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Copyright © 2023 Sarah Mercury

ANTES DO FIM
1ª edição | Livro Único
Edição digital | Criado no Brasil

Autora: Sarah Mercury


Revisão: Amanda Marques
(@gramaticaperfeita) e Poli Muffato (@poli.autora)
Betagem: Neliane Ferreira | Maria Cristina Prado
| Thaiane de Souza
Diagramação: Pauline Cavalcante (@ppwlneilustra)
Ilustração: Carlos Miguel
Capa: Sarah Libna Dsigner Editoral

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E/OU PARCIAL DESTA OBRA, DE QUALQUER FORMA OU POR
QUALQUER MEIO ELETRÔNICO OU MECÂNICO, INCLUSIVE POR MEIO DE PROCESSOS XEROGRÁFICOS,
INCLUINDO AINDA O USO DA INTERNET, SEM A PERMISSÃO EXPRESSA DA AUTORA (LEI 9.610 DE 19/02/1998).
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. NOMES, PERSONAGENS, LUGARES E ACONTECIMENTOS DESCRITOS
SÃO PRODUTOS DA IMAGINAÇÃO DA AUTORA.
QUALQUER SEMELHANÇA COM ACONTECIMENTOS REAIS É MERA COINCIDÊNCIA. TODOS OS DIREITOS
DESTA EDIÇÃO SÃO RESERVADOS PELA AUTORA.
Sinopse
Nota da autora
Aviso importante
Playlist
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Epílogo
Agradecimentos
Emma Carter está vivendo um período difícil em sua vida. Ela foi abandonada pelo
namorado quando descobriu que estava com sua mãe doente, está lotada de dívidas por ter
hipotecado sua casa para pagar o tratamento e descobriu, quando voltou ao trabalho, que perdeu
o cargo que tanto almejou por anos para a novata do escritório. Até que recebe uma notícia que
muda tudo e ela descobre que é herdeira de uma grande fortuna.
Dave Thompson é um cowboy taciturno que ama trabalhar com a terra e os animais.
Abandonado semanas antes do seu casamento por sua noiva, tudo que menos deseja é se
envolver com alguém, cujo não professa a mesma fé que ele, ainda que se sinta atraído por uma
bela morena de pernas compridas e língua afiada.
Ela não acredita em Deus.
Ele é um cristão convicto.
Ela representa tudo o que ele mais abomina em uma mulher.
Ele é tudo aquilo que ela deseja em um homem.
Ela quer desfazer de tudo que herdou.
Ele vai tentar convencê-la ficar com a propriedade para honrar a última vontade do seu pai.
Entre tantas divergências e armações, será possível continuar negando o que sentem um
pelo outro?
Olá, queridas leitoras!
Pensaram que eu não ia terminar o ano com outra obra minha? Pois é, eu também achei,
devido a tudo o que me aconteceu. Por isso, começo essa nota avisando que esse romance é
diferente dos outros que já escrevi. É, eu sei que sempre digo isso, mas é verdade. Nunca consigo
ficar na mesmice de trabalhar sempre o mesmo tema e estou sempre me reinventando. Quem me
acompanha desde o início, sabe que odeio repetir enredo, então sempre busco algo novo para
trazer para vocês.
Dito isto, quero deixar de sobreaviso que se você é acostumada a ler minhas obras
apenas pelo hot, vai se decepcionar com essa trama, pois o mocinho é cristão, bruto,
sistemático e não pega geral, para complicar um pouco mais a sua situação, ele passou por
uma decepção amorosa e fez uma promessa de se envolver de forma íntima apenas com a
mulher que tivesse a certeza de que era a sua escolhida. Ou seja, o sexo não é o foco
principal desse livro.
Essa obra se tornou muito especial para mim, pois, quando decidi escrevê-la, não esperava
que fosse ser tão complexa e que reacenderia uma parte minha que pensei estar adormecida.
Quando comentei o teor do que queria levar, muitos ficaram espantados, mas não costumo trair
as minhas convicções porque os outros não pensam como eu. Lamento se não agrado a todos. Eu
crio personagens humanos e não consigo trair a sua essência para ficar “comercial” ou por medo
de receber críticas, afinal, até hoje não consegui receber somente elogios, por mais que eu dê
tudo de mim em uma obra. Paciência se não gostarem dessa.
A trama traz a minha assinatura pessoal como o drama, a comédia, o mistério e muitas
reflexões, e ainda que seja um romance curto, exigiu muito na construção. A ideia de criá-lo veio
logo após eu ter perdido a minha conta e viver dias muito difíceis na minha carreira. Pensei que
meu sonho tinha sido interrompido. Questionei-me sobre tudo, chorei muito pelos bloqueios e
pensei em desistir da escrita por não achar que estava sendo valorizada. Deixei muitas obras que
pretendia trabalhar engavetadas e acreditei que nem ia voltar escrever tão cedo.
Mas, como nada é por acaso e as dificuldades sempre deixam uma lição, foi no meio desse
caos, com o meu emocional uma bagunça, que Dave e Emma apareceram para mim. Fiquei
semanas analisando se era isso mesmo que eles queriam, com receio de não ser capaz de escrever
um tema tão complexo sem banalizar ou torná-lo maçante para os meus leitores. E não vou
mentir que pensei em engavetar para amadurecer a ideia, assim como fiz com “Prazer, eu sou o
pecado”, até que percebi que sim, eles mereciam ter sua história contada para quem quisessem
ouvi-los.
Então, tudo que eu tenho a dizer é: sejam bem-vindos ao universo fictício de Greenville,
uma vila pitoresca no estado do Texas, que é composta por um aglomerado de regras fora do
padrão. Criei esse mundinho particular para poder usar livremente de tudo que a licença poética
me permite. Pode ser que achará algumas coisas fora da nossa realidade e outras nem tanto. O
meu intuito é entreter e tocar o seu coração, não é evangelizar ninguém e nem desfazer de
religião alheia. Por isso, não cito nenhuma religião especifica. Usei como base as minhas
experiências pessoais e pesquisas. Deixo ao seu critério concordar ou não. Você é livre para
escolher seguir em frente com essa leitura e parar a qualquer momento se sentir desconfortável
com algo. Aguardo o feedback respeitoso de vocês aqui ou nas minhas redes sociais.
Com amor,
Sarah Mercury.
Não pule essa parte! É obrigatório que leia os avisos antes de iniciar a sua leitura.
1. Esse livro é destinado para maiores de 18 anos, pois, ainda que não seja um livro considerado
dark ou erótico, contém cenas descritivas de sexo e assassinato.
2. Apesar de não ser um slow burn, o casal demora um pouco para ficar junto. Se não tem
paciência de ver o desenrolar da trama, NÃO LEIA!
3. Será trabalhado de forma branda o abandono parental e a rejeição. Se não se sente à vontade
de ler temas assim, abandone sua leitura.
4. O personagem principal é cristão, se não gosta de livros com temas voltado para a religião,
esse é o momento de fechar seu Kindle e procurar outra história do seu agrado.
5. Dentro da trama encontrará expressões abrasileiradas, isso é proposital. É para deixar minha
assinatura, algo que somente eu possa ter e NINGUÉM tirar de mim.
Ao que estiverem de acordo, desejo uma boa leitura.
Com carinho,
Sarah Mercury.
1. Charity Gayle - I Speak Jesus
2. Chris Tomlin - Our God
3. Phil Wickham - Battle Belongs
4. Reckless Love
5. Seph Schlueter - Counting My Blessings
6. The Afters - God Is With Us
7. I Can Only Imagine - MercyMe
8. God's Not Dead - Newsboys
9. Slow Fade - Casting Crowns
10. While I'm Waiting - John Waller
11. Zach Williams, Dolly Parton - There Was Jesus
12. Leeland - Way Maker
A todos aqueles que um dia foram tão decepcionados que perderam a fé em Deus, nas
pessoas e em si mesmo.
“Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra.”
William Shakespeare
Dave Thompson
— Você prometeu que não ia mais participar de nenhum rodeio, Dave. Nunca faz o que eu
te peço. — Algumas pessoas que estavam com ela nos encararam, e eu fiquei envergonhado por
ser o centro de suas atenções. Amanhã, Greenville inteira estaria sabendo desse embate, ainda
estávamos um pouco longes de casa, esse era o tipo de evento que muitas pessoas se deslocavam
para vir, já que não tínhamos tantas opções no nosso pequeno vilarejo.
— Você mudou muito depois que começou a andar com essas pessoas — afirmei,
decepcionado com as suas atitudes.
— Não, Dave. Você me mudou. Não percebe que me quebra ver você subir em cima
desses monstros todas as vezes?
— Maggie! Essa será a última. Eu juro! O dinheiro é bom e poderei mudar de profissão,
fazendo a faculdade para me tornar um veterinário. — Ela revirou os olhos quando compartilhei
um dos meus sonhos. Tentei tocá-la por saber que estava chateada e ela se desvencilhou de mim.
— Não acredito mais em você. Estou cansada de viver em um lugar que não tem nada para
me oferecer e cansada de suas promessas vazias. — Trinquei os dentes quando me deu as costas.
Segurei seu pulso, na tentativa de fazê-la parar de correr de mim.
— Me espere na arquibancada. Depois conversaremos sobre onde quer morar. Mas preciso
que a minha mulher esteja torcendo por mim, ao lado da minha família.
— Não vou esperar. Irei com eles para uma festa. Isso aqui está me deixando enjoada, com
todo esse fedor de estrume. — Sua recusa me magoou. Eu estava fazendo isso pelo nosso futuro.
A deixei ir e fui até o local para me arrumar para montar. Eu seria o próximo a sair.
Depois, eu resolveria esse problema de uma vez por todas, de preferência com uma bolada de
dinheiro, para provar meu ponto sobre mudar de vida como ela queria.
— E agora é a vez dele. O cowboy mais esperado da noite! Ele, que vem colecionando
muitas vitórias ao decorrer dos anos e hoje disputa o primeiro lugar. Vai montar o touro
indomável, e se conseguir ficar 8 segundos, subirá no ranking e sairá campeão desse rodeio.
Dave Thompson! — O locutor gritou e eu sorri quando meu nome foi ovacionado pela multidão.
Eu estava em segundo lugar no ranking nacional e queria ficar em primeiro, para conseguir o
maior prêmio da noite. Olhei para a arquibancada à procura dela, e, como bem disse que não
estaria, eu não a encontrei ao lado da minha mãe e da minha irmã. Meu sorriso escorregou no
mesmo instante, por saber que não torceria por mim. Ela odiava rodeios e todas as vezes
acabávamos brigando por esse mesmo motivo. Ela dizia que queria mais e eu queria dar-lhe tudo
que desejava. Eu já tinha tomado a minha decisão antes de sair de casa. Nosso casamento
aconteceria em algumas semanas e eu iria surpreendê-la. Se tudo desse certo, essa seria
realmente a minha última vez na arena. Eu compraria um bom pedaço de terra e construiria uma
boa fazenda para viver bem com ela e nossos futuros filhos.
— Tudo pronto? Está aéreo… — Meu pai indagou, preocupado.
— Tudo certo! — Respondi com firmeza, segurando o arreio.
— Boa sorte! — Meneei a cabeça e dei um suspiro profundo quando a porteira abriu e o
touro começou a rodopiar para me derrubar de cima dele.
Ao fundo, eu podia ouvir nossos amigos animados, puxando as pessoas para contarem
juntos os segundos. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis malditos segundos. Esse foi o tempo
que precisei para ferrar com o fechamento de uma carreira brilhante no rodeio e quase perder a
vida. Tudo escureceu quando eu voei por cima do animal e senti o impacto no chão.

— Eu sinto muito. Você não pode voltar a participar de rodeios, Dave. A pancada foi
muito forte e pode te matar da próxima vez. — O médico terminou de explicar a minha situação
de saúde.
— E sobre aquele assunto? — Meu pai indagou e olhei para ele, buscando saber que
assunto era esse.
— Creio que em breve saberemos se houve alguma complicação. Porém, eu creio que dois
meses de fisioterapia serão suficientes para que se resolva tudo, dada as circunstâncias atuais. —
O doutor deu um tapinha amigável em meu ombro e saiu do quarto.
— Sobre o que estavam falando? — Levantei a sobrancelha, com curiosidade.
— Quando caiu, o touro lhe deu uma chifrada, ele cortou a carne da sua coxa e virilha.
Pode ser que vá ficar algum tempo inativo, devido aos machucados. Se é que me entende. —
Tanto faz, Maggie tinha me deixado de castigo sem sexo. Não faria diferença para ela eu ficar de
repouso por um tempo.
— Eu não lembro. Apaguei na hora da queda. — Confidenciei, repassando meus passos
durante a noite até a hora que montei.
— Não há nada para se preocupar. O médico disse que está bem e precisará fazer
fisioterapia para recuperar o movimento. Fora isso, você está vivo. Isso que importa. —
Concordei com ele.
— De todas as formas, essa seria a minha última vez montando. Vou me casar em breve e
não quero que isso esteja entre mim e Maggie. — Falei, convicto que tinha tomado a decisão
certa. — Falando nisso, cadê ela?
— Se preocupe em ficar bom, Dave. — Papai desviou os olhos e caminhou até a janela,
não respondendo à minha pergunta.
— Pai! O que não está me contando? — Meu coração começou a acelerar de medo. Ela
não queria me ver? Ficou sabendo e fez o que vivia me dizendo que ia fazer, terminando tudo?
— Não é o momento de se preocupar com a Maggie, filho. — Era mais sério do que
imaginei.
— Me conta logo. Ela terminou comigo? — Gritei, minha voz falhou no final.
— Escutei seus gritos do corredor, Dave. — Mamãe entrou no quarto, assustada.
— Mãe, me fala onde a Maggie está. Papai não quer me contar o que houve. — O mesmo
pesar que vi no rosto do meu pai, surgiu na expressão da minha mãe.
— O médico falou que você não pode se estressar. Acabou de acordar, filho, e está com
uma concussão séria. Precisa se recuperar antes de termos essa conversa. — Coloquei a mão no
rosto, sorrindo sem vontade alguma.
— Pode falar, mãe, eu sou um homem forte. Ela me abandonou logo agora, que eu mais
preciso dela? Não acreditou na minha promessa de que essa seria a última vez que eu subiria em
um touro, não é? — Lágrimas começaram a escorrer por meu rosto. Eu não era um homem de
chorar, culpava o acidente e os remédios por me deixarem tão sensível naquele momento. O que
me entristecia, era saber que estávamos juntos desde sempre. Ela foi a minha primeira namorada
e eu fui seu primeiro em tudo. Tínhamos planejado toda a nossa vida ao decorrer dos anos, e só
de imaginar que ela colocou um ponto final em nossa história, me deixava sem chão.
— Fale logo, querida. Não quero ver nosso filho chorando por aquela mulherzinha. —
Papai ordenou, chateado por ver meu estado.
— Maggie foi embora, filho. — Mamãe começou a explicar. — E não vai mais voltar.
Embora? Mulher teimosa.
— Eu vou atrás dela. Assim que eu sair daqui. — Fiz menção em sair da cama e papai me
segurou no lugar.
— Não vai, não!
Encarei o homem que eu via como meu herói.
— Não pode me segurar aqui, pai. A mulher da minha vida foi embora por culpa minha.
Eu tenho que buscá-la.
— Não vai sair dessa cama. Filho meu não vai correr atrás de uma vagabunda.
— Pare de falar assim dela. — Percebi que foi a primeira vez que eu gritava com ele, e nos
encaramos de olhos arregalados, ambos surpresos pelo confronto.
— E que nome se dá a uma mulher que estava noiva e foge com seu amante? — papai
gritou de volta.
— O quê? — devia ser um engano. Maggie não era esse tipo de pessoa.
— Ela não foi embora por sua causa, Dave. Foi embora porque arrumou outro. — Mamãe
soltou de uma vez, irritada com a minha insistência em querer me levantar. — Ela disse aos pais
que não queria mais se casar. Veja, até deixou esse bilhete de despedida no quarto para você.
Nem dos pais ela se despediu pessoalmente.
— Não! — Segurei o peito e soltei um soluço, magoado.
Mamãe me entregou o anel de noivado colado a um pedaço de folha de cor rosa, que
continha apenas algumas palavras, suficientes para partir meu coração em mil pedaços.
Não posso mais fingir que está tudo bem, Dave. Quero mais do que essa vida medíocre.
Sinto muito! Maggie.
Eu que sentia muito. Sentia por tê-la amado como fiz. Sentia por ter ousado sonhar em ter
uma família com aquela ingrata e, mais do que tudo, sentia por tudo que pensei que havíamos
construído.
— Não foi sua culpa. — Mamãe tentou me acalentar.
— Foi. Foi sim, mãe. Eu deveria ter visto os sinais. Há quanto tempo tento levar essa
mulher para o altar e ela vem se desvencilhando dos meus pedidos? Sempre dizendo que não era
a hora de dar o próximo passo, e eu que nem bobo acreditei nela. Primeiro, foi seus estudos,
depois foi não termos o nosso lugar e ela não querer morar junto de vocês. Ela estava era
procurando alguém melhor e, pelo visto, encontrou. — Respondi, amargurado.
— Não fale assim. Ninguém será melhor que você, meu filho. Quem perdeu foi ela, e em
breve saberemos as consequências de suas escolhas. Em breve encontrará uma boa moça que terá
orgulho de ter você como marido. — Papai, do seu jeito, tentou me animar.
— Vou cuidar da minha vida. Quero nem saber de outra mulher tão cedo.
As mulheres eram imprevisíveis e nunca iriam valorizar o que fazíamos por elas. Pelo
jeito, eu havia amado sozinho nesse relacionamento. Mas eu iria superar e nunca mais iria deixar
outra pessoa brincar com os meus sentimentos. Isso eu poderia prometer.
E, para me lembrar dessa promessa, semanas mais tarde eu me converti e fiz um propósito
com Deus. Um que eu não iria quebrar por ninguém. Nem mesmo por ela, se algum dia voltasse
arrependida e se rastejasse aos meus pés por perdão.
Emma Carter
Sabe aquele momento que você está com o pé tão atolado na merda que se pergunta o que
está fazendo com a sua vida e onde foi que errou? Pois é! Eu estava vivendo essa fase deplorável
há meses.
Para ser mais precisa, desde que peguei o resultado do exame de mamãe, o qual o
diagnóstico foi um câncer em estágio inicial e me sentei na frente do meu namorado dos tempos
de faculdade para dizer que ela estava doente. Sim, eu era uma mulher que acreditava no amor,
corações e flores. Erroneamente, eu achei que iríamos ter o apoio dele e tudo que recebi foi um:
Sinto muito, querida! Acabei de ser promovido e não posso lidar com isso agora. Depois de
puxar meu tapete, ele simplesmente pegou as suas coisas na mesma semana e foi embora.
Claro que descobri que ele estava tendo um caso com uma amiga do trabalho dele e não
deixei barato. Eu fui até seu apartamento, fiz drama, dizendo que queria voltar, esperei
pacientemente que ele me deixasse sozinha e furei todas as camisinhas dele com uma seringa
cheia de molho de pimenta mexicana. Quando minha tia, que era enfermeira, me ligou, contando
que ele foi parar na emergência porque seu membro estava pegando fogo, eu me senti vingada.
No entanto, por mais que eu tenha ficado magoada com meu ex, a minha ficha sobre tudo
que passei só caiu agora, enquanto olhava a minha chefe me revelar que o cargo de gerente, que
eu tanto me desdobrei para ganhar, foi dado à uma novata, que mal pegou o seu diploma de
arquitetura.
— Está me dizendo que por causa do meu afastamento necessário da empresa para tratar a
doença da minha mãe, isso interferiu na minha promoção?
— Não pense que estamos te punindo, Emma. Apenas achamos que April vai agregar
muito à equipe. Ela é muito inteligente…
— E disponível para trabalhar dobrado? — Indaguei, amargurada.
— Eu ia dizer inovadora. Sejamos sinceras, até quando estará à frente da equipe sem
precisar sair correndo para socorrer sua mãe?
— Eu! Eu garanto que estarei. — Apontei para mim, com sangue nos olhos.
— Você está aqui hoje. Mas quem garante que não precisará se afastar em breve? Talvez
seja melhor ter certeza de que ela não vai voltar a ficar doente, antes de pedir por mais
responsabilidades.
Que mulherzinha desgramada! Ela me paga por esse desaforo.
— Sabe, Morgana, quando decidi aceitar a sua proposta de emprego, eu escolhi vir para cá,
trabalhar com você, porque pensei que valeria a pena aprender com a melhor. Pensei que por
você ser mulher, saberia valorizar o empenho das outras, mas me enganei.
— Não está sendo justa comigo. — Me olhou com desdém.
— Justa? Eu trabalhei anos para você, trouxe muitos clientes para a sua empresa, eu
merecia essa promoção porque sou a pessoa que mais batalhou e encheu seu bolso de dinheiro.
— Emma! Eu estou pensando em você! Ainda que sua mãe tenha recebido alta, você
precisa de menos estresse. Voltar à sua rotina aos poucos.
— Entendo seus receios, entretanto, mamãe está em remissão e muito animada para voltar
a trabalhar como antes.
— E isso é maravilhoso. Estou feliz por ela. De verdade! Porém, eu não acho que devemos
arriscar por enquanto. Minha decisão já foi tomada. Você continua na equipe, no entanto, sem
promoção.
— Espero que, ao contrário do que você acabou de pontuar, eu nunca volte a passar por
essa fase difícil. Não desejo nem mesmo a você, que faz tão pouco caso do assunto. — Ela
engoliu em seco com a minha retórica. Eu estava me segurando para não chorar na frente dela e
deixar tudo ainda pior.
— Não seja ingrata. Nos colocamos à sua disposição durante todo o tempo que foi preciso
lidar com a saúde frágil dela.
— Ingrata? Você acha que ser passada a perna dessa forma é ser ingrata? — Eu tinha
certeza de que meus gritos estavam sendo ouvidos por todos os funcionários.
— Sim! Ainda que não veio trabalhar, recebeu o seu salário integral, como qualquer outra
pessoa dessa empresa.
— Chega! — Levantei-me da minha cadeira e ela arregalou os olhos, achando que eu ia
fazer algo. Eu deveria. Eu tinha todo o direito de fazê-la sentir a dor que eu estava sentindo com
a sua falta de tato pela minha situação.
— Ganhei dinheiro sim, mas porque todos os projetos eram meus. Não foi um favor, foi
um direito meu receber por aquilo que fiz. — Balancei a cabeça, apertando meus olhos para não
deixar as lágrimas descerem. — Agora entendo tudo.
— Entende o quê? — arrumou a sua roupa de grife, inquieta com a minha análise fria.
— De onde vem o apelido coração de gelo que todos dizem que você tem. Sabe, eu até a
defendia quando ouvia os burburinhos pelos corredores, pois tenho o maldito defeito de ver o
bem até onde não tem.
— Olha como fala comigo. Eu ainda sou a sua chefe. — Se levantou, empinando o nariz
esnobe que adquiriu com as várias plásticas que fez, às custas das explorações em cima dos seus
subordinados.
— Verdade! Desculpe-me pela indelicadeza. — Dei um sorriso forçado e me levantei. —
Eu me demito!
— O quê? Não pode fazer isso. Acabou de voltar e temos que apresentar um projeto novo
para a construção de um shopping na semana que vem. O cliente pediu especialmente por você.
— Berrou na minha cara indignada, como se tivesse o direito.
— Posso e faço. Não vou trabalhar para uma pessoa como você, insensível e sem
consideração. Peça à sua nova gerente de projetos para criar um projeto inovador. Tenho certeza
de que ela dará conta. — Caminhei até a porta, sem olhar para trás.
— Você tem que cumprir o aviso-prévio. — O desespero em sua voz não me comoveu.
— Ficarei até o final do dia, terminando o projeto que já iniciei. No entanto, não ajudarei
em mais nenhum novo. Essa função não é mais minha. — Bati a porta e saí pelo corredor me
sentindo de alma lavada. Como suspeitei, todos da equipe me olhavam boquiabertos. Fui até a
minha mesa e joguei tudo que eu tinha de valor sentimental dentro de uma caixa de papelão.
— Emma! Sentimos muito. Eu sabia que você ficaria magoada com essa mudança na
gerência. — Shady veio me consolar. De todos, ela era de quem eu sentiria mais falta.
— Eu penso que deveríamos pedir demissão também. Seríamos como os três mosqueteiros.
— Jeramy sugeriu, batendo palmas, animado.
— Sim, três mosqueteiros desempregados e sem casa. — Shady retrucou, revirando os
olhos para o marido.
— Não tinha como vocês interferir. A decisão foi dela e respeito. Só que não ficarei dando
meu sangue para uma empresa que mete a faca pelas costas dos funcionários quando mais
precisam.
— Oh, querida! Se tiver algo que possamos fazer, nos diga. — Hope me abraçou. Ela não
era exatamente uma amiga. Na maioria do tempo, estávamos disputando tudo. Desde copos de
cafés até quem terminava primeiro um projeto para apresentar. Só que eu não a via como
inimiga, e sim como uma concorrente.
— Gente! Vamos parar. Eu ficarei bem e vocês também. Nada de choro ou lamentos.
Vocês sabem onde eu moro e sempre poderão ir me visitar. — Sorri para Jeramy, que estava
quase se desmanchando em lágrimas. Ele só parecia durão, mas era um urso por dentro.
Principalmente com as suas meninas, como ele gostava de nos chamar carinhosamente.
— Tem razão. Você é maravilhosa e conseguirá algo muito melhor. — Shady retrucou,
tentando se fazer de forte por mim.
— É assim que eu gosto. De positividade. Agora, me deixem trabalhar que eu preciso sair
dessa prisão o mais breve possível. — Tentei soar positiva, não sabendo eu que a vida para uma
mulher depois dos 30, por mais profissional que fosse, não seria tão fácil no mercado de trabalho
do que quando eu tinha vinte. O que se concretizou nos meses seguintes. Eu estava sem
emprego, falida e prestes a perder o meu lar por não pagar as parcelas do empréstimo da minha
casa.
Quão injusta a vida era comigo? O que será que fiz para merecer tantas coisas ruins
acontecendo ao mesmo tempo assim? Era o que eu me perguntava todos os dias.
Emma Carter
— Emma! Você precisa levantar dessa cama e ir tomar um banho. Esse quarto está
fedendo a cachorro molhado. — Minha mãe resmungou, puxando a minha coberta.
— Mãe! Eu preciso dormir. Passei a madrugada toda acordada, procurando um novo
emprego.
— Não me faça perder a paciência contigo, Emma Margareth Carter. Eu estou velha
demais para lidar com uma filha birrenta e você velha demais para precisar apanhar. — Gemi
quando ouvi meu nome completo. Ela só o usava quando estava no seu limite.
— Pelo amor, mãe! Já me levantei para receber a minha penitência diária — passei por ela,
levando um tapa na bunda, e fui direto ao banheiro.
— Penitência é ter uma filha que só sabe choramingar em vez de reagir e mostrar àquela
mulher a profissional que perdeu.
Ela começou o seu sermão sobre eu abrir a minha própria empresa e eu ia repetindo
mentalmente as suas sugestões enquanto escovava os dentes. Eu já tinha até decorado suas falas,
de tanto que as repetia.
— Mãe! Eu sei que a senhora quer o meu bem e que é a minha maior incentivadora, só que
eu não tenho dinheiro para montar o meu negócio e nem tenho como pedir ao banco outro
empréstimo enquanto não quitar a hipoteca.
Ela respirou fundo e abaixou a cabeça por alguns segundos. Preocupei-me de que estivesse
me escondendo algo sobre a sua saúde. A insegurança bateu forte e fui até ela.
— Está tudo bem?
Sem me olhar nos olhos, ela deu um leve tapinha em minha mão.
— Termine de se arrumar e me encontre na cozinha. Preciso te mostrar algo. — Me
deixando atordoada, ela saiu.
Nunca que uma pessoa trocou de roupa mais rápido que eu. Em menos de cinco minutos,
eu estava na cozinha, a encarando.
— Desembucha logo, que essa demora está quase me fazendo ter um infarto.
— Não é uma notícia boa. Quer dizer, eu acho que não é. Estou tentando escolher as
palavras certas para lhe contar.
— Mãe! Diga logo de uma vez. — Pedi, em súplicas. O que quer que fosse, enfrentaríamos
juntas.
— Não estou doente, filha. É sobre seu pai. — A xícara que estava em minha mão foi
batida com tudo na mesa.
— Não me interessa saber nada daquele homem. — Retruquei, me levantando.
— Sente-se aí que eu ainda não terminei. — Ainda que eu estivesse magoada, levei de
volta a minha bunda para a cadeira. — Emma, há anos que evito falar dele contigo porque sei da
sua mágoa. Entretanto, precisamos ter essa conversa. — Ela disse impaciente, tirando um
envelope debaixo do seu cachecol. — É uma carta dele.
— Não quero ler. Não me interessa o seu conteúdo. Depois de anos ele quer conversar? É
tarde demais.
— É tarde sim, porque ele faleceu. — Travei no meu lugar. Por alguns segundos, nem eu e
nem ela falou nada. Cada uma perdida em seus pensamentos. Ela com certeza se lamentando a
morte dele, ainda que ele nos abandonou, ela o amava. Eu, por outro lado, sem saber qual
sentimento deveria sentir, dado que eu tinha acabado de saber que perdi um pai e um estranho ao
mesmo tempo.
— Filha! Eu sei que é difícil ouvir sobre ele, não desejava lhe passar essa notícia. —
Mamãe começou a falar e eu a cortei.
— Há quanto tempo sabe disso? — Indaguei, estudando a sua reação. Eu e minha mãe
tínhamos uma relação amigável. Não escondíamos nada uma da outra. Ao menos era isso que eu
pensava.
— Há algumas semanas. — Respondeu com calma. As marcas das rugas entre suas
sobrancelhas se intensificaram quando esperou por uma reação, no mínimo, explosiva minha.
Nós duas estávamos pisando em ovos.
— E escondeu de mim por quê? — mordi a ponta do meu lábio. As poucas vezes que
falávamos sobre ele, nunca terminavam bem. Eu diria que se meu pai tivesse aparecido e batesse
em sua porta, ela teria o recebido de braços abertos, como se nada tivesse acontecido. Ainda bem
que aquele miserável teve vergonha na cara e se manteve longe depois da última vez que veio.
— Seu pai te amava. Ele só não soube como se aproximar para pedir perdão. — Puxei o ar,
sabendo que qualquer palavra errada causaria uma tempestade.
— Bom, se ele me amava, eu nunca percebi esforços vindo da parte dele em se retratar.
Nunca recebi uma ligação pedindo perdão. Sempre foi um covarde que se escondeu por cartas
escritas por outras pessoas — ironizei, magoada.
— Isso porque nunca deu brechas para que se aproximasse de você pessoalmente. Eu sei
que, por sua vontade, teria vindo até aqui e voltado a fazer parte da sua vida. Só que ele respeitou
sua decisão em não o responder.
Ri sem vontade.
Essa era boa! Respeitou? Aquele homem não tinha respeito nem por ele mesmo, que dirá
por seu sangue.
— Nunca entendi como pôde o perdoar tão fácil, mãe.
— Não é porque nosso relacionamento não deu certo que deixamos de amar você como
filha. Seu pai tinha uma enorme bagagem emocional para resolver quando mais novo — o
defendeu.
— Ele foi embora. Te traiu. Nunca te ajudou com nada. Que homem maravilhoso é esse
que você fala com tanto carinho que só vejo defeitos em suas ações?
— Ninguém é perfeito, Emma. Tome! Leia a carta que seu amigo mandou. Ainda que
pareça que ele não se importava, ele deixou uma herança para você. Talvez, se viajar até o Texas
e conhecer o local que ele viveu, as pessoas próximas dele, você entenda o quanto ele mudou.
Segurei a vontade de revirar os olhos feito uma adolescente mimada. Na maioria das vezes,
eu parecia uma por ser filha única. Quando ela deixou a carta à minha frente, eu cruzei os braços
e analisei as possibilidades. A primeira era de ler somente para ver quais foram as suas últimas
palavras. Sendo bem sincera, eu queria saber se ele sofreu ao menos nas últimas horas de vida
que teve e pagou tudo que fez à sua família. A segunda me tocava mais forte, e essa opção era
queimar, assim como fiz com as outras ao longo dos anos. Seria como dizer a ele que sua morte
não me tocou, que suas palavras em vida não valiam nada, após sua morte, valiam muito menos.
Servi uma xícara de café e fiquei olhando o envelope branco. A curiosidade me venceu e
eu peguei primeiro as documentações sobre as variadas propriedades. Verdade seja dita, eu
estava precisando desse milagre. Eu poderia vendê-las, quitar a hipoteca da minha casa e, com o
resto, montar meu próprio negócio. Ignorei de propósito a carta, a jogando de lado e comecei a
ler o testamento. Essa, eu manteria guardada para, talvez, quando tivesse usufruindo da grana e
minha raiva passasse, eu lesse.
— Vamos ver o que você me deixou de valioso, velho. — Falei em voz alta sem remorso
nenhum, e soltei um grito quando vi o tanto de zeros impressos no papel. Mamãe voltou
correndo para a cozinha e me olhou, espantada.
— O que foi, Emma? Você me assustou. — Colocou a mão em cima do coração.
— Estamos milionárias, mamãe! Cem milhões de dólares. — Rodopiei com ela, fingindo
dançar uma valsa.
— Sabia que isso te alegraria. — Sorriu, me abraçando.
— Eu vou arrumar as minhas malas e irei pessoalmente até lá para encontrar um bom
comprador para o local. — Seu sorriso escorregou.
— Vai vendê-la? Não pode.
Me separei dos seus braços para a encarar.
— Claro que vou. Não quero nada físico que venha daquele homem. Quero apenas o
dinheiro que conseguirei para recomeçar. Ao menos uma coisa certa ele fez em vida.
— Mas filha! É uma herança. Pensei que depois que lesse a carta dele íamos nos mudar de
vez para Greenville e mantê-la. Foi o último pedido dele.
— Manter? Nunca! E eu não li a sua carta e nem pretendo acatar pedido algum. Eu lá
tenho cara de quem cria vacas, mamãe? Vou me desfazer de tudo que ele deixou.
Sua expressão ficou triste, mas me mantive firme.
— Bom! A decisão é sua. Você é a proprietária. Vou arrumar as suas malas — ela saiu
cabisbaixa.
— Não vai comigo? — A repreendi, indo atrás dela.
— Não! Você precisa tomar suas próprias decisões sozinhas. Ficarei aqui, aguardando a
sua volta.
Eu não ia ceder. Eu a amava mais que tudo, mas nem por isso deveria acatar tudo que
dizia. Olhei as documentações das terras e outras propriedades em minhas mãos e sorri. Minha
vida mudaria para melhor. Eu sentia que sim.
Dave Thompson
— Ei cara! Não vai ir conosco ao bar?
Joguei o feno na carroceria e me voltei para os meus primos.
— Não, obrigado! Não bebo mais.
Um deles fez aquela cara de espanto que todos faziam quando descobria que eu havia me
convertido e era um homem religioso.
— Sua irmã havia falado que você estava nessa coisa de ser cristão. Não acha que está indo
longe demais com esse seu celibatário?
Hans riu da pergunta do irmão.
— Não! Eu fiz um propósito com Deus. Não me envolverei com nenhuma mulher, até que
ele me mostre qual é a escolhida dele.
— Cara! Tudo bem que a sua noiva fugiu com o riquinho e foi a maior vergonha que a
nossa família passou, mas aí você modificar a sua vida toda por que levou um par de chifres?
Suspirei fundo para voltar respondê-lo. Em outros tempos, eu teria partido para a agressão.
Eu era um desses homens que resolvia no punho quando algo me tirava do sério. No entanto,
esse era o velho eu. O que não conhecia as escrituras e nem sabia o valor do perdão. Pelo jeito,
eu estava sendo provado pela minha própria família.
— Pense o que quiser de mim, Charles. Tenho quase quarenta anos, não sou um
adolescente que não sabe se controlar quando vê um rabo de saia. Aprendi a minha lição.
Uma nova onda de risos se fez presente.
— Vai dizer que não sente falta de ter uma mulher formosa embaixo de você? — Hans me
provocou.
— Ou em cima! — Charles não perdeu a oportunidade.
— Não! Na próxima vez que eu tiver em um relacionamento, só haverá contato sexual
depois que ela me aceitar como seu marido. — Me enchi de orgulho em dizer.
— Alá o cara! Definitivamente, não é mais o mesmo de antes do acidente. Você passava o
rodo em geral, agora está mais bunda mole que o nosso avô de quase noventa anos. Tem certeza
de que esse troço no meio das pernas funciona ainda?
— Eu não me importo de me acharem careta, antiquado ou um fanático religioso. O que eu
busco não é terreno.
— Vamos embora! Antes que ele comece a pregar a salvação para nós — começaram se
afastar, zombando de mim.
— Eu teria o maior prazer, sabe? Mas vocês ainda não estão preparados para essa conversa
— ganhei um abanar de mão zombeteiro. Enxuguei o suor da minha testa e, em vez de ficar
irado, sorri.
Porque se tinha uma pessoa infeliz por ser chamado de brega ou careta, essa pessoa não era
eu. Sentia muito por eles ainda não conhecer e nem saber tudo o que eu sabia. Cada sacrifício era
pouco perante à recompensa que ganharíamos no dia do juízo final.
Quem sabe um dia eles viriam caminhar comigo e saberiam o quão prazeroso era ter Cristo
conosco?! Até mesmo as lutas se tornavam mais suportáveis quando tínhamos a certeza de que
Deus estava tomando as devidas providências. Ele me fez a promessa de chamar a minha família
inteira antes que eu descesse à sepultura, e eu tinha paciência para esperar esse dia chegar. Antes,
eu queria ter o prazer de vê-lo cumprir a sua promessa sobre eu ter uma esposa para caminhar
comigo, e dela vir alguns filhos. Faria ser mais fácil a minha caminhada e me daria mais forças
de continuar firme em meu propósito. Eu acreditava que esse momento estava perto de chegar,
dado que faria cinco anos de espera.
Saí de meus pensamentos quando um carro adentrou pelos portões da fazenda e parou na
entrada do casarão.
— Diacho! Só essa que me faltava. Mais um comprador que terei que colocar para correr.
— Desde que o senhor Jackson faleceu, aparecia quase toda semana uma pessoa interessada
pelas terras.
Havia uma história antiga sobre essa parte de Greenville. Onde espalharam que, por
debaixo de todo esse pasto, tinha um tesouro escondido que ninguém sabia ao certo onde estava.
E todo milionário da região queria descobrir se era verdade. Eu, por outro lado, pensava como o
meu falecido amigo, fosse o que fosse, deveria continuar enterrado. A terra era fértil o suficiente
para plantar e criar animais, não era preciso destruir a natureza por seja lá qual for a riqueza que
existisse.
Comecei a caminhar em direção ao veículo, pronto para dizer que a fazenda não estava à
venda, e parei quando um par de pernas compridas em saltos vermelhos saiu do banco de trás.
Uma morena alta, que eu julgava ter 1.70m, com cabelos escuros, se aproximou, tendo
dificuldade de andar no chão de terra batida.
Para total surpresa minha, depois de anos inativo, senti meu membro se animar diante da
visão. Me repreendi mentalmente, assustado com a minha reação. Me obriguei a lembrar do que
aconteceu da última vez que ousei deixar minhas escolhas impulsivas ditarem a minha vida. Eu
estava feliz por saber que continuava sendo um homem viril, dado ao acidente que sofri, mas era
aqui que acabaria qualquer pensamento inoportuno sobre sexo antes do casamento.
— É aqui a fazenda Carter? — A mulher elegante tirou os óculos de sol, revelando um par
de olhos castanhos observadores, olhando ao redor como se já soubesse a resposta, mas, ainda
assim, esperasse a minha confirmação.
— É sim! Mas já digo de antemão que se veio para comprá-la, perdeu seu tempo. Pode dar
meia volta e pegar o mesmo caminho que te trouxe aqui, moça. — Fui sucinto, sem deixar
brechas para discussão.
— Todas as pessoas do Texas são como você? — Ela pendurou os óculos na blusa e me
encarou.
— Sem rodeios? Quase todos. — Afirmei, e dessa vez foi ela que caminhou até mim com
passos firmes. Pose de quem não aceitava um não como resposta, e sabia o que a sua presença
podia causar nas pessoas.
— Eu quis dizer, sem educação. No entanto, serve essa explicação chula também. —
Chula? Eu nem havia usado palavras desrespeitosas com ela.
— Olha moça, como eu disse, a fazenda não está à venda. Se me der licença, eu tenho que
alimentar os animais. — Comecei a me virar para que entendesse que não estava com tempo para
perder.
— Querido, houve um equívoco aqui. Não estou aqui para comprar nada. — Parei e a olhei
por cima dos ombros.
— Então o quê? Se perdeu? Porque, se veio à procura do antigo dono, chegou um pouco
tarde, ele faleceu há alguns meses. — O sorriso dotado de dentes brancos bem alinhados se abriu
mais.
— Eu sei. Ele era meu genitor.
Genitor? Arregalei os olhos quando a realidade me abateu.
— Você é a Emma? Emma Carter? — estendi minha mão, um pouco envergonhado com a
minha recepção, porém, feliz por finalmente conhecer a mulher que herdara as terras abençoadas
que Jackson deixou. — É um enorme prazer te conhecer, senhorita. Seu pai falava muito de
você. Duvido que não tenha uma pessoa em Greenville que não se sentirá íntima e a tratará como
se fosse uma amiga quando a ver.
— Não pretendo ficar muito tempo para conhecer todas elas. Somente o suficiente para
achar um comprador e vender esse lugar.
Travei com sua fala.
O quê? Ela não acataria a vontade de seu pai? Eu tenho certeza de que, na carta, ele tinha
pontuado seu último desejo. Ele queria que ela tocasse a fazenda para que assim nenhuma das
famílias que vive aqui nas terras, inclusive a minha, fosse despejada após a venda.
— Você não leu a carta? — Indaguei, mais ríspido do que queria deixar sair.
— Não, e não me importo com as suas condições. Ele não tem direito algum de me pedir
absolutamente nada.
Fiquei ainda mais surpreso com a sua resposta fria. Jurava que ela era uma mulher
inteligente. Seu pai deu a entender que as terras tinham ficado em boas mãos e que estaríamos
seguros.
— Típico de mulheres como você. Só pensam em dinheiro. — Deixei a minha ira esvair.
— Você não me conhece, então, cuidado com o que for falar a meu respeito. Quem é você
para me acusar de algo? Pegue as minhas malas no carro e as leve para dentro. Não acha que
subirei todas essas escadas as puxando, não é? — Subiu os degraus, rebolando mais do que
acreditava ser permitido e ficou lá em cima, me desafiando a dizer mais alguma coisa.
Coloquei a mão na cintura e olhei o horizonte, buscando paciência. Como eu era um
homem sábio, me calei. Eu não era mais a mesma pessoa de anos atrás que a trataria com quatro
pedras nas mãos e, provavelmente, as atiraria contra ela na primeira oportunidade que tivesse.
Meus primos tinham acabado de me ofender e eu levei numa boa. Essa mulher nem tinha cinco
minutos que havia chegado, e já tinha estourado toda a minha paciência. Peguei as malas no táxi
e subi, logo atrás dela. Dentro da casa, as coloquei no chão da sala e a encarei.
— Pronto, madame! Só quero avisar que fiz por cortesia, pois não sou um mordomo nem
um carregador. Eu trabalho no estábulo, cuidando dos animais e algumas vezes nas plantações.
Não sou seu faz tudo. — Deixei claro a minha área de atuação.
— Se ganha um salário para trabalhar aqui, fará o que eu pedi.
Não perca a paciência, Dave. Jackson não gostaria que sua filha fosse maltratada.
— Falando nisso, ainda bem que citou salários. Já que todos seremos tratados como
empregados da madame, queremos nosso pagamento dos últimos meses. Estamos sem receber
nada desde que seu pai faleceu.
— Não se preocupe! Quando eu receber, o que pegarei da venda, acertarei com todos os
atrasados. — Empinou o nariz, me dispensando com o dedo, apontando para a porta aberta.
Vai vender o cacete! Vamos ver até quando manterá essa ideia absurda. Saí como pediu,
em busca da minha tropa para uma reunião de emergência.
Dave Thompson

— Nós temos que fazer alguma coisa! Não podemos deixar que venda. Para onde iremos?
— Um dos fazendeiros falou, nervoso, levando outros pais de família a concordarem.
— Gente! É por isso que chamei vocês aqui. Não devemos confrontá-la. Ela é a
proprietária por direito. — Tentei apaziguar.
— E vamos ficar sentados, esperando que uma dondoca mimadinha venha aqui e nos
coloque na rua? — Minha tia pontuou, irritada.
— Isso não está certo! O senhor Jackson jamais aceitaria que vendesse essas terras. — A
irmã Louis se agitou em sua cadeira.
— Silêncio, pessoal! Vamos ouvir o que Dave quer nos falar. — Mamãe deu grito com
todos, e quase a abracei para agradecer.
— O que sugere, filho? — Meu pai quis ouvir minha sugestão.
— Sugiro que mostremos a ela o valor dessas terras. O porquê seu pai queria que
valorizasse tanto esse lugar. Ela não morou aqui, então é compreensível não ter apego
sentimental ao local que não conhece seu povo.
— Está querendo dizer que devemos tratá-la bem, quando sabemos que está querendo nos
prejudicar? — A esposa do reverendo Timóteo questionou. — Se outra pessoa comprar a
fazenda, destruirá a nossa igreja.
— Eu aprendi com as escrituras que não devemos tratar as pessoas da mesma forma que
nos tratam. Devemos oferecer a outra face para que nossos inimigos batam. — A lembrei,
ganhando o apoio de seu marido.
— É isso mesmo. Dave está certo. Vamos fazê-la se sentir em família, mostrar o que temos
de melhor. A nossa hospitalidade e, assim, mudar com amor o seu coração. — O pastor Elias
disse, ficando ao meu lado também.
— Só pode ser brincadeira. — Um dos meus primos gritou, consternado. — Me dê dois
dias e eu a faço voltar correndo para o buraco de onde saiu. Sem chance de retornar para nos
importunar de novo.
— Não! — Gritei, fazendo com que todos parassem de falar e prestassem atenção em mim.
— Deixem comigo. Eu cuidarei disso, pessoalmente. O fato de os ter pedido que viessem, era
para que se preparassem para a visita dela em breve. Mostrarei a nossa importância.
— É para fazermos um banquete e estender tapete vermelho para ela também? — Mais
uma das mulheres indagou, desdenhosa.
— Se for preciso. Devemos tratá-la com respeito. Nada de desdém. Nada de ataques
verbais e muito menos ameaças. — Apontei o dedo para meus primos.
— E vai fazê-la mudar de ideia como, varão? Mostrando a sua vara para ela? — Trinquei
os dentes pela falta de respeito de Charles.
Mais cedo eu estava com mais paciência. Nesse momento, o cansaço e a preocupação
tinham tomado boa parte do meu raciocínio. Olhei a Bíblia em cima da mesa, aberta no salmo 91
e, mentalmente, pedi a Deus que me desse forças.
— Pela vara da justiça. — Coloquei minha mão em cima do livro. — Usando a palavra de
Deus a nosso favor. Ele não teria permitido que passássemos por isso sem um motivo.
Todos os membros da igreja concordaram. Meu pai, por mais que ainda não fosse
convertido, entendia e respeitava meu posicionamento. Já os que seguiam seus próprios instintos
sem buscar orientação discordaram de mim.
— Vamos lhe dar cinco semanas. Se até o dia de Ação de Graças não tiver feito-a mudar
de ideia, procuraremos outros meios. — O cabeça de uma das famílias deu seu ultimato, levando
mais da metade a concordar.
— Obrigado! Até esse dia, tenho certeza de que ela terá mudado de ideia.
— Que seu Deus te ouça, filho!
Segurei a língua para não dizer que era nosso Deus. Era instantâneo a vontade de defender
Cristo quando estava de frente com um ateu.
— Ele ouvirá! — Afirmei.
— Bom, já que resolvemos essa questão por parte, vamos comer, pois fiz muita comida e
não devemos desperdiçar. — Mamãe bateu palmas e um coro de gritos felizes se fez presente. A
multidão foi a seguindo, e ficaram somente eu e o reverendo Timóteo.
— Busque a orientação mais do que nunca, filho. O inimigo fará de tudo para te derrubar
nessa missão. Inclusive, lhe tentar com as armas que estiverem disponíveis.
— E ele perderá a batalha, pois o Criador pisará em sua cabeça.
Ele sorriu com a minha resposta.
— Faremos uma campanha de oração para lhe ajudar seguir firme. Conte comigo e a
minha família para o que precisar. — Me deu um tapinha amigável no ombro e saiu.
Por alguns segundos, eu continuei olhando a porta. Um frio na barriga me tomou, as
dúvidas sobre se eu estar fazendo o certo começou a me assolar e me vi de joelhos no chão.
— Senhor, não me desampare! Eu preciso de ti. — Me dobrei em posição de submissão e
orei, pedindo forças para enfrentar o inimigo de frente.
Somente me levantei quarenta minutos depois, sentindo-me mais leve, confiante e com as
forças renovadas.
Caminhei até a fogueira para me reunir com os outros, e quando estava indo me sentar, sentir um
aperto em meu coração.
Em minha mente eu podia ouvir uma voz pedindo que eu montasse um prato de comida e
fosse até o casarão. Confesso que, por alguns instantes, me questionei se não era a minha carne
querendo me dominar. Pois, verdade seja dita, ela era uma mulher bonita, de se encher os olhos.
Qualquer homem ficaria deslumbrado por sua beleza externa. Não eu. Eu queria alguém que
fosse bonito por dentro. Alguém que me enchesse o coração.
— O que foi? — Mamãe parou ao meu lado, preocupada. — Está olhando há um tempão
para a estrada.
— Não é nada! — Tentei disfarçar com um certo receio de falar e ela não me entender.
— Sabe, mentir não combina com você. — O par de olhos azuis me encarou de forma
doce.
— Ainda sobrou comida, certo? — inquiri, tentando manter meu rosto neutro, com a
inquietação ficando cada vez mais forte em meu peito.
— Bastante! Quer levar um prato para ela?
Olhei de soslaio, preocupado que tivesse passando a impressão errada.
— Acha que devo?
Mamãe sorriu com a minha pergunta.
— É a primeira noite dela aqui, filho. A casa deve estar toda desorganizada e com a estante
vazia. Vou preparar um prato bem recheado e pegar alguns cobertores e lençóis limpos para que
possa levar.
— Verdade! Ela vai gostar disso. Imagino eu que não sabe nem pegar em uma vassoura
direito — mamãe gargalhou e sorri com seu abraço carinhoso.
— Diga que amanhã irei com outras esposas fazer uma faxina no casarão e deixar alguns
pratos congelados.
— Aviso sim.
Ela piscou e saiu para pegar os cobertores. Mamãe era assim. Uma mulher de um coração
lindo. Sempre preocupada com todos à sua volta. Posso dizer que esse meu jeito amigável veio
dela.
Em poucos minutos, ela voltou com uma travessa de comida e uma trouxa de roupas de
cama limpas e perfumadas.
— Aqui! Seja educado quando for entregá-la, nada de perder a paciência, hum!
Prendi meu lábio inferior entre os dentes, tentando não rir de seus avisos.
— Eu sou calmo. Não viu como consegui apaziguar a confusão lá dentro? — apontei com
o queixo para o celeiro.
— Não quando está em frente a uma mulher bonita que não seja da igreja.
Franzi o cenho com sua fala.
— Não estou à procura de uma namorada, mamãe. Nem inventa moda. E quem disse que
ela é bonita?
— Dave! Eu sou a sua mãe. Eu conheço todos os meus filhos.
— Então perdeu o jeito comigo, senhora Thompson. — Beijei seu rosto.
— Veremos! Até cair a sua ficha, não a julgue como se ela fosse a própria Jezabel.
Dessa vez ri com a comparação.
— Eu não faço isso. — Neguei, sabendo que, lá no fundo, era verdade. Desde que Maggie
fugiu e me envergonhou perante à vila inteira, que não me envolvi com mais ninguém. — Só
estou esperando que Deus prepare uma mulher decente para mim.
— E Ele preparará. Pois as promessas dele são perfeitas.
— Amém! Até a minha se realizar, eu não ficarei investindo meu tempo na mulher errada.
— Coloquei as coisas no banco de trás da caminhonete e entrei.
— Às vezes, os caminhos dele são diferentes dos nossos, Dave. Por isso, temos que ficar
de olhos bem abertos para não perder os sinais.
Olhei para frente, segurando com um pouco mais de força do que deveria o volante.
— Eu tenho certeza de que quando a mulher certa chegar, eu sentirei aqui — apontei em
direção ao meu coração. — E eu sei que não é essa moça. Ela não tem absolutamente nada do
que pedi em oração. — acelerei o carro, antes que a conversa tornasse mais entusiasmada do que
eu queria.
Emma Carter
Minha rinite tinha atacado de uma maneira tão forte, que eu não conseguia dar dois passos
sem espirrar. Minha cabeça latejava e minhas narinas estavam ardendo de tanto que eu esfregava
o lenço nelas.
— Como você foi sair de casa sem levar seu remédio, filha? — mamãe me deu um
esporro.
— Como que eu podia imaginar que teria tanta poeira nessa casa? Ela parece que foi
abandonada há anos, em vez de meses. — Reclamei, saindo para a varanda, em busca de ar
fresco.
— E é tão bonito quanto dizem? — ela se entusiasmou em saber detalhes sobre o lugar.
— É sim! Para quem gosta de viver no meio do mato cercado por pasto, é o local perfeito
para criar raiz.
— Inclusive você? — Falávamos por ligação, mas eu tinha certeza de que se eu estivesse à
sua frente, seus olhos brilhariam.
— Não! Eu sou uma garota da cidade grande, mãe. Onde nesse fim do mundo eu
conseguiria exercer a minha profissão? Aqui, o máximo que eu seria contratada, é para criar
projetos de celeiros e cercas. Além do mais, terei dinheiro mais do que o suficiente para
recomeçar quando voltar. — Eu ri, mas ela não retribuiu.
— Tenho certeza de que acharia muitas oportunidades de usar o seu talento se parasse de
se lamentar e começasse a olhar à sua volta. Terras para construir, quem sabe, até novos
empreendimentos são o que não faltam em Greenville.
Revirei os olhos e segurei a vontade de lhe responder com algo que sabia que iria chateá-
la.
Um carro parou em frente da casa e o cowboy grosseirão saiu de sua picape, olhando
diretamente para mim. Cerrei os olhos quando tirou algo do banco de trás e veio em direção às
escadas.
— Mãe, tenho que desligar, chegou visita! — Nem dei tempo de ela indagar quem era e
desliguei.
— Boa noite, senhorita! — O chapéu foi erguido apenas o suficiente para ver os cabelos
loiros sobressaírem e o par de olhos azuis-claros me encarar.
— Boa noite, cowboy! O que te traz aqui tão tarde da noite? — Cruzei as pernas
propositalmente de modo provocante, e me surpreendi quando não obtive a reação de mais cedo,
quando saí do táxi. Ele desviou o olhar e manteve sua atenção no meu rosto.
Que homem fazia essa desfeita?
— Vim trazer comida e roupas de cama limpas. Imagino que as que estão aqui estejam
empoeiradas.
Saltei animada da cadeira de balanço pela menção de comida.
— Não sabe o quanto sou grata esse momento a você. Sério! Estou morrendo de fome e
não há nada nessa casa que não tenha cheiro de mofo.
Um sorriso de lado surgiu e, de relance, eu percebi que tentou esconder.
— Quer que eu deixe onde?
Passei pela porta com ele em meu encalço e, no mesmo instante, a minha crise de rinite
voltou. Espirrei tanto que tive que me segurar na parede.
— Minha nossa! O cheiro parece que fica cada vez mais forte.
Preocupado, ele colocou a comida na mesinha de centro e veio me ajudar.
— É uma crise alérgica. Fica lá fora que vou tentar amenizar a sujeira.
Isso me surpreendeu.
— Vai limpar? Não precisa. Já fez muito em me trazer comida. — Como se eu tivesse dito
algo bobo, ele me encarou de um jeito estranho.
— Não é trabalho nenhum. Sente-se ali fora que pegarei os talheres para se alimentar
enquanto dou um jeito aqui dentro.
De modo cavalheiro, ele foi até a cozinha, abriu o prato que trouxe e me entregou.
— Uau! Tenho certeza de que beijaria você agora. — Apontei e vi que deu dois passos
para trás com a minha fala.
— Não precisa! É o mínimo que eu poderia fazer depois do nosso embate. — Ah, então era
isso. Ele estava tentando se desculpar por ter sido um idiota quando cheguei.
Engolindo em seco quando o encarei mais firme, ele tocou no chapéu de forma respeitosa e
entrou na casa. Eu estava confusa. Nunca um homem agiu assim comigo. Se eu for bem sincera,
nunca ninguém tinha agido de tal forma a não ser a minha mãe. Um homem para se casar.
Engasguei-me quando esse pensamento saiu de mim.
— Preciso vender o mais rápido possível esse lugar, antes que eu vire um deles. —
Sussurrei para mim mesma, faltando lamber o prato pela comida deliciosa que eu comia. Se
fosse ele quem tivesse preparado essa delícia, eu não iria resistir à tanta tentação de o ignorar
para não experimentar todos os seus dotes, sejam eles quais fossem.
— Vejo que estava faminta mesmo. — Quase dei um pulo na cadeira quando ele apareceu
ao meu lado.
— Estava tudo delicioso. Foi você quem cozinhou essa oitava maravilha do mundo? —
Indaguei com curiosidade. A costela assada estava se desmanchando.
— Apesar de saber cozinhar, essa não foi feita por mim. Foi a minha mãe. Estamos todos
reunidos hoje na minha casa para falarmos de você.
Minha atenção saiu da comida e se voltou para ele.
— Sério? E o que estavam discutindo sobre a minha pessoa? Alguma forma de me matar
que não deixe rastro para ficar com tudo isso? — Inquiri com sarcasmo.
— Alguns devem ter dito algo do tipo, mas não decidimos a maneira a ser usada ainda.
Arregalei os olhos e estava pronta para rebater quando percebi que ele estava apenas
brincando comigo.
— Não teve graça. — Pontuei e uma risada baixa saiu.
— Você que começou, nos acusando de sermos pessoas com capacidade de ferir alguém só
porque amamos esse lugar. — Ele tinha um ponto. Devo admitir a contragosto.
— Desculpa! — soltei sem perceber. Eu não era de me desculpar com ninguém. Essa
decisão se devia ao fato de ele ter me trazido a melhor refeição que eu provei em anos.
Que minha mãe não me escutasse, ou eu seria rechaçada.
— Eu ouvi um pedido de desculpas, ou estou ficando louco? — Merda! Ele não ia deixar
passar.
— Foi sim! Mas não se anime muito. É apenas um cessar o fogo temporariamente.
Ele meneou a cabeça.
— Muito bem! Eu quero aproveitar esse momento então e pedir desculpas por mais cedo
ter lhe tratado tão mal. Você me surpreendeu, dizendo sobre a venda da fazenda e não foi a
maneira certa de lidar com essa notícia.
— Desculpas mais do que aceitas, cowboy. — Percebi que queria dizer algo mais, porém,
se calou. — Me acha muito sem coração, não é? — Afirmei, deixando o prato vazio na mesinha
de madeira ao meu lado. — Só que manter essa fazenda é como dizer que meu pai estava certo, e
que tudo que me fez não significou nada.
— Ele te amava. Dizia a todos o quão orgulhoso era de você. — Respondeu baixo.
— Falava para todos, mas eu não ouvi dele. Uma filha merece uma explicação do porquê o
pai foi embora e nunca mais voltou. Do porquê nunca esteve presente nos melhores momentos da
minha vida enquanto eu crescia. Não posso passar por cima de toda a dor que ele me causou
apenas porque, na hora da morte, se arrependeu de suas ações.
— Ele se arrependeu bem antes, Emma. Às vezes, eu me sentava aqui com ele e nem
consigo enumerar quantas vezes disse que sonhava com você entrando por aqueles portões.
Virei o rosto, tentando ignorar a pontada no peito.
— Ele queria o quê? Que eu viesse correndo por que estava doente? Depois de anos me
rejeitando?
— Eu não sei o que te aflige, Emma. Mas respeito a sua dor. Só que acho que deveria
perdoá-lo. Se sentiria melhor se tirasse esse peso do seu coração.
Me irritei com a maneira que falou. Estava parecendo a minha mãe.
— Não é da sua conta. — Me levantei da cadeira, com a respiração descompassada pelas
lembranças.
— Tem razão. Não é. Sinto muito se entrei em um terreno sensível para você. Gostaria de
conhecer as terras antes que arrume algum comprador?
— Preciso ir à vila primeiro. Quero espalhar a notícia de que estou aqui e aguardar boas
propostas.
— Somos mais como um vilarejo. Se quiser, eu te levo amanhã cedo para falar com um
corretor. Quando voltarmos, podemos passar na lanchonete da senhora Owen para experimentar
as melhores guloseimas feitas especialmente à base de Bacon. É incrível a criatividade dela.
Gargalhei com a sua repentina mudança de assunto. Senti-me aliviada por respeitar meu
espaço.
— É mesmo? Eu amo bacon e gostaria muito de experimentar.
— Bom! Porque tem bolo recheado com geleia de bacon, hambúrguer e até sorvete. Estou
te falando, quando a gente sai do lugar, quase ouvimos os grunhidos dos porcos de dentro do
estômago — sorri com o jeito que falou.
— Tudo bem! Já me convenceu. Vou deixar que me mostre essas comidas exóticas e
mirabolantes.
Um silêncio se deu no minuto seguinte e gostei da sensação de paz que me tomou em sua
companhia. Quando não estava sendo grosso, ele era agradável de ter por perto.
— Eu já vou indo. Seu quarto está limpo, vai conseguir dormir sem passar mal. Amanhã
minha mãe virá com outras mulheres limpar o resto da casa.
Fiquei surpresa em saber dessa informação.
— Elas trabalhavam aqui? — Me senti sem jeito de usar de seus serviços, sabendo que
estavam sem receber seus pagamentos.
— Não! É uma cortesia. — Fiquei até sem saber o que dizer, pois eles estavam sendo bem
legais. — É bom ter você aqui, Emma. De verdade! Desejo que sua estadia seja boa e que
consiga encontrar o que veio de longe buscar.
Estou em busca do quê? Foi a pergunta que rondou a minha cabeça até a hora que fechei os
olhos e consegui dormir.
Dave Thompson
— Sua benção, meu pai. — Inclinei a cabeça para que meu pai pudesse me abençoar como
de costume. Muitas pessoas achavam antiquado esse gesto ser tão valorizado ainda por nós, mas,
na nossa família, era passado de geração em geração, independentemente de estarmos em uma
época onde os filhos sequer avisavam onde iam aos pais ou diziam um “eu te amo”.
— Que Deus te abençoe, meu filho. — Sua mão tocou a minha cabeça com carinho. —
Chegou tarde ontem. Estava no casarão? — Me olhou desconfiado, por cima do prato de comida.
— Sua ansiedade era notória.
— Sim. Fui levar um pouco de alimento para a nova moradora.
— E chegaram a conversar sobre a venda? — sondou, esperançoso.
— Não! Ela ainda está certa de que aqui não é um lugar para ela ficar. Me ofereci para
mostrar ao redor. Quem sabe conhecendo melhor a vila e as pessoas, muda de ideia. — Não dei
mais detalhes, pois não queria oferecer falsas esperanças.
— Fez muito bem. Se existe alguém que pode fazê-la mudar de opinião, essa pessoa é
você, Dave.
— Assim espero, pai.
— Quem dera eu ter um pouco de dinheiro para comprar ao menos essa parte da fazenda
para morarmos. — Compartilhava da sua tristeza, e confesso que pensei nessa possibilidade
também e cheguei ir ao banco verificar como estávamos de crédito. No entanto, eu achava
injusto resolver apenas a nossa situação.
— Se eu não conseguir convencê-la a não vender, vou tentar sondar se não estaria disposta
em repartir as terras, para que assim possamos fazer um acordo bom para todos — papai sorriu,
chegando à mesma linha de raciocínio que eu.
— Olha quem eu vejo: o homem que finge ser santo e, na primeira oportunidade, não se
aguentou e foi correndo atrás da riquinha. Não é, seu hipócrita? — A voz de Charles se fez
presente.
— Não é o que está pensando. — Me defendi.
— Eu faria o mesmo, primo. Na verdade, eu cheguei acreditar naquele papo sobre Bíblia
até que minha ficha caiu. — Charles estalou o dedo. — Para que se preocupar em perder algo se
pode se tornar dono de tudo? Sagaz!
— De onde tirou essa ideia, Charles? Está ficando louco? — o encarei.
— Conte-nos como ela é. Fogosa ou tímida? — Hans nem mesmo cumprimentou o papai,
e isso o deixou irritado pela falta de consideração.
— É! Fala como ela é, mano. É daquele tipo que geme e arranha ou, sei lá, dá para o gasto?
— Seu irmão, como sempre, o ajudou a me importunar. Balancei a cabeça e apontei meu dedo na
cara dele.
— Não comecem. Eu ainda não reafirmei o meu propósito com Deus hoje para ter força de
lembrar os motivos que não devo quebrar a cara dos meus inimigos.
— Você é um pé no saco. — Charles retrucou. — Compartilhe seus planos para que
possamos ajudar.
— Não tem plano algum. — Reafirmei, sério.
— Não tem que saber de nada. — Papai o cortou. — Se aconteceu algo entre eles, não é do
interesse de vocês e nem de ninguém.
— Fale por você, tio. Quero saber de tudo. Odeio quando me tratam feito uma criança —
Hans, sendo desprovido de inteligência, teimou. Ele não conseguia entender que, desse lado da
família, as pessoas eram mais reservadas.
— Não aconteceu nada. E ainda que tivesse acontecido, um homem que se preze não sai
por aí compartilhando detalhes íntimos entre ele e uma mulher. — Concordei com meu pai.
— Vocês são chatos pra cacete. — Papai levantou uma sobrancelha, não gostando do seu
tom desdenhoso. Uma coisa era ambos me confrontarem, outra coisa era levantar a voz perto do
meu pai. Um homem tão, ou mais sistemático que eu.
— Meninos! — Papai limpou os lábios e jogou o guardanapo em cima da mesa. — Eu não
sei como vocês são com seus pais e não me importo, só que quero deixar as coisas muito bem
esclarecidas aqui…
— Tio… — Hans, percebendo a seriedade do assunto, tentou interromper e meu pai
levantou uns dois dedos, freando-os.
— Eu ainda não terminei de falar. Aceitei vocês em minha casa por saber que precisavam
de trabalho e porque meu irmão me pediu um favor. Enquanto estiverem aqui, você e seu irmão
seguirão as regras dessa família e eu não aceito desrespeito. Se não estiverem de acordo, fiquem
à vontade para pegarem suas coisas e voltarem para Austin. — Papai cerrou suas asas antes de se
levantar ainda mais e eu escondi meu sorriso, satisfeito. Estava na hora de alguém colocar
aqueles dois em seus devidos lugares. Aqui, o negócio era bruto e rústico. Papai era um homem
das antigas. Ele falou, tá falado. Não tinha debate.
— Está certo! Peço desculpas. — Hans, sendo o mais novo, cedeu, a contragosto.
Por alguns minutos, eu pude contemplar o silêncio e pensar em como abordaria o assunto
sem pressioná-la demais. Fiz as minhas orações e saí para ir encontrá-la.
— Esse seu jeito de bom moço é muito irritante. — Olhei para o céu e fechei meus olhos
quando Charles encostou na carroceria, mordendo um palito.
— Já entendi, Deus. — Falei em voz alta.
— Entendeu o quê, homem? Está ficando louco? — Hans, sendo sombra de Charles, não
demorou aparecer ao lado do irmão.
— Agora eu sei o que Jesus sentiu quando foi tentado no deserto pelo diabo. — Afirmei,
sem paciência. — Estou sendo provado.
Tirei todas as minhas tralhas do banco da frente da minha picape para ir até a fazenda. Se
bem conheço, as mulheres que foram para lá, já acordaram Emma a essa hora com suas
bagunças.
— Tudo bem, já entendi que não é de compartilhar. Só que quando se cansar dela, nos
avise. Quem sabe um de nós seja o sortudo?
Bati a porta do carro mais forte do que queria e parei na frente do Charles.
— Não avisarei nada. Não lhe devo satisfação, e se eu souber que andou se engraçando
para o lado dela, você não vai gostar do que farei com você — avisei e me arrependi no minuto
seguinte.
— Eu sabia! — Hans riu. — Nenhum homem aguenta seguir com essa coisa de celibatário
por muito tempo.
— Tudo bem gostar dela, cara. Se ela é sua, respeitamos. — Charles afirmou, me afastando
de seu irmão quando dei passos em sua direção.
— Ela não é minha. — Não fiz questão de pontuar que eu não era todo mundo. — Quer
saber, sendo minha ou não, proíbo os dois de tentar alguma coisa com ela.
— Veremos até quando vai continuar negando o que sente. — Charles tocou a ponta do
chapéu e sua outra metade o seguiu, como sempre fazia.
Dei um soco no banco, com raiva. Eu estava perdendo o controle e isso, definitivamente,
não era nada bom. Não gostava dela. Ela era egocêntrica e tinha uma pose esnobe. Sem contar
que não tinha sentimento por seu próprio pai. Não! Ela não era a mulher certa para eu me
envolver, a ponto de ela ser considerada minha. Esfreguei o rosto, chateado por saber que, depois
que voltei, não consegui parar de pensar nela a noite toda. Era uma mulher experiente e sabia
usar a sedução a seu favor. Seu atrevimento em dizer que me beijaria quase me fez gritar "afaste-
se de mim, Satanás". Ainda mais quando aqueles lábios generosos me tentaram daquela forma
sedutora.
— Eu preciso tomar um banho gelado. — Limpei o suor que escorreu pela minha testa e
corri até o riacho. Me joguei na água gelada, de forma quase desesperada para apagar da minha
mente a imagem e o cheiro dela. Enquanto eu não senti meus músculos doerem, não parei de
nadar. Eu preferia essa dor, pois, assim, não cairia em tentação. Não teria meu coração partido
mais uma vez. Quando saí, eu me senti no controle de novo.
Ainda que meu sangue estivesse quente, eu não ia fraquejar quando ficasse na sua
presença. Não! Eu era um homem maduro. Retirei da minha mente qualquer ideia sobre um
“nós” e consegui focar no motivo o qual estava me aproximando dela. Não era sobre mim, era
sobre Greenville e toda a comunidade que aqui vivia. Essa era a minha missão, e não entregar
meu coração a uma pessoa que sequer sabia o valorizar o que tinha de maior valor. Mais calmo,
fui por todo o caminho orando o Pai Nosso, confiante de que estava tudo bem, implorando que,
quando a visse, não perdesse a cabeça e fizesse algo que iria me arrepender depois. Só que
quando a vi na porteira me esperando, com um vestido deixando mais da metade daquelas pernas
à mostra, meu coração acelerou, minha boca secou e minhas mãos tremeram no volante.
— Oh, Pai, por que me desamparaste? — resmunguei, sabendo o final dessa história por
ter sentido na pele o que uma mulher como ela era capaz de fazer com um homem como eu. Ela
jamais se contentaria com a vida que eu tinha a oferecer e iria embora depois de brincar com os
meus sentimentos. Por mais que todo o meu corpo dissesse "sim", eu teria que continuar dizendo
não. A história não podia se repetir.
Emma Carter
Eu tinha tido uma noite tão maravilhosa que quando acordei, demorei perceber que não
estava em minha casa, em São Francisco. Dave tinha feito uma limpeza digna de um expert em
faxina.
Nunca — e quando eu digo nunca, estou falando muito sério —, nunca um homem cuidou
de mim dessa forma, ou ao menos se mostrou preocupado com a minha saúde por uma simples
crise alérgica. Ele trouxe comida, arrumou o quarto para uma completa estranha e fez isso
parecer a coisa mais normal do mundo. Mas não era. Pequenos detalhes para quem estava
acostumada a receber nada, se tornava muito.
Eu estava surpresa com tudo e confusa com essa recepção, afinal, eu não era uma amiga e
não o tratei como se quisesse ser uma. Por isso, acho que esperava outra atitude vindo dele e de
todos. Jurei que ele faria da minha estadia um verdadeiro inferno e, pelo contrário, estava me
tratando como se eu fosse uma de um deles.
Senti o cheiro de café fresco me alcançar na escada e, quando olhei para baixo, vi uma
horda de mulheres limpando, varrendo e espanando os móveis de madeira rústica, assim como eu
me lembrava da personalidade do meu genitor. Quando Dave disse que sua mãe viria, não pensei
que ela traria a vila inteira com ela.
— Bom dia, senhorita. — A mais velha dentre elas me viu primeiro e sorriu, se
aproximando de mim. — Sou Josefa, mas pode me chamar de Jose se quiser. Sou a mãe de Dave.
Uau! A beleza era algo de família, pelo que vejo.
— Olá! — Aceitei a sua mão estendida em cumprimento. — Sou Emma. Vejo que vocês
acordam animadas por aqui, não é?
— Todas estavam ansiosas para lhe conhecer pessoalmente. — Uma mulher baixinha
passou à frente de Josefa, dando-lhe um pequeno empurrão. Essa não veio para a limpeza, pois,
diferente das outras, não estava vestida para um trabalho braçal, e sim para um casamento.
— Seu pai era um grande homem e muito generoso. Sinto muito por sua perda.
Um grande homem… Chegava ser engraçado que todos o veneravam por aqui.
— E quem é a senhora? — Indaguei, não gostando da maneira que me abordou, cortando a
fala de sua colega. Seu olhar de análise parecia estar me julgando pela roupa de marca que eu
vestia e eu nem a conhecia direito.
— Eu sou Grace, no entanto, pode me chamar de primeira-dama.
Levantei uma sobrancelha, esnobe com o termo.
— Seu marido é um político?
Jose e as outras mulheres, que estavam apenas escutando a conversa, riram.
— Não! Sou esposa do reverendo de Greenville. Sinto-me na obrigação de lhe desejar, em
nome da nossa comunidade, as boas-vindas e me colocar à sua disposição para qualquer coisa
que precisar.
Acenei com a cabeça e forcei um sorriso amarelo.
— Não veio aqui para me evangelizar, certo? — Meio que gritei em desespero. Odiava
quando as pessoas queriam que eu aceitasse “Jesus”.
— Não acredita em Deus? — Grace colocou a mão em cima do coração e segurei a
vontade de revirar os olhos.
— Não sou cristã, se é isso que quer saber. Não acredito no que não vejo e não posso sentir
com as minhas mãos. — Constatei o óbvio e um coro de "oh!" extremamente decepcionado veio
do restante do grupo.
— É uma ateia. — Grace passou a me olhar com certo receio, como se eu tivesse uma
doença contagiosa.
— Espero que não seja um problema para você. — Respondi firme, já na defensiva.
— Não mesmo, querida. Viemos aqui em nome da amizade que tínhamos com seu pai.
Espero que nos veja como amigas também. — A mãe de Dave tentou quebrar o clima pesado que
ficou na sala. — Venha! Fizemos o café da manhã para você. Espero que goste. Não sabíamos do
que gostava, então, fizemos de tudo um pouco.
Não pude deixar de notar que, apesar de tentar conter o choque, as mulheres foram se
afastando para trás enquanto passávamos entre elas.
— Uau! — Olhei a mesa repleta de guloseimas e meu lado fanático em doces quis pular.
Tinha de tudo, desde omeletes a geleias de vários sabores, pães doces e um bolo que estava com
uma cara ótima e me fez encher a boca de água. — Eu até quero dizer que não precisavam se
incomodar, mas tudo parece tão delicioso que me sentiria uma hipócrita rejeitando esse banquete.
— Tudo que está nessa mesa veio daqui da fazenda. — Josefa começou a tagarelar,
orgulhosa sobre os produtos que fazia com as mulheres para vender na feira de Greenville.
— Eu achei que a fazenda ia bem. Pelo jeito, vocês têm trabalhado mais duro do que
imaginei para mantê-la ativa. — Pontuei, curiosa sobre o valor que eu teria que desembolsar para
pagar as famílias que Dave disse morar por aqui.
— E vai! Só que somos mulheres muito ativas na comunidade. Ajudamos como podemos
aos nossos maridos. O dinheiro que conseguimos com as vendas dos produtos são doados para a
igreja.
Me sentei. Percebi que Jose queria falar algo mais, mas se calou. Com muita simpatia, me
serviu café com creme.
— Desculpa a minha ignorância. Vocês bancam o tal pastor e sua primeira-dama? —
abaixei o tom de voz, pois percebi que as outras mulheres, inclusive a esposa do reverendo,
tentavam escutar a nossa conversa.
— Não! Não é isso. — Jose riu, achando engraçada a minha pergunta. — O dinheiro é
dado para a igreja, e assim, o responsável pela coleta distribui para as causas necessitadas. Uma
delas é o orfanato e a casa de repouso que seu pai teve a ideia de abrir para os veteranos de
guerra que moram por aqui.
Fechei os olhos, irritada. Todos, absolutamente todos, falavam bem dele. Eu queria achar
uma alma vivente que pensasse como eu. Que afirmasse o verdadeiro homem de caráter
duvidoso que me lembrava.
— Entendi. — Na verdade, eu não entendia nada. Eu estava mais perdida do que quando
cheguei. Porém, falar sobre ele era muito mais doloroso do que imaginei.
— Emma, desculpe se eu estiver invadindo muito o seu espaço, só que preciso dizer... —
Engoli em seco, sabendo quais palavras viriam a seguir. — Se você precisa vender a fazenda
porque não tem outra opção, então o faça. Procuraremos emprego em outras fazendas. Não
somos ninguém para te obrigar a ficar com algo que talvez não tenha interesse algum em manter.
No entanto, se for apenas por mágoa, pense melhor. Um dia poderá se arrepender de se desfazer
da única coisa que ligue você ao homem que pensa odiar.
Minha respiração acelerou de uma forma que comecei a suar frio. Não queria ser grossa
com ela, só que estava na hora de pontuar algumas coisas, antes que me transformasse em vilã.
— Tem razão. Você está invadindo e muito o meu espaço. Obrigada pelo café, Jose e pela
faxina — me levantei da mesa, sentindo-me pressionada. Os olhos ardendo com vontade de
chorar. Anos correndo de tocar nessas feridas e, de repente, eu me via frente a frente com a parte
mais sensível da minha vida.
Para evitar que outras das mulheres viessem falar comigo, saí da casa e caminhei até a
porteira, onde resolvi esperar por Dave o mais longe possível do casarão. Para a minha sorte, não
demorou muito para que ele aparecesse em sua caminhonete caindo aos pedaços.
— Parece que alguém está animada para conhecer o melhor que Greenville tem a oferecer.
Acordou cedo! — Brincou, e seu jeito espontâneo com um sotaque caipira me fez sorrir.
— Acho que as opções são limitadas, cowboy. Estou entre ter uma crise de ansiedade com
todas aquelas mulheres querendo me dissecar lá dentro, ou sair para ver mato e talvez adquirir
alguns carrapatos dos cavalos selvagens.
— Todos os animais da fazenda são bem cuidados. — Rebateu, saindo do carro e abrindo a
porta para eu entrar.
— Bom saber. — Passei por ele, adicionando na minha lista sobre ele o quanto, além de
prendado, era cheiroso.
— Gosta de cavalgar, Emma? — Pisquei sem saber se ele estava flertando, ou apenas
fazendo uma pergunta simples. — Posso te ensinar se não souber.
— Ainda estamos falando de cavalos, certo? — Rebati, entrando no carro e Dave soltou
uma gargalhada.
— Sim! Seu pai era um grande criador de equinos. Tinha vários cavalos de raça por aqui.
Uma pena que precisou vendê-los para cuidar da sua saúde, mas temos os que usamos para a
montaria. São todos dóceis. — Lamentou-se pela perda dos animais.
— É realmente uma pena! Ou agora eu conseguiria um bom dinheiro por eles — respondi
com sarcasmo. Não olhei seu rosto, pois sabia que tinha o surpreendido com a minha resposta
considerada insensível por muitos.
— Coloca o cinto, mulher rixosa — Pisquei com o apelido e me virei pronta para rebater.
Entretanto, travei quando percebi o sorriso provocativo que ele direcionava em minha direção.
Sem dizer mais nada, deu partida e nos colocou em movimento.
Dave Thompson

— Onde vai me levar primeiro, cowboy?


Tentei não olhar na sua direção, mantendo meus olhos presos na estrada para não cair em
tentação e registrar mais do que era necessário.
— Na fazenda dos Miles. Eles ficaram com uma parte da fazenda onde tem uma criação de
vacas leiteiras e ganharam prêmios. — Soei animado para mudar a direção do rumo dos meus
pensamentos. Assim, ela não entenderia mal as minhas intenções com esse passeio.
— E isso é bom?
Dessa vez a encarei surpreso.
— Claro que é. Assim como seu pai, que tinha compradores de longe vindo atrás de
filhotes dos puros sangues premiados dele. Os Miles recebem pessoas de todo o estado
interessadas em bezerros fortes.
— Interessante! E o que o Jackson ganhava com isso? Digo, deixando tanta gente invadir
suas terras e criar animais? Ele tirava proveito disso, certo?
Analisei seu perfil, totalmente descrente de que ela não enxergava nada de positivo nas
atitudes do próprio pai.
— Todos nós pagamos no fim da temporada uma pequena porcentagem pelas terras.
— Tipo um aluguel? — Resumiu a coisa toda.
— Sim. Tipo isso.
Um pequeno sorriso desdenhoso se abriu em seus lábios.
— Ah, agora entendi tudo. Finalmente estamos deixando as coisas bem mais claras. Ele
não era tão bom samaritano, apenas um homem de negócios.
Suspirei fundo.
— Aí que você se engana. Qualquer outro fazendeiro iria nos contratar e pagar um mísero
salário. Se tivessem a ideia de arrendar as terras para terceiros, cobrariam um grande valor. Seu
pai cobrava uma taxa pequena e as doava para a caridade.
Ela riu.
— Então ele era burro, porque seria o homem mais rico daqui se tivesse a visão de um
empresário. — Parei a caminhonete e ela nem esperou eu sair para abrir a porta para descer. Por
alguns segundos, apenas fiquei ali, sentado no banco, buscando paciência para continuar, pois,
toda as vezes que ela abria a boca, me desanimava um pouco mais. — Você não vem?
— Sim! — Abri a porta do meu lado e a acompanhei. Rosalina veio ao nosso encontro,
sorridente. Era uma senhora de quase sessenta anos muito sagaz, com a saúde de uma menina de
vinte.
— Dave! Que bom que veio. Estava mesmo precisando falar com você.
Sorri, aceitando seu abraço carinhoso, e antes que falasse algo que pudesse deixá-la em
maus-lençóis, pois ela não era conhecida por ser uma mulher que media as palavras, tratei de
apresentar a minha acompanhante.
— Rosa, quero te apresentar Emma Carter, filha do nosso falecido amigo, Jackson. Nossa
mais nova arrendante.
Os olhos meigos se desviaram de mim para Emma, com certo receio.
— Oh, que surpresa! É um prazer receber você aqui, Emma. Vamos entrar e tomar um chá
gelado para conversarmos. Creio que veio pessoalmente para conversar sobre as terras que seu
pai nos arrendou, não é?
Emma nem teve tempo de negar, foi puxada para os braços de dona Rosa, como se fosse
uma criança que a avó acolhe feliz por receber a visita.
— Oh, não precisa se incomodar. Eu acabei de...
Balancei a cabeça e ela se calou, antes de terminar a frase. Chegar na casa dessas mulheres
e não experimentar qualquer coisa que fosse oferecido seria considerado um desrespeito.
— Não será incômodo nenhum. Eu fiz alguns biscoitos amanteigados, que estão de
derreter na boca.
Sorri quando a senhora Miles a grudou pelo braço e foi o restante do caminho até a sua
residência, contando sobre o que sua família fazia com as terras que alugara e de como conheceu
seu pai. Estava me sentindo um pouco vingado por ela ter que escutar mais uma vez sobre o
homem que tanto rejeitava e não poder retrucar com grosseria uma pobre velhinha.
— Quer dizer que vocês, além de abastecer a vila com leite e seus derivados, ainda vendem
para as cidades vizinhas? — Emma indagou, curiosa.
— Sim. Somos autossuficientes, o senhor Carter queria expandir ainda mais. Ele abrigou
muitos imigrantes espanhóis por aqui e queria oferecer uma vida decente a todos.
— A senhora quer dizer que não só a fazenda pertencia ao meu genitor, mas tudo que tem
fora dela foi criado por ele?
Rosalina me olhou espantada quando ouviu a palavra "genitor", mas, sábia como era, não
comentou nada sobre o assunto e nem a repreendeu severamente, como faria com qualquer outra
pessoa que tivesse mais intimidade.
— Isso mesmo. Tudo foi construído pelo Jackson, seu pai.
Prendi o lábio inferior entre os dentes quando Emma fez uma careta quase que dolorosa ao
ouvi-la.
— Nossa, eu queria dizer que estou admirada, mas não consigo ter outra percepção a não
ser que ele tinha uma obsessão por poder, a ponto de basicamente criar uma cidade para
comandar.
A senhora Rosalina riu.
— Você é esse tipo de pessoa, não é?
— O quê? — Emma logo se armou. Eu já tinha percebido que sua defesa era sempre atacar
com certa crueldade quando se sentia acuada.
— Que não vê nada de bom em ninguém e nem acredita que alguém possa ser generosa
sem pedir algo em troca.
Emma a encarou de volta. Eu podia ver através dos seus olhos a luta interna entre ser mal-
educada ou deixar passar.
— Sim. Sou dessas pessoas. Não vejo toda essa generosidade que tanto pontuam nesse
homem.
— O que ele te fez para criar toda essa mágoa, filha?
Pensei que não responderia por parecer ser uma pessoa retraída.
— Ele criou uma vila, ainda que pequena, para abrigar pessoas que não conhecia. Se
preocupou em deixá-los bem, enquanto eu e minha mãe vivíamos com o mínimo no outro lado
do país. Desculpe se a decepcionei por não beijar as terras que andou. É que é difícil chegar à
conclusão que um ser tão desprezível tivesse algum coração.
Me encostei na parede, a observando com mais cuidado. Sua dor chegava ser palpável, o
que eu não entendia era porque não retornou as constantes tentativas do seu pai em se desculpar
se isso era tão importante.
— Compreendo! Imagino o quanto doeu em você essa rejeição, filha. Ele errou em não ter
tentado te trazer para mais perto.
Quase me meti na conversa e contei das inúmeras cartas e ligações que ele fizera em vida e
ela também rejeitou. Da vez que ele me contou que foi à sua formatura e não pôde participar
porque a mãe dela disse que ela não queria vê-lo. Ele errou, só que tentou consertar as coisas.
Infelizmente, ela não quis perdoá-lo.
— Que bom que me compreende, senhora Miles. Porque a maioria das pessoas me julgam
como se eu fosse uma criminosa quando digo o que penso. — Emma disse, ríspida, e percebi que
olhava diretamente para mim. Novamente me calei. Pois com toda certeza eu estava a julgando,
ainda que em pensamento.
— Todos temos nossas feridas e traumas, querida. Não temos direito de julgar ninguém por
suas cicatrizes. Venha, quero te mostrar como fazemos alguns dos nossos principais produtos.
Tem um doce de abóbora caseiro que eu mesma faço e é muito procurado por aqui.
Acompanhei a interação entre as duas, mantendo-me um pouco a distância, pois queria que
Emma sentisse o calor da recepção, que visse como funcionava os negócios de seu pai para tirar
as suas próprias conclusões.
— A senhora tem funcionários? — Emma quis saber quando viu a quantidade de produtos
que os Miles ofertavam em estoque.
— Todos que trabalham aqui são da nossa família. Meus filhos e meus netos trabalham dia
e noite para manter os pedidos em dia. Experimente!
Emma aceitou um pedaço de queijo com o doce e quando deu a primeira mordida, soltou
um gemido baixinho que me fez trincar os dentes por apreciar sua reação mais do que deveria.
— Isso está maravilhoso.
Rosalina sorriu com o elogio.
— É porque você ainda não provou umas das minhas compotas.
Emma riu e brincou que sairia pesando alguns quilos a mais de tão gostoso que era tudo
que experimentava. Quando um dos netos de Rosalina foi mostrar suas vacas premiadas, a
senhora se aproximou de mim com os olhos brilhantes.
— Sinto muito em te dizer, Dave. Essa moça vai conseguir o que as outras não
conseguiram.
Levantei a sobrancelha com a sua sugestão de que haveria algo além do profissional com
Emma.
— E eu sinto em dizer que está errada. — Respondi, ríspido.
— Te vi crescer, menino. Conheço essa cara de touro amarrado pelas bolas de longe.
Cerrei minhas pálpebras, tirando-lhe uma gargalhada.
— Eu fiz um propósito e tenho cumprido por mais por anos. Não será uma forasteira que
mudará minha cabeça do dia para a noite.
— Às vezes, Deus escreve certo por linhas tortas, Dave. Não é toda moça que agirá como a
Maggie.
Fechei minhas mãos em punhos ao ouvir aquele nome.
— Eu sei que nem todas serão. Se olhar com um pouco mais de cuidado, verá exatamente a
versão da minha ex ali. Inclusive, nas falas de que esse lugar é sem futuro e que não vale a pena
perder a vida toda morando aqui.
— Posso ser velha, Dave, não cega. Ela tem feridas para ser curadas e você também, e pelo
que vejo, ambos são cabeças duras para deixar o passado no passado. Vou orar por vocês dois.
Voltei minha atenção para a cena a diante, onde Emma, com roupas caras e salto alto,
passava a mão temerosa na cabeça de uma das vacas, soltando gritinhos exagerados enquanto o
pobre animal tentava virar o rosto em direção à sua mão, e neguei veemente a sugestão da
senhora Miles. Ela não sabia o que falava. Aquela mulher nunca se acostumaria a viver no
campo.
Emma Carter
Eu estava ficando encantada demais com tudo que a família Miles me mostrava. Todos
eles eram muito caprichosos com o que faziam. Se via de longe que levavam a sério os
concursos, pois havia um quadro grande de vidro onde ostentava todos os prêmios que ganharam
ao longo dos anos. Isso não era bom para mim. Eles tinham prestígio. Eram respeitados pela
comunidade. Eu não queria me apegar emocionalmente com ninguém daqui. Não queria me
importar com o fato de como viviam. Seria mais fácil me desfazer de tudo sem remorso quando
não tinha intimidade o suficiente com as pessoas que moravam nas terras e saber suas histórias
de vida. O problema era que eles estavam dispostos a me mostrar que eu estava errada, não só
em achar que aqui era só meu, como também em pensar que ia ser rápido a minha estadia.
— Vai nascer, papai! — Uma menininha dos cabelos encaracolados veio correndo até nós,
eufórica.
— Quem vai nascer? — Sua avó perguntou.
— O primeiro filho da Roberta.
Sua avó riu, junto de Dave.
— Roberta é a nossa vaca. — A senhora me explicou, sorridente. — A compramos ano
passado no leilão, e essa é a sua primeira cria. Estamos contando com ela para bater o novo
recorde de produção de queijo esse ano.
Meneei a cabeça, entendendo o porquê da comemoração. Eles eram supercompetitivos.
Assim como eu.
— Já viu o nascimento de um bezerro, Emma? — John, um dos filhos da senhora Miles,
me perguntou.
— Oh, não, não. E pretendo continuar não sabendo como é. Eu e sangue não combinamos.
Eles riram da minha cara de espanto.
— Vocês da cidade são estranhos. — A garotinha disse, franzindo o narizinho para o meu
lado, como se eu tivesse chutado seu animal de estimação.
— É a coisa mais linda que verá em toda sua vida, moça. Vamos? — Dei um sorriso
apertado para John, quase torcendo meu pescoço para procurar por Dave. — Você me ajuda no
parto, Dave?
— Não perderia isso por nada. — O descarado fingiu não ver meu desespero. Eu queria
fugir. O pior era que precisava dele para me levar de volta para casa.
— Vamos, moça da cidade. Vai ser legal! — A menina segurou minha mão e Dave raspou
a garganta para esconder o riso quando arregalei os olhos. O salafrário iria me deixar ser
torturada sem fazer nada.
— Eu acho melhor esperar aqui. — Tentei arrumar uma desculpa, e claro que não colou.
— Emma não é como nós, Deise. Tudo que a madame sabe sobre vacas é que elas
produzem o leite que ela bebe e que dele dá para fazer alguns produtos que sua avó acabou de
lhe mostrar. — Me sentindo ofendida por Dave dizer que sou ignorante sobre a vida na fazenda,
aceitei ir ver a maldita vaca parir, ainda que o suor já estivesse escorrendo pela minha espinha.
— Vamos lá, Deise. Mostre-me o caminho. — Passei por ele, pisando mais forte do que
deveria. Provavelmente eu passaria mal quando visse a coisa toda acontecer, no entanto, não vou
deixá-lo ficar zombando de mim e nem me envergonhar diante de todos.
— Me espere aqui. Assim, não vai nos atrapalhar se desmaiar. — Dave avisou e eu cerrei
meus olhos em sua direção pelo desaforo.
Convencendo-me de que fecharia os olhos e só abriria quando me dissessem que tinha
acabado, me sentei no cantinho do estábulo onde a bendita vaca estava deitada, sofrendo. Dave
foi até os homens ajudá-los no parto e, por alguns minutos, pensei que ia ser fácil assistir. De
onde eu estava, não dava para ver muita coisa. Ou eu achei que não dava. A vaca soltava alguns
mugidos que imaginei ser de dor e tudo ia perfeitamente bem, até que, aos poucos, duas patas e
uma cabeça enorme começou a sair. Dessa vez, uma enxurrada de suor começou fluir em meu
rosto e eu engoli em seco.
— Preciso de lubrificante. — Dave gritou e eu fiz respiração cachorrinho, sentindo em
meu âmago a dor dela quando John jogou algo transparente nas suas mãos e ele introduziu os
braços quase que inteiro dentro do animal para puxar o bichinho e tudo, digo absolutamente tudo
que eu tinha comigo veio até a garganta e voltou.
— Eu acho que isso é demais. — Sussurrei e Rosalina colocou a mão em meu ombro,
sorrindo.
— Ele não vai machucá-la. É normal esse procedimento.
Poderia até ser para eles. Para mim, estava sendo o motivo da minha pressão oscilar, pois
eu não sentia nada abaixo dos meus pés, somente o vazio. Meu corpo estava tão leve que jurei
que a minha alma tinha saído do corpo.
— Está quase. — Dave gritou pedindo alguma coisa a mais, que eu não entendi, ao John.
Minha visão estava ficando turva e quando o restante do corpo do bezerro começou a sair foi
demais. Minhas pernas foram amolecendo e eu quase fui ao chão. Me salvei pela parede, onde
me segurei com força.
— É muito fofo, não é, moça? — Deise batia palmas, alheia que eu estava trêmula ao seu
lado. Meus olhos lacrimejaram e eu dei um ganido de ânsia. — Está chorando?
— Uhum! — Sim! Eu estava mesmo. Mas não era de emoção, e sim porque eu queria
vomitar tudo que eu tinha comido e estava segurando, não querendo dar o braço a torcer e fazê-
los ver que Dave estava certo sobre mim.
— Pronto! — Me soltei da parede e bati as duas mãos na boca quando Dave tirou os braços
e eu vi que estavam cheios de gosma e sangue. — Minha cabeça rodou e, dessa vez, não deu para
fingir ser forte, eu caí feito um saco de batatas no chão.

— Coitada! Foi muita emoção para ela. — Ouvi a voz da senhora Miles ao meu lado e, aos
poucos, minha consciência foi voltando.
— Tudo bem, Emma? — A primeira coisa que notei quando abri meus olhos foi um Dave
preocupado, em cima de mim.
— Acho que sim. — Baixei vagarosamente meus olhos e notei que ele estava me
segurando com as mãos. As mesmas malditas mãos que ele tinha enfiado até alcançar o
estômago da pobre vaca.
— Me diz que lavou essas mãos. — Quase gritei.
— Claro que sim, mulher. Acha que sou louco? — eu teria rido da maneira que falou se eu
não tivesse me sentindo ainda muito fraca.
— É uma pergunta? — Me levantei do chão.
— Aqui, filha! — Rosalina me ofereceu um copo de água e bebi em um só gole.
— Nunca mais quero ver outro parto na vida. Eu não sei quem mais sofreu, eu, ou a pobre
vaquinha.
Todos gargalharam.
— Eu estou apostando que você, dado que mãe e filho estão pastando como se nada tivesse
acontecido.
Olhei adiante e, por incrível que pareça, o bezerro estava andando atrás de sua mãe.
— Aquele não é o mesmo filhote que acabou de nascer, certo? Aquele ali está andando.
Mais gargalhadas vieram. Dessa vez de outras pessoas que haviam chegado enquanto eu
estava estirada ao chão. Eu estava me sentindo uma idiota perto deles.
— É sim. — Dave afirmou, feliz. Vi que ele estava feliz e muito satisfeito consigo mesmo
pelo trabalho que fez.
— Bom, será que podemos ir agora? Por hoje já chega de visitas. Foram muitas emoções
para um dia só. — Me despedi de todos os trabalhadores, muito envergonhada pelo episódio
nada atípico, tanto para mim quanto para eles.
— Foi um prazer tê-la hoje conosco, Emma. Volte mais vezes. — Rosalina me abraçou,
entregando uma cesta de guloseimas.
— Eu que agradeço pela recepção.
Voltar era outra história.
— Ele parece gostar de você. Não o machuque, está bem? — Ela disse para que apenas eu
a escutasse. Nós duas olhamos ao mesmo tempo para onde Dave conversava com John.
— Não tenho a intenção de ficar tempo o suficiente para que ele goste de mim, a ponto de
isso acontecer.
Ela levantou uma sobrancelha.
— Está certo! Mas algo me diz que é você quem precisará se lembrar dessas palavras.
Dave é um homem e tanto, e qualquer mulher daqui ficaria feliz em ter um jovem como ele como
seu marido.
— Ele não é meu tipo. — Afirmei rápido. — Quer dizer… não para formar uma família.
Somos muito diferentes um do outro.
Dessa vez seu sorriso brilhante me deixou confusa.
— Os diferentes sempre acabam se completando. Só se lembre do que te falei. Se não for
para o levar a sério, não o dê esperanças.
Entrei na picape pensando sobre o seu pedido. Todos pareciam ser superprotetores com
ele. Por quê? Ele não parecia ser um homem que precisava de proteção. Eu não vim para
Greenville atrás de um pretendente, e sim de um comprador. Tudo bem que menti quando disse
que ele não era meu tipo. Com aquele corpo e aquele sorriso de quem sabia usar todos os seus
dotes para levar uma mulher para a cama, ele era o tipo de qualquer pessoa. Só que eu não estava
interessada em ficar, então, não tinha por que ficarem me dando avisos.
— Pronta? — Ele inquiriu, sem saber o que se passava pela minha cabeça.
— Sempre estou, Cowboy.
Fui presenteada com um belo sorriso que fez surgir uma covinha em sua bochecha direita.
Okay! Ficaria na minha, mas se ele quisesse me mostrar algo mais que as terras alugadas, não
iria me fazer de rogada. Afinal, éramos adultos e poderíamos nos divertir um pouco, não é?
Foi a minha vez de sorrir quando nossos olhos se encontraram pelo retrovisor.
Dave Thompson
O sol já estava quase se pondo quando entrei pelas porteiras da fazenda. Esse era meu
horário preferido. Antes do senhor Jackson falecer, passávamos uma boa parte do final da tarde
sentados na varanda para conversar. Na maioria das vezes, era somente para trocar algumas
ideias, com o intuito de melhorar Greenville. E quase sempre terminava com uma discussão
acalorada que nos fazia rir no final. Ele era muito teimoso, assim como a filha, pelo que tenho
visto. Eu sentia muita falta dele. Dos seus conselhos. Quase tudo que sabia sobre plantio, aprendi
com ele.
Emma estava pensativa e peguei seu silêncio como um bom sinal, pois antes ela estava
segura de si e de suas decisões. Apesar da minha implicância com ela pela vaca, eu achei que se
saiu muito bem na visita, e não nego que a levei na fazenda dos Miles primeiro por saber que
teria uma boa primeira impressão. Os que não estavam felizes com sua visita ficariam por último.
Desliguei o carro e encarei a cadeira de balanço vazia, lamentando que o antigo dono não
estivesse mais presente para resolver essa situação em vida. Todos esses transtornos teriam sido
evitados com uma conversa franca e um pedido de desculpas sincero.
— Gostei da família Miles. — Emma comentou, me tirando dos meus devaneios.
— Eles também gostaram muito de você. — Cocei minha barba por fazer, ansioso pelo que
viria a seguir.
— E por que parece surpreso com esse fato? Me disse que as pessoas daqui são todas
hospitaleiras.
— Sim. No entanto, Rosalina não é uma senhora conhecida por ser condescendente com
quem é hostil.
— Eu não fui hostil. Apenas disse o que pensava sobre o Jackson — negou veemente.
— Ela era uma amiga muito querida dele, quando falou daquela forma agressiva sobre o
que ele fez para as pessoas, jurei que ia, no mínimo, te ameaçar com a vassoura. Ela tem uma
péssima fama de correr atrás das pessoas com uma.
Emma gargalhou, achando que falei brincando. Eu não estava. Realmente me surpreendeu
que Rosalina, a senhora mais sincera de Greenville e que falava o que vinha à cabeça doa a quem
doer, foi compreensiva com Emma.
— Obrigada por me levar, eu adorei tudo que vi.
— Até a parte em que desmaiou? — Dessa vez fui eu que ri com a cara que ela fez.
— Estou traumatizada. Decidi naquele exato momento que nunca serei mãe.
E essa era a grande diferença entre nós dois. A cada nascimento de qualquer animal que eu
presenciava, brotava em mim ainda mais a vontade de me casar e ter uma família grande.
— Eu sei o que está tentando fazer, Dave — Emma chamou a minha atenção de volta. —
Eu vi que eles são boas pessoas, assim como imagino que os outros sejam. Só que sinto lhe dizer
que, ainda assim, eu não pretendo voltar atrás sobre a minha decisão.
— Quer dizer que continua com a ideia fixa de vender a fazenda? — Era mais uma
afirmação do que uma pergunta. Estava na cara que ela não cederia fácil.
— Claro que sim. Eu vejo o potencial desse lugar, só que…
Antes que continuasse arrumando uma justificativa, a cortei.
— Não quer manter pelo fato de que é do seu pai. — Completei seu raciocínio egoísta.
— Não entende como é eu estar aqui, ver tudo que ele criou. Não é só pelo dinheiro, é
manter viva o legado de alguém que nunca mereceu nada que conquistou. Entende?
— Não, Emma! Eu não entendo. Não consigo imaginar como uma pessoa, que me parece
tão culta e inteligente, quer desfazer de algo tão maravilhoso como essa vila somente por
caprichos.
— Você só vê meu lado ruim, não é, cowboy? — Retrucou, com raiva.
— Até o momento você não me mostrou que existe outro lado seu. — Se a intenção era me
chatear, conseguiu. Eu não iria deixá-la desfazer de todos sem uma luta justa. — Que seu pai
errou contigo, eu posso até concordar. E ele sabia que errou, mas punir todas essas pessoas por
conta disso? Nunca vou ver com bons olhos tal atitude. No fim, você está agindo como julga ser
errado, desprezando as pessoas por mágoas.
Ela fez menção de sair do carro e eu travei a porta.
— Não terminamos ainda! — A repreendi. Odeio quando me deixavam falando sozinho no
meio de uma discussão.
— Se bufar para mim feito um touro bravo, vou te pegar pelos chifres e te derrubar no
chão. — Me deixou perplexo com sua ameaça. Eu ia responder que nem chifre eu tinha para
tanto desaforo quando me lembrei do enfeite que minha ex-noiva colocou. — Apesar de não
querer desistir da venda, posso prometer que procurarei alguém que tenha interesse em manter o
lugar.
— Você encontrará muitos compradores, Emma. Mas nenhum estará interessado em
comprar se não puder acabar com tudo para explorar esse lugar. E não, não tem outro jeito, para
que isso aconteça, todos têm que desocupar as terras.
— Posso colocar como uma exigência no acordo. Não posso? Deve ter alguma lei que
proíba qualquer comprador de destruir esse lugar. Não vai prejudicar o meio ambiente ou algo
assim?
Fechei os olhos, contando até três. Ela não sabia como eram os poderosos da região. Não
fazia ideia do que esses homens foram capazes de fazer para tentar tirar seu pai daqui. Ele perdeu
quase tudo que havia economizado, pagando advogados para abrir incansáveis processos contra
as tentativas de o deixar sem nada.
— Se você acha que pode levar essa decisão adiante, faça. Só que me avise com
antecedência quando for assinar os papéis. Assim, todos não serão pegos de surpresa e poderão
se desfazer de tudo que possuem para irem embora.
Ela abriu e fechou a boca várias vezes, diante da maneira fria que encerrei o assunto. Eu
estava ficando cansado de ficar pontuando o que haveria de errado. Desci do carro e abri a sua
porta para que saísse.
— Obrigada, cowboy!
Meneei a cabeça em cumprimento e quando estava com a mão na fechadura da porta do
meu lado para entrar e partir, sua pequena mão tocou o meu braço.
— Eu sei que está chateado comigo, Dave. Sei que ninguém além de mim entenderá o
motivo de eu não querer ficar. No entanto, eu queria muito a sua ajuda.
— Ajuda? — Indaguei, sentindo um frio na barriga, ciente que seu toque, por mais
inocente que fosse, tinha incendiado meu corpo inteiro.
— Sim. Gostaria que fosse comigo na corretora, e juntos analisarmos cada comprador que
aparecer, para que eu possa passar esse lugar a uma boa pessoa. Uma que não tenha tanta
bagagem como eu e que ajudará expandir Greenville como vocês desejam.
Enfiei minhas mãos nos bolsos da calça, pensando, e cheguei à conclusão de que podia ser
uma boa solução para os nossos problemas. Estando junto com ela, eu a ajudaria analisar com
cautela as propostas para que não fôssemos passados para trás. Seria um tiro no escuro? Talvez.
Porém, melhor do que como estávamos. Eu tomaria providências para que o homem certo
comprasse aqui.
— Tudo bem! Desde que me prometa que não vai tomar a sua decisão no calor do
momento.
— Feito, cowboy! — Seu sorriso se abriu.
— Feito, moça da cidade. — Apertei a sua mão em um acordo.
— Eu o convidaria para entrar se tiver disposição para continuar a conversa…
Mais do que rápido eu estava dentro da picape e dando partida.
— Fica para outro dia. Vou para casa descansar, eu quero pensar em como acalmarei os
arrendatários para evitar que venham bater à sua porta zangados. — Fugir da tentação tinha se
tornado meu objetivo de vida.
— Tenho a impressão de que está tentando evitar ficar sozinho comigo. Tem medo de quê?
Minha nossa. Eu tinha deixado tão óbvio assim?
— Medo nenhum! Apenas estou evitando que espalhem fofocas por aí sobre você e eu.
— Tem uma namorada? Se esse for o caso, eu quero conhecê-la para que não tire
conclusões precipitadas.
Eu não queria mentir e não queria conversar sobre o meu passado.
— Não tenho. Eu que sou um homem à moda antiga. Gosto de tudo certo, e ficar sozinho
com uma moça solteira levanta questionamentos sobre a nossa relação que não estou a fim de
responder.
Um pedaço do cabelo escuro caiu sobre sua bochecha quando inclinou a cabeça e me
segurei para não o tirar.
— À moda antiga quer dizer que é um homem que não gosta de se divertir com as
mulheres da cidade? Vai me dizer que é virgem também, cowboy? — O riso travesso me deixou
nervoso. Estava ficando muito pessoal essa conversa.
— Não! Apenas estou esperando a pessoa certa para formar uma família, e tudo será como
manda o figurino. — Respondi sucinto, e ela mordeu a ponta do lábio inferior, escorando na
janela.
— Então o que é? Homens como você não aguentam ficar sem alguma mulher bonita para
esquentar a cama.
— Claramente se vê que nunca conheceu homens de verdade, Emma. Nem todos têm
intenção de colecionar amantes.
— E você gosta de colecionar o quê, Dave? Cavalos? Vacas? — Não perdi o tom de
deboche em sua fala.
— Eu gostaria. Prefiro lidar com os animais do que com as pessoas. Dão menos trabalho e
são obedientes.
— Obedientes? Eu acho que alguém te magoou e você resolveu ficar solteiro por um
tempo, ou não leva muito jeito com o sexo oposto. Logo essa raiva passará, se eu estiver por
aqui, ficarei feliz em te ajudar a se reabilitar na sociedade.
Quase saltei do banco com suas palavras. As mulheres daqui eram diretas, mas nunca nesse
nível. Chegavam a ser obscenas e cruas suas intenções.
— Está sugerindo o que exatamente, Emma? — não gostando da inversão de papéis, quis
saber o que estava pensando sobre mim.
— Você sabe! Não se finja de inocente. — Comentou, revirando os olhos para mim.
— Não sei e nem quero saber. A única coisa que haverá entre nós dois é somente amizade.
— Tudo bem! Não está mais aqui quem falou, amigo. — Sorrateiramente, beijou meu
rosto e, nesse gesto, percebi que estávamos entrando em um terreno proibido. — Você é último
da espécie. A mulher que conseguir sua atenção será muito sortuda, Dave.
— Engano seu. Tem muitos de nós por aí. O problema é que a maioria de vocês procura
nos lugares errados.
Não esperei por outra resposta espertinha, acelerei o carro antes que ela entrasse ainda
mais afundo sobre a minha intimidade. Pelo retrovisor, vi que acenou, rindo enquanto subia as
escadas do casarão. Eu chegava a suar frio. Emma era uma mulher com muita atitude e tinha
conseguido atingir um lugar que pensei estar adormecido. Uma vacilada perto dela, e tudo que
fiz para me manter longe de problemas iria por água abaixo.
Emma Carter
Fiquei parada por um tempo no primeiro degrau da escada, com um sorriso bobo no rosto,
e ainda que a sua picape tenha sumido da minha visão, me senti eufórica por saber que mexia
com ele e não era pouco, por mais que ele tentasse fingir que não. A única coisa que me deixava
confusa era o motivo de ele se esquivar tanto. Em alguns momentos, deixava transparecer medo
de mim. Ou ele amava alguém e estava a esperando, ou talvez fosse porque eu queria vender isso
aqui, e, turrão como era, tenha se ressentido de mim, por ter sido um dos amigos de Jackson. Eu
apostava na segunda opção, afinal, já tinha deixado sua opinião bem clara. O que não deixava de
ser divertido vê-lo correr.
Deixei a cesta que Rosalina me deu em cima da mesinha de centro e peguei meu celular,
no intuito de ligar para a única pessoa que me ajudaria entender esse meu fascínio. Logo no
primeiro toque, ela atendeu.
— Lembrou de mim, sua ingrata? Fica rica e nem tem a decência de compartilhar a
novidade. — Shady gritou pelo microfone do celular.
— Eu fui pega de surpresa com essa notícia. Estava muito ocupada esses dias, tentando
organizar as documentações para venda. — Justifiquei meu sumiço, ciente de que ela não ia
engolir tão fácil assim as minhas desculpas esfarrapadas.
— E não tem nada a ver com algum cowboy bonitão que conheceu por aí? — Sabia! Ela
sentia o cheiro de encrenca de longe.
— Podemos dizer que sim, mas não da maneira que está pensando.
— Mentira! — Dessa vez ouvi Jeremy ao fundo, perguntando o que era e mandei um beijo
para ele. — Deixe-me arrancar as informações dela, depois te conto tudo.
Eu ri das palhaçadas deles querendo saber o que estava acontecendo na fazenda.
— Vocês são dois fofoqueiros. — Impliquei com ambos.
— Fofoqueiros, não, pessoas bem informadas. — Jeremy devolveu, entregando que estava
escutando a conversa.
— Vai logo, querido. Eu quero saber como o cowboy é. — Escutei Jeremy dizendo que
estava magoado por o deixarmos de fora da conversa e um bater de porta logo em seguida. —
Homens! — Shady brincou. — Pode começar a falar, mocinha. Me conta detalhes íntimos.
— Não tem detalhes íntimos. Estou aqui há poucos dias. Nem nos conhecemos direito. —
Me defendi.
— Você não teria me ligado se não quisesse contar um babado, e dos fortes. Desembucha
logo.
Revirei os olhos com seu ultimato.
— Ele é um cowboy xucro, musculoso e sério. Tão sério, que vive pegando no meu pé.
Dessa vez ela gargalhou.
— É típico deles serem assim. Mas quero saber como é em aparência, espertinha.
— O nome dele é Dave. É alto, muito alto. Chutaria 1,90 de altura. Loiro, com músculos
nos lugares certos. Com ele, não tem frescura sabe? É do tipo que abre a porta do carro, limpa
meu quarto porque me viu ter uma crise alérgica, traz comida... — Comecei a divagar pelo
telefone. — O sorriso dele me deixa mole, e quando ele fala, a gente quer parar e escutar porque
sabe que não vai ser nada desinteressante. Dave sabe levar uma conversa como ninguém.
— Uau! Muitos elogios para quem o conheceu há apenas três dias.
Pisquei várias vezes saindo do transe, e percebi a merda que tinha feito.
— Ele também é muito irritante, intrometido, tem um ego grande e julga as pessoas sem
conhecê-las. — Tentei corrigir meu erro tecendo defeitos, no entanto, já era tarde demais. Ela
não ia deixar passar.
— Meu Deus! Você está caidinha por ele, Emma. Não! Eu chutaria que está apaixonada.
Saltei com a suposição.
— Bebeu seu remédio hoje, amiga? Eu? Apaixonada por aquele grosseirão?
— Está sim, e por não ser um desses almofadinhas paus mandados que você costuma
controlar até as roupas que vestem, não está sabendo lidar.
Bufei, inconformada. Eu não era tão controladora assim, só gostava de cuidar de quem
estava comigo, e incluía dar dicas de moda.
— Você não pode estar falando sério! Dave não é o homem ideal para se apresentar às
pessoas do meu círculo social. — Não! Eu estava admirada com a maneira que levava a vida.
Apaixonada era uma palavra muito forte.
— Estou falando muito sério, Emma. E eu estou tão feliz que esteja saindo da sua zona de
conforto. Da próxima vez, tire uma foto desse homem maravilhoso e me manda. Quero conferir
se ele tem tudo que uma mulher precisa para viver protegida no meio do mato.
Gargalhei alto. Só essa minha amiga para me fazer rir tanto assim.
— Dave é um homem além da aparência, Shady. Apesar de ser lindo e ter todos os
atributos físicos que chamam a atenção de qualquer mulher, não é a sua beleza que fica em
destaque quando está por perto. Nunca conheci alguém como ele em toda a minha vida.
— Vocês já dormiram juntos? Me conta tudo. Quero saber cada detalhe sórdido. Vou até
abrir minha garrafa de vinho.
Me sentei na cadeira de balanço e comecei a narrar o que andou acontecendo desde que
cheguei.
— Ele disse que é à moda antiga. Quem fala dessa maneira hoje em dia?
— O que isso quer dizer? — Shady indagou, risonha.
— Que é um homem tradicional. Que quer um relacionamento sério para se casar e
procriar.
— E você quer?
O quê? Não. Sim. Aceite, estou em dúvida.
— É muito cedo para escolher vestido de noiva e planejar quais serão as flores do
casamento.
— Uhum! Sei.
Ignorei o deboche.
— Eu acho que alguém o feriu, não é possível que esteja sozinho por tanto tempo por falta
de mulher no seu pé. — Puxei na memória se ele comentou comigo sobre alguém do seu
passado.
— Ele disse que é homem para se casar e você disse que está querendo se divertir? Está
ficando louca, Emma?
Estou seriamente pensando que sim.
— O que quer que eu diga? Acabei de receber um pé na bunda, querida.
— Já imaginou os filhos de vocês correndo por essa fazenda? Sua mãe ia amar dois
netinhos.
— Não conte nada a ela sobre Dave. Eu nem troquei um beijo com o cara e você não só já
me imaginou casada, mas com filhos dele. Mamãe montaria meu enxoval inteiro e marcaria a
data de casamento amanhã. — Olhei o pasto mais adiante, e juro que, por alguns segundos, vi
uma menininha loirinha, correndo de um garotinho de cabelos negros como os meus, soltando
bolhas atrás dela enquanto um Dave sorridente achava engraçado e puxava um cavalo pela rédea.
Não! Não posso ficar caidinha por aquele troglodita de botas e chapéu de couro.
— Emma? Está me ouvindo?
Pisquei algumas vezes para sair da visão que acabei de ter. A voz aguda de Shady
tagarelava no meu ouvido sem parar.
— Não importa o que ele seja. Eu não ficarei aqui por muito tempo para descobrir. Não
ficarei pensando nas possibilidades e no motivo que o levou a me dá um fora.
— Confessa que está intrigada com o cowboy gostosão, Emma!
Rangi os dentes com a sua insistência.
— Não é intrigada. Curiosa é a palavra correta.
— Ah, minha amiga! Você tentando se enganar é tão bonitinho.
— Eu sou sem graça, Shady? Ou pareço ser muito sofisticada? Talvez ele goste das
mulheres mais cheinhas e não me ache atraente. — O que seria um absurdo. Eu malhava muito
para manter esse corpão em dia. Virei a minha bunda para o espelho enorme na sala e torci o
lábio quando notei que tinha perdido um pouco de gordura na barriga, mas também atrás.
— Emma, você é linda. É difícil um homem te notar e não ficar louco para dormir com
você.
— Pelo jeito, esse homem existe e não pretende pular em mim.
Ela me corrigiu, dizendo que o certo era eu pular nele.
— Eu acho que ele está receoso de se envolver e te ver partir depois. Só isso.
Não! Tinha algo mais.
— O rosto dele quando sugeri ajudá-lo a pegar experiência com as mulheres foi de
desespero.
— É, best friend, você está ferrada, só não se deu conta ainda.
Gemi, a minha ficha caindo sobre o quanto estava incomodada com o seu "não" para algo
mais.
— Acha que devo investir? — Shady ficou em silêncio e pensei até que a ligação tinha
caído.
— Sinceramente? Depois de ouvir tudo sobre como ele é e o que pretende fazer? Não.
— Você não está ajudando a me decidir — falei, irritada.
— Emma! Em qualquer outra situação, eu diria para não se importar com nada e ir fundo.
Só que eu conheço você a minha vida toda e insistir nisso só iria te machucar.
Uma tristeza que nem sei de onde saiu me consumiu. Eu queria saber como era estar nos
braços dele. Saber como ele seria sem toda aquela roupa por cima. Vê-lo despido de sua
armadura.
— Talvez esteja certa. — Abri a boca de sono, cansada.
— Eu sempre estou certa. Sou a sensata do grupo, lembra? — A descarada riu. — E nada
de levar esse não que recebeu como um desafio.
Tirei o telefone do ouvido e olhei a tela, embasbacada.
— Não sou uma criança, Shady. Sei muito bem quando um homem não me deseja como
mulher.
— Não sabe, não! Está acostumada a ter tudo que quer, e se não deseja o mesmo que ele,
deixe-o achar alguém queira.
Okay! Dessa vez ela conseguiu me tirar do sério.
— O que deu em todo mundo, hein? De repente, eu virei uma vilã que devora homens
caipiras no café da manhã?
— Mas você é uma devoradora de homens. O único que você levou a sério foi o Robert,
que, por incrível que pareça, apareceu na empresa ontem, querendo falar com você.
— Não fala o nome desse traste. Não tenho mais nada para falar com ele.
— Ele disse que estava arrependido. Até chorou na frente da equipe, acredita?
— Acredito, claro que acredito. A novidade sobre a minha herança deve ter chegado nos
ouvidos dele e veio com essa história falsa sobre arrependimento, achando que sou trouxa em
aceitá-lo de volta.
— Eu teria o jogado da janela se não corresse o risco de ser presa. — Sorri da sua
ameaça.
— Sempre que puder, passe na minha casa para verificar mamãe para mim. Ela tem o
péssimo hábito de me esconder as coisas.
— Nem precisa pedir, Emma. Amo sua mãe e será o maior prazer fazer companhia esses
dias que tiver fora.
Suspirei, aliviada.
— Tudo bem, ligarei outro dia para conversarmos mais. — Desliguei depressa, com receio
de ouvir o que não queria.
Deixa para quem queira uma ova. Vamos ver até onde essa resistência irá. — Sorri,
mordendo a ponta da unha.
Dave Thompson

— Diacho! — Bati no volante, com raiva de mim e de Deus. — O Senhor está me


testando, não é? Se eu passar por mais essa prova, vai me dar o que lhe pedir? Não estou
entendendo o que quer de mim, Pai. Eu tenho feito tudo que me pediu. Aí ela aparece e começa a
se instalar no meu coração. Não é justo!
Saí do carro e bati a porta com força. Vi que o carro da minha irmã Rachel estava na
entrada de casa, mas não entrei. Eu precisava colocar as minhas emoções em ordem. Então,
caminhei até o galpão onde eu deixava uma Bíblia em busca de resposta. O primeiro versículo
que apareceu para mim me fez rir, olhando para o céu.
Deus não é homem para que minta,
nem filho de homem
para que se arrependa.
Acaso ele fala e deixa de agir?
Acaso promete e deixa de cumprir?
Números 23:19
— Falando com Deus? — Minha irmã me abraçou pela cintura.
— Questionando.
— E encontrou a resposta que procura? — Ela apontou para a Bíblia.
— Sim. — Marquei o versículo para lembrar-me de sua promessa. — Está tudo bem?
— Tudo ótimo. Vim trazer as boas novas.
Levantei a cabeça, notando que tinha um brilho em seu rosto que não estava na semana
passada.
— Vai voltar para casa? Sabe que não julgaríamos você se voltasse atrás em sua decisão,
certo?
Ela me deu um tapa no braço.
— Não. Você ainda não perdoou Paul, não é?
Segurei a vontade de falar o que pensava. Seu marido a tinha abandonado por ser infértil.
Fez não só minha irmã sofrer, como a família inteira ao assumir que estava com outra mulher.
— Você parece feliz. Isso que importa. — Respondi, beijando sua testa.
— Eu o perdoei porque, assim como você, eu recebi uma promessa. E ela se cumpriu,
irmão. Só vive o propósito quem aguenta o processo.
— Está falando sobre o quê? — senti meu coração apertado por ela.
— Deus restaurou o meu casamento e hoje eu descobri que estou grávida.
A puxei para meus braços, me segurando para não chorar. Todos sabíamos o quanto ela
queria ser mãe. Tentou tudo que estava ao seu alcance para realizar e nada funcionou.
— Que maravilhoso, Rachel. Nossa! Eu estou que não me aguento de felicidade com essa
notícia.
— Parece que estou sonhando, irmão. Pensei que nunca iria ter essa experiência.
— Tio? Eu vou ser tio. — Nós dois ríamos e chorávamos ao mesmo tempo. — Quando
soube?
— Hoje de manhã. Quando peguei os resultados, duvidei serem meus. Pedi para refazer
somente para ter certeza e estavam certos. Eu espero por esse dia há tanto tempo, que estou nas
nuvens. Eu acreditei. Orei tanto que tenho calos nos joelhos para provar o que falo. Valeu a
pena!
— Estou tão feliz por você, minha irmã. Tão feliz, que parece que vou explodir. — Uma
pontada de inveja bateu em mim e eu a empurrei para o fundo. Não era meu momento. Era dela.
Ela merecia mais do que ninguém.
— Não duvide que, em breve, a sua promessa vai se cumprir também, Dave. Não desista.
A olhei com carinho. Nossa ligação era única. Ela sabia como eu me sentia sem precisar dizer
uma palavra sequer. — Eu esperei por 10 anos para que se cumprisse a minha. Deus é perfeito
em tudo que faz.
— Às vezes, parece que ele não me ouve mais e, às vezes, parece que eu só puxo
problemas para mim.
— Eu não sou tão boa com as palavras quanto a nossa mãe. Nem tão devota quanto
deveria, mas eu acredito nele e acredito que cada um de nós veio a esse mundo com um
propósito, ou para viver um. Nada acontece por acaso.
Meneei a cabeça em entendimento quando terminou.
— Qual propósito será o meu? Eu devo estar fazendo algo errado, Rachel. Sinto que estou
na plantação de outra pessoa, eu juro que não plantei o que estou colhendo.
Ela riu da minha revolta.
— Pois eu acho que está onde precisa. Pode não entender hoje o que significa tudo o que
está passando. Só que, em breve, entenderá. Vai por mim, eu sei do que estou falando.
— Assim espero! — olhamos as estrelas, perdidos em pensamento.
— Quais foram as suas primeiras impressões dela? — Nem precisava perguntar sobre
quem ela falava.
— Parece ser uma boa pessoa. É um pouco orgulhosa e bem decidida. — Bati o dedo na
beirada da janela.
— Mas? — Tentei buscar as palavras certas para dizer o que me preocupava.
— O que não me conformo é ela querer desfazer das terras. Trabalhamos tanto para manter
Greenville forte e alto sustentável para tudo ir parar nas mãos de uma mulher que não deseja
manter esse lugar por nada nesse mundo. Tenho medo do que o futuro nos reserva.
— Meu irmão, você está prestes a viver o extraordinário e ainda não percebeu porque está
focando somente nos problemas, e não nas soluções deles.
— Tem outro motivo. — Soltei de uma vez o que estava me tirando o sono. — Eu me sinto
assustadoramente atraído por ela. Não quero e não vou reviver tudo que passei com a Maggie.
— Já parou para pensar que, talvez, a forma como você irá tratá-la poderá resolver essa
situação?
— Tipo o quê? Dormir com ela? Todos por aqui parecem que estão me esperando tomar
essa estúpida decisão.
— Está carregando um fardo que não é seu. O que as pessoas pensarão não é problema seu,
Dave. Se acha que ela é a pessoa certa, investe nela.
Não!
— Tem outro fato que nos impede de cogitar a possibilidade de qualquer relacionamento.
— E o que seria de tão grave assim? É ela não acreditar em Deus?
— Emma não acredita? A situação só piora.
Esfreguei a ponta da orelha. Um péssimo hábito que eu tinha desde criança ao ficar
nervoso.
— Mamãe comentou que teve uma conversa mais cedo e a moça disse que é ateia. — Não
pode ser.
O Senhor está brincando comigo? Uma ateia? — Olhei para o céu indignado e questionei
Deus.
— Para mim é só mais um agravante dentre tantos outros motivos que tinha reparado.
— Dave, não devemos ser preconceituosos. Nós conhecemos a verdade, ela não.
— Nem falei nada. — Neguei o quanto estava decepcionado.
— Você não me engana. Sei muito bem que nessa sua cabeça oca, não só a julgou como
também vai agir de forma diferente perto dela. Promete para mim que não se deixará ser
manipulado pelos outros?
— Rachel, tudo vai continuar como está. Existe uma linha que não planejo ultrapassar e,
sinceramente, espero que apareça uma pessoa boa que compre a fazenda para ela ir embora como
deseja.
Bem longe de mim.
— Teimoso! — me repreendeu.
— Não vamos mais falar sobre essa baboseira. Estou cansado dessa conversa sobre a
venda da fazenda.
— Entregue para Deus e ele fará o melhor para todos. — Franzi a sobrancelha. — Eu sei
que está difícil, Dave, porém, nada disso aconteceria se não fosse permissão Dele.
— Tudo que eu faço é esperar, esperar, esperar. Só que ela está irredutível e os
arrendatários, impacientes.
— Quer que eu ore por você? — Sorri com sua pergunta. Era tudo que eu precisava para
me fortalecer.
— Aceito!
Ela segurou firme a minha mão e começou orar por mim.
— Senhor, estamos aqui na sua presença, primeiramente para pedir perdão. Segundo para
agradecer por tudo que tem feito por mim e pela minha família. Agradeço a ti pela sua bondade e
pelo seu amor conosco. Pai, tu me fizeste sentir que deveria vir aqui por algum motivo. Usa-me,
Senhor, para ajudar meu irmão entender o porquê está passando por mais esse desafio. Ele
necessita saber qual caminho deve tomar. Acalma o seu coração e lhe dê paciência para vencer
todos os obstáculos que possa aparecer. Capacite-o para ultrapassá-los com sabedoria. Que meu
irmão saiba perdoar seus inimigos, para que assim continue firme no seu propósito, por mais
doloroso que parecer ser. Pai, eu também oro pela Emma. Se essa moça for a pessoa certa para
meu irmão, toque o coração dele para saber aceitá-la. — O quê? Quase que cortei a oração dela
no meio para pedir a Deus desconsiderar essa parte. — Modifica seus pensamentos e faça
cumprir a sua vontade. Não peço em meu nome, mas do teu filho amado que reina para todo o
Sempre. Amém!
— Amém! — A encarei quando finalizou. — Que papo é esse de moça certa?
— Não me critique. Cada um ora conforme a necessidade que vê.
E vejo muita necessidade em você, irmão.
— E por que não pediu a Ele para quebrantar o coração dela para não vender a fazenda? —
Rachel me olhou como se eu tivesse dito a coisa mais absurda do mundo.
— Não seria o certo. Vai que esse é o propósito dela? Talvez quem precisa ser quebrantado
é você. E eu não quero me meter no trabalho de Deus. — Deixando-me sem palavras, me deu um
beijo no rosto e bateu em retirada.
— Eu vou fingir que não ouvi essa última parte. — Gritei quando estava longe e ela
retribuiu o favor não me respondendo.
Emma Carter
Se eu fosse uma pessoa religiosa, eu estaria agora agradecendo alguma divindade por essa
visão de joelhos. Eu nem precisava me olhar em um espelho para saber que estava
descaradamente babando no homem forte e viril que eu observava da minha varanda. Um Dave
sem camisa e apenas de calça jeans treinava um cavalo no pasto e, poxa vida, eu faria quase tudo
para verificar aqueles gominhos molhados de suor de perto. Suspirei sonhadora, e se não fosse
um raspar irritante de uma garganta ao meu lado, eu ficaria o dia inteiro admirando a cena sem
nem me dignar a piscar para não perder nada.
— Preciso conversar com você.
Resmunguei um xingamento baixinho, sabendo que a tal conversa não ia ser fácil. Eu tinha
me trancado metade do dia em meu quarto, na intenção de não me encontrar com a esposa do
reverendo que bateu continência cedo em minha casa sem ser convidada.
Sem neura, Emma. Você quer vender as terras e não precisa de inimigos.
— Claro! Sente-se, por favor.
— Ele leva jeito com os animais. Desde menino que frequentava a fazenda, ajudando o
Jackson. — Ela comentou, empinando o queixo para onde Dave estava, alheio de que era pauta
do nosso assunto.
— E os animais parecem amá-lo. — Me perguntei se tratava bem as mulheres que teve
com tanto carinho assim.
— Pensei que seu pai deixaria tudo para Dave. ele o tratava como um filho. — Que
mulherzinha encrenqueira. Conseguiu azedar meu humor em menos de dois segundos.
— Pelo que tenho percebido, muita gente queria ser tratada como filho por ele para meter a
mão nas propriedades que deixou. — Segurei a língua para não dizer que ela era uma dessas
interesseiras.
— Fiquei sabendo que pediu para que a corretora mandasse a lista de interessados. É
verdade?
Dei um gole em meu café gelado, me demorando a responder para achar uma resposta
simples e direta.
— É sim, Grace. Pelo que vejo, a conversa corre por aqui.
Ela se remexeu, desconfortável na cadeira.
— Sou muito conhecida por aqui e todos estão ansiosos esperando sua decisão final. —
Não respondi de imediato. — Venderá só essa parte da fazenda?
— Não! — Respondi, com vontade de dizer a ela que não lhe interessava saber sobre os
meus próximos passos.
— Mas as terras que estão alugadas e a parte da vila ficarão intactas, certo? — Puxei o ar,
sabendo que a guerra ia ser declarada.
— Pretendo vender tudo. Não faz sentido manter propriedades aqui se não pretendo voltar
quando eu for embora.
— Você sabe quantas pessoas prejudicará, menina? — Sua reposta ácida me fez olhar sério
para ela. — Ao menos pesquisou quantas pessoas moram em Greenville?
— Não importa, Grace. Dave vai me ajudar escolher um proprietário adequado.
— Não pode fazer isso. Sabe o quanto investimos aqui? Nosso tempo, nossa vida, nosso
dinheiro. Para onde acha que iremos quando Greenville for colocada abaixo?
— Grace, todos receberão suas indenizações e poderão recomeçar em outro lugar. Não
deixarei vocês saírem de mãos abanando.
— Não entende o quão sério estou falando, sua insolente? Não é só pelo dinheiro. Criamos
uma comunidade aqui. Temos amigos, prestígio e um lar estável. Quem garante que, para onde
estivermos indo, teremos essa mesma chance e oportunidade?
— Sua preocupação não é sobre a venda, e sim porque deixará de ser a primeira-dama, não
é, Grace? Está preocupada que o dinheiro que você e seu marido ganham dos fiéis sumirá por
dividir as ovelhas?
Ela arregalou os olhos com meu sarcasmo.
— Eu me preocupo com o bem-estar deles. É isso que eu e meu marido fazemos de
melhor. Você não sabe o que é cuidar de alguém porque nem cuidou do seu pai quando precisou.
— Cuidado, Grace! Não me faça usar meu réu primário com você.
— Você não merece nada do que ganhou. Teria sido mais justo se Jackson tivesse feito
uma doação para a igreja.
Comecei a rir da sua resposta. Tudo começando a fazer sentido para mim. Ah, não! Ela não
ia vir na minha casa me insultar dessa forma.
— Você achou que essa baboseira de arrependimento o faria abrir mão da sua fortuna?
Pelo jeito, deu algo errado no golpe que a sua igreja tentou dar nele. — Me aproximei dela. —
Ou ele percebeu que não mereciam tal presente.
— Que golpe? Nós cuidamos dele. Todos nós. Deixar seus bens para você, sua Jezabel, foi
o maior insulto que podíamos receber.
Deixei meu copo na mesinha para não fazer uma besteira e metê-lo na sua cabeça. Minhas
mãos tremiam. Meu sangue estava fervendo para retaliar essa afronta à altura.
— Que pena que não fez o que queria e entregou, de fato, para quem interessava. Nossa
conversa acabou. — Determinei, a enxotando.
— Está me expulsando? Como ousa?
Quase ri de sua prepotência em achar que eu não teria coragem.
— Você não é importante para mim. Seu cargo não me diz nada, não somos amigas, então,
vá embora daqui. — Apontei o rumo da porteira.
— Não vou deixar que estrague a vida das pessoas por ser egoísta.
— Não é de seu interesse se sou ou não. SOME DAQUI! — perdi a paciência.
— Eu voltarei. Tomarei as devidas providências para te expulsar daqui sem nada. Não
gostamos de você.
— O que está acontecendo aqui? — Dave olhou para nós, sem acreditar que estávamos
quase pulando no pescoço uma da outra. — Os gritos de vocês podem ser ouvidos a distância.
Estão assustando os cavalos.
— Oh, Dave! Que bom que você apareceu. Acho que a minha pressão aumentou e eu não
trouxe os meus remédios.
— O que você disse? — Dave indagou, de forma acusatória.
— O que está acontecendo, Dave, é que essa senhora tão amável veio me ameaçar.
Grace assumiu uma postura de defensiva e começou a chorar.
— Eu vim apenas conversar. Mas essa mulher tem um gênio muito difícil. Nunca fui tão
ofendida em toda a minha vida. — Ela se segurou no ombro dele, e meu ódio se multiplicou por
vê-la tocar nele como se tivesse todo o direito.
— Por favor, sente-se. Suas mãos estão geladas.
Fechei meus punhos com raiva.
— O que será de nós, Dave? Para onde iremos sem trabalho e sem casa? — Grace
choramingou de novo.
— Eu havia pedido para deixar que eu cuidasse desse assunto. — Dave falou com a voz
doce, tentando acalmá-la, e, juro, eu nem era violenta, mas imaginei, ao menos, umas três formas
de matar essa cobra e parecer que foi um acidente.
— Eu sei. Só que ficar de braços cruzados não é o meu forte. — Fingiu enxugar as falsas
lágrimas.
— Tire essa senhora da minha fazenda e diga que, a partir de hoje, não quero receber
visitas e nem visitarei mais ninguém. Se não gostam de mim, gostarão ainda menos a partir de
agora.
Dave tentou conversar comigo quando passei por ele, no entanto, eu não lhe dei
oportunidade. Entrei no casarão e bati a porta na cara dos dois. Pouco tempo depois, o barulho da
picape me deixou saber que estava levando a atriz de Bollywood embora.
— Bando de interesseiros. — Joguei um jarro no chão. — Mexeriqueiros. — Dessa vez foi
um quadro de vidro, que voou da minha mão e bateu na parede do outro lado. — Eu com pena
deles e eles tramando contra mim. Chega! Não serei mais boazinha. Eles querem me colocar
como uma pessoa ruim, vou dar todos os motivos para terem certeza.
Peguei um livro para atirar também e um barulho estridente me fez parar. A estante se
abriu ao meio, revelando uma sala secreta. Uma parede gigante estava repleta de medalhas e
troféus de concursos que os animais de Jackson participaram.
No entanto, o que me impressionou, de fato, foi uma parede semelhante à que ele fez para
mostrar com orgulho os prêmios que conquistou. Nessa, tinha fotos minhas. De cada conquista
que tive. Baile da escola. Concurso de soletração, o qual ganhei em primeiro lugar. Projeto de
ciências, fotos da minha formatura e a última não fazia muito tempo. Foi de um recorte de jornal,
onde mostrava um dos projetos de arquitetura mais lindos e mais bem-sucedidos que eu havia
feito. Ele enquadrou e etiquetou com a data específica, dizendo que estava orgulhoso de sua filha
ser uma artista.
Coloquei a mão na boca, chocada, e caí sentada no tapete, chorando. Essa era a
demonstração do seu arrependimento. O pedido sincero de desculpa que sempre esperei dele
parecia estar aqui o tempo inteiro. Em cima de uma mesinha de centro empoeirada, estavam
todas as cartas que mandei de volta antes de decidir que iria queimar as outras. Peguei o
embrulho com o coração palpitando de medo e comecei a ler. Eu queria saber o que pensou por
todos esses anos longe de nós e o motivo de ele nunca ter voltado.
Dave Thompson
Ajudei Grace sair do carro e entrar na sua casa. O reverendo veio ao nosso encontro com
uma expressão preocupada, devido ao fato de eu ter ligado para avisar sobre seu mal-estar.
— Por favor, não conte a ele que tivemos um desentendimento. Irá deixá-lo preocupado e
ele acabou de se recuperar de um início de infarto. — Grace se preocupou em me dizer quando
viu seu marido vir até a picape para recebê-la.
— Somente se me prometer que não fará mais o que fez.
Ela ia começar a discutir e eu a cortei, um pouco chateado pelo que aconteceu na fazenda.
— Eu só quis ajudar. Aquela menina merecia receber uns puxões de orelha.
— Aquela menina é dona de tudo que tem em Greenville e você acabou de entregar o aval
que ela precisava para não ter consideração por ninguém daqui e vender tudo.
— Desculpe! Não foi essa a minha intenção. — Encheu os olhos de lágrimas.
— Não falarei nada a ele sobre o que aconteceu na fazenda porque não quero que todos
tomem medidas desnecessárias contra a Emma por achar que sairão prejudicados.
— E não sairemos?
A olhei de soslaio, querendo falar umas poucas e boas para ela. Entendia sua preocupação,
mas ela acabou de fazer tudo ficar ainda mais difícil ao ameaçar Emma daquela forma.
— Cuide da igreja, Grace, e deixe que desse assunto cuido eu. Esse foi o nosso combinado
na reunião e não pedi que ninguém interferisse. — A cortei e vi que se encolheu.
— Oh, Grace! Você nunca me escuta. Passa tanto tempo longe de casa sem o seu remédio.
— O reverendo a puxou para seus braços. — Obrigado, filho. Eu não sei nem como agradecer.
— Não precisa, reverendo. Foi um prazer ajudá-la. — Aceitei sua mão estendida em um
aperto amigável. — Se precisar de mim, é só me ligar.
— Dave! — parei no meio do caminho. — Como andam as negociações com ela?
— Estamos progredindo. Um pouco mais de tempo e paciência, consigo conversar com ela
sobre a possibilidade de não vender tudo.
— Bom! Traga-a para um culto de aniversário da igreja no domingo. As irmãs oferecerão
um almoço para a comunidade. Quem sabe ela participando ativamente de tudo, não se encante
com Greenville e não venda nada. — Sua alegria era contagiante e eu não estragaria, dizendo que
antes eu poderia a convencer de ficar, mas depois de hoje, somente um milagre mudaria o
estrago que Grace fez a acusando.
— A convidarei. — Toquei a ponta do meu chapéu em cumprimento e peguei o caminho
de volta para a fazenda. Quando estava passando em frente à lanchonete que vendia o sorvete de
Bacon, lembrei que comentei com ela sobre o doce exótico e parei para comprar. Quem sabe
adoçando um pouco aquela boca petulante, sairiam palavras menos azedas quando eu fosse me
desculpar pela atitude precipitada da primeira-dama.
— Dave! — Mavie saiu de trás do balcão e praticamente se jogou em cima de mim. Ela era
uma amiga dos tempos de escola, mas também uma das melhores amigas de Maggie, minha ex-
noiva. — Fazia dias que você não aparecia por aqui.
— Tenho trabalhado muito por esses dias, Mavie. — Me afastei dela, impondo distância,
ainda que de forma educada.
— Pensei que era porque tinham te avisado. — Levantei uma sobrancelha, sem entender
sobre o que se referia.
— Me avisado sobre o quê? — Indaguei com curiosidade.
— Que a Maggie está aqui em Greenville, visitando os pais.
Ainda que me forcei a permanecer neutro por fora, senti que a faca que ela colocou em
meu peito quando fugiu, foi girada.
— Não sabia sobre essa novidade, deve ser porque todos sabem que não é mais do meu
interesse.
O sorriso simpático dela sumiu.
— Só quis avisar porque anda tendo boatos de que o tal namorado deu no pé e a deixou
grávida. — Mavie sussurrou, em conspiração. — Desculpe! Não quis acarretar lembranças ruins.
Apenas comentei porque pensei que tivesse superado.
Não, não superei, e vê-la aqui nesse momento tão difícil quando estou lidando com tanta
bagunça não será fácil.
— Espero que vá embora tão rápido quanto chegou. Assim, não terei que ter o desprazer de
ficar frente a frente com ela de novo. — Respondi ríspido, e Mavie me deu o mesmo olhar de
pena que todos me ofereciam quando o assunto era esse.
— Sinto muito por te chatear. Apenas quis o avisar porque sua mãe comentou com a
minha, sobre Maggie estar muito arrependida de ter trocado você pelo playboy.
— Uma pena que esse arrependimento chegou um pouco tarde demais. Não pretendo fazer
o papel de trouxa pela segunda vez.
— Você está certo. Afinal, tem uma fila de mulheres esperando você decidir quando vai
seguir em frente. — Não perdi a sugestão na sua voz, porém, ignorei, como sempre fazia.
Peguei a embalagem de sorvete e saí o mais rápido possível da lanchonete, praticamente
fugindo desse encontro que eu sabia que uma hora ou outra aconteceria.
— Sério isso, Senhor? — murmurei baixinho quando me sentei no banco do motorista,
meio desnorteado com a notícia inesperada, mais abalado do que pensei que ficaria. Olhei para o
céu, recitando meu mantra favorito. Só vive o propósito quem passa pelo processo. — Tem que
ter um motivo de o Senhor está permitindo que tudo venha acontecer de uma só vez comigo, pai.
Me mostre onde estou errado para que eu possa melhorar. Me ajude!
Mais calmo, coloquei a minha picape na estrada e acelerei feito um louco para o único
local que me trazia paz quando eu estava me sentido perdido. Estacionei na entrada da casa e
percebi que as luzes estavam todas apagadas. Procurei o interruptor e liguei a luz da sala. Me
surpreendi com toda a bagunça que vi.
— Emma! — Deixei a sacola com o sorvete na mesa e fui à sua procura. — Emma! Onde
você está?
— Aqui! — segui o som da sua voz e me deparei com ela sentada dentro de um cômodo
que nunca tinha visto antes. — Você sabia sobre isso?
Balancei a cabeça em negativa, olhando tudo que Jackson escondia da vista de todos.
— Sempre me perguntei onde ele guardava as premiações que ganhava nos concursos.
— Pelo jeito, ele não gostava de compartilhar nem seus erros e nem seus acertos. — Ela
disse, com a voz embargada.
— Não me surpreende ele ter guardado suas lembranças. Seu pai era muito reservado e
pouco compartilhava sobre o seu passado. Ele não era do tipo exibicionista também, como pode
ver pela casa simples.
— Eu nunca li. — Apontou o maço de cartas amarradas. — Nunca quis saber o que ele
queria dizer.
— Nas poucas vezes em que você foi citada em nossas conversas, Jackson demostrava ter
muito orgulho de onde você chegou. — Olhei a parede que ostentava suas vitórias e sorri. Meu
amigo até depois de ter nos deixado ainda me surpreendia. — Você quer privacidade?
— Não! Irei ler com mais calma depois. Levou a megera embora?
Gargalhei de sua mudança de assunto.
— Levei sim. E, como um pedido de desculpa pela intriga desnecessária, eu trouxe sorvete
de sabor bacon. — Consegui sua atenção de imediato.
— Mentira! Cadê? Quero provar essa iguaria. — Parecendo uma criança que ganha um
presente de Natal, ela se levantou do chão e foi à procura.
— Por acaso estava tentando redecorar o ambiente? — A provoquei quando ela parou e fez
uma careta pela bagunça que fez.
— Eles escorregaram das minhas mãos, mas essa sala precisava de uma repaginada
mesmo. — Deu de ombros e eu ri de sua mentira.
— Desconfiei assim que entrei. Me lembre de não a chatear quando estiver com objetos
perigosos por perto. Não quero acabar com um vaso desse na cabeça.
— Só para que saiba, eu não sou esse tipo de pessoa. Grace me tirou do sério e toda essa
raiva descontada aqui, era para ter sido direcionada para ela.
— Ainda bem que se controlou. — Fui sarcástico.
— Está zombado de mim, cowboy? A primeira-dama pareceu gostar muito de ter você
como seu salvador.
Ri quando frisou o cargo dela.
— Não salvo ninguém, Emma. Sou só uma pessoa repleta de erros.
O olhar que me deu dizia que não se referia a eu ter apartado a briga.
— Ou você se faz de besta, ou é muito inocente sobre as pessoas que gostam de se
aproveitar da sua bondade. — Emma abriu o pote de sorvete, cheirou e pegou um pouco com um
dedo para experimentar. Fiquei hipnotizado com seus lábios entreabertos degustando o sabor. —
Nossa! Que delícia! — Gemeu, desavergonhada.
— Eu disse que iria adorar. — A lembrei. Emma me ofereceu uma colher para dividirmos,
e dessa vez pegou uma colherada generosa para comer.
— Nunca mais viverei sem esse sorvete.
Ri de sua cara de espanto.
— Vai ter que aprender, madame. Só se tem dele aqui em Greenville. — Ela fez um
biquinho. — Apenas para esclarecimento, não vejo maldade em tudo, no entanto, não sou idiota.
Eu vi que Grace me usou como escudo.
— Oh, sim! A parte que ela te apalpou e disse “ainda bem que você chegou, Dave”
também era um escudo? — Emma imitou o que Grace falou, tocando meu peito por cima da
camiseta de forma sensual.
— Não reparei. — E era verdade. Não vi que ela tinha feito de propósito.
— Só faltou ela fingir que eu não estava ali e dizer o quanto apreciava seus músculos.
— Me acha musculoso, Emma?
Ela parou com a colher cheia de sorvete no ar.
— Não disse que achava. — Segurei a sua mão que estava em mim. — Apenas…
apenas… — Começou a gaguejar.
— Apenas o quê? Ficou com ciúmes porque queria ter feito a mesma coisa mais cedo?
— Se eu quisesse fazer algo semelhante, nada teria me segurado, cowboy. Quando eu
quero, eu pego. — Me esnobou.
— E não está com as mãos em mim agora, senhorita eu sou boa demais para você?
O sorvete começou a pingar na mesa, chamando a nossa atenção. Emma enfiou a colher na
boca de uma só vez, sem tirar os olhos dos meus, me desafiando.
— Se fosse para eu pegar você, Dave, eu não teria feito isso. — apertou um dos meus
bíceps. — Eu teria feito isso aqui. — Jogou a colher na mesa, subiu a mão pelo meu pescoço e
entrelaçou seus lábios nos meus.
Emma Carter

Seus lábios não devolveram o beijo de imediato, como esperei. Dave parecia ter paralisado
com a minha audácia e me questionei se deveria ter tomado a decisão impulsiva de beijá-lo. Eu
sentia que ele estava travando uma batalha intensa dentro de si, só que eu era persistente e não
me daria por vencida, e antes que pudesse me empurrar, aprofundei o beijo.
Quando a minha língua adentrou sua boca, explorando o sabor único de menta de seu
creme dental com sorvete de bacon, eu gemi baixinho, maravilhada, e ele cedeu. Dessa vez fui eu
a ser surpreendida com a sua pegada forte. Dave segurou-me junto dele e, com uma fome
desenfreada, praticamente violou minha boca de uma maneira tão forte, que quando nos
separamos para puxar o ar, meus lábios doíam e minha língua formigava.
— O que eu faço com você? — Ele indagou em transe, beijando meu ombro, bochecha e,
enfim, meus lábios de novo.
— Faça tudo, Dave. Tudo que quiser comigo.
Em poucos passos, fomos parar no sofá, com ele em cima de mim e eu, seminua. Sua mão
apalpou meus seios, torcendo o mamilo entre os dedos, me deixando em frenesi pelo que viria a
seguir.
— Se eu fizesse tudo que eu quisesse, Emma, não sairíamos tão cedo daqui. Eu te trancaria
por dias nessa casa.
Socorro! Me julguem. Eu queria muito ficar em cárcere privado com ele.
— Então faça, cowboy! Eu não me oponho.
Tirei a sua blusa e arrastei minhas unhas por seu abdômen duro, que contraiu. Dave puxou
as minhas mãos para cima e as segurou firme, mordiscando meu pescoço, meu ombro e, por fim,
seus lábios sugaram um dos meus mamilos entumecidos. Sua barba deixando um rastro quente
em minha pele, que me fazia arrepiar da cabeça aos pés.
— Eu quero você! — Implorei que me tomasse. Esfreguei-me em sua calça, pressionando
seu membro muito ereto e foi aí que cometi meu erro. Dave saiu da névoa e me soltou, como se
eu tivesse lhe dado um choque. Pensei que seria para tirar a parte de baixo, mas não. — Uau! —
Falei animada, esperando que voltasse a me atacar. Sua respiração estava descompensada e suas
pupilas dilatadas.
— Merda! — Seu rosto ficou sério quando analisou meu corpo, como se duvidasse que
tínhamos acabado de dar um amasso.
— Dave? Por que parou? — me ergui para vê-lo melhor e ele agiu como se eu estivesse o
queimando.
— Emma! Me desculpe! — Tão bom quanto começou o momento mágico, se foi. — Isso
não deveria ter acontecido.
— Devia sim. Foi maravilhoso.
Ele se virou sem me olhar, um pouco envergonhado. Coçou a barba por fazer, fechou as
pálpebras e soltou um rosnado feroz, que me fez pular em meu lugar, assustada. Não era essa
reação que eu esperava.
— Não acredito que fiz isso. — Eu já tinha visto muitas emoções em um cara que me
tocou, mas raiva nunca foi uma delas.
— Eu adorei. Gosto quando o homem é um pouco bruto assim. — Foi a coisa errada a se
dizer. Vi no instante que seu corpo ficou tenso. Tentei me aproximar, mas ele se afastou de mim
tão rápido que pisquei para entender como foi parar do outro lado da sala, impondo uma
distância dolorosa.
— Não é certo! Eu me excedi. — Com as mãos trêmulas, se abaixou para pegar seu chapéu
e no processo se atrapalhou, deixando a chave da picape cair no chão.
Uma dor latente atravessou meu peito. Eu estava sendo rejeitada de novo, meu ego estava
massacrado.
— Dave! Somos adultos. Não é como se eu esperasse que fosse me pedir em casamento
depois de um sexo quente. — Engoli meu orgulho e tentei soar brincalhona para quebrar o clima
tenso.
— E nem eu tenho essa intenção, Emma, esse é o problema. — Ai! Foi estúpido e nada
gentil. Minha dignidade tinha sido pisoteada também.
— Oh! — Fiquei até sem palavras para revidar.
— Eu errei em tocar você e peço que me perdoe. — Que cacete esse homem tinha? Que
pânico era esse na voz?
— Não sou criança, cowboy. Já entendi que não sou desejável para você. — Rebati,
magoada.
— Você não entende. Não é que não seja desejável, você só não é a pessoa certa. Eu fiz um
propósito de somente me entregar para a mulher que fosse escolhida para ser minha esposa.
Uou! Estava ficando cada vez melhor. Ele queria dizer o quê? Que eu não tinha o que ele
desejava? Que não era boa o suficiente para cogitar essa possibilidade?
— E não acha que eu possa ser ela por quê? — a faca já estava enfiada até o talo em meu
peito, eu queria saber o que eu não tinha em mim que lhe dava a certeza de que não era a sua
escolhida.
— Impossível, Emma. Você é bonita, inteligente e muito sexy, só que não é somente essas
qualidades que procuro.
Impossível?
— Então o que há de errado? É por que não sei tirar leite de uma vaca ou cuidar de um
galinheiro? — Eu estava intrigada com o seu comportamento.
— Não é você, sou eu.
Revirei os olhos para a desculpa mais clichê que uma mulher poderia ouvir.
— Não vou mentir e dizer que não quero que aconteça outra vez. Eu gosto de você, Dave.
— Me enfiei entre ele e o sofá para que visse que eu estava falando sério. — Eu queria que
pudéssemos nos conhecer melhor.
— Não podemos ter nada. Sou seu empregado, um homem sem muito o que te oferecer e
você nem vai ficar aqui em Greenville, que é onde eu pretendo criar raízes. Há tantas outras
coisas que nos impede de ficar juntos que nem consigo enumerar. — A minha mente começou a
gritar comigo para mandá-lo calar, parar de arrumar desculpas. — É melhor eu ir.
— Não! Vamos conversar. Não gosto de nada mal resolvido. — Segurei seu pulso para que
parasse de tentar escapar de mim. — O que eu tenho de errado, Dave?
Sua testa franziu enquanto pensava.
— Se quer saber a verdade, Emma, eu teria seguido adiante. Eu teria tomado você aqui
com tanta ânsia que não teríamos forças para levantar. Esse foi o tanto que gostei de ser tocado
por você. — Seu pomo de Adão subiu e desceu e pude ver, ainda que de relance, que estava com
os olhos brilhando. — Só que isso não mudaria o fato de que eu me arrependeria da minha
decisão depois, quando o êxtase do momento passasse.
— Dave! Me conte o que te aflige. Deixe-me te ajudar a superar. — Esse homem estava
sofrendo e eu queria curá-lo. Ajudar a consertar o que foi quebrado.
— Por favor, me deixe ir. Outra hora conversamos. — Parecia ser uma súplica dolorosa.
— Calma! Sente-se um pouco. Não vou tocar nesse assunto se não quiser. Só que não vai
sair daqui transtornado dessa forma. Pode sofrer um acidente e eu me culparia pelo resto da
minha vida. — O puxei para o sofá, o qual ele foi muito relutante.
— Eu preciso ficar sozinho. Colocar a minha cabeça no lugar, Emma. Hoje não está sendo
um dia fácil — esfregou o rosto com as duas mãos.
— Daqui você não sai, homem teimoso. — Briguei com ele.
— Diacho! Se não posso sair, vou arrumar essa bagunça que fez e não vai me encher de
perguntas porque não tocarei nesse assunto. Eu e você não existe e ponto final.
Trinquei os dentes com sua explosão de raiva. Claramente estava descontando em mim
algo que não fui eu que causei.
— Tudo bem! Faça como quiser. — Dei me por vencida, ao menos por ora e calei-me,
observando-o vestir a camisa e ir até a dispensa pegar uma vassoura. Nos minutos que se
seguiram, Dave arrastou tudo do lugar. Varreu, limpou e, como disse que faria, não contou o que
o deixou tão irritado comigo.
Cumprindo o que eu falei sobre não o incomodar, enviei uma mensagem para Shady. Eu
precisava da ajuda dela.
Emma: Está aí? Preciso de um help?
Shady: Estou sim. O que você fez?
Consegui sorrir diante sua pergunta. Ela me conhecia tão bem que me assustava, às vezes.
Emma: Acho que fiz besteira.
Shady: O que aconteceu?
Emma: Beijei o cowboy.
Shady: Oh, oh! E ele?
Emma: Ficou bem mal. Estou me sentindo péssima, porque parece que abri uma ferida não cicatrizada nele.
Shady: Devo dizer que te avisei?
Emma: Não! Quero um bom conselho.
Shady: Peça desculpas e diga que não vai se repetir.
Emma: Não posso!
Shady: Por que não? Virou masoquista?
Emma: Porque eu quero que aconteça de novo. Ele beija tão bem, Shady. É tão viril e forte.
Shady: Esse é o seu motivo torpe?
Emma: Não é torpe. Eu gosto dele.
Shady: Ai, Emma! Se eu estivesse por perto, ia estapear a sua cara. Você se mete em tantos problemas desnecessários.
Emma: Poxa, amiga. Ele parece ser tão certo para mim, e ao mesmo tempo tão errado.
Shady: O que ele disse que te deixou tão abalada dessa forma?
Emma: Que é impossível levarmos adiante porque prometeu se envolver apenas com a mulher que for a sua escolhida.
Ela mandou um emoji soprando uma fumacinha.
Shady: É, amiga. Melhor tirar essa calcinha molhada, jogar na máquina para lavar, comprar algumas pilhas e se
divertir com seu brinquedo, porque esse aí não vai tirar o seu atraso.
Emma: Eu acho que estou apaixonada por esse cowboy grosseirão.
Shady: Mas ele não está apaixonado por você, Emma. Acorda! Vende logo essa fazenda, pegue o seu dinheiro e volte
logo para casa.
Emma: E se meu destino for ficar aqui? Manter tudo que ganhei do meu pai e lutar por ele. Estou tão confusa.
Shady: Está pior do que imaginei.
Emma: Eu não sei o que fazer com esse sentimento.
Shady: Engula! Se tiver difícil, pegue uma dose de tequila e beba para ajudar a descer. Você tem um propósito e o
cowboy, outro. Insistir será um erro.
Uma lágrima escorreu por minha bochecha. Por mais doloroso que fosse saber que minha
amiga estava certa, eu sentia que deveria insistir.
Emma: Você está certa. Tenho que tirá-lo da cabeça.
Shady: Queria não estar dessa vez, amiga. Fique bem!
Aproveitando que Dave estava terminando de limpar a sala, subi correndo para o quarto e
peguei a minha melhor roupa. Se ele não me queria, eu arrumaria quem quisesse. Não ficaria
chorando feito uma adolescente boba. Por pirraça, ainda o faria me levar em algum bar para ver
que não estava para brincadeiras.
Grace Lowell
Alguns dias depois…
— Chamei todos vocês aqui porque preciso falar algo muito sério. — Olhei alguns dos
moradores de Greenville mais fiéis ao meu marido, os quais intimei a comparecerem para
debatermos sobre aquela víbora. — Caberá somente a nós que estamos aqui desde o começo
resolver.
— Conseguiu descobrir a verdade sobre as negociações? Se a moça pretende passar as
terras para alguém que queira nos manter aqui? — Paul, o cunhado de Dave, indagou, nervoso.
— Ela pretende vender tudo e nos deixar à míngua. — Soltei a bomba de uma vez. Queria
os deixar desesperados para aceitarem a minha sugestão.
— O quê? — Virou uma baderna na sala que deu até pena. Bati palmas para chamar a
atenção deles.
— Acalmem-se, eu tenho a solução para o nosso problema. — Eles pararam de falar para
me ouvir. — Temos que tomar providências e ensinar a essa menina mimada que mexeu com as
pessoas erradas. — Comecei meu discurso motivador.
— Dave não ficou encarregado de dizer se houve êxito? Estávamos esperando que tomasse
partido da comunidade. — Um dos comerciantes locais intrometeu-se.
— Dave? Não viu como sumiu da igreja? Não quero fazer fofocas e causar intrigas, pois
gosto muito dele. Mas acho que ele está até dormindo com ela e, se tiver, as chances de ele
ajudá-la se desfazer de tudo é grande.
Todos começaram a murmurar suas opiniões. Muitos preocupados com o que eu disse
sobre perder seu ganha-pão e sair de mãos abanando.
— O que sugere que devemos fazer, primeira-dama? — Oh, sim! Chegamos à parte que
me convém.
— Quero o apoio de vocês para fazer um abaixo-assinado proibindo a venda desse lugar.
Nem que para isso tenhamos que entrar na justiça para obter os direitos sobre nossas casas.
— Como assim? Já não tentaram antes e perderam? — Charles retrucou.
— O que aconteceu foi que alguns empresários queriam explorar as minas de ouro e
Jackson rejeitou o acordo milionário que fizeram. O que estou propondo é diferente. Precisamos
entrar com o pedido formal para transformar Greenville em uma cidade, e arrumar um bom
advogado para que possamos conseguir nos tornar proprietários por tempo de ocupação.
— E acha que conseguiremos? Quer dizer, ela não pode mandar nos prender por invasão se
tentarmos esse negócio?
— Não se a cidade for reconhecida legalmente pelo estado do Texas, e um juiz nos dar
causa ganha sobre nossas terras. Moramos aqui há mais de 20 anos e nunca assinamos nenhum
documento que dissesse que era apenas cedida ou alugada. Vocês sabiam como Jackson era. Sua
palavra era o suficiente para fechar um acordo, e como nunca fomos prejudicados, não tinha por
que virarmos contra ele.
— Então quer dizer que temos chances? — Sorri diante da pergunta incrédula.
— Claro que sim. E, para o abaixo-assinado, é preciso ter um número mínimo de
habitantes assinando o pedido, e a boa notícia é que passamos dessa quantidade estipulada como
exigência mínima.
— Isso é maravilhoso. Eu concordo com a sua sugestão se essa é a nossa última opção. —
Elias me ofereceu seu apoio.
— Obrigada, pastor Elias. Que fique bem claro que eu jamais sugeriria esse método se
Jackson ainda fosse o dono, é claro, porém, as circunstâncias mudaram e, se não agirmos a
tempo, sairemos no prejuízo. Essa mulher nem cristã é. Pode se esperar de tudo dela como
pessoa. — Pontuei meus motivos, mostrando que estava agindo de boa-fé para que não
desconfiassem de minhas intenções.
— E quais são os critérios para transformar a nossa comunidade em uma cidade? — Um
dos primos de Dave gritou do fundo da sala.
— Boa pergunta, Hans. Eu já me informei sobre o assunto e a boa notícia é que nós temos
infraestrutura que atende minimamente as condições da população para que isso aconteça.
Atualmente, Greenville conta com quase 15 mil habitantes se contarmos o condado vizinho
comandado pelo fazendeiro Nicolau. Sendo as atividades principais a agricultura e a pecuária.
Temos uma fábrica de laticínios funcionando que emprega boa parte dos pais de família daqui
que não trabalham nas fazendas, um hospital, farmácias, uma corporação de bombeiros e um
departamento de polícia. Estamos com a faca e o queijo nas mãos, pessoal.
— E acha que Nicolau irá nos ajudar? Esse homem é desprezível, Grace. Vai querer algo
em troca que nos custará muito, e quando não pudermos pagar, virará o jogo contra nós todos.
Ele nos chantagearia quando qualquer um negasse algo que quisesse.
— Claro que ele vai querer tirar proveito da situação, gente. Vocês estão focando somente
no problema. — Me olhei no espelho e arrumei meu cabelo. — Nicolau sempre esteve de olho
nessas terras por conta da história de que existe outra mina de ouro enterrada em algum lugar
entre a fazenda e o riacho que leva até a fábrica de laticínios. Como um homem visionário, vai
aceitar entrar conosco nessa empreitada, desde que o deixemos explorar aquele pedaço que não
nos fará falta nenhuma se cedermos.
— E se a filha do Jackson se apressar em vender antes de ser aprovado esse projeto? — O
primo irritante de Dave colocou lenha na fogueira.
— Colocaremos ela para correr daqui com o rabo entre as pernas. — Bati minhas mãos na
mesa para que todos se calassem e parassem de me interromper. — O negócio é: ela pode até
ficar ou vender a parte que tenha o casarão, entretanto, o restante das terras que criamos a nossa
comunidade, lutaremos para tirar dela, conseguindo judicialmente o direito de habitação. —
Afirmei, convicta de que já era causa ganha e todos começaram tagarelar sobre a possibilidade.
— Não sei. Vai custar muito dinheiro. Não temos condições de pagar um bom advogado.
— Outro comerciante tão velho quanto a ponte de Greenville disse, pessimista, e percebi que se
não tomasse a frente e desse uma opção viável, ele levaria metade a desanimar.
— E não acha que vale a pena nos juntarmos e fazermos um empréstimo no banco? Não
gostaria que, quando morresse, tivesse a certeza de que deixou um legado para os seus filhos e
netos? — Ele balançou a cabeça em afirmativa.
— Não temos uma linha de crédito tão alta assim, Grace. — A insuportável da irmã Denise
criticou minha ideia.
— Juntos somos mais fortes. Confiem em mim. Não estaria disposta a colocar a mão no
fogo se não tivesse certeza de que iremos ganhar.
— E o que vai nos oferecer em troca do nosso apoio, Grace? — Uma das irmãs do círculo
de oração indagou.
— Liberdade para o nosso povo de uma vez por todas, irmã Bete. Posso prometer que não
só cuidarei pessoalmente de pressionar as autoridades para que nos ajude, como os representarei
diante do juiz. Nunca mais ficaremos à mercê dessa mulher ou qualquer outro fazendeiro egoísta.
Será o fim da exploração do nosso povo. — Eles começaram a me aplaudir de pé. — O que
estamos esperando? Vamos começar esse processo o quanto antes. — Alegrei-me que ganhei a
aprovação de todos.
— Tem nosso total apoio, Grace. Faça o que for necessário. — Era música para meus
ouvidos saber que não estava sozinha.
— Eu farei, queridos. — Os dispensei antes que meu marido voltasse e colocasse tudo a
perder. — Vocês dois, fiquem! — Gritei com Hans e seu irmão Charles.
— O que foi?
Apontei as cadeiras à minha frente.
— Temos um assunto a tratar. — Charles, desconfiado como sempre, me fitou com os
olhos cerrados.
— E o que a nossa primeira-dama quer de seus humildes servos? — Hans, sendo o
engraçadinho, me provocou.
— Quero delegar um serviço importante para vocês dois.
— Não vou matar ninguém, querida. — Charles retrucou e ganhou um cutucão de seu
irmão.
— Quem está falando em matar aqui? No mínimo, assustar um pouco. — Ri da minha
piada.
— Assustar? Como assim? — Charles se interessou.
— Para que nossos planos deem certo, temos que fazer a filha de Jackson odiar esse lugar
ainda mais, a ponto de aceitar o primeiro acordo que oferecermos a ela.
— Seu plano. — Hans me corrigiu.
— Que seja! Todos sairemos beneficiados dele, inclusive, vocês. — Retruquei, impaciente.
— Fale logo, e veremos se é do nosso interesse. — Neguei com a cabeça.
— Não! Somente compartilharei se me derem a certeza de que me ajudarão, Charles.
Ambos ficaram receosos e acabaram por aceitar em participar.
— Diga quanto vai pagar. De graça, nem injeção na testa.
Sorri, batendo a ponta dos dedos na mesa. Hans era meu preferido por sua inteligência.
— Muito bem. Gosto de pessoas que sabem negociar. — Caminhei até o cofre que meu
marido guardava o dinheiro das doações e peguei o envelope com um pouco mais de vinte mil
dólares. — Darei mais quando terminarem o serviço.
— Agora estamos chegando a um acordo decente. — Charles gritou, animado.
Provavelmente gastaria tudo em um bordel qualquer.
— Quero que deem um jeito de ela ficar no prejuízo e assim atrasar a venda. Coloquem
fogo naquela casa. Matem os animais que ainda há no rancho ou encham as plantações de praga.
Não importa. Ela tem que ficar sem dinheiro e sem saída para que assim possamos cercá-la. —
Eles me olharam boquiabertos.
— Uau! Nunca imaginei que fosse tão maldosa assim. — Charles foi o primeiro a falar ao
se recuperar do choque.
— Alguém tem que tomar as rédeas da situação e fazer alguma coisa. Se tem que ser eu, eu
me sacrificarei. — Fui sucinta sobre o meu pedido.
— Veremos o que podemos fazer sem levantar suspeitas. — Hans prometeu.
— Que seja rápido. Tenho pressa de vê-la na miséria. Enquanto isso, cuidarei de levantar
uma enorme campanha contra a venda para que ninguém lhe dê nenhum centavo enquanto não
for decidido a nosso favor.
— Avisaremos quando formos dar início ao plano. — Eles iam saindo e segurei o braço de
Hans.
— Quero falar contigo em particular. — Seu irmão nos olhou desconfiado e, com um
pedido silencioso de Hans, nos deixou a sós. — Senti saudades. — Passei a ponta do dedo pela
sua barriga.
— Você só tem essa cara de santa, não é, Grace? — Hans se aproximou, com aquele jeito
de menino mau que ostentava.
— E você adora, baby. Sabe que sou melhor do que qualquer ninfeta de sua idade que você
namora.
Ele apertou minha cintura com força.
— Não nego! Apesar de achar você uma chave de cadeia.
Fui obrigada a rir.
— Uma chave de cadeia que deixará você rico, querido. — Puxei sua camisa, à procura
daquilo que somente ele poderia me oferecer.
Dave Thompson
O culto tinha finalizado e eu até me sentia mais leve depois de ouvir um pouco da palavra
de Deus. O testemunho da minha irmã emocionou muitas pessoas, pois todos sabiam sobre a sua
história e de como ela sofreu com a separação. Era muito bom ter um lugar onde pudesse vir se
sentir bem, compartilhar suas conquistas e vitórias. Estar entre amigos que te entendia e tinha o
mesmo propósito que você era maravilhoso. Eu esperava um dia poder inspirar outras pessoas
quando Deus me honrasse também.
— Não olhe! — Minha irmã segurou em meu braço.
— O que foi?
Ela fez sinal de silêncio para mim.
— Você vai querer esperar nossos pais na picape quando ver quem veio à igreja.
Sem conseguir me segurar, procurei o que a tinha feito ficar em alerta e me deparei com o
fantasma do meu passado vindo em minha direção. Nossos olhares cruzaram rapidamente e eu
desviei.
— Não acredito! — comentei, pronto para fugir e não deu nem tempo, pois Grace e o
reverendo nos parou na saída.
— Você andou desaparecido, filho. — Timóteo chamou minha atenção.
— Andei muito ocupado na fazenda. — Justifiquei minha falha.
— Um homem não deve abandonar a Deus nas suas aflições, ou pode fraquejar. — Entendi
seu recado. Pelo jeito, o povo andava falando demais.
— Estou em alerta, não se preocupe. — O tranquilizei.
— Que benção saber que você está grávida, querida. — Grace abraçou minha irmã. — Seu
testemunho foi exuberante. Fiquei muito emocionada.
— Deus é bom! — o reverendo a cumprimentou, feliz.
— O tempo todo. — Ela completou, sorrindo de orelha a orelha. — Estou tão feliz que
acho que vou explodir.
— Só se for de tanto comer. — Impliquei com ela, os fazendo rir.
— Fala assim, mas não perde a oportunidade de me mimar.
Todos os dias me leva doces. Não que eu esteja reclamando. — Rachel brincou.
— Não é por você, é pelo bebê. Quero que ele tenha a certeza de que, de todos, eu sou o
melhor tio.
Mamãe e papai nos alcançaram, com meu cunhado a tiracolo.
— Dave! Ainda estou esperando a sua visita. — O cumprimentei de volta, como manda a
boa educação. Verdade seja dita, eu ainda não conseguia confiar nele. Talvez, quando o bebê
nascesse, eu mudasse de opinião.
— Vamos pescar qualquer hora dessas. Adoraria passar um tempo com você, como nos
velhos tempos. — Prometi e me convenci de que era a coisa certa a se dizer ao ver minha irmã
feliz com nossa interação.
— Combinado! Vamos, querida? — Ele chamou a minha irmã.
— Vamos! — Rachel me abraçou e agradeceu meu esforço.
— Nós fecharemos a igreja e vamos sair para jantar com os Kent. Por que não nos
acompanha? — Grace ofereceu e percebi a sua jogada.
— Ah, vamos ter que deixar para outra hora. Já temos compromisso. — Minha irmã caiu
fora primeiro, nos deixando entre a cruz e a espada.
— Nós também temos que ir. — Mamãe começou a arrumar uma desculpa, mas ficou sem
jeito ao ver que a mãe de Maggie ficou triste com a recusa de todos. Elas eram amigas muito
antes de Maggie e eu namorarmos.
Eu ia negar o convite, mas vi, nos olhos dos meus pais, que o motivo era eu e, para não os
envergonhar, aceitei. Já bastava de escândalo com o nome da minha família.
— Por mim tudo bem, mãe! Estou pronto para devorar uma boa costela assada. — Dei um
sorriso forçado e minha irmã, tomando as minhas dores, se prontificou a ir também.
— Sendo assim, podemos marcar nosso compromisso para outro dia e acompanhá-los, não
é querido? — Meu cunhado concordou e comecei a gostar um pouco mais dele por perceber a
jogada.
— Maravilhoso! Fazia tempos que não juntávamos nossas famílias. — Minha ex-sogra
disse animada, e evitei olhar ao seu lado por perceber que sua filha estava junto dela.
— Não vai me cumprimentar, Dave? — Maggie não se aguentou e puxou conversa.
— Olá, Maggie. Bom te ver!
— Dave, por que não tira o carro e nos espere na porta? — Olhei na direção de papai, que
estava analisando a minha reação e peguei as chaves com ele.
— Boa ideia! — Fui ao estacionamento, torcendo que Maggie se mantivesse longe.
Todos pegaram seus receptivos veículos e fomos para o restaurante combinado. Minha
vontade era de não sair do carro quando chegamos, mas eu não ia dar o gosto de ela saber que
ainda mexia comigo.
— Dave! Se quiser ir embora, eu invento que estou passando mal e que você vai me levar
ao hospital. — Mamãe segurou meu braço, preocupada com o meu silêncio.
— Nem de brincadeira diga isso, mamãe. — A repreendi. — Estou ótimo, não precisa se
preocupar.
— Tem certeza? — Foi a vez de papai me questionar.
— Tenho. Vamos comer que meu humor melhora. — Os fiz rirem.
Dentro do restaurante, pegamos a mesa com a visão do jardim. O que foi bom, eu poderia
focar em outra coisa que não fosse a moça sentada à minha frente, se mostrando tímida, coisa
que ela nunca foi.
— Sabe, eu não vou morder se olhar para o meu rosto. — Maggie falou, com voz
divertida.
— Eu sei que não. — Respondi baixo, para não chamar atenção.
— Sinto muito por essa situação. Se quiser que eu me retire por se sentir desconfortável
com a minha presença, eu vou embora. — Depois de tudo, ela ia fingir que se preocupava
comigo?
— Não será preciso. Não quero ser o cara que vai ser taxado por ser insensível com uma
mulher grávida. — Olhei de relance para ela e percebi que estava sorrindo com a minha resposta.
Não retribuí. Não queria que interpretasse a minha presença como um sinal verde para avançar.
— Fiquei sabendo que se formou em veterinária. Meus parabéns!
— Sim, me formei. — Curto e grosso, como diria meu pai.
— Que bom, Dave. Fico feliz que realizou um de seus sonhos.
Agradeci mentalmente quando todos pegaram seus devidos lugares e começaram a
conversar sobre trivialidades. Vez ou outra, percebi que ela me encarava, esperando eu tomar
uma atitude, e não puxei mais conversa. Não seríamos amigos. Não queria que se sentisse à
vontade perto da minha família para voltar a frequentar minha casa como nos velhos tempos.
— Maggie, querida, já contou a novidade para todos? — Grace indagou, instigando todos
na mesa a olhar para ela.
— Eu voltei para casa. — Dessa vez seus olhos encontraram os meus por cima da mesa. —
Em definitivo.
— Isso não é maravilhoso. Me faz lembrar da parábola do filho pródigo. — O reverendo,
não perdendo a oportunidade de usar a situação como um exemplo bíblico, contou a história que
a maioria já sabia de cor e salteado.
— É sempre bom quando o filho volta para onde jamais deveria ter saído. — Papai foi o
primeiro a lhe parabenizar pela decisão.
— Eu me arrependo muito de ter ido embora, senhor Jonas. O senhor não sabe o quanto
sinto muito por ter machucado as pessoas que amo. — Mais uma vez me fiz de ouvinte, não
perguntei nada.
— E o seu marido, vem quando? — Rachel não perdeu a oportunidade de cutucar a ferida
da fera.
Maggie gaguejou para dizer o que eu já estava sabendo pela boca de sua amiga.
— Não estamos mais juntos. — Um silêncio pairou sobre a mesa. Confesso que estava
curioso para saber o motivo de ela ter ganhado um pé na bunda. — Ele foi contratado por uma
gravadora e disse que não estava preparado para ser pai.
Que ironia. Trocou um homem de família por um de aventuras que a trocou pela sua
carreira.
— Sinto muito! — Rachel disse, disfarçando.
— Eu também. Logo agora que eu estava pronta para formar uma família, ele resolveu
seguir sua vida sozinho. — Maggie forçou uma voz chorosa e recebeu palavras de consolo do
reverendo e de sua esposa.
— Enquanto tem muitos que desejam formar uma família, outros as abandonam. Vai
entender. — Grace disse em alto e bom tom quais eram suas intenções.
— Tudo tem um propósito. O importante é você estar com seus pais. Faça por merecer essa
segunda chance que recebeu e se volte para Deus. — O reverendo a aconselhou.
— E você, Dave, não quis se casar? — Maggie indagou e senti os olhos se voltarem para
mim.
— Não! — Percebi que esperava uma explicação e ignorei.
— Dave andou tão ocupado, que creio que nem percebeu o tempo passar. — Grace
respondeu por mim. — Eu sempre achei que vocês formavam um lindo casal. Não acha, Josefa?
Mamãe sorriu sem graça pela pergunta.
— Eles foram lindos juntos, hoje cada um seguiu seu caminho, não é? — Rachel se
intrometeu, sem medo de represálias.
— Nada que Deus não possa consertar. Olha você e seu marido. — Grace retrucou e eu me
meti antes que houvesse alguma discussão em público. Ambas eram engenhosas.
— Gostaria que a minha vida íntima não fosse pauta do jantar. — Respondi, chateado.
— Querida, irá deixá-los sem graça. Deixe de ser casamenteira. — O reverendo chamou a
sua atenção, ainda que de um jeito carinhoso.
— Só disse a verdade. — Grace sorriu, como se não tivesse sugerido nada.
— Eu acho que estamos em fases diferentes, Grace. Eu tenho problemas mais importantes
para resolver e Maggie tem o bebê a caminho. — Encerrei o assunto e quase ajoelhei quando
nossos pedidos chegaram e todos se voltaram para sua comida.
Se eles pensavam que iam me empurrar esse problema, estavam por fora. Ela que caçou
sarna para se coçar, que se virasse com seu carma. Assim como eu tive que lidar com o meu
sozinho.
Emma Carter
— Eu vou pegar o primeiro voo de amanhã. — Mamãe comentou, quase chorando pelo
telefone.
— Não precisa, mãe, estou melhor. Foi só uma intoxicação alimentar.
Eu estava de cama há dias. Por castigo de ter ido à uma festa para provocar Dave, peguei
uma virose que somente me fazia ter forças de sair da cama para ir até o vaso e voltar. Eu
culpava o sorvete de bacon. Tinha que ter sido. Foi vergonhoso ser chamada para dançar e,
quando estava para aceitar, ter que sair correndo com caganeira para o banheiro. Quase me sujei
na frente das pessoas.
— Você demora ficar doente, Emma, mas, quando fica, demora a se recuperar também.
Revirei os olhos pelo seu exagero.
— Não vai sair de perto dos seus médicos. Eu já estou me hidratando direitinho e ficarei
boa logo.
— Tem certeza?
Sorri com sua preocupação.
— Tenho! Estou tendo uma multidão cuidando de mim. — E eu não estava mentindo.
— E como andam as negociações? — Eu sabia o que ela queria ouvir.
— Estou estudando com calma os possíveis compradores. Mas estou inclinada a desistir da
venda se não encontrar uma pessoa boa que queira manter o lugar como está.
Mamãe deu um grito feliz.
— Não vende, filha. Seu pai queria muito que ficasse com os negócios dele.
Dessa vez eu nem a corrigi.
— Eu sei. A senhora sabia que ele tinha um mural repleto de fotos minhas?
Um silêncio tomou a ligação.
— Eu enviava para ele todo ano notícias suas — assumiu sua culpa.
— Me diga uma coisa, mamãe, e quero que seja bem sincera comigo. Não voltou com ele
por minha causa?
Escutei uma crise de tosse do outro lado da linha.
— De onde tirou essa ideia, menina?
Olhei os cavalos correndo no pasto, pensando em como abordaria o que descobri na sala.
— Ele escreveu todos os anos uma carta para mim e para você, não foi?
— Sim! Ele tentou se reconciliar comigo várias vezes.
Uma tristeza me abateu.
— Eu fui o empecilho de você ter sofrido tanto. Você teria tido uma vida de rainha aqui,
mãe.
Ela me repreendeu.
— Nunca fale que foi culpada de algo. Seu pai errou quando me deixou. Eu errei quando
joguei você contra ele e nós dois pagamos por nossas teimosias. Se não ficamos juntos como
uma família, foi porque fomos orgulhosos demais para admitir que estragamos tudo.
Não acreditei nela, pois eu sei que ela o amava e, por conta desse amor, nunca se casou de
novo.
— Eu te amo. Se não costumo dizer tanto quando deveria, melhorarei nisso.
Seu riso do outro lado me fez rir também.
— Esse lugar está te fazendo tão bem, que estou inclinada a não te ouvir e ir ficar com
você.
Se ela soubesse...
— Aguarde primeiro eu resolver as coisas por aqui, mãe. Papai deixou muitas terras
arrendadas, o que pode dificultar a venda. —Silêncio ensurdecedor. — Mãe? — olhei o telefone
para verificar se a chamada não tinha caído.
— Estou aqui. — Ouvi uma fungada.
— O que foi? Está chorando?
— É que pela primeira vez ouvi você chamando o Jackson de pai. Ele teria ficado tão
feliz.
Sentei-me na cama, querendo brigar com ela pelo susto.
— Estou tentando ver as coisas por todos os ângulos. Ainda que parte de mim ainda teima
em aceitar que ele mudou.
— Não seria você se não questionasse, filha. Leu a última carta que ele deixou?
Tinha me esquecido dessa bendita carta.
— Não! Sabia que me esqueci dela? Vou procurar entre as minhas coisas.
— Oh, Emma. Leia essa maldita carta dele. É muito importante.
— Está bem, mamãe. Eu lerei. Até depois, beijos. — Prometi, me despedindo antes que ela
me fizesse ler em voz alta para que pudesse ouvir.
— Senhorita Emma. — Uma das irmãs que agora sei se chamar Denise entrou no meu
quarto sem bater.
— O que foi? Por acaso a casa está pegando fogo?
— Não, mas não duvido que aconteça.
— Como assim? — com um pouco de esforço, me levantei.
— Está acontecendo. Deus está te punindo pela ganância de querer tudo somente para si.
— Oh, mulher maluca, sobre o que está falando? — Vesti meu robe para a acompanhar até
o andar debaixo. Quando ela abriu a porta que dava para a varanda, comecei a gritar pela
infestação de rãs no quintal. — Fecha! Fecha essa porta. — Subi em cima da mesa e comecei a
pular de horror.
— Eu nunca tinha visto tantos sapos por aqui. Isso é terrível. — Josefa disse, tão
impressionada quanto eu.
— Não entendo muito de biologia, mas acho que estão migrando. — Falei, tentando me
convencer de que era algo normal.
— Estão mesmo. O riacho amanheceu repleto de espuma vermelha e, pelo que o guarda-
florestal disse, foi algum produto tóxico. Vai matar os animais não só dessa fazenda, como dos
vizinhos também. — Um dos rapazes que ajuda Dave disse, preocupado.
— Temos que fazer alguma coisa. Ligue para todos, avisando sobre o ocorrido. —
Ordenei.
— E tem mais. — Josefa me olhou com pesar. — Dave foi verificar as plantações de milho
que, pelo que parece, amanheceram infestadas de pragas.
— São as setes pragas do Egito. Quem tem ouvido que ouça. Você deve libertar o povo
dessa escravidão antes que seja tarde demais. — Denise falava sem parar, parecendo doida.
— Eu não sei que pragas são essas, mas te garanto que não é castigo algum. Deixa de
maluquice e vá procurar o contato de algum especialista para dizer o que está havendo com as
minhas terras.
— Arrependa-se do que disse, antes que a última praga chegue em sua tenda. — Ela ficou
de joelhos, segurando os meus pés, implorando.
— Pare com isso, Denise. Está assustando a moça. Vá fazer o que ela pediu. — Josefa veio
em meu socorro. Desci da mesa com a mão no coração. Era muita emoção para um dia só.
— Me explica direito. Esse caos começou hoje? — Josefa e o rapaz disseram que sim.
— Estranho. — Comentei, pensativa. Até ontem não tinha nada e hoje aconteceu esse tanto
de coisa?
— O que está supondo, Emma? — Josefa indagou, receosa.
— Não quero e nem estou acusando ninguém. No entanto, estou achando muito suspeito.
Vou investigar a fundo para punir os culpados como deve.
O rapaz ao seu lado ficou de olhos arregalados e não me importei em saber que daria com a
língua nos dentes. O que eu não aceitaria era que tentassem me assustar com essa coisa de praga
e tudo mais. Mexeram com a pessoa errada, pois não acreditava nessas coincidências.
— Bom, moça, fato é que nunca ocorreu semelhante situação por essas bandas. Seria bom
fazer uma investigação antes de acusar alguém.
Andei de um lado ao outro, incomodada, e enquanto não vi Dave entrar pela porteira, não
me aquietei.
— Diga que quero relatório sobre o que está acontecendo. — Pedi que o chamasse.
Minutos depois, ele entrou na sala, desconfiado. Ainda mais lindo do que da última vez
que o vi. A vontade de me jogar em seus braços foi alta, mas me segurei, estávamos com muitas
testemunhas presentes.
— Já deve estar sabendo o que aconteceu.
Concordei com sua fala.
— O que acha que causou esse desequilíbrio ambiental de uma hora para outra? Quero
uma resposta plausível, ou ficarei louca.
— Não sou especialista, Emma. Tudo que posso afirmar, é que tudo isso é tão novo para
você quanto para nós.
— Acha que pode ser a Grace?
Ele levantou uma sobrancelha, surpreso com a minha pergunta.
— Está brincando, certo? Não pode estar falando sério.
Cruzei os braços, o encarando.
— Ela disse que eu iria me arrepender de colocá-la para fora da fazenda. Tem lógica de vê-
la como uma suspeita, pois sua ameaça se concretizou. — Apontei para a varanda.
— Grace não é nenhuma santa, mas duvido que tivesse poder e dinheiro para fazer algo do
tipo, Emma.
Percebi que estava mais frio do que antes e abatido também. Estava sofrendo pela nossa
briga ou tinha outros motivos envolvidos?
— Quero que contrate alguém para descobrir o que causou essa bagunça para que eu faça
uma denúncia.
— Talvez seja castigo de Deus. — Falou baixo, mas eu escutei.
— O seu tipo de castigo tem um nome adequado e se chama crime. Eu acredito que estão
me sabotando e vou provar, pois não nasci ontem. — Afirmei, convicta.
— Não tem que me provar nada, Emma. É você a maior interessada. — Respondeu, azedo.
— Por que sumiu? — Mudei de assunto.
— Não sumi. Tenho cumprido com as minhas obrigações todos os dias. — Seu tom foi
taciturno.
— Não estou falando sobre as suas obrigações. Estou falando sobre o que aconteceu aqui.
— Consegui a sua atenção.
— Nada aconteceu. — Negou, firme.
— Vai fingir que não me beijou de volta? Que quase me fode... — Ele tapou a minha boca
rapidamente.
— Não diga besteiras em voz alta. As paredes têm ouvidos. — Devagar, tirou a mão e se
afastou. — Vou fazer o que me pediu e volto com a resposta que a madame deseja mais tarde.
Eu queria bater nele pela audácia. Eu senti tanto a sua falta e ele parece ter simplesmente
me superado. Talvez ele não tenha mentido quando disse que eu não era a pessoa certa, ou não
estaria tão distante assim de mim.
— O que diabos aconteceu com ele? — falei, em voz alta.
— Ele está assim porque a ex voltou.
Dei um pulo quando Denise praticamente se materializou ao meu lado.
— Você é o quê? Uma espiã ou uma assombração? — Ela riu. — Você disse que a ex dele
voltou?
— Sim. Está havendo uma aposta na comunidade para saber quando ele vai perdoar a
moça e reatar o romance de novo.
Ai! Meu estômago embrulhou. Tudo fez sentido. Ele me rejeitou porque pretendia voltar
com a outra.
— Eu vou me deitar, Denise. Se não for o xerife ou o especialista que pedi para vir, não me
incomode pelo resto do dia. Não quero receber a visita de ninguém e nem oferecer explicações
que não tenho.
— Nem se for o Dave? — Que senhora mexeriqueira.
— Nem ele. — Respondi, voltando para meu quarto, de onde eu jamais deveria ter saído.
Se ele queria voltar com a sua ex, eu que não impediria.
Dave Thompson
De uma coisa aquela encrenqueira tinha razão. Tudo estava parecendo sabotagem. O
negócio era: Grace realmente estava por trás disso ou algum comprador queria prejudicar Emma
para que ela baixasse o preço das terras, para assim poder comprar por uma bagatela? Parei a
picape em frente à igreja e desci. O reverendo tinha muitos contatos bons e poderia me ajudar
solucionar esse problema. As autoridades daqui não eram tão capacitadas quanto as da capital, e,
sendo bem sincero, eles fingiriam demência por saber que Emma queria deixar todos na rua da
amargura.
— Dave! Que bons ventos lhe trazem tão cedo por aqui? — Timóteo questionou, animado.
— Tem um minuto? — Grace estava ao seu lado e parou de conversar com uma das fiéis
para escutar nossa conversa. — Preciso pegar orientação contigo.
— Claro, filho! Venha até meu escritório. — Cumprimentei ambas as mulheres e o
acompanhei. — Pela sua cara, é algo sério.
— É sim, reverendo. — Me sentei na cadeira à sua frente. — Estão acontecendo algumas
coisas estranhas com as terras que pertencia ao Jackson e estou achando que é criminoso.
O reverendo pareceu surpreso com a minha fala, o que me fez o descartar totalmente da
situação. Não que eu desconfiasse do homem, mas se ele soubesse que a esposa tivesse feito algo
tão terrível como Emma sugeriu, não conseguiria mascarar.
— Que tipo de sabotagem? Não tentaram contra a vida da moça, certo? — Sua
preocupação me pareceu genuína.
— Não. Ela está bem. Mas as plantações estão perdidas, a água do riacho foi infectada por
algum produto tóxico que desconhecemos e uma infestação de rãs tomou conta da fazenda.
Ele arregalou os olhos conforme fui citando os problemas.
— Jesus! Quem teria coragem de fazer algo tão terrível? Isso é um crime.
— E ela quer investigar. Disse que não dará clemência a quem fez. — Pontuei sua fala.
— E está certa. Imagina perder todos os animais, o solo e ainda colocar em risco a
população.
— O senhor tem contato de alguém que possa nos ajudar?
Ele pensou um pouco antes de responder.
— Tenho um colega investigador que mora em Austin. Se pagar bem, ele terá interesse em
ajudar.
— Perfeito! Entrarei em contato com ele hoje mesmo. — Agradeci à sua ajuda.
— Acha que devo visitar a moça? Você a conhece melhor do que qualquer pessoa.
Gostaria de poder prestar apoio. — Grace entrou na sala com os olhos esbugalhados. Decerto,
pensou que eu ia contar ao seu marido sobre a briga que teve com Emma.
— Quem pretende visitar, marido? — O reverendo lhe deu um olhar de repreensão pela
falta de educação. — Desculpe! Quis somente trazer um refresco. — Deixou a bandeja em cima
da mesa e ofereceu-me um copo.
— Estava perguntando ao Dave se é uma boa hora para ir ter uma conversa com a filha do
Jackson.
— Para quê? Ela não gosta das pessoas daqui. — Ficou na defensiva.
— Primeiro porque fui muito amigo do pai dela e segundo que sou uma das autoridades
daqui, é minha obrigação abraçar todas as pessoas que vierem para Greenville. — A repreendeu.
— Claro, marido! Só quis dizer que acho que ela não o receberá bem, devido às
circunstâncias.
Levantei uma sobrancelha.
— Que circunstâncias? — Indaguei, querendo saber.
— O ataque na fazenda. Todos estão falando sobre o assunto. — Justificou, envergonhada
de dizer que estava escutando atrás da porta.
— Acho que o reverendo deve ir visitá-la. Quem sabe ele não coloca juízo na cabeça dela?
Grace me fuzilou com os olhos. Bem, eu disse que eu não causaria intrigas, se a Emma
disser ao marido o que ela andou aprontando, não terei descumprido com a minha palavra.
— Está decidido. Diga que irei em breve vê-la.
Prometi que daria o recado e, ao pegar o contato que eu precisava, me despedi. Quando
estava alcançando a saída da igreja, Grace me chamou.
— Dave! Preciso falar com você.
Parei no meio do caminho para esperá-la.
— Diga!
— Você sabe que meu marido não pode ir visitar essa moça. Ela irá criar intrigas com o
meu nome.
— Seu marido é adulto e sabe fazer suas próprias escolhas, Grace.
— Você está do lado de quem? Não vê que essa mulherzinha está te envenenando contra
todos?
— Grace, eu trabalho para ela.
— Deveria estar preocupado com o bem-estar de sua família. Logo, todos estaremos na rua
e não está fazendo nada para impedir.
— E você está, Grace? — a peguei no pulo.
— Sobre o que está falando? — Mudou sua postura.
— Você mandou alguém prejudicar a moça para que ela fosse embora? — abaixei meu
tom, para que somente ela pudesse ouvir.
— Lógico que não. Minha única arma contra meus inimigos é essa aqui. — Bateu com a
mão no joelho. — Se ela está sendo punida, é porque Deus a julgou e achou que merece.
A encarei por alguns minutos, e por mais que tenha tentado encontrar mentiras em seus
olhos, não consegui achar nada.
— Muito bem! Se é só isso, eu estou me retirando.
— Ah, olha quem vem ali.
Dei uma olhada de esguelha e vi Maggie chegando. Trinquei os dentes quando o sorriso de
Grace ficou enorme. Ela tinha ligado e avisado que eu estava aqui.
— Que coincidência! — Falei, com ironia.
— Por que não perdoa a Maggie? Ela é uma mulher boa, te conhece bem, Dave. Fez coisas
erradas, é verdade, mas se arrependeu. Precisa ver como está envolvida com as coisas da igreja,
empenhada em mostrar que mudou.
— Fico feliz em saber que ela está buscando se consertar, Grace. No entanto, eu não estou
interessado nela.
— Você sempre a amou. Não venha me dizer que a esqueceu depois que a filha de Jackson
chegou.
Minha vontade era de mandá-la cuidar da sua vida, só que eu sabia que a maioria das
pessoas pensava como ela por saber o quanto eu sofri.
— Eu a amava. Suas ações fizeram qualquer sentimento bom que eu nutria por ela morrer.
Se não se importar, eu não quero ninguém a incentivando ir além, pois não estou disposto a criar
filho de outro. — Parei de falar quando Maggie subiu os degraus, sorridente.
— Dave, que bom que te encontrei aqui. Meu pai perdeu alguns animais essa noite, e ouvi
enquanto vinha para cá que a fazenda Jackson está passando por sérios problemas. Sabe me dizer
se tem alguma ligação?
Fiquei em alerta.
— Seu pai não foi avisado sobre o riacho? Não era para ter deixado os animais beberem a
água.
Ela franziu a testa.
— Acredito que não ficou sabendo. — Mais essa.
— Diacho! Vou passar na sua casa e verificar o que aconteceu.
— Vá com ele, Maggie. Assim, não precisa voltar a pé debaixo do sol quente. — Grace
praticamente a jogou em cima de mim. Mulher intrometida.
Abri a porta para que ela entrasse e dei ré na picape para me dirigir até a sua casa. Liguei o
som para evitar qualquer assunto indesejado. Parei na entrada da sua casa e segui o caminho do
curral sem esperar por ela. Encontrei seu pai observando seus animais com tristeza.
— Neil! Fiquei sabendo do ocorrido. Quais foram os prejuízos? — Apertei sua mão
estendida.
— Alguns poucos cavalos e vacas se foram. Minha preocupação é o solo. Plantei batatas e
temo ter sido infectado pela irrigação que fazemos com a água do riacho, que só agora me
avisaram que estava envenenada. Estávamos nos preparando para colher, sem essa colheita,
ficaremos no vermelho, Dave. — Sua preocupação era compreensível. Todos eram dependentes
do que plantavam por aqui. Se os fazendeiros perdessem suas colheitas e animais, levariam
tempo para se recuperar.
— Creio que terá que adiantar a colheita e, antes da distribuição, verificar se elas estão
realmente perdidas. Não queremos intoxicar a população e receber um processo. — Maggie
falou o que pensava, mostrando estar por dentro do assunto e tive que concordar.
— Preciso que me passe o valor do prejuízo que teve para que possamos fazer uma reunião
e verificar um meio de reverter essa situação. — Toquei em seu ombro. — Daremos um jeito.
Não se preocupe!
— Eu ajudo o senhor, papai. — Maggie se dispôs. — Depois passo na sua casa para deixar
o relatório, Dave.
Meneei a cabeça, não muito satisfeito com sua atitude. Por ora, eu acreditaria que era
porque realmente queria ajudar e não se aproveitar da situação para tentar algo comigo.
— Aguardarei, então.
— O almoço está pronto, Dave. Não quer ficar e comer conosco? — Sua mãe me cercou
para fazer o convite e recusei, querendo fugir da pressão que senti estar sofrendo.
— Não! Agradeço o convite, senhora Kent. Mas preciso ir às outras fazendas verificar se
também foram prejudicados.
— Quer minha ajuda? Posso terminar de fazer o levantamento daqui depois e o
acompanhar. — Maggie ofereceu.
— Será mais útil em ajudar seu pai. Eu dou conta sozinho. — A cortei e encerrei a minha
visita.
Emma Carter
O prejuízo era maior do que eu havia previsto. Muitos gados haviam morrido no decorrer
dos dias seguintes intoxicado, e os boatos eram que o solo ficaria impróprio para a plantação.
Levaria muito tempo e dinheiro para recuperar o que haviam perdido, e todos me culpavam pela
desgraça. Alguém de muito bom coração passou o mexerico que eu estava fazendo de propósito
para que os moradores fossem embora e, assim, eu pudesse vender as terras tranquilamente.
Não foi novidade nenhuma quando acordei um dia de manhã e vi a minha fazenda cercada
de pessoas revoltadas que depredaram as cercas e o celeiro. Colocaram fogo em boa parte da
plantação e até mesmo alguns animais foram levados na confusão. Sendo os principais deles os
melhores cavalos e alguns porcos. A coisa estava feia.
Eu tinha aparecido no jornal e o que era para ser algo local, se tornou a nível nacional e
chamou a atenção das autoridades do Texas. Não me ajudou em nada que, na investigação que
encomendei, foram encontrados no meu porão galões de produtos tóxicos que usaram para
infectar o riacho e o solo.
— Como explica essa situação, senhorita? As provas apontam para você. Foi aqui que
encontraram os galões vazios de solventes. — O xerife indagou, praticamente me acusando de
ter feito de propósito.
— Não tenho explicação. Eu continuo afirmando que foi armação. — Me defendi, certa de
que a verdade viria à tona. Tinha que vir.
— Não é verdade que chegou em Greenville com o intuito de vender a sua herança? A
única pessoa com motivação é a senhorita. — Ele continuou me enchendo de perguntas
capciosas.
— Sim! Porém, jamais teria essa capacidade de prejudicar as pessoas. Eu estava estudando
um meio de conseguir o que eu queria sem precisar tirar ninguém daqui. — Afirmei, olhando
para Dave, que se mantinha quieto e encostado na parede, ouvindo a minha declaração de cabeça
baixa.
— E também não é verdade que discutiu com a primeira-dama e a ameaçou? — O homem
arrogante na minha frente parecia querer, de todo jeito, me fazer lhe dar uma confissão.
— Ela veio até a minha casa e disse que tomaria providências sobre a minha decisão de
vender. Não o contrário. — Contei como se deu a nossa discussão acalorada e Dave confirmou.
— Então você estava presente durante o ocorrido? — O xerife inquiriu Dave, incrédulo.
— Sim. Ouvi boa parte dela. Grace ficou chateada e falou o que não devia.
Suspirei aliviada quando confirmou.
— E, na sua opinião, Senhor Thompson, acha que a sua patroa teria coragem de fazer o
que estão a acusando, ou viu algo suspeito?
— Sinceramente, eu não sei dizer se teria coragem. Não a conheço tempo o suficiente para
meter minha mão no fogo por ela.
Olhei para Dave, que me encarava sério. Eu queria gritar com ele, mas temi que piorasse a
minha situação diante das autoridades e fosse fichada por agressão.
— Como ousa duvidar de mim? — Indaguei, chateada.
— Não estou te acusando, Emma. Estou dizendo que não tenho certeza para não cometer
um crime dando um depoimento falso. Tudo que posso afirmar, é que estava à procura de um
comprador para vender e ir embora.
Enchi meus olhos de lágrimas. Pelo jeito, até ele tinha se bandeado para o outro lado.
— Tomaremos o depoimento de todos que trabalham aqui e dos fazendeiros locais. Não
saia de Greenville, senhorita, ou seremos obrigados a emitir um mandado de prisão. — O xerife
ordenou, antes de nos deixar a sós.
— Sabe, eu pensei que fosse um cara bom e justo. Mas você só quer tirar proveito da
situação para se dar bem. — Falei, ao ver o xerife entrar no carro.
— Do que está falando? — Ele me encarou com raiva.
— Vocês querem me roubar, e agora que a sua ex voltou, viu que será mais proveitoso se
pegar a sua fatia do bolo.
— Por que me toma, Emma?
O empurrei no peito.
— Pensa que meu advogado já não me alertou sobre o valor da indenização? Eu teria que
abrir mão de tudo que tenho aqui para pagar todas as pessoas que tiveram prejuízos, além das
multas, se for acusada de ter feito de propósito a contaminação.
— Olha nos meus olhos e me diz que não tem nada a ver com esses crimes, Emma. — Ele
me prendeu entre parede e ele.
— Eu jamais teria uma mente tão diabólica assim. — O encarei, magoada. — Precisa
acreditar em mim, Dave. Eu sequer teria chamado um investigador se tivesse culpa. Você é um
idiota por duvidar de mim.
— Não tenho motivos para deixar de duvidar. — Pontuou, sem remorso.
— Não tem ou não quer admitir. É mais fácil me odiar do que lutar comigo. Pensa que não
sei que está escondendo seus verdadeiros sentimentos? Está fingindo que me odeia para não
assumir que me quer. — Joguei na sua cara.
— Não sabe do que está falando. O assunto não somos nós, e sim a fazenda. — Negou,
assustado.
— Prove! Me beije e prove que estou mentindo.
— Fique longe de mim. — Ele catou o chapéu para fugir e o cerquei.
— Quem está mentindo aqui, cowboy? — pontuei na sua cara o óbvio. — Volte para a
outra, e quando for tomá-la em seus braços, chame o meu nome, como sei que fará.
Ele jogou o chapéu no chão, me jogou contra a parede e me beijou. Ainda que fosse com
raiva, eu amei senti-lo perto do meu corpo. Tão quente. Tão forte.
— Não tem outra, Emma. É você, sua maldita, que povoa meus pensamentos noite e dia.
Você que me tira do eixo e me faz questionar o meu propósito.
Me apertou contra si e tudo sumiu à minha volta. O chão. Os problemas. O medo e a
insegurança. Tudo havia se perdido nos minutos em que sua boca se manteve presa à minha,
tomando tudo que eu tinha a oferecer. Eu sentia que meu coração ia pular para fora do peito.
— Dave! — Gemi, completamente entregue a ele.
— Emma! — Ele correspondeu meu toque, trêmulo. Incerto.
— Me deixe provar a você que posso ser a sua escolhida.
Ele torceu o rosto em uma careta dolorosa.
— Você não precisa. Ninguém pode impor nada ao outro. Eu sei que não é a pessoa que
procuro, Emma. Isso que me dói. Porque, ainda assim, eu quero me perder em você e não é a
coisa certa a se fazer. — Com pesar, ele deu dois passos para trás e meu coração se partiu mais
uma vez.
— Por que continua tornando tudo mais difícil, Dave? Que diabos de propósito é esse que
tem que negar o que sente? Não faz sentido para mim.
— Eu sei que não. Você não entende porque não pensa como eu. — Enfiou as mãos nos
bolsos da calça, triste. — Eu não posso continuar a trabalhar aqui.
— O quê? — Gritei, desesperada.
— Não posso continuar perto de você, não está sendo bom para nenhum de nós. — Vi
quando uma lágrima desceu por sua bochecha.
— Vai me deixar logo quando mais preciso de você?
— Não! Eu vou te ajudar a provar a sua inocência. Tenha certeza de que o farei. O que
quero dizer, é que não posso continuar vindo aqui na fazenda, te fazendo sofrer por não
corresponder ao seu amor, Emma.
Acho que nunca chorei tanto em toda a minha vida.
— Não vá!
Ele me ofereceu um sorriso triste.
— Preciso ir e dessa vez não voltarei.
Não! Eu não aceitaria sua decisão.
— Me diz o que posso fazer para que mude de opinião. — Solucei quando ele deixou um
beijo casto em minha têmpora.
— Nada! Você não precisa fazer nada, Emma. Foi uma decisão difícil de ser tomada e sei
que é o certo a se fazer.
O abracei forte, sentindo meu mundo desmoronar.
— Por que me odeia tanto, Dave? O que foi que eu te fiz de tão grave que não seja dizer
que gosto de você? — Indaguei, me sentindo verdadeiramente ofendida por vê-lo se desvencilhar
de mim mais uma vez.
— Eu não te odeio, Emma. Só não acho que a nossa relação tem futuro. Você e eu somos
completamente opostos — ele colocou o chapéu na cabeça para sair e continuou andando até a
saída sem me olhar.
— E se eu quiser lutar por você? — Me enchi de coragem e rebati à sua recusa em falar
comigo.
— Eu teria que dizer a você que não o faça porque não mudarei de opinião. Você não é o
que eu procuro e eu não estou interessado em ter algo a mais contigo.
Uma dor me cortou ao meio. Seu desprezo me deixou sem ação. Não era possível que eu,
uma mulher estudada, experiente, estava amando um homem xucro como esse, que ainda não me
achava boa o suficiente para ele.
— Às vezes, eu sou o amor da sua vida e você está jogando fora a chance de ser feliz por
acreditar em algo que nem existe — sem dar o braço a torcer, mais por orgulho do que por
despeito, retruquei.
Percebi o momento que o atingi em cheio. Ele parou de andar, se virou de frente para mim
e, dessa vez, pude ver em seu rosto uma mágoa mal contida em minha direção.
— Eu duvido que seja. — Sua voz carregada de rancor fez cair por terra toda a minha
autoconfiança.
— O que te faz ter tanta certeza? — eu queria saber o que havia de errado comigo.
— Emma, não me force a dizer o que eu penso. Não quero te magoar ainda mais.
— São as minhas roupas que te incomodam? O meu cabelo? Ou o fato de que quero
vender aqui? Me diz, homem. Eu mereço uma explicação. Por que não me dá uma chance, Dave?
— É tudo, Emma. Você não é o que eu pedi a Deus. — Respondendo com extrema
sinceridade, saiu pela porta e continuou se afastando de mim.
Senti minha garganta secar e meus olhos lacrimejarem. Uma vontade enorme de gritar com
ele me assolou e eu travei no meu lugar. Olhei à minha volta e as pessoas do lado de fora da casa
me encaravam com pena. Escorreguei até o chão, chorando desesperada e me mantive ali por um
bom tempo. Meu celular tocou várias e várias vezes e ignorei todas as chamadas, imersa em
minha dor.
— Emma!
Levantei a cabeça e voltei a chorar quando vi minha mãe em pé à minha frente.
— Mamãe! O que faz aqui? — Achei que estivesse delirando.
— Oh, filha! Coração de mãe não se engana. Eu sabia que precisava de mim.
— Que bom que está aqui. Eu estraguei tudo. Nem sei por onde começar a consertar.
Seu abraço era tudo que eu precisava.
— Não sei o que fez, pequena, mas daremos um jeito.
Desabei em seu colo, sabendo que todos podiam ter me virado as costas, só que com a
minha mãe ao meu lado, tudo daria certo. Pois ela era a mulher que sabia colocar ordem na casa.
Dave Thompson
Negar a si mesmo era mais difícil do que imaginei. Negar meus sentimentos estava me
matando. Eu sentia falta de suas implicâncias e do jeito que ela me olhava quando achava que
ninguém estava notando. E, analisando tudo, eu estava chegando à conclusão de que a amava. Eu
mal a tinha tocado duas vezes e tudo que eu pensava era como seria se Emma fosse a mulher que
Deus tivesse prometido para mim. Todavia, como o pastor falou no culto mais cedo, nada é
como queremos ou desejamos, e sim como Ele quer. E o fato de ela negar a sua existência
deixava claro que não era a mulher que esperava para dividir uma vida.
— Me parte o coração te ver triste assim, irmão. — Rachel entrou no meu quarto,
segurando um prato enorme de bolo de chocolate.
— Isso é para mim? — Indaguei, desanimado.
— Para nós. Estou tentando comer pouco doce.
Levantei uma sobrancelha.
— Quando não se controlava comia o bolo inteiro? — A provoquei, ganhando um tapa
dela.
— Para! Nem é um pedaço tão grande assim e, dividindo com você, a minha culpa se
esvai. — Ri, aceitando o outro garfo. — Por que não desceu para jantar?
— Não estou muito animado. Tudo volta para o assunto da fazenda e as acusações sobre a
Emma.
— Acredita neles ou nela?
Meu coração não tinha dúvidas de sua inocência, ainda que tudo continuasse apontando
para a sua direção.
— Não acho que seja ela. — Falei, sendo sincero.
— Tem certeza de que vai continuar com essa decisão de se afastar do seu antigo trabalho?
Você parece tão deprimido. — Não era pela fazenda. Apesar de eu sentir saudades dos animais
que cuidava.
— Tenho. É o melhor a se fazer. De todas as formas, a fazenda será vendida. Melhor ir me
acostumando desde agora com essa nova realidade.
Rachel segurou a minha mão em apoio.
— Maggie anda te incomodando?
Revirei os olhos quando o nome da minha ex foi citado.
— Essa praticamente não sai daqui de casa. Para quem disse que odiava a vida na roça,
está empenhada demais em ser uma boa dona de casa.
— Posso te perguntar uma coisa? — Eu já sabia o que vinha a seguir.
— Fala! — Sorri, alisando a sua barriga que começava a aparecer.
— Você não sente nada mesmo por ela? Não pensa que poderia ter sido diferente se ela
tivesse ficado e o casamento ido adiante?
Me levantei, incomodado com a pior lembrança da minha vida.
— Sinto raiva e tenho pedido todos os dias para que Deus tire esse sentimento do meu
coração, pois sei que faz mal somente a mim.
— Acho que ela está empenhada em provar para você que pode ser a mulher que sempre
desejou.
— Duvido. — Fechei os olhos quando uma bela morena de pernas compridas e língua
afiada me veio à mente. — Emma jamais será a mulher que sonhei, ainda que eu sinta um
sentimento forte por aquela atrevida.
— Emma?
Virei o pescoço de uma vez, procurando por ela no quarto.
— O quê? Onde?
Rachel caiu na gargalhada.
— Você falou o nome dela.
Eu falei? Meu Deus, a mulher está entranhada em minha pele.
— Nem percebi. — Sorri de lado, com vergonha de ter me entregado quentinho para a
minha irmã.
— Você a ama, não é?
Me encolhi.
— Como posso amar alguém que mal conheço, irmã. Tem o quê? Algumas semanas que
ela veio para cá? Impossível ter sentimentos tão rápido assim. — Neguei.
— Para de mentir. Você já admitiu que tem sentimentos pela Emma e nem me venha com
essa palhaçada de tempo. Quem decide é o coração, e não você.
— Diacho, Rachel! Pare de alimentar essa história descabida.
— Está apaixonado pela filha do Jackson, Dave? — Me pressionou.
— Estou! — Explanei em voz alta. — Aquela maldita conseguiu me fazer gostar dela e
não consigo mais esquecê-la. Ainda que me mantenha longe, eu a quero tanto que dói.
— Eu sabia! — minha irmã gritou.
— Calada! — Fechei a porta do meu quarto depressa. — Logo mamãe vai querer saber e
não estou pronto para compartilhar com ninguém esses sentimentos.
— Por quê? Vai me dizer que continua preso à sua promessa?
— Claro que continuo. Eu aceitei Jesus, irmã, e a mulher que estiver comigo tem que
professar a mesma fé que a minha. Não vou me casar com alguém que não acredita no que eu
acredito, para que quando eu for ler a Bíblia dentro de casa, causar brigas ou divergências na
criação dos filhos que tivermos. Está fora de cogitação.
— Fez um ponto, irmão. — Nos sentamos, os dois desanimados. Ela na cama e eu na
minha poltrona de leitura. — Já perguntou para ela por que não acredita em Deus?
— E isso importa? Nem consigo imaginar o motivo de alguém negar a existência Dele.
— Para com isso. Está julgando demais.
Fiquei irritado por ela me repreender.
— Acha que estou errado ainda?
— Sabe muito bem que antes de começar a frequentar a igreja, você pouco falava de
Cristo, Dave. Fazia tudo que não devia, e tanto nossos pais quanto eu, nunca o julgamos por suas
atitudes. Apenas oramos por você e tivemos paciência para que Deus agisse a seu favor.
— O que quer dizer, Rachel?
— Eu nunca o vi sequer orar para agradecer o que conquistou durante sua vida, somente na
dor que viu a verdade. Achava ruim quando mamãe pedia para dar graças. Não seja um desses
hipócritas que sentam no rabo para falar dos outros.
— Eu nunca neguei a existência de Deus. Apenas não era uma pessoa religiosa.
— Quem é pior, irmão? O que sabe da existência dele e o coloca em segundo plano todos
os dias da sua vida, ou não ter o conhecimento da palavra e negar a sua existência por nunca ter
tido uma experiência espiritual com Ele?
Segurei o coração com a sua reprimenda.
— Ai! Você não era sábia assim, não. — Brinquei com ela, mas entendi o que quis dizer.
Eu fui criado dentro da igreja e, ainda assim, demorei reconhecer que precisava me entregar de
corpo e alma.
— Irmão, ore mais para que receba a orientação que precisa. Vejo que ainda não consegue
enxergar a um palmo do seu nariz.
— Não sei o que fazer quando se refere à Emma. — Eu estava despedaçado, se fosse ser
bem sincero comigo.
— Dê tempo ao tempo. Não a pressione nem cobre dela aquilo que você quer para si. Se
ela te procurar, a trate bem e deixe que Deus faça o resto.
— Eu espero!
Ela ia saindo do quarto e parou no batente da porta.
— Quando eu descobri que meu marido tinha me abandonado por outra, eu ouvi de uma
pessoa que aquilo que fosse para ser meu, ia encontrar o caminho até mim. Bom, como pode ver,
ele demorou alguns anos, no entanto, achou o caminho de volta. Não é no seu tempo, Dave, é no
Dele.
Aquilo que for meu, encontrará o caminho até mim. Repeti a sua frase.
— Obrigado! — Agradeci a ela pelos conselhos. Apesar de eu ser o mais velho por quase
três anos, era Rachel quem parecia ser mais experiente e madura em tudo.
— Eu te amo. Não esqueça de levar a minha compota de maçã dos Miles amanhã, ou seu
sobrinho nascerá com a marca da Apple. — Ri da sua ameaça.
— Estará de manhã cedo na sua mesa, senhorita dramática. — Rachel me mandou um
beijo de longe se despedindo e, ao abrir a porta, deu de cara com Maggie.
Será que ela escutou sobre o que falávamos? Rachel deve ter pensado a mesma coisa, pois
me deu um olhar enviesado.
— Oh, desculpe incomodar! Sua mãe pediu que eu viesse falar com vocês sobre o
aniversário de seu pai na semana que vem.
— Deus! Me esqueci o aniversário do papai. Estamos atrasados com os preparativos. Será
que é um bom momento para fazermos uma festa depois dessa confusão? — Rachel se lamentou,
chateada.
— O que acha, Dave? — Maggie ignorou minha irmã e indagou a mim.
— É, Dave, é sempre você que cuida de cada detalhe, estou curiosa para saber a sua
opinião masculina. — Rachel não perdeu a oportunidade de esnobar a atitude de Maggie.
— Oh, eu não quis ser grosseira. — Maggie ficou sem graça, e dessa vez foi Rachel que a
ignorou.
— Eu acho que será uma boa ideia. Com tanta tensão rolando, vai ser bom um evento para
distrair os fazendeiros. — Respondi, olhando para a minha irmã.
— Ótimo! Agora que já sabemos o que ele pensa sobre um assunto que deveria ter sido
discutido entre as mulheres, que tal eu e você descer e verificar o que vamos ofertar para as
pessoas? — Rachel fechou a porta, sem deixar Maggie arrumar alguma desculpa para ficar em
meu quarto e eu gemi baixinho, aliviado.
Emma Carter
Montei no cavalo e cavalguei em disparada. Eu precisava sentir que ainda tinha controle
sobre a minha vida. O casarão parecia que tinha diminuído de tamanho, pois me sentia
claustrofóbica dentro dele. As investigações sobre o que aconteceu estavam em andamento e até
o relatório final sair, eu não podia vender nada.
Parei debaixo de uma árvore, tirando as cartas que meu pai me deixou de dentro da
bolsinha. Faltava somente a última que ele me mandou com as documentações da fazenda, e eu
queria privacidade para ler suas últimas palavras.
— Tudo bem. Falta somente você. — Comentei, me sentando no chão. Rasguei o envelope
e tirei a carta escrita à mão, com uma letra diferente das outras que recebi.
Cara Emma,
Dessa vez eu preferi escrever eu mesmo essa carta, ainda que minhas mãos não estejam tão firmes como deveria, pois o
derrame prejudicou muito minha coordenação motora. Eu queria que minhas últimas palavras fossem ditas por mim a você.
Talvez você não a leia, assim como as outras que me devolveu, e quero que saiba que tudo bem. Você tem todos os motivos para
me odiar e eu não a condeno por essa decisão.
Eu não fui um pai amoroso e, como marido, fui pior ainda. Você deve estar se perguntando como um homem milionário
deixou vocês viverem com tão pouco. Eu tenho uma explicação plausível para isso. Eu nem sempre fui um homem de bom
coração. Eu lutei muito para conquistar tudo que você herdou e levei mais tempo ainda para me desapegar delas.
Quando jovem, eu tinha grandes ambições e consegui com muito esforço conquistar tudo o que eu queria. Sua mãe me
disse que tem muito de mim em você quando diz respeito a querer algo e lutar fervorosamente por isso. Ser persistente está no
nosso sangue. Uma pena eu não ter usado da maneira certa para tê-las de volta antes de perceber ser tarde demais. Eu tinha
criado muitas feridas para conseguir o perdão de vocês duas.
Tenho terras a perder de vista e uma conta bancária de fazer inveja em qualquer pessoa. Gastei muito com frivolidades e
investi uma boa parte em Greenville. Sim! Se pensou que eu fiz por ganância e não por generosidade, acertou. Eu não investi
pensando no bem-estar das pessoas. Eu queria tirar proveito delas. Eu era esse tipo de homem. Um que aproveitava todas as
oportunidades que via, e essa foi um pote de ouro para mim. Mas esse era eu antes de descobrir que, debaixo do sol, todos
somos iguais para Deus.
Provavelmente você está revirando os olhos após ler essa parte. Eu era assim, incrédulo. Achava que não existia um ser
superior até ter uma experiência linda com Ele. Eu o vi. Eu o senti, Emma, e a partir daquele dia, eu resolvi mudar e tentar
consertar o que estraguei. Queria que descobrisse como é maravilhoso saber que existe alguém acima de nós que nos ama
incondicionalmente, sem pedir nada em troca.
Eu sei que não entende o que estou dizendo. Você não tem fé em muitas coisas, nem mesmo nas pessoas. Creio que
metade dessa descrença é culpa minha, a outra metade é sua, por não querer ver o óbvio. Eu sei que deixou de acreditar no
mundo depois de ter pedido que eu voltasse para casa e esse pedido não se realizou. Sinto muito que lhe causei tanta dor e fiz
você e sua mãe sofrerem com minhas péssimas escolhas.
Filha, não foi culpa de Deus que eu não voltei, foi minha. O sofrimento que causei a vocês duas foi culpa minha, não
dele. Eu fui estúpido, imaturo e um egoísta. Mas saiba que não houve um dia que não me arrependesse da decisão de deixar
vocês para trás. Infelizmente, tive que viver com o martírio de não poder voltar ao passado e corrigir meus erros.
Quero que saiba que eu amo muito você e amo sua mãe igualmente. Nunca fui capaz de ser feliz, construir outra família,
pois, além de não me achar digno de tal alegria, sabia que não as teria ao meu lado para poder compartilhar das minhas
vitórias. Porque, acredite, vocês mereciam ter tido uma vida melhor. Somente encontrei a felicidade quando encontrei Jesus e
passei entender a dimensão da dor que causei nas pessoas eu mais amava.
Se eu puder lhe oferecer esse conselho e você puder aceitar, leia a Bíblia. O que você procura não está no dinheiro, nem
nas coisas que podem comprar com a sua herança. O bem maior que terá a sua espera será a promessa da vida eterna e essa
conquista é por merecimento, jamais poderá ser comprado com dinheiro.
Você já deve ter conhecido o Dave. Ele é um rapaz maravilhoso. Ele é humilde e um homem de bom coração. Já sofreu
muito nessa vida e eu teria tido muito gosto de vê-lo casado com você. Como manda a lei, deixei tudo que tenho para você e sua
mãe. Fica nas suas mãos a decisão sábia de fazer a coisa certa. Há um testamento que fiz antes desse que recebeu e, nele, eu
abri mão de tudo. Reparti por igual as terras entre aqueles que me ajudaram por tanto tempo fazê-la ser fértil. Hoje estou
passando essa missão a você. Conviva com eles, veja o quão batalhadores são e decida o que for melhor, não venda esse lugar,
ele é mágico e todos que param aí não querem ir embora, pois se torna um lar para todos que o procuram.
Saiba que, independentemente de suas escolhas, Deus continuará te amando e eu também. Que a sua jornada seja
melhor que a minha e que você descubra a tempo o quão maravilhoso é amar e ser retribuído de volta. É assim que nos sentimos
quando descobrimos o que nos espera depois do fim. Deixo aqui uma passagem bíblica que guardei em meu coração e fez ser
suportável a dor e a tristeza nos meus últimos dias.
“O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus
interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade.
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”
1 Coríntios 13:4-7
Seja feliz, Emma. Tenha uma vida linda. E se for da vontade do Pai, espero te encontrar no paraíso e lhe dar o abraço
que tanto desejei em vida.
Com amor,
Jackson Carter, seu pai.
— Eu te perdoo, pai. — Eu não sabia se chorava ou gritava com ele. Como eu esperei para
ouvir essas palavras quando criança e ele nunca apareceu. Arrependimento me abateu e chorei
mais ainda por ter puxado seu gênio forte em não ter aceitado suas desculpas quando tentou
contato. A nossa vida teria sido tão diferente. Eu teria tido aquilo que sonhei por tantos anos. No
início, ele errou em nos rejeitar, no fim, quem errou fui eu por retribuir. — Quem é Deus? —
Indaguei, olhando para o céu.
O que tanto essas pessoas pregavam a existência de um ser superior e acreditavam nele
sem nunca ter o visto? Eu só acreditava no que via e como nunca o vi, não ia acreditar que,
depois de morta, iria para o céu.
Voltei a galope para casa e mamãe já me esperava na varanda, com um bule de chá e
bolinhos. Ela estava amando o lugar e até mesmo vi melhora em sua aparência.
— Senti falta desse cuidado. — Falei, sentando-me na cadeira.
— Não parecia, me manteve longe de você e desse lugar lindo. — Ela me serviu uma
xícara. — Encontrou o que procurava?
— Depende! Fui ler a última carta que papai deixou.
— Vejo que mexeu com você. O que achou do que ele escreveu?
— Que ele não estava bem mentalmente nos últimos dias de sua vida.
Mamãe fechou a cara para mim.
— Espero que não esteja se referindo ao fato de ele ser religioso, filha.
— E que palavra se dá ao fato de uma pessoa acreditar em um livro que tem milhares de
anos e ninguém viu escrever? É um delírio coletivo, mãe. Qualquer pessoa pode ter o criado para
manipular as outras, e assim fazer o que bem entender.
— Emma! Esse é o segredo. Ter fé é acreditar que exista algo muito melhor para nós,
ainda que não tenha evidências que comprovem a veracidade dos fatos.
— Ele conseguiu te puxar para essa coisa, ou você sempre acreditou?
— Sempre acreditei. Só estive boa parte da minha vida achando que tinha tempo suficiente
para me arrepender. Até que me vi com câncer, sem saber se ia acordar no dia seguinte, pedindo
para que tivesse um pouco mais de tempo com você para consertar o que fiz.
— Então passou a acreditar por medo de morrer? — beberiquei meu chá, incrédula.
— Por amor, filha! Por amor a você, e Ele me ouviu. Me deixou viver. É uma sensação
difícil de ser explicada, tem que ter o coração aberto para sentir e aceitar que não somos nada
aqui sem a sua misericórdia.
Definitivamente, eu não conseguia entender. Tantos anos acreditando que não existia, que
era somente eu por mim mesma e minha mãe, que só de pensar na existência de alguém com
tanto poder e sendo cruel, a ponto de fazer tanta gente sofrer, não me causava vontade de me
aproximar, e sim correr dessa força maior.
— Se ele é tão poderoso como diz e misericordioso, porque permite que aconteça guerras e
tantas outras injustiças?
— Ele dá o livre-arbítrio para que todos possam escolher seu destino. Ele não quer alguém
que o siga por medo, e sim por amor. Ele tem poder para impor e, ao invés disso, prefere
respeitar as suas escolhas, por mais ruins que elas sejam.
— Até mesmo os que matam, roubam e criam o caos aqui?
— Até mesmo eles. Pois, até o fim de suas vidas, eles têm a oportunidade como qualquer
outra pessoa de se arrepender e pedir perdão.
— Se for assim, isso não é injusto? Enquanto algumas pessoas fazem o bem, outra más têm
as mesmas chances de ir para esse tal de paraíso, se arrepender?
Mamãe sorriu docemente.
— Depende do ponto de vista de cada um. Para um criminoso, por exemplo, é um presente
único. Para nós que acreditamos, uma alma salva é motivo de alegria. Para quem não conhece o
poder do perdão, uma injustiça. Dentre tantas pessoas, Emma, quem você representa?
Quem eu represento? Essa pergunta me perseguiu onde quer que eu fosse nos dias que se
seguiram, e eu vi a minha vida indo de mal a pior.
Dave Thompson
— Filho, acho que fiz besteira. — Minha mãe entrou no quarto, com cara de espanto.
— Não me diga que convidou a Maggie para vir dormi aqui?! — Já deixei a Bíblia de lado
e fiquei em alerta.
— Foi pior! Coloquei seu nome na lista dos rapazes solteiros para participar da
arrecadação de fundos para a igreja.
— É isso que está te preocupando? — soltei uma risada pela preocupação desnecessária.
— Tudo bem, mãe. Levarei para jantar até mesmo a senhora Cora se me arrematar. É para uma
boa causa. — Pisquei um olho para que visse que eu não estava chateado.
Como de costume, todos os anos havia um evento beneficente da igreja onde os solteiros
participavam, e nele eram leiloados os jovens disponíveis para que fosse arrecadado fundos para
a festa do dia de Ação de Graças, que era um evento aberto para que todos da comunidade
participassem. Assim, o escolhido sairia junto com quem o comprador do ingresso designasse
para tentar se conhecer melhor. Era uma maneira de incentivar os jovens a procurar a pessoa
certa dentro da comunidade religiosa e não fora dela.
— Acontece que não foram as senhoras viúvas que pagaram por um jantar com você.
Sorri de sua expressão preocupada.
— E quem foi a sortuda? — tentei soar brincalhão.
— O pai da Maggie!
Meu sorriso sumiu.
— Não acredito! — Saltei do meu lugar.
— Acredite! Grace acabou de me ligar para avisar que Neil doou um bom dinheiro para a
igreja e te arrematou para um jantar com a filha dele.
— Diacho! O que esse homem quer? Me deixar louco? — Pela primeira vez, eu quis dizer
“dane-se” a todos e gritar que estava de saco cheio de tudo.
— Quer que eu ligue para os pais dela e diga que foi um engano?
Eu não era o velho Dave. No passado, eu teria causado um alvoroço para não ir e
devolvido o dinheiro do meu próprio bolso.
— É só um jantar. Eu vou e cumpro com o combinado.
— Tem certeza? Porque ficou combinado que seria hoje.
Balancei a cabeça confirmando, ainda que por dentro me sentisse exausto de as pessoas
ficarem empurrando minha ex para cima de mim sempre que podiam.
— Vou tomar um banho e a pego às 19 horas. Avisa que será um jantar de cortesia, nada
de colocar expectativa.
— Você é um bom menino, filho. Me desculpe por essa confusão.
— Tudo bem, mãe. Só não faça nada sem me consultar antes, está bem? — Me arrumei o
mais rápido que eu podia e segui o caminho que levava até a fazenda daquela família.
Parei a picape na entrada de sua casa, notando que ela e seus pais já me esperavam, e abri a
porta para que entrasse.
— Vejo que os anos fizeram você se tornar um cavalheiro. — Maggie comentou, sorrindo.
— Eu sempre fui. Você que nunca soube dar valor às minhas qualidades. — Rebati seu
comentário.
— Uou! Tá bom, eu mereço ouvir isso. — Ela colocou o cinto de segurança.
— Bom jantar, meninos. — A mãe dela gritou, abraçada ao pai da varanda.
— Eu a trarei cedo para casa. — Avisei, deixando claro que não era um encontro com
segundas intenções.
— Não se preocupe filho, confiamos em você. — Seu pai respondeu, acenando quando
coloquei a caminhonete em movimento.
— Você continua sendo o queridinho deles. — Maggie não perdeu a oportunidade de jogar
seja lá qual jogo decidiu fazer.
— Eu também gosto muito deles. — E era verdade. Seus pais não tinham culpa de a filha
ser uma cadela desalmada.
Fechei os olhos, pedindo perdão a Deus pelo comentário nada cristão. E prometi tentar ser
gentil com a mulher ao meu lado, ao menos por essa noite, não porque ela merecia o meu melhor
lado, mas porque eu era uma nova criatura e, por si só, eu sabia que não deveria tratá-la da
maneira que merecia.
Parei o carro em frente ao único restaurante de Greenville e saí para ajudá-la descer.
— Eles reformaram? Ficou lindo o lugar. Lembra que foi aqui que me pediu em namoro?
Trinquei os dentes. A mulher não tinha noção de ser educada e ia dificultar a minha noite
em tentar ser um cavalheiro.
— Lembro! — Respondi, ríspido. Fomos recepcionados e levados aos nossos lugares.
Puxei a cadeira para que Maggie se sentasse, sendo educado como devia ser.
— Ah, que prazer vê-los juntos aqui mais uma vez. Saiba que torci muito pela volta de
vocês. — A dona do restaurante, que era uma amiga de nossas famílias, veio nos cumprimentar.
— Peçam o que desejar, será por minha conta.
— Não precisa, senhora Valgh. Agradeço a gentileza, mas faço questão de pagar cada
prato que nos servir. Isso não é um encontro romântico. Eu fui arrematado no leilão de solteiros
e, para o bem da nossa igreja, estou cumprindo a minha parte no trato. — A senhora percebeu
sua gafe e se desculpou pelo mal-entendido.
— Quero começar dizendo que não foi ideia minha, mas estou muito feliz que papai te
arrematou no lance.
Balancei a cabeça, sem dizer nada. Eu preferia que, ao invés desse jantar estúpido, ele
tivesse me pedido para o ajudar em sua fazenda. Eu trabalharia de graça por um mês, se fosse
preciso, debaixo do sol. Seria menos doloroso de encarar do que estar à frente dela e fingir que
estava tudo bem para não criar mais conversa do que já estava tendo pelas minhas costas.
— Vamos pedir? — Indaguei, querendo que terminasse logo.
— Claro! — Percebendo que eu estava taciturno, concordou.
Na hora que fiz sinal para a garçonete vir até a nossa mesa, paralisei com a mão no ar, ao
notar que, não muito distante de nós, estava Emma, sentada sozinha à mesa. Ela me olhava com
tristeza e acho que, nesse momento, eu não a olhava de forma muito diferente.
Estava linda, com o cabelo amarrado em um rabo de cavalo e um vestido amarelo que batia
nos joelhos. O look se completava com um cinto e uma bota de couro marrom, que a deixava
parecendo uma perfeita cowgirl.
— Senhor, deseja fazer o seu pedido? — desviei meus olhos dela e encarei a moça à minha
frente.
— Dave? A moça está esperando você pedir — Maggie tocou meu ombro.
— Já ouvi! Traga o prato do dia. — Pedi, abaixando a minha cabeça, envergonhado por ter
travado no meio do restaurante, de tão encantado que fiquei com a beleza de Emma.
— Quem é ela? — Maggie inquiriu, deixando claro que não gostou da minha atitude nada
cortês.
— Ela quem? — Me fiz de desentendido.
— A mulherzinha desavergonhada que não para de encarar a nossa mesa. — Maggie me
encarou, esperando uma explicação que eu não queria dar.
— Não é ninguém importante. — Respondi seco, e peguei um pedaço de pão que estava na
cesta.
— Vocês namoraram, ou tiveram um lance? — Pelo jeito, ela não ia deixar passar.
— Não! — Me segurei para não dizer que se não fosse as circunstâncias, ela seria muito
mais que uma simples namorada.
— Mas ela quer você! O jeito que te olha mostra que tem interesse.
Meu coração estava acelerado. Eram muitos dias sem vê-la. Eu estava me segurando para
não ir até ela e puxar qualquer conversa, apenas para poder ouvir a sua voz.
— Não importa! — Respondi, perturbado.
Será que ela estava ali com outro? Já tinha achado alguém para distrair seus dias, agora que
eu tinha deixado claro que não a queria? Diacho! Senti até um frio na coluna, só de imaginar a
possibilidade.
— Você parece estar com dor. Tem certeza de que não quer sair daqui e ir para outro
lugar?
— Não! Só preciso que mude de assunto. — Determinei, cansado.
— Sobre o que quer conversar? — Não percebendo a minha falta de interesse, indagou
com curiosidade.
— Me diz o que fez nesses anos que ficou fora. — Comecei, e percebi que isso a animou.
Se tinha uma coisa que Maggie gostava muito de fazer, era de falar de si mesma.
— Oh, claro! Bom, eu viajei o mundo. Como sabe, era um sonho de criança que eu tinha.
Conheci muitos lugares que jamais imaginei estar. Meus preferidos foram a Itália e a França,
Paris. Acredita que há restaurantes na Torre Eiffel? — E ela tagarelou sobre os pratos que
provou, sobre as culturas diferentes que conheceu, porém, não ouvi metade do que falou depois,
minha mente não conseguia se desviar de Emma, e eu queria verificar se continuava sozinha.
— Então, apesar do que aconteceu, valeu a pena sair daqui. — Falei, fingindo curiosidade,
apenas para passar o tempo estimado para ser considerado um bom jantar.
— Não valeu, Dave. Eu queria ter conhecido todos esses lugares com você. — Sua mão
deslizou por cima da mesa e tocou a minha. Eu queria puxar e dizer a ela que não me tocasse,
que ela não tinha esse direito.
— Não vamos lembrar do que aconteceu. Olhemos daqui para frente, Maggie.
Ela inclinou a cabeça e os cabelos loiros e extremamente lisos, diferente de antes, que eram
castanhos avermelhados cacheados, caiu sobre seu rosto, escondendo a sua insatisfação com a
minha tirada.
— Desculpe! Não quero ultrapassar os limites com você. Apenas queria dizer o que ainda
sinto e o quanto queria voltar atrás e não ter ido.
— Acho que você me fez um favor.
Seus olhos arregalaram.
— Não entendi.
— Eu quero dizer que não estávamos preparados para assumir um compromisso mais
sério.
— Mas Dave… — Levantei a mão, a parando.
— Eu prefiro não reviver aquele dia, Maggie. Posso não demostrar o quanto isso me fere,
mas nunca esquecerei a forma que esnobou todo o amor que te ofereci.
— Sinto muito! Se quer saber, você tem razão. Talvez hoje não seja um dia propício para
falarmos daquela fase.
— Não, não é. Vamos degustar do nosso jantar, assim eu poderei lhe devolver sã e salva
aos seus pais. — Dei o assunto por encerrado.
Nossas comidas chegaram e aproveitei para dar uma checada na mesa dela, e quase soltei
um gemido de alívio para agradecer aos céus quando, em vez de um homem, vi, junto dela, uma
mulher muito parecida com ela, porém, mais velha. Pelos boatos que andavam circulando, só
podia ser a sua mãe que tinha chegado de viagem. Sentindo que meu apetite voltou, ataquei meu
prato com gosto, ignorando pelos resto da noite a mulher à minha frente.
Emma Carter
— Não gostou do seu pedido? — mamãe sussurrou, por me ver mexer a comida no meu
prato, sem a menor vontade de comer.
— Não é isso. Estou sem fome.
— Quer pedir outra coisa? Talvez algo mais leve lhe caia bem. Você quase não tem
comido esses dias.
— Não será preciso. — Me desculpei, virando quase a garrafa toda de vinho em minha
taça. Eu não estava nem aí que era falta de educação, eu precisava me sentir entorpecida.
— Está bem, mocinha. Chega de bebida por hoje. — Mamãe me repreendeu quando bebi
em um só gole todo o líquido.
— Não estou me sentindo bem. Toda essa gente está me deixando sufocada. Preciso ir ao
banheiro. — Comentei, tendo uma crise de ansiedade quando vi a mulher rindo de algo que ele
disse. Olhei de soslaio para a sua mesa e nossos olhos se encontraram.
Grosseirão estúpido.
— Quer que eu peça a conta? — Mamãe, sendo solícita, percebeu o motivo que fez da
nossa noite um desastre.
— Prefiro. Vou pedir um táxi pelo aplicativo.
Ela deu um toque carinhoso em meu braço antes de me deixar ir e se apressou em resolver
a situação.
Antes mesmo de alcançar o banheiro, uma lágrima desceu pelo meu rosto. Fazia dias que
eu estava me sentindo profundamente perdida. Eu odiava que ele tivesse sido importante, a ponto
de me sentir nua sem ele. Vê-lo tão perto, seguindo em frente, estava me matando. Ela era a sua
escolhida? A mulher perfeita que ele tanto procurava? Eu deveria me sentir feliz por ele, não é?
Joguei água no rosto para aplacar um pouco da minha angústia e quando levantei a cabeça ao
escutar um barulho de salto atrás de mim, dei de cara, através do espelho, com a mulher que
estava com ele, me encarando de volta.
— O que será que ele viu em você? — ela indagou, esnobe.
— Como é? — Não acreditei que ela teve a audácia de vir me confrontar.
— Você é nova por aqui, não é, querida? — ela não respondeu à minha pergunta,
arrumando o cabelo que não tinha nenhum fio fora do lugar.
— Não! — Confirmei, querendo saber quem ela era.
— Imaginei! Para não respeitar outra mulher daqui, tinha que ser uma forasteira.
— Eu conheço você? — Enxuguei meu rosto com o papel-toalha e a encarei de volta.
— Creio que não. Ou você saberia o seu lugar e não ficaria descaradamente dando em
cima do meu noivo.
Noivo?
— Do que está falando, moça? — Eu não podia acreditar no que ouvia.
— Estou falando do Dave. O homem que você ficou a noite toda secando do outro lado do
salão.
— Ele é seu noivo?
Mas Dave me disse que estava sozinho. Que não tinha namorada. Ele mentiu para mim?
Era por esse motivo que estava tão frio? Era culpa por ter me beijado estando em compromisso
sério com outra?
— Estamos juntos desde o tempo de escola. Eu estava estudando fora, mas voltei porque
queria que o nosso bebê nascesse junto do pai. — Sua mão desceu devagar pelo seu ventre, e só
então notei a pequena protuberância.
O chão parecia ter se aberto aos meus pés. Segurei na pia, sentindo o ar faltar em meus
pulmões.
— Eu não sabia que ele seria pai.
Eu nem sei por que me surpreendeu ainda. Ele estava noivo de outra e ela estava grávida
dele. Eu sabia que existia outro motivo para o fazer ter me rejeitado tantas vezes. Não digo que
ele não fez a coisa certa, era uma atitude nobre, ainda que tenha ocultado a verdade de mim.
Saber a verdadeira motivação do seu afastamento não deixava de ser doloroso, por ter certeza de
que era com ela que ele iria formar uma família.
— Olha, eu não sei o que aconteceu entre vocês na minha ausência, mas sugiro que pare.
— Ela exigiu, apontando o dedo na minha cara. Eu estava em choque por saber que fui enganada
mais uma vez. Parecia uma sina minha e da minha mãe.
— Deveria estar dizendo isso a ele, que tem um compromisso com você e me beijou... duas
vezes. — Retruquei, corajosa, não querendo deixar que jogasse toda a culpa somente em mim.
— Estou te avisando para que se afaste do meu homem, ou eu juro por Deus que vou fazer
da sua estadia aqui em Greenville um verdadeiro filme de terror.
— Não precisa me ameaçar… — estalei o dedo, para que dissesse o seu nome.
— Maggie! — Franziu a testa, por eu não saber quem ela era.
— Maggie. Eu sou a Emma, filha de Jackson Carter. Meu intuito não é roubar o namorado
de ninguém. Só quero resolver os meus problemas e cair fora daqui.
— Noivo! — Ela me corrigiu.
— Que seja. O que quero deixar claro para você, é que eu não sou o tipo de mulher que
costume de ter algo com alguém comprometido. — Afirmei, segurando firme a vontade de
chorar.
— Bom, Emma… — Ela me deu um olhar estranho ao repetir meu nome. — Porque eu
odiaria que as coisas ficassem mais difíceis para você do que já estão. Passar bem! — virou as
costas e saiu tranquilamente, como se não tivesse puxado o meu tapete bem debaixo dos meus
pés.
Um soluço escapou e tratei de engolir. Não iria dar o gosto a eles de me verem sair de
cabeça baixa do restaurante. Respirei fundo e fui em direção à saída, sem olhar para aquela mesa
de novo.
— Estava chorando? — mamãe questionou quando a encontrei no estacionamento.
— Em casa te conto tudo. — Falei, desesperada para sair logo da vista de todos.
— O rapaz que estava com aquela loira é o Dave que seu pai tanto falava?
— Sim. — Não tinha por que eu mentir. Todos devem ter notado o quanto eu estava
incomodada com a presença dele, se ela notou.
— Estou com a sensação de que não me contou tudo, Emma. — Mamãe me encarou.
— Em casa, mamãe! Por favor, não me faça mais perguntas até chegarmos em casa. —
Entrei correndo no táxi, com mamãe em meu encalço, e por todo o caminho até a fazenda eu fui
calada, presa aos meus pensamentos insanos. Nem esperei o táxi parar direito e já pulei para fora
dele, deixando mamãe para trás para pagar o motorista e entrei em casa, indo direto me servir de
um copo de água.
— Vai me dizer o que aconteceu? — Mamãe jogou a bolsa na mesa.
— Não há nada o que dizer, mãe. — As lágrimas rolaram sem eu conseguir segurá-las.
— Meu bebê, o que aconteceu? Aquela menina falou algo que te magoou? Eu vi quando
ela foi atrás de você.
— Ele me rejeitou porque já estava noivo de outra, mãe. — Desabafei em seus braços.
— Oh, filha! Em que situação complicada você foi se meter? — Ela me puxou para a sala
e me fez deitar com a cabeça em seu colo.
— Pensei que, vindo para cá, as coisas melhorariam e só estou cada vez mais enfiada em
problemas que não sei resolver. Apaixonei-me por um homem que nem teve a decência de me
dizer que já tinha outra mulher o esperando e grávida. O que falta me acontecer, mamãe? Eu ser
presa?
— Vire essa boca para lá. Ninguém vai ser preso. Iremos resolver essa confusão descabida.
E, quanto ao Dave, eu penso que tem uma explicação melhor. Seu pai dizia que ele era um rapaz
muito bom. Não acredito que tenha brincado com os seus sentimentos.
— Não ouviu o que falei? Ela vai dar a ele um filho e deixou bem claro o que pensa de
mim. Não quero e nem vou ser a outra. Sei muito bem o que é ser uma criança sem pai.
— E quem disse que você foi a outra? Pode muito bem ele ter terminado com ela, ela
descoberto que estava grávida dele e voltado há pouco tempo para contar. O que explicaria o
motivo de ele ter dado um basta no que vocês tinham, pois resolveu assumir a responsabilidade.
Além de que eu não vi felicidade na feição dele.
— Que seja! Não muda o fato de que eu não devo e nem posso sonhar em ter um futuro
com ele.
Mamãe suspirou fundo.
— Sou a pior pessoa para te oferecer um conselho sobre amor, filha. Eu nem tive
maturidade para resolver todas as picuinhas com seu pai.
— Eu sei.
Acho que o maior susto foi descobrir que depois de tanto abominar mulheres que se
envolviam com homens casados, acabei em uma situação tão ruim quanto.
— Não é o fim do mundo. Levante essa cabeça e vamos resolver a situação referente à
fazenda. No tempo certo, você encontrará uma pessoa bacana que corresponderá o seu amor.
— Eu sei. — O problema era que o meu coração já tinha dono e ainda que eu encontrasse
alguém, não saberia corresponder à altura.
— Vamos dormir, que amanhã é outro dia, hum? — mamãe beijou minha têmpora.
— Que bom que está aqui. Sem você, eu teria desistido de tudo e partido. — Confidenciei,
triste.
— Desistir sem lutar? Eu lhe daria uma surra. Não te criei para andar de cabeça baixa e
deixar que tomem o que te pertence. Agora chega de drama, vá colocar seu pijama que vou te
levar um chá quentinho.
— Te amo, mãe. — Me levantei quase que me arrastando, prometendo a mim mesma que
não iria mais pensar nele, pois não valia a pena.
Grace Lowell
— Eu disse para vocês colocarem essa mulherzinha para correr de Greenville e tudo que vi
até agora, foi a situação se complicando para o nosso lado. — Dei um tapa no braço de Charles.
— Não pudemos ficar aqui depois do ocorrido. Fomos visitar nosso pai na capital para não
levantar suspeitas. — Hans se defendeu.
— Então está na hora de irmos para a segunda etapa. — Determinei, com pressa de ver
resultados.
— E o que seria? — Charles retrucou, nervoso. Dos dois, ele era o que eu estava
começando a temer abrir a boca e colocar tudo a perder. Hans eu sabia como manter o controle.
— Cause um incêndio despretensioso que chegue até a fazenda. — Eles ficaram em
silêncio enquanto eu explicava como aconteceria.
— Isso não é ser muito extremista? E se o fogo se espalhar nas outras fazendas? — Hans
indagou, receoso.
— É somente para dar um susto nela. Nada grave para prejudicar os outros fazendeiros.
Acaso aconteça, foi porque estava escrito para acontecer. — Dei de ombros.
— Grace! — Ouvi a voz de Timóteo e me virei, com a mão no coração. — É você que está
conspirando contra a filha de Jackson? Como pôde?
— Timóteo?! O que faz aqui a essa hora da noite? — Indaguei com raiva de que o
calmante que o dei para dormir não fez o efeito esperado.
— Percebi que não tinha voltado e me preocupei. Você não me respondeu. São vocês que
estão por trás de tudo que está acontecendo em Greenville?
Pelo jeito, não tinha como mais fingir.
— É sim, marido. Eu tive que tomar uma atitude, já que todos estávamos à mercê daquela
mulher.
— Deus! Como pôde, Grace? O que fez foi criminoso. Não tinha direito de interferir. —
Me recriminou, irritado.
— Eu fiz o que tinha que fazer. Deveria ficar do meu lado, você iria perder a igreja.
— Você vai contar ao xerife agora mesmo o que fez, ou eu mesmo contarei e vocês dois
irão conosco? — Me segurou pelo braço.
— Não falo. — Consegui me soltar.
— Reverendo, não precisamos ir tão longe. Foi com boas intenções. — Charles e Hans
tentaram o convencer de não nos entregar.
— De boas intenções o inferno está cheio. Vamos ao departamento de polícia acabar com
esse mistério. — Apontou para a saída.
— Eu não quero ser preso. — Hans gritou, desesperado. — Se eu for preso, vou dizer que
a ideia foi toda sua.
— Grace, se quiser que eu a perdoe, você vai fazer a coisa certa. — Meu marido
determinou, zangado, e eu me afastei do seu toque.
— Eu não preciso do seu perdão, seu velho babão, imprestável. Se não será útil para me
ajudar reverter essa situação de merda que estamos, também não vai me atrapalhar. — Peguei a
arma que ele mantinha na gaveta da mesinha do seu escritório e atirei em seu peito duas vezes, o
fazendo cair no chão feito um saco de batatas.
— Grace!? Você matou o reverendo! — Charles começou a gritar.
— Faça seu irmão se calar, Hans, ou em vez de um cadáver, serão dois. — Ameacei,
perdendo a paciência.
— O que vamos fazer, irmão? — Charles surtou, tentando fazer o sangue parar de vazar,
mas já era tarde demais. Eu era boa de mira. Sabia acertar um alvo de olhos fechados.
— Levanta desse chão, seu idiota, e vamos arrumar um jeito de parecer que foi um assalto.
Abri o cofre e peguei todo o dinheiro que tinha ali e coloquei em um saco para montar a cena em
questão.
— Ele morreu. Está sem pulso. — Hans confirmou.
— Ótimo! Agora limpe as digitais de vocês daqui e vão embora. Vou ligar para a
emergência e pedir ajuda. — Eles fizeram o que eu pedi tremendo feito duas varas verdes.
— Acho que limpei tudo. — Charles, com os olhos vermelhos, me encarou.
— Pegue essa arma e as suas roupas, amarre junto de uma pedra e jogue no fundo de um
rio qualquer para ninguém achar. Ou pensarão que foi você quem o matou.
Ele arregalou os olhos, perdendo a cor.
— Como pode se manter tão fria sabendo que acabou de matar seu marido? — Hans
indagou, chateado.
— Querido, pare de choramingar! Eu agora sou viúva. Nada e nem ninguém poderá se
opor ao nosso relacionamento. Você só tem a ganhar com essa situação. — Pontuei o óbvio.
— Você é louca! — Charles repetia sem parar que íamos ser presos e eu fui obrigada a rir.
— Louca ou não, eu tirei um empecilho do nosso caminho, e se fizerem tudo como eu
falei, serão bem recompensados. — Avisei, deixando claro que não aceitaria mais erros.
— Eu vou tirar Charles daqui e fazer o que pediu. — Hans tomou a frente e pegou a arma
da minha mão.
— Me dê um soco! — Pedi, bagunçando a minha roupa e os meus cabelos.
— Para quê? — Hans indagou, sem entender a minha jogada.
— Para que todos pensem que demorei pedir ajuda porque eu estava desacordada, gênio.
— Não vou bater em uma mulher. — Ele se negou a me bater.
— Anda logo. Estamos sem tempo.
— Eu faço! — Charles socou forte meu rosto e eu caí no chão, me sentido zonza. Hans me
ajudou a ficar de pé.
— Dá para enganar? — Inquiri, segurando na mesa.
— Dá sim! — Ele confirmou.
— Saia pelos fundos da igreja para não serem vistos. Vou ligar para a emergência e não
pode ter rastro de vocês aqui.
Eles saíram correndo e eu disquei o número.
— 911. Qual é a sua emergência? — A atendente falou.
— Alô, moça, aqui é a primeira-dama, preciso de ajuda. Invadiram a igreja e atiraram no
meu marido. — Forcei a voz para parecer bem desequilibrada.
— Senhora, fique calma, estou acionando a polícia e pedindo uma ambulância. O endereço
que está fazendo a chamada é na West Park, número 420?
— Sim! Por favor, manda-os depressa, ele não está respirando. Meu marido não está
respirando. — Gritei horrores para convencê-la de que eu estava sofrendo com a perda dele.
— Grace, fique calma. O socorro já está a caminho.
Agradeci a ela e desliguei.
— Pronto, querido. Agora é só esperar eles chegarem para confirmar que você partiu dessa
para uma vida melhor, está bem? — alisei seus cabelos grisalhos, sorrindo do meu feito.
Verdade seja dita, já estava na hora de bater as botas. Já nem dava mais coro. Eu, por outro
lado, estava na flor da idade e precisava de um homem mais viril ao meu lado. Poucos minutos
depois, a polícia adentrou as portas e, como esperado, os paramédicos confirmaram que já era
tarde. Dei meu depoimento sobre o que aconteceu, dizendo que havia uma grande quantia de
dinheiro doado pelos fiéis, devido ao leilão beneficente que fizemos e eles caíram feitos
patinhos, acreditando que os criminosos sabiam sobre o dinheiro.
— O que será de mim? — Me agarrei ao xerife.
— Nós pegaremos os meliantes. Não se preocupe, primeira-dama. Faremos justiça ao
reverendo.
— Prenda esses bandidos. Faço-os pagar por tudo. Não deixe esse crime ficar impune. —
Chorei, aceitando o copo de água de um dos policiais.
— Precisa que eu dê uma olhada em seu ferimento? — A paramédica olhou a ferida na
testa e disse para eu ir até ao hospital para ter certeza de que não tinha uma concussão.
— Não será preciso, querida. Eu queria que eles não tivessem parado de me bater. Assim,
eu estaria com o meu Timóteo. — Me joguei no chão, tocando o corpo do meu marido. — Por
que me deixou, amor? Como vou viver sem você aqui?
— Tem um lugar para ficar hoje à noite? Precisamos que a perícia faça o seu trabalho e
não será bom ficar aqui.
Confirmei ao xerife que iria para a casa de umas das irmãs do círculo de oração e uma
viatura me levou do local. Depois de atender às várias ligações dos fiéis preocupados com o meu
bem estar, eu estava exausta.
— Deseja mais alguma coisa, primeira-dama? — A mulher de Elias veio me oferecer a sua
solidariedade.
— Não! Quero apenas me deitar e tentar dormir.
— É uma grande perda. — Lamentou-se.
— Para você nem tanto, não é? Logo, quem estará sendo chamada de primeira-dama será
você. Até fico me perguntando se por acaso não foi o seu marido que encomendou a morte do
meu. — Acusei os dois.
— Não fale isso, Grace. Jamais ficaríamos felizes com a morte do reverendo por conta de
um cargo!
Abanei a mão, a dispensando.
— Saia! Me deixe sofrer sozinha.
Quando ela fechou a porta, mais branca que um fantasma, eu sorri.
— Idiotas! Não sei como eu aguentei tanto esse povo caipira. — Tirei a minha roupa e
entrei na banheira para tomar um banho relaxante. Amanhã era outro dia e eu teria que manter a
minha máscara de viúva sofrida diante de uma igreja inteira. Depois, seria só felicidade.
Dave Thompson
Era aniversário do meu pai e a tristeza ainda nos abatia com a morte tão repentina do
reverendo. Muitas pessoas ficaram de luto por semanas e para tentar alegrar todos da região que
ainda sofria, convidamos os fazendeiros locais para um almoço na nossa fazenda para distrair a
mente, inclusive, os pais dela. Claro que para me martirizar, ela veio junto e ficou me cercando,
lembrando da época em que fingia me amar.
Joguei o pedaço de toco no buraco para arrumar a cerca e evitar que nossos animais
fugissem para o riacho envenenado. O sol estava me castigando sem pena, mas eu merecia. Eu
tinha estragado tudo. Eu estava com raiva de mim por sentir saudades da Emma. Raiva dela, por
ela não ter pensado duas vezes em querer desfazer de tudo e ir embora. Raiva da minha ex, que
estava sorrateiramente se enfiando na minha família com aquela pose de boa moça e espalhando
para quem quisesse ouvir que iria me ter de volta. E eu, estava me sentindo a pessoa mais infeliz
dessa terra, por todos estarem me pressionando para perdoar aquela traidora e a aceitar de braços
abertos, depois de ter me feito de babaca na frente da vila inteira, e ir pertencer a um moleque
que sequer foi homem em assumir o filho que fez nela.
— Está fugindo de mim, garotão? Desde o restaurante que não conseguimos conversar
sobre a nossa situação.
Todo o meu corpo enrijeceu quando reconheci a voz perto demais.
— Não temos nada para falar, Maggie. Me deixe sozinho com os meus pensamentos! —
continuei cavando mais buracos.
— Eu sei que te magoei, mas me arrependi, Dave. Eu sofri e fiz você sofrer, me deixa
consertar isso.
— Não precisa se explicar. Não tenho o menor interesse em ouvir suas desculpas. — A
cortei.
— Eu te devo uma justificativa. Eu fiquei com medo da responsabilidade que me deram.
Era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Faculdade, casamento. Pensei que não daria
conta e surtei.
— Essa é a sua desculpa? Eu me cansei desse seu papo furado e, com certeza, nosso
casamento teria acabado meses depois, quando sua máscara caísse para mim. — Rebati,
impaciente.
— Dave! Olha para mim. — Me virei para vê-la e senti meu coração falhar uma batida. Ela
tinha voltado com o corte de cabelo que tinha na época em que era minha. Os cabelos estavam
castanhos avermelhados e cortados até o ombro. A aparência da garota doce que eu beijava o
chão tinha voltado. — Nunca deixei de pensar em nós dois em todos esses anos que fiquei longe,
e eu sei que você não me superou.
— Engano seu. Tudo que sinto é mágoa. Raiva por ter me deixado ser feito de idiota por
alguém que pensei que valia a pena.
Eu sofria, não por amá-la ainda, mas por imaginar que um dia dei tudo que ela queria e, em
troca, recebi desprezo e traição. O sentimento de impotência me perseguia.
— Qual é, Dave? Se fosse verdade, teria arrumado outra mulher. Sempre foi fogoso e perdi
as contas de quantas vezes me disse que o seu sonho era ter uma família grande. Inclusive, eu me
sentia pressionada por não pensar dessa forma.
— Vai me culpar por suas escolhas? É isso? Vai dizer que mereci levar um par de chifres
porque a moça de família resolveu pular no colo de outro com um anel de noivado que levei anos
guardando dinheiro para comprar, Maggie? Valeu a pena fugir? Porque, do lado que eu estou, só
vejo que colheu o que plantou. — Atingi aonde eu queria quando a vi virar o rosto, ferida.
— Tem razão. Eu errei. Tomei péssimas decisões e estou pagando por minhas escolhas. Só
que isso não muda o fato de que o amor da sua vida sou eu e nem que você não me esqueceu.
— Muito confiante, não é? Você foi sim a pessoa mais importante da minha vida, no
passado. Hoje, eu quero distância de tudo que envolva você. E não estou com alguém porque não
achei a pessoa certa, ainda. Não quero repetir o mesmo erro duas vezes. — Respondi sem
vontade alguma de ser educado, ainda que a sua condição exigisse que as pessoas fossem mais
amáveis.
— O que te impede é o fato de que esperou por mim. — Ela se aproximou, com um sorriso
convencido no rosto. — Fomos o primeiro um do outro, Dave. Foi comigo que fez planos e,
mesmo que negue, nenhuma outra terá o seu coração porque ele ainda me pertence. — Seus
dedos tocaram meu rosto num gesto de posse. Ela era assim. Sempre foi possessiva e ciumenta
quando se referia a mim e, no fim, ela que aprontou comigo.
Baixei meus olhos para seu ventre, e quando me lembrei da protuberância, a raiva voltou
duas vezes mais forte.
— Mesmo que fosse verdade, Maggie, eu não te aceitaria de volta. Você carrega algo que
esfregaria na minha cara todo os dias a quão fútil e mesquinha você é. — Tirei sua mão de mim.
— Sua irmã perdoou o marido e estão felizes. Eu sei que posso te fazer feliz também,
Dave.
Ri da comparação.
— Não sou tão bom quanto a Rachel. Não espere clemência de mim. Entre voltar para
você e ficar esperando outra pessoa, eu prefiro morrer solteiro se eu não achar.
— É ela, não é? Você gosta da filha do Jackson? Como pôde se apaixonar por uma mulher
que nem acredita em Deus?
— Não é da sua conta. — Me virei para voltar a fazer o meu trabalho, querendo que ela
sumisse da minha frente.
— Se eu me desfizesse dele, você me aceitaria?
O quê?
— Como é que é? — Olhei por sobre os ombros para ver se eu tinha ouvido direito.
— Se o fato de eu ter um filho de outro homem é o preço que tenho que pagar para tê-lo de
volta, eu o daria para a adoção. Minha tia não pode ter filhos e adoraria ficar com o bebê.
Deixei o pedaço de pau cair da minha mão.
— Você seria capaz de fazer tal coisa? Desfazer da criança como se ela não tivesse uma
parte sua?
Eu queria ouvir com todas as letras que tipo de pessoa ela tinha se tornado.
— Sim. Não quer uma prova de amor?
— Que horas eu pedi que fizesse essa loucura? — Eu estava pasmo.
— Eu sou saudável, poderei ter quantos filhos quiser. Seria somente eu, você e os seus
bebês, Dave.
Não era possível. Eu me recusava a acreditar que a mulher que pensei ser o amor da minha
vida em um passado não tão distante era fria a esse ponto.
— Eu não sei nem o que dizer a você, Maggie. Parte de mim está chocada e outra, aliviada.
Sinto que um peso foi tirado das minhas costas nesse exato instante. Obrigado!
Maggie abriu um grande sorriso, colocando as duas mãos na boca.
— Quer dizer que terei uma segunda chance com você se fizer o que disse? — Algumas
palavras foram suficientes estragar tudo de bom que existia em uma pessoa que você conheceu a
vida inteira.
— Não! O que estou querendo dizer é que se restava alguma dúvida sobre o seu caráter,
ficou bem esclarecido.
Seu sorriso escorregou dos lábios rosados.
— Não entendi, Dave. Eu venho aqui, digo que sou capaz de tudo por você, até mesmo
abrir mão do meu filho, e você me despreza? — Se ela não entendia, não seria eu a explicar a
gravidade da situação.
— Uma mulher boa jamais abriria mão do filho dela por qualquer motivo fosse. Esse
pensamento só mostra que você continua sendo a mesma Maggie egoísta que foi embora e
voltou, usando uma máscara. Você continua fugindo das responsabilidades, faz o que bem
entende, e ainda é capaz de se desfazer do próprio sangue para ter o que deseja. Não é a mulher
certa para mim.
— Essa mulher perfeita não existe, Dave. Você não é perfeito. — Meneei a cabeça,
discordando.
— Eu não quero uma mulher sem defeitos, eu quero uma que seja perfeita para mim no
sentido de me completar. E ela não foi e não será você e essa sua vontade em se dar bem na vida
a qualquer custo. A mulher perfeita, Maggie, irá me amar pelo que sou e amará nossos filhos
igualmente. Jamais abrirá mão deles por nada, nem mesmo por mim.
— Dave? — Segurou meu braço quando tentei passar por ela. — Eu te amo.
— Não! Não ama. Você ama o que eu posso te proporcionar nessa fase complicada de sua
vida. Seus pais devem estar te pressionando e você está se vendo sem saída por ter sido
abandonada e sinto muito lhe dizer, eu não serei seu bote salva-vidas. Boa sorte com seus
próximos passos. — A deixei sozinha para trás, e já que não iria me deixar em paz, eu me
retiraria até que se fosse embora.
— Dave, estava com Maggie? — Os pais dela e os meus estavam do lado de fora, se
despedindo.
— Sim. — Notei que sua mãe deixou transparecer esperança no rosto.
— Vocês conversaram? — Foi a vez do pai dela perguntar.
— Quero deixar uma coisa bem clara para todos vocês: não desejo o mal da Maggie, só
que não serei o cara que vai assumir um compromisso para que todos esqueçam os erros dela.
— Pensei que tinham se acertado. Torcemos muito por isso. — Seu pai comentou,
decepcionado.
— Entre nós não há a menor possibilidade de um retorno, senhor Neil. Posso ser um
caipira sem futuro por amar esse lugar sem graça que cheira a bosta de cavalo — repeti as falas
grotescas que ouvi dela na última vez que a vi, antes dela partir. — Não sou um idiota para
assumir a responsabilidade de terceiros. Desejo que sua filha encontre alguém que possa amá-la
e aceitar o bebê como dele, mas esse homem não será eu.
— Compreensível, filho. Vá tomar um banho para jantar, está todo suado. — Mamãe,
aproveitando a deixa, me tirou da jogada.
— Até mais ver! — Acelerei os passos, prontamente aceitando a sugestão de mamãe e me
tranquei no meu quarto.
Emma Carter
Estávamos acompanhando um seriado qualquer na Netflix para passar o tempo quando
ouvimos uma buzina insistente do lado de fora, que nos fez saltar do sofá, assustadas.
— Quem é a essa hora? — Mamãe verificou as cortinas e o que viu a alegrou. — Deixe
que eu atendo.
— O que é isso? — Franzi o cenho quando ela se olhou no espelho, arrumando os cabelos.
— É o xerife! Deve ter novidades sobre o seu caso.
Me levantei para a acompanhar até a varanda.
— Boa noite, senhoritas. Estava passando por aqui por perto e resolvi verificar como estão.
— Um pouco longe da sua rota, não é, xerife? — Rebati e levei uma cotovelada de mamãe.
— Entre, que vou lhe servir um pedaço de torta que acabei de fazer. — Mamãe o
convidou, solícita até demais.
— Eu adoro torta.
Ambos passaram por mim e eu fiquei paralisada, olhando a interação entre eles.
— Que folgado! Entra na minha casa e come da minha comida depois de tentar me
incriminar? — Cruzei os braços, falando comigo mesma. Eu estava tentando entender a cena
curiosa se desenrolando à minha frente. — Vai pensando que vou deixar levar a minha mãe tão
fácil assim.
— Venha escutar isso, Emma. O xerife tem boas notícias. — Me aproximei da mesa,
sentando-me um pouco a distância para estudar o meliante de farda à minha frente.
— Conseguimos novas provas que podem inocentar você. — O xerife disse, enfiando um
bom pedaço de torta na boca.
— É mesmo? O que mudou? — Segurei a vontade de dizer que não era novidade essa
informação. Eu sei quem eu sou e sei que foi armação. A única coisa que faltava, era saber quem
foi o executor ou o mandante.
— Ao que parece, quem matou o reverendo também teve acesso aos galões que
encontramos no seu porão. Conseguimos achar uma digital na igreja que bate com as do
solvente.
— Então achou o criminoso? — Mamãe inquiriu, batendo palmas.
— Não. Mas estamos perto. As digitais colocam a pessoa nas duas cenas de crime. Falta
descobrirmos a quem pertence.
Minha mente já estava tomando caminhos perigosos para tentar desvendar esse mistério.
— Isso é maravilhoso, não é, filha? — mamãe estava animada, eu por outro lado, estava
cansada de todos eles sempre duvidando de mim.
— Tem certeza de que não são minhas, xerife? — Estiquei as mãos para que as olhasse. —
Pode ser que me teletransportei até a igreja e atirei no reverendo também. Se quiser verificar a
casa atrás da arma do crime, fica à vontade.
Seu rosto ficou vermelho com a minha afronta.
— Já investigamos seu paradeiro, Emma. O taxista confirmou o que sua mãe me disse,
que, no momento do roubo, as trazia para casa do restaurante.
Caí na gargalhada com a sua audácia em desconfiar de mim mais uma vez.
— Uau! Estou impressionada com a sua competência em desvendar esse mistério, policial.
— Zombei dele.
— Xerife! — Ele apontou a estrela pregada no peito.
— Emma Margareth Carter, não seja hostil. Não vê que o xerife foi gentil em vir nos
deixar a par da investigação? — mamãe o defendeu e eu fiquei boquiaberta.
— O que está rolando aqui? — Olhei de um para o outro.
— Nada! Apenas pedi que qualquer nova informação ele viesse me dizer.
O xerife deu uma levantada na calça para tentar arrumar, mas devido à barriga de cerveja
que ostentava, não fez muita diferença.
— Fala sério, mamãe! Depois de tantos anos solteira, foi cair logo na lábia desse vigário?
O xerife ficou ainda mais irritado.
— Só não te prendo agora por desacato a autoridade, mocinha, porque sua mãe é muito
educada comigo quando venho aqui. — Amoleceu a voz quando foi conversar com mamãe e eu
tive que me retirar. Era nojento demais.
— Pode me dizer que bicho te mordeu? — mamãe me colocou contra a parede quando se
despediu do folgado.
— Não gosto dele. — Dei de ombros.
— Gostaria que não o tratasse tão mal quando vir me ver.
— Vai levar adiante esse romance absurdo? — Dei um berro.
— Não temos nada. — Ela fez uma cara de quem ia aprontar. — Ainda.
— Quando você falou que ia me ajudar, não pensei que a opção era dormir com o xerife.
— Retruquei, enciumada.
— É melhor correr, Emma, ou a surra que nunca te dei quando era criança receberá de
mim agora.
Subi em disparada as escadas.
— Estamos indo de mal a pior. Já começou a ameaçar de me bater.
Ela apontou o dedo para mim dizendo que ia subir e eu ia me arrepender de provocá-la.
Corri e tranquei a porta do meu quarto por saber que suas ameaças nunca eram em vão.

Acorda, Emma!
Ouvi uma voz tão alta feito um trovão me chamando dentro do meu quarto e abri os olhos,
assustada.
— Quem está aí? — Levantei-me da cama, pegando o primeiro objeto que encontrei na
mesinha de cabeceira. — Se invadiu meu quarto no intuito de me assustar, vai se dar muito mal.
Caminhei pé ante pé até a cortina e puxei. Não tinha nada ali. Olhei pela janela para
conferir se alguém, de repente, tinha sido louco o suficiente para pular e não vi ninguém. Não me
dando por satisfeita, fui verificar se mamãe estava bem. Quando abri a porta, fui surpreendida
com um calor enorme vindo da parte de baixo do casarão. A fumaça tomava conta do ambiente e
comecei a tossir sem parar.
— Isso é fogo? — Olhei escada abaixo e vi que a sala estava completamente em chamas.
— Fogo! A casa está pegando fogo, mãe.
Mamãe apareceu com cara de sono na porta do seu quarto e quando viu as chamas
destruindo tudo que tinha pela frente, começou a gritar que íamos morrer.
— O que faremos? Não dá para descer.
O que eu faço?
— Seu telefone! Peça ajuda. Enquanto isso, eu vou amarrar alguns lençóis para que
possamos descer pela janela do meu quarto. — Consegui pensar em uma alternativa em meio ao
desespero.
— Ali tem cobertas. — Mamãe apontou para o armário e, com rapidez, fiz uma corda
improvisada. — Emma! Está subindo rápido. — Mamãe gritou e vi que o fogo tinha tomado a
escada. Era agora ou nunca. Não tinha mais o que fazer. Era tentar salvar as nossas vidas e deixar
que tudo fosse consumido.
— Vá, mamãe! Não há tempo para ter medo de altura. — Segurei a corda com força para
que ela descesse.
— E você? Não vou sem você. — Mamãe tremulou os lábios.
— Não dá tempo de ficar fazendo drama. Desça logo, ou morreremos aqui. Não vou te
perder depois de tudo que passamos. — Outra crise de tosse me atingiu em cheio e meus olhos
começaram a lacrimejar pela fumaça preta que entrava pela fresta da porta. — Não temos mais
tempo.
— Okay! Eu vou te esperar lá embaixo. — Mamãe se agarrou ao pano e começou a descer.
Firmei com todas as forças minhas pernas na parede para não deixá-la cair e machuquei minhas
mãos pela força aplicada. — Não vou aguentar muito tempo. Pula!
Olhei para cima e o fogo tinha tomado boa parte do meu quarto. Não havia mais como
esperar por ajuda. Eu tinha que pular depressa. Olhei para o lado de fora da janela e vi que
mamãe estava chorando, a queda seria feia. No mínimo eu quebraria alguns ossos das pernas.
Senti uma fraqueza quando não consegui respirar como antes e, quando segurei no beiral da
janela para me jogar, minhas vistas ficaram turvas. Eu não conseguia enxergar direito onde seria
melhor cair. O jeito era pular às cegas.
— Venha, Emma! — Mamãe gritou e no momento que decidi pegar impulso para me jogar
e contar com a sorte de sair pelo menos respirando, uma viga caiu em cima de mim. Do lado de
fora, os gritos de mamãe aumentaram. Eu não conseguia responder por conta da minha garganta
estar ardendo, a dor na minha perna presa sendo queimada pelo fogo era grande também.
— Socorro! — Chorei de dor.
— Emmaaaa! — O grito de mamãe dessa vez parecia tão distante.
Minha mente começou a brincar comigo nesse ponto, fazendo minha consciência ir e voltar
em frações de segundos. Tudo estava intenso demais. O calor. A dor latente da carne da minha
perna derretendo. Respirar doía. Meus olhos ardiam e eu pensei que essa era a forma que eu ia
morrer. Não tinha como eu sobreviver a isso e, sinceramente, eu nem queria se fosse para viver
cheia de cicatrizes e as pessoas ficarem me apontando. Acho que desmaiei por alguns segundos e
voltei. E foi nesse exato instante que lembrei do que mamãe me falou. Eu não queria morrer. Eu
tinha muito para viver ainda. Esse era o fim da linha para mim.
— Se o Senhor existe, me ajude a sair daqui, por favor! Eu ainda não estou pronta para
morrer. — Roguei ao Deus que todos diziam ser misericordioso. — Por favor! Me perdoa por
dizer que você não existia. Se eu for alguém importante para você, me dê uma segunda chance.
Eu pedi e pedi, até que fiquei rouca e nada restou para ser dito. Fui sentindo a vida se
esvair aos poucos de mim. A dor havia passado, eu não sentia mais nada. Comecei a fechar os
olhos, entregue à morte, e, antes do fim, quando restava apenas meu último fôlego, eu o vi. Ele
veio em minha direção, andando em passos tranquilos. O fogo ia se abrindo conforme ele
caminhava. Respeitando-o sem ele precisar dizer uma palavra. Reverenciando-o como se ele
fosse um rei e nada fosse capaz de detê-lo e quando se aproximou de onde eu estava deitada, em
um piscar de olhos, me colocou de pé. Olhei para o chão para ter certeza de que era real.
— Está tudo bem, Emma! Nada mais pode te ferir. — Sua voz era calma como o barulho
das águas e seu rosto resplandecia uma luz que me impedia de ver os detalhes do seu rosto. Suas
vestes eram brancas como a neve, e tudo que eu sentia era uma imensa paz por estar em sua
presença.
— Você é Jesus? — Inquiri trêmula, segurando sua mão estendida. Havia cicatrizes nela e
eu tive a certeza de que precisava. Era ele. Tinha que ser. Não tinha como ser uma miragem.
— Sim, Emma. Você teve fé, clamou por mim e eis-me aqui.
— Eu sou importante — afirmei e recebi um sorriso gentil em troca. De repente, senti que
flutuava no ar como uma pena.
— Filha, na minha casa há várias moradas e sempre haverá mais alegria no céu por um
pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não precisam arrepender-se.
Eu senti quando passamos por cima das escadas destruídas, o que não fazia sentido algum
para mim, pois estávamos no quarto em meio ao fogo. Em questão de segundos, chegamos no
andar debaixo, onde um dia foi uma sala. Meus pés tocaram o chão, os dele, não. Enquanto a
minha mão escorregava da sua, eu senti as marcas nas pontas dos meus dedos.
— Estou viva? — Toquei a pele do meu braço, não acreditando que estava salva. — O
senhor me salvou.
— Você precisava de uma prova de minha existência, vá e seja uma árvore que dê muitos
frutos.
— Isso quer dizer que eu fui perdoada, mesmo depois de duvidar de sua existência? —
Inquiri para ter certeza de que não estava ficando louca ou delirando.
— Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. Vá e
não peques mais, filha.
Eu não aguentei tamanho esplendor. Caí de joelhos e o reverenciei chorando muito. No
minuto seguinte, uma luz forte se apoderou do ambiente e eu desmaiei. A próxima coisa que ouvi
foi o barulho das sirenes ligadas e mamãe segurando a minha mão, dizendo que tudo ia ficar
bem.
— Eu pensei que tinha perdido você, meu amor. — Mamãe disse, beijando minha mão.
— Eu o vi. — Falei, tentando me desvencilhar da máscara de oxigênio. — Eu falei com
ele.
— Viu quem, querida? — mamãe tirou os cabelos do meu rosto.
— Eu vi Jesus, mãe. Ele me salvou.
Mamãe apertou a minha mão, sorrindo.
— É normal ter delírios depois de ficar tanto tempo sem oxigênio. — Um dos paramédicos
justificou.
— Não estou delirando. Estou afirmando que ele existe. Acredite em mim. — Eles me
entubaram, dizendo que meu corpo estava sucumbindo e a escuridão me tomou mais uma vez.
Dave Thompson
Eu estava com uma angústia no peito. Rolei na cama e não consegui dormir. Para não
acordar meus pais, peguei meu violão e fui para a varanda, para ver se conseguia acalmar o meu
coração. Lembrei de uma música do cantor Phil Wickham, que se chamava Battle Belongs, e me
trazia conforto quando eu me sentia assim, então, comecei a cantá-la baixinho, tocando os
acordes.
Quando tudo que eu vejo é a batalha, Você vê a minha vitória
Quando tudo que eu vejo é a montanha, Você vê a montanha se movendo
E enquanto eu caminho pela sombra, o Seu amor me cerca
Não há nada para temer, pois estou seguro com Você
Então, quando eu lutar, lutarei de joelhos
Com as minhas mãos levantadas
Oh, Deus, a batalha pertence a Você
E cada medo que eu coloco aos Seus pés
Cantarei a noite inteira
Oh, Deus, a batalha pertence a Você
Quando eu ia para a segunda parte, ouvi alguém me chamando. Era uma voz suave, mas
forte. Tão alta que pensei na hora que meus pais logo apareceriam aqui embaixo para saber o que
aconteceu. Olhei para os lados para dizer à pessoa que falasse um pouco mais baixo e não vi
ninguém. Até que ouvi de novo meu nome e me levantei, indo em direção ao caminho de terra
que levava ao celeiro.
— Quem é você? Apareça! — Rodei no meio do terreiro, à procura. O estranho era que eu
não sentia medo. Era como se eu conhecesse a pessoa. Eu não precisava vê-la para senti-la e
saber que podia confiar. — O que quer de mim?
Então ouvi mais alto do que da primeira vez.
— Por que temas, filho? Não vê que o coração do homem é enganoso? Por que rejeitas o
que lhe dei para cuidar?
Eu caí de joelhos na terra. Minhas pernas fraquejaram e todo o meu corpo tremia, não de
pavor, mas de reverência.
— Senhor?! — No meu íntimo, eu o sentia em cada fibra do meu ser. Eu sabia que era ele.
Lágrimas veio aos meus olhos e chorei. — Não sou digno de estar em sua presença, Pai.
— Vá, filho!
Vá? Vá aonde? Eu ia perguntar, mas quando levantei a cabeça, eu vi. Como se fosse uma
miragem, eu vi que o fogo estava alto na fazenda de Jackson e, no meio do fogo, eu vi a Emma.
Ela pedia por socorro. Eu tentava alcançá-la, mas não conseguia. Me levantei do chão e entendi a
mensagem.
Emma! Era ela! Ela era a escolhida e, teimoso, não percebi. Eu estava a perdendo? Eu
sabia disso. Entrei na picape e saí correndo.
— Senhor! Eu entendi. Eu entendi, senhor! — Eu soluçava feito uma criança.
— Dave! O que está acontecendo, filho? Que gritaria é essa? — Meu pai saiu com mamãe
ao seu encalço.
— O que foi meu filho? — mamãe me abraçou quando viu meu estado.
— É ela, mãe. A Emma é a escolhida. Preciso ir até ela. Ela precisa de mim.
— Ficaremos aqui orando por você. — Papai segurou mamãe em um abraço apertado.
— Vá rápido, filho.
Acelerei a picape e saí em disparada pelas ruas de terra levantando poeira.
— Eu vou cuidar dela, senhor! — Falei com Deus, em meios às lágrimas que nublaram
minha visão. Na metade do caminho a picape morreu, olhei o painel para ver se era gasolina e
mostrava que tinha meio tanque ainda. Girei a chave e nada de ligar. Assim, do nada, ela parou
de funcionar e eu me desesperei, pois, de onde eu estava, dava para ver que a visão era real. A
casa estava em chamas. — Não tires ela de mim, pai. Por favor, não deixe ser tarde demais. —
Eu saí do veículo e corri. Corri em meio ao milharal seco para chegar até ela. — Emmaaaaaa!
Quanto mais eu corria, mais longe parecia que eu estava. Meu corpo estava perdendo as
forças, mas me apeguei à promessa. Deus não teria me mostrado se fosse para me punir. Ele
queria que eu soubesse que era ela por um único motivo. Ele queria que eu a salvasse.
— Me dê forças, senhor! Me ajuda, Jesus! — Meus pulmões ardiam. Minhas pernas
pareciam estar cedendo. — Me dê forças, pai, de chegar até ela! Estou perto.
Vi a mãe de Emma ajoelhada no chão, chorando, e por um instante, eu ousei pensar que ela
tivesse conseguido sair também.
— Cadê a Emma? — Indaguei quando cheguei perto dela.
— Lá dentro! Ela não conseguiu sair.
Não!
— Nãoo! Emmaaaaaa! — Gritei, sentindo meu coração se partir. Era tarde demais. Segurei
a cabeça e gritei mais e mais. Não! Eu não podia aceitar que a perdi.
— Passe os céus, passe a terra, mas a minha palavra não vai passar. — Ouvi a voz que
falou comigo em casa.
— Senhor! A proteja. — Comecei a orar, chorando. — Salve-a, senhor. Por favor! —
Enquanto eu ajoelhei, senti a mão da mãe dela pegar a minha e começar a pedir por misericórdia
também. No quarto onde a mãe de Emma apostava que ela estava presa, uma luz diferente
brilhou. Era maior do que a que queimava a casa.
— Você vê? Ela não está sozinha. — Inquiri, sorrindo.
A mãe de Emma dizia que não conseguia ver nada. Mas eu via. Eu via como se estivesse
lá. Eu vi a hora que um homem vestido de branco caminhou até onde ela estava e ajudou ficar de
pé. Eu vi quando ela olhou para o chão, como se não acreditasse que estava viva. E então eles
desceram para a parte debaixo da casa, flutuando no ar. Corri em sua direção para ampará-la.
— Dave! Não entre! Você vai morrer. — A mãe dela tentou me segurar.
— Preciso ir. Ela precisa de mim.
A mulher segurou forte a minha blusa.
— Não posso deixar que vá. É tarde, filho. Você só vai se machucar.
Em meio à dor, aquela mulher conseguia ter bom senso de tentar me impedir de entrar,
ainda que sua filha estivesse lá dentro. Segurei suas mãos e a olhei nos olhos.
— Ela não morreu. Ela está viva. — Me soltei dela e fui para o lado da frente do casarão e,
como imaginei, Emma estava lá. Não me importando de que fosse queimado junto com ela, eu
entrei em meio aos escombros, a tempo de pegá-la em meus braços quando desmaiou. —
Obrigado, Jesus!
A luz que eu vi não estava mais presente, mas eu sabia que, minutos antes, esteve. Naquele
momento, as sirenes se fizeram presentes e quando saí com ela pela porta da frente, fomos
amparados pelos policiais e paramédicos.
— Você está bem? — Um dos policiais me olhou, espantado. — Isso foi corajoso, meu
jovem, mas estúpido também. Poderia ter morrido.
Eu apenas sorri. Porque eu sabia que se Deus tinha me chamado para estar presente, era
para presenciar algo maravilhoso e não para tirar a minha vida.
— Obrigada, Dave! Você conseguiu pegá-la. — A mãe de Emma, por fora do milagre que
aconteceu bem diante de seus olhos, me agradeceu.
— Agradeça a Deus! Ele a salvou. — Falei, firme. Os créditos não eram para mim. Não
tinha sido eu que fizera tal milagre. — Como ela está?
— Está com a respiração fraca. Precisamos entubar.
Emma voltou a si e começou a falar que tinha o visto. Que Ele existia.
Uma emoção me tomou por saber que não era uma ilusão da minha cabeça, não era a
emoção do momento. Foi real. Ele esteve aqui. Ele lhe deu uma segunda chance.
— É normal ter delírios depois de ficar tanto tempo sem oxigênio. — Um dos paramédicos
justificou.
— Não estou delirando. Estou afirmando que ele existe. Acredite em mim. — Emma teve
forças de rebater e eu ri.
Não adiantava tentar explicar. Eles não entenderiam a grandiosidade do que tinha acabado
de acontecer. Era uma experiência única que ninguém acreditaria.
Olhei para o casarão, vendo que tinham conseguido apagar o fogo. Não tinha restado nada
de pé. Tudo era cinza e carvão. O celeiro e o curral onde os animais ficavam também não tinha
mais nada visível que lembrava o que era.
— Temos que apagar as chamas no milharal, antes que ela atinja outras fazendas. — Ouvi
um dos bombeiros dizer e me virei para ver que o milharal estava sendo queimado por inteiro.
O curioso era que apenas onde eu passei estava de pé. O fogo tinha queimado os dois
lados, menos ali. Era como se houvesse uma força maior que impedira que as chamas
consumissem aquela área. Olhei para o alto quando um trovão cortou o céu. E como para provar
que a sua promessa era perfeita, a chuva desceu forte, ajudando os bombeiros a conter os focos
da queimada.
— Obrigado, pai! — Observei a mãe de Emma entrar na ambulância com a filha e ela
acenou emocionada para mim, ainda sem acreditar. — Obrigado, Jesus! — Repeti.
Um dos policiais me ofereceu carona até a minha picape e, como se nada tivesse
acontecido, girei a chave e ela ligou. Contornei a rodovia e segui a minha prometida até o
hospital. Sim, eu a seguiria aonde fosse. Provavelmente quando acordar, ela iria me querer longe
após a rejeitar tantas vezes. Mas eu não estava com pressa. Eu tinha todo o tempo do mundo para
lutar por ela e conseguir o seu perdão.
— Oh, Emma! Não se livrará de mim nunca mais. — Prometi, acelerando o carro para
acompanhar a ambulância que levava a outra metade do meu coração.
Charles Thompson
Nós vimos quando as autoridades locais terminaram com a perícia e saíram da fazenda.
Não tinha sobrado nada que lembrava o antigo casarão que Jackson construiu. No fundo, senti
um pouco de pena por ver que os animais não tinham sobrevivido. Na correria, esqueci de deixar
o curral aberto para que eles pudessem escapar antes que o fogo chegasse.
— É perigoso ficarmos aqui, Charles. — Hans me repreendeu.
— Eu só queria ter certeza de que o fogo não iria para as fazendas vizinhas.
Hans resmungou um “idiota”, sabendo que não era só isso.
— A chuva já apagou os focos de incêndios. Deixe de ficar agindo feito um neurótico, ou
vai levantar suspeitas para nós. — Meu irmão disse, com a voz entediada.
— Será que matamos as mulheres, Hans? — A fumaça ainda era espessa. Não tinha como
alguém ter saído vivo dali, ou ao menos não com chances de sobreviver.
— Saiu uma ambulância do local. Seria muita sorte se ninguém sobrevivesse. Assim,
acabariam os herdeiros de Jackson. — Senti um enjoo pela maneira que ele falou.
— Não se sente mal? Digo, de saber que tiramos a vida de alguém? — Eu estava me
sentindo muito culpado. Na verdade, eu me arrependi no minuto que vi o fogo tomar forma e se
espalhar, mas já era tarde para apagar sem ter que dar explicação do porquê estávamos
justamente ali na hora do incêndio.
— Calado, Charles. Se a Grace souber que está tendo uma crise de consciência a essa
altura, vai te furar todo de balas. Não viu o que ela fez com o próprio marido? — Hans brigou
comigo.
— Não entendo como consegue pegar aquela bruaca sabendo o que ela é. — Comentei,
pensativo. — Você a ama?
— O quê? Está ficando louco? Apenas estou a usando para obter o que quero.
Virei o pescoço em sua direção.
— Para quê? O que ela tem para oferecer a não ser seu depoimento que nos colocará na
prisão?
— Ela não é idiota. Sabe que se fizer essa besteira, estará se incriminando também.
Eu tinha minhas dúvidas. Grace era fria e calculista. Não consigo nem duvidar do que mais
ela estaria disposta a fazer.
— Ela deixou o dinheiro no lugar combinado? — Eu não queria ser pego. Tinha sonhos
para se realizar e a cadeia não era uma opção.
— Sim. Vamos pegar e voltar para a capital, não precisamos retornar. Temos dinheiro para
recomeçar em outro lugar. Quando acabar, eu sei como conseguir mais dela. — Hans ofereceu e
eu prontamente aceitei a sua sugestão.
— Concordo, irmão! Vamos sair daqui antes que alguém nos veja.
Ele bateu com a mão no teto, fazendo um barulho irritante e eu cantei poeira na estrada,
pegando a direção contrária que levava para Greenville.
Não muito longe de onde estavam parados, o detetive que Emma contratou procurava por
provas consistentes que poderiam não só inocentar a sua cliente, como também provar quem era
o mandante dos ataques em sua fazenda. Ele viu quando os irmãos ficaram parados, analisando
o estrago, e achou estranho o comportamento de ambos. Então, ele resolveu seguir a sua
intuição, que nunca falhou em seus mais de 20 anos de trabalho, o qual sempre se deparou com
criminosos voltando à cena do crime para ter certeza de que não eram os principais suspeitos.
Sendo assim, ele os colocou na sua lista de prováveis suspeitos para averiguar melhor e ter
certeza de que estava no caminho certo.

Grace Lowell
— Então quer dizer que pegou fogo a fazenda? Que horror! — Fingi estar chocada com a
notícia. — Pobre menina. Não teve muita sorte em se hospedar aqui, não é?
— Achei que a odiasse. — A esposa de Elias começou a me dar nos nervos. Essa sua
mania de se intrometer onde não era chamada ainda iria deixá-la em maus-lençóis.
— Como meu falecido marido dizia: devemos perdoar os nossos inimigos. Ainda mais
quando não tem o mesmo entendimento que o nosso.
O pastor concordou comigo.
— Está certíssima, Grace. Devemos orar por nossos inimigos.
Sorri, condescendente.
— A polícia disse se o incêndio é criminoso ou um acidente? — questionei,
despretensiosa.
— Ainda não saiu o laudo da perícia. Mas não vou ficar surpreso se acharem outra digital
que baterá com a que acharam nos galões e na igreja.
— Como é que é? — Me virei de uma vez em sua direção.
— O xerife não disse a você? Acharam uma digital nas duas cenas do crime que indica ser
da mesma pessoa. Eu ia até te perguntar se não foi chamada para prestar um novo depoimento
sobre possíveis suspeitos. — Elias dizia como se fosse uma ótima notícia, quando, na verdade,
seria o meu fim.
— Amanhã mesmo passarei no departamento de polícia para verificar essa história de
perto. Quero saber de tudo. Não sossegarei até ver o criminoso atrás das grades. — Falei,
enérgica.
Meu pai sempre dizia: se quer algo bem-feito, faça você mesma. Eu deveria saber que
aqueles dois iriam me deixar na mão. Agora, eu teria que posar de boa pessoa e ir até o hospital
sondar se a garota não viu um deles por lá e eliminá-la se for uma testemunha. Presa, eu não iria.
Não lutei tanto para perder.
— Assim que se fala, primeira-dama. Greenville não precisa de pessoas tirando nossa paz.
— Ela não é mais, Elias. — Sua esposa enxerida tirou o brilho da conversa.
— Grace nunca perderá esse posto, querida, dado aos anos que ela se doou para a
comunidade. Creio que assim como é para mim, será para o povo de Greenville. — Gostei do
quanto sua esposa murchou com suas palavras. Eu não teria dito melhor. Poderia vir muitas
primeiras-damas, mas nenhuma delas estaria à minha altura.
— Me sinto lisonjeada, Elias. No entanto, acho que, em breve, sua esposa fará um trabalho
maravilhoso para a congregação. Vejo muito potencial nela. — Respondi, com uma humildade
que não sentia. Verdade seja dita, eu não precisava de mais inimigos.
— Você acha? — a sonsa não perdeu a chance de acreditar.
— Claro! Afinal, trabalhou comigo por muitos anos e vai fazer um excelente trabalho em
meu lugar. — Sorri, me retirando antes que a conversa se estendesse demais. Eu gostava de ser
bajulada e não bajular.
Esperei ter certeza de que todos estavam dormindo, antes de colocar meu plano em ação.
Liguei para a pessoa que eu sabia que em um momento sensível como esse, por mais que não nos
déssemos bem, nunca me deixaria na mão. Tínhamos um código de honra que era seguido à
risca, doa a quem doer.
— Pensei que nunca mais teria o prazer de receber uma ligação sua. — Sua voz estava
mais envelhecida do que me lembrava.
— É, faz muito tempo que não nos falamos, não é?
— O que me leva a uma pergunta. Por que depois de tanto tempo entrou em contato? Não
disse que tinha feito uma vida nova para você?
— Sim! Mas fiz coisas ruins. Estraguei tudo e preciso da sua ajuda.
— Estou ouvindo. Basta dizer as palavras certas, Grace, e terá tudo que pedir. — O preço
seria alto, porém, valeria cada centavo.
— Eu preciso que me ajude sair de Greenville. Eu matei meu marido e a polícia está a um
passo de descobrir que sou eu por trás do crime.
Ele assobiou, surpreendido.
— Confesso que não esperava por essa. Uma vez Lowell, sempre Lowell. — Sua risada fez
eu me arrepender de ligar. — Quem nasce numa família como a nossa, com os dons que nós
temos, nunca deixa de ser quem é, Grace. Está no nosso sangue ser golpista e procurar por
novas emoções.
— Vai me ajudar ou não? — Indaguei, perdendo a paciência.
— Claro que vou. Você é da família. — Eu sabia que poderia contar com ele. — Me conte
tudo que aconteceu para eu bolar um plano de reversão de danos.
— Tudo bem. — Resumi o que fiz nas últimas semanas e ele ouviu cada palavra em
silêncio, analisando possíveis saídas. Ele era assim, inteligente, cuidadoso e eficaz. Nunca foi
pego e sempre saiu ileso.
— É o seguinte, você vai conseguir fazer com que as pessoas a entregue o dinheiro dos
empréstimos. Quando estiver com tudo em mãos, me avise que passarei o local que deverá estar
aguardando. Um dos meus homens vai te encontrar lá, vai te passar uma nova identidade e te
levará para um novo país.
— E o que vai querer em troca? Vinte por cento?
— Metade da grana está de bom tamanho.
Gemi, chocada.
— Isso é uma extorsão. Você nem precisa desse maldito dinheiro.
— Desculpe, Grace, são só negócios. Não me faria falta, entretanto, é você que precisa da
minha ajuda e isso custa dinheiro. — Cínico!
— Okay, seu miserável. — Apertei o telefone com raiva.
— Também te amo, irmãzinha. Me ligue quando tiver cumprido a sua parte. — Desligou
na minha cara.
Fiz um conta rápida de cabeça e percebi que estaria no lucro. Se eu convencer todos de
fazer empréstimos altos, alegando que na situação que a Emma está venderá tudo a preço de
banana, ainda que eu perca metade, terei o suficiente para recomeçar em outro lugar, com outro
nome. Um país onde ninguém me conheça e eu poderei, quem sabe, ser a primeira-dama de um
político com muita influência. Eu não estou nada mal para uma senhora de 50 anos. Hans sabe
bem disso.
— Você nasceu para ser muito rica! Já que o velho Jackson não caiu na sua lábia e deixou
tudo para a igreja, elimine tudo e comece de novo. — Sorri, fitando meu rosto no espelho, sem
uma ruga sequer, devido aos meus vários cremes caros e importados, os quais eu não vivo sem.
Emma Carter
Eu estava sentindo muita dor. O efeito da morfina estava passando e eu sentia
absolutamente tudo, só que eu não podia tomar mais do que foi recomendado pelos médicos,
tinha que ser na hora certa. Cada machucado, cada área queimada estava ardendo e eu segurei os
gemidos, pois não ajudava que Dave estivesse aqui, me olhando com pena e toda hora
perguntando se eu precisava de algo, como se eu fosse uma inválida.
— Os médicos disseram que já estou boa e que em breve ganharei alta. — Falei, pegando
um dos folhetos que as enfermeiras deixaram no quarto sobre as terapias que eu precisaria fazer.
Uma delas seria para recuperar o movimento na perna que foi atingida pela viga e fraturada, e o
fogo derreteu a carne da canela. Foi preciso fazer enxerto de pele, por esse motivo, eu estava
mancando e precisaria de um certo suporte médico para me recuperar.
— Eu ouvi. — Ele afirmou, me observando de soslaio.
— Então, o que ainda está fazendo aqui? Virei um caso de caridade? Não tem uma noiva te
esperando e um bebê para cuidar? — alfinetei, mal-humorada.
— Ela não é minha noiva e o bebê dela não é meu. — Um peso enorme saiu dos meus
ombros com seu esclarecimento.
— Ela parecia sincera. — O lembrei do jantar.
— Não se engane, Emma. Maggie é ardilosa e não mede esforços quando quer magoar
alguém.
— Pode até ser. Mas eu acho que deveria dar uma chance a ela. Além de ela gostar de
você, poderá te dar uma família perfeita. — O testei.
— Pode falar o que quiser, Emma, que não vai conseguir me tirar desse quarto.
— Por quê? Não me queria antes, vai me querer agora que estou cheia de queimaduras?
— Engano seu. — O encarei, chateada. — Para mim você continua perfeita.
— Sempre desconfiei que não batia bem da cabeça. — No fundo, eu tinha amado ouvir tais
palavras dele.
— Talvez seja você que me deixa assim. — Confidenciou e meu coração voltou a bater
mais forte.
— É mesmo? Quer dizer que eu tenho o poder de te deixar louco? — Levantei uma
sobrancelha.
— Quero dizer que tanto tira o melhor de mim quanto o meu pior.
— Isso não está parecendo um elogio. — O provoquei.
— Bom, terei tempo de aprender como me expressar direito com você. — Era fofo quando
ele dizia coisas assim. — Por que não come um pouco de geleia de damasco? A senhora Miles
mandou vários potes. Talvez adoce esse seu humor azedo.
— Tem certeza de que não tem veneno nele? Você disse que ela perdeu duas vacas
premiadas por conta do riacho envenenado.
— Ela sabe que não foi sua culpa, Emma.
Era bom saber que nem todo mundo me odiava e que me dava o benefício da dúvida.
— Onde está?
Ele apontou o armário que tinha no canto do quarto. Cerrei meus olhos por saber que fez
de propósito ao colocar longe de mim, somente para que eu dependesse de sua ajuda.
— Confesse que está adorando me ter à sua mercê, Dave.
Descaradamente, ele riu.
— Qual é a palavra mágica, Emma? É só dizer que o pote vai parar na sua mão.
— Nem estava com tanta vontade de comer. Deixe-o guardado.
— Tudo bem! Quando quiser, é só se levantar e ir pegar.
— Cowboy grosseirão, poderia, por favor, pegar a geleia? — Falei, entredentes.
— A parte do grosseirão poderia ter deixado de fora, mas vou deixar passar porque pediu
por favor, como a boa educação manda. — Ele se levantou e pegou o potinho, me entregando
com uma colher.
— Obrigada, grosseirão. — Por mais que não desse o braço a torcer, ele adorava esses
embates.
— Emma, Emma! Você não vai ficar a vida inteira nessa cama. Vou cobrar cada desaforo
quando sair daqui.
— Isso é uma ameaça?
— Isso é uma promessa. — Ele voltou para a poltrona de visita e se sentou, pegando um
livro de capa preta para ler.
— O que está lendo? — Fiquei curiosa. Ele não largava a leitura. Volta e meia apenas fazia
uma pausa.
— A Bíblia. — Me recostei no travesseiro, quase chorando de alívio quando o alarme
tocou e eu pude apertar o botão que liberaria o remédio para controlar a dor de novo.
— Leia para mim. — Pedi, fechando os olhos.
— Está me pedindo para ler por que está sob efeito da droga, ou por que tem interesse?
— Quero saber mais sobre Jesus. — Eu nem precisava olhar para ele para saber que estava
sorrindo.
— Quando vai me contar o que aconteceu naquela casa, Emma?
— Quando vai se abrir para mim e contar sobre o seu passado, Dave?
— Outra hora. — Desviou sua atenção.
— Então eu conto quando eu sair desses remédios e ninguém puder dizer que estou
delirando.
Uma risada baixa veio dele e eu gostei de ouvi-la.
— Ainda com raiva dos paramédicos?
— Sim. Eles colocaram na minha ficha que eu estava delirando. — Me defendi.
— Emma, tem que entender uma coisa, nem todo mundo tem intimidade com Deus o
suficiente para saber que o que aconteceu com você foi um milagre e que você teve uma
experiência sobrenatural.
Suspirei fundo.
— Eu entendo. De verdade, eu consigo compreendê-los. Só acho desrespeitoso me taxarem
como louca.
— E todos não somos? — Ele deu uma pescadinha matreira.
— Acho que sim. — Sorri de volta.
— Tem uma passagem aqui que é bem interessante. É sobre três homens que foram
jogados na fornalha por Nabucodonosor para serem queimados vivos, por não se prostrarem
diante dos deuses pagãos, e Jesus os protegeu. Quer ouvi-la ou acha que lhe dará gatilhos?
Quem sorriu fui eu, diante sua preocupação.
— Por favor! Me conte essa. — E eu ouvi, encantada com tudo que ele lia.
Era impossível não comparar com o que aconteceu comigo. A única diferença era que os
três homens saíram ilesos e eu, por outro lado, teria as marcas para me lembrar daquele dia. E,
quer saber, eu estava tranquila quanto a isso. Jesus não perdeu suas marcas, e, de certa forma, ter
as minhas me fazia sentir mais próxima ainda dele.
Dormi um sono profundo quando Dave terminou de ler a história.

— Não preciso dessa cadeira de rodas. — Apontei para a monstruosidade que Dave
segurava à minha frente.
— Você não pode se esforçar tanto, Emma. Precisa ir devagar. — Ele ignorou meus
avisos.
— Mamãe, quer dizer a esse homem teimoso que eu consigo andar? — Mamãe fez sinal de
fechar a boca com zíper e jogar a chave fora. — Traidora! — Esses dois iam me deixar louca.
— Pense nela como seu novo veículo provisório.
— Eu não sei dirigir. — O surpreendi com a minha confissão.
— Não sabe?
— Não! Por que acha que eu assisti um parto e não peguei as suas chaves e fui embora,
gênio?
— Pensei que era porque não sabia o caminho de volta. — Ele ficou pensativo.
— Isso também! — Mamãe gargalhou.
— Quando ficar boa, eu prometo que te ajudo a aprender.
— Naquela picape velha que vive te deixando na mão? — Me sentei na cadeira que ele
segurava.
— Não fale assim da Bessi, ela é sensível.
Ri, achando engraçado.
— Definitivamente você não bate bem da cabeça. — Me arrependi de cutucar a fera com
vara curta, pois Dave deitou um pouco a cadeira e começou a empurrá-la rápido pelos corredores
do hospital.
— Vou te mostrar o quão bom motorista eu sou.
Comecei a gritar por socorro e as enfermeiras em vez de me ajudar, pediram silêncio.
— Não vê que ele está tentando me matar? — questionei uma delas.
— Eu não acho que seria uma morte ruim. — Uma abusada respondeu.
— Deixa para lá. Esqueci que você tem um fã clube onde quer que vá.
Dave riu.
— Ciúmes, Emma?
Dei de ombros.
— Não sou ciumenta.
— Ela é sim. Foi muito mimada por ser filha única. — Mamãe, sendo minha pior inimiga,
me dedurou.
— Não era propício defender a sua cria, mãe desnaturada? Até os animais são mais
amorosos.
— Se eu fosse um animal, seria uma gata e teria comido você quando nasceu, por ser uma
filha tão cabeça dura.
— Ouviu isso, Dave? Depois de eu ter quase morrido a salvando, ela me fala essas coisas
absurdas.
— Ela não falou sério! — Dave respondeu, achando graça da nossa implicância.
— Falei sim. O xerife nem veio mais me visitar depois que ela disse um monte de absurdos
para o pobre homem.
Fiz uma careta de desgosto.
— Nossa! Não me conformo com esse seu dedo podre. A senhora tem um padrão para
escolher homens.
— Que padrão? — Ela colocou as mãos na cintura.
— Só se apaixona por sujeitos de caráter duvidoso.
Mamãe apontou o dedo para mim, mas não respondeu o que queria dizer.
— Dave, querido, dobre a cadeira de novo por favor, mas dessa vez a deixe acidentalmente
descer pelas escadas sozinha!
Meu queixo bateu no chão.
— Estou chocada com a sua audácia, sua mulher sem coração. Com uma mãe dessa,
ninguém precisa de inimigos. — Vi que os dois se seguravam para não rir. — Vamos fazer essa
terapia logo, que preciso me livrar dessa cadeira o quanto antes.
Dave Thompson
Ela estava sofrendo muito e, ainda assim, sendo tão corajosa. Me enchia de orgulho que,
em vez de ficar deprimida por sua autoestima estar afetada, ela conseguia ser positiva e dizia que
venceria essa fase.
Os três primeiros dias foram horríveis, ao vê-la entubada; cheguei a pensar que a
perderíamos. Porém, nas semanas seguintes ela foi melhorando e, para a nossa sorte, ela voltou
para nós sem sequelas graves e agora que tinha ganhado alta. Era quase a Emma de antes do
incêndio.
— Só mais uma vez, Emma, e já vamos te liberar. — A fisioterapeuta avisou, ajudando-a
firmar a perna e dar alguns passos devagar, para se acostumar a andar sem ajuda.
— Dói muito ainda. — Falou, suspirando fundo.
— É normal. Faz poucos dias que tirou a atadura, sua perna está rígida por ter ficado muito
tempo na mesma posição.
Com dificuldade, ela deu três passos e parou, pedindo arrego.
— Tudo bem. Vamos continuar na sexta. — A fisioterapeuta a ajudou a se sentar na
cadeira de rodas. — Paciente entregue.
Nos despedimos e encaminhei com ela para fora do hospital.
— Quer dar uma volta ou está cansada demais para conhecer um pouco da vila?
— E o que tem de interessante para eu ver? — Indagou, rabugenta.
— Que tal passarmos em alguma uma loja, comprar brinquedos e levar no orfanato?
Um sinal de um sorriso apareceu.
— Tinha me esquecido dele. Lembro que me disse que foi meu pai que ajudou a abrir, né?
— Sim. Ao menos uma vez na semana eu o levava lá para ser voluntário.
— Quero conhecê-los.
A guiei para dentro do carro e depois de fazermos uma compra gigante de brinquedos,
colocamos tudo na carroceria da minha picape e dirigimos até o orfanato. Ao chegarmos no
lugar, encontramos as crianças brincando no parquinho improvisado do lado de fora, que, ao nos
verem descer, fizeram uma festa. Poucas pessoas as visitavam e elas eram muito carentes de
atenção. Sorri quando cercaram Emma e iniciaram uma sessão de perguntas curiosas.
— Você machucou a perna, tia? — Aurora tapou a boca em choque.
— Sim. Fui fazer coisas que não devia e me machuquei. — Emma tocou o nariz da
pequena, que abriu um sorriso banguela.
— Você quer ver meus desenhos? Eu sei fazer borboletas coloridas.
Emma riu da animação das crianças em querer que ela fosse brincar com eles, e nessa de ir
ver o que cada um gostava de fazer, passamos mais da metade do dia cantando, brincando,
assando cookies para todos. No fim, quando tivemos que nos despedir deles, não só tínhamos
distribuído muito amor, como recebemos também.
— Que dor no coração de ir embora e saber que voltarei à rotina de antes sem esses
sorrisos. Dá vontade de levar todos comigo. — Emma brincou, me fazendo gargalhar. Eu nem
sabia como era. E quem vinha uma vez, sempre acabava voltando.
— Todos eu não sei, mas já pensou em adotar alguns? Eu sempre sonhei com uma casa
cheia. — Um silêncio tomou o veículo depois dessa minha observação e voltei minha atenção
para ela sentada ao meu lado, me encarando. — Tudo bem? — fitei seu rosto para ver se ela não
estava sentindo dor.
— Tudo. É que você me incluiu nesse sonho e fui pega desprevenida.
— Emma, eu não sei se notou, mas não estou querendo ser somente seu amigo. Não toquei
mais no assunto desde o hospital sobre as minhas intenções pelo fato de saber que não é o
momento para isso, mas não desisti de você.
— De repente, me tornei alvo de sua admiração. O que mudou, cowboy? Percebeu que eu
era a sua escolhida quando quase me viu morrer?
Era hora de ser sincero e dizer o que me levou a ter certeza de que era ela.
— Deus me disse. — Seu pescoço virou em minha direção.
— Deus? Quando?
— No dia do incêndio. Eu estava em casa, sem sono. Resolvi ir para a varanda, tocar uma
música que gosto e, de repente, ouvi sua voz tão alto que parecia um trovão. Tive uma conversa
íntima com Ele e eu vi, Emma. Eu vi você no meio do fogo, pedindo ajuda. Foi assim que fui
parar na fazenda.
Ela meneou a cabeça, e pensei que duvidaria ou me diria que minha experiência era irreal.
— Eu acredito em você. — Meu coração se encheu de alegria. — Ainda que eu não
entenda muito sobre meu lado espiritual e muitas pessoas não acreditam em mim, eu sei que é
verdade, porque tive uma experiência semelhante. Eu o vi, Dave, assim como vejo você.
— Deve ter sido incrível. Você falou com ele ou ele te falou algo? — inquiri, emocionado,
meu corpo se arrepiando todo somente com a mera visão.
— Eu pedi que ele me perdoasse pelas vezes que neguei a sua existência e ele disse que
estava havendo uma festa no céu porque eu tinha me arrependido e o aceitado como meu
salvador. Ele me salvou e me deu uma segunda chance.
Toquei sua mão, em um gesto de cumplicidade.
— Me desculpa? — Tomei coragem de fazer a coisa certa. — Eu agi muito errado com
você. Fui um idiota e deixei-me cegar pela minha raiva, devido ao fato de ter sido traído e
abandonado pela minha ex-noiva, e acabei jogando minhas frustrações em você, que não tinha
nada a ver com a situação.
— Você fez o que achou ser certo. Não julgo suas ações. Eu sei agora o quanto significou
para você. — Ela sorriu, envergonhada.
— Não, Emma. Eu deveria ter te tratado melhor. Esperado antes de me precipitar em me
afastar. Talvez, se eu estivesse presente, nada disso teria acontecido com você. — Sim, eu me
culpei, pois acreditava ser alguém que se sentiu amedrontado em perder sua vida aqui e foi longe
demais.
— Sabe, eu desisti da venda. Recebi uma boa proposta e rejeitei.
A encarei, verdadeiramente surpreendido.
— Sério? — Indaguei, tentando segurar a minha felicidade.
— Muita gente foi prejudicada por minha causa. Não é justo deixá-los nesse momento sem
nada. Acho que meu pai tinha razão. Quem vem para cá, acaba querendo ficar.
— Não tem nada a ver com um homem loiro que usa chapéu e botas de couro? — a
provoquei.
— Não! Se fosse por esse cowboy grosseirão, eu teria ido embora no primeiro dia.
— Isso doeu. — Fingi estar desapontado.
— Você vai superar. Depois de três foras que me deu, ainda faltam dois para eu empatar e
te perdoar. — Ela teve o disparate em dizer.
— Vai me fazer sofrer, mulher tinhosa?
— Sim. Não merece receber o meu sim para qual for o pedido depois de me deixar
sofrendo por você.
Parei o carro em frente ao hotel que elas estavam hospedadas e peguei em seu queixo.
— Não tem problema. Eu espero o tempo que for. — Prometi, sério.
— E se for anos? — levantou uma sobrancelha.
— Não estou com pressa. Eu sei que valerá a pena a espera. — Afirmei, saindo do carro
para a ajudar descer.
— Confiante, né? — Ela disse, sorridente.
— Pode se dizer que sim. Quando uma promessa é perfeita, sabemos que no tempo de
Deus ela vai se realizar. — Segurei a sua cintura para a sentar na cadeira de rodas e suas mãos
me pararam.
— Como quer namorar comigo se nem um beijo eu recebo?
Subi devagar meus olhos por seu corpo até parar no seu rosto.
— Achei que ia me castigar. — Devolvi sua afronta de antes.
— Eu não disse o “sim” ainda, o que não quer dizer que eu não queira um beijo seu.
Diacho! Eu não tinha certeza se ia conseguir me segurar. Estávamos em público e ela me
fazia perder a mente quando eu a tocava.
— Não é melhor deixar para quando formos oficiais?
— Por quê? Está com medo de querer provar o proibido?
Claro que sim.
— Não! Só não quero que esse povo fale o que não deve.
Sua cabeça se encostou no banco do motorista com um biquinho bonitinho e foi difícil
consegui negar algo a ela, ainda mais quando aqueles olhinhos brilharam em minha direção. A
peguei pelo pescoço e trouxe a sua boca até a minha e tudo pareceu ser tão certo. Meu mundo
inteiro encaixou as peças soltas em seus devidos lugares. Por que demorei ver isso? Como pude
pensar que eu conseguiria viver sem ela e essa sua teimosia que tanto me irritava quanto me
excitava na mesma intensidade?
— Dave?! — Seu sussurro acendeu a chama dentro de mim que tentei manter apagada por
todo esse tempo.
— É melhor pararmos, ou não poderei me controlar. — Beijei a ponta do seu nariz.
— Você não disse que eu sou a sua escolhida? — Eu não soube se estava apenas com
dúvidas ou me provocando, mas achei melhor explicar o motivo de não querer pular a principal
etapa e tomá-la como desejava desde que a vi descer do táxi.
— Acredite em mim, Emma, quando digo que não teve um dia que eu não obtive meu
controle de volta tomando inúmeros banhos gelados para não descumprir o meu propósito.
— Mas precisa continuar se controlando agora? Por quê?
— Porque quando eu for torná-la minha, não vai ser como um animal que pega a sua fêmea
por impulso. De qualquer jeito. Vai ser depois de colocar uma aliança em seu dedo e de ouvi-la
dizer que “sim”, que me aceita como seu marido.
Sua boca fez um perfeito “O”.
— Você quer pular todas as etapas? É isso que está dizendo?
Abri um grande sorriso pela sua surpresa.
— Você quer esperar mais tempo para ter certeza? Porque não resta dúvida nenhuma,
pequena.
— E ficar sem poder te tocar ou sentir você da maneira que quero? Não. Se quiser, voamos
para Las Vegas e nos casamos em uma capela qualquer.
— Oh, mulher apressada. Vai ser como manda o figurino. Quero ver a minha amada
vestida de noiva, entrando na igreja e vindo em minha direção.
— Se faz tanta questão, eu espero.
A levei para o seu quarto. Quando a sua mãe abriu a porta para nos receber, desci minha
boca até a sua orelha para que somente ela escutasse a minha promessa deliciosamente tentadora.
— Eu estou há anos sem saber o que é tocar em um corpo feminino, Emma. Portanto, faço
questão de que esteja bem e fora dessa cadeira. Eu não serei suave e depois que for oficialmente
minha, como mandam os bons e velhos costumes, vai ter dificuldades de me tirar de cima de
você. — Beijei a sua bochecha e ri quando a ouvi dizer para a sua mãe que precisava de um
banho gelado urgente.
Emma Carter
— Me ajuda chegar até a janela? Quero vê-lo sair.
Mamãe riu com a minha pergunta.
— Pelo jeito, começaram a se entender de novo. Já não era sem tempo.
— Ele se declarou para mim. — Falei, o observando pela fresta da cortina. A calça jeans
apertando suas coxas grossas e o deixando extremamente sexy, com aquelas botas que pareciam
ser até extensão de seu corpo com músculos nos lugares certos.
Não me cansava de admirá-lo. De vez em quando, parecia que eu estava vivendo em um
universo paralelo. Um que, a qualquer hora, eu iria acordar do coma e nada do que eu estava
vivendo seria realidade.
— Ah, que maravilhoso, Emma. Eu soube, no instante que ele chegou desesperado na
fazenda e quase entrou no fogo para te salvar, que aquele homem te ama.
— Ele é um homem intenso e decidido. Disse que quando formos oficializar, será para nos
casarmos. Eu acho que nunca vi um cara querer pular as etapas tão rápido como ele.
— Uau! — Mamãe sentou-se ao meu lado, rindo, feliz. — E você? Não acha melhor irem
devagar?
— Bom, eu já disse a ele que não me oponho. Até prefiro que seja assim. — Vai que ele
desista de mim.
— Se tem tanta certeza de que deseja o mesmo, o que está te perturbando?
— Só estou sendo boba. — Abanei a mão, desdenhando de mim mesma. O coração doía só
de pensar que quase morri sem viver o que estava vivendo, tanto no amor quanto no espiritual.
— Emma, desembucha!
Gemi, inquieta.
— Tenho receio de irmos devagar. Vai que ele perceba que está equivocado e volta à
mesma ladainha de antes.
— Que seria? — Mamãe bateu as duas mãos nas coxas, nervosa. Ela era durona quando
pensava que poderiam ferir a sua cria.
— Dizer que não me quer. — Respirei fundo. — Que não sou o que espera.
— Emma! Está deixando as suas inseguranças te vencer, filha. Você precisava ver como
ele ficou arrasado quando nos disseram que tinha entrando em coma.
— Esse é o problema, mamãe. Essa tragédia ter nos juntado. E se foi apenas por remorso?
Quer dizer, ele me disse que teve uma experiência com Deus e que tem certeza de que sou a sua
escolhida, mas me pergunto se ele não entendeu errado. — Esfreguei meu rosto, impaciente.
Metade desse medo se dava porque eu nunca tinha tido um homem como ele na minha vida.
— Filha! Ele orou todos os dias à beira da sua cama, dormiu no hospital porque ficou com
receio de não estar presente se você precisasse dele, leu a Bíblia para você e até penteou os seus
cabelos.
Fiquei boquiaberta ao saber de tudo. Nunca tínhamos parado para comentar sobre os dias
em que fiquei desacordada.
— Dave fez tudo isso? — Mamãe meneou a cabeça em afirmação.
— E tem mais: como os médicos disseram que precisava de um ambiente tranquilo para se
recuperar, uma tal de Grace tentou te visitar e ele a barrou. Segundo ele, não queria ninguém que
você não gostasse por perto, para não correr o risco de te chatear e piorar o seu quadro clínico.
— Nossa! — Sorri, imaginando a cara daquela falsa quando foi enxotada.
— Olha, eu não o conheço tempo o suficiente para afirmar que ele não vai errar em algum
momento. Somos humanos. No entanto, posso dizer que ele foi mais cauteloso do que eu, que
sou a sua mãe. Isso tem que significar que é amor e não remorso, não concorda?
— Sim. Tem razão, mamãe. Só estou sendo insegura. — Concordei com sua análise. Ele
cuidou de mim. Ele não foi embora depois que ganhei alta. Ele disse que queria se casar comigo.
— Emma, eu sei que não ter o seu pai presente deixou marcas em você, mas está na hora
de parar de comparar todos os homens com a versão que conheceu dele. Dave não vai brigar com
você e sumir, e você não vai abandonar o barco quando tudo estiver ruim, pois não será eu.
— Eu sei…
Ela me parou.
— Vocês não serão uma versão minha e do seu pai. Entendeu?
Pisquei, surpresa com o seu tom firme. Nunca imaginei que ela pudesse entender o que se
passava dentro da minha mente.
— Obrigada. — A abracei forte. — Prometo que vou pegar leve com o xerife quando
aparecer de novo.
Ela gargalhou.
— Ótimo! Porque ele está vindo jantar conosco. — Levantou-se, como se não tivesse
acabado de puxar meu tapete.
— Você não disse que ele estava zangado contigo? — Cerrei meus olhos em sua direção.
— Bobinha! Pensou mesmo que eu deixaria um homem daquele fugir de mim porque a
minha filha foi uma pentelha com ele? Já resolvi a situação, querida. Se ficar bobeando com
Dave, quem colocará uma aliança no meu dedo primeiro será o xerife.
— Apressada, não é? Depois fala de mim. — Não perdi tempo em a provocar, porém,
dessa vez, não havia ciúmes, fiquei feliz por vê-la animada.
— Na minha idade, não ficamos presas em dúvidas. A gente somente curte o momento. —
Ela piscou, indo tirar seu famoso assado do forno. Uma batida à porta chamou a nossa atenção.
— Pode atender para mim? Deve ser ele e eu quero me arrumar para recebê-lo.
— Okay! — Girei a cadeira até a porta e a abri. Como bem ela disse, era o xerife.
— Xerife! — Me afastei para que pudesse entrar.
— Boa noite, Emma! Está sozinha? — Ele fechou a porta, tentando com esforço, não
amassar o buquê de rosas que trazia nas mãos.
— Mamãe está no quarto, terminando de se arrumar. — Ele deixou o buquê na mesinha e
olhou sem jeito em volta da pequena sala. — Sente-se! Acho que devemos conversar sobre esse
seu interesse em minha mãe, certo?
Percebi que sua postura mudou e, por um momento, eu deixei a minha mente viajar. Fiquei
pensando que ele faria igual nos filmes de suspense e se revelaria para mim. Puxaria uma arma,
apontaria para a minha cabeça e diria algo do tipo “você é muito mais difícil de matar do que
imaginei, mas não vou errar dessa vez”, e todos descobririam, tarde demais, que era ele o tempo
inteiro me prejudicando. Mas, indo contra minhas teorias criadas através de séries cabulosas da
Netflix, ele se voltou para mim com um sorriso tenso e se sentou como pedi.
— Sei que começamos com o pé errado, Emma. Só que não foi nada pessoal. Deve ter
percebido que estou interessado na sua mãe e gostaria muito que você e eu pudéssemos começar
de novo e deixar nossas divergências no passado. O que acha?
— Acho ótimo! — Sorri de volta, analisando se não estava deixando passar algo, só para
ter certeza de que estava abaixando a guarda para a pessoa certa. — Eu ia propor algo do tipo a
você.
— Quero que saiba que não estou aqui para tentar substituir ninguém. Bom, para ser
sincero, espero apenas conseguir um lugar no coração de sua mãe. É um pouco difícil competir
com Jackson. Ele era muito competitivo e tinha uma presença e tanto.
Isso me fez rir.
— Gostaria de poder ter vindo antes e o pegado ainda com vida. — Lamentei meu
infortúnio.
— Tenho certeza de que, onde estiver, ele está muito orgulhoso de você. — Ah, não! O
homem era charmoso. Estava explicado por que mamãe caiu fácil.
— Aí estão vocês! — Mamãe veio sorridente até nós. O xerife ficou de pé e lhe entregou o
buquê de rosas. — Eu amei, muito obrigada.
— Vamos comer? Esse assado está com um cheiro maravilhoso. — Indaguei, sorrindo para
eles ao ver a carinha de apaixonada dela.
— Eu ia falar isso, mas você vive me acusando de ser um esfomeado e de só vir visitar sua
mãe por conta dos dotes culinários dela. — O xerife respondeu, brincalhão.
— E não é? — Devolvi sua afronta.
— Claro que não. Ela tem outras qualidades.
Mamãe assistia à nossa interação com um brilho nos olhos.
— Por favor, se for dizer algo puramente sexual, mesmo que seja uma autoridade, juro que
vou chutar a sua bunda. — Eu estava brincando, é claro. Só queria deixar o clima mais leve e
descontraído.
— Você e mais quantas? — Ele entendeu que era zoação e entrou na brincadeira.
— Eu sou o suficiente. — Levantei uma sobrancelha.
— Para que consiga esse feito, terá que sair dessa cadeira primeiro, mocinha. Ou eu te
deixaria caída no chão e sairia correndo, levando a sua mãe comigo, é claro. — Piscou para
mamãe, que riu da minha cara.
— Eu ainda sou a sua filha. Deveria me defender dele. — A acusei.
— Você mereceu. Fica ameaçando de chutar a bunda das pessoas sem nem se aguentar de
pé. — Mamãe disse, segurando o riso.
— Olha isso! Vocês não se sentem culpados por ficarem jogando na minha cara a minha
condição, não? — Inquiri, com uma voz triste, colocando a mão em cima do meu coração.
— Não! — Ambos responderam juntos e eu fingi ficar brava. Estava na hora de eu deixar
mais pessoas se aproximarem e fazerem parte não só da minha vida, como da de mamãe. Nós
merecíamos ser felizes.
Charles Thompson
Olhei para os lados, como de costume, sentindo que estava sendo observado. Hans dizia
que era a minha consciência pesada demais que estava me fazendo delirar e ver coisas onde não
tinha. Mas eu juro que, na última noite, vi alguém do outro lado da rua, observando o nosso
esconderijo. Neurótico ou não, eu estava saindo apenas para comprar comida e evitando gastar
todo o dinheiro de uma vez para não chamar a atenção das autoridades locais. Nossas famílias
eram pessoas simples, esbanjar demais levantaria muitas suspeitas. Entrei no meu carro e o
coloquei em movimento, pronto para voltar para casa, mas, no meio do caminho, Hans me
enviou uma mensagem para que o pegasse em um bar próximo.
Logo quando parei o veículo na porta, percebi uma grande multidão gritando obscenidades.
No meio da roda de homens bêbados, um cara truculento chutava meu irmão, já caído no chão.
Pulei para fora do carro, pronto para uma briga.
— Que porra está acontecendo aqui? — Saí empurrando as pessoas para o alcançar. —
Parem!
— É você que está com o meu dinheiro? — O idiota que batia em Hans apontou o dedo na
minha cara.
— Que dinheiro? Está ficando louco? — Gritei, partindo para cima dele. Se ele pensava
que ia me amedrontar, escolheu o homem errado. Hans iria me pagar por me meter nessa
discussão descabida. Estávamos cheios de problemas e ele criando mais.
— Seu irmão apostou comigo e perdeu. Eu quero a minha grana, ou vou matar esse filho
da puta mentiroso.
— Quanto ele apostou? — Indaguei, não acreditando no que eu ouvia. Eu tinha o avisado
sobre essa mania de jogar e ficar devendo dinheiro. Inclusive, saímos de Austin e fomos para
Greenville exatamente por conta desse vício exacerbado que o fez ficar com muitas dívidas
acumuladas.
— Cinquenta mil dólares.
O quê? Era mais do que tínhamos ganhado de Grace.
— Deve estar havendo um engano aqui. Acabamos de chegar na cidade e somos dois
trabalhadores simples. Não temos como te pagar essa quantia absurda.
— Escuta aqui, moleque — ele me empurrou no peito e eu o empurrei de volta —, não
estou nem aí para quem você é. Se não me entregar o que me pertence, vou cobrar do meu jeito a
dívida e garanto que não vai gostar de me ver ainda mais chateado.
— Eu já disse que não temos. Somente um imbecil aceitaria a aposta de um bêbado. —
Fugir de uma briga eu não iria. Rolamos no chão trocando socos e pontapés. A confusão ficou
ainda maior porque os outros que estavam apenas olhando de fora resolveram jogar lenha na
fogueira e brigaram entre si também. O dono do bar gritou que chamaria a polícia se não
saíssemos da frente do seu estabelecimento.
— Eu darei até 24 horas para que esse merdinha me pague, ou irei à sua casa cobrar. Eu sei
quem são, e sei onde seus pais moram.
— Não ameace meus pais. Eles não têm nada a ver com o que eu e meu irmão fazemos.
Você não tem peito de ferro, se acontecer qualquer coisa com eles, eu te caçarei até o inferno. —
Ameacei de volta.
— Está avisado! 24 horas.
A roda foi se desfazendo e ficaram somente eu e um Hans desmaiado no chão. O joguei
dentro do carro com tanta raiva, que nem me importei de o arrumar no banco de trás. Minha
cabeça estava latejando e sangrando. Meus pais não podiam se envolver em nossas confusões, e
pedir dinheiro para Dave após o deixar na mão sem uma explicação estava fora de cogitação. Eu
teria que ligar para Grace mais cedo do que pretendia para arrumar essa grana com ela. Peguei o
celular de Hans e disquei seu número, sabendo que ela atenderia rápido por gostar dele.
— Eu já disse que é para ter paciência e não ficar me ligando. Eu entrarei em contato
quando precisar de você. — Ela disse, em meio a um sussurro.
— Não é o Hans, é o Charles. — Barulho de porta se fechando e sua voz aumentou o tom.
Ela não gostava de mim, o que era recíproco.
— O que você quer?
— Mais dinheiro, querida. Hans está metido em problemas e preciso livrar a cara dele. —
Grace gargalhou do outro lado da linha.
— Sinto muito. Os planos mudaram e vocês não fizeram um serviço decente por aqui.
Sabia que descobriram digitais nas duas cenas, seu incompetente? Eu não vou enviar mais
nenhum centavo.
— Fizemos o que pediu e você ficou de passar a outra metade quando a segunda etapa do
plano fosse posta em prática.
— Se tivessem feito tudo como mandei. O que não foi o caso. — Sua negação tirou o pior
de mim. Ela nos colocou nisso, ela tinha que nos tirar.
— Escuta aqui, sua endemoniada, se der as costas agora, eu vou fazer questão de contar
tudo para a polícia e dizer como seu marido foi morto e o porquê. Esqueceu que somos
testemunhas?
— Conte! Estamos no mesmo barco furado, querido. Aproveita e explica como foi que a
fazenda Jackson pegou fogo também. Tenho certeza de que sua confissão acompanhada de suas
digitais vai te levar a pegar muitos anos de prisão. — Desligou o telefone na minha cara.
— Desgraçada!
Ao chegar no nosso esconderijo, deitei meu irmão na cama e andei de um lado para o
outro, irritado, tentando pensar em uma saída. Não consegui pregar os olhos durante a noite.
Esperei Hans acordar para vermos o que faríamos, pois nossa estadia em casa estava
comprometida.
— Cacete! Sinto que um trator passou por cima de mim. — Hans gemeu, segurando o
estômago.
— Não me tente. Posso arrumar um especialmente para você. — Joguei um litro de água e
alguns analgésicos para que tomasse.
— O que aconteceu?
Resumi o que aconteceu na noite anterior.
— Não vamos pagar nada a ele. Eu nem lembro que fiz essa aposta. — Ele ficou
transtornado.
— Pois é! Só que lembrando ou não, o cara quer o dinheiro dele e teve muitas testemunhas
presentes que ouviram a confusão.
Hans resmungou ao se sentar.
— Não vou pagar, Charles. Eles se aproveitaram da minha condição. Sabe bem como essa
gangue faz.
— Sei. O que não quer dizer que você não facilitou ao virar uma vítima deles, já que em
vez de ficar escondido, foi até lá complicar nossas vidas ainda mais. — Acusei, socando a
parede.
— Tentou com a Grace? — Sua pergunta me fez gargalhar.
— Foi a primeira pessoa que procurei, e adivinha? Ela disse que não vai ajudar. Pelo jeito,
o feitiço que você colocou nela já passou e estamos sozinhos nessa.
— Então só resta uma saída.
O olhei por cima do ombro.
— Não inventa. — Repreendi, antes de ouvir a sua ideia.
— Tem plano melhor? Vou marcar um encontro com ele e você vai ficar escondido,
quando eu for entregar o dinheiro, você atira nele.
— Não! Chega, Hans. Eu não quero mais seguir esse caminho. — Me neguei a ajudá-lo
dessa forma.
— É isso, ou vamos morrer.
Sinceramente, não me parecia ser uma má ideia. Tínhamos fodido com tudo em Greenville.
— Eu não sou um criminoso. — Falei baixinho.
— Querendo ou não, somos procurados pela polícia irmão. É tarde para ficar chorando. —
Hans, sendo o cabeça dura, disse, despreocupado.
— Vamos oferecer o que temos e pedir um prazo maior. — Sugeri.
— E ficarmos sem nada? Não. — Hans gritou, discordando de mim.
— Hans, está decidido. Foi você que fez más escolhas e me levou junto. Até o momento,
não vejo nada de bom quando deixo você no comando.
— O que quer dizer com isso? — Ele se levantou e veio em minha direção.
— Estou dizendo que vamos fazer do meu jeito. Você não está em condições de tomar as
decisões. — Afirmei, o encarando. Ele até podia ser o mais velho, porém, eu era o mais alto e
mais forte de nós dois.
— Faça! Vamos ver se consegue essa porcaria de tempo. Depois não diga que não avisei,
se voltar faltando uma parte do corpo. — Voltou a dormir, como se nada tivesse acontecido.
Eu marquei o encontro com o líder da gangue da noite anterior e fui pessoalmente negociar
e levar o dinheiro. Passei tudo o que tínhamos e pedi um prazo maior para pagar o restante como
queria. Só que o cara que brigou com Hans não gostou de eu ter enfiado seu chefe no meio da
negociação e, dois dias depois, meu irmão foi morto bem na minha frente. Eu o vi dar seu último
suspiro nos meus braços. Suas últimas palavras foram para que não deixasse sua morte ser em
vão, e eu não deixaria. Eu sabia o que fazer. Eu faria todos eles pagarem, inclusive a vadia da
primeira-dama, Grace Lowell.
Dave Thompson
— Está pronta?
Ela veio caminhando devagar em minha direção. Estava migrando da cadeira de rodas para
as muletas.
— Se eu disser que não, vou parecer que sou uma covarde?
Sorri, imaginando como seria o encontro das três mulheres da minha vida.
— Garanto que o perigo será para mim. Se minha irmã sozinha já faz da minha vida uma
tortura, ter você fazendo parte da trupe me deixará de cabelos brancos antes do 50 anos.
— Eu jurava que tinha visto alguns fios brancos outro dia.
— Está vendo só! Isso que nem as conhece ainda.
Emma riu.
— Vamos, cowboy. Quero saber todos os podres que esconde de mim, e nada melhor do
que uma irmã com sangue nos olhos para contar.
— Isso é injusto. Eu nem posso ter o mesmo prazer. — A ajudei se sentar e colocar o cinto.
— Minha mãe já faz o trabalho completo.
Dessa vez fui eu que ri. Sua mãe era uma mulher sem papas na língua.
— Prontinho! — Dei a volta na picape para a levar.
— Antes de irmos para o jantar, gostaria de ver a fazenda. Ainda não voltei lá depois de
tudo. — Seu pedido me deixou surpreso.
— Tudo bem! — Coloquei uma música para preencher o silêncio e a levei para que visse o
milagre que aconteceu em sua vida naquela noite.
— Nossa! Queimou tudo. — Ela comentou, olhando à sua volta. — Às vezes, eu sonho
com aquele dia. Sinto a dor de ser queimada, como se nunca tivesse saído do quarto.
— Talvez precise fazer uma terapia. Foi um episódio traumático para você. — Para todos
nós, na verdade. Eu pensei que a tinha perdido. Parei em frente ao caminho que fiz a pé para que
eu pudesse dizer a ela o tamanho que foi o sinal de Deus. — Está vendo esse caminho intacto?
— Sim. Incrível que não tenha queimado.
Segurei a sua mão.
— Foi aqui que entrei para ir até você, Emma. Veja como os dois lados foram destruídos,
mas onde passei continuou em pé.
Emma apertou minha mão de volta.
— Me faz lembrar daquela passagem bíblica onde Moisés tocou com o cajado no mar e ele
se abriu.
Um sorriso veio aos meus lábios.
— Não tinha parado para pensar dessa forma. Só consigo ver aqui o tamanho do amor de
Deus por mim e o quanto ele estava conosco naquela noite.
Seus olhos me encararam, brilhando em lágrimas não derramadas.
— Quando eu a reformar, aqui será a nova entrada. Será um lembrete desse sinal para mim
e você.
— Você quer reformar no mesmo lugar? — Indaguei, cheio de emoção.
— Claro! Eu nunca te disse que sou arquiteta? Terei muito em minhas mãos para trabalhar
e precisarei da sua ajuda. Quero manter o toque rústico. A decoração será a soma dos nossos
gostos.
Deitei a cabeça no banco do carro, a ouvindo compartilhar seus planos comigo. Isso era um
sonho se realizando. Minha futura esposa seria uma mulher do campo que construiria um novo
lar para mim e nossos futuros filhos.
— Vai ficar lindo, Emma. O que vamos plantar primeiro? — Girei o volante, entrando na
estradinha que levaria até o casarão.
— Eu gostaria de criar gados aqui, assim poderíamos abrir um frigorífico na cidade e
empregar mais pessoas que viessem para Greenville em busca de uma oportunidade.
Lembrei das variadas conversas com Jackson, as quais ele dizia que tinha vontade de vê-la
seguindo seus passos. Que imaginava crianças correndo pelos pastos a perder de vista e cuidando
dos animais que aqui tivesse.
— Seu pai estaria muito orgulhoso se pudesse ouvi-la. — Raspei a garganta, segurando o
aperto que senti.
— Eu sei que sim. — A paixão que eu via em seu rosto me deixava atordoado. Totalmente
diferente da mulher arrogante de quando chegou.
Parei o carro para que pudesse ver melhor como ficou depois que o fogo queimou tudo e vi
quando focou na parte de cima da casa, onde ficou presa e avistei uma luz trazendo-a para baixo.
— Acredita que ainda sinto a sua presença aqui? — Eu sabia sobre o que ela se referia.
— Acredito! Porque eu o sinto uma ligação única com esse lugar.
— Vamos! Antes que eu acabe borrando a minha maquiagem e você apresente a versão da
Arlequina caipira para a sua mãe conhecer.
Balancei a cabeça, por ela conseguir mudar rápido de assunto. Voltei para a entrada da
fazenda dos meus pais e soltei um assovio quando vi milhares de carros parados.
— Diacho! Minha mãe convidou Greenville inteira. — Emma tapou a boca, tão chocada
quanto eu.
— Não acredito!
— Se for demais para você, eu mando eles irem embora.
Segui seu olhar arregalado e vi um homem muito bem-vestido vir caminhando até a
picape. Franzi o cenho.
— Você conhece?
Emma abriu a porta do carro e puxou as muletas.
— Conheço! É o descarado do meu ex. Vou descer essas muletas na cabeça dele pela
ousadia de vir atrás de mim.
— Espera eu te ajudar descer, Emma. Mulher teimosa. — Resmunguei, preocupado com
seu estado.
— Estou bem. Só quero dizer umas poucas e boas para esse salafrário vigarista. —
Começou a caminhar devagar e, no meio do caminho, o ex a surpreendeu com um abraço
apertado.
— Amor! Que saudades eu senti de você. Você não sabe o quanto fiquei preocupado.
Fechei a mão e contei até três. Eu não ia estregar o jantar de noivado que tinha preparado
por conta desse invasor. Emma falou dele com raiva, o que significava que não o amava. Ele
veio aqui sem ser convidado.
— Me solta, Robert — Ela disse entredentes, empurrando-o.
— Ninguém queria me dar o seu endereço para que eu pudesse te ver, e quando cheguei
aqui nesse fim de mundo, fiquei sabendo que quase morreu.
Agora eu entendi tudo. Todos tinham se deslocado à minha casa porque queriam ver o
circo pegar fogo.
— Não morri. Por favor, pode ir embora porque hoje será meu jantar de noivado. — Emma
educadamente o dispensou.
— Noivado? E quem você achou nesse fim do mundo que te fez esquecer do nosso amor?
Emma me chamou.
— Querido, eu não sei como vocês tratam pessoas mal-educadas como esse atrevido, no
entanto, sugiro mostrar o caminho da vila para ele.
— Com todo o prazer. — Até me animei por vê-la firme em o expulsar.
— Emma! Você não pode fazer isso. Me desculpe por ter te abandonado quando precisou
de mim. Podemos voltar a ser como antes. Teremos dinheiro para cuidar da sua mãe se ela ficar
doente de novo e sermos felizes.
Emma o acertou com uma das muletas na perna e ele gemeu de dor.
— Eu não sou a mesma Emma e não quero uma pessoa como você na minha vida. A
melhor coisa que fez de bom para mim, foi me deixar. O homem perfeito está aqui… — Emma
olhou as pessoas atrás de nós e depois para mim. — Que fique bem claro que eu amo esse
homem e não o trocaria por nada. Então, se vieram aqui achando que iam ver uma mulher com
dúvidas e o abandonando, perderam o tempo de vocês.
— Emma! — Aceitei a sua mão esticada em minha direção.
— Você não fugiu de mim quando as coisas ficaram ruins, você cuidou de mim e me
ensinou muito. Eu te escolho, Alex Dave Thompson, e prometo me esforçar para merecer você
todos os dias. Ainda que eu seja teimosa e te deixe de cabelos brancos.
Diacho! Eu estava me desmanchando em lágrimas. As pessoas começaram a aplaudir a fala
de Emma.
— Poxa, pequena. Por essa, eu não esperava. — A abracei forte, deixando vários beijos em
seu pescoço e bochecha. — Eu te amo tanto, Emma. E vou fazer da minha vida uma missão para
te provar todos os dias que nunca vai se arrepender de ter decidido ficar comigo. — Eu a beijei,
suave, apaixonado, cheio de desejo reprimido.
— Que desperdício. Eu sempre soube que era estúpida. Morar nesse fim de mundo com
um caipira que nem sabe escrever? Realmente, não é uma mulher muito inteligente.
Para mim já deu.
O senhor viu, não foi, Jesus? Foi ele que começou. Eu cheguei ao meu limite.
— Respeito é bom e eu gosto. — Dei um soco na cara do paspalho, sem o menor esforço, o
joguei no ombro e caminhei até o nosso chiqueiro para ensiná-lo uma lição. Ele ia ver quem era
o caipira que não sabia escrever.
— Me solta, seu troglodita. — Ele tentou se soltar, mas já era tarde. O joguei no meio da
lama, fazendo-o se debater para fugir dos porcos, que gritaram assustados com o novo visitante.
— Se voltar a importunar a minha mulher, vou esquecer o meu lado cristão e fazer o que a
lei me permite, defendendo o que é meu, nem que eu te coloque para correr na bala.
A pequena multidão ria do desespero do rapaz da cidade, que gritava por socorro por conta
de meia dúzia de porcos que estava mais com medo dele, e não o contrário.
— Isso foi sexy, cowboy! Acho que preciso de um banho, pois juro que estou muito
molhada.
— Emma! — A repreendi por ela ter falado alto demais, fazendo todos rirem da minha
cara de vergonha.
— O que foi? Eles já sabem que sou a dona do seu coração, Dave. — Ela desceu os olhos
pelo meu corpo. — E de todo o resto.
— Pelo amor! Vamos oficializar esse noivado o quanto antes. Vejo faíscas capazes de
incendiar esse lugar. — Minha irmã gritou animada, ganhando uma bronca dos meus pais.
— Bem-vinda à família, querida. — Mamãe abraçou Emma.
— Obrigada! Estou animada para conhecer todos vocês.
A mãe de Emma chegou bem a tempo com o xerife, e quando viu o ex-genro banhado de
lama, gargalhou de chorar.
— Não acredito que perdi essa briga. Espero que alguém tenha filmado essa cena. — Ela
abraçou a filha, indo cumprimentar os convidados e eu aproveitei para despachar o visitante.
— Não preciso da sua ajuda, seu caipira idiota. — Ele disse emburrado, quando abri o
portão do chiqueiro para sair.
— Olha, Robert. Consigo entender o tamanho da sua decepção ao perceber que perdeu
aquela mulher. Ela é maravilhosa. Só que agora entenda que está comigo, e não vou deixar um
almofadinha chegar aqui nas minhas terras e tocar no que me pertence sem uma luta antes. Pegue
o primeiro ônibus que estiver disponível e vá embora. Se eu te ver aqui amanhã, não serei mais
educado.
— Isso aí. — O xerife bateu à porta do carro quando ele entrou. — Vou deixá-lo esfriando
a cabeça e volto para comemorarmos.
Caminhei até a minha Emma, sabendo que nada e nem ninguém jamais ficaria entre nós
dois. Eu cuidaria do que Deus me deu. Ela seria minha e eu seria somente dela.
Dave Thompson
— Dessa vez você soube escolher bem, Dave. Não é uma moça qualquer que faria uma
declaração de amor como essa. Confesso que não estava colocando muita fé quando soube do
noivado. — Um dos fazendeiros comentou, levando outros a concordarem.
— Valeu a pena a espera. — Respondi sucinto, para que não houvesse dúvidas do que
Emma significava para mim.
— Mas por que quer se casar tão rápido? Medo da moça fugir também, ou já chegaram aos
finalmente e tem bebê a caminho? — Papai, que estava calado, levantou uma sobrancelha.
— Dave! — Os olhos do homem, que era como um herói para mim, chegaram a brilhar em
expectativa.
— Ainda não, gente. No entanto, pretendo ajudar a povoar Greenville.
Eles riram comemorando algo que nem tinha acontecido ainda.
— Serão dias de alegria daqui em diante. Estava ficando com medo de que ficasse apenas
para tio. — Meu cunhado linguarudo entrou na zoação.
— Estou me sentindo ofendido. Nem estava tão encalhado assim. — Me defendi e outra
onda de risadas se fez presente.
— Encalhado não, mas essa história de celibatário deixou todos curiosos em saber qual
seria a moça a mudar a sua mente. Fizemos até uma aposta de que a menina Maggie arrebataria
esse coração e quebramos a cara. — Outro fazendeiro ancião brincou.
— Maggie é passado. Sinto muito que ela não se deu bem nas suas escolhas, só que é a
Emma que faz parte do meu futuro e é com ela que imagino passar o resto da minha vida.
— O lado bom é que você se tornando o dono dessas terras, há de dar uma atenção especial
aos nossos casos, não é? — Um velho amigo da família falou e todos se calaram para ouvir a
minha resposta.
— As terras continuarão sendo da Emma, não posso falar por ela, pois a decisão final vai
continuar sendo dela. O que posso prometer, é que conversaremos sobre o que faremos e ela
ficando aqui como deseja, vocês continuarão onde estão.
Muitos deles se alegraram com a notícia.
— Ainda bem que Deus foi bom e cuidou de todos nós. Estávamos ficando preocupados
com os empréstimos sendo negados. — Encarei outro dos fazendeiros locais.
— Empréstimos? — Indaguei, curioso.
— Sim. Grace nos convenceu de fazermos um empréstimo para entrar com um processo
contra a sua Emma.
Meu sangue gelou.
— E qual seria a motivação? — Inquiri, trêmulo. Minha ficha caindo sobre tudo o que
andou acontecendo.
— Ela disse que juntos poderíamos fazer um abaixo-assinado e pagar um bom advogado
para transformarem Greenville em uma cidade. Assim, a Emma perderia o direito sobre as terras
por direito de habitação.
Troquei um olhar com meu pai e o xerife.
— Interessante. Quando foi que tiveram essa conversa? — O xerife quis saber.
— Há algumas semanas. Charles e Hans estavam presentes, pensei que tivessem passado a
informação para vocês. Não me levem a mal, até imaginei que tivesse assumido um
compromisso com a moça para dar um golpe e evitar chegar tão longe.
Dei dois passos à frente para ensinar uma boa lição ao sem noção.
— Eu amo a Emma e jamais me sujeitaria a fazer parte de uma armação como essa. É bom
saber que me tem em tão alta estima, a ponto de me achar um crápula capaz de usar uma mulher
para obter riqueza. — Eu estava furioso. — Acho, por bem, andarmos de olho na Grace, xerife.
Algo que me diz que essa mulher não é quem pensamos ser.
— Concordo! Vou mandar alguns policiais ficarem na cola dela. — O xerife se
prontificou.
— É assim que se fala, filho. Nunca precisamos usar ninguém e não é agora que seremos
esse tipo de gente. — Papai, para apaziguar a situação levantou sua taça de vinho, oferecendo um
brinde a mim pelo noivado. — Vamos brindar que meu filho encontrou uma pessoa boa para
retribuir seus sentimentos.
— Vou sondar sobre essa reunião. Acho muito suspeito a Grace dizer que não tinha nada
contra a moça e ter feito reunião para armar contra ela. Mantenha a calma, Dave. Preciso
descobrir quem está envolvido nisso, e talvez o culpado esteja aqui. — O xerife disse, para que
apenas eu e papai pudéssemos ouvir e nos mantermos em alerta para pegar as informações
necessárias.
O xerife era muito bom no que fazia. Ele conseguia fazer todos confiarem nele para tomar
seus depoimentos, sem que percebessem que estavam sendo interrogados. Ele deixou o estresse
do momento passar para voltar a abordar o assunto, como se estivesse querendo compartilhar sua
opinião pessoal. O churrasco tinha sido servido e todos estavam mais relaxados, conversando
sobre os ataques que Emma sofrera, comentando o que ouviram e de quem desconfiavam.
Era tarde da noite quando o carro dos meus primos parou, não muito distante de onde
estávamos trocando informações sobre os incidentes, e Charles desceu junto do seu pai. Se via
que estavam tristes e, por um tempo, meu primo olhou à sua volta, antes de decidir chegar mais
perto.
— Boa noite a todos. Desculpem aparecer tão tarde. — Meu tio foi o primeiro a falar, era
notório o seu abatimento. — No entanto, eu não teria me deslocado até aqui e atrapalharia esse
momento festivo se não fosse importante.
— Sabe que sempre é bem-vindo a qualquer hora, Heron. — Meu pai foi o cumprimentar.
— Charles! Parece pálido. Está tudo bem com seu irmão? — Ele notou a ausência de Hans.
— Precisamos conversar, tio. É um assunto muito sério.
Todos pararam de falar e os olharam, curiosos. Aqui era assim. Todos se envolviam na
vida alheia e não perdiam uma boa fofoca. Nem adiantava tentar guardar segredo, pois logo
Greenville inteira saberia o que aconteceu essa noite.
— Vamos conversar no celeiro. As mulheres estão ocupando a casa. — Eu sugeri, sem
querer fazer alardes desnecessários.
— Seria bom levar o xerife. O que tenho a dizer vai interessar a ele. — Charles avisou e
não teve como não gerar burburinhos.
— Rapaz, está nos deixando preocupados. — O xerife se levantou e nos acompanhou. Meu
tio estava cabisbaixo e quando passamos pela porta do celeiro, seus olhos se encheram de
lágrimas.
— Quero que saibam que sou muito grato pelo que fizeram aos meus filhos e que sinto
muito pelo que ouvirão a partir desse momento. — Meu tio se desculpou. — Conte a eles,
Charles.
— Eu não vou ficar de rodeios. Estou engasgado com tudo que sei e preciso jogar para
fora. — Charles começou a sua explicação.
— Então conte o que está te martirizando. — Papai incentivou.
— Eu sei quem colocou fogo na fazenda.
Nós três o encaramos.
— Sabe? Como? — O xerife fez a pergunta que eu queria fazer.
— Sei porque fomos as pessoas contratadas para fazer isso.
Nessa hora, meu pai já estava tendo uma síncope. Eu não estava muito diferente.
— Fomos? — questionei, com o coração apertado de tão decepcionado.
— Eu e Hans. — Charles jogou outra bomba no nosso colo.
— Seu moleque. Eu deveria te encher de pancadas. Como pôde fazer isso com a nossa
família? — Segurei meu pai para que não batesse nele. Precisávamos saber de tudo, e deixá-lo
desmaiado como queríamos não era a solução.
— Você disse que foram contratados. Por quem? — O xerife continuou o interrogatório.
— Por Grace. Ela tinha um caso com Hans e nos contratou para prejudicar a Emma desde
o começo. — Charles sussurrou, dando um passo para trás quando papai tentou pegá-lo pela gola
da camisa. Tive que tirar as ferramentas das vistas dele, antes que uma tragédia acontecesse.
— Eu trouxe vocês dois para a minha casa. E é dessa forma que me pagam? Que decepção,
Charles. — Papai tremia junto a mim.
— Emma quase morreu, como puderam me trair dessa forma? — Minha voz falhou ao
perceber que foi alguém da minha família que a machucou. — Isso quer dizer que foram vocês
que intoxicaram a água e o solo também? — Indaguei, querendo mais informações e Charles
confirmou. — E o reverendo? Grace mandou matar o próprio marido? — comecei a juntar as
peças.
— Ela atirou nele porque ele escutou a nossa conversa na igreja. Aquela mulher é cruel e
insana. Ela o matou a sangue frio e forjou as provas para que parecesse um assalto. — Charles ia
contando detalhes do que conversaram e o quanto receberam para fazer o trabalho sujo da
primeira-dama.
— Tudo parece bater com o que já sabemos, só que estou confuso. Por que contar agora?
O que mudou? Quem garante que não está assumindo a culpa de alguém? — O xerife indagou,
estudando meu primo, que não aguentou e se desmanchou em lágrimas.
— Hans foi morto. — Nosso mundo caiu. — Ele se meteu em uma briga e foi assassinado.
Quero fazer justiça por ele. Foi Grace que o incentivou a entrar no mundo do crime, nada mais
justo que apodreça na cadeia.
Eu ajudei papai a se sentar porque nem tinha mais forças para me segurar de pé.
— Deus! Hans está morto. — Solucei, inconformado. Era muita informação junta. Eles
eram como irmãos para mim.
— É, rapaz, você está em maus-lençóis e vai ter que nos dar uma confissão completa. Não
posso prometer que sairá livre, mesmo que tenha tomado a iniciativa de se entregar.
— E a Grace? Ela não pode sair impune. Ela tem que pagar pelos seus crimes. — Charles
quis saber, ficando nervoso.
— Teremos que levá-la para interrogatório, mas sem a arma do crime não terá como
incriminá-la. É a palavra dela contra a sua. — O xerife pontuou.
— Eu escondi a arma. Posso marcar um encontro e dizer que quero fazer uma troca. Ela
vai querer a arma de volta. Eu faço qualquer coisa para me redimir. Estou arrependido e quero
ajudar.
Na minha cabeça, tanta coisa passando e uma delas era se Emma não iria querer colocar
um ponto final quando soubesse quem eram as pessoas por trás dos ataques. Olhei para o céu
pedindo ajuda, pois, mais uma vez, eu estava sendo provado e, dessa vez, eu estava no fogo
cruzado.
Emma Carter
— Não sabe o quanto estou feliz por vocês terem se acertado. — A senhora Miles sentou-
se ao meu lado. — Eu vi que eram perfeitos um para o outro no momento que bati o olho em
você.
— Pelo jeito, todos sabiam dessa verdade, menos aquele homem teimoso.
As mulheres riram.
— Acredite em mim, meu irmão sempre soube. Ele só tinha medo de dizer em voz alta. —
Rachel deu um tapinha em minha mão, sorridente. Mal tínhamos nos conhecido e eu sentia que
seríamos grandes amigas.
— Diga a verdade, foi a coisa mais difícil para você ceder e ficar em Greenville, não é?
Imagino que uma mulher da cidade grande estranha um lugar tão pitoresco e sem muita
tecnologia. — Minha sogra estava me testando, era esperta como o filho.
— Sendo bem sincera, quando cheguei, tudo que eu pensava era ir embora. Não me via
morando aqui. — Afirmei e um sorriso me veio aos lábios.
— E agora? — Rachel indagou. — Ainda pretende vender tudo e ir?
— Não. Tenho planos para esse lugar e conto com cada pessoa que mora aqui para realizar.
A maioria ficou eufórica.
— Quer dizer que não vamos ser expulsos? — A senhora Miles tapou a boca, emocionada.
— Nunca foi uma opção. Eu estava buscando outras alternativas que mantivessem esse
lugar como ele é. Em breve compartilharei minhas ideias para colocar Greenville no mapa. —
Pisquei, escondendo as minhas verdadeiras intenções, pois queria fazer uma surpresa.
Pelo canto do olho, reparei meu cowboy entrando e ficando a distância, escutando a nossa
conversa sem interferir. Dave encostou a cabeça na parede e percebi que estava preocupado. Era
engraçado como eu aprendi a ler suas emoções em tão pouco tempo e nem tínhamos nos casado
ainda.
— Meninas, se me derem licença, eu preciso ter uma conversa particular com meu futuro
marido.
Risadas se fizeram presentes quando peguei minhas muletas e fui até ele.
— Não precisava sair de lá. Só vim ver se estava bem.
— Senti que precisa de mim. — Fitei seu rosto tenso. — Sabe o que percebi? Que ainda
não me mostrou seu quarto.
— Isso é porque pretendia te mostrar quando fôssemos casados.
Fiz biquinho para ele.
— Que pena! Queria muito te mostrar algo particular.
Ele balançou a cabeça, rindo.
— Emma, se comporte.
Coloquei a minha mão em seu peito e o puxei para um beijo.
— Estou me comportando, querido. Em outros tempos, eu já teria me ajoelhado aqui e
estaria com você na minha boca. — Sussurrei em seu ouvido e vi quando suas mãos taparam a
frente da sua calça.
— Diacho, Emma! — Ele gemeu. — Precisamos conversar, e não estou falando de algo
sexual. Venha! — Ele me ajudou a chegar até seu quarto, que, como imaginei, era a cara dele.
Organizado, limpo e tinha uma prateleira enorme de livros. Desde de filosofia a biologia e
medicina veterinária.
— Quem diria, um homem culto. — Zoei e ele apertou a minha cintura em aviso.
— Achava que eu era ignorante, sua abusada?
Eu ri. Porque eu pensei que era até sem estudos quando o conheci.
— Desculpe, Dave. Mas pensei que era bruto, rústico e sem educação. — Confidenciei e,
dessa vez, levei um tapa certeiro na bunda.
— Sente-se aqui, tenho que te contar uma coisa.
Me sentei na sua cama e só para perturbá-lo, dei alguns pulinhos no colchão, dizendo que
estava testando a maciez.
— Okay! Vou me comportar.
Ele levantou uma sobrancelha, duvidando.
— Muito bem. Primeiro, quero dizer que eu não sabia de nada e estou tão surpreendido
com a notícia quanto você ficará. Ainda que talvez não acredite em mim.
Fiquei em alerta quando percebi que estava tenso.
— É sobre o ataque que sofri, não é? — No fundo, eu sabia que tinha algo a ver com isso.
Nada o deixaria tão abalado quanto o que aconteceu.
— Sim. Descobri que tem o dedo da Grace por trás de tudo e que meus primos estão
envolvidos.
Meu queixo estava no chão.
— Eu sabia! Eu sempre disse a você que aquela mulher não me enganava. E você ainda
dizendo que não. — Eu parei de falar quando assimilei a segunda parte da informação. — Seus
primos?
Dave começou a andar de um lado ao outro, nervoso.
— Aparentemente, um deles estava tendo um caso com ela e, juntos, bolaram um plano de
te fazer ir embora daqui.
Chocada! A primeira-dama não passava de uma víbora interesseira.
— Eu não sei nem o que dizer. Não cheguei a pensar que a nossa discussão pudesse a levar
tão longe.
— Nem eu, Emma. A tínhamos como uma pessoa extremamente cristã. Uma mulher
voltada para as causas da igreja. Jamais pensei que pudéssemos estar abrigando uma criminosa
entre nosso povo.
Eu podia sentir a dor emanar dele.
— Não foi sua culpa, Dave. Se está preocupado de eu duvidar dos seus sentimentos por
mim porque seus primos o traíram, fique tranquilo.
Vi que seus ombros relaxaram.
— Eu deveria ter ficado de olho neles. Eram minha responsabilidade, Emma. Deveria ter
feito mais pelos moradores, assim, eles não teriam caído na lábia dela também.
— E você fez. Você tentou me ajudar a tomar as decisões corretas. — Me aproximei dele e
toquei seu rosto.
— Eu quase a perdi. Eu perdi um dos meus primos por conta dessas terras e a maioria lá
fora acha que estou com você porque quero lhe dar um golpe.
Fui obrigada a rir dele.
— Desculpe! Me dar o golpe foi forte e até chega ser uma piada de muito mau-gosto.
Nunca vi um homem mais honrado que você. — Beijei seus lábios. — Quanto ao seu primo,
sinto muito pela sua família, mas não vou dizer que lamento a sua morte. Ele quase me matou,
mereceu o castigo que recebeu.
— Então não acha que fui conivente com essas atrocidades? — Seu olhar ficou doce e sua
voz, embargada.
— Não! Eu seria o tipo de pessoa que te daria um golpe, Dave. Me apaixonei por você no
momento que te vi.
— Você me daria um golpe? Eu não tenho nada a te oferecer. — Ele sorriu, zombeteiro.
— Tem certeza? — mordi meu lábio inferior. — Estou muito tentada a lhe dar um golpe
certeiro agora, cowboy.
— Não podemos! — Seu corpo estremeceu ao meu toque.
— Já estamos noivos e eu queria ter certeza de que não deixará terceiros interferir entre
nós. — Lambi seu pescoço e Dave soltou um gemido sofrido.
— Em alguns dias estaremos casados. — Ele tentou me convencer a desistir.
— Exatamente. Não tem por que ficarmos nos negando o que tanto desejamos. — Comecei
a abrir os botões de sua camisa. — Quero que me faça sua. Que me encha de você.
— Emma! Por favor! — Ele implorou, sem fôlego. — Podemos esperar e fazer tudo certo.
Não estou com pressa.
Eita homem difícil.
— Eu sei que não está, porém, eu estou sedenta de sentir você dentro de mim o quanto
antes, Dave. — Mordi o lóbulo de sua orelha e ele cedeu. Puxou-me junto dele e tomou minha
boca em um beijo quente e urgente.
— Você é uma tentação. Sabia que ia ser um problema para mim quando vi você descer
daquele táxi. — Ele chupou meu pescoço e eu travei minhas pernas na sua cintura, e tudo
desapareceu.
Era apenas eu e ele. Dave caminhou comigo até a porta, me encostou nela até que a
trancou. Sem desgrudar nossos corpos, ele tirou meu vestido e o jogou no chão. Suas mãos
calejadas de mexer com a terra agarraram um dos seus seios enquanto a sua boca engoliu
esfomeada o outro.
— Dave! — Grudei meus dedos em seus cabelos, perdida em êxtase.
— Diga para que eu pare, ou vou fazer você gritar meu nome para que todos ouçam,
Emma.
Como esperei por isso.
— Estou pronta. Sempre estive.
Ele desceu a mão entre nós e tocou meu monte, dedilhando meu clitóris com maestria. Eu
estava molhada, palpitando, pronta para ser possuída por esse homem lindo e viril.
— Tão quente, amor.
Ele abriu sua calça e tirou seu membro para fora. Tudo isso sem fazer cara feia por estar
comigo em seus braços. Minha boca se encheu d’água quando vi seu mastro duro voltado para
cima entre mim e ele. Não resisti e o peguei, admirada, massageando-o e espalhando o líquido
perolado pela glande, fascinada.
— Que lindo! Você é grande em todos os lugares.
E era mesmo. Eu estava embasbacada com o tamanho do seu atributo. Era grosso, rosado e
repleto de veias saltadas por toda a sua extensão. Me dava vontade de lamber cada uma delas.
— E todo seu. — Dave arrastou minha calcinha para o lado e se esfregou devagar entre as
minhas dobras. Meus olhos se reviraram de prazer. — Tem certeza de que deseja que a nossa
primeira vez seja assim?
— Tenho. Está perfeito. — Firmei minhas unhas no seu ombro para deixá-lo livre para se
encaixar em minha entrada.
— Sua perna não está doendo?
Perna? Que perna?
— Dave, só tem um lugar que dói agora e você pode fazer parar. — Gemi impaciente e ele
entendeu o recado. Adentrou polegada por polegada em mim, tomando para si todo e qualquer
espaço que eu tinha para ser invadido.
— Emma! — Ele trincou os dentes e eu choraminguei.
— Mais! — Pedi, procurando por seus lábios.
— Não quero terminar antes de começar, pequena. Deixe-me controlar a situação. — Um
cacete! Eu o queria perdendo o controle, ficando perdido em sensações. Então, para instigá-lo,
me mexi, desavergonhada. — Querida, não faz assim. Estou no meu limite.
Mordi seu ombro enquanto o fazia ir e vir.
— Eu quero você por inteiro. Deixe vir. Deixe-me te ter sem controle.
Dave enlouqueceu depois disso. Ele se retirou e voltou com tudo. Livros caíram da estante,
o abajur caiu da mesinha e o quarto tremeu com a sua posse bruta. Ele me tomou contra a parede.
No chão. Na cama. Sentada. De quatro. De lado. Nós desfizemos a decoração do lugar, sem nos
importar com a bagunça de corpos molhados se chocando contra o outro, sem pudor.
— Minha! Você é só minha e eu sou só seu, amor. — Ele puxou as minhas pernas na
posição de um frango assado e me fez gritar com suas investidas.
Eu já estava mole. Ele era perfeito. Do jeito que eu imaginei. Um homem sem frescura.
Que tinha pegada e sabia o que fazer não só com as mãos, mas também com a sua boca e seu
membro. Eu era sortuda de tê-lo inteiramente para mim.
— Eu te amo! — Falei, quase chorando. Nem sabia se era de emoção ou de prazer. Tudo
estava à flor da pele.
— Venha comigo, Emma. Deixe-me saber como é a minha mulher quando chega ao ápice.
Eu estava pronta para obedecer.
— Estou perto!
Fui ao encontro das suas estocadas e ele estocou meu ponto sensível várias e várias vezes.
Dave segurou minhas mãos para cima, mordeu levemente o bico do meu seio e acelerou os
movimentos. A cama batia contra a parede com tanta força, que pensei que em algum momento
iríamos parar do lado de fora, ao ar livre.
— Agora, Emmaaaaaa! — Ele rosnou e eu cedi. Ondulei meu corpo subindo alto, tão alto
que pensei que estava tendo uma taquicardia e minha alma tinha saído do corpo. — Isso! Tome
tudo! — Dave inchou e, com jatos fortes, se esvaziou dentro de mim, chamando meu nome. O
auge não foi tê-lo entregue, o auge foi ver a forma que ele me olhava enquanto me marcava
como dele. Tinha amor em seus olhos. Admiração. Devoção. Um orgulho que irradiava pelos
poros o quanto estava feliz por termos no tornado um casal. — Está feito! Agora somos um só
corpo e uma só carne, amor, sem chance de fugir.
— Eu sou a mulher mais feliz do mundo por ter tomado essa decisão. — Me declarei,
sorrindo.
— Bom, porque a partir de hoje e daqui somente para as mansões celestiais. — Ele beijou
a ponta do meu nariz e eu gargalhei alto. — Com que cara vou sair desse quarto? — Brincou,
nem um pouco arrependido.
— Precisamos?
Ele pensou um pouco e sorriu de um jeito sexy.
— Não! — Afirmou, olhando meu corpo nu.
— Ótimo! Porque eu não estou com pressa de sair daqui hoje. — Usei meu pé para alisar
sua coxa e vi que já estava pronto para outra rodada.
— Emma, Emma! Não me provoque porque tenho pique de virar a noite.
— Que maravilha! Não me importarei de usar a cadeira de rodas por mais um tempo.
Ele mordeu minha coxa, me arrancando um grito para logo me fazer implorar por ele de
novo ao sugar direto da fonte o que queria de mim.
Dave Thompson
— Dave, abri essa exceção para vocês porque somos da mesma família. Porém, não se
esqueça que está presente apenas para assistir a distância. Não se envolva na missão.
— Tudo bem, xerife. Vou me manter distante. Quero apenas vê-la ser presa e ouvir o que
tem a dizer sobre seus crimes. — Prometi.
— Estou ficando enjoado com essa espera. E se ela mandar alguém me matar a distância?
Eu posso estar na mira de uma arma nesse instante e vocês nem sabem. — Charles começou a
reclamar.
— Calado, Charles, ou vai colocar tudo a perder. Os clientes não precisam saber que está
com uma escuta. Fique calmo, já sabemos, através do detetive que a Emma contratou, que ela
não vem de uma boa família e que fugiu para Greenville quando seu pai foi preso, porque os
ajudava a cometer muitos delitos. Precisamos apenas de provas que a ligue aos casos daqui para
que sua máscara caia de vez. — O xerife começou a passar as informações para Charles de como
proceder quando Grace chegasse no local combinado, e de outra sala, estávamos vigiando a mesa
para quando fosse o momento certo de cercá-la e os Rangers agissem com rapidez.
Meu celular tocou e, na tela, apareceu a foto da mulher mais linda que eu pude colocar os
meus olhos.
— Fugindo de mim, cowboy? Achei que ia acordar com um café na cama e a encontrei
vazia.
— Bom dia, amor! — A cumprimentei com um sorriso bobo no rosto. — Precisei sair para
resolver um problema. Prometo que da próxima vez não deixarei você nem sair debaixo das
cobertas.
— Pior do que não te encontrar aqui é suportar a sua irmã me perturbando, dizendo que
acharam que estava tendo um terremoto na casa.
Eu ri da sua reclamação. Rachel era fogo. Com certeza tínhamos dado assunto não só para
minha irmã, como para todos os presentes no jantar comentarem por muito tempo.
— Sua culpa! Eu disse que eles iam escutar, mas sabe como é a minha noiva, não é?
Teimosa feito uma mula.
— Até parece que não gostou. O que foi fazer tão cedo na vila?
— Pedir que acelerem a licença de casamento.
— Isso me lembra que tenho que encomendar meu vestido de noiva. Quero entrar linda
num tapete vermelho. Nem pense em colocar uma data para menos de 15 dias, Dave.
— Emma! Poderia entrar vestida de folhas que eu não me importaria, desde que no final
esteja usando meu sobrenome. É o que importa.
— Nem pensar. Não é uma festa a fantasia para irmos de Adão e Eva, Dave. 15 dias é o
tempo que estou pedindo para organizar tudo.
Quase engasguei com a saliva. Como eu conseguiria me controlar durante duas semanas
agora que eu sabia como era estar dentro dela?
— Diacho, Emma! Assim você vai me deixar louco. — Reclamei, ouvindo-a gargalhar do
outro lado. A sem vergonha sabia que eu jamais negaria qualquer coisa a ela. — Tudo bem,
querida. Será como você quer. Duas semanas e nada mais que isso, pois senão entrará grávida e
não quero que fiquem comentando sobre você.
— Eu te amo. Quando voltar, prometo que irei te compensar por ter feito a escolha certa
em me ouvir.
Fechei meus olhos, irradiando felicidade.
— Eu também te amo, Emma. Estou ansioso para vê-la de novo. — Me despedi dela
quando o xerife me deu um sinal de que precisava da minha ajuda.
Eu não tinha contado a Emma sobre a possível prisão de Grace, pelo motivo de que a
queria longe se algo saísse do planejado e desse errado. A conhecendo bem como eu conhecia,
ela iria querer participar da missão e Deus me livre vê-la machucada de novo.
— Tudo certo? — Indaguei, olhando Charles parecer que ia desmaiar.
— Seu primo está inquieto. Os clientes estão começando a encará-lo com receio.
— Como eu falo com ele? — O xerife me mostrou um botão e eu apertei. — Pare de ficar
olhando para os lados. Vai levantar suspeitas por aparentar estar nervoso. — Chamei a sua
atenção.
— Mas eu estou nervoso. — Charles falou, abaixando a cabeça e puxando o boné sobre o
rosto.
— Grace não precisa saber disso, Charles. Mantenha a calma que vai dar tudo certo.
Lembra-se! Ela tem que dizer que foi ela quem matou o marido e assumir que foi a mandante do
ataque contra a Emma. — O xerife o orientou calmamente.
— Tudo bem!
Ficamos esperando a chegada de Grace e, depois de um tempo, ela entrou na lanchonete,
vestida com roupas diferentes do seu habitual. Se não fosse o fato de ela ter se sentado à mesa de
Charles, teria passada despercebida pela equipe policial e até mesmo por mim, que a conheço há
anos.
— Rangers, fiquem a postos. Assim que Charles der o sinal, vão para cima. — O xerife
avisou seus homens.
— Me dê um motivo para não matar você por ter marcado nesse lugar cheio de
testemunhas, Charles. — Grace iniciou a conversa.
— Para ter certeza de que sairei com vida daqui, não é óbvio? — Meu primo manteve a
pose de durão.
— Cadê ela? Quero vê-la. — Charles abriu a mochila e mostrou a Grace a prova que ela
precisava de que estava falando sério. — Dois imbecis. Mandei desfazer dessa merda e você me
traz essa porcaria aqui para me chantagear. Cadê o seu irmão? Não é homem para olhar na minha
cara e pedir mais dinheiro?
— Hans está morto. Eu disse que ele estava precisando de sua ajuda. — Charles disse e
houve um silêncio.
— Uma pena! Eu gostava dele. — Não passava pesar em sua fala. Era um lamento de
quem havia pedido um objeto qualquer e não o seu amante.
— Gostava nada. Foi sua culpa. Você o colocou nesse caminho, e ele sentiu o gosto do
perigo. — Charles a acusou. — Meu irmão era bom, apenas teve o desprazer de conhecer uma
pessoa tão podre como você.
— Santa paciência! Hans sabia o que estava fazendo, eu não o obriguei a ter um
relacionamento comigo.
— Precisamos de mais, Charles. — O xerife ordenou pelo microfone, pressionando-o a
tirar dela as informações que precisava.
— O que esperar de sentimentos de uma mulher que matou o marido a sangue frio? —
Charles apertou.
— Timóteo se matou. Ele era um homem fraco e fez péssimas escolhas, assim como seu
irmão. — Grace começou a falar.
— O que me consola é saber que fez tanto para prejudicar a Emma e saiu no prejuízo.
Grace bateu a mão na mesa.
— Me dê essa merda de arma e eu vou embora. — Ela começou a ficar nervosa.
— O que aconteceria com você, Grace, se ela descobrisse que esteve por trás de tudo? —
Charles fez de conta que não havia contado ainda.
— Abra essa boca e o próximo a morrer será você. Em breve, nem estarei mais em
Greenville. Vou recomeçar em outro lugar e você e todo esse povo idiota vai continuar aqui,
estagnados no mesmo lugar de sempre.
— E quem vai te ajudar a fugir? — Charles tentou arrancar dela se tinha outro ajudante.
— Para que quer saber? — Grace começou a desconfiar.
— Talvez eu possa ir junto. Não tem mais nada para mim. Perdi meu irmão e meu pai me
culpa por isso, estou sendo suspeito de uma investigação, preciso sair daqui antes que descubram
que eu te ajudei.
Grace o olhou por alguns segundos, antes de negar.
— Não! É cada um por si a partir de agora. Pega o dinheiro e me dê a arma como
combinamos. Depois, não me procure mais. Não cite meu nome para ninguém, ou vou mandar
caçar você.
Charles fez a troca e o xerife avisou para se preparem para prendê-la.
— Não se arrepende de nada? Você fez amigos em Greenville, construiu um lar. Tinha
prestígio sendo a primeira-dama. — Charles tentou segurar mais um pouco.
— Meu único arrependimento é de não ter atirado nele antes. Perdi tempo demais
acreditando que ele seria alguém importante em Greenville e não passou de um reles reverendo
falido. — E era o que faltava. Os policiais lhe deram voz de prisão e Charles se entregou como
havia combinado.
— Você armou para mim? Seu babaca idiota. Eu deveria ter te matado quando tive a
chance. — Grace gritava descontrolada, enquanto era levada para a viatura. — Me solta. Está
havendo um engano aqui. Eu não falei sério. Nunca seria capaz de machucar alguém.
— Realmente, você é muito pior, ex-primeira-dama. Mandar outras pessoas fazerem seu
trabalho sujo e ainda se fazer de coitada é coisa de gente sem escrúpulos. — Falei alto, sendo
cercado por curiosos para saber o que tinha acontecido.
Todos na lanchonete e na rua pararam para ver a mulher que tanto admiravam sendo
desmascarada. Tinha chegado ao fim o nosso martírio. Eu e Emma estávamos prontos para
colocar uma pedra sobre esse assunto e recomeçar nossas vidas. Sua inocência estava provada.
— A confissão dela mais a arma vai serão suficientes para condená-la. — O xerife
afirmou, parecendo ler meus pensamentos.
— Ela vai ser levada para Austin, certo? — Indaguei, querendo ter certeza de que a justiça
seria feita.
— Sim. Quando for informado sobre a data do julgamento, eu aviso vocês. — Ele ajudou a
colocar meu primo dentro de outra viatura e Charles me chamou.
— Sei que estou colhendo o que plantei e que te ajudar não limpará a minha barra, mas
peço que diga a Emma que sinto muito por tudo que fiz.
— Que Deus perdoe você, Charles. — Foi o que eu tive coragem de lhe dizer. Depois de
tudo que lhe aconteceu, não havia motivos de jogar mais sal em suas feridas. Ele sabia que tinha
jogado fora a sua vida.
Não estava com pena dele por pagar pelo que fez. Me dava pena de saber que podia ter
sido tudo diferente e, ainda assim, não só ele como seu irmão escolheram o caminho que todo
sabíamos onde levava. À prisão ou à morte. Hans não teria a oportunidade de mudar, Charles,
por outro lado, teria uma segunda chance de provar que a mereceu, se decidir não fazer mais
besteiras.
Emma Carter
— Mulher! Ainda bem que já sou casada, ou hoje eu chutaria o balde e sairia daqui, no
mínimo, noiva. De onde saiu tantos caipiras gostosos assim? — Shady comentou animada, e eu
gargalhei da sua cara de espanto. Ela veio para ser a minha madrinha de casamento e estava
deslumbrada com o lugar e tudo que via em Greenville.
— Amiga, eu não sei se você está agradecendo ou se lamentando. — A provoquei.
— As duas coisas. Estou feliz com meu homem, mas não sou cega, e o seu cowboy é tudo
o que você falou e muito mais. Que loucura virou a sua vida. Parece enredo para um livro de
romance.
Minha cunhada ria, juntamente com a minha mãe.
— Só se for um de suspense, né? O tanto de coisa que me aconteceu nas últimas semanas é
inacreditável.
— É sim. Mas o importante foi que no final deu tudo certo e estou mega feliz de te ver
bem. Deixe-me passar um pouco mais de maquiagem aqui para esconder esses pés de galinha,
antes que ele desista e te devolva para a sua mãe.
Dei um tapa na mão dela.
— Fã ou hater? Eis a questão. — Rachel ria tanto que precisou segurar a barriga.
— Estou feliz que esteja aqui. — Segurei a sua mão. — Você e Jeremy são muito
importantes para mim e mamãe. — A agradeci por ter me apoiado quando precisei.
— Nada de chorar. Hoje é o dia do seu casamento e vamos comemorar. — Ela ordenou,
me abraçando.
Uma batida tímida à porta nos fez virar.
— Oi! Podemos conversar? — Maggie falou, nos olhando sem jeito.
— Hum… Claro!
Mamãe me deu um olhar preocupado e eu pisquei para que entendesse que estava tudo
bem. Nada nem ninguém ia tirar minha alegria ou fazer a minha cabeça.
— Cinco minutos e nada mais. Os convidados estão esperando. — Rachel avisou, fazendo
questão de deixar claro o que pensava dela. — Qualquer coisa nos grite, Emma.
— Entra! — A convidei e ela entrou no quarto, apertando uma mão na outra.
— Não vou tomar muito do seu tempo. Eu sei que não sou bem-vinda aqui.
Nem tentei ser educada e dizer que estava errada. Ainda me lembrava de suas ofensas no
banheiro do restaurante.
— O que quer falar comigo? — Indaguei, ficando de frente para ela.
— Quero pedir desculpas. — Levantei uma sobrancelha. Que jogo era esse? — Eu sei que
peguei pesado com você e não gostaria que agíssemos como duas inimigas.
— É passado, Maggie. Vamos deixar lá as nossas desavenças. — Pontuei, ainda sem
entender o que queria.
— Estou feliz que ele tenha te escolhido. Ele te ama e eu vejo isso agora.
— Eu não tenho dúvidas sobre os sentimentos dele por mim. — Afirmei, com orgulho.
— Não precisa ficar na defensiva, Emma. O que quero dizer é que não precisa se
preocupar comigo. Eu não serei uma pedra no seu sapato.
— Sinceramente, eu nunca te vi dessa forma. Pensei sim que ele queria voltar contigo e
construir uma família. Se esse fosse o caso, eu não ficaria no caminho. Só que não vou mentir e
dizer que não estou feliz de estar me casando com Dave somente para não te machucar.
— Ele nunca foi meu. Eu estraguei tudo e meus erros foram grandes demais para serem
reparados. Quando te vi no restaurante, eu soube que você era a mulher que ele sempre procurou,
no exato momento que ele olhou para você feito um cachorro que caiu da carroça.
Sorri ao ouvi-la admitir sua derrota.
— E o que te deu a certeza de que eu era a pessoa certa? — segurei a língua para completar
a pergunta com uma má resposta.
— A forma que ele te olhou. Não era só desejo. Era com amor, com respeito. Me deixou
com inveja. Ele nunca olhou para mim assim. Nem mesmo quando estávamos juntos. Enfim,
desejo que sejam felizes. — Ela esticou a mão para selar a paz.
Eu poderia dizer tanta coisa. Só que eu lamentava por ela ter tido um homem como Dave
aos seus pés, capaz de tudo para vê-la feliz e ter jogado fora por uma aventura. No entanto, eu
não era uma pessoa ruim e meu lado cristão exigia o melhor de mim em não tripudiar dos meus
inimigos. Ainda mais depois de eu ter me batizado. Sim, eu fiz. Nem conto que Dave chorou e
não foi pouco com a minha decisão. Fiz por mim. Eu queria renascer de novo e impedir qualquer
empecilho futuro em nosso casamento. Claro, não era perfeita e era cheia de erros, o que não
queria dizer que eu não podia tentar fazer o certo quando via a oportunidade. Então, indo contra
tudo que a Emma do passado faria nessa situação, eu aceitei a sua mão, selando um acordo de
paz.
— Do fundo do meu coração, Maggie, eu torço que encontre alguém que faça você florir
de novo. Que a ame de uma forma que nunca vá querer fugir dele, e sim para ele. — Fui sincera.
— Obrigada! — Ela se retirou e eu me senti bem por ter tirado esse peso do meu coração.
Não vou mentir que cheguei a pensar que ela me daria algum trabalho no futuro.
— Como ela está? Inteira? — ouvi a voz de mamãe e gargalhei alto quando Shady e minha
cunhada colocaram só as cabeças para dentro do quarto, à procura de resquícios de uma confusão
que não teve.
— Nossa! Está tudo intacto. — Rachel comentou, chocada.
— Eu jurava que ia ter no mínimo um vestido rasgado, uns pedaços de cabelos cortados no
chão. — Shady ajudou na zombaria.
— É bom saber que vocês duas têm tanta fé em mim assim. — Fingi estar brava.
— Como foi? Ela não veio aqui te humilhar de novo, não é? — Mamãe saiu de trás delas e
veio até mim.
— Não. Tivemos uma conversa franca e ela me pediu desculpas. Estamos resolvidas. —
Expliquei e Rachel arregalou os olhos.
— Maggie pedindo desculpas? Só pode ser que ela acha que você vai tirar as terras dos
pais dela. Aquela ali não faz nada sem segundas intenções. — Minha cunhada comentou,
incrédula.
— Bom, não importa. Eu queria começar uma nova vida e estou aceitando resolver
qualquer mal-entendido para começar com o pé direito. — Afirmei, feliz.
— Além do que, hoje é o seu casamento e não queremos que nada acabe com a sua
felicidade. — Shady arrumou o véu na minha cabeça.
— Diga por você, cunhadinha. Vou descer e verificar se ela não colocou algo na comida
para nos matar. Deus protege, mas nem por isso devemos tentar o inimigo. — Rimos de Rachel,
que saiu às pressas do quarto.
— Pronta para viver com aquele homem horroroso que tem cara de que arregaça tudo por
onde passa para o resto da sua vida? — Mamãe brigou com Shady pelo seu linguajar
inapropriado. — Você acha que quando eles estão trancados no quarto é para falar de Bíblia, é?
— Shady devolveu, debochada.
— Eu sei que não. Nem por isso devemos ficar comentando da vida íntima deles.
— Me julguem! Eu quero saber depois que história é essa de que a terra tremeu na
primeira vez deles.
Engasguei com a saliva ao ouvir as duas de implicância uma com a outra.
— A noiva está pronta? — O xerife apareceu na porta, esbanjando elegância.
— Prontíssima! — Mamãe beijou meu rosto e me agradeceu por tê-lo convidado para me
levar até ao altar.
— Não demore! — Shady saiu com mamãe e aceitei o braço dele.
— Espero estar fazendo jus ao seu pai. Escolhi a minha melhor roupa.
Sorri com a sua animação.
— Está perfeito!
Caminhei com o coração na mão para o homem da minha vida, que me esperava aos
prantos no altar. Enquanto ia caminhando pelas pessoas que aqui moravam, um filme se passava
na minha cabeça.
Às vezes, a gente passava pela vida sem valorizar as pequenas coisas, como um almoço de
domingo com a família e os amigos, passar uma tarde olhando o pôr do sol. Nadar em um riacho,
comer frutas direto do pé. Dançar ao luar com a pessoa que amava, ainda que não houvesse
música, ou abraçar nossos pais, que pensamos que durarão para sempre. Até que o destino te
ensinava, da pior maneira, que tudo aqui era passageiro. Que não tínhamos tanto tempo quanto
achávamos ter.
Eu ia aproveitar minha segunda chance. Eu ia viver cada minuto como se fosse o último e
eu ia, com certeza, dizer eu te amo todos os dias para as pessoas que tinham importância para
mim.
Dave me ensinou ter mais humildade, mas Deus, esse me ensinou o poder do perdão. Pois
não tinha nada mais libertador que perdoar e deixar o passado no passado para ser livre.
— Está linda! — Dave me recebeu com um sorriso tão grande que fui obrigada a sorrir
junto.
— Eu amei seu look. — Afirmei, arrancando uma risadinha baixa dele, pois se tinha uma
coisa que esse homem não fazia, era entrar em um terno. Ele estava com a sua roupa de
estimação. Camiseta xadrez, calça jeans e botas de couro. A única coisa que faltava para fechar
com chave de ouro era o bendito chapéu.
— Estou me sentindo um pouco nu, sem o elemento principal.
Beijei seu rosto e arrastei meus lábios para perto de sua orelha para que somente ele
pudesse me ouvir.
— Estava pensando nisso agora. Parece que ama mais seu chapéu do que eu. — O
provoquei.
— Nunca! Você sempre será mais importante que qualquer objeto, Emma. — Ele me
garantiu, sério.
— Eu adoraria que mais tarde pudéssemos montar em um cavalo e colocar somente esse
elemento para fazermos amor em cima dele.
Seu pescoço ficou vermelho de vergonha e eu ri, amando que ele era tímido.
— Diacho, Emma! Aqui não! Mais tarde eu realizo todas as suas fantasias.
Ele beijou minha mão para que a cerimônia começasse e quando todos foram embora, ele
realizou o meu desejo de ser tomada em cima de um cavalo puro-sangue, com somente eu
vestida com as minhas botas e ele com o seu acessório preferido: o chapéu.
Dave Thompson
10 anos depois.
Emma estava encostada na cerca, feito uma mamãe galinha vigiando nossos dois filhos
mais velhos treinando alguns cavalos que compramos. A barriga de quase sete meses da nossa
filha estava cada vez mais proeminente, a deixando ainda mais linda do que eu poderia
descrever.
— Senhora Thompson, não está muito sol para você? — A abracei pela cintura.
— Já estou voltando para a varanda. Só fiquei com medo de eles se machucarem.
— Deixe-os aprenderem a serem mais independentes, amor. Nossos filhos aprenderam a
montar em um cavalo antes mesmo de falar.
— Eu sei. Só estou sendo protetora. — Ela voltou comigo para a varanda, onde me sentei
na cadeira de balanço com ela em meu colo.
— É impressão minha, ou com essa gravidez você parece irradiar mais luz?
— São seus olhos, querido.
Coloquei minha mão sobre seu ventre e senti nossa primeira menina pular ao meu toque.
— Ela está agitada hoje. — Emma comentou, escorando a cabeça em meu ombro.
— Vai me dar trabalho, assim como a mãe dela. — Comentei, puxando-a para meus
braços.
— A mãe dela nunca te deu trabalho. Apenas lutou pelo que era dela.
E como eu agradecia todos os dias por isso.
— Eu já te disse que te amo hoje? — Tomei seus lábios e fui obrigado a parar quando um
dos meninos começou a gritar “eca”.
— Eu também te amo, cowboy grosseirão.
Deixei que sentisse o quanto eu estava duro por ela.
— Todas as vezes que diz grosseirão, eu sinto que está falando com conotação sexual,
esposa. — Sussurrei em seu ouvido.
— E você não é grosso? — Mordeu o lábio inferior e eu gemi.
— Para! Ou serei obrigado a te enfiar naquele quarto e te ensinar uma boa lição.
Atrevida como era, ela olhou por cima dos ombros e levou os olhos lentamente pelo meu
corpo, até parar entre as minhas pernas.
— Parece que está sofrendo. Tem certeza de que não quer me castigar agora? — Ela era
insaciável e eu amava isso, pois nunca tinha tempo ruim entre nós dois. Podíamos até nós
desentender durante o dia, no entanto, à noite… eu a fazia gritar meu nome até esquecermos o
motivo de estarmos chateados.
— Sabe que estou sempre pronto para você, amor. No entanto, nossos filhos estão
acordados e detesto deixar o trabalho malfeito.
Emma riu de mim. Pois com cinco filhos e toda a fazenda para cuidar, tempo livre era
luxo, e sempre que tentávamos burlar o sistema, um dos nossos filhos nos fazia voltar à
realidade, a qual eu amava e não abriria mão por nada.
— Onde estão os três mosqueteiros? — Procurei os três menores e não os vi por perto.
— Seu pai passou aqui mais cedo e os levaram. Não te falei?
Levantei uma sobrancelha. Tudo bem! Esse senhor amável que me cobria de cacete estava
querendo tomar meus bebês de mim, levando-os para a sua casa e os mimando como todo avô
babão fazia.
— Não gosto quando eles ficam longe. Sinto falta da bagunça.
— Querido, eles voltam à tarde. Não é como se tivesse ido para tão longe. A fazenda dos
seus pais continua aqui do lado. Você já tem mais dois para se preocupar.
— Está vendo por que afirmo que precisamos fazer mais alguns? Para que assim eles não
deem conta de levar todos daqui de casa?
Emma riu, batendo no meu braço.
— Cinco filhos, mais a nossa cowbaby a caminho e você planejando mais alguns? Tenho
cara de chocadeira?
— De chocadeira eu não sei, mas que eu amo te ver gerando meus bebês, isso é um fato.
— Já percebi. Não pode espirrar à minha volta que já apareço grávida no dia seguinte.
Gargalhei alto.
— Está reclamando? Vai me dizer que não gosta de ser mimada por todos? — cheirei seu
pescoço. — Que não ama quando eu a tomo com força e te marque todinha.
— Sabe que sim. Somos uma combinação perigosa. Se depender de mim, você terá acesso
livre ao meu corpo a qualquer hora, e se depender de você, ficarei grávida pelo resto da vida. —
Beijei sua têmpora e juntos ficamos olhando nossos filhos discutirem sobre o modo de tratar o
cavalo que estava arisco. — Eles cresceram tão rápido. Julius está muito parecido com você.
Sorri quando o mais velho deu um empurrão de brincadeira no outro, que caiu na grama.
— Gosto que eles são unidos e vivem um pelo outro. — Ela concordou.
— Eu adoro que eles puxaram o seu jeito simples. — Nada me deixava mais feliz do que
saber que a minha mulher amava o meu jeito, que apesar de eu não ser um homem que vestia
roupas caras ou falava bonito, ela se sentia bem em me ter como seu marido e aprovava como
nossos filhos estavam sendo criados por mim.
— Temos que nos arrumar. Sua mãe será apresentada como primeira-dama hoje no
primeiro rodeio oficial da cidade. — Avisei, animado com a festa.
— Quem diria, o xerife se tornou prefeito de Greenville. Sorte a minha que minha mãe não
é louca por poder e nem vai querer me derrubar, ou eu teria uma inimiga à altura. — Emma riu,
lembrando de Grace, que, graças a Deus, continuava pagando por seus pecados na prisão.
Charles, por outro lado, já tinha saído e tomado jeito. Não foi surpresa nenhuma quando
ele e Maggie se casaram anos atrás. Ela escreveu para ele todos os dias em que esteve na prisão
e, pelo jeito, o que ela tanto procurava encontrou nele.
— Está feliz com o rumo que as coisas tomaram? — Indaguei, preocupado que ela tivesse
se arrependido de ter doado as terras depois do acordo que fez com os moradores. Greenville
estava muito maior, e com toda a mudança que teve nos últimos anos, todos tiveram a
oportunidade de aumentar os negócios com a quantidade de pessoas que chegaram, à procura de
um lugar para ficar.
— Está brincando? Não há nenhuma cidade como a nossa. Fomos oficialmente
reconhecidos e nosso povo tem prosperado muito. Tudo em seu devido lugar, como sempre
deveria ter sido.
— Se eu não te disse o quanto tenho muito orgulho de você, Emma, me desculpe por essa
falha. Está para nascer mulher mais generosa que essa minha.
— Falando nisso… — abri um sorriso quando imaginei o que viria a seguir. — Mamãe
comentou sobre doarmos aquele terreno atrás da igreja para criamos um complexo de
apartamentos para ajudar os novos moradores que estão sem onde morar. O que acha? Não seria
muita coisa. Somente o necessário para que se tornassem independentes e não ficassem à mercê
de Nicolau. Eu ainda vou comprar aquelas terras dele.
Eu não duvidava de que ela conseguiria um dia.
— O jogo mudou, não é? — Brinquei, me referindo quando era ele quem perseguia o povo
daqui. — Por mim tudo bem, querida. Desde que delegue para outra pessoa cuidar da construção.
Não quero você se esforçando demais. Já temos muito em nossas mãos.
— Bobo! Sabe que podemos contratar mais pessoas, certo? — Ela me repreendeu.
— Okay! Vou reformular a minha resposta. Eu não quero você muito tempo longe de mim
e das crianças. Precisamos de você aqui. — Dei um tapa em sua bunda atrevida e ela soltou um
gritinho, rindo.
— Rachel quer esse serviço. Ela disse que está cansada de ficar em casa aguentando as
neuroses do seu cunhado.
— Por neurose, você quer dizer aquela mania dele de querer competir comigo sobre quem
engravida mais as nossas mulheres?
Emma rangeu os dentes.
— Eu sabia!
Dei um gemido quando ela beliscou meu braço e se levantou para entrar em casa.
— Sabia o quê? Nunca menti sobre o quanto gosto desse desafio.
— Alex Dave Thompson, está decidido. Ana será a última bebê dessa casa. Vou operar e
acabar com essa disputa.
— Mulher, não ouse. Para doze filhos, ainda faltam seis.
— Está querendo que os 12 apóstolos saiam de mim, homem? — Falou irritada, subindo as
escadas para o andar de cima.
— Eu não acharia ruim.
Ela resmungou o quanto eu era um cowboy muito irritante, que só me aguentava porque eu
era bom de cama e eu a segui, morrendo de rir por saber que era mentira dela. Eu implicava com
ela somente para deixá-la irritada comigo e receber a minha recompensa a seguir.
Se tinha uma verdade, era que eu até pude ser idiota em tê-la rejeitado no passado, mas
hoje, eu tinha me tornado uma massinha de modelar em suas mãos. Carente demais para ficar
muito tempo longe dela, rendido demais para negar qualquer coisa que ela quisesse. Mesmo que
me fizesse de gato e sapato e me negasse uma família grande como desejo, eu continuaria a dizer
a todos quando contasse nossa história que a promessa de Deus era perfeita.
Primeiramente a Deus, pois, sem ele, nada eu seria.
À minha família e à minha leitora Neliane, por terem sido meus maiores incentivadores
durante a construção desse romance completamente diferente de tudo que já fiz. Eu sei, Neliane,
que odeia quando cito você nos agradecimentos porque nunca acha que está fazendo algo
demais, quando, na verdade, seu apoio é de valor inestimável. Deus tem uma promessa linda na
sua vida e quando for a hora certa, ele lhe dará sua vitória em suas mãos. Confie no processo e
viverá o propósito!
Às minhas parceiras maravilhosas do grupo de parceria, obrigada por terem ficado quando
tudo desmoronou. Vocês são maravilhosas e eu não tenho palavras para agradecer por tanto.
À minha revisora Amanda da Gramática Perfeita por ser a pessoa mais maravilhosa que
conheci esse ano e sempre tentar fazer o seu máximo para me ajudar, não só em dicas como em
me ouvir na hora dos surtos. Orgulho de fazer parte da sua equipe.
E ao meu braço direito, Maria Cristina. Obrigada por tudo. Ainda que tenhamos nossas
divergências e brigamos feito duas irmãs cabeças duras, sou grata por todos esses anos ter me
apoiado e nunca ter me virado as costas como tantas outras fizeram.

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