyler me dá uma pulseira com um
pingente com a inicial do meu nome, enquanto Rose me dá um lindo
vestido. Jorge me dá uma Scooter velha que ele tinha, que eu
adorei pois não vou ter que ir a pé fazer as compras no mercado.
Ele disse que consertou pensando em mim. A festa está tão boa,
dançamos, cantamos e comemos.
Capítulo 21

— Quem é o bebê mais lindo do mundo que tá fazendo 8


meses hoje? — faço careta e Jake cai em uma risada gostosa, seus
primeiros dentinhos já apareceram e deixam-no ainda mais fofo,
seus cabelos loiros e seus olhos castanhos, tudo nele é tão lindo.
— Nunca vi um bebê sorrir tanto. — Jorge cai na gargalhada
— Será um grande garoto.
— E o mais lindo — digo.
— Nosso Jake está animado para o seu primeiro Natal? —
Lynn pergunta, aproximando-se dele.
— Aposto que está. — sorrio e limpo a boca babada de Jake.
O primeiro Natal com meu filho.
— Jorge, minha Scooter quebrou de novo. Ela está no celeiro.
— Fechamos a lanchonete para passar o Natal na pequena fazenda
deles. Adoro quando venho aqui.
— Darei uma olhada nela depois, você tinha mesmo que vim
de Scooter? Aquela velharia não aguenta seu pique, Zara. — Ele
sorri e eu acompanho.
— Ela tem sido minha melhor amiga desde que a ganhei.
— Pensei que sua melhor amiga fosse eu — Rose diz,
entrando com uma travessa de torta nas mãos.
— Talvez, se você me desse um pedaço dessa torta.
— Não! Ninguém toca na minha torta até a ceia. — Rose
protege a travessa como um filho.
— Nem eu, mamãe?
— Nem você! — Lynda olha triste para sua mãe, mas nem isso
a convence.
— O papai vai dar muita torta pra você mais tarde, querida. —
Tyler beija seu rosto. — Vai brincar. — Ela sai, dando pulinhos
animada. Olho para Lynn, que nos observa não muito feliz.
— O que foi, Lynn? Me parece triste? — Todos voltam seu
olhar para ela.
— É Luiz que não veio para o Natal — Jorge responde por ela.
— Ele disse estar ocupado demais com o trabalho. — Sinto pena de
Lynn, ela ama tanto seu filho e sente falta de sua neta, mas, para
ele, sempre é o trabalho em primeiro lugar. Abraço Lynn e Tyler me
acompanha, ficamos agarrados a ela, um de cada lado.
— Luiz não veio, mas você tem nós dois, seus filhos do
coração — Tyler diz, arrancando um sorriso dela.
— O que seria de mim sem você dois, hein? –Você, Zara, que
está a tão pouco tempo conosco e já a consideramos uma filha. —
Abraço-a mais forte. Ela é minha segunda mãe. Sinto falta da minha
mãe, eu queria ligar para ela, mas tenho medo de que isso me
entregue e ainda estou magoada com ela, mas também preocupada
se algo aconteceu.
— Eu que não seria nada sem você.
— Nem eu — Tyler diz.
Quando chega a noite, arrumo Jake, ele está mais lindo do que
nunca. Visto um vestido vermelho rodado que vai até o meio da
minha coxa. Meu cabelo está solto e ondulado.
Desço com Jake e todos já estão lá.
— Vocês estão lindos — Lynn diz, tomando Jake do meu colo.
— Que gata, Zara! — Tyler grita com um copo de cerveja na
mão. Rose também está linda em um vestido colado e rosa. Lynda,
com certeza, é a mais linda de nós todos. Conversamos ao redor do
sofá e relembramos algumas coisas, aprendo mais sobre eles,
bebemos. Pego Jake do colo da Lynn quando ele começa a chorar e
vou para fora, sento-me em uma das cadeiras na varanda enquanto
brinco com ele.
— É o melhor Natal da sua vida também? — pergunto mesmo
sabendo que ele não vai responder e que esse é um único Natal da
vida dele. Ouço um barulho de carro e logo os faróis aparecem bem
distante na entrada, vou para dentro e aviso que tem alguém vindo.
Entrego Jake para Rose e vou para fora junto com Tyler e Jorge. O
carro para e esperamos alguém sair de dentro. Quando a porta se
abre, já tenho quase certeza de que essa é a minha despedida, que
o momento, que eu tanto temia, mas esperava, chegou. Lúcio sai de
dentro do carro e vou até ele. Dou um abraço nele e sussurro em
seu ouvido:
— Disfarce. Não quero que eles percebam que tem algo
errado, não quero colocar eles em perigo.
— Quem é esse, Zara?
— Um amigo. Como me encontrou, Lúcio?
— Não foi fácil.
— Tem informações sobre o ex-marido de Zara? — Tyler
pergunta — Sou louco para encontrar esse cara.
— Ele está morto. — Lúcio entende rápido o que está
acontecendo. — Acidente de carro, ele estava dirigindo alcoolizado.
— Abraço Lúcio mais uma vez.
— Como é bom ouvir isso, não que eu desejasse que ele
morresse, mas agora sei que não corro mais risco de vida — me
viro para Tyler e Jorge. — Ele pode ficar? Juro que ele é uma boa
pessoa — tento soar mais verdadeira possível.
— Claro, Zara.
— Antes, precisamos conversar a sós — digo a Lúcio.
— Nós vamos entrar — Jorge diz, chamando Tyler.
Levo-o para o celeiro.
— Por que diabos fugiu? — ele grita. — Passei 5 meses
escondendo do clã seu desaparecimento, porra. — Ele agarra meus
braços com força. — Sabe o quanto eu te procurei? Sabe quantas
noites eu fiquei sem dormir pensando pra onde você teria ido e se
você estava bem? Sabe como eu senti sua falta todos os dias? — O
olhar desesperado de Lúcio, suas palavras, fazem-me sentir um
monstro, mas logo percebo que os monstros são eles. Terei que
voltar querendo ou não, eu tinha um plano antes de fugir e essas
férias que eu tive foi o suficiente para ter certeza de que vou seguir
com eles, pois descobri de novo o que é ser feliz, o que é ser livre.
Que meus planos comecem agora.
— Me desculpa — digo, tentando parecer o mais arrependida
possível. Aproximo meus lábios dos seus e beijo-o. As mãos de
Lúcio soltam meus braços e agarram minha cintura com força, nada
nos separa, nossos corpos estão completamente colados um no
outro. Deixo a tensão de lado e relaxo, apenas aproveito seu beijo,
ele me beija com tanta intensidade que logo perco o fôlego. Lúcio
me joga contra a parede e beija meu pescoço, sinto suas mãos
descerem até a barra do meu vestido, então o paro.
— Lúcio. — Vou até seu ouvido e sussurro: — Está quebrando
as regras novamente. — Beijo seu pescoço enquanto espero sua
resposta.
— Por você, eu quebro todas elas.

Termino de me arrumar e fico sentada observando Lúcio se


vestir. Eu não sei o que pensar sobre o que acabou de acontecer.
Ele me estende a mão e puxa-me para si. Seus lábios estão
próximos aos meus, mas ele não me beija.
— Precisamos ir.
— Você vai ter que voltar.
— Shh. — Coloco meu dedo em seus lábios — Não estrague
tudo. — Pego sua mão e vou em direção à casa. Quando entramos,
todos nos olham. — Gente, esse aqui é Lúcio, um amigo do rio que
foi muito fofo em ter me procurado. — Lynn vem para abraçá-lo.
Pego Jake no colo, fico no canto da sala enquanto eles conversam
com Lúcio.
— Ele está enorme. — Percebo Lúcio se aproximando
novamente. — Por que está aqui sozinha?
— Quero admirar uma última vez a família que estou
perdendo. Foi tão bom estar com eles, me deu esperanças de que,
um dia, a minha vida seja assim, simples, mas feliz.
— Você tem coisas que eles jamais poderão ter, você tem
dinheiro, Zara, a família de Justin tem dinheiro.
— Trocaria todo esse dinheiro por isso. — Aponto para eles. —
Ser feliz, amar de verdade. Ser livre. O dinheiro é um mero detalhe,
você descobre isso quando percebe que a maior riqueza é ser feliz.
— Não entendo como pode achar isso.
— É meia noite! — Tyler grita — Feliz natal.
Abraço Lúcio bem forte.
— Feliz natal.
— Feliz natal. — Ele sorri. Todos veem e abraçam-nos.
— Está feliz, Lúcio? — pergunto, vendo seu sorriso.
— Sim.
— É bom, não é? — então, ele percebe do que estou falando.
Seu sorriso se esvai, mas sei que ele entendeu. — Como Justin
está?
— Idiota como sempre. Não quero que volte para ele.
— Eu também não quero Lúcio, mas são as regras — sei que
isso soa irônico, ele sabe que não ligo para as regras. Lynn nos
chama e sentamo-nos com eles ao redor da mesa, Jake parece
cansado, mas não se entrega ao sono.
— Aquela Scooter é mais velha que você, Jorge! — Tyler diz,
tirando uma risada de todos.
— Aquela Scooter foi a primeira que ganhei — Jorge
menciona. — Ela era pra ser sua, mas lembra que você disse que
era uma lata velha? Zara adorou.
— Você acha que eu ia conquistar uma gata dessas? — Ele
beija Rose. — Com aquela Scooter? — Rose cora e nós rimos.
— Vou levar Jake lá pra cima — aviso, já levantando-me. Subo
as escadas com cuidado para não o incomodar. Coloco-o na cama e
deito-me ao seu lado. — Sente falta do seu berço? — Sorrio e beijo-
o. Nem percebo quando ele entra no quarto, apenas o sinto deitar
ao nosso lado. Ele beija meu pescoço.
— Quando aconteceu isso? Quando você começou a gostar de
mim?
— Quando você encontrou o Luciano, você me desafiou e tudo
que eu pensava era que eu podia acabar com sua vida, mas eu não
te odiei por aquilo, todas as pessoas abaixaram a cabeça para mim,
mesmo quando eu estava errado, mesmo quando eu fui cruel.
Aquela noite, eu te admirei e todas as outras vezes que eu te vi, fez
algo dentro de mim crescer, mesmo que eu quisesse dizer que não,
te ver me fazia bem. — Viro-me para ele e encaro-o.
— Eu só queria entender por que ser cruel se você sabe que
está errado? Por que ser líder disso? — Ele tira a camisa e então eu
vejo que ele também tem marcas, não tinha percebido antes porque
estava escuro. Ele tem muitas marcas em suas costas.
— Meu pai sempre quis que eu fosse como ele e ele era
horrível. Todas essas marcas são dele, eu era uma vergonha porque
eu não queria fazer isso com ela. As pessoas pensam apenas que
ela foi punida por aquilo, mas tem muito mais. O que o clã fez
conosco... — começa a chorar — doí lembrar daquilo, ela nunca
mais foi a mesma e nem eu. Ele disse que eu seria um grande líder,
assim como ele, mas antes ele me faria entender porque as regras
eram importantes, já que eu não tinha entendido isso antes. Eu tive
que aceitar ou ele nos mataria.
— Você queria deixar o clã?
— Não. Deixa o clã é impossível, eu só queria viver com ela e
fazer com que ela sofresse o mínimo possível.
— Não é impossível deixar o clã.
— O propósito do clã é nos fazer ser ricos, eu não queria
perder tudo, nós trabalhamos muito por isso.
— Vocês se importam mesmo com dinheiro, né? Tirar a
liberdade das pessoas... aliás, por que você quer ser rico?
— Você não entenderia, não entende que, tudo o que
conseguimos, exigiu muitos sacrifícios.
— Você foi doutrinado e eu sinto pena de você por isso. — Ele
não diz mais nada, apenas se vira para dormir.
Acordo de manhã e nenhum dos dois estão ao meu lado.
Arrumo-me e encontro todos tomando café.
— Zara — Lynn chama animada quando me vê. Vejo Lúcio
com Jake no colo no final da mesa, sento-me ao lado deles.
Enquanto todos conversam, tento criar coragem para dizer que
iremos embora depois do Natal, mas é difícil. Eles são minha família
também.
— Queria dizer uma coisa pra vocês — digo e a conversa para.
— O quê, Zara? — Lynn pergunta preocupada.
— Irei embora após o Natal. — Todos me olham surpresos.
— Zara, não pode ir embora — Rose é a primeira a dizer.
— Eu sinto muito, mas vocês têm que entender que deixei uma
vida para trás e agora ela me chama de novo e preciso resolvê-la.
— Choro quando vejo o olhar triste de Lynn. — Prometo que vou
visitar vocês sempre que der, Lynn, por favor, não fique triste. —
Levanto-me e abraço-a. — Eu vou ser eternamente grata por tudo
que você e todos vocês fizeram por nós. Vocês são minha família.
Eu amo todos vocês muito e vocês me deram os melhores dias da
minha vida. Um dia, todos vocês vão entender o porquê disso tudo.
Eu prometo. — Lynn me abraça forte.
— Tenho tanto medo de você sofrer de novo, menina.
— Cuidarei dela — Lúcio diz. Eu o encaro com medo, ele
realmente faria isso?
Quando voltamos para a cidade, todos parecem triste. Sinto-
me culpada. Tyler nem falou comigo desde ontem. Arrumo minhas
coisas e as de Jake. Lúcio me ajuda a descer com as malas, estão
todos lá nos esperando. Abraço Lynn primeiro.
— Nós sempre vamos estar aqui pra você.
— Se não nos visitar, vou ser obrigado a ir até você — Jorge
brinca
— Só promete que não vai dar minha Scooter pra ninguém. —
Ele sorri.
— Eu prometo. — Abraço-o fortemente.
— Você é o pai que eu nunca tive.
— E você, minha filha.
— Cuida bem dessa garotinha, viu? — Rose me abraça. —
Obrigada por ter sido minha amiga. E você, Lynda, se comporte. —
Dou um beijo nela, em seguida, paro em frente a Tyler e abraço-o.
— Quando você me falou o que passou, eu pensei que eu iria
te proteger pra sempre, que ninguém mais iria te machucar. Conheci
você tão bem que se tornou minha irmãzinha, não aceito que vá
embora. — Ele me abraça. Eu disse a eles apenas que sofria
agressões do meu marido e foi o suficiente para eles quererem me
proteger para sempre, eu queria contar a verdade a eles, mas não
quero ninguém morra por minha causa novamente, como Andrew
morreu. Apesar de ele ser um idiota na maioria das vezes, eu não
me sinto bem com isso.
— Se alguém encostar em mim de novo, você será o primeiro
a saber. — Beijo seu rosto. — Prometo sempre vir ver vocês, não
queria ir embora, mas eu preciso. — Pego Jake do colo de Lynn e
vou até o carro, aceno para eles enquanto vamos embora. Choro o
caminho inteiro. Não tem nada pior do que deixar quem se ama.
Queria estar perto deles, como estive nos últimos meses, nunca fui
tão feliz.
Capítulo 22

— Zara — Lúcio me cutuca, encaro-o sonolenta. Meu braço já


está dormente pelas longas horas que Jake ficou dormindo em meu
colo —, chegamos.
— Será que Justin está aí? — pergunto, percebendo o
abandono da casa.
— É sobre isso que eu queria falar com você. — Lúcio me olha
tão sério que me assusta. — Eu não menti sobre seu marido ter
morrido — suas palavras soaram quase felizes e eu quase acreditei
nele.
— Está mentindo. — Saio do carro cuidadosamente com Jake
em meu colo. Vou em direção a porta, é claro que ele está
mentindo. Justin iria morrer, mas apenas de mentira. Eu mesma
planejei isso.
— Zara! — Lúcio grita comigo e puxa meu braço com força,
fazendo-me parar. — Justin morreu faz dois meses, ele estava
dirigindo bêbado e bum, morreu! — Meus olhos marejam e fico
surpresa com a frieza de Lúcio.
— Por que está inventado isso, Lúcio? — penso que talvez ele
tenha descoberto sobre as mulheres do clã e meus planos. — Ele
não morreu, ele não morreria. — Eu não deveria estar chorando,
mas estou e muito. Torço para que seja mentira. Sinto uma dor no
coração em imaginar Justin morto. — Lúcio, me diga que é mentira!
— grito e ele, primeiro, me olha assustado, por um momento, triste e
depois, sua raiva volta.
— Ele estava comigo antes de morrer, bebeu demais
pensando em como encontrar você, ele passou meses deprimido
por sua causa. — sei que ele não se importa com o que Justin
sentia, ele só quer me atingir.
— Não fale como se você se importasse com ele!
— E você se importa? Foi embora e o deixou aqui sozinho.
Escondemos do clã seu desaparecimento e olha, não foi fácil,
principalmente depois que ele morreu. — Ele me encara magoado.
— Fiz de tudo para encontrar você, tudo e agora você está aqui,
chorando por ele? Como pode? Eu fui atrás de você, eu fiz de tudo
pra encontrar você. Quebrei grandes regras do clã por você e agora
você está chorando por ele, Zara? Deve estar se sentindo mal pelo
que fizemos.
— Lúcio, choro por ele, porque, apesar de tudo, de alguma
forma, mesmo que pequena, eu o amei. — Lúcio se vira e se
apronta para sair, mas não deixo. — Choro por ele e vou chorar
muito ainda, sabe por quê? Porque eu tenho coração, eu sinto pena
das pessoas, sou capaz de sentir até sua dor. Sempre soube que
Justin, apesar de todos os defeitos, era uma pessoa boa e se você
gosta tanto de brincar com meus sentimentos, de me fazer se sentir
mal pela morte dele, só quero que saiba que não me sinto, mas
culpo você por isso. Eu nunca teria fugido se você não tivesse o
manipulado.
— Eu só queria que você visse quem ele é de verdade.
— E você, quem você é de verdade? Quem é esse Lúcio de
baixo dessa armadura de homem mal?
— Ninguém nunca descobriu.
— Ane descobriu. Ela acreditava em você, mesmo você
sempre errando, sempre a maltratando. Eu acreditava no Justin
também, acreditava que ele iria se libertar dessa ingenuidade que
ele tinha perante o clã.
— E aí, você ficaria com ele.
— Minha vida tem um destino incerto.
— Deve ser porque o seu destino é tão complicado quanto
você. — Lúcio sai, mas para. Tento não me entregar as suas
palavras. — Comunicarei ao clã sua volta, se prepare, pois, mais
tarde, terá nossa visita, não esqueça que você passou um tempo
longe para superar a morte do seu marido. Está disponível para os
homens do clã, não se preocupe, você será minha.
— Mas é isso que me preocupa, Sr. Destino complicado —
respondo, sorrindo, ele apenas sorri de lado.
Quando ele vai embora, deixo todas as minhas forças de lado.
Entro em casa ainda chorando, subo para o quarto de Jake e
coloco-o lá. Vou para o quarto que costumava ser nosso. Você não
morreu de verdade, Justin. Não pode ter morrido, seu idiota.
Lembro-me de Lúcio e tudo que ele falou. O turbilhão de
sentimentos dentro de mim me faz querer esquecer os dois. Sento-
me no chão e encosto minhas costas na cama. Quero começar de
novo, queria nunca ter os conhecido. Por que Lúcio tinha que se
envolver nisso? Era tão mais fácil sendo nós dois. Entro de baixo do
chuveiro e relaxo. Arrumo-me e cuido de Jake quando ele acorda,
precisamos ficar prontos para quando os homens do clã
aparecerem. Preciso entrar em contato com Amélia. À campainha
toca e desço com Jake, abro a porta e recebo-os.
— Espero que o tempo que ficou fora tenha sido o suficiente
para você superar, Zara — Lúcio diz.
— Apesar de tudo ser muito recente, ajudou muito. Obrigada
por terem concordado.
— Quando Lúcio pede — o homem mais velho diz —, é
impossível dizer não, nossa confiança em Lúcio é imensa. — Lúcio
sorri para ele. — Você não pode ficar desamparada, ainda mais com
uma criança, então decidimos que você ficaria à disposição dos
homens do clã, ainda não casados ou viúvos. Mas não precisamos
de muito para encontrar um par ideal para você. Lúcio se dispôs a
ficar com você e seu filho. — Ele encara Lúcio. — Muito boa
escolha, Lúcio, um bom líder não pode ficar tanto tempo sem uma
mulher ao seu lado e você encontrou uma moça muito linda.
— Obrigado, Marvos. — É estranho ouvir seus nomes sendo
pronunciados, os mais velhos sempre são misteriosos.
— Fico honrada em ser sua escolhida, Lúcio.
— O prazer é todo meu em ter uma bela mulher como você ao
meu lado.
— Então podemos anunciar que o nosso líder Lúcio tem sua
escolhida? — Marvos pergunta alegre.
— Podemos. — Lúcio o abraça.
— O casamento de um líder é uma grande festa no clã, o
casamento de Lúcio e Ane foi um dos maiores. — Marvos vem até
mim e abraça-me. — Parabéns por essa grande honra, ser mulher
de um líder é um dos maiores privilégios do nosso clã. — Marvos é
radiante, percebo o motivo, Lúcio é como um filho para ele, seu
maior orgulho. — A escolhida de Lúcio.
Capítulo 23

Acordo assustada, sinto o suor escorrendo da minha testa,


olho para o lado e Lúcio está me encarando. Devo tê-lo acordado.
— Está tudo bem? — ele pergunta.
— Foi... — lembro do pesadelo que tive — foi só um pesadelo,
cobras e ratos, muito nojento! — Ele sorri e beija-me.
— Vá dormir. — Lúcio se vira e volta a dormir. Tento esquecer
a imagem de Justin morto, que vejo todas as noites desde que vim
para casa de Lúcio, há uma semana. Vejo-o sair do carro
machucado, chorando, pedindo-me perdão. Seguro-me para não
chorar. Viro-me para o outro lado da cama e apesar de algumas
lágrimas escorrerem, eu logo caio no sono.
— Bom dia — digo, sonolenta, olhando Lúcio se arrumar.
— Só se for pra você, eu tenho muito estresse me esperando
— o bom humor de Lúcio, de todas as manhãs.
— Cuido de duas crianças o dia inteiro, cuidar de uma
empresa seria moleza perto disso.
— Não enche. — Ele termina de arrumar a gravata e sai,
batendo a porta. Reviro os olhos. Nunca entendo Lúcio, tem horas
que ele simplesmente é um anjo e outra hora, é esse bruto. Arrumo-
me e corro para o quarto de Jake quando a babá eletrônica soa com
seu choro.
— Bom dia, meu amor — pego-o no colo e tento fazê-lo parar
de chorar. — Acordou com o mesmo humor de Lúcio? — Sorrio,
lembrando que boa parte do mal humor de Lúcio é por causa de
Jake, que geralmente acorda três vezes de noite, mas ontem ele
deu um descanso. — Vamos nos arrumar? Ainda tenho que arrumar
Luciano pra escola. — Jake para de chorar e eu vou arrumá-lo.
Luciano não me aceitou muito bem por causa de Justin, mas ele já
parece se acostumar, não é do tipo de criança birrenta. Termino de
arrumar Jake e vou para o quarto dele, que já está quase pronto.
— Você sempre acorda cedo assim?
— Desde que minha mãe foi embora, sim.
Ajudo-o a terminar e não toco mais no assunto de Ane.
— Está lindo! — Dou um beijo em seu rosto.
Levo Luciano até o carro. Cada dia, ele fala mais comigo. Ele
pensa que deixei Justin, não contei a ele sobre sua morte. Volto
para casa e pego Jake do carrinho. O telefone toca e atendo:
— Alô!
— Zara, que bom que é você — reconheço a voz de Amélia. —
Preciso muito falar com você, tem como vim me encontrar?
— Amélia, não quero falar sobre isso agora, depois de tudo
que aconteceu, eu quero passar um tempo em paz.
Eu tentei falar com ela quando voltei, mas sua empregada
atendia, dizendo que Amelia estava viajando.
— Nós precisamos acabar com isso logo.
— Já levei tanta rasteira da vida que o clã me parece fácil
agora. Eu estou cansada.
— Zara, eu imploro, tem coisas que você precisa saber.
— Quando eu me sentir bem para falar disso, eu vou até você.
Até lá, se mantenha longe.
— Tudo bem, Zara, mas não se esqueça que o que eu tenho
pra te contar, pode mudar tudo que você está sentindo.
— Eu vou procurar você, mas não agora — desligo o telefone.
Não me sinto preparada para isso agora. Preciso melhorar, sempre
que estou prestes a fazer algo, alguma coisa acontece e muda tudo.
Passei uma semana enfurnada nessa casa, preciso sair um pouco.
Dirijo até um shopping. Compro algumas coisinhas para ele, Lúcio e
Luciano.
Na verdade, foi muita coisa, espero que Luciano goste. Sento-
me em uma cafeteria com Jake ao meu lado. Desde que voltei, não
procurei ninguém, minha mãe, Melissa e Maia... eu realmente queria
alguém para conversar, mas Maia e minha mãe não sabem o que
realmente se passa comigo e Melissa, eu não consigo nem imaginar
como ela está.
— Zara? — ouço uma voz atrás de mim, que não me é
estranha. Viro-me para ver quem é o dono dessa voz.
— Rodrigo? — Levanto-me e abraço-o. Ele foi o primeiro amor
da minha vida. — Quanto tempo!
— Sim. Você está linda!
— Obrigada! — Percorro meu olhar por todo o seu corpo que
agora não é mais magro e sim, musculoso, seu rosto de bebê não
existe mais, deu lugar a um rosto sexy e uma barba. Seus cabelos
castanhos continuam sendo os mesmos, com o mesmo penteado de
sempre, e seus olhos... suspiro com aqueles dois olhos verdes. —
Você mudou bastante e está lindo também. — Ele olha para o
carrinho ao meu lado. — Esse é meu filho, Jake.
— Que lindo, se parece muito com você, olha esses cabelos
loiros! Posso pegar? — Entrego Jake a ele. — Você se casou?
— Na verdade, eu me casei, fiquei viúva e vou me casar de
novo. E você?
— Cheia de amores, você! — Sorrio. — Eu estou casado. Você
já vai conhecer. — Ele se senta comigo ainda com Jake em seu
colo. Conversamos sobre nossa adolescência e sorrimos muito da
forma que aprontávamos e como eu fugia de Bruce para dormir na
casa dele.
— Zara, está fazendo o que aqui? — Lúcio aparece em minha
frente, nada contente.
— Lúcio — beijo-o, na expectativa de melhorar sua expressão.
— Eu vim dar uma volta com Jake.
— Quem é esse aí? — Lúcio pergunta e Rodrigo me encara,
assustado com a falta de educação dele.
— Esse é o Rodrigo. Um amigo meu, ele morava na mesma
cidade que eu. — Rodrigo estende a mão para ele e Lúcio aperta,
ainda desconfiado. O celular de Rodrigo toca e ele pede licença.
— O que você faz aqui? Por que saiu sem pedir permissão?
— Não vou pedir permissão pra sair, apenas entenda isso.
— Por que é tão rebelde? — Ele me encara irritado. — Eu
tenho vontade de...
— Voltei. — Rodrigo diz se senta ao nosso lado novamente,
ele olha para os lados e acena para um homem que entra na
cafeteria e senta-se ao nosso lado. — Esse aqui é o meu marido,
Mauro, e Mauro, essa aqui é uma amiga de infância, Zara, e esse
aqui é seu marido, Lúcio. — Mauro beija meu rosto e aperta a mão
de Lúcio. — Quer dizer, futuro marido — corrige-se, sorrindo.
Fico surpresa em descobrir que minha paixão adolescente é bi,
eu nunca tinha imaginado isso, mas fico contente em vê-lo feliz.
Vejo um sorriso no canto dos lábios de Lúcio, ele me encara e tento
mudar meu semblante.
— Isso é uma novidade.
Volto para casa e ouço toda a ladainha de Lúcio, passamos
uma hora brigando. Vou dormir irritada com ele, estava demorando
para esse clã entrar em nossa relação.
— Bom dia — Lúcio diz rude.
— Bom dia — respondo no mesmo tom.
— Esqueci de te falar uma coisa. — Ele me encara. — Vi sua
cara quando descobriu que ele era gay, na verdade, todo mundo viu!
— Reviro os olhos.
— Eu fiquei surpresa porque nós já fomos namorados e eu
nunca tinha desconfiado.
— Namorado? — pergunta surpreso e eu apenas reviro os
olhos, ele tenta falar algo, mas não consegue, somente encara-me
bravo. Lúcio, com ciúmes de mim? Isso deveria ser assustador.
Resolvo ir à casa de Amelia, ainda tenho um fio de esperança
sobre o Justin, mas o meu medo é maior. Levo Jake comigo, eu
sempre tenho a sensação que se ficar longe dele, algo pode
acontecer.
— Zara — suspira fundo —, que bom que você não demorou.
Capítulo 24

— Quando descobri que você sumiu, fiquei impressionada —


Amélia diz.
— Como você sabe? Lúcio escondeu isso.
— Nós estamos um passo à frente deles, Zara. Quando
descobri que Lúcio estava escondendo seu sumiço, tive certeza de
que você estava certa. Tem ele em suas mãos.
— Então você não acreditava em mim antes?
— Eu não podia me arriscar.
— Estava me enganando... — Encaro-a furiosa.
— Eu estava buscando provas!
— O que adiantou? Justin está morto de verdade agora. Não
era pra ele morrer mesmo.
— Justin está morto... — diz pensativa. — Tenho uma coisa
para mostrar a você. Mas isso depende se você vai querer me
acompanhar.
— Não tenho mais nada a perder.
Entro no carro de Amélia. Observo-a, aposto que ela tem uns
50 anos, mesmo que não aparente. Amélia nunca me falou quem é
seu marido, eu também nunca perguntei, mas acredito que seja
alguém importante. Pergunto-me se ela tem muitas marcas. Melissa
sempre cobre seus braços, pois suas marcas são enormes e
horríveis. Amélia faz a mesma coisa, ela me parece que vive em
grande amargura, mas acredito que acabar com o clã não vai tirar
isso dela. Não vai tirar isso de nenhuma de nós. As marcas em
nossas costas fazem parte de nós, eu percebi isso, mas acho que
elas não. A verdade é que nunca vamos acabar com o clã de
verdade, só vamos evitar que outras passem o que passamos.
— Chegamos. — Saio do carro e observo a paisagem ao meu
redor. É uma casa velha, rodeada de matos ao seu redor e quando
me aproximo, percebo o quão fedorenta é. O cheiro de mofo me
incomoda. Entro na casa e algumas mulheres estão lá. — Nos
levem até lá.
— Sim, senhora. — Amélia tem um poder sobre elas. É como
se o respeito fosse parte de si. Acompanhamos a mulher que abre a
porta de um dos quartos. Amélia para e encara-me.
— Entre. — Não contesto, apenas faço o que ela manda.
Agradeço por Jake ser tão calmo. Entro no quarto e a porta se
fecha. Começo a me assustar, o quarto é iluminado por alguns
buracos no telhado que dão passagem a luz do dia. Percorro meu
olhar pelo quarto até que ele para em um canto escuro. Tem alguém
ali, caminho devagar até lá, quando a pessoa percebe minha
presença, mexe-se e um feixe de luz ilumina seu rosto.
— Justin — digo, quase me jogando sobre ele.
— Zara... — ele diz com dificuldades. Passo minha mão por
seu rosto.
— Você está vivo! — Abraço-o junto com Jake e não consigo
conter as lágrimas, eu estou aliviada. — Você está vivo.
— É o Jake? — ele pergunta, ele mal consegue abrir seus
olhos, que estão inchados e roxos.
— Sim, elas machucaram você? — Ele faz que sim com a
cabeça e pega Jake mesmo com dificuldades.
— Você está tão grande... — Ele chora. Seu rosto
completamente machucado me assusta. Ele não tira seu olhar de
Jake. Lágrimas rolam de seu rosto. — Pensei que nunca mais veria
ele. Quando você fugiu, fiquei desesperado. Tentei procurar você,
mas Lúcio não deixou — percebo raiva em sua voz quando fala de
Lúcio.
— Estamos aqui agora. — Tento tocá-lo, mas ele não deixa. —
Justin?
— Sei que isso foi plano seu.
— Parte dele, sim, mas nunca fui a favor de te machucarem,
pensei que você tinha morrido de verdade.
— Por que me manter longe? Me acha tão inútil assim?
— Você estava transformado. Estava indo pela cabeça de
Lúcio.
— Fui muito idiota com você, mas me manter aqui foi a coisa
mais burra que você poderia fazer. Apesar da tristeza que senti
quando você fugiu, isso serviu para eu perceber algumas coisas.
— Sobre o clã?
— Não. Sobre meus sentimentos, sobre você.
— Não quero falar disso agora... — Olho para a porta quando
ouço algumas batidas. — Preciso ir. — Ele beija a testa de Jake e
entrega-o. — Não vou deixar elas machucarem você de novo.
— Zara, você pode ir ver a Maia? — ele pergunta. Fico
surpresa.
— Por quê?
— Ver se ela está bem, preciso saber como ela está.
— Por que se importa com ela? O que você tem com Maia?
— O tempo que esteve fora, eu disse. Ele me mudou, Zara. Eu
estava me referindo ao que eu sentia sobre você, não é a mesma
coisa que eu sinto por Maia.
— Me traiu com minha amiga?
— Você me traiu com Lúcio.
— Não traí você, eu avisei sobre ele e você não quis me ouvir.
— E Andrew?
— Andrew... — fico sem palavras. — Andrew era meu amigo e
tudo que ele queria era me ajudar a se livrar de você.
— Apenas me diga se ela está bem ou não. — Ele suspira. —
Se não vou ficar com ela, preciso apenas saber se ela está bem, se
está feliz. — Sinto raiva, não tenho esse direito, mesmo assim sinto.
— Não fique triste, Zara, nem eu e nem Lúcio merecemos você.
— Como pode ter certeza?
— Porque nós dois fizemos você sofrer e você acabou de me
dizer que não vai deixar fazerem o mesmo comigo e, Zara, eu
mereço toda essa dor. E mesmo assim, você continua sendo uma
pessoa boa, mesmo depois de tudo. Você só se torna cada vez
melhor do que nós. Zara, acabe com o clã. Você não precisa nem
de mim e nem de Lúcio pra isso, você é o suficiente.
— Queria que apenas uma vez me falassem que eu não sou
capaz. Porque, às vezes, é isso que eu sinto.
— Apenas faça, Zara.
— Sabe que não é fácil, sabe que poderia ter me ajudado, mas
você apenas me obrigou a fazer isso com você e agora tenho que
apostar tudo em Lúcio.
— Por que acha que ele vai fazer isso por você?
— Porque ele me ama e já fez mais por mim do que você. —
Saio do quarto sem escutar mais nada.
Quando vou embora, não tiro tudo o que ele me falou da
cabeça. Justin não me ama e nem eu o amo. E agora, ele ama outra
pessoa. Não sei se posso encarar Maia depois de tudo isso, posso
não o amar, mas ainda, sim, ele não podia me trair, eu só queria que
ele tivesse sido o que eu esperava. Volto para casa e Luciano já
está lá. Dou um abraço nele e coloco Jake no carrinho.
— Voltou mais cedo hoje?
— Sim. — Ele vai até o carrinho brincar com Jake, enquanto
jogo-me no sofá.
— Amanhã você faz 5 anos — falo animada. Eu tinha
esquecido completamente. Não comprei nada para fazer alguma
coisa pra ele.
— Sim! — Ele sorri. — Acho que minha mãe vem! — olho para
ele triste. Eu queria muito explicar a morte para ele, mas Lúcio me
proibiu. Ele não quer ferir os sentimentos dele, mas alimentar uma
coisa que nunca vai acontecer é pior ainda.
— Nós podíamos ir comprar algumas coisas pra sua festa, o
que acha?
— Pode ser.
— Então, vai se arrumar! — Subo para o quarto e arrumo-me,
depois ligo para a babá. Quando ela chega, vejo Luciano descendo
das escadas.
— Jake não vai?
— Não, só nós dois — dou um beijo no rosto de Jake antes de
ir, pego na mão de Luciano e vamos para o carro. Me dói deixar
Jake com a babá, mas eu mereço um descanso. E quero dar total
atenção para Luciano.
Quando chegamos no shopping, a primeira coisa que Luciano
me pede é para brincar. Fico olhando de longe e brinco um pouco
com ele. Me faz lembrar a infância. Compramos algumas coisas
para fazer uma festinha.
— Vai chamar algum amigo?
— Não. Quero só vocês lá.
— Tudo bem.
Quando saímos de lá, não vou para a casa. Pego o caminho
do cemitério. Lúcio que me perdoe, mas não quero ver Luciano triste
no dia do seu aniversário.
— Cemitério?
— Sim.
Pego em sua mão e levo-o até o túmulo.
— Mamãe. — Ele aponta para foto.
— Luciano, sua mãe não vai amanhã. Ela não pode, mas eu
trouxe você aqui porque você pode sentir um pouco da presença
dela.
— Posso?
— Pode! — Abraço-o. — Nós dois podemos. É só você fechar
os olhos e imaginar sua mãe... — Olho ao redor do cemitério e
cabelos ruivos, que eu poderia conhecer até de longe, me chamam
atenção. — Por que você não conversa com ela, enquanto eu vou
ali rapidinho? Pode ser? — Ele faz que sim com a cabeça. Caminho
até onde Maia está. É o túmulo de Justin.
— Maia — chamo-a. Ela levanta o rosto, seus olhos estão
vermelhos de tanto chorar. — O que está fazendo aqui? — Sei o
que ela está fazendo aqui, mas quero que ela me diga.
— Então você apareceu! — Ela parece irritada — Onde estava
quando ele morreu? Onde estava quando ele foi enterrado?
— Você não queria saber onde eu estava quando você estava
na cama com ele? — devolvo no mesmo tom.
— Ele disse que você tinha sumido com Jake.
— E por isso você foi dormir com ele?
— Por que se importa? Nem o ama.
— Quem é você pra falar se eu o amo ou não? Eu pensei que
você era minha amiga, Maia.
— Eu não tenho culpa. — Ela volta a chorar — Quando Jake
nasceu, nós nos aproximamos e aí comecei a gostar dele. Só
aconteceu alguma coisa entre nós quando você sumiu.
— Isso não muda nada!
— Não importa mais! — grita. — Ele está morto e foi você
quem o deixou. — Dou um tapa em sua cara, mas logo me
arrependo. Eu não podia fazer isso, eu quero me desculpar com ela,
mas não consigo. Eu apenas encerro nosso assunto.
— Se você fosse qualquer uma, Maia, nem me importaria, mas
você era minha amiga! — Não espero mais alguma reação sua,
volto para Luciano. — Pronto? — pergunto nervosa. Ele faz que sim,
pego em sua mão enquanto saímos percebo Maia nos olhando.
Apenas ignoro.
Capítulo 25

— Parabéns, meu amor — digo, dando um beijo em seu rosto


assim que terminamos de cantar parabéns.
— Parabéns, garotão. — Lúcio pega Luciano no colo. — Cinco
anos, você é quase um homem. — Ele o põe no chão novamente
— E com certeza, não precisa ir mais pro colo, tá ficando pesado.
—Luciano sorri.
— Não ouça seu pai — digo, dando um tapa em Lúcio —, você
vai sempre um bebezinho. — Lúcio sorri e beija-me.
— Eu tô achando que você vai mimar muito essas crianças! —
Sorrio.
— É lógico que eu vou. — Luciano sorri e me dá um beijo no
rosto.
— Papai, eu gosto da Zara — meu coração se enche de
alegria em escutar isso dele. Lúcio me encara com um grande
sorriso no rosto.
— Eu também, filho. — Seu olhar está cravado em mim, fico
tão envergonhada que desvio meu olhar.
— Quero bolo, papai — Luciano pede. Corto um pedaço do
bolo.
— Pra quem vai o primeiro pedaço?
— Pra mamãe. — Lúcio me encara.
— Sua mãe não está aqui — Lúcio diz.
— Zara disse que eu posso sentir sua presença. — Lúcio olha
pra mim e sorri.
— Foi? E quando ela disse isso?
— Ontem, quando ela me levou no cemitério e me levou para
um lugar em que eu poderia ficar mais perto da mamãe, ela me
explicou que a mamãe não podia vir, mas eu podia sentir sua
presença — o sorriso no rosto de Lúcio se esvai. Ele não fala nada,
permanece calado e sério. Corto mais pedaços de bolo, sirvo
Luciano e vou até Lúcio para o servir.
— Desculpa — digo.
— Eu disse que não queria você se metendo nisso! — Ele
pega o prato da minha mão, sento-me ao seu lado.
— Ele pensava que Ane iria vir. Ele iria se decepcionar em não
vê-la.
— Não queria meu filho naquele cemitério de novo, sabe o que
é lembrar daquele dia? Ele me perguntava o porquê estávamos lá e
o porquê eu chorava, onde estava Ane. Lembrar de tudo o que me
falou? Dói, Zara, é insuportável. — Ele leva as mãos até a cabeça e
solta um longo suspiro.
— Eu pensei que era melhor conversar com ele, queria
explicar da melhor forma que ela não vai voltar.
— Não se meta nisso, Zara. — Ele se levanta e vai até
Luciano. Ele não foi rude, o que me impressiona. Mas a mágoa das
suas palavras foi pior que sua brutalidade. Levanto-me e vou até
eles. Observo Lúcio divertir Luciano, no começo, pensei que Lúcio
era o pior pai do mundo, mas agora percebo o quão carinhoso ele é.
Ele ama Luciano mais do que tudo.
Quando terminamos de arrumar nossa bagunça, vou até o
quarto de Jake, ele continua dormindo. Acaricio seu rosto.
— Vamos dormir? — Lúcio me chama da porta. Continuo
observando Jake, sinto suas mãos passarem por minha cintura, e
seu hálito quente em meu pescoço. — Está pensando no quê?
— No quanto amo meu filho.
— É bom, né? — Ele sorri. — É o único amor que você tem
certeza de que é verdadeiro.
— Então você me entende... — Sorrio. — Você nunca
reclamou de estar criando o filho de outro.
— Porque eu criaria 10 filhos seus, não importa de quantos
caras fossem, só pra ter você. — Dou uma risada baixa.
— Mentiroso.
— Se bem que eu prefiro que esses 10 filhos sejam meus. —
Ele aperta minha bunda. Sorrio e deito minha cabeça em seu
ombro.
— Obrigada. — Eu gostava de ficar em seus braços, eu não
queria isso, mas eu não podia evitar aquela sensação.
— Não precisa me agradecer por causa de Jake.
— Não por isso — encaro-o, a fraca luz que vem da janela me
permite ver seus olhos brilharem. — Obrigada por não ser o monstro
que eu pensava que você era. — O olhar de Lúcio muda não para
fúria, mas para surpresa. Ele não me diz nada, apenas volta a sua
pose de durão e fica sério. Volto abraçada a ele para o nosso
quarto.

Acordo de manhã ainda agarrada a Lúcio, sei que ele está


atrasado para o serviço porque sempre acorda cedo. Levanto-me e
vejo que já são 10 horas. Sei também que Luciano não foi para
escola porque Lúcio o acorda. Corro para o quarto de Jake e
encontro-o chorando no berço. Droga, esqueci de ligar a babá
eletrônica! Pego-o em meu colo e acalmo.
— Calma, Jake, a mamãe já acordou — dou um beijo em sua
testa —, vamos tomar um banho porque você fez um serviço nada
cheiroso.
Quando termino de arrumar Jake, vou para o meu quarto e
encontro Lúcio sentado com cara de sono ainda.
— Perdi a manhã inteira — Lucio reclama.
— Eu sei. Esqueci de ligar a babá eletrônica.
— Explicado porque eu consegui dormir uma noite inteira de
sono. — Reviro os olhos e entrego Jake para ele. — Zara! — ele
reclama novamente.
— 10 minutos, só preciso de 10 minutos pra me arrumar,
descer e alimentar meu filho antes que ele morra de fome. — Ele
revira os olhos. Entro para o banheiro e relaxo de baixo do chuveiro.
Quando termino de me arrumar, desço e encontro Lúcio e
Luciano ainda de cara amassada ao redor da mesa. Pego Jake do
colo de Lúcio.
— Está vendo, Jake, nós somos os únicos não porquinhos
dessa casa.
— Não enche — Lúcio diz.
— Não enche — Luciano repete.
— Esse mau humor matinal só pode ser genética. — Lúcio me
manda um sorriso nada animado. — Vocês são tão fofos de pijama
— comento, quebrando o silêncio.
— Tenho 5 anos, não sou mais fofo!
— É fofo sim. — Luciano se transforma em um mini Lúcio. Pela
primeira vez desde que acordamos, Lúcio riu de verdade vendo a
reação dele. — Viu? Genética! — A campainha da casa toca e Lúcio
vai abrir. Fico na mesa provocando Luciano enquanto como.
Quando Lúcio volta, fico pasma. Meu olhar vai para o carrinho ao
meu lado, onde Jake está.
— Richard — digo boquiaberta. — O que está fazendo aqui?
— Vim avisar a você que quero meu neto — encaro Lúcio, que
parece tão sem reação quanto eu.
— Jake vai ficar comigo!
— Matou o meu filho! — Ele grita. — Acha mesmo que vou
deixar você ficar com meu neto? Meu único herdeiro agora?!
— Não matei Justin! — grito no mesmo tom. — Não tenho
culpa dele estar bêbado enquanto dirigia — tento ter controle das
minhas palavras, não posso revelar que Justin está vivo. Toda essa
pressão me faz tremer.
— Você foi a pior coisa da vida do meu filho. — Richard aponta
o dedo em minha cara, empurro sua mão, Richard não tem moral o
suficiente para isso.
— Você, sozinho, conseguiu fazer a vida do seu filho uma
merda. — Richard me mataria se eu não fosse ser a futura esposa
de um líder do clã. Seu olhar vai em direção a Jake no carrinho,
quando ele vem em direção, entro em sua frente. — Não chegue
perto do meu filho! — grito, dando socos contra ele, Lúcio me
segura.
— Calma, Zara! — Lúcio grita.
— Parece que nem você conseguiu domar essa garota! —
Richard diz. — Pensei que você fosse melhor, Lúcio!
— Zara sabe muito bem seu devido lugar — Lúcio responde.
— Ela está me desafiando.
— Pelo meu filho, eu desafio qualquer um! — volto a gritar com
ele. — Não vai chegar perto dele.
— Diga a sua futura esposa quais são as regras do clã, Lúcio.
— Richard sorri. — Melissa está em depressão com a morte de
Justin, com certeza, Jake a faria voltar ao normal. – Amelia não
contou o plano para ela, sinto-me culpada por fazer ela sofrer, mas
eu entendo a necessidade.
— Não tenho nada contra Melissa, mas meu filho, você não
leva. E que regras são essas? — pergunto a Lúcio.
— Quando um membro do clã morre e tem filhos menores, a
família decide se fica ou não com o herdeiro.
— Lúcio, ele não pode levar meu filho! — Dessa vez, meus
gritos de desespero vão para ele.
— Richard, me espere no meu escritório. — Richard concorda
e vira-se para mim.
— São apenas as regras, Zara. — Meu sangue ferve e vou
para cima dele.
— Foda-se suas regras — bato forte contra ele. — Eu vou
quebrar elas, todas elas. Vou acabar com esse maldito clã! — Lúcio
me puxa para longe e Richard o encara com um sorriso vitorioso.
— O que você tá fazendo? — Seu olhar é de total desespero.
— Não vai fazer nada com ela? Vou precisar denunciar isso ao
clã?
— Eu me resolvo com ela depois.
— Não acredito em você — Ele cruza os braços. — Vamos,
Lúcio, eu quero ver você cumprindo as regras ou você quer passar
por tudo aquilo novamente?
Sinto as mãos de Lúcio agarrarem forte meus cabelos, ele me
puxa em direção as escadas e só agora percebo que Luciano está
vendo tudo. Grito para Lúcio me soltar, mas ele não solta.
— Lúcio, por favor! — imploro, ele me leva para um quarto
parecido com o que me levou da primeira vez que ele deveria me
punir. Assim que ele me solta, sinto o peso da sua mão duas vezes
seguidas em meu rosto. Grito entre lágrimas. O olhar de vitória do
Richard ao fundo só me faz sentir mais ódio.
— Sabe o que o clã é pra mim? — Lúcio me joga contra o
chão. — Sabe a importância dele pra mim? Sabe o que eu sinto
quando você faz ameaças de acabar com ele? – É a primeira vez
que Lúcio me acerta com aquele chicote, ele faz isso apenas uma
vez, mas é o suficiente para rasgar minha pele. Ele solta o chicote e
seus olhos marejam, suas mãos estão em sua cabeça e ele parece
estar lutando contra si mesmo.
— Sabe o que o clã é pra mim? — Sorrio em meio a dor. —
Sabe o quão ele é importante pra mim? Sabe o que eu sinto toda
vez que tenho que passar por essa humilhação? — Busco o ar com
dificuldades, minhas costas doem e meu rosto ainda arde. — Se
você não sabe, Lúcio, então se prepare, porque eu vou mostrar pra
cada um de vocês. Sabe o que me faz diferente, Lúcio? É que eu
não consigo ficar calada, se você ou o clã quiserem me matar por
isso, que me matem. — Bato no peito antes de continuar. — Você
não sabe o orgulho que eu sentiria em morrer lutando pela liberdade
de cada mulher do clã, lutando contra uma injustiça, lutando contra
tudo que eu sempre repudiei toda a minha vida e agora sou
obrigada a passar. Mas se não acabarem comigo, eu vou acabar
com vocês. Cuspo cada palavra com ódio enquanto encaro
Richard. — Ele se ajoelha e sussurra em meu ouvido:
— Por que você é tão burra?
— Essa garota é impossível — Richard diz, rindo. — Não
consegue calar a boca dela nem assim. Vamos, Lúcio, ensine ela a
calar a boca.
— Farei isso, Richard — Ele se levanta. — Mas antes, temos
que conversar, pode me esperar no meu escritório. — Richard
parece relutante, mas sai.
— Richard não vai tomar Jake de você. — Ele vai até a porta.
— Eu prometo — e sai. Choro no cantinho do quarto e só consigo
pensar em quando tudo isso vai acabar. Quando a dor vai acabar.

Termino de limpar o machucado em minhas costas. Vou até o


quarto de Luciano que, quando me vê, corre e abraça-me. Suas
lágrimas molham meu ombro. Sinto dor com seu abraço apertado,
mas ignoro.
— Eles faziam isso com a mamãe — limpo suas lágrimas. —
Não vai sumir como ela, não é?
— Se eu fosse sumir, levaria você junto. — Beijo seu rosto. —
Luciano, eu nunca vou deixar você — a porta do quarto se abre e
Lúcio me chama.
— Precisa de alguma coisa?
— Não.
— Zara, é só...
— As regras. Já ouvi muitas vezes isso e não ligo.
— Não queria machucar você — viro-me para sair, mas volto e
digo a ele:
— Sabe que agora entendo tudo o que Anne sentiu? Morrer
parece mesmo ser o caminho mais fácil — seu olhar dá lugar ao
desespero. Saio de lá sem nem mesmo esperar que ele fale algo.
Capítulo 26

— Zara! — Lúcio vem gritando até o nosso quarto. Ele se


ajoelha a os meus pés. — Me perdoa! — Encaro-o confusa. — Me
prometa que não vai fazer o mesmo que Ane, me prometa! —
Ajoelho-me ao chão, ficando da sua altura e encaro-o. Lúcio chora,
percebo a culpa que leva pela morte de Ane. — Me perdoa, Zara! —
Sinto ódio, perdão, perdão e perdão. Quantas vezes Justin me pediu
isso e nunca mudou? E agora Lúcio também!
Dou um tapa em sua cara. Ele leva a mão ao rosto e quando
os seus olhos voltam para mim, estão tomados de fúria. Levanto-
me, não quero dormir aqui. Mas Lúcio não me deixa sair, ele me
agarra e joga-me contra a parede, fazendo com que minha cabeça
bata forte.
— Lúcio! — grito enfurecida.
— Você está louca?! — ele grita tão alto que me encolho.
— É tão ruim assim apanhar de alguém? Pensei que você não
achava isso, já que faz questão de fazer isso.
— Mulher nenhuma encosta em mim. Nem Ane jamais ousou
isso e você acha que pode?
— Deve ser por isso que ela se matou. Talvez se estivesse
dando uns tapas na sua cara às vezes, ela não estaria tão
deprimida.
— Para de jogar a morte dela contra mim.
— Você joga sujo, eu também jogo! — Minha cabeça lateja e a
força que ele me prende contra a parede faz a dor das minhas
costas aumentarem, meus sentimentos estão a mil. Choro para
liberar toda a dor e frustração que estou sentindo. — Esse é o
problema, não faz cinco minutos que você estava ajoelhado aos
meus pés me pedindo perdão e agora está aqui, a ponto de me
matar. Eu nunca vou te perdoar, Lúcio, mas eu espero que você um
dia mude.
— Eu te amo.
Eu sinto vontade de rir da cara dele, mas eu não quero piorar
as coisas.
— Não, isso que você faz não é amor. Lúcio, você me faz se
sentir um lixo, uma fraca. Sinto vontade de morrer só pra tudo isso
acabar. Sinto o que Ane sentia. Mas tem uma coisa que eu aprendi
que ela não teve a mesma sorte de aprender, amanhã é outro dia e
eu tenho certeza de que, quando eu acordar, vai ser mais forte do
que nunca. Posso estar me sentindo humilhada agora, mas isso vai
me fazer forte amanhã. Você quer me mudar, me fazer obedecer às
regras, mas, Lúcio, isso não vai acontecer, porque é contra tudo que
eu acredito. É contra a minha natureza. Cresci vendo minha mãe
sofrer com isso, mas eu, Lúcio, sempre acreditei que pra mim seria
diferente, que eu encontraria uma pessoa que me amasse de
verdade, que me respeitasse, que me amasse acima de tudo. Lúcio,
se acredita de verdade no clã, não case comigo, deixe que eles me
matem, não se iluda achando que eu vou mudar e aceitar isso,
porque eu não vou. Não vou aceitar que eu e nenhuma outra
pessoa sofra por isso. Isso é desumano, vocês estão se levando por
ideais medievais, estamos em outros tempos. Mulheres não tem que
passar por isso, mulheres não são fracas. Mulheres conquistaram
seu lugar no mundo e seus direitos, eu tenho meu lugar no mundo e
meus direitos e acredito neles e vou lutar por eles, vou lutar por mim
e por todas as outras mulheres do clã.
— Zara, eu acredito em você, de verdade, eu acredito. Mas
você não pode acabar com o clã sem mim. E eu não posso me virar
contra o clã, você não entende o que o clã fez por mim e pela minha
família. Eu, mais do que ninguém, devo ao clã.
— Não preciso de você. — Ele me solta. — É como eu falei, já
passou o tempo em que mulher dependia de homem pra fazer
alguma coisa! — Vou para minha cama.
— São as regras. Você me desafiou na frente dele, se ele nos
denunciasse, eu teria que ver você passar por tudo que ela passou.
Eu tentei minimizar a dor, eu juro. Eu não quero que eles toquem em
você. — Ele passa a mão por meu rosto. — Não pode continuar
dizendo isso as pessoas do clã, você sabe que pode morrer por
causa disso e mesmo assim, continua. Você fala em lutar, mas vive
procurando a morte.
— Iria acabar com tudo isso.
— Não quero perder mais ninguém para o clã, por favor,
obedeça às regras.
— Regras foram feitas para serem quebradas. — Ele abre a
boca para falar algo, mas o interrompo: — Lúcio, não quero mais
discussão, a dor que eu estou sentindo está insuportável, tudo que
eu preciso agora é descansar e esquecer dela.

Arrumo-me e vou direto para a casa de Amélia.


— Precisamos conversar sério dessa vez — digo enquanto me
acomodo.
— Querida, o seu rosto está...
— Horrível, eu sei — não escondo o ódio nas minhas palavras
— Preciso acabar com isso logo, Lúcio fez isso e Richard quer
tomar o Jake de mim e você sabe que ele pode.
— Sim, eu sei. — Ela para pensativa. — Eu estava pensando
nos nossos próximos passos esses dias.
— E então?
— Zara, quero que lembre que cada passo nosso até último
requer paciência. Daqui um ano, será seu casamento com o Lúcio,
quando o seu luto acabar. E será diferente, querida, o casamento é
feito pelos líderes por ser seu segundo casamento e terá todo o clã
presente para uma festa, por ser o casamento de um líder — Amélia
abaixa o olhar triste. — Foi assim meu casamento com Marvos.
— Marvos é seu marido? — levo alguns segundos para
assimilar isso, — Como assim Marvos é seu marido?
— Por que acha que sou uma influência para as mulheres?
— Então por que você mesma não acabou com essa merda?
— Porque Marvos não me ama. Marvos me odeia tanto quanto
eu o odeio.
— Essa casa é dele? Como consegue fazer tudo isso sem ele
perceber? — Passo meu olhar por toda a casa.
— Digo que reúno as mulheres para um chá e que ajudo as
garotas novas a aceitarem. Podemos nos odiar, mas sempre fui
exemplo de mulher do clã, pelo menos, ao olhar de todos. Jamais
mostro minhas fraquezas para ele. Fiz grandes sacrifícios por isso,
aguentei muitas coisas e agora estou apostando todas as minhas
fichas em você — os olhos dela se enchem de lágrimas, abraço-a.
— O que vamos fazer?
— Zara, precisa antecipar esse casamento.
— Como?
— Precisa engravidar! — Sou pega de surpresa.
— Não! –Amélia, não vou passar por aquilo de novo. Sabe o
inferno que foi minha primeira gravidez?
— Zara! — Amélia grita. — Precisamos fazer sacrifícios, só
você não entendeu isso? Se você engravidar, seu casamento será
feito assim que seu bebê nascer e não terá plateia. Será o momento
perfeito para acabarmos com eles.
— Amélia, e se for uma menina? — Fico nervosa só em pensar
nessa possibilidade.
— Eu prometo. — Ela segura minhas mãos e olha-me nos
olhos. — Prometo que essa criança estará em segurança. Querida,
fiz tantos sacrifícios até encontrar você e um filho não é um peso
para se carregar e sim, uma benção. É o fim da sua e da minha dor.
— Amélia... — meu Deus, eu vou me arrepender eternamente
por isso — eu acho que posso fazer isso.
— Confie em mim — Amelia me abraça e pela primeira vez,
sinto que posso confiar nela. — Ficará tudo bem com seus filhos,
querida.
— Quando tenho que fazer isso?
— Precisa começar logo.
— Tudo bem — mas não está tudo bem. Não tiro da minha
cabeça que vou ter que passar por aquilo de novo e um filho? Não
queria ter que usar uma criança para isso.
Volto pra casa ainda pensativa. O quão perigoso isso é? O que
eu estou arriscando? Não consigo parar de pensar no peso das
consequências que isso pode ter. Olho-me no espelho e observo
meu rosto, que carrega as marcas de Lúcio. Prefiro arriscar a passar
o resto da vida com a dúvida de não ter feito. Pego meu celular e
ligo para Lynn, ela vai me matar por ter demorado tanto tempo para
ligar.
— Alô — Lynn diz.
— Lynn, que saudades — sinto um alívio no meu coração
ouvindo sua voz.
— Zara, é você mesmo?
— Sou eu sim.
— Por que demorou tanto para ligar, mocinha? Nós estávamos
preocupados.
— Minha vida anda uma correria, Lynn, sempre que eu ia ligar
pra vocês, parece que mil coisas apareciam e eu esquecia.
— Estamos felizes por você estar bem e Jorge mandou um
beijo.
— Manda outro pra ele e diz para o Tyler e Rose que eu estou
morrendo de saudades deles e mandei um beijo.
— Tudo bem, querida, nós estávamos pensando em visitar
você em julho.
— Lynn, acho melhor não — respondo triste, tudo que eu
queria era vê-los novamente, mas não dar pra recebê-los aqui e
fingir que minha vida é normal.
— Por que não, querida?
— Lynn, vocês sabem que eu amo vocês demais, sabem que
eu jamais iria embora daí se não fosse por um motivo muito bom.
Minha vida é complicada, eu não posso te explicar agora, mas, um
dia, eu vou. Se virem para cá, suas vidas podem ficar em perigo e
vocês são as últimas pessoas no mundo que eu arriscaria perder.
Por favor, convença eles a não vim, Lynn, entende o quão sério isso
é? — dói ter que pedir logo para eles se manterem longe de mim,
mas eles são um segredo meu e único que sabe é Lúcio.
— Eu entendo, Zara, me prometa que vai se cuidar e que vai
vir nos visitar e dessa vez, não é fugida, está bom? Vai vir livre e
feliz. Prometa que vai resolver isso.
— Eu prometo. — ouço o choro de Lynn do outro lado da linha
e um nó se forma em minha garganta. — Lynn, eu te amo como
uma mãe, muito obrigada por tudo.
— E eu te amo como uma filha, querida, você não sabe como
meu coração está ouvindo tudo isso, eu estou tão preocupada.
— Eu sei me cuidar.
— Eu sei que sabe. — Sorrio.
— Preciso desligar agora, prometo que ligo depois.
Tento não chorar, como posso prometer se não tenho certeza?
Parece que quanto mais perto estou do fim, mais medo eu sinto. Por
que sinto que não vai ser tão simples como parece? Meu coração se
aperta tanto que parece que vai se quebrar a qualquer instante. Meu
celular volta a tocar e dessa vez, não é Lynn e sim, minha mãe.
Penso em como eu poderia não atender, mas sei que não consigo, é
minha mãe e apesar de tudo eu a amo muito.
— Oi.
— Zara — ela chora —, vem me buscar, por favor... — um
soluço — Zara, me ajuda! — ela grita muito alto e eu me desespero.
— Mãe, onde você está?
— Com quem você está falando? — ouço uma voz ao fundo.
— Mãe, responde, por favor! — grito. Ouço um barulho forte
como se o celular tivesse sido jogado para longe. — Mãe, responde!
— Bruce, para, por favor! — ela grita.
— Não queria fazer isso, Cloe, mas estou sendo bem pago —
minha mãe grita de dor.
— Mãe! — continuo gritando por ela.
— Quem, Bruce? — ela pergunta. — Quem? — e a chamada é
finalizada. Desespero-me, pego as chaves do meu carro e corro
para a porta, mas tropeço em Lúcio.
— O que foi?
— Minha mãe. — Ele me abraça quase que por impulso. —
Lúcio, tem alguém pagando Bruce para maltratar minha mãe. Ele
está espancando ela.
— Ele não fazia isso antes sem precisar ser pago? — Encaro-o
furiosa.
— Dessa vez, não, eu ouvi ele falar que alguém está pagando
ele. Eu preciso ajudar minha mãe. — Tento me soltar dos seus
braços, mas ele não deixa.
— Precisa se acalmar. Ela não deve estar em casa.
— Mas eu preciso ver, me solta.
— Quando você se acalmar, eu vou te soltar e nós vamos lá.
— Não quero sua ajuda.
— Mas eu vou ajudar. — Ele me encara. — Eu vou te ajudar
você querendo ou não, eu não vou deixar logo você, Zara, que só
sabe agir por impulso nisso sozinha, seja lá quem for.
— É alguém do clã, Lúcio.
— Eu sei. — Ele me encara tão dócil que paro de tentar me
soltar.
— Estou com medo.
— Não precisa. Eu sou um líder do clã e seja lá quem for, vai
se arrepender de se meter com a minha mulher. — Ele sorri. —
Logo com a minha — e beija-me, mas logo o empurro.
— Não tenho tempo para isso.
Capítulo 26

— Descobriu alguma coisa? — pergunto assim que Lúcio


entra.
— Ainda não, mas falei com um amigo meu e ele está tentando
rastrear — o pouco de esperança que eu tinha se esvai. — Mas eu
vou encontrar ela.
— Espero que sim. — Ele me abraça e tenta me beijar, mas
não deixo.
— Pensei que iriamos nos acertar.
— Lúcio, para de tirar proveito disso, minha mãe sumiu, quer
ganhar crédito comigo? Encontre ela. Eu não vou perdoar fácil.
— Parecia que sempre perdoava ele — Lúcio cospe as
palavras com ódio.
— E perdoava, mas aí eu percebi que isso só fazia tudo piorar.
Não quero que piore.
— Por que não aceita logo o inevitável? Essa é a sua realidade
agora.
— Realidade? Isso é um livro de história, o qual me puseram.
Existe um mundo fora do clã e ele já evoluiu, Lúcio, eu vim dele e
sei dos meus direitos, não tenho que aceitar isso.
— Então por que não foi em busca deles ainda? — Ele sorri.
— Por quê? Vocês jogaram as pessoas que eu amo contra
mim. É fácil assim. Se minha mãe morrer, eu não vou mais ter
motivos pra aguentar isso – ameaço-o.
— Vou encontrar ela! — diz furioso.
Meu celular toca. Coloco Jake no berço e corro para atender.
— Alô.
— Quanto tempo, Zara — reconheço essa voz.
— Seu filho da puta! — grito. — Onde ela está? O que você fez
com ela?
— Ela está bem.... quer dizer, ela está viva. — Sinto vontade
de matá-lo.
— Como pôde?! Mentir pra ela todas as vezes? Minha mãe era
capaz de dar a vida por você mesmo depois de tudo, ela ainda
estava disposta a te aceitar, e você a troca por dinheiro? Você não
passa de um coitado, Bruce, eu não entendo como ela pode te
amar.
— Amor não me leva a nada.
— E maltratar ela vai te levar a alguma coisa?
— Ao dinheiro. — Ele ri. — Muito dinheiro, quem diria que você
colocaria sua própria mãe em risco.
— Não coloquei ela em risco — altero meu tom de voz. —
Quem te pagou para fazer isso?
— Acha que eu posso contar? — Ele ri mais alto dessa vez. —
Você vai descobrir, não se preocupe.
— Por favor, Bruce, não maltrate mais ela, por favor.
— O que estou fazendo é pouco, até segundas ordens, só
posso fazer isso, mas, em breve, Zara, pode ser muito pior. Não
irrite quem fez isso — me desespero, meus olhos marejam e tenho
vontade de xingá-lo de todos os nomes — Por isso eu liguei, quero
que fale com sua mãe, não diga que eu nunca fiz nada por vocês.
— Filha! — ouvir a voz dela me acalma.
— Mãe, como é bom ouvir sua voz. Onde você está, mãe?
— Eu não sei, filha. — Ela começa a chorar e eu a
acompanho. — Me desculpa, filha, desculpa por não ter ouvido
você. Eu não acredito que fiz isso de novo, eu quis tanto procurar
você, mas eu fiquei com medo da sua reação. Eu acredito em você
filha... — assim que ela se cala, a chamada se encerra. Disco o
número de Lúcio.
— Bruce me ligou. Tem que descobrir onde ela está, Lúcio, ele
ameaçou matar ela.
— Estou chegando aí. — Ele desliga. Fico com medo dele ter
desistido de me ajudar. Distraio-me, brincando com Jake. A porta se
abre e Lúcio aparece.
— Descobri onde ela está.
— Onde? — pergunto, indo em sua direção.
— Na cidade em que você morava.
— Vamos pra lá agora.
— Não.
— É claro que eu vou.
— Você não vai. Acha mesmo que pode largar tudo? — Olho
para trás. — Tem uma criança pra você cuidar.
— Ele pode ficar com a babá, minha mãe está correndo perigo
de vida.
— E você também. — Ele segura meu braço. — Se chegar lá,
ele vai te matar — sei onde Lúcio quer chegar, sei da sua
provocação barata, mas tudo que eu quero é abraçar minha mãe.
— Então vem comigo, eu preciso da sua ajuda. — Ele me olha
vitorioso.
— Então nós dois vamos estar em perigo.
— Se não for me ajudar, me solta porque eu vou nem que seja
só pra tomar um tiro lá. — Solto-me dos seus braços.
— Arruma nossas coisas e eu vou ver alguém para ficar com
as crianças.

— Faz tanto tempo desde que vim aqui — digo, observando a


cidade. — Está vendo aquele parquinho? — aponto — Era meu
lugar preferido aqui.
— Meio velho, não? — Sorrio.
— Sim, mas ainda assim era o lugar que eu mais gostava.
Onde eles estão?
— Em uma casa afastada da cidade — ele diz.
— A casa que Bruce trabalhava — digo, lembrando-me.
— Sabe me levar até lá? — faço que sim.
— Era meu segundo lugar preferido. — Ele sorri. — Lá é calmo
e tem um lago então eu adorava ir lá. Só não me divertia mais
porque Bruce era um chato e ficava brigando.
— Sente falta daqui?
— Das pessoas e dos lugares sim, mas essa cidade me traz
lembranças que eu quero esquecer. Tudo me lembra o que nós
passamos, quando sai daqui, não imaginei que voltaria pelo mesmo
motivo do qual eu fui embora. Era pra tudo ser diferente, nós
devíamos nos livrar desse pesadelo. Às vezes, acho que não nasci
pra ser feliz.
— A felicidade tem um preço, pra alguns, ela pode até ser
barata, mas, para outros, ela custa caro. Muito caro.
— Você é feliz, Lúcio? — Ele me encara, seu olhar é
pensativo.
— Às vezes. Nem sempre.
— Pensei que o clã te fazia feliz, um homem completo.
— O clã mudou minha vida.
— Mudou como?
— Eu era de uma família pobre, muito pobre. Eu tinha mais
duas irmãs e minha mãe tinha morrido a pouco tempo e meu pai
não tinha como criar três filhos. Então ele ouviu falar do clã e
procurou muito por pessoas que fizessem parte dele, então ele os
encontrou e conseguiu fazer parte do clã e ficamos ricos.
— Por que não conheci o resto da sua família?
— Meu pai morreu e eu tinha duas irmãs — pela dor das
palavras que saem de sua boca, percebo o que aconteceu, minha
mão vai para minha boca e solto um gemido de pavor. Isso é cruel.
— Como? Quantos anos elas tinham?
— 16 e a outra era um bebê. Ele as matou. — Choro
involuntariamente. — Elas jantaram, pela primeira vez em anos,
tiveram um jantar farto, só para elas, e então quando eu acordei,
elas estavam em suas camas mortas e espumando pela boca. Ele
me obrigou a enterrá-las em nosso quintal. — Ele deixa uma lágrima
escorrer. — Ele ficou lá parado gritando para que eu continuasse,
ele disse que aquilo me faria forte e que era para um bem maior.
— Como consegue viver com isso? — Ele me olha enfurecido.
— Sabe o que é se deitar de noite e ter aquele peso na
consciência? Eu era uma criança, eu só tinha 12 anos e fui obrigado
a isso. Não tem uma noite que eu não pense nelas. Eu sinto a culpa
disso, o peso disso todo o santo dia. Posso ser cheio de defeitos,
mas eu nunca quis ter feito aquilo, pago todos os meus pecados
com o peso da minha consciência. Tento ser uma pessoa melhor,
mas parece que tudo ao meu redor me leva para o caminho errado.
— É grato ao clã por isso? Eu preferia passar fome a isso.
Seria mais digno.
— Eu não sou grato ao clã, é o que eles nos ensinam a dizer a
vida toda para suportar as coisas horríveis que nos obrigam a fazer.
— Eu sinto o impacto de suas palavras, ele enxuga as lágrimas que
insistem em descer. — Eu nunca disse isso a ninguém... — Ele para
o carro há alguns metros de distância da casa e nós voltamos a nos
concentrar em minha mãe. Um carro está parado em frente a ela.
— Lúcio, aquele carro não é do Bruce.
— Não. — Ele parece surpreso. — É do Richard. — A ficha
finalmente cai, quem mais faria isso além dele? Richard conhecia
minha mãe e sua história, é claro que ele faria algo.
— Precisamos ir lá. — Lúcio levanta sua camisa e puxa uma
arma de sua cintura, sou pega de surpresa.
— Não vou lá sem me proteger.
— Só não mata ninguém, por mais que eles mereçam.
— Eu vou defender você, é a única coisa que prometo. —
Caminhamos sorrateiramente até a casa.
— Tem uma entrada nos fundos. — Nós vamos até os fundos e
abrimos a porta de vagar. Ouço vozes da sala. Richard e Bruce
estão conversando, andamos pelo resto da casa procurando por ela.
Encontro-a amarrada em um quarto, corro até ela. Antes que ela
fale algo, faço um sinal de silêncio, Lúcio fica na porta. Ajudo-a se
levantar, servindo de apoio para ela andar, passamos com cuidado
por perto de onde eles estão, quando chego a saída, suspiro de
alívio. Mas meu alívio se esvai quando percebo que Lúcio não está
lá.
— Mãe, nosso carro está mais a frente, nos espere lá, não
volte de maneira alguma, entendeu? Não importa o que você ouça,
não volte. — Ela corre com dificuldades, volto para dentro da casa.
Chego na sala e encontro Lúcio apontando a arma para eles.
— Eles nos ouviram — Lúcio diz. Encaro-os com ódio.
— Vamos embora, Lúcio. — Chamo-o.
— Não podemos ir embora. Ele tem uma arma e só está
esperando eu me distrair.
— Lúcio, por favor, vamos embora! — grito.
— Não, Zara — fala, dessa vez olhando pra mim, quando seu
olhar volta para eles, Lúcio dispara quando vê Bruce tentando puxar
sua arma.
Richard avança para cima dele. O tiro não impede Bruce de
pegar a arma, olho tudo paralisada, Bruce vai atirar nele, não posso
deixar. Vou para cima dele e tomo a arma, acerto uma coronhada
em sua cabeça e ele desmaia. Quando Richard toma a arma de
Lúcio, atiro por impulso contra ele, o tiro acerta em suas costas. Ele
grita de dor. Fico apavorada e a arma desliza de minhas mãos,
Lúcio toma a arma dele e vem até mim. Nem seu abraço tira o pavor
que sinto depois do que fiz.
— Lúcio, eu atirei nele! — Meus olhos marejam e seus gritos
de dor faz tudo piorar.
— Você só fez o que tinha de fazer. — Ele passa sua mão por
minha cintura e encara o corpo de Bruce. — Me perdoa por isso. —
Lúcio acerta dois tiros no coração de Bruce. — É que não quero
mais ele te fazendo sofrer. — O horror daquilo tudo aumenta, quase
não consigo chegar ao carro. Minha mãe vai abraçada a mim. Ela
tenta me confortar, mas isso não é o suficiente. Eu posso ter matado
Richard, essa não é eu. Essa não é a Zara, porque ela jamais
mataria alguém. Pego meu celular e ligo para o hospital da cidade e
invento algo sobre o que aconteceu.
— Por que fez isso? — Lúcio pergunta.
— Quero me deitar de noite sem ter o peso da minha
consciência me assombrando. — Percebo o olhar sombrio de Lúcio,
não é que tudo o leve para o mau caminho, ele faz isso sozinho, só
não percebe.
Capítulo 28

Tiro minha roupa e entro na banheira, sinto a calma me invadir.


Quando fecho os olhos, o pânico me invade novamente, posso ver
tudo o que aconteceu novamente. Espero que Richard esteja bem,
ou não. Só quero que ele esteja vivo, mas Bruce não é a memória
fácil de esquecer, ele podia ter todos os defeitos, mas eu não desejo
morte nem para a formiga que eu piso sem perceber. A porta do
banheiro se abre e Lúcio entra. Ele tira sua roupa e entra na
banheira, acomodo-me em seus braços.
— Já fez isso antes? — pergunto a Lúcio, mesmo sabendo a
resposta, a frieza com que ele atirou em Bruce não parece ser uma
coisa de uma pessoa que nunca matou alguém.
— Já, algumas vezes. — Encaro-o, gosto de estudar seu rosto
quando ele está sendo sincero. — Você precisa fazer isso quando
se é um líder.
— Você me mataria, então. — Uma lágrima escapa dele.
— A verdade Zara é que eu mataria qualquer um que se
metesse com o clã. — Não é mais apenas uma lágrima, Lúcio
chora de verdade — Mas, você? Zara, eu me mataria por você,
pode me odiar por bater em você, mas tudo que eu fiz foi pra te
proteger, eu não iria suportar ver você passando pelo que ela
passou, eu me odeio pelo que fiz. Se alguma coisa dentro de você
me ama de verdade, por favor, lembre quantas vezes uma regra foi
quebrada e eu não fiz nada, quantas regras quebrei. Quando nos
puniram, eu comecei a seguir as regras, não com ela, mas, com
todo mundo ao meu redor. Eu seguia as regras da mesma forma
que respirava.
— Lúcio, por que eu sinto que esse idiota que está aqui na
minha frente não suporta mais o clã? Você também é uma vítima,
como consegue viver com essa dor?
— O clã faz isso com as pessoas. Eles nos destroem, por mais
que eu odeie admitir, Zara. Não quero que você se arrisque a
acabar com o clã, não porque eu não acredito em você, eu apostaria
todas as minhas fichas em você. Mas porque eu sei que, depois de
tudo, eu não vou mais ter você.
— Lúcio, por que acha isso?
— Estamos destruídos, Zara, vai mesmo querer olhar pra mim
e lembrar da dor? Nós nos tornamos apenas estilhaços do clã, não
tem como juntar cada estilhaços e tentar fazer ser como era antes.
— Lúcio, só me ajuda a me livrar disso. Me ajuda, por favor.
— Eu queria que você me amasse como eu te amo. Queria
que suportasse o clã só para ficar ao meu lado, porque se tentar
fazer isso, tem grandes chances de morrer, e eu não quero perder
mais ninguém.
— Eu prefiro te amar sem regras e se depois do clã esse amor
não durar, então nós nunca nos amamos. A verdade é que é
impossível saber o que é amor quando se tem regras nos limitando.
— Eu não quero arriscar te perder. — Ele se levanta, enrola a
toalha em sua cintura e sai. Não existe outra opção, os planos de
Amélia são minha única saída.
Espero ansiosa enquanto seguro um teste de gravidez em uma
das minhas mãos e na outra, o celular com Amélia na linha.
— Amélia, deu positivo. — Sorrio. — Deu positivo. — Ouço-a
rir do outro lado da linha. Faz um tempo que os primeiros sintomas
vêm aparecendo, já faz dois meses que venho tentando. A calma
desses últimos meses fez com que tudo se tornasse mais fácil.
— Espero que os meses batam certo — ela diz. — Amélia
acha que já estou de dois meses, não quis ficar indo ao médico,
quis esperar os primeiros sintomas aparecerem. Quando eu estava
grávida de Jake, os primeiros sintomas só apareceram com dois
meses e espero que agora seja da mesma forma.
Quando Lúcio chega, espero no quarto por ele. Sento-me na
cama e abraço meus joelhos.
— Oi — ele diz, sorrindo.
— Oi. — Retribuo o sorriso. — Posso te contar uma coisa?
— Claro. — Ele vem até mim e puxa-me para um abraço. — O
que foi? — Pego uma de suas mãos e levo até minha barriga.
— Eu estou grávida. — Ele tem a mesma reação que Amélia
me disse que ele teria, não soltaria fogos de artifício e muito menos
me encheria de beijos.
— Tem certeza? — faço que sim. Divirto-me com o pavor que
ele me olha. — Zara, isso não podia acontecer, você disse que
estava tomando remédios.
— Faz alguns meses que não tomo. — Ele segura meu braço
com força.
— Por quê? — ele grita. — Zara, você não pode estar grávida,
eles vão me matar. — Lúcio passa as mãos pelos cabelos,
frustrado. Faço um teatrinho para ele e finjo chorar.
— Pensei que você ia ficar feliz. — Soluço. — É o nosso filho.
— Lúcio me abraça, sorrio.
— Zara, em outro momento, seria ótimo, mas agora? Não.
Nosso casamento e meu Deus, pode ser uma menina.
— Lúcio, se for uma menina, não vou entregar ela a eles! —
Ele não diz nada, apenas sai. Ouço o barulho de carro sendo ligado,
olho pela janela e vejo-o saindo. Começo a revirar todo o quarto,
pastas, documentos, tudo que vejo pela frente. Encontro um álbum,
tem algumas fotos de Jake e algumas de Lúcio e Ane, sorrio ao ver
uma foto deles bem mais jovens juntos. Lúcio e eu não parecemos
um casal que nasceu um para o outro, mas ele e Ane já pareciam,
sinto-me uma intrusa. Pergunto-me se Ane, de onde ela está,
aprova nós estarmos juntos, me entristece saber que talvez não.
Talvez eu não seja muito diferente de Maia, eu estou grávida do
marido de Ane, que também fora minha amiga um dia.
Me perdoe, Ane, me perdoe pelo rumo que as coisas estão
tomando, mas a minha promessa a você continua firme. A cada foto
que vejo deles, eles estão mais jovens, então concluo que Ane e
Lúcio namoravam há muito tempo, não foi como eu e Justin, eles se
amaram primeiro. Passando mais algumas fotos, vejo uma foto de
uma menina com um bebê no colo. A menina aparenta ter uns 12
anos e o bebê um pouco mais de 6 meses. Tiro a foto, atrás dela
tem algo escrito.
"Liza e Luna"
As duas irmãs de Lúcio. Guardo tudo outra vez, da mesma
forma que ele havia deixado.
Conto para minha mãe e Luciano, que recebem a notícia
eufóricos. Minha mãe vem me ajudado muito com Jake e Luciano
desde que veio morar aqui. Vou dormir sem esperar por Lúcio.
Quando acordo, ele já está ao meu lado.
— Bom dia.
— Só se for pra você.
— Dá pra parar? Está jogando a culpa em mim de uma coisa
que nós dois fizemos.
— Zara, eu tenho certeza de que você não é idiota — ele altera
o tom de voz. — Engravidou porque você quis, me diz o que você
vai ganhar com isso?! Por que engravidou?! — Fico nervosa, Lúcio
não é burro, sempre parece perceber algo.
— Está querendo dizer o quê?
— Que eu não sou um idiota e você está aprontando alguma.
— Começo a chorar, mesmo que seja por puro teatro, espero que
ele acredite.
— Aprontando? Lúcio, é só uma criança.
— Uma criança, Zara, você está jogando uma criança contra
mim. — Ele me encurrala por todos os lados. — Minha vontade é de
fazer você tirar essa criança. — Sou pega de surpresa, encaro Lúcio
horrorizada. Fico com medo de que ele realmente me obrigue a
fazer isso. Levanto-me, vou correndo para o banheiro e tranco-me
lá. — Zara, eu falei por falar, porra, eu não vou fazer isso.
— Sai daqui! — grito com ele. — Se não quer essa criança,
então me deixa ir embora, porque eu também não quero você. — As
batidas na porta param, droga. Eu não sei quem consegue ser pior
com as palavras, eu ou Lúcio. Tomo um banho e saio do banheiro,
ele já não está mais lá. Arrumo-me e desço para tomar café.
Quando chego lá, encontro Luciano, minha mãe e Lúcio, com Jake
em seu colo. Ele sorri quando me vê. Conheço o sorriso cínico dele.
Jake é só mais uma provocação, tento pegá-lo do seu colo, mas ele
não deixa.
— Coma bem, meu amor, você está comendo por dois. — Seu
tom de voz me deixa desagradável. — Não é bom você ficar se
esforçando tanto com Jake, agora que está grávida, talvez seja
melhor...
— Eu dou conta — digo enfurecida. — Sabe o que eu estava
pensando? — encaro-o tão venenosa quanto ele — Se for uma
menina, poderíamos chamá-la de Luna ou Liza, o que você acha,
Lúcio? — Ele perde seu olhar desafiador para um sombrio. Sei que
cutuquei sua ferida mais dolorosa.
— É um nome lindo, filha — minha mãe diz. Ele me entrega
Jake e sai sem falar nada. Passo Jake para minha mãe e vou atrás
dele em nosso quarto. Quando chego lá, Lúcio está com o álbum
em suas pernas enquanto segura a foto.
— Isso era uma coisa só minha. — Ele me olha com seus
olhos marejados em fúria. — Minhas irmãs eram uma lembrança só
minha, só eu sabia como elas eram.
— Agora não é mais. Tem que parar de achar que pode jogar
sujo comigo e ficar por isso mesmo. Meu filho, Lúcio, faça o que
quiser comigo, mas não mexa com Jake!
— Sabe que jamais faria algo a ele.
— Não, eu não sei. Eu não sei do que você é capaz. — Lúcio
se cala.
— Luna morreu quando ela tinha 4 anos. Peguei ela em meu
colo morta, ela era a criança mais animada do mundo. E quando eu
peguei em seu corpo mole e sem vida, eu pensei que morreria,
enlouqueceria depois daquilo. Quando eu consegui continuar, eu
tive a certeza de que eu poderia fazer qualquer coisa. Levei meu pai
como exemplo, o clã nos deu ideais, nos transformou em pessoas
que não nos orgulhamos. Eu nunca faria mal a uma criança.
— E as meninas? As meninas do clã? Quem se livra delas?
— Marvos. Todas as crianças passam por ele.
— Isso é doentio.
— Que merda, Zara, quer me fazer se sentir um nada toda vez
que fala do clã?
— Preferia que eu falasse o quê? Que isso é lindo? É doentio
e você é como eles. — Lúcio está a ponto de perder a cabeça.
— Espero que seja um menino, porque se, um dia, essa
criança passar por Marvos, a culpa vai ser sua.
— Se ela passar por Marvos, eu mato ele e se você não fizer
nada para impedir isso, eu mato você também.
— Ficou em pânico porque deu um tiro no Richard e acha que
pode matar alguém?
— Se mexer com um dos meus filhos, eu não vou ter motivos
para ficar em pânico com um tiro!
Ele foge de lá, como foge de todas as nossas discussões.

Quando Jake fez um ano, não consegui o levar para ficar com
Justin, então eu decido o levar hoje. Desde minha última visita ao
Justin, nunca mais fui vê-lo, não queria que me perguntasse sobre
Maia de novo. Mas ele ainda é o pai de Jake e não posso esquecer
isso. Estaciono o carro e tiro uma caixa da mala com cuidado para
não amassar a pequena festinha que fiz para nós. Pego Jake e
entro, as mulheres que ficam lá me levam até o quarto em que ele
está. Agora, bem melhor do que antes o quarto, tem luz, cama,
mesa e livros e Justin não tem marcas sobre o seu rosto. Fico feliz
por Amélia ter melhorado sua situação aqui. Seus olhos brilham
quando me vê com Jake em meu colo. Ele o pega e beija-o.
— Que saudades, filhão — diz com um grande sorriso. — Você
fez um ano, hein?
— Como sabe?
— Não tem muito o que fazer aqui, então conto os dias. —
Mordo os lábios envergonhada pelo que fiz a ele. — Pensei que
você viria mais vezes.
— Saí daqui um pouco irritada com você da última vez. — Tiro
um minibolo da caixa e muitos cupcakes. Coloco em cima da
mesinha. — Trouxe uma minifesta para nós. — Ele sorri. Cantamos
parabéns para Jake e servimo-nos. Justin sorri com cada graça que
ele faz. Ele está muito mudado, o cabelo grande e barba. Ele me
pega o observando.
— Elas não me deixam cortar o cabelo e fazer a barba o tempo
todo — ele diz como se lesse meus pensamentos.
— Você está bem assim também. — Percebo o olhar dele, sei
o que ele quer me perguntar, então respondo: — Encontrei Maia no
cemitério, visitando seu túmulo, ela estava ainda abalada, mas me
parecia bem.
— Você falou para ela que já sabia?
— Ela estava bem até eu dar um tapa na cara dela. — Ele me
olha surpreso, mas depois sorri. — Acha graça eu bater nela?
— Acho graça você com ciúmes.
— Não estou com ciúmes. Só não é legal saber que sua amiga
andava dormindo com seu marido.
— Ciúmes. — Reviro os olhos. Ele vem para o meu lado. —
Quais são seus planos para acabar com o clã?
— Eu estou grávida de Lúcio.
— Não terá plateias quando estiverem se casando, entendi.
— As mulheres do clã vão entrar e vamos acabar com eles.
— Não vai dar certo. Não vai ser esse passe de mágica que
você estar imaginando e Lúcio não vai negar o clã por você.
— Como assim?
— Eu ainda estou vivo, então ainda estamos casados. Mesmo
que mate eles, mesmo que faça tudo, quando as pessoas
descobrirem que estou vivo, elas não vão aceitar o clã como
acabado. — Encaro-o surpresa.
— Amélia não me falou nada sobre isso.
— Porque ela vai me matar. Zara, quando estiver próximo de
tudo isso, ela vai me matar. Amélia é uma cobra, não confie nela,
existe alguma coisa por trás de tudo isso.
— Justin, não pode ser.
— Me mantenha vivo e eu vou ajudar você, tente me tirar daqui
pouco tempo antes do seu casamento, me tire daqui e me deixe
pronto para o dia. Vou negar o clã por você.
— Não posso confiar em você.
— Tem que confiar.
— Sempre me disse que me ajudaria e se for você, vou ter que
matar o Lúcio.
— Deixe o Lúcio pensar que ele é quem deve negar o clã,
quando ele negar o clã, vai negar sua liderança e assim não será
mais um líder.
— Justin, você está blefando, como sempre fez. — Ele se
aproxima mais de mim e encara-me bem no fundo dos meus olhos.
— Não estou blefando — e tenta me beijar. Então caio na real,
ele não está blefando.
— Você não está porque só pode ficar com ela se o clã acabar
ou se me matar. Acha mesmo que um beijo me faria cair nisso? Mas
se está disposto de verdade a ficar com ela, me espere que eu vou
tirar você daqui, mas acho bom cumprir todo o nosso combinado.
— Eu vou cumprir.
Fico mais um tempo lá enquanto Justin brinca com Jake.
Penso no que ele me disse e percebo que, sim, ele tem razão, não
aceitariam meu casamento se Justin estivesse vivo. Amélia não iria
me contrariar, então deixaria Justin para morrer apenas no final. Ane
tentou me avisar sobre elas e agora Justin. Percebo que estou
sozinha nessa. Volto para casa determinada a dar meus primeiros
passos. Coloco Jake para dormir e chamo minha mãe para uma
conversa séria. Conto tudo a ela do começo ao fim sobre o clã.
— Filha — ela me abraça —, eu não imaginava.
— Mãe, precisa me ajudar. Tem pessoas me ajudando a
acabar com eles, mas eu preciso que você me ajude pois não sei se
posso confiar nelas.
— O que eu preciso fazer?
— Procure essa pessoa, ela é da polícia — digo, entregando o
papel com o número que Andrew me entregou.
— Como vou fazer eles acreditarem nisso tudo? Filha, eu só
acreditei pelas marcas em suas costas.
— Dessa mesma forma! Mãe, tem que fazer eles ouvirem
você, os mantenham longe de mim, não quero nenhum contato com
eles até isso tudo acabar, você vai ser minha porta voz. Daqui
alguns meses, isso vai acabar e eu quero resolver isso da melhor
forma.
— Zara, eu posso tentar, mas...
— Não tem mas, você tem que conseguir.
— Tudo bem. — Ela tira fotos das minhas costas sem revelar
meu rosto. Eu estou me arriscando, pois eles podem descobrir, mas
chegou a hora, existe leis em nosso país e elas devem ser
cumpridas.
Volto para visitar Justin e contar dos nossos novos passos a
ele.
— Zara, como estão meus pais? — Lembro de tudo o que
aconteceu naquele dia.
— Seu pai levou um tiro e está de cadeiras de rodas, ele
perdeu os movimentos da cintura para baixo. — Ele me encara
surpreso.
— Como isso aconteceu?
— Eu não sei — minto, não quero que ele me odeie agora. —
Mas sua mãe está bem, ela o ajuda — mas nada do que eu falo tira
seu semblante triste. Sinto muito.
Capítulo 29

Como eu deduzi, eram dois meses e agora já são 5. Eu achei


que minha primeira gravidez foi ruim, mas essa conseguiu ser pior.
Lúcio me olha todos os dias como se eu fosse a pior pessoa do
mundo. Às vezes, brigamos e outras vezes, ignoramos um a
presença do outro. Sei que essa gravidez não foi em boa hora e sei
também que ele deve estar pagando o preço por isso, mas eu já
paguei preços demais, já passou da hora dessa dívida ser quitada.
Mais alguns meses e adeus clã. Sinto medo por essa criança, medo
de que seja uma menina e medo de Amélia não conseguir me
ajudar.
— Aparentemente, está tudo bem, Zara. — Sorrio para Carlos,
meu médico.
— Que bom — digo, levantando-me.
— Vocês não querem mesmo saber o sexo?
— Não — Lúcio responde. Ele não me deixa vir a uma consulta
sozinha, ele não quer que eu descubra o sexo, porque sabe o que
pode acontecer caso seja uma menina. Não tiro a razão dele, eu
ficaria desesperada ao ponto de fazer mais uma das minhas
loucuras. Mas agora nem eu quero saber, quero chegar até o fim
dessa vez.
— Nós vamos esperar até nascer. — Ele sorri. No caminho
para casa, não me seguro em falar com Lúcio.
— Deveria ser mais discreto com o seu ódio da minha
gravidez.
— Não odeio sua gravidez e muito menos esse bebê. Odeio
você, engravidou porque você quis. Meu Deus, Zara o que vai
ganhar com isso? Eu sei que não foi um acidente, mas eu juro que
quero entender.
— Eu engravidei por que quis? — tento soar o mais verdadeira
possível. — Lúcio, eu não fiz esse filho com o dedo e não quero
ganhar nada com isso. — Ele bate forte no volante do carro e solta
um longo suspiro.
— Se não quer me falar, tudo bem. Já conseguiu me prejudicar
mesmo, parabéns. — Calo-me, tudo que eu não preciso hoje é de
Lúcio me jogando na cara essa gravidez. Quando chegamos em
casa, minha mãe está brincando com Jake e Luciano.
— Filha — ela se levanta e abraça-me —, como foi lá?
Descobriu o sexo?
— Escolhi não saber — mando “aquele” olhar pra ela.
— Ah, que pena. — Ela beija meu rosto. Lúcio nos ignora e
sobe.
— Não tem como descobrir, ele sempre vai comigo.
— Nós vamos descobrir, filha. — Desde que contei a ela sobre
o clã, estamos mais unidas, ela me ajuda e sempre fica de olho em
Lúcio quando brigamos. Ele já tentou tirá-la daqui, mas minha mãe
sempre consegue ficar. Ele já até pediu para mim, mas não a quero
longe. Sei que é contra as regras e que ela está aqui sem eles
saberem, mas é a minha mãe e eu não ligo para regras. Pego Jake
em meu colo e beijo-o, é inexplicável a sensação que sinto quando
estou com meu filho.

— Vai, meu amor, você consegue — digo, sorrindo, enquanto


Jake tenta andar em minha direção. — Vem pra mamãe. — Ele deu
seus primeiros passinhos, mas ainda precisa ser encorajado. Pego-
o em meu colo e o abraço bem apertado.
— Meu netinho. Não se esforce com uma criança no colo, filha.
Carlos disse pra você ter cuidado. — Nos últimos dois meses, minha
gravidez complicou e agora todos têm o maior cuidado comigo e
Carlos me alertou sobre ser uma criança prematura.
— Tudo bem. — Faço cosquinhas em Jake, que dá uma risada
gostosa. — Meu amor. — Dou um beijo em seu rosto. A porta se
abre e Lúcio chega junto com Luciano.
— Posso saber o motivo da festa? — ele pergunta quase
irônico.
— Só estava incentivando Jake a andar — digo animada, mas
ele não compartilha da mesma felicidade comigo. Apenas manda
um sorrisinho falso.
— Ele já pode correr comigo? — Luciano pergunta animado.
— Ainda não. — Sorrio. — Mas logo ele vai poder sim.
Lúcio sobe para o nosso quarto e eu o acompanho. Não
porque eu queira estar perto dele com aquela cara mal-humorada,
mas porque minha barriga pesa e eu quero descansar. Deito-me na
cama e, enquanto Lúcio tira sua roupa, o observo. Ainda continua
lindo, ainda continua sendo o Lúcio. É impressionante como ele está
ligado à minha gravidez.
— Por que está me olhando? — ele pergunta.
— Tem algum problema nisso?
— Não. — Ele se senta na cama. — Legal Jake está
aprendendo a andar.
— Muito.
— Como você está?
— Bem, só um pouco cansada. — Lúcio se deita ao meu lado.
— Então descanse. — Ele beija minha testa e sua mão desce
para minha barriga.
Estranho.

— Justin — chamo, entrando no quarto. Faz alguns meses que


não venho aqui porque Lúcio não sai da minha cola. — Desculpa
não ter vindo antes.
— Então como você está?
— Bem, mais ou menos. — Sento-me ao seu lado. — Lúcio
desconfia que minha gravidez foi armada e por isso ele me odeia.
— Acho que Lúcio nunca te odiaria.
— Ah, ele odeia.
— Alguém é capaz de te odiar? – Sorrio tímida.
— Continuando... estava tudo sendo, no mínimo, suportável,
então minha gravidez começa a ter complicações e o meu médico
me disse que há riscos do bebê nascer prematuro. Isso é muito ruim
pra nós.
— Zara, não deixa essa criança nascer antes da hora. —
Justin me olha preocupado, coloca a mão em minha barriga e
abaixa-se. — Ei, bebê, não saia daí agora. — Sorrio com sua
idiotice.
— Estou me cuidando pra isso não acontecer, espero que esse
bebê não puxe a impaciência de Lúcio. — Justin sorri.
— Eu também espero. Só me procure de novo quando estiver
perto, não quero você se arriscando em vim aqui. Zara, tome
cuidado nos próximos meses, podem fazer o que Lúcio fez com
você quando estava prestes a ganhar Jake.
— Podem?
— Sim, sua gravidez foi um prejuízo para eles e eu não sei
como isso pode ser visto.
— Tudo bem.
— Tem notícias dos meus pais?
— Nunca mais vi Melissa, acho que ela também me culpa por
sua "morte" e ela agora cuida do seu pai.
Ele depende inteiramente dela. E agora ela, com certeza, deve
me odiar por colocar seu marido em uma cadeira de rodas. Eu não
quis procurá-la, tenho dúvidas de se vou conseguir esconder dela a
verdade sobre Justin vendo o seu sofrimento. Ela também não fez
questão de me procurar.
— Como o mundo dá voltas — Justin diz pensativo.
— Jake deu seus primeiros passinhos! — Pego o celular da
minha bolsa.
— Sério? — Ele sorri animado. Mostro a ele o vídeo feito por
minha mãe. Vejo os olhos de Justin lacrimejarem. — Perdi muito da
vida dele.
— A culpa é minha.
— A culpa é desse nosso destino cruel.
— Que tem os dias contados. — abraço Justin e levanto-me.
— Vou visitar Maia e quando eu vir de novo, aviso você sobre ela.
— Tudo bem — ele diz. — Mas eu preferia que você não
tivesse que vir aqui de novo, é perigoso.
— Eu venho.
Saio de lá direto para a casa de Maia. Bato na porta e espero-a
abrir. Maia abre a porta sorridente, mas quando percebe que sou eu,
o sorriso se esvai lentamente.
— Posso entrar? — questiono.
— Claro.
— Como você está? — pergunto, sentando-me no sofá.
— Você se importa? — ela pergunta. Eu não me importo, mas
ele sim.
— Pode não parecer, mas algumas pessoas se importam. —
Ela me olha pensativa. — E me desculpa pelo que fiz.
— Eu estou bem, obrigada por perguntar e tchau. — Assim
que Maia se cala, ouço passos de alguém descendo as escadas.
Um homem, que usa apenas uma calça moletom, cabelos
cacheados pretos e que não me parece ser muito mais velho que
Maia, aparece.
— Não sabia que você estava esperando visitas. — Ele beija
os lábios de Maia e acena para mim, retribuo o aceno.
— Nem eu. — Ela se vira para mim. — Mas ela já está de
saída. — Maia me leva até a porta.
— Parece que você já superou — digo.
— E você até mais. — Ela aponta para minha barriga.
—É seu namorado, Maia?
— Sim, e isso não é da sua conta. — Ela fecha a porta na
minha cara. Talvez não seja da minha conta, mas acho que é da
conta do Justin.
Capítulo 30

Lúcio me beija assim que chega. Ele já começou mais uma de


suas mudanças e agora anda menos rude e mais carinhoso. Eu
agradeço, pois sinto que essa criança não vai mais esperar. Eu
estou com medo, muito medo.
— Como você está? — Ele passa a mão por minha barriga e
encara-me. Quero responder, mas só sei o olhar com medo. — Não
vai acontecer nada com vocês.
— Vai ser prematuro — digo a ele.
— E vocês vão ficar bem. — Abraço Lúcio e choro em seus
braços. Eu queria não ter que admitir que esse Lúcio que está aqui
agora me faz se sentir bem, me faz querê-lo por perto. Ele consegue
ser encantador com a mesma facilidade que consegue ser rude, me
faz querer amá-lo da mesma forma que me faz querer o odiar. Eu
me sinto como minha mãe em relação ao Bruce, mas existe algo
sobre mim que não consigo controlar. Sempre olho para o lado mais
bonito das pessoas, eu sempre quero enxergar sua beleza, quero
acreditar que as piores pessoas ainda podem ser boas. Eu vejo
essa beleza florir em Lúcio, como jamais vi em ninguém.
— Você é um grande idiota. — Dou um soco em seu ombro e
ele me aperta mais forte. — Só queria que você não tivesse me
deixado sozinha nisso.
— Eu pensava em como seria ter um filho com você, mas eu
queria que fosse diferente, Zara, eu sei porque engravidou.
— Não, você não sabe.
— Zara, você não vai destruir o clã assim.
— Eu vou.
— Você tem coragem de destruir o clã?
— Tenho.
— Então você tem coragem de me destruir? — sua pergunta
aperta meu coração. Sempre pensei em como destruir o clã e agora
não consigo incluir Lúcio nisso novamente.
— Lúcio, eu vou destruir qualquer um que ficar em meu
caminho — digo.
Não é verdade, eu não faria nada contra Lúcio, assim como
não faria nada contra Justin. Não consigo mais os ver como
monstros, Justin e Lúcio não passam de vítimas do clã, eles são tão
marcados quanto eu. Na verdade, todos eles, eu só queria entender
como eles conseguem ensinar crianças a serem assim. Como o pai
de Justin pôde colocar em sua cabeça que deveria ser assim,
mesmo que ele não querendo? Como Lúcio foi convencido pelo seu
pai a aceitar a morte das irmãs? Eles são, na maior parte do tempo,
o que foram ensinados a ser, mas eu ainda quero vê-los sendo o
que realmente desejam, não quero livrar apenas mulheres de
torturas, mas também quero livrar homens de ensinamentos
doentios. Não estou salvando apenas elas, estou salvando todos.
— Eu jamais destruiria você.
— Eu te amo, Zara.
— Então, prove. — Olho em seus olhos. — Então, prove que
me ama.
— Eu fiz de tudo pra ficar com você.
— E está arriscando minha felicidade para me manter com
você. Lúcio, não precisa me manter presa a um clã para me ter.
— Não vai me amar depois disso.
— Sabe o que é amar? Amar não é manter alguém presa a
você. Amar é querer ver alguém feliz, não importa com quem e
como. Se me ama de verdade, então me deixa ser livre para ir atrás
da minha felicidade e, Lúcio, eu não tenho dúvidas que ela é com
você.
— Consigo sentir as dúvidas de suas palavras.
— Quando chegar o dia em que eu vou estar frente ao clã,
quero que você negue sua liderança, negue o clã e se você fizer
isso, Lúcio, eu vou ser eternamente grata a você, mas se não fazer,
você não tem ideia da dor que vai ser ter que te matar. Vai ser uma
culpa que vou carregar pelo resto da vida.
— Quem está te ajudando? Zara, eu sei que você está
tramando algo e sei que você não faria isso sozinha, quem, Zara?
— Não tem ninguém me ajudando.
— Zara, eles estão te enganando, não percebe que você só
está cavando um buraco mais fundo?
— Então me deixe afundar.
— Acredito em você, Zara, mas não confie em ninguém. — Eu
me calo e depois de um tempo me encarando, Lúcio sai.
Todos parecem me alertar sobre o clã das mulheres, talvez
eles tenham razão. Daqui para frente, darei a maioria dos meus
passos. Vou para o quarto da minha mãe.
— Como está o meu amorzinho? — Ela sorri.
— Me dando trabalho. Muito pesado e eu estou muito
indisposta. — Ela beija meu rosto. — Mãe, apenas me sinalize que
fez aquilo que eu pedi. — Ela faz que sim. — Eles acreditaram?
Estão fazendo alguma coisa? — Ela faz que sim novamente.
Agradeço por ela realmente não está me contando os detalhes. —
Obrigada.
— Não precisa agradecer. Agora vai dormir. — Ela abre a porta
e eu saio. Vou para meu quarto onde Lúcio já está de novo. Deito-
me ao seu lado e ele me abraça, adormeço em segundos.
Acordo de manhã sentindo algumas contrações fortes. Respiro
fundo e espero-as passarem. Tento não pensar no risco de nascer
prematuro. Arrumo-me e desço para encontrar minha mãe e Jake,
que pede colo, mas me sinto tão fraca que, mesmo de coração
partido, não o pego. Tudo que eu consigo sentir é indisposição
desde que completei meus 5 meses, parece que o bebê suga todas
as minhas energias.
— Tudo bem, filha?
— Senti contrações fortes e dessa vez, demorou mais que o
normal.
— Ele disse que pode ser normal, Zara.
— Mas ele também disse que tinha risco de ser prematuro.
— Mesmo que seja, vai ficar tudo bem. Vou ligar para Carlos.
— Tudo bem. — Espero enquanto ela fala com Carlos.
— Nós precisamos ir lá. — Ela se senta ao meu lado — Carlos
está preocupado com você, ele acha que pode ser pré-eclâmpsia.
— O que é isso?
— Não sei, ele disse que nos explicaria tudo. — Arrumo-me e
vou com minha mãe e Jake. Quando chegamos, Carlos nos recebe.
— Como você está, Zara? — ele pergunta enquanto me deito.
— Cansada e senti contrações fortes hoje.
— Pré-eclâmpsia é muito difícil de se diagnosticar, por isso não
consegui identificar de cara o que você tinha, mas tenho quase
certeza que seja agora. Zara, a demora talvez me obrigue a fazer
seu parto antes da hora, entende? — faço que sim. — Apesar de
raro, garotas de menos de 20 anos são propícias a isso e você já
está na sua segunda gestação muito nova, me admira que, na
primeira, você não tenha tido nenhum problema. Sua pressão
arterial aumentou, o que me levou ao diagnóstico. — Ele olha
preocupado para o monitor, onde tenho a imagem de meu bebê. —
Pré-eclâmpsia pode se manifestar em vários órgãos, Zara, mas, no
seu caso, foi o mais complicado porque ele se manifestou na
placenta e isso está impedindo que o bebê cresça. — Encaro-o
assustada.
— O que você vai fazer?
— Zara, em casos mais simples, pode ser tratado, mas a pré-
eclâmpsia causa entupimento nos vasos e isso está prejudicando o
crescimento, o que nos leva ao patamar de maior risco. Então não
me resta outra opção a fazer seu parto o mais rápido possível.
— Mais rápido quanto?
— O mais rápido amanhã. É o tempo que tem para você ajeitar
tudo, quero manter você aqui então peça pra sua mãe trazer tudo o
que você vai precisar. — Não consigo me livrar do pânico que sinto
e Carlos percebe isso. Ele segura minha mão e olha nos meus
olhos.
— Ei, já tive pacientes com outros problemas ainda mais
complicados e eu não deixei nada de mal acontecer a elas, sabe por
quê? Porque elas eram minhas pacientes e minhas pacientes são
meus bens mais preciosos, cuidei de todas que passaram por mim e
com você, não vai ser diferente. É uma garota forte, reconheço isso
em você. Então vai por mim, isso é moleza. — Ele consegue me
tirar um sorriso.
— Espero que sim.
Carlos preparou um quarto para mim, fico lá enquanto minha
mãe foi pegar tudo que nós precisaríamos. Ela me garantiu que
contaria ao Lúcio e não o daria tempo de pensar em clã. Passo a
mão por minha barriga, parece que nada para mim foi feito para ser
simples. Penso que talvez tudo isso seja um castigo, engravidei não
porque desejava um filho, mas porque queria usá-lo e agora tudo
saiu ao contrário do que eu planejei, mas, pelo menos dessa vez,
tenho Carlos para fazer o parto e não um Lúcio desesperado. Sei
que amanhã terei meu filho, o destino dele é incerto, assim como o
destino dos meus planos. Eu espero que sigam o rumo que eu
desejei, por mais que agora me pareça impossível. A porta se abre
e Lúcio entra. Ele me abraça forte.
— Deveria ter me avisado antes — ele fala rude, como ele
normalmente é.
— Desculpa — digo, procurando uma posição confortável na
cama.
— Está cansada?
— Sinto como se ele estivesse me consumindo. — Meus olhos
marejam. — Meu filho está pedindo ajuda, Lúcio.
— Amanhã ele vai estar melhor, Zara.
— Eu espero que sim, tenho medo de que ele tenha algum
problema.
— Ele vai ter o melhor que esse hospital pode oferecer, vai
ficar tudo bem. — Abro espaço para Lúcio ao meu lado e nós
dormimos abraçados.
— Bom dia. — Abro meus olhos com dificuldades e vejo Lúcio
na minha frente. — Pronta? — ele pergunta.
— Já está na hora?
— Quase, mas você precisa se arrumar. — Lúcio me ajuda a
se preparar.
— Lúcio, você avisou ao clã?
— Não posso. — Encaro-o confusa. — O clã só vê uma
criança como criança quando ela completa seus nove meses, até lá,
eles não ligam.
— Mesmo que seja uma menina?
— Mesmo que seja uma menina. — Ele segura minha mão. —
Se for uma menina, se mantenha longe dela, por favor, Zara, não
torne tudo mais difícil se apegando a ela.
— Tudo bem. — Não estar tudo bem, se for uma menina, vai
continuar sendo minha filha e eu vou continuar a lutar por ela.
Chega a hora e Lúcio se mantém todo o tempo ao meu lado.
Demora horas, mas ouço o seu choro. Lágrimas descem junto com
aquele choro.
— É uma menina, Zara — Carlos me diz, sorrindo, ele está
verdadeiramente feliz por mim, mas eu não consigo estar feliz do
mesmo modo. Uma parte grita de felicidade e a outra não é idiota o
suficiente para ver felicidade nisso, é mais uma luta, mais uma dor.
Choro descontroladamente. Pelo olhar de Carlos, tenho certeza de
que ele pensa que são lágrimas de felicidade, mas não é. Lúcio o
encara perplexo, muitas vezes, ele fez parecer que ser uma menina
para ele seria normal entregar ao clã, mas agora percebo que doí
nele na mesma forma que dói em mim.
— Você não pode ver agora, porque ela vai direto para a
incubadora, mas depois prometo que você vai vê-la. — Dou um
sorriso forçado a ele.

— Ela está sendo alimentada com fortificante porque ainda é


muito pequena, mas logo vai precisar do seu leite.
— Posso vê-la? — pergunto, aproveitando que Lúcio não está
por perto.
— Você adiou tanto isso que pensei que não fosse querer
mais.
— Eu quero sim. — Ele me coloca em uma cadeira de rodas e
leva-me até ela. Mesmo seja de longe, consigo vê-la na incubadora,
sorrio. Ninguém vai me tirar você, tenho vontade de gritar a ela.
— Escolheu um nome? — ele pergunta.
— Não. — Sinto receio até em pensar nisso. — Tem alguma
sugestão?
— Sara. — Ele sorri. — Me lembra Zara então acho que fica
legal.
— Sara. — Sorrio. — Então essa é a Sara.
— Não vai falar com seu marido antes?
— Não, acho que ele não queria uma menina.
— Sabe que ele vem aqui todos os dias? Me convenceu a
deixar ele entrar para vê-la de mais perto. Ele passa horas olhando
pra ela, encantado, ele a olha com amor, acredite, Zara, já vi muitos
pais com o mesmo olhar.
As palavras de Carlos me surpreendem, pensei que Lúcio
tivesse mantido distância. Continuo olhando pra garotinha daquela
incubadora, pergunto-me se eles as vissem assim, como eu estou
vendo agora, se eles manteriam seus pensamentos sobre meninas.
Se eles teriam coragem de matar uma coisinha tão inocente. Pensar
em perder Sara me faz chorar.
— Me tira daqui, por favor — peço a ele. Carlos me leva de
volta ao quarto e deixa-me sozinha. Guardo a imagem de Sara em
minha cabeça, queria pegá-la em meu colo, como peguei Jake, e ter
certeza de que estava tudo bem. Mas tudo que sinto em relação a
ela é dor, não sinto que seu futuro seja como o de Jake, sinto que a
cada dia que passa, perco-a. Sei que salvar Sara vai ser como fazer
10 gols nos quarenta e cinco do segundo tempo, sem direito a
prorrogação.
Capítulo 31

— Olha quem está ficando grandinha, tudo isso em um mês?


— Sorrio ao ver Sara mexendo as mãozinhas. Olho minha mãe com
Jake em seu colo do outro lado, olhando-nos. É a primeira vez que a
vejo de pertinho.
— Logo vai ter ela em seus braços e vocês vão poder ir pra
casa — Carlos diz. Meus olhos marejam, tento segurar as lágrimas,
mas é impossível, quando sair daqui, irei direto para o clã. Não sei
se volto e muito menos Sara.
— Por que está chorando?
— Eu estou feliz — minto. — Passamos por muitas coisas e
pensar que vamos voltar, me deixa emocionada. — Abraço Carlos.
— Obrigada, eu não sei como te agradecer por tudo o que fez por
nós, fez de tudo para salvar minha filha. — Carlos sorri. Ele me
parece ter uns 50 anos, imagino quantas vidas ele trouxe ao mundo.
Pessoas como ele me lembram que existem pessoas que vivem
pelo bem. — Posso ficar só mais um minuto?
— Só um minuto. — Ele sai.
Chego mais perto, sinto uma vontade imensa de pegá-la. Seus
olhinhos se abrem devagar e vejo-a me olhar.
— Oi, meu amor — digo entre lágrimas. Então, canto para ela
as canções que minha mãe sempre cantava para mim quando eu
era criança. Não sei se terei outra oportunidade para fazer isso.

— Desculpa te atrapalhar, Zara — Carlos diz —, mas precisa ir.


— Tudo bem. — Enxugo minhas lágrimas e olho mais uma vez
para ela antes de ir com o coração partido. Quando saímos, ele
para, observando-me.
— Tem alguma coisa acontecendo, Zara? Se tiver, por favor,
me fale, eu posso te ajudar. Por que toda vez que vê sua filha
desaba em chorar? Isso não me parece que é emoção, parece que
estar se despedindo toda vez que a vê.
— Carlos, um dia, você vai saber, mas, por favor, não me faça
mais perguntas sobre isso.
— Tudo bem, mas se precisar, estou aqui.
— Obrigada. — Vou até minha mãe, que continua olhando
Sara de longe. Tenho a imagem mais linda vendo Jake com as
mãozinhas no vidro que separa ele de sua irmã, olhando na direção
onde ela está. Pego Jake em meu colo e o beijo.
— Mama — ele diz com suas mãozinhas em meu rosto. Toda
vez que Jake fala, encho-me de felicidade.
— Ele estava te chamando faz um tempo — minha mãe diz,
sorrindo. Abraço-o mais forte, quase não o vi nesse tempo que
fiquei no hospital. — Ela está tão linda. Não vejo a hora dela ir para
casa. — Encaro minha mãe triste. — Desculpa, filha, não queria...
— Eu sei, mãe, é só que não é nada fácil.
— Ela vai voltar, Zara. — Ela me abraça.
— Eu não sei o dia certo que vai acontecer, mas preciso que
você deixe aquelas pessoas preparadas, por favor.
— Zara, elas vão estar. — Suspiro com a confiança que minha
mãe me passa. Minha atenção passa para uma mulher que está
parada, olhando as crianças.
— Mãe, leva Jake para comer alguma coisa. — Entrego-o a
ela. — Preciso resolver algo, já encontro vocês — Sei quem é essa
mulher e sei em qual direção ela está olhando, aproximo-me dela
devagar. — Então, qual você está visitando? — pergunto e quando
ela me olha, seus olhos arregalam surpresos.
— Aquele ali. — Ela aponta para um dos bebês.
— Tem certeza? — encaro-a. — Porque me parece que você
estava olhando para aquela ali. — Aponto para onde Sara está.
— Deve ser um engano seu.
— Escuta aqui, eu sei que você é do clã, eu já te vi pela casa
da Amélia, agora por que vir escondida? O que ela mandou você
fazer aqui?
— Ela mandou eu ver se a criança estava bem.
— E...?
— Foi só isso.
— O que mais? Eu sei que ela não mandaria você aqui pra
fazer só isso. — Ela fica calada. — É melhor você falar ou eu vou
obrigar você a fazer isso aqui mesmo.
— Ela só pediu para eu certificar de que você não fugiu, ela
estava com medo de você desistir.
— Diga a ela que não precisa mais se preocupar, mas que
Amélia tem que cumprir nosso combinado sobre Sara. Vou tentar
encontrar com ela assim que der. — A mulher sai sem falar mais
nada. Sei que devo desconfiar de Amélia, mas eu também não
posso mantê-la longe, quanto mais aliados ao meu lado, melhor.
Encontro minha mãe no refeitório do hospital e sento-me junto a ela.
— Querida, esqueci de avisar. Lúcio deu uma passada rápida
por lá e disse que precisava conversar com você, ele deve estar te
esperando no quarto em que você estava. — Não sabia que Lúcio
estava no hospital.
— Ele está aqui?
— Você não o viu? Ele estava lá observando vocês, mas logo
ele saiu. — Levanto-me e vou quase correndo até o quarto.
— Lúcio. — Entro no quarto, ele está de costas para mim, mas
quando ouve minha voz, logo se vira.
— O que foi aquilo? — sua voz soa tão calma que me
surpreende.
— Espero que não tenha sido uma despedida — digo. — É
minha filha. — Lúcio vem até mim e abraça-me.
— Nossa filha, Zara. — Ele me encara. — Não podemos nos
apegar, você sabe disso.
— Como? Já viu o quanto ela é linda? Ela é linda.
— Tão linda quanto a mãe.
— Eu te amo. — Ele sorri.
— Não preciso nem dizer nada sobre isso, não é?
— Não. — Sorrio. — O que vamos fazer?
— Fazer o quê?
— Salvar Sara — digo.
— Zara. — Ele para um segundo antes de continuar: — Não
posso salvar Sara e nem você pode. — Fico boquiaberta, não
acredito que depois de tudo isso, ele não quer salvá-la. — Zara, eu
poderia, mesmo que eu quisesse, eu poderia, mas, para isso, eu
precisaria estar casado com você. É isso que eu queria te explicar,
seja quem for a pessoa que está te ajudando, não é intenção dela te
proteger. Zara, quem te deu essa ideia sabia que, para eu salvar
você e o bebê, nós dois deveríamos nos casar antes.
— Mas nós vamos casar.
— Sim, só que antes, eles vão matar Sara — as palavras saem
da sua boca, mas vem acompanhadas de lágrimas. — Zara, me
desculpa, eu queria poder mantê-la viva, mas não posso.
— Você pode. — Abraço-o enquanto choro em seus braços. —
Pode, Lúcio.
— Desde que me falou da gravidez, eu senti que não seria
bom para nós. Eu sabia que iria nos trazer mais dor e sabia que
tudo isso foi ideia de alguém, o que me preocupa, porque quem está
te ajudando, está levando você pra outro caminho, Zara. — Não
comento nada sobre isso com ele, pois tudo o que me importa agora
é Sara.
— Não posso perder ela. Lúcio, por que tudo tem que ser tão
difícil? — me pergunto isso todos os dias, não é o tipo de pergunta
que você se conforma em não ter a resposta, é a pergunta que te
persegue por todos os cantos e te atormenta, porque o simples fato
de me fazer essa pergunta, já me parece uma grande injustiça.
— É o preço que pagamos por nossos erros, Zara. — Ele me
aperta mais forte contra ele, como se cada distância que ainda
existe entre nós fosse imensa.
— E o preço dos erros do clã? Não acha que chegou a hora
deles pagarem esse preço também?
— Todos nós temos nossa hora — ele quase sussurra quando
me diz. — Sei que a deles se aproxima. — Lúcio sai, deixando-me
com uma grande dúvida do que ele quis dizer com isso.

Passei as últimas semanas pensando no que Lúcio disse. Ele


não pode salvar Sara, Amélia quer me usar para algo diferente, o
que ela planeja, não faço ideia, mas sei que Ane sabia e ela foi a
primeira a tentar me alertar. Eu sou uma grande idiota. Não fui atrás
da Amélia, eu não conseguiria nem olhar para sua cara, mas liguei e
confirmei mais uma vez que ela me ajudaria. Dirijo até a casa em
que elas mantêm Justin preso, o dia em que vou enfrentar o clã
pode estar cada vez mais perto e ele me mantém um passo à frente
delas. Já é tarde, sai às escondidas de noite, torcendo para Lúcio
não perceber minha fuga. Paro o carro a uma certa distância da
casa. Eu deveria ter um plano, mas a verdade é que eu não tenho.
Aproximo-me da casa completamente escura, tento entrar pela porta
da frente, só que está trancada. Vou para os fundos e tento pela
outra, que parece ter uns mil anos sem uso e está emperrada.
Minha única entrada é a janela do lado da porta, que tem metade
tampada por uma madeira velha e a outra, nem existe mais. Enfio
minhas mãos pela janela até encontrar um apoio, passo meu corpo
com dificuldades pelo pequeno espaço até conseguir finalmente
entrar. Dou passos leves e silenciosos. A porta de um dos quartos
está meia aberta, as mulheres que ficam aqui estão dormindo.
Procuro pela chave, mas não consigo vê-la por nenhum local do
quarto, continuo andando e vou até a sala, onde encontro chaves
em cima de uma mesinha. Pego as chaves e vou até o quarto em
que Justin está. Abro a porta devagar e entro, ele está dormindo.
— Justin — cutuco-o, mas não adianta —, Justin — chamo um
pouco mais alto e sacudo-o mais forte. Ele abre seus olhos devagar
e assusta-se ao me ver. Ele abre a boca, mas a tapo com minha
mão e faço um sinal para ele fazer silêncio. — Precisamos ir.
— E aquelas loucas lá? — ele diz baixinho.
— Estão roncando no outro quarto — pego em sua mão e o
guio até a saída do quarto. O escuro é um obstáculo. Não arrisco
abrir a porta da frente e saímos por onde entrei, agradeço pelo
corpo magro de Justin, que facilita a passagem pela janela.
Voltamos para o meu carro e finalmente suspiro de alívio.
— Você é louca! — Justin diz, suspirando também. — Como é
bom sair daquele lugar.
— Eu sei que foi muito tempo. — Ligo o carro e vou o mais
rápido possível para dar o fora dali. — Desculpa, Justin, a culpa foi
minha... é só que eu precisava — ele não diz nada, o que me faz se
sentir ainda pior. Passamos alguns minutos em silêncio até que ela
volta a falar.
— Se quer se desculpar, comece me levando até Maia.
— Tem certeza? — digo, lembrando do que aconteceu da
última vez que vi Maia.
— Tenho.
— Tudo bem. — Se ele quer ver Maia, que veja. Não me
importo se isso vai magoá-lo. Dirijo até lá, o que leva quase uma
hora. — Acho que seria melhor você não ver ela.
— Eu entendo seu ressentimento quanto a isso, mas eu
preciso vê-la.
— Não tenho ressentimentos quanto a isso, Justin — altero
meu tom de voz. — É só que Maia, talvez, tenha seguido com a vida
dela, ela não é isso que você pensa.
— Você também não é diferente — fico em choque com suas
palavras. — Forjou minha morte para ficar com outro cara.
— Forjei sua morte para me livrar do pesadelo em que sua
família me colocou. Mas, se quer ver ela, vamos lá, Justin. – Dirijo o
mais rápido que posso para a casa dela, desço do carro e vou até a
porta de Maia. Toco a campainha várias vezes, enfurecida. A porta
se abre e o mesmo cara que vi naquele dia é quem nos recebe.
Justin o encara sem entender nada, vejo Maia paralisada na escada
enquanto olha para Justin. — Acho melhor você ir ajudar Maia,
antes que ela desmaie — digo para o cara que nos recebe. Ele vai
até ela e nós entramos. — Eu avisei, ela é livre, esqueceu? Não tem
regras prendendo ela a você.
Capítulo 32

— Como você pode estar vivo? Meu Deus, você morreu, Justin
— Maia diz depois de ter se acalmado e se livrado do seu
namorado.
— Eu forjei a morte dele.
— Como? Por quê?
— Porque Maia existe coisas que você não sabe sobre Justin e
todos os dias, você deve agradecer por ter saído a tempo disso. —
Justin mal olha para a cara dela.
— Justin, não vai falar nada?
— Falar o quê?
— Eu não sei. Até a meia hora atrás, você estava morto pra
mim.
— Então por que não continua assim, Maia? Eu continuo morto
pra você — ele grita e ela se encolhe no sofá.
— Eu pensava que você tinha morrido, eu só segui a minha
vida. — Seus olhos enchem de lágrimas.
— Rápido demais, não acha?
— Justin, eu não tinha como adivinhar que você não estava
morto, tudo o que eu fazia era chorar, eu segui em frente porque eu
estava cansada de sofrer.
— Não importa — entro no meio da conversa. — Temos coisas
bem mais importantes. — Levanto-me e abaixo as mangas da
minha blusa, deixando minhas costas expostas a ela. — Você tem
uma longa história para ouvir, Maia. — Conto tudo a ela, do começo
ao fim sobre o clã. Quando termino, Maia praticamente voa em mim
e abraça-me.
— Zara, me perdoa! — Ela chora. — Eu não tinha ideia! — fico
sem reação.
— Preciso que Justin fique aqui e que você mantenha seu
namorado longe daqui. — Ela encara Justin e dessa vez, com o
medo claro em seus olhos.
— Não vou fazer nada com você, não sou esse monstro que
você parece estar pensando que eu sou. — Justin se levanta e sai.
— Paciência, Maia — digo.
— Não sei se quero ele aqui. — Vou até ela irritada.
— Você quer sim — digo, apontando meu dedo em sua cara.
— Da mesma forma que você quis quando eu estava fora e você
dormia com ele! — grito e ela me encara assustada.
— Zara, ele fez você sofrer.
— Você também fez quando eu descobri que a única pessoa
que parecia ser minha amiga, na verdade, não era. Muitas pessoas
me fizeram sofrer, Maia, se eu fosse guardar rancor de todas elas,
eu estaria louca. Mas eu não tenho tempo pra isso e nem fui feita
pra isso, sei perdoar e amar, mas odiar é doloroso pra mim. Não
odeio Lúcio, não odeio Justin, mas odeio o clã e por mais que eles
sejam monstros, ainda sim tento achar motivos para tirar esse ódio,
mas é impossível. As pessoas vão sempre te fazer sofrer, você pode
não saber disso, porque me parece que sua vida foi fácil, mas todos
passamos por momentos difíceis e aprendemos a enxergar isso,
alguns mais que os outros. Maia, só preciso que o mantenha aqui,
se quer realmente me ajudar o mantenha aqui.
— Tudo bem, Zara. — Ela volta a me abraçar e eu retribuo.
Minha cabeça está a mil, vou pensar sobre Maia quando tudo isso
acabar.
— Preciso ir, diga ao Justin que volto assim que der. — Saio de
lá direto para meu carro, volto para casa e torço para não acordar
Lúcio.
Saio com Lúcio, Luciano, minha mãe e Jake para passear.
Lúcio parece ter acordado bem e obrigou-nos a sair de casa, não
me deixou nem passar no hospital antes. Andamos pelo shopping
abraçados. Tento esquecer que tenho a vida que eu tenho, nem que
seja por algumas horas. Sentamo-nos para tomar café, enquanto
minha mãe leva Luciano e Jake para brincar.
— Gosta? — Lúcio pergunta, dando um sorriso de lado que só
o deixa mais lindo.
— Do quê?
— Disso. Um pouco de paz.
— Você ainda pergunta? Gosto mais ainda de ter ver assim,
gentil.
— Desculpa por não ser a melhor pessoa do mundo pra você.
— Lúcio pega minha mão e leva até seu peito esquerdo. — Você faz
a dor aqui ser menor. E eu vou fazer o mesmo por você. — Lúcio
me beija. Vejo minha mãe voltando acompanhada de um homem,
que aparenta ter sua mesma idade, esqueço-me até de questionar
Lúcio.
— Vou lá onde ela está. — Levanto-me e vou até ela. Pego
Jake do seu colo, que se joga para mim assim que me vê.
— Filha, esse aqui é o Morgan. — Ele estende sua mão e eu
aperto a dele. — Morgan, você já conhece a Zara.
— Conhece?
— Zara, eu estou cuidando do seu caso — diz baixinho. —
Estou fazendo de tudo para o seu caso não chegar aos ouvidos do
clã dentro da polícia. Já recebi outras denúncias sobre eles, mas
sempre acontecia alguma coisa e o caso era encerrado, agora não.
Nós vamos até o fim. Tenho um agente especial cuidando do seu
caso. — A confiança que ele me passa me faz querer chorar. —
Agora volte pro seu marido antes que ele desconfie. — Viro-me para
ir até Lúcio, mas paro e volto na direção deles.
— Me prometa que vai conseguir um acordo de imunidade
para Justin e Lúcio.
— Tem certeza que você quer isso?
— Absoluta.
— Eu vou tentar, mas não garanto.
— Obrigada.
Volto para Lúcio.
— Quem é? — Lúcio pergunta.
— Um amigo da minha mãe — digo, ajeitando Jake em meu
colo, tentando parecer o mais normal possível.
— Não sabia que sua mãe conhecia pessoas da polícia
federal. — Quase caio da cadeira.
— Polícia federal? Tem certeza?
— Esse cara é um dos problemas do clã na polícia. — Lúcio
me encara e percebe meu interesse, tento disfarçar. — Falando na
sua mãe, sabe que ela não pode ficar lá pra sempre.
— Nos dê só mais um tempo.

Meus olhos enchem de lágrimas quando pego Sara nos meus


braços pela primeira vez. Ela nem parece aquele mesmo bebezinho
de dois meses atrás. Lúcio, do meu lado, olha para Sara feito um
bobo.
— Parece com você — ele diz, sorrindo.
Sorrio para ele, mesmo querendo chorar.
— Evita esse assunto, por favor — ele diz, como se lesse
meus pensamentos.
Calo-me, mas sei que está chegando a hora.
— Amanhã ela recebe alta, mas, por favor, vocês têm que
seguir todas as recomendações — Carlos fala, intrometendo-se.
— Vamos sim. — Abraço-o. — Obrigada por tudo. — O sorriso
de Carlos é enorme, se ele soubesse a verdade, choraria junto
comigo. Queria dizer que estou fazendo de tudo para salvar minha
filha, mas sei que não estou. Se eu fizer alguma coisa, vai adiar
mais ainda o fim de tudo isso. A cada minuto meu coração se aperta
mais.
— Minha princesa — Lúcio sussurra com Sara em seu colo, ele
se apegou a ela, até mais do que eu.
— Já pensou que se, um dia, ela ficasse maior? O quanto ela
seria linda?
— Ainda mais se ela for uma morena linda, como a mãe. — Ele
me beija.
— Ela mudou alguma coisa dentro de você? — Sei que ele
sabe do que estou falando.
— Ela me deu os sentimentos mais bonitos, até aos mais
assustadores. — O olhar de desespero dele me faz perceber que
ele sabe o que eu estou sentindo, sabe a dor e o desespero. Penso
que seria diferente se ela não tivesse sido prematura. Não seria
difícil para ele deixá-la, mas agora é, pois, nós nos apegamos a ela
e aprendemos a amá-la.
— Quando será?
— Depois de amanhã, depois das sete horas, primeiro, eles
pretendem matar ela e depois, nos casar.
— Vamos salvar ela, de verdade? Por favor, diga que está
realmente comigo nisso.
— Confia em mim. Percebi que eu perco você toda vez que te
tento forçar a ficar comigo, sem estar feliz... nós temos uma filha
agora e tudo que eu quero é cuidar dela com você. — Abraço-o e
beijo-o. Ouvir isso me deixou tão feliz que eu poderia sair gritando
por esse hospital. — Eu te amo, Zara, amo mais do que tudo. —
Encaro-o enquanto ouço cada palavra, posso estar errada, mas
acredito nele, acredito de verdade.
— Eu também te amo, Lúcio. A cada dia, eu tenho mais
certeza disso.
— Não sei quem está te ajudando, mas tome cuidado, seja
esperta, Zara. — Ele pega em minha mão e encara-me. — Não
posso me meter nessa parte, espero que entenda, mas, quando
tudo acontecer, eu vou fazer de tudo para ajudar você, entendeu?
— Sim.

Chega o dia de Sara ir embora. Lúcio a leva em seu colo


enquanto eu dirijo, os papéis deveriam ser inversos, mas ele não
quer soltá-la de forma alguma.
— Ela me lembra minha irmã mais nova, sabia? Como minha
mãe morreu quando ela era ainda muito nova, eu ajudava minha
irmã a cuidar dela às vezes. Era a criança mais sapeca que eu
conheci. Eu as amava, apesar de tudo, amava elas. Acredita em
mim, Zara?
— Acreditar em quê?
— Que eu as amava.
— Claro que acredito, não foi culpa sua o que aconteceu.
— Amava... amava... amava — ele repete, ainda encarando
Sara com o mesmo fascínio.
— Lúcio, você está bem?
— Sim. — Ele me encara. — Ele as matou, não eu. Zara, não
me odeie, foi eles. Juro que foi eles.
— Lúcio, calma, eu sei que não foi você, por que está agindo
assim?
— Eu não sabia que ele ia matar elas, ele só me disse: você é
o futuro dessa família, precisa aprender a ser forte e às vezes,
tomará decisões complicadas como essa, elas estarão com sua
mãe em um lugar melhor. Eu não entendi o que ele queria dizer com
isso, então, eu acordei e elas estavam mortas, e ele mandou eu
pegar seus corpos e levar até o nosso quintal. Me fez cavar covas
para cada uma delas e colocar seus corpos lá, eu enterrei minhas
irmãs enquanto ele assistia... e repetia que aquilo me faria alguém
forte um dia, eu implorei pra ele não fazer isso, mas ele não me
escutou... Zara, não quero mais ser um monstro.
— Você não vai ser mais. — Suas mãos tremem.
Chegamos em casa e a colocamos no quarto que, um dia, foi
de Luciano, dei um jeito em algumas coisas, mas o suficiente até o
seu destino ser traçado. Vou para o quarto com Lúcio.
— Acho que preciso descansar um pouco. Minha cabeça dói
muito... — Abraço-o.
— Por que não toma um banho enquanto eu faço alguma coisa
pra você comer e trago um remédio pra depois você descansar?
— Tudo bem... — Ele me beija. O olhar de Lúcio parece
sombrio.
Preparo um sanduíche e um suco para ele, e levo o remédio.
Quando entro no quarto, ele está de roupão, sentado na cama.
Entrego a bandeja para ele.
— Obrigado.
— Está tudo bem mesmo?
— Sim... — Ele me encara por alguns segundos e volta a falar:
— Promete que, depois disso tudo, vai ficar comigo? Mesmo que
não seja como marido ou mulher, fica ao meu lado como amiga?
Como a minha luz pra um caminho mais bonito? Porque tudo sem
você, Zara, me parece escuro, por qualquer caminho que eu vá...
parece que a escuridão me persegue, mas quando estou com você,
não. Ela parece que tem medo de você. Zara, você é a pessoa que
mais admiro no mundo, já passou por tantas coisas e mesmo assim
consegue dar um sorriso sincero para as pessoas. Você nos
encanta, porque, no meio de tanta dor, conseguimos ver a
esperança através de você. Fui levado para um caminho que, até eu
conhecer você, me pareceu impossível ter volta. Me sinto um
monstro e uma pessoa melhor ao mesmo tempo perto de você,
sempre tento adivinhar o que você está pensando e sempre me
pergunto: Será que você me odeia e se não, por quê? Zara, eu
merecia morrer só por fazer alguém como você ter sofrido.
— Eu prometo, Lúcio, que, se depois disso não der certo, eu
vou adorar, ser sua amiga, sua luz. — Abraço-o bem forte e deito-
me ao seu lado até ele cair no sono. Dói saber que dentro dele essa
escuridão ainda existe, todos nós carregamos uma escuridão dentro
de si e a de Lúcio parece imensa, não tento imaginar a dor que ele
deve sentir. Eu quero odiá-lo, mas só consigo sentir pena.
Capítulo 33

Dirijo até a casa de Maia, ela me recebe com um abraço.


— Onde está Justin? — pergunto.
— Lá em cima — ela diz, apontando para as escadas, assim
que olho, vejo-o descendo as escadas.
— Pode nos deixar sozinhos?
— Claro. — Ela sobe e fico sozinha com Justin.
— Como você está?
— Tem sido horrível. Maia está um saco e acha que eu vou
bater nela também... Que merda, Zara, me tira daqui.
— Então agora você não quer? — Encaro-o desafiadora.
— Porra, Zara, eu fui um idiota, ok? Mas será que dá pra não
jogar isso na minha cara?
— Vim aqui pra falar de algo mais importante que isso.
— Imagino. Como está a Sara?
— Bem, por enquanto... — Suspiro. — Será amanhã, Justin,
antes das 19 horas.
— Como assim? Tão rápido? Ela mal saiu de lá, Zara.
— Eu sei. Mas você acha mesmo que eles estão ligando? É o
clã.
— Tudo bem. Então eu vou estar lá, tenha paciência, Zara, sei
qual será a minha hora de entrar.
— Tudo bem. — Saio de lá e vou direto para a casa de Amélia,
ela nunca mais entrou em contato comigo, nem mesmo para me
falar de Justin. Sou recebida pela empregada e logo ela aparece.
— Zara — sua voz é suave como sempre —, estava mesmo te
esperando, desculpa por não ter procurado você antes, imaginei que
ter uma filha no hospital fosse problema o suficiente para você, que
bom que Sara já está em casa.
— No hospital, ela estava protegida.
— Bom, agora ela também está. — Amélia pega em minha
mão. — Querida, protegerei Sara como se fosse minha filha.
— Você deve saber que já é amanhã.
— Sim, eu sei.
— Então?
— Apenas cumpra o seu papel e nos aguarde, você já sabe o
que fazer.
— E Justin?
— Justin está sobre nossa proteção ainda, depois de tudo isso,
ele vai poder ter uma vida normal novamente. — Observo-a
enquanto cada mentira sai de sua boca, Amélia é fria, pois eu
jamais diria que ela está mentindo.
— Tudo bem. — Levanto-me. — Preciso ir, não posso mais
ficar tanto tempo longe de casa.
— Entendo. — Amélia beija meu rosto e acompanha-me até a
porta.
Chego em casa e vou direto para o quarto de Sara. Beijo sua
testa e pego-a um pouco em meu colo. Não sei quanto tempo fiquei
com ela, mas sei que foi o bastante para me deixar cansada e ir
para a cama dormir.
Tenho pesadelos a noite inteira com o clã. Apesar de ter
esquecido a maioria, quando acordo, alguns ainda me atormentam.
Encontro Lúcio já acordado, tomando café.
— Você viu como ela está? — pergunto.
— Chorou um pouco, mas já voltou a dormir. Ela é bem calma.
— Por que não me chamou?
— Você parecia cansada. — Sento-me ao seu lado. — Então,
como você está?
— Com medo.
— Nós saímos em uma hora — ele me avisa, sinto um tremor
me invadir e vou para o quarto de Sara.
Quando chega a hora de ir, abraço Jake bem forte e minha
mãe, que me olha preocupada. Queria abraçar Luciano também,
mas Lúcio achou melhor o manter longe daqui desde que tive Sara,
ele o mandou para ficar um tempo com a mãe de Ane. Luciano já é
capaz de compreender tudo o que acontece, ver Sara não seria bom
para ele.
É quase impossível soltar Jake, mas, mesmo de coração
partido, eu o solto e não olho mais para trás quando saio. Seguro as
lágrimas ao máximo e vamos em silêncio até onde fica o clã, é
afastado da cidade, quase escondido, eu diria, é a fazenda que
Lúcio me trouxe quando fui ter Jake.
— Chegamos — ele diz e beija-me. — Vai ficar tudo bem. —
Queria acreditar que sim, mas meu coração, meus sentidos, minha
cabeça, meu estômago, qualquer parte do meu corpo, me grita que
não. Somos recebidos por Marvos, o olhar dele para Sara me faz
querer sair correndo dali. Essas pessoas vão matá-la, eu sei disso,
eu sinto isso. Aperto-a mais ainda contra meus braços, esse lugar
me assusta, é como se eu conseguisse sentir todas as coisas ruins
que já aconteceram aqui.
— Lúcio — ele o abraça —, Zara. — Seu olhar vem até mim.
Ele chama um garoto que está próximo a ele. — Leve a criança. —
Seguro-a com mais força e Lúcio me encara, implorando para que
eu deixe.
Beijo-a e não me importo se ele está olhando, é minha filha e
eu a amo. Entrego Sara e meu coração se parte. Marvos segue
andando e choro baixinho enquanto o garoto some com minha filha
em seus braços.
— Está feliz com seu casamento, Zara? — Marvos me
pergunta.
— Sim, muito feliz — respondo com um nó preso em minha
garganta. Quando entramos, observo a sala enorme, a decoração
combina com o ambiente proposto e é muito sofisticada. As escadas
são enormes. Subimos uma delas e caminhamos por um corredor
cheio de portas, até que ele para em frente a uma delas.
— Este é seu quarto, deixamos tudo pronto para você, nos
vemos mais tarde, Zara.
Entro no quarto que, logo em seguida, é trancado. Um vestido
branco me espera em cima da cama. Ele é da altura do meu joelho
e suas costas são completamente abertas, o que eu acredito que
seja para expor as marcas. O único detalhe que ele carrega é um
laço que se amarra a cintura. Sei que está longe da hora de tudo
começar, então deixo o vestido de lado e sento-me no chão,
encostada a cama. Choro só para liberar um pouco da dor que sinto.
Só para ter certeza de que ainda sou capaz de sentir alguma coisa.
Quando o sol começa a se pôr, sei que está na hora de
começar a me arrumar. Visto o vestido e prendo meu cabelo, se o
clã quer ver minhas marcas, pois que vejam. Quero que eles vejam
a dor que os levou ao fim. A porta se abre depois de um tempo, o
garoto que levou minha filha me espera na porta.
— Onde ela está?
— Você verá — é a única coisa que ele me fala antes que eu o
siga.
Entramos por uma grande porta que nos leva a um local
parecido com um auditório, no grande palco, vejo três cadeiras onde
se encontram os três líderes. Caminho até eles, mesmo tremendo,
tento me manter firme. Lúcio se levanta e vem até mim assim que
piso no palco. Imagino que se eu não tivesse engravidado de Sara,
esse lugar estaria lotado de pessoas. Olho pela janela e vejo que já
está bastante escuro, então sei que está quase na hora.
— Mantenha a calma — Lúcio sussurra para mim, e eu respiro
fundo.
— Antes do casamento, temos outra coisa a resolver. — A
porta se abre e o garoto volta com Sara, levando-a até Marvos, que
a deita sobre uma mesa. — Zara, é o segundo herdeiro que nos dá.
— Ele se vira para mim. Observo as mãozinhas de Sara se
mexerem e meus olhos marejam. Por favor, Amélia, apareça. —
Agradecemos o primeiro herdeiro, mas você já deve saber que uma
garota com o sangue do clã é uma impureza. Espero que seja forte
o suficiente para viver com isso, entendemos que é difícil, Zara, mas
existem regras e elas precisam ser cumpridas.
Marvos pega uma espada, percebo agora como existem
muitas armas de todos os tamanhos ao redor. Amélia, apareça, por
favor. Lúcio me abraça forte.
— Não olha, por favor, Zara — ele me pede entre soluços —,
não olha. — grita, mas meus olhos estão presos a eles. Lúcio
parece chegar ao seu limite, pois ele corre em direção a Marvos,
porém Hugo e o garoto, que levou Sara, o seguram. Ele luta contra
eles, mas não consegue se soltar. — Zara! — só quando ele me
grita que saio do transe, eu corro em direção a outra espada e pego-
a, mas quando vou em direção a ele, já é tarde demais, ele enfia a
espada no coração de Sara e gritar é a única coisa que consigo
fazer.
— Não! — grito e vou em direção a eles. — Não, não, não! —
continuo gritando. Lúcio parece perder todas as suas forças, pois
ele para de lutar contra Hugo. Corro até o corpo de Sara. — Sara,
não, por favor... — Sinto que vou morrer, que essa dor vai me matar.
No fundo, eu sabia que isso iria acontecer, mas bem lá no fundo, eu
também tinha esperanças de que não iria. Choro desesperada
enquanto seguro o corpo sem vida da minha filha. — Me perdoa,
Sara, por favor, me perdoa.
— Lúcio — ouço a voz de Marvos, é como se um sentimento
me despertasse, pois tudo que quero agora é matá-lo. Vou para
cima dele e acerto-o um tapa e em seguida, socos, mas logo Lúcio
me puxa. — Controle sua mulher, Lúcio.
— Eu vou matar vocês! Eu vou acabar com vocês, vou mandar
você pro inferno e você vai pagar por tudo o que fez!
— Zara, sem drama... — Marvos diz, encarando-me. — Vamos
para o casamento. Não tenho tempo a perder com isso. — Olho
para Lúcio, que está de costas para mim, sei que ele estava
chorando. Amélia não apareceu, mas se aparecer, terá o mesmo
destino deles. Ela prometeu salvar Sara e não a salvou.
— Precisamos nos casar — ele diz baixinho. Engulo toda a dor
e o sofrimento que sinto. Evito olhar para a mesa, onde o corpo dela
está.
— Você irá morrer — digo assim que ele termina.
— Lúcio, sua mulher... — ele começa, mas para. — Hugo. —
Ele se vira ao outro líder do clã. Hugo foi o único que nunca falei,
sempre o via mais distante de todos.
— Lúcio, contenha ela, ou a mataremos — ele diz, como se
estivesse com tédio. Minha raiva aumenta, eles acabaram de matar
minha filha.
Marvos se põe em nossa frente e faz um longo discurso sobre
a união do clã, regras e liderança. Por fim, segundo ele, estamos
casados.
— Feliz, Zara? — Marvos pergunta e eu o encaro com ódio.
— Eu vou matar você! — Ele encara Lúcio, esperando que ele
faça algo.
— Vocês não a matarão. — Encaro Lúcio, ele os encara com
ódio. — Não irei conter, Zara, porque ela já foi contida tempo demais
e isso já durou mais do que deveria.
— Lúcio, do que você está falando?
— De vocês, do clã. — Lúcio se vira para mim e sussurra um
“eu te amo”. — Eu nego minha liderança ao clã, nego o clã, nego
tudo o que venha de vocês, por Zara.
— Lúcio. — Hugo o encara, sem entender nada.
— É isso mesmo, a partir de hoje, não sou mais um líder e
muito menos, um membro do clã. Nego a vocês, por amor. Como
nossas regras dizem, essa é a única forma de sair do clã, acabar
com o clã.
— Mas ela também nos diz que podemos matar qualquer um
que tente isso — Marvos diz.
— Espere — ouço a voz de Justin vindo de longe — Seu
quadro de mortes ainda não está encerrado.
— Justin? — Hugo o encara surpreso, mas logo abre um
sorriso. — Parece que você não é o bastante, Lúcio. — Lúcio ainda
está parado, encarando Justin.
— Calma, Lúcio, pode não ser, mas eu sou. — Ele chega mais
perto deles e diz: — Eu nego ao clã e todas as suas regras. E faço
isso por amor a Zara.
— Chame nossos homens — Hugo diz ao garoto que estava
com Sara. O garoto sai e ficamos em silêncio, encarando uns aos
outros. A porta volta a se abrir, quando me volto para ver, não tem
homens vindo e sim, mulheres carregando o corpo do jovem garoto.
Queria me sentir vingada, mas ele era apenas um adolescente que,
provavelmente, cresceu no meio de tudo isso.
Amélia aparece por último, sei que desejei que ela aparecesse,
mas quero Amélia morta, ela não cumpriu sua promessa.
— O que está acontecendo aqui? — Hugo grita, vendo aquelas
mulheres entrarem, algumas carregam armas em suas mãos.
— O fim do clã — digo a eles.
Amélia toma a frente.
— Está quase acabando, Zara. — Seguro-me para não voar
em seu pescoço. Ela pega uma arma e entrega-me. — Mate Hugo.
— Não. — Encaro Marvos e Hugo furiosa. Pego uma das
espadas, uma maior do que ele usou para matar minha filha. —
Primeiro, Marvos.
— Zara, não, mate Hugo logo.
— Não, Marvos matou minha filha. E você não nos ajudou,
Amélia.
— Zara, são as regras. Hugo tem que ser morto primeiro! —
ela grita.
— É mentira — Lúcio diz —, as regras não dizem isso.
— Qual seu plano, Amélia? — Aperto a arma que ainda está
em minha mão. — Por que tudo isso?
— Zara, querida, eu só quero que o clã acabe logo.
— Então não vai se importar que eu mate Marvos? — Chego
mais perto dele e encosto a espada em seu peito esquerdo, no
mesmo lugar onde ele enfiou em Sara. — Posso fazer isso sem o
mínimo problema.
— Zara — Amélia grita —, você não pode matar ele!
— Por que não? As regras não dizem isso? Devo matar todos
os líderes.
— Então mate Lúcio.
— Eu neguei minha liderança, não sou mais um líder. —
Amélia o encara surpresa.
— Fala de uma vez, Amélia! — Aperto mais a espada contra
seu peito.
— O plano dela é matar os outros líderes e assumir o clã com
Marvos. Só que isso não vai acontecer, Amélia — a voz de Melissa
me chama atenção, ela vem em nossa direção. — Será que é tola o
suficiente em achar que Marvos aceitaria isso? Marvos iria manter
você sobre regras e não deixaria você chegar nem perto do
dinheiro. Marvos sabia de tudo desde o começo, eu fui tola em
acreditar em você, Amélia, como demorei tanto tempo pra perceber
o que você queria realmente? Acha mesmo que ele é capaz de
deixar o clã e criar outro? Ainda mais um que nos inclua... Chega de
clã, lutamos até aqui para acabar com o clã e não para criar outro.
— O quê? — pergunto ainda incrédula. — Que sentido isso
faz, Amélia?
— Zara, nenhuma de nós vai conseguir viver de novo, nossas
vidas acabaram. Vivemos tanto tempo controladas por um clã e se
não continuar assim, nós vamos enlouquecer. Precisamos do clã,
porque ele já faz parte de nós. Carregamos marcas que jamais
vamos esquecer, isso vai nos matar aos poucos, querendo ou não.
— Ela se derrama em lágrimas. — Tudo o que eu quero é um novo
clã, mas que agora tenhamos voz. Talvez, acordos com maridos
para serem mais gentis com as regras.
— Meu Deus, Amélia, você é louca! — grito — E logo com
Marvos? Você acha mesmo que ele faria isso, Amélia?! Com
certeza, ele está aprontando alguma coisa.
— Marvos quer o poder só pra ele, se criasse outro clã, as
regras seriam feitas por ele. Richard me contou. Marvos queria que
você matasse os outros líderes e ele iria ficar com o dinheiro. Amélia
e Marvos sempre estiveram de olho no dinheiro que ronda o clã.
— Se queria um novo clã, então por que matou minha filha?
— Zara, eu sempre soube que você seria uma pedra no meu
sapato.
— É porque eu não sou idiota, Marvos.
— E eu não queria outra ratinha como você por aí. — Sinto
que vou explodir quando ele chama minha filha de ratinha. — Só
concordei em deixar você porque realmente parecia promissora,
mas agora vejo meu erro. — Ele encara Amélia. — Mate-a. —
Amélia me encara. — Mate ela logo.
— Se fizer alguma coisa, eu o mato.
— Você é incapaz de matar uma mosca. — Encaro-o furiosa.
— Me matar não vai compensar a dor que você está sentindo, mas
me satisfaz. Você foi uma dor de cabeça por muito tempo para todos
e ver você nesse estado, me anima, Zara. Quem sabe, eu não faça
o mesmo com Jake só pra ver você ainda pior... — é o fim para mim.
Quando ouço o nome de Jake, cuspo cada palavra com um
ódio que eu jamais pensei que um dia iria sentir:
— Matar você não vai compensar a morte dela, mas, toda vez
que eu lembrar que me vinguei, nada vai compensar essa
sensação, Marvos. — Enfio a espada de uma vez no seu coração,
seus olhos se arregalam quando ele tem seus últimos segundos de
dor. Encaro Hugo, se for para acabar com isso, que eu acabe de
uma vez. Não me importo com as consequências, apenas vou até
ele.
— Diga oi para Marvos no inferno. — Faço o mesmo com ele.
— E agradeça por sua morte ser rápida. — Sinto um peso sair de
mim, mas ele logo volta, quando me dou conta dos dois corpos
jogados ao chão e que eu fiz isso. Choro desesperada, Lúcio me
abraça. Lembro que temos plateia e encaro as pessoas ao nosso
redor. Justin está abraçado com Melissa. Amélia está deitada sobre
o corpo de Marvos, chorando. Outra mulher está parada ao lado do
corpo de Hugo, mas não chora e nem parece triste, ela o encara
com desprezo. Deduzo que talvez seja sua mulher.
— Melissa — ouço Richard chamá-la. Justin entra em sua
frente, como se quisesse protegê-la. Melissa abraça Justin e vai até
Richard.
— Conseguimos — ela diz, sorrindo. Encaramos surpresos. —
Richard quem me contou tudo, desde o acidente. — Ela me encara
e abaixo o olhar, com vergonha. — Richard mudou muito.
— Descobri o quanto amava a mulher que estava ao meu lado.
— Não acredito nele, mesmo que eu quisesse, jamais acreditaria
nele. Talvez ele mereça estar nessa cadeira de rodas.
— Não devia ter feito isso, Richard. Marvos confiou em você.
— Amélia já está de pé e com uma arma na mão, mas ela é tomada
por Justin em questão de segundos.
— Não aponte essa arma para meu pai — ele grita, apontando
a arma para ela.
— Acha que eu me importo em morrer? Olhe para todas essas
mulheres, vão morrer afogadas na sua própria dor, porque não
importa o que façam, o clã vai sempre está com vocês. A verdade é
que é impossível acabar com o clã, eles vão matar cada uma de
vocês! — Ela sorri. — Eu sinto pena de você, Zara, deveria seguir o
mesmo caminho que o meu. Mas, antes, eu vou deixar menos um
na lista deles. — Ela atira, mas Richard não é atingido. Seu grito é
doloroso. O olhar de Justin fica paralisado naquela cena, mas ele
logo volta a si e outro tiro é disparado, dessa vez, é Amélia que cai.
Corro até o corpo de Melissa, que está caído sobre o de Richard.
Meus olhos enchem de lágrimas em vê-la quase morta ali.
— Melissa. — Pego em sua mão. — Alguém chama uma
ambulância, por favor! — grito desesperada. — Melissa, por que
você se jogou na frente dele? Você não pode morrer!
— Zara — ela diz com dificuldade —, me perdoa.
— Melissa, é claro que eu perdoo, mas você tem que ser forte
por mim. — Abraço-a — Nós conseguimos, somos livres agora e
você também vai aproveitar essa liberdade. Olha pra mim, aguenta
firme. — Mas ela está cada vez mais distante. — Justin! Meu Deus,
faz alguma coisa. — Ele se ajoelha ao nosso lado.
— Eu já pedi ajuda. — Ele pega na mão de Melissa. — Mãe,
eles estão chegando, aguenta, por favor. — Justin chora e encara-
me desesperado. Ele sabe que ela não vai aguentar, sabe que a
ajuda não vai chegar, porque eles não vão encontrar.
— Filho, eu te amo tanto... Eu espero que você seja muito feliz.
— Vamos ser sim, mamãe, eu você e o papai — ele diz entre
soluços.
— Zara, me abraça — ela diz, já quase sem voz. Abraço
Melissa e ela sussurra em meu ouvido: — Você pode mudar o
mundo, eu continuo acreditando em você. — Fico ali abraçada com
ela, chorando em seus braços, até ela dar seu último suspiro.
Richard e Justin parecem estar em total desespero. Lúcio me leva
para longe.
— Precisa se acalmar. — Percebo a dor em seus olhos e no
quanto ele está se fingindo ser forte por mim. Abraço Lúcio, e ele
volta a chorar. — Eu não sei o que dói mais. Quer ir embora daqui?
— Por favor. — Apoio-me em Lúcio e caminhamos até a porta,
até que a polícia chega e então, paramos. Eles chegaram tarde
demais, todos chegaram tarde demais.
— Tudo bem aqui? — o cara que eu encontrei com minha mãe
naquele dia diz.
— O que você acha? — Ele me encara triste.
— Preciso que você fique mais um pouco.
— Tudo bem. — Voltamos e sentamo-nos em umas das
cadeiras com a imagem mais horrível de toda a minha vida.
— Não olha — Lúcio diz, escondo meu rosto em seu ombro.
Mas lembro de Sara e lembro que seu corpo ainda está lá. A dor
volta com mais intensidade, começo a chorar descontroladamente.
— Vou ver se posso tirar você daqui. — Ele se levanta e vai até
eles. Percebo que Justin ainda está lá chorando, ao lado de
Richard. No fim, todos nós pagamos um preço por isso.
Caminho até Lúcio, ficar parada é pior.
— O que vocês ainda estão fazendo?
— Achamos que ainda tem homens do clã aqui, apesar da
maioria, que fazia a segurança, ter sido morto.
— Por que acha isso?
— Porque já pegamos dois. — Assim que ele se cala, ouvimos
o barulho de mais tiros. Lúcio me abraça. Do alto, ouço barulhos e
percebo que o homem ainda está lá. Apesar de cercado, ele aponta
a arma para mim.
— Você acabou com nosso clã. Eu vou acabar com você. —
Lúcio me abraça mais forte, fecho os olhos, esperando aqueles tiros
me acertarem, mas junto com o dele, vem outros e quando abro os
olhos, o rapaz está morto. Encaro Lúcio e percebo o sangue
descendo de sua camisa. Lúcio cai no chão.
Grito o mais alto que posso por ajuda, é como se minha vida
passasse em câmera lenta. Os policiais me tiram de perto e o
levam. Justin me abraça e tenta me acalmar, mas eu só consigo
gritar, grito o mais alto que posso, na esperança que a dor vá
embora, mas não vai, me pergunto inúmeras vezes o que tem de
errado comigo, porque tudo de ruim tem que acontecer na minha
vida.
— Zara, por favor, se acalma! — Deito minha cabeça em seu
ombro e de uma hora para outra, tudo se apaga.
Abro meus olhos com dificuldades e torço para tudo aquilo ter
sido um pesadelo. Percebo que estou no hospital, levanto-me da
cama e abro a porta. Dois policiais estão parados nela e então,
percebo que é real.
— Onde está Lúcio?
— Nós vamos chamar alguém pra falar com você. Volte para
dentro. — Faço o que ele manda e sento-me na cama, esperando
por alguém. Não demora para minha mãe entrar. Ela me abraça
forte.
— Mãe, onde ele está?
— Ele fez uma cirurgia pra tirar a bala, ela atingiu sua cabeça,
ele está em coma. Sinto muito, Zara.
Capítulo 33

Acordo aos gritos e logo a porta do meu quarto se abre e


minha mãe aparece. Abraço-a e choro em seus braços.
— Calma, Zara, foi só mais um pesadelo. — Aperto-a o mais
forte que posso. Todas as noites, desde aquele dia, tenho pesadelo,
não tem sequer uma noite que não me atormentem. Hoje, foi com
Marvos. Ele me culpava por não ter salvado Sara, a culpa que me
atormenta todos os dias, junto com muitas outras. — Eu estou aqui,
meu amor. — Olho para a porta e Justin aparece com Jake no colo,
chorando.
— Ele se assustou — Justin diz. Jake me olha com os olhos
cheios de lágrimas.
— Tira ele daqui. — Ver meu filho assim por minha causa
acaba comigo. Justin sai, deixando-me sozinha com minha mãe. —
Hoje foi tão alto assim? — pergunto.
— Piora a cada dia, Zara.
— Eles me culpam por matar a Sara.
— Não foi culpa sua, Zara.
— Eu poderia ter salvado ela.
— Você sabe que não, Zara, sei como é triste aceitar que o
destino dela foi tão cruel...
— O destino que eu tracei.
— Sara salvou muitas vidas, e ela só era um bebê. — Ela
enxuga minhas lágrimas. — Se um bebê foi capaz disso, mesmo
que tenha morrido, o que você não pode fazer, filha? Você já fez
muito e pode fazer muito mais.
— Mas ninguém perguntou a ela se ela queria salvar vidas. Eu
poderia ter feito isso de outro jeito.
— Mas não foi, filha, aconteceu desse jeito e você sabia que
isso teria um preço.
— Eu pensei que eu seria o preço. Eu daria a minha vida sem
nenhum problema, mas, no fim, Sara morreu por minha causa, e
Lúcio... Mãe, eu não sei viver com essa dor. Eu quero morrer.
— Zara, morrer não é solução.
— Mas me parece menos doloroso.
— Zara, as pessoas viram sua história, está em todos os
jornais do mundo, as pessoas estão te admirando, quer mesmo que
essas pessoas acordem de manhã e vejam que a garota, que lutou
tanto, no fim, se matou? — Eu não queria que tivesse chegado a
esse ponto, na verdade, por um lado sim, porque as pessoas sabem
a verdade agora, mas, pelo outro, não, porque agora as pessoas
sabem sobre mim, sabem que eu lutei contra o clã e que, no meio
disso, deixei minha própria filha morrer e supostamente, o homem
que eu amo também... e pior, elas vão saber que eu amo um
homem que era líder desse clã, as pessoas vão me odiar, porque eu
também me odeio.

— Bom dia, Lúcio — digo, entrando em seu quarto. — Você


podia acordar hoje, hein? Eu já não suporto mais esse hospital, e
você? Se você acordar, nós vamos pra casa logo. — Aperto sua
mão e sento-me ao seu lado. — Você teve pesadelos hoje? Eu tive
mais um. Com Marvos, de novo. Eu espero que você não tenha tido,
minha mãe disse que meus pesadelos estão cada vez piores... Ah,
eu recebi outras milhões de ligações hoje, as pessoas querem que
eu fale com elas, mas não acho que seja uma boa ideia. As cinzas
de Sara estão guardadas... Quando você acordar, nós vamos
pensar em um lugar bem lindo para jogar. Eu estava pensando em
dormir aqui com você hoje... talvez assim os pesadelos não voltem.
Eu estou com medo, Lúcio. — A porta se abre e Justin entra junto
com Jake. Pego-o em meu colo e beijo seu rosto.
— Falando com Lúcio de novo? — Justin pergunta.
— Sim. Desculpa se a mamãe te assustou ontem, meu amor.
— Zara, isso já está ficando estranho.
— O médico disse que é bom conversar com ele.
— Sim, e ele também recomendou um psicólogo pra você, mas
se recusa a fazer isso.
— Eu não preciso de um psicólogo. Eu não quero mais falar
sobre aquele dia.
— Eu sei, Zara, mas isso está te consumindo e só vai piorar.
— Então, que me consuma. Eu não consigo lembrar daquele
dia novamente.
— Tudo bem, Zara, só vim te chamar pra dar uma volta com a
gente. Você passa tempo demais nesse hospital. — Olho pela janela
e vejo vários jornalistas na porta. Desde que tudo aconteceu, só
saio daqui para casa, ou de casa para o hospital. Não tenho falado
com mais ninguém além do médico, minha mãe e Justin.
— Zara, tem que parar com esse medo.
— Vão nos olhar... nos parar, Justin. Não quero que perguntem
nada sobre, não quero que me lembrem disso.
— Por favor, Zara. Não vou deixar ninguém fazer nada com
você. Você quase não fica mais com Jake. — Olho para Jake.
Realmente, minha vida anda tão confusa que quase não o vejo.
— Tudo bem. — Vou até Lúcio, beijo seu rosto e sussurro
baixinho em seu ouvido: — Não fica triste, eu volto daqui a pouco.
— Vamos? — Faço que sim com a cabeça. Na saída do
hospital, Justin me abraça e me ajuda a passar por todos os
jornalistas.
— É verdade que você matou os líderes do clã? — ouço
alguém gritar.
— Por que continua se relacionando com ele, se ele fez você
sofrer?
— Por que visita um dos líderes do clã todos os dias? —
Começo a me arrepender de ter saído, sinto vontade de chorar.
— Como sua filha morreu, Zara?
— Ele continua ameaçando você, usando seu filho? Por que
ele continua próximo a você? — Justin se irrita com a pergunta e
vira-se para o jornalista, acertando um soco em seu rosto. Paro
surpresa com a reação dele.
— Eu não ameaço ela, e muito menos uso meu filho pra isso!
— Ele volta a nos abraçar e leva-nos até o carro. — Desculpa, Zara
— ele diz assim que entramos. — Eu simplesmente fico louco com o
que as pessoas dizem sobre mim, apesar de parte delas terem sido
verdade.
— Tudo bem. É difícil pra mim também. — Tenho vontade de
pedir para voltar, não quero outra situação dessas, me seguro para
não chorar. Minhas mãos tremem, enfio-as no bolso do casaco para
que ele não perceba.
— Está frio, podemos ir ao shopping e tomar chocolate quente,
o que acha? — Shopping é cheio de pessoas, tenho vontade de
pedir para não irmos, voltarmos para o hospital, comprarmos
chocolate quente e tomarmos lá mesmo. Mas ele está se
esforçando, percebo o quão natural ele tenta ser, e para ele,
também não é fácil. Sair e ser encarado pelas pessoas, pior do que
um olhar de pena, é o de ódio.
— Pode ser.
Entro no shopping de cabeça baixa, torcendo para não me
reconhecerem, mas ele não faz questão de baixar e tem Jake, logo
as pessoas nos olham, apresso meus passos.
— Você é a Zara? — Uma senhora nos para e abraça-me. —
Querida, fiquei tão triste com o que aconteceu com você. Seja forte,
ok? Você foi muito corajosa. — Ela me abraça de novo.
— Obrigada — forço as palavras a saírem. Mais pessoas
chegam e todas tentam falar comigo, vejo algumas me abraçarem e
chorarem. Tento me esforçar para continuar respirando, mas tudo
isso me sufoca. Justin tenta manter as pessoas longe, mas elas os
vaiam ou o xingam.
— Sai você daí, você que fez essa garota sofrer! — um homem
grita para ele.
— Parabéns, Zara, por ter conseguido. — Sinto como se fosse
desmaiar a qualquer momento. Não mereço parabéns, foi a pior
coisa da minha vida. Eu pensei que a liberdade fosse ser boa para
mim, mas agora ela me sufoca. Começo a chorar na frente de todos
e saio correndo de lá, ouço Justin me gritar, mas ignoro.
Pego o primeiro táxi que vejo e peço para voltar para o
hospital. Choro baixinho por todo o caminho. Eu continuo presa.
Talvez Amélia tenha razão, não tem como acabar com o clã. Vai ter
sempre a parte obscura dele dentro de mim. Entro no hospital
correndo e ignoro todos. Entro no quarto de Lúcio e choro ao seu
lado.
— Eu preciso de você aqui, Lúcio. Preciso dividir com você
isso. — Sei que ele seria o único que me entenderia, sei que se ele
estivesse aqui, ele compartilharia sua dor e eu a minha. Lúcio
também sofreu a vida inteira, ele sabe o que é sofrer e seria o único
a me entender de verdade. — Por favor, volta.
— Zara, você não vai mais para aquele hospital, entendeu? —
Justin grita comigo, bloqueando a porta.
— Você não manda em mim — grito de volta. — Eu preciso ver
ele, não quero que ele acorde e não me encontre lá.
— Ele não vai acordar, Zara. — Paro perplexa com suas
palavras, meus olhos se enchem de lágrimas e fico magoada com
ele. — Me desculpa, mas ele não vai. Você ouviu os que os médicos
falaram? Meu Deus, eu já te falei isso milhões de vezes e você não
me escuta.
— Então você vai falar mais um milhão, porque eu não vou te
escutar.
— Zara, desde que tudo acabou, você não sai daquele
hospital, você não tem vida, você não fala com ninguém e continua
tendo pesadelos, Zara, até eu estou me assustando.
— Então vai embora.
— Sabe que eu estou aqui porque me preocupo com você.
— Não preciso que você tenha pena de mim, eu só preciso ir
para aquele hospital.
— Por quê?
— Porque lá se tornou o meu inferno pessoal e eu preciso
viver nele. Eu preciso ficar o dia inteiro olhando pra Lúcio e me
culpando, lembrando todos os dias do que aconteceu, porque só
assim eu tenho o que mereço. Só assim eu sinto que estou pagando
por tudo que fiz. Eu matei Sara, Marvos, Hugo e provavelmente,
Lúcio. Justin, eu sou um monstro.
— Você não matou nem Lúcio e nem Sara. Marvos e Hugo
iriam te matar, e eles, sim, mataram Sara.
— Não importa. Justin, eles poderiam ser o que fossem, e
mesmo assim, eu ainda não teria o direito de matar eles.
— Isso acaba comigo. Zara, se eu soubesse que você ficaria
assim, eu jamais aceitaria te colocarem no meio desse clã. Eu me
culpo todos os dias por isso.
— Tarde demais. — Passo por ele, empurrando-o.
Vou para o hospital o mais rápido possível. Acalmo-me quando
chego e sento-me ao lado de Lúcio.

— Socorro... Socorro — Marvos e Hugo correm atrás de mim,


eu corro, mas parece que nunca consigo escapar e nunca acho uma
saída. — Alguém me ajuda, por favor. Lúcio... Justin... mãe... por
favor, eles vão me matar. — Caio no chão e eles se aproximam de
mim com uma espada manchada de sangue. Quando ela vem até
mim, acordo com a respiração pesada e com minha mãe e Justin
me segurando. Tento recuperar o fôlego, mas é quase impossível.
— Zara! — Minha mãe está chorando e Justin parece
desesperado.
— Chega! — Ele grita. — Tem mais de dois meses que nós
não conseguimos ter uma noite em paz e hoje, foi o fim, Zara. Olha
como você está. — Olho para os meus braços, que estão
arranhados — Você gritou por mais de cinco minutos, se debatia na
cama e nem quando nós chamávamos, você acordava. Zara, isso
está nos assustando. — Ouço o choro de Jake.
— Eu vou... — digo em lágrimas.
— Você não pode — ele diz, mas me levanto e corro para o
quarto de Jake. Tranco a porta e abraço-o.
— Desculpa. — Sento-me no cantinho do quarto com ele em
meu colo. — Desculpa, filho. Eu queria ser melhor pra você, mas eu
não consigo. — Passo a mão por seus cabelos. — Já passou, meu
amor... A mamãe não está mais gritando. Eu não estou mais
assustada, desculpa. — Fico com ele por mais uma hora, até
adormecer em meu colo. Coloco-o em sua cama e deito-me ao seu
lado, pego no sono com o som da sua respiração suave.
No dia seguinte, volto para o hospital com a mesma esperança
de ter Lúcio acordado. Beijo seu rosto e sento-me ao seu lado.
— No caminho pra cá, me lembrei de Richard. Ele está
internado em uma clínica psiquiátrica, acho que, se continuar do
jeito que está, vão acabar me mandando pra lá também. Os
pesadelos pioraram de novo. Pensei em ir lá falar com ele, só pra
ter certeza de que não estou ficando louca também. Eu só passei
aqui pra ter certeza de que você estava bem.

Quando chego a clínica, não é difícil convencer as pessoas a


me deixarem entrar, de certa forma, ainda sou casada com Justin e
ainda carrego seu nome. Uma moça me acompanha até o quarto,
mas, antes de entrar, ela me para.
— Ele não fala com ninguém, além do seu filho, você já deve
saber... E o quarto não tem um cheiro muito agradável, porque ele
tem alguns problemas em nos deixar ajudar.
— Tudo bem. — Abro a porta e entro devagar. Entendo o que
ela quis dizer, o quarto fede a urina, a única luz vem de uma
pequena janela que fica no alto do quarto, consigo o ver de costas
para mim, encarando a parede. — Oi, Richard — digo, caminhando
até ele devagar.
— Zara... — ele diz surpreso. Quando vira a cadeira, posso ver
um pouco do seu rosto, ele me parece horrível — você... — ele olha
de novo, como se tivesse que ter certeza de que sou eu mesma —
eu não imaginava. — Sento-me na cama ao seu lado, ignorando o
fedor do quarto.
— Eu me lembrei de você hoje, porque Justin não gosta muito
de falar sobre você.
— Eu sei. Ele me culpa pela morte de Melissa e não tiro sua
razão. Eu também me culpo.
— Então você entende qual é a dor. — Sinto-me estranha em
falar assim com ele, mas aqui, nesse quarto escuro, triste e
fedorento, eu sei que ele entende como eu me sinto depois daquele
dia.
— Você não precisa sentir culpa. — Levanto-me da cama e
acendo a luz. Preciso ver se ele fala a verdade, preciso ver se ele
realmente sente essa dor. — Eu preciso. Fui mau minha vida inteira,
tratei mal a mulher, e demorei pra descobrir que era perfeita. Eu fiz
meu filho me odiar, fiz meu filho acreditar que o que eu fazia era o
melhor, e que ele deveria fazer também. Prejudiquei o casamento
de vocês. Me culpo tanto por isso... — A escuridão no olhar de
Richard me faz querer acreditar que, sim, é verdade. Falar disso
parece que o mata aos poucos. — Ele me culpa, Zara, disse que
tirei dele uma chance de ser feliz, de ter uma família de verdade.
— Eu não sei se, algum dia, vou conseguir voltar a ser alguma
coisa, de verdade.
— Justin e Melissa sempre acreditaram em você, viam força
em você. Todos eram capazes de ver isso, até os mais tolos, como
eu. Eu via você sempre tão forte e determinada, então eu queria
fazer você perder isso, queria ver você sofrer, queria ver o seu lado
mais fraco. Mas... você perdeu esse olhar, Zara. E não me sinto feliz
por isso, quem dera eu ter tido metade da força que você teve
quando eu era jovem... Zara, essa culpa que carrega com você, não
é sua. Precisa entender que certas coisas não foram feitas para nós,
está carregando um peso maior do que pode suportar. Você só lutou
pelo que acreditava, eu entendo o quão difícil foi, mas o que
realmente importa é que você lutou.
— Não consigo. É só fechar os olhos que vejo tudo acontecer
de novo, tenho pesadelos todas as noites, tenho medo de dormir,
porque cada noite os mesmos monstros voltam e cada vez, eles me
assustam mais.
— E a vontade de morrer aumenta. Eu sentir isso, é aceitável,
mas você? Você não. Olha pra você, jovem e bonita, com uma vida
inteira pela frente. Sei que você veio aqui pra entender isso, mas
não tem como. Só quero que saia daqui e supere isso.
— E você? Sei que você não está louco, mas finge que sim.
Por que não segue em frente também? Já que acha que isso é
possível.
— Olha pra mim. Eu estou velho, sozinho e sujo. Eu estou
acabado, não consigo deixar elas me ajudarem, porque quem fazia
isso era Melissa, até isso me lembra ela. Eu me sinto um porco, mas
quando não estou me sentido um grande merda, sinto que a culpa
aumenta, porque estou aqui, e ela não. — Seguro-me para não
chorar, é como se ele descrevesse tudo o que sinto.
— Sabe, eu queria falar mais disso com você, mas esse cheiro
está insuportável, então, vamos lá fora?
— Olha, como eu estou, não posso sair daqui! — Levanto-me
e empurro sua cadeira de rodas até o banheiro.
— Espera só um minuto. — Chamo a mulher que me levou até
lá e peço para ela me ajudar. Richard resiste no começo, mas logo
deixa, porque eu insisto muito. Ajudo-a a banhá-lo.
Vejo o alívio em sua face enquanto a água escorre por seu
corpo. Sorrio. Ajudar Richard naquele breve momento me fez
esquecer de tantos problemas... A mulher termina de arrumá-lo,
enquanto espero no corredor. Ela sai, empurrando-o.
— Prontinho. — Ela sorri, agradecendo-me. Ele empurra a
cadeira até uma janela e admira a paisagem lá fora. — Obrigada,
fico triste quando vejo pacientes na situação dele, fiquei sabendo
que ele perdeu a mulher e por isso, ficou assim. Acontece com
muitos dos nossos pacientes, e sempre são os mais difíceis de lidar.
Eles se excluem e não querem buscar por ajuda de um profissional.
Mas temos muitos casos de pessoas que se prenderam a alguma
atividade, que as tiraram dessa exclusão. Torço muito por Richard.
— Prendo-me a cada palavra que ela fala.
— Você pode pedir para limparem o quarto dele? O mais
rápido possível, por favor — digo e saio de perto dela, evitando
qualquer assunto sobre isso. — Vamos? — chamo Richard e ajudo-
o com a cadeira de rodas, levando-o para o jardim da clínica, que é
lindo, por sinal.
— Justin escolheu um belo lugar — ele diz, sinto o
ressentimento em sua voz.
— Talvez ele estivesse pensando em um lugar para nós dois.
— O que você quis dizer?
— Que todos já me encaram como se eu estivesse ficando
louca por querer ficar o máximo de tempo possível perto de Lúcio,
mas só quero estar lá quando ele acordar, é tudo que eu mais
quero.
— O que os médicos dizem?
— Ele tem chance de sobreviver, mas não são as melhores. Eu
estou perdendo tempo, mas só estou fazendo por ele o que eu faria
por qualquer pessoa que eu realmente amasse. Eu jamais desistiria.
E lá se tornou o meu lugarzinho, sabe? Lá, eu fico em silêncio, não
me sinto sufocada pelas pessoas e posso ter certeza de que, de
alguma forma, ele ainda está lá.
— Precisa se livrar disso, nós dois precisamos. Sinto o
desconforto que sente quando está próxima a alguém, ou tem que
conversar.
— De certa forma, eu estou famosa, as pessoas sabem da
minha história e querem sempre me dar seu apoio, mas nunca sinto
que me dão algo a mais do que palavras... — Converso com horas
com Richard e por incrível que pareça, eu me sinto confortável em
desabafar com ele, é bom ouvir alguém que sente o mesmo.
Quando nos avisam que já passamos do horário de visita, levo-o até
o quarto, que agora se encontra limpo e cheiroso. — Sei que falou
que daquela forma o fazia se sentir melhor, mas eu também sei que
Melissa jamais iria querer ver você daquela forma. Ela iria querer te
ver bem e feliz, e eu sei que agora, nesse exato momento, ela está.
— Abraço Richard, mesmo sem ter certeza das minhas palavras
clichês, sinto-me bem em ajudar alguém e melhor ainda em ver que
isso o fez sorrir. — Vou te tirar daqui.
— Não. — Ele pega em minha mão. — Entendo que queira
ajudar e vou tentar não voltar a ficar daquela forma de novo, mas
isso não significa que mudou, preciso ficar aqui. Preciso ficar no
meu inferno pessoal, como você mesmo falou. Quando eu sentir
que estou pronto pra sair, então eu vou.
— Tudo bem... — Vou embora e volto para o hospital. Fico
sentada ao lado dele, conversando sobre minha infância, quando
alguém entra. Um homem careca, que parece ter uns cinquenta
anos, usando roupas sociais e óculos.
— Quem é você? — pergunto assustada.
— Não precisa ficar com medo, eu sou o psicológico do
hospital. Me chamo Alberto.
— Acho que não preciso me apresentar. Justin mandou você
aqui? Pode ir embora.
— Não, eu observei que, nos últimos meses, você passa a
maior parte do seu tempo aqui e as enfermeiras me contaram que
você se recusa a procurar um psicólogo, o que não é normal para
alguém que passou por tudo isso.
— Eu não quero sua ajuda.
— Também não é normal que você o visite todos os dias e que
more com o cara que obrigou você a casar com ele.
— Você não sabe de nada, não sabe porque eu os mantenho
por perto.
— Zara, o nome disso é síndrome de Estocolmo, é um estado
psicológico que faz você ter afeto por seus agressores.
— Sai daqui! — digo enfurecida. — Eu o amo de verdade, nós
passamos por muitas coisas juntos. Você não sabe metade do que
aconteceu.
— Então me conte, mas eu não quero que uma jovem como
você se sinta presa a alguém que lhe fez mal. Precisa entender que
você está livre, não está mais presa a nenhum deles. — Meus olhos
se enchem de lágrimas, ele se levanta e abre a porta. — Vou vir vê-
la todos os dias e sempre deixarei essa porta aberta. Precisa
entender que você é livre para sair daqui, não deve nada a ele.
Pode viver sua vida agora — diz e retira-se. Encaro Lúcio, eu não
quero acreditar que o que eu sinto por ele não é real.
Chego em casa, passo um tempo no quarto com Jake, tento
brincar com ele, mas sempre pareço chata demais para ele. Brincar
nunca foi o meu forte, mas o observo calada no canto do quarto e
espero Justin chegar. Percebo o quão cansado ele parece das
noites mal dormidas. Há muito tempo que penso em algo, mas só
agora tenho certeza de que é a hora. Preciso que eles sigam suas
vidas, porque ainda não consigo seguir a minha.
— Oi — ele cumprimenta, entrando no quarto.
— Oi. — Bato no espaço ao meu lado para ele se sentar.
Justin pega Jake e senta-se ao meu lado com ele.
— Eu estava pensando quanto tudo isso está atrasando a vida
de vocês. Não segui em frente, mas você, Jake e minha mãe têm
esse direito.
— Você também, Zara.
— Eu não consigo ser uma boa mãe, não consigo ser presente
e nem uma boa amiga pra você, e nem mesmo uma boa filha. Eu
deveria estar cuidado de Luciano, como prometi a Ane, mas não
consigo. Eu não consigo ser nada no momento.
— Mas nós vamos te ajudar a mudar, Zara.
— Não, isso é uma coisa que vou ter que fazer sozinha. Eu só
quero que vocês sigam. Vou entrar em contato com um advogado
para a transferência do Lúcio para um hospital referência e entrarei
com nosso divórcio também. Quero Lúcio no melhor lugar, com os
melhores cuidados.
— O que isso vai mudar? Ele está em coma. Viver, ou morrer,
só depende dele.
— Mas eu quero... quero ter certeza de que fiz o melhor por
ele, e não me importa como. Eu vou embora, preciso disso, por
favor, me entenda, a dor que eu tô sentindo agora, eu não quero
que vocês convivam com isso, todo dia, parece piorar, isso tá me
consumindo.
— Zara, você não precisa, pode ficar comigo. Nós podemos
tentar de novo e criar nosso filho, eu vou ser diferente agora. Eu
prometo.
— Eu não consigo. Assusto você, minha mãe e meu filho. —
Passo a mão por meus cabelos. — Todas as noites, eu não posso
fingir que as coisas estão normais, entendeu? — Lembro do que
Alberto me disse. — Todos os meus sentimentos estão confusos
demais agora.
— Lúcio pode não sobreviver.
— Não quero relacionamentos, Justin. Eu estou com ele
porque eu prometi. Eu não quero que você pense que os meus
problemas são sobre o amor, com quem ficar, ou não. Meus
problemas são bem piores e quero manter vocês longe disso.
— Vai ficar longe do seu filho?
— Uma figura ausente assusta menos que uma que o acorda
aos gritos e faz ele chorar todas as noites — estremeço só em falar.
— Eu não consigo viver sabendo que tudo isso faz mal para vocês.
Eu não tenho rumo, minha vida tá de cabeça para baixo e não tenho
o direito de fazer o mesmo com a de vocês. Eu tomei minha
decisão, e ela é essa. Vou embora dessa casa e quero que você
siga cuidando de Jake. Eu prometo sempre vim visitar ele, mas tudo
o que eu preciso agora é ficar sozinha. Eu estou ficando louca com
tudo isso e quero manter vocês longe. É só por um tempo, eu não tô
abandonando ele, eu tô pedindo um tempo pra entender e conseguir
conviver com essa dor.
— Eu não vou discutir com você, porque eu sei que não
adianta. Se sente melhor fazendo isso, então vai. Eu não me
importo. — Ele se levanta com Jake e sai. Eu desabo em lágrimas,
sinto-me a pior pessoa do mundo.
Passo a noite acordada para não ter pesadelos novamente e
não assustar ninguém. Aproveito esse tempo e pesquiso sobre o
hospital, vendo alguns apartamentos próximos. Quando o dia
amanhece, vou ao hospital, primeiro para tratar da papelada de
transferência, e depois, para visitá-lo.
— Bom dia — digo, dando um beijo na testa de Lúcio. Sento-
me ao seu lado e ligo para o meu advogado, para providenciar o
meu divórcio com Justin.
— Posso entrar? — Alberto pergunta, abrindo a porta.
— Claro — falo com um pouco de dúvida se realmente quero
sua presença.
— Decidiu se irá me contar pelo que você passou? — Eu
realmente não tinha pensado sobre isso, ele parece perceber pelo
meu silêncio. — Zara, eu estou aqui para ajudar você, mas precisa
confiar em mim. Eu sei que você está sofrendo e se isolar nesse
quarto, não vai resolver seus problemas.
— Tudo bem — digo, mesmo assustada com a possibilidade
de relembrar tudo o que passei. — Começou quando nos mudamos
para a casa da família do Justin...— Conto tudo a ele, do começo ao
fim.
— Sinto muito que tenha passado por tudo isso — ele diz e sei
que se segurou para não chorar, diferente de mim, que choro como
uma criança, mas um pouco aliviada de dividir aquela dor com
alguém. — Pode chorar à vontade, vai fazer bem a você. — Então
eu me permito chorar, ele fica um tempo apenas me observando
chorar.
— Você deve me achar idiota por amar eles.
— Eu disse a você que isso é algo que pode ocorrer com
alguém que passou por experiências como a sua.
— Eu não acredito que seja apenas isso, eu amo ele de
verdade. Eu gostava do seu abraço, do cheiro, dos beijos dele. Eu
odiava muitas coisas nele, mas nada me fazia mais feliz do que ver
ele me protegendo. E você tá errado, eu não estou presa a eles, eu
pedi o divórcio e vou sair de casa. Vou ficar longe de Justin.
— E dele? — Ele aponta para Lúcio. — Acha que vai
conseguir?
— Não, eu pedi a transferência dele para outro hospital. Eu
não preciso ficar longe dele.
— Eu sei que ele ajudou você, mas ele também agrediu você.
— Por causa do clã, para que eu não morresse.
— Você disse que sempre sentiu que, apesar de
demonstrarem ser contra o clã, ainda tinham medo de deixá-los,
ainda eram ligados. Não acha que ele vai acordar e essa ligação vai
simplesmente sumir?
— Ele negou o clã por mim, se eu ficar próximo a ele, nós
vamos superar isso. — Eu o encaro e realmente sinto que ele não
entende. — Você é como todos os outros, não entende que Sara
também era sua filha e que quando ele acordar, vai lembrar de tudo
e eu preciso estar ao lado dele para ajudar ele com toda essa dor.
— Você tem razão, ele também vai sofrer. Eu só quero ajudar
você a entender que se esse amor é real, ou é apenas uma
condição psicológica, devido ao que você passou, mesmo que o
mude de hospital, quero continuar atendendo você. Acha que
consegue?
— Para provar pra todo mundo que eu não sou louca por amar
ele? Acho que sim.

Oito meses se passaram, e nada de Lúcio acordar. Continuo


minha velha rotina de ir para o hospital todos os dias e ficar lá com
ele, até que me mandem embora. Não desisto de acreditar que ele
vai acordar.
— Continua visitando ele? Por quê? — Alberto faz essa
mesma pergunta em todas as nossas sessões, eu passo a toda
semana pensando na próxima resposta que vou dar a ele.
— Ele luta todos os dias por sua vida. Às vezes, passamos a
vida inteira nos lamentando de nossas vidas, sempre comentando o
quanto ela é ruim, ou não está do jeito que queríamos. Não damos
valor a vida. Enquanto outras pessoas lutam por mais um dia, mais
um minuto, mais um segundo.
— As suas respostas estão mudando nas últimas três
semanas. Antes todas elas tinham um “porque eu o amo”, e agora
não tem mais. O que mudou?
— Eu entendi que tudo o que eu passei me fez acreditar que
eu o amo, porque ele era a minha única esperança.
— Então você não o ama?
— Eu não sei, eu também acreditei que amava Justin, mas o
que eu senti por Lúcio foi diferente, foi mais intenso. Desde o seu
primeiro olhar, eu senti atração por ele.
— Nós estamos trabalhando nisso, logo todos os seus
sentimentos estarão mais claros. Isso interferiu nas suas visitas a
ele?
— Não, eu prometi que seria a luz dele, mesmo que eu não o
amasse.
— Por que você quer ser a luz dele?
— Porque eu também vivi a minha vida inteira com uma
escuridão dentro de mim, a diferença é que eu sempre tive
esperança de que isso poderia mudar. Ele disse que eu o levava
para um caminho melhor, então eu quero dar esperança a ele. —
Enxugo minhas lágrimas. — Quando eu estava grávida da Sara, eu
pensava todos os dias em como eu queria que ele mudasse, que ele
se tornasse uma pessoa melhor. Eu idealizei um pai para ela, um
que eu nunca tive. Ela não está mais aqui, mas ele, sim, e eu ainda
quero que ele se torne um homem bom.
— Por que acredita que ele pode mudar?
— Todo mundo pode mudar. Eu quero acreditar que as
pessoas podem sempre buscar ser melhor.
Mesmo que cada vez mais pareça impossível tê-lo de volta, eu
quero estar aqui para que, no seu último suspiro, ele saiba que não
esteve sozinho. Desde quando mudei com ele, vem sendo uma luta
imensa. Brigas na justiça e uma grande burocracia. Faz três meses
desde a audiência em que eu consegui na justiça a
responsabilidade por Lúcio, já que seu parente mais próximo é
Luciano, e ele ainda é menor de idade, e nosso casamento não foi
válido, já que foi feito pelo clã.
A justiça entendeu que nossa união era válida, já que
morávamos juntos há muito tempo, e claro que o juiz saber da
nossa história com o clã, ajudou muito. Os médicos daqui são bem
mais otimistas quanto a ele. Muitos me explicaram como alguns
pacientes passam anos em coma e de uma hora para a outra,
acordaram.
Termino de arrumar minha casa e respiro aliviada. Vim para cá
foi um desafio do começo ao fim. Com o controle financeiro de
Lúcio, eu pude alugar essa casa para mim e pagar as despesas
do hospital, eu não tinha noção do quanto Lúcio é rico. Aluguei uma
casa bem simples e próxima do hospital. Mudar só foi difícil pelo fato
de deixar Jake, mas sempre vou visitar ele, ou ligo por vídeo
chamada, o que me lembra que tenho que fazer isso agora. Sento-
me em frente ao computador e ligo para ele. Não demora muito até
que Justin atenda e os dois apareçam.
— Oi, meu amor — digo, vendo o sorriso de Jake. Ele já tem
quase três anos e eu nem acredito que passou tão rápido. — Oi,
Justin.
— Oi, Zara. — Justin sorri.
— Como está nosso pestinha?
— Cada vez mais pestinha. — Jake olha para a tela
desconfiado, mas sorridente.
— Mamãe... — Meus olhos se enchem de lágrimas toda vez
que ele me chama assim.
— Pensei se você não poderia trazer ele, eu queria muito
passar o aniversário dele com ele. Sei que é egoísmo te pedir pra
ficar longe dele, logo nesse dia, mas eu queria muito ver ele. Ou
então eu vou buscar ele na sexta e no domingo, se você não estiver
ocupado, nós podemos passar o aniversário dele juntos — falo
descontroladamente, mas porque tenho receio de que ele não
queira.
— Só tem uma condição. Não quero Jake dentro daquele
hospital 24 horas por dia, se ele for aí, você tem que ficar realmente
com ele. Levar pra passear todos os dias. Eu sei que ainda é difícil,
mas você tem que ver que já passou quase um ano, e continuar se
isolando não é bom pra você.
— Eu sei. — Olho envergonhada para ele. — Eu vou tentar, eu
juro.
Apesar do pânico ter diminuído, os pesadelos não foram
embora e a sensação de estar perto de muitas pessoas ainda me
sufoca. Meu lugar preferido ainda é o quarto, isolada com Lúcio.
Alberto tem, aos poucos, tentado me ajudar a superar esse medo e
voltar ao convívio social. As pessoas continuam me reconhecendo e
às vezes, o meu rosto ainda aparece em jornais e programas. As
pessoas ainda esperam por respostas, ainda esperam por mim.
Quando eles me dão tchau, já sinto saudades. Justin mudou
bastante comigo desde o nosso divórcio, mas continuamos sendo
amigos. Ele me pediu várias vezes para tentarmos de novo, mas
relacionamento é tudo o que não preciso agora.
— Bom dia — digo, beijando a testa de Lúcio —, obrigada por
não desistir.
Sento-me ao seu lado e abro o livro de autoajuda que eu
ganhei de uma enfermeira, que tem pena de mim. Eu não gosto dele
e acho que cheguei ao fundo do poço por estar lendo esse tipo de
livro, mas decidi ler por Jake. Preciso encontrar uma maneira de
melhorar, de diminuir a culpa que ainda me mata por dentro, de
esquecer das mortes que carrego. Preciso encontrar uma luta, a
qual valha a pena enfrentar tudo e todos.
Tive melhoras desde que vim para cá, corro todos os dias, mas
sempre vou embora quando tem mais de três pessoas fazendo o
mesmo. Ainda sinto que os olhares são voltados a mim. Os
pesadelos só tornaram mais apavorantes porque, quando acordo,
não tenho ninguém me esperando para me abraçar, nenhum colo
para chorar e dizer o quanto foi horrível.
Fico ansiosa esperando Justin chegar com Jake. Ele me acusa
de abandonar Jake, mas não eu vejo isso dessa forma. Ainda é
difícil, mas quero ser alguém melhor para ele, para provar que estou
bem o suficiente para cumprir minha promessa a Ane, não desisti de
Luciano também. Quando o carro para em frente minha casa, dou
pulos de alegria. Justin sai e pega Jake. Corro para abraçá-los.
— Que saudade! — Pego Jake no colo, que me abraça forte.
— Meu amor!
— Oi, mamãe. — Choro com sua voz.
— Eu tenho que ir, tenho uma reunião mais tarde e preciso
chegar a tempo. — Justin abraça Jake, que chora quando o vê indo
embora.
Planejei tudo de melhor para nós esse final de semana. A
campainha toca e acho estranho, já que nunca espero ninguém,
penso que pode ser Justin. Abro a porta e deparo-me com um
homem, que aparenta ter uns 40 anos de idade, de cabelos lisos e
morenos, com um penteado para trás. Seus olhos verdes parecem
emocionados ao me ver.
— Filha — ele diz e um abre um enorme sorriso.
Capítulo 35

Mal consigo processar o que ele fala, enquanto o meu celular


toca. É minha mãe me ligando.
— Mãe — atendo com olhos fixos nele. —Por que tem um
homem me chamando de filha aqui?
— Ele me procurou esses dias, Zara. Eu dei seu endereço a
ele. Por favor, filha, ouça o que ele tem pra te dizer.
— Não — digo com raiva —, você passou a vida inteira
evitando falar dele e agora você está me pedindo isso?
— Zara, por favor. Eu não sei mais o que fazer, e seu pai é
minha última esperança. — Ela acha mesmo que ele é a solução
dos meus problemas? — Apenas dê uma chance a ele — e ela
desliga.
— Pedi para ela ligar pra você.
— Entra — digo, mesmo que minha vontade agora seja de
bater a porta em sua cara. Ele entra e seus olhos se prendem a
Jake.
— Esse é o meu neto?
— Ele não é nada seu. — Sento-me junto ao Jake, que brinca
no chão. — Pode ficar à vontade. — Ele se senta no sofá frente a
nós.
— Zara, eu entendo você ficar com raiva. Eu sei que você
sofreu por não me ter por perto.
— Sim, eu sofri, que bom que você sabe.
— Não precisa disso. Não precisa me tratar assim. Só deixa eu
me explicar.
— Mesmo que eu deixe, mesmo que te perdoe por não ter feito
parte da minha infância... faz quase um ano desde que tudo
aconteceu, e agora você veio aparecer?
— Zara, me ouça, vou te explicar tudo. — Ele respira fundo
antes de continuar: — Quando sua mãe engravidou, nós dois
éramos muito jovens e não tínhamos a mínima condição de te criar.
Eu trabalhava todos os dias para ganhar quase nada. Os dois anos
que passei com vocês foram os piores. Zara, eu sempre te amei,
mas eu me sentia um grande merda por não poder te dar tudo. Isso
me matava e eu me afundei mais quando comecei a beber. Me
tornei um viciado, mas eu nunca encostei um dedo em sua mãe,
entendeu? Eu nunca fiz isso. — Meus olhos marejam quando
lembro de todas as vezes que vi minha mãe ser agredida. — Eu fui
embora porque eu era um fraco e o vício estava me consumindo. Eu
bebia todos os dias, ou enlouquecia. As dívidas, que eu criei por
causa disso, estavam me ameaçando de morte e ameaçando vocês.
Eu vendi a casa dos meus pais, paguei as dívidas, comprei uma
passagem e fui embora. Eu não me orgulho disso. Eu deixei você e
sua mãe largadas... e todos os dias me culpo por isso, mas eu sabia
que sua mãe daria um jeito.
— Ela conseguiu, não é?
— Zara, eu sei o quão errado eu fui.
— Não. Você não tem noção.
— Quando eu saí de lá, eu procurei ajuda, passei dois anos
me tratando, até que finalmente eu consegui. Então, eu trabalhei
muito pra conseguir algum dinheiro e voltar pra lá, recomeçar e ver
você de novo. E eu voltei, Zara. — Encaro-o confusa. — Voltei e sua
mãe estava namorando com Bruce ainda. Quando ele descobriu,
me mandou embora, me ameaçou e disse que você não precisava
mais de mim, porque agora você tinha ele! — Fico pasma com o
que ele me conta. — E então, eu vi sua mãe brincando com você na
pracinha, você estava tão linda e me parecia feliz... até sua mãe
parecia.
— Ela ainda não estava casada com o Bruce, tinha o
conhecido a pouco tempo. Foram mais dois anos até eles irem
morar juntos e demorou mais um ano até que as agressões
começaram.
— Sua mãe me falou. Eu achei que você não precisava de
mim. Não precisava de uma pessoa que não tinha nada a te
oferecer. Lembro muito bem que levei um presente pra você e
consegui entregar ele a Cloe, que me recebeu mal, ela não
suportava me ver. Era uma boneca de pano, eu ainda vi você
abraçada a ela. Aquilo foi uma das melhores sensações da minha
vida, te dar alguma coisa e você gostar. Então, coloquei na minha
cabeça que eu voltaria e quando eu voltasse, seria com condições
de te dar uma vida melhor.
— Você não voltou. Eu esperei você todos os dias, eu sonhei
com você me tirando deles e me levando para um lugar melhor. Mas
você nunca voltou, você é um idiota em achar que vir aqui ia mudar
alguma coisa na minha vida, só fez piorar.
— Eu voltei. Voltei quando você tinha 12 anos, as pessoas me
conheciam lá e elas avisavam Bruce. Ele me encontrou de novo e
me ameaçou. E dessa vez, foi sério, ele sempre me mantinha longe
de você, custasse o que custasse. Ele quase me matou, Zara. Eu só
desisti quando vi você com seus amigos, meu Deus... você parecia
tão feliz, que direito eu tinha de mudar isso?
— Bruce quase matou você e jura que você pensou que eu era
feliz morando com aquele homem?
— Eu pensei que era apenas pra te proteger. Então, eu deixei.
— Você é um grande idiota.
— Eu resolvi ajudar outras pessoas assim que fui lá da
primeira vez, ajudar, como eu fui ajudado. Comecei ajudando
viciados, mas depois fui mais fundo. Eu comecei a ir em missões
pela África. Nesse tempo, encontrei outra pessoa, me casei e tive
outro filho. — A ideia de ter um irmão me deixa surpresa. — Quando
voltei, eu queria muito que você os conhecesse, mas acabou que
deu nisso, Zara, sinto muito.
— Ainda não me explicou porque demorou mais um ano.
— Eu estava na África junto com minha mulher. Nós
estávamos em missão. Passamos um ano ajudando algumas tribos
isoladas, sem celular e internet, nada...
— E seu filho?
— Zen, o nome dele. Escolhi esse por causa do seu. — Sorrio.
Zen entende que saímos sempre em missões longas, como essa.
Quando cheguei e fui ver tudo que tinha perdido, eu vi seu caso,
que me chamou atenção, então vi seu nome e vi uma foto de Cloe.
Então, tive certeza de que era você.
— E veio aqui para me conhecer?
— De início, sim. Mas, então, descobri que você andava tendo
problemas e vim disposto a te ajudar.
— Desculpa, a ajuda que eu preciso é bem diferente da que
você pode me dar.
— Engano seu. Só me dê uma chance. Venha jantar hoje com
minha família e nós podemos conversar melhor.
— Eu não sei. Você mal me conhece.
— Você é minha filha e eu sou o seu pai, e nada vai mudar
isso. Minha esposa iria adorar conhecer você e ele. E claro, eu
gostaria muito de poder chamar ele de neto, se você me permite.
— Tudo bem.
— Pros dois?
— Sim. — Pego Jake em meu colo e levo-o até ele. —
Desculpa se te tratei mal.
Não o perdoei por tudo, mas não consigo odiá-lo. Ele parece
ser o tipo de pessoa que abraça árvores. Ele pega Jake, que dá
uma grande risada.
— Ele parece com você. — Sorrio tímida, fico feliz quando as
pessoas falam isso.
— Ele faz três anos no domingo.
— Mesmo? Precisamos comemorar. — Sorrio.
Ele vai embora depois de um tempo e deixa seu endereço.
Tento esquecê-lo e concentrar-me em Jake.
— Quanta surpresa, hein, meu amor? Você ganhou outro vovô.
— Pego-o em meu colo, uma bolsinha com suas coisas e vamos
caminhando até o hospital. Entramos no quarto e beijo o rosto de
Lúcio. — Nós passamos só pra te ver hoje. Desculpa, Lúcio, mas
esse final de semana é do garotão aqui. — Dou mais um beijo nele
antes de sair.
Pego um táxi assim que saio do hospital. Vamos para uma
pracinha que conheci a alguns meses. Tiro muitas fotos para
mandar para minha mãe e Justin, quero que vejam que eu estou
conseguindo. Quando chega a noite, vamos para o endereço que
meu pai nos deu. Toco a campainha e ele abre, recebendo-nos com
um abraço. Bom, ele não mora em uma casa na árvore, como eu
imaginava.
Sua mulher, que se apresentou como Nora, nos recebe com
um grande sorriso.
— Onde está meu irmão?
— Zen! — Nora chama por ele.
— Já vou! — ele grita. Sua voz me intriga a saber como ele é.
Zen desce as escadas sem muito ânimo e encara-me.
Zen é lindo, tem cabelos grandes e morenos, como os de Bill,
e os olhos castanhos de Nora, mas o resto, ele continua sendo a
cópia perfeita de seu pai.
— Oi, Zen.
— Oi — ele diz e passa direto por mim.
— Talvez eu tenha exagerado quando disse que ele entende
quando passamos muito tempo em missões. Zen sempre age assim
quando voltamos.
— Ele fica com a tia dele e ele não gosta muito — Nora diz,
levando-me até a sala de jantar.
— Bom, você tem minha casa agora, Zen.
— Nem conheço você.
— Nem eu você, olha que coincidência. — Ele revira os olhos.
Jantamos enquanto eles me contam sobre suas missões na África.
Fico apaixonada por tudo, é incrível o trabalho que eles fazem. —
Deve ter muito orgulho de seu pais, Zen.
— Acho que foi esperta o suficiente pra saber que não.
— E por quê?
— Eles passaram um ano sem falar comigo, e olha que isso
não foi a primeira vez.
— Sabe que estávamos em um local isolado.
— Vocês podiam, sei lá, subir em uma árvore e tentar achar
sinal. Mas não importa como seu filho está. — Observo a mágoa
com que ele fala. — E agora, eu tenho uma irmã e um sobrinho,
nossa. Vocês deveriam passar mais um ano por lá, quem sabe, o
que pode aparecer aqui depois.
— Zen — Nora chama sua atenção.
— Nem começa, mãe, já não basta ser zoado porque meus
pais parecem hipsters loucos e agora eu tenho uma irmã, que viveu
uma história idiota com um clã que maltrata mulheres?! Você não
podia simplesmente ir à polícia? Fugir? Sofreu porque foi otária.
— Zen, já chega! — Bill se levanta, alterando seu tom de voz.
— Desculpa, Zara. — Ele sai irritado, subindo as escadas.
— Posso subir e falar com ele? — pergunto.
— Claro, eu fico com Jake — Nora diz, sentando-se ao lado
dele. Subo as escadas e procuro pelo seu quarto, que fica no final
do corredor. Bato na porta.
— Pai, eu não quero falar sobre isso.
— Sou eu, Zara.
— Também não quero falar com você.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Uma conversa com um adulto sempre é boa para uma
criança.
— Eu não sou uma criança. Tenho 14 anos, lembra?
— E por que está agindo como uma? Jake faz a mesma coisa
que você quando não ganha doce. Vamos, Zen. Você não é uma
criança para ficar fazendo birra. — Ele abre a porta e eu entro.
— Mal me conhece. O que você quer aqui?
— Te conhecer, não é óbvio?
— Pensei que estivesse com raiva.
— Pelo que você falou? Bom, eu nunca falei nada a respeito
disso, as pessoas não sabem da verdade, então julgo suas palavras
como certas, de certa forma. — Ele revira os olhos. — Acha que tem
motivos pra agir como um adolescente revoltado? Se seus pais te
deixaram aqui, foi por um motivo lindo. Sabe por que eu conheci
meu pai hoje e passei 14 anos sem saber que tinha um irmão?
Porque eu fui deixada por ele e não foi só por um ano, foi por muitos
anos. Eu fui uma adolescente revoltada e você, no mínimo, é um
mimado.
— Acha que pode falar isso comigo?
— Posso. Sou sua irmã mais velha. — Ele volta revirar os
olhos.
— Pode sair do meu quarto?
— Posso, mas só vou sair quando eu ganhar um abraço do
meu irmão mais novo.
— Sem chances. — Cruzo os braços e encosto-me na parede,
encarando-o.
— Tudo bem. — Fico ali por 10 minutos, até que ele solta um
longo suspiro e vem até mim. Zen me abraça e eu retribuo. Fecho
os olhos e imagino como teria sido legal ter o conhecido antes. —
Obrigada, foi importante pra mim. — Ele se solta dos meus braços e
volta para a cama. Desço as escadas, dessa vez, feliz.
— Como foi com ele?
— Foi bom, na medida do possível — digo e Nora sorri.
— Isso é apenas nos primeiros dias, depois ele tira essa pose
de durão e volta a ser o Zen de sempre. — Sorrio.
— Estou louca para conhecer o Zen de sempre. — Abraço-a
bem forte quando vou me despedir. — Foi um enorme prazer
conhecer você.
— O prazer foi todo meu, querida. — Bill me acompanha até a
frente da casa, enquanto esperamos por um táxi.
— Você gostou? — ele pergunta com um sorriso de lado.
— Sim. Eles são ótimos, eu jamais ia imaginar que tinha uma
outra família.
Outra família me faz lembrar de Lynn, Jorge e Tyler. Quando
tudo aconteceu, eu ignorei todas as ligações deles, foi horrível da
minha parte, mas eu não queria ter que explicar, não queria falar
sobre aquilo.
— O que foi? Ficou triste de uma hora pra outra.
— É só que acabei de perceber como sou idiota. — Suspiro. —
Eu sinto que o clã conseguiu me mudar completamente. Bill, a Zara,
que está aqui, não é a verdadeira, eu sinto como se fosse outra
pessoa. É como se tivessem roubado de mim a vontade de viver. Eu
passei mais de um ano parada no tempo, esquecendo de tudo que
estava ao meu redor e agora... Eu quero tentar de novo, mas parece
que a lista de coisas a se consertar é enorme demais, é dolorosa
demais. Meu Deus, como eu posso ser assim?! — Derramo-me em
lágrimas.
— Precisa se acalmar, Zara.
— Luciano — respiro fundo antes de continuar: — Ele é o filho
de Lúcio. Antes do Lúcio morrer, ele tinha mandado Luciano para
passa um tempo com a vó dele, é pelo que ele me disse. Luciano
nem sabia que existia. O clã sempre mantém os parentes das
esposas o mais longe possível. Ele queria Luciano longe, então
ligou para a mãe de Ane e pediu para que ela ficasse com ele e nós
o mandamos, mas aí tudo aconteceu e eu acabei concordando dele
continuar lá. Bill, eu não ia conseguir dizer a ele que talvez ele fosse
perder Lúcio. Ele perdeu Ane a tão pouco tempo... e eu não sabia
se eu seria um monstro por deixar ele lá, ou contar tudo a ele. Eu
prometi a Ane que cuidaria dele, mas eu não tinha condições de
fazer isso, entende? Eu queria muito ter ele perto, mas eu não tinha
condições. E agora, vendo vocês, parece que tudo voltou. Eu tinha
uma família e eu tinha esquecido disso. — Bill me abraça.
— Agora você tem mais uma, entendeu? — Ele passa sua
mão por meus cabelos e pela primeira vez, eu sei o que é ter um
pai, ter esse carinho que eu nunca tive. — Eu errei muito, Zara.
Todos nós estamos propícios a errar, e você só é mais uma, em
muitos. Não se sinta mal por seus erros, conserte eles.
— Bill, eu juro que estou tentando, eu quero muito ter meu filho
comigo, ter Luciano, mas eu não sei como recomeçar a minha vida.
— Ele segura minha mão e encara-me.
— Eu sei exatamente o que você está sentindo, porque eu já
passei por isso. E eu, Zara, cometi o maior erro da minha vida,
porque eu te deixei. Não faça isso com seu filho, nem mesmo com
Luciano. Não é tarde para correr atrás do tempo perdido.
— Como você conseguiu?
— Eu acordei um certo dia e me perguntei o que eu realmente
queria pra minha vida. A primeira coisa que me veio à cabeça foi
você, e foi por você que eu fiz isso. E enquanto eu corria atrás de
todos os meus erros, eu encontrei outros motivos pelos caminhos
que me fizeram o que eu sou hoje. Todas as lutas são assim, filha.
Você não pode reconstruir tudo de uma vez só, mas, de pouquinho
em pouquinho, você chega lá e quando você chegar, vai ver a
imensidão de coisas que você pode fazer. Pode mudar o mundo,
Zara, tudo depende de você acreditar, ou não, em você. — Ele para
um táxi e eu nem consigo absorver todas as suas palavras.
Lembro-me de Melissa, que sempre me dizia que eu podia
mudar o mundo. Lembro de como, há alguns anos atrás, eu era uma
garota tentando começar do zero e cheia de expectativas, como eu
acreditava em mim, e que eu jamais passaria por tudo o que minha
mãe passou. Lembro da minha garra e da vontade de, pela primeira
vez, ser feliz de verdade.
Encaro Bill, em como ele sorri para Jake, como ele realmente
me parece ser feliz. Ele passou por muitas coisas, assim como eu, e
conseguiu. Vou o caminho inteiro pensando em como tenho que
voltar a viver, a ser como eu sempre fui.

Quando acordo, a primeira coisa que me vem à cabeça são as


palavras de Bill novamente. Olho para o lado, onde Jake dorme
como um anjo, depois beijo seu rosto.
— Eu senti sua falta, meu amor. Se eu for mudar, é por você e
por todos que eu amo.
Preparo meu café e saio para o quintal da minha casa.
— Clarice? — minha primeira atitude é ligar para a mãe de
Ane. — É a Zara, esposa do Lúcio. Eu queria falar com você sobre
ele...
Foi uma longa luta convencê-la sobre Luciano voltar. Ela me
via como alguém desequilibrada e custou acreditar que eu me
importo de verdade com ele. Para isso, tive que contar tudo a ela
sobre o último ano e a promessa que fiz a Ane, e ela entendeu que
Luciano deveria estar perto do pai nesse momento.
Depois de encerrar a ligação, meu celular toca, é Bill.
— Não pense que estou com necessidade de te ver vinte
quatro horas por dia para compensar os quase vinte anos, mas nós
pensamos que seria bom pra você conhecer nosso trabalho. Então,
você tem meia hora pra se arrumar, filha — e ele desliga, sem me
deixar falar nada.
— Parece que o tempo está correndo para nós, Jake.

A campainha toca e abro a porta. Quando vejo Nora, pego em


seu braço e puxo-a para meu quarto.
— Tomei a decisão de que vou mudar, e eu quero mudar tudo,
inclusive minha aparência.
— Você quer que eu te ajude? — Faço que sim. — Tudo bem,
quando voltarmos.
— Não. Tem que ser agora. Eu preciso disso agora.
— Tudo bem. Você quer que eu faça o quê?
— Quero que me deixe diferente. Confio em você, eu acho.
— Espere um minuto. Você tem uma tesoura?
— Tenho. — Pego e entrego-a.
— Tem certeza disso? Seu cabelo é tão lindo.
— Absoluta.
Observo Nora enquanto ela corta meu cabelo, ela é a pessoa
mais pura que já conheci e entendo o olhar apaixonado de Bill para
ela. Eles parecem realmente se amar. Quero um dia ter esse
mesmo olhar para alguém, amar alguém dessa forma.
— Pronto, terminei de cortar. — Ela me mostra o espelho. Meu
cabelo se encontra da altura da orelha, eu pareço totalmente outra
pessoa. — Mas não acabou. Disse que confiava? Então confie em
mim até o final. — Ela tira o espelho e volta a mexer em meu
cabelo, pintando-o.
Quando ela termina, volto a me olhar no espelho e a
transformação é surpreendente. Sempre tive os cabelos morenos e
agora, eu jamais conseguiria me imaginar assim, loira, com uma
franja ainda.
— Obrigada!
— Vamos, porque já nos atrasamos algumas horas. — Sorrio.
Quando chego na sala, Bill e Zen nos esperam.
— Nossa! — Bill diz.
— Estou muito feia?
— Na verdade, você está linda, querida, e vai ficar mais ainda
com isso. — Nora coloca uma tiara de flores em meu cabelo, igual a
que ela usa. Zen me encara.
— Você era mais gata antes... mas... está bem legal também.

Chegamos a ONG deles, especialmente dedicada as pessoas


que passaram por situação de abuso, ou algum tipo de vício.
— Algumas pessoas que vivem não têm para onde ir. Nora tem
uma loja da ONG, onde vendemos várias coisas, e acredite, lucra
muito, por isso conseguimos manter além de doações — Bill diz,
abrindo a porta de uma sala. — Aqui, estudam as crianças. —
Entramos e encontramos uma mulher sentada. — Essa é a nossa
diretora, ela coordena todas as crianças e adolescentes daqui.
— Zara. — Estendo minha mão a ela.
— Maria. — Ela aperta minha mão. — É um prazer conhecer
você, seu pai só falava de você ultimamente.
Entramos por outra porta, onde tem um enorme corredor com
mais portas. Entramos em uma com o nome berçário.
— Berçário? Eu não tinha noção do quão grande isso era.
— Foi muita luta, mas conseguimos. Vários artistas fazem
doações para cá e o dinheiro é bom o suficiente para mantermos
tudo isso. — Entro mais a fundo, até encontrar as crianças.
— Onde estão os pais?
— Alguns são viciados em drogas e bebidas, que se recusam
a ser ajudados, e outros estão aqui só esperando o momento para
reconstruírem suas vidas e cuidarem de seus filhos. Muitos saem
para trabalhar e os deixam, mas a maioria volta. E isso, Zara, é a
nossa maior conquista, saber que daqui sairão pessoas renovadas,
que são capazes de voltar por seus filhos. — Ele me encara triste e
abraço-o.
— É um trabalho lindo.
— Mas ajudamos mais do que pessoas dependentes. Nessa
nossa última missão, que foi com alguns médicos, trouxemos
pessoas muito doentes, de lugares muito carentes. Eles estão no
nosso centro médico. Construímos a pouco tempo e não é grande
coisa, mas estamos querendo expandir.
— Então como posso ajudar vocês? — pergunto depois de
conhecer tudo. É enorme, tudo o que eles fazem é surpreendente.
— Não acabou. Tem um lugar em especial, que você tem que
conhecer. E lá, Zara, você pode nos ajudar — Nora diz, pegando em
minha mão. Ela abre a porta do lugar mais isolado dali, mal tinha
percebido. Várias mulheres nos olham, parando seus serviços. Elas
costuram, fazem artesanatos e bordam. — Essa é a sala de
criações. — Nora chega ao meio da sala e chama a atenção de
todas: — Garotas — olho ao redor e são mais ou menos umas vinte
mulheres —, essa é Zara, filha de Bill, ele a reencontrou ontem.
Zara é uma garota muito especial e eu gostaria que vocês falassem
com ela, pois ela passou por momentos complicados em sua vida.
Vocês lembram da garota que, um tempo atrás, acabou com um clã
que agredia mulheres? Então, essa é a nossa garota. — Todas me
olham surpresas e animadas. — Calma, garotas. Sei que muitas de
vocês admiram Zara, eu também admiro. Mas Zara está buscando
um recomeço apenas. E vocês já estão há muito tempo aqui, e
outras não, mesmo assim, quero que ajudem Zara.
— Quem são elas? — pergunto.
— Essas mulheres, Zara, são mulheres que sofreram anos de
violência física... e com o apoio da ONG, conseguiram um
recomeço. Todo o trabalho que fazem aqui é vendido e volta para
elas, que juntam dinheiro até conseguirem um novo lugar e um novo
trabalho. Muitas daquelas crianças são seus filhos e não te disse
isso porque queria que você soubesse disso, assim, vendo-as.
Quando saiu sua história em todos os jornais, você foi uma
inspiração para elas e para muitas outras, Zara. E se você quer nos
ajudar, tem uma vaga na nossa equipe. — Meus olhos marejam
quando olho ao redor.
— Eu quero... mas eu não sei fazer nada disso, como posso
ajudar?
— Nós ensinamos você — uma das mulheres diz. Nora apenas
sorri.
— Então... eu aceito. — Elas se levantam e vem até mim.
Todas me abraçam, uma por uma, não é pena, é solidariedade
e só agora percebo isso.
Peço para Bill parar em frente ao hospital na volta.
— Obrigada, Bill. — Ele sorri.
Entro para o hospital junto a Jake, que parece muito cansado.
Amanhã é seu aniversário, não tive que me preocupar com nada, já
que Nora fez questão e Justin me mandou uma mensagem
confirmando que vinha. Subo até o quarto de Lúcio, suspiro aliviada
em ver que ele continua lá.
Coloco Jake sentado e vou até Lúcio.
— Oi, Lúcio — digo, passo a mão por sua testa. — Você
gostou do meu novo visual? Aposto que sim. Me parece o tipo de
visual que te atrai. Não estranhe eu passar tanto tempo sem vir
aqui. Eu decidi que vou mudar e para isso, eu preciso procurar
outras coisas, e eu sei que você me apoia nisso. Desculpa já ter que
ir, mas Jake está cansado e amanhã é o aniversário dele. — Beijo
seu rosto e pego Jake.
Voltamos para casa a pé. Quando chegamos, coloco Jake para
dormir e tento imaginar como será quando Luciano chegar. Caio no
sono, pensando em tudo que pode vir pela frente.

Acordo pela manhã assustada, mais um pesadelo, mas sem


gritos, o que é uma evolução.
Preparo um café e espero até Justin chegar. Quando a
campainha toca, corro para abrir. Sorrio com a reação dele ao me
ver.
— Você está...
— Diferente?
— Linda.
— Pode entrar. — Fico tímida com o comentário.
— Onde está Jake?
— Dormindo. Fomos para o ONG do Bill, ah, eu não te contei
sobre isso...
— Sua mãe me contou que reencontrou ele.
— Sim. — Sorrio de lado.
— Pensei que você não iria aceitar ele tão fácil.
— Justin, ele é uma pessoa maravilhosa, eu não poderia odiá-
lo.
— Fico feliz por você.
— Obrigada. — Sento-me junto a ele.
— Eu não vou poder ficar mais do que algumas horas, Zara,
então eu espero que entenda quando tivermos que ir. Tenho
reuniões importantes amanhã.
— Talvez Jake possa ficar mais um pouco.
— Desculpa, Zara, eu entendo que você está tentando, mas eu
não vou ficar longe de Jake. Sei que a presença dele faz muito bem
pra você, mas ela também é importante pra mim.
— Justin, eu sou mãe dele.
— E eu sou o pai. Se você quiser realmente ficar perto dele,
volte, Zara, mas aqui ele não vai ficar.
— Justin, eu não estou te entendendo.
— Me deixou sozinho com uma criança e agora acha que pode
ficar com ele só por que te deu vontade? Desculpa, mas não. Quero
meu filho o mais perto possível de mim. Sempre que quiser ir buscar
ele e trazer pra cá, você pode. Mas Jake vai continuar comigo.
Disso, eu não abro mão e nunca vou abrir, quando nos divorciamos,
você me deu a total guarda dele.
— Justin, eu só te dei a guarda porque eu não tinha
condições...
— E ainda não tem.
— Eu comecei a tentar mudar.
— Mas ainda não mudou. Zara, chega. Eu já falei tudo o que
tinha para ser falado. — Não discuto. Somos adultos e temos que
agir como tais. Ele tem razão, abri mão de Jake quando o deixei,
mas isso não significa que irei desistir fácil...
— Só seria importante pra mim ter ele aqui.
— Você já tem muitas pessoas aqui. — Fico triste, mas logo
ignoro e vou acordar Jake, que choraminga, querendo voltar pra
cama. Quando volto, Jake corre ao vê-lo.
— Papai! — Jake o abraça.
— Que saudades eu estava de você! — Ele o levanta no alto, o
que o faz rir.
— Papai, carro. — Justin sorri.
— Ele ama andar de carro, esqueci de te contar isso. — Sorrio.
— Ele não fala muito comigo — digo.
— Ele geralmente é tímido, mas logo ele vai começar a se abrir
mais com você. — Fico meio para baixo em perceber que sei tão
pouco sobre Jake.
— Nós vamos comemorar na casa de Bill, tem algum
problema?
— Não.
Eu não sei o que mudou, mas me sinto um lixo ao encarar
Justin, talvez porque ele tenha amadurecido mais rápido do que eu.

Somos recebidos por Nora, que abraça Justin de forma


carinhosa.
— Oi, filha. — Bill beija minha testa.
— Este é Justin, pai de Jake. — Bill não é tão carinhoso como
Nora, na verdade, seu olhar me assusta. Mesmo assim, ele estende
a mão a Justin. — Eu vou ver Zen — digo, subindo as escadas.
Bato na porta e Zen abre.
— Oi, Zara.
— Oi. — Sento-me ao seu lado. — Justin está lá embaixo. Ele
é o pai de Jake.
— É, minha mãe me falou que ele vinha. Por que ainda fala
com esse cara? Depois de tudo o que ele fez com você...
— Ele é o pai de Jake, e, Zen, alguns garotos faziam isso
porque cresciam sendo ensinados a isso, entende? Com Justin, foi
assim, ele, de certa forma, também foi uma vítima.
— Mesmo assim, não entendo. Eu odeio esse cara.
— Já vi que você não vai descer, então eu vou indo.
— É claro que eu vou descer, não vou deixar esse cara por aí!
— Sorrio.
— Então vamos. — Descemos juntos. Justin até fala com Zen,
mas ele o ignora.
A tarde inteira foi divertida, apesar de Zen e Bill olharem
desconfiados para Justin, até que eles foram bem legais. E Jake
parece ter se divertido muito.
— Zara, nós queremos você em nossas missões também —
Nora diz.
— Claro, eu vou adorar!

Vou para cozinha e ligo para Tyler.


— Alô — ele atende.
— Oi, Tyler... tudo bem? É... é a Zara.
— Zara?! Sério?!
— Sim... desculpa não ter ligado antes.
— Um ano, Zara... — ele diz. — Eu tentei te ligar, fui atrás de
você, sai feito um louco, porque todos nós estávamos preocupados
com você... e você demora um ano para lembrar de nós?
— Eu passei por momentos complicados... você sabe, eu
quero muito te explicar tudo, por favor, Tyler. Como eles estão?
— Bem, mas ainda se preocupam com você.
— Diga a eles que irei o mais breve possível, preciso me
desculpar com todos vocês.
— Tudo bem, Zara, mas venha mesmo.
— Eu vou, eu prometo — desligo o celular e solto um longo
suspiro.
— Preciso ir, Zara. — Justin aparece.
— Tudo bem — digo, triste, e tento passar por ele, que me
puxa e abraça.
— Eu estou muito orgulhoso de você.
— Não quero ficar sem ele — digo entre lágrimas.
— Não vai ficar, sempre terá ele, Zara.
— Desculpa por esse último ano e por tudo que fiz vocês
passarem.
— Não precisa se desculpar. Eu entendo. — Fecho os olhos e
aproveito o carinho que sinto em seu abraço.
— Obrigada por continuar sendo meu amigo.
— Faço tudo isso porque eu te amo, Zara. E ainda acredito
que você vai voltar para mim.
— Nós somos grandes amigos e isso basta.
— Pra mim, não. Vamos reconstruir nossa família, Zara?
— Já somos uma família, diferente das outras, mas somos.
— Sabe o que quero dizer... — Ignoro o assunto.
Voltamos para a sala e despedimo-nos.
Quando Justin para em frente à minha casa, quero desabar.
Abraço Jake o mais forte que posso.
— Pode ir ver ele sempre.
— Eu te amo, filho. — Encaro seu rosto mais uma vez. — Eu te
amo mais do que tudo. Eu não vou deixar que nada aconteça com
você, jamais, não vou errar de novo. — Beijo seu rosto seguidas
vezes.

Na semana seguinte, espero ansiosa pela volta de Luciano.


Pego um táxi até a rodoviária, chego mais cedo do que deveria e
fico um tempo lá, sentada, contando os minutos para vê-lo. Quando
o ônibus para, eu corro para esperá-lo desembarcar.
Luciano desce segurando a mão de sua avó e corre em minha
direção quando me vê.
— Zara! — Eu o abraço o mais forte que posso.
— Eu senti tanto a sua falta!
— Eu também senti sua falta. Por que não me buscou antes?
Cadê meu pai? — Meu coração se aperta, eu errei muito nesse
último ano, inclusive com Luciano, e eu não sei como explicar que o
pai dele está em coma.
— Me desculpa, a gente vai conversar sobre tudo quando
chegar em casa. — Encaro Laura, que nos observa. — Obrigada
por deixá-lo voltar.
— Se Ane confiava em você para cuidar dele, eu também
confio. — Seus olhos marejam e eu a abraço. — Eu nunca imaginei
que ela tinha passado por tudo isso. Zara, eu o trouxe, mas não sei
o que vou fazer quando o pai dele acordar, não sei se o quero por
perto.
— Ela queria que Lúcio cuidasse dele, ele tem muitos defeitos,
mas ele é um ótimo pai. — Luciano nos escuta, mas parece
confuso.
— Eu amo o papai, vovó — ele diz e Laura o abraça.
— Eu sei... Preciso pegar o ônibus de volta... — Ela nos
abraça uma última vez. — Não esquece que suas férias são comigo
— diz a Luciano, que concorda.
Na volta para casa, vou todo o caminho abraçada a Luciano,
que me conta o que passou na casa de sua vó.
Capítulo 36

Estamos próximos ao Natal, Jake e Luciano estão ansiosos.


Jorge, Lynn, Tyler e sua família também vem. Pela primeira vez, eu
vou ter um Natal com minha família inteira. Nora me fez comprar
decoração, eu nunca tive minha casa decorada para o Natal, então
estou ansiosa.
— Você gosta desses? — Ela mostra uma coleção de enfeites
para a árvore.
— Eu adorei, mas, primeiro, a gente precisa ter uma árvore. —
Ela ri.
— É um detalhe importante. — Sinto que carrego quase a loja
inteira no meu carrinho.
— Quando sua outra família chega? — Ela pergunta.
— Amanhã — digo animada.
— Você fala tanto deles que não vejo a hora de conhecê-los.
— Olha, é a menina do clã! — Escuto duas mulheres, que
estão atrás de nós, cochichando. Nora também parece escutar, pois
me encara e revira os olhos.
— Dizem que ela ainda apanha do pai do filho dela, eles ainda
estão juntos.
— Eu não sei como ela tem coragem.
— Tem mulher que gosta de apanhar.
— E têm mulheres que não sabem parar de falar da vida alheia
— Nora diz, enquanto eu me sinto intimidada demais para enfrentá-
las. — Vocês não sabem pelo que ela passou, então calem a boca
de vocês! — É a primeira vez que vejo Nora brava.
— Obrigada — sussurro.
— Já passou da hora de você ir a público, sabe disso. — Nora
e Bill têm insistido que eu fale com os jornais, eles dizem que é
importante esclarecer o que realmente aconteceu no clã.
— Depois que passarem as festas, farei isso.
Na volta para casa, encontro minha mãe, ela está me ajudando
a administrar os negócios de Lúcio. Ela fez vários cursos e até se
matriculou na faculdade. Eu fiquei feliz, porque ela realmente parece
ter ficado feliz com o emprego.
— Oi, filha! — Dou um grande abraço nela. — O que é tudo
isso? — Ela pergunta, vendo o tanto de sacola.
— Muito trabalho para nós, temos que decorar a casa.
— Ela se empolgou! — Nora diz.
— Comprou meu presente?! — Luciano pergunta, assim que
me vê.
— Talvez, mas você só vai descobrir no Natal. — Ele cruza os
braços, irritado.
— Ah, Zara, por favor! — Ele junta as palmas de suas mãos,
implorando.
— Não mesmo. — Ele me encara com decepção.
— Vem, Luciano, eu vou te consolar, dando biscoitos a você —
Nora diz e ele vai correndo até ela, já animado novamente.
— Mãe, vou dar uma passada rápida no hospital — aviso e
dou um beijo em seu rosto.
Dirijo até o hospital e quando chego, levo comigo uma sacola
de enfeites que tinha guardado para decorar o quarto dele.
— Oi, Lúcio, vamos fazer um Natal bem grande esse ano, se
tivesse acordado, você também iria. Eu comprei o presente que
Luciano tanto me pediu, um PC GAMER, porque o meu irmão, Zen,
o influenciou a ser viciado nisso. Ele está ansioso, mas não o deixei
abrir antes da hora. E tenho certeza de que, se estivesse acordado,
você iria deixar. — Sempre que venho aqui, falo sobre Luciano com
ele. Quando Luciano chegou, foi difícil contar a ele que, talvez, seu
pai jamais acordaria. Meu celular toca e vejo que é Alberto.
— Oi, Zara, espero que não tenha esquecido nossa consulta.
— Olho para o relógio em meu pulso e vejo que estou muito
atrasada.
— Alberto, juro que chego em cinco minutos! — Ele ri.
— Sonho com o dia que você vai chegar no horário.
Dirijo o mais rápido que posso até o consultório dele, quando
entro em sua sala, ele me encara bravo, mas sei que não está
realmente.
— Fui ver Lúcio e acabei esquecendo.
— Então, você estava lá. — Ele cruza os braços. — Qual a
frequência das visitas?
— Duas ou três vezes na semana, de, no máximo, uma hora.
— Ele me olha contente. Sei que é uma evolução, nós trabalhamos
muito nessa libertação.
— Muito bem. Como está se sentindo?
— Bem, um pouco triste, porque eu queria ter Sara e Lúcio
nesse Natal comigo, seria o primeiro Natal dela. Vamos colocar a
foto que tiraram nossa no hospital de enfeite na árvore, quero sentir
que ela vai estar lá. Tem melhorado com o tempo... a dor.
— É difícil, Zara, mas olha o quanto já evoluímos. Eu sinto
orgulho da mulher que vejo em minha frente, ela não é a mesma
menina que encontrei, assustada, naquele quarto de hospital. —
Sorrio para ele, sinto que Alberto é uma pessoa que realmente
acredita em mim, se ele não tivesse insistido, talvez eu ainda estaria
presa naquele hospital. — E os pesadelos?
— Ainda tenho, mas bem menos intensos.

Quando Justin chega do aeroporto trazendo minha segunda


família, eu corro para dar um grande abraço neles.
— Como você está, linda?! — Lynn diz, passando a mão pelo
meu rosto.
— E o meu abraço? — Tyler diz, abrindo seus braços, eu dou
um longo abraço nele. — Que bom que você convidou esse babaca,
agora eu posso dar uma surra nele. — Ele diz, referindo-se a Justin.
— Não vai não, você precisa se comportar — digo e solto-o
para abraçar Rose.
— Eu tenho tanta coisa pra te contar — Rose diz.
— Eu quero saber de tudo!

Na véspera de Natal, nós nos reunimos para uma grande ceia.


— Eu quero dizer que eu me orgulho muito de você, Zara —
Jorge diz, levantando sua taça. — E eu proponho um brinde a toda
sua coragem. — Nós brindamos.
— Concordo com você, Jorge — Bill diz, encarando-me. — Eu
tenho a filha mais corajosa desse mundo.
Depois da nossa ceia, eu libero as crianças a abrir os
presentes. Jake ganha uma série de brinquedos e um tablet do pai.
Quando chega a vez de Luciano, ele pula de alegria quando vê o
PC que acabou de ganhar e corre em minha direção para me
abraçar.
— Obrigada, Zara! — Ele me enche de beijos. Sorrio com sua
animação, o telefone toca e minha mãe atende.
— Zara, é do hospital. — Meu coração se aperta com a
possibilidade de ser alguma notícia ruim sobre Lúcio. Pego o
telefone, minhas mãos estão tremendo.
— Oi, é a Zara.
— Senhora, estamos entrando em contato referente ao
paciente Lúcio, ele acabou de acordar do coma.
O telefone escorrega de minhas mãos, eu não consigo
acreditar.
— O que aconteceu, Zara? — Minha mãe pergunta assustada.
— Lúcio... ele... ele acordou! — No mesmo instante, o olhar de
Luciano se prende a mim.
— Meu pai acordou? — Ele vem em minha direção.
— Acordou — digo e abraço-o chorando, ele faz o mesmo. —
Vou pegar minhas chaves e nós vamos ao hospital — aviso,
procurando a chave, mas quando a encontro, Justin me toma. — Eu
preciso ir!
— Eu sei, mas não vou deixar você dirigir nervosa assim. Eu
levo vocês. — Concordo, porque minhas mãos não param de
tremer.
Vou o caminho inteiro abraçada a Luciano, quando Justin para
em frente do hospital, nós vamos correndo até o quarto de Lúcio.
Meu coração dispara quando o vejo acordado.
— Papai! — Luciano corre até ele e abraça-o. Lúcio deixa uma
lágrima escapar enquanto passa a mão pelo rosto dele. — Eu senti
sua falta... — O médico entra e observa-nos.
— Ele ainda não está falando, acabou de acordar de um coma
longo, vamos dar um tempo a ele. — Sorrio para o médico e crio
coragem para me aproximar dele. Seus olhos estão presos a mim e
ele logo desaba em lágrimas. Seguro sua mão.
— Eu tô aqui, Lúcio, como eu prometi a você. — Ele apenas
concorda com a cabeça.
— Papai, é natal e a Zara me deu o melhor presente do
mundo! — Lúcio sorri enquanto Luciano começa a conversar com
ele.
Passou-se horas, até que Luciano se rendeu ao sono, do lado
do pai.
— Nós sempre visitamos você — digo e volto a segurar sua
mão. — Eu passei muito tempo nesse quarto... esperando você
acordar.
— Por quê? — sua voz quase não sai, mas eu consigo
entender.
— Porque a dor que eu estava sentindo, bem, você parecia ser
o único que iria entender ela.
— Sara — o nome dela sai quase como um sussurro de sua
boca. Seu olhar é triste.
— Eu guardei as cinzas dela para que nós pudéssemos
espalhar em algum lugar juntos. — Ele volta a chorar e pela primeira
vez, eu consigo o que queria a muito tempo, chorar com ele, dividir
essa dor com a única pessoa que a entenderia.
Eu não sei quanto tempo fiquei segurando sua mão, mas
adormeci.
Quando acordo, fico assustada a não os ver no quarto. Por
isso, procuro por alguma enfermeira.
— Oi, você pode me ajudar? — Paro uma das enfermeiras. —
Sabe onde o paciente do quarto 57 está?
— Posso tentar descobrir, só um minuto. — Ela sai e eu fico
apreensiva, mas logo ela volta.
— O paciente foi levado para fazer alguns exames, a criança
está na sala de espera, eles não quiseram acordar você, mas não é
legal deixar uma criança sozinha. Fica no segundo andar. —
Agradeço-a e vou a procura de Luciano. Eu o encontro sentado
sozinho, jogando em seu celular.
Sento-me ao seu lado e dou um beijo em seu rosto.
— Zara, meu pai não queria acordar você. — Sorrio de lado.
— Como ele está?
— Ele falou comigo.
— Então ele deve tá melhorando. — Sorrio para ele e passo
meu braço por seus ombros. Um tempo depois, um enfermeiro sai
da sala de exames, empurrando a cadeira de rodas com Lúcio.
— Bom dia — digo assim que seu olhar pousa sobre mim.
— Bom dia — diz com dificuldade e muito baixo. Tento decifrar
seu olhar, ele me parece incomodado ao me ver.
— Vamos para o quarto?
Quando chegamos ao quarto, ajudo o enfermeiro a deitá-lo.
— Nós vamos em casa tomar um banho e trocar de roupa, mas
logo voltamos — falo assim que o enfermeiro sai. Ele concorda com
a cabeça e dou um beijo em seu rosto.
— Eu não quero ir, Zara, quero ficar com o papai — Luciano
diz, abraçando o seu pai.
— Va... — Lúcio beija sua testa, com dificuldade para falar —
logo você volta.
Ele faz mais um pouco de birra, mas consigo convencê-lo.

Minha mãe corre até mim quando me vê.


— Filha, como ele está? — Ela me abraça.
— Bem, na medida do possível, ainda estão fazendo exames
para termos certeza de como ele realmente está. — Vou até Jake e
beijo-o. — A gente só veio tomar banho e trocar de roupa. — Dou
um abraço no resto da minha família.
Vou para o meu quarto, tomo um banho quente e troco de
roupa. Preparo uma mochila com algumas roupas e produtos de
higiene para poder ficar lá com ele. Quando saio do meu quarto,
esbarro com Justin.
— Que bom que ele acordou — diz, dando um sorriso de lado.
— Pois é.
— Mas você sabe que não precisa fazer isso por ele, né? —
Eu entendo que, talvez, tudo o que me prende ao Lúcio seja uma
maldita síndrome, mas Justin é a última pessoa a ter direito de falar
sobre isso.
— Eu também não preciso conviver com você e mesmo assim,
não o excluí da minha vida.
— É diferente, nós temos um filho.
— Eu também tive uma filha com ele. — Meus olhos se
enchem de lágrimas. — Depois de tudo que eu passei, nenhum juiz
iria permitir você próximo a nós. Não está preso, porque eu pedi
imunidade a vocês, você não é diferente dele. — Saio irritada e logo
volto ao hospital.
Luciano se deita ao lado de Lúcio e começa a mostrar os jogos
que ele tem no celular, eu apenas os observo, não quero estragar o
momento deles. Quando está próximo de anoitecer, ligo para Tyler e
peço que ele venha buscar Luciano.
— Luciano, o Tyler tá vindo buscar você. — Ele me olha com
cara de choro, meu coração se parte. — Eu sei que você quer ficar
com seu pai, mas você é uma criança e não pode ficar dormindo em
um hospital, amanhã cedo, você volta, eu juro.
— Mas eu quero ficar com o papai! — Ele cruza os braços.
— Eu sei, meu amor, mas você precisa dormir em um lugar
confortável e não dá pra ficar dividindo uma cama de hospital com o
seu pai.
— Luciano, obedece — Lúcio diz e ele choraminga.
— Papai, eu não quero.
— Eu também não quero ficar longe de você, mas não pode
dormir no hospital.
É uma longa discussão até convencemos ele a ir, quando volto
ao quarto, sento-me ao seu lado.
— Por que você está aqui? — Ele me pergunta baixinho.
— Eu fiz uma promessa a você.
— Sabe que não me deve nada. Eu ferrei com a sua vida.
— Tem um ano que eu vou ao psicólogo e nós buscamos por
essa resposta.
— Eu não esperava ver você aqui, quando a enfermeira disse
que iria ligar para minha família, eu imaginei que iriam avisar a vó
dele, e que ninguém se importaria de vir aqui.
— Eu jamais te deixaria sozinho.
— Por quê? Eu não mereço isso. — Ele me encara perdido,
como se buscasse um caminho.
— Eu não sei. — Meus olhos se enchem de lágrimas. — Eles
dizem que a síndrome de Estocolmo me fez ficar ligada a você, eu
tentei superar tudo isso, mas, com você em coma no hospital, era
difícil, você não tinha ninguém além de nós dois. Eu não queria que
acordasse e pensasse que ficou um ano abandonado. — Ele deixa
as lágrimas escorrerem.
— Era o mínimo do que eu merecia, Zara, eu queria dizer que
ter você por perto me deixa feliz, mas eu não consigo. Isso só me
faz se sentir ainda pior. Eu não quero você presa a mim, eu não
mereço isso, mas você merece ser feliz mais do que qualquer um.
— Ele segura minha mão. — Você vai conseguir se curar disso, eu
acordei e você não precisa mais se preocupar comigo. Eu vou ser
eternamente grato por cuidar do meu filho quando nada disso era
sua obrigação.
— Mas ter você acordado me fez feliz, eu não me importo de
cuidar de você.
— E que sentido isso faz? Eu machuquei você.
— Mas...
— Não está mais presa a regras.
Eu não sei quanto tempo eu passo chorando na sua frente, até
que eu pego minha bolsa e levanto-me.
— Eu te amo, Lúcio. Isso não faz nenhum sentido e eu não
acho que precise fazer.

No dia seguinte, Lynn e Jorge já estão acordados preparando o


café.
— Bom dia — Lynn diz, dando-me um belo sorriso. — Pensei
que tivesse dormido no hospital.
— Bom dia. Lúcio não aceita que eu seja boa o suficiente para
ficar ao seu lado, ele acha que merece ficar sozinho eternamente.
— Dou um beijo nos dois.
— Eu queria discordar dele — Jorge diz e eu o encaro. — Eu
não sei o que vocês passaram juntos, mas eu realmente não acho
que você deveria estar se sentindo presa a ele.
— Eu sei que tudo isso é errado, mas eu não consigo controlar.
Eu quero ficar perto dele. — Lynn me abraça.
— Você vai conseguir superar isso.
Espero Luciano acordar para voltarmos ao hospital.

Ele abre a porta do quarto animado, mas logo para confuso,


está vazio, tem apenas uma carta em cima da cama. Vou até a
recepção me informar.
— O que aconteceu com o paciente do quarto 57? — pergunto
a moça da recepção. Ela busca por alguma coisa no seu
computador.
— O paciente foi transferido.
— Como assim transferido? Por que eu não fui avisada sobre
isso?
— Os advogados dele conseguiram a ordem de transferência,
não tivemos o que fazer.
— Ele foi transferido para onde? — Ela volta a digitar em seu
computador.
— Não sabemos ao certo, aqui só diz que foi uma
transferência internacional. Provavelmente, o paciente optou por um
tratamento em outro país.
Meu mundo desaba. Eu tinha que voltar para o quarto e
explicar para Luciano que seu pai tinha sumido. Antes de ir, ligo
para Justin e explico tudo a ele. Eu não sei o que fazer, mas eu
preciso que alguém tire Luciano daqui, porque eu realmente estou
perdida. Quando ele chega, pouco tempo depois, subimos juntos
para o quarto.
— Luciano? — Abro a porta e ele está sentado, jogando.
— Cadê meu pai?
— Ele teve que fazer um procedimento em outro hospital,
então você vai voltar pra casa, porque vai demorar.
— Não podemos ir ver ele?
— Não, mas logo ele volta — digo, segurando-me para não
chorar. Ele se levanta e segura a mão de Justin, enquanto sai do
quarto.
— Você não vem? — pergunta assim que percebe que eu não
os segui.
— Eu vou resolver algumas coisas chatas, logo vou encontrar
vocês. — Beijo seu rosto antes dele ir. Pego a carta em cima da
cama com coração apertado.
Eu sei que você deve estar irritada ou triste, sei que fazer
isso como vocês agora me torna um monstro, mas eu precisava ir,
porque eu nunca vou ter paz sem ter a certeza de que tudo isso
realmente acabou e eu tenho quase certeza que não. Eu preciso
garantir que você vai poder ser feliz novamente, que nossos filhos
jamais passarão pelo que eu passei. Eu fui uma pessoa que eu não
me orgulho a maior parte da minha vida, mas você e Ane foram a
luz que me guiou para não me tornar alguém como meu pai. Eu não
mereço teu amor, assim como nunca mereci o dela, e agora eu tô te
deixando livre para amar alguém que não te lembre de um passado
triste, alguém que te traga apenas momentos bons, eu jamais seria
essa pessoa, por mais que eu me esforçasse, as marcas que eu
carrego do clã vão além do meu corpo, elas estão na alma. Quanto
a Luciano, por favor, diga a ele que isso não é um adeus, me dói
ficar longe dele, mas tudo que estou fazendo agora é para manter
vocês salvos. Diga que eu o amo mais do que tudo e que logo
estarei ao lado dele novamente. Eu espero que vocês sejam muito
felizes, pois a partir de hoje, dedicarei todos os meus dias para
garantir isso.
As lágrimas escorrem do meu rosto, eu não posso acreditar
que ele foi embora, não depois de tudo. Deito-me em sua cama e
me permito chorar, ali, sozinha, sem ninguém para me julgar. Não
sei quanto tempo se passou quando meu telefone toca, tento me
recompor para atender. É Alberto.
— Oi — digo.
— Como você está?
— Triste.
— Justin me ligou e contou o que aconteceu.
— Então você sabe que ele foi embora.
— Sim. Então o que você vai fazer agora?
— Eu não sei, eu só quero chorar. — A porta do quarto se abre
e Alberto está lá, ele desliga a ligação, mas não entra.
— A primeira vez que eu conversei com você, disse que
deixaria a porta aberta para que você entendesse que é livre e pode
ir embora a qualquer hora. A porta tá aberta, Zara, essa é a sua
chance, você cumpriu sua promessa, não tem mais nada que te
prenda a ele. — Eu não consigo falar mais nada, eu apenas choro.
— Vou ficar aqui te esperando até você está pronta.
Eu me permito chorar mais um pouco até que finalmente crio
coragem de me levantar e sair do quarto. Eu o abraço.
— Eu quero ser livre — digo entre lágrimas.
— Você já é livre.
Nos meses seguintes, tento aproveitar o máximo da minha
vida, levo minha família para viajar, saio para festas e conheço
novas pessoas. Cada dia que passa parece ser mais fácil, eu vejo
as coisas com mais clareza, dei minha primeira entrevista, pela
primeira vez, as pessoas ficaram sabendo o que realmente
aconteceu. Ouço uma batida na porta e levanto-me do sofá que
assisto a desenho animado, junto com o Jake e Luciano. Abro a
porta e não tem ninguém, apenas um envelope no chão com uma
rosa. Pego o envelope e a rosa, vou para o meu quarto e abro, são
fotos de alguns homens e mulheres em frente a uma igreja e em
uma fazenda parecida com a que o clã tinha. Leio os papéis e são
instruções para outro clã ainda existente, localização, nomes e os
locais que se encontram. O último papel era um bilhete:
"Você vai saber melhor do que ninguém como utilizar isso".

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