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Gravida e Rejeitada Pelo Meu CH Manoela Barsi
Gravida e Rejeitada Pelo Meu CH Manoela Barsi
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SINOPSE
DEDICATÓRIA
1. MAÍSA CARDOSO
2. ENRIQUE BORGES
H
3. AÍSA CARDOSO
M
4. HENRIQUE BORGES
5. MAÍSA CARDOSO
6. HENRIQUE BORGES
7. MAÍSA CARDOSO
8. HENRIQUE BORGES
9. HENRIQUE BORGES
10. MAÍSA CARDOSO
11. HENRIQUE BORGES
12. AÍSA CARDOSO
M
13. AÍSA CARDOSO
M
14. HENRIQUE BORGES
15. MAÍSA CARDOSO
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38. MAÍSA CARDOSO
39. HENRIQUE BORGES
40. MAÍSA CARDOSO
41. HENRIQUE BORGES
42. MAÍSA CARDOSO
43. ENRIQUE BORGES
H
44. AÍSA CARDOSO
M
45. HENRIQUE BORGES
46. MAÍSA CARDOSO
47. HENRIQUE BORGES
48. MAÍSA CARDOSO
49. HENRIQUE BORGES
50. MAÍSA CARDOSO
51. HENRIQUE BORGES
52. MAÍSA CARDOSO
53. HENRIQUE BORGES
54. AÍSA CARDOSO
M
55. ENRIQUE BORGES
H
56. MAÍSA CARDOSO
57. HENIQUE BORGES
58. MAÍSA CARDOSO
59. HENRIQUE BORGES
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AGE GAP :: GRAVIDEZ INESPERADA :: BEBÊS REJEITADOS::
CHEFE E SECRETÁRIA:: HOMEM ARREPENDIDO
Maísa Cardoso chegou à São Paulo com o coração cheio de sonhos e
os bolsos vazios, mas determinada a conquistar seu lugar ao sol.
Aos 22 anos, a jovem é linda, otimista e tem um talento especial
para ler as pessoas. Ela estava certa de que seu novo emprego era
sua grande chance: trabalhar com Henrique Borges, um dos
empresários mais respeitados e temidos da cidade.
Henrique é um homem que construiu um império, abrindo mão de
tudo, inclusive do próprio coração, no caminho até o sucesso.
As 40 anos, o CEO sério, controlador, possessivo e extremamente
pragmático vê seu mundo meticulosamente organizado virar de
cabeça para baixo quando Maísa invade sua vida, trazendo cor e
caos à sua existência monótona.
Ao seu lado, Henrique vê sentimentos há muito adormecidos serem
despertados, redescobrindo que o coração em seu peito ainda bate.
Mas quando uma gravidez inesperada entra em cena, a lembrança
de uma traição sofrida quinze anos antes faz com que ele rejeite a
mulher por quem estava se apaixonando.
Desiludida, Maísa abandona seus sonhos e volta para sua cidade
natal com o coração despedaçado. Meses depois, ao ser confrontado
com a realidade de seus atos precipitados, Henrique percebe que
errou e decide que fará de tudo para recuperar o amor, a confiança
de Maísa, e, principalmente, a chance de ser pai.
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Para as leitoras que sabem que não há
nada melhor do que se aconchegar com
um romance água com açúcar e se
perder em um mundo onde finais felizes
são garantidos.
Este é para vocês.
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O escritório era mais imponente do que eu me lembrava da
entrevista. O logo prateado da Borges & Associados brilhava contra
o fundo escuro na entrada do prédio, como um farol de sucesso e
poder. Meu coração batia forte enquanto eu me aproximava da
recepção, onde fui recebida com um sorriso acolhedor.
— Maísa Cardoso, — anunciei na recepção, minha voz carregando
um misto de orgulho e nervosismo.
— Você vai se sair bem, Maísa. Já mostrou ser mais do que capaz
durante o processo seletivo, — ela disse, encorajando-me enquanto
caminhávamos pelos corredores.
À medida que a manhã se desdobrava em uma série de
orientações e introduções, a conexão com Lívia se aprofundava,
transformando a ansiedade inicial em uma sensação de
pertencimento.
Quando chegou a hora do almoço, Lívia me levou ao refeitório,
onde fui apresentada a um grupo de colegas. O ambiente era
descontraído, e a conversa fluiu livremente entre risadas e trocas de
experiências.
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elevasse minha ansiedade.
Eles pintaram o retrato de um líder respeitável, alguém com
quem eu estava ansiosa, porém nervosa, para trabalhar. Alguém
cuja aprovação eu já desejava conquistar.
O almoço terminou com risadas e a promessa de novas amizades,
mas a imagem de Henrique Borges permaneceu fixa em minha
mente, adicionando camadas à minha expectativa para o encontro
final do dia.
Entre as várias tarefas que marcaram meu primeiro dia, uma em
particular se destacou, servindo como um verdadeiro batismo no
mundo da Borges & Associados. Pouco depois do almoço, quando eu
já começava a me sentir um pouco mais à vontade com o ritmo do
escritório, Lívia se aproximou com uma expressão que misturava
urgência e confiança.
— Maísa, surgiu uma reunião de última hora com a equipe de
marketing sobre o lançamento do próximo produto. O Sr. Borges
quer que alguém esteja lá para fazer um relatório detalhado, parece
que você acabou de ser escalada para sua primeira missão
importante.
O nervosismo fez um breve retorno enquanto eu a seguia até a
sala de conferências. Dentro, a equipe já estava reunida, conversas
paralelas preenchendo o ar até que todos se acomodaram. Lívia me
apresentou rapidamente e explicou meu papel na reunião,
garantindo-me um lugar discreto à mesa.
— Bem-vinda, Maísa. Fique à vontade para nos interromper se
precisar de esclarecimentos, — disse João, o líder do projeto, com
um sorriso acolhedor.
A reunião começou com uma visão geral do produto, uma
inovação tecnológica que prometia ser um divisor de águas no
mercado. A equipe discutia estratégias de lançamento, potenciais
desafios e metas de vendas com uma paixão que era contagiante.
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observações, — disse ela, enquanto caminhávamos de volta ao meu
posto.
O restante do dia passou em um borrão de atividade. Quando
finalmente chegou o momento de entregar os documentos e meu
relatório a Henrique Borges, meu coração batia forte com a
antecipação do nosso encontro.
Com o dia quase no fim e a ansiedade a ponto de me consumir,
caminhei pelos corredores silenciosos entre a copa e a sala da
presidência, fazendo apenas uma pequena parada em minha mesa
para pegar os papéis que imprimi antes de ir ao banheiro.
Meu relatório estava pronto e eu não sabia o que esperar do
feedback do meu novo chefe. Deixaria minhas considerações em sua
mesa, junto com outros documentos.
Ele ainda não havia voltado dos seus compromissos externos e já
era quase a hora de eu ir embora. A antecipação que eu sentia não
tinha lógica e, ainda assim, fazia cada passo parecer mais pesado.
“É só um trabalho, Maísa, pelo amor de Deus!” repeti
silenciosamente em minha cabeça, como um mantra, de novo e de
novo.
Ao chegar à porta entreaberta de seu escritório, assumi que a
sala estaria vazia e entrei sem anunciar minha presença, distraída
por meus próprios pensamentos nervosos.
Foi então que o vi — a figura imponente de Henrique Borges de
costas para mim, contemplando a cidade lá embaixo através das
janelas do chão ao teto.
Sua presença dominava a sala, e por um momento, o tempo
pareceu congelar.
— Entre, Sra. Cardoso. Estou pronto para o seu relatório sobre a
reunião — sua voz rompeu o silêncio, firme, sem cumprimentos ou
boas-vindas.
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O crepúsculo começava a se desdobrar sobre a cidade, lançando
sombras longas sobre o labirinto de concreto e vidro abaixo. Em
meu escritório, a calma antes da tempestade de compromissos
noturnos dava-me um momento raro de quietude. Um contraste
bem-vindo com o turbilhão de atividades do dia.
Eu não costumava gastar tempo pensando sobre as novas
contratações além de suas capacidades de contribuir para o sucesso
da empresa. Maísa Cardoso, a nova secretária, não era uma
exceção.
Seu nome e currículo passaram por minha mesa em um borrão
de papelada, um mero detalhe em meio a decisões mais prementes.
Sua chegada ao escritório foi marcada por uma nota em minha
agenda, um lembrete de sua presença que exigia um fragmento da
minha atenção.
Não por interesse pessoal, mas pela necessidade de assegurar
que ela pudesse desempenhar seu papel com a competência
exigida. "Ela vem bem recomendada", lembrei-me de alguém dizer.
Isso tinha algum peso, claro, mas na Borges & Associados, as
expectativas iam além das recomendações.
Na vastidão de meus compromissos e responsabilidades, a
eficiência de uma secretária era esperada, não excepcional. Quando
a tarde cedeu espaço para a noite, um lembrete de minha reunião
pendente com a Sra. Cardoso sobre o relatório de uma reunião que
eu deliberadamente escolhi não participar soou em meu celular.
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"Talvez ela ao menos prove ser útil nisso," pensei com um certo
desdém. Não tinha tempo a perder com treinamentos ou ajustes.
A Borges & Associados estava em um ponto crítico, expandindo-
se agressivamente, e cada segundo do meu dia estava
comprometido com o futuro da empresa.
A porta se abriu sem anúncio, e sem me virar, eu sabia que era
ela.
— Entre, Sra. Cardoso. Estou pronto para o seu relatório sobre a
reunião, — disse, minha voz carregada de uma impaciência velada.
Não havia tempo para gentilezas ou para alimentar as
inseguranças de uma nova contratação. Maísa entrou, sua presença
quase hesitante, uma intrusão não desejada na minha bolha de
concentração. Eu esperava eficiência, não hesitação.
Me virei, voltando a sentar diante da minha mesa sem me dar ao
trabalho de oferecer um olhar de boas-vindas. Mantive minha
atenção fixa nos documentos à minha frente.
Ela começou a falar, sua voz revelando um nervosismo um pouco
irritante.
— Boa tarde, Sr. Borges. Compilei as notas da reunião da equipe
de marketing, conforme solicitado e...
— Sim, sim, apenas me dê os pontos principais. Estou
interessado nos resultados, não nos detalhes superficiais —
interrompi, talvez mais bruscamente do que necessário.
Era essencial estabelecer desde o início que minha expectativa
era de eficiência e precisão. O tempo era um recurso demasiado
valioso para ser desperdiçado.
Ela assentiu, engolindo em seco, mas voltando a falar logo em
seguida. Embora estivesse claramente nervosa, não se intimidou, e
isso me deixou satisfeito.
Enquanto Maísa delineava os pontos principais, meu foco estava
inteiramente em avaliar a utilidade de suas observações. Não havia
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espaço para erros ou omissões; cada detalhe poderia ser a chave
para uma decisão estratégica crucial.
Sua análise, para minha surpresa, mostrou-se perspicaz, com
observações que indicavam não apenas uma compreensão dos
objetivos da reunião, mas também uma capacidade de pensar além
do óbvio, e isso foi o que me fez erguer o olhar para a mulher
sentada diante de mim.
Usando uma blusa branca formal, ela tinha os longos e escuros
cabelos presos em um rabo de cavalo baixo, deixando todo o rosto
livre para que eu reparasse nos olhos castanhos expressivos, nas
bochechas altas e nos lábios cheios.
O corpo era pequeno, de estatura mediana, mas magro e
curvilíneo. Ela tinha uma aparência elegante e um olhar resiliente.
— Vejo que você não apenas registrou a discussão, mas também
ofereceu sua análise — comentei, permitindo que um vislumbre de
aprovação permeasse minha voz.
Ela pareceu surpresa, mas sua reação foi breve.
— Espero que minhas observações sejam úteis — respondeu, a
confiança crescendo com a validação.
— Assegure-se de que este relatório seja distribuído aos
departamentos relevantes até o final do dia — disse, dispensando-a
sem um segundo olhar.
Com um aceno resoluto, ela se levantou e saiu, deixando-me com
meus pensamentos. Embora minha preocupação com ela como
pessoa fosse mínima, não pude deixar de reconhecer que talvez a
mulher tivesse, sim, algum potencial. Era raro encontrar alguém
disposto a opinar tão rapidamente sobre a dinâmica de uma
operação na qual tinha acabado de se integrar.
Em um ambiente onde o sucesso dependia da precisão e da
proatividade, talvez se tornasse um ativo valioso. E, no final das
contas, era tudo que importava.
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As horas avançavam, e com elas, a realização de que ainda havia
muito a ser feito. Levantei-me para olhar a cidade lá fora, seu ritmo
incessante um espelho do meu próprio. A solidão do escritório não
me incomodava; ao contrário, era um cenário familiar, um terreno
onde me sentia no controle.
No ambiente corporativo, as emoções e as conexões pessoais
eram secundárias à performance. "O sucesso exige sacrifício", era
uma máxima que havia guiado minha carreira até agora.
Noite adentro, a quietude do escritório era tanto minha sentinela
quanto minha prisão.
A cidade lá fora havia se acalmado, mas dentro daqueles muros
de vidro e aço, a batalha pelo futuro da empresa continuava. Era
uma existência solitária, mas uma que eu havia escolhido - ou
talvez, que havia me escolhido.
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Foi então que algo ou alguém chamou minha atenção. Em um
dos muitos breves instantes de parada entre as estações, vi, através
da janela do vagão oposto, uma cena que capturou toda a essência
da vida urbana: uma jovem mãe, tentando equilibrar uma criança
adormecida em um braço e um punhado de sacolas no outro,
enquanto conversava animadamente com um senhor idoso, cujos
olhos brilhavam com a alegria do encontro.
Havia algo tão genuíno, tão cheio de vida naquela interação, que
não pude resistir. Um contraste tocante de gerações e histórias de
vida. A criança nos braços da mulher dormia serenamente, alheia ao
movimento ao redor.
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As paredes, pintadas de um branco acolhedor, eram um quadro
em branco pronto para ser preenchido com minhas memórias e
sonhos. A sala de estar, embora compacta, e separada da cozinha
por um balcão americano, era banhada por luz natural que se
infiltrava pela janela ampla.
O quarto, meu refúgio pessoal, era decorado minimalistamente,
dominado por uma cama confortável onde eu recarregava as
energias após os dias exaustivos de trabalho, e um pequeno, mas
acolhedor, canto de leitura.
Conseguir alugar este apartamento foi uma conquista
significativa. Lembro-me de passar horas online, buscando um lugar
que fosse acessível e ao mesmo tempo me fizesse sentir em casa.
Quando encontrei este, sabia que era o certo. Era diferente da
casa espaçosa em que cresci, com seu quintal e a cozinha sempre
cheia do aroma dos doces da Geórgia. Aqui, cada centímetro era
meu para preencher, uma tela em branco para a nova fase da minha
vida.
Com passos lentos, direcionei-me ao banheiro, ansiosa por um
banho quente que lavasse não apenas o cansaço físico, mas também
as preocupações que se acumulavam ao longo da semana.
A água correndo pelo corpo funcionava como um ritual de
purificação, deixando para trás as camadas de estresse e renovando
meu espírito para o que ainda estava por vir.
Depois do banho, enrolada em um roupão confortável, caminhei
até a cozinha, ponderando sobre o jantar. Exausta, a ideia de
cozinhar não parecia tão boa.
"Talvez eu deva apenas pedir algo," pensei, considerando as
opções de delivery disponíveis.
Foi quando o celular tocou, cortando o silêncio do apartamento
com a melodia familiar da chamada de Geórgia. Sorri, reconhecendo
o timing quase perfeito da interrupção.
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Geórgia riu, um som que sempre me trouxe alegria,
independentemente da distância entre nós.
— A loja está indo bem, mas você sabe que ninguém consegue
decorar os cupcakes como você fazia. Os clientes perguntam por
você.
— Bem, eles terão que se contentar com a segunda melhor
decoradora de cupcakes por enquanto, — brinquei, sentindo uma
pontada de saudade pela simplicidade daqueles dias.
— Falando nisso, como está se saindo com o seu chefe? O
famoso Henrique Borges? — Geórgia mudou de assunto.
Respirei fundo antes de responder, ponderando como descrever
Henrique.
— Ele é... intenso. Muito focado no trabalho e tem expectativas
altíssimas. Mas é justo, eu acho. E definitivamente há muito que
aprender com ele, — expliquei, escolhendo minhas palavras
cuidadosamente.
— Intenso, hein? Soa como alguém que não sabe o que é um
final de semana, — Geórgia comentou, meio séria, meio brincando.
— Exatamente! — concordei, rindo apesar de mim mesma. —
Mas, de alguma forma, essa intensidade dele me motiva. Faz com
que eu queira provar meu valor, sabe?
— Só tome cuidado para não se perder nessa... motivação.
Lembre-se de que você é mais do que seu trabalho, Maísa. Você tem
um dom incrível para a fotografia, por exemplo. Não deixe isso de
lado, — Geórgia aconselhou, sua voz carregada de uma mistura de
preocupação e encorajamento. — E sobre o seu chefe... quem sabe,
talvez ele só precise de alguém que o faça ver que há mais na vida
do que apenas trabalho, — sugeriu, meio brincando.
— Hum, acho que Henrique Borges é um caso perdido nesse
sentido, — eu disse, rindo da ideia. — Mas quem sabe? Talvez um
dia.
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— Agradeço o conselho, — respondi, revirando os olhos, mas
sorrindo. — Agora, me conta mais sobre a loja. — Como estão indo
os preparativos para a temporada de festas? E papai e mamãe?
Estão bem?
Conversamos mais um pouco, desviando o foco de Henrique
Borges e de qualquer complicação potencial que minha admiração
relutante por sua aparência pudesse sugerir.
Em vez disso, mergulhamos em discussões sobre a loja de doces,
planos futuros e pequenas atualizações sobre a vida um da outra.
— E aí, já decidiu o que vai fazer para o jantar? — Geórgia
perguntou, mudando de assunto após me contar tudo sobre um
novo morador da nossa cidade natal.
— Ainda não, estava pensando em pedir algo. Cozinhar parece
um esforço muito grande agora, — admiti, rindo.
— Ah, se eu estivesse aí, prepararia algo especial para você. Seu
prato favorito, talvez? — Ela disse, e eu pude sentir o cheiro do
prato atravessando a distância.
— Isso é maldade — choraminguei e ela riu.
A conversa com Geórgia não apenas me reconectou com minhas
raízes, mas também me lembrou do valor das pequenas coisas —
uma foto, uma chamada, uma memória compartilhada.
No meio do caos da vida na cidade e das demandas do trabalho,
eram esses momentos que traziam cor e significado à minha
existência.
Quando finalmente desligamos, senti-me reconfortada e um
pouco divertida com a preocupação de Geórgia. "Talvez ela tenha
razão," pensei, "admiração não precisa complicar as coisas."
Mas, por enquanto, eu estava determinada a manter meu foco no
trabalho e em tudo o que eu esperava alcançar nesta nova cidade,
nesta nova fase da minha vida.
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Hesitei, passando a mão pelos cabelos. A verdade é que, apesar
da promessa, a pilha de trabalho parecia ter se multiplicado nos
últimos dias.
— Eu sei, eu sei... Mas a situação aqui está complicada, Thomaz.
Não tenho certeza se conseguirei me afastar, — admiti, sentindo o
peso da minha própria desculpa.
Houve uma pausa do outro lado da linha, e eu podia imaginar
Thomaz balançando a cabeça, desaprovador.
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Retornei à minha mesa, determinado a terminar o que havia
começado. A noite avançava, e com ela, a sensação de estar sozinho
contra o tempo, lutando para manter tudo sob controle.
A promessa de um fim de semana distante da rotina do escritório
ainda ecoava em minha mente, uma faísca de algo diferente no
horizonte. Mas, por enquanto, a realidade era outra.
Quando a noite já havia caído completamente horas antes, e o
silêncio do escritório vazio se fundia ao ruído abafado da cidade lá
fora, decidi que era hora de encerrar por hoje.
A cobertura em que morava, próxima ao escritório para tornar o
deslocamento mais fácil, me permitia ir e voltar caminhando, quando
tinha vontade, e foi o que decidi fazer.
Caminhando pelas ruas vazias, a brisa noturna trazia consigo o
frescor da noite e o aroma dos restaurantes próximos, lembrando-
me de uma necessidade básica que eu frequentemente ignorava:
comer.
A decisão de jantar fora, sozinho, foi tomada quase
automaticamente, movido mais pela necessidade física do que pelo
desejo de saborear a comida.
Escolhi um restaurante discreto, um daqueles lugares acolhedores
e pouco conhecidos que descobri em uma de minhas raras saídas do
escritório, ele ficava aberto até muito tarde, o que era um grande
ponto a seu favor para mim.
Sentado à mesa, sob a luz suave de uma luminária, permiti-me
um momento de contemplação. Era um jantar solitário, sim, mas
havia uma espécie de paz naquela solidão, um momento de pausa
na constante pressão que eu colocava sobre mim mesmo.
O garçom, reconhecendo-me de visitas anteriores, trouxe o
menu, mas eu já sabia o que queria. Meu pedido foi simples, algo
rápido e saboroso, uma escolha habitual que não exigia muita
atenção.
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eu. Deixei as chaves sobre a mesa de entrada, desprendendo-me
fisicamente do dia, mas a mente ainda corria, inquieta.
Caminhei até a varanda, atraído pela visão da cidade à noite. A
brisa fresca acariciou meu rosto. Lá embaixo, a cidade pulsava, viva:
luzes cintilantes, carros passando, as pessoas vivendo suas vidas.
Meu olhar se desviou para o interior, passando pelo sofá
espaçoso, pelos livros meticulosamente organizados na estante de
design minimalista, até a cozinha americana, equipada com
tecnologia de ponta, mas que raramente era usada. Tudo no
apartamento falava de uma vida cuidadosamente construída.
Virei-me, movido pela necessidade de fazer algo, mesmo que isso
significasse apenas revisar novamente os e-mails ou organizar a
agenda para o dia seguinte.
A festa de aniversário dos pais de Thomaz, apesar do apelo
emocional, parecia uma indulgência que eu não podia me permitir.
"Talvez um dia," pensei, "mas não agora."
Enquanto a cidade lá fora seguia seu curso, indiferente às minhas
tribulações, eu me resignava à minha realidade.
A jornada para encontrar um equilíbrio entre o trabalho e a vida
pessoal ainda estava além do meu alcance. Por agora, eu
permanecia imerso nas sombras da rotina, um prisioneiro voluntário
do meu próprio sucesso.
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de Henrique e isso não me surpreendeu nem um pouco. É claro que
um homem poderoso como ele se cercaria de amigos tão poderosos
quanto.
Não consegui contato com Thomaz, no entanto, e a cada vez que
Henrique ligou para a minha mesa durante a manhã perguntando se
eu havia recebido retorno do contato e eu lhe respondi que não,
meu chefe pareceu se ficar mais ansioso.
Houve um breve suspiro do outro lado da linha, quase
imperceptível, antes de Henrique se despedir e desligar. O restante
da manhã transcorreu sob essa sombra.
Henrique tinha uma aura palpavelmente tensa desde que chegou
ao escritório, uma tempestade silenciosa que todos sentiam, mas
ninguém ousava comentar. Me perguntei se algo teria acontecido
durante o fim de semana para lhe deixar daquele jeito. Algo pessoal,
talvez?
Quando meu telefone tocou novamente, já quase na hora do
almoço, e o nome de Henrique se acendeu, sufoquei a agitação em
meu estômago antes de atendê-lo, já suspeitando qual seria a
pergunta que ele me faria.
— Bom dia, Henrique, — atendi, tentando manter minha voz o
mais neutra possível.
— Maísa, você teve algum retorno de Thomaz? — Sua voz era
direta, mais ríspida do que o necessário para uma simples pergunta.
— Não, ainda não. — Respondi, percebendo imediatamente a
mudança em seu tom. Algo estava errado, algo além da ausência de
notícias de Thomaz.
Durante a semana anterior, minha primeira semana de trabalho
na Borges & Associados, eu havia notado a seriedade e o foco de
Henrique, mas hoje ele estava ainda mais fechado, arisco, como se
cada palavra e cada ação exigissem um esforço hercúleo de sua
parte.
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um gesto que falasse diretamente ao seu estado sem exigir um
reconhecimento verbal de sua parte.
Henrique era um homem de hábitos, da meticulosa organização
da sua mesa de trabalho ao modo como preferia o café — forte e
sem açúcar, sempre na mesma caneca azul escuro. Depois de
ponderar por alguns momentos, uma ideia me veio à mente.
Lembrei-me de um comentário que Henrique fizera na semana
passada sobre um projeto específico, mencionando, quase
casualmente, como uma certa abordagem poderia economizar
tempo e recursos.
Era algo pequeno, quase insignificante no grande esquema das
coisas, mas que, naquele momento, pareceu-me uma oportunidade
de mostrar que seus pensamentos e palavras tinham valor além das
tarefas imediatas.
Durante o almoço, enquanto a maioria dos colegas saía para uma
pausa, fiquei no escritório, mergulhada em pilhas de documentos e
relatórios.
Com cuidado e atenção, comecei a reorganizar alguns dos
arquivos referentes ao projeto que Henrique havia mencionado,
aplicando a abordagem que ele sugerira.
Não era apenas uma questão de aliviar o fardo do trabalho, mas
de demonstrar que eu estava atenta, que valorizava sua liderança.
Após finalizar a reorganização, preparei uma breve nota
explicativa, destacando as mudanças e como elas poderiam
beneficiar o andamento do projeto. Coloquei a nota em sua mesa,
junto com os documentos reorganizados, esperando que, de alguma
forma, o gesto transmitisse mais do que palavras poderiam dizer.
Além disso, aproveitei para preparar o café exatamente como ele
gostava, deixando-o pronto na mesa ao lado de sua agenda
meticulosamente organizada. Pequenos atos, eu sabia.
Por último, sem querer parecer intrusiva, deixei sobre sua mesa
um pequeno vaso com uma única flor, uma suave e não verbalizada
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mensagem de apoio.
Era sutil, sim, mas em sua sutileza residia a beleza do gesto. Não
era necessário que ele soubesse que fui eu; o importante era o
impacto que essas pequenas mudanças poderiam ter em seu humor
e, consequentemente, no ambiente de trabalho.
O resto da tarde transcorreu em uma espécie de expectativa
silenciosa. Eu não sabia se Henrique notaria as mudanças ou se ele
daria importância a elas. Ainda assim, havia uma faísca de
esperança, um desejo de que aquele pequeno ato pudesse de
alguma forma atravessar a muralha que ele havia erguido ao seu
redor.
Quando finalmente chegou o momento de Henrique ver o que eu
havia preparado, eu observava discretamente de minha mesa. Ele
entrou em seu escritório após uma reunião, o semblante ainda
carregado pela mesma tensão de antes. Por um longo momento, ele
simplesmente ficou lá, olhando para os documentos reorganizados e
para a nota que eu havia deixado, para a flor solitária que por um
momento, me pareceu tanto com ele.
Não houve um olhar de agradecimento, nem palavras de
reconhecimento. No entanto, notei uma pausa em sua postura, um
leve relaxar dos ombros enquanto ele lia a nota. Era quase
imperceptível, mas para mim, foi como se um raio de sol tivesse
penetrado as nuvens escuras que dominavam o dia.
O resto do dia transcorreu com uma tensão um pouco menos
palpável. Henrique parecia mergulhado em seus pensamentos, mas
havia algo ligeiramente diferente em sua maneira de interagir.
Ele passou por minha mesa algumas vezes, cada passagem
marcada por uma pausa quase imperceptível, como se ele estivesse
ponderando algo.
Em um desses momentos, nossos olhares se encontraram, e, por
uma fração de segundo, pensei ter visto um brilho de gratidão em
seus olhos. Ou teria sido apenas minha imaginação?
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Ao final do dia, enquanto me preparava para deixar o escritório,
Henrique me chamou até sua sala. Seu tom era o de sempre, firme
e direto, mas havia uma suavidade subjacente que raramente se
fazia presente.
— Maísa, — ele começou, olhando para os documentos em sua
mesa antes de voltar sua atenção para mim. — Obrigado pelo
trabalho de hoje. — Foram palavras simples, quase jogadas ao
vento, mas carregavam um peso que só nós dois entendíamos.
Eu sorri, um gesto pequeno, mas sincero.
— Sempre ao seu dispor, Henrique.
Ele assentiu, um movimento breve de cabeça, antes de desviar o
olhar, voltando sua atenção para os papéis à sua frente. Não havia
mais nada a ser dito; ambos sabíamos o valor daquela breve troca.
Enquanto caminhava de volta para minha mesa, sentia um calor
agradável no peito. Não era uma vitória estrondosa, nem uma
mudança drástica na dinâmica do escritório, mas era um começo.
Uma rachadura na armadura de Henrique, uma prova de que, por
baixo daquela fachada de rigidez e distância, havia alguém capaz de
reconhecer e apreciar os esforços dos outros.
Naquele dia, eu havia conseguido algo pequeno, mas
significativo. Havia trazido um momento de leveza para alguém que
carregava o mundo nas costas, alguém que talvez tivesse esquecido
como era sorrir verdadeiramente.
Ao sair do escritório naquela noite, olhei para trás por um
momento, vendo a silhueta de Henrique através da porta de vidro de
seu escritório.
Ele estava lá, como sempre, dedicado ao trabalho que tanto
amava e pelo qual tanto se sacrificava. Me peguei desejando que ele
percebesse que havia mais na vida do que apenas pilhas de
documentos e reuniões sem fim.
Balancei a cabeça, afastando o desejo. Não era da minha conta.
Não mesmo.
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o fundo da mente.
Apresentei a ela os contornos do projeto, destacando sua
importância estratégica para a empresa e o que esperava alcançar
com ele. Maísa ouvia atentamente, fazendo anotações e
ocasionalmente levantando questões perspicazes.
— Este projeto não é apenas um passo adiante para a empresa,
— comecei passando os olhos pelos documentos à nossa frente —, é
uma prova de nossa capacidade de inovar e liderar no mercado.
Maísa me olhava atentamente, seu caderno aberto em anotações
meticulosas.
— Entendo a importância estratégica, — interveio, sua caneta
pausando por um momento. — Mas como planeja mitigar os riscos
associados à implementação? A abordagem é bastante agressiva.
Suas perguntas eram incisivas, refletindo uma compreensão que
ultrapassava as expectativas normais de sua posição. Cada questão
levantada por ela me obrigava a refinar meu pensamento, a
considerar ângulos que eu poderia ter negligenciado.
— É um ponto válido, Maísa. A mitigação de riscos será feita
através de uma série de protótipos e testes de mercado. Não
estamos apenas saltando no escuro; estamos calculando cada passo
cuidadosamente, — expliquei, impressionado com sua capacidade de
ir direto ao coração dos potenciais desafios.
À medida que a noite caía sobre a cidade, o escritório da Borges
& Associados tornava-se um refúgio silencioso para Maísa e eu,
iluminado apenas pela luz suave de nossas mesas de trabalho.
A reunião sobre o projeto desafiador havia começado com o
crepúsculo, e agora, envoltos na escuridão lá fora, estávamos
imersos nos detalhes do que seria uma das nossas mais
significativas empreitadas juntos.
A conversa fluiu naturalmente para os aspectos técnicos e
operacionais, cada um de nós contribuindo com insights e soluções.
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A resposta padrão seria dizer que se tratava de um negócio de
família. Era o que eu dizia aos jornalistas e a qualquer outra pessoa
que me fizesse essa pergunta. Ainda assim, me peguei respondendo
algo completamente diferente à minha secretária enquanto seus
olhos escuros me encaravam em expectativa.
— Minha conexão com a Borges & Associados vem de longa data,
— comecei, pausando para escolher as palavras. — Cresci vendo
meu pai dedicar-se de corpo e alma a esta empresa, que foi fundada
pelo meu avô. Desde muito jovem, eu estava envolvido, mesmo que
apenas observando nos bastidores. Eu via o impacto que nosso
trabalho tinha nas vidas das pessoas, e isso me fascinava.
Maísa me olhava com uma atenção que ia além do profissional,
como se tentasse entender não apenas o gestor à sua frente, mas o
homem por trás do título.
Ela prendeu uma mecha dos cabelos longos e ondulados atrás da
orelha e se moveu suavemente. O vestido bordô se enrugou no colo,
e umedeci os lábios, preso na imagem dos cílios longos e do nariz
pequeno por apenas um segundo antes de voltar a falar.
— Perdi meus pais quando ainda estava na faculdade, mas a
visão e a paixão deles pela Borges & Associados sempre ficaram
comigo. Eles acreditavam na força da inovação e na importância de
construir algo que durasse. Foi essa crença que me impulsionou a
seguir seus passos. Não apenas para liderar, mas para transformar,
para continuar o legado que eles começaram. A Borges & Associados
não é apenas uma empresa para mim; é parte de quem eu sou, um
elo com minha família, com meu passado.
Houve um silêncio respeitoso por um momento, enquanto Maísa
absorvia as palavras.
Eu talvez porque eu raramente compartilhava detalhes tão
pessoais, naquele instante, parecia importante que ela entendesse.
O projeto em que trabalhávamos; qualquer projeto em que eu me
envolvia, na verdade; não era somente uma tarefa, era uma
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pude deixar de sentir uma admiração crescente por Maísa.
Sua inteligência, sua ética de trabalho e sua habilidade de ver
além dos desafios imediatos eram qualidades que eu valorizava
profundamente. Olhando para ela, que juntava suas coisas, senti
uma relutância em deixar aquele momento de conexão para trás.
— Obrigado, Maísa. Por hoje. Foi... produtivo, e mais agradável
do que eu esperava, — admiti, escolhendo minhas palavras
cuidadosamente.
Ela sorriu, um sorriso que parecia iluminar o escritório agora
escuro.
— Eu que agradeço, Henrique. Até amanhã.
E com isso, ela se foi deixando-me sozinho com meus
pensamentos.
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A seriedade com que ele tratava cada detalhe do evento era
contagiante, e eu me senti ainda mais motivada a desempenhar meu
papel da melhor forma.
Enquanto trabalhava na confirmação dos convidados, não pude
deixar de notar a maneira como Henrique interagia com os outros
membros da equipe.
Havia um calor e uma abertura em seu comportamento que eu
raramente via no dia a dia do escritório. Ele ouvia ativamente,
agradecia as contribuições e, ocasionalmente, até mesmo
compartilhava uma risada ou duas. Era como se, ao se dedicar a
uma causa maior, as barreiras que normalmente o cercavam
começassem a se desfazer.
Nos dias que se seguiram, a preparação para o evento tomou
conta de nossas rotinas. Henrique estava em todos os lugares,
desde reuniões com patrocinadores até conferências com os
organizadores do evento, sempre assegurando que tudo estivesse à
altura de suas expectativas.
E eu, ao seu lado, absorvia cada detalhe, cada decisão tomada,
aprendendo não apenas sobre a logística de um evento de caridade,
mas também sobre a pessoa que Henrique realmente era fora das
paredes do escritório.
Na véspera do evento, o escritório ficou até mais tarde aberto do
que o usual, todos empenhados em garantir que nada fosse deixado
ao acaso.
Henrique, apesar de claramente exausto, não permitia que sua
energia diminuísse. Sua determinação em fazer do evento um
sucesso era palpável, e sua liderança, nesses momentos, era
inspiradora.
— Maísa, como estamos com a lista de convidados? — Henrique
perguntou, aproximando-se da minha mesa já no final do dia.
— Todos confirmados. Também verifiquei os arranjos especiais
para os convidados VIP. Tudo está conforme planejado — respondi,
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para essa possibilidade, trazendo comigo um vestido especialmente
escolhido para a noite. O banheiro da empresa tornou-se, por um
breve momento, meu camarim improvisado.
O vestido era simples, mas elegante; uma peça em tom azul-
marinho que caía de forma lisonjeira, complementando minha figura
sem ser excessivamente ostentoso.
Acessórios mínimos, apenas um par de brincos discretos e um
colar delicado, completavam o visual. Meu cabelo, normalmente
solto em ondas naturais, foi preso em um coque baixo, dando um ar
de sofisticação descomplicada.
Ao sair do banheiro e voltar ao espaço agora transformado para o
evento, senti uma onda de nervosismo. Estava acostumada a ver
Henrique em seu habitual traje de negócios, mas nada poderia me
preparar para a visão dele em um smoking.
A elegância natural de Henrique era inegável, mas aquela noite
parecia acentuar uma faceta diferente, uma que mesclava
perfeitamente autoridade e charme.
Sua reação ao me ver foi sutil, mas perceptível. Por um breve
segundo, seus olhos se alargaram, um vislumbre de surpresa
atravessando seu rosto antes de ser substituído por um sorriso de
aprovação.
— Você está... deslumbrante, Maísa, — ele disse, as palavras
carregadas de uma sinceridade que fez meu coração acelerar.
— Obrigada, Henrique. Você também está muito elegante, —
respondi, permitindo-me apreciar a visão dele em trajes formais.
Havia algo na forma como o smoking se ajustava a ele,
destacando sua postura e a confiança que naturalmente exalava que
era quase hipnotizante.
Nossa troca de olhares foi breve, mas carregada de um
reconhecimento mútuo da singularidade daquela noite.
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quadrado relaxados em linhas soltas. Era evidente que a noite
significava mais para ele do que apenas uma obrigação corporativa.
— E tem champagne — brinquei, erguendo minha taça e batendo
levemente com ela na sua.
Henrique me olhou, um brilho de apreciação em seus olhos.
— Você tem uma visão clara do que é importante — respondeu
no mesmo tom, me arrancando uma risada.
Por alguns segundos, não fizemos nada além de encarar um ao
outro. Minha respiração mudou.
— Bem, aprendo com o melhor, — respondi, meio brincando,
meio séria, tentando aliviar o peso do silêncio que se instalou de
repente.
— Espero poder continuar a merecer essa consideração, — disse,
e havia uma promessa implícita em suas palavras. Sobre o quê, eu
não sabia.
A festa continuou ao nosso redor, com música e risadas
preenchendo o ar. Conforme a noite avançava, tive a oportunidade
de ver Henrique de uma maneira que o escritório nunca permitiu.
Entre conversas e risadas, compartilhamos histórias de nossas
vidas fora do trabalho.
A surpresa veio quando ele voltou a falar de sua família, da
importância da empresa como legado e da sua determinação em
honrar a memória dos pais. Suas palavras eram tingidas de uma
emoção crua e honesta, um vislumbre da profundidade de seu
caráter.
— Minha família sempre acreditou na responsabilidade de
contribuir para a comunidade, — ele compartilhou, a voz suave em
meio ao burburinho ao redor. — Fazer parte de algo assim... me faz
sentir mais próximo deles.
A vulnerabilidade em sua confissão me tocou, revelando uma
complexidade em Henrique que eu apenas começava a
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compreender.
Após o evento, enquanto Henrique e eu ajudávamos com os
últimos detalhes da organização, a satisfação pelo sucesso do evento
era evidente. Cada olhar trocado entre nós carregava um peso de
realização, um reconhecimento mútuo do esforço e dedicação
investidos.
Caminhando de volta para o carro, a noite envolvia a cidade com
seu manto estrelado.
— Maísa, — Henrique começou, ainda com sua voz mais suave do
que o habitual. — Esta noite... foi incrível.
Henrique assentiu, um sorriso leve nos lábios. Ele era bonito, mas
naquele momento decidi que meu chefe deveria ser deslumbrante
quando gargalhava se, com um sorriso pequeno, se transformou no
homem mais bonito que já caminhou pela face da terra.
— Só fiz meu trabalho — garanti, dando de ombros.
— Você fez mais do que isso. Minha mãe sempre me dizia que
devemos medir nosso sucesso não apenas pelo que conquistamos,
mas também pelo que contribuímos. É uma lição que tento levar
comigo e, esta noite, você contribuiu muito.
Aquela confissão pessoal adicionou uma nova camada à minha
percepção de Henrique. Não era apenas o CEO da Borges &
Associados; ele era alguém profundamente influenciado pelos
valores familiares, alguém que buscava honrar o legado de seus pais
não apenas na esfera profissional, mas também através de seu
impacto na comunidade.
— Isso é admirável da sua parte — disse, sentindo uma conexão
genuína entre nós, algo que transcendia nossa relação profissional.
Ao chegarmos ao carro, Henrique se virou para mim, a luz dos
postes iluminando seu rosto de maneira suave. Seu olhar carregava
uma mistura de gratidão e respeito.
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— Obrigado, Maísa. Por tudo. Sua ajuda foi crucial hoje, e... bem,
estou feliz por você fazer parte da equipe.
Aquele reforço de agradecimento, simples mas sincero, fechou a
noite com uma chave de ouro. Enquanto me afastava, sentia não
apenas o cansaço físico do dia longo, mas uma sensação de
contentamento profundo.
Henrique Borges, o enigmático CEO da Borges & Associados,
tinha se revelado muito mais complexo e humano do que eu poderia
imaginar.
E naquela noite, sob o vasto céu estrelado, me perguntei quanto
mais havia muito para descobrir sobre ele, e quão longe ele me
permitiria ir nessa descoberta.
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Havia uma particularidade em sua forma de pensar que
complementava a minha, trazendo insights que eu, sozinho, poderia
não ter considerado.
"O que você acha disso, Maísa?" tornou-se uma pergunta comum,
sinalizando um respeito mútuo que transcendia nossos papéis
profissionais.
Comecei a reconhecer seu trabalho abertamente, seja com um
elogio durante uma reunião de equipe ou um simples agradecimento
pessoal.
"Excelente trabalho nisso, Maísa," eu dizia, vendo a forma como
seus olhos brilhavam levemente com o reconhecimento. Era evidente
que ela valorizava essa apreciação, e eu, por minha vez, sentia-me
gratificado por poder oferecê-la.
Esses momentos, embora pequenos, começaram a se acumular,
cada um adicionando uma camada à minha percepção de Maísa.
Ela não era apenas uma secretária competente; ela era uma
pessoa com quem eu compartilhava risadas, respeito e,
surpreendentemente, momentos de conexão genuína.
Refletindo sobre essas mudanças, percebi que minha admiração
por Maísa estava crescendo. Não apenas por sua inteligência e
dedicação, mas pela pessoa que ela era fora dos limites do nosso
trabalho.
Essa realização trouxe uma sensação desconhecida, um
reconhecimento de que, talvez, houvesse algo mais entre nós, algo
que valia a pena explorar. No entanto, esses pensamentos trouxeram
consigo uma hesitação.
A linha entre o profissional e o pessoal é tênue, e eu sabia que
qualquer passo em falso poderia complicar as coisas. Ainda assim,
não podia negar a atração crescente, a forma como meus
pensamentos frequentemente se desviavam para ela, mesmo fora do
escritório.
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Era uma tensão sutil, uma dança de olhares e conversas que, dia
após dia, construía uma ponte invisível entre nós. Uma ponte que eu
estava, cada vez mais, disposto a atravessar.
A memória do momento, hoje mais cedo, quando nossos dedos
se tocaram por acaso, quando Maísa me entregou uma pasta, toma
conta da minha mente, expulsando todo e qualquer outro
pensamento.
Foi como se uma energia elétrica percorresse todo o meu corpo
única e exclusivamente por causa do toque simples.
Não era apenas a proximidade física ou o contato acidental que
nos deixou momentaneamente desorientados; era a súbita
consciência de uma atração latente, algo que até então havíamos
conseguido ignorar em meio à rotina de trabalho.
Depois, de volta à minha mesa, tentei me concentrar nos
relatórios e e-mails que exigiam minha atenção, mas meus
pensamentos insistiam em voltar para Maísa.
Sua expressão surpresa, o modo como seu rosto se corou
levemente quando nossos olhares se encontraram, tudo parecia
gravado em minha mente com uma clareza perturbadora.
Esse tipo de envolvimento era um território desconhecido para
mim. Como CEO da Borges & Associados, eu estava acostumado a
lidar com desafios complexos, a tomar decisões que afetavam o
futuro da empresa e seus funcionários. Mas esse turbilhão de
emoções pessoais era algo que eu não sabia como lidar.
Maísa havia se mostrado uma profissional excepcional desde o
primeiro dia, trazendo uma mistura de inteligência, eficiência e um
toque de calor humano que raramente se vê no ambiente
corporativo.
Sua capacidade de antecipar minhas necessidades e a forma
como ela lidava com as demandas do trabalho sempre me
impressionaram. Agora, percebia que minha admiração por ela não
se limitava às suas habilidades profissionais.
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— Henrique, tem um minuto? — A voz de Maísa quebrou o
silêncio, trazendo-me de volta à realidade do escritório.
— Claro. Do que você precisa? — respondi, tentando manter a
compostura, enquanto minha mente ainda vagava por pensamentos
a respeito da mulher que agora estava diante da minha mesa.
Ela estendeu um relatório para mim, uma expressão de
determinação iluminando seu rosto. A forma como ela se movia,
com confiança e propósito, já antecipava a seriedade com que
tratava suas responsabilidades.
— Revisei os números do último trimestre e acho que identifiquei
algumas áreas onde podemos otimizar nossos processos.
Ela abriu o relatório sobre minha mesa, seus dedos apontando
para gráficos e tabelas específicas. Cada ponto que ela destacava
era acompanhado de uma explicação clara e concisa.
— Veja aqui — ela apontou para um gráfico particular. — Se
conseguirmos reduzir nossos custos operacionais em apenas 5%,
sem comprometer a qualidade, podemos aumentar
significativamente nossa margem de lucro.
Eu ouvia, fascinado não apenas pela precisão de suas análises,
mas também pela energia com que apresentava suas ideias.
A forma como seus olhos se iluminavam, a maneira decidida com
que expressava suas opiniões. Havia uma beleza em sua
assertividade, uma força que me atraía de maneira que eu não
conseguia totalmente compreender.
— E como você sugere que façamos isso? — perguntei,
genuinamente curioso, me inclinando para mais perto do relatório
para acompanhar suas explicações, e consequentemente, para mais
perto dela. Puxei uma inspiração profunda e seu cheiro de baunilha
encheu meu nariz.
Maísa sorriu, encorajada pela minha pergunta, e começou a
detalhar sua proposta. Falava sobre renegociar contratos com
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Quando o dia de trabalho finalmente chegou ao fim, e os outros
funcionários começaram a deixar o escritório, percebi que Maísa e eu
estaríamos novamente trabalhando até mais tarde.
O projeto em que estávamos envolvidos exigia nossa atenção
extra, e eu sabia que essa seria uma oportunidade para entender
melhor o que estava acontecendo entre nós.
No entanto, decidi que qualquer que fosse o rumo desses
sentimentos, eles não poderiam interferir na nossa relação
profissional. Maísa era uma parte valiosa da equipe da Borges &
Associados, e eu não arriscaria perder sua contribuição por causa de
uma atração pessoal não resolvida.
"Vamos focar no trabalho", disse a mim mesmo, tentando
canalizar minha energia para as tarefas à frente.
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Era naquele espaço, que me sentia mais em casa, cercado pela
minha história, meus sonhos e os desafios que escolhi enfrentar.
Entretanto, naquele dia ele parecia incompleto, apenas porque eu
ainda não havia visto Maísa desde que chegara ao escritório.
Abaixei os olhos para a mesa, de design moderno e linhas limpas.
Ela ocupava uma posição central, cercada por prateleiras e armários
meticulosamente organizados. Os documentos e projetos em
andamento sobre ela imploravam pela minha atenção.
Expirei fundo, sentia-me tentado a me levantar e tentar trabalhar
na pequena área de estar, composta por duas poltronas de couro e
uma mesa de centro baixa, à minha esquerda. Não tinha visão da
mesa de Maísa dali, talvez funcionasse.
Meu coração acelerava ligeiramente toda vez que alguém passava
por sua mesa, uma reação involuntária nascida da expectativa
irracional de que fosse ela retornando.
Me peguei esfregando a têmpora, uma tentativa de aliviar a
tensão que se acumulou sem que eu percebesse. Focar no trabalho
tornou-se uma batalha, cada tarefa concluída uma vitória arrancada
da distração que Maísa, sem saber, lançou sobre mim, até a
monotonia da minha frustração ser quebrada pelo toque do telefone
sobre a minha mesa.
Hesitei por um momento antes de atender, um misto de alívio e
antecipação acelerando meu pulso.
— Henrique — a voz do outro lado era de Maísa.
Sua presença imediata, mesmo que apenas auditiva, preencheu
uma lacuna que eu não sabia que existia até aquele momento.
Ela explicou o motivo da ligação, algo relacionado à tarefa que foi
resolver, mas confesso que me perdi um pouco em sua voz. Havia
uma musicalidade nela que me cativava, e por um instante, permiti-
me apenas ouvir, sem realmente absorver as palavras.
— Você está aí, Henrique? — perguntou, uma leve risada em sua
voz, provavelmente percebendo minha distração.
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ciente das implicações.
Assim que ela retornou à sua mesa, chamei Maísa à minha sala,
ensaiando mentalmente como abordaria o assunto sem parecer
completamente insano.
— Maísa, tem um momento? — perguntei quando ela entrou,
fechando a porta atrás de si.
— Claro, Henrique. O que posso fazer por você? — Sua voz era
tranquila, mas notei uma ligeira hesitação em seus olhos.
Talvez ela pressentisse que o que eu estava prestes a pedir não
era uma solicitação comum. Respirei fundo, tentando encontrar a
melhor maneira de explicar a situação sem causar um mal-
entendido.
— Como sabe, temos aquele jantar de negócios na próxima
semana, — comecei, observando sua reação. — A presença deles é
crucial para o projeto. No entanto, fui informado de que o encontro
deve ser o mais casual possível... o que me levou a pensar.
Ela me olhava com atenção, claramente tentando antecipar onde
aquela conversa estava indo.
— E...? — incentivou, quando parei, procurando as palavras
certas.
— Preciso que você vá comigo. Mas não como minha secretária
— pausei, avaliando sua expressão. — Gostaria que você fosse como
minha acompanhante... minha namorada, para ser mais específico.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Maísa piscou algumas
vezes, processando o pedido. Sua surpresa era evidente nos olhos
escuros e nos lindos lábios cheios, hoje pintados com um batom
rosa choque, e por um breve momento, questionei a sanidade da
minha proposta.
— Henrique, isso é... inesperado. — Sua voz era cautelosa, mas
não havia censura nela, apenas surpresa. — Você tem certeza de
que é a melhor maneira de lidar com isso?
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Eu estava quase pronta, só me faltava uma última dose de
coragem.
Meus olhos vagaram do meu próprio reflexo para as janelas,
observando a noite sem fim de São Paulo. Senti meu estômago se
revirar em ansiedade, e o cronômetro que se instalou em minha
cabeça não pausou.
Engoli em seco e voltei a me encarar. O espelho de corpo inteiro
no meu quarto mostrava uma mulher pronta para um jantar
importante. O vestido que comprei com o cartão corporativo foi
escolhido especialmente para a ocasião e custou quase o dobro do
meu salário de secretária.
Henrique não aceitou uma negativa. Ele exigiu que fosse a Borges
a arcar com os custos da minha preparação, já que mesmo que a
peça sofisticada e com um decote um pouco mais profundo do que
seria adequado para um ambiente profissional, fosse perfeita para
um encontro, o jantar para o qual eu estava prestes a ir era um
evento de trabalho.
Eu precisava continuar lembrando a mim mesma disso.
A forma como o tecido se agarrava a cada umas das minhas
curvas, ressaltando-as de um jeito sensual, ao mesmo tempo em
que elegante, me fazia sentir confiante e, de certa forma,
vulnerável.
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coração estava batendo tão acelerado? Por que eu sentia que
respirar tinha se tornado uma tarefa tão difícil, de repente?
O cheiro de Henrique me envolveu como um abraço. Madeira, um
toque de menta, e um sopro alcoólico, como se ele tivesse acabado
de tomar uma dose do uísque que tanto gostava. E quando senti o
toque quase carinhoso, e ainda assim, firme, de dois dedos sob o
meu queixo, cada pelo do meu corpo se arrepiou.
Me obriguei a encarar aqueles olhos profundos.
No silêncio da noite paulista, nos encaramos sob respirações
controladas demais para o ritmo frenético do meu próprio coração.
— Estou nervosa — consegui me forçar a admitir.
— Por que? — perguntou, soando tão interessado que eu quise
revelar a verdade imediatamente.
— Não quero estragar tudo. É o meu primeiro jantar de negócios
— ofereci uma meia verdade e Henrique sorriu como se eu tivesse
acabado de lhe dizer o maior dos absurdos.
— Você não conseguiria estragar tudo nem se tentasse, Maísa.
Falei sério quando disse que sua presença era fundamental.
Mais um elogio.
Eles vinham se tornando comuns nas últimas semanas. E eu sabia
que essa era apenas mais uma estupidez da minha parte, mas meu
coração errava uma batida a cada vez que ouvia um. Sorri, adorando
ouvir meu nome em sua voz enrouquecida.
— Vou te lembrar disso — brinquei e Henrique espelhou meu
sorriso.
— Você já faz isso. O tempo todo.
Ele acenou na direção do SUV preto enorme, parado em frente ao
meu prédio, e quase agradeci aos anjos quando Henrique se virou
para fazer isso, perdendo a expressão boba que tomou conta do
meu rosto.
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— Co... — comecei, mas ao me dar conta de que ia gaguejar,
limpei a garganta. — Como?
— Podemos nos guiar pela forma como Augusto e a esposa se
portarão, mas acredito que alguns toques serão necessários, e é
muito possível que assuntos pessoais sejam tão discutidos quanto os
profissionais — Meu choque deve ter ficado estampado em meu
rosto, porque Henrique passou as mãos pelos cabelos, amaldiçoando
baixinho. Eu definitivamente não havia considerado nada daquilo
quando disse sim. — Me desculpe, Maísa. Nós podemos... Podemos
cancelar o jantar. Ainda há tempo. Não quero que você se sinta
desconfortável e...
— Não — o interrompi. — Não é isso, eu não estou desistindo. Só
realmente não tinha pensado em nada disso — falei rápido, só Deus
sabe por que com tanta pressa de colocar as palavras para fora. —
Estou bem — garanti. — Só fui pega de surpresa.
— Tem certeza? — questionou, parecendo torturado com a ideia
de que eu não estivesse bem e isso fez meu coração mudar de ritmo
outra vez.
— Absoluta. Só me dê um minuto, tudo bem?
—Tudo bem.
Henrique ficou em silêncio e minha mente correu em volta de si
mesma, lidando com as próprias expectativas, muitas delas
completamente fantasiosas, antes que eu voltasse a falar.
— Muito bem, precisamos definir algumas coisas — disse e
Henrique soltou uma risada que me fez piscar. — O que foi?
— Você. Sempre muito eficiente.
Minhas bochechas coraram outra vez.
— Me diga coisas sobre você. Coisas básicas, que uma namorada
saberia. Sei que você mora em uma cobertura, nos Jardins, e que
pode ir andando para o trabalho. Sei que você não toma chá e não
suporta laranja, e que se permite furar sua dieta equilibrada para
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comer chocolate apenas aos fins de semana, mas não sei sua cor
preferida. Você tem uma? E bichos de estimação? Você não tem
nenhum, certo? Mas gostaria de ter?
Henrique me observou em silêncio pelo que pareceu uma
eternidade antes de me responder.
— Como você sabe que não suporto laranja?
Mordi o lábio, constrangida, mas dei de ombros.
— Sou observadora.
O olhar que meu chefe me deu em resposta dizia que isso era
algo que ele já sabia a meu respeito.
— Marrom. Marrom é uma cor preferida.
Eu ri.
— É uma cor estranha para ser a preferida de alguém.
— Não me admira que você prefira o seu amarelo. — Meus olhos
se arregalaram levemente. — É essa a sua cor preferida, não é?
Amarelo? — Balancei a cabeça, concordando. — E não tenho um
animal de estimação. Tive um cachorro, na infância. Ele se chamava
Thor e era um vira-lata caramelo. Nunca me recuperei de sua perda.
Mas talvez, no futuro, deseje sim ter outro. Hoje em dia, não acho
que seria justo com o animal. Eu quase não fico em casa. —
Balancei a cabeça, concordando, sentindo-me incapaz de dizer
alguma coisa coerente, ainda me perguntando como ele poderia
saber qual era a minha cor preferida. — E você? Algum anima de
estimação?
— Tamagotchis[1] contam? — consegui brincar e Henrique riu.
— Acho que sim.
Ele piscou para mim. Limpei a garganta outra vez.
— E além de pedalar, você tem algum outro Hobbie?
Um brilho transpassou em seu olhar escuro, outra vez. Como se,
de novo, eu o tivesse surpreendido por saber de algo que Henrique
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nunca me contou com palavras. Mas eu era sua secretária, saber de
coisas a seu respeito fazia parte do meu trabalho.
O oposto, no entanto, era completamente injustificável, e quando
ele me respondeu com outra pergunta, senti-me ainda mais afetada.
— Não. — Ele balançou a cabeça de um lado para o outro. — E
você? Algum além da fotografia?
— Caminhadas — admiti, — mas um meio que completa o outro.
Você é um namorado ciumento, Henrique? — mudei de assunto
quando o silêncio que se estabeleceu entre nós ficou pesado demais.
Eu pretendia fazer uma brincadeira, até sorri ao terminar de dizer
as palavras, mas algo no olhar do meu chefe mudou quando desceu
do meu rosto até os meus pés, no carpete do carro, antes de voltar
para os meus olhos, fazendo uma pequena pausa em meus lábios.
— Nunca fui, mas se fosse você a minha namorada, Maísa, tenho
a impressão de que eu seria. Seria, sim — respondeu com firmeza, e
lutei contra o estremecimento que quis atravessar meu corpo inteiro.
Já era ruim o bastante que eu tivesse gostado tanto de suas
palavras. Eu não precisava demonstrar isso. Principalmente porque a
noite estava só começando. Ainda tínhamos um jantar inteiro pela
frente... E toques... Eu não podia me esquecer dos toques.
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— Você está pronta para isso? — perguntei, quebrando o silêncio
que havia se instalado desde que nos concentramos em revisar as
pastas espalhadas ao nosso redor.
— Sim, — ela respondeu, com convicção. — Temos uma proposta
sólida.
Sorri, satisfeito.
Isso era uma coisa que eu vinha fazendo frequentemente quando
Maísa estava por perto, sorrir. As perguntas sem respostas que eu
vinha me fazendo desde o evento beneficente se espalharam pelos
meus pensamentos outra vez.
Era um equilíbrio delicado, uma dança entre o profissional e o
pessoal que, até aquele momento, havíamos conduzido com uma
habilidade surpreendente, mas que eu me sentia cada vez mais
perto de errar o passo.
A cada dia, a vontade de olhar para ela o tempo todo se tornava
mais sobrepujante. A voz doce se tornara uma melodia quase
hipnótica, da qual eu não me cansava nunca. Me pegava fazendo
perguntas para as quais eu já sabia a resposta, apenas para ouvi-la
falar.
E esta noite, quando Maísa surgiu, passando pelas portas do
pequeno prédio em que vive, precisei de cada grama de
autocontrole que habita meu corpo para não a beijar. Honestamente,
ainda não sei o que pensar sobre isso.
Ser um homem controlado é algo de que sempre me orgulhei,
mas, a cada dia na companhia de Maísa, eu me sinto um pouco
menos dono das minhas próprias vontades, mas não consigo resistir.
Vê-la nesse vestido, com cada curva exposta e ressaltada, a boca
vermelha e os olhos ansiosos, acionou algo em mim que eu nem
mesmo sabia que estava lá. E falei sério, muito sério, quando disse
que seria um namorado ciumento se ela fosse minha.
Maísa é tão inteligente, divertida. Há uma leveza nela, uma
vivacidade, que nunca encontrou espaço em mim, mas que ao longo
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— Não mais do que nós — ele garantiu, tocando seus lábios nos
dela com suavidade e arrancando uma risada de todos nós.
O garçom se aproximou para anotar nossos pedidos, e foi nesse
interlúdio que a conversa começou a fluir mais livremente, num
diálogo mais descontraído, pontuado por trocas de experiências e
visões de futuro.
Augusto tinha uma presença imponente, complementada por um
sorriso fácil e uma conversa que fluía naturalmente. Beatriz, por sua
vez, equilibrava a equação com sua perspicácia e observações
afiadas, demonstrando um entendimento profundo do mercado e
das nuances dos negócios.
— Então, Henrique, como têm sido as coisas para você e sua
equipe ultimamente? — Augusto perguntou, iniciando um diálogo
que rapidamente evoluiu de formalidades para uma troca genuína de
experiências e ideias.
— Temos enfrentado nossos desafios, como todos, mas é
exatamente isso que nos mantém motivados. E vocês? Como têm
navegado pelas mudanças recentes no mercado? — retruquei,
interessado em compreender melhor suas perspectivas e
abordagens.
Beatriz aproveitou a deixa para compartilhar suas observações,
tecendo comentários que revelavam não apenas um entendimento
profundo do mercado, mas uma visão estratégica para o futuro.
— O mercado está sempre mudando, mas é na adaptação e na
inovação que encontramos nossas maiores oportunidades. Estamos
explorando algumas novas abordagens que, espero, nos colocarão à
frente — disse ela, seu olhar brilhando com a paixão de quem
verdadeiramente ama o que faz.
Maísa, ao meu lado, acompanhava a conversa com uma atenção
aguda, intercalando com contribuições oportunas que não apenas
destacavam sua inteligência, mas também a profundidade de sua
compreensão sobre o projeto em questão.
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Eu sorri, mesmo que não precisasse vasculhar minha mente atrás
de memórias que pudessem se equiparar à leveza e ao humor da
deles. Eu sabia que não as tinha.
— Na verdade, não tenho — admiti. — Não costumo fazer
reuniões fora do escritório, mas se essa aqui for um parâmetro,
talvez eu passei a fazer mais delas.
Beatriz sorriu brilhantemente diante do elogio sutil, os olhos azuis
praticamente vibrando, e Augusto soltou uma risada.
— Viu só, meu bem? — perguntou, segurando a mão da esposa e
levando-a até os lábios para deixar um beijo. — Estamos mudando
vidas — brincou, mas o que disse depois, era sério. — Na verdade,
fiquei bem surpreso por você ter aceitado essa reunião fora da
Borges. Sua fama te precede, Henrique.
Foi a minha vez de segurar a mão da mulher ao meu lado. Os
dedos de Maísa eram mornos e suaves contra os meus. Corri o
indicador e o médio até seu pulso, sentindo o ritmo acelerado ali
antes de erguer sua mão e deixar um beijo nas costas dela.
— Vocês não são os únicos mudando vidas — respondi a Augusto
com o mesmo tom de divertimento que ele imprimiu em suas
palavras, fazendo-o rir outra vez.
— A mudanças bem-vindas — Beatriz ergueu a taça em um
brinde.
— A mudanças bem-vindas — repeti, erguendo minha taça, mas
ao fazer isso, foi impossível olhar para qualquer lugar que não o
rosto de olhos escuros que também estava focado em mim.
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Inspirei profundamente, tentando fixar minha atenção no som
monótono da copiadora, na contagem das folhas, paredes pintadas
em um tom neutro de cinza que, em qualquer coisa que não fosse
Henrique.
Olhei para a janela pequena, alta na parede. O sol já se despedia,
era quase fim do expediente e talvez passar o restante do meu
horário na sala que era um testemunho da rotina administrativa do
escritório fosse mesmo minha melhor opção.
Pelo menos aqui eu podia me perder em meus pensamentos,
longe dos olhares curiosos e do medo constante de ser pega no
flagra. Aqui, minhas fantasias bobas se sentiam livres para povoar
minha mente como se tivessem alguma chance de se tornarem
realidade.
Cada interrupção da máquina, um olhar involuntário para a porta,
na esperança irracional de vê-lo entrar, que servia apenas como
lembrete de que Henrique, de algum modo, havia se aninhado no
cerne dos meus pensamentos.
E o que mais me confundia era não conseguir definir o momento
em que ele deixou de ser apenas meu chefe para se tornar algo...
mais.
Senti minhas bochechas aquecerem com a mera ideia, uma
reação que fervorosamente esperava que ninguém estivesse por
perto para perceber. Era ridículo, convenci a mim mesma, precisando
acreditar que o que sentia era somente admiração profissional, e
que esses devaneios eram uma distração desnecessária.
— Isso não é profissional, Maísa — sussurrei, quase convencida
de que verbalizar a crítica me faria acreditar nela.
Mas a verdade era que, por mais que tentasse negar, existia uma
faísca de interesse que eu não conseguia apagar. Não quando cada
pequeno detalhe sobre ele se mostrava tão cativante, não quando a
ideia de simplesmente conversar com ele me enchia de uma
antecipação quase insuportável.
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— brincou e eu sorri.
Estava aprendendo a adorar quando ele brincava comigo, quando
me mostrava vislumbres de um Henrique que ninguém além de mim
enxergava dentro da empresa. Eu me perguntava se, e até desejava,
que também não vissem fora dela.
— O que você quer comer?
— Você escolhe — disse sem demonstrar qualquer preocupação.
Eu ri.
— E se eu decidir pedir um balde cheio de algodão doce.
Henrique deu de ombros. Acho que foi a primeira vez que o vi
fazer um gesto tão banal quanto esse.
— Meu preferido é o de céu azul.
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olhar caiu para a boca de Henrique. Meu corpo inteiro parecia lutar
comigo para se aproximar dele e resistir a essa vontade era algo
quase doloroso. Limpei a garganta.
— Me conte alguma coisa que você achou que levaria mais tempo
para fazer do que realmente levou, na sua vida profissional — pedi,
me obrigando a me concentrar em outra coisa que não fossem as
vontades apertando meu estômago.
— Meu primeiro contrato bilionário — respondeu de imediato e
arqueei uma sobrancelha.
— Não parece muito modesto da sua parte responder tão rápido.
Henrique riu. Deus, como eu amava aquele som. Era tão raro de
se ouvir.
— Da próxima vez, vou fingir que preciso pensar — garantiu.
Outra vez, nossos olhares se prenderam e o ar ao nosso redor
pareceu se tornar mais pesado. Minutos que pareciam uma
eternidade se arrastaram entre nós enquanto um silêncio delicioso
se estendia até ser quebrado pelo som da chegada do e-mail que
aguardávamos.
Meu chefe ainda levou alguns segundos para se concentrar na
tela do computador, mas quando o fez, não demorou a me dar um
parecer.
— Temos o que precisamos.
Dividimos as tarefas: ele focaria na análise dos dados e na
elaboração de uma estratégia para mitigar os impactos negativos,
enquanto eu prepararia toda a documentação necessária para a
implementação das mudanças.
À medida que as horas avançavam, o silêncio do escritório vazio
se tornava um companheiro constante, pontuado apenas pelo som
de nossos teclados e pela ocasional troca de ideias sobre como
abordar o problema.
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A manhã de sábado trouxe consigo, uma pausa bem-vinda na
rotina frenética que eu havia estado imersa desde que comecei a
trabalhar na Borges & Associados.
A ordem do dia era aproveitá-lo para organizar minhas coisas e
me preparar para a viagem que estava por vir.
— Meu estômago parece estar dando cambalhotas por causa
dessa viagem, Geórgia, — confessei enquanto ajustava a posição de
uma das minhas plantas favoritas na janela.
A luz do sol da manhã banhava o apartamento, criando um
ambiente acolhedor que sempre me tranquilizava, mas não nos
últimos dias.
Desde a confirmação da viagem, nada me tranquilizava. Muito
pelo contrário, era como se cada minuto avançado pelo relógio
disparasse uma nova onda de ansiedade em meu peito.
— Você vai arrasar, Maísa. Você sempre faz, — Geórgia respondeu
com uma confiança que eu gostaria de sentir.
Sua imagem na tela do celular sorria para mim, um lembrete do
apoio incondicional que eu tinha da minha família, não importava a
distância.
— Sei que já estive num evento gala com Henrique, mas esse é...
Diferente. As coisas parecem diferentes — admiti, movendo-me pelo
apartamento até chegar ao meu quarto.
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O sentimento chegou de mansinho, se escorando na admiração e
na curiosidade, mas a cada troca, a cada olhar, a cada noite
trabalhada até mais tarde e pequeno vislumbre que ele me dava do
homem por trás do empresário, eu era mais atraída em sua direção,
como uma mariposa estúpida voando na direção da luz.
O ar me faltou e meus olhos se arregalaram. A gargalhada de
Geórgia encheu meus ouvidos, mas parecia distante, abafada, diante
do meu pânico crescente com a verdade que eu havia acabado de
tornar impossível de negar: apaixonada. Eu estava apaixonada pelo
meu chefe.
— Calma, Maísa — Geórgia disse, percebendo que eu não estava
me acalmando conforme os minutos avançavam. — Não é nada
demais. As pessoas se apaixonam o tempo todo, não precisa surtar.
Sentei-me na beira da cama com um suspiro.
— Ele é meu chefe — declarei, escondendo o rosto com atrás das
mãos, e jogando o tronco sobre o colchão, por cima das roupas
espalhadas nele.
— E um gostoso... Que te trata bem... Com quem você vem
passando muito tempo... Aliás, a única pessoa com quem você
realmente tem passado tempo nos últimos meses.
As palavras de minha irmã me fizeram franzir a testa e tirar as
mãos do rosto para encará-la. Geórgia estava de volta à frente da
câmera.
Seus cabelos pintados de loiro estavam soltos numa bagunça,
balançando sobre a celular. Ela estava inclinada sobre o balcão do
caixa da padaria já fechada para falar comigo.
— Será que é só disso que eu preciso? Conhecer outras pessoas?
Passar tempo com mais gente?
— Talvez.
Ela deu de ombros.
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— É, definitivamente, você enlouqueceu. Vou avisar ao papai e a
mamãe. Que pena ter de ser eu a dar a notícia, mas fazer o quê?
Ela gargalhou alto.
— Tudo bem, tudo bem. Pode me ignorar à vontade. A gente
volta a conversar depois que você voltar. E, aliás, você tem um
vestido para o evento de gala, certo? Aquele que comprou no mês
passado? — perguntou, e mesmo sentindo que havia segundas
intenções na escolha do novo assunto, fiquei grata por ela.
— Sim, eu tenho o vestido.
— Ótimo! O vestido é importante, é a arma número três no seu
arsenal.
— E qual é a primeira? E a segunda? E arsenal de quê, sua
doida?
— A primeira é você ser incrível no que faz, óbvio! Para alguém
viciado em trabalho como o seu chefinho, isso deve ser muito
importante — declarou como se a louca fosse eu. — A segunda é
esse seu rostinho lindo e muito parecido com o meu que, pode não
ser o principal, mas convenhamos, ajuda. E como assim arsenal de
quê? De conquista, oras! Do que mais seria?
Bufei, indignada.
— Essa viagem pode ser um ponto de virada para mim,
profissionalmente, e você aí, falando besteiras.
— Eu já disse! Uma coisa não elimina a outra, você pode ter seu
ponto de virada profissional, e isso não impede que também tenha
um pessoal. Não é como se o Henrique fosse alguém sem sua
secretária estelar, não é mesmo? — Geórgia brincou.
— Os anos de sucesso que ele teve antes de começarmos a
trabalhar juntos teriam alguma coisa a dizer sobre isso.
Ela tremeu os lábios e dispensou minhas palavras com um aceno.
— Detalhes. — Não pude resistir, acabei rindo da loucura da
minha irmã mais velha. — E quero fotos. Muitas fotos! Da cidade, da
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O clube de golfe era o mesmo de sempre, com sua arquitetura
imponente e os gramados perfeitamente aparados sob o sol de
domingo.
Não vinha aqui há anos, mas sabia que era lugar para encontrar
Thomaz, especialmente depois de ele ter ignorado deliberadamente
minhas tentativas de contato ao longo das últimas semanas. Eu
precisava acertar as coisas.
Avistei Thomaz em uma mesa reservada, exatamente onde
esperava encontrá-lo. Sua postura relaxada contrastava com a
tensão que eu sentia, mas isso não me surpreendeu. Thomaz
sempre teve essa habilidade de parecer à vontade em qualquer
situação.
— Thomaz — Eu disse, aproximando-me cauteloso.
Ele me olhou de cima a baixo, fingindo surpresa.
— Me desculpe, senhor, eu o conheço? — Thomaz brincou, um
brilho travesso em seus olhos.
Revirei os olhos, aceitando o jogo. Sabia que a reconciliação viria
com seu próprio conjunto de regras não ditas, cortesia do senso de
humor único do meu amigo.
— Muito engraçado.
— Engraçado? É que não me lembro do seu rosto... Quer dizer,
ele me lembra muito de um amigo que eu tenho, mas amigos não
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— Giovanna. É advogada.
— Sua? — questionei com as sobrancelhas arqueadas.
— Não! — Ele se apressou em negar, erguendo as mãos
espalmadas para mim. — Deus me livre me envolver de novo com
alguém no trabalho!
As palavras não tinham endereço, mas me acertaram com força,
mesmo sabendo que as situações eram completamente diferentes.
Meu amigo estava sempre apaixonado, o que, no fim das contas,
significava que ele nunca se importava de verdade com nada ou
ninguém. E era por isso que se envolver com alguém com quem
precisava lidar profissionalmente havia sido uma péssima ideia de
todas as vezes que aconteceu.
Era diferente no meu caso.
Caso? Eu tinha um caso?
Desviei o olhar para os campos verdes infinitos ao meu redor, e a
brisa morna da tarde de domingo acariciou meu rosto enquanto eu
lidava com a minha própria hipocrisia. Havia dias que não conseguia
tirar uma mulher da cabeça, se isso não significasse que eu tinha
uma situação em mãos, não sabia o que mais poderia significar.
— Nos conhecemos em um evento — Thomaz contou. — um
desfile de moda. Giovanna adora essas coisas.
— E o que você estava fazendo lá?
— Explorando novos interesses?
Eu ri.
— Você é um canalha, Thomaz.
Ele ergueu a própria xícara de café.
— Um brinde a isso.
A conversa eventualmente desviou para territórios mais sérios, e
Thomaz, com a delicadeza que a ocasião pedia, abordou o elefante
na sala: meus próprios sentimentos.
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O sorriso de Maísa tomou conta dos meus pensamentos
imediatamente. Eu não deveria querer tanto algo que não posso ter.
— Você já quis algo que não podia ter, Thomaz? — perguntei, e
meu amigo arqueou uma sobrancelha que me dizia que aquela era
uma pergunta idiota.
— O tempo todo — respondeu já rindo.
— E o que você fez quanto a isso? Você pode achar que a idade
não é impedimento para viver grandes aventuras, mas com certeza
deveria ser para fazer grandes gestos estúpidos.
— Por quê? — perguntou, dando de ombros outra vez. — O que
você tem a perder, Henrique?
Credibilidade, bom senso, orgulho... As palavras dançaram na
minha mente imediatamente, mas meu amigo ainda não havia
acabado de falar.
— É mais do que você tem a ganhar? — Thomaz perguntou e,
outra vez, a risada deliciosa de Maísa ecoou em minha mente.
Seu nome, sua voz, seu sorriso, tudo sobre ela ecoava como um
mantra em minha mente, despertando sentimentos que eu havia
tentado suprimir.
Ela tinha se tornado uma constante em minha vida desde que
começamos a trabalhar juntos. Sua presença vibrante e sua energia
contagiante iluminavam os dias monótonos no escritório.
Agora, com uma viagem de negócios às portas, a proximidade
inevitável entre nós só servia para intensificar esses sentimentos.
Uma parte de mim ansiava pela oportunidade de passar mais tempo
ao lado dela, de desvendar os segredos por trás daqueles olhos
expressivos e de mergulhar naquele sorriso encantador.
No entanto, outra parte de mim resistia a essas emoções
emergentes, temerosa do desconhecido e do caos que poderiam
trazer para minha vida meticulosamente planejada.
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— Pelo jeito como você está olhando para tudo ao seu redor,
parece que estamos na Disney, e não no Rio de Janeiro — Henrique
provocou e senti minhas bochechas esquentarem imediatamente.
A cidade se desdobrava diante de mim como uma tapeçaria viva,
repleta de cores e texturas. Do assento traseiro do carro, eu
observava, fascinada, o contraste marcante entre o azul profundo do
céu e a complexidade da paisagem urbana.
A luz da manhã tingia tudo de dourado, destacando os contornos
dos edifícios, dos morros ondulantes e da vegetação que
teimosamente reivindicava seu espaço entre o concreto.
As ruas, pulsantes com a energia da vida cotidiana, eram um
espetáculo à parte. Pessoas transitavam com pressa, misturando-se
aos vendedores ambulantes cujas vozes se elevavam, oferecendo
desde artesanato até refrescos que prometiam alívio contra o calor
persistente, nesse aspecto, tudo muito parecido com São Paulo.
Ao nos aproximarmos da orla, a vastidão do oceano capturou
toda a minha atenção. As praias, linhas douradas que se estendiam
à beira do mar azul, eram palco de um vaivém relaxado de
transeuntes, crianças brincando à beira d'água e surfistas em busca
da onda perfeita.
O encontro do verde das árvores com o azul do oceano pintava
um quadro de harmonia natural, uma paisagem que parecia saída do
descanso de tela de um computador direto para a frente dos meus
olhos.
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organizados, para ter o que fazer com as mãos.
— Vamos revisar a agenda?
— Claro — concordou com suavidade.
A primeira página listava todas as reuniões em filiais da Borges &
Associados, marcadas em intervalos que mal nos deixavam tempo
para respirar. Seguiam-se almoços com parceiros de negócios, cada
um cuidadosamente escolhido por Henrique para fortalecer laços e
explorar novas oportunidades.
— Na quarta-feira, temos a visita àquela empresa de tecnologia
em Campinas. — Marquei com o dedo a linha correspondente no
documento. — Você está considerando absorvê-la, não está?
Henrique assentiu, um brilho de interesse passando por seu olhar.
— Exatamente. Sua inovação pode ser o que precisamos para
expandir nossa presença no mercado tecnológico. Sua opinião será
crucial, Maísa.
Senti um calor agradável se espalhar pelo meu peito com suas
palavras, exatamente como acontecia quando ele pedia minha
opinião em qualquer que fosse o assunto, importante ou não.
— Farei o meu melhor — prometi, sentindo uma mistura de
nervosismo e excitação.
Continuei repassando com ele cada um dos nossos compromissos
até chegar ao último.
O ápice de nossa visita à cidade maravilhosa e o maior motivo do
meu nervosismo: o evento de gala no sábado à noite, o aniversário
de 60 anos do presidente do escritório de advocacia que há anos
prestava serviços inestimáveis à Borges & Associados.
— O gala... — comecei, hesitante. — Há algo específico que você
espera dessa noite?
Henrique lançou-me um olhar lateral demorado, um vislumbre de
algo indecifrável passando por sua expressão antes de ele
responder.
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O motivo? Uma gafe hilária de um dos parceiros durante a
reunião da manhã, que confundiu um termo técnico por algo
completamente fora de contexto.
Henrique, tentando manter a compostura na frente de todos,
acabou soltando uma risada abafada, o que, por sua vez, me fez
perder completamente a minha. Agora, longe dos olhares curiosos e
formais da sala de reuniões, permitíamo-nos rir livremente da
situação.
— Você deveria ter visto seu rosto, Henrique! — eu disse,
enxugando uma lágrima de diversão do canto do olho. — Eu nunca
imaginei que você poderia ficar tão vermelho.
— Ah, Maísa, confie em mim, eu estava tentando
desesperadamente pensar em algo para dizer que pudesse consertar
a situação sem ofender ninguém — Henrique confessou, ainda rindo.
Ele parecia mais relaxado, os traços normalmente sérios de seu
rosto suavizados por um sorriso genuíno.
Estávamos sentados em uma mesa reservada em um restaurante
charmoso, escolhido por Henrique por sua discrição e pela qualidade
da comida. O ambiente era acolhedor, com uma decoração que
equilibrava elegância e simplicidade, e uma vista impressionante da
cidade que se estendia além das janelas panorâmicas. O Rio de
janeiro era mesmo uma cidade maravilhosa.
— Eu acho que isso só prova que ninguém está imune a
momentos embaraçosos, não importa quão preparado você esteja —
eu disse, dando uma olhada no menu.
— Verdade — Henrique concordou, dando uma olhada no próprio
cardápio. — Mas estou contente que foi você quem estava lá
comigo.
Houve um calor nessa declaração, um reconhecimento tácito da
proximidade que havíamos desenvolvido ao longo dos últimos meses
e das incontáveis horas de trabalho juntos.
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Houve um breve silêncio entre nós, carregado de significado não
expresso. O ar parecia vibrar com as palavras não ditas, com a
compreensão mútua de que algo estava mudando, evoluindo entre
nós.
— Maísa, eu... — Henrique começou, mas foi interrompido pela
chegada de nossos pratos. Trocamos um olhar, uma comunicação
silenciosa que concordava em pausar a conversa, por enquanto.
O almoço transcorreu com mais trocas leves, comentários sobre o
trabalho e planos futuros. Mas havia uma corrente subjacente de
algo mais profundo, uma conexão que continuava a crescer com
cada gesto compartilhado e cada olhar trocado.
Eu não sabia para onde isso nos levaria, mas, naquele momento,
sentada à mesa de almoço com Henrique, eu estava aberta a
descobrir. Talvez eu não precisasse daquele plano, afinal...
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cronograma para incluir os feedbacks? — perguntou, levantando os
olhos dos papéis para me encarar.
— Sim, sim, claro — respondi, um pouco tarde demais, minha voz
traída por um momento de hesitação.
A verdade é que, apesar da importância do nosso trabalho,
encontrava-me lutando contra a distração desde o momento em que
entramos no carro.
Não era a paisagem urbana do Rio ou o cansaço do dia que
desviava minha atenção, mas a beleza de Maísa.
A luz suave do luar, entrando pelas janelas escurecidas do carro,
iluminava seu rosto, destacando a expressão concentrada que ela
dedicava aos documentos. Havia uma elegância simples nela, desde
a maneira como prendia uma mecha do cabelo atrás da orelha até o
modo como suas mãos se moviam com propósito.
— E sobre o orçamento para o próximo trimestre? Você acha que
devemos revisá-lo agora ou esperar pelo feedback da diretoria? —
Maísa continuou, alheia aos meus pensamentos.
Engoli em seco, forçando minha mente a retornar aos detalhes do
projeto.
— Acho que uma revisão preliminar seria prudente. Assim,
estaremos um passo à frente quando recebermos o feedback —
consegui dizer, esperando que minha resposta soasse mais
convincente do que me sentia.
À medida que a conversa avançava, eu fazia um esforço
consciente para me concentrar no trabalho, para ouvir
verdadeiramente o que Maísa estava dizendo. Mas mesmo enquanto
discutíamos táticas e objetivos, não podia negar o efeito que sua
proximidade tinha sobre mim.
A viagem estava chegando ao fim e tudo o que tínhamos feito até
agora havia sido um verdadeiro sucesso. Os negócios estavam
encaminhados, os clientes satisfeitos, e os contratos assinados, mas
a perspectiva de retornar para casa... Ela não era como deveria ser.
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Havia algo mais, algo que eu não conseguia ignorar. Uma faísca,
um lampejo que queimava cada vez mais intensamente a cada olhar
trocado, a cada sorriso compartilhado e o qual estava se tornando
impossível continuar a ignorar.
Ela olhava pela janela do carro, perdida em seus pensamentos
depois que terminamos o trabalho, enquanto eu estava perdido nela.
Meus olhos completamente incapazes de se desviarem do seu rosto
lindo, dos olhos sensíveis, dos lábios cheios. Será que eram tão
gostosos quanto pareciam?
Seus cabelos castanhos refletiam a luz amarelada dos postes da
rua, criando uma aura de serenidade ao seu redor. Agir por impulso
não era algo que eu me permitia fazer com frequência, não era algo
que eu me permitia fazer nunca, na verdade.
Mas essa mulher, havia algo sobre ela, que estava sempre me
fazendo desejar ser mais, talvez ser melhor. Eu ainda não estava
pronto para encerrar a noite, para encerrar essa viagem como um
todo.
— Maísa — comecei com minha voz soando mais rouca do que o
habitual. Olhos brilhantes se desviaram das ruas borradas para se
concentrar em mim e Maísa sorriu. Eu a queria. A queria muito. E
sabia que uma vez que decidisse tê-la, nada ficaria no meu caminho.
Não era uma decisão para tomar com leviandade. — Você gostaria
de tomar uma bebida comigo? Acho que merecemos um brinde pelo
sucesso da viagem.
Ela entreabriu os lábios, o castanho dos seus olhos brilhando com
uma mistura de surpresa e expectativa. Ela sorriu, um sorriso
radiante que iluminou seu rosto e fez meu coração saltar no peito.
Até Maísa chegar à minha vida, eu não me lembrava de que ele
ainda era capaz de fazer isso.
— Eu adoraria. — Sua voz suave como uma carícia na brisa
noturna. — Um brinde ao sucesso e a novas oportunidades.
Nos encaramos com sorrisos pequenos nos lábios pelos poucos
minutos que levaram até que o carro parasse diante do hotel. Maísa
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desceu primeiro, eu a segui.
Atravessamos o hall com passos calmos até o bar do hotel. O
consierge nos levou a uma mesa redonda e afastada, um canto
discreto com vista para a piscina, como se pudesse ler aquilo que
não fui capaz de admitir em voz alta ainda.
A água cristalina refletia as luzes suaves da noite. O local estava
tranquilo, apenas alguns hóspedes dispersos conversando em
sussurros, criando um ambiente perfeito para uma comemoração
íntima.
Maísa sentou-se de frente para mim, e agradeceu ao garçom pelo
menu com o sorriso deslumbrante de sempre, mas havia algo em
sua postura que sugeria que ela também sentia a singularidade
daquele momento.
— O que você sugere? — ela me perguntou quando o garçom se
afastou. — Não estou acostumada a beber, e nossa! São tantas
opções!
— Você prefere sabores suaves ou mais intensos?
Ela ergueu os olhos do menu e fixou-os em mim. A língua correu
sobre os lábios, primeiro o superior, depois o inferior, e Maísa
pareceu segurar a respiração por um instante ou dois.
— Não sei — admitiu.
— Você quer experimentar? Podemos pedir uma seleção — sugeri
dando de ombros.
— Está tentando me embebedar, senhor Borges? — brincou.
— Não, preciso de você completamente sóbria para o que tenho
em mente, senhorita Cardoso — respondi no mesmo tom e ela
corou. Eu adorava quando ela corava.
— Acho que vou querer uma taça de espumante — decidiu por
fim. — Amanhã é o último dia, mas ainda temos compromissos.
— Vou acompanhar você.
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A noite avançava, mas nenhum de nós parecia disposto a dar um
fim àquele encontro. As taças vazias foram esquecidas, enquanto
nos perdíamos em conversas que variavam entre o profissional e o
profundamente pessoal.
Cada palavra, cada risada compartilhada, parecia nos aproximar
ainda mais, tecendo um laço invisível que eu sabia ser impossível de
ignorar.
Cada minuto na companhia de Maísa me deixava mais ansioso do
que o anterior. Sentia-me um adolescente, outra vez. Um moleque,
ansioso pela atenção de uma conquista.
— Maísa... — comecei, hesitante, buscando as palavras certas e
ela inclinou a cabeça, curiosa.
— Sim? — A única palavra que me deu em resposta era cheia de
expectativa.
Estendi a mão até seu rosto e acariciei sua bochecha
suavemente, mas não foi o suficiente. Choque elétrico percorreu
meu corpo e no instante em que toquei sua pele, me tornei
ganancioso. Meus dedos desejaram se infiltrar sob seus cabelos,
espalhando-se pelo couro cabeludo.
Imaginei suas pálpebras se fechando em reação, e os lábios
cheios se entreabrirem quando Maísa suspirasse, mas não fiz mais
do que escovar suavemente a maçã de seu rosto antes de recuar o
toque.
Ela me observava, seus olhos castanhos expressivos procurando
os meus, e eu podia ver o reflexo das luzes da piscina dançando em
seu olhar. Era um momento de vulnerabilidade compartilhada, uma
conexão que parecia suspender tudo ao nosso redor.
— Henrique, eu... — Ela começou, mas então parou, como se não
tivesse certeza de como continuar.
— O que é? Você pode me dizer qualquer coisa.
Ela procurou as palavras, uma luta visível em seus olhos.
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O elevador descia lentamente, e cada andar que passava parecia
acrescentar uma nova camada de ansiedade à tempestade já
tumultuada dentro de mim.
Deveria ser uma coisa boa que a festa fosse acontecer no hotel
onde estávamos hospedados, mas a proposta de Henrique para que
deixássemos de lado nossas personas profissionais e simplesmente
nos divertíssemos juntos, no evento de gala, reverberava em minha
mente, misturando-se com as memórias do momento compartilhado
na noite anterior no bar do hotel.
Eu havia fugido, dominada pelo medo de que minhas palavras
escapassem sem permissão, revelando sentimentos que eu não
estava pronta para admitir — principalmente com o risco de ele não
sentir o mesmo.
Hoje, o dia de trabalho tinha sido envolto em um silêncio que era
tudo, menos confortável. Trocamos poucas palavras, concentrando-
nos nas tarefas que precisávamos concluir antes do evento da noite.
A tensão entre nós era palpável, um elefante branco na sala que
ambos escolhemos ignorar. Agora, eu estava prestes a enfrentá-lo
novamente, dessa vez em um ambiente social onde não poderíamos
nos esconder atrás de papéis e laptops.
Meu coração batia forte, ecoando contra as paredes de metal do
elevador. Minhas mãos tremiam levemente, e eu as esfregava no
vestido na tentativa de acalmá-las.
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— Você está deslumbrante — disse ele, seu olhar penetrante
finalmente se focando no meu, a voz rouca.
— Obrigada, Henrique. Você também está... — Minha voz falhou
um pouco, traída pela emoção. — Muito bem.
Nós começamos a caminhar em direção ao salão do evento, e eu
podia sentir o calor dele ao meu lado. Era uma sensação
estranhamente reconfortante, mas ao mesmo tempo, ampliava a
confusão emocional que eu estava tentando controlar.
A atração que eu sentia por ele era irresistível, uma força
magnética que me puxava em sua direção, apesar de todos os meus
esforços para manter a distância.
A opulência do ambiente envolvia meus sentidos, ampliando a
mistura de nervosismo e ansiedade que eu já estava sentindo. O
chão de mármore brilhante refletia as luzes suaves e douradas
penduradas elegantemente do teto alto, criando um jogo de
sombras e luz que parecia dançar ao ritmo dos nossos passos.
À nossa volta, colunas imponentes se erguiam, adornadas com
detalhes em ouro e entalhes delicados, evocando a grandiosidade de
uma era passada.
O ar estava impregnado com um sutil aroma floral, proveniente
dos arranjos de flores frescas dispostos em mesas de centro e nos
balcões da recepção, cada um mais elaborado que o outro,
adicionando um toque de vida e cor ao luxo estático do mármore e
do metal.
O lobby burburava com a energia de outros hóspedes, também a
caminho do evento de gala, suas vozes um murmúrio constante que
se misturava à música ambiente, suave e convidativa. Mulheres em
vestidos elegantes e homens em trajes formais moviam-se com uma
graça estudada, suas risadas e conversas pontuando o ar com uma
expectativa palpável.
A cada passo, eu podia sentir sua presença se maneira quase
opressiva ao meu lado. Era estranho como sua proximidade
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Era difícil resistir à atmosfera do evento, que a cada minuto,
parecia se encher mais de um brilho especial, iluminada por risos e
música, tecendo uma magia invisível ao redor de todos nós.
Eu estava parada à margem da pista de dança, observando os
casais girarem ao som de uma melodia suave, depois de voltar do
banheiro e preferir não me aproximar imediatamente da roda onde
deixei meu chefe, quando senti sua presença ao meu lado.
— Maísa — sua voz era um sussurro quente em meu ouvido,
fazendo-me virar em sua direção. — Dança comigo?
Havia uma hesitação em seu convite, como se ele também
sentisse o peso do momento, a importância desse gesto simples,
mas íntimo.
Eu olhei para ele, capturada pelo brilho de expectativa em seus
olhos. Por um instante, permiti-me hesitar, ciente de que aceitar sua
mão seria mais do que apenas um passo na direção da pista de
dança; seria um passo em direção a ele, em direção ao que ambos
estávamos tentando negar.
— Eu adoraria — disse finalmente, colocando minha mão na dele.
Henrique me guiou até o centro da pista de dança, e quando a
música nos envolveu, ele me puxou para perto. Sua mão estava
firme em minha cintura, a outra segurando a minha com delicadeza.
Seu cheiro me dominou completamente, assim como seu calor.
Havia uma elegância em seus movimentos, uma segurança que
me permitia seguir sua liderança sem hesitação. Ele dançava com
uma confiança que, de alguma forma, transmitia-se para mim,
fazendo-me esquecer da multidão ao nosso redor, do barulho, de
tudo exceto do som da música e da sensação de estar em seus
braços.
À medida que dançávamos, nossos corpos encontravam um ritmo
comum, movendo-se em harmonia com a melodia. A proximidade
me fazia arder por dentro, uma mistura de nervosismo e desejo que
eu lutava para controlar.
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— Maísa! — chamei novamente.
Quando ela fugiu da pista de dança, uma parte de mim sabia que
não podia deixá-la partir assim, não sem entender o turbilhão de
emoções que parecia nos envolver.
Movido por um impulso que eu não conseguia — e não queria —
controlar, segui-a até o elevador, chegando bem a tempo de vê-la
apertar o botão desesperadamente, como se pudesse escapar dos
sentimentos que a assolavam.
A porta estava prestes a se fechar quando coloquei a mão para
impedi-la, entrando no espaço confinado com Maísa. O peso do
silêncio entre Maísa e eu era palpável.
Ela estava lá, imóvel, de costas para mim, a cabeça baixa, como
se tentasse reunir forças para enfrentar algo imenso, e eu podia ver
a tensão em cada linha do seu corpo.
Eu não precisava de palavras para saber o que estava
acontecendo; a emoção que vibrava no ar dizia tudo. A dança tinha
sido um ponto de inflexão.
Com quarenta anos nas costas, eu tinha aprendido a identificar o
que queria e, mais importante, a agir em função disso. A hesitação
nunca foi uma característica minha.
— O que está acontecendo? — perguntei, minha voz mais rouca
do que pretendia.
Ela demorou um momento para responder, e quando finalmente
se virou para me encarar, os olhos dela estavam brilhantes, um
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sentir o batimento cardíaco dela contra o meu, dois ritmos
acelerados em perfeita sincronia.
O mundo ao nosso redor desapareceu, deixando apenas a
sensação de seus lábios nos meus, a doçura de seu beijo, a maneira
como ela se encaixava perfeitamente em meus braços. Quando
finalmente nos afastamos, foi apenas para buscar ar, nossas testas
encostadas, nossos olhares trancados em uma promessa silenciosa.
Maísa não me encarava com surpresa, mas com reconhecimento.
Ela sabia, assim como eu, que a partir daquele momento, não havia
volta. Beijei-a outra vez.
Nossas línguas, lábios e dentes se tocando, entrelaçando e
banqueteando uns nos outros. A sensação da sua pele sob as
minhas mãos era uma delícia e as roupas entre nós se tornaram
muitas.
O elevador chegou ao nosso andar, mas nenhum de nós fez
menção de se mover. Estávamos enredados em nossa própria bolha
de desejo e necessidade.
— Por favor, me diz que você vai me deixar levar você para o meu
quarto — pedi, beijando a linha do seu maxilar até alcançar a orelha
e chupando o lóbulo, antes de lamber atrás dele e assoprar. Maísa
estremeceu em meus braços, um gemido baixo escapou da sua boca
e meu corpo inteiro reagiu. Eu estava faminto por ela. — Por favor
— repeti. Se ela quisesse que eu implorasse, eu não me importaria
em fazê-lo.
— Deixo.
A palavra saiu da sua boca em um sopro morno quando
mordisquei seu queixo. As portas do elevador se abriram e não me
afastei de Maísa quando recuei alguns passos, andando de costas
para sair de dentro da caixa metálica.
Rimos quando tropecei, mas nenhum de nós fez qualquer
movimento para se desvencilhar um do outro enquanto
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Enganchei um dedo na alça quando a peça foi aberta, deslizando-
a pelo braço, e o tecido cedeu, descendo até revelar o corpo quase
completamente nu de Maísa. As costas estavam completamente
livres, e a bunda coberta por uma calcinha mínima de renda preta.
Minha ereção pulsou em minhas calças, lutando contra o tecido,
fazendo minhas bolas latejarem, doloridas. Afundei meus dedos nas
coxas grossas, arrastando-os para cima ao mesmo tempo em que
empurrava o corpo de Maísa na direção do meu. Suas costas se
colaram ao meu peito.
— Sem sutiã, linda? — perguntei, em seu ouvido, abaixando os
olhos para finalmente ver os seios descobertos.
Em formato de pera, eles tinham o tamanho perfeito para encher
minhas mãos e foram os próximos destinos delas. Maísa gemeu
quando peguei os bicos entre os meus dedos, provocando-os entre
os polegares e indicadores.
Empurrei minha ereção em suas costas. Mesmo que ela estivesse
de salto, eu ainda era muito mais alto, então ela se empinou, num
pedido silencioso para que eu esfregasse o lugar certo.
Dei o que ela queria, amassando seus peitos em minhas palmas,
chupando seu pescoço com vontade, então a virei, espalmei sua
bunda e a impulsionei para cima.
Maísa pulou, enlaçando minha cintura com as pernas, afundando
os saltos em minha bunda. Atravessei o quarto, na direção da cama,
com nossas bocas coladas. Ela gemia e se esfregava em mim a cada
passo, me enlouquecendo, e quando a joguei no colchão, ela quicou,
mas não permaneceu deitada.
Maísa se ajoelhou e arrastou-se até a ponta da cama. Suas mãos
voaram para a minha camisa, desfazendo os botões, depois,
empurrando-a pelos meus ombros. Os dedos pequenos e mornos
desceram lentos pelo meu peito, pelos meus braços, meu abdômen
se contraiu quando marcaram sua passagem por lá também.
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Pisquei para a luz suave da manhã que se infiltrava pelas
cortinas, banhando a suíte presidencial em tons dourados e
acariciando minha pele com seu calor tímido.
Ao meu lado, Henrique ainda dormia profundamente, o ritmo
tranquilo de sua respiração um contraponto ao tumulto de emoções
que me invadia.
Enquanto observava seu rosto relaxado no sono, a realidade do
que havíamos compartilhado começou a se assentar, mesmo que o
mundo ainda parecesse suspenso.
A noite anterior tinha sido... inesperada e, ao mesmo tempo,
desejada. Muito desejada. Suspirei, sentindo o ardor delicioso entre
as minhas pernas, a prova irrefutável do que fizemos.
Uma coisa era certa: havíamos cruzado uma linha, mergulhado
em águas que até então havíamos apenas circulado cautelosamente.
Agora, enquanto o silêncio enchia o quarto, as dúvidas começavam a
se infiltrar.
O que isso significava para nós? Para o nosso futuro? Para a
minha vida profissional? O que mudaria daqui para frente? O que já
havia mudado?
Ainda assim, havia algo confortável em vê-lo assim, tranquilo e
desarmado. Permiti-me um momento para apreciar a paz, antes que
a realidade e suas complicações inevitáveis voltassem a nos
pressionar.
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Eu queria memorizar a sensação de tocá-lo, gravar o momento
em minha alma como uma promessa silenciosa de que o que
aconteceu entre nós, não se resumiria a noite que acabou.
No entanto, a incerteza também cavava seu espaço em meu
coração. O medo de que a magia da noite anterior pudesse se
desfazer ao enfrentarmos a luz do dia me assaltava, uma
preocupação persistente sobre se poderíamos, ou não, passar pelas
barreiras que nos separavam fora dessa suíte presidencial.
Olhei para o relógio na mesa de cabeceira, constatando que
faltavam três horas para o nosso voo de volta à São Paulo. Com um
suspiro, decidi que era hora de começar o dia.
Havia muito o que fazer, mas assim que me movi com a intenção
de me levantar, braços se apertaram ao redor da minha cintura.
— Vai a algum lugar? — A voz rouca perguntou, abafada no meu
pescoço. Sorri. Era uma delícia. A voz de Henrique pela manhã era
uma delícia.
— De volta ao meu quarto — sussurrei.
— Por quê?
Ele recuou o rosto, encarando-me, e nos seus olhos não havia
nem um traço sequer da confusão dominando meu peito.
— Nosso voo é daqui a pouco — murmurei contra a boca que
estava separada da minha por milímetros.
Não resisti, rocei nossos lábios e Henrique entendeu isso como
um convite, puxando meu corpo ainda mais para o seu. O atrito das
nossas peles nuas me arrancou um gemido. Ele beijou meu pescoço,
lambeu minha garganta e enfiou uma perna entre as minhas.
— Henrique — gemi seu nome manhosamente e ele mordiscou e
puxou minha orelha.
— Viu só, linda? Por que a pressa? — questionou num tom
divertido, então estava em cima de mim.
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Meus gritos encheram o quarto, cada entrada e saída um novo
arfar. O sangue rugia em meus ouvidos, meu coração batia
tresloucado, o suor escorria pela minha testa e espinha.
— Henrique, eu... — Não consegui terminar a frase, ela foi
cortada por mais um grito, rasgando minha garganta.
— Você o quê, Maísa? — ele exigiu, ignorando minha
incapacidade. — Você o quê?
— Eu vou... — Gritei quando ele beliscou meu clitóris e antes que
eu pudesse pronunciar a palavra, explodi num gozo avassalador, um
ainda mais do que os anteriores.
Meu corpo inteiro convulsionou, uma palavra longa e
incompreensível se arrastou pela minha garganta por todo o tempo
que levei para perceber que ainda a estava dizendo, e pisquei,
voltando a mim, no exato momento em que Henrique grunhia a
própria libertação, enchendo a camisinha.
Ele se deitou ao meu lado, nós dois ofegantes, e fechei meus
olhos, ainda sentindo os efeitos do gozo percorrerem minhas veias.
Minutos se passaram até que as batidas do meu coração se
acalmassem. Só então, abria a boca para falar.
— Sai comigo? — Henrique perguntou antes que eu pudesse
dizer qualquer coisa e virei o rosto em sua direção, piscando,
confusa.
— O quê?
Ele se deitou de lado, com um sorriso imenso e satisfeito.
Dobrando o braço e apoiando a cabeça na palma da mão.
— Um jantar.
— Como um encontro?
Ele dobrou o lábio inferior para fora da boca e deu de ombros.
— Como um encontro.
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Quando o elevador se abriu para a cobertura de Henrique, meu
coração batia tão rápido que eu podia jurar que ele estava tentando
escapar do meu peito.
Eu continuava me repetindo, numa tentativa falha de acalmar os
nervos, "É só um jantar". Mas, no fundo, eu sabia que era muito
mais do que isso. Era o nosso primeiro encontro oficial.
Assim que a porta se fechou atrás de mim, uma onda de
sensações me atingiu. O ar estava carregado com uma mistura de
expectativa e nervosismo, mas era um nervosismo agradável, como
se estivesse na véspera de algo grandioso.
O espaço à minha frente abriu-se em uma vastidão elegante, a
cobertura de Henrique, um lugar que eu nunca tinha visitado, mas
depois de meses convivendo tão de perto com seu dono, ela era
exatamente o que eu esperava.
A decoração era sofisticada, mas acolhedora, uma representação
física do homem que eu estava começando a conhecer em uma
dimensão completamente nova.
A vista de São Paulo ao anoitecer, com suas luzes começando a
cintilar como estrelas distantes, era deslumbrante através das
janelas do chão ao teto.
Henrique me cumprimentou com um sorriso que imediatamente
dissipou parte da minha ansiedade. Ele estava casualmente
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empresa, e todos os que já pedimos lá, entreguem aqui também,
não é?
Meu sorriso cresceu.
— Ótima. É uma coisa ótima.
Durante o jantar, falamos sobre tudo e sobre nada – nossos dias,
pequenas histórias do escritório, planos futuros. Henrique tinha um
jeito de fazer qualquer tema parecer interessante, sua atenção
focada em mim de uma maneira que fazia parecer que éramos as
únicas duas pessoas no mundo.
A transição do nosso relacionamento do profissional para o
pessoal tinha sido surpreendentemente suave. Em nosso primeiro
dia de trabalho após voltarmos do Rio, mantivemos o
profissionalismo, mas houve momentos roubados – um olhar, um
sorriso – que falaram de algo mais.
E agora, aqui, na intimidade da sua cobertura, era como se
estivéssemos explorando um novo território juntos.
Depois do jantar, Henrique sugeriu assistirmos a um filme.
— Algo leve e divertido — disse ele, e eu concordei, agradecida
pela escolha descomplicada.
Nos acomodamos no sofá imenso e macio, e eu não pude evitar o
arrepio de excitação quando ele me puxou para perto, seu braço
envolvendo meus ombros. A proximidade era tanto confortável
quanto eletrizante.
Enquanto o filme se desenrolava, eu me peguei prestando mais
atenção na sensação de estar ali com Henrique do que na tela.
Havia uma facilidade em sua companhia, um sentimento de
pertencimento que eu nunca tinha experimentado antes.
— No que você está pensando? — Henrique sussurrou no meu
ouvido depois que ficamos algum tempo em silêncio.
Sua mão nunca parou a carícia que fazia em meus braços. Mordi
o lábio e desviei os olhos da televisão.
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Sentada ao lado de Henrique em um pequeno café escondido
entre as ruas movimentadas do bairro de Pinheiros, sentia uma
mistura de emoção e incerteza.
A cafeteria era uma daquelas joias escondidas no coração da
cidade, um refúgio acolhedor do ritmo incessante de São Paulo. Ao
entrar, fui imediatamente envolvida por uma atmosfera que
misturava o charme rústico com toques modernos.
As paredes de tijolos aparentes, adornadas com prateleiras
repletas de livros e plantas pendentes, conferiam ao lugar uma
sensação de calor e acolhimento.
Pequenas mesas de madeira, cada uma com suas peculiaridades
e marcas do tempo, estavam espalhadas pelo espaço de forma a
criar cantinhos íntimos. A iluminação suave, proporcionada por
lâmpadas pendentes envoltas em cúpulas de metal e vidro, criava
um jogo de luz e sombra que dava vida ao ambiente, tornando-o
convidativo a qualquer hora do dia.
Ao fundo, o balcão exibia uma seleção cuidadosa de grãos de
café, com pequenos rótulos escritos à mão. A máquina de espresso,
polida e imponente, era o coração do café, de onde emanavam os
aromas ricos e envolventes que preenchiam o ar.
— Você vem aqui com frequência? — perguntei, tentando parecer
casual, enquanto brincava com a borda dos porta guardanapos.
Era uma tentativa de entender mais sobre ele, sobre sua vida fora
do trabalho, sem parecer invasiva.
Henrique sorriu, percebendo minha tentativa de iniciar uma
conversa mais pessoal.
— De vez em quando. Eles tem a melhor seleção de grãos da
cidade, e eu gosto muito de café feito com grão moído na hora.
Além disso, gosto do ambiente, ele é... — Henrique olhou para o
alto, como se a palavra que estava procurando flutuasse no ar. —
Pacífico. E você? Tem algum lugar em São Paulo que gosta de ir para
relaxar?
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Henrique fingiu estar ofendido, colocando a mão sobre o peito em
um gesto dramático.
— Nem um pedacinho? — perguntou, com uma expressão tão
teatralmente triste que era impossível não continuar a brincadeira.
— Vou pensar no seu caso — disse, tentando manter uma
expressão séria, mas a risada que escapava entre minhas palavras
entregava meu verdadeiro divertimento com a situação.
Ele se sentou, fingindo resignação, mas seus olhos brilhavam com
humor. Então, com um movimento rápido, estendeu a mão na
direção do prato como quem vai roubar um pedaço, provocando
uma reação imediata minha.
Cobri a torta com as mãos, protegendo-a, enquanto ambos
ríamos daquela bobeira.
— Tudo bem, você venceu — disse ele, recostando-se na cadeira
e pegando sua xícara de café. — Mas espero pelo menos uma
descrição detalhada de cada mordida.
— Pode deixar, farei com que se arrependa de não ter pedido
uma para você — prometi, ainda sorrindo.
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A decisão de querê-la havia sido clara, uma escolha definida com
a certeza de que era o que meu coração desejava. Contudo, essa foi
a última vez que senti que tinha algum controle sobre as emoções
que Maísa me fazia sentir, um território inteiramente novo para mim.
Antes dela, minha vida era regida por decisões lógicas e
controladas, cada passo meticulosamente planejado e executado
com precisão. Mas desde que Maísa entrou em minha vida, essa
ordem foi abalada.
Ela trouxe consigo sentimentos e desejos que eu não sabia ser
possível, quebrando barreiras que eu não conhecia e me levando por
caminhos que nunca imaginei explorar.
Cada olhar dela, cada sorriso, cada palavra, era um tipo
completamente novo de desafio ao meu autocontrole. Por mais que
eu tentasse planejar ou prever como lidaria com o que estávamos
vivendo, bastava vê-la para que eu fosse surpreendido pelos meus
próprios desejos.
Eu até esqueci a porra da camisinha. Eu nunca transo sem
caminha. Nunca. Não depois daquilo.
Maísa piscou e preocupação nublou seus olhos. Percebi que fiquei
em silêncio por mais tempo do que planejei.
— Estava pensando... — pausei, escolhendo minhas palavras com
cuidado. A linha entre o pessoal e o profissional havia se tornado
tênue, e era crucial manter o equilíbrio. Eu realmente deveria
manter o equilíbrio... — Sobre como você se mantém tão focada. É
algo que realmente me impressiona — declarei, mantendo o tom de
voz firme, uma tentativa de sufocar o que eu realmente queria dizer.
Ela inclinou a cabeça, avaliando minha resposta, e o movimento
foi incrivelmente sensual.
— Estamos falando sobre trabalho? — provocou, uma faísca de
leveza em sua voz.
Meu pulso acelerou e estreitei os olhos, pressionando um lábio
contra o outro e entrelaçando os dedos das mãos enquanto a
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Fiz o caminho de volta até sua boca arrastando meus dentes pela
linha do seu maxilar.
— Idaí? Eu quero você — admiti, lambendo sua boca. — Dorme
comigo hoje, Maísa? — perguntei e segurei sua cintura e seus
cabelos com força, parando seus movimentos e obrigando-a a me
encarar.
— Durmo.
— Eu não faço ideia de quando foi a última vez que pisei num
parque — admiti, olhando ao meu redor, enquanto Maísa
desembrulhava nosso almoço.
Sentados à mesa de concreto num dos poucos parques da
cidade, eu tinha uma visão privilegiada não apenas de Maísa, mas
também do cenário vibrante que se desenrolava além dela, a vida se
desdobrando em uma série de cenas pitorescas.
Crianças corriam pelo gramado verdejante, seus risos
preenchendo o ar com uma energia contagiante. Casais caminhavam
de mãos dadas pelos caminhos sinuosos, ocasionalmente parando
para admirar as flores que explodiam em cores vivas nos canteiros
meticulosamente cuidados.
Um grupo de amigos compartilhava risadas e histórias sob a
sombra generosa de uma árvore antiga, cujos galhos se estendiam
como braços acolhedores sobre eles.
Mais adiante, um pequeno lago refletia a serenidade do céu azul,
suas águas tranquilas servindo de espelho para as nuvens que
flutuavam preguiçosamente.
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Meu sorriso foi predatório.
— Ambiciosa.
— É mais forte do que eu.
Havia um conforto estranho nessa conversa que era metade troca
de confidências, metade troca de provocações. Uma sensação de
que, apesar de estarmos apenas começando a explorar o que
poderíamos ser juntos, já havia uma base de entendimento mútuo
sendo construída.
Ainda assim, uma cautela pairava sobre mim, uma hesitação em
me permitir mergulhar completamente nesse novo sentimento.
Conforme o almoço continuava, conversávamos sobre assuntos
variados, desde filmes e livros favoritos até lugares que gostaríamos
de visitar um dia. Cada resposta trazia à tona mais camadas da
personalidade de Maísa, e esperava que minhas respostas fizessem
o mesmo.
— O que você acha da ideia de morar no exterior? Tem vontade?
— perguntou ela, uma curiosidade genuína em sua voz.
— Pode ser uma aventura — respondi, ponderando sobre a ideia.
— Desde que se tenha a companhia certa.
Nossos olhares se encontraram brevemente, um reconhecimento
tácito de que estávamos, de alguma forma, referindo-nos um ao
outro.
A conversa fluiu naturalmente, e embora houvesse momentos de
silêncio, eles nunca se tornaram desconfortáveis.
Depois de terminarmos de comer, enquanto nos dirigíamos de
volta para a empresa, uma sensação de apreensão misturada com
expectativa tomou conta de mim.
— Foi um bom almoço — disse Maísa, com um sorriso que senti
refletido em meu próprio rosto.
— Foi um ótimo almoço — concordei, lamentando não poder
beijá-la, porque já estávamos quase na porta do prédio.
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minha fortaleza improvisada na cama.
— Cuidado, ela é traiçoeira! — alertei, como se a barata pudesse
entender meus avisos e tramasse sua fuga.
Com um movimento rápido e preciso, Henrique acabou com a
ameaça, me olhando triunfante.
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Henrique tinha uma coleção impressionante de discos de vinil,
abrangendo uma variedade de gêneros, desde clássicos do jazz até
os mais modernos hits da música indie.
Cada visita que eu fazia à sua cobertura, parecia me render um
novo cômodo, mesmo que passássemos sempre a maior parte do
meu tempo aqui em seu quarto, em sua cama, para ser mais exata.
— Qual é o seu favorito? — perguntei, correndo os olhos pelas
muitas estantes abarrotadas de discos, espalhadas pela sala
sofisticada e acolhedora.
— Eu tenho muitos — disse, passando o polegar por uma
prateleira inteira, a procura de um disco específico que eu não sabia
qual era.
— Top 10? — tentei, tomando um gole do meu vinho.
O sabor adocicado explodiu na minha boca e eu quase gemi.
Escolher vinhos era mais uma das muitas coisas em que Henrique
era muito bom.
— Tom 20? — rebateu e eu gargalhei.
— Qual é o seu signo? Você não é muito bom fazendo escolhas,
é?
— Só aquelas que importam — garantiu, pegando um disco e
atravessando a sala, até a linda vitrola elétrica que eu achei ser
decorativa, até aquele momento.
Ele olhou para mim por sobre o ombro quando abaixou a agulha
da vitrola, um sorriso de canto pendurado nos lábios, me dizendo
que estava planejando alguma coisa.
Tive a confirmação disso quando Henrique apoiou a taça de vinho
que segurava sobre uma das estantes, e deslizou até mim com
passos leves e ritmados, me estendendo a mão no mesmo instante
em que a música lenta tomou conta da sala.
Joguei a cabeça para trás, gargalhando de sua bobeira, mas era
impossível resistir àquele homem, então deixei minha taça na
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Dançamos até que nossos lábios não suportassem mais se
manter longe uns dos outros, e que às nossas mãos, não bastasse
mais permanecer entrelaçadas.
E quando isso aconteceu, nos despimos sobre o tapete da sala de
música e continuamos a dançar, só que de um jeito completamente
diferente.
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Thomaz então se voltou para Maísa, adotando uma pose
dramática, como se estivesse à beira do desmaio.
— Minhas senhoras e senhores, — disse para ninguém, afinal, só
estávamos nós ali. —, testemunhem um milagre. Henrique não só
saiu de sua caverna como trouxe companhia. Oh, a emoção é
demais para mim! — Ele colocou uma mão sobre a testa, fingindo
desfalecimento.
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acabara de dizer, senti-me incrivelmente sortudo por tê-la ao meu
lado.
O cheiro delicioso da carne na grelha já enchia o ar, e algumas
outras pessoas que eu reconhecia como amigos comuns e colegas
de Thomaz acenavam em nossa direção
— Thomaz, só mantenha Henrique longe da churrasqueira —
Maísa brincou. — Ouvi dizer que os talentos dele estão mais para
números do que para a culinária.
— Ah, não se preocupe, Maísa. Da última vez que deixamos
Henrique perto de uma churrasqueira, tivemos que chamar os
bombeiros.
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casamento... — disse, acenando casualmente com a mão, como se
essas perguntas fossem as mais naturais do mundo.
Eu ri, apesar de achá-las absurdas.
— Nos conhecemos no trabalho. E não, não vou te convidar para
o casamento porque não há um casamento para convidar.
Thomaz me deu um olhar incrédulo.
— No trabalho? Isso é tão... você, Henrique. — Meu amigo
balançou a cabeça de um lado para o outro, negando. — Mas vá em
frente, me ignore. Só me lembre de aumentar meu guarda-roupa
para todas as festas de casamento.
Eu não pude deixar de sorrir. A facilidade com que Thomaz
transformava qualquer conversa em algo divertido era uma das
razões pelas quais nossa amizade durou tantos anos. Mas, debaixo
de todas as piadas, eu sabia que ele estava genuinamente
interessado.
— Estamos nos conhecendo, — expliquei. — Maísa é uma mulher
incrível. Já havia falado dela para você. Ela é minha secretária.
Thomaz colocou as mãos nas bochechas e arregalou os olhos
teatralmente.
— Sua secretária? — sussurrou. — Nãããããão... — Bufei. —
Parece que tirar você do escritório não é a única mágica que ela
sabe fazer — brincou, jogando a cabeça para trás e rindo da própria
piada.
Balancei a cabeça, rindo.
— Bem, meu amigo, você escolheu uma boa. — Thomaz deu um
tapinha nas minhas costas. — E se precisar de conselhos amorosos,
você sabe onde me encontrar.
— Acho que vou passar, mas obrigado pela oferta.
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que hoje?", questionava-me, irritada com a péssima escolha de
timing do meu sistema imunológico.
Após mais uma rodada desagradável de náuseas, decidi que não
havia condições de permanecer no escritório. A ideia de enfrentar
um dia de trabalho sentindo-me assim era impensável.
Com passos lentos e cuidadosos, me levantei e saí do reservado.
Apoiando-me na pia, olhei meu reflexo no espelho. A palidez do meu
rosto e o brilho de exaustão nos meus olhos eram inegáveis.
Saí do banheiro, peguei minha bolsa e avisei à recepção que
precisaria ir para casa.
O trajeto até meu apartamento foi um borrão de desconforto. A
cada balanço do táxi, uma nova onda de náusea ameaçava. "Só
pode ser virose", murmurava, tentando convencer não só a mim
mesma mas também ao universo, na esperança de que isso
acelerasse minha recuperação.
Chegando em casa, o alívio de cruzar a porta do meu
apartamento foi imenso. A familiaridade do meu espaço, com seus
cheiros e cores, oferecia um conforto que o frio e impessoal
banheiro da empresa não podia proporcionar. Permiti-me cair no
sofá, envolvendo-me em um cobertor, ainda tentando convencer a
mim mesma de que tudo ficaria bem.
Eu detestava a ideia de estar doente.
A frustração de ter que colocar minhas responsabilidades de lado
era quase pior que o mal-estar físico. Eu sempre me orgulhei da
minha capacidade de gerenciar múltiplas tarefas, de nunca deixar a
bola cair. E agora, por causa de uma virose, tudo parecia estar em
espera.
"Quando Henrique voltar, vou ter que compensar esse tempo
perdido", planejei, mesmo sabendo que ele nunca me pressionaria
dessa forma. Ele entenderia, é claro, mas isso pouco fazia para
aliviar a pressão que eu mesma me colocava.
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Sua voz era suave, mas firme, não deixava espaço para argumentos.
— Você é mais importante.
A simplicidade e a sinceridade em sua declaração fizeram meu
coração bater mais forte, uma mistura de gratidão e amor
inundando meu peito.
A preocupação em seus olhos, a maneira como ele me observava,
como se eu fosse a única coisa que importava naquele momento,
me fez perceber quão sortuda eu era.
Eu me perguntava constantemente se não estávamos indo rápido
demais. Talvez fossem os dezoito anos de diferença entre as nossas
idades, mas Henrique era intenso em tudo, em cada desejo, decisão,
em cada atitude e embora eu amasse as sensações proporcionadas
pela sua intensidade, sempre me pegava preocupada de acabar me
afogando nela.
E se eu me entregar demais? Se se só eu estiver sentindo isso? E
se eu estiver sentindo mais?
Porém, havia momentos, momentos como esse, em que o olhar
que ele me dava me dizia que minhas preocupações não passavam
de inseguranças tolas e nada mais.
Ele sentia tanto quanto eu. Ele queria tanto quanto eu. Não havia
perigo em me jogar de corpo e alma nessa relação, com Henrique,
eu voaria.
— Henrique, eu... — comecei, mas as palavras se perderam,
engolidas pela emoção que ameaçava transbordar.
Ele estendeu a xícara de chá para mim, seus olhos nunca
deixando os meus, e eu a aceitei, sentindo o calor do líquido através
da cerâmica. O gesto era simples, mas carregado de significado,
uma manifestação física do seu apoio e cuidado.
— Beba. Vai te fazer sentir melhor — disse ele, e eu obedeci,
permitindo que o calor do chá dissipasse o frio que se instalara em
mim, tanto físico quanto emocional.
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Estreitei os olhos para o tabuleiro entre Maísa e eu como se isso
pudesse, de alguma forma, impedir minha derrota eminente, mas
não funcionou.
Estávamos há quase uma hora mergulhados em uma partida de
xadrez, o tabuleiro entre nós um campo de batalha silencioso, onde
cada peça carrega o peso de uma estratégia não dita.
O jogo começou de maneira casual, um desafio lançado por
Maísa com um brilho competitivo nos olhos, que eu, claro, aceitei.
No início, movemos nossos peões com a cautela típica dos
primeiros movimentos, tentando sondar a estratégia um do outro
sem revelar muito as nossas intenções.
Ela avançou seu cavalo, um movimento ousado que quebrou a
calma inicial, e eu respondi deslocando minha torre, tentando
estabelecer um controle sobre o centro do tabuleiro.
À medida que o jogo progredia, o ritmo entre nós se
intensificava. Maísa tinha um jeito de antecipar minhas jogadas, um
passo à frente, sempre com um contra-ataque pronto.
Ela capturou meu bispo com uma astúcia que me fez arquear as
sobrancelhas em surpresa e admiração. Não era a primeira vez que
jogávamos, mas ela estava claramente melhorando, cada partida
uma demonstração de sua crescente habilidade.
Eu tentei uma estratégia de pinçamento, movendo minhas peças
para cercar a rainha dela, mas Maísa, com um sorriso que misturava
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Voltando para perto dela, estendi os papéis, revelando dois
ingressos para o musical que estaria em cartaz na cidade dentro de
um mês. Maísa havia mencionado, semanas atrás, que queria assistir
ao espetáculo, e a ideia de surpreendê-la com os ingressos se
enraizou em minha mente.
— São ingressos para o musical que você queria ver — disse,
observando sua reação.
Surpresa tomou conta de seu rosto, seus olhos se alargaram
enquanto ela pegava os ingressos, examinando-os com cuidado,
como se não acreditasse no que via.
— Henrique... — Maísa piscou e fez uma pausa, — Mas isso
significaria... Nós seríamos vistos em público.
— Seríamos — concordei.
Até agora, mantivemos nossa relação longe dos olhares públicos,
uma bolha de intimidade e privacidade que nos protegia e isso foi
importante para a nossa relação profissional.
Mas já estou mais do que convencido de que, o que quer que
estejamos construindo, não será uma coisa rápida e passageira,
então não faz sentido manter o segredo.
Ela olhou para mim, e pude ver o turbilhão de emoções refletido
em seus olhos.
— Você acha que estamos prontos para isso? — perguntou com a
voz suave.
Sentei-me ao seu lado antes de puxá-la para o meu colo.
— Acho que é uma escolha que precisamos fazer juntos. Não há
pressa, Maísa. Quero que você se sinta confortável e feliz com isso
— afirmei, minha voz firme, mas gentil.
— Eu quero isso, Henrique. Com você — finalmente disse, um
sorriso se formando em seus lábios.
— Então vamos ter.
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mim, nem me mandou sentar e esperar até que terminasse.
Quando ela pediu farinha, li e reli o rótulo cinco vezes para ter
certeza de estar pegando o ingrediente certo, mas minha vontade ao
adicioná-la à tigela foi tão grande, que um cálculo errado de força
fez com que a medida escapasse dos meus dedos, capotando no ar.
Em câmera lenta, assisti o pó branco se espalhar, liberando uma
nuvem de farinha que, por um breve momento, suspendeu o tempo
ao nosso redor. Uma chuva branca se abateu sobre a cozinha,
cobrindo o chão, os armários e, inevitavelmente, nós dois.
O choque inicial de ver a cozinha transformada em um cenário de
filme de comédia foi rapidamente substituído por uma risada
nervosa que escapei, diante do olhar surpreso de Maísa.
Ela, coberta de farinha, parecia uma estátua viva.
— Bem, isso não estava nos planos — consegui dizer, enquanto
uma risada escapava, traçando um caminho em seu braço, riscando
a farinha.
Maísa olhou para mim, rindo tanto quanto eu.
— Acho que Thomaz não estava brincando quando disse que da
última vez que deixaram você perto da churrasqueira, tiveram que
chamar os bombeiros — ela disse entre risos, resumindo
perfeitamente a situação.
Nossas tentativas de limpar o desastre que havíamos causado só
serviam para nos cobrir ainda mais de farinha, cada movimento
levantando novas nuvens brancas.
— Acho que minha carreira como chef pode ter que esperar —
me rendi.
— Ah, mas aí perderíamos toda a diversão — Maísa responde,
sua risada soando como música em meio ao caos. — Vamos
terminar isso. Quero comer esse bolo hoje.
Continuamos, e mais desastres acontecem no percurso. Durante
o processo, noto um momento em que ela torce o nariz,
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Geórgia: Se você não tivesse ido ao médico
com as suas próprias pernas, eu teria ido até
aí, arrastar você.
Maísa: Você está sendo dramática. É só uma
virose.
Geórgia: Já se passaram semanas. Que
virose é essa que dura semanas?
Maísa: As viroses de São Paulo são mais
agressivas do que as de Dois Corações, ué.
Geórgia: Toma vergonha nessa cara, Maísa.
Geórgia: Tá certo que se eu tivesse um
chefe gostoso para tomar conta de mim,
também ia querer ficar doente. Mas já faz
muito tempo.
Maísa: Kkkkkkkkkkkkk
Maísa: Você é terrível!
Maísa: Mas Henrique tem mesmo sido
maravilhoso.
Geórgia: Tá namorando, tá namorando, tá
namorando, tá namorando, tá namorando...
Maísa: Não demos rótulos, para com isso!
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é tão tontinha, Geórgia...
Geórgia: Quê?
Geórgia: Sou tontinha com o que, Maísa?
Maísa: Tô pensando se te conto, ou se deixo
você descobrir sozinha.
Maísa: kkkkkkkkkkkkkkkk
— Maísa Cardoso — a voz da recepcionista me chamou, e eu
pisquei, sentindo minhas bochechas quentes como se alguém além
de mim pudesse ter lido a mensagem da minha irmã.
Sentada na sala de espera do consultório médico, eu tentava
manter a calma. As últimas semanas tinham sido uma montanha-
russa de mal-estar e incertezas, e tudo o que eu queria era uma
resposta, uma solução para o que eu tinha certeza de que era
apenas uma virose persistente.
Meu celular era minha distração, trocando mensagens com minha
irmã, que tentava me animar com suas teorias divertidas sobre o
meu diagnóstico.
Maísa: Chegou a minha vez de ser atendida.
Geórgia: Talvez você seja alérgica ao
escritório.
Não pude evitar um sorriso. Se fosse só isso, seria fácil de
resolver.
Maísa: Vou descobrir o que é e tratar.
Beijos. Amo você.
Geórgia: Tá, me dê notícias. Também amo
você.
Guardei o celular, levantando-me. A ansiedade que eu tinha
conseguido manter sob controle até então começou a borbulhar
dentro de mim.
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Isso era bom, certo? Então por que eu ainda me sentia tão mal?
A expressão do médico era calma, mas havia algo em sua hesitação
que me fez prender a respiração.
— No entanto, há um resultado aqui que explica os sintomas que
você tem experienciado — disse ele, finalmente olhando diretamente
para mim.
Sua expressão era neutra, mas havia uma suavidade em seus
olhos que me preparava para uma notícia inesperada.
Eu me inclinei um pouco para frente, a ansiedade crescendo
novamente.
— O que é?
— Maísa, o seu teste de gravidez deu positivo. Você está grávida.
A sala pareceu girar por um momento, e eu mal conseguia
processar suas palavras.
Grávida?
Como isso era possível?
Eu tinha certeza de que estava apenas com uma virose
persistente. A ideia de estar grávida não tinha sequer passado pela
minha mente.
— Grávida? — repeti, minha voz soando distante aos meus
próprios ouvidos, um misto de incredulidade e pânico. — Tem
certeza?
— Sim, os níveis do hormônio HCG no seu sangue são
definitivamente indicativos de gravidez. É comum que os primeiros
sintomas sejam semelhantes aos de uma virose, o que pode levar a
confusões iniciais.
As palavras dele eram claras, mas minha mente estava em
tumulto, cada frase uma onda que me afastava mais da realidade
que eu pensava conhecer. Meu coração batia tão forte que eu podia
ouvi-lo em meus ouvidos, e uma sensação de vertigem tomou conta
de mim. Grávida.
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Ela estava me evitando.
Maísa tem estado evasiva, uma sombra da presença constante
que se tornou na minha vida. Nos últimos cinco dias, desde sua
consulta médica, sua ausência se tornou mais palpável, com
desculpas esfumaçadas e mensagens que mais esquivavam do que
explicavam.
Ela tem chegado no trabalho exatamente no limite do tempo,
calculando sua entrada para os momentos em que sabe que estarei
preso em reuniões, e desaparece antes que eu tenha chance de vê-
la.
As mensagens, uma vez fontes de conversas leves e risadas
compartilhadas, agora são curtas, evasivas.
Cada tentativa minha de entender o que está acontecendo, de
oferecer ajuda ou simplesmente estar lá para ela, é habilmente
desviada com desculpas vagas. "Estou ocupada", "Hoje não vai dar",
"Estou me sentindo cansada". E cada desculpa é um golpe,
aumentando a distância entre nós.
Ela também tem inventado razões para não irmos um à casa do
outro, algo que nunca foi um problema antes. A cada "não"
recebido, minha preocupação cresce, assim como minha confusão.
Maísa está se esquivando de mim deliberadamente, e eu não
consigo entender o porquê. Meu instinto é de ir até ela, me plantar
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— Ela certamente sabe como desaparecer — respondo, tentando
manter o tom leve, mas a frustração e a preocupação em minha voz
são difíceis de esconder.
— Problemas no paraíso? — Thomaz questiona com uma
sobrancelha arqueada, um sorriso de canto surgindo em sua boca.
— Você veio até mim para conselhos do coração, no fim das contas.
Bufo e reviro os olhos.
— Não. Mas aceito uma perspectiva externa. Estou cansado da
minha.
Meu amigo franze as sobrancelhas, percebendo pelo meu tom
que o assunto é sério. Thomaz balança a cabeça, concordando, e
solto um longo suspiro.
Assim que me sento, as palavras começam a fluir, um relato das
últimas semanas, das tentativas frustradas de contato, da evasão de
Maísa. Cada palavra que digo parece tornar minha preocupação mais
real, mais palpável.
— Isso não parece nada com a Maísa que você descreveu antes
— Thomaz interrompe, sua voz refletindo meus próprios
sentimentos.
— Exatamente! — exclamo, grato por ele entender a gravidade
da mudança. — E eu tentei, Thomaz, juro que tentei ser
compreensivo, dar espaço... mas quanto mais espaço dou, mais ela
se afasta.
Há um momento de silêncio entre nós, um espaço para que as
palavras ditas se assentem no ar carregado do escritório.
— Henrique, você acha que... — Thomaz começa, hesitante,
escolhendo suas palavras com cuidado. — Você acha que tem algo a
ver com a consulta médica? Alguma notícia que ela não sabe como
compartilhar?
A sugestão me atinge com a força de uma revelação. Eu havia
considerado várias possibilidades, mas a ideia de que Maísa poderia
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— Esses últimos dias foram... educativos, para dizer o mínimo —
comecei, minha voz revelando mais do que eu pretendia.
Sentia um nó se formando em minha garganta, a ansiedade e a
vulnerabilidade de expor meus sentimentos mais profundos me
deixando desconfortavelmente exposto. Thomaz apenas acenou para
que eu continuasse, sua postura tranquila me oferecendo um grau
de conforto.
— A ausência da Maísa, o fato de ela estar me evitando, trouxe
uma clareza que eu não esperava — continuei, hesitante. — Eu senti
saudades... muita saudade. E não era apenas a falta da presença
dela, mas a preocupação, o não saber o que estava acontecendo
com ela que me consumia. Não por uma necessidade de controle,
mas... — pausei de novo, engolindo em seco, buscando a coragem
para admitir o que, até então, havia permanecido não dito.
Thomaz inclinou-se para frente, sua atenção focada inteiramente
em mim, um sinal silencioso de apoio.
— Mas pela necessidade dela. Eu percebi que...
— O que você está tentando dizer? — Thomaz perguntou quando
não concluí a frase.
Era difícil. Era muito difícil. Mais de uma década havia se passada
desde que eu havia me permitido dizer aquelas palavras em voz alta
pela última vez. Desde que eu havia me permitido ser enredado por
aquele sentimento pela última vez. E uma única vez foi o suficiente
para que eu desejasse me manter a margem dele para o resto da
vida.
Levantei os olhos para encontrar os do meu amigo.
— Acho — confessei. —, que me apaixonei pela Maísa. — As
palavras saíram de mim num sussurro, mas carregavam o peso de
uma verdade profunda que eu havia demorado a reconhecer.
Thomaz me observou por um momento, seriedade estampando
seu rosto. Então, ele gargalhou.
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— Você acha? Pelo amor de Deus, homem! Você veio até mim
pedir conselhos amorosos, se isso não for paixão, eu não sei o que
é! — disse entre risos.
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As lágrimas escorriam incessantemente pelo meu rosto, e eu
segurava o telefone com tanta força que meus dedos começavam a
doer.
O desabafo com Geórgia era minha única válvula de escape para
o desespero consumindo meu peito. A única forma de tentar
organizar os sentimentos tumultuados que me faziam chorar até
soluçar.
— Ele... — comecei novamente, a voz embargada pelas lágrimas
que não paravam de vir. A cada palavra, um soluço me interrompia,
deixando minha respiração irregular e pesada. — Ele deixou meu
chocolate favorito... na minha mesa... todos os dias, Geórgia. E o
almoço... — Minha voz se perdeu em mais um soluço, a gratidão que
eu sentia por esses gestos tão cuidadosos brigando com a culpa por
estar evitando-o.
Eu limpava as lágrimas com a mão livre, mas elas eram tantas
que logo meu rosto já estava molhado novamente. Cada vez que eu
tentava falar, uma nova onda de emoção me engolia, tornando difícil
até mesmo respirar sem chorar.
— Do meu restaurante favorito... mesmo sem poder estar lá para
almoçarmos juntos... — consegui dizer entre os soluços, sentindo
uma dor aguda.
O choro, em vez de aliviar, parecia só aumentar a sensação de
estar presa em uma montanha-russa emocional, da qual eu não
sabia como descer.
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Geórgia soltou uma risadinha, mas ouviu pacientemente.
— Sete semanas... isso é incrível, Maísa. Agora você é a casa de
alguém. Tem um ser humaninho, literalmente, morando dentro de
você — sua voz transbordava um calor que tentava atravessar a
distância entre nós.
— Eu sei, mas é tudo tão... grande. Não parece nada “inho”.
Ainda não me acostumei com a ideia — admiti, sentindo um nó se
formar em minha garganta. — Não sei como encaixar isso na minha
vida, Geórgia, nos meus planos... Meu Deus, os nossos pais...
— Vão ficar nas nuvens, Maísa. — Ela me interrompeu. — Nossos
pais vão ser avós! Eles provavelmente vão enlouquecer e comprar
todas as lojas de brinquedos por onde passarem.
— Acho que você está sendo muito otimista — murmurei,
sentindo o peito apertado.
— Você provavelmente vai ganhar um sermão sobre sexo sem
proteção antes — concordou e escondi o rosto atrás da mão.
Geórgia riu, mesmo que não pudesse ver o que fiz. — Mas depois
disso, vai ficar tudo bem. Nós sempre apoiamos uns aos outros, não
é agora que isso vai começar a mudar.
Houve um conforto nas palavras de Geórgia, uma promessa de
apoio que amenizava o peso da notícia que eu precisava
compartilhar.
— Ah, e adivinha? — Geórgia mudou de assunto, sua voz
adquirindo um tom conspiratório. — Eu já comprei a primeira
roupinha para a sobrinha. É a coisa mais fofa que você já viu, tenho
certeza de que vai amar.
A sensação que se desdobrou em meu peito era uma mistura
caótica de surpresa, pânico e uma gota de alegria com a ideia de
minha irmã já comprando roupas para o bebê.
— Como você sabe que é uma sobrinha e não um sobrinho?
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irmã fez uma pausa, deixando que suas últimas palavras se
assentassem em meu peito antes de voltar a falar. — Imagina a cara
do papai quando souber que vai ser avô — disse Geórgia, uma
risada borbulhando em sua voz.
— Ah, eu consigo ver! — respondi, e mesmo em meio ao caos em
meu coração, um sorriso pequeno curvou meus lábios. — Ele
provavelmente vai fingir ser todo sério, dizendo que é muito jovem
para ser avô, mas por dentro estará pulando de alegria.
— E a mamãe? — Geórgia perguntou, gostando de me animar. —
Ela vai começar a planejar tudo, desde o enxoval até a faculdade.
Soltei uma risada, mesmo quando novas lágrimas deslizaram pela
minha bochecha. Dessa vez, silenciosas e calmas. Elas tinham um
motivo completamente diferente das primeiras.
— Com certeza, ela já vai querer saber se já podemos começar a
pintar o quarto do bebê — concordei, uma onda de carinho por
nossos pais aquecendo meu coração. — E vai querer ensinar tudo
sobre plantas e jardinagem para o neto ou neta.
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Cada degrau que subi na direção do apartamento de Maísa
parecia carregado de uma mistura de ansiedade e expectativa.
Foram duas semanas longas e torturantes, durante as quais cada
tentativa de contato parecia bater contra uma parede invisível que
ela havia erguido entre nós. Mas agora, com seu convite para visitá-
la, finalmente havia uma brecha.
Minhas mãos estavam trêmulas, uma sensação incomum para
mim, acostumado a manter o controle em todas as situações.
Mas Maísa... ela tinha esse efeito sobre mim, fazendo com que
todas as minhas certezas vacilassem.
Estava decidido, porém, a colocar meus sentimentos em palavras
hoje, a confessar que estava apaixonado por ela. Um passo
arriscado, especialmente sem ter certeza de que era correspondido,
mas era algo que eu precisava fazer.
A atmosfera tranquila do corredor que levava ao apartamento de
Maísa era convidativa com suas paredes num tom suave de creme,
cercadas por luminárias discretas instaladas ao longo do teto,
lançando um brilho quente sobre o caminho.
O carpete grosso sob meus pés abafava o som dos meus passos
e a quietude me dava espaço para respirar, para reunir meus
pensamentos antes de enfrentar o momento que estava por vir.
Quando cheguei à porta do apartamento, dei uma última olhada
para mim mesmo, tentando alinhar meu casaco como uma forma de
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desesperadas quanto nossas mentes, e o gemido baixinho que
escapou da garganta de Maísa me fez grunhir.
Eu a beijei até que fôssemos obrigados a parar para respirar e,
mesmo nesse momento, não afastamos nossas bocas. Trocamos
selinhos, espalhando beijos suaves pelos lábios, pela ponta do nariz,
pelas bochechas um do outro.
— Morri de saudades de você — ela admitiu num tom sussurrado.
— Morri de saudades — repetiu, erguendo as mãos para segurar
meu rosto.
Nossos olhos se abriram ao mesmo tempo e minhas sobrancelhas
já estavam franzidas. A pergunta “Então por que você estava nos
torturando?” na ponta da minha língua, mas não foi o que eu disse,
no entanto.
— O que está acontecendo, Maísa?
Acariciei seu rosto com o polegar, tentando, com o gesto, lhe dar
alguma segurança, apesar das minhas palavras.
— Eu... — Ela começou, mas sua voz falhou e Maísa puxou uma
respiração profunda. — Eu... Nós. Nós precisamos conversar.
O silêncio que se seguiu era carregado. Senti meu coração
batendo tão forte que tive certeza de que ela pode ouvi-lo.
Eu havia ensaiado em minha mente mil vezes como confessaria
meus sentimentos por ela, como diria que estava apaixonado, mas o
que ela tinha para me contar parecia tão urgente quanto me
declarar, então apenas assenti.
Nos sentamos no sofá, o espaço entre nós parecia um abismo
que ampliava a tensão palpável.
Maísa, com os olhos baixos, começou a compartilhar os
desconfortos que a vinham afligindo, sua voz trêmula revelando o
peso de sua preocupação.
— Ultimamente, eu... — ela começou, hesitante, buscando as
palavras. — Tenho me sentido estranha, sabe? Náuseas, cansaço
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mente, cada sílaba carregada com um peso imenso, despertando um
turbilhão de emoções que eu havia escolhido esquecer: dor,
decepção, traição, mentiras.
Meu coração batia tão forte que eu podia ouvir seu eco em meus
ouvidos. De repente, todas as certezas que passaram pela porta
comigo foram estilhaçadas, deixando-me à deriva em um mar de
fúria avassaladora.
Por um momento, a racionalidade se dissipou, substituída por um
sentimento bruto de traição. Meu coração abandonou as batidas e
abraçou as explosões, como se tentasse escapar da gaiola de ossos
que o confina.
Eu tinha vinte e seis anos de novo, e a mulher parada à minha
frente, tinha os cabelos ruivos, a pele castanha e os olhos verdes.
Ela estava sorrindo, me dando a notícia mais feliz da minha vida:
“estou grávida.” Daiane disse, e comemorei com cada fibra do meu
corpo, até alguns dias depois, descobrir que o filho não era meu.
Senti tudo de novo. Cada uma das emoções que me dominaram
quando a encontrei na cama com o verdadeiro pai do bebê, anos
atrás. Repulsa e ira sobrepujando todos as outras sensações
enquanto olhava para uma outra mulher que tentava me enganar
tanto tempo depois.
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Eu sentia o gosto salgado das lágrimas em meus lábios a cada
inspiração que puxava pela boca. Cada uma delas, testemunha
muda da dor que se aninhava em meu peito, onde agora parecia
haver um buraco negro sugando todo e qualquer sentimento bom
que já senti, deixando no lugar apenas desespero.
O olhar no rosto de Henrique continuava o mesmo enquanto ele
me encarava, e que os sentimentos transbordando dos seus olhos
fossem tão fáceis de interpretar era apenas mais um tiro a queima
roupa no meu corpo já cheio de buracos de bala: nojo, desprezo,
decepção, ódio.
Quando lhe contei sobre a gravidez, estava insegura sobre como
ele se sentiria. Nosso relacionamento ainda era muito recente, mas
no fundo, eu esperava encontrar apoio, talvez até alegria.
Mas ao invés disso, o que recebi foi incredulidade e rejeição. Não
apenas a mim, mas ao bebê que esperávamos. Suas palavras,
impregnadas de dúvida, atingiram-me como lâminas afiadas,
deixando-me sem fôlego, sem chão.
Enquanto tentava processar sua reação, meu corpo reagiu
visceralmente aos sentimentos turbulentos que me invadiam. Um nó
apertado formou-se em minha garganta, dificultando cada tentativa
de fala. Meu coração batia descompassado, uma orquestra caótica
que ecoava a confusão e o desespero que sentia.
— Eu não entendo... — murmurei, mais para mim mesma do que
para ele, as palavras mal conseguindo escapar dos meus lábios
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trêmulos.
A revelação de sua esterilidade parecia uma cruel ironia do
destino. Fiz os exames... Eu fiz os exames! A realidade da gravidez
era incontestável.
E, no entanto, ele duvidava. Minha mente lutava para encontrar
sentido na situação, para reconciliar o homem que eu amava com
essa pessoa cruel, me olhando com nojo.
Minhas pernas enfraqueceram sob o peso do momento. Meu
corpo inteiro tremia, uma manifestação física do tumulto emocional
que me assolava. Involuntariamente, procurei apoio no encosto do
sofá mais próximo, temendo que, sem ele, pudesse cair.
Olhei para Henrique, buscando nele alguma compreensão, algum
sinal de que reconhecia a dor que suas palavras haviam causado.
Mas a distância entre nós parecia insuperável. Senti-me mais
sozinha do que nunca, isolada pela incompreensão e pela
desconfiança.
— Henrique, por favor... — comecei, a voz falhando, as palavras
perdendo-se em soluços. A suplica desfez-se antes mesmo de poder
ser completamente formada, sufocada pela tristeza e pela incerteza.
A dor da rejeição era acompanhada por uma sensação de perda
irreparável. Não apenas do companheirismo que havia entre nós,
mas do futuro que havíamos começado a construir juntos em minha
mente. Um futuro que, agora, parecia mais uma miragem do que
uma possibilidade real.
— Você vai continuar fingindo? — ele perguntou friamente. —
Pelo que me consta, nem grávida você está.
Cada palavra era uma nova agressão contra a minha alma já em
pedaços.
— Eu estou, eu... — Não tive forças para terminar. Minha voz
falhou, morreu, assim como a esperança boba que eu cultivei por
tão pouco tempo de criar uma família e ser feliz com o homem que
estava me desprezando.
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— Pode enxugar suas lágrimas, Maísa — disse, e dessa vez,
quando ele pronunciou meu nome, não havia qualquer resquício
daquele carinho que eu tanto adorava. Não havia nada além do mais
puro desgosto. — Elas não me comovem. Você chegou atrasada. Fiz
a vasectomia justamente para não precisar lidar com o seu tipinho,
quase caí na armadilha de uma de vocês uma vez, mas aprendo com
meus erros.
O som que deixou minha garganta era de profunda dor e agonia.
Caí sentada no sofá apenas porque era ele atrás de mim, mas
poderia ter sido no chão ou em qualquer outra coisa. Meus olhos se
fecharam enquanto minha cabeça explodia numa dor lancinante, se
recusando a aceitar aquela realidade, a acreditar que aquilo
realmente estava acontecendo.
Era um pesadelo.
Precisava ser um pesadelo.
Eu iria acordar.
Mas eu não acordei.
A dor cresceu, cresceu e cresceu até que me senti ser engolida
por ela, até que não havia nada em meus ouvidos além do som do
meu próprio desespero sendo atravessado pelas palavras duras e
cheias de ódio do homem que, uma hora atrás, eu tinha certeza de
estar apaixonado por mim.
— Acho que não preciso dizer que você não precisa mais voltar
para a empresa, mas não se preocupe, pelo menos nisso, você se
deu bem. Vai ganhar uma indenização gorda.
Foram suas últimas palavras antes de sair e bater a porta da
minha casa.
Bater a porta da minha vida.
Bater a porta do meu coração.
Me deixando sozinha, encolhida e destruída, com um filho seu na
barriga, acreditasse ele, ou não.
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Foi lá que vivi meus primeiros amores e desamores, minhas
alegrias e desilusões. Cada retorno era como revisitar um capítulo do
qual eu não tinha certeza se queria lembrar.
E, claro, havia a relação com minha família. A distância física
tornou-se, de certa forma, uma distância emocional que eu
inadvertidamente cultivei. Não por falta de amor, mas talvez por
medo de decepcioná-los, ou de não estar à altura das expectativas
que, imaginava eu, tinham para mim.
O sucesso e a independência eram as armaduras que eu vestia
para proteger tanto a mim quanto a eles de qualquer sinal de
fraqueza. Por isso, voltar agora, sob essas circunstâncias vulneráveis
e inesperadas, trouxe à tona um turbilhão de emoções.
A gravidez e a rejeição de Henrique despedaçaram qualquer
ilusão de controle que eu pensava ter sobre minha vida. O que
deveria ter sido uma celebração transformou-se em um momento de
crise, forçando-me a encarar não apenas minhas próprias
inseguranças, mas também o medo do julgamento, da preocupação
e da pena nos olhos daqueles que mais amava.
Ainda assim, e na verdade, por causa disso, por mais assustador
que fosse, não havia outro lugar onde eu pudesse estar que não
fosse em casa. Mais do que nunca, eu precisava do refúgio que
apenas o lar poderia oferecer, um lugar onde, apesar de todas as
tempestades, eu sempre encontraria um porto seguro.
Voltar para casa era admitir que eu precisava de ajuda, que não
podia enfrentar tudo sozinha, e eu sabia que isso era tanto uma
rendição quanto uma forma de coragem. Mas ainda que tudo ainda
estivesse muito abstrato em minha mente, eu também sabia que
não poderia mais ser egoísta, não poderia mais pensar só em mim.
Passei as últimas duas semanas, depois do abandono de
Henrique, quase em completo silêncio. Eu olhava para as paredes do
meu apartamento e enxergava o homem que era o responsável pelo
buraco no meu coração em cada canto e espaço.
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A cozinha se revelou à minha frente, imersa em luz do sol. O
espaço estava tomado por uma tranquilidade matinal, interrompida
apenas pelo murmúrio suave da conversa e o tilintar ocasional das
xícaras e talheres.
Meus pais e minha irmã estavam sentados à mesa, uma cena tão
familiar que por um momento me permiti esquecer o motivo da
minha visita inesperada.
Eles pareciam absortos em uma daquelas discussões matinais
triviais, sobre planos para o dia ou alguma novidade compartilhada,
uma bolha de normalidade que eu daria tudo para entrar, mas não
era esse o meu objetivo ali. Eu havia chegado para estourar aquela
bolha.
Fiquei parada na entrada da cozinha, observando-os por um
instante, absorvendo a serenidade do momento.
Os armários de madeira contavam histórias de tantas refeições
preparadas com amor, a mesa repleta de pratos simples mas feitos
com carinho, tudo emanava uma sensação de lar de que eu tanto
precisava.
— Maísa? — Geórgia perguntou com olhos arregalados, notando
minha presença antes que eu estivesse pronta.
A conversa tranquila cessou imediatamente e meus pais se
viraram na direção do olhar de minha irmã, me encontrando
também. Por um momento, o choque e a surpresa estamparam seus
rostos.
Sem dizer uma palavra, corri para os braços da minha mãe,
buscando refúgio no único lugar que sabia que encontraria conforto
absoluto. Marta, sempre intuitiva, envolveu-me num abraço
apertado, um gesto que dizia "estou aqui" sem necessidade de
palavras.
— Maísa, minha filha, o que aconteceu? — sua voz estava tingida
de preocupação, as palavras abafadas pelo meu ombro.
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precisava naquele momento.
Quando finalmente consegui falar, despejei a história entre
lágrimas, cada palavra acompanhada pelo aperto consolador das
mãos da minha família. Contei sobre a gravidez, sobre Henrique,
sobre o medo e a incerteza que agora moldavam meu futuro.
— Nós estamos com você, Maísa. Você nunca estará sozinha
nisso — afirmou Rodolfo, sua voz firme transmitindo uma força que
eu tanto precisava.
Geórgia, sempre a irmã protetora, segurou minha mão,
entrelaçando nossos dedos.
— Vamos passar por isso juntas — disse ela.
Naquele momento, na cozinha iluminada pelo sol da manhã,
cercada pelo amor incondicional da minha família, senti uma onda
de gratidão e alívio.
A rejeição de Henrique, embora dolorosa, não tinha o poder de
definir minha história. Eu tinha o apoio dos meus pais, a
cumplicidade da minha irmã e, mais importante, a força dentro de
mim para enfrentar o que viesse pela frente.
Eu me reergueria.
Pelo nosso filho, eu me reergueria.
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vasos pontuavam o ambiente aqui e ali, trazendo um toque de vida
e cor.
E é claro, havia as pessoas sentadas, algumas folheando revistas
de forma distraída, outras mergulhadas em seus próprios
pensamentos ou conversando baixinho, todas à espera de notícias,
ou de um simples procedimento.
— Olá, Gabriella — Minha mãe cumprimentou uma das nossas
vizinhas quando ela passou por nós e a mulher, é claro, parou.
— Uma visita em família? — brincou, olhando meus pais e
Geórgia sentados ao meu redor.
— É o primeiro ultrassom — Minha mãe contou alegremente.
Depois de duas semanas em Dois Corações, minha gravidez já
era de conhecimento geral. Eu ainda não tinha comprado nada para
o bebê, mas ele já havia ganhado muitos presentes.
Ofereci um sorriso pequeno para a vizinha, o melhor eu podia,
apesar do esforço que estava fazendo. A verdade era que, apesar do
calor humano que me envolvia, um vazio imenso tomava conta de
mim, uma solidão que a presença física deles não conseguia dissipar.
Eu sabia que aquele momento deveria ser de alegria e
celebração. Eu deveria estar em êxtase e não estar só fazia com que
eu me sentisse mais culpada. Porque para mim, cada minuto que
passava era um lembrete doloroso da ausência de Henrique, da
rejeição que ainda queimava em meu coração como uma ferida
aberta.
E essa era a maior das minhas culpas. Eu me ressentia de mim
mesma por ainda estar sofrendo por ele, mas não conseguia evitar.
— Ah, você vai amar a sensação — Gabriella disse. — Me lembro
como se fosse hoje do meu primeiro ultrassom da minha primeira
gravidez. — As palavras e o tom saudoso com que as disse só me
atirou mais fundo no poço onde eu já me encontrava.
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— Maísa Cardoso? — a voz da enfermeira chamando meu nome
me arrancou dos meus pensamentos, e eu levantei-me, sentindo um
misto de ansiedade e expectativa.
Caminhando em direção à sala do ultrassom, senti o peso da
nova realidade que estava começando a construir, uma realidade na
qual eu teria que encontrar forças para a nova vida que crescia
dentro de mim.
A decisão de seguir em frente, apesar da dor e da rejeição, nunca
pareceu tão desafiadora quanto naquele momento.
Ao entrarmos no consultório, fomos recebidos pela médica, uma
mulher de meia-idade com um sorriso gentil e olhos acolhedores.
Ela nos cumprimentou com serenidade e convidou minha família
a se sentar, indicando as cadeiras próximas à maca onde eu
realizaria o ultrassom.
— Bem-vinda, Maísa. Eu me chamo Laura e vou realizar seu
exame. Fique a vontade para fazer perguntas e tirar dúvidas, tá?
Vejo que trouxe uma bela equipe de apoio hoje — disse ela, um leve
brilho de humor em seus olhos ao olhar para meus pais e minha
irmã.
Eles responderam com sorrisos ansiosos.
Assim que me acomodei na maca, senti o papel que cobria o leito
crepitar suavemente sob meu peso. A médica começou a organizar o
equipamento necessário para o ultrassom.
Com movimentos metódicos e tranquilos, ela pegou o transdutor
— aquele dispositivo que sempre via em filmes e programas de TV,
agora ali, tão real e próximo.
— Primeiro, vou aplicar um pouco deste gel na sua barriga — ela
disse, enquanto espremia um líquido frio e viscoso sobre minha pele.
O choque inicial da temperatura me fez estremecer levemente, mas
a sensação passou rápido. — Isso vai nos ajudar a obter uma
imagem mais clara durante o exame.
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carregado de um milhão de possibilidades, nenhuma delas
reconfortante. Então, com um gesto quase reverente, ela ajustou o
volume do aparelho.
De repente, o quarto foi preenchido por sons rápidos e fortes.
Não um, mas três ritmos distintos, parecendo quase... Entrelaçados.
A médica ajustou o volume de novo, e cada batida ressoava não
apenas no espaço ao nosso redor, mas dentro do meu próprio
coração. Emoção avassaladora me atingiu, o sangue correndo em
minhas veias tentando competir em ritmo com aquelas batidas
frenéticas que todos na sala ouviam.
Eram rápidas, determinadas, as melodias mais doces e poderosas
que eu já havia ouvido. Naquele momento, qualquer barreira que eu
tivesse erguido em torno do meu coração se desfez.
Lágrimas começaram a escorrer livremente pelo meu rosto, não
de tristeza, mas de um amor profundo e avassalador que nasceu
instantaneamente.
— Ouvem isso? — a médica finalmente disse, um sorriso se
formando em seus lábios. — São três corações. Maísa, você está
grávida de trigêmeos. — anunciou com uma sorriso enorme.
Eram mais do que os sons; eram a prova tangível da nova vida
que eu estava carregando dentro de mim, um pequeno ser cuja
existência até então parecia abstrata, apesar de todos os sintomas e
mudanças que meu corpo vinha experimentando.
— Trigêmeos — repeti para mim mesma, as palavras da médica
ecoando em minha mente como um mantra.
Por um momento, fui incapaz de reagir, a notícia me atingindo
com a força de uma tempestade. Trigêmeos. A palavra ecoava em
minha mente, cada sílaba carregando o peso do choque, da alegria e
do puro terror.
Meus olhos encontraram os de minha mãe, e vi reflexos de
minhas próprias emoções dançando em seu olhar. Geórgia segurou
minha mão.
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— É importante continuar com uma alimentação balanceada,
Maísa, e tentar manter um nível saudável de atividade física —
orientou a médica, voltando-se para mim com um sorriso gentil ao
notar minhas lágrimas. — E claro, qualquer dúvida ou preocupação,
estamos aqui para ajudar. Você gostaria de algumas fotografias?
Meus pais e Geórgia esperavam minha resposta, mas minha voz
falhou ao tentar falar.
Era mais do que uma confirmação para a médica; era um
compromisso silencioso comigo mesma e com meus bebês. Um
propósito que transcendia minha própria dor.
Apesar da tempestade, havia esperança, havia vida.
— Por favor — consegui finalmente dizer.
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Caminhar pela padaria, se tornou um exercício de equilíbrio, não
apenas pelo meu estado, mas também pela mistura de sentimentos
que cada dia trazia.
Havia momentos em que a alegria dos clientes ao provarem uma
nova receita me enchia de orgulho, e outros em que a solidão se
fazia presente, um lembrete silencioso da ausência de Henrique, e
de que uma padaria não era o lugar em que eu realmente gostaria
de estar trabalhando.
Mas tão rápido quanto esses pensamentos vinham, eu os
afastava. Me concentrava em aproveitar a visão da padaria cheia,
em ouvir o burburinho das conversas e o tilintar das xícaras de café.
A padaria da minha irmã era um daqueles lugares que pareciam
ter saído diretamente de um livro de histórias, um ponto de encontro
acolhedor que atraia os moradores da cidade e visitantes com seu
charme singular.
As paredes de tijolos à vista eram adornadas com prateleiras de
madeira que exibiam uma variedade de pães artesanais, bolos e
tortas, cada um mais tentador que o outro.
As luminárias pendentes em estilo vintage lançavam uma luz
suave e acolhedora sobre o espaço e havia uma série de mesas de
madeira espalhadas pelo salão, cada uma com suas cadeiras de
cores vivas, proporcionando um toque de alegria e calor ao
ambiente.
No canto, um pequeno sofá e algumas poltronas formavam um
cantinho de leitura, onde os clientes podiam se aconchegar com um
livro da estante que Geórgia cuidadosamente selecionou, tornando a
padaria um refúgio para os amantes da literatura.
Ao fundo, o balcão de atendimento era o coração do
estabelecimento, onde os cafés eram preparados e os clientes
faziam seus pedidos. Atrás dele, uma grande janela de vidro oferecia
uma visão da cozinha, permitindo que os visitantes observassem a
mágica em ação.
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— Oh! — Fiz uma expressão teatralmente surpresa. — Não me
diga que você finalmente notou!
Geórgia estreitou os olhos e fez um bico.
— Não era tão óbvio assim.
Eu gargalhei.
— Já faz meses, Geórgia!
— E ele ainda não fez o convite — rebateu, apoiando as mãos na
cintura fina.
Suas bochechas coraram com a curiosidade. Mesmo de avental e
touca, minha irmã ainda era linda. Não me admirava que o cliente
misterioso continuasse voltando para vê-la
— Talvez ele seja tímido e esteja esperando que você faça o
convite— sugeri, apoiando os cotovelos no balcão e observando-a
enquanto ela se afastava para entregar o pedido.
Enquanto Geórgia servia o cliente, voltei minha atenção para a
calçada em frente à loja, de novo.
As ruas da cidade estavam tranquilas. As ruas de Dois Corações
eram sempre tranquilas, tão diferentes de São Paulo que seriam
impossível não comparar uma com a outra. Suspirei, mas pisquei em
seguida, afastando o rumo que meus pensamentos seguiam.
— Se ele não te chamar para sair até o final do mês, eu mesma
vou falar com ele — declarei, quando Geórgia voltou e minha irmã
bufou, abaixando-se para pegar uma caixa de sachês de açúcar e
começar a reabastecer as mesas.
Eu ri do jeito como ela me dispensou, e Geórgia me encarou,
olhando-me com uma atenção que anunciou que o que quer que
estivesse prestes a falar, não era uma piada sobre seu admirador
nada secreto.
— Você está se adaptando — ela disse e eu sorri pequeno, dando
de ombros e revirando os olhos.
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experiências.
— É em Três cordas — ela explicou, — Mas achei que ser na
cidade vizinha seria uma coisa boa, honestamente.
Pisquei para o panfleto, franzindo a testa enquanto minha mente
corria voltas e voltas ao redor de si mesma. A ideia de procurar
ajuda profissional ou de me juntar a um grupo de apoio nunca havia
realmente passado pela minha cabeça.
Acreditava que poderia lidar com tudo sozinha, mesmo que na
maior parte dos dias desde o ultrassom, eu ainda surtasse com o
fato de que havia três bebês dentro de mim. Meus bebês.
Mas, segurando aquele papel em minhas mãos, lendo sobre o
grupo de apoio para mães e mulheres grávidas, algo dentro de mim
se perguntou, “e se?”.
— Isso... isso realmente ajudou alguém que você conhece? —
perguntei, minha voz trazendo à tona a incerteza que eu sentia.
Geórgia assentiu, sua expressão séria.
— Sim. Uma das nossas clientes regulares. Ela passou por um
momento difícil durante a gravidez e disse que essas reuniões foram
um salva-vidas.
Olhei novamente para o panfleto, para as palavras impressas que
prometiam compreensão, compartilhamento e, talvez, um caminho
para a cura. Meus dedos tocaram as letras, como se tentassem
absorver a esperança que elas prometiam.
— Talvez... —
A ideia de compartilhar minha história, meus medos e esperanças
com estranhos era intimidadora. Mas também havia uma centelha de
alívio na possibilidade de conversar com pessoas que realmente
compreendiam o que eu estava passando, ou ainda, que não me
julgariam porque não me conheciam.
— Não precisa decidir agora — disse Geórgia, colocando uma
mão sobre a minha. — Mas pense nisso. Às vezes, falar ajuda. E
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você sabe que sempre pode contar comigo, não importa o que
decida, mas achei que falar com pessoas que estão na mesma
situação, talvez fosse bom.
Sorri para ela, um sorriso que carregava mais gratidão do que
palavras poderiam expressar.
Geórgia sempre esteve lá por mim, mesmo quando eu me
fechava para o mundo.
— Obrigada — disse, dobrando o panfleto e guardando-o no
bolso do meu avental. — Vou pensar — prometi, e iria mesmo.
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O silêncio havia voltado a ser minha companhia constante e,
mesmo depois de meses, eu ainda não podia dizer que estava
acostumado. Especialmente porque ele parecia infinitamente mais
profundo do que antes.
Balancei a cabeça, me recusando a pensar sobre antes de o quê
ou quem, não de novo. Deixaria para me perder nessas memórias
quando não pudesse me impedir de fazê-lo.
O escritório parecia mais um reflexo da minha própria mente:
organizado, mas impregnado de uma melancolia que eu lutava para
ignorar.
Cada documento meticulosamente alinhado, cada caneta e lápis
em seu devido lugar, era uma batalha vencida contra a desordem da
minha mente, uma tentativa de impor controle onde eu sentia
pouco.
Enquanto me inclinava sobre relatórios, minha mão se movia
quase automaticamente, anotando observações com uma precisão
que desmentia a turbulência emocional sob a superfície.
De tempos em tempos, eu me levantava para caminhar até a
janela, um gesto quase reflexivo, buscando alívio na vista da cidade
lá fora. Mas mesmo essa paisagem, antes fonte de inspiração, agora
parecia tingida pelo mesmo silêncio que impregnava o escritório e
minha alma.
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Thomaz estava vestido casualmente, com bermuda e uma camisa
polo, como se tivesse interrompido um almoço divertido para tentar
me resgatar da minha miséria. Isso já era ruim o bastante, mas não
era pior do que o sentimento estampado em seus olhos para quem
quisesse ver, enquanto meu amigo me encarava: pena.
Ele arranhou a garganta, uma risada amarga passando por ela
antes que Thomaz deslizasse a mão pelos cabelos loiros.
— Cansei de cordialidades com você, Henrique.
— Eu estou bem — respondi automaticamente, a voz mais áspera
do que pretendia.
Thomaz suspirou, sentando-se à frente da minha mesa.
— Não, você não está. Todos notaram... seu humor, sua falta de
paciência. Isso não é você, Henrique. Ninguém suporta passar mais
de cinco minutos ao seu lado. Você já teve oito secretárias nos
últimos dois meses! — rebateu, impaciente.
— Não é minha culpa se nenhuma era competente! — rebati
espelhando sua falta de paciência, porque o que eu queria mesmo
dizer era que não era minha culpa se nenhuma delas era Maísa.
Fechei os olhos e expirei profundamente, sentindo a confusão
que habitava minha cabeça fazer seu caminho até o meu peito.
Eram dias péssimos aqueles em que isso acontecia. Eu conseguia
impedir o vazamento quase sempre, mas a visita de Thomaz, essa
conversa, estava tornando impossível de manter as verdades
cuidadosamente escondidas de mim mesmo assim, enterradas.
Eu morria de saudades dela, e não de um jeito figurado. Eu me
sentia morrendo a cada dia que não tinha Maísa por perto, mesmo
sabendo que ela era uma mentirosa e uma manipuladora, e
amaldiçoava o dia em que coloquei meus olhos naquela mulher pela
primeira vez, porque eu não fazia ideia de que era possível abrigar
dentro do peito um sentimento tão avassalador antes de conhecê-la.
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Maísa fez com que tudo o que senti com a traição de Daiane,
mais de uma década atrás, parecesse irrelevante.
Sua ausência era um tormento constante, uma agonia que se
estendia por cada hora de cada dia sem ela. O que ela fez, o que ela
ousou fazer com aquilo que lhe dei de tão bom grado, era uma dor
crua e pulsante que se recusava a cicatrizar.
A cada momento em que eu permitia que minha mente vagasse,
encontrava-me afogado em memórias dela, cada uma mais doce e
dolorosa que a anterior. Era um ciclo vicioso de recordação e
desespero, uma saudade que consumia minha existência.
Cada dia sem Maísa era um lembrete daquilo que eu havia
perdido, um vazio que nenhum trabalho ou distração conseguia
preencher, embora eu continuasse me esforçando em tentativas
infinitas e infrutíferas.
Eu me encontrava preso entre a memória de um amor que me
consumia e a realidade de uma traição que me devastava. Sua
ausência era uma ferida aberta. Só não maior do que minha repulsa
por mim mesmo por continuar a senti-la, apesar de tudo.
Eu sabia que Thomaz estava certo sobre o meu humor. Nos
últimos meses, me tornara insuportável para mim mesmo, e
principalmente para as outras pessoas. Não queria ver ninguém,
falar com ninguém, lidar com ninguém e pobres daqueles que eram
obrigados a lidar comigo.
Finalmente olhei para o meu amigo, encontrando um olhar que
mesclava a firmeza de suas palavras com uma genuína preocupação.
— Eu a vejo em todo lugar, Thomaz. Em cada canto da casa, em
cada sala desta empresa — confessei, tentando descobrir se falar
faria melhor do que esconder. Nada mudou.
Thomaz se inclinou para frente, apoiando os braços sobre a
mesa.
— E se eu te disser que há uma maneira de lidar com isso que
não envolve se isolar do mundo? Você já considerou procurar ajuda
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profissional? Alguém para conversar?
— E dizer o quê? — Minha voz carregava um veneno que não
costumava dirigir a amigos. — Que eu sou um idiota por não
conseguir superar uma mulher que me fez de tolo? Não, obrigado.
Acho que posso lidar com isso sozinho.
Thomaz manteve o olhar firme em mim, a seriedade em seus
olhos cortando a distância entre nós.
— Não é sobre ser patético, Henrique. É sobre ser humano.
Sofrer faz parte do processo, mas não precisa ser um caminho que
você percorre sozinho...
Interrompi-o com um gesto brusco da mão.
— Eu já sinto, Thomaz. Sinto cada maldito dia. E cada vez que
tento esquecer, algo ou alguém me faz lembrar. Não preciso pagar
alguém para me dizer como me sentir ainda pior.
Meu amigo suspirou, sua expressão de preocupação
transformando-se lentamente em resignação.
— Você acha que se afundar em trabalho e amargura vai fazer
você se sentir melhor? Você está se destruindo, Henrique.
— Talvez seja isso que eu quero — retruquei, a amargura
tingindo cada palavra. — Talvez eu prefira me destruir a ter que lidar
com a realidade de que fui enganado, de que amei alguém que
nunca existiu.
Thomaz se levantou, a pena anteriormente disfarçada agora
claramente substituída por frustração.
— Você não é o único que já sofreu por amor, Henrique. Mas se
recusar a buscar ajuda, se isolar desse jeito, isso não é saudável.
Você está empurrando todos que se importam com você para longe.
— Talvez seja melhor assim — disse eu, voltando minha atenção
para os papéis à minha frente, uma clara indicação de que a
conversa havia terminado.
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— Vamos nos concentrar na respiração agora, — Vanessa disse,
com a voz serena e encorajadora. — Inspirem profundidade,
trazendo paz e calma para vocês e para seus bebês.
Uma luz suave da manhã filtrava pelas janelas amplas do estúdio,
banhando a sala em uma calma tranquilizadora. Apertei os olhos e
empurrei o chão, sentindo os músculos se esticando na posição em
que estava.
Seguindo seu comando, deixei que cada inspiração me relaxasse
e cada expiração dissipasse qualquer resquício de ansiedade ou
preocupação.
A cada nova postura, sentia meu corpo se adaptar e se fortalecer,
um espelho da transformação que minha vida vinha sofrendo.
Comecei a Ioga como uma forma de me manter ativa durante a
gravidez, mas ela rapidamente se tornou uma paixão.
Não era apenas exercício; era terapia, um momento para me
reconectar com meu corpo e com o pequeno ser que crescia dentro
de mim. E as amizades que surgiram nessas aulas eram um bônus
inesperado, um círculo de apoio e compreensão que eu não sabia
que precisava.
O estúdio abraça a cada uma de nós assim que cruzamos sua
entrada. As paredes são pintadas de um tom suave de lavanda, e
grandes janelas permitem que a luz natural inunde o ambiente,
refletindo nos pisos de madeira polida.
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perna, em vez de estender a mão para o chão, como faríamos
normalmente.
— Isso ajudará a manter o equilíbrio e evitar qualquer pressão
desnecessária, — explicou, enquanto eu seguia sua orientação,
maravilhada com a sensibilidade e o cuidado de cada ajuste.
Essa atenção aos detalhes, essa adaptação cuidadosa dos
movimentos para atender às nossas necessidades únicas durante a
gravidez, transformava cada aula de ioga em uma experiência de
autocuidado antes de qualquer outra coisa.
Quando chegamos ao momento dos alongamentos suaves
destinados a aliviar a tensão nas costas, a instrutora distribuiu
almofadas para que pudéssemos apoiar nossos joelhos, uma
pequena modificação que fez uma grande diferença na forma como
meu corpo respondia ao exercício.
Ao final da aula, o estúdio foi envolvido em uma atmosfera de
tranquilidade quase palpável.
Com movimentos lentos e deliberados, enrolei-me em um
cobertor macio, buscando um conforto adicional para o momento de
relaxamento que se aproximava.
Posicionei-me cuidadosamente de lado, respeitando a curva
crescente da minha barriga, e apoiei a cabeça em uma almofada
especialmente ajustada para essa finalidade.
A instrutora, com uma presença tão serena quanto a luz suave
que banhava a sala, iniciou a meditação guiada, sua voz suave
tecendo através do espaço como um abraço acolhedor.
— Inspirem profundamente, — ela começou, — e ao expirar,
permitam-se sentir completamente relaxadas, seguras neste espaço
criado especialmente para vocês e seus bebês.
Segui sua orientação, permitindo que cada respiração me levasse
a um estado de relaxamento mais profundo.
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— Own! — dissemos coletivamente, encarando a foto na tela do
celular de Cássia.
Minha parada para um suco com Ana havia se tornado uma coisa
em grupo quando mencionei o suco de morango com laranja para
outras gravidas e todas elas ficaram com desejo, e agora,
babávamos na fotografia do mais novo recém-nascido da ioga.
Júlia tinha dado a luz dois dias antes, e sua filha era a coisa mais
linda do mundo. A vontade que eu tinha era de atravessar a tela do
celular para morder aquela criança.
As bochechinhas rosadas e a expressão serena que só os recém-
nascidos têm eram adoráveis. Cada uma de nós, envolvida em nossa
própria jornada de maternidade, sentia uma mistura de alegria e
antecipação ao ver a foto.
— Quando é a nossa vez? — brincou Marina, outra futura mamãe
do grupo, enquanto passava o dedo pela tela, ampliando a imagem
da pequena.
Rimos, mas por trás da brincadeira, havia um senso de
camaradagem e apoio mútuo que se formara entre nós, fortalecido
por encontros casuais como esse e pelas aulas de ioga.
A maternidade, percebi, era uma jornada compartilhada, repleta
de desafios e alegrias que se tornavam mais leves e significativos
quando vividos em comunidade.
A sugestão de Geórgia para que eu procurasse um grupo de
apoio acabou sendo uma das melhores decisões que tomei desde
que voltei para minha cidade natal.
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A ideia nos fez rir novamente, mas não havia dúvida de que, de
alguma forma, estávamos tecendo uma rede de apoio que se
estenderia além do nascimento de nossos filhos.
— Precisamos fazer uma foto assim de todos os bebês juntos
quando chegarem, — sugeriu Cássia, guardando o celular.
Todas rimos, já imaginando o caos adorável de tentar posicionar
todos os bebês para uma foto, as risadas e as memórias sendo
criadas.
Me despedi das minhas amigas, sentindo que, se eu era um
edifício em construção, naquele dia, eu tinha colocado mais um
tijolinho no lugar.
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uma maré caprichosa, recuando apenas para retornar com mais
força.
Eventualmente, o choro diminuiu, dando lugar a uma exaustão
emocional que me envolveu completamente. Guardei as últimas
peças de roupa e apaguei a luz, deitando-me sob os cobertores em
busca de algum descanso.
O quarto, com suas sombras suaves e a quietude reconfortante,
agora me envolvia não apenas em escuridão, mas também em um
abraço silencioso, lembrando-me de que, apesar de tudo, ainda
havia um amanhã.
Um amanhã que enfrentaria com ou sem Henrique. Dentro de
mim, cresciam novas vidas, três pequenos seres que já me
ensinavam sobre força, resiliência e a capacidade de amar
incondicionalmente.
Foi para eles que fiz uma promessa quando fechei meus olhos. A
mesma que eu lhe fazia todas as noites. A última parte daquele
ritual. Lhes prometi que, a cada amanhecer, eu me esforçaria para
ser um pouco mais forte, para construir um mundo de amor e
segurança para eles.
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convencesse.
— Henrique, não duvido do potencial de inovação da sua
empresa — ele respondeu, medindo cuidadosamente suas palavras.
— Mas o mercado atual é volátil. Há muitas incertezas, e meu
investimento precisa de uma garantia sólida de retorno, algo que,
pelo que vejo, você não pode oferecer no momento.
A frustração borbulhava dentro de mim, mas me esforcei para
mantê-la sob controle.
— Entendo suas preocupações com a volatilidade do mercado,
mas estamos preparados para isso. Temos planos de contingência, e
nosso time é altamente qualificado. Estamos não apenas buscando
sucesso a curto prazo, mas estabelecendo as bases para um domínio
de mercado a longo prazo.
Houve uma pausa, um momento em que o equilíbrio da conversa
parecia pender, esperando por um lado ceder.
— Respeito sua paixão e determinação, Henrique — ele
finalmente disse, sua voz carregada de uma decisão já tomada. —
Mas, no momento, não me sinto confortável em prosseguir com o
investimento. Preciso de algo mais concreto do que planos e
promessas.
Minha tentativa de resposta saiu fraca, a desilusão emaranhando-
se nas palavras.
— Compreendo sua posição, e agradeço seu tempo — consegui
dizer, a despeito da amargura que lutava para não transparecer.
A conversa encerrou-se ali, o investidor se despediu com um
aperto de mão formal, e eu permaneci sentado, remoendo a derrota
e o impacto que ela teria. Ignorei a presença inútil da minha nova
secretária, sentada na cadeira ao meu lado. Imprestável para
qualquer coisa que não fosse fazer anotações.
Os lustres luxuosos e o mobiliário de bom gosto ao meu redor
pareciam rir de mim. Até mesmo os quadros pendurados nas
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A verdadeira batalha era contra a minha própria mente, contra as
memórias que insistiam em me torturar, contra o desejo de voltar no
tempo e procurar os sinais, fazer tudo diferente. E essa era uma
batalha que eu ainda não sabia como vencer.
Horas depois, o peso do silêncio no carro era quase opressivo. Eu
havia dispensado o motorista mais cedo, insistindo que terminaria
alguns trabalhos e não sabia ao certo a que horas sairia.
O relógio já marcava bem depois da três da manhã quando
finalmente decidi que era hora de voltar para casa.
Apesar do meu pé empurrando com força o acelerador, o mundo
ao meu redor parecia ter desacelerado, envolto em um silêncio
profundo que só a madrugada pode oferecer.
As ruas, normalmente pulsantes com o ritmo frenético da vida
urbana, estavam agora quase desertas. A luz fraca dos postes eram
bolas amareladas que se estendiam pelos passeios vazios.
Os edifícios que durante o dia eram testemunhas vibrantes da
vida da cidade, agora se erguiam como gigantes adormecidos, suas
janelas escurecidas e silhuetas imponentes recortadas contra o céu
noturno.
Poucos carros passavam por mim, seus faróis cortando a
escuridão antes de desaparecer na distância. Sentia os olhos
pesarem a cada quilômetro que passava.
O cansaço acumulado das longas horas de trabalho, misturado
com o silêncio ensurdecedor que agora fazia parte da minha vida,
criava uma atmosfera opressora.
Pelo menos eu sabia que esta noite, seria bem-sucedido em
minha tentativa de dormir. Lutei contra o sono, piscando
repetidamente, tentando manter a concentração na estrada.
Liguei o rádio no último volume e abri as janelas. O vento gelado
da madrugada açoitou meu rosto com violência, mas o despertar
trazido por ele foi breve demais.
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HENRIQUE BORGES
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caos de luzes e sombras, e então, o impacto, uma força bruta que
me arrancou da realidade para me jogar em um abismo de
escuridão.
Um suspiro escapou dos meus lábios, uma tentativa falha de
aliviar a tensão que me dominava. A dor física era apenas uma parte
do tormento; era a dor emocional, a agonia de saber que minha
própria imprudência tinha me colocado ali, que ameaçava me
engolir.
— Thomaz? — minha voz saiu como um sussurro rouco, a simples
ação de falar exigindo mais esforço do que eu poderia imaginar.
Ele estava lá, sentado em uma cadeira ao lado da minha cama,
parecendo cochilar. Meu amigo se mexeu e seus olhos se abriram,
mas sua cabeça permaneceu abaixada por alguns segundos, como
se ele também precisasse se lembrar de onde estava, até que se
ergueu de repente, com os olhos arregalados.
— Henrique?! — Meu nome era meio exclamação, meio pergunta.
Pisquei, ainda sentindo, como se eu estivesse flutuando entre o
sono e a realidade, sem conseguir distinguir completamente um do
outro.
A reação de Thomaz, ao ver-me desperto, era um misto de
surpresa e alívio tão obvio que quase poderia ser tocado. A forma
como seus olhos se arregalaram, o jeito súbito com que sua postura
se endireitou, tudo indicava como meu amigo se sentia.
— Você... como você está se sentindo? — perguntou, apertando
um botão eu não tinha notado estar ao alcance da minha mão.
A tentativa de responder foi um desafio, a sensação de flutuar
entre dois mundos ainda deixando minha mente turva, minhas
palavras presas em algum lugar entre o pensamento e a expressão.
— Confuso... — consegui articular, minha voz um sussurro frágil
que mal reconhecia como minha. — O que... aconteceu?
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Você sofreu um acidente bastante sério. Vamos conversar sobre seu
estado atual, está bem?
A menção do acidente fez com que a realidade da minha situação
se cristalizasse ainda mais. Assenti, minha atenção agora dividida
entre o médico e a súbita consciência de uma sensação estranha na
perna.
Dr. Silva consultou a prancheta antes de prosseguir, seus olhos
percorrendo rapidamente as anotações.
— Você teve várias fraturas na perna direita, que se quebrou em
três partes diferentes. Foi necessário realizar uma cirurgia para
corrigir essas fraturas, inserimos pinos para manter os ossos
alinhados durante o processo de cicatrização — explicou ele, com
uma clareza que apreciei, mesmo diante da gravidade das
informações.
Olhei automaticamente para minha perna, notando pela primeira
vez a estrutura que a mantinha suspensa. A visão de minha perna
imobilizada, a realidade das fraturas e da cirurgia, trouxe um choque
de realidade que não esperava. Uma mistura de incredulidade e
aceitação me preencheu enquanto tentava processar as palavras do
médico.
— A recuperação completa vai exigir tempo e fisioterapia —
continuou Dr. Silva.
— Mas então eu vou conseguir me recuperar totalmente?
— Com o tratamento adequado? Sim.
Silêncio tomou conta da sala outra vez enquanto o médico
continuava a encarar a prancheta. Eu estava tentando processar as
palavras do médico, cada frase uma martelada em minha
consciência ainda turva pelo acidente.
A dor física era um fundo constante, mas era a dor da revelação
que me consumia agora, dilacerando qualquer sensação de realidade
que eu tivesse.
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ideia, e ainda assim, fosse impotente para negar a possibilidade que
se abria diante de mim.
Se minha vasectomia havia sido revertida... Toda certeza com que
havia tomado minhas decisões, toda a dor que havia infligido em
mim, em...
Lutei para encontrar palavras, para dar voz ao turbilhão de
pensamentos e emoções que me consumiam, mas elas se
recusavam a vir. O monitor cardíaco ao meu lado começou a apitar
freneticamente e doutor Silva se sobressaltou.
— Henrique? — Ele me chamou, mas eu não conseguia falar, não
conseguia respirar, não conseguia fazer nada além de me afogar
num abismo de arrependimento e culpa que se abria, cada vez
maior, sob os meus pés.
Por meses, vivi atormentado pela ideia de que Maísa me havia
traído, que havia tentado me prender com uma criança que não era
minha.
A dor dessa traição imaginada havia me consumido, afastando-
me dela, destruindo o que tínhamos construído juntos. E agora, a
revelação de que tudo isso poderia ter sido um erro... Que a criança
poderia, de fato, ser minha.
— Henrique! — Acho que o médico chamou de novo, e, dessa
vez, sua voz rivalizava com outros sons, como se outras pessoas
estivessem entrando na sala às pressas.
Minha visão ficou turva segundos antes de escurecer
completamente, mas antes de apagar tive forças para dizer apenas
duas palavras:
— Perdão, amor.
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Caminhamos pelo jardim frontal e o corretor nos guiou até a
porta da frente, inseriu a chave na fechadura com um gesto teatral e
a abriu, revelando o interior da casa.
— Por aqui, por favor.
A luz natural inundava o ambiente através de janelas grandes,
destacando os detalhes da sala de estar vazia que nos recebia.
O corretor começou a apresentar a casa com uma paixão
evidente, destacando cada característica como se estivesse contando
uma história: o piso de madeira que trazia, a cozinha espaçosa com
armários modernos e uma ilha central, os quartos aconchegantes e,
por fim, o quintal, um espaço verde perfeito para receber os amigos.
A cada cômodo que visitávamos, meu coração batia um pouco
mais rápido, não apenas pela beleza e potencial da casa, mas pela
visão de um futuro que começava a se desenhar mais claramente
em minha mente.
Quando chegamos ao quarto com vista para o jardim, foi
impossível não parar. Sonhei acordada. Toda a exaustão e a dor nas
pernas se dissiparam como se nunca tivessem existido.
A luz do sol banhava o espaço, espalhando um brilho dourado por
todo o cômodo. O jardim lá fora parecia um pequeno paraíso
privado, um santuário de tranquilidade e beleza natural que
prometia ser o cenário perfeito para dias tranquilos e noites serenas.
Eu me aproximei da janela, incapaz de desviar os olhos da vista
que se estendia à minha frente.
Imaginei meus bebês brincando no gramado, suas gargalhadas
ecoando pelo ar enquanto eu observava da janela, um sorriso no
rosto e uma sensação de paz no coração.
Visualizei noites tranquilas, embalando meus filhos para dormirem
naquele quarto iluminado pela lua, contando histórias e cantando
canções de ninar que prometiam sonhos doces e seguros.
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em seus corações, quisessem outras coisas, porque eles eram
incríveis assim, e sempre respeitaram minhas escolhas.
Sentada à mesa, cercada por minha família, eu não conseguia
evitar um sorriso genuíno que se espalhava pelo meu rosto. A
sensação de pertencimento, de estar em casa, era avassaladora.
Era um contraste marcante com os últimos meses, um período
em que me senti tão perdida e desamparada.
— A um novo começo para a nossa Maísa — brindou meu pai,
erguendo sua taça de vinho no ar.
Todos nos juntamos ao brinde, nossas taças se encontrando no
centro com um som alegre. Eu senti um calor se espalhar pelo meu
peito, um misto de gratidão e renovação.
A emoção me fez engolir em seco, lutando contra as lágrimas que
ameaçavam escapar. Não de tristeza, mas de uma alegria diferente,
uma que eu não sentia havia algum tempo.
— E que você faça dessa nova casa um lar repleto de felicidade,
Maísa — acrescentou minha mãe, seu olhar carinhoso encontrando o
meu.
A comida chegou, distraindo-nos momentaneamente, mas assim
que os pratos foram retirados, a conversa voltou com força total.
— Quero fazer o berço do meu neto com as minhas próprias
mãos — meu pai anunciou.
Minha mãe se virou para ele, os braços apoiados na cintura.
— E desde quando você tem habilidade para isso, Rodolfo? —
desafiou e Georgia e eu gargalhamos.
— Nada que alguns vídeos no youtube não resolvam, Marta —
meu pai se defendeu, o que desencadeou uma discussão ferrenha
sobre ele ser capaz, ou não, de seguir instruções.
Entre goles e conversas, a noite se desenrolava com uma
facilidade surpreendente.
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— A cena que encontrei foi sua mãe, parada no meio da cozinha,
coberta de farinha da cabeça aos pés, com uma expressão de total
surpresa no rosto. O fogão estava apagado, sim, mas agora
tínhamos um problema maior para limpar!
— Aprendemos muitas coisas naquela noite — concluiu minha
mãe, ainda rindo. — Como acender um fogão à lenha corretamente,
por exemplo, e que talvez seja melhor deixar a farinha longe da
cozinha por enquanto.
Me lembrei de uma outra cozinha, coberta de farinha, mas a dor
insuportável que eu esperava não veio, não quando eu estava
cercada pelos risos e pelo amor da minha família.
Observando-os, uma sensação de gratidão me inundou. Ali,
naquele restaurante, cercada pelas pessoas que mais amava, eu me
dei conta de que, apesar de tudo, a vida continuava a oferecer
momentos de pura felicidade.
A reconstrução da minha vida não era apenas sobre encontrar
uma nova casa ou superar um coração partido, mas sobre
redescobrir a alegria nas pequenas coisas, nos momentos
compartilhados com aqueles que me amavam incondicionalmente.
Ao final do jantar, quando nos levantamos para ir embora, lancei
um último olhar ao restaurante Três Amores.
Esse jantar de comemoração seria uma memória que guardaria
com carinho, um lembrete de que, mesmo após as tempestades, é
possível encontrar abrigo e recomeçar.
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entretenimento, agora abrigava garrafas de água, toalhas e um
cronograma de exercícios meticulosamente planejado.
Lara, minha fisioterapeuta, havia sido implacável na
transformação do espaço. "Se quer se recuperar rápido, Henrique,
precisamos tornar este lugar em uma máquina de reabilitação," ela
havia dito no primeiro dia, e assim o fez.
Mesmo o terraço, onde costumava passar as noites contemplando
a cidade abaixo, foi adaptado. Equipamento de fisioterapia ao ar
livre havia sido instalado, permitindo-me exercitar sob o sol ou as
estrelas, dependendo do horário. Lara insistia que a mudança de
ambiente era crucial para a saúde mental, tão importante quanto a
recuperação física.
Cada cantinho da cobertura refletia agora essa nova fase da
minha vida, um equilíbrio entre desafio e cura.
Não havia espaço para ressentimento ou lamentação; apenas
para ação. Era claro para mim que a recuperação física era apenas
parte da jornada. A verdadeira meta era recuperar o tempo perdido
com Maísa, conquistar o perdão dela e assumir meu lugar ao seu
lado e do nosso filho.
Cada exercício, cada repetição, cada momento de dor era
enfrentado com a imagem deles em mente, impulsionando-me além
dos limites que eu pensava ter.
Sete horas do meu dia eram dedicadas a exercícios meticulosos e
repetitivos, cada movimento uma batalha contra as limitações do
meu próprio corpo.
A rotina era exaustiva, tanto mental quanto fisicamente, mas eu
me agarrava a ela com uma determinação feroz. Eu precisava me
recuperar, não apenas por mim, mas por Maísa, pelo nosso filho.
A culpa que carregava por tê-la acusado injustamente pesava
sobre mim a cada segundo, um lembrete constante do que estava
em jogo. E por maior que fosse o meu esforço, por maiores que
fossem os meus avanços depois de quatro semanas, eles ainda não
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amigos e colegas.
A suspeita de que ela havia retornado para sua cidade natal
pesava em minha mente como uma certeza silenciosa, mas mesmo
essa pequena pista parecia inalcançável enquanto eu estivesse preso
ao meu próprio processo de recuperação.
A ironia de minha situação era cruel - meu corpo quebrado era
agora a única coisa que me impedia de ir ao seu encontro, de tentar
consertar as coisas, de explicar e, talvez, encontrar algum caminho
para o perdão.
— Concentre-se. Eu sei que você é capaz de fazer melhor do que
isso — Lara insistiu. A abordagem era direta, quase militar e foi por
isso que a contratei. Lara era a melhor fisioterapeuta esportiva do
país, acostumada a recuperar atletas de alta performance em tempo
recorde. — Você quer melhorar ou quer apenas se lamentar? Porque
se for para lamentar, estou fora. — me desafiou, sabendo
exatamente como atiçar meu orgulho e minha determinação. E
funcionava.
A cada provocação, eu dobrava meus esforços, movido não
apenas pelo desejo de recuperação, mas pela necessidade de provar
a ela, e a mim mesmo, que eu não era de desistir.
Em momentos de falha ou quando a dor se tornava quase
insuportável, ela estava lá, não com palavras de consolo, mas com
lembretes duros da realidade. "A dor é temporária, Henrique.
Desistir é que dura para sempre," ela me lembrava, suas palavras
ecoando em minha mente nos momentos de dúvida.
Apesar de sua dureza, havia um respeito mútuo entre nós. Lara
entendia minhas limitações, mas recusava-se a me deixar usá-las
como desculpa. "Eu sei que dói. Mas também sei que você é mais
forte do que isso," ela dizia, olhando-me nos olhos, sua sinceridade
penetrante quebrando qualquer barreira de autocomiseração que eu
tentasse erguer.
Nossas sessões, embora marcadas por essa dinâmica de desafio e
superação, eram pontuadas por momentos de camaradagem. Às
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E com essa promessa ecoando em meu coração, preparei-me
para enfrentar mais um dia, armado com a esperança de que, de
alguma forma, eu encontraria o caminho de volta para casa, para
Maísa e nosso filho.
Porque ainda que a distância entre mim e Maísa, tanto física
quanto emocional, parecesse insuperável, era uma distância que eu
estava determinado a atravessar, custasse o que custasse. Porque no
fundo, eu sabia que sem ela, sem nosso filho, minha recuperação
completa - do corpo e da alma - seria impossível.
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Queridos bebês,
Eu nunca imaginei que minha vida tomaria esse rumo, que eu
estaria aqui, escrevendo para vocês, ainda sem conhecê-los, mas já
os amando mais do que achei possível amar alguém. Cada
movimento de vocês dentro de mim é um lembrete constante da
força e da esperança que vocês já trouxeram para a minha vida.
É estranho pensar que, apesar de ainda não terem chegado,
vocês já mudaram meu mundo completamente. Nos últimos meses,
enfrentei desafios e dores que me fizeram questionar tudo, mas em
meio a essa tempestade, vocês foram o farol que me guiou de volta
para casa, para a cidade onde cresci, onde agora reconstruo minha
vida passo a passo, dia após dia, com vocês em meu coração.
Minhas mãos tremem ligeiramente enquanto escrevo, não de frio,
mas da intensidade das emoções que sinto. É uma mistura de
alegria, ansiedade e, sim, um pouco de medo. Medo do
desconhecido, de não estar à altura do que vocês merecem. Mas,
acima de tudo, há amor, um amor tão grande e tão profundo que às
vezes me sinto submersa nele.
Eu prometo a vocês, meus queridos bebês, que farei tudo ao meu
alcance para lhes dar o melhor de mim. Para ser a mãe que vocês
precisam, que vocês merecem. Estamos juntos nessa jornada, e não
importa o que o futuro nos reserve, eu estarei aqui para vocês,
sempre.
Com todo o amor que meu coração pode conter,
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Sua mãe, Maísa.
Lágrimas borrifavam o papel, não de tristeza, mas de uma
emoção crua e pura quando terminei de ler as palavras que escrevi.
Limpei-as rapidamente, não querendo manchar o registro.
Uma sensação de alívio e realização me inundou. As palavras,
que fluíram de mim como uma correnteza, haviam criado uma ponte
invisível entre o presente e o futuro, entre minha alma e a dos meus
bebês.
A escrivaninha, já vazia, do meu quarto na casa dos meus pais, é
ocupada apenas pela carta e pela caneta que usei, a luz da manhã
se infiltrando suavemente através das cortinas, criando uma aura de
tranquilidade neste momento tão íntimo entre nós quatro.
A decisão de escrever essa carta havia me atormentado por dias.
O curso para gestantes sugerira a tarefa como uma forma de nos
conectarmos com nossos futuros filhos, mas enfrentei um turbilhão
de dúvidas e hesitações.
Como poderia condensar em palavras todo o amor, esperança e
temor que eu sentia? Como poderia explicar a complexidade de
sentimentos que me acompanhavam dia após dia? Meus medos?
Tudo o que eu queria dizer? Tudo o que eu não sabia como contar?
No entanto, hoje, algo mudou. Talvez tenha sido a perspectiva da
mudança iminente, a realidade de deixar para trás a casa dos meus
pais — meu refúgio nos últimos meses — para começar uma nova
vida na nossa própria casa.
Talvez tenha sido a necessidade de não carregar essa pendência
conosco, de iniciar essa nova etapa sem o peso das palavras não
ditas.
Sentada à escrivaninha, as palavras começaram a fluir com uma
facilidade surpreendente.
Era como se todas as emoções represadas encontrassem
finalmente um caminho para se expressar, como se meu coração
soubesse exatamente o que dizer, mesmo quando minha mente
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dela, uma força que eu esperava um dia poder passar para os meus
próprios filhos.
— Em algum momento... A senhora teve medo de não ser uma
boa mãe?
Sua resposta, primeiro, veio na forma de uma gargalhada.
— Mas é claro que já!
— Eu sei que minhas amigas, do curso e do grupo de apoio,
também sentem esse medo, mas é diferente para você. Você é a
melhor mãe do mundo.
Beijei seu ombro e ela riu outra vez.
— Querida, é normal ter medo. Eu também tive quando estava
esperando por você. Mas olhe para você agora, tão forte e corajosa.
A maternidade é uma jornada que te transforma. Você vai aprender,
vai crescer e, acima de tudo, vai amar de uma maneira que nunca
imaginou possível — garantiu, as carícias em meus cabelos subindo
e descendo num ritmo delicioso.
— Mas e se eu cometer erros?
— Você vai cometer. Todos cometemos. O importante é aprender
com eles e seguir em frente. O amor que você tem pelo seu bebê já
te faz uma mãe incrível.
Suspirei longamente, absorvendo suas palavras.
— Como você fez isso? Como você lidou com o medo e a
incerteza?
— Com muito apoio. Seu pai, sua avó, amigos... E agora, você
tem a nós. Além disso, confiei em meus instintos. Você também tem
isso, Maísa, esse instinto materno. Confie nele.
— E se eu não conseguir dar aos meus filhos tudo o que eles
precisam? Não só materialmente, mas emocionalmente também?
— Maísa, amor, a perfeição é um mito, especialmente na
maternidade. O que seus filhos mais vão precisar é do seu amor, e
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— Henrique? — Ela tocou no assunto delicadamente, como quem
pisa em terreno desconhecido.
— Nunca mais falei sobre ele, né? — Minha voz saiu num
sussurro. — Depois de tudo o que aconteceu... Eu ainda me pego
pensando nele, mãe. Mesmo depois da rejeição, parte de mim
ainda...
— Dói, não é? — Ela me interrompeu, suave como um bálsamo.
— Mas você está fazendo a coisa certa, Maísa. Reconstruir sua vida,
dar a esses bebês um lar cheio de amor... É tudo o que importa
agora.
— Mas e se ele perceber o erro que cometeu? E se...
— Se ele perceber, você vai decidir o que é melhor para você e
para os bebês. — Marta me cortou, firme, mas carinhosa. — Você é
mais forte do que pensa, minha filha. E não está sozinha nessa.
— Mesmo depois de todo esse tempo, ainda não consigo
entender. Como ele poderia duvidar de mim a ponto de me deixar
quando mais precisava dele? Como posso confiar em alguém
novamente depois disso? — disse, pela primeira vez, em voz alta as
palavras que têm feito morada em meu coração há algum tempo.
— O que Henrique fez foi resultado de suas próprias inseguranças
e falhas. Não reflete quem você é, Maísa. O amor verdadeiro é
baseado em confiança, compreensão e, acima de tudo, respeito
mútuo. E, às vezes, as pessoas falham em nos dar isso.
— Eu só queria que as coisas fossem diferentes. Que ele
estivesse aqui para ver o quanto nossos bebês já são amados. Para
saber que são três. Ele enlouqueceria, mãe.
— E eles são — minha mãe concorda. —, profundamente amados
por todos nós. Quanto ao Henrique, talvez, com o tempo, ele
perceba o erro que cometeu. Mas sua felicidade e as dos seus bebês
não devem depender disso. Você é forte, Maísa, mais do que
imagina.
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Ao sair do quarto, levando comigo as malas e as promessas de
um futuro brilhante, lancei um último olhar para trás, para ela, que
me observava com um sorriso cheio de amor e orgulho.
Esse momento, essa conversa, seria uma âncora que eu levaria
comigo, um lembrete de que, não importa o que o futuro reservasse,
eu nunca estaria verdadeiramente sozinha.
Caminhei pelo corredor da casa que me viu crescer, sentindo o
piso de madeira sob meus pés contar histórias de anos passados.
Cada passo marcado por uma mistura de nostalgia e antecipação,
como se eu estivesse caminhando entre dois mundos — um deixado
para trás e outro ainda por ser descoberto.
Ao passar pela sala, lancei um último olhar para os retratos que
decoravam as paredes, memórias congeladas de uma infância feliz e
sem preocupações.
A luz da manhã banhava o ambiente, enchendo-o de uma
claridade suave que parecia abençoar minha decisão. Respirei fundo,
absorvendo a tranquilidade do momento, antes me dirigir à porta.
Ao cruzá-la, não olhei para trás. Não havia necessidade. Tudo o
que importava estava comigo. Acariciei minha barriga, um gesto
involuntário, mas profundamente significativo.
Era hora de criar novas memórias, construir um novo lar onde
meus filhos poderiam sentir o mesmo amor e segurança que eu
senti.
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entrecortadas, carregadas de uma mistura de esperança e medo.
— Quando chegou até mim, seu plano era procurá-la depois de
se recuperar. Sua recuperação chegou ao fim?
— Fisicamente, estou completamente recuperado — comecei,
fazendo uma pausa para avaliar as palavras seguintes. — A
fisioterapia... — Levantei a mão, fazendo um gesto vago no ar, como
se pudesse desenhar a jornada da recuperação. — Foi um desafio,
mas o venci. — Meu olhar desviou para a janela, acompanhando
uma gota de chuva que escorregava pelo vidro, um paralelo perfeito
para a minha luta interna. — Emocionalmente, é mais complicado. —
Voltei a encarar o terapeuta, buscando em seus olhos um porto
seguro para as confissões que se seguiriam. — Há dias bons e dias
ruins. A culpa e a saudade... — Minha voz falhou, e engoli em seco,
lutando contra a emoção que ameaçava me sufocar.
Ele assentiu, encorajando-me a continuar sem pressa. Sua caneta
estava parada, descansando ao lado de seu bloco de notas, toda sua
atenção voltada para mim.
— E como você se sente em relação a isso? — Seu olhar era
inquisitivo, encorajando-me a explorar as emoções que eu tentava
manter à distância.
— Confuso. — Admiti, sentindo o peso da confissão. — Ansioso. E
se ela não quiser me ver? E se... e se meu filho já tiver crescido
odiando a ideia de mim, mesmo antes de nascer?
— São medos válidos, Henrique. Mas o que isso te diz sobre o
que você realmente deseja desse encontro?
Refleti sobre a pergunta, deixando-a me penetrar. Era mais do
que apenas o desejo de redenção; era uma necessidade visceral de
consertar o que havia sido quebrado, de oferecer ao meu filho a
presença que eu temia nunca poder dar.
— Eu só quero a chance de fazer a coisa certa. De ser parte da
vida dele, de mostrar a Maísa que... que eu mudei. Que eu posso ser
o homem que ela e meu filho precisam.
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Ele assentiu, um gesto lento e deliberado, como se quisesse
assegurar que cada palavra sua tivesse o peso necessário para ser
verdadeiramente compreendida.
— Exatamente, Henrique. E é importante lembrar que cada passo
nessa jornada conta. Não importa quão pequeno ele pareça, é um
movimento em direção à cura, à compreensão de si mesmo e ao
perdão que você busca.
— E como posso começar a me perdoar? — A pergunta escapou
antes que eu pudesse contê-la, revelando a profundidade da minha
busca por respostas.
O terapeuta se reclinou, cruzando as mãos enquanto me
considerava com um olhar pensativo.
— Comece reconhecendo os erros que cometeu, sem julgamento.
Aceite-os como parte do seu crescimento. Depois, reflita sobre as
lições que essas experiências ensinaram. O perdão de si mesmo vem
da compreensão de que todos nós estamos em constante evolução,
cometendo erros e aprendendo com eles.
A sala, imersa numa quietude reflexiva, parecia suspender o
tempo enquanto eu digeria as palavras do terapeuta. Uma luz suave
banhava o espaço, criando sombras dançantes que refletiam a
complexidade dos sentimentos que agora me invadiam.
Eu me senti, por um momento, como se estivesse à beira de um
precipício, contemplando o abismo da minha própria alma.
A sugestão de começar o processo de perdão por meio do
reconhecimento e aceitação dos erros cometidos ecoava em minha
mente, uma melodia suave em meio à cacofonia de autocrítica e
remorso que havia sido minha companheira constante.
E mesmo que eu aquela fosse a minha oitava sessão de terapia,
foi a primeira vez que me peguei acreditando que talvez, só talvez,
houvesse esperança para mim.
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— Vou tentar de novo — respondi, a determinação tingindo
minha voz. — Quantas vezes forem necessárias. Desistir não é uma
opção. — Fechei a mala com um movimento firme e me virei para
encará-lo diretamente. — É a única maneira de eu poder viver
comigo mesmo. Maísa e nosso filho merecem essa chance, e eu
preciso fazer tudo ao meu alcance para ser parte da vida deles.
Thomaz me encarou, analisando a resolução estampada em meu
rosto. Ele sabia tão bem quanto eu que o caminho à frente estava
repleto de incertezas, mas também compreendia a profundidade do
meu arrependimento e o desejo ardente de corrigir meus erros.
— Só espero que essa viagem te dê as respostas que você
procura. Promete que vai me manter atualizado, tá? Quero conhecer
meu afilhado o mais rápido possível — brincou, voltando ao tom
leve.
— Prometo, Thomaz.
Ele se aproximou e me abraçou.
Encarei os últimos momentos naquela cobertura, consciente de
que a próxima vez que cruzasse aquele umbral, minha vida poderia
estar irrevogavelmente mudada.
Com um último olhar para o horizonte da cidade que se estendia
além das janelas, respirei fundo, reunindo coragem para enfrentar o
desconhecido. Estava na hora de partir, de encarar o passado e, com
sorte, construir um novo futuro para mim e para minha família.
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de Dois Corações, um hipermercado, na verdade, que vendia desde
alimentos a peças de mobiliário.
— Olha isso, Maísa! — Geórgia chamou minha atenção,
segurando um pacote de macacões coloridos que encontrou perdido
entre as prateleiras de massas. — Acho que eles se perderam do
caminho para a seção de bebês.
Imaginar meus bebês naqueles macacões me encheu de uma
alegria simples
— Leva — eu disse, e ela colocou o pacote no carrinho com um
sorriso cúmplice.
Continuamos nosso caminho, agora na seção de frutas e
legumes. Geórgia insistiu em escolher as maçãs, alegando que tinha
um "olho clínico para frutas no ponto", mas eu sabia que o sorriso
bobo em seu rosto enquanto selecionava cada maçã não tinha a ver
elas.
— E Então, como foi? — eu perguntei, incapaz de conter minha
curiosidade sobre o cliente da padaria que, depois de meses de
visitas diárias, finalmente havia convidado minha irmã para sair.
Geórgia soltou uma risada, seu rosto se iluminando ainda mais.
— Eu estava me perguntando por quanto tempo você ainda ia
aguentar se segurar...
— Você devia se envergonhar de não ter sido a primeira coisa
que me disse quando entrei no seu carro. Quem precisa de boa
tarde quando se tem fofoca?
Geórgia gargalhou.
— Foi... surpreendentemente agradável — admitiu, por fim. —
Quem diria que o Sr. Café-com-Rosquinha teria tantas histórias
interessantes? — ela compartilhou, claramente encantada, apesar de
estar se fazendo de difícil.
— Surpreendentemente agradável? — Bufei, virando o carrinho e
entrando no corredor de leite. — Você pode fazer melhor do que
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— Bem, eu queria algo único para eles... Mas agora que você
mencionou, realmente soa um pouco como elenco de novela das
seis.
— Único é bom, mas talvez a gente possa encontrar algo um
pouco menos... dramático? — sugeriu Geórgia, ainda rindo.
— Talvez você tenha razão. — concordei, sorrindo com a ideia de
revisitar a lista de nomes mais tarde.
— Vou na sessão de cereais — Geórgia me avisou. — Quer
alguma coisa de lá?
— Arroz e feijão — pedi. — Nos encontramos na padaria?
— Pode ser.
Entrei no corredor seguinte, me virando imediatamente para a
longa fileira de massas prontas para bolo, sem saber qual escolher.
Bolo havia se tornado um desejo constante. Eu queria comer o
tempo todo, todos os dias, então era melhor manter um estoque
prático abastecido, mas as opções eram tantas que eu me sentia
perdida: chocolate, baunilha, coco, cenoura...
As fotos nas embalagens encheram minha boca d’água e depois
de cinco minutos, eu tinha decidido que aquilo era um dos tipos
mais cruéis de tortura que existiam.
Ergui a mão para pegar uma de chocolate na prateleira mais alta,
eu podia praticamente sentir o cheiro da fatia na embalagem. Mas
no frenesi, esqueci-me de que minha coordenação já não era mais a
mesma com a barriga de seis meses de uma gestação de trigêmeos
ocupando tanto espaço.
Ao tentar pegar o pacote, acabei por derrubar outro no chão.
Merda! Olhei para baixo, encarando o pacote no chão, e me vi
fazendo cálculos mentais.
Como eu poderia me abaixar com esta barriga imensa? A simples
ideia parecia um desafio digno de uma olimpíada para gestantes.
Senti uma mistura de frustração e graça na situação.
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frio do supermercado.
— Oi, Maísa — ele disse e me senti patética quando sua voz
rouca fez meu coração vibrar de saudade. — Como você está?
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Eu não deveria estar aqui, não assim, não sem aviso. Mas ao vê-
la, todo o plano meticulosamente traçado evaporou como névoa ao
sol.
Maísa estava ali, a poucos passos de distância, concentrada em
um pacote caído no chão, e a visão dela acionou algo primordial em
mim, um impulso irrefreável que me arrastou em sua direção.
Ela estava linda, mais do que minha memória permitia recordar, e
a gravidez lhe emprestava um brilho que eu nunca havia visto antes.
A barriga proeminente, símbolo da vida que criamos juntos, era uma
visão que me deixava sem fôlego, inundando-me de uma mistura
avassaladora de admiração e remorso.
Os cabelos escuros balançaram quando ela se moveu, me
encarando. As sobrancelhas escuras franzidas e os olhos grandes
cheios de confusão e surpresa. Seus lábios cheios se apertaram e a
saudade que senti deles era quase o suficiente para me enlouquecer.
O ar frio do supermercado bateu contra minha pele, mas não
conseguiu esfriar o calor que corria por minhas veias ao vê-la.
Maísa. Ali.
A presença dela, tão perto e ao mesmo tempo tão distante,
enchia o espaço ao meu redor, tornando o ambiente do
supermercado quase irrelevante. O som ambiente, as conversas ao
redor, tudo parecia desvanecer, deixando apenas o eco do meu
coração batendo descompassado.
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Havia uma secura desconfortável na minha boca, e minhas mãos
tremiam levemente, um testemunho físico do tumulto emocional que
eu tentava desesperadamente controlar.
Maísa vestia uma jardineira, o corpo tão pequeno quanto eu me
lembrava e, ainda assim, parecendo maior, mais forte. Era um
paradoxo, como tudo nela sempre foi.
O choque e a surpresa em seu olhar eram palpáveis, e por um
breve momento, senti como se estivéssemos envoltos em uma
bolha, isolados do resto do mundo. O ruído de fundo do
supermercado desapareceu, substituído por uma quietude
carregada, enquanto esperava por sua reação.
— Henrique... o que... o que você está fazendo aqui? — Sua voz,
tingida de uma cautela compreensível, cortou o silêncio, trazendo
uma realidade fria com ela.
Eu engoli em seco, lutando para encontrar as palavras certas,
para explicar a tempestade de emoções que me trouxeram até aqui,
até ela.
Tomei uma respiração profunda, buscando a coragem para dizer o
que havia planejado, mesmo que nada tivesse saído como eu
esperava.
— Acabo de me mudar para a cidade.
As palavras caíram entre nós, pesadas e carregadas de
significado. Vi seu rosto se transformar, seus olhos se arregalando
levemente ao processar o que eu havia dito.
— Você o quê? — Sua voz era um sussurro, quase perdido no
ruído de fundo do supermercado.
— Eu sei que não tenho o direito de pedir nada, Maísa, — Minha
voz falhou, revelando mais vulnerabilidade do que eu pretendia e
muito menos do que ela merecia receber de mim. — e não quero te
atrapalhar, sei que não tenho esse direito também. Mas talvez, em
outro momento, quando for conveniente para você, nós possamos
tomar um suco juntos? Para conversarmos.
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possíveis, de risadas e choros que ainda ecoariam pelos corredores
da nossa vida.
Meu coração se expandiu e se contraiu, uma dor aguda cortando
através do afeto e admiração. Era incrível pensar que ali, sob meu
olhar, uma nova vida estava se formando, uma vida que era parte de
mim, parte de Maísa.
Imagens começaram a se formar em minha mente, não apenas
da criança que ainda não conhecíamos, mas de todos os momentos
que perdera e perderia se não conseguisse consertar o que havia
quebrado entre nós.
Primeiros passos, primeiras palavras, o primeiro dia de escola –
cada pensamento era um golpe, uma lembrança do tempo que não
poderia ser recuperado e do futuro incerto que nos aguardava.
Lágrimas começaram a se acumular em meus olhos, uma
resposta física à tempestade emocional que me assolava. A culpa me
preencheu, uma entidade viva dentro de mim, sufocando-me com
seu peso.
Eu havia falhado com Maísa, com nosso filho, com a família que
poderíamos ter sido. E agora, diante da realidade inegável daquela
barriga, daquela vida crescendo, eu me sentia menor, diminuído pela
magnitude do meu erro.
— Obrigado, Maísa. De verdade. — repeti, mas dessa vez, minha
voz quebrou, um reflexo da fratura em meu coração.
Eu não podia ficar ali, não quando cada segundo aumentava a
dor, a realidade da situação pressionando contra mim de todos os
lados. Eu deveria ter mantido o plano.
Eu deveria ter mantido o plano.
Sem esperar por uma resposta, eu me virei, movendo-me quase
que instintivamente. Eu precisava sair dali, respirar, encontrar algum
modo de começar a reparar os danos que havia causado.
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Estava em casa, o silêncio me envolvendo como um cobertor
pesado, enquanto tentava organizar as compras que tinha trazido do
mercado. Cada movimento era mecânico, minhas mãos movendo-se
de forma automática, sem que eu realmente percebesse o que fazia.
Comecei retirando as verduras – alfaces crocantes, tomates
vermelhos e brilhantes, cenouras firmes – e as coloquei
cuidadosamente na gaveta inferior da geladeira, ajustando a
temperatura para mantê-las frescas pelo maior tempo possível.
Depois, peguei os pacotes de massa, os molhos de tomate e as
especiarias, alinhando-os meticulosamente na despensa. Cada frasco
de tempero foi colocado em ordem, do mais usado para o menos,
uma pequena tentativa de trazer ordem ao caos que se instalara
dentro de mim.
As latas de conserva foram empilhadas uma a uma, com um
cuidado quase obsessivo, formando uma pequena muralha de metal
e papelão.
Os produtos de limpeza encontraram seu lugar sob a pia,
organizados de maneira que os mais necessários estivessem à
frente, prontos para serem usados. Enquanto fazia isso, meus
pensamentos vagavam, perdidos entre o encontro com Henrique e
as incertezas que ele trouxera de volta à minha vida.
O arroz, o feijão, a farinha e o açúcar foram despejados em potes
herméticos, cada um etiquetado com letras cuidadosamente
desenhadas – um lembrete de que, em algum momento, eu tinha
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de mim tremesse em uma resposta física ao choque e à incerteza
que o reaparecimento de Henrique provocara.
Meus dedos hesitaram sobre uma lata de tomate, o metal frio sob
o meu toque despertando uma enxurrada de lembranças.
Lembrei-me das mãos de Henrique, do calor que irradiavam
quando encontravam as minhas, uma sensação de segurança e
conforto que parecia emanar dele e me envolver por completo.
A textura lisa da lata sob meus dedos era um contraste gritante
com a memória da aspereza suave das mãos dele. Lembrava-me da
primeira vez que nossas mãos se tocaram, casualmente, no
escritório, quando ainda estávamos nos conhecendo.
Aquela eletricidade inicial, um calor que parecia fluir entre nós,
tão palpável que me fizera questionar se ele também o sentia.
Fechei os olhos por um momento, permitindo-me mergulhar naquela
lembrança.
Podia quase sentir o calor dele ao meu lado, um lembrete de dias
mais felizes, de risadas compartilhadas e de momentos íntimos que
acreditávamos ser o início de uma vida juntos.
Reabri os olhos, encarando a lata de tomate como se ela fosse a
culpada por essa viagem ao passado. Com um suspiro, forcei-me a
colocá-la na prateleira destinada aos itens para o molho que
planejava fazer. Cada movimento subsequente foi mais pesado,
como se, junto com as compras, eu também tentasse organizar e
arrumar os cacos do meu coração.
A saudade, uma companheira constante desde a nossa
separação, agora era acompanhada por um novo sentimento, uma
espécie de resolução amarga.
A presença de Henrique em Dois Corações, a cidade que eu
escolhera como refúgio, tornava impossível ignorar as perguntas que
giravam em minha mente. O que isso significava para nós? Havia um
"nós" a ser considerado ainda, ou era apenas um fantasma do
passado tentando se fazer presente?
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Mentia para mim mesma, repetidas vezes, dizendo que não
queria mais nada com Henrique, que podia seguir em frente sozinha,
ser forte pelos meus filhos.
Mas, no fundo, eu sabia que negar aos trigêmeos a chance de
crescer ao lado do pai era uma decisão que eu lamentaria
amargamente. Não era apenas sobre mim ou Henrique; era sobre
eles, sobre a família que, intencionalmente ou não, havíamos criado
juntos.
Eu podia imaginar os primeiros passos deles, as primeiras
palavras, os aniversários e todas as pequenas conquistas que fariam
parte da sua infância. E Henrique? Ele estaria lá para testemunhar
esses momentos, para compartilhar as alegrias e os desafios de criá-
los?
Ou ele seria uma figura ausente, conhecido apenas por histórias e
fotografias, uma sombra periférica na vida deles?
Esse dilema me consumia, uma luta interna entre o desejo de
proteger meu coração das possíveis dores de uma nova decepção e
o impulso quase maternal de garantir que meus filhos tivessem tudo
o que precisavam para prosperar, inclusive a presença do pai.
Era um equilíbrio delicado, tentar discernir o melhor caminho a
seguir, não apenas para mim, mas principalmente para eles.
No fim, a responsabilidade de tomar essa decisão parecia imensa,
quase esmagadora. Ainda assim, a consciência de que essa poderia
ser a chance dos meus bebês crescerem ao lado do pai era um
pensamento que não conseguia — e talvez não quisesse — afastar
completamente.
Era uma possibilidade que, apesar de todos os meus medos e
reservas, eu sabia que precisava considerar com todo o cuidado e
amor que tinha. Por eles, e talvez, no fundo, por mim também.
— O que eu faço? — sussurrei para a sala vazia, sem esperar
uma resposta.
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A ansiedade me consumia enquanto me aproximava da porta de
Maísa. Cada passo em direção àquela casa, situada numa rua
tranquila de Dois Corações, parecia ressoar com o peso de minhas
incertezas e medos.
O que realmente chamava a atenção na fachada pintada de um
azul suave não era a cor, nem as janelas e portas venezianas, mas
as cercas brancas que cercavam o sobrado.
Elas se estendiam, abraçando a pequena casa e o jardim bem
cuidado, falando de um lar, de algo precioso que estava sendo
protegido.
Minha mão hesitou no ar, pairando sobre o botão da campainha,
e senti cada batida do meu coração como um martelo contra o peito.
Minha boca estava repleta de palavras, frases ensaiadas e
reensaiadas na solidão da minha mente, cada uma delas competindo
por atenção, girando em um redemoinho caótico, um turbilhão de
remorsos, desejos e súplicas.
Queria desesperadamente o perdão de Maísa, mas uma voz
insidiosa no fundo da minha mente sussurrava que eu não era digno
dele, que as feridas que causei eram profundas demais,
irremediáveis, e que minha presença aqui era um ato de egoísmo,
uma tentativa fútil de aliviar minha própria culpa.
O peso dessa culpa me curvou, uma pressão invisível que
comprimiu meus ombros e turvou minha visão.
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Observei-a, notando a simplicidade de sua roupa, a ausência de
maquiagem, e algo dentro de mim doeu. Maísa estava linda, de uma
maneira crua e real que sempre me cativou.
O amor que sentia por ela me atingiu com uma onda de emoção
que me fez sentir tanto idiota quanto desesperadamente
apaixonado. Como pude não ver isso antes de tudo desmoronar?
— Entre. — Sua voz, embora calma, carregava um peso que me
fez hesitar na soleira.
— Obrigado — consegui dizer, minha voz trêmula refletindo a
tempestade emocional por dentro, depois de engolir em seco.
Obedeci
Na sala, o silêncio entre nós cresceu até se tornar um abismo que
me sentia incapaz de cruzar. Me peguei torcendo os dedos
nervosamente. A intensidade do que sentia por Maísa, do quanto a
desejava em minha vida, nunca foi tão clara.
E, no entanto, a dúvida persistia: será que, depois de tudo, ainda
havia espaço para nós? Será que o amor que sentia poderia de
alguma forma compensar os erros que cometi?
— Você quer beber alguma coisa? Uma água? Um café? —
ofereceu, acariciando a barriga inchada delicadamente e foi
impossível impedir que meus olhos acompanhassem o movimento.
O gesto instintivo de proteção e carinho, e a capacidade de ser
hospitaleira, apesar de tudo... As palavras começaram a fluir, quase
sem que eu pudesse controlá-las.
— Eu... — comecei, hesitante no início, mas a visão dela assim,
tão maternal e forte, me encorajou a continuar. — Estou aqui para te
pedir perdão — Minha voz falhou, trêmula, e senti um nó se
formando em minha garganta. — Eu sei que errei, Maísa. Errei de
tantas maneiras que mal posso começar a explicar. Fui... Fui injusto
com você, para dizer o mínimo. E todos os dias, desde então, me
arrependo por não ter te ouvido, por não ter dado a você o benefício
da dúvida que você merecia. — Fiz uma pausa, lutando para manter
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Trigêmeos.
A realidade daquela revelação me atingiu com força total,
deixando-me sem fôlego, enquanto tentava assimilar o impacto do
que acabara de ouvir.
A ideia de ser pai já era assustadora e maravilhosa por si só, mas
trigêmeos... era algo que eu nunca havia sequer considerado, uma
possibilidade que expandia exponencialmente todo o espectro de
emoções que vinha sentindo.
Num instante, a magnitude do meu erro, do meu fracasso em
apoiar Maísa quando ela mais precisava, tornou-se dolorosamente
multiplicada.
A responsabilidade de nossa situação, a realidade de estar ligado
a ela e aos nossos filhos de uma maneira tão fundamental, impôs-se
com uma força que eu nunca havia experimentado. Eu estava
atordoado.
“Filhos” a palavra ecoava em minha mente, ampliada e carregada
com uma enormidade de significados que mal conseguia começar a
processar.
— Trigêmeos? — Minha voz era um sussurro, frágil e incrédulo,
enquanto tentava assimilar o peso do que Maísa acabara de revelar.
Três. A palavra girava em minha cabeça, cada repetição
tornando-a mais real, mais palpável. Três corações batiam dentro
dela, três almas pequenas que já estavam mudando o curso de
nossas vidas de maneiras que mal podia começar a imaginar.
Senti uma mistura de admiração, amor e um medo profundo.
Admiração pela força de Maísa, por sua capacidade de carregar tal
bênção com tanta graça.
— Eu... não sei nem o que dizer, Maísa. Isso é... incrível. E eu
prometo, prometo a você e aos nossos filhos, que farei tudo,
absolutamente tudo, para ser o homem e o pai que vocês merecem.
— Minha voz, embora ainda trêmula, carregava uma promessa
sincera, um compromisso inabalável de mudança e dedicação.
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— Eu... Eu sei que errei, Maísa. Que fui além do erro. Mas minha
intenção... — Minha tentativa de explicar foi interrompida por um
olhar dela que dizia claramente quão insuficientes eram minhas
palavras.
Ela cruzou os braços, um gesto de defesa que a envolvia como
uma armadura. O sol da tarde entrava pela janela, iluminando seu
rosto de maneira que destacava a firmeza de sua decisão, enquanto
lançava sombras sobre mim, como se sublinhasse minhas dúvidas e
incertezas.
— Incrível, — ela murmurou, quase para si mesma, mas alto o
suficiente para que eu ouvisse. — Depois de meses, você espera que
eu... que nós... simplesmente esqueçamos tudo e recomecemos?
Henrique, nossos filhos não são a única coisa que mudou. Eu mudei.
As palavras de Maísa, carregadas de um misto de dor e
resiliência, faziam eco na sala, desviando minha atenção dos
detalhes do ambiente — das cortinas que filtravam a luz do sol, do
tapete que amaciava o chão, das plantas que traziam vida ao
espaço.
Cada elemento que compunha aquele lugar parecia agora um
testemunho silencioso da vida que ela havia construído na minha
ausência, uma vida da qual eu estava, até aquele momento,
completamente à margem.
— Eu vou perdoá-lo, Henrique. Mas só porque eles precisam de
você. Só por eles, — ela reiterou, a determinação em sua voz
cortando qualquer ilusão que eu pudesse ter alimentado sobre uma
reconciliação fácil. — Foi difícil, mais do que posso expressar. Dar as
costas para tudo, enfrentar a gravidez sozinha, lidar com a dor e a
decepção... Mas eu sobrevivi. Eu cresci. E agora, minha prioridade
são esses bebês. Não há espaço na minha vida para mais dor, para
mais incertezas.
As palavras de Maísa me atingiram como golpes, cada uma
ressoando com uma dor aguda. Via nela uma força que sempre
admirei, mesmo através da vulnerabilidade que agora expunha.
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“Eu vou lutar, Maísa," pensei comigo mesmo, embora as palavras
não tenham saído em voz alta. "Vou aceitar tudo o que você está
disposta a me oferecer, com gratidão e humildade, e vou provar a
você, todos os dias, que sou digno de sua confiança, do seu
respeito... e talvez, com o tempo, de algo mais."
Maísa assentiu para o silêncio que se estendia entre nós, como se
reconhecesse os pensamentos não ditos que se revoltavam em
minha mente. Então, com um movimento quase hesitante, ela
quebrou o silêncio.
— Você gostaria de conhecer o quarto dos bebês?
Sua voz era suave, mas carregava uma nota de convite que
parecia estender uma ponte sobre o abismo que meus erros e
nossas mágoas haviam criado.
— Por favor — respondi com um sorriso pequeno, mas que não
alcançava meus olhos.
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Era como se meu ser inteiro estivesse implorando para diminuir a
distância que nos separava, para me envolver em seus braços e
relembrar o conforto e a segurança que eles uma vez me
proporcionaram. A memória daquele abraço, daquela conexão, era
uma chama que, apesar de todos os meus esforços, recusava-se a
ser apagada.
No entanto, a realidade das minhas palavras ainda ecoava entre
nós, um lembrete da decisão que tomei. "Não há mais espaço em
minha vida para incertezas e dor," eu havia dito, e cada palavra
carregava o peso de noites insones, de lágrimas derramadas, da
solidão de enfrentar uma gravidez sem o parceiro em que pensei
poder confiar.
Minha determinação era o produto da necessidade de proteger
não apenas a mim mesma, mas principalmente os nossos filhos da
possibilidade de mais sofrimento.
Observar Henrique naquele ambiente, um espaço que criei com
tanto amor e cuidado para os nossos filhos, reacendia a dor e a
esperança em igual medida.
A dor pelo que perdemos, pela confiança quebrada, e a
esperança tênue de que, de alguma forma, pudéssemos encontrar
um caminho para coexistir, não como antes, mas de uma nova
maneira que honrasse a ligação indelével que compartilhávamos
através dos nossos filhos.
E quando ele finalmente se virou para me encarar, os olhos
transbordando de emoção, o abismo que nossas escolhas haviam
criado entre nós gritou.
Um abismo que, apesar do meu desejo conflitante de me
aproximar, eu havia escolhido não atravessar. Acima de tudo, eu
precisava ser forte.
Aceitar Henrique em nossas vidas como o pai que ele prometeu
ser era uma coisa; permitir-me ceder ao desejo de reatar nossa
relação era outra completamente diferente. Uma linha que eu me
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Mas, a cada vez que esses pensamentos surgiam, eu os
confrontava com a realidade das minhas feridas ainda abertas, da
confiança quebrada que precisaria de mais do que palavras para ser
reconstruída.
O que me permitiria receber de Henrique, independentemente de
suas intenções, tornou-se claro: seu comprometimento como pai,
sua presença na vida dos nossos filhos, mas nada além disso.
Era uma linha que eu desenhava não apenas para proteger meu
coração, mas também para salvaguardar o futuro emocional dos
nossos filhos.
Eu sabia que estava fazendo a escolha certa.
— É lindo, Maísa. Você fez um trabalho incrível aqui, — Henrique
disse, sua voz carregada de emoção.
— Obrigada — respondi, mantendo minha voz estável, apesar da
tempestade que se formava dentro de mim.
Quando Henrique se virou para me encarar novamente, seus
olhos estavam transbordando de emoção. Aquele olhar, tão cheio de
sentimentos e arrependimento, atingiu-me profundamente,
reacendendo memórias e desejos que eu lutava para manter à
distância.
Senti meu coração apertar, uma dor aguda misturada com um
resquício de esperança. Era difícil, quase doloroso, manter a
distância emocional, especialmente vendo a sinceridade em seus
olhos.
Mas repeti, como um mantra silencioso, que eu precisava ser
forte, não apenas por mim, mas principalmente pelos nossos filhos.
Eles mereciam um ambiente estável e livre das incertezas que
marcaram minha relação com Henrique.
— Eles vão adorar aqui.
— Sim, eles vão — concordei, forçando um sorriso que esperava
parecer mais confiante do que eu realmente me sentia. — Eles são
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Seu olhar era sincero, e algo dentro de mim se comoveu com sua
oferta. Por um momento, permiti-me imaginar como seria ter
Henrique ao nosso lado, não apenas como o pai dos nossos filhos,
mas como uma presença constante e apoiadora.
Com o coração batendo mais forte, uma decisão tomada no calor
do momento, perguntei:
— Você gostaria de ir à próxima consulta médica comigo? É no
final da semana.
A surpresa passou pelo rosto de Henrique, rapidamente
substituída por uma expressão de gratidão.
— Eu... Eu adoraria, Maísa. Obrigado.
Havia um brilho em seus olhos que não via há muito tempo, e,
apesar de todas as minhas resoluções, não pude evitar sentir um fio
de esperança se entrelaçando com o medo e a incerteza que vinham
dominando meus pensamentos.
Permitir que Henrique se envolvesse tão diretamente, levá-lo a
uma consulta médica, era um passo que eu não havia planejado dar
tão cedo. No entanto, ali, naquele quarto preparado com tanto amor
para os nossos filhos, senti que talvez pudesse haver espaço para
reconstruir algo novo a partir dos escombros do nosso passado.
Uma parte de mim sempre desejaria poder voltar no tempo, para
um lugar onde as coisas poderiam ter sido diferentes.
Mas a vida segue em frente, e eu sabia que o caminho à nossa
frente exigiria força, paciência e, acima de tudo, amor — pelos
nossos filhos e, de alguma forma, um pelo outro, mesmo que agora
apenas como pais compartilhando a responsabilidade de criar três
vidas preciosas.
— O que mudou, Henrique? — perguntei, precisando saber disso
antes de seguir em frente de vez. — Você... — Engoli em seco e
fechei os olhos quando as lembranças daquela noite, quando ele me
rejeitou, meses atrás, explodiram nos meus pensamentos. — Você
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passadas. Sem perceber, encontrei minhas mãos tremendo ao lado
do corpo, um movimento involuntário que traía a turbulência interna
que suas palavras haviam desencadeado.
Engoli em seco, tentando disfarçar a agitação súbita, mas sabia
que meus olhos, ampliados e fixos nele, provavelmente revelavam
mais do que eu gostaria.
Por um instante, permiti-me imaginar o cenário que ele descreveu
— um mundo sem Henrique, um futuro em que nossos filhos
perguntariam sobre seu pai e eu teria que encontrar as palavras
para explicar sua ausência permanente.
A dor dessa imaginação, a realidade alternativa que por pouco
não se concretizou, deixou-me com uma sensação de
vulnerabilidade que eu lutava para aceitar.
— Depois do acidente, — Henrique voltou a falar— fiquei lá,
sozinho no hospital, pensando... Sobre tudo. Sobre nós. — Ele
pausou, olhando diretamente nos meus olhos, procurando por algo
que eu não tinha certeza de poder oferecer.
Vi seu peito subir e descer com respirações profundas, um sinal
claro da emoção que ele lutava para conter. Me encolhi
involuntariamente, um movimento sutil, mas revelador da minha
própria vulnerabilidade.
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Essa mistura complexa de emoções — medo, alívio, mágoa — fez
com que eu me sentisse ainda mais resoluta em minha decisão de
proteger a mim mesma e aos nossos filhos acima de tudo.
A vulnerabilidade que a perspectiva de perder Henrique revelou
em mim só reforçou a necessidade de manter uma distância
emocional, por mais contraditório que isso pudesse parecer.
— Eu... estou aliviada que você esteja bem, Henrique, —
consegui dizer, a voz trêmula apesar dos meus melhores esforços
para mantê-la estável. — Por nossos filhos... eles precisam de você.
Cada palavra era carregada de uma sinceridade dolorosa, um
reconhecimento de que, independentemente dos nossos conflitos, a
vida é preciosa e frágil, e as conexões que temos, por mais
complicadas que sejam, não podem ser ignoradas ou descartadas
sem consideração.
Henrique assentiu, a tristeza em seus olhos um espelho da minha
própria. Apesar de tudo, eu sabia que esse era o caminho certo a
seguir.
Por mais difícil que fosse, por mais que parte de mim ainda
ansiasse por uma resolução diferente, eu tinha que pensar no que
era melhor para os nossos filhos.
E manter meu coração protegido, enquanto permitia que
Henrique cumprisse seu papel como pai, era a única maneira de
fazer isso.
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a jogar futebol, a andar de patins e a esquiar. Eu os ajudaria a
aprender a ler e a fazer contas, a construir seus caráteres, a se
tornarem pessoas de bem.
Sentia-me ligado a eles de uma maneira que palavras dificilmente
poderiam descrever, como se cada nome tivesse criado um laço
invisível entre nós, puxando-me para uma nova dimensão de
responsabilidade e amor que eu apenas começava a compreender.
Além disso, havia uma sensação de urgência, uma consciência
repentina de que o tempo estava em movimento, e que a chegada
deles era iminente.
A realidade de que em breve eu estaria segurando Leon, Gael e
Eduardo em meus braços transformava cada pensamento em ação,
cada dúvida em decisão.
Estava claro que minha vida estava prestes a mudar de maneiras
que eu mal podia imaginar. Thomaz se recuperou do choque inicial
rapidamente.
— Cara, isso é incrível! Eu... eu vou precisar começar a trabalhar
em três vezes mais piadas de tio agora!
Não pude evitar um sorriso, mesmo que os sentimentos em meu
peito ainda estivessem muito intensos desde a conversa com Maísa,
na noite anterior.
— Vai precisar mesmo, — concordei, permitindo-me ser levado
por sua energia positiva, mesmo que por um momento.
— Mas falando sério, Henrique, — Thomaz continuou, seu tom
suavizando à medida que a realidade da situação se instalava
novamente entre nós. — Como você está se sentindo com tudo isso?
Quero dizer, isso é uma grande notícia.
Respirei fundo, buscando as palavras. A sala da casa que aluguei
em Dois Corações refletia o tumulto de emoções e a precipitação
com que decidi me instalar aqui.
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— Fico feliz que Maísa não tenha dificultado as coisas — ele
disse, mas se corrigiu em seguida. — Não que ela não tivesse esse
direito, ela tinha. Mas, você entendeu o que eu quis dizer.
Thomaz passou a mão pelos cabelos e cruzou as mãos na frente
do peito. Ele estava sentado no sofá da sua casa. Tinha acabado de
chegar em casa, vindo do trabalho, quando liguei.
Ri, uma risada triste.
— Ela disse que jamais me negaria o direito de ser o pai dos
nossos filhos.
— Eu sempre te disse que você tinha escolhido uma mulher
especial.
Balancei a cabeça, concordando, mesmo que a palavra “especial”
parecesse pouco, muito pouco para descrever Maísa.
— Ela também deixou claro que nosso relacionamento... que
nós... estamos no passado. Que o pai das crianças é tudo o que eu
vou ser.
Thomaz assentiu, compreendendo a complexidade do que eu
estava enfrentando.
— E o que você pensa sobre isso?
Hesitei por um momento, absorvendo a pergunta e o peso das
emoções que ela evocava. O silêncio da sala, pontuado apenas pelo
som suave da minha respiração, parecia aguardar minha resposta.
— Vou dar a ela todo tempo e espaço que ela precisar, Thomaz,
— comecei, sentindo a determinação firme dentro de mim. — Mas
ela é a mulher da minha vida. Desistir não é uma opção, não no
primeiro obstáculo.
Thomaz me observou atentamente, e eu podia ver o respeito em
seus olhos. Ele conhecia a profundidade dos meus sentimentos por
Maísa, o quanto eu estava disposto a lutar para reconstruir o que
havíamos perdido.
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uma nova energia, uma nova possibilidade.
E, enquanto contemplava o caminho à frente, senti-me preparado
para enfrentar o que viesse, armado com amor, esperança e a
inabalável crença de que, no final, valeria a pena lutar por aquilo
que verdadeiramente importava.
Naquela noite, enquanto a cidade de Dois Corações se aquietava
sob o céu estrelado, prometi a mim mesmo que faria tudo ao meu
alcance para ser um bom pai para Leon, Gael e Eduardo,
independente do que o futuro nos reservasse.
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tivemos sobre Henrique e das muitas que tivemos sobre os bebês, e
sobre o futuro incerto que se desdobrava à nossa frente.
Meu pai, sempre o mais reservado, encarou Henrique com uma
expressão que misturava avaliação e proteção. Seus olhos, que
tantas vezes eu vi brilharem com gentileza, agora guardavam um
brilho de cautela, como se tentassem decifrar as verdadeiras
intenções por trás da presença de Henrique ali.
No entanto, havia também um leve aceno de aceitação, uma
disposição para ouvir e entender antes de formar um julgamento
definitivo.
Minha mãe, por outro lado, tinha nos lábios um sorriso tímido,
uma tentativa de trazer calor e acolhimento à situação. Seus olhos,
no entanto, revelavam uma preocupação materna profunda, o medo
silencioso de que sua filha, e agora seus futuros netos, pudessem
sofrer.
Mesmo assim, ela emanava uma aura de esperança, um desejo
palpável de que, de alguma forma, pudéssemos encontrar um
caminho para a harmonia e o bem-estar coletivo.
Geórgia, era um mar de emoções contidas. Seu olhar para
Henrique era incisivo, quase desafiador, como se ela estivesse pronta
para defender a mim e aos bebês de qualquer ameaça potencial.
Sua postura, rígida e alerta, deixava claro que ela não estava
disposta a fazer concessões facilmente. No entanto, por baixo dessa
superfície tempestuosa, eu sabia que havia também um desejo de
paz, de estabilidade para nossa família em crescimento.
A sala, com sua decoração familiar e aconchegante, tornou-se um
palco para esse encontro carregado de significados e emoções
conflitantes.
As expressões nos rostos da minha família refletiam a
complexidade da situação — uma mistura de amor incondicional por
mim e pelos bebês, preocupação com as incertezas do futuro e uma
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meus filhos — declarou e eu pisquei, sentindo as batidas do meu
coração se tornarem ainda mais aceleradas.
O anúncio deixou a sala em um silêncio ainda mais profundo,
todos surpresos com a franqueza inesperada. Minha mãe parecia
estar reavaliando Henrique, seu olhar misturando surpresa com uma
nova ponta de respeito.
Meu pai, por outro lado, tinha a testa franzida, claramente
ponderando as intenções por trás das palavras de Henrique. Geórgia
me lançou um olhar rápido, tentando avaliar minha reação antes de
fixar seus olhos em Henrique, como se o desafiasse a continuar.
Foi meu pai quem finalmente quebrou o silêncio, sua voz
refletindo a cautela de um homem acostumado a proteger sua
família.
— O que você quer dizer, rapaz? — ele perguntou, dando a
Henrique a oportunidade de explicar-se, de tornar suas intenções
claras.
A tensão na sala aumentou, todos nós presos nesse momento de
expectativa. Finalmente, Henrique pressionou os lábios, tomou uma
respiração profunda e começou, sua voz soando mais firme do que
sua postura sugeriria.
— Eu cometi erros graves e fiz escolhas terríveis. Já conversei
com Maísa e pedi o perdão dela, mas ela não é a única pessoa que
precisa me perdoar. Maísa sempre falou muito de vocês, e sei o
quanto a amam. O simples fato de estarem me recebendo com tanta
cortesia, mesmo depois de tudo, é uma prova disso. Então, quero
começar essa relação do jeito certo, pedindo desculpas por ter
magoado alguém que vocês amam tanto e prometendo passar o
resto dos meus dias me esforçando para merecer o perdão de Maísa
e a benção de ser o pai dos nossos filhos.
As palavras de Henrique, carregadas de sinceridade e uma
humildade que eu não esperava, pareciam ressoar pela sala,
tocando cada um de nós de maneira diferente.
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Henrique sustentou meu olhar, a determinação evidente em suas
feições. Era um olhar que eu reconhecia, um que ele usava quando
estava completamente comprometido com uma decisão,
independentemente das consequências.
— Maísa, há coisas mais importantes que a empresa agora. —
Sua voz era firme, mas calma. — Estar presente na vida dos nossos
filhos é uma delas. Posso gerenciar meus negócios à distância, e
tenho uma equipe em quem confio completamente. Se precisar, farei
viagens de negócios, mas minha base será onde vocês estiverem.
Eu estava atônita. A ideia de Henrique reorganizar sua vida
inteira, seus planos e sua carreira por nós... era algo que eu não
havia antecipado.
Por um lado, seu comprometimento era exatamente o tipo de
responsabilidade que eu esperava do pai dos meus filhos. Por outro,
a proximidade que isso implicava entre nós trazia uma complexidade
emocional que eu não tinha certeza de estar pronta para enfrentar.
Meu pai assentiu, parecendo considerar as palavras de Henrique
com um novo respeito.
— Isso é admirável, Henrique. Você será muito bem-vindo nesta
família, desde que suas ações reflitam suas palavras.
Minha mãe sorriu, uma expressão de alívio e contentamento
cruzando seu rosto pela decisão de Henrique de priorizar a família. E
Geórgia, que até então mantivera um ceticismo visível, relaxou um
pouco, embora seu olhar ainda guardasse vestígios de desconfiança.
Eu, por outro lado, lutava para processar o que aquela mudança
significaria para nós. A presença constante de Henrique na cidade,
na vida dos nossos filhos, e, por extensão, na minha, era um cenário
que eu não havia contemplado.
As implicações dessa decisão e os limites que teríamos que
navegar se tornaram questões prementes em minha mente.
— Henrique, eu... eu aprecio o que você está tentando fazer.
Realmente aprecio, — eu disse, escolhendo minhas palavras com
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Era impossível não notar o conflito que dançava nos olhos de
Maísa enquanto eles vagavam pelas janelas do pequeno restaurante
onde estávamos.
Era claro que ela estava dividida por ter aceitado meu convite
para almoçarmos juntos. Maísa deu indício de estar receosa no
momento em que as palavras saíram da minha boca, ainda na porta
da clínica, depois da sua consulta.
E mesmo que eu tivesse percebido, jamais retiraria o convite.
Não. Eu aproveitaria cada oportunidade que a vida me desse para
nos reconectarmos, mesmo que Maísa estivesse determinada a
manter as coisas estritamente platônicas entre nós.
Observava cada movimento dela, desde a maneira como mexia
distraidamente na toalha branca sobre a mesa, até o jeito como seus
olhos se perdiam em pensamentos distantes.
Havia uma beleza em sua hesitação, uma sinceridade que me
fazia querer mergulhar na complexidade dos seus sentimentos,
desvendar cada camada que nos separava.
— Acho que nunca vou me esquecer do momento em que ouvi os
corações deles baterem pela primeira vez — confessei, e Maísa
piscou, sua atenção se concentrando completamente em mim diante
da minha admissão.
Ela piscou, e um sorriso suave curvou seus lábios, como se falar
sobre os nossos filhos fosse a borracha para qualquer tensão que ela
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— Eu... eu acho que gostaria sim,— disse finalmente, um sorriso
tímido brincando em seus lábios. — Isso é... é muito responsável da
sua parte, Henrique.
Sua aprovação me aqueceu por dentro, um pequeno sinal de que,
talvez, eu estivesse no caminho certo para reconstruir, mesmo que
minimamente, a ponte entre nós.
— Eu só quero estar preparado, — admiti, permitindo que minha
vulnerabilidade se mostrasse. — Para eles, e... para você, Maísa.
Quero ser o apoio que vocês precisam.
Ela baixou o olhar por um momento, como se ponderasse minhas
palavras, e então voltou a me encarar, uma intensidade nova em
seus olhos castanhos.
— Isso significa muito, Henrique. Realmente. — Eu podia ouvir a
sinceridade em sua voz. — Eu... eu também tenho lido bastante.
Talvez possamos... compartilhar notas, eu acho?
A ideia de que ela estava me dando um pequeno espaço em algo
tão pessoal e importante quanto a preparação para a chegada dos
nossos filhos fez meu coração bater mais forte. Era um passo
pequeno, mas significativo, na direção de uma nova forma de
conexão entre nós.
— Eu adoraria isso, — respondi, um sorriso genuíno iluminando
meu rosto.
— Como foi para você, descobrir que eram três bebês, e não só
um? — perguntei, curioso. — Quando você me disse, achei que eu
fosse desmaiar, muito honestamente — admiti e Maísa soltou uma
gargalhada alta.
Seu olhar foi para cima, como se ela pudesse ver o momento no
ar.
— Acho que foi... Mágico. — Ela voltou a me encarar. — Foi logo
que cheguei a Dois Corações. As coisas ainda estavam muito difíceis,
ainda pareciam abstratas demais, — contou, e meu coração se
apertou, mas engoli a culpa. Me reconectar com Maísa significava
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acenou com a cabeça.
— Eu sei, — ela disse finalmente, sua voz baixa, mas firme. — Eu
sei que você lamenta, Henrique. E eu... eu aceito sua promessa.
Havia uma cautela em sua aceitação, uma hesitação, mas era
mais um pequeno passo. Foi Maísa quem mudou de assunto, talvez
buscando aliviar a tensão emocional que nossas conversas sempre
pareciam carregar.
O garçom se aproximou com nossos pratos alguns minutos
depois, e comemos enquanto conversávamos sobre trivialidades. O
papo fluindo de maneira mais natural a cada segundo até
chegarmos ao assunto Borges.
— E a Borges & Associados? Como estão todos lá? — Maísa
perguntou, um brilho de curiosidade genuína em seus olhos.
— A empresa está bem. E sim, a situação com a máquina de café
aconteceu de novo, — falei, já rindo. — Você se lembra daquela vez
que ela começou a espumar por todos os lados, como se estivesse
possuída?
Maísa soltou uma gargalhada, cobrindo a boca com a mão numa
tentativa inútil de conter o som.
— Como poderia esquecer? Foi um dos dias mais engraçados lá.
Rimos juntos, e por um momento, foi como se o peso do mundo
tivesse sido suspenso. Mas então, o riso de Maísa diminuiu, e ela me
olhou com uma nova seriedade.
— Todos estão bem, provavelmente, ainda melhores desde o meu
afastamento — eu disse, não querendo que seus pensamentos
fossem para terras que não nos interessassem.
Maísa franziu as sobrancelhas.
— Como assim, Henrique? Todos adoram sua liderança.
Dessa vez, quem riu fui eu.
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— Isso é bom, Henrique. É importante ter alguém assim — ela
disse, sua voz suave, mas firme. — Alguém que não desista de você,
mesmo quando você desiste de si mesmo.
— Sim, é, — concordei, sentindo uma onda de gratidão por
Thomaz e por tudo que ele havia feito. — E é por isso que eu estou
aqui, tentando... tentando fazer as coisas direito desta vez. Não só
com a empresa, mas com você, com os nossos filhos.
O assunto da Borges & Associados tinha se desviado para
territórios mais pessoais, mas era inevitável. Tudo estava interligado:
minhas decisões, meus erros, e a jornada para me redimir.
— Acredito em segundas chances, Henrique, — Maísa disse
depois de uma pausa, seus olhos encontrando os meus. — Todos
merecem a oportunidade de corrigir seus erros. Mas isso não
significa que tudo volta a ser como antes — lembrou, se a si mesma
ou a mim, eu não sabia dizer.
— Eu sei, — respondi, com firmeza — E eu não espero que volte.
Só espero poder construir algo novo, algo melhor, para todos nós.
Sinto muito por você ter se sentido obrigada a se afastar dos amigos
que tinha feito lá, por minha culpa, — admiti, o peso da
responsabilidade por suas escolhas passadas assentando sobre mim.
O ar em torno de nós tinha mudado; o almoço não era mais
apenas um encontro casual após uma consulta médica.
No entanto, assim que Maísa percebeu a facilidade com que
retomávamos nossa antiga intimidade, algo mudou. Sua postura se
fechou, e ela rapidamente encontrou uma desculpa para encerrar
nosso almoço.
— Eu... eu preciso ir. Já fiquei mais do que deveria, — disse,
levantando-se apressadamente, mesmo que ainda não tivesse
terminado o prato.
Eu a observei se afastar, sentindo uma mistura de gratidão pelo
momento compartilhado e uma resolução firme de continuar
trabalhando por uma chance de reconstruir o que havíamos perdido.
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Geórgia cruzou os braços, recostando-se à bancada da cozinha da
padaria em um ponto cego que não podia ser visto pelos clientes,
através da janela de vidro.
Continuei contando os cupcakes e organizando-os nos recipientes
de congelamento, achando que minha irmã só queria descansar por
alguns minutos, mas quando ela continuou a me encarar depois de
vários deles, virei o rosto em sua direção.
— Henrique acabou de entrar e sentar na mesa do canto —
avisou, cruzando os braços e erguendo uma sobrancelha.
A notícia deveria me surpreender, mas, de alguma forma, já havia
se tornado parte da nova normalidade.
— E isso não é bom? — eu disse, tentando manter minha voz
neutra, embora meu coração batesse um pouco mais rápido com a
menção de seu nome. — Mais um cliente. — Dei de ombros. —
Uhul! — Fingi comemorar e os olhos de Geórgia se estreitaram para
mim.
Minha irmã suspirou, cruzando os braços.
— Ele tem aparecido aqui todos os dias pelas últimas três
semanas. Todos os dias.
Eu pausei, uma bandeja de cupcakes na mão, o peso da situação
finalmente me atingindo.
— Não sei o que você quer que eu faça sobre isso, — respondi,
uma defensiva automática erguendo-se em mim.
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— Eu só... Quero saber como você está lidando com isso. Com
ele sendo tão... presente, — Geórgia pressionou, sua preocupação
rompendo a barreira da frustração.
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Eu estava resoluta em manter nosso relacionamento estritamente
focado na co-parentalidade, na colaboração como pais, sem permitir
que as linhas do passado romântico se borratassem. Essa resolução,
no entanto, não vinha sem seus desafios.
Ver Henrique todos os dias, testemunhar seu esforço em se fazer
presente e participativo, despertava em mim uma miríade de
sentimentos contraditórios.
Cada gesto de cuidado, cada olhar de ternura dirigido aos
espaços que logo seriam preenchidos por nossos filhos, cada
tentativa de diálogo aberto e honesto... Tudo isso me fazia
questionar a rigidez das barreiras que eu havia erguido.
Mas eu permanecia firme em minha decisão. Por mais que a
presença constante de Henrique mexesse comigo de maneiras que
eu não estava pronta para explorar, eu sabia que as fronteiras eram
essenciais.
Elas eram o alicerce sobre o qual eu podia construir um novo
começo para mim e para nossos filhos — um começo que não
negava o passado, mas que também não permitia que ele definisse
nosso futuro.
Era uma linha tênue para se caminhar, entre abrir espaço para
Henrique como pai enquanto mantinha fechadas as portas para
qualquer outra possibilidade entre nós.
E, embora cada dia trouxesse consigo uma nova prova dessa
complexidade, eu estava determinada a manter o equilíbrio.
— Você tem certeza? — Geórgia perguntou, uma última tentativa
de sondar meus sentimentos verdadeiros.
— Tenho, — assegurei a ela, e a mim mesma. — O que importa
agora são os bebês. Tudo o mais... podemos manejar conforme
acontece.
— Mesmo com ele te levando em casa praticamente todos os
dias?
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um gesto de suporte, mulheres fechando os olhos e se concentrando
na respiração.
Havia risadas nervosas, trocas de olhares carregadas de amor e
expectativa, e uma atmosfera que unia a todos nós naquela jornada
compartilhada.
Henrique estava ao meu lado, e a maneira como ele me tocava
era cautelosa, sempre buscando minha permissão com o olhar antes
de qualquer coisa.
Quando a instrutora demonstrou uma técnica de massagem para
aliviar a dor nas costas, suas mãos encontraram a curva da minha
lombar com uma gentileza surpreendente.
Ele aplicava a pressão de forma tão cuidadosa, tão atenta às
minhas reações, que era difícil não me sentir profundamente
conectada a ele, mesmo que por um breve momento.
— Assim está bom? — sussurrou, sua voz baixa apenas para
mim, preocupado em garantir meu conforto.
— Sim, — consegui responder, minha atenção dividida entre a
sensação de suas mãos e as orientações da instrutora, que agora
nos guiava através de uma série de exercícios de respiração.
Eles eram projetados para aliviar a tensão e promover o
relaxamento, técnicas essenciais que seriam valiosas durante o
trabalho de parto.
Marli começou nos orientando a adotar uma postura confortável,
sentados com as costas retas e os pés firmemente plantados no
chão, uma posição que facilitaria a respiração profunda.
— Vamos começar com a respiração diafragmática, — disse, sua
voz calma e encorajadora preenchendo o ambiente. — Coloquem
uma mão sobre o abdômen e a outra no peito. Quero que respirem
profundamente pelo nariz, sentindo o diafragma se expandir, e não o
peito.
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era reconfortante. A aula de parto era um microcosmo de tudo que
estava por vir, um lembrete vívido das transformações, desafios e
alegrias que o futuro nos reservava.
E, enquanto eu observava os outros casais, não pude deixar de
me perder em pensamentos sobre o que poderia ter sido, sobre o
desejo profundo de compartilhar não apenas este momento, mas
todos os momentos, com Henrique de uma maneira que fosse
verdadeira e completa.
Observava os outros casais, os toques suaves, os sussurros de
encorajamento, e uma pontada de desejo atravessava meu coração.
Desejava, mais do que tudo, que a cumplicidade que víamos ali
pudesse ser nossa também, que a conexão que Henrique e eu
compartilhávamos naquele momento fosse real, não apenas uma
faceta de uma relação complexa marcada por decisões passadas.
Cada vez que Henrique se aproximava, para me ajudar com um
exercício de respiração ou para ajustar minha postura, meu corpo
reagia de maneira traiçoeira.
Sua proximidade era um lembrete constante do que havíamos
perdido, do que eu havia resolvido deixar para trás. A voz dele,
calma e firme, guiando-me através dos exercícios, fazia meu coração
acelerar, uma reação que eu repreendia internamente.
— Você está bem? — Henrique perguntou em certo momento,
sua preocupação evidente ao notar minha respiração
descompassada.
— Estou, — respondi rapidamente, um pouco mais ríspida do que
pretendia. — Só... pensando.
Ele assentiu, dando-me espaço, mas seu olhar permanecia
carregado de uma pergunta não verbalizada.
Estava claro que, apesar dos limites que eu havia imposto,
Henrique ainda se importava profundamente, ainda desejava uma
conexão mais profunda do que a que eu estava disposta a oferecer.
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Não eram os corredores estéreis e iluminados do hospital que
faziam meu coração acelerar. Era o peso da responsabilidade e a
antecipação do desconhecido, cada passo nos aproximando da sala
onde Maísa seria preparada para a cesárea.
A decisão da médica, baseada no bem-estar de Maísa e dos
bebês, parecia a mais prudente, mas isso não diminuía a ansiedade
que sentia.
Segurei a mão de Maísa com força, tentando transmitir a ela toda
o apoio que conseguia reunir.
Ela estava calma, notavelmente serena diante da iminência do
parto, uma força tranquila que sempre admirei nela. Mas, sob a
superfície dessa calma, eu sabia que havia uma maré de
sentimentos complexos, tão tumultuada quanto a minha.
Quando chegamos à sala de preparação, um silêncio denso nos
envolveu. Era um ambiente de contraste palpável, onde a
antecipação e a serenidade se encontravam.
As paredes, pintadas num tom suave de azul, se esforçavam para
transmitir uma sensação de calma, enquanto a iluminação, embora
artificial, era ajustada para ser o menos invasiva possível, imitando a
luz natural do dia.
Ao centro, uma cama de hospital com lençóis impecavelmente
brancos dominava o espaço, pronta para acolher Maísa. Ao lado
dela, uma pequena mesa de metal continha instrumentos cirúrgicos
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— E o que mais vai acontecer? — perguntou, tentando esconder
seu nervosismo.
— Vamos preparar você para a anestesia. Um anestesista virá
conversar com você sobre as opções de anestesia regional, que é
comumente usada em cesáreas para que você fique acordada e
confortável durante o parto. Você sentirá pressão, mas não dor, —
explicou a enfermeira, verificando os monitores ao lado da cama.
— E depois da anestesia? — Maísa inquiriu, mesmo sabendo de
cor e salteado cada uma das etapas.
— Uma vez que a anestesia faça efeito, o cirurgião começará a
cesárea. Vamos levantar uma tela na altura do seu peito para
manter o campo cirúrgico estéril e proporcionar privacidade. Mas
não se preocupe, comunicaremos tudo o que está acontecendo.
Assim que os bebês nascerem, a equipe pediátrica estará pronta
para cuidar deles imediatamente. Se tudo estiver bem, e a situação
permitir, faremos o contato pele a pele o mais rápido possível, — a
enfermeira respondeu, oferecendo a Maísa um olhar encorajador. —
Estamos aqui por você, Maísa. Qualquer coisa que precisar, é só nos
dizer, — concluiu a enfermeira, antes de prosseguir com os
preparativos.
Ela verificava os sinais vitais de Maísa, ajustava os monitores ao
seu redor e assegurava que os equipamentos de monitoramento
estivessem funcionando perfeitamente, garantindo uma vigilância
constante sobre a saúde de Maísa e dos bebês durante a cirurgia.
Outro membro da equipe, um técnico, cuidadosamente dispunha
os instrumentos cirúrgicos na mesa ao lado da cama. Cada pinça,
tesoura e agulha era colocada com precisão, prontos para serem
utilizados pelo cirurgião.
O anestesista, aproximou-se para discutir com Maísa a
administração da anestesia. Com uma calma profissional, explicou o
processo da anestesia regional, assegurando a Maísa que ela estaria
confortável e sem dor durante o parto.
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por uma simples verdade: estávamos juntos, enfrentando o futuro
incerto, mas juntos.
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Cada som parecia carregar um peso emocional, um lembrete
constante das muitas vidas que começavam ali com batalhas que
seus corpos minúsculos não deveriam ter que enfrentar tão cedo.
Observei as incubadoras, cada uma abrigando um milagre
pequeno e precioso. Os bebês, nossos bebês, estavam ali,
conectados a monitores e alimentados por tubos, uma visão que
partia meu coração e ao mesmo tempo enchia-me de esperança.
Eles pareciam ainda menores envoltos em mantas e sob o calor
das lâmpadas, projetadas para imitar o abraço aconchegante do
útero. Eu experimentava, desde que me recuperara completamente
da anestesia, uma montanha-russa de emoções.
Havia medo, sim, e uma ansiedade que parecia se enraizar no
fundo do meu estômago. Mas também havia uma sensação de
admiração pela resiliência da vida, um sentimento de gratidão
inexprimível pelos cuidados dedicados aos nossos filhos.
O vidro que nos separava era ao mesmo tempo uma barreira
física e emocional, mas naquele momento, meu foco estava
inteiramente na cena diante de mim.
Henrique estava vestido com a roupa especial para entrar na UTI,
uma touca cobrindo seus cabelos e luvas protegendo suas mãos.
Mesmo com todas essas camadas de proteção, a ternura de seus
gestos era palpável.
Ele tocava delicadamente o vidro do berçário onde nossos filhos
repousavam, seus olhos cheios de uma mistura de admiração e
preocupação. Vestida em um roupão do hospital, sentia o peso da
minha própria recuperação física, um lembrete constante da cesárea
recente.
Eu estava sozinha naquele momento, parada na porta, a
enfermeira que me acompanhara até ali havia retornado para buscar
algo que eu precisava.
Henrique, imerso em sua conexão com nossos filhos, não notou
minha presença inicialmente. A intensidade de seu foco era tanto um
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proximidade emocional que eu não tinha certeza de como navegar.
Mas ali, com ele me olhando com tanta preocupação e carinho,
era impossível não querer mais do que a incerteza.
— Venha, — ele gesticulou, sua voz ainda um sussurro, mas a
intenção clara mesmo através do vidro.
Hesitei, ainda lutando com a complexidade dos meus próprios
sentimentos. Mas então, dei um passo à frente que parecia significar
muito mais do que apenas a decisão de me juntar a ele.
De alguma forma, eu parecia estar cruzando a linha invisível que
havia entre mim e Henrique, senti como se estivesse cruzando uma
ponte em nossa relação, uma que havíamos construído juntos nos
últimos meses, peça por peça.
Henrique rapidamente puxou uma poltrona para perto da
incubadora onde nossos bebês repousavam, um gesto simples, mas
carregado de significado. Ele estava atento, não apenas aos nossos
filhos, mas também à minha condição.
Sentando-me cuidadosamente, ele se assegurou de que eu
estivesse confortável antes de voltar sua atenção para os bebês.
— Eles são tão lindos, não são? — Henrique murmurou, sua voz
baixa, carregada de admiração enquanto observávamos os
trigêmeos através do vidro da incubadora.
Eles eram idênticos, cada um com pequenos traços que já
começavam a mostrar sua individualidade, mesmo em seu estado
vulnerável.
— Perfeitos, — consegui responder, minha voz embargada pela
emoção.
Era difícil não se maravilhar com a pura perfeição diante de nós,
três seres que compartilhavam tanto de nós mesmos. Nossa atenção
se dividia entre eles.
Cada um dos trigêmeos, e poderia ser loucura da minha cabeça,
mas mesmo recém-nascidos, eles pareciam já começar a mostrar
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suas individualidades.
— Olha só, este aqui, — Henrique murmurou, apontando
delicadamente para o primeiro dos trigêmeos, — ele tem a mesma
expressão séria que você costuma ter quando está lendo algo
importante.
Eu ri baixinho, emocionada com a comparação mesmo sabendo
que para qualquer outra pessoa, sua afirmação não soaria como
qualquer coisa além de um absurdo.
— E esse, — disse eu, movendo minha mão para indicar o
segundo bebê, — parece sempre estar procurando por algo, com os
olhinhos se movendo mesmo quando estão fechados. Ele tem a sua
curiosidade, Henrique.
— E olhe para o Leon, — Henrique apontou para o terceiro bebê,
um sorriso de puro encanto iluminando seu rosto. — Já percebeu
como ele está aninhado pelos outros dois? Como se eles soubessem
que precisam protegê-lo? Ele foi o último a nascer.
— É incrível, — concordei, outra lágrima de felicidade escapando
involuntariamente. — Eles são tão pequenos e já tão unidos. Três
partes de um todo.
Henrique se voltou para mim, os olhos brilhando não apenas com
amor pelos nossos filhos, mas também com outra emoção.
— Eles são perfeitos, Maísa. Cada um deles. Obrigada — disse, e
limpou uma lágrima de escapou pelo canto dos seus olhos.
— Não, Henrique. Você não precisa me agradecer — respondi, a
voz embargada pela emoção. — Nós fizemos isso juntos.
A sala parecia suspensa no tempo, um santuário de vidro que
abrigava não apenas nossos filhos, mas também os tênues fios de
uma conexão que, apesar de toda a minha resistência, continuavam
se reerguendo entre nós.
— Eles vão precisar de nós, — ele disse e acariciou minha
bochecha com reverência, limpando o rastro molhado nela. Sua voz
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firme apesar das próprias lágrimas. — De nós juntos, Maísa. E eu...
Eu quero fazer isso direito. Por eles.
— Eu também quero, Henrique. E vamos fazer, — prometi,
sentindo uma determinação se fortalecer dentro de mim. — Juntos,
— acrescentei, permitindo-me acreditar na força dessa palavra.
Henrique acenou, um gesto simples, mas carregado de
significado. Ele então olhou novamente para os nossos bebês, um
sorriso suave aparecendo em meio à contemplação.
Era um momento de vulnerabilidade compartilhada, de
reconhecimento mútuo de que, independentemente dos desafios,
havia uma beleza inegável naquilo que fizemos.
A complexidade dos nossos sentimentos, o peso das nossas
escolhas passadas e as incertezas do futuro pareciam, por um breve
momento, menos assustadoras.
A presença de Henrique, seu agradecimento sincero e suas
lágrimas, revelavam um homem disposto a enfrentar suas
vulnerabilidades, o mesmo homem por quem eu havia me
apaixonado, meses antes.
E, enquanto estávamos ali, unidos pela preocupação e amor por
nossos trigêmeos, eu comecei a vislumbrar a possibilidade de um
novo capítulo para nós, não apenas como pais, mas como parceiros
em uma jornada repleta de esperança e renovação.
— Sim, juntos. Por eles, e talvez... por nós também — Henrique
me respondeu como se estivesse lendo meus pensamentos e
desejos, uma promessa implícita em seu olhar.
A conversa que se seguiu foi breve, mas repleta de significado.
Continuamos procurando pequenas características que notávamos
neles, como os minúsculos dedos que se moviam suavemente ou a
forma como pareciam responder ao som de nossas vozes, mesmo
em sono leve.
A ternura com que ele cuidava de mim e a dedicação que
mostrava aos nossos bebês tornavam a fissura em minhas defesas
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— Surpresa! — O coro de três vozes familiares gritou, fazendo a
mãe dos meus filhos parar de andar, ainda com a mão na maçaneta.
Ao abrir a porta da própria casa, carregando cuidadosamente um
dos nossos trigêmeos, Maísa estava preparada para o silêncio e a
calma que imaginava que nos receberiam.
Em vez disso, fomos envolvidos por uma onda de calor humano e
alegria — uma pequena comemoração surpresa organizada pelos
pais, a irmã de Maísa e, secretamente, por mim.
Balões coloridos flutuavam pelo teto da sala de estar, enquanto
guirlandas com as palavras "Bem-vindos, Leon, Gael, Eduardo"
adornavam as paredes.
Uma mesa ao canto estava repleta de doces e um bolo pequeno,
decorado delicadamente com três pequenos ursinhos representando
nossos trigêmeos.
Marta e Rodolfo e Geórgia, nos receberam com sorrisos radiantes
e abraços calorosos. A alegria e alívio, por finalmente terem os netos
e sobrinhos em casa, estavam estampados em seus rostos.
— Bem-vindos ao lar, pequeninos! — exclamou Marta,
aproximando-se cuidadosamente para espiar os bebês nos carrinhos.
— E parabéns aos corajosos pais!
Rodolfo, com um sorriso igualmente amplo, colocou a mão sobre
meu ombro, num gesto de apoio.
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Eu a amava — cada parte dela, desde a força que exibia diante
dos desafios até a ternura com que envolvia nossos filhos.
E, àquela altura, já estava hiper consciente de que o amor que eu
sentia por Maísa não era apenas uma questão de admiração
distante; era um chamado para estar ao seu lado, para compartilhar
as alegrias e as lutas, para ser mais do que apenas um coadjuvante
na história de nossa família.
Celebrar o primeiro mês de vida de nossos trigêmeos, era um
lembrete palpável do que havíamos construído juntos. E, enquanto
Maísa se movia com graça e facilidade entre nossos familiares,
segurando nossos filhos com uma confiança tranquila, eu me via
refletindo sobre o futuro.
O amor que eu sentia por ela sacudia meu peito com uma
intensidade que eu nunca havia experimentado. Era um amor que
não pedia permissão, que não conhecia limites — um amor que me
impulsionava a desejar ser tudo o que Maísa e nossos filhos
precisavam e mais.
Por anos, eu tive certeza de que a missão da minha vida era
transformar a Borges & associados na maior potência que ela
poderia ser, mas ali, em Dois Corações, meses depois da minha
chegada, já não me restava dúvidas de que o meu lugar era ao lado
de Maísa, onde quer que ela estivesse.
Prometi a mim mesmo que encontraria a maneira e o momento
certos para expressar tudo o que sentia, para dizer a Maísa o quanto
a amava e o quanto desejava construir um futuro ao lado dela.
Por agora, contentava-me em estar presente, em celebrar cada
pequeno momento, sabendo que cada sorriso, cada olhar
compartilhado nos aproximava ainda mais da possibilidade de um
'nós' pleno e verdadeiro.
— Queríamos que vocês soubessem o quanto são amados e o
quanto esses pequenos já significam para todos nós, — expliquei
quando ela se aproximou de mim alguns minutos depois, com um
olhar que era uma mistura de acusação e diversão no rosto. — E
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eu... queria fazer algo especial para vocês, para nós. Sei que os
últimos meses foram... Difíceis. Nós os queríamos em casa a cada
segundo que eles não estavam. Achei que devíamos recebê-los com
o pé direito.
O ambiente estava repleto de risadas e conversas animadas
enquanto os bebês passavam de colo em colo, alternando entre os
avós e a tia, que mantinham a cautela para não os perturbar.
Maísa mordeu o lábio inferior, me encarando. Seus olhos falavam
sobre tantos sentimentos diferentes que fiquei sem ar. Seus lábios,
no entanto, aqueles que eu queria tão desesperadamente beijar
outra vez, escolheram apenas uma palavra para dizer:
— Obrigada.
Neguei com a cabeça.
— Juntos, Maísa. Sempre.
Ela suspirou e piscou, então umedeceu os lábios e assentiu.
— Juntos, sempre.
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Sua respiração era um sussurro leve, uma canção de ninar que só
nós compartilhávamos naquele instante. Cuidadosamente, ajustei
meus braços para apoiar melhor sua cabeça e seu corpinho,
consciente de cada movimento para não o despertar.
Caminhei devagar até o berço em que seus irmãos, Leon e Gael,
já descansavam. Apesar de Maísa ter comprado três camas, os
bebês gostavam de dormir agarrados um ao outro.
Com todo o cuidado, abaixei-me para colocar Eduardo ao lado de
Leon e Gael. Havia um espaço reservado só para ele, como se o
berço já soubesse que aquele era seu lugar no círculo de irmãos.
Ao ajeitá-lo, certifiquei-me de que o cobertorzinho o envolvesse
confortavelmente, não muito apertado, mas o suficiente para que se
sentisse seguro e aquecido.
O quarto, iluminado apenas por uma luz noturna suave, banhava
os três em um brilho sereno, transformando o momento em algo
quase mágico.
Maísa se levantou e parou ao meu lado, as mãos apoiadas na
lateral do berço, quase tocando as minhas, de tão perto. Nos
permitimos alguns instantes de admiração silenciosa, observando
nossos filhos dormirem.
O peso e a realidade de nossa nova vida como pais de trigêmeos
pareciam, de alguma forma, leves quando eu os olhava.
— É muito melhor do que eu sonhei — ela sussurrou. —, tê-los
em casa.
Sua voz estava carregada de emoção e alívio e suas palavras
ecoaram meus próprios sentimentos. Maísa se virou para mim, seu
olhar carregando uma mistura de esperança e hesitação.
A intensidade de seu olhar me fez prender a respiração,
antecipando a importância do que ela estava prestes a dizer. Ela
guardou silêncio pelo que pareceu uma eternidade, como se não
tivesse certeza de que realmente queria dizer as palavras prontas
para saltarem para fora de sua boca.
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— Olhem só para vocês, prontos para conquistar o mundo, —
Henrique brincou com os bebês, inclinado sobre os carrinhos
enquanto ajustava os pequenos chapéus em suas cabeças. — Vamos
mostrar a eles quão bravos exploradores vocês podem ser.
Leon, Gael, e Eduardo exibiram sorrisos vazios de dentes ao
mesmo tempo, cada um vestido em macacões coloridos
especialmente escolhidos para o dia – verde, azul e amarelo –
pareciam pequenos feixes de luz sob o sol suave da manhã.
Apoiada no batente da porta, afundei os dentes no lábio inferior,
mordendo o sorriso que brotou involuntariamente enquanto eu
assistia a interação.
Henrique tinha uma maneira de tornar cada momento com eles
especial, até mesmo o passeio matinal de todos os dias.
— Cuidem bem do papai, tá bom? — eu disse, me aproximando
dos carrinhos para dar um último beijo em cada um dos meus
pequenos antes de eles partirem. — E você, — voltei meu olhar para
Henrique, — cuida bem deles para mim.
— Sempre, — ele respondeu, encontrando meu olhar com uma
promessa silenciosa.
A despedida era doce, tingida pela ansiedade suave de deixá-los
ir, mesmo que por pouco tempo, mas esse era um acordo sem
palavras a que Henrique e eu havíamos chegado nos últimos meses.
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Desde que Henrique se mudou para minha casa, para estar mais
presente nos primeiros meses de vida de Leon, Gael, e Eduardo,
nossas vidas tomaram um novo ritmo, uma nova forma de ser.
Cada manhã, ao me despedir deles na porta, sentia uma mistura
de alívio e saudade. Era o momento do dia em que Henrique
assumia as rédeas, permitindo-me respirar, recarregar as energias
após as longas noites de amamentação.
Os passeios matinais se tornaram uma rotina sagrada,
responsabilidade dele, um acordo tácito que havíamos estabelecido
sem necessidade de palavras.
Assim que fechei a porta atrás deles, corri para o banheiro,
desesperada por um banho frio para esfriar o corpo que sempre
ficava quente quando Henrique bancava o pai do ano, o que queria
dizer, o tempo todo.
Havia três meses que eu me sentia vivendo no limite do desejo e
eu amaldiçoava os hormônios, ainda alterados desde a gravidez,
porque não existia outra explicação para a forma como eu
continuava a ser afetada, dia após dia, pelo instinto paterno de
Henrique.
Um homem com uma mamadeira não deveria ser tão sexy quanto
Henrique me parecia, tampouco um homem segurando uma fralda
suja de cocô. Pelo amor de Deus!
Precisava haver alguma coisa muito errada comigo, eu havida
decidido, e só poderiam ser os hormônios ainda descontrolados.
Naquela tarde, eu teria uma consulta com a minha ginecologista.
Henrique, com sua dedicação inabalável e amor palpável por
nossos filhos, transformava cada gesto cotidiano em algo digno de
admiração. A forma como ele cuidava dos meninos, como se
dedicava a eles com tanto amor e atenção, me fazia questionar, me
fazia sonhar... E, sim, me fazia desejar.
O chuveiro frio era mais do que uma tentativa de refrescar o
corpo; era um meio de tentar acalmar o turbilhão dentro de mim,
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provocado pela proximidade e pelo papel cada vez mais significativo
que Henrique ocupava em minha vida.
Morar juntos, cuidar dos bebês juntos, tinha sido um teste de
resistência, mas também uma revelação do quão bem nos
complementávamos, de como, apesar dos desafios, parecíamos
sempre encontrar nosso caminho, juntos.
Enquanto a água fria caía sobre mim, tentava dissipar o calor que
a presença de Henrique despertava. Era mais do que atração física;
era admiração, respeito, e uma crescente certeza de que a vida ao
lado dele poderia ser mais rica, mais plena.
O desejo de explorar o que mais nossa relação poderia se tornar,
apesar das incertezas e dos medos, era algo que começava a ocupar
cada vez mais meus pensamentos. Henrique havia se mostrado um
parceiro incrível na criação dos nossos filhos; era impossível não
imaginar que tipo de marido ele seria.
Desliguei o chuveiro e me envolvi numa toalha, sentindo-me um
pouco mais calma, um pouco mais centrada, mesmo sabendo que
não duraria muito. Nunca durava. Bastaria que ele chegasse e
preparasse a mamadeira para que meu corpo praticamente entrasse
em combustão de novo.
Ao me encarar no espelho após o banho, notei a transformação
gradual que ocorria dentro de mim. Claro, a mãe de Leon, Gael e
Eduardo estava sempre lá, refletida nos olhos cansados, mas
resolutos, que me encaravam de volta. Essa identidade era
inabalável, cimentada por incontáveis noites em claro,
amamentações e momentos ternos de cuidado.
Mas, além dessa faceta inegável da maternidade, começava a
emergir outra imagem — a de Maísa, a mulher. Ela se tornava cada
dia mais forte, mais definida, como se reivindicasse seu espaço ao
lado da Maísa mãe.
Essa Maísa mulher sorria de volta para mim com uma nova luz
nos olhos, uma luz que falava de desejos esquecidos, de paixões
adormecidas e de uma individualidade que clamava por expressão.
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aproximei-me, apoiando os quadris no encosto da cadeira de
Henrique e olhando por sobre seu ombro.
— O que está te incomodando? — perguntei, tentando espiar a
tela do notebook.
Ele soltou um longo suspiro, meio frustrado, meio agradecido pela
interrupção.
— Um contrato com um fornecedor. Estou tentando encontrar
uma cláusula que possa nos dar uma vantagem na negociação, mas
está difícil.
Inclinei a cabeça e corri os olhos pela tela do computador de
Henrique, lendo as linhas estampadas ali, o pano de prato ainda
seguro e úmido em minhas mãos.
— Quer sentar? — ele perguntou ironicamente, já puxando a
cadeira ao seu lado e aceitei, sem desviar os olhos da tela.
— Lembra daquele caso com o fornecedor de software? —
perguntei, enxergando algumas semelhanças entre o contrato que
eu lia e aquele sobre o qual falava. — Nós renegociamos os termos
incluindo uma cláusula de desempenho que nos dava uma saída se
as entregas não atendessem aos nossos padrões.
Henrique se inclinou para trás na cadeira, cruzando os braços,
sua expressão confusa inicial se transformando em reflexão. Então
ele olhou para a tela do próprio computador e silêncio imperou
enquanto nós dois liamos o documento aberto nela.
— Isso mesmo, — murmurou com as sobrancelhas franzidas,
depois se virou para mim, a realização acendendo em seus olhos. —
Podemos aplicar uma estratégia semelhante aqui, ajustando-a para
as especificações deste contrato — ponderou. — Não tinha pensado
nisso... É uma abordagem brilhante, Maísa.
O elogio me transportou para um escritório familiar, quando eu
adorava ouvir Henrique dizer o que pensava sobre o meu trabalho, o
quanto me achava competente. Umedeci os lábios, torcendo para
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Henrique quebrou o silêncio, sua voz já rouca como eu não ouvia
havia muito, muito tempo:
— Muitas coisas, é? — A pergunta, simples na superfície, ecoou
com profundidade entre nós, abrindo um espaço para
reconhecermos o que estava crescendo silenciosamente.
A pausa que se seguiu foi carregada de tensão e expectativa.
Cada um de nós respirava mais devagar, mais profundamente, quase
como se estivéssemos compartilhando o mesmo ar, o mesmo
momento de hesitação e possibilidade.
Finalmente, movido por um impulso que parecia maior do que
nós, Henrique fez um gesto sutil, diminuindo ainda mais a distância
entre nós, sua testa colou na minha.
As distâncias entre passado, presente e futuro se mesclaram e
confundiram. As memórias do parto, daquele toque na testa que
havia sido tanto um gesto de apoio quanto um momento de conexão
íntima, ressurgiam com força, trazendo consigo uma enxurrada de
emoções.
O silêncio que se estendeu entre nós era denso, repleto de
palavras não ditas e sentimentos não explorados. A atmosfera estava
carregada de uma energia que parecia puxar um para o outro, uma
atração magnética que desafiava a lógica e o raciocínio.
Eu o beijei.
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entrelaçava em meus dedos, uma âncora no turbilhão de emoções
que nos envolvia.
O beijo evoluiu rapidamente de uma exploração cautelosa para
uma afirmação fervorosa de presença e desejo. Éramos comandados
por uma fome reprimida, uma demanda silenciosa por mais, por
tudo que havíamos negado a nós mesmos durante tanto tempo.
Nossos lábios se moviam com uma sincronia desesperada,
comunicando uma mistura de saudade, arrependimento e uma
esperança exigente. A respiração de Maísa contra a minha pele era
quente e rápida. O som suave, porém, urgente, de seu suspiro se
misturava ao ambiente, elevando a tensão entre nós.
O beijo nos consumiu, apagando os limites entre o desejo e a
necessidade, entre o passado e o presente. O desespero dos nossos
toques, falava de uma pressa em conseguir mais um do outro que
era impossível de conter.
Nossas bocas interromperam o beijo quando nossos pulmões
gritaram por oxigênio, mas nenhum de nós se afastou, não.
Inspiramos somente o ar necessário para alimentar um segundo
beijo, ainda mais faminto do que o primeiro.
Meus dedos se espalharam em seu couro cabeludo, agarrando os
fios nas raízes enquanto minha outra mão se fechava na pele macia,
puxando Maísa em minha direção até que as cadeiras tivessem sido
arrastadas e ela estivesse montada em meu colo.
Sua boceta, tão perto de mim, tão quente sob a saia do vestido
solto que ela usava, me enlouqueceu completamente e um grunhido
baixo escapou da minha garganta quando ela rebolou.
Descontrolados. Nós estávamos total e completamente
descontrolados.
Minhas bolas pulsaram e suas mãos seguraram meu rosto
enquanto eu a puxava para ainda mais perto, aprofundando o beijo.
O sabor dela era inebriante, uma combinação de doce e salgado que
fez meus sentidos vacilarem.
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— Eu posso parar — garanti, mesmo que minhas mãos ainda
estivessem se espalhando por cada centímetro de pele que
alcançavam, descendo para se infiltrar sob a saia do vestido, loucas
para sentir a suavidade das coxas, da bunda de Maísa, o calor
arrebatador entre as suas pernas. — Eu posso parar.
Beijei seu queixo e o chupei, consciente das palavras que tinham
acabado de deixar meus lábios e, ainda assim, completamente
bêbado, entregue a sensação de tocá-la, de ter Maísa à disposição
dos meus desejos.
— Não se atreva! — exigiu, puxando meus cabelos até que sua
boca pudesse se encaixar na minha outra vez, e sua língua me
consumisse, como se a mera ideia de pararmos tornasse o momento
ainda mais incontrolável.
O peito de Maísa arfava e seus lábios estavam inchados pelos
beijos brutos. Eu nunca me esqueceria do gosto dela, da sensação
de sua pele sob as pontas dos meus dedos, do som de sua
respiração acelerando, seria impossível esquecer, mesmo que a
minha memória jamais fizesse justiça à realidade.
Minhas lembranças eram como sombras apagadas, sem brilho
nenhum diante da verdade. O próximo beijo transcendeu a
fisicalidade para se tornar algo mais, algo mais profundo do que as
palavras poderiam expressar.
E quando olhei nos olhos dela, escuros de desejo e cheios de
uma fome que refletia a minha, eu soube que ela falava sério
quando me intimou a não parar. Ofegantes e ainda imersos na
proximidade um do outro, o silêncio que se seguiu não foi de
desconforto, mas de reconhecimento.
Um reconhecimento de que, apesar de tudo, havia ainda algo
visceral e inegável entre nós, uma chama que, uma vez reacendida,
exigiria nossa total entrega para ser explorada em toda a sua
plenitude.
Me levantei da cadeira e Maísa cruzou as pernas ao redor da
minha cintura. Não desviei o olhar do dela nem por um segundo
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Não quando seu cheiro se misturava ao aroma da sua boceta que
eu tinha certeza de já estar encharcada.
Não quando cada fibra minha estava pronta e ansiosa para
arrancar daquela mulher o pagamento por cada dia que fui forçado a
ficar longe dela.
Eu queria tudo dela.
Eu arrancaria tudo dela.
Eu a destruiria e quando eu terminasse, Maísa me imploraria por
mais.
Eu me pressionava contra ela ao mesmo tempo em que ela se
pressionava contra mim. Seus movimentos eram frenéticos,
urgentes, em segundos, Maísa já estava desesperada por libertação.
— Há quanto tempo você não goza, amor? — perguntei com os
lábios sugando o outro mamilo, para o qual eu tinha acabado de
mudar minha atenção. — Hein? Dias? — sussurrei. — Meses?
— Henrique — ela choramingou meu nome e meu pau pulsou. Eu
nunca me esqueci do quanto adorava ouvi-lo em sua boca nesses
momentos, com esse tom, com esse abandono.
Minhas mãos percorreram seu corpo, deslizando para baixo,
deixando um rastro de fogo até abrirem suas pernas e uma delas se
infiltrar entre elas. A renda da calcinha azul estava ensopada.
Grunhi.
Maísa gemeu baixinho, o som abafado pela minha boca enquanto
eu, mais uma vez, a reivindicava em um beijo apaixonado.
A quarto se encheu com o som das nossas respirações pesadas,
do farfalhar dos lençóis e dos nossos gemidos. Nos movíamos
juntos, terminando de arrancar as roupas um do outro em uma
sinfonia de desejo.
Estávamos perdidos um no outro, nossos corpos envolvidos numa
dança de luxúria e necessidade. Meti fundo na boceta quente, de
uma vez e sem aviso, eu brincaria depois.
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E eu recomeçaria, só precisava de alguns minutos.
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— Só um pouco — concordei, minha resposta soando seca
enquanto eu tentava lidar comigo mesma.
A ansiedade sobre a conversa pendente formava uma nuvem
sobre mim, cada movimento e cada olhar carregados de significado.
A luz suave da cozinha iluminava o espaço entre nós, mas não
conseguia dissipar a tensão palpável que me envolvia, apertando
meu peito em nós.
A atmosfera carregava um peso, uma carga elétrica de
expectativas não ditas que me fazia questionar se seria capaz de
comer qualquer coisa, mesmo que o cheiro da massa que Henrique
pousou sobre o descanso de panela, em cima da mesa, estivesse
incrível.
A noite anterior, intensa e íntima, deixou um rastro de emoção
que ainda pulsava em mim, uma recordação constante a cada olhar,
a cada movimento involuntário que nos aproximava ou distanciava.
Henrique acordou na minha cama esta manhã, mas em meio ao
caos de lidar com três bebês de um trimestre que não dormem
durante o dia, foi impossível que conversássemos, até agora.
A noite já havia se instalado quando os trigêmeos finalmente
adormeceram, deixando espaço para a conversa que eu sabia que
era necessária, mas que eu não tinha certeza se estava pronta para
ter.
Henrique puxou a cadeira e acenou para que eu me sentasse, um
sorriso brincando no canto dos seus lábios. Aceitei a gentileza,
retorcendo o tecido do meu vestido entre os dedos enquanto ele se
sentava ao meu lado. Eram as mesmas posições que havíamos
ocupado ontem, antes de tudo acontecer.
— Se você continuar esfregando o tecido com essa força, ele
provavelmente vai se desfazer nas suas mãos — Henrique brincou,
quebrando o silêncio e atraindo meu olhar para o seu rosto.
Ele estava lindo, como sempre. Como era possível que um
homem fosse tão lindo como aquele? O maxilar marcado parecia
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O momento que até noite passada tinha se transformado num
poço de normalidade na nossa rotina, essa noite pulsava com uma
energia ansiosa que parecia consumir meu estômago pelas beiradas.
A mesa estava posta de maneira simples, pratos e talheres
dispostos sem cerimônia. E diante das minhas palavras, até mesmo
a segurança e a leveza que Henrique vinha demonstrando
pareceram vacilar. Seus olhos se fixaram em mim, como se ele
tentasse decifrar meus pensamentos antes mesmo que eu desse voz
a eles.
Ele respirou fundo, quebrando o silêncio que se esticava entre
nós com um peso quase tangível.
— Precisamos conversar — ele disse, soltando os talheres e essas
simples palavras pareciam carregar todo o peso do mundo.
Uma parte de mim queria recuar, insistir que estávamos bem, que
poderíamos simplesmente seguir em frente sem ter que dissecar
cada emoção, cada medo que a noite anterior havia despertado.
Mas havia também uma necessidade profunda, quase
desesperada, de ouvir o que ele tinha a dizer, de entender o que
aquela noite significava para ele, para nós. Ainda assim, minha
primeira reação foi proteger meu coração, já tão marcado por
cicatrizes passadas.
— Está tudo bem, Henrique. O que aconteceu... não precisa
significar nada. Nós... — Tropecei nas palavras, tentando construir
uma muralha de indiferença ao redor de mim, mas a sinceridade em
seus olhos desmoronava cada pedra antes mesmo de ser colocada.
Sua mão encontrou a minha, um gesto que enviou ondas de calor
através de meu corpo, um lembrete físico da proximidade que
compartilhamos.
— O que aconteceu — ele repetiu minhas palavras, fazendo o ar
ficar preso nos meus pulmões. — Significa tudo. — Sua voz estava
carregada de emoção, cada palavra cuidadosamente escolhida, para
transbordar sinceridade.
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— Mas? — ele incentivou, inclinando-se para frente, capturando
minha outra mão sobre a mesa.
— Mas temos que ir devagar. Por nós, pelos bebês... por tudo o
que estamos tentando construir aqui — completei, encontrando
coragem no calor do seu toque. Ele inclinou a cabeça, dizendo com
um aceno lento que não concordava com aquilo. — Henrique —
sussurrei, e ele deu um leve puxão no meu braço, um convite.
Refiz o mesmo caminho da noite anterior, dessa vez, guiada pelo
coração e não apenas pelo desejo. Me sentei em seu colo. Henrique
colou nossas testas naquele gesto que tinha se tornado tão
significativo entre nós.
— Eu te amo — ele disse, roubando o pouco ar que ainda havia
em meus pulmões. — Eu te amo, e passei os últimos meses me
debatendo e arrependendo de não ter te dito isso em cada
oportunidade, me perguntando se teria feito com que as coisas
fossem diferentes, me perguntando se eu teria sido menos idiota. Eu
te amo, Maísa. Com cada fibra do meu ser, com cada fôlego dos
meus pulmões, com cada célula do meu corpo. Eu te amo — Seus
lábios roçaram os meus, levemente. Havia um milhão de promessas
naquele toque. — Eu te amo. Eu amo a família que estamos
construindo. Eu amo a vida que você me deu. Eu amo você —
repetiu, e lágrimas desceram pelas minhas bochechas, deixando
rastros úmidos a serem seguidos pelas próximas e pelas próximas e
pelas próximas.
— Eu prometo a você, Maísa, eu prometo a você, amor —
Henrique repetiu. — Que você não precisa ter medo, de nada, nunca
mais. Eu nunca mais vou errar como errei, nunca mais vou deixar
nada ficar entre nós. Eu vou fazer besteiras, não sou perfeito, mas
eu nunca mais vou fazer nada para te magoar, amor. Eu juro. Me dá
uma chance — pediu, implorou. — Só uma chance de te provar que
eu estou falando a verdade. Eu quero nossa família, amor. Nossa
família completa.
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que não tinha garantias.
Mas, em algum lugar ao longo da jornada de sermos pais juntos,
de compartilharmos risadas e lágrimas, de nos apoiarmos nos
momentos de exaustão e de alegria, meu coração havia tomado sua
decisão, muito antes de minha mente se dar conta.
E enquanto permanecíamos em silêncio, nossas bocas se
procuraram e o beijo pareceu ter um sabor mais doce do que
qualquer outro que já tínhamos trocado antes.
Finalmente, permiti a mim mesma fazer mais do que desejar.
Eu me permiti acreditar. Acreditar no perdão, no amor e na
possibilidade de um novo começo.
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corriam e brincavam, seus risos mesclando-se aos sons da natureza,
criando uma trilha sonora viva para o dia.
Apesar da presença dessas outras famílias, havia uma sensação
de privacidade em nosso pequeno canto do parque, como se
estivéssemos em nosso próprio mundo, isolados no tempo e no
espaço.
A fotógrafa, uma mulher jovem com um olhar atento e uma
paciência infinita, movia-se ao nosso redor com uma energia calma,
mas focada.
Ela tinha uma maneira especial de interagir com os bebês,
capturando suas expressões mais puras e momentos de alegria
espontânea. Com sua câmera em mãos, ela se abaixava para ficar
no nível dos olhos dos meninos, incentivando-os com palavras
suaves e brincadeiras, conseguindo assim os sorrisos mais genuínos
e as gargalhadas mais contagiantes.
— Henrique, olha isso, eles estão adorando! — Maísa exclamou,
seu rosto iluminado por uma alegria pura enquanto observava
nossos filhos se deleitando com o glacê dos bolinhos colocados à
frente deles.
Leon, sempre o mais destemido, parecia encantado com a
atenção, esmagando o bolo entre seus dedinhos com uma energia
que só uma criança de seis meses poderia ter.
Gael, por sua vez, analisava cada pedaço de bolo antes de
experimentá-lo, seus olhos grandes e curiosos refletindo cada nova
descoberta.
Eduardo, nosso pensador, observava seus irmãos, talvez
ponderando se deveria se juntar à bagunça ou manter sua dignidade
intacta.
A fotógrafa, habilmente, aproveitava cada momento, suas lentes
capturando não apenas as expressões dos bebês, mas também os
detalhes ao redor: a maneira como a luz do sol dourava seus
cabelinhos, como as folhas caídas criavam um tapete colorido sob
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O dia havia sido longo, mas a felicidade que permeava cada
momento fazia qualquer cansaço valer a pena. Estávamos assistindo
a um filme, um clássico que ambos amamos, mas suas palavras
foram o suficiente para me tirar do transe em que o filme havia me
colocado.
Olhei para ela, observando a expressão de desconforto que
marcava as linhas do seu rosto, ela era tão linda que fazia meu peito
doer.
Sem hesitar, Ajustei sua cabeça sobre uma almofada e me
levantei.
— Aonde você vai? — ela perguntou, com a testa franzida,
virando o rosto em minha direção.
— Um minuto — pedi, já indo até o banheiro, onde sabia que ela
tinha um óleo hidratante.
— Vou cuidar disso para você — declarei, ao voltar para a sala, o
frasco de óleo em mãos.
As sobrancelhas de Maísa se ergueram e o sorriso que cominou
meu rosto continha uma promessa sensual. Ela mordeu o lábio e se
ajustou no sofá para que eu pudesse me sentar, agora, com seus
pés sobre as minhas coxas.
Despejei um pouco do óleo nas minhas mãos, esfregando-as para
aquecer o líquido antes de aplicá-lo em seu pé direito. Comecei a
massagear suavemente, explorando cada contorno, cada tensão,
dedicando-me a proporcionar-lhe o máximo de conforto.
Maísa suspirou, um som de puro alívio, e se recostou ainda mais
no sofá, fechando os olhos para melhor apreciar a sensação. Ela
soltou um gemido longo e arrastado que fez minha virilha se
contrair. Porra.
— Isso está incrível — murmurou, a voz pesada.
— Então é oficial, a partir de hoje, vou fazer isso todas as noites
— respondi, mantendo o tom leve, embora as reações do meu corpo
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— Acho que... — ela abriu a boca para expirar quando minhas
palmas aplicaram um pouco mais de pressão, perto da parte de trás
dos seus joelhos. — Acho que preciso que você suba um pouco
mais...
— Um pouco mais, é? — Deslizei as mãos para cima, alcançando
as coxas firmes e deliciosas. Maísa se contorceu no sofá,
esfregando-se nele e abrindo levemente as pernas. — Aqui?
— Um pouco mais para cima — disse mordendo o lábio inferior e
obedeci, mas parei antes do lugar onde eu sabia que ela estava me
pedindo para tocar.
— Está bom?
— Mais para cima — suplicou e abriu os olhos, perdendo-os nos
meus. E, encarando-a, minhas mãos foram subindo até alcançarem
a boceta quente, coberta por um pedaço mínimo de algodão branco.
— Aqui, amor? — perguntei, roçando o dedo indicador pela fenda
coberta. O tecido estava arruinado. Maísa gemeu e balançou a
cabeça lentamente.
— Aí, bem aí.
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Ele era terrível. Terrivelmente incrível, e bastou pensar nisso para
que um suspiro bobo e apaixonado deixasse meus lábios. Eu era
mesmo uma boba apaixonada, pelo pai dos meus filhos, e pelos
meus bebês. Pela minha família e pela vida que estávamos
construindo, dia a dia.
— E então, como vai o planejamento da grande festa? —
Henrique apareceu, seu tom leve carregado com um sorriso que
precisei ver. — Eles dormiram.
Olhei por cima do ombro, vendo-o descer as escadas de casa.
— Continuo perdida em um labirinto de temas de festas, cada um
mais tentador que o outro — confessei. — Acho que posso precisar
de uma intervenção.
— Eu já te disse... Podemos fazer uma festa por dia.
Revirei os olhos.
— Isso não é solução, Henrique.
— E se jogássemos um dado e deixássemos o destino decidir?
— Você está brincando, mas eu realmente considerei isso —
admiti, meio séria. — Até porque, acho que se eu não resolver isso
na próxima semana, Geórgia vai desistir de mim e fazer tudo
sozinha.
Henrique chegou ao último degrau da escada gargalhando, mas
ao invés de se aproximar de mim, contornou para a esquerda, indo
até o móvel sobre o qual estava apoiado o controle da televisão.
Estreitei os olhos, espiando por cima do ombro o que exatamente
ele faria, e minha sobrancelha se arqueou em surpresa quando ele
abriu um aplicativo de músicas.
Não reconheci o nome, quando ele a digitou na barra de busca,
mas quando a melodia suave preencheu a sala, foi a minha vez de
gargalhar baixinho.
Foi como ser transportada, para aquela noite, meses atrás,
quando conheci a sala de discos de Henrique, em sua cobertura em
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Leon estava com as sobrancelhas franzidas, concentrado em
tentar empilhar os blocos de montar coloridos, um sobre o outro. O
esforço que ele fazia me arrancava risadas enquanto o mais novo
dos gêmeos se lutava para entender como equilibrar as peças.
Cada vez que um bloco caía, ele soltava um pequeno grunhido de
frustração antes de tentar novamente. Sentado no chão da sala,
sobre um tapete colorido que se tornara o epicentro de muitas de
nossas brincadeiras familiares, eu estava cercado por um caos
colorido de blocos espalhados, risadas de bebê, e os sons suaves de
Maísa, na cozinha atrás de nós, preparando as mamadeiras dos
meninos.
Gael, com sua curiosidade inata, preferia explorar os blocos
sozinho, examinando-os com grande interesse. Ele virava um bloco
verde-claro de um lado para o outro nas mãos pequeninas, levando-
o ocasionalmente à boca para um teste de sabor, apesar das nossas
constantes tentativas de ensiná-lo a não fazer isso.
Depois de "degustar" o bloco, Gael o batia suavemente no chão,
como se tentasse descobrir que tipo de som aquela ação produziria,
completamente absorto em suas descobertas.
Já Eduardo estava um pouco afastado dos irmãos, sentado com
as perninhas cruzadas, segurando um bloco azul. Ele não estava tão
interessado em empilhar ou explorar os blocos quanto em observar.
Seus olhos iam do Leon ao Gael e depois para mim, como se
estivesse tentando entender a dinâmica do que acontecia ao seu
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redor. De vez em quando, ele tentava imitar o que Leon fazia, mas
com menos fervor, mais interessado no processo do que no
resultado.
Leon, Gael, e Eduardo, agora com dez meses de idade, babavam
e já engatinhavam ao meu redor quando se cansavam dos
brinquedos, suas risadas e gritinhos enchendo o ar de uma música
que eu jamais me cansaria de ouvir.
— Vamos lá, meninos, digam "papai" — incentivava eu,
segurando um bloco acima da cabeça de Leon, tentando capturar
sua atenção. — Papai. Pode dizer, Leon?
Maísa, da cozinha, ria da minha tentativa persistente de ensinar a
primeira palavra aos nossos filhos. Seu riso, melodioso e cheio de
vida, atravessava o espaço entre nós, aquecendo meu coração.
— Você acha que eles vão dizer "papai" antes de "mamãe"? — ela
debochou. — Estou ouvindo você aí, sabia?
— É uma competição justa — respondi, sorrindo, mesmo sabendo
que ela não podia ver meu sorriso. — Mas, imagine só, se a primeira
palavra deles for "papai".
Os meninos, alheios à nossa pequena competição, continuavam a
explorar os blocos com curiosidade infantil, tentando encaixá-los uns
nos outros e, mais frequentemente, levando-os à boca.
— Aposto que consigo fazer um deles dizer "papai" antes que
você os faça dizer "mamãe" — declarei enquanto tentava, sem muito
sucesso, empilhar alguns blocos para chamar a atenção de Leon.
Da cozinha, Maísa riu ainda mais alta, o som de sua alegria se
misturando ao barulho da água correndo da torneira.
— Isso é uma aposta, Henrique? Porque você sabe que o vínculo
mãe e filho é inquebrável. Eles vão dizer "mamãe" primeiro, com
certeza — ela respondeu, sua voz cheia de confiança e um toque de
desafio.
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Eu olhei para os meninos, cada um em seu próprio mundo.
Eduardo era o único de quem eu realmente tinha a atenção naquele
momento, ele alternava o olhar entre a mãe e eu, como se tentasse
entender a dinâmica entre seus pais.
— Bem, vamos ver se a determinação do pai pode superar esse
suposto vínculo inquebrável — eu disse. — Vem, Eduardo, diga
"papai". Você consegue.
Fui ignorado por ele, mas Leon me olhou, os olhos brilhando com
uma mistura de curiosidade e diversão, claramente mais interessado
nos blocos.
Maísa apareceu na entrada da sala, as mamadeiras prontas em
uma bandeja, um sorriso brincando em seus lábios enquanto
observava minha tentativa de "treinamento".
— Vocês estão entendendo alguma coisa do que o papai está
tentando fazer? — ela perguntou aos meninos, sua voz carregada de
humor. — Porque eu acho que ele está perdendo tempo.
— Ah, mas tempo é mesmo tudo de que eu preciso, você vai ver
—retruquei, ainda focado em Leon, que agora havia abandonado
completamente os blocos para rastejar em minha direção.
Eu o peguei no colo assim que ele me alcançou. Leon me
escalou, até que seus bracinhos gorduchos estivessem ao redor do
meu pescoço. Encarando o bebê de cabelinhos ralos e escuros, me
perdi na simples alegria de ser pai.
— Paaaaaaaaaaaaaapai — Leon disse e meus olhos se
arregalaram.
A palavra, simples, mas carregada de significado, ecoou pela sala.
Por um instante, fiquei paralisado, incrédulo, até que a realidade do
momento me atingiu em cheio.
— Maísa! Você ouviu isso? — gritei ainda olhando para o bebê no
meu colo, a emoção transbordando em minha voz. — Leon disse
"papai"!
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havíamos navegado pelas águas turbulentas e chegamos a um lugar
de calmaria e alegria.
A palavra "papai", pronunciada pela boca pequena de nosso filho,
era mais do que apenas um marco em seu desenvolvimento; era um
testemunho do amor, da resiliência e da unidade da nossa família.
Era uma promessa de todos os momentos que ainda viriam, dos
desafios que enfrentaríamos juntos e das alegrias que
compartilharíamos.
— Um de três — eu disse para Maísa. — Faltam dois.
Ela gargalhou.
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Eu me movia entre a sala e a cozinha, conferindo anotações,
ajustando planos e, de vez em quando, preparando pequenos
lanches para manter os meninos contentes.
Cada movimento era calculado para manter um olho nos bebês e
outro nas tarefas em mãos, uma dança materna que eu estava
aprendendo a aperfeiçoar com o tempo.
Meu celular vibrou em cima da mesa e um ping suave anunciou a
chegada de uma nova mensagem. Era de Geórgia.
Minha irmã estava encarregada das doçuras do aniversário dos
meninos e é claro que com um entusiasmo que só ela tinha, estava
enlouquecendo e me deixando louca também.
Abri a conversa e me deparei com uma série de fotos dos doces
que ela estava confeitando. Eram pequenos elefantes de açúcar,
leões de chocolate e macacos de marshmallow, cada um mais
encantador que o outro.
Eu não pude deixar de sorrir, e digitei rapidamente uma resposta.
Maísa: Estão incríveis, Gi! Os meninos vão
amar (e os adultos também).
Quase imediatamente, a resposta de Geórgia apareceu na tela.
Geórgia: Ah, você sabe, magia de tia! (Ou,
Dinda... Quando você vai admitir isso,
inclusive?) Acha que devemos adicionar girafas
de caramelo na lista? Achei uma receita que
parece perfeita.
Lendo sua sugestão, não pude evitar uma risada. Geórgia já
havia se autodeclarado madrinha das crianças, mesmo que Henrique
e eu ainda não tivéssemos conversado sobre o assunto. Estava na
lista, é claro, mas quando se tem três bebês, há sempre muitas
coisas na lista.
Maísa: Quem é a louca dos doces
personalizados agora, hein? A lista já está
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enorme, Gi!
Geórgia: Louca por doces? Eu? Apenas uma
tia dedicada querendo estragar os sobrinhos
com açúcar e amor. Além disso, acho que uma
girafa de caramelo seria a estrela da mesa!
Maísa: Ok, ok, você venceu. Vamos de girafa
de caramelo também. Mas só porque você é a
confeiteira-mágica. Os meninos e os pais
agradecem antecipadamente pelo aumento de
peso.
Geórgia: Perfeito! Será uma selva de
sabores deliciosos. E não se preocupe, a tia
(dinda, cof-cof!) Gi já tem planos de atividades
pós-festa para queimar todas essas calorias.
Maísa: Já que estamos no tema, numa escala
de 0 a 10, o quanto você me odiaria se eu
dissesse que mudei de ideia sobre o bolo? K k
crying.
Geórgia: De novo?
Maísa: Alguém precisa cancelar minha conta
no Pinterest.
Geórgia: Vou pedir ao meu cunhado para
providenciar isso.
Maísa: Até parece! Ele é muito pior do que
eu! Henrique me mostra ideias fofas de bolos a
cada cinco minutos. Nossa conversa do
WhatsApp se resume a fotos de festas, nas
últimas semanas.
Geórgia: Vocês querem me deixar de cabelo
branco antes do tempo, isso sim! O que você
pensou para o bolo? De novo...
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Maísa: O que você acha de um bolo em
camadas com o tema da selva? Estava pensando
em algo mais colorido.
Geórgia: Pelo menos essa é uma ideia mais
fácil do que o elefante esculpido que você queria
na semana passada.
Geórgia: Adoro a ideia! Que tal um bolo verde
com vinhas de açúcar descendo pelas laterais e
um topo com um leão, um elefante e, claro, uma
girafa? Poderíamos usar pasta americana para os
detalhes.
Maísa: Sim, sim, SIM!! Meu Deus, Geórgia! Eu
amei!!!
Geórgia: Vamos ver se você continua amando
pelos próximos dias, só não esquece que a festa
é semana que vem e que, em algum momento,
eu vou precisar realmente começar a fazer esse
bolo.
Maísa: Você é a melhor irmã do mundo!
Geórgia: E a melhor dinda também!
Ri da mensagem nada sutil da minha irmã, e me senti
incrivelmente grata por ela. Guardando o celular, olhei novamente
para os meninos brincando no tapete, meu coração cheio de amor
por minha família.
Foi nesse momento de distração feliz que Eduardo, até então
contente em sua brincadeira solitária, se apoiou no sofá e, de forma
hesitante, mas decidida, se colocou de pé.
Minha atenção imediatamente se voltou para ele, esquecendo
completamente a conversa sobre doces. O progresso de Eduardo era
um doce em si, um momento de pura alegria que superava qualquer
confeito.
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Apesar de realmente estar presencialmente afastado da Borges &
associados, Henrique normalmente aproveitava qualquer momento
de calma para se dedicar aos seus projetos, fosse trabalhando
sozinho ou atendendo à conferências e videochamadas.
Ele sacudiu a cabeça, seu olhar fixo nos meninos.
— O trabalho pode esperar — disse ele, pegando o celular. — E
se ele fizer de novo? Não quero perder. — Com cuidado, ele tirou
uma foto dos trigêmeos brincando.
— Vou mandar para o Thomaz — anunciou, digitando
rapidamente uma mensagem. — Ele com certeza vai dizer que seus
afilhados são as crianças mais inteligentes do mundo.
Eu ri, concordando com a cabeça. Thomaz, o melhor amigo de
Henrique, e Geórgia, minha irmã, já haviam se autoproclamado
padrinhos dos meninos, uma titulação que nós ainda não havíamos
oficializado, mas que parecia tão certa quanto qualquer coisa.
— E Geórgia já está agindo como madrinha desde o dia em que
eles nasceram.
Henrique sorriu, parecendo contemplar uma ideia por um
momento antes de falar.
— Que tal oficializarmos isso na festa de um ano? Podemos fazer
um convite formal para Geórgia e Thomaz assumirem o posto
oficialmente.
A sugestão me aqueceu o coração. A ideia parecia perfeita
— Eu adoraria isso — respondi. — Seria um momento tão
especial, não só para nós, mas para eles também.
— Vamos fazer isso, então — disse Henrique e beijou meus lábios
com suavidade. — E se eles já são difíceis agora, que Deus nos
ajude depois que forem oficialmente padrinhos — resmungou
baixinho.
Eu ri.
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Senti o peso do mundo sobre meus ombros, uma sensação
opressiva que tornava difícil até mesmo respirar. Minhas mãos
tremiam levemente enquanto relia o e-mail, procurando alguma
saída que até então me escapara.
A decisão parecia impossível: permanecer e potencialmente
sacrificar um futuro profissional pelo qual havia trabalhado tão
arduamente, ou partir e arriscar a felicidade que só recentemente
havíamos conseguido restaurar.
— Puta que pariu! — murmurei para mim mesmo, a voz baixa,
quase engolida pela vastidão da sala vazia.
A ideia de discutir isso com Maísa me enchia de ansiedade. Ela
havia sido minha rocha, meu farol durante os tempos mais sombrios,
e a última coisa que desejava era adicionar qualquer sombra de
dúvida ou preocupação à nossa vida.
Eu havia feito uma promessa a ela, a promessa de ficar, de nunca
mais nos colocar em uma posição como a que nos coloquei antes.
Ao mesmo tempo, sentia que guardar isso para mim não seria justo
com ela, nem com a garantia tácita de transparência que havíamos
dado um ao outro.
Levantei-me do computador, andando de um lado para o outro na
sala, tentando acalmar a tempestade dentro de mim. Cada passo era
um lembrete dos passos trôpegos de Eduardo, da risada de Leon, do
olhar curioso de Gael — momentos que poderia perder se escolhesse
partir.
Meu olhar foi atraído por um pequeno objeto caído sob a mesa de
centro — um carrinho de brinquedo, vermelho e desgastado pelo
uso, pertencente a Leon.
Agachei-me para pegá-lo, e o toque do plástico frio nas minhas
mãos desencadeou uma avalanche de memórias, transportando-me
para um momento que parecia tanto ontem quanto uma eternidade
atrás.
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Mas eu também não queria preocupar Maísa e arriscar estragar a
experiência da festa de um ano das crianças. Minha mulher estava
preparando cada detalhe da comemoração havia meses. Nós
tínhamos feito muitos planos, Thomaz estava enlouquecido, ansioso
para finalmente conhecer Leon, Gael e Eduardo pessoalmente.
Depois da festa de aniversário dos meninos, decidi.
Em dois dias, eu compartilharia minhas preocupações com Maísa
e discutiríamos nosso futuro com honestidade e abertura. Qualquer
que fosse a decisão, nós a tomaríamos juntos, como a família que
éramos.
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Henrique riu, seu braço envolvendo minha cintura enquanto
observávamos nossos filhos brincando.
— E parece que o Gael prefere o tigre. Olha só como ele não
desgruda dele — ele respondeu, seu olhar cheio de ternura.
Eduardo, por sua vez, estava mais interessado em uma caixa de
blocos que montava e desmontava com concentração,
completamente alheio à temática selvagem ao seu redor.
Após observar Eduardo absorto em sua própria pequena
engenharia de blocos, completamente imerso em um mundo que só
ele entendia, Geórgia se aproximou dele com um sorriso carinhoso e
brilho nos olhos.
Ela se agachou ao lado dele, admirando por um momento sua
concentração antes de interagir.
— Dudu, quer voar alto como um avião? — perguntou, sua voz
cheia de entusiasmo e carinho.
Sem esperar por uma resposta verbal, Geórgia o levantou com
cuidado, segurando-o firme sob os braços.
Com um movimento suave e seguro, começou a jogá-lo
levemente para o ar, pegando-o de volta em seus braços com a
mesma suavidade. Eduardo soltou gargalhadas alegres, o som
contagiante enchendo o ambiente.
Os olhinhos dele brilhavam de emoção a cada "voo", e um sorriso
encantador iluminava seu rosto.
Não demorou muito para que Leon e Gael, atraídos pelas risadas
do irmão, se aproximassem de Geórgia, estendendo os bracinhos em
uma clara solicitação por atenção e carinho.
Eles olhavam para ela com uma mistura de admiração e desejo
de participar da brincadeira, seus rostinhos expressando uma
expectativa inocente.
— Oh, parece que temos mais passageiros para o voo — Geórgia
exclamou, rindo, enquanto tentava equilibrar Eduardo em um braço
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apressadamente em direção aos presentes.
Geórgia, que até então havia sido a tia favorita indiscutívelmente,
observava a cena com uma expressão mista de surpresa e um leve
ciuminho divertido.
— Ah, então é assim, Thomaz? Tentando comprar o amor dos
meus sobrinhos com presentes gigantes? — brincou, cruzando os
braços e fingindo estar ofendida, mas o sorriso em seu rosto
entregava sua diversão com a situação.
Thomaz colocou as caixas no chão com um exagero teatral e se
ajoelhou ao lado dos meninos, abrindo os braços para recebê-los.
— Nada de comprar amor aqui, Geórgia! Estou apenas garantindo
que meus afilhados saibam quem é o padrinho mais legal — disse
ele, rindo, enquanto Leon, Gael e Eduardo se aproximavam, mais
interessados nos laços e embalagens do que no conteúdo, ou no
homem que os trouxe, propriamente dito.
Henrique e eu nos juntamos à cena, observando com alegria a
interação. Era impossível não rir do entusiasmo de Thomaz e da
maneira como os meninos, ainda tão pequenos, já pareciam
entender que aquele momento era especial.
— Bem, Thomaz, parece que você causou uma ótima primeira
impressão — comentei, ajudando a organizar os presentes para que
os meninos pudessem explorá-los com mais facilidade.
— Oh, eu apenas comecei, Maísa. Espere até eles verem o que
tem dentro do carro. — Thomaz piscou um olho, claramente
satisfeito com a comoção que havia causado.
— Tem mais? — Geórgia meio perguntou, meio exclamou e
Thomaz assentiu, muito satisfeito consigo mesmo. Eu gargalhei.
— E a mãe dos sobrinhos? Não ganha um abraço?
Thomaz, com um sorriso travesso ainda brincando em seus
lábios, levantou-se rapidamente e abriu os braços para mim.
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Ao chegarmos ao carro, Thomaz me pediu para abrir o porta-
malas do SUV, revelando uma pilha de brinquedos ainda maiores e
mais coloridos do que aqueles com que entrou na festa.
— Você realmente não faz as coisas pela metade, não é? —
Geórgia disse, admirada.
— Quando se trata dos meus afilhados, só o melhor!
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Uma onda de confusão me atingiu e franzi as sobrancelhas,
completamente alheia à conversa que parecia já ter acontecido sem
a minha presença.
— Pertinho de você? Como assim? — perguntei, a confusão clara
em minha voz.
Olhei para Henrique, buscando alguma pista em seu rosto, que,
para minha surpresa, tinha perdido um pouco da cor.
— Da mudança de vocês para São Paulo, é claro — Thomaz disse,
tão casualmente que por um momento, pensei ter ouvido errado.
— Que mudança?
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Maísa se levantou do sofá, como se ficar parada ali tivesse se
tornado uma tarefa difícil demais.
— Para conversarmos ou para você me informar o que vai fazer?
— desfiou e me levantei também.
Espalmei as mãos em suas bochechas, forçando seu olhar a
permanecer no meu e ela não me afastou, considerei isso uma
vitória.
— Conversarmos. Sim, eu recebi um ultimato para voltar à São
Paulo, um contrato que só vai ser assinado se eu me comprometer a
estar presencialmente na Borges pelos próximos seis meses...
— Seis meses — ela sussurrou num fio de voz, seus olhos já se
enchendo de lágrimas.
— Mas — recomecei, enfatizando a palavra com tanta força
quanto era possível sem arriscar acordar os bebês, que dormiam no
andar de cima. — Eu sempre soube que era algo que precisávamos
decidir juntos. Thomaz assumiu que eu já havia me decidido, porque
antes de você, antes dos nossos filhos, eu provavelmente já teria
decidido mesmo, nada ficaria entre mim e o um trabalho, mas eu te
fiz uma promessa, Maísa. Você se lembra da promessa que eu te fiz?
— perguntei, sentindo-me desesperado para que ela acreditasse em
mim.
Maísa me observava atentamente, processando minhas palavras.
A mágoa parecendo finalmente abrir espaço para outros
sentimentos.
— Então você ainda está em dúvida sobre o que fazer? Você quer
um conselho? Quer que eu te libere da promessa? — questionou
cautelosa.
Neguei, ainda segurando seu rosto.
— O que eu quero, amor, é que decidamos juntos o que fazer. É
sobre a nossa família, nosso futuro... isso é algo que construímos
juntos.
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Era como se cada batida ecoasse o amor profundo e a gratidão
que eu sentia por ter ela na minha vida, por termos superado juntos
tantos desafios para chegar até aqui.
Meu peito estava cheio de uma mistura de nervosismo e
excitação, mas acima de tudo, de certeza. Certeza de que queria
passar o resto da minha vida ao lado dela, enfrentando o que quer
que o futuro nos reservasse, juntos.
Pensava em tudo o que havíamos construído: uma família linda,
uma casa cheia de amor e risadas, momentos de alegria e até os de
desafio que, de alguma forma, nos trouxeram ainda mais perto um
do outro.
Pensava nos nossos filhos, na felicidade que irradiavam, e na
família que continuaríamos a ser, não importava o que acontecesse.
Era essa visão de futuro, essa promessa de dias compartilhados e
sonhos realizados, que me impulsionava.
O que me fez ajoelhar foi uma necessidade incontrolável de
solidificar e celebrar nosso amor de uma maneira que fosse tão real
e permanente quanto o sentimento que nos unia.
Queria dar a Maísa, e a mim mesmo, a certeza de um
compromisso que superava as palavras, que se enraizava em ações
e escolhas diárias. Era um desejo de mostrar a ela, de maneira
incontestável, que ela era minha prioridade, meu amor, minha vida.
A surpresa em seu rosto, seguida pela alegria pura que iluminou
suas feições, foi o único sinal de que eu precisava saber que havia
tomado a decisão certa.
— Maísa, você é o amor da minha vida, a mãe dos meus filhos,
minha parceira em tudo. — As palavras fluíam de mim com uma
clareza e uma verdade que nunca havia sentido antes. — Quero que
sejamos uma família não apenas no coração, mas em todos os
sentidos possíveis. Casa comigo?
As lágrimas em seus olhos agora brilhavam com algo mais —
amor, felicidade. Ela assentiu freneticamente, incapaz de falar, mas a
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A luz suave da manhã acariciou meu rosto, despertando-me para
o dia que mudaria minha vida para sempre.
Por um momento, permaneci imóvel na cama, permitindo-me
absorver a serenidade que antecedia a tempestade de emoções e
acontecimentos. Era o dia do meu casamento, o dia em que
Henrique e eu, junto aos nossos preciosos trigêmeos, começaríamos
um novo capítulo da nossa história.
Levantei-me, sentindo uma mistura de nervosismo e excitação
pulsando em minhas veias. O reflexo no espelho mostrava um
sorriso que mal podia conter, um sorriso que falava de sonhos
prestes a se tornar realidade.
Enquanto me vestia com um roupão leve, meu coração batia em
um ritmo acelerado, cada batida ecoando a promessa de amor e
união que o dia trazia.
Ao descer para o café da manhã, encontrei minha família reunida,
os rostos iluminados por sorrisos e bons desejos. Meus pais me
abraçaram, seus olhos brilhando com lágrimas de felicidade,
enquanto Geórgia, sempre a mais expressiva, pulava de alegria,
incapaz de conter sua emoção.
— Maísa, você vai estar deslumbrante! — ela exclamou,
escolhendo meu café da manhã para mim. Consciente dos nervos
que dançavam em meu estômago, ela serviu apenas algumas frutas
e duas torradas no prato.
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luminosa quanto seu sorriso. Estamos
todos aqui por você, hoje e sempre.
— Olha só o que o Thomaz mandou — disse, mostrando a
mensagem para minha mãe e Geórgia, que se juntaram a mim em
um coro de exclamações admiradas.
— Você está pronta para começar este novo capítulo, querida? —
minha mãe perguntou, sua voz embargada pela emoção.
— Com todo o meu coração — respondi, minha voz firme apesar
das lágrimas que ameaçavam cair. — Com Henrique ao meu lado,
sinto que podemos enfrentar qualquer coisa.
— Henrique vai perder o fôlego quando te ver — Geórgia
garantiu, sorrindo, seu tom brincalhão escondendo a profundidade
de seu afeto.
Nós compartilhamos risadas e lágrimas, cada abraço e palavra
trocada tecendo uma tapeçaria de amor e apoio que eu levaria
comigo ao altar.
O reflexo no espelho agora mostrava uma noiva pronta para
caminhar em direção ao seu futuro.
O vestido abraçava cada curva com suavidade, a renda
desenhando padrões intrincados sobre a pele, e o véu caía como
uma cascata de luz ao redor dos meus ombros. Meus cabelos
estavam presos em um coque baixo e com cachos modelados
emoldurando meu rosto, e minha maquiagem era leve.
Meus pais e minha irmã ao meu lado, segurando minha mão,
reforçavam a certeza de que esse passo era apenas o começo de
uma jornada maravilhosa.
— Vamos fazer isso — disse Geórgia, sorrindo através das
lágrimas, enquanto nos dirigíamos para a cerimônia.
O caminho até a igreja foi feito em um silêncio contemplativo, o
mundo lá fora parecia mover-se em câmera lenta, cada rua e cada
rosto um borrão à margem da minha consciência focada.
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palavras não podiam expressar.
Nossas mãos se encontraram, e uma corrente elétrica de amor e
compromisso nos uniu ainda mais. O padre começou a cerimônia,
mas o mundo ao redor desvaneceu, deixando apenas Henrique e eu
em nosso próprio universo particular.
Quando chegou o momento de trocar nossos votos, palavras que
havíamos escrito um para o outro, o silêncio se acomodou sobre
nós. Eu comecei, minha voz trêmula, mas firme, cada palavra
carregada de significado e história.
— Henrique, diante de todos aqui presentes, eu prometo te amar
e te respeitar, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos
os dias de nossa vida. Você me mostrou o verdadeiro significado da
força e do perdão, e juntos, superamos obstáculos que pareciam
intransponíveis. Nossa jornada até aqui não foi fácil, mas cada
desafio nos fez mais fortes, mais unidos. Hoje, eu escolho você para
ser meu companheiro de vida, meu porto seguro, meu grande amor.
Juntos, enfrentaremos o que vier, construindo uma vida repleta de
amor, risadas e sonhos compartilhados.
Henrique então falou, sua voz cheia de emoção e certeza.
— Maísa, minha amada, minha parceira, minha melhor amiga,
diante de Deus e de todos que nos são queridos, eu prometo ser teu
apoio, teu confidente, teu abrigo. Em cada olhar, em cada toque, eu
te prometo meu amor incondicional, minha lealdade eterna, minha
dedicação sem fim. Você é a luz que guia meu caminho, a força que
me sustenta, a paz que acalma minha alma. Eu te escolho hoje e
sempre, para caminhar ao meu lado, compartilhando cada alegria,
superando cada adversidade, celebrando cada vitória. Juntos,
criaremos uma vida de infinitas possibilidades, ancorados no amor
que nos une.
Após a troca de votos, o padre nos declarou marido e mulher, e o
beijo que selou nossa união foi um testemunho do poder
transformador do amor, da paciência e da fé um no outro.
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TRÊS ANOS E MEIO DEPOIS
— Cuidado com a roseira, Leon! — minha voz se elevava em um
misto de alerta e riso, enquanto Leon fazia uma curva perigosa perto
do nosso pequeno jardim. Ele atendia com um aceno, o sorriso
brilhante no rosto marcado pela diversão.
Eduardo, o aventureiro contemplativo, parava para examinar uma
borboleta que pousara brevemente em sua mão, seus olhinhos
arregalados de admiração.
Gael, sempre o mais destemido, tentava escalar uma pequena
árvore, seus esforços observados atentamente por Henrique, pronto
para intervir se necessário.
Era uma cena de caos organizado, um retrato perfeito da vida
que havíamos escolhido e construído juntos. A decisão de nos
mudarmos para São Paulo havia se revelado a escolha certa,
permitindo-nos crescer enquanto família, enfrentar novos desafios e
aproveitar cada momento de alegria.
Olhando para Henrique, que agora tentava resgatar Gael da
árvore, sentia uma onda de amor e admiração por esse homem que
era meu parceiro em cada aspecto da vida, e que assim como vinho,
parecia só melhorar com o tempo.
Ele olhou para mim, um sorriso cúmplice compartilhado, e em seu
olhar, vi refletido tudo o que sentíamos: felicidade, realização e um
amor profundo que continuava a crescer a cada dia.
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Quando o céu começou a escurecer, os trigêmeos, agora
cansados mas imensamente felizes, se aconchegaram em nossos
braços. A vida em São Paulo, com seus desafios e recompensas,
havia se tornado o cenário perfeito para nossa família crescer e
florescer.
Olhando para Henrique, que compartilhava do mesmo sentimento
de contentamento e gratidão, percebi que não importava onde
estivéssemos, desde que estivéssemos juntos.
Nossa família era nosso maior tesouro, e cada dia era uma
oportunidade para celebrar o amor que nos unia. Virei a câmera
ainda em mãos, para nós, tirando uma selfie de nós cinco.
Os meninos fizeram careta e Henrique colocou “chifrinhos” em
mim. Eu sorri. O que mais eu poderia fazer? Eu era a mulher mais
feliz do mundo.
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Ei, você! Sim, você que segurou firme até o fim desta montanha-
russa literária. Agarre-se, porque agora vem a parte em que eu
tento agradecer a todos sem soar como um discurso de Oscar (mas
se a música começar a tocar, prometo terminar rápido).
Primeiro, um MUITO OBRIGADA gigante para a minha família, a
verdadeira liga da justiça, sempre pronta para me salvar do vilão da
procrastinação e dos monstros da dúvida. Mãe, pai, irmão(a),
cachorro, papagaio: vocês são os heróis dessa história. Sem vocês,
eu provavelmente estaria falando sozinha em algum canto, em vez
de escrever livros.
Aos meus amigos, que me viram nos meus melhores e piores
dias, e foram ignorados no whatsapp muitas vezes enquanto eu
escrevia esse livro (Pois é, vocês ainda estão aqui). Obrigada por
alimentarem minha criatividade com noites inesquecíveis e ideias
malucas que só fazem sentido para nós.
Um abraço especial para minha equipe maravilhosa: assessora,
designer, revisora e betas (vocês são as melhores, juro!). Sem vocês,
este livro seria apenas um monte de ideias perdidas em um caderno
de rabiscos. Vocês transformaram meus devaneios em realidade, e
por isso, sou eternamente grata.
E claro, não posso esquecer de você, querida leitora. Se você riu,
chorou ou apenas revirou os olhos com as minhas palavras, saiba
que cada reação sua é como um abraço virtual para mim.
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Escrevo por você e para você. Bora marcar um encontro no
próximo livro?
[1]
O tamagotchi é uma franquia de mídia japonesa, distribuída pela Bandai e criada por
Akihiro Yokoi. O primeiro lançamento da franquia foi um brinquedo em que se cria um
animal de estimação virtual lançado em 1996.
[2]
Ensaio de fotos esmagando um bolo.
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