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Capa: Vitoria dos Santos


Revisão: Bruna Barros
Diagramação: Emi Colchero
Betagem: Danielle Silva

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos são produtos da imaginação da autora. Quaisquer
semelhanças com nomes, datas e acontecimentos reais são mera
coincidência.
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
desta obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível sem o
consentimento escrito da autora.
A violação autoral é crime, previsto na lei n® 9.610/98, com
aplicação legal pelo artigo 184 do Código Penal.
Criado no Brasil.
Atenção! Não vire essa página antes de ler esse capítulo.
Esse livro contém gatilhos.
São eles: violência doméstica, psicológica, abandono de incapaz.
Caso não se identifique com algum dos temas abordados, por favor,
não leia!
Porém, caso decidir continuar, espero que considere que os
personagens, assim como pessoas da vida real, precisam de tempo para
evoluir. Então, como diria a Duda, um passo de cada vez.

Boa leitura!
“O segredo de um relacionamento feliz não é o amor, muitos se
amam e separam. Muitos se amam e se destroem. O segredo é que cada um
possa ter sua individualidade, liberdade, sua independência. Você não deve
colocar sua felicidade nas mãos de alguém, mas sim compartilhar a alegria
de ter esse alguém em sua vida e ser feliz.”

Autor desconhecido.
Dedico essa obra à todas as mulheres que algum dia sofreram
abusos psicológicos, sexuais ou físicos.
Se você conhece alguma pessoa que passa ou já passou por
quaisquer tipos de abusos, ligue 180. Você pode vir a salvar uma vida.

“O silêncio é o seu maior obstáculo para ser feliz.”


Bruna Barros.
NOTAS DA AUTORA
EPÍGRAFE
DEDICATÓRIA
SINOPSE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
apítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Epílogo.
AGRADECIMENTOS
Ele sempre a amou.
Ela nunca o percebeu.
Ele está disposto a lutar.
Mas, ela irá se render?

“Está determinada a fugir de mim?”

Maria Eduarda está recomeçando, e juntando o que sobrou do seu


coração, após vê-lo destruído em um passado conflituoso com o homem
que mais amou na vida. Seus primeiros passos começam no escritório de
advocacia Ferraz e Collins, onde descobre que seu chefe Andrew Collins é
o misterioso advogado que uma vez atravessou o seu caminho.
Andrew sempre foi atraído pela nova secretaria e vê a sua
determinação ruir de vez quando a proximidade o obriga a reconhecer
aquilo que mais nega: ele jamais a esqueceu e está disposto a conquistá-la.
O reencontro traz à tona uma paixão desconhecida, que digladia
com o passado, mudando a vida de ambos completamente quando um bebê
está a caminho de uma vida cercada de indefinições.
Contudo, Andrew tem uma única certeza, que esse bebê é seu e está
disposto a tudo para ter sua família no único lugar possível: ao lado de sua
amada.
Conheça a história de Maria Eduarda e Andrew Collins, o segundo
volume da Duologia Amores Intensos. A leitura do primeiro livro não é
necessária para a compreensão deste volume por tratarem-se de histórias
independentes.
V ejo-me em meio a várias pessoas
dançando aleatoriamente. Encaro
as escadarias do hall da mansão Delamont e parece que estou de volta ao
baile que Nikolas e Sophia deram há poucos meses.
Diversos rostos, com máscaras revestidas com lantejoulas e penas,
se voltam para mim e, apenas agora, percebo que também estou usando
uma.
Um rosto em especial chama a minha atenção. Não sei se é devido
ao sorriso convidativo e lábios bem desenhados ou por causa do mistério
que seus olhos azuis teimam em esconder. Seu terno escuro e bem recortado
também se torna um chamariz.
Assisto-o encaminhar-se para o lado de fora da mansão e não penso
duas vezes antes de segui-lo até os jardins. Há algo que reflete paz em seu
olhar e confesso curiosidade. Seguro o vestido longo, com ambas as mãos,
sentindo os cabelos esvoaçados contra o vento, enquanto deslizo os sapatos
rapidamente pela grama bem aparada.
Tento alcançá-lo, porém, quanto mais próximo pareço estar, sinto-o
se afastar. Assisto-o parar no centro do gazebo e virar-se para mim, como se
estivesse me esperando. Diminuo a distância e finalmente ficamos frente a
frente, momento em que tento reconhecê-lo através da máscara, mas parece
impossível. Estendo a mão, e ele não faz menção de pegá-la, continua com
os olhos cristalinos em minha direção.
— Está determinada a fugir de mim? — questiona, e franzo a testa
sabendo que, na verdade, era ele quem fugia desde o princípio.
— Mas o fugitivo era você!
— Olhe mais de perto, Maria Eduarda, você não está prestando
atenção!
Capítulo 1

25 de dezembro.

A cordo sobressaltada.
Mais um maldito sonho
com o mesmo homem, no mesmo lugar. Levo a mão ao peito, tentando
conter a respiração acelerada. Sempre fico desse jeito quando tenho um
desses pesadelos: um homem com rosto escondido por uma máscara, olhos
cristalinos e o gazebo. Nunca sei o que acontece depois. Não há
continuação. Só o que sei é que ele em nada tem a ver com Gustavo, o
homem por quem estou apaixonada.
O despertador traz-me de volta a realidade, indicando que meu
expediente está prestes a começar. Hoje, além de comemorarmos o Natal,
será anunciado o noivado de Nick e Laura e é meu primeiro dia como babá
oficial das crianças Delamont.
Sinto o famoso friozinho na barriga.
Odeio lidar com empregos novos, mesmo que eu já conheça os
meus chefes.

À noite, assim que ficamos prontos, caminhamos pelo hall, e a


enorme árvore de natal, com alguns presentes já postos, chamam a atenção
dos gêmeos: Dora e Felipe. Eles observam as enormes caixas empilhadas,
enquanto vejo-me como reflexo de uma das bolas que enfeitam o extensivo
pinheiro de plástico.
Meus olhos, entristecidos, e sei o motivo, mas não gosto de pensar
sobre isso. Estar longe de minha família, numa data tão importante, me
deixa emotiva, mas não é apenas isso que tem me incomodado, uma vez
que Gustavo e eu discutimos noutra noite. Ele não parece disposto a
assumir um relacionamento, mas continua me procurando.
Cansada de ver meu semblante, seguimos para os jardins, e os
gêmeos correm na direção dos anfitriões da festa, enquanto Alice
permanece ao meu lado. Ela não diz nada, mas seu olhar de águia observa a
tudo.
— Por que não aproveita para dar uma volta? — questiono enquanto
sinto olhos sobre mim.

— Mais? Não teria graça. — A menina dá de ombros e me faz rir.


Faz sentido, uma vez que ela deve estar cansada de andar pelos arredores da
mansão. De repente, como se tivessem um imã, meus olhos são guiados até
Gustavo. Seus olhos estão tão negros quanto a noite, mas não devido à cor
que possuem. Seu semblante irritado diz tudo. Franzo a testa, porque
realmente não entendo o motivo de sua fúria.
— Ei! — Laura aproxima-se sorrateiramente, e a cumprimento com
dois beijos nas bochechas. Felipe está ao seu lado. Ele a adora e não
esconde isso. — Como está seu primeiro dia? — Ela aponta com a cabeça
para Alice, que emburra a cara.
— Eles estão sendo fofos! — sou sincera, e Alice estufa o peito,
orgulhosa.
— Menos mal, né! Porque são uns pestinhas! — Laura replica
baixinho, e Alice pisa de propósito em seu pé. — Ei!
— Aprenda, Duda! — Alice comenta no pé do meu ouvido, e
gargalho.
— Precisamos conversar! — Gustavo aparece de repente e, assim
que dá de cara com Laura, amansa o tom de voz: — Oi, Laura! Posso
roubar sua babá rapidinho?
Minha amiga dá de ombros e me encara posteriormente. Seus olhos
repetem a mesma pergunta de Gustavo. Assinto, sentindo minhas pernas
tremerem e minhas mãos suarem frio. Não faço ideia do que ele pretende
falar, mas confesso ansiedade.
Caminhamos para longe dos convidados, um ao lado do outro, num
silêncio incômodo, até nos depararmos com um dos vários jardins da
mansão.
— O que aconteceu, Gusta...? — Ele não me dá tempo de falar,
quando toma minha cintura para si e gruda nossos lábios de forma bruta.
Ele tenta enfiar a língua dentro da minha boca, mas não deixo. Então, sinto-
o morder a ponta do meu lábio inferior. — Ei! — reclamo.
— Isso é para você parar de vestir essas roupas indecentes! Não
precisa se exibir assim. — Olho para o vestido vermelho que estou usando,
e o decote na altura dos seios realmente começa a me incomodar. Decido
ajeitá-lo, mas infelizmente não consigo.
— Nem adianta mais esconder. Está tudo à mostra!
— Sério? Está muito ruim...? — ele me corta:
— Ah, Duda, fala sério! Você não é tapada, nem nada! Deixa de
cinismo! — Seu tom de voz me magoa, e vejo-o embaçar diante de mim. —
Às vezes, acho que você se faz inocente para sobreviver! — Pisco os olhos,
atordoada. As lágrimas descem, e não quero que me veja chorar, por isso,
passo por ele, decidida a voltar para a mansão.
— Você não é nada meu, Gustavo! Nem tem esse direito! — grito e
ando a passos largos, a fim de voltar para o lugar que me encontrava há
poucos minutos, e, assim que olho para frente, meus olhos se deparam com
um par de safiras cristalinas.
Nos entreolhamos e, de algum modo, ele me parece familiar, mesmo
que eu tenha certeza que jamais vira seus selvagens cabelos dourados e
rosto simétrico. Suas sobrancelhas se franzem e seus lábios rosados
chamam a minha atenção. Ele não me parece estranho.
— Eu te amo, Duda, e quero largar minha vida louca por você! — A
voz de Gustavo me tira do torpor, e arregalo os olhos diante de sua
declaração. Volto o meu olhar para ele e vejo um sorriso lindo em seu rosto.
Sinto o coração acelerar, feito um louco, e corro em sua direção, roubando
um beijo apaixonado.
— É sério mesmo? — questiono baixinho ao nos distanciarmos. Ele
faz que sim com a cabeça, e beijo-o novamente. De repente, lembro que não
estávamos sozinhos e olho na direção em que o homem de cabelos
dourados encontrava-se há meio minuto, porém não o encontro.
— Algum problema? — Gustavo questiona, e respondo que não.
Seria uma miragem? — Quer ir para outro lugar? Longe desse barulho
todo? — Seu sorriso demonstra suas intenções maliciosas.
— Não posso! — sorrio passando as costas das mãos no meu rosto,
de modo a limpar os vestígios das lágrimas. — Estou trabalhando!
— Hm... Verdade! — Caminhamos devagar até onde está
acontecendo a pequena reunião. De repente, Gustavo para diante de um dos
garçons e pede duas taças de champanhe. — Aqui! — Ele me oferece uma
e, com a ajuda da chave de um dos carros em que dirige, bate na outra. —
Gostaria de propor um brinde. Se o Nick me permitir, é claro! — Sinto que
coro, diante de tantos olhares em nossa direção. — Pedi essa linda mulher
em namoro e ela aceitou! — Franzo a testa. Ele não me pediu nada!
Gustavo me puxa através da cintura, novamente, e sorrio fracamente. É
tudo meio louco, mas confesso estar gostando! Ele me beija,
apaixonadamente, e continuo sem reação. Jamais gostei de ser o centro das
atenções.
Corto o beijo ao meio e decido procurar por minha amiga no meio
dos convidados de Nikolas. Preciso encontrá-la logo, para voltar a ser a
velha e invisível Duda. Vasculho o rosto de Laura em meio à pequena
multidão de rostos desconhecidos, e um em especial chama a minha
atenção: o homem de cabelos dourados e olhos cristalinos. Um sorriso
enfeita a minha face.
Ele não era uma miragem, afinal.
Capítulo 2

Dias atuais.

— Você o quê? — Luce grita do outro lado da linha. Estamos em


meio a uma chamada de vídeo, mais precisamente em meu apartamento,
com Laura e o pequeno Nick, que completou dois anos há pouco tempo.
Laura e eu nos conhecemos na mansão Delamont, onde trabalhei
como empregada doméstica, enquanto a ruiva trabalhava como babá, antes
de se casar com nosso chefe. Ela me apresentou Luce e, juntas, são minhas
melhores amigas e incentivadoras.
Fiz seis meses de estágio no banco de Nikolas e, até há pouco
tempo, procurava por um emprego novo em meu ramo. Laura e Nick me
ajudaram com um empréstimo para comprar o meu pequeno apartamento,
no mesmo prédio em que Luce continua morando.
Hoje, minha amiga, e vizinha, está de plantão no hospital em que
trabalha, e precisei contar a novidade a respeito do meu novo emprego, por
telefone. Há tempos almejava o cargo de secretária na Ferraz e Collins, uma
conceituada empresa de advocacia, e quase perdi as esperanças, já que
haviam se passado meses desde a última entrevista.
— Não acredito, garota! Agora que não é mais uma sem teto e nem
desempregada, só falta tirar essa teia de aranha do meio das pernas e
arranjar uma boa de uma.... — Arregalo os olhos, mas Laura é mais rápida:
— Cala essa boquinha, Lu! Esqueceu que temos menores aqui? —
Laura replica. Seu sotaque mineiro diminuiu ao longo dos anos. Sorrio,
mesmo não estando acostumada com o vocabulário de Luce. Nick bate
palminhas, e eu e sua mãe achamos graça. Ele está cada dia mais fofo e
parecido com o pai.
— Eu já disse que não quero saber de homem na minha vida, não é
porque terminei com Gustavo que... — começo a explicar, porém Luce é
curta e grossa:
— Pela décima vez, Duda, acorda! O cara está sempre te traindo
com jovens, coroas e, se duvidar, até com homens.
— Luce... — Laura sibila, sacudindo os cabelos avermelhados para
ambos os lados, enquanto Lu dispara:
— É sempre o mesmo ciclo: ele termina com você, do nada aparece,
e você acaba cedendo. Tá mais do que na hora de a senhorita encontrar
outra pessoa.
— Luce! — Laura corta-a, e meus olhos se enchem de água ao
lembrar-me da última vez em que, de fato, Gustavo e eu terminamos.
Gustavo é meu ex-namorado, ele sempre foi importante para mim e
sei que, do jeito torto dele, continua apaixonado. Eu o amei desde o dia em
que cheguei na mansão de Nikolas. Gustavo já trabalhava para a família
Delamont, como jardineiro e motorista, enquanto sua irmã, Izabela,
trabalhava na cozinha. Sua mãe, Damiana, até hoje trabalha como
governanta, e seu pai, o senhor Josefo, sempre comandou o quadro de
motoristas.
Antes de Laura trabalhar na mansão, ele nunca havia demonstrado
interesse em mim. Muito pelo contrário! Sua ânsia era por minha amiga, o
que não foi recíproco. Esse, acabou se tornando o ponto de partida para o
nosso relacionamento.
Quando fui pedida em namoro, a felicidade foi tanta que não
conseguia me conter. Parecia que alguma coisa no mundo havia mudado,
mas quem mudou fui eu. Me tornei parceira da pessoa que amava! Estava
nas nuvens por conseguir algo que ansiava há tempos. Naquela noite, nada
mais importava, nem mesmo as indiretas negativas de Gustavo a respeito do
vestido vermelho que eu usava. O que contava era o sentimento que eu
trazia no peito, sobre o seu pedido de namoro. Finalmente estávamos
prestes a ter um compromisso sério.
Eu estava feliz, confesso! Mesmo com seus ciúmes excessivos e a
forma como isso afetava nas minhas amizades e nas minhas roupas. Passei a
fazer o que ele pedia. Afinal, era para o bem do nosso relacionamento.
Mesmo que às vezes eu me sentisse incomodada! Principalmente quando
ele sumia.
Eu comecei a ficar obcecada com o telefone dele. À cada mensagem
que chegava, eu fantasiava. Os sorrisos tortos; as conversas, que duravam
horas, através de mensagens, e nas vezes em que era nítido que ele
inventava uma desculpa para não nos vermos. Claro que fui tachada como
louca e óbvio que me senti dessa forma, uma vez que havia lido em algum
lugar o quanto era errado pensar em rastrear o celular do namorado. Por
isso, passei a me sentir incomodada com minhas próprias atitudes.
Nossas discussões se tornaram constantes, porque ele sempre dava
um jeito de contornar sua ausência. Até que um dia, decidi por mim mesma
investigá-lo, o que resultou no nosso primeiro término e depois no nosso
recomeço; na realidade, uma sequência deles.
Hoje, sinto-me quebrada, porque ele levou tudo com suas traições:
meu primeiro amor, o primeiro e único homem com quem tive relações
íntimas e, consequentemente, a primeira desilusão amorosa.
As meninas não fazem ideia, mas foi ele que terminou comigo pela
última vez. Ele arranjou uma nova namorada — seus casos com mulheres
mais experientes e que o sustentam — e tem saído com ela, desde então.
Esse sempre foi um dos principais motivos para discutirmos: o “trabalho”
dele. Há tempos, ele deixou de ser motorista dos Delamont e basicamente
virou acompanhante de luxo, como passou a se intitular. Eu dizia ser
traição, mas ele chamava de profissão.
Claro que eu não aceitava e terminávamos o nosso relacionamento
mais vezes do que consigo contar nos dedos. Ele me trocava por uma
mulher rica e, quando elas se cansavam de sustentá-lo, voltava a me
procurar. O problema? É que eu sempre o aceitava.
Mas o que eu poderia fazer, além de acreditar na sua mudança e lhe
dar um voto de confiança?
Sou uma mulher sozinha, morando na cidade maravilhosa, enquanto
minha família vive em São Paulo. Minhas irmãs mais novas vivem com
minha mãe e, infelizmente, ainda não consegui trazê-las para o Rio de
Janeiro. Vim para estudar e tentar um emprego melhor, mas o custo de vida
é alto demais. Sempre procuro enviar quantias consideráveis para ajudá-las
nas despesas mensais.
Leandra tem dezenove anos, e Maria Quitéria, dezessete. Lê já
trabalha em casa de família, enquanto Kika continua estudando. Dona
Cecília, minha mãe, já se aposentou, e sei que não aguenta mais trabalhar
devido à idade. E, sinceramente, prefiro que não trabalhe. Enquanto puder,
pretendo ajudá-la no que for preciso e retribuir todo o esforço que fez por
nós. Ela nos criou sozinha depois que meu pai, Zé Benedito, veio a falecer,
devido a um aneurisma. Nossos avós maternos faleceram há muito tempo e
nosso avô, por parte de pai, sumiu Brasil afora. Vovó Lili, mãe do nosso
pai, nos deixou pouco depois que vim morar no Rio.
— Desculpe, amiga, às vezes esqueço de como você é sensível. —
Luce fala fazendo-me sorrir fracamente. Papai costumava dizer isso quando
eu era pequena. Ele sempre me incentivava a ser uma moça independente
para que eu nunca precisasse depender de ninguém.
— Não, você está certa, preciso mesmo de algo que me deixe
contente! — começo. — Que tal uma noitada, sábado à noite?
— À três? — Luce se levanta e começa a dar pulinhos, animada.
— Ei, eu tenho cinco pestinhas para criar, tá! — Laura emenda
rindo.
— Ah, para de graça, Lau, você tem a Damiana e mais quinhentos
empregados naquela casa, sem contar que tem duas babás. Dê um pouco de
trabalho para elas! Alice e os gêmeos nem são mais tão pequenos assim. —
Luce retruca.
— Tá bom! Vou falar com o Nick... — Laura retruca.
— Beleza! Vou resolver com Dani também. — Luce refere-se ao
namorado. — Agora vou voltar, meninas, beijos e amo vocês. Até sábado!
— Luce grita eufórica. — Tchau, Nick, manda beijo para a titia! — fala
com meu afilhado, que tenta beijar o telefone.
— "Tau titia!" — ele responde em sua língua de bebês.
— Tchau, amiga! — Laura e eu dizemos juntas e desligamos em
seguida.
Minha amiga e eu passamos uma tarde animada e, depois de um
tempo, um dos seus motoristas aparece para buscá-la. Assim que sai, vejo-
me mais uma vez sozinha, rezando para dar tudo certo no dia seguinte.
À noite, após o jantar e um banho, decido me deitar lembrando-me,
erroneamente, de todos os momentos quentes que passei com o Gustavo,
nesse mesmo quarto. Disposta a me fazer esquecer, decido procurar por
alguma coisa na televisão, porém, sou impedida de continuar, uma vez que
ouço a campainha tocar insistentemente.
Caminho devagar até a porta do apartamento, pensando em Luce.
Será que ela saiu mais cedo do plantão?
Pelo olho mágico, noto Gustavo através da lente. Sinto o meu
coração acelerar, conforme minhas pernas tremem. Viro-me de costas para a
porta, sentindo o frio da madeira passar através da minha camisola, e fecho
os olhos enquanto a campainha toca mais uma vez. Minha respiração falha
e lembro-me do nosso último encontro; a forma rude que ele falava que não
poderia continuar comigo.
Ele não pode fazer isso comigo. Não agora! Não de novo!
— Abre para mim, Duda! Eu preciso de você. — Ele desfere socos
na porta, deixando-me nervosa. — Se não abrir, juro que vou arrombar essa
porra dessa porta!
Pior que sei que ele faria isso, Gustavo é capaz disso e muito mais
quando quer algo. Respiro fundo e giro a chave devagar, mesmo sem estar
convicta disso. Sinto a palma da mão escorregar na maçaneta, devido ao
suor frio, e minhas pernas tremularem ainda mais. Ao abrir a porta, encaro
os olhos vermelhos que há muito não via.
— Por que está fugindo de mim? — pergunta com o tom de voz
alto, e percebo que está bêbado, devido ao cheiro forte de álcool que exala.
Gustavo parece ainda mais bonito do que há seis meses quando nos vimos
pela última vez.
Ele me puxa bruscamente e olha dentro dos meus olhos. Seus olhos
intensos e negros como sua alma.
— E-eu n-não e-estou fugindo! — consigo dizer.
— Pois acho que está. Por que mudou o número de telefone? Tentei
te ligar durante a semana. — Ele intensifica o aperto em meu braço e seu
olhar recai sobre o meu decote. Mudei de telefone após as meninas
insistirem, uma vez que eu sempre arrumava um jeito de ligar para ele. De
telefone e número novo, os únicos contatos que me sobraram foram dos
amigos próximos, mesmo que eu soubesse o número de Gustavo de cabeça.
Fecho os olhos e sinto o meu coração acelerar ainda mais quando
ele inspira o meu pescoço. De repente, uma lembrança insistente faz-me
duvidar do poder que achei que tinha sobre mim; imagens dos seus lábios
em torno do meu corpo faz com que os pelos da minha pele se arrepiem.
"Você consegue, Duda!" A voz da doutora Marisa me vem à mente,
e tento não pensar no maldito dia que deixei de frequentar as reuniões da
terapia em grupo que um dia fiz parte.
— Me dê mais uma chance... — O ar parece faltar, mesmo que uma
parte de mim esteja gritando de felicidade por vê-lo outra vez. — Juro que
será a última!
— E-eu não quero mais, Gustavo! — Abro os olhos e começo a
empurrá-lo para fora da minha casa, em meio a um dilema interno: sei que é
errado, mas sinto saudades de qualquer jeito. — Sai daqui, faz esse favor
para nós dois e me esquece! — A incerteza na voz me entrega.
— Eu adoro quando você faz isso! Só me deixa com mais tesão!
Eu sei o que ele quer.
Penso em todas as vezes que precisei ir às reuniões de mulheres que
possuem transtornos psicólogos. Mulheres que tiveram términos
conturbados e que continuavam presas em seus relacionamentos e aos ex-
companheiros. Nunca contei para ninguém, mas da última vez, precisei
tomar remédios para conseguir dormir e tentar esquecer.
Ele não pede licença para entrar em meu apartamento e,
automaticamente, dou alguns passos para trás quando vejo-o vir em minha
direção. Seus dedos tocam a minha pele e sinto dormência por onde
encostam. Seu hálito quente me deixa atordoada e a sensação apenas piora
quando sou imprensada contra a parede e seus lábios reivindicam os meus,
com aspereza e sofreguidão.
Minha vontade é de gritar, dizer que não o quero mais, que não
aceitarei suas migalhas e que não sou mais aquela garotinha boba que ele
tirou a virtude, mas a quem quero enganar? Eu não consigo dizer
absolutamente nada, nem fazer nada. Sempre foi dessa maneira.
Estou há seis meses sem transar e seus lábios são convidativos
demais. Tanto que não consigo parar de beijá-lo também. As lembranças se
misturando com o desejo cada vez mais vívido. Mal percebo o momento em
que ele fecha a porta e começa a me despir. Faço o mesmo por ele, sabendo
o quanto é errado, mas a verdade é que, nesse momento, eu não consigo
mais pensar.
Capítulo 3

Está determinada a fugir de mim?


Acordo sobressaltada ao sentir um braço pesado em torno da minha
cintura. Debato-me, pensando no rapaz desconhecido do meu sonho.
Porém, pouco a pouco, as lembranças da noite anterior se tornam mais
vívidas na minha mente: Gustavo. Suspiro devagar, me sentindo a pessoa
mais suja do mundo. Levanto, lentamente, tentando não fazer barulho,
ouvindo-o reclamar que ainda é cedo.
— Eu vou trabalhar, Gustavo, você precisa levantar e sair. — Tento
parecer categórica. Penso que é tarde para me arrepender e não sei se
conseguiria me olhar no espelho.
— Trabalhar? — Ele senta-se atordoado enquanto esfrega os olhos
com as mãos. Tento não olhar para o seu peitoral nu. — Vai trabalhar em
quê? Não estava desempregada?
— Começo hoje! — falo o mais seca, possível, e encaminho-me
para o banheiro. Ele precisa sentir um pouco do próprio veneno, entender
que, mesmo que tenhamos transado, não temos nada.
Abro o chuveiro e, enquanto lavo os meus cabelos e corpo, divago o
quanto ele deve achar que sou burra. Por que ceder de novo? Por que,
sabendo do quanto ele se torna babaca depois? Solto uma lufada de ar
enquanto visto um roupão felpudo, após sair do chuveiro, notando-o parado
no batente da porta com uma carranca no rosto.
Deus! Por que ele precisa ser tão lindo e idiota?
— Como assim? Vai trabalhar aonde? Já disse que você não precisa
disso! Eu te sustento, ganho bem para isso! — fala irritado, e encaro-o
incrédula.
— Como assim, pergunto eu. Você quer o quê? Voltar como se nada
tivesse acontecido? Nós terminamos, Gustavo! Ou melhor, você terminou
comigo! — Tento não chorar, mas meus olhos embaçam.
Ele continua me fitando.
— Terminamos, mas ontem você bem que gostou, não? — Bufo. —
Eu sei que você tá puta comigo, Duda, mas esses trabalhos... — faz aspas
com os dedos — são os que me sustentam, me dão lucro e poderiam te
sustentar também, caso quisesse. — Dá de ombros.
— Você é louco se pensa que vou te aceitar de volta e dessa forma.
— Começo a secar os cabelos com a ajuda do secador e tomo coragem para
me olhar no espelho. Percebo as duas bolas escuras em volta dos meus
olhos, indicando o excesso de olheiras, e resolvo passar um pouco de base e
rímel. Deslizo um batom claro em meus lábios para maquiar a palidez.
— Para que essa porra? — ele aumenta o tom de voz, o que me
deixa assustada. — Vai trabalhar num bordel?
Pisco os olhos, perplexa, mas não digo nada.
— Não sabia que para trabalhar limpando chão, precisava de tanta
maquiagem. — Ele tira a cueca e entra no box. Continuo encarando-o,
perplexa, através do reflexo do espelho. Só gostaria de saber por que os
homens agem dessa forma e falam como se fôssemos objetos?
— Não vou trabalhar como doméstica — falo tristemente, porque,
na mente dele, parece que só consigo fazer isso na vida.
Ele me observa conforme ensaboa o próprio corpo. Seu rosto é um
misto de autoridade e curiosidade e, quando percebe que não mudarei de
opinião em relação à maquiagem, bufa. Se fosse noutra época, eu com
certeza retiraria todo o conteúdo do rosto para não o chatear, mas hoje não
farei isso. Não somos nada e, sinceramente, mesmo que fôssemos, acho que
não mudaria de opinião.
Após o banho, ele caminha emburrado para fora do quarto, enquanto
termino de me arrumar. Escovo os cabelos com certa dificuldade, já que
estão quase passando das nádegas, e caminho até a cozinha. O aroma do
café impregna o ambiente, e assisto-o servir duas xícaras. Pego uma delas,
conforme continua:
— Então, vai trabalhar aonde, Duda? Não acha que tá arrumada
demais? — Assisto seus olhos descerem pela blusa branca social e a saia
lápis que escolhi para o meu primeiro dia.
— Demais? — encaro-o enquanto puxo o ar devagar. — É isso que
te incomoda? Me ver trabalhando em algo novo e que não seja limpando
casa?
Sinto a cabeça latejar ao ver a respiração dele se desregular. É a
primeira vez que o contrario e não tenho certeza se foi uma sábia decisão.
— Vou perguntar somente uma vez, Duda. — faz uma pausa. — No
que vai trabalhar? — Cada palavra sai devagar. Ele aproxima-se com olhos
raivosos. A coragem recém-adquirida por mim torna-se nula quando vejo-o
tomar a caneca de minhas mãos trêmulas, colocando-a em cima da mesa, à
medida que reivindica a minha cintura.
— V-vou tra-trabalhar n-na mi-minha área, numa empresa de
advocacia no centro do R-Rio.
— Você sabe que é minha, não sabe? — Ele ataca os meus lábios, de
forma brusca, e não tenho tempo de desvencilhar. Sinto seus dedos se
afundarem na minha pele e não consigo formular uma frase sequer; as
palavras parecem entaladas na garganta. Queria expulsá-lo, mas não
consigo.
Sinto as lágrimas apontarem nos olhos e ele parece notar, porque seu
semblante muda drasticamente, e seu sorriso, antes malicioso, torna-se
complacente.
— O que foi, linda? — Desliza seus dedos suavemente pelo meu
rosto, enxugando cada gota que teima em cair pelas minhas bochechas. —
Eu estou de volta, meu bem, tudo será como antes.
— Gustavo, eu preciso mesmo ir. — falo, pausadamente, sentindo
uma sensação desconfortável no peito.
— Eu sei. Só não esqueça... — Ele me rouba mais um beijo
estalado. — Você é minha! — Pega uma maçã da fruteira e sai do meu
apartamento como se fosse o próprio dono.
Assim que vejo-o sair, respiro com mais tranquilidade. Sinto
desconforto com a situação e devido à mania que ele tem de aparecer e
desaparecer da minha vida quando bem entende. Estou acuada, perdida
como há muito não me sentia e, principalmente, sentindo-me coadjuvante
em minha própria história. Minha vida não pertence mais a mim, pertence
ao algoz que continua assombrando-a e tornando todas as minhas certezas
em incertezas.
Capítulo 4

A o chegar na empresa, sou


encaminhada para o setor de RH
por Hanna, a mesma recepcionista que me recebeu nas entrevistas com a
doutora Marla Ferraz, sócia do também advogado doutor Collins, e
confesso que não achei minha chefe solícita. Ainda não conheci seu sócio,
mas espero que ao menos ele seja simpático.
Sigo Hanna até o setor de recursos humanos, observando que a
maioria dos funcionários são tão simpáticos quanto a dona. As
recepcionistas olham para mim como se eu fosse uma nova ameaça ao
emprego delas, e a loira à frente não diz uma palavra sequer, até chegarmos
em frente a uma determinada porta.
— Aguarde aqui! — corta o silêncio e seu tom zombeteiro faz-me
querer voltar segundos antes, quando estávamos em silêncio. Ela deve estar
amando me tratar como a novata. — Tony, meu bem, trouxe carne nova. —
Não disse? — Foi a Marla quem a mandou. — Hanna movimenta os longos
cabelos ondulados para ambos os lados.
— Mande-a entrar, oras! Ela vai ficar esperando a manhã inteira? —
Ok! Já gostei dele! — E cadê a Beth? Ainda não chegou?
— Não a vi, mas não tenho nada a ver com isso também! — Hanna
responde antes de virar-se na minha direção e dizer em voz alta: — Vem
garota! – Ela faz gestos nada sutis com as mãos. — Esse aqui é o mundo do
Tony, vai se acostumando. — Sem alternativas, entro na sala e cumprimento
várias pessoas curiosas.
— Antony, esta é... — Ela parece pensar um pouco. — Qual seu
nome mesmo, docinho?
Ela tem sorte por eu não ter a língua afiada de Luce.
Há um homem de frente para Hanna, e percebo se tratar de Tony.
Ele é bem mais alto do que eu e, mesmo trajando uma blusa social, consigo
enxergar seus músculos avantajados. Seu sorriso é convidativo e molda seu
rosto, deixando-o mais interessante. Seus cabelos escuros caem revoltos
próximos aos olhos e, mesmo a uma distância considerável, consigo
enxergar o castanho acinzentado que traz neles.
— Maria Eduarda Teixeira. — Estico minha mão em cumprimento
ao me aproximar.
— Prazer! Sou o Tony e responsável pelo RH. — Nos
cumprimentamos.
— Prazer.
— Aqui está a ficha dela, Tony. Ela trabalhará como secretária dos
senhores Ferraz e Collins. — Hanna começa, e confirmo com a cabeça.
Sinto o desdém em seu tom de voz e passo a entender que talvez ela
almejasse a vaga.
Nesse momento, um vulto de cabelos castanhos claros entra
rapidamente na sala e, a primeiro momento, confesso ter pensado que se
tratava de uma miragem, porém, percebo a confusão na minha mente, ao
dar de cara com uma mulher. Sua testa está enrugada e o franzido de suas
sobrancelhas me chama a atenção.
— Desculpe a demora, Tony, tive que deixar o Sam na escola e me
atrasei — ela fala com tanta ansiedade, que até eu estou comovida pelo seu
atraso. — E você, quem é? — Sua cabeça tomba para o lado.
Antony explica que sou a nova funcionária da empresa, e vejo-a
sorrir automaticamente.
— Prazer, Maria, sou a Elizabeth, dona da porra toda aqui! Agora
vem comigo — diz e me faz sorrir. — Vem, deixa o meu queridíssimo
chefe, senão, é bem capaz de a baba dele cair sobre você.
— Mas ele foi bem gen... — Ela me corta:
— Tudo fachada, amiga, esse aí não vale nada!
— Olha quem fala! Vai assustar a garota, Beth! — Antony grita,
enquanto sigo-a até o fundo da sala.
— Vem! Sou da turma do fundão — ela cochicha em meu ouvido.
— E, Hanna... — A menina olha na nossa direção. — Você tá liberada.
Agora vaza! — Não seguro a risada. — Essa daí tá doida para mudar de
setor, amiga! Cuidado, hein...
— Sério? Nem tinha percebido! — caçoo.
— Senta aí. — Sentamos uma de frente para a outra.
— Beleza, Maria! Vai trabalhar como secretária, né? — Ela analisa
a ficha que Tony havia lhe entregado. — Bom, eu tenho duas notícias para
te dar: a boa e a má, qual você quer primeiro? — Franzo o cenho.
— Manda a boa, primeiro! — Dou de ombros.
— Gostei de você, garota! — Faz uma pausa. — Bom, a notícia boa
é o salário. Você ganhará bem, mas em compensação... — corto-a:
— O quê?
— É que você trabalhará diretamente para o CEO da empresa. E ele
é bem egocêntrico!
— Egocêntrico como...?
— Digamos que ele é bem exigente no trabalho. A Marla também
não fica atrás. E outra, ela e o senhor Collins têm algo, então, vá se
acostumando com o quanto a mulher pode ser possessiva e enjoada. Todas
as mulheres são um alvo em potencial desde que gostem da mesma fruta
que ela. — Ela revira os olhos.
— Sério? Isso soa como desespero.
— E quem disse que não é? — gargalha. — Trouxe os documentos
que pedimos? O passaporte com o visto americano também? — Faço que
sim com a cabeça, sabendo que esse era um dos requisitos para a vaga e o
motivo da demora para a mesma, e ela continua: — Beleza! Como temos
clientes internacionais, preferimos operar nos Estados Unidos. Vou precisar
da cópia de tudo. Reembolsaremos o dinheiro gasto junto com seu
pagamento. Mas relaxa! Nesse tempo que estou aqui, jamais vi alguma
secretária viajar, além dos donos. São apenas precauções que a empresa
gosta de tomar.
Depois de tudo acertado com Beth, sou encaminhada à recepção em
que trabalharei. Beth é uma ótima profissional. Pelo que entendi, ela é braço
direito de Tony e faz todo o procedimento de admissão e demissão da
empresa. Ela mostra tudo o que preciso fazer diariamente e apresenta
algumas ferramentas do computador que usarei com frequência. Nada
muito diferente do que já fazia no banco, o que facilita muito.
Conversamos sobre coisas aleatórias e, em algum momento, ela
menciona sobre Sam, seu filho de 5 anos, que é um rapazinho introvertido,
inteligente e pouco carismático. Beth é uma mãe solteira e se intitula feliz,
uma vez que hoje em dia não precisa mais se preocupar com homens.
Entramos numa conversa sobre o sexo oposto — no quanto são uns
idiotas quando querem —, namoros frustrados e casamentos unilaterais, e
desabafo sobre a minha relação com Gustavo. Ela fica perplexa quando
escuta tudo o que ele já aprontou comigo e me encara com raiva quando
digo que ainda está tentando voltar para mim. Quando ela menciona
exatamente isso, respondo:
— Pois é, o pior é que estou me sentindo péssima hoje. Fiz algo que
não sei se consigo me perdoar. — confesso, vendo-a se ajeitar no balcão.
Ela encosta-se nele e cruza os braços franzinos e pálidos.
— O que houve, Maria Ed... — começa, e emendo:
— Pode me chamar de Duda. — A mulher assente, voltando a fazer
a mesma pergunta. Suspiro alto e continuo: — Ele apareceu lá em casa
ontem, e eu estava pronta para enxotá-lo de casa, porém, no final, não
consegui. — Envergonhada, desvio os olhos.
— Isso não é o fim do mundo, Duda!
— Como, não? Ele apronta comigo, pisa nos meus sentimentos e
depois volta como se nada tivesse acontecido, só para eu transar com ele no
final? — Fecho os olhos, balançando a cabeça para ambos os lados. — Sou
uma idiota mesmo! Você deve estar me achando uma menininha ridícula,
que ainda chora pelo ex.
— Eu não acho nada! Quem sou eu para te julgar? As pessoas
erram, é normal, basta querermos acertar. E além do mais, nem sempre fui
forte assim. Já cedi várias vezes para o meu ex, até perceber que era melhor
sem aquele traste.
Ela dá de ombros e faz uma careta engraçada.
— Sério? — Vê-la confirmar com a cabeça me deixa com
esperanças. — E o que aconteceu com ele? Com vocês dois?
— Ele é só mais um babaca que nunca aparece, traz um litro de
leite, uns pacotes de biscoitos, tira algumas selfies e as coloca nas redes
sociais. O famoso pai de selfie. Nem mesmo o Sam pergunta por ele.
— Nossa! Essa situação deve embaralhar a cabecinha do seu filho
— falo com sinceridade.
— Nem me fale. Eu o levo no psicólogo, porque meu filho é muito
retraído. Ele não se interessa por nada, nem ninguém. A psicóloga disse que
com o tempo ele vai mudar. Pensei até que fosse algum grau de autismo,
mas não é. Confesso que seria difícil, mas se fosse, eu iria bancar! —
Sorrio, e ela continua: — Bom, vou te deixar em paz agora. O senhor
Collins está em uma reunião e só deve sair depois do seu horário de almoço.
Então, não se preocupe, meio-dia você pode sair para almoçar. Vai comer na
rua ou trouxe comida? — Ela pergunta, já se preparando para ir embora.
— Na verdade, vou ter que comer na rua. Vou usar o cartão-refeição
que você me deu. — Ela assente.
— Sim, ele não é o definitivo! Depois virá um bonitinho com o seu
nome. Esse é apenas para os novos funcionários, pois o senhor Collins não
gosta que esperem muito até o cartão definitivo chegar. Assim que isso
acontecer, você me devolve esse aí! — assinto. — Ah, e caso receba
alguma ligação de um dos seus chefes, veja o que deseja e qualquer coisa
me liga. Lembre-se dos números dos ramais que estão colados na sua mesa.
— Olho para os telefones listados em um papel que está colado no balcão
que passarei a trabalhar. — E se a pessoa apenas desejar uma xícara de café,
ligue para a copa e peça para alguém trazer imediatamente. E outra, quem
entrega é você, ok? — Confirmo com a cabeça. — A sala de reuniões fica
dentro do escritório do senhor Collins, bata duas vezes na porta e entra. Não
precisa esperar.
— Ok!
— E os documentos estão listados por pastas no computador. É só
verificar com calma. Depois vá abrindo uma por uma para memorizá-las.
Você aprende rápido, daqui a um mês estará cansada de fazer sempre as
mesmas coisas. Ah! Temos festinhas e elas são ótimas! — Franzo a testa ao
vê-la bater palmas e dar pulinhos animados. Ela está parecendo uma criança
que acabou de ganhar um pirulito. — Agora me deixe ir antes que o Tony
venha aqui pessoalmente e me arraste de volta para o RH. Eu te ligo meio-
dia. — Ela dá uma piscadela e some ao virar no corredor. Respiro fundo e
faço exatamente o que disse: abro arquivo por arquivo que há no
computador, para memorizá-los com rapidez.
Ligo o som ambiente e coloco na playlist da Adele. A música
Someone like you começa a tocar, fato que me faz lembrar de Gustavo.
Fecho os olhos conforme aprecio a letra, porém abro-os abruptamente ao
escutar o telefone tocar.
Sinto o meu corpo tremer por inteiro.
— Presidência.
— Senhorita Teixeira! — Uma voz imponente e rouca soa em meus
ouvidos, e tento não focar no quanto ela é sexy.
— Sim, doutor, bom dia!
— Bom dia! Estamos em reunião, peça cinco xícaras de café e se
direcione para a sala de reuniões. A senhorita Elizabeth já lhe passou suas
tarefas diárias? — ele pergunta rápido demais e noto que as palavras saem
emboladas. Reparo que, por seu sotaque, ele provavelmente não é
brasileiro.
— Sim, Dr. Collins, estarei providenciando. Posso solicitar uma
jarra de água fresca? — Me adianto em perguntar, observando-o fazer uma
pausa, aparentemente pensando na resposta.
— Providencie! — diz simplesmente, desligando o telefone na
minha cara.
Ele disse cinco cafés, certo?
Apresso-me em ligar para a copa e fazer o pedido com urgência.
Lembro-me da jarra de água e dos cinco copos de vidro. São cinco mesmo,
não são? Ai, Duda!
O telefone treme tanto quanto o meu corpo.
Bernadete, uma das moças que trabalha na copa, traz o que peço
com rapidez, e me apresso em passar tudo para o carrinho de inox, que
repousa ao lado do balcão onde trabalho. Direciono-o até a porta da sala do
meu chefe e percebo que continuo tremendo e sentindo uma ansiedade
enorme tomar conta do meu corpo.
Bato duas vezes, antes de entrar na ante sala, ouvindo vozes
exaltadas de outra sala fechada.
Olho rapidamente ao redor e noto que o escritório é rico em detalhes
e todo ornamentado em madeira. Vejo o meu reflexo em um grande espelho
pendurado numa espécie de painel e, na parte inferior, há uma lareira
aparentemente jamais utilizada. Há uma grande estante de livros grossos
que, provavelmente, são de inúmeros livros jurídicos. Observo que a mesa
espaçosa não possui nenhum objeto pessoal ou de família; nem mesmo um
único porta-retratos. Dou um pulinho assustado, quando ouço uma voz
impaciente gritar, e reconheço-a de imediato: a voz do meu chefe.
— Ah, Dr. Marcus, não irei discutir sobre isso com ninguém nesse
momento! É sobre a minha empresa que estamos falando, acredito que a
Marla já tenha lhe explicado isso — rosna.
— Claro, Dr. Collins, eu sei, mas mesmo assim... — outra voz
reverbera, porém, é entrecortada:
— Sem, mas... — Ouço uma batida na mesa. — Eu não vou ceder o
futuro da minha empresa para um idiota qualquer, ele que não queira...
Merda! Ótimo momento para café.
Solto o ar aos poucos, tentando me decidir entre o agora e o nunca.
Sem mais alternativas, lembro-me de bater duas vezes na porta,
como Beth já havia me falado, e aguardo.
— Come in[1]! — Meu chefe grita, pedindo para que eu entre na
sala, e sou obrigada a fazer exatamente isso. Assim que abro a porta,
empurro o carrinho com todo o cuidado para dentro do cômodo e percebo
que cinco pares de olhos me encaram quase que automaticamente.
— Excuse me[2], trouxe o café. — Olho para um homem qualquer,
que está sentado em volta de uma mesa retangular, e foco todo o meu
nervosismo nele. Não quero nem me preocupar com os outros.
Há um silêncio irritante no escritório, e sei que sou o centro das
atenções.
Sirvo o primeiro homem, que sorri de orelha a orelha como se não
tivesse todos os dentes amarelados e tortos na boca.
— Obrigada, mocinha... — O segundo responde com os olhos
castanhos piscando rápido demais.
O terceiro parece emburrado e recusa a minha xícara de café.
Ótimo! Menos um para encher o meu saco! O quarto diz que adorou a nova
secretária, e eu encaro o piso de porcelanato. Ele tem uma cor linda!
Louca para me livrar da última xícara e dos homens, pingo três
gotas de adoçante — conforme Bernadete havia me explicado —, e seguro-
a firme entre os dedos, seguindo para a ponta da mesa. Tento equilibrá-la
com o máximo de cuidado, uma vez que preciso causar uma boa impressão.
Não tiro os olhos do líquido flamejante com receio de derramá-lo. Sempre
fui boa na faxina, mas confesso que servir comidas nunca foi meu forte.
Noto as ondas da bebida prestes a derrapar para o pires cada vez que meus
sapatos tocam o chão, enquanto penso nas vezes que papai me encorajava a
ser forte quando criança. Ele sempre dizia: você é mais valente do que
acredita, passarinho. Passarinho era a forma como ele me chamava.
Assim que alcanço o meu destino e, ao levantar a minha cabeça a
fim de cumprimentar o meu mais novo chefe, arregalo os olhos, deixando a
xícara cair instantaneamente. Seus olhos, como o azul do céu, parecem
petrificados também. Entreolhamo-nos, porque não faço ideia do que fazer
nesse momento. Faz dois anos desde que nos vimos pela última vez, mas
nunca esqueceria seu rosto esguio e sua pele aveludada, seus cabelos longos
e dourados, como ouro maciço, sua boca em forma de coração e
avermelhada.
O senhor Collins é simplesmente Andrew, o meio irmão de Nikolas
Delamont. O mesmo Andrew que apadrinhou Laura e Nick em seu
casamento, bem como a Nick Junior, em seu batizado; ambas ocasiões
tendo a mim como madrinha. O mesmo Andrew que fazia Luce jogar
indiretas para mim como “um deus nórdico pegável”.
E agora ele está aqui, na minha frente, e para melhorar a situação,
ainda é o meu chefe.
Capítulo 5

E stou sentada na minha mesa há


meia hora, desde que saí da sala
do meu chefe. Encaro o jarro de lírios rosa com manchinhas brancas, que
descansa em meu balcão, pensando no momento que consegui derramar
café no carpete e ainda fui capaz de causar tanto alvoroço. Bernadete está lá
dentro, coitada, tentando limpar o estrago que fiz e já me sinto péssima por
ela.
Sério? Que merda eu devo ter feito noutras vidas para merecer tal
castigo? Era para eu estar feliz e sentindo-me realizada pelas coisas
finalmente estarem dando certo, mas tudo o que estou sentindo é
indignação, nervosismo e medo de perder o meu emprego. Fecho os olhos e
rezo para todos os santos, praticamente implorando por clemência. Tento
focar nas minhas preces, mas tudo o que vem na minha mente é o momento
em que meus olhos encontraram os de Andrew. É tão surreal essa maldita
coincidência.
O telefone toca novamente e já reconheço o ramal de Beth. Observo
o meu relógio de pulso e percebo que já se passou de meio-dia.
— Oi. — Já sabendo que é ela, poupo-me de formalidades.
— Bora comer? Preciso matar quem me mata, porque senão vou
acabar matando o meu chefe! Porque aquele, sim, me irrita! — Ela solta um
rosnado, o que me faz franzir a testa e rir ao mesmo tempo.
— Ok. Preciso sair daqui também. Bem rápido! — falo, já me
levantando.

— Cara, surreal essa parada de você conhecer o senhor Collins! Não


conte isso para mais ninguém, porque se cair nos ouvidos da Marla... —
Beth deixa morrer a frase. Resolvi lhe contar tudo. — Ela, com certeza,
faria da sua vida um inferno! Nem sei como te contratou para princípio de
conversa. Aquilo lá é uma cobra quando se fala do nosso chefe!
— Já estou começando a me arrepender de ter vindo trabalhar aqui...
— respondo enquanto corto um filete do meu filé de peixe.
— Calma, fica na sua e garanto que nada vai te acontecer. — Beth é
positiva, contudo, ainda não estou convencida. Um tempo depois, pagamos
a conta e voltamos para a empresa.
Assim que viro o corredor que dá para a recepção onde trabalho,
dou de cara com Hanna. Ela está sentada na minha cadeira e parece estar
mexendo no meu computador.
— Aconteceu alguma coisa? — questiono. Suas safiras estão
raivosas e ela parece prestes a matar alguém. Vejo-a juntar as mãos na
altura do queixo conforme me analisa da cabeça aos pés.
— Se aconteceu? — Franzo a sobrancelha, vendo-a levantar-se da
cadeira, bruscamente, e direcionar-se a mim com o tom de voz mais alto. —
O que aconteceu foi que o seu chefe ligou, assim que acabou a droga da
reunião, e, quando não encontrou a bonita no seu posto — ela aponta para a
mesa —, ele fez questão de ligar para mim, perguntando onde cargas d’água
você estava, e começou a gritar quando eu não soube informar sobre o seu
repentino sumiço. E para completar, ainda perguntou como te deixaram sair
para o almoço, sem que ele — ela frisa bem a palavra ele — te liberasse. —
Engulo em seco e Hanna continua: — Pelo amor de Deus, garota, ouça bem
o que vou dizer: não saia, nem para almoçar, sem antes soltar um sinal de
fumaça, entendeu? Você é secretária do dono da empresa e ganha muito
bem para isso. — ela diz irritada, enquanto pisco os olhos atordoada e tento
assimilar cada uma de suas palavras. — Agora eu vou almoçar! E o dr.
Collins está te esperando na sala dele. — ela ri, em deboche, e sai da
recepção em seguida.
Sem mais alternativas, corro para a minha mesa e não penso duas
vezes antes de ligar para Beth. Ela atende no primeiro toque:
— Já estou sabendo! Que merda! — esbraveja. — Ele nunca fez
isso antes. Aconteceu alguma coisa, tenho certeza!
— Com certeza aconteceu! Ele já me conhecia e agora tá querendo
chutar a minha bunda! — replico, sentindo o suor gelado nas mãos,
pensando que não posso perder esse emprego. — O que faço?
— Bate duas vezes na porta dele, escuta o esporro, calada, e procura
sempre afirmar com a cabeça que ele está certo.
— Sério? — Estou incrédula. — E se ele me xingar?
— Agradece e faz a Kátia.
— Beth! — gargalho. — Ainda vou ter que agradecer por ele ser um
babaca?
— Sim, e vai logo, merda! Quer o emprego? — Respondo que sim e
ela continua: — Então faz logo essa boa ação do dia e, no ruim de tudo,
xinga ele. — Seguro a testa.
— Cara, você não está ajudando!
— Gata, vai por mim, entra naquele escritório e convença o seu
chefe que ele não pode te demitir.
— Ok! — Dou de ombros. — Me deseje sorte! — Desligo o
telefone e conto até dez antes de me levantar. Ando a passos de formiga até
a sala de Andrew.
Bato duas vezes na porta e, ao escutá-lo esbravejar um come in[3],
entendo que está pedindo para que eu entre. Pelo o que me lembro, Andrew,
ou melhor, Dr. Collins é americano, porém naturalizado brasileiro desde o
dia em que foi adotado pela família de Nikolas, pelo o que Laura havia
contado para mim e Luce há alguns anos.
Lu havia questionado isso à ruiva, num dos ensaios do casamento
dela, somente para implicar comigo, dizendo o quanto ele era bonito e
interessante. Minha amiga sempre fazia piadinhas sobre mim e o irmão de
Nikolas, porque não gostava de me ver com Gustavo, e fazia questão de
falar no Deus de Asgard, como ela o havia apelidado, na frente do meu ex-
namorado apenas para afrontá-lo.
Na época, confesso que gostava, porque, através da irritação dele,
Gustavo demonstrava gostar de mim. Hoje, depois das reuniões com a
doutora Marisa, e após refletir bastante, confesso que enxergo esse
comportamento como machismo. O pior é que, muitas das vezes, me
aproveitei disso, pois era apenas o Andrew aparecer para alguma festa
familiar, que eu aproveitava para provocar o meu ex-namorado. Deixava
Luce ou Laura engatar numa conversa com o gringo e aproveitava para
entrar no assunto, deixando Gustavo possesso de ciúmes.
Ajo cautelosamente ao abrir a porta, encontrando-o sentado em seu
assento de couro, tão charmoso quanto seus cabelos dourados presos num
coque alto, enquanto parece analisar alguns papéis. Sou minuciosa até em
minha pequena análise, observando sua barba espessa e o alargador escuro
que traz na orelha, mas disfarço quando vejo que ele finalmente parece
perceber a minha presença.
Seus olhos tempestuosos recaem sobre mim e suas safiras fitam-me
carrancudas. Lembro-me de encará-las numa época não muito distante
enquanto eu era guiada por esse mesmo homem na valsa que fomos
obrigados a dançar. Olhos que, naquela ocasião, eram doces e
complacentes, totalmente o contrário de hoje.
O Andrew que conheci era educado, galanteador e extremamente
afetuoso. O oposto do Sr. Collins à frente.
— Com licença, doutor, mandou me chamar?
— Sim! Sente-se, senhorita Teixeira. — Observo que ele parece não
me olhar de fato, mesmo tendo seus olhos em minha direção.
Faço o que pede e ficamos frente a frente novamente. Sinto minhas
mãos suarem, conforme a sala parece diminuir a cada segundo. Sempre tive
dificuldades em ser o centro das atenções, nunca gostei de trabalhos de
escola, nem da faculdade, muito menos de ser chamada a atenção por algum
problema.
Ele me encara com olhos mais atentos agora, e me perco no azul que
eles possuem. Seu rosto quadrado parece mais fino desde a última vez que
nos vimos e gargalho em pensamento ao finalmente perceber a semelhança
que ele possui com o Thor, Deus de Asgard. A única diferença é que o Deus
à minha frente usa um terno cinza e bem recortado, enquanto o Deus do
trovão apenas uma túnica, deixando praticamente amostra as partes mais
interessantes de seu corpo.
Gargalho com o pensamento pecaminoso.
— O que é tão engraçado? — Sua testa franzida apenas deixa seu
rosto mais charmoso. Puta merda!
— Nada demais, senhor! — Desvio os olhos, sentindo o meu rosto
esquentar.
— Bom, serei curto e grosso. Sei que se lembra de mim da casa de
Nick, mas informo que aqui seremos chefe e funcionária. É assim que as
coisas funcionam nesse escritório.
Engulo em seco.
Ele pensou que seria de outra forma? Tenho vontade de indagar, mas
prefiro me abster de futuros problemas. Sem alternativas, apenas assinto
com a cabeça.
— Temos amigos em comum, mas não somos amigos! — Levanto
uma sobrancelha e penso no quanto a beleza dele desceu alguns degraus.
É óbvio que não somos amigos, se fôssemos não estaríamos tendo
esta conversa.
— E, por favor, coloque um uniforme! — Franzo a testa, deixando o
olhar recair sobre a minha roupa. Procuro disfarçar o incômodo e solto o ar
aos poucos tentando não deixar as lágrimas apontarem nos meus olhos. Será
que estou mal vestida?
— Passarei na confecção mais tarde para pegá-lo, não se preocupe,
doutor — comento sem graça. — Algo a mais?
— Acredito que não!
— E quanto ao meu horário de almoço? — indago vendo-o franzir a
testa, aparentemente sem entender nada. — Meu horário correto, doutor,
para que não haja mais contratempos.
— Seu horário permanece o mesmo. Quem te disse o contrário?
— Disseram que o doutor estava me procurando. Que ficou
chateado por eu ter saído e.... — Ele me corta:
— Não me chateei! Seu horário permanece o mesmo. — É taxativo.
— E outra, a senhorita pode ter começado na empresa hoje, porém seu
cargo é tão importante quanto o dos outros funcionários. Nunca deixe que a
diminuam por isso. — Pisco os olhos, completamente atordoada por sua
mudança repentina, mas não digo nada, e ele completa: — Agora já pode
sair! — Seu dedo longo aponta para a porta e não me resta outra alternativa.
O restante do dia é cansativo, marco algumas reuniões importantes,
conserto a agenda dos meus chefes e começo a preparar uma cotação para
uma possível viagem internacional. No fim do dia, sinto que sobrou apenas
o pó do meu esqueleto.
Olho para a minha cama e penso apenas em me jogar nela.
— Mas primeiro um banho — falo para ninguém em especial.
Capítulo 6

niformizada e com minha marmita dentro da bolsa,


U estou pronta para mais um dia de trabalho. Gustavo não
voltou ontem à noite, o que me deixou chateada, uma
vez que fui deixada de lado, enquanto outra parte de mim sentiu-se aliviada
após ter tido uma noite tranquila.
Marla é a primeira a aparecer na empresa, envolta por um vestido
vermelho, que acentua mais sua pele negra. Não demora para Andrew
aparecer também. Ele fala pouco e retribuo da mesma forma. O clima entre
nós não é dos melhores, mas não faço disso foco principal. Após liberar a
agenda dos meus chefes por e-mail, observo que ainda não dividi o assunto
“Andrew” com as meninas. Por isso, a primeira coisa que faço, assim que
me vejo livre, é chamá-las no nosso grupo de mensagens:
(Eu) Vocês não sabem da última.
(Luce) Oi, migas, amo vocês. Fala logo, ansiando por uma fofoca!
(Laura) Oi, saudades. Credo, Luce, você sabia que pessoas morrem
por causa de fofoca?
(Luce) Para mim, morremos pela boca! Mas se fosse por fofoca, já
estaríamos debaixo da terra. Agora fala logo, Duda! E pelo amor de papai,
se for para falar sobre o gigolô sem cacife do Gustavo, faço questão de te
tirar a libido!
(Eu) Cruzes, eu hein! Tá bom... confesso que fiquei com ele
anteontem, mas a teia já estava grande, amiga, releva. Não deu para
aguentar!
(Luce) Tomara que caia a sua perseguida ou aquilo que ele chama
de pau! E garanto que deve ser pequeno!
(Laura) Você é má, Luce, fala, amiga, antes que tu desista.
(Eu) Vira essa boca para lá, Luce, eu hein. Praga! Bom, vocês não
fazem ideia quem é o meu mais novo chefe. Alguma sugestão?
(Luce) Ainda não me deram bola de cristal, criatura!
(Laura) Sei não. Fala logo, amiga! Não é a Izabela, não, né? Vai
que o marido dela... sei lá.
(Luce) Coitado do corno! Além de corno e burro, vai morrer pobre.
Izabela, a irmã de Gustavo, sempre foi apaixonada pelo Nikolas
mesmo quando trabalhava conosco na mansão. Fez intrigas, mas nunca deu
em nada e vazou em sua incansável caça por um homem rico para sustentá-
la. O cara tem o triplo de sua idade, mas cada um carrega a cruz que
merece. E, nesse caso, eu realmente sinto pena dele.
(Eu) Antes fosse ela! Lembram-se do Andrew, amigo do Nick? Bom,
é exatamente ele.
(Laura) O queeê?
(Luce) Sério? O tesudo, garanhão, Deus de Asgard e dono do
sorriso mais perfeito do mundo? Aquele homem com cara de “vou te foder
devagar e sempre”? Mulher, e tu tá pensando no gigolô sem cacife???
(Laura) Luce, menos!
(Luce) Como menos, mulher? Mais, muito mais! Multiplica senhor!
(Eu) Ele nem tá tudo isso! — minto.
(Laura) Porra! Sério? Mas e aí? O que você falou? O que ele falou,
Duda?
(Eu) O que ele falou? Ele é um babaca, Lau. Está sendo um
grosseirão. E para melhorar, ainda tem a minha outra chefe, que parece ser
pior que ele, e há rumores que eles se pegam dentro e fora da empresa.
(Luce) Amiga, se ele é grosseiro, você precisa descobrir a grossura,
entende?
(Eu) Eca, Luce! Credo!
(Laura) Luce, só você, sá! Mas, Duda, você lembra que falavam a
mesma coisa da Izabela e do Nick, né? E, no final, não tinham nada!
(Eu) Pois eu acho que é verdade! E que se dane também. Eles que
se entendam!
(Luce) Quero nem saber, preciso de mais detalhes, temos que sair
no sábado!
(Laura) Por mim, tudo bem.
(Eu) Por mim também. Bom, meninas, preciso voltar a trabalhar.
(Laura) Beijinhos...
(Luce) Ebaaaa! Beijos.
À tarde, Marla tranca-se na sala de Andrew. No começo, minha
pobre mente inocente achou que estivessem numa reunião, mas ao me ver
cercada por gemidos, percebo que as intenções deles eram outras. Tento
focar no trabalho, mas torna-se difícil quando sou trazida a uma realidade
de barulhos estridentes e rosnados.
Ligo no mesmo instante para Beth:
— Oi — diz ao me atender.
— Me distraia! — Ela fica muda por alguns minutos para logo
desmantelar-se em risos irônicos.
— Eles estão transando de novo? — gargalha.
— Isso é sério mesmo? Não é pesadelo, não? Não é fruto da minha
imaginação? — Ela responde que não. — Tem certeza? — pergunto rindo,
quando escuto Marla gritar o nome de Andrew alto demais. Arregalo os
olhos. — Meu Deus! O barulho tá alto, sabia? — falo baixinho, enquanto
Beth gargalha do outro lado da linha.
— Porra! Sorte sua que ele viajará no fim de semana. Ficará alguns
dias fora.
— Sério? Menos mal, eu não ia aguentar mais um dia assim.
Ouço Marla soltar um rosnado, como se fosse um gato no cio, e
tampo os ouvidos com ambas as mãos.
— Cara, isso é sempre que a Marla está na empresa, se acostume!
— Me acostumar? Isso é ridículo! Será que não pensam nos
funcionários? Que vergonha! — reclamo. — Será que foi por isso que a
última secretária se mandou?
— A dona Lair? Não... Ela se aposentou, coitada. Estava velha
demais! Acho que deveria até se animar quando rolava algo, porque aquela
com certeza não dava mais no coro!
— Beth!
— O quê? — gargalha.
— Coitada da senhorinha, porque, com certeza, ouvir Marla gemer
igual um animal no cio, não é música para os ouvidos de ninguém.
Com o passar do tempo, o barulho cessa e desligamos o telefone.
Não quero que eles saiam da sala e me encontrem falando no telefone
apenas para constatar o óbvio. Procuro algo na tela do computador para
tentar disfarçar o constrangimento. Acredito que meu rosto esteja da cor de
um tomate.
Depois de alguns minutos, Marla sai da sala, com o coque fora do
lugar e os lábios vermelhos e inchados. Passado algum tempo, Andrew
aparece vestido com o mesmo terno preto, que vestia mais cedo, porém, ao
contrário de sua sócia, seus cabelos estão impecavelmente arrumados e seu
terno ajustado no corpo. Seus olhos azuis me fitam e noto um brilho a mais
neles. Ele passeia as mãos pela barba espessa e encaminha-se para fora.
Distraio-me, observando seu corpo. Ainda que seja atlético, ele
possui coxas moderadamente grossas e ombros largos. Seu andar elegante,
apenas me faz lembrar os gemidos que saiam de sua sala e me vejo no lugar
de Marla.
Droga, Duda, está pensando merda!

Pronta para ir embora, observo a porta do escritório do meu chefe e


suspiro. Será que algum dia conseguiremos nos entender,
profissionalmente, sem que haja esse buraco entre nós? Sem mais
alternativas, ando até a recepção principal, notando que já não possui mais
ninguém na empresa. Aperto o botão do elevador, mas constato que esqueci
a marmita.
— Merda! — sibilo, voltando em direção à presidência.
Assim que viro no segundo corredor, bato de frente com uma parede
de músculos e, quase cairia, caso não fosse duas mãos duras e ágeis. A
primeiro momento, sinto o frescor de uma loção suave. Arregalo os olhos
ao constatar ser meu chefe. Seus cabelos estão revoltos, cobrindo boa parte
do próprio rosto, e as pontas douradas batem praticamente em minha pele.
— Desculpe, doutor. — Sinto minhas bochechas coradas.
Noto que não está usando o terno que faz parte de seu paletó. Meus
olhos se digladiam entre sua blusa social, aberta nos primeiros botões, e seu
colete cinza. Nossos rostos estão próximos demais e observo quando seus
olhos recaem, erroneamente, sobre os meus lábios.
— Tudo bem, senhorita Teixeira... — Um fio de voz rouco sai de
sua garganta.
Meu coração acelera sob a luz fraca do corredor e seu hálito quente
invade a minha pele.
— Eu preciso...
— Eu sei... — Não diz mais nada além de virar-se e me deixar
sozinha.
Respiro fundo e saio do escritório em seguida. Foda-se a marmita!
Capítulo 7

D eixo a porta bater ao entrar no


refúgio do meu escritório e
deslizo as mãos pelos cabelos, diversas vezes. Sinto meu pau morder a
cueca e bufo. Merda! Mil vezes merda! Olho ao redor e penso em arrancar a
gravata, mas lembro que já a retirei faz tempos. Corro até o toalete e molho
o rosto. Preciso tirar seu cheiro de mim.
Sinto o gelado do mármore da pia e, automaticamente, encaro meu reflexo
no espelho.
— Por que você tinha que voltar para a minha vida? — falo para
ninguém especial enquanto observo o azul dos olhos que puxei de minha
mãe.
Caminho a passos lentos até minha mesa de trabalho e jogo-me na
cadeira da presidência conforme deslizo os dedos pelos cabelos e barba.
Uma mania que adquiri desde criança, quando me vejo nervoso. É preciso
expurgar, exorcizar tudo o que ela significou para mim.
— Merda! O que veio fazer aqui? — faço a pergunta que não sai da
minha cabeça desde seu primeiro dia na empresa.
Há mais ou menos três anos, conheci a garota que tomou conta dos
meus sonhos mais íntimos. Eu pretendia passar o Natal com meu irmão
adotivo e festejar seu noivado, mas confesso que, ao colocar os olhos em
Duda, me senti atraído de imediato. Contudo, o que realmente havia
chamado a minha atenção fora a forma como Gustavo, antigo motorista de
Nick, tinha agido ao notar meu súbito interesse.
Seu profundo zelo, caracterizado pelo sentimento de posse, acendeu
antigas faíscas deixadas dentro de caixas adormecidas na minha mente. A
discussão que presenciei entre o casal, logo se tornou uma reconciliação,
seguido por um pedido de namoro sem sentido. Sem sentido, porque,
mesmo não os conhecendo a fundo, eu já havia presenciado situações
parecidas em ocasiões anteriores com pessoas próximas a mim.
Depois veio o casamento de Nick e Laura, e seu convite indecoroso
de apadrinhá-los com Duda. Nos conhecemos melhor, e descobri nela o
sabor do desejo proibido. Duda era como a maçã do pecado; à qual
cobiçamos, mas não ousamos tocar. Seu romance com o motorista de Nick
era um lembrete vívido disso e eu apenas continuei nas tangentes, assistindo
a tudo de camarote.
Gustavo sempre se irritava ao nos ver juntos. Era engraçado no
começo, porque eu gostava de desestabilizá-lo. Digladiávamos numa
disputa silenciosa e ninguém parecia ciente disso. Nem mesmo minha
companheira de casamentos e valsas, mesmo que eu soubesse o quanto a
incomodava ao grudar nossos corpos durante os ensaios.
No começo, Duda parecia tentada a me evitar. Era engraçado,
porque enquanto sua determinação em fugir era uma realidade, eu me sentia
mais inclinado a me jogar naquele precipício. E era um precipício; sem
largura, comprimento e profundidade, porque, quando pensei que estaria
prestes a emergir com nossas conversas curtas e olhares furtivos, percebi
que estava sendo usado para causar mais ciúmes em Gustavo. Ali, vi
minhas chances ruirem de vez. Não que eu quisesse ser um filho da puta no
relacionamento dos dois, mas havia esperanças dentro de mim de ser um
herói que um dia não fui capaz de ser. Um herói de um relacionamento
fadado ao fracasso.
Naquele momento, enterrei meu desejo e a vontade de me tornar seu
salvador. Não que ela não merecesse, mas entendi que Duda era apenas o
espelho de uma vida sem sentido. Algo obsoleto, que eu precisava esquecer.
Um passado que precisava permanecer em seu lugar: no passado. Por isso,
minha determinação em seguir em frente, depois do casamento de Nick,
venceu minhas boas intenções. Esqueceria seu belo rosto e amorosidade e
voltaria a me aprofundar no trabalho.
Mas nada me preparou para aquele momento: quando meus olhos
foram agraciados por uma joia preciosa. Um topázio rosé, devido a cor do
seu vestido, que envolvia suas curvas de um jeito sexy e delicioso. Ela
irradiava felicidade, no início da tarde do casamento de Nick e Laura,
enquanto entrávamos juntos no altar improvisado num dos jardins da
mansão. Durante a valsa, nossos olhos não se desviaram uma única vez e a
fiz sorrir com minhas piadas, sem graça, sobre casamentos. Não fui capaz
de poupar-lhe elogios e me surpreendi ao escutá-la confessar que adorava a
cor dos meus cabelos; algo sobre ouro maciço.
Após a valsa, não precisávamos mais da companhia um do outro,
mas permaneci próximo porque ansiava por mais imagens dela. Seriam as
últimas. Permanecendo sua tangente, fiquei à espreita e percebi algo
diferente em seu olhar, ele estava distante e triste, completamente o oposto
de mais cedo. Somente depois escutei o motivo: Gustavo havia ido embora,
assim que terminou a cerimônia.
Continuei observando, enquanto assistia sua amiga Luce tentar
animá-la. Quando Duda decidiu deixar a festa, entendi que meu ponto final
estava encaixado. Um ciclo havia se encerrado na minha vida e aquela
obsessão tinha chegado ao fim. Deixei de frequentar a mansão aos poucos e
fui questionado sobre isso pelo meu irmão. Sempre inventava viagens de
última hora e, quando não conseguia me esquivar, permanecia pouquíssimo
tempo na casa de Nick.
Até o dia que não a vi mais. Passei semanas com essa pergunta
rondando a minha mente, pensando que talvez ela tivesse se casado com
Gustavo e, quando não consegui mais conter a curiosidade, perguntei a
Izabela. Fiquei feliz por saber que Duda estava trabalhando com Nick no
banco e que havia comprado um apartamento. Mas o que me deixou
enfurecido foi saber que Gustavo havia sido um estúpido com ela, devido a
sua independência, e que às vésperas da saída da namorada, estava
dormindo com outra mulher em seu quarto na mansão.
— Foi um bafafá. — Izabela contou com desdenho. — Ela flagrou
os dois na cama, no dia seguinte, no momento que havia ido se despedir do
meu irmão. Burra! Voltou para ele na semana seguinte, como se nada
tivesse acontecido!
Dali em diante, preferi me abster da vida dela. Jamais seria um herói
para alguém, principalmente uma pessoa que mal me notava. Voltei a me
dedicar ao trabalho e continuei aproveitando da minha solteirice. Até o dia
em que a encontrei novamente, mais precisamente aqui, na minha empresa.
Primeiro o choque, sempre disposto a causar impactos monstruosos;
depois pensei se tratar de uma miragem, algum fruto fodido da minha
imaginação que adora pregar peças; por último, soube que era o destino. Só
que disposto a me foder vagarosa e definitivamente.
Deixo a escuridão nublar meus olhos ao fechá-los, pensando em
como posso ser tão estúpido, torturado pela mulher que penetrou meus
pensamentos durante um fodido ano. Como ser tão azarado? E essa noite?
Como a deixei se aproximar tanto quando jurei que não me envolveria
mais?
Dou um murro na mesa, irritado, e xingo vários palavrões.
Não, Andrew, sem chance de perder a cabeça novamente. Eu não
posso deixar acontecer. Pensando nisso, ligo para a única mulher que
consegue minha atenção diariamente: Marla Ferraz.
— Andy? O que houve, querido? — pergunta afoita.
— Gostaria de te ver hoje, pode ser? — O que fizemos mais cedo
não foi o suficiente para aliviar essa dor.
— Desculpe, querido, mas o Vítor está aqui — diz baixo. Vitor é o
noivo dela e sinto-me um idiota por isso.
Solto uma lufada de ar.
— Eu sei, me desculpe! — solto, prestes a desligar o telefone,
porém emenda:
— Não! Tudo bem. Eu darei um jeito. — Sua animação é como
lâminas afiadas em meu peito, mas Marla sempre soube do que nossa
relação é composta.
Depois de uma hora, decido sair da empresa, e direciono minha
Mercedes pelas ruas do Rio de Janeiro até chegar no Leblon. Ao chegar em
casa, sou recebido por Hope, minha pastora alemã. Ela abana o rabo de um
lado para o outro aconchegando-se entre minhas pernas.
— Ei, garota! Com saudades do papai? — pergunto, acariciando seu
pelo macio.
— Boa noite, Andy. — Carmem, minha ajudante do lar, me
cumprimenta.
— Good night[4], Carmem. Está liberada! Eu cuido da Hope, de
agora em diante! — Suas bochechas ficam mais rosadas, conforme sorri, e
suas rugas aparecem mais, denunciando seus sessenta e oito anos.
— Ainda bem. Não tenho mais pernas para essa daí. — Ela aponta
para Hope, que late duas vezes, parecendo concordar.
Assim que Carmem sai de casa, a campainha toca. Hope corre para
frente da porta, ansiosa por saber quem está por trás dela, porém, sobe para
o terraço, assim que percebe se tratar de Marla.
Não tem forma de fazê-la se dar bem com minha sócia.
— Oi, bonitão. Chamou? — Marla gruda seus lábios nos meus,
assim que abro a porta. Retribuo, tentando aliviar a vontade que continua
dentro de mim.
— Entra!
— E aquela sua cachorra maluca? — pergunta olhando para todos
os lados. É engraçado a forma como morre de medo de Hope.
— Não fala mal de minha acãopanhante — gargalho, desferindo
uma de minhas piadas, mas Marla continua séria.
— Sério! Eu queria entender de onde você tira essas piadas idiotas,
Andy.
Sorrio.
— Só vem! — Agarro seus quadris largos e envolvo-a num misto de
beijos e carícias.

— Uau! Nem parece que fizemos tudo aquilo de tarde — diz, depois
de gozarmos pela segunda vez na noite. — Por isso que o Vitor não chega
aos seus pés. — Marla puxa-me para mais um beijo, porém me desvencilho.
Detesto essa mania de me fazer lembrar do seu noivo.
— Acho que já está ficando tarde. — Levanto do sofá e visto minha
cueca boxer. — Quer tomar um banho antes de sair?
— Credo, Andy! Podia ao menos me deixar passar a noite, já que
dispensei meu noivo para ficar com você. — Seus lábios formam um
biquinho, mostrando sua indignação.
— Você sabe as regras.
— E eu as detesto — ironiza. — Não podemos ultrapassar noites e
nem quartos.
— Seria íntimo demais.
— E por que não ser? — Marla aproxima-se de mim e desliza os
dedos pela tatuagem que trago no peito. — Eu poderia repensar sobre Vitor
e outras coisas...
— Sabe que seria impossível! — Afasto-me, vendo-a vestir seu
lingerie contra sua vontade.
— Engraçado que na empresa pode... — Sinto a amargura em cada
palavra.
Sei que ela merecia bem mais e sinto-me um canalha por agir dessa
forma, mas sempre fomos isso; nada mais. Eu jamais suportaria passar uma
noite inteira ao lado de uma mulher.
— Você nunca reclamou! — Jogo o vestido em sua direção.
Seus cabelos ondulados estão emaranhados num coque mal feito,
enquanto traços delicados contrastam com seu corpo esculpido pelos deuses
das academias. Marla e eu nos conhecemos desde novos. Fizemos
faculdade juntos e considero-a uma de minhas melhores amigas, porém,
nunca passamos disso: amigos com benefícios.
Seu silêncio, após deixar meu apartamento, me dá a certeza do
quanto ficou chateada. Marla sempre assumiu um temperamento difícil, por
causa do relacionamento que tinha com a mãe, e meio que piorou após o
falecimento do seu pai. Arthur e Marla Ferraz eram mais do que pai e filha.
Eles tinham um elo que começou depois que a mãe de Marla os deixou para
fugir com outro homem.
Desde então, Arthur havia se tornado o refúgio de Marla e, quando
ele faleceu há alguns anos, deixou um capital considerável e quebrou a
única parte afável que Marla ainda demonstrava, enquanto sua mãe jamais
voltou a procurá-la. Minha sócia e eu fomos transformados em cascas,
devido às escolhas dos nossos pais, e teremos isso sempre em comum. Isso
e a nossa empresa.
Hope torna a me fazer companhia, minando aos poucos o vazio que
habita todas as minhas noites. Carmem não mora aqui e não tenho ninguém,
além de minha cadela, Nick e meus sobrinhos. O silêncio é amargo, às
vezes, mesmo que eu tenha me acostumado a tê-lo ao redor. Acaricio o pelo
mesclado de Hope, vendo-a se enroscar entre minhas pernas.
— Seremos apenas nós dois, Hope. Sempre!
A verdade é que tem um motivo para eu nunca ter deixado nem
Marla e mulher alguma passar uma noite ao meu lado. Minhas relações
íntimas duram apenas horas e nunca adicionei minhas noites a elas,
contudo, não sou um fodido mulherengo que não quer se prender a
relacionamentos.
Não!
O problema é que ninguém em sã consciência permaneceria comigo
após passar uma noite comigo. Nos meus trinta e seis anos de idade, não é
normal um empresário bem-sucedido estar solteiro, contudo, ninguém
conseguiria dormir ao lado de um homem que, em todas as noites, acorda
suado, assustado e completamente atormentado por terríveis pesadelos.
Pesadelos dos quais vivenciei na pele quando criança. Jamais exporia
alguém a isso.
O único exposto foi Nick, e seu semblante horrorizado, após ouvir
meus gritos em meio ao sossego do próprio quarto, fez com que esse desejo
de viver sozinho se intensificasse. Sou um homem quebrado, fadado a
advogar famílias e empresas em troca de capital.
Solto uma lufada de ar.
Não foi pra isso que tirei a OAB. Meu maior sonho era ajudar
famílias, mas, após conhecer os Delamont, decidi que o melhor seria me
especializar em Direito Tributário, principalmente por causa do Delamont
Bank. A Ferraz e Collins veio depois, após Marla e eu idealizarmos a ideia
na faculdade, entre bebedeiras e sexo quente. Arthur Ferraz já era
conhecido nos fóruns, devido ao seu ótimo desempenho como advogado
trabalhista, e meio que seu nome associado ao meu se tornou um chamariz
para grandes empresas. Todos sabiam sobre o menino adotivo dos
Delamont, que havia acabado de se formar. Hoje, somos o maior conjunto
de advogados no Brasil, com sedes em vários Estados.
Contudo, desde que me distanciei de Duda, passei a trabalhar mais e
a priorizar antigos projetos. Algo que era apenas um desejo e que pretendo
colocar em prática em breve, com ou sem a ajuda de Marla. Só não posso
voltar a pensar em minha nova secretária. Seria errado de todas as formas,
ainda mais depois de tudo o que fui obrigado a passar em meio ao romance
conflituoso dela com o namorado, mas confesso que sentir seu perfume
nesta tarde, reacendeu memórias que pensei estarem lacradas a sete chaves.
Resolvo tomar um banho e Hope me segue até o quarto.
A água do chuveiro está gelada e parece ótima para acabar com a
ereção formada. Pensar no quanto ela estava gostosa naquele uniforme, e
nos seus lábios avermelhados, me faz bombeá-lo.
— Porra, Duda! — Largo meu pau endurecido. — Vai para porra!
Você não vai me foder a mente de novo!
Fecho os olhos, enquanto lavo os cabelos, e tudo no que consigo
pensar é na porra do momento que a vi morder os próprios lábios.
Caralho! Sou a porra de um fodido!
Abro os olhos, automaticamente, e encaro minha ereção novamente.
Eu preciso foder essa mulher! Senão, não sei o que será de mim.
— Que porra foder, Andrew! Você precisa é fazê-la se afastar. Isso!
Quem sabe assim ela não prefira voltar a trabalhar com Nick no banco?
Seria bem melhor — divago.
É isso! Eu poderia fazê-la me odiar a ponto de se demitir. Nem que
eu pague o dobro de sua indenização, mas preciso afastá-la da Ferraz e
Collins e de mim.
Fecho os olhos, levantando a cabeça, e deixo a água cobrir meu
rosto enquanto penso no quanto estou sendo egoísta, mesmo sendo o mais
sensato a fazer.
Capítulo 8

N o dia seguinte, estou tão nervosa


que mal consigo colocar a mente
em ordem. Vejo Marla entrar na sala dela e, algum tempo depois, Andrew
aparecer. Ele balbucia um “bom dia” seco, entrando em seu escritório, sem
olhar para mim.
Após dois dias estressantes, uma vez que meu chefe mal se dignou a
falar comigo, o sábado finalmente se fez presente. Percebi que o incômodo
que eu sentia era recíproco, quando descobri — através de Beth — sobre a
viagem que Andrew havia feito na noite anterior. Confesso ter ficado
chateada, já que sou sua secretária e, pelo visto, a única na empresa por fora
de sua vida profissional. Mas sinceramente, liguei o famoso “foda-se”,
porque hoje eu preciso me divertir.
As meninas e eu marcamos de nos encontrarmos à noite num pub
em Botafogo. Como sei que Beth é solteira, a convidei também, e
marcamos de dormir aqui em casa.

À tarde, meu apartamento parece um estádio de futebol. O falatório


e as gargalhadas fazem com que eu recorde de tempos em que saíamos com
mais frequência. Uma vez que Laura engravidou e Luce arranjou um
namorado, nossas vidas tomaram rumos diferentes. Nada que não
consigamos conciliar, mas que, no fim, acaba influenciando em nosso
cotidiano. A quantidade de vestidos, blusas, calças e maquiagens
espalhadas em meu quarto me deixa nostálgica. Fazia tempos que não
tínhamos momentos como esse. E ver o quanto Luce e Laura se deram bem
com Beth, me deixa mais satisfeita ainda.
A conversa sobre Luce enganar idosos com pirulitos se torna o auge
do nosso dia. Ela conta o quanto é engraçado cuidar diariamente deles
enquanto tenta inutilmente fazer um coque no topo da cabeça.
— Luce, por que você não desiste logo? — Laura refere-se aos seus
cabelos curtos.
— Sou brasileira e não desisto nunca! — replica, enquanto nos
encara através do reflexo do espelho do meu guarda-roupa, e ri debochada
ao perceber que conseguiu o intuito. — Viu só? — E o coque desmancha-
se, mais uma vez. É unânime quando caímos na gargalhada.
Dentro do táxi, estamos todas eufóricas, e Lu menciona que
deveríamos fazer isso mais vezes.
— Pelo menos você ainda sai. — Laura retruca. — E eu que tenho
cinco pestinhas para criar? E isso inclui dois bebês e uma adolescente com
os hormônios à flor da pele, que está começando a se interessar por
meninos.
— Verdade, Luce! — Beth replica — Deus me livre ter cinco filhos.
Com um já vivo presa dentro de casa, imaginem com cinco? Sam é
maravilhoso, mas dá muito trabalho!
— Laura tem cinco por ser casada com um homem que tem
dinheiro, porque se fosse pobre não iria nem pensar em um. — Luce
gargalha, e Laura bate em seu braço.
— Quero ver quando Daniel te pedir uma penca.
— Ele que nem tente, já falei que filhos só depois de dez anos de
casados. Já basta o Hulk, que dá trabalho. — Luce responde enquanto tem
seus olhos voltados para fora do carro. Há um silêncio constrangedor que
perdura poucos segundos. Do nada, ela volta o olhar para o lugar onde
estamos e torna a sorrir. O assunto retorna para as estripulias de Hulk, o
labrador de Daniel, e não deixo de achar estranha a sua repentina mudança
de humor.
Tenho vontade de perguntar se há algo a aborrecendo, mas Lau é
mais rápida:
— E desde quando cachorro é igual a filhos, Lu? Você não tem nem
noção da diferença que é.
Finalmente chegamos em frente ao pub.
Optamos por uma das poltronas que enfeitam a parte externa do
local, e o aroma fresco das violetas existentes no canteiro ao nosso lado
deixa-me mais relaxada. É bom estar em um ambiente novo e ver pessoas
diferentes. O garçom anota o nosso pedido e não demora a trazer nossas
bebidas.
— É sério, amiga, que Alice está querendo namorar? — questiono,
bebericando a minha cerveja, depois que Laura puxa esse assunto. A
menina possui um gênio forte e o autoritarismo é sua marca registrada,
igual ao pai.
— Pois é, a pestinha tá se achando a dona do pedaço. Adolescência
é uma foda! E mal dada para cacete! — Laura reclama, arrancando-nos
várias risadas. — Mas pior do que lidar com uma adolescente em transição,
é ter que lidar com um Nikolas Delamont que parece ter saído da época das
cavernas. Gente, sério! As meninas não podem pensar em fazer um nada
que ele já quer arrumar confusão! Vocês acreditam que agora ele resolveu
colocar um detetive na cola da própria filha?
Encaro-a perplexa.
— Como assim? — Beth indaga, parecendo tão surpresa quanto eu.
— Pois é! — Laura dá uma golada em sua bebida. — Ele descobriu
que a menina estava de namorico com um coleguinha na escola e decidiu
contratar um amigo detetive. Até para Vick, que é praticamente um bebê,
sobrou...
— E ela, amiga? Como está? Ainda pergunta pela Sophia? — refiro-
me à nossa antiga chefe, a segunda esposa de Nick, verdadeira mãe de
Vitória.
— Em partes é bom não ter conhecido a mãe. Não há remorsos, nem
saudades, mas, conforme ela for crescendo, pode ficar mais difícil! —
responde avidamente.
— Quem é Sophia? — Beth inquire, e procuro explicar sempre
quando algum nome diferente surge na conversa.
— A ex do Nick. — Laura emenda. — Ela faleceu devido a um
câncer que teve no colo do útero. Mesmo sabendo que estava doente, ela
não continuou a quimioterapia, porque sabia que estava grávida. Sophia
tinha certeza que seria seu fim, mas deu sua vida pela Vitória.
— Foi bem difícil mesmo! — digo com a voz embargada,
lembrando-me de tudo o que Sophia fez por amor quando chegou ao seu
limite. Ela sempre pareceu ter a vida perfeita e no final das contas as nossas
perfeições são cheias de rachaduras. Eu sei bem!
— Que barra! — Beth traz-me de volta dos meus devaneios. — E a
menina?
— Nick e eu decidimos contar para ela sobre suas duas mamães.
Vick chama Sophia de estrelinha e pergunta sobre ela algumas vezes.
— É maravilhoso vocês não esconderem isso dela. Sempre é bom
crescer sabendo a verdade sobre essas questões de família. — Beth emenda,
e Laura concorda com a cabeça.
— Agora podemos voltar a um assunto menos mórbido, tipo a Alice
namorando e Nick surtando? — emendo, enquanto Lau dispara:
— Nick descobriu que a filha está namorando às escondidas. — Não
sei se o faz para me ajudar, ou porque realmente precisa colocar isso para
fora. — O pior é que já vi fotos do menino e o achei tão bonitinho... Todo
fofinho, de cabelos encaracolados. Já até sabemos o nome do dito-cujo.
— Sério? — perguntamos em uníssono.
— Sim, é Thiaguinho... — Dizemos um “uau” ao mesmo tempo,
enquanto Lau continua: — Mas pior é o depois.
— Conta tudo! — reforço, para não voltarmos no assunto anterior, e
parece que dá certo, uma vez que Luce diz:
— Coitada da Alice, assim não vai namorar nunca.
— Coitada de mim que fico no meio desse tiro cruzado. Vocês não
têm noção do que ele me aprontou. Nick conseguiu pegar o diário dela e
parecia prestes a morrer ao lê-lo...
— Nossa, mas como ele foi invasivo. — Lu afirma, e tento não
pensar no quanto isso soa familiar. Gustavo mostrava-se hostil quando eu
não fazia o que ele queria. — Mas e aí? O que estava escrito?
— Ela descreveu como gostaria que fosse seu primeiro beijo e
colocou o nome do menino dentro de um coração; muito fofo! — Laura dá
uma pausa para bebericar sua cerveja.
— Ah! Até que não foi tão ruim assim — respondo, sorrindo.
— Claro que não! Porém, ruim foi ver o todo poderoso Nikolas
Delamont, o grande acionista de um dos bancos mais famosos do mundo...
— ela faz aspas com os dedos — surtar, dizendo que primeiro viria um
beijo de estalinho, depois um beijo de língua... — Laura faz uma careta
feia, e uma voz grossa sai de sua garganta, como se estivesse imitando o
marido: — Logo depois o sexo e sem camisinha. — Arregalo os olhos. —
Para no final aparecer uma gravidez. — Luce é a primeira a se engasgar
com a bebida, tendo que ser socorrida por mim e por Beth. Depois de
ajudarmos a nossa amiga, não conseguimos nos segurar e caímos na
gargalhada ao mesmo tempo.
— Cara, sério? Onde esses homens vão parar com toda essa
imaginação? — Luce questiona depois de tossir durante um bom tempo, e
nós concordamos.
— Nem me fale. — Laura ri. — Pior que ele está tão focado em
Alice que parece ter esquecido que tem mais duas meninas em casa. Dora
daqui a pouco vai virar mocinha também. Não quero nem ver! E Vitória...
vocês não fazem ideia, mas a menina dá duas do Felipe.
— E a Dora, amiga? Ainda continua com aquelas.... — refiro-me a
mediunidade da menina, que desde nova tem esse lado aflorado; tanto ela
quanto Laura. Não pretendendo expô-la diante de Beth, por se tratar de sua
intimidade, tento usar códigos para que consiga me entender.
— Dora está crescendo, e muitas coisas estão ficando para trás. Ela
não comenta mais sobre seus amigos imaginários... — É o suficiente para
que eu entenda que a menina não tem tido mais visões. Não pergunto em
relação a Laura, porque sei que até hoje ela vê coisas do outro lado, como
ela mesma intitula o mundo dos não vivos.
— Mas agora conta, Duda! Sobre o Deus Nórdico... — Lu deixa
morrer a frase e engasgo com a cerveja.
— Contar o quê? — digo tossindo, enquanto Beth e Laura
gargalham.
— O que você pretende fazer agora? Vai dar para ele no escritório
ou pretende chamá-lo até seu apartamento?
— Luce! — berro, observando algumas pessoas aleatórias nos
encararem, curiosas.
— Eu dava de qualquer jeito! — Lu sibila, e Lau replica:
— Deixa o Dani te escutar.
— Falei se eu fosse a Duda! Como não sou... — Lu emenda, e tento
mudar de assunto:
— Voltando ao assunto de Alice e o namoradinho...
— Nem adianta, Duda! Nós viemos para falar sobre isso também.
— Lu torna a falar. — Você sabia, Beth, que o gostosão já foi afim da
Duda?
— Lu! — repreendo-a.
— Sério? — Beth me encara com olhos arregalados. — Eita! Então
a coisa é pior do que eu pensava.
— Não tem nada a ver! — Tento contornar a situação, mas Luce se
intromete novamente:
— Pode ter certeza que é, Beth, o Andrew faltava engoli-la com os
olhos, e ela sabe bem disso! Não é mesmo, Lau? — Bufo, e Laura dá de
ombros, mas seus olhos contradizem sua ação.
— Vamos mudar de assunto que é melhor. — Laura começa, mas
Beth a entrecorta:
— Pior porque a Marla vai engolir a Duda viva!
— A sócia de Andrew? — Lau replica, e faço que sim com a
cabeça.
— Acho melhor mudarmos esse assunto... — confesso, com receio
de fofocar sobre os meus chefes.
— Não sei quem é essa Marla, mas prefiro a Maria... — Lu dá de
ombros, e Beth confirma com a cabeça, enquanto nego várias vezes suas
divagações, pois Andrew e eu somos apenas chefe e funcionária, jamais
amigos ou qualquer outra coisa.
Aproveitamos a noite, rindo e ouvindo uma boa música ao vivo, e
vejo-me diante de três mulheres distintas. Cada uma com seus problemas
cotidianos, mas que possuem algo em comum: uma bela amizade. Fazia
tempos que eu não me sentia tão acolhida. Senti-me sozinha durante os
últimos meses, mesmo que elas estivessem presentes na minha vida, mas o
vazio que veio depois de terminar com o Gustavo me deixou arrasada.
Hoje, percebo o quanto eu precisava disso e de um ombro amigo!

Assim que Beth e eu chegamos em casa, ela menciona o quanto


adorou as meninas e que também estava precisando desse espaço, livre de
filhos e dos problemas diários. Após tomarmos banho e comermos alguma
coisa, deitamos lado a lado na minha cama e, enquanto amacia o próprio
travesseiro, relembra alguns momentos da noite.
— Foi ótimo! Suas amigas são muito legais mesmo.
— Nossas — sorrio, e ela franze a testa. — Nossas amigas! Bem-
vinda ao grupo.
Sorrio ao ouvir um som de alerta de mensagem ser notificado em
seu celular.
Grupo daZamigas:
Beth entrou no grupo.
Capítulo 9

A segunda-feira passou livre de


tensão devido à ausência do meu
chefe, que continuava viajando, porém, recebi minha compensação na terça,
após seu retorno. Acho que a saudade era tanta que ele resolveu madrugar,
chegando no escritório antes de mim, e já perdi as contas de quantas vezes
me ligou.
Seu último pedido foi um café simples, e resolvo levá-lo com um
sorriso no rosto e o máximo de delicadeza que eu conseguiria transparecer
numa terça, de manhã, mas não escondo a careta ao vê-lo largá-lo na
própria mesa.
— Senhorita Teixeira, preciso de um documento que está na pasta L.
O sobrenome dele é Martins e precisa estar no meio das pastas das pessoas
que nasceram em setembro de 1989.
Ok! É agora que peço para ele acionar a tecla REPLAY ou SAP?
Saio de sua sala, tentando focar em suas palavras, mas mal tenho
tempo para pensar, ao me jogar na frente das gavetas dos arquivos e
começar a procurar o tal documento. Será que ele faz ideia da quantidade de
pastas que tem referente a esse mês, deste mesmo ano? Praticamente
milhões. Imagina sem saber o nome e pesquisar por um sobrenome tão
comum?
Três horas depois, cansada e com o estômago quase colando nas
costas, encontro o bendito documento. Levo-o para Andrew, que nem olha
para o dito-cujo. Apenas penso nas várias formas de vê-lo desmembrado,
em meio à sua cabeleira dourada. Ver seu sorrisinho gringo, enquanto
desliza os dedos longos e pálidos nos cabelos lisos, faz-me ter uma visão
interessante da quantidade de formas que eu arrancaria cada fio deles.
Respiro fundo ao ouvi-lo comentar sem me encarar:
— Senhorita Teixeira, quero outro documento, mas acredito que a
senhorita deverá encontrá-lo apenas no meio das pastas do ano de 2015.
Porém, não lembro se está entre os relatórios de fevereiro ou março. — Ele
coloca o dedo indicador no queixo, como se estivesse pensando. — Bom,
procure nos dois, de qualquer jeito. O nome é... — Ele encara o próprio
computador, provavelmente, procurando pelo nome da pasta. — Lucas
Machado. Infelizmente, não tenho mais informações sobre o restante do
sobrenome, porém, acredito que conseguirá achar facilmente, uma vez que
foi um caso de roubo numa empresa de supermercados. Só não faço ideia
de qual seja! — Ele dá de ombros, sorrindo, e tento ficar calma conforme
concordo com a cabeça lentamente. Vejo-o virar-se de um lado para o outro
em sua cadeira reclinável, soltando um sorrisinho amarelo. Giro sobre meus
saltos altos e ouço-os batendo contra o piso de porcelanato enquanto saio de
sua sala apenas para não pensar no quanto ele está sendo babaca.
Horas depois de achar o bendito documento no ano de 2017 e no
mês de julho, levo-o à sua sala. Claro que mal se importa com ele. Respiro
fundo ao ver seu sorrisinho debochado enquanto finalmente beberica o café,
todavia, a careta que vem em seguida me irrita.
— Ms. Teixeira, horrible[3]! It’s cold and horrible![4] — diz o quanto
o café está horrível e gelado.
Reviro os olhos.
Saio de sua sala, com uma calma que acredito estar apenas na minha
imaginação, e peço outro à menina que trabalha na copa. Óbvio que minha
paciência está se esgotando, mas tento parecer uma pessoa ponderada.
Retorno com uma nova xícara e assisto-o prová-lo fazendo outra careta em
seguida.
— Ms. Teixeira, nada de açúcar!
— Of course, doctor, I'll see to it.[5] — falo que irei providenciar e
foco novamente no som dos meus saltos.
Don't freak out, Duda! Don't freak out, Duda![6] Merda! Já estou até
pedindo para não pirar em inglês. Esse homem está afetando o meu cérebro!
Entro em sua sala, quinze minutos depois, e espero-o provar
novamente a bebida.
— Senhorita Teixeira, não sabe que não bebo açúcar?
Não, doutor! E estou pouco me fodendo para isso!
Imploro pelo terceiro café na copa, para, no fim, ele simplesmente
não o tomar e pedir mais um documento para a idiota aqui. Uma hora
depois, meu querido chefe me liga de novo:
— Senhorita Teixeira, traga o que pedi! — Respiro fundo. 1.2.3
3.2.1 1.2.3 3.2.1
Sério, se eu ouvir, mais uma vez, as palavras: Ms. e Teixeira, terei
um surto psicótico! Nesse momento, juro que me vejo com uma faca na
mão, sendo presa por matar o meu chefe perfeito e CEO de uma empresa
brasileira.
Ao sair da sala dele, pela milésima vez no dia, decido ligar para
Beth e implorar para tirarmos nosso horário de almoço.
— Ele tá te irritando, né? — ela comenta, assim que me atende.
— Muito! Acho que vou pirar! — Jogo-me de qualquer jeito no
balcão, exaurida. — Preciso de um balde de cerveja só para mim.
Ela gargalha.
— Tá bom, manguaceira! Bora! Levanta daí e vamos almoçar. —
Ela desliga o telefone, e apresso-me em fazer o mesmo em meu
computador, porém não me surpreendo quando o telefone volta a tocar.
Observo o visor do aparelho apenas para constatar o óbvio, uma vez
que o ramal do meu chefe aparece nele. Fecho os olhos, segurando a cabeça
com ambas as mãos, para que não bata na mesa, já que a minha vontade é
dar com ela na madeira até que eu seja levada para um hospital, porque
dessa forma não precisaria mais lidar com ele hoje.
— Presidência! — A paciência se esvaiu.
— Ms. Teixeira — fecho os olhos e comprimo as mãos, contando
até dez —, venha até a minha sala, por gentileza. — Desligo o telefone, de
forma brusca, e encaminho-me a passos largos para lá.
Bato duas vezes na porta e entro.
— Sim, Dr. Collins. — Sinto meus dentes trincarem.
— Desmarque qualquer trabalho na parte da tarde, precisarei que me
acompanhe em um almoço de negócios. Apronte a minha agenda. Sairemos
em uma hora — diz simplesmente. Ele abaixa a cabeça, voltando a
concentrar-se nos papéis que estão em suas mãos. Deixo sua sala, sentindo
minhas bochechas pegarem fogo, tamanha é a raiva que estou sentindo, e
bato a porta com um pouco mais de força que o habitual.
Grupo daZamigas:

(Eu) Eu vou matar ele!


(Luce) Quem, amiga?
(Eu) O idiota do meu chefe!
(Luce) Mata de tanto dá para ele...
(Beth) Eu ia amar ver a Marla irritada!
(Luce) Tu é pior que eu, mulher! Adoro!
(Laura) O que houve, Duda?
(Eu ) Ele tá me deixando doida. Eu vou pirar, é sério! Beth, o
almoço está desmarcado, terei uma reunião/almoço para ir e o bonito nem
se dignou a me avisar antes. E Luce, menos!
(Beth) Não pira, tá! Normalmente quem vai é a Marla, mas como
ela não está na empresa hoje, ele deve ter tido a ideia de te escalar.
(Luce) Amiga, vai ficar tudo bem. No ruim de tudo, te ajudamos
com o corpo!
(Beth) Eu já trabalho aqui! Vai ser mais perto para mim, Lu.
(Laura) Gente, pelo amor, não deem ideias para a Luce. Duda, fica
calma! Vai lá, se maquia e fica linda.
(Beth) Não se preocupe, Duda, vai dar tudo certo!
(Eu) Obrigada, meninas! Amo vocês.

Retoco a maquiagem e, depois de algum tempo, preparo o meu


notebook, atualizando a agenda de Andrew. Dentro de poucos minutos, ele
sai de sua sala, devidamente perfumado e vestido com um terno novo. Seu
corte é reto e a cor azul turquesa realça seus olhos cristalinos e destaca mais
o alargador que traz na orelha direita. Acho que ele deve ter um estoque de
ternos dentro do escritório, só pode!
Observo os respingos de água que caem dos seus cabelos soltos e
noto que ganharam um tom mais escuro de loiro, fazendo-me perceber que
estão molhados, e constato que acabou de sair do banho. Analiso seu corpo
imponente, de soslaio, e imagino-o nu debaixo do chuveiro. Sinto meu
corpo ferver com esse pensamento. Merda, Duda! Foco! Esse homem é seu
chefe e um babaca!
Andrew sacode as madeixas de um lado para o outro, retirando o
excesso de água e, de onde estou, consigo sentir o perfume que exala delas,
mesmo com uma distância considerável. Ele diz que está pronto para sair, e
obrigo-me a me levantar, a fim de acompanhá-lo. Saímos do escritório sob
os olhares curiosos de Hanna e companhia.

Andamos lado a lado no estacionamento do prédio, e ele parece


tenso. O silêncio perpetua por todo caminho até seu carro e é sufocante. Em
momento nenhum demonstra simpatia.
Assisto-o apressar os passos na minha frente e imagino que será um
babaca, a ponto de entrar primeiro no carro, porém, para a minha surpresa,
ele abre a porta do carona antes e aguarda até que eu esteja sentada.
— Bom, para que a senhorita entenda, a reunião será de um dos
meus clientes mais antigos e seremos seu porta-voz — diz conforme liga o
motor do automóvel. — Só o que preciso é que anote tudo o que achar
importante e se atente às datas.
— Sim, doutor! — Constrangida, foco nas minhas mãos, que
descansam em meu colo.
— Normalmente, quem costuma me acompanhar é Marla, mas
como minha sócia não apareceu até agora... — Ele, de fato, parece inquieto
ao meu lado. Já é estranho estarmos trabalhando no mesmo lugar. Não sei
se é por causa da reunião, mas percebo que há algo o irritando de verdade.
Ele nem parece o mesmo Andrew que conheci um dia.
Capítulo 10

O caminho seria feito em silêncio,


caso não fosse pelo som que
reverbera através dos alto falantes do rádio. A música Perfect, do cantor Ed
Sheeran, é a calmaria num dia de tempestade. Recosto a cabeça na janela do
carro e observo, através do vidro, veículos passarem velozmente por nós,
sentindo a música penetrar minha mente.
"Você está perfeita esta noite". A voz de Ed enche meus ouvidos
com sua melodia suave.
Observo o carro parar em algum momento e deduzo se tratar do
sinal de trânsito que está vermelho. Noto quando os olhos de Andrew
penetram os meus, de forma hipnótica, e não consigo me desvencilhar.
Pego-me admirando seu belo rosto em contraste com seu semblante
carrancudo. Sinto uma vontade súbita de tocar seus cabelos sedosos, porém
me contenho.
O que esse gringo tem de babaca, tem de bonito!
Seus olhos parecem prestes a desvendar meus segredos mais íntimos
e isso perdura eternos segundos; pelo menos até sermos trazidos à
realidade, devido ao som da buzina de um dos carros que está logo atrás do
nosso. Andrew solta um sorrisinho torto, o que me faz rir também. Ele
realmente fica lindo sorrindo, muito melhor do que seu cotidiano. O som da
buzina piora, fazendo-o remexer-se em seu assento.
Ele volta a dirigir, e sinto que o clima já não parece tão pesado
quanto antes. Um tempo depois, chegamos em frente a um restaurante
sofisticado. Uma vez que ele é todo revestido por vidro de Blindex, consigo
ver seu interior pelo lado de fora. Passamos por um elegante jardim, onde
possui algumas poltronas espalhadas e plantas exóticas. A recepcionista
abre a porta principal, assim que cruzamos o ambiente.
— Reserva em nome de Andrew Collins. — Meu chefe fala para a
moça de traços ruivos que trabalha na recepção. Ela olha de forma
indiscreta para ele e, mais um pouco, teria visto sua baba escorrendo.
— Oh! Sim, senhor Collins, acompanhe-me por gentileza! — Sigo-
os e percebo que a menina não consegue andar sem rebolar.
Não posso julgá-la. O efeito Andrew consegue encharcar algumas
calcinhas.
O interior do restaurante tem um toque rústico com paredes
amadeiradas e plantas artificiais. As mesas arredondadas são extensivas e
compostas por seis lugares, porém, somos direcionados até uma mesa
retangular, no final do salão.
Meus lábios, automaticamente, se abrem em um sorriso ao encontrar
Nikolas Delamont, CEO do Delamont Bank. Ele é acionista majoritário do
banco fundado por seu pai e quase perdeu suas ações no passado, devido a
um investimento ruim. Se não fosse pela compra de algumas ações das
Bernardi, família de sua falecida esposa, provavelmente não seria o CEO
mais conhecido do Brasil, hoje em dia.
Percebo ser a única que está em pé e vejo-o estender a mão para
mim. Cumprimentamo-nos com um beijo no rosto, e noto que há mais três
homens sentados em torno da mesa. Os cachos espessos, caindo nos olhos
de um deles, parece-me familiar, mas não me recordo de onde posso
conhecê-lo.
— Senhores, boa tarde! Tive um inconveniente e Marla não pôde
me acompanhar, por esse motivo, minha secretária veio em seu lugar.
Conheçam a senhorita Maria Eduarda Teixeira. — Andrew aponta para
mim, conforme os senhores se levantam e me cumprimentam.
— Duda, que alegria te ver novamente. Laura me contou que você
está trabalhando para esse gringo. — Nick dá batidinhas leves nas costas do
meu chefe. Finjo que não ouço Andrew proliferar várias palavras feias em
inglês, enquanto Nick, mesmo tentando ser sucinto, gargalha. Os outros o
encaram sem entender nada, uma vez que meu chefe tentou ser discreto em
seu intuito.
Mesmo puxando os 1,72cm de meu pai, Nick deve ser uns 40cm
mais alto que eu. É engraçado ver um irmão ao lado do outro. Não que
Andrew seja baixo, ele é no mínimo uns vinte centímetros maior do que eu,
mas não tão alto quanto seu irmão. Seus cabelos também se contrastam:
enquanto os de Nick são tão escuros quanto a noite, os de Andrew lembram
ouro maciço. Além do contraste visual. Meu chefe é mais despojado, gosta
de ternos com recorte diferente e cores mais chamativas, ao passo que
Nikolas dá preferência ao preto convencional.
— Como o senhor está, senhor... — começo, contudo me corta:
— Sem formalidades, Duda, por gentileza. — Aceno com a cabeça.
— Estamos todos bem, obrigado! — ele sorri. — Deixe-me apresentá-la aos
demais. Esse é Rafael, meu financeiro, que você já deve conhecer. —
Parece que um estalo é acionado na minha mente. Rafael e eu já fomos
colegas de trabalho no banco de Nick.
— Oh, claro! — Estendo minha mão para cumprimentá-lo.
— Lembra-se da Duda, Rafa? — Nick pergunta, e Rafael emenda,
olhando no fundo dos meus olhos, enquanto seus lábios tocam suavemente
as costas da minha mão:
— E tem como esquecer? — ouço um estalar de língua vindo do
meu chefe.
— E esses são meus novos sócios. — Nick aponta para os outros
dois senhores e repete em inglês, provavelmente, para que consigam
entender.
— Not yet, Nick, not yet![7] — O senhor mais rechonchudo fala que
ainda não são sócios, e acho engraçada a careta que se forma em seus
lábios.
— Prazer em conhecê-los! — sinalizo em inglês, enquanto Rafael
pede, educadamente, para que eu me sente ao lado dele. Estou prestes a
aceitar, quando Andrew oferece um lugar ao seu lado.
Escuto uma risada rouca escapar da garganta de Nick e encaro-o
sem entender nada. Ele tenta conter a risada com as mãos e aponta para a
cadeira que Andrew me oferece. Sento-me ao lado do meu chefe, enquanto
Rafael acomoda-se de frente para mim, conforme os outros senhores ficam
ao lado do todo poderoso Delamont.
— Almoço primeiro. — Nick é taxativo. — Depois discutiremos
sobre trabalho.
A mesma recepcionista traz o menu, e logo os pedidos são feitos,
sobrando apenas Andrew e eu.
Acho engraçado como ela não se limita a flertar com apenas um dos
homens presentes. Seu olhar esquiva-se entre todos, sem acertar um único
alvo.
— E, então, o senhor já escolheu? — A mulher inclina-se e ajeita o
decote para deixá-lo mais evidente. A evidência é tanta que os dois
senhores, que descobri serem Logan e Washington, deixam seus olhos
caírem sobre ele.
Gustavo também nunca era capaz de disfarçar. Pelo visto, isso é algo
que todos os homens têm em comum.
Andrew encara o menu, enquanto ela foca seus olhos nele. Reviro os
olhos, porque está começando a me incomodar. Sei que não tenho nada com
nenhum desses senhores, mas eu poderia ser uma esposa ou namorada. A
falta de discrição dela é ofensiva.
Fecho o menu com um pouco mais de força, encarando-a
minuciosamente.
— Eu já sei o que pedirei! — Sou obrigada a aumentar o tom de
voz, uma vez que ela está tão entretida em Andrew que não parece me
escutar.
— Estou ouvindo... — diz sem se mover um centímetro.
— Ótimo! — Dou o meu melhor sorriso amarelo. — Vou querer um
salmão ao molho de uvas verdes e aspargos e uma salada Caesar — Seus
olhos parecem congelados. — Não vai anotar? — Aumento ainda mais o
tom de voz.
Noto olhares em minha direção, e escuto uma risada escapar da
garganta de Nick. A recepcionista enfim começa a anotar, abrindo um
sorriso sem graça.
— E o senhor? — Seu olhar volta para Andrew.
— O mesmo que o da senhorita. — Andrew encerra o assunto, e
penso que a qualquer momento ela poderá ser encontrada derretida num dos
cantos do restaurante.
— Meu Deus! Isso está mais interessante do que as novelas turcas
de Laura! — Nick solta, e encaro-o perplexa.
Turcas?
Do que será que esse homem está falando?

Passado algum tempo, os olhos escuros de Rafael viram-se na minha


direção e ele toma a liberdade de comentar:
— E então, Eduarda, sentimos a sua falta lá no Banco, pensei que o
Nick iria renovar seu contrato.
Limpo os cantos da boca, com a ajuda de um guardanapo de tecido.
— Ele até me deu essa opção, mas preferi sair e buscar novas
oportunidades. Algo que eu pudesse conseguir através dos meus esforços.
O garfo de Andrew cai no chão e franzo a testa. Ele mistura as
línguas ao solicitar outro à recepcionista.
— Bom que não demorou! — Rafael responde genuíno. — Depois
me passa seu contato. Isso, se o seu namorado não tiver nada contra, né!
Noto o brilho repentino em seus olhos e percebo suas intenções.
Uma vez lhe dei essa resposta, após um pedido sem sentido para sairmos
juntos.
— Acho que aqui não é lugar para isso, Rafael, recomponha-se! —
Andrew dispara, e noto o momento que ele começa uma briga com o
coitado do salmão. O bichinho dança em seu prato, conforme ele tenta
espetá-lo com o garfo novo.
Fico totalmente sem graça, enquanto Andrew parece incomodado;
Rafael continua mostrando os dentes, como se estivesse tudo perfeito no
mundo; os dois senhores focam numa conversa a dois e Nick continua
gargalhando como se o momento já não fosse constrangedor, o suficiente.
Acho que não tem como piorar.
Começamos a reunião com Nick explicando o motivo de tê-la
convocado. Ele menciona que pretende abrir mais uma filial no exterior e
que convidou os dois senhores para se associarem a ele, após apresentar as
estatísticas e projetos, assim como na época em que abriu as filiais de
Manhattan e Chicago.
Ajudei na ocasião, fazendo parte das transações. Para Nick é seguro
e ele não perde ações. Muito pelo contrário, só lucra. Ele investe com o
nome do seu banco, e a parte interessada entra com o capital, onerando a
maior parte dos lucros. No final, todos saem ganhando.
Nick, com uma porcentagem pequena, porém significativa, sem
contar com o fato do nome do Delamont Bank espalhado
internacionalmente e tornando-se ainda mais famoso, e os sócios
permanecendo com os lucros e uma porcentagem maior.
— E seu lucro? Não queremos nada implícito. — O senhor mais
baixo pergunta para Nick.
— Desculpem o atraso, senhores. — Uma voz soa atrás de mim, e a
reconheço de imediato: Marla. Ok! Tem como piorar.
Todos se levantam, menos eu.
— Marla... chegou um pouco atrasada, não acha? — Andrew não
esconde sua irritação.
— Desculpem, tive um contratempo com meu noivo e... — Marla
começa, porém, ao perceber a minha presença, se interrompe. Eu escutei
certo? Noivo? — Maria Eduarda... — ela faz uma breve pausa enquanto
parece perder a entonação da voz — O que faz aqui? — A pergunta era para
ser para mim, porém é totalmente direcionada ao meu chefe.
— Pedi para que a senhorita Teixeira me acompanhasse, uma vez
que você não respondia minhas mensagens e nem as ligações. — Andrew
comenta seco.
— Hm, sei! Bom, continuem, por favor, mas se quiserem posso
explicar exatamente como ficariam a divisão dos lucros e toda estrutura. —
Marla contrapõe, sentando-se numa cadeira de frente para Andrew. Ela me
lança um olhar que poderia perfurar dez dragões, caso existissem.
— Na verdade, Marla, eu iria pedir para Duda fazer isso junto com
Rafael, pois os dois trabalharam nos meus antigos projetos e sei que saberão
explicar melhor todo o procedimento. — Nick responde, e eu arregalo os
olhos, atordoada. Encaro minha chefe, que parece prestes a soltar fogo pelas
ventas. Eu disse que seu olhar mataria dragões? Estava errada! Ela, que
parece um verdadeiro dragão, uma vez que seu rosto está vermelho, como
se fosse soltar labaredas de fogo.
— Claro, Nikolas, eu entendo! — brada, nada satisfeita.
— Tudo bem? — pergunto baixinho para Andrew, que olha para
mim e assente sorrindo.
Nem parece o babaca de mais cedo!
Levanto-me, vendo Rafael fazer o mesmo. Começo meu discurso
em inglês:
— Bom, senhores, boa tarde novamente. — Sinto as pernas
falharem. Vai lá, passarinho! Juro que consigo ouvir papai sussurrar para
mim. — Quanto à porcentagem de lucros, de um total de cem por cento, os
senhores ficariam com oitenta por cento, enquanto os outros ficariam para o
senhor Delamont. — Aponto para o meu ex-chefe, e os senhores assentem.
— Porém, todo o trabalho, os pagamentos dos funcionários e as despesas
serão creditados da parte de vocês. Ah, claro! O banco será adicionado ao
Delamont Bank, dando continuidade ao trabalho dos Delamont e seus
sócios. Acredito que essas respostas já devem sanar uma boa parte das
dúvidas dos senhores.
— Oitenta e cinco por cento? — O senhor Washington tenta
barganhar Nick.
— Se me permite dizer, senhor, caso o senhor Delamont fique
apenas com quinze por cento dos lucros, não estaríamos tendo essa reunião
hoje — replico, lembrando-me do momento que Nick respondeu essa
mesma pergunta para uma de suas funcionárias.
— Mas iremos arcar com todo o resto. Funcionários, despesas, não
sei se seria interessante. — O outro comenta.
— Se não fosse, as ações do senhor Delamont não valeriam mais
nada, não acham? — Sou convicta. — Rafael, por gentileza, poderia
apresentar os gráficos contendo os ganhos anuais?
Rafael assente e, através do seu notebook, passa relatório por
relatório apresentando-lhes as porcentagens de lucros, e observo quando os
dois senhores se entreolham nitidamente interessados.
O senhor Logan é o primeiro a se levantar, e não escondo a surpresa
ao vê-lo estender uma das mãos para Nikolas, a fim de acertar a sociedade.
— Eu confio em você! — Não escondo um sorriso satisfeito.
— Bem-vindos ao grupo Delamont — Nick comenta.
O outro senhor pede para ele agradecer a mim por ter feito uma boa
apresentação, depois vira-se para Andrew e menciona o quanto ele é
sortudo por possuir uma funcionária brilhante. No fim, emenda em um
português embolado:
— Mulher de fibra!
Todos gargalhamos, menos Marla, que possui uma carranca do
tamanho do Evereste no rosto.
Andrew cumprimenta-os também, e observo um sorriso orgulhoso
se alargar em seus lábios.
— Acho que tive muita sorte! — O loiro vira-se para mim e levanta
uma de suas sobrancelhas. Pisco os olhos repetidas vezes, completamente
sem graça, quando escuto Nick pigarrear.
— Nós temos! — Marla responde em alto e bom som.
— Espero vê-la nas próximas transações, senhorita Teixeira. —
Arregalo os olhos e encaro Andrew, que apenas assente com a cabeça.
Meu chefe diz que estarei lá, o que parece deixar Marla furiosa.
Após trocarmos mais amenidades, eles se despedem, alegando terem outros
compromissos. Nick também libera Rafael, que continua no mesmo lugar.
O marido de Laura me convida para uma pequena reunião em sua casa no
fim de semana e me faz prometer convidar Luce e Daniel. Andrew encara o
irmão com um semblante carrancudo, parecendo não gostar do convite.
Como se ele tivesse algo a ver com isso! Babaca!
— Pode contar comigo! — respondo em seguida, vendo-o bufar,
conforme Nick aparenta satisfação. — Quanto a Luce e Daniel dependerá
do trabalho dela, uma vez que é enfermeira. — Faço uma breve pausa. —
Só há um problema, Nick. — Tento soar mais discreta possível. — Não sei
se você sabe, mas Gustavo e eu não estamos mais juntos e não sei se seria
uma boa ideia... — Nick assente, entendendo a questão. Noto os olhos de
Rafael cintilarem e Andrew se empertigar.
— Não se preocupe, Gustavo não mora mais comigo — encaro-o
aturdida, porém, assinto.
Gustavo saiu da casa de Nick?
— Bom, então, até sábado, Duda! — Rafael fala animado demais
para o meu gosto.
— Sábado? — Andrew o corta.
— Claro! Eu estarei na mansão também.
— Ótimo para você! — Meu chefe replica, e Marla emenda:
— Podemos ir, Andy?
— Claro! — Ele responde. — Está sem carro?
— O Vitinho me trouxe, pensei em pegar uma carona com você!
— Se quiser, posso te levar, Duda... — Rafael intercepta a conversa
dos sócios, mas é cortado por Andrew:
— Pode deixar, rapaz, se a trouxe, a levarei de volta!
Assim que me despeço de todos, sigo Marla e Andrew até o carro.
Suspiro pesado e rezo para todos os santos para conseguir chegar sã e salva
em casa.
Capítulo 11

S eguimos o percurso num silêncio


irritante. Marla parece irritada com
minha presença, mesmo que eu esteja sentada no banco de trás do carro.
Uma vez ou outra, os olhos de Andrew me esquadriam pelo retrovisor e
noto os fios dourados de suas sobrancelhas se estreitarem.
— Vai deixá-la em casa primeiro, Andy? — Marla não esconde sua
inquietude.
— A senhorita mora aonde, Maria Eduarda? — ele questiona, sem
se importar com a pergunta dela.
— No Grajaú. — respondo, sem graça, quase implorando para me
deixarem por aqui. Depois me viraria com um carro de aplicativo ou táxi.
— Te deixo primeiro, Marla. Você mora há poucos quarteirões.
Assisto-a cruzar os braços, irritada.
O caminho até a casa de Marla é realmente curto, e ela não faz
menção de se despedir quando deixa a porta bater com força ao cruzá-la.
— Marla! — Andrew chama, porém, a mulher continua andando a
passos largos até a porta do próprio condomínio, aparentemente, irritada.
— Ela vai ficar bem? — indago.
— Marla é temperamental, mas nada que o tempo não conserte. —
ele responde enquanto torna a ligar o motor do automóvel.
Voltamos para a estrada e seguimos o fluxo de carros em direção ao
Grajaú. Continuo acomodada na parte de trás, enquanto Andrew parece
focado no pequeno engarrafamento que se formou.
— Você foi muito bem hoje, senhorita Teixeira. Gostei muito do seu
desempenho. — ele fala um pouco embolado, todavia, consigo entender
perfeitamente.
— Obrigada, doutor... — Sinto minhas bochechas esquentarem
quando suas safiras se voltam mais uma vez na minha direção, através do
retrovisor.
Mais silêncio.
O carro volta a andar e agradeço aos céus por isso. Uma música
nacional começa a tocar e sorrio ao perceber que Andrew conhece bem a
letra.
— Gosta dos Los Hermanos? — questiono, vendo-o afirmar com a
cabeça. A letra de Anna Júlia toca a todo vapor pelos autofalantes do carro.
“Nunca acreditei na ilusão de ter você pra mim
Me atormenta a previsão do nosso destino
Eu passara o dia a te esperar por
você sem me notar”
Cantamos em uníssono:
“Oh, Anna Júlia
Oh, Anna Júlia”
Observo-o massagear os dedos pela barba espessa, e nossos olhares
se encontram novamente através do espelho. Consigo enxergar mais de
perto a cor dos seus olhos e somente agora noto a cor esbranquiçada que
separa o negro de suas pupilas, do azul de sua íris. Andrew me esquadrinha
também, e noto quando seus orbes descem para os meus lábios. Mordo-os,
automaticamente, ao senti-los dormentes. Permanecemos desse modo,
durantes longos segundos, até que sou trazida à realidade pelo meu celular.
Sou a primeira a desviar, e o nome de Gustavo, na tela do meu celular,
quase faz com que o aparelho caia de minhas mãos.
Encaminho a chamada para a caixa postal, mas ele torna a ligar.
— Pode atender! — Andrew menciona, enquanto diminui o volume
do som do carro, e reparo que estamos nos aproximando do bairro onde
moro. Faço que não com a cabeça e resolvo desligar o aparelho de vez.
Sentindo-me envergonhada, foco nas ruas disformes, observando
lojas e carros serem deixados para trás, enquanto sua Mercedes ganha as
ruas do Grajaú. O silêncio torna a reverberar, mas nenhum de nós dois
parece disposto a quebrá-lo.
— Obrigada! — agradeço ao ser deixada na parte da frente do meu
prédio.
Andrew apenas acena com a cabeça, e saio de seu automóvel em
seguida.

O restante da semana passou rapidamente. Meus chefes tiveram


algumas audiências e isso significou que consegui respirar com mais
tranquilidade dentro da empresa. Hoje já é sábado, e convidei Beth e seu
filho, Sam, para me acompanharem à casa de Nikolas. Luce e Daniel se
ofereceram para nos dar uma carona e, por esse motivo, preferi marcar com
Beth em minha casa.
— Ei, Sam, pode assistir televisão, se quiser — digo para o
pequeno, que possui a mesma tonalidade de cabelos da mãe. Ele me olha
desconfiado, e tento esconder a risada.
— Vai, filho, pode assistir! Enquanto isso, a mamãe vai se arrumar
e, assim que for a sua vez, te chamo, ok? — Beth solta, enquanto o menino
contrapõe:
— Vocês vão colocar aquele troço na cara de vocês? — Ele aponta
para a maleta de maquiagem em cima do sofá.
— Sim! Esconder as olheiras! — Beth ri, e ele dá de ombros:
— Quem vai ficar com a cara engraçada vai ser vocês mesmo! —
diz ao distanciar-se.
— Animador! — comento enquanto observo-o sentar-se no sofá.
— Muito! — ironiza. — Diz tudo o que vem à mente, mas pouco
sobre o pai.
— É muito ruim essa distância dos dois, não? — Ela faz que sim
com a cabeça. — Ainda bem que ele tem a você.
— Ao menos isso, né, amiga! Porque depender de homem é ruim
para porra!
Dependa apenas de você, passarinho.
Mas eu não consigo! Já tentei mil vezes e sempre caio.
Caiu uma vez, caiu duas, caiu três, levante a cabeça e tente de
novo! A bicicleta não é um monstro que merece ficar escondida
eternamente na garagem. Você tem muito o que aprender ainda sobre a
vida!
— Duda? — Beth traz-me de volta a realidade, e pisco os olhos,
atordoada.
— Desculpe, é que meu pai sempre me ensinava a ser independente.
Acho que ele ficaria feliz de ver a filha dele morando sozinha e regendo a
própria vida.
— Seu pai era um sábio!

Assim que estamos arrumadas, a campainha toca, e recebemos Luce


e Daniel, que nos dão uma carona até a mansão.
O caminho até Vargem Grande torna-se uma boa viagem, juntando a
distância, os sinais de trânsito e os pequenos engarrafamentos formados. O
tempo está fresco, mas dentro do carro faz frio, por causa do ar
condicionado ligado. À medida que adentramos a propriedade de Nick, uma
enxurrada de lembranças da época em que trabalhava aqui me invade. Os
Delamont moram numa propriedade gigantesca, onde encontramos uma
praia particular e vários jardins.
O carro faz seu tour pelo imóvel, e sorrio ao assistir os olhos de
Beth e Sammy arregalados. Conheço bem essa sensação: é aquela que
apreciamos, nos surpreendemos e ao mesmo tempo nos assustamos. Ao nos
aproximarmos do jardim de palmeiras, nome devido ao conjunto da mesma
espécie que cerca alguns bancos solitários, meus olhos lacrimejam. Esse era
um dos nossos lugares: meu e de Gustavo.
Olho para a entrada da mansão, e uma Duda aos prantos passa pela
porta. Enrugo a testa. Ela corre para dentro de um carro preto, que evapora
após dar partida. Tento buscar mais a fundo essa lembrança, mas minha
mente está confusa.
— Amiga, você viveu muitos anos aqui, não foi? — Luce traz-me
de volta à realidade, e encaro-a no banco da frente, acariciando os fios
dourados de seu namorado. Beth e Sam, sentados ao meu lado, me
observam também.
— Sim! — Encaro novamente a entrada da mansão, buscando
entender essa repentina cena, que parece ter evaporado da minha mente. —
Vivi bons momentos, conheci meus melhores amigos e aprendi a
amadurecer — digo insegura.
— Assim eu vou chorar.... — Lu faz um beicinho fofo, e solto uma
careta.
— Menos, Luce, sei que isso foi a última coisa que passou pela sua
cabeça — brinco, fato que faz todos gargalharem, porém continuo focada
na visão incerta, que não sei se é uma lembrança que esqueci ou apenas
enganação da minha mente.
— É uma puta mansão! — Beth solta, e todos fixamos os olhares na
casa de Nick.
— Você ainda não viu nada! — falo, conforme Daniel destrava as
portas do carro.
Saímos um de cada vez de dentro do veículo, e a imensidão da
mansão Delamont vem ao meu encontro. Tudo aqui remete ao meu
amadurecimento e foi através dela que aprendi a ser uma mulher
independente.
A porta principal é aberta, e vejo um vulto com cabelos castanhos
cruzá-la. Felipe acena para nós, e um sorriso escapa dos meus lábios ao vê-
lo tão comprido. Dora sai em seguida enquanto segura a mão da pequena
Vitória, que tenta correr, mas é impedida pelos dedos da mais velha.
— “Dindia” — Assistimos um pequeno vulto de cabelos quase
esbranquiçados escalar o corpo de Luce e sorrimos para Vick. Assim como
sou madrinha do pequeno Nick, Lu é dinda de Vitória. — Que "soldade".
— É saudade! — Samy a corrige e franze a testa ao receber uma
careta, com direito a língua, da garota. Vitória parece um anjinho levado,
com seus cachinhos rebeldes.
— Sam, que coisa mais feia! — Beth reclama, e o menino dá de
ombros, enquanto Luce e eu gargalhamos. — Ele sempre teve essa mania!
— Ela coloca a mão na testa, parecendo envergonhada.
— Isso é mais do que normal por aqui. — Dora dá de ombros.
— Pois é, Dora ama me corrigir! — Felipe replica e leva um tapa na
cabeça. — Ei! — Ele reclama com a gêmea. Os dois sempre brigam, mas
nunca se desgrudam. Hoje estão com nove anos.
— É só você fazer as coisas certas, que isso não acontece, garoto!
— o som da voz de Laura reverbera da porta da mansão, e vejo-a com Nick
Jr. no colo.
Tento conter a risada ao vê-lo revirar os olhos e Dora bater em sua
cabeça mais uma vez.
— Ai, Dora, de novo? — reclama, esfregando a mão no local
dolorido.
— E vou bater de novo, se não parar de falar mer... — Laura encara
a enteada, como se tivesse dois revólveres no lugar dos olhos.
— Acho que está na hora de entrarmos. — Lu coloca Vick no chão e
bate palmas caminhando até onde está a dona da casa.
— Acho que vou lá para dentro. — Dora aproveita o embalo e some
para dentro de casa, seguida pelo irmão.
— Vou procurar o Nick! — Daniel diz após cumprimentar Laura e
dar um beijo estalado nos lábios da namorada.
— Tem que pegar leve com eles, Lau! Já fomos crianças, lembra?
— Luce diz, dando dois beijos na amiga, enquanto Vick e Sammy seguram
um na mão do outro e também somem para dentro da propriedade. Beth faz
menção de segui-los, mas Laura diz que ficarão bem, deixando-a mais
calma.
— Não tô podendo, amiga! — Laura replica. — Já basta Alice com
esse namorado e Nick surtando.
— Ai, ai. Saudades da época em que eu era uma pirralha e pegava a
escola toda. — Lu balbucia.
— Amiga, para, porque até ontem, você estava pegando até o
carinha da academia que era casado... — Lau contrapõe fazendo
estranhamente Luce corar.
— Ah! Isso foi antes de conhecer o meu namorado. E para a minha
defesa, o Rick nem era mais casado, ok! — Lu rebate nos fazendo
gargalhar.
Capítulo 12

A o entrar na mansão, consigo


enxergar os gêmeos mais novos
correndo para o segundo andar. Nessa época, eu ainda era babá. O enorme
quadro pintado da família Delamont, pendurado no hall, chama a minha
atenção, e sorrio ao me lembrar desse dia. Foi difícil fazer Vitória ficar
quieta enquanto tentava roubar a mamadeira de Nick Junior.
— O que você tem, Duda? — Vejo uma Laura ilusória, de cabelos
mais curtos, perguntar, e minha amiga do presente incitar o mesmo
questionamento. Pisco os olhos diversas vezes, vendo a visão da Laura, de
cabelos mais curtos, desaparecer. — Você está estranha. — A ruiva, do
presente, emenda.
— Você se lembra do dia em que um colega de Nick veio pintar esse
retrato, Lau? — Aponto para ele.
— Sim, estávamos todos nervosos, porque o Nick Junior não parava
de chorar e só depois descobrimos que era por causa da Vick! — Laura ri
conforme olha para o filho mais novo, mas não consigo acompanhá-la.
— Como eu estava nesse dia?
— Como assim?
— Tipo, eu estava bem? — Atropelo as palavras. — Era eu mesma?
Seus olhos verdes esquadrinham os meus e ela parece pensar no que
dizer.
— Não sei explicar, fazia um tempo que você estava distante.
Sempre quieta. Lembro de perguntar o que estava acontecendo, mas... —
mas eu não gostava de falar. Completo mentalmente. Eu nunca falava.
Não respondo. Apenas assinto com a cabeça.
— Acho que você tinha discutido com o Gustavo. — Lau emenda.
— O engraçado é que eu não consigo me lembrar — confesso. —
Não faço ideia do porquê eu estava daquele jeito!
— Acho que no fundo você sabe! — ela sorri fraco. Seus olhos
procuram algo atrás de mim e franzo a testa. — Amiga, não olhe agora,
mas... — Laura começa, mas minha curiosidade fala por si só e,
automaticamente, encaro o mesmo local que ela. Andrew e Marla cruzam o
hall juntos.
Minha chefe está exuberante dentro de um vestido longo branco,
cortado em estilo canoa. Seus cabelos negros caem feito ondas pelas costas
e balançam conforme ela desliza os saltos altos no piso de porcelanato,
enquanto Andrew tem os cabelos soltos, emoldurando seu rosto. Ele está
vestido com uma t shirt branca, um blazer preto aberto, sobrepondo-a, e
uma calça jeans escura.
— Esse cara é o cara! — Lu comenta baixinho, e Laura, Beth e eu
tentamos segurar a risada.
— Se aquieta, Luce! — Lau replica, mas não tira os olhos do meu
chefe também.
— Amiga, sorry! Mas não tem como não reparar... — Beth fala
baixinho, e eu balanço a cabeça para ambos os lados, achando graça dos
comentários.
A todo tempo, noto Marla e Andrew conversando. A forma como
ele parece à vontade com sua sócia, em nada lembra o Dr. Collins
meticuloso e sisudo de cada dia. Eles parecem verdadeiramente amigos.
Desvio os olhos quando os dele fixam em mim e finjo interesse na conversa
das meninas.
Nick se aproxima, e somos apresentadas a alguns dos seus
funcionários do banco. Dentre eles, está Rafael que, ao nos encontrar, sorri
animado. A conversa flui bem por um tempo, até que todos, menos Rafael,
se dispersam. Ele continua de frente para mim e Laura.
— E, então, Duda. Como vai no trabalho novo? Gostando de
trabalhar com o Dr. Collins?
— Não é fácil, nem difícil. — Dou de ombros, e Lau emenda:
— Nem nada de outro mundo!
— Que bom! — Rafael ri, e cruzo o meu olhar com o dele, notando
seu interesse.
Percebo Nick Junior reclamar no colo da mãe, e Laura ser obrigada
a nos deixar sozinhos. Somos privilegiados por um dos garçons, que nos
serve taças de champanhe.
— Isso tudo é tão perfeito... — Franzo a testa ao vê-lo sorrir,
animado. Do que diabos esse homem está falando?
Ele parece entender a minha confusão, pois continua:
— Essa festa, nós dois aqui... — assisto-o aproximar-se mais e
cochichar no meu ouvido: — juntinhos.
Bebo o espumante de uma única vez.
Um sorrisinho sem graça se abre em meus lábios, e deixo meu olhar
vaguear pelo salão, procurando um meio de distração. Encaro rostos já
familiares, devido ao tempo que estamos aqui, e, quando finalmente
consigo focar em algo, meus olhos traidores me levam justamente para
Andrew.
Rafael fala algo que não faço ideia do que seja no pé do meu
ouvido, e noto o semblante do meu chefe se fechar, conforme o homem ao
meu lado se aproxima mais.
— Adoro conversar, jogar conversa fora... — Pisco os olhos ao vê-
lo sorrir malicioso.
Busco ajuda, procurando por uma das minhas amigas pelo salão.
Laura saiu, mas ainda tenho Beth e Luce. Encontro-as conversando
aleatoriamente em um canto qualquer e, quando os olhos de Luce se viram
para mim, conversamos através deles.
— Luce, amiga, corre aqui. — Improviso. Ela caminha na nossa
direção, e apresento os dois.
— O Rafael está doido para bater papo. — Aponto com a cabeça
para o homem, tentando sinalizar o quanto ele está sendo invasivo.
Luce arregala os olhos, mostrando entendimento, e dispara:
— Nossa! Você leu meus pensamentos. — Vejo-a abrir os braços de
forma teatral. — Precisava mesmo de sua ajuda!
— Hm... — Tento disfarçar, porque definitivamente não tenho a
menor ideia do que esteja passando em sua cabeça.
— Eu precisava... — Lu pega na minha mão, e espero ser levada
para um lugar bem longe da vista de Rafael, que a observa como se ela
estivesse interrompendo uma grande foda. O que na mente dele deve ser
verdade.
— Com tantas amigas espalhadas por aí, precisava ser justamente a
Duda? — ele rebate, e sinto Luce me soltar, instantaneamente. — Chama a
Laura, já que a casa é dela! Garanto que vai te ajudar bem mais.
Estreito os olhos. É óbvio que ela nunca deixaria isso passar.
— Bom. — Lu coloca as mãos sobre a cintura. — Já que está tão
disposto a se intrometer em assunto de mulheres, falo aqui mesmo! — Um
sorriso malicioso enfeita o semblante dela. Suas bochechas estão mais
coradas e sua raiva é eminente. Ela aproxima-se devagar, falando num tom
audível apenas para nós três.
— Você tem tampax[8], Rafael? — Ele arregala os olhos ao mesmo
tempo em que seguro a testa. — OB, absorvente íntimo, tampão? — Ela
diminui mais a distância e seu tom de voz. — Modess[9]... — Rafael se
apressa em dizer que não com a cabeça, assinalando com as mãos, mas é
interrompido: — Aquilo que nós mulheres somos obrigadas a usar quando
estamos naqueles dias, o que é meu caso nesse momento! — Lu força um
sorriso.
— Beleza! Eu te libero, Duda! Vai lá. — ele responde, incerto.
— Ah, você libera? — Conforme Lu dispara, lembro-me de
Gustavo usar essa mesma palavra, referindo-se a mim diante dos nossos
amigos. — E quem você pensa que é para dizer o que ela deve ou não
fazer?
Pisco os olhos algumas vezes, medindo as palavras de minha amiga.
Quem você pensa que é para dizer o que ela deve ou não fazer? Por algum
motivo, daqueles bem tortuosos, noto um duplo sentido. Parece que vejo-a
dizendo isso para o meu ex. Não que ela já o tenha feito alguma vez, mas é
como se tivesse vontade de fazer e somente não pudesse. Seguro os punhos
de Lu, percebendo que está exaltada, com receio que acabe partindo para
cima de Rafael.
— Acho que ela não está bem! — digo baixinho, assistindo-o
assentir com a cabeça mais vezes do que consigo contar, e ele sinaliza que
está tudo bem. — Depois conversamos... — deixo morrer a frase, enquanto
seus lábios se abrem num sorriso animado, fazendo Lu completar:
— Seria ótimo!
Ele empertiga os ombros.
— Vamos deixar para outro dia, meninas, lembrei que preciso ir
embora mais cedo. — Rafael atropela as palavras.
— Tem certeza? — questiono, vendo-o afastar-se aos tropeços.
Lu caminha na direção contrária, e percebo que está andando na
direção do banheiro social.
— Ei, Lu! — Sigo-a, tentando entender sua irritação. — Lu?
Seus cabelos escuros se voltam na minha direção, e ela solta uma
lufada de ar.
— Você precisa parar de ter medo! — Solta devagar.
— Medo?
— Sim! Você tem medo de se expor, não sei, e acaba fazendo tudo o
que querem. — Mais uma vez o duplo sentido.
O corredor torna-se menor.
— Acho que preciso... — Aponto para o banheiro, passando por ela,
mas paro ao ser puxada pelo braço. Seus olhos escuros esquadriam os meus
e, pela primeira vez, vejo seriedade neles.
— Se liberta, Duda! Ouça a mulher que existe dentro de você.
Meus olhos se enchem de água, mas não quero que me veja chorar,
por isso, corro para dentro do banheiro o mais rápido que consigo.
Tranco a porta e não consigo evitar de me encarar no espelho. Pisco
os olhos tentando inutilmente fazer as lágrimas se afastarem.
Você tem medo de se expor e acaba fazendo tudo o que querem. As
palavras de Luce martelam a minha mente e se embolam com as de meu
pai: Dependa apenas de você, passarinho!
Lágrimas escuras mancham a pia, e noto que meu rímel está se
desfazendo.
— Alguém pode ver a gente! — eu dizia para Gustavo, enquanto
algumas pessoas passavam por nós. Estávamos escondidos no gazebo,
durante o baile de máscaras que Sophia e Nick deram há alguns anos.
— Ninguém vai ver a gente, paixão.
— Eu não estou muito confortável... — confessei.
Trocamos alguns beijos, que logo viraram toques nada sutis com
seus dedos. Primeiro deslizaram pelos meus seios, mesmo que eu tentasse
tirá-los com frequência, depois foram descendo para as minhas coxas,
para, no final, senti-los debaixo do meu vestido.
— Ai! — reclamei quando seus dedos me invadiram.
— Não vai doer nada...
Naquele dia, eu não havia perdido a virgindade, mas foi meu
primeiro contato íntimo com um homem. Mesmo sendo gostoso, depois de
um tempo, sentindo meu primeiro orgasmo, hoje, questiono se sua atitude
foi a correta.
Capítulo 13

S aio do banheiro, atordoada,


voltando para o salão. Encontro
Nick conversando com Laura, Andrew e Marla. Procuro Luce nos rostos
dos convidados, mas não a encontro. Acho que realmente ficou chateada.
Nikolas, sempre solícito, me convida para me juntar à sua rodinha de
amigos, e Andrew e eu nos entreolhamos.
— Boa noite, doutores — cumprimento-os, um pouco sem graça.
— Em minha casa, Duda, eles serão sempre Andrew e Marla. —
Nick diz dando uma piscadela, e Marla me cumprimenta sem vontade.
— Como vai, srta. Teixeira? — Andrew pergunta, e apenas
respondo o necessário.
— Amor, Duda comandou nossa reunião na terça-feira. — Nikolas
refere-se à esposa. — Fiquei muito satisfeito e acredito não ter sido o único,
não é mesmo, Andy? — Nikolas encara o meu chefe, que apenas confirma
com a cabeça.
— Pois eu já sabia que minha amiga era brilhante! — Laura sorri, e
sinto que pretendia falar mais, mas o som do meu telefone a impede. Pela
tela do celular, vejo que se trata de um número desconhecido.
— Fique à vontade para atender. — Nick informa, e atendo no
segundo toque.
— Duda! — Reconheço a voz de Gustavo. Laura franze o cenho. —
Onde você tá? Estou na frente do seu apartamento, tocando um caralhão de
vezes na campainha e nada! — Simples assim.
— Podemos conversar depois?
— Vai demorar? Te busco agora!
— Eu não estou perto de casa. — Ele bufa e emenda:
— Vou te dar dez minutos para me dizer onde se enfiou. — Sua voz
é dura. — E com quem... Que porra de música é essa?
Gustavo começa a gritar, dizendo que irá me encontrar aonde quer
que eu esteja, e reparo que pelos olhares à minha volta, há uma grande
chance de que todos estejam o escutando. Lágrimas apontam em meus
olhos e tento contê-las sem que percebam, mas as safiras de Andrew me
flagram.
Levanto um dedo em riste, pedindo-lhes um minuto, e me distancio.
Sem me dar conta, paro do lado de fora da mansão, mais precisamente no
jardim do chafariz de anjo. Ele espirra água pela boca, e observo algumas
rachaduras em seu corpo. Resolvo me sentar num dos bancos que o cerca.
— Gustavo, eu não tô em casa! — Minha voz sai tremida. —
Podemos conversar outra hora?
— Que merda de barulho era aquele? Onde se enfiou?
— Nós não temos mais nada, Gustavo, por favor... — Deixo a frase
morrer aos poucos enquanto ouço a respiração dele se descompassar.
— Vou perguntar apenas uma vez, Duda. — ele diminui o tom de
voz, e percebo o anjinho desfocar-se aos poucos devido às lágrimas que
voltam a incomodar. — Me fala. Onde. Você. Está! — fala pausadamente.
— N-não te devo satisfações! — Tento impedir que as lágrimas
caiam, mas elas molham o meu colo.
— Ah, vai ser assim, então? Ótimo! Depois não reclame! — O
duplo sentido mais uma vez. Penso em todas as mulheres que ele poderia
dormir essa noite e estou pronta para revelar onde estou. Se ele viesse me
buscar, ficaríamos juntos novamente e acabaríamos com esse sofrimento.
Quando estou prestes a falar exatamente isso, escuto passos atrás de mim.
Andrew para ao lado do banco que estou sentada, mas não olha na minha
direção. Ele está focado no anjo nu, que jorra água, enquanto Gustavo diz
palavras que me ferem intimamente. — ...e você sempre pede para
voltarmos.
Não sei se devido à vergonha ou uma coragem recém-adquirida,
desligo o telefone.
Lágrimas despencam violentamente quando ele torna a ligar. Uma,
duas, três... cinco vezes, até que desligo o telefone de vez.
De fato, penso nas vezes que lhe pedi outra chance. Fui tola em
acreditar demais, mesmo sendo em prol do amor. Inúmeras cartas com
marcas de lágrimas, inúmeros momentos onde duvidei de mim mesma,
várias situações constrangedoras. Épocas em que me culpei por não darmos
certo.
Andrew senta-se ao meu lado e não diz nada. Apreciamos a água
jorrar da boca do anjo, desmanchando-se no lago cheio de peixinhos
vermelhos. Permanecemos desse modo, durante longos minutos, até que
percebo minhas lágrimas secarem.
— Dia difícil?
— Muito — sorrio, sem humor. — Mas vou ficar bem, sempre fico!
— soluço.
— Ainda é aquele cara?
Franzo o cenho. Ele se lembra do Gustavo?
— Ele... — Não tenho forças para continuar.
— Se serve de consolo, nunca fui com a cara dele. — Uma risada
escapa da minha garganta. — Quer ir para casa?
Casa? Gustavo está lá e sei que não posso vê-lo agora. Eu acabaria
cedendo novamente, mesmo depois de tudo.
— Minha casa não seria um bom lugar — confesso.
— Por que não fica aqui na casa de Laura?
— Com Damiana e Josefo? — Faço que não com a cabeça, e ele
entende. Por serem pais de Gustavo, contariam para ele. — E eu não
gostaria de chatear as minhas amigas com meus problemas. — Penso em
Luce agora há pouco, irritada por eu não conseguir tomar uma atitude.
— Elas são suas amigas acima de tudo. Garanto que não se
incomodariam, mas se preferir, posso te levar para um lugar longe de tudo e
todos.
— Não tenho dinheiro para hotéis caros! — brinco, mesmo sabendo
que é verdade.
— Insisto, Duda, por minha conta. — Arregalo os olhos ao vê-lo
pronunciar meu apelido. Desde que trabalhamos juntos, tem me tratado de
forma tão seca e profissional que havia esquecido que o conhecia de antes.
— Por favor... — Não é uma pergunta, tão pouco afirmação. Seus olhos
recaem sobre mim, e é a primeira vez que vejo o Andrew que um dia
conheci.
— Acho que qualquer lugar seria bem-vindo agora.
— Nossa! Partiu meu coração. — Ele exagera, levando a mão ao
coração, e emendo:
— Não foi o que eu quis dizer. — Não escondo um sorriso. — Mas
não queria voltar lá para dentro agora. Devo estar horrível depois de borrar
a maquiagem que Beth se empenhou em fazer. E as meninas
questionariam... — Deixo o assunto morrer.
— Tudo bem, fazemos assim: saímos agora e depois você envia uma
mensagem para suas amigas para que não fiquem preocupadas, ok? —
Andrew levanta-se rapidamente e estende sua mão para mim conforme olha
dentro dos meus olhos. Seguro-a firme e ficamos um de frente para o outro.
— E só para constar, mesmo que você tente muito, jamais ficaria menos que
linda!
Engulo em seco.
Não há palavras para esse momento; apenas meu peito inflando. O
Andrew que um dia conheci, aquele gentil e altruísta, ainda está ali. E
mesmo que não sejamos amigos, é bom me sentir acolhida.
Capítulo 14

N ão sei em que momento me


coloquei nessa situação. Que
porra estou fazendo? Cadê o Collins que jurou infernizá-la?
Mas como fazer isso, diante de sua vulnerabilidade? Mesmo depois
do término de seu relacionamento, Duda continua presa ao passado. E a
prova está em cada uma das lágrimas que derramou hoje.
O engraçado é que para uma pessoa que convive com ela todos os
dias, não percebe pelo que está passando. Normalmente, o rosto de
mulheres maquiadas misturado às lágrimas, viram um emaranhado disforme
e borrões negros, mas na mulher ao meu lado, a tristeza seria evidenciada
apenas pela ponta do seu nariz, que se encontra avermelhada.
Para mim, sua maquiagem é uma metáfora. Algo que serviria apenas
para esconder sua dor. A dor de um Coringa; o palhaço que sorri para seu
público, mas chora quando não há ninguém por perto. Aquele que maquia
seus piores pesadelos, apenas para que ninguém os enxergue.
Guio-a até meu carro e invento um contratempo para Marla. Para
Nick, digo a verdade, uma vez que preciso que minha mensagem se estenda
à Laura e suas amigas, e o filho da puta me envia um áudio de meio minuto
com apenas sua gargalhada. Sem paciência, peço que arranje um motorista
para levar Beth para casa, uma vez que acompanhava Duda.
Limito-me a dirigir, olhando uma vez ou outra para a loira ao lado.
Seus dedos tamborilam na calça de couro que está usando, demonstrando
sua ansiedade.
— Ansiosa? — Aponto para seus dedos trêmulos, e ela para
automaticamente.
— Oh! Isso? Deve ser. — brinca, e franzo a testa.
— Sério! Eu tenho. Tomo remédio para isso — sorrio.
— Remédio? — questiona.
— Sim, não é nada demais, mas ajuda a me controlar. Deveria
procurar um médico para ver se precisa.
— Tô achando estranho você falante e simpático! — Ela procura
mudar de assunto. O Coringa contra-atacando.
— Tenho meus momentos.
Passamos em frente ao calçadão do Leblon e somente agora percebo
que a trouxe para minha casa. Duda parece notar, pois questiona:
— O que estamos fazendo aqui?
— Acho que acabei vindo para o meu apartamento. — Coço a
cabeça, sem jeito. Ela permanece quieta e pensativa, mas com olhos atentos.
Há desconfiança em suas ações e não posso julgá-la. Prometi levá-la a um
lugar sossegado, sem jamais mencionar minha casa. O que em sua cabeça
deve ser um lugar para homens solteiros, mal-intencionados, mesmo que
não se adeque a mim. — Se quiser, tem uns hotéis por aqui — minimizo,
demonstrando respeito.
— Não poderia pagar algo por aqui.
— Eu pagaria com toda certeza, mas...— Jurei enterrar essa parte
que deixei para trás e, mesmo que seja um pedaço mínimo, acho um bom
momento para compartilhá-lo devido ao medo de deixá-la escorregar pelas
minhas mãos de vez. Ok! Era para eu ser um chefe filho da puta, devido ao
tempo que fui feito de tolo por essa mesma mulher, mas a quem quero
enganar? Ela não merece essa merda! — Eu não sei o que aconteceu entre
você e o motorista de Nick, mas sei tudo sobre medo e dor. — Vejo-a
levantar uma sobrancelha. — Vivenciei coisas que ninguém deveria passar.
— Seus dedos voltam a tamborilar. — Posso te fazer uma pergunta? —
Paramos por causa de um sinal de trânsito vermelho.
Ela assente com a cabeça, e noto quando lágrimas novas recaem
sobre suas mãos.
— Ele, alguma vez, encostou em você de forma bruta? — pergunto
baixinho, com medo de sua resposta, enquanto aproximo o carro do prédio
onde moro. Observo-a soluçar e apenas franzir o cenho, seu olhar vago
adiante de nós. Não sei bem se é uma resposta, mas Duda acena que não de
forma incerta, deixando-nos em uma incógnita. É como se ela mesma não
soubesse o que responder. — Ok! — Solto uma lufada de ar. — Ele já
gritou ou te ofendeu alguma vez?
Ela sinaliza que sim apenas uma vez. Eu estava certo quanto ao
Coringa.
— Certo! Vocês ainda estão juntos? — Faz que não com a cabeça.
— Você gostaria de subir? — Aponto para o meu prédio e, ao obter seus
olhos em minha direção, percebo quase uma súplica. Um pedido silencioso
para que a leve para qualquer lugar longe de Gustavo. — Ok!
Encaminho o carro até o estacionamento do prédio e aguardo até
que esteja recomposta.
— Pronta? — Sinaliza que sim, mas ainda vejo incerteza em seu
olhar. Pior que a entendo, é difícil voltar a confiar em alguém.
Caminhamos lado a lado e, ao entrarmos no elevador, vejo-a
analisar seu reflexo no espelho. Percebo que não há mais indícios de que
esteve chorando. O Coringa aparece outra vez em torno de um sorriso.
Preocupa-me seu misto de emoções e me pergunto quantas vezes já
precisou escondê-las.
Após adentrar o meu apartamento, damos de cara com Carmem, que
observa Duda, confusa. Em contrapartida, a loira parece mais tranquila ao
perceber que não estaremos sozinhos.
— Olá! — Duda cumprimenta, sutil. Apresento as duas, e Carmem
não esconde um sorriso cheio de segundas intenções casamenteiras. Ela
sonha em me ver casado.
— Eu esqueci de pedir para prender a Hope. — Carmen assente,
enquanto Duda olha para mim, curiosa.
— Hope?
— Está lá em cima, menino. — Carmem se apressa em responder.
— Agora é tarde...
— Quem é...? — Duda começa, mas logo é surpreendida pela figura
de minha pastora Alemã parada no corredor que dá para o terraço. — Uau!
— Não precisa ter medo! — sorrio. — Vem, minha linda! — Chamo
minha cadela, que caminha lentamente sobre as quatro patas. Seu porte
grande realmente impressiona, mas noto que Duda não se acovarda. Hope
acaricia minhas pernas, com seu pelo macio, e abana o rabo quando
devolvo o gesto. Logo depois, ela decide fazer sua inspeção em nossa
convidada. Seu focinho trabalha arduamente e gargalhamos ao assisti-la
espirrar.
— Será que é meu perfume? — Duda ri, e Carmem a acompanha.
— Acho meio difícil... — seu perfume é perfeito, emendo
mentalmente, observando minha cachorra esfregar os pelos em suas pernas
grossas.
— Essa é a Hope! — Duda se coloca à altura de minha pastora
alemã e as duas se entreolham. Ela dá o primeiro passo, e não escondo a
preocupação ao vê-la acariciar a cabeça de Hope. Porém, um sorriso
irrompe meus lábios ao assistir minha cadela lamber o rosto da loira.
— Ei! — Duda ri e cai no chão após Hope resolver deitar em cima
dela.
— Ela é linda, estou realmente encantada. — A loira diz em meio às
lambidas da Pastora Alemã.
Os lábios de Carmem se abrem de orelha a orelha.
— Acho que ela gostou da menina!
— Pois eu tenho certeza! — comento ao observá-las deitadas no
chão, enquanto brincam.
— E penso que não foi só ela... — diz em meu ouvido, o que a faz
roubar minha atenção. Ela volta para a cozinha deixando-me intrigado com
o suor das minhas mãos e coração acelerado.
Capítulo 15

C onfesso que, quando percebi que


havia sido trazida para a frente do
prédio onde meu chefe mora, fiquei preocupada. Primeiro, por mal nos
conhecermos, segundo, por instinto.
A primeira coisa que pensei foi que ele poderia se aproveitar da
situação. Mas depois, percebi o quanto estava sendo imatura, enquanto
Andrew respeitoso, além de irmão de Nick. Sem contar que ainda tem o
Gustavo. Não faço ideia se ele continua na frente do meu apartamento, mas
preferi não correr riscos. Ao dar de cara com Carmem dentro do
apartamento gigantesco, pude respirar com mais alívio. Percebi que
realmente não tinha sido trazida para um matadouro. Muito pelo contrário,
o lugar é espaçoso e aconchegante, revestido por móveis claros, mas
impessoal como seu escritório. Nenhum porta-retratos, nada que remeta à
família ou seu passado.
Conhecer Hope, foi a cereja do bolo. Amo animais e principalmente
cachorros. Ela pode ser enorme, mas é inofensiva. Encaro Andrew e solto
um sorriso involuntário. Ele parece perdido nos próprios pensamentos.
— Vamos, garota, hora de comer! — Andrew refere-se à cadela, que
o observa desconfiada. Suas orelhas estão levantadas, enquanto continuo a
pequena massagem embaixo de sua cabeça, que tomba para o lado,
aparentemente analisando a situação. Ela parece estar decidindo entre
minhas carícias e a comida.
— Eu te acompanho. — Levanto-me, vendo-a ficar de pé também, o
que faz Andrew sorrir, sem emoção. — Acho que tem alguém com ciúmes
— digo para Hope, achando engraçado a careta que ele faz.
Vejo-a passar por Andrew e sigo-os. Adentramos o corredor e
subimos algumas escadas, saindo em um imenso terraço. O canil é
praticamente colado nas escadas e aguardo enquanto ele cuida de seus
afazeres caninos.
Decididos a deixá-la à vontade com suas vasilhas de água e ração,
aproveito para observar em volta e percebo que há um conjunto de
poltronas e Ombrelones[10] espalhados pelo lugar. Eles ajudam a esconder o
sol, que está mais fraco devido ao fim da tarde. Sinto uma mão quente na
minha e deixo Andrew me levar até o muro. A vista da praia é maravilhosa
e transmite paz.
— Nossa! Aqui é lindo! — balbucio, vendo-o sorrir enquanto seus
olhos estão voltados para a praia do Leblon.
— Muito! — diz ao me encarar. Sinto minhas bochechas
esquentarem à medida que seus olhos azuis perscrutam os meus. Meu
coração tamborila forte no peito e tenho receio dele escutar.
— Duda, não quero ser indelicado, mas vi como ficou hoje. Você
gostaria de conversar sobre isso? Precisa de alguma ajuda? Sabe que sou
advogado e posso providenciar uma ordem de restrição contra esse... — Ele
dá uma pausa breve. — Esse cara.
Penso no que está me propondo. Uma ordem de restrição me
ajudaria em relação ao Gustavo? Eu tenho quase certeza que não, mas quem
sabe essa ideia poderia me ajudar em pelo menos fazê-lo parar de entrar em
meu prédio, sem meu consentimento.
— Eu jamais teria como pagar por isso.
— Nunca cobraria algo assim… — sorrio.
— Na verdade, não sei! — Vejo as ondas da praia baterem. — Não
faço ideia do que fazer nessa situação. Eu não acredito que o Gustavo seria
capaz de algo tão absurdo ou... — afasto da minha mente qualquer
tentativa de tentar voltar ao passado e desvendar se ele seria capaz ou não.
Esses anos são muito confusos e não são algo que eu queira, nesse
momento, olhar de perto. — Confesso que tenho um pouco de medo. —
assumo o que é nítido aos olhos de todos.
— Você me disse que ele nunca encostou em você, o que me deixa
mais tranquilo — assinto vagamente, meus olhos apenas acompanhando o
curso das ondas e me deixando confortável em minha confusão. — Mas ele
já lhe faltou com respeito e gritou.
Não é uma pergunta.
Flashes de situações que me lembro bem surgem na mente, e penso
nas vezes que me vi chorando por passar por algum constrangimento.
Gustavo me deixou sozinha várias vezes devido aos seus ciúmes
excessivos, e já discutimos, eu envergonhada e ele bêbado, enquanto gritava
para quem quisesse ouvir assuntos que eu considerava pessoal.
— Duda, você precisa entender que ninguém é obrigado a estar em
um relacionamento que não é saudável.
— Eu sei — encaro-o, tentando cortá-lo. Eu já sei o que significa
relacionamento abusivo, mas acho que é muito sério pensar que vivi um.
Andrew coloca um dedo sobre os meus lábios e suas safiras me
hipnotizam. Enquanto ouço o som das ondas batendo, percebo que ele
consegue ver dentro de mim. O aroma de seu perfume me abraçando,
conforme tenho seu rosto cada vez mais próximo. Sinto dedos percorrerem
o contorno dos meus lábios, fazendo-me mordê-los.
Ele xinga baixinho.
— Baby... — Sua voz é uma linha fina e eriçam os pelos do meu
corpo. Ele inclina o corpo sobre mim e arregalo os olhos diante de sua
proximidade. — Eu vou, enfim, te beijar — anuncia, enquanto fecho os
olhos automaticamente.
Andrew pressiona os lábios nos meus e suga-os com veemência,
conforme tento controlar minha respiração. Ele puxa minha cintura para
mais perto, à medida que deslizo os dedos entre seus cabelos sedosos.
Sua língua pede passagem e ensaiamos uma valsa lenta e deliciosa.
Sua urgência inflama meus ossos e vejo-me estilhaçada ao seu bel prazer.
Não é como se fosse meu primeiro beijo, mas é a primeira vez em anos que
beijo alguém, além de Gustavo.
— Você está me enlouquecendo! — confessa. Sei o quanto parece
errado, mas a necessidade faz-me arrancar seu blazer, que mais um pouco
ficaria preso no seu braço. Ele gargalha com os lábios grudados nos meus,
ao se livrar da roupa, e acompanho-o. — Se eu morresse agora, morreria
feliz por te ver sorrindo de novo.
Seus lábios reivindicam os meus novamente, e sinto as pernas
tremerem conforme o seu toque queima a minha pele, seja em meus lábios
ou quando próximos ao meu ouvido.
— Puta merda! — Brasa; somos pura brasa. A combustão que
aquece seus dedos toca cada parte do meu corpo e isso reverte em minha
intimidade. Seu joelho pressiona minha boceta e sinto a cremosidade
refestelar minha roupa íntima. Seus dedos encontram meus seios e permito-
o beliscá-los. Abro mais a perna e seu joelho praticamente entra por dentro
do meu lingerie. — Eu quero você! — É sua sentença.
Abro os olhos. Que merda estou pensando? Isso está errado de todas
as formas. Pronta para dizer o quanto isso tudo é errado, sou trazida à
realidade por Hope.
— O que foi, garota?
Vejo-a abanar o rabinho e se aproximar, cautelosamente, segurando
uma bolinha com a boca.
Capítulo 16

M inhas pernas bambeiam e


meus cabelos são um
emaranhado. Lembro-me, veemente, de uma Marla com expressão de sexo
e olhos selvagens, após passar uma tarde inteira trancafiada no escritório do
mesmo homem que agora está brincando com sua Pastora Alemã. Isso só
pode ser brincadeira!
Junto-me aos dois, observando a interação deles. Penso em puxar
uma conversa sobre beijos inconsequentes, mas simplesmente desisto ao
assistir Andrew pegar a bolinha da boca de Hope e jogá-la para longe. Vejo-
a correr animada, pegar a bola com a boca e trazê-la de volta.
Eles fazem isso diversas vezes e seria chato de minha parte
atrapalhar essa interação.
— Quer tentar? — Andrew joga a bola na minha direção e pego-a
no ar. Hope está atenta e pula enquanto aguarda a minha deixa. Ela vai e
volta rapidamente com a bolinha na boca.
— Ela é tão esperta! — falo depois de jogar o objeto pela quinta
vez.
— Sim, Hope é muito especial para mim. A encontrei, muito
pequena, dentro de uma lata de lixo. Ela estava com outro cachorrinho. Ele
estava morto! — Seus olhos parecem nublados.
— Sinto muito, Andrew. — Vejo-o franzir a testa e acabo fazendo o
mesmo. O que foi que...? Mas lembro-me de ter usado apenas seu nome;
sem formalidades. Encaro o chão e sorrio. O que é mera formalidade diante
do beijo que protagonizamos agora há pouco? — Ela tem sorte de ter você!
— Foco no assunto.
Sinto o peito tamborilar forte. Seus olhos estão em mim e percebo
minhas bochechas esquentarem. Envergonhada, olho para o céu, que está
ganhando tons amarelados conforme o sol se põe. As luminárias do jardim
se acendem e os refletores esverdeados ganham a noite.
— Nos entendemos bem. Hope é a única família que tenho, assim
como Carmem e Nick. — fala, enquanto a cachorra retorna com a bolinha
na boca. Ela cospe-a no chão e se encaminha para o canil. — Acho que
cansou. — Faço que sim com a cabeça. — Vamos descer.
Ao voltarmos para o andar de baixo, Carmen informa que o jantar já
está servido. Acho engraçado ter alguém para me servir, uma vez que esse
lugar sempre me pertenceu.
— Doutor Coll... — Ele me corta:
— Só Andrew, Duda.
— O senhor... — Ele lança um olhar irritado, e tento contornar a
situação: — Você disse que Hope, Nick e Carmen são sua única família.
Seus pais não são vivos?
Seus ombros tencionam. Ele encara o próprio prato de comida e
permanece mudo, sem mover um músculo sequer. Sinto sua ferida aberta e
lembro-me do que falou referente ao seu passado; do quanto foi sombrio.
Quando penso que o assunto está encerrado, ouço-o dizer:
— Os perdi cedo demais. — E isso é tudo.
Depois do jantar, percebo que o clima entre nós mudou. Andrew se
fechou no próprio quarto, enquanto fui colocada num cômodo em frente ao
dele. Carmem me emprestou uma camisa social do patrão e, mesmo limpa,
ainda sinto o perfume masculino nela. Aninho-me como posso debaixo dos
cobertores e deixo que o mundo dos sonhos me envolva.
Em algum momento, acordo atordoada e encaro o relógio em cima
da escrivaninha que possui ao lado da minha cama. São quase três horas da
madrugada.
Pego o meu celular, de modo a checar as mensagens.
Grupo daZamigas
(Laura) Duda, ficou tudo bem? Ficamos preocupadas.
(Luce) Pois é, me desculpe, amiga. Eu e a minha sutileza...
(Laura) Tão sutil quanto um trator.
(Luce) Um trator fofo.
(Beth) Fofo como um cavalo. Vocês perderam a cara da Marla
soltando fogo pelos ouvidos.
(Luce) Ahahahaha. Eu precisava ter visto isso. Não fui com o
focinho dela.
(Laura) Lu, menos. Também não gosto dela, mas coitado dos cães...
(Beth) Ahahahahah Nem Laura se salva!
(Luce) Essa aí não vale nada!
Leio todas as mensagens, respondendo em seguida que estou bem e
que elas não deveriam mais se preocupar. Tem mensagens de um número
desconhecido também e percebo serem de Gustavo.
Suas mensagens não são ofensivas, mas há uma certa prepotência e
arrogância. Algo como: “Cadê você?” “Te busco onde estiver.” “Já estou
perdendo a paciência!”
— Ele que fique com impaciência dele! — Se eu tivesse ido para
casa, com certeza teria cedido de novo e ele iria embora no dia seguinte, se
achando o dono da minha casa e da minha vida. Foi bom ter vindo para cá.
Volto com o telefone para a escrivaninha e deito mais uma vez.
Fecho os olhos, tentando voltar a dormir, e o beijo que Andrew e eu
trocamos se faz presente em meus pensamentos. Será que eu deveria ter
falado, logo, o quanto fiquei incomodada? Claro que não foi um incômodo
ruim, mas foi estranho de qualquer jeito. E pior ainda é pensar nele como
Dr. Collins enquanto estou aqui, mas não deixa de ser verdade. Quando
estou prestes a deixar que o sono me leve outra vez, escuto gritos e me
levanto abruptamente.
"Não! Mãe, por favor..."
Sem pensar duas vezes, saio corredor afora e dou de cara com Hope
forçando as unhas na porta do quarto de Andrew. Os gritos estão mais altos.
Deus!
Ao se dar conta que não está sozinha, Hope coloca-se atrás de mim
e noto que está assustada. Ela late e me encara com uma espécie de súplica
nos olhos.
"Não! Mãe, por favor!"
"Não!"
Não penso duas vezes em forçar a maçaneta da porta. Para a minha
sorte, está aberta e consigo vê-lo debatendo-se na cama. Andrew está
suando frio enquanto sua respiração parece descompassada. Chacoalho-o da
melhor maneira que consigo, e ele acorda enfim.
— Duda? — Seus olhos estão esbugalhados. — O quê...?
— Você teve um pesad.... — Ele me cala com seu olhar pétreo. O
alerta vermelho sendo ativado na mente: Zona proibida! Zona proibida!
— Tentei ficar acordado.... — Assisto-o se recostar na cabeceira da
cama, à medida que Hope acomoda-se ao seu lado. Andrew ri ao levar uma
lambida no rosto. — Ei! Já passou, garota!
Percebo não ter sido a primeira vez.
Ele acaricia o pelo dela, talvez numa tentativa de acalmá-la. Sorrio
ao vê-la imprensar a cabeça no meio das pernas dele. Sento-me na beirada
da cama e observo-os. Afasto as lágrimas que despontam em meus olhos e
murmuro:
— Ela ficou muito assustada. Você sempre... — pondero — os teve?
— refiro-me aos pesadelos.
Há uma leve inclinada de cabeça, sinalizando que sim. Quase
imperceptível. Acredito ser difícil tocar nesse assunto. De repente, suas
palavras me vêm à mente: “Vivenciei coisas que ninguém deveria passar.”
Seria isso… algum tipo de abuso?
Observo-o com mais furor, mas não consigo desvendá-lo. Ele não
aparenta ter sofrido esse tipo de dano, mas ninguém aparenta.
— Posso fazer alguma coisa? — Seus ombros se empertigam. Toco
a pele exposta de sua coxa e seu corpo se comprime ao mesmo tempo que
fecha os olhos. É quase como se estivesse fugindo de mim. — Andrew?
— Duda, por favor.
— Posso ficar aqui com você? — Seus olhos se abrem e me fitam,
perplexos.
— Está com pena de mim?
Pena? Claro que não.
— Na verdade, não estou sentindo pena — digo com sinceridade. —
Só que...
— Só que...? — Cruza os braços. O dourado de suas sobrancelhas
unindo-se.
— Só que me sinto ligada a você... — confesso baixinho.
— Ligada a mim?
— Sim! — Fico ereta, ansiosa demais. — Eu vejo a forma como
cuida da Hope e como ela cuida de você.
— E o que isso tem a ver? — Ele desvia os olhos.
— O que tem a ver? — Sinaliza que sim, e emendo: — Tudo! Você
viu algo em mim hoje e... — Paro ao chamar sua atenção. Seus olhos
brilham de um jeito que não consigo entender. — De alguma forma, me vi
em você.
Andrew pisca os olhos, atordoado.
Ele tenta falar, mas nada sai de seus lábios. Nossos olhares
continuam na mesma direção e nenhum de nós dois parece disposto a
quebrá-lo.
— É a minha vez de retribuir.
— Por pena? — indaga, incerto.
— Pela nossa amizade! — sorrio, vendo-o fazer o mesmo.
Seu olhar é o primeiro a desviar. Ele abre espaço e me acomodo ao
seu lado, enquanto Hope coloca-se entre nossas pernas. Somente agora
parece perceber a camisa que estou usando.
— Gostei! — sorri.
— Eu também! É bem macia. — Faço um biquinho.
— Hm... Ela fica bem melhor em você.
— Eu sei.
— Convencida!
Gargalho e me aconchego mais em seu corpo.
Capítulo 17

N enhum de nós tínhamos a menor


intenção de dormir, por isso,
resolvemos conversar um pouco. Em algum momento, o assunto chegou em
Nick e na época em que moraram na mansão. Andrew tinha quinze anos
quando veio para o Brasil e foi tudo o que mencionou sobre sua infância.
Conforme fala sobre natais e festas na casa de Nick, imagino um jovem
americano, tentando aprender a língua portuguesa, e fascinado pelo mundo
de riquezas da família Delamont. A cada ponta solta que me é oferecida,
procuro me aprofundar mais, porém sempre com limites. Ele parece
inclinado a revelar míseros pedaços apenas para me deixar mais curiosa.
Sorrio ao vê-lo mencionar uma de suas traquinagens na adolescência
e percebo que o antigo Andrew ainda está ali. O mesmo homem que me foi
apresentado há alguns anos e não o Dr. Collins que faz da minha vida um
inferno. Ele é falante, risonho e engraçado, tudo na medida certa.
— Acho que já falei muito sobre mim! — diz olhando nos meus
olhos. — Agora é sua vez.
— Minha vida é um tédio, acredite!
— Nada em você é tedioso. — Percebo minhas bochechas corarem.
— Mas me conte sobre sua família.
Sorrio. É a primeira vez que uma pessoa, além de minhas amigas,
pergunta sobre minha família. Falo sobre minha mãe e irmãs, e Andrew
parece bem interessado. Acrescento sobre meu pai e revelo o apelido que o
senhor José Benedito havia dado para mim quando pequena.
— Passarinho me parece bem íntimo... — sorri jocoso, e o
acompanho.
— Era algo apenas nosso!
Assente.
— Mas então, quais são seus sonhos?
Olho para nenhum lugar em especial, perdida em pensamentos.
— Eu costumava ter uma listinha de coisas com que sonhava
quando criança.
— Sou todo ouvidos! — Encaro-o, atordoada. Ele percebe meu
embaraço e continua: — Fale-me dessa lista, gostaria de saber o que a
Duda, criança, pensava.
— Eu não lembro! — confesso, gargalhando. — Nem a tenho mais,
para falar a verdade.
Ele ajeita uma mecha de cabelo para trás da orelha e continua
dizendo que eu preciso relaxar e deixar minha mente trabalhar por mim.
Penso quando eu era pequena e gargalho quando lembro o quanto reclamei
com meu pai, quando passei a entender melhor as coisas, sobre o nome que
ele queria colocar em mim: Valentina.
— Valentina é um nome bonito! Não entendo por que não gostava
dele. — Dá de ombros.
— Acho que eu não entendia o significado na época! — deixo
escapar sobre a valentia que acredito que me falta. — Tinha que ver a festa
que eu fiz enquanto agradecia a dona Cecília por me fazer apenas Duda. —
refiro-me à minha mãe. — Foi depois disso que comecei a escrever em meu
caderninho. Começou por uma pequena lista das coisas que eu gostava e se
transformou na lista dos desejos.
— Já sei! — Andrew se levanta rapidamente e segue em direção à
saída do quarto. — Já volto!
Ele demora em média dez minutos para retornar, e eu e Hope
observamos a porta do cômodo aberta. Quando seus cabelos loiros cruzam
o meu campo de visão, noto que segura com ambas as mãos um caderno,
caneta, uma garrafa de vinho tinto e duas taças.
— Voltou equipado. — brinco.
— Fui pegar papel e caneta, mas parei na cozinha. — Pisca um dos
olhos. Ele serve as taças enquanto procura uma folha de papel em branco.
Em meio às taças de vinho e gargalhadas, escrevemos uma pequena
lista de sonhos que eu jamais realizaria na vida.
— Óbvio que dá! — menciona mais embolado que o normal,
enquanto caio na gargalhada, observando Hope mais confusa do que cego
em tiroteio entre nós. A garrafa já está vazia. — O Coliseu nem é tão longe
assim!
— Não para um CEO né, meu filho! — soluço, e ele ri do “meu
filho”. — Óbvio que para vocês, deuses, nunca seria longe. Para meros
mortais já seria outra história. — soluço novamente.
— Me empresta essa folha aqui... — ri, roubando a folha de papel
das minhas mãos, enquanto lista item por item em voz alta: — Conhecer o
Coliseu? Suaaaave... — gargalho quando vejo Hope se assustar quando seu
dono quase cai em cima dela. — Casar ao nascer do sol... Putz! Como
alguém casa com o sol nascendo? — Ele faz uma careta.
— Casamento de dia, ora! Nunca ouviu falar? — outro soluço. Dá
de ombros e continua:
— Ver uma estrela de perto. — Andrew ri ao bebericar sua taça de
vinho. — Esse sim é difícil, mas não impossível. Dizer para uma pessoa
desconhecida que tudo ficará bem. — Ele aponta para o item da lista. —
Esse aqui é fácil! Se quiser, fazemos agora mesmo... — Levanta-se
cambaleando. Meus olhos recaem sobre seu peitoral desnudo, e o calor do
vinho começa a me afetar a mente.
— Andrew, menos! — ele ri e volta a se sentar.
— Receber uma dúzia, de dúzia de rosas? — Ele franze a testa. —
Fiquei até sóbrio depois dessa. — caçoa.
— Oras! Uma dúzia de conjuntos de rosas. — ele gargalha e seu
sorriso me afeta. Ele fica lindo quando sorri. — Eu era criança, beleza. —
Desvio o olhar, porque parece que a bebida está me afetando e desço para
seu peitoral.
— E por último... — Tentando não focar no misto de músculos e
gominhos bem torneados que é seu corpo, emendo observando a fênix
enorme, saindo das cinzas, desenhada acima do seu peito:
— Voar. — Tenho inveja de sua fênix, uma vez que é livre para
fazer o que tanto desejo. Não resisto em querer tocá-la, mas ele me contém,
com chamas no lugar dos olhos.
Uma tensão palpável habita entre nós.
— Se quiser, te faço voar agora mesmo... —
— O que significa? — Tento voltar ao assunto anterior, embora
excitada e com a calcinha encharcada.
— Rebirth and Freedom.
Renascimento e liberdade. Uma única tatuagem com tantos
significados. Isso me faz pensar no que ele tem a esconder.
Sem aviso prévio, sou puxada para outro beijo. Há mais urgência em
suas ações dessa vez. Seus dedos aquecem a minha pele e mordisco seus
lábios à procura de mais. Seu corpo me consome e sinto todo o tamanho de
seu desejo, mas paramos ao escutar os latidos de Hope.
— Não vai rolar! — Gargalho, apontando para ela.
Seu olhar desce para a minha boca:
— Não precisa falar duas vezes — dito isso, ele levanta-se o mais
rápido que consegue e caminha com cuidado até a porta.
— Vem, garota! Hora de ir para sua casa. — Hope não faz menção
de se levantar, até que lhe prometemos um petisco. Os dois andam lado a
lado, enquanto continuo sentindo minha pele queimar de desejo.
Capítulo 18

poucos.
F echo a porta e encaro-a, sentindo
o efeito do álcool sumir aos

A silhueta de Duda, vestida apenas com minha camisa, é a cena mais sexy
que já presenciei. A pele desnuda de suas coxas faz-me imaginar as
fantasias mais perversas e sinto meu pau apertar a boxer. Caralho! Meu
coração acelera à medida que caminho lentamente até ela. Seus cabelos são
um emaranhado no meio dos meus travesseiros e seus olhos queimam feito
brasa.
Quero perguntar se ela tem certeza do que pretendemos fazer, mas
confesso medo. Não a quero pensando demais. Não gostaria que o momento
terminasse, mas não posso ser hipócrita a ponto de não lhe dar alternativas,
com medo de arrependimentos posteriores.
Suas esmeraldas estão mais vibrantes quando ficamos frente a frente
e deslizo os dedos pela maçã do seu rosto. Sua pele queima sob meu
polegar direito.
— Está certa disso?
— Hmhum. — Sua voz é um fiapo e isso faz com que meu pau
pulse mais.
Desço os dedos pelo seu corpo, sentindo a maciez de minha camisa.
Ela ofega. Seus olhos, sempre sinuosos, estão praticamente cintilantes esta
noite; queimando em desejo.
— Abra as pernas! — Duda obedece, e meu membro vibra de tesão.
Ela está usando apenas uma lingerie rendada minúscula e está sem sutiã,
prova disso são seus mamilos, que apontam na minha direção. Tenho uma
urgência de anos, por isso, não demoro a deslizar os dedos pela sua perna
quente, escancarando-a para mim. — Acho que não precisaremos mais
disso — refiro-me à sua calcinha e ela confirma com a cabeça.
Retiro a peça íntima devagar, deixando-a completamente exposta.
Duda parece envergonhada ao tentar fechar as pernas, mas a abro
novamente, enquanto olho dentro dos seus olhos.
— Não precisa ter vergonha de mim. — Ela relaxa e volto a
observar sua boceta. Ela possui um triângulo de pelos claros, que
particularmente adoro, e consigo ver o quanto está encharcada. Tenho
vontade de cair de boca, mas prevejo que preciso ir com calma.
Começo pelos botões de sua camisa e abro-os um a um, descobrindo
seus seios. Meu pau endurece mais e quase dói pensar no quanto de tempo
esperei para tê-la em meus braços. Ela me ajuda, retirando sua camisa ao
meu bel-prazer.
Vibro com o pensamento de tomá-la por inteiro.
Resolvo começar pelos seus seios, que saltam suculentos como fruta
servida diretamente para mim em uma ansiedade que guardei por anos.
Alcanço o direito e belisco antes de mordiscá-lo, logo sugando o outro.
Seus mamilos são de um marrom claro e vejo-os enrijecer ainda mais,
quando os excito apenas com a mão e com os lábios. O sabor de sua pele é
doce e minha boca saliva querendo a cada instante mais do melhor que já
provou: ela.
Duda geme ainda mais e contrai o corpo, conforme aumento a
proposta, pressionando suas auréolas. Sinto sua virilha encaixar em uma das
minhas pernas, e a forma como esfrega sua boceta úmida em mim faz-me
acariciar seu clitóris com uma de minhas mãos.
— Por favor... — pede com sofreguidão e entendo que deseja algo
dentro dela. Deslizo dois dedos de uma vez em sua carne encharcada. —
Isso! — Ela rebola sob minha mão e quase sinto que vou explodir. Se ela
continuar me afetando assim, não conseguirei me conter e a festa terminará
antes de ter começado.
Abocanho novamente um dos seus seios e sugo-o como se minha
vida dependesse disso. Meu pau está quase escapando da cueca boxer, de
tão duro, e Duda parece perceber, pois sinto seu toque por cima do tecido.
Com movimentos circulares, lambuzo mais seu clitóris e logo trago os meus
dedos, provando-os diante dos seus olhos atentos.
O aroma que me alcança faz-me querer prová-la e desço para sua
entrada, sentindo uma ansiedade desesperada que eu sei que precisa ser
contida para que ela seja experimentada como merece. Como eu preciso.
Começo massageando seus lábios vaginais com a língua e introduzo
um dedo em sua carne esponjosa, sentindo sua umidade. Ela suplica,
ansiosa, mas eu quero que sejamos inesquecíveis. Quero assistir seu rosto
meigo, ao passo que pede para meter fundo.
Prendo meus cabelos com a ajuda de um elástico e volto a atenção
para o seu clitóris, minha língua abandonando-a apenas quando meus dedos
assumem e passam a massageá-lo. Intercalo as sensações e mordisco seu
clitóris, sentindo seu corpo contrair-se e sei que está prestes a gozar.
Imponho agilidade em meus movimentos, meus dedos levemente
curvados massageando seu interior, enquanto sua carne os aperta, seu
clitóris ainda mais rígido sob o meu polegar e meus olhos assistindo-a
quando a tensão máxima do prazer a alcança e ela se desfaz em mil
sensações embaixo de mim.
Nitidamente em êxtase, não a espero voltar ao normal e libero o meu
pênis. Seus olhos se arregalam perante a glande espessa, e sorrio, malicioso,
enquanto o bombeio algumas vezes.
— Quando eu começar, não vou parar, baby — anuncio. Há chamas
no lugar dos seus olhos. Ela parece fervilhar de desejo e compartilho desse
pensamento.
Após vestir uma camisinha, introduzo lentamente em sua entrada.
Duda é apertada e suas ondulações demoram aceitar o meu tamanho.
— Está tudo bem? — Seus olhos estão fechados e sua leve
inclinação de cabeça me dá a certeza de que está gostando. Suas unhas
cravam na minha pele, conforme me enterro mais, logo invertendo as
nossas posições e posso assisti-la cavalgar em mim, seus seios espremidos
contra o meu peito, enquanto seus beijos mais urgentes.
Sua entrega me faz perceber que está pronta para ter outro orgasmo,
por isso, procuro intensificar as estocadas.
Ela quica mais forte e aproveito para colocá-la de quatro. Levanto-a
pela cintura e coloco-a virada de costas, com a bunda empinada na minha
direção, o rosto apegado ao colchão, enquanto suas mãos agarram o lençol,
tentando conter os seus gemidos.
— Não se contenha... — consigo dizer em um só fôlego, querendo
ouvir todos os seus gemidos. E é o que garanto quando estoco em sua
boceta, que engole o meu pau vigorosamente. Sua bunda balança conforme
me lanço contra ela.
Dou alguns tapas e massageio seu ânus, na medida em que ela
parece perder o controle de si mesma. Insiro apenas a ponta do dedo, de
forma lenta e agonizante, tentando desbravar seu corpo e saber se ela
gostaria. Ela empina ainda mais forçando-o contra si e eu quase gozo com o
movimento.
Puta merda! Afundo-me mais até sentir uma espécie de parede ao
mesmo tempo que fodo literalmente seu ânus com o dedo.
— Prefere pau aqui? — percebo o quanto o meu dedo a está
excitando, mas não sei se ela iria além. Ela faz que sim com a cabeça,
parecendo envergonhada. — Fala para mim o que quer?
— Eu o quero aí... — corto-a, trazendo o seu corpo para perto de
mim, segurando seus seios. Digo no pé do seu ouvido:
— Pau, Duda. Onde você o quer? — exijo, rompendo todo
constrangimento. Quero-a despida aqui e agora.
— Eu quero seu pau em mim... — Dedilho exigindo, forçando-a.
Ela geme, rebolando.
Praticamente rosno, em satisfação.
Pergunto se ela já fez sexo anal, e ela sinaliza que sim. Ótimo! A
loira está pronta para retirar a boceta do meu membro, mas não deixo.
Quero saborear seu ânus.
Volto a penetrá-la enquanto meus dedos trabalham nele. Retiro o
meu pênis devagar, sentindo seus lábios vaginais inchados, mas não paro de
masturbá-la. Duda geme quando dedilho seu clitóris à medida que minha
língua prova seu ânus. Quero deixá-la molhada e bem relaxada para me
receber. Dá certo, porque sinto seu ponto sensível mais inchado e o atiço
fazendo movimentos circulares com meu polegar.
— Gostosa para um caralho! — sibilo conforme visto outra
camisinha. — Vai me deixar foder esse cuzinho? — questiono, ouvindo-a
dizer que sim.
Sorrio.
Quando sinto que meus dois dedos entram e saem rápido demais do
orifício, é tarde demais: introduzo meu pênis de uma só vez em seu buraco
delicioso. Ela grita de prazer e pergunto se há dor. Faz que não com a
cabeça e continuo. Duda gozou apenas uma vez e sei que precisa de mais,
por isso, pressiono sua boceta com meu polegar enquanto fodo-a por trás.
Ela está incansável e me surpreende ao pedir para ir mais rápido.
Caralho! Para uma menina meiga, ela fode, feito uma leoa.
Penetro mais fundo, sentindo que estou quase lá, mas quero
satisfazê-la primeiro. Intensifico a estocada à medida que meus testículos a
atingem e minhas estocadas mais profundas. O ritmo aumenta a pressão das
minhas veias e sinto que estou quase gozando, mas ela não para. Seu clitóris
torna-se um brinquedo entre meus dedos e seu corpo se contrai, conforme
não consigo me conter.
Jatos de sêmen explodem ao mesmo tempo que ela grita meu nome
diversas vezes antes de desfalecermos juntos.
— Isso foi bom! — fala com a aceleração nitidamente
descompassada, enquanto jogada em meio aos lençóis. Ofegante, sua pele
vermelha e a languidez tomando-lhe por inteira, deixando-a em meio a uma
sonolência gostosa de assistir.
— É uma honra! — respondo com sinceridade. Com certeza, me
sinto honrado por ter lhe proporcionado momentos de prazer.

Acordo, atordoado, com uma puta dor de cabeça, sentindo alguma


coisa em meu rosto. Imediatamente penso em Hope, porém mudo de ideia
ao perceber a pele aveludada que empurra o traseiro contra meu pau. Duda!
Abro os olhos, e seus cabelos voltam a roçar a maçã do meu rosto.
Aproveito para deslizar meus dedos pelo seu corpo enquanto deitados. A
madrugada se estendeu e meio que apagamos em algum momento. Vejo-a
virar-se para mim com um sorriso no rosto e, ao abrir os olhos, noto quando
se arregalam.
— Meu Deus! — Seu corpo se contrai, enquanto tenta escondê-lo
com o lençol. — Não foi um sonho? — sorrio com a palavra sonho e ela
logo se emenda: — Pesadelo! Quer dizer.... Não! Meu Deus!
— O quê? — Vejo-a levantar-se rapidamente da cama. — Não vai
ficar com vergonha agora, né?
Começo a me levantar também, mas sua mão é estendida em riste.
— Não! Eu não quero ver esse seu... — Tarde demais. O lençol cai
na cama no momento que tento me colocar de pé. Ela vira-se de costas. —
Credo!
Reviro os olhos.
— Nada que não tenha visto na noite passada. — Me apresso em ir
ao banheiro antes que a mulher desmaie de vez.
Capítulo 19

Q ue merda eu tinha na cabeça na noite


anterior? Sério? Como fui me deixar levar
pela bebida e transar com meu chefe?
Deixo a água deslizar pelo meu corpo conforme penso na idiotice
que fiz. Assim que Andrew se trancou no banheiro, voltei correndo para o
meu quarto, emprestado, e me tranquei em sua suíte. A água lava o vestígio
deixado em meu corpo, enquanto tento não pensar nele me invadindo por
inteiro. Gustavo e eu já tínhamos experimentado uma vez a região anal, mas
confesso que nem de perto senti a sensação da noite anterior. Minha
genitália está inchada, assim como meu ânus, e o prazer sentido há poucas
horas continua a habitar na minha memória. Eu jurava se tratar de um
sonho, mas nitidamente as dores em meu corpo estão mais vívidas do que
nunca.
Arrumada, ando a passos de formiga até a sala. Andrew está sentado
entorno de sua mesa de jantar enquanto conversa baixinho com Hope. Varro
o local à procura de Carmem, mas não a encontro em lugar nenhum.
Suspiro pesado. Sua presença me deixaria menos constrangida. Minha
cabeça dói e é apenas um lembrete da mistura de taças de vinho com toques
quentes. Puta merda!
Fico sem saber o que fazer, até Hope perceber minha presença.
— Bom dia! — Andrew comenta, incerto, enquanto sinto a textura
do pelo da Pastora Alemã entre meus dedos.
— Bom dia. Eu acho melhor eu... — Penso em dizer que estou indo
embora, mas ele me corta:
— Deve estar com fome. — Andrew sorri, apontando para a cadeira
ao lado da sua e isso me desarma. Quase minto, dizendo que não estou
sentindo o estômago contorcido, porém o barulho que sai dele me entrega.
— Senta aqui, Duda, eu não mordo!
Seu olhar estreito diz que está pensando merda. Algo como: eu não
mordo agora! Mas finjo-me inocente e me sento ao seu lado.
— Onde está a Carmem? — pergunto como quem não quer nada,
mas pedindo aos deuses para ela aparecer. Qual será o deus dos pedidos
milagrosos? Se é que ele existe.
— Ela está de folga!
— Que bom!
Que merda!
— Estamos por nossa conta! Libero-a aos domingos. — Forço um
sorriso que com certeza é amarelo.
Apresso-me em comer, porém percebo o seu olhar o tempo todo em
mim.
— Prove esses ovos. — Ele coloca uma porção de ovos mexidos em
meu prato, e percebo que há condimentos como bacon e cebola misturados.
Experimento, notando o quanto é diferente dos ovos mexidos
comuns.
— Bom! — confesso, e seu sorriso simples praticamente me
desarma.
— São ovos no estilo americano. Eu mesmo fiz. — Assinto com a
cabeça.
Ele está sendo bem legal e estou tratando-o como se fosse um
desconhecido, por isso, tento suavizar as minhas defesas:
— É sério? Você que fez? — Meu entusiasmo parece animá-lo e
emendo: — Não sabia que seres mitológicos cozinhavam...
— Ser mitológico? — gargalha.
Acho que falei demais!
— Ah, você entendeu! — Tento disfarçar.
— Não entendi, não! — Ele limpa os cantos da boca com a ajuda de
um guardanapo de papel, ao passo que tento sair dessa situação:
— Er... eu... — ele me corta:
— Adoraria que me contasse... — Seus olhos se voltam para mim e,
por um momento, lembro-me de ser penetrada bem a fundo. Pisco os olhos
diversas vezes, tentando focar na conversa.
— A Luce! — quase grito, pronta para esquecer essas imagens. —
A doida disse que você era tipo um clone de um dos deuses de Asgard.
Andrew cospe o conteúdo de sua boca, soltando uma gargalhada em
seguida.
— Deus de Argard? Eu? — Conforme gargalha, sinto o rosto corar.
— E é somente a Luce que pensa assim? — Seu sorriso malicioso me faz
revirar os olhos.
— Não se faça de bobinho. — Preciso sair daqui e levanto-me
imediatamente.
— Espere! Onde vai? — Observo seus olhos arregalados e tento não
pensar que parece insatisfeito com a minha atitude.
— Para casa. — Seu sorriso transforma-se lentamente numa
carranca. — Desculpe, Andrew, mas não podemos...
— Duda!? — Hope se levanta de onde estava sentada e se aproxima
de mim. Ela parece confusa com a cena. — Duda! — corto-o:
— Me perdoe, mas não dá. Tudo isso foi um erro. Eu sou um erro!
— Mas você gostou, não? Porque eu sim! — confessa. Sorrio, sem
humor.
— Foi ótimo! Mas não cometo esse erro novamente.
— Não sabia que eu... ou melhor, nós dois juntos seríamos um erro.
— Ele parece triste.
— Não a noite passada, mesmo que não seja o que eu estava
esperando. — sou sincera, e ele acena com a cabeça, tristemente. — Mas
não posso me relacionar com outra pessoa do trabalho. Não depois do que
aconteceu com o Gustavo. — Sem contar que nunca começaríamos alguma
coisa. Ele não assume nem a própria sócia, quem dirá alguém como eu.
Meu Deus! Imagina o climão no escritório entre eles e eu?
— Não nos precipitemos. — escuto-o falar, enquanto caminho
lentamente em direção à porta de saída.
— Não estou.
Quanto antes acabar melhor.
— Duda? — ele me chama, mas continuo andando.
— Preciso ir, eu não consigo nem... — olhar para você.
Noto com animosidade que as chaves da casa estão penduradas na
porta. Ao cruzá-la e virar para trás, finalmente foco em meu chefe e sua
cadela. Eles estão lado a lado no meio da sala de estar. O semblante dele,
aparentemente confuso, é a última coisa que vejo ao fechar a porta.

Sinto-me aliviada ao chegar em meu prédio e não dar de cara com o


Gustavo. Os seguranças disseram que precisaram pedir para que ele se
retirasse da frente do meu apartamento, porque aparentemente encontrava-
se bêbado e falando sozinho, assustando alguns moradores.
Lembro-me sobre a ordem de restrição que Andrew havia
mencionado antes e informo para os seguranças, que prometem avisar ao
quadro de funcionários do prédio para nunca mais permitir a entrada do
meu ex-namorado sem o meu consentimento; mesmo que o documento não
passe de uma ilusão da minha mente.
Na parte da tarde, converso com as meninas, através do nosso grupo
de mensagens, e Laura nos informa sobre a festinha de aniversário que está
preparando para Alice: a menina completará catorze anos em dois meses.
Confesso omitir a parte sobre a noite de bebedeiras e sexo quente e, mesmo
assim, elas não perdem tempo de fazer piadinhas sobre o motivo de eu ter
dormido na casa do meu chefe. Pensando nele, ainda sinto que fui burra em
me deixar levar na noite passada. Não sou hipócrita a ponto de dizer que
não gostei, tampouco fingir que nada aconteceu, mas também não posso
deixar de imaginar como será meu retorno de manhã ao escritório.
“Se quiser, te faço voar agora mesmo...”
— Aaaaah! Saia da minha mente, Thor — e seu grande martelo.
Não consigo conter uma gargalhada. Luce seria a primeira a surtar, caso
soubesse o tamanho do martelo.
Capítulo 20

E stou na mansão Delamont e


percebo pessoas ao redor
dançarem aleatoriamente. Seus sorrisos dizem o quanto parecem felizes. As
máscaras que trazem nos rostos deixam praticamente tudo para
imaginação, contudo, apenas uma pessoa tem a minha atenção: o rapaz
com o rosto escondido por uma máscara. Aproximo-me mais e vejo-o
encaminhar-se para o lado oposto. Consigo costurar através dos
convidados, observando-o seguir para o jardim. Seu terno escuro é bem
cortado e contrasta com sua pele pálida. Seguro o vestido azul com ambas
as mãos e aperto os passos conforme ele encaminha-se para o gazebo.
Cruzo os arbustos e, assim que me encontro do outro lado do jardim,
percebo que está vazio. Observo as almofadas em cima das poltronas
acolchoadas e lembro-me de estar aqui não faz muito tempo com o
Gustavo. De repente, ouço um chiado próximo de um dos arbustos e franzo
a testa ao assistir as folhas se mexerem.
Será ele? Curiosa, ando até as folhagens, mas constato que elas
pararam de se mexer. Aproximo o meu rosto, lentamente, e vejo nitidamente
uma pessoa passar para o outro lado do arvoredo. Cruzo o pequeno
bosque, mas meu vestido fica preso num dos galhos. Tento puxá-lo,
torcendo-o algumas vezes e, apenas na terceira tentativa, consigo retirá-lo.
Viro-me para frente e me assusto ao dar de cara com uma mulher de
cabelos desgrenhados e olhos esbugalhados, porém, o que a destaca são os
cortes profundos que possui no rosto e olhos que parecem mortos. Ela me
encara fixamente e tento reconhecê-la, mas percebo que jamais a tinha
visto. Pergunto se está precisando de ajuda e não obtenho resposta. Seu
vestido está em péssimas condições e observo que talvez não tenha sido
convidada para a festa. Aproximo-me um pouco mais, de modo a ajudá-la,
mas sou acordada pelo meu despertador, dizendo-me que já é segunda-feira
e que preciso levantar para trabalhar. E encontrar o meu chefe.

O que me falta de ânimo, sobra de vergonha.


Ao chegar no escritório, apresso-me em ligar o computador. Marla
aparece logo depois de mim, contudo, ao invés de entrar em sua sala,
desliza seus saltos altos até a minha mesa.
Mereço.
— Bom dia, Maria Eduarda, como vai? — Assisto-a apoiar as mãos
em cima da mesa e olhar dentro dos meus olhos.
— Tudo bem.
— Entendo — pondera. — Melhorou? Fiquei sabendo que o Andy a
deixou em casa. — Ela frisa bem o apelido do sócio, parecendo fazer
questão de me deixar a par de seu envolvimento com o mesmo. Consigo
observar o quanto de maquiagem há debaixo dos seus olhos e no quanto
seus cabelos parecem um ninho desconexo dentro de um coque.
— Sim. O senhor Collins me deixou em casa. — Abaixo a cabeça e
ela solta um sorrisinho de escárnio.
— Tomei a liberdade de ligar para a casa do Andy e fui informada
que ele tinha visitas... — Franzo as sobrancelhas. Onde essa mulher quer
chegar? — Carmem não quis dedurar o chefe, porém... — Ela contorna a
mesa, pairando ao meu lado. — Acredito que nós duas saibamos quem era
sua convidada... — diz enquanto mexe no lenço do meu uniforme.
Nesse momento, escutamos um barulho na entrada da recepção, e
não sei se respiro aliviada ou preocupada em se tratar de Andrew. Noto-o
levantar uma sobrancelha ao vê-la tão próxima de mim.
— Algum problema? — Andrew parece analisar a cena. Ele está
vestido com um dos seus ternos caros e seus cabelos estão presos por um
coque, no topo da cabeça.
Marla solta o meu lenço e coloca-se, automaticamente, ereta. Seu
sorriso forçado me enoja.
— Na verdade, estava apenas perguntando à Maria Eduarda se
estava melhor.
Encaro-a perplexa.
Andrew olha para mim com as sobrancelhas franzidas, parecendo
questionar se há verdade nisso, mas seus olhos em brasa, enquanto me
penetrava, é tudo o que enxergo na minha frente.
Não respondo e ele parece se lembrar do motivo.
— Tudo bem, se puder vir à minha sala! — comenta nitidamente
para mim. Paraliso. Não tenho o que dizer e tenho vergonha dele questionar
qualquer coisa e tornar tudo real. Mais real do que foi. Porém, Marla soa
mais rápido:
— Oh, Andrew, peço apenas uns minutos do tempo da Duda —
ronrona. — Depois devolvo-a, ok?!
Ele a encara, com a testa franzida, e percebo o quanto isso parece
incomodá-lo. Não o julgo, pois estou tão incomodada quanto ele. No fim,
Andrew acaba assentindo. Ele cruza a porta de sua sala, fechando-se lá
dentro e deixando-nos sozinhas.

— Bom, como eu dizia, Maria Eduarda, eu sei sobre você e o Andy


— ela fala ao sentar-se na cadeira de seu escritório. Tento não parecer
alarmada. — Sente-se! — Dá um sorrisinho, apontando para a cadeira ao
meu lado. Sem ter para onde correr, acabo fazendo o que me pede.
Seu olhar parece uma lâmina afiada, e tenho plena certeza de que
não fui chamada aqui a trabalho.
— Bom, eu conheço bem o Andy, somos amigos desde sempre e
nunca o vi fazer isso por qualquer funcionária. Eu não sabia sobre sua
amizade com os Delamont quando a contratei. Só me pergunto o motivo
dessa omissão. — Seu olhar de desagrado não é passado batido.
— Somente não achei necessário. — digo com sinceridade, ela ri
com escárnio.
— Não achou necessário? Pois eu acho, quando sinto que estou
ficando de fora de alguma coisa. Desde quando são amiguinhos? —
Ciúmes. Seus olhos são dois diamantes negros de puro ciúme.
— Não é o que está pensando. — Tento me justificar, ciente de
minha mentira. — Mesmo que não seja da conta de ninguém dessa empresa
— seus olhos se estreitam —, o doutor se mostrou generoso ao me deixar
ficar na casa dele quando precisei. Mais nada!
Ela cruza os braços enquanto me analisa.
— Bom saber! Seria meio irritante de qualquer forma. Andy e eu
temos uma relação íntima e seria constrangedor. Espero que entenda...
— Perfeitamente. — Está noiva de um homem e apaixonada por
outro.
Mas se ela gosta do deus nórdico, por que está noiva de outro
homem? Pensando nisso, e uma vez que ela está sendo invasiva, acabo
fazendo o mesmo:
— Pensei que a senhora estivesse noiva. Nunca imaginei que a
doutora e o senhor Collins... — Deixo a frase morrer aos poucos, fazendo-
me de desentendida. Se ela pode jogar, eu também posso.
Observo seus olhos arregalados e seu corpo empertigar-se no
assento.
— Como estamos sendo sinceras uma com a outra... — Ela fala
como se fôssemos amigas. — Eu realmente estou noiva de Vítor Lacerda,
porém não o amo. Na verdade, me aproximar dele foi ideia do Andrew.
Vítor é um dos nossos clientes mais antigos e seria bom para a junção de
nossas empresas. Vítor mostrou-se interessado em mim, e Andrew teve a
ideia de fazer com que eu me aproximasse dele. — Estou incrédula.
Andrew fez mesmo isso? Noto Marla desviar o olhar para a janela, que está
aberta. — E, no fim, acabei fazendo exatamente o que ele queria, mas, por
pouco tempo, uma vez que Andy e eu sempre terminamos juntos. Podemos
girar o mundo, mas sempre voltamos um para o outro.
Tento digerir essa informação. Ela está com uma pessoa por
interesse? E pior, por que o próprio sócio, ou amante — sei lá que merda é
essa —, propôs isso?
— Entendo! — Não mesmo!
— Que bom! Prevejo que o Vitinho e eu logo teremos nossos
destinos separados e, com isso, o meu caminho ficará livre, enfim. — Forço
um sorriso. — Por isso, se quiser manter seu cargo de secretária... —
Engulo em seco e ela inclina-se para frente com olhos atentos: — Fique
longe de Andrew. Espero ter sido clara!
— Cristalina! — completo ao me levantar.
Saio de sua sala e olho para o balcão no qual trabalho. Quando
minha vida virou essa bagunça? Tudo bem que não possuo interesse
amoroso em meu chefe, mas não precisava ser colocada contra a parede por
sua sócia ciumenta. Recosto na mesa, exausta, humilhada, impotente e sem
ter o que fazer. Preciso do emprego e apenas gostaria de voltar atrás nas
merdas que ando fazendo. Meu telefone toca e percebo que se trata de
Andrew.
Ótimo! Preciso dar um fim nessa merda, rapidamente.

— Está tudo bem? — Andrew está sentado em sua cadeira


reclinável, e seus olhos parecem distantes.
Flashes quentes me causam gatilhos e tento jogá-las para um lugar
isolado na mente.
— Sua sócia e eu tivemos uma conversa bastante esclarecedora.
Ele apenas assente.
— Sobre? — pergunta, e nego com a cabeça. Ele assente. —
Sobre... — corto-o:
— Passaremos uma borracha. Disse ontem com todas as letras que
foi um erro. — Ele suspira pesado e cruza as mãos na altura do rosto.
— Um erro bom, não acha? — Ele se levanta com rapidez e sua
proximidade faz meu coração acelerar.
Dou um passo para trás e ele para com os olhos fixos em mim.
— Eu não quero nada além de ser sua funcionária. — Meu peito
sobe e desce rapidamente.
— Não é como se eu te pedisse em namoro, mas podíamos... — Não
deixo-o terminar a frase:
— O Gustavo... — Levo minha mão ao coração e ele arregala os
olhos em entendimento. Nunca haverá ninguém além dele no meu coração
e, mesmo que me doa, não pretendo mudar isso. Não tão cedo. Não agora!
— Depois de tudo... é isso, então? — Seu olhar decepcionado
perfura-me como lâmina. Queria dizer que não; gritar ao mundo que deixei
de amar o Gustavo, mas seria a pior das mentiras quando trago-o numa
parte significativa do meu coração, mesmo estilhaçado.
Apenas assinto com a cabeça. E lá está ela em seus olhos: a
decepção; a triste verdade com que todos me olham todas as vezes que
tomo a iniciativa de voltar com meu ex-namorado.
— Eu só não posso! Me desculpe, doutor!
— Voltamos à estaca zero, então...
— Me perdoe... — confesso baixinho antes de sair de sua sala.
Meus olhos fervem com as lágrimas que deixo escapar.
Corro em direção ao banheiro e tranco-me numa das cabines. Essa é
a minha triste verdade! A verdade por detrás do meu desespero. Não
pretendo ter outro homem em minha vida e por isso a culpa que estou
sentindo. Não posso pensar em ter outra pessoa me tocando, mesmo que
essa pessoa esteja disposta a isso. Não sei se é o caso do Andrew, mas de
qualquer forma não é o meu.
Esfrego a unha na calça social que estou usando e deixo a dor me
assolar. É doloroso, mas necessário para me fazer sentir menos culpada.
Menos culpada por ser essa pessoa que me tornei.
Aprisionada por meus próprios sentimentos.
Capítulo 21

U m mês se passou e meus dias se


transformaram num verdadeiro
inferno. Após o evento catastrófico entre meu chefe e eu, três dias foram o
suficiente para que ele falasse o mínimo comigo e contratasse uma nova
secretária. E a delegação da função foi passada exatamente para a pessoa
mais detestável — tirando Marla — do escritório. Agora estou trabalhando
com Hanna, que adorou sua promoção. Pelo menos é melhor do que ter sido
demitida. Mas assistir o sorriso satisfeito no rosto de Marla, ao deixar a sala
do meu chefe diariamente, tornou-se constrangedor. O envolvimento deles
parece ter aumentado.
Hanna passou a tratar da agenda de Andrew, enquanto obrigada a
lidar com Marla e suas peculiaridades, retrocedi do setor administrativo —
uma vez que estava ajudando na finalização entre Nick e seu novo projeto
com o Delamont Bank —, para carregadora oficial de café. Não que isso
desvalorize o meu trabalho, mas definitivamente é humilhante não fazer
nada além disso.
— Está pensativa demais... — Hanna comenta enquanto retoca sua
maquiagem. É irritante o tanto de vezes que ela faz isso durante o dia.
Dou de ombros.
Hoje fomos agraciados com um evento dançante em um restaurante
próximo de onde trabalhamos. A empresa ganhou um dos seus casos mais
antigos, e um dos clientes envolvidos resolveu presentear os funcionários da
Ferraz e Collins.
O ramal de Hanna toca, e sei que deve se tratar de Andrew. O
bichinho chamado irritação me consome.
— Oi, doutor Collins. Claro que vou! Se eu gostaria de ir com o
senhor? — Ir com ele para onde? — Claro. Ah... — Ela olha para mim e
vejo seu semblante mudar consideravelmente. Seu perfume enjoado me
incomoda, o que tem ocorrido muito nos últimos dias. — Vou perguntar a
ela, ok. Obrigada!
Ela desliga o telefone e volta a me encarar.
— O que foi?
— O doutor nos convidou para o acompanharmos até o restaurante.
— É por causa do restaurante que você está toda esverdeada? —
refiro-me à maquiagem de seu rosto. — Isso fede! — Tampo o nariz ao
sentir o cheiro de cosméticos baratos.
— Chama-se corretivo, deveria usar também. Está com olheiras
péssimas!
— Dispenso! — Finjo um sorriso. — Aliás, dispenso, inclusive, a
carona do seu chefe. Prefiro mil vezes ir com Beth e Ant... — Engasgo,
sentindo o refluxo preso na garganta.
Deixo Hanna falando sozinha, enquanto caminho a passos largos até
o banheiro. Procuro não pensar muito sobre isso, mas a verdade é que tenho
escondido de Luce e Laura as náuseas que tenho sentido. Coloco para fora o
que tem me feito mal, mesmo sabendo que não tenho conseguido comer
direito nos últimos dias. Aperto o botão da descarga, enquanto o conteúdo
no vaso sanitário embrulha ainda mais o meu estômago.
Quando percebo que não sobrou nada no organismo, ando até a pia
de mármore. Encaro meu reflexo no espelho, notando as olheiras que
passaram a fazer parte do meu dia a dia. Lavo o rosto e escuto o apito de
mensagem do meu celular, notando se tratar de Beth. Ela é a única que está
ciente das minhas crises.
(Beth) Já estou sabendo. Hanna fofoqueira não esconde nada.
(Eu) Tenho vocês duas na minha cola.
(Beth) Quer alguma coisa? Um prato de comida ou talvez um
perfume?
(Eu) Há! Há! Só se for para vomitar na tua cara.
(Beth) Estou indo para aí com sua nécessaire e mais um
presentinho.
Observo sua mensagem. Não quero nem pensar no que Beth está
aprontando. Franzo a testa ao escutar o meu celular tocar. Ao ver o número
de Gustavo aparecer na tela, atendo. Desde o dia em que se viu impedido de
entrar no prédio onde moro, tem me ligado e enviado mensagens com
pedidos de desculpas. Meio que se justificou pelo seu jeito autoritário
daquele dia, e resolvi dar-lhe mais uma chance. Afinal, todos erram, mas o
que não quer dizer que eu queira uma aproximação, por isso, nos falamos,
sim, mas com restrições.
— Ei... — digo ao atender.
— É bom ouvir sua voz... — me derreto. Ele sabe como ser fofo
quando quer. — Já sabe o que vai fazer nessa noite de sexta-feira? —
sorrio. Essa é apenas uma de suas formas para me controlar.
— Tenho um jantar. A empresa vai pagar.
— Hum... sei.
— O quê? — Acho graça do seu comentário.
— E vai ser aonde?
— Isso é um interrogatório? — pondero, e ele ri.
— Não! Mas sabe que não consigo controlar.
— Pois deveria. — gargalho. A porta do banheiro é aberta, e
percebo Beth cruzá-la. Ao explicar, de forma silenciosa, que estou falando
com o Gustavo, ela faz uma careta. — Se controlasse mais seus ciúmes e
sua forma de agir comigo, poderíamos ser alguma coisa. — deixo escapar, e
Beth faz gestos com as mãos para que eu corte a ligação em meio a uma
excessiva revirada de olhos.
— Sabe que depende de você, Duda. Você sabe do que eu gosto...
De repente, sou levada para alguns anos atrás.
— O que...? — Meus olhos não querem acreditar no que veem.
Gustavo está transando com outra mulher na cama dele; na cama que
dormimos juntos. Lágrimas descem feito cascata pelo meu rosto e procuro
sair de seu quarto o quanto antes.
— Duda! Duda?! — Ele está logo atrás de mim. Pego a mala que
deixei descansando no hall e saio praticamente desesperada de dentro da
mansão. Não consigo encará-lo. — Porra! Espera! Caralho! — Ele me
puxa pelo braço e finalmente ficamos frente a frente. Meu peito sobe e
desce rapidamente, enquanto meu coração, dilacerado. Acabou! Dessa vez
acabou! Não quero mais nada dele. É o que pretendo dizer, mas apenas o
que sai é:
— Chega! — Puxo o meu braço com raiva, sentindo o cheiro de
sexo impregnando o ar.
— Você me fez fazer isso! — ele grita. — Sabia que eu não queria
que você fosse embora!
— E o que isso tem a ver comigo indo embora? — grito de volta. —
Você ficou com ela... estando comigo? — Sacudo a cabeça para ambos os
lados, tentando não acreditar no que eu própria estou dizendo. — Não tem
justificativa... — abaixo o tom de voz.
— E é verdade, mas não significou nada para mim. Você significa,
só não consegue me agradar em outros sentidos... — ele deixa morrer a
frase, e o duplo sentido se apresenta diante de nós mais uma vez. Eu sei o
que ele quer. Ele quer me transformar numa pessoa que não posso ser. Uma
pessoa que seja mais desinibida em relação a sexo, mas sinto que ele
mesmo me trava com esses pensamentos e atitudes.
— Eu não acredito numa coisa dessas. — confesso enquanto deixo-
o sozinho. Caminho na direção do carro de aplicativo que está me
esperando, conforme as lágrimas descem. Você significa, só não consegue
me agradar em outros sentidos...”
Pisco os olhos, diversas vezes, à medida que Beth começa a focar na
minha frente novamente. As lembranças cada vez mais nítidas referente ao
dia que deixei a mansão. Gustavo havia me traído com outra mulher
naquele dia, e eu os flagrei, porém, mesmo ciente desse fato, reatamos na
semana seguinte quando ele finalmente visitou o apartamento que moro
hoje.
— Preciso ir, Gustavo. — Beth faz um “joinha” com o polegar,
aprovando a minha iniciativa.
— Tá bom, mais tarde nos falamos. — E desligamos.
— Não entendo como ainda consegue dar corda para esse macho,
amiga!
Dou de ombros.
— Nem eu — confesso. Mas é mais forte que eu, às vezes. — Está
gata! — procuro mudar o foco. Não gosto quando o assunto é meu
relacionamento com meu ex-namorado. Ela dá uma voltinha, mostrando seu
vestido cor de chumbo, e me faz gargalhar.
— Trouxe sua bolsa com suas roupas e maquiagem. Você precisa
cobrir essas olheiras!
— Até você, Beth? — reclamo, uma vez que Hanna já havia
mencionado isso.
— Não tenho culpa se ultimamente você está fazendo parte do
mundo dos Pandas. — gargalho. — Outra coisa, trouxe um presentinho
junto. Está dentro dessa sacola. — Ela me entrega uma sacola de
supermercados e franzo o cenho. Ao abri-la, arregalo os olhos.
Devolvo-lhe a sacola no mesmo segundo.
— Não! Você está louca? — sorrio sem humor, começando a tampar
minhas olheiras com maquiagem. Não exagero muito, devido ao cheiro que
ainda embrulha o meu estômago.
— Louca, por quê? — Ela tira o conteúdo da bolsa e coloca em
cima da pia. A caixa pesando entre nós. — Você transou com dois homens
pelo o que eu sei.
— Fala baixo, Beth! — Retiro a caixa, contendo o teste de gravidez,
de cima do mármore e guardo dentro da minha bolsa. — Eu não quero que
as pessoas pensem que estou gráv... — Não consigo nem falar a palavra,
mas minha amiga é mais rápida:
— Grávida, Duda! Você pode estar grávida.
— Não! Isso não é opção. — Ela percebe que me atrapalho com a
base e passa a fazer minha maquiagem. — Eu não posso... — me corta:
— Claro que pode, amiga. E Laura e Luce só não concordam
comigo porque ainda não sabem de nada. Só não entendo por que mentiu
para elas sobre sua noite com Andrew.
— Porque elas iam sonhar até com casamento, Beth. Elas não
suportam o Gustavo, e qualquer pessoa que eu sonhasse em querer transar
seria algo do tipo... Ai! — Ela bate na minha pele com seu pincel.
— Você é burra, Duda! Deveria ter ouvido o doutor Collins
primeiro. Talvez ele seria uma opção.
— Já falei que não pretendo me envolver com funcionário, chefe,
ex-chefe, o que seja! Não vou e pronto!
— E se tiver um bebê no meio? — Ela termina de aplicar o batom e
encaro-me no espelho, enxergando a Duda que fui um dia. Antes de me
apaixonar loucamente e transar com chefes.
— Eu não quero pensar nisso hoje. Apenas preciso esquecer dessa
merda...
Depois de pronta, dou uma voltinha para que Beth avalie meu
figurino, e seu 'uau' já me diz muito. A saia de couro, que estou vestindo, e
o body esverdeado, que modela meu corpo, me fazem sentir poderosa.
Capítulo 22

parecendo aprovar o que vê.


E ncontramos com Tony no setor
de RH. Ele solta um assobio,

— Gatas! — solta e levanta os braços para entrelaçarmos neles.


— Menos baba e mais ação, por favor! — Beth reclama, e eu acho
graça.
Entrelaço meu braço com o de Tony, enquanto noto-a despachá-lo
com as mãos. Caminhamos lado a lado para a saída do prédio.
— Tô me sentindo num harém!
— Cê tá longe disso, amigo! Sem cacife nenhum! — Beth solta,
fazendo uma careta engraçada.
— Como tem certeza? Já conheceu? — Tony retruca e logo solta um
grunhido de dor. — Você me beliscou? O seu chefe? — Ele parece
perplexo.
— Tecnicamente, já encerramos o expediente. E pare de falar
merda, a menos que queira levar uma rasteira! — As palavras saem da boca
de Beth de forma tão natural, que faz Tony me encarar com olhos
arregalados. Ele parece bem preocupado! Faço gestos com as mãos para
tranquilizá-lo, mas parece não funcionar, uma vez que seguimos para o
elevador rindo, enquanto Beth reclama o quanto somos infantis.
Sinto o sorriso do meu rosto morrer aos poucos, à medida que
encontramos Andrew e Hanna conversando animados no hall. Vejo os
dedos dela percorrerem seu terno de forma lenta e, ao notar que possui
plateia, ela deixa sua mão cair. Pergunto-me se eles possuem algo além dos
cargos de chefe e secretária e, ao mesmo tempo, tento expulsar esses
pensamentos ingratos. Se têm ou não, não é problema meu. Os olhos de
Andrew fixam em mim e em Tony, juntos, e afasto-me automaticamente do
chefe do RH.
— Boa noite, doutor! — Beth e Antony falam em uníssono, todavia,
os olhos do nosso chefe não fogem dos meus. Os mesmos olhos que me
encaravam com fúria na noite em que transamos, feito loucos.
— Nosso elevador já chegou, doutor. — Hanna fala baixinho, mas
alto o suficiente para eu escutar.
Ninguém diz nada e entramos na grande caixa de metal. O silêncio
deixando o ambiente mais irritante.
— Gostei da sua roupa, Hanna. — Antony tenta quebrar o clima. —
Você está muito elegante!
Ela sorri de forma afetada.
— Vocês todas estão lindas! — Andrew comenta, mas seus olhos
parecem não me esquecerem. Seus cabelos estão presos no topo da cabeça e
sua barba parece mais aparada do que de costume.
Algum tempo depois, o elevador finalmente para.
— Vocês irão acompanhar o Antony? — nosso chefe questiona, e
Beth afirma que sim, fazendo cada um ir para o seu lado do estacionamento.

Enfim chegamos no restaurante. O lugar é pequeno, porém


aconchegante, rústico e decorado com móveis e objetos em tons pastéis.
Alguns colegas do escritório nos cumprimentam e, um tempo
depois, noto Andrew e Hanna cruzarem a porta principal, seguidos por
Marla, que não tira os olhos dos dois.
Um tempo depois de comermos, sou chamada por Marla, a fim de
conhecer os anfitriões do evento, e Hanna e Andrew me cumprimentam
mais uma vez.
Os senhores Garcia e Jonathas Ribeiro, eu já conhecia das várias
reuniões no escritório. Porém, confesso ser a primeira vez que vejo
Américo Dantas. Seu porte robusto não me é despercebido.
— O Américo foi quem nos proporcionou tudo isso, meninas. —
Marla fala de forma genuína e tenho vontade de perguntar se está tudo bem
com ela, uma vez que nunca a tinha visto demonstrar afeto.
Hanna e eu sorrimos. Não temos muito a dizer.
— Espero que estejam se divertindo. — Os olhos escuros do senhor
Américo perscrutam os meus.
— A festa está muito boa. — digo com sinceridade. — Obrigada!
— Com um sorriso desses, penso que acertei em cheio. — ele ri, e
sinto minhas bochechas corarem.
— Uhum... — Andrew pigarreia.
— Desculpe, Andrew, como vai? — Américo cumprimenta meu
antigo chefe. — Sua secretária, imagino.
— Pois é! — Andrew responde, parecendo mal-humorado. Franzo a
testa, ciente que não sou mais sua secretária.
— O Américo ama cantar moças bonitas. — Jonathas Ribeiro
comenta, sorrindo, e o senhor Garcia o corta:
— Não que seja mentira o que ele falou, mocinha. — Pronto! Agora
eu gostaria de enfiar minha cara debaixo da terra, mas Marla consegue
distrair a todos:
— Menos, meninos, assim espantam nossas secretárias.
— Preciso de uma bebida! — Andrew corta-a e sai em seguida, com
Marla logo atrás dele. Américo me convida para tomarmos um drinque no
bar e acabo aceitando. Porém, depois da conversa que tive com Beth mais
cedo, prefiro sem álcool.
Trocamos amenidades e descubro que, além de galanteador, ele é
falante e engraçado. Ele fala sobre sua filha, Débora, e que ama viajar.
— Não acredito que você viaja apenas para São Paulo. — comenta
quando falo exatamente isso.
— Queria muito conhecer o Coliseu, quem sabe um dia. — Dou de
ombros, e ele concorda com a cabeça, conforme gargalho internamente,
porque sei que seria impossível com o salário que ganho.
Após alguns drinques, meu telefone apita e procuro por ele dentro
da bolsa. Meus dedos tocam o presente que Beth comprou para mim e
suspiro pesado. Não quero nem pensar nessa merda agora.
O telefone de Américo toca, de repente.
— Só um momento, por favor. — ele pede, e acabo ficando sozinha.
Observo a pista de dança e sorrio ao ver Beth e mais algumas
meninas do escritório dançando, animadas. A batida da música me faz
remexer também, mas não posso me juntar a elas agora, uma vez que meu
acompanhante, emprestado, ficou de voltar logo. Então, deixo meus olhos
correrem por todo salão, e eles se deparam com duas safiras, que parecem
fixas em mim. Andrew está ao lado de Marla, próximo à pista de dança, e
ela aparenta ser o tédio em pessoa.
— Sinto muito, Duda, vou precisar resolver uma questão agora e
terei que ir embora. — Américo traz-me de volta dos meus devaneios.
— Poxa! Sério? — Ele faz que sim com a cabeça, e trocamos dois
beijos nas bochechas.
— Família! — Ele ri. — Mas podemos trocar nossos números de
telefone? Gostaria de te encontrar outra hora, se possível.
Concordo e guardo o seu cartão de visitas.
Assim que me vejo sozinha outra vez, meu telefone apita uma
mensagem.
(Andrew) Sei que não é o que gostaria de escutar essa noite,
principalmente de mim, mas ouso dizer que tinha como você ficar mais
linda, afinal.
Um sorriso se abre em meus lábios e, automaticamente, volto o meu
olhar para Andrew, que tem uma taça de champanhe numa das mãos.
Lembro-me de escutá-lo falando algo parecido na casa do próprio irmão.
Ele inclina sutilmente sua taça em minha direção, bebendo-a em seguida.
Faço o mesmo, logo me encaminhando para a pista de dança.
Beth e eu nos distraímos em meio às músicas, enquanto Antony
tenta nos acompanhar com alguns passos Vintage. É nítido que minha amiga
está animada demais, motivada pelo álcool, porque, do contrário, jamais
estaria dançando tão próximo dele. Minhas pernas começam a amolecerem
e decido me sentar um pouco.
— Preciso me refrescar! — Deixo-os sozinhos, mas não sem antes
falar no ouvido do chefe do RH: — Ela vai te matar amanhã.
— Eu só quero curtir hoje! — Dá de ombros, gargalhando, e minha
amiga se une a ele.
Acho que não tem ninguém sóbrio aqui.
No bar, peço água ao barman. Noto meu telefone apitar novamente,
e penso se tratar de Andrew, mas, assim que foco meus olhos no aparelho,
franzo a testa ao constatar que é Gustavo.
Há várias chamadas não atendidas, e sinto minha cabeça latejar.
(Gustavo) Estou te ligando direto, Duda. Me retorna, que te pego aí.
Franzo a testa, mas não faço o que pede. Não vou ceder dessa vez.
Bebo o líquido de uma única vez e aproveito para descansar as
pernas, mas um cheiro forte de fritura causa-me náuseas, por isso, rumo ao
banheiro. Não demora muito para eu expulsar tudo o que deveria ter no meu
estômago. A cena não é uma das melhores, mas nada como estar agarrada
ao vaso sanitário, com a cara praticamente enfiada dentro do vômito.
Meu celular apita novamente e tenho vontade de jogá-lo longe. Que
merda de noite!
Após recomposta, salpico água em meu rosto e escuto o celular
novamente.
— O mundo só pode estar acabando! — reclamo para ninguém em
especial.
Checo o telefone e percebo se tratar de outra mensagem do Andrew.
“Está tudo bem?”
Coço a cabeça, atordoada. Como ele sabe que estou passando mal?
Penso em perguntar exatamente isso, porém não tenho tempo, uma
vez que sou acometida pelo toque do celular.
— Estou te esperando aqui fora! — A voz do Gustavo pesa do outro
lado da linha.
Fico muda. O coração disparado, mas não de um jeito bom.
— Duda! — grita, e o tom de sua voz arranha os meus ouvidos. —
Está me ouvindo, porra? — Dou um pulo, assustada.
Alerta vermelho! Alerta vermelho! Quero gritar isso, porque sei
como fica quando contrariado.
Desnorteada, saio de dentro do banheiro. Procuro por Beth ou Tony
pelo salão, mas meus olhos estão desfocados. Há vultos ao invés de
pessoas.
Preciso sair daqui!
Costuro os vultos animados e dançantes, à medida que sinto o
coração suplicar por misericórdia. Não parece normal o tanto que está
desregulado. Caminho a passos largos na direção da saída do restaurante.
Lágrimas despencam violentamente quando noto que há apenas um meio de
entrada e saída do local.
Há um pequeno rebuliço e me atordoo ao tentar sair, mas, quando
percebo que estou prestes a cruzar a porta principal, sinto mãos apertarem o
meu braço direito.
— Pensou que se livraria de mim, amor? — Gustavo sorri malicioso
ao puxar-me violentamente de encontro ao seu peito.
Capítulo 23

A porra de um mês passou


desde que Duda e eu ficamos pela
primeira e última vez. Parece ter sido um sonho, um sonho do qual eu
gostaria de esquecer, porque, de repente, somente desse jeito eu não estaria
irritado para um caralho agora.
— Poderíamos entrar com os recursos que temos, Dr. Collins.
— E provar o que, Dr. Álvaro? Não temos mais o que fazer.
Poderíamos tentar uma sentença amigável com a autora da ação. Ao meu
ver, os descontos no contracheque foram legais, mas a rescisão em relação
às horas extras parece deliberada.
— Infelizmente, não posso contestar. Vou pedir um acordo e tentar
reduzir o valor em cinquenta por cento. — comenta se levantando da
poltrona. É irônico um escritório do nosso porte com erros tolos em relação
aos próprios funcionários. Duas batidas à porta me informam que Hanna
está portando o meu café.
Álvaro aguarda até que minha nova secretária entre, e a
cumprimenta, solícito, mas como sempre, ela mal olha para ele.
— Doutor. — O sorriso dela é todo direcionado a mim. É nítido que
ela quer ser mais do que minha secretária, mas eu jamais erraria novamente.
Já basta Duda, que infelizmente tornou-se um erro constante, já que não a
tiro da cabeça.
A decisão de tirá-la do meu convívio se tornou meu meio de
proteção. Eu nunca saberia lidar com ela, depois de tudo. Seria no mínimo
constrangedor para ambas as partes, por isso, decidi afastá-la da função e
contratar uma pessoa que não precisasse passar por outro treinamento.
Então escolhi Hanna, que já havia almejando esse cargo há meses.
Duda tinha todo direito de escolha e, no fim, fiz aquilo que ela pediu
silenciosamente: a deixei partir.

Mais tarde no jantar dançante.

— Andy, querido, andei pensando que poderíamos fugir daqui. O


que acha? — Marla fala no pé do meu ouvido.
Sorrio. Marla tem sido uma distração deliciosa nesses últimos dias.
— Você sabe que não compartilho minhas noites. — minto, ciente
que já compartilhei e gostei.
Ver Duda se divertindo com Beth e Anthony me alegra. É bom saber
que está feliz.
— Ah, não? E por que Maria Eduarda dormiu na sua casa? — Meu
silêncio é sua resposta.
Volto com o olhar para a minha funcionária.
— Poderia pelo menos disfarçar! — fala, e vejo Duda afastar-se dos
amigos e dirigir-se até o bar.
— Desculpe, Marla, mas não estou entendendo toda essa cisma. —
Ela desliza os dedos pelos cabelos fartos e enrola uma das pontas enquanto
emenda:
— Cisma? Você falta babar por ela, Andy. Parece obcecado!
Solto uma lufada de ar e volto a observar Duda, que caminha
apressada até o banheiro.
Franzo o cenho. Será que está bêbada?
— Andrew? — Marla grita, mas é tarde demais. Meus pés são mais
ágeis do que eu, quando correm para o banheiro.
Consigo ver Duda entrando e saindo, um tempo depois, do toalete.
Ela parece pálida, como se tivesse visto um fantasma. Estou na sua frente e
parece não me notar. Seus olhos cheios de lágrimas me fazem segui-la.
A saída do restaurante está lotada, fazendo-a recuar um pouco e
decido ajudá-la, mas a pessoa ao seu lado me faz parar também. Gustavo
segura o braço dela de forma extremamente violenta. Fecho minhas mãos
em formato de punho e aproximo-me sem me preocupar com a quantidade
de pessoas sendo arrastadas por mim.

Duda

— Gustavo!? — Ele sai costurando as pessoas e me arrasta como se


eu fosse um acessório. Mal tenho tempo de reclamar. As pessoas olhando
para nós como se fôssemos atrações de circo. — Gustavo, por favor! —
minha voz parece um fiapo, de tão fina. Estou envergonhada e sei que se eu
disser qualquer coisa que o irrite, posso deixá-lo ainda mais nervoso. —
Olha a cena que estamos fazendo...
Ele para e me olha dentro dos olhos.
— E sabe de quem é a culpa, amor? — Sua voz é doce, mas seus
olhos ferozes. Gustavo tem várias versões de si: o bêbado irritado e que
gosta de quebrar objetos; o amante insaciável; o amoroso e o dissimulado.
Hoje, o dissimulado está presente. — Por que você se veste com esses
decotes? — Ele puxa meu body para cima, tentando tampar meus seios. Eu
não tinha reparado no decote até esse momento. — Você poderia ter
atendido as minhas ligações. Foi culpa sua se precisei te encontrar pela
internet.
— Pode me soltar? — Ele realmente está me machucando. Seu
sorriso de escárnio diz que não, e percebo isso quando sinto suas unhas
cravarem na minha pele.
Ele cola nossos narizes e seus olhos queimam de raiva e ciúmes.
— Eu odeio quando você me faz ficar assim! — Ele fala apenas
para que eu consiga escutar, e sinto meu corpo trêmulo.
— Duda! — Beth grita de algum lugar e, automaticamente, meus
olhos procuram por ela. Ela e Antony se aproximam, e o olhar preocupado
de minha amiga apenas piora ao invés de tranquilizar-me. — Larga ela!
— E o que você tem a ver com isso?
— Ela é minha amiga e você não vai machucá-la.
— Não se intrometa na minha relação com a minha mulher. — ele
friza bem a palavra minha e rouba-me um beijo estalado e dolorido.
Isso dói.
Eu quero gritar com ele; dizer o quanto isso é absurdo, mas não
tenho voz e nem força.
— Sai da minha frente! — Gustavo reclama.
— Calma, cara, vamos conversar. — Antony tenta. — Você está
sendo insensato.
Náuseas. Estou tonta e percebo tudo desfocar.
— Eu quero que você solte ela imediatamente! — A voz de Andrew
se torna algo distante, mas consigo distingui-la. Quando, enfim, Gustavo
me solta, desfaleço. Depois, tudo se torna um borrão.

— Duda. — Escuto uma vozinha chamar e tento abrir os olhos.


Quando assim o faço, vejo Carmem me encarando. Ela parece sorrir.
— Carmem...? — minha voz está fraca. Fecho os olhos novamente
e, mais uma vez, me permito afundar na escuridão.
Acordo num quarto diferente, contudo, reconheço-o de imediato
quando os móveis de Andrew começam a tomar forma.
Mas o que estou fazendo aqui? O que aconteceu?
Sinto uma dor aguda no braço.
— O que acontec...? — A náusea retorna e corro para o banheiro.
Enquanto me desfaleço em vômito, sinto uma pessoa atrás de mim.
Andrew segura meus cabelos, conforme volto a sujar seu vaso sanitário.
— Melhor? — ele sorri, à medida que aperto o botão da descarga.
— Nós estamos tendo umas semanas difíceis — brinco, referindo-
me ao seu sanitário.
— Espero que melhore logo — diz com sinceridade, e noto um
arroxeado próximo de sua boca. — Você e o coitado do vaso. — sorrio, sem
humor.
Andrew me dá um tempo com a escova de dente que me sede e,
assim que saio do banheiro, questiona se estou melhor e faço que sim com a
cabeça.
— O que aconteceu? — pergunto, enfim.
— O seu namorado aconteceu... — Ele não esconde a careta que
faz.
— Ah! — Lembro-me dos dedos de Gustavo cravados na minha
pele. De repente, a dor no meu braço intensifica. — Ele foi super grosseiro.
— Desvio o olhar.
— Você quis dizer abusivo.
— Não penso que seja assim... — disparo, mas minha mente
continua confusa. Ele ri, e esse fato me irrita um pouco. — O que houve
depois?
— Eu cheguei e o cara veio para cima de mim.
— Por isso a marca roxa em sua boca?
— Digamos que estejamos iguais. — Franzo a testa, e ele completa:
— Você também ganhou um tom arroxeado no braço. — Ao dizer isso, olho
para o lugar dolorido e arregalo os olhos. As marcas dos dedos de Gustavo
estão cravadas em mim. — Mas ele ficou pior... — encaro-o na mesma
hora. O sorriso em seu rosto é de satisfação.
— Você... bateu nele? — questiono, perplexa. Jamais pensei em
Andrew batendo em alguém. Ele é sempre educado e polido.
— Ele mexeu com a pessoa errada. — Pisco os olhos várias vezes,
pensando em qual pessoa está se referindo: ele ou eu. — Depois você
desmaiou, e ele me acertou um soco. Jamais o perdoaria se alguma coisa
acontecesse com você, Duda. — Minha respiração desregula e sinto que
faltam batidas em meu coração. Suas safiras expressam o mais puro
sentimento de tristeza.
De repente, sou puxada para um abraço. Estou tão desnorteada que
mal consigo pensar, porém, não nego abraçá-lo de volta. Sinto que senti
falta desse gesto. Algo tão simples e tão íntimo. Lágrimas ardem meus
olhos, e deixo-as caírem, porque sei que preciso delas, do mesmo modo que
precisava de um ombro amigo.
— Obrigada. — falo sinceramente, sentindo-o me apertar ainda
mais.
— Bom. Tem alguém que gostaria de te ver. — Ele diz ao me soltar,
enquanto afasto as lágrimas com as costas das mãos.
— Carmen?
— Também, mas minha governanta já esteve aqui. Garota! —
Andrew assobia, e ouço os passos de Hope se apressarem ao cruzarem a
porta do quarto.
— Hope! — Tento me abaixar, mas minha cabeça lateja. Há um
curativo nela. — Estou com um galo?
— Sim. Carmen fez o curativo, e chamamos um médico para ver
você. — Conforme ele fala, acaricio sua cachorra, que parece satisfeita em
me ver. — Ele deve chegar em poucos minutos. — Assinto. — Eu tenho
reparado o quanto está pálida e mais magra, Duda. Pensei que te
distanciando de mim, amenizaria as coisas, mas não te vejo como antes.
— Você reparou em mim? — pergunto sem hesitar.
Andrew solta um suspiro longo e confessa baixinho:
— E tem como não reparar?
Seus olhos perscrutam os meus e meu coração acelera. Por um
momento, achei que ele me odiasse, mas somente estar aqui me diz o
contrário. Eu pensei que seria mais fácil, porque não tinha um sentimento
amoroso envolvido, mas percebo o quanto me equivoquei. Claro que não
nos amamos, ou mesmo nos apaixonamos, mas há mais sentimentos entre
nós dois do que eu gostaria. Parece que o conheço melhor do que ninguém e
é um conforto saber que estou aqui. Um lugar que se tornou o meu refúgio.
A porta range e vejo Carmen cruzá-la com uma bandeja nas mãos.
— Como a senhorita está? — Ela encara Hope entre Andrew e eu.
— Deixe esses dois, Hope. — A cadela encara-a confusa, mas faz o que lhe
é pedido e deita-se num dos cantos do quarto.
— Essa aí só escuta a Carmen. — Andrew ri. — Acostume-se,
Duda. Hope pouco me ouve.
— Ela sabe quem manda. — gargalho, mas o cheiro da comida
começa a embrulhar meu estômago novamente.
— Eu trouxe sopa, menina. — Ela coloca a bandeja na cama e
tampo imediatamente o nariz.
— Eu não sei se consigo, Carmen — confesso. — Só está me
deixando mais enjoada. E olha que nem bebi ontem. — O olhar acusador
dela me incomoda.
— Há quanto tempo está se sentindo assim, menina? — indaga,
enquanto volto a me sentar, mas bem longe da bandeja.
— Já tem algum tempo. Nada para no organismo. Acho que preciso
mesmo de um médico.
— Posso te fazer uma pergunta pessoal? — Olho para Andrew, que
parece tão confuso quanto eu, mas respondo que sim. — Você está
atrasada? — A primeiro momento, encaro-a sem entender nada, porém, ao
observar Andrew arregalar os olhos, acabo fazendo o mesmo. Faço as
contas mentalmente e elas não batem.
De repente, lembro-me do presente de Beth, pesando na minha
bolsa, e levanto-me rapidamente.
— Minha bolsa?
— O quê? — Andrew está confuso. Encontro-a pendurada na
maçaneta da porta.
Pego a caixa que contém o teste de gravidez e ele arregala os olhos,
totalmente ciente da minha preocupação. Ele pergunta alguma coisa antes
de eu me trancar no banheiro e, quando finalmente tenho coragem de fazer
o teste, os dois pauzinhos aparecem como num passe de mágica e parecem
zombar da minha condição.
Eu tô muito, muito grávida.
Capítulo 24

— E aí? — Saio do banheiro, desnorteada, ouvindo um zumbido à


minha volta. Entrego o teste para alguém e pego a minha bolsa, pronta para
ir embora. — Duda? Dois pauzinhos querem dizer o que, Carmen?
Carmen?
A voz de Andrew torna-se um chiado. Preciso de um médico. É
isso! Essa merda está errada.
— Ela está grávida? Duda? Vem cá! — Andrew me puxa, mas seu
rosto embaça. Ele coloca a cabeça em cima da minha e me deixo aproveitar.
— Não chora... — Como é bom me sentir segura. Eu precisava disso. —
Tudo vai ficar bem. Eu estou aqui.
— Eu preciso ir noutra farmácia. Comprar mais testes. — digo
baixinho.
— Farmácia? Isso! Sim. Vamos comprar mais testes! — A voz
tremida de Andrew o faz parecer nervoso também. — Carmen, compre uns
dez. — A mulher sai para algum lugar, e Hope a acompanha.
A campainha toca e o cheiro da sopa piora o embrulho no meu
estômago.
Oh! Não! Sujei o chão de Andrew.

Os onze testes e mais o médico confirmaram a minha gravidez. Faz


poucas horas que o exame ficou pronto. Nada como dinheiro para agilizar
as coisas no mercado laboratorial.
Agora só falta o mais importante: saber quem é o pai do bebê, uma
vez que transei com Andrew e Gustavo em um curto espaço de tempo. O
pior de tudo é saber que sendo do Gustavo, eu teria o resto da minha vida
aprisionada a ele por causa do nosso possível filho. Afinal, ser apaixonada
por ele, não o faz o mais responsável dos homens, nem o mais amigável
também.
Andrew está quieto ao meu lado, desde que desligamos seu
computador, com o resultado do exame.
— Reagente quer dizer...?
Seu olhar se encontra com o meu e faço que sim, lentamente, com a
cabeça.
De soslaio, vejo-o encarar a minha barriga. Seus dedos tocam os
meus e seu toque quente me conforta. Sei o que pretende falar. Mas também
sei que esse bebê pode não ser dele.
— Eu nem sei o que dizer... — seu sorriso diz-me muita coisa. —
Ou melhor, eu sempre quis ser pai... — Seguro meu rosto com ambas as
mãos. Como eu queria que fosse fácil, meu Deus...
— Eu preciso te dizer uma coisa, ok?
— O que foi?
— Primeiro, entre Gustavo e eu não existe mais nada. — Ele
assente. — Mas isso não quer dizer que... — deixo morrer a frase e apenas
descanso a mão sobre o meu coração, assistindo-o desviar o olhar.
— Entendo. — Ele não esconde a decepção. — Mas, ainda assim,
espero que não me separe do nosso filho.
Fecho os olhos para que as lágrimas, que se formam em meus olhos,
não caiam. O nó formado em minha garganta é sufocador e, antes que eu
não consiga mais respirar, solto logo de uma vez:
— Esse filho pode não ser nosso, Andrew. — Abro os olhos,
encarando-o de frente. A decepção estampada em seu rosto me atinge em
cheio, porém prefiro continuar: — Gustavo e eu...
— Tudo bem, eu já entendi — ele me corta. — É dele, então. —
Não é uma pergunta.
— Na verdade, eu não sei — falo baixinho. — Eu fiquei com
Gustavo umas duas semanas antes de ficar com você. Não consigo me
lembrar direito. Nos prevenimos, assim como nós, então fica difícil saber
quem realmente é o pai.
Noto-o empertigar-se ao meu lado. O cômodo parece pequeno neste
momento, e um clima estranho paira sobre nós. Permanecemos calados, até
ele finalmente quebrá-lo:
— Faremos um exame de paternidade, assim que possível. Enquanto
isso, você fica aqui.
Viro-me bruscamente em sua direção, atordoada.
— Aqui? Ficou louco? Eu não ficarei aqui, nem tem motivo para
isso.
— Não tem? Você tem certeza? Porque eu não! — Franzo a testa. —
Ele te machucou, Duda, e pode voltar a machucar. — Ele aponta para o meu
braço e desvio o olhar.
— O Gustavo não é um psicopata, Andrew. Ele teve um excesso de
ciúmes, nada mais. — Quero acreditar nisso também.
— Ah, não? — ele ri com escárnio. — Eu acho que você não tem
noção de como são essas coisas — fala num tom de voz mais alto, irritado.
— E você tem? — indago, e ele me encara com olhos arregalados.
Andrew abre e fecha a boca, algumas vezes, prestes a falar algo, porém se
cala.
E é aí que tenho certeza. Andrew já passou por algum tipo de
violência e está se comparando comigo, mas não quer dizer que sofro o
mesmo.
— Me desculpe. Eu agradeço do fundo do meu coração, mas não
deixarei o meu apartamento — digo convicta. Ele me observa, impaciente,
e passeia uma das mãos pelos cabelos. Já reparei que ele faz isso sempre
que está irritado. — Não dá! Desculpe, mas eu batalhei muito pela minha
independência.
Ele se levanta da cama e começa a andar de um lado para o outro
pelo quarto. Percebendo o quão nervoso está, sinto-me mal, uma vez que
sou o motivo. O loiro coloca-se de frente para mim, e não consigo não
reparar no ninho que está se formando em sua cabeça, devido ao seu
nervosismo.
— Você não vai! Eu não posso deixar! Vi o que ele fez com você,
Duda. Me desculpe, mas não posso arriscar a vida de mais um ser, que não
tem culpa de nada, porque você não quer deixar a droga de um
apartamento! — rosna. — Que se dane o apartamento!
— Ele não faria nada contra mim, muito menos sabendo que estou
grávida! — grito, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Gustavo
nunca me machucaria, eu sei disso. Eu acho isso.
Meu ex e eu fizemos planos quando estávamos juntos. Falávamos
sobre filhos, porém, nossa realidade era outra. Eu era outra. Sem contar que
ainda existe a possibilidade desse filho não ser dele. E é exatamente isso o
que me preocupa, porque eu sei bem a reação que Gustavo teria, caso
descobrisse que ele não é mais o único homem da minha vida íntima.
Observo Andrew e penso o quanto seria conveniente para mim caso
realmente ficasse aqui. Com certeza, brincar de casinha com um deus
grego, não seria, de fato, algo difícil, porém, difícil mesmo seria fazê-lo se
apegar a esse bebê para depois descobrir ser filho de outro homem.
Eu jamais poderia fazer isso com ele, nem com homem nenhum.
Não seria justo. Andrew é uma boa pessoa, apesar de tudo, e, justamente
por ser altruísta, quer me ajudar, assim como ajudou Hope. Somos como
um espelho para ele. E vejo-o refletido em nós duas, mesmo desconhecendo
o seu passado.
Observo-o, milimetricamente, e noto o quanto parece assustado. Eu
não sei pelo o que passou, mas, pela forma como seu corpo treme, percebo
que parece ter medo que aconteça o mesmo comigo ou com o meu filho,
todavia, mesmo sabendo o quanto Gustavo pode ser difícil, sei que nunca
faria algo contra mim.
— Me desculpe, Andrew, eu sei que você tem medo e sei que não
será fácil, mas eu preciso fazer isso sozinha. — Toco na minha barriga. —
Pelo menos por enquanto... — até sabermos quem é o pai. Emendo
mentalmente. — Mas prometo a você que pedirei ajuda, caso precise. —
sorrio, sem humor.
Ele senta-se novamente de frente para mim e segura em meu rosto
com ambas as mãos. Seus olhos azuis perscrutando os meus.
— Você promete? — ele esquadrinha o meu rosto.
Encaro seus lindos olhos azuis e penso em como seria fácil me
apaixonar por ele. Além de lindo e charmoso, é altruísta e solidário, mas me
dói pensar que sou completamente apaixonada por uma pessoa totalmente
oposta. Como eu gostaria que o Gustavo fosse um terço do que parece ser
esse homem. Solto um sorrisinho genuíno e respondo em seguida:
— Prometo.

Depois que Andrew finalmente decidiu aceitar a minha decisão, sou


deixada em casa.
Seus olhos tristes e preocupados ainda atordoam a minha mente. Por
algum motivo, parece que a ficha ainda não caiu. Deito a cabeça no encosto
da poltrona. A folha de papel em minhas mãos, com gotas causadas pelas
lágrimas que teimam em cair dos meus olhos. A lista de desejos parece uma
pequena sombra do que um dia eu poderia ser. Um filho agora congelaria
meus planos e sonhos.
Sei que não é o fim do mundo, mas não tenho ninguém com quem
contar aqui no Rio de Janeiro, minha família está distante e não quero
precisar voltar a morar com minha mãe. Sou independente e me acostumei a
viver sozinha. Só de pensar em voltar a morar com dona Cecília e minhas
irmãs, sinto calafrios, mesmo que a saudade me consuma todos os dias.
Pensar nelas, me faz ligar para casa:
— Alô! — reconheço a voz de Maria Quitéria, minha irmã mais
nova.
— Kika? Ei, como vai a minha irmã favorita? — sorrio com a sua
euforia.
— Ei, mana! Pensei que tinha se esquecido da gente. Como cê tá?
— Bem, graças a Deus. E a mãe? Leandra?
— A mãe está bem, de vez em quando fica pistola com a Lê, mas
vai sobreviver. Tá toda boba assistindo as séries da Netflix. Aliás, da ora, cê
liberar o acesso para gente. — Kika fala, e acho graça das suas gírias
paulistanas. Quando cheguei no Rio, foi difícil me acostumar com os
cariocas e perder um pouco do sotaque.
— Fico feliz, Kika. E falando na Lê — dou uma breve pausa —
como ela tá? — insisto em perguntar sobre a minha irmã rebelde. Leandra é
a irmã do meio, mas com menos responsabilidade que Felipe.
Ela bufa.
— Aprontando...
— Tipo o quê?
— Tipo indo para os rolês à noite e só voltar dois dias depois... —
faz uma pausa. — Tipo fumar, feito uma chaminé, e discutir comigo e com
a mamãe, diariamente. Sério, ela tá demais! Maior louca, meu! — Franzo a
testa. Leandra era respondona e desaforada, mas nunca deu trabalho para a
nossa mãe no sentido "noitadas exageradas".
— Certo, vou tentar conversar com ela e dar um jeito naquela
desmiolada! — Limpo as lágrimas que ainda restam em meus olhos e
pondero se falo ou não sobre a gravidez. Noto que ainda falta muito para a
minha barriga começar a aparecer, por isso, decido esperar mais um pouco.
Pelo menos até descobrir quem é o pai da criança.
Conversamos mais um pouco e desligamos em seguida. Mando
algumas mensagens para as meninas no grupo, uma vez que Beth abriu a
boca sobre a noite anterior e Gustavo. Elas dizem que virão me ver na parte
da tarde.
Após um tempo, disposta a relaxar, entro na banheira – uma das
únicas aquisições desse apartamento que fiz questão de ter –, sentindo a
água quente me cobrir. Encho-a de sais de banho e outros produtos
aromatizados, ligando a hidromassagem em seguida. Logo, a espuma me
preenche por inteiro e relaxo recostando-me na beirada.
Analiso a minha barriga, sentindo como se minha ficha não tivesse
caído, uma vez que ainda não tem evidências de que há um bebê morando
nela.
Meus olhos marejam, novamente. Não consigo pensar em como
cuidar de uma criança sozinha, se mal consigo cuidar de mim mesma.
Tantas neuras, tantos medos.
Como deve ser segurar um recém-nascido? E se eu deixá-lo cair?
Tenho o meu afilhado, mas não o segurei no colo com menos de três
meses. Laura havia contratado uma enfermeira para ajudá-la com o pequeno
Nick. Alguém mais preparado para cuidar de um recém-nascido.
Como dar o primeiro banho?
E se eu não conseguir segurá-lo? E se ele bater com a cabeça?
E as roupinhas? Como vesti-las sem o machucar?
— Deus, como vou cuidar do meu filho, desse jeito, sem a ajuda de
ninguém com experiência e sem dinheiro para contratar um profissional? E
meu emprego? — Deixo meu corpo afundar na banheira para molhar meus
cabelos.
Tantas perguntas sem respostas. Como uma mulher vira mãe de um
dia para o outro? Existe algum tipo de manual que nos dê respostas de
como será depois que a criança nascer?
Poderia existir uma máquina do tempo...
Depois de tantas perguntas sem respostas, saio da banheira e visto o
meu roupão. Meu celular toca no quarto.
— Alô?
— Duda... Está tudo bem? — Andrew fala um pouco embolado. —
Eu fiquei preocupado. — Percebo que arrastou demais a última palavra.
— Andrew...? Está tudo bem?
— Siiiiiimm. Estou ótimo! — Estala a língua. — E você, vai ficar?
Suspiro.
— Eu vou ficar bem, prometo!
— Hm.
— Andrew? Você bebeu?
Silêncio.
— Andrew...?
— Soooooó um poooouquinhooo... — ri. — Não foi muito,
Dudinhaaaa. — Ele definitivamente está diferente do homem calmo e
sisudo de cada dia.
— Tudo bem.
— Tuuuudo bem — boceja. — Tchau, Dudinhaaaa, vou dormir. Está
tarde, deveria fazer o mesmo!
Encaro o relógio na escrivaninha e vejo que ainda são quatro horas
da tarde. Isso, porque não bebeu muito.
— Tchau, Andrew! — sibilo. Tiro o telefone da orelha, mas ele
consegue ser mais rápido.
— Duda?
— Oi? — Mais silêncio.
— Promete? — Não sei por qual motivo, mas de qualquer forma
isso me conforta.
Sorrio, porém, não é um sorriso de felicidade. É mais por saber que,
mesmo depois de todas as minhas neuras, sei que não estarei sozinha.
Coloco a mão sobre a barriga e respondo confiante:
— Prometo.
Capítulo 25

— Eu sabia! — Luce grita, afoita, enquanto Laura a repreende, uma


vez que Nick Jr. ainda está dormindo. — Ninguém ia conseguir escapar do
martelo do Thor, depois de dormir na casa dele.
Bato na testa, conforme Beth ri.
— O martelo do Thor é bem grandão, né, dinda? — Vitória pergunta
inocentemente, e Luce grunhi:
— Enormeeee! — Ela me encara, curiosa. — Pelo menos eu acho.
— gargalha.
— Aaaah, que bonitinha você grávida, Duda! — Laura procura
mudar o assunto. — Já conversou com o Andrew?
— Ele já sabe, mas também sabe que pode não ser o pai — confesso
baixinho, e as meninas arregalam os olhos. Vitória me encara, parecendo
não entender nada, ao passo que Sam está entretido com a televisão.
— Quer dizer que o bunda mole do Gustavo... — Lu questiona e, ao
me ver acenar que sim com a cabeça, todas fazem um “oh” em uníssono. —
Filho de uma pu...
— Lu... — Lau replica, e Lu emenda:
— Boa senhora...
Vitória aproxima-se de mim e encosta a mãozinha na minha barriga.
A menina sorri e dá um beijinho nela.
— Tem um bebezinho aí dentro mesmo, titia?
Sorrio ao assentir.
— Mamãe, como o bebê chegou aqui dentro? — A ruiva engole em
seco, à medida que Beth ri.
— Filha, acredito que a titia esteja cansada e não está a fim de
conversar sobre isso agora. — Laura desconversa. — Não é mesmo, titia?
— Ela faz um gesto nada sutil com a cabeça.
— Ah, claro! Acho que podemos conversar sobre isso outro dia. —
tento desviar o assunto.
A menina fecha o semblante, emburrada. Ela cruza os bracinhos e
bufa.
— Ah, não, mamãe Laura... — Luce atiça. — Eu adoraria saber de
onde vem os bebês e tenho certeza que essa garotinha também, não é,
Vitória? — Luce sorri para a pequena e belisca uma de suas bochechas,
levemente. Laura encara-a, horrorizada, enquanto Lu alarga mais o sorriso
maldoso. — Conte de onde eles vêm. Estou curiosa! — Beth e eu
gargalhamos.
A ruiva coloca a pequena sentada no próprio colo.
— Bom... — Laura começa, contrariada. — O papai coloca uma
sementinha na barriga da mamãe, e a sementinha vira um bebê no tempo
certo. — A menina esbugalha os olhinhos.
— A sementinha da titia Duda, ainda é pequenininha? — Vitória
indaga.
— Sim, minha linda! — Agora é Beth quem fala. — A sementinha
vai ganhando força, conforme a mamãe se alimenta e alimenta o bebê.
— Aaah... — A pequena suspira. Ela devolve o olhar para mim e
franze o cenho. — E como o papai faz isso?
— Isso o que, querida? — Laura pergunta.
— Como ele consegue pôr a sementinha dentro da mamãe? Ela
engole? — Vitória aponta para mim.
Beth se ajeita na poltrona, enquanto Laura me encara, pedindo
ajuda. Deus, o que falar para uma garotinha?
Então, do nada, Sam olha na nossa direção e encara Vitória,
introspectivamente.
— Eles acasalam! — O menino responde, dá de ombros e volta sua
atenção para a tv. — Eu vi no Animal Planet.
Arregalo os olhos. Ele usou mesmo o verbo acasalar? Beth olha na
direção do filho e o repreende, enquanto Luce cai na gargalhada e Laura
pisca, algumas vezes, olhando para a filha, que continua sentada em seu
colo. Vitória ainda parece ter dúvidas, pela expressão em seu rosto.
— Sério, Beth, seu filho tem assistido Animal Planet demais! —
Luce gargalha mais alto ainda, deixando Beth tão desnorteada quanto a
ruiva e eu. Ela encara insistentemente o filho, que continua assistindo
televisão, como se não tivesse acabado de dar a informação mais
constrangedora do momento.
— O que é acasalar? Tem a ver com comida? É de comer, mamãe?
— Vitória volta a perguntar.
— Não deixa de ser! — Luce cai na risada, fato que contagia a todos
nós. — Pelo menos no sentido figurado...
— Figurado, igual as figurinhas do Felipe? — Vitória continua seu
interrogatório, o que nos faz rir ainda mais, enquanto a menina parece
completamente inerte ao que se passa ao redor.
À noite, estou sentada na minha cama, tentando digerir tudo o que
ocorreu durante o dia. Pedi à Laura para não comentar sobre a minha
gravidez com Josefo e Damiana, pelo menos por enquanto.
Prefiro esperar e não causar lamúria, uma vez que temos que
aguardar o teste de DNA para sabermos se eles são, ou não, os avós do
bebê. Laura concordou comigo e me deu um abraço caloroso. Minha amiga
sabe o que sinto por Gustavo e, mais do que ninguém, sabe como eu ficaria
animada se ele fosse um pouco mais responsável e que sentisse por mim
pelo menos a metade do que sinto por ele. Antes de sair, a ruiva, mais uma
vez, me deixou mais calma, depois de me confortar dizendo que tudo ficaria
bem.

Um mês se passou, e a sementinha se tornou um pequeno coquinho.


Ele já está visível quando estou nua, ou usando algo justo, por isso, tenho
preferido roupas mais largas.
Tive a minha primeira consulta médica há dez dias, e Andrew me
acompanhou. A Dra. Marcela, minha ginecologista, fez algumas perguntas
e passou alguns exames. Andrew aproveitou para perguntar sobre o teste de
paternidade e se haveria algum risco para o bebê. Ela nos explicou que
pode, sim, haver riscos, pelo menos um por cento, porque noventa e nove
por cento são positivos.
Ela nos apresentou diversas formas de podermos realizar o teste.
Exame de DNA - não invasivo é aquele que consiste em fazer uma
coleta de sangue da mãe e do suposto pai. Situação em que não haveria
necessidade de colher material biológico do bebê. Ela nos explicou que esse
procedimento poderia ser realizado a partir da nona semana de gestação,
somente em gestantes de feto único e apresentaria zero riscos para o bebê.
Ou no caso de dar errado este método, poderíamos aguardar a
décima segunda semana de gestação e fazer a coleta de DNA por meio da
biópsia de vilosidade coriônica, no qual é recolhida uma amostra de parte
da placenta, que contém células do feto. Ela é levada para análise no
laboratório e comparada com o material genético do suposto pai.
Ou até mesmo aguardar a décima sexta semana de gestação e fazer
uma coleta do líquido amniótico ou ainda aguardar a vigésima semana e
coletar o sangue do cordão umbilical.
Andrew e eu concordamos em tentarmos primeiro o exame da nona
semana. Caso contrário, tentaremos o próximo.
Ele ficou todo bobo por me acompanhar no consultório e cada vez
que as pessoas comentavam que o "nosso bebê” sairia lindo por sermos “um
casal lindo”, ele estufava mais o peito, orgulhoso.
É realmente contagiante a animação dele!
No escritório, preferi manter sigilo, pelo menos por enquanto, até a
minha barriga começar a aparecer. Tenho saído todos os dias com Andrew,
seja para casa ou para o médico, fato que está acarretando ciúmes em minha
chefe. Ainda mais depois que ele me promoveu à sua secretária novamente,
depois que ela reclamou de minhas saídas ao médico. A desculpa de
Andrew foi justamente o projeto de Nick. Sou a nova responsável pela
fusão do banco e, com isso, voltei a sentir-me útil na empresa, mesmo em
meio aos enjoos frequentes, enquanto Hanna vivia reclamando do mau
humor de sua nova chefe.
Mas confesso que o meu corre, corre, não tem sido nada fácil e tem
me deixado extremamente cansada, por esse motivo, estou tendo uma
pequena discussão com Andrew em sua sala, nesse momento:
— Já disse que estou bem! — falo um pouco mais alto. — Sério,
Andrew, eu posso ir nessa reunião com vocês! Rafael e eu precisamos fazer
alguns ajustes no quadro financeiro e não posso me dar ao luxo de faltar.
— Melhor não! Já pedi que Marla me acompanhe. Ela concordou
prontamente!
— Óbvio que concordou! — replico, irritada. É claro que a sócia
dele ia adorar ir no meu lugar. Ele aproxima-se, devagar, e ficamos frente a
frente.
— Eu só quero o melhor para você. — Ele desliza uma mecha de
cabelo para trás da minha orelha e, erroneamente, sinto o meu coração
disparar.
— Você me deixa tão irritada! — Afasto-me, atordoada, e me
coloco de costas.
— Você também me deixa e nem por isso te cobro alguma coisa. —
A tensão paira no ar e nenhum de nós dizemos nada. Sei a que se refere.
Gustavo voltou a me procurar e fez o que pensei que jamais seria
capaz de fazer: enviou-me um buquê de rosas, junto de um cartão com um
pedido de desculpas fofo. Ele jamais havia feito algo parecido, e meio que
seu gesto me deixou tentada a falar com ele, porém, Beth e o muro protetor
que aprendi a moldar em torno de mim impediu-me de procurá-lo. Andrew
não falou nada, mas era nítido a sua decepção por eu não ter me desfeito
das flores.
— Eu vou — digo por fim, encaminhando-me na direção da porta.
— Não, Duda, você não vai! — Paro no meio do caminho, mas sem
olhar para trás. — Eu ainda sou dono dessa empresa. — Sorrio, sem humor.
Pensei que fôssemos amigos, mas percebo que para ele sou apenas a
funcionária. — Irei à reunião e depois volto para te levar para casa com
segurança.
Volto a caminhar.
Não digo nada. Saio de sua sala, batendo a porta em seguida,
completamente irritada.
Assim que saio, dou de cara com Hanna, que olha para mim com um
sorrisinho debochado no rosto. Provavelmente, escutou toda a conversa.
Pego minha bolsa na mesa e não faço menção de desligar o
computador. Apenas saio porta afora, bufando. Se ele quer ir para a reunião
com sua sócia, ele tem todo o direito, contudo, não pode me pedir que o
espere também.
Capítulo 26

N o elevador, decido pedir


um carro de aplicativo. Sinto-me
cansada e acredito que seria mais rápido e mais econômico. Enquanto
aguardo o carro chegar, fico na portaria do prédio, conversando com os
seguranças e as recepcionistas. Elas, como sempre, mais solícitas do que as
meninas que trabalham no escritório comigo. Depois de um tempo, o
motorista me informa que está na frente do prédio me aguardando.
Assim que encontro meu carro, sinto alguém esbarrar em mim.
Gustavo dá um sorrisinho, amistoso, e minhas pernas bambeiam
imediatamente.
— Quanto tempo, amor...
— Pare de me chamar assim, Gustavo, nós terminamos. — digo
incerta. Terminamos, de fato, mesmo que meu coração não sinta isso.
— Eu gostaria de conversar com você. — ele é ponderado. — Posso
te acompanhar?
— Gustavo, por favor...
— Duda, precisamos conversar. Eu sei que errei, mas preciso que
você me perdoe. Eu fui um idiota, eu sei, mas tudo em prol do que sinto por
você. Eu só sei fazer merda! — As palavras saem rápidas demais. — Quero
melhorar e sei que você poderia me ajudar.
“O sinal de um abusador é justamente inverter os papéis e colocar
a vítima como solução dos abusos dele. Ele envolve a vítima...” A voz da
Dra. Marisa vem à minha mente e sacudo a cabeça para ambos os lados, a
fim de fazê-la desaparecer.
— O único que precisa fazer isso é você.
— Eu sinto tanto a sua falta, amor. Você não faz ideia de como têm
sido os dias e as noites sem estar contigo. — Fecho os olhos, tristemente.
Pior que sei.
Ele envolve minha cintura com seus braços fortes e não tenho
nenhuma reação. Por algum motivo, sinto-me sufocada.
— Você está me apertando. — O meu muro protetor está em alerta,
porém, ele consegue desmanchá-lo um pouco e acabo abraçando-o de volta.
Ele beija a minha testa e recosta sua cabeça em cima da minha, o
que me faz lembrar de Andrew. O loiro e eu ficamos nesta mesma posição
em seu quarto no dia em que descobri a gravidez, e sinto como se estivesse
fazendo algo errado. No mesmo instante, solto-o e nossos olhos se
encontram.
— Eu preciso ir embora — sibilo.
— Posso te acompanhar até em casa?
Perscruto seu rosto e ainda paro para pensar, sentindo-me a mais
tola das mulheres.
— Melhor não.
— Ah, vai, o que custa? Como nos velhos tempos — ele dá o
sorrisinho que sempre me encantou; aquele que me deixou apaixonada na
primeira vez que conversamos na mansão Delamont.
— Eu não sei, Gustavo, estou cansada e precisando descansar.
Minha cabeça lateja. — não minto.
— Mais um motivo para ir com você. Que homem seria eu, caso te
permitisse sair pelas ruas assim? Você sempre foi importante para mim!
Não consigo esconder o sorriso. Ele desliza os dedos suavemente
pelo meu rosto, e tremo ao sentir seu toque. Como eu gostaria que ele fosse
assim todos os dias.
Acabo concordando e deixo-o me acompanhar até em casa.
Peço outro carro de aplicativo, uma vez que o anterior cancelou a
corrida e, assim que chegamos em frente ao prédio onde moro, o detenho.
— O que foi? — indaga, parecendo não entender nada.
— Você não vai subir. — Ele estreita os olhos. — Como falei, estou
indisposta e tudo o que quero é dormir.
— Quer que a leve ao médico?
— Não! — falo rápido demais.
Nada de médicos com você ao meu lado, pelo menos por enquanto.
— Não precisa! É somente uma indisposição mesmo. — Tento
disfarçar.
— Está naqueles dias? — Ele faz charme. Faço que não com a
cabeça. Antes fosse isso. — Então, faremos o seguinte: eu subo com você e,
enquanto a senhorita toma um banho, faço uma sopa. Depois te deixo
descansar e vou embora.
— Melhor não, Gustavo.
— Você precisa se alimentar. Deve estar fraca. — Sua voz sai tão
doce quanto na época em que começamos a namorar. — E você sempre
amou as sopas que faço.
Penso em tudo o que ele já aprontou comigo e solto uma lufada de
ar. Ele não vai descansar enquanto não conseguir o que quer, por esse
motivo, e para que o momento acabe mais rápido, deixo-o subir.
Sua alegria é palpável, ele sorri exatamente como um adolescente
faz quando está apaixonado.
Ao chegar em casa, decido relaxar na banheira.
A música Memories do Maroon Five reverbera por todo o
apartamento e, sem evitar um sorriso, lembro-me que costumava dizer ao
Gustavo que essa era a nossa música. Acho que está tentando me fazer
lembrar daquela época, mas por algum motivo, parece estranho tê-lo hoje
aqui.
Logo, minha mente leva-me à discussão que tive com Andrew mais
cedo. Fico triste por brigarmos, quando tudo o que tem feito é permanecer
ao meu lado, porém, eu precisava que entendesse que estou grávida e não
doente. Escuto batidas na porta, tirando-me dos meus devaneios. Percebo
que Gustavo pressiona a maçaneta, porém, como a tranquei, não consegue
entrar.
— Duda, a sopa já está quase pronta! — grita.
— Ok. Já vou sair.
Depois de vestir meu roupão, procuro meu celular dentro da bolsa e
sento no sofá.
Gustavo não demora a aparecer com uma bandeja e menciona,
parecendo desconfiado, que meu telefone estava tocando várias vezes
seguidas.
Pego a tigela, notando várias chamadas perdidas de Andrew.
— Algum problema? — Faço que não com a cabeça, levando a
primeira colherada à boca. — Eu queria te perguntar uma coisa — pondera.
— Sobre aquele cara na boate, quem era ele? — Há toda uma sutileza em
torno de sua voz. Ele não gosta de mencionar sobre seus momentos de
loucura. Penso numa resposta coerente, porém, nada me vem à mente,
então, decido pela meia verdade:
— Ele é meu chefe. — Levanta uma sobrancelha.
— Ele não me é estranho. — Sua avaliação me deixa incomodada.
Engulo uma boa colher de sopa.
Para mudar de assunto, foco apenas na comida. Sei que se
seguirmos por esse caminho agora, ele ficará irritado. Assim que eu
termino, ele rapidamente deixa a vasilha vazia na cozinha e retorna,
aparentemente, pronto para me interrogar, mas sou salva pelo toque da
campainha. Peço licença, conforme sua testa está franzida. Ele não esperava
que eu recebesse visitas, nesse momento.
Assim que abro a porta, tenho certeza que preferiria o interrogatório,
pois, na minha frente está Andrew e, pendurada em um de seus braços, há
uma sacola de supermercados.
— Vim me desculpar com você e, para compensar... — Ele me
estende a sacola. — Trouxe chocolate. Estava pensando em pedir uma
pizza, enquanto assistimos a um filminho para acalmar os ânimos. O que
acha?
Respiro fundo e olho para todos os lados, tentando encontrar um
lugar para enfiar a minha cara.
Que merda eu faço agora?
Capítulo 27

— Oi, Andrew — digo baixo, conforme minhas pernas tremem.


Ele franze a testa ao esquadrinhar meu rosto. Deve estar estampado
todo o meu nervosismo.
De repente, seus olhos azuis focam além de mim e vejo seu
semblante se fechar, o que faz-me crer que está encarando Gustavo.
— Algum problema, Duda? — A voz do meu ex não me
surpreende, o que me assusta é a forma como ele toma minha cintura para
si.
— Nenhum, Gustavo. — Desvencilho-me dele, voltando o olhar
para Andrew, que não perde um segundo da cena.
— Acho que cheguei numa hora ruim. Aqui, Duda! — O loiro me
entrega a sacola de supermercados e vejo a quantidade de chocolates e
doces que há nela. Meus olhos brilham. — Estava preocupado, mas, como
estou vendo, você está em boa companhia. — Ele não esconde o sarcasmo.
— Ela não precisa de nada que venha de você! — Gustavo rosna e
toma a sacola de minhas mãos.
Meus dedos tremulam e, ao ver Andrew dar um passo à frente,
aparentemente irritado, faço sinal com as mãos para que não faça nenhuma
besteira. Gostaria de gritar e reivindicar meus doces, mas confesso não
encontrar forças.
— Me dê licença! — Andrew rouba a sacola novamente e me
devolve. — Isso é para ela. — Gustavo rosna. — Acho melhor eu ir
embora... — Andrew começa, mas logo é cortado:
— Lembrei quem é você! — Meu ex-namorado estala os dedos
praticamente no rosto do loiro e aponta-lhe um dedo. — O advogadozinho...
Irmão de Nick! — despreza.
Andrew assente, e Gustavo abre um sorriso malicioso.
— Confesso não ter reconhecido no restaurante, mas agora está na
cara. Você é o babaca que babava em cima da minha mulher! — Gustavo
segura a minha cintura, mais uma vez, e ouço Andrew bufar. Seus olhos
queimam como brasa.
— Menos, Gustavo.
— Não! Calma, Duda. — Gustavo ri em deboche. — O que
exatamente está fazendo aqui?
— Até onde sei, não te devo satisfações. — Andrew responde.
— Não, mas está na casa da minha mulher, por isso deve sim! —
Gustavo aumenta o tom de voz, frisando bem a palavra minha.
— Duda não foi e nunca será sua, ela não é um objeto. Você não é
dono dela! — O loiro se exalta, e sinto a minha cabeça começar a rodar.
Minhas pernas amolecem, conforme sinto o clima tenso. Observo o rosto de
Andrew desfocar, e a última imagem que me vem à mente são suas mãos
me segurando antes de vir o apagão.
“Num galho seco eu vi pousar um passarinho
Que a seus filhinhos ia cantar uma canção
E um vagabundo que andava sempre em festa
Correu depressa foi armar-lhe um alçapão.”

— Ah, papai, lá vem você com essa música chata!


— Pois saiba, passarinho, que irei cantar essa cantiga até você
resolver se casar. — A coberta quentinha espanta o frio do inverno. Ele ri
quando dou uma careta e me aninho na cama.
— Eu não o vejo cantando cantiga para Lelê ou Kika. — retruco.
— Elas são muito novinhas ainda. Quando crescerem um
pouquinho, cantarei uma cantiga de ninar para cada uma.

Acordo atordoada e percebo que estou deitada na minha cama. De


onde estou, consigo ouvir as vozes misturadas de Gustavo e Andrew,
percebendo que eles ainda discutem. Com certa dificuldade, caminho até
onde estão.
— Vocês podem parar, por favor? — sibilo. Os dois me encaram, e
Gustavo vem de encontro a mim, enquanto Andrew me observa
cautelosamente.
— Quer que eu chame um... — Não o deixo terminar a frase. Sei
que Andrew quer chamar um médico, mas não com o Gustavo presente.
— Tudo bem, Andrew. Eu só preciso ficar sozinha — encaro-o de
frente, assistindo-o analisar os sinais que estou dando.
— Isso mesmo, ela quer ficar sozinha. Você já pode ir embora! —
Gustavo rosna e viro-me na sua direção.
— Você também, Gustavo. Eu quero ficar sozinha e vocês estão me
deixando com mais dor de cabeça. — Ele me encara, incrédulo, e parece
pronto para dizer alguma coisa, porém corto-o:
— Nos vemos amanhã no escritório, Andrew.
— Andrew… — Seu nome parece doce na voz de Gustavo. — Acho
melhor vocês se virem amanhã. No escritório. — Seu olhar negro percrusta
Andrew da cabeça aos pés. — Engraçado como algumas coisas nunca
mudam… — Ele ri malicioso.
— Chega, Gusta… — Mas ele me corta:
— Acho mais conveniente se colocar no seu lugar. — As mãos de
Andrew se fecham em formato de punho, enquanto o sorriso do meu ex
torna-se uma carranca. — Já está ficando feia essa sua quedinha,
doutorzinho. — Sinto-o colar o meu corpo no seu, como se eu fosse um
fantoche.
— Gustavo, por favor... — sussurro, enquanto as lágrimas teimam
em aparecer.
— Duda sempre foi e sempre será apaixonada por mim —
sentencia. E como se quisesse confirmar o fato, me rouba um beijo estalado
e agressivo.
Eu não tenho reação. Não consigo dizer nada, além de pedir que um
Andrew surpreso e, nitidamente, decepcionado vá embora.
— Isso! Cai fora! — Escuto o homem ao meu lado rosnar. Andrew
não diz nada. Seu sorriso é forçado quando se encaminha lentamente para o
elevador.
Estou acuada pelos dedos cravados de Gustavo em minha cintura.
Olho para Andrew, que segue sem olhar para trás. Penso em todas as vezes
que fiz exatamente o que Gustavo queria que eu fizesse, mesmo
contrariando a minha vontade
“E um vagabundo que andava sempre em festa
Correu depressa foi armar-lhe um alçapão.”

Franzo a testa ao lembrar do sonho que tive. Ao lembrar de meu pai,


sinto meu peito inflar. Ele era a minha força; meu refúgio e meu melhor
amigo.
— Você também, Gustavo! — solto, por fim.
Gustavo olha na minha direção, enquanto Andrew para no meio do
corredor sem olhar para trás.
— Tem certeza disso? — Ele carrega no tom da voz. Desvio o olhar.
Não quero ver sua expressão de raiva.
Normalmente, eu faria o que ele mandasse.
Andrew continua parado no mesmo lugar, provavelmente
aguardando meu ex acompanhá-lo. Gustavo solta uma risada curta e,
mesmo contrariado, caminha na direção do loiro.
Assim que finalmente as portas do elevador se fecham, com os dois
homens dentro dele, consigo respirar aliviada. Volto para o meu refúgio e,
um tempo depois, decido enviar uma mensagem para Andrew, com um
pedido de desculpas e outro de agradecimento. Se não fosse por ele,
Gustavo jamais teria ido embora, contudo, franzo a testa assim que vejo que
visualiza e não responde.

Andrew

Eu não sei o que consegue ser pior: encontrar o babaca do Gustavo


dentro da casa de Duda ou ser fechado numa caixa de metal pequena com
ele. A única coisa que me conforta é saber que, assim como eu, ele parece
irritado e pensativo. Seus olhos estão fixados em mim e isso apenas me
deixa mais puto da cara.
— Apreciando tanto a vista assim? — rosno, e ele ri malicioso.
— Para falar a verdade, só estava apreciando a sua cara de otário;
essa pompa de gringo, roupas caras e, com certeza, com um diploma caro
guardado na gaveta. Mas não pode encontrar a minha mulher, que parece
um rato acuado.
— Ela não é sua mulher para princípio de conversa, coloca na sua
cabeça que ninguém é dono de ninguém. Escravidão ficou para trás, amigo,
e se eu quiser, com o mesmo diploma que tenho dentro da gaveta, posso te
colocar atrás das grades devido a abusos.
O babaca ri em escárnio.
— Você é patético! — grunhi. — Duda pode ser sua funcionária,
mas nada além disso. Sabe por quê? Porque ela é doida no pai aqui.
Podemos até brigar, mas, no fim, sempre ficamos juntos quando eu quero.
— One day the house falls[11]] — digo e, quando vejo que ele me
encara atordoado, gargalho. — Um dia a casa cai.
Gustavo bufa e aumenta o tom de voz:
— Aceita que dói menos, doutor. A. Duda. É. Minha! — diz cada
palavra pausadamente.
Fecho a mão em punho.
Que vontade de perder a dignidade que tenho e acertar a cara desse
moleque, novamente!
— Duda não é de ninguém. Deixa de ser a porra de um abusivo e se
importe mais com os sentimentos dela! — Perco a minha decência e
praticamente grito.
Ele gargalha.
— Não que você mereça saber, mas eu me preocupo com ela. Senão,
nem estaria aqui. — Ele se aproxima de mim e cerro a mandíbula. — E ela
adora.... Tanto que todas as vezes que nos encontramos, sempre que
estamos pele a pele, ela se derrete feito açúcar. Nós temos uma química que
você nunca vai entender. Ela conhece o pau que tem.
Quando ouço isso, lembro-me de como fui rejeitado pós sexo por
Duda e sinto-me um tolo. Será que o que esse babaca diz é verdade? Será
que foi por esse motivo que me rejeitou? Devido a essa maldita coisa que
eles têm juntos?
Estamos a centímetros de distância, um do outro, e minha vontade é
de enterrar o punho na cara dele. Ainda mais quando ri, debochado. Um
alerta de mensagem tira-me dos devaneios.
Ao ver que trata-se de Duda, levanto uma sobrancelha. Encaro
Gustavo e devolvo o mesmo sorriso. Por estar próximo, ele consegue ler o
nome dela estampado na tela do meu celular e seu franzir de testa não me
passa despercebido. Confesso euforia ao abrir a caixa de mensagens.
(Duda) Oi, só gostaria de agradecer por sua ajuda hoje. Obrigada
por sua amizade e tudo o que tem feito para se mostrar presente na minha
vida. Obs.: Amei os chocolates.
Sorrio, porém, meu sorriso morre aos poucos ao escutar o babaca
gargalhar. Encaro-o, atordoado. Eu no lugar dele estaria puto, isso sim!
— Cara, sério. Você ficou feliz por causa dessa porra? Tinha que ver
as mensagens que sempre trocamos! — Ele aponta para o meu aparelho. —
Isso para mim tem apenas um nome... — A porta do elevador finalmente é
aberta e vejo-o passar por mim. — Friendzone. Vou te dar apenas um
conselho de amigo. — Ele vira-se na minha direção, assim que ultrapassa a
porta. — Se te serve de consolo, Duda e eu nunca fomos amigos. Nem
mesmo quando trabalhávamos juntos, mas foi bom de alguma forma. Me
deixou mais confiante! — O babaca pisca um dos olhos e caminha
lentamente para fora do prédio.
Irritado, ligo para a única pessoa capaz de me ajudar nesse
momento: Nikolas Delamont.

— Quer dizer que você transou com a mulher dos seus sonhos, pode
ser pai do filho que ela espera e ainda está na friendzone? Porra, Andrew,
você já foi melhor! — Nick gargalha e dá tapinhas nas minhas costas.
Estamos na casa dele, em seu escritório. Bebo num único gole o
Whisky que estava dentro do meu copo, simplesmente assentindo. Nikolas
enche-o, mais uma vez, e me encara parecendo certo de que a coisa está
pior do que aparenta.
— Cara, mas você tem certeza que é só amizade? De repente, ela
está confusa, não sei!
— O próprio babaca do seu ex-motorista falou isso na minha cara,
Nick. Se até ele enxergou essa porra, quem sou eu para discordar! — Dou
de ombros.
— Pensa pelo lado positivo...
— E você ainda acha que tem esse lado? — Acabo com mais um
copo de whisky e puxo a garrafa das mãos dele.
— Sempre tem — diz, enquanto encho o meu copo novamente. —
Laura e eu estivemos num casamento de mentiras e ela acabou me
perdoando pelas merdas que fiz. A Duda já gosta de você, só falta enxergar
o cara foda que é.
Encho o seu copo e bufo. Não é tão fácil assim.
— Você está falando como se eu fosse apaixonado.
— Hm... e você está o quê?
— Estou preocupado, Nick. Pode ser meu filho no meio dessa
merda toda! O cara parece dono dela. É abusivo, comanda ela e suas ações!
É muito para mim, quanto mais para um bebê.
— Você mais do que ninguém sabe o quanto é difícil. — Nick olha
dentro dos meus olhos e me serve outra bebida. — Acho que você precisa
ajudá-la de alguma forma, irmão.
— Eu sei. Mas não posso estar ao lado dela sempre. Ela se recusou a
morar comigo.
Ele arregala os olhos.
— Você? O cara avesso a dormir com mulheres, dizendo isso?
— E eu tinha escolha, irmão?
— Sempre há.
— E o que você quer que eu faça no meio dessa merda? O merda do
seu ex-motorista está convicto que eles ainda voltam.
— E você está puto com isso? — replica, enquanto reflito. Estou
bem irritado mesmo com esse fato e com a possibilidade desse bebê ser
dele. — Pois acho que sua ceninha no restaurante e hoje significa ciúmes.
— Não misture as coisas — respondo incerto. Será que realmente
estou com ciúmes?
— Você me disse que ela saiu bem nervosa na noite em que
transaram, correto? — Faço que sim com a cabeça. — E que no outro dia,
ela nem quis te escutar. — concordo novamente, servindo-me de mais
Whisky. — O que pretendia falar?
Pisco os olhos, atordoado.
— O que queria? — ele volta a perguntar. Solto uma lufada de ar.
Nick me conhece tão bem quanto Hope. Até melhor, na verdade. Nada
escapa aos olhos dele, nem dos ouvidos, pelo jeito.
— Eu queria tentar. — confesso pela primeira vez.
— Tentar…? — ele parece estar me avaliando. Nick é o único que
sabe sobre o meu passado e pesadelos noturnos.
— Tentar, de tentar, irmão. — rio, sem humor.
Silêncio. Ele sabe o quanto isso significaria para mim.
— Eu não sei você, Andrew, mas acho que isso seria mais do que
apenas um caso.
— Você quer dizer... — Apaixonado? Emendo mentalmente, à
medida que tenho seu olhar na minha direção. Desvio os olhos, sem
conseguir encará-lo.
Aquela noite ficou gravada na minha memória e confesso que todas
as vezes que estamos juntos, tenho vontade de abraçá-la e beijá-la mais uma
vez. Realmente não é como se fosse um caso qualquer. Tem sido incrível
estar ao lado dela nas sessões da obstetra, nesse último mês. Por incrível
que pareça, conversamos mais e nos entendemos melhor também. É bom tê-
la ao meu lado.
— Acho que você sabe que o Gustavo não está errado quanto à zona
da amizade. — Nick me traz de volta à realidade.
— E é isso o que sou para ela. — confesso, desapontado.
— Pode ser mais.... Toda paixão nasce de uma amizade, sabia? Veja
você e Marla... — ele ri.
— Sobre Marla e eu não é engraçado, Nick. Ela... — ele me corta:
— Ela te ama! Mas você também. Só que não da forma que ela quer.
— Nick se interrompe quando o meu telefone toca. Eu encaro a tela e
estranho quando noto que se trata de Duda. O telefone chama algumas
vezes, mas prefiro deixar que caia na caixa postal. — Não vai atender?
— Agora não.... Preciso lidar com minhas merdas, sozinho.
Meu copo esvazia outra vez.
— Acho que bebida não vai te ajudar!
— E nem você! — reclamo. — Seu babaca!
— Acho melhor você lidar com a sua paixão, mocinho.
— Já disse que não estou... — Sua sobrancelha levantada me faz
calar a boca.
— Você tá muito fodido!
Nesse momento, Laura entra no escritório, parecendo afoita. Não
perco as lágrimas descendo pelo seu rosto.
— O que houve, amor? — Meu amigo socorre a esposa, abraçando-
a.
A ruiva se desvencilha dos seus braços e seu olhar se depara com o
meu.
— Andrew, Duda está no hospital. — Levanto-me, rapidamente. —
Luce a ajudou. Parece que o Gustavo esteve no apartamento dela e a
empurrou. Ela estava sangrando. — Laura diz em meio às lágrimas, porém,
não penso em mais nada. Pego as chaves do carro, vendo-os me seguirem
até o hospital.
Se algo acontecer a Duda e a esse bebê, juro que mato esse filho da
puta! Nem que eu seja preso em seguida, mas juro que mato!
Capítulo 28

D esde que Andrew e Gustavo


deixaram o meu apartamento,
espero por uma resposta do loiro, mas não obtenho nenhuma. Pior que nem
posso julgá-lo. Ele deve estar bem chateado comigo. Seus olhos
decepcionados não deixam a minha mente, e seus chocolates me servem
como aliados, enquanto Grease - Nos tempos da brilhantina começa a rodar
na televisão.
No meio do filme, mais precisamente quando há a dança no baile da
escola, meu interfone toca. Franzo a testa ao escutar do porteiro, que
Gustavo precisa falar comigo. Peço para informá-lo que conversaremos
outro dia e volto para a sala. Não quero ter que lidar com ele agora; ainda
mais sozinha. Uns cinco minutos depois, sou interrompida mais uma vez
pelo barulho do interfone.
— Oi, senhor Osmar. Algum problema? — questiono, já impaciente.
— Sim, dona Duda. — Pelo seu tom de voz, percebo que está
cansado. — O senhor Gustavo ainda está aqui e pediu para informá-la que o
assunto é delicado. Ele está citando alguns nomes com os seguranças do
prédio, algo sobre uma tal de Vitória e Daminiana, Dominiana, alguma
coisa assim.
— Damiana? — ouço-o responder que sim. De longe, consigo ouvir
a gritaria. Provavelmente, Gustavo está fazendo um dos seus escândalos.
Sem alternativas, acabo permitindo a sua entrada no prédio.
Assim que escuto o som da campainha, abro a porta para encarar o
meu ex-namorado. Ele está parado na minha frente, aparentemente nervoso
e sem dizer nada, porém, ao observar seus olhos pairarem sobre a minha
barriga, automaticamente levo minhas mãos até a região, a fim de protegê-
la. De alguma forma ele sabe e, quando seus olhos se encontram com os
meus, tenho total certeza.
Dou alguns passos para trás, à medida que ele se encaminha até
mim.
— Eu vou ser pai. — Não é uma pergunta. Gustavo coloca as duas
mãos sobre minha barriga e, atordoada, entro em meu apartamento, vendo-o
me seguir. — Por que não me disse nada, Duda? — Tento formular uma
desculpa, mas não tenho chance. — Duda!
Paro no meio da sala e viro-me na sua direção, sentindo meus olhos
se encherem de lágrimas. Elas deveriam ser de emoção, mas parecem
descer por outro motivo, que confesso não ter a menor ideia de qual seja.
Noutro momento, estaríamos felizes, mas não é o que sinto hoje.
Fecho os olhos, imaginando o quanto será difícil ter a mesma
conversa que tive com Andrew.
Dizer para uma pessoa como o Gustavo que, além de existir uma
pequena porcentagem de não ser o pai do meu filho, ele já não possui o
título de único na minha vida íntima, não será fácil. Respiro fundo, sentindo
o ar faltar e faço a pergunta que não para de martelar na mente:
— Como soube?
— Como eu soube? Desde quando isso importa? — Ele diminui a
distância entre nós. — O importante é que estaremos juntos para sempre,
meu amor. Ninguém jamais conseguirá nos afastar. Seremos, enfim, uma
família como sempre quisemos! — Sinto seus dedos ásperos em meu rosto
e, pela primeira vez, eles me causam calafrios. É irônico pensar nisso agora,
e ouvir tais palavras me fazem recuar.
Ele se empertiga.
— Como você descobriu, Gustavo?
— Sei lá! — ele fala, atordoado, andando de um lado para o outro.
— Assim que eu saí daqui, havia algumas ligações de minha mãe. Eu fiquei
preocupado, achando que poderia ter acontecido alguma coisa e retornei na
mesma hora. Minha surpresa foi escutá-la gritar o quanto sou irresponsável
e que não tenho estrutura para ser pai. — Franzo a testa. Como Damiana
descobriu? — Eu fiquei sem entender nada, é claro. Mas quando ela
explicou que você estaria esperando um filho, consegui ligar os pontos.
— E como ela descobriu? — questiono, sem conseguir desmentir
suas suspeitas.
— Vitória.
— Entendo.
— Entende? — Ele se aproxima mais, enquanto observo seu
semblante mudar. — E por que não disse nada? Por que esconder algo
assim, quando sabia o quanto eu estava me esforçando para voltarmos? —
Se esforçando... — Por que não disse que estava esperando um filho meu?
Sinto o suor frio de minhas mãos. Sua testa franzida é um dos sinais
que tem algo de errado e sei que está louco por respostas. Respostas que
tenho plena consciência de que irá nos magoar. De repente, uma lembrança
surge na minha mente:
— Qual é a merda do seu problema, Duda? — ele rosna.
— O meu problema é que eu não sei mais em quem acreditar. —
replico, chorando, enquanto ele anda de um lado para o outro, parecendo
ofendido.
— Eu menti é o caralho! Essas suas amigas que estão colocando
merda na sua cabeça! — grita.
Pisco os olhos devagar ao olhar para o Gustavo da minha frente,
tentando uni-lo com o do passado. Meus olhos vagueiam pela sala,
procurando por meu celular, e encontro-o repousado na poltrona. Minhas
pernas bambeiam, assim como o telefone em minhas mãos.
— Duda, olhe para mim! — Puxa-me com violência e praticamente
cola nossos rostos. Suas unhas cravam em meu braço e sinto sua respiração
pesada. Ele está vermelho como um pimentão. — Que merda você tá me
escondendo?
Respiro fundo e limpo algumas lágrimas que voltaram a escorrer
pelo meu rosto. Sinto que não é primeira vez que tenho medo desse homem.
Essa sensação parece estar dentro de mim, desde antes.
Como se eu já não estivesse apavorada o suficiente, ele me sacode
cruelmente, e um gemido de dor escapa pela minha garganta.
— Eu exijo que você me responda agora. Esse bebê é meu, não é?
— Ele me sacode ainda mais e um riacho de lágrimas despontam dos meus
olhos. Sem conseguir encará-lo e, diante do meu silêncio, vejo-o ter certeza
de que não é mais o único na minha vida.
— Quem é o infeliz? — Seus gritos explodem e suas veias parecem
prestes a saltar pela garganta. — Me diga de uma vez por todas! Quem foi a
porra do infeliz que te comeu, sua vadiazinha dos infernos!
Vadiazinha…
Arregalo os olhos. De repente, sou levada novamente ao passado:
— Eu não te traí, mas acho que eu deveria, porque aí sim eu seria
acusado justamente! — seu tom de voz é malicioso e sinto-me mal por ter
escutado as meninas da universidade. Elas me disseram que ele estava
rondando a faculdade com uma garota aleatória e que os tinha visto em um
momento íntimo. Mas ele pode ter razão. Elas poderiam ter mentido para
mim. Gabi, uma colega do curso de matemática financeira, sempre havia se
insinuando para ele e é bem possível que seja mentira delas.
— Gustavo, me desculpe! Eu sei que sou burra por acreditar... —
Ele não me deixa terminar a frase:
— Qual é a merda do seu problema, Duda?
— O meu problema é que eu não sei mais em quem acreditar. — As
lembranças parecem mais nítidas agora.
A música You’re The One That I Want traz-me de volta ao presente e
olho automaticamente para a televisão. Assisto o olhar dele pairar sobre o
aparelho e, em um momento de loucura, arremessá-lo no chão, calando de
vez Danny e Sandy da ficção. Dou um pulo, assustada, quando todos os
utensílios que enfeitam o rack são jogados também.
— Gustavo, para, por favor. — Meu choro soa como súplica.
— Foi aquele bostinha, não foi? Aquele mauricinho de merda? —
berra enquanto anda na minha direção, fazendo-me dar alguns passos para
trás. Ele aperta meu queixo, ferindo meu maxilar. Seus olhos lembram
nuvens acinzentadas, prontas para consolidarem uma tempestade. — Fala,
sua vadia! Aquele advogado de merda que comeu você, não foi? Ele te
obrigou?
Fecho os olhos e o passado vem ao meu encontro novamente:
— Eu menti é o caralho! Essas suas amigas que estão colocando
merda na sua cabeça! — De repente, um estrondo deixa-me assustada.
Percebo que fechei os olhos ao abri-los em seguida. A parede. Ele acertou
a parede ao meu lado. — Olha o que você me faz fazer!
— Por favor... — A mesma palavra que usei naquele dia saí da
minha boca agora.
— Abra a merda dos olhos, porra! — rosna e, quando custo em
fazê-lo, ele grita. — Abre a merda dos olhos e me encara! Diz que você não
quis!
Tento buscar um jeito de respirar, mas é sufocante demais. Ele puxa
o meu rosto e, mais uma vez, sem permissão, invade a minha boca
brutalmente. Pela primeira vez, depois de anos, sinto-me enojada.
— Você é minha, entendeu? — Ele me beija, mais uma vez. — Só
eu posso tocar esse corpo. E quanto a isso... — Seus dedos repousam em
minha barriga. — Se não for meu, você terá que tirar. — Suas palavras
ferem mais do que se eu tivesse sido esfaqueada. Em momento nenhum ele
está pensando em mim ou nesse bebê. Quando finalmente seus dedos
desprendem-se de mim, consigo voltar a respirar.
A palavra “isso” ecoa em meu cérebro, evidenciando uma das várias
facetas de Gustavo. Aquela à qual sempre abominei: a cruel.
— Não criarei filho dos outros! — sentencia.
“Dependa apenas de você, passarinho.
Mas eu não consigo! Já tentei mil vezes e sempre caio.
Caiu uma vez, caiu duas, caiu três, levante a cabeça e tente de
novo! A bicicleta não é um monstro que merece ficar escondida
eternamente na garagem. Você tem muito o que aprender sobre a vida!
Não quero mais cair. — digo triste.
Lembra do Huguinho?
O menino que não tem um braço? — ele acena com a cabeça.
Ele consegue amarrar os próprios cadarços. Você já o viu fazendo
isso com a boca e, mesmo assim, você está se recusando a tentar
novamente. A senhorita tem mãos e pés e tem obrigação de tentar de novo.
Ninguém poderá fazer isso por você, passarinho.”
A voz do meu pai me vem à mente e lembro-me de ter conseguido
pedalar na bicicleta naquele dia, mesmo depois de tantas tentativas. E,
mesmo me vendo com vários machucados e estando nitidamente cansado,
ele queria que eu conseguisse e se propôs a permanecer ao meu lado.
Naquele dia, eu não havia entendido seus motivos, mas hoje entendo: ele
precisava me fazer forte.
Adrenalina. Ela corre pelas minhas veias e tenho a sensação de que
em algum momento meu corpo irá emanar energia. Sinto o meu peito subir
e descer com rapidez e penso que nada, nem ninguém poderá me segurar
agora.
— Você só pode estar louco se acha que vou tirar o meu bebê! Nem
você e nem ninguém tem esse poder! — grito a plenos pulmões, sentindo as
lágrimas caírem em abundância. É sobre o meu bebê que estamos falando.
Se ele não o quer, tudo bem, mas jamais tirará esse ser que cresce dentro de
mim. — Você pode até achar que tem voz ativa sobre a minha vida, mas
nunca terá na vida do meu bebê. Ele é meu e será muito amado por mim,
entendeu? — Coloco minhas mãos sobre a barriga e berro: — Tendo um pai
ou não, ele já possui uma mãe que o ama muito e que fará de tudo para
protegê-lo.
— Você está maluca, se acha que vou permitir... — Não escondo
uma gargalhada irônica e o impeço de terminar a frase:
— Você é quem deve estar louco por achar que é meu dono! —
grito. — Nem você, nem ninguém tem esse direito! — Gustavo rosna e
pega o meu braço com mais fúria que antes. Minha respiração sobe e desce
num ritmo intenso e ficamos frente a frente. Pela primeira vez, sinto que
não sou pequena ao seu lado. Sinto que deixei de ser seu troféu; seu
brinquedinho diário. — Você. Não. É. E. Nunca. Será. Meu. Dono! — falo
pausadamente. — E cai fora da minha casa! — Aponto na direção da porta,
desvencilhando-me do seu aperto.
Encaminho-me para longe, como um meio de me proteger, porém,
sou puxada novamente pelo braço.
— Eu ainda não terminei! — berra ao me dar um empurrão e me
desequilibro, tropeçando na mesa de centro atrás de mim.
— Duda? — ele parece preocupado. Seus dedos me enojam quando
aparentemente tentam me ajudar.
— Sai daqui, Gustavo!
— Mas...
— Só sai! — grito e, sem alternativas, ele faz o que peço, batendo a
porta antes de sair.
Sinto dor em várias partes do corpo e tento me levantar, todavia, sou
invadida por uma dor alucinante. Nesse momento, vejo o meu roupão
branco manchar-se de vermelho.
Sangue.
Nervosa, pego o celular, que estava o tempo todo comigo, e
intuitivamente ligo para Andrew, porém, o telefone chama e ninguém
atende. Em seguida, ligo para Luce, uma vez que minha amiga mora e
trabalha perto daqui. Ela atende no primeiro toque.
Não lhe dou muitas informações:
— Luce, preciso de ajuda! Gustavo, apartamento, empurrão, sangue.
— desligo em seguida. Permaneço onde estou, sentindo a tristeza tomar
conta de mim.
Capítulo 29

— Luce! — Laura corre na direção da amiga, que está sentada no


sofá da recepção do hospital, ao lado do namorado. Elas confortam uma a
outra, com um abraço apertado, e noto Luce se debulhar em lágrimas. É a
primeira vez que a vejo tão alarmada. Sinto que as minhas forças se
esvaíram. Nick e eu cumprimentamos Daniel.
Por ser amigo do diretor do hospital, meu irmão corre atrás de mais
informações, enquanto permaneço com os demais.
— Cadê a Duda? Como ela está? — Olho para Luce, que não cessa
o choro, deixando-me mais nervoso.
— Ainda não falaram. Os médicos a levaram, assim que chegamos,
e não tivemos nenhuma informação. Eu não conheço ninguém que trabalhe
aqui. Consegui entrar, mas ninguém se pronunciou até agora. — Luce
encara a amiga. — Ai, Laura, eu falei tanto para ela largar aquele traste. Eu
disse tantas vezes que ela merecia alguém melhor... — Seus olhos voltam a
encher de água e parte o meu coração vê-la chorar feito uma criança.
Elas sentam em uma das poltronas, e Daniel coloca-se ao meu lado,
sem dizer uma palavra. Inquieto, ando de um lado para o outro, sem me
preocupar com os curiosos.
Algum tempo depois, Nick e um homem, que aparenta ser médico,
se juntam ao nosso grupo.
— Andrew, este é o Doutor Fábio e ele está cuidando da Duda. —
Cumprimento o homem à minha frente e não me demoro a perguntar sobre
Duda e o bebê.
— Você é o pai?
Um zumbido se instala em minha mente.
Eu queria… Deus, como eu queria… Sem saber o que responder,
encaro Nick, aturdido, quando este fala por mim:
— Sim, Fábio. Andrew é o pai.
Laura e Luce me olham e não tenho outra opção, além de concordar.
— Maria Eduarda é muito forte. — O senhor de cabelos grisalhos
faz uma pausa e tenho receio pelo que vou escutar. O meu coração
acelerando em um ritmo constante. Nesse momento, a palavra
“apaixonado” não me parece tão estranha. — Venham, vocês já podem vê-
la. Lá dentro conversamos.
Encaminhamo-nos para o andar do quarto de Duda, e vê-la deitada
em posição fetal, de costas para a porta, me faz querer abraçá-la. Por que
não atendi seu telefonema antes? Por que fui embora de seu apartamento?
— Duda...? — Inflijo minha mente a parecer tranquila. Ela se vira
lentamente na minha direção e, quando nossos olhares se encontram, me
aproximo. Ajoelho-me ao lado de sua maca e não perco o tom esverdeado
em seu braço e maxilar. Engulo em seco, repousando meus dedos com
cuidado em sua pele alva. — Eu gostaria realmente de ser um Deus essa
noite. — ela sorri em meio às lágrimas, entendendo meu trocadilho em
relação à comparação que fez uma vez entre um deus místico qualquer e eu.
— Eu também. Seria de ótima utilidade. — Sua voz sai um som
fino.
Laura coloca-se ao meu lado, mas confesso que estranho vê-la
encarar a parede ao lado da maca de Duda e não propriamente a amiga
ferida.
— O que aconteceu, Duda? — Luce questiona, quebrando minha
curiosidade e me fazendo focar no que mais interessa no momento,
chamando a atenção da ruiva também.
— Ele descobriu… — Toma fôlego. A compreensão de todos é
perceptível. — Gustavo voltou e me confrontou sobre a paternidade do
bebê. — Seu olhar é envergonhado. Fecho minhas mãos em punho, ao
encarar as marcas na pele de Duda, e sinto vontade de acertá-la na cara
dele. — Ele… Eu… — Ela chora, sem conseguir falar, então a abraço.
— Eu vou matar aquele filho da... — Nick é cortado pela esposa:
— Não fale assim, amor. Damiana não tem culpa que os filhos se
tornaram pessoas ruins. Ela e Josefo são pessoas maravilhosas.
Daniel se aproxima, sorrateiramente, e coloca-se ao lado da
namorada.
— Você está bem, Duda? — ele indaga, e Luce segura na mão da
amiga.
— Sim! Apenas preciso saber sobre o meu filho. — Seus olhos
focam em alguém atrás de nós, e percebo que sua intenção é chamar a
atenção do médico.
— Olá, Duda, como vai? — Dr. Fábio a cumprimenta.
— Já estive em dias melhores, doutor. Eu só queria saber sobre o
meu bebê. Por favor... — implora. O médico analisa a prancheta em suas
mãos e acompanha seu quadro clínico.
— Ok. Bom, pelo ultrassom que fizemos, vimos que o feto está
bem. — Duda suspira, aliviada, e eu solto o ar que não fazia ideia que
estava prendendo. — Porém, sinto lhe informar, senhorita Teixeira, que
deverá fazer repouso absoluto. A senhorita trabalha? — Ela responde que
sim, e ele continua: — Vai precisar se afastar.
Ela parece apreensiva.
— Quanto a isso, não se preocupe, doutor. O chefe dela não vai se
importar! — sorrio.
— Isso será ótimo! A Maria Eduarda precisará de um local tranquilo
para repousar e que não lhe ofereça riscos. — Ele responde enquanto foca
nos hematomas do braço dela. — Gostaria de conversar a sós sobre isso?
— Obrigada, doutor, mas não. Eu estou bem. Estou em meio a
amigos. — Ele sinaliza que sim com a cabeça.
— Você teve um descolamento de placenta e, por esse motivo,
perdeu um pouco de sangue, mas seu bebê foi bem resistente.
Normalmente, num impacto como esse, ainda mais com quase onze
semanas de gestação... — Duda o corta:
— Desculpe, doutor, poderia repetir?
— Que o seu bebê é forte e em um impacto... — Ela o corta, mais
uma vez:
— Não essa parte, a parte das semanas de gestação. O senhor disse
onze? — Duda pergunta parecendo afoita, e sinto como se não tivesse
entendido a piada. Por que ela não o deixa terminar de falar primeiro?
Não perco o momento que os olhos dela se arregalam. Observo-a
abrir e fechar a boca diversas vezes, formando um pequeno “oh” com os
lábios. E, quando seus olhos marejados se encontram com os meus, passo a
entender: faz dois meses que transamos, ou seja, exatamente oito semanas.
Se eu somar um, mais um, significa apenas uma coisa: que, se essas contas
estiverem certas, eu não sou o pai do bebê.

Duda

Assisto-o afastar-se e, pelo seu olhar entristecido, entendo que já


percebeu não ser o pai do bebê. Sobretudo se as contas do médico e as
minhas estiverem corretas. Fecho os olhos, sentindo fúria principalmente de
mim, uma vez que acreditei inúmeras vezes numa mudança milagrosa de
Gustavo. Quando lembro de seus dedos gravados em minha pele e da
vagarosa lembrança em que revivi, comprimo os olhos e mãos. Parece
loucura, mas ainda sinto o medo permear a pele.
Eu não sei como pensei que ele mudaria e, a julgar pelas minhas
lembranças, não foi a primeira vez. Pensar nelas me leva a crer que preciso
procurar a doutora Marisa, novamente, para entendê-las. Preciso saber o
motivo de minha mente ter escondido fatos e o motivo de não conseguir me
lembrar de situações que já passei com o Gustavo.
Perdida em pensamentos, encaro o teto. O burburinho continua à
minha volta, mas estou desfocada. As meninas parecem mais dispostas a
conversar com o doutor do que eu. Ele continua falando, enquanto o futuro
do meu filho não sai da minha mente, com relação ao seu pai e em sua
possível interferência em nossas vidas.
— Então é isso, Maria Eduarda, muito repouso e procure se
alimentar bem. Faça alimentações balanceadas e beba bastante líquido. Em
todo caso, você ficará em observação hoje e amanhã já poderá ter alta. —
Doutor Fábio comenta antes de deixar a sala.
Os lábios de Andrew se abrem num sorriso contido ao me encarar.
— Vocês poderiam nos deixar a sós alguns minutos? — pede aos
nossos amigos, que se prontificam em fazer o que pede.
Laura é a última a sair do quarto, mas noto seu olhar vaguear sobre
o lado direito da minha cama. Já havia notado seu interesse neste mesmo
local desde que entrou na sala.
O loiro aproxima-se e senta-se na beirada da cama. Seus dedos
passeiam pelos meus cabelos, acariciando-os, e erroneamente fecho os
olhos, grata pela atenção recebida.
— Acabou mesmo, Andrew! — Sinto as lágrimas escorrerem
livremente pelo meu rosto. Tampo meu rosto com as mãos. — Acabou
tudo! Meus sonhos, meus desejos. minhas conquistas. — quebro o silêncio.
— Ele levou tudo! Até meus desejos confessados em uma única folha de
papel. — confesso referindo-me à nossa lista secreta de sonhos e ele parece
entender.
— Então é isso, né? — Seus olhos marejam, desfocados, enquanto
sua voz fina e trêmula.
— Você deve estar me odiando agora, e sinto-me como uma tola,
porque muitas vezes fui avisada por você.
— Não fala isso! — Seu sorriso é fraco. — Vai ficar tudo bem...
— Você não deveria estar me consolando... — Sou cortada:
— Ninguém tem culpa, Duda. Não se preocupe, nada mudará, eu
continuarei aqui por você e este bebê. — Ele acaricia a minha barriga, de
forma singela. — Eu cuidarei de vocês.
— Mas nós não... — Somos nada além de amigos. Completo
mentalmente, porque não consigo falar em voz alta por medo de
decepcioná-lo mais.
— Tudo bem, eu já entendi. — Nossos olhares parecem se encontrar
pela primeira vez na noite. — Como amigos, ok! Mas não peça para me
afastar de vocês agora. Eu não confio no Gustavo.
— Nem eu, não depois de hoje — confesso. — Ele não tem
estabilidade emocional alguma para criar um filho, e – ele tenta me cortar
novamente, porém estendo a mão para que me ouça –, depois de hoje, não o
quero perto de mim. Eu realmente fiquei apavorada e sinto que tem algo
mudando em mim também. Eu ainda não entendo, mas tem algo errado com
algumas lembranças que venho tendo.
— Lembranças?
— Sim, mas isso não vem ao caso agora. — Não me sinto pronta
para falar sobre isso com ninguém. — As feições brutas de Gustavo me
vem à mente e emendo: — Ele parecia um monstro, Andrew, e tenho receio
que machuque o meu bebê. — Deixo um soluço curto escapar da garganta.
Sinto conforto em seus braços quando sou envolvida por eles. Ele
apoia a cabeça na minha e, de onde estou, ouço os batimentos acelerados do
seu coração.
— I never wanted you to go through this situation. — ele diz que
não gostaria de me ver passar por essa situação. Seu suspiro é pesado e, de
algum modo, eu sei: Andrew já sofreu, de forma física, tudo o que passei.
Vejo-o afrouxar o abraço para olhar dentro dos meus olhos. Estamos cara a
cara, e percebo sua respiração desregulada. Suas mãos seguram em meu
rosto e, em meio a uma promessa, sentencia: — Prometo a você, Duda, que
ninguém jamais irá tocar em vocês. Se preciso, eu os protegerei com a
minha alma.
Sou puxada para mais um abraço e sorrio, mesmo sabendo que o
sorriso não chegou no rosto. Ele irá me proteger e tenho certeza que
cumprirá sua promessa.
Capítulo 30

F az um mês desde que saí do


hospital e, após ter passado alguns
dias loucos na casa de Luce e quase ter surtado na pequena casa de Beth,
com Sam, Doug — o Pinscher surtado do menino — e sua avó, que tem
sérios problemas de incontinência urinária, não tive outra opção a não ser
morar com Andrew. Laura e Nick me convidaram para passar alguns dias
com eles, mas encontrar os pais de Gustavo não seria uma ideia inteligente,
e ficar sozinha em meu apartamento, menos ainda, de acordo com o doutor
Fábio.
Estão sendo os vinte dias mais arrastados da história das grávidas
solteiras e vítimas de ex-desmiolados. Sinto que estou tirando a privacidade
de Andrew e se tornou estranho morar em um lugar que apenas possui o
nome de lar. Não é como se fosse meu realmente. Não que Andrew esteja se
portando como meu antigo chefe sisudo, ou Carmen, como uma megera de
contos de fadas, mas não é o mesmo de estar no conforto da minha casa,
mesmo que a cama, a qual estou dormindo, seja mil vezes mais macia que a
minha.
As meninas e eu nos encontramos apenas duas vezes nesses últimos
dias. Uma vez preocupadas, preferiram me presentear com esse mês de
repouso absoluto. Como se isso não me deixasse mais entediada e ansiosa.
Mas, como sempre, nossos encontros foram maravilhosos.
No primeiro, o assunto resultou em Beth e Anthony. Os comentários
nada sutis de Luce, em torno da entrada triunfal da dupla no hospital, não
passou despercebido e, quando ela jogou esse assunto aos quatro ventos, foi
um alvoroço de risadas irônicas e piadinhas maliciosas, enquanto assistindo
a tudo de camarote estava Carmen, com um balde grande de pipoca, em
uma das mãos, e sorvete na outra. O assunto #Dudrew ficou em stand by e
agradeço por isso, uma vez que seria constrangedor a governanta de
Andrew escutar as loucuras da mente maquiavélica de Luce.
Acho que o repouso veio numa boa hora, afinal.
O segundo encontro ficou marcado por uma Laura ansiosa e com a
necessidade de conversar comigo sigilosamente, mas as circunstâncias
adiaram suas ações, a ponto de me deixar curiosa. O que Laura teria de tão
urgente para compartilhar?
A parte boa é Hope, que tem sido maravilhosa em lambidas e
paparicos caninos. Nós brincamos com arremessos de bolinhas,
diariamente, e ajudo Carmen e Andrew a alimentá-la. É engraçado ver
Carmen reclamar sobre o quanto ele está estragando a cadela, pelo fato de
deixá-la fazer o que tem vontade. Disso não posso discordar, uma vez que
Hope entra em todos os cômodos do apartamento e dorme em cima das
camas e poltronas, enquanto de vez em quando estraga os sapatos que ficam
espalhados pela casa. Semana passada, perdi um par de chinelos que estava
dando “sopa” na sala. Os encontrei dentro do canil, com ela sobre eles.
Sobre Carmen: ainda não decidi se a amo ou odeio. Pelo menos no
sentido bom da palavra, a julgar pela quantidade de vezes que ela aparece
com comida, à medida que uma careta de enjoo resplandece em meu rosto.
O quarto de hóspedes, que fica em frente ao de Andrew, se tornou o
meu. Confesso não estar sendo fácil dormir de frente para o quarto de um
deus nórdico, morando sob o mesmo teto e com os hormônios à flor da
pele, e não sentir vontade de atacá-lo à noite, mas seus gritos de desespero
tiram quaisquer pensamentos impuros da minha mente.
Nos primeiros dias, era fácil entrar em seu mundo para confortá-lo.
Eu reparava em sua recusa, na forma como tentava me afastar todas as
noites e em como se fechava no dia seguinte quando tentava puxar assunto,
mas eu continuava, porque é isso o que os amigos fazem, certo? Errado!
Pelo menos pelo ponto de vista do meu chefe. Certa noite, seu quarto
deixou de ser acessível e fim da história. Nunca mais consegui entrar. De
certo modo, o entendo. Deve ser constrangedor, mas eu gostaria que
percebesse o quanto tem me ajudado e queria retribuir o favor, tentando
saber mais sobre seu passado, mas, ao mesmo tempo, não gostaria de
magoá-lo com feridas antigas. Eu sei bem como é difícil falar.
O único assunto que parece o entreter é minha gravidez.
Meu coquinho se transformou numa bolotinha, enquanto eu, um
esqueleto humano, já que tudo o que consumo segue direto para o bebê.
Durante esses vinte dias, Andrew foi altruísta, a ponto de permanecer
comigo em casa, mas, depois das discussões que teve com Marla, a respeito
de sua ausência na empresa, precisou retornar sua rotina. O que significa
sair cedo e chegar à noite para compensar o tempo parado.
Nesse meio tempo, ligações de números desconhecidos agitaram
meu telefone, e sei a quem devem pertencer. Gustavo não vai descansar,
enquanto eu não falar com ele, mas sinceramente, estou muito chateada
para pensar em ceder. Tenho medo do que ele pode fazer ao meu filho,
principalmente agora que sei que ele tem 99% de ser o pai.
Voltei a mudar o número de telefone e procurei a doutora Marisa,
minha antiga psicóloga do grupo de apoio, a pedido de Andrew. Foi a
primeira vez que pude compartilhar isso, após relembrar seu tratamento
para ansiedade, e confesso ter me sentido mais leve. Ele já havia falado
disso uma vez.
A doutora pareceu orgulhosa com o meu ressurgimento e feliz pela
gravidez, enquanto chateada, após meu relato sobre o que aconteceu com
Gustavo. Revelei as lembranças que estou tendo, e ela me orientou procurar
um especialista particular ao invés de grupo, uma vez que não deu certo
antes, já que não quis me abrir perante outras pessoas. “Um passo de cada
vez, Duda, e você verá o quanto será libertador.” Ela falou, enquanto eu
anotava o nome do psicólogo. Ainda não tive coragem para ligar para o
doutor Brian, mas pretendo em breve virar essa página na minha vida.
Decidi esperar para revelar sobre a paternidade do meu bebê. Por
enquanto, Andrew e eu guardaremos esse segredo, e não pretendo contar
nem mesmo para as meninas.
Um sorriso irrompe meus lábios, conforme encaro meu reflexo no
espelho da suíte. É engraçado como minha amizade com Andrew está
crescendo, mesmo depois de tudo. Jamais pensei em ter segredos com
qualquer uma de minhas amigas ou até minhas irmãs. É a primeira vez que
sinto que posso contar com alguém real e a primeira vez em anos que não
me sinto sozinha.

Alguns dias depois.


— Te atrapalho, menina? — Carmen pergunta, ao entrar no
escritório de Andrew, com uma bandeja nas mãos. Nego com a cabeça. Ela
sabe que tenho feito minhas consultas aqui dentro, uma vez que o doutor
Brian, meu novo psicólogo, mora em outro estado. — Ele é bom mesmo?
— Parece saber o que está fazendo. — Faço uma careta ao sentir o
cheiro enjoativo de comida. Ela continua cismada com alimentação regrada.
— Carmen, tenho certeza que não tem um letreiro na minha testa indicando
buraco sem fundos. — brinco.
— Daqui a pouco, Josefo virá te buscar e você precisará estar
alimentada. — diz como se fosse um policial me dando uma dura. Me sinto
uma criança de cinco anos perto dela.
— Nossa! É verdade! — Olho para o relógio horroroso pendurado
na parede. — Já havia esquecido da festinha de Alice. Devido ao meu
estado vegetativo dos últimos dias, Laura acabou transferindo a festa de
aniversário para a data de hoje. Faço que vou me levantar, mas Carmen me
olha com irritação e volto a me sentar. — Esse apartamento não poderia ser
mais impessoal. — disfarço, enquanto a governanta despeja meu almoço na
mesa.
— O menino nunca foi bom nessas coisas. — O menino é o
Andrew. — Você poderia colocar um toque feminino e não faça essa
careta! Andy me mata se souber que você saiu de casa sem se alimentar e
que passou o dia todo me enrolando para comer. — O frango boiando no
caldo de arroz faz meu estômago revirar. — É canja.
— Tô vendo! — Tampo o nariz e levo a primeira colherada à boca.
Não está ruim, mas o cheiro não ajuda.
— Tampa o nariz e come. O bebê e você precisam de vitaminas e a
canja é forte.
Faço o que manda e continuo tentando me distrair:
— Mas voltando aos toques femininos — faço aspas —, o que quer
dizer?
— Qualquer coisa que não tenha essas cores neutras e que
contenham portas-retratos. — ela ri.
— Portas-retratos são importantes mesmo. — concordo. — Eu
reparei que nem no escritório dele tem um.
— O menino não teve uma infância muito boa. Acho que mal
acredita em família. — ela fala triste. — Mas rezo todos os dias para que se
case e eu me aposente.
Sorrio.
— Você sabe sobre a infância dele? — ela faz que não com a
cabeça.
— Ele não fala! — confessa. — Mas as marcas falam por si só.
Pisco os olhos, atordoada.
— Marcas?
— Não diga que eu contei. — ela fala baixinho, como se não
estivéssemos sozinhas em casa. — Mas a tatuagem que ele tem no peito…
— Lembro-me da enorme fênix estampada em sua pele e no momento em
que ele me impediu de tocá-la. Estava escuro e, provavelmente por isso, não
devo ter enxergado bem. — É apenas um meio de escondê-las. Andy nunca
me falou, mas sei o que são cicatrizes de cigarro. Meu marido fumava e
uma vez se queimou. Eram iguais. — Arregalo os olhos. — Naquele dia,
Marquinhos chorou feito uma criança, imagina o Andy, com todas aquelas
cicatrizes?
Noto que seus olhos estão marejados e, somente então, percebo que
os meus também. Saber que Andrew passou por coisas ruins me deixa
arrasada. Eu não sei em que momento ele virou o homem que é hoje, mas
penso o quanto deve ter sofrido. Seus gritos à noite são a prova viva disso.

O trajeto com Josefo é constrangedor. Perguntas sobre Andrew e eu


estarmos juntos surgem, e coro ao escutá-lo dizer que torce pela nossa
felicidade. Tento explicar que somos apenas amigos, mas é óbvio que ele
não acredita, afinal, por que uma mulher solteira e grávida estaria morando
na casa de um homem desimpedido de relacionamentos?
Agradeço aos céus por chegarmos logo na mansão. Laura me
assusta ao me receber no portão principal, não me deixando alternativa a
não ser segui-la até o jardim do chafariz de golfinho.
— Ok! Amando a recepção. — brinco.
— Prometo que vai entender logo. — Sentamos em um dos bancos,
uma de frente para a outra, e franzo a testa ao ver seus olhos ansiosos.
— Acho melhor você falar, Laura, porque está me deixando
nervosa. — suspira.
Capítulo 31

— Acho melhor você falar, Laura, porque está me deixando


nervosa. — suspira.
— Você se lembra do que aconteceu comigo no ano em que conheci
o Nick e comecei a trabalhar de babá? — Faço que sim com a cabeça,
sentindo os pelos do corpo eriçarem. Não gosto de lembrar esse lado
mediúnico. — Pois é. Como cê sabe, eu posso conversar com o outro lado
— ela faz aspas —, mas tinha algum tempo que nada acontecia... — ela
deixa morrer a frase, e entendo que esteja falando sobre o fato de conseguir
falar com os mortos. — Dora também tinha esse dom, mas minha avó falou
que, conforme crescemos, acabamos deixando-os de lado e até mesmo
esquecendo. Foi o que aconteceu comigo na infância.
Faço que sim com a cabeça, tentando demonstrar entendimento.
— Porém, de qualquer jeito, na época, eu continuei escutando uma
pessoa falando comigo. Pensei se tratar de Lívia, porque já a tinha visto
algumas vezes. — corto-a:
— Amiga, encurta! Você tá me assustando!
— Eu sei, oxi, mas preciso contar tudo, senão cê não vai entender!
— Concordo, já que está nitidamente nervosa. Seu sotaque está
sobressaindo, sinal que tem muito “caroço nesse angu”. — Um dia, Dora
me falou de uma pessoa feia, que estava sempre me seguindo e sussurrava
em meu ouvido. Eu a escutei algumas vezes, mas achei ser Lívia, como já
havia mencionado. — Concordo. — Dora me disse que essa mesma mulher
vivia escorada pelos cantos da casa.
— Eu ainda não estou entendo e nem sei se quero entender. — Sinto
minha pele se arrepiar, enquanto continua:
— Entenda, Duda, essa mulher não pertencia a esse lugar, por isso,
eu não podia enxergá-la, mas, certa noite, eu a vi. — Arregalo os olhos. —
Foi pouco depois de eu ter dado à luz, após a revelação de Dora sobre essa
mulher. Ela tinha cortes horríveis no rosto e sua cabeça não acompanhava o
corpo. Era como se estivesse quebrada.
Franzo o cenho.
— Laura, eu não sei se… — Não sei porquê, mas a imagem da
mulher que invadiu meus sonhos uma vez me vem à mente.
— Espera, Duda, eu ainda não terminei. — Ela faz gestos para que
eu aguarde. — Essa parte é meio sinistra. — Mais? Quero perguntar. — Ela
tinha literalmente a boca costurada. — Arregalo os olhos. — E quando
tocou em mim, sua cabeça voltou para o lugar e finalmente conseguiu falar.
Franzo a testa.
— E o que foi que disse? — questiono.
— Ajude!
Meu coração segue acelerado.
— Eu ainda não tinha entendido. Ajudar a quem? O quê?
Normalmente, seria ela própria, mas não parecia isso. — diz incerta. — Eu
sentia que era outra pessoa, entende?
— E então? Você conseguiu desvendar esse enigma?
— Essa é a questão. Ela evaporou. Procurei em todos os cômodos
desse lugar e nada. Nem Dora a viu de novo. Passaram-se anos, até eu
esquecer de vez essa história, e…
— E eu sei que tem um mas…
— Digamos um porém. — sorrimos. — Até que a vi novamente.
— Sério? — Ela confirma com a cabeça, lentamente. — Mas e aí?
O que aconteceu?
— Eu a vi no dia do hospital, Duda.
— O quê? — quase grito.
— E estava perto de você e te olhava fixamente.
Engulo em seco. Nem sei o que dizer nesse momento.
— Pensei ser alguém da sua família; que se foi em algum momento.
— Minha mãe é filha única e meus avós maternos, falecidos. Os
paternos não vão dá para contar: um sumiu pelo mundo e vovó faleceu
também. — digo enquanto penso. — Não faço a mínima ideia. — falo com
sinceridade.
— Eu também, ainda mais contendo uma boca costurada. Quem
faria uma coisa dessas? — Pisco os olhos, várias vezes seguidas, ao
relembrar a mulher do meu sonho. Cabeça torta e boca costurada? Não pode
ser coincidência.
— Havia uma mulher! — falo rápido demais.
— Como assim? — O golfinho jorra água pela boca me fazendo
lembrar dele, enquanto observo o líquido desmanchar-se na fonte.
— Eu acho que já vi essa mulher, pelo menos uma vez. Ela tinha
cabelos desgrenhados e olhos mortos, porém sua boca costurada foi o que
mais chamou a minha atenção. Eu sei que pode ser coincidência, mas…
— Coincidência demais, amiga. E eu não sei se isso realmente
existe.
— Deve haver alguma conexão. Ainda mais no dia em que
Gustav… — deixa morrer a frase. — Não foi algo isolado. — concordo
com a cabeça. — Acho que temos que investigar mais sobre isso. Descobrir
o que essa mulher quer com você. Será que o “ajude” foi para você?
— Eu não faço a mínima ideia. Mas obrigada, Lau! Você é uma
ótima amiga. — Abraçamos uma à outra. Ao ficarmos frente a frente
novamente, brinco: — Não tem ninguém ao nosso lado não, né? — Ela ri.
— Não! Definitivamente estamos sozinhas… — Solto o ar que não
fazia ideia que estava prendendo. — Aliás… — Sinto a respiração trepidar.
— Temos nosso amigo golfinho ali do lado.
— Aaah, Lau. — gargalho, vendo-a fazer o mesmo.

A festinha de Alice, além de organizada, está deslumbrante. A


decoração rosa com branco faz jus às cores favoritas da menina e combina
com as flores de cerejeira que tanto adora. Cada membro da família está
vestido com um tom de rosa diferente, enquanto ela, um vestido t-shirt rosa
choque e coturnos escuros.
O tempo passa rapidamente, com o pobre fotógrafo sendo alvejado
pelos dois olhares irritados de Alice, que provavelmente já deve estar
cansada, enquanto envio mensagem para Andrew. Ele disse que não
demoraria a chegar, mas provavelmente seu relógio deve ser diferente do
meu, uma vez que já são nove horas da noite .
De longe, vejo Luce com Dani, e Beth, Antony e Samy caminhando
lado a lado.
Gargalho.
— Não fala nada! — Beth grunhi ao me cumprimentar com dois
beijos nas bochechas.
— Ok! — Tento disfarçar o sorriso.
— Vaquinha, linda, do meu coração. — Luce me abraça. — Quero
ver esse bezerrinho logo, logo. — Apalpa a minha barriga.
— Isso que é amor. — Laura comenta rindo.
— Saudades de você no escritório. — Beth comenta, e Laura
emenda:
— Meninas, preciso aproveitar o fotógrafo mais um pouco antes de
Alice começar a resmungar.
— Vai precisar de um caixão para o pobre! — Beth responde, e
gargalho.
— Vai por mim, amiga, ela já deve ter algum guardado por aí. —
grita por cima dos ombros antes de arrastar os gêmeos, Vitória e Nick
Junior com ela.
Sorrio ao ver a família de Laura e Nick reunida e confesso uma
pontada de inveja, porém boa. Saber que meu bebê poderá crescer em casas
separadas me entristece.
— Está tudo bem? — Sinto os dedos de Beth apertarem os meus.
Sorrio, com olhos marejados.
— Eu vou ficar.
— Ainda não vi o nosso chefe gostosão! — Ela foca em outro
assunto. Provavelmente, deve estar estampado em meu rosto o meu
descontentamento.
— Ele ainda não chegou. — Dou de ombros e estranho ao ver um
ponto de interrogação se formar em sua testa. — Algum problema?
— Não é nada! — Franzo a testa, e ela ri tentando disfarçar. —
Sério!
— Ok! — respondo incerta.
As horas transcorrem e, ao me dar conta, percebo que falta pouco
para dar onze horas. Alice aparece do nada e nos pede para escondê-la do
fotógrafo.
— Quer que eu arrume um óleo de peroba? Para esconder essa sua
cara de pau? — Lu comenta rindo, e Dani e Tony gargalham, mas param,
assim que Alice lança um de seus olhares fulminantes.
— Pediram por isso! — Beth finge uma tosse em meio ao engasgo.
— Acho que talvez sim, Luce, esse cara é um chato. — Lice diz em
relação ao óleo enquanto encara o fotógrafo, de testa franzida e olhos
irritados. — Deve estar me achando uma estátua, parada a todo tempo e
emitindo sorrisos enfadonhos.
— Enfadonhos? — Lu ri. — Tá falando mais bonito que eu, hein.
— Lu, qualquer ser fala mais bonito que você! — brinco, e ela bate
no meu braço de brincadeira.

Começo a ficar incomodada com a demora de Andrew e decido


checar as mensagens do celular. Nada!
Disco seu número algumas vezes e todas caem na caixa postal.
De repente, me vejo em situações parecidas há alguns anos,
enquanto ainda era namorada de Gustavo. Ele sumia quando brigávamos e,
desde então, passei a sentir aflição quando tento falar com uma pessoa e
não consigo.
Andy não é como Gustavo. Me obrigo a repetir mentalmente.
— O que foi? — Beth me tira dos maus pensamentos.
Sorrio.
— É o Andrew. — Não quero revelar meus tormentos. — Sua
demora está me deixando aflita. — Também não minto.
— Eu não acho certo me intrometer, mas ele já era para estar aqui.
— Por que fala isso?
— Ele saiu cedo do escritório hoje, e sei que me viu.
— Será que aconteceu algum problema?
Ela suspira.
— Só se o problema se chamar Marla. — Arregalo os olhos,
sentindo erroneamente uma pontada de ciúmes ao pensar nos dois juntos.
— Assunto sério? — Lu se aproxima, e Beth lhe explica a situação.
— Você sabe que eu te amo, não sabe? — Lu começa, e faço que
sim com a cabeça. — Odeio o Gustavo de todo o coração e sempre fui a
favor do Andrew. Mas vocês estão juntos?
— Sabe que não!
— Quer isso? — Eu não sei! Sei que não o amo, mas sinto alguma
coisa por ele, senão, nunca sentiria o que estou sentindo agora. Porém, tem
o bebê. Não é o momento para eu pensar nisso. Balanço a cabeça para
ambos os lados, negando. — Não é nada parecido com o que sinto pelo…
— Ela faz uma careta.
— Então me desculpe, amiga, mas você não tem o direito. —
Concordo com a cabeça, e Beth dispara:
— Falando no dito cujo gostoso…
Capítulo 32

A ndrew caminha na nossa direção,


lentamente, com as mãos enfiadas
bolsos de sua calça social. Suas mechas douradas balançam contra o vento,
e não deixo de notar suas bochechas rosadas e sorrisos animados, o que me
deixa irritada. Pensar que em todo esse tempo era com Marla que estava,
faz isso comigo.
— Vamos comer alguma coisa Beth? — Luce fala alto.
— Ei! — reclamo, vendo as duas se afastarem propositalmente.
Dani, Nick e Tony estão conversando um pouco distante de onde estou,
enquanto Laura parece estar no meio de uma conversa séria com os gêmeos,
a julgar pela quantidade de gestos de mãos e caretas enfurecidas .
— Ei, passarinho, você ficou linda nesse vestido. — Suas mãos
alcançam as minhas, enquanto continuo focada no apelido que era algo
íntimo entre meu pai e eu.
— Passarinho? — Meu muro se quebra.
— Algo entre pai e filha, né? — sorri. — Eu gosto dele, combina
com você. Não me concederia nem um pouquinho essa honra? — Ele faz
gesto com os dedos, referindo-se a algum objeto pequeno e pisca um dos
olhos, conforme penso em seu pedido. — Eu nem tenho como te chamar de
um jeito só meu. Todos te chamam por Duda. Se tornou quase seu nome. —
Um jeito só meu.
Por que, drogas, isso me faz sorrir?
— Eu também não tenho do que te chamar. Todos falam Andy. —
Reviro os olhos ao me lembrar de Marla.
— Mas nem tem como formar outro apelido com meu nome. E não
ficaria legal algo como gatinho, ou leãozinho, ou qualquer animal, como o
seu. Passarinho é bem original.
— Sabe que estamos discutindo apelidos no meio de um aniversário,
não é? — falo baixinho, como se fosse um segredo nosso. Outro segredo.
Ele olha em volta.
— Acho que é um bom momento. Afinal, você está morando na
minha casa agora. Acho importante termos apelidos só nossos. — Ele sabe
como me deixar feliz com suas brincadeiras engraçadas, suas piadas idiotas
e sua presença. Se fosse Gustavo, estaríamos discutindo. Ou por causa dos
seus sumiço e seu telefone desligado, ou devido ao meu vestido, que
confesso ter um decote saliente em torno dos meus seios, que estão mais
fartos.
— Ok! Você venceu! — ele vibra, e todos à nossa volta nos encaram
curiosos. — Mas quero um apelido meu também. — Ele faz que sim com a
cabeça, ansioso. — Hum… Deixe-me pensar…
— Nada de deus nórdico! Seria constrangedor em público. — Ele
balança as mãos, rindo.
— Ah! Queria te chamar de Thorzinho. — caçoo, e ele faz uma
careta. — Beleza! Deixa eu pensar… — Coloco uma mão no queixo e
enrugo a testa. Nada do que eu penso parece bom o bastante. Deus nórdico
não seria um apelido meu, de verdade, uma vez que foi Luce quem o
inventou, então, precisaria ser outra coisa. Algo que todos possam escutar,
sem julgar.
— Você sabe que ainda não cumprimentei nem minha sobrinha, não
é?
— Não me apresse! — brigo, e ele estende as mãos em rendição. —
Já sei — quase acerto seu rosto com minha euforia — será Drew. Irei te
chamar de Drew!
Seus olhos se arregalam e depois sua testa é franzida. Ele abre a
boca umas duas vezes, e me faz pensar que dirá alguma coisa, mas para.
Depois de um tempo, solta:
— Gostei! Drew é ótimo! — sorri, e penso que Gustavo e eu jamais
trocamos apelidos pessoais. A não ser pelos nomes que eu o deixava me
chamar quando estávamos transando. E acredite, não é algo que eu tenha
para me orgulhar. — Andrea… — deixa a frase morrer. — Andrea era a
minha mãe. Esquece!

— Não!
— O quê? — questiono, e alguém diz algo que não consigo
compreender.
Estou mais uma vez na mansão de Nikolas, em meio ao mesmo baile
de máscaras, e um rapaz em especial volta a me chamar a atenção. Ele
corre em direção aos jardins e o sigo, como costumo fazer. Meu vestido é
longo e se torna difícil correr enquanto o seguro com as mãos.
— Ei, volte! Não fuja! — eu grito e, pela primeira vez, vejo o tom
dourado de seus cabelos, mesmo presos em um coque mal feito.
— Naaaão! — ouço mais um grito, só não faço ideia de onde ele
vem.
De repente, a mesma mulher, a qual vi uma vez, surge na minha
frente, e paro no mesmo lugar, ofegante. Ela abre um sorriso triste e diz
com uma voz masculina:
— Está determinada a fugir de mim?
— Sai daqui! — grito, acordando atordoada, tentando entender o
que está acontecendo.
— Não, mãe! Por favor!
Drew!
Levanto-me, atordoada.
— Por favor, mãe! Não faz isso comigo!
Ouço latidos.
Hope.
Escancaro a porta do meu quarto e vejo Hope forçando a de
Andrew.
Como sempre, ele está trancado.
— Não faz… — Drew grita, e não consigo conter as lágrimas.
Desfiro socos na porta.
— Drew! — choro. — Drew. Sou eu, seu passarinho! — Continuo
socando, conforme as lágrimas inundam meus olhos. — Andrew! — Sinto
ferir minha pele.
Ele gritando de um lado, eu gritando do outro e Hope latindo.
Permanecemos assim durante alguns segundos. Até estarmos, Hope
e eu, praticamente abraçadas no chão do corredor.
De repente, silêncio. Um silêncio que inunda o meu coração.
Capítulo 33

— Olá, passarinho! — ele está sorrindo. Pensei que o veria chateado


ou envergonhado, como das outras vezes, mas penso que talvez não se
lembre da noite passada.
— Quer que eu prepare seus ovos mexidos, Andy? — Carmem
aparece após ter me feito comer frutas e provar sua gemada.
"É para dar forças para a criança" Disse ela.
— Hoje não, Carmen, precisarei trabalhar.
— Sábado? — Sei que estou sendo enxerida, mas volto a pensar em
Marla e nele juntos. E mais uma vez não gosto. — Pensei que ficaria em
casa. Ainda mais depois de ontem… — deixo escapar, e noto seus ombros
enrijecerem.
Ele sabe. Só não quer falar.
— Eu sei! Tem um caso importante, e precisarei contornar minhas
ausências dos últimos dias.
Os dias que ele ficou ao meu lado.
— E a empresa abrirá? — Estou sendo infantil, eu sei. Mas isso me
causa uma grande angústia. Uma aflição por já ter passado por essa
experiência, mesmo que com outra pessoa.
— Não sei aonde quer chegar, passarinho. — Seu olhar não está
mais alegre. — O que está acontecendo? Seja direta.
Abro um sorriso. É o Drew, seu único amigo homem, Duda. Ele
nunca te magoaria.
— Estou sendo tola. Só isso! — Ele volta a sorrir, assentindo.
— Tudo bem. Mas antes de você achar que pode ser qualquer outra
coisa, eu irei à casa de Marla. A empresa realmente não abre hoje. Temos
trabalho a fazer e…
Ah!
Disfarço a mágoa com um sorriso, enquanto continua falando sobre
Marla e seu trabalho misterioso e importante.
— E você? O que pretende fazer? Poderíamos sair um pouco de
casa mais tarde.
Tento disfarçar a vontade de gritar com ele sobre sexo com
funcionárias e sócias.
— Eu tenho consulta daqui a pouco e depois pretendo passear com
Hope.
— Outra consulta? Não teve uma ontem?
— Sim, mas não consegui dizer nada. Ele preferiu deixar para fazer
uma hora extra hoje, se você não se importar com o valor, é claro. —
Andrew está pagando a minha terapia. Eu jamais conseguiria pagar as
consultas do doutor Brian sozinha. Então, uma vez que quero estar bem
mentalmente para quando o meu bebê nascer, preciso desse empréstimo.
Prometi que o pagaria assim que eu voltasse a trabalhar e claro que ele não
aceitou, mas isso não é uma hipótese.
— Sabe que eu jamais me importaria. — ele se levanta.
— Andrew?! — Ele me encara com seus olhos lindos e cristalinos.
— Poderia voltar a deixar a porta aberta?
Ele solta o ar aos poucos. Não parece irritado, e sim exaurido. Tenho
percebido olheiras mais profundas embaixo dos seus olhos.
— Ah, passarinho, o que você não pede chorando que eu não faça
rindo? — sorrio. Gosto quando diz meu apelido. Realmente, parece que eu
estava sentindo falta disso. — Mas isso você terá que me perdoar. Eu não
quero que sinta pena de mim. Não é isso o que eu espero.
— Mas eu não… — Seguro rapidamente em suas mãos, e ele me
corta ao encará-las unidas:
— Você não sabe o quanto é difícil para mim.
E se vai.

— Alô, Duda, como vai? — Doutor Brian me cumprimenta. — Que


bom que ligou segundos depois que minha esposa deixou um sanduíche
para mim. Seria difícil explicar que não gosto de misturar alface e
maionese.
— Casamento recente? — Ele faz que sim com a cabeça. — Uma
hora vai precisar comer. — rio.
— Até lá teremos um bom tempo pela frente. — Ele me acompanha
na gargalhada. Seu sorriso é bonito e combina com suas feições asiáticas.
Estamos em meio à uma chamada de vídeo. Optamos pelo mais presencial
possível. — E então, vamos começar?
— Por onde começo?
— Que tal a sua infância?
E finalmente me abro pela primeira vez. É fácil falar sobre a minha
infância. Foi feliz na maioria das vezes. Meus pais eram ótimos e nunca
faltou carinho familiar e comida na mesa. Comento sobre as minhas irmãs e
o quanto são mais novas e menos responsáveis que eu. Explico que precisei
amadurecer precocemente, uma vez que, com a morte de papai, mamãe
precisou nos sustentar sozinha.
— Você veio para o Rio sozinha?
— Sim! Foi difícil, na época. Eu me sentia muito solitária, sempre
me senti assim. Minhas irmãs tinham uma a outra, enquanto eu tinha o
papai, mas quando ele morreu e precisei vir para o Rio, me vi realmente só.
Eu tinha somente a mim. Meu pai era um ótimo companheiro. Fazíamos
tudo juntos. Ele me ensinou as brincadeiras de meninos, a andar de bicicleta
e a brigar pelo o que é certo. — Meu olhos embaçam e percebo que
lágrimas os inundaram. — Eu sinto falta, sabe, e raiva por ele ter me
deixado aqui. Não era isso o que eu queria. Eu nunca quis ser empregada
doméstica, jamais quis passar tanto tempo morando na casa de pessoas
estranhas, porque precisava alimentar minha mãe, minhas irmãs e a mim.
Foi bem cansativo trabalhar e estudar ao mesmo tempo — confesso.
Não consigo mais falar. Soluço, ciente que é demais para mim.
— Acho que já está bom por hoje, Duda. — Agradeço
silenciosamente. — O que eu vejo em você é uma jovem guerreira, que
precisou aprender cedo o que é a vida. Ela roubou sua juventude e o homem
que mais amou na vida. Você sente raiva, o que é compreensível, mas sente
principalmente falta de afeto. Sua mãe não está presente, suas irmãs ligam
pouquíssimas vezes, como relatou semana passada, e a única pessoa que
fazia isso por você se foi para sempre. — Conforme ele fala, sinto um nó na
garganta. O mesmo que eu sentia quando Gustavo e eu discutíamos feio. O
que eu sentia todas as vezes em que ele me deixava. Preciso respirar.
Respire! Respire! — Puxe o ar devagar, contando até quatro. Segure por um
segundo e solte. — Faço o que pede. Repito essa sequência várias vezes até
voltar a me sentir eu mesma. — Melhor? — Confirmo com a cabeça. —
Isso acontece com frequência?
— Já aconteceu muito. Pensei até que estava livre disso.
— Você teve um ataque de pânico.
— Sério?
— Sim. Quando sentir um ataque vindo, é importante limitar a
quantidade de estímulos recebidos no momento, tente encontrar um espaço
silencioso, e se possível escuro, onde seja possível praticar essa mesma
técnica de respiração que fez agora a pouco. Evite cafeína e relaxe os
músculos. Outra técnica que gosto muito é usar uma folha de papel. Anote
os pensamentos que estão te preocupando e depois rasgue a página e jogue
fora. Isso vai ajudar. — Faço que sim com a cabeça. — Por hoje é só.
— Obrigada, doutor. Eu não fazia ideia do tamanho da saudade que
eu tinha do meu pai.
— Terça novamente? — Confirmo. — Agora preciso encarar isso
aqui. — Ele ri enquanto aponta para o sanduíche.

Após Carmen sair para curtir sua folga, Hope e eu decidimos


passear no calçadão do Leblon. Bebemos água de côco e recebemos elogios
de alguns rapazes enquanto jogavam vôlei. Cansada de puxar sua coleira,
decido me sentar em um dos quiosques, enquanto ela corre na areia. Não há
muitas pessoas onde estamos e sua guia é grande o suficiente para isso.
— Duda?
Encaro a pessoa que está de frente para mim e sorrio ao reconhecer
Américo.
— Américo. Se não falasse comigo, eu não o reconheceria.
Ele gargalha.
— Roupa de corrida e cabelos desgrenhados.
— Mais humano. — gargalho também.
— Sozinha?
— Na verdade, acompanhada. — Aponto para Hope. — Serve ela?
— Acho que é uma ótima companhia. Posso me sentar? — Assinto,
vendo-o acomodar-se em uma das cadeiras.
Decidimos pedir mais dois cocos gelados ao atendente.
— Passei no escritório ontem e não vi você.
— Muita coisa acontecendo ao mesmo tempo.
— Bem-vinda ao clube. — ele deixa escapar, e percebo não ser a
única no mundo com problemas.
— Acho que os meus problemas ganham — brinco.
— Não sei! Devíamos fazer uma aposta: se o seu for maior que o
meu, ganha um almoço.
— Tá de sacanagem, né? — rio.
— Nunca falei mais sério em toda a minha vida. — engasgo com
água, e ele emenda: — Eu começo. Me separei há alguns meses da minha
ex esposa Gisele, e compartilhamos a guarda da nossa filha. Há pouco
tempo, ela conheceu um cara e minha filha não quer aceitar o namoro. E
decidiu morar com o papai aqui, que está super nervoso, já que nunca criou
um filho sozinho. Ainda mais menina. Eu tô apavorado! — Não me seguro
e caio na gargalhada. — Sua vez.
— Estou grávida de um cara babaca e abusivo, morando com meu
chefe por quase ter perdido o meu bebê e não tenho noção de como será a
minha vida de agora em diante! Ganhei? — Seus olhos estão arregalados.
— Acho que te devo um almoço. — Ele ri.
— Acho que me deve mesmo.
— Então vamos! — ele se levanta, e me assusto.
— Como assim? Mas e a Hope? — Ouvimos os latidos dela e
gargalhamos. Acho que escutou seu nome.
— Ela vem conosco, claro.
— Américo, ela é um cachorro. Fofinha, e bem melhor do que
muitos humanos, mas ainda é um animal e de grande porte.
— Acho que nunca te contei o que eu faço para sobreviver, não? —
Balanço a cabeça. — Sou Chef de cozinha e tenho restaurantes espalhados
pelo Rio de Janeiro e São Paulo. Entrar em restaurantes com Hope será bem
fácil, na verdade.

— Você falou sério quando disse que seria fácil. — Olhamos para
Hope, que parece bem acomodada dentro de uma espécie de hotelzinho
para cachorros. Ele fica do lado de trás do restaurante e é uma área
confortável tanto para os pet's quanto para seus donos.
— Minha filha tem pressão baixa e precisa se alimentar com
horários regrados. — explica. — Eu tive essa ideia quando foi necessário,
enquanto passeávamos com o nosso mascote pela rua.
— E eu adorei. — sou sincera.
— Que bom. — seu sorriso é complacente. — Vamos deixar Hope
com a cuidadora enquanto almoçamos.
Quando disse que iríamos almoçar, pensei que seria literalmente
isso. Só isso! Não imaginei que eu seria intimada a ajudá-lo. Nunca fui boa
na cozinha, ainda mais quando se trata de massas. Ajudo a picar os
temperos e os queijos enquanto ouço meu telefone apitar uma mensagem.
Procuro não olhar agora, uma vez que meus dedos estão quase colando um
no outro.
— Olha como se corta uma cebola, mocinha! — ele faz sua mágica
acontecer me deixando paralisada com o corte eficaz de sua faca, fazendo
todos os quadradinhos ficarem do mesmo tamanho. Gargalho, porque mal
consigo acertar os filetes de queijo.
Ironicamente, o cheiro do alho com a cebola, fritando, não me causa
enjoo, pelo contrário, quando o queijo é adicionado ao molho branco, o meu
estômago dá sinal que está vivo. Que a Carmen não me ouça, mas a comida
dele está me dando água na boca.
Passado um tempo, finalmente estamos almoçando e, em meio aos
meus elogios e gemidos, lembro-me do celular. Dou uma espiada breve e
noto que há várias mensagens e duas ligações perdidas na última hora de
Andrew.
(Eu) Está tudo bem, não se preocupe! Estaremos em casa em breve.
(Drew) Fiquei preocupado, mas ok. Já terminando aqui. ;)
Após almoçarmos, conversamos sobre coisas aleatórias, e Américo
aproveita para falar mais sobre seu ramo e que sempre amou cozinhar. Digo
o quanto sou inexperiente nesse quesito, e ele caçoa dizendo que ainda não
tinha percebido.
— Sério, você parecia um robozinho tentando depenar a cebola.
Mais um pouco não sobraria dedo, nem cebola para o molho. — ele ri.
Observo a hora e percebo que já se passou uma hora desde que
terminamos.
— Eu acho que já está na hora de voltar. — Levanto-me e sinto dor
quando seus dedos seguram minhas mãos. Havia esquecido das feridas que
fiz ontem à noite.
— Foi muito bom. Espero que tenha gostado.
— Eu amei, com certeza voltarei mais vezes. — Andamos até onde
Hope está.
— Podíamos fazer isso novamente. — Seus olhos brilham com a
possibilidade.
— Não vejo problema algum em nos encontrarmos outra vez. Mas
vai ser só isso. — Ele assente em entendimento.
— Promete que voltará? E traz ela também. — Ele aponta para
Hope, que parece feliz em me ver.
— Claro!
— Amigos? — insiste.
— Amigos. — respondo por fim. Caminho, lentamente, com Hope
me guiando, até que me lembro de algo. Tecnicamente, ainda não éramos
amigos quando me contou sobre sua filha.
— Américo? — chamo, vendo-o esticar o pescoço para poder me
ver em meio aos seus clientes. — Sobre sua filha, tudo ficará bem. — Ele
sorri, e eu faço o mesmo, porque, mesmo depois de achar impossível,
finalmente realizei um dos sonhos da minha lista.
Capítulo 34

N ossa. Estou me sentindo


taaaaão mais leve. Acho que é
visível a minha felicidade, porque parece que estou contagiando as pessoas
à minha volta. Deixo Hope me guiar até em casa. Não moramos longe do
restaurante, então optei pela caminhada.
Assim que entro no apartamento, já passam das três horas da tarde e
um aroma suave alcança as minhas narinas. Solto a coleira de Hope no
corredor e deixo que corra pelo apartamento. Ela deve estar com sede. Está
tudo silencioso, então, presumo que talvez Andrew não tenha chegado.
Caminho a passos lentos, ainda me lembrando do sonho que finalmente
realizei e penso que de repente tenha alguma chance de conseguir completar
a lista, pelo menos metade dela, uma vez que ver uma estrela de perto e
conhecer o Coliseu não está no meu nível econômico. Ando distraída até a
sala e levanto as duas sobrancelhas assim que vejo Andrew, com um sorriso
animado no rosto, e a quantidade de flores que está espalhada à nossa volta.
Tem flores até em Hope e olha que ela acabou de chegar comigo.
Eu não consigo dizer nada, é simplesmente linda a mistura de cores
e aromas adocicados.
— Diz alguma coisa, passarinho. — ele chama e o encaro
petrificada. Esse apelido… E tudo isso para mim. — Você gostou?
— É lindo! — Levo as mãos à boca. Fazia anos que eu não era
paparicada desse jeito.
Ele caminha na minha direção, e Hope o segue, com uma tulipa
presa entre sua coleira. Gargalho. Isso só pode ser ideia do Drew.
— Acho que você ainda não entendeu. — Ficamos frente a frente e
noto meu coração acelerado. Mas de um jeito bom. Diferente de quando era
com Gustavo. — Realizamos um dos seus itens da lista. Sua lista estranha
de sonhos. — Faz uma careta, enquanto noto o que está dizendo. Ele fez
isso por mim. Realizou um pedido meu. — Não vai dizer nada? — ri.
Mas ao invés de falar, jogo-me em seus braços e desvio para dar-lhe
um beijo na bochecha, porém encontro seus lábios no meio do caminho,
quando seu rosto vira na minha direção. É um beijo casto, mas cheio de
carinho. Não movemos nossos lábios, mas sinto-me tentada a fazer isso.
Andrew permanece paralisado, como se estivesse aguardando o meu
consentimento para continuar, contudo, decido ser mais sensata ao me
afastar.
— Me desculpe! — digo, e seus olhos parecem magoados, enquanto
meu coração acelerado.
— Eu só queria te fazer uma supresa! — confessa.
— Eu sei e amei! Muito! — E quase fiz merda! — Ninguém jamais
havia feito isso por mim. — A imagem dos lírios, rosas, papoulas,
margaridas e tantas outras flores que nos cercam se misturam. —
Obrigada!
Ele sorri, sem humor.
— Eu só queria que você entendesse, Duda, que não é porque está
grávida, que não poderá realizar seus sonhos. Enquanto estiver morando
comigo, nós iremos realizá-los juntos! — Meus olhos se enchem de água e
tento controlar a vontade que tenho de me jogar novamente em seus braços.
Seria constrangedor. Ele parece constrangido também. Sua bochechas
coradas o entregam. — Acho melhor eu voltar para o meu quarto. —
Aponta para o corredor e começa a se encaminhar para longe de mim.
— Drew? — Ele vira-se em minha direção instantaneamente. —
Meu pai teria gostado de te conhecer. — Seu sorriso se abre. — E eu
também gostaria de ter o feito antes. — confesso.
— Pode não ser tarde! É só você parar de fugir. — E se vai, me
deixando atordoada com suas palavras. Palavras uma vez já pronunciadas
pelo rapaz dos meus sonhos.
Capítulo 35

Horas antes.

E u Eu passei anos da minha vida


morando sozinho e jamais pensei
que seria fácil me habituar com uma pessoa vivendo ao meu lado. Confesso
que jamais entendi a habilidade das pessoas de se casarem e gerarem filhos.
Eu nunca havia tido um exemplo perfeito de lar e pensei que isso só
existisse em filmes, ou livros, ou na família Delamont. Mas esse último
mês, me fez repensar sobre a vida e minhas incertezas, me fazendo
questionar a todo momento sobre a última conversa, com direito a Bourbon,
que tive com meu irmão.
Suas insinuações sobre eu estar apaixonado por Duda martelam a
minha mente todas as vezes que desejo entrar no quarto dela para tomá-la
em meus braços. Mas não seria isso um desejo, pós rejeição, fodidamente
forte? Eu não faço ideia. A única constante que permeia os meus
pensamentos é o quanto a passarinho parecia ferida mentalmente. Desde
que deixou o hospital, se isolou em seu quarto, nunca parecia disposta a
conversar e estava sempre com olhos inchados e bochechas rosadas,
provavelmente por ter chorado. Eu estava preocupado com uma possível
depressão e com sua relutância em se alimentar. Ela sempre inventava
desculpas para Carmen voltar com a comida para a cozinha, alegando ser
enjoo. Por isso, supliquei à Carmen que não facilitasse para ela em relação
às suas refeições diárias.
Cada vez mais preocupado com sua saúde, me vi inclinado a
procurar um profissional, quando ela surgiu com a ideia de sua antiga
médica sobre terapia à distância.
— Vai prestar atenção? — Marla tira-me dos devaneios. —
O caso de Américo Dantas já está tudo acertado, correto? —
comenta, girando um lápis entre os dedos.
— Sim, a audiência ocorrerá no próximo dia quinze, e ele
pediu para você olhar o caso com atenção e conversar com o Dr.
Álvaro, que ficou de acompanhar o processo.
— Certo! Quanto ao Nikolas Delamont, até quando você
arcará com processos que não estão na sua área? — Marla toca na
ferida de sempre. Sabe que minha área é tributarista e que tem
pouco a ver com os negócios de Nick.
— O meu irmão fica fora disso, Marla. — sou relutante.
— E quanto a Maria Eduarda? — ela volta a questionar.
Ultimamente, seu assunto preferido se tornou Maria Eduarda e sua
estadia em minha casa.
— O que temos mais? — corto o assunto. Há muito, Marla
e eu não temos nada. Desde a nossa última vez, nesse mesmo
escritório, bem como essa poltrona, vi que não conseguiria mais
manter essa relação casual. Marla queria mais de mim, e eu não
poderia continuar quando minha mente era diariamente habitada
por outra mulher. Seus olhos estão tristes, mas ela aparenta não
querer se entregar. Tenho certeza disso, quando muda totalmente o
assunto me convidando para almoçar.
Envio uma mensagem para a passarinho, para saber se está
bem, mas ela demora a responder, o que me deixa intrigado. Peço
licença para fazer uma ligação, e Marla não esconde sua irritação.
Nas duas tentativas que faço, o telefone de Duda chama e
ninguém atende. Tento não parecer preocupado, ao retornar para a
sala. A mesa já está posta, e Marla com olhos emburrados.
— Sua protegida grávida está bem? — zomba. Fui obrigado
a revelar sobre a gravidez de Duda, uma vez que se afastou da
empresa
— Marla, por favor. Vamos apenas comer e depois
continuamos, tudo bem? — ela bufa, mas assente.
Marla sempre demonstrou sua paixão. Eu até tentei sentir
alguma coisa, mas nunca consegui me envolver além do casual. Eu
jamais a iludi, mas acho que de alguma forma ela o fez quando não
recuei de suas investidas. Com o tempo, vi que o mais interessante
para nós seria continuarmos na "amizade colorida", e ela não
pareceu se importar. Pelo menos, não naquele momento. Vítor veio
a calhar, um tempo depois, quando lhe pediu em casamento.
Lembro-me dela perguntando se eu estava de acordo com o
envolvimento dos dois e, quando falei para seguir com sua vida,
sua ira a fez fazer o proposto.
Eu tinha consciência de que sua estratégia era um meio de
me pôr contra a parede; uma forma de falar que seria eu ou outro
homem, porém, causou-me sentimentos contrários. Naquele dia, eu
tive a certeza que meus sentimentos por ela eram baseados apenas
em sexo casual e nada mais.

O pôr do sol, refletido nas persianas da janela, entrega o


avanço no horário. Levanto-me, decidindo pôr fim aos trabalhos do
dia. Entrego toda a papelada para que Marla possa guardá-los e,
assim que o faz, ela vem em minha direção. Seus olhos observam
cada movimento meu, enquanto organizo minha pasta de trabalho.
Os lábios franzidos e a respiração pesada indicam que está se
segurando para não dizer o que está em sua mente. Respiro fundo e
a encaro, já me preparando para ir embora, uma vez que Duda e eu
combinamos isso por telefone agora a pouco:
— Fale.
Ao invés de falar, seus lábios espremem os meus em um
beijo que não consigo retribuir. Retiro-a de cima de mim e franzo
uma das sobrancelhas enquanto a esquadrinho com os olhos.
— Marla, eu... — começo, mas ela me dá um tapa no rosto.
— O quê...?
Sinto a ardência na bochecha esquerda e a observo,
perplexo.
Vejo-a colocar as duas mãos em concha sobre a boca e
parecer tão atordoada quanto eu. De repente, seus olhos se enchem
de emoção e seus dedos empurram meu peitoral.
— Por que, me diz? Por que não consegue me amar? Por
que você preferiu colocar uma garota qualquer na sua vida, na sua
casa, na sua cama e não fez o mesmo por mim? — grita.
— Marla, eu...
— Não! — grita de volta. — Para, porque eu não consigo
mais te escutar. — As primeiras lágrimas escorregam de seus
olhos. — Nós estivemos juntos durante todos esses anos, e você
nunca — soluça — nunca dormiu uma noite sequer comigo! O que
eu fui para você, Andrew? — Cai sentada na poltrona, escondendo
o rosto entre as mãos. — O que eu fui?
Seus soluços e lágrimas saem em abundância, fazendo o seu
corpo tremer. Me ajoelho à sua frente e tiro as mãos do seu rosto
com dificuldade, obrigando-a a olhar em meus olhos.
— Marla, você é uma grande mulher. Linda, inteligente e
acho que merece um homem melhor do que eu fui. — Ela puxa os
fios do cabelo entre os dedos e chora mais a cada palavra dita por
mim. — Você precisa olhar melhor à sua volta e achar um cara que
te ame da forma como merece ser amada, estou contigo e torço
para que encontre a sua alma gêmea.
Seu choro se transforma em súplica, e sinto um nó se
estabelecer na garganta.
— Você diz isso porque já encontrou a sua, não é? — Tenho
certeza que parti seu coração. — É a Duda. Você se apaixonou.
Seus olhos suplicam a verdade, e me sinto um babaca
quando sei o que tenho que responder, mas não consigo fazê-lo em
voz alta. Tenho medo do que pode vir acontecer, caso eu deixe essa
verdade escapar pelo meu corpo.

— Diga, Andrew! Por favor… — Seu fio de voz me faz


fechar os olhos. — Você se apaixonou?
As palavras de Nick reverberam na minha mente: “Toda
paixão nasce de uma amizade, sabia? Veja você e Marla…”
Um nó se estabelece em minha garganta. Sinto-me dentro de um
oceano, cheio de ondulações perigosas, prestes a afundar, uma vez
que não tenho como me segurar nas correntezas. Eu adoro estar
com a passarinho; reivindiquei o apelido de seu pai e sofro de
saudades quando estamos longe um do outro. A verdade é que sua
presença em minha casa me deixou mais vivo e amo o quanto se
tornou amiga de Carmen e Hope. Adoro seus sorrisos curtos, sinto
meu coração acelerado quando estamos próximos e minhas mãos
suarem quando sei que irei encontrá-la. Detesto a possibilidade de
seu filho não ser meu e ainda mais que continue amando o
Gustavo. E, mesmo contra a minha vontade, sei que amo sua
amizade e espero jamais perdê-la. Infelizmente, por ela, não
ficaremos juntos, mas a amo suficiente para tê-la para sempre em
minha vida como melhor amiga, mesmo estando com outra pessoa.
Eu ficaria feliz em vê-la alçar asas e criar voos longos. Amantes ou
não, sua felicidade é mais importante do que a minha.
— Você está errada, Marla. — Abro os olhos
instantaneamente, e vejo seus diamantes negros criarem
espectativa: — Eu não me apaixonei por Duda. Eu a amo. Me
perdoe!
Peço perdão, porque sei que ainda havia esperanças em seu
íntimo em relação a nós. E de alguma forma, sinto que ajudei a
incentivar isso com o nosso relacionamento, mesmo que eu
deixasse claro as minhas intenções casuais.
— Desde quando? — exige. — Como pode ter certeza que
é ela, se vocês mal se conhecem?
— Duda e eu já nos conhecíamos. — Seus olhos se
arregalam em surpresa. — Mas não! Não sabíamos que
trabalharíamos juntos. — Ela abre um sorriso zombeteiro.
— Claro que ela entrou na empresa sabendo disso! E agora
está grávida. Acho que conseguiu o que queria. — Suas palavras
venenosas surtem o efeito contrário.
Começo a rir.
— Pode ter certeza que Duda não é assim, Marla. —
Levanto quando percebo que suas lágrimas secaram totalmente. —
Para dizer a verdade, ela não pensa em mim da mesma forma. Está
apaixonada por outro.
Ela me acompanha para a saída de seu apartamento e, assim
que chegamos na porta, Marla puxa meu braço, fazendo-me olhar
dentro dos seus olhos.
— Então, me dê uma chance, Andy. Só uma para te fazer
esquecê-la.
Dou um sorriso e acaricio sua pele. Como eu gostaria de
amá-la ao invés de me apaixonar por Duda. Seria mais fácil e
menos doloroso.
Aconchego seu corpo para junto ao meu e a abraço.
— Eu jamais usaria você, Marla. — Dou um beijo em sua
bochecha e saio em seguida, terminando de vez a nossa relação.
Marla merece bem mais do que viver em torno de uma
paixão não correspondida, por isso, prefiro continuar sozinho a
continuar alimentando suas esperanças.
Ao sair do prédio, dirijo pelas ruas do Rio de Janeiro,
deixando meu carro me levar até as vias do Leblon, porém, ao ficar
preso em um sinal de trânsito, avisto uma floricultura. Sorrio ao
lembrar da pequena lista de desejos de Duda e penso que seria uma
grande surpresa para ela, caso, de fato, se realizasse. Fico triste em
lembrar do estado que ficou no hospital quando disse que jamais o
faria.
Mas é óbvio que ela poderia realizá-lo. Eu mesmo posso lhe
mostrar que sonhos são para serem realizados.
Capítulo 36

— E como tem estado sua mente nesses últimos dias? Lembrou de


mais alguma coisa? — Dr. Brian começa. Sinalizo que não com a cabeça.
Quinze dias se passaram e a terapia tem sido cada vez mais positiva.
O Dr. Brian e eu ficamos horas conversando sobre o meu passado,
alternando com o presente, e me sinto mais disposta a me abrir com ele.
— Normalmente, elas surgem quando algum incidente ocorre ou
quando eu visito a mansão.
— E os ataques de pânico?
— Desde aquele dia não tive nenhum. — sorrio, orgulhosa. — Eu
só gostaria de entender o porquê disso acontecer, o motivo das lembranças
surgirem apenas agora.
— A mente humana é capaz de gerar armadilhas como mecanismo
de defesa. Estudos indicam que indivíduos, que se permitiram cair numa
dessas armadilhas, acabaram sabotando seus próprios sonhos ao longo da
vida, pois não saíram de suas zonas de conforto em nenhum momento. O
motivo disso é o grande medo que sentem de se arriscar, por acharem que
podem sempre errar e sofrer. Isso pode vir a acontecer também com pessoas
que sofreram algum estresse pós-traumático. — Comprimo os lábios. — A
carência paterna, que sentiu com a morte do seu pai, a fez depender de um
relacionamento que não era saudável. Não está sendo, na verdade. A todo
tempo, você menciona que se sentia sozinha, e talvez, esse tenha sido o
motivo de a sua mente relutar contra os abusos que sofreu durante seu
relacionamento. — Lágrimas despontam dos meus olhos, à medida que ele
fala enquanto checa as pequenas notas registradas das sessões anteriores
que permanecem em seu colo. — Provavelmente, ela te protegeu de algo
que você não queria enxergar para não ter que se sentir…
— … sozinha. — completo, e ele faz que sim com a cabeça. Seco as
lágrimas com as costas das mãos. — Então, o que eu sinto por ele tem mais
a ver com…
— …dependência emocional.

As palavras do doutor Brian não saem da minha mente. Elas fixam,


como uma doença na pele, mesmo horas depois da nossa sessão. Às vezes,
somente lembrar de Gustavo me deixa irritada e tem horas que eu apenas
queria esquecer. Ouço batidas na porta do meu quarto, e Hope late fazendo-
me parar de acariciar seu pêlo marrom. Peço para a pessoa entrar, e Carmen
aparece na porta.
— Menina, estou indo. Deixei o jantar pronto para vocês no forno, é
só esquentar.
— Obrigada, Carmen.
— O Andy já chegou e pediu que fosse até lá, rapidamente. Ele quer
lhe mostrar uma coisa. — Assim que ela diz seu nome, sinto o coração
acelerado. Tenho saudades de uma companhia durante o dia, e meio que a
dele se tornou especial. — Avisa que tem um recado para ele no hall.
Ela sai em seguida, e eu faço mais um pouco de companhia para
Hope, para dar tempo suficiente para Andrew tomar um banho e trocar de
roupa.
Hope não se contenta com as carícias e rola para cima, esperando
por mais cócegas. Suas pernas coçam a área, e sua língua para fora me faz
rir. Noto que já faz meia hora desde que Carmen saiu e decido andar até o
quarto de Drew.
Bato na porta, mas ninguém responde. Será que aconteceu alguma
coisa? Chamo seu nome, e sua voz distante balbucia algo que não consigo
compreender.
Ao abrir a porta, noto que o quarto está vazio, mas não escuto o
barulho do chuveiro ligado. Há um embrulho enorme em cima da cama e
franzo o cenho. A porta do banheiro se abre, e automaticamente viro-me
para frente, encontrando os olhos cintilantes de Andrew. Seus cabelos estão
molhados, de forma selvagem, e os pingos de água caem contra o piso.
Meus olhos correm pelo seu peitoral nu e pairam sobre a toalha branca que
tampa seu sexo. Penso em seu martelo gigante, proveniente dos deuses.
Sua fênix, que vive escondida, parece pronta para alçar voo e
lembro-me do que Carmen disse sobre suas cicatrizes.
— Duda? — Seus olhos parecem confusos, enquanto eu, tentando
não pensar na noite que passamos juntos.
— C-Carmen disse para eu vir aqui.
— Ah! — Ele acena em entendimento. — Vou pôr uma roupa.
Viro-me de costas enquanto escuto-o se vestindo.
— Eu lhe comprei um presente. — diz, enquanto sorrio, curiosa.
— Essa coisa em cima da cama? — questiono, animada.
Ele gargalha, e eu adoro o quanto ela soa simples e sincera.
— Pode olhar agora. — Viro-me de frente e corro os olhos pela sua
t-shirt branca e bermuda caqui. Ele seca os cabelos com a ajuda da toalha.
— Gosta do que vê? — zomba, e minha mente grita que sim.
Postura Duda!
— Carmen deixou um recado para você na sala.
— Depois eu vejo. — sorri. — Agora sente aqui. — Ele dá algumas
palminhas na cama e faço o que pede. O embrulho é comprido e tem a
largura de uma caixa de árvore de natal. Andrew o empurra na minha
direção e pede para que a abra.
Com sua ajuda impaciente, rasgamos o papel rapidamente, e a figura
de um telescópio na caixa me deixa atordoada.
— Não entendeu? — Dou de ombros, Não quero parecer uma tola
qualquer. Então, sem aviso algum, ele levanta-se da cama e começa a me
arrastar pelo apartamento a caminho do terraço, com a caixa pesada numa
das mãos.
A montagem do objeto é simples e, mesmo entre risadas e
brincadeiras, perdemos algumas horas nisso. Hope está deitada em um
canto qualquer e aparenta cansaço, enquanto Andrew termina de encaixar a
parte da lente.
— Acho que é isso! — balbucia, conforme observamos o objeto. Já
é tarde da noite, e o único barulho que escutamos são as ondas do mar
batendo e o canto de alguma cigarra sobressalente.
— Agora pode me explicar o que está acontecendo? — pergunto,
enquanto ele aparentemente está checando para ver se está tudo
funcionando perfeitamente. Andrew me oferece a lente, e faço o mesmo
movimento que ele.
— Continue nessa mesma posição e tente não girar a lente. — Faço
o que pede e sorrio ao ver a quantidade de estrelas que ainda não tinham
aparecido para mim. — Você está vendo uma estrela de perto! — Franzo a
testa e perco as estrelas de vista quando o encaro.
Seu sorriso resplandece o meu e tenho vontade de abraçá-lo de todas
as formas, mas me contenho depois de minha última empolgação. —
Gostou? — sua voz sai fina. — ele embaça, mas não me permito chorar.
Não hoje. Hoje, eu preciso somente aproveitar.

— Não vai querer nem um pedacinho da sobremesa? — pergunto,


devorando mais um bocado da fatia de torta de chocolate comprada por
Andrew.
Ele ri e nega com a cabeça. Seu sorriso é animado, e ele fala algo
sobre a minha boca estar cheia de brigadeiro e pergunta se meus cabelos
também estão com fome, já que tem glacê na ponta deles. Enquanto se
encaminha até o lugar onde Carmen deixou o bilhete, replico dizendo o
quanto está implicante e que sua inquilina não merece isso.
— Nem estão sujos. — falo, referindo-me aos meus cabelos e ao
glacê, porém, encerro a brincadeira ao ver seu semblante carrancudo. —
Está tudo bem, Andrew?
Ele faz sim com a cabeça, mas sei que não está.
— Preciso resolver uma coisa, Duda. Me desculpe! — Ele não olha
nos meus olhos. — Boa noite!
E se vai. Deixando-me sozinha com Hope, com os cabelos sujos de
torta de chocolate e com a pulga atrás da orelha.
Capítulo 37

E houve
quem disse que eu
dormi? Dessa vez não
gritos de
madrugada, e aparentemente nem pesadelos, mas o semblante de Andrew
não saiu da minha mente. Ele parecia arrasado e, ao mesmo tempo,
preocupado. Eu não faço ideia do que tinha naquele bilhete, mas sei que
poderia ser qualquer coisa, menos boa.
— E ela deixou apenas isso, Carmen? Apenas um telefone de
contato?
— Sim, menina. Eu não falo inglês, então, só consegui anotar mal e
porcamente o telefone e ainda procurando o significado de cada número na
internet. — Bufo. Nem um nome, nem um recado, mas claro que Andrew
conhecia a mulher, senão, jamais ficaria no estado em que ficou ontem à
noite. — Acabou com o interrogatório? Posso voltar para a minha cozinha?
— Pode! — gargalho, vendo-a caminhar emburrada e resmungando
para seu lugar preferido no mundo.
Andrew saiu cedo, e olha que eu não dormi, mas também não o ouvi
sair. Já passou do horário do almoço e ele ainda não voltou para casa. Sei
que não foi trabalhar, porque liguei para o escritório há poucos minutos, e
uma menina chamada Tamara atendeu o telefone da presidência e disse que
ele ainda não havia chegado na empresa. Por isso, e depois do que Carmen
revelou, eu só tenho duas perguntas: Onde está Andrew e quem é Tamara?
A ansiedade e a preocupação não me deixaram ter um dia tranquilo.
Andrew não ligou e seu telefone não parou de cair na caixa postal. Liguei
para Laura, para saber se seu marido sabia de alguma coisa, e para a minha
surpresa, Nick também havia sumido durante o dia. Descobri, através da tal
de Tamara, que Drew não colocou os pés na empresa e que até Marla estava
preocupada. Quase respondi que ela não tinha o direito de estar, mas quem
sou eu para julgar?
Engulo mais um pedaço da torta do dia anterior na boca, quase
tendo um orgasmo ao sentir a cremosidade do recheio de chocolate.
Quando a porta da sala se abre no silêncio da noite, deposito meu
prato em cima da mesa e tento ajeitar meus cabelos emaranhados no topo da
cabeça. Ao encará-lo, corro em sua direção, pronta para discutir e revelar a
fúria que existe em mim por sumir durante o dia, mas o que vejo em seus
olhos faz meu coração se apertar. Andrew parece bem pior que eu. Sua
blusa social está fora da calça que está usando, seus cabelos desleixados e
seus olhos sem o brilho habitual. Eles suplicam, e sei exatamente do que
está precisando, porque já me vi nesse estado apavorado, diversas vezes.
Sem muito para pensar, me aconchego em seus braços e sou
recebida prontamente. Há vários sentimentos depositados que não sei o que
são, mas não faço menção de fugir. Sinto um carinho imenso por esse
homem e me dói vê-lo vulnerável. Permanecemos num silêncio absoluto, e
deixo suas lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Esse é um momento que eu
não gostaria de ser um passarinho. Preferia ser uma sanguessuga, apenas
para sorver sua dor.
Pela primeira vez, meu coração está despedaçado por outra pessoa,
além de mim, e é ainda pior.
— Me passe a sua dor. Eu aguento! — sussurro em meio às minhas
lágrimas e sinto-o me apertar mais. Eu já passei tantas situações difíceis,
que sei que aguentaria mais uma. Ele não diz nada e suas lágrimas parecem
ainda mais intensas. Sentindo-o ainda mais dilacerado, encaro-o de frente.
Seus olhos inchados e vermelhos me causam dor e não tenho outra reação
que não seja grudar nossas bocas em um beijo salgado, molhado e cheio de
sentimentos dolorosos, tentando fazê-lo esquecer.
Seus lábios são receptivos e exploram a minha boca com
sofreguidão, sua língua aveludada tem gosto de licor de menta e sua pele
exala o aroma de seu perfume adocicado. Desejo que sua mente suavize o
que quer que o esteja afligindo, fazendo-o pensar apenas em mim. Não
quero me importar com o que vier depois. Quero apenas o presente.
Pensando nisso, meus dedos desprendem os botões de sua blusa, um
de cada vez. Ele segura as minhas mãos e nos entreolhamos.
— Tem certeza disso? — questiona, surpreso, e sinalizo com a
cabeça.
Ele volta a me beijar e não perco seu sorriso triste e, ao mesmo
tempo, gentil, enquanto continuo desabotoando sua camisa. Finalmente,
livre dela, avisto a fênix majestosa que traz no peito e, pela primeira vez,
enxergo as feridas que Carmen comentou uma vez. Ouso querer tocá-las,
mas ele disfarça guiando minha mão até a sua boca, depositando-lhe um
beijo casto. Seu gesto faz com que um rastro de arrepios suba até a minha
nuca, e seus olhos, antes tristes, estão semicerrados agora. Acho que
consegui meu intuito de fazê-lo esquecer sua dor, porque duas mãos fortes
seguram o meu braço e me guiam até a poltrona, a qual estava sentada há
meio minuto.
Seu corpo, junto ao meu, causa uma ardência gostosa em minha
boceta, e a protuberância em sua calça me faz pensar em seu pênis grosso e
avantajado. Há urgência em nossas ações e ajudo-o a retirar sua calça jeans,
seguido pela minha blusa de alças. Ele olha para minha barriga e sorri.
— Você está ainda mais linda! — sorrio de volta, mesmo não
concordando, de fato. Meus seios estão doloridos, ultimamente, e meus
quadris, mais largos, enquanto estou longe da fase em que todas as vagas
preferenciais são minhas. Deixo-o retirar a parte de baixo que estou usando
e vejo-o me olhando de cima para baixo. — Daria para fazer uma pintura.
— ri puxando-me para mais perto.
Estou nua, sentindo seus dedos deslizarem pelo meu corpo, seus
lábios depositando beijos em meu pescoço, enquanto minha boceta
encharcada entrega meu desejo. Noto que tem receio de me tocar em meu
estado e franzo a testa quando vejo-o recuar.
— O que foi? — pergunto, ofendida, e ele se levanta, atordoado.
— Não podemos, esqueceu? — Me sinto fora de sintonia, sem
entender sua linha de raciocínio, e ele parece perceber, porque
complementa: — O deslocamento. — Aponta para a minha barriga, e
arregalo os olhos finalmente lembro-me do porquê de não podermos.
— Céus! — digo afoita, me levantando em seguida. Começo a
procurar por minhas roupas, mas ele me faz recuar.
— Se não se importar, gostaria de te ter assim essa noite. — Sua voz
sai entrecortada, cheia de segundas intenções, como sua boxer, que possui
um volume generoso.
— Meus hormônios, Drew. — ele ri. — Não tem graça! —
reclamo, ainda sentindo uma ardência gostosa entre minhas coxas.
Ele segura numa das minhas mãos e me puxa para mais perto. Nos
entreolhamos e, por poucos segundos, me vejo refletida no brilho dos seus
olhos. Sinto-me orgulhosa por saber que ele está de volta. Hope late, e
rimos ao constatar que não estamos sozinhos.
— Você ainda está comendo essa torta? — O loiro aponta para ela,
em cima da mesa, e dou de ombros.
— Você não quis.
— Já que não podemos continuar, penso em um jeito mais
interessante para essa torta. — Ele pega a torta de chocolate e me
encaminha até seu quarto. Hope fica do lado de fora, reclamando, conforme
continuo nua e excitada. Andrew desliza um dedo pela cobertura cremosa
da torta, leva-a à boca e diz com olhos maliciosos: — Bom, mas acho que
ficaria bem mais gostoso em você! — Ao dizer isso, seus dedos sujos
pairam sobre a aréola do meu mamilo direito. Ele esfrega a área,
lentamente. — Me deu vontade de prová-la agora. — Fecho os olhos ao
sentir o toque de sua língua aveludada. Ela faz sua mágica acontecer, e sinto
o tesão transbordar da minha boceta. Andrew desliza mais um pouco da
cobertura em mim e me faz deitar na sua cama. Sua boca encontra a minha,
e seu beijo é doce, com resquícios de chocolate. — E vou fodê-la com meus
dedos. Hoje você vai gozar, Maria Eduarda.
Fico excitada com a promessa, assistindo-o colocar-se ao meu lado.
Ele retira sua boxer e o tamanho do seu pau ainda me deixa surpresa.
Mesmo bêbada, no outro dia, ainda me lembro da sensação dele dentro de
mim.
A glande espessa me faz salivar e sinto que preciso prová-lo antes
de sentir seus dedos em minha boceta. Estou há muito, sem sexo, e acho
que os hormônios da gravidez parecem me incentivar a isso. Fico de
joelhos, com cuidado, e ele percebe o meu intuito.
— Nah, baby, eu quero te fo… — corto-o:
— Primeiro as damas. — digo animada com a possibilidade de
sugá-lo por inteiro.
— Então, vamos juntos! — Franzo o cenho, mas compreendo o seu
intuito quando inverte, propositalmente, o meu corpo contra o seu rosto,
enquanto tenho seu pau majestoso ao meu bel-prazer. Minha boceta se
contrai com a possibilidade de sua língua deslizando por ela, ao mesmo
tempo que imagino seu membro sendo engolido por mim. Mordo os lábios
com a possibilidade.
Solto um grito de prazer, quando seus dedos tocam em mim. Há
uma mistura de sexo e chocolate no ar, e noto que Andrew está lambuzando
a minha boceta com cobertura, fazendo meu corpo tensionar cada vez que
seus dedos encontram o meu clitóris.
Meus gemidos agitam seu pênis, que parece gostar deles, e, coberta
de desejo, deslizo a boca para sua glande quente. Arfa e diz meu nome,
conforme minha boca impulsiona seu membro para cima e para baixo com
a ajuda das minhas mãos. Geme alto e fala o quanto está gostando, por isso,
eu intensifico os movimentos enquanto sinto seus dedos brincarem com
meu clitóris e sua língua sugar todo vestígio de chocolate que há em mim.
Fecho os olhos quando ele encontra o ponto certo, com o roçar de
seus dentes, e grito seu nome diversas vezes antes de sentir jatos de sémen
em meu rosto e o ápice do prazer ao mesmo tempo.

Após um banho, juntos, estamos os dois deitados lado a lado.


Andrew parece atordoado, embora com olhos atentos. Acho que está
esperando uma brecha para falar.
— Você está bem? — pergunta, incerto. Faço que sim com a
cabeça, ainda encarando o teto branco. — Não vai sair correndo, vai? —
sorrio. Foi isso mesmo que eu fiz da outra vez. A diferença é que hoje estou
sóbria e decidida, não arrependida.
— Não vou! — Aproximo-me.
Ele parece aliviado, posicionando minha cabeça em seu ombro.
Relaxo, me sentindo mais confortável com seus dedos deslizando em meus
cabelos.
— Nossa! Eu esqueci o quanto isso pode ser bom. — solto, com os
olhos fechados.
— Minha mãe era bem carinhosa. — Abro os olhos, de repente, e o
encaro. Pela primeira vez ele está falando sobre o passado.
— Meu pai também. — sorrio e penso se alguma vez o Gust…
Você não vai pensar nele agora!
Seus dedos me fazem relaxar novamente, e sinto que o sono está me
alcançando quando bocejo.
— Gosto de te mimar. — Um sorriso escapa dos meus lábios, e o
silêncio habita novamente. — Quer saber o que aconteceu ontem? —
Encaro-o novamente. — Minha avó ressurgiu das sombras. — Arregalo os
olhos. Eu pensei que todos da sua família biológica tivessem morrido.
— Quer conversar sobre isso?
— Hoje não, passarinho! Hoje, prefiro estar apenas com você. —
Franzo a testa, sem entender. — Durma comigo. Eu descobri que durmo
melhor com você ao meu lado. — Assinto. Depois do que fizemos há
pouco, dormir é o menor dos nossos problemas.
Capítulo 38

O bservo Duda, enquanto ressona


baixinho. Seus cabelos,
espalhados ao redor, fazem cócegas em minha pele, mas não é algo que me
incomode. Pelo contrário, sentir seu aroma adocicado e pele sedosa junto a
minha faz-me perceber o quanto eu sentia falta de algo que jamais tive
coragem de ter. Seu semblante tranquilo transmite paz e era o que eu
precisava depois do dia de merda que tive hoje, quando me vi discutindo
com a mulher que se diz minha avó. Como se eu tivesse tido uma avó
presente.
Seu possível surgimento ficou na minha mente por 25 anos. Eu
ficava com a pulga atrás da orelha quando o assunto era Carol. Ela sempre
fora inconstante no quesito cumprir promessas e não seria agora que
começaria.
Carol Collins é minha avó materna. Ela nem sempre foi a pessoa
amarga que se tornou ao longo dos anos. Carol já tentou ser uma boa avó,
enquanto Andrea Collins, minha mãe, ainda era viva, mas depois que a
cereja do bolo se encontrou no topo, ela mostrou o quão cruel poderia ser.
De repente, a imagem de Andrea vem à mente e comprimo as mãos
e os olhos, como aprendi com o passar dos anos. Nem o método de
respiração da minha terapeuta é capaz de me tranquilizar.
Eu me tornei bom em mentir sobre o passado e meio que entendo a
máscara do Coringa que Duda vestiu todos os anos, enquanto namorada de
Gustavo. Fingir e seguir em frente é mais fácil do que falar abertamente
sobre os podres que acontecem ao redor.
Eu não menti quando revelei a Duda que também sofri no passado.
Héctor Ross era um homem abusivo. Talvez pior do que Gustavo jamais
conseguiria ser.
Viciado em jogos, ele terminava suas noites sem dinheiro e bêbado.
Héctor nunca foi um pai ruim. Ele jamais ousou encostar em mim, porém a
minha mãe nunca teve a mesma sorte. Nossas noites eram um misto do
volume da minha televisão às alturas, abafando os gritos da sala. Andrea
tentava me preservar, me fazendo prometer que permaneceria no quarto,
enquanto Héctor jamais fora responsável por pensar na criança inocente que
também habitava ali.
Era a porra de um ciclo vicioso e eu não tinha idade para entender o
quanto era errado, mas compreendia quando Andrea pedia para dizer na
escola, quando me questionavam, ou para Carol, que seus hematomas eram
provenientes de escorregões e tropeços na escada de casa.
Mas minha avó sempre soube e fez questão de me dizer, hoje, por
telefone, que muitas dores teriam sido evitadas se Andrea não tivesse dado
a luz a mim. E às vezes, quase sempre, eu concordo com ela.
A imagem dela me incomoda novamente. Ela sempre me
incomoda.
Controlo a respiração. Não quero assustar Duda com meus
pesadelos hoje. Já bastam os outros dias.
Ela continua dormindo, serena, e eu tento controlar a minha
ansiedade. Foi bom tê-la essa noite, mesmo sem transarmos de fato, e ver
que não se afastou como da outra vez. Acho que se o tivesse feito, eu
passaria mais uma noite de merda. Talvez a pior.
Nick e eu passamos o dia inteiro tentando achar meios de nos
livrarmos dela e dos meus tios, mais uma vez. Eles querem dinheiro há
alguns meses, desde que me reconheceram, ao lado de meu irmão, em uma
foto casual na internet. Jamais quis mudar o nome que minha mãe escolheu
para mim, por respeito, mas irrito-me em pensar que talvez, se o tivesse
feito, eles jamais teriam descoberto o meu paradeiro. Carol me deixou
escolher entre lhe dar uma mesada gorda ou revelar meu passado e colocar
o sobrenome Delamont nas ruínas. Engraçado que não fez o mesmo, há 25
anos.
Minhas cicatrizes começam a coçar, à medida que me lembro do que
passei por culpa dela e de seu egoísmo.
“A mágoa é algo que nos corrói por dentro, filho. Não fique triste
com seu pai. Ele nem sempre sabe o que faz”. Minha mãe e seu antigo
mantra depois de todas as surras, enquanto meus olhos, inchados de chorar.
Comprimo as mãos. A imagem dela, com o pescoço quebrado,
normalmente aparece apenas em meus pesadelos, jamais quando estou
acordado, mas acho que Carol me animou o suficiente por um dia.
Andrea Collins se suicidou quando eu estava prestes a completar
onze anos de idade. Seus gritos incessantes ainda me fazem lembrar
daquele dia. Havia me escondido em meu quarto, como ela sempre pedia, e
esperava que tudo acabasse logo. Quando o barulho cessou e as risadas
pararam de ecoar, demorou o tempo de rodar o último quadro da animação
Looney Tunes na televisão, para um barulho infernal soar alto.
Fecho os olhos com força, porque dói lembrar.
Andrea ainda se debatia com a corda suspensa pelo lustre,
pendurada em seu pescoço, enquanto a cadeira de madeira se encontrava no
chão. Seus olhos, esbugalhados, fixos em mim. Ela tentou falar, mas apenas
seus braços em minha direção indicavam seu arrependimento. Eu nunca
havia gritado tanto quanto naquele dia, acordando meu pai que, como
sempre, dormia bêbado na cama e provavelmente a minha avó, que morava
na casa ao lado e apareceu em poucos segundos. Eles tentaram socorrê-la,
enquanto eu continuava ali, com um grito abafado no peito, querendo não
acreditar no que meus olhos viam.
Tento afastar as lágrimas que descem, mais uma vez, em meu rosto.
Elas não amenizam a angústia e, muito menos, a dor da perda. Primeiro, é o
estágio do susto, aquele que te faz pensar que há algo errado com seus olhos
e ouvidos. Segundo, a negação. Você crê que estão todos mentindo, e que
logo, logo a pessoa que deseja ver vai entrar pela porta, sorrindo e cantando
as mais lindas canções. Terceiro, o luto, aquele que diz que nada vai mudar
e que terá apenas você e a sua perda, mas nem ela será capaz de afastar seu
sofrimento. E por último, a tristeza de saber que ninguém será melhor do
que a pessoa que te deixou, porque, na verdade, você está sozinho.
Capítulo 39

E u imaginava

por problemas no
que
Andrew havia passado

passado, mas assistir a mãe se suicidar me faz perceber o quanto ele


consegue ser forte. Me dói ver o quanto estava devastado e penso no
tamanho de seu altruísmo quando o assunto é o nome dos Delamont. Mas
também, pudera. Eles fizeram tudo o que sua família legítima foi incapaz de
fazer.
O sol mal havia se colocado no céu quando Drew comentou que
precisaria passar alguns dias nos Estados Unidos e, desde então, estou
pensando na possibilidade de ficar sozinha em casa. Não que Hope e
Carmen sejam más companhias, mas confesso que não quero deixá-lo só
em um lugar fora de seu habitat natural e com pessoas que o façam lembrar
de seu passado. Mas sei que eu não poderia fazer grandes esforços agora e
nem me estressar, e só talvez pudesse pedir a Laura que me acompanhasse,
já que Nikolas também irá.
Finalmente, o passaporte e o visto americano que tirei para a
empresa serão úteis.
Pensando nisso, ligo imediatamente para minha amiga. Não posso
demorar, porque Andrew está terminando de fazer sua mala. Ele viajará no
jatinho particular de Nick exatamente às oito horas, então não tenho tempo
a perder. Enquanto revelo a Laura meus medos e conto partes do que está
acontecendo, enfio várias peças de roupas numa mala. Faz calor nos
Estados Unidos e não me preocupo em guardar vários casacos e roupas
quentes. Laura diz que me acompanhará por três dias, no máximo, por
causa das crianças. Ela tem medo de deixar a mansão sozinha, durante
muito tempo, e encontrar a casa virada de cabeça para baixo quando voltar,
e penso que será o suficiente. Não acredito que Andrew queira passar tanto
tempo assim no Brooklyn.
— O que está fazendo? — Ele pergunta ao entrar em meu quarto,
emprestado. — Não vai embora, vai? — pergunta, atordoado.
Faço que não com a cabeça, deixando um sorriso brincalhão em
meu rosto.
— Decidi fugir, enquanto você aproveita suas férias. — brinco. Já
foi doloroso o suficiente, essa manhã, quando me revelou seu passado. —
Vou dar uma fugidinha. — zombo, e ele ri.
— Sério, passarinho, eu não quero ficar preocupado — responde,
prontamente, mas percebo seu ar apreensivo. Numa época, não muito
distante, eu jamais teria livre arbítrio de decidir alguma coisa na minha
vida. Gustavo nunca parou para escutar um simples pedido meu. Se eu
pensasse em fazer qualquer coisa diferente do que ele desejasse,
acabávamos discutindo, porque ele nunca me deixava decidir. —
Passarinho? — Andrew traz-me de volta das minhas divagações.
— Eu vou com você, Drew! — Ele arregala os olhos. — E nem
tente me impedir. Tenho passaporte e visto e, devido a eles, quase não fui
empregada por causa da demora! — caçoo, querendo, na realidade,
agradecer por sua empresa ser objetiva quanto às suas funcionárias e
viagens internacionais, enquanto continuo colocando minhas roupas na
mala e ele permanece ao meu lado.
— Eu não ia. — Paro o que estou fazendo, mas não o encaro. É a
primeira vez que tenho uma vontade minha atendida desde que decidi tomar
as rédeas da minha vida. Pisco os olhos, algumas vezes, e seguro o sorriso.
— Nessa época do ano, é um pouco mais ameno lá, leve roupas de verão,
mas separe algumas de frio. Nunca se sabe! — Faço que sim com a cabeça,
sem olhar em sua direção. — Mas é bom avisar à Dra. Marcela. — Ele se
aproxima e deposita um beijo em meu rosto. — Obrigado! — E sai,
deixando o meu coração quentinho. Se antes eu já gostava desse homem,
agora estou gostando ainda mais.

— Você falou com a doutora, Duda? — Laura questiona, à medida


que estamos sentadas, lado a lado, em seu jatinho particular, enquanto os
dois homens estão a alguns assentos à frente. Não perco o brilho dourado
dos cabelos de Andrew, enquanto respondo que sim com a cabeça.
— Como já faz quase dois meses que aquela coisa aconteceu —
tento não pensar no infeliz que quase me fez perder meu filho —, ela disse
que eu poderia viajar, mas com tranquilidade.
— Tranquilidade? — ela ri. — Você sabe que estamos indo para a
toca do lobo, não sabe? — assinto. — Podemos ficar no quarto de hotel,
enquanto eles vão até lá.
— Eu não quero deixar o Drew sozinho, amiga — suspiro. — Vai
ficar tudo bem! Você vai ver. — Laura faz um coque e algumas mechas
ruivas caem soltas, próximo às bochechas rosadas.
— Eu não sei, não — ri. — Mas tem alguma coisa diferente em
vocês. — Desvio o olhar. — Hum… Nem adianta se esconder, Duda. —
Seus dedos seguram em meu queixo, e lembro-me de Gustavo fazer o
mesmo no dia em que me empurrou. Comprimo as mãos, à medida que
arregala os olhos, sem se dar conta de minha agonia. — Vocês transaram?
— grita.
— Xiiiii! — Belisco seu braço, focando no presente, e os olhos de
Andrew pairam sobre nós, assim como os de Nick.
Laura reclama do meu aperto, e tento disfarçar, enquanto os dois
gargalham.
— Não era para gritar. — comento baixinho.
— Nem precisava beliscar. Não tenho cinco anos! — sussurra,
espremendo o lugar provavelmente dolorido. — reviro os olhos e cruzo os
braços, emburrada.

Após aproximadamente quinze horas, juntando a viagem com a


entrevista no qual fomos acometidos no consulado americano, finalmente
chegamos no hotel. Como Nick ficou incumbido de fazer as reservas,
acabou reservando apenas dois quartos de casal.
— Coincidência, irmão? — Andrew questiona, curioso, e Nick
segura a risada.
— Apenas o troco, irmão!
— Piadinha interna? — questiono. — Eu posso ficar com a Laura
em um quarto.
— Eu te adoro, Duda, mas preciso de um tempo com a minha
mulher. — Nick puxa Laura, lentamente. Ela ri e dá de ombros. — Muitos
filhos em casa! Sem contar que não seria a primeira vez de vocês.
— Nick! — Laura pisa em seu pé e ele grunhi, enquanto sinto
minhas bochechas esquentarem. — Vamos logo ajeitar nossas coisas e
descansar. — ela reclama, conforme se afastam.
— O que foi isso? — Não escondo a risada.
— Eu não sei, mas preciso descansar. Amanhã será um dia difícil.
— Ele me estende uma das mãos. — Vem comigo, passarinho?
Capítulo 40

E stou correndo e sentindo meu


rosto molhado de suor. O rapaz,
mascarado, corre à frente. Ei! Tento chamar, mas minha voz falha. A
penugem dourada em sua cabeça começa a tomar forma e noto seus
cabelos caírem ondulados pelos ombros. Agora consigo perceber que ele
estava o tempo todo com eles presos em um coque. Seu terno, sempre bem
recortado. Com meu vestido azul arrastando pelo gramado, seguro-o pelas
mãos, a fim de correr, com medo de vê-lo fugir, novamente. Ele para diante
do gazebo e se vira para mim. Seu sorriso me lembra alguém.
— Está determinada a fugir de mim? — questiona.
— Mas o fugitivo era você! — Eu já ouvi isso antes.
— Olhe mais de perto, Maria Eduarda, você só precisa enxergar!
Acordo, sobressaltada, com os braços de Andrew sobre mim. Olho
no relógio e noto que ainda são duas da manhã. Ele ressona baixinho, e
percebo que nem na noite anterior e nem nessa, teve pesadelos. Ele abre um
sorriso involuntário, e franzo a testa quando sinto familiaridade com seu
sorriso. Coloco a palma da mão na altura dos seus olhos, tapando-os, e
engulo em seco quando vejo o mesmo rosto do rapaz do meu sonho.
Andrew? Sinto uma pressão por onde seu braço está apoiado e decido me
levantar. Ele reclama, mesmo dormindo, e ando de um lado para o outro,
atordoada. A mulher do meu sonho só pode ser a mãe dele! Meu coração
acelera e lágrimas caem pelo meu rosto.
Não pode ser!
Eu sempre tive a sensação de conhecê-lo muito antes daquele dia na
casa do Nick. O dia em que Gustavo e eu…
— Meu Deus! — falo para mim mesma. Sorrio em meio às
lágrimas. — Era ele! — Não consigo mais me segurar e sinto que tudo o
que guardei durante todo esse tempo sai de uma só vez. Eu sempre fui
apaixonada pelo Gustavo, mas confesso que nunca perdi as esperanças de
encontrar esse rapaz; de encontrar o Andrew. Minha garganta fecha quando
penso em tudo que poderíamos ter sido, caso o tivesse conhecido naquela
noite, antes de Gustavo me pedir em namoro. Antes de termos um bebê
juntos. Meu Deus! Será possível que haja um erro nas contas do médico?
— Duda? O que vo…? — Olho para os lados e noto que estou
sentada no chão do quarto, chorando copiosamente, com minhas pernas
sendo abraçadas por mim. Ele senta-se de frente e me abraça. — Está tudo
bem, passarinho? — Está afoito. — Quer ir a um hospital? Está sentindo
alguma coisa? — Sinto que estou tremendo.
— E-eu estou b-bem. — falo arrastado. — É que… é você. — Olho
dentro dos seus olhos. Percebo que está atordoado. — Era você! — Uma
gargalhada seca e sem vida escapa da minha garganta. — Sempre foi.
— Eu, o que, passarinho? Me explica direito. — Seus dedos roçam
em minha pele e nunca achei seu gesto mais caloroso.
— Eu te via nos meus sonhos. Vi sua mãe também. — Ele arregala
os olhos e abre um sorriso, meio orgulhoso. — E agora não sei o que fazer.
Estou com medo. Medo do que estou sentindo… — ...medo de me envolver
mais e de te amar. Penso, mas não digo. Minha voz falha miseravelmente, e
ele entende isso quando me aconchega em seus braços e coloca sua cabeça
em cima da minha, fazendo o nosso momento. Aquele que aprendi a amar
com o tempo.
— Está tudo bem, passarinho. Eu estou com vocês. — Ele se refere
a mim e ao meu filho e não deixo de me sentir acolhida. — Me permita
ficar aqui. Pare de fugir… — Fecho os olhos. Essa palavra diz muitas
coisas e, uma delas, estou aprendendo a lidar pouco a pouco: parar de fugir
das coisas que me fazem bem.

— Como está o meu passarinho preferido? — brinca, enquanto sinto


que um trator acabou de passar pelo meu corpo. O meu momento “ataque
de pânico” de ontem à noite me deixou com fortes dores de cabeça e no
corpo, mesmo que Andrew tenha tentado me fazer uma massagem para
relaxar.
— Acho que precisando de um banho.
Ele levanta-se prontamente e me entrega uma das mãos. Franzo o
cenho.
— Também estou precisando relaxar. Vem comigo? — pergunta
olhando dentro dos meus olhos.
Há toda uma forma de carinho e atenção como despe o meu corpo.
Seus olhos, nunca fugindo aos meus, à medida que me puxa para dentro da
banheira. Ele a preparou com sais de banho, e a espuma transborda
conforme nos sentamos. Seu pau cresce sob a minha bunda e seus beijos
ardem em meu pescoço, conforme meus seios são tomados por suas mãos.
Suas ações refletem em minha boceta, que lateja com saudade de ser
penetrada. Solto um ruído fino quando sinto-o beliscar o broto do meu
mamilo.
— Eu desejo você, Duda. Sempre desejei te tomar para mim. E
agora que posso, me dói saber que ainda somos impedidos. — fala ao redor
do meu ouvido, referindo-se a não podermos ultrapassar o limite proposto
pela minha médica. Meus olhos estão fechados e a sensação de torpor me
acomete fazendo-me rebolar sobre seu pau e ouço-o gemer. — Você vai me
matar, sabia?
Faço que sim com a cabeça o instigando.
— Quer ser fodida bem aqui? — Seus dedos encontram minha
entrada encharcada e se movem com movimentos circulares.
— Quero! Quero ser inteiramente fodida por você, Drew. — ele
rosna, como se tivesse acordado de um sonho e investe mais em mim. Deito
a cabeça em seu ombro, com meu corpo tremendo. Ele continua seu intuito,
brincando com meu clitóris, enquanto pequenas ondas são formadas em
torno de nós.
Seus dedos me penetram deliciosamente, conforme a outra mão
belisca o meu mamilo esquerdo. Meu corpo arqueia quando eu alcanço o
ápice do prazer, ainda com a sensação de fogos de artifício me atingindo.

— Quando esse resguardo acabar, você será completamente fodida


por mim — ele setencia, lambendo os dedos.
Viro-me calmamente, olhando dentro dos seus olhos.
— E eu quero ser sua, Andrew. — Colo nossos lábios intensamente,
com meus dedos se perdendo entre seus cabelos emaranhados. Seus braços
me rodeiam e ficamos ainda mais grudados, sentindo nossos sexos unidos.
— Você vai me matar de vontade! — gargalho sobre sua boca, e ele
me segue, me fazendo contornar seu pescoço com minhas mãos. De
repente, ele para de rir e foca em minha barriga. — Eu quero cuidar de
vocês dois, se me permitir.
Pisco os olhos, atordoada, me afastando. Eu ainda não estou
preparada para o que está me propondo.
— Ei! — diz baixinho. — Me deixa ser essa pessoa? Me conceda
entrar na sua vida.
— Você sabe que tem o bebê. E que provavelmente não é seu. —
falo baixinho.
— E quem liga para isso? — Me surpreende. — Porque eu não
estou ligando. — Dá de ombros e, Deus…, ele está parecendo uma criança.
— Não é somente isso, Andrew, tenho medo de…
— De se apaixonar? — ele ri, e eu faço o mesmo. Antes fosse isso,
mas a verdade é que nem eu faço ideia pelo o que tenho medo. E é isso o
que está me matando.
Capítulo 41

N ão consegui esconder meu


sorriso de Nick, e o filho da puta
não para de soltar piadinhas, fazendo as bochechas de Duda corarem.
Entendo que talvez esteja querendo me dar uma força, mas, com Duda,
aprendi que as coisas precisam ser devagar. Ontem, percebi que talvez
Nikolas estivesse certo e que pode realmente existir uma linha tênue entre o
amor e a amizade.
Eu estaria feliz, caso não precisasse olhar para Carol mais uma –
maldita – vez.
O carro do hotel nos encaminha pelas ruas de Nova York, e noto o
quanto Duda parece encantada com os prédios extensivos e as casas, com
estruturas idênticas, conforme seguimos pela área norte da cidade. Ainda é
dia e prometemos para as meninas que voltaremos à rua, de noite, para que
conheçam as famosas luzes de Nova York.
Não demora para chegarmos em meu antigo bairro, Bedford–
Stuyvesant.
Faz anos que não ando por essas ruas, então, percebo o quanto tudo
mudou, bem como alguns comércios e casas. Meus olhos se enchem de
água, à medida que antigas feridas voltam a me assombrar e sorrio ao sentir
o toque suave de Duda entre meus dedos.
O carro estaciona em frente de onde morei. Minha antiga casa não
parece tão grande agora. A última vez que pisei aqui, ela era gigantesca. As
escadas do lado de fora me lembram de quando eu descia do ônibus da
escola e entrava direto pela porta principal, a fim de terminar em um abraço
apertado com minha mãe. Ela sempre procurava parar o que estivesse
fazendo para me dar atenção. A casa parece reformada e as paredes são
mais claras do que me lembro.
Continuamos a caminhar lentamente pela calçada, até que meus
olhos avistam os cabelos grisalhos de Carol. Ela se direciona até nós,
ajudada por uma bengala. Os dedos de Duda cruzam os meus e a encaro
automaticamente. Seu sorriso tranquilo faz o embrulho do meu estômago
aliviar.

— Bonito, como sua mãe, e forte, igual ao crápula do Héctor. —


fala em inglês, deixando óbvio seu rancor por meu pai. Então, ela olha para
Duda e sua barriga. — Só espero que não tenha o mesmo gênio.
— Você não conhece o meu Drew! — Duda diz em um inglês
perfeito e ainda aperta a minha mão, enquanto o meu coração, acelerado.
— Vamos resolver logo! — Nick coloca imponência na voz, e a
velha senhora o observa.
— Ah! O irmão. — Carol diz conforme vira-se para sua casa. —
Venham, vamos entrar antes que os abutres apareçam.
Acredito que os abutres sejam os irmãos de meu pai.
Duda e eu nos sentamos em um sofá antigo. Ele possui alguns cortes
no estofado e não é nem um pouco confortável, enquanto Nick está em pé,
próximo à porta, e Laura, sentada em outra poltrona. Carol nos oferece água
e café, mas não viemos para lhe fazer uma visita familiar.
— Vá ao ponto, Carol. — digo sem freios.
— Igual a Andrea. — ela ri, sentada na nossa frente. — Você puxou
os os cabelos e olhos dela. Fico feliz que esteja bem.

— Engraçado que me largou naquele inferno quando Héctor


morreu! — Os olhos de Duda e Laura se arregalam. Nick permanece
imóvel. Ele está bem mais nervoso do que eu, mas não quer demonstrar.
Carol finalmente mostra a versão da avó que largou o único neto em um
orfanato, duas noites depois da mãe dele morrer. — Eu só tinha onze anos,
porra! — explodo a raiva que senti durante todos esses anos.
— Andrew! — Duda fala apenas para eu ouvir. — Ela é uma idosa.
— Não, Duda! — Levanto-me, sobressaltado. — Ela foi a porra do
demônio que me largou na porra de um orfanato quando sabia que meus
tios nunca tentariam a minha guarda. — Duda está surpresa e, lembrando-
me de sua condição, volto a me sentar, tentando me controlar.
— Drew… — A mulher que eu amo sorri fraco. Ela sabe o quanto
eu estive nervoso há poucos dias e o quanto fiquei vulnerável.
— Deixe ele falar, moça. Tem todo direito de sentir rancor. — Carol
contrapõe, e a encaro de frente, novamente. Seus olhos são uma incógnita.
— É dinheiro que você quer? — Pego meu talão de cheques dentro
do paletó. — Quanto? Me diz quanto quer para sumir de novo e parar de
foder a minha vida? — Meus olhos estão marejados, por isso não quero
encará-la. Não lhe darei esse gostinho.
— Pois eu não quero nada! — diz o mais alto que consegue, o que
não é muito. — Eu te procurei e achei porque morria de remorso. — revela,
e eu gargalho, deixando as lágrimas livres. — Quando sua mãe foi viol…
— Arregalo os olhos.
— Não! — grito ao me levantar, e ela, Laura e Duda se assustam.
— Irmão?! — Nick se aproxima e segura a minha mão direita.
Encaro-o, e seus olhos estão preocupados. — Coloca isso para fora, fecha
esse ciclo. Bote um ponto final nisso, mas lembre-se dos seus princípios. —
Fecho os olhos e me sento novamente, com as mãos na cabeça.
— Até onde eles sabem, Drew? — Carol continua.
— Drew? — Duda repete e é observada por minha avó.
— Andrea era a única que o chama desse modo. Acho que gostaria
de alguém enxergá-lo como ela o fazia. Ia adorar vê-los juntos e…
— Anda logo, Carol, pare de divagar. Vamos encurtar o assunto. —
comento, sem paciência. — Diga o que quer.
— Eu precisava viver em paz. — torna a falar. — Sabe quanto
tempo eu fiquei preocupada com você? Eu fui te procurar no orfanato,
depois de alguns anos, e você já tinha sido adotado. — Ela encara Nick, que
bufa.
— E ele ficou muito bem sem a porra da sua familia! — Nick
reclama. — Acaba logo com isso, Andrew. Diz a que veio e fala o que te
aflige. Termina com essa porra de segredo. — Comprimo as mãos quando
as risadas e seu suplício vem à mente. Apenas Nick sabe do passado, apenas
ele sabe o sofrimento pelo qual passei na casa ao lado. — Vai por mim,
irmão! Você vai tirar um peso enorme.
— O que está…? — Laura questiona tão confusa quanto Duda, e
solto o ar devagar.
— Andrea havia sido estuprada pelos mesmos homens que vieram
atrás de Héctor lhe cobrar uma dívida de jogo. — As mulheres ao meu lado
parecem chocadas, quando Carol começa, enquanto as risadas daqueles
porcos imundos ainda habitam a minha mente. — O filho da puta era
viciado em duas coisas: jogos e em bater em mulheres, e minha filha se
matou por não aguentar mais.
Mais lágrimas caem quando lembro de vê-la deplorável, com a
corda puxando-a pelo pescoço e o vestido rasgado e ensanguentado.
— Héctor fugiu, naquela noite, porque sabia que seria caçado até o
inferno, caso precisasse, pois, com o escândalo do suicídio agravado, a
polícia chegaria neles e no esquema do cassino clandestino que
administravam.

— A minha mãe havia sido uma moeda de troca. — relembro. —


Meu pai não tinha mais o que dar para cobrir seu vício, então resolveu que
Andrea poderia postergá-lo durante um tempo. Eu escutei a porra toda,
enquanto Héctor, desmaiado de bêbado.
— Andrew! — Laura grunhi, no mesmo momento em que os braços
de Duda me envolvem, com suas lágrimas molhando o meu rosto, enquanto
minha avó nos assiste, com seus olhos impassíveis. Sei que Carol não tem
mais pelo o que chorar, uma vez que mais um pouco seria levada para junto
de sua filha, devido ao caos de desespero que havia se tornado a nossa casa
naquela noite.
— Você não deveria ter passado por isso. — a voz de Duda
embarga.
— Ninguém deveria. Nem homem, nem criança e nenhuma mulher.
— ela assente, devagar, enquanto repito as mesmas palavras que um dia
usei para alertá-la sobre Gustavo. — Héctor não demorou a aparecer morto.
— Encaro a mulher que deveria ter me protegido e a mágoa me consome
novamente. — Quando recebemos a notícia, eu fui obrigado judicialmente a
ir para um orfanato. O combinado era que eu ficasse lá até que Carol
pudesse reivindicar a minha guarda… — Tenho seus olhos marejados em
minha direção. — Mas ela me abandonou.
— O quê? — Duda quase grita e, com os olhos recheados de rancor,
vira-se para a velha senhora. — Como pôde fazer isso com uma criança?
Com o seu neto?
— Eu fiquei com raiva! — Carol se expõe. — Era difícil ver os
hematomas espalhados pelo corpo dela e não poder fazer nada. Andrea
tinha apenas trinta e três anos quando morreu; quando precisou tirar a
própria vida para se livrar de um carma.
— E o seu neto apenas onze. — Laura contrapõe, chorosa. — Ele
não tinha culpa!
— Ela não ia embora por causa dele! — As mãos enrugadas de
Carol escondem seu rosto, quando é tomada pela emoção. Tento sentir
alguma coisa. Alguma compaixão, mas não consigo. — Ela tinha medo de
deixar o marido e ser obrigada a viver na miséria com seu filho único. —
Respiro fundo. Preciso de um tempo para assimilar tudo, mas ela continua:
— Hoje sei que o que fiz foi errado! E se serve de alguma coisa —
ela me olha nos olhos — me arrependo todos os dias. Sei que minha filha
jamais me perdoaria. — Ela chora como eu jamais tinha visto na vida.
Ninguém se propõe a acalentá-la, e sinto um conforto em torno disso, senão
acharia que o problema, de não conseguir perdoá-la, seria meu. — Eu não
vou pedir perdão por algo que é imperdoável, mas precisava dizer que me
arrependo pelo o que te causei.
Ouço as batidas incessantes do meu coração.
Respiro, lentamente, enquanto tenho os olhos sobre a mulher que
deixou-me ao meu próprio destino, quando nem o direito de chorar pela dor
da perda da família, eu tinha. Ela parece à espera de uma resposta, mas a
verdade é que eu não tenho a ideia do que dizer nesse momento. Foram
difíceis os anos em que passei no orfanato e mais ainda aceitar que aquela
seria a minha nova vida, mas, ao mesmo tempo, tudo o que aconteceu foi
primordial para que eu chegasse até aqui, com pessoas que me fizeram feliz
e me deram amor, e olhar para as mãos de Duda em cima da minha faz-me
acreditar que nunca nos conheceríamos, caso eu não morasse no Brasil. De
alguma forma fodida, estou agradecido por minha avó ter me deixado ser ao
que fui predestinado.
— Eu não seria sincero, Carol, se não dissesse o quanto me ressenti
durante todos esses anos, porém, se não fosse pelo o que aconteceu, eu
nunca teria conhecido os Delamont, a minha família. — Respiro fundo e,
apertando os dedos de Duda sobre meu colo, confesso enfim: — E a mulher
que eu amo.
Há um silêncio ensurdecedor e não consigo encarar Duda. A bomba
foi lançada de uma só vez e acho que deve ter sido muito para ela.
— Nunca imaginei que fosse me perdoar. — Carol corta o silêncio e
continua: — Mas já é alguma coisa. — Ela é seca, como sempre fora, e
levanta-se. — É bom vocês irem agora, os abutres estão loucos para ver
você.
— Eles sabem onde moro? — As meninas e eu nos levantamos
também, prontos para irmos. — A velha senhora sorri, maliciosa.
— Não fui tão longe! — Pisca um dos olhos. — Eles foram úteis até
onde eu precisei.
Nick e Laura são os primeiros a sair, seguidos por Duda, que diz que
vai me esperar do lado de fora da casa. Seus olhos são duas esmeraldas
envergonhadas, mas afáveis.
Minha avó se aproxima de onde estou e ficamos frente a frente. O
passado e o presente, cada vez mais fortes e sua tristeza aparente. Vejo-a
estender uma corrente na minha direção e pego-a sem pestanejar. Há uma
fênix pendurada nela, a mesmo que minha mãe me deu quando eu tinha
acabado de completar oito anos.
— Você deixou quando foi levado e sei que significava muito. —
refere-se ao pingente.
— Sim! — Coloco-a em torno do pescoço. — Eu cravei uma fênix
no peito quando completei dezoito anos. Era a única coisa que eu tinha da
minha mãe. — Carol sorri, e solto o ar aos poucos sob seus olhos
castanhos. — Eu preciso ir. — Ela assente com a cabeça.

Caminho até a porta, ouvindo seus passos lentos atrás de mim. Ao


sair de casa, sinto a sensação como se um peso tivesse sido tirado do meu
peito, depois de incansáveis anos dolorosos. Sigo os demais até nosso carro
emprestado e, prestes a entrar no banco do carona, meus olhos se voltam
novamente em direção da minha avó, que me observa também. Um olhar de
quem tem muito a dizer e, ao mesmo tempo, nada. Reclino levemente a
cabeça, observando-a fazer o mesmo, cientes que esse será o nosso último
encontro.
Capítulo 42

"Eu nunca teria conhecido os Delamont, a minha família, e a mulher


que eu amo”. As palavras de Andrew continuam habitando na minha mente,
conforme voltamos para o hotel. O silêncio é algo que compartilhamos
mutuamente. Nem a beleza da gigantesca Nova York é capaz de animar o
nosso grupo, nesse momento. Descobrir a respeito do passado de Andrew,
nitidamente mexeu com nossas emoções, e até Nick está pensativo. Uma
mensagem apita em meu celular e noto ser de Laura:
(Laura) Acho que descobrimos quem era a mulher do seu sonho e
que estava próximo a você, afinal.
(Eu) Sim! E não é nada bom! Por que ela queria que você me
ajudasse? Seria por causa do Gustavo? Daquele dia em minha casa?
(Laura) Pode ser. Mas fique atenta, amiga.
(Eu) :(
(Laura) E não pense que não ouvi Andrew dizer que te ama.
Sinto minhas bochechas corarem e prefiro não responder, uma vez
que meu sorriso provavelmente está me entregando.
Depois de jantarmos, todos preferimos permanecer em nossos
quartos e confesso que sou acometida pelo famoso friozinho na barriga.
Drew e eu ainda não tivemos a oportunidade de ficarmos sozinhos, então
continuo com a sensação de um abismo entre nós.
— Quer se juntar a mim em um banho, passarinho? — Seus olhos
são incertos e, sua voz, uma linha fina. Confesso que adoraria me jogar em
seus braços debaixo de um choveiro, mas sinto receio dele pensar que
somos mais do que… Meu Deus! Eu não faço ideia do somos. Seus dedos
quentes encostam em mim e seu sorriso afável me acalenta. — Posso te
contar um segredo? — pergunta no pé do meu ouvido. — Não é porque eu
amo você, que precisa ser recíproco. — Nossos olhares se encontram
novamente e não contenho um sorriso. Solto o ar aos poucos.
— Acho que um banho seria ótimo! — Pego em sua mão e nos
encaminhamos ao banheiro.

Estamos deitados um ao lado do outro na cama e me aconchego


mais em seus braços. Ele me puxa para mais perto e não faço menção de
sair. Meus dedos tentam deslizar sobre a fênix em seu peito, mas ele me
impede novamente, e não tiro os olhos das marcas sobressalentes.
— Ainda tem algo em minha mente. Tenho tentado encaixá-la, mas
não consigo montar esse quebra-cabeça.
— Aproveite enquanto eu sou um livro aberto. — ele sorri.
— Essas marcas… — digo incerta e noto que seus lábios
estremeceram. — De onde vieram?
Ele demora um tempo até responder:
— Eu pensei que ninguém percebesse. — ri. — As escondi até de
mim, durante esses anos. Mas sem segredos, tudo bem? — Faço que sim
com a cabeça, e ele continua: — Ganhei todas no orfanato. As crianças
mais velhas gostavam de mostrar aos menores quem é que mandava. —
Arregalo os olhos.
— Eu nunca pensei em odiar uma criança. — sorrio, sem humor.
Seus dedos acariciam as minhas costas e me sinto confortável.
— O que passou, passou. Foi apenas uma fase difícil. — Confirmo
com a cabeça, incerta, algo me diz que deve ter sido bem mais difícil do que
normalmente deixa transparecer, contudo, aprendi com a vida que há coisas
que é preferível deixar no passado.
O silêncio volta a habitar, durante poucos minutos, e sinto que
estamos sendo levados pelo sono, até que preencho-o novamente:
— Drew?
— O quê? — questiona sonolento.
— Você se tornou um pássaro. — Sua testa franze, mesmo de olhos
fechados. Encaro sua correntinha de ouro. — Uma fênix, ressurgida das
cinzas. — Seu sorriso é orgulhoso. — E está livre para voar.
Capítulo 43

F az dois meses desde que visitamos


o Brooklyn e, consequentemente,
dois meses que Andrew e eu dormimos no mesmo quarto. Juntos,
aprendemos que ele dorme melhor ao meu lado, uma vez que os pesadelos
têm diminuído gradativamente.
Temos noites tranquilas e as mais agitadas também.
Não que eu seja o milagre dos pesadelos, já que boa parte de seu
progresso – na verdade a maior – refere-se às reuniões que temos
frequentado separadamente. Por recomendação do meu psicólogo, voltei a
participar das reuniões da doutora Marisa que, consequentemente, abriu
espaço para Andrew em um grupo à parte. Queríamos participar juntos, mas
ela não achou aconselhável por sermos íntimos. Alternamos os dias e
horários, desde então.
As meninas costumam revezar a minha companhia para as reuniões
semanais e algumas visitas ao médico, uma vez que Drew nem sempre pode
estar presente, e em quase todas almoçamos no restaurante de Américo.
Luce o diverte tanto quanto Beth, e Laura mencionou certa vez que, se eu
não estivesse quase casada com Andrew, torceria para que eu pudesse
namorar o chefe de cozinha, porém, suas grandes expectativas de cupido
escorreram ladeira abaixo, após descobrirmos que ele tem saído várias
vezes com uma mulher, de acordo com um dos seus garçons fofoqueiros.
— O que acharam do nosso molho especial, meninas? — Américo
questiona, assim que coloco a última garfada da salada caesar, que Laura e
eu escolhemos, na boca e fico tentada a perguntar sobre seu affair.
— Uma beleza, Américo. — Laura diz, enquanto ele senta-se de
frente.
— E a Débora? — pergunto sobre a filha adolescente que está
morando com ele agora. Gargalhamos ao vê-lo soltar o ar lentamente,
parecendo exaurido.
— Ela mal me dá tempo para respirar. — confessa. — Mas é
gostoso ficar um pouco mais com a minha fofinha. — sorrio. — Só não
comentem sobre o apelido. Ela detesta!
— Eu te odiaria junto! — confesso, e Laura concorda. — Mas agora
precisamos ir, senão perco a reunião. — Não é segredo para mais nenhum
dos meus amigos que as frequento. — Mande um beijo para a fofinha! —
Trocamos dois beijos nas bochechas, enquanto faço aspas com as mãos, e
ele ri. Conhecemos a filha de Américo numa das vezes em que tivemos aqui
e é incrível o quanto se parece com o pai.
— Mando, sim. E você, volta para a empresa quando? — ele
questiona.
— Na verdade, já fui liberada pela minha ginecologista. Posso
começar a trabalhar na próxima semana. Andrew não está muito feliz, mas
não aguento mais a Carmen brigando comigo por causa de gemada e canja
de galinha. — Faço careta, e ele se engasga de tanto dar risadas.
— Agora descobrimos por que ela está sempre filando almoço por
aqui, Laura. — Américo contrapõe e gargalho.
— Não a deixe te ouvir. — refiro-me à governanta de Andrew,
decidida que ainda é cedo para saber sobre suas novas intenções amorosas.
Aproveitei esses últimos dias para finalmente dar a notícia à dona
Cecília que ela será avó, e o alvoroço foi tão grande na minha antiga casa,
que se propuseram a me visitar em breve. Quem ficou um pouco chateado
foi Andrew, uma vez que tomei a iniciativa de informar que nesse período
eu voltaria para o meu apartamento e meio que se tornou o ponto de partida
para a nossa primeira discussão.

Após uma pequena viagem de carro, Laura e eu entramos no prédio,


o qual costumo frequentar as reuniões. Lau finalmente tirou sua carteira de
motorista, e estamos desfrutando de sua habilidade mais vezes do que
consigo contar nos dedos. Já familiarizada com o espaço, ela não parece
mais incomodada com vários rostos tristes e os arroxeados sobressalentes
no corpo das meninas.
— Ainda me pergunto como não sabia disso aqui, Duda. — refere-
se às minhas antigas reuniões clandestinas. — Eu tinha que ter estado mais
atenta.
— Não era culpa de vocês, Lau. Eu queria preservá-las dos meus
problemas e da vergonha de cometer os erros de sempre. — respondo,
observando a rodinha de cadeiras vazias no meio da sala. Hoje não há tantas
mulheres conhecidas entre nós; algo recorrente nos grupos de apoio.
Infelizmente, a probabilidade de a mesma pessoa seguir participando dessas
reuniões é bem pequena, mesmo que seja necessário. Muitas mulheres que
já passaram por aqui e eu somos a prova viva disso.
Escutamos uma pequena discussão do lado de fora e franzo a testa.
De repente, a porta principal é aberta, e a doutora Marisa está ao lado de
outra moça, que parece em meio a um dilema pessoal sobre entrar na sala
ou permanecer onde está. Seus cabelos são um emaranhado, próximo aos
olhos, e escondem boa parte de seu rosto.
— E-eu não vou c-conseguir, doutora. Tenho vergonha!
— Vamos fazer assim, Janaina, você entra, escolhe um lugar que
pode ser melhor para você e…
…se sentir bem, pode falar o que quiser. Basta querer.
Franzo a testa. A dra. Marisa usou essas mesmas palavras quando
pisei aqui pela primeira vez. Um zumbido parece acoplado na minha mente
quando me vejo sendo guiada pela doutora, da mesma forma que essa
menina está sendo agora.
Ao me encontrar, a doutora não esconde um sorriso orgulhoso,
provavelmente por me ver aqui de novo.
— Laura, Duda — nos cumprimentamos —, essa é a Jana. — Meu
sorriso morre aos poucos quando vejo o hematoma arroxeado em torno do
olho direito da menina. Ela não deve ter mais de vinte anos. — Hoje será
sua primeira reunião. — O zumbido não para e ainda acelera o meu
coração. — Poderia mostrá-la um lugar para se sentar?
— Está tudo bem, Duda? — Laura me arranca dos devaneios.
Encaro minha amiga de frente e faço que sim com a cabeça, incerta, mas
continuo em silêncio. — Vamos nos sentar, Janaina? — Minha amiga faz o
que eu deveria fazer.
Sentamos uma ao lado da outra e flashes do dia em que me vi nesse
mesmo lugar pela primeira vez, não param.
Meus olhos estavam pesados e inchados, provavelmente devido ao
choro. Minha cabeça latejava, à medida que eu não me sentia confortável,
mesmo diante das recomendações das enfermeiras do hospital em que
fiquei internada. Lembro-me do estado em que me encontrava por causa
dos remédios excessivos que havia ingerido. Conforme as memórias
retornam, sou acometida por uma raiva mais densa de Gustavo e fico
preocupada por causa do bebê.
— Boa tarde, meninas. — a doutora começa, e respondemos em
conjunto, como em todas as semanas:
— Boa tarde.
— Fico feliz por encontrar vários rostos conhecidos. É importante
para as meninas novas se sentirem acolhidas e saberem que não estão
sozinhas. Cláudia e Janaina, sejam muito bem-vindas.
Há uma salva de palmas que ecoa pelo salão. Laura, como sempre
solícita, segue as demais, enquanto continuo pensando no passado com
meus olhos presos em Janaina.
— Duda, gostaria de começar hoje? — A voz da doutora soa longe,
e olho para a bola de basquete que segura entre os dedos.
— Claro!
— Bom, meninas, para que todas entendam, quem estiver com a
bola terá a sua vez de falar, enquanto os demais permanecem em silêncio.
— Levanto prontamente, pegando a bola de suas mãos. — Sem
julgamentos e sempre respeitando o espaço da colega. Pode começar, Duda.
— Aponta um dos dedos em minha direção.
— Hmm… — Apalpo a bola. — Semana que vem volto a trabalhar
e meu amigo, barra, quase namorado e eu já estamos brigando novamente,
porque.... — sorrio, mas o choro estrangulado de Janaina me corta e faz
com que eu volte a pensar no passado.
— Eu não te traí, mas acho que eu deveria ter feito, porque assim,
você não me acusaria!
— Gustavo, me desculpe! Eu sei que sou burra por acreditar...
— Qual é a merda do seu problema, Duda?
— O problema é que eu não sei mais em quem acreditar. Você está
sempre mentindo para mim!
— Está tudo bem, Duda? — A doutora volta a me chamar.
— Acho que não sei o que falar. — respondo, sem jeito, sentindo as
lágrimas descendo pela face. Droga! Eu estava indo bem ultimamente.
— Quer passar a bola para outra pessoa? — questiona, enquanto o
nó se acopla na minha garganta e o zumbido de abelhas volta a incomodar.
Faço que sim com a cabeça. Acho que prefiro passar a vez, do que
ter um dos meus ataques. Minhas pernas tremem, à medida que o passado
me assombra novamente.
— Menti é o caralho! Essas suas amigas que estão colocando
merda na sua cabeça! Isso me deixa tão irritado! — Suas veias parecem
prestes a saltar do pescoço. Sinto seus dedos cravarem em meu braço
esquerdo, quando tento me afastar. — Eu ainda não terminei com você,
merda! — grita, e meu corpo treme com pavor. Sei o quanto ele pode ser
difícil quando discutimos.
— Acho melhor eu... — Tento me desculpar por errar novamente,
mas o barulho e a dor que sinto depois parecem bem mais do que tudo o
que eu poderia dizer e o silêncio me acomete.
— Olha o que você me fez fazer!
De volta ao presente, procuro respirar devagar.
“A mente humana é capaz de gerar armadilhas como mecanismo de
defesa.”
Engulo em seco ao ouvir as palavras do doutor Brian sendo
sussurradas em alguma parte da minha mente.
“O motivo disso é o grande medo que sentem de se arriscar, por
acharem que podem sempre errar e sofrer.”
— Ao olhar para a nossa colega, Janaína, me lembrei de algo do
passado. — digo finalmente ao entender a teoria do meu terapeuta,
observando a menina. Seus olhos estão atentos, vermelhos e inchados, mas
também revelam medo. Puxo o ar e solto-o devagar, prestes a desvendar os
meus próprios. — Entrei por aquela mesma porta há alguns meses, com o
rosto inchado. Exatamente como você. — As lágrimas de Janaína se
misturam às minhas. — Ele havia me machucado. — Laura arregala os
olhos, diante da verdade, e paro um pouco para respirar.
— Nós tínhamos brigado por mais uma de suas traições, e ele se
tornou agressivo. Naquela mesma noite, tomei remédios para dormir… —
Desvio o olhar de minha amiga, que está nitidamente tomada pela emoção,
porque preciso colocar para fora antes que essa verdade me corroa por
dentro. — Mas eu fiquei grogue demais e precisei buscar ajuda. Não faço
ideia de como, mas amanheci em um hospital sozinha, e hoje, agradeço ao
anjo que me ajudou naquele dia. Vim parar nesse grupo, devido às
enfermeiras que o indicaram, mas de alguma forma, minha mente não
queria me fazer lembrar disso. — Olho para a doutora, que me observa de
volta. — Obrigada por me fazer ver isso sozinha. — Ela assente,
lentamente. Seguro firme a bola entre os dedos e continuo:
— A verdade é que eu não sentia que me encaixava aqui. Nunca
pensei que meu relacionamento fosse doentio, jamais achei que eu era
dependente emocional e sempre abominei a palavra “abuso”, mas não me
vejo mais assim. Não vou dizer que esqueci meu abusador totalmente,
porque seria mentira, mas passei a entender que o que sinto aqui — aponto
para o meu coração — é algo criado pela minha mente. Algo que passei a
idealizar com o tempo só porque não o tinha comigo e, pela primeira vez,
me sinto um pássaro prestes a alçar voos. Não vou dizer que é fácil, porque
não é, mas a distância ajuda. Busquem um tempo para os familiares, para os
seus filhos, para os amigos e principalmente para vocês. Hoje, eu priorizo o
meu filho… — Coloco as mãos sobre a barriga. — Porque é dele a minha
total responsabilidade, ele é o meu amor maior e por ele sou capaz de tudo.
Principalmente em me afastar daquilo que me faz mal.
Estou tremendo. É renovador ouvir o som da minha própria voz e
libertador sair do cárcere que se tornou a minha vida. E ciente de todas as
coisas que tenho certeza que ainda posso fazer por outra vítimas, abro os
pulmões e digo bem alto:
— Sou vítima de relacionamento abusivo e me anulei como mulher
devido a isso!
A Doutora Marisa é a primeira a se levantar, enquanto Laura me
abraça. Seu choro se mistura ao meu, e a salva de palmas que ouço das
minhas colegas me motiva a ser perseverante quanto aos erros que fui
acometida. Sinto como se essa nova Duda estivesse o tempo todo
aprisionada em mim. Aquela, a qual meu pai teria orgulho.
Capítulo 44

H oje estou completando seis


meses de gestação e finalmente
descobri que serei mãe de uma menina. Óbvio que Andrew se emocionou
depois da revelação do médico e não se conteve em me trazer para um
shopping, a fim de comprarmos o enxoval dela. Eu imaginava algumas
peças adjacentes, mas nunca pensei que compraríamos a loja infantil inteira.
Sério, acho que a bebê terá roupinhas até completar um ano de idade.
Enquanto ele instrui a sua nova secretária pelo telefone, decido provar
alguns vestidos de gestante, uma vez que minha barriga está do tamanho de
uma melancia júnior.
— Of course miss[12] Martins, pode adiantar o processo com
Nikolas. — Percebo que falou em inglês e isso abre uma ferida chamada
irritação. Drew sorri, quando saio do provador com um vestido florido, de
mangas curtas. — Acho que não seria necessário, mas é a senhorita quem
sabe. Aguardo-a, então.
— Algum problema? — Ele me beija os lábios.
— De forma alguma. Vai querer comer alguma coisa? — O ronco de
minha barriga me entrega. — Acho que precisamos urgentemente alimentar
essa menininha. — Ele beija a minha barriga, e eu noto os sorrisos
sonhadores nos rostos das vendedoras. — Já que teremos pouco tempo, a
partir de agora — alfineta.
Dona Cecília e eu combinamos que ela e minhas irmãs poderiam me
visitar dentro de um mês, e decidi que esse seria o ponto de partida para
retornar para casa. Desde então, tenho percebido a tristeza em torno de
Andrew, mas não posso morar em sua casa para sempre, uma vez que não
temos nada concretizado como um casal. Ele não pergunta e eu não
questiono também. No fundo, até vejo-o tomando uma iniciativa, mas sei
que não estaria preparada psicologicamente, principalmente devido à
chance de noventa por cento de a paternidade ser de Gustavo.
Decidimos esperar para fazer o exame de DNA. A doutora Marcela
nos auxiliou nisso, depois do deslocamento de placenta e, desde então,
vivemos na incerteza. Em contrapartida, o doutor Brian diz que estou
melhor a cada dia, e tenho essa certeza, a cada reunião que tenho
enfrentado. Ultimamente tenho me lembrado de situações, até então
adormecidas, que de acordo com meus terapeutas é bom, porque indicaria
que estou começando a cortar o vínculo que tinha com o Gustavo.
— Acho que por hoje é tudo! — Andrew estende seu cartão de
crédito para a vendedora, porém sou mais rápida ao tomá-lo de suas mãos.
— Minhas roupas, meu dinheiro. — ele ri. — Você já pagou pelas
roupas da bebê — digo enquanto entrego meu cartão para a moça.
— Nada mais justo que eu pagar a conta da nossa fi… — Sinto o
meu coração acelerado, quando de repente se interrompe. Esse é o peso
entre nós. A ferida que nunca parece se fechar.
À tarde, escuto a campainha tocar. Escuto vozes altas e sei que
Carmen já foi embora faz horas. Andrew não quis me acompanhar até o
quarto. Acho que ficou chateado devido ao que aconteceu mais cedo na
loja, mesmo sem fazer algum sentido.
Caminho lentamente pelo corredor e escuto uma voz feminina:
— Ela é muito fofa, senhor. — Hope late, e decido permanecer à
espreita no corredor escuro.
— Hope adora carícias, está sempre disposta a brincar. — sorrio,
porque é verdade. — Marla é a única que tem medo.
— Nem precisa! Não é, garota? — Há apenas o som das lambidas
de Hope no ar.
— Agradeço por seu empenho, Tamara. — Sinto o meu coração
acelerado. É a secretária dele. Caminho mais um pouco até a curva do
corredor, mas o som de minhas sapatilhas me entrega. — Oh, Duda, vem
aqui, por favor. — Ele não me chamou pelo seu apelido favorito.
Caminho devagar até onde estão os dois e cumprimento a mulher à
frente. Ela tem uma beleza oriental. Seus cabelos são incrivelmente sedosos
e tão escuros quanto seus olhos. O batom vermelho contrastando com sua
pele alva. Ela não veio apenas pelo relatório nas mãos de Andrew.
— Oh! Esta é a famosa Duda! — Famosa eu? — O escritório inteiro
se sensibilizou com a sua história, e o nosso chefe virou um herói por deixar
uma de suas secretárias se hospedar aqui. — ela sorri, falso, e eu arregalo os
olhos. Desde quando o escritório em peso sabe da minha vida? Encaro
Andrew, com olhos atentos, e ele desvia o olhar, inquieto. — Que bom que
seu bebê está bem.
— Obrigada. — Dou um meio sorriso. — Se não se importam, vou
voltar para o meu quarto. — Ela sorri mais uma vez, mas noto seus olhos
em Andrew. Comprimo as mãos com vontade de dar na cara dessa
descarada, mas decido por não lhe dar audiência. Caminho de volta para o
nosso quarto, mas paro diante da porta. — Hoje não, Andrew. — E
direciono-me para o meu.

O clima não é dos melhores no dia seguinte. Carmen nos observa,


atenta, mas não diz nada. Emburrada e com fome, decido comer três pães
com geleia, de uma só vez.
— Muito bem, menina, tô gostando de ver. — Ela até tenta, mas
meu humor está ácido hoje.
— Obrigada, Carmen. — Viro-me para Andrew, que apenas me
observa. Ele não me procurou ontem à noite, e tentei não me importar, mas
as lágrimas derramadas me disseram o oposto. — Preciso me arrumar, você
irá me esperar?
— Você tem certeza disso, passarinho? Não prefere ficar em casa?
— sorrio em escárnio. Agora voltei a ser seu passarinho.
— Prefiro trabalhar e voltar para o meu posto. — E ando a passos
largos até o quarto que estou hospedada.

É estranho pisar na empresa, depois de tantos meses longe. As


meninas da recepção parecem mais solicitas agora, ao me ver do lado de
Andrew. Seus olhares estão voltados em nossa direção e, principalmente, na
minha barriga. Já estou pensando como será rever a Marla. Meus saltos
curtos estalam sobre o piso de porcelanato, enquanto caminhamos devagar
para o nosso setor. A viagem foi feita em silêncio e permanecemos desse
modo até chegarmos na presidência. Estranho ao ver que Hanna não está
presente, apenas Tamara. Um sorriso contorna o seu rosto quadrado ao nos
ver chegar.
— Seja bem-vinda Maria Eduarda, a Beth está procurando por você
no RH. Se lembra onde fica? — Ela age como se eu fosse a novata da
empresa. — Quer que a acompanhe?
— Estou grávida, não sem memória. — Puta merda, Duda! — Quer
dizer… — ela me corta:
— Claro! Me desculpe.
— Tamara quis apenas ser solícita, Duda.
— Claro que sim. — Me desculpo com a menina. Ela não tem culpa
se a minha vida está virada ao avesso.
— Diga a Beth que Maria Eduarda irá em breve ao RH, Tamara.
Verifique com Marla a possibilidade de irmos à reunião de hoje com o
Nick. Se prepare, por favor.
— Claro, senhor.
Acompanho Andrew até a sua sala, disposta a perguntar sobre sua
reunião com Nick, Marla e Tamara. Sei que cheguei agora, mas pensei que
teria meu cargo anterior na empresa. Porém, ele é mais rápido ao perguntar:
— O que está acontecendo, Duda? — Sinto o sangue ferver. — Qual
é o seu problema?
— Ela é o meu problema! — digo sem pensar, e ele ri aproximando-
se lentamente.
— Nem vem. — Dou dois passos para trás, e ele enrijece os ombros.
— Vi que ficou chateado ontem na loja e confesso que estou me sentindo
traída em relação a essa Tamara e o meu trabalho. — Aponto para mim. —
O meu cargo.
— Ah! — Seu sorriso morre aos poucos. — Marla demitiu Hanna
há poucos meses, e precisamos contratar outra funcionária. — Ele vira-se
de costas, enquanto prende seus cabelos com a ajuda de um elástico.
— E como ela soube… Ou melhor, como todos da empresa
souberam de mim; de nós? E por que não me contou nada?
— Sinceramente, eu não faço ideia. — diz tristemente. — Apenas se
espalhou, feito um vírus. Tentei sanar as notícias de sua gravidez, mas,
quando dei por mim, já era tarde. Mas não culpe a Tamara. Ela tem
expediente, assim como você. Eu precisava de uma pessoa para um novo
projeto, que já estava em minha mente fazia tempos, e ela veio a calhar. —
Eu precisava dela… Reflito suas palavras e não contenho a irritação. —
Até Américo tem gostado da menina.
— Américo? — Ele faz que sim com a cabeça. — O que ele faz
aqui? Pensei que o processo dele tivesse encerrado.
— E foi. — Dá de ombros. — Ele e a Marla têm saído juntos.
— Juntos como amigos ou…?
— Por que o interesse? — questiona, enciumado. Andrew sempre
demonstrou irritação desde que descobriu meus antigos almoços
clandestinos no restaurante de Américo, mas nunca ousou me impedir como
Gustavo costumava fazer.
— Nada demais. Só que Marla é noiva. E você e ela… — Meus
Deus! Quanta informação nova!
— Marla deixou o noivo.
— Ah! — Quero perguntar se Andrew e ela ainda possuem alguma
coisa, agora que ele tem estado comigo, mas não consigo. Por isso, mudo de
assunto: — Apenas curiosidade. — digo a verdade. — Mas se tem alguém
ocupando o meu cargo, o que farei de agora em diante?
— Que tal me encher de beijos. — Ele se aproxima com cautela,
roubando-me um beijo apaixonado. Seus dedos exploram meu corpo, e
sinto a habitual tensão sexual no ar.
— Sabe que ainda não podemos. — falo com a excitação explícita
na voz, sentindo seus dedos subirem as minhas coxas por baixo do vestido
que estou usando.
— Consigo te enlouquecer com outros métodos… — replica, no pé
do meu ouvido. — Não precisa ficar preocupada, eu só sei te amar.... —
Seus dedos me invadem e solto um ruído rouco, mas o telefone irrompe o
clima. Andrew reclama baixinho, e eu não escondo uma gargalhada.
— Doutor Collins, já estamos prontos para a reunião. — A voz de
Tamara soa pelo viva voz.
— Ótimo!
— A doutora não poderá nos acompanhar, mas já estou equipada
com a agenda e nossas canetas mágicas. — Encaro Andrew, que não
esconde um sorriso. Percebo que é alguma brincadeira a dois.
— Ótimo! Precisaremos de toda ajuda disponível. Nick quase
perdeu a sociedade, devido a erros de nossa outra funcionária, e acho que
não estaria disposto a repetir o mesmo erro.
— Claro, doutor. Estarei esperando no estacionamento. — E desliga
o telefone.
Andrew me beija de novo, mas continuo com a pulga atrás da
orelha:
— O que houve? São aqueles mesmos homens? — refiro-me aos
senhores Washington e Logan, que fecharam sociedade com Nick da última
vez.
— Pois é. Marla estava misturando problemas pessoais com o
profissional, então precisei levar Hanna para representá-la, mas a menina
deixou muitas incertezas no ar. Nick quase não fechou a sociedade por erros
das duas.
— Por isso Marla despediu Hanna? — Ele faz que sim com a
cabeça. — Acho que ela não tinha culpa.
— Mas infelizmente negócios são negócios. Ela almejava a vaga de
secretária, então precisava dos requisitos para a merecer.
— E quanto à Marla? O que houve?
— Nós terminamos de vez, e ela não aceitou bem no começo. —
Ah! Engulo em seco, respondendo minha pergunta mental. — Agora parece
mais disposta a seguir em frente. — diz, um pouco sem graça.
— Entendo. — Observo minhas unhas descascadas e penso que eu
poderia tê-las pintado em algum momento, mas… Meus pensamentos são
afastados quando sinto a bebê chutar. — Andrew?
— Eu até tentei ser…. — corto-o:
— Andrew? — falo baixinho, com medo dela parar. Não que ela
nunca tivesse o feito antes, mas é a primeira vez que se mexe ao lado de
Drew. Quando noto que o homem a frente não vai parar de falar, coloco sua
mão sobre a minha barriga e ele arregala os olhos, finalmente ciente da
situação. — Está sentindo? — Seus olhos surpresos me dizem que sim.
Conseguimos sentir direitinho o pezinho dela empurrando a minha barriga,
formando uma espécie de ovo.
— Meu Deus! — Ele se ajoelha diante de mim. — Que linda! —
Meus olhos estão marejados, enquanto enche minha barriga de beijos
quentes. — Estou doida para te conhecer, bebê, e te ensinar… — Seu
sorriso morre aos poucos. E ele volta a ficar entre nós: o velho abismo.
Andrew se levanta devagar e não esconde um sorriso fraco. — O que será
de nós depois de a sua mãe e…? — deixa morrer a frase, se referindo à
visita de minha família e, consequentemente, a minha volta para casa.
Sorrio ao beijar-lhe a bochecha.
— Um passo de cada vez, tudo bem? — ele assente devagar.
— Um passo de cada vez.
Capítulo 45

— Quer dizer que é uma menina mesmo? — Luce grita de um lado,


enquanto Laura bate palminhas do outro. Estou no RH ao lado de Beth,
fazendo uma chamada de vídeo em conjunto. Antony me abraçou, como os
demais funcionários, mas continua em sua mesa, mesmo que seus olhos,
uma vez ou outra, recaiam sobre nós duas.
— Exatamente! — gargalho.
— Amigas, ela disse que o Andrew encheu, literalmente, a casa com
roupinhas. — Beth expõe.
— Tanta coisa que não tá no gibi — esclareço.
— Nick fez o mesmo comigo, Duda, e é só o começo. — Laura
vibra, e solto o ar aos poucos.
— Andrew e eu não… — começo, mas Luce me corta:
— Como não? Vocês transam…
— Luce! — todas gritamos em uníssono, enquanto olho em volta
para ver se algum funcionário a escutou, e vários sorrisinhos me dizem que
sim.
— Beleza! — Ela abaixa o tom de voz. — Vocês fornicam, dormem
na mesma cama e ele já falou que te ama. O que quer mais?
— Acho que ela precisa amá-lo também, Lu. — Laura interrompe, e
sinto que minha vida virou um livro aberto tanto na empresa quanto para as
minhas amigas.
— Acho que preciso entender o meu coração em primeiro lugar —
confesso, enfim.
Após uma despedida cheia de discussões quanto ao batismo da
minha bebê e ao seu possível nome, desligamos os telefones. Beth
menciona que precisamos acertar o meu retorno junto ao consentimento por
escrito da minha ginecologista, contudo, noto que há mais em seu olhar. Ela
parece triste e menos falante do que o habitual.
— Está acontecendo alguma coisa — afirmo. — Tem a ver com o
Sam?
— Não! O Sam está bem. Eu que estou em meio a um dilema
mesmo. — Seus olhos observam adiante de mim e entendo que esteja se
referindo ao Tony.
— Acho que está na hora de você confessar que há sentimentos aí,
amiga. — falo baixinho, a fim de não constrangê-la. — O que aconteceu?
— O Tony e eu transamos na festa da empresa. — confessa, e
assinto com a cabeça. — Ele quer namorar, mas estou com medo. Não
quero confundir o Sam e a mim nessa história.
— Eu não acho que o Tony seja essa pessoa, Beth. E você pode
tentar de novo. Eu não sou a melhor pessoa para te dar conselhos amorosos,
mas meu pai sempre falou que quando caímos ou nos machucamos uma
vez, precisamos tentar novamente. Acho que esse sim é um bom conselho.
— ela sorri.
— Acho que você deveria ouvir os ensinamentos do seu pai
também. — Ela se levanta e me dá um beijo na bochecha. Decidida,
caminha devagar até a mesa de Tony, na frente de todo setor, e lhe rouba um
beijo apaixonado. Há uma salva de palmas e assobios pela sala e sinto que
meus olhos ainda não se convenceram do que acabou de acontecer: Tony, o
chefe do RH, e Beth, sua funcionária, acabam de protagonizar um beijo
cheio de mãos pretensiosas, enquanto o meu Andrew está saindo com uma
mulher que nitidamente está cheia de segundas, terceiras e, se duvidar, até
quartas intenções. Sorrio e me levanto da cadeira rapidamente. Ela não vai
levá-lo como presente.
Deixo o mais novo casal para trás e sigo em direção à presidência,
porém, paro, ao perceber que Tamara já saiu do meu antigo balcão. Ah,
merda! Sinal que já saíram.
— Hum… Percebo que seu retorno é real. — A voz de Marla soa
aguda atrás de mim, e viro-me em sua direção. Seus olhos descem
diretamente para a minha barriga. — Quem é vivo sempre aparece.
— Uma hora eu precisaria voltar. — sorrio, sem humor. Não estou
com paciência agora. Devem ser os hormônios da gravidez, fazendo efeito.
— Estou vendo. — ri maliciosa. — E ainda veio equipada. — Volta
a encarar a minha barriga.
— Não tinha como deixá-la em casa. — eu alfineto. — O que quer
Marla? É sobre o Drew?
— Drew? — ri. — Nós já tivemos a nossa dose de mágoas. Na
verdade, deixei a fila andar — revela, e penso em Américo. De alguma
forma, sua honestidade me conforta. — Mas não quer dizer que deixei de
amar o Andy. Só me coloquei em primeiro lugar.
— E está certa. — Ela faz que sim com a cabeça. — Terei
problemas aqui? — Sou direta ao ponto.
— Não se preocupe comigo, Maria Eduarda, estou onde quero estar.
Amo o Andy, mas ele precisa ter a felicidade dele do jeito que bem entender
e com a pessoa que quiser, mesmo que ela não o mereça. — Ela volta a
olhar para a minha barriga. De fato, parece perceber que a minha bebê pode
não ser de Andrew.
— E quem garante para você que eu não mereço. — ela ri.
— Uma mulher que se permite pensar sobre um homem como
Andrew, não o faz por merecer. Ele é muito mais do que você sequer
imaginou. — Penso no que Andrew passou todos os anos no orfanato em
que morou e na morte prematura de sua mãe biológica e compreendo o que
quer dizer. Ele realmente merece bem mais do que as migalhas que estou
lhe dando, diariamente. — Eu abriria os meus olhos, se fosse você. Posso
considerar meus sentimentos por ele, mas outras não terão o mesmo
respeito. — Ao dizer isso, ela entra em sua sala e bate a porta na minha
cara. É nítido o seu sofrimento, mas gosto do seu respeito e sinceridade. Eu
meço suas palavras e é óbvio que está se referindo à Tamara.
Capítulo 46

A semana se arrastou entre os altos e


baixos de Andrew, Tamara e eu.
Tenho me sentido deixada de lado, mesmo quando ele tenta me agradar
quando estamos sozinhos. Eu não sei se é ciúmes ou meus hormônios à flor
da pele, mas a verdade é que, sempre que os vejo juntos, fico irritada, já que
visualmente falando, formariam um casal bonito. Em meio a tudo isso,
ainda preciso lidar com a visita das minhas irmãs e da minha mãe e com os
telefonemas de Gustavo que, de alguma forma, me encontrou. Todos os
números desconhecidos são redirecionados para a caixa postal e não deixo
de me sentir orgulhosa, uma vez que não tive a mínima vontade de o
atender.
Eu contei isso na última reunião, e as minhas colegas tiveram
orgulho de mim. Muitas meninas retornaram ao grupo e fico feliz por ver
Janaina perseverante também.
Beth me dá algumas tarefas para executar em plena segunda-feira,
referente aos contracheques dos funcionários, enquanto cantarola, e não
escondo um sorriso, porque ela está menos ranzinza depois de finalmente
aceitar namorar com o Tony. Andrew pediu para que ela me designasse
trabalhos no RH, quando nitidamente não retornarei ao meu antigo posto.
— Não fique assim, não é como se você tivesse sido demitida. —
ela reclama ao ver meu semblante chateado.
— Ele poderia ter pedido para Tamara — reviro os olhos — ficar
aqui.
— O doutor não falou para você que precisava terminar um projeto
com ela antes? — Faço que sim com a cabeça. — Pode ser isso.
— Não sei. Ele está estranho, desde que ficou sabendo que voltarei
para casa. Parece distante.
— Não é você quem o está distanciando? — reflito. De fato, parece
plausível se o distanciasse, mesmo sem o intuito. — Por que não vai até lá
conversar com ele? Está sofrendo à toa.

ANDREW

Desde o retorno de Duda para o escritório, tenho sentido que se


aproxima cada dia mais da visita de sua família. E pensar nisso, me leva a
crer que voltarei a ficar sozinho em casa e não a terei as noites em minha
cama. Os pesadelos diminuíram com o tempo. Acho que o grupo de terapia
mais o meu reencontro com Carol foram suficientes para sanar algumas
feridas abertas, porém, Duda me traz uma paz que jamais encontrei com
qualquer pessoa e não me vejo suficiente para voltar a enfrentar meus
medos sozinho. Ela se tornou a luz que aquece minhas noites escuras e
frias.
Nick, com certeza, me chamaria de molenga apaixonado agora.
Sorrio, porque é isso o que sinto a todo momento. Minhas pernas parecem
gelatina e minhas mãos suam frio sempre que a vejo. Sem contar nas
borboletas do meu estômago.
— Senhor, com licença. — Tamara entra em minha sala, e meus
olhos se distraem com o seu andar determinado em minha direção. Ela
aponta os papéis que há muito estou esperando e sorrimos um para o outro.
Marla não aprovou de imediato a minha ideia, mas já postergamos para
deixar passar mais um ano. — Está tudo aqui.
Ela me entrega o relatório que solicitei mais cedo e, ao analisá-lo
com calma, vejo que teremos muito a fazer para ampliar novos horizontes.
Penso nas pessoas que tiveram que recorrer à defensoria pública, o que
pode acarretar em demoras significativas de audiências, quando não
puderam pagar um advogado.
— Isso é perfeito, Tamara! — Em um impulso de felicidade, abraço-
a, e percebo meu erro tarde demais quando sinto seus lábios nos meus.
— Andrew? — A voz de Duda irrompe, e automaticamente me
afasto de minha secretária. Meu coração parece prestes a errar uma batida
quando vejo a passarinho se distanciar de mim. Deus.
— Senhor, me perdoe. — Não escuto o que Tamara tem a dizer e
corro em direção a uma Duda deslizando em meio aos funcionários, que me
observam chamando-a pelo nome diversas vezes.
— Duda! Por favor, você está grávida. — Ela finalmente para na
recepção principal e vira-se em minha direção, com olhos marejados.
— O que vai dizer? — Ela está aos prantos. — Que não a queria?
Que ela não é mais bonita do que uma grávida? Que ela é tudo o que nunca
poderemos ser?
— Do que está falando? — Minha voz sobressai também.
— No fundo eu sempre soube. Todos são iguais. — Ao dizer isso,
sinto como se lâminas entrassem em meu peito, porque imaginei de tudo,
menos ser comparado ao idiota do Gustavo. Penso em tentar me explicar,
em chamar a Tamara, mas não me dá tempo. O elevador chega ao andar
antes de mim.
Capítulo 47

P ago ao motorista do
uber e encontro Laura
na porta de sua casa.
Abraço-a, porque não tenho ideia a quem recorrer nesse momento. Ela
desliza os dedos pelos meus cabelos. Seu gesto me faz lembrar do meu pai e
sinto-me acolhida, como não acontecia há tempos.
— Que tal entrarmos? Nana deixou um bolo de cenoura enorme na
cozinha. — Sorrimos uma para a outra. Adoramos uma fofoca em meio aos
bolos de Nana.
Caminhamos juntas até a cozinha e me lembro da época em que eu
trabalhava na mansão. Era divertido e cansativo ao mesmo tempo.
— Duda, que maravilha ver você. — Damiana aparece no hall e
olha para a minha barriga. — Como vocês estão? Laura disse que o bebê
não é meu neto biológico, mas ficaria feliz de ser uma avó emprestada. —
Seus lábios se abrem em um sorriso amoroso, enrugando mais sua pele.
— Pois é, Andrew e eu estamos muito felizes — alimento a mentira
de Laura. Ainda não estou pronta para revelar mais sobre o bebê e um
possível pai abusivo.
— Damiana, nós estaremos na cozinha. — Laura informa, e a
mulher assente.
Sigo Laura, e o aroma das delícias de Nana alcançam as minhas
narinas. Após cumprimentar a cozinheira dos Delamont, sobramos apenas
nós duas. A ruiva serve dois pedaços avantajados de bolo para cada uma e
pergunta:
— Você tem certeza que ele estava beijando a menina? — Contei
para Laura, antes mesmo de vir para sua casa, o que tinha acontecido, e a
todo momento ela aparenta dúvidas.
— Eu vi com meus próprios olhos. — O bolo mal desce a garganta.
— Pensei que ele fosse diferente.
— Pois eu não acho que o Andrew seja assim. Deve ter alguma
explicação. Por que não conversa com ele? — Faço que não com a cabeça.
— E dizer o quê? Eu já passei por isso, Lau, e não preciso passar de
novo. Era por isso que eu não queria ficar com ele, desde o princípio.
— Você está se ouvindo? — Seu garfo espeta o bolo. — É óbvio
que tem medo. Eu só queria saber do quê. Me diz do que tem medo? — Ela
segura meu queixo e me faz encará-la.
— Não sei! Tenho medo de não ser suficiente novamente. Medo
dele fazer o mesmo que o Gustavo fez. Morro de receio de me apaixonar e
terminar me magoando. Já basta tudo o que sinto e senti pelo Gustavo todos
esses anos! — confesso, me referindo à dependência emocional que tenho
alimentado.
— Então é isso... — A voz de Andrew soa atrás de mim, e encaro
Laura, de olhos arregalados. Ao virar-me para ele, vejo dor em seus olhos.
Levanto-me, a fim de tentar explicar, mas ele se distancia de mim,
andando a passos largos até os jardins. Grito seu nome algumas vezes,
enquanto desvio de uma fileira de crisântemos, mas ele não é capaz de
parar.
— Andrew, me deixe explicar! Andrew. — grito, enquanto
caminhamos até o gazebo, assim como em meus sonhos. — Andrew? —
Sua silhueta embaça e percebo que é devido às lágrimas apontando em
meus olhos.
Ele parece nervoso também quando ficamos frente a frente.
— Me desculpe, Andrew. Não era o que eu queria dizer, mas você e
o Gustavo me assustam e… — Tento explicar, mas as palavras saem
emboladas, e ele anda de um lado para o outro, nervoso. O aroma das flores
é forte e enjoativo. — ele me corta:
— Por favor, para! — Sua mão está em riste na minha direção. —
Até quando me diz? Até quando pretende fugir? Mate-me agora, despedace
o meu coração quantas vezes precisar, mas jamais nos compare novamente.
— A emoção contorna o ambiente, e engulo em seco. — Você pode não me
amar, porém, em hipótese alguma, duvide do amor que sinto por você. Eu
nunca serei o vilão dessa história. — Ele respira devagar, e noto seus olhos
marejados.
— Juro que tentei ser seu amigo antes de qualquer coisa — continua
—, mas não posso permanecer ao seu lado, sem almejar um futuro. Seria
como cavar meu sepultamento dia após dia. Apenas não me deixe de fora
dos planos dela. — Seu rosto está embaçado devido às minhas lágrimas,
enquanto desce a mão para a minha barriga. Ele respira fundo, enquanto
outro nó começa a formar na minha garganta. Eu queria gritar. Pedi-lhe para
ficar, mas não posso, e ele sorri, amargamente. — Adeus, passarinho. — E
se vai deixando-me à mercê do aroma pesado dos crisântemos.
Não consegui voltar para a empresa no restante da semana,
tampouco tive notícias de Andrew, uma vez que retornei para o meu
apartamento mais cedo do que pensei, mas soube sobre seu projeto de
processos jurídicos gratuitos para pessoas com carência financeira. É
incrível como ele consegue ser generoso, mesmo depois de tudo. Suas
palavras ainda habitam na minha mente: “Mate-me agora, despedace o meu
coração quantas vezes precisar, mas jamais nos compare novamente.” É
triste saber que sou responsável por sua dor, mesmo não sendo o intuito.
Ninguém deveria ser responsável pela dor ou felicidade de outra pessoa e
penso que apenas o tempo seria capaz de curar nossas feridas.

Um mês se passou desde que Andrew decidiu se afastar de mim, e


em um impulso irreparável, deixei minha carta de demissão na mesa de
Beth. Eu seria egoísta se continuasse a trabalhar na Ferraz e Collins. E ele,
como sempre preocupado com meu bem-estar, não me deixou ser demitida,
então, mesmo não frequentando a empresa diariamente, sigo recebendo o
meu salário, com direito ao extra da terapia e plano de saúde.
Andrew sendo Andrew.
Esse último mês foi suficiente para refletir sobre a minha vida.
Decidi me inspirar na doutora Marisa e ajudar mais o grupo de apoio.
Laura, Luce, Beth e eu temos feito campanhas sobre o projeto em escolas e
hospitais – como as enfermeiras que me ajudaram uma vez – e, juntas,
estamos aumentando arrecadações para conseguirmos incentivar outras
pessoas que sofreram ou sofrem quaisquer tipos de abusos. A nossa ideia é
expandir o grupo para outros municípios.
Isso tem me ajudado a priorizar outras coisas, além de me preocupar
com namorados, ex-namorados e uma vida de contos de fadas. A realidade
da vida é outra e gostaria de minimizar um pouco a dor de quem realmente
está precisando.
Quanto ao Andrew, ele veio pessoalmente trazer minhas coisas dois
dias depois que deixei sua casa. Havia muita mágoa e saudades entre nós,
mas eu não conseguiria dar um passo à frente por medo de recuar em
seguida. Foi preciso muito esforço da minha parte para não gritar aos quatro
ventos o quanto eu sentia sua falta.
Beth disse que Tamara não foi demitida, e eu confesso, ciúmes. No
fundo, pensei que ele se livraria dela no mesmo dia, mas, como disse antes,
preciso parar de achar que a vida é uma novela mexicana e dramática.
Mesmo que a menina tenha o beijado por impulso, de acordo com Beth,
isso não daria ao Andrew o direito de demiti-la.
Gustavo ainda está tentando me ligar. As meninas já pediram para
eu trocar o chip do telefone, mais uma vez, mas eu finalmente coloquei na
minha cabeça que é ele quem precisa parar de me procurar. Eu não posso
ficar fugindo para o resto da vida. Quantos números de telefone seriam
necessários para que eu vivesse em paz? E quantos Andrew 's bastariam no
mundo para que eu conseguisse seguir em frente? Venho aprendendo com o
doutor Brian que essa é uma batalha que em algum momento eu precisarei
travar com o meu abusador, mesmo que isso demore anos.
— Daora esse apartamento, mana. — Kika traz-me de volta dos
meus devaneios, conforme caminha pelos cômodos do meu apartamento,
enquanto minha mãe continua abraçada a mim. A Lê está trancada no
banheiro, uma vez que passaram quase sete horas dentro de um ônibus.
— Eu nem acredito que serei vovó! Quero conhecer o pai da minha
netinha para ontem. — eu suspiro.
— Então, mãe… Temos um pequeno problema quanto a isso… —
Porém, a campainha toca bem na hora em que pretendia contar-lhes sobre
bebês e mamães solteiras.
— Vou atender a porta, mas fiquem à vontade para colocar as coisas
de vocês no outro… — Ao abrir a porta dou de cara com Drew. —
Andrew?
Há várias malas no chão do corredor.
— Oi, passarinho. — Meu coração não possui freio e não deixo de
reparar o quanto parece ainda mais bonito. — Eu demorei um pouco para
trazer as coisas da pequenina. — Ele não me olha nos olhos, e sinto uma
espécie de cócegas em minha garganta.
— Obrigada. — Minha voz falha miseravelmente.
— Quem é….? Há. — Minha mãe se coloca ao meu lado. — Prazer,
Cecília. — Ela estende a mão para Andrew, que sorri em resposta.
— Sou o Andrew. Muito prazer, senhora.
Há um silêncio desconfortável no corredor, e dona Cecília parece
perceber.
— Gostaria de entrar, rapaz? Estou prestes a fazer a receita preferida
de Duda. — Ele está nitidamente envergonhado. Acho que não lembrava
que elas me visitariam neste mês.
— Er… eu acho melhor eu ir para casa… — Minha mãe observa as
malas no chão. — Kika, menina, vem aqui.
— O quê? — Minha irmã surge ao meu lado, simplesmente do nada.
— Oi. — Seus olhos piscando diversas vezes seguidas me fazem entender
que está sob o efeito Andrew; aquele no qual perdemos as palavras.
— Oi. — ele responde parecendo um bichinho acuado. — Eu
deixei… — vejo-o apontando para trás, sem jeito, e sorrio, porque ele está
muito fofo. E lindo!
— Entre, Andrew. Minha mãe está louca para conhecer o pai da
minha bebê. — Seus olhos finalmente se viram para mim e me emociono ao
vê-los brilharem. Ele parece mais perdido ainda, então, Kika dá um jeito de
colocá-lo para dentro, antes que ele desmaie em meu corredor.
Estamos sentados um ao lado do outro, roçando levemente nossas
peles, enquanto aguardamos dona Cecília preparar sua famosa lasanha, e a
Lê, parar de escovar suas longas madeixas claras. Os cabelos de minhas
irmãs são loiros, quase da cor de uma gema de ovo, assim como mamãe,
enquanto os meus, um loiro mais escuro, que puxei do nosso pai. Todas
temos rostos finos e estaturas elevadas, sendo a Lê a mais alta, enquanto
meus quadris e coxas, mais avantajados.
— Como se conheceram? — Leandra é a primeira a questionar.
— Sou o chefe dela. — As meninas arregalam os olhos, enquanto
minha mãe ri da cozinha. — Ou era… — Encaro minhas mãos em meu
colo.
— Humm… — replica a mais nova. — E quais suas intenções? —
Não seguro a risada quando Andrew engasga.
— Vamos pular essa parte? — Dona Cecília fala da cozinha. Pelo
visto, ela já entendeu toda a situação.
— Tem irmão solteiro? — Lê continua, e eu arregalo os olhos.
— Infelizmente, não! — ele ri, enquanto mexe em seu coque. — Só
tenho um casado.
— Leandra! — reclamo.
— Não custa tentar! — contrapõe. — O que tem para fazer de bom
nessa cidade?
— Leandra, nem comece! — Minha mãe reclama da cozinha.
— Ah, mãe. Um rolezinho ia ser daora.
Depois de jantarmos, Andrew informa que precisa ir para casa e
sinto, de repente, um buraco ser aberto em meu coração. Fico me
perguntando se suas noites são tão duras quanto as minhas, sem as carícias e
os beijos reconfortantes. Pensar em noites faz-me lembrar dos pesadelos,
mas não tenho coragem de perguntar sobre eles. Não depois de tudo.
— Acompanhe o menino até a porta, Duda.
— Claro. — Nos levantamos da mesa e caminhamos devagar até a
porta de entrada. O ambiente parece pesado e a saudade é uma sobremesa
amarga ao meu gosto. Seu braço encosta no meu, ao passar pela porta, e
sinto a pele esquentar. — Obrigada, Drew. — Seu sorriso é triste e tenho
vontade de beijá-lo, a fim de sanar suas feridas, mas é nesse momento que
lembro que sou eu a fonte principal delas.
— Você disse sério quando mencionou que sou o pai? — Há medo
em suas ações, e percebo que minhas inconstantes o levaram a isso.
Assinto.
— Eu não menti. Esse tempo todo você foi pai da bebê e eu nunca
mais terei dúvidas. Pode ter certeza! — digo com sinceridade. Ele apenas
acena com a cabeça.
— Eu já estava com vontade de fazer um quarto em minha casa para
ela. — Suspiro. — E queria o seu consentimento. Gostaria de usar o seu
antigo, se não tivesse problemas.
Sorrio. Ele age como se suas coisas fossem minhas também.
— Claro! Ela vai gostar. — Meus olhos marejam e engulo em seco.
— Já escolheu o nome? — Ele mexe em seu coque mais uma vez e
noto que está nervoso.
— Ainda não faço ideia. Acho que deixarei para escolher assim que
ela nascer. — Ele assente. — E Hope? Carmen?
— Com saudades… — E isso é tudo.
Estamos presos no olhar um do outro, com a saudade saindo pelos
poros. Vários sentimentos confusos em apenas um momento. Aquele que
precisamos nos despedir, mesmo que seja doloroso. Acabei de decidir nosso
futuro, e será difícil, pelo menos para mim, tê-lo presente na minha vida e
não poder aproveitar de sua companhia. Por incrível que pareça, pela
primeira vez, sinto que estou com ciúmes da minha própria filha.
Capítulo 48

— Que top esse pub, hein, mana. — Os olhos da Lê, correm à nossa
volta, e percebo sua empolgação com o lugar onde eu costumava frequentar
com minhas amigas. Minhas irmãs insistiram para que pudéssemos
aproveitar o fim da tarde de domingo, antes que voltassem para São Paulo
no dia seguinte, enquanto minha mãe ficou em casa, assistindo algum
seriado turco, para variar. — E só tem gatinho! — Ela pisca os olhos para
algo além de mim, e eu gargalho.
— Vá se acostumando. — Kika revira os olhos, enquanto responde
ao garçom. — Traz uma coca, por favor.
— Três — completo, observando Leandra fazer careta. O rapaz
anota nosso pedido e sai em seguida. Leandra estava doida para beber hoje,
mas minha mãe foi categórica no quesito responsabilidades com uma
grávida e uma menor de idade, referindo-se à Kika.
— Eu não sei que graça tem vir para um barzinho e não poder beber.
— Menos, Lê, era isso ou ficar em casa assistindo novela dramática.
— Kika emenda.
— Suas amigas virão mesmo? — Leandra interrompe a mais nova, e
digo que sim com a cabeça. Observo as horas e vejo que já estão atrasadas.
— Daqui a pouco estarão aqui. — respondo, e ela apenas assente.
— Nossa, que reinado é aquele ali? Meu Deus! Cada homem mais
gostoso que o outro. Acho que preciso vir mais vezes para o Rio.
— Só por cima do cadáver da mamãe, querida! — Kika ri, à medida
que o mesmo garçom volta com nossas bebidas. — Mas preciso concordar
com você. É cada um mais gostoso que o outro.
Curiosa, giro discretamente o corpo na poltrona, a fim de saber de
quem diabos estão falando e, quando meus olhos avistam Gustavo no meio
do pequeno grupo de rapazes, os dele automaticamente viram de encontro
aos meus. Viro-me para minhas irmãs novamente, mas seus olhos não estão
em mim.
Sinto o coração disparar, de repente, mas não de um jeito bom.
Acho que esqueci como respirar.
Minhas pernas tremem, conforme comprimo uma folha de
guardanapo nas mãos.
— Duda... — Sua voz soa imponente, mas com uma pontada de
arrogância. Minhas irmãs continuam olhando além de mim. Puxo o ar com
força e luto com todas as forças para finalmente virar em sua direção. Seu
sorriso malicioso não deixa seus lábios.
Percebo o quanto seus músculos estão maiores e seus cabelos mais
volumosos. Ele continua sendo um homem lindo, porém, não o enxergo
com os olhos de sempre. Eles não brilham como antes e não sinto a tensão
sexual que nos envolveu em todos os nossos encontros. Ao contrário de
mim, seu olhar é recheado de desejo.
Ele está em torno de um grupo de cinco homens, e preciso
concordar com minhas irmãs quando dizem que um é mais bonito que o
outro. Provavelmente, seus colegas de profissão.
— Oi, Gustavo.
— São suas irmãs? — pergunta com animosidade, mas conheço
suas intenções ardilosas. É nítido que está ganhando terreno.
— Quem é? — Lê é a primeira a cair em seu joguinho sujo.
— A irmã de vocês e eu somos íntimos. — Ele senta-se em nossa
mesa, seguido por dois colegas. — Esses são Otávio e John. — As meninas
se derretem, feito açúcar, e não tiro os olhos de Gustavo.
Não quero um escândalo perto de minhas irmãs, por isso, apenas
observo os movimentos dos rapazes.
— O que quer? — Preocupada, eu cochicho, e ele sorri com o
sorriso da vitória.
— Só conversar, amor. — Ele pega em minhas mãos, mas me afasto
de imediato. Ele analisa as minhas ações, contudo, não faz nada. — Serão
apenas alguns minutos, preciso explicar sobre aquele dia em que você caiu
e… — corto-o:
— Eu fui empurrada, Gustavo. — Tento compostura, mas sou
consumida pela irritação.
— Já sei! — Ele se levanta, enquanto continua olhando para mim.
— Que tal se formos todos para outro lugar e… — Seu sorriso é comedido,
mas malicioso. Observo minhas irmãs e noto seus sorrisinhos excitados sob
os olhares famintos dos rapazes. Viramos as presas e eles os predadores, e
Gustavo parece ciente desse fato ao estender sua mão em minha direção.
Respiro devagar e levanto, enfim. — Boa escolha, amor…, não se
preocupe, elas estarão seguras.
— Aonde vão? — Kika parece sair do transe de seu predador e nos
observa minuciosamente. Gustavo aperta meus dedos com um pouco mais
de força e sei que significa que preciso inventar alguma desculpa. — Forço
um sorriso, enquanto seguro meu aparelho de telefone.
— Temos pendências, irmã. Fique com a Lê e não desgrude dela.
Sairei com o Gustavo e voltaremos logo. — Ele suaviza o aperto, e percebo
que me saí bem na resposta. Por jamais conhecerem Gustavo e nunca terem
ouvido falar dele ou na minha terapia intensiva, elas não fazem ideia onde
estão enfiadas agora. Seguro o ar e digo para o meu ex: — Agora podemos
ir. — Ele me dá passagem, porém sou mais rápida em minhas ações quando
aponto para frente para fazê-lo seguir primeiro. Aproveito o momento para
enviar a minha localização para as meninas e Andrew, rezando para todos
os deuses que ele esteja acordado e que elas vejam a mensagem.
Capítulo 49

C aminho lentamente pelo corredor


quando escuto o barulho infernal
que vem do quarto dos meus pais. O ronco de Héctor está alto e tenho
certeza que já está dormindo. Faz algum tempo que as risadas irritantes e o
choro de minha mãe acabaram. Os homens já foram embora. Viro o
corredor, a fim de entrar no cômodo onde meus pais dormem, e arregalo os
olhos ao ver os olhos esbugalhados de mamãe em minha direção.
— Ajude-a!
— Não! — Acordo sentindo o rosto suado e observo à minha volta,
sentindo o sobe e desce acelerado do meu peito. O latido de Hope soa alto
do fundo do quarto, o que não é novidade quando tenho meus pesadelos. —
Venha aqui, garota. — Aponto para a cama, e ela prontamente faz o que
peço. Noto que são quase dez horas da noite e percebo que mais uma vez
não vou conseguir pregar os olhos.
É triste pensar que já fazia um mês que eu não via Duda e, ainda
assim, é nítida as mudanças em seu corpo. Sua barriga aumentou
consideravelmente, assim como seus seios, que se tornaram mais fartos do
que já estavam, e seus cabelos, mais sedosos. Ela não faz ideia do quanto
está linda, grávida, e esse fato me faz lembrar sobre o dia em que
terminamos algo que mal tivemos a oportunidade de começar.
Eu não consegui demitir Tamara. Pude ver o medo em seus olhos no
dia seguinte e, após seu pedido de desculpas, eu permiti que continuasse
trabalhando. Ela agiu por impulso e jurou jamais repetir o fato. Foram dias
dolorosos quando descobri a demissão da passarinho, e mais doloroso ainda
por eu já saber o significado da perda. Mas uma hora eu precisaria descobrir
seus medos e confesso tristeza ao pensar que Gustavo segue permeando
seus pensamentos. Devido a isso, decidi deixar de ter esperança.
De repente, o telefone toca a todo vapor e franzo a testa. Quem
estaria me ligando a uma hora dessas?
— Alô?
— Andrew? — Uma voz feminina começa. — Por favor, Andy,
Duda acabou de sair daqui com o Gustavo e estamos com medo… —
Arregalo os olhos e levanto-me, quase atropelando Hope.
— Quem está falando? — Preocupado com a mulher que amo, eu
checo as mensagens no celular, sendo uma de Duda. Ela enviou sua
localização há poucos minutos e não devo ter visto, uma vez que estava
dormindo.
Merda!
— Sou eu, a Laura. O Nick está indo pegar você. Eles saíram pela
estrada, mas estamos observando-a pelo GPS.
— Ela enviou para mim também — replico, tentando vestir uma
calça jeans. — Mas alguém pode me explicar o que aconteceu?
— Encurtando: viemos ao pub, mas chegamos depois que a coisa
toda aconteceu. Que merda! — Noto que a voz soa parecida com a de Luce
e tenho essa certeza quando escuto Laura chamá-la pelo nome.
— Como ela o encontrou? — Transbordo desespero. — Eu estou
indo para lá. — Estou pronto para sair de casa, mas lembro-me que preciso
colocar uma camisa e calçar os sapatos.
— Calma, Andrew. Nick deve estar chegando por aí. Ele não vai
deixar você fazer isso sozinho.
— Eu não posso esperá-lo, Laura. — Visto uma camisa qualquer e
calço um par de chinelos. E quando estou pronto para deixar o apartamento,
mesmo com minha cunhada na linha, a campainha toca. — E deixe-o
dirigir, você não está em condiç… — Desligo o aparelho antes que consiga
completar a frase. É da minha mulher e da minha filha que estamos falando.
Não penso duas vezes em sair porta afora.
— Eu vou matar aquele filho da puta!
— Calma, Andrew. — Meu irmão avisa, enquanto vejo a
localização de Duda através do meu celular.
— Me dê a droga das chaves, Nick, eu dirijo!

MARIA EDUARDA

— Você sumiu. — Gustavo é objetivo. Fui obrigada a entrar em seu


carro, depois que usou a desculpa de que precisávamos conversar sobre “o
nosso relacionamento” e, desde então, permanecemos sem rumo pelas ruas
do Rio de Janeiro.
— E você está dirigindo feito um louco. Pare em algum lugar para
conversarmos direito. — Aproveito para dissuadi-lo a estacionar. Ele parece
não me escutar quando emenda:
— Eu me preocupei, naquele dia. Você caiu e… — corto-o:
— Eu não caí, você me empurrou. — falo comedida.
— Claro que não! — Seus dedos tamborilam na direção. — Foi um
acidente, eu lembro bem, amor. Eu queria te ajudar, mas você não deixou.
— Eu quase perdi o meu bebê, sabia?! — Ele não me olha nos
olhos, o que me causa mais irritação. — E não é a primeira vez! — falo,
sem pensar.
Um silêncio ensurdecedor nos atinge, e um zumbido enlouquecedor
de abelhas atinge o meu ouvido.
— Eu tive saudades… — ele muda de assunto, despretensioso. Puxo
o ar devagar, quando noto que jamais vai admitir seus erros. — Podíamos
tentar novamente e... — Fecho os olhos, com raiva, e começo a sentir
cólicas em torno da barriga.
— Nós não vamos nada! — falo devagar. — Entenda que acabamos
há algum tempo.
Ele solta um sorriso de escárnio, enquanto seus dedos forçam mais a
direção e o carro ganha um pouco mais de velocidade.
— Você sabe que não foi assim! — Seu tom de voz soa mais alto. —
Você inventou merda sobre mim e por isso terminamos. Esqueceu, amor?
Comprimo as mãos. Ele está fazendo novamente, tentando deturpar
minha mente. Noto ao redor que casas e prédios tornam-se mais rápidos ao
passarem por nós. Ou seria o contrário?
— Pode diminuir, Gustavo? Eu estou grávida.
— Você me fodeu, dizendo que eu estava te traindo com uma
daquelas putas da sua antiga faculdade! — Sua respiração trepida, e há um
dedo acusatório apontado para mim.
Sinto as lágrimas brotarem nos olhos. Mais uma vez, ele está
transferindo a culpa.
— Você me socou naquele dia. — Vejo as gotas mancharem a minha
roupa. — Eu fiquei irreconhecível!
— Elas não eram suas amigas! — Ganhamos a estrada com mais
rapidez, à medida que ele continua apontando um dedo na minha direção,
enquanto a outra no volante, e uma vez ou outra me observando sem jamais
tirar o sorriso do rosto. — Eram umas putas, gostosas para um caralho, mas,
putas!
Tento segurar o choro, fingindo não o escutar. Dói, apesar de tudo,
uma vez que é nítido seu desrespeito.
Respiro devagar e peço:
— Para o carro!
— Ah, pronto! — ele me encara irritado. — Já vai chorar?
— Para esse carro! — digo mais alto, sentindo o velho nó na
garganta. Respira e inspira. Respira e inspira. E ele ri. — Para esse maldito
carro! — falo mais alto ainda. — Sua gargalhada me irrita ainda mais.
Respira e inspira! Respira e inspira! — Para essa droga! — Soco o vidro da
porta, e enfim consigo ver seu sorriso se desmanchar, dando lugar a seu
verdadeiro rosto. Seus olhos estão tempestuosos, enquanto seu semblante,
nublado.
— Quer brincar, amor? — De repente, ele passa mais uma marcha e
o carro ganha as ruas como uma máquina de fórmula um. Arregalo os
olhos, sentindo o meu peito subir e descer inconstante. Forço o cinto do
assento para frente, a fim de saber se está bem preso. — Eu estava sendo
contido. Prometi a mim mesmo que teríamos uma conversa civilizada,
mas… — completo sua frase:
— Você queria um monólogo, onde o Gustavo fala e a Duda escuta,
quieta, e… — Uma dor aguda na barriga me silencia.
— Qual o seu problema? — Ele puxa meu maxilar em sua direção e
franze o cenho quando tento de todas as formas me afastar. — Que merda é
essa, Duda? — Saio de seu aperto e respiro com dificuldade. — Aponta
para a minha barriga. — De quem é isso? — grita. — De quem é isso? —
Ele soca o volante mais vezes do que consigo contar. Sigo confusa, com sua
mudança de humor e de assunto.
— O que quer dizer? — grito de volta.
— Alguma coisa mudou. — Ele inspira o ar, feito um louco. —
Posso sentir o cheiro de sua traição.
Céus! Ele está louco, porque eu já havia confessado que estive com
outro antes.
— Para que, me diz? O que quer com isso? — questiono,
sinceramente. — Você me machucou diversas vezes, já fui traída,
humilhada, fiz coisas, as quais me arrependo, e você sempre continua firme
e bonito, enquanto fui obrigada a…
— Porque eu amo você, mas tenho necessidades a suprir. —
confessa em duplo sentido erótico e financeiro.
— Mas e eu? — berro, sentindo as pernas tremerem. — Eu sofri
quando você me deixou, precisei de terapia para curar minhas feridas e você
sempre voltava e eu aceitava. O que pensa que eu fui quando brincava com
o meu coração? — Nossos olhos se encontram, e percebo os dele, suavizar.
De fato, consegui entrar um pouco em seu coração, mas ele continua
dirigindo feito um louco. Seu silêncio me faz crer que está pensando no que
eu disse.
— Eu nunca tive isso na vida! — revela, diminuindo gradativamente
a velocidade do carro. Solto o ar que não fazia ideia que estava prendendo.
— Você foi a única mulher que amei de verdade, então é difícil lidar… —
Noto seus olhos, a todo instante, desviarem para o retrovisor. — Lidar com
essa merda e… — Ele volta a olhar através do espelho e franze a testa antes
de gritar: — Mas que porra eles fazem aqui?
Sinto a respiração desregulada, à medida que a marcha do carro é
acionada novamente para uma velocidade maior, conforme a voz de papai
surge em minha mente:
“Num galho seco eu vi pousar um passarinho
Que a seus filhinhos ia cantar uma canção
E um vagabundo que andava sempre em festa
Correu depressa foi armar-lhe um alçapão.”
Capítulo 50
— Mas que porra eles fazem aqui? — Gustavo grita e, sinto uma
ponta de esperança ao avistar Drew e Nick pelo retrovisor. Eles estão nos
alcançando, dentro de outro carro.
— Gustavo! — grito, quando ele sai da estrada e pega uma via
diferente. Sinto minha bebê se mexer e me preocupo. — Você vai nos
matar!
— O que você fez? — Seus dedos cravam em meus cabelos e sinto
dor por onde eles passam ao encará-lo. Suas veias, prestes a saltar de seu
pescoço, dizem-me o quanto está irritado. Ele não está olhando a direção do
automóvel, o que me preocupa. — Diga o que fez! — Meu silêncio é minha
confissão, e ele tem certeza disso quando solta os meus cabelos e rouba o
celular do meu colo, a fim de checar as mensagens enviadas com nossa
localização real. — Merda!
— Me deixe descer, Gustavo! — suplico.
— Não! — grita, e pela primeira vez, desde que estamos juntos,
vejo lágrimas sinceras em seus olhos. — Eu juntei dinheiro, sabia? Pensei
mesmo em te dar o que sempre quis. Uma casa, filhos e meu amor, mas
você é a porra de uma filha da puta que sempre estraga tudo! — berra, e
lágrimas descem pelo meu rosto, devido às suas acusações.
— Você nunca me amou! — Tento secar os olhos. — Isso é tudo,
menos amor.
Ele dá vários socos no volante, quando o som de uma sirene soa
imponente, o que me faz soltar um grunhido estrangulado, e noto que
somos seguidos também pelo carro da polícia.
— Gustavo! Para esse carro! — Nick grita do outro lado. — Está
cheio de placas informando que essa via está em obras. Você pode
machucar a Duda! Ela está grávida! — O homem ao meu lado parece não o
escutar, enquanto continua dizendo absurdos infundados, e preocupada,
observo em volta que realmente há várias placas sinalizadoras, pedindo
mais atenção à estrada.
O som da sirene, perpetuando, deixando o momento mais agoniante.
— Por favor, Gustavo, você irá nos matar! — Sou acometida por
mais dores fortes, enquanto avisto à frente o tumulto formado por placas,
cones sinalizadores e trabalhadores sinalizando com as mãos para pararmos.
Meu peito dói quando penso na possibilidade de batermos de frente com
eles, conforme Gustavo parece cego em meio aos seus devaneios pessoais e
ataques de fúria. Escuto os gritos incessantes de Nick e Andrew à volta e,
em meio ao desespero, roubo o volante das mãos do meu ex-namorado e
tento nos tirar da via interditada, mas seus dedos contra o meu rosto me
tornam cega o suficiente para me fazer perder a direção do carro, que sai da
estrada e desliza alguns níveis à esquerda, e não entendo o motivo para
árvores, casas e prédios girarem várias vezes trezentos e sessenta graus,
conforme vidros da janela são estilhaçados em nossa direção me fazendo
cobrir o rosto com as mãos.
Quando finalmente o automóvel está parado e encaro o homem
ensanguentado ao meu lado, sinto que estou desorientada o suficiente para
conseguir fazer alguma coisa por nós. Gustavo estende a mão até a minha
barriga e balbucia poucas palavras, mas sua boca segue espremida entre o
volante e seu assento. Lágrimas despontam dos seus olhos e vejo uma
súplica sincera, enquanto sangue jorra pelo meio de seu rosto e boca.
— Nós ficaremos bem… — digo. Ele embaça diante de mim,
conforme tento não pensar no estilhaço de vidro fincado em sua garganta.
— Aguenta mais um pouco… — Sou tomada pela emoção, enquanto
nossos momentos bons e ruins surgem em minha mente. Ele segura os meus
dedos e, mesmo devagar, consegue apertá-los, indicando pela primeira vez
um pedido de desculpas. Tento respirar com calma, enquanto as dores em
meu corpo transbordam, e, quando seus dedos se desprendem de mim
lentamente, noto que desmaiou.
— Duda! — Andrew está virado de cabeça para baixo, do lado de
fora do carro. A adrenalina deixando a minha essência aos poucos. —
Ajudem aqui! — ele grita. — Passarinho, fique comigo! Meu Deus! Ela
está sangrando muito… — E é a última coisa que ouço quando finalmente
deixo a escuridão me envolver.

Pisco os olhos devagar e sinto dor em vários lugares do corpo ao


tentar me mexer e percebo que estou em um quarto de hospital.
— Ela acordou! — A silhueta de Andrew aparece ao meu lado e
sorrio ao perceber que não estou sozinha. Tento buscar nas lembranças
alguma resposta, a fim de entender o que está acontecendo e minha mente
me leva até os devaneios de Gustavo e nosso acidente de carro. Sinto os
dedos de Andrew em mim, assim que levo minha mão de encontro à
barriga. Meu coração dispara ao perceber que ela está vazia. Andrew parece
perceber a minha preocupação, quando diz rapidamente: — Ela está na
incubadora. — Seus olhos são aflitos. — Nasceu prematura e pequenina,
mas está bem, de acordo com os médicos. — Solto o ar que não fazia ideia
que estava prendendo. De repente, a imagem de Gustavo, com o pedaço de
vidro perfurando seu pescoço, me vem à mente e, preocupada com seu
estado, questiono:
— E o Gustavo? Como ele está? — Noto os ombros de Andrew
enrijecerem e seus olhos se desviarem dos meus.
— Sinto muito, amiga. — Laura aparece ao meu lado esquerdo. —
Ele não aguentou… — Lágrimas transbordam e sinto-me inundada de
emoções. Quase perdi a minha filha e ainda preciso lidar com a morte de
uma pessoa que significou muito para mim. Preciso ver a minha menininha
e tentar sanar um pouco a dor que estou sentindo no momento. Devido a
isso, peço que me ajudem a levantar, mas Lau me faz parar com sua mão
em riste.
— Eu preciso vê-la — revelo, vendo-a embaçada.
— Eu sei! Mas precisa se fortalecer primeiro — ela responde, com
olhos amorosos.
Andrew está de costas para nós duas e balbucia antes de sair do
quarto:
— Eu preciso tomar fôlego.

Após horas aguardando a minha liberação para caminhadas


hospitalares, finalmente me movo devagar, com minhas amigas ao meu
lado, para ver a minha bebê. Sorrio ao perceber Andrew parado de frente
para a incubadora. Percebo que não tira os olhos dos bebês presentes.
Lau, Beth e Lu ficam para trás, enquanto vou avançando em meu
intuito. Sinto o coração acelerar ao encontrar os olhos de Andrew. Seu
sorriso calmo, de alguma forma me conforta.
— Ali. — Ele aponta para a miudeza que dorme tranquilamente,
envolta por uma fraldinha maior do que ela. Meus lábios se abrem em um
sorriso. — Ela tem seus olhos.
— Sério? — Ele faz que sim com a cabeça.
— E um sinalzinho próximo à bochecha. — Levanto uma
sobrancelha, enquanto a observo, tentando enxergar o sinalzinho. — Minha
mãe tinha um igual… — deixa morrer a frase, e o encaro de frente, sentindo
a emoção tomar o meu corpo. Ele dá de ombros, orgulhoso. — Ela já era
minha de qualquer forma.
Encaro a nossa filha, de frente, e faço que sim com a cabeça,
concordando em todos os sentidos.
— Já sabe qual nome vai dar a ela? — questiona, depois de algum
tempo.
— Eu não faço a mínima ideia.
— Posso sugerir um? — pergunta, incerto, e respondo que sim,
conforme continua: — Eu pensei em Valentina. Como seu pai gostaria que
você se chamasse. — Encaro Andrew, com olhos arregalados, e percebo
que enfim entendo o nome, o qual meu pai sonhou para mim. Valentina,
vem de força, exatamente como a nossa bebê valente. Sinto um sorriso se
abrir em minha face.
— Eu acho que não poderia ser outro — revelo, e ele assente nos
fazendo voltar ao silêncio. — Drew? Sobre o Gustavo, eu… — ele me
corta:
— Está tudo bem, passarinho… Está tudo bem.
Capítulo 51

F az dois meses desde


que Valentina nasceu, e
minha mãe e irmãs
estão morando comigo. Dona Cecília tem me ajudado com minha filha, uma
vez que ainda me sentia insegura para lidar com bebês prematuros. Val saiu
do hospital com pouco mais de dois quilos, por isso e devido aos meus
ferimentos e à minha cicatriz da cesária, supliquei por ajuda. Andrew, e às
vezes Hope, nos visita à noite para ver a filha e depois me deixa com a
saudade como companhia.
Decidi que assim que terminar a minha licença, voltarei ao trabalho
remoto. Andrew não aceitou bem no começo, mas não deixei alternativas
para possíveis desacordos. Era isso ou trabalho presencial, e óbvio que ele
optou pelo mais simples. Eu jamais continuaria recebendo salários sem
fazer nada. Não preciso que pensem que sou uma aproveitadora. Desde
então, minha mãe e irmãs têm me ajudado na parte da manhã, enquanto
estou livre uma vez por semana para frequentar as reuniões e duas vezes
para fazer terapia.
Leandra continua dando trabalho à dona Cecília, enquanto Kika está
terminando os estudos para em breve se candidatar a uma faculdade.
— Vocês não vão acreditar no casal que se formou na empresa. —
Beth solta a bomba de uma hora para a outra, no momento em que minha
mãe está levando uma bebê sonolenta para o quarto. Que não seja Tamara e
Andrew! Que não seja Tamara e Andrew! Por favor! Por favor! Por favor!
— Américo e Marla. — suspiro aliviada, ainda curiosa com a proximidade
dos dois.
— Um casal, tipo um casal de verdade? — questiono curiosa, e Beth
faz
que sim com a cabeça.
— A fila andou mesmo. — Luce, fofoqueira, solta. — Estou até
orgulhosa!
— Marla está feliz de verdade! Nem reclamou do salário de Duda
nesse mês. — Não escondo a gargalhada.
— Pronto! Já desceu no meu conceito de novo! — Lu replica, e
Laura
solta:
— E então, Duda, como tem sido o projeto do grupo de apoio em
Niterói? Vai rolar mesmo?
— Parece que sim, amiga. A doutora e eu estamos animadas.
Estamos
aguardando apenas a verba de uma das empresas, que conseguimos
contato, entrar.
— Estou adorando essa nova Duda. — Lu comemora, e faço que
sim com a cabeça. — Estamos sentadas lado a lado na poltrona, enquanto
Sam, Vitória e Nick Jr. discutem por causa da televisão. — Só queria te ver
ao lado do Andrew no altar, como um casal. — Luce e Daniel decidiram se
casar após o término dos estudos de Lu, que pretende se formar médica.
— Você terá a Beth, se ela parar de brigar com o Tony. — Tento
mudar o assunto, transferindo-o para o casal mais fofo e engraçado do
momento, devido às transições entre o romance e o trabalho, porque as
discussões na empresa não diminuem, enquanto os beijos quentes em casa
aumentam. — Ou Laura e Nick — começo, e Beth completa:
— O casal raiz. — Todas gargalhamos.
— Meu exemplo de casal. — Lu rebate. — Só falta você se entender
com o Andrew.
Mudo de assunto:
— E o Josefo e Dami, Lau? Como estão se saindo? — questiono,
me referindo à morte de Gustavo.
— É o luto de uma mãe, amiga, eu entendo bem. Ela não se
conforma com o que aconteceu a você e à sua bebê, mas era mãe, acima de
tudo. O Josefo não fala nada. Continua com o desgosto estampado no rosto.
— Assinto, tristemente. Fomos obrigados a contar-lhes a verdade, depois da
morte precoce de Gustavo. — Mas acho que virão para o batizado da minha
afilhada. — diz referindo-se à Valentina. Outro acordo entre Drew e eu.
— Que bom. — digo tristemente, pensando em ter Andrew ao meu
lado novamente, durante o batizado de nossa filha. É bom e, ao mesmo
tempo, torturante.
— Por que não conversa com ele? — Lau fala baixinho, ciente de
minha tristeza, conforme Lu e Beth se distraem com as crianças, devido à
briga pelos canais da televisão. Nick Jr., por ser menor, parece não entender
nada, mas segue participando da troca de farpas entre Sam e Vick.
— E dizer o quê? Que o amo agora que Gustavo se foi? — Solto o
ar, devagar. — Ele vai pensar que se trata de um prêmio de consolação.
Quando cai a noite, fico aguardando Andrew aparecer, ansiosa. Val
está dormindo no berço, enquanto minhas irmãs saíram e mamãe segue no
quarto de visitas assistindo a alguma novela dramática. Quando a
campainha é acionada, encaro-me mais uma vez no espelho, antes de abrir a
porta, apressada. Franzo a testa ao ficar frente a frente com Tamara. O
ciúme, tomando o momento para si.
— Oi, Duda. — corto-a:
— Como soube o meu endereço?
— Nada difícil de conseguir no RH. — Levanto uma sobrancelha.
— O que quer?
— É o doutor. Ele não anda bem e… — Franzo o cenho. — Ele
quase me beijou essa noite. — Sinto meus olhos se encherem de água, à
medida que continua: — Mas não é isso o que está pensando… — Nega
com as mãos. — Ele só queria tentar te esquecer, e eu juro que eu queria
muito esse beijo, mas…
— Para, por favor… — suplico, sentindo uma mágoa crua de
Andrew tomar o meu corpo.
— Ele me pediu perdão em seguida. Então, disse que iria para casa e
eu estranhei. Ele sempre vem para cá antes. — Em seus olhos possui
tristeza também. — Eu só queria dizer, Duda, que vejo o quanto se amam,
então não entendo esse sofrimento todo. Por favor, reflita sobre vocês. Ele
jamais quis outra pessoa. O doutor nunca olhou para mim como olha para
você. Por isso, não o deixe escapar pelas suas mãos. Eu não deixaria…
Ela vira-se, pronta para ir embora.
— Você o ama? — questiono, enciumada. Ela para em meio ao
corredor e me observa novamente, com um sorriso fraco.
— E quem não amaria aquele homem? — E se vai, me deixando à
beira de outro ataque de pânico.

— Você vai perder aquele homem mesmo? — A voz de dona


Cecília me faz sair dos devaneios, enquanto peço ao uber de novo para
dirigir mais rápido.
— Se eu for mais rápido a senhora não chega lá viva, moça. —
Bufo.
Minha mãe me fez sair de casa na mesma hora em que me joguei
aos prantos sobre sua cama. Ela me passou um sermão de uns cinco
minutos sobre amores de outras vidas, almas gêmeas e olhares furtivos. E,
desde então, estou sentada no banco de trás do uber, discutindo com o
motorista e reclamando sobre o inferno do trânsito em direção à casa do
Andrew. Meu coração parece tomado por uma bateria constante e segue
acelerado, enquanto minhas pernas trêmulas e dedos gelados. Val ficou sob
os cuidados da avó, uma vez que nossa conversa poderá ser intensa e
demorada.
Ao ser deixada em frente ao prédio onde morei praticamente durante
toda a minha gravidez, penso em desistir, mas um dos porteiros me
reconhece e me faz subir, mesmo diante dos meus receios.
Minhas pernas tremulam, à medida que aguardo, após tocar a
campainha. Eu fiquei com a minha cópia da chave, mas faz tempo que não
coloco o pé dentro do apartamento. Ainda mais aparecendo de surpresa. A
porta é aberta meio minuto depois e, quando seus olhos azuis se encontram
com os meus, a única reação que tenho é murmurar:
— Como vai, Andrew?
Capítulo 52
— Duda? O que faz aqui…? Aconteceu alguma coisa com a
Valentina? — Seus olhos transcorrem preocupação.
— Não! Ela está bem. — sorrio. — Eu que… — ele me corta:
— Está precisando de alguma coisa? — Drew me dá passagem, e a
visão de seu apartamento me traz nostalgia. — Algum problema com o
trabalho remoto? — sorrio, sem humor. Em nenhum momento, parece
pensar em mim vindo por ele.
A silhueta de Hope aparece na sala, e sorrio ao ver seu rabo
balançando de um lado para o outro.
— Oi, garota! — Ela se enrosca entre as minhas pernas, e emendo:
— Nem faz tanto tempo assim. — Abaixo-me e acaricio seu pelo macio,
conforme Andrew se coloca na nossa frente.
— O que aconteceu, Duda? — Respiro devagar, encontrando formas
de desembaralhar a mente.
Coloco-me de pé novamente, procurando um meio de encontrar as
palavras certas, sem as incertezas entre nós.
— Quando você se apaixonou por mim, Andrew? — Ele franze a
testa, confuso.
— Onde espera chegar com isso? — Há mágoa em seu tom de voz e
não o culpo.
— Só me responde — falo com firmeza, mesmo diante de minhas
pernas trêmulas.
Ele dá de ombros, enquanto busca qualquer coisa para fincar os
olhos que não seja em mim.
— Na mansão. No noivado de Nick — confessa, e não escondo um
sorriso.
— Você se lembra de quando estávamos no Brooklyn?
— Duda, você só está me magoando, por favor, pare. — Ele
caminha para longe, enquanto sigo-o devagar.
— Ok! — Ele não para de andar, direcionando-se até o terraço, mas
continuo, porque meu pai me ensinou a ser perseverante: — Eu não amo o
Gustavo! — Ele sorri em escárnio. — É sério! Acho que nunca o amei...
Acho que nunca o amei — confesso envergonhada. — A terapia com o
doutor Brian tem me feito enxergar isso e... — Subimos as escadas,
seguidos por Hope.
— Agora que o Gustavo está morto? — solta zombeteiro.
— Não! — digo rápido ao chegarmos no terraço. — Não por ele
estar morto. Muito antes eu já havia percebido. O doutor Brian me fez
enxergar a minha dependência emocional e foi a isso que me referi no dia
em que você e eu brigamos na mansão. — Eu finalmente tenho a sua
atenção. — Preferi guardar para mim quando revelou a dor que sentia ao
me ter ao seu lado.
— E para quê? Para que chegássemos a isso? — Suas mãos
apontam para todos os lados. — O que quer afinal? — Ele aparenta
cansaço.
— Me doeu entender que eu o estava levando ao colapso, Andrew.
Eu já havia passado por isso e pensava que o amor e a dor caminhavam na
mesma reta. Por isso, não queria te fazer sofrer.
— E do que valeu? — ele ri, amargo. — Eu sofri igual. Meu Deus!
— Desvia os olhos. — Eu mal consigo te olhar! — Bufa.
— Então não desista! — falo alto, aproximando-me mais. — Eu não
fazia ideia, mas a verdade é que eu nunca soube o que era amar alguém até
conhecer você! Eu amo a forma como me olha, o jeito que é altruísta, como
se tornou um ótimo pai em pouquíssimo tempo. Amo suas piadas
horrorosas, adoro a Hope, Carmen e a esta casa, e odeio quando tem seus
pesadelos, mas amo acalentá-los. — Seu olhar tem a minha atenção
novamente, e enxergo uma mistura de lágrimas e surpresa neles. Meu
coração parece um trem desgovernado, prestes a descarrilar. — Sinto que
estive confusa esse tempo todo com meus sentimentos e medos, mas hoje
eles não me amedrontam mais. E sabe por que digo isso? — Ele faz que não
com a cabeça. — Simplesmente, porque mesmo depois de todo esse tempo,
estando ou não com o Gustavo, jamais deixei de procurar o homem que
aparecia em meus sonhos. Os mesmos que revelei a você quando estávamos
no Brooklyn.
Trago seus lábios até a mim e finalmente tenho o que ansiava fazia
meses. Ele se entrega também, em meio às lágrimas salgadas e os sorrisos
empolgados. Hope aproveita para se embrenhar entre nós, conforme pula
várias vezes, animada. Corto o beijo ao meio e o encaro enfim:
— Eu amo você, Andrew Collins, e se me permitir, gostaria de
voltar para a sua vida, mas agora como um casal real.
Seus olhos sorriem.
— Sabe que está me devendo uma coisa, não? — diz no pé do meu
ouvido, conforme sua voz penetra fundo em meu sexo.
— O quê? — faço-me de desentendida, fingindo não entender suas
insinuações sexuais. Estou convicta que lhe devo uma noite de sexo
selvagem, porém seus olhos sorriem e suavizam aos poucos.
— Ainda precisamos terminar sua lista de desejos. — gargalho,
sentindo-me a mais tola das mulheres e a mais pervertida, pelo visto.
— O quê? — ele ri de volta.
— Nada, mas uma lista de desejos era tudo o que eu não esperava de
você, nesse momento! — respondo sincera, conforme as luzes do terraço se
acendem automaticamente.
Ele solta uma gargalhada, e sinto seu perfume suave me abraçar
quando gruda os nossos lábios de forma rápida.
— Tenho alguns desejos nessa lista também… — diz no pé do meu
ouvido e percebo que teremos muito tempo pela frente para elaborarmos
mais listas de desejos e concretizá-los. Afinal, nada como um dia após o
outro.
O barulho do mar nos chama a atenção, e Drew e eu caminhamos
até a sacada, a fim de observarmos a praia do Leblon. Lembrar que demos o
nosso primeiro beijo aqui faz-me sorrir, porque tivemos muitos
ensinamentos, erros e acertos que nos trouxeram para esse momento.
Ficamos em um silêncio reconfortante durante poucos segundos, uma vez
que uma gaivota aparece alçando voo à nossa frente. É lindo o sobe e desce
de suas asas, e ela parece estar em câmera lenta, adiante de nós.
— Passarinho?
— Sim, Drew? — Seus dedos estão cruzados em minha cintura,
enquanto tenho seu corpo grudado ao meu.
— Você é como essa gaivota… — Encaro-o sem entender nada, e
ele emenda: — É tão livre quanto esse pássaro e já pode voar.
FIM.
Epílogo.

Sinto meus pés afundarem na grama verde, conforme caminho


olhando de um lado para o outro, buscando seu nome. Há várias lápides
brancas, uma ao lado da outra, e meio que se torna difícil conseguir
enxergar o nome de minha mãe numa delas. Passado algum tempo, enfim
encontro os dizeres: Andrea Collins Ross, mãe e esposa, amada por todos.
Deslizo as mãos pelos cabelos, agora curtos, e respiro fundo ao depositar as
rosas que trouxe comigo.
— Oi, mãe, faz tempo que não coloco os pés aqui. Acho que desde
quando você se foi, na verdade — sorrio, tomado pela emoção. — Eu só
queria dizer que estou muito feliz, sabia? Tenho uma menina, chamada
Valentina, e ela está com cinco anos. Você precisa ver a energia daquela
menina. Essa é a segunda vez que venho no Brooklyn, desde sempre. A
Carol deve estar aí com você agora e a perdoe, mamãe, eu já a perdoei e
entendi que tudo na vida tem um propósito. Fui obrigado a passar por tudo
aquilo para que eu pudesse ter a minha família, então releva.
— Eu estou livre dos pesadelos, sabia? Minha esposa e eu fizemos
terapia intensiva e meio que ajudou no processo.
— Estou casado com a Duda, você a amaria, tenho certeza. Nos
casamos no nascer do sol e fizemos uma linda lua de mel em Roma. Ela era
louca para conhecer o Coliseu — eu gargalho. — Ela amou, de verdade!
Sinto que estou mais leve agora. Minha casa já possui retratos de família e
essas coisas que sempre repudiei. Engraçado, que hoje não me vejo sem
eles espalhados pela casa. Por falar em espalhar coisas, você precisava
conhecer a sua netinha e a Hope. Elas brincam em um micro apartamento e
é hilário a correria diária. Coitada da Carmen, que está sempre reclamando.
Estou vendo que em breve precisarei comprar uma casa maior, porque a
família está aumentando e… — Bato de leve na testa.
— Verdade! Já estava esquecendo. A Duda e eu estamos grávidos
novamente e é um menino: o Ben. Val está indócil, já que falta menos de
dois meses para o nascimento dele. Duda fica chateada quando todos
afirmam que a nossa filha puxou apenas os olhos dela, enquanto os cabelos
claros e rosto do pai, mas, a verdade, é que eu te vejo todinha nela. Ela
possui seus mesmos cabelos encaracolados. Bom, estarei voltando hoje para
casa, porque passei três dias resolvendo os trâmites do enterro de Carol,
mas eu precisava dizer uma única coisa para você antes de partir…
— Diga ao Héctor que não possuo rancor dele. Ele me tirou você,
mas de alguma forma, vocês me deram o amor da minha vida, então, diga a
ele apenas uma coisa: que eu o perdoo, apesar de tudo. — Solto o ar aos
poucos. — Espero que vocês encontrem paz. E mamãe, eu não tenho muita
certeza de nada, nem como será a minha vida e da minha família de agora
em diante, mas procuro me esforçar todos os dias para ser uma pessoa
melhor para os meus filhos. Eu esperava sinceramente que você pudesse ter
tido pelo menos um terço do que tenho hoje e me dá muita tristeza saber
que foi exatamente o contrário. Bom, acho que era isso. Não quero parecer
melancólico, nem nada. — Encosto os dedos na lápide gelada, sentindo
uma leve brisa passar pelo rosto, e digo por fim: — Adeus, mamãe.
Bônus

— Você é como essa gaivota… — Ela me encara com olhos confusos, e


emendo: — É tão livre quanto esse pássaro e já pode voar. — Duda sorri,
conforme observa o animal ovíparo. Ela não imagina a felicidade que estou
sentindo agora, depois de todo esse tempo longe. — Se quiser, te faço viajar
agora mesmo. — Minha voz delata o tesão latente.
Duda vira-se para mim e me perco no verde dos seus olhos. Sinto
prazer ao finalmente assistir a paixão fluindo deles.
— Eu acho que preciso pagar uma dívida. — confessa roucamente,
e eu sorrio malicioso.
Meus dedos desabotoam sua camisa lentamente e descobrem seus
seios fartos. Os mamilos excitados apontando em minha direção. Duda
arqueia o corpo para trás, à medida que os toco ao mesmo tempo. Seus
gemidos fazem meu pau pulsar e a dor da espera e do desejo lascivo me
corrói. Não espero para sugar o esquerdo, enquanto eu espremo entre os
dedos a aréola direita, ouvindo os seus grunhidos extasiados de prazer.
A mulher à frente não se contém em receber prazer e toca o meu pau
por cima da minha calça social, que lateja em resposta, louco para penetrá-
la com ferocidade.
Ela retira a minha calça devagar, descendo seu corpo no processo,
enquanto tem os olhos voltados na minha direção. É sexy para um caralho
essa porra! Minha blusa me deixa em seguida, sendo seguido por sua
bermuda jeans. Seu lingerie preto é sexy e rendado, e minúsculo diante dos
seus quadris largos. Tenho vontade de fodê-la agora, mas prefiro degustá-la
aos poucos, como um bom vinho. Trago seus lábios até a minha boca e
deixo nossas línguas travarem uma dança, que seria silenciosa, se não
fossem cortados pelas ondas batendo.
Corro os meus dedos pelo seu corpo, praticamente, nu e paro no
meio de suas coxas abertas. Sua boceta encharcada evidencia a sua
excitação. Ela está tão molhada que entro e saio várias vezes, beijando-lhe
os lábios, conforme retiro meu pau de dentro da boxer e invado o seu sexo
por inteiro.
Seguro sua bunda, à medida que envolve minha cintura com suas
pernas, e a penetro em um misto de sobe e desce constante me fazendo
sentir sua carne esponjosa. Duda é deliciosa de diversas maneiras, mas sua
voz, sussurrando em meu ouvido o quanto gosta de ser fodida por mim, a
deixa ainda mais selvagem e entregue ao momento.
— Quero te tomar de todas as formas essa noite! — sentencio, e ela
geme mais alto. — Te farei gritar diversas vezes, se precisar. — Afundo-me
mais, sentindo que estou quase no meu limite. Ficamos meses sem
podermos transar, e em nenhum momento me vi tentado em fazer isso com
outra mulher que não fosse ela. Porém, mesmo que dessa vez sejamos
rápidos, devido à nossa tensão sexual, será o primeiro de muitos ao seu lado
e tenho como promessa satisfazê-la o suficiente em cada um deles.
— Quero te tomar de todas as formas essa noite! — sentencio, e ela
geme mais alto. — Te farei gritar diversas vezes, se precisar. — Afundo-me
mais, sentindo que estou quase no meu limite. Ficamos meses sem
podermos transar, e em nenhum momento me vi tentado em fazer isso com
outra mulher que não fosse ela. Porém, mesmo que dessa vez sejamos
rápidos, devido à nossa tensão sexual, será o primeiro de muitos ao seu lado
e tenho como promessa satisfazê-la o suficiente em cada um deles.
Eu tenho motivos pessoais para agradecer por escrever esse livro.
Espero sinceramente que, como a mim, ele tenha ajudado e venha a ajudar
muitas mulheres que sofrem ou sofreram com abusos. Ele me ajudou a
entender o que estava passando quando me vi perdida em uma época não
muito distante da minha vida. E não foi apenas uma vez, mas eu era jovem
demais para entender o que era um relacionamento tóxico. Nem tudo o que
aconteceu com a Duda, aconteceu comigo, porque não houve abuso físico
no meu caso, mas algumas palavras podem ferir mentalmente. Eu tinha
sérios problemas com “buços” em geral, porque ouvi uma vez de um antigo
namorado que eu tinha um “bigode” maior que o dele. Então, meu primeiro
obrigado é para a Duda!
O meu muito obrigado é para você, leitor, que permaneceu quando
eu pensei que esse momento não chegaria. 2022 foi um final de ano difícil
e, mesmo assim, seguimos firmes no intuito.
Não poderia deixar de agradecer a Emi Colchero que, até quando
sua mente se encontrava um caos, me estendeu sua mão e não soltou. Nem
nas horas de passaportes e passeios de avião, rs.
Preciso agradecer à minha beta Danielle Silva que, além de me
ajudar, ainda brigou quando era necessário e me fez enxergar os
pormenores (que foram muitos) do livro. Se não fosse por você, o novo
Andrew não teria nascido!
Agradecer à senhora Aline Leão que, com sua mente brilhante, ou
maquiavélica, ainda não me decidi, rs, encaixou o passado de Andrew de
forma sensata e elaborada. A Carol má foi divino!
À minha leitora favorita Samara Santos, que tem o Andrew como
um lorde e cumpridor de promessas. Espero ter alcançado suas
expectativas.
À minha família, que segue me apoiando, e primeiramente ao meu
filho João Gustavo. Juro, filho, que de “Gustavo” você tem apenas o nome.

Meu muito obrigado!

Bruna Barros.

[1]
Entre!

[2]
Com licença!
[3]
Horrivel!
[4]
É frio e horrível
[5]
Claro, doutor, cuidarei disso.
[6]
Não surte, Duda! Não surte, Duda!
[7]
Ainda não, Nick, ainda não!
[8]
Absorvente de uso interno.
[9]
Absorvente íntimo.
[10]
Um guarda-sol de grande dimensão.
[11]
Um dia a casa cai.
[12]
Claro, senhorita.

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