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ESSENCIAL

GABRIELLA MACEDO
Copyright © Gabriella Macedo, 2019
Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento,
cópia e/ou reprodução de qualquer parte desta obra ― física ou
eletrônica ―, sem a prévia autorização do autor.
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes,
pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera
coincidência.

Revisão:Hellen Caroline
Capa:A. Rubert Design
Diagramação:Amorim Design

ESSENCIAL
© Todos os direitos reservados a Gabriella Macedo.
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Charlotte, Carolina do Norte. Abril de 2008.
— Então, quem Theo vai trazer aí, que vocês estão com
suspense desde o fim de semana passado? — indaguei, curiosa,
intrigada e desconfiada, enquanto eu e Allana saíamos do colégio.
Minha amiga me olhou por um segundo e abriu um enorme
sorriso. Ela e o namorado estavam aprontando, certeza. Eles
sempre estavam aprontando alguma coisa. E adoravam aprontar
coisas para o meu lado. Eu ainda daria o troco. Um dia.
Allana Morrison era minha amiga desde o primeiro ano. Era a
pessoa mais cheia de luz que eu conhecia. Agora, no terceiro ano,
éramos como irmãs. Passávamos mais tempo juntas do que com
qualquer outra pessoa. Nem tanto depois que Allana conheceu
Theodore Jenkins em um parque há alguns meses.
Theo tinha 25 anos e já estava terminando a faculdade de
medicina. Enquanto Allana tinha 17, como eu, e estava no último
ano do colegial. Eles ficavam lindos juntos e eram muito
apaixonados. Era possível ver que eles tinham um futuro incrível e
facilmente dava para vê-los casados e com filhos.
Eu estava dando graças a Deus que era nosso último ano. O
colégio me irritava. Não via a hora de ir para a universidade e cursar
medicina. Meu sonho era ser pediatra e cuidar de crianças. E minha
Allana queria ser professora e ensinar crianças. Ela tinha um dom,
era doce com todos, e tenho certeza de que seria a melhor
professora de jardim de infância que Charlotte já viu.
— Você vai ver. — Allana cantarolou, com um sorriso,
enquanto me puxava pela mão para fora do colégio. Era uma sexta
e eu não teria que voltar até segunda. Era minha felicidade os fins
de semana. Eu tinha que aguentar mais 7 meses e finalmente
estaria livre do inferno que era o colegial.
— Você está aprontando, Allana. — acusei. Minha amiga
apenas riu. A entrada do colégio estava cheia. Theo estava do outro
lado da rua encostado em seu carro e tinha um garoto ao lado dele.
Era muito parecido. Franzi a testa. Quem era o garoto?
Me aproximei com Allana já querendo matá-la. Era um garoto?
Eles queriam me apresentar um garoto? Eu ia matar aqueles dois.
Aquela mania de sempre aprontar para o meu lado...
Fiquei parada, de braços cruzados, quando Allana aproximou-
se para beijar Theo. Fiz gesto de ânsia e o debochado riu, puxando-
me para um abraçado sufocante.
— Ok. Me solta. — Dei um tapa no braço de Theo e afastei-me
dele. — Para de querer me mimar porque fez besteira. Fale logo. —
Pressionei, impaciente. Theo se dobrou de tanto rir e Allana veio
para o meu lado com delicadeza. Anos fazendo balé fizeram com
que ela parecesse uma princesa. E ela era uma, em todos os
sentidos.
— Vic, seja paciente. — Minha amiga pediu, fazendo-me
revirar os olhos. Ela sabia que eu detestava ser chamada de "Vic"
quando estava impaciente.
Cruzei os braços e encarei Theo, que tinha uma expressão
debochada e de quem estava aprontando no rosto. Allana ergueu as
sobrancelhas e ele revirou os olhos. Até então, o garoto ao seu lado
apenas observava a cena em silêncio, o que era realmente
estranho.
— Vic, este é meu irmão, Alexander. — Theo apresentou.
Irmão? Theo tinha um irmão? — Alex, essa é a Victoria, amiga da
Allana.
Olhei para minha amiga, que deu de ombros. Franzi a testa.
Eu estava confusa. Por qual motivo eles queriam me apresentar o
irmão do Theo? Eu não entendia a razão de tudo aquilo.
— Então você é a bebê de colegial que minha cunhada vive
falando? — Alexander se aproximou, desencostando-se do carro,
com um sorriso maldoso. Fechei a cara. Quem ele pensava que era
para falar comigo daquela forma?
— Você tem um irmão cretino e eu não sabia, Theo? — Me
virei para o namorado da minha amiga, ignorando seu irmão. Theo
gargalhou alto e Allana disfarçou a risada. Qual era a graça?
— Encontrou alguém que sabe como rebater suas gracinhas,
não, Alex?! — Minha amiga debochou, com um sorriso malicioso. —
Eu disse que ela ia calar a boca dele. — Ela esticou a mão e Theo
colocou 10 dólares sobre ela, após revirar os olhos.
— Espera. Vocês apostaram isso? — Questionei, incrédula.
— Apostei que você era a única pessoa capaz de calar a boca
idiota do Alex, mas Theo achou que você era boazinha demais —
Allana contou, rindo. — Mas eu conheço bem a minha amiga
— Isso é ridículo — Revirei os olhos, quase nem acreditando
naquilo.
— Bem engraçado, mas ela continua sendo uma bebê de
colegial. — Alexander resmungou, a expressão fechada.
— E você continua sendo um idiota! — Rebati, aborrecida e
irada. Alexander ergueu as sobrancelhas ao me olhar. Encarei-o
com os olhos semicerrados.
Eu odiava aquele cara. Acho que não chegaria o dia em que
eu não o odiaria.
Charlotte, Carolina do Norte. Janeiro de 2013. 5 anos depois...
— Allana, eu te odeio. — Choraminguei, pelo telefone. Minha
amiga riu. Eu estava exausta e minha amiga rindo quando se tratava
de debochar de mim.
— Você me ama, Vic — Allana rebateu, fazendo-me
choramingar e afundar a cabeça no travesseiro.
— Eu estou exausta, Allana. Passei horas fazendo a prova
para a universidade e ainda vou ser obrigada a olhar para a cara do
Alexander no jantar? Tem castigo pior? — Fingi choro. Minha amiga
apenas riu. Ela sabia como eu fazia drama quando se tratava de
Alexander. O idiota do irmão do meu cunhado.
Mesmo 5 anos depois eu era obrigada a aturar aquele idiota.
Agora, com 22 anos, eu sabia lidar melhor com as provocações
dele. Com 17 anos eu ficava irritada facilmente. Agora apenas o
ignorava.
Afinal, não era mais a garota que ele conheceu há 5 anos
atrás. Havia me tornado uma mulher. Meus cabelos estavam na
altura dos seios, meus olhos eram castanhos e eu era de certa
forma magra. Meu 1,70cm me ajudava muito na hora de encarar
aqueles olhos escuros, do cara de 1,77cm, que me irritavam.
Se com 23 anos ele era um idiota, imagine agora com 28. Se
tornou um completo babaca. Ele piorava a cada ano. E eu era
obrigada a conviver com ele. Por Allana. E por Theo também. Ele
era legal comigo. E eu fazia aquilo pelos dois. Não por aquele idiota
do Alexander. Ele era realmente o irmão mais novo, uma criança.
— Amiga, por favor, por mim. Você precisa vir! Sério. Eu e
Theo temos algo muito importante para conversar com você e
Alexander. — A voz de Allana era praticamente uma súplica. Passei
a mão pelo rosto, aborrecida.
Eu estava deitada na minha cama com a barriga para o
colchão e o rosto apoiado em uma das mãos, apenas de camiseta e
calcinha. Havia chegado da prova e simplesmente me jogado no
colchão. Eu estava completamente exausta e só precisava de um
banho relaxante antes de hibernar na minha enorme e maravilhosa
cama.
— Descobriram uma fórmula para aturar Alexander? Isso seria
maravilhoso. — Suspirei. Allana riu e eu tinha certeza que estava
revirando os olhos.
— Vic, é sério. É uma notícia realmente importante. Pode ser
chamado de convite também. Mas você vai se arrepender se não
vir. Juro. Eu preciso de você aqui, Victoria. Você tem que vir. É
importante para mim. Tipo, bem importante mesmo. — Allana
suplicou. Aquilo era apelação. Ela sabia que se dissesse que
precisava de mim eu faria qualquer coisa. E eu queria matá-la por
usar aquilo. Era golpe baixo.
— Victoria, o jantar está pronto. — Minha mãe entrou no
quarto e eu virei a cabeça para olhá-la.
— Espera, Allana. — pedi, ao telefone, e afastei do rosto. —
Eu vou jantar na Allana, mãe
— De novo?
Dei de ombros.
— Ela e Theo me convidaram
— Tudo bem — Minha mãe aquiesceu, após alguns segundos,
e saiu do meu quarto, fechando a porta.
— Amiga — voltei ao telefone. — Que horas você me quer aí?
Já são 18h40 — Disse, após olhar no relógio de cabeceira.
— Theo pode te buscar às 19h30. — Allana sugeriu,
despretensiosamente.
— Se vou ter que aturar Alexander, que seja logo, e rápido —
resmunguei.
— Tudo bem. Vou falar com Theo. Vá se arrumar. Coloque
uma roupa bonita
— Vou colocar moletom só para você aprender! — ameacei.
Allana riu.
— Também te amo, Vic!
Desliguei o telefone e afundei o rosto no travesseiro. Eu
detestava ter que ver Alexander. Mas, pelo menos uma vez por
semana, eu era obrigada a vê-lo. Allana não desgrudava de mim e
ele não desgrudava do irmão.
Balancei as pernas e apoiei o rosto na mão, pensando no que
vestir. Era um jantar, teria um convite e uma notícia. Ok. Jeans não
iria cair bem nessa ocasião. Um vestido... É, era o que eu teria que
vestir. E toda vez que eu colocava um vestido Alexander me
chamava de bebê de colegial, e eu realmente o odiava por isso.
— Eu te odeio, Allana. — Choraminguei, enquanto me
levantava da cama. Fui direto para o banheiro. Eu tinha a sorte de
ter um quarto com banheiro apenas meu. Após o falecimento do
meu pai, minha mãe resolveu que devíamos nos mudar. As
lembranças da outra casa eram demais para ela. Então, nos
mudamos. E eu amo essa nova casa.
Tirei a roupa dentro do banheiro, após fechar a porta, e
coloquei tudo dentro do cesto. Prendi o cabelo em um coque
apertado depois de ligar o chuveiro e fiquei esperando a água ficar
morna. Quando chegou a temperatura que eu gostava, entrei
debaixo do fluxo de água e fechei o box.
Durante o banho eu sempre conseguia pensar melhor nas
coisas e refletir sobre tudo. Era meu momento de relaxamento e
reflexão. Minha mente estava um turbilhão. Eu não sabia o motivo
pelo qual me apresentaram a Alexander anos atrás. O cara era um
idiota, não puxou nada ao irmão. E eu realmente o odiava.
Bufei, enquanto me esfregava. Eu detestava olhar para aquela
cara debochada de Alexander. Ele não mudava, apenas ficava cada
dia pior. Mais debochado, mais intrometido, mais sacana e mais
cretino. Eu nem tinha mais adjetivos para descrevê-lo.
E claro que ele não perdia a oportunidade de mexer comigo.
Não importava como, ele arrumava uma forma de me irritar. Ele
gostava de provocações bobas. Parecia uma criança. Cada dia ele
arrumava uma forma diferente de me provocar . Uma criatividade
que só vendo. Igual criança.
Há alguns meses, ele perdeu a noção. Eu estava no quarto de
hóspedes do apartamento de Allana e Theo, deitada, dormindo. O
cretino não me inventou de entrar no quarto e me pegou de pijama?
Claro que o prédio inteiro ligou para reclamar dos meus gritos
com ele. E o idiota apenas ria, o que me deixou mais irada ainda
com ele. Ainda teve a audácia de dizer que eu estava em seu
quarto. Eu levantei apenas para dar uns tapas nele e voltei para a
cama. Folgado.
Saí do chuveiro alguns minutos depois e me enrolei em uma
toalha macia. Voltei para o meu quarto, que felizmente estava com a
porta fechada. Eu sempre fico com muito frio depois do banho e
deixo tudo fechado para evitar que o vento entre por qualquer lado.
Meu quarto não era nada demais. Paredes claras, cama,
penteadeira, armário, uma poltrona e o banheiro. Eu tinha muitas
almofadas e minha penteadeira era impecavelmente arrumada com
meus perfumes e maquiagens.
Me sentei na minha cama, desanimada. Eu não queria ir. Não
queria mesmo. Não queria ter que sequer sair do meu quarto. Tudo
o que eu queria, naquele momento, era deitar na minha cama e
hibernar até o dia seguinte.
Mas eu não podia fazer uma coisa daquelas com Allana. E não
faria. Jamais faria algo para magoá-la propositalmente. Eu só queria
vê-la feliz. E se esse jantar era tão importante para ela, era para
mim também.
Com a coragem para encarar Alexander renovada pelo meu
amor por Allana, me levantei da cama e fui até meu armário. Depois
de abri-lo, fiquei caçando um vestido decente para ir a esse jantar.
Era informal, eu acho.
Acabei pegando um vestido florido de seda e uma meia calça
fina preta. Primeiro, coloquei a meia calça com cuidado, após
colocar calcinha e sutiã, e depois coloquei o vestido. Era novo,
presente de Allana no meu aniversário, que foi há duas semanas, e
caiu perfeitamente bem em mim. Minha amiga realmente sabia me
presentear.
Calcei um salto preto fechado e soltei os cabelos, que caíram
em ondas em volta dos meus ombros. Passei apenas blush e um
batom rosa suave. Para mim, menos sempre foi mais. Então eu
nunca exagerava, em nada. Era tudo na medida, sempre.
Peguei uma bolsa de lado preta, com alça, e coloquei meu
celular, batom e algum dinheiro dentro. Nunca se sabe. Peguei uma
jaqueta de couro preta antes de sair do quarto. Já eram 19h27. Logo
Theo chegaria para me buscar. E eu preferia esperar, do que
esperassem por mim.
Encontrei minha mãe na cozinha, lavando a louça do jantar. Eu
sabia que a deixava muito sozinha, mas ficou muito difícil, para nós
duas, depois da perda do meu pai. Ele que sempre foi o alicerce da
família e nos unia. Era estranho sem ele. Por mais que já fizessem 3
anos, eu ainda não havia me acostumado com sua ausência. Eu
acho que não me acostumaria nunca.
— Mãe, eu já vou. — Disse, ao entrar na cozinha. Minha mãe
se virou para me olhar após terminar a louça, enquanto secava suas
mãos. Sua expressão estava cansada. Ela estava cansada. — A
senhora vai ficar bem?
— É claro que sim, Victoria. Estou acostumada a ficar sozinha.
Vá ficar com sua amiga. Aproveite a noite. — Ela murmurou, após
me dar um beijo na bochecha, e passou por mim.
Fiquei parada alguns segundos no mesmo lugar enquanto ela
subia as escadas. Ainda era difícil. Era muito difícil. E eu sabia que
era mais para ela do que para mim. A morte do meu pai, a minha
constante ausência... Eu tinha Allana para me apoiar. Minha mãe
tinha quem?
Respirei fundo, quando meu celular vibrou na minha mão, e
olhei o que era. Mensagem no WhatsApp. Theo havia chegado.
Deixei meus pensamentos de lado e dei meia volta, saindo da
cozinha. O carro de Theo estava estacionado na frente da minha
casa e ele estava sozinho; pude ver pela janela do carona aberta.
Allana devia estar em casa preparando o jantar. Ela nunca teve
ciúmes de mim com Theo e nem tinha motivos para isso. Era
confiança. E eu fazia de tudo para merecê-la.
— Oi, Theo — Dei um beijo na bochecha do namorado da
minha amiga ao entrar no carro.
— Uau! Está bonita, Vic. Tudo isso para o Alexander? Ele vai
se apaixonar, hein. — Theo deu risada, já saindo com o carro. É
claro que ele ia debochar. Nem sei porque não tinha imaginado isso.
— É claro. Para quem mais eu me arrumaria além dele? O
cara é um gato. — Abri um sorriso irônico, que fez Theo se dobrar
de rir. Revirei os olhos e desisti. Theo adorava me provocar, mas
não era para me irritar, eu sabia daquilo. Era apenas brincadeira.
Infelizmente não era a mesma coisa com o irmão dele.
— Allana está cozinhando?
— Sim, está. — Theo respondeu, sem desviar os olhos da rua.
— Tem certeza de que foi uma boa ideia deixá-la sozinha? Ela
pode colocar fogo no apartamento de vocês. — Avisei, com um
sorriso maldoso. Ele riu.
— É, eu me esqueci disso. Melhor comprarmos pizza no
caminho. — Fez uma expressão pensativa.
— Concordo plenamente.
Não demorou para cairmos na risada. Eu me dava bem com
Theo. Era meu único amigo homem. E, ao contrário do irmão, ele
sabia o que significava a palavra limites e brincadeiras. E felizmente
era uma companhia muito mais agradável. E, fisicamente, era
diferente de Alexander. Tinha os cabelos castanhos e olhos claros.
Era bom. Assim eu não tinha que olhar uma sósia do cara que eu
odiava sempre.
— Eu achei que não fosse concordar em jantar conosco esta
noite. — Theo comentou. Soltei o ar.
— Bem que eu gostaria de ter essa opção, para não ter que
olhar para a cara de cretino do seu irmão. Mas você conhece bem a
Allana, ela faz chantagem emocional. Eu tinha que vir, por ela
— Obrigado pela parte que me toca, Miller.
— Você me entendeu. — Dei risada. — Eu não consigo negar
nada para Allana. Assim como ela não nega nenhum pedido meu.
— É, eu sei. Vocês fazem tudo uma pela outra. Só ignora o
Alexander, uma hora ele para.
— Jura? Já fazem 5 anos. — Debochei. Theo riu e fez uma
careta.
— Tem razão. Acho que ele não vai parar.
— Não, ele não vai. — Suspirei, desanimada. Alexander
jamais iria parar de me provocar. Eu não ia deixar Allana e Theo por
causa dele. Jamais. Então, iria aturá-lo para o resto da vida. E só a
ideia daquilo me desanimava.
Não demorou para chegarmos no apartamento. Theo entrou
na garagem subterrânea e eu saí do carro quando ele o estacionou.
Ele me ofereceu o braço e eu aceitei. Era ruim andar de salto depois
de um dia inteiro em provas.
— Como foi a prova? — Theo perguntou quando estávamos
no elevador.
— Acho que fui bem. Não tenho certeza. Mas aquilo que você
me ajudou a estudar caiu em algumas questões. — Contei. Theo
passou noites em claro me ajudando a estudar para o vestibular. E
Allana passava a madrugada fazendo café e comida para nós. Eu
não sabia o que faria da minha vida sem eles dois.
— Viu?! Eu te disse. Mas tenho certeza de que foi bem. Você
aprendeu tudo muito rápido, Vic. — Theo elogiou, me fazendo abrir
um meio sorriso. Ele era como um irmão mais velho na maioria das
vezes; protetor, preocupado e cuidadoso.
As portas do elevador se abriram e nós saímos para o
corredor. Entrei direto no apartamento. Eles deixavam a porta aberta
na maioria das vezes. Allana estava na cozinha, parecia agitada.
Abri um meio sorriso, enquanto deixava a bolsa no sofá e ia até ela.
Theo já havia entrado e fechado a porta.
— Oi, amiga. — Parei na porta da cozinha, olhando toda a
bagunça. Allana se virou ao ouvir minha voz e veio me abraçar. —
Você me parece enrolada. Quer ajuda?
— Você é minha salva vidas, Victoria. Arruma a mesa para
mim? — Allana pediu. Fiz que sim com a cabeça e prendi o cabelo
em um rabo. Obrigada, mente, por me lembrar de colocar elásticos
no pulso.
Tirei toda a bagunça que tinha na mesa, que era tudo lixo, e
passei um pano. Depois coloquei uma toalha e Theo pegou as
taças, pratos e talheres, e me entregou. Arrumei tudo, colocando
com desprazer o quarto lugar na mesa.
Falando no desprazer, a porta foi aberta e Alexander entrou.
Engoli em seco. Os anos fizeram bem para ele, eu era obrigada a
admitir. Aquele 1,77cm me obrigava a levantar a cabeça para
encará-lo, mesmo com um salto de 15cm. Os cabelos pretos, os
olhos escuros, a barba por fazer... Desviei o olhar, quando me toquei
que estava olhando por mais tempo que o necessário, o permitido e
o desejado.
Voltei minha atenção para a arrumação da mesa, que era o
melhor a se fazer naquele momento. Ouvi o barulho da porta sendo
fechada e fui para a cozinha atrás de Allana.
— Tudo bem? — ela perguntou, ao me ver encostada na pia
de braços cruzados. Dei de ombros. — Eu sei, sinto muito. Mas juro
que vou compensar!
— Estou contando com isso. — Abri um meio sorriso,
desencostando-me da pia e fui atrás dela.
Tentei ignorar Alexander o máximo que consegui, mas ele fazia
questão de não tornar aquilo possível. Eu só queria pegar naquele
pescoço e esmagá-lo.
— Hum. Olha como a bebê de colegial está bonita. —
Alexander aproximou-se, me medindo, e parou ao meu lado. —
Você aprendeu a se arrumar, Victoria.
— E você não aprendeu a se comportar — Rebati, o tom
irônico, a expressão cansada. Eu estava exausta das mesmas
provocações idiotas. Alexander ficou com cara de banana, enquanto
Theo ria, e eu e Allana nos sentávamos à mesa.
Theo se divertia de um modo absurdo com as minhas brigas
com Alexander. Eu nunca deixava de respondê-lo, só quando era
muito idiota ou eu estava de mau humor. Caso contrário, era muito
bom fazê-lo se calar.
— Eu fiz yakissoba. Peguei a receita na internet e demorei
horas. Então comam sem reclamar — Allana avisou, enquanto nos
servia. Eu encarei Theo com as sobrancelhas erguidas e ele deu de
ombros. Allana sempre inventava de tentar fazer as coisas. Outro
dia, Alexander vomitou de propósito. Tudo bem, não estava bom,
mas não era para tanto. Ele era muito exagerado. Allana ficou sem
cozinhar por meses depois daquela atitude idiota. E eu só queria
enforcar ele por ter chateado minha amiga.
Respirei fundo, antes de comer. Theo e Alexander fizeram o
mesmo. Allana ficou esperando nossas reações. Abri um sorriso ao
sentir o gosto da comida. Estava delicioso! Allana ficou boa na
cozinha.
— Está uma delícia, amiga! — Elogiei, surpreendendo Allana.
A expressão dela foi tão fofa, que me fez sorrir
. Ela riu, quando Theo
e Alexander sorriram.
— Ficou muito bom, meu amor. De verdade. Está perfeito —
Theo elogiou, deixando Allana envergonhada. Suas bochechas
ganharam um tom rosado e eu sorri. Ela era tão fofa que dava
vontade de apertar. E eu tinha muita sorte por ela ser minha melhor
amiga.
Ignorei Alexander durante um longo tempo. E ele tornou aquilo
possível, ficando em silêncio e falando poucas coisas com Theo, o
que me permitia conversar em paz com a minha amiga. Allana
parecia muito animada e escondia algo. Eu a conhecia muito bem
para ter certeza daquilo.
Quando fui ajudar Allana com a sobremesa reparei algo que
não havia reparado antes: um anel reluzente em seu dedo anelar.
Meus olhos se arregalaram e minha boca se abriu lentamente.
— Allana! — Gritei com ela, fazendo-a se sobressaltar, e
assustando os dois na sala. Ignorei tudo aquilo. Peguei a mão da
minha amiga. — Eu vou te bater, Allana Morrison!
Allana puxou a mão, rindo, e me levou de volta para a sala.
Theo e Alexander nos encaravam sem entender.
— Victoria estragou a surpresa. Vamos lá, Theo. — Minha
amiga disse, me deixando confusa. — Nós vamos nos casar e
queremos vocês dois como padrinhos. Sem brigas. Sem
provocações. Sem confusões.
Eu fiquei sem expressão e sem reação. Theo e Allana se
abraçaram de lado, nos olhando. O idiota do Alexander deu risada
enquanto eu revirava os olhos. E a palhaça da minha amiga apenas
riu de nós dois.
— Vamos ser obrigados a nos aturar mais? — Inqueri,
incrédula. Allana balançou a cabeça, afirmando, com um enorme
sorriso. — Eu realmente odeio vocês dois. — Choraminguei.
Minha amiga me abraçou, enquanto Alexander abraçava Theo.
Eu mal podia acreditar. Allana iria se casar, eu era sua madrinha. E
Alexander também. Aquela era a única parte que me desanimava.
Mas eu realmente estava muito feliz por ela. Eu sabia que
aconteceria, só não imaginava que seria tão cedo.
— Vamos passar um tempinho juntos, bebê de colegial. —
Alexander provocou. Fiz uma careta.
— Eu te odeio, Allana. — Choraminguei, fazendo-a rir.
— Eu também te amo, Vic. — Allana me abraçou outra vez e
Theo se juntos a nós. Fiquei muito surpresa quando Alexander fez o
mesmo.
— Estou muito feliz por vocês dois. De verdade. Vocês
merecem muito ser felizes juntos. E tenho certeza que o casamento
vai uni-los muito mais. Eu amo vocês, de coração. E desejo toda a
felicidade do mundo.
— Preciso concordar com a Victoria. — Alexander murmurou.
Ver ele me chamar pelo nome era estranho. Não acontecia com
frequência, mas quando acontecia era sempre em tom de deboche.
— Vai nevar, porque vocês dois concordando... — Theo riu.
— Nós não. — Rebati, olhando Alexander de canto de olho. —
Ele concordou comigo porque estou certa. — Dei de ombros,
fazendo-o rir. — Vocês são lindos e são meu casal favorito.
— Ah, amiga! Eu te amo muito. Obrigada por aceitar esse
convite. Vai ser muito importante ter você do meu lado.
— Sou eu quem precisa agradecer, Allana. Esse é o melhor
convite que já recebi na vida. E vai ser uma honra enorme estar ao
seu lado nesse dia tão especial.
— Não podia ser ninguém além de vocês dois — Theo
murmurou. Abri um sorriso, assim como Alexander. Respirei fundo.
— Eu sei que não nos damos bem em momento algum, mas
vamos nos comportar. Por vocês. — Garanti, apertando as mãos da
minha melhor amiga. — Não vamos, Alexander?! — Questionei,
encarando-o, séria. Alexander revirou os olhos e respirou fundo.
— É claro que nós vamos, Victoria. É o casamento do meu
irmão. Não vou estragar esse dia provocando você.
— Muito obrigada. — Meu tom foi completamente irônico. —
Então vai dar tudo certo e eu estarei ao seu lado o tempo todo, vou
te ajudar em tudo, com cada detalhe. — Prometi. Os olhos de Allana
encheram-se de lágrimas.
— Eu sabia que a melhor coisa que fiz na vida foi me sentar ao
seu lado no primeiro ano do colegial. — Ela sorriu. Minha vez de
ficar com os olhos marejados. Nós duas sempre nos
emocionávamos ao falar sobre nossa amizade.
— E eu agradeço por você ter se sentado ao meu lado naquele
dia. Não sei como teria sobrevivido ao colegial sem você.
— Vocês duas são muito melosas. Vem cá. — Alexander nos
juntou em um abraço coletivo. Foi estranho. Bem estranho. Tentei
não pensar nele ali e abracei minha amiga.
Eu aceitei, pela Allana. Ela era minha melhor amiga desde
sempre. E eu jamais recusaria um pedido dela por causa do idiota
do cunhado. Minha amizade e irmandade com Allana estava acima
de tudo. E de todos principalmente. E eu estava muito feliz por fazer
parte da felicidade dela.
Allana me mostrava o mesmo vestido pela décima vez. Claro
que ela intercalava com outros, só para mim dizer que aquele
modelo era o mais bonito. Nós não tínhamos o mesmo gosto, era
verdade. Mas, se era o que ela gostava, então deveria ser aquele.
Ela ficaria tão linda nele quanto em qualquer outro.
— Allana, se você gostou tanto desse modelo que me mostrou,
no mínimo, umas 10 vezes, é ele que você tem que escolher. —
Finalmente disse, quando ela mostrou mais uma vez. Minha amiga
me olhou com cara de culpada e eu abri um meio sorriso para ela.
Já haviam se passado alguns dias desde o jantar em que
Allana e Theo anunciaram o casamento. E como prometido, é claro
que eu ajudaria minha amiga em todos os detalhes; do mais simples
ao mais complexo. Do recheio do bolo ao vestido. Em tudo isso que
eu ajudaria minha amiga.
Nós havíamos começado hoje, e Allana decidiu começar pelo
mais complexo: o vestido. Eu sempre imaginei preparativos de
casamento como algo complexo, mas nada no nível que estava
vivenciando. Era tudo muito mais complicado do que parecia.
Eram muitos detalhes para a cerimônia, para a festa, dois
vestidos, bolo, comida, bebida, roupa de madrinha... Eram muitas
coisas. E Allana ainda queria se casar em 2 meses. Dois meses.
Minha amiga era doida. Como organizaríamos tudo em 2 meses?
Ela era a organizada, eu era apenas eu, com uma falta de
organização incrível.
Os últimos 2 dias foram uma preparação para a organização.
Sim, Allana era de virgem. Minha amiga fazia aniversário em 9 de
Setembro. Era a pessoa mais organizada que eu conhecia. Ela
organizava até cardápio para a semana. Queria ver como seria
depois do casamento. Ela deixava Theo doido com tanta
organização, e eu sabia que ela só iria organizar mais ainda as
coisas.
— Acho que vou escolher este mesmo. — Allana decidiu, com
um suspiro. Ergui as sobrancelhas. Ela era assim: demorava de
decidir, mas, quando decidia, era aquilo e não mudava.
— Eu já sabia. — Declarei, fazendo-a revirar os olhos, com um
sorriso. disfarçado. — Mas acho que você só vai querer o modelo
dele, não?! Acho que pérolas não são muito seu estilo.
— Tem razão. E o que pode ser usado no lugar das pérolas?
— Talvez rendas?! Acho que combinam com você. Além do
mais, acho que o pano não deve ser cetim igual seu vestido de
formatura do colegial. Não acho que seja a melhor opção. — Opinei,
enquanto observava o vestido no catálogo da revista. Eram mais de
10 revistas, com diversos catálogos e de muito estilistas. Eram
muitas opções. — Para você. — Completei.
— Você realmente não esquece daquele vestido, não é?! —
Allana me olhou com uma careta. Dei de ombros, evitando a risada.
Minha amiga apenas revirou os olhos.
Na nossa formatura do ensino médio, Allana não quis ajuda e
disse que se arrumaria sozinha. Eu apenas concordei, mesmo não
entendendo. Mas, ao chegar na casa dela, uma hora mais cedo,
entendi o motivo. O vestido era de cetim, amarelo. Eu não consegui
dizer nada, apenas fiquei emudecida, enquanto observava Allana
dentro daquele vestido. O problema não era ser amarelo, era ser
amarelo berrante.
Claro que, quando chegamos na festa, que era na quadra do
colégio, todos os olhares se voltaram para Allana e seu vestido
amarelo de cetim. Eu estava simples: um vestido branco de renda.
Então, não chamei tanta atenção quanto ela. Não estava feia,
porque Allana era linda, só estava um pouco chamativa demais.
Quando Theo apareceu para nos buscar, acompanhado de
Alexander, sua expressão foi a coisa mais engraçada daquela noite.
Ele não sabia se ria ou observava Allana. Se a observasse, com
certeza iria rir.
Obviamente a primeira coisa que o idiota do Alexander fez foi
rir. Ele bateu os olhos em Allana, mediu ela dos pés à cabeça e caiu
na gargalhada. Ele ficou vermelho, chorou, e mesmo assim não
conseguia parar de rir. Eu simplesmente estiquei-me do banco de
trás e meti a mão na cabeça dele, fazendo-o resmungar. Mas, pelo
menos, parou de rir. O idiota.
— Como esquecer, amiga? A escola inteira ficou olhando para
você. — Fiz um muxoxo com a boca. Allana revirou os olhos e
choramingou, me fazendo rir. Aquele dia, realmente, ficou para a
história. O dia em que Allana Morrison usou amarelo. Ela nunca
mais usou amarelo. Não havia uma roupa em seu armário amarela.
Única coisa amarela em sua vida era seu cabelo. Ela realmente
havia pegado um trauma da cor amarela.
— E você fez questão de ficar ao meu lado observando meu
momento. — Allana lembrou.
— Eu tinha que te lembrar pro resto da vida sobre sua cor
favorita. — Dei de ombros. Foi o limite. Lembrar daquele dia me
fazia rir. Allana revirou os olhos, se dando por vencida, e rindo.
— Eu quase chorei. — Ela reclamou.
— Mas não chorou, porque nunca esteve nem aí para o que
pensavam de você. Só queria se sentir bonita. E você estava se
sentindo bonita com aquele vestido. E essa é uma das inúmeras
qualidades que eu admiro em você, Allana. Não ligar para o que
pensam e fazer o que te faz feliz. Ser você mesma.
— Para com isso, Victoria. — Allana me repreendeu, quando
seus olhos marejaram. — Eu vou chorar. E eu realmente detesto
chorar.
— Você sendo você. — Abri um sorriso, sentindo minha visão
embaçar pelas lágrimas. Como eu poderia viver sem a melhor
amiga que a vida me deu? Eu jamais estaria preparada para ficar
sem a Allana em tempo integral quando ela se casasse com Theo.
Tudo bem que eu vivia na casa deles, mas seria diferente daquela
vez. Tudo seria diferente. Eu sabia que as coisas mudariam. Mas se
minha amiga estava feliz, então eu também estava.
— Ah, vem cá. — Allana me puxou para um abraço. Eu
realmente não estava preparada para ficar sem a minha melhor
amiga.
— Por que você tinha que se casar tão cedo? — Reclamei. Eu
não sabia se ria ou chorava. Allana estava rindo do meu drama.
— Para te dar sobrinhos, boba! — Ela respondeu como se
fosse óbvio. — Além do mais, não é tão cedo. Eu já tenho 23 anos.
— Eu ainda tenho 22. — Choraminguei.
— Por poucos dias. Não se esqueça que seu aniversário está
chegando. — Allana me lembrou, sorrindo ao se afastar de mim. Ela
tinha razão. Eu fazia aniversário em Outubro. Sim, uma Libriana. 3
de Outubro era meu aniversário. Por um mês era separada de
Allana.
— Tudo bem. Você e Theo já compraram meu presente? —
perguntei. Allana riu.
— É claro, sua tonta. E você passará o dia conosco. Já temos
uma programação. E, à noite, voltamos para comer bolo com a sua
mãe. — Explicou, gesticulando as mãos. Aquilo me parecia muito
bom.
— Espero que seu cunhado não apareça.
— Ele vai. Você sabe que ele aparece só para te provocar. —
Ela me lembrou. Revirei os olhos.
— O idiota. — Resmunguei, fazendo Allana rir.
— Bem, rendas então? — Ela perguntou, voltando ao vestido.
— Rendas então. — Repeti, fazendo-a abrir um enorme
sorriso. Suspirei, com um meio sorriso.
O casamento de Allana e Theo seria épico. E eu seria a melhor
madrinha. Era uma promessa de fazer aquele casamento ser o
melhor. Minha amiga e Theo mereciam aquela felicidade. E eu
estava muito feliz em poder compartilhá-la com eles.

Dias depois...
03 de Outubro. Meu aniversário. Havia chegado. Confesso que
tinha ficado ansiosa desde o da Allana. E não sabia exatamente o
porquê. Mas estava muito contente de aproveitar aquele dia com
Allana e Theo.
Era daquela forma, todos os anos, desde que meu pai havia
falecido. Eu passava o dia com Allana e Theo, e Alexander a tira-
colo, e à noite voltávamos para minha casa para cortar o bolo com a
minha mãe.
Naquele dia, a programação era surpresa. E eu apenas
esperava que fosse algo bom. Apesar que Theo e Allana só faziam
coisas que me agradavam. Na maioria das vezes, eles apenas me
levavam para comer e era ótimo.
Eu nunca fui do tipo curiosa. Claro que tinha minhas
curiosidades, mas nada que me deixasse extremamente ansiosa e
acelerada. Eu era calma, na maioria das vezes. E esperava pelas
surpresas. Porque, se tratando daqueles dois, sempre tinha alguma.
Alexander tinha a mania de sempre aparecer. Aliás, ele
sempre estava quando eu chegava. Theo ia me buscar e ele
aparecia. Conveniente ele, não é mesmo?! Não era convidado e se
convidava. Um folgado.
E eu era obrigada a aturá-lo. Não era minha diversão favorita
aturar Alexander Jenkins, mas eu o fazia. Porque Allana e Theo
eram minha família, mas também eram a dele.
Apesar de tudo, nós quatro estávamos sempre juntos. Mesmo
com toda a provocação de Alexander. Saíamos juntos, jantávamos
juntos, passávamos os aniversários juntos.
Como ele sempre aparecia no meu, eu achava justo aparecer
no dele. Em Fevereiro. O aquariano. Nunca havia conhecido um
aquariano tão idiota quanto ele. Era o primeiro. Theo era de Peixes,
o melhor de nós 4, diga-se de passagem. Eu e Allana também
tínhamos nossos momentos revoltos.
— Eu realmente espero que você esteja pronta. — Allana
entrou no quarto sem bater na porta. Falando em momentos
revoltos... Ela paralisou na porta ao me ver levantando da cama.
Estava fechando o sapato, antes que a doida entrasse como um
furacão no quarto de hóspedes de seu apartamento.
Claro que ela tinha me arrastado até ali para que me
arrumasse com ela. Não eram nem 09h00 da manhã quando Allana
entrou no meu quarto, abrindo as cortinas e tirando as cobertas de
cima de mim. Fui obrigada a me levantar e ir tomar um banho, antes
que ela me arrastasse para o apartamento.
Agora, minha amiga me observava de boca aberta, enquanto
eu me levantava. Havia colocado um vestido de mangas longas, que
ia até a metade das coxas, era de veludo e vinho. Estava com um
salto preto simples e o cabelo solto, cheio de ondas. Allana riu,
saindo do transe e veio até mim.
— Você está tão linda, Vic! — Ela elogiou. Balancei a cabeça,
com um meio sorriso. Se eu estava linda, imagina Allana. Um
vestido florido de mangas longas, tecido mole e uma bota over the
knee preta. Ela estava incrível.
— Se eu estou, você está deslumbrante.
— Ah, pare com isso. O aniversário é seu. Única pessoa linda
hoje é você. — Replicou. — Está pronta?
— Sim, já terminei
— Então vamos. Theo e Alexander estão esperando. — Allane
levou-me após eu pegar minha bolsa de mão preta.
Encontramos Theo e Alexander conversando na sala. O idiota
até que estava bem arrumado. Parecia gente. E bonito... Victoria!
Minha mente me deu um tapa na cara. Eu não achava o idiota
bonito. Nunca. Jamais acharia.
— Ah! As duas mulheres da minha vida estão lindas. — Theo
abriu um sorriso enorme ao nos ver e nos abraçou. Eu queria um
Theo também, Universo. Obrigada.
— Olha, Victoria anda sabendo se arrumar muito bem
ultimamente. — Alexander comentou, com uma sobrancelha
erguida. Apenas encarei ele.
— Onde está o seu cérebro, Alexander? — Era uma pergunta
retórica, obviamente, porque o cérebro dele estava em outro lugar,
mas o idiota ia responder até ser interrompido.
— Vamos logo! — Allana puxou-me pela mão, enquanto
encarava Theo. Alexander emudeceu, enquanto nos seguia. Ainda
bem que não tive que dividir o banco de trás do carro com ele.
Alexander era bom demais para ir no carro conosco e foi no seu.
Idiota.
Allana e Theo me levaram a um restaurante de comida
chinesa. Eu era curiosa para comer aquele tipo de comida.
Japonesa sempre comi, mas chinesa nunca. Alexander chegou
pouco depois de nós.
Tentei ignorá-lo o máximo que consegui, mas foi difícil com ele
provocando-me a cada 2 minutos. Nem no meu aniversário aquele
ser me deixava em paz. Eu nunca teria tanta sorte assim.
— Quem muito provoca é porque gosta, Alexander. — Allana
alertou, piscando para ele. Quase me engasguei com a comida.
Quase.
— Não fale besteiras, Allana. — Alexander repreendeu a
cunhada e se calou. Aquilo foi estranho. Dificilmente ele se calava.
— Pegou no ponto, não, irmão?! — Theo provocou. Pensei
que ele estivesse sorrindo, mas estava sério. Ele e Alexander se
encararam por incontáveis minutos. Olhei para Allana em busca de
respostas, mas ela apenas deu de ombros. Tão perdida quanto eu.
— Pare com isso, Theodore. — Alexander pediu, sério. Ele
estava incomodado, alguma coisa que foi dita deixou-o daquele
jeito. Puxei o ar.
— Besteira. Ele me provoca porque faz isso desde que me
conheceu. E porque é um idiota. — Me intrometi.
— Viram?! Até a bebê de colegial entende. — Ele resmungou.
Theo e Allana se encararam antes de darem de ombros e voltarem
a comer. Não estavam convencidos com Alexander, conhecia meus
amigos. Por hora, deixei o assunto morrer. Mas aquilo me deixou
intrigada. Por que o que Allana disse havia deixado Alexander
desconfortável? Mesmo o conhecendo há tantos anos, eu não sabia
responder aquilo.
Após o jantar, nós fomos direto para a minha casa. As luzes
estavam acesas quando Theo estacionou na frente da casa. Minha
mãe estava nos esperando com o bolo que Allana havia feito e
trazido de manhã.
Alexander travou na porta enquanto Theo e Allana já iam
entrando. Franzi a testa e dei meia volta. Ele estava muito esquisito.
— O que você tem? Até parece que nunca veio na minha casa
antes.
— Não nessa. — Ele respondeu, sério. O problema era
aquele? Não podia ser. Alexander não era tímido, nunca foi.
— Está tudo bem. A gente não se dá bem, mas todos os anos
você está aqui. Já acostumei. Vamos lá, Alexander. — Chamei. Ele
me encarou e eu sustentei o olhar. Alexander aquiesceu, antes de
me seguir para dentro de casa.
— Você está bem? — Ouvi Theo questionar Alexander quando
fui pegar o bolo na geladeira. Alexander apenas assentiu, deixando
Theo preocupado. Eu conhecia as expressões deles.
— Vem, meu amor! — Allana chamou, me ajudando com as
coisas. Todos os anos eram daquela forma: eles 4, comigo. Mesmo
Alexander com provocações estava sempre ali, desde que me
conheceu. E aquilo era importante para mim.
Mesmo com brigas, mesmo que eu não admitisse, ele também
era importante, também havia se tornado família como Theo. Só que
uma família que a gente atura.
Aquele, sem dúvidas, foi o melhor aniversário que tive em
muito tempo. E eu devia tudo aquilo a Allana e Theo. Devia tudo a
eles.

2 meses depois... Dezembro de 2013.


Eu me observava no espelho do quarto de hóspedes da nova
casa de Allana e Theo, dando diversas voltas, incerta quanto ao
meu vestido. Era o dia do casamento de Allana e eu, como
madrinha, deveria ir muito bem arrumada. Quase tão bonita quanto
a noiva.
O vestido, tecido, detalhes e cor foram escolhidos junto com o
dela. Allana conseguiu, depois de quebrar muito a cabeça, escolher
o vestido perfeito para ela. E claro que eu tive que dar minha opinião
em cada detalhe, até chegarmos a um que era simplesmente a cara
dela.
Passei as mãos pelas rendas do vestido, sentindo a textura.
Era um tom de rosa bebê meio salmão. Todos os detalhes eram
rendados, ele acompanhava meu corpo com uma cauda sereia. Era
fechado na frente e sem mangas. Meu salto era rosa bebê, com
apenas uma tirinha em volta do calcanhar e outra em volta dos
dedos.
Na Carolina do Norte era difícil fazer frio, então, tinha que ser
tudo muito leve e aberto. O vestido de Allana era sem mangas, com
decote princesa. Escolhemos assim, porque as rendas já eram
pesadas, e ela precisava respirar naquele calor.
Como nós havíamos previsto, estava calor aquele dia.
Passavam dos 25ºC e ainda era 12h00. O sol estava forte. Meu
quarto estava iluminado apenas pelos raios solares que entravam
pela janela aberta.
Tínhamos sorte de o vento ser tão forte como o sol. As cortinas
brancas balançavam, indo até a metade do quarto e voltando para a
janela. Eu podia sentir o vento entrando no quarto pela janela e pela
porta aberta. As janelas do resto da casa também deviam estar
abertas.
Era quase sempre muito calor em Charllotte, tanto quanto em
outras cidades do estado da Carolina do Norte. Tinha dias que era
sufocante, apesar do vento forte. O calor predominava, alguns dias.
Mas eu não ligava. Eu gostava da minha cidade e gostava do calor.
Era tudo quente e radiante.
Com um suspiro, me dei por vencida. Eu estava bonita. O
vestido me caiu bem, de certa forma. Eu gostava de cauda sereia. E
naquela cor havia caído perfeitamente bem.
Meu cabelo estava preso em um coque baixo, enrolado por
uma trança. Alguns fios caíam na frente, ondulados. Estava incrível.
Minha mãe havia feito um trabalho e tanto pela manhã. Ela não iria.
Se isolou depois da morte do meu pai. E, de certa forma, eu a
entendia. Era difícil perder quem se amava. E eu não sabia se era
possível superar uma dor daquela.
Saí do quarto, após retocar o batom rosa claro. Allana estava
em seu novo quarto, terminando de tomar banho, ainda. Eu fui me
arrumar, para adiantar. Ainda precisava ajudá-la.
Alexander estava no topo da escada, mexendo no celular. Ele
levantou o olhar ao ouvir o barulho dos meus saltos e voltou a olhar
para o celular. Mas parecia ter levado um choque quando levantou a
cabeça para me olhar outra vez. O olhar que ele me lançou, naquele
momento, foi diferente de qualquer outro que havia me lançado em
anos.
Ignorando aquilo e a sensação que me causou, desviei o olhar
e entrei no quarto de Allana. Ela estava sentada na penteadeira, de
roupão, já fazendo maquiagem. Fechei a porta, trancando, para me
certificar de que ninguém nos atrapalharia.
— Victoria! — Allana deu um berro ao me ver pelo reflexo do
espelho. Arregalei os olhos, assustada.
— Ficou doida, Allana? Vão achar que você tá morrendo. —
Repreendi minha amiga. A loira apenas revirou os olhos e se
levantou, vindo até mim. Batidas na porta sobressaltaram nós duas.
— Está tudo bem aí dentro? — Era Alexander. Minha vez de
revirar os olhos.
— Estava, até você bater na porta. — Respondi, alto. Allana
riu. O ouvi bufar atrás da porta.
— Bebê de colegial. — Alexander resmungou.
— Sem cérebro. — Rebati. Não houve resposta. Ele havia
desistido e ido embora.
— Ok. Tirando as provocações de sempre, você está
maravilhosa! — Allana pegou minha mão, me fazendo dar uma
volta, para ela ter uma visão completa de mim dentro do vestido.
— Ah! Muito obrigada. Eu estava um pouco incerta. — admiti,
relutante.
— Por que? Você ficou linda nele. Essa cauda sereia te
valoriza muito. — Allana elogiou. Abri um meio sorriso.
— Bem, vamos lá. Hora de arrumar você. — Peguei minha
amiga pelos ombros e levei-a de volta à penteadeira. A maquiagem
era com ela, então deixei ela trabalhando naquilo e comecei a cuidar
do cabelo dela.
Prendi-o para o lado, depois de enrolá-lo, e coloquei uma
presilha com brilhos. O cabelo de Allana estava quase na metade
das costas, então consegui enrolar bem e fazer um penteado bem
bonito. O que alguns tutoriais na internet não fazem, não é mesmo?!
Nós terminamos juntas; ela a maquiagem e eu o cabelo. Allana
estava linda. O cabelo e a maquiagem combinaram perfeitamente.
Era simples, em tons claros e o batom nude.
— Por que você vai fazer faculdade de medicina e não um
curso de cabeleireiro mesmo? — Allana perguntou, em tom de
brincadeira. Dei risada.
— Porque sou melhor com crianças que com cabelo. Hora do
vestido. — Me virei, indo até a cama, onde o vestido estava esticado
bem no meio dela.
Ajudei Allana a vesti-lo e o fechei atrás para ela. O vestido era
sem mangas, com um decote princesa e a cauda sereia,
combinando com o meu. E claro, era branco. Allana estava
parecendo uma princesa.
— Você está linda. — comentei, com um suspiro, fazendo-a
abrir um sorriso nervoso.
Allana estava nervosa, e era compreensível. Era o seu
casamento. O dia que mudaria o resto de sua vida. Ela se casaria,
formaria uma família e eu sentiria falta de ter minha amiga todo o
tempo comigo. Mas ela estava feliz. Então, eu também estava.
Alexander ficou para nos levar para a igreja. E ele o fez.
Estava elegante, contido, comportado e um cavalheiro. Se ele fosse
sempre daquela forma seria muito mais fácil suportá-lo.
A cerimônia foi linda. Os votos de Allana e Theo me fizeram
chorar, e pude ver Alexander com os olhos marejados. O amor
daqueles dois me fazia ter esperança de um dia encontrar alguém
tão bom para mim quanto Theo era para Allana.
Eu sempre achei que Allana e Theo foram feitos um para o
outro. E, vendo-os ali, tão radiantes em seu casamento, aquilo se
tornou uma certeza.
Depois da cerimônia na igreja, fomos para a nova casa deles.
Eu gostava dali. Tinha certeza de que eles viveriam bons momentos
naquela casa. E eu poderia me acostumar em estar ali.
Allana e Theo estavam na cozinha e eu precisava trocá-la. E
me trocar. O calor estava me matando. E dentro daquele vestido, eu
ia derreter em algum momento. Além de que, o salto estava
acabando comigo. Minhas pernas já estavam doendo de ficar em pé
no altar.
Fui até os dois, que conversavam com Alexander e um tio
deles. Alexander e Theo já estavam apenas com a camisa do terno,
as mangas arregaçadas até os cotovelos e sem gravata. Desviei o
olhar de Alexander quando fui pega no flagra, olhando-o.
— Nós temos que trocar o seu vestido. — Disse, com um meio
sorriso, ao me aproximar de Allana.
— Eu já venho. — Ela abriu um sorriso, segurando na minha
mão, e foi comigo.
Ajudamos uma a outra a subir as escadas e fomos para o novo
quarto dela. Eu gostava daquele quarto. Tinha uma varanda e a
cama era enorme. A decoração era simples; branco com azul claro.
Bem a cara de Allana e Theo.
Peguei os dois vestidos esticados na cama, eram parecidos
com os da cerimônia. O meu era rosa bebê, mesmo modelo do
anterior, mas ia apenas até a metade da coxa. O de Allana também
era branco, sem alças e decote princesa.
Me sentei na cama para tirar os saltos após ajudar Allana com
seu vestido e colocar o meu. Haviam caído perfeitamente, como ela
disse. E eu gostava daquela cor. Trocamos os saltos por sandálias
sem salto e abertas, e eu prendi o cabelo de Allana em um rabo
alto. Para suportar os 30ºC era só aquilo.
— Essa será a melhor festa da minha vida. — Allana suspirou,
com um sorriso, enquanto se observava no espelho.
— Sim, será. — confirmei, fazendo o sorriso da minha amiga
aumentar.
Após um momento, levei Allana para a sua festa de
casamento. A festa que mudaria o resto de toda a sua vida; e eu
estava muito feliz por estar ali ao lado da minha amiga.
A festa foi simplesmente indescritível. Allana estava tão
radiante que tudo ficou muito mais iluminado com seu sorriso e o
brilho do seu olhar. Eu nunca tinha visto minha amiga tão feliz. E a
felicidade dela aquecia meu coração. O olhar de Theo
acompanhava ela todo o tempo; um olhar tão apaixonado que me
fazia sorrir enquanto os observava.
O amor deles era algo que me inspirava todos os dias. Vê-los
tão felizes juntos e há tantos anos, e se amando cada dia mais, me
fazia ter esperança de encontrar alguém para mim. Alguém que
pudesse me amar e lutar por mim da forma que Theo sempre amou
e cuidou de Allana, desde o começo. E se eu encontrasse alguém
como Theo, seria muito sortuda.
Eu estava perto da porta de entrada para a cozinha. A festa
estava sendo na área da piscina. A família de Theo e Allana estava
toda presente. Todos moravam longe e eles não os viam muito. E
aquela era a primeira festa que todos estavam.
Nunca fui muito sociável. Então, estava sozinha, com um copo
de suco. Observava Allana e Theo conversando com suas famílias.
Eram muitas pessoas. E a minha era apenas eu e minha mãe,
depois que meu pai se foi. Às vezes eu me pegava desejando uma
família grande.
Com um suspiro, me virei e entrei na casa. Encostei no balcão
da cozinha, deixando meu copo de suco em cima do granito. Apoiei
as mãos no balcão e olhei para fora pela porta aberta. Um vento
gostoso entrava, refrescando o ambiente. Dentro da casa era bom,
não era quente. E eu estava gostando ali. Esperava que Allana e
Theo fossem felizes naquela casa.
Quase me assustei quando Alexander entrou na cozinha sem
fazer barulho. Se eu fosse uma pessoa que se assustava fácil, teria
gritado, sim. Ignorei-o, olhando para a sala e bebi um pouco de
suco. Estava calor, a temperatura estava em 27ºC. Era quase fim de
tarde e o sol estava para se por. Então o céu estava em vários tons
de laranja. E estava lindo.
— O que você quer? — questionei, sem olhá-lo, quando ele
parou ao meu lado e ficou me olhando. Você sabe quando tem
alguém te olhando fixamente, mesmo que não esteja olhando para a
pessoa também. E eu podia ver, de soslaio, ele me encarando.
— Com você, nada. — Alexander respondeu, me fazendo
revirar os olhos.
— Então por que está aqui me encarando como o idiota que é?
— Engraçada. — Ele fingiu rir. Ergui as sobrancelhas ao virar a
cabeça para olhá-lo. Ele estava apenas com a camisa do terno, as
mangas arregaçadas até os cotovelos; sem gravata ou paletó. — Eu
te vi entrando, com uma cara estranha. Queria saber se está bem.
— Esclareceu.
Inclinei a cabeça, encarando-o. Ele queria saber se eu estava
bem? Entendi corretamente? Alexander estava preocupado se eu
estava bem? Aquilo era novidade para mim. E uma novidade
estranha.
— Ah... Eu... Você está preocupado comigo?
— De certa forma... Se você não está bem, os dois não estão,
então... — Ele deu de ombros. — Aconteceu alguma coisa? Você
está se sentindo bem?
— Estou. Eu só quis entrar um pouco... — Dei de ombros.
Alexander franziu a testa. — Eu gosto de ficar sozinha às vezes.
— Eu também. — Ele comentou, passando por mim e indo até
a geladeira. Observei-o pegar uma jarra de água e uma de suco. Ele
colocou as duas no balcão e pegou um copo no armário. Em
seguida, serviu água para si e colocou mais suco no meu copo que
estava quase vazio.
— Obrigada. — Agradeci, confusa. Alexander gentil? Eu não
conhecia aquele lado dele. Pelo menos, não comigo.
— De nada. — Alexander murmurou, encostando-se no balcão
também, e tomando sua água. Me concentrei no meu suco para não
ficar pensando na estranha gentileza.
— Eles parecem felizes. — Comentei, após um tempo,
olhando Allana e Theo na borda da piscina. Eles estavam
abraçados, conversando com os pais dele. Alexander seguiu meu
olhar e observou-os também. A forma como sorriam um para o
outro, como se abraçavam, o sorriso em seus lábios e o brilho em
seus olhos... Eles estavam radiantes.
— Eles estão. — Alexander observou. — Eles terão um lindo
casamento.
— Acredita nisso? — Inqueri, virando a cabeça para olhá-lo.
Ele ainda olhava para Allana e Theo lá fora.
— É claro. Eles sempre se amaram, desde que se viram pela
primeira vez. Eles só podem ser felizes. Estão juntos, casados, vão
formar uma família. É visível que eles só tendem a ser felizes. —
Alexander explicou seu ponto de vista.
— Não sabia que via as coisas dessa forma. — comentei, o
tom de voz baixo. — Não sabia que via as coisas de forma boa. —
expliquei. Aquilo fez Alexander me olhar por um momento.
— Não gosto que saibam das coisas que vejo ou penso. —
Murmurou. Balancei a cabeça. — Está com fome? Posso pegar algo
para você. — Ele ofereceu. Eu tinha certeza de que era para mudar
de assunto.
— Ah, não. Eu comi agora há pouco. Muito obrigada. —
Agradeci. — Por que está sendo gentil? É para me sacanear ou o
quê? — Questionei. Eu tive que fazer aquilo. Era estranho demais
Alexander me servindo suco e se oferecendo para buscar comida
para mim.
— Prometi que não te provocaria durante os preparativos e o
casamento. Passei dois meses sem te importunar. E ainda estamos
no casamento, então... — Alexander deu de ombros, ao se explicar.
Ergui as sobrancelhas, com um meio sorriso.
— Foram dois meses muito bons sem suas provocações
diárias. — comentei.
— É, também não foi ruim ficar sem te provocar ou chamar
de...
— Não! Ainda estamos no casamento! — Interrompi, antes que
ele me chamasse de bebê de colegial. Alexander riu.
— Tudo bem. Eu não ia chamar. Só quis dar a entender. —
Esclareceu.
— É claro. Você não ia dizer. Eu acredito. — Meu tom de voz
foi completamente irônico, fazendo-o abrir um sorriso. Era um
sorriso maldoso, eu conhecia aquele maldito sorriso.
— Não ia mesmo. Só estava comentando.
— Sei. — murmurei, tomando meu suco. Alexander riu.
— Já que você não quer, eu vou pegar algo para comer. —
Disse, deixando seu copo no balcão.
— Eu quero! — Gritei, quando ele havia passado pela porta.
Alexander não olhou, mas eu sabia que tinha ouvido. E, quando ele
voltou, cheio de coisas de comer, apenas coisas que eu comia, eu
pude perceber que havia um homem gentil em algum lugar ali
dentro.
Quando o sol começou a se pôr, Allana chamou todas as
mulheres lá fora. Como eu não sabia do que se tratava, fui. Ela
estava com o buquê na mão esperando todas se aglomerarem.
Revirei os olhos e, disfarçadamente, apenas me sentei lá atrás. Eu
não queria pegar buquê. Eu sequer pensava em casar.
— Vou jogar! — Allana anunciou, virando-se. Percebi ela me
olhar antes de se virar. Apenas suspirei. — Um... Dois... Três... —
Ela gritou e jogou o buquê. Ele passou por todas as mulheres e caiu
no meu colo. Allana e Theo riram. Eu fui obrigada a pegar o buquê
na mão.
Bem, parecia que o destino queria que eu me casasse. Só não
sei se eu queria me casar.

A festa não demorou para terminar. Assim que o sol se pôs,


todos começaram a ir embora. Alexander me ajudou, quando
comecei a arrumar tudo. Ele estava realmente estranho. A
explicação não havia me convencido totalmente. Tinha algo a mais.
Comecei pela parte da piscina. Haviam duas mesas cheias de
comida e bebidas. E tinham sido bagunçadas por três pestinhas de
7, 8 e 9 anos, respectivamente. Os primos de Theo eram um
pestinhas. Devem ter puxado ao Alexander, é claro.
— Vai guardar as comidas? — Alexander questionou,
enquanto me ajudava a levar as coisas para a cozinha.
— Apenas as que estão em travessas de vidro. As que
estiverem em pratos, foram mexidas, então jogamos fora. —
Respondi. Alexander aquiesceu, seguindo-me para fora outra vez.
Ele pegou as travessas de vidro, que estavam pesadas, e me
deixou apenas as jarras de sucos e as batidas. Muito gentil, até
demais.
Quando terminamos de trazer as coisas para dentro, e jogar
outras fora, Allana e Theo ainda estavam se despedindo dos
convidados na entrada da casa. Tirei a sandália, indo para a sala, e
me sentei no sofá. Alexander veio para a sala com um copo de suco
e se sentou no outro sofá.
Coloquei uma almofada no meio das pernas e massageei
meus pés. Fiquei tanto tempo de salto que ainda sentia dor.
Encostei-me no sofá, com um suspiro. Tudo o que eu queria era cair
na minha cama e dormir até dizer chega.
Allana e Theo entraram pouco depois. Eu e Alexander
estávamos sentados em silêncio. Ele olhava pela janela e eu estava
de olhos fechados, massageando meus pés e aproveitando o
momento silencioso.
— Ah, vocês estão aí. — Allana abriu um sorriso ao entrar em
casa e sentou-se ao meu lado no sofá. — Se divertiram? —
perguntou, animada. Ergui as sobrancelhas.
— Comemos bastante na cozinha. — Alexander comentou,
fazendo Theo e Allana o o olharem, surpresos. Revirei os olhos,
exausta.
— Ficaram juntos por um tempo sem briga alguma? — Theo
perguntou, sentando-se ao lado do irmão. Sim, eu sabia, aquilo era
mesmo estranho. Eu ainda estava intrigada com "Alexander gentil".
— Ele quem veio atrás de mim. — Disse, o tom de voz
desinteressado. Theo e Allana riram.
— Tá bom. Venha me ajudar. — Allana segurou minha mão,
fazendo com que eu me levantasse e me levou para o andar de
cima após dar um beijo em Theo. Pude perceber Alexander
acompanhando com o olhar enquanto eu subia e fiz uma careta
para ele, fazendo-o rir. Idiota.
— O que precisa? — perguntei, quando entramos no quarto e
Allana trancou a porta.
— Nós vamos passar a primeira noite aqui, então, eu comprei
alguma coisas. Mas não sei qual delas usar. — Minha amiga
explicou. Ergui as sobrancelhas.
— Tudo bem. Primeira noite de casados. Lingerie. Entendi. —
Falei as palavras rapidamente, fazendo-a rir. — Me mostre o que
tem. — pedi. Allana foi até o armário e abriu uma gaveta, tirando
alguns sacos de lingeries.
Tinha bay doll, camisola, shortinho e regata, além de calcinhas
e sutiãs lindos. Tudo de renda com cetim, brancos. E tinha um azul
escuro que achei a coisa mais linda e a cara dela.
— Aqui. — Peguei a camisola azul escura e o sutiã e a
calcinha brancos. — Coloque estes. Vão ficar lindos em você. Theo
vai pirar.
— A intenção é essa. — Minha amiga comentou, me fazendo
rir. Aquela era Allana.
— Você vai esperar por ele aqui? — perguntei, enquanto a
ajudava a se vestir.
— Sim, eu vou. — confirmou. — Estou nervosa, Vic. — Allana
admitiu.
— Amiga, vai ser tudo lindo. Tenho certeza disso... Apenas,
aproveite o momento. Vocês estão casados, se amam e serão muito
felizes. Eu acredito nisso. — Apertei as mãos dela. Allana me
abraçou.
— Muito obrigada por estar aqui hoje, Vic.
— Eu não estaria em nenhum outro lugar. — Dei um beijo na
bochecha dela, antes de me afastar.
— Não se esqueça de vir aqui amanhã me ajudar com a mala
para a viagem. — Me lembrou. Assenti. Eu jamais esqueceria. — Eu
te amo. — Ela sorriu.
— Eu te amo. — sussurrei, com um sorriso. Deixei minha
amiga em seu quarto e desci as escadas, encontrando Alexander
esperando por mim na sala.
— Theo subiu. — Ele informou. Ergui as sobrancelhas. — Eu
posso te levar em casa, se quiser. Posso?
Eu emudeci. Alexander estava me oferecendo uma carona
para casa? Aquilo era inacreditável. Ele estava realmente estranho.
Alexander gentil era estranho. Eu não conhecia aquele lado dele,
não comigo. E era diferente do que eu estava acostumada.
— Pode, é claro. — Respondi, sem opções. Eu realmente não
tinha como ir para casa sem que ele me levasse. Eu não dirigia e
Theo estava, digamos, ocupado. Ele quem sempre me buscava e
me levava para casa porque Allana também não dirigia. Mas eu
nunca havia andado de carro com Alexander. E aquilo me deixava
nervosa, de certa forma.
— Então, vamos. Melhor deixar esses dois sozinhos. — Ele
comentou, levantando-se do sofá e pegando as chaves do seu carro
e sua carteira. Peguei minha bolsa e minha rasteirinha que estava
no chão, enquanto ele pegava sua gravata e o paletó do terno.
Ainda estava calor quando saímos da casa de Allana e Theo.
É, eu já estava ficando familiarizada com aquele lugar . E era bom.
Afinal, eu passaria muito tempo ali a partir daquele dia. Eles tinham
comprado a casa há 3 meses e se mudaram há 7 semanas. Eu
ainda não havia acostumado, até aquele momento.
Alexander abriu a porta do carro para mim. E aquele gesto me
fez ficar ainda mais intrigada do que eu já estava. O que estava
acontecendo com Alexander? De repente ele decidiu parar de me
provocar e achou melhor ser gentil comigo? Aquilo era muito
estranho.
Tudo bem, nós prometemos que iríamos que iríamos ficar sem
brigas por dois meses e no casamento. Mas aquilo estava se
estendendo, e passando da promessa. Não prometemos gentileza,
prometemos apenas sem brigadas.
— Posso colocar música? — pedi, quando Alexander começou
a dirigir. Ele me olhou por um momento. Será que eu tinha ido longe
demais? Era pedir muito para colocar uma música? Pela expressão
dele...
— Pode, claro. — Ele respondeu e eu soltei o ar. Liguei no
rádio mesmo. Seria muita folga conectar meu celular . Ele não era
Theo e nós não tínhamos intimidade. Mas eu sabia que seria menos
constrangedor se tivesse música preenchendo o silêncio.
Peguei meu celular dentro da bolsa. Tinham duas ligações da
minha mãe. Franzi a testa. Por que ela havia me ligado? Só se
tivesse acontecido alguma coisa. Ela não me ligava se não fosse
coisa séria. Abaixei o rádio, fazendo Alexander me olhar confuso, e
gesticulei com o celular, enquanto ligava para a minha mãe. Ainda
eram 21h00. Ela estava acordada. Dificilmente minha mãe dormia
enquanto eu não chegasse em casa.
Ela se preocupava muito. Principalmente depois que ficamos
apenas nós duas. E eu entendia a preocupação dela. Era doloroso
pensar na nossa perda. Nosso pai saiu e sofreu um acidente de
carro. E nós o perdemos. Minha mãe tinha uma preocupação
excessiva comigo depois daquele dia. A perda ainda causava muita
dor. Nós não falávamos sobre, mas eu sabia que ela ainda pensava
naquilo. E aquilo a consumia, como me consumia. Eu nunca havia
superado a morte do meu pai, e não sabia se suportaria outra perda
em minha vida.
De primeira, ela não atendeu. Então, tentei outra vez. Nada.
Aquilo me preocupou. Puxei o ar, tamborilando os dedos sob as
coxas. Por que ela me ligou duas vezes e por que não me atendeu?
— Está tudo bem? — Alexander perguntou, ao parar em um
farol e ver minha expressão tão séria e a testa franzida. Seu tom de
voz era preocupado.
— Minha mãe. Me ligou e agora não me atende. — expliquei,
fazendo-o erguer as sobrancelhas. Parecia confuso, de certa forma.
— Ela nunca me liga, apenas se for importante. E agora não está
me atendendo. Estou preocupada. — Admiti, num fiapo de voz. Eu
me preocupava muito com a minha mãe. Ela havia se tornado mais
frágil depois que meu pai se foi.
— Tente novamente. Vou mais rápido. — Alexander prometeu,
acelerando o carro quando o farol abriu. Fiz o que ele disse; liguei
mais uma vez. Para meu total alívio, minha mãe atendeu no
segundo toque.
— Victoria?
— Oi, mãe. — Soltei o ar, aliviada. Alexander me olhou por um
momento, enquanto o carro deslizava pela avenida principal. — A
senhora está bem? Acabei de ver as ligações.
— Claro, querida. Eu só queria saber se você vai vir para casa,
ou vai ficar na Allana. — Ela esclareceu. Fechei os olhos por um
momento. Então era aquilo. Graças a Deus. Era apenas aquilo. Não
era nada demais. Ela queria apenas saber se eu iria para casa. Meu
coração ficou tão pesado...
— Mãe, eu levei um susto. Achei que tivesse acontecido algo
com a senhora, ainda mais que não me atendeu duas vezes. —
Meu tom era preocupado. Ela riu do outro lado.
— Ah, Victoria, me desculpe. Eu estava na cozinha. Você
precisa ser menos preocupada, meu bem. — Comentou. Soltei o ar.
— Eu sei, mamãe. Mas a senhora está bem mesmo? — insisti.
— É claro que estou. E você não respondeu minha pergunta.
— Eu estou indo para casa com Alexander. — Respondi. —
Allana e Theo vão passar sua noite me casa. Eu não ia dormir lá. —
Esclareci.
— Com Alexander? Desde quando você anda sozinha com
Alexander? — Ela indagou, surpresa.
— Desde hoje. — murmurei.
— Ah, conta outra, Victoria. Vocês se odeiam. Ou aconteceu
algo. Estão se dando bem? Se beijaram? Assumiram que o ódio é
amor? Me conte tudo. — Minha mãe pediu, pronunciando as
palavras com uma rapidez que me deixaram tonta.
— Pare com isso, mãe. — Reclamei. Aquilo era constrangedor.
— Vai dizer que ele não é bonito, Victoria? — Ela pressionou.
Mordi o lábio inferior enquanto observava Alexander de soslaio. É,
bonitinho.
— Tchau, mãe. Até daqui a pouco.
Pude ouvi-la rindo antes de desligar o telefone. Bufei,
revirando os olhos, enquanto guardava o celular. O que deu na
minha mãe? Eu e Alexander? Jamais. Aquilo nunca aconteceria.
Nós não éramos iguais aqueles casais que fingiam que se
odiavam e quando se pegavam, no fogo, descobriam que estavam
apaixonados, ficavam juntos escondidos, e depois de muito tempo
assumiam. O ódio ali era real, sempre foi. Desde o primeiro
momento.
Por mais que ele estivesse sendo gentil, sem provocações ou
brigas, estivesse me levando para casa, fosse como família, nós
ainda nos odiávamos, mesmo com tudo aquilo. Nós no máximo nos
suportávamos nos melhores dias. Era aquilo. Jamais seria outra
coisa. Porque eu, sinceramente, o odiava desde o dia em que o
conheci. E ele podia não me odiar, mas estava sempre me
provocando com brincadeiras infantis e sem graça. Ele era um
idiota. O bebê de colegial ali era ele que a mente não havia
amadurecido.
Falando mal do cara que está te levando para casa e sendo
gentil com você durante todo o dia, ictoria?
V Que coisa feia
; minha
mente me repreendeu. Revirei os olhos, ignorando meus
pensamentos. Eu tinha a habilidade de pensar coisas idiotas e
inúteis quando se tratava do idiota do Alexander Jenkins. E a culpa
era dele. Sempre era dele. Era um idiota.
— Sua mãe está bem? — Alexander questionou, assustando-
me. Tive um sobressalto, quase batendo a cabeça no teto do carro.
Estava tão distraída com meus pensamentos que levei um susto ao
ouvir a voz dele.
— Sim, ela está. Só queria saber se eu ia para casa ou ficaria
na casa de Allana e Theo. — esclareci. — Graças a Deus ela está
bem.
— Faz sentido, você dorme mais na casa deles do que na sua.
— Alexander comentou. Ergui as sobrancelhas e ele fez cara de
culpado. — Mas você se preocupa muito com ela. — Ele comentou.
— Ela é tudo o que eu tenho. Somos só nós duas depois que
meu pai se foi, então... Eu vivo constantemente preocupada com
ela. — Confessei, respirando fundo. — É minha mãe e eu só tenho
ela.
— Não é verdade. Você não tem apenas ela. — Alexander
rebateu, o tom de voz suave.
— Eu sei. Você entendeu o que eu quis dizer.
— Sim, eu entendi, Victoria. — ele murmurou.
— Por mais que Allana e Theo, e até você, sejam parte da
minha família. Ela ainda é tudo o que eu tenho. — Expliquei.
— Eu sei. E obrigado por me considerar assim.
— Apesar de tudo, você está sempre junto e está em todos os
meus aniversários. Mesmo com brigas e provocações, você faz
parte.
— Você também. — Alexander me olhou por um momento e
eu ergui as sobrancelhas, com um meio sorriso. No fim das contas,
nós poderíamos nos dar bem algum dia. Algum dia.
Não demorou para chegarmos em casa. Logo Alexander
estava estacionando na porta da minha casa. Pude ver a luz acesa
pela janela da sala. Minha mãe estava me esperando, é claro.
— Muito obrigada por me trazer em casa. — Agradeci,
enquanto pegava minhas coisas, ainda estranhando toda a
gentileza.
— Não foi nada. — ele murmurou. Coloquei a perna para fora
do carro ao abrir a porta, mas me virei para ele.
— Por que se ofereceu para me trazer em casa? — Inqueri.
— Theo pediu. — Alexander respondeu, simplesmente. Soltei
o ar.
É claro que ele não ofereceria por vontade própria. Não era
cavalheiro aquele ponto.
— Sabia que você não faria por vontade própria. Tinha que ser
coisa do cavalheiro do seu irmão. — Provoquei, semicerrando os
olhos para ele. Ele ergueu as sobrancelhas. — Porque você é um
idiota.
Alexander explodiu em uma gargalhada e foi minha deixa. Saí
do carro, batendo a porta com força, e entrei em casa.
Eu sabia, desde o momento em que o conheci, que não
haveria um dia em que não o odiaria.
A noite havia passado de forma lenta para mim. Eu não havia
conseguido dormir direito; pelo calor e por causa da nova versão
estranha de Alexander. Sim, eu havia passado a noite passando no
comportamento diferente dele e me odiava por tal coisa. Por que eu
tinha que ficar pensando no idiota? Não tinha motivos.
Assim que entrei em casa, fui bombardeada de perguntas por
minha mãe. Foram tantas, que fiquei tonta, e tive que subir antes
que tivesse um surto. Até minha mãe vendo coisas onde não existia
nada? Era demais para mim aguentar.
Depois de um relaxante banho morno, quase frio, eu coloquei
um pijama confortável de pano mole e gelado, short e regata, e me
deitei na minha cama com a janela aberta. Estava quente, mesmo
com a brisa fraca que balançava as cortinas.
Eu estava coberta apenas com um lençol fino. Mesmo com o
calor que fazia, o vento que entrava no meio da madrugada me
deixava com um pouco de frio. E como eu sempre dormia com
pijamas ou camisolas muito abertas, o lençol era indispensável
durante todas as noites.
Revirei na cama durante boa parte da madrugada. O calor
estava intenso aquela noite, e o vento que entrava pela janela não
era o suficiente para abrandar aquela quentura. Meu quarto parecia
um forno ligado em 200ºC e eu estava começando a transpirar.
Estava acordada há um bom tempo. Já passavam das 02h00
da manhã e eu ainda me revirava na cama, tentando achar uma
posição confortável e me sentir confortável com todo aquele calor
.
Desvantagens de morar na Carolina do Norte: o calor. Às
vezes, à noite, era o horário mais quente. Mesmo com o vento, a
temperatura ainda era mais alta que a do dia ensolarado. E olha que
um dia em Charllotte era quente.
Peguei meu celular, que estava em baixo do meu travesseiro,
e apertei os olhos quando senti a luz clarear meu rosto ao apertar o
botão de menu. Eram 02h20 da manhã. Estavam 23ºC, mas parecia
que estava mais. A sensação térmica com certeza era de muito
mais.
Coloquei o celular de volta onde estava e soltei o ar, fechando
os olhos. Estava exausta, era verdade. Mal havia dormido na noite
anterior e tinha passado o dia todo em pé, praticamente. Eu
precisava dormir, para conseguir descansar, e estar bem na manhã
seguinte. Ainda precisava ajudar Allana a se arrumar e arrumar tudo
para a sua viagem de lua-de-mel.
Minha amiga, dificilmente, fazia algo sem minha opinião antes.
E eu era da mesma forma. Desde que nos conhecemos pedíamos a
opinião uma da outra em tudo. Éramos como irmã separadas. Muito
iguais, e ao mesmo tempo, muito diferentes.
Eu e Allana tínhamos diversos pontos em comum, além dos
pontos diferentes. Ela era agitada, eu era calma. Ela era sociável,
eu era anti-social. Mas, éramos muito parecidas em outros pontos.
Em algumas situações, nossas decisões eram quase sempre as
mesmas. E normalmente tínhamos as mesmas opiniões sobre tudo,
absolutamente tudo.
Todo mundo sempre achou muito estranho sempre termos a
mesma opinião. Não fomos criadas juntas, não éramos amigas de
infância, nos conhecemos no colegial e éramos praticamente iguais
em muitos pontos. Nós brincávamos que fomos separadas e
mandadas para famílias diferentes. Às vezes, aquilo parecia
verdade de tanto que falávamos ou do tanto que éramos parecidas.
Eu sempre me senti muito ligada a Allana, desde que ela se
sentou ao meu lado naquele dia. Era o primeiro dia de aula do
colegial e ela sentou-se bem ao meu lado. Foi a melhor coisa que
me aconteceu. Eu conhecia a melhor amiga que alguém poderia ter.
Allana sempre foi como uma irmã para mim, a irmã que eu não tive.
Assim que soube do casamento, sabia que ela teria menos
tempo para mim, que ficaríamos menos tempo juntas. Meu lado
egoísta queria ficar chateada, mas meu lado irmã estava feliz por
ela, por sua felicidade. Se ela estava feliz como eu poderia ser
egoísta? Theo era bom e fazia bem para ela, era tudo o que
importava.
Suspirei, virando-me na cama e puxei o lençol para cima de
mim, cobrindo meus braços. O vento estava mais como uma brisa e
o calor parecia estar amenizando. Conforme a madrugada ia caindo,
a temperatura também caía. E aquilo era a melhor coisa. Ficava
fresquinho, o que me permitia dormir confortavelmente bem. Fora
que era uma delícia quando estava uns 21ºC e o calor bem mais
ameno.
Quando consegui pegar no sono, já eram 03h00 da manhã e
meus olhos estavam doendo de tão cansada que eu estava.
Adormecer foi a melhor coisa. Tudo o que eu precisava era de
algumas horas de sono, de descanso e tranquilidade.
Mas, meu descanso, não durou muito. Às 09h00, meu celular
começou a despertar e eu afundei o rosto no travesseiro,
choramingando. Parecia que eu tinha acabado de dormir. Fechei os
olhos e o despertador tocou.
Eu só queria ficar mais algumas horinhas na cama e dormir
bastante. Ainda me sentia cansada, além de sonolenta. Pela manhã
era o horário que eu mais sentia sono. Principalmente quando o
despertador tocava, era o momento que eu mais queria dormir.
Quando me dei por vencida, levantei da cama, bocejando e fui
para o banheiro, prendendo o cabelo em um coque frouxo. Minha
cara estava péssima; meus olhos pareciam duas bolas de tênis,
inchados. Eu realmente ainda precisava de uma boa noite de sono.
Não me demorei no banho. Apesar de que, por vontade
própria, ficaria por horas. Mas não podia. Tinha que estar na Allana
até as 10h00, porque eles viajavam às 13h00. E já acordei 09h00.
Se eu me atrasasse, ela iria me matar. Daquela vez, de verdade.
Estava 23ºC quando olhei no celular, e eram pouco mais de
09h20. Estava no horário. Não me atrasaria. Aproveitei o tempo
mais fresquinho para colocar um vestido de alças finas e pano mole
florido. Calcei uma sandália rasteirinha aberta e prendi o cabelo em
um coque baixo e frouxo.
Peguei uma bolsa e meu celular antes de sair do quarto. Claro
que já tinha mensagem da Allana. Minha amiga era ansiosa e eu
não sabia como ainda não estava dormindo. O dia anterior havia
sido exaustivo e ela ainda tinha tido a "primeira noite".
Encontrei minha mãe na cozinha, provavelmente já fazendo o
almoço. Ela começava cedo, para já deixar pronto para quando eu
chegasse em casa. Eu sempre estudei de manhã, então chegava e
já comia. Ela sempre foi muito preocupada com aquilo.
— Bom dia, mãe. — murmurei, ao entrar na cozinha e deixar
minha bolsa e o celular em cima da mesa.
— Bom dia, querida. — Ela respondeu, sorrindo. — Fiz pães
de queijo para você. — Indicou a travessa de vidro coberta por um
pano em cima da mesa.
Peguei uma jarra de suco na geladeira e um copo, antes de
me sentar na mesa para comer. Tentei comer tranquilamente e
devagar, mas não parava de chegar mensagens de Allana. Então,
peguei alguns pães de queijo na mão, enquanto me levantava da
mesa bebendo meu copo de suco.
— Eu tenho que ir. Mais tarde volto. — Avisei, antes de sair da
cozinha com minha bolsa, o celular e meus pães de queijo. Pedi um
táxi, enquanto saía de casa. Felizmente não demorou e logo eu
estava a caminho da casa de Allana.
Foi Alexander que me atendeu quando toquei a campainha ao
chegar na casa da minha amiga. Eu sabia que ele estaria ali,
apenas fiquei surpresa em vê-lo logo de cara.
— Oi. — murmurei, passando direto por ele e entrando na
casa.
— Oi. — Alexander respondeu, sua voz também era um
murmúrio.
— Victoria chegou? — Ouvi Allana gritar do andar de cima.
Theo saiu da cozinha, com um pote de doce de leite na mão.
— Chegou, amor. — Ele gritou, antes de beijar minha testa e
me abraçar.
— Sobe aqui, Vic! — Minha amiga pediu, aos berros. Ergui as
sobrancelhas, respirando fundo, antes de subir as escadas. Ouvi
Theo rir na sala. Ele conhecia a esposa tão bem quanto eu;
sabíamos que ela estava histérica.
— Oi. — Cantarolei, entrando no quarto e fechando a porta.
Allana estava parada com as mãos na cintura e uma expressão
chateada. — O que foi? — perguntei, deixando minha bolsa em
cima do puff do quarto.
— O que eu levo? — Allana inquiriu, a voz era um choramingo.
— Eu não sei para onde vocês vão.
— Nós vamos para o Caribe. — Ela contou.
— Então acho que biquínis, maiôs, saídas de praia, vestidos....
— Sugeri, dando de ombros. — Já que lá é calor, leve roupas leves
apenas.
— É uma boa odeia.
— Claro que é. Fui eu quem a tive. — Provoquei, fazendo
minha amiga revirar os olhos e rir.
Ajudei Allana a colocar as roupas mais leves dentro da enorme
mala. Além de alguns shorts e regatas. Ela precisaria de bastante
roupas leves por causa do calor que fazia no Caribe. Se aqui já
andava com pouca roupa, eu imaginava lá.
Eu realmente não sabia sobre a viagem, se iriam mesmo e
para onde iriam. Caribe era um lugar muito lindo. E seria perfeito
passarem a lua-de-mel lá. Eu estava torcendo para aquilo.
— Então é isso? — Allana estava fechando a mala.
— É isso. — murmurei, ajudando-a. A mala era enorme, muito
maior que uma mala normal de viagem. Minha amiga não era muito
normal. Precisava levar milhares de roupas para poucos dias.
Eu achei que eles ficariam mais, porém eram apenas alguns
dias. Mas, mesmo que fosse um, ir para o Caribe era algo incrível.
Ficar alguns dias deveria ser indescritível.
— Como foi a noite? — perguntei, enquanto me sentava na
cama, após tirar as sandálias. Allana se sentou na minha frente com
as pernas cruzadas.
— Ah... Foi boa, você sabe. Não foi a primeira vez. — Ela deu
de ombros.
— Isso eu sei, tonta. Quero saber porque foi diferente agora.
Vocês dois estão casados. — Lembrei-a. Allana suspirou.
— Foi incrível. — Respondeu, simplesmente, me fazendo abrir
um enorme sorriso. Eu conhecia aquele suspiro, o brilho no olhar e
o sorriso radiante. Allana estava muito feliz e realidade. Aquilo era
visível, para qualquer um; o quanto ela estava feliz com seu
casamento e seu marido.
— Posso imaginar. Agora pode levar tudo isso para a viagem.
E aproveite cada segundo. — Incentivei.
— Eu irei. — Allana garantiu, um sorriso enorme no rosto; o
meu sorriso espelhava o dela. Conhecendo minha amiga, eu tinha
certeza de que ela aproveitaria cada segundo da viagem.
— Precisará de muitos biquínis. — comentei, olhando os
biquínis em sacos na mala dela. Ela se virou para mim.
— Não tem o suficiente?
— Eu não sei, vocês vão ficar alguns dias. T
alvez precise de
mais do que 5. — Dei de ombros.
— Ah... Espere. Eu tenho mais. — Allana foi até o armário e
abriu uma das gavetas. Era a gaveta de roupas de praia. Estava
lotada. Eu e ela costumávamos ir à praia diversas vezes durante a
semana quando estávamos no colegial. Miami ficava a 1 hora de
carro e minha amiga gostava de ir lá. Eu sempre preferi Malibu e
Allana cedia algumas vezes quando eu realmente queria ir para lá.
— Peguei mais 3 ou 4. — Disse, apertando os biquínis, para
que pudessem caber mais alguns ali dentro. Allana voltou para perto
de mim com mais alguns saquinhos de biquíni. Ajeitamos junto com
os outros e ainda sobrou espaço.
— Vou colocar mais uma saia nesse espaço. — Ela pegou
mais uma saia jeans clara e a colocou dobrada no espaço vazio. Os
saquinhos de biquíni estavam bem arrumadinhos e organizados.
Allana era muito cuidadosa com suas roupas.
— Pronto. Agora deu. — Terminei de ajeitar as roupas, para
que não ficassem tão apertadas, e ajudei Allana a fechar a última
mala. No total, eram 4 malas. Sim, minha amiga era extremamente
exagerada. Com tudo.
— Tudo bem. Arrumamos as roupas, faltam os acessórios,
sapatos, perfumes e maquiagem. — Allana disse, colocando mais
malas em cima da cama. Minha boca se abriu lentamente.
— Você tá doida? — questionei, fazendo-a rir. Ela não era
nada normal, definitivamente. 4 malas de roupas e mais malas
ainda? Como ela levaria tudo aquilo? Fora que eram poucos dias
para tantas coisas assim.
— É claro que não. — Allana se defendeu, uma falsa
expressão de ofendida. Semicerrei os olhos para ela. — Mas vou
precisar de bastante coisas nessa viagem. Provavelmente vamos
passear bastante, saídas à noite, praia, restaurantes, compras
talvez, piscina do hotel, restaurante do hotel...
— Allana! — Chamei a atenção da minha amiga tagarela. Às
vezes Allana se perdia quando estava planejando coisas e falava
mais do que devia. Ela respirou fundo.
— Tudo bem. — Allana soltou o ar. — Mas eu preciso de mais
coisas. — Enfatizou, encarando-me. Ergui as sobrancelhas para ela
e ela sustentou o meu olhar.
Revirei os olhos. Não havia sentido em discutir com ela. Então,
apenas fiz que sim com a cabeça, fazendo-a abrir um sorriso
enorme.
— Vamos começar pelos sapatos. — murmurei, sentando-me
na cama e puxando a maior mala para perto de mim. Sapatos
precisavam de mais espaço. Então, tinha que ser a maior mala.
— Ainda estão arrumando mala? — Alexander colocou a
cabeça para dentro do quarto com uma expressão debochada,
estava quase rindo o idiota. Encarei-o, semicerrando os olhos para
ele. Alexander ergueu as sobrancelhas e abriu um meio sorriso para
mim, debochado que era.
— Ah, não. Não importuna, Alexander. — Allana reclamou,
passando a mão pelo rosto. Levantei da cama.
— Some daqui! — Empurrei a porta e o esperto conseguiu tirar
a cabeça antes que eu a fechasse. Só o ouvi rindo do lado de fora e
sua risada indo para longe. Babaca.
— Ele tem que importunar. — Allana comentou. Ergui as
sobrancelhas ao sentar na cama e encarar minha amiga. Ela revirou
os olhos. — Eu sei. Ele é um idiota.
— Ainda bem que você sabe. — Resmunguei, enquanto ela
colocava rasteirinhas e sandálias na mala. — Ele sempre importuna.
— Você sempre. — Ela rebateu.
— Ah, é. O problema é só comigo. — Soltei o ar.
— Eu ainda não entendo essa coisa de vocês. Desde que se
conheceram, é só esse ódio. — Allana comentou, me entregando
um salto aberto. Revirei os olhos.
— Não tem o que entender, Allana. Ele foi idiota comigo desde
que me conheceu. É impossível manter uma convivência normal e
sem problemas com ele. Alexander tem a mania chata de fazer
brincadeiras sem graça e ficar provocando. Não sei como Theo o
suporta.
— É irmão, né?! — Allana respirou fundo, ao me entregar mais
uma rasteirinha.
— E você atura toda a chatice por causa de Theo.
— Ah, Alexander sabe ser legal de vez em quando. — Ela deu
de ombros.
— Quando isso?
Allana riu.
— Ele está legal com você nos últimos meses. — Ela
comentou, o tom despretensioso. Semicerrei os olhos para ela.
Sabia exatamente o que Allana estava querendo dizer.
— Nem comece com isso, Allana. — Cortei, antes que ela
inventasse de falar que ele estava legal porque gostava de mim.
Allana tinha aquela mania chata: de ficar falando que Alexander que
gostava de mim.
— Mas eu nem disse nada. — Allana se defendeu, com uma
falsa expressão inocente. Apenas respirei fundo. Não valia a pena
estender aquele assunto.
— Bem, mais algum sapato? — perguntei, mudando de
assunto. Allana olhou da mala para o armário e deu de ombros.
— Não. Vou colocar algumas maquiagens agora, pegue uma
necessaire. — Ela pediu. Levantei da cama, após fechar a mala dos
sapatos, e fui até o armário. Peguei uma necessaire de tamanho
grande, porque eu conhecia bem Allana.
Ela colocou poucas coisas, para minha total surpresa. Máscara
de cílios, blush, iluminador, batom, base, corretivo e delineador.
Franzi a testa.
— Só isso? — questionei.
— É calor, vou viver em praia e piscina. Não vou ficar fazendo
maquiagem 10 vezes por dia. Só quando for sair à noite ou passear
em algum lugar sem água para mergulhar. — Allana explicou.
Balancei a cabeça; fazia sentido até. Minha amiga era bastante
esperta algumas vezes.
— Tudo bem. E produtos íntimos? Perfumes? Acessórios? —
Lembrei-a, fechando a necessaire. Allana ergueu as sobrancelhas e
virou-se para a penteadeira. Ela pegou apenas dois perfumes e
colocou dentro da mala de roupas, entre os vestidos. Daquela
forma, evitaria que quebrasse.
— Agora preciso colocar alguns cremes, além de lingerie.
Franzi a testa.
— Allana, você não acha que está levando muita coisa para
tão poucos dias? — questionei. Minha amiga virou-se para mim
olhar e eu ergui as sobrancelhas.
— Estou exagerando? — Allana parecia pensar. Fiz que sim
com a cabeça. — Tudo bem. Lingeries apenas, então?
— Alguns colares e anéis também pode.
Allana abriu um enorme sorriso, enquanto ia escolher os
acessórios. Abri a gaveta de roupas íntimas da Allana. Tinham
várias coisas novas; camisolas, lingeries e pijamas de short e
regata. Peguei apenas algumas camisolas e lingeries. Não que eu
achasse que ela usaria algum tipo de roupa de dormir, mas era bom
levar.
— Acho que é isso.
— Sim, é isso. — confirmei, enquanto guardava as roupas
íntimas junto com as roupas normais. Os panos eram tão moles e
finos que coube perfeitamente.
— Agora podemos ir.
— Você já está pronta? — perguntei.
— Sim, vou assim. — Allana deu uma volta, para que eu
pudesse olhá-la. — Estava com uma saia jeans clara, all star branco
e uma blusinha de seda larguinha. Seu cabelo estava preso em um
rabo alto. — Está calor aqui e lá estará muito mais.
— Tenho certeza que sim. — murmurei. Abri a porta do quarto
e fui até o topo da escada. Allana veio atrás de mim com sua mala
de mão.
— Podem pegar as malas. — Ela mandou, enquanto
descíamos as escadas. Theo foi, mas Alexander teve que revirar os
olhos antes de se levantar e seguir o irmão mais velho.
Olhei para Allana. Minha amiga riu e eu revirei os olhos, indo
para o sofá e me sentando. A sala estava quente e a temperatura já
havia subido. Estavam 27ºC e já eram 11h30 da manhã. Ainda
tínhamos que almoçar antes de ir para o aeroporto.
— Você fez comida, amiga? — perguntei, quando Allana
sentou-se ao meu lado.
— Sim, e fiz sobremesa. — Respondeu. — Fiz uma comida
leve: arroz, salada e filé de frango. A sobremesa é salada de frutas
ou sorvete, que tem no congelador.
— Salada de frutas é bom, ainda mais nesse calor. E a comida
leve melhor ainda. — comentei.
— Foi o que pensei. Ainda mais que eu e Theo vamos viajar
algumas horas de avião. — ela explicou. Balancei a cabeça; minha
amiga pensava em cada de detalhe, sobre tudo.
Theo e Alexander começaram a descer as escadas carregados
de mala. Realmente, Allana era exagerada. Enquanto Theo levava
apenas 2 malas, ela ia com 4, fora a de sapato e a de roupas
íntimas.
— Precisava de tantas, Allana? — Theo reclamou, enquanto
saía com as malas.
— Mulher exagerada. Só duas bastavam. — Alexander
resmungou.
— Toma conta da sua vida! — Gritei, atacando uma almofada
nele e fazendo-o derrubar uma das malas antes de sair da casa.
— Se foi a que tem perfumes eu vou meter a mão nessa sua
cara debochada, Alexander! — Allana avisou, aos berros. Theo
entrou em casa e pegou a mala no chão. — É minha mala de
roupas, Theo?
Ele colocou a mala no sofá e a abriu devagar. Estávamos nos
preparando para os berros e a confusão, mas era a mala de
sapatos. Soltei o ar, encostando-me no sofá. Eram apenas os
sapatos, ainda bem. Alexander entrou na casa.
— Você deu sorte que eram os sapatos, porque se fosse as de
roupas e quebrasse algum dos meus perfumes, eu quebrava o resto
na sua cara! — Allana resmungou, cruzando os braços.
— A culpa foi da sua amiga, que atacou uma almofada em
mim. — Alexander se defendeu.
— A culpa foi sua, que falou com Allana como se ela fosse
uma das mulheres que você sai. — Rebati. Allana se dobrou de
tanto rir e Theo encarou Alexander. Aquele era o olhar de:
“Responde para você ver”.
— Você tem sorte por Theo te defender tanto. — Alexander
reclamou.
— Vamos almoçar? Estou morta de fome. — Allana levantou-
se, me puxando junto, e fomos para a cozinha. Theo e Alexander
foram atrás de nós. Ajudei a Allana a servir o almoço ali mesmo no
balcão, para não fazer bagunça, porque íamos sair logo em seguida.
— Está tudo com uma cara ótima. — Theo comentou,
sentando-se. Alexander sentou-se ao lado do irmão. Allana se
sentou e eu sentei ao seu lado, de frente para Alexander,
infelizmente.
— Veja se o gosto também está. — Allana incentivou, depois
que nós duas servimos nós quatro. Eu comi em silêncio; estava
morrendo de fome e sem vontade de falar . Alexander havia
esgotado minha paciência pela forma que falou com Allana. Eu já
devia estar acostumada com o jeito arrogante dele, e estava. Mas
com ela não.
— Está uma delícia! — Theo elogiou.
— Devo concordar. Está muito bom mesmo, Allana. —
Alexander comentou.
— Vic? — Allana chamou minha atenção, quando permaneci
quieta.
— Ah... Está delicioso. Você está muito boa na cozinha, amiga.
— Elogiei, com um meio sorriso. Allana abriu um sorriso, contente
por ter acertado. Ela realmente havia evoluído na arte de cozinhar. E
o almoço estava agradável, até.
— Vocês dois vão ficar bem sem nós? — Theo perguntou. Dei
de ombros. Eu sentiria falta deles, mas ficaria bem. Alexander imitou
meu gesto, encarando-me.
— Vocês prometem não se matar enquanto cuidam da nossa
casa? — Allana pediu. Theo nos encarou; enfatizando a pergunta da
esposa.
Apenas dei risada. Aquilo era um pouco difícil, se tratando de
mim e Alexander. Mas eu iria tentar. Se ele se comportasse é claro.
Porém, como era Alexander, eu podia esperar de tudo.
Depois de almoçar, Theo e Alexander lavaram a louça. Não
pela vontade de Alexander, obviamente. Theo praticamente colocou-
o na frente da pia. Eu e Allana sentamos na sala, com o pote de
sorvete e ligamos na Netflix. Ficamos assistindo Once Upon a Time
e comendo sorvete, enquanto eles cuidavam da bagunça do
almoço.
Até que eles foram rápidos, porque ainda estávamos na
metade do pote quando se juntaram a nós. Com duas colheres de
sorvete.
— Não! Esse é nosso. — Allana choramingou, segurando o
pote junto de si. Alexander revirou os olhos, enquanto eu e Theo
ríamos..
— Tem outro pote. Pega lá, Alexander. — Theo mandou, indo
se sentar no outro sofá. O idiota voltou emburrado com outro pote
na mão. Aquele era de creme, o nosso de chocolate.
— Espertas — Alexander resmungou, fazendo eu e Allana
revirarmos os olhos. Ele sentou-se com Theo no outro sofá. Olhei no
celular. Já era 12h00.
— Já são meio-dia — avisei.
— Vamos comer isso aqui rápido e vamos. O vôo é uma hora
da tarde. — Theo lembrou. Allana assentiu, os olhos na televisão.
Nós éramos muito viciadas em Once Upon a Time, há alguns anos.
Qualquer oportunidade, estávamos vendo.
Os dois terminaram o sorvete antes de nós e ainda comeram o
resto do nosso, porque não aguentamos mais. Os dois saíram
enquanto nós fomos lavar os potes de sorvete e as colheres.
— E aí, ansiosa? — perguntei. Allana respirou fundo, enquanto
colocava as colheres no escorredor e eu as enxugava e colocava na
gaveta do armário.
— Você não imagina o quanto. Viajar, com Theo, para nossa
lua de mel... Eu mal posso esperar. — Ela abriu um enorme sorriso
enquanto falava. Abri um meio sorriso.
— Eu fico muito feliz por isso — disse, fazendo-a se virar e me
abraçar. — Deixe para me abraçar no aeroporto, se não começamos
a chorar agora.
Allana riu, soltando-me e nós saímos da casa. Theo e
Alexander nos esperavam no carro do idiota, porque apenas
deixaríamos Allana e Theo no aeroporto. E eu teria que suportá-lo
na viagem de volta.
— Cuidem do nosso carro! — Allana deu um berro, antes de
entrar no carro, assustando nós três.
— Não é um bebê, Allana! — repreendi minha amiga. Ela fez
uma careta pela janela aberta. Theo entrou no banco carona,
felizmente, me permitindo ir atrás com Allana, e ter pelo menos a
viagem de ida em paz. Alexander colocou música, a mesma rádio
que eu deixei ontem a noite estava. Olhei-o de soslaio e percebi que
me olhava através do retrovisor. Desviei o olhar dele e fiquei
olhando a avenida pela janela. Por que ele havia deixado?
O caminho para o aeroporto não foi longo. Vantagens de morar
em uma cidade grande que tudo é perto de tudo. Saí do carro e
ajudei Allana com suas malas. Ela pegou a de mão e eu peguei a
pequena de acessórios. Theo e Alexander ficaram com as outras,
além das duas de Theo.
— Vamos precisar de um carrinho gigante — Alexander
resmungou, passando por nós. Olhei para Allana e ela revirou os
olhos. Alexander era mesmo insuportável.
Dentro do aeroporto, eles pegaram um carrinho e nós
colocamos as malas lá dentro. Allana ficou apenas com as de mão.
Estava quase no horário deles embarcarem. Passava de
12h40. Eu estava agarrada a Allana. Não, não estava pronta para
ficar sem minha amiga. Mesmo que fosse por apenas alguns dias.
Com quem eu iria conversar? Para a casa de quem eu iria? E quem
esperaria comigo sair o resultado do vestibular?
— Você volta para o meu resultado, não é? — perguntei.
— É claro que volto. Vou chegar na madrugada e de manhã
Theo vai te buscar — Allana prometeu.
— Vou mesmo. — Theo garantiu, me fazendo abrir um meio
sorriso. Allana e Theo foram fazer check-in e despachar as malas.
Eu e Alexander ficamos por perto esperando pelos dois. Quando
eles terminaram, o vôo começou a ser chamado.
Allana virou-se para me abraçar e eu respirei fundo. Aquilo era
uma despedida de alguns dias, eu sabia daquilo. Mas iria sentir
muito a falta dela. Nunca ficamos mais do que um dia separadas.
— Vou sentir sua falta. — choraminguei.
— Eu também, Vic. — Allana respondeu. — Mas logo estarei
de volta. Prometo que vai passar em um piscar de olhos.
— Tudo bem. — sussurrei, afastando-me. Ela colocou alguns
fios soltos do meu cabelo atrás da orelha.
— Se cuida e cuida da minha casa. — pediu.
— Pode deixar. Eu vou cuidar de tudo. — prometi. Ela
assentiu, abraçando-me mais uma vez.
— E você — Allana virou-se para Alexander —, não a
importune. Se comporte e a ajude a cuidar de tudo. Eu vou saber se
você não for legal com ela. — Avisou, fazendo-o erguer as
sobrancelhas.
— Legal? — Alexander repetiu, fazendo Allana revirar os
olhos.
— Pelo menos suportável. Você é difícil. — Ela reclamou,
dando um beijo na bochecha dele e abraçando-o.
— Ele é. — Theo concordou, rindo, e aproximando-se para me
abraçar. — Se cuida, Vic. E qualquer coisa nos ligue. Voltaremos se
precisar de nós. — Garantiu. Dei risada, afastando-me.
— O que eu preciso é que aproveitem essa viagem. E voltem
logo, é claro.
Theo sorriu e me abraçou novamente, depositando um beijo na
minha testa.
— Está na hora. — Ele murmurou, ao me soltar. Allana
assentiu. Theo abraçou Alexander antes de se afastar com Allana.
Alexander parou ao meu lado, quando dei dois passos para a frente,
observando os dois. Nós dois nos olhamos por um momento.
Aquela sensação, que tive vendo Allana e Theo indo embora, deixou
meu coração pesado, e eu não sabia explicar o porquê.
— Vamos. — Alexander chamou, quando os dois sumiram.
Respirei fundo e assenti, indo com ele. — Vou te levar para casa. —
Disse, quando chegamos no estacionamento.
— Obrigada. — murmurei. Estranhei quando Alexander abriu a
porta do carro para mim, mas não questionei, apenas entrei e me
acomodei. Ele entrou em seguida e ligou na mesma rádio, antes de
ligar o carro e sair do estacionamento do aeroporto.
Eu podia perceber Alexander olhando-me em alguns
momentos. Eu não sabia o que pensar sobre aquilo, só imaginava
como nos suportaríamos sem Theo e Allana por perto durante
alguns dias. Eu não conseguia sequer pensar sobre aquilo com
clareza. Então, não pensei, apenas deixei nas mãos do destino.
Janeiro de 2014. 2 semanas depois...
2 semanas. Já haviam se passado duas semanas desde o
casamento de Allana e Theo. 2 semanas do meu vestibular. E 2
semanas que eu estava convivendo com Alexander quase todos os
dias. Sim, quase todos os dias.
Para minha total infelicidade, Allana e Theo praticamente nos
obrigaram a cuidar de sua casa enquanto estivessem viajando. E
juntos. Tínhamos que ir na casa juntos. Era castigo, só podia ser.
Eles queriam que nos dessemos bem, era a única explicação
plausível para inventarem aquilo.
Mas, para minha total surpresa, Alexander se comportou de
uma forma que eu, sinceramente, não esperava. E nem estava
preparada para aquele lado dele. Ele estava sendo gentil e
atencioso, o que era realmente uma novidade para mim. Eu não
estava acostumada a ser tratada bem, não por ele.
Foi bastante estranho ele passando na minha casa duas vezes
por semana e sendo gentil. No carro, ele tinha deixado a mesma
rádio que eu escolhi no outro dia. Fiquei estupefata ao entrar no
carro e descobrir aquilo, no primeiro dia.
Claro que Alexander se fez de desentendido e não falou nada
sobre aquilo. Ele não ia dar o braço a torcer e dizer que estava
sendo gentil, mesmo depois do casamento. Ele havia prometido dois
meses. Já estava sendo daquela forma há mais de dois meses.
Obviamente eu não reclamei. Não era nem doida. Seria
maravilhoso se ele continuasse daquela forma. Era muito chato e
desnecessário a forma que ele me provocava e me importunava.
Eu não sabia o porquê ele fazia aquilo, mesmo depois de 7
anos convivendo comigo. Implicância eram passageiras,
normalmente. E, depois de tanto tempo, toda aquela provocação já
era pessoal, para mim.
Alexander ia a todos os meus aniversários, desde que me
conheceu, estava sempre por perto e acompanhando tudo. Então eu
sinceramente não entendia o motivo de tantas provocações.
A observadora da minha melhor amiga tinha uma teoria, que
obviamente Theo concordava com ela. Afinal, ele concordava com
tudo o que ela achava, fazia ou pensava. Eram o casal perfeito.
Allana acreditava que, depois de tanto tempo, Alexander havia
aprendido e começado a gostar de mim de uma forma diferente e,
para não dar o braço a torcer, porque era muito orgulhoso, mas ele
fingia que não.
Eu havia reparado, há algum tempo, que as provocações
estavam excessivas e exageradas; bem mais que o normal, como
ele costumava a ser. Claro que fiquei intrigada com aquilo, mas
preferia pensar que ele só havia ficado mais chato, idiota e
insuportável com o tempo.
Porque, se Allana realmente tivesse razão sobre o que
pensava, eu não sabia como reagir. Eu não sabia sequer como me
sentiria se descobrisse que Alexander gostava de mim. Claro que eu
não o odiava totalmente, até porque ele era um dos poucos que
estava no meu aniversário sempre, e aquilo era realmente
importante para mim. Mas eu me sentia desconfortável com tanta
provocação desnecessária e aquilo me fazia detestá-lo.
Eu nunca entendi a implicância de Alexander comigo, e eu não
era a única. Allana e Theo sempre ficaram intrigados com toda
aquela provocação. Durante 7 anos, Alexander me provocava todos
os dias, de diversas formas. E ele parecia não se cansar daquela
situação. Muitas vezes me peguei chorando por causa daquilo.
Chorei várias vezes durante os primeiros meses que o
conheci. Claro que Theo era meu defensor da vida. Dificilmente
Alexander passava dos limites, porque Theo nunca permitia. E eu o
amava por toda a proteção e carinho que tinha comigo. Ele sempre
disse que eu era como sua irmã mais nova. E eu não entendia
quando Alexander berrava: “Irmã? Nunca!”. Allana sempre ria, a
palhaça. Eu entendia bem do que ela ria, e não dava corda para
aquilo.
Sempre que Theo falava que eu era como sua irmã mais nova,
Alexander ficava irritado. Ele parecia detestar, com todas as forças,
a ideia de que eu fosse sua irmã. E eu não entendia o porquê
daquilo. Outro dia Allana quase me solta um: “É porque gosta dela!”.
Mas é claro que eu tapei a boca da palhaça antes que falasse
besteira. E uma besteira sem volta.
Então, eu estava realmente estranhando o comportamento de
Alexander nos últimos 3 meses. Toda a preocupação e a gentileza
comigo eram diferentes do que eu estava acostumada. Mas era
bom, de certa forma. Me sentia melhor e mais livre para ficar perto
dele sem implicâncias ou provocações desnecessárias e
(parecendo) forçadas.
Mas as duas semanas, que eu tinha que conviver apenas com
ele, acabaram. O ano já não era o mesmo e a viagem de Allana e
Theo havia terminado. Eles tinham aproveitado bastante, então eu
estava feliz que já estivessem voltando. Eu realmente estava com
muita saudade dos dois.
Já eram quase 23h00 e eu ainda estava acordada, arrumando
uma bolsa para ir para casa de Allana. Theo passaria para me
buscar em 15 minutos. O resultado do meu vestibular sairia depois
da 00h. E, como prometido, eles estariam comigo. Eu realmente
esperava passar. Era o que eu mais queria.
Eu estava levando apenas uma bolsa com um pijama e
algumas roupas. Ia ficar apenas aquela noite na casa deles. Se
Allana não inventasse que eu tinha que ficar mais tempo. Ela
sempre fazia aquilo. E eu acabava ficando e Theo ia buscar mais
roupas para mim.
Minha mãe já estava acostumada. Sempre fora daquela forma.
Mesmo quando meu pai estava conosco. Allana passava, me
levava, e eles só me viam dias depois. Uma vez, eu acabei ficando
um mês na casa de Allana. Meus pais sempre foram tranquilos
quanto aquilo. Afinal, sabiam que eu estava com Allana e não fazia
nada de errado.
Nós costumávamos ficar em casa, ir à praia, cinema, parques,
sair para comer. Só fazíamos coisas normais que toda adolescente
faz. Mesmo depois que Allana conheceu Theo e, pouco tempo
depois começou a namorar, ainda saíamos, mas com ele junto. E
nunca foi estranho, ou eu fiquei de vela. Eles amavam me ter juntos,
e eu amava ficar com eles. Depois, Alexander juntou-se a nós e
começou a infernizar a minha vida. Mas eu o aturava. Porém, é
claro que com muito esforço, diga-se de passagem.
Respirei fundo, fechando a bolsa, depois de colocar um vestido
de pano mole. Com o calor que fazia, eu sempre andava de vestido
ou saia. Dificilmente eu colocava short, parecia esquentar mais que
qualquer outro tipo de roupa. Só os de pano mais mole. Jeans era
algo muito difícil de ser usado no calor que fazia durante o verão na
Carolina do Note.
Peguei meu celular, a bolsa, calcei a sandália e saí do meu
quarto, fechando a porta. Estava com um vestido azul bebê, de
pano mole e soltinho. Meu cabelo estava preso em um rabo de
cavalo alto e cheio de cachos. Não fiz maquiagem e a sandália era
sem salto e aberta. Aquele era o melhor jeito de sair.
Estavam 23ºC e já eram 23h00. A temperatura demorava
muito a ficar, pelo menos, entre 17ºC e 20ºC. Era apenas na
madrugada. Porque, de manhã, a temperatura já começava a subir
novamente. E o sol logo cedo já estava quente.
Encontrei minha mãe subindo as escadas, com sua xícara de
chá nas mãos. Todas as noites, ela precisava tomar chá com
calmantes. Desde a morte do meu pai. Foi por tão pouco que ela
não entrou em depressão. Por mim, porque ela tinha a mim. E eu
tinha medo de que em algum momento aquilo não fosse o
suficiente, que a dor fosse insuportável. Eu tinha medo de perder a
minha mãe, ela era tudo o que eu tinha e minha única família. Eu
tinha Allana e Theo, é claro, mas era diferente.
— Já está indo para a casa da Allana? — minha mãe
perguntou, parando no meio da escada.
— Sim, o Theo já está chegando para me buscar — informei.
Ela balançou a cabeça, com um meio sorriso.
— Tenho certeza de que você vai passar. E muito bem,
querida.
— Obrigada, mãe. Eu vejo a senhora amanhã. — Dei um beijo
na bochecha dela, antes de começar a descer as escadas.
Quando cheguei na sala, meu celular vibrou. Tinha certeza de
que era Theo avisando que já tinha chegado.
“Cheguei, Vic. Pode sair.” Theo 23:03
Ele sempre avisava quando estacionava o carro na minha
porta. Nem um minuto antes. Não gostava que eu saísse na porta
de casa sozinha à noite, mesmo que já estivesse na esquina da rua.
Aquele cuidado e proteção me faziam muito bem. Era como
realmente ter um irmão mais velho.
O carro estava estacionado no meio-fio, junto a calçada.
Tranquei a porta de entrada, antes de entrar no carro. Theo estava
digitando no celular e “Eyes On Fire” tocava. Era sempre a playlist
da Allana que ficava.
— Oi, Theo. — Me inclinei para dar um beijo na bochecha
dele. Theo virou-se, deixando o celular, para me abraçar. Estava tão
acostumada com ele indo me buscar diversas vezes durante a
semana, que quase me esqueci de que não nos víamos há duas
semanas.
— Oi, Vic. Tá tudo bem? E sua mãe? — Theo perguntou,
antes de começar a dirigir.
— Tudo bem, sim. Minha mãe está bem — respondi, enquanto
colocava o cinto. Nós conhecíamos o bem da minha mãe. Ela só
estava bem porque tinha a mim. E aquilo me preocupava
demasiadamente. Se, por acaso, ela não tivesse mais a mim algum
dia? Eu não podia descartar nada. E só aquele pensamento me
deixava com medo. Ela precisava estar bem. E eu estaria lá por ela,
sempre. Independente de tudo.
— Alexander te importunou muito na nossa ausência? — Theo
inquiriu, ao parar em um farol e me olhou por um momento.
— Ah... Na verdade, não. Ele se comportou bem e não me
provocou ou incomodou.
Theo ergueu as sobrancelhas e eu dei de ombros. Era a
verdade. Alexander havia sido totalmente diferente na ausência
deles.
— Tomara que ele permaneça — Theo murmurou. Respirei
fundo. Era o que eu queria, mas não me iludia. Alexander bonzinho
não duraria por muito mais tempo, eu sabia.
Não demoramos a chegar na nova casa de Theo e Allana. Ele
pegou minha mochila quando desci do carro e a porta foi aberta
antes que chegássemos à entrada. Quando vi Allana correndo para
mim, corri para ela. Nos encontramos no meio do caminho, nos
abraçando.
— Ah! Como eu senti a sua falta.
— Também senti a sua, Vic! — Allana choramingou,
apertando-me. Eu realmente havia sentido a falta da minha amiga e
só me dei conta do tamanho da saudade quando finalmente a
abracei depois de 2 semanas longe.
— Minha falta ninguém sentiu. — Theo passou por nós,
entrando na casa. Aquilo era drama, puro drama. Ele tinha aquela
mania de fazer drama só para chamar a atenção.
Allana semicerrou os olhos e eu dei risada, seguindo-o para
dentro. Tudo estava da forma que eu e Alexander havíamos deixado
há dois dias. Deixei meu cel
ular em cima da mesinha de centro e tirei as sandálias.
— Quer um chinelo? — Allana perguntou, pegando minha
bolsa da mão de Theo e colocando em cima do sofá.
— Não, vou andar descalça mesmo.
— Que horas sai o resultado? — Theo indagou, sentando-se
no sofá e ligando a televisão.
— Depois da 00h. — respondi. Ele balançou a cabeça,
procurando algo para assistir.
Observei ele e Allana por um momento. Eles me pareciam
diferentes e ainda iguais, de alguma forma. A aliança de ouro no
dedo anelar mostrava uma das diferenças. Eu não falava da
mudança física, deles estarem bronzeados. Falava da mudança que
era perceptível em seu jeito, no jeito como estavam se comportando
e até no jeito de falar. E eu estava feliz pelo fato deles estarem
radiantes.
— Vem, Vic. Eu fiz salada de frutas. — Allana me chamou, já
indo para a cozinha. Fui atrás dela e me sentei no balcão, enquanto
ela pegava o prato de salada de frutas e nos servia em pequenas
taças.
— Alexander vem para cá? — perguntei, pegando uma colher.
— Não, não vem. Está fazendo algum trabalho da faculdade.
— Allana respondeu. Ergui as sobrancelhas. Quase nunca eu o via
fazendo algo da faculdade. — Ele se comportou com você nessas
duas semanas?
— Felizmente, sim. Não me provocou nem nada, o que achei
estranho. Mas foi ótimo. — Comentei, fazendo-a rir
. Peguei um
morango da salada e comi.
— E você, está ansiosa para o resultado?
— Muito. — Suspirei. Eu estava nervosa, na verdade. Não via
a hora de começar minha faculdade, estagiar e cuidar dos bebês.
Era o que eu sempre quis.
Depois de comer a salada de frutas, eu e Allana fomos para a
sala assistir televisão com Theo, mas logo ele deu boa noite e subiu
para dormir. As férias haviam terminado e ele voltaria a trabalhar. O
nosso maravilhoso dermatologista. Allana queria começar a
faculdade de pedagogia no próximo semestre, e ela tinha todo o
meu apoio. Era a cara dela. E era o que ela queria.
Allana colocou “Juntos pelo Acaso” para assistirmos. Eu
amava aquele filme, apesar de todo o sofrimento que eles
passaram. A forma como tudo aconteceu para que eles ficassem
juntos... Eu não sabia se suportaria perder minha melhor amiga.
Aliás, eu sabia. Eu não teria estrutura para perder Allana. Não
conseguiria enfrentar a vida sem ela, ou Theo. Eu tinha certeza de
tal fato, dilaceraria minha alma ficar sem os dois.
Quando eram 23h57 meu celular despertou. Desliguei o
alarme e Allana pegou o notebook na mesinha de centro. Ela ligou-o
e me entregou para que eu entrasse no site onde sairia do resultado
o vestibular. Fiz tudo demasiadamente devagar, para que os
minutos passassem.
Quando fiz login no site e abri a lista dos aprovados, meu
nome parecia estar na tela toda, para mim. Estava em negrito e em
um lugar que eu sinceramente sequer imaginava.
2º Lugar: Victoria Jessica Miller.
Meus olhos se encheram de lágrimas e eu levei a mão à boca,
mal acreditando que aquilo era real. Eu havia passado em Medicina,
e em segundo lugar, na melhor universidade de Oakland.
Allana riu e me puxou, para me abraçar. Eu ainda estava
extasiada e estupefata. Eu havia passado em segundo lugar! Era
inacreditável, por mais que eu tivesse estudado muito com Theo,
ainda era difícil de acreditar.
— Eu passei! — Balbuciei, rindo. Allana apertou-me e beijou
todo meu rosto. Ela sempre fazia aquilo quando estava muito feliz.
— Theo! — A doida gritou, assustando-me e me fazendo
encará-la. Ela riu. Theo apareceu no topo da escada de pijama.
— O que, Allana? — ele perguntou.
— Vic passou no vestibular! — Allana deu um berro, fazendo
Theo arregalar os olhos e descer correndo para me abraçar.
— Eu te falei, Vic! Te falei que você ia passar.
— Graças a você, Theo.
— Não, eu só te ajudei a estudar. A inteligência vem de você.
— Theo rebateu, o tom de voz calmo. Abri um meio sorriso e os dois
me abraçaram.
Eu havia passado vestibular, ia cursar medicina e ser pediatra.
Meu sonho estava começando. E era muito bom estar
compartilhando aquele momento com Allana e Theo, porque era
graças a ajuda deles que eu havia conseguido. E eu seria uma
ótima pediatra. Tinha certeza daquilo, porque cuidar de crianças era
o que eu queria.
Fevereiro de 2015. 1 mês depois...
02 de Fevereiro. Finalmente aquele dia havia chegado. Era o
meu primeiro dia de aula na Universidade da Carolina do Norte. E
sim, eu estava extremamente ansiosa e nervosa. Afinal, eu ia
conhecer pessoas novas e iniciar um novo ciclo na minha vida. Era
uma nova fase, que me deixava extremamente empolgada.
Allana e Theo fizeram questão de me levar. Tudo bem, eu
aceitei. Eu podia ir sozinha, mas seria muito bom ter eles ao meu
lado me dando uma força. Primeiros dias sempre foram difíceis para
mim, assim como últimos. Eu tinha sorte de ter Allana desde o
primeiro dia de colegial. Uma amizade formada na adolescência que
já durava 9 anos.
Eu estava olhando-me em frente ao espelho, e virando
diversas vezes, para conseguir ter uma visão completa da minha
roupa. Estava calor e o vento forte, o que era maravilhoso. Aquele
tempo era comum em Charlotte. E eu adorava aquele clima mais
fresquinho.
Observei-me mais uma vez, antes de decidir que estava bom
daquela forma. Eu estava com uma calça jeans azul clara, camiseta
cinza e uma sandália com salto. Eu dificilmente usava sapatos
fechados. Estava tão acostumada a andar descalça ou de
rasteirinha, que eu quase não tinha sapatos diferentes daquilo.
Peguei minha bolsa, de lado, com alça comprida e saí do meu
quarto com o celular na mão e pendurando a bolsa no ombro. Desci
as escadas e encontrei minha mãe na cozinha, fazendo algo que
estava cheirando muito bem.
— Eu fiz waf fles para você, querida. — Ela abriu um prato em
cima da mesa, que tinha waffles e geleia de morango ao lado. Era
ou não era a melhor mãe? Olhei no meu celular. Eram 07h07. Eu
ainda tinha alguns minutos até Theo e Allana chegarem. Então me
sentei para comer.
Eu levei um tempo comendo meus waffles. Sempre
aproveitava e comia devagar, porque dificilmente minha mãe fazia.
Era só em dias especiais, ela dizia. Porque era o que meu pai mais
gostava de comer. Então, havia se tornado algo para poucos dias.
Meu celular começou a tocar. Claro que era Allana; ela não
sabia simplesmente mandar uma mensagem, como Theo fazia. Ela
tinha que ligar. Como sempre.
— É Allana — minha mãe murmurou. Não era uma pergunta,
era uma afirmação. Ela já conhecia bem minha amiga. Dei risada,
enquanto me levantava, mastigando o último pedaço do waffle.
— É sim, mãe. — Dei um beijo nela. — Eu tenho que ir.
— Boa sorte, querida — minha mãe desejou.
— Obrigada, mãe — agradeci, pegando minha bolsa e meu
celular. — Oi, Allana — murmurei, ao atender, já estava no quinto ou
sexto toque.
— Achei que não fosse me atender — Allana reclamou, me
fazendo rir. Abro a porta e a vejo com a janela do carona aberta.
— Palhaça — xinguei, desligando o celular. Ela semicerrou os
olhos para mim, me fazendo rir mais ainda, enquanto fechava a
porta e descia as escadas. Dei um beijo na Allana pela janela antes
de entrar no carro.
— Oi, Vic. Ansiosa? — Theo perguntou, ao começar a dirigir.
Respirei fundo.
— Muito — respondi com um sorriso. Allana colocou “All
Yours” para começar a tocar. Aquela música sempre me inspirava.
O caminho foi silencioso, de certa forma. Eu estava nervosa e
era sempre muito transparente com eles, não conseguia ser
diferente. Esfregava minhas mãos uma na outra observando a
cidade através da janela aberta. O vento estava forte e eu fechei os
olhos, respirando fundo. Daria tudo certo, eu estava fazendo o que
queria, realizando meu sonho. E ia ser lindo. Eu tinha certeza de tal
coisa.
Theo estacionou o carro na frente da universidade e saiu.
Peguei minha bolsa e sai junto com Allana. O estacionamento
estava um pouco cheio e várias pessoas já estavam entrando na
universidade. Respirei fundo, observando tudo em volta.
— Pronta? — Allana perguntou. Fiz que sim com a cabeça,
virando-me para ela. Allana abraçou-me. — Boa sorte, meu amor!
Muita luz nessa nova etapa. Tenho certeza de que você será a mais
gata e melhor pediatra de toda a Carolina do Norte!
— Obrigada, amiga. Obrigada mesmo. — Agradeci. Eu não
estaria ali se não fosse todo o apoio que Allana me deu desde que
disse o que queria fazer durante toda a minha vida. Eu queria cuidar
de crianças.
— Você merece, Vic. Você está aqui hoje por todo seu esforço.
— Theo me abraçou também. — Vai lá e seja a melhor aluna que
essa universidade já teve. — Ele me incentivou, me fazendo sorrir.
— Obrigada pelo apoio. Vocês dois. — Dei um beijo na
bochecha deles e fui. Entrei na universidade, determinada. Eles
sempre me davam a força que eu precisava.
Fui até as folhas coladas em painéis no corredor para procurar
qual era a minha sala. Não estava cheio dentro da universidade, o
que achei ótimo. Eu detestava bagunças.
Minha sala ficava no segundo andar, era uma das primeiras.
Subi direto, procurando pela sala 12. Era a segunda no corredor.
Entrei. A sala estava vazia, praticamente. Não tinham muitas
pessoas sentadas.
O lugar que eu gostava de sentar, segundo na prede, estava
ocupado. Mas eram mesas duplas. Acabei sentando na terceira. Se
eu fosse para trás, não prestaria atenção em nada. A garota morena
que estava na segunda me olhou ao me ver sentar atrás dela. Abri
um meio sorriso, de forma educada.
— Já é veterana ou esse é seu primeiro ano? — Ela
perguntou.
— É meu primeiro ano. — Respondi.
— O meu também. — Ela abriu um sorriso, aliviada. — Prazer,
sou Alexia.
— Sou Victoria. Muito prazer.
— Tem quantos anos?
— 24 e você?
— Também. — Ela respondeu, virando-se. — Está nervosa?
— Mais ansiosa que nervosa agora.
Alexia riu.
— Eu também. — admitiu, soltando o ar. Respirei fundo. Eu
acho que tinha feito uma amiga.
E estava certa. Passei a manhã com Alexia. Ela me lembrava
Allana, em alguns quesitos. Mas era mais calma. E eu realmente
gostei de conhecê-la. Primeiro dia e eu tinha uma amiga. Era bem
mais do que eu esperava. E eu estava contente em ter uma nova
amiga.
Quando o período terminou, eu respirei fundo. Meu primeiro
dia havia sido muito bom. Aquela seria minha vida pelos próximos
anos. O começo do meu sonho. Seria exaustivo, cansativo e eu
provavelmente iria sentir vontade de desistir em alguns momentos.
Mas não iria, porque era o que eu queria fazer. E era o que eu faria.
Eu seria uma pediatra.
— A gente se vê amanhã, Vic. — Alexia me deu um abraço na
saída da universidade.
— Até amanhã, Alex. — Abri um sorriso quando ela me soltou.
Alexia sorriu para mim e se foi.
Eu fui direto para casa. Precisava da comida da minha mãe e
de algumas horas de sono antes do jantar na casa de Allana. Sim,
ela tinha inventado um jantar para comemorar meu primeiro dia na
universidade. Sim, minha amiga adorava um motivo para juntar
todos. E aquele “todos” incluía Alexander, é claro. Para o meu total
descontentamento.
— Mãe, cheguei. — Avisei, alto, ao entrar em casa. Deixei
minha bolsa no sofá e minhas chaves na mesinha de centro. Tirei as
sandálias na sala mesmo. Eu podia sentir o cheiro da comida
emanando por toda a casa. Eu estava morta de fome e aquele
cheiro só intensificou aquilo.
— Na cozinha. — Minha mãe disse. Pude ouvi-la e fui direto
para lá. Ela estava no fogão, fazendo algo que só pelo cheiro eu
sabia que estava uma delícia.
— Oi. O que está fazendo? — perguntei, enquanto pegava
uma água na geladeira.
— Carne assada. — Ela respondeu, me fazendo suspirar e
sorrir. Era meu prato favorito. Minha mãe, realmente, era a melhor
cozinheira do universo. Tudo o que fazia era bom. E aquele prato
era especial, pelo meu primeiro dia na universidade. E também era
o prato favorito do meu pai.
Tudo o que ele gostava havia se tornado favorito e só era feito
em datas especiais. Ela não conseguia mais fazer no dia a dia,
porque lembrava dele. E, por mais que não falássemos, sabíamos
que aquilo cortava o coração de ambas. Eu sabia que o coração da
minha mãe estava destruído pela perda dele. E o meu dilacerado
pela falta dele. Era difícil para nós duas, mas nos apoiávamos uma
na outra e seguíamos firme.
Me sentei na mesa, após fazer um suco de laranja, e fiquei
esperando pelo almoço. Não demorou de sair, para meu total
contentamento. Eu estava morrendo de fome. Só tinha comido um
lanche no café mais cedo.
Minha mãe serviu nós duas e sentou-se ao meu lado,
enquanto eu servia o suco. Nós comemos em silêncio por algum
tempo. Era sempre daquela forma. Eu puxei a ela no aspecto de ser
mais introvertida.
— Como foi na faculdade? — ela perguntou, quando
terminamos de almoçar.
— Foi bom, na verdade. Sei que será cansativa, mas vai valer
muito a pena.
Eu sabia daquilo. Era meu futuro, o que eu queria fazer
. Então,
valeria a pena, sim. Eu iria fazer valer.
Já eram mais de 18h00 quando tomei um banho e comecei a
me arrumar para ir jantar na casa da Allana. Eu havia dormido um
pouco e estava mais descansada naquele momento. Acordar cedo e
faculdade era muito exaustivo. E olha que aquele era só o primeiro
dia dos próximos anos que viriam pela frente.
Coloquei um vestido florido de mangas longas e um all star
branco. Tudo o que eu precisava era de roupas confortáveis depois
de ter passado a manhã enfiada em uma calça. Eu não era a maior
fã de calças que existia, definitivamente.
Peguei minha bolsa e meu celular antes de sair do quarto, e
desci as escadas. Meu cabelo estava solto e todo enrolado. Eu
amava o tamanho que ele estava; nem curto e nem comprido. Do
jeito que eu gostava.
Minha mãe estava assistindo televisão quando cheguei na
sala. Dificilmente eu sabia o que ela estava assistindo, era bem
diferente das coisas que eu via normalmente.
Meu celular começou a vibrar quando fui guardá-lo na bolsa.
“Pode sair, Vic. Estou aqui fora” Theo 19:03
— Tô indo, mãe — avisei, inclinando-me para dar um beijo
nela.
— Bom jantar — ela desejou, antes que eu saísse de casa.
Minha mãe não gostava muito de sair. Quer dizer, passou a não
gostar muito. Eu a convidava para ir, no começo. Mas, depois de
algum tempo, eu parei. Porque ela não ia. Eu não gostava de deixá-
la, mas ela queria que eu vivesse. Então, se a deixava feliz, eu ia
viver.
A janela do carona estava aberta e Theo digitando no celular.
Provavelmente com Allana perguntando se ele já havia chegado e
se nós já estávamos indo. Ela ficava daquele jeito, a eufórica.
— Oi, Theo.
— Oi, Vic. — Theo me deu um beijo na bochecha quando
entrei no carro e começou a dirigir. — Como foi na faculdade?
— Diferente do colegial — respondi, fazendo-o rir
. — Mas foi
bom, eu gostei bastante, apesar de saber que será bastante
exaustivo. Vai valer a pena no futuro.
— Claro que vai. É o que você gosta de fazer. Dá tudo mais do
que certo quando fazemos o que gostamos.
Respirei fundo. Eu sabia daquilo, tinha certeza de tal fato.
Quando você faz algo que ama, só tende a dar certo.
Soltei o ar, quando Theo estacionou na frente da sua casa e eu
vi o carro de Alexander lá. Claro que Allana havia chamado o idiota.
Eu não devia me surpreender depois de tanto tempo, mas ainda me
surpreendia.
— Olha só se não voltou a ser um bebê que estuda —
Alexander provocou, quando entrei em casa com Theo. O idiota
estava totalmente largado no sofá e devia estar me esperando abrir
a porta só para dizer aquilo.
— Olha só se não voltou a ser o mesmo idiota de sempre —
rebati, o tom de voz carregado de deboche. Allana se dobrou de
tanto rir da cozinha e Theo deu um tapa na cabeça de Alexander ao
passar por ele.
— Pega leve, Victoria. — Alexander abriu um sorriso maldoso.
Revirei os olhos e fui para a cozinha, deixando minha bolsa no sofá.
— Oi. — murmurei, sentando-me no balcão.
— Ignore Alexander e me conte sobre a faculdade. — Allana
pediu, enquanto mexia na panela. Pelo cheiro, era strogonoff de
frango.
— Ah, foi bem. Um pouco cansativo, mas muito bom. E fiz uma
amiga, então não ficarei sozinha, no curso ou no estágio. — Dei de
ombros. Allana ergueu as sobrancelhas e eu ri.
— Amiga? — Ela repetiu.
— Sim, Alexia. Ela é um amor. E não fique com ciúmes,
porque você sabe que é a minha pessoa. — Lembrei-a. Allana
suspirou.
— Eu sei. — cedeu, me fazendo sorrir. Aquela era minha
Allana: ciumenta. Mas ela sabia que era minha pessoa, assim como
eu era a dela.
Enquanto Allana terminava o jantar eu comecei a arrumar a
mesa, e coloquei o idiota para me ajudar. Era meu dia e eu não ia
fazer aquilo sozinha. Ele tinha que me ajudar.
— Para que tudo isso? — Alexander questionou, quando eu e
Allana colocamos a mesa.
— Para Victoria, bobão. Pelo dia dela. — Allana respondeu,
como se fosse óbvio.
— Vocês amam ela mesmo, hein?! Não fizeram isso para mim
no meu primeiro dia na faculdade. — Ele comentou, o tom de voz
carregado de uma falsa indignação.
— Ah, se orienta, Alexander. — Allana o repreendeu, fazendo
eu e Theo rirmos.
Nos sentamos a mesa, depois de Alexander revirar os olhos e
resmungar algumas coisas impossíveis de entender.
— Parabéns, Vic. — Theo parabenizou novamente, enquanto
brindávamos. Abri um sorriso.
— Agora é bebê de faculdade. — Alexander provocou, com um
sorriso maldoso.
— É sério que você começou de novo? — reclamei.
— Já se passaram 3 meses. — Ele me lembrou.
— Foi bonzinho por muito tempo, não sei como aguentou.
— Acredite, com muito esforço.
— Eu acredito. — Meu tom de voz estava carregado de ironia,
fazendo-o rir. — Vê se cresce, Alexander. — resmunguei,
aborrecida.
— Se orienta, Alexander. — Allana murmurou, fazendo o
cunhado rir mais ainda.
Eu achando que o idiota havia mudado, mas não, continuava o
mesmo de sempre. Eu não iria mais me iludir achando que
Alexander podia mudar, porque ele não podia. Alexander Jenkins
sempre seria um idiota.
Fevereiro de 2016. 1 ano depois...
Finalmente o sábado havia chegado. Eu estava exausta,
confesso. A semana na faculdade foi muito exaustiva. As atividades
e trabalhados já haviam começado. Além de provas já terem sido
marcadas. Eram tantas coisas que eu estava tonta já. E olha que
era apenas a primeira semana do segundo ano. Imagine mais 3
anos daquilo.
Já eram quase 13h00 e sim, eu ainda estava na cama. Claro
que já tinha levantado, tomado banho e café da manhã. Mas, voltei
para a cama. Estava exausta. Meu corpo moído. Precisava de
repouso durante o fim de semana todo. Mas eu sabia que logo
Allana ligaria com algo para fazermos. Então aproveitei o tempo que
tinha de descanso.
Eu realmente havia encontrado uma amiga em Alexia. Ela era
muito parecida comigo, em diversos aspectos. Calma, centrada,
introvertida. Nós nos demos bem de cara. E eu sabia que tinha uma
amiga para a vida toda nela. Assim como ela sabia que havia
encontrado uma amiga em mim.
No primeiro momento, Allana até ficou com ciúmes, porque
sempre fomos apenas nós duas. Porém, depois, ela entendeu. Ela
era minha irmã, eu jamais a trocaria por qualquer pessoa no mundo.
Mas Alexia e eu tivemos uma conexão imediata. E eu não estaria
sozinha na faculdade ou no estágio, eu tinha ela.
Claro que Theo precisou falar um pouquinho no ouvido da
esposa, até que ela entendesse que ninguém jamais a substituiria.
Ela sabia, mas eu entendo que tenha ficado receosa. Nunca houve
ninguém a mais. Então claro que, depois da conversa de Theo, eu
lhe dei a certeza que ela precisava.
No segundo dia de aula do ano passado consegui apresentar
as duas quando Allana passou para me buscar. Alexia era tão gentil,
que Allana não resistiu. As duas também se deram bem de cara. E
eu fiquei muito feliz com aquilo.
Meu celular começou a tocar quando eu estava quase
pegando no sono. Tive um sobressalto, abrindo os olhos no susto e
pegando-o. Era Allana, é claro. Estava demorando, até.
— Oi. — Reprimi um bocejo, ao atender o telefone.
— Oi, te acordei? — Allana perguntou, o tom de voz
despretensioso.
— Quase. — Suspirei. — Tudo bem?
— Ah, tudo. E você?
O tom de voz de Allana me despertou completamente.
— Estou bem, mas o seu tom de voz não me engana. Está
bem mesmo? Aconteceu alguma coisa, Allana? — Questionei,
sentando-me na cama, preocupada. Ela suspirou.
— Mais ou menos. Só que só posso dizer pessoalmente.
— Ah... Você vai mandar o Theo me buscar? — inqueri, já
jogando as pernas para fora da cama para poder me arrumar e
esperá-lo.
— Na verdade, eu pensei em ir aí, se não houver problema.
Theo está de folga hoje.
Ok. Aquilo me deixou ainda mais apreensiva e intrigada, além
de curiosa. O que Allana queria falar que Theo não podia ouvir? Só
veio uma coisa a minha mente, e eu já comecei a ficar eufórica.
— Tudo bem. Você pode vir.
— Certo. Em meia-hora estou aí.
— Estarei te esperando. — Garanti, antes de desligar o
telefone.
Fiquei tamborilando os dedos sob minhas coxas ao desligar. O
que Allana queria dizer, que Theo não podia ouvir? E o que a
deixaria com aquele tom de voz? Eu conhecia minha amiga. Eram
quase 10 anos juntas. Tinha algo ali. E eu estava demasiadamente
curiosa.
Allana chegou na minha casa meia-hora depois. Nenhum
minuto a mais ou a menos. Quando ela não se atrasava, a coisa era
séria. Porque, dificilmente, Allana conseguia fazer algo no horário
planejado.
— Oi. — Abracei-a quando ela entrou.
— Oi. — Allana balbuciou, olhando em volta.
— Minha mãe foi no mercado. — Avisei e ela soltou o ar.
Franzi a testa. O que havia acontecido? Levei Allana para o meu
quarto e ela se sentou na minha frente na cama. — O que está te
deixando desta forma, Allana? — questionei, impaciente.
Allana esfregava as mãos uma na outra, mordia os lábios e
respirava fundo. Algo muito grande havia acontecido, daquilo eu
tinha a certeza absoluta.
— Aconteceu uma coisa... — ela começou.
— Isso eu posso perceber. — rebati. — Eu quero saber o que
aconteceu. — Fui firme, se não ela não falaria tão cedo. — Não me
enrole, Allana. — adverti. Minha amiga respirou fundo.
— Eu estou grávida. — Soltou de uma vez.
Primeiro, eu emudeci. Segundo, eu paralisei. Terceiro, eu
respirei.
— Você está grávida? — repeti. Allana fez que sim com a
cabeça e minha boca se abriu lentamente? — Theo sabe?
— Desconfia. — Respondeu. Balancei a cabeça, tentando
assimilar aquilo. — Você é a madrinha. — Ela anunciou, sem mais
nem menos, sem nenhuma preparação para o impacto que aquelas
quatro palavras causariam.
— Eu sou o quê? — Eu quase gritei, de verdade, quase gritei.
Allana riu da minha reação, mas era uma risada nervosa.
— Você é a madrinha, Vic. É óbvio. Ninguém mais seria. — Ela
revirou os olhos. — Mas tem um porém.
— Eu imagino que porém seja esse. — resmunguei, já
sabendo o que ela ia dizer.
— O padrinho é o Alexander.
— Eu já imaginava que seria.
Allana abriu um meio sorriso e eu dei de ombros, abraçando-a.
— Parabéns e obrigada pelo convite. Estou extremamente feliz
por você e Theo, e por mim que serei madrinha. — Dei risada e
Allana me acompanhou.
— Estou nervosa, mas tenho certeza de que Theo será um
excelente pai.
— E você uma excelente mãe. Tenho certeza.
— Obrigada, Vic. Eu queria contar para você primeiro. Não sei
como Theo irá reagir.
— Ele vai amar. — Garanti, com um sorriso. Eu conhecia Theo
e sabia do desejo que ele tinha de construir uma família com Allana.
E ela também queria tal coisa.
— Ele vai ficar louco, isso sim. — Allana riu, me fazendo rir
também.
— Sim, o louco mais amoroso que conheço.
— Ele é. — Allana suspirou, com um sorriso. Eu queria
encontrar alguém que me fizesse suspirar como Allana suspirava
quando falava do Theo. Eu queria aquilo, sim. Sempre quis.
— Por que não saímos amanhã para comemorar? Podemos
comer alguma coisa e eu compro algo para o bebê. — sugeri.
— Só nós duas? — Allana investigou, me fazendo rir. Ela
achava que me enganava com aquele tom de voz tentando parecer
despretensioso, mas um pouco ciumento.
— Sim, amiga, só nós duas. — confirmei, com um sorriso.
— Eu quero sim, Vic. — Ela abriu um enorme sorriso,
abraçando-me outra vez.
A ideia de que Allana teria um bebê e eu seria a madrinha me
dava a certeza de que eu tinha a melhor amiga que alguém poderia
ter. Allana era minha pessoa e eu amaria do seu bebê como se
fosse meu, porque, de certa forma, era. Era meu afilhado.
No domingo, eu tentei acordar um pouco mais cedo, mas
acordei mais de 11h00. Fui dormir mais de 23h00 porque Allana me
ligou para contar sobre a reação de Theo quando ela fez uma
surpresa, contando da gravidez.
A gênia da minha amiga teve a ideia de mandar a foto de um
sapatinho de bebê branco no WhatsApp dele, que a esperta
comprou depois de sair da minha casa. Claro que Theo não
entendeu nada e foi questionar, mas, ao entrar no quarto, se
deparou com Allana fazendo carinho na barriga. Claro que ela
estava esperando por aquilo.
Theo chorou, beijou a barriga da Allana centenas de vezes e
prometeu ser o melhor pai. Eu sabia que ele seria, e Allana também.
Theo era dedicado, preocupado, protetor, amoroso e outras mil
qualidades impossíveis de enumerar. Ele era simplesmente
maravilhoso. E sim, Allana também chorou ao abraçá-lo.
Claro que eu também chorei ao beijar a barriga dela. Era
emocionante saber que tinha um bebê ali dentro. E que ele era um
pouco meu também. Meu afilhado. Aquilo era tão importante para
mim, que eu não tinha palavras para descrever meu sentimento
naquele momento.
Depois de um banho demorado, eu coloquei um vestido de
mangas longas azul bebê e uma bota de salto de cano baixo. Deixei
o cabelo solto e todo cheio de cachos. Eu só havia passado um
batom, nada mais.
Peguei minha bolsa e meu celular, antes de sair do quarto. Já
eram 12h e a doida da Allana ia ficar ferrada se eu não estivesse
pronta no horário. Por mais incrível e inusitado que pudesse
parecer, ela que ia passar para me buscar. Dirigindo. Isso mesmo,
dirigindo. Allana ia dirigir. Ela dirigia, e bem, mas não gostava.
Porém como éramos apenas nós duas aquele dia, ela ia dirigir. Eu
gostei.
Desci as escadas, segurando no corrimão. Os saltos daquela
bota eram demasiadamente altos. Eu não queria levar um tombo
que eu tinha certeza de que me quebraria inteira.
Minha mãe não estava em casa, devia ter ido ao mercado. Fim
de semana eram os dias que ela gostava de fazer compras. E aquilo
era bom. Distraia sua mente e a impedia de pensar muito sobre as
dores da alma, que faziam mal.
Meu celular começou a tocar. Era Allana. Nem me dei ao
trabalho de atender, apenas saí de casa, vendo os olhos
semicerrados dela de dentro do carro ao perceber que não atendi.
Dei risada, enquanto ia até o carro. Abracei-a, ao entrar.
— Está bem? — perguntei.
— Ótima, com fome. — reclamou, já começando a dirigir
. Sorri.
— Prepara para 9 meses de muita fome. E também da falta de
fome. — Avisei.
— Nem me fale. — Allana suspirou, me fazendo rir
. Eu estava
feliz em saber que faria parte de cada momento daqueles 9 meses.
Não demoramos a chegar no shopping. Allana estacionou e
nós entramos. Eu também estava morrendo de fome, era obrigada a
confessar. Allana entrelaçou o braço no meu, enquanto andávamos
pelos corredores lotados.
Primeiro, fomos comer, é claro. Allana já estava ficando irritada
de fome. Então, tratei de alimentar minha grávida rapidinho. Depois
de comer, eu levei Allana para rodar pelo shopping. Precisava
procurar o que eu queria. E achei.
— O que é isso? — Allana indagou, quando entrei em uma loja
de bebês, puxando-a comigo.
— Primeiro presente do meu bebê. — Disse, como se fosse
óbvio, com um sorriso. Minha amiga emudeceu.
Comprei uma roupinha branca e um sapatinho. Como ainda
eram poucas semanas e não sabíamos o sexo, tinha que ser
branco, completamente neutro. Comprei no tamanho de recém-
nascido, seria a primeira roupinha que o bebê usaria.
— Obrigada, Vic. — Allana me abraçou, com os olhos cheios
de lágrimas quando saímos da loja. Meus olhos também marejaram,
quando a abracei.
Eu extremamente estava feliz. Eu teria um afilhado, filho da
minha irmã de coração. Aquele convite fez de mim a pessoa mais
feliz do mundo. Eu seria a melhor madrinha para aquele bebê,
porque os pais dele eram as melhores pessoas para mim.
Na segunda, eu cheguei na faculdade mais cedo. Alexia me
esperava na porta, digitando rapidamente no celular. Ela anotava
tanta coisa ali, porque era a esquecida, que eu ainda não sabia
como ela sempre tinha memória.
— Oi. — murmurei, parando ao lado dela na entrada. Alexia
levantou o olhar para mim e guardou o celular para me abraçar. — É
hoje que começa? — perguntei, enquanto entrávamos na faculdade.
— Sim, amiga, é hoje. — Alexia respondeu, reprimindo um
bocejo. Ela mal dormia durante a noite. Insônia. Eu nem podia
imaginar o quão difícil era não conseguir dormir. Ela havia me
contado como era, sobre suas crises de ansiedade. E eu ficava
nervosa só de pensar naquilo tudo.
Minha mãe também tinha insônia, por isso passou a tomar chá
com calmantes. Ela estava depressiva, afundando, e passou a não
dormir. Então o médico decidiu que seria melhor que ela tomasse
alguns remédios. Não era nada forte, eu me certifiquei daquilo.
Nada que fosse deixá-la dopada. Era apenas para fazê-la conseguir
dormir, porque ela já não conseguia há algum tempo. E eu me
preocupava muito.
Era meu segundo ano na faculdade, eu estava com pouco
tempo. E mesmo antes do início da faculdade, eu estudava, já tinha
pouco tempo. Com o estágio, meu tempo seria ainda mais curto. E
depois, teria plantão em hospital. Eu precisava que ela estivesse
bem para se cuidar na minha ausência, eu me preocupava muito
com a saúde da minha mãe. Ela havia ficado muito frágil depois que
perdeu o meu pai. E, de certa forma, eu também.
Me sentei ao lado de Alexia, ao entrar na sala, e ela sentou-se
encostada na parede. Claro que os lugares haviam mudado no
segundo dia de aula ano passado. Alexia sentou-se na terceira
carteira e eu ao seu lado.
Deixei minha bolsa em cima da mesa e peguei meu celular.
Tinha um monte de mensagens da Allana; me desejando boa sorte
no estágio, mandando eu olhar os médicos gatos e principalmente
se fosse cirurgião. Dei risada. Entreguei o celular para Alexia ler. Ela
passou os olhos pelas mensagens e se dobrou de tanto rir. Allana
era única, sem comparação.
A manhã foi exaustiva, eu tinha que confessar
Saímos da universidade às 15h00. Eu estava exausta e morta
de fome. E ainda tínhamos que ir para o estágio no hospital.
Primeiro dia. Minha cabeça estava a mil. Eu estava nervosa,
confesso. Até havia me vestido diferente naquele dia: calça jeans
branca flare, blusa de seda rosa bebê de alça, e um salto branco
simples. A bolsa também era outra, além do cabelo preso em um
rabo de cavalo e a jaqueta de couro branca.
— Você está com uma cara de médica — Alexia comentou,
quando saí do carro dela na porta do hospital e coloquei meu crachá
do estágio de residência. Dei risada.
Nós entramos no hospital com algumas pessoas da nossa
turma. Fomos divididos em equipes, é claro. E tinham mais 3
pessoas na nossa equipe. Encontramos alguns residentes mais
antigos e os médicos da nossa área. Pediatria.
Ganhamos jalecos e um cartão de entrada para o hospital.
Fomos levados à área da pediatria, no 12º andar. Passamos pelos
berçários e eu fiquei encantada com tantos bebês. Alexia também,
porque me olhou sorrindo ao ver meu olhar nos bebês.
— Bem, pessoal, eu serei a médica responsável pela equipe
de vocês. Sou Anastasia Brown, a chefe da pediatria. Vocês são a
equipe 1. E estes são meus dois residentes, Joana Griffith e
Matthew Chase. — A médica se apresentou e apresentou os
residentes. Meu olhar fixou-se em Matthew: loiro, olhos claros e uma
carinha de bebê.
Alexia me cutucou, fazendo-me rir. Ela havia percebido, é
claro. Mais perceptiva que ela só Allana mesmo. Ou eu. Se tinha
uma coisa que eu era, essa coisa era perceptiva. Além de
observadora.
Enquanto andávamos pelos corredores e a médica ía nos
mostrando tudo para nós, eu percebi Matthew olhando-me
disfarçadamente em alguns momentos. Alexia foi mais à frente, para
olhar os bebês na incubadora e eu fiquei para trás.
Andei mais devagar, quando Matthew parou de andar e
recomeçou ao meu lado. Continuei da mesma forma, andando e
olhando os bebês. Por que ele foi para o meu lado?
— Perdida em algo? — Matthew inquiriu. Primeiro, emudeci.
Depois, respirei fundo e o olhei.
— Não, estou entendendo tudo. — Dei de ombros. — Está
aqui há quanto tempo? — perguntei.
— Esse é meu 3º ano, já sou residente. Sou Matthew Chase.
— apresentou-se, mesmo que a médica já tivesse o apresentado.
— Victoria Miller. — Abri um meio sorriso. Ele observou-me por
tempo demais e eu fiquei sem graça, desviando o olhar. Por sorte,
eu tinha uma amiga maravilhosa.
— Vic, vem ver os recém-nascidos. — Alexia chamou,
puxando-me pela mão. Fui com ela, deixando Matthew onde estava,
olhando-me.
Eu tinha a sensação de que ia adorar conhecer melhor
Matthew Chase.

— O que aconteceu lá dentro? — Alexia perguntou, enquanto


saíamos do hospital. Já eram mais de 19h00 e eu estava com muita
fome.
— O quê? — indaguei, confusa.
— Você e o residente — ela esclareceu. — Como é o nome
dele mesmo? Max, Martin...
— Matthew — respondi, fazendo-a abrir um sorriso malicioso.
Ela sabia, só queria que eu falasse. — O que tem?
— Vocês conversaram algumas vezes — Alexia comentou, o
tom de voz despretensioso. Abri um meio sorriso.
— Conversamos. — Dei de ombros.
— Facilite, Victoria. Me diga.
— Ele é bem legal e pediu meu número. — contei, fazendo-a
abrir a boca e rir.
— Eu sabia. — Alexia destravou o carro e nós entramos. —
Gostou dele?
— Gostei. — Mordi o lábio inferior. Minha amiga revirou os
olhos e sorriu. É claro que ela sabia, só queria ouvir de mim. Sabia
como eu era difícil de demonstrar que sentia algo ou que estava
interessada. Sempre fui daquela forma. Era uma coisa minha. E a
lindinha obrigava-me a falar como me sentia. Claro que era bom
falar, eu só não estava acostumada. E nem sei quando estaria.
Cheguei em casa passavam das 21h00. Tinha um trânsito
horrível no caminho para cá. Alexia me deixou em casa e foi para a
sua. Amanhã era mais um dia exaustivo: faculdade e estágio. Haja
disposição. Eu precisava de uma noite tranquila de sono e muito
descanso.
Subi direto para o meu quarto, após fazer um lanche rápido.
Minha mãe já estava dormindo, pelo que parecia. Tirei os saltos e a
roupa, soltei os cabelos e me joguei na cama com o celular na mão.
Liguei para Allana.
— Como foi no hospital? — Ela atendeu no terceiro toque, o
tom de voz eufórico. Revirei os olhos. A espertinha queria saber
sobre “médicos”.
— Foi bem. Vi tantos bebês! — contei, animada. — Você ia
ficar doida ali dentro. Tinham tantos recém-nascidos.
— Ah, não acredito. Pega um por dia e traga para criarmos.
Dei risada. Allana e suas ideias absurdas.
— Ah, claro. Farei isso. — Respondi, o tom de voz carregado
de deboche. Foi a vez dela rir.
— E sobre os médicos? — Allana finalmente perguntou sobre
o que queria mesmo saber.
— Conheci um residente.
— Um residente? — ela repetiu.
— Sim, ele está lá há 3 anos. Comanda nossa turma, junto
com a médica responsável da pediatria, que é a nossa supervisora.
— Expliquei.
— E como foi?
— Ele veio falar comigo, conversamos, ele pediu meu número
e eu passei. — Dei de ombros, como se ela pudesse ver.
— Você está dando de ombros, eu sei. Mas já é bastante coisa
para um primeiro dia. E vocês vão se ver todos os dias.
Pelo tom de voz eu podia dizer que ela estava com um sorriso
malicioso no rosto. Allana me conhecia, ela sabia que eu estava
interessada em Matthew. E eu sabia que ele estava interessado em
mim. Aquela combinação me parecia muito boa.
Outubro de 2016. 9 meses depois...
Eu tinha consciência de ouvir meu celular tocando diversas
vezes, mas não conseguia abrir os olhos. Ainda me sentia muito
cansada do meu aniversário no dia anterior. Sim, já estávamos em
Outubro e eu tinha 25 anos.
Claro que ninguém deixou aquele ano passar em branco, já
que no anterior eu havia decidido que não queria nada além de um
bolo. Apenas Allana e Alexia estavam comigo. Theo trabalhando e
Alexander se dividindo entre faculdade e estágio. Mas ele se
lembrou de me mandar um presente por Allana. Seria Alexander
gentil voltando?
Na noite anterior, as duas e os dois se juntaram e me levaram
para beber. Sim, foi o que eles fizeram. E eu bebi mais do que
devia, porque Alexander ficou me provocando, e eu não fugia das
provocações dele. Resultado? Uma bela de uma enxaqueca.
Allana foi a única que não bebeu, além de Theo. O idiota
estava de carro com o irmão e provavelmente ia dormir na casa
dele. Minha amiga estava de 9 meses já e bebida era
expressamente proibido. Então, ela ficou apenas no suco, dando
risada de mim e do cunhado idiota.
Tudo bem, eu devia admitir que foi engraçado. Eu me
lembrava de cada detalhe da noite, infelizmente. Apesar de estar
tentando esquecer tudo o que havia acontecido. Depois do bar,
fomos para casa de Allana e Theo. Eu dancei no sofá, bebi mais, dei
uns tapas em Alexander (finalmente) e quase caí em cima dele, o
que resultou no idiota me segurando por mais tempo que devia.
Ganhou mais um tapa por ser abusado e colocar a mão na minha
coxa. Relevei, porque ele estava bêbado, mas dei um tapa também.
Quando eu adormeci, eles me levaram para casa. E eu não me
lembrava de mais, apenas de Theo me colocando na minha cama.
Minha cabeça parecia que ia explodir, eu sentia como se algo
estivesse pressionando os dois lados da cabeça. Por sorte, meu
quarto estava escuro e a casa silenciosa. Minha mãe me deixava
dormir no fim de semana porque eu ficava muito exausta durante a
semana. E, felizmente, era sábado.
Mas meu celular insistia em tocar repetidas vezes. Tinha
alguém muito desesperado para falar comigo. Quem ligava diversas
vezes era Allana, ou Alexander só para me sacanear no final de
semana. Ele havia pegado aquela mania, o idiota. Mas se fosse
Allana, ela só ia insistir tanto se...
Arregalei os olhos, levantando a cabeça e peguei o celular na
mesinha de cabeceira. Era Allana, como eu previa. E ainda eram
11h00 da manhã. Me sentei na cama, colocando o cabelo atrás da
orelha, antes de atender.
— Allana?
— Vic...
Seu tom de voz me deixou em alerta.
— O que foi, Allana? Você está bem? — questionei, já me
levantando e procurando uma roupa pelo quarto.
— Não muito...
— O que aconteceu?
— Bebê... — ela murmurou, parecia estar fazendo muito
esforço.
— Respira. Não esquece de respirar fundo. — Instrui. — É no
hospital que tô trabalhando mesmo? — perguntei, pegando uma
calça no armário.
— Sim. — Ela suspirou.
— Te vejo lá. — prometi, desligando o telefone.
Coloquei uma calça jeans azul clara, camiseta cinza e uma
bota de couro preta. Fui para o banheiro prendendo o cabelo em um
rabo de cavalo alto e voltei para o quarto depois de fazer minha
higiene. Peguei minha bolsa e um casaco antes de sair do quarto.
Estava frio, eu podia sentir mesmo ali dentro. Pedi um táxi, andando
devagar pelo corredor.
— Mãe, tô saindo — avisei, enquanto descia as escadas
rapidamente e sentia o cheiro de café pela casa. Minha mãe veio
até a sala enquanto eu arrumava a bolsa e ligava para Alexander.
— Onde você vai, Victoria? Está com uma cara de sono muito
ruim, chegou em casa às 03h00 da manhã em casa, dormiu muito
pouco e já vai sair outra vez? — ela questionou, preocupada. Eu já
dormia pouco durante a semana, no fim de semana também seria
demais.
— Allana entrou em trabalho de parto — expliquei.
— Que maravilha. Vá e mande um beijo para ela — incentivou
ela.
— Eu vejo a senhora mais tarde — murmurei, já saindo de
casa. O idiota do Alexander não atendeu. Liguei novamente.
— Fala, Victoria. Você viu a hora, por acaso? É melhor que
seja muito importante — Alexander resmungou, ao atender o celular.
A voz rouca e arrastada. Ele também estava de ressaca. Tinha
bebido mais do eu.
— Sim, idiota. Dormi tanto quanto você. Allana entrou em
trabalho de parto — avisei.
— Ah, merda. Estou indo. Quer que eu te busque?
— Não precisa, já pedi um táxi. Mas obrigada. — Agradeci,
estranhando a gentileza.
— Nos vemos no hospital. — ele murmurou, antes de desligar.
Guardei o celular no bolso da calça quando o táxi chegou e entrei
rapidamente. Dei o endereço do hospital, que era um dos mais
conhecidos da cidade, e o motorista pegou o caminho para lá.
Demorou, tinha trânsito, fiquei nervosa, quase tive uma crise
de ansiedade, mas, depois de 40 minutos, chegamos no hospital.
Paguei o motorista e desci do carro, correndo para dentro do
hospital. Passei meu cartão na recepção e corri para os elevadores.
Cheguei no 12º andar após um momento. Fui direto para o
corredor das salas de parto. Theo estava do lado de fora de uma
das salas, andando de um lado para o outro.
— Theo! — Corri para ele. O alívio que vi em seu rosto quando
ele me viu, me deixou mais aliviada também. Theo me abraçou,
como se dependesse daquilo para se sentir melhor. — Cadê ela?
— Acabou de entrar. Estava sem dilatação e se recusou a
fazer cesária. Você conhecia a teimosia de Allana. Há dois minutos
que a dilatação veio de uma vez. — Explicou. Balancei a cabeça, eu
conhecia bem.
— Não consegui chegar antes. Tinha muito trânsito.
— Tudo bem, Vic. O importante é que você veio.
— Avisei ao Alexander.
— Muito obrigado. Eu me esqueci completamente.
— É compreensível, Theo. Vou conseguir que você entre para
acompanhar.
— Eu posso?
— Claro que pode. Não sei como não te deram essa opção.
Quem é a obstetra? — perguntei.
— É um cara. Matthew.
— Hmmm.. É o cara que estou saindo. Espere aqui. — pedi, já
indo até a sala. Consegui ver Allana deitada na maca e as
enfermeiras preparando tudo. Por sorte, Matthew me viu no vidro e
eu acenei para ele que ele saísse. Matthew foi até o corredor.
— Oi, Vic. Vou cuidar bem dela. — garantiu.
— Eu sei. — Suspirei. — O marido dela pode assistir o parto?
Ninguém deu essa opção para ele.
— Claro que pode. — Matthew franziu a testa. Assenti.
— Theo. — chamei. — Você pode entrar assim que colocar as
roupas adequadas. — disse, quando ele se aproximou.
— Obrigado, Vic.
— Uma enfermeira vai te ajudar. — Matthew disse, chamando
uma das enfermeiras para ajudar Theo.
— Cuida dela e do meu afilhado. — pedi. Matthew além de
pediatra era obstetra. E um excelente profissional. Ele já tinha 30
anos. Justificado duas faculdades.
— Pode deixar, Vic. Eu vou cuidar. — Ele garantiu. Respirei
fundo, e assenti. Matthew entrou na sala e eu fiquei no corredor
,
esperando.
Andei de um lado para outro por algum tempo. Estava
agoniada, ansiosa para que meu afilhado ou afilhada nascesse logo.
Não sabíamos o sexo, Allana e Theo queriam surpresa, eu
concordei. Alexander que ficou com chatice, porque ele era um
chato.
Demorou, muito, mais do que devia, e mais do que eu podia
aguentar. Mas, por fim, terminou. Não sei quanto tempo depois,
porque não quis olhar no relógio para não ficar mais nervosa. Theo
saiu da sala com um sorriso enorme no rosto e me abraçou.
— Ele é lindo, Vic. — Balbuciou, a voz embargada pelo choro.
— Ele? — repeti. — É um menino?
— Sim. É o nosso Adrian.
— Ai meu Deus... — sussurrei, sentindo minha visão embaçar
pelas lágrimas que se formavam nos meus olhos.
— Eles estão indo para o quarto. Vem. — Theo me levou para
onde Allana e o bebê estavam. Era um ótimo quarto. Minha amiga
estava na cama, parecia cansada, e ao mesmo tempo estava
radiante. E meu afilhado estava no colo dela. Não sei explicar a
sensação que senti ao ver aquela cena.
— Oi. — sussurrei, aproximando-me. Theo estava bobo,
olhando os dois como se fossem o motivo pelo qual vivia. E eu tinha
certeza de que eram. Allana abriu um enorme sorriso ao me ver.
— Oi, Vic. Você chegou.
Cheguei mais perto, para ver o pacotinho em seu colo. Adrian
tinha poucos cabelos claros e estava de olhos fechados, mexendo
as pequenas mãozinhas, e mamando. Ai meu Deus. Era meu
afilhado, meu sobrinho, de certa forma.
— Ele é lindo. — sussurrei, com um sorriso. Meus olhos
estavam pesados de lágrimas.
— Deixa ele terminar de mamar... — Allana sussurrou,
voltando a olhar para o bebê. Theo estava sentado ao lado dela,
parecia fascinado. Adrian parou de mamar segundos depois. —
Pega. — Allana esticou Adrian para mim. Arregalei os olhos. Em 9
meses de estágio eu já tinha pegado diversos bebês no colo, mas
nenhum deles era meu afilhado. Theo deu a volta na cama e pegou
minha bolsa para que eu pudesse pegar meu afilhado no colo.
Adrian aconchegou-se, abrindo os olhos por um segundo
apenas e fechando-os novamente. Ele tinha os olhos tão claros, que
achei que fossem transparentes. Arfei. As lágrimas se acumularam
nos cantos dos meus olhos e eu finalmente soltei-as. Aquele era
meu afilhado, minha mais nova preciosidade. Meu Deus...
— Oi, meu amor. Sou sua madrinha, madrinha Victoria. —
sussurrei, fazendo carinho no rosto dele. Adrian abriu a boquinha e
eu sorri. Aquilo era tão mágico. Como amar um serzinho daquele
tamanho, que eu mal conhecia, mas parecia que o conhecia durante
toda a minha vida? 9 meses vendo bebês todos os dias não me
prepararam para aquele momento. Eu estava chorando igual a um
bebê.
— Ai, Vic... — Allana riu, também chorando. Aquele momento
era único para ela, e para mim também. Eu estava encantada com
aquele pedacinho de gente no meu colo.
A porta foi aberta e eu levantei o olhar. Era Alexander. Ele
finalmente havia chegado. Estava com uma cara de sono igual a
minha, e também parecia tão ansioso quanto eu quando tinha
chegado no hospital.
— Desculpem o atraso. Tinha um trânsito horrível. —
Justificou, entrando no quarto e fechando a porta. Ele veio
diretamente até mim, com Adrian no colo. Alexander observou o
bebê por um momento. Parecia emocionado.
— E aí, meu garotão. Sou seu padrinho, Alexander. —
sussurrou, passando os dedos pelo rosto do bebê, que se mexeu.
— Idiota. — rebati, sussurrando.
— E sua madrinha é bebê de faculdade. — Alexander
provocou, me fazendo revirar os olhos. Allana e Theo riram. Fiz uma
careta para Alexander quando ele fez uma para mim.
A porta foi aberta novamente e Alexia entrou, acompanhada de
Matthew. Ele me olhou, sorrindo, e eu abri um meio sorriso. Percebi
uma expressão diferente de Alexander, antes que ele fechasse a
cara.
— Como está a nova mamãe? — Matthew perguntou,
checando Allana.
— Estou ótima. — Ela suspirou, com um sorriso. Era visível o
quanto minha amiga estava bem. Alexia aproximou-se com um
pacote de presente.
— Como não sabia o que era, tive que comprar uma cor
neutra, porque comprei há algumas semanas. — Ela explicou, ao
entregar o pacote para Theo.
— Obrigado, Alexia. — Ele agradeceu e Allana sorriu para
nossa amiga.
— Mais tarde eu passo para ver vocês. — Matthew avisou. —
Melhor ficar deitada um pouco, Allana. — Ele instruiu.
— Ninguém vai me deixar levantar, acredite. — Ela abriu um
sorriso irônico, fazendo Matthew rir. Ele me olhou mais uma vez
antes de sair do quarto. Alexia o seguiu, depois de me mandar um
beijo. Respirei fundo, voltando a me concentrar no bebê.
Alexander permaneceu ao meu lado, bem perto, enquanto eu
balançava Adrian muito devagar no meu colo. Não havia nossas
brigas, as implicâncias, provocações ou intrigas. Não havia nada
além do nosso afilhado. Nada além de Adrian.
Outubro de 2018. 2 anos depois...
Eu sequer podia acreditar que já haviam se passado 2 anos
desde que eu ganhei o melhor e mais lindo presente que alguém
poderia ganhar de uma amiga: meu afilhado, Adrian. Aquele
presente, aquele bebê, só estreitou meus laços com Allana.
Falar sobre meus últimos 2 anos era difícil, ainda. Houveram
muitos momentos intensos, animados, felizes, mas também foram
tristes em muitos momentos. Eu não reagi muito bem a muitos
momentos e sabia que ainda não tinha superado tudo
completamente.
Ganhei Adrian e em menos de 1 semana depois perdi a minha
mãe. Eu sabia que ela não aguentaria muito mais tempo, mas não
estava preparada para perdê-la tão prematuramente. Mesmo
sabendo que ela não estava tão bem como há alguns anos, não foi
fácil. Nem o amor por Adrian foi capaz de aplacar a dor que senti ao
perdê-la.
Eu precisava da minha melhor amiga, mas Allana não podia
deixar Adrian, ele precisava dela, e eu não a culpava. Alexia foi
morar comigo na semana seguinte. Ninguém queria me deixar
sozinha. Todos estavam preocupados com a forma que eu reagiria.
Nunca fui muito boa com perdas. Acho que ninguém era. Mas eu
reagia de forma diferente da maioria das pessoas ao perder alguém.
Eu não ficava apenas triste, eu ficava completamente destruída.
Quando perdi meu pai, me isolei, não comia, não falava com
ninguém e sequer levantava da cama. Minha mãe, que quase entrou
em depressão com a perda dele, foi obrigada a encontrar forças
para me resgatar de mim mesma, do estado em que eu estava.
Eu não estava preparada para quando cheguei em casa do
hospital e encontrei minha mãe caída na sala. Foi natural, os
médicos disseram. Ela simplesmente se foi. E eu não sabia como
reagir à perda dela. Não suportava mais perder, não queria ficar
sozinha. Aquilo me amedrontava de uma forma que sequer
conseguia explicar.
E, de certa forma, eu não estava sozinha. Alexia ter ido morar
comigo foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Allana e Theo
me convidaram para morar com eles, mas eu não podia atrapalhá-
los. Eles tinham a vida deles e tinham Adrian naquele momento, não
queria ser um peso, não queria atrapalhá-los e muito menos deixá-
los preocupados comigo. Já era demais os olhares preocupados
quando eu ia vê-los.
Então, quando Alexia chegou com diversas malas na minha
casa, eu fiquei totalmente aliviada. Mas, depois de algumas
semanas, eu voltei ao estado depressivo. A primeira coisa que
Alexia fez, depois de ver meu estado, foi decidir (por nós duas):
“Nós vamos nos mudar”. Claro que fiquei surpresa, mas não
questionei. Talvez fosse realmente melhor ir embora dali. E foi. Uma
semana depois, conseguimos finalmente nos mudar dali.
Foi um alívio mudar de casa, eu pude respirar novamente.
Uma casa maior, mais aberta, longe e sem lembranças. Era tudo o
que eu precisava, tudo novo. E era perto da casa de Allana, o que
me permitia ver meu afilhado todos os dias depois do plantão no
hospital. Ele estava cada dia maior, crescendo rápido, esperto e
muito apegado a mim. E eu o amava com todo o meu coração.
Quando Adrian completou 10 meses, Allana voltou para a
faculdade e conseguiu se formar em pedagogia no ano passado. Ela
era a melhor professora de jardim de infância de Charllotte, eu
sempre soube que ela seria pelo seu amor por lecionar e por
crianças. Suas turmas eram de 3 e 4 anos. Pelo menos ela já estava
treinando para quando Adrian tivesse aquela idade no ano seguinte.
No ano passado Alexander também havia se formado em
direito e se tornado promotor. Eu não queria nem ver uma audiência
com ele. Conhecia bem o jeito arrogante dele e tinha certeza de que
conseguiria acusar quem quer que fosse.
Eu e Matthew havíamos nos aproximado mais no último ano.
Estávamos saindo há quase 3 anos. E nada dele me pedir em
namoro. Estava mais do que na hora, e eu não era a única que
achava aquilo. Alexia o pressionou umas 2 vezes, e a única
resposta foi: “Não é a hora ainda”. T
udo bem, não é a hora ainda.
Nós não entendíamos, mas eu ia esperar. Talvez realmente não
fosse a hora certa ainda.
Naquele dia, eu não estava preocupada com nada além de
mim mesma, porque era o dia do meu aniversário e da minha
formatura. Era meu presente para mim mesma: meu futuro. Eu mal
podia acreditar que estava me formando em medicina especializada
em pediatria. Finalmente, depois de tanto tempo estudando,
estagiando, ficando até mesmo noites sem dormir, eu ia me tornar
residente e ter meus próprios pacientezinhos, meus bebês.
A convivência diária com bebês me preparou para Adrian, e a
convivência com Adrian estava me preparando para os meus
pacientes bebês. Qualquer febre ou algo do tipo era eu quem
cuidava. E era tão bom poder cuidar do meu afilhado.
E Alexander no de todas aquelas mudanças? É claro que a
convivência com ele era quase a mesma. Ele estava menos
implicante por causa de Adrian e quase não me provocava, o que
era um grande avanço; me lembrava os meses de preparação para
o casamento de Allana e Theo, e até algumas semanas depois.
Nosso afilhado o desestruturava completamente, o deixava sem
coragem de me provocar ou implicar. Era incrível como aquele
serzinho tinha mudado Alexander, o tornado mais gentil, calmo e até
amoroso; eu até poderia arriscar em dizer.
A mudança era visível não só em Alexander, mas em mim
também. Eu estava aprendendo a ser como uma mãe. Era
maravilhoso poder cuidar de Adrian. E era encantador a forma como
ele me amava, a forma como me deixava beijá-lo e sorria para mim.
Eu me sentia tão completa com aquela família que a vida havia me
dado.
O batizado de Adrian ainda não tinha acontecido, estava
marcado para o dia do aniversário dele, 04 de Outubro. Estávamos
esperando pela minha formatura acontecer, que seria no dia do meu
aniversário. 27 anos e pediatra.
Meus pais teriam tanto orgulho de mim e eu realmente os
queria comigo naquele momento. Seria importante. Mas, não
importa onde estivessem, eles estavam comigo, no meu coração. E
eu tinha certeza de que estavam orgulhosos do que eu havia me
tornado.
Por mais incrível que pudesse parecer, eu não estava nervosa.
Estava tão calma e centrada, que me sentia leve. Estava preparada
há muito tempo para aquele dia e me sentia pronta para me formar.
E era incrível que fosse no mesmo dia que meu aniversário.
Eu estava de banho tomado e enrolada em um roupão no meu
quarto. Eu já havia me habituado ao quarto, a casa, a rua... Depois
de 2 anos, havia se tornado fácil me acostumar com coisas novas. E
eu aprendi a gostar dali. Era bom. Era leve. Era novo.
O dia amanheceu fresquinho, como sempre era em Charllotte.
Eu podia ver as folhas caindo das árvores pela janela do meu
quarto. O Outono deixava a cidade mais linda do que já era. E eu
sempre achei mágico ver as folhas caindo das árvores. Meu pai
costumava me levar em parques essa época do ano. Sempre foi a
minha estação favorita principalmente por aquilo, porque era quando
ele passava mais tempo comigo.
Eu estava nostálgica; era fato. Mas como não ficar nostálgica
no dia da sua formatura, que, por acaso, é no dia do seu
aniversário? Era impossível não ficar nostálgica, emocionada ou
emotiva. E eu estava.
Estava sentada em frente à penteadeira há algum tempo
depois do banho. Meu cabelo já estava seco e eu esperava por
Alexia, que ainda estava no banho, e por Allana, que ainda não
havia chegado. Como Allana tinha a chave da casa, não precisava
ficar de olho para abrir para ela. E Theo ficaria com Adrian no tempo
que ela estivesse aqui.
Claro que Allana se dispôs completamente a ajudar eu e Alexia
a nos arrumar. Íamos ficar de beca a maior parte do tempo, mas ela
insistiu em nos arrumar para o jantar de depois da formatura. Era só
uma colação de grau, simples. Mas o nome do meio da Allana era
exagero, não é mesmo?!
Eu estava curtindo meu momento de reflexão, sozinha, em
paz, em silêncio. Apenas eu, meus pensamentos e minhas
lembranças; as felizes e as dolorosas. Porque, apesar de tantos
momentos ruins, em compensação eu tive infinitos momentos bons.
E era grata por cada um deles, bons e ruins; porque eles fizeram a
mulher que eu era naquele momento.
Respirei fundo, cruzando as pernas e balançando-as. Estava
começando a ficar ansiosa. Queria que Allana chegasse logo para
nos arrumarmos. Eu ainda nem sabia o que iria vestir. Ia ficar de
beca um tempão e só ia tirar no final, e ia para o restaurante com a
roupa que escolhesse. Mas eu já podia ter uma ideia da roupa que
ia vestir. Aquele pensamento me deixou bastante animada, me
fazendo abrir um sorriso.
Ouvi passos na escada antes que começasse a ficar nervosa,
e respirei fundo, aliviada. Pelo menos Allana havia chegado. Logo
Alexia sairia do banho e finalmente começaríamos a nos arrumar.
Eu estava louca para experimentar a roupa que estava pensando
em colocar.
Eram 15h00 da tarde. Eu tinha acordado cedo, confesso. A
ansiedade não me deixou dormir até depois das 11h00, que era o
que eu pretendia. A colação começava às 17h00, então ainda tinha
algum tempo para me arrumar e chegar lá.
A porta do meu quarto foi aberta e Allana entrou. Ela franziu a
testa ao me ver sentada ainda de roupão e entrou, fechando a porta.
— Cadê a Alexia? — perguntou, inclinando-se para me dar um
beijo, e deixou uma mala de mão em cima da cama.
— No banho — respondi, levantando-me da cadeira e indo
sentar na cama. — O que tem aqui? — inquiri, já abrindo a bolsa.
Minha pergunta foi respondida sem que Allana precisasse falar
nada. — Ah, não acredito! É sério? — choraminguei.
Dentro da bolsa estava cheio de todo tipo de maquiagem:
corretivo, pó, base, primer, iluminador, blush, contorno, sombra,
tudo... Absolutamente tudo o que pode haver de produto de
maquiagem. Allana adorava maquiagem, além de lecionar. Então,
ela tinha feito um curso quando tínhamos entre 18 e 19 anos. Era
uma maquiadora incrível. Eu amava as maquiagens que ela fazia,
quando não exagerava, é claro. Ela amava um batom vermelho.
— Nem reclama — Allana resmungou, tirando os tênis e se
sentando ao meu lado. Ela pegou o celular, enquanto se encostava
na cama e mandou áudio para Theo, falando sobre Adrian.
— Super-protetora — murmurei, fazendo-a revirar os olhos e
me dar um empurrão de leve.
— Você vai entender quando tiver seus próprios filhos — disse,
apenas. Ergui as sobrancelhas e respirei fundo. — Acho bom a
Alexia sair do banho logo. Já está passando das 15h00. Depois
atrasa e a culpa é minha que demorei muito na maquiagem —
Allana avisou, dando de ombros. Respirei fundo. Ela tinha razão,
mas eu que não ia apressar o banho da Alexia. Banho era um
momento único e sagrado.
Por sorte, a porta do meu quarto foi aberta, e Alexia entrou
enrolada no roupão, secando os cabelos com uma toalha.
— Ela ficou mais de uma hora no banho — contei para Allana,
fazendo-a rir e Alexia revirar os olhos enquanto se sentava na ponta
da cama.
— Estou pronta para começar a me arrumar e o cabelo vai
natural — Alexia avisou, encarando Allana. A loira revirou os olhos e
fez um gesto impaciente com as mãos. Ela se levantou e deu a volta
na cama, tirando todos os produtos da mala e colocando em cima
do colchão. Era realmente muita coisa.
— Vem, Victoria. Senta. — Allana me puxou pela mão,
colocando-me sentada na cadeira outra vez, enquanto Alexia
secava o cabelo. Fiz o que ela pediu, já estava acostumada como
ficava profissional e concentrada quando estava maquiando. — Já
sabem o que vão colocar? — ela perguntou, enquanto prendia meu
cabelo e começava a preparar minha pele em seguida.
— Eu já — Alexia respondeu, preguiçosa e
despreocupadamente. Alexia era total e completamente tranquila.
Nunca tinha problemas com ela, e ela sempre sabia o que ia fazer
ou qualquer coisa bem antes. Eu bem que queria ser daquela forma.
Suspirei pesado.
— E você? — Allana perguntou, passando base no meu rosto,
e me encarou.
— Pensei em um vestido de mangas longas — respondi,
vagamente. Era surpresa; o vestido era novo e nenhuma das duas o
tinha visto ainda. Sequer passou pela minha cabeça ir com ele, nem
sei porque havia comprado. Olhei, achei diferente, me agradou e eu
comprei. Só não imaginei usá-lo na minha formatura-aniversário.
— Poucas informações — Allana reclamou, me fazendo rir . Ela
detestava quando eu fazia aquilo, deixava sua curiosidade muito
mais aguçada que o normal.
— Você vai ver. E já tenho o sapato perfeito para usar junto —
contei. Allana bufou.
— Pode me falar as cores, pelo menos? — ela questionou. —
Para saber como vou fazer sua maquiagem — acrescentou.
— Vinho e preto — murmurei e Allana abriu um sorriso. Ela
gostava quando eu usava cores diferentes do que estava
acostumada. Era bom inovar de vez em quando. Eu gostava.
— E você, Alexia? — Allana inquiriu, já passando blush no
meu rosto, após terminar a pele.
— Nude e preto — Alexia respondeu, fuçando nas maquiagens
de Allana.
— Mais fácil — a loira murmurou, concentrada no meu rosto e
na maquiagem que estava fazendo.
Allana era a melhor maquiadora que eu conhecia, a melhor
maquiadora de Charllotte. E, mais uma vez, ela conseguiu me
deixar mais bonita que o normal. A maquiagem tinha tons neutros,
além do delineado, e o batom era de um vermelho escuro. Eu gostei
daquele tom. Combinava comigo, de certa forma. E combinava
muito mais com o vestido e o sapato.
— Sua vez, vem cá — Allana chamou Alexia e eu me levantei
da cadeira. Abri meu armário e peguei o vestido, que ainda estava
com a etiqueta. Peguei as botas over the knee pretas no outro
armário. Coloquei em cima da cama e só então percebi as
expressões surpresas de Allana e Alexia.
— O que foi? — perguntei, perdida.
— Que roupa é essa que eu nunca vi? — Allana questionou,
perplexa.
— Nova, comprei há poucas semanas. — Dei de ombros.
— Como eu não vi? — Alexia inquiriu, incrédula. — Eu moro
com você!
— Eu sei esconder coisas — murmurei, fazendo as duas
arregalarem os olhos. Dei risada. Até parece que elas não me
conheciam nem um pouco.
— Victoria! — Allana chamou a minha atenção e eu ri mais
ainda. Às vezes minhas amigas eram realmente muito absortas.
— É só uma roupa. Não façam tanto alarde por isso.
— Abusada — Alexia resmungou, fechando os olhos
novamente, para que Allana pudesse continuar sua maquiagem.
— Vai dar tempo de fazer em você? — perguntei, sentando-me
na cama. Allana me olhou por um momento.
— Claro que sim. A da Alexia é bem rápida — murmurou,
concentrada. Ergui as sobrancelhas. — Você pode começar a se
arrumar que são 16h00 já.
— Tudo bem — concordei, levantando-me outra vez. Tirei o
roupão, deixando-o pendurado atrás da porta e abri uma das
gavetas do meu armário. Peguei o pacote de meia-calça-fina preta e
voltei para perto da cama, enquanto o abria.
Coloquei a meia, o vestido e sentei na cama para calçar as
botas. Amarrei-as atrás dos joelhos e me levantei novamente,
ajeitando-as dos pés aos joelhos. Soltei o cabelo, que estava preso
em um rabo de cavalo e ele caiu liso e com algumas ondas em volta
dos meus ombros; eu tinha o alisado depois de secar. Estava do
jeito que eu gostava.
— Eu te odeio, Victoria — Alexia choramingou, enquanto suas
bochechas ganhavam um tom escarlate. Dei risada.
— Nem começa — alertei-a. Allana apenas me observou, com
um sorriso disfarçado.
Passei perfume e peguei uma bolsa carteira, colocando batom,
celular e dinheiro dentro. Aproveitei para arrumar a das meninas,
enquanto elas estavam ocupadas. Me sentei na cama, quando
terminei, para esperar por elas.
Allana não demorou de terminar a maquiagem da Alexia,
depois começou a fazer a sua, enquanto Alexia se trocava
rapidamente. Um vestido azul, com manga flare e um salto preto
simples. Ela se sentou ao meu lado ao terminar, que foi quando
Allana terminou a própria maquiagem. Ela colocou uma calça jeans
azul escura e uma blusa de seda rosa bebê, com uma jaqueta de
couro preta por cima e um salto preto fechado.
— Eu não sei como vocês conseguem. — comentei,
observando as duas, que riram. Quando Allana terminou, nós
tiramos uma foto, e finalmente saímos de casa depois de pegar
nossas becas amarelas. Dei risada quando Allana olhou a cor, eu
jamais esqueceria daquele dia há anos atrás, e jamais deixaria que
ela se esquecesse também.
Fomos de táxi, porque todas queríamos beber vinho ou
qualquer outra coisa com álcool durante o jantar, e porque iríamos
no carro de Theo depois. Chegamos logo na faculdade, onde seria a
colação de grau.
Estava cheio o auditório quando entramos. Eu e Alexia nos
vestimos enquanto entrávamos. Ficamos com Allana, esperando
Theo chegar, para que ela não ficasse sozinha. Já eram 16h45 e
nada dele com o bebê. Allana já estava impaciente. Até que ele
chegou. Quase não acreditei quando vi Alexander, com Adrian no
colo, entrando junto com Theo. Seria possível?
Alexia e Allana deram risada ao ver minha expressão e eu abri
o meu melhor sorriso. Era meu dia e nada estragaria. Mas eu sabia
que ele ia me provocar, mesmo com Adrian, ele ia. Eu o conhecia o
suficiente para ter certeza daquilo.
— Agora não é mais bebê de colegial ou faculdade, é bebê de
hospital, não é, canarinho?! — Alexander já chegou me provocando,
sem se importar com Adrian em seu colo. Ele me mediu dos pés à
cabeça, estava quase rindo da cor da minha beca, o idiota.
Semicerrei os olhos para ele.
— Se orienta, Alexander — Allana repreendeu o cunhado, que
riu. Ela detestava a cor, e detestava que ele implicasse comigo.
Peguei meu afilhado do colo dele.
— Oi, meu amor. — Dei um beijo apertado na bochecha de
Adrian, fazendo-o rir. — Você vai dar os parabéns duplo da
madrinha? — perguntei, virando o lado direito da bochecha para ele.
— Abens — Adrian balbuciou, encostando a boquinha na
minha bochecha, como se fosse um beijo. Virei o outro lado e ele
fez a mesma coisa. Enchi ele de beijos.
Depois do primeiro ano, começamos a ensinar ele a dar beijos.
E o bonitinho era tão esperto que nem precisamos ensinar muitas
vezes. Logo saiu dando beijos em todos. O beijoqueiro.
— Gostoso. — Apertei ele no meu colo. — A madrinha volta
daqui a pouco. — prometi, dando outro beijo nele e entregando para
Allana. Theo beijou minha testa, depois que ela me abraçou, e desci
com Alexia para onde os alunos ficavam.
Nos sentamos com a nossa turma, na hora que o reitor da
universidade subiu no palco com os professores. Olhei para trás,
para ver onde Allana sentou-se, a tempo de ver Matthew entrando.
Ele me achou entre os alunos e piscou para mim, fazendo-me abrir
um sorriso.
— Matthew veio. — sussurrei para Alexia ao meu lado. Ela
olhou para trás e voltou a me olhar com um sorrisinho fofo meio
segundo depois. Éramos lindos juntos, segundo ela. Eu podia
concordar com aquilo.
A cerimônia demorou um pouco mais do que esperávamos,
mas foi especial. Nossa primeira faculdade, íamos cuidar de bebês,
era o meu aniversário... Eu estava muito mais do que feliz, estava
realizada.
Logo, começaram a chamar os nomes para entregar os
diplomas. Eu me sentia ridícula dentro daquela beca amarela, mas
só conseguia rir daquilo. Estava tão eufórica, que nem estava mais
ligando para o fato de estar parecendo um canarinho, como
Alexander disse.
— Victoria Jessica Miller.
Finalmente ouvi meu nome, um dos últimos, e pude me
levantar e ir até o palco receber meu diploma. Fiquei aliviada por
não tropeçar e conseguir pegar meu diploma sem problemas. Do
jeito que estava nervosa, não ia estranhar se levasse um tombo.
Fui direto para Allana, que me recebeu de braços abertos e um
enorme sorriso no rosto. Theo abraçou nós duas, depois de deixar
Adrian no colo de Alexander.
— Parabéns, meu amor! — Allana apertou-me em seus
braços. Eu senti vontade de chorar, mas me segurei o máximo que
pude. Era um choro de alegria, nostálgica, saudade... Tantos
sentimentos juntos, que eu me sentia inalcançável por eles.
— Eu tinha certeza que você conseguiria, Vic. — Theo me deu
um beijo na testa. Respirei fundo, abrindo um sorriso nervoso. Eu
me sentia realmente nervosa naquele momento. Eufórica, ansiosa...
Vi Matthew descendo até onde nós estávamos e fui até ele.
Matthew abraçou-me e me deu um beijo demorado. Ele me
entregou um buquê de rosas vermelhas. Era ou não era perfeito?!
Consegui ver Allana, Theo, Alexia e Alexander, com Adrian no
colo, passando por nós, indo direito para a saída.
— Obrigada por vir, Matthew. — agradeci, com um suspiro.
— Eu tinha que ver você se formar, não?! — Ele abriu um
sorriso tão lindo, que me fez suspirar outra vez.
— Vem, bebê de hospital! Allana está chamando! — Alexander
praticamente berrou, voltando até onde eu estava. Eu não tive
reação, apenas encarei-o, perplexa. O que ele pensava que estava
fazendo?
— Idiota. — Xinguei, irada. Por que ele interrompeu?
— Para de graça, Victoria. Temos que ir. Tem horário. Allana
está impaciente. — Ele deu de ombros. — Chama sua madrinha. —
Ele falou com Adrian.
— Mama — O bebê esticou os braços para mim.
O cretino teve a coragem de colocar nosso afilhado no meio
daquilo. Eu ia matá-lo, daquela vez eu ia.
— Eu vou te matar. — prometi, enquanto pegava Adrian do
colo dele. Alexander apenas piscou para mim. Respirei fundo, para
não dar uns tapas nele na frente de Adrian.
— Nos vemos no hospital, Matthew. Obrigada por vir. —
Agradeci, mais uma vez.
— Sem problemas. — Matthew fez questão de me beijar de
uma forma demorada, deixando Alexander mais irado ainda. Eu
quase ri da expressão dele.
Saí com o idiota de dentro do auditório e Adrian no meu colo.
O bebê mexia nas mechas soltas do meu cabelo, parecia
concentrado. Era normal naquela idade, descobrindo coisas. E claro
que o cabelo da madrinha era bastante interessante.
— Já que você é um idiota e atrapalhou minha conversa, pelo
menos me ajude a tirar essa beca e esse chapéu. — pedi,
impaciente. Alexander não disse nada, apenas me ajudou com o
que pedi. Ele tirou o chapéu da minha cabeça e a beca do meu
corpo, e ainda pegou meu diploma na mão, porque eu estava com
Adrian no colo. Indícios de Alexander gentil comigo voltando ou eu
estava louca?
Encontramos Allana, Theo e Alexia lá fora, encostados no
carro de Theo. Era um carro só, infelizmente. Eu teria que aturar
Alexander dentro do carro também. Para meu total contentamento,
ele entrou no banco carona. Então eu, Allana e Alexia fomos atrás.
O restaurante ficava perto do hospital em que trabalhávamos,
e era um restaurante incrível. Eu adorava comer ali. Theo já havia
feito reservas para nós, e tinha até uma cadeirinha para Adrian, que
ficou entre o meu lugar e o de Allana. Alexander pediu uma garrafa
de champagne e 5 taças.
— Você está comemorando, Alexander? — alfinetei, com um
sorriso irônico.
— Talvez eu esteja, bebê. — Ele respondeu, com um sorriso
igual ao meu. Semicerrei os olhos e seu sorriso se alargou. Idiota.
A champagne foi colocada na mesa e nós fomos servidos.
Pegamos nossas taças e Adrian nos observava com atenção,
observava cada movimento de cada um de nós. Meu garotão
esperto. Dava vontade de apertá-lo o tempo todo. Eu quase morria
de tanto amor que eu tinha por aquele menino. Não só por ser filho
de Allana e Theo, mas porque eu sentia que ele era uma parte
minha também, como se fosse meu filho. E ele era mesmo como um
filho para mim. Eu amava Adrian com todo meu coração.
— A Victoria, sua determinação, por ter se formado, por ter
uma profissão que ama e pelo seu aniversário. — Theo levantou as
taças, e nós o imitamos, brindando. Meus olhos ficaram marejados e
eu respirei fundo, abrindo um sorriso.
Eu estava feliz por tê-los ali comigo. Todos eles. Incluindo
Alexander, por mais que eu não gostasse de admitir. Estava feliz por
ele estar ali em um dia tão importante para mim, e não sabia
explicar o porquê de me sentir daquela forma.
Pela primeira vez, em muito tempo, eu acordei disposta e me
sentindo completamente leve. Há muito tempo eu não acordava
daquela forma, talvez pelo cansaço ou pela ansiedade que andava
sentindo nos últimos meses. Mas eu finalmente tinha terminado a
faculdade e podia respirar.
Era o que eu queria, é claro. Me formar em pediatria, cuidar de
crianças... Mas era realmente exaustivo ir da faculdade para o
estágio todos os dias. Eu quase não dormia, e quando conseguia
dormir, era por pouco tempo. Então, eu estava mesmo contente por
ter terminado.
O tempo estava fresquinho quando abri as cortinas e a janela.
As folhas caíam das árvores e a calçada estava lotada delas, eu
podia ver. Inspirei o ar que entrava pelas janelas e fechei os olhos
por um momento.
Eu gostava da minha cidade, por aquele clima ameno. Aquele
clima fazia parecer que tudo ficaria bem. A temperatura, o vento, o
cheiro das árvores e das folhas caindo. Aquilo sempre foi mágico
para mim.
Respirei fundo, abrindo os olhos e saí da frente da janela,
deixando o ar entrar no meu quarto e correr pela casa, e fui para o
banheiro. Eu gostava muito daquela casa, havia aprendido a gostar,
na verdade. Era novo, leve e aconchegante.
E eu tinha Alexia ali comigo, o que me ajudava em dias que
não eram tão bons quanto os outros. Era ótimo não estar sozinha.
Eu nunca gostei de me sentir daquela forma, me deixava muito
desanimada. E eu quase nunca estava ou me sentia sozinha.
Sempre tive pessoas que amava ao meu lado e aquilo foi importante
para me manter em pé, de cabeça erguida para enfrentar o que quer
que fosse.
No banheiro, tirei toda a roupa e coloquei no cesto. Aproveitei
que tinha acordado um pouco mais cedo que o planejado para
tomar banho e lavar meu cabelo para poder arrumá-lo melhor.
Tentei ser rápida e desliguei logo. Enrolei uma toalha no corpo
e saí do banheiro secando o cabelo com outra toalha. Pelo silêncio,
Alexia ainda estava dormindo ou estava no banho. O quarto dela
ficava na frente do meu, mas dificilmente ouvíamos uma a outra
quando estávamos em nossos quartos.
Alexia era mais individualista, como eu. Fazia suas coisas
sozinha, no seu canto, do seu jeito. E eu também era daquele jeito,
de certa forma. Às vezes precisamos de um tempo só nosso para
fazer nossas coisas do nosso jeito; eu acreditava fielmente naquilo.
Mas é claro que também estava acostumada com o jeito da Allana
de fazer tudo junto. Então, eu era uma mistura de fazer tudo sozinha
com fazer tudo junto.
A porta do meu quarto estava apenas encostada e eu não a
abri. Quando Alexia se arrumasse, provavelmente iria atrás de mim
ver se eu precisava de alguma ajuda. Ela podia ser individualista,
mas era muito solícita, com tudo. Por aquele motivo combinávamos
tanto; éramos parecidas, em diversos aspectos.
Sentei na cadeira da penteadeira, depois de colocar um
roupão e comecei a secar os cabelos. Eu não tinha tempo para
esperá-lo secar sozinho. Tinha que ser tudo muito rápido.
Aquele era um dia muito importante, mais importante até que
meu aniversário e minha formatura. Era aniversário e batizado do
meu afilhado. Depois de 2 anos, eu seria, oficialmente, a madrinha
do meu gordinho. E Alexander o padrinho, é claro.
Allana marcou a data quando eu avisei o dia que me formaria.
Ela ficou eufórica. E, por mais que eu não demonstrasse, também
havia ficado. Seria uma honra batizar Adrian. Aquilo enchia meu
coração de felicidade. O meu amor por ele enchia meu coração de
felicidade.
Depois que terminei de secar meu cabelo, o escovei com uma
escova macia e passei os dedos em seguida. Estava em um
tamanho ótimo, além da cor, que estava linda. Aquele chocolate
meio castanho combinava comigo, e eu gostava muito daquela cor,
contrastava bem com o tom claro da minha pele.
A porta do meu quarto foi aberta e eu pude ver Alexia pelo
reflexo do espelho; ela parecia de banho tomado, dentro de um
roupão, e seus cabelos estavam molhados. Nós duas sorrimos e ela
entrou.
— Bom dia. — Alexia inclinou-se para me dar um beijo no
rosto e se sentou na minha cama. — Seu cabelo está muito bonito.
— Ela elogiou.
— Eu só sequei. — Ri, deixando o secador no chão e me
levantei da cadeira. — Como você vai?
— Pensei em uma calça. O tempo está gostoso e eu não sou a
madrinha. — Alexia respondeu, me fazendo abrir um sorriso,
enquanto abria meu armário, procurar uma roupa. — E você?
— Eu pensei em um vestido de mangas longas.
— Sua cara. — Ela riu. Dei de ombros, com um meio sorriso.
Passei a mão pelos diversos vestidos que eu tinha. Sim, eu tinha
muitos. Era o que eu mais gostava de usar, além das saias e
conjuntinhos no hospital. Era chique ser médica.
Tirei um vestido azul escuro do cabide; era larguinho, as
mangas eram largas e ele ia até a metade das coxas. Era um
tamanho adequado para um batizado. Mostrei para Alexia e ela deu
de ombros, fazendo que sim com a cabeça.
Coloquei uma meia calça fina preta e o vestido. Ainda não
tinha o usado, e caiu perfeitamente em mim. Aquele foi um presente
de Alexander de ontem. E não é que ele sabia dar presentes?!
— Esse é novo, não é?! — Alexia perguntou, a expressão
confusa.
— Sim, de ontem. Alexander. — murmurei, sem olhar para
Alexia.
— Uau! Que bom gosto.
O tom de voz da minha amiga nem precisou ser tão explícito
como de costume para eu saber o que ela estava pensando.
— Você viu só?! Ele não sabe só implicar comigo, sabe me dar
bons presentes também. — resmunguei, fazendo-a rir.
Alexia era outra igual Allana que achava que tanta implicância
era paixão. Bobagem. Não tinha nada daquilo entre mim e
Alexander. No máximo nos suportávamos nos melhores dias. Nos
piores não precisava nem falar que tudo ia a baixo, não é mesmo?!
— Ficou muito bonito em você. — Alexia comentou. Ergui as
sobrancelhas, observando-me.
— Sim, ficou. — concordei, com um suspiro. Eu era obrigada a
admitir que o vestido havia ficado realmente bonito em mim. Sim,
Alexander tinha um bom gosto. E sim, eu lhe daria o gostinho de
aparecer com o presente dele no batizado do nosso afilhado. Aquilo
seria motivo para ele implicar comigo por mais 10 anos. Mas tudo
bem. Por Adrian o sacrifício valia. Qualquer sacrifício valeria por
aquele bebê.
Sentei-me na cama para calçar as botas pretas de couro e
cano baixo com salto. Depois de fechá-las, levantei da cama, e me
ergui, ajustando a meia nas pernas. Arrumei o vestido na cintura e
fiquei em pé.
— É hoje que alguém apaixona de vez. — Ouço a voz de
Allana e me viro. Ela está na porta, com duas malas e Adrian está
andando devagar até mim com um sorriso lindo no rosto.
— Mama — balbuciou, se jogando em mim quando me
abaixei.
— Ai, meu Deus! Meu amor. — Peguei-o no colo e o enchi de
beijos. — Eu ia para sua casa. — Dei um beijo no rosto de Allana,
quando ela entrou e deixou as malas na cama.
— Alexander e Theo estão parecendo duas mulheres
arrumando tudo para a festinha depois da igreja lá em casa, então,
achei melhor deixá-los se virando e vir para cá. — Ela explica,
dando um beijo em Alexia e se sentando na cama. Allana parece
exausta enquanto tira a jaqueta e os tênis. Ela claramente ainda não
está pronta. Apenas os tênis.
— Fez bem. — Alexia comentou.
— Quem vai hoje? — perguntei, tirando as botas, porque com
Adrian no colo não tinha condições. Mas o danadinho pediu chão e
eu acabei me sentando na cadeira da penteadeira e cruzando as
pernas, enquanto ele andava pelo quarto. Sorte que Allana fechou a
porta ao entrar, ou ele iria sim para as escadas.
— Só nós mesmo. — Allana suspirou, desanimada. A família
dela e de Theo era daquela forma, sempre foram daquele jeito,
distantes. Eles pareciam realmente se importar com os dois, e muito
menos com Adrian. Aquilo era horrível.
— Vocês podem falar que não tem parentes. — resmunguei,
passando a mão pelos cabelinhos de Adrian, que passava ao meu
lado naquele momento.
— E não temos mesmo. Só temos você e Alexander que
sempre estiveram conosco. — Allana concorda. Aquilo realmente
cortava meu coração. Na minha casa sempre fomos eu, minha mãe
e meu pai. Não havia mais ninguém de família, e era melhor
daquela forma do que ser como de Allana e Theo; haviam pessoas,
mas pessoas que não se importavam nem um pouco. Era melhor
não ter família do que ter e ser daquele jeito. Família era um porre,
na maioria das vezes.
— Que que meu garotão gostoso vai vestir? — perguntei, para
mudar de assunto, e peguei Adrian no colo. Coloquei-o sentado nas
minhas pernas e ele ficou. Adrian era um bebê muito bonzinho.
Puxou ao Theo, com certeza, porque Allana era muito mais agitada.
— Separei a roupa que você comprou para o batizado e a que
Alexander deu para a festa. — Allana esclareceu, abrindo uma das
malas e colocando as roupas esticadas no colchão. Há dois meses
eu havia comprado uma roupa branca para ele usar no batizado, e
Alexander tinha dado uma roupa azul para a festa. Nós éramos os
padrinhos mais eficientes e conectados que existiam no mundo. Não
era possível.
Não conversamos, o que, por acaso, era uma coisa rara. E de
repente chegamos com os presentes combinando. Se aquilo não
era sintonia, eu não sabia mais o que era.
— Super conectados. — Alexia provocou, levantando-se da
cama, e saiu correndo do quarto.
— Palhaça! — gritei e a ouvi rir do corredor, depois de fechar a
porta. Allana apenas balançou a cabeça, com um sorriso disfarçado.
Ela não falava mais nada sobre aquilo, sabia que não adiantava.
— Vamos trocar o Adrian. — Ela disse, apenas. Balancei a
cabeça, concordando. Levantei com Adrian da cadeira e coloquei-o
em cima da cama. Allana separou a roupa do batizado e guardou a
da festa. Era linda. O filho da mãe tinha bom gosto, eu era obrigada
a confessar.
Adrian pegou uma almofada minha e abraçou. Olhei para
Allana e ela sorriu. Ele gostava de pegar coisas e abraçar.
Principalmente coisas que eram dos pais ou dos padrinhos. Vivia
abraçando o paletó do terno de Alexander, quando ele o tirava e
deixava no sofá da casa dele.
— Vem cá, meu amor, vamos vestir você. — Peguei Adrian,
fazendo-o soltar a almofada, e o coloquei sentado na ponta da
cama. Me abaixei, colocando os joelhos no chão e tirei a roupinha
dele, enquanto Allana fecha a janela no vidro, para que ele não
pegasse aquela corrente de vento sem roupa.
— Mama. — Adrian balbuciou, pegando meus cabelos.
— Isso é mãe ou madrinha? — Dei risada, fazendo-o rir
também.
— Até hoje não descobri, desde quando ele começou a falar.
Faz quanto tempo já? — Allana perguntou.
— Uns 8 meses?!
— Por aí. — Ela deu de ombros, enquanto colocava a roupa
branca ao lado dele e nós o trocamos juntas. Adrian ficou paradinho,
apenas olhando para nós duas. Ele nos olhava com uma adoração
que quase me fazia chorar.
Allana penteou os cabelinhos dele, passou gel e perfume.
Coloquei o sapato dele, combinando com a roupa. Presente meu. E
Alexander também havia dado o sapato combinando. Era mesmo
inexplicável a sintonia que parecíamos ter.
— Ah, como o meu gordinho tá lindo. — elogiei, beijando as
bochechas de Adrian, e fazendo-o rir. Aquelas bochechas gordinhas
me davam vontade de ficar beijando-o todo o tempo.
— Meu filho é um gostoso. — Allana beijou a bochecha
gordinha de Adrian e passou mais perfume nele. O menino exalava
perfume por onde passava, e era muito cheiroso. O gordinho riu,
batendo as mãozinhas uma na outra.
— Ele já está pronto. Vá se trocar. — Mandei. Allana respirou
fundo e concordou. Deixei Adrian no chão, era mais seguro, porque
ele ia querer descer da cama, de qualquer forma.
Sentei na cadeira da penteadeira, para fazer maquiagem,
enquanto Allana fuçava na mala atrás de sua roupa. Uma mala era
dela e outra de Adrian, que estava arrumada, e a dela estava uma
bagunça, e eu não estava entendendo.
Fiz uma maquiagem leve e básica. Não precisava de tanto. Era
o aniversário de 2 anos do Adrian, mas também era um batizado. Eu
não podia simplesmente fazer um esfumaçado preto ou passar um
batom vermelho, por mais que eu adorasse aquele tipo de
maquiagem.
Allana terminou de se trocar e eu deixei ela sentar para se
maquiar também. Peguei Adrian e deitei na cama com ele. Eu
gostava de Adrian porque ele era um bebê bonzinho, não reclamou
de sair do chão, ficou quietinho na cama comigo, enquanto Allana
se maquiava. Ele ficou abraçado com meu travesseiro, enquanto eu
fazia carinho nele.
Não demorou para que Allana terminasse a maquiagem e
arrumasse as malas. Coloquei minha bota novamente, pendurei a
bolsa no ombro e peguei Adrian no colo. Encontramos Alexia no
corredor, saindo de seu quarto, e descemos as escadas juntas.
— Pegou tudo, All? — perguntei, enquanto saíamos de casa, e
Alexia trancava a porta. Allana destravou o carro, guardando as
malas.
— Peguei, é claro. — Ela respondeu, fechando o porta malas.
Coloquei Adrian na cadeirinha no banco de trás, e entrei no banco
carona, enquanto Alexia entrava atrás. Allana assumiu o volante em
seguida. — Vou passar em casa para deixar as malas. E depois do
batizado precisamos trocar ele. — Ela esclareceu, enquanto ligava o
carro, e saía dali.
— Tudo bem. Eu te ajudo. — murmurei, respondendo a última
mensagem de Matthew. Ele não foi convidado para o batizado por
uma chatice de Alexander. “Ele não é nada no Adrian, e nem
namorado da Victoria é. E muito menos amigos de vocês. Alexia
tudo bem, é amiga da Allana. Mas para quê convidar o cara? Não
faz sentido.” Infelizmente, Allana concordou com aquilo. Então,
Matthew não iria.
Logo Allana estacionou o carro em frente à sua casa. O carro
de Alexander estava estacionado, também. Então ele e Theo já
tinham chegado. Saí do carro, com a bolsa, e peguei Adrian na
cadeirinha atrás. Alexia ficou para ajudar Allana com as malas,
enquanto eu entrava na casa.
Deixei minha bolsa no sofá e procurei por Theo e Alexander.
Encontrei-os na cozinha, com uma garrafa de água vazia e outra
pela metade. Eles pareciam cansados, mas já estavam arrumados.
Naqueles momentos que eu queria ser um homem, para me trocar
rápido.
— Terminaram faz tempo? — perguntei, encostando no balcão
e colocando Adrian em cima. Ele brincava com meus cabelos, alheio
a tudo em volta.
— Uns 20 ou 30 minutos. — Theo respondeu.
— Essa coisa de arrumar decoração é para mulher. —
Alexander resmungou. Ergui as sobrancelhas.
— Você que se ofereceu. — Lembrei-o, fazendo revirar os
olhos.
— Deixa de ser resmunguento, Alexander. — Allana o
repreendeu, enquanto entrava na cozinha com Alexia. — Você disse
que ajudaria Theo, para mim cuidar de Adrian.
— Idiota. — Dei risada, cheirando Adrian. Ele estava tão
cheiroso que era simplesmente impossível não inspirar o cheiro dele
a cada dois segundos. Alexander balançou a cabeça,
negativamente, enquanto colocava o copo na pia, e veio para pegar
Adrian de mim. Tirei o bebê do alcance dele.
— Não está cansado? Descanse. — Abri um sorriso irônico e
Alexander revirou os olhos para mim outra vez.
— Me dá ele, Victoria. — pediu, impaciente.
— Dou nada para você. Se orienta, Alexander. Não vê que o
menino está entretido aqui?! — Mostrei Adrian absorto, mexendo
nos meus cabelos e brincos. Percebi como Alexander ficou
possesso.
— Veja como é gostoso ser provocado, cunhado. — Allana
implicou, rindo. Alexander não disse nada, ficou quieto depois do
olhar que Theo lhe lançou. Era naqueles momentos que eu adorava
o fato Theo ser o irmão mais velho.
— Certo. Vamos embora. Tem horário na igreja. — Theo
lembrou. Allana concordou, com um suspiro pesado, e nós saímos
da casa. Entreguei Adrian para Allana e ela o colocou na cadeirinha.
Não teria lugar para todos no carro de Theo, porque o porta malas
estava cheio e tinha coisa para levar no banco.
Me parecia que eu ia ter que ir com Alexander até a igreja. Eu
só esperava que ele não ficasse de gracinha. Era o dia de Adrian, e
não era o momento para ele me provocar.
— Eu levo a Victoria. — Alexander puxou-me para o carro
dele, sem ao menos perguntar. Ele adivinhou o que pensei ou era
tão lógico e perspicaz quanto eu? Eu preferia ficar com a primeira
opção, para não comparar nós dois.
— Que tipo de idiota você é? — perguntei, exaltada e
surpresa. Ele não se oferecia para me levar, era sempre pedido de
Theo. O que deu nele?
— O idiota que sempre te salva. Agora entra. — Ele abriu a
porta do carro para mim. Semicerrei os olhos para ele e ele ergueu
as sobrancelhas para mim. — A propósito, o vestido ficou bem em
você. — Disse. Aquilo sim me deixou surpresa.
Respirei fundo e entrei no carro. Não ia dar aquele gostinho de
rebater para ele, não naquele dia.
— Não esquece do cinto. — Alexander avisou, antes de fechar
a porta e dar a volta no carro, assumindo o volante. — Pode ligar a
rádio, se quiser. — ofereceu. Franzi a testa.
— Está sendo gentil para me sacanear depois? — perguntei
de uma vez. Era a cara dele fazer aquilo comigo. Alexander revirou
os olhos.
— É claro que não, Victoria. Estou sendo realmente gentil,
porque é um dia especial, e nós temos uma ligação.
— Nós temos uma ligação? — repeti, erguendo as
sobrancelhas.
— É claro que temos. Adrian é nossa ligação, e precisamos
nos dar bem hoje.
— Tudo bem. Quem é você e o que fez com o Alexander?
Alexander riu, enquanto seguia o carro de Theo. Lembrei-me
do cinto, quando vi o dele, e coloquei rapidamente antes que ele
inventasse de falar alguma coisa e me sacanear.
— Nada, sua boba. Agora ligue o rádio, assim não temos que
conversar e você achar que vou te sacanear em dois minutos. —
Ele pediu. Respirei fundo e balancei a cabeça, antes de ligar o rádio.
Ainda era a mesma de alguns anos atrás. Alexander não tinha
mudado, mesmo depois de tanto tempo. Não me atrevi a olhá-lo e
me perguntei porque ele nunca havia mudado de estação desde que
coloquei naquela.
Felizmente, não demorou para chegarmos na igreja. Tirei o
cinto e saí do carro de Alexander. Allana saiu com Adrian no colo e
eu o peguei dela. Ele trocava de colo sem reclamar. Quando eu
dizia que era um bebê bonzinho...
Entramos na igreja e fomos nos sentar na frente, porque
estava quase na hora do batismo. E eu estava muito emocionada
com aquilo. Era o bebê da minha melhor amiga e eu era a madrinha
dele. Não havia palavras para descrever aquele momento.
O batismo foi muito bonito e eu acabei chorando no final,
quando dei um beijo na testa de Adrian e ele era oficialmente meu
afilhado. Allana também estava chorando quando saímos da igreja e
me abraçou.
— Muito obrigada por me confiar esse papel. Eu vou ser a
melhor madrinha do mundo. — prometi.
— Eu sei que vai, Vic. Ele também é seu... — Allana
sussurrou, me dando um beijo na testa. A forma como ela falou
aquilo, mexeu mais ainda com meus sentimentos. — Eu te amo.
Muito obrigada.
— Eu também te amo, All. Muito obrigada você por esse
presente.
— Eu também te amo, Vic. Vem cá. — Theo me abraçou. Dei
risada.
— Eu te amo. Obrigada por Adrian. — murmurei.
— Falar que me ama ninguém quer, não é?! — Alexander
reclamou, nos fazendo rir.
— Você sabe que a gente te ama, não reclama. — Allana
repreendeu-o, dando um beijo na bochecha dele.
— Não seja dramático, irmão. — Theo o abraçou.
— Dramático. — Alexander resmungou, rindo. Balancei a
cabeça. Além de idiota, era dramático. Eu merecia mesmo.
— Leva ele com vocês. — Theo disse, indo para o seu carro.
Alexander concordou e pegou Adrian do meu colo. Ele tinha uma
cadeirinha para o bebê, assim como eu tinha uma no meu carro.
Entrei no carona e logo estávamos saindo dali.
— Não acha triste que sejamos só nós? — perguntei, olhando
pela janela. Eu estava pensando naquilo. Sempre éramos só nós...
O ouvi respirar fundo.
— Acho que é melhor só nós do que pessoas que não ligam.
— Alexander respondeu. — Melhor qualidade do que quantidade,
Victoria. — ele murmurou. Balancei a cabeça. Eu concordava com
aquilo. Por mais que não fosse admitir, eu e Alexander tínhamos
muitos pensamentos parecidos. E sim, uma ligação. Por Adrian. E
claro, por Allana e Theo. Iríamos conviver sempre. Aquilo era um
fato.
— Eu acho triste que ninguém ligue...
— Eu também acho. Mas prefiro pensar que ninguém liga mais
que nós dois.
Olhei para ele e Alexander estava sério, o olhar concentrado
na rua. Olhei para Adrian no banco de trás e ele parecia entretido
com o brinquedo de pano. Respirei fundo.
— Ninguém liga mais do que nós dois. — Repeti, voltando a
olhar para Alexander. Ele aquiesceu, concordando comigo. Sim,
ninguém se importava mais do que nós dois... E acho que ninguém
nunca se importaria mais do que nós dois.
Eu ainda estava pensativa quando chegamos a casa de Allana
e Theo. Saí do carro e peguei Adrian na cadeirinha no banco de
trás. Entrei junto com Allana na casa e subimos direto para o quarto
dela.
Coloquei o gordinho em cima da cama, enquanto Allana
pegava a roupa na mala. Ela colocou na cama enquanto eu tirava a
roupa de Adrian, e nós o trocamos. Allana passou mais perfume, é
claro. E nós descemos novamente. Encontramos Theo, Alexander e
Alexia na área da piscina. Éramos só nós... Me concentrei no que
Alexander disse e tentei aproveitar aquilo ao máximo. Era o dia do
meu afilhado. E ele era oficialmente meu naquele dia.
No fim da tarde, eu estava sentada com Adrian no colo. E, por
mais incrível que pudesse parecer, era Alexander quem estava do
meu lado. Eu podia perceber Allana e Theo nos observando
sentados na borda da piscina. Alexia havia ido embora, ela tinha
plantão naquele dia. E eu consegui dois dias de folga, felizmente.
— Estou feliz por termos batizado o Adrian, juntos. —
Alexander murmurou, arrancando-me de meus pensamentos, e me
fazendo olhá-lo. Respirei fundo.
— Eu também estou muito contente. — Suspirei.
— Vamos ser bons padrinhos para ele, Vic. Sei disso.
— Vamos sim, Alexander. Vamos ser os melhores padrinhos.
Allana e Theo merecem isso. E Adrian também. Porque nós os
amamos de verdade
— Amamos. — Alexander concordou. Ele sorriu para mim e eu
abri um sorriso para ele.
Adrian dormia tranquilamente em meu colo e eu fazia carinho
no rosto dele, enquanto Alexander beijava sua mão gordinha. Não
era mágico como o amor podia ser 100 vezes maior do que você
imaginava? Eu sabia que ia amar aquele bebê, só não imaginava
que seria naquela intensidade que eu o amava. Meu coração estava
aquecido e completo naquele momento.
1 semana depois...
Eu estava exausta; minha cabeça estava muito pesada e meu
corpo todo dolorido. Minha última semana foi mais cansativa do que
eu i maginava que fosse. Pensei que quando terminasse a
faculdade meus dias seriam menos exaustivos, mas os plantões no
hospital pareciam mais cansativos agora.
Em alguns dias da semana eu escolhi ficar na emergência. Lá
sim precisavam de muitos médicos. Era muito mais corrido que o
normal, mas eu não me importava. Não tinha nada melhor do que
poder trabalhar com o que a gente gosta. Ainda mais agora que
tinha todo o tempo dedicado a apenas trabalhar no hospital.
Alexia trabalhava sempre junto comigo. Nós formávamos uma
boa dupla. Claro que em alguns momentos tínhamos que trabalhar
sozinhas. Mas, na maior parte do dia, estávamos juntas, seja na
emergência ou em outras alas do hospital. E era maravilhoso poder
trabalhar com ela e ter sua companhia. Alexia havia se tornado
muito importante e indispensável na minha vida.
Eu não tinha mais apenas Allana como amiga e irmã, eu tinha
Alexia também. Ela tinha se tornado realmente como uma irmã. Ela,
literalmente, me salvou de mim mesma. Largou tudo, para morar
comigo e me tirar do estado em que eu estava. Eu jamais poderia
agradecer o suficiente a ela.
E Allana tinha a mesma gratidão, porque não pôde cuidar de
mim naquele momento, como sempre fez, porque tinha outra vida
para cuidar, e que dependia totalmente dela naquele momento.
Allana era grata por Alexia ter feito o papel dela e cuidado de mim
quando eu mais precisava de uma irmã. E tive uma irmã tão boa
quanto a outra.
Suspirei, largando uma saia longa sob o colchão e voltei a
olhar para o armário. Eu estava cansada até para respirar ou me
mover. E, depois de mais um dia completamente exaustivo, eu ainda
ia sair. Matthew inventou um jantar, disse que era importante, e que
eu precisava ir, e que precisava ser naquele dia. Ok. Eu iria. Se não
fosse importante, eu o mataria, porque estava realmente exausta.
Tudo o que eu queria, depois daquela sexta feira, era deitar e
dormir até a hora que quisesse no dia seguinte. Hibernar, mais
especificamente. Afundar na cama também servia. Eu queria era
descansar, de verdade. A semana foi pesada e hoje havia sido mais
um dia daqueles. Peguei alguns casos mais sérios e umas crianças
machucas. Aquilo cortava meu coração. Eu tinha muita dó de ver
tantas crianças doentes ou machucadas. E era por aquele motivo
que eu escolhi ser pediatra, para poder cuidar das crianças.
— Isso não é dia de inventar de sair, Matthew. —
choraminguei, desanimada, ainda olhando as roupas no armário. Eu
estava exausta, morta de sono, com dor nas pernas por conta do
salto. Mas não pude recusar o convite.
Matthew estava tão sério quando me chamou, que fiquei
preocupada. Eu precisava ir, mesmo tão exausta. Ele que me
compensasse com uma massagem nas pernas depois, e eu sabia
que ele o faria.
Suspirei, exausta, enquanto pegava uma calça flare vinho e
uma blusa de mangas longas preta, e deixei em cima da cama.
Peguei um salto simples fechado e deixei no chão ao lado da cama.
Meu celular começou a tocar quando eu ia tirar a calça que
estava vestida. Se fosse Matthew me apressando ele ia ouvir. Ah, se
ia. Eu ainda estava no horário. Ele só iria me buscar depois das
20h00. Acho que não eram nem 19h30.
Era um número desconhecido. Franzi a testa. Matthew não me
ligaria de um número desconhecido. Ligaria? Eu não costumava
atender ligação com número desconhecido ou privado. Mas, algo,
naquele momento, me fez atender aquela ligação.
— Alô?
— Victoria Miller? — um homem perguntou do outro lado.
— Sim, sou eu. Quem é?
— Doutor Johnson. A senhorita poderia comparecer ao
hospital?
— Hospital? Algum problema?
— Temos seu número de contato. Pegamos nas coisas de
Allana Jenkins — informou.
— Allana? — repeti. — Aconteceu alguma coisa?
— Só podemos falar aqui. O advogado dos Jenkins espera
pela senhorita. — Explicou, já falando qual hospital era.
Infelizmente, não era o que eu trabalhava, ficava mais longe.
— Estou a caminho. — murmurei, antes de desligar o celular.
Apenas peguei minha bolsa e coloquei o salto que tinha tirado. Não
ia perder tempo me trocando; permaneci com a calça jeans branca e
a blusa de seda rosa bebê, apenas peguei uma jaqueta de couro
branca antes de sair. Alexia estava de plantão, então eu não
precisava avisar; só precisava ir.
Mil coisas passavam pela minha cabeça enquanto eu dirigia
até o hospital. Allana bateu o carro? Sofreu um acidente? Se feriu
de alguma forma? O que poderia ter acontecido para eu ser
chamada no hospital e ainda por cima o advogado deles estar
esperando? Meu coração estava pesado de uma forma que nunca
esteve antes. E eu não queria nem pensar no que aquilo podia
significar.
Eu não demorei a chegar no hospital. Estacionei o carro,
peguei minha bolsa e saí correndo. Claro que me lembrei de travar o
carro antes de entrar no hospital. Eu não precisei perguntar nada
para ninguém, encontrei Alexander na entrada. Aquela expressão
em seu rosto... Eu nunca havia visto antes. Fiquei mais apreensiva
do que já estava.
— Chamaram você também? — ele perguntou, a voz baixa e
cautelosa.
— Disseram que acharam meu número nas coisas da Allana.
— esclareci. — O que aconteceu, Alexander? — perguntei, mesmo
com medo da resposta. Os olhos de Alexander, que já estavam
vermelhos, ficaram marejados. — Alexander. — Chamei sua
atenção. Minha voz falhou. Falhou de verdade. E eu não sabia
porque.
— Allana e Theo foram jantar. — Ele começou. Assenti. Eu
sabia daquilo: deixaram Adrian com a babá, porque eu estava de
plantão e Alexander em uma audiência, e foram jantar sozinhos. Eu
que ajudei Allana a escolher o vestido daquela noite, era aniversário
de namoro dela e Theo. — Na volta, eles bateram o carro. O lado
que allana estava foi o atingido, o carro foi arrastado e os dois
ficaram presos. Os bombeiros chegaram logo, mas, quando
chegaram...
— Não. — murmurei, os dentes trincados, meus olhos
enchendo-se de lágrimas e embaçando minha vida. Alexander
fechou os olhos por um momento.
— Eles não resistiram, Vic... — Ele sussurrou, como se
temesse que, se falasse em voz alta, se tornaria real. Ele tinha me
chamado de Vic. Ele nunca me chamou de Vic, apenas de Victoria
ou bebê de colegial/faculdade/hospital. Encarei Alexander .
— Se isso for alguma sacanagem sua, Alexander... — avisei.
— Você acha que eu brincaria com algo desse nível, Victoria?
Eu jamais brincaria com a vida do meu irmão. — Alexander
murmurou, sério. Por mais que eu odiasse admitir, ele não estava
mentindo. Sua expressão, seus olhos marejados e vermelhos, sua
postura, e até seu tom de voz demonstravam aquilo.
— Não pode ser... — Balancei a cabeça, os olhos cheios de
lágrimas acumuladas nos cantos. Aquilo não era real. Não parecia
ser real. Era um pesadelo. Só podia ser um pesadelo. Allana e Theo
estavam bem, em casa. Eu provavelmente adormeci em cima das
roupas e estava tendo aquele pesadelo horrível.
— Eu também não consigo acreditar, Vic... — Alexander
sussurrou, aproximando-se de mim. Eu não conseguia vê-lo com
clareza ou ouvir direito o que estava dizendo. Pela primeira vez, em
10 anos, Alexander me abraçou. Mas eu não consegui reagir aquilo.
Eu só senti meu corpo amolecer nos braços dele e tudo ficou
escuro.

Apertei os olhos, ao sentir uma claridade terrível. Eu estava


deitada em algo duro e sentia uma mão junto a minha. Minha
cabeça latejava e meus olhos ardiam. Aos poucos, tentando me
acostumar com a claridade, abri meus olhos.
Eu estava em um quarto do hospital; as paredes brancas e a
agulha no meu braço denunciavam aquilo. Alexander estava do meu
lado; a mão junto a minha e a testa encostada na minha barriga.
Aquilo era estranho. Alexander não ficava perto de mim.
Aos poucos, minha mente foi se situando a situação e local.
Lembrei da ligação que recebi em casa, de Alexander falando sobre
o acidente de Allana e Theo, e dele me abraçando. Soltei o ar,
fazendo-o notar que eu havia acordado e levantar a cabeça.
— Estava preocupado. Graças a Deus você acordou. —
Alexander parecia aliviado, enquanto apertava nossas mãos. Franzi
a testa, ainda absorta. Será que tinham remédios naquela agulha
enfiada no meu braço?
— O que aconteceu? — perguntei. Minha voz mal passava de
um sussurro rouco.
— Você desmaiou quando contei o que aconteceu com Allana
e Theo. — Alexander explicou. Puxei o ar. Então era verdade, nada
daquilo havia sido um pesadelo. Era real. Allana e Theo realmente
haviam morrido. — O advogado apareceu aqui há poucos minutos.
Disse que voltaria quando você acordasse.
— Cadê minha amiga, Alexander?
Os olhos de Alexander se encheram de lágrimas novamente,
apesar de estarem inchados e vermelhos. Eu aposto que estavam
ardendo, assim como os meus.
— Eu sinto muito, Vic... — ele sussurrou, abaixando a cabeça.
Fechei os olhos, mas as lágrimas não caíram, ficaram acumuladas
nos cantos dos meus olhos; pesadas, dolorosas.
— Isso não tá acontecendo. Só pode ser um pesadelo. —
murmurei, ainda com os olhos fechados. Eu não queria que fosse
real. Minha melhor amiga estava morta. Não, não podia ser verdade.
A porta foi aberta, me fazendo abrir os olhos e Alexander se
virar. Era um senhor avantajado, careca e com um bigode enorme.
Ele estava de terno e uma pasta na mão. Devia ser o advogado.
— Como se sente, srta. Miller? — perguntou. Ergui as
sobrancelhas. Nada bem, se não parecia.
— Ela ainda está em choque. — Alexander respondeu por
mim, e eu fique grata.
— Eu sinto muito pela perda de vocês, mas precisamos
conversar sobre o testamento que Theodore e Allana deixaram. —
O advogado lamentou, enquanto se sentava no sofá e abria a porta.
Franzi a testa. Testamento?
— Testamento? — Alexander repetiu, espelhando meus
questionamentos.
— Sim, eles fizeram um testamento há dois anos. E vocês
estão incluídos nele. — O advogado explicou. Alexander olhou para
mim, a expressão confusa; ele me questionava com o olhar . Dei de
ombros.
— Sei tanto quanto você. — murmurei.
— Bem, com este acidente, tudo deles passa a ser de vocês. A
casa, o carro e a guarda do bebê é de vocês. — O advogado jogou
a bomba em nosso colo sem a menor cerimônia ou delicadeza.
Minha boca se abriu lentamente, assim como os olhos de
Alexander se arregalaram.
— Como é que é? — questionei, o tom de voz elevado.
— A guarda do bebê é de vocês. E, no testamento, está
especificamente que vocês precisam morar na casa e viverem
juntos para que possam ficar com a guarda de Adrian. — explicou.
Foi como se uma onda tivesse me atingido com muita força e me
afogado. Eu estava paralisada, ainda assimilando o que tinha
acabado de ouvir.
Allana e Theo deixaram sua casa e seu carro para nós, além
da guarda de Adrian. Mas só poderíamos ficar com o nosso afilhado
caso morássemos juntos na casa deles? Era aquilo mesmo?
— O senhor tem certeza disso? — Alexander questionou,
incrédulo.
Era castigo. Só podia ser. Allana e Theo não podiam fazer
aquilo. Eu e Alexander nos odiávamos. Se mal nos suportávamos
apenas nos vendo alguns dias da semana, seria um inferno
morando juntos e nos vendo todos os dias. Íamos derrubar a casa
do jeito que éramos.
— Absoluta. Está bem especificado no testamento. Só podem
ficar com o bebê, se morarem juntos na casa. — Repetiu. Minha
cabeça começou a girar. Aquilo não era possível. Morar com
Alexander? Eu devia estar pagando algum pecado, não tinha outra
explicação.
Alexander me olhou, e tenho certeza de que sua expressão
espelhava a minha naquele momento: preocupação e incredulidade.
Como cuidaríamos de Adrian e moraríamos na mesma casa? Íamos
nos matar nos primeiros segundos debaixo do mesmo teto.
— Adrian foi levado para o juízado por esta noite, mas vocês
poderão buscá-lo logo. — O advogado informou, já se levantando, e
entregando uma cópia do testamento para Alexander.
Eu não conseguia pensar com clareza. Minha cabeça estava
girando. Não era possível um absurdo daqueles. Eu e Alexander
morando juntos? Era para acabar com a minha vida mesmo.
O advogado se foi e eu pude respirar em paz. Eu me sentia
sufocada, a mente pesada, o coração doendo. Alexander estava
quieto, a mão ainda segurando a minha, enquanto lia o testamento.
— Me parece tudo verídico. — murmurou, por fim, levantando
a cabeça. Ele não me olhava. Sabia que estava da mesma forma
que eu. A situação era preocupante, e quase impossível de
acreditar.
— Eu quero ir embora daqui. — sussurrei. Finalmente
Alexander me olhou, parecia absorto de tudo, assim como eu. Ele
assentiu, se levantando, e me ajudando a levantar. Tirei o acesso do
meu braço e coloquei um curativo; tinha tudo ali do lado. Alexander
pegou minha bolsa e não me soltou um minuto sequer enquanto
saíamos do hospital. Eu não conseguia ver ou ouvir nada a nossa
volta. Eu só conseguia pensar que aquilo tinha de ser um pesadelo
terrível. Me recusava a aceitar que tinha perdido Theo e Allana
naquela noite.
— Meu carro... — murmurei, quando Alexander ativou o
alarme do seu. Ele se virou para mim e puxou o ar. Olhou meu carro
e o dele.
— Eu volto para buscá-lo para você. Vou só te deixar em casa
primeiro. — Disse, abrindo a porta do carona para mim. Respirei
fundo e assenti. Não tinha nem vontade de discutir com ele, por
mais que não gostasse daquela ideia. Eu havia perdido a vontade
até de respirar naquele momento.
Alexander não ligou o rádio; o silêncio foi nosso companheiro
de viagem naquela noite. Eu fechei meus olhos durante todo o
caminho. Não conseguia chorar, falar ou até mesmo reclamar de
qualquer coisa com Alexander. Eu não conseguia reagir.
Eu não conseguia pensar em não ver mais Allana e Theo. Me
recusava a aceitar aquilo. Me recusava até mesmo a pensar sobre
aquilo. Era um pesadelo. Eu estava em casa, caída sobre as
roupas, no décimo sono. Tinha que estar. Porque, se não estivesse,
aquilo tudo era verdade. E eu não queria que fosse. Ia me destruir
quando a realidade caísse sobre mim.
Estranhei quando Alexander estacionou o carro em frente a
casa de Allana e Theo; ou nossa casa. Era estranho. Aquela casa
sempre seria deles, mesmo que eles não estivessem mais ali.
— O que estamos fazendo aqui? — perguntei, o tom de voz
baixo.
— Acho que temos que ficar aqui agora. — Alexander
respondeu, baixo, antes de sair do carro. Puxei o ar, temendo
enfrentar a realidade daquilo. Ele abriu a minha porta, com a minha
bolsa na mão, e eu saí do carro.
Nós entramos, com a minha chave reserva, e o silêncio nos
envolveu. Estava tudo escuro, no mesmo lugar e com o cheiro
deles. Alexander acendeu a luz e me levou até o sofá, colocando-
me sentada.
— Me dá a chave do seu carro. — pediu. Peguei dentro da
bolsa e entreguei para ele. Eu me sentia em modo automático, sem
reação. — Você vai ficar bem sozinha, Vic? — Alexander perguntou,
abaixando-se na minha frente e pegando minhas mãos. Balancei a
cabeça negativamente. — Não?
— Não, eu não vou ficar mais bem; sozinha ou acompanhada.
— sussurrei. Alexander respirou fundo e apertou minhas mãos.
— Eu volto o mais rápido que puder. Por que não toma um
banho enquanto isso? — sugeriu. — Se sente bem para ficar em pé
no chuveiro?
— Sim, eu consigo.
— Então faz isso.
— E Adrian? Precisamos buscá-lo.
— Quando eu chegar, faço um chá pra gente e ligo pro juizado
perguntando se podemos ir buscá-lo hoje. Pode ser? — Alexander
propôs. Fiz que sim com a cabeça. — Então eu já volto. —
prometeu, levantando-se. Me sentia vazia e desprotegida quando
suas mãos deixaram as minhas.
Quando Alexander saiu, eu me senti mais sozinha ainda. Era
estranho estar ali sem eles, sozinha. E saber que eles não
apareceriam tornava tudo pior do que já era.
Respirei fundo, antes de me levantar, com a minha bolsa na
mão. Subi para o quarto de hóspedes. Acendi a luz, fechei a porta e
deixei minha bolsa na cama. Sempre tinha toalhas e outras coisas,
porque eu vivia dormindo ali. Aquele era meu quarto, praticamente.
No banheiro, tirei toda a roupa e deixei no chão mesmo. Prendi
o cabelo em um coque frouxo e alto, antes de me virar para o
espelho. Eu estava pálida, os olhos vermelhos e inchados. Eu sentia
dor, física e interna. Meu coração doía a cada batida. E eu só queria
que aquilo parasse, não aguentava mais.
Abri o chuveiro e entrei debaixo do fluxo de água quando ela
estava morna. Acabei entrando de cabeça; molhando os cabelos e
lavando tudo. Eu queria que aquela água lavasse a dor que eu
sentia na alma.
Eu nunca lidei bem com perdas ou com dor, seja ela de que
espécie fosse. Perdi meu pai e minha mãe; aquelas perdas
acabaram comigo, só que eu esperava por elas, porque meu pai
estava doente e minha mãe não estava bem desde que o perdeu.
Mas eu jamais esperaria perder Theo e Allana. Eu nunca
imaginei aquilo. Minha melhor amiga, e o irmão que a vida me deu.
Aquilo estava dilacerando meu coração. Aquela perda inesperada
me atingiu em cheio, quando eu pensava que havia melhorado.
Finalmente as lágrimas acumuladas começaram a descer, e eu
desmoronei. Meu corpo tremia com a força do choro e eu sentia
tanta dor, que não conseguia explicar o tamanho e intensidade
daquele sentimento.
Eu caí, junto com a dor que sentia. O chão estava gelado, mas
nem o choque térmico fez com que eu sentisse algo além daquela
dor. A água caía sobre mim, misturando-se com as lágrimas que
caíam pelo meu rosto.
Eu não conseguia aceitar que Theo e Allana estavam mortos.
Eu não podia aceitar aquilo. Aquela era uma realidade muito dura.
Eles não mereciam aquilo, Adrian não merecia perder os pais, eu
não merecia perder minha melhor amiga e Alexander não merecia
perder o irmão.
Eles eram jovens, haviam acabado de ter um filho lindo e
tinham uma vida inteira pela frente. Mas aquilo foi interrompido.
Provavelmente por alguém embriagado, que perdeu o controle, e
bateu o carro no deles.
O que quem bebe e dirige não entende é que está colocando
outras vidas além da sua própria em risco. Não pensa que todo
mundo tem família, e matando alguém, destrói uma família.
Eu não sabia se quem bateu contra o carro de Theo e Allana
estava vivo. Eu esperava que não. Era um pensamento horrível, um
desejo horrível, mas eu não podia pensar que ele estava bem
enquanto meus amigos estavam mortos. Era demais para mim
suportar.
Aquela família havia sido destruída; éramos apenas eu, Adrian
e Alexander. Se é que eu poderia chamar aquilo de família um dia.
Eu e Alexander não nos dávamos bem e a única coisa que nos unia
era nosso afilhado. Naquele momento mais do que nunca.
— Victoria?
A voz de Alexander me fez ter um sobressalto; eu ainda estava
no chão do banheiro, a água caindo sobre mim e as lágrimas
escorrendo pela minha bochecha.
— Eu já vou sair. — gritei, levantando-me. Terminei meu banho
e desliguei o chuveiro. Me enrolei em uma toalha e escovei meu
cabelo ali dentro mesmo.
Quando saí do banheiro, Alexander estava na porta do quarto.
Ele se virou, ao ver que eu estava de toalha, mas continuou
encostado onde estava.
— Se sente melhor depois de um banho? — perguntou.
— Não muito. — murmurei, abrindo o armário e pegando um
dos pijamas que eu deixava ali. Haviam muitas roupas minhas e eu
teria que levar todas. Ainda não sabia como me sentia em relação a
aquilo. — Pegou meu carro?
— Peguei. Já está junto com o meu na garagem. —
esclareceu.
— Muito obrigada. — Agradeci, tirando a toalha e vestindo o
pijama com uma calcinha que estava em uma das gavetas.
— Não foi nada. — Alexander murmurou. Parecia tão
constrangido quanto eu com aquela situação. E, por mais incrível
que pudesse parecer, ele não tentou olhar em nenhum momento;
manteve a cabeça virada para frente. Gostei daquilo. Talvez não
fosse tão insuportável morar com ele. Pelo menos, ele me
respeitava. Aprendeu aquilo com Theo.
Respirei fundo, tentando não pensar nele também. Já era bem
difícil pensar na Allana. Se pensasse nos dois, com certeza
desabaria. E não podia naquele momento.
— Podemos descer e ligar para o juizado? — perguntei, já na
porta. Alexander se virou para mim quando me viu de pijama.
— Claro que sim. Vou aproveitar e fazer um chá para nós. —
ele disse, me levando para o andar debaixo.
Na cozinha, Alexander fez um chá, como prometido. Fiquei
impressionada que ele soubesse pelo menos esquentar uma água,
vê lá fazer chá. E ele fez. Foi rápido e sabia exatamente o que
estava fazendo. Mais um ponto para ele.
— Aqui. Já adocei. Toma tudo. Vai ser bom para te acalmar. —
Alexander colocou uma xícara na minha frente e foi até a sala para
pegar o telefone fixo, e voltou para a cozinha. Ele procurou algo no
celular, em seguida discou no telefone.
Fiquei em silêncio, bebericando meu chá, enquanto ele ligava.
— Boa noite. Aqui é o promotor Alexander Jenkins. Eu gostaria
de saber sobre o meu afilhado. Ele foi levado essa noite e eu quero
buscá-lo.
Ergui as sobrancelhas. Uau. Alexander promotor ativado. Ele
falava diferente quando era trabalho. E aquilo era bem diferente do
Alexander que eu estava acostumada.
— Adrian Morrison Jenkins. — Informou. Puxei o ar. Por favor,
precisamos buscá-lo. — Entendo. E a partir de qual horário, então?
Perfeito, estarei aí. Muito obrigado. — Ele agradeceu, antes de
desligar.
— E aí? Podemos ir? — Indaguei, impaciente.
— Não, Vic. Não deixaram buscarmos Adrian hoje. Ele tem
que ficar 12 horas lá. — Explicou.
— Eu não quero nem saber, Alexander. Quero Adrian aqui
hoje! — Me exaltei. Como não podia buscar meu afilhado?
— Victoria, não dá. Temos que esperar até amanhã para
buscá-lo.
— Mas que inferno! Você é promotor. Não pode fazer nada?
— Sou promotor, não juiz. Temos que esperar pela manhã.
Não posso fazer nada. — Ele deu de ombros.
— Como ele vai dormir sozinho? Ele precisa de nós. — Meus
olhos se encheram de lágrimas outra vez. Alexander deu a volta no
balcão para me abraçar. Era o segundo abraço no mesmo dia.
— Vão cuidar bem dele, e amanhã vamos buscá-lo. Eu
prometo! — Ele garantiu. Mas nem aquela promessa amenizou a
dor e a preocupação em meu coração. Como meu gordinho dormiria
sem nós?
— Como nós faremos isso, Alexander? Nós somos os
padrinhos dele... — sussurrei. Alexander afastou-se, para se sentar
no banco ao meu lado e pegou sua xícara de chá.
— Nós vamos conseguir, Victoria. Se fizermos isso juntos!
Respirei fundo. Juntos. Era difícil fazermos algo juntos sem
querer nos matar.
— Para isto funcionar vamos ter que nos dar bem, Alexander.
Nada de provocações ou brigas sem sentido. — Alertei, séria. —
Precisamos fazer isso pelo Adrian. Porque Allana e Theo não iam
gostar que brigássemos enquanto cuidamos do filho deles.
— Você tem razão. A gente vai ter que morar junto, conviver o
tempo todo... É melhor que tenhamos uma boa convivência, pelo
bem do Adrian.
— Promete que não vai me provocar?
— Eu prometo, Victoria. Vamos cuidar do Adrian sem brigas.
— Alexander garantiu.
— É o que precisamos fazer.
— Vamos cuidar do Adrian, mas de você também
— De mim? — repeti, confusa.
— Eu sei como você reage a perdas, Victoria. Vamos cuidar
para você ficar bem e não entrar em depressão. Eu não vou deixar
isso acontecer. É uma promessa, por eles e pelo Adrian.
Segurei o máximo que consegui para não desabar e chorar na
frente dele. Eu não podia fazer aquilo. Precisava ser forte. E aquilo
estava me custando muito.
— Tudo bem. — sussurrei.
Mesmo que não nos gostássemos ou nos suportássemos,
teríamos que viver juntos, na mesma casa, todos os dias. Rotina,
dia-a-dia, convivência... E pela pessoa que mais amávamos no
mundo: por Adrian.
Depois do chá, Alexander foi tomar banho e eu fiquei no meu
quarto. Eu não tinha mais sono, apesar de estar exausta. Eu estava
um trapo, na verdade. Sentia todo meu corpo doer, além de uma
enxaqueca terrível. O chá me acalmou, não podia negar. Mas não
diminuiu a dor que eu sentia no meu coração.
Fiquei abraçada com uma almofada, olhando pela janela
aberta e ouvindo o barulho do chuveiro no outro quarto. Aquilo me
manteve acordada, até que Alexander terminasse o banho e
aparecesse na minha porta.
— Você precisa de algo? — ele perguntou.
— Estou com enxaqueca. — murmurei.
— Vou pegar um remédio para você.
Respirei fundo. Alexander estava sendo extremamente gentil,
e aquilo era muito bom. Eu não poderia pedir nada mais naquele
momento.
Alexander voltou logo, com um copo de água e um comprimido
na mão. Eu tomei de uma vez, sentindo o comprimido descer
rasgando pela minha garganta doendo.
— Vou dormir no meu quarto, mas pode chamar se precisar.
Alexander já estava na porta outra vez e eu mordi o lábio
inferior, antes de soltar o ar.
— Alexander. — chamei, fazendo-o olhar para mim. — Você
pode ficar aqui? — perguntei, o tom de voz baixo. A expressão de
Alexander foi indecifrável para mim.
— É claro. — ele respondeu, entrando novamente no quarto e
fechando a porta.
— Eu fico no sofá.
Assenti, deixando a almofada de lado e puxando o edredom
para cobrir minhas pernas. O vento estava começando a ficar
gelado e Alexander fechou a janela ao notar que eu estava com frio.
— Qualquer coisa, eu estou aqui. — ele avisou, sentando-se
no sofá. Duvido que conseguisse dormir também. Eu não
conseguiria. Não até ter Adrian em meus braços no dia seguinte.
— Obrigada. — sussurrei, deitando-me.
Eu abracei uma almofada e respirei fundo, fechando os olhos;
mesmo que não fosse conseguir dormir. Alexander permaneceu
sentado, me observando. Eu sabia que ele estava preocupado
comigo, da mesma forma que estava com Adrian. Eu não consegui
olhá-lo por muito tempo. Era estranho tê-lo tão próximo e cuidando
de mim. Ele também estava sofrendo, mas parecia mais preocupado
comigo do que com si próprio. Aquilo era de Theo; Alexander havia
aprendido aquilo com ele.
Suspirei, abrindo os olhos. Meu coração estava em pedaços. E
eu sabia que não conseguiria juntar aqueles pedaços tão cedo.
Talvez nunca conseguisse. Eu não estava preparada para perdê-los.
Não estava preparada para o buraco que a perda deles abriria em
meu peito. Eu estava destruída. E uma parte do meu coração foi
destruída naquela noite.
O quarto foi iluminado pouco a pouco, conforme o céu ia
ficando claro e a noite dava lugar ao dia. Eu e Alexander vimos o dia
amanhecer. Passamos a madrugada inteira acordados, nos olhando
em alguns momentos. Foi simplesmente impossível dormir.
Eu não consegui pregar os olhos em momento algum. Fiquei
olhando para o teto durante toda a madrugada. Foi a primeira noite,
em 27 anos, que tive dificuldade para dormir. Nem estar ali com
Alexander me incomodou. Na verdade, me confortou estar com ele.
Pelo menos, eu não estava sozinha. Saber que ele estava ali
comigo me deu base para ficar calma. Mas na realidade eu estava
adormecida, não conseguia sentir. Tudo parecia muito irreal, a
começar por nós dois estarmos horas sem trocar uma farpa sequer,
nem faíscas. Apenas uma calmaria estranha. O tempo parecia se
arrastar.
A noite havia sido longa. Eu me virei na cama diversas vezes,
tirando e colocando o edredom de cima de mim. Alexander não se
moveu no sofá. Da forma que deitou, ficou; parado, o olhar fixo na
porta fechada do quarto, e desviando para mim algumas vezes. Eu
sentia seu olhar em mim, mesmo quando eu estava de costas.
Nós dois estávamos devastados. Ele estava mal, eu estava
mal. Mas, por mais horrível que pudesse parecer, eu não conseguia
chorar. Me sentia entorpecida de sentimentos. Não sentia. Não
conseguia sentir nada. Apenas um enorme vazio dentro de mim.
Quando se tornou um horário aceitável, eu me levantei. Eram
quase 08h00 da manhã, e Alexander havia dito na noite anterior que
podíamos ir ao juizado entre 08 e 09h00. E eu não via a hora de
pegar o meu bebê nos braços e trazê-lo para casa. Eu não
imaginava como tinha sido a noite de Adrian longe de casa, dos
pais...
Eu não sabia como ele ficaria sem os pais, apenas comigo e
Alexander. Eu não era mãe, ele não era pai; nós éramos apenas os
padrinhos. Nada de experiência. Como cuidaríamos de um bebê de
2 anos?
Alexander ficou da mesma forma quando entrei no banheiro,
sequer se moveu ou desviou o olhar do ponto fixo que encarava na
parede a sua frente há 40 minutos. Respirei fundo, encostando-me
na porta, após trancá-la, e fechei os olhos. Era difícil, e ficar daquela
forma, em silêncio, era pior ainda.
O silêncio não era constrangedor, mas era incômodo, porque
eu sabia que se algo fosse dito, eu desabaria, e tinha certeza que
Alexander também. Aquilo era difícil para ele também, não só para
mim. Eu não era egoísta de achar que era a única que estava
devastada ali.
Abri os olhos, me encarando no espelho; eu estava pálida,
tinha olheiras profundas, e meus cabelos estavam bagunçados,
além de estar com uma expressão de quem sentia uma dor intensa.
E eu sentia, meu coração estava em pedaços e eu mesma também
estava.
Desencostei da porta e tirei o pijama, colocando-o no cesto de
roupas sujas e liguei o chuveiro. Esperei que a água ficasse morna
para entrar no box e fechar a porta. Alguns minutos sozinha seria
muito bom, para pensar e simplesmente ficar em silêncio. Eu
precisava daquilo.
Fechei os olhos quando senti a água morna escorrer pela
minha pele. Apoiei as mãos na parede, tentando respirar
normalmente. Eu tinha vontade de chorar, gritar, e não conseguia.
Simplesmente não conseguia. Eu não conseguia sentir nada, e
aquilo era tão horrível quanto sentir tudo.
Respirei fundo, enquanto a água escorria pelo meu corpo.
Gostaria que ela levasse toda a dor que eu estava sentindo, mas
sabia que não era possível. Aquela dor jamais seria levada. Ela
permaneceria comigo, em todos os momentos, para sempre.
Dei um soco na parede, sentindo as lágrimas descerem pelo
meu rosto, misturando-se com a água. Senti cada osso dos meus
dedos doerem, mas nem aquilo aplacou a dor que sentia. Naquele
caso, a dor física não sobrepujou a interior. Aquele era meu medo.
Eu sempre tive problemas com perdas, e inclinação a fazer
coisas estúpidas, além da tendência a depressão. Haviam várias
coisas que eram gatilhos para me deixar em estado depressivo, e
perda era uma delas. Era a pior delas. Era o que me destruía de
dentro para fora.
Minha mão começou a ficar vermelha quando abri os olhos
para olhá-la após sentir latejar. Ótimo, Victoria, parabéns. Se ferrou
mais um pouco. Aquilo não era novidade. Como eu disse, tinha
inclinação para fazer coisas estúpidas. Bem naquele nível mesmo.
Fui obrigada a terminar o banho rápido e sair do box. Me
enrolei em uma toalha e peguei outra para secar o cabelo.
Alexander estava sentado no sofá, olhando pela janela, quando saí
do banheiro secando o cabelo na toalha branca.
— Alexander. — chamei, baixo. Pela primeira vez, em algum
tempo, eu vi ele se mexer. Alexander virou a cabeça para me olhar.
— Você pode me ajudar? Eu machuquei a minha mão.
Alexander arregalou os olhos, antes de se levantar e vir até
mim. Ele pegou minha mão esquerda com cuidado e observou-a.
— O que você fez, Victoria? — Alexander questionou, sério.
Mordi o lábio inferior.
— Dei um soco na parede. — murmurei. Alexander puxou o ar.
— É só uma luxação. Preciso que você pegue o kit de primeiros
socorros enquanto eu me troco.
Mesmo contrariado, Alexander me deixou sozinha no quarto e
foi buscar o que pedi. Soltei o ar, fechando os olhos por um
momento. Aqueles minutos sozinha me permitiram colocar uma
roupa.
Coloquei uma calça jeans branca flare, camiseta rosa bebê e
deixei um salto da mesma cor da blusa separado. Por sorte, tinham
várias roupas minhas ali, então eu tinha opções decentes para ir a
um juizado.
Alexander não demorou de voltar para o quarto. Meu cabelo já
estava escovado quando ele entrou com a caixa de primeiros
socorros nas mãos. Me sentei na cama, assim que ele a entregou
para mim, e abri procurando por um gel.
— Eu não faço ideia do que fazer
. — ele admitiu, me fazendo
erguer as sobrancelhas.
— Tudo bem. Eu sei. — falei. Passei o gel, para aliviar a dor e
enrolei a mão em uma faixa. Seria bom deixar daquela forma pelo
menos 2 dias. Eu não era ortopedista, mas já vi muitos trabalhando
no hospital. Aquele era o procedimento inicial. Depois eu iria a um
especialista para ver melhor. Naquele momento, era o que dava
para fazer.
— Vou fazer alguma coisa para comer, um café... Você quer?
— Alexander ofereceu. Levantei o olhar para ele; estava de braços
cruzados e muito sério, além de ter olheiras e uma expressão
dolorida, como eu. Já estava trocado e pronto para sairmos. Eu
gostava da praticidade dele.
— Quero sim. Obrigada.
Soltei o ar, quando me vi sozinha novamente no quarto. Eu
estava detestando ficar sozinha, mesmo que fosse por pouco
tempo. Estava mais sensível do que nunca.
Peguei minha bolsa, o salto e saí do quarto, descendo atrás de
Alexander. Deixei minhas coisas no sofá e fui para a cozinha.
— Posso te ajudar? — perguntei, encostando no balcão.
— Não, só senta aí. Eu faço um café rápido. — ele disse.
Balancei a cabeça e me sentei no balcão. O jeito era esperar. Pelo
menos eu não estava sozinha lá em cima. Me sentia melhor que
Alexander estivesse ali.
O café não demorou, e Alexander ainda assou pães de queijo
para nós. Estava ótimo. Eu não conseguiria comer muito mesmo.
Estava impaciente para ir logo buscar Adrian.
— Nós vamos sair depois de comer, não é?! — investiguei.
— Claro. Nós vamos buscar Adrian. — Alexander garantiu.
Balancei a cabeça. — Não se preocupa, Vic, vamos dar um jeito e
ele vem para casa hoje. — prometeu.
— Eu sei... — sussurrei, puxando o ar.
Eu não consegui comer, nem um pão de queijo sequer, apenas
tomei uma xícara de café. Alexander insistiu para que eu comesse
pelo menos um, mas simplesmente não conseguia. Eu sabia que
nada ia descer, não enquanto eu não tivesse Adrian em meus
braços.
Por fim, Alexander desistiu de tentar me fazer comer e nós
saímos de casa, depois que eu fiz uma mamadeira para Adrian. Eu
estava muito impaciente e nervosa. Mal podia imaginar como meu
bebê estava depois de ter passado uma noite longe de casa e dos
pais. Eu nem sabia como ele ficaria sem eles.
Balançava as pernas com impaciência durante o caminho até o
juizado. Não via a hora de ver Adrian e pegá-lo em meus braços.
Era o que tinha me sobrado da minha amiga. Ele era a minha
lembrança real dela.
Para a minha sorte, e do meu nervoso, nós chegamos logo ao
juizado. Eram 08h40; um horário razoável. Alexander disse que
aquele era o melhor horário e conseguiríamos resolver tudo rápido.
Quando entramos, uma das assistentes sociais apareceu para
nos receber na entrada. Ali parecia bom, mas não era o lugar do
meu Adrian. Ele tinha a mim e Alexander.
— Bom dia. Posso ajudá-los?
— Nós viemos buscar nosso sobrinho, Adrian Jenkins. Eu sou
o promotor Alexander Jenkins — Alexander informou. Cruzei os
braços.
— É claro, promotor. Eu falei com o senhor pelo telefone na
noite anterior, sou a assistente Eleanor. Me acompanhem por favor.
Alexander indicou com a cabeça para mim ir na frente. Passei
por ele. Era naqueles momentos que eu gostava do fato de
Alexander ser um promotor, ele podia usar aquela influência e era
implacável.
— O sobrinho de vocês ficou em uma parte separada do
juizado, onde o responsável vem buscar. Ele ficou bem e foi muito
bem tratado. — A assistente garantiu. — Vocês podem vir comigo,
assinar os papéis. Devem trazê-lo logo.
Puxei o ar, contrariada, mas segui a assistente para a sala
dela. Por sorte, era de vidro, então era possível ver as crianças dali.
Eram de tantas idades e tamanhos. Muitas delas eram
abandonadas ou maltratadas pela própria família, aquilo partia o
meu coração.
— Bem. Eu só preciso que assinem o documento de retirada
do bebê, sabemos que vocês dois são os responsáveis por ele
agora. É apenas uma garantia.
Não consegui ouvir o que ela dizia, porque vi uma enfermeira
trazendo Adrian. Me levantei, deixando minha bolsa na cadeira, e fui
até ele, que abriu os braços ao me ver.
— Oi, meu amor. A madrinha tá aqui agora. — Segurei-o entre
os meus braços, tentando segurar o choro. As lágrimas se
acumularam, pesadas, no canto dos meus olhos. Respirei fundo; eu
precisava ser forte, não podia chorar na frente de Adrian.
— Mama, xaudadi. — ele balbuciou, me dando aquele beijo na
bochecha. Tive que ser muito forte naquele momento, porque ele
chamava a mim e Allana daquela forma. Nunca descobrimos se era
mamãe ou madrinha.
— Eu também senti saudade, meu príncipe. — Dei um beijo
nele, levando-o comigo até a sala da assistente. Alexander já estava
assinando os documentos e pegou Adrian do meu colo, para que eu
pudesse assinar também.
— Dinho — Adrian falou, abraçando o padrinho. Ah, meu
Deus. Que difícil.
— É só isso. Sinto muito pela perda de vocês. — A assistente
social falou, pegando os documentos e entregando uma cópia para
Alexander, que me devolveu Adrian.
— Ei, garotão. Vamos para casa. — Ele falou com o nosso
afilhado. Adrian deitou a cabeça no meu ombro e me abraçou. Ele
parecia sentir que tinha algo errado e estava mais quietinho.
Coloquei Adrian na cadeirinha e dei sua mamadeira. Ele
parecia faminto. Dei um beijinho nele e fechei a porta, indo para o
banco carona. Alexander ligou o carro e saiu dali. Olhei Adrian pelo
retrovisor.
— Como faremos isso, Alexander? — perguntei, respirando
fundo.
— Juntos, Victoria. — Alexander respondeu, simplesmente.
Aquilo me fez olhá-lo, a forma como ele falou. —amos
V ter que nos
apoiar um no outro para fazer isso dar certo. A gente pode fazer
isso, mas teremos muito o que aprender para conseguir uma boa
convivência. E eu sei que vai melhorar muito se eu não ficar te
provocando.
A certeza em suas palavras me fez repensar o modo como eu
o via. Ele estava mudado. Acho que as perdas faziam aquilo com as
pessoas, as mudavam. E de um modo irreversível.
— Acho que vou sentir falta disso, porque quando você me
provocava eles estavam aqui para me defender. — Suspirei pesado.
— É, isso vai ser difícil. Nos acostumar com a ausência deles e
em não implicar um com o outro.
— A gente vai conseguir. — murmurei, olhando para Adrian.
Ele me dava a certeza de que conseguiríamos qualquer coisa. Por
ele.
— Sim, a gente vai conseguir. — Alexander repetiu. — E
também temos que cuidar para que você se mantenha firme. Eu não
vou deixar você entrar em depressão. — Ele prometeu. Abaixei a
cabeça e olhei para a frente. — Vou cuidar para que você fique bem.
Sei que a dor vai ser impossível de aplacar, mas vou fazer de tudo
para que você não caía.
— Eu não quero cair...
— E não vai. Talvez seu amor por Adrian seja o que vá fazer
você não cair.
Respirei fundo, fechando os olhos por um momento. A certeza
nas palavras de Alexander, me fez ter certeza daquilo; o amor que
eu tinha por Adrian não me deixaria cair. Eu permaneceria firme, por
ele.
Quando chegamos em casa, Adrian já tinha tomado toda a
mamadeira e estava morrendo de fome. Ele já comia comida, uma
mamadeira só não era mais o suficiente. Peguei-o da cadeirinha e o
levei para dentro.
— Você pode preparar o banho enquanto dou algo para ele
comer? — perguntei.
— É claro. Vou fazer isso agora mesmo. — Alexander
respondeu, já subindo.
— Seu padrinho está muito prestativo. — comentei. Adrian
estava absorto, mexendo nos meus cabelos ainda molhados.
Na cozinha, coloquei-o no cadeirão e fui fazer outra
mamadeira. Depois do banho daria algo para ele comer e o faria
dormir. Por enquanto, a mamadeira bastava. Eu tinha que aprender
muito sobre maternidade se quisesse cuidar bem dele.
Eu sabia sobre ser uma pediatra, não sobre ser mãe. Allana se
preparou para aquilo, ela planejou, ela quis. Eu ganhei um filho de
repente. Era muita coisa.
Alexander apareceu quando Adrian estava terminando a
mamadeira no meu colo. Já tinha ido para sala com ele e me
sentado no sofá. Tirei os saltos, deixando-os jogados pelo chão.
— A banheira está cheia e a água morna. — Alexander
informou. Abri um sorriso.
— Obrigada. Já vou levar ele lá.
A campainha tocou, fazendo com que eu virasse a cabeça
para olhar para a porta e Alexander foi abrir.
— Vixita? — Adrian perguntou.
— Eu não sei, meu amor. — Respondi, dando um beijo na
testa dele.
Era Alexia.
— Oi. — ela murmurou e Alexander a deixou entrar. — Eu
imaginei que você estaria aqui. Está tudo bem? Onde estão Allana e
Theo?
Eu e Alexander nos entreolhamos e soltamos o ar juntos.
Fechei os olhos, incapaz de falar qualquer coisa que fosse. Eu ainda
não tinha dito aquilo em voz alta. Tinha medo de ativar algum gatilho
se dissesse.
— Allana e Theo sofreram um acidente, Alexia. Eles não
sobreviveram, nós estamos aqui desde ontem e fomos buscar
Adrian hoje. — Alexander murmurou, sério.
— Tudo bem. Espera. Allana e Theo não sobreviveram? —
Alexia repetiu. Abri os olhos; já estavam marejados. — Eles estão...
Apenas fiz que sim com a cabeça e a expressão de Alexia se
transformou completamente e seus olhos se encheram de lágrimas.
— Eles deixaram a casa e a guarda de Adrian para nós, mas
só podemos ficar com ele se morarmos juntos. Aqui. — expliquei.
— Ai, meu Deus! Eu sinto muito, Vic. — Ela chegou perto para
me abraçar. Fechei os olhos e soltei o ar, tentando não chorar.
Adrian estava quieto no meu colo, ele sentia que tinha algo errado.
Nunca ficava quieto, sempre queria ficar brincando ou pulando no
sofá e nos chamando aos gritos.
— Eu tenho que resolver as coisas do funeral. — Alexander
murmurou, me fazendo olhá-lo. — Vocês vão ficar bem?
— Eu vou cuidar deles. — Alexia prometeu.
— Por favor, e qualquer coisa pode me ligar.
— Tudo bem. — ela concordou. Alexander olhou para mim e
eu assenti; ele tinha que cuidar daquilo.
— Eu volto logo. — Ele garantiu, beijando o topo da cabeça de
Adrian. Puxei o ar, quando ele saiu pela porta. Eu estava me
sentindo um pouco dependente, não sabia o porquê. Mas pelo
menos não estava sozinha com Adrian.
— Eu tenho que dar banho nele. — murmurei, pegando a
mamadeira vazia da mão de Adrian e colocando na mesinha de
centro.
— Eu ajudo você. — Alexia ofereceu. Balancei a cabeça,
enquanto me levantava do sofá com Adrian no colo e nós subimos
as escadas para o quarto dele.
A banheira estava cheia e a água bem morna, como Alexander
disse. Ele estava aprendendo. Gostei daquilo.
Tirei a roupa de Adrian e coloquei-o na água, com alguns
brinquedos de borracha. Prendi o cabelo em um rabo alto e me
abaixei, para poder dar banho em Adrian. Ele estava quietinho,
mexendo nos brinquedos que flutuavam na água.
— Você quer ajuda? — Alexia perguntou, já prendendo o
cabelo.
— Me dá o shampoo dele. — pedi. Ela pegou em cima da pia e
me entregou. Molhei os cabelos de Adrian e massageei enquanto
passava o shampoo e espumava. Ele estava muito quieto, era
impressionante. Parecia bastante entretido com os brinquedos
flutuando.
— Como você está? — Alexia perguntou, se sentando na
borda da banheira e colocando mais brinquedos perto de Adrian.
Dei de ombros, sem conseguir falar. Eu não podia. Não ainda.
Tentei não pensar em nada enquanto lavava os cabelos de
Adrian e seu corpo, tentei não pensar simplesmente, apenas me
concentrei nele e no que estava fazendo.
— Dinha, tila binquedo, não quelo — Adrian empurrou os
brinquedos pra longe na água. Franzi a testa. Ele amava os
brinquedos, mas parecia que hoje não.
— Tá, a madrinha tira — falei, pegando os brinquedos e
deixando em cima da pia.
— Vic... — Alexia chamou minha atenção. Puxei o ar e
balancei a cabeça negativamente.
— Eu não posso, Alex. Não posso fazer isso agora. —
murmurei. Ela aquiesceu; entendia que era difícil. E eu tinha muita
sorte de ter Alex comigo. Eu não estava sozinha.
— Você vai se mudar, não é?!
— Se eu não me mudar, Adrian vai para a adoção. Eu não
posso deixar isso acontecer. Allana jamais me perdoaria por
abandoná-lo. Eu mesma não seria capaz de conviver com a culpa
por ter cometido tal ato. — Respirei fundo. — Eu vou ficar aqui com
Alexander por ele. Adrian não tem porque ir para a adoção se tem a
madrinha e o tio.
— Eu concordo, e espero que vocês consigam conviver bem e
não brigar. — Alexia desejou.
— É o que eu quero também. — Suspirei, dando um beijo na
bochecha de Adrian. Ele prestava atenção em nossa conversa e
mexia em seus brinquedos. A inocência de um bebê era algo
extraordinário. Eu estava dando graças a Deus por ele ter apenas 2
anos e não entender o que estava acontecendo. Apesar de parecer
sentir.
Terminei de dar banho em Adrian e enrolei-o em uma toalha
depois de tirá-lo da água. Levei ele direto para o quarto. Coloquei o
bebê em cima da cama, para poder pegar uma roupinha para ele.
Adrian tinha um brinquedinho de borracha nas mãos e o observava
como se o estudasse; era um Homem Aranha de borracha, Theo
que havia dado.
Respirei fundo, indo até o armário e pegando uma roupinha
para Adrian. Se eu olhasse mais, com certeza choraria. Não era só
por Allana que eu estava mal, era por Theo. Ele era como o irmão
que eu não tive. Sempre me protegeu e me defendeu. Eu não tinha
ideia de como viveria sem aqueles dois.
Alexia me ajudou a trocar Adrian e ele mesmo foi muito fácil,
ficou paradinho enquanto o trocávamos. Coloquei uma camiseta e
uma calça de pijama. Provavelmente ele dormiria até a hora do
almoço e depois no final da tarde. Era o horário dele dormir todo dia.
— Alexander está demorando, não?! — comentei, enquanto
penteava os cabelos molhados de Adrian.
— Não, Vic. Essas coisas demoram mesmo. — Alexia tentou
me tranquilizar. Balancei a cabeça. — Está quase na hora do
almoço, o que vai fazer?
— Eu não pensei. — respondi, absorta.
— Eu posso cozinhar. — Ela ofereceu. — Se estiver tudo bem
para você.
— Claro, Alex. Por favor. Isso vai ser ótimo. — falei, pegando
Adrian no colo. Peguei uma pelúcia dele, antes de sairmos do
quarto e descermos para a sala.
Coloquei Adrian no sofá e liguei a televisão em um canal de
desenho. Adrian abraçou o tigre branco de pelúcia e se deitou para
assistir o desenho. Tinha certeza de que ele estava com forme.
— Você quer papa, meu amor? — Perguntei, me abaixando na
frente dele.
— Quelo, dinha — Adrian fez que sim com a cabeça. Dei um
beijo na testa dele antes de me levantar e ir com Alexia para a
cozinha. Esquentei mais uma mamadeira para ele. Tinha que dar
até a hora do almoço. Eu ainda tinha que fazer o que ele ia comer.
Voltei para sala e coloquei a mamadeira nas mãozinhas dele.
— Segura com as duas mãos. — Instrui.
Quando estava na porta da cozinha, me virei para olhar; ele
estava sentado e com a mamadeira entre as duas mãos, os olhos
fixos na televisão e a boca sugando o leite. Ele não era nada difícil
de cuidar, muito pelo contrário. E ele não merecia o que tinha
acontecido.
— Vocês precisam mesmo cuidar dele. — Alexia comentou,
enquanto procurava o que fazer na geladeira.
— Sim, nós precisamos. — concordei, com um suspiro, me
sentando na mesa.
— Eu vou fazer macarrão, pode ser?! É rápido.
— Claro, Alex. Qualquer coisa. — Passei a mão pelo rosto,
exausta. Não eram nem 12h e eu já estava acabada. Com certeza
não ia trabalhar naquele dia, até porque meu plantão era pela
manhã até a metade da tarde.
Meu celular começou a tocar e eu fui até a sala pegá-lo em
cima da mesinha de centro. Adrian apenas me olhou quando eu
peguei e fui para a cozinha. Era Alexander.
— Oi. — murmurei, sentando-me outra vez na mesa.
— Oi, Vic. Liga para a babá. Nós vamos sair umas 15hrs. —
Alexander avisou.
— Vamos?
— Sim, o funeral. Não é ambiente para Adrian. — ele
murmurou.
— Não, não é. — concordei. — Tudo bem. Eu vou ligar.
— Eu te vejo daqui a pouco. — Alexander falou, antes de
desligar. Coloquei o celular em cima da mesa e respirei fundo.
— Algum problema? — Alexia perguntou.
— Alexander pediu para ligar para a babá. Nós saímos daqui
às 15h00 para o funeral. — murmurei. Alexia ergueu as
sobrancelhas. Aquele seria o pior momento, eu sabia. Era o
momento em que eu me daria conta da realidade. Parecia estar em
uma bolha entorpecente.
Quando Alexia estava terminando o almoço, Alexander
chegou. Já passava das 13h00. Ele tinha sacolas de mercado nas
mãos. Eu estava no sofá com Adrian no colo. Me senti melhor
naquele momento. Estava me sentindo mais segura com ele, e
completa com Adrian ali.
— Oi. — murmurei.
— Oi. — Alexander respondeu, deixando as chaves e a
carteira na mesinha de centro. Ele deu um beijo em Adam ao passar
por nós e foi para a cozinha. Fiquei olhando enquanto ele deixava
as sacolas na mesa e falava algo para Alexia.
Respirei fundo, voltando a olhar para a televisão. Adrian estava
entretido com o desenho e mordendo um brinquedo de plástico. Os
dentes estavam começando a nascer e ele estava com muita
coceira na gengiva. Eu tinha comprado algumas borrachas para ele
morder há 2 dias. No último dia que vi Allana e Theo.
O que me impediu de chorar naquele momento foi Adrian se
virar, ficar em pé no meu colo e deitar a cabeça no meu ombro.
Fechei os olhos. Eu amava tanto aquela criança que chegava a
doer, e ele parecia estar sentindo que eu não estava bem.
— Ele dormiu?
A voz de Alexander me fez abrir os olhos. Puxei o ar.
— Não, ele só deitou. — respondi. — Mas eu acho que está
com sono.
— Acho que não conseguiu dormir direito lá. — Alexander se
sentou ao meu lado e acariciou o rostinho de Adrian, fazendo o
pequeno abrir os olhos. — Quer papa? — ele perguntou. Adrian
levantou a cabeça na mesma hora. Estava com fome, mas os
olhinhos estavam quase fechando.
— Quelo, dinho — respondeu, sonolento. A expressão de
Alexander foi triste e eu dei um beijinho em Adrian.
Levamos ele para a cozinha e o colocamos sentado na cadeira
especial de bebês. Me sentei na mesa, enquanto Alexia colocava o
prato de vidro com macarrão e molho na mesa.
Nós comemos em silêncio. Eu comi pouco. Não tinha fome.
Alexander comprou a papinha de Adrian e o bebê comeu tudo
quando dei em sua boca, mas ele quase dormiu. Aproveitei a deixa
para deixar a comida e ir colocar Adrian para dormir.
Coloquei-o em cima da minha cama, deixando um monte de
almofadas em volta dele. Fiquei acariciando seu rostinho até que
dormisse profundamente. Ele sentiu a falta de casa, eu tinha
certeza. Ia dormir muito melhor ali.
— A madrinha volta logo. — prometi, depositando um beijo na
testa de Adrian.
Aquela era uma promessa que eu cumpriria. Sempre cumpri e
sempre cumpriria, porque eu era tudo o que ele tinha, além de
Alexander, a partir daquele momento. Eu jamais o deixaria.
Peguei uma roupa que tinha separado e fui para o banheiro.
Coloquei a calça jeans preta, a camiseta preta e um tênis de couro
preto. Aproveitei que o cabelo tinha secado para prendê-lo em um
rabo alto. Peguei um óculos escuro antes de sair do quarto e descer
as escadas.
A babá chegou no momento em que eu alcancei o piso da
sala. Alexia já estava pronta e Alexander foi receber a garota.
— Ele está dormindo na minha cama e tem mamadeiras
prontas na cozinha. — avisei. Ela assentiu.
Saí com Alexia de casa e respirei fundo. Eu precisava ser
muito forte a partir dali. Não podia cair, não podia desmoronar e não
podia me entregar a tristeza. Devia senti-la, mas não podia sucumbir
a ela. Não quando tinha uma vida dependendo de mim.
Alexander saiu em seguida, com as chaves do carro na mão.
Ele destravou e eu entrei no banco carona. Não ligamos o rádio, não
tinha clima para aquilo. Mas algo me dizia que ainda estava na rádio
que eu coloquei há algum tempo.
Durante o caminho, tentei me manter calma. Olhei pela janela,
observando a cidade, e respirei fundo diversas vezes. A temperatura
estava um pouco elevada, mas o vento era forte. E eu não tinha
outra forma de me vestir se não aquela. Eu estava indo para o
funeral da minha melhor amiga.
Quando chegamos no cemitério, precisei respirar fundo
diversas vezes antes de conseguir sair do carro. Éramos só nós 3.
Não tinha mais ninguém. Éramos só nós.
Não foi possível fazer um velório; os corpos estavam
destruídos por causa do acidente. Seria caixão fechado, então
Alexander optou pelo enterro direto. Eu não discordava dele.
Tive que me controlar muito, enquanto íamos para o local onde
Allana e Theo seriam sepultados. Alexia me abraçava de lado e eu
tentava controlar minha respiração, tentava segurar o choro que eu
sabia que viria com força.
As lágrimas começaram a descer pelo meu rosto quando vi os
caixões. Mas eu não me desespere, apenas chorei, apenas senti
aquilo. Não consegui olhar. Não podia. Se olhasse, desabaria.
— Como vamos ficar sem eles?! — balbuciei, entre o choro.
— A gente vai dar um jeito. — Alexander prometeu, me
abraçando de lado. Apertei os olhos, com força, fazendo as lágrimas
caírem. Meu coração doía de uma forma que eu não conseguia
explicar.
Me dei conta, naquele momento, que não teria mais a minha
melhor amiga comigo. A ideia de nunca mais ver Allana ou Theo me
destruía. Eu tinha perdido a única família que me restou, meus
melhores amigos. A irmã que eu escolhi e o irmão que a vida me
deu. Nunca me senti tão sozinha e desolada.
Eu me sentia um trapo humano enquanto voltávamos para
casa. Minha vontade era deitar e não levantar mais, dormir e não
acordar, chorar até secar. Mas eu não podia, e não conseguia.
Ainda estava entorpecida de sentimentos.
Alexander passou para deixar Alexia em casa antes de
finalmente ir para casa. Eu fui direto ver Adrian, que estava sentado
no sofá assistindo desenho. A babá estava sentada no poltrona, de
olho nele.
— Oi, meu amor. A madrinha voltou. — Peguei Adrian no colo
e o abracei. Ele era tudo o que tinha me restado de Allana.
— Oi, dinha. — Ele me deu um beijo no rosto, me fazendo
fechar os olhos por um momento, enquanto segurava o choro.
A babá foi embora após Alexander pagar para ela. Já eram
quase 19h00. Levei Adrian para o andar de cima com uma
mamadeira. Alexander subiu e entrou atrás de mim no meu quarto.
Coloquei Adrian na cama e abri as cortinas, para que entrasse
um pouco de vento. Estava quente lá dentro. Me deitei ao lado de
Adrian, enquanto ele tomava a mamadeira. Alexander também se
deitou, do outro lado do bebê.
Percebi, naquele instante, que éramos eu e Alexander a partir
daquele momento, para tudo. Éramos a família do Adrian, e a nossa
própria.
Quando Adrian terminou a mamadeira, Alexander pegou-a e a
colocou na mesinha de cabeceira. Ele fez nosso afilhado arrotar
enquanto o balançava e o deitou outra vez. Adrian aconchegou-se,
quando o cobri com um lençol fino, e fechou os olhos.
Fiquei fazendo carinho em seu rostinho até que adormecesse.
Parecia um anjinho dormindo. Ele era tudo o que eu tinha a partir
daquele momento, e para o resto da vida.
Observando Adrian dormir, pouco a pouco, a bolha
entorpecente se desfez, e eu senti tudo o que vinha bloqueando
desde ontem. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu tive que
me levantar da cama e sair do quarto.
Alexander saiu atrás de mim, enquanto eu andava de um lado
para o outro no corredor. As lágrimas desciam sem controle pelo
meu rosto e eu me controlava para não me desesperar e gritar.
— Victoria! — Alexander chamou minha atenção. Ele sabia
que eu ia surtar e desmoronar.
— Allana que era uma boa mãe, uma boa dona de casa, uma
boa professora... Eu nem cozinho em casa depois que minha mãe
morreu. Ela devia estar aqui pra me dizer o que fazer. Eu não sei o
que fazer. Eu não posso fazer isso. — admiti, entre o choro.
— Vic, não. A gente vai dar um jeito. Eu vou estar aqui, com
você, com Adrian. Vamos passar por isso juntos. — Alexander
garantiu. Eu não conseguia ouvi-lo, a dor estava me consumindo.

— Não! Não! Eu não consigo respirar. — Balbuciei, o choro


atropelando-me. Eu caí no chão, junto com tudo de mim. Alexander
se abaixou do meu lado e me segurou.
Uma parte de mim morreu naquela noite, mas Alexander me
abraçou, tentando fazer o que restou de mim sobreviver. Ele dormiu
abraçado comigo e Adrian, tentando fazer com que eu não me
entregasse a dor, tentando me salvar de mim mesma.
Eu não consegui dormir bem, porque não estava bem.
Depois de chorar tudo o que tinha para chorar, eu finalmente
consegui dormir. Mas minha mente não relaxou, muito pelo
contrário. Tive vários pesadelos durante a noite, porém não acordei.
Mas, quando o dia amanheceu, meus olhos se abriram e se
recusaram a fechar-se outra vez. Esfreguei os olhos, passei as
mãos pelo rosto, me virei na cama, mas não dormi novamente.
Fiquei observando Adrian dormir durante algum tempo. Era
muito cedo para me levantar. Então apenas fiquei ali, olhando meu
afilhado; o rosto tranquilo enquanto dormia. V
ez ou outra, olhava
para Alexander, que também tinha uma expressão tranquila.
Passei a mão, devagar, pela cabecinha de Adrian. Eu estava
com tanta dó daquele bebê, ele não merecia o que tinha acontecido.
E eu temia o que aconteceria com ele se não tivesse a mim e
Alexander. Mas ele não estava sozinho, e não estaria nunca se
dependesse de mim.
Adrian dormia tranquilamente, sequer se mexia. Ele dormia a
noite inteira, o que foi muito bom. Estávamos cansados e
precisávamos daquela noite para recuperar as energias. Alexander
tinha um V engraçado entre as sobrancelhas enquanto dormia.
Estiquei a mão, cautelosamente, e toquei aquele ponto, e ele
se desfez. Alexander se mexeu e eu recolhi a mão rapidamente,
fechando os olhos. Sim, eu fiquei com medo de ser pega com a mão
no rosto dele. O que diria? Não tinha uma explicação lógica.
Abri os olhos, devagar. Alexander tinha apenas se virado.
Soltei o ar, me virando na cama. Dei um beijo na testa de Adrian
antes de me levantar. Já era um horário razoável. Eu não teria que
escutar Alexander no meu ouvido mais tarde perguntando se eu
estava bem ou porque acordei cedo demais. Não queria
questionamentos nem ter que responder nada em relação a mim
mesma naquele momento.
Peguei algumas roupas antes de entrar no banheiro. Tranquei
a porta e deixei a roupa na bancada da pia, antes de tirar o pijama e
colocar no cesto de roupas. Liguei a ducha e fiquei esperando
chegar na temperatura morna. Quando chegou, eu entrei debaixo do
fluxo dӇgua.
Tentei não demorar, até porque sabia que o barulho da água
acordaria Adrian, mas foi inevitável não fechar os olhos enquanto a
água morna escorria pela minha pele. Minha mente estava um
turbilhão e eu havia descarregado, não conseguia chorar. Por maior
que fosse a dor que eu sentia, não descia uma lágrima pelo meu
rosto. Acho que eu estava entorpecida, ou simplesmente tinha
esgotado minhas lágrimas.
Fiquei poucos minutos debaixo da água, por mais que minha
vontade fosse não sair mais dali. Acho que eu tinha medo de
enfrentar a realidade sem Allana. Sempre tive ela, para tudo. E
agora não a teria mais. Não era fácil perder sua única família e
ganhar uma de repente. Foi a pior coisa que poderia ter acontecido.
Me sequei com a toalha que peguei no armário e me vesti em
seguida; calça flare branca e uma blusa de seda rosa bebê. Não
podia usar preto no hospital, infelizmente, e tinha que trabalhar. Não
podia simplesmente largar a vida lá fora. Eu precisava seguir em
frente.
Quando saí do banheiro, Adrian ainda dormia na cama, com
várias almofadas em volta, mas Alexander não estava mais ali.
Consegui ouvir barulho de chuveiro. Ele já tinha acordado. E eu
precisava encará-lo depois da noite anterior. Só não sabia como
faria aquilo.
Deixei Adrian dormindo mais e saí do quarto, após deixar a
janela mais fechada. Aquela hora da manhã o vento era muito forte
e ele poderia ficar doente. Dou um beijinho em sua testa antes de
sair do quarto e desço as escadas em direção à cozinha.
São quase 07h00 da manhã. Meu plantão começa às 07h45 e
vai até 12h00, às vezes até às 13h00. Teríamos que organizar os
horários para ficar com Adrian ou teríamos que deixar ele com a
babá todos os dias. E eu não queria aquilo, só em emergências.
Preferia que ele ficasse mais tempo comigo e Alexander , até para se
adaptar melhor. Seria difícil para ele, e para nós também; eu sabia.
Decidi não fazer café ainda, era muito cedo. Esperaria Adrian
acordar e faria de uma vez, era melhor. Fiz apenas um chá para
mim e fui me sentar no sofá. A temperatura estava amena, mas o
vento estava forte. Começava a esfriar
, o inverno logo chegaria.
Enquanto estava ali, olhando para um ponto fixo na parede,
pensei em mil coisas ao mesmo tempo: no meu último aniversário,
no casamento de Allana, na minha formatura, no dia que iniciei a
universidade, no dia em que conheci Alexander, no dia que Allana
me apresentou Theo e eu soube que amaria ele, no dia que conheci
Allana e tive a certeza de que ela seria minha melhor amiga, no dia
que Allana me contou que estava grávida, no dia que Adrian
nasceu, e no último dia que vi Allana.
As lágrimas desceram pelo meu rosto. Não me desesperei,
apenas senti. Senti aquela dor, aquela perda, aquele vazio, aquele
buraco no meu peito, a falta que Allana e Theo estavam fazendo.
Eu não sabia o que fazer sem eles, aquela era a verdade.
Sempre os tive comigo, me apoiando, me defendendo, me
protegendo, me salvando... Eu simplesmente não conseguia pensar
em um mundo que eles não estivessem comigo. Parecia irreal, um
pesadelo que eu desejava acordar mais do que tudo na vida.
Mas eu sabia que não era. Quando vi os caixões sendo
cobertos com terra eu me dei conta de que era verdade. Aquela era
a realidade agora. Allana e Theo não estavam mais com a gente, eu
tinha que viver com Alexander, eu tinha que cuidar de Adrian junto
com ele.
Tudo aquilo era demais para mim. Eu sentia cada célula do
meu corpo se desfazer. Era impossível descrever a dor que eu
sentia. Eu tinha perdido a minha melhor amiga da vida inteira, e o
irmão que a vida me deu. Eu tinha perdido a única família que me
restou. Eu sentia que tinha perdido tudo. Era como se eu estivesse
vazia por dentro, como se tivesse um buraco no lugar do meu
coração.
A dor que eu podia não podia ser descrita e meu coração doía
a cada batida, mas eu sentia que a única coisa capaz de aplacar
aquela dor era meu amor por Adrian. Eu ainda o tinha, o que sobrou
de Allana. Meu afilhado era minha âncora. Era por ele que eu ainda
estava firme, de certa forma.
Respirei fundo, fechando os olhos. oda
T vez que pensava em
desistir, só conseguia ouvir Allana e Theo na minha mente:“Victoria,
segue em frente” . E era o que eu devia fazer, era o que eu precisava
fazer. Só não sabia se conseguiria fazer tal coisa.
Ouvi passos na escada e abri os olhos, virando a cabeça para
olhar. Era Alexander. Ele estava de camiseta e calça de moletom. Ia
passar a manhã em casa, provavelmente só trabalharia durante a
tarde.
— Bom dia. — ele murmurou.
— Bom dia. — respondi, me levantando e indo até a cozinha.
Deixei a xícara na pia e apoiei as mãos. Eu ainda tinha que encará-
lo depois da noite anterior. Fui salva pelo choro de Adrian.
— Eu pego ele. — Alexander disse, dando meia volta e
subindo as escadas. Soltei o ar. Ganhei alguns minutos.
Eu tinha surtado, não tinha como esquecer aquilo. Tinha que
me desculpar por aquilo. Ele também estava mal.
Alexander apareceu na cozinha um momento depois, com um
Adrian sonolento no colo.
— Oi, meu amor. — Dei um beijo na bochecha dele, quando
Alexander o colocou sentado.
— Quelo papa, dinha. — ele balbuciou, me fazendo abrir um
sorriso e Alexander rir, enquanto se sentava na mesa.
— Acho que precisamos de uma ilha aqui, ao invés de uma
mesa. — Ele comentou. Arqueei as sobrancelhas, mas não disse
nada. Mudar a casa? Eu não sabia o que pensar sobre aquilo. Era a
casa de Allana e Theo, era a cara deles. Mas seria nossa. Talvez
fosse estranho.
Peguei as coisas para preparar o café da manhã, para Adrian,
e para mim e Alexander. Ele estava conversando e brincando com
Adrian enquanto eu fazia as coisas. Mordi o lábio inferior
, incerta do
que deveria falar.
— Eu sinto muito pela noite passada, Alexander. — Me
desculpei, enquanto amassava bananas em um prato para Adrian.
— Está tudo bem, Victoria. Sei o quanto está devastada. Você
perdeu sua amiga e eu perdi meu irmão.
— Eu me esqueci... Você também está sofrendo. Sinto muito
por ter surtado.
— É compreensível, levando em conta tudo o que está
acontecendo. Não se preocupe em surtar. Estarei aqui para não
deixar você se perder. — Alexander garantiu. Ele estava sendo tão
bom comigo, que nem parecia o Alexander que conheci há 10 anos
atrás.
— Muito obrigada, Alexander. — agradeci.
— Não tem o que me agradecer, Vic. Adrian é meu sobrinho,
precisa de mim. Mas ele também precisa de você. É a madrinha
dele, o mais próximo de uma mãe que ele terá.
Balancei a cabeça, concordando. Por mais que me doesse
muito admitir, Alexander tinha razão: eu era o mais próximo de uma
mãe que Adrian teria dali para frente. Eu era sua madrinha, sua
segunda mãe. E a única naquele momento.
— Eu tenho que trabalhar hoje — avisei. — Vou tentar ficar até
12h00 só — falei, colocando o prato na frente de Adrian e me
sentando para dar a banana amassada para ele.
— Tudo bem. Eu fico com Adrian. Não tenho que bater cartão,
então não tem problema ficar em casa. Pode trabalhar tranquila.
Ergui as sobrancelhas, enquanto Alexander se levantava e
pegava as coisas para fazer café. Acho que eu precisava daquilo.
Adrian comeu tudo o que dei para ele e ainda beliscou uns pedaços
de pão de queijo que estavam na mesa.
— Isso tudo é fome? — brinquei, fazendo Adrian rir e esticar
as mãozinhas gordas, pedindo mais. Dei um pão de queijo inteiro na
mão dele. Adrian me olhou, olhou para o pão de queijo, arregalou os
olhos e o enfiou inteiro na boca. — Ai, meu Deus!
— O que foi? — Alexander perguntou, preocupado.
— Ele colocou o pão de queijo inteiro na boca.
— É só pão de queijo, Victoria. É mole. Sei lá. A pediatra aqui
é você. Eu sou um promotor, não entendo de bebês.
E, pela primeira vez na vida, Alexander me fez rir. Uma risada
de verdade, vinda do fundo da alma. Talvez eu precisasse daquilo. E
foi tão bom rir no meio de todo aquele caos, fez com que eu me
sentisse viva.
— Você é um idiota. — xinguei. Alexander ergueu as
sobrancelhas e abriu um sorriso.
— Eu sei. Você me fala isso há 10 anos. — Ele disse,
colocando uma xícara de café na minha frente. — 4 gotas de
adoçante, como você gosta.
Arqueei as sobrancelhas, surpresa. Alexander reparava em
mim a ponto de saber quantas gotas de adoçante eu colocava no
meu café, suco ou leite? Aquilo era... surpreendente.
— Que observador. — disse, impressionada. — Muito
obrigada.
— De nada. — ele respondeu, sentando-se na mesa e dando
outro pão de queijo para Adrian. — Não vai fazer mal, não é?!
— Não, não vai. Só não comer em exagero. — falei, tocando a
ponta do nariz de Adrian. O bebê nem se tocou, estava entretido
com o pão de queijo. Abri um sorriso. Era bom ter ele e fiquei feliz
de que ele estivesse conosco. — Sabe, estou feliz de que ele esteja
com a gente. É melhor nós, mesmo com todas as divergências. Pelo
menos, nós o amamos de verdade. — comentei, acariciando o rosto
do meu afilhado, que comia concentrado.
— Não haveria ninguém além de nós dois, Vic. Somos só nós,
sempre fomos. Adrian é nosso agora e temos que fazer o melhor
por ele. — Alexander murmurou. Balancei a cabeça.
— É tão injusto que tenhamos passado tantos anos com ele e
Adrian tão pouco tempo. — Soltei o ar. Alexander ergueu as
sobrancelhas.
— Vamos fazer com que ele se lembre deles, da melhor forma
que conseguirmos. — Ele garantiu. — Ele é o que nos restou deles.
Eu era obrigada a concordar com Alexander, vinha pensando
naquilo desde o dia anterior; Adrian era tudo o que nos sobrou de
Allana e Theo, além das lembranças que ficariam conosco para
sempre.
Respirei fundo, evitando chorar.
— Eu tenho que ir trabalhar. — murmurei, me levantando.
— Até que horas? — Alexander perguntou. Balancei a cabeça.
— Tento chegar em casa depois do meio dia.
— Tudo bem.
Dei um beijinho em Adrian, antes de sair da cozinha e subir as
escadas. Calcei um salto branco aberto, peguei um óculos de sol, a
bolsa já arrumada e saí do quarto.
Parei na sala ao ver Alexander brincando com Adrian como se
fosse seu próprio filho. Aquilo tocou meu coração. Ele estava
fazendo o que disse que faria; estava cuidado de Adrian. E não
apenas cuidando por obrigação, era amor. A forma como ele tratava
o bebê, era amor. Era como eu.
Naquele momento, pela primeira vez na vida, eu descobri que
tinha algo em comum com Alexander. Algo que faria com que
convivêssemos bem, algo que amávamos... Juntos, nós
conseguiríamos fazer aquilo. Naquele instante, eu tive certeza.
Respirei fundo e desviei o olhar antes que ele percebesse que
eu estava olhando por tempo demais, mas fiquei parada ali ao me
dar conta de que tinha que ir de carro. Eu teria que dirigir. Perdi
Allana e Theo em um acidente de carro...
— Victoria?! — Alexander veio para a sala com Adrian no colo.
Ele finalmente havia parado de comer e estava com um brinquedo
nas mãos.
— Eu vou ter que dirigir... É um carro. — falei, o tom de voz
baixo. Alexander puxou o ar; ele havia entendido.
— Quer que eu te leve?
Balancei a cabeça. Eu tinha que fazer aquilo, não podia
depender de Alexander ficar dirigindo para mim.
— Não, tudo bem. Eu posso fazer isso.
— Pode mesmo? — Ele investigou. Respirei fundo, sentindo a
cabeça pesar.
— Sim, eu tenho que fazer isso. Não posso simplesmente
depender de você. — falei, dando um beijo em Adrian. — Eu vejo
vocês mais tarde.
— Qualquer coisa liga.
— Tudo bem. — murmurei, antes de sair de casa.
Balancei as chaves entre os dedos, enquanto chegava perto
do meu carro. Respirei fundo, fechando os olhos por um momento, e
apoiando as mãos na janela.
Eu podia fazer aquilo, eu tinha que fazer aquilo. Era só um
carro. Nada aconteceria. Eu não sofreria um acidente. Ia ficar tudo
bem. Eu precisava acreditar naquilo e não ser tão pessimista
Abri os olhos depois de destravar o carro e entrei, decidida. Eu
podia fazer aquilo. Eu podia fazer qualquer coisa se decidisse.
Deixei a bolsa no banco carona, onde o jaleco estava, e liguei o
carro. Não coloquei música; não tinha clima para ouvir qualquer tipo
de música ainda.
Respirei fundo, pisando no acelerador. Consegui sair da vaga
sem problemas e dirigi até a avenida principal. Não tive um ataque
de pânico, que era o que eu temia. Dirigi até o hospital com cuidado
e cheguei alguns minutos antes do meu plantão começar.
Eram 07h30 quando estacionei o carro em uma vaga. Peguei a
bolsa, o jaleco e o celular antes de sair do carro. Travei-o, enquanto
andava para a entrada do hospital. Coloquei meu jaleco no saguão
e passei o cartão para entrar.
Subi direto para o andar pediátrico. Na verdade, andar
pediátrico dos residentes. Ainda tinham outros andarem de pediatria
no hospital. Era muito grande, com muitos andares, e mais de um
prédio. Eu ficava no prédio 2, 21º andar.
Subi com o elevador enquanto fechava o jaleco e saí no andar
.
Fui com a bolsa na mão até os bebês que ficavam na incubadora.
Queria dar uma olhada em um bebê que nasceu na semana
passada e era meu paciente.
— Victoria!
A voz de Matthew no corredor me fez fazer uma careta antes
de virar para olhá-lo. Ele não tinha uma expressão nada legal. Puxei
o ar, me preparando para encarar aquilo.
— Por que não retornou as minhas ligações e nem foi no
jantar? — Matthew questionou. — Estou te ligando há dois dias,
Victoria, dois dias. E nem uma mensagem.
Algo no tom dele me incomodou e eu preferi não discutir aquilo
naquele momento. Depois daquele tom de cobrança e autoritário
não ia adiantar tentar explicar tudo o que perdi em um dia. Fora que
aquele não era o local para se ter aquele tipo de conversa. Era um
hospital e nosso trabalho.
— Matthew, não é o momento. — avisei, deixando-o ali e indo
pelo corredor.
— Victoria! — Ele gritou, vindo atrás de mim.
— A minha melhor amiga morreu! — berrei, me virando para
ele. A expressão de Matthew foi assustada. Lágrimas inundaram
meus olhos. — Allana e Theo morreram e Adrian caiu no meu colo
para mim cuidar. Eu tenho que conviver com um cara que odiei por
10 anos, porque se não fizer isso meu afilhado vai pro abrigo ser
adotado por outra família. Meu mundo desabou de um dia para o
outro e você quer me cobrar porque não te retornei as ligações e
não fui ao jantar? Eu perdi a minha única família, Matthew. Não me
cobre esse tipo de coisa quando eu não tenho cabeça nem para
mim mesma.
— Ei, Vic. — Alexia veio ao meu socorro. — Matthew, eu te
avisei para não falar com ela hoje. Não seja inconveniente! — Ela o
repreendeu, me tirando dali.
Ele conseguiu desfazer meu auto controle e ainda me fez
desmanchar. Alexia me levou para a minha sala e me colocou
sentada no sofá, tirando tudo da minha mão, inclusive meu jaleco.
Encostei no sofá, com as mãos no rosto, e chorei. Tudo o que
estava segurando, chorei. Matthew havia conseguido estregar o que
passei a noite controlando. Ele desfez minha calma e minha dor
silenciosa.
— Ei, ei, tá tudo bem, Vic. Tá tudo bem. — Alexia se sentou ao
meu lado e me abraçou, acariciando meus cabelos.
Aos poucos, fui me acalmando; minha respiração desacelerou
e eu parei de chorar. Alexia me abraçou de lado, deitando minha
cabeça em seu ombro.
— Eu sei que não sou a Allana, nunca fui e nunca serei, mas
eu sempre vou estar aqui por você. — ela prometeu. Levantei a
cabeça para olhá-la. Como ela podia dizer uma coisa daquelas?
— Você é a Alexia e é importante para mim. Nunca pense o
contrário.
— Eu sei, eu só quis dizer...
— Eu sei o que você quis dizer. — Interrompi. — Me desculpe
se em algum momento te fiz pensar que não era importante, mas
você é. Você é minha melhor amiga, Alexia. Mesmo quando tinha
Allana. Ela era minha irmã, e será sempre. Mas você me salvou de
mim mesma quando perdi minha mãe e está fazendo o mesmo
agora. Não imagina o quanto sou grata por ter você comigo. — falei,
os olhos marejados outra vez. Alexia me abraçou.
— Me desculpa, Vic. Desculpa meu ciúme e minha
insensibilidade. Eu sei que sou importante. E vou estar com você
nesse momento, vou te ajudar, e não vou deixar que você caía. Eu
prometo. Se precisar, eu vou te salvar de novo. Vou te salvar
quantas vezes forem necessárias. — Ela prometeu. Soltei o ar,
fechando os olhos. Eu sabia que ela faria tal coisa.
— Eu preciso me acalmar. — Me afastei para respirar fundo e
tentar parar de chorar. Eu detestava ficar chorando. Nunca gostei,
mesmo quando tinha perdas. Eu só queria parar de chorar tanto.
— Vai para casa, Vic. Você não tem cabeça para trabalhar
hoje, não depois disso. Eu posso falar com a dra. Kelly para que
você fique alguns dias em casa. Dois ou três dias, talvez. Pode ser
bom.
— Muito obrigada, Alex. — Suspirei.
— Eu te levo até o estacionamento. — ela disse, pegando
minhas coisas e nós saímos da minha sala.
Felizmente, não encontramos Matthew pelos corredores ou
elevador. Era melhor daquela forma. Ele foi insensível no meu pior
momento. Eu não sabia se queria estar com uma pessoa daquela
forma.
— Se precisar, me liga, tudo bem?! Eu vou falar com a dra.
Kelly e te ligo. — Alexia garantiu. Balancei a cabeça e a abracei.
— Muito obrigada. — agradeci.
— Melhor amiga é para isso. — Ela disse, com um sorriso, me
fazendo abrir um meio sorriso.
Entrei no carro, deixando as coisas no banco carona e liguei o
carro, saindo do estacionamento do hospital. Respirei fundo, quando
me encontrei fora dali. Acabou com o meu dia, totalmente. Eu só
precisava chegar em casa, relaxar, e tentar esquecer aquilo.
Não demorei de chegar em casa. Agora era a minha casa.
Minha e de Alexander. Ainda era difícil me acostumar com tudo
aquilo. Era o segundo dia daquela nova vida. Eu não sabia se algum
dia me acostumaria.
Entrei em casa, encontrando Alexander com Adrian sentados
no sofá assistindo desenho. Alexander conversava com Adrian,
como se o bebê pudesse entender. Eu gostava daquilo.
— Victoria?! — Ele ficou surpreso ao me ver.
— Oi, eu tive que voltar... — falei, deixando as coisas na
mesinha de centro e me sentando na poltrona, após dar um beijo
em Adrian.
— Oi, dinha — ele falou, me olhando por um momento antes
de voltar a prestar atenção no desenho.
— Aconteceu alguma coisa? — Alexander perguntou,
preocupado. Puxei o ar.
— Matthew só foi um pouco insensível e eu fiquei mal. Então,
achei que fosse melhor ficar em casa alguns dias. Mas tudo bem. —
Dei de ombros, num gesto falsamente despreocupado, para não o
preocupar. Se eu conhecia bem Alexander, ele era igual a Theo. Ia
correr para me defender.
— Insensível de que forma?
— Ficou me cobrando do porquê não retornei as ligações dele
ou fui ao jantar naquela noite... — Soltei o ar, balançando a cabeça.
A expressão de Alexander não foi nada legal. — Você vai trabalhar
hoje? — perguntei, para mudar de assunto.
— Não, desmarquei a audiência. É nosso primeiro dia
oficialmente aqui e com Adrian, achei melhor ficar em casa. — ele
comentou.
— É, vai ser bom ficarmos aqui mesmo. — concordei.
— Aproveitando que você está aqui. Vou tomar um banho. —
Ele deu um beijo em Adrian antes de levantar e subir as escadas.
Arqueei as sobrancelhas.
— Seu padrinho é doido. — falei. Adrian me olhou, antes de
voltar a assistir um desenho. Abri um meio sorriso.
Tirei os saltos e fui me sentar com Adrian no sofá. Peguei-o no
meu colo e dei um beijo em seu rosto, observando seus olhos azuis;
eram iguais aos de Allana e Theo. Era tão raro e aconteceu dele
nascer com os olhos claros como os dos pais. Abracei Adrian no
meu colo, enquanto as lágrimas desciam silenciosas pelo meu rosto.
Eu me sentia sendo desfeita, pouco a pouco. Aquela dor parecia
que me consumiria a qualquer momento.
Não sei quanto tempo se passou, por quanto tempo eu chorei
e abracei meu afilhado. Ouvi Alexander descendo as escadas. Ele
não disse nada quando me encontrou chorando abraçada a Adrian,
apenas se sentou ao meu lado e abraçou nós dois. Fechei os olhos,
soltando o ar.
De alguma forma eu me sentia mais segura quando ele estava
comigo e Adrian. Parecia que com ele ali era possível fazer o que
precisava ser feito, aguentar tudo.
Mas eu não sabia o quanto aguentaria aquilo, e muito menos
se aguentaria. O quão forte eu era para conseguir suportar tudo
aquilo? Eu não sabia dizer.
1 semana depois...
1 semana havia se passado. 1 semana desde que perdi Allana
e Theo, 1 semana desde que eu tinha ganhado meu afilhado como
um filho, 1 semana desde que eu estava vivendo na casa dos meus
melhores amigos, 1 semana desde que eu estava morando com
Alexander, 1 semana desde que eu estava cuidando de Adrian, 1
semana que eu não trabalhava, 1 semana desde que tudo mudou
de repente, 1 semana desde que minha vida virou de cabeça para
baixo, 1 semana desde que um buraco foi aberto no meu peito e
parecia que nunca ia ser fechado.
Há 1 semana eu recebi a notícia de que minha melhor amiga e
irmã da vida toda morreu, ela e o marido, que era como um irmão
para mim. Eu perdi a única e última família que eu tinha. Achei que
estava sozinha a partir daquele momento, mas o testamento de
Allana e Theo disse o contrário.
Eu e Alexander teríamos que cuidar de Adrian, nosso afilhado,
e morar juntos na casa deles. De primeiro momento, eu achei aquilo
uma loucura. Eu e Alexander nos odiávamos. Como era possível
que pudéssemos conviver e cuidar de um bebê?
Mas, indo contra tudo o que eu acreditava, começava a achar
que aquilo era possível. Depois de uma semana, todos os meus
pensamentos mudaram. E eu sabia que aquela era a melhor opção
para Adrian. Era sua melhor chance.
Eu e Alexander sempre fomos os únicos a ficar com Allana e
Theo, desde sempre. Nós estávamos em todas as datas, em cada
momento, a cada dia, compartilhando tudo. Não teriam pessoas
melhores para ficar com Adrian do que nós dois.
Por mais difícil que pudesse ser de acreditar, o impossível
estava acontecendo: eu e Alexander estávamos nos dando bem.
Nada de brigas, provocações ou implicância. Era uma convivência
civilizada, conversas neutras e o clima estava leve. Estávamos
tendo um “relacionamento” saudável.
Nós cuidávamos de Adrian e Alexander cuidava para que eu
não me perdesse. Claro que Alexia também estava cuidando para
que eu ficasse bem, para que eu ficasse firme e não me entregasse
a dor que sentia.
Eu estava tentando, de verdade. A cada dia, era um novo
desafio. Um dia de cada vez; era algo que Allana sempre me falava
quando eu caía. Mesmo depois de tudo ela continuava me
ensinando coisas. Mesmo depois de perdê-la eu continuava
aprendendo com ela.
Era inacreditável como as coisas pareciam estar fluindo bem.
Eu e Alexander nos dando bem, cuidando bem de Adrian,
convivendo bem, conversando calmamente, resolvendo as coisas
na base da conversa. Parecia irreal tudo aquilo em alguns
momentos.
Adrian estava se tornando um bebê mais quieto, digamos. Ele
parecia sentir que as coisas funcionavam, mas não eram como
antes, e tinha algo errado. Em alguns momentos ele chamava
“mama” e “papa”, e apontava para o quarto de Allana e Theo, aquilo
realmente partia o meu coração, me deixava completamente
desestabilizada.
Como, um dia, eu contaria para ele o que tinha acontecido? Eu
não conseguia nem pensar sobre aquilo. Parecia que a qualquer
momento Allana e Theo iam entrar pela porta e tudo aquilo não
passaria de um pesadelo.
Eu parei de esperar por aquilo no terceiro dia. Porque, por
mais que detestasse admitir, nós nunca mais os veríamos.
Tínhamos perdido nossa família para sempre, e éramos apenas nós
3 dali para frente. Eu estava conformada.
Ainda era difícil aceitar, é claro. Só fazia 1 semana. Eu sentia
uma falta absurda de Allana e Theo. Sentia falta de poder ligar para
ela e reclamar de Alexander. Mas nem tinha mais o que reclamar.
Ele estava sendo atencioso, preocupado e prestativo. Estava tudo
errado mesmo. Eu não reclamando de Alexander era algo estranho
ainda.
Tudo o que Alexander fazia, de gentil, ainda era um pouco
estranho e diferente para mim. De onde vinha tanta preocupação,
gentileza, cuidado e dedicação? Era por causa de Adrian? Será que
nosso afilhado havia mudado ele?
Adrian tinha o poder de nos derreter com um sorriso, aquilo era
verdade. Ele sempre me derretia. Não importava o quão nervosa eu
estivesse com Alexander antes ou quão quebrada eu estava
naquele momento, Adrian tinha o poder de me fazer sentir coisas
boas e acreditar que ainda podia viver bem. Talvez Alexander
sentisse o mesmo que eu.
— Victoria! — Alexander desceu as escadas me chamando.
Tive um sobressalto, fechando os olhos por um momento. Eu
estava sentada no sofá, Adrian brincava no chão da sala, entre os
sofás, onde eu pedi que Alexander tirasse a mesinha de centro para
que ele tivesse espaço e não se machucasse.
Era domingo, nós estávamos em casa há dias. Depois do
problema que tive no hospital, Alexia falou com a nossa doutora
responsável e pediu para que eu pudesse ficar em casa alguns dias;
explicando a situação, é claro que foi permitido. Alexander
simplesmente desmarcou todas as audiências que tinha naquela
semana apenas para ficar em casa comigo e Adrian.
Aquilo que ele fez foi importante, e muito bom para nós. Era
melhor nos adaptarmos bem. E aquela primeira semana em casa foi
essencial. Adrian estava acostumado conosco, então não tivemos
problema algum. Mas, para nós dois, ainda era difícil nos acostumar
com aquela nova vida, a casa e tudo o que a acompanhava, e tudo
o que perdemos ao ganhar aquilo. Perdemos uma família e
ganhamos outra, que teria que ser formada por nós mesmos. Aquilo
ainda era ruim, de certa forma.
— Não precisa berrar. — o repreendi, quando ele assustou
Adrian. Empurrei os brinquedos para perto dele, entretendo-o outra
vez. — O que foi?
— Eu estava pensando... — Alexander se sentou ao meu lado,
com um caderno e um tablet nas mãos. Franzi a testa.
— Você pensa? — perguntei, antes que ele continuasse.
Alexander riu, se divertindo com aquilo. Nós dois estávamos
fazendo muito aquilo, nos divertindo um com o outro.
— É claro que eu penso. — ele rebateu, parecendo ofendido.
— Nós temos que organizar nossos horários.
— Como assim? — inqueri, confusa.
— Os horários que vamos ficar com Adrian e como vamos
cuidar dele. — esclareceu.
— Como estamos cuidando agora?!
— O que eu quero dizer é que nós dois trabalhamos, então
temos que organizar isso e ver como vai ficar quando formos
trabalhar, se vamos ter que chamar a babá...
— Tudo bem, entendi. No que pensou?
— Você tem plantão pela manhã, minhas audiências
normalmente são no período da tarde. Então, durante a noite nós
dois estamos em casa com ele. E se algum dia for diferente,
chamamos a babá. — Alexander explicou, dando de ombros.
Arqueei as sobrancelhas.
— Me parece muito bom, na verdade. — comentei. —
Funciona para mim.
Na verdade, estávamos cuidando muito bem de Adrian e ele
parecia adaptado à nova rotina. Mas queria ver como se
comportaria quando ficasse com nós dois só durante a noite. Ou
quando tivéssemos que deixá-lo com a babá para trabalhar. Aquela
ideia não me agradava muito.
Eu ficava incomodada, de certa forma, de deixar Adrian com a
babá. Allana também não gostava. Talvez fosse algo de instinto,
mas eu preferia cuidar dele ou Alexander. Era melhor quando era
apenas nós dois. Já que éramos nós que tínhamos que cuidar, que
fizéssemos aquilo por completo.
— Então vamos fazer isso. Acho que ele se adapta rápido. —
Alexander comentou, olhando para Adrian; fiz o mesmo. Nosso
afilhado brincava com diversos brinquedos em volta de si
espalhados pelo tapete felpudo.
Soltei o ar, apoiando o rosto na mão. Adrian não parecia nada
incomodado, muito pelo contrário; era como se nada tivesse
mudado para ele. Mas tinha mudado. Ele era pequeno, se
acostumaria fácil, em 1 ano nem se lembraria mais dos pais.
Mas e eu e Alexander? Nós nos lembraríamos para sempre da
nossa perda. O problema era como contaríamos para Adrian
quando ele tivesse idade para entender o que tinha acontecido. Eu
acho que jamais saberia como fazer aquilo.
— Será que um dia conseguiremos contar para ele? —
perguntei, o tom de voz baixo, enquanto me inclinava e acariciava
os cabelos de Adrian. Estavam grandes, assim como ele crescia há
cada dia.
— Eu não sei, Vic. Nós podemos tentar. — Alexander
respondeu, o tom de voz baixo. — Ele tem o direito de saber o que
aconteceu com os pais e porque vive com os padrinhos, você não
acha?!
— Sim, eu acho. — Suspirei, pesado, voltando a me encostar
no sofá. — Eu só não sei quando ele estará pronto.
— Ou quando nós estaremos prontos?! — Alexander supôs,
me fazendo olhá-lo. Ele chegou no ponto. Era sobre aquilo que eu
estava pensando. Dei de ombros. Eu não precisava falar, ele
entenderia. — Vic... Vamos ter que aprender a ficar prontos, ou fingir
que estamos. Eu não sei, mas vamos ter que arrumar uma forma.
— Como arrumar uma forma, Alexander? Vamos ter que olhar
para esse menino e contar tudo. Como?
Alexander balançou a cabeça.
— Vamos dar um jeito, Victoria. Quando chegar a hora, nós
saberemos como fazer isso. Se não, nós arrumaremos um jeito. É o
que faremos. Independente da situação, nós vamos cuidar de tudo.
— Ele garantiu. Balancei a cabeça, os olhos marejados.
— Você promete?
— Prometo. Vamos cuidar de tudo.
— Tudo bem. — concordei, limpando a lágrima que caiu pela
minha bochecha.
Meu olhar caiu sobre a minha calça e eu me lembrei: roupas,
nossas coisas.
— Alexander. — chamei, ao me dar conta, e olhei para ele.
Alexander arqueou as sobrancelhas, me incitando a falar. — Nossas
coisas, objetos pessoais, o resto das roupas. Nós ainda não
trouxemos nada.
A expressão de Alexander mudou, conforme ele assimilava o
que eu estava falando.
— Mas que... droga. — Ele mediu as palavras ao olhar para
Adrian. — Como que pudemos esquecer isso?
— Eu não sei. — falei, rindo. — Mas nós precisamos ir buscar,
o quanto antes.
— Dinha. — Adrian chamou, fazendo nós dois nos virarmos
para ele.
— Oi, meu amor. — Respondi, descendo do sofá.
— Quelo papa. — ele balbuciou, esticando os bracinhos para
mim. Abri um sorriso e peguei-o no colo.
— Por que você não vai se trocando enquanto eu dou algo
para o nosso afilhado comer? — sugeri, olhando para Alexander,
enquanto me levantava com Adrian no colo.
Alexander balançou a cabeça e respirou fundo, antes de se
levantar e subir as escadas.
— Vê se não demora! — avisei. Só ouvi um: “Tá bom, dona
mandona”. Dei risada, indo para a cozinha com Adrian. — Sei
padrinho é muito lerdo. — falei, sentando Adrian e pegando uma
banana para amassar para ele.
Adrian batia as mãozinhas na mesa enquanto eu amassava a
banana no prato para ele com um pouco de açúcar. Já aproveitei
para fazer duas mamadeiras para levar quando fossemos sair.
— Pronto, meu amor. — disse, ao me sentar na mesa, e
comecei a dar a banana amassada para Adrian. Ele comeu devagar,
mas comeu tudo. Não fez bagunça e não reclamou. Meu bebê era
tão bonzinho. — Comeu tudo.
Adrian riu, esticando as mãozinhas gordas para mim. Beijei as
duas, enquanto me levantava e colocava o pratinho na pia. Separei
as mamadeiras em cima da mesa e peguei Adrian no colo, levando-
o para a sala.
Alexander desceu as escadas já arrumado; jeans e camiseta.
Básico, como sempre. E rápido, além daquilo. Que ódio. Por que eu
também não conseguia ser rápida daquele jeito?
— Tô pronto e você? — Alexander perguntou, pegando as
chaves e a carteira em cima da mesinha ao lado do sofá.
— Acho que eu tô. — falei, me observando. Estava com uma
calça jeans azul clara, que ia até a metade da canela, e uma
camiseta rosa bebê de linha. Meu cabelo estava preto em um coque
alto.
— Então vamos. — Ele deu de ombros. — Eu levo ele para
você pegar as coisas. — falou, pegando Adrian do meu colo e indo
para a porta. — Acho que sua madrinha tá brava comigo, príncipe.
O que não é nenhuma novidade, não é mesmo?!
— Dinha?!
Ouvi Alexander cochichando com Adrian e revirei os olhos,
ignorando aquilo. Calcei a sandália que estava no primeiro degrau
da escada, peguei o celular, a bolsa, as mamadeiras de Adrian e a
bolsa. Tranquei tudo, enquanto ele abria o carro.
Observei enquanto Alexander colocava Adrian na cadeirinha, e
fui colocar a mala dele no banco de trás enquanto as mamadeiras
dentro. Entrei no banco carona e Alexander entrou em seguida. Me
virei, conferindo a cadeirinha de Adrian. Estava bem presa.
— Eu sei colocar ele aí, tá bom?! — Alexander se defendeu,
ao ver o que eu estava fazendo. Arqueei as sobrancelhas.
— É claro que sabe. — rebati, no mesmo tom, fazendo-o
balançar a cabeça e ligar o carro, saindo dali. — Eu acho que
podemos ligar o rádio, não?! — Meu tom de voz era incerto, assim
como a expressão de Alexander.
— Podemos tentar. — ele murmurou. Nós fomos ligar juntos e
nossos dedos se tocaram. Nos olhamos por um momento, sentindo
uma estranha sensação, antes que Alexander voltasse a mão para o
volante e eu ligasse o rádio.
Como eu suspeitava, estava na mesma rádio. Abri um meio
sorriso, antes de conectar meu celular. “Fangs” começou a tocar e
eu suspirei, fechando os olhos por um momento.
Eu sempre gostei muito daquela música. Não que a letra fosse
a coisa mais maravilhosa ou inspiradora do mundo, mas eu gostava
do toque. Era uma das músicas da playlist que eu e Allana
compartilhávamos para a vida; uma das muitas coisas que
compartilhávamos para a vida.
— Onde vamos primeiro? — Alexander perguntou, me fazendo
abrir os olhos e olhá-lo. Franzi a testa, me virando para dar uma
mamadeira na mão de Adrian.
— Segura com as duas mãos. — Instrui, colocando as
mãozinhas dele em volta da mamadeira. Adrian fez o que falei,
enquanto me olhava com aqueles olhinhos que eu tanto amava. —
A madrinha te ama, sabia?! — comentei, acariciando o rostinho
dele.
— Ei, o padrinho também. — Alexander se intrometeu, me
fazendo rir.
— Nós dois. — falei, apertando a bochecha de Adrian, que riu.
— Então, onde vamos primeiro? — Alexander insistiu. Puxei o
ar.
— Talvez no seu apartamento?! Enquanto isso posso ligar para
Alexia e ver se ela está em casa. — sugeri, incerta.
— Por mim tudo bem. — Alexander concordou, já virando para
pegar a avenida para o seu antigo apartamento.
— O que fará com ele? — perguntei.
— Com ele?
— Seu apartamento. — esclareci.
— Ainda não sei, Vic. Talvez eu venha ele. Acho que pode
ajudar com a nossa casa, pensei em vendermos um dos carros. —
Alexander deu de ombros. Olhei para frente, através da janela.
— Temos que pensar nisso agora?
— Nas vendas?
— Nos carros.
— Não, Vic. Temos tempo. Eu vou vender meu apartamento e
vamos vendo.
— Tudo bem. — murmurei, soltando o ar. Eu não sabia como
me sentia mexendo nas coisas de Allana e Theo, que eram nossas
agora. Ainda era estranho, de certa forma. Acho que não estava
pronta para aquilo ainda.
Não demorou para chegamos no apartamento de Alexander.
Eu nunca tinha estado ali, e ele morava ali há uns 2 anos, eu acho.
Não tinha motivos para eu estar, de qualquer forma.
Peguei Adrian e deixei as malas para Alexander. Era muito
melhor pegar o bebê do que as malas, e ele era cheiroso. Adrian já
havia terminado a mamadeira e eu a coloquei na bolsa, quando
entramos no elevador da garagem.
Tentei não parecer impressionada enquanto entrava no
apartamento de Alexander. Era grande, espaçoso, iluminado e em
conceito aberto. Eu tinha sonho de ter uma casa em conceito
aberto. Tinha até uma ilha pequena na cozinha. Era bonito.
— Eu vou pegar algumas malas de roupa. — Alexander
avisou, colocando a bolsa de Adrian no sofá cinza. — Pode ficar à
vontade aí com ele.
— Tudo bem. — falei, baixo, enquanto colocava Adrian
sentadinho no sofá. Deixei um brinquedinho na mão dele, para
distraí-lo, e coloquei umas almofadas em volta dele.
Observei em volta, cruzando os braços. Andei até a cozinha,
observando todos os detalhes. Alexander era caprichoso, eu devia
admitir. Era tudo bem arrumado, lindamente decorado e tinha
móveis incríveis.
— Até que seu padrinho tem bom gosto, não?! — falei com
Adrian, que mordia o brinquedo de borracha. Fui até ele, me
abaixando na sua frente, para poder olhar melhor.
Os dentinhos começavam a nascer e ele estava com muita
coceira e irritação na gengiva. Peguei a outra borracha na bolsa e
dei na mão dele. Ele a mordeu todinha, esfregando a gengiva.
— Bem melhor, não?! — comentei, tirando o cabelo do rosto
dele. Toquei a ponta do seu nariz e levantei, voltando a andar pela
sala. Toquei o tecido do sofá, as paredes, as cortinas. Fui até a
estante no canto da sala e olhei todos os livros; eram de direito e
sobre promotoria. Alexander estudava, no fim das contas.
— Terminei.
A voz de Alexander fez com que eu me virasse, me deparando
com 3 malas enormes. Arqueei as sobrancelhas.
— Você por acaso é mulher e eu não sei?
— Você tá brincando comigo?
— Na verdade, não. São 3 malas. Normalmente é mulher que
tem tanta coisa.
Alexander riu.
— Eu tô levando tudo o que é importante para mim, Vic. O
resto é dispensável. — Ele deu de ombros. Balancei a cabeça. Eu
tinha entendido.
— Então podemos ir? — perguntei, indo para perto do sofá.
— Com certeza.
Peguei a bolsa de Adrian e ele, enquanto Alexander puxava as
próprias malas. Uma de mão e duas de rodinha. Eu apertei o botão
no elevador e logo estávamos na garagem. Coloquei Adrian na
cadeirinha e sua bolsa no banco, quando Alexander destravou o
carro.
Abri a porta carona enquanto ligava para Alexia e entrei no
carro, fechando a porta. Alexander entrou em seguida e logo estava
saindo da garagem. Alexia não atendeu de primeira, então tentei
outra vez e ela finalmente atendeu.
— Oi, Vic!
Ela estava ofegante.
— Oi, está na academia?
—Não, cheguei há algum tempo. Estava no banho, corri para
atender. — ela esclareceu. — Como você está?
— Estou melhor. Você está em casa?
— Por enquanto, tenho plantão hoje.
— Eu preciso ir aí pegar as minhas coisas.
— Tudo bem. Está tudo do jeito que você deixou. Pode vir a
hora que quiser, saber que a casa sempre vai ser sua também.
— Eu sei. Eu te vejo amanhã.
— Até amanhã, Vic.
— Nós podemos ir para lá. — falei, após desligar o telefone.
— Tudo bem. — Alexander concordou.
Olhei para Adrian e ele estava quase dormindo no banco de
trás.
— Vai devagar. — pedi, o tom de voz baixo. Alexander olhou
pelo retrovisor e desacelerou o carro.
Até eu quase dormi no caminho até minha casa de tão devagar
que Alexander estava dirigindo. Eu gostava daquele ritmo lento. Era
relaxante e eu estava mesmo precisando de algo bem relaxante.
Abri os olhos, quando o carro parou e me ajeitei no banco, me
virando para olhar para Adrian. Ele dormia profundamente na
cadeirinha. Tomou uma mamadeira inteira, o resultado era aquele:
sono por algumas horas.
— Você pega ele? — perguntei, sussurrando. Alexander fez
que sim e nós descemos do carro.
A casa estava vazia quando entramos, da forma que deixei na
noite em que recebi a ligação do hospital. Tudo igual, mas eu estava
diferente. Não era mais a Victoria que deixou aquela casa há 1
semana, era uma Victoria devastada que estava entrando ali agora.
— Eu fico aqui com ele. — Alexander sussurrou, já se
sentando no sofá com Adrian no colo. Balancei a cabeça e subi as
escadas, após deixar as chaves na mesinha de centro.
Entrei no meu quarto; estava tudo da forma que eu havia
deixado: os vestidos espalhados pela cama e o armário aberto. Eu
estava procurando uma roupa para jantar com Matthew e uma
ligação mudou todo o rumo da minha vida.
Era para mim estar namorando um cara legal, com as minhas
duas melhores amigas comigo, meu irmão, meu afilhado e as
implicâncias com Alexander estariam iguais. Mas um acidente havia
mudado tudo aquilo. Um acidente me fez perder quase tudo o que
eu tinha, eu só tinha Adrian. E talvez Alexander. Talvez.
Balancei a cabeça, dispersando os pensamentos, e comecei a
pegar minhas coisas. Coloquei tudo em cima da cama e peguei 4
malas em cima do armário. Guardei tudo; calças e jaquetas em uma
mala, vestidos e saias em outra, sapatos em outra e os produtos
básicos na última. Peguei tudo o que eu tinha, absolutamente tudo,
até cobertas. Eu era apegada às minhas coisas.
Saí do quarto e desci as escadas, indo atrás de Alexander. Ele
estava sentado com Adrian no sofá, os olhos fechados, enquanto
balançava o bebê. Aquilo mexeu comigo de uma forma que eu nem
sabia explicar.
— Alexander. — sussurrei, fazendo-o abrir os olhos. — Você
pode pegar minhas malas? São muitas. — Dei de ombros.
Ele fez que sim com a cabeça e se levantou, me entregando
Adrian devagar. Acomodei-o no meu colo, enquanto Alexander subia
as escadas. Adrian sequer se mexeu, seu sono era pesado daquela
forma durante a tarde.
Alexander desceu as escadas com todas as malas nas mãos.
Ele me encarou e eu fiz uma cara de “Sei lá, é meu, não vou deixar
para trás”. Ele riu, sem som, enquanto balançava a cabeça
negativamente e nós saímos da casa.
Quando estava tudo acomodado no carro de Alexander e
Adrian dormindo em sua cadeirinha, nós saímos dali. Olhei uma
última vez para a casa, me despedindo dali, antes que fossemos
embora. Passei bons anos naquela casa. Ali eu não caí em
momento algum, eu sentiria falta.
Respirei fundo, fechando os olhos. Aproveitei o balanço lento
do carro para tentar relaxar a mente. Eu tinha muita coisa ali dentro
naquele momento, precisava de umas boas horas de sono.
Mas, meu momento não durou muito, logo chegamos em casa
e eu fui obrigada a abrir os olhos e sair da minha confortável
posição no macio banco de couro do carro de Alexander.
Eu peguei Adrian e a bolsa, enquanto Alexander deu 3 viagens
com as nossas malas. Coloquei Adrian deitado no cercadinho que
tinha na sala e dei um beijinho nele.
— Onde eu deixo as suas? — Alexander perguntou.
— No meu quarto. — sussurrei.
Ele subiu as escadas com as malas e não demorou de voltar,
sem os sapatos e com uma calça de moletom. Eu apenas tirei as
sandálias e soltei os cabelos.
— Podemos arrumar tudo depois, não podemos?!
— Claro, Vic. Posso fazer um suco para nós? Você quer?
— Claro. — Dei de ombros.
Me sentei no tapete, encostada no sofá e respirei fundo.
Aquele era um ótimo momento para relaxar. O dia estava
fresquinho, sol com vento e a casa era bastante aberta. O dia
estava muito bom.
Adrian dormia tranquilamente, enquanto um vento fraco
entrava pela janela e balançava as cortinas. Estiquei as pernas,
deitando a cabeça para trás. Aquele momento era o melhor que eu
estava tendo em uma semana. O mais calmo.
Alexander voltou com dois copos de suco e me entregou um,
antes de se sentar ao meu lado no chão.
— Obrigada. — sussurrei. Ele abriu um meio sorriso. Tomei um
pouco do suco. Era de laranja, estava geladinho e uma delícia. Ele
era bom na cozinha. Aquele suco era natural.
Suspirei, olhando Adrian dormir e pensando na nossa vida ali,
no que passamos e o que enfrentamos naquela semana. Mesmo
com todo o passado, eu estava feliz por Alexander estar ali comigo,
me ajudando e me apoiando. Aquilo era muito importante. Tenho
certeza de que Allana e Theo ficariam muito felizes com aquilo.
— Obrigada por estar aqui comigo, Alexander. Me apoiando,
ajudando a cuidar de Adrian e me ajudando a segurar a barra, não
me deixando me entregar. — agradeci em tom baixo.
— Sempre estarei aqui com você e com Adrian. Sempre. Eu
prometo, Victoria. Não vou abandonar vocês dois nunca. —
Alexander prometeu, me abraçando de lado. Ele me fez ter a
certeza de que podíamos fazer aquilo.
Eu estava voltando. Depois de uma semana em casa, longe do
mundo, eu estava voltando a trabalhar. Eu ainda não sabia como
enfrentaria a realidade sabendo que não tinha mais Allana e Theo.
Mas eu precisava tentar. Era algo que tinha que fazer. Eles jamais
me perdoariam por desistir, e por desistir sem tentar.
A última semana foi de adaptação, adaptação de tudo e com
tudo. Acho que tanto eu quanto Alexander precisávamos daquilo; do
reconhecimento, de tentar nos acostumar com a nossa nova casa,
com a nossa nova realidade. E principalmente a cuidar de Adrian,
que tinha apenas a nós dois.
Eu sabia que Allana e Theo estariam orgulhosos de mim e de
Alexander. Estávamos nos dando muito bem, era muito mais que
suportar ou aturar, estávamos nos dando bem de verdade. Sem
provocações, sem brigas, sem implicância. Estávamos vivendo, um
dia de cada vez.
A cada dia que passava, eu agradecia por conseguir
sobreviver, por conseguir cuidar de Adrian e de mim mesma. Claro
que ter Alexander ajudava muito, ele era prestativo e me ajudava a
não desmoronar. Saber que tinha alguém ali, que não iria embora, e
cuidaria de mim e Adrian, era muito importante.
Sim, eu o odiava. Mas como eu podia continuar odiando
depois de tudo o que aconteceu? Depois de tudo o que ele estava
fazendo e da forma como estava agindo? Eu não podia, não
conseguia. Ele estava sendo muito importante naquele momento e
eu estava muito grata.
Talvez Allana e Theo soubessem que um dia nós nos daríamos
bem, por Adrian. Eles só não imaginariam que seria daquela forma.
Para falar a verdade, nem eu. Claro que eu sabia que um dia toda
aquela implicância ia acabar, era questão de tempo e de
amadurecimento.
E aconteceu. Da pior forma e mais dolorosa forma possível,
mas aconteceu. Fomos obrigados à formar uma família juntos de
uma hora para outra e tivemos que deixar nossas diferenças de lado
para cuidar do nosso afilhado.
Felizmente, éramos maduros o suficiente para fazer aquilo. Do
contrário, teríamos sérios problemas e corríamos o risco de perder
Adrian. Aquela era a última coisa que eu queria. Allana e Theo,
onde quer que estivesse, jamais nos perdoariam. Eu mesma não me
perdoaria por perder meu afilhado por problemas pessoas com o
padrinho dele.
Eu jamais deixaria aquilo acontecer. Deixei todos os meus
problemas com Alexander de lado, por Adrian. E também pelo
comportamento de Alexander na última semana, eu não podia
mentir. A preocupação e cuidado dele me fizeram rever as coisas e
decidi dar uma chance. Talvez ele fosse uma boa pessoa, no fim
das contas. Eu só saberia aquilo se baixasse a guarda.
As implicâncias acabaram, assim como as provocações e as
brigas. Estávamos bem. Estávamos em paz.
Toda aquela paz era bem vinda, levando em conta tudo o que
tínhamos passado e ainda estávamos passando. Mesmo com tudo
se encaminhando bem, ainda era difícil. Acredito que não só para
mim, mas para Alexander também. Eu não era a única ali que tinha
perdido alguém que amava; ele tinha perdido o irmão, a única
família.
Eu não era egoísta, nunca fui. Jamais pensaria que era a única
que estava sofrendo ali, a única que tinha perdido pessoas que
amava e sua única família. Não, eu sabia que Alexander também
não estava bem, por mais que demonstrasse o contrário. Eu sabia
que por dentro ele estava tão devastado quanto eu.
Adrian era o que ainda nos mantinha. Ele era como uma
esperança de dias melhores e que em algum momento as coisas
melhorariam. Era por ele que eu ainda estava firme, suportando a
dor em silêncio, porque meu afilhado aplacava aquela dor
devastadora que eu sentia.
E eu tinha Alexia. Ela estava fazendo de tudo para compensar
o vazio que ficou na minha vida. Aquele espaço, de Allana, nunca
seria preenchido. Mas Alexia fazia com que eu me sentisse melhor,
em alguns momentos. Até ficar sozinha novamente. Eu sentia falta
da minha amiga e sentia falta de tê-la comigo, mas jamais podia
menosprezar tudo o que Alexia estava fazendo por mim. Toda a
força que ela estava me dando era realmente muito importante para
mim, fazia com que eu não desistisse.
Respirei fundo, olhando-me no espelho. Depois de uma
semana eu ia voltar a minha rotina. Era estranho pensar naquilo
depois dos últimos dias. Pensar em voltar a trabalhar e seguir a
vida. Mas eu precisava.
Talvez a rotina no hospital, cuidar dos meus pacientes e seguir
a vida, distraísse a minha cabeça. Talvez eu precisasse daquilo para
conseguir continuar. Talvez o trabalho me ajudasse a superar, dia
após dia. Eu precisava tentar.
Coloquei uma jaqueta de couro branca, por cima da blusa de
seda rosa bebê, porque estava um vento forte naquele dia. Estava
com uma calça flare branca e um salto na cor da blusa. Meu cabelo
estava preso em um rabo alto.
Ainda era muito cedo. Acho que nem Alexander estava
acordado ainda. Mas me surpreendi, ao descer e encontrá-lo na
cozinha, fazendo o café da manhã. Deixei a bolsa e o jaleco no sofá
e fui até a cozinha.
— Bom dia. — murmurei.
— Bom dia. — Alexander respondeu. — Achei que quisesse
tomar um café antes de ir trabalhar. — esclareceu, colocando o café
na mesa.
Observei tudo o que tinha; torradas, suco, pasta de amendoim,
pão de queijo, leite e café. Arqueei as sobrancelhas, impressionada,
enquanto me sentava.
— Muito obrigada por pensar em mim. — agradeci, sem graça,
enquanto ele me servia café e colocava a quantidade certa de
adoçante.
— Não tem problema. Sei que você faria o mesmo.
Aquiesci. É claro que eu faria se nossos horários fossem
inversos, se ele trabalhasse de manhã e eu à tarde. Mas jamais
podia imaginar que ele pudesse fazer aquilo.
— Adrian ainda está dormindo? — perguntei. Adrian havia
dormido com Alexander aquela noite.
Ontem eu estava tão cansada, que dormi na sala. Alexander
me levou para o meu quarto e me colocou na cama, e levou Adrian
consigo. Estranhei quando acordei com a roupa que estive durante
o dia.
— Sim. Eu acho que ele está cansado também.
— Obrigada por me levar para a cama ontem.
Alexander fez um meneio de cabeça, pareceu sem graça com
aquilo; eu também estava. Era estranho todo aquele clima leve, todo
aquele companheirismo e parceira. Ainda era realmente muito
estranho, muito mesmo.
— Que horas você volta para casa? — ele perguntou.
— Depois do meio-dia. Meu plantão termina lá pelo 12:15h.
Alexander balançou a cabeça.
— Eu tenho uma audiência hoje às 14h15. Preciso chegar até
13h30.
— Tudo bem. Vou chegar a tempo — garanti. Ele assentiu.
Terminei de tomar meu café e levantei. Ele colocou os pães de
queijo em um pratinho de plástico.
— Leva para comer no caminho.
Puxei o ar.
— Obrigada — agradeci, pegando o prato e saindo dali o mais
rápido possível. Eu estava mesmo sem graça com toda aquela
situação.
Fui para o hospital comendo os pães de queijo, sim. E,
felizmente, não tive nenhum problema dirigindo. Eu confesso que
estava com um pouco de medo de carro, pelo que aconteceu com
Allana e Theo, mas eu não podia simplesmente largar o carro. Eu
tinha que superar meus medos.
Cheguei no hospital às 07h45. Estacionei em uma vaga
próxima do prédio 2 e saí do carro, com a bolsa e o jaleco nas
mãos. Entrei no prédio vestindo o jaleco, passei o cartão e fui direto
para o elevador.
Felizmente não encontrei ninguém pelo corredor, muito menos
Matthew. Não sabia se estava pronta para falar com ele ainda, não
depois da insensibilidade que ele demonstrou.
Entrei na minha sala, abri as janelas e sentei na minha mesa.
Estava tudo da forma que eu tinha deixado. Olhei em volta. Não era
mais a mesma coisa, porque eu não era mais a mesma Victoria que
saiu dali há uma semana.
Respirei fundo, fechando os olhos por um momento, tentando
esconder a minha dor. Eu tinha que atender meus pacientes, e os
bebês me faziam bem, assim como Adrian me fazia bem. E sempre
faria. Ele era minha salvação.
No horário do café, a porta do meu consultório foi aberta e
Alexia colocou a cabeça para dentro da sala com um sorriso. Abri
um meio sorriso, me levantando, enquanto ela entrava. Alexia me
abraçou.
— Bem-vinda de volta. — saudou. Soltei o ar. — Vamos tomar
café?
— Vamos.
Era bom estar ali e com Alexia, fazia tudo parecer normal.
Nós fomos para o refeitório. Por sorte, não encontramos
Matthew. Talvez ele estivesse de folga, talvez estivesse com
pacientes ou na emergência. Era melhor. Ainda não estava
preparada para falar com ele, ou sequer vê-lo.
— Quer me contar como estão as coisas? — Alexia perguntou,
quando nos sentamos na mesa com pães de queijo, panquecas,
café e cappuccino. Arqueei as sobrancelhas e respirei fundo.
— Bom, eu e Alexander organizamos nossos horários e
estamos tentando nos adaptar a nova realidade. Nada de babá.
Apenas nós dois com Adrian. Até agora, está indo tudo bem. Essa
semana foi de adaptação, mas parece que vai dar tudo certo.
— Você me parece cansada, Vic. — Alexia comentou,
preocupada. Puxei o ar.
— Eu estou bem, Alex, de verdade. Vai ficar tudo bem. —
garanti. Alexia balançou a cabeça.
— Tudo bem. Eu espero que sim, Vic. E você sabe que o que
precisar pode contar comigo. Eu adoro ficar com o Adrian. — Ela
disse, sorrindo. Aquilo me fez abrir um sorriso.
— Obrigada. Você é a primeira pessoa que vou procurar se
precisar. — prometi. Ela apertou minha mão.
— Estou aqui por você.
— Obrigada, Alex. Eu sei que não estou no meu melhor
momento, mas eu estou aqui. — Dei de ombros, com os olhos
marejados. Alexia me abraçou.
— Você sempre vai ser a minha melhor amiga, em bom ou
mau momento.
Com Alexia ao meu lado, eu não me sentia sozinha.
O plantão pareceu demorar dois anos para terminar. Eu me
sentia exausta, Alexia tinha razão; eu estava cansada, me sentia tão
cansada quanto parecia estar. Eu estava devastada, e aquilo
causava um cansaço mental.
Quando deu meu horário, saí da sala com a bolsa e o celular
na mão. Não encontrei Alexia, o plantão dela terminava às 14h00.
Entrei no elevador e fui embora direto. Tudo o que queria era chegar
em casa e deitar.
Não tinha trânsito, então em 20 minutos, cheguei em casa.
Peguei minha bolsa, o jaleco, e saí do carro. Quando entrei em
casa, encontrei Adrian no chão e Alexander colocando o terno.
Fiquei impactada, confesso. Fazia algum tempo que eu não o
via vestido daquela forma. Era... intimidador. Eu sabia que ele era
implacável em suas audiências, e a beleza ajudava a impactar.
Mas não sabia dar um nó direito em uma gravata.
— Desaprendeu a dar nó em gravata? — perguntei, deixando
as coisas no sofá e indo até ele. Alexander olhou e revirou os olhos.
— Eu não percebi — murmurou. Ergui as sobrancelhas, com
um meio sorriso, e ajeitei para ele. Adrian ficou nos olhando, em
silêncio.
— Pronto. Agora sim. — falei, me afastando.
— Sua madrinha sabe dar nós em gravata. — Alexander falou
com Adrian, me fazendo balançar a cabeça negativamente e rir.
— Você não tem uma audiência? Vai lá ferrar a vida de
alguém. — incentivei, fazendo-o rir. Me sentei no sofá, depois de dar
um beijo em Adrian.
— Piadista também você? — Ele ironizou. Apenas abri o meu
melhor sorriso irônico.
— Você almoçou? — perguntei, tirando os saltos e a jaqueta
de couro.
— Sim, eu fiz almoço, comi e deixei para você. E Adrian tomou
suco. — contou. Minha boca se abriu lentamente.
— Ele tomou? — repeti. Alexander fez que sim com a cabeça.
— Eu não podia ter perdido isso. — reclamei.
— Se você der na mamadeira ele toma de novo.
Fiz um biquinho, fazendo-o rir.
— Eu vejo vocês à noite. — Alexander falou, dando um beijo
em Adrian e colocando a mão na minha perna.
— Boa audiência. — desejei. Ele piscou para mim e saiu de
casa.
Respirei fundo, encostando-me no sofá. Aquela era a primeira
tarde que eu passaria sozinha com Adrian, sem Alexander. Eu ainda
não sabia como ficaria. Acostumei com ele ali, o tempo todo. Era
estranho que ele não estivesse. Precisava descobrir como me
acostumar sem ele depois da última semana.
— Vem almoçar com a madrinha. — Peguei Adrian no colo,
levando-o para a cozinha comigo. Coloquei-o sentado na cadeirinha
e fui até o fogão. Alexander havia feito arroz, carne com batatas e
salada. Ele era mesmo observador, sabia que eu gostava de carne
com salada.
Fiz meu prato e coloquei suco na mamadeira para Adrian
quando me sentei na mesa, me servindo de um copo de suco. Ele
segurou a mamadeira dos dois lados e tomou o suco. Meu coração
transbordou e meus olhos se encheram de lágrimas. Ele estava
crescendo, começando a comer e beber outras coisas. Meu bebê
estava crescendo.
Depois do almoço, subi com Adrian para o meu quarto. Ainda
precisava guardar minhas roupas. E eram muitas. Coloquei Adrian
na cama e liguei a televisão em um canal de desenho. Deixei alguns
brinquedos na mão dele, para distraí-lo, e comecei a arrumar as
coisas.
Demorei para guardar todas as roupas, sapatos e todo o resto.
Eram muitas coisas, e por sorte o armário era grande. Consegui
arrumar tudo, além de guardar. O armário estava cheio, e tudo o que
era meu estava ali. Não sabia ainda como me sentia sobre aquilo,
fazia tudo parecer realidade.
Respirei fundo, me virando. Adrian dormia abraçado com meu
travesseiro. Uma brisa fraca entrava pela janela aberta, balançando
as cortinas. Coloquei almofadas em volta dele e desliguei a
televisão.
Saí do quarto, com a babá eletrônica na mão. Ia ficar na sala
enquanto ele dormia. Aquele era o horário do sono da tarde de
Adrian. Não sei como não lembrei.
Parei na porta do quarto de Allana, estava entreaberta. Não
entramos ali desde que chegamos na casa há uma semana. Talvez
fosse a hora de entrar e enfrentar aquilo. Sem Alexander. Eu
precisava ser forte sozinha.
Respirei fundo, me aproximando, e empurrei a porta, entrando
no quarto. Estava tudo igual ao que eu me lembrava, da forma que
Allana deixava. Olhei para todos os lados, perdida.
Ao entrar naquele quarto e olhar para tudo, eu me dei conta:
aquela era a minha vida agora. Não tinha mais Allana e Theo,
morava na casa deles e cuidava do filho deles. Aquela era a minha
casa, era a minha nova vida. Eu tinha que vivê-la. Devia aquilo a
Allana e Theo, e principalmente a Adrian, e até para mim mesma.
Soltei o ar. Era muito doloroso admitir aquilo. Fazia tudo se
tornar realidade, para mim. E machucava. A falta que eles faziam
machucava. Sabia que seria sempre daquela forma, mas menos
doloroso com o tempo.
Observei as cores do quarto, eram a cara dela. E a saudade
apertou, assim como a dor e a sensação de vazio. Eu sentia falta da
minha amiga. E eu me sentia completamente perdida sem Allana.
Me aproximei da cama e me sentei na ponta, pegando um
retrato que estava na mesinha de cabeceira. Eram Allana e Theo,
no dia de seu casamento. Os sorrisos enormes mostravam o quanto
estavam felizes naquele dia.
— Eu não estava preparada para ficar sem vocês... —
balbuciei, o choro vindo com força. — V
ocês eram a minha família,
eram tudo o que eu tinha, tudo o que me restou da vida... Eu não sei
se consigo viver sem vocês, sem o apoio que vocês sempre me
deram. Tenho medo da dor ser insuportável demais e eu jamais me
recuperar. — admiti, abraçando a foto, como se estivesse
abraçando-os.
A dor veio com força, me fazendo tremer abraçada a foto
deles. Eu nunca mais os veria. Eu os perdi para sempre. Aquela era
a pior dor que eu já havia sentido na vida. Nada se comparava a
aquilo. Dor nenhuma se compararia. Nunca. A dor de perder sua
única família é insuperável.
Ouvi passos e olhei para porta. Era Alexander. Ele tinha
chegado. Eu nem percebi que já era fim de tarde. Ele me
questionava com o olhar. Dei de ombros, com os olhos marejados.
Alexander não disse nada, apenas se sentou ao meu lado e me
abraçou.
Alexander me segurou, enquanto meu corpo tremia com o
choro e eu sentia toda a dor. Eu odiava sentir dor, porque
desmoronava de uma forma arrebatadora. Aquilo acabava comigo.
— Vai ficar tudo bem, Vic. A gente vai superar. — Alexander
sussurrou. Ele sabia porque eu estava chorando. Eu segurei por
tempo demais. — Nós vamos fazer isso. Temos a vida inteira para
lidar com essa dor. Juntos. — garantiu.
A ideia de passar o resto da vida aturando Alexander já não
me deixava tão desanimada. Eu até gostava.

Quando me acalmei, nós saímos do quarto deles e fechamos a


porta. Eu fui até o meu quarto ver Adrian. Ele continuava dormindo,
mas logo acordaria. Lavei o rosto, na tentativa de ficar mais calma.
— Vou fazer um suco ou um chá e pedir algo para comermos.
Vem. — Alexander chamou, o tom de voz baixo. Peguei Adrian no
colo com cuidado e nós saímos do quarto, descendo as escadas e
indo para a sala.
Coloquei Adrian no cercadinho e depositei um beijo em sua
testa. Fui para a cozinha atrás de Alexander. Ele estava fazendo um
suco de laranja. Me sentei na mesa, observando-o.
— Essa é a nossa vida agora, não é?! — Minha voz mal
passava de um sussurro. Alexander respirou fundo, sem me olhar
ou responder. Ele fez o suco, adoçou com açúcar e colocou um
copo na minha frente.
Alexander se sentou ao meu lado, com um copo de suco. Pela
sua expressão, sabia que falaria algo sério e importante. Respirei
fundo, me preparando para ouvir o que quer que fosse.
— Eu vejo como você fica, como olha para todas as coisas.
Temos que mudar tudo. Não dá mais. Eu não posso ficar te vendo
triste sabendo que posso dar um jeito em uma parte disso. E eles
não iam gostar de te ver assim. Temos que mexer, Vic...
— É a casa deles.
— Era. — Alexander me corrigiu. — É a nossa casa agora.
Nós não podemos simplesmente deixar como está se isso vai te
deixar triste. Nós precisamos deixar do nosso jeito, afinal, vamos
morar aqui com Adrian. Tem que ser a nossa cara.
Mordi o lábio inferior e bebi suco, para ganhar tempo. Mexer
na casa? Nas coisas de Allana e Theo? Mas eles não estavam mais
ali. Alexander e eu estávamos. Ele tinha razão; éramos nós agora.
— Tá, vamos mexer. — cedi.
— Vamos fazer dar certo.
— Sim, nós vamos. Por eles.
— Por eles. — Alexander repetiu.
E nós faríamos. Por Allana e Theo, por Adrian, e também por
nós dois e Adrian.
Nós precisávamos fazer aquilo, por mais que doesse. Aquela
era a nossa casa agora, a nossa vida. Não podíamos viver na
sombra de Allana e Theo.
Eu queria que fosse um pesadelo, mas não era. A casa era
nossa, a nova vida era nossa e nós precisávamos vivê-la.
Semanas depois...
Conselho tutelar.
Aquilo estava martelando na minha mente há mais de uma
semana quando ligaram avisando que uma assistente social viria
fazer uma visita, para ver como as coisas estavam desde que tudo
aconteceu.
Fazia pouco tempo, pouco mais de um mês. Eu achava que
levava mais tempo para a primeira visita, que seriam pelo menos 6
meses, que dariam tempo para nos acostumarmos, nos
adaptarmos. Mas não.
1 mês. Foi o tempo que nos deram. Sem aviso. Simplesmente
ligaram e avisaram que em uma semana a primeira visita
aconteceria. Claro que eu fiquei nervosa. E se julgassem que não
estávamos cuidando direito de Adrian? Podiam achar aquilo. Nos
tomariam ele. E aquela era uma coisa que eu sequer conseguia
imaginar. Alexander estava tranquilo, tinha certeza de que
estávamos fazendo tudo da melhor forma possível e com muito
amor. Eu conseguia concordar com ele.
O último mês havia sido... bom. Estava ficando cada dia mais
fácil. Era mesmo um dia de cada vez, como Allana sempre disse. A
vida era para ser vivida um dia de cada vez. Fossem dias bons,
fossem dias ruins. E os dias estavam ficando suportáveis.
Ainda sentia a dor da perda e só Deus sabia a falta que eu
sentia de Allana e Theo, mas eu me conformei e aceitei aquilo. Não
era um pesadelo, era a realidade. Por mais dolorosa que fosse, era
a realidade. Eles não estavam mais conosco.
Depois da última vez que chorei, me dei conta da realidade.
Éramos nós, apenas nós. Aquela era a nossa vida, a nossa
realidade. Tínhamos que fazer o melhor que podíamos, eu e
Alexander, porque Adrian era nosso e tínhamos uma nova vida.
Nós estávamos mais adaptados a tudo. A nova vida, a nova
rotina, e a nova realidade. Era nossa vida. Estávamos mais
acostumados já, era fato. A rotina já havíamos decorado.
Adrian se acostumou. Não tinha outra alternativa. Ele parecia
sentir que tinha algo diferente, mas se acostumou a ficar apenas
comigo e Alexander. Nós nos acostumamos a ficar todos os dias
com Adrian. E um com o outro.
A convivência com Alexander estava fácil. Era estranho no
começo, mas cada dia foi se tornando menos estranho. Só era
diferente ainda. Estarmos sendo legais e gentis um com o outro
ainda era diferente. Nada de provocações, brigas ou implicância. O
clima era tão leve naquela casa.
Eu me sentia melhor vivendo com Adrian e Alexander depois
das mudanças que fizemos na casa. Precisávamos fazer . Alexander
conseguiu me convencer que de que realmente tínhamos que fazer
aquilo. Era mais do que apenas precisar, era uma necessidade para
conseguirmos seguir em frente.
Nós mexemos na cozinha, na sala, nos quartos e na área da
piscina. Tudo precisava ficar a nossa cara. Afinal, aquela era a
nossa vida. Precisávamos vivê-la por nós mesmos e não na sombra
de Theo e Allana.
Nas semanas que se passaram, começamos a sair para
procurar e decidir as mudanças que faríamos na casa,
principalmente na parte de decoração. Todas as paredes foram
pintadas e ganharam papéis de parede novos.
Na cozinha, tiramos a mesa e colocamos uma ilha, para
facilitar as coisas e dar mais espaço no ambiente. Na sala, trocamos
os sofás e a cor deles, além do tapete. Nada de mesinha de centro,
Adrian precisava de espaço. Nos quartos, mudamos as cores e os
móveis.
O único lugar que não mexemos foi no quarto de Allana e
Theo. Concordamos que não tínhamos o direito, mesmo que eles
tenham deixado a casa para nós. Então, apenas fechamos a porta e
deixamos tudo da forma que estava, depois de jogar os produtos
fora antes que estragassem. Roupas, roupas de cama e outras
coisas não mexemos. Ainda não estávamos prontos.
Claro que mexemos no quarto de Adrian também. Trocamos o
papel de parede e o tapete. Não mexemos no berço, mas
compramos uma cama para quando ele estivesse um pouco maior.
O quarto dele tinha ficado lindo.
Tinha certeza de que não sairíamos daquela casa nunca.
Allana e Theo escolheram com tanto amor e a deixaram para nós.
Não teríamos coragem de ir morar em outro lugar, mesmo que a
casa sempre nos lembrasse deles. Era nossa, era de Adrian. E com
as mudanças era mais fácil.
Talvez eu estivesse mais preocupada se a visita da assistente
social fosse há duas ou 3 semanas atrás, porque estávamos em
reforma e eu tive que ir ficar com Adrian na minha antiga casa e
Alexander em seu apartamento enquanto mexiam nos quartos. Mas,
agora que estava tudo pronto, podíamos recebê-la.
Eu não sabia se estava preparada para a visita, não sabia o
que a assistente social acharia de tudo, então estava apreensiva.
Alexander estava calmo e tranquilo, e aquilo me deixava louca. Será
que ele não tinha medo de ela achar defeitos ali e querer tirar Adrian
de nós? Se ele tinha algum receio, disfarçava muito bem.
Naquela noite, eu não dormi direito. Revirei na cama a noite
toda, mas tive cuidado porque Adrian tinha dormido comigo. Eu
estava mesmo bastante apreensiva com aquela primeira visita da
assistente social. Milhares de situações passavam pela minha
mente, me deixando nervosa.
Quando a madrugada estava no fim, eu finalmente consegui
dormir. Adrian não acordou em momento algum durante a noite, era
difícil aquilo acontecer
. E ele dormiu bastante, bem mais do que eu.
Porque não eram nem 08:00hrs quando Alexander começou a me
balançar, na verdade ele fez cosquinhas antes disso.
Acordei irritada, com toda certeza. Ataquei uma almofada dura
nele, fazendo-o sair correndo e rindo do meu quarto. O idiota.
Levantei mau humorada e fui tomar um banho, para tentar relaxar e
não ficar estressada para a hora que a assistente social chegasse.
A irritação passou quando encontrei um belo café da manhã na
cozinha. Amenizou bastante o mau humor. Comi bastante e
Alexander ficou apenas me olhando, enquanto eu tomava café.
Claro que xinguei ele depois de terminar e sai da cozinha, deixando
o idiota rindo.
Quando Adrian acordou já passava das 09h00 e eu estava
com Alexander na sala quando o ouvi pela babá eletrônica. Subi
correndo e peguei meu bebê, descendo com ele. Eu e Alexander
demos algo para ele comer, antes de dar um tempo para levá-lo ao
banho.
Eu havia acabado de dar o banho de Adrian e ele estava
sentado na minha cama, de cueca, enquanto eu procurava algo
para ele vestir. Tinha que ser uma roupa bem apresentável. Tinham
que ver que ele estava sendo bem cuidado, melhor do que com
quaisquer outras pessoas no mundo.
— Ainda não escolheu, Victoria? — Alexander perguntou,
encostando-se na porta do quarto de braços cruzados. Balancei a
cabeça.
— Eu não sei o que colocar nele. — Dei de ombros.
— Uma roupa?!
— Engraçadinho. — Semicerrei os olhos para ele, fazendo-o
rir.
— É sério, Vic. Ele só tem roupas boas, pode colocar qualquer
uma.
— Tenho medo de acharem que não estamos cuidando bem
dele. — admiti, cruzando os braços e me afastando do armário.
Alexander balançou a cabeça, desencostando-se da porta e
descruzando os braços, enquanto entrava no quarto.
— Eu sei disso. Sei desde que recebemos a ligação do
conselho tutelar. Eu também tenho medo disso, mas nós estamos
fazendo nosso melhor porque amamos esse bebê. — Ele apontou
para Adrian assistindo desenho na minha cama. — Ninguém vai
achar defeitos aqui. Então, tá tudo bem. Vai dar tudo certo. A gente
dá conta.
Respirei fundo, desviando o olhar para Adrian por um
momento. Nós o amávamos, estávamos fazendo o nosso melhor.
Alexander tinha razão; não podiam achar defeito algum ali.
— Tudo bem. — concordei. — Você está certo, a gente dá
conta. Eu só estava apreensiva...
— Eu sei. Você passou a semana desse jeito. E tá tudo bem,
de verdade, eu entendo. Só não deixa esse receio e apreensão te
paralisarem. — Alexander alertou. Aquiesci. — Eu vim te ajudar.
Vamos arrumar ele.
— Vamos arrumar ele. — repeti, soltando o ar. Era mais fácil
com ele ali.
— Acho que essa pode ser legal. — Alexander falou, pegando
um conjuntinho de bermuda e camiseta; branca e azul clara.
Observei a roupinha. Era nova, e presente meu.
— Eu que dei para ele. — comentei, com um suspiro,
enquanto pegava o conjuntinho na mão. Era lindo, e a cara de
Adrian. Combinava com os olhos dele.
— Decidido. Vamos usar esse. — Alexander decidiu. Abri um
meio sorriso e fiz que sim com a cabeça, concordando. Adrian ia
ficar lindo.
— Vamos colocar a roupa que a madrinha deu? — Enchi
Adrian de beijos e ele riu.
— Xim, dinha — ele respondeu, esticando os bracinhos pra
mim, e eu o peguei no colo.
Adrian ficou entretido com meu cabelo solto e mais comprido,
enquanto Alexander me ajudava a vesti-lo. Ele ainda não era tão
bom com aquilo, não sei como. Trocava ele mais do que eu, mas
preferia dar banho. Vai entender.
— Não é que sua madrinha tem bom gosto?! — Alexander
provocou, me fazendo rir. Sim, eu estava rindo de uma provocação
dele. Realmente as coisas haviam mudado entre nós. Mas não era
uma provocação maldosa, então tudo bem.
— Seu padrinho sabe ser engraçado. — devolvi a provocação,
com um sorriso debochado. Alexander balançou a cabeça, rindo. É,
ele também ria quando eu devolvia as gracinhas dele.
Aquele era o clima da casa agora: leve. Apesar da dor da
perda, nós estávamos tentando seguir em frente e conviver da
melhor maneira possível. Eu e Alexander estávamos nos dando
bem e sem forçar, o que era ótimo, facilitava muito as coisas que
fosse natural.
— É, ele está lindo. — Alexander falou, quando terminamos de
vestir Adrian, que ficou nos olhando com uma carinha que deu
vontade de apertá-lo todinho. Alexander espelhou meus
pensamentos. Nosso afilhado estava mesmo muito lindo.
— Você é um príncipe. — Beijei Adrian apertado, fazendo-o rir
e segurar meus cabelos.
— Quelo papa, dinha. — falou.
— Só pensa em comer igual ao padrinho. — Suspirei,
desanimada. Alexander riu, mas era uma risada debochada.
— Melhor a gente descer. Eu levo o sapato dele, enquanto
você dá algo para ele comer.
— Sim, é melhor. É capaz de você sujar a roupa dele. —
Disse, já saindo do quarto. Só ouvi Alexander rindo.
Levai Adrian para a cozinha e coloquei na cadeirinha enquanto
pegava uma banana, um pratinho e açúcar. Amassei a banana e me
sentei para dar para ele, após colocar uma fraldinha por cima da sua
blusa.
Alexander desceu, com o sapatinho na mão, e deixou em cima
do sofá antes de vir para a cozinha.
— Dá comida de verdade para o menino, Victoria. — Me
repreendeu, abrindo a geladeira. Revirei os olhos.
— Ainda não é hora de almoço, idiota. — rebati, fazendo-o
balançar a cabeça negativamente, enquanto colocava uma jarra de
suco de laranja, dois copos e a mamadeira de Adrian em cima do
granito do balcão.
Nós dois não iríamos trabalhar naquele dia. Tudo pela visita da
assistente social. Então, era o dia todo em casa com Adrian. Eu
percebia que ele gostava mais quando estávamos eu e Alexander
em casa. Estava se acostumando.
Adrian comeu tudo e eu tirei o babador dele, limpando sua
boquinha. Ele riu e eu dei um beijo em sua bochecha. Alexander
serviu suco para nós dois e colocou na mamadeira, entregando para
Adrian em seguida. Ele já tinha aprendido a segurar com as duas
mãos, não precisávamos mais colocar suas mãozinhas gordas para
que entendesse que deveria segurar daquela forma.
Olhei para Alexander e ele deu de ombros. Nosso afilhado
estava crescendo, era visível. Mas eu não estava preparada para a
rapidez que aquilo estava acontecendo. Logo seria o aniversário de
Adrian novamente. 3 anos. Eu ainda não estava pronta para aquilo.
Tomei suco, para não ter que pensar sobre aquilo. Ainda não
conseguia imaginar Adrian crescendo. Ainda não. Ele ainda era o
meu bebê, o filho da minha melhor amiga que eu tinha visto nascer
e batizado.
Respirei fundo, olhando pela porta aberta que dava para a
área da piscina. Eu estava ficando melhor em lidar com meus
sentimentos, mas aquilo com certeza mexeria comigo por um longo
tempo. Me preocupava o quanto.
— Melhor já irmos para a sala e deixar tudo preparado. São
quase 11hrs, ela pode chegar mais cedo. — Alexander alertou.
Puxei o ar e assenti, me levantando da mesa junto com ele.
Terminei de tomar o suco e lavei nossos copos, colocando-os no
escorredor.
Alexander pegou Adrian no colo e nós fomos para a sala.
Ajeitei as almofadas no sofá, enquanto ele colocava Adrian no
cercadinho e deixava os sapatinhos dele perto.
— Tá tudo arrumado, Vic. Vem sentar aqui. — Alexander
chamou, já se sentando no sofá. Me sentei ao lado dele, cruzando
as pernas e os braços. Ele riu. — Você fica muito bonitinha quando
tá nervosa de ansiedade.
Olhei para ele com os olhos semicerrados.
— Isso foi um elogio?
— Com certeza. — ele respondeu, sorrindo. Não me pareceu
gracinha ou deboche comigo. Arqueei as sobrancelhas.
— Obrigada?! — agradeci, meio incerta, fazendo-o rir.
— Agora é esperar. — Falou. Balancei a cabeça.
— Esperar — repeti. Alexander estendeu a mão para mim e eu
segurei na mão dele. Aquilo me dava confiança. Ele estava ali
comigo e nós estávamos fazendo nosso melhor. Daria certo, eu
tinha confiança. Ou estava tentando ter.
Às 10h45, a campainha tocou. Como Alexander disse, ela
poderia vir mais cedo. E veio.
— É truque vir mais cedo, para ver se estamos preparados. —
Alexander sussurrou, enquanto nos levantávamos, e foi abrir a
porta. Segurei a risada, respirando fundo. Nós estávamos muito
mais do que apresentáveis; eu estava com um vestido de mangas
longas florido, azul escuro com flores vermelhas, e uma sapatilha.
Alexander estava com jeans e uma blusa de malha com as mangas
arregaçadas até os cotovelos. Bem apresentável ele.
A porta foi aberta e eu puxei o ar ao ver a assistente social; era
uma mulher pequena, cabelos pretos e olhos claros. Ela vestia um
terninho preto, bem diferente dos que eu tinha. Arqueei as
sobrancelhas e abaixei a cabeça por um segundo.
— Bom dia. — Ela falou, abrindo um meio sorriso. — Eu sou
Lana Sanders.
— Bom dia, Lana. Entra, por favor. — Alexander deu
passagem e ela entrou.
— Vocês devem ser Alexander Jenkins e Victoria Miller. —
Supôs, quando Alexander fechou a porta e veio para o meu lado.
— Somos nós. — disse, com um meio sorriso.
— Bem, essa visita é comum quando adotam uma criança. O
caso de vocês é diferente, mas o procedimento é o mesmo. Preciso
saber sobre a adaptação, como o bebê está sendo tratado e como
vocês estão convivendo. — Lana explicou. Olhei para Alexander.
— Fique à vontade, por favor. Responderemos todas as
perguntas e te mostraremos a casa.
— Perfeito.
— Por favor. — Indiquei a poltrona e Lana se sentou. Eu e
Alexander nos sentamos no sofá em seguida.
— Primeiro eu gostaria de dizer que sinto muito pela forma
como vocês ficaram com a criança. — Ela começou. — Me contem
como está sendo esse primeiro mês para vocês. — pediu.
Alexander olhou para mim.
— Bem, nós estamos tentando, mas até agora tem dado tudo
certo. Estamos nos adaptando bem, convivendo bem e cuidando do
nosso afilhado da forma que os pais cuidavam dele. — expliquei. —
Temos tentado.
— Ainda é difícil para nós, pela forma como tudo aconteceu,
mas estamos seguindo do nosso jeito. Fizemos algumas mudanças
na casa e Adrian tem se adaptado perfeitamente bem. Ele já estava
acostumado conosco, porque estávamos sempre aqui e com ele,
então está indo muito bem. — Alexander acrescentou.
— Posso perceber. Ele me parece muito tranquilo. — Ela
comentou, observando Adrian brincando dentro do cercadinho. —
Vocês tem horários? Alguma organização?
— Sim. Pela manhã Alexander fica com ele em casa, enquanto
eu trabalho. À tarde eu fico com ele, enquanto Alexander trabalha. E
durante a noite nós dois estamos em casa com ele.
— Eu devo ter visto na ficha, mas qual a profissão de vocês
dois?
— Eu sou médica e Alexander promotor. — respondi. Ela
arqueou as sobrancelhas, pareceu impressionada.
— Bem, me parece tudo certo. O bebê me parece bem
cuidado, a casa arrumada e organizada. Vocês também me
parecem ter uma boa organização.
— Podemos mostrar a casa agora, se quiser. — Alexander
sugeriu.
— Claro, eu gostaria muito.
Peguei Adrian no cercadinho e o levei junto conosco. Não sei
se a babá eletrônica seria a melhor opção. Não sei como ela veria
aquilo. Por via das dúvidas, não quis arriscar, levei ele.
Mostramos a cozinha nova com cadeirinha, a área da piscina
cercada (pude perceber que ela gostou daquilo), os quartos, nossos
e de Adrian. Mas não mostramos o quarto de Theo e Allana. E ela
entendeu que aquele quarto ficava trancado e ninguém entrava ali.
— Essa foi a primeira visita e logo dou notícias para você. —
Lana avisou. Aquiesci, com um meio sorriso, enquanto colocava
Adrian de volta ao cercadinho. — Espero que tudo continue indo
bem.
— Obrigado. — Alexander agradeceu, enquanto ela saía.
— Será que foi tudo bem? — perguntei, assim que Alexander
fechou a porta.
— Foi, Vic. — ele respondeu.
— Como você pode ter certeza?
— Eu conheço trabalho de conselho tutelar. Sou um promotor,
esqueceu?
— E o que isso tem a ver? — Inqueri, me aproximando com os
braços cruzados.
— Eu sei que foi tudo bem, só sei. Não fica fazendo perguntas
difíceis. — Me abraçou pelo pescoço, nos levando para perto de
Adrian.
— Ele ficou bem quietinho durante a visita dela. — comentei.
— Ele é quietinho.
— Você entendeu. — murmurei, fazendo-o assentir.
Ficamos observando nosso afilhado brincando com diversos
brinquedos dentro do cercadinho. Não aguentei e peguei-o no colo,
segurando-o entre meus braços. Eu não pretendia que ele saísse
dali nunca.
— Vamos fazer de tudo para isso dar certo, Vic.
— Sim, nós vamos. — concordei.
Alexander me estendeu e a mão e eu segurei na dele. Nós
dois sorrimos e ele me puxou para um abraço, com Adrian entre
nós.
Aquilo daria certo sim, porque o amor que tínhamos por Adrian
era o que faria aquilo dar certo. Era o que faria a nossa nova vida
ser boa. E aquela era a nossa família, faríamos de tudo por ela.
Eu fiquei mais confiante depois da visita da assistente social.
Pelo menos depois do que Alexander falou. Ele conhecia como
funcionava o serviço do conselho tutelar. Então eu sabia que podia
confiar quando ele dizia que tinha ido tudo bem.
Ficamos o resto do dia com Adrian em casa e foi realmente
muito bom. Ele parecia muito mais feliz com nós dois em casa.
Brincava mais e tinha dois colos para deitar, o que ele adorava. E
nós também.
Dei apenas um beijinho nele, enquanto dormia, e agradeci
Alexander pelo café antes de sair de casa para trabalhar. Ele estava
sendo mesmo muito gentil me preparando café todas as manhãs, e
da forma que eu gostava.
Cheguei no hospital no horário de sempre e encontrei Alexia
no estacionamento. Ela estava vestindo seu jaleco dentro do carro e
eu me aproximei, com o meu e a bolsa nas mãos. Alexia saiu do
carro assim que me viu.
— Oi, Vic! Como foi ontem?
— Alexander acha que fomos muito bem e ele entende, então
eu acredito que fomos bem. — Dei de ombros. Alexia balançou a
cabeça.
— Tomara que a assistente social ache a mesma coisa. — ela
falou, enquanto entrávamos no hospital.
— Tomara. — Suspirei pesado, entrando no elevador.
— E como estão as coisas depois desse mês?
— Boas... — falei. — Alexander está se mostrando ser muito
diferente do que eu vi durante 10 anos e nossa convivência tem sido
realmente muito boa e agradável.
— O amor muda as pessoas e o amor por uma criança pode
mudar mais ainda.
— O que quer dizer? — perguntei, olhando-a de lado. Eu era
desconfiada, sim. Sempre achava que tinham coisas subentendidas
no que falavam, porque Allana fazia muito aquilo.
— Eu quero dizer que Adrian uniu vocês dois e sentimentos
podem surgir. As coisas mudam, Vic. Eu te vejo no café. — Alexia
deu de ombros e apertou minhas mãos, antes de me deixar na porta
da minha sala e ir para a sua. Respirei fundo, digerindo o que ela
havia dito.
Balancei a cabeça e entrei na minha sala. Não conseguia
pensar totalmente sobre aquilo. Deixei minha bolsa na mesinha que
ficava no canto e sentei na minha mesa, vestindo o jaleco.
Olhei a foto do papel de parede do meu celular; eu, Alexander
,
Allana, Theo e Adrian, no aniversário de 2 anos de Adrian.
Estávamos tão felizes, enormes sorrisos no rosto e os olhos
brilhando.
Coloquei o celular em cima da mesa e apoiei o rosto nas
mãos, fechando os olhos por um momento. Será que fazia sentido o
que Alexia havia dito? Que o amor de Adrian podia mudar
Alexander?
Sobre os sentimentos mudarem eu sabia que era possível.
Aquilo sim era possível. Sentimentos podiam mudar, podiam se
transformar. Afinal, Alexander e eu não nos odiávamos mais há
algum tempo.
Nós estávamos tendo uma boa vida, mesmo com a perda que
tivemos. Cuidávamos bem de Adrian e estávamos nos dando bem,
mais que nos suportando, convivendo. Aquela era uma coisa
inesperada, nós dois sob o mesmo tempo há mais de um mês e
sem brigas.
Tínhamos uma nova vida, diferente, e estávamos vivendo-a.
Adrian, eu e Alexander éramos uma família. Estávamos nos
tornando a família que eu desconfiava que Allana e Theo queriam
para nós.
Depois do plantão, eu fui direto para casa, depois de passar no
mercado para comprar um pote de sorvete. Tive vontade durante o
café e realmente precisava de açúcar no organismo.
Não encontrei Alexander em casa ao chegar. Ainda eram
13:00hrs. Estranho. Adrian estava com a babá na sala, mas ele
parecia pouco a vontade. Sempre era daquela forma; ele não era fã
de babá.
— Oi, Lucy. — murmurei, deixando minha bolsa no sofá. Lucy
se virou ao ouvir minha voz.
— Oi, dona Victoria. — respondeu. Ela só tinha 17 anos e
trabalhava como baby sitter para guardar dinheiro para a
universidade. E era nossa vizinha, o que facilitava quando
precisávamos dela. — O sr. Alexander saiu agora há pouco e me
ligou para ficar com Adrian até que a senhora chegasse.
— Tá bem. Você pode ir agora, Lucy. — Falei, pegando a
carteira na bolsa e paguei a diária para ela. Sempre pagávamos a
diária, para ajudar. Allana e Theo também faziam aquilo.
— Muito obrigada. — Lucy agradeceu, antes de sair.
— Somos nós dois, gostosinho. — Peguei Adrian do
cercadinho e o enchi de beijos, fazendo-o rir e me abraçar
.
— Papa, dinha! — ele gritou, me fazendo rir.
Eu amava o amor que Adrian tinha por mim, fazia meu coração
se encher de mais amor por ele.
Passei a tarde com Adrian. Aproveitei o calor para levá-lo para
a piscina, o que ele amava. Coloquei-o na boia e deixei flutuando,
enquanto eu estava por perto. Era confiável, mas não tanto. Podia
virar. Eu era paranoica.
Antes de escurecer, tirei Adrian da água e entre com ele
enrolado em uma toalha. Fechei a porta da área da piscina e fui dar
banho nele. Alexander ainda não havia chegado, mas estava quase
na hora dele.
Subi com Adrian e entrei no meu quarto, onde deixava a
banheira dele. Preferia dar banho nele no meu banheiro, era bem
maior que o dele. Coloquei-o na banheira, com alguns brinquedos, e
dei seu banho.
Quando terminei, enxuguei ele, troquei-o e dei a mamadeira.
Levei ele para seu quarto no colo e deitei na caminha devagar.
Estava deixando ele dormir ali algumas noites, estava ficando
grande para o berço.
Assim que Adrian dormiu, dei um beijo em sua testa. Olhei-o
por alguns segundos.
— A madrinha te ama. — sussurrei e sai do quarto dele, com a
babá eletrônica nas mãos, deixando a porta entreaberta. Tirei a
saída de praia, ficando apenas de regata e short, e soltei os
cabelos.
Quando desci, encontrei Alexander sentado no chão, de costas
para o sofá com uvas e uma garrafa de vinho em cima do tapete.
Haviam duas taças ao lado. Ele ainda estava com a roupa do terno,
mas apenas calça, camisa branca e gravata.
Ele parecia estar me esperando. Encarei-o, surpresa, e
Alexander abriu um sorriso, indicando para que eu sentasse ao seu
lado.
Alexander estava me esperando com vinho? O que aquilo
significava?
Encontrar Alexander esperando por mim na sala foi
surpreendente. Mais surpreendente ainda foi o vinho e o prato de
petiscos. O que ele estava pretendendo com aquilo? E, acima de
tudo, a minha dúvida maior era: o porquê daquilo?
A expressão dele estava diferente naquela noite, assim como
sua postura. Ele estava daquela forma, mais diferente ainda do que
o normal, desde o café da manhã. Mas eu não tinha notado até
aquele momento, até me deparar com aquela cena.
— Eu não te ouvi chegar. — falei, para tentar entender o clima,
o que estava acontecendo ali.
— Cheguei enquanto você dava banho em Adrian. —
Alexander murmurou, passando os dedos pela taça de vinho que já
estava em sua mão. A outra, que eu acreditava ser para mim,
estava ao lado da garrafa de vinho.
— Isso é estranho. — comentei, incerta. Alexander abriu um
sorriso que me fez suspirar.
— Nós merecemos. — Ele disse, apenas. Me aproximei
devagar, cautelosamente, as mãos entrelaçadas na frente do corpo.
Eu não sabia a forma certa de reagir a aquela situação.
— Isso não é mais uma das suas gracinhas para me sacanear
depois, não é?! — Investiguei, desconfiada, os olhos semicerrados
enquanto o encarava.
— Não, Vic, não é. Vem cá. — Alexander chamou, a voz mal
passando de um murmúrio. Puxei o ar, e fui me sentar com ele.
Alexander serviu vinho na outra taça e me entregou. Nós
brindamos e eu bebi o vinho; era tinto, e delicioso. Eu não estava
acostumada a beber, na verdade, era muito raro quando acontecia.
Mas, ali, naquele momento, com Alexander, eu me sentia muito
confortável para tomar um vinho com ele.
— Como foi no hospital? — Alexander perguntou, para puxar
algum assunto.
— Ah, foi bem hoje. Foi calmo e consegui dar alta para um dos
meus bebês que nasceu de 8 meses. — contei, com um suspiro.
Aquele havia sido o melhor momento do meu dia. Poder dar alta a
um bebê que a família estava esperando há algum tempo. Não tinha
sensação melhor do que aquela em um dia de trabalho no hospital.
— Já pensou em como nossa vidou mudou em pouco tempo?
— ele indagou, de repente, me pegando de surpresa. Puxei o ar,
pensando sobre aquilo.
— Foi tudo tão inesperado que não parei para pensar sobre o
fato de que estamos morando juntos.
— E estamos nos dando muito bem. — Alexander observou.
— Você voltou com as provocações. — comentei,
semicerrando os olhos enquanto o encarava. Ele riu. Sua risada
estava diferente; mais baixa, mais rouca.
— Não como antes. Agora é diferente.
— Sim, as coisas mudaram. — concordei.
— E podem mudar ainda mais. — Alexander murmurou.
Levantei o olhar para ele.
Alexander me observou por tempo demais. Meu coração deu
uma batida diferente ao sentir a atmosfera mudar , parecia mais
quente ali dentro. Talvez fosse o vinho, ou talvez aquele aumento da
temperatura fosse pela forma como Alexander estava me olhando
naquele momento.
— Isso aqui tem um porquê? — Gesticulei para o vinho. Eu
tinha que perguntar aquilo ou ficaria louca criando hipóteses na
minha mente.
— Talvez tenha.
— E qual seria o motivo para você estar me esperando aqui
com vinho? — questionei, as sobrancelhas erguidas, um sorriso
disfarçado.
— Talvez eu queria criar um clima. — Alexander murmurou.
— Um clima para que, Alexander?
Claro que aquilo provavelmente era o que parecia ser, mas eu
queria que ele falasse, para que eu tivesse certeza do que estava
acontecendo e de que não estava entendendo tudo errado.
— Talvez eu esteja muito interessado em criar um clima para
nós dois.
— São muitos talvez. — comentei. Meu coração acelerou de
uma forma diferente. “Um clima para nós dois”. Ele estava tentando
alguma coisa comigo?
— Talvez. — Alexander murmurou, o olhar oscilando entre
meus olhos e minha boca. Passei a língua pelos lábios e suas
pupilas se dilataram. Minha respiração acelerou no mesmo
segundo.
Fiquei imóvel enquanto Alexander se aproximava de mim, o
olhar fixo no meu. Eu não tinha reação, não conseguia sequer
desviar o olhar do dele. Apenas observei ele se aproximando.
Alexander parecia esperar que eu desse um tapa em seu
rosto, a julgar pela lentidão com que se aproximou de mim. Talvez
eu devesse, se levasse em conta todos os anos anteriores e sua
idiotice comigo, mas não consegui. O último mês mudou meus
sentimentos e eu queria aquilo.
Quando Alexander me beijou, nossas respirações se
aceleraram, e ele me puxou pela cintura, passando os braços em
volta de mim e me puxou para o seu colo, deixando-me em cima
dele.
Ele puxou meu lábio inferior e colocou a mão nos meus
cabelos, prendendo-os entre seus dedos. Os beijos desceram para
o meu pescoço e o braço se apertou em volta de mim. Eu estava de
olhos fechados, apenas sentindo aquilo, mal conseguindo me conter
em cima dele. Eu queria mais.
Alexander subiu os beijos novamente e reivindicou minha
boca. Estávamos tão emaranhados que parecíamos um só.
Paramos de nos beijar devagar, puxando o lábio um do outro.
Parecíamos apertados pedindo por mais. Nos encaramos,
ofegantes, as respirações aceleradas, as bocas entreabertas, as
mãos um no outro.
Sendo completamente infantil, eu me levantei do colo de
Alexander e subi correndo, fugindo dele. Entrei no meu quarto e
encostei na porta, ofegante. Me tranquei ali dentro quando ouvi
passos pela escada e em seguidas batidas na porta.
Alexander chamou por mim, por muito tempo, enquanto eu
escorregava com as costas na porta e me sentava no chão. Eu
sabia que ele estava sentado do lado de fora. Desistiu de chamar,
mas eu sabia que ainda estava ali.
— Vic... — Alexander chamou. Fechei os olhos.
— Não posso fazer isso agora, Alexander. — falei, sentindo
lágrimas inundarem meus olhos.
— Vamos falar sobre isso. — ele pediu.
— Eu não consigo fazer isso agora, por favor
. Amanhã a gente
fala disso.
— Vou esperar por isso. — ele murmurou. Ouvi seus passos
distanciando-se e a porta de seu quarto sendo fechada. Soltei o ar,
escondendo o rosto entre as mãos, e choraminguei.
Eu não sabia o que pensar ou como agir. Depois de 10 anos
de provocações, brigas e implicância, e um mês de convivência,
clima agradável e respeito, Alexander Jenkins havia me beijado. A
ideia de que eu o odiaria pelo resto da vida evaporou quando seus
lábios encostaram nos meus.
Depois de alguns minutos sentada no chão, sentindo lágrimas
silenciosas descerem pelo meu rosto, me levantei, pegando a babá
eletrônica, e deixei em cima da mesinha de cabeceira.
Fui para o banheiro limpando o rosto. Por que eu tinha
chorado? Por que sabia do óbvio? Por que Alexander me beijou? Eu
nem sabia porque estava chorando, estava tão cansada de chorar.
Tirei a roupa, colocando no cesto e liguei a ducha, enquanto
prendia o cabelo em um coque frouxo e alto. Quando a água estava
morna, entrei. Fechei os olhos, deixando a água cair no rosto. Só
um banho podia me relaxar naquele momento.
Não fiquei muito ali, estava cansada de todas as formas
possíveis. Desliguei a ducha, me enrolei em uma toalha após me
enxugar e voltei para o quarto. Coloquei uma camisola de alças e
deitei na cama, me cobrindo com um lençol.
Eu tentei, de todas as formas possíveis, dormir. Mas foi quase
impossível, porque a cada vez que fechava os olhos tudo o que
vinha à minha mente era o beijo com
Alexander. A forma como ele me segurou, como me olhou e como
me beijou... era diferente de qualquer coisa que eu já tinha sentido
na vida. Sensação nenhuma se comparava a estar nos braços dele.
Por que Alexander tinha me beijado? Por quê? Qual o motivo
para, de repente, ele resolver me beijar? Ele estragou tudo.
Estávamos convivendo bem, nos dando bem, não estávamos
brigando e ele simplesmente me beija. Alexander era louco, como
eu sempre disse.
Mas eu também não podia negar o quanto aquele beijo tinha
mexido comigo, e o quanto gostei de ser beijada por ele. Depois de
tantos anos de brigas, era diferente sentir algo totalmente o oposto
do que sempre senti por Alexander. Era estranho gostar dele, depois
de anos odiando-o. Porque sim, eu acho que estava gostando de
Alexander Jenkins. E aquilo poderia ser um enorme problema, se
não fosse recíproco.
Passava das 3h da manhã quando eu finalmente consegui
pegar no sono, com a mente turbulenta e pesada. Claro que tive que
levantar e pegar um edredom as 2h, porque o vento que entrava
pela janela me fazia tremer. O tempo era daquela forma, calor com
vento na maior parte do tempo. E eu sempre gostei muito do clima
em Charlotte.
Eu dormi muito bem. Minha mente se esvaziou e eu consegui
relaxar, tendo algumas boas horas de sono. Mas, parecia que eu
tinha acabado de fechar os olhos quando meu despertador tocou às
06h00. Choraminguei, enfiando o rosto no travesseiro.
Tudo o que eu queria era ficar na cama, e não sair daquele
quarto, até ter coragem de olhar para a cara de Alexander depois do
que tinha acontecido na noite anterior. Mas eu não podia. Tinha o
hospital, tinha Adrian. E eu não podia simplesmente deixar tudo
porque não conseguia parar de pensar no beijo.
Joguei as pernas para fora da cama e me levantei. Tomei um
banho rápido e voltei para o quarto enrolada em uma toalha.
Coloquei uma saia midi branca e uma blusa de seda de alças finas
rosa bebê. Calcei um salto da cor da blusa e prendi o cabelo em um
coque com tranças.
Peguei uma jaqueta de couro branca, a bolsa e o jaleco antes
de sair do quarto. Fui até o quarto de Adrian e abri a porta devagar;
estava mais aberta do que eu tinha deixado na noite anterior.
Alexander devia ter ido vê-lo antes de dormir, eu tinha certeza.
Adrian o acalmava.
Meu afilhado dormia profundamente na caminha, cercado por
almofadas. Tinha um ursinho na sua mão; era um presente meu. Foi
Alexander. Ele que colocou a pelúcia ali. Me abaixei o lado da cama
de Adrian e respirei fundo, acariciando o rostinho dele.
Fiquei observando Adrian em silêncio por um momento. Ele
não merecia o que tinha acontecido. Eu não tinha ideia de como, um
dia, Adrian lidaria com aquilo. Eu mesma, com 27 anos, não sabia
lidar com aquela perda. E nem sabia se um dia estaria. Agora eu
estava confusa, para ajudar.
— O que sua madrinha faz agora, hein?! — sussurrei, me
inclinando para dar um beijo no rosto dele. — Eu amo você, e você
é a minha prioridade. Você está acima de qualquer coisa para mim e
eu nunca vou te abandonar. — prometi, selando a promessa com
um beijinho na testa de Adrian.
Saí do quarto, deixando a porta entreaberta e vi a porta do
quarto de Alexander aberta. Mordi o lábio inferior e me aproximei
devagar, tentando não fazer barulho com os saltos.
Eu nunca tinha entrado ali, em anos que Allana e Theo
compraram aquela casa, eu nunca entrei no quarto de Alexander.
Era arrumado e bonito, o que eu não esperava. Mas, considerando
a forma como era o apartamento dele e a forma como ele me ajudou
a decorar a casa, não era difícil que aquele quarto fosse da mesma
forma.
Alexander ainda dormia. Estranhei. Normalmente ele acordava
cedo para fazer café para mim. alvez
T tivesse ficado chateado pela
forma como agi na noite anterior. Para falar a verdade, eu estava
chateada comigo mesma pela forma que havia agido. Mas eu não
sabia lidar com o fato de que Alexander Jenkins tinha me beijado.
Observei-o dormindo. Não parecia o cara que eu odiei por 10
anos e nem o cara totalmente diferente que tinha me beijado na
noite anterior. Ele só parecia um cara muito bonito e eu que eu
aprendi a conviver e gostar e que me beijou. Alexander me deixou
realmente muito confusa com o beijo.
Me peguei aproximando-me e me abaixando para acariciar o
rosto dele. Perto demais. E eu queria estar mesmo mais perto dele,
e com ele, o tempo todo. Será que eu havia me apaixonado por
Alexander?
Não tive tempo de pensar sobre aquilo. Alexander começou a
se mexer. Eu levantei rapidamente e saí do quarto, tomando
cuidado com o barulho dos saltos. Desci as escadas devagar,
tentando não tropeçar nos saltos. Deixei a bolsa, a jaqueta e o
jaleco no sofá, antes de ir para a cozinha.
Como eu imaginava, não tinha nada para o café da manhã.
Era Alexander quem fazia tudo fresquinho para mim tomar na hora e
ir trabalhar. Eu ficava encantada com o cuidado que ele tinha que eu
comesse antes de trabalhar. Nem parecia o cara que implicava
comigo, parecia alguém que se importava.
— Eu não fiz nada ainda.
A voz de Alexander fez com que eu virasse a cabeça
rapidamente, no susto. Eu não esperava que ele descesse. Estava
com um carinha de sono muito bonita, o cabelo bagunçado e ainda
de pijama; camiseta e calça de moletom.
— Bom dia. — ele falou, passando por mim e indo até a
geladeira.
— Bom dia. — murmurei, passando a língua pelos lábios e
indo para o outro lado da ilha. Me apoiei no balcão e fiquei olhando-
o, enquanto fazia suco e colocava algumas coisas na mesa. — Me
desculpa por ontem.
— Tudo bem. — Alexander disse, apenas. Respirei fundo.
— Eu ainda não assimilei muito bem o que aconteceu. —
admiti. Alexander parou de mexer nas coisas por um momento.
— Talvez eu tenha me precipitado fazendo o que fiz.
— Não, só... Nós podemos conversar no jantar?!
— Claro, Victoria. A gente conversa durante o jantar.
— Tudo bem. — falei, sentando-me, quando ele colocou
torradas, pasta de amendoim e suco no balcão. Alexander se sentou
e ficou me olhando comer. — Você vai ficar me olhando?
— Vou. — ele respondeu, simplesmente.
— Tá. — murmurei, sem graça, desviando o olhar do dele.
Alexander estava diferente, era um fato. — V
ocê vai trabalhar hoje?
Porque meu plantão termina as 18h00.
— Tenho uma audiência às 13h00. Eu ligo para a babá, não se
preocupe.
Balancei a cabeça e tomei um pouco de suco, pensando sobre
aquilo. Caso extremo. Eu não gostava, mas era a única opção.
Aquele dia eu teria plantão até às 18h00. E Alexander tinha o
trabalho dele.
— Que horas você chega em casa? — perguntei, enquanto
passava pasta de amendoim no pão.
— Talvez junto com você. Eu faço o jantar e conversamos —
Alexander sugeriu.
— Por mim tudo bem. — Dei de ombros.
— Ótimo — ele murmurou.
— Eu tenho que ir. — avisei, me levantando. — Até mais tarde.
— falei, indo para a sala. Peguei minha bolsa, a jaqueta e o jaleco
no sofá, e sai de casa.
Eu estava evitando ter aquela conversa. Eu estava fugindo.
Era uma atitude infantil, mas eu simplesmente não sabia como lidar
com aquela situação. Não quando nos odiamos por 10 anos, não
quando estávamos convivendo bem por um mês, não quando ele
tinha me beijado. Só não sabia por quando tempo aquilo seria
possível.
Cheguei no hospital às 07h30, o horário de sempre. Saí do
táxi, com as coisas na mão e entrei no hospital colocando o jaleco.
Meu carro não funcionou e o de Alexander eu não podia pegar.
Então, a opção foi um táxi, porque eu não ia chamar Alexander para
me levar. Não mesmo. Era melhor ele cuidando de Adrian.
Passei o cartão na entrada e fui direto para o elevador. Não
encontrei Alexia pelo corredor, mas sabia que ela já tinha chegado.
Seu plantão começava 15 minutos antes do meu.
Entrei na minha sala e encostei a porta. Peguei a agenda
assim que sentei na mesa. A primeira consulta era de rotina, às
08h15. Eu tinha um tempinho, e precisava conversar com Alexia.
"Podemos conversar?” Eu 07:50
Tamborilei os dedos na mesa, esperando a resposta.
"Claro, amiga. Vem na minha sala.” Alex 07:51
Levantei da mesa, assim que a mensagem chegou, e sai da
minha sala trancando a porta. Coloquei a chave no bolso do jaleco e
fui andando até a sala da Alexia, que era no outro corredor.
Bati na porta da sala de Alexia, abrindo-a. Alex estava sentada
no sofá, mexendo no celular.
— Oi, Vic. Entra — ela falou assim que me viu. Entrei na sala,
encostando a porta e me sentei ao lado dela no sofá. — Aconteceu
alguma coisa? Você está com uma cara estranha — Alex comentou,
deixando o celular de lado. Respirei fundo.
— Alexander me beijou ontem à noite — murmurei. Alexia
arregalou os olhos. — Eu não sei como me sinto. Não sei como
reagir em relação a isso — confessei, tirando um peso de dentro de
mim. — Ele simplesmente me beijou e eu senti algo mudar. Eu acho
que gosto dele e esse beijo me deixou confusa.
— Ok. Alexander te beijou — Alexia repetiu, rindo. — Isso é
surpreendente, e ao mesmo tempo previsível.
— Como assim?
— É visível como ele mudou, como vocês dois mudaram nesse
mês. E, caramba, vocês tem uma família juntos agora! Vocês têm
tudo, Vic.
— E o odiei por 10 anos — lembrei-a.
— Eu sei, mas as coisas mudam, Vic. Os sentimentos mudam.
Vocês mudaram com o tempo e os sentimentos parecem ter se
transformado. Eu acho que você gosta dele, amiga.
— Eu pensei sobre isso... — admito.
— Seguei seu coração, Vic... Talvez possa surgir algo lindo aí.
— Alexia deu de ombros, com um meio sorriso. Puxei o ar. O que
poderia surgir de mim e Alexander juntos? Eu não sabia o que
pensar sobre aquilo, mas eu sabia que estava gostando dele. Não
podia mais negar, nem para mim mesma. Não depois do beijo.
Quando voltei para a minha sala, só conseguia pensar nas
coisas que Alexia havia me dito e em todas as mudanças que
ocorreram ao longos dos anos.
Primeiro, veio o ódio. Algum tempo depois começaram as
provocações e depois vieram as implicâncias. Agora, depois de 10
anos, os sentimentos se transformaram. Principalmente no último
mês.
Há algumas semanas eu comecei a perceber a mudança de
Alexander, ele parecia outra pessoa. Comigo, com tudo à sua volta.
Alexander estava diferente, já tinha algum tempo. E eu sabia que
era pela família. Pela nossa família.
Batidas na porta me fizeram levantar o olhar das fichas que
estavam na minha mesa. Eu nem havia percebido que estava há
algum tempo daquela forma. Minha cabeça estava pesada e meus
ombros doloridos.
— Pode entrar. — falei, alto, enquanto apertava o botão de
menu do meu celular. Já passava do meio-dia. Eu sequer notei que
aquela manhã havia voado. E eu estava morrendo de fome. O café
da manhã tinha sido muito rápido, porque eu estava fugindo como a
covarde que sou.
— Vamos almoçar, amiga. — Alexia disse, colocando a cabeça
para dentro da sala. — Já passou, e muito, do meio-dia. Eu estou
morrendo de fome e a senhora nem comeu direito hoje, dona
Victoria. — ela reclamou, entrando e me puxando pela mão. Só
consegui pegar o celular antes de ser obrigada a segui-la.
Guardei o celular e a chave da sala no bolso do jaleco,
enquanto Alexia me arrastava pelos corredores do hospital até o
restaurante que tinha no nosso andar. A maioria dos médicos estava
lá, mas eu não via Matthew. Aliás, eu não o via desde o dia em que
explodi com ele no corredor. Onde ele tinha se metido?
— Sabe do Matthew? — perguntei, enquanto nos servíamos
no buffett grande e aberto que tinha ali. Alexia me olhou por um
momento.
— Não desde o dia em que você brigou com ele. —
respondeu, dando de ombros. Ela não se importava muito, porque
nunca foi a maior fã dele, ou de nós dois juntos. Arqueei as
sobrancelhas.
Eu não era nenhuma hipócrita em falar que não sentia mais
nada por Matthew. Ficamos quase 3 anos juntos e eu gostava muito
dele, porque ele me fazia bem. Desde o primeiro momento eu gostei
dele.
Mas a insensibilidade com que ele havia falado mexeu comigo
de uma forma pesada, e irreversível. Eu tinha acabado de perder
minha única família e ele me cobra porque não retornei ligações.
Aquilo foi demais para mim, eu surtei. E, se não fosse por Alexia, eu
teria desmoronado naquele momento.
Nos sentamos em uma mesa encostada na enorme parede de
vidro, de frente uma para a outra, e eu encarei meu prato; arroz,
frango grelhado e salada. Peguei um copo de suco de laranja para
acompanhar. Eu não sabia se tinha vontade de comer, apesar da
fome.
— Vic. — Alexia chamou minha atenção, me fazendo levantar
o olhar para ela. — Come. — incentivou. Respirei fundo e balancei a
cabeça. Eu estava diferente naquele dia; aquilo parecia visível até
para a minha amiga. — Você quer conversar mais sobre o que
aconteceu?
— Não, Alex. — Balancei a cabeça negativamente. Eu
realmente não queria ficar falando sobre Alexander ou sobre o beijo,
pelo menos não até encontrar Alexander. Era o máximo que eu
podia adiar aquele assunto, até o jantar.
Alexander ia querer falar sobre o que aconteceu e nós
teríamos que falar sobre aquilo. Eu mesma tinha que falar sobre o
que aconteceu com ele. Aquele era um assunto importante, para
nós dois. Não tinha sido um simples beijo, nós nos odiamos por 10
anos e de repente nos beijamos. E eu sabia que seria um assunto
bastante delicado.
— Olha aí o sumido. — Alexia murmurou. Levantei o olhar
para ela, enquanto comia; sua expressão estava fechada. Franzi a
testa, virando a cabeça, para olhar do que ela falava.
Matthew.
— Matthew. — balbuciei, surpresa ao vê-lo depois de tantos
dias. Ele ainda me causava sentimentos, sim. Meu coração ainda
acelerava ao vê-lo. Eu não era nenhuma hipócrita de negar aquilo.
Mas, ainda estava chateada, obviamente.
— Chegou o indevido. — Alexia reclamou, revirando os olhos.
Dei risada. Minha amiga realmente o detestava, desde que
chegamos no hospital para estagiar. Alexia bateu o olho em
Matthew e não gostou dele. E eu não entendia o motivo. — Ele tá
vindo.
Parecia que Alexia estava narrando os acontecimentos, mas
reclamando.
— Eu ainda tô chateada. — murmurei, bebendo suco.
— Eu sei. — Alexia falou, séria. Matthew chegou perto de nós
e parou na frente da nossa mesa. Respirei fundo e Alexia revirou os
olhos.
— Victoria, a gente pode conversar? — Matthew perguntou, o
tom de voz baixo e sedoso. Alexia arqueou as sobrancelhas ao me
encarar.
— Depende. Se você não for me fazer cobranças e ser
insensível, podemos. — respondi, levantando o olhar para ele.
Matthew fez que sim com a cabeça, concordando.
— Vic... — Alexia chamou minha atenção.
— Tá tudo bem. Eu converso com ele. — Tranquilizei-a. Alex
balançou a cabeça negativamente enquanto Matthew se sentava
conosco, na lateral da mesa.
— Eu sinto muito pelo que eu falei, Vic. — Matthew se
desculpou. — Sinto muito pela forma como as coisas aconteceram.
Eu realmente não sabia o que tinha acontecido. Alexia só me disse
que não seria um bom dia para falar com você, mas eu jamais podia
imaginar que era algo tão grave. Me desculpa, eu devia ter pensado
um pouco mais.
As palavras me fizeram olhá-lo. Eu sabia que não havia sido
de propósito, Matthew não era daquela forma. Muito pelo contrário,
a empatia que ele tinha era amável.
— Tudo bem, Matthew. — Suspirei, balançando a cabeça. —
Tudo bem.
— Me conta, com calma, o que aconteceu? — ele pediu.
Respirei fundo, olhando para o meu prato de comida.
— Eu perdi a minha família. — Dei de ombros. — Um acidente
tirou meus melhores amigos e agora eu sou o mais próximo que
meu afilhado vai ter de uma mãe. Sou eu quem cuido dele agora,
junto com o padrinho. Tudo estava uma confusão, agora que as
coisas estão entrando nos eixos.
— Eu sinto muito, Vic. Sinto muito mesmo. Não posso sequer
imaginar a dor que você sente e tudo o que tem passado.
Respirei fundo, balançando a cabeça e fechando os olhos por
um momento.
— As coisas estão melhorando. — murmurei, baixo.
— Você sabe que eu estou aqui para o que você precisar. —
Matthew falou, segurando na minha mão em cima da mesa. Alexia
me encarou, com as sobrancelhas erguidas.
— Eu sei, Matthew. — disse, apenas.
Matthew voltar, daquela forma, deixou as coisas dentro de mim
bem mais bagunçadas do que já estavam. Eram 3 anos com ele e
um mês morando com Alexander. A diferença de tempo era grande,
mas a diferença de intensidade dos sentimentos também.
Depois do almoço, eu voltei para a minha sala com Alexia.
Deixamos Matthew comendo no restaurante após terminar nosso
almoço e saímos de lá. Não falamos nada pelos corredores, até
chegar na porta da minha sala.
— Você e ele... — Alexia incitou.
— Eu não sei, Alex. — Balancei a cabeça.
— O que vai fazer em relação à ontem?
— Eu e Alexander ainda não conversamos sobre o que
aconteceu, então eu só vou conseguir pensar com clareza depois
disso.
— Eu espero que vocês se acertem depois de conversar. —
ela desejou. Não era deboche; Alexia estava falando sério. Ela
realmente queria que eu e Alexander ficássemos juntos.
— Eu espero que essa confusão que está dentro de mim
passe depois que eu conversar com ele. — Soltei o ar.
— E vai. — Alexia apertou minhas mãos, com um meio sorriso,
antes de se afastar e ir para a sua sala. Balancei a cabeça
negativamente, antes de entrar na minha sala e fechar a porta atrás
de mim, me encostando nela.
Não a tranquei, não tinha muito tempo sozinha antes da
primeira consulta da tarde. Fui até o sofá e me sentei, tirando o
celular do bolso do jaleco. Passava das 13h00. Tinha mensagem do
Alexander.
“Já estou saindo de casa e a baba está aqui. Pode trabalhar
tranquila” Alexander 13:02
Tranquila? Aquela não era a definição certa para o que eu
ficava quando chamar a babá era a única opção. Allana também
não ficava contente quando aquilo acontecia, mas como era apenas
em casos extremos, tudo bem.
“Ok. Eu vou tentar chegar em casa depois das 17h” Eu 13:27
“Seu plantão só termina as 18h00. Sossega, Victoria. A Lucy é
uma boa babá e Adrian fica quietinho” Alexander 13:28
“Eu não gosto de Adrian com babá. E você não está dirigindo?”
Eu 13:29
“Estava. Há 10 minutos. Estou dentro do fórum agora. E fique
tranquila, é um caso extremo. Adrian vai ficar bem” Alexander 13:29
“Certo. Tenho pacientes agora. Falo com você mais tarde” Eu
13:30
Levantei do sofá, indo até a minha mesa. Me sentei, enquanto
guardava o celular no bolso do jaleco. Peguei as fichas que estavam
na mesa. Minha primeira paciente era em 15 minutos; era uma bebê
de 2 anos e 3 meses que adorava segurar minhas mãos enquanto
eu a examinava e deitar o rosto nelas. Sasha era uma das pacientes
que eu mais gostava, ela era tão amorosa que me fazia desejar ter
uma menina.
Claro que aquele era um desejo difícil. Eu já tinha Adrian e não
tinha namorado, e muito menos marido. Ter uma filha era algo um
pouco complicado naquela situação. Ainda mais levando em conta a
minha vida há algumas semanas.
Respirei fundo, fechando os olhos e me encostando na
cadeira, tentando esvaziar a minha mente e não pensar em nada
além do meu trabalho e dos meus pacientes, dos meus bebês, mas
a minha mente estava realmente cheia de diversos pensamentos
distintos. Soltei o ar, abrindo os olhos. Eu não conseguia não pensar
em tudo o que aconteceu desde a noite anterior.
Eu estava realmente muito confusa. Minha cabeça girava com
meus antigos e novos sentimentos. Meu coração batia de forma
estranha em alguns momentos. Eu não sabia o que estava sentindo,
aquela era a verdade. A confusão dentro de mim era desastrosa.
Às 13h45 minha paciente chegou com a mãe e a irmã mais
velha de 8 anos. As duas eram miniaturas da mãe, e eu cuidava de
ambas. Abri a porta, me deparando com uma Sasha sorridente e
balançando os bracinhos.
— Olha se não é a paciente mais amável que eu tenho?! —
Abri um sorriso, mexendo na barriguinha dela, enquanto as três
entravam.
— Boa tarde, doutora — a mãe dela falou, com um sorriso, ao
entrar.
— Boa tarde. Como vocês estão? — perguntei, me sentando.
Ela se sentou com Sasha na minha frente e Chloe se sentou no
sofá, ela se sentia bem à vontade ali. E eu gostava que meus
pacientes estivessem à vontade na minha sala.
— Ah, estamos bem. Só Sasha que tem sentido cólicas
constantes. Não sei o que pode ser — Pamela explicou, ajeitando
Sasha em seu colo.
— Bem, vamos ver o que essa mocinha tem? — Me levantei,
estendendo as mãos, e Sasha esticou os braços para mim. Peguei-
a no colo e a deitei na maca. Examinei-a com cuidado.
Depois de diagnosticar o problema de Sasha, receitei um
remédio para ela, e aproveitei para examinar Chloe, que estava com
uma gripe forte, e passei um xarope para ela.
Quando a consulta terminou, eu me joguei no sofá, respirando
fundo e fechando os olhos. Me encostei, cruzando as pernas e
passei as mãos pelo rosto. Eu estava esgotada, mas não cansada.
Minha mente estava cheia, e parecia sobrecarregada de
pensamentos em alguns momentos.
Não conseguia pensar com clareza. Não quando eu estava tão
confusa em relação aos meus sentimentos. Minha cabeça estava
em Alexander e Adrian. E eu não conseguia pensar em mais nada
além deles dois, mais nada além da família que eu havia ganhado,
mais nada além de quem eu havia aprendido a gostar.
Já passava das 18h00 quando eu finalmente pude sair da
minha sala. Minha última paciente tinha saído há 10 minutos, a
consulta havia começado às 17h30 e durado mais do que eu
esperava, devido ao estado da bebê de 2 anos. Tive que interná-la
com uma forte pneumonia. Eu odiava ver bebês naquele estado, só
me fazia pensar em Adrian.
Alexander me mandou uma mensagem há 40 minutos,
perguntando que hora eu iria sair. Estranhei, é claro. Normalmente
as audiências dele demoravam e ele sabia bem o horário que eu
voltaria para casa.
Encontrei Alexia na maternidade, olhando pelo vidro um de
seus pacientes recém-nascidos, e Matthew lá dentro, examinando
outro bebê recém-nascido, que estava na incubadora há alguns
dias. Era um paciente dele.
— Vai ficar até que horas? — perguntei, parando ao lado dela.
Alexia me olhou por um momento.
— Umas 18h30. Ele não está muito bem — comentou,
apontando para o recém-nascido.
— Precisa de alguma coisa?
— Não, amiga. Vai para casa. Você tem um bebê esperando
por você e um promotor muito gato querendo falar sobre um certo
beijo — Alexia alfinetou, com um sorriso. Revirei os olhos, rindo, e
dei um beijo na bochecha dela.
— Eu te vejo amanhã.
Dei tchau para Matthew, através do vidro, e saí dali, indo até o
elevador. Saí do hospital tirando o jaleco. Teria que pedir outro táxi.
Eu preferia dirigir.
Mas, me surpreendi ao encontrar Alexander encostado em seu
carro na entrada do hospital com os braços cruzados. Diminuí os
passos, enquanto me aproximava dele.
— Alexander?!
— Boa noite, Victoria. — Alexander abriu um sorriso, se
desencostando do carro a abrindo a porta de trás. — Nós viemos te
buscar. — falou, mostrando Adrian na cadeirinha. Meu afilhado
sorriu ao me ver e eu abri um sorriso, me aproximando.
— Oi, dinha! — Adrian gritou, esticando as mãozinhas gordas
pra mim.
— Oi, meu amor. — Me inclinei, para dar um beijo nele. — Por
que vieram me buscar? — perguntei, me virando para olhar para
Alexander.
— Bem, eu achei um carro não funcionando na garagem e
descobri que alguém veio trabalhar de táxi. Então, achei que podia
fazer uma surpresa. — Ele esclareceu, o tom de voz
despretensioso.
— Conseguiu. — murmurei, deixando minha bolsa, o jaleco e a
jaqueta no banco de trás ao lado de Adrian e fechando a porta do
carro. — Está aí há quanto tempo?
— Uns 10, 15 minutos. Não muita coisa.
Nós entramos no carro e eu tirei os saltos, que estavam
acabando comigo. Alexander saiu dali, mas não pegou o caminho
para casa.
— Para onde está indo? Onde nós vamos? — questionei.
— Supermercado. Notei que estão faltando algumas coisas e
como temos tempo hoje, achei que pudéssemos fazer umas
compras.
— Por mim tudo bem. — Dei de ombros. Eu estava cansada,
mas passar um tempo com Adrian, de forma diferente, era algo que
me fazia bem.
— Ótimo. — Alexander disse, com um meio sorriso, me
fazendo sorrir também.
Ele estava diferente, parecia mais calmo do que estava de
manhã. Na hora do café, Alexander parecia ansioso. Talvez
quisesse saber o que eu estava pensando, mas não sabia como
perguntar aquilo. Mesmo depois de passar a tarde pensando naquilo
eu ainda não sabia como teríamos aquela conversa.
Eu liguei o rádio; era a mesma ainda. Ele nunca havia mudado.
Desde o dia em que eu liguei aquele rádio e escolhi, ele não mudou.
Eu me perguntava o porquê.
Não demoramos a chegar no supermercado. Alexander
gostava de lugares grandes, porque aquele supermercado era
gigante. Saí do carro, depois de colocar o salto, e abri a porta de
trás para pegar Adrian. Peguei minha bolsa em seguida,
pendurando-a no ombro, enquanto segurava Adrian no outro braço.
Alexander pegou um carrinho na entrada do supermercado e
nós entramos. Adrian estava quietinho, mordendo um brinquedo de
borracha e com outro brinquedo nas mãos; uma pelúcia do Homem-
Aranha. O herói favorito dele, e do pai.
Respirei fundo, enquanto andávamos, tentando desviar o
pensamento de quem eu havia perdido. Aquele não era o momento
e muito menos o local para ter uma crise de choro desesperado.
Coloquei Adrian na cadeirinha que tinha no carrinho.
— O que vamos comprar? — Alexander perguntou, se virando
para me olhar, enquanto empurrava o carrinho. Eu andava um
passo atrás dele, olhando tudo.
— Você que disse que notou que estavam faltando coisas em
casa. — lembrei-o, com as sobrancelhas erguidas, e um meio
sorriso. Alexander balançou a cabeça, rindo.
— Você está certa. Vamos comprar o que comer.
— Alexander, cuidado! — Avisei, esticando a mão para puxar o
braço dele, antes que batesse no carrinho de uma senhora.
Alexander, parou um pouco antes de bater.
— Dinho! — Adrian gritou, levando as mãozinhas à boca.
— Me desculpa. — Alexander pediu, segurando o carrinho. A
senhora riu.
— Tudo bem, meu filho. — Ela balançou a mão, me fazendo
abrir um meio sorriso. — Que família linda. — Elogiou. — Vocês
dois fazem um belo casal e tem um lindo filho.
Puxei o ar e olhei para Alexander. Eu não sabia como reagir e
ele parecia se sentir estranho com os elogios. Respirei fundo,
voltando a olhar para a senhora, com um sorriso.
— Muito obrigada. A senhora é muito gentil.
— Ah, minha filha. Eu adoro ver casais jovens tão lindos como
vocês e com um filho mais lindo ainda. Desejo muitas felicidades a
vocês dois, continuem com essa linda família. — Ela apertou minha
mão, ao passar por mim, e se foi.
Olhei para Alexander e sua expressão era indecifrável. Adrian
balançou o brinquedo, desviando nossa atenção, e não tivemos
tempo para pensar no que ouvimos. Fomos elogiados por ser um
belo casal e ter um lindo filho. Fomos elogiados por ser uma linda
família. Eu ainda não sabia o que pensar sobre aquilo.
Não demoramos no mercado, compramos o necessário e logo
estávamos saindo. Adrian estava quase dormindo no meu colo, mas
ficou desperto quando o desencostei do meu ombro e coloquei-o na
cadeirinha, prendendo o cinto.
— Você trouxe mamadeira para ele? — perguntei, com a mão
na porta, e me inclinando para olhar Alexander guardando as
compras no porta-malas.
— Trouxe, está na bolsa dele. — ele informou. A bolsa estava
atrás do banco motorista, nos pés de Adrian, então só me inclinei
para pegar e entreguei para ele. Não precisava mais ensinar, ele
segurava com as duas mãos. Adrian encostou, com os olhos já meio
fechados. Dei um beijinho nele antes de fechar a porta e dar a volta
no carro.
Entrei junto com Alexander e coloquei o cinto enquanto ele
saía do estacionamento do mercado e entrava na avenida para
irmos para casa. Não liguei o rádio, Adrian estava morto de sono e
qualquer som o atrapalhava a adormecer. Mas, depois que pegava
no sono, nada o acordava.
Adrian dormiu enquanto tomava a mamadeira. Peguei da mão
dele; ainda estava na metade. Inclinei-me para guardá-la na bolsa e
voltei a sentar direito, puxando as pernas para cima do banco
depois de tirar os saltos. Encostei a cabeça e fechei os olhos,
aproveitando que Alexander estava dirigindo bem devagar.
— Vic, chegamos. — Alexander falou baixo, colocando a mão
sob a minha. Franzi a testa, abrindo os olhos devagar. Eu acho que
tinha dormido. Olhei para ele e balancei a cabeça.
Alexander saiu do carro e eu saí em seguida, com minha
bolsa, a jaqueta, o jaleco e os saltos nas mãos. Alexander pegou as
compras e a bolsa de Adrian, e pegou minhas coisas para que eu
pudesse pegar o bebê.
Entrei em casa com Adrian no colo depois que Alexander abriu
a porta e acendeu a luz da sala. Ele deixou minhas coisas no sofá e
foi para a cozinha com as compras. Subi as escadas devagar e
empurrei a porta do quarto de Adrian com o pé.
Deitei-o na cama e coloquei vários travesseiros em volta dele.
Alexander entrou no quarto quando peguei a babá eletrônica em
cima da cômoda que ficava na frente da janela.
— Eu já dei banho nele. Podemos deixá-lo dormindo. —
Alexander sussurrou. Balancei a cabeça, concordando, e me inclinei
para dar um beijo em Adrian antes de sair do quarto. Alexander
fechou a porta e nós descemos para a sala.
A conversa da qual eu fugi desde a noite anterior, estava para
acontecer. Não tinha mais como fugir ou evitar aquilo. A conversa
aconteceria, e eu tinha que ser madura para não tentar escapar
novamente. Estava inclinada a fazer aquilo, não podia negar. Eu só
simplesmente não sabia como lidar com aquela nova situação.
— Você já jantou? — perguntei, desfazendo o coque e tirando
a trança do cabelo, para fazer outro coque mais alto e mais frouxo.
— Não, só comi um lanche quando cheguei em casa e fui
cuidar do Adrian.
— Posso fazer o jantar. — sugeri, já indo para a cozinha, na
intenção de adiar pelo menos mais um pouco a conversa que eu
sabia que era inevitável.
— Vic, vem cá. — Alexander chamou, me fazendo dar meia
volta. Ele continuava parado na sala e eu fui até ele.
— O que foi?
— Você tá fazendo de novo.
— Fazendo o quê?
— Fugindo. — ele disse, simplesmente. Puxei o ar.
— É tão óbvio assim?
— É. Eu te conheço. Mesmo você achando que não, eu te
conheço. E não é de hoje. Já fazem 10 anos.
— Eu sei. — Suspirei, pesado.
— Eu te esperei na noite passada. — Alexander murmurou.
Mordi o lábio inferior. Eu sabia daquilo, eu ouvi, demorou um tempo
para que ele saísse da porta do meu quarto.
— Me desculpa. Eu não estava pronta para lidar com o que
tinha acontecido naquele momento. — admiti.
— Eu também não sei se estava, mas eu queria falar, já é
alguma coisa. Precisamos falar do que aconteceu.
— Tudo bem. — concordei, puxando o ar. — Por que você me
beijou?
— Porque eu quis. — Alexander respondeu, simplesmente. —
Porque é algo que eu tenho vontade de fazer há algum tempo, mas
nunca tive coragem e você não permitia que eu aproximasse o
suficiente para isso. Eu gosto de você, Vic. Gosto mesmo. Aprendi a
gostar de você de um tempo para cá. — ele admitiu, me fazendo
arquear as sobrancelhas e suspirar. Alexander gostava de mim?
— Eu também. — confessei, fazendo-o sorrir . — Você se
mostrou tão diferente nessas semanas, que acho que foi inevitável
não gostar de você. Eu estava tão presa em mim mesma e na
minha dor que não havia me dado conta desse outro sentimento
dentro de mim, só percebi que ele existia na noite passada, quando
você me beijou. Destravou alguma coisa em mim.
— Você mudou alguma coisa dentro de mim. — ele falou, se
aproximando.
— Eu não sei o que está acontecendo. — admiti,
completamente perdida em relação ao que havia entre nós dois.
— Nós podemos descobrir. Juntos. — Alexander garantiu,
segurando meu rosto entre as mãos.
— Alexander...
— Você acha que não devemos isso a nós mesmos, Victoria?
— perguntou, me fazendo levantar o olhar para ele. — Algo está
acontecendo, nós estamos sentindo alguma coisa e precisamos
descobrir o que estamos sentindo. E a única forma de fazer isso é
nos permitindo sentir o que quer que for. Vamos tentar. Eu quero
ficar com você. Não há nada que eu queira mais nesse momento.
Me dá uma chance, deixa eu mostrar que sou um Alexander
diferente do de algum tempo atrás. — Alexander pediu. Parecia
sincero e eu queria aquilo tanto quanto ele parecia querer. Fiquei na
ponta dos pés para encostar meus lábios nos dele.
— Eu sei que é. — sussurrei, encarando-o. — Sei que você
está diferente. Eu só estou com medo desse sentimento.
— Eu não vou te machucar, Vic. — Alexander prometeu. — Me
deixa cuidar de você de uma forma diferente agora? Não apenas
como o padrinho do bebê que você é madrinha, mas como homem.
— Deixo. — balbuciei.
— Vem comigo? — Ele chamou. Apenas fiz que sim com a
cabeça; eu tinha entendido, e estava pronta para aquilo, estava
pronta para sentir o que quer que fosse por ele.
Alexander segurou na minha mão e me levou até o andar de
cima; até o seu quarto. O meu era um santuário, ele sabia, e sabia
que talvez eu ainda não estivesse pronta para deixá-lo ir tão fundo
daquela forma. Então, ele estava me deixando entrar.
Deixei que Alexander tirasse minha saia e minha blusa,
deixando-me de calcinha e sutiã. Ele soltou meus cabelos, fazendo-
os cair em ondas em volta dos meus ombros e tirou sua própria
roupa em seguida. Eu estava completamente sem reação. Não que
nunca tivesse dormido com ninguém, dormi com Matthew, mas era
diferente com Alexander.
Alexander me beijou, puxando-me para ele. Subi as mãos para
o seu rosto e ele me pegou no colo, levando-me até a cama. Ele me
deitou no meio do colchão e se colocou entre minhas pernas.
— Eu tô apaixonado por você. — ofegou, me fazendo levantar
o olhar para ele. — E isso não é para te sacanear depois, é a
verdade. Eu tô mesmo apaixonado por você, já tem algum tempo e
eu não tinha a coragem de admitir isso. Mas eu tô apaixonado por
você, Vic. E isso é diferente de tudo que eu já senti.
— Eu sei, eu sinto o mesmo. — sussurrei, encarando ele. Era
a verdade, estampada na nossa cara, e dita por nós. Alexander me
beijou novamente, libertando nossos sentimentos e desejos.
E, depois de anos 10 anos de implicâncias e provocações,
tudo mudou. um mês juntos fez com que novos sentimentos
surgissem e outros se transformassem. Fez com que nós dois nos
ficássemos diferentes.
Eu estava apaixonada por Alexander Jenkins e não podia
negar mais aquilo, não quando ele também estava apaixonado por
mim.
Eu acordei um pouco confusa e atordoada na manhã seguinte.
Estava deitada sob um corpo macio e maior que o meu. Devagar,
abri os olhos, e aos poucos fui me acostumando com a claridade
que entrava pela janela.
Não estava no meu quarto, notei aquilo no segundo em que
abri os olhos. Até que a noite anterior inundou minha mente como
uma avalanche; eu e Alexander dormimos juntos, eu estava no
quarto dele, abraçada com ele.
Podia ouvir as batidas do coração dele enquanto dormia. Meu
rosto estava encostado no peito dele, minha perna por cima dele e
seu braço em volta de mim, me segurando junto de si.
Eu não tinha roupa alguma por baixo do lençol que nos cobria,
Alexander muito menos. Ele dormia profundamente, a expressão
tranquila, e o aperto em volta de mim leve. Sua outra mão estava
junto da minha em seu peito.
A noite passada havia sido... indescritível. Não havia como
descrever o que tinha acontecido e todas as sensações que eu
senti. Nada se comparava a estar com Alexander, nada se
comparava ao que eu sentia por ele e o que ele me fazia sentir.
Nada se compararia aquela noite.
Alexander não era nenhum garoto de 20 e poucos anos, muito
pelo contrário; ele já tinha 34 anos e era muito experiente, muito
mais do que eu esperava que fosse. Tudo bem que Matthew tinha
30 anos, mas ele não era como Alexander. Acho que ninguém no
mundo seria como ele.
Os beijos eram diferentes, a forma que ele me tocou foi
diferente. Alexander me causou sensações que eu sequer achava
que seria possível existirem. Meu corpo respondeu aos toques dele
como se já os conhecesse. Eu respondi a ele com apenas alguns
toques.
Foi diferente de tudo que já vivenciei ou imaginei. Alexander
não foi bruto, tampouco foi delicado. Ele foi na medida certa para
mim. Fez tudo no tempo certo, da forma certa e sem pressionar em
momento algum. Nós parecíamos ter sido moldados um para o
outro, porque nos encaixamos perfeitamente.
Parecia que aquilo era o certo, que devia ter acontecido há
muito tempo, e era algo que devia ser sentido, que precisava ser
sentido. Era algo que eu sempre ia querer, algo que eu sempre ia
querer sentir. Alexander comigo, como se fossemos um só.
Suspirei, fechando os olhos por um momento e me
aconchegando mais nele. Sim, eu estava apaixonada. Foi inevitável.
Quando vi, estava completamente envolvida pelo jeito de Alexander,
sem chance de voltar atrás. Eu não o odiava mais, muito longe
daquilo, eu gostava muito dele, muito mais do que achei ser
possível.
Abri os olhos e observei Alexander dormindo, enquanto
apoiava o queixo em seu peito, levantando o rosto. Ele estava
diferente, aquilo era visível para qualquer pessoa. A forma como ele
me tratava, como cuidava de mim, como era responsável, como
cuidava de tudo, de Adrian... a forma como ele me tratou na noite
passada, não podiam ser comparados com o antigo Alexander. Ele
era outro Alexander, o Alexander pelo qual eu era apaixonada.
Me estiquei para depositar um beijo no rosto dele e tirei seu
braço de mim com cuidado. Me levantei, pegando a blusa dele e
minha calcinha. Saí do quarto vestindo-as e fui até o meu, enquanto
prendia o cabelo em um coque alto e frouxo. Fiz minhas higienes e
fui pegar meu bebê.
Adrian abriu os olhos no instante em que entrei no quarto. Abri
um sorriso e peguei-o no colo, depositando beijos por todo o seu
rosto, fazendo-o me abraçar e dar aquele beijo dele na minha
bochecha. Eu me sentia tão completa quando o pegava em meus
braços.
Desci as escadas com Adrian e deixei-o no cercadinho com
alguns brinquedos. Fui até a cozinha, preparar o café. Era sábado e
estava calor. Era um ótimo dia para aproveitar a piscina com meus
meninos em casa.
Preparei a papinha de Adrian, que era mais fácil, e deixei no
balcão. Em seguida, assei pães de queijo, fiz suco, e arrumei o
balcão com pão, torrada, geleia e pasta de amendoim.
Quando estava tudo arrumado, peguei Adrian na sala e voltei
para cozinha com ele, colocando-o em seu cadeirão e me sentei na
sua frente. Deixei uma mamadeira com suco e uma com água
prontas, não sabia qual ele ia querer. Estava independente o meu
bebê, escolhia o que queria e ainda ria quando fazia graça e pegava
as duas mamadeiras. Ele estava crescendo tão rápido...
— O que você acha da madrinha e do padrinho serem um
casal? — perguntei a Adrian, enquanto dava sua papinha, como se
ele pudesse me entender. Adrian apenas me olhou, com o sorriso
mais lindo do mundo. Ele não entendia, mas talvez aquele fosse o
melhor para ele; crescer em um ambiente saudável e cheio de amor .
Talvez fosse o melhor para mim também ter uma vida daquela. Eu
queria, acima de tudo.
Terminei de dar a papinha para Adrian e ele pegou a
mamadeira de água, estava morto de sede. Me levantei, colocando
o pratinho na pia, e quando me virei, Alexander estava entrando na
cozinha apenas com a bermuda pendendo de uma forma
provocante nos quadris. Seu olhar se perdeu no meu corpo por um
momento e ele sorriu ao notar sua camisa em mim. Disfarcei o
sorriso, encostando-me na pia.
— E aí, meu garotão. — Alexander se inclinou para dar um
beijo em Adrian, antes de vir até mim. — Bom dia. — murmurou, me
puxando pela cintura e me dando um beijo rápido.
— Bom dia. — respondi, recuperando o ar e tentando não
demonstrar o quanto era afetada pelas novas atitudes dele. — Eu fiz
café para nós.
— Eu posso perceber. — ele falou, com um sorriso. Arqueei as
sobrancelhas, com um meio sorriso.
Nos sentamos na mesa, junto com Adrian, que bebia a água
com uma vontade, que fiquei impressionada.
— Está calor. Pensei em aproveitarmos o dia na piscina hoje.
— comentei, dando de ombros, tentando soar despretensiosa. Não
queria que ele achasse que eu estava achando ou esperando
coisas.
— Cina? — Adrian perguntou. Eu e Alexander sorrimos.
— É, garotão — Alexander respondeu, bagunçando o cabelo
do pequeno. — Pensei a mesma coisa quando vi o sol pela janela
do quarto. — ele me disse. Aquilo me fez suspirar. Estávamos em
sintonia. — Você está bem?
Dei de ombros, estranhando a pergunta.
— Estou.
— Dormiu bem?
Então o ponto era aquele?
— Perfeitamente bem. — respondi, com um meio sorriso,
fazendo seu sorriso se alargar. — E você?
— Como não dormia há muito tempo.
O que aquilo significava? Eu acho que estava procurando um
significado em tudo.
— Dinha, quelo baba. — Adrian disse, colocando a mamadeira
no mármore do balcão. “Baba” era água. Não sei de onde ele tirou
aquilo. Quando fiz menção de pegar a mamadeira, Alexander foi
mais rápido.
— Deixa comigo. Toma seu café. — disse, se levantando.
— Seu padrinho sabe ser gentil. — alfinetei, falando com
Adrian e fazendo-o rir. Alexander também riu.
— E sua madrinha é linda. — Elogiou, me dando um beijo na
bochecha enquanto entregava a mamadeira para Adrian. Puxei o ar.
Eu, definitivamente, ainda não sabia como lidar com aquele
Alexander.
Enquanto tomava café e encarava Alexander, assim como ele
me encarava, me peguei pensando: O que aconteceria agora que
eu e Alexander assumimos estar apaixonados? Ficaríamos juntos?
Nos tornaríamos um casal? Eu não tinha resposta para nenhum dos
milhares de questionamentos que tinha dentro de mim. Então,
apenas deixei nas mãos do destino.
Mas, no fundo, eu desejava que aquela família fosse completa,
com amor por todos os lados, comigo e Alexander juntos.

Meses depois...
Acordei com beijos nas costas e uma claridade insuportável
entrando pela janela do quarto. Suspirei, quando Alexander
depositou um beijo no meu pescoço e me mexi na cama. Abri os
olhos devagar, me acostumando aos poucos com a claridade.
Alexander estava apoiado nos braços, sem jogar o peso em
cima de mim. O sol iluminava o quarto através da janela aberta e o
vento balançava as cortinas. Ele se sentou ao meu lado enquanto
eu me virava.
— Bom dia. — disse, com um sorriso.
— Bom dia. — murmurei, abrindo um meio sorriso.
Aquela não era a primeira vez que aquilo acontecia. Eu e
Alexander estávamos dormindo juntos desde a primeira noite. Não
nos separávamos mais. E aquela nova situação ainda era diferente,
para nós dois.
Depois de um dia inteiro na piscina com ele e Adrian, nós
demos banho no bebê e o colocamos para dormir. Eu fui para o meu
quarto, por mais que quisesse ir para o dele não queria impor minha
presença. Não sabia qual era nossa situação.
Mas, antes que eu entrasse, Alexander me pegou no colo, me
fazendo soltar um grito de surpresa, e me levou para o seu quarto.
Eu não tive coragem de perguntar e nem precisou; ele parecia me
ler. “Quero que fique comigo. Não só hoje. Todos os dias. Dorme
comigo”, pediu. Eu não tive como negar aquilo, era algo que eu
também queria.
Então eu fiquei. Eu nunca mais sai dali. Mas, naquela manhã,
acordamos no meu quarto. 4 meses depois da nossa primeira noite
eu finalmente deixei que ele fosse para o meu quarto e dormisse
comigo lá. Aquilo já fazia um mês. Então, estávamos sempre no
quarto um do outro.
E, no meio de tudo isso, 5 meses já haviam se passado. 5
meses desde que nossas vidas mudaram drasticamente e de forma
inesperada, 5 meses desde que estávamos morando juntos, 5
meses desde que estávamos cuidando de Adrian, 5 meses desde a
nossa primeira noite, 5 meses que descobrimos que estávamos
apaixonados, 5 meses desde que perdemos nossa família.
Claro que ainda era difícil, claro que ainda tinham momentos
em que a dor superava qualquer outra coisa, claro que algumas
vezes eu pensava em desistir. Mas, era diferente, eu tinha
Alexander comigo, e não só como apoio, ele cuidava de mim de
uma forma que eu achava que ninguém seria capaz.
Alexander estava se mostrando uma pessoa completamente
diferente nos últimos 5 meses. Ele não era o mesmo Alexander que
eu conheci 11 anos atrás. Ele havia mudado, assim como eu mudei.
Tudo em nós se transformou, e eu sabia que Adrian era o
responsável por toda aquela mudança.
O amor que tínhamos por aquele bebê nos dava forças nos
dias mais difíceis, preenchia nosso coração quando nenhum outro
sentimento era capaz. O amor de Adrian nos salvava sempre que a
dor era mais forte.
Adrian estava crescendo com uma rapidez impressionante, e
estava cada dia mais esperto. Falava diversas palavras e andava
pela casa toda. Havia aprendido a correr, então, eu e Alexander
estávamos fazendo muitos exercícios.
A cada dia que passava o meu amor por eles aumentava
exponencialmente, e ganhava força. Nada se comparava ao que eu
sentia por eles. Nada nunca se compararia. Nós construímos uma
família, uma família que foi inesperada, mas que havia se tornado
nossa base.
E juntos eu tinha certeza de que podíamos superar qualquer
coisa, porque o que não faltava ali era força e amor
. Muito amor.
— Já são 09:00hrs. — Alexander disse, colocando uma mecha
do meu cabelo atrás da orelha. Balancei a cabeça, fechando os
olhos novamente. — Levanta, Vic. Eu vou fazer o café e você pega
o Adrian. Não se esqueça que tem visita da assistente social hoje.
— Ele lembrou, me dando um beijo na bochecha e um tapa leve na
coxa, antes de se levantar e sair do quarto. Eu estava coberta por
um lençol, e com um conjunto de lingerie de renda por baixo.
Conselho Tutelar. Assistente social.
De novo.
Lembrar daquilo me fez abrir os olhos rapidamente. Era a
segunda visita. Depois de tantos meses que até havia me esquecido
que tinha aquela burocracia, mas pelo que Alexander disse, era a
última visita. Graças a Deus.
Adrian era nosso e ninguém nos tiraria ele. Ninguém.
Há uma semana ligaram do conselho tutelar avisando que a
assistente faria uma visita. Por que sempre avisavam em cima da
hora? Eu ficava irritada com aquilo. Mas Alexander disse que era
normal, então tudo bem.
Respirei fundo, tirando o lençol de cima de mim e me levantei
da cama. Fui até o banheiro fazer minhas higienes, já que tinham
alguns produtos meus no banheiro de Alexander, assim como
alguns dele no meu.
Alexia estava me enchendo o saco desde que o ano começou.
“Estão vivendo como casados, assumam isso, tenham um quarto só
de vocês, usem aliança, se casem.” Ok, ela era exagerada
igualzinha Allana. Ainda não era hora para aquilo. Era?
Eu já não sabia o que pensar. Meses se passaram. Eu e
Alexander estávamos juntos, sim. No ano novo ele me pediu em
namoro e me deu um lindo colar com um pingente de flor. Claro que
Adrian ainda não entendia, mas parecia muito mais feliz agora do
que quando tudo começou. Acho que todos estávamos, apesar da
falta que Allana e Theo nos faziam. Nada do que estava
acontecendo estaria se eles estivessem conosco. Ou talvez sim. O
destino não erra, e aqueles dois tinham planos de nos juntar, eu
sempre desconfiei daquilo.
Peguei uma camiseta de Alexander ao voltar para o quarto e
saí vestindo-a. Fui até o quarto de Adrian, abrindo a porta com
cuidado. Meu bebê dormia tranquilamente em sua cama.
Me abaixei ao seu lado e beijei todo seu rosto, até que
acordasse. Adrian abriu os olhinhos devagar e sorriu ao me ver.
— Bom dia, meu amor.
— Oi, dinha. — ele balbuciou, esticando os bracinhos para
mim. Peguei-o no colo e o levei até o banheiro, para lavar seu rosto
e escovar seus dentinhos, que já somavam 4.
Desci com Adrian e encontrei Alexander na cozinha
preparando o café da manhã. Coloquei o bebê na cadeirinha e dei
um beijo em Alexander ao passar por ele.
— Bom dia.
— Bom dia. — ele respondeu, com um sorriso. — E aí, meu
garotão. — Deu um beijo em Adrian. — Tá com fome?
— Xim, dinho. Quelo muito papa. — Adrian bateu as
mãozinhas uma na outra, rindo. Abri um sorriso enquanto pegava o
leite na geladeira e colocava para esquentar.
— Tá fazendo o quê? — perguntei.
— Waffles e suco. Não temos muito tempo.
— Está ótimo. — falei, fazendo Alexander dar um sorriso de
lado. Tirei o leite de Adrian do microondas e coloquei na mamadeira
junto com uma colher de chá de mel para adoçar. Ainda não dava
açúcar para Adrian, muito cedo.
— Podemos aproveitar a piscina depois da visita, vamos ficar
em casa mesmo. — ele sugeriu, dando de ombros.
— Para mim parece bom. — disse, com um meio sorriso.
Alexander me deu um beijo, pousando a mão na minha cintura por
um momento e foi se sentar do outro lado da ilha, colocando a jarra
de suco natural de laranja em cima do balcão.
Entreguei a mamadeira para Adrian e me sentei no balcão,
pegando um waffle e colocando no meu prato. Passei bastante
geleia de morango e comigo. Aquilo era a coisa mais deliciosa do
mundo.
Adrian ficou olhando demais, até parou de tomar a mamadeira.
Cortei um pedacinho pequeno de waffle junto com a geleia e dei na
boquinha dele, lambendo meu dedo em seguida. Adrian mastigou,
ficou quieto por alguns momentos e riu depois, fazendo com que eu
e Alexander déssemos risada também.
Depois do café, eu subi para dar um banho rápido em Adrian.
Claro que esperei alguns minutos antes de pegá-lo do cercadinho e
subir. Alexander me ajudou a dar banho nele e foi se trocar,
enquanto eu vestia Adrian.
Coloquei uma roupinha de calor nele; short e camiseta de
malha, bem leves. Era uma visita de assistente social, mas ele era
um bebê e estava calor. Não ia sufocar o bebê por nada.
Fui com Adrian para o meu quarto e deixei-o sentado na cama
enquanto me trocava. Alexander entrou no quarto enquanto eu
procurava um vestido decente. Ele já estava pronto; calça jeans e
camiseta de malha. Simples. E muito gato.
— Ainda procurando? — ele perguntou, se esticando na cama
ao lado de Adrian e abraçando nosso afilhado.
— Eu acho que meus vestidos são indecentes. — declarei, me
virando de frente para ele, e fazendo-o rir
.
— Para com isso, Victoria. Todas as suas roupas são
decentes, só muito coladas. — Ele reclamou, me fazendo rir .—
Você tem um vestido lindo, inclusive, de uma cor clarinha que é
bastante apropriado para hoje. Coloca ele.
— Qual? — perguntei, confusa. Alexander se levantou e veio
até mim, pegando um vestido nude no armário; era um pouco
rodado, com mangas curtas e um decote reto. Olhei para Alexander
enquanto ele me entregava o vestido, e ele aquiesceu, com um
meio sorriso.
Talvez desse certo. Coloquei o vestido, enquanto Alexander
voltava para Adrian. Peguei uma rasteirinha com pedras
transparentes no armário e coloquei-a. Prendi o cabelo em um
coque; não tinha tempo para fazer mais nada e ele não estava
arrumado direito. Belisquei as bochechas e passei um lip balm nos
lábios só para deixá-los um pouco mais rosados.
— E aí, o que você acha? — indaguei, me virando para
Alexander. Ele me mediu e Adrian imitou-o, me fazendo abrir um
meio sorriso.
— Você está linda, Victoria. — Ele elogiou. Suspirei,
disfarçando a vontade de sorrir abertamente. Eu tinha que aprender
a me controlar com os elogios sinceros de Alexander, já faziam 5
meses. — Sua madrinha não está linda?! — Falou com Adrian.
— Dinha — Adrian riu, esticando os braços para mim. Sorri e
peguei-o no colo, enchendo-o de beijos. Descemos as escadas
juntos e eu deixei Adrian no cercadinho com alguns brinquedos.
Já eram 10h40 e provavelmente a assistente chegaria em 5
minutos, como da última vez. Para nos testar, como Alexander
disse. Fiquei sentada no sofá, balançando os pés, impaciente.
Como eu imaginava, às 10h45 a campainha tocou. Dessa vez,
eu quem fui atender. Dei de cara com a mesma assistente da
primeira visita. Pelo menos, não havia mudado.
— Bom dia. Pode entrar — murmurei, com um meio sorriso.
— Bom dia, Victoria — ela respondeu, sorrindo, e eu dei
espaço para que entrasse. — Bom dia, Alexander.
— Bom dia — Alexander falou. Ele estava bem sério, o que era
comum naquelas visitas ou qualquer assunto meio jurídico, ele se
transformava no promotor implacável.
Lana observou a casa, Adrian no colo de Alexander e nós dois
lado a lado. Nos sentamos no sofá e ela na poltrona.
— Bom, essa é a última visita. Preciso saber como estão as
coisas depois de 5 meses e como se adaptaram — ela explicou,
com uma prancheta na mão. — É perceptível como vocês evoluíram
com o bebê. Me parecem mais centrados e adaptados a tudo —
observou.
— Ainda é difícil em alguns momentos, mas nós estamos
tentando. Por Adrian. Nosso amor por ele tem nos feito superar
nossa perda para cuidar dele da forma que é preciso. — expliquei, o
tom de voz baixo. Lana balançou a cabeça, observando a casa e
nós com Adrian.
Silêncio se instalou na sala e eu mal conseguia respirar. Ela
estava nos observando para a avaliação final. Aquela análise
decidiria nosso futuro, e principalmente o de Adrian. Eu estava
nervosa e aquilo começava a me dar indício de crise de ansiedade.
Felizmente, fui salva por Alexander que percebeu meu estado
e colocou Adrian no meu colo. Quando Adrian me abraçou, eu
respirei fundo e fechei os olhos por um momento, aconchegando-o
entre meus braços. Beijei seu rosto e ele apertou os bracinhos em
volta do meu pescoço, deitando a cabeça no meu ombro.
— Na minha opinião, de alguém que está nessa profissão há
anos, nenhum juiz destruiria a família que vocês estão construindo.
Eu vejo como amam esse garoto e o que ele significa para vocês,
principalmente depois da perda que tiveram. Entendo que seja
difícil, mas vocês estão se saindo bem. Minha avaliação final será
positiva, fiquem tranquilos. — Lana nos tranquilizou.
Eu soltei o ar, abrindo um sorriso e Alexander me abraçou de
lado junto com Adrian. Encostei a cabeça no ombro dele,
completamente aliviada. Nossa família não seria destruída. Ela se
manteria daquela forme e só se fortaleceria. Eu estava mais
tranquila depois daquilo. E Alexander também, era visível.
Nós estávamos bem com aquela notícia. Adrian era nosso e
ninguém os tiraria de nós, porque aquele era o desejo de Allana e
Theo, que criássemos seus filhos. E nós criaríamos, porque
amávamos Adrian mais que qualquer coisa no mundo.
Quando a assistente foi embora, Alexander esquentou uma
mamadeira, depois de se trocar, enquanto eu ficava no sofá com
Adrian deitado no meu colo. Ele estava caindo de sono já, acordei-o
mais cedo do que de costume e na noite passada dormimos mais
tarde e ele ficou conosco.
Alexander voltou para a sala e me entregou a mamadeira.
Coloquei na boquinha de Adrian e ele mamou de olhos fechados.
Alexander se sentou ao meu lado e eu coloquei as pernas no seu
colo.
Adrian terminou a mamadeira quase dormindo. Levantei,
tomando cuidado com ele, e coloquei-o no cercadinho, com um
ursinho em suas mãos. Voltei para Alexander, encostando-me no
sofá, com as pernas em cima dele.
— Acha que foi bem? — perguntei, entrelaçando meus dedos
aos dele.
— Acho que foi mais que bem. — Alexander respondeu,
massageando minhas pernas. — Vai dar tudo certo. Depois da
avaliação dela, acaba isso de análise e visitas. Ele é oficilamente
nosso.
— Ele sempre vai ser nosso.
— Sempre. — Ele falou, puxando-me para mais perto e
depositando um beijo no topo da minha cabeça.
— Essa é a nossa família. — disse, abraçando-o e colocando
o rosto encostado em seu peito. Alexander acariciou meus cabelos.
— Sim, Vic, é a nossa família.
Levantei a cabeça e Alexander encostou os lábios nos meus;
foi apenas aquilo, um toque.
Suspirei e Alexander apertou os braços em volta de mim de
forma protetora. Eu me sentia muito segura com ele, desde que tudo
aquilo começou.
E, depois de 5 meses difíceis e diferentes, aquela era a nossa
família. Minha e de Alexander. E aquela família era essencial para
mim.
No domingo o dia estava absolutamente agradável; um sol
fraco e uma brisa leve. Eu acordei um pouco mais tarde do que de
costume. Abri os olhos devagar e pouco a pouco acostumei com a
claridade que entrava pela janela e aproveitei o vento agradável que
balançava as cortinas.
Eu estava sozinha na cama de Alexander quando me virei,
mas estava coberta e com a blusa dele que eu havia dormido na
noite anterior. Dormimos tarde, por conta do calor, e eu estava
extremamente cansada e ainda morta de sono.
Levantei depois de alguns minutos aproveitando o vento que
entrava pela janela aberta. Fiz minha higiene no banheiro e sai do
quarto, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo.
Fui até o quarto de Adrian, mas ele não estava mais na cama.
Desci as escadas e o encontrei com Alexander na sala, os dois no
tapete, a televisão ligada, as janelas abertas e Adrian com seus
brinquedos de borracha. Aquela era uma linda visão. Uma linda
visão de uma linda família. Meus dois amores juntinhos.
— Bom dia — murmurei, me inclinando para dar um beijo em
Adrian e outro em Alexander. Ele me puxou para mais um beijo
quando me afastei e eu me sentei ao seu lado.
— Dormiu bem? — perguntou.
— Dormi. — Dei de ombros, mexendo no cabelo de Adrian,
que estava concentrado no desenho que passava na televisão.
— Estava esperando você acordar.
— Que horas são? — indaguei.
— Quase 12h00.
— Nossa, dormi demais — reclamei, passando as mãos pelo
rosto. Eu realmente não gostava de dormir tanto, não quando tinha
um bebê para cuidar. Tudo bem que Alexander era ótimo com
Adrian, mas eu também gostava de cuidar.
— Dormiu nada, Vic. Você precisava mesmo descansar.
— Vocês já tomaram café?
— Tomamos e tem algumas coisas na cozinha, mas pensei em
fazermos um piquenique. O dia está lindo, é domingo, temos tempo.
Vamos aproveitar.
Encarei Alexander enquanto mexia nos cabelos de Adrian.
Talvez aquilo pudesse ser bom, um passeio, só nos 3, aproveitar o
dia fora de casa e fora da rotina. Sem preocupações. Era realmente
tentador.
— Você sabe que saindo nós 3 é como se fosse um passeio
em família, não sabe?! — perguntei, o tom de voz despretensioso.
Alexander riu.
— E o que nós somos, Victoria? Somos uma família. Não vai
parecer, é um passeio em família. — Ele falou, se inclinando para
encostar os lábios nos meus. — Por que não vai arrumando o
Adrian e se arrumando? Eu faço uma cesta e coloco algo para você
almoçar.
— Tá bem — concordei, com um meio sorriso, dando mais um
beijo nele, antes de me levantar e pegar Adrian no colo. Subi com
ele até meu quarto e o coloquei sentado na cama.
Fui até o quarto dele e peguei uma roupinha de calor; short e
regata, além de um bonezinho, sandália aberta e protetor solar
infantil. Peguei a bolsa, que sempre tinha coisas dentro e voltei para
o meu quarto. Deixei as coisas dele na cama e liguei a televisão, já
em um canal de desenho, para distraí-lo enquanto eu me trocava.
Coloquei um short jeans azul claro, uma regata preta e um
tênis branco. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo algo e passei
protetor nas pernas, nos braços e no rosto. Deixei os óculos de sol
em cima da cama e fui cuidar de Adrian.
Tirei o pijaminha dele e coloquei a roupinha branca com azul.
Passei o protetor em seus braços, pernas, pés e rosto. Calcei sua
sandália e coloquei o bonezinho em sua cabeça. Ele ficou a coisa
mais linda desse mundo.
— Você está tão lindo, meu amor — falei, ajeitando os cabelos
de Adrian, e dei um beijo em sua bochecha. Adrian riu para mim.
— Dinha, tô indu — balbuciou, esticando as mãozinhas para
mim. Beijei as duas, sentindo o cheirinho do seu perfume de bebê.
— A madrinha te ama tanto que você não tem noção do
quanto — murmurei, dando mais um beijo nele, que logo se distraiu
novamente com o desenho. Aproveitei para arrumar uma bolsa
grande com algumas coisas que pudéssemos precisar e desliguei a
televisão.
Peguei Adrian no colo e desci com as duas bolsas na mão
livre. Alexander estava na cozinha, preparando a cesta do nosso
piquenique. Deixei as bolsas no sofá e fui para a cozinha com
Adrian no colo.
— Terminou aí?
— Quase. Estou colocando um lanche mais reforçado para
você — Alexander respondeu, colocando uma garrafa de suco na
cesta. Abri um sorriso. Atencioso e preocupado comigo. Foi por
aquele Alexander que eu me apaixonei.
Fiquei esperando, enquanto ele terminava de arrumar tudo.
Alexander entregou uma mamadeira de água para Adrian e nós
saímos de casa. Coloquei os óculos de sol assim que saímos e
Alexander fez o mesmo.
Sentei Adrian na cadeirinha e prendi o cinto nele. Deixei as
bolsas ao lado dele e Alexander fez a mesma coisa. Entrei no banco
carona e liguei o ar. Alexander ligou o rádio.
A temperatura estava em 26ºC. Não era tão forte, por causa do
vento, mas estávamos acostumados com uma temperatura mais
amena, perto dos 21/22ºC. Aquilo já era um pouco sufocante.
Não demoramos a chegar no parque. Alexander estacionou
perto da entrada e eu peguei Adrian e minha bolsa, deixando a
cesta para Alexander.
— Pode deixar a bolsa dele aí, se precisar de algo eu venho
pegar.
— Tudo bem — Alexander concordou, travando o carro.
Entramos no parque procurando um lugar com sombra e por
sorte achamos uma árvore grande, onde tinha muita sombra em
volta. O parque estava um pouco cheio; era domingo e o dia estava
lindo.
Alexander estendeu a toalha xadrez no chão e eu me sentei,
colocando Adrian sentado ao meu lado. Ele estava com a
mamadeira de água nas mãos, ainda não tinha tomado toda, apesar
da sede que estava.
— Pode tomar tudo, meu amor. Madrinha te dá mais —
prometi. Adrian me olhou por um momento, antes de tomar toda a
água que tinha na mamadeira. Dei risada, pegando a mamadeira
dele e colocando mais água. Devolvi e Adrian pegou com pressa,
tomando rapidamente. — Devagar — alertei, fazendo-o diminuir o
ritmo e respirar ofegante.
Alexander se sentou ao nosso lado e ajeitou o boné na cabeça
de Adrian. Eu estiquei as pernas e me apoiei nos braços,
observando em volta.
— Come — Alexander falou, pegando um lanche na bolsa para
mim.
— Obrigada — agradeci. Eu estava mesmo morta de fome.
Adrian se levantou, andando em volta de nós. Ele sabia que não
podia se afastar, eu não sabia como entendia, mas talvez tivesse
acostumado que funcionava daquela forma em casa.
— Ele está crescendo tão rápido... — Suspirei.
— Ele está mesmo enorme — Alexander concordou.
— Vamos perder o controle do crescimento dele em algumas
semanas. Logo ele faz 3 anos. Passou tão rápido...
— É tão triste que eles não estejam aqui para ver isso —
Alexander lamentou.
— É tão triste eles não estarem mais aqui — murmurei, os
olhos ficando marejados. Que bom que eu estava de óculos, assim
Alexander não veria. Ele tendia a ficar extremamente preocupado
quando me via chorar. Mas eu estava bem, muito melhor do que
estava há 5 meses atrás. Eu estava seguindo, como sempre ouvia
Allana e Theo na minha mente me mandando fazer.
— Eles estão, de certa forma. Adrian é uma parte deles —
Alexander me lembrou. — E uma parte de nós. Sempre teremos um
pedaço deles conosco.
— Eu não suportaria ficar sem Adrian, principalmente depois
de tudo o que aconteceu — admiti, observando meu afilhado olhar
tudo em volta com curiosidade. Aquela era a idade da descoberta,
ele estava descobrindo tudo.
— Ele é nosso, Victoria. Nada nem ninguém vai tirá-lo de nós,
e muito menos nos tirar dele. Somos uma família. Estaremos
sempre juntos — Alexander garantiu.
— Você promete?
— Prometo, Vic. Essa é a nossa família e nada vai destruir o
que construímos — ele prometeu, entrelaçando os dedos aos meus.
Abri um meio sorriso.
Eu conseguia acreditar naquelas palavras. Aquela era a nossa
família e estaríamos sempre juntos. Eu acreditava e precisava
daquilo, era o que me mantinha firme, o que me fazia levantar da
cama todos os dias. A família que eu e Alexander construímos.

— Vem cá, meu amor — chamei Adrian, que estava com uma
joaninha na mão. Alexander havia colocado na mão dele e ele
estava admirando-a há algum tempo. A única coisa que fez com que
parasse de correr, para respirar um pouco.
Adrian veio devagar até mim, tomando cuidado com a joaninha
em sua mão. Abri um sorriso. Era tão fofo a forma como ele a
olhava e tinha cuidado com ela. Quilo me fazia ver o quanto aquele
menino era especial.
— Você não quer colocar ela na grama e vir comer? — sugeri,
ajeitando o bonezinho na cabeça dele e levantei seu rosto, fazendo-
o me olhar.
— Papa? — perguntou.
— Sim, meu amor — confirmei.
— Anchi?
— Lanche — respondi, rindo.
— Eu quelo — Adrian disse, correndo para colocar a joaninha
com cuidado na grama e voltou correndo para mim. Limpei suas
mãozinhas e o coloquei sentado na minha frente.
Quando Adrian estava sentadinho e quieto, Alexander voltou,
sentando-se ao nosso lado com a outra mamadeira de Adrian para o
suco. Peguei o pote de frutas cortadas e comecei a dar na boca
dele, uma por uma. Adrian comia olhando para mim, mastigava
devagar e abria a boquinha novamente, pedindo por mais.
— Cadê sua amiguinha joaninha? — Alexander perguntou,
apertando a barriguinha de Adrian e fazendo-o rir.
— Amiguinha joaninha? — repeti, encarando Alexander e ele
deu de ombros.
— Gama — Adrian respondeu, abrindo a boquinha na minha
direção. Coloquei um pedacinho de manga na boca dele e ele
mastigou devagar. Tinha aprendido a não mastigar rápido, depois
que ensinei algumas vezes.
— Você deu tchau para ela?
Dei risada com a pergunta. Às vezes Alexander era mais bebê
que o próprio Adrian.
— Indanão — Adrian balbuciou, abrindo a boquinha e
apontando para a banana. Peguei um pedacinho e coloquei na boca
dele. Ele se levantou e saiu correndo para onde colocou a joaninha.
— Ela umiu, dinho. — Voltou correndo para nós e se jogou em cima
de Alexander.
— E você nem deu tchau para ela. — Alexander fez uma voz
triste. Semicerrei os olhos para ele e o idiota riu.
— Agola eu quelo come — Adrian disse, voltando para mim e
abrindo a boquinha, pedindo por frutas. Coloquei um pedacinho de
morango na boca dele. Ele fez uma careta. —Etieu não goto, dinha
— reclamou, fazendo com que eu e Alexander déssemos risada.
— Morango é tão bom. — falei. Adrian fez que não com a
cabeça, com a mesma careta, mas comeu o morango. Coloquei um
pedaço manga na boca dele. Manga ele gostava. — Esse é bom?
— perguntei.
— Etié bom, dinha. Etié gostoso. — Adrian abriu a boquinha,
pedindo por mais. Coloquei outro pedaço de manga na boquinha
aberta. Alexander apertou a barriguinha dele, fazendo-o rir, e eu abri
um sorriso.
Aquele, definitivamente, era um lindo momento em família. O
melhor que tivemos desde que tudo começou.

Eram quase 15h00 quando decidimos voltar para casa. Adrian


estava com sono e começou a ficar enjoadinho por causa do calor
.
Então nós o pegamos e saímos do parque. Ele dormiu no caminho
para casa.
Ao chegar em casa, tirei as sandálias e o boné de Adrian, e o
coloquei no cercadinho na sala. Dei um beijinho nele, antes de
deixá-lo dormindo ali com um ursinho entre os braços.
Tirei os tênis e o óculos, deixando-os na estante da televisão.
Notei algumas fitas ali embaixo; eram as fitas de Allana e Theo,
gravações que fizeram ao longo dos anos, de seu casamento,
nascimento do Adrian, festas de 1 e 2 anos.
Mordi o lábio inferior, me inclinando para pegar as caixas.
Eram muitas fitas. Nunca tivemos coragem de mexer nelas. Tinha
um álbum de fotos também. Peguei e levei até o sofá, me sentando
e colocando a caixa no meu colo.
Peguei o álbum e olhei todas as fotos. Eu e Alexander
estávamos em muitas delas. Meus olhos se encheram de lágrimas
rapidamente e eu apertei o álbum junto ao peito. Era doloroso. A
falta que eles faziam era dolorosa.
— Vic...
Virei a cabeça, para olhá-lo, e Alexander respirou fundo ao ver
que eu estava chorando. Ele se apressou em se sentar ao meu lado
e me abraçar.
— Eu sinto a falta dela... — balbuciei, entre o choro. Alexander
me apertou entre seus braços.
— Eu sei, eu sei que sente. Eu também sinto a falta do meu
irmão, mais do que você pode imaginar — ele confessou. Apertei os
olhos com força.
— Ela está perdendo tudo isso. Era para estarmos vendo isso
juntas, como a família que éramos. Por que aconteceu isso? Por
que os perdemos? Eles não mereciam... — lamentei.
— As coisas têm um motivo para acontecer, Vic. E se foi dessa
forma... Eu não sei. — Alexander deu de ombros. — Por favor , não
suporto te ver dessa forma. Vai ficar tudo bem. Nós estamos bem.
Adrian está bem, nós estamos cuidado dele e vamos melhorar. Eu
prometo para você que essa dor vai passar.
— Não vai, Alex...
— Um dia ela vai, Vic. Não agora, talvez não em anos, mas
algum dia vai.
— Como ficaremos sem eles?
— Vamos seguir, porque era o que eles iam querer que
fizéssemos. Nós estamos indo bem, eu tenho certeza disso. Só
precisamos continuar...
— Você vai estar aqui?
— É claro que vou, Vic. Vou estar sempre aqui. — Alexander
prometeu, segurando-me mais forte. Eu desabei, perdi o controle,
chorei novamente pela dor.
Naquela noite, Alexander colocou Adrian para dormir conosco
na cama dele. Adrian era nosso e era triste que fosse daquela
forma, mas era. Naquele dia, a saudade foi intensa e a dor
avassaladora, mas estar ali com Alexander e Adrian amenizou
aquilo. A nossa família era forte e essencial.

Semanas depois...
Era o primeiro sábado de maio e eu estava em casa. Graças a
Deus.
A semana no hospital foi muito mais do que exaustiva, eu
estava completamente esgotada. Havia pegado alguns pacientes de
casos complicados, além de cuidar de Adrian em casa porque
Alexander viajou por 3 dias e tinha audiências quase todos os dias.
Eu estava acabada, mas não queria ficar na cama em pleno
sábado. Fazia tempo que eu não conseguia um dia em casa, para
relaxar e descansar. Fora que eu estava com algumas ideias e
queria muito sair.
As semanas que se passaram foram boas, em diversos
sentidos. Meu trabalho estava bom, minha vida em casa estava
incrível, minha amizade com Alexia estava perfeita e meu
relacionamento com Alexander evoluía a cada dia, além de eu estar
mais apegada a Adrian a cada dia que se passava.
Tudo em casa também havia mudado, estávamos unidos como
uma verdadeira família. Fazíamos passeios, passávamos o dia
juntos. Nos realmente tínhamos nos tornado uma família.
Meu relacionamento com Alexander estava evoluindo, de certa
forma. Estávamos mais juntos, mais unidos e mais apaixonados.
Adrian parecia feliz com aquela nova situação. Outro dia ele viu a
gente se beijando e falou“De novo! Eu goto!”. Eu beijei foi ele,
fazendo-o se dobrar de rir.
Adrian estava crescendo com uma rapidez impressionante,
estava falando quase tudo, seus dentinhos estavam nascendo, ele
já comia de quase tudo e corria pela casa inteira.
Alexander achava que estava quase na hora de mandá-lo para
a escolinha. Eu não conseguia pensar com clareza sobre aquilo,
acho que não estava pronta para me dar conta de Adrian realmente
estava crescendo e em pouco tempo não teríamos mais um bebê
em casa e sim uma criança.
Respirei fundo, desviando aqueles pensamentos. Não queria
ficar pensando naquilo, não naquele momento, não enquanto ainda
tinha tempo.
Levantei da cama e fui até o banheiro. Aquela noite havia
dormido no meu quarto com Alexander. Eu preferia o meu ao dele,
para ser mais sincera. Era mais aberto e mais iluminado. O dele era
tão... vazio. Mas eu não reclamava quando ele queria dormir lá,
porque ele não reclamava quando eu dizia que queria dormir no
meu.
Desci as escadas, com um macacão leve, após um banho
rápido. Alexander estava com Adrian na área da piscina, os dois
dentro da água e ele fazendo o menino mergulhar. Já passava do
12h00 e o sol estava um pouco quente, mas o vento refrescava.
— O que meus meninos estão fazendo na piscina sem mim?
— perguntei, com as mãos na cintura, um tom de voz falsamente
indignado. Adrian riu, esticando os bracinhos e balançando as
pernas na água para vir até mim.
Me sentei na borda da piscina e beijei-o, quando ele chegou
perto, ficando entre minhas pernas e apoiando as mãozinhas nas
minhas coxas. Alexander ainda o segurava e nós dois nos
inclinamos para dar um beijo rápido.
— Dinho baba — Adrian balbuciou, rindo.
— Tradução, por favor? — Olhei para Alexander e ele riu.
— Padrinho está me ensinando a nadar na água.
— Jura que é na água? Pensei que podia ser na grama
também. — Ironizei, fazendo Alexander se dobrar de rir.
— Sua madrinha é bem engraçadinha, não é, garotão?! — ele
falou com Adrian, me fazendo rir
.
— Eu estava pensando em sair com a Alexia — comentei,
passando a mão pela água gelada.
— Pode ser uma boa — Alexander opinou. — Faz tempo que
vocês duas não saem. Você precisa se distrair um pouco, passou a
semana trabalhando em dois plantões, vai passear.
— Tudo bem você ficar com Adrian por algumas horas? Eu
volto antes do fim da tarde — prometi.
— É claro, Vic. Não se preocupa com horário, só se distrai e
aproveita o tempo com a sua amiga.
— Tudo bem. Eu volto logo. — Me inclinei para dar um beijo
em Alexander e apertei a barriguinha de Adrian, antes de me
levantar.
— Tau, dinha! — Adrian gritou. Mandei beijo pra ele e entrei
em casa. Subi correndo para o meu quarto e peguei meu celular.
— Oi, princesa — Alexia atendeu no segundo toque.
— Você quer sair? — perguntei.
— Uau! É um convite para um encontro? — ela brincou, rindo,
e me fazendo rir também.
— Se você quiser considerar como um.
— Aonde nós vamos?
— Pensei em irmos ao shopping, podemos comer, dar uma
volta... — sugeri, despretensiosamente.
— Você quer algo no shopping? — Alexia perguntou.
— Talvez — admiti. Alexia riu.
— Tudo bem.
— Posso passar para te buscar.
— Pode. Te vejo em 20 minutos.
— Tchau, Alex — desliguei, rindo.
Peguei uma bolsa, calcei um tênis e coloquei os óculos escuro
enquanto descia as escadas e saía de casa. Destravei meu carro e
entrei, deixando a bolsa no banco carona.
Cheguei na casa de Alexia em 15 minutos. Era bem perto da
minha casa, por isso tínhamos escolhido ali, para ficar perto da casa
de Allana e Theo. Felizmente Alexia já estava pronta e me
esperando, quando parei com o carro e buzinei.
— Eu precisava mesmo sair — ela falou ao entrar no carro.
Balancei a cabeça, rindo, e saí dali.
Não demoramos a chegar no shopping, mas demorei de achar
uma vaga no estacionamento. Por sorte, depois de rodar, achei uma
perto de uma das entradas do shopping.
— Que saco — Alexia reclamou, quando saímos do carro e
entramos por uma loja de roupa esportiva
— É sábado, amiga. O shopping está lotado — falei,
pendurando a bolsa no ombro enquanto saíamos da loja.
— O que quer fazer aqui, Vic?
— Eu queria sua ajuda para começarmos a planejar o
aniversário de Adrian.
— É claro, amiga. Posso te ajudar no que for.
— Então vamos fazer umas compras e depois podemos olhar
algumas coisas para a festinha dele — sugeri.
— E comer, por favor. Eu preciso comer.
Dei risada.
— Vamos comer, Alexia Faminta Patterson — debochei,
abraçando-a de lado e puxando-a comigo. Alexia riu.
Enquanto procurávamos coisas para a festa de Adrian eu me
lembrei do ano passado; eu estava no lugar de Alexia, ajudando
Allana a comprar as coisas para a festa do filho. Agora era Alexia
quem estava no meu lugar, me ajudando a comprar as coisas para a
festa do meu afilho.
Respirei fundo, antes que meus olhos se enchessem de
lágrimas. Eu sabia que Allana estaria feliz por eu estar cuidando de
Adrian e planejando a festa dele. Talvez por isso ela tenho o deixado
para mim, porque sabia que eu faria de tudo por ele. E eu faria
mesmo. Sempre.
Depois de algumas horas, nós finalmente estávamos voltando
para casa. Eu comprei algumas coisas para mim, Adrian, Alexander
e algumas coisas que achei para usar na festa. Claro que aproveitei
para comprar lanches no McDonald’s para jantarmos. Era sábado.
— Eu te vejo na segunda. — Alexia disse, ao sair do carro com
as suas sacolas.
— Até lá. — Abri um meio sorriso e ela entrou em casa, após
piscar para mim. Eu realmente era muito grata por tê-la comigo.
Sabia que Alexia estaria ao meu lado, independentemente da
situação.
Eram 17h00 quando cheguei em casa. Demorei um pouco
mais do que imaginei no shopping, mas ainda era final da tarde. No
horário que prometi voltar.
Encontrei Alexander e Adrian na sala, vestidos, comendo
frutas, e assistindo desenho. Adrian estava sentado entre as pernas
de Alexander, pegando os pedaços de manga cortados no pratinho.
Vontade de apertar esse menino e não soltar mais.
— Oi — falei, deixando as sacolas no sofá e tirando os tênis.
Me sentei com os dois no chão e Alexander me deu um beijo. — Eu
trouxe o jantar e algumas coisas para vocês.
Adrian virou a cabeça na hora para me olhar. Alexander riu.
— Interesseiro — ele debochou, me fazendo rir. Adrian apenas
ficou me olhando, enquanto mastigava o pedaço de manga que
havia acabado de colocar na boca.
— Estou começando a planejar o aniversário de Adrian —
contei, bagunçando os cabelos do pequeno.
— Mas ainda faltam 5 meses, Vic — Alexander argumentou.
— E daí? Eu quero começar a planejar agora. — Me
empertiguei, fazendo-o dar risada.
— Tudo bem, senhorita apressada. Vamos começar.
— Vamos? — repeti, arqueando as sobrancelhas.
— É, vamos — Alexander murmurou, me abraçando pela
cintura, e me beijou.
Aquele era o Alexander pelo qual eu tinha me apaixonado 6
meses atrás, o prestativo, atencioso, preocupado e gentil. Acho que
não chegaria o dia em que eu não fosse apaixonada por ele.
5 meses depois. Outubro de 2019.
Dia 4 de Outubro. Aniversário de Adrian.
Após meses planejando, comprando as coisas aos poucos e
organizando, finalmente o aniversário dele havia chegado.
Alexander parecia mais ansioso que eu e Adrian juntos.
Como prometido, Alexander me ajudou em casa detalhe.
Muitas vezes disse que Alexia não era necessária, que eu e ele
dávamos conta. Por sorte, minha amiga levava tudo na esportiva e
ele não falava tão a sério.
Não seria uma festa grande, muito pelo contrário. Adrian devia
ter amizade com uns quatro bebês da rua e foi quem nós
chamamos. Pelo menos, eram mais pessoas do que nos outros
anos.
Sentimos falta de Allana e Theo em cada preparativo, lembrei
como ela fazia e imaginei como ela faria. Aquilo cortou meu coração
a cada maldito segundo. Era o primeiro aniversário de Adrian sem
os pais e com os padrinhos.
Adrian não entendia, mas Alexander e eu sim, e aquilo era
insuportavelmente difícil. Ficou mais fácil com o tempo, mas quando
chegava o aniversário dos dois ou alguma data comemorativa, a dor
voltava com a mesma força daquela noite.
Eu não podia falar que superei totalmente ou esqueci, porque
não. Eu não tinha superado e muito menos esquecido, eu só estava
suportando a dor de uma forma melhor. Seguindo em frente, como
eles gostariam que fosse.
Algumas vezes ainda conseguia ouvir os dois na minha mente.
“Segue em frente, Victoria”. E eu seguia, mesmo que a dor
massacrasse meu coração a cada vez que eu lembrava que tinha os
perdido. Mas aquilo ficava cada dia menos frequente. alvez
T eu
estivesse seguindo da forma correta, ou talvez estivesse apenas
cada dia mais enterrada na dor. Eu não sabia.
De uma coisa eu tinha certeza: ter Alexander, Adrian e Alexia
comigo, amenizava qualquer tipo de dor que eu sentia. Eles faziam
com que eu me sentisse viva, a cada dia era como um
renascimento, de mim mesma.
A cada vez que a escuridão ameaçava me engolir, eu
lembrava que os tinha comigo, e imergia novamente, me
recuperando e não me deixando afundar em mim mesma. Eu estava
indo bem.
Cuidar do aniversário de Adrian também distraiu minha
cabeça, me permitindo focar apenas naquilo, no meu trabalho e em
casa. Minha mente estava cheia e eram como diziam: “Ocupe-se.
Mente vazia atrai lembranças.” Eu acreditava fielmente naquilo, de
que mentes vazias podiam te afundar por si só, sem mais nada, sem
nenhum tipo de gatilho. Mas mentes ocupadas, da forma certa e
com coisas boas, e não sobrecarregadas, podem te salvar da
escuridão.
Desde que começamos a planejar fizemos tudo aos poucos.
Era um aniversário simples, mas tinha um tema. E não podíamos
deixar passar em branco, era seu primeiro aniversário conosco,
tinha que ser algo bom, mesmo que fosse simples.
Seria em casa mesmo, não tinha muito sentido fazer festa em
um salão devido ao número de convidados. Um salão para 10, 15
pessoas? Realmente não fazia sentido, e não era necessário. A
área da piscina de casa era ótima para a mini festinha, só colocar
uma grade em volta da piscina, por causa das crianças, e estava
tudo certo.
Além da mini festinha, eu e Alexander preparamos uma
surpresa para Adrian. Há alguns dias, decidimos que ele precisava
de um companheiro, um amiguinho, e que pudesse ficar com ele por
muitos anos. Então, estávamos procurando algum cachorro para
adotar, de preferência filhote.
Adrian amava quando via os cachorros na televisão, em
desenhos ou em alguma casa pela vizinhança. Ele era doido, mas
também, como não amar cachorros, não é?! Tínhamos certeza de
que aquele era o presente perfeito e a casa tinha estrutura e
principalmente espaço para cachorro de qualquer porte.
Não achamos nenhum filhote nos dias que procuramos. Então,
no dia do aniversário, acordamos cedo e chamamos a babá para
ficar com Adrian enquanto íamos a um abrigo que Alexia disse
conhecer; ela havia pegado seu labrador lá. Inclusive, Adrian era
doido pelo cachorro dela. Quando o via, o abraçava e não queria
soltar mais.
A ideia do filhote foi de Alexander e eu achei a melhor ideia do
mundo. Seria bom para Adrian ter um companheiro que o protegeria
e estaria sempre com ele, por muito tempo.
— Vic, tá pronta? — Alexander perguntou, descendo as
escadas com as chaves do carro nas mãos. Lucy estava sentada na
poltrona lendo um livro e eu estava abaixada no chão falando com
Adrian.
— Tô, tô pronta — respondi. Dei mais um beijo em Adrian,
antes de me levantar. — A madrinha volta logo.
— Onde dinha e dinho vai, dinha? — ele perguntou, curioso.
Tradução: “Onde madrinha e padrinho vão, madrinha?”.
— Madrinha vai buscar uma coisa para você.
— Plesente?
Alexander e eu rimos. O garoto era esperto, dificilmente
conseguíamos esconder algo dele.
— Talvez. — Toquei a ponta do seu nariz e peguei minha bolsa
no sofá, seguindo Alexander para fora de casa. Entrei no banco
carona, deixando a bolsa no meu colo e coloquei o cinto.
Liguei o rádio, mas conectei meu celular. “Artificial Nocturne”
começou a tocar e Alexander aumentou um pouco o som.
— Qual o endereço? — ele perguntou.
— Alexia me mandou por mensagem — respondi, pegando o
celular no bolso da calça jeans. Como era fim de ano, estava
esfriando. Eu estava com uma calça jeans, bota e jaqueta de couro.
Alexander estava basicamente a mesma coisa que eu. Nós
combinávamos, em muitas coisas.
— Coloca no GPS, Vic, por favor — Alexander pediu, me
entregando seu celular. Abri na conversa com Alexia e procurei pelo
endereço nas mensagens marcadas. Quando o encontrei, coloquei
meu celular no meu colo, aproveitando que o carro estava parado
no farol e digitei no GPS do celular de Alexander.
Devolvi o celular para ele e Alexander colocou no suporte,
prestando atenção no caminho. Não demorou para chegarmos no
abrigo, que por acaso ficava perto do hospital onde eu trabalhava.
E eu estava de férias, finalmente. T
inha começado há uma
semana atrás. Eu estava mesmo precisando de férias, já que não
tirei ano passado por conta de tudo o que aconteceu, eu precisava
focar no trabalho naquele momento para não enlouquecer com a dor
que estava sentindo.
Meu aniversário havia sido no dia anterior. Eu tinha 28 anos,
oficialmente. Não teve nada demais, fizemos apenas um jantar em
casa e um bolo. Não fomos a um restaurante porque Adrian estava
enjoadinho, porque a sinusite estava atacada. Aquele menino tinha
todos os “ites” possíveis; sinusite, rinite, bronquite e gastrite.
A vida de Adrian era comer frutas e tomar suco natural. Era
ótimo para o seu estômago e ele adorava, o que facilitava muito as
coisas. Seria bem difícil se ele não gostasse das coisas que podia
comer, mas ele adorava. Era uma criança adorável, além de muito
bonzinho. A coisa mais fácil era lidar com Adrian.
Ele havia melhorado naquele dia, o nariz estava menos
inchado e os remédios estavam fazendo o efeito esperado. Ele
voltou a ser o mesmo Adrian, sem enjoamentos. Adrian tendia a
ficar chato quando seus “ites” atacavam, principalmente quando era
a rinite e ele espirrava o tempo todo. Procurávamos deixar o mínimo
de pelo possível perto dele.
Quando Alexander estacionou em frente ao abrigo, eu saí do
carro com a minha bolsa. Aquela era a nossa última chance de
achar um filhote no dia do aniversário de Adrian. Se não
achássemos naquele dia, não seria a mesma coisa. Claro que ainda
adotaríamos, mas não teríamos o mesmo efeito, a surpresa do
aniversário.
Alexander me deu a mão, entrelaçando os dedos aos meus, e
nós entramos no abrigo. Por sorte, abria às 07h00 da manhã e eram
08h40. A minha definição de “acordar de manhã” acabava com
Alexander.
Ele estava acostumado a acordar mais tarde, já que não tinha
horário fixo para trabalhar. Já eu, estava acostumada a acordar
cedo para trabalhar ou estudar. Ele que era o preguiçoso da casa e
estava levando Adrian no mesmo caminho.
— Achou algum filhote? — Alexander perguntou, vindo para o
meu lado, enquanto andávamos pelo abrigo, procurando por um
filhote. Eram tantos cachorros abandonados. Eu me perguntava
como o ser humano tinha a capacidade de abandonar um ser que
só sabia amar incondicionalmente?
— Nada até agora. — Suspirei, desanimada. Não queríamos
levar um cachorro adulto, ele ficaria pouco tempo com Adrian.
Queríamos um filhote, para ficar muito tempo com ele, para ser seu
companheiro.
— Talvez a gente não consiga agora. Se não conseguirmos,
podemos procurar depois.
— Depois não vai ter mais graça — reclamei, me afastando
para olhar mais. Alexander respirou fundo e veio atrás de mim.
Eu estava de braços cruzados e com um quase bico,
desanimada por não encontrar um filhote sequer. Realmente não
teria mais graça dar depois, se achássemos. Tinha que ser naquele
dia, seria especial.
Quando quase não haviam mais cachorros e eu já estava
desistindo, encontrei-o. Ele estava deitadinho, os olhinhos
arregalados e tristes. Meu Deus...
— É ele — balbuciei, abaixando-me e o cachorrinho se
levantou na hora, vindo até a grade e eu consegui passar a mão
nele.
— É filhote? — Alexander perguntou, aproximando-se.
— Ele é pequeno — respondi, maravilhada.
— Eu vou falar com a diretora. Espera aqui — ele pediu, dando
meia volta. A diretora nos deixou livres para escolher o que
quiséssemos. E, depois de tanto procurar, finalmente achamos.
— Será que você quer um lar? — falei com o cachorrinho, que
me olhava com os olhinhos grandes, pareciam em suplica. Era um
pastor alemão e macho. Queríamos macho mesmo, Adrian gostaria
muito mais.
Alexander não demorou a voltar com a diretora do instituto. Eu
me levantei, depois de acariciar o cachorro mais uma vez.
— Ah! É ele — a diretora falou. — Chegou há quase 2
semanas, a família o deixou aqui.
— Ele ainda é filhote, certo?! — perguntei. Ela fez que sim com
a cabeça. — Quanto tempo ele tem?
— Acredito que por volta de 3 anos.
— É ele! — declarei, abrindo um sorriso. Não tinha como não
ser.
— Ele mesmo? — ela investigou.
— Com certeza é ele. — Alexander confirmou, sorrindo e
esticando a mão para mim. Coloquei a mão sob a dele e fui para o
seu lado. Eu estava animada com a nossa escolha.
Era perfeito; um pastor alemão de 3 anos de idade. Seria o
companheiro perfeito para Adrian. Aquilo era o destino, não tinha
outra explicação. Por que, quando que nós iríamos achar
exatamente o que precisávamos? Era uma em mil chances. E
aconteceu. Era destino.
Depois de resolver toda a papelada, voltamos onde os
cachorros estavam para pegar o filhote. Ele veio correndo para o
meu colo quando a grade foi aberta. Peguei-o, já indo para a saída.
Eu não via a hora de chegar em casa e dar ele para Adrian. Meu
afilhado com certeza ia surtar com o presente.
— Adrian vai te amar. — falei, rindo. Eu estava eufórica e
muito feliz. Deu certo, no fim das contas. Na última hora, mas deu
certo.
Tudo era questão de acreditar no destino; nunca tive tanta
certeza daquilo.
Alexander logo estava atrás de mim, com os documentos nas
mãos e digitando no celular. Ele destravou o carro e eu entrei no
banco carona, colocando o filhote no meu colo.
— A gente devia ir comprar caminha, ração e alguns
brinquedinhos.
— A gente tem que ir para casa, Vic — Alexander rebateu, o
tom de voz calmo. — Já são 09h45. A festinha começa às 13h00 —
ele me lembrou.
— Eu sei, Alex, mas ainda temos que passar no supermercado
para comprar o bolo — argumentei. — Podemos parar em algum pet
shop para comprar isso. É coisa rápida — sugeri, fazendo carinho
no filhote, que estava deitado no meu colo.
Alexander balançou a cabeça, parado em um farol, a
expressão pensativa; ele tamborilava os dedos no volante na batida
da música que coloquei ao entrar no carro. “Full Moon” estava
tocando.
Sim, Crepúsculo tinha uma trilha sonora incrivelmente
sensacional. Eu amava. E por sorte Alexander nunca reclamava das
minhas playlists, até gostava da maioria das músicas.
— Tudo bem — Alexander concordou. — Temos um tempo.
— É claro que temos — murmurei, inclinando-me para dar um
beijo em sua bochecha e fazendo-o sorrir, enquanto prestava
atenção no trânsito.
Não demorou para chegarmos em um pet shop. Alexander
estacionou em uma vaga e eu sai do carro, deixando o cachorro no
banco carona. Ele não travou o carro e deixou a janela aberta. Dava
para ver o carro de dentro da loja, iríamos ficar de olho.
— Vem, não vamos demorar — Alexander chamou,
estendendo a mão para mim. Segurei na mão dele e nós entramos
no pet shop.
Como o cachorro estava de banho tomando e com as vacinas
em dia, compramos apenas duas caminhas, ração, potes de água e
comida e alguns brinquedinhos de borracha. Era como um bebê.
Voltei para o carro enquanto Alexander pagava as compras,
não queria deixar o filhote sozinho por mais tempo que o
necessário. Eu seria paranoica com ele sozinho como era em
relação a Adrian ficar com a babá, podia até ver. Me conhecia bem
para saber que seria daquela forma.
Quando Alexander entrou no carro, eu estava sentada, com o
filhote no colo e conversando com ele. Estava contando sobre
Adrian e que ele seria seu companheiro. Alexander apenas riu e
saiu dali, indo para o supermercado.
Eu continuei conversando com o cachorrinho, enquanto um
vento refrescante entrava pelas janelas abertas. Preferia mil vezes o
vento natural ao ar condicionado. Eu era cheia de tudo natural,
sempre fui. Aprendi aquilo com Allana. Menos consumo de energia,
mais saúde para a natureza.
No supermercado, Alexander ficou no carro e eu entrei. Eu
escolheria melhor o bolo, ele foi obrigado a concordar. Mas
decidimos, juntos, que teria que ser de brigadeiro ou mousse de
chocolate. De resto, eu escolheria. Fiquei feliz ao ouvir Alexander
falar que confiava no meu bom gosto.
— Não demora — ele pediu, pegando o filhote no colo,
enquanto eu dava a volta no carro. Balancei a cabeça, com um meio
sorriso, e ele piscou para mim, sorrindo.
Depois de procurar um pouco consegui encontrar o bolo
perfeito; quadrado, de tamanho médio e todo de chocolate, com
recheio de brigadeiro e cobertura de chocolate granulado colorido.
— Perfeito! — Sorri, pegando o bolo.
Alexander riu de mim, não riu?! Mas, quando saí do
supermercado, peguei ele de conversa com o filhote, falando sobre
Adrian e nossa cara. Entrei no carro, rindo. Retribuição sempre tinha
conosco dois. E eu tinha certeza de que sempre teria. Nada
mudaria. As implicâncias, provocações ou brigas. Mas seriam
diferentes, aquilo eu sabia com toda minha alma.
Para sorte de Alexander, nós chegamos logo em casa. Sorte
dele porque eu estava ansiosa e eufórica para chegarmos logo.
Queria ver a reação de Adrian ganhando seu mais novo
companheiro.
Encontramos nosso menino sentado no tapete da sala,
assistindo desenho e brincando com alguns brinquedos de
borracha. Ele estava um pouco entretido, mas seus olhos brilharam
e ele sorriu ao nos ver entrando.
— Dinha! Dinho! — Adrian riu, se levantando.
Eu estava atrás de Alexander, com o filhote na coleira, e ele
carregava todas as outras coisas. Depois de colocá-las no sofá,
Alexander pagou para Lucy e ela foi embora. Melhor. Aquele
momento era único. E totalmente nosso.
— Madrinha e padrinho tem uma surpresa para você. —
Alexander contou, se abaixando na frente de Adrian que vinha
andando até nós. Eu fiquei mais longe, tentando fazer com que ele
não visse o cachorro atrás da poltrona.
— Supesa? Pla eu? — Adrian repetiu, a boquinha se abrindo
em espanto, e me fazendo rir.
— Sim, surpresa para você — Alexander confirmou e me olhou
por cima do ombro em seguida. Peguei o filhote no colo e fui até os
dois, me abaixando no chão também.
Os olhinhos de Adrian se arregalaram tanto que pensei que
fossem sair das órbitas e sua boca se abriu.
— Sorro! — ele gritou, levando as mãozinhas até a boca
aberta.
— Esse cachorrinho é seu novo amigo. — falei, colocando o
filhote no chão. — É seu companheiro agora, meu amor.
— É meu? — Adrian perguntou, espantado e surpreso.
Alexander e eu nos entreolhamos e sorrimos.
— Sim, garotão, é seu — Alexander respondeu.
Adrian abaixou-se e pegou o filhote no colo. Era perfeito para
ele.
— Oi, abigu. Seu nome é Thor e eta é nossa casa — disse,
rindo e levando o filhote junto com ele para perto dos brinquedos.
Alexander me ajudou a levantar e nós ficamos olhando Adrian
por um momento, antes de começar a arrumar as coisas da
festinha.
Às 13h00 a casa estava arrumada e nós estávamos todos
prontos.
Adrian parecia um príncipe, Alexander estava lindo e eu estava
como uma princesa, com um vestidinho rosa rodado. Era uma
minifesta, bem simples, então nem salto coloquei, apenas uma
rasteirinha com pedras transparentes.
Alexia chegou depois do 12h00 e trouxe algumas coisas para
ajudar, e chegou mais cedo para ajudar. Ela, definitivamente, era a
minha salva vidas. Sempre. Alexia parecia advinhas quando eu
precisava de ajuda e aparecia para me socorrer. Eu jamais podia ser
grata o suficiente por tudo o que ela fazia por mim desde que me
conheceu.
As vizinhas, com seus filhos, amigos de Adrian, começaram a
chegar aos poucos. Eram 6, no total. Vieram elas, os maridos e os
amiguinhos de Adrian. Aquela era uma oportunidade para
conhecermos melhor as mães e os pais dos amiguinhos do nosso
bebê.
Alexander ficou comigo, conversando com a vizinha da casa
de frente, que era da mãe do amiguinho que Adrian mais gostava de
brincar e ficar chamando pela janela da sala. Enquanto
conversávamos, as crianças brincavam com Thor. Aquele cachorro
foi nosso melhor presente para nosso menino crescido.
Pouco antes das 16h00, eu me sentei em uma cadeira de sol e
Alexander sentou-se ao meu lado, me entregando um copo de suco.
Aceitei, com um meio sorriso, e tomei um bom gole. Ele me deu um
beijo, acariciando meu rosto por um momento.
Observei Adrian brincando com seus amiguinhos e o cachorro
correndo atrás deles. E, observando-o, eu me dei conta de que
aquela era a vida que eu almejava. Nunca daquela forma, mas eu
almejava um filho como Adrian e um marido como Alexander.
— Ele está feliz — Alexander murmurou, passando o braço
pela minha cintura e puxando-me mais para si.
— Sim, ele está — concordei, com um suspiro, entrelaçando
meus dedos aos dele, e fechei os olhos por um momento.
De uma forma, eu tinha minha família. Não foi da melhor
maneira que aquela família se juntou, mas ela havia sido construída
em cima de muita força e cumplicidade. E eu amava aquela família
mais do que tudo no mundo.
Meses depois... Janeiro de 2020.
Eu tinha uma família.
Depois de tanto tempo, tantas coisas acontecendo e tantos
problemas, eu, Alexander e Adrian havíamos nos tornado uma
família de verdade. Com seus altos e baixos, problemas, dores,
mas, de fato, uma família; aquilo era incontestável.
Eu era tão grata por aquela nova chance que a vida havia me
dado depois de perder praticamente tudo. Nunca quis perder a única
família que tinha me restado, eles eram tudo para mim, e eu teria
me afundado na minha própria dor, se não tivesse Adrian e Alexia
comigo. E, depois de algum tempo, Alexander também.
Era engraçado pensar em um ano atrás, a vida deu uma
guinada gigante e tudo mudou. Se chegassem para mim em outubro
de 2018 e perguntassem como eu me via em um ano, nem em
sonho responderia que morando com Alexander e cuidando de
Adrian. Eu sequer imaginaria aquilo. Provavelmente eu diria: “Com
Matthew, minha família e talvez em uma segunda faculdade”.
Aquela era a resposta da Victoria de 2018, eu não era mais
aquela mulher que estava com um cara que gostava e tinha seus
melhores amigos consigo. Eu era outra Victoria, a que recebeu uma
ligação dizendo que havia perdido seus melhores amigos e teria que
cuidar do filho deles junto com o padrinho, que por acaso era o cara
que odiava por 10 anos.
Eu era o oposto do que um dia já havia sido, mas estava
contente com o que me tornei, porque aquela a Victoria que eu
queria ser desde os meus 16 anos de idade; centrada, pediatra, com
uma família, um filho e alguém que eu era apaixonada, e que
também fosse apaixonado por mim. Eu tinha tudo aquilo, apesar de
ter perdido Allana e Theo. Aquilo era algo que eu jamais imaginei
com 16 anos.
Mas, aquela era a minha vida, e eu estava vivendo-a, como
Allana e Theo gostariam que eu fizesse. E, acima de tudo, eu
esperava que onde quer que eles estivessem, que estivessem
contente com o que eu estava fazendo há quase 2 anos, que
estivessem felizes que eu estava seguindo e principalmente que
estivessem satisfeitos com a forma que eu estava cuidando de
Adrian.
Já eram 2 anos naquela vida. E dois anos eram muito tempo
sem aqueles dois.
Respirei fundo, desviando os pensamentos e voltando a
atenção para o desenho que passava na televisão. Era sábado e fim
de inverno, então o tempo estava começando a ficar menos gelado.
Eu e Alexander estávamos em casa com Adrian e Thor.
Adrian brincava no tapete, sentado no meio das minhas
pernas, e Thor estava no colo de Alexander mordendo uma bolinha
de borracha. Eram duas crianças, com seus brinquedos. Eu amava
aquilo.
Aquele era um dos meus momentos preferidos em família; nós
juntos, fazendo qualquer coisa. Mas principalmente nós juntos em
casa, fazendo algo juntos. Era a melhor coisa da minha vida.
Baguncei o cabelo de Adrian, enquanto assistia o desenho na
televisão. Era só desenho naquela casa, exceto quando Adrian
dormia, era quando tínhamos liberdade para assistir filmes e séries.
Mas eu tinha que confessar que já havia me acostumado com
os desenhos, decorado as músicas e acabava colocando no carro
para Adrian quando saíamos. Era fascinante vê-lo tentando cantar e
Thor uivando as músicas.
Eu pensava como seria quando o levasse para escolinha, que
provavelmente já seria naquele ano mesmo, no segundo semestre.
Não sabia se estava pronta para deixá-lo e vê-lo crescer. Talvez eu
só quisesse segurá-lo comigo e desejasse que ele não crescesse,
mesmo sabendo que aquilo não era possível.
— Eu vou na cozinha e já volto. — Alexander avisou, me
dando um beijo no rosto, antes de se levantar e ir para a cozinha,
me deixando com os meninos na sala. Olhei por onde ele foi, assim
como Adrian e Thor, mas logo nossa atenção voltou para o
desenho.
Fechei os olhos por um momento, pensando em tudo.
Depois de mais um ano nossa família era real. Tão real quanto
o que eu sentia por Alexander.
Eu era apaixonada por Alexander Jenkins, pela nossa vida e
pela família que construímos. Eu não poderia pedir mais do que o
que tinha, apenas que não acabasse nunca.
— Dinha — Adrian chamou minha atenção, fazendo-me olhá-
lo.
— Oi, meu amor.
— Quelo baba. Tô com sede, dinha — ele disse, mostrando a
mamadeira vazia.
— Madrinha pega água para você. — Peguei a mamadeira
dele e me levantei, indo para a cozinha. Alexander não estava lá.
Estranho.
Enchi a mamadeira de Adrian com água e me virei para voltar
para a sala, mas parei ao vê-lo na área da piscina. Ele estava
sentado, os olhos fixos na água e a expressão estranha. O que ele
estava fazendo ali?
— Dinha — Adrian chamou, trazendo-me de volta à realidade.
Balancei a cabeça e voltei para a sala. Entreguei a mamadeira para
Adrian, enquanto me sentava atrás dele novamente. — Gado, dinha
— ele agradeceu, antes de começar a tomar a água. Dei um
beijinho nele. Tão fofinho agradecendo que dava vontade de apertar
e não soltar mais.
Enquanto estava apenas com os meninos na sala, mexendo os
dedos entre os cabelos de Adrian e acariciando Thor, eu me peguei
pensando em algo que percebi, mas era como se não tivesse
notado e só me lembrei quando vi Alexander sozinho na área da
piscina.
Alexander estava estranho.
Eu não lembrava exatamente quando aquilo começou, mas eu
podia perceber ele estranho. Era um estranho sutil, mas para quem
convivia, era possível perceber. Eu só não havia me dado conta
totalmente ainda.
Não sabia se tinha algum motivo ou se podia ser algo da
minha cabeça, mas, na minha visão, ele estava estranho.
No começo foi difícil, é claro. Mas será que para ele ainda
estava tão difícil como estava há pouco tempo atrás para mim?
Claro que eu ainda sentia absurdamente a falta de Allana e
Theo, mas eu estava seguindo em frente, como eles iam querer que
fizéssemos. E Alexander também seguiu. Nós dois seguimos,
juntos.
Mas, eu não podia fechar os olhos e simplesmente fingir que
ele não estava estranho, porque estava. E não era comigo ou com
Adrian, era em casa. Mudanças sutis, pequenas coisas, que quando
me dei conta, haviam se tornado grandes.
Porém, decidi não questioná-lo. Não naquele momento. Mas
decidi apoiá-lo. Talvez estivesse difícil para ele ainda, eu não sabia.
Daria o tempo que ele precisasse. Enfrentaríamos qualquer coisa
juntos, com aquela família que construímos.
Quando Alexander voltou para a sala, eu tamborilava os dedos
nas coxas, pensando em uma forma de falar com ele, sem
questioná-lo ou pressioná-lo. Queria fazer aquilo com calma, da
forma certa.
Mordi o lábio inferior, olhando-o de canto de olho; ele estava
com o olhar fixo na televisão.
— Eu estarei pronta quando você estiver — murmurei, virando
a cabeça para olhá-lo. Alexander me olhou com a testa franzida.
— Para o quê?
— Para tudo. Para qualquer coisa. Para conversar. — Dei de
ombros, tentando soar despretensiosa. Alexander semicerrou os
olhos, ele me conhecia bem.
— Quer dizer algo com isso?
— Não.
— Victoria — Alexander chamou minha atenção. Desviei o
olhar e ele pegou meu rosto, me fazendo olhá-lo. — Fala.
Mordi o lábio inferior.
— Eu só estava te achando estranho.
— Estranho como?
— Estranho. — Dei de ombros.
— Defina estranho — Alexander pediu.
— Não tem como definir. Estranho é estranho.
— Victoria...
— Eu só quero dizer que podemos fazer e falar qualquer coisa.
Desde que estejamos juntos.
— Nós estaremos, Vic. Estaremos — Alexander prometeu, me
dando um beijo na testa. — Eu vou tentar dormir um pouco, estou
com uma enxaqueca insuportável. Mais tarde eu levanto para
comermos alguma coisa.
Balancei a cabeça e ele se levantou, pegando seu celular, deu
um beijo em Adrian e fez carinho em Thor, antes de me dar uma
beijo rápido e subir as escadas, nos deixando ali.
Senti meu coração dar uma batida diferente, como se algo
estranho estivesse acontecendo ou fosse acontecer . Ver Alexander
subir aquela escada apertou meu coração de uma forma dolorosa e
me lembrou quando vimos Allana e Theo sumindo no aeroporto.
Aquela sensação me perseguia mesmo depois de tanto tempo e me
assustava.
Depois que Alexander sumiu e se enfiou em seu quarto, com a
desculpa de enxaqueca, eu subi com Adrian para dar banho nele; já
era fim de tarde e era melhor dar banho naquele horário, antes que
esfriasse mais. Thor correu atrás de nós e Adrian subiu as escadas
junto com ele. Meus meninos independentes.
Antes de ir para o meu quarto, entrei no de Adrian para pegar
um pijaminha para ele e fomos para o meu quarto. Thor deitou em
sua caminha, que ficava no canto do quarto e eu fui com Adrian
para o banheiro.
— Vamos tomar um banho, hein, gostosinho?! — conversei
com ele, enquanto tirava sua roupa. Adrian não respondeu, estava
entretido com o brinquedo de borracha em sua mão.
Enchi a banheira, enquanto Adrian andava pelo banheiro,
balançando o brinquedo nas mãos. Coloquei a mão na água,
testando a temperatura; estava morna, quase quente, mas nada que
fosse causar algum dano a pele dele. Devido à temperatura baixa, o
banho precisava ser um pouco mais quente.
— Vem com a madrinha, amor da minha vida — chamei
Adrian, esticando os braços para ele. O pequeno correu para mim,
se jogando em meus braços e eu o peguei no colo, colocando-o
dentro da banheira e joguei mais alguns brinquedos de borracha na
água.
Me abaixei ao lado da banheira e comecei a dar banho em
Adrian. Ele sempre ficava quietinho durante o banho, brincando com
suas borrachas. Era fácil distrai-lo, algumas vezes. Mas tinha dias
que até Adrian estava impossível. Puxou aquele lado mais rebelde
para a mãe e o tio, com certeza.
— Seu padrinho está estranho, não está?! Ou é só coisa da
cabeça da sua madrinha? — conversei com Adrian, enquanto
deixava seu corpo coberto de espumas. Ele se divertia com aquilo.
— Dinho? — Adrian levantou a cabeça para me olhar, os
olhinhos azuis curiosos.
— É, o próprio. — Suspirei pesado. — Seu tio e padrinho, o
doido. E idiota, é claro. — Tagarelei.
— Dinho leva nenê na cina.
Dei risada. Parecia que Alexander só sabia levar Adrian na
piscina, porque ele só falava que o padrinho fazia aquilo. oquei
T a
ponta do seu nariz, ensaboando-o e Adrian riu.
— Não, dinha. Espuma nenê não pode. Joga baba dileito. —
Ele bateu as mãozinhas nas minhas, afastando-as. Dei risada,
passando a esponja em seus bracinhos. Acho que o joga baba
dileito quis dizer: “Joga água direito”. Às vezes nem eu entendia o
que Adrian falava.
— A madrinha tá jogando água direito — me defendi,
ensaboando o resto de seu corpo, já que no nariz não podia.
— Não, dinha. Dinha Passo espuma no naliz do nenê. Não
pode. — Adrian me encarou, a expressão e a voz sérias. Quem vê
pensa que era todo sério daquela forma.
— Ah, não pode, né?! Seu descarado. — Fiz cosquinha nele,
fazendo-o se dobrar de rir.
— Não pode, dinha. Tem que dá banho dileito no nenê — ele
falou quando o deixei respirar novamente.
— Seu impossível. Contar para o seu padrinho suas
sacanagens — alertei, fazendo-o abrir um sorrisinho descarado.
Não demorei muito no banho de Adrian, não era bom deixá-lo
tanto tempo sem roupa. Tirei-o da banheira e o enrolei em uma
toalha. Sequei-o ainda dentro do banheiro, para que não pegasse
nenhuma corrente de ar com o corpo molhado, e só então o levei
para o quarto.
Thor continuava deitado em sua cama, mas levantou ao nos
ver no quarto e sentou-se ao lado da cama, quando coloquei Adrian
em cima do colchão. Como ele já não usava mais fralda, não tinha
muito o que fazer. Então o vesti rapidinho e dei um beijo na ponta do
seu nariz, fazendo-o rir.
Tirei a toalha do colchão e Adrian se inclinou para fora do
colchão.
— Vem, Thor — ele chamou e Thor pulou em cima da cama,
se deitado e Adrian se deitou em cima dele. Thor só subia nas
camas ou no sofá quando alguém o chamava, caso contrário,
continuava no chão. Mas é claro que esperando pelo convite.
Coloquei a toalha pendurada atrás da porta do meu banheiro e
voltei para o quarto com dois brinquedos de borracha. Entreguei-os
a Adrian e ele os pegou, mexendo entre os dedos.
— Vamos ler uma historinha? — sugeri.
— Sim, dinha! — Meu afilhado fez que sim com a cabeça. Ela
adorava quando eu contava histórias para ele dormir.
Peguei a historinha do Patinho Feio. Era uma das favoritas de
Adrian. E eu também gostava bastante daquela.
Me sentei na cama, encostando nas almofadas e Adrian se
arrastou para perto de mim, encostando-se e puxou o edredom.
Thor se levantou apenas para se deitar mais perto de nós.
Comecei a contar a história, enquanto mexia os dedos entre os
cabelos de Adrian. Ele ficava quietinho, ouvindo, prestando atenção
em cada detalhe. Até Thor ficava daquela forma.
— Mamãe — Adrian chamou.
— Não, é madrinha. — Balancei a cabeça, estranhando. —
Madrinha Victoria.
— Mamãe — ele repetiu, levantando a cabeça para me olhar.
Ao ouvir Adrian chamando-me novamente de "mamãe", eu me
dei conta: eu era sua mãe. Eu havia me tornado sua mãe. Meus
olhos se encheram de lágrimas e eu lutei para segurá-las. Aquele
não devia ser o meu lugar, mas era. Há quase 2 anos era. E eu só
havia me dando conta naquele momento, ao ouvir aquelas palavras.
— É, meu bebê. Eu acho que sou a sua mãe agora. —
Suspirei, depositando um beijo no topo da cabeça de Adrian. Lutei
contra as lágrimas. Acho que, em 2 anos, aquele foi o momento
mais difícil de segurar o choro.
Eu era a mãe de Adrian agora.
Virando a cabeça, vi Alexander nos olhando pela porta
entreaberta. Por que ele não entrava? Franzi a testa e, quando fui
falar algo, ele voltou para o seu quarto.
Estranho. Alexander estava estranho.
Balancei a cabeça, ignorando aquilo. Falaria com ele depois,
agora precisava cuidar de Adrian.
Terminei de contar a história e coloquei o livro na mesinha de
cabeceira. Ajeitei-o na cama e abracei-o. Em poucos minutos Adrian
pegou no sono, ele ficava morto de sono depois de um bom banho.
E, como já tinha tomado mamadeira, deixei que dormisse.
Eram 19h40 quando olhei no celular. Deixei Adrian dormindo e
fui atrás de Alexander no quarto dele. Talvez pudesse fazer uma
massagem, para aliviar sua dor de cabeça. E depois perguntaria o
que ele tinha de verdade.
Thor veio atrás de mim quando saí do meu quarto. Entrei no
quarto de Alexander, mas não o encontrei lá. Que estranho. Tinha
visto-o entrando há poucos minutos.
A porta do armário estava aberta e eu fui fechá-la. Mas, o que
eu vi, ou melhor, o que não vi, me paralisou antes que minha mão
alcançasse a maçaneta.
Estava praticamente vazio. A maioria das roupas não estavam
ali. Não havia nada, além de poucas camisetas. Nada. Nada.
Olhei em volta; parecia tudo igual, menos o armário vazio. Ao
olhar para cima do armário vi que não havia nenhuma das malas
dele ali. Não tinha nada.
Arfei, ao me dar conta do óbvio: Alexander havia ido embora.
Cai no chão, escorregando pela cama, e sentindo as lágrimas
descerem pelo meu rosto. Thor subiu no meu colo, parecia entender
que eu não estava bem, a julgar pela sua necessidade em ter minha
atenção.
Abracei-o no meu colo e apertei os olhos com força. Eu tinha
vontade de gritar e quebrar todo o quarto dele.
Alexander nos abandonou no momento em que formamos uma
família. E eu o odiava por ter ido embora. O odiava pelo simples fato
de ter deixado a mim e Adrian. Ele foi egoísta, só pensou em si
mesmo. Mas eu não seria egoísta.
Depois de alguns minutos, eu estava mais calma. Na verdade,
só havia parado de chorar porque Thor ficou reivindicando minha
atenção e distraiu minha mente.
Levantei-me e ele me seguiu de volta para o meu quarto.
Deitei ao lado de Adrian na cama, levando Thor junto comigo.
Abracei meu bebê e dei um beijo em sua testa, fechando os olhos.
Eu havia me tornado mãe de Adrian e jamais o abandonaria.
Eu faria o que Alexander não foi capaz de fazer
, o que o medo não o
deixou fazer. Eu cuidaria de Adrian, com ou sem ele.
Faria aquilo por Allana e Theo, e porque era o certo a se fazer.
E porque, acima de tudo, eu amava Adrian como um filho.
Acontecesse o que acontecesse, eu cuidaria de Adrian.
Mesmo que Alexander tivesse levado uma parte do meu coração
junto com ele.

FIM

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